UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIEcircNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE TEORIA LITERAacuteRIA E LITERATURA COMPARADA
JANE PESSOA DA SILVA
Ibsen no Brasil
Historiografia Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e Cataacutelogo bibliograacutefico
3 volumes
I Historiografia
Satildeo Paulo 2007
JANE PESSOA DA SILVA
Ibsen no Brasil
Historiografia Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e Cataacutelogo bibliograacutefico
Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de mestre em Letras
Aacuterea Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Orientadora Profa Dra Inaacute Camargo Costa
3 volumes
I Historiografia
Satildeo Paulo 2007
FOLHA DE APROVACcedilAtildeO
Jane Pessoa da Silva
Ibsen no Brasil historiografia seleccedilatildeo de textos criacuteticos e cataacutelogo bibliograacutefico
Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de mestre em Letras
Aacuterea Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada
Aprovado em
Banca Examinadora
Prof Dr ______________________________________________________________________
Instituiccedilatildeo _____________________________ Assinatura _____________________________
Prof Dr ______________________________________________________________________
Instituiccedilatildeo _____________________________ Assinatura _____________________________
Prof Dr ______________________________________________________________________
Instituiccedilatildeo _____________________________ Assinatura _____________________________
4
NOTA
Esta dissertaccedilatildeo eacute resultado de uma pesquisa iniciada em 2000 durante a graduaccedilatildeo
sob a forma de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica Nesse periacuteodo reuni uma boa parte da bibliografia de e
sobre Henrik Ibsen o que resultou em um quadro breve da recepccedilatildeo criacutetica do dramaturgo no
Brasil focalizando basicamente os anos de 1950 a 1990 No mestrado essa pesquisa de
campo foi ampliada na tentativa de apresentar ao leitor um panorama mais completo
incluindo as primeiras encenaccedilotildees feitas ainda no final do seacuteculo XIX ateacute as mais recentes
dos anos 2000 Da organizaccedilatildeo desse material bibliograacutefico mdash traduccedilotildees de sua obra livros
ensaios artigos registros dos espetaacuteculos etc mdash originaram os trecircs volumes que compotildeem
esta dissertaccedilatildeo I Historiografia II Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e III Cataacutelogo bibliograacutefico
No primeiro volume pretendi traccedilar em linhas gerais o percurso de Ibsen no Brasil
procurando mostrar as contradiccedilotildees e os impasses de nossa criacutetica ao tratar de mateacuteria tatildeo
profunda e significativa para a dramaturgia mundial No segundo reuni os artigos e ensaios
mais relevantes para a compreensatildeo de sua trajetoacuteria em nosso paiacutes buscando apreender as
nuanccedilas e tendecircncias mais revolucionaacuterias e heterodoxas sobre sua obra Por fim no terceiro
volume registrei os dados do material pesquisado a fim de oferecer ao leitor um cataacutelogo de
consulta e de registro das peccedilas montadas em palcos brasileiros bem como dos textos
produzidos sobre seu teatro
Este trabalho por sua proacutepria natureza soacute pocircde ser realizado porque contei com a
ajuda de pessoas generosas Agradeccedilo a Denise Radanovic Maria Siacutelvia Betti e a Miley pelo
auxiacutelio com algumas traduccedilotildees ao prof Ariovaldo Joseacute Vidal pelos livros fornecidos a
Huendel Viana pela leitura do presente texto e pelo tratamento das imagens do cataacutelogo aos
professores Inaacute Camargo Costa Maria Siacutelvia Betti e Jorge de Almeida pelas sugestotildees
preciosas durante o exame de qualificaccedilatildeo e ao Prof Joatildeo Roberto Faria pelo socorro com
informaccedilotildees bibliograacuteficas e pelo empreacutestimo de materiais valiosos para o desenvolvimento
dessa dissertaccedilatildeo Registro ainda o meu agradecimento ao CNPq pela concessatildeo da bolsa de
Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica e de Mestrado
5
RESUMO
SILVA J P Ibsen no Brasil historiografia seleccedilatildeo de textos criacuteticos e cataacutelogo bibliograacutefico
2007 3 v f Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas
Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2007
Este trabalho composto de trecircs volumes (I Historiografia II Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e III
Cataacutelogo bibliograacutefico) tem como objetivo apresentar um panorama da recepccedilatildeo de Ibsen no
Brasil O primeiro volume traz uma avaliaccedilatildeo da fortuna criacutetica de Ibsen no Brasil passando
pelas ideacuteias teatrais do seacuteculo XIX pela modernizaccedilatildeo do teatro nos anos 1940 ateacute chegar agraves
tendecircncias criacuteticas contemporacircneas O segundo traz os textos mais relevantes para o
entendimento da obra do dramaturgo publicados no Brasil entre 1895 e 2002 Por fim o
terceiro apresenta os dados bibliograacuteficos sobre as traduccedilotildees brasileiras das peccedilas do autor
sobre as montagens realizadas no teatro e na tv sobre os livros capiacutetulos de livros prefaacutecios e
textos publicados em perioacutedicos sobre o dramaturgo Com esse percurso buscou-se
compreender o modo de assimilaccedilatildeo do teatro ibseniano pela criacutetica brasileira levando em
consideraccedilatildeo as influecircncias estrangeiras especialmente a francesa Ao mesmo tempo procurou-
se ressaltar os momentos de ruptura com essa tradiccedilatildeo sobretudo a partir das reflexotildees de
Antonio de Alcacircntara Machado Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld que deram uma nova
orientaccedilatildeo para a leitura das peccedilas de Ibsen
Palavras-chave Henrik Ibsen Dramaturgia moderna Teatro brasileiro Histoacuteria do teatro
6
ABSTRACT
Silva JP Ibsen in Brazil historiography selection of critical texts and bibliographical
catalogue 2007 3 v f Dissertation (Masterrsquos degree) ndash Faculdade de Filosofia Letras e
Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo 2007
This work composed of three volumes (I Historiography II Selection of critical texts and
III Bibliographical catalogue) presents an overview of the reception of Ibsen in Brazil The
first volume is an assessment of the rich and varied criticism Ibsen received in Brazil within
the context of the theatrical ideas of the nineteenth century the modernization of the theatre in
the 1940s until the contemporary level of critical trends The second selects the most relevant
texts in order to understand the works of the playwright which were published in Brazil from
1985 and 2002 Finally the third presents bibliographical information on Brazilian
translations of his plays on adaptations carried through in theatre and on TV in books book
chapters prefaces and texts published in periodicals about the playwright Through this route
an attempt was made to understand the way Ibsenian theatre was assimilated by Brazilian
critics taking into account foreign influences especially of French origin At the same time
we attempt to highlight examples of breaking from such tradition especially considering the
thoughts of Antonio de Alcacircntara Machado Otto Maria Carpeaux and Anatol Rosenfeld who
gave us another approach to the studies of Ibsenrsquos plays
Keywords Henrik Ibsen Modern drama Brazilian theatre History of the theatre
7
SUMAacuteRIO
VOLUME I HISTORIOGRAFIA
Nota 4
Resumo 5
Abstract 6
Iacutendice 13
INTRODUCcedilAtildeO
Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15
IBSEN NO BRASIL
As primeiras encenaccedilotildees 40
Um claacutessico imperfeito 53
Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58
Entre o teatro amador e o profissional 63
A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 101
VOLUME II SELECcedilAtildeO DE TEXTOS CRIacuteTICOS
Iacutendice 120
Nota preacutevia 125
1 Os espectros de Henrik Ibsen (C Parlagreco) 127
2 Novelli ndash Ibsen (Sem assinatura) 131
3 Novelli ndash ldquoHenrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo (A) 136
4 Novelli ndash Os espectros (Sem assinatura) 139
5 Os espectros (Sem assinatura) 141
6 Ermete Novelli (Sem assinatura) 143
8
7 O Teatro ndash ldquoA grande figura de Francisque Sarcey []rdquo (Artur Azevedo) 145
8 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro colega e amigo []rdquo
(Luiacutes de Castro) 147
9 A casa de boneca (Luiacutes Guimaratildees Filho) 150
10 Teatro contemporacircneo Henrik Ibsen (Luiacutes de Castro) 154
11 SantrsquoAnna ndash Casa de boneca (Oscar Guanabarino) 158
12 Luciacutelia Simotildees (Paulo Barreto ndash Joatildeo do Rio) 166
13 O Teatro ndash ldquoEu estava no sul de Minas []rdquo (Artur Azevedo) 169
14 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro Artur []rdquo (Luiacutes de Castro)
174
15 O Teatro ndash ldquoLuiacutes de Castro voltou []rdquo (Artur Azevedo) 178
16 Ibsen e o seu teatro (Leopoldo de Freitas) 179
17 Politheama ndash ldquoPoucos homens neste seacuteculo []rdquo (Sem assinatura) 183
18 Teatro Lucinda ( PB ndash Joatildeo do Rio) 188
19 SantrsquoAnna ndash ldquoA primeira vez []rdquo (Sem assinatura) 190
20 Antoine ndash ldquoA companhia Antoine []rdquo (Sem assinatura) 192
21 O Teatro ndash ldquoTerminei o meu uacuteltimo folhetim []rdquo (Artur Azevedo) 193
22 SantrsquoAnna ndash ldquoA representaccedilatildeo da Casa de boneca de Ibsen []rdquo (Sem assinatura)
195
23 O Teatro ndash ldquoPassando por alto uma representaccedilatildeo da Fernanda []rdquo (Artur Azevedo)
197
24 Crocircnica ndash ldquoA nota artiacutestica foi a representaccedilatildeo de Hedda Gabler []rdquo (OB ndash Olavo Bilac) Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 7 jul 1907
199
25 Revistinha ndash Tourneacutee Eleonora Duse Teatro SantrsquoAnna Hedda Gabler drama de H Ibsen (Joatildeo Crespo)
201
26 SantrsquoAnna ndash ldquoEleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo (Sem assinatura)
207
27 Hedda Gabler ndash ldquoDissemos que Ibsen ainda natildeo eacute []rdquo (Sem assinatura) 208
28 Revistinha ndash ldquoUm criacutetico teatral de uma folha []rdquo (Joatildeo Crespo) 211
9
29 Ainda Hedda Gabler (Sem assinatura) 213
30 Revistinha ndash ldquoVaacute de resposta ao criacutetico teatral []rdquo (Joatildeo Crespo) 215
31 Os meus domingos (Alfredo Pujol) 217
32 A esteacutetica de uma trageacutedia (Graccedila Aranha) 221
33 Teatro Municipal ndash ldquoDois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo (Sem assinatura) 223
34 Ibsen o teatro de pensamento comemora o 1ordm centenaacuterio do nascimento do grande criador dinamarquecircs [norueguecircs] (Sem assinatura)
226
35 No centenaacuterio de Ibsen (Fleacutexa Ribeiro) 229
36 O primeiro centenaacuterio de Ibsen a obra e a vida do genial escandinavo A influecircncia de suas ideacuteias no teatro contemporacircneo (Sem assinatura)
232
37 Agrave memoacuteria de Ibsen (Camille Mauclair) 237
38 H Ibsen (Nestor Viacutetor) 241
39 Ibsen e o subconsciente (Fleacutexa Ribeiro) 243
40 Henrik Ibsen ndash ldquoEsse norueguecircs de Skien []rdquo (JJ de Saacute ndash Antonio de Alcacircntara Machado)
247
41 Teatro Municipal ndash ldquoEscrita haacute um pouco mais de meio seacuteculo []rdquo (Sem assinatura)
260
42 Defesa de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 262
43 O ibsenismo no Brasil (Alceste ndash Brito Broca) 270
44 Ibseniana ndash ldquoEstatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo (Otto Maria Carpeaux)
272
45 Aos atores brasileiros (Otto Maria Carpeaux) 276
46 Ibsen 50 anos depois (OMC ndash Otto Maria Carpeaux) 279
47 Presenccedila de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 282
48 Introduccedilatildeo a Ibsen (Ruggero Jacobbi) 287
49 Ibsen e a sua obra (Edmundo Moniz) 297
50 Ibsen atual (Ruggero Jacobbi) 307
51 Ibseniana ndash ldquoAcontece embora raramente []rdquo (Otto Maria Carpeaux) 312
52 Ibsen e o tempo passado (Anatol Rosenfeld) 316
10
53 Ibsen na sua correspondecircncia (Livio Xavier) 320
54 Modernidade de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 323
55 Ibsen e o Dr Stockmann (Luiz Israel Febrot) 327
56 Hedda Gabler ndash ldquoSegundo a crocircnica o maior sucesso de Ibsen []rdquo (Luiz Israel Febrot)
334
57 Os espectros satildeo as velhas ideacuteias (Luiz Israel Febrot) 341
58 De Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) (Joseacute Carlos Garbuglio)
346
59 Natildeo perca esta aventura (Saacutebato Magaldi) 363
60 A casa de bonecas (Luiacuteza Barreto Leite) 368
61 Nossa Casa de bonecas (Otto Maria Carpeaux) 370
62 Ibsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeo (Mariacircngela Alves de Lima) 372
63 A velha Casa de bonecas renovada por Tocircnia (Saacutebato Magaldi) 374
64 O gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humano (Deacutecio Drummond)
376
65 Encenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsen (Mariacircngela Alves de Lima)
379
66 Ibsen o pai do teatro de hoje faz 150 anos (Adones de Oliveira) 384
67 150 anos de Ibsen uma anaacutelise da obra do primeiro dramaturgo moderno (John Mortimer)
388
68 Casa de bonecas 100 anos depois (Sem assinatura) 392
69 Quem eacute Hedda Gabler (Deacutecio de Almeida Prado) 394
70 A densidade dramaacutetica de Ibsen (Fernando Peixoto) 399
71 As obsessotildees de Ibsen (Samuel Titan Jr) 403
72 Penuacuteltima peccedila de Ibsen estreou haacute cem anos (Seacutergio de Carvalho) 406
73 O inimigo do povo privilegia defesa de tese (MAL ndash Mariacircngela Alves de Lima)
413
74 Peccedila de Ibsen mobiliza atrizes desde o seacuteculo 19 (Mariacircngela Alves de Lima)
415
11
VOLUME III CATAacuteLOGO BIBLIOGRAacuteFICO
Iacutendice 425
Cronologia da vida e obra de Ibsen 429
Nota explicativa 434
Abreviaturas 436
1 Obra traduzida do autor 438
2 Obra sobre o autor 447
3 Montagem Teatro 523
4 Montagem TV 612
JANE PESSOA DA SILVA
Ibsen no Brasil
Historiografia Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e Cataacutelogo bibliograacutefico
Volume I
Satildeo Paulo 2007
13
IacuteNDICE
INTRODUCcedilAtildeO
Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15
IBSEN NO BRASIL
As primeiras encenaccedilotildees 40
Um claacutessico imperfeito 53
Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58
Entre o teatro amador e o profissional 63
A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
Traduccedilotildees da obra do autor teatro completo poesia correspondecircncia 101
Biografias 102
Livros e teses sobre o autor 102
Capiacutetulos de livro sobre o autor 105
Perioacutedicos sobre o autor 106
Geral 107
I N T R O D U Ccedil Atilde O
15
Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna
Henrik Ibsen (1828-1906) eacute uma figura central na histoacuteria do teatro moderno Suas vinte e
seis peccedilas escritas ao longo de quase 50 anos inauguraram uma nova era de experimentaccedilatildeo
teatral sobretudo no que diz respeito agrave dramaturgia abandonando as velhas formas do teatro
claacutessico e incorporando em sua fatura os problemas de seu tempo A nova forma de suas peccedilas
que se diferenciava bastante do drama burguecircs mdash comeacutedias realistas que apresentavam no palco
os costumes e os valores morais da burguesia mdash obrigou os artistas a repensar a concepccedilatildeo do
fazer teatral modificando a estrutura do palco o trabalho do ator e a relaccedilatildeo entre texto autor e
plateacuteia Aleacutem disso sua luta constante contra as convenccedilotildees tacanhas e obsoletas da sociedade
burguesa tatildeo evidentes nos chamados ldquodramas sociaisrdquo como Os pilares da sociedade (1877)
Casa de boneca (1879) Os espectros (1881) e Um inimigo do povo (1884) fizeram de Ibsen um
dos autores mais discutidos da segunda metade do seacuteculo XIX Suas ideacuteias aleacutem de influenciarem
muitos dramaturgos como Bernard Shaw Oscar Wilde Arthur Miller entre outros foram
apropriadas no acircmbito literaacuterio pelos movimentos de vanguarda da Europa como o naturalismo
e o simbolismo e na esfera poliacutetica pelos socialistas e anarquistas A partir de Ibsen o teatro
deixa de ser visto apenas como um entretenimento passando a ser encarado tambeacutem como um
instrumento de experiecircncia social que abriu o caminho para as novas formas teatrais do seacuteculo
XX
Ibsen iniciou sua carreira como homem de teatro em 1850 ano da consolidaccedilatildeo do
capitalismo europeu e do desmedido avanccedilo econocircmico que desencadearam uma seacuterie de
transformaccedilotildees na sociedade Nessa eacutepoca de especulaccedilatildeo financeira de imperialismo e de
ascensatildeo do proletariado o dinheiro passa a dominar toda a vida puacuteblica e privada tudo se curva
diante dele tudo o serve As novas relaccedilotildees sociais os direitos e o poder expressam-se em termos
de capital e as pessoas vecircem-se cada vez mais como rivais e inimigas sendo necessaacuterio conquistar
e legitimar permanentemente posiccedilotildees e influecircncias O matrimocircnio e a famiacutelia constituem o esteio
desse mundo burguecircs mormente porque tambeacutem estatildeo ligados ao sistema de propriedade e de
empreendimentos rentaacuteveis Os casamentos em regra estabelecem-se entre famiacutelias do mesmo
status social ou da mesma linha de negoacutecios e a estrutura patriarcal baseada na subordinaccedilatildeo da
mulher e dos filhos eacute mantida O enfraquecimento da unidade familiar eacute inaceitaacutevel seja atraveacutes
da paixatildeo descontrolada por indiviacuteduos ldquoimproacutepriosrdquo (isto eacute economicamente indesejaacuteveis) seja
atraveacutes de escacircndalos morais
16
Na vida artiacutestica prevalecem as tendecircncias que estatildeo de acordo com o gosto burguecircs a
obra faacutecil e agradaacutevel destinada apenas ao entretenimento A arte reduzida agrave diversatildeo e ao
apraziacutevel domina todas as formas de produccedilatildeo mas principalmente aquela ligada agrave esfera puacuteblica
o teatro Este apresenta-se como um instrumento de propaganda da ideologia burguesa de seus
princiacutepios econocircmicos sociais e morais Assim a importacircncia da famiacutelia como alicerce da
sociedade torna-se o principal assunto do teatro burguecircs Os ideais os deveres e sobretudo o amor
eterno capaz de resistir agrave prova cotidiana da vida conjugal satildeo valores constantemente
propugnados pelos dramaturgos desse periacuteodo Em La dame aux cameacutelias de Dumas Filho por
exemplo o amor do heroacutei pela cortesatilde eacute incompatiacutevel com a respeitabilidade da famiacutelia burguesa
em Le mariage drsquoOlympe de Eacutemile Augier a mulher de moral duvidosa natildeo tem como se
regenerar e deve ser banida do corpo social Em suma a discussatildeo de temas como a usura a
agiotagem a prostituiccedilatildeo e o casamento de conveniecircncia servem apenas como contrapontos agraves
ldquovirtudes burguesasrdquo
Aleacutem da temaacutetica moralizante as peccedilas tecircm de ser simples e ligeiras obedecendo aos
estratagemas e agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita Desse modo a accedilatildeo deve ser unificada a trama
deve desenrolar-se em um soacute lugar e sua duraccedilatildeo natildeo deve exceder vinte quatro horas o assunto
por mais indecoroso que seja nunca deve ser problemaacutetico nem tampouco obscuro a distribuiccedilatildeo
da mateacuteria dramaacutetica deve ser feita segundo um esquema de exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e
desenlace buscando sempre o mais alto grau de identificaccedilatildeo e verossimilhanccedila Em tal peccedila tudo
deve parecer inesperado embora tudo seja previsiacutevel As discussotildees os conflitos e ateacute mesmo o
desfecho da obra devem estar de acordo com o desejo e com a expectativa do puacuteblico Assim o
enredo torna-se o ingrediente mais artificial do drama e o que realmente importa eacute a arte de
produzir complicaccedilotildees e tensatildeo de atar e desatar noacutes de preparar as reviravoltas da intriga e
sobretudo de manter continuamente o suspense atraveacutes de uma sequumlecircncia de quumliproquoacutes efeitos e
golpes de teatro
Durante algum tempo Ibsen tentaraacute escrever segundo os artifiacutecios da peccedila bem-feita Os
seus primeiros dramas no entanto estatildeo mais proacuteximos do nacionalismo romacircntico e de modo
geral tratam de temas da histoacuteria e da mitologia norueguesa Eacute a partir de A comeacutedia do amor
(1862) que o autor passa a demonstrar interesse pelos assuntos de seu tempo A comeacutedia escrita
em versos tem o rigor da construccedilatildeo e da coerecircncia loacutegica exigidas pela convenccedilatildeo e ademais
apresenta o tema dileto da burguesia o amor Svanhild ama o poeta Falk mas entre o verdadeiro
amor e a solidez de uma vida confortavelmente burguesa a personagem escolhe a segunda opccedilatildeo
casando-se por conveniecircncia com o rico comerciante Gustald Essa peccedila escandalizou de tal modo
seus contemporacircneos que teve sua representaccedilatildeo vetada Com exceccedilatildeo do artigo do jornalista
17
norueguecircs Ditmar Mejdell que a considerou um deploraacutevel contra-senso literaacuterio quase nada se
publicou sobre a peccedila Apenas em conversas privadas falava-se dela qualificando-a como
vergonhosa e imoral
As obras seguintes jaacute satildeo de natureza diversa e apontam pouco a pouco o rumo da nova
dramaturgia proposta por Ibsen Na peccedila histoacuterica Os pretendentes agrave coroa (1863) e nos poemas
dramaacuteticos Brand (1866) e Peer Gynt (1867) a regra da unidade de tempo e espaccedilo eacute rompida As
aventuras de Peer por exemplo comeccedilam no iniacutecio do seacuteculo XIX e terminam em 1860
desenrolando-se na Noruega no Marrocos no deserto do Saara etc A personagem-tiacutetulo natildeo tem
vontade proacutepria eacute um homem elusivo cujas atitudes natildeo se prestam agrave criaccedilatildeo de conflitos entre
protagonistas e antagonistas e portanto estaacute longe de ser heroacutei de um drama rigoroso Sua vida eacute
ilustrada atraveacutes de uma sequumlecircncia de episoacutedios que nada tem do caraacuteter dramaacutetico exigido pela
convenccedilatildeo teatral Por esses motivos o criacutetico dinamarquecircs Clemens Petersen declarou que o
drama pecava contra as regras essenciais da poesia Em A liga da juventude (1869) Ibsen
abandona de vez os versos e satiriza a poliacutetica norueguesa A accedilatildeo se passa num ambiente rural e
as personagens satildeo pequenos burgueses agraves voltas com preocupaccedilotildees corriqueiras casamentos
vantajosos mesquinharias e ambiccedilotildees de arrivistas O protagonista eacute o advogado Stensgaard que
em busca de poder poliacutetico usa de todos os expedientes para conquistar um lugar no parlamento
Ele defende os princiacutepios de abnegaccedilatildeo e altruiacutesmo enfrenta Brattsberg o maior industrial da
cidade mas natildeo pensa duas vezes em se unir a ele para desfrutar as regalias de uma vida
burguesa O drama apresenta as caracteriacutesticas baacutesicas da peccedila bem-feita como a accedilatildeo variada e
complicada e o rigoroso encadeamento causal dos acontecimentos mas as reviravoltas da intriga
natildeo servem apenas para surpreender o espectador e sim para mostrar paulatinamente o quatildeo
inescrupuloso e demagogo eacute o protagonista Ateacute entatildeo na Noruega com exceccedilatildeo de A comeacutedia
do amor nenhum outro drama tinha abordado tatildeo escancaradamente os assuntos contemporacircneos
tornando-se assim a primeira representaccedilatildeo de A liga da juventude um verdadeiro alvoroccedilo Os
poliacuteticos do partido liberal norueguecircs sentiram-se caluniados sobretudo Bjoslashrnson poeta e
dramaturgo que se viu retratado na figura de Stensgaard Durante a encenaccedilatildeo houve
manifestaccedilotildees protestos e vaias obrigando o diretor da peccedila a subir ao palco e pedir silecircncio para
que a representaccedilatildeo pudesse continuar
Em 1873 aparece Imperador e Galileu drama histoacuterico que aborda o conflito entre
cristianismo e paganismo Contudo eacute com Os pilares da sociedade escrita quatro anos mais
tarde que Ibsen torna-se conhecido no restante da Europa Nessa peccedila as personagens
abandonam a linguagem empolada e numa prosa coloquial discorrem sobre temas como a
corrupccedilatildeo e a hipocrisia social A histoacuteria do cocircnsul Bernick homem rico e conceituado que
18
arruinou os membros da proacutepria famiacutelia e praticou crimes contra os cidadatildeos ao construir navios
defeituosos para receber o seguro mariacutetimo obteve grande ecircxito fora da Noruega Na Alemanha
a peccedila mereceu cinco montagens em 1878 sendo recebida como a expressatildeo do espiacuterito da eacutepoca
A partir dessa obra Ibsen abdica das figuras e das situaccedilotildees histoacutericas abrindo-se a uma nova
temaacutetica que forccedilosamente tende a dissolver a estrutura rigorosa do drama O desmascaramento
da sociedade passa a ser foco principal do autor e sua criacutetica primeira eacute dirigida agrave quintessecircncia
do mundo burguecircs o lar A sala de visitas da famiacutelia pequeno-burguesa ateacute entatildeo lugar onde os
indiviacuteduos conservavam a aparecircncia de uma vida harmoniosa onde problemas e contradiccedilotildees
podiam ser esquecidos ou suprimidos artificialmente passa a ser o ambiente onde transcorreraacute a
maior parte das accedilotildees de suas peccedilas Esse recinto iacutentimo e privado torna-se o cenaacuterio perfeito para
a caricatura da vida de cidadatildeos comuns e para o debate de temas como a poliacutetica do matrimocircnio
o relacionamento entre pais e filhos a liberdade a igualdade entre os sexos a mentira e a
hipocrisia Tal mudanccedila altera consequumlentemente a estrutura por vezes um tanto mecacircnica de seus
dramas e progressivamente seu teatro vai abrindo brechas na peccedila bem-feita
O primeiro abalo significativo na forma do drama foi produzido por Casa de boneca
(1879) Nessa peccedila Ibsen assinala a contradiccedilatildeo entre a estrutura da famiacutelia patriarcal e a
sociedade burguesa Por um lado ele questiona como um mundo baseado numa economia de
obtenccedilatildeo de lucro na livre iniciativa na igualdade de direitos oportunidades e liberdade pode
apoiar-se na instituiccedilatildeo do matrimocircnio que nega todos esses ideais e por outro denuncia o
cerceamento da liberdade e dos direitos das mulheres Aleacutem disso ele critica o sistema capitalista
ao fazer do dinheiro a mola propulsora de todos os acontecimentos de sua peccedila Ao abrir do pano
Nora define sua felicidade como resultado de uma situaccedilatildeo financeira vantajosa com a recente
nomeaccedilatildeo de Torvald Helmer seu marido para o cargo de diretor de um Banco Logo em
seguida ela censura a amiga Cristina Linde por ter feito um casamento de conveniecircncia para
assegurar uma vida economicamente estaacutevel Por fim cercada de roupas cortinas almofadas e
papeacuteis de parede eacute posta no palco a famiacutelia burguesa Helmer eacute o pai o marido o senhor honesto
e respeitado cuja funccedilatildeo eacute manter a paz o conforto e a harmonia do lar Nora eacute o ldquoanjo da casardquo
a matildee a esposa ignorante e tola cuja uacutenica tarefa cuidar dos filhos e dirigir os criados natildeo exige
qualquer inteligecircncia nem conhecimento Um casal aparentemente perfeito e feliz ateacute Nora
falsificar a assinatura de seu pai e contrair diacutevidas para custear o tratamento de sauacutede do marido
Helmer como muitos moralistas natildeo fica exasperado com o delito da esposa mas sim com a
ameaccedila de perder sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na sociedade No desfecho Nora frustra-se com a
atitude do marido repensa sua situaccedilatildeo de inferioridade e decide abandonar o lar e os filhos para
buscar sua liberdade pessoal
19
A primeira representaccedilatildeo de Casa de boneca ocorreu no Teatro Real em Copenhague
em dezembro de 1879 e no decurso de dois meses foi encenada em todos os principais
teatros da Escandinaacutevia A peccedila despertou tantas polecircmicas e comentaacuterios que logo Ibsen
passou a ser conhecido em todo o mundo Elogiado e aceito como gecircnio por uns e atacado por
outros o dramaturgo passou agrave ordem do dia O abandono do marido e dos filhos por Nora foi
o ponto que mais desconcerto produziu entre artistas criacuteticos e espectadores Na Alemanha a
atriz Hedwig Neimann-Raabe recusou-se a representar o desenlace da peccedila sendo necessaacuterio
o acreacutescimo de mais um ato agrave montagem onde a esposa arrependida volta ao lar com um filho
nos braccedilos Em Viena a inteacuterprete de Nora natildeo conseguiu deixar o palco na uacuteltima cena
Como se lhe faltasse o valor moral para tomar aquela decisatildeo apoiou-se agrave porta ficando ali
