HUGO CASSAROTTI1
1 Graduado em História pela Universidade Norte do Paraná (Unopar) e graduando em Ciências Sociais
pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO................................................................................................1
2. O INDIVÍDUO E A SOCIEDADE.....................................................................1
2.1. A visão ontológica weberiana acerca da sociedade..........................1
2.2. O conceito de ação e “ação social”....................................................2
2.3. O conceito de ação em Ludwig von Mises.........................................5
2.4. A comparação entre as concepções misesianas e weberianas de
ação...........................................................................................................7
3. O INDIVIDUALISMO METODOLÓGICO.........................................................8
3.1. O individualismo metodológico weberiano..........................................9
3.2. O individualismo metodológico misesiano.........................................11
4.CONCLUSÃO.................................................................................................13
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................15
1. INTRODUÇÃO
Max Weber (1864-1920) foi um economista, filósofo, jurista,
historiador e, sobretudo, um dos maiores expoentes da sociologia, embora não
mostrasse simpatia à esta, pois via que o pensar sociológico enxergava a
sociedade como uma espécie de corpo objetivo existente e, os indivíduos como
meros membros desse coletivo, não sendo entendidos como seus atores. É
opondo-se a visões parecidas que reinavam na sociologia de sua época, que o
motivou a repensar e propor uma nova visão ontológica acerca da sociedade e
reconstruir as bases metodológicas da sociologia, teses presentes em sua obra
prima “Economia e Sociedade”.
Por vezes, Weber é apontado como um dos “pais” da sociologia –
ao lado de Emile Durkheim e Karl Marx –, por tamanha contribuição para esta
ciência social.
O presente trabalho tem por objetivo um breve resgate de pontos
essenciais das considerações metodológicas de Max Weber à sociologia e às
ciências sociais de maneira mais ampla.
Basicamente, analisar-se-ão os esforços de Weber em desfazer a
visão ontológica da sociologia de encarar a totalidade ou a coletividade como
transcendente e exterior a seus membros, ou melhor, aos indivíduos. Weber
reduz o objeto da sociologia ao indivíduo e sua ação voltada a outro(s)
indivíduo(s), surgindo o que ele denominou “ação social”. Também, trará uma
comparação das concepções weberianas para com as ciências sociais, com as
do economista Ludwig von Mises, que foi influenciado diretamente por Weber
e, pode contribuir para uma fundamentação mais sólida da sociologia
weberiana, como se pretende demonstrar.
2. O INDIVÍDUO E A SOCIEDADE
2.1. A visão ontológica weberiana acerca da sociedade
Existe um problema preliminar de ordem filosófica, mais
precisamente, ontológica, com a qual o cientista social – seja sociólogo,
economista, antropólogo, etc. – tem de lidar: refletir acerca da natureza da
sociedade em si e das relações sociais.
Tal reflexão perpassa pela identificação daquilo que forma a
sociedade e, principalmente, permeia as relações sociais. Destarte, pois,
surgem questionamentos e investigações subsequentes, que vão orientar o
trabalho do cientista social.
Conseguintemente, são colocadas e refletidas questões como:
são os indivíduos que determinam o ser e corpo social, ou este é que
determina o ser dos indivíduos? São as ações individuais que movem a
coletividade, ou esta que move o indivíduo? São as ações individuais que
constroem as relações sociais, ou estas que determinam a ação individual?
São os indivíduos agindo racionalmente que alteram a realidade material, ou
esta que determina a ação do indivíduo?
Desse modo, são ponderações como estas que antecedem as
consequentes questões epistemológicas e metodológicas a serem colocadas,
uma vez, as primeiras satisfatoriamente respondidas.
A visão ontológica weberiana acerca da sociedade e de sua
natureza, assim como a das relações sociais, é que são construtos da ação
dos indivíduos que formam um corpo social. Assim, para Weber, a coletividade
não poderia ser entendida como exterior ao indivíduo, não haveriam, portanto,
relações sociais determinadas por entes coletivos, mas sim, construídas por
suas ações.
Dessa maneira, Weber se apôs as visões, tanto marxista –
materialismo histórico –, quanto durkheimiana – empirismo positivista – de que
o indivíduo é produto de seu meio. Para Weber, portanto, são os indivíduos que
determinam seu meio; a sociedade, em última análise.
