Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018
Imigração haitiana em Joinville (SC): os desafios da educação no processo de
inclusão1
Sirlei de SOUZA2
RESUMO
O objetivo desta comunicação é problematizar a imigração haitiana ao Brasil, processo
parte dos fluxos imigratórios internacionais contemporâneos. Pela experiência de
extensão universitária dos últimos dois anos desenvolvida pela Universidade da Região
de Joinville (Univille) e de posse dos dados das matrículas da educação básica e ensino
superior de imigrantes haitianos na cidade, buscamos entender o processo de inclusão e
inserção desse sujeito na sociedade joinvilense por espaços formais e não formais de
educação. Desafios surgem para a inclusão desses imigrantes no processo educacional,
dificuldades como o idioma, a cultura e o preconceito racial, interferindo na permanência
de haitianos no espaço escolar. Pela narrativa de um universitário haitiano, vemos as
estratégias de inserção instituídas pelos imigrantes e ações de acolhimento da sociedade
local visando à inclusão educacional.
PALAVRAS-CHAVE: imigração haitiana; inclusão; educação formal e informal;
cidadania.
INTRODUÇÃO
Para pensar os processos imigratórios contemporâneos e os recentes
deslocamentos para o Brasil, faz-se necessário problematizar seu impacto na vida dos
imigrantes. É preciso compreender os motivos da saída de seu país de origem, a escolha
do local de destino, analisar os dramas cotidianos vividos por esses imigrantes na
incessante luta contra o preconceito e a discriminação, suas estratégias para a inclusão na
sociedade receptora inserindo-se na comunidade local, seja por meio da criação de
associações de imigrantes, da construção de espaços para professar sua fé, seja quando
formalmente chegam aos espaços educacionais.
1 Trabalho apresentado no GP Comunicação e Educação, XVIII Encontro dos Grupos de Pesquisa em
Comunicação, evento componente do 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. A pesquisa
faz parte dos estudos que estão sendo desenvolvidos para a tese de doutorado iniciada em abril de 2016
com o título Mídia e mediações socioculturais: imigração e vivências de haitianos em Joinville (SC) (2010-
2016), no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), sob orientação da professora doutora Marialva Carlos Barbosa.
2 Professora da Universidade da Região de Joinville (Univille), e-mail: [email protected].
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Nosso objetivo nesta comunicação é apreender uma nuança específica do processo
imigratório que envolve os haitianos em Joinville (SC): a questão de sua inserção nos
espaços formais e não formais de educação. Nessa perspectiva, tentamos ultrapassar a
clássica ideia do que é o imigrante, tão bem explicitada por Sayad (1998, p. 54) – “um
imigrante é essencialmente uma força de trabalho, e uma força de trabalho provisória,
temporária, em trânsito” –, e avançar na perspectiva de entender o imigrante como
protagonista de sua história. A inserção educacional pode proporcionar espaços de
convivência cultural e fortalecer a interculturalidade, como reflete ElHajji (2012, p. 37):
o “viés intercultural promove uma sociabilidade baseada no contágio social e subjetivo,
na tradução, na hibridização e na contínua reformulação dos princípios identitários do
indivíduo, do grupo e da sociedade na sua totalidade”.
A educação pode ser compreendida como promotora de hibridação cultural, que,
para Canclini (2015, 2015, p. XIX), são “processos socioculturais nos quais estruturas ou
práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas
estruturas, objetos e práticas”. O espaço escolar pode ser o lugar privilegiado para
“reconhecer o diferente e elaborar as tensões das diferenças” (CANCLINI, 2015, p.
XXVI-XXVII), bem como um espaço de vivências que, pela interação com os diferentes,
“torna possível que a multiculturalidade evite o que tem de segregação e se converta em
interculturalidade” (CANCLINI, 2015, p. XXVI-XXVII, grifos do autor).
