FUNDAO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DEPARTAMENTO DE CINCIAS ECONMICAS,
ADMINISTRATIVAS E CONTBEIS DCEAC CURSO DE CINCIAS ECONMICAS
IMPACTO DOS CUSTOS ECONMICOS DIRETOS MDICOS DE DOENAS TABACO-RELACIONADAS SOBRE O GASTO FEDERAL ANUAL EM SADE
PBLICA NO BRASIL (VERSO FINAL)
Leandro Pinheiro Vieira
RIO GRANDE NOVEMBRO/2005
LEANDRO PINHEIRO VIEIRA
IMPACTO DOS CUSTOS ECONMICOS DIRETOS MDICOS DE DOENAS TABACO-RELACIONADAS SOBRE O GASTO FEDERAL ANUAL EM SADE
PBLICA NO BRASIL
Monografia apresentada como requisito parcial para obteno do grau de bacharel em Cincias Econmicas, pela Fundao Universidade Federal do Rio Grande.
Orientador: Prof. Dr. Cassius Rocha de Oliveira.
RIO GRANDE NOVEMBRO/2005
RESUMO
O tabagismo constitui um dos mais (se no o mais) graves problemas de sade pblica da atualidade, que transcende apenas a questes sanitrias, uma vez que causa efeitos econmicos relevantes sobre as economias, os quais possuem carter ambguo. Por um lado, traz benefcios econmicos decorrentes da produo, industrializao e comercializao de tabaco (principalmente para os pases grandes produtores); E, por outro, causa uma srie de malefcios decorrentes do consumo desse produto que geram considerveis custos econmicos e ambientais s diversas economias nacionais, inclusive ao Brasil, os quais somente em termos de gastos em sade pblica j so significativos. Nesse contexto, o objetivo deste trabalho foi estimar o impacto econmico dos custos diretos mdicos de doenas tabaco-relacionadas sobre o gasto federal anual em sade pblica no Brasil, efetuado no mbito do SUS. Utilizou-se um mtodo quantitativo de modelagem econmica, recorrendo-se, simultaneamente, com adaptaes, a um mtodo que faz parte da Metodologia dos Custos Econmicos da Doena (CdD) ou Costs of Illness. O custo direto mdico dessas doenas, apenas em termos de gastos com internaes, no ano de 2004, foi estimado, de forma conservadora (subestimada), em R$ 327.665.725,20, relativo cerca de 576.471 casos de internamento, o que representou cerca de 1,2% da despesa total em sade pblica efetuada pelo Governo Federal e a 0,6% dos gastos totais em sade pblica no pas, em 2003, e, indo-se mais alm, representou algo em torno de 0,02% do Produto Interno Bruto (PIB) do pas, em 2004. Concluindo-se, portanto, que, alm de serem uma causa importante de internao hospitalar no pas, tais enfermidades so tambm responsveis por um gasto considervel por parte do Governo Federal, e, assim, especulando-se que grandes volumes de recursos poderiam ser economizados, tornando possvel aferi-los a outros fins, caso se pudesse reduzir a prevalncia desse comportamento de risco no pas; E que, baseado nas evidncias disponveis, existe grande chance de que, efetivamente, os custos totais do tabagismo possam se igualar ou, at mesmo, superarem os benefcios econmicos gerados por ele s economias, inclusive no caso do Brasil. Palavras-chave: Custos Econmicos da Doena; Custos Diretos Mdicos; Tabaco-relacionadas; Tabagismo; Prevalncia; Brasil.
SUMRIO
Pgina LISTA DE TABELAS.......................................................................................................... vii
LISTA DE QUADROS......................................................................................................... viii
LISTA DE FIGURAS........................................................................................................... ix
LISTA DE GRFICOS......................................................................................................... x
RESUMO.............................................................................................................................. xii
1 INTRODUO.................................................................................................................. 1
2 ASPECTOS GERAIS DO TABAGISMO......................................................................... 6
2.1 Aspectos histricos....................................................................................................... 6
2.1.1 Histria do tabaco/tabagismo no mundo.............................................................. 6
2.1.2 Histria do tabaco/tabagismo no Brasil................................................................ 10
2.2 Epidemiologia.............................................................................................................. 11
2.2.1 Consumo de tabaco.............................................................................................. 11
2.2.2 Prevalncia do tabagismo..................................................................................... 15
2.3 Doenas tabaco-relacionadas......................................................................................... 19
2.3.1 Substncias qumicas do cigarro........................................................................... 20
2.3.2 Substncias qumicas da fumaa do cigarro.......................................................... 22
2.3.3 Doenas associadas ao tabagismo.......................................................................... 25
2.3.4 Morbidade e mortalidade atribudas ao tabagismo................................................. 30
2.4 Aspecto Ambientais do tabaco....................................................................................... 33
3 ASPECTOS ECONMICOS DO TABAGISMO.............................................................. 37
3.1 Cenrio econmico do tabaco/tabagismo....................................................................... 37
3.2 Benefcios econmicos do tabaco/tabagismo................................................................. 41
3.3 Custos econmicos do tabagismo................................................................................... 49
4 ECONOMIA DA SADE: UMA ABORDAGEM SOBRE OS CUSTOS ECONMICOS DA DOENA.............................................................................................
53
4.1 Custos econmicos da doena........................................................................................ 54 4.1.4 Referencial terico................................................................................................. 54 4.1.2 Aspectos metodolgicos........................................................................................ 60 4.1.3 Evidncia emprica................................................................................................ 64 5 MTODO............................................................................................................................ 69
5.1 Abordagem..................................................................................................................... 70
5.2 Fonte e natureza dos dados............................................................................................. 70
5.2.1 Dados de gastos hospitalares.................................................................................. 71
5.2.1.1 Limitaes................................................................................................... 73
5.2.2 Dados sobre percentuais de risco atribuvel populao (RAP)............................ 76
5.3 Clculo das estimativas.................................................................................................. 76
5.4 Resultados estilizados..................................................................................................... 82
6 CONSIDERAES FINAIS.............................................................................................. 91
7 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................................ 97
LISTA DE TABELAS
Pgina TABELA 1 - CONSUMO DE RVORES NA FUMICULTURA (REGIO SUL) - SAFRAS 1990/91-1997/98.....................................................................................................
35
TABELA 2 - MAIORES PRODUTORES MUNDIAIS DE FUMO 2003.........................
38
TABELA 3 - PRINCIPAIS EXPORTADORES DE FUMO (VOLUME) (t) 1994-1998..
40
TABELA 4 - PRINCIPAIS IMPORTADORES DE FUMO (VOLUME) (t) - 1994-1998...
41
TABELA 5 - CIGARROS E OS IMPOSTOS (BRASIL) 2003..........................................
46
TABELA 6 - CIGARROS E AS MARGENS DE RECEITAS (BRASIL) - 2003................
46
TABELA 7 - DISTRIBUIO DA RENDA BRUTA (BRASIL) 2003............................
47
TABELA 8 - FATURAMENTO TOTAL DO SETOR FUMAGEIRO (BRASIL) 2003...
47
TABELA 9 - EMPREGOS NO SETOR FUMAGEIRO (BRASIL) - 2003-2004.................
48
TABELA 10 - INTERNAES ATRIBUVEIS S DOENAS TABACO-RELACIONADAS- 2004.......................................................................................................
83
TABELA 11 - CUSTOS DE INTERNAES COM DOENAS TABACO-RELACIONADAS - 2004......................................................................................................
85
TABELA 12 - NMERO E CUSTOS DE INTERNAES POR TODAS AS CAUSAS POR CATEGORIA DE PROBLEMAS DE SADE 2004................................................
86
LISTA DE QUADROS
Pgina QUADRO 1 - COMPARAO ENTRE DEPENDNCIA DE NICOTINA E DE OUTRAS DROGAS...............................................................................................................
26
QUADRO 2 - TIPOLOGIA DE CUSTOS EM AVALIAO ECONMICA....................
60
QUADRO 3 - DOENAS TABACO-RELACIONADAS CONSIDERADAS NO CLCULO E SEUS RESPECTIVOS PERCENTUAIS DE CASOS ATRIBUVEIS AO TABAGISMO ATIVO...........................................................................................................
78
QUADRO 4 - DOENAS TABACO-RELACIONADAS CONSIDERADAS NO CLCULO DE FORMA AGREGADA................................................................................
80
LISTA DE FIGURAS
Pgina FIGURA 1 - CONSUMO DE CIGARROS NO MUNDO - 1970-1992................................
12
FIGURA 2 - CONSUMO AGREGADO DE CIGARROS BRASIL - 1980-1996................
13
FIGURA 3 - NDICE DE CONSUMO DOS CIGARROS BRASILEIROS - 1983-1994....
14
FIGURA 4 - CONSUMO PER CAPITA DE CIGARROS NA POPULAO ACIMA DE 15 ANOS, BRASIL - 1980-2001.....................................................................................
15
FIGURA 5 - PREVALNCIA DE FUMO ESPECFICA POR GNERO E REGIES CONFORME A OMS - 1995.................................................................................................
17
FIGURA 6 - PREVALNCIA DE TABAGISMO (%) NO BRASIL POR SEXO, GRUPOS ETRIOS E ZONA URBANA/RURAL -1989....................................................
18
FIGURA 7 - PREVALNCIA DO USO DE TABACO NA VIDA ENTRE ESCOLARES DE 10 A 18 ANOS EM 10 CAPITAIS BRASILEIRAS - 1987-1988-1993-1997........................................................................................................................................
19
FIGURA 8 - NUS GLOBAL DE DOENAS E LESES ATRIBUIDAS AO TABAGISMO POR REGIO -1990.....................................................................................
32
FIGURA 9 - RECEITA DE TRIBUTAO SOBRE CIGARROS COMO PERCENTAGEM DO TOTAL DE RECEITA TRIBUTRIA DOS GOVERNOS DE PASES DA EUROPA E SIA CENTRAL..........................................................................
45
LISTA DE GRFICOS
Pgina GRFICO 1A - NMERO DE INTERNAES POR PATOLOGIA COMO PERCENTUAL (%) DO TOTAL DE INTERNAES ATRIBUVEIS S DOENAS TABACO-RELACIONADAS - NEOPLASIAS MALGNAS 2004................................
87
GRFICO 1B - NMERO DE INTERNAES POR PATOLOGIA COMO PERCENTUAL (%) DO TOTAL DE INTERNAES ATRIBUVEIS S DOENAS TABACO-RELACIONADAS - DOENAS DO APAR. RESPIRATRIO E DO DIGESTIVO 2004..............................................................................................................
87
GRFICO 1C - NMERO DE INTERNAES POR PATOLOGIA COMO PERCENTUAL (%) DO TOTAL DE INTERNAES ATRIBUVEIS S DOENAS TABACO-RELACIONADAS - DOENAS DO APAR. CIRCUL. E DO SIST. NERVOSO 2004................................................................................................................
88
GRFICO 2 - NMERO DE INTERNAES POR GRUPO DE PATOLOGIAS COMO PERCENTUAL (%) DO TOTAL DE INTERNAES ATRIBUVEIS S DOENAS TABACO-RELACIONADAS - 2004...............................................................
88
GRFICO 3A - CUSTO COM INTERNAES POR PATOLOGIA COMO PERCENTUAL (%) DO CUSTO TOTAL COM INTERNAES ATRIBUVEIS S DOENAS TABACO-RELACIONADAS - NEOPLASIAS MALGNAS 2004............
