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    IHUO

    N-LINE

    Revista doInstituto Humanitas UnisinosN 476 | Ano XV

    03/11/2015

    I S S N 1 9 8 1 - 8 7 6 9( i m p r e s s o )

    I S S N 1 9 8 1 - 8 7 9 3( o n l i n e )

    Celso Fernando Favaretto:A musicalidade disruptivada Tropiclia em 50 anos de trajetria artstica

    Pedro Bustamante Teixeira:Ousadia e sensibilidade de

    uma vida inteiraChristopher Dunn:A vanguarda caleidoscpica do Brasilexpressa na obra de Caetano e Gil

    Luiz Carlos Susin eGilmar Zampieri:Por uma teologia dalibertao animal

    Marcelo Medeiros:No se deve tributaras grandes fortunas.Deve-se tributar todas

    as fortunas

    Xavier Alb:Caminhosde uma vidapelos Andes

    Ousadia esensibilidade

    Caetano e Gil, duas

    vidas em uma s

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    Caetano Veloso e Gilberto Gilsomam cem anos de amizade emsica. No ano em que se cele-bram os 50 anos de carreira dos dois ar-tistas, a revista IHU On-Linerememoraa carreira dos dois artistas. Ao debatera vida e a obra destes dois ilustres baia-nos, este nmero rene entrevistas compesquisadores e pensadores que deba-tem a produo artstica e os impactosdo trabalho na cultura brasileira.

    Contribuem para o debate Celso Fa-varetto, doutor em Filosoa e profes-

    sor aposentado da Universidade de SoPaulo USP, que analisa a forma pelaqual Caetano e Gil foram impactadospelo Tropicalismo e como suas carreirasforam denidas e transformaram o ce-nrio cultural brasileiro.

    Em sua entrevista, Pedro Bustaman-te Teixeira fala sobre a dimenso dascontribuies artstica e poltica de Gil-berto Gil e Caetano Veloso no cenriocultural brasileiro e internacional, e sa-lienta: A vida desses artistas de umacoragem, de uma entrega comovente.

    Para Frederico Coelho, professordos cursos de graduao em Literatura

    e Artes Cnicas e do Programa de Ps-Graduao em Literatura, na PontifciaUniversidade Catlica do Rio PUC-Rio,a obra dos artistas pensa e conta a his-tria do pas ao expressar o anseio poruma nao vanguardista.

    Para Alexandre Faria, professor deLiteratura no Departamento de Letras ICHL da Universidade Federal de Juizde Fora, em Minas Gerais, Caetano eGil criaram e representam personagensque so leitores do Brasil, como tantosoutros de sua gerao. Segundo ele, oque se coloca hoje em dia se isso ain-da possvel para um artista.

    Para Miguel Jost Ramos, mestre edoutor em Estudos de Literatura pelaPUC-Rio, Caetano e Gil inauguram umaforma de fazer msica no Brasil, mistu-rando pop com o erudito, o novo com otradicional e a comunicao de massacom a contracultura.

    Christopher Dunn, doutor em Estu-dos Luso-brasileiros pela Brown Univer-sity e professor de Literatura e estudosculturais brasileiros na Tulane Univer-sity, de Nova Orleans, Estados Unidos,considera que a vasta produo culturaldos dois tropicalistas apresenta para o

    mundo uma imagem plural e dinmicado Brasil.

    Complementam esta edio um perlcom o antroplogo jesuta Xavier Alb,contando a trajetria desde sua sadada Espanha, na adolescncia, chegadana Amrica Latina e todo seu desenvol-vimento intelectual junto com os povosoriginrios dos Andes.

    A entrevista com Manfredo Arajode Oliveira revisita a histria da me-tafsica e sugere o desenvolvimento deuma losoa sistemtica.

    A entrevista com Milton Cruz, pes-quisador do Observatrio das Metrpo-

    les/Ncleo Porto Alegre, prope umareexo sobre que cidade queremospara o futuro, tendo como pano de fun-do o projeto de revitalizao do CaisMau e sua relao com Porto Alegre.

    Na prxima semana realiza-se a lti-ma etapa do Ciclo de Estudos que anali-sou e debateu, a partir da realidade dadesigualdade social brasileira, o livro OCapital do Sculo XXI, de Thomas Piket-ty. A sesso consistir na webconfern-cia de Marcelo Medeiros, pesquisadordo Instituto de Pesquisa Econmica Apli-cada Ipea e professor na UnB. Segundoele, na entrevista publicada nesta edi-

    o, peremptoriamente arma: Nose deve tributar as grandes fortunas.Deve-se tributar todas as fortunas.

    Luiz Carlos Susine Gilmar Zampieri,professores de teologia, acabam de pu-blicar o livro A vida dos outros. tica eteologia da libertao animal(So Paulo:Paulinas, 2015). Na entrevista publicadanesta edio, armam que o livro abreum debate no campo teolgico como, aoque se sabe, nunca tinha sido feito expli-citamente, pelo menos no Brasil.

    Recordando os 498 anos da ReformaLuterana, de Oneide Bobsin, profes-sor de Cincias da Religio na Escola

    Superior de Teologia EST, publicamosa entrevista sob o ttulo Uma Igrejada Reforma precisa estar sempre sendoreformada.

    Dois artigos, igualmente, podem serlidos nesta edio. O artigo O princpioda sinodalidade em uma Igreja ps-convencional, sobre o Snodo da Fam-lia de Srgio Coutinho, professor deHistria da Igreja, e Conteno da Rs-sia, ontem e hoje, de Diego Pautasso,professor de Relaes Internacionais daUnisinos.

    A todas e a todos uma boa leitura euma tima semana!

    Foto da Capa: Pedro Waddington

    Editorial

    Ousadia e sensibilidade. Caetano eGil, duas vidas em uma s

    Instituto Humanitas Unisinos - IHUAv. Unisinos, 950So Leopoldo / RSCEP: 93022-000

    Telefone:51 3591 1122 | Ramal 4128e-mail:[email protected]

    Diretor: Incio NeutzlingGerente Administrativo:Jacinto

    Schneider ([email protected])

    A IHU On-Line a revista do InstitutoHumanitas Unisinos - IHU. Esta publi-cao pode ser acessada s segundas-feirasno stio www.ihu.unisinos.br e no endereo

    www.ihuonline.unisinos.br.

    A verso impressa circula s teras-feiras, apartir das 8 horas, na Unisinos. O contedoda IHU On-Line copyleft.

    Diretor de RedaoIncio Neutzling ([email protected])

    JornalistasJoo Vitor Santos - MTB 13.051/RS([email protected])Leslie Chaves MTB 12.415/RS([email protected])Mrcia Junges - MTB 9.447/RS([email protected])Patrcia Fachin - MTB 13.062/RS([email protected])Ricardo Machado - MTB 15.598/RS

    ([email protected])

    RevisoCarla Bigliardi

    Projeto GrcoRicardo Machado

    EditoraoRafael Tarcsio Forneck

    Atualizao diria do stioIncio Neutzling, Csar Sanson, PatrciaFachin, Cristina Guerini, Fernanda Forner,Matheus Freitas e Nahiene Machado.

    ColaboraoJonas Jorge da Silva, do Centro de Pesqui-

    sa e Apoio aos Trabalhadores CEPAT, deCuritiba-PR.

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    Destaques da Semana6 Destaques On-Line

    8 Linha do Tempo

    10 Eventos Flvio Comim:O engodo da classe mdia acomodada

    12 Perl - Xavier Alb:Caminhos de uma vida pelos Andes

    16 Milton Cruz: A cidade (rebelde) da modernidade tardia contra a cidade fordista-industrial

    24 Manfredo Arajo de Oliveira:Francisco e a metafsica como ecologia integral: a questo fundamentaldo pensamento contemporneo

    36 Estante - Luiz Carlos Susin e Gilmar Zampieri:Por uma teologia da libertao animal

    Tema de Capa42 Biograas - Duas vidas, uma vida

    44 Celso Fernando Favaretto:A musicalidade disruptiva da Tropiclia em 50 anos de trajetria artstica

    51 Pedro Bustamante Teixeira:Ousadia e sensibilidade de uma vida inteira

    56 Frederico Oliveira Coelho:Caetano e Gil: Uma trajetria de construo utpica e autorreexiva doBrasil

    60 Alexandre Faria:A uidez artstica entre as estruturas

    65 Miguel Jost Ramos:Os libertadores da criao artstica brasileira

    72 Christopher Dunn:A vanguarda caleidoscpica do Brasil expressa na obra de Caetano e Gil77 Ba da IHU On-Line

    IHU em Revista80 Agenda de Eventos

    82 Eventos - Marcelo Medeiros: No se deve tributar as grandes fortunas. Deve-se tributar todas asfortunas

    85 Srgio Ricardo Coutinho:O princpio da sinodalidade em uma Igreja ps-convencional

    88 Oneide Bobsin: Uma Igreja da Reforma precisa estar sempre sendo reformada

    92 #Crtica Internacional - Curso de RI da Unisinos:Conteno da Rssia, ontem e hoje94 Publicaes

    95 Retrovisor

    Sumrio

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    Destaques da

    Semana

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    TEMADESTAQUES DA SEMANA

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    Destaques On-LineEntrevistas publicadas entre os dias 26-10-2015 e 30-10-2015 no stio do IHU

    A crise poltica e as alternativas. Quem inverter essequadro? Ns temos de construir esse quem

    Entrevista com Cndido Grzybowski, graduado em Filosoa, na Faculdade deFilosoa, Cincias e Letras de Iju, Rio Grande do Sul, mestre em Educao pelaPontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro PUC-Rio e doutor em Socio -logia pela Sorbone, Paris. diretor do Instituto Brasileiro de Anlises Sociais e

    Econmicas Ibase.

    Publicada em 30-10-2015

    Disponvel em http://bit.ly/1MmXKHG

    O diagnstico da crise de hegemonia que z anteriormente s vem se conr-mando, basta observarmos que h uma espcie de paralisia na poltica: os maiorespartidos no conseguem criar um acordo de governabilidade, cada um quer tiraruma lasca de c e outra de l, e isso paralisa o governo e o Congresso, diz Grzy-bowski IHU On-Line, na entrevista, concedida por telefone.

    Crise poltica: a estratgia do tensionamento

    Entrevista com Benedito Tadeu Csar, graduado em Cincias Sociais pela Facul-dade de Filosoa, Cincias e Letras de Rio Claro, mestre em Antropologia Socialpela Universidade Estadual de Campinas Unicamp e doutor em Cincias Sociaispela mesma universidade. professor aposentado da Universidade Federal do RioGrande do Sul UFRGS.

    Publicada em 29-10-2015

    Disponvel em http://bit.ly/1RDSVOC

    Se Dilma no conseguir recompor sua base parlamentar, se manter esse cres-cente tensionamento: num momento parece que o governo vai explodir, depois atenso diminui, a crise mais geral passa e acham que Dilma poder governar, masdepois de uns dias de calmaria comea tudo outra vez, e ela no consegue sair dolugar. A ttica hoje mant-la emparedada para tir-la a partir do terceiro ano degoverno, quando os efeitos do ajuste scal estaro fazendo efeito e o pas come -ar a sair desse processo de desacelerao. A avaliao do socilogo Benedito Tadeu Csar, em entrevistaconcedida IHU On-Line por telefone.

