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  • TEM FUTURO A IMPUTAO OBJETIVA?

    Flvio Cardoso Pereira

    Promotor de Justia MP/GO

    Ps-graduado em Direito Penal pela USAL/Espanha

    Especialista em combate ao crime organizado, terrorismo e corrupo pela

    Universidade de Salamanca/Espanha

    Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Salamanca/Espanha

    Professor nos cursos de especializao em Direito da UFBA e da rede de ensino Luiz

    Flvio Gomes

    Coordenador da ABPCP (Associao Brasileira de Professores de Cincias Penais)

    no Estado de Gois

    Membro do IBCCRIM

    SUMRIO:

    1. Introduo;

    2. Origens histricas da imputao objetiva;

    3. A moderna teoria da imputao objetiva;

    4. A imputao objetiva na viso de ROXIN;

    5. A imputao objetiva na viso de JAKOBS;

    6. Outros modelos de imputao: FRISCH e PUPPE;

    7. Crticas teoria da imputao objetiva;

    8. Concluso;

    Bibliografia.

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  • 1. Introduo

    Seria correta a afirmao de que os estudos sobre a imputao objetiva

    representam algo de novo no cenrio da dogmtica jurdico-penal? E ainda, trata-se de

    teoria amplamente aceita pela moderna doutrina do Direito Penal? Partindo destas

    indagaes surge o ideal de aprofundamento no tema, cumprindo de incio o

    esclarecimento de que a imputao objetiva vem sendo alvo de estudos desde poca

    bastante remota, especialmente na Alemanha e Espanha.

    O problema que ora se expe versa sobre o futuro a ser atingido pela teoria da

    imputao objetiva, partindo do princpio de que trata-se de tema que ainda no encontrou

    uniformidade na doutrina nacional e estrangeira.

    Na moderna cincia do Direito Penal, continuam sendo gastos rios de tinta sobre o

    tema da teoria da imputao objetiva, gerando-se assim uma grande polmica e

    provocando um enorme interesse por parte da doutrina.

    O escopo deste escrito jurdico-penal sobre a imputao objetiva no visa ao fim

    precpuo de esgotar o tema, pelo contrrio, busca-se to somente, despertar nos operadores

    do direito penal, a necessria e imediata reflexo acerca do tema, face ao seu

    desenvolvimento e crescente aceitao pela doutrina e jurisprudncia.

    Tal propsito se justifica na medida em que no se pode considerar como exagero

    a assertiva de que a imputao objetiva se encontra em plena fase de expanso e depurao

    doutrinria, vez que os ideais formulados por LARENZ e HONIG deram margem ao

    desenvolvimento de novos pensamentos, especialmente a partir de 1.970, face aos estudos

    de ROXIN e de JAKOBS.

    A problemtica que envolve a imputao objetiva, um dos temas mais fascinantes

    da atualidade, porque no dizer, o assunto penal mais questionado aps a segunda grande

    guerra mundial, pressupe um estudo aprofundado de temas clssicos do direito penal,

    dentre eles, o do conceito de delito e a funo e eficcia do conceito de ao como

    elemento prvio da tipicidade.

    Importa ainda em estudo detalhado de institutos como o do princpio da confiana,

    da diminuio do risco, da esfera de proteo da norma, do risco permitido, da proibio

    2

  • de regresso, da teoria do incremento do risco, da competncia ou capacidade da vtima,

    etc.

    No mbito da doutrina brasileira, trata-se de tema pouco explorado at agora, vez

    que s recentemente surgiram estudiosos1 dispostos a enfrentar o debate sobre a introduo

    da imputao objetiva em nosso sistema penal.

    Faa-se justia ao se afirmar que o primeiro penalista brasileiro a tratar do tema da

    imputao objetiva foi JUAREZ TAVARES, no ano de 1.985, em sua obra denominada

    Direito Penal da Negligncia.

    Sem qualquer dvida, estamos diante de um dos mais importantes temas inseridos

    na teoria geral do delito. Como no existe ainda uma corrente nica sobre o assunto, em

    face do seu acirrado debate no cenrio jurdico, nossa pretenso se reduz a uma abordagem

    sobre os pontos fundamentais da imputao objetiva, sem aprofund-los.

    Por questes didticas, este estudo sobre a teoria da imputao objetiva ser

    dividido em tpicos, tornando mais clara e coesa a sua leitura.

    2. Origens histricas da imputao objetiva

    Grande parte da doutrina dita de forma sinttica que o surgimento da teoria da

    imputao objetiva se deve a KARL LARENZ e a RICHARD HONIG, em face dos seus

    respectivos trabalhos publicados em 1.9272 e 1.9303.

    Porm, imperiosa se torna uma breve referncia s origens da teoria da imputao

    na filosofia.

    Neste sentido, preleciona MIGUEL POLAINO NAVARRETE que la teora de

    la imputacin encuentra un desarrollo interesante desde el punto de vista filosfico en la

    obra de autores como Aristoteles, Hegel y Kant, en relacin con el concepto de Derecho

    en general, y con aplicaciones a problemas especficos del Derecho Penal en

    Feuerbach , los hegelianos y la filosofa jurdica valorativa de los neokantianos.4

    1 Cite-se a ttulo de exemplo, Damsio E. de Jesus, Andr Luis Callegari, Fbio Dvila, Antonio Luiz Chaves Camargo, Paulo de Souza Queiroz e Lus Greco.2 Hegels Zurechnungslehre und der Begriff der objektiven Zurechnung. Scientia, Leipzig, 1.927.3 Kausalitt und objective Zurechnung, Festgabe fr Frank, Tbingen, 1.930.4 Derecho Penal Parte General, Tomo II, Volumen I, Bosch, 2.000, p. 365.

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  • Foi ARISTTELES quem determinou pela primeira vez os princpios da

    imputao. Na viso deste, o princpio geral da imputao o domnio do fato5, no

    sentido de que uma ao somente imputvel quando se encontra em nosso poder, ou se

    somos seus donos de modo que tambm poderamos agir de outra forma. Neste sentido,

    ele se centra na estrutura teleolgica da ao e nos informa com ela sobre o princpio da

    imputao. Nesta estrutura dos elementos da ao humana apontada por ARISTTELES

    est o ncleo da teoria finalista da ao.

    Aps ARISTTELES, no se percebe de forma incisiva nenhum progresso de

    destaque na teoria da imputao objetiva, podendo to somente se perceber uma nova

    elaborao de sua doutrina.

    Destaca-se, contudo, a participao de PUFENDORF que partindo da idia do

    Direito natural racionalista, forneceu ao Direito Penal o conceito de imputao.

    Para referido penalista, acabam sendo imputveis as aes sobre o ponto de vista

    da valorao moral.

    Neste perodo, observou-se que a teoria da imputao para PAUL JOHANN

    ANSELM VON FEUERBACH, autor do primeiro tratado sistemtico de Direito Penal,

    apresentava certa semelhana com a noo de imputao elaborada por PUFENDORF,

    pautada no fato de ser a mesma um critrio de aplicao da lei penal.

    Segundo o entendimento de FEURBACH, a imputao consistia na relao(causa

    e efeito) existente entre a determinao da vontade de um sujeito causador e um ato

    descrito como punvel porquanto contradiz a lei penal: a ao humana, infratora da lei,

    imputvel ao sujeito.