89
GRFICO 3B - CUSTO COM INTERNAES POR PATOLOGIA COMO PERCENTUAL (%) DO CUSTO TOTAL COM INTERNAES ATRIBUVEIS S DOENAS TABACO-RELACIONADAS - DOENAS DO APAR. RESPIRATRIO E DO DIGESTIVO 2004...................................................................................................
89
GRFICO 3C - CUSTO COM INTERNAES POR PATOLOGIA COMO PERCENTUAL (%) DO CUSTO TOTAL COM INTERNAES ATRIBUVEIS S DOENAS TABACO-RELACIONADAS - DOENAS DO APAR. CIRCUL. E DO SIST. NERVOSO 2004......................................................................................................
90
Pgina GRFICO 4 - CUSTO COM INTERNAES POR GRUPO DE PATOLOGIAS COMO PERCENTUAL (%) DO CUSTO TOTAL COM INTERNAES ATRIBUVEIS S DOENAS TABACO-RELACIONADAS 2004..............................
90
1 INTRODUO
Os homens, desde os primrdios, fazem uso de plantas, sobretudo, daquelas que,
supostamente, produzem efeitos medicinais, nesse sentido, TOSCANO JUNIOR (2001, p. 7)
afirma que (...) em Shanidar, no norte do Iraque, h 60 mil anos, o homem de Neanderthal j
tinha conhecimento de pelo menos oito plantas de comprovado valor medicinal. No entanto,
atualmente, no necessariamente, o uso que se faz de determinadas plantas possui unicamente
fins teraputicos (SOUZA, 2003).
Encaixam-se neste ltimo tipo, o uso das plantas do gnero nicotiana, cujas folhas
dessecadas constituem o tabaco ou fumo, o qual usado de diversas formas, mascado,
cheirado, entre outras, mas que, seguramente, o modo mais difundido o fumado,
constituindo, assim, o tabagismo (uso regular de tabaco, numa definio concisa) (BOEIRA e
GUIVANT, 2003; SOUZA, 2003).
Durante muito tempo, esse hbito foi visto como uma opo por um estilo de vida,
porm, nos dias de hoje, reconhecido como uma doena causada pela dependncia de uma
substncia, a nicotina, a qual leva milhes de pessoas a passarem anos se expondo a mais de
4.700 substncias txicas que causam graves doenas incapacitantes e fatais, como o cncer,
as doenas cardiovasculares e as doenas pulmonares obstrutivas crnicas, constituindo-se,
assim, em um dos mais graves problemas de sade pblica peculiar somente espcie
humana (MENEZES, 2004; MINISTRIO DA SADE, 2004b).
Isso pode ser corroborado pela ORGANIZAO MUNDIAL DA SADE (OMS)
apud ROSEMBERG (1987, p. 6) apud HACK [199?]1, que afirma: O tabagismo o maior
problema de sade pblica do mundo atual e um dos maiores desafios com que se defronta a
medicina preventiva do nosso tempo. O controle do hbito de fumar cigarros far mais pelo
homem e pela sua expectativa de vida do que qualquer outra ao preventiva..
E, ainda, segundo essa organizao, a cada ano morrem cerca de 5 milhes de pessoas
mundialmente devido ao consumo tabagista, e estima-se que se a atual tendncia de consumo
for mantida, nos prximos 30 a 40 anos, quando os fumantes de hoje atingirem a meia-idade
essa pandemia ser responsvel por aproximadamente 10 milhes de mortes. No Brasil,
segundo a ORGANIZAO PANAMERICANA DA SADE (OPAS), tal nmero de 200
mil mortes ao ano (MINISTRIO DA SADE, 2004b).
Contudo, os debates envolvendo o consumo de tabaco estendem a dimenso do
problema para alm de apenas o aspecto da sade pblica, uma vez que sua produo e
consumo tm um forte impacto nos recursos sociais e econmicos das naes (principalmente
as grandes produtoras), passando aqueles a incorporarem tambm questes polticas, sociais,
econmicas e ambientais, alm das sanitrias (BOEIRA e GUIVANT, 2003; HACK, [199?]).
Assim, sob a tica econmica, no centro da discusso se encontra, de um lado, a
contribuio do tabaco s vrias economias nacionais, incluindo gerao de emprego e renda,
comrcio exterior e tributao; E, de outro, os custos econmicos dos malefcios por ele
causados, como os gastos associados ao tratamento de doenas relacionadas ao seu consumo a
1 Ao longo deste trabalho, em algumas referncias de datas foi usado o ponto de interrogao, devido ao fato
de no ter se conseguido identificar a data certa desses documentos, sendo usado esse recurso principalmente para indicar dcada e ano provvel, por exemplo, [199?] e [2000?], respectivamente.
encargo dos governos desses pases, perdas econmicas, como queda de produtividade,
aposentadorias precoces, incndios, entre outros, alm dos custos relacionados ao impacto
ambiental, como poluio, desmatamento e degradao do solo (COMISSO EUROPIA,
OMS e BANCO MUNDIAL, 2003a).
Quanto a esses benefcios da produo, comercializao e consumo de tabaco, de
forma bruta, inquestionavelmente eles existem e so relativamente fceis de serem obtidos em
documentos oficiais e relatrios estatsticos. J a medio desses custos tem sido motivo de
grandes debates e tentativas de quantificao em todo o mundo (principalmente nos EUA)
(BARROS, 2001).
No final das contas, de forma lquida, ser que os benefcios econmicos propiciados
pelo consumo tabagista, ainda superam os custos causados por ele s economias e a
sociedade?
Com efeito, somente os custos de ateno direta sade decorrente do tabaco so
considerveis, nos pases de alta renda, calcula-se que o gasto anual com assistncia sade
conseqente de doenas causadas pelo tabagismo corresponda a um percentual entre 6% e
15% do custo total em sade; Enquanto que nas naes de baixa renda, provavelmente por seu
consumo ter iniciado mais tardiamente, esse gasto representa uma parcela inferior do custo
sanitrio total (MINISTRIO DA SADE, 2004b).
Especificamente, no caso do Brasil, estimativas realizadas pelo Instituto Nacional do
Cncer (INCA) publicadas em 2000, evidenciaram que o governo brasileiro gastaria mais
com doenas tabaco-relacionadas do que arrecadaria com impostos sobre o tabaco, na
proporo de 1,5 para 1,0 (COSTA, [200?]).
Nesse contexto, observa-se a importncia do problema de pesquisa, a partir da
percepo de que atravs da estimao dos custos diretos mdicos, mesmo apenas em termos
de gastos com internaes, de doenas relacionadas ao tabagismo que recaem sobre o sistema
pblico nacional de sade (Sistema nico de Sade - SUS), pode-se avaliar, pelo menos
parcialmente, o nus que essa pandemia representa ao Governo Federal, em termos de gastos
com sade pblica.
Podendo, ainda, desde que tenha um prosseguimento para estimar valores menos
conservadores (subestimados), um estudo deste tipo, vir a subsidiar anlises de custo-
benefcio2 e de custo-efetividade3 de polticas e medidas em sade pblica que visem a
reduzir o consumo tabagista no pas, alm de poder contribuir para, quem sabe, uma futura
quantificao dos custos totais do tabagismo sociedade brasileira, podendo, assim,
colaborar, de forma significativa, para uma futura avaliao dos custos e dos benefcios de
todo o complexo produtivo do tabaco economia nacional (LUNES, 2004).
Sendo assim, quanto o Governo Federal gasta anualmente com os custos econmicos
diretos mdicos de doenas relacionadas ao consumo tabagista, e qual a significncia desses
gastos em relao despesa nacional total em sade pblica no pas?
Diante do problema exposto, este trabalho tem por objetivo, de forma geral, estimar o
impacto econmico dos custos diretos mdicos de doenas tabaco-relacionadas sobre o gasto
federal anual em sade pblica no Brasil, efetuado no mbito do SUS, e, mais
especificamente, quantificar os custos diretos mdicos (somente com internaes) dessas
doenas a encargo dessa esfera governamental, no perodo de um ano, e, em seguida, avaliar a
significncia desses custos perante o gasto nacional total em sade pblica, no mesmo
perodo.
A fim de se atingir esses objetivos, utilizou-se um mtodo quantitativo de modelagem
econmica, recorrendo-se, simultaneamente, com adaptaes, ao mtodo mais usado na
2 Segundo LUNES, 2002, este tipo de instrumento destina-se a avaliar a viabilidade econmica de projetos
sociais, tendo por objetivo mostrar a relao entre os custos totais de cada programa e os benefcios diretos e indiretos gerados.
3 Segundo LUNES, 2002, este tipo de instrumento destina-se escolha da melhor estratgia para atingir um
determinado objetivo, sendo sempre um estudo comparativo de alternativas de interveno diferentes para executar uma mesma ao.
literatura disponvel para estimao dos custos diretos mdicos de doenas, que consiste na
considerao da proporo de co-morbidades (doenas derivadas) atribuveis a essa doena
principal (ou fator de risco) e a multiplicao desses valores percentuais pelo custo de
tratamento dessas doenas derivadas, este mtodo faz parte da Metodologia dos Custos
Econmicos da Doena (CdD) ou Costs of Illness. Em seguida, analisa-se a
representatividade desses custos comparando-os percentualmente com a despesa total em
sade pblica.
A organizao deste trabalho est disposta, alm deste captulo introdutrio, da
seguinte forma:
No segundo captulo, procurou-se descrever alguns aspectos gerais do tabagismo,
expondo-se a sua origem e evoluo, seu consumo e prevalncia no mundo e no Brasil, as
substncias constantes no cigarro e na fumaa dele, e as principais doenas tabaco-
relacionadas, alm do impacto ambiental da produo e consumo de tabaco.
O terceiro captulo expe os principais aspectos econmicos do tabagismo,
evidenciando o atual cenrio produtivo e econmico do tabaco, os potenciais benefcios e
custos do consumo desse produto.
No quarto captulo, apresentou-se uma reviso da literatura de Economia da Sade
referente aos custos econmicos da doena, abordando-se o referencial terico, os aspectos
metodolgicos de estimao, assim como alguns trabalhos empricos disponveis sobre custos
de enfermidades.
No quinto captulo, buscou-se detalhar o mtodo empregado, demonstrando-se a
seqncia metodolgica aplicada, bem como as estimativas obtidas, de forma estilizada.
Por fim, o sexto captulo discute as constataes observadas ao longo do trabalho
sobre o tabagismo, assim como os resultados obtidos nas estimativas.
2 ASPECTOS GERAIS DO TABAGISMO
Este captulo procura expor as origens e evoluo do tabagismo, seu consumo e
prevalncia no mundo e no Brasil, as substncias constantes no cigarro e na fumaa dele e as
principais doenas tabaco-relacionadas, alm do impacto ambiental do plantio e consumo de
tabaco.
2.1 Aspectos histricos
2.1.1 Histria do tabaco/tabagismo no mundo
A origem exata do tabaco ou nicotiana tabacum4 (nome cientfico), permanece
desconhecida pelas pesquisas e histria, no entanto, existem pelo menos duas teorias
pretendendo elucidar o surgimento e a difuso da fumicultura pelo mundo (SEFRIN, 1995).
4 Esta denominao cientfica foi dada pelo botnico Jacques Dalchamp. A palavra nicotiana deriva do nome
do embaixador da Frana em Portugal, Jean Nicot (considerado o difusor do tabaco pela Europa) em sua homenagem, enquanto o nome complementar tabacum vem do nome do instrumento utilizado para aspirar a fumaa pelos ndios do Haiti, o tabacum (SAIDEMBERG, 2001).