    Fonte imagem: www.ihu.unisinos.br

    Fonte imagem: www.ihu.unisinos.br

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    DE CAPA IHU EM REVISTA

    SO LEOPOLDO, 03 DE NOVEMBRO DE 2015 | EDIO 476

    Fonte imagem: www.ihu.unisinos.br

    Fonte imagem: www.ihu.unisinos.br

    Fonte imagem: www.ihu.unisinos.br

    A fraude da reforma agrria em Santa Catarina

    Entrevista com Gert Schinke, historiador e ecologista. Atualmente presidentedo Instituto para o Desenvolvimento de Mentalidade Martima Inmar, e ex-presi-dente da Federao das Entidades Ecologistas Catarinenses FEEC.

    Publicada em 28-10-2015

    Disponvel em http://bit.ly/1OdNZ5n

    A atuao do Instituto de Reforma Agrria de Santa Catarina IRASC no estadocatarinense, na dcada de 1960, durante a ditadura militar brasileira, culminounuma antirreforma agrria, diz Gert Schinke, autor de O golpe da reforma agr-ria (Florianpolis: Insular, 2015), IHU On-Line. Segundo ele, desde 1964, o rgofoi paulatinamente instrumentalizado para executar mera regularizao fundi-ria e distribuio de glebas em supostas terras devolutas pertencentes ao Estadode Santa Catarina.

    Aailndia, MA. Comunidade de Piqui de Baixo:deslocamentos forados e a ausncia do Estadobrasileiro

    Entrevista com Drio Bossi, padre comboniano, membro da rede Justia nosTrilhos e da Rede Brasileira de Justia Ambiental.

    Publicada em 27-10-2015

    Disponvel em http://bit.ly/1LGWwdj

    A situao da comunidade de Piqui de Baixo, que vive no bairro industrial dacidade de Aailndia, no Maranho, denunciada internacionalmente, foi tema daaudincia sobre Violncia contra Povos Indgenas na Comisso Interamericana

    de Direitos Humanos CIDH da Organizao dos Estados Americanos OEA, emWashington, nos EUA. De acordo com Drio Bossi, que acompanha a situao dosmoradores da regio, a principal reivindicao das famlias o reassentamentocoletivo numa regio livre da poluio, j que h 27 anos a comunidade sofrepelos danos provocados por cinco empresas siderrgicas e pelas atividades de es-coamento de ferro da mineradora Vale S.A..

    PEC 215: a expresso da disputa de terras no pas

    Entrevista com Maurcio Guetta, graduado em Direito pela Pontifcia Universi-dade Catlica de So Paulo PUC-SP e mestre em Direito Ambiental pela mesmainstituio e pela Universit Paris 1. Atualmente advogado do Instituto Socio-

    ambiental ISA e professor convidado do Curso de Direito Ambiental da EscolaSuperior da Advocacia no Rio de Janeiro OAB/RJ e professor-assistente do Cursode Especializao em Direito Ambiental da COGEAE-PUC/SP.

    Publicada em 26-10-2015

    Disponvel em http://bit.ly/1KKZf1e

    A retomada das sesses da Comisso para tratar da Proposta de Emenda Cons-titucional PEC 215 denota uma clara ofensiva ruralista contra os direitos ter-ritoriais indgenas, alm dos direitos das comunidades quilombolas e dos direitosde natureza ambiental, que pertencem a toda a coletividade brasileira, armaMaurcio Guetta em entrevista IHU On-Line por e-mail.

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    TEMADESTAQUES DA SEMANA

    SO LEOPOLDO, 03 DE NOVEMBRO DE 2015 | EDIO 476

    Linha do TempoA IHU On-Line apresenta seis notcias publicadas no stio do Instituto HumanitasUnisinos IHU, entre os dias 26-10-2015 e 30-10-2015, relacionada a assuntosque tiveram repercusso ao longo da semana

    Lei de terrorismo,aprovada no Senado,fragiliza protestos no

    Brasil

    Moradores da periferia quei-

    mam um nibus para protestar

    contra a morte de um jovem nasmos da polcia. Durante uma

    manifestao de estudantes con-

    tra o fechamento de escolas es-

    taduais, uma estao do metr

    apedrejada. Em passeata pelo

    impeachment da presidenta Dil-

    ma Rousseff, um rapaz que ves-

    tia camiseta vermelha agredido

    com tapas e pontaps. De acordo

    com uma lei aprovada na noite

    desta quarta no Senado, todos osexemplos podem ser enquadra-

    dos como atos de terrorismo, e

    aqueles que os praticaram esto

    sujeitos a penas de 16 a 24 anos.

    A reportagem de Gil Alessi,

    publicada por El Pas, 29-10-2015.

    O projeto de lei chega num

    momento em que o Brasil sacu-

    dido por protestos de toda natu-

    reza, diante do aprofundamento

    da crise poltica e econmica: de

    professores que se queixam do

    fechamento de escolas, a mo-

    vimentos sociais que protestam

    contra o ajuste scal, passan-

    do pelos movimento pr e con-

    tra impeachment da presidenta

    Dilma.

    Leia mais em http://bit.

    ly/1OdS3Cy

    Manifestantesinvadem arena eprotestam duranteJogos Indgenas

    Cerca de 200 indgenas de di-

    versas etnias invadiram o estdio

    dos Jogos Mundiais Indgenas einterromperam as competies

    da noite desta quarta-feira (28).

    Logo antes das 19h, o grupo en-

    trou na Arena Verde e invadiu

    o campo com cartazes e gritos

    contra a PEC 215 o projeto de

    emenda constitucional que teve

    sua primeira aprovao ontem

    por comisso especial da Cmara

    dos Deputados.

    A reportagem de Jlia Dias

    Carneiro, publicada por BBC Bra-

    sil, 29-10-2015.

    No centro do campo, os indge-

    nas formaram um grande crcu-

    lo e deram-se as mos, gritando

    no PEC 215. Segundo eles, o

    texto diculta a demarcao de

    terras. Depois, agruparam-se aolado de uma das arquibancadas,

    onde alguns lderes do movimen-

    to discursaram, apropriando-se

    de um dos microfones do evento

    enquanto o pblico que at en-

    to assistia s provas de corrida

    de 100 metros acompanhava em

    silncio.

    Leia mais em http://bit.

    ly/1MmZXTN

    As mulheres naprova do Enem 2015e o discurso de dio

    contra os direitos

    humanos

    Em um contexto extrema-mente conservador e de imen-sos retrocessos para os direitosdas mulheres no Brasil tantono Congresso Nacional como naexecuo de polticas pblicas esse ltimo nal de semana foimarcado pela surpreendente for-ma como algumas das questesforam abordadas pelo Exame Na-cional do Ensino Mdio (Enem).

    A reportagem foi publicada por

    Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil, 29-10-2015.

    Assim que abriram o cadernode provas no ltimo sbado (24)os/as estudantes se depararamcom uma questo, em especial,que chamou a ateno e rapi-damente ganhou destaque nasredes sociais. A prova de Cin-cias Humanas e Suas Tecnolo-gias trazia a seguinte armao

    da lsofa Simone de Beauvoir:Ningum nasce mulher: torna--se mulher. Nenhum destino bio-lgico, psquico, econmico de-ne a forma que a fmea humanaassume no seio da sociedade; oconjunto da civilizao que ela-bora esse produto intermedirioentre o macho e o castrado quequalicam o feminino.

    Leia mais em http://bit.

    ly/1HhhnQk

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    DE CAPA IHU EM REVISTA

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    O cardeal Pell

    e a economia

    (eucarstica). Artigo

    de Andrea Grillo

    Um Snodo no pode ser inter-

    pretado como um balano eco-

    nmico. bvio que, se em umbalano no entra um item,

    este tambm no pode sair.

    Se em um balano no entra

    comunho, tambm no pode

    sair comunho: isso pacco.

    Ser possvel que o bispo mais

    experiente em economia no te-

    nha se dado conta disso?

    A opinio do telogo italia-

    no Andrea Grillo, leigo casado,professor do Pontifcio Ateneu

    S. Anselmo, de Roma, do Insti-

    tuto Teolgico Marchigiano, de

    Ancona, e do Instituto de Litur-

    gia Pastoral da Abadia de Santa

    Giustina, de Pdua. O artigo foi

    publicado no seu blog Come Se

    Non, 28-10-2015. A traduo de

    Moiss Sbardelotto.

    Conra um trecho.

    Desde que o Snodo se concluiu,

    o cardeal George Pell concede

    entrevistas em que defende:

    - o magistrio sobre a famlia

    saiu totalmente conrmado da

    Relatio, cujo texto, na sua opi-

    nio, repetiria totalmente a Fa-

    miliaris consortio;

    Leia mais em http://bit.

    ly/1OdSNaP

    A brasileirizao das

    eleies na Argentina

    Quem acompanhou a apura-

    o dos resultados do primeiro

    turno da Argentina tendo vivido

    o que aconteceu nas eleies

    brasileiras do ano passado deveter sentido aquele clssico dj

    vu: um candidato governista que

    as pesquisas diziam que lutava

    por uma vitria no primeiro tur-

    no, e apesar de ser apoiado por

    um presidente muito popular,

    termina obtendo uma magra e

    decepcionante vitria, contra

    um opositor de direita ertan-

    do com consignas de esquerda e

    alcanando uma derrota com sa-

    bor de vitria, j que comea a

    corrida pelo segundo como claro

    favorito.

    A reportagem de Victor Fa-

    rinelli, publicada por CartaCapi-

    tal, 27-10-2015.

    O primeiro personagem pode

    ser tanto Dilma Rousseff quanto

    o peronista Daniel Scioli o can-

    didato governista nas eleies

    argentinas, que teve 36,8% dos

    votos no ltimo domingo. O opo-

    sitor, em um dos casos, Acio

    Neves, no outro, o neoliberal

    Mauricio Macri 34,3% dos votos.

    Leia mais em http://bit.

    ly/1PUXC9a

    Mudana climtica

    pode reduzir

    capacidade

    hidreltrica em at

    20%

    Temperaturas mais elevadas,

    mudana no regime de chuvas e

    aumento de eventos climticos

    extremos so apenas uma parte

    da histria das mudanas clim-

    ticas. A forma como essas mu-

    danas vo impactar agricultura,

    gerao de energia, infraestru-

    tura, oferta dgua e sade o

    outrolado que acaba de ganhar

    detalhes para o Brasil.

    A reportagem de Giovana

    Girardi, publicada pelo jornal O

    Estado de S. Paulo, 29-10-2015.

    Considerado o mais importan-

    te estudo sobre como diversos

    setores vo reagir diante do cli-

    ma modicado, o projeto Brasil

    2040 - Alternativas de Adapta-

    o s Mudanas Climticas foi

    publicado no dia 28-10-2015 no

    site da extinta Secretaria de

    Assuntos Estratgicos (SAE) da

    Presidncia.