estaacutetica hesitante ateacute que o pano descesse lentamente Na Itaacutelia a Nora de Eleonora Duse
perdeu o mais corajoso gesto ao natildeo ir embora por livre iniciativa mas forccedilada pelo marido
No Japatildeo Matsui Sumako foi a primeira mulher a interpretar uma protagonista Sua Nora ao
mesmo tempo que emancipou as mulheres no palco japonecircs foi criticada pelo movimento
feminista Seistosha que considerou egoiacutesta a atitude da personagem alegando que ela natildeo
havia sido agredida fisicamente pelo marido
Aleacutem de Casa de boneca outra importante contribuiccedilatildeo para o renome de Ibsen foram
os trabalhos do criacutetico dinamarquecircs Georg Brandes Nos anos 1870 ele era uma das figuras
mais proeminentes da Escandinaacutevia e o principal filtro das ideacuteias entre os paiacuteses escandinavos
e o resto da Europa Brandes conseguiu popularidade sobretudo em 1871 quando fez uma
seacuterie de conferecircncias puacuteblicas em Copenhague incitando os escritores agrave reflexatildeo sobre os
desafios da literatura europeacuteia no final do seacuteculo XIX Para ele a proacutepria modernidade era o
tema que a ficccedilatildeo tinha de assumir e cabia aos escritores tomar a dianteira nessa empreitada
Nesse periacuteodo Ibsen passa a se corresponder com ele revelando atraveacutes de suas cartas um
profundo engajamento com as ideacuteias do criacutetico dinamarquecircs Pode-se dizer que o contato
entre os dois foi uma das razotildees que fez com que o autor abandonasse o nacionalismo
romacircntico de suas primeiras peccedilas movendo-se em direccedilatildeo aos problemas sociais de seu
tempo Brandes influenciou consideravelmente a recepccedilatildeo do dramaturgo na Inglaterra e na
Franccedila Ele manteve um contato estreito com Edmund Gosse e William Archer tradutores
ingleses do teatro ibseniano e frequumlentemente era evocado nos prefaacutecios das traduccedilotildees
francesas de Moritz Prozor Criacuteticos e escritores em toda a Europa reconheciam Brandes
como a autoridade maacutexima acerca da obra ibseniana Esse status internacional teve um papel
importante quando em 1897 o criacutetico defendeu Ibsen na revista Cosmopolis respondendo
(em francecircs) agraves acusaccedilotildees de que as ideacuteias do dramaturgo eram plagiadas dos autores
20
franceses No ano seguinte Brandes publicou Henrik Ibsen livro composto de trecircs ensaios
escritos em diferentes periacuteodos tornando-se o primeiro a tratar das questotildees cruciais que a
obra de Ibsen impunha agrave sociedade da eacutepoca O ensaio de 1867 traz uma visatildeo conjunta da
personalidade intelectual do dramaturgo na Europa o de 1882 discute a evoluccedilatildeo marcante de
sua carreira com a produccedilatildeo de obras que lhe garantiram uma posiccedilatildeo de destaque dentro e
fora da Escandinaacutevia e o de 1898 escrito em comemoraccedilatildeo ao 70ordm aniversaacuterio do
dramaturgo atualiza a sua obra poeacutetica1
Enquanto Brandes ganhava notoriedade com suas leituras puacuteblicas na deacutecada de 1870
tentativas iniciais de divulgar as ideacuteias ibsenianas na Franccedila e na Inglaterra comeccedilavam a ser
feitas A essa altura o dramaturgo jaacute tinha conseguido alguma reputaccedilatildeo fora da Escandinaacutevia
por causa dos rumores provocados por peccedilas como A comeacutedia do amor e Os pilares da
sociedade Sua obra que assumia cada vez mais o cunho de criacutetica social transformou-se em
siacutembolo das ideacuteias socialistas da luta dos trabalhadores e do movimento feminista O proacuteprio
Ibsen reconhecia que a igualdade de direitos soacute poderia ser conquistada atraveacutes de mudanccedilas
profundas na estrutura da sociedade e o primeiro passo para tal transformaccedilatildeo era segundo
ele a uniatildeo de ldquotodos os desprivilegiadosrdquo em defesa da causa dos trabalhadores e das
mulheres2 Por isso natildeo eacute agrave toa que o pontapeacute inicial para estimular o interesse dos leitores
franceses e ingleses pelo teatro ibseniano tenha sido dado pelas mulheres Na Inglaterra
Catherine Ray foi a responsaacutevel pela traduccedilatildeo integral de Imperador e Galileu em 1876 Ateacute
entatildeo somente parte de A comeacutedia do amor traduzida por Edmund Gosse tinha sido
publicada na Forthightly Review em 1873 Henriette Frances Lord editou Nora em 1882 e
Eleanor Marx-Aveling filha de Karl Marx traduziu Um inimigo do povo que juntamente
com as traduccedilotildees de Os pilares da sociedade e Os espectros de William Archer
compuseram em 1888 a primeira coletacircnea das peccedilas do autor em liacutengua inglesa Na Franccedila
a escritora Leacuteo Quesnel escreveu um dos primeiros artigos sobre Ibsen3 Mme Arvegravede
Barine colaboradora regular da Revue Bleue escreveu entre outras coisas um ensaio sobre
Brand Pauline Ahlberg analisando Os pilares da sociedade na Nouvelle Revue em 1882 foi
1 Cf Georg Brandes ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897 e Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies revision e introduction de William Archer New York Macmillan 1899 2 Cf os discursos do autor reunidos em Henrik Ibsen Ibsen letters and speeches edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964 e The Oxford Ibsen translated and edited by James Walter McFarlane v 6 London Oxford University 1960 p 445-447 ldquoThe transformation of social conditions which is now being undertaken in the rest of Europe is very largely concerned with the future status of the workers and of women That is what I am hoping and waiting for that is what I shall work for all I canrdquo 3 Leacuteo Quesnel publicou dois artigos na Revue Bleue em 31 de maio de 1873 e 25 de julho de 1874 referindo-se a Ibsen como ldquolrsquohomme modernerdquo e Bjoslashrnson como ldquolrsquohomme du Nordrdquo
21
uma das primeiras escritoras a vincular o nome do dramaturgo ao feminismo chegando a
chamaacute-lo de Victor Hugo do Norte1 Em ambos os paiacuteses as correspondecircncias de Ibsen
tambeacutem foram traduzidas primeiro por mulheres em inglecircs por Mary Morison e em francecircs
por Martine Reacutemusat2
Apesar de todas essas iniciativas Ibsen encontrou muita resistecircncia na Europa Na
Inglaterra o grande obstaacuteculo era a censura dramaacutetica que regulamentava e controlava o
conteuacutedo das peccedilas Lord Chamberlain o responsaacutevel pela manutenccedilatildeo do decoro das obras
alterava e eliminava as impropriedades de um drama livrando-o sobretudo de insinuaccedilotildees
sexuais Aleacutem disso as peccedilas de Scribe Sardou Augier e Dumas Filho estavam solidamente
estabelecidas no palco inglecircs proporcionando entretenimento seguro e lucrativo Por isso
atores diretores e dramaturgos relutavam em experimentar novos rumos o que poderia ser
financeiramente arriscado persistindo nas peccedilas bem-feitas Tais fatores talvez ajudem a
explicar a adaptaccedilatildeo de Casa de boneca feita por Henry Arthur Jones e Henry Herman em
1884 A peccedila passou a ser chamada Breaking a butterfly Nora foi substituiacuteda por Flora (ou
lsquoFlossiersquo) uma mulher agitada infantil e histeacuterica casada com Humphrey Goddard (ou
lsquoHumpyrsquo) diretor de um Banco Dr Rank virou Dan Birdseye homem apaixonado por
Agnes irmatilde de Humpy Krogstad o vilatildeo da trama ganhou o nome de Philip Dunkley
Cristina Linde foi excluiacuteda do enredo e duas novas personagens matildee e irmatilde de Flossie foram
inseridas na histoacuteria Em linhas gerais a intriga era a mesma do original no entanto os
autores optaram pelo tradicional happy end No ato final Humpy assume a culpa no lugar de
Flora mas quando ele estaacute prestes a se entregar agrave poliacutecia eacute salvo por Grittle um funcionaacuterio
do Banco que apoacutes ter sido enganado por Dunkley decide se vingar Esta cena a mais fraca e
inconvincente da peccedila termina com Humpy emergindo como heroacutei e Flora agradecida pela
dececircncia do marido permanece no lar para cumprir seu papel de matildee e esposa dedicada
William Archer Edward Aveling Edmund Gosse e Bernard Shaw criacuteticos afinados com as
ideacuteias ibsenianas ficaram indignados com a adaptaccedilatildeo Archer chegou a declarar que era
impossiacutevel a representaccedilatildeo de Ibsen na Inglaterra e Edward Aveling ao comparar Breaking a
butterfly com Casa de boneca acentuou a forccedila do original apontando algumas razotildees para a
1 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 14 2 Henrik Ibsen Letters of Henrik Ibsen translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905 e Lettres de Henrik Ibsen a ses amis traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906
22
distorccedilatildeo feita no texto do dramaturgo como por exemplo o medo da rejeiccedilatildeo do puacuteblico e o
receio de se revelar a verdadeira funccedilatildeo do matrimocircnio dentro da sociedade burguesa1
Depois da encenaccedilatildeo de Breaking a butterfly Ibsen soacute voltou a ser discutido
novamente em janeiro de 1886 atraveacutes da leitura dramaacutetica de Casa de boneca feita por um
grupo de jovens comprometidos com o movimento socialista Eleanor Marx-Aveling (Nora)
Edward Aveling (Helmer) Bernard Shaw (Krogstad) entre outros A leitura da peccedila na
traduccedilatildeo de Henriette Frances Lord aconteceu na casa de Eleanor e Edward Aveling uma vez
que a obra de Ibsen estava categoricamente proibida de ser representada nos teatros
convencionais Ainda assim as questotildees levantadas naquela pequena reuniatildeo como a
desigualdade social a hipocrisia da famiacutelia burguesa e o feminismo obtiveram uma grande
repercussatildeo No mesmo mecircs o casal Aveling publicou um artigo na The Westminster Review
discutindo a partir das peccedilas de Ibsen a emancipaccedilatildeo da mulher e da classe operaacuteria sob a
perspectiva do socialismo2 Iniciava-se desse modo a revoluccedilatildeo ibsenista na Inglaterra
William Archer comeccedilou a traduzir as peccedilas do autor colaborando em 1889 com a
montagem profissional de Casa de boneca que teve Janet Achurch no papel principal
Bernard Shaw publicou em 1891 The quintessence of ibsenism aprofundando o debate em
torno da desmistificaccedilatildeo do heroacutei romacircntico e do gesto teatral grandioso que mascaravam a
realidade transformando a arte em objeto meramente decorativo Nesse livro Shaw celebrou
o teatro de Ibsen como ldquonovo e subversivordquo sobretudo por levar para a cena a discussatildeo dos
problemas morais de seu tempo contrapondo-se assim ao conservadorismo vitoriano em suas
expressotildees sociais poliacuteticas e culturais Ainda em 1891 entre fevereiro e maio outras peccedilas
do dramaturgo estrearam no palco inglecircs mdash Os espectros (1881) Rosmersholm (1886) A
dama do mar (1888) e Hedda Gabler (1890) mdash instigando uma onda de protesto e
indignaccedilatildeo O autor foi considerado por muitos um pervertido sexual um advogado do amor
livre e do sufraacutegio feminino o principal responsaacutevel pela desestruturaccedilatildeo da famiacutelia e do
matrimocircnio e pior ainda um socialista Clement Scott o mais impetuoso dos ldquoIbsen-
phobiacsrdquo publicou vaacuterios artigos em que acusava natildeo somente Ibsen de obsceno e
1 Cf William Archer ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 214 1 abr 1884 e Edward Aveling ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-474 maio 1884 ldquoThe adapters were afraid either of the greatness of the play they had to take in hand or of the English public or of themselves or of all of these They have feared to face the tragic question [of marriage] and to deal with it in Ibsenrsquos tragic way They have shirked the difficulty The authors of this conventional little play have succeeded in the Herculean labour of making Ibsen appear common-place And a feeling of sorrow that is positive pain comes with the reflection that a magnificent dramatic opportunity a chance of teaching our bourgeois audiences something of what life is and therefore what a play should be have (sic) been thoughtlessly rechlessly thrown awayrdquo 2 Eleanor Marx-Aveling Edwald Aveling ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886
23
corruptiacutevel mas tambeacutem seus tradutores e apologistas que ofereciam ao puacuteblico uma arte
degenerada1 Os ataques ao dramaturgo foram tatildeo violentos que Archer resolveu publicar
uma espeacutecie de dicionaacuterio de abusos elencando os termos usados pelos criacuteticos
principalmente na recepccedilatildeo de Os espectros encenada pelo Independent Theatre em 13 de
marccedilo de 18912
De fato Os espectros foi uma das obras de Ibsen que mais controveacutersia suscitou nos
teatros europeus natildeo apenas por sua temaacutetica cientificista mas sobretudo por causa das
mudanccedilas realizadas na estrutura do drama A accedilatildeo essencial da peccedila eacute a reconstituiccedilatildeo do
passado de Helena Alving o matrimocircnio com o licencioso Capitatildeo Alving o amor ao pastor
Manders que a repeliu convencendo-a a permanecer ao lado do marido e a idealizaccedilatildeo
falaciosa da imagem do Capitatildeo frente ao filho e agrave sociedade O resultado desses eventos eacute a
heranccedila bioloacutegica que se manifesta na loucura de Osvaldo viacutetima do passado de libertinagem
do pai Outros acontecimentos da peccedila como o interesse de Osvaldo por Regina sua irmatilde
ilegiacutetima e a tentativa de eutanaacutesia praticada por Helena para interromper o sofrimento do
filho chocaram a plateacuteia burguesa Aleacutem disso para os criacuteticos habituados com o
desenvolvimento crescente da accedilatildeo mdash o esboccedilo da intriga no primeiro ato o alcance de um
ponto mais impetuoso no segundo e a resoluccedilatildeo dos conflitos no terceiro mdash Os espectros era
um despropoacutesito A peccedila natildeo apresentava accedilotildees melodramaacuteticas ao contraacuterio o que se via em
cena era somente a anaacutelise das personagens e de sua situaccedilatildeo Embora observando a unidade
completa de accedilatildeo tempo e lugar Ibsen passou a fazer uso do flashback deslocando as accedilotildees
decisivas de seus dramas para o passado Desse modo as recordaccedilotildees evocadas atraveacutes de um
diaacutelogo dramaacutetico conciso serviam apenas para dar sentido agraves condiccedilotildees das personagens no
tempo presente facultando aos espectadores a visatildeo da totalidade do processo Suas peccedilas na
medida em que apresentavam no palco os problemas da sociedade burguesa natildeo se ajustavam
mais agraves regras da dramaturgia de rigor aristoteacutelico e assim Ibsen se viu forccedilado a
1 Cf Clement Scott [sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891 ldquoAn obscure Scandinavian dramatist and poet a crazy fanatic and determined socialist is to be trumpeted into fame for the sake of the estimable gentlemen who can translate his works and the enterprising tradesmen who publish them The whole thing is most amusing to those who are behind the scenes and the artful aid of the reacuteclame is exercised with an ingenuity worthy of the Gallic race Meetings are held under the open pretence of advocating the study of Ibsen but in reality for the propagation of the gospel of Socialismrdquo 2 Cf William Archer ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891 ldquoIbsenrsquos positively abominable play entitled Ghostshellip This disgusting representationhellip Reprobation due to such as aim at infecting the modern theatre with poison after desperately inoculating themselves and othershellip An open drain lsquoa loathsome sore unbandaged a dirty act done publicly a lazar-house with all its doors and windows openhellip Candid foulnesshellip Kotzebue turned bestial and cynical hellipOffensive cynicismhellip Ibsenrsquos melancholy and malodorous worldhellip Absolutely loathsome and fetidhellip Gross almost putrid indecorumhellip Literary carrionhellip Crapulous stuffhellip Novel and perilous nuisancersquo mdash Daily Telegraph (leading article) lsquoThis mess of vulgarity egotism coarseness and absurdityrsquomdash Daily Telegraph (criticism) []rdquo
24
ldquodesdramatizaacute-lasrdquo para tornar visiacutevel o fluir da realidade cotidiana Eacute assim que ao
transformar o tempo passado em assunto fundamental de sua obra Ibsen deu iniacutecio agrave crise do
drama demonstrando cada vez mais seu interesse pelo gecircnero eacutepico
A repulsa que a publicaccedilatildeo de Os espectros provocou no puacuteblico em 1881 natildeo teve
precedentes na histoacuteria da literatura norueguesa Ibsen foi acusado de niilista lascivo
defensor do amor livre e anticristatildeo Os livreiros recusaram-se em vender o drama sendo
muitos exemplares devolvidos ao editor Para os criacuteticos apenas um ldquoinsanordquo poderia
escrever uma peccedila com tantos disparates o realismo da obra havia se convertido num
naturalismo completamente pagatildeo a psicologia das personagens era pouco clara discutiacutevel e
enervante e portanto somente os historiadores da literatura poderiam quiccedilaacute um dia
interessar-se por ela como um caso singular de desequiliacutebrio mental Os maiores protestos no
entanto foram feitos em nome da igreja nunca um livro que pregava o incesto o amor
extraconjugal e a devassidatildeo sexual poderia adentrar uma casa cristatilde A peccedila foi enviada para
vaacuterios teatros da Escandinaacutevia mas todos rejeitaram-na Assim a primeira representaccedilatildeo de
Os espectros soacute aconteceria um ano mais tarde no Aurora Turner Hall em Chicago em maio
de 1882 para uma plateacuteia de imigrantes escandinavos Aliaacutes foram os Norwegian-Americans
que introduziram Ibsen nos Estados Unidos atraveacutes da divulgaccedilatildeo dos trabalhos do autor no
jornal Skandinaven O perioacutedico que circulou entre 1866 e 1941 era escrito em norueguecircs
mas com a popularidade do dramaturgo na Europa os editores passaram a reproduzir as
criacuteticas inglesas em sua liacutengua original Aleacutem disso foram eles tambeacutem os responsaacuteveis pela
primeira encenaccedilatildeo de Casa de boneca em territoacuterio americano A peccedila na adaptaccedilatildeo inglesa
de William Lawrence foi intitulada The Child Wife sendo representada no Grand Opera
House em Milwaukee Wisconsin em 2 de junho de 1882 Essa montagem diferente de Os
espectros ocorrida um mecircs antes foi recebida com grande entusiasmo pela imprensa que a
anunciou como ldquoAn Emocional Domestic Dramardquo A exemplo do que acontecera na
Inglaterra com Breaking a butterfly a versatildeo americana tambeacutem distorceu o texto original
Helmer marido de Nora compreendeu a falsificaccedilatildeo feita pela esposa agradecendo-a por ter
salvo sua vida reconciliados Nora desistiu de abandonar o lar
Entre 1894 e 1907 as companhias teatrais estrangeiras fizeram vaacuterias excursotildees nos
Estados Unidos trazendo em seus repertoacuterios peccedilas como Os espectros Um inimigo do povo
John Gabriel Borkman Hedda Gabler Solness o construtor e Peer Gynt Assim como
ocorrera na Europa as polecircmicas suscitadas pelas encenaccedilotildees foram inevitaacuteveis e natildeo
demorou muito para que Ibsen aparecesse nos principais perioacutedicos do paiacutes Hjalmar Hjorth
Boyesen um dos admiradores do dramaturgo aleacutem de escrever muitas mateacuterias em jornais e
25
revistas publicou Commentary on the works of Henrik Ibsen em 18941 No entanto Rasmus
Bjoslashrn Anderson foi o primeiro a escrever um artigo em inglecircs sobre a revoluccedilatildeo que o autor
vinha operando no palco europeu2 Curiosamente Anderson passou a adotar outro ponto de
vista no final da deacutecada de 1890 passando de defensor a opositor feroz do teatro de Ibsen Eacute
provaacutevel que o contato entre ele e William Winter o criacutetico teatral mais puritano do Greeleyrsquos
Tribune tenha provocado essa transformaccedilatildeo O fato eacute que Winter e Anderson foram para
Boston Wisconsin e Nova York o que Clement Scott foi para Manchester e Londres
adversaacuterios da ldquoimoralidaderdquo do teatro moderno3 Aleacutem disso a preocupaccedilatildeo maior dos
conservadores era a empatia entre as ideacuteias ibsenianas e os movimentos operaacuterio e anarquista
Para Emma Goldman feminista anarquista e liacuteder da causa dos trabalhadores o drama
moderno era uma espeacutecie de disseminador do pensamento radical sobretudo na Ameacuterica
onde o teatro meramente comercial servia apenas para provocar francas gargalhadas no
puacuteblico eliminando da cena qualquer alusatildeo aos temas sociais4 Durante o periacuteodo em que
viveu nos Estados Unidos de 1886 ateacute 1919 quando entatildeo foi expulsa do paiacutes em razatildeo de
sua intensa atividade poliacutetica Goldman escreveu panfletos publicou livros e fundou a revista
Mother Earth (1906-1917) que teve entre seus colaboradores Georg Brandes Maxim Gorki
Alexander Berkman e Eugene OrsquoNeill O perioacutedico trazia assuntos diversos desde temas
urgentes da eacutepoca como as prisotildees arbitraacuterias dos trabalhadores e o direito das mulheres ao
controle de natalidade ateacute poesia ficccedilatildeo e criacutetica teatral Em relaccedilatildeo a Ibsen a autora
distinguia Os pilares da sociedade Casa de boneca Os espectros e Um inimigo do povo
como verdadeiras obras libertaacuterias uma vez que expunham no palco a opressatildeo social a
hipocrisia dos puritanos e a exclusatildeo das mulheres na sociedade Desse modo Goldman
tornou-se a primeira a alertar que embora o autor de Hedda Gabler reivindicasse em suas
peccedilas o fim da sociedade patriarcal burguesa o ponto de discussatildeo central de sua dramaturgia
1 Cf Hjalmar Hjorth Boyesen Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894 2 Rasmus Bjoslashrn Anderson ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American 15 abr 1882 3 O tom da mudanccedila de atitude de Anderson em relaccedilatildeo a Ibsen pode ser avaliado no seguinte trecho de sua autobiografia Life story Madison Wisconsin 1915 p 487 ldquoI have no sympathy with [Ibsenrsquos] so-called social dramas beginning with A Dollrsquos House and [ending with] When We Dead Awaken Aside from the improprieties and offense against good morals that are found in them they seem to me mere twaddle and all the symbolism which they are said to contain I regard as a mere opinion of his readers and admiring criticsrdquo 4 Emma Goldman The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914 ldquoPerhaps those who learn the great truths of the social travail in the school of life do not need the message of the drama But there is another class whose number is legion for whom that message is indispensable In countries where political oppression affects all classes the best intellectual element have made common cause with the people have become their teachers comrades and spokesmen But in America political pressure has so far affected only the ldquocommonrdquo people It is they who are thrown into prison they who are persecuted and mobbed tarred and deported Therefore another medium is needed to arouse the intellectuals of this country to make them realize their relation to the people to the social unrest permeating the atmosphererdquo
26
era a luta de classes natildeo de gecircnero1 Apesar das circunstacircncias desfavoraacuteveis as obras de
Ibsen foram assimiladas por alguns autores que desejavam criar um novo teatro No final do
seacuteculo XIX Bronson Howard abordou o embate entre capital e trabalho com Baron Rudolph
de 1881 no iniacutecio do XX Edward Sheldon foi o primeiro a tratar da questatildeo racial em 1910 com The
Nigger OrsquoNeill escreveu em 1939 The iceman cometh peccedila cujo enredo eacute semelhante ao de O pato
selvagem e Arthur Miller aleacutem de compor All my sons em 1947 transpondo a teacutecnica analiacutetica de
Ibsen para a atualidade americana produziu a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo na deacutecada de 19502
Na Franccedila berccedilo da forma hegemocircnica do drama a resistecircncia agraves peccedilas ibsenianas foi
muito mais severa do que em qualquer outro paiacutes europeu Desde o final dos anos 1840 o
palco francecircs era totalmente dominado pelas comeacutedias realistas de Augier Dumas Filho e
Sardou que aliavam as descriccedilotildees dos costumes burgueses agrave exaltaccedilatildeo moralizante de seus
valores eacuteticos como o trabalho o matrimocircnio e a famiacutelia Somente a partir de 1887 com a
fundaccedilatildeo do Theacuteacirctre Libre por Andreacute Antoine comeccedilaram as campanhas para a revitalizaccedilatildeo
da cena francesa Antoine inspirado nas ideacuteias naturalistas de Zola preconizava um teatro
baseado na verdade na observaccedilatildeo e no estudo da natureza Suas produccedilotildees aleacutem do caraacuteter
popular e social destacavam-se pelos cenaacuterios realistas e pela interpretaccedilatildeo mais natural dos
atores sem os tradicionais gestos exagerados e as elocuccedilotildees empoladas Com isso o Theacuteacirctre
Libre logo tornou-se o refuacutegio de autores como Ibsen Hauptmann e Strindberg rejeitados
pelos teatros convencionais Os espectros e O pato selvagem foram as primeiras peccedilas do
dramaturgo a serem apresentadas agrave plateacuteia parisiense respectivamente em 1890 e 1891
provocando a fuacuteria de criacuteticos conservadores como Francisque Sarcey Com receio de que o
teatro ibseniano destruiacutesse a tradiccedilatildeo dramaacutetica da Franccedila Sarcey levantou-se sem demora
contra a ldquoinvasatildeo do baacuterbaro do Norterdquo A pedra de toque de sua criacutetica era o gosto do
puacuteblico por conseguinte uma peccedila era considerada boa ou ruim conforme o grau de
receptividade dos espectadores Os autores deviam necessariamente escrever dramas que
pudessem ser entendidos pela plateacuteia por isso os recursos da peccedila bem-feita eram
indispensaacuteveis A clareza a estrutura loacutegica e o propoacutesito moral do drama eram as qualidades
que Sarcey reivindicava como o cerne da experiecircncia teatral Nesse sentido aleacutem da
incompreensatildeo e da inconsistecircncia dos temas a principal queixa de Sarcey contra as peccedilas
ibsenianas era relacionada agrave estrutura dramaacutetica que apresentava cenas incoerentes e
1 Cf Emma Goldman ldquoThe drama a powerful dissemination of radical thoughtrdquo Anarchism and others essays New York Dover 1969 p 241-271 2 Cf sobre Ibsen e OrsquoNeill Sverre Arestad ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948 e Rolf Fjelde ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988
27
desarticuladas Para o criacutetico Ibsen feria a regra mais importante do drama ao deixar o
puacuteblico sem o conhecimento baacutesico dos fatos e das histoacuterias de cada personagem O arranjo
cuidadoso da antecipaccedilatildeo de um evento e a efetivaccedilatildeo da scegravene agrave faire (cena obrigatoacuteria) era o
que Sarcey e a plateacuteia que ele representava esperavam de um espetaacuteculo teatral1
Ibsen configurava-se tatildeo obscuro aos olhos do puacuteblico francecircs que se tornou comum a
realizaccedilatildeo de uma conferecircncia preacutevia sobre o enredo e o contexto de qualquer uma de suas
obras que por laacute fosse encenada Assim minutos antes da estreacuteia de Hedda Gabler no
Theacuteacirctre du Vaudeville em 1891 Jules Lemacircitre tentou explicar o caraacuteter ldquonebulosordquo da
personagem-tiacutetulo atraveacutes de uma comparaccedilatildeo entre as mulheres escandinavas e as francesas
Para ele o desprezo que Hedda nutria por Tesman seu marido as suas ambiccedilotildees
desmesuradas que levaram agrave ruiacutena seu ex-amante Loevborg e a sua morte na uacuteltima cena da
peccedila mdash quando ela daacute fim agrave proacutepria vida e agrave do filho que estava esperando mdash provinham de
sua origem luterana Hedda sendo protestante estava fadada a se dedicar inteiramente a uma
vida de pureza espiritual ldquotoute acircmerdquo eximindo-se de qualquer prazer material e da ldquojoie de
vivrerdquo alardeada pelo catolicismo Segundo Lemaicirctre isso explicava o fastio da personagem
pela vida sua natildeo vocaccedilatildeo para a maternidade e sua falta de solidariedade com o proacuteximo
Nessa esteira ele argumentava ainda que a premissa baacutesica do luteranismo a reivindicaccedilatildeo da
autonomia moral tatildeo bem incorporada nos caracteres de Nora e Helena Alving havia sido
grotescamente distorcida resultando daiacute a figura neuroacutetica de Hedda Depois de todo esse
disparate o criacutetico concluiu sua exposiccedilatildeo aproximando Hedda Gabler de Emma Bovary
ambas monstruosamente orgulhosas esnobes ciacutenicas e crueacuteis2 Se por um lado alguns
criacuteticos indignaram-se com essa leitura como Camille Mauclair e Henri Becque que
acusaram Lemaicirctre de julgar a obra de Ibsen sob um ponto de vista hostil e malevolente