A primeira teoria, mais difundida e aceita, afirma que essa planta teria sido originado
nas Amricas. Enquanto a segunda defende que seria de origem asitica, onde o tabaco
designaria de certas plantas j fumadas, provavelmente em cachimbos, desde o sculo IV
(FERRARI, 2003).
Segundo a primeira, verso mais aceita inclusive pela Associao Brasileira da
Indstria do Fumo (ABIFUMO) e pela Associao dos Fumicultores do Brasil (AFUBRA), as
quais se baseiam principalmente nas pesquisas de NARDI (1985, p. 5) apud SOUZA (2003),
que concluem: (...) a planta nasceu provavelmente nos vales orientais dos Andes Bolivianos
e se difundiu no atual territrio brasileiro, atravs das migraes indgenas, sobretudo tupi-
guarani. Ainda, existem indcios de que os indgenas americanos usavam o tabaco como
planta sagrada nas cerimnias mgico-religiosas e em momentos de grande deciso, com os
de guerra e paz (FERRARI, 2003).
Essa verso corroborada por COSTA e SILVA (1990) apud SOUZA (2003), os quais
defendem que o uso do tabaco surgiu aproximadamente no ano 1000 a.C., nas sociedades
indgenas da Amrica Central, em rituais mgico-religiosos.
Tais indcios demonstram, atravs de desenhos do sculo I d.C., o registro do fumo de
rolos feitos com folhas de tabaco pelos povos da Amrica do Sul e Central. Igualmente,
indicam que, bem antes, h 50 sculos a.C. na Guatemala j usavam o tabaco, e que no
Mxico, os astecas e mexicas o teriam utilizado h aproximadamente 10 sculos a.C.
(FERRARI, 2003).
Por outro lado, conforme a segunda verso, o termo tabaco teria origem na sia do
sculo IX da era atual, j que a palavra rabe tabbq designaria determinadas plantas j
fumadas em cachimbos (ETGES, 1991 apud SOUZA, 2003).
parte o mistrio que envolve sua origem, o fato mais certo que os europeus
tiveram o primeiro contato com o tabaco quando os nativos ofereceram as folhas da planta a
Cristovo Colombo, no ano de 1492, e que a famosa carta enviada corte portuguesa por
Amrico Vespcio descreveu, pela primeira vez na histria, o charuto e o uso do tabaco.
Evidenciando que a histria do fumo nas Amricas, comeou bem antes da chegada desses
povos (FERRARI, 2003; GIRARDI, 2003; SEFRIN, 1995).
Quanto a isso, a OMS (1992, p. 21) apud SOUZA (2003) descreve:
(...) na antiguidade existiam no Cone Sul numerosas espcies de tabaco, embora no tenham despertado muito interesse at cerca de 8000 anos, quando as mudanas ocorridas no consumo de alimentos foraram a populao a passar da caa e da coleta ao cultivo da terra. Nessa poca as populaes emigram das savanas abertas do sul do continente, pouco adequadas agricultura, para as selvas tropicais do Amazonas e regies ainda mais ao norte, incluindo Caribe. O tabaco passa a ser, ento, um dos cultivos habituais destes primeiros agricultores.
Com relao s razes pelas quais se usava o tabaco, tambm existem algumas
divergncias na literatura. Para NARDI (1985) apud SOUZA (2003), o fumo era utilizado
para a iniciao dos pajs e nas cerimnias tribais. Afirmava que, esses ao fumarem, entravam
em transe e em contato com os deuses, espritos, almas dos mortos, ou ainda prediziam o
melhor momento para ir caa, viajar ou atacar o inimigo. Ainda, que a fumaa era
considerada purificadora: protegia dos maus espritos o jovem guerreiro, a roa, a safra ou a
comida. Como planta medicinal, o tabaco curava as feridas, as enxaquecas ou as dores de
estmago.
Ainda discorrendo sobre os usos do fumo, esse autor complementa que este era
conhecido pela maior parte das tribos indgenas, as quais faziam um uso essencialmente
mgico-religioso e medicinal. E que fumavam-no principalmente em charutos fabricados com
folhas de milho ou outras (Amrica Central e Meridional) ou em cachimbos (Amrica do
Norte), mas, era ainda mascado, bebido ou pitado.
Pode se dizer que at pouco mais de quatro sculos atrs o tabaco era desconhecido
pela maior parte da populao mundial, sua difuso na Europa ocorreu somente a partir do
sculo XVI, quando comeou a ser cultivado e consumido, inicialmente em cachimbos
(FERRARI, 2003; GIRARDI, 2003).
Embora, o crdito de sua difuso tenha sido dado ao embaixador francs em Portugal,
Jean Nicot, que em 1959, utilizou as folhas de tabaco, vindas do Brasil e plantadas na
embaixada, para fins medicinais. Tambm h relatos de difuso do tabaco por outros europeus
como Andr Thevet, capelo da expedio Francesa, entre 1555 e 1567 e Sir Francis Drake,
navegador ingls do sculo XVI, que perceberam que as suas folhas eram utilizadas de formas
diversificadas pelos ndios e ampliaram seu uso em xaropes, extratos, blsamos, colrios,
sucos, inalaes, emplastros, fumigaes, pomadas, etc. Assim, o tabaco foi indicado na
tentativa de curar lceras, feridas, enxaquecas, reumatismos, hrnias, gota, sarna, doenas
venreas e at mesmo asma e bronquite crnica. E, devido s suas virtudes curativas, em
1650, j havia conquistado todos os continentes (FERRARI, 2003).
No auge do sculo XVII, o hbito de fumar estava difundido na Europa. Em Paris
surgem descries da nova moda de fumar, o cigarette, apreciado pelas mulheres nos sales
galantes parisienses; Na Inglaterra Sir Walter Raleigh, sem a aprovao da rainha Elizabeth I,
cultivou o tabaco e consagrou o cachimbo entre a nobreza, sendo esse sculo considerado a
idade de ouro do cachimbo (SOUZA, 2003).
No incio do sculo XVIII, espalhou-se a moda de aspirar rap (tabaco em p) em
tabaqueiras nobres, fabricadas com ouro, chifres, madeira e marfim (assim, transformando-se
em mais um smbolo de status), atribuindo-se a esse p propriedades medicinais (FERRARI,
2003; SOUZA, 2003).
J no incio do sculo XIX, o uso do charuto comeou a propagar-se, difundindo-se
em todos os continentes e tornando-se praticamente universal e, no decurso desse sculo, aos
poucos, o cigarro dominou o mercado, mas a grande expanso do hbito de seu consumo data
da Primeira Guerra Mundial (1914/1918), espalhando-se de forma epidmica por todo o
mundo a partir de meados do sculo XX (FERRARI, 2003; SOUZA, 2003).
Sendo seu consumo estimulado pela publicidade de forma direta e indireta (at
mesmo, mediante o financiamento de produes cinematogrficas) pela indstria fumageira,
associando o uso de cigarros ao glamour, classe e at virilidade, auxiliando, dessa forma, a
manter hbitos, crenas e simbolismos do tabaco, determinando uma extraordinria expanso
de seu consumo, representada pelo nmero mundial atual de fumantes, aproximadamente, 1,2
bilhes de pessoas, desde o incio de sua difuso pelo mundo, ou seja, pouco mais de quatro
sculos (CIGARRO: O FALSO ...., [200?]; FERRARI, 2003).
2.1.2 Histria do tabaco/tabagismo no Brasil
Relativamente origem do tabaco no Brasil, acredita-se que esse tenha chegado ao
territrio brasileiro provavelmente atravs de migraes indgenas (anteriores a chegada dos
europeus), principalmente de tribos tupis-guaranis (SOUZA, 2003; SEFRIN, 1995).
No entanto, segundo FERRARI (2003), existem estudos sugerindo o uso do tabaco
pelas tribos nambiquaras, h mais de 100 sculos a.C., na rea de Lagoa Santa (MG).
Os ndios brasileiros tambm consideravam que o fumo possua carter sagrado e
origem mstica, e, seu uso estava, geralmente, limitado a ritos mgico-religiosos e finalidades
medicinais, reservado, somente, aos pajs e usado em cerimnias tribais (SEFRIN, 1995).
Esses indgenas consideravam a fumaa do fumo purificadora, por suporem que essa
os protegia contra os maus espritos. Alm de acreditarem que a planta curava feridas,
enxaquecas e dores de estmago, etc. (SEFRIN, 1995).
Quanto s formas de consumo do fumo, consta que esses ndios adotavam pelo menos
seis usos diferentes, era comido, bebido, mascado, chupado, transformado em p e fumado,
entretanto, dentre todas as formas, o hbito de fumar era, certamente, o mais usado (SEFRIN,
1995).
A difuso da planta entre os colonos teve incio com estes adquirindo o fumo dos
ndios, mediante um sistema de trocas. E a partir de, aproximadamente, 1570, devido a uma
seqncia de guerras, aqueles mesmos comearam a cultiv-lo. Inicialmente seu objetivo era
o consumo prprio, e, em seguida, o comrcio, instigados pelos comerciantes portugueses,
com o intuito de abastecerem o mercado europeu (SEFRIN, 1995).
Assim, em ritmo de franco desenvolvimento a produo de fumo veio a se acelerar,
abrindo novas fronteiras, alm da Bahia (onde era cultivado inicialmente), comearam, assim,
a aparecer reas fumageiras em MG, GO, SP e, de forma mais acentuada, no RS, com a
chegada de imigrantes europeus de origem germnica. Em 1824, esse produto comeou a ser
cultivado na colnia de So Leopoldo e, em 1850, na colnia de Santa Cruz, futura Capital
Mundial do Fumo (SEFRIN, 1995).
Por fim, deve-se destacar que o tabaco sempre foi um produto economicamente
importante para o pas, de tal forma que, um de seus ramos foi incorporado, juntamente com o
caf, no braso de armas do Imprio, tornando-se na Repblica um dos principais geradores
de recursos tributrios (SEFRIN, 1995).
2.2 Epidemiologia
2.2.1 Consumo de tabaco
Atualmente, sabe-se que ao ano, mundialmente, cerca de 6 trilhes de cigarros so
consumidos, decorrentes da manufatura de quase 6 milhes de toneladas de folha seca de
tabaco (ACHUTTI, MENEZES e MALCON, [199?]).
O consumo anual de cigarros por adultos no mundo foi maior na dcada de1980 em
relao de 1970, mantendo-se relativamente estvel na dcada de 1990 (FIGURA 1).
Comparando-se a evoluo desse consumo nos pases desenvolvidos com a nos pases
menos desenvolvidos, observa-se situaes distintas. Os pases desenvolvidos, depois de um
aumento de consumo de 1970 para 1980, demonstraram alguma reduo na dcada de 1990
(ficando aquele nesta nessa ltima abaixo do verificado em 1970). Enquanto que os pases
menos desenvolvidos registraram um maior aumento de consumo da dcada de 70 at a de 90
(de 800 cigarros anuais por adulto para 1450 - ACHUTTI, MENEZES e MALCON, [199?])
de forma contnua.
FIGURA 1 - CONSUMO DE CIGARROS NO MUNDO - 1970-1992
FONTE: WORLD BANK PUBLICATION, 1999 apud ACHUTTI, MENEZES e MALCON ([199?])