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    EVENTOS

    O engodo da classemdia acomodadaFlavio Comim prope uma reexo acerca do que sustenta o sistemado capital no sculo XXI, que engana atraindo as pessoas para umafalsa ideia de vida menos desigual

    Por Joo Vitor Santos

    A quinta-feira, 29-10, encerrouem clima de provocao. Em maisum encontro do Ciclo de Estudos OCapital no Sculo XXI uma discus-so sobre a desigualdade no Brasil,o economista e professor da Univer-sidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS, Flvio Comim, debateu otema Polticas pblicas de regula-o do capital e possibilidades paraum Estado social no Brasil.

    Como os demais painelistas, tevea fala iluminada por Thomas Piket-

    ty, e o Capital no Sculo XXI (Riode Janeiro: Intrnseca, 2014). En-tretanto, Comim desaou a plateiaa pensar porque esse capital espe-culativo e seu sistema nanceiro,que o verdadeiro gerador de ri-queza no mundo hoje, sustenta-sesem que no haja resistncias. Arenda no s a renda e sim a le-gitimidade que ela carrega. O quenos faz sentir classe mdia? E pior:o que nos faz sentir acima da classemdia?, provoca o professor.

    Comim chama a ateno para umsistema que faz com que se busquebens que lhe conram uma signi-cao, vendendo a ideia de que nose pobre e que consegue acessartais bens de consumo como os ri-cos. o exemplo do carro. Quemtem, se v desobrigado a dependerdo sistema pblico de transporte.Logo, tem autonomia, liberdadee vantagem sobre quem no tem.O mesmo funciona com smartpho-nes, TVs modernas de tela plana,viagens... uma forma de iluso.

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    DE CAPA IHU EM REVISTA

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    As pessoas acham que consumindoesses bens do 1% mais rico fazemparte desse 1%, explica. A perver-sidade est no fato de que, almde achar que se est nesse grupo,a classe mdia acaba alimentandoo sistema com sua casa prpria ebens que consume. E acabamostendo uma aceitao por algo queno entendemos. So as migalhasque sobram para alm desse 1%mais rico que Piketty fala, com-pleta Comim.

    O professor reconhece que huma incluso e que mais pessoas

    conseguem acessar bens que an-tes no se imagina para pessoasmais humildes. Outro exemplo quetraz a possibilidade de se viajarde avio. Mais pessoas e de clas-se social mais baixa fazem isso.Mas ainda est distante de umareal mudana de paradigma. E justamente essa ideia de mudanaque incomoda essa classe do 1%,aponta.

    Comim traz esse cenrio para sepensar alm do que Piketty iluminaao demonstrar que a renda do capi-tal muito superior a renda do tra-

    balho. Pois assim (olhando s paraa renda do trabalho) se tem ideiaque a desigualdade diminui, masna realidade no. Os pobres estocada vez mais pobres. A classe m-dia v seu dinheiro diminuindo e osricos esto cada vez mais ricos,pontua, ao atribuir esse movimen-to ao fato de, ao no olharmos parao papel do capital nesse sculo,no entendermos de fato o meca-nismo que faz essa roda girar s afavor do 1%.

    Conra a reportagem completaem http://bit.ly/1RDRS16

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    TEMADESTAQUES DA SEMANA

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    PERFIL

    Xavier Alb Caminhos deuma vida pelos Andes

    Por Ricardo Machado

    FOTO:LESLIE

    CHAVES

    Xavier Alb tem um olhar terno evvido. As marcas do tempo impres-sas em sua pele so testemunhassilenciosas de uma vida marcadapor descobertas, resistncia e luta.

    Ao comentar sobre a prpria hist-ria, percebe-a a partir dos outros.Comea falando de Luis Espinal,1opadre, artista e ativista espanholque aterrissou na Bolvia em 1968,em plena ditadura Ren Barrien-tos.2Este, depois de ter sido eleitovia voto popular em 1966, haviamudado a constituio e governavao pas ditatorialmente. Essa deci-so foi tomada depois que a guerri-lha liderada por Che Guevara,3as-sassinado em 1967, avanou sobreo territrio boliviano.

    Espinal em vida no fora toclebre fora da Bolvia, conta

    1 Luis Espinal Camps: poeta, jornalista,cineasta e padre jesuta. Nascido na Espanhaem 1932 e assassinado por um grupo de para-militares em maro de 1980 durante o climade tenso prvio ao golpe de Estado do dita-dor Luis Garza Meza. O IHU divulgou umamplo material sobre Espinal, que pode serlido nas Notcias do Dia, dos quais destaca-mos Em La Paz o Papa Francisco prestarhomenagem ao jesuta padre Luis Espinal,assassinado pela ditadura, publicado nas No-tcias do Dia, de 05-05-2015, disponvel em

    http://bit.ly/1l5NkGP; eDocumentrio recu-pera a trajetria de Luis Espinal, publicadonas Notcias do Dia, de 06-11-2011, dispon-

    vel em http://bit.ly/1RrRsv0. (Nota da IHUOn-Line)2 Ren Barrientos Ortuo (1919-1969):foi um militar e poltico boliviano, vice-pre-sidente de seu pas em 1964 e presidente daBolvia entre 5 de novembro de 1964 e 26 demaio de 1965 e novamente entre 6 de agostode 1966 e 27 de abril de 1969. (Nota da IHUOn-Line)3 Che Guevara(Ernesto Guevara de la Ser-na ou El Che, 1928-1967): um dos mais famo-sos revolucionrios comunistas da histria.Foi tema da edio 239 da IHU On-Line,

    de 08-10-2007, disponvel em http://migre.me/2pebG. (Nota da IHU On-Line)

    Alb. Recentemente, porm, seu

    nome rodou o mundo depois queo atual presidente da Bolvia, EvoMorales,4presenteou o Papa Fran-cisco com um crucixo em formade marreta e foice. Os sentidosda amizade com Espinal ecoa nopresente de Alb. Emociona-se aofalar do amigo, assassinado pelosmilitares, em 1980. Foi o impactodesta amizade que fez Alb, comseu corpo esguio, acotovelar-se sportas do Palcio Quemado,5sededo governo boliviano, para con-

    seguir car frente a frente como Papa Francisco. L entregoutrs livros a Bergoglio que con-

    4Juan Evo Morales Ayma(1959): o atu-al presidente da Bolvia e lder do movimen-to esquedista boliviaano cocalero. Morales tambm lder do partido Movimento para oSocialismo. (Nota da IHU On-Line)5 Palacio Quemado(Palcio Queimado): o nome popular da sede do governo da Bol-

    via, localizado na Praa Murillo, em La Paz.O palcio abriga os escritrios presidenciaise o gabinete do presidente. Seu nome recordauma revolta ocorrida no sculo XIX, quando

    o edifcio sofreu um incndio. (Nota da IHUOn-Line)

    tam a histria de Espinal. A vida

    fez do pequenino catalo XavierAlb, que aos 16 anos descobriu aAmrica Latina, um homem forte,mas sua sensibilidade no permi-te longos dilogos sobre o amigoEspinal, pois os olhos mareiam, agoela tranca e a voz no sai.

    Chegada Bolvia

    Quando Xavier Alb chegou Bo-lvia, em julho de 1952, o pas ha-via sido palco, meses antes, de um

    trgico momento, em que centenasde pessoas foram mortas no que -cou conhecido como a RevoluoBoliviana, considerada um dos pri-meiros levantes da Amrica Latinafeito por operrios e camponeses,que reivindicavam a nacionaliza-o das renarias de petrleo e gsnatural.

    Do velho ao novomundo

    Alb com outros colegas noviosda Companhia de Jesus foram colo-

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    cados em um barco da CompanhiaItlia, na Espanha, e enviados aBuenos Aires. No dia em que cru-zvamos a linha do Equador rece-bemos a notcia de que Eva Pernhavia morrido, recorda Alb, que,apesar de ser catalo, intitula-secomo um espanhol quando se tra-

    ta de conversar, pois muito fa-lante. Quando se faz uma mserapergunta ao espanhol ele respondecom uma palestra, brinca.

    Naquela viagem, descobriramque a distncia entre a Espanhae a Argentina era de um oceanoe dezenove dias. O tempo de tra-vessia serviu para que os jovensespanhis, na poca no muito in-teirados sobre a Amrica Latina,compreendessem o que signica-va a morte de Evita,6 sobretudo

    porque estavam embarcados commuitos migrantes argentinos. Nonavio houve um funeral muito so-lene, em que cantvamos na missapor Evita. Assim fui introduzido Amrica Latina, conta.

    O trem da morte

    Ao chegar a Buenos Aires, o gru-po cou por quatro dias na capitalargentina, depois partiu de trempara La Paz, na Bolvia. Segundo

    Alb, viajaram entre Crdoba e afronteira com a Bolvia em um va-go-dormitrio, onde depois seriamdeixados pela locomotiva at queoutra composio os transportasseno territrio boliviano at a capital.A propsito, na regio boliviana,chama-se popularmente a composi-o de trem da morte, devido altitude em que trafega, apesar defazer isso com extremo vagar.

    A paisagem no comeo era linda,com lagos enormes, depois vinham

    os perais (o trem tinha cremalhei-ras, que servem para ele no andarpara trs), e assim chegamos a LaPaz, descreve. Ficaram felizesporque havia uma grande festa nacidade e disseram uns aos outrosolha como nos recebem bem comtodas essas bandeiras, mas depoisse deram conta de que se tratava daFesta Ptria, celebrada no dia 2 de

    6 Mara Eva Duarte de Pern (1919-1952): foi uma atriz e lder poltica argenti-na. Tornou-se primeira-dama da Argentina

    quando o general Juan Domingo Pern foieleito presidente. (Nota da IHU On-Line)

    agosto. Outra lembrana dos pri-meiros dias em que estive na Bolviafoi de uma nevasca muito intensaque cobriu Cochabamba. Havia umvale lindo e branco, relembra.

    Anos de formao

    Xavier Alb era muito jovemquando chegou Bolvia, estava noprimeiro ano de noviciado e haviafeito os primeiros meses na Espa-nha. No primeiro dia das frias,ainda em 1952, foram a uma fazen-da na Bolvia, que tinha as mesmascaractersticas do territrio antesda reforma agrria realizada porEstenssoro,7 que acabou ocorren-do a partir do ano seguinte. Antesde viajar para o Equador, onde feza formao em Filosoa, concluiuum segundo ano de noviciado, emque aprendeu idiomas, estudou osclssicos e complementou a forma-o humanstica.

    Enquanto eu estudava Filoso-a, tambm realizei um doutoradocuja tese foi sobre o principal co-munista do Equador, Manuel Agus-tn Aguirre8, explica. Tornei-meamigo deste senhor, ia sua casa.Por sorte, no havia muitas coisasescritas sobre ele, ento no preci-

    sei fazer muitas pesquisas, brincaAlb, que estudou as ideias marxis-tas em Aguirre, tese que depois,justica ele, teve que refutar, umaprtica tipicamente jesuta. Ape-sar disso sempre tive boas recor-daes dele, diz. Alb s viria aestudar Teologia tempos depois,quando retornou a Barcelona paraum perodo de estudos.