dificultando ainda mais a compreensatildeo do puacuteblico por outro houve quem concordasse com
ele como Camille Bellaigue criacutetico da Revue des Deux Monde que viu Hedda como ldquoune
toqueacutee une deacutepraveacuteerdquo uma criatura bizarra e uma meretriz da pior espeacutecie3
1 Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 371 ldquoIbsen jette sur la scegravene des personnages qui parlent de leurs affaires comme si nous eacutetions au courant Ce nest que peu agrave peu au cours de leurs conversations que nous finissons par reconstituer le point initial dougrave toute laction est partie Ce systegraveme mest insupportable Je suis Latin en cela ou plutocirct je suis Franccedilais Jai besoin quon me dise Voilagrave ce qui sest passeacute voici ougrave nous en sommes eacutecoutez ce qui va suivrerdquo 2 Cf Jules Lemaicirctre Impressions de theacuteacirctre v 6 Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897 p 50-62 Sobre a analogia entre Hedda Gabler e Emma Bovary cf Elsie M Wiedner ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989 p 32-33 3 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 128
28
Em 1892 o Cercle des Escholiers dirigido por Georges Bourdon representou A dama
do mar Entretanto foi no ano seguinte que Ibsen tornou-se definitivamente o adversaacuterio
nuacutemero um dos criacuteticos conservadores franceses com a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo
dirigida por Lugneacute-Poe e Camille Mauclair no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Esta montagem foi
polecircmica natildeo somente pelas inovaccedilotildees que os simbolistas trouxeram para a cena mdash como o
uso da iluminaccedilatildeo das cores do movimento e do arranjo cecircnico servindo antes agrave evocaccedilatildeo
do que agrave verossimilhanccedila mdash mas sobretudo porque a peccedila foi apresentada em termos
explicitamente anarquistas Como de praxe a estreacuteia do espetaacuteculo foi precedida de uma
conferecircncia dessa vez a cargo de Laurent Tailhade poeta libertaacuterio que enfatizou o aspecto
de criacutetica social do drama insistindo na importacircncia da ldquorevoltardquo contra ldquole pegravere le patron et
la patrierdquo Desse modo as desventuras do Dr Stockmann mdash protagonista da peccedila que acaba
sendo abandonado por todos e considerado um inimigo do povo ao entrar em choque com os
interesses dos poderosos de sua cidade mdash foram vistas como uma alegoria da luta do
indiviacuteduo contra as autoridades corruptas e contra a ilegitimidade do estado de poder Mas
natildeo foi apenas a leitura de Taillade que politizou o evento alguns simpatizantes do
movimento anarquista participaram da montagem como figurantes da cena em que uma
multidatildeo se reuacutene para discutir a contaminaccedilatildeo da estacircncia balneaacuteria da cidade pelos esgotos
das induacutestrias da regiatildeo Na sala do espetaacuteculo vaias e aplausos se misturaram possibilitando
desse modo que o puacuteblico participasse ativamente da encenaccedilatildeo O tumulto iniciado no
teatro ganhou as ruas resultando em alguns casos em prisatildeo perseguiccedilatildeo e ateacute mesmo
deportaccedilatildeo Por ordem da justiccedila a proacutexima peccedila do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Les acircmes solitaires
de Hauptmann foi cancelada e durante algum tempo o teatro permaneceu sob vigilacircncia
policial Por sua vez Um inimigo do povo foi execrada pela criacutetica e Ibsen passou cada vez
mais a ser visto como ldquoum anarquista da arterdquo que exercia um verdadeiro terror no puacuteblico1
Poucos meses depois do impacto causado por Um inimigo do povo o Theacuteacirctre de
lrsquoOeuvre apresentou ao puacuteblico Rosmersholm peccedila que conta a histoacuteria de Rosmer e Rebecca
West Ele um homem de caraacuteter refinado e distinto mdash viuacutevo da melancoacutelica Beata que
acabou por se suicidar atirando-se na correnteza de um rio mdash foi abandonado por todos os
amigos quando decidiu renunciar a seu cargo de pastor da comunidade assumindo ideacuteias
liberais Rebecca uma mulher livre de quaisquer autoritarismos e ortodoxias amiga e
1 Cf ldquoLes auteurs nordiques et les anarchistes un malentendu feacutecondrdquo In Caroline Granier Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes-Saint-Denis Paris e Erin Williams Hyman ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005
29
confidente de Rosmer influenciou consideravelmente nas suas decisotildees No decorrer da peccedila
Rebecca confessa que manipulou Beata induzindo-a ao suiciacutedio Apesar disso Rosmer a
perdoa pedindo-a em casamento Mas ela natildeo aceita argumentando que natildeo pode se libertar
dos erros cometidos no passado No fim da peccedila sem perspectivas negando-se a ter uma vida
de estagnaccedilatildeo e modorra ambos se matam jogando-se na mesma correnteza em que Beata
morrera Com essa montagem mais do que com Um inimigo do povo que ainda apresentava
evidentes conotaccedilotildees poliacuteticas Ibsen foi definitivamente incorporado ao movimento
simbolista do teatro francecircs No programa do espetaacuteculo talvez para estimular a criacutetica e o
puacuteblico a assistir a encenaccedilatildeo Victor Charbonnel declarou que Rosmersholm era ldquoune piegravece
moins embarrasseacutee et confuserdquo do que outras de Ibsen sendo quase uma ldquopiegravece bien faiterdquo
Ao mesmo tempo ele realccedilou a psicologia o idealismo a poesia e a paixatildeo das personagens
como os elementos relevantes da peccedila deixando claro que natildeo se veria no palco qualquer
mensagem poliacutetica ou ideoloacutegica mas tatildeo somente um drama evocativo propiacutecio mais agrave
meditaccedilatildeo do que agrave predicaccedilatildeo1
A despeito dessas consideraccedilotildees a peccedila foi tatildeo incompreendida quanto Os espectros
Hedda Gabler e A dama do mar Primeiro porque Rosmersholm fornecia o mais
impressionante exemplo da teacutecnica analiacutetica de Ibsen mdash a accedilatildeo principal da peccedila natildeo era
senatildeo a anaacutelise das razotildees que levaram agrave morte Beata Rosmer e Rebecca mdash gerando por
esse motivo a acusaccedilatildeo de criacuteticos favoraacuteveis agrave formula da peccedila bem-feita de que o drama era
artificial inconsistente ininteligiacutevel e absurdo Segundo porque a montagem enfatizando o
estado de espiacuterito sombrio o tom sepulcral e sobretudo a preocupaccedilatildeo com a morte assunto
tatildeo caro aos simbolistas levou a criacutetica a julgar a obra como estaacutetica e monoacutetona desprovida
de qualquer cunho dramaacutetico seja a tensatildeo o suspense a crise ou o conflito E terceiro
porque Rebecca vista pela oacutetica da imagem do eacuteternel feacuteminin mdash um tipo de mulher eteacuterea
altamente idealizada miacutestica quase um ente sobrenatural e diaboacutelico mdash levou alguns criacuteticos
a considerar natildeo soacute ela mas todas as personagens femininas de Ibsen como criaturas
maleacutevolas imorais e delinquumlentes capazes de desestruturar lares destruir os outros e a si
proacuteprias Para os adeptos do simbolismo como Henry James Edmund Gosse Paul Bourget
entre outros as personagens ibsenianas nada mais representavam que um eacutetat drsquoacircme ou souls-
crisis constituindo a obra de Ibsen desse modo de uma verdadeira ldquoSoulrsquos tragedyrdquo Seja
como for natildeo demorou muito para que as personagens femininas de Ibsen fossem tomadas
1 Cf ldquoRosmersholm toward new realms of artrdquo In Kirsten Shepherd-Barr Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997
30
pelos psiquiatras meacutedicos e criminalistas da eacutepoca como verdadeiros casos patoloacutegicos de
desequiliacutebrio mental sendo tratadas como histeacutericas neuroacuteticas e degeneradas1
Em 1894 o Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre levou agrave cena Solness o construtor (1892) A peccedila
escrita de acordo com a teacutecnica analiacutetica inicia-se quando Halvard Solness estaacute no fim da
vida A essa altura ele jaacute eacute o ceacutelebre construtor que se fez explorando muita gente sobretudo
dois de seus empregados Knut e Ragnar Brovik pai e filho Quando Solness descobre que
Ragnar quer montar o seu proacuteprio negoacutecio natildeo economiza meios para o impedir chegando a
incentivar Kaia Fosli noiva de Ragnar mas apaixonada por Solness a se casar com o rapaz
para manter ambos em seu escritoacuterio Em meio a esses eventos o construtor recebe a visita
inesperada de Hilda Wangel uma jovem que conhecera dez anos antes quando esteve em sua
cidade natal para construir a torre da igreja No decorrer da accedilatildeo atraveacutes do diaacutelogo entre
Solness e Hilda ficamos sabendo que a fortuna do construtor proveio de um incecircndio que
destruiu a casa herdada dos pais de sua mulher Aline que ele sabia da existecircncia de uma
fenda na chamineacute mas natildeo providenciou o conserto que em consequumlecircncia do ldquoincidenterdquo
Aline teve uma febre de leite que levou agrave morte o seu casal de gecircmeos e finalmente que ele
arruinou Knut Brovik o homem que lhe ensinara o ofiacutecio No final da peccedila Solness que
acabara de construir uma casa nova para sua famiacutelia eacute instigado por Hilda a subir ateacute o topo
da torre para depositar uma coroa de flores mdash costume norueguecircs para se comemorar a
inauguraccedilatildeo de uma obra O construtor malgrado a vertigem das alturas aceita o desafio e
acaba morrendo ao se desequilibrar e cair do alto da torre
A partir dessa peccedila alguns simbolistas como por exemplo Maeterlinck passaram a
associar a teacutecnica dramatuacutergica de Ibsen ao hipnotismo sugerindo que seus dramas
transportavam os espectadores para um mundo de sonho e alucinaccedilatildeo Tal qual um devaneio
Solness era composta de um conjunto de imagens de pensamentos ou de fantasias de ldquovaacuterias
camadas de siacutembolos superpostasrdquo que poderiam desdobrar-se e aparecer aos olhos do
puacuteblico sob muacuteltiplas formas Assim Ibsen foi saudado como autor de um novo tipo de drama
mdash um drama de reflexatildeo interna que expressava no palco apenas a vida interior das
personagens mdash transformando o teatro desse modo em um templo de compleiccedilatildeo miacutestica2
Nessa esteira Prozor no prefaacutecio de sua traduccedilatildeo de Solness forneceu uma explicaccedilatildeo
detalhada dos siacutembolos contidos na peccedila que segundo ele era completamente alegoacuterica
facilmente compreensiacutevel e ldquoassez transparentsrdquo as personagens natildeo eram senatildeo
1 Cf sobre essa questatildeo as anaacutelises equivocadas feitas pelo criminalista italiano Cesare Lombroso LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 e pelo meacutedico Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf Maurice Maeterlinck ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894
31
dramatizaccedilotildees do proacuteprio Ibsen Solness era o dramaturgo Hilda era a juventude e a
imaginaccedilatildeo Aline o passado Knut Brovik a rotina Ragnar o utilitarismo moderno as
igrejas que Solness construiacutera eram os dramas filosoacuteficos de Ibsen como Brand e as casas
eram peccedilas modernas como Os espectros1 Essa leitura influenciou muitos criacuteticos sendo
reproduzida em vaacuterios outros artigos e livros como por exemplo Acircmes modernes de Henry
Bordeaux e Les reacutevolteacutes scandinaves de Maurice Bigeon2 Henry James tambeacutem partilhou
das mesmas ideacuteias de Prozor chamando Solness de um ldquoIbsen within an Ibsenrdquo3 A criacutetica
contraacuteria a Ibsen recebeu a peccedila sem nenhum entusiasmo vendo-a como obra de um
desequilibrado Clement Scott chegou a comparaacute-la a um manicocircmio ldquoa play written
rehearsed and acted by lunaticsrdquo4 E Sarcey contestou-a pela falta de clareza acusando o
dramaturgo de ter um discurso verborraacutegico e esquisito que transformou Solness em pura e
simples banalidade ldquoil est tout agrave la fois obscur et pueacuterilrdquo ldquocrsquoest du pur galimatiasrdquo ldquocrsquoest le
plus simple et le plus naiumlf des truismesrdquo5
Enquanto Ibsen escrevia suas uacuteltimas peccedilas mdash O pequeno Eyolf (1894) John Gabriel
Borkman (1896) e Quando noacutes os mortos despertarmos (1899) mdash e o movimento simbolista
propagava suas ideacuteias sobre a soul-crisis Sigmund Freud avanccedilava do estudo da histeria para
o do inconsciente utilizando-se muitas vezes de obras-de-arte para ilustrar suas teorias No
acircmbito do teatro satildeo famosas suas investigaccedilotildees sobre o chiste que se referem indiretamente
agrave comeacutedia bem como seu exame de cenas e personagens dramaacuteticas para elucidar certas
condiccedilotildees psiconeuroacuteticas Aleacutem da ceacutelebre anaacutelise de Eacutedipo Freud fez um estudo de
Rebecca West personagem de Rosmersholm no artigo ldquoArruinados pelo ecircxitordquo publicado em
1916 Partindo da teoria do complexo de Eacutedipo Freud identifica no comportamento e
sobretudo nas palavras de Rebecca motivos ldquosubterracircneosrdquo e mecanismos inconscientes que
revelam um sentimento de culpa em relaccedilatildeo ao seu passado incestuoso ter sido amante do
proacuteprio pai sem o saber Essa situaccedilatildeo natildeo estaacute claramente explicitada no texto de Ibsen mas
segundo Freud haacute ldquoindiacutecios e fragmentosrdquo inseridos com tal arte nas entrelinhas da trama que
validam essa interpretaccedilatildeo e ao mesmo tempo ajudam a compreender o obstaacuteculo agrave uniatildeo de
1 Cf prefaacutecio de Solness le constructeur de Moritz Prozor em Henrik Ibsen Solness le constructeur Paris Savine 1893 Esse mesmo texto foi publicado na ediccedilatildeo brasileira de seis peccedilas de Ibsen Conde Prozor ldquoComentaacuterios sobre Solness o construtorrdquo Seis dramas Porto Alegre Globo 1944 p 479-488 2 Cf Henry Bordeaux La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894 e Maurice Bigeon Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894 3 Cf Henry James ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893 4 Cf Clement Scott [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893 5 Cf Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 356
32
Rebecca e Rosmer1 Esse tipo de anaacutelise que na maioria das vezes diz muito mais sobre a
psicanaacutelise do que sobre o trabalho eou os propoacutesitos do autor tornou-se a partir daiacute uma das
estrateacutegicas criacuteticas cada vez mais usadas para se analisar as obras ficcionais No caso da
criacutetica das peccedilas de Ibsen sobretudo depois de Solness agrave abordagem autobiograacutefica que jaacute
vinha sendo feita desde o final do seacuteculo XIX acrescentou-se a psicanaliacutetica a ponto de alguns
considerarem o dramaturgo como um ldquoFreud do teatrordquo Desse modo ora a obra de Ibsen
serve de material para diagnosticar seu psiquismo como por exemplo identificaacute-lo com o
escultor Rubek personagem de sua uacuteltima peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos
concluindo que ambos estatildeo presos agrave culpa de renunciar a proacutepria vida por um ideal de arte
ora suas personagens satildeo reduzidas sempre ao mesmo complexo de Eacutedipo deixando de lado
os problemas gerais mdash social moral e metafiacutesico mdash a favor de casos particulares e
patoloacutegicos negando assim a universalidade da obra ibseniana2
No iniacutecio do seacuteculo XX as peccedilas de Ibsen malgrado os escacircndalos as polecircmicas e a
oposiccedilatildeo cerrada de criacuteticos conservadores acabaram sendo incorporadas ao teatro claacutessico
Embora nem sempre gozando da popularidade que tivera no final do seacuteculo XIX Ibsen
continuou a ser discutido pelos teoacutericos de vanguarda sobretudo pelos simpatizantes da
esteacutetica simbolista que tentavam achar uma saiacuteda para a conflito entre a visatildeo abstrata do
drama e sua representaccedilatildeo fiacutesica Em 1906 ano da morte do dramaturgo Max Reinhardt
juntamente com Edvard Munch responsaacutevel pelo design da produccedilatildeo encenou Os espectros
no Kammerspiele Theatre em Berlim Vsevolod Meyerhold trabalhando entatildeo na companhia
da atriz Vera Komissarzhevskaya dirigiu Hedda Gabler em Satildeo Petersburgo e Edward
Gordon Craig criou o cenaacuterio para a representaccedilatildeo de Rosmersholm de Eleonora Duse no
Teatro della Pergola em Florenccedila Essas trecircs montagens embora muito distintas entre si
compartilharam da ruptura com os padrotildees realistas de encenaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo levando
para o palco a teatralidade a estilizaccedilatildeo e a sugestatildeo Craig no desenho das cenas de
Rosmersholm abusou das variaccedilotildees de luz e cor buscando estabelecer uma relaccedilatildeo
inequiacutevoca entre as personagens e os objetos que a cercavam Segundo registros de Guido
Noccioli um dos atores que participou dessa montagem o cenaacuterio e a mobiacutelia eram verdes
contrastando apenas com uma porta azul que vez ou outra atingia um tom celeste por causa
1 Cf ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In Sigmund Freud Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356 2 Cf por exemplo Derek Russell Davis ldquoA reappraisal of Ibsenrsquos Ghostsrdquo In James Walter Mcfarlane Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970 p 369-383 e Anne Hage ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005
33
dos dez refletores utilizados em cena1 A nova arquitetura do espaccedilo cecircnico foi o que mais
chamou a atenccedilatildeo de alguns criacuteticos italianos como Enrico Corradini que em um de seus
muitos artigos publicados na imprensa considerou-a perfeita para acolher a psicologia
profunda de Rosmer e Rebecca West2
Meyerhold antes da encenaccedilatildeo de Hedda Gabler escreveu o ensaio ldquoO teatro
naturalista e o teatro de humorrdquo onde desaprovava a esteacutetica naturalista pelo cuidado
excessivo da reproduccedilatildeo exata da natureza negando ao espectador a capacidade de sonhar e
imaginar No caso das peccedilas de Ibsen o diretor russo acusava os encenadores naturalistas de
transformaacute-las em tediosas monoacutetonas e doutrinaacuterias uma vez que se preocupavam apenas
com o desenho preciso de ldquotiposrdquo do universo norueguecircs e com a anaacutelise minuciosa dos
diaacutelogos das personagens Na acircnsia de tornar a dramaturgia ibseniana suficientemente
compreensiacutevel ao puacuteblico os naturalistas buscavam tornar vivos os diaacutelogos ldquoenfadonhosrdquo e
complicados do autor atraveacutes do trabalho analiacutetico das cenas de transiccedilatildeo ldquoas personagens
comem limpam a sala fazem as malas embrulham sanduiacuteches etcrdquo3 Com isso eles
colocavam em primeiro plano muitas cenas secundaacuterias sufocando o misteacuterio e as meias-
palavras que segundo Meyerhold eram as essecircncias da obra de Ibsen Em sua produccedilatildeo de
Hedda Gabler o diretor russo procurou efetivar no palco as ideacuteias contidas em seu ensaio de
modo a forccedilar o puacuteblico a ter uma visatildeo mais profunda da realidade e tentar decifrar o enigma
por traacutes dos discursos das personagens Para tanto qualquer alusatildeo a tempo ou espaccedilo foi
suprimida um esquema simboacutelico de valores e formas cromaacuteticas foi utilizado para
caracterizar a imagem e os traccedilos psicoloacutegicos de cada personagem Tesman vestia-se de
cinza Loevborg de marrom Brack de cinza escuro Thea de rosa e Hedda de verde o
cenaacuterio de Nicolai Sapunov tinha uma espeacutecie de trono coberto com um pano branco
contrapondo-se a um fundo azul onde Hedda se sentava e em torno do qual se desenvolveram
a maioria das cenas aleacutem disso o palco era em ldquobaixo relevordquo cujo efeito bi-dimensional
opunha-se agrave ldquocaixa asfixianterdquo e agrave profundidade do palco naturalista deixando o ator perto do
espectador4 Poucos meses depois dessa produccedilatildeo Meyerhold encenou Casa de boneca e agrave
medida que Nora aproximava-se da decisatildeo de deixar os filhos e o marido o diretor russo foi
1 Cf Guido Noccioli Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Traduccedilatildeo de Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982 2 Edward Gordon Craig Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971 ldquoil palcoscenico appariva trasformato veramente trasfigurato altissimo con una architettura nuova senza piugrave quinte di un solo colore fra il verde e il cilestrino semplice misterioso e affascinante degno insomma di accogliere la vita profonda di Rosmer e di Rebecca West La scena egrave la rappresentazione di uno stato danimordquo 3 Cf Vsevolod Meyerhold ldquoThe naturalistic theatre and the theatre of moodrdquo Meyerhold on theatre translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969 p 23-34 4 Vsevolod Meyerhold Meyerhold on theatre p 65-66
34
derrubando os cenaacuterios que compunham a casa da personagem evidenciando cenicamente a
queda dos valores da sociedade liberal burguesa
As vanguardas do novo seacuteculo salvo ralas manifestaccedilotildees oriundas de tendecircncias
marxista e socialista natildeo eram atraiacutedas pela poliacutetica A preocupaccedilatildeo dos simbolistas com um
teatro de encantamento e ecircxtase a exaltaccedilatildeo do estado de espiacuterito e do vitalismo dos
expressionistas o fasciacutenio dos futuristas pela maquinaria moderna a atenccedilatildeo dos surrealistas
para com os misteacuterios da vida interior levou muitas vezes a um puro subjetivismo beirando o
solipsismo Somente depois da Primeira Guerra e da Revoluccedilatildeo de Outubro teoacutericos criacuteticos
e dramaturgos voltariam a se interessar pelo desenvolvimento de um drama que respondesse
agraves inquietaccedilotildees do homem comum e aos problemas da sociedade moderna Em 1908 no
ensaio ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo o criacutetico russo Georgy Plekhanov jaacute reclamava
de autores que adotando pontos de vista burgueses produziam obras refrataacuterias agraves questotildees
sociais e poliacuteticas de seu tempo Em contrapartida o criacutetico cita o exemplo de Ibsen que
embora natildeo fosse capaz de dar nenhuma soluccedilatildeo poliacutetica aos problemas sociais de sua eacutepoca
foi como nenhum outro escritor moderno um liacuteder na luta contra os desmandos e as
hipocrisias da pequena burguesia oitocentista Sua revoluccedilatildeo apesar de puramente negativa
voltada para a libertaccedilatildeo individual levou-o muitas vezes ao simbolismo mas ainda assim
ofereceu agraves classes desprivilegiadas o entusiasmo pelo desejo de mudanccedila social seja
criticando a sociedade capitalista a instituiccedilatildeo do casamento ou a desigualdade de direitos
entre homens e mulheres Nessa esteira Plekhanov criticava os artistas que presos apenas aos
aspectos puramente simboacutelicos dos dramas ibsenianos priorizavam somente a visatildeo abstrata
do aperfeiccediloamento humano preterindo desse modo as ameaccedilas da revoluccedilatildeo social1
O huacutengaro Georg Lukaacutecs tambeacutem foi um criacutetico severo do idealismo abstrato na arte
Seu interesse pelo drama teve iniacutecio em 1904 quando ajudou a fundar o grupo Thalia de
teatro Concebido nos moldes do Freie Buumlhne de Berlim e do Theacuteacirctre Libre de Paris o Thalia
deu renovado alento agrave vida cultural de Budapeste encenando para a classe operaacuteria peccedilas de
Hebbel Strindberg Wedekind e Ibsen de quem aliaacutes Lukaacutecs traduziu O pato selvagem Sob o
influxo dessa organizaccedilatildeo teatral o jovem criacutetico escreveu em 1906 o seu primeiro livro
Histoacuteria do desenvolvimento do drama moderno publicado somente em 1911 Neste livro
que tem um capiacutetulo dedicado a Ibsen jaacute se encontra o fundamento da teoria do drama de
Lukaacutecs para quem as obras teatrais deveriam descrever acurada e abrangentemente a situaccedilatildeo
1 Georgy Plekhanov ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In Angel Flores Henrik Ibsen New York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007
35
soacutecio-histoacuterica de uma dada eacutepoca Por conseguinte as personagens deveriam apresentar-se
como ldquotiposrdquo emblemaacuteticos da sociedade a fim de apreenderem a totalidade do processo
social manifestando assim as tensotildees da cultura burguesa Esse sistema onde acreditava-se
que a arte podia harmonizar contradiccedilotildees para exprimir os traccedilos essenciais de natureza
moral psicoloacutegica e social da sociedade capitalista natildeo implicava nenhuma modificaccedilatildeo
profunda nos conceitos acerca da proacutepria estrutura dramaacutetica Desse modo qualquer mudanccedila
na forma convencional do drama era vista por Lukaacutecs como um trampolim para o
esvaziamento do conteuacutedo literaacuterio transformando a arte em um campo de experiecircncias
meramente formais Preso agrave concepccedilatildeo de drama como sinocircnimo de conflito Lukaacutecs vecirc as
personagens ibsenianas a partir de O pato selvagem como ldquodesagradaacuteveis figuras cocircmicasrdquo
Isso porque o ponto de vista dos heroacuteis de Ibsen segundo o criacutetico estaacute muito acima dos
outros personagens que lhes fazem frente impedindo desse modo que se produza a verdadeira
ldquoluta traacutegica e dramaacuteticardquo entre eles Assim o conflito desenrola-se no vazio e o antagonismo
entre as personagens torna-se grotesco atingindo o cocircmico e por vezes o ridiacuteculo A
ldquosublimidade traacutegicardquo dos heroacuteis ibsenianos torna-se artificial podendo ser mantida apenas
atraveacutes da criaccedilatildeo de uma atmosfera simbolista Mas para Lukaacutecs essa mudanccedila de Ibsen mdash
de um realismo ainda que impregnado de elementos naturalistas para a vacuidade dos
siacutembolos mdash de modo algum representa a superaccedilatildeo das contradiccedilotildees do realismo do fim do
seacuteculo XIX Antes aponta a continuidade das incoerecircncias mas num niacutevel artiacutestico inferior
afastado da compreensatildeo da realidade No entanto em Ibsen essa crise ideoloacutegica ainda
apresenta uma rigorosa e profunda criacutetica que mostra a dissoluccedilatildeo dos ideais burgueses e o
mecanismo da hipocrisia e da auto-ilusatildeo na sociedade capitalista em decliacutenio Essa visatildeo de
Lukaacutecs que insiste na inutilidade da experimentaccedilatildeo literaacuteria natildeo realista desencadearia mais
tarde os ataques ao teatro eacutepico de Brecht provocando um debate teoacuterico no seio da criacutetica
marxista que se arrastaria pelos anos 1930 e repercutiria nas deacutecadas seguintes1
Por volta de 1920 Ibsen jaacute estava completamente absorvido pelo mercado teatral As
dimensotildees sociais e poliacuteticas de suas peccedilas mdash que haviam revolucionado o teatro no seacuteculo
passado denunciando no palco os ideais capciosos da burguesia mdash foram rejeitadas a favor
exclusivamente da exploraccedilatildeo da vida interior e da intemporalidade da psicanaacutelise
Personagens como Nora de Casa de boneca e Helena Alving de Os espectros que outrora
haviam sido ldquoporta-vozesrdquo da emancipaccedilatildeo feminina criticando as convenccedilotildees da sociedade
burguesa afiguravam-se no novo seacuteculo como mulheres problemaacuteticas e mal resolvidas
1 Cf sobre Lukaacutecs e o drama moderno Georg Lukaacutecs Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968 e Il drama moderno Milano SugarCo 1976
36
viacutetimas de traumas ocorridos na infacircncia As variaccedilotildees do complexo edipiano explicavam no
caso de Nora a libertaccedilatildeo do passado e das amarras que a mantinham presa ao marido e no
caso de Helena a renuacutencia da felicidade transformando-a assim em matildee e esposa abnegada
Nesse periacuteodo Brecht elaborava seus primeiros escritos teoacutericos em sua maior parte criacuteticas
teatrais veiculadas no jornal Der Augsburger Volkswille entre 1919 e 1921 Alguns desses
textos em sua proacutepria fatura jaacute mostram o efeito de estranhamento mdash que seria amplamente
desenvolvido na teatro de Brecht nas deacutecadas seguintes mdash como forma de sacudir o leitor em
seu torpor abalando a velha imagem da cultura integrada e digerida sem perigo Eacute nesse
sentido que a propoacutesito da encenaccedilatildeo de Os espectros na Alemanha em 1919 Brecht
denuncia a pasteurizaccedilatildeo da obra de Ibsen por artistas e criacuteticos teatrais interessados tatildeo
somente na empatia do puacuteblico e no aspecto puramente lucrativo do espetaacuteculo teatral Num
texto curto de poucas linhas Brecht ressalta a importacircncia de se ir aleacutem da percepccedilatildeo
ideoloacutegica da esfera da vida privada examinando-a criticamente sobretudo nos seus
interesses mesquinhos e materiais Sob essa perspectiva em Os espectros importava verificar