    Importante ainda a meno ao fato de que foi HEGEL quem formulou no

    princpio do sculo XIX, um princpio fundamental, sobre o qual, segundo um setor da

    doutrina, se edificou posteriormente a moderna doutrina da imputao objetiva, em

    virtude de que se um fato produz efeitos no exterior, a vontade responsvel por ele na

    medida em que a existncia alterada leva em si o predicado abstrato do mesmo, para

    afirmar em seguida que o direito da vontade consiste em que o seu fato somente se

    5 ARISTTELES no utiliza a expresso domnio do fato, porm, de seu pensamento extrai-se claramente sua estrutura material.

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  • reconhea como ao prpria e s tenha responsabilidade sobre aquilo que ela sabia

    dos seus pressupostos em seu fim, dizer, o que estava em seu propsito.6

    J em fase posterior, coube ao civilista e jusfilsofo KARL LARENZ o mrito de

    redescobrir o conceito de imputao para o Direito, tendo o mesmo redigido no ano de

    1.927, a tese denominada A teoria da imputao de Hegel e o conceito de imputao

    objetiva. Este precursor buscou na filosofia de HEGEL os fundamentos elementares

    para uma teoria da imputao. Assim, a liberdade inerente ao homem enquanto sujeito

    racional. Esta liberdade manifesta-se no mundo atravs da vontade, da vontade livre, da

    vontade moral. A vontade por sua vez, exterioriza-se sob a forma de uma ao, a qual

    definitivamente uma objetivao da vontade.7

    Percebe-se que de acordo com a leitura que LARENZ faz de HEGEL, este s

    conheceria a imputao de aes dolosas; a culpa jamais seria imputada ao sujeito,

    porque exterior sua vontade. Em resumo, o que estiver compreendido na vontade do

    agente um ato seu, o que ali no se encontrar acaso, no lhe podendo ser imputado.

    Ainda em seu escrito de 1.927, LARENZ demonstrou o intuito de aplicar a

    construo de HEGEL ao campo do Direito. Nesta alheta, segundo preconiza LUS

    GRECO, ele mantm toda a construo de HEGEL, em especial a concepo de que a

    vontade constitui a essncia da ao, s se podendo imputar a algum aquilo que esteja

    compreendido pela sua finalidade.8

    Enquanto HEGEL direcionou seus estudos sobre a imputao a um sujeito,

    LARENZ buscou uma nova idia extrada da filosofia do direito de HEGEL: a de pessoa.

    Em concluso, para LARENZ a imputao no significa outra coisa seno o

    intento de delimitar o fato prprio do acontecer fortuito, de modo que quando algum

    apresentado como autor do fato, se quer dizer que seu feito prprio, que no obra da

    casualidade, seno de sua prpria vontade e conclui que a imputao ao fato a relao

    de um ato com vontade.9.

    Passados trs anos desde a contribuio de LARENZ, surge em 1.930 a obra de

    HONIG com o intuito de difundir a idia de imputao para o campo do Direito Penal.6 HEGEL, G.W.F. Grundlinien, 115, p. 106.7 GRECO, Lus. Funcionalismo e Imputao Objetiva no Direito Penal. 1 edio, Renovar, 2.002, p. 16.8 Idem, pp. 17-18. 9 LARENZ, Karl. Hegels Zurechnungslehre, p. 63.

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  • Referido estudioso lana suas bases sob a perspectiva da crise enfrentada pelo

    dogma causal, afirmando que o Direito no pode considerar suficiente o nexo causal

    entre um comportamento e um resultado. Para HONIG o problema da imputao objetiva

    axiolgico, sendo que o juzo de imputao objetiva visa de forma precpua, resolver a

    questo axiolgica quanto relevncia do nexo causal para a ordem jurdica.

    Em sntese, HONIG partiu do fundamento de que o juzo de imputao como

    ponto de referncia de um resultado pressupe uma conduta humana no sentido de uma

    manifestao da vontade.10

    Feitas estas observaes de cunho meramente histrico, o prximo passo

    adentrar ao tema da verso atual da teoria da imputao objetiva.

    3. A moderna teoria da imputao objetiva

    Pode-se afirmar que a palavra imputao deriva do vocbulo imputatio, que

    por sua vez tem origem no Direito Romano, possuindo como significado o ato de atribuir

    algo a uma pessoa.

    No se discute na moderna doutrina penal a idia de que para imputar-se a algum

    um certo resultado, no basta que esse resultado tenha sido por ele causado, consoante o

    critrio da eliminao hipottica ou os princpios da teoria da condio, vez que alm

    disto, ser preciso fazer com que esse resultado seja atribudo objetivamente ao agente

    como obra sua, isto , como base para uma responsabilidade pessoal. 11

    Dito de outra forma, o objetivo de que se ocupa a moderna teoria da imputao

    objetiva a atribuio de um determinado sentido social tpico ao mediante uma srie

    de critrios normativos descritos na seguinte frmula geral: um resultado somente

    objetivamente imputvel quando a ao causadora do mesmo criou um risco

    juridicamente desaprovado que se realizou num resultado tpico que pertena ao mbito

    ou fim de proteo da norma infringida.

    10 HONIG, Richard. Kausalitt und objektive Zurechnung, p. 182.11 TAVAREZ, Juarez. Teoria do Injusto Penal. Del Rey, 2.000, p. 222.

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  • Para uma melhor compreenso da moderna teoria da imputao objetiva, torna-se

    necessria uma avaliao sucinta da relao de causalidade no mbito da dogmtica

    jurdico-penal.

    Dentre as inmeras crticas lanadas contra a teoria da equivalncia dos

    antecedentes, destaca-se o fato de que el principal defecto de la teora de la

    equivalencia reside en estar errneamente referida, es decir, en estar referida a la

    estadstica, la experiencia y a modelos perceptibles sensorialmente, en lugar de estarlo a

    la finalidad de las normas penales.12

    A dogmtica antiga partia da base de que com a causalidade da conduta do autor,

    a respeito do resultado, cumpria-se o tipo objetivo. E nos casos em que parecia

    inadequada a punio, tentava-se excluir a pena nos delitos comissivos dolosos, negando-

    se o dolo.13

    Com efeito, a doutrina causalista entendia que o nexo entre a ao e o resultado

    representava uma mera relao de causalidade(termos ontolgicos), destarte, constatada

    esta, entendia-se realizado o tipo objetivo.

    Tornou-se com o passar dos anos, importante a constatao de que o dogma da

    causalidade precisava ser revisto.

    Depender s da ausncia de dolo ou culpa no se afigurava mais suficiente.

    Nasceu ento, a idia de limitar o nexo causal, conferindo-lhe um contedo

    jurdico, e no meramente naturalstico. Destarte, no bastaria mais o simples elo fsico

    ditado pelas leis da causa e efeito, pois se o nexo causal no tiver relevncia jurdica, no

    haver causalidade.

    Surge ento como complemento a causalidade, a teoria da imputao objetiva

    com o intuito de restringir o mbito de abrangncia da equivalncia dos antecedentes e,

    desta maneira, restringir a incidncia da proibio ou determinao tpica sobre

    determinado sujeito.

    A teoria da imputao objetiva que conforme anteriormente visto, procede na sua

    essncia dos estudos de LARENZ e HONIG, tem atualmente em CLAUS ROXIN e

    12 JAKOBS, Gnther. Derecho Penal - Parte General. 2 edicin, Marcial Pons, 1.997, p. 243.13 ROXIN, Claus. Derecho Penal - Parte General. Tomo I, Civitas, 1997, p. 362.

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  • GNTHER JAKOBS seus mais destacados representantes, no se podendo esquecer das

    importantes contribuies prestadas por BERND SCHNEMANN, LUZON PEA,

    MARTINEZ ESCAMILLA, ENRIQUE GIMBERNAT ORDEIG, WOLFGANG

    FRISCH, INGEBORG PUPPE, dentre outros.

    No mago de um sistema penal funcionalista arraigado em uma concepo

    normativista, veio a moderna teoria da imputao objetiva a alcanar um grau de

    desenvolvimento extraordinrio, adequando-se as bases do sistema s estruturas da

    realidade.

    De outra ponta, determinado segmento da doutrina assinala que a pretenso da

    citada teoria no propriamente, em que pese o nome, imputar resultado, mas em

    especial, delimitar o alcance do tipo objetivo.

    Assim, o mbito de operatividade desta teoria o tipo objetivo.

    Ressalte-se que esta teoria objetiva tambm garantir a prevalncia de um conceito

    jurdico sobre um conceito natural de ao.

    Trata-se ainda no s de um corretivo relao causal, mas de uma exigncia

    geral da realizao tpica, de modo que sua verificao constitui uma questo de

    tipicidade, e no de antijuridicidade14, prvia e prejudicial imputao do tipo subjetivo

    (dolo e culpa).