No Brasil, o consumo de cigarros registrado no ano de 1989 foi de 162,3 bilhes de
unidades (um dos mais altos atingidos no perodo considerado), tendo havido uma reduo
para cerca de 100 bilhes anuais, nos ltimos anos, apesar do crescimento populacional
(FIGURA 2) (ACHUTTI, MENEZES e MALCON, [199?]).
Nesses dados, os quais so oficiais, o consumo calculado pela deduo da produo
(se for considerado o quanto pode representar o contrabando de cigarros, possvel que esses
nmeros no correspondam realidade (ACHUTTI, MENEZES e MALCON, [199?];
VIEGAS, 2004).
E, infelizmente, como o conhecimento do volume de contrabando muito pobre e
incontrolvel (estima-se que esta fonte de cigarros possa chegar a 30% do total registrado), o
que sempre dificultar uma anlise aprofundada do montante de consumo no pas
(CHALOUPKA, 1999 apud ACHUTTI, MENEZES e MALCON, [199?]).
FIGURA 2 - CONSUMO AGREGADO DE CIGARROS BRASIL - 1980-1996
FONTE: INCA/FUNDAO GETLIO VARGAS - 07/96 apud ACHUTTI, MENEZES e MALCON ([199?])
Dados nacionais mostram que o ndice de consumo de cigarros, semelhana de
outros pases, est inversamente associado ao preo real mdio dos mesmos (FIGURA 3),
indicando que um aumento de preos pode ser uma medida eficiente na reduo do tabagismo
(MINISTRIO DA SADE, 1998 apud ACHUTTI, MENEZES e MALCON, [199?]).
Essa relao representada na FIGURA 3 at 1992, entretanto, a partir de 1993 at
1994, at 1994, tal relao no mais se evidencia. Talvez, esse ponto de ruptura e incio de um
novo padro de relao entre preo mdio e consumo possa ser explicado como sendo
resultado das campanhas anti-tabaco iniciadas pelo Ministrio da Sade em 1988, ou mesmo,
devido ao contrabando de cigarros que teve incio de forma significativa a partir de 1992
(FIGURA 4), entretanto como no se obteve dados mais atuais, no se sabe se esse novo
padro de relao permanece atualmente ou se foi temporrio.
FIGURA 3 - NDICE DE CONSUMO DOS CIGARROS BRASILEIROS - 1983-1994
FONTE: ACHUTTI, MENEZES e MALCON ([199?])
Quanto ao consumo per capita total no pas, entre 1980 e 2001, aquele apresentou uma
reduo de aproximadamente 38%, baixando de 1.937 unidades, em 1980, para 1.194, em
2001 (FIGURA 4) (INCA/CONPREV, 2002 apud MINISTRIO DA SADE, 2004b).
FIGURA 4 - CONSUMO PER CAPITA DE CIGARROS NA POPULAO ACIMA DE 15 ANOS, BRASIL - 1980-2001
FONTE: MS, SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL (SRF) apud MINISTRIO DA SADE (2004b)
2.2.2 Prevalncia do tabagismo
Apesar de todo o conhecimento cientfico acumulado sobre os riscos do tabaco
sade, as tendncias mundiais de consumo possuem carter epidmico, o que evidencia
elevada freqncia de dependncia ao tabagismo em ambos os sexos, tanto em pases
desenvolvidos, como nos em desenvolvimento.
No incio da dcada de 1990, cerca de 1,1 bilho de pessoas fumavam no mundo, em
1998, esse nmero j era de 1,25 bilho, e, atualmente, atinge a astronmica cifra de 1,3
bilho de fumantes, aproximadamente, um quarto da populao mundial (MINISTRIO DA
SADE, 2004b; MENEZES, 2004). E, ainda, a OMS estima que no havendo uma mudana
de curso da exposio mundial ao tabagismo, o nmero de fumantes em 2030 passar a ser de
1,6 bilho de indivduos (TABAGISMO, 2002-2003).
Existem importantes diferenas no padro e tendncias do consumo de tabaco por
gnero e por classe social no mundo. Com relao ao gnero, desde que o tabagismo foi
introduzido na sociedade moderna, a proporo de homens fumantes tem sido mais elevada
do que a de mulheres. Para se ter uma noo da supremacia do sexo masculino na referida
proporo, dos 1,3 bilho de fumantes no mundo, apenas cerca de 300 milhes so mulheres e
o restante, em nmero muito maior, aproximadamente 1 bilho, constitudo de homens
(MENEZES, 2004; TABAGISMO, 2002-2003).
Contudo, mais recentemente, tem se observado uma sutil reduo na prevalncia do
tabagismo entre o sexo masculino, sobretudo nos pases desenvolvidos, embora tambm
esteja ocorrendo em alguns pases em desenvolvimento. J a tendncia da prevalncia entre o
sexo feminino apresenta-se de forma distinta daquela evidenciada nos homens, pois
excetuando-se alguns pases desenvolvidos, como Austrlia, Canad, EUA e Reino Unido,
nos quais se nota uma tendncia reduo do tabagismo, entre elas, nos demais pases, esta
no tem sido encontrada, e sim, uma de aumento na proporo de fumantes correntes neste
ltimo gnero (MENEZES, 2004; TABAGISMO, 2002-2003). Em termos percentuais, de
forma geral, cerca de 9% das mulheres dos pases desenvolvidos e 22% dessas dos pases em
desenvolvimento so fumantes de cigarros (MINISTRIO DA SADE, 2004b).
Outra tendncia na atualidade refere-se a um aumento da freqncia de consumo do
fumo entre adolescentes em vrios pases, evidenciando que a iniciao dos futuros
dependentes de tabaco est ocorrendo de forma cada vez mais precoce (MENEZES, 2004).
As estimativas de prevalncia e de percentuais de fumantes de 15 anos ou mais, por
sexo, para as diversas regies do mundo, conforme a OMS, so apresentadas na FIGURA 5.
FIGURA 5 - PREVALNCIA DE FUMO ESPECFICA POR GNERO E REGIES CONFORME A OMS - 1995
FONTE: WHO, 1997 apud ACHUTTI, MENEZES e MALCON ([199?])
Quanto ao nvel socioeconmico, no incio de sua expanso em pases desenvolvidos,
o tabagismo mostrava uma maior prevalncia entre pessoas de classes sociais mais
favorecidas. Entretanto, nas ltimas trs ou quatro dcadas, esse panorama comeou a
modificar-se (pelo menos entre os homens) e, principalmente, nesses pases, as pessoas de
melhor situao econmica foram progressivamente abandonando o hbito de fumar e,
atualmente, uma prevalncia mais elevada observada na populao de mais baixa renda e
escolaridade (TABAGISMO, 2002-2003; ACHUTTI, MENEZES e MALCON, [199?]).
Assim, nos dias de hoje, so as classes de baixa renda as que tendem a fumar mais, e,
estima-se que, atualmente, dos 1,3 bilho de fumantes existentes no mundo, 84% vivem em
pases em desenvolvimento ou em pases com economias em transio, e essa proporo
tender a aumentar para 88% em 2025 (mesmo admitindo um decrscimo de em 1% ao ano)
(MINISTRIO DA SADE, 2004a).
Um exemplo dessa inverso ocorreu na Noruega, onde a percentagem de homens
fumantes de altos nveis econmicos caiu de 75% em 1955 para 28% em 1990, enquanto o
declnio, nesse mesmo perodo, foi bem mais modesto entre homens de baixo nvel
econmico, apenas de 60% para 48% (TABAGISMO, 2002-2003).
Sob a tica da escolaridade, na china, entre pessoas sem nenhuma escolaridade, a
prevalncia do tabagismo 6,9 vezes maior do que entre pessoas com nvel mdio, e sobe
para sete vezes se comparado com indivduos que possuem o terceiro grau. Corroborando, um
estudo de prevalncia do tabagismo entre homens em Chennai (ndia) mostrou que, em 1997,
a taxa mais alta foi encontrada entre os analfabetos (64%). E que esta prevalncia tende a
diminuir na medida em que aumenta o nmero de anos de estudo, e que entre pessoas com
mais de 12 anos de escolaridade chega a ser de 21%, ou seja, a tera parte da encontrada entre
pessoas sem qualquer escolaridade (MINISTRIO DA SADE, 2004a).
Segundo o BANCO MUNDIAL, quase 100.000 indivduos comeam a fumar a cada
dia no mundo inteiro (destes, mais de 80.000 so jovens de pases em desenvolvimento).
Afirma, ainda, que a idade mdia de iniciao no tabagismo 15 anos, o que fez com que a
OMS passasse a considerar este como uma doena peditrica (WORLD BANK, 1999 apud
MINISTRIO DA SADE, 2004b).
A nvel nacional, estima-se que, no pas, um tero da populao adulta seja fumante,
sendo 16,7 milhes de homens e 11,2 milhes de mulheres. As duas principais pesquisas
nacionais realizadas, uma em 1989 (Pesquisa Nacional sobre Sade e Nutrio - PNSN)
apontou prevalncia de fumantes em 32% da populao brasileira, enquanto outra, em 2001,
encontrou tal prevalncia em 20% da referida populao (MENEZES, 2004).
FIGURA 6 - PREVALNCIA DE TABAGISMO (%) NO BRASIL POR SEXO, GRUPOS ETRIOS E ZONA URBANA/RURAL -1989
FONTE: PNSN, 1989 apud ACHUTTI, MENEZES e MALCON ([199?])
Ainda, semelhana do contexto mundial, no pas, apesar das estatsticas de reduo
do tabagismo, a experimentao de cigarros entre jovens tem aumentado. Com efeito, um
estudo realizado em 10 capitais brasileiras, com aproximadamente 24.000 escolares, revelou
que o tabaco a segunda droga mais consumida entre jovens, e que tal experimentao vem
aumentando entre escolares de 10 a 18 anos de idade. Esse mesmo estudo tambm evidenciou
que essa experimentao tem crescido entre as meninas (FIGURA 7) (MINISTRIO DA
SADE, 2004b).
FIGURA 7 - PREVALNCIA DO USO DE TABACO NA VIDA ENTRE ESCOLARES DE 10 A 18 ANOS EM 10 CAPITAIS BRASILEIRAS - 1987- 1988-1993-1997
FONTE: MINISTRIO DA SADE (2004b)
2.3 Doenas tabaco-relacionadas
A fim de facilitar o entendimento do motivo de o fumo causar tantas doenas, nesta
seo, procurou-se, primeiramente, expor superficialmente as substncias contidas no cigarro
e em sua fumaa, para, ento, em seguida, descrever as principais patologias relacionadas ao
consumo de tabaco, de forma ativa e passiva, constantes na literatura disponvel.
2.3.1 Substncias qumicas do cigarro
Na engenharia do cigarro, os fabricantes controlam uma ampla gama de fatores, como
manter o cigarro aceso entre as baforadas, reduzir o desperdcio de tabaco, alterar o sabor do
fumo e controlar as quantidades de substncias (alcatro e nicotina) medidas pelos rgos
governamentais (HENNINGFIELD, 1988 apud BOEIRA e GUIVANT, 2003).