que Helena Alving natildeo era a pobre viacutetima de um matrimocircnio infeliz mas uma mulher
oportunista que se casou por dinheiro mantendo a todo custo um casamento de aparecircncias a
fim de preservar a tradiccedilatildeo e o prestiacutegio social1
Apoacutes a Segunda Guerra a induacutestria de entretenimento cujas bases jaacute estavam dadas
no iniacutecio do seacuteculo fortaleceu-se de tal modo com a ascensatildeo do capitalismo tardio que as
produccedilotildees teatrais comprometidas com o engajamento poliacutetico foram expropriadas pelo
capital A essa altura as chamadas peccedilas sociais de Ibsen soacute interessavam quando tratadas
dentro dos limites do realismo psicoloacutegico jaacute que assuntos como moral dinheiro casamento
e feminismo eram tachados de obsoletos e ultrapassados Nessa nova fase do capitalismo
obras como Os pretendentes agrave coroa e Brand foram celebradas pela teacutecnica e pela poesia
magistral Imperador e Galileu pela filosofia profunda e Peer Gynt ateacute entatildeo conhecida
quase que exclusivamente pela muacutesica de Edvard Grieg foi encenada em muitos paiacuteses
obtendo grande ecircxito A ldquodomesticaccedilatildeo das artesrdquo pela induacutestria cultural foi examinada por
Max Horkheimer e Theodor Adorno na Dialeacutetica do esclarecimento livro dos anos 1940
Contudo eacute em Minima moralia obra composta de aforismos escritos entre 1944 e 1947 que
Adorno faz referecircncia direta a Ibsen analisando uma das questotildees caras ao dramaturgo a
condiccedilatildeo feminina na sociedade de consumo No fragmento intitulado ldquoExumaccedilatildeordquo o criacutetico
contraria o senso comum que apontando o afrouxamento dos tabus sexuais e a participaccedilatildeo
1 Bertold Brecht ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12
37
da mulher no mercado de trabalho daacute por superada a questatildeo do feminismo No entanto as
novas formas de exploraccedilatildeo econocircmica distorceram a independecircncia da mulher tornando-a a
um soacute tempo vulneraacutevel agrave dominaccedilatildeo e incapaz de refletir sobre essa conjuntura Assim sob a
falsa aparecircncia de autonomia e liberdade promovida sobretudo pela induacutestria de consumo mdash
cadeias de loja e magazines que lhes fazem deferecircncia e bajulaccedilatildeo mdash as mulheres se
esquecem de sua sujeiccedilatildeo a ordem social e econocircmica tanto no que diz respeito agrave sua
ldquomiseraacutevel jornada de trabalho profissionalrdquo quanto agrave sua vida no lar Na sequumlecircncia desses
argumentos Adorno compara as personagens ldquohisteacutericasrdquo de Ibsen e ldquosuas tentativas
desesperadas de evadir-se da prisatildeo da sociedaderdquo mdash referecircncia clara a Nora de Casa de
boneca mdash com as mulheres atuais ldquosuas netasrdquo que sem se sentirem atingidas pela mesma
desumanizaccedilatildeo enviariam-nas ldquoaos bons cuidados da assistecircncia socialrdquo Em chave irocircnica
Adorno aponta o retrocesso dos ideais do movimento feminista em relaccedilatildeo aos prodiacutegios
desejados pelas antiquadas personagens ibsenianas ldquoNatildeo eacute sem razatildeo que as mulheres de
Ibsen satildeo chamadas lsquomodernasrsquo O oacutedio agrave modernidade e o oacutedio ao antiquado satildeo
imediatamente a mesma coisardquo1
Em 1956 Peter Szondi em Teoria do drama moderno elabora a mais seacuteria reflexatildeo
sobre a crise do drama enfatizando o modo pelo qual o teatro eacute condicionado por processos
econocircmicos sociais e histoacutericos A partir da ideacuteia de que forma e conteuacutedo estatildeo
definitivamente associados numa relaccedilatildeo dialeacutetica Szondi explora as antinomias internas de
peccedilas de Ibsen Tcheacutekhov Strindberg Maeterlinck e Hauptmann apontando para a
contradiccedilatildeo crescente entre a forma dramaacutetica e os novos conteuacutedos advindos da ordem
social que o drama de rigor aristoteacutelico natildeo consegue assimilar Desse modo o criacutetico mostra
que o teatro de Ibsen entre outras coisas empreendeu uma total inversatildeo no conceito
convencional do drama sobretudo pela emersatildeo do elemento eacutepico em suas peccedilas Em Os
espectros Rosmersholm John Gabriel Borkman e Solness o construtor somente para citar
algumas as accedilotildees do presente servem apenas para revelar o passado iacutentimo das personagens
tornando-se a proacutepria lembranccedila o tema central de suas peccedilas Apesar do uso da construccedilatildeo
rigorosa e causaliacutestica do domiacutenio pleno das peripeacutecias e reconhecimento da exposiccedilatildeo
dissolvida com economia por toda a peccedila Ibsen percebeu que a dramaacutetica pura com seu
pressuposto de mostrar ldquosujeitos autoconscientesrdquo caducava num mundo cada vez mais
marcado pela alienaccedilatildeo Assim em seus dramas rigorosos mas de conteuacutedo eacutepico o proacuteprio
1 Theodor W Adorno ldquoExumaccedilatildeordquo Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificadaTraduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 81 Cf tambeacutem no mesmo livro ldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo p 81-82
38
diaacutelogo entre as personagens estabeleceu a cisatildeo entre sujeito e objeto apresentando no palco
ldquovidas danificadasrdquo pelo mundo da mercadoria do trabalho alienado das relaccedilotildees falsificadas
e do isolamento do indiviacuteduo1
A partir dos anos 1960 Ibsen entatildeo considerado um autor canocircnico repontava em
trabalhos no acircmbito da histoacuteria do teatro da biografia da filosofia e da psicanaacutelise Sua obra
celebrada mais pelos escacircndalos que causaram no final do seacuteculo XIX do que por seu valor
artiacutestico continuou a ser analisada por meio de diferentes teorias criacuteticas e em contextos
especiacuteficos Criacuteticos como Halvdan Koht John Northam e Eric Bentley interessaram-se pelo
aspecto ontoloacutegico das peccedilas ibsenianas examinando os elementos constitutivos dos textos
como a ironia o paradoxo a ambiguumlidade e o simbolismo Natildeo raro essas anaacutelises
consideravam a ldquopoesia dramaacuteticardquo do dramaturgo como a expressatildeo maacutexima de sua obra
estabelecendo Ibsen como um theatre-poet2 Outros estudiosos como H L Mencken e Brian
Johnston restituiacuteram Ibsen ao contexto do pensamento europeu aproximando-o de Nietzsche
Kierkegaard e Hegel3 Uma vasta produccedilatildeo de trabalhos sobre o dramaturgo incluindo
perioacutedicos especializados como Ibsen Studies e The contemporany approaches to Ibsen
foram produzidos desde entatildeo No entanto a maioria dos estudos mdash salvo algumas exceccedilotildees
a exemplo das anaacutelises da recepccedilatildeo de Ibsen em muitos paiacuteses mdash concentram-se
particularmente nos aspectos psicanaliacuteticos e ateacute mesmo autobiograacuteficos de sua obra
deixando de lado o elemento social que desempenhou um papel importante na constituiccedilatildeo de
seu teatro tanto pela exposiccedilatildeo dos problemas da sociedade liberal burguesa quanto pela
ruptura com os padrotildees hegemocircnicos do drama Uma boa demonstraccedilatildeo de que o dramaturgo
foi unanimemente considerado universal sem ser de todo compreendido seja por limitaccedilotildees
da criacutetica seja por posicionamentos ideoloacutegicos de seus leitores
1 Cf Peter Szondi Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 2 Cf Halvdan Koht Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971 John Northam Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953 e Eric Bentley The life of the drama New York Atheneum 1964 3 Cf Henrik Ibsen Eleven plays of Henrik Ibsen Introduction by H L Mencken New York B A Cerf D S Klopfer The Modern Library 1935 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989
I B S E N N O B R A S I L
40
As primeiras encenaccedilotildees
As peccedilas de Ibsen chegaram aos palcos brasileiros no fim do seacuteculo XIX filtradas pelo
olhar de companhias estrangeiras sobretudo as italianas de Ermete Novelli Clara Della
Guardia Eleonora Duse Gustavo Salvini e Ermete Zacconi Vale lembrar que a obra
ibseniana somente passou a ter interesse na Itaacutelia depois das encenaccedilotildees do Theacuteacirctre Libre de
Antoine em 1890 Como autor da moda discutido por toda a Europa Ibsen foi rapidamente
assimilado pelo mercado teatral sendo suas peccedilas devidamente moldadas ao gosto do puacuteblico
acostumado com as comeacutedias realistas francesas Assim no uacuteltimo dececircnio do seacuteculo XIX
Enrico Polese diretor da revista LrsquoArte Drammatica juntamente com empresaacuterios criacuteticos e
atores criou ldquoil prodotto Ibsenrdquo impondo aos espectadores um outro autor diferente daquele
que estava revolucionando o teatro europeu O controle da recepccedilatildeo de Ibsen comeccedilava pela
traduccedilatildeo de Polese que suprimia do texto qualquer alusatildeo ou criacutetica agrave sociedade nivelava os
argumentos considerados inconsistentes redesenhava as personagens visando agrave compaixatildeo do
puacuteblico e modificava as cenas que poderiam escandalizar a plateacuteia A encenaccedilatildeo era apoiada
exclusivamente na figura do grande ator e interessava colocar no palco um texto ligeiro
ausente de cenas monoacutetonas A influecircncia de Polese sobre o gosto ibseniano era transmitida
natildeo soacute pela traduccedilatildeo como pela paacutegina de sua revista que minimizava ainda mais as ideacuteias
ldquoaacutesperasrdquo do autor Aleacutem disso como profissional da dramaturgia conhecedor do puacuteblico
dos atores e empresaacuterios Polese fornecia agraves companhias indicaccedilotildees precisas sobre cenografia
indumentaacuteria e formas de composiccedilatildeo das personagens tudo isso visando a mais completa
empatia entre atores e espectadores
A companhia de Ermete Novelli foi a primeira a apresentar Ibsen agrave plateacuteia brasileira
encenando Os espectros no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em junho de 1895 Algumas das
indicaccedilotildees de Polese parecem ter sido seguidas de perto por Novelli o grande ator da
companhia que fez toda a encenaccedilatildeo girar em torno da personagem que ele representava
Osvaldo Alving Sua interpretaccedilatildeo carregada de um realismo tendencioso acentuava a
enfermidade de Osvaldo a ponto de muitos criacuteticos da eacutepoca identificarem a originalidade e a
essecircncia do drama de Ibsen como de ordem cientiacutefica A doenccedila hereditaacuteria de Osvaldo foi
considerada pela criacutetica o tema central da peccedila sendo deixados de lado outros assuntos como
por exemplo o casamento de conveniecircncia de Helena com o Capitatildeo Alving Da mesma
forma pouco se falou das outras personagens mdash Regina Engstrand e Pastor Manders mdash
vistas como secundaacuterias servindo apenas para dar ensejo agraves concepccedilotildees do dramaturgo acerca
41
da sociedade da moral e da famiacutelia Moral essa que para muitos criacuteticos era ldquoestranha e
inadmissiacutevelrdquo pois ao fazer perpassar na mente de Helena a felicidade do filho ao lado de sua
meia-irmatilde Regina Ibsen celebrava o incesto e a devassidatildeo sexual Sob essa perspectiva um
criacutetico do Jornal do Brasil chegou a fazer uma comparaccedilatildeo entre as ideacuteias socialistas e as
ibsenianas concluindo que ambas tinham como fundamentos a praacutetica do amor livre e a
desestruturaccedilatildeo familiar ldquoPois eacute preciso que o nosso leitor fique sabendo que o Dr Rossi um
meacutedico italiano fez para imprensa a propaganda do socialismo tendo por base o amor livre
tal qual existia na colocircnia Santa Luzia no Estado do Paranaacute [] Se Ibsen tivesse notiacutecia de
tal adiantamento social em terras do Brasil com certeza elevava-nos ao seacutetimo ceacuteu da
imortalidaderdquo1 Nessa conjuntura o dramaturgo era tido ora como reformador ora como
pensador nunca como artista jaacute que lhe faltavam segundo os criacuteticos as preocupaccedilotildees e as
qualidades de um autor dramaacutetico Os espectros desse modo foi considerado um drama ldquomal
apresentado e mal conduzidordquo repleto de cenas pesadas e monoacutetonas que soacute conseguiam
aborrecer a plateacuteia ldquoAssistindo agrave representaccedilatildeo drsquoOs espectros pareceu-nos estar diante de
um livro de medicina escrito sobre um caso especial de atavismo e cujo texto fosse de vez em
quando ilustrado pelas fotografias do doente representando-o nas diversas fases da moleacutestia
herdadardquo2 Os pontos positivos apontados pela criacutetica foram o desempenho de Novelli muito
elogiado pela destreza com que apresentou no palco todos os sintomas da enfermidade de seu
personagem e a forma como o drama apesar das impropriedades conseguiu comover e
fornecer uma significaccedilatildeo moral para os espectadores ldquoOsvaldo e Regina as duas viacutetimas
inocentes dos viacutecios de seus pais perseguidos pelo atavismo representam uma liccedilatildeo de moral
deduzida com todo o rigor de uma lei naturalrdquo3
Depois de Os espectros de Novelli Ibsen soacute voltaria agrave cena nacional em 1899 dessa vez
com duas montagens de Casa de boneca a primeira pela Companhia Portuguesa de Lucinda
Simotildees e Cristiano de Souza no Teatro SantrsquoAnna do Rio de Janeiro no mecircs de maio e a
segunda pela Companhia Italiana de Clara Della Guardia no Teatro Liacuterico do Rio no mecircs de
agosto4 A exemplo do que acontecera em muitos paiacuteses quando apresentada pela primeira vez
a peccedila suscitou um caloroso debate no nosso meio teatral A cena final em que Nora abandona
marido e filhos provocou muitas controveacutersias entre os criacuteticos ocupando as paacuteginas dos
principais perioacutedicos do paiacutes Carlo Parlagreco escritor italiano que lecionava Histoacuteria da Arte
1 ldquoOs espectrosrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 17 jun 1895 Palcos e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 A ldquoNovelli ndash Henrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo O Paiacutes Rio de Janeiro 17 jun 1895 Artes e Artistas p 2 3 ldquoNovelli ndash Ibsenrdquo Jornal do Comeacutercio Rio de Janeiro 17 jun 1895 Teatros e Muacutesicas p 1 (Sem assinatura) 4 Casa de boneca tambeacutem foi encenada em Satildeo Paulo A companhia de Clara Della Guardia apresentou-se no Teatro Politheama em setembro de 1899 e a de Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza em outubro no mesmo teatro
42
na Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro foi categoacuterico em seu artigo publicado
na Cidade do Rio ao afirmar que Ibsen era ldquoum socioacutelogo minuacutesculordquo e ldquoum filoacutesofo
incompletordquo que soacute conseguira popularidade por causa dos assuntos escabrosos de suas peccedilas
Por isso o criacutetico italiano censurava aqueles que em reaccedilatildeo ao teatro francecircs consideravam o
dramaturgo ldquocom um fetichismo indigno da razatildeo humanardquo como um dos maiores intelectuais
de sua eacutepoca Para ele Ibsen natildeo fazia mais que repetir as ldquoteorias e os achados alheiosrdquo de
Zola sendo que as ideacuteias do autor escandinavo eram muito mais monstruosas do que os
preconceitos da sociedade Parlagreco criticava a maneira como Ibsen conduzia as suas peccedilas
encorajando as mulheres a abandonar seus lares e estimulando a desagregaccedilatildeo familiar ldquoA
mulher fora do seu domiacutenio natural prepara os degenerados do futuro Subtrair as sociedades agraves
formas mais conhecidas da administraccedilatildeo e de convivecircncia eacute o ideal que Ibsen partilha com
Tolstoacutei mas seria a mesma coisa que suprimir ou inverter no organismo humano as funccedilotildees de
alimentaccedilatildeo de reproduccedilatildeo e de percepccedilatildeordquo1
Natildeo era somente o tema de Casa de boneca que desagradava a parte conservadora de
nossa criacutetica teatral A forma de composiccedilatildeo de Ibsen que se distanciava cada vez mais dos
padrotildees hegemocircnicos do drama burguecircs tambeacutem foi alvo constante de ataques Artur Azevedo
o grande criacutetico da eacutepoca era o defensor contumaz da tradiccedilatildeo dramaacutetica sobretudo da
francesa representada por escritores como Augier Dumas Filho Meilhac e Haleacutevy Assim
como o criacutetico francecircs Francisque Sarcey mdash que para ele era o ldquomais profundo o mais sensato
o mais sincero dos criacuteticos teatrais de todos os temposrdquo mdash Artur Azevedo tinha preferecircncia
pelas peccedilas bem-feitas valorizando mais a construccedilatildeo dramatuacutergica do que o gecircnero teatral
Portanto seus criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila aproximavam-se em tudo aos de Sarcey
importando tatildeo somente averiguar o uso das convenccedilotildees como a verossimilhanccedila a
identificaccedilatildeo o encadeamento linear e progressivo das accedilotildees o enredo com comeccedilo meio e fim
etc Desse modo uma das criacuteticas mais severas de Artur Azevedo agrave Casa de boneca dizia
respeito ao desenlace que para ele era inconcebiacutevel pois a mudanccedila da atitude de Nora natildeo
havia sido preparada nos atos anteriores Se ela tinha sido tatildeo friacutevola e tola nos dois primeiros
atos natildeo era coerente que se transformasse no uacuteltimo ato numa mulher consciente de sua
situaccedilatildeo na sociedade burguesa Faltava a Ibsen o domiacutenio da arte e da convenccedilatildeo dramaacutetica
por isso Artur Azevedo negava ao dramaturgo o tiacutetulo de ldquorevolucionaacuterio do teatrordquo O que
havia em suas peccedilas de verdadeiramente teatral ainda segundo o criacutetico era bebido em Augier
e Dumas Filho com quem Ibsen tinha aprendido a construccedilatildeo haacutebil e calculada para produzir
1 C Parlagrego ldquoOs espectros de Henrik Ibsenrdquo Cidade do Rio Rio de Janeiro p 1 15 jun 1895
43
efeitos bombaacutesticos Contra esses posicionamentos de Artur Azevedo levantou-se Luiacutes de
Castro jornalista da Gazeta de Notiacutecias que sensiacutevel aos rumos do teatro moderno refutou
veementemente o ponto de contato entre os dramas franceses e ibsenianos bem como o
prestiacutegio de Sarcey como criacutetico teatral provocando uma polecircmica com Artur Azevedo que se
estenderia durante algum tempo nas paacuteginas dos jornais1 Apesar das censuras aos dramas
ibsenianos Artur Azevedo escreveu em 1906 um necroloacutegio a Ibsen reconhecendo-o como
ldquouma das gloacuterias literaacuterias mais puras do seacuteculo XIXrdquo No entanto o seu ponto de vista pouco
mudou em relaccedilatildeo agraves convenccedilotildees teatrais Nesse texto ao fazer um balanccedilo da influecircncia do
norueguecircs no teatro mundial Artur Azevedo afirmou que o teatro de Ibsen ainda era
incompreensiacutevel interessando apenas a um pequeno puacuteblico o das ldquocamadas superioresrdquo As
peccedilas de Ibsen para ele serviam apenas para serem lidas natildeo representadas fato que de modo
algum reduzia suas qualidades de ldquoobras-primas de uma grande elevaccedilatildeo moral dignas da
admiraccedilatildeo universal que as celebrourdquo2
Como Artur Azevedo Oscar Guanabarino criacutetico de O Paiacutes tambeacutem reclamava das
cenas desconexas dos diaacutelogos interminaacuteveis e do desfecho de Casa de boneca pontos que
dificultavam o entendimento do puacuteblico ldquoDesde entatildeo surgem os disparates e entre eles o
maior eacute que o espectador depois de concluiacuteda a representaccedilatildeo deve ir para casa refletir sobre
o caso concluir como puder a peccedila que natildeo teve fim []rdquo3 Ibsen para Guanabarino era
produto do exagero de criacuteticos desorientados que cingiam seu nome com uma aureacuteola de
gecircnio mdash como se ele fosse ldquoo salvador da arte dramaacuteticardquo mdash sem perceber que os processos
de escrita de sua obra eram iguais ao do teatro da eacutepoca tinham os mesmos defeitos da ficelle
e o prejuiacutezo do desconhecimento de certas regras impostas pela experiecircncia e exigidas pelo
bom senso Igualmente exageradas segundo o criacutetico eram as ideacuteias do dramaturgo que sob
o pretexto de lutar contra as convenccedilotildees sociais levava para o palco personagens sempre
doentias Apoiado nos estudos de Cesare Lombroso psiquiatra e criminalista italiano famoso
na eacutepoca pelas suas teorias sobre o criminoso nato e o homem de gecircnio Guanabarino
afirmava ser Ibsen um ldquoalienistardquo e suas personagens figuras desequilibradas e anormais A
partir da anaacutelise de obras de ficccedilatildeo e de estudos de caso Lombroso chegara agrave conclusatildeo
absurda de que anomalias hereditaacuterias neuroloacutegicas e psiacutequicas desempenhavam papel
1 Cf sobre a polecircmica entre Artur Azevedo e Luiacutes de Castro Joatildeo Roberto Faria ldquoEntre Sarcey e Ibsenrdquo Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 240-245 647-651 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Terminei meu uacuteltimo folhetim []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 31 maio 1906 O Teatro Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 586-588 3 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2
44
preponderante na formaccedilatildeo da personalidade de um delinquumlente bastando portanto relacionar
as caracteriacutesticas fiacutesicas dos indiviacuteduos mdash tamanho da mandiacutebula formato do cracircnio etc mdash
para descobrir sua disposiccedilatildeo ao crime Da mesma maneira ele acreditava que escritores
considerados geniais como Shakespeare Zola Tolstoacutei Dostoieacutevski e Ibsen apresentavam
aleacutem de uma visatildeo especial formas mais ou menos atenuadas de loucura e perversatildeo o que
lhes permitiam vislumbrar um criminoso muito antes que a ciecircncia o fizesse Nessa esteira
Lombroso alertava que as mulheres sendo ldquocriaturas moralmente inferiores e infantisrdquo
tinham mais propensatildeo agrave delinquumlecircncia ldquoMulheres satildeo crianccedilas grandes Suas tendecircncias maacutes
satildeo mais numerosas e mais variadas que as dos homens mas geralmente permanecem
latentes Entretanto quando satildeo despertas e excitadas produzem resultados proporcionalmente
maioresrdquo1 Desse modo para Guanabarino Nora apresentava todos os sintomas da patologia
mental e moral examinados por Lombroso era infantil histeacuterica e mentirosa E somente
assim por meio de um tipo exagerado e complexo inferido com todo rigor de um estudo
cientiacutefico Nora poderia ser compreendida e aceita como verdadeira No entanto isso natildeo
reduzia ainda segundo Guanabarino sua iacutendole maacute seja ao abandonar os filhos seja ao
contrair um empreacutestimo sob o pretexto de salvar a vida do marido para saciar seus caprichos
ldquoo desejo de viajar como faziam as outras as ricas acendeu-lhe o desejo de salvar o marido
e ei-la contraindo um empreacutestimo com um indiviacuteduo de moral duvidosardquo2
Os criacuteticos favoraacuteveis a Ibsen geralmente analisavam a sua obra pelo vieacutes naturalista
evitando entrar nas discussotildees acerca de sua forma dramaacutetica Luiacutes de Castro aleacutem de
polemizar com Artur Azevedo sobre o teatro ibseniano talvez tenha sido o uacutenico a abordar
essa questatildeo Em seu artigo ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo o criacutetico da Gazeta de
Notiacutecias apontava a influecircncia das peccedilas de Ibsen na evoluccedilatildeo do teatro moderno Para ele a
teacutecnica dramatuacutergica ibseniana era totalmente diversa natildeo podendo ser comparada a nenhuma
outra existente principalmente agraves dos dramaturgos franceses de quem o norueguecircs natildeo havia
lido sequer uma linha Enquanto autores como Scribe Augier e Dumas Filho estavam
interessados na accedilatildeo e no enredo concluiacutea Luiacutes de Castro Ibsen preocupava-se com ldquoo
sentido profundo da obra a crise psicoloacutegica e moral em que os acontecimentos atiram os
personagensrdquo3 Por isso argumentava ele suas peccedilas foram combatidas em muitos paiacuteses
sobretudo na Franccedila onde o autor encontrou um nuacutemero maior de detratores Joatildeo do Rio por
1 Cesare Lombroso e William Ferrero The female offender New York Philosophical Library 1958 p 151 Cf tambeacutem Cesare Lombroso Lrsquouomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 2 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2 3 Luiacutes de Castro ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 28 maio 1899 Teatro e p 2
45
sua vez exaltava no dramaturgo o tom cientiacutefico da composiccedilatildeo das personagens que levava
em conta a influecircncia do meio e da hereditariedade em suas iacutendoles Em ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo
artigo publicado em A Tribuna o criacutetico procurou mostrar ao leitor por meio da descriccedilatildeo
minuciosa do desempenho da atriz portuguesa no papel de Nora os matizes da construccedilatildeo da
personagem ibseniana ldquoEacute admiraacutevel de anaacutelise humana e Luciacutelia eacute a encarnaccedilatildeo perfeita
deste tipo complexo de histeacuterica com o desequiliacutebrio nervoso da mulher do Norterdquo1 Joatildeo do
Rio tambeacutem enxergava Ibsen como um mentalista de Lombroso e Nora como um tipo de
deacutetraqueacute Mas diferentemente de Guanabarino essas caracteriacutesticas natildeo foram vistas atraveacutes
de uma oacutetica conservadora antes foram tratadas como o reflexo do estado patoloacutegico da
sociedade Para Joatildeo do Rio Ibsen era um reformador que viera fazer do teatro uma verdade
levando agrave cena a vida de todos os dias Outro criacutetico que apreciou as novidades do teatro de
Ibsen foi Luiz Guimaratildees Filho jornalista de A Notiacutecia responsaacutevel pela publicaccedilatildeo de um
dos artigos mais incisivos a favor dos direitos da mulher Para ele Casa de boneca era a
criaccedilatildeo suprema de Ibsen sobretudo porque questionava a exclusatildeo das mulheres na
sociedade ldquoA Casa de boneca demonstra cruelmente a falsidade da educaccedilatildeo feminina na
sociedade moderna mdash que a reduz a viacutetimas risonhas a escravas enfeitadas com sedas a
autocircmatos inconscientes e fracosrdquo2 Utilizando-se dos mesmos conceitos da teoria de
Lombroso comum na literatura da eacutepoca Guimaratildees Filho tambeacutem via Nora como uma
ldquodoida singularrdquo No entanto ainda segundo o criacutetico colocar no palco uma histeacuterica foi a
forma que Ibsen encontrou para marcar a diferenccedila de privileacutegios entre os sexos e mostrar o
erro da educaccedilatildeo da mulher
No iniacutecio do seacuteculo XX as companhias estrangeiras continuaram a ser presenccedila
marcante no Brasil trazendo em seus repertoacuterios peccedilas de Strindberg Maeterlinck
DrsquoAnnunzio Hauptmann Sundermann e Ibsen autores ateacute entatildeo desconhecidos da maior
parte do puacuteblico Entre os meses de maiojunho e agostooutubro periacuteodo da temporada
dessas companhias no Rio e em Satildeo Paulo os espectadores tinham a chance de conhecer os
grandes artistas estrangeiros bem como o que de melhor se produzira nos palcos europeus
Nessas ocasiotildees o teatro seacuterio de qualidade literaacuteria ganhava destaque na imprensa
possibilitando a discussatildeo dos novos rumos da literatura dramaacutetica No entanto a maioria de
nossos criacuteticos e homens de teatro presos agrave foacutermula da peccedila bem-feita ao gosto do puacuteblico e
principalmente aos interesses econocircmicos e lucrativos dos espetaacuteculos teatrais pouca
1 Paulo Barreto [Joatildeo do Rio] ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo A Tribuna Rio de Janeiro p 3 1 jul 1899 Reunido em Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 640 2 Luiz Guimaratildees Filho ldquoA Casa de bonecardquo A Notiacutecia Rio de Janeiro p 2 27-28 maio 1899
46
importacircncia davam aos movimentos de vanguarda Comumente o arranjo cecircnico e os
assuntos controversos de algumas peccedilas suscitavam polecircmicas na imprensa acabando quase
sempre com a rejeiccedilatildeo das novas formas do teatro moderno Bastava as companhias
estrangeiras irem embora os gecircneros mais apreciados do puacuteblico mdash operetas melodramas
feacuteeries e revistas de ano mdash voltavam agrave cena nacional Portanto os pilares baacutesicos do teatro
brasileiro continuavam sendo os mesmos a oacutepera reduzida a um nuacutemero de composiccedilotildees do
realejo italiano como Rigoletto Mme Butterfly e Manon e a dramaturgia francesa que haacute
muito jaacute havia se tornado o esteio de nossos palcos Aleacutem das convenccedilotildees da peccedila bem-feita
serem usadas como criteacuterios para a anaacutelise das obras teatrais nossa criacutetica literaacuteria tambeacutem
orientava-se pelas noccedilotildees de raccedila e natureza reduzindo as obras-de-arte agrave accedilatildeo de fatores
como clima meio e mesticcedilagem Foi assim que a partir do sincretismo de teorias e conceitos