    Para a teoria da imputao objetiva, o resultado de uma ao humana s pode ser

    objetivamente imputado a seu autor quando sua atuao tenha criado, em relao ao bem

    jurdico protegido, uma situao de risco (ou perigo) juridicamente proibido, e que tal

    risco tenha se materializado num resultado tpico15, ou seja, a imputao do tipo

    pressupe que o resultado tenha sido causado pelo risco no permitido criado pelo autor.

    Neste sentido, pode-se afirmar que a imputao do tipo objetivo pressupe um

    perigo criado pelo autor e no coberto por um risco permitido dentro do alcance do tipo,

    ou em outras palavras, dizer que um determinado resultado lesivo s pode ser

    14 Em sentido contrrio, BUSTOS RAMREZ, para quem a imputao objetiva constitui uma questo afeta ilicitude: a imputao do resultado no pode ser um aspecto de tipicidade, nem conceitual nem sistematicamente, mas s de antijuridicidade, enquanto aqui entra em jogo todas as outras valoraes que recorre ao bem jurdico desde o ordenamento em seu conjunto, in Manual de Derecho Penal, Ariel, Barcelona, 1.996, p. 200.15 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho Penal. Comares, Granada, 1.993, p. 258.

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  • juridicamente, teleolgico-valorativamente, atribudo a uma ao como obra sua, e no

    como obra do azar.

    A imputao objetiva trabalha com um conceito-chave: o conceito do risco

    permitido. Se permitido o risco (socialmente tolerado), no caber a imputao; se no

    permitido, ter lugar a imputao objetiva do resultado.

    Destaca-se de forma eminentemente didtica, que a imputao objetiva do

    resultado consiste na atribuio, conforme critrios normativos, de um determinado

    resultado a um concreto comportamento realizado por um sujeito.

    Imperiosa, pois, a necessidade de duas comprovaes para assegurar a presena

    de uma ao tpica, a saber: verificar se concorrem determinados efeitos externos de uma

    ao (tipo objetivo) e comprovar se estes efeitos, essa ao externa, est determinada pelo

    dolo ou pela culpa do agente.

    Nesta linha de pensamento, chega-se ilao de que a primeira comprovao se

    realiza pela via da imputao objetiva e a segunda pela via da imputao subjetiva.

    Assim, s objetivamente imputvel um resultado causado por uma ao humana

    (no sentido da teoria da condio), quando dita ao criou um perigo juridicamente

    desaprovado que se realizou no resultado tpico.16.

    No estgio atual, incoerente seria afirmar que o rtulo imputao objetiva

    utilizado pela doutrina, represente sinnimo de unanimidade de construo ideolgica

    sobre o tema. A bem da verdade, dada a profundidade dos fundamentos da teoria da

    imputao objetiva, vislumbra-se a existncia de vrias correntes doutrinrias, as quais

    com fundamentos pouco semelhantes, visam de forma precpua a resoluo de alguns

    problemas afetos tipicidade e ao nexo causal. Prova desta assertiva pode ser obtida

    quando de uma comparao das posies doutrinrias adotadas tanto pelo funcionalismo

    moderado de ROXIN, quanto pelo funcionalismo radical de JAKOBS, assunto este que

    ser analisado em tpico seguinte.

    De outra parte, vale ressaltar que desde os anos sessenta, doutrinadores como

    CLAUS ROXIN, ENRIQUE GIMBERNAT ORDEIG, WOLFGANG FRISCH e

    16 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho Penal. Parte General, Vol. I, Bosch, p. 389.

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  • GNTHER JAKOBS iniciaram na Europa estudos no sentido de enfrentamento do tema

    da aplicao da teoria da imputao objetiva para a busca no da imputao do resultado,

    mas da delimitao do alcance do tipo objetivo.

    A atual tendncia adotada pela doutrina penal, em especial na Europa, de

    aceitao da imputao objetiva, justifica-se ainda no fato de que a teoria da equivalncia

    dos antecedentes (condictio sine qua non), alis adotada pelo Cdigo Penal brasileiro(art.

    13), demasiadamente rigorosa no estabelecimento do nexo causal. Destarte, existindo a

    mera relao fsica de causa e efeito, denota-se a conexo de causalidade.

    Inquestionvel, assim, a necessidade de se limitar a causalidade, tornando-se

    desnecessria a obrigatria anlise do dolo e da culpa.

    Com este propsito, segundo JUAN BUSTOS RAMREZ, justifica-se o

    surgimento da teoria da imputao objetiva como verdadeira alternativa

    causalidade.17

    Em ateno ao aspecto de sua natureza jurdica, segundo entendimento unnime

    da doutrina, a imputao objetiva constitui elemento normativo do tipo, tanto nos crimes

    dolosos quanto nos culposos.18 Ressalte-se mais uma vez, que o efeito da ausncia da

    imputao objetiva ponto de divergncia entre os doutrinadores penais. Uma primeira

    corrente, liderada por JUAN BUSTOS RAMREZ, entende que in casu ocorre a excluso

    da antijuridicidade. De outra ponta, a doutrina majoritria formada por renomados

    penalistas como GNTHER JAKOBS, WOLFGANG FRISCH, CLAUS ROXIN, PAZ

    MERCEDES DE LA CUESTA AGUADO e outros defendem a idia de que trata-se de

    ntida hiptese de excluso da tipicidade. Andou bem esta segunda corrente doutrinria,

    vez que na verdade, estamos frente a um problema de tipicidade conglobante.

    De uma forma objetiva podemos dizer que o juzo de imputao objetiva se

    compem de dois elementos: a) como pressuposto, a existncia de uma relao de

    causalidade entre a ao e o resultado; b) o resultado deve ser a expresso de um risco

    juridicamente desaprovado implicitamente na ao, ou seja, o desvalor da ao

    concretizado no resultado produzido.

    17 La Imputacin Objetiva, in Teorias actuales en el Derecho Penal, Buenos Aires, 1.998, p. 211.18 Neste sentido:: Enrique Gimbernat Ordeig, Cladia Lpez Daz, dentre outros.

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  • Ainda em ateno ao prisma funcional da teoria da imputao objetiva, destaca-se

    o fato de que la imputacin objetiva es, pues y positivamente, un elemento normativo

    del tipo y negativamente, un elemento del tipo que se distingue de todos los restantes en

    que, mientras que stos son mencionados expresamente por la ley, a la imputacin

    objetiva la ley no la alude nada.19

    A teoria da imputao objetiva no uma teoria para atribuir, seno para restringir

    a incidncia da proibio ou determinao tpica sobre determinado sujeito. 20

    Em ltima anlise, a imputao objetiva vem modificar o contedo do tipo

    objetivo, dizendo que no basta estarem presentes os elementos ao, causalidade e

    resultado para que se possa considerar determinado fato objetivamente tpico.

    necessrio, assim, um conjunto de requisitos.

    Este conjunto de requisitos que faz de uma determinada causao uma causao

    tpica, violadora da norma, denomina-se imputao objetiva21.

    4. A imputao objetiva na viso de ROXIN

    A maioria dos tratados de Direito Penal define a imputao objetiva como fruto da

    criao de um risco e, por conseqncia a sua efetiva realizao.

    CLAUS ROXIN, em sua obra Funcionalismo e Imputao Objetiva no Direito

    Penal, acrescenta um elemento a mais denominado alcance do tipo. Neste aspecto,

    citado autor trata de todos os casos em que outras pessoas, alm do prprio autor,

    contribuem de modo relevante para o resultado tpico.

    A viso de ROXIN sobre a imputao objetiva se subdivide em quatro vertentes, a

    saber: a diminuio do risco, a criao de um risco jurdico-penalmente relevante, a teoria

    do incremento do risco e a esfera de proteo da norma, ou dito de forma mais tcnica, o

    alcance do tipo.

    Em sntese, suas idias se traduzem no princpio do risco. A imputao objetiva

    versa sobre o resultado.19 ORDEIG, Enrique Gimbernat. Qu es la Imputacin Objetiva? Estudios Penales y Criminolgicos. 1.987, p. 212.20 Idem, p. 222.21 GRECO, Lus. Ob. cit, p. 7.