Sendo assim, Weber irá propor uma nova maneira de encarar a
sociedade e compreender os fenômenos sociais, através das ações individuais
num contexto social, o que ele conceituará por “ação social”.
2.2. O conceito de ação e “ação social”
Max Weber vê que o ponto de partida da sociologia e das ciências
sociais, de forma mais ampla, não é entender o social pelo social, isto é,
através de entidades coletivas. Pelo contrário, é na ação social que reside o
ponto de partida ao entendimento das relações e fenômenos sociais.
Antes de tudo, é necessário compreender o conceito de ação
social weberiano e, para tanto, deve-se analisar uma distinção básica realizada
pelo próprio Weber.
Max Weber analisa a categoria ação – humana – e a compreende
de duas formas: uma em sua máxima redutibilidade; outra num contexto social,
a ação social.
No primeiro caso, entende-se a ação num sentido estritamente
individual, a ação seria um comportamento do agente com fins puramente
subjetivos. Como demonstra Weber (WEBER, 2012, pág.3):
Por “ação” entende-se, neste caso, um comportamento humano (tanto faz tratar-se de um fazer externo ou interno, de omitir ou permitir) sempre que e na medida em que o agente ou os agentes o relacionem com um sentido subjetivo.
Nesse sentido, nota-se, que esta forma de ação é restrita tão
somente à esfera individual e, não produz, efeitos diretos e intencionais com
relação a outro(os) indivíduo(os), assim, não constitui uma relação social, ou
melhor, uma ação social.
Já no segundo caso, a ação social propriamente dita, segundo
Weber, é a ação de um indivíduo que se orienta pelas ações ou
comportamentos de outros indivíduos. Nas palavras do autor (WEBER, 2012,
pág. 3):
Ação “social”, por sua vez, significa uma ação que, quanto a seu sentido visado pelo agente ou os agentes, se refere ao comportamento de outros, orientando-se por este em seu curso.
Weber segue o raciocínio (WEBER, 2012, págs. 13-14)
Ação social (incluindo omissão ou tolerância) orienta-se pelo comportamento de outros, seja este passado, presente ou esperado como futuro (vingança por ataques anteriores, defesa contra ataques presentes ou medidas de defesa para enfrentar ataques futuros). Os “outros” podem ser indivíduos e conhecidos ou uma multiplicidade indeterminada de pessoas completamente desconhecidas (“dinheiro”,
por exemplo, significa um bem destinado à troca, que o agente aceita no ato de troca, porque sua ação está orientada pela expectativa de que muitos outros, porém desconhecidos e em número indeterminado, estarão dispostos a aceita-lo também, por sua parte, num ato de troca futuro).
Nota-se, assim, que a característica primordial da ação social é o
sentido que o agente lhe atribui, um comportamento individual socialmente
orientado. Difere-se, portanto, da ação individual puramente subjetiva, pela
qual não há comportamento socialmente orientado.
Por conseguinte, o tipo de ação, segundo Weber, que constitui
objeto da sociologia é a ação social, ações individuais que possuem como fator
determinante, o contexto social.
Inobstante, outrossim, Weber perscruta o conceito de ação social,
subdividindo-o, basicamente, em quatro categorias:
1. Ação tradicional;
2. Ação afetiva;
3. Ação racional com relação a valores;
4. Ação racional com relação a fins.
Entende-se por ação tradicional, o comportamento que se orienta
pela tradição acumulada, por hábitos e costumes arraigados. É ação social,
pois, orientada por ações individuais passadas e, consagradas pela tradição e
pelo hábito. Por exemplo, o ato de um indivíduo escolher a mesma profissão de
seu pai, por seu sucesso, caracteriza uma ação tradicional no sentido
weberiano.
Por ação afetiva, concebe-se o comportamento orientado pelo
estado emocional do agente em reação às intempéries e situações – boas ou
ruins – dadas socialmente no cotidiano. É ação social, pois, as condições
determinantes da ação são exteriores ao agente. Por exemplo, quando o
indivíduo se depara com algum produto em determinada loja, que lhe agrade,
resolvendo comprá-lo.