europeus deslocados de suas funccedilotildees de origem formou-se no Brasil o padratildeo de leitura da
virada do seacuteculo XIX para o XX
Em 1900 Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza voltaram a apresentar Casa de boneca
no Teatro Lucinda do Rio de Janeiro e no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo A montagem
segundo artigo de Joatildeo do Rio teve poucas alteraccedilotildees ldquoA companhia vem a mesma na
distribuiccedilatildeo dos personagens [] Os cenaacuterios satildeo diferentes o material todo novo a ceacutelebre
cadeirinha de palhinha que fez tanto palerma gargalhar foi substituiacuteda por outra de veludo e
tudo eacute bom tudo eacute melhorrdquo1 A recepccedilatildeo tambeacutem foi a mesma elogios aos atores e criacuteticas agrave
peccedila que se ressentia da linearidade da accedilatildeo dramaacutetica apresentando aleacutem disso ficelles
velhas e usadas cenas monoacutetonas personagens excecircntricas e desequilibradas No ano
seguinte apareceu o primeiro ensaio sobre Ibsen reunido em A hora do escritor e criacutetico
literaacuterio Nestor Viacutetor2 Nesse livro Nestor Viacutetor ocupou-se da literatura estrangeira Os
Desplantados de Maurice Barregraves Cyrano de Bergerac de Edmond Rostand e Pretendentes agrave
coroa A comeacutedia do amor Imperador e Galileu Pilares da sociedade Os espectros entre
outras peccedilas de Ibsen A parte dedicada ao dramaturgo norueguecircs vinha dividida em quatorze
capiacutetulos onde o criacutetico traccedilava o perfil biograacutefico de Ibsen detendo-se no entanto na
anaacutelise de sua obra De Catilina primeira peccedila do autor ateacute John Gabriel Borkman Nestor
Viacutetor buscou examinar os elementos simboacutelicos dos dramas informando vez ou outra a
maneira como o teatro de Ibsen tinha sido recebido na Europa provocando polecircmicas e
discussotildees Nessa trajetoacuteria ele procurou apresentar ao leitor um resumo minucioso de todas
as peccedilas mdash traduzindo inclusive trechos inteiros de algumas delas mdash demonstrando assim
1 P B [Joatildeo do Rio] ldquoTeatro Lucindardquo Cidade do Rio Rio de Janeiro 5 mar 1900 Gambiarras p 2 2 Nestor Viacutetor A hora Rio de Janeiro Paris Garnier 1901
47
preocupaccedilatildeo com as condiccedilotildees de produccedilatildeo e recepccedilatildeo da arte em um paiacutes como o Brasil
Num seacuteculo cientificista Nestor Viacutetor foi o criacutetico que tomou os padrotildees esteacuteticos como
norma de julgamento da produccedilatildeo literaacuteria buscando analisar atraveacutes de um veio
impressionista os elementos intriacutensecos da obra-de-arte Sob essa perspectiva o criacutetico
apontou em Casa de boneca a siacutentese a economia de adornos e o desprezo de Ibsen pelas
ficelles como elementos essenciais de inauguraccedilatildeo de uma nova fase da dramaturgia mundial
Os espectros voltou aos palcos brasileiros na encenaccedilatildeo da companhia de Andreacute
Antoine no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em 14 de julho de 1903 A peccedila jaacute natildeo era
novidade entre noacutes e assim como na primeira representaccedilatildeo de Novelli em 1895 os criacuteticos
limitaram-se a aproximar o drama das teorias cientiacuteficas do atavismo e a reclamar das cenas
deprimentes e cansativas A atuaccedilatildeo de Antoine no papel de Osvaldo mdash diferente do que
ocorrera com Novelli elogiadiacutessimo pela nossa criacutetica mdash sofreu restriccedilotildees por parte de alguns
que a consideraram ldquosobremodo fatiganterdquo fria e modesta dissolvendo a personagem numa
atmosfera nebulosa e incompreensiacutevel Acostumados agraves interpretaccedilotildees melodramaacuteticas ao
exagero na expressatildeo dos sentimentos e aos apelos faacuteceis dos atores agrave plateacuteia muitos criacuteticos
estranharam o modo de representar do ator e encenador francecircs principalmente o tom baixo de
sua voz e os momentos em que ele virava as costas para o puacuteblico Artur Azevedo contraacuterio agraves
experiecircncias naturalistas no teatro foi o grande desafeto de Antoine protagonizando uma
querela com o ator francecircs que se estenderia ateacute o mecircs de outubro daquele ano1
Trecircs anos mais tarde Suzanne Despregraves que fizera parte da troupe de Antoine no Rio
voltou ao Brasil para encenar Casa de boneca no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em agosto de
1906 Eacute importante lembrar que a atriz francesa aleacutem de ter participado de algumas montagens
do Theacuteacirctre Libre tambeacutem fez parte do elenco da primeira representaccedilatildeo simbolista de Solness
o construtor sob a direccedilatildeo de Lugneacute-Poe no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre em 1894 Portanto sua
interpretaccedilatildeo de Nora diferenciava-se das que ateacute aquele momento tinham sido apresentadas ao
puacuteblico brasileiro deixando de lado as teorias de emancipaccedilotildees as teses do atavismo para
enfatizar o eacutetat drsquoacircme que existia por traacutes das accedilotildees da personagem Assim Casa de boneca
passou a ser lida como a expressatildeo da realidade atraveacutes da sugestatildeo simboacutelica e a cena da
tarantela mdash assim como acontecera com a construccedilatildeo do orfanato em Os espectros e a pistola
em Hedda Gabler nas encenaccedilotildees simbolistas mdash passou a ser encarada como a parte
substancial do drama concentrando todo o significado da peccedila em uma uacutenica imagem da accedilatildeo
A Nora de Suzanne Despregraves nessa perspectiva deixava de ser uma figura incomum para se
1 Cf sobre a temporada de Antoine no Rio de Janeiro Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 245-261
48
transformar no siacutembolo de uma mulher atormentada por sua condiccedilatildeo de boneca destituiacuteda do
livre-arbiacutetrio Um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo ao comparar a atuaccedilatildeo de Suzanne Despregraves
com as de Luciacutelia Simotildees e Clara Della Guardia elogiou a naturalidade com que a atriz
francesa compusera a personagem tornando um tipo tatildeo complexo como Nora compreensiacutevel
ao puacuteblico ldquoTanto Luciacutelia Simotildees como Clara Della Guardia as duas Noras que nos foi dado a
ver e ouvir diferentes em detalhes assemelham-se contudo nas suas linhas gerais [] ambas
nos deram uma Nora ridiculamente infantil no primeiro ato e no final do segundo na cena da
tarantela ambas se desconjuntavam numa horripilante danccedila de S Guido [] A Nora que
ontem nos deu Suzanne Despregraves afasta-se por completo desses moldesrdquo1 O desempenho da
atriz francesa foi muito elogiado pelos criacuteticos mas a peccedila continuou a ser censurada sobretudo
pelas cenas desarticuladas e incoerentes
Em 1907 esteve por aqui a Companhia Dramaacutetica Italiana de Gustavo Salvini
encenando Os espectros no Rio e em Satildeo Paulo no mecircs de julho A recepccedilatildeo foi comedida e
no geral os criacuteticos restringiram-se a apresentar o resumo da peccedila e a elogiar Salvini pela
interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving Entretanto o grande acontecimento teatral do ano foi a
temporada de Eleonora Duse nos palcos cariocas e paulistas Empresariada por Lugneacute-Poe e
V Consiglio a atriz veio ao Brasil com um repertoacuterio variado Magda de Sundermann La
Gioconda de DrsquoAnnunzio La signora dalle Camelie e La moglie di Claudio de Dumas
Filho Monna Vanna de Maeterlinck Rosmersholm e Hedda Gabler de Ibsen Fedora de
Sardou e Adriana Lecouvreur de Scribe e Legouveacute Apoacutes a encenaccedilatildeo de Casa de boneca
no Teatro Filodramaacutetico de Milatildeo em 1891 Duse natildeo tinha representado mais nenhum drama
de Ibsen preferindo antes o repertoacuterio italiano de Goldoni e Giacosa e o francecircs de Dumas
Filho e Sardou Somente a partir de 1904 seguindo a tendecircncia do teatro simbolista ela
voltou a Ibsen encenando Hedda Gabler e depois em 1905 Rosmersholm com cenaacuterio de
Gordon Craig Assim a anaacutelise cientiacutefica das personagens cedeu lugar para a do heroacutei
individualista e seus problemas de consciecircncia importando agora explorar no palco a poesia
a paixatildeo e vida interior das figuras ibsenianas
Hedda Gabler e Rosmersholm representadas no Teatro Liacuterico do Rio respectivamente
nos dias 2 e 16 de julho de 1907 eram pela primeira vez levadas agrave cena brasileira2
Rosmersholm segundo o jornalista Briacutecio de Abreu foi a uacuteltima peccedila que a companhia
1 ldquoSantrsquoAnna ndash A representaccedilatildeo de Casa de boneca de Ibsen []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 5 ago 1906 Palcos e Circos p 3 (Sem assinatura) 2 Hedda Gabler tambeacutem foi encenada no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em 20 de julho de 1907 Rosmersholm soacute foi representada no Rio
49
apresentou no Rio seguindo posteriormente para Satildeo Paulo1 Embora a encenaccedilatildeo de
Rosmersholm apareccedila no livro do jornalista carioca e na lista do repertoacuterio da companhia
publicada nos jornais da eacutepoca poucas referecircncias encontramos na imprensa sobre essa peccedila
limitando-se os criacuteticos a traccedilar o resumo da obra e a destacar o desempenho dos atores O
mesmo natildeo aconteceu com Hedda Gabler que tanto no Rio como em Satildeo Paulo provocou
uma efervescecircncia no meio teatral sendo discutida intensamente pelos nossos criacuteticos No Rio
de Janeiro Artur Azevedo declarou a peccedila nebulosa e absurda sobretudo porque apesar de
traacutegica natildeo apresentava ldquouma cena violenta um grito de paixatildeo ou de desesperordquo uma
situaccedilatildeo que pudesse produzir ldquocalafrios e arrepiar os cabelosrdquo dos espectadores Para
Azevedo as maiores estranhezas ficaram por conta dos diaacutelogos travados agrave meia-voz em
cenas consideradas extravagantes como aquela em que Theacutea sabendo do suiciacutedio de
Loevborg em vez de lhe socorrer potildee-se a trabalhar na reconstruccedilatildeo de seu manuscrito2 Em
Satildeo Paulo formou-se uma querela sobre a questatildeo da inacessibilidade de Ibsen agrave plateacuteia
paulistana Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo havia sido um erro a escolha de Hedda
Gabler para estreacuteia da companhia em Satildeo Paulo pois Ibsen ainda era incompreensiacutevel ao
puacuteblico e a empresa teria andado com mais acerto se representasse um drama jaacute conhecido
Para ele era importante que antes da encenaccedilatildeo os espectadores tivessem ouvido uma
conferecircncia explicativa da peccedila como fez Jules Lemaicirctre na representaccedilatildeo de Hedda Gabler
no Theacuteacirctre du Vaudeville em Paris em 1891 Somente assim a companhia teria evitado o
modo frio com que os espectadores receberam o espetaacuteculo aplaudindo-o apenas por mera
cortesia3 Joatildeo Crespo jornalista do Comeacutercio de Satildeo Paulo rebateu esses argumentos
alegando que ldquoas peccedilas de Ibsen obrigam a pensar e natildeo tecircm esses lances de paixatildeo que
levantam uma plateacuteiardquo4 Esse debate entre os criacuteticos drsquoO Estado e do Comeacutercio de Satildeo Paulo
se prolongou por cinco dias consecutivos na imprensa no entanto as questotildees esteacuteticas foram
deixadas de lado prevalecendo apenas os ataques pessoais
A maior parte de nossos criacuteticos teatrais declarava Ibsen ininteligiacutevel e mistificador
acusando aqueles que nutriam qualquer simpatia pelo escritor norueguecircs de snobs que
fingiam gostar de sua obra devido ao seu relativo sucesso em Paris Os criacuteticos mais avessos a
1 Briacutecio de Abreu Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958 p 15 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Passando por alto uma representaccedilatildeo de Fernanda []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 4 jul 1907 Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 626-628 3 ldquoSantrsquoAnna ndash Eleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 21 jul 1907 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 4 Joatildeo Crespo ldquoUm criacutetico teatral de uma folha matutina mostrou-se escandalizado []rdquo Comeacutercio de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 23 jul 1907 Revistinha p 1
50
Ibsen recorriam quase sempre agraves teses do meacutedico huacutengaro Max Nordau para desqualificar
sua obra considerando-a o arqueacutetipo da degeneraccedilatildeo da sociedade Ao publicar
Deacutegeacuteneacuterescence em 1893 Nordau retomou e radicalizou as grandes linhas das teorias de
Cesare Lombroso mdash sobretudo aquela em que o psiquiatra italiano aproximava a genialidade
da loucura mdash para declarar a arte moderna degenerada Frutos de autores semi-loucos essas
obras doentias poderiam segundo Nordau corromper os espiacuteritos dos leitores levando-os agrave
degradaccedilatildeo1 Nietzsche Tolstoacutei Zola e Ibsen entre outros foram considerados autores
ldquodegenerescentesrdquo que por traacutes da maacutescara enganadora de revolucionaacuterios da arte conduziam
pouco a pouco a sociedade agrave deterioraccedilatildeo moral Nessa esteira Alfredo Pujol em sua coluna
ldquoOs meus domingosrdquo drsquoO Estado de S Paulo aleacutem de censurar Ibsen por levar para o palco
ldquoas verdades crueacuteis da vidardquo e ldquoas tristes enfermidades da alma contemporacircneardquo fez questatildeo
de lembrar o diagnoacutestico ldquodos enfermos do hospital de Ibsenrdquo feito por R Geyer disciacutepulo de
Nordau degenerescecircncia mental histeria demecircncia senil deliacuterio crocircnico alcoolismo
melancolia etc2 Para Pujol esse teatro sombrio e doloroso natildeo podia durar muito caso
contraacuterio veriacuteamos ldquoenquanto no palco se representa Ibsen despencarem suicidas das
torrinhas e trocarem-se tiros de revoacutelver nos camarotesrdquo3 Ibsen portanto natildeo devia ser
representado mas somente lido como um escritor de gabinete natildeo de plateacuteia
Por esse tempo Moritz Prozor o ceacutelebre tradutor da obra de Ibsen para o francecircs
vivia em Petroacutepolis (RJ) a cargo de suas funccedilotildees de Ministro da Ruacutessia Durante sua
permanecircncia no Brasil Conde Prozor como passou a ser conhecido entre noacutes foi um
importante divulgador do teatro ibseniano e da esteacutetica simbolista de Lugneacute-Poe e Camille
Mauclair de quem foi profundo admirador Era comum como nos lembra Afonso Celso ver
Prozor nos salotildees brasileiros ldquoreferir-se agrave vida e agrave obra do seu poeta e escritor teatral
preferido a explicar-lhes as intenccedilotildees a filosofia o engenho inovador a salutar accedilatildeo
revolucionaacuteriardquo4 Por certo a amizade que Prozor teve por Nestor Viacutetor e sobretudo por Graccedila
Aranha mdash de quem prefaciou a ediccedilatildeo francesa de Canaatilde mdash influenciou de alguma maneira o
rumo da produccedilatildeo criacutetica e literaacuteria desses dois escritores que se deixaram atrair pelo
simbolismo Aliaacutes foi por intermeacutedio de Prozor que Graccedila Aranha conheceu a obra de Ibsen
a quem viria a dedicar um artigo em A esteacutetica da vida de 1921 Nesse artigo intitulado ldquoA
esteacutetica de uma trageacutediardquo Graccedila Aranha declarava que a forccedila dos dramas ibsenianos natildeo
estava na censura do autor agraves hipocrisias sociais mdash ldquotoda arte inspirada nos problemas sociais
1 Cf Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf R Geyer Eacutetude meacutedico-psychologique sur le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris [sn] 1902 3 Alfredo Pujol ldquoOs meus domingosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo p1 28 jul 1907 4 Afonso Celso ldquoIbsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 28 abr 1928
51
eacute precaacuteriardquo afirmava ele mdash mas no mundo de sonho imagens e poesia que uma vez posto
em accedilatildeo fazia ldquonascer o prodiacutegio de uma misteriosa comunhatildeo esteacuteticardquo Nesse sentido a
beleza em Hedda Gabler ainda segundo Graccedila Aranha encontrava-se no caraacuteter estranho e
fascinante da personagem-tiacutetulo que sendo irremediavelmente incompatiacutevel com a
sociedade a colocara numa situaccedilatildeo insoluacutevel podendo Hedda apenas ser salva pela morte
Para ele a ldquovisatildeo espetacular do mundordquo era o que assegurava agraves peccedilas de Ibsen valor e
universalidade1 Antes desse artigo Graccedila Aranha publicou em 1911 Malasarte peccedila que
tem semelhanccedilas e afinidades com Peer Gynt de Ibsen Ambas apresentam como
protagonista um heroacutei do folclore nacional tanto Peer Gynt como Malasarte vivem numa
esfera de amoralidade destituiacuteda dos conceitos de bem e mal e a mentira eacute o recurso que as
personagens utilizam para ldquoencantarrdquo os outros safando-se assim das encrencas que se metem
ao longo de suas vidas2 Malasarte aleacutem de ser publicada em portuguecircs ganhou uma versatildeo
em francecircs com prefaacutecio de Camille Mauclair A peccedila tambeacutem foi encenada no Theacuteacirctre de
lrsquoOeuvre em fevereiro de 1911 tendo em seu elenco Greta Prozor filha do Conde Prozor
uma das grandes inteacuterpretes de Ibsen na Franccedila
Ainda em 1911 Araripe Jr reuniu em livro nove artigos seus todos publicados no
Jornal do Comeacutercio do Rio entre 1895 e 1909 compondo assim uma monografia dedicada agrave
obra de Ibsen3 No prefaacutecio desse volume intitulado Ibsen Araripe Jr discute seus criteacuterios
literaacuterios reforccedilando sua adesatildeo agraves teorias de Taine ao evolucionismo de Spencer e ao
cientificismo de Eacutemile Hennequin As obras literaacuterias desse modo eram tratadas como
documentos que ao representar a sociedade e a natureza que as produziram podiam revelar a
psicologia de um seacuteculo ou povo Assim em Ibsen Araripe Jr procurou mostrar como o
sentimento da trageacutedia apesar das condiccedilotildees mesoloacutegicas eacutetnicas e momentacircneas
desenvolveu-se em Eacutesquilo e Shakespeare e que caminhos seguiu ateacute chegar ao seacuteculo XIX
quando aparece a dramaturgia de Ibsen Nesse percurso o criacutetico concluiu que a essecircncia da
trageacutedia moderna repousava no ldquocontraste feroz entre a vida subjetiva e a maacutequina do poderrdquo
ressalvando o caraacuteter psicossocial (e jaacute natildeo mais puramente miacutetico) do teatro moderno
Embora para Araripe Jr a obra de Ibsen natildeo fosse ldquooutra coisa senatildeo um magniacutefico capiacutetulo
de criacutetica socialrdquo ela apresentava tatildeo somente o lado ldquosaturninordquo da vida projetando-se numa
esfera espectral Por essa razatildeo suas personagens sobretudo as femininas adquiriram um
1 Graccedila Aranha ldquoA esteacutetica de uma trageacutediardquo A esteacutetica da vida Rio de Janeiro Garnier 1921 p 210-213 2 Cf sobre as semelhanccedilas entre Peer Gynt e Malasarte Joseacute Carlos Garbuglio ldquoDe Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) Revista do Instituto de Estudos Brasileiros Satildeo Paulo USP n 4 p 81-96 1968 3 Tristatildeo de Alencar Araripe Jr Ibsen Porto Lello amp Irmatildeo 1911
52
aspecto ldquomisteriosamente maleacuteficordquo como de ldquoum ente que natildeo parece desse mundordquo De
qualquer modo ainda segundo Araripe Jr a genialidade do dramaturgo estava na capacidade
que ele tinha de ldquoenxergar na vida o que nem todos podem verrdquo encerrando em sua obra ldquoo
comeccedilo da construccedilatildeo ideal da sociedaderdquo marca do sinal dos tempos que despertou o
interesse de alguns franceses como Antoine e Lugneacute-Poe
Nesse periacuteodo de 1895 a 1911 pode-se perceber a formaccedilatildeo cultural de nossos
criacuteticos que com graus diferentes de influecircncia nutriram-se de obras tributaacuterias ora do
evolucionismo e do materialismo corriqueiro de Max Nordau Spencer Haeckel e Comte ora
do idealismo e esteticismo de Eacutedouard Schureacute e Camille Mauclair ora da tendecircncia analiacutetica
de Eacutedouard Rod escritor suiacuteccedilo que como Moritz Prozor foi um dos famosos prefaciadores
das traduccedilotildees francesas das peccedilas de Ibsen No que diz respeito especificamente agrave criacutetica
teatral continuariacuteamos durante algum tempo a utilizar os criteacuterios analiacuteticos de Francisque
Sarcey
53
Um claacutessico imperfeito
Durante a Primeira Guerra as companhias estrangeiras que faziam as vezes de
atualizar nossa cena apresentando-nos os principais autores da vanguarda europeacuteia deixaram
de vir com frequumlecircncia ao Brasil Essa situaccedilatildeo contribuiu ao menos em parte para que os
nossos homens de teatro ficassem totalmente agrave margem da revoluccedilatildeo cecircnica operada por
Stanislavski Gordon Craig e Meyerhold restando-nos apenas ldquoa praacutetica do estrelismordquo
Assim a dramaturgia brasileira voltou-se para os temas nacionais retomando o fio iniciado
por Martins Pena e Franccedila Juacutenior a saacutetira aos costumes de nossa organizaccedilatildeo social e poliacutetica
a exaltaccedilatildeo da terra e da vida no campo em oposiccedilatildeo agrave degeneraccedilatildeo dos haacutebitos citadinos e o
contraste entre a figura do estrangeiro tolo e o brasileiro haacutebil e esperto Nesse gecircnero de
teatro o texto servia apenas como apoio agraves improvisaccedilotildees dos atores assinalando a tendecircncia
aos efeitos faacuteceis que se prolongaria durante as deacutecadas de 1920 e 1930 As peccedilas desse
modo eram escritas sob medida para os atores preferidos pelo puacuteblico que tinham a
possibilidade de projetar suas personalidades no palco A ausecircncia do diretor encarregado de
coordenar o espetaacuteculo numa visatildeo unitaacuteria facilitava ainda mais o improviso dos efeitos
cocircmicos o gosto dos ldquocacosrdquo e o desequiliacutebrio do conjunto contribuindo para colocar sempre
em primeiro plano o ator principal da companhia Muitos desses ldquoastrosrdquo aliaacutes tornaram-se
empresaacuterios teatrais emprestando aos grupos que dirigiam seus nomes de iacutedolos populares
caso das companhias de Leopoldo Froacutees e de Procoacutepio Ferreira Essas comeacutedias de costumes
previam por ordem expressa dos empresaacuterios um cenaacuterio fixo geralmente a sala de visitas de
uma famiacutelia de classe meacutedia por onde desfilavam os tipos habituais o galatilde o pai libertino e
conservador a matildee ingecircnua e dedicada a avoacute resmungona o empregado impertinente etc
Nessas circunstacircncias Ibsen voltaria aos palcos brasileiros somente em setembro de
1915 com a encenaccedilatildeo de Os espectros pela companhia de Gustavo Salvini no Teatro
Cassino Antaacutertica em Satildeo Paulo O ator italiano que jaacute havia apresentado essa peccedila no Rio e
em Satildeo Paulo em 1907 recebeu a mesma ldquoruidosa ovaccedilatildeordquo do puacuteblico e principalmente da
criacutetica que alardeava a perfeita atuaccedilatildeo de Salvini como resultado do longo tempo que ele
passara nos hospitais observando os casos de ataxia locomotora Ibsen embora acolhido com
um pouco mais de simpatia continuava a ser considerado um autor de ideacuteias tristes e
sombrias que fizera do teatro no dizer de um criacutetico do Correio Paulistano ldquoum museu de
54
anatomiardquo1 Aleacutem de Novelli e Salvini Ermete Zacconi foi outro ator italiano que se tornou
ceacutelebre na interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving de Os espectros apresentando-se no Teatro
Municipal de Satildeo Paulo em janeiro de 1924 Desde 1892 quando entatildeo estreara no Teatro
Manzoni de Milatildeo sob as orientaccedilotildees de Enrico Polese Zacconi vinha interpretando essa
personagem Apesar das renovaccedilotildees levadas agraves cenas europeacuteias por Stanislavski Craig
Meyerhold Appia Max Reinhardt e Copeau as representaccedilotildees de Zacconi seguiam ainda a
foacutermula de Polese O texto ibseniano ajustado ao gosto do puacuteblico tornava-se mero apoio
para que a figura de Zacconi sobressaiacutesse ao restante do elenco da companhia que aliaacutes era
formada por membros de sua famiacutelia A uacuteltima cena da peccedila em que Osvaldo Alving tem um
acesso de loucura exclamando ldquoIl sole Il solerdquo foi considerada pela imprensa o ponto alto
do drama Em cenas como essa Zacconi tinha a chance de mostrar ao puacuteblico as suas
qualidades de ator dramaacutetico exibindo no palco as nuanccedilas da enfermidade de Osvaldo Os
criacuteticos acostumados ao individualismo artiacutestico de nossos atores que muitas vezes
colocavam seus exibicionismos acima da ficccedilatildeo elogiaram muito o desempenho de Zacconi
ldquoComo se estiveacutessemos diante de um doente autecircntico faz mal agrave gente ver em cena o pobre
Osvaldo com as matildeos trecircmulas o andar trocircpego a liacutengua jaacute baralhada a cada instante
trocando siacutelabas e esquecendo dos nomes mais familiares Zacconi eacute tatildeo magistral nessa
personagem e impressiona tanto que a sala inteira parecia dominada como hipnotizada pela
sua arterdquo2 O sucesso da temporada de Zacconi foi um dos maiores jaacute vistos em Satildeo Paulo
com o proacuteprio Leopoldo Froacutees saudando-o de modo pomposo em cena aberta ldquoEacutes o sol eu
sou o vaga-lumerdquo
Em 1928 comemorou-se no mundo inteiro o centenaacuterio de Ibsen Nessa ocasiatildeo os
principais jornais brasileiros trouxeram mateacuterias que tentavam explicar a trajetoacuteria e as ideacuteias
do autor A essa altura o dramaturgo norueguecircs jaacute era considerado um claacutessico da literatura
dramaacutetica moderna sendo comumente comparado a Soacutefocles e a Shakespeare No Brasil com
alcance e graus de refinamento diversos Ibsen tambeacutem passou a ser reconhecido como um
ldquoespiacuterito originalrdquo responsaacutevel por introduzir novas situaccedilotildees no palco animando o teatro
com suas extraordinaacuterias personagens Natildeo se pode dizer no entanto que o dramaturgo
tornara-se um autor estimado de nossos criacuteticos muito menos popular jaacute que havia uma
concordacircncia generalizada de que sua obra de temas obscuros e de teatralidade inconsistente
podia alcanccedilar apenas uma parte do puacuteblico o de rigorosa formaccedilatildeo literaacuteria Supeacuterflua entatildeo
1 ldquoCassino Antaacutertica ndash A companhia dramaacutetica italiana []rdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 4 set 1915 Teatros e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura)
55
tornava-se a anaacutelise de suas peccedilas que apesar de continuarem a ser representadas nas cenas
mais autorizadas do mundo com enorme sucesso natildeo provocavam mais controveacutersias Para a
maioria de nossos criacuteticos o ecircxito de Ibsen como um artista de gecircnio era inquestionaacutevel no
entanto seu estilo insoacutelito era deacutemodeacute Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo passada a
curiosidade ningueacutem mais interessava-se pelas excentricidades de suas personagens pois elas
eram ldquode fato de outro meio de uma sociedade bem diversa provavelmente da nossa com
ideacuteias e costumes feitos segundo outra tradiccedilatildeordquo1 O mesmo acontecia com sua teacutecnica
dramatuacutergica que embora tivesse produzido uma consideraacutevel renovaccedilatildeo no gecircnero literaacuterio
natildeo apresentava segundo o jornalista Fleacutexa Ribeiro a ldquodramaticidade cecircnica necessaacuteria para
impressionar os auditoacuterios mais ou menos distraiacutedos e que vivem ainda soacute pelo sentimentordquo2
As figuras ibsenianas outrora tatildeo polecircmicas a ponto de muitos terem considerado
Ibsen um criador de monstros passaram a ser vistas com menos antipatia Para Fleacutexa Ribeiro
o aspecto mais marcante da obra de Ibsen era a ldquofecundidade da vida interiorrdquo de suas
personagens e o conceito de obscuridade habitualmente atribuiacutedo ao seu teatro era causado
sobretudo pela dupla personalidade de suas figuras dramaacuteticas Ibsen sendo um gecircnio
analiacutetico criara ldquouma seacuterie maravilhosa de realidades interioresrdquo onde atuavam ainda
segundo Fleacutexa Ribeiro ldquopersonagens invisiacuteveisrdquo que soacute poderiam ser explicadas pelo estudo
da psicologia Ribeiro talvez tenha sido um dos primeiros criacuteticos a aventar a possibilidade de
se analisar um obra de ficccedilatildeo pelo vieacutes psicanaliacutetico ldquoQuando um dia se conhecer melhor a
psicologia todo esse vasto domiacutenio do inconsciente e se tiver fixado as leis gerais que regem
os estranhos fenocircmenos do subconsciente (pois que ambos se aproximam mas satildeo bem
diferenciados) verificaremos o quanto a atuaccedilatildeo do invisiacutevel do desapercebido eacute profunda
duradoura e inquietanterdquo3 Outro criacutetico que admirava o eacutetat drsquoacircme das personagens