A educação, seja ela realizada em espaços formais, seja em espaços não formais,
deve ser vista como força propulsora de interculturalidade, uma vez que “diferentes
comunidades culturais convivem e tentam construir uma vida em comum, ao mesmo
tempo em que retêm algo de sua identidade ‘original’” (HALL, 2003, p. 52). É com essa
compreensão que foram desenvolvidos os projetos de extensão comunitária com
imigrantes haitianos na Universidade da Região de Joinville (Univille) nos últimos anos.
As reflexões aqui apresentadas são, em parte, fruto dessa experiência.
A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca.
Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se
passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para que
nada nos aconteça. Walter Benjamin, em um texto célebre, já observava
a pobreza de experiências que caracteriza o nosso mundo. Nunca se passaram tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara
(LARROSA, 2002, p. 21, grifo nosso).
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Os dois primeiros projetos foram desenvolvidos em 2016 e 2017, e ambos são
intitulados O Haiti é Aqui: Integração de Imigrantes Haitianos na Sociedade Joinvilense3.
Foram construídos em parceria com a Associação dos Imigrantes Haitianos de Joinville
e tinham como objetivo oferecer formação educacional para imigrantes haitianos por
meio da realização de oficinas temáticas. O terceiro projeto em desenvolvimento neste
ano de 2018 (ainda em sua fase inicial), denominado de “O Haiti é Aqui”: Aprendendo
Juntos4, é uma parceria da universidade com a Escola de Educação Básica Dr. Jorge
Lacerda, da rede estadual de ensino de Santa Catarina, e seus propósitos são a inserção e
interação de crianças e jovens haitianos no espaço escolar.
DESENVOLVIMENTO
Entre os maiores contingentes de imigrantes no século XXI, estão os haitianos. O
terremoto ocorrido em 2010, que atingiu diretamente três milhões de pessoas, com mais
de 200 mil mortes (BASTANTE, 2010), é tido como a principal causa do deslocamento
desses indivíduos. Os dados sugerem que aproximadamente 80 mil haitianos tenham
obtido registro na Polícia Federal entre 2012 e 2016 (INSTITUTO MIGRAÇÕES E
DIREITOS HUMANOS, 2016) no Brasil. Entre os principais destinos escolhidos pelos
imigrantes para viver no Brasil, está Santa Catarina, e Joinville figura entre as cidades de
destino desses imigrantes.
Joinville está entre as maiores cidades do Sul do país, ocupando o terceiro lugar
como polo industrial na região (PREFEITURA DE JOINVILLE, 2016). Conta hoje com
cerca de 570 mil habitantes (IBGE, 2017). A cidade constituiu-se historicamente como
3 Esses projetos de extensão comunitária estão ligados ao Grupo de Pesquisa Cidade, Cultura e Diferença,
que conta com 16 pesquisadores professores e 22 estudantes dos cursos de Design, Direito e História, bem
como do Programa de Pós-Graduação em Patrimônio Cultural e Sociedade e do programa de extensão da
universidade denominado de Laboratório de História Oral. Os projetos foram coordenados pela professora
Ilanil Coelho e contou com a participação do professor Fernando César Sossai e da professora Sirlei de
Souza. Para mais informações, acessar: https://www.facebook.com/projetohaitiuniville
4 O projeto é caracterizado como voluntário de extensão. Ele começou com a iniciativa das professoras
Angela Maria Vieira, Raquel A. dos S. de Queiroz e Sandra Felício Roldão promovendo palestras sobre a
situação dos imigrantes haitianos em Joinville (palestras proferidas por essa pesquisadora). Com isso, a
diretora da escola, a professora Patrícia Bazzanella, propôs, em parceria com a Univille, a realização do
projeto “O Haiti é Aqui”: Aprendendo Juntos. Participam do desenvolvimento do projeto as alunas do
magistério Evanira Maçaneiro e Franciele C. C. da Silva, a voluntária acadêmica do curso de Letras
(Uninter) Viviane dos S. F. Fraga, a professora Sandra Felício Roldão e a professora Sirlei de Souza
(Univille).