Ação racional relativa a valores, é o comportamento orientado não
pelo resultado em si da ação, mas sim na próprio significado ação. Assim, este
tipo de comportamento está relacionado a convicções, deveres, dignidade,
piedade, religião, etc. É, também, ação social, pois está circunscrita num
contexto social, onde a ação possui alguma espécie de implicação a terceiros.
Por exemplo, quando determinado indivíduo decide destinar parte de sua renda
à obra da Igreja, por considerar um ato puramente moral, altruísta e em
conformidade com a doutrina religiosa que segue.
Já a ação racional relativa a fins, é o comportamento pelo qual o
agente julga que os fins pretendidos com a ação são mais valorizados que os
meios empregados. Isto é, as consequências ou resultados da ação são
julgados benéficos pelo agente. É ação social, quando considerado pelo agente
as implicações sociais da ação e/ou à realização da ação, terceiros são
envolvidos. Por exemplo, quando um indivíduo quer comprar determinado bem
de outrem e, faz uma proposta de compra, cujo valor – meio –, julga que para
si, é vantajoso em relação ao bem – fim –, ao passo que também preocupa-se
que o valor ofertado seja interessante à outra parte. Isto é, ao fazer a proposta,
o agente julga que o valor ofertado é vantajoso às duas partes, do contrário, a
troca pode não se concretizar.
Max Weber, no entanto, coloca que nem todas as ações sociais
estejam necessariamente orientadas por estes conceitos que, em sua visão,
são tipos conceitualmente puros, para fins sociológicos.
2.3. O conceito de ação em Ludwig von Mises
Com respeito a esta discussão acerca de princípios e modelos
conceituais explicativos concernentes às ciências sociais, que pertencem à
filosofia das ciências sociais, no tocante à ação humana, o filósofo e
economista Ludwig von Mises – que foi influenciado por Max Weber – forneceu
bases epistemológicas mais sólidas que Weber e, a nosso ver, pode contribuir
nesta questão.
Mises, do ponto de vista epistemológico, pode ser caracterizado
como um racionalista. Não obstante, este racionalismo pode ser melhor
compreendido na constatação de que Mises foi um seguidor da filosofia do
conhecimento proposta por Immanuel Kant.
Em suma, Kant em sua crítica ao empirismo clássico, em especial
a David Hume, na obra “Crítica da Razão Pura”, propôs que nossas
proposições são de três tipos:
Proposições analíticas a priori2
Proposições sintéticas a posteriori3
Proposições sintéticas a priori4
Mises, seguindo Kant nestes passos, ao encontrar um axioma
material autoevidente – uma proposição sintética a priori –, o qual denominou
como axioma da ação – humana. Ele definiu o axioma como: ação humana é o
comportamento racional e propositado, empregando meios na obtenção de
fins. Nas palavras do autor (MISES, 2010, pág.35):
Ação humana é o comportamento propositado. Também podemos dizer: ação é a vontade posta em funcionamento, transformada em força motriz; é procurar alcanças fins e objetivos; é a significativa resposta do ego aos estímulos e às condições de seu meio ambiente; é o ajustamento consciente ao estuda do universo que lhe determina a vida.
Este raciocínio, embora pareça puramente analítico, é
categorizado como um axioma material autoevidente – sendo, portanto, uma
proposição sintética a priori –, pelas seguintes razões: é uma autoevidência
perceptual; qualquer tentativa de negá-lo analiticamente ou por meio de
experiências, pressupõe sua existência; é material, pois se refere a ações
humanas, praticadas por pessoas físicas no mundo físico.
Mises, todavia, ainda perscruta os elementos que são as
categorias da ação humana. São estes:
Desconforto;
Causalidade;
Meios e fins;
Preferência temporal;
Lucro;
Incerteza.
O pré-requisito básico da ação humana é o desconforto; bem
como condições que viabilizem sua superação ou ao menos, seu alívio.
2 Proposições em que os meios da lógica formal são suficientes para definir sua validade.
3 Proposições em que os meios da lógica formal são insuficientes para determinar sua validade, onde
experiências são necessárias à validação. 4 Proposições em que os meios da lógica formal são insuficientes para definir sua validade – embora
sejam necessários – e experiências são desnecessárias. Sua validade é dada por axiomas materiais autoevidentes.