    7 Anjo Victor Paz Estenssoro (1907-2001): era advogado, ex-ministro e poltico

    boliviano. Foi presidente boliviano em qua-

    tro ocasies (1952-1956; 1960-1964; 1964e 1985-1989). Em seu primeiro mandato(1952-1956) iniciou a Revoluo Nacional uma das transformaes sociais mais impor-tantes (e contraditria) da Amrica Latina nosculo XX, em trs reas principais: a refor-ma agrria, o sufrgio universal e a naciona-lizao de grandes empresas de minerao.(Nota da IHU On-Line)8 Manuel Agustn Aguirre Rios (1903-1992): era um poltico equatoriano e profes-sor. Em vrias ocasies, foi Secretrio-Geraldo Partido Socialista do Equador, fundadore primeiro secretrio-geral do Partido Socia-lista Revolucionrio equatoriano e primeiroDecano da Faculdade de Economia da Uni-

    versidade Central de Ecuador. (Nota da IHUOn-Line)

    Aproximao com osQuechuas

    Alb conta que quando precisoufazer magistrio, uma das etapasna formao de um jesuta, sua ex-perincia foi diferente da maioria

    de seus colegas. Nesta etapa daformao todos deveriam ir traba-lhar em um colgio, mas comigofoi diferente. Antes, logo que haviachegado eu tive que aprender a ln-gua Quechua. Eu fui o ajudante deum senhor que sabia muitas coisase era muito competente para idio-mas. Assim, as palavras que ele iaaprendendo no idioma Quechua eudeveria coloc-las em ordem. Issome permitiu ser o sistematizador

    das coisas que espontaneamen-te se sabia, descreve. Assim foia maneira como aprendi a lnguaQuechua rapidamente, completa.

    Depois de estudar no Equador, ojovem catalo, que havia aportadopoucos anos antes na Amrica Lati-na, voltou Bolvia e a essa alturadominava o idioma Quechua. Eracomum que, alternadamente, -zssemos discursos no refeitrio. Equando chegou minha vez o z todoem Quechua. Ningum entendeu,exceto um colega que compreendiao idioma e sugeriu Diga-lhes querezem um pai nosso. Trs vezes!,diverte-se ao lembrar. Com menosde 18 anos, j dominava o idiomaQuechua e podia pratic-lo com ou-tros colegas do Equador e do Peru.

    ndio, a palavra maldita

    Na dcada de 1950, falar de n-dios na Bolvia era proibido. Osindgenas haviam se convertido,como um passe de mgica euro-peizante, em camponeses, porconta de decises polticas da po-ca, justamente quando o pas erapresidido por Estenssoro. Houveuma profunda reforma agrria naparte andina da Bolvia, a regiode maior altitude, ao passo queem outras partes foi o contrrio,explica. A regio andina era basi-camente habitada por indgenas

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    que falavam Quechua9e Aymara,10idioma que Alb tambm aprendeua falar. Na parte andina, os ind-genas compunham cerca de 80% dapopulao quando os territrios co-mearam a ser ocupados por contada reforma agrria, relata.

    Para aquele jovem e mido espa-nhol coube, como tarefa principal,aprender idiomas indgenas e, paratanto, o dispensaram de realizaro magistrio em uma escola. Issopermitiu uma experincia abso-lutamente nova, uma espcie derenascimento latino-americano.Fui enviado a uma comunidadeQuechua e vivi com os indgenasdurante trs anos. No tempo emque o mundo olhava para o espa-o, na poca em que as sondas es-paciais eram enviadas superfcie

    lunar, eu estava em uma comuni-dade chamada Cliza. Neste lugar,eu passei dois meses, retornandouma vez por semana cidade paraasseio, quando tomava banho, fa-zia a barba e me confessava. Issofoi muito bom, pois aprimorei bemmeus conhecimentos sobre idiomasindgenas, pondera.

    Professor substituto

    Alb falante. A colcha de me-

    mrias com que tece a narrativade sua prpria vida cheia de ane-dotas. Certa vez, ao substituir aprofessora, que estava em licenamaternidade, de uma pequena es-cola localizada em uma comunida-de Quechua onde vivia (e na po-ca havia rumores de que ali seriafundada uma escola dos jesutas),protagonizou uma cena de hilriaconfuso. Recordo o dia que um

    9 Quchua(qhichwa simi ou runa simi) tam-bm chamado de quechua ou quchua:

    uma importante famlia de lnguas indge-nas da Amrica do Sul, ainda hoje falada porcerca de dez milhes de pessoas de diversosgrupos tnicos da Argentina, Bolvia, Chile,Colmbia, Equador e Peru ao longo dos An-des. Possui vrios dialetos inteligveis entresi. uma das lnguas ociais de Bolvia, Perue Equador. (Nota da IHU On-Line)10 Aymar tambm chamado de Aimarou Aimara: o nome de um povo, estabe-lecido desde a Era pr-colombiana no sul doPeru, na Bolvia, na Argentina e no Chile. NoPeru os falantes da lngua aimar somammais de 300 mil pessoas, o que leva a suporque o grupo tnico bem maior. A esto maisconcentrados no departamento de Puno (per-

    to do Lago Titicaca), nas regies Moquegua,Arequipa e Tacna. (Nota da IHU On-Line)

    senhor chegou e disse: Senhorita!O menino precisar fazer xixi, pe-dindo ajuda, sem se dar conta deque a roupa no era um vestido,mas uma batina, diverte-se Alb.

    A zona onde morava era uma fa-zenda imensa que havia pertencido

    a Antenor Patio,11

    um dos homensmais ricos de sua poca, industri-rio que era comparado aos Rock-feller.12Um cavalo manso, dos maispaccos que pertencia famliaPatio, foi emprestado a Alb, queassim percorria as distncias entreum stio e outro.

    Eu nunca fui um bom ginete. Voltae meia era derrubado por um galhode rvore, conta e gargalha ao selembrar dos episdios. Eu visitavaas comunidades pedindo apoio nan-

    ceiro das famlias, um peso apenas,para construirmos uma escola. Mas afamlia de Patio, depois que soubedas ambies do projeto, discordou,porque seria demasiado longo e s-rio. Tive que voltar a cada um doslugares para devolver o dinheiro. As-sim conheci todas as comunidades,conta. Essa foi minha primeira vi-vncia das contradies de classe.

    O caminho Antropologia

    Tempos depois foi recebido comosacerdote em San Joan, em Barcelo-na. Na mesma poca, Roma sediavao Conclio Vaticano II. O provincial

    11 Antenor Patio Rodrguez (1896-1982): era um empresrio boliviano. Herdei-ro de Simon I. Patio, chamado de King ofTin para ser o proprietrio das maiores mi-nas de estanho na Bolvia e controlar o mer-cado mundial para esse mineral. As minasforam nacionalizadas em 1952 na revoluo

    boliviana e integrado ao Mining Corporationda Bolvia. (Nota da IHU On-Line)12 John Davison Rockefeller (1839

    1937): foi um investidor, empresrio e lan-tropo americano. Rockefeller revolucionou osetor do petrleo e deniu a estrutura moder-na da lantropia, ainda muito em voga. Em1870, fundou a Standard Oil Company e a co-mandou agressivamente at sua aposentado-ria ocial em 1897. A Standard Oil comeoucom uma parceria em Ohio de John com seuirmo, William Rockefeller, Henry Fagler,Jabez Bostwick, o qumico Samuel Andrewse Stephen V. Harkness. Como a importnciado querosene e da gasolina estava em alta, ariqueza de Rockefeller cresceu e ele se tornouo homem mais rico do mundo e o primeiroamericano a ter mais de um bilho de dlares.Em 1937, ano de sua morte, sua fortuna foi

    avaliada em 1,4 bilho de dlares. (Nota daIHU On-Line)

    na Espanha o nomeou Bedel, umaespcie de lder hierarquicamenteabaixo do chamado Superior. Nes-ta tarefa, cabia a Alb participardiariamente de reunies. Nestemomento fui questionado sobre oque gostaria de estudar. Nunca ti-nha pensado muito sobre isso, mas

    depois de reetir um pouco resolvique estudaria Antropologia, des-creve. Fiz alguns contatos e minhadeciso foi a de estudar nos EstadosUnidos, em Cornell, Nova York.

    Em apenas trs anos concluiu odoutorado em Antropologia, issoporque seu doutorado no Equadorpermitiu que se beneciasse de al-gumas disciplinas. No departamen-to de Antropologia da universidadehavia uma disciplina sobre o idiomaQuechua, onde eu trabalhava comoprofessor assistente, e com issoconsegui uma bolsa de estudos,explica. Minha tese foi uma com-binao entre os temas da Lingusti-ca, Antropologia e Sociologia rural.Ao longo de aproximadamente 300pginas fao uma anlise sobre asmudanas ocorridas na Bolvia apsa reforma agrria, conta.

    Cipca

    Quando retornou Bolvia, jun-

    tamente com outros dois jesutas,Lus Alegre e Francisco Javier San-tiago, Xavier Alb fundou o Centrode Investigacin y Promocin delCampesinado CIPCA. Atualmente,Alb o nico jesuta do centroque conta com mais de 100 leigostrabalhando em projetos sustenta-dos nanceiramente por organiza-es europeias. A maior parte daspessoas trabalha na rea de ao;ainda que tenhamos vrios pesqui-sadores, o trabalho da Cipca fo-

    cado nas aes, diz.La Paz e El Alto

    Atualmente Alb um dos maio-res nomes da Antropologia na Am-rica Latina e no mundo. Vive nacidade de El Alto, que ca a 4.100metros de altitude, imediatamenteao lado de La Paz. As duas localida-des esto ligadas por um telefrico.La Paz uma cidade maravilhosa,cheia de cerros, uma espcie deRio de Janeiro sem mar. Ao mesmotempo que maravilhosa, ca-

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    tica e cheia de contrastes. Temosagora um dos telefricos mais mo-dernos do mundo, que transportamilhes de pessoas entre El Alto eLa Paz, avalia.

    O jesuta-antroplogo-ativista um sujeito de hbitos simples. Os

    poucos cabelos que ainda ostentasobre a cabea testemunham o ca-minhar de uma mente que produzpensamentos entre a erudio dopensamento ocidental e genialida-de simples, mas no menos com-plexa, do pensamento originrio.Alb de matriz europeia, mas foiforjado no contato com os indge-nas e v o planeta terra no comouma prateleira de commodities,mas como Pacha mama.

    Xavier Alb no parece ser afei-

    to a muitas vaidades. Quandofala repetidas vezes da amizadeque tem com o Ministro das Rela-es Exteriores boliviano, DavidChoquehuanca,13 no se refere aoamigo com pompa alguma, senocom carinho de quem o conheceuna comunidade Aymara onde nas-

    13 David Choquehuanca Cspedes(1961): um sindicalista aimara boli-

    viano e lder poltico. Atualmente ocu-pa o cargo de Ministro de Relaes Ex-teriores, durante o primeiro, segundoe terceiro mandato do presidente Evo

    Morales. (Nota da IHU On-Line)

    ceu e cresceu. com essa simpli-cidade e sensibilidade que XavierAlb ca contente de fazer o ca-minho entre El Alto e La Paz, abordo do telefrico, que ele clas-sica como uma beleza. Ele v omundo nesta dialtica entre o caoscosmopolita da capital e a tranqui-lidade montanhosa de onde mora.Alm de tudo, alegra-se com osistema de transporte implantadona regio e com a velhice. Esta uma das grandes obras de Evo. Eeu, que sou velho, pago a metadedo preo, sorri.