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  • Analisando de forma sucinta cada um das partes do esquema estrutural do modelo

    de ROXIN, percebe-se que com relao diminuio do risco, faltar a criao de um

    risco e, portanto, a imputao, se o autor modificar um curso causal de tal maneira que

    ele diminua a situao de perigo j existente para a vtima, ou seja, se melhorar a situao

    do objeto da ao.22

    O exemplo citado em doutrina descreve o caso em que A percebe que B lana

    uma pedra em direo a cabea de C. Ato imediato, A empurra C e faz com que a

    pedra atinja outra regio menos perigosa no corpo de C. Neste caso, no h que se falar

    em tipificao de crime de leses corporais praticadas por A.

    Assim, percebe-se que neste caso existiu uma conduta tendente a diminuir o risco

    de uma situao de perigo.

    J a imputao ao nvel de criao de um risco jurdico-penalmente relevante,

    ou seja, a excluso da imputao se falta a criao do perigo, justifica-se segundo

    CALLEGARI, citando ROXIN, vez que se deve afastar a imputao ao tipo objetivo

    quando o autor certamente no diminuiu o risco de leso ao bem jurdico, mas tampouco

    o aumentou de modo juridicamente considervel.23

    Exemplifica-se esta hiptese citando o clssico exemplo do sobrinho que

    desejando receber uma herana compra para o tio rico uma passagem rea em uma

    companhia falida e com avies sem a manuteno adequada, esperando que citada

    aeronave se envolva em acidente. De fato o avio sofre uma pane e cai na selva matando

    o tio rico. Indaga-se: deveria ser imputado o resultado ao sobrinho que comprou a

    passagem? A resposta certa e no deixa margens a dvidas: no, vez que no houve

    criao de um risco juridicamente relevante. A queda do avio foi obra do acaso.

    No caso ora citado, no existia risco penalmente relevante na ao de enviar o tio

    rico em avio, j que o sobrinho mal intencionado no podia objetivamente controlar a

    falha tcnica que ocasionou o acidente areo.

    Como a provocao de uma conduta socialmente normal e geralmente no

    perigosa no pode estar proibida, no haver uma ao homicida tipicamente delitiva,

    22 ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputao objetiva no Direito Penal. Renovar, 2.002, p. 313.23 CALLEGARI, Andr Lus. Imputao Objetiva. Livraria do Advogado editora, Porto Alegre, 2.001, p.28.

    12

  • ainda que excepcionalmente tal situao seja causal a respeito de uma leso de um bem

    jurdico.24

    Em concluso, pode-se afirmar que o risco implcito na ao carece de relevncia

    jurdico-penal.

    J com relao ao incremento do risco, importante mencionar que referida teoria

    relativa concorrncia de riscos tratada pela doutrina sob outras vrias denominaes,

    tais como, conexo de antijuridicidade, causalidade da infrao do dever de

    cuidado, fundamentao do resultado na infrao do dever de cuidado, relao do

    fim da norma.

    Conforme leciona MIRENTXU CORCOV BIDASOLO, o fundamento da teoria do

    incremento do risco baseia-se na afirmao de que a finalidade de proteo da norma de

    cuidado existe para reduzir o perigo de leso ao bem jurdico, quando a conduta

    ultrapassou a medida do risco permitido.25

    A teoria do incremento do risco elaborada por CLAUS ROXIN em 1.962, parte

    do seguinte questionamento: dever ser imputado ao agente, um resultado que, mediante

    uma conduta conforme o direito, haveria sido evitado no com segurana, mas possvel

    ou provavelmente?

    Dito jurista alemo cita em sua obra o exemplo do condutor de um caminho que

    deseja ultrapassar um ciclista e o faz sem observar a distncia regulamentar exigida,

    aproximando-se uns 75 cm do mesmo. O ciclista, por sua vez, est fortemente

    embriagado e, em virtude de uma reao provocada pelo lcool, gira a bicicleta para

    esquerda, caindo sob as rodas traseiras do caminho. Comprova-se que, provavelmente

    (variante: possivelmente), o acidente teria ocorrido ainda que o motorista tivesse

    observado a distncia regulamentar de separao lateral ao ultrapassar.26

    A soluo que melhor se apresenta para a anlise da tipificao do delito e ainda

    no tocante responsabilidade penal do agente que conduzia o caminho oriunda de

    deciso proferida pelo Tribunal Supremo Federal da Alemanha(BGHSt 11, p. 11 et seq) e

    comentada por GNTHER JAKOBS: H alguns dados que induzem a pensar que o 24 ROXIN, Claus. Ob. cit, pp. 366/367.25 CORCOY BIDASOLO, Mirentxu. El delito imprudente criterios de imputacin del resultado. PPU, 1.989, p. 497.26 ROXIN, Claus. Ob. cit, p. 379.

    13

  • ciclista, dada a sua embriaguez, tenha se assustado pelo rudo produzido pelo caminho

    e, suponhamos isto para no complicar sem necessidade o caso, assustado, tenha feito

    um movimento reflexo lateral incontrolado de tal magnitude que a distncia do

    caminho j no tenha desempenhado papel algum na catstrofe. Se se aplica o

    princpio in dbio pro reo, a deciso clara: o motorista que leva a cabo a

    ultrapassagem, ao no manter a suficiente distncia lateral, gera com seu

    comportamento um risco no permitido; entretanto, tal risco no est numa relao

    planificvel com o susto que por causa do rudo sofrem os ciclistas brios, e tampouco o

    est com o fato de que estes resultem atropelados se realizam um movimento excessivo

    at um dos lados; pode ser que seja provvel que as coisas sucedessem de outro modo,

    mas isso no est provado. Por conseguinte, o motorista do caminho no teria de

    responder pela conseqncia sobrevinda, dizer, por homcidio. Em favor do

    caminhoneiro teria que se partir da base de que o ciclista deveria atribuir-se o acidente

    a si mesmo como conseqncia da infrao de seus deveres de autoproteo: participar

    do trfego virio apesar de sua incapacidade para conduzir. Essa foi a sentena do

    Tribunal Supremo Federal, que manteve esta jurisprudncia at o momento atual, sendo

    aplaudido por uma parte da doutrina.27

    Esta deciso do BGH fez histria no Direito Penal.

    De outra banda, a corrente doutrinria defendida por CLAUS ROXIN28 e no

    Brasil por DAMSIO E. DE JESUS29, aponta no sentido de que no exemplo ora tratado,

    haveria ntida e cristalina imputao objetiva do resultado, respondendo o motorista pela

    morte do ciclista, em face da teoria do incremento do risco.

    Neste sentido, defendem a idia de que enquanto no se revele que o

    comportamento no permitido nada aporte para a explicao, mas que somente tenha

    variado o risco para a vida daquele ciclista que fora atropelado, claro estar que o

    condutor do caminho incrementou o risco de morte da vtima. Portanto, luz desse

    entendimento, o motorista dever responder pelo resultado(crime de homicdio).

    27 Ob. cit, pp. 89-90.28 Ob. cit, p. 379.29 Imputao Objetiva, Saraiva, 2.000, p. 81.

    14

  • Adotando o mesmo entendimento, preconiza INGEBORG PUPPE que el chfer

    del camin fue absuelto, pues, injustamente. Su absolucin solo estaria justificada si se

    estuviese dispuesto a renunciar a todo tipo de imputacin en mbitos no determinados.

    El anlisis de la estructura lgica de los procesos no determinados ha demostrado

    nuevamente que el requisito de la causalidad de la infraccin del deber de cuidado

    justifica una absolucin mucho menos frecuente que la que admite la praxis y tambin

    la doctrina dominante.30

    Diante dos antagnicos fundamentos apresentados pelos cultos penalistas

    defensores da teoria do incremento do risco, ouso me filiar doutrina de GNTHER

    JAKOBS, corroborada pela jurisprudncia alem.

    Ora, relativo ao caso sub examen, a ausncia de procedimentos prvios de

    segurana no explica um dano quando de maneira evitvel o procedimento houvera

    resultado intil.

    Necessrio se faz nesta hiptese, invocar o princpio do in dubio pro reo,

    conduzindo absolvio do motorista do caminho, vez que no h como se comprovar

    de forma cabal que o resultado (morte do ciclista) pode ser atribudo ao comportamento

    do condutor do veculo.