A causalidade, isto é, a existência de causas constantemente
eficientes é, outrossim, pré-requisito da ação. Agir significa interferir para
produzir algum efeito posterior. Logo, à vista disso, o agente deve pressupor
um conhecimento causal de que tipo de intervenção resultará no efeito
desejado.
Este conhecimento causal pressupõe a relação entre meios e fins,
ou seja, as condições referentes à consecução da ação resultante no fim
almejado. Factualmente, na ausência de conhecimento causal, ao agente lhe
resultaria impossível agir racionalmente à obtenção dos fins, ora, pois não
vislumbraria os meios pelos quais empregaria para atingi-los.
Como uma das categorias da ação humana está a preferência
temporal do agente por um entre os fins desejados. É a escolha entre A ou B, B
ou C, ou ainda, uma ordem de preferência gradativa, primeiro A, depois B,
depois C e assim por diante, nunca, porém, mais de um objetivo ao mesmo
tempo. Dessarte, está implícito em toda a ação humana a preferência temporal,
onde a finalidade da ação, isto é, seu objetivo, é entendido como a preferência
do agente naquele determinado espaço de tempo.
Além disso, há ainda outra característica intrínseca à ação
humana: a expectativa de lucro. Noutros termos, isso significa o julgamento,
temporalmente anterior à ação, que esta uma vez consumada, resultará em
ganho ao agente. Isto é, o agente julga que os meios empregados na ação, são
menos valiosos que o fim almejado e, dessa forma, obterá um lucro na ação.
Conseguintemente, a incerteza é o que limita a ação humana,
visto que, mesmo que ao agente os meios empregados à ação sejam menos
valorizados que o fim almejado, ele ainda não tem certeza de que uma vez a
ação consumada, se realmente houve o ganho ou não. Desse modo, também
está implícito em todo a ação humana, a superação da incerteza.
Partindo deste princípio geral, a ação humana, Mises fundou uma
nova disciplina: a praxeologia5. É a teoria – ou ciência – geral da ação humana.
Mises definiu por ação a manifestação da vontade humana, sendo, portanto,
comportamento propositado. Partido deste conceito apriorístico de ação – o
5 Praxeologia: do grego práxis – ação, hábito, prática – e logia – doutrina, teoria, ciência. É a ciência ou
teoria geral da ação humana.
axioma da ação – busca analisar as implicações de todas as ações num
contexto social, por meio de deduções lógicas.
2.4. A comparação entre as concepções misesianas e weberianas de ação
É notável, que Mises fundamenta de forma sólida o princípio – o
axioma da ação humana – pelo qual ele deriva uma nova disciplina, a
praxeologia.
Por conseguinte, a praxeologia misesiana, por ter como objeto a
ação humana socialmente contextualizada, isto é, toda a ação individual pela
qual se produzam interações com outros indivíduos – sendo uma ciência social,
portanto –, assim, assemelha-se à sociologia weberiana no tocante à visão
ontológica da sociedade, dos fenômenos sociais e do objeto das ciências
sociais. Visto que, Weber asseverou ser a sociologia uma ciência que pretende
compreender interpretativamente a ação social (WEBER, 2012, pág. 3).
Não obstante o objeto tanto da praxeologia – a ação humana –,
quanto o da sociologia weberiana – a ação social – seja praticamente o mesmo
do ponto de vista ontológico e metodológico, existem duas distinções a serem
observadas, uma de natureza epistemológica e a outra conceitual. A primeira, é
que Mises fundamenta o conceito de ação humana de forma axiomática, de
forma sólida, e, portanto, todos os tipos de ação na realidade são consoantes
ao princípio. Já Weber, afirma que a ação social é puramente conceitual e que
não é uma classificação completa de todos os tipos de ação na realidade. A
segunda, é que o conceito misesiano de ação humana racional e propositada,
é mais essencial que a conceituação weberiana de ação social. Na verdade, o
conceito de Mises abarca todas as subdivisões de ação social – ação
tradicional, ação afetiva, ação com relação a valores e ação com relação a fins
– feitas por Weber. O axioma da ação humana veda todas as possibilidades de
a ação humana não ser racional e propositada. Assim, todo o conceito de ação
social – e suas subdivisões –, é categorizado como ação humana racional e
propositada.