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migrante5. Seu adensamento populacional deu-se em meados do século XIX, momento
em que recebeu um grande contingente de imigrantes germânicos6. A partir de 1970,
sobretudo por seu desenvolvimento industrial, que necessitava de grande número de mão
de obra, a cidade tornou-se novamente local de recepção de migrantes, tanto vindos de
cidades próximas como de várias regiões do país7. Mais recentemente, por força dos
fluxos imigratórios internacionais, Joinville passou a receber um significativo contingente
de imigrantes haitianos.
Com base nos dados fornecidos pela Polícia Federal e pelo Instituto Migrações e
Direitos Humanos (2016), dos imigrantes que adentraram no Brasil entre 2012 e 2016,
16.186 imigrantes (21,07%) deslocaram-se para Santa Catarina, dos quais o total de 2.029
(2,65%) escolheram a cidade de Joinville como destino.
Nesse cenário, o estudo sobre o panorama educacional faz-se necessário para
melhor compreender como a inclusão no processo educacional pode ser uma quebra de
paradigma para o histórico destino relegado ao imigrante, sobretudo àqueles advindos de
países periféricos e que sofrem grande discriminação pela sua condição étnico-racial. Dos
imigrantes haitianos que estão em Joinville que procuraram os serviços de assistência
social, cerca de 90% sabem ler e escrever e já vêm de seu país com algum estudo, do nível
fundamental ao superior8, indicadores que demonstram que já há entre os imigrantes
haitianos a cultura da escolaridade e atribuição de valor à educação como um bem
importantíssimo para o processo de geração de igualdade social.
Quanto às matrículas dos imigrantes haitianos residentes em Joinville ou de seus
filhos nascidos na cidade, os dados levantados pela Secretaria de Estado da Educação
(SED-SC) mostram que o maior número de matrículas na rede estadual de ensino está
localizado nas séries iniciais do ensino fundamental. Nessas séries podemos encontrar
crianças de 6 até 10 anos de idade. Nas escolas estaduais de educação básica de Joinville9,
5 A esse respeito, ver: COELHO, 2010.
6 Ver: SEYFERTH, 1990; FICKER, 2008.
7 Sobre processos recentes de migração em Joinville, ver: COELHO, 2010; NIEHUES, 2000.
8 Lista de estrangeiros incluídos no cadastro único para programas sociais do governo federal, base
setembro de 2017, fornecida por correio eletrônico para a pesquisadora em janeiro de 2018.
9 Relação de matrículas > alunos de nacionalidade haitiana > rede estadual de ensino > município de
Joinville. Fonte: SED-SC/Sistema de Gestão Educacional de Santa Catarina (Sisgesc), em 31 mar. 2017.
Informações fornecidas por e-mail para a pesquisadora, em 28 de novembro de 2017.
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o total é de 41 alunos haitianos matriculados no ensino fundamental regular e 18 alunos
matriculados no ensino fundamental oferecido pelo Centro de Educação de Jovens e
Adultos (CEJA). Isso evidencia o retorno aos estudos por parte de jovens e adultos que
não haviam concluído as primeiras etapas da educação básica no Haiti. São cinco os
alunos matriculados no ensino médio, dos quais um é do CEJA, e há também um
imigrante haitiano cursando técnico profissionalizante na área da qualidade.
A Figura 1 exibe os números de matrículas de imigrantes haitianos (ou de seus
filhos nascidos na cidade) na rede estadual de ensino joinvilense.
Ens. Fund.: ensino fundamental; Ens. Médio: ensino médio; EJA: Educação de Jovens e Adultos; Téc.
Qualidade: curso técnico em Qualidade.
Figura 1 – Números de matrículas dos haitianos na rede estadual de ensino de Joinville Fonte: SED-SC/Sistema de Gestão Educacional de Santa Catarina (Sisgesc), em 31 mar. 2017.