    Eis em suma as discusses e fundamentos que envolvem o tema da teoria do

    incremento do risco.

    Por fim, a ltima vertente firmada por ROXIN com relao imputao objetiva

    diz respeito esfera de proteo da norma.

    Citado mestre alemo buscando a aperfeioar a terminologia jurdica, evitando

    assim eventuais confuses, decidiu adotar a expresso alcance do tipo para designar

    determinados grupos de casos.

    Assim, existem casos nos quais, apesar de a superao do risco permitido ter

    claramente elevado o perigo de que ocorresse um determinado curso causal, estar

    excluda a imputao do resultado.31

    30 La imputacin Objetiva, Presentada mediante casos ilustrativos de la jurisrpudencia de los altos tribunales, Comares, Granada, 2.001, p. 79.31 ROXIN, Claus. Funcionalismo e Imputao Objetiva no Direito Penal. Renovar, 2.002, p. 335.

    15

  • Nesse passo, a imputao objetiva pode faltar, quando o resultado fica fora do

    mbito de proteo da norma que o autor vulnerou mediante sua ao, j que em tal caso

    no se realiza no resultado o risco juridicamente desaprovado que criou o autor, seno

    outra classe de risco.32

    Em sntese, a imputao objetiva pode faltar se o resultado se encontra fora do

    mbito da esfera de proteo da norma.

    O exemplo clssico para ilustrar o tema, diz respeito a dois ciclistas que dirigem

    no escuro, um atrs do outro, sem iluminarem as bicicletas. Por causa da ausncia de

    iluminao, o ciclista da frente colide com um ciclista vindo em sentido oposto.

    Certamente, se o ciclista que vinha atrs estivesse iluminando o seu caminho, o

    terceiro ciclista teria evitado a coliso. Numa situao tal, a impossibilidade de

    imputao se d em funo da inexistncia da obrigao de iluminar bicicletas alheias e

    que a norma que impe o dever de trafegar com faris acesos tem a finalidade de evitar

    sinistros com a pessoa do prprio condutor, e no de terceiros. Portanto, a no

    imputao do tipo de leses corporais ou homicdio, decorreria, enfim, do fato de no se

    achar o resultado coberto pelo fim de proteo da norma.

    Em suma, o risco permitido exclui a imputao objetiva do resultado. Exclui,

    ainda, o tipo. Nestas hipteses, trata-se de excluso da tipicidade e no justificao.

    Outro exemplo seria aquele em que A atropela culposamente a B, menor com

    16(dezesseis) anos de idade, vindo este a sofrer graves leses. A me de B fica

    sabendo do acidente e ao chegar ao local do fato v o filho lesionado e sofre um colapso

    cardaco vindo a falecer.

    Nesta hiptese, o resultado est fora da esfera de proteo da norma e A no

    responder pela morte da genitora do menor atropelado.

    Ressalte-se por fim que referido critrio adicional da imputao objetiva utiliza-se

    preferencialmente, no mbito dos delitos culposos, onde uma srie de circunstncias

    32 CALLEGARI, Andr Lus, apud JESCHECK, Hans-Heinrich. Imputao Objetiva. Livraria do Advogado, 2.001, p. 37.

    16

  • mais ou menos imprevistas cooperam para a produo de danos diretos de algum modo

    previsveis pelo sujeito.

    J nos delitos dolosos aponta a doutrina no sentido de que no existe a

    possibilidade de reconhecimento deste critrio j que todos os casos so reconduzidos

    aos de criao ou aumento do risco.

    5. A imputao objetiva na viso de JAKOBS

    A teoria da imputao objetiva desenvolvida por GNTHER JAKOBS se

    encontra vinculada idia de que o sistema da teoria do delito deve tomar como ponto

    de referncia a esfera de administrao autnoma que corresponde ao cidado, pessoa.

    Trata-se, pois, de um grande mecanismo de determinao de mbitos de

    responsabilidade dentro da teoria do delito, que permite constatar quando uma conduta

    tem carter objetivamente delitivo.

    A imputao objetiva relativa a um comportamento, sendo ressaltada a

    importncia dos papis que as pessoas exercem na sociedade.

    Para JAKOBS a funo do Direito Penal est na reafirmao da vigncia da

    norma que o comportamento delinqente violou.

    O Catedrtico da Universidade de Bonn na Alemanha, GNTHER JAKOBS,

    define sua teoria acerca da imputao objetiva, partindo de quatro premissas bsicas: o

    risco permitido, o princpio da confiana, a proibio de regresso e a competncia ou

    capacidade da vtima.

    Cumpre-nos agora, uma breve anlise sobre o sistema jakobsiano.

    O risco permitido uma das bases do sistema de imputao de JAKOBS.

    Tudo o que se cria no mundo, de uma forma ou outra poder importar em risco

    at mesmo ao seu criador. Verdadeiramente encontramos nos dias atuais enclausurados

    em uma sociedade de riscos. A ocorrncia de perigo de dano algo esperado como

    conseqncia natural de toda ao ou conduta humana.

    Chega-se ilao de que as sociedades modernas so sociedades de risco.

    17

  • Assim, analisando o carter ubquo dos riscos permitidos (erlaubtes risiko),

    manifestou GNTHER JAKOBS no sentido de que qualquer contato social implica

    um risco, inclusive quando todos os intervenientes atuam de boa-f: por meio de um

    aperto de mos pode transmitir-se, apesar de todas as precaues, uma infeco; no

    trfego virio pode produzir-se um acidente que, ao menos enquanto exista trfego,

    seja inevitvel; um alimento que algum serviu pode estar em mau estado sem que

    tenha sido possvel dar-se conta disso; uma anestesia medicamente indicada, e

    aplicada conforme a lex artis, pode provocar uma leso; uma criana pode sofrer um

    acidente a caminho da escola, ainda que se estabeleam medidas de segurana

    adequadas.33

    Em face da realidade acima constatada, no podemos chegar ilao de que

    referidas condutas ou contatos sociais devam ser evitados, vez que no h como se

    imaginar uma sociedade que no esteja exposta de forma direta ou indireta aos riscos.

    Surge como conseqncia natural dessa situao observada, a aceitao de que o

    risco inerente configurao social deve ser inevitavelmente tolerado como risco

    permitido.

    Tal concepo decorre do progresso da sociedade, da evoluo acelerada dos

    costumes, das crescentes descobertas feitas pelo homem e notadamente, no que se refere

    s invenes e descobertas de novas tecnologias nos diversos ramos de atividade

    (medicina, engenharia, aviao, transporte terrestre e martimo, computao, etc).

    Para o funcionalismo radical de JAKOBS, ao se submeter o bem jurdico a uma

    situao de risco, este haver de ser desvalorado pela norma a efeitos de uma eventual

    sano: nem todo risco ou perigo penalmente relevante. Assim, no forma parte do rol

    de qualquer cidado eliminar todo risco de leso de outro, pois existe claramente um

    risco permitido.

    O risco permitido deve ser entendido como uma conduta que cria um risco

    juridicamente relevante, mas que de um modo geral (independente do caso concreto)

    est permitida e, por isso, a diferena das causas de justificao exclui a imputao do

    33 A imputao objetiva no Direito Penal, traduo de Andr Lus Callegari, RT, 2.000, p. 34.

    18

  • tipo objetivo.34 Como exemplo, podemos citar o caso em que Paco apesar de conduzir

    veculo automotor observando as regras de trnsito, vem a atropelar Oscar; no haver,

    malgrado a relao causal, a imputao objetiva do tipo de homicdio culposo, posto que

    Paco atuou dentro do risco permitido inerente ao trfego urbano.

    Torna-se, pois, irrefutvel a constatao de GNTHER JAKOBS ao aduzir que

    um comportamento que gera um risco permitido considerado socialmente normal,

    no porque no caso concreto esteja tolerado em virtude do contexto em que se

    encontra, mas porque nessa configurao aceita de modo natural. Portanto, os

    comportamentos que criam riscos permitidos no so comportamentos que devam ser

    justificados, mas que no realizam tipo algum.35

    Por fim, cumpre estabelecer que a diferena entre risco permitido e proibido no

    est na gravidade do perigo e sim em que, s vezes, lcito e em outras no o .36

    Enquanto o risco pertence ao mundo natural, a permisso e a proibio

    determinam-se de acordo com as regras do ordenamento social.