    Posfcio de uma vidaem construo

    Este perl foi construdo desdeuma conversa de mais de duas ho-ras com Xavir Alb, que visitou oInstituto Humanitas Unisinos IHU,onde apresentou duas conferncias Bem-Viver. Impactos na AmricaLatina IHU ideias e O grande de-sao dos indgenas nos pases an-dinos: seus direitos sobre recursosnaturais, no dia 27 de agosto de2015.

    Travesso para idade que tem,81 anos, Alb um sujeito muitoativo, embora caminhe com passos

    frgeis e cuidadosos. Durante sua

    estada no Rio Grande do Sul, sofreuuma queda, que lhe custou, inicial-mente, cinco pontos na altura datesta e mais dois dias no Brasil,pois a companhia area no permi-tiu que ele embarcasse devido aosriscos da recente sutura.

    O tropeo, porm, era um sinal.Ao chegar Bolvia, Alb foi aomdico e identicaram um tumorem seu crebro, que apesar de be-nigno estava em estgio avanado.Dias depois retiraram o tumor eele se recuperou muito bem, tan-to que logo pediu seu computador,assim que os efeitos da anestesiapassaram. Recebeu muitas visitase emocionou-se com todas elas,levantando-se para abraar um porum em gesto de gratido. Tal tra-

    vessura gerou um cogulo na re-gio operada, o que o levou salade cirurgia novamente.

    Alb teve alta e se recuperabem, ainda que lentamente, dosprocedimentos. Faz sioterapiadiariamente e busca retomar, compassos ainda mais frgeis, emborapersistentes, seu caminho na Am-rica Latina, que comeou a ser tri-lhado h mais de 60 anos, quandoseus ps, ao desembarcar de umnavio vindo da Espanha, tocaram o

    continente.

    LEIA MAIS... O grande desao dos indgenas nos pases andinos: seus direitos sobre os recursos naturais.Cadernos ihu ideias, edio 225, disponvel em http://bit.ly/1Uhu9cT;

    As peripcias do padre Xavier Alb para conseguir falar com o Papa sobre o seu amigo LuisEspinal. Reportagem com Xavier Alb publicada nas Notcias do Dia, de 12-08-2015, no stiodo IHU, disponvel em http://bit.ly/1My4rgt;

    Luis Espinal no era comunista, arma Xavier Alb. Reportagem com Xavier Alb pu-blicada nas Notcias do Dia, de 10-07-2015, no stio do IHU, disponvel em http://bit.ly/1My4kBu;

    Um Deus de rosto indgena.Entrevista com Xavier Alb publicada nas Notcias do Dia, de28-07-2011, no stio do IHU, disponvel em http://bit.ly/1Wp2UZx;

    O ideal da suma qamaa. Os indgenas e a nova Constituio da Bolvia. Entrevista comXavier Alb publicada nas Notcias do Dia, de 14-07-2010, no stio do IHU, disponvel emhttp://bit.ly/1KLdeEq;

    A constituio mais humanista da Amrica Latina.Entrevista com Xavier Alb publicada nas

    Notcias do Dia, de 05-02-2009, no stio do IHU, disponvel em http://bit.ly/1GPNlZ2.

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    ENTREVISTA

    A cidade (rebelde) da modernidadetardia contra a cidade fordista-

    industrialMilton Cruz prope uma reexo sobre que cidade se quer no futuro, a partir doprojeto de revitalizao do Cais Mau e sua relao com Porto Alegre

    Por Joo Vitor Santos

    Para o professor e pesquisadorMilton Cruz, a cidade moderna

    aquela que pensa humanisti-camente, valorizando os espaos pbli-cos para convvio social, e conectadacom questes ambientais e no s eco-nmicas. Assim, entende que a propos-ta de revitalizao do Cais Mau, emPorto Alegre, uma bela oportunidadede pensar a cidade com vistas ao fu-turo. Entretanto, destaca que muitosdesses princpios no parecem estarsendo levados em conta. No apre-senta estudos e pesquisas que mostrem

    qual a dinmica atual do Centro Hist-rico em termos econmicos, sociais eculturais, quais as tendncias espera-das para o futuro e como o empreen-dimento ir promover a qualicao dodesenvolvimento da regio, destaca.Penso que o debate em torno da re-vitalizao do Cais Mau revela doisprojetos de cidade: a cidade (rebelde)da modernidade tardia contra a cidadefordista-industrial. E que o futuro dacidade depende da capacidade da so-ciedade civil em apresentar um ProjetoAlternativo de Modernizao capaz dearticular as propostas fragmentadas,completa.

    Alm disso, na entrevista concedidapor e-mail IHU On-Line, Cruz criticaa ideia de apoiar toda a reforma nummodelo econmico/comercial que visatransformar o Cais em apenas mais umgrande centro de compras. A localiza-o de um empreendimento comercialexistente em todas as partes do mundo

    na Orla do Guaba (uma regio peculiarda cidade) diminuiria o diferencial de

    Porto Alegre na rede de cidades globaise aumentaria a sua homogeneizao.Queremos nos tornar iguais s demaiscidades que apostaram tudo no auto-mvel e nos shoppings?, questiona.E ainda h outro detalhe: o empre-endimento apoiado na dependnciade um modal rodovirio j saturado.Como um shopping com 4.800 vagasde estacionamento para automvel naorla do Guaba no agravar os proble-mas criados pela circulao dos atuais

    30.000 veculos/dia? E qual a garantiade que no estamos construindo umshopping fantasma, como os existen-tes em muitas cidades norte-america-nas, que logo precisar passar por umareconverso em seu uso?, acrescenta.

    Milton Cruz doutor e mestre emSociologia pela Universidade Federaldo Rio Grande do Sul UFRGS. Atuacomo pesquisador do Observatrio dasMetrpoles/Ncleo Porto Alegre. Parti-

    cipou como pesquisador do Instituto dePesquisa Econmica Aplicada IPEA eda Fundao de Economia e Estatstica FEE/RS. Ainda graduado em Cin-cias Sociais e em Engenharia Eletrni-ca. No ltimo dia 22-10, ele proferiua conferncia Cais Mau: duas visesem disputa sobre qual o projeto de ci-dade, no Instituto Humanitas Unisinos IHU. A reportagem da cobertura dapalestra est disponvel em http://bit.ly/1PUsre6.

    Conra a entrevista.

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    IHU On-Line Como o senhoravalia o projeto de revitalizaodo Cais Mau? Quais os avanos elimitaes do projeto?

    Milton Cruz O Consrcio CaisMau arma, no relatrio de im-pacto social, econmico e am-

    biental (EIA/RIMA) apresentadopara a Secretaria do Meio Ambien-te de Porto Alegre, que o projetopara a Orla do Guaba, localiza-do entre a Rodoviria e a Usinado Gasmetro, ir revitalizar aregio. Mas o EIA/RIMA no apre-senta estudos e pesquisas quemostrem qual a dinmica atualdo Centro Histrico (bairro que sedesenvolveu com as atividades doporto Cais Mau) em termos eco-nmicos, sociais e culturais, quais

    as tendncias esperadas para ofuturo e como o empreendimento(formado por um Shopping, trsedifcios corporativos torres egaragens) ir promover a quali-cao do desenvolvimento daregio.

    O Centro Histrico j tem umadinmica prpria que o torna umdos bairros com maior poder deatrao da cidade. Ali esto lo-calizadas a sede do Governo Es-

    tadual e Municipal, a AssembleiaLegislativa e a Cmara Municipal.Tambm conta com a maioria dosbancos presentes no estado, oMercado Pblico, o Museu de Ar-tes do Rio Grande do Sul MARGS,o Santander Cultural, a Casa deCultura Mrio Quintana, a Usinado Gasmetro, o Anfiteatro Prdo Sol, comrcio de rua bastantediversificado. Alm disso, contacom a infraestrutura de trans-porte que contempla o Aeropor-

    to Internacional Salgado Filho, otrem metropolitano (Trensurb), otransporte hidrovirio de turismoe de passageiros (Catamar, Cis-ne Branco), a estao rodoviria(que recebe nibus de todo pas,do Mercosul e interior do estado)por onde passam as linhas muni-cipais de quase todos os bairrosda cidade, alm da paisagemnatural que permite aos porto-alegrenses contemplar a belezado pr do sol sobre as guas doGuaba.

    Exemplos de outrascidades

    O EIA/RIMA tambm no fala dasalternativas de revitalizao im-plementadas nas reas porturiasde outras cidades e o seu resultado

    econmico e social, o que ajudariaa buscar ideias para a elaboraode um projeto que mais se ajusta realidade de Porto Alegre. Vriascidades no mundo sofreram com aperda de funo de seus portos etiveram de buscar novas alterna-tivas para eles, como ocorreu comBoston nos anos 1950, Nova Yorkem 1960, Baltimore em 1970, Ro-terd em 1980, Buenos Aires e Bar-celona em 1990, e Belm em 2000.

    Dependncia do modalrodovirio

    A modernizao tecnolgica dosmeios de transporte e das comuni-caes mudou a relao da cidadecom o porto assim como com as fer-rovias. Mas esta modernizao no um processo natural, depende dedecises tomadas principalmentepelos governos, como foi o casobrasileiro de assumir o transporterodovirio (as rodovias pavimen-tadas, o automvel e o caminho)como o smbolo do desenvolvimen-to 1. Esta escolha produziu umainfraestrutura de transporte e umcomportamento social que promo-ve o uso exacerbado do automvelpara o transporte de passageirose dos caminhes para o transpor-te de cargas em detrimento de ummodelo de transporte mais equili-brado, mais eciente em termos degasto de energia e menos poluen-

    te, pois despreza o transporte fer-rovirio e hidrovirio.

    Fazendo uma reexo sobre osimpactos negativos do uso que sefaz do automvel nas cidades doBrasil de hoje (e destacando que

    1 O Plano de Metas de Juscelino Kubits-chek destinou 93% dos recursos para os se-tores dos transportes, energia, e indstrias de

    base, enquanto os outros dois setores inclu-dos no plano, alimentao e educao, ca-ram com o restante. Fonte: http://cpdoc.fgv.

    br/producao/dossies/JK/artigos/Economia/

    PlanodeMetas. Acesso em 27/10/2015. (Notado entrevistado)

    estes problemas so criados porapenas 19% da populao que uti-liza o carro para ir ao trabalho),constatamos que ele causa mais de45 mil mortes no trnsito por anono pas, contribui signicativamen-te na poluio do ar, para a perdade tempo no trnsito e o estresseurbano. Neste contexto, pode-seperguntar ao Consrcio Cais Maue, inclusive, aos governos estaduale municipal que esto aprovandoo projeto: como um Shopping com4.800 vagas de estacionamentopara automvel na orla do Guabano agravar os problemas criadospela circulao dos atuais 30.000veculos/dia? E qual a garantia deque no estamos construindo umshopping fantasma, como os

    existentes em muitas cidades nor-te-americanas, que logo precisarpassar por uma reconverso em seuuso?