Assim, costuma-se adicionar fosfatos ao papel para garantir uma queima constante,
alm dos vrios aditivos j presentes no prprio tabaco e do prprio tipo deste e dos processos
de curtio. Ainda, uma grande variedade de outras substncias adicionada nas mltiplas
etapas de processamento, a exemplo de dietileno, d-sorbitol, glicol, glicerina, (a fim de
reterem o umidade do fumo para que ele queime melhor), metais pesados (nquel e potssio),
elementos radioativos (potssio-40), o chumbo-210 e o rdio-226 (provenientes do ambiente
natural), aucares, xaropes, licores, blsamos, extratos de frutas, leos mentolados, coca,
substncias aromticas e aditivos sintticos tambm so utilizados para controlar o sabor
(BOEIRA e GUIVANT, 2003; SOUZA, 2003).
A seguir, apresenta-se uma sntese das substncias qumicas usadas na fabricao dos
cigarros, de acordo com dados do Departamento de Qumica da Universidade de So Paulo
(BOEIRA e GUIVANT, 2003) e pesquisas do INCA (MINISTRIO DA SADE, 1997 apud
SOUZA, 2003):
i) Amnia (NN3) Produto usado em limpeza de azulejos. corrosiva para o nariz e
para os olhos. Vicia. Facilita a absoro de nicotina pelo organismo;
ii) Propilenogoglicol (C3H8O2) Usado em desodorantes. Faz a nicotina chegar ao
crebro. Tambm utilizado como umectante para hidratar o tabaco;
iii) Acetato de chumbo [PB (CH3CO2)2] Presente na frmula de tinturas para
cabelo, como o Grecin 2000. Cancergeno e cumulativo no organismo. Banido da
gasolina;
iv) Formol (CH2O) Conservante de cadver. Nos vivos, provoca cncer no pulmo,
problemas respiratrios e gastrointestinais;
v) Plvora Libera partculas cancergenas quando queimada. Facilita a combusto
do cigarro e a produo de uma fumaa suave. Provoca tosse, falta de ar e irritao
das vias respiratrias;
vi) Methoprene Inseticida usado em anti-pulgas. Provoca irritaes na pele e leses
no aparelho respiratrio;
vii) Cdmio (Cd) Usado em pilhas e baterias. Metal altamente txico e cumulativo
no organismo. Causa danos nos rins e no crebro. Corri o trato respiratrio,
provoca perda de olfato e edema pulmonar. Leva at 20 anos para ser expelido;
viii) Naftalina (C1OH8) usada para matar baratas. Gs venenoso sintetizado em
forma de bolinhas. Provoca tosse, irritao na garganta, nuseas, transtornos
gastrointestinais e anemia;
ix) Fsforo (P4 ou P6) Usado na preparao de veneno para ratos, como o Racumin;
x) Acetona (C3H6O) Usado em removedor de esmalte. Entorpecente e inflamvel.
Irrita a pele e a garganta, d dor de cabea e tontura;
xi) Terebentina Usado para diluir tintas a leo e limpar pincis. Txico extrado de
resina de pinheiros. Quando inalado irrita olhos, rins e mucosas. Pode provocar
vertigem, desmaios e danos ao sistema nervoso;
xii) Xileno (C8H1O) Presente em tintas de caneta. Inflamvel e cancergeno.
Quando inalado irrita olhos, causa tontura, dor de cabea e perda de conscincia;
xiii) Butano (C4H1O) Gs de cozinha. Mortfero e altamente inflamvel. Quando
inalado, substitui o oxignio no pulmo e bombeado para o sangue. Causa falta
de ar, problemas de viso e coriza.
Atualmente, a tecnocincia tem viabilizado a manipulao qumica como arma
comercial, e o caso mais conhecido o uso de amnia no processamento de cigarros para
reduzir o efeito da acidez, tornando o fumo mais alcalino e, assim, liberar mais nicotina no
organismo do fumante (ESPECIALISTAS...., 1998 apud BOEIRA e GUIVANT, 2003).
2.3.2 Substncias qumicas da fumaa do cigarro
A fumaa do cigarro contm cerca de 4.720 substncias volteis e elementos
particulados suspensos, os principais so o monxido de carbono, amnia, acrolena, acetona
e xidos de nitrognio, e, ainda, uma srie de substncias carcingenas (cancergenas), como
alcatro, nitrosaminas, formaldedo e beno[a]pireno (FERRARI, 2003; GIRARDI, 2003).
Contudo, certamente, as trs mais conhecidas so o alcatro, o monxido de carbono e a
nicotina (SOUZA, 2003).
Essa fumaa tem duas fontes, a corrente principal e a secundria; E formada por duas
fases, uma a particulada e outra, a gasosa (GIRARDI, 2003; SOUZA, 2003).
Com relao s suas fontes, a corrente principal corresponde a fumaa que sai do
cigarro e tragada pelo fumante, enquanto que a secundria refere-se fumaa que sai da
ponta do cigarro e vai para o meio-ambiente (HENNINGFIELD, 1988 apud SOUZA, 2003).
Deve-se considerar que a fumaa da corrente principal e a da secundria so similares em
termos de composio qumica, no entanto, diferem em relao concentrao dos
componentes especficos. Nesse sentido, grande parte dos compostos orgnicos lesivos ao
aparelho respiratrio e das substncias carcinognicas encontram-se na corrente secundria
em maiores concentraes, j que a queima do cigarro ocorre em temperatura inferior
proporcionada pelas tragadas dos fumantes (GIRARDI, 2003).
Quanto s fases dessa fumaa, a particulada rene vrias substncias denominadas de
alcatro (este o total de partculas materiais menos as de gua e de nicotina, o qual s est
presente no tabaco queimado5, ou seja, um produto da queima desse, melhor dizendo, da
matria orgnica submetida combusto na presena do ar e da gua, numa temperatura
suficientemente alta) (HENNINGFIELD, 1988 e HOLBROOK, 1998 apud SOUZA, 2003).
Segundo HENNINGFIELD (1988) apud SOUZA (2003), o alcatro uma das maiores
ameaas sade contidas no cigarro, uma vez que nele h vrios tipos de substncias
cancergenas, como arsnico, nquel, benzo[a]pireno, sendo, por isso, causador de vrios tipos
de cncer. Reforando-se, por exemplo, atualmente, sabe-se que o benzo[a]pireno um dos
carcinognicos mais potentes entre todos os conhecidos (SILVA, 2004).
J a fase gasosa, a qual representa cerca de 60% do total da fumaa do cigarro, rene
inmeros gases, entre os quais, o nitrognio, oxignio, dixido de carbono, hidrognio,
metano e o perigoso monxido de carbono (SILVA, 2004).
O monxido de carbono (CO)6, quando inalado, combina-se com a hemoglobina do
sangue, formando a carboxi-hemoglobina, que interfere na habilidade do organismo de obter a
utilizar o oxignio, causando, desse modo, uma reduo na oxigenao dos tecidos, com
efeitos deletrios principalmente no sistema nervoso central e circulatrio. Logo, o CO fator
de risco relevante em muitas doenas associadas ao fumo e est, inclusive, relacionado a
efeitos danosos sobre o desenvolvimento do feto quando a gestao acompanhada, direta ou
5 Como o alcatro existe apenas no tabaco queimado, o rap (tabaco em p para cheirar) e o tabaco para
mascar no o liberam (SOUZA, 2003). 6 Para se ter uma noo da quantidade de CO presente na fumaa do cigarro, segundo o INCA nessa ltima, a
concentrao desse gs de 20 a 60 mil partes por milho (ppm), enquanto na fumaa do cano de descarga de um carro de 30 a 80 mil ppm, ou seja, equivalendo a quantidade na primeira, em mdia, a 75% de CO expelido pelo escapamento de automveis (BOEIRA e GUIVANT, 2003).
indiretamente, pela PTA (Poluio Tabgica Ambiental) (BOEIRA e GUIVANT, 2003;
MAUCH e SILVA, 1999).
Relativamente aos efeitos da nicotina (a qual um alcalide de frmula molecular
C10H4N2, presente na folha do tabaco), estes so os mais complexos e ainda esto sendo
matria de anlise, entre os conhecimentos mais consolidados, at agora, est o de sua relao
com alteraes no sistema cardiovascular (infarto do miocrdio, por exemplo), com cncer e,
especialmente, ao reforo da vontade de fumar (dependncia qumica, fisiolgica e
psicolgica) (BOEIRA e GUIVANT, 2003; MAUCH e SILVA, 1999; SILVA, 2004).
Ilustrando o efeito devastador dessa dependncia, ROIZEM (1999, p. 126) apud
BOEIRA e GUIVANT (2003), afirma que dos 50 milhes de americanos que fumam, 70%
querem parar e mais de um tero tenta, todo ano. S cerca de 3% tm sucesso.
Um ltimo aspecto a se considerar que os efeitos txicos podem variar em
intensidade de um produto para outro (cigarro artesanal, charuto e cachimbo, cigarros
industrializados e cigarros industrializados de baixos teores) e, mesmo, em um mesmo
produto de tabaco, conforme o uso feito pelo fumante (SOUZA, 2003).
Por exemplo, os cigarros com baixos teores de alcatro e nicotina podem propiciar os
mesmos teores que um cigarro tradicional, caso o fumante, para tanto, utilize apenas um dos
mecanismos compensatrios em conseqncia da dependncia nicotina (fumar mais cigarros
por dia, tragando mais vezes ou mais profundamente). Alm da complementao de aditivos
qumicos, potencialmente nocivos sade, acrescentados queles primeiros em busca da
obteno do cheiro e do gosto de que so desprovidos em razo da baixa quantidade de
nicotina e alcatro, tornando-os to txicos quanto os ltimos (KROEFF, 2002; SOUZA,
2003).
Nesse sentido, corrobora o especialista HENNINGFIELD (1988, p. 20) apud BOEIRA
e GUIVANT (2003), acrescentando que quem fuma cigarros de baixos teores acaba inalando
a fumaa mais profundamente, como forma de atingir a satisfao, o que pe por terra as
vantagens desse tipo de cigarro.
Concluindo-se, embora a nicotina tenha ao nociva sobre o organismo, a maior parte
dos danos fsicos causados pelo cigarro advm do monxido de carbono e de constituintes do
alcatro, mesmo assim, aquela substncia o principal alcalide do tabaco e o responsvel
por seus efeitos psicoativos (dependncia) (FERREIRA, 2001 apud SOUZA, 2003).
Por fim, apesar da ao dos elementos da fumaa do cigarro no metabolismo de cada
clula do corpo humano ter comeado a ser desvendada pela cincia na gerao das doenas
tabaco-relacionadas (alterao nos genes, carcinognese, aumento de radicais livres e da
carboxi-hemoglobina, disfunes enzimticas, metablicas e hormonais, alteraes vasculares
e brnquicas), o estudo da composio qumica desses elementos penetra em diversas reas
do conhecimento, como a qumica orgnica e inorgnica, bioqumica, gentica, radioatividade
e biologia molecular, entre outras, o que, sem dvida, tornar essa ao, ainda por muito
tempo, objeto de inmeros estudos e pesquisas (FERRARI, 2003).
2.3.3 Doenas associadas ao tabagismo
O tabagismo, tanto ativo como passivo, tem sido considerado, baseado em incontveis
estudos cientficos criteriosos de todo o mundo, alm de uma doena, resultante do uso da
nicotina (no caso do ativo), um importante fator de risco para uma considervel gama de
doenas (cerca de 50) e, por isso, um dos principais causadores de mortes prematuras no
mundo atual (HACK, [199?]; COMISSO EUROPIA, OMS e BANCO MUNDIAL,
2003b).