Informações fornecidas por e-mail para a pesquisadora, em 28 de novembro de 2017
Na rede municipal, dados da Secretaria Municipal de Educação de Joinville10
apontam 53 matrículas de alunos haitianos na educação infantil e no ensino fundamental
no decorrer do primeiro semestre de 2017. Verifica-se que 62% das matrículas são de
alunos que estão na faixa etária dos 4 aos 8 anos de idade, constatando-se que o maior
número de matrículas de imigrantes haitianos na rede municipal se concentra nos
primeiros anos do ensino fundamental. Os dados fornecidos mostram que o aluno haitiano
mais novo tem 2 anos de idade e está matriculado no maternal, enquanto o mais velho
tem 32 anos e está matriculado na modalidade de ensino Educação de Jovens e Adultos
(EJA), o que indica uma variação bastante grande de faixa etária entre os matriculados.
A Figura 2 traz um gráfico com o panorama das matrículas de imigrantes haitianos
(ou de seus filhos nascidos na cidade) na rede municipal de ensino de Joinville.
10 Ofício n.º 616-GAB/Secretaria de Educação, enviado por e-mail à professora Fernanda Lapa,
coordenadora do Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH) de Joinville e da Clínica de
Direitos Humanos da Univille, em 6 de junho de 2017.
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Figura 2 – Números de matrículas dos haitianos na rede municipal de ensino de Joinville
Fonte: Ofício n.º 616-GAB/Secretaria de Educação, enviado por e-mail à professora Fernanda Lapa,
coordenadora do Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH) de Joinville e da Clínica de
Direitos Humanos da Univille, em 6 de junho de 2017
Ao relacionar alguns exemplos da presença imigrante no cenário educacional com
as reportagens que circulam na imprensa local, observamos que há notícias esparsas das
questões que tangem a educação formal dos imigrantes em Joinville.
O jornal Notícias do Dia, em sua publicação on line, na matéria “Vinda de
haitianos triplicou em dois anos e integração passou a ser desafio em Joinville” e assinada
por Suellen dos Santos Venturini (2014), a problemática da educação é destaque. O texto
refere-se ao imigrante como: “O pequeno Frantzdy Cilus, 10, é um personagem recente
dessa realidade [...], há menos de um mês, está tentando se integrar. Cilus não fala
português e é bem tímido” (VENTURINI, 2014). A narrativa dá ênfase ao fato de Cilus
ter aprendido “algumas palavras, mas ainda não conversa e brinca pouco com as crianças
da escola” (VENTURINI, 2014). Para explicar o processo de aprendizagem do menino,
a reportagem ouviu a professora Juriti Aparecida Ventura, que disse: “Ele tem anotado
tudo com muito capricho” (VENTURINI, 2014), demonstrando em sua constatação o
esforço do pequeno Cilus. Por outro lado, há o posicionamento da gerência da Secretaria
Municipal da Educação, que aponta fragilidade no processo de acompanhamento da
escola quanto aos imigrantes, nas palavras de Elisabeth Staranscheck, representante da
secretaria: “Caberia ao Ministério das Relações Exteriores intervir em escala maior,
porque em casos como esse não há o que possamos fazer, eles têm que aprender sozinhos”
(VENTURINI, 2014). Diante dessa declaração, parece-nos existir uma tentativa de se
eximir da responsabilidade pela inclusão e aprendizagem desse imigrante. Quanto à
aprendizagem dos imigrantes adultos, a resposta da gerente parece-nos simplista e mais
uma vez isenta de responsabilidade: “Vários adultos já vieram pedir ajuda, mas a maioria
tem ensino fundamental no Haiti. Eles querem aprender o básico e nos programas de
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ensino para adultos não tem professores que saibam a língua deles” (VENTURINI, 2014).
A matéria destaca ainda várias iniciativas desenvolvidas pelo voluntariado na cidade com
o objetivo de ensinar a língua portuguesa aos imigrantes haitianos.