    O projeto do Shopping inviabili-za a ideia de uma praa contnua(Praa Brigadeiro Sampaio) e arbo-rizada que ligaria a Rua dos Andra-das, Sete de Setembro e SiqueiraCampos com a Usina do Gasme-tro, criando um espao de convi-vncia contguo e aberto ao p-blico atravs do rebaixamento da

    Av. Joo Goulart. Esta proposta, demovimentos como o Cais Mau deTodos2, reduziria o rudo provoca-do pelos automveis e melhorariaa sensao trmica do entorno quetem prdios residenciais.

    Pensando no futuro

    Na perspectiva de um planeja-mento estratgico da cidade, preciso considerar: em primeiro

    lugar, a perda de atratividade dosShoppings, pois os dados mostramque em 1990, nos Estados Unidos,se construram 140 por ano e em2007 nenhum foi construdo; emsegundo lugar, que a localizaode um empreendimento comer-cial existente em todas as par-tes do mundo na Orla do Guaba

    2 Cais Mau de Todos: movimento coletivode resistncia ao modelo empregado no pro-

    jeto de revitalizao do Cais Mau e que lutapelo uso comum da rea pblica. Saiba mais

    sobre o grupo em http://on.fb.me/1SlJVyC.(Nota da IHU On-Line)

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    (uma regio peculiar da cidade)diminuiria o diferencial de PortoAlegre na rede de cidades globaise aumentaria a sua homogeneiza-o. Queremos nos tornar iguaiss demais cidades que apostaramtudo no automvel e nos Shoppin-gs? O exemplo de Detroit, cidadenorte-americana sede da GeneralMotors que j foi a quinta maiorcidade do pas e hoje a dcimaoitava, que em 2013 decretou fa-lncia, deve nos servir de alertapara os riscos que a cidade correao car dependente de apenas umsetor econmico para o seu de-senvolvimento. A concorrncia dasmontadoras japonesas e de outrospases fez desmoronar o sonho devida dos norte-americanos daque-la cidade hoje abandonada. Esteexemplo recomenda que devemosanalisar com cautela a justicati-va da gerao de empregos, pois oprojeto de revitalizao do CaisMau no se articula (no dialoga)com a tendncia atual da econo-mia mundial (tambm chamada desociedade do conhecimento), queest mais dependente de serviosde alta especializao que supor-tam setores inovadores como os datecnologia da informao.

    No foram realizados estudossobre a evoluo dos servios eo comrcio de Porto Alegre e daRegio Metropolitana que hojefuncionam como uma conurbaoonde se estabelecem intensas tro-cas e deslocamentos. Tampouco seleva em considerao os Relat-rios Climticos, como o do IPCC/AR de nmero 6 (Ministrio daCincia e Tecnologia/INPE), quemostra a tendncia de aumentoda temperatura supercial de 2

    a 4 graus centgrados. Qual o im-pacto das mudanas climticas noCentro Histrico e no Guaba? Quetipo de medida mitigatria pode-ria ser tomada para aumentar ograu de segurana dos moradorese o bem-estar de uma regio al-tamente densicada e com tem-peraturas superiores aos demaisbairros? O regime de chuvas quevm se apresentando na RegioMetropolitana e no Rio Grande doSul revela a vulnerabilidade denossas cidades, hoje muito mais

    construdas (com construes queno foram projetadas para o apro-veitamento da gua da chuva e daenergia do sol, e tampouco parao uso da arborizao como regu-ladora microclimtica e para oembelezamento da paisagem) quenos anos 1990. As chuvas destems zeram o nvel das guas doGuaba igualar as marcas dos anos1960 e mostraram que o Muro daMau apresenta problemas na suaconteno com o vazamento deuma das comportas, assim comoas bombas instaladas para levaras guas da cidade para o Guaba(que apresentaram problemas) e osistema de drenagem natural.

    Diagnstico de

    carncias do centroO empreendimento apresenta

    como aspectos positivos a recu-perao e utilizao do Setor Ar-mazns, previsto para operar emmeados de 2018 (que poderia sera ancoragem inicial do empreendi-mento), a criao de uma rea deconvvio para populao no SetorDocas, onde se situa o Frigorco euma Praa hoje no utilizada pelapopulao. O diagnstico do Cen-

    tro Histrico indicou a carnciade equipamentos e espaos paracrianas, idosos, jovens, e fam-lias. O diagnstico das carnciase potencialidades do Centro reco-menda que a prioridade seja dadapara a revitalizao e o uso imedia-to das Praas e dos Armazns, coma instalao de atividades que ala-vanquem a atual dinmica culturale social j existente do outro ladodo Muro da Mau, como so as Bie-nais do Mercosul, a Feira do Livro,

    as atividades culturais do Margs eda Casa de Cultura Mrio Quintana,e as visitas de turistas ao patrim-nio histrico e cultural.

    O cronograma fsico-nanceiroproposto pelo Consrcio Cais Mauprecisa ser alterado segundo estasprioridades, que poderiam ser mo-nitoradas e avaliadas na sua funode revitalizao do Centro Histri-co da capital gacha, e que devemdar um retorno mais rpido a ummenor custo e com menos riscospara a cidade. Outra potencialida-

    de no explorada pelo empreendi-mento, que apenas reserva 347 va-gas para bicicletas, a instalaode uma ciclovia de 8,7 Km entre omuro e o Guaba interligando todaa extenso do Cais Mau com o nor-te e o sul da cidade, ajustando-se

    ao Plano Ciclovirio da PrefeituraMunicipal de Porto Alegre.

    Cidade fordista-industrial

    As questes problemticas aquiapresentadas fazem parte domundo contemporneo em rpi-da transformao, mas que o EIA/RIMA no leva em considerao,pois o seu enfoque o do plane-jamento e da construo da ci-dade fordista-industrial, hoje emdeclnio. A velocidade com que osgovernos locais conseguem tomar(boas) decises para o planeja-mento que prepara as cidades paraas mudanas sociais, econmicas eambientais ainda mais lenta quea dos problemas criados pela mo-dernizao urbana e as mudanasclimticas.

    IHU On-Line Em que medidaa recuperao do Cais Mau pelainiciativa privada, tornando-otambm um empreendimentoimobilirio, ressignica o debateacerca dos espaos pblicos e deuso comum da cidade? Como deveser o papel do poder pblico nes-se processo?

    Milton Cruz O projeto, que sevislumbra no EIA/RIMA apresenta-do ao rgo municipal encarrega-

    do de aprovar o andamento do em-preendimento, segue a lgica dasgrandes obras que buscam ganharcom a infraestrutura urbana insta-lada e a dinmica social e econ-mica de uma regio com capacida-de de atrao de consumidores detoda cidade e da Regio Metropoli-tana. Uma regio que agregar aoseu patrimnio histrico e culturala paisagem do Guaba e do Pr doSol, que hoje no pode ser desfru-tada, com todo o valor simblicoe afetivo que a populao porto-

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    alegrense lhe atribui3. A valoriza-o do Centro Histrico com o usosocial que se pode fazer do CaisMau no pode ser reduzida a ga-nhos econmicos a serem garanti-dos por consumidores. O espao ,em primeiro lugar, um patrimniode uma cidade que pode e deveter garantida a sua funo socialcriando lugares de convivncia aosdiferentes estratos sociais e es-paos de educao urbana para acidadania.

    Para que a cidade cumpra suafuno de educadora da cidada-nia e garanta o bem-estar cole-tivo, o Poder Pblico deve atuarcomo mediador e regulador dosempreendimentos que impactamna vida da cidade, equilibrando o

    interesse econmico privado comas demandas da populao e asrecomendaes de especialistascomo os estudiosos das mudanasclimticas. Continuar acreditandoque mais construes (edifcios,viadutos etc.) sinnimo de desen-volvimento no aprender com opassado recente que nos apresentamuitos exemplos de obras que nocumprem papel algum no desenvol-vimento e ainda deixam problemaspara o Poder Pblico resolver, mas

    que garantiram o lucro de empre-sas da construo civil.

    Exemplo da Copa eOperao UrbanaConsorciada

    De acordo com um levantamentofeito pela BBC Brasil, o prejuzo deapenas trs elefantes brancos daCopa os estdios Man Garrincha

    3 As pginas do Facebook intituladas Pr

    do Sol na Orla do Guaba e Orla do Gua-ba apresentam, respectivamente, 2.248 e52.576 curtidas e visitas, fotos do sol nohorizonte, do espelho dgua e comentriossobre o que os usurios sentem ao caminhar,namorar, andar de bicicleta e skate, passearcom o cachorro, tomar um chimarro, pas-sear de barco ou sentar para contemplar omomento em que o sol se pe. A paisagemdesperta emoes que se expressam em pa-lavras como: minha cidade amada, mara-

    vilhoso, saudades, amo tudo isso, e riomais lindo do mundo. Fontes: https://www.facebook.com/P%C3%B4r-do-Sol-na-Orla--do-Gua%C3%ADba-196859143678334/; ehttps://www.facebook.com/pages/Orla-do-

    -Gua%C3%ADba/185301931541340. Acessoem 27/10/2015. (Nota do entrevistado)

    (Braslia), Arena da Amaznia (Ma-naus) e Arena Pantanal (Cuiab) atingiu pelo menos R$ 10 milhesdesde o m do Mundial. O exemploda Copa indica que ainda domina aprtica da implantao de grandesempreendimentos na cidade semconsulta populao, como re-comenda o Estatuto da Cidade de2001, sem anlise do papel do em-preendimento na dinmica real dacidade e da regio e sem o acom-panhamento da sociedade nas fa-ses de planejamento, implantaoe funcionamento das obras.

    Este aprendizado sugere queo melhor seria a participao dasociedade na denio de qual omelhor projeto para o Cais Mau.O instrumento da Operao Urbana

    Consorciada permite a participa-o da sociedade, dos moradores,do empreendedor e do governo emobras que impactam signicativa-mente na cidade. A Lomba do Pi-nheiro, um bairro da zona leste dePorto Alegre, vem implementandoum projeto-piloto de OperaoUrbana Consorciada. Esta LeiComplementar n 627/2009 permi-te, por meio de uma parceria entreo poder pblico e o setor privado,alternativas de nanciamento para

    a organizao do transporte cole-tivo, ampliao dos espaos p-blicos, implantao de programashabitacionais de interesse socialou mesmo a melhoria da infraes-trutura e do sistema virio da re-gio onde realizada4. Esta experi-ncia compreende um conjunto deintervenes e medidas coordena-das pelo Poder Executivo Munici-pal, por intermdio da Secretariado Planejamento Municipal SPM,com a participao de propriet-

    rios, moradores, usurios perma-nentes e investidores privados. Oobjetivo alcanar transformaesurbansticas estruturais, melhoriassociais e valorizao ambiental narea.