Quanto ao aspecto da dependncia, em 1988, o Ministrio da Sade dos Estados
Unidos publicou um amplo relatrio sobre estudos que comprovaram a capacidade do tabaco
de caus-la, o que levou a comunidade cientfica mundial a reconhecer o tabagismo como
uma dependncia qumica, constatando que (U.S. SURGEON GENERAL, 1988 apud
MINISTRIO DA SADE, 2004b):
i) O cigarro e outros derivados do tabaco causam dependncia;
ii) A nicotina a droga presente no tabaco que causa a dependncia;
iii) Os processos farmacolgicos e comportamentais que determinam a dependncia
do tabaco so similares aos que determinam a dependncia de drogas, como
herona ou cocana.
Como conseqncia, em 1993, a OMS passou a incluir o tabagismo no grupo dos
transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de substncias psicoativas
(Captulo V) na Dcima Reviso da Classificao Internacional de Doenas (CID-10), sob o
cdigo F17 (transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de fumo) (SLADE, 1993
e OMS, 1997 apud MINISTRIO DA SADE, 2004b; CID 10- DATASUS).
O QUADRO 1 compara a dependncia de nicotina com a dependncia de outras
drogas em termos de capacidade de causar dependncia, de letalidade, de acesso e de
precocidade do uso, evidenciando uma supremacia do tabaco.
QUADRO 1 - COMPARAO ENTRE DEPENDNCIA DE NICOTINA E DE OUTRAS DROGAS
SUBSTNCIA
ACESSO
CAPACIDADE DE CAUSAR DEPEND. (1)
LETALIDADE
PRECOCID.(2)
Nicotina Grande 80 Alta 15,5
Herona Pequeno 35 Mdia 19,5
Cocana Mdio 22 Alta 21,9
Sedativos (3) Mdio 13 Mdia 19,5
Estimulantes (3) Mdio 12 Alta 19,3
Maconha Mdio 11 Baixa 18,4
Alucingenos Grande 9 Baixa 18,6
Analgsicos Mdio 7 Mdia 21,6
lcool Grande 6 Mdia 17,4
Tranqilizantes (3) Mdio 5 Mdia 21,2
Inalantes Grande 3 Mdia 17,3
FONTE: PESQUISA NACIONAL DOMICILIAR SOBRE O USO DE DROGAS NOS EUA (2001) - NATIONAL HEALTH INSTITUTE apud REVISTA SUPER INTERESSANTE, (JANEIRO 2002- EDIO 172) apud MINISTRIO DA SADE ( 2004b)
(1) % de usurios que se tornam dependentes.
(2) Idade mdia do primeiro uso.
(3) Uso no mdico.
Sob a tica dos riscos sade, considerando o consumo ativo, o tabagismo (uso
regular de tabaco, numa definio concisa) est relacionado a vrias doenas agudas e
crnicas, como doenas cardiovasculares, respiratrias crnicas, diversos tipos de cncer,
entre outros grupos de patologias (BOEIRA e GUIVANT, 2003; FERRARI, 2003; SOUZA,
2003).
Seguindo nessa linha, primeiramente, uma grande quantidade de dados
epidemiolgicos indica que o uso de tabaco exerce vrios danos ao sistema cardiovascular
conduzindo arteriosclerose, doenas isqumicas do corao, doenas vasculares perifricas e
doenas cerebrovasculares (FERRARI, 2003).
Alm dessas doenas mencionadas, o tabagismo ainda est relacionado cardiopatia
isqumica, hiperteno arterial, degenerao miocrdica, aneurisma da aorta, Infarto Agudo
do Miocrdio (IAM) e outras cardiopatias (COMISSO EUROPIA, OMS e BANCO
MUNDIAL, 2003b).
A tromboangete obliterante (gangrena de membros), ou Doena de Buerguer, a
doena inflamatria arterial que apresenta a mais ntida associao com o uso do tabaco, j
que, 99% dos indivduos que a desenvolvem so fumantes (FERRARI, 2003; SOUZA, 2003).
Sendo, assim, o tabagismo a principal causa de cardiopatias isqumicas e de doena
coronariana, expondo os fumantes a aumentarem o risco de sofrerem Acidente Vascular
Cerebral (AVC) (FERRARI, 2003; MAUCH e SILVA, 1999; SOUZA, 2003).
Por fim, acredita-se que entre 20% a 30% dos casos de doenas cardiovasculares podem
ser conseqncia do tabaco (SOUZA, 2003), e, segundo a COMISSO EUROPIA, OMS e
BANCO MUNDIAL (2003), o fumo responsvel por 22% de todas essas doenas.
Relativamente s doenas respiratrias, como o sistema respiratrio recebe todo o
impacto dos componentes da fumaa de forma direta nele que se observa uma maior
incidncia de doenas tabaco-relacionadas (FERRARI, 2003).
Figuram, entre doenas relacionadas ao fumo: bronquite crnica, enfisema
(aproximadamente 85% dos casos) bronquiectasias, fibroses, discinesia ciliar e cncer de
pulmo (aproximadamente 90% dos casos). Alm dessas, o tabagismo ainda est relacionado
tuberculose pulmonar, asma, pneumonia e outras doenas respiratrias, e, ainda, cerca de
38%de todas as doenas respiratrias podem ser atribudas a esse fator de risco (FERRARI,
2003; COMISSO EUROPIA, OMS e BANCO MUNDIAL, 2003b).
No que tange s doenas cancergenas, considera-se que a fumaa do tabaco seja um
carcingeno (cancergeno) completo, contm cerca de 60 produtos cancergenos, os quais
contribuem para a carcinognese (formao de cncer) (FERRARI, 2003).
Assim, acredita-se que o tabaco tenha relao causal com vrios tipos de cncer (esfago,
laringe, lngua, glndulas salivares, lbios, boca, faringe, bexiga, colo do tero, pncreas e
intestino), e, sobretudo, o cncer de pulmo (GOMES, 2003; COMISSO EUROPIA, OMS
e BANCO MUNDIAL, 2003b). E que nas reas do organismo onde ocorre grande impacto da
fumaa, h maior relao na causalidade do cncer: 90% nos brnquios e pulmes em homens
e 79% em mulheres, 91% na cavidade oral de homens e 61% em mulheres, 70 a 90% na
laringe, faringe e esfago, e que, mesmo canceres mais distantes da via de entrada da fumaa
so mais comuns entre fumantes do que em no fumantes (30% dos casos), como os referidos
canceres de bexiga, dos rins e do pncreas. Ainda, existe relao entre tabagismo e outros
tipos de cncer, como de estmago e leucemia mileide (FERRARI, 2003; GOMES, 2003;
COMISSO EUROPIA, OMS e BANCO MUNDIAL, 2003b; SOUZA, 2003).
Finalizando, ainda existe evidncia de associao entre o uso do tabaco e vrias outras
doenas, como catarata, osteoporose, diminuio da fertilidade em ambos os sexos,
impotncia sexual, infeces respiratrias, surdez, gastrite e lceras ppticas (gstricas e
duodenais), psorase (doena cutnea inflamatria que descama a pele). Alm de outros
efeitos nocivos causados, em parte, pelo tabagismo sade, a exemplo da doena de Crohn,
periodontite, ambliopia por tabagismo, degenerao macular relacionado ao envelhecimento,
feto de tamanho reduzido (COMISSO EUROPIA, OMS e BANCO MUNDIAL, 2003b;
SOUZA, 2003).
Tambm se faz necessrio considerar as conseqncias do tabagismo para os fumantes
passivos (indivduos que se expe fumaa de cigarros ou PTA). Segundo KROEFF (2002),
pessoas que passam 80% do tempo em ambientes fechados juntamente com fumantes podem
chegar a respirar o equivalente a 10 cigarros por dia, passando a correr o risco de ter as
mesmas doenas que o fumante, embora no fumem.
Das quase 5 mil substncias encontradas na corrente principal (fumaa que o fumante
inala) cerca de 400 foram identificadas na corrente secundria (a que polui o ambiente), em
quantidades comparveis com a corrente principal, contudo, algumas delas como a amnia,
benzeno, monxido de carbono (CO), nicotina, nitrosaminas e outros cancergenos podem ser
encontrados na fumaa que polui o ambiente em quantidades mais elevadas do que na fumaa
tragada pelo fumante (IARC, 1986 apud MINISTRIO DA SADE, 2004b).
Atualmente est comprovado que os efeitos imediatos da exposio PTA no so
apenas de curto prazo, como irritao nasal e nos olhos, dor de cabea, irritao na garganta,
vertigem, nusea, tosse e problemas respiratrios, uma vez que eles tambm se relacionam ao
aumento, entre os no fumantes, do risco de cncer de pulmo e de vrias outras doenas
relacionadas ao tabagismo (MINISTRIO DA SADE, 2004b)
Recentes estudos de meta-anlise mostram que, entre no fumantes expostos de forma
crnica poluio tabgica ambiental, o risco de desenvolver cncer de pulmo 30% maior
do que entre os no fumantes no expostos e os riscos de doenas so 24% maior do que entre
os no expostos (HACKSHAW et. al., 1997 e LAW et. al., 1997 apud MINISTRIO DA
SADE, 2004b).
Concluindo-se, as mulheres so particularmente afetadas por enfermidades ligadas s
suas prprias condies biolgicas, assim, mulheres fumantes tm mais probabilidade de
sofrerem aborto, placenta prvia, acidente vascular cerebral, dentre outras doenas tabaco-
relacionadas. E, ainda, alguns estudos sugerem que as mulheres podem ser mais suscetveis
aos efeitos dos carcingenos do tabaco do que os homens, ao demonstrarem que embora
fumando o mesmo nmero de cigarros que os homens, o grupo feminino apresenta taxas mais
elevadas de cncer de pulmo (WHO, 2001b apud MINISTRIO DA SADE, 2004b).
Ainda, a nicotina provoca uma deficincia estrognica na mulher, concorrendo para a
menopausa precoce, infertilidade e osteoporose (a densidade ssea de 5% a 10 % menor em
mulheres tabagistas quando comparado com as outras, aumentando, assim, o risco de fraturas)
e aquelas primeiras tm uma probabilidade maior de sofrerem derrame cerebral (MAUCH e
SILVA, 1999).
2.3.4 Morbidade e mortalidade atribuveis ao tabagismo
Atualmente, o tabaco considerado um dos principais responsveis pela carga de
doenas no mundo, causando cerca de uma em cada oito mortes, sendo considerado o
tabagismo, juntamente com a AIDS, a causa de morte de maior crescimento no mundo
(GOMES, 2003; COMISSO EUROPIA, OMS e BANCO MUNDIAL, 2003b;
TABAGISMO, 2002-2003).
Com efeito, milhares de estudos acumulados at o presente demonstram que ao
consumo de tabaco podem ser atribudas 45% das mortes por doena coronariana (infarto do
miocrdio), 85% das mortes por DPOC (enfisema), 25% das mortes por doena crebro-
vascular (derrames) e 30% das mortes por cncer e no caso de cncer de pulmo, esse
percentual sobe para 90% (MINISTRIO DA SADE, 2004b). Nos pases industrializados,
entre pessoas de 35 a 69 anos de idade, estima-se que o tabagismo seja responsvel por 28%
de todas as mortes (CONFERNCIA SANITRIA PAN-AMERICANA, 1998).