É nesse cenário de desafios de inclusão que os projetos de extensão desenvolvidos
pela Univille se revestem de importância, seja por meio das ações que têm por objetivo a
vivência dos imigrantes nas situações envolvendo a aprendizagem da língua portuguesa,
seja mediante atividades de formação e qualificação para inserção no mercado de trabalho
ou o acompanhamento de crianças e jovens na educação formal. Conforme relatório das
atividades de “O Haiti é Aqui”: Aprendendo Juntos11, o projeto tem proporcionado “aulas
de aprimoramento da Língua Portuguesa, enfatizando a linguagem oral e escrita”. A
avaliação é de que há “um grande avanço das alunas, que atualmente realizam conversas
na Língua Portuguesa, produzem pequenos textos e leituras de livros da literatura
infantil”. O relato comemora o fato de que “a barreira linguística, paulatinamente, está
sendo vencida pelas alunas imigrantes com o apoio do Projeto”. Os resultados efetivos
para o sucesso escolar dessas alunas poderão ser analisados de forma mais global quando
do fechamento das próximas avaliações bimestrais.
A metodologia para a execução das atividades desenvolvidas até o presente
momento (o projeto completou três meses) foi definida em reuniões entre professores da
Escola de Educação Básica Dr. Jorge Lacerda e da Univille, alunas do magistério da
escola e uma aluna voluntária de licenciatura (Uninter) que já trabalha com grupo de
imigrantes haitianos adultos no ensino da língua portuguesa em um projeto comunitário
na cidade. Definidos o planejamento e a metodologia a ser trabalhada com os alunos
haitianos, decidiu-se por realizar uma roda de conversa com a mediação de um imigrante
estudante universitário12 com o objetivo de socializar, em crioulo (língua falada no Haiti),
a proposta do projeto com todos que participariam da atividade. Na roda também houve
espaço para que o imigrante universitário relatasse sua experiência para superar os
desafios da aprendizagem no Brasil13. As atividades de aprendizagem são desenvolvidas
11 Relatório de atividades do projeto “O Haiti é aqui”: Aprendendo Juntos – balanço do primeiro semestre
de atividades (junho de 2018), enviado à pesquisadora em 5 de julho de 2018.
12 Patrick Hans é estudante do curso de Psicologia na Univille, chegou ao Brasil há aproximadamente um
ano e participou de outro projeto com haitianos no ano de 2017.
13 Relatório de atividades do projeto “O Haiti é Aqui”: Aprendendo Juntos – balanço do primeiro semestre
de atividades (junho de 2018), enviado à pesquisadora em 5 de julho de 2018.
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duas vezes por semana, com duração de 2 horas cada uma, partindo das necessidades do
cotidiano escolar e social das alunas haitianas. As atividades iniciaram-se com três
meninas haitianas, e a escola tem matriculado o total de sete alunos haitianos.
No que se refere à procura pela escolaridade formal dos imigrantes haitianos em
Joinville, analisando os números da EJA, que apontam quantidade significativa de
haitianos buscando finalizar seus estudos nos níveis da educação básica, podemos
compreender a imigração como uma aposta de futuro, fissurando um dos históricos
estigmas do imigrante: mão de obra barata e sem escolaridade. Conforme dados
apresentados na Figura 1, dos 65 haitianos matriculados, 20 estão na EJA e no ensino
técnico. Isso indica preocupação por parte dos imigrantes de concluir seus estudos na
educação básica.