Todavia a ação humana não necessariamente é socialmente
contextualizada, como o é a ação social. Não obstante, observou Mises, se a
ação humana não tem implicações sociais, não constitui objeto das ciências
sociais.
Pelo exposto, a nosso ver, as bases axiomáticas do princípio
misesiano da ação humana conferem maior solidez à investigação dos
fenômenos sociais e, podem servir de fundamentação ao conceito weberiano
de ação social.
3. O INDIVIDUALISMO METODOLÓGICO
3.1. O individualismo metodológico weberiano
Uma vez compreendida a oposição de Max Weber referente à
visão ontológica e metodológica acerca da sociedade e dos fenômenos sociais,
pela qual compreende o indivíduo como mero membro do corpo coletivo;
assevera-se, por conseguinte, o singularismo ou individualismo metodológico.
Se, para Weber o objeto de estudo da sociologia é a ação social,
sendo esta necessariamente individual, não haveria sentido uma metodologia
que buscasse compreendê-la de forma inversa, isto é, através do fenômeno
social reduzindo-o à ação social. Nesse sentido, pois, a nosso ver, a sociologia
weberiana é de caráter individualista do ponto de vista metodológico, por
excelência.
Entende-se que a sociologia weberiana compreende somente o
indivíduo como possuidor de uma mente; sentindo, vendo, realizando; seguindo
valores e escolhendo; que apenas o indivíduo age. Conseguintemente, ora,
conceitos como povo, nação, governos, classes e demais constituições
coletivas, são conceitos puramente abstratos, senão entendidos como
construtos de ações sociais. Noutros termos, a “nação” não existe se,
indivíduos não dotarem de um sentido comum em suas ações, agindo como
pertencentes à nação. Nesse sentido, compreender tais conceitos coletivos
como isolados e exteriores aos indivíduos e suas ações, factualmente,
denotaria credo num ente “metafísico”.
Senão, segundo Weber (WEBER, apud ROTHBARD, 2012, pág.
1):
Estes coletivos devem ser tratados unicamente como sendo os resultados e os modos de organização das ações particulares de agente individuais, uma vez que apenas estes podem ser tratados como agente no curso de uma ação subjetivamente compreensível [...] Para propósitos sociológicos [...] não existe algo como uma “personalidade coletiva que „age‟”. Quando se faz referências, em um contexto sociológico, às [...] coletividades, está-se na verdade se referindo [...] somente a um certo tipo de desenvolvimento das ações sociais possíveis ou afetivas de pessoas específicas.
Assim, pois, tem-se demonstrada a posição de Weber com
respeito às entidades coletivas e, seu devido trato; como formações originárias
da ação dos indivíduos, ou melhor, em sua concepção, da ação social. Não
entendendo-as, à vista disso, como entes exteriores e independentes aos
indivíduos e, dotadas de “vida própria”.
Nesse sentido, à elucidação desta posição qual Weber opõe-se,
faz-se um paralelo com o conceito de “fato social”, do sociólogo Émile
Durkheim (DURKHEIM apud GIL, 2011, pág. 27):
[...] toda a maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coação exterior, que é geral no conjunto de uma dada sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria, independente de suas manifestações individuais.
Dessarte, notou-se a exterioridade intrínseca ao fato social, onde
a ação, pensamento, sentimento, enfim, são exteriores aos indivíduos, atuando
sobre estes sem sua adesão consciente.
Uma leitura sociológica durkheimiana acerca do idioma, por
exemplo, nos indicaria que ele é um fato social por excelência. Isto significa
que as pessoas que utilizam determinado idioma, não o fizeram por livre
vontade. Nesse sentido, o idioma exerceu uma coerção sobre estes indivíduos
e, é uma constituição exterior e independente das ações individuais.
Opostamente, uma leitura weberiana sobre o mesmo tema, não
corroboraria com a visão da exterioridade dos fatos sociais, o idioma, no caso,
com relação ao indivíduo. Assim, esta leitura estaria pautada na história,
buscando reconstruir a constituição histórica do idioma e, compreendê-lo como
um construto da ação deliberada dos indivíduos ao convencionar que
determinados signos abstratos representam algo concreto na realidade,
servindo à comunicação. Com efeito, partindo deste ponto de vista, o idioma
não poderia ser caracterizado como exterior ao indivíduo, uma vez que
somente via ação individual, o idioma pôde existir.