Assim, segundo a OMS, anualmente, morrem cerca de 5 milhes de pessoas no mundo
devido ao consumo desse produto, e, ainda, essa organizao tambm estima que, se a atual
tendncia de consumo for mantida, nos prximos 30 a 40 anos, quando os atuais fumantes
jovens atingirem a meia-idade, a epidemia tabgica ser responsvel por 10 milhes de mortes
por ano (BANCO MUNDIAL, 1999 apud MINISTRIO DA SADE, 2004b). Ilustrando,
estima-se que o tabagismo cause cerca de 8,8% das mortes e 4,1% de IAAVs7 (59,1 milhes).
Sua rpida evoluo epidmica pode ser percebida comparando-se as estimativas para 2000
com as de 1990, no primeiro ano havia, pelo menos, um milho de mortes a mais atribuvel ao
tabagismo, com aumento mais acentuado nos pases em desenvolvimento (COMISSO
EUROPIA, OMS e BANCO MUNDIAL, 2003b).
Ainda, calcula-se que, durante todo o sculo 20, 100 milhes de mortes foram
atribudas ao uso de tabaco (JHA, 2000 apud ACHUTTI, MENEZES e MALCON, [199?]), e
que, se as tendncias se mantiverem, este nmero poder duplicar, chegando a um bilho de
mortos no sculo 21 (ACHUTTI, MENEZES e MALCON, [199?]).
7 IAAV refere-se a Incapacidade Ajustada por Anos de Vida, mede o peso da doena na populao. Associa
Anos de Vida Perdidos (AVPs) e Anos Vividos com Incapacidade (AVIs) (COMISSO EUROPIA, OMS e BANCO MUNDIAL, 2003b).
A FIGURA 8 destaca o impacto do tabagismo procurando medir sua distribuio por
regies geoeconmicas do mundo.
FIGURA 8 - NUS GLOBAL DE DOENAS E LESES ATRIBUIDAS AO TABAGISMO POR REGIO -1990
FONTE: MURRAY e LOPEZ apud ACHUTTI, MENEZES e MALCON ([199?]) NOTAS: AVP equivale a Anos de Vida Perdidos por morte precoce; AIP equivale a Anos Perdidos por Incapacidade;
DALYs equivale a Anos de Vida Perdidos por Incapacidade e Morte Ajustados (Disability Adjusted Lost Years). Novo ndice introduzido pelo Banco Mundial em 1993, em seu registro anual, hoje adotado para medir o real impacto das doenas e leses.
interessante observar que medida que o consumo de tabaco cresce entre as
mulheres, a mortalidade por doenas causadas pelo tabaco, nesse grupo, tambm aumenta.
Assim, nos pases desenvolvidos, nos quais as mulheres j vm fumando a muito tempo, a
taxa de mortalidade devido a doenas tabaco-relacionadas corresponde a 25%-30% de todas
as mortes femininas na meia-idade. E, mundialmente, mais de meio milho de mulheres
morrem a cada ano em decorrncia do tabagismo (BANCO MUNDIAL, 2001 apud
MINISTRIO DA SADE, 2004b).
No Brasil, so estimadas mais de 200 mil mortes anuais decorrentes do tabagismo
(OPAS, 2002 apud MINISTRIO DA SADE, 2004b). E calcula-se que, no pas, nos ltimos
30 anos, um milho de mortes sejam atribuveis ao tabagismo (410 mil por doenas
cardiovasculares, 300 mil por cncer de pulmo e 380 mil por diversas outras causas)
(ACHUTTI, MENEZES e MALCON, [199?]).
Ilustrando, o INCA constatou que o crescimento do consumo de cigarros no Brasil em
1945, 30 anos depois, em 1975, foi acompanhado pelo crescimento da taxa de mortalidade
por cncer de pulmo entre homens (INCA, 1996 apud BOEIRA e GUIVANT, 2003).
2.4 Aspectos ambientais do tabaco
Alm dos custos sociais e econmicos, o tabagismo tambm provoca enormes custos
ambientais. Quanto a estes custos, destaca-se a poluio por pesticidas e fertilizantes durante
o plantio, bem como o rpido e excessivo empobrecimento do solo gerado pelo tabaco e,
sobretudo, o desflorestamento necessrio para a cura da folha de tabaco (TABAGISMO,
2002-2003).
Com relao ao desflorestamento, para sua industrializao, depois de colhido como
uma folha verde, o tabaco passa por um processo de secagem artificial denominado cura, a
qual tem o objetivo de preservar as folhas para a armazenagem, transporte e processamento, e,
atravs desse processo que o tabaco ganha as caractersticas de sabor, aroma e cor. E, na
maioria dos pases em desenvolvimento, utiliza-se madeira para alimentar os fornos onde se
processa a cura, assim como a infra-estrutura para construo dos fornos, que tipicamente tm
de ser reconstrudos em dois ou trs anos (CAMPAING FOR TOBACCO FREE KIDS, 2001,
apud MINISTRIO DA SADE, 2004b).
Com efeito, pesquisas recentes indicam que a situao de desmatamento devido
fumicultura crtica. Mais de 30 pases, como Coria do Sul, Uruguai, Bangladesh, Malawi,
Jordnia, Paquisto, Sria, China e Zimbabwe, lideram a lista dos que possuem o mais elevado
percentual de desmatamento relacionado ao tabaco. S no sudeste da frica, estima-se que
140 mil hectares de florestas foram devastados anualmente para a cura do tabaco,
contribuindo com 12% do desmatamento na regio. Em uma regio da Malsia, onde os
fumicultores correspondem a apenas 3% dos agricultores locais, cerca de 80% das rvores
cortadas na regio so para a cura do tabaco. As taxas anuais de desmatamento nos trs
maiores pases produtores de tabaco no sul da frica Zimbabwe, Malawi e Tanznia so
quase 60% mais altas do que a mdia africana de 0,7% ao ano (CAMPAING FOR
TOBACCO FREE KIDS, 2001 op. cit. apud MINISTRIO DA SADE, 2004b). Ainda, em
alguns pases em desenvolvimento, o desflorestamento para a cura do tabaco atinge 5% do
desflorestamento total (TABAGISMO, 2002-2003).
Corrobora esses nmeros o fato de que cada mil estufas queimarem cerca de 50 mil m3
de rvores nativas ou reflorestadas, por safra, de acordo com informao de tcnicos das
empresas que orientam os produtores (BOEIRA e GUIVANT, 2003).
No Brasil, na Regio Sul, o total de estufas passou de 94.942 para 116.559, com um
aumento de 21.617, entre 1995 e 1998 (LOCATELLI, 1992 apud BOEIRA e GUIVANT,
2003). Em 1992, a Souza Cruz informou que a safra catarinense consumiria cerca de 9
milhes de rvores (naquele ano, o programa empresarial Clube da rvore registrou plantio
de 2 milhes de mudas na Regio Sul) (BOEIRA e GUIVANT, 2003).
Os percentuais de produo de tabaco por Estado oscilam muito pouco, por exemplo,
na safra 1999/00, foram os seguintes: Santa Catarina 37%, Rio Grande do Sul 51% e Paran
12%. Tomando-se esses percentuais como referncia, concluiremos que em 1992/93 o
consumo foi de 24 milhes de rvores, na Regio Sul, aproximadamente, mas a TABELA 1
aponta para um nmero maior, de 37, 5 milhes (BOEIRA e GUIVANT, 2003).
TABELA 1 - CONSUMO DE RVORES NA FUMICULTURA (REGIO SUL) - SAFRAS 1990/91-1997/98
SAFRA NMERO DE RVORES HECTARES 1990/01 27.405.000 18.440 1991/92 33.405.000 21.040 1992/93 37.505.000 22.760 1993/94 32.640.000 18.740 1994/95 30.080.000 16.580 1995/96 39.053.200 18.370 1996/97 41.032.000 19.270 1997/98 45.411.708 19.490 FONTE: PERFIL... (1992, 1996, 1999) apud BOEIRA e GUIVANT (2003)
Embora existam programas de reflorestamento para reposio da lenha utilizada no
processo de cura das folhas de tabaco, cabe observar que toda queima de rvore gera poluio,
que as queimadas, tradicionais entre os fumicultores, tambm reduzem a biodiversidade e que
as matas nativas no so garantidas pelo reflorestamento (PERFIL..., 1999 apud BOEIRA e
GUIVANT, 2003).
Assim, tcnicos da Souza Cruz informam que, em certas propriedades, agricultores
derrubam rvores nativas para plantar espcies de rpido crescimento, podendo, assim,
utiliz-las como combustvel, ou mesmo vend-las. Com efeito, a maioria (59,1%) dos
fumicultores utilizava rvores nativas da Mata Atlntica em 1998, no Vale do Itaja, SC,
segundo pesquisa junto aos tcnicos dessa empresa (BOEIRA, 2000 apud BOEIRA e
GUIVANT, 2003).
Ainda, em um recente estudo, 59% dos fumicultores disseram que usam lenha de mata
nativa e reflorestada. Isto mostra que o processo produtivo de tabaco continua causando o
desflorestamento da mata nativa no Rio Grande do Sul (ETGES et. al., 2002 apud
MINISTRIO DA SADE, 2004b).
Alm disso, o tabaco uma planta que empobrece rapidamente o solo. Estudos
mostram que o tabaco utiliza mais nitrognio, fsforo e potssio do que outros tipos de cultivo
e que o impacto da depleo do solo maior em pases tropicais onde o teor de nutrientes no
solo baixo. Por isso, a cultura do tabaco requer uso intenso de fertilizantes (CAMPAING
FOR TOBACCO FREE KIDS, 2001 apud MINISTRIO DA SADE, 2004b).
E, essa enorme quantidade de elementos qumicos utilizados no plantio e cultivo,
tende a alterar a composio do solo e da gua. E, ainda, a OMS considera a fumaa do
cigarro como sendo a maior e mais perigosa fonte de poluio ambiental domstica da
atmosfera, j que ela contm entre 20 mil a 60 mil ppm de monxido de carbono, sendo que a
mdia da atmosfera de 1,3 ppm (FERRARI, 2003).
3 ASPECTOS ECONMICOS DO TABAGISMO
Este captulo procura descrever os principais aspectos econmicos do tabagismo,
expondo o atual cenrio produtivo do tabaco e os benefcios e custos econmicos trazidos
pelo seu consumo s economias, mundial e do Brasil.
3.1 Cenrio econmico do tabaco/tabagismo
O tabaco , atualmente, a principal planta no alimentcia cultivada em mais de 100
pases, e sua produo anual est em torno de 6,6 milhes de toneladas (AFUBRA)
movimentando numerrios considerveis (cerca de 20 bilhes de dlares, de acordo com
FERRARI, 2003).
O pas lder do setor a China (TABELA 2), que produz cerca de 39,6% do total de
tabaco produzido no mundo. ndia, Brasil e EUA, conjuntamente, correspondem por
aproximadamente 25,7%, e Turquia, Indonsia, Malawi, Itlia, Grcia, Argentina plantam
outros 13,1%. Assim, 10 pases produzem quase 90% do tabaco do mundo, e, segundo a
COMISSO EUROPIA, OMS e BANCO MUNDIAL (2003a), cerca de 70 outros pases em
desenvolvimento plantam tabaco em pequenas quantidades.
A contribuio brasileira isoladamente tem sido avaliada em 9,6% da produo
mundial, segundo a AFUBRA, ocupando ora o terceiro, ora o segundo lugar, revezando-se
com a ndia.