    Poderia ser proposta criao deum Comit de Desenvolvimentodo Centro Histrico para formu-lar e acompanhar os planos e osprojetos urbansticos com 1/3 (um

    4 Fonte: SMURB, Secretaria da Prefeitura dePorto Alegre. (Nota do entrevistado)

    tero) de representantes do Mu-nicpio, 1/3 (um tero) de repre-sentantes da comunidade local, e1/3 (um tero) de representantesda sociedade civil organizada; e acriao de uma Operao UrbanaConsorciada do Centro Histrico;alm da criao de um Sistemade Acompanhamento das Aes doCais Mau, que se relaciona commais de 15 programas e projetosdo municpio.

    Relao entre aspessoas e o cais

    Levando em considerao osusos que a populao faz da Orlado Guaba, onde ela tem acesso li-vre para caminhar, namorar, andar

    de bicicleta e skate, passear como cachorro, tomar um chimarro,passear de barco ou sentar paracontemplar o momento em queo sol se pe no horizonte e sobreo espelho dgua que o Guabacria, de se perguntar se as pes-soas podero fazer o mesmo noCais Mau. O convvio da popula-o com esta paisagem despertaemoes que se expressam em pa-lavras como: minha cidade ama-da, maravilhoso, saudades,

    amo tudo isso e rio mais lindodo mundo, o que mostra o valorafetivo dos porto-alegrenses coma Orla do Guaba e que deveriaser preservado e at estimuladopelo projeto. Valorizao que seagregaria ao patrimnio cultural,afetivo e identidade da cidade,que ainda no aparece na propos-ta de revitalizao do Cais Mau,mas que poderia tornar o empre-endedor um exemplo de agenteeconmico inovador na realizao

    de uma iniciativa orientada pelaresponsabilidade tica, social eambiental.

    IHU On-Line O muro da Aveni-da Mau visto por muitos comoentrave para integrar a cidade orla do Guaba. Como o senhorv esse debate acerca do muroe das barreiras fsicas que impe-dem essa integrao? E que ou-tras barreiras no fsicas esto em

    jogo nessa ideia de revitalizar oespao?

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    Milton Cruz Acredito que omuro da Mau tornou-se um sm-bolo emblemtico das barreirasque impedem o acesso ao patri-mnio cultural e afetivo da cidadeque a populao porto-alegrensevaloriza muito, como a Orla doGuaba, o Parque da Redeno e aFeira do Livro. Desde 1941 o muronunca foi acionado para protegera cidade como foi projetado e,talvez, viesse a falhar em muitospontos como sugere o vazamen-to de uma das comportas nesteano de 2015 e os alagamentos naRodoviria, Voluntrios e outrasregies ao norte do Centro His-trico. Passaram-se 74 anos semque a populao, principalmentea do Centro, pudesse ter acessoao Cais e suas praas. Vrias ge-raes perderam a oportunidadede criar seus lhos em contatocom o Guaba, o que no podeser mensurado economicamente,mas deve ser avaliado na pers-pectiva da educao urbana quea cidade propicia, ou no, aosseus moradores, principalmentepara aqueles que no tm acessoaos bens culturais e econmicosfundamentais para a formao daconscincia cidad moderna.

    Na perspectiva da (boa) cidadedo futuro, aquela que promovevalores como o respeito ao outroe ao dilogo, se fazem necessriosprojetos que promovam a intera-o entre indivduos diferentesem termos de renda, culturais,crena religiosa e etnia, de for-ma a que as crianas aprendam,desde pequenas, a conviver compessoas que partilham valoresdistintos daqueles da sua fam-lia. Condomnios fechados, pr-

    dios e casas gradeados, parquese praas cercados constroem umapercepo social da cidade queest em perigo e que precisa seproteger, e desconstri a imagemda cidade acolhedora e amiga quepermite que as crianas brinquemna rua.

    Felizmente temos projetos quefecham por alguns dias no ano asruas, dominadas pelo automvel,para as crianas brincarem com

    seus pais (como no dia da Criana),

    para o aniversrio da Associaode Moradores ou para os ciclistasrealizarem ocinas aos que que-rem aprender a andar. Ver crianasbrincando com seus pais ou ciclis-tas andando na rua desenvolveuma percepo de bairro muitomais amigvel e afetiva que aquelaimagem produzida pelos carros an-dando velozmente pela mesma via.A mudana de uso do espao urba-no produz percepes e sentimen-tos diferentes sobre as possibilida-des que a cidade moderna oferece.Os projetos devem qualicar estapercepo e as sensaes que o in-divduo urbano elabora ao interagircom seu bairro e a cidade.

    A cidade e a sociedade

    ps-modernaPara muitos pesquisadores, as

    mudanas radicais pelas quais esta-mos passando caracterizariam umnovo perodo do capitalismo quevem sendo denominado como a so-ciedade ps-moderna (Harvey)5ousociedade da modernidade tardia(Giddens)6. Para Giddens, este pe-rodo cria instabilidades que amea-am a segurana do indivduo, isto, podem desorganizar a sua capa-

    cidade de dar um sentido de ordeme continuidade ao seu projeto devida. Esta habilidade do indivduoem dar sentido a sua vida funda-mental para a experimentao deemoes estveis positivas, para seevitar a ansiedade e o adoecimen-to, e para se construir uma socie-

    5David Harvey(1935): um gegrafo mar-xista britnico, formado na Universidade deCambridge. professor da City University ofNew York e trabalha com diversas questesligadas geograa urbana. (Nota da IHU

    On-Line)6 Anthony Giddens: socilogo ingls, foidiretor da London School of Economicsand Political Science (LSE). autor de 34obras, publicadas em 29 lnguas, e de in-meros artigos. Em 1985 foi co-fundador daAcademic Publishing House Polity Press. tambm conhecido como o mentor da idiada Terceira Via. Entre suas obras publicadasem portugus citamos As Conseqncias da

    Modernidade(Oeiras: Celta, 1992); Capita-lismo e moderna teoria social: uma anlisedas obras de Marx, Durkheim e Max Weber(Lisboa: Editorial Presena, 1994); Trans-

    formaes da Intimidade Sexualidade,Amor, e Erotismo nas Sociedades Modernas

    (Oeiras: Celta Editora, 1996). (Nota da IHUOn-Line)

    dade emancipada das relaes quegeram subjetividades alienadas edependentes.

    Para Boaventura de Sousa San-tos7, a sociedade que caminhapara a emancipao no pode re-produzir as relaes de poder e

    alienao que caracterizam a aoinstrumental que hoje domina aeconomia e a poltica. O projetoda sociedade emancipada deve serconduzido por uma subjetividadeque orienta sua ao a partir domapa emancipatrio que buscao reconhecimento (identidade) ea redistribuio (igualdade) e temcomo princpios norteadores a so-lidariedade (tica), a participao(poltica), e a expresso esttica(prazer, autoria, artefactualida-

    de). Para Habermas8, os espaossociais devem garantir interaescomunicativas que se baseiem naconsistncia dos argumentos e noreconhecimento do outro comoportador de opinies que devem servalorizadas e levadas em conside-rao na tomada de deciso. As ex-perimentaes participativas comoo Oramento e o PlanejamentoParticipativo seriam criaes locaisque privilegiam este tipo de intera-o, as trocas comunicativas.

    A partir destas abordagens, ne-cessrio analisar o projeto e a pr-

    7 Boaventura de Sousa Santos (1940-):doutor em Sociologia do Direito pela Univer-sidade de Yale, Estados Unidos, e professorcatedrtico da Faculdade de Economia daUniversidade de Coimbra, Portugal. umdos principais intelectuais da rea de cin-cias sociais, com mrito internacionalmentereconhecido, tendo ganho especial popula-ridade no Brasil, principalmente depois deter participado nas trs edies do FrumSocial Mundial, em Porto Alegre. Conra aentrevista O Frum Social Mundial desaa-

    do por novas perspectivas, concedida porBoaventura ao stio do Instituto HumanitasUnisinos IHU em 30-01-2010, disponvelem http://bit.ly/BoaventuraIHU. (Nota daIHU On-Line)8 Jrgen Habermas (1929): lsofo ale-mo, principal estudioso da segunda geraoda Escola de Frankfurt. Herdando as dis-cusses da Escola de Frankfurt, Habermasaponta a ao comunicativa como superaoda razo iluminista transformada num novomito, o qual encobre a dominao burguesa(razo instrumental). Para ele, o logos devecontruir-se pela troca de idias, opinies einformaes entre os sujeitos histricos, esta-

    belecendo-se o dilogo. Seus estudos voltam-

    -se para o conhecimento e a tica. (Nota daIHU On-Line)

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    tica dos atores, que se destacamno planejamento e na construoda cidade da modernidade tardia,buscando por elementos que ca-racterizam os espaos, os equipa-mentos, as tecnologias e os modosde gesto que favorecem a convi-vncia urbana e do estabilidade esegurana para o indivduo interagircomunicativamente e viver a cidadecomo criao e construo (social)organizada para o bem-estar cole-tivo. Lugares como a praa pblicaem que pais e lhos podem brincaraps o trabalho e aos ns de se-mana, equipamentos e tecnologiasmodernas como o transporte pbli-co que permite deslocar-se pela ci-dade em busca de servios de sadee atividades culturais e de lazer, e

    governana e gesto inovadoras queintroduzem novos instrumentos departicipao e novas modalidadesde deslocamento com as ciclovias eas pedovias (que incentivam andarde bicicleta e a p).

    IHU On-Line Como se integrara debates como esse do Cais, quetratam de recuperao de reaspblicas, evitando que se tornemapenas mercadoria do capital es-peculativo e mercado imobilirio?Qual o papel da sociedade civilnesse contexto?

    Milton Cruz A sociedade ci-vil cumpriu um papel muito im-portante na luta contra o modelode cidade construdo pelo regimepoltico-econmico ditatorial, ummodelo elitista, excludente e quedispensava a participao ativa eorganizada da sociedade na elabo-rao de polticas pblicas. A so-ciedade civil conseguiu introduzir

    na Constituio de 1988 e nas LeisOrgnicas Municipais o direito doindivduo de participar do planeja-mento da cidade, e com a criaodo Ministrio das Cidades e a apro-vao do Estatuto da Cidade, de2001, deniu diretrizes para a or-ganizao da Cidade de modo queela cumpra a sua funo social,isto , para que ela no se torneuma mercadoria acessvel apenasqueles que podem pagar, mas queacolha a todos que contribuempara a sua construo e aos jovens

    que herdaro suas virtudes e seusproblemas.

    Entretanto, acredito que esteperodo de muita atividade e cria-tividade se esgotou. A euforia coma participao social desapareceue a crena no seu poder trans-

    formador hoje desestabilizadapelo poder fragmentador e desor-ganizador das relaes polticas eeconmicas clientelistas. Estamosvivenciando um perodo em que oOramento Participativo (que ain-da hoje inspirao para mais demil cidades de todo mundo que oexperimentam em diferentes mo-dalidades) enfrenta grandes dicul-dades para realizar a promessa depassarmos, segundo Abers (2000),Do clientelismo cooperao e

    consolidarmos uma nova arquitetu-ra de gesto pblica capaz de fa-zer interagir o governo local com aorganizao da sociedade civil naproduo de polticas pblicas querespondam, de modo participativoe inovador, aos desaos da socieda-de da complexidade e da transfor-mao acelerada e s expectativasda sociedade que busca o bem-es-tar individual e coletivo.