Isso posto, a leitura sociológica weberiana acerca da sociedade e
dos fenômenos sociais suscita um “individualismo metodológico”, isto é, a
sociedade e estes fenômenos, são vistos ontologicamente como formações
das ações individuais, ou melhor, ações sociais e, seu trato metodológico seria
identificá-los e reconstitui-los historicamente, bem como compreendendo-os e
explicando-os causalmente como construtos da ação social.
O economista Ricardo Feijó versa no mesmo sentido (FEIJÓ,
2000, pág. 18)
Para Weber, os fenômenos que condicionam a ação social estão todos interligados, e o investigador deve considerar as escolhas humanas no seu contexto cultural global.
Portanto, a consideração das escolhas humanas num contexto
social, nesse sentido, indica claramente um individualismo metodológico, visto
que, tais escolhas são feitas por indivíduos, trata-se, assim, de ações sociais.
3.2. O individualismo metodológico misesiano
A ideia de um individualismo metodológico às ciências sociais, tal
como concebido por Max Weber, influenciou decisivamente o filósofo e
economista Ludwig von Mises. Além disso, pode-se atribuir a Weber e seu
individualismo metodológico, juntamente à obra do economista marginalista
austríaco Carl Menger, as origens da Escola Austríaca de Economia – a qual
Mises é o maior expoente.
A visão de Mises acerca das ciências sociais, assemelha-se em
certo grau à de Weber, embora o individualismo metodológico preconizado pelo
primeiro seja mais “radical”, tendo sido reelaborado sobre outras bases,
consoante o princípio geral da ação humana6.
Mises critica veementemente aquilo que ele denominou como
“filosofia coletivista”, que exerceu forte influência nas ciências sociais. Esta
filosofia das ciências sociais não considera as ações individuais e ou próprios
6 Rever subitem 2.3.
indivíduos em suas considerações metodológicas e, por corolário, os
esquemas explicativos acerca dos fenômenos sociais, idem.
Segundo o autor (MISES, pág. 185, 2014):
A filosofia coletivista nega que existam coisas como indivíduos e ações de indivíduos. O indivíduo não passa de um fantasma irreal, uma imagem ilusória inventada pela pseudofilosofia dos apologistas do capitalismo. Consequentemente, o coletivismo rejeita o conceito de uma ciência da ação humana.
Mises tece ácidas críticas ao que denomina “coletivismo”, no
sentido de pressuposto metodológico às ciências sociais, pelo qual a óbvia
existência do indivíduo e sua ação que produz efeitos socialmente
contextualizados, é ignorada. Tal parecer, a nosso ver, parece procedente, face
ao principio geral da ação humana em sua base axiomática.
O radicalismo misesiano com respeito ao seu individualismo
metodológico, ampara-se em sua dedução a partir do referido princípio, que, as
ações dos indivíduos não devem ser apenas consideradas pelas ciências
sociais tão somente quando estes entendidos como partes da coletividade.
Contrariamente, para Mises, são as ações dos indivíduos que formam as ações
coletivas e a própria coletividade.
Dessarte, este individualismo metodológico radical é
perfeitamente perceptível ao passo que Mises entende que o real objeto das
ciências sociais é o estudo e compreensão da coletividade ou sociedade e,
bem como, dos fenômenos sociais, a partir das ações individuais que formam
um coletivo visando a obtenção de seus fins particulares. Noutras palavras, a
cooperação social entre estes indivíduos funda-se quando esta é entendida
como meio à obtenção dos fins que estes visam.
Senão (MISES, pág. 186):
É inútil fala das “atividades do indivíduo enquanto membro de um grupo” ao mesmo tempo em que se omite as outras atividades do indivíduo. As atividades coletivas são, essencial e necessariamente, atividades de indivíduos que formam grupos para atingir os seus fins. Não existem fenômenos sociais que teriam se originado a partir das atividades de diversos indivíduos. O que gera uma atividade coletiva é o fim específico comum a estes indivíduos e a crença que estes indivíduos têm no fato de que a cooperação coletiva é um meio apropriado para obter o fim que buscam.