    Importante vertente adotada dentro do sistema da imputao objetiva de JAKOBS

    refere-se ao princpio da confiana (vertrauensprinzip).

    A razo de sua formulao reside basicamente na razovel responsabilidade do ser

    humano.

    Parte-se da regra de que todas as pessoas so responsveis e agem conforme as

    normas estabelecidas para a vida em sociedade (grupo social), visando como escopo

    principal, evitar danos ou prejuzos a terceiros.

    Pelo citado princpio, no se imputaro objetivamente os resultados produzidos

    por quem obrou confiando em que outros se manteriam dentro dos limites do perigo

    permitido.

    34 RAMREZ, Juan Bustos. Manual de Derecho Penal - Parte General. 4 ed, 1.994, PPU, Barcelona, p. 320.35 Ob. cit, p. 3836 ORDEIG, Enrique Gimbernat. Delitos cualificados por el resultado y causalidad. Madrid, Centro de Estdios Ramon Acreces, 1.990, p. 153.

    19

  • O princpio da confiana manifesta sua eficcia naqueles casos em que com a

    atuao infratora de um sujeito se misturam outros participantes na atividade de que se

    trate, nos quais se encontram imersos no mesmo perigo criado pela infrao.37

    Sua efetiva aplicao se d em especial nas questes afetas ao trfego de veculos

    automotores, no trabalho em equipe de profissionais e na realizao de conduta dolosa

    ou culposa por parte de terceiro.38

    Um dos exemplos trazidos pelos manuais de Direito Penal relata o caso em que

    um cirurgio opera a um paciente, que vem a morrer depois de poucos dias em

    conseqncia de uma infeco. As perguntas que surgem so evidentes e lgicas:

    imputvel ao mdico a morte da vtima por infeco? Poderia se buscar a

    responsabilidade de um terceiro? Suponhamos que a atuao do mdico (o

    desenvolvimento da operao cirrgica) tenha sido perfeita, tendo este cumprido

    cabalmente as obrigaes que lhe competiam. Mas, o que sucede se a infeco que

    desencadeou a morte do paciente se deve a no desinfeco do material empregado na

    operao? Seria da competncia do mdico inspecionar a correta esterilizao do

    material, ou, pelo contrrio, seria competncia de terceiros (enfermeiras, etc)?

    Conforme o princpio da confiana, haver que supor que razoavelmente o cirurgio

    confia que o material j havia sido previamente desinfetado por outros, em

    cumprimento de seus especficos deveres: no seria portanto competncia do mdico, e

    no lhe seria imputvel o resultado.

    Por fim, sobre o princpio da confiana, resume JAKOBS: Cuando el

    comportamiento de los seres humanos se entrelaza, no forma parte del rol del

    ciudadano controlar de manera permanente a todos los dems; de otro modo, no sera

    posible la divisin del trabajo. Existe un princpio de confianza.39

    Uma terceira instituio dogmtica reconhecida no mbito da imputao objetiva

    a proibio de regresso ou proibio da ascendncia.

    37 CORCOY BIDASOLO, Mirentxu. El delito imprudente criterios de imputacin del resultado. PPU, 1.989, p. 327.38 DAZ, Cludia Lpez. Introduccin a la imputacin objetiva. Universidad Externado de Colombia, 1.996, p. 121. 39 JAKOBS, Gnther. Ob. cit, p. 105.

    20

  • Os conceitos da proibio de regresso e da doutrina da proibio do regressus ad

    infinitum no devem ser confundidos. Assim, o conceito clssico da proibio de

    regresso no deve ser equiparado moderna concepo conceitual adotada pela teoria

    da imputao objetiva. Na relao de causalidade objetiva, o regressus ad infinitum tem

    carter absoluto, uma vez que o nexo causal no admite interrupo, resolvendo-se o

    problema com as teses da ausncia de dolo, da relevncia tpica, etc. Na imputao

    objetiva, o princpio da proibio de regresso relativo, admitindo excees.

    A proibio de regresso um critrio para limitar a imputao de um resultado a

    certos comportamentos que podem ser causais, mas que esto fora do interesse do

    direito penal .

    Esta instituio dogmtica denominada proibio de regresso (regrebverbot), tem

    sido qualificada como a mais original no pensamento jakobsiano.

    Com o escopo de ilustrar o tema, vejamos o seguinte exemplo: A esposa de um

    presidirio se dirige a uma padaria e compra um po tipo baguete. Suponha-se que

    haja de duas maneiras distintas: 1) confidencia ao padeiro que vai esconder um punhal

    no po e entregar a seu marido na prxima visita, com o qual ele fugir da cadeia

    mediante ameaa ao carcereiro; 2) solicita ao padeiro que confeccione um baguete

    especial, maior do que dos costumeiramente vendidos, esclarecendo que para abrigar

    um punhal de grandes propores, com o qual seu marido ir fugir da priso. Indaga-se:

    O detento, usando a arma, foge da cadeia mediante ameaa de morte ao carcereiro. O

    padeiro responde pela fuga criminosa? Na primeira hiptese, no; na segunda, sim, de

    acordo com os princpios da proibio de regresso.40

    Imagine-se ainda a hiptese de quem vende armas de fogo em loja autorizada e

    legalmente registrada no comrcio local. Logicamente, no pode ser responsabilizado

    pelos delitos porventura cometidos pelos compradores, face ao uso pernicioso e danoso

    das armas vendidas em seu estabelecimento comercial. Da mesma forma, o proprietrio

    de um hotel, no pode ser incriminado pela prtica de crimes contra os costumes, em

    40 FERRANTE, Marcelo. Materiales para la elaboracin de una prohibicin de regreso. Cuadernos de Doctrina y Jurisprudencia Penal, Buenos Aires, Ad-hoc, 1.997, p. 6:250

    21

  • razo de ter recebido como hspedes, um casal que posteriormente se descobre tratar-se

    de pessoas envolvidas no comrcio sexual.

    Tratam-se nos exemplos acima descritos, de aes denominadas por parte da

    doutrina como neutras ou cotidianas, que se inserem no rol de atividades usuais e

    normalmente praticadas pelos agentes dentro de suas atividades dirias.

    Destarte, denota-se que pela teoria da proibio do regresso, o agente que

    desencadear com outra pessoa, relao de comportamento eivado pelo carter da

    inocncia (boa-f), no poder ser responsabilizado por atitude comportamental futura

    perpetrada por aquela, mesmo que referida conduta seja ilcita.

    A proibio de regresso tem uma capacidade de rendimento muito maior daquela a

    que se atribui, vez que ela demonstra justamente a autonomia do ilcito de participao,

    tanto na sua dimenso interna como externa.

    Sobre o assunto, de modo claro e conciso, preleciona ANDR LUS CALLEGARI

    que conforme a teoria da proibio de regresso, deve-se renunciar aos resultados que

    se obtenham com a teoria da equivalncia a respeito daquelas condies nas quais,

    para a produo do resultado, mediou a atuao dolosa e culpvel de um terceiro.

    Ditas condies no cumprem nenhum tipo objetivo de autoria; por conseguinte, em

    caso de imprudncia, sua criao impune, e, havendo dolo, ficam abarcadas pelas

    ampliaes do tipo de autoria: os preceitos relativos participao.41

    Importante mencionar que a regra de uma conduta dolosa posterior excluir a

    imputao objetiva de comportamento anterior, no se reveste de carter absoluto.

    Segundo CLUDIA LPEZ DAZ, cede a hiptese de o autor anterior

    encontrar-se na posio de garante.

    Exemplifica a citada penalista colombiana, citando o caso do suicdio passional.