ibsenianas era Camille Mauclair um dos precursores do teatro simbolista francecircs que teve
uma conferecircncia sua traduzida e publicada nrsquoO Paiacutes em 25 de marccedilo de 1928 Em ldquoAgrave
memoacuteria de Ibsenrdquo Mauclair falou num primeiro momento de sua trajetoacuteria artiacutestica e de
como Ibsen entrara nas cogitaccedilotildees do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre apresentando um balanccedilo das
montagens realizadas pela sua companhia Num segundo momento o criacutetico francecircs tratou de
avaliar a obra do norueguecircs na eacutepoca presente Todas as ideacuteias sociais a que Ibsen dava
especial apreccedilo como a liberdade por exemplo pareciam-lhe ldquoavelhentadasrdquo e indiferentes
restando apenas ldquoos elementos da consciecircncia e da vida interiorrdquo para ele traccedilos originais do
1 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 2 Fleacutexa Ribeiro ldquoNo centenaacuterio de Ibsenrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo p 3 18 mar 1928 3 Id ldquoIbsen e o subconscienterdquo O Paiacutes Rio de Janeiro p 3 2 abr 1928
56
autor Eacute nesse sentido que segundo Mauclair Casa de boneca ldquomalgrado o seu desfecho
alegoacuterico e mal explicadordquo continuava a despertar o interesse de artistas de prestiacutegio
sobretudo de atrizes que se sentiam atraiacutedas pela personalidade de Nora A mesma coisa
acontecia com Os espectros uma das peccedilas segundo ele mais perfeitas de Ibsen que podia
ldquosuportar o confronto com as grandes criaccedilotildees gregasrdquo
Se por um lado o teatro de Ibsen ainda sofria censura por ser considerado pouco
dramaacutetico parecendo mais um ldquoromance dialogadordquo por outro havia quem enxergasse
justamente nessa reserva o desenvolvimento do teatro moderno Era o caso de Antonio de
Alcacircntara Machado que no ensaio ldquoHenrik Ibsenrdquo publicado no Diaacuterio Nacional de Satildeo
Paulo em 2 de abril de 1928 procurou explicar a teacutecnica dramatuacutergica do autor Com esse
texto escrito sob o pseudocircnimo de J J de Saacute Alcacircntara Machado deu novo alento agrave criacutetica
teatral brasileira Primeiro porque sua reflexatildeo voltava-se para o estudo da forma dramaacutetica de
Ibsen assunto nunca antes tratado na imprensa segundo porque a maneira de escrita de seu
ensaio subvertia a rigidez da estrutura dos artigos que normalmente obedeciam a um mesmo
molde resumo da obra (interesse mais pelo enredo do que pela teacutecnica) e comentaacuterios sobre o
desempenho dos atores e sobre o comportamento da plateacuteia Seus escritos passaram a
incorporar em sua fatura os elementos proacuteximos ao historicismo das formas teatrais e os
criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila comeccedilaram a ser vistos sob a perspectiva da crise do drama
do repuacutedio agrave carpintaria teatral de efeito e da insuficiecircncia da forma dramaacutetica brasileira
Assim Alcacircntara Machado antecipa alguns dos pressupostos que soacute em 1956 seriam
formulados por Peter Szondi na Teoria do drama moderno a contradiccedilatildeo entre a velha forma
do drama burguecircs e os novos conteuacutedos que ela natildeo tem como assimilar1 De maneira ainda
sutil sem entrar na interpretaccedilatildeo social da forma Alcacircntara Machado discute a crise do
gecircnero dramaacutetico em Ibsen e a impossibilidade moderna do drama dando um primeiro passo
para romper o ciclo de atraso de nossa criacutetica teatral que continuava trabalhando com os
mesmos meacutetodos de anaacutelise do final do seacuteculo XIX O ensaio encerra um caraacuteter pedagoacutegico
pelo modo como o criacutetico esclarece a nova realidade da accedilatildeo e das personagens em Ibsen
trazendo uma importante contribuiccedilatildeo pela maneira como aponta os caminhos que deviam
trilhar o teatro brasileiro a busca por formas dramaacuteticas anti-burguesas
O que salta aos olhos na primeira leitura do texto de Alcacircntara Machado eacute o abandono
da velha discussatildeo em torno das peccedilas da primeira fase de Ibsen interessando-se apenas pelos
dramas que apontam para a desestruturaccedilatildeo do ato teatral NrsquoA comeacutedia do amor o criacutetico
1 Cf Peter Szondi ldquoA crise do drama Ibsenrdquo Teoria do Drama Moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 p 37-46
57
assinala o desembaraccedilo da accedilatildeo e o interesse do dramaturgo pelas questotildees de seu tempo A
partir de Os pilares da sociedade ele assinala a influecircncia decisiva de Ibsen no
desenvolvimento de uma nova realidade da accedilatildeo dramaacutetica o interesse do autor norueguecircs
pelo passado das personagens como forma de ampliar o mundo aleacutem do diaacutelogo
interindividual agrave semelhanccedila do que ocorria no romance Nada daquela ldquohistoacuteria arranjadinha
que tem que comeccedilar no primeiro ato atingir o seu maior grau de intensidade no segundo e
acabar de qualquer maneira no terceirordquo A obra ibseniana abandonava de vez os cacoetes
romacircnticos os versos e as situaccedilotildees apoteoacuteticas subvertendo tudo e alcanccedilando a dramaturgia
de outros paiacuteses Nessa esteira Alcacircntara Machado descreve um panorama da recepccedilatildeo de
Ibsen na Europa sem deixar de inferir uma criacutetica cortante agraves teorias francesas responsaacuteveis
pela resistecircncia de intelectuais artistas e plateacuteia ao teatro do dramaturgo norueguecircs ldquoo mau
teatro francecircs portanto assimilava e igualava o teatro europeu entatildeo sinocircnimo de universalrdquo
Em Catilina o criacutetico identifica o cerne da constituiccedilatildeo de todas as personagens
ibsenianas o que ele denomina de figura do heroacutei falhado1 tipos ambiacuteguos de moral
duvidosa que se vecircem em contradiccedilatildeo entre a vontade e o ato Essas figuras para Alcacircntara
Machado movem-se de acordo com os interesses da burguesia e num dado momento satildeo
coagidas a enfrentar seu passado de devassidatildeo e baixeza Portanto elas nada tecircm de
anormais degeneradas e incoerentes estando suas accedilotildees condicionadas agrave realidade social a
que estatildeo inseridas Os espectadores nunca as conheceratildeo em sua integridade natildeo sendo
possiacutevel portanto tomar partido contra ou a favor de nenhuma delas Ainda segundo criacutetico a
tentativa de conhececirc-las na maioria das vezes leva a uma ldquoseacuterie de indagaccedilotildees freudianasrdquo
que privilegiam mais o estudo do gesto do mecanismo interior que prepara essa ou aquela
atitude da personagem em detrimento da reflexatildeo sobre as relaccedilotildees sociais que se
estabelecem entre elas As anaacutelises de Alcacircntara Machado atentas aos modelos de renovaccedilatildeo
estrangeira incorporavam uma dimensatildeo criacutetica avanccedilada indicando uma clareza cada vez
maior sobre o processo de superaccedilatildeo histoacuterica da forma dramaacutetica O criacutetico haacute muito jaacute havia
compreendido que a forma teatral para representar o mundo da crise da ordem burguesa
precisava lanccedilar matildeo de temporalidades muacuteltiplas diferente daquele tipo de organizaccedilatildeo em
que tudo tem que acabar no terceiro ato Ele percebeu que era necessaacuterio expandir o espaccedilo-
tempo das personagens para aleacutem do presente da accedilatildeo introduzindo os elementos eacutepicos nas
representaccedilotildees
1 Cf sobre este e outros aspectos da criacutetica de Alcacircntara Machado Seacutergio de Carvalho O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
58
Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen
Na deacutecada de 1930 pouco haacute para assinalar de novo nos campos da dramaturgia e da
atualizaccedilatildeo cecircnica apenas algumas tentativas de renovaccedilatildeo iniciadas ainda nos anos 1920
pela Companhia Brasileira de Comeacutedia de Oduvaldo Viana pelo teatro social de Jaime Costa
e pelo Teatro de Brinquedo de Aacutelvaro e Eugecircnia Moreira Estes a propoacutesito foram os
responsaacuteveis pela primeira produccedilatildeo brasileira de uma peccedila de Ibsen Hedda Gabler
encenada no Teatro Regina do Rio de Janeiro em 1937 Infelizmente quase nenhuma
informaccedilatildeo temos sobre esse espetaacuteculo salvo o registro de Gustavo Doacuteria em seu Moderno
teatro brasileiro ldquoAproveitando um grupo de atores afastados do palco Eugecircnia organizou
sob os auspiacutecios da Casa dos Artistas um conjunto que percorreu os subuacuterbios apresentando-
se em circos pavilhotildees cine-teatros e clubes com um repertoacuterio que abrangia Matildee de Joseacute
Alencar O noviccedilo de Martins Pena Hedda Gabler de Ibsen []rdquo1
Em setembro de 1938 Ermete Zacconi voltou a apresentar Os espectros no Teatro
Municipal de Satildeo Paulo A montagem centralizada no fatalismo da doenccedila de Osvaldo
Alving mesmo depois de ultrapassadas as teorias da hereditariedade pareceu aos nossos
criacuteticos inconsistente e fantasmagoacuterica Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo pouco
impressionava ldquoa parte mais esclarecida do puacuteblicordquo o caso do artista condenado agrave loucura
parecendo-lhe mais loacutegica e natural a figura de Helena ldquoa matildee sofredora cheio de recalcados
temoresrdquo2 Assim o sucesso do espetaacuteculo ficou por conta de Zacconi que salvo ligeiras
modificaccedilotildees apresentou a mesma imagem os mesmos gestos e inflexotildees que o puacuteblico tinha
aprendido a admirar desde a primeira interpretaccedilatildeo que o ator fizera dessa personagem em
Satildeo Paulo quatorze anos atraacutes Tanto era assim que para os espectadores dessa encenaccedilatildeo de
1938 foi natural ver o ator aos 81 anos subir ao palco para interpretar o jovem pintor viacutetima
da tara paterna
Em 1939 ano em que Otto Maria Carpeaux chegou ao Brasil a obra de Ibsen era
considerada anecircmica feita de uma teacutecnica artificial e antiquada de intrigas elementarmente
mecacircnicas e assuntos superados textos mortos enfim que visavam mais agrave leitura que agrave
representaccedilatildeo Nesse ambiente contraacuterio a qualquer experiecircncia que natildeo fosse selecionada e
filtrada pela influecircncia e visatildeo francesas Carpeaux tornou-se um espiacuterito renovador
mostrando pontos de vista diferentes dos que reinavam aqui seja ao revelar escritores pouco
1 Gustavo A Doacuteria ldquoDez anos de permeiordquo Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975 p 39 2 O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 2 set 1938 Palcos e Circos p 4 (Sem assinatura)
59
conhecidos como Kafka Vico Croce Dilthey Max Weber seja ao reconsiderar outros caso
de Ibsen que natildeo tiveram suas obras devidamente analisadas Dessa maneira em 1942
Carpeaux publicou ldquoDefesa de Ibsenrdquo o primeiro de uma seacuterie de artigos em que procurou
resgatar os aspectos de atualidade do teatro ibseniano Nesse texto jaacute encontramos as ideacuteias
que dois anos mais tarde seriam desenvolvidas minuciosamente no ldquoEnsaio sobre Henrik
Ibsenrdquo o estudo mais conhecido de Carpeaux sobre o dramaturgo escrito a propoacutesito da
traduccedilatildeo para o portuguecircs de seis de suas peccedilas1 Entre os anos de 1940 e 1970 Carpeaux fez
conferecircncias escreveu artigos ensaios tornando-se a criacutetica mais avanccedilada e a autoridade
maacutexima dos estudos ibsenianos no Brasil a ponto de quase todas as montagens realizadas
nesse periacuteodo trazer em seus programas textos comentaacuterios ou qualquer citaccedilatildeo do criacutetico
O primeiro problema que Carpeaux identificou na resistecircncia da criacutetica brasileira agrave
obra de Ibsen era a forma de ver seus dramas sempre encerrados na estreiteza do teatro
realista e nas preocupaccedilotildees da burguesia do fim do seacuteculo XIX Para Carpeaux os assuntos de
Ibsen natildeo podiam ter envelhecidos como diziam os nossos criacuteticos porque simplesmente
nunca existiram em suas peccedilas Ler Os espectros como uma trageacutedia da hereditariedade e
tomar a cataacutestrofe de Osvaldo como a mateacuteria essencial do drama era segundo Carpeaux um
erro ldquoo heroacutei da peccedila natildeo eacute Osvaldo eacute sua devota matildee Helena que arruinou o filho natildeo
querendo abandonar o marido corrompidordquo2 A mesma coisa acontecia com Os pilares da
sociedade cujo assunto natildeo era a podridatildeo moral de um burguecircs respeitado e sim o medo que
cada indiviacuteduo tem do seu passado Em Um inimigo do povo a forccedila natildeo estava na derrota e
sim na vitoacuteria da democracia E em Casa de boneca a mateacuteria natildeo era a emancipaccedilatildeo
feminina pois para o criacutetico as mulheres jaacute haviam conquistado todos os direitos civis
poliacuteticos e sociais A tese essencial era a dificuldade e a necessidade de cada um assumir a
responsabilidade pelos seus atos De fato as reflexotildees de Carpeaux deram novo acircnimo para as
discussotildees de Ibsen no Brasil No entanto suas anaacutelises desenvolvidas a partir de
consideraccedilotildees de ordem moral e religiosa oriundas de uma visatildeo catoacutelica do mundo
minimizaram as reivindicaccedilotildees sociais das peccedilas valorizando apenas ldquoo destino do homem
individual e humanordquo Por isso para ele a condiccedilatildeo feminina em Casa de boneca era um
assunto obsoleto servindo apenas para expor a personagem agrave prova natildeo tendo Nora portanto
ldquoo direito de reivindicar no palco os direitos da mulher porque a mulher do nosso tempo jaacute
1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 31-65 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 149-161 p 158
60
tem todos os direitosrdquo1 Eacute assim que sob essa vertente religiosa Carpeaux ldquoesquecia-serdquo
entre outras coisas de que apesar da constituiccedilatildeo de 1934 ter regularizado a entrada das
mulheres no mercado de trabalho elas continuavam a receber menos que os homens que o
direito de abrir contas fazer cesarianas e viajar sem a permissatildeo do marido soacute estabelecido
em 1962 ainda estava longe de ser conquistado assim como o divoacutercio que soacute viria a ser
reconhecido no Brasil em 1977
A atualidade de Ibsen para Carpeaux estava no fato do dramaturgo ter descoberto o
modo de reintroduzir a proacutepria noccedilatildeo de destino e de fatalidade mdash conceito essencial da
trageacutedia mdash no teatro moderno Assim para a compreensatildeo dos problemas de Ibsen natildeo
importava tanto considerar a escolha de seus assuntos mas sim a maneira como ele os tratava
Apenas por esse caminho chegava-se ao fundamento do teatro do autor norueguecircs e agrave unidade
interior de toda a sua obra ldquoo combate agrave mentira e a preocupaccedilatildeo da salvaccedilatildeo da alma
humanardquo2 A partir de um vieacutes ldquotraacutegico cristatildeordquo3 em que o conceito de trageacutedia transformava-
se em criteacuterio de valor Carpeaux colocou no centro de discussatildeo dos dramas ibsenianos o
dogma do pecado original Por essa razatildeo os heroacuteis de Ibsen estavam condenados a responder
pelos erros cometidos no passado ldquoO destino das suas personagens eacute determinado
inexoravelmente pelas forccedilas do seu passado pela lembranccedila inextinguiacutevel e vingadora de
crimes perpetrados ou tencionados em eacutepocas anteriores da sua vida Ibsen escreveu
propriamente trageacutedias lsquohistoacutericasrsquo embora representadas em roupagens modernas Natildeo
acredita na possibilidade de fugir por meio de conversotildees morais ao determinismo da
histoacuteriardquo4
Assim como na trageacutedia grega as personagens ibsenianas estavam fadadas a se opor agrave
ordem moral do mundo A natureza exata das forccedilas em confronto era a necessidade do
homem agir contra as leis do Estado e suportar a responsabilidade dos seus atos com todas as
suas consequumlecircncias Dessa forma em Ibsen o traacutegico apresentava-se como uma fatalidade
livremente aceita pelo heroacutei que mesmo sabendo que poderia selar a sua proacutepria perda ao dar
iniacutecio ao combate manifestava o desejo de lutar pela sua liberdade Por isso Nora tinha de
abandonar seu lar Helena Alving tinha que largar o marido e Dr Stockmann tinha que
1 Otto Maria Carpeaux ldquoAos atores brasileirosrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 1 abr 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 154 (Grifo meu) 3 Cf sobre esse aspecto e outros do meacutetodo criacutetico de Carpeaux Mauro de Souza Ventura Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 4 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 63
61
denunciar a presenccedila de microacutebios nas aacuteguas minerais A contradiccedilatildeo entre as leis do
indiviacuteduo e da sociedade constituiacuteam segundo Carpeaux o conflito traacutegico que conferia agraves
peccedilas de Ibsen ldquoo assunto do gecircnero da Trageacutediardquo1 Do mesmo modo a necessidade inelutaacutevel
de assumir a falta cometida levava o heroacutei ibseniano assim como na trageacutedia a expiar os seus
pecados ateacute o fim Caso por exemplo de Helena Alving que escrava das convenccedilotildees sociais
natildeo abandonou o marido levando o filho agrave loucura Portanto a esse sentimento do traacutegico se
associava em Carpeaux a visatildeo pessimista da natureza humana segundo a qual somente por
meio da aceitaccedilatildeo do castigo pelo erro cometido no passado o homem poderia alcanccedilar a
remissatildeo e recobrar a sua liberdade ldquoNo foacuterum iacutentimo da alma descobre Ibsen a possibilidade
de salvaccedilatildeo aquela ldquomudanccedila de vidardquo que no Evangelho se chama lsquometanoeitersquo Eis o
sentido iacutentimo da fase ldquoneo-romacircnticardquo Lille Eyolf eacute a peccedila ldquoTolstoacuteianardquo da conversatildeo John
Gabriel Borkman eacute a trageacutedia da purificaccedilatildeo Naar vi Doede Vaagner [Quando noacutes os mortos
despertarmos] eacute a trageacutedia da ldquoressurreiccedilatildeordquo na morte do indiviacuteduordquo2
A partir da deacutecada de 1960 periacuteodo de instauraccedilatildeo do regime militar e da censura das
produccedilotildees artiacutesticas Carpeaux deixou um pouco de lado a visatildeo conservadora do catolicismo
passando a assumir pontos de vista poliacuteticos na apreciaccedilatildeo da literatura Assim o interesse
pela ldquosalvaccedilatildeo da almardquo em Ibsen foi substituiacutedo pelos problemas sociais Atesta-o um artigo
de 1962 onde o criacutetico apontou o disparate de se pensar resolvidos os problemas ibsenianos
ldquoEacute preciso ter muito boa consciecircncia e muita audaacutecia para achar lsquoantiquadosrsquo os negocistas
em As colunas da sociedade e a corrupccedilatildeo administrativa e o jornal venal em Um inimigo do
povordquo3 Nesse mesmo artigo Carpeaux tomou como o aspecto mais marcante da modernidade
de Ibsen a sua teacutecnica dramatuacutergica que assim como a de Brecht refutava o teatro
ilusioniacutestico levando o puacuteblico a participar dos acontecimentos no palco Em outro texto
publicado no programa do espetaacuteculo Casa de boneca da Companhia Tocircnia-Celi-Autran em
1973 o criacutetico denunciou o cerceamento da liberdade e a necessidade dos indiviacuteduos terem
consciecircncia dessa situaccedilatildeo Em chave irocircnica Carpeaux criticou o arbiacutetrio e o autoritarismo
que tomavam conta do paiacutes ldquoPois em nosso tempo atual e atualiacutessimo natildeo acontece mdash como
todo mundo sabe mdash que um empresaacuterio rico e respeitoso como lsquocoluna de sociedadersquo eacute na
realidade um escroque tampouco acontece em nosso tempo de plenitude da democracia que
um homem eacute perseguido como lsquoinimigo do povorsquo porque denuncia uma corrupccedilatildeo
1 Otto Maria Carpeaux ldquoPresenccedila de Ibsenrdquo Teatro brasileiro Satildeo Paulo Jaraguaacute n 7 p 2-3 maio-jun 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 64 3 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Acontece embora raramente []rdquoO Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 abr 1962 Suplemento Literaacuterio n 278 p 1
62
aproveitada pelos bem-pensantesrdquo1 Casa de boneca desse modo foi vista por Carpeaux
como a alegoria da luta dos homens pela liberdade e o gesto corajoso de Nora na uacuteltima cena
da peccedila como o expediente necessaacuterio para a transformaccedilatildeo da sociedade moderna que
tratava a todos homens e mulheres como bonecas
Sem duacutevida Carpeaux teve um papel importante como animador da volta de Ibsen aos
palcos brasileiros e como divulgador de sua obra entre noacutes No entanto sua concepccedilatildeo traacutegica
das peccedilas ibsenianas filtrada pela oacutetica do catolicismo progressista deu ensejo a uma seacuterie de
conjecturas que pouco ou quase nada de novo acrescentaram agrave anaacutelise do teatro de Ibsen Ao
contraacuterio ao aproximar a obra do norueguecircs da trageacutedia grega concentrando-se sobretudo na
figura do heroacutei ibseniano concebido como um indiviacuteduo isolado que sofre seu destino mdash seja
resignando-se agrave morte seja submetendo-se a um incessante exame de consciecircncia para expiar
seus pecados mdash Carpeaux perdeu de vista a dimensatildeo social das peccedilas transformando a obra
do autor em uma trageacutedia de moral cristatilde cujo uacutenico interesse estava na redenccedilatildeo da alma
humana Eacute assim que o criacutetico declarando obsoletos temas como o feminismo em Casa de
boneca a cobiccedila de Helena pelo dinheiro do Capitatildeo Alving em Os espectros a corrupccedilatildeo em
Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em John Gabriel Borkman etc acabou por
minimizar a criacutetica do dramaturgo agraves instituiccedilotildees e agraves convenccedilotildees limitadoras da sociedade
moderna Por conseguinte a maioria dos criacuteticos e artistas seguiram-lhe o caminho
preocupando-se quase que exclusivamente em estabelecer o que era novo na obra de Ibsen
Nesses casos normalmente o novo incidia no dilaceramento interior das personagens
substituindo-se a fatalidade religiosa de outrora pelo determinismo psicoloacutegico que
condenava os heroacuteis ibsenianos a viver com seus ldquodemocircnios interioresrdquo
1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoNossa Casa de bonecasrdquo Programa de Casa de bonecas direccedilatildeo de Cecil Thireacute Satildeo Paulo 1973
63
Entre o teatro amador e o profissional
A partir da deacutecada de 1940 sobretudo por causa das dificuldades de transporte
mariacutetimo durante a Segunda Guerra nossas editoras comeccedilaram a publicar obras estrangeiras
que em condiccedilotildees normais seriam importadas na liacutengua de origem ou em versotildees francesas
e inglesas no caso de autores como Ibsen Nietzsche Dostoieacutevski Tolstoacutei Puacutechkin entre
outros Mesmo num tempo de grande importaccedilatildeo de livros entre 1880 e 1910 era
praticamente impossiacutevel de se obter aqui um exemplar portuguecircs das peccedilas de Ibsen pois a
ediccedilatildeo e a representaccedilatildeo da obra do norueguecircs em Portugal era tatildeo diminuta quanto
episoacutedica1 Soacute em 1942 apareceram Casa de boneca e Os espectros traduzidos e prefaciados
por Joseacute Peacuterez para a Ediccedilotildees Cultura de Satildeo Paulo E dois anos mais tarde graccedilas agrave
influecircncia de Eacuterico Veriacutessimo entatildeo consultor editorial da Livraria Globo veio a puacuteblico a
ediccedilatildeo de Seis dramas coletacircnea traduzida por Vidal de Oliveira Esse livro composto de
peccedilas desconhecidas da maioria dos leitores brasileiros mdash Um inimigo do povo O pato
selvagem Rosmersholm A dama do mar Solness o construtor e Quando noacutes os mortos
despertarmos mdash trazia ainda um ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo de Otto Maria Carpeaux e um
prefaacutecio de Moritz Prozor para cada uma das peccedilas Nos anos 1950 tambeacutem apareceram
novas ediccedilotildees de Casa de boneca e Os espectros traduzidos por Alfredo Ferreira e A dama
do mar traduzida por Dea Caminha ambas pela Editora Vecchi do Rio de Janeiro Apesar
dessas iniciativas o niacutevel das traduccedilotildees brasileiras era muito baixo No caso de Ibsen os
tradutores partiam sempre do francecircs e deliberadamente evitavam a linguagem indelicada
amenizavam as ambiguumlidades das frases e utilizavam uma escrita excessivamente literaacuteria
nada coloquial
Ainda assim as traduccedilotildees serviram para os grupos de teatro amador trazerem Ibsen
novamente aos palcos brasileiros Para figuras como Aacutelvaro Moreira Renato Viana e
Paschoal Carlos Magno havia uma necessidade premente de colocar nosso teatro em peacute de
igualdade com o que se fazia nas grandes capitais da Europa Para isso natildeo bastava romper
com o passado e negar as tradiccedilotildees artiacutesticas da cena nacional muito menos encontrar o autor
brasileiro que refletisse os anseios da meacutedia sociedade burguesa Antes de mais nada era
imprescindiacutevel apresentar textos de melhor qualidade e espetaacuteculos mais bem cuidados
1 Consta desta pesquisa que circularam no Brasil as seguintes traduccedilotildees portuguesas Hedda Gabler Traduccedilatildeo de Freire Andrade [19--] Pilares da comunidade Traduccedilatildeo de Mario Delgado 1964 ambas da Editora Presenccedila de Lisboa Uma casa de bonecas dramas em trecircs atos Traduccedilatildeo de Emiacutelia de Arauacutejo Lisboa Guimaratildees 1916 e Os espectros Traduccedilatildeo de Joaquim Leone Soutello Lisboa Livraria Popular de Francisco Franco [19--]
64
seguindo principalmente os passos do modelo estrangeiro Assim para a modernizaccedilatildeo do
teatro brasileiro nossos artistas apoiaram-se quase que exclusivamente nas teorias de Jacques
Copeau embora conhecessem e acompanhassem com graus diversos de atenccedilatildeo as revoluccedilotildees
operadas por Antoine Stanislavski e Meyerhold Para as diferentes tendecircncias de renovaccedilatildeo
como a de Renato Viana e Alfredo Mesquita ou a de Aacutelvaro Moreira e Paschoal Carlos
Magno o mestre francecircs era o exemplo da nova arte e da nova eacutetica Nessa esteira os
espetaacuteculos deviam primar pela teatralidade Ao contraacuterio do significado original entre noacutes
isso queria dizer que no plano da interpretaccedilatildeo era imperativo a identificaccedilatildeo entre ator e
personagem e na relaccedilatildeo palco e plateacuteia era necessaacuterio provocar a empatia e a ilusatildeo da
realidade Isso soacute era possiacutevel atraveacutes do respeito ao texto isto eacute da busca do enriquecimento
da linguagem teatral da inspiraccedilatildeo poeacutetica e sobretudo da elevaccedilatildeo dos direitos espirituais
sobre os materiais Em outras palavras era inaceitaacutevel e de peacutessimo mau gosto a abordagem
naturalista do teatro e seus assuntos comezinhos problemas familiares adulteacuterio corrupccedilatildeo
hipocrisia reivindicaccedilotildees poliacuteticas etc Justamente dentro dessa perspectiva Ibsen foi
restituiacutedo ao contexto do teatro brasileiro Seguindo a mesma loacutegica de Carpeaux os dramas
ibsenianos deviam ser representados porque se igualavam em intensidade em profundeza e
em perfeiccedilatildeo cecircnica agraves grandes criaccedilotildees gregas A sua obra com as devidas exceccedilotildees natildeo
seria mais encenada pela oacutetica do cientificismo tampouco pelo vieacutes social mas pela
dramatizaccedilatildeo do destino do indiviacuteduo fadado a pagar pelos erros cometidos no passado
Assim o dramaturgo passou a ser visto pelo avesso ao tornar-se responsaacutevel pelo resgate da
accedilatildeo dramaacutetica mdash aquela motivada exclusivamente pelo psicoloacutegico mdash que expotildee no palco
somente a realidade interior das personagens
De qualquer forma os grupos do teatro amador colocaram o dramaturgo novamente na
ordem do dia Aleacutem das encenaccedilotildees jaacute conhecidas de Casa de boneca e Os espectros eles
trouxeram para o palco peccedilas nunca antes representadas na cena nacional como Um inimigo
do povo Quando noacutes os mortos despertarmos e John Gabriel Borkman Graccedilas agraves campanhas
artiacutesticas de Renato Viana que percorriam os estados do Norte e Nordeste do paiacutes e aos
festivais estudantis promovidos por Paschoal Carlos Magno as encenaccedilotildees da obra de Ibsen
natildeo ficaram mais restritas somente ao eixo Rio-Satildeo Paulo Aleacutem disso os espetaacuteculos
ganharam em qualidade o sotaque lusitano foi substituiacutedo pela prosoacutedia brasileira o ponto
que encerrado na caixinha do proscecircnio soprava o texto para os atores foi eliminado a
cenografia e a iluminaccedilatildeo ganharam importacircncia como linguagem cecircnica a figura do diretor
teatral indispensaacutevel para dar unidade de pensamento ao espetaacuteculo foi estabelecida Para
essas mudanccedilas contribuiacuteram os estrangeiros exilados de guerra que para caacute vieram trazendo