A determinação dos imigrantes haitianos em continuar seus estudos formais, bem
como acessar novos espaços de qualificação profissional, ficou clara quando do
desenvolvimento dos projetos de extensão realizados pela Univille com imigrantes
haitianos adultos em 2016 e 2017. Tais projetos visavam “acolhimento e integração local
de imigrantes [...] como também para estabelecer diálogos interculturais que tenham
como efeito a identificação de problemas e o compartilhamento de saberes”14. No
decorrer desses projetos, foi possível desenvolver oficinas de capacitação com diversos
temas, entre eles direitos humanos; direitos trabalhistas e previdenciários;
empreendedorismo; saúde e medicamentos; diálogos interculturais: música e literatura;
imigração; e meios de comunicação. Para além disso, foram oferecidas atividades
formativas de vivência na língua portuguesa e também capacitação em Excel básico para
os imigrantes que já tinham adquirido certa fluência na língua local. Em toda a vivência
nesses projetos, que contaram com a participação de aproximadamente 35 haitianos,
pôde-se perceber que “os haitianos não desejam ser vistos apenas como força de trabalho
bruta, mas como moradores de Joinville em busca de melhores condições de vida, de
formação profissional e de crescimento educacional”15.
14 Para mais informações, ver:
<http://www.furb.br/_upl/files/especiais/fiepe/Extensao.pdf?20180708105610>. Acesso em: 8 jul. 2018.
15 Para mais informações, ver:
<http://digital.univille.edu.br/digital/seminarios/anais.phtml?idSeminario=24&acao=resumos&idArea=3
&cd=#3253>. Acesso em: 8 jul. 2018.
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No que concerne às matrículas para o ensino superior16, é possível observar que a
sua efetivação se intensificou a partir do ano de 2015. Em 2015 e 2016 houve 58
matrículas de alunos haitianos nas instituições de ensino superior da cidade, revelando
uma procura considerável de jovens pelo aperfeiçoamento e pela continuação dos estudos.
Dessas 58 matrículas, 78% são de jovens do sexo masculino.
A expectativa de futuro como conquista aparece nas falas dos imigrantes
relacionadas à possibilidade de frequentar a universidade. O confronto dos discursos que
produzem sobre si mesmos retira a frieza dos dados estatísticos, que revelam muitas
nuanças importantes, negando até mesmo premissas cristalizadas em torno dos
imigrantes, mas não é capaz de deixar emergir emoções arrebatadoras como aquelas que
as narrativas imigrantes produzem.
Para Roland Lafront17, jovem universitário haitiano, “estudar aqui é um privilégio
muito grande”, referindo-se à universidade como “uma coisa que eu sempre quis, sempre
sonhei [...], é conquistar meu sonho, não só meu sonho. É conquistar os sonhos de meus
irmãos” (LAFRONT, 2016). Elabora seu feito de entrar e permanecer na universidade
como parte de seu projeto de migrar e associa-o com sua história familiar: “É dar um
passo mais para frente para mim, para meus irmãos e para os jovens da minha família”
(LAFRONT, 2016). O entrevistado coloca-se como precursor e exemplo para os que
permaneceram no Haiti, dizendo: “[Eu estou] tentando de fazer alguma coisa, dando um
exemplo [...]. Isso me deixa com muito orgulho. Eu acho que isso não vai ficar só para
mim, vai ficar para minha família inteira” (LAFRONT, 2016).
Roland faz parte de um pequeno grupo de imigrantes haitianos que frequentam
universidades comunitárias ou públicas em Joinville. É importante registrar que 83% das
matrículas na cidade estão concentradas numa única instituição de ensino superior,
pertencente a um grande grupo educacional do Brasil que oferece mensalidade de baixo
custo18, evidenciando novamente a baixa condição econômica da maioria dos imigrantes,
16 Dados referentes aos anos de 2014, 2015 e 2016, coletados em 17 de janeiro de 2018 e fornecidos por e-
mail pela consultoria Mercadoedu, empresa que realiza levantamentos acerca das matrículas em instituições de ensino superior no país.
17 Imigrante haitiano, 36 anos, estudante do segundo ano do curso de Design da Univille. Roland saiu do
Haiti e morou um ano e meio na Venezuela antes de vir para o Brasil.