    Suponha-se, numa hiptese sentimental, que a esposa ameace matar o filho comum, a

    tiros de revlver se o marido, a quem ama apaixonadamente, abandonar o lar. Ele,

    descuidadamente, deixa uma arma de fogo a seu alcance e anuncia o rompimento

    definitivo, saindo de casa. Ela cumpre o prometido e mata a criana. Ele responde pelo

    41 CALLEGARI, Andr Lus. A imputao objetiva no Direito Penal. Estudos jurdicos, V. 32, n. 85, 1.999, p. 92.

    22

  • resultado (a ttulo de culpa), tendo em vista sua posio de garantidor da proteo do

    menor.42

    Chega-se ilao de que existe de forma relativa a proibio de regresso na

    imputao objetiva, na qual um comportamento anterior considerado incuo no pode

    ser considerado co-autoria ou participao em conduta futura proibida, tratando-se de

    fato antecedente atpico.43

    Em resumo e concretizando esta breve anlise sobre a proibio de regresso,

    assinala GNTHER JAKOBS que el carcter conjunto de un comportamiento no

    puede imponerse de modo unilateral-arbitrario. Por tanto, quien asume con outro un

    vnculo que de modo estereotipado es incuo no quebranta su rol como ciudadano,

    aunque el outro incardine dicho vnculo en una organizacin no permitida, pues no es

    posible ascender a aqul en este mbito de la organizacin no permitida. Por

    conseguiente, es de reconoscer la existncia de una prohibicin de regreso, pues un

    comportamiento que de modo estereotipado es inocuo no constituye participacin en

    una organizacin no permitida.44

    Como ltimo princpio limitador da imputao objetiva no modelo de JAKOBS, a

    competncia ou capacidade da vtima se resume no atuar da vtima a seu prprio risco,

    sendo que em determinadas situaes ocorre a excluso da imputao objetiva.

    Portanto, em certas atividades perigosas, algumas pessoas se dispem a execut-

    las assumindo os riscos existentes.

    Se a vtima resulta lesionada por ter infringido os deveres de auto-proteo ou por

    atuar de maneira incompetente, o resultado lesivo lhe ser imputvel.

    Citando um exemplo prtico, vejamos o caso de uma pessoa que resulta lesionada

    ao manejar uma mquina. Nesta hiptese, o agricultor adquiriu para sua fazenda uma

    mquina nova. Um dos pees que ali trabalha, diante de enorme curiosidade, resolve

    mexer na mquina, resultando ferido.

    42 DAZ, Cludia Lpez. Introduccin a la imputacin objetiva. Bogot, Colombia, 1.996, pp. 137/138.4 43 MONTALVO, J. Antonio Chocln. Deber de cuidado y delito imprudente. Barcelona, Bosch, 1.998, p. 143.44 JAKOBS, Gnther. La imputacin objetiva en Derecho Penal, traduccin de Manuel Cancio Meli. Civitas, Madrid, 1.996, p. 107.

    23

  • A interveno dolosa ou negligente do peo dever ser analisada como causa do

    resultado, que dever ser considerado como um caso fortuito ou azar, em virtude do

    princpio da competncia da vtima. Assim, no se imputar o resultado ao agricultor

    dono da fazenda.

    A verdadeira beleza do sistema de JAKOBS est no s em sua teoria da

    imputao objetiva, mas nos reflexos que esta teoria provoca no restante da teoria do

    crime, e na preciso e harmonia com que cada problema resolvido, sempre se levando

    em conta tais efeitos colaterais.45

    6. Outros modelos de imputao: FRISCH e PUPPE

    Desde o incio do presente estudo, restou delineado que a imputao objetiva em

    sua moderna verso foi desenvolvida e construda com base nas concepes doutrinrias

    de CLAUS ROXIN e de GNTHER JAKOBS.

    Destarte, constata-se a existncia de outros tantos modelos dogmticos

    desenvolvidos por doutrinadores que aceitam e defendem os fundamentos da teoria da

    imputao objetiva.

    Tomando por base a escola alem, precursora nos estudos sobe o tema, entendo

    como pertinente tecer algumas breves referncias sobre a importncia dos modelos

    alternativos desenvolvidos por INGEBORG PUPPE e por WOLFGANG FRISCH.

    O primeiro modelo, desenvolvido por PUPPE, fruto de seus estudos que datam

    de quase duas dcadas. Citada penalista alem recentemente brindou o cenrio jurdico-

    penal com sua excelente obra intitulada Imputacin objetiva. Presentada mediante casos

    ilustrativos de la jurisprudncia de los altos tribunales46, na qual trata a imputao

    objetiva da forma mais acertada, ou seja, atravs dos estudos de casos concretos julgados

    pelo Tribunal Federal Alemo(Bundesgerichthof BGH) e por outros tribunais da

    Alemanha.

    45 GRECO, Lus. Ob. cit. p. 130.46 Traduccin de Percy Garca Cavero, Comares, Granada, 2.001.

    24

  • A sistematizao da imputao objetiva na concepo de PUPPE parte de um

    ponto que, segundo ela, a doutrina esqueceu quase que por completo: o conceito de

    resultado.

    Assim, preleciona GRECO apud PUPPE, que o conceito de resultado um

    conceito eminentemente jurdico, e, para o Direito Penal, que trabalha com leses a

    bens jurdicos, ele no pode ser outro que no a modificao desfavorvel de

    determinado objeto protegido pelo Direito.47

    Destacam-se os estudos de PUPPE no mbito da imputao objetiva, vez que

    orientados a precisar os trminos do conceito jurdico-penal de causa, porm, analisando

    a depurao dos critrios normativos em cuja virtude possvel relacionar a conduta do

    agente e o resultado lesivo.

    Em resumo, a linha de estudos de INGEBORG PUPPE se orienta ao estudo dos

    limites do normativismo, derivados da lgica, a linguagem e a realidade sobre a qual se

    projetam as concepes normativas.

    Outro modelo de destaque dentro do tema da imputao objetiva refere-se

    doutrina de WOLFGANG FRISCH.

    Em seus estudos FRISCH apregoa que a teoria da imputao objetiva do resultado

    tem por objeto unicamente os pressupostos do nexo causal e de realizao que deve

    existir entre o comportamento proibido e o resultado.

    Reserva ainda a expresso imputao objetiva exclusivamente para a imputao

    do resultado nos delitos de resultado.

    Nestes termos, a teoria da imputao objetiva tem por tarefa determinar em que

    consiste o desvalor do resultado, nos delitos de resultado.48

    WOLFGANG FRISCH destaca em sua doutrina a recusa teoria do risco, vez

    que nos casos em que no se sabe se o comportamento conforme o direito impediria o

    resultado, no se pode dizer que estejam presentes as rationes da imputao do

    resultado49.

    47 Ob. Cit., p. 143/144.48 GRECO, Lus. Ob. Cit, p. 139.49 Tipo penal e Imputao Objetiva, Madrid, Colex, 1.995, p. 111.

    25

  • 7. Crticas a teoria da imputao objetiva

    A moderna teoria da imputao objetiva, fundamentalmente, tem seu

    desenvolvimento no tipo objetivo dos delitos de resultado, onde se estabelecem

    determinadas exigncias tpicas objetivas que, em que pese a revoluo que gerou no

    mbito da tipicidade objetiva, supem em certa medida uma volta s posies

    neokantianas combatidas antigamente por HANS WELZEL.

    Neste sentido as criticas dirigidas aos fundamentos da teoria da imputao

    objetiva procedem da teoria pessoal do injusto e se centram de forma especial no mbito

    dos delitos dolosos, se bem que certo que estas criticas no se derivam exclusivamente

    do finalismo.

    Parte da doutrina exemplo de MIGUEL POLAINO NAVARRETE, criticam

    inclusive a denominao teoria da imputao objetiva, em razo de sua inexatido.

    Prossegue alegando que no mais que figuradamente se pode falar da existncia

    de uma teoria da imputao objetiva, vez que o preferivelmente deveria denominar-se

    doutrina ou corrente da imputao objetiva.50

    Na mesma linha critica preconiza TORO LPEZ que la llamada imputacin

    objetiva presenta, en principio, una cierta fascinacin lingstica.51

    Partindo da premissa de que a teoria da imputao objetiva vem alcanando

    vertiginosa aceitao doutrinria e um inusitado tratamento cientfico, e no somente no

    mbito da dogmtica jurdico-penal alem, mas tambm junto a doutrina espanhola e de

    pases da Amrica do Sul, surgem severas criticas aos seus fundamentos.