65
em suas bagagens experiecircncias teatrais de seus paiacuteses de origem Entre eles os poloneses
Ziembinski e Jorge Kossowsky o alematildeo Hoffmann Harnish o russo Zigmunt Turkov o
italiano Ruggero Jacobbi e o ator francecircs Louis Jouvet A atriz francesa Henriette Morineau
embora natildeo tenha participado diretamente da renovaccedilatildeo teatral influiu consideravelmente na
formaccedilatildeo dos novos atores ensinando-lhes a partir de seu proacuteprio exemplo o procedimento
declamatoacuterio dos textos a impostaccedilatildeo de voz o domiacutenio dos gestos e das expressotildees faciais
De Ibsen Morineau encenou Casa de boneca pela Companhia Dramaacutetica Francesa de Rachel
Beacuterendt no Teatro Municipal de Satildeo Paulo em julho de 1944 Dois anos depois ela fundaria
a sua proacutepria companhia Artistas Unidos cujo repertoacuterio abrangeria peccedilas do teatro de
boulevard de autores brasileiros e estrangeiros como Nelson Rodrigues Jean Anouilh Jean
Cocteau e Tennessee Williams
Entre dezembro de 1945 e janeiro de 1946 Renato Viana agrave frente do Teatro Anchieta
da Escola Dramaacutetica do Rio Grande do Sul apresentou-se no Rio de Janeiro com repertoacuterio
que incluiacutea obras de Dostoieacutevski Florecircncio Saacutenchez e Ibsen Desde a deacutecada de 1920 Renato
Viana empenhava-se em aparelhar o nosso incipiente teatro com novas praacuteticas de
interpretaccedilatildeo mormente inspiradas no meacutetodo de Stanislavski Envolvido pela atmosfera preacute-
modernista e munido de informaccedilotildees sobre a revoluccedilatildeo cecircnica na Ruacutessia (Stanislavski
Komissarzhevskaya e Meyerhold) e na Franccedila (Antoine Lugneacute-Poe e Copeau) ele propunha
a renovaccedilatildeo dos velhos coacutedigos teatrais e o estabelecimento de novos conceitos cecircnicos como
meios para se chegar a uma ldquoexpressatildeo brasileira em cenardquo Desse modo ele tornou-se o
nosso primeiro diretor de teatro instaurando um rigoroso sistema disciplinar que natildeo admitia
conversas paralelas durante os ensaios nem atrasos de atores e teacutecnicos coisas inteiramente
estranhas no nosso teatro onde a indisciplina era a regra1 Enquanto no Teatro do Estudante
de Paschoal Carlos Magno existia uma margem de improvisaccedilatildeo inerente agrave atividade
amadora nas campanhas artiacutesticas empreendidas por Renato Viana mdash Batalha da Quimera
Colmeacuteia Caverna Maacutegica Teatro de Arte Teatro-Escola e Teatro Anchieta mdash havia sempre
a preocupaccedilatildeo de um rigor profissional que exigia de seus alunos cada vez mais disciplina e
preparo especializado Foi assim que em dezembro de 1945 ele apresentou no Teatro
Ginaacutestico do Rio a primeira encenaccedilatildeo brasileira de Casa de boneca A imprensa saudou com
entusiasmo sua iniciativa sobretudo a de trazer para a cena nacional novos atores que
impressionavam pela maneira diferente de se comportarem no palco Entre os ldquonovos valoresrdquo
estava Maria Caetana filha de Renato Viana incumbidas do papel de Nora que embora jaacute
1 Cf sobre a obra e as campanhas artiacutesticas de Renato Viana Sebastiatildeo Milareacute ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrgt
66
conhecida da plateacuteia carioca pelo desempenho como protagonista nas peccedilas de seu pai
Monalisa e Margarida Gauthier recebeu muitos elogios sobretudo pela sua atuaccedilatildeo na cena
em que danccedilava a tarantela Depois dessa temporada no Rio Renato Viana como era de
praxe fez uma longa excursatildeo pelo paiacutes apresentando seus espetaacuteculos gratuitamente para
operaacuterios e estudantes
Nos anos subsequumlentes agrave montagem de Renato Viana seguiram-se as encenaccedilotildees de
Os espectros pelo Teatro do Estudante de Minas Gerais em 1947 pelo Teatro dos Estudantes
da Bahia e pelo Teatro Universitaacuterio do Centro Acadecircmico Horaacutecio Berlinck de Satildeo Paulo
ambos em 1948 Nesse mesmo ano paralelamente agraves accedilotildees do teatro amador o empresaacuterio
Franco Zampari fundou em Satildeo Paulo o Teatro Brasileiro de Comeacutedia (TBC) inaugurando
uma nova fase na cena nacional As atividades teatrais entraram nos paracircmetros da moderna
administraccedilatildeo mercadoloacutegica da cultura com patrociacutenio do Estado ou de grandes monopoacutelios
O programa esteacutetico ficou por conta dos encenadores estrangeiros que assumiram a tarefa de
dotar o paiacutes de uma dramaturgia compatiacutevel com o padratildeo internacional Desse modo para
equilibrar a receita e agradar a burguesia paulistana alternavam-se textos consagrados com
peccedilas de grande apelo popular principalmente as comeacutedias francesas e norte-americanas
Embora apoiado nos claacutessicos universais o TBC durante toda a sua existecircncia nunca incluiu
Ibsen em seu repertoacuterio Em entrevista ao Jornal do Brasil a propoacutesito da divulgaccedilatildeo do
espetaacuteculo Casa de boneca de 1971 Tocircnia Carrero nos daacute uma indicaccedilatildeo da resistecircncia do
TBC agraves peccedilas ibsenianas ldquoIbsen foi um autor de tal maneira importante que Shaw sentindo-se
ameaccedilado por sua qualidade dizia dele que era um dramaturgo ultrapassado Eu mesma por
influecircncia do TBC concordava com esta opiniatildeo Os diretores do TBC consideravam Ibsen um
autor de qualidade discutiacutevelrdquo1 Aleacutem do TBC considerar a obra do dramaturgo antiquada
portanto pouco apropriada para atualizaccedilatildeo do teatro brasileiro eacute possiacutevel que seguindo a
corrente esteacutetica francesa de Copeau e Jouvet julgasse de mau gosto os assuntos ibsenianos
voltados para o desmascaramento da sociedade burguesa Seja como for Ibsen ficaria ainda
algum tempo agrave margem das cogitaccedilotildees das companhias profissionais cabendo agrave accedilatildeo
renovadora do amadorismo estabelecer na imprensa um debate profiacutecuo sobre o seu teatro
Um dos conjuntos amadores que via em Ibsen o caminho para a transformaccedilatildeo da
praacutetica teatral vigente sobretudo pelo questionamento social de sua obra era o Teatro do
Estudante de Pernambuco Liderado por Hermilo Borba Filho o grupo desde 1945 procurava
redemocratizar a arte cecircnica brasileira atraveacutes da teatralidade e das teacutecnicas das festas
1 ldquoTocircnia feminista pela matildeo de Cecilrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 6 out 1971 (Sem assinatura)
67
populares nordestinas visando a um teatro poliacutetico feito para o povo Numa barraca
improvisada no Parque 13 de maio em Recife eles encenavam para uma plateacuteia que
desconhecia inteiramente o teatro peccedilas do repertoacuterio claacutessico e moderno como Soacutefocles
Shakespeare e Ibsen Foi com esse espiacuterito que em 1949 o grupo pernambucano montou a
peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos apresentando-a em praccedilas paacutetios ao ar livre
hospitais faacutebricas e presiacutedios Nesse mesmo ano o Teatro do Estudante do Paranaacute que tinha
sido fundado no ano anterior por Armando Maranhatildeo Ary Fontoura entre outros artistas
levou agrave cena Os espectros no Teatro Renascenccedila de Ponta-Grossa (PR)
Durante os anos 1950 os amadores continuaram a encenar as peccedilas de Ibsen caso de
Casa de boneca representada pelo Teatro 5 de setembro do Departamento Dramaacutetico do
Orfeatildeo Riograndense em 1952 e pelo Teatro Paulista em 1956 Rosmersholm encenado
pelos alunos da Faculdade de Direito da USP em 1955 Os espectros apresentado pelo Grupo
57 no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 e John Gabriel
Borkman montado pelo Teatro do Estudante da Paraiacuteba no II Festival Nacional de Teatros de
Estudantes em Santos (SP) em 1959 Nesse periacuteodo as diretrizes de encenaccedilatildeo das peccedilas
ibsenianas estavam mais niacutetidas diferenciando-se basicamente pela oposiccedilatildeo entre o social
que privilegiava neste caso o aspecto de criacutetica agrave sociedade e o individual voltado para os
problemas de consciecircncia das personagens As montagens de Renato Viana e Paschoal Carlos
Magno ambas de 1952 satildeo bons exemplos da contradiccedilatildeo que a partir de entatildeo se
estabeleceria entre artistas e criacuteticos a respeito da atualidade de Ibsen Para alguns caso de
Renato Viana e Hermilo Borba Filho o novo estava no esmaecimento do cunho dramaacutetico de
suas peccedilas o que possibilitava a criacutetica agrave realidade social para outros caso de Paschoal
Carlos Magno e Otto Maria Carpeaux o novo estava nos conflitos interiores das personagens
na condiccedilatildeo traacutegica do destino do indiviacuteduo e na teatralidade que visava aos sentidos e agrave
beleza esteacutetica
Por esse tempo Renato Viana estava na direccedilatildeo da Escola Dramaacutetica Martins Pena do
Rio de Janeiro que aleacutem ter um quadro docente de primeira linha composto por Joseacute
Oiticica Tomaacutes Santa Rosa Luiacutesa Barreto Leite entre outros mantinha uma companhia fixa
de teatro formada por alguns de seus alunos como Tereza Raquel e Roland Henze Dessa
experiecircncia resultaram as montagens Eacutedipo Rei de Andreacute Gide e Um inimigo do povo de
Ibsen que estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em julho de 1952 A encenaccedilatildeo foi
durante dois meses precedida de conferecircncias sobre a vida e a obra do autor norueguecircs caso
de ldquoAnaacutelise dos dramas ibsenianos sob o ponto de vista da representaccedilatildeordquo por Renato Viana
ldquoRetrato literaacuterio de Ibsenrdquo por Celso Kelly e ldquoIbsen e a questatildeo socialrdquo por Joseacute Oiticica A
68
linha da encenaccedilatildeo privilegiou o aspecto de censura agrave corrupccedilatildeo dos indiviacuteduos ao abuso de
poder e agrave opressatildeo social Carpeaux o criacutetico mais autorizado da eacutepoca sobre Ibsen elogiou a
iniciativa de Renato Viana de levar agrave cena um teatro de tatildeo grande valor literaacuterio No entanto
os temas sociais enfatizados na montagem pareceram-lhe revestidos de trajes histoacutericos ldquode
fantasias de casaca e cartolardquo Para ele a ideacuteia da responsabilidade moral das personagens era
a uacutenica coisa que natildeo envelhecera no teatro de Ibsen continuando a ser a condiccedilatildeo essencial
para a trageacutedia ldquona eacutepoca dos determinismos dialeacuteticos psicanaliacuteticos racistas e outros de
hoje a ideacuteia da responsabilidade continua a condiccedilatildeo sem qual natildeo haacute trageacutediardquo1
Dois meses depois da montagem de Um inimigo do povo o Teatro do Estudante do
Brasil apresentou Os espectros no Teatro Duse em setembro de 1952 Um texto de Carpeaux
impresso na primeira paacutegina do programa definia a linha do espetaacuteculo ldquono palco acenderatildeo a
luz da poesia traacutegicardquo2 Em outras palavras o que se veria em cena era a fatalidade da
condiccedilatildeo humana agindo sobre as personagens A doenccedila de Osvaldo jaacute natildeo era mais o tema
principal da peccedila mas sim o destino de Helena Alving condenada a expiar pelos pecados e
pela mentira A contemplaccedilatildeo esteacutetica e a catarse como na trageacutedia grega seriam
conquistadas pela grandeza e dignidade da protagonista ao aceitar e resignar-se agrave sua sorte A
encenaccedilatildeo pareceu seguir de perto as liccedilotildees de Copeau quanto ao primado do texto ao
despojamento do palco e agrave veneraccedilatildeo dos claacutessicos Em um manuscrito de Carpeaux reunido
por Orlanda Carlos Magno em seu livro sobre o Teatro Duse o criacutetico destacou a
simplicidade do cenaacuterio e a atmosfera de solidatildeo e anguacutestia criada pelo diretor Jorge
Kossowsky no momento da revelaccedilatildeo do segredo traacutegico ldquoo tema edipiano sofoclianordquo
Aleacutem disso elogiou a atuaccedilatildeo de Eugecircnio Carlos que sem se colocar no centro da accedilatildeo
ofereceu excelente estudo da decadecircncia fiacutesica de Osvaldo e de Miriam Carmem que no
papel de Helena reuniu a dignidade de uma ldquorainha shakespearianardquo e a expressatildeo de
amargura de uma vida desgraccedilada3 Passados dez anos de seu primeiro texto sobre Ibsen
Carpeaux ainda apontava como valores permanentes da obra ibseniana o conflito individual
das personagens O tempo para ele encarregara-se de eliminar os traccedilos histoacutericos e sociais
das peccedilas podendo apenas o esteacutetico comover e impressionar os espectadores
1 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Estatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo O Jornal Rio de Janeiro 29 jun 1952 2 Otto Maria Carpeaux ldquoAmigo espectador []rdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Jorge Kossowsky Rio de Janeiro 1952 3 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEspectros (Teatro Duse)rdquo In Orlanda Carlos Magno Pequena histoacuteria do Teatro Duse Rio de Janeiro SNT 1973 p 97-98
69
Ao abrir-se a deacutecada de 1960 o teatro brasileiro encontrava-se em pleno processo de
redemocratizaccedilatildeo apresentando uma dramaturgia de cunho criacutetico voltada para as
contradiccedilotildees baacutesicas da nossa realidade social Apreendidas as novas maneiras de conceber o
espetaacuteculo a valorizaccedilatildeo do diretor o aprimoramento dos atores o cuidado com cenaacuterios
figurinos e iluminaccedilatildeo comeccedilavam a despontar na cena nacional novos artistas que
reclamavam um espaccedilo para o teatro popular Tudo isso fruto dos esforccedilos realizados em
anos anteriores por Aacutelvaro Moreira Renato Viana Paschoal Carlos Magno Hermilo Borba
Filho entre outros artistas que se opuseram ao teatro comercial em voga Surgiram assim
figuras como Millocircr Fernandes Antonio Callado Oduvaldo Viana Filho e Gianfrancesco
Guarnieri autores preocupados com as questotildees sociais grupos como o Teatro de Arena
criado em 1953 por Joseacute Renato o Teatro Popular do Nordeste fundado em 1958 por
Hermilo Borba Filho e o Centro Popular de Cultura da UNE liderado por Vianinha e
inspirado no Movimento Popular de Cultura de Pernambuco de Miguel Arraes todos
compartilhando do mesmo desejo de transformar o paiacutes a partir da accedilatildeo cultural Aleacutem disso
novos conceitos oriundos dos recursos do teatro eacutepico de Brecht e do teatro poliacutetico de
Piscator ganhavam cada vez mais espaccedilo em detrimento das velhas teorias francesas de
Copeau e Jouvet Todo esse surto renovador sofreu enorme abalo com o golpe militar de 1964
e com a censura tatildeo logo instaurada que interditava as peccedilas que abordavam temas poliacuteticos e
sociais alterava os textos dramaacuteticos considerados improacuteprios e perseguia os artistas
engajados politicamente como eacute sabido
Nessas circunstacircncias Ibsen passou a interessar mais do que nunca os conjuntos
profissionais de teatro A essa altura jaacute estava mais do que consolidada a ideacuteia de que sua
obra era datada portanto nenhum problema nossos artistas teriam com a censura ao levar
para o palco um autor ldquoultrapassado das preacutedicas libertaacuteriasrdquo Se por um lado houve quem o
colocasse em cena exatamente dentro dessa linha de pensamento valorizando apenas a
grandeza de suas personagens que comparadas agrave estirpe das figuras da trageacutedia grega
poderiam oferecer aos atores a consagraccedilatildeo profissional por outro houve quem se utilizasse
dessa opiniatildeo generalizada como frente de resistecircncia agrave ditadura colocando em foco o
passado para melhor falar do presente por meio de alusotildees e metaacuteforas Curiosamente o
autor norueguecircs que fora excluiacutedo do repertoacuterio do TBC passou a ser encenado por atores e
diretores dissidentes do mesmo Teatro Brasileiro de Comeacutedia que mais tarde acabaram
formando suas proacuteprias companhias Ziembinski agrave frente do Teatro do Rio companhia
fundada por Rubens Correcirca e Ivan Albuquerque foi o responsaacutevel pela primeira realizaccedilatildeo
profissional de uma peccedila de Ibsen no Brasil dirigindo Os espectros no Teatro Satildeo Jorge do
70
Rio de Janeiro em marccedilo de 1961 No programa do espetaacuteculo o diretor aleacutem de afirmar a
modernidade do dramaturgo definia o fio condutor de sua montagem ldquoo horror do jogo das
conveniecircncias e pontos de vista hipoacutecritas que matam a espontacircnea liberdade do homem essa
uacutenica liberdade frutiacutefera criadora e causadora da nossa sobrevivecircncia espiritualrdquo1 Para ele o
drama tendo como assunto principal o ldquoconflito passional e ideoloacutegicordquo de Helena deveria
ser encenado numa linguagem atenuada sem o exagero de situaccedilotildees violentas e pateacuteticas Por
isso a orientaccedilatildeo dada aos atores era para fugir dos malabarismos psicoloacutegicos o que
transformaria o texto de um alcance filosoacutefico e social em aventuras que cheiravam a
melodrama O espetaacuteculo ficou pouco mais de um mecircs em cartaz A maior parte dos criacuteticos
apontou como fragilidade da encenaccedilatildeo o fato do diretor diminuir o aspecto melodramaacutetico da
peccedila deixando de colocar no palco o ldquomundo rico de sugestotildees teatraisrdquo de Ibsen Em outras
palavras puacuteblico e criacutetica lamentaram na montagem a ausecircncia do entusiasmo da vivacidade
e do substrato psicoloacutegico das personagens Para Paulo Francis o diretor apenas havia
ensaiado os atores sem se preocupar em chegar a qualquer conclusatildeo aparente da peccedila A
proacutepria atuaccedilatildeo de Ziembinski no papel do pastor Manders foi censurada ldquoZiembinski
limitou-se a procurar atenuar o melodrama da peccedila dando ao papel que interpreta do pastor
Manders graccedilas a certos gestos e inflexotildees uma comicidade para aleacutem do que nos parece
sugerir o personagem e constituindo hiatos cocircmicos que se chocam com o tom geral da
peccedilardquo2
Em outubro de 1965 duas peccedilas de Ibsen foram encenadas em Satildeo Paulo Hedda
Gabler pela Companhia Nydia Liacutecia e Seacutergio Cardoso representada no Teatro Bela Vista e
Os espectros primeira peccedila da companhia Teatro da Cidade de Satildeo Paulo de Alberto
DrsquoAversa montada no TBC Os dois espetaacuteculos na ordem da expectativa dramaacutetica tanto do
puacuteblico quanto da criacutetica parecem ter cumpridos seus papeacuteis Para Oliveira Ribeiro Neto
criacutetico drsquoA Gazeta mais importante que a exterioridade de Hedda Gabler mdash ldquomuito mais que
a sua beleza a sua juventude a sua classerdquo mdash era o ldquoseu aspecto interior de mulher
nevropata cansada da mediocridade da existecircnciardquo Por ser essa segundo ele a caracteriacutestica
essencial da peccedila pareceu-lhe ldquoexcessivamente desanuviadardquo a direccedilatildeo de Walmor Chagas
que suprimiu de sua montagem o ambiente opressivo em que se deveria desenvolver o drama
No entanto ainda segundo Ribeiro Neto esse detalhe natildeo desabonava em nada as qualidades
dramaacuteticas do espetaacuteculo sustentadas por Nydia Liacutecia no papel-tiacutetulo que emprestara agrave
1 Z Ziembinski ldquoSobre a atualidade de Ibsenrdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Ziembinski Rio de Janeiro 1961 2 Henrique Oscar ldquoEspectros de Ibsen pelo Teatro do Riordquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 14 abr 1961 Cf tambeacutem Paulo Francis ldquoO espetaacuteculo do Teatro do Riordquo Diaacuterio Carioca Rio de Janeiro 19 abr 1961
71
personagem ldquomuito do seu encanto aparecendo bela e sedutora com certos tiques nervosos
de quem sente profunda preocupaccedilatildeo sempre expressiva no seu nervosismo de mulher que
comeccedila a esperar um filhordquo1 indesejado Paulo Mendonccedila jornalista da Folha de S Paulo
compartilhava de certo modo das ideacuteias de Oliveira Ribeiro Neto Para ele a accedilatildeo dramaacutetica
de Hedda Gabler construiacuteda sem nenhum rigor teacutecnico dificultava a comunicaccedilatildeo com o
puacuteblico natildeo sendo raras as situaccedilotildees em que os espectadores sentiam-se perdidos por natildeo
entender as questotildees que Ibsen levantava e deixava sem respostas a ponto de ao cair o pano
todos indagarem ldquoe daiacuterdquo Considerando a intriga gratuita e pouco convincente Paulo
Mendonccedila atribuiacutea exclusivamente agrave atriz incumbida do papel-tiacutetulo a responsabilidade do
ecircxito da montagem Somente atraveacutes dos recursos da forccedila e do magnetismo da atriz
principal a peccedila poderia adquirir uma dimensatildeo cecircnica acessiacutevel agrave plateacuteia Portanto Hedda
Gabler segundo ele era ldquomenos uma peccedila do que um papelrdquo fruto da intransigecircncia do
dramaturgo que preferia ldquoser absurdo a deixar de ser implacavelmente autecircnticordquo2
Os espectros de Alberto DrsquoAversa embora em curta temporada na capital paulista por
causa do compromisso dos teatros com outros espetaacuteculos logrou enorme sucesso de criacutetica e
puacuteblico A montagem enfatizava com uma certa dose de afetaccedilatildeo o desespero e o sofrimento
de Helena Alving mdash exatamente os aspectos que quatro anos antes os criacuteticos sentiram falta
na mesma peccedila montada por Ziembinski no Rio de Janeiro Ao que parece o diretor italiano
aprendera com o ldquoerrordquo de seu colega e ao contraacuterio dele apresentou um drama sentimental
buscando uma empatia cada vez maior com a plateacuteia Em entrevista ao Diaacuterio da Noite
DrsquoAversa explicou o porquecirc da escolha de Os espectros para a estreacuteia de sua companhia em
Satildeo Paulo ldquoOs motivos satildeo claros e alguns de suma importacircncia Ibsen eacute um dos cinco
autores mais famosos do mundo Aleacutem disso apesar de natildeo ser inteiramente comercial eacute uma
peccedila que possui todas as qualidades para agradar o puacuteblicordquo3 Por certo as qualidades a que o
diretor se referia eram aquelas que a criacutetica reclamara como ausentes na encenaccedilatildeo de
Ziembinski conflito profundidade psicoloacutegica e tensatildeo dramaacutetica
Em maio de 1966 o Grupo 57 voltou a apresentar Os espectros dessa vez no Teatro
de Arena da Guanabara no Rio de Janeiro O grupo havia sido premiado pela encenaccedilatildeo
dessa mesma peccedila no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 No
entanto natildeo alcanccedilou o mesmo ecircxito com a montagem profissional As marcaccedilotildees do diretor
1 Oliveira Ribeiro Neto ldquoHedda Gabler ndash Muito mais importante que o aspecto externo da personagem Hedda Gabler []rdquo A Gazeta Satildeo Paulo 25 out 1965 2 Paulo Mendonccedila ldquoHedda Gabler ndash Irdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 12 out 1965 e ldquoHedda Gabler ndash IIrdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 14 out 1965 3 ldquoEspectros de Ibsen cinco dias no TBCrdquo Diaacuterio da noite Satildeo Paulo 14 out 1965 (Sem assinatura)
72
Garcia Xavier apoiada quase que exclusivamente no infortuacutenio de Helena e Osvaldo Alving
soaram artificiais e exageradas Henrique Oscar criacutetico do Diaacuterio de Notiacutecias apontou a
insuficiecircncia da maioria dos inteacuterpretes como a parte mais problemaacutetica do espetaacuteculo Agnes
Fontoura no papel de Helena foi a mais criticada pois atuara agrave maneira da velha escola com
gestos expressotildees fisionocircmicas e ldquoolhares digno de museurdquo A traduccedilatildeo de Alfredo Ferreira
utilizada no espetaacuteculo natildeo escapou agrave exprobraccedilatildeo ldquoAleacutem de empregar expressotildees
impraticaacuteveis no palco como lsquoazaacutefamarsquo e outras eacute de uma impropriedade clamorosa cheia de
lsquosim simrsquo lsquobem bemrsquordquo1 Para Fausto Wolff da Tribuna da Imprensa o diretor tinha
conseguido aproximar a peccedila de Ibsen da telenovela brasileira limitando-se os atores com
exceccedilatildeo de Edson Guimaratildees inteacuterprete de Engstrand a apresentar um tom monocoacuterdio e
melodramaacutetico onde entravam ldquosusto choro grito histeria e suspense amadorrdquo2
Se Os espectros do Grupo 57 foi duramente criticado pela falta de aperfeiccediloamento
dos atores e pela negligecircncia em cenaacuterio e figurino a primeira e uacutenica montagem de As
colunas da sociedade encenada no Teatro Guaiacutera de Curitiba pelo Teatro de Comeacutedia do
Paranaacute (TCP) em novembro do mesmo ano foi recebida entusiasticamente pela nossa criacutetica
teatral O TCP organizado e dirigido por Claacuteudio Correa e Castro vinha conquistando cada
vez mais espaccedilo no cenaacuterio cultural brasileiro atraveacutes de produccedilotildees de claacutessicos mundiais e de
textos nacionais como Um elefante no caos de Millocircr Fernandes montada em 1963 A
megera domada de Shakespeare encenada em 1964 Escola de mulheres de Moliegravere e O
santo milagroso de Lauro Cesar Muniz ambas representadas em 1965 O texto de Ibsen
segundo Claacuteudio Correa e Castro havia sido incluiacutedo no repertoacuterio do grupo porque aleacutem de
desmascarar a hipocrisia da sociedade mdash ldquoo que todo mundo gostaria que se fizesse com
algumas de nossas lsquocolunasrsquordquo3 mdash seus atores precisavam enfrentar um texto realista o que
natildeo acontecia havia cerca de trecircs anos desde A vida impressa em doacutelar de Clifford Odets
representada em 1963 Os pontos fortes da montagem ficaram por conta dos figurinos de
Kalma Murtinho e do cenaacuterio de Claacuteudio Correa e Castro ldquoimpecaacutevel no seu bom gosto e nos
menores detalhes do seu acabamentordquo4 Todos os moacuteveis haviam sido feitos especialmente
para a encenaccedilatildeo e ateacute se pocircs em cena uma maacutequina de costura da eacutepoca reproduzindo
fielmente o interior de uma residecircncia burguesa de 1870
1 Henrique Oscar ldquoEspectros no Arena da Guanabarardquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 26 maio 1966 2 Fausto Wolff ldquoOs espectros espectrais no Arena IIrdquo Tribuna da Imprensa Rio de Janeiro 1 jun 1966 3 Entrevista de Clauacutedio Correa e Castro concedida a Martim Gonccedilalves ldquoIbsen em Curitibardquo O Globo Rio de Janeiro 1 nov 1966 4 Yan Michalski ldquoIbsen em Curitibardquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 2 nov 1966
73
Entre as deacutecadas de 1960 e 1970 sobretudo apoacutes o recrudescimento da censura com o
AI-5 Ibsen ganharia encenaccedilotildees cada vez mais luxuosas impressionantes pela beleza plaacutestica
dos cenaacuterios e figurinos envolvendo os espectadores num mundo irreal dinacircmico cheio de
som cores e efeitos espetaculares Com raras exceccedilotildees caso das montagens de Hermilo
Borba Filho Fernando Torres e Antunes Filho buscava-se driblar a censura atraveacutes dos
recursos da estilizaccedilatildeo e da metaacutefora a fim de mostrar o significado real dos textos ibsenianos
e construir da melhor maneira possiacutevel uma frente de resistecircncia agrave ditadura Assim foi a
montagem de Um inimigo do povo encenada pelo Teatro Popular do Nordeste em 1967 A
companhia liderada por Hermilo Borba Filho dava continuidade ao trabalho artiacutestico e
cultural do Teatro do Estudante de Pernambuco (fundado em 1945) levando para o povo
espetaacuteculos natildeo soacute de qualidade literaacuteria como tambeacutem de questionamento social o que
permitia ao puacuteblico uma compreensatildeo maior de sua proacutepria histoacuteria Por meio de expedientes
como o canto a danccedila a maacutescara o boneco Hermilo procurou apresentar em sua casa de
espetaacuteculos na Avenida Conde da Boa Vista em Recife uma peccedila criacutetica viva denunciando
na figura do Dr Stockmann o cerceamento da liberdade e a perdiccedilatildeo do indiviacuteduo diante da
arbitrariedade do Estado
Dois anos mais tarde em agosto de 1969 Fernando Torres encenaria a mesma peccedila
no Teatro Satildeo Pedro em Satildeo Paulo procurando assim como Hermilo questionar o
autoritarismo a falta de liberdade de expressatildeo e a desigualdade de direitos Depois de
encerradas as atividades do Teatro de Arena e do Oficina o Teatro Satildeo Pedro arrendado por
Beatriz e Mauriacutecio Segall em 1968 no auge da repressatildeo apresentava-se como um dos
uacuteltimos grupos da cena paulistana comprometido com uma produccedilatildeo artiacutestica voltada para a
anaacutelise social Buscando uma nova maneira de expressatildeo teatral que pudesse burlar a censura
e ao mesmo tempo oferecer ao puacuteblico espetaacuteculos que vislumbrassem a transformaccedilatildeo das
praacuteticas poliacuteticas e culturais vigentes o Teatro Satildeo Pedro acolheu muitos artistas
rearticulando antigos laccedilos profissionais e poliacuteticos Dessa feita o grupo encenou entre outras
coisas Os fuzis da sra Carrar de Brecht com direccedilatildeo de Flaacutevio Impeacuterio em 1968 Marta
Sareacute de Gianfrancesco Guarnieri e Edu Lobo dirigido por Fernando Torres em 1969 e