Com efeito, para Mises o grupo é o construto dos propósitos
individuais que motivam as ações dos indivíduos de forma cooperativa. Tais
ações são frutos dos julgamentos individuais de quais meios são mais eficazes
à obtenção de seus propósitos particulares e, tanto sociologicamente, quanto
economicamente, a cooperação social baseada na troca voluntária é o meio
mais eficiente para os indivíduos buscarem seus próprios objetivos.
Mises, não obstante, reafirma não só seu individualismo
metodológico, outrossim, afirma que não há outro método qualificado às
ciências sociais a não ser este (MISES, pág. 186, 2014):
A ideia de se lidar com atividades coletivas sem abordar todos os aspectos da ação humana é absurda. Não existe qualquer outro campo além do campo das ciências da ação humana que possa ser estudado por algo chamado de ciências sociais.
Isso posto, consoante as reflexões do autor, não se pode pensar
que aquilo que ordena a sociedade e que governa os fenômenos sociais são
entidades coletivas, visto que, como demonstrou-se, são abstratas e artificiais,
não existindo de forma concreta. Antes de tudo, a sociedade é construto das
ideias individuais materializadas em ações propositadas que tornam este
coletivo existente. Dessarte, assera-se, o individualismo metodológico como
ferramenta indispensável às ciências sociais.
4. CONCLUSÃO
Diante do exposto, é notória a magnífica contribuição
metodológica de Max Weber às ciências sociais. Seu individualismo
metodológico, seu entendimento de que a existência humana em sociedade é
fruto da criação e afirmação de valores e ideias que determinam as escolhas e
decisões individuais, foi a justa resposta às concepções coletivistas que
obscureceram as ciências sociais, concepções estas que não consideram as
ações individuais conscientes e propositadas como o ponto de partida de
referidas ciências.
Reiteramos e reivindicamos, outrossim, que as igualmente
magníficas contribuições de Ludwig von Mises, aqui apreciadas, às ciências
sociais, ganhem a devida atenção destas. Consideramos, de um ponto de vista
puramente sociológico, que Ludwig von Mises foi um continuador da obra de
Max Weber, de uma forma mais rigorosa e solidamente fundamentada, tendo
mantido o mesmo foco de Weber: a ação individual consciente e propositada,
embora partindo de pressupostos filosófico-metodológicos distintos. Destarte,
reputamos que a obra de Ludwig von Mises, mais precisamente a Praxeologia
ou Teoria Geral da Ação Humana, é também de caráter científico social, dando
origem à sociologia praxeológica.
Finalmente, é de Max Weber que deixamos a última citação:
“[…] si me he convertido finalmente en sociólogo (porque tal es oficialmente mi
profesión), es sobre todo para exorcizar el fantasma todavía vivo de los
conceptos colectivos.”7/8
7 [...] Se me tornei finalmente um sociólogo (porque tal é oficialmente minha profissão), é sobretudo,
para exorcizar o fantasma ainda vivo dos conceitos coletivos. (tradução nossa) 8 WEBER, Max apud MAX WEBER. In: WIKIÉDIA, la enciplopedia libre. Flórida: Wikimédia Foundation,
2014. Disponível em: <http://es.wikipedia.org/w/index.php?title=Max_Weber&oldid=77730243>. Acesso em: 5 de nov. de 2014.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FEIJÓ. Ricardo. Economia e Filosofia na Escola Austríaca: Menger, Mises e Hayek. São Paulo: Nobel, 2000. HOPPE, Hans-Hermann. A Ciência Econômica e o Método Austríaco. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010) MACHADO, Bernardo Santoro P. Crítica Praxeológica ao Individualismo Metodológico de Max Weber: por um individualismo metodológico extremo. Trabalho de Conclusão da Disciplina Sociologia Jurídica de Mestrado em Direito. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2012. ROTHBARD, Murray. Individualismo Metodológico. Disponível em <www.mises.org.br/Article.aspx?id=1253> Acesso em: 30/10/14. von MISES. Ludwig. Ação Humana: um tratado de economia. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. ____________. Teoria e História: uma interpretação da evolução social e econômica. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2014. WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. 4° Ed. 3° reimpressão. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2012. WIKIPÉDIA. Max Weber. Wikimedia Foundation, 2014. Disponível em: <http://es.wikipedia.org/w/index.php?title=Max_Weber&oldid=77730243>. Acesso em: 5 de nov. de 2014.
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