18 Segue o número de matrículas em instituições de ensino superior: Centro Universitário Unicesumar, 2%;
Faculdade Cenecista de Joinville, 2%; Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), 2%;
Universidade Anhanguera, 83%; Univille, 2%; Universidade Paulista (Unip), 2%; e Universidade Unopar,
9%.
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o que faz com que precisem optar por um ensino de baixo custo. Exibe-se a situação das
matrículas de imigrantes haitianos no ensino superior em Joinville na Figura 3.
Figura 3 – Matrículas no ensino superior dos imigrantes haitianos por ano e sexo em Joinville
Fonte: Consultoria Mercadoedu, 2017
Os números do censo do ensino superior no Brasil em 2016 revelam que, entre os
estrangeiros residentes no Brasil e que estavam frequentando o ensino superior naquele
ano, 352 eram haitianos19. Vale ressalvar que em 2011, logo após o terremoto no Haiti,
foi desenvolvido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes) o Programa Emergencial em Educação Superior Pró-Haiti, que tinha como
objetivo “auxiliar na reconstrução do Haiti, atuando no fortalecimento e na recomposição
do Sistema de Educação Superior do país” (BRASIL, 2017)20. Passados sete anos dessa
iniciativa, permanecem os imigrantes haitianos nas instituições de ensino superior mesmo
que de forma espontânea, sem incentivos institucionais.
19 “O Censo da Educação Superior constatou também que 45% dos estudantes estrangeiros matriculados
nas [instituições de ensino superior] IES têm origem no continente americano. Outros 28% vêm da África;
14% da Europa; 11% da Ásia; e 2% da Oceania. A nacionalidade angolana é a que mais frequenta as
instituições de ensino superior brasileiras, com 1.928 estudantes. O número é quase o dobro da segunda
nacionalidade que mais frequenta essas instituições (paraguaia, com 1.091 estudantes). Guiné-Bissau está
em terceiro lugar, com 1.017 estudantes, seguida de Japão (927), Argentina (905), Bolívia (855), Peru (795),
Portugal (634), [Estados Unidos] EUA (574), Cabo Verde (561), Uruguai (499), Colômbia (452), Chile
(402) e Haiti (352)” (PEDUZZI, 2017). 20 “O Programa Emergencial em Educação Superior Pró-Haiti – Graduação é coordenado pela Capes, em
conjunto com a Secretaria de Educação Superior (SESu) do Ministério da Educação (MEC) e o Ministério
das Relações Exteriores (MRE), e foi criado para auxiliar na reconstrução do Haiti, atuando no
fortalecimento e na recomposição do Sistema de Educação Superior do país. O programa baseia-se na
concessão de bolsas de estudos a estudantes das instituições de ensino superior de Porto Príncipe em
instituições de ensino superior brasileira (IES). Com objetivo de contribuir para a reconstrução do Haiti por
meio de apoio à formação de recursos humanos em nível de graduação-sanduíche” (BRASIL, 2017).
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Os dados da Figura 4 mostram as matrículas por curso nas instituições
frequentadas por imigrantes haitianos em Joinville. Podemos constatar que, entre as
carreiras escolhidas, a maioria está ligada ao mercado de trabalho e com possibilidades
de empregabilidade imediata. Destacam-se as matrículas do curso de Logística, 29% do
total, seguidas por Gestão Financeira e Engenharia Civil (ambos com 14% das
matrículas). O ponto fora da curva é observado nas matrículas do curso de Letras/Inglês,
também com 14%. Nossa hipótese é que esse número significativo de matrículas possa
estar relacionado ao interesse pelo domínio tanto da língua portuguesa quanto do inglês.