    Experincias emobilizaes

    Mas a sociedade civil ainda cum-pre um papel fundamental nadesnaturalizao da atual modali-dade de modernizao e no escla-recimento e na formao de umaopinio pblica que seja capaz deintervir em favor da construo deuma cidade culturalmente rica ediversicada que se mostre capazde se rebelar contra a homogenei-

    zao e ao fenmeno que vem tor-nando as instituies e os negcioscada vez mais permeveis prticada corrupo e da troca de favo-res. A cidade de Porto Alegre jdeu mostras desta capacidade aocriar o Oramento e o Planejamen-to Participativo, o Frum SocialMundial, ao organizar o Movimentodo No contra o projeto do Pontaldo Estaleiro e, agora, o MovimentoCais Mau Para Todos.

    Entretanto, este um perodode grande fragmentao da ao

    poltica e governamental (de em-perramento das instituies de-mocrticas) em que a cidade e acidadania reclamam por novasmodalidades de participao nosbenefcios criados pela produourbano-industrial que , hoje, amaior da histria da humanida-de, mas ainda extremamentemal distribuda. A rede de cidadesbrasileira cresceu muito nos lti-mos anos acrescentando aos polostradicionais de desenvolvimento,como as metrpoles de So Paulo eRio de Janeiro, muitas outras regi-es que esto demandando polti-cas pblicas ecazes na mobilidadeurbana, na segurana, na sade,e, principalmente, na incluso demuitos na categoria de cidados

    e projetos de bairros e territriosque garantam o bem-estar indivi-dual e coletivo.

    IHU On-Line A partir do debateem torno da revitalizao do CaisMau, como pensar um projetode cidade do futuro que preconi-ze no s desenvolvimento eco-nmico, mas tambm bem-estarsocial em ambientes urbanos?

    Milton Cruz Penso que o de-

    bate em torno da revitalizao doCais Mau revela dois projetos decidade: a cidade (rebelde) da mo-dernidade tardia contra a cidadefordista-industrial. E que o futuroda cidade depende da capacida-de da sociedade civil em apre-sentar um Projeto Alternativo deModernizao capaz de articularas propostas fragmentadas (aindamuito inuenciadas pelo mode-lo fordista-industrial de cidade)e convencer a opinio pblica da

    sua consistncia e sustentabilida-de. Os instrumentos de regulao,controle e planejamento devemorientar-se a partir do objetivoda modernizao includente quepromove os valores da cidadaniae a construo da subjetividadecomprometida com o futuro dahumanidade. Faz urgente regularo apetite voraz de setores domercado em lucrar com o patrim-nio histrico e cultural e a infra-estrutura urbana construda pelasgeraes anteriores.

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    TEMADESTAQUES DA SEMANA

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    ENTREVISTA

    Francisco e a metafsica como ecologiaintegral: a questo fundamental do

    pensamento contemporneoO lsofo Manfredo Arajo de Oliveira revisita a histria da metafsica e sugere odesenvolvimento de uma losoa sistemtica

    Por Patricia Fachin e Joo Vitor Santos

    Opapa pe-se na linha do quemuitos lsofos aspiram hoje.

    Esse o ponto que no estsendo visto, diz Manfredo Arajo de Oliveira IHU On-Line, na entrevista a seguir, con-cedida pessoalmente quando esteve no Insti-tuto Humanitas Unisinos IHU, e participoude uma mesa-redonda sobre a Carta EncclicaLaudato Si.

    Na avaliao do lsofo, a contribuio dopapa para pensar os dilemas da COP-21, a serrealizada em Paris no nal deste ano, s foivivel porque abriu a perspectiva que tornaisso possvel, e disso que acho que o pessoal

    no est se dando conta, comenta.De acordo com Manfredo, hoje muitos cien-

    tistas ou lsofos que adotam uma viso inte-grada dos saberes ainda esto pensando numaperspectiva epistemolgica, ou seja, estodizendo apenas que preciso juntar qumica,fsica, matemtica, humanidades, tecnicida-des. Mas o papa vai muito alm disso, vai numaviso holstica da realidade, que v a realidadede fato como um todo, explica. Segundo ele,o que est embutido na Encclica Laudato Si uma perspectiva ontolgica, metafsica,

    algo grandioso, porque a losoa hoje apenasvislumbra superar os dualismos, o dualismocartesiano, mas no s isso, temos de superaro dualismo ontolgico, porque a realidade foidividida toda em pedaos e ningum v maisrelao de uma coisa com outra, acentua.

    De acordo com o lsofo, o captulo cen-tral da Encclica papal o quarto, que tratada ecologia integral, que supera aquela visoanaltica de que as coisas esto separadas en-tre si. O papa traz uma viso metafsica sobrea globalidade. H uma dimenso de contingn-cia, que no se explica por ela mesma, ou seja,trata-se da pergunta de por que existe algo e

    no nada. Ele reps, contra todos os dualismosvigentes no nosso mundo, uma viso global sin-

    ttica, sistemtica, de ver as conectividadesuniversais de todas as coisas, destaca.

    Para Manfredo, depois da recusa ou de umareinterpretao do que seria a metafsica des-de Kant, a losoa deve recuperar uma pers-pectiva sistemtica, e tratar das conectivida-des, ou seja, pensar o que tica tem a vercom metafsica, o que tem a ver antropologiacom tica e losoa da natureza. E frisa:No d mais para car pensando em losoasque criam dualismos insustentveis. O papaest diante de um certo anseio que os lsofos

    norte-americanos tambm tm, que superaro gap entre teoria e mundo, linguagem e re-alidade. Essa a questo fundamental do pen-samento contemporneo. Mas os lsofos noconseguiram ir adiante.

    Na entrevista a seguir, Manfredo de ArajoOliveira revisita a histria da metafsica nopensamento ocidental e sugere a sua retomadacomo ponto fundamental para compreender arealidade na sua totalidade.

    Manfredo Arajo de Oliveira graduadoem Filosoa pela Faculdade de Filosoa de

    Fortaleza, mestre em Teologia pela PontifciaUniversidade Gregoriana de Roma e doutor emFilosoa pela Universitt Ludwig Maximiliande Munique, Alemanha. Atualmente profes-sor titular da Universidade Federal do Cear.Recentemente, Manfredo Arajo de Oliveiralanou seu novo livro intituladoA ontologia emdebate no pensamento contemporneo (SoPaulo: Paulus, 2014).

    A entrevista foi publicada originalmente nasNotcias do Dia, de 20-10-2015, disponvel emhttp://bit.ly/1l5Wcfn.

    Conra a entrevista.

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    IHU On-Line Quais foram

    as diferentes razes que le-

    varam alguns lsofos, a

    exemplo de Kant1, Nietzsche2,

    1 Immanuel Kant (1724-1804): lsofoprussiano, considerado como o ltimo gran-

    de lsofo dos princpios da era moderna,representante do Iluminismo. Kant teve umgrande impacto no romantismo alemo e naslosoas idealistas do sculo XIX, as quais setornaram um ponto de partida para Hegel.Kant estabeleceu uma distino entre os fe-nmenos e a coisa-em-si (que chamou nou-menon), isto , entre o que nos aparece e oque existiria em si mesmo. A coisa-em-si nopoderia, segundo Kant, ser objeto de conheci-mento cientco, como at ento pretenderaa metafsica clssica. A cincia se restringi-ria, assim, ao mundo dos fenmenos, e seriaconstituda pelas formas a priori da sensibili-dade (espao e tempo) e pelas categorias doentendimento. A IHU On-Linenmero 93,de 22-03-2004, dedicou sua matria de capa

    vida e obra do pensador com o ttuloKant:razo, liberdade e tica, disponvel para do-

    wnload em http://bit.ly/ihuon93. Tambmsobre Kant foi publicado o Cadernos IHUem Formao nmero 2, intitulado Em-manuel Kant Razo, liberdade, lgica etica, que pode ser acessado em http://bit.ly/ihuem02. Conra, ainda, a edio 417 darevista IHU On-Line, de 06-05-2013, inti-tuladaA autonomia do sujeito, hoje. Impera-tivos e desaos, disponvel em http://bit.ly/ihuon417. (Nota da IHU On-Line)2 Friedrich Nietzsche (1844-1900): l-sofo alemo, conhecido por seus conceitosalm-do-homem, transvalorao dos va-lores, niilismo, vontade de poder e eterno

    retorno. Entre suas obras guram como asmais importantes Assim falou Zaratustra(9. ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira,1998), O anticristo(Lisboa: Guimares, 1916)e A genealogia da moral (5. ed. So Paulo:Centauro, 2004). Escreveu at 1888, quandofoi acometido por um colapso nervoso quenunca o abandonou at o dia de sua morte.

    A Nietzsche foi dedicado o tema de capa daedio nmero 127 da IHU On-Line, de13-12-2004, intitulado Nietzsche: lsofodo martelo e do crepsculo, disponvel paradownload em http://bit.ly/Hl7xwP. A edio15 dos Cadernos IHUem formao intitu-lada O pensamento de Friedrich Nietzsche, epode ser acessada em http://bit.ly/HdcqOB.Conra, tambm, a entrevista concedida por

    Ernildo Stein edio 328 da revista IHUOn-Line, de 10-05-2010, disponvel emhttp://bit.ly/162F4rH, intitulada O biologis-mo radical de Nietzsche no pode ser mini-mizado, na qual discute ideias de sua confe-rncia A crtica de Heidegger ao biologismode Nietzsche e a questo da biopoltica, parteintegrante do Ciclo de Estudos Filosoas dadiferena Pr-evento do XI Simpsio Inter-nacional IHU: O (des)governo biopoltico davida humana. Na edio 330 da Revista IHUOn-Line, de 24-05-2010, leia a entrevista

    Nietzsche, o pensamento trgico e a arma-o da totalidade da existncia, concedidapelo Prof. Dr. Oswaldo Giacoia e disponvelpara download em http://bit.ly/nqUxGO. Na

    edio 388, de 09-04-2012, leia a entrevistaO amor fati como resposta tirania do sen-

    Heidegger3, Wittgenstein4 e osmembros do Crculo de Viena,a recusar a metafsica ou a pro-por outro tipo de metafsica?Eles de fato quiseram recus-laou quiseram fazer outro tipo demetafsica?

    Manfredo Arajo de Oliveira Kant queria uma outra metafsica,que era em primeiro lugar uma te-oria das condies de possibilida-de do conhecimento humano, quepara mim signica uma metafsicaextremamente restrita dimensoepistemolgica. Quer dizer, ela notrata propriamente daquilo que se-ria a tarefa da metafsica, que

    tido,com Danilo Bilate, disponvel em http://bit.ly/HzaJpJ. (Nota da IHU On-Line)

    3 Martin Heidegger(1889-1976): lsofoalemo. Sua obra mxima O ser e o tempo(1927). A problemtica heideggeriana am-pliada em Que Metafsica? (1929), Cartassobre o humani