    Dentre os doutrinadores adeptos do finalismo radical que se opem ao

    desenvolvimento da teoria da imputao objetiva, destacam-se ARMIM KAUFMANN e

    HANS-JOACHIM HIRSCH, discpulos diretos de HANS WELZEL.

    HIRSCH embasa sua restrio teoria da imputao objetiva, qualificando-a

    como uma teoria criticvel, pois utilizando-se de uma mesma e imprecisa denominao

    conceitual, agrupa em seu seio questes dogmticas completamente diversas. Desde um

    50 Ob, cit, p. 363.51 Fin de proteccin y mbito de prohibicin de la norma, Estudios Penales y Criminolgicos, tomo X, Universidad de Santiago de Compostela, 1.987, pp. 381 y sigs.

    26

  • ponto de vista sistemtico, questiona-se citado doutrinador alemo acerca da bondade da

    notvel doutrina da imputao objetiva, em cujo mbito preciso distinguir entre

    culpabilidade e responsabilidade, isto , entre realizao de um comportamento

    culpvel e responsabilidade pela produo de um resultado.52

    Crtica interessante feita por GIMBERNAT ORDEIG relativamente aos crimes

    culposos, vez que o agente se mantm dentro do risco permitido, no se devendo falar em

    imputao objetiva, vez que em tal hiptese, no existe culpa, j que o autor, atuando

    dentro do risco socialmente tolerado, no infringe, assim, o dever objetivo de cuidado, de

    sorte que no necessrio, para tanto, apelar teoria da imputao objetiva.53

    Referida critica no coaduna com parte da doutrina que defende a imputao

    objetiva sob a tica da teoria extensiva ou ampliativa, no tocante ao campo de aplicao

    da mesma, vez que de forma majoritria apregoa-se que referida instituio dogmtica se

    aplicaria a todas as espcies de delito, tanto culposos quanto dolosos.

    Na doutrina brasileira j surgiram inmeros crticos aos fundamentos da teoria da

    imputao objetiva. Cite-se ttulo de exemplo PAULO DE SOUZA QUEIROZ, quem

    inicialmente defendeu que o surrealismo dos exemplos utilizados pelos adeptos da

    teoria da imputao objetiva pe de manifesto que seu mbito de aplicao

    reduzidssimo, de sorte que, em razo do seu excessivo grau de abstrao, constitui, em

    boa parte, pura especulao terica, e, como tal, desprovida de maior transcedncia.54

    Por fim, existem ainda partidrios do finalismo que enxergam na teoria da imputao objetiva, uma via de acesso insegurana jurdica no campo do Direito Penal55.

    8. Concluso

    52 Zur Lehre von der objektiven Zurechnung, traduo espanhola, pp. 49 e sigs.53 Gimbernat Ordeig, Enrique, Estudios de derecho penal, Madrid, Tecnos, 1.990, pp. 213 e sigs. 54 Direito Penal Introduo crtica, Saraiva, 2.001, p. 138. Porm, percebe-se que atualmente citado penalista reverteu seu pensamento quanto a aceitabilidade da teoria da imputao objetiva. Vid. Com mais profundidade, as crticas lanadas na obra Teorias da imputao objetiva do resultado. Uma aproximao crtica a seus fundamentos, pelos penalistas Luiz Regis Prado e rika Mendes de Carvalho, ed, RT, 2002. 55 Em especial Kpper, Strafrechtsdogmatik, pp. 93 e sigs e 100 e sigs.

    27

  • Aps este o estudo sobre os fundamentos da teoria da imputao objetiva, restam

    agora algumas ilaes obtidas sobre o tema.

    Tem futuro a imputao objetiva?

    Fica claro que ganha o sistema penal moderno com a insero da teoria da

    imputao objetiva, vez que a evoluo da dogmtica jurdico-penal deve se adequar as

    constantes mudanas no cotidiano social, operadas pelo avano da tecnologia e de outras

    atividades criadores de condutas perigosas.

    So inmeras as vantagens a serem inseridas no direito penal em razo da adoo

    da teoria da imputao objetiva. De incio, cumpre ressaltar o avano a ser alcanado

    pelo sistema criminal ao extirpar da dogmtica penal, a aplicao incoerente e falha da

    teoria da equivalncia dos antecedentes, pela qual se estabelece o critrio identificador da

    vinculao existente entre a conduta e o resultado, utilizando-se de frmula de inspirao

    nitidamente autoritria.

    Permite ex ante, que se possa averiguar, examinar, condutas perigosas que j

    podem ser avaliadas antes da apreciao judicial.

    Pela adoo da imputao objetiva, podero ser resolvidos de forma mais rpida e

    objetiva as complexas questes atinentes ao crime omissivo, ao crime culposo, a tentativa

    e a participao.

    Fornece a imputao objetiva ao Ministrio Pblico a possibilidade de operar com

    o incremento do risco, o princpio da confiana e a proibio de regresso.

    A imputao objetiva oriunda de uma linha metodolgica oposta do finalismo,

    face aos seus princpios norteadores, busca a auxiliar a funo bsica da dogmtica penal

    que proporcionar ao juiz critrios seguros e precisos para a prestao jurisdicional.

    Resta claro que a teoria da imputao objetiva que busca aprender o sentido do

    comportamento tpico e delimitar o alcance dos tipos de injusto, no de forma alguma

    incompatvel com os postulados e a sistemtica defendidos por WELZEL em seu sistema

    finalista.

    Dever, portanto, respeitar a estrutura ontolgica da ao finalista, definida como

    uma unidade configurada por elementos objetivos e subjetivos.

    28

  • Destarte, no tudo absurdo afirmar que o sistema de HANS WELZEL,

    denominado finalismo, tenha sido uma dos precursores da moderna teoria da imputao

    objetiva.

    Dentre as crticas endereadas imputao objetiva, destaca-se quela no sentido

    de que os exemplos citados em doutrina so fruto da imaginao dos doutrinadores,

    portanto, exemplos utpicos. Referida assertiva no procede, vez que a contraposio

    referida crtica pode ser observada quando da leitura da recente obra editada por

    INGEBORG PUPPE56, onde so analisados casos verdicos julgados pelos altos tribunais

    da Alemanha com a utilizao dos critrios tericos da teoria da imputao objetiva.

    No mesmo sentido, os inmeros julgados citados por MARA NGELES

    RUEDA MARTIN em sua obra, relativos a casos concretos decididos recentemente pelo

    Tribunal Supremo da Espanha57.

    No Brasil, de forma tmida, alguns Tribunais tem aplicado a teoria da imputao

    objetiva.

    Dentre os modelos dogmticos que surgiram dentro do tema da imputao

    objetiva, deve ser reconhecido o de JAKOBS como sendo o mais inovador, polmico,

    porm, de profunda base metodolgica.

    Porm, observa-se que a maioria dos doutrinadores brasileiros que adotam a

    teoria da imputao objetiva, filiam-se a corrente dogmtica firmada por CLAUS

    ROXIN, com forte influncia das bases de um funcionalismo moderado e voltado a um

    Direito Penal interligado de forma direta e claro poltica criminal.

    Em sntese, a teoria da imputao objetiva embora a priori apresente destacvel

    consistncia jurdico-penal, carece ainda de maior reflexo por parte da doutrina, em

    especial a brasileira, visando com isso, a corrigir algumas falhas metodolgicas

    apresentadas por tal modelo alternativo de imputao, as quais se transformaram em

    fortes crticas formuladas por seus opositores.

    56 La Imputacin Objetiva. Presentada mediante casos ilustrativos de la jurisprudencia de los altos tribunales, Comares, Granada, 2.001.57 La Teoria de la imputacin objetiva del resultado en el delito doloso de accin, J.M. Bosch Editor, Barcelona, 2.001.

    29

  • esperar e apostar no amadurecimento da nova idia pela dogmtica jurdico-

    penal, marcada ao longo de sua trajetria pelas inoculares propostas de renovao dos

    conceitos j firmados no Direito Penal.

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