Figura 4 – Matrículas dos imigrantes haitianos em Joinville no ensino superior por curso
Fonte: Consultoria Mercadoedu, 2017
Um dado mostra-se preocupante. Dos 58 alunos matriculados no ensino superior
na cidade, apenas 22 deles (38%) ainda permaneciam frequentando as aulas no fim do
ano de 2016. Pela narrativa de Roland, podemos compreender, em parte, as dificuldades
encontradas pelos imigrantes para continuar estudando:
Todo dia acordo e sai da minha casa quase 4 horas da manhã. Eu cheguei na Tupy
quase 5 horas da manhã [...], 14h15 cheguei em casa. Todo dia quando chego eu
sempre, às vezes, eu fui dormir, porque tô muito cansado, [...] mas quando tenho muito trabalho lá na Univille pra fazer tem que ficar acordado [...]. Todo dia é
assim. Às vezes tem [um] amigo na faculdade que me pede: “Roland, vamos lá em
casa, vou fazer um churrasco”. Como tô precisando trabalhar no sábado pra pagar a faculdade [, eu não vou] (LAFRONT, 2016).
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em
estudo recente que resultou no relatório intitulado “A resiliência de estudantes de origem
migrante: fatores que moldam o bem-estar”, identificou como fator de insucesso escolar
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as desvantagens socioeconômicas e as barreiras linguísticas. O relatório foi divulgado por
Agência Brasil e analisado pela repórter Marieta Cazarré (2018). Segundo a jornalista, de
acordo com a pesquisa, “cerca de 50% dos alunos de origem imigrante não conseguiram
atingir as habilidades básicas em leitura, matemática e ciências” (CAZARRÉ, 2018).
Outro destaque é para o fato de “que os estudantes imigrantes sentiam um menor senso
de pertencimento na escola do que os estudantes nativos” (CAZARRÉ, 2018).
Também as experiências de extensão nos mostram grandes desafios relacionados
à inclusão e inserção dos imigrantes, seja nos espaços formais de educação, como a escola
ou a universidade, seja ainda nos espaços de capacitação para a cidadania ou mais
especificamente de qualificação para o mercado de trabalho. É preciso levar em conta os
contextos de formação com significativas diferenças de tradição educacional (Haiti e
Brasil), bem como as barreiras que as dificuldades linguísticas impõem nesse processo e,
sobretudo, a dificuldade de abrir espaços nesses lugares de aprendizagem para as
narrativas da experiência de cada um, experiências essas muitas vezes carregadas por
memórias traumáticas.
CONCLUSÃO
A inclusão de crianças e jovens imigrantes haitianos nos espaços formais e não
formais de educação no Brasil não é um desafio isolado; faz parte do conjunto de desafios
que o poder público e educadores encontram para promover uma educação inclusiva no
país. Não são apenas os imigrantes que esbarram em dificuldades em se inserirem e se
manterem no ambiente escolar. Pobres, negros, indígenas, entre outras tantas crianças e
jovens também sofrem cotidianamente com os preconceitos e o abandono escolar.
A existência da escola não garante a inclusão nem a aprendizagem; é preciso o
desenvolvimento de estratégias de acolhimento, acompanhamento e implantação de
metodologias diferenciadas para romper as barreiras do preconceito, os obstáculos
linguísticos e as dificuldades de aprendizagem geradas pelas condições precárias da
educação básica nos países periféricos. Iniciativas como os projetos de extensão
desenvolvidos por grupos da sociedade civil, organizações religiosas, universidades em
parceria com associações de imigrantes e redes públicas de ensino podem modelar
metodologias de aprendizagem que possibilitem às crianças e aos jovens imigrantes a
permanência e o sucesso escolar, sucesso entendido como inclusão e vivências para a
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cidadania. O ganho não é apenas escolar, e sim de uma sociedade que promove, pela
diversidade, a inclusão.
Como expressa o relatório do Projeto “O Haiti é Aqui”: Aprendendo Juntos21,
escola e universidade “acreditam que o principal valor que permeia a educação de
qualidade [...] é configurado no princípio da igualdade, pilar fundamental de uma
sociedade democrática e justa”, que no entendimento do grupo participante do projeto só
acontecerá “com a inclusão de TODOS”.
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