TABELA 2 - MAIORES PRODUTORES MUNDIAIS DE FUMO - 2003 PAS POSIO PRODUO (t) PARTICIPAO
(%) China 1 2.617.040 39,6 ndia 2 660.000 10,0 Brasil 3 635.820 9,6 EUA 4 403.520 6,1 Turquia 5 171.310 2,6 Indonsia 6 170.150 2,6 Malawi 7 157.290 2,4 Itlia 8 125.000 1,9 Grcia 9 124.000 1,9 Argentina 10 116.000 1,8 Outros 93 1.427.700 21,6 TOTAL 103 6.607.830 100,0
FONTE: USDA/AFUBRA apud www.afubra.com.br
Quanto ao perfil geogrfico da produo no Brasil, a Regio Sul responde por 96,4%
da produo nacional de fumo, este percentual corresponde a fumos claros destinados
exclusivamente para o fabrico de cigarros (apenas o Estado do RS responde por 43% da
produo nacional), ao passo que no Nordeste (Bahia e Alagoas) so produzidos fumos
escuros prprios para a fabricao de charutos e cigarrilhas. Enquanto as demais regies
brasileiras cultivam somente o fumo de corda, cujos volumes produzidos so inexpressivos
(AFUBRA, 2002-2003; MINISTRIO DA SADE, 2004b).
Na Regio Sul, a cultura do fumo desenvolvida em 700 municpios dos trs Estados
do Sul, e na safra 2002/2003 foram aproximadamente 190.000 famlias de pequenos
agricultores, que em geral possuam propriedades inferiores a 18 hectares, dos quais somente
2 hectares, em mdia, eram utilizados para o plantio de fumo, o restante de suas reas era
ocupado para o cultivo de milho, feijo, pastagens, reflorestamento, entre outras atividades
(AFUBRA, 2002-2003).
Nessa Regio, desde 1918, a fumicultura desenvolvida pelo Sistema Integrado de
Produo, no qual as indstrias fornecem assistncia tcnica aos agricultores integrados,
atravs de aproximadamente 1.500 tcnicos, entre engenheiros agrnomos e tcnicos
agrcolas, prestam assistncia financeira, coordenam e custeiam o transporte da produo
desde a propriedade at as usinas de beneficiamento e garantem a compra integral da
produo por preos negociados entre representantes dos agricultores e da indstria, com base
em levantamentos de custo de produo (AFUBRA, 2002-2003).
Ainda, segundo a AFUBRA, as indstrias repassam aos produtores os insumos
certificados e autorizados para uso na fumicultura, orientam e incentivam o correto uso,
manejo e conservao do solo, diversificao de culturas e o reflorestamento.
Assim, de acordo com a referida Associao, o fumo pode ser considerado um dos
nicos produtos agrcolas brasileiros que tem seu preo negociado entre produtores e
indstria. Negociao que baseada em levantamentos dos custos de produo, que so
pesquisados por ambas as partes entre um universo representativo de produtores. Essas
negociaes de preo levam em considerao tambm os aspectos mercadolgicos de oferta e
demanda internacional, bem como uma margem de lucratividade sobre o custo de produo.
Entretanto, segundo o MINISTRIO DA SADE (2004a), nesse Sistema de Produo
Integrado, cada fumicultor faz contrato exclusivo com uma companhia de tabaco, que financia
os custos do plantio, garante a compra da colheita e define os preos, que, geralmente, esto
abaixo do valor de mercado. E, ainda, esses agricultores so obrigados a usarem tecnologia,
sementes, fertilizantes e pesticidas fornecidos pelos tcnicos da indstria de tabaco, e a
assumirem os custos dos insumos e infraestrutura exigidas (a construo de fornos de tijolos
para a cura e os custos do reflorestamento para a reposio da madeira como lenha utilizada
nos fornos).
Esta estratgia organizacional tem permitido que a indstria do tabaco se mantenha
conectada com a produo agrcola, e exera um absoluto controle sobre o processo de
produo de tabaco e as atividades dos fumicultores (ERDMANN & PINHEIRO, 1998 apud
MINISTRIO DA SADE, 2004a).
Assim, a folha de tabaco proveniente do Brasil conhecida internacionalmente como
de boa qualidade e de baixo preo, devido aos baixos custos internos de sua produo os quais
tem como fatores contribuintes: a no mecanizao da lavoura que, apesar de resultar em
baixo rendimento da cultura, fornece uma maior qualidade ao produto, que recebe cuidado
manual maior do que o fumo produzido em processo mais mecanizado (MINISTRIO DA
SADE, 2004a)
O que garante que esse pas ocupe o primeiro lugar no ranking internacional como
exportador desde 1993 (TABELA 3), considerando-se apenas volumes, tal desempenho
atribudo a essa excelente qualidade do fumo brasileiro, a qual responsvel pela conquista de
novos mercados (AFUBRA). Contudo, em termos de valores, esse pas perde por muito se
comparado aos EUA, primeiro como exportador em valor, devido ao fato dos fumos crus e
beneficiados deste pas terem um preo muito mais elevado, em termos de paridade, e
primeiro como importador em volumes (TABELA 4) (FERRARI, 2003).
TABELA 3 PRINCIPAIS EXPORTADORES DE FUMO (VOLUME) (t) 1994-1998 PASES 1994 1995 1996 1997 1998
Brasil 275.500 256.270 282.360 318.000 305.600 EUA 196.792 209.482 222.316 222.000 210.000 Zimbbue 200.831 174.289 176.619 175.000 177.610 Turquia 112.411 136.392 130.000 156.000 151.000 Malsia 77.331 99.057 95.555 111.449 110.550 Grcia 110.000 133.000 130.250 110.000 105.000 FONTE: ABIFUMO apud FERRARI (2003)
TABELA 4 - PRINCIPAIS IMPORTADORES DE FUMO (VOLUME) (t) - 1994-1998 PASES 1994 1995 1996 1997 1998
EUA 264.390 199.088 326.454 306.000 274.500 Alemanha 182.785 209.761 208.000 250.000 230.000 Rssia 143.080 143.598 150.005 149.000 178.000 Reino unido 97.578 141.467 102.450 131.000 132.000 Pases Baixos 86.546 89.075 89.000 98.000 108.000 Japo 135.543 115.072 124.000 96.000 91.500 FONTE: ABIFUMO apud FERRARI (2003)
3.2 Benefcios econmicos do tabaco/tabagismo
Sendo produzido em larga escala em diversos solos e climas, o tabaco se tornou uma
atividade agrria de grande importncia para muitas economias nacionais, inclusive para o
Brasil. E, corroborando, segundo a AFUBRA, o fumo constitui hoje um dos fatores mais
importantes da economia dos 103 pases que exploram tal cultura, devido s contribuies
desse s vrias economias nacionais, em termos de empregos gerados e rendas auferidas,
comrcio exterior e tributao advindas do plantio, processamento, industrializao,
exportao (fonte de divisas) e impostos.
Considerando-se esses potenciais benefcios, de acordo com FERRARI (2003), o
fumo, por se constituir em cultura de mo-de-obra intensiva, responsvel pela criao e
manuteno de cerca de 33 milhes de empregos nas lavouras mundiais, aproximando-se de
100 milhes o nmero de pessoas ocupadas direta ou indiretamente na atividade fumageira.
Entretanto, segundo o MINISTRIO DA SADE (2004a), nesse universo de 33
milhes de empregos, podem estar includos fazendeiros que cultivam outros produtos alm
do tabaco, trabalhadores (operrios) temporrios, membros de famlia e outros trabalhadores
de servios avulsos, assim o Banco Mundial sugeriria maior cuidado para refletir, nessa
estimativa, apenas o nmero de plantadores que dependem da produo de tabaco em tempo
integral, j que este nmero seria bem menor do que o acima citado, representando somente
1/3 deste.
Ainda assim, indiscutivelmente, o setor fumageiro envolve milhes de pessoas no
mundo, entre fumicultores, transportadores, funcionrios das indstrias de beneficiamento e
das fbricas de cigarros, postos de venda, fabricantes e distribuidores de insumos agrcolas,
alm dos fornecedores de matria-prima (AFUBRA), o que assegura uma grande relevncia
nos cenrios econmicos desses pases produtores de fumo.
Alm disso, o tabaco considerado o mais estvel e de maior rentabilidade, por rea
cultivada, entre os 30 produtos agrcolas de maior expresso mundial, garantindo um nvel de
renda agrcola mais elevado. Suas plantaes ocupam apenas 0,3% das reas atualmente
cultivadas, o que corresponde a menos da metade da rea destinada ao plantio de caf, por
exemplo, que de 0,7% (FERRARI, 2003).
Para ilustrar, a COMISSO EUROPIA, OMS e BANCO MUNDIAL (2003a)
defendem que mesmo nos pases de maior produo de tabaco (China, Brasil, ndia, Indonsia
e Turquia) apenas 0,25%-1,5% de toda a terra cultivada usada no plantio de tabaco,
enquanto que Malawi e Zimbbue, pases cujas economias so muito dependentes do fumo,
usam respectivamente 6% e 3% de suas terras frteis nessa cultura.
Com efeito, um estudo feito no Zimbbue em janeiro de 2001 verificou que o tabaco
era uma lavoura muito lucrativa para grandes e pequenos fazendeiros, dando um retorno
consideravelmente maior que lavouras alternativas, mas que mesmo nas melhores regies
agro-ecolgicas, a lavoura de fumo era onerosa, com custos iniciais elevados e grande
necessidade de mo-de-obra. E, estudos na ndia concluram que o plantio misto de tabaco,
com outras lavouras, propiciaria maior retorno lquido que o plantio dessa cultura
exclusivamente, contudo, os fazendeiros se estimulariam com o retorno bruto dado pelo fumo,
em vez de compararem os retornos lquidos (COMISSO EUROPIA, OMS e BANCO
MUNDIAL, 2003a).
Quanto ao comrcio exterior, de acordo com a COMISSO EUROPIA, OMS e
BANCO MUNDIAL (2003a), muitos pases tm um dficit comercial lquido proveniente do
tabaco e de seus produtos derivados, o que significa que gastam mais ao importar do que
ganham ao exportar tais produtos, o que ocasiona queima de reservas em moeda estrangeira.
E para alguns poucos pases, a balana comercial favorvel quanto exportao de tabaco
(Bolvia, Venezuela, Crocia e Hungria), contudo, para nenhum deles o fumo uma
importante fonte de receitas.
Ainda, segundo essas instituies, os pases em desenvolvimento que possuem balana
comercial positiva para o tabaco so: Argentina , Brasil, Chile, Colmbia, Guatemala, ndia,
Qunia, Macednia, Malawi, Mxico, Moambique, Tanznia, Tailndia, Turquia e
Zimbbue, os quais efetivamente possuem um ganho lquido proveniente do tabaco, traduzido
em supervit daquela em relao a esse produto. E mesmo em pases grandes produtores, a
exportao da folha de tabaco contribui apenas modestamente para o total da receita de
exportao (5-6% na Bulgria, Repblica Dominicana, Quirziquisto e Tanznia, 1-2% no
Brasil e Turquia, e bem abaixo de 1% em outros pases produtores desse produto), exceto na
Malsia e em Zimbbue onde representa, respectivamente, 60% e 20-30%.
Cabe ressaltar ainda que, como j referido anteriormente, esses dois ltimos pases
possuem em suas economias uma grande dependncia ao tabaco, o que corroborado por
FERRARI (2003) que afirma terem esses pases nesse produto e em seus derivados a mais
significativa fonte de gerao de empregos e o mais importante produto na carteira de
exportaes, correspondendo, esse na primeira economia, por 14% e, na segunda, por 6% do
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