Tambores na noite de Brecht dirigido por Fernando Peixoto em 1972 Para Beatriz e
Mauriacutecio Segall ldquoIbsen era o tom mais apropriado para o Brasil poacutes-AI-5 A questatildeo eacutetica
colocada em Um Inimigo do Povo de um homem que natildeo abandona as suas convicccedilotildees
74
mesmo quando todas as situaccedilotildees se voltam contra ele era uma profissatildeo de feacute que a
companhia estava disposta a carregar consigordquo1
Ainda na esteira da resistecircncia democraacutetica Antunes Filho encenou Peer Gynt no
Teatro Itaacutelia de Satildeo Paulo em abril de 1971 No panorama das produccedilotildees teatrais da eacutepoca
limitadas a um teatro comercial e digestivo a montagem de Antunes mereceu muitos elogios
dos nossos criacuteticos Depois dos absurdos dos empresaacuterios teatrais de apostar exclusivamente
no aspecto lucrativo dos espetaacuteculos sem se preocupar com a qualidade das peccedilas Saacutebato
Magaldi apontou a encenaccedilatildeo de Antunes como ldquouma resposta luacutecida e brilhante a todos os
erros que [ameaccedilavam] a nossa atividade cecircnicardquo2 Com Peer Gynt Antunes instituiacutea na cena
brasileira uma nova maneira de conceber o espetaacuteculo propondo a retomada da palavra e a
colocaccedilatildeo do homem no centro dos acontecimentos O proacuteprio Antunes em entrevista agrave Folha
de S Paulo registrou essa mudanccedila ldquonosso espetaacuteculo eacute um marco do novo teatro a
liberdade do autor e do ator Acabaram a ditadura e o accediloite do diretor do nosso teatro
formalista e abstrato da forma pela forma Agora eacute o homem recolocado novamente dentro de
sua histoacuteriardquo3 Nessa perspectiva Peer Gynt funcionava como um libelo contra a alienaccedilatildeo e o
escapismo apresentando a histoacuteria de um homem que vive apenas o momento sem lanccedilar
amarras e sem se engajar Desse modo a cada episoacutedio da vida de Peer Antunes buscou
criticar o oportunismo a filosofia do ldquojeitinho brasileirordquo e a indiferenccedila aos problemas
poliacuteticos e sociais A forccedila da montagem desse modo patenteava-se justamente na forma
como Antunes a partir da anaacutelise individual da personagem-tiacutetulo conseguira passar pelo
social e ascender ao poliacutetico
Poucos meses depois de Peer Gynt em outubro de 1971 estreava no Teatro Glaacuteucio
Gil do Rio de Janeiro Casa de boneca dirigida por Cecil Thireacute e estrelada por Tocircnia Carrero
A comeccedilar pelos textos apresentados no programa mdash ldquoNossa Casa de bonecasrdquo de Otto
Maria Carpeaux ldquoIbsen jaacute erardquo de Cecil Thireacute e ldquoCasa de bonecas ou sociedade de
bonecosrdquo de Fernando Peixoto mdash que discutiam a atualidade da peccedila agrave luz dos problemas
da realidade brasileira a montagem parecia sugerir uma criacutetica agrave opressatildeo e aos valores
retroacutegrados da sociedade encarnados na figura de Torvald Helmer No entanto a perspectiva
de criacutetica social parece ter ficado somente na intenccedilatildeo A linha adotada pelo diretor oscilou
1 ldquoTeatro Satildeo Pedrordquo Disponiacutevel lthttpwwwitauculturalorgbraplicexternasenciclopedia_teatrogt Cf tambeacutem Marco Antocircnio Guerra Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2 Saacutebato Magaldi ldquoNatildeo perca esta aventurardquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 29 abr 1971 3 Depoimento de Antunes Filho a Jorge Saacute de Miranda ldquoPeer Gynt celebra 100ordf apresentaccedilatildeordquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 29 abr 1971
75
entre uma montagem convencionalmente realista e uma vaga tentativa de modernizaccedilatildeo
cecircnica com o uso de intervenccedilotildees musicais e certos efeitos de luz que aproximaram o
espetaacuteculo segundo alguns criacuteticos ldquodas atuais telenovelas e dos dramalhotildees emboloradosrdquo1
Segundo Fernando Peixoto sentia-se claramente o intento do diretor Cecil Thireacute de apresentar
a tirania de Helmer como o microcosmo de uma realidade maior mais ampla e mais terriacutevel
No entanto a tiacutemida encenaccedilatildeo natildeo conseguira romper a estrutura soacutelida da intriga nem ldquoa
teia de conflitos do textordquo2 Desse modo a soluccedilatildeo eacutepica usada no final da peccedila o
desmoronamento do cenaacuterio como fizera Meyerhold na sua versatildeo de Casa de boneca de
1906 apresentou-se como uma ingecircnua metaacutefora da desestruturaccedilatildeo familiar e da queda dos
valores burgueses
Na deacutecada de 1980 a dramaturgia de natureza poliacutetica desaparece do palco brasileiro
voltando-se a maioria de nossos artistas para o ldquobesteirolrdquo um teatro de puro entretenimento
de grande aceitaccedilatildeo popular mas de completa despreocupaccedilatildeo literaacuteria e de indisfarccedilaacutevel
gratuidade Por outro lado no campo dos experimentalismos poacutes-modernos as encenaccedilotildees de
Gerald Thomas mdash Carmen com filtro e Electra com creta ambas de 1986 e Trilogia Kafka
de 1988 por exemplo mdash datildeo a tocircnica de um novo tipo de criaccedilatildeo cecircnica com a valorizaccedilatildeo
cada vez maior das linguagens visuais coreograacuteficas e sonoras em detrimento da palavra No
caso de Ibsen o vieacutes individualista de sua obra em oposiccedilatildeo ao aspecto social que desde os
anos 1940 vinha despertando o interesse de nossos artistas consolida-se a partir de entatildeo
como o grande fator de atualidade de seu teatro Os traccedilos morais e psicoloacutegicos de suas
personagens tidos como os uacutenicos elementos de modernidade e vigor de suas peccedilas ganham
relevo nas montagens desse periacuteodo Apoiados nos estudos do criacutetico norte-americano Robert
Brustein e do meacutedico vienense Wilhelm Reich nossos artistas passam a analisar a obra do
autor norueguecircs atraveacutes do recorte biograacutefico e de meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura Robert
Brustein exerceu grande influecircncia no Brasil sobretudo depois da publicaccedilatildeo de seu livro O
teatro de protesto pela editora Zahar do Rio de Janeiro em 1967 Retomando as ideacuteias de
Prozor acerca do caraacuteter autobiograacutefico do teatro de Ibsen Brustein procura identificar os
elementos da experiecircncia emocional do dramaturgo em suas peccedilas chegando agrave conclusatildeo de
que muitos dos heroacuteis ibsenianos satildeo auto-retratos do proacuteprio autor Nesse sentido ao analisar
O pato selvagem mdash para ele uma ldquopeccedila semi-autobiograacuteficardquo mdash o criacutetico afirma ter Ibsen
criado Gregers Werle agrave sua imagem e semelhanccedila conferindo agrave personagem as caracteriacutesticas
1 ldquoUm Ibsen bem comportadordquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 12 p 14-15 jan 1972 (Sem assinatura) 2 Fernando Peixoto e Alberto Guzik ldquoTeatro no Rio e em Satildeo Paulo a temporada de 71rdquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 13 p 7-13 fev 1972
76
de um tiacutepico ibsenista com o propoacutesito de satirizar a si proacuteprio e impedir que ele viesse a ldquoser
institucionalizado por adeptos servisrdquo Da mesma maneira como havia feito Prozor no seu
prefaacutecio da traduccedilatildeo de Solness o construtor em 1894 Brustein compara o desenvolvimento
da personagem-tiacutetulo com a evoluccedilatildeo do trabalho de Ibsen Para o criacutetico Solness eacute ldquopura
autobiografiardquo sendo o construtor um dos mais elaborados auto-retratos do autor ldquoO
sentimento alimentado por Solness de que sua inquebrantaacutevel dedicaccedilatildeo agrave sua vocaccedilatildeo
destruiacutera nele a felicidade eacute um reflexo das duacutevidas e dos pesares de Ibsen depois expressos
em John Gabriel Borkmanrdquo1
Por sua vez o polecircmico meacutedico Wilhelm Reich conhecido mundialmente pelo seu
livro Psicologia de massas do fascismo (1934) onde analisa a repressatildeo sexual como uma
espeacutecie de matriz que prepara o indiviacuteduo para a aceitaccedilatildeo das demais coerccedilotildees mdash caso
segundo ele da adesatildeo da populaccedilatildeo alematilde ao discurso fascista mdash teve no Brasil uma
recepccedilatildeo limitada ao campo da terapia corporal Simplificando bastante interessava aos
admiradores brasileiros de Reich apenas o exame do corpo como invoacutelucro da histoacuteria de cada
sujeito sendo possiacutevel por meio de sua anaacutelise resgatar as emoccedilotildees mais profundas dos
indiviacuteduos Nessa esteira A funccedilatildeo do orgasmo (1927) livro dedicado ao estudo da
sexualidade humana teve enorme repercussatildeo no Brasil dos anos de 1970 Essa obra alcanccedilou
tamanho sucesso entre noacutes que desde a primeira publicaccedilatildeo feita pela Brasiliense em 1975
passou a ser editada constantemente chegando a deacutecima nona ediccedilatildeo em 1995 Por certo o
ensaio sobre ldquoPeer Gyntrdquo contido nesse volume exerceu uma influecircncia significativa na nova
abordagem da peccedila que passaria a considerar a figura de Peer como o siacutembolo do homem
perdido no fluxo de suas experiecircncias tentando descobrir qual eacute o seu verdadeiro Eu
autecircntico Essa caracteriacutestica atribuiacuteda agrave personagem estendia-se a Ibsen mdash ldquoAssim era Ibsen
e assim era Peer Gyntrdquo2 mdash que tambeacutem procurava atraveacutes de suas peccedilas uma sondagem do
eu profundo expondo seu proacuteprio caraacuteter ao exame e criacutetica implacaacuteveis Tornou-se comum
a partir de entatildeo associar a mateacuteria das peccedilas agrave vida do autor caindo-se facilmente na
armadilha da projeccedilatildeo Desse modo o subjetivismo das imagens e das personagens elucidava
a psicologia de Ibsen e os fatos e experiecircncias de sua vida pessoal serviam para estabelecer o
conteuacutedo da obra A implicaccedilatildeo de tudo isso foi o depauperamento do texto ibseniano pois o
que nele se ambicionara passou a ser visto como atributo do autor ser vivo e inesgotaacutevel no
papel impresso Ao valorizar apenas a vida interior das personagens os padrotildees arquetiacutepicos
1 Robert Brustein ldquoHenrik Ibsenrdquo O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 93 2 Wilhelm Reich ldquoPeer Gyntrdquo A funccedilatildeo do orgasmo problemas enconocircmico-sexuais da energia bioloacutegica 4 ed Satildeo Paulo Brasiliense 1978 p 48
77
as raiacutezes miacuteticas e o significado simboacutelico e sexual do teatro de Ibsen nossos criacuteticos e
artistas deixaram de lado uma das dimensotildees mais modernas da obra do dramaturgo a perda
de consistecircncia da solidez de seus dramas que para expressar a desordem social poliacutetica e
econocircmica foram contaminando-se progressivamente de elementos eacutepicos chegando por
vezes a romper com os cacircnones tradicionais
Na esteira das orientaccedilotildees de Brustein e Reich inclusive reproduzindo quase na
iacutentegra os textos desses dois autores no programa do espetaacuteculo Marcos Fayad agrave frente do
grupo Engenho de Teatro dirigiu Peer Gynt no Teatro Ginaacutestico do Rio em junho de 1982 A
encenaccedilatildeo baseada na exploraccedilatildeo do inconsciente e dos recalques da personalidade de Peer
procurava mostrar a viagem empreendida por um homem em busca de sua proacutepria identidade
e do verdadeiro papel que lhe cabia na vida Desse modo a personagem-tiacutetulo veio ao palco
mergulhada num denso universo de misticismo metafiacutesica e duacutevidas existenciais Chegou-se
mesmo ao disparate de comparar Peer e Ibsen mdash ldquoPeer Gynt eacute o lado de Ibsen que foi em
busca de prazer sob o sol da Itaacuteliardquo1 mdash e a evocar em termos biograacuteficos os processos
psiacutequicos do autor quando estava escrevendo a peccedila Assim Peer Gynt tinha um discurso
tortuoso porque o dramaturgo no momento da escrita da obra oscilava entre influecircncias
esteacuteticas e filosoacuteficas muito diversificadas como a obsessatildeo miacutestica do romantismo e a
anguacutestia existencial kierkegaardiana Para Yan Michalski criacutetico do Jornal do Brasil em
nenhuma peccedila de Ibsen ldquoo debate existencial era colocado em termos tatildeo teoacutericos de tanta
abrangecircncia filosoacuteficardquo como em Peer Gynt Por essa razatildeo o desafio de qualquer montagem
dessa peccedila era tornar teatral ldquoo discurso aacuterido e metafiacutesicordquo da obra tarefa que ainda segundo
Michalski o Engenho de Teatro natildeo conseguira cumprir por dois motivos primeiro porque
ldquoo sentido mais profundo desse discurso natildeo foi assimilado pelos atoresrdquo e segundo porque
faltava-lhes o instrumental teacutecnico para tornar o conteuacutedo da peccedila claro aos espectadores
Essa falta de habilidade para o criacutetico tornava-se especialmente patente ldquonas cenas em que as
duacutevidas existenciais [estavam] contidas em seu estado puro como nos encontros de Peer com
o diretor do manicocircmio com o democircnio ou com o fundidorrdquo2
Um mecircs depois da encenaccedilatildeo de Peer Gynt Dina Sfat estreou Hedda Gabler no
Teatro Guaiacutera de Curitiba em agosto de 1982 O diretor do espetaacuteculo o francecircs Gilles
Gwizdeck em entrevista ao jornal O Globo indicou a linha da encenaccedilatildeo ldquoEu tentei traduzir
cenicamente o texto como um dramalhatildeo contando uma historinha com princiacutepio meio e fim
Mas com todo o subtexto presente todas as pressotildees familiares em cena atraveacutes de muitos
1 ldquoRobert Brustein fala de Ibsenrdquo Programa de Peer Gynt direccedilatildeo de Marcos Fayad Rio de Janeiro 1982 2 Yan Michalski ldquoPeer Gynt ou a dificuldade de filosofarrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro p 2 23 mar 1982
78
recursos como o cenaacuterio do Ratto que eacute bem pesado e abafado com muito veludordquo1 Sendo
assim num tom soturno e sombrio Hedda apresentou-se no palco como uma neuroacutetica
viacutetima das pressotildees de uma sociedade castradora A educaccedilatildeo riacutegida que a personagem
recebera de seu pai baseada em valores aristocraacuteticos e conservadores foi abordada como
uma das origens dos conflitos dolorosos de sua vida adulta A complexidade os conflitos
interiores e o gesto final de autodestruiccedilatildeo da personagem tratados no mais estreito realismo
psicoloacutegico fez com que a peccedila ganhasse ares folhetinescos O desempenho de Dina Sfat no
papel-tiacutetulo foi bastante elogiado sobretudo por criar a partir da entrada em cena o clima de
inevitabilidade da trageacutedia Para a maioria de nossos criacuteticos somente a psicanaacutelise poderia
explicar a trajetoacuteria da heroiacutena e desvendar seus mecanismos interiores Por um lado Ibsen
foi considerado o ldquopai do teatro psicoacutetico modernordquo2 o responsaacutevel no dizer de Tereza
Menezes de colocar em cena ldquoo novo sujeito da modernidaderdquo3 aquele indiviacuteduo que possui
dimensatildeo interior e capacidade de perceber a si mesmo Por outro mais uma vez a arquitetura
dramaacutetica de sua obra foi valorizada por aproximar-se da carpintaria do teatro claacutessico
carregada de pressaacutegios e costurada de intrigas paralelas que davam maior relevo ao conflito
central da peccedila
Em agosto de 1985 Fernando de Almeida levou agrave cena do Teatro Domus em Satildeo
Paulo a peccedila Os espectros resultado de uma motivaccedilatildeo pessoal sua que haacute muito
interessava-se pelo papel de Osvald Alving Como estava na idade limite para interpretar a
personagem reuniu um grupo de atores convidou Emiacutelio Di Biasi para dirigir a peccedila e arcou
com a maior parte das despesas da produccedilatildeo do espetaacuteculo Aleacutem disso ele mesmo
encarregou-se de traduzir e revitalizar o texto de Ibsen a fim de tornaacute-lo ldquomenos antiquadordquo
visando uma relaccedilatildeo mais direta com o espectador Assim a accedilatildeo foi transportada para algum
lugar indeterminado do seacuteculo XX o aviatildeo tomou o lugar do trem Nova York o de Paris os
nomes das personagens foram abrasileirados e a doenccedila de Osvaldo a siacutefilis foi substituiacuteda
pela Aids Entretanto justamente a adaptaccedilatildeo foi o que a criacutetica unanimemente julgou de
mais controverso nessa montagem Para Alberto Guzik aleacutem da encenaccedilatildeo levar agraves uacuteltimas
consequumlecircncias os sentimentos de Helena e Osvaldo Alving transformando a peccedila num
melodrama quase insuportaacutevel ldquoFernando de Almeida parece natildeo ter se dado conta de que os
termos a estrutura a proacutepria organizaccedilatildeo do debate travado pelas personagens de Ibsen
seriam necessariamente outros se a moralidade que serve de pano de fundo agrave obra fosse a da
1 Entrevista de Gilles Gwizdeck concedida a Flaacutevio Marinho ldquoA histoacuteria de uma mulher destruidora e autodestrutivardquo O Globo Rio de Janeiro 11 ago 1982 2 Jefferson Del Rios ldquoHedda emoccedilotildees no palco e na plateacuteiardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 1 abr 1983 3 Cf Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006
79
era do aviatildeo e natildeo a do tremrdquo1 Ao que parece do original restou apenas uma paroacutedia um
apego aos lances melodramaacuteticos do enredo que transformaram a realizaccedilatildeo num kitsch natildeo
intencional A peccedila ficou pouco tempo em cartaz e os elogios foram apenas para Leacutelia
Abramo que voltava aos palcos apoacutes seis anos de uma ausecircncia forccedilada A atriz no papel de
Helena Alving parecia ser a uacutenica a ter consciecircncia da importacircncia da peccedila como criacutetica agrave
hipocrisia e agraves convenccedilotildees sociais ldquoA encenaccedilatildeo de Ibsen hoje eacute importante por se
preocupar com as indagaccedilotildees do espiacuterito humano aleacutem de seu valor literaacuterio Esta a
verdadeira riqueza dos autores claacutessicos e hoje com o homem sendo aniquilado pelo
progresso pela massificaccedilatildeo eacute importante qualquer coisa que o faccedila refletirrdquo2
Peer Gynt foi levado agrave cena do Teatro Renascenccedila de Porto Alegre pelo grupo Teatro
Vivo em marccedilo de 1987 dessa vez numa versatildeo mais formalista O palco despojado de
qualquer artefato realista mdash apenas duas escadas um andor de procissatildeo e algumas malas mdash
manteve-se livre para o desenvolvimento dos atores que caminhavam em ciacuterculos
aproximando seus movimentos de uma danccedila coreografada Fora isso elementos como
fumaccedila aacutegua e farinha aleacutem de uma iluminaccedilatildeo requintada preenchiam os espaccedilos vazios da
cena Dos cinco atos do texto original restaram apenas dois apresentados em pouco mais de
uma hora e meia privilegiando-se temas como a vida a morte e as viagens da personagem-
tiacutetulo Para Irene Brietzke diretora do espetaacuteculo o estudo mais interessante a respeito de
Peer Gynt era o de Wilhelm Reich jaacute que mostrava Peer como uma personagem-siacutembolo que
representava o desejo mais secreto de todo o ser humano ldquoo sonho a paixatildeo o prazer e a
aventurardquo3 Por isso a exemplo do que fizera Marcos Fayad em sua montagem de 1982 ela
tambeacutem procurou contar a histoacuteria de um homem em busca de si mesmo resolvendo viajar
pelo mundo para achar seu caminho Paralela a essa accedilatildeo principal da peccedila Brietzke
acrescentou uma personagem que entre uma cena e outra da peccedila fazia reflexotildees sobre a
funccedilatildeo do artista a necessidade de buscar novos horizontes a morte etc citando passagens
de cineastas como Fellini e Buntildeuel e autores como Borges Apesar das inovaccedilotildees que
deram uma visualidade fascinante ao espetaacuteculo chegando por vezes a prejudicar a
mensagem do texto a direccedilatildeo do espetaacuteculo natildeo fugira a regra sendo Ibsen novamente
encerrado num universo miacutestico e existencialista
1 Alberto Guzik ldquoUma adaptaccedilatildeo de Ibsen Com bons propoacutesitos e equiacutevocos demaisrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 6 set de 1985 2 Depoimento de Leacutelia Abramo para O Estado de S Paulo ldquoIbsen a defesa feminina na peccedila Os Espectrosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 27 ago 1985 3 ldquoPeer Gynt a maioridade de Irenerdquo Correio do Povo Porto Alegre 6 mar 1987
80
Em maio de 1988 o Grupo Tapa encenou Solness o construtor no Teatro Alianccedila
Francesa em Satildeo Paulo A direccedilatildeo de Eduardo Tolentino privilegiou o conflito entre o velho
e o novo mostrando no palco a histoacuteria de Solness um construtor de meia-idade que se sente
ameaccedilado pela juventude expressa na figura de seu empregado Ragnar Brovik Durante a
encenaccedilatildeo o espectador pocircde acompanhar o tormento da personagem-tiacutetulo com o medo da
morte a ascensatildeo profissional de Ragnar e a fascinaccedilatildeo pela jovem Hilda Wangel A ecircnfase
dada aos opostos emblemaacuteticos mdash velhonovo sauacutededoenccedila luztrevas construccedilotildees de
alvenariacastelos no ar paixatildeo adolescentecasamento falido mdash reduziu de certo modo um
dos aspectos mais contundentes da peccedila os interesses materiais da mesquinha realidade
burguesa que envolve o conflito de geraccedilotildees as vidas entediadas e a submissatildeo domeacutestica
Aleacutem disso o fato do grupo ver Solness como um alter ego de Ibsen colaborou para o
empobrecimento do texto minando a forccedila da montagem No programa do espetaacuteculo o
jornalista Carlos Hee preso agrave ideacuteia do todo contiacutenuo formado entre autor e obra apontou
relaccedilotildees entre a trajetoacuteria da personagem e a vida do dramaturgo utilizando exatamente das
mesmas ideacuteias de Moritz Prozor e Robert Brustein A primeira fase do construtor dedicada agrave
edificaccedilatildeo de igrejas seria relativa aos temas dos dramas filosoacutefico-religiosos impregnados
de personagens miacutesticas A mudanccedila de postura de Solness apoacutes o incecircndio quando passa a
construir habitaccedilotildees teria o valor similar ao rompimento do escritor com a sociedade
norueguesa e agrave sua preocupaccedilatildeo em escrever peccedilas sobre a vida cotidiana O encontro de
Solness com Hilda simbolizaria a fase dos dramas simboacutelico-metafiacutesicos e a correspondecircncia
que o autor passou a trocar com Emilie Bardach uma jovem vienense de 18 anos Por fim
como sua personagem Ibsen temia a concorrecircncia da juventude sobretudo a ascensatildeo do
dramaturgo August Strindberg Aleacutem do biografismo que encobriu a estrutura e o valor da
peccedila o espetaacuteculo ganhou uma conotaccedilatildeo sexual ora pelas suas marcaccedilotildees ora pela
interpretaccedilatildeo das torres como siacutembolos faacutelicos Descontados esses problemas Eduardo
Tolentino alcanccedilou seu propoacutesito inicial de fazer uma montagem sem arroubos cecircnicos ldquosem
deixar nenhum exibicionismo esteticista se sobrepor ao textordquo1 De fato ele soube dar agrave sua
montagem o equiliacutebrio entre o sentido do texto e a traduccedilatildeo visual mdash a accedilatildeo se passava em
um cenaacuterio realista recheado de referecircncias simboacutelicas e num clima oniacuterico desenrolavam-se
flashes do passado e do presente Aleacutem disso toda a encenaccedilatildeo foi baseada no texto e nos
atores livre da intervenccedilatildeo musical e das soluccedilotildees espetaculosas exigindo dos espectadores
uma concentraccedilatildeo maior para acompanhar as ideacuteias da peccedila
1 Depoimento de Eduardo Tolentino a Ana Francisca Ponzio ldquoPaulo Autran o primeiro Ibsenrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 14 set 1988
81
A partir dos anos 1990 Ibsen passa a ser encenado por produtores independentes em
sua maioria artistas de grande popularidade e de incontestaacutevel prestiacutegio nacional Favorecidos
pelo patrociacutenio de empresas privadas mdash sobretudo depois da criaccedilatildeo em 1991 da chamada
lei de incentivo a Lei Rouanet que oferece isenccedilatildeo de impostos agraves empresas que invistam em
projetos artiacutesticos e culturais mdash esses artistas deram ensejo a produccedilotildees cada vez mais
imponentes com temas que agradam puacuteblico e empresaacuterios com programas de excelente
acabamento graacutefico mas que pouco ajudam a entender a diretriz do espetaacuteculo haja vista que
raramente trazem qualquer reflexatildeo sobre a peccedila encenada Do mesmo modo as encenaccedilotildees
ganharam beleza plaacutestica cenaacuterios luxuosos e iluminaccedilatildeo requintada privilegiando-se a
percepccedilatildeo visual em detrimento do conteuacutedo da peccedila No acircmbito desse teatro puramente
comercial Ibsen parece voltar aos palcos muito mais por oferecer aos atores bons papeacuteis
permitindo-lhes desenvolver suas virtudes interpretativas do que pela forccedila de seus textos
Evidentemente temas que contrariem a ideologia dominante mdash como a hipocrisia social em
Os espectros a exploraccedilatildeo capitalista em Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em
John Gabriel Borkman os interesses materialistas em Casa de boneca e Solness o construtor
por exemplo mdash satildeo ignorados nesse tipo de produccedilatildeo Por isso privilegiam-se em grande
parte apenas a subjetividade das personagens ibsenianas destituiacuteda de qualquer realidade
concreta maior social ou poliacutetica A justificativa para essa reduccedilatildeo encontra respaldo na velha
ideacuteia de que as preocupaccedilotildees sociais do dramaturgo satildeo obsoletas e ultrapassadas
constituindo apenas a psicologia e os conflitos existenciais das personagens os reais e efetivos
elementos de atualidade de sua obra Estaacute claro que essas produccedilotildees destinam-se mdash
sobretudo por causa dos preccedilos inacessiacuteveis dos ingressos mdash a uma plateacuteia financeiramente
distinta que busca no teatro a digestatildeo apraziacutevel do jantar
Nessas condiccedilotildees a Fundaccedilatildeo Bienal de Satildeo Paulo juntamente com empresaacuterios
patrocinou a vinda do American Repertory Theatre agrave cidade com o espetaacuteculo Quando noacutes os
mortos despertarmos encenado no Teatro Municipal em outubro de 1991 A peccedila adaptada e
dirigida por Robert Wilson o grande representante do ldquoteatro de imagensrdquo apresentou como
natildeo poderia deixar de ser as caracteriacutesticas fundamentais do encenador poesia visual
intimismo abstraccedilatildeo formalismo e distorccedilatildeo temporal A imprensa ocupou-se tanto dos
ldquoefeitismosrdquo de Robert Wilson que acabou ignorando a montagem brasileira desse mesmo
texto pelo Teatro do Pequeno Gesto em cartaz desde o mecircs de agosto no Espaccedilo Cultural
Seacutergio Porto no Rio de Janeiro Esse foi o espetaacuteculo de estreacuteia do grupo carioca que a partir
de entatildeo se dedicaria as montagens de grandes claacutessicos da literatura dramaacutetica preocupando-
se com estudos literaacuterios e teoacutericos das peccedilas a fim de conceber uma encenaccedilatildeo voltada para o
82
texto e a fala dos atores Antocircnio Guedes diretor da companhia apresentou uma versatildeo
totalmente diferente de Robert Wilson a comeccedilar pela diretriz do espetaacuteculo simplificaccedilatildeo
extrema do palco para colocar em relevo o texto em contraste com a fragmentaccedilatildeo dos
sentidos e o desenho formalizado da cena do diretor norte-americano Enquanto a montagem
de Wilson centrou-se na conotaccedilatildeo metafiacutesica do acerto de contas de Rubek com o seu
passado a do Pequeno Gesto privilegiou a discussatildeo de temas como o amor a morte o artista
e sua obra Aleacutem disso o puacuteblico do Teatro do Pequeno Gesto natildeo via passivamente uma
sucessatildeo de imagens deslumbrantes como na encenaccedilatildeo norte-americana uma vez que ele
proacuteprio era convidado a integrar o espetaacuteculo como elemento constitutivo do espaccedilo cecircnico
Em abril de 1994 Moacyr Goacutees e um conjunto de artistas conhecidos por seus
trabalhos na televisatildeo levaram agrave cena Peer Gynt no Teatro Gloacuteria do Rio de Janeiro A
abordagem da peccedila traduzida e adaptada pela psicanalista Clara Goacutees em nada diferenciou-
se do que desde a deacutecada de 1980 era considerado ldquocomumrdquo ao se estudar essa obra de
Ibsen a histoacuteria de um homem em busca de sua proacutepria identidade e do verdadeiro sentido da
vida Dois anos depois em outubro de 1996 Ulysses Cruz dirigia pela primeira vez no Brasil
A dama do mar representaccedilatildeo marcada por forte tendecircncia visual A peccedila aleacutem de encenada
no piacuteer da praccedila Mauaacute com vistas para a Baiacutea de Guanabara ganhou um cenaacuterio suntuoso
com 30 toneladas de areia fina entremeadas de conchas e de estrelas-do-mar e um barco de
verdade cedido pela Marinha que em certo momento do espetaacuteculo entrava em cena
trazendo uma das personagens o Estrangeiro Na imprensa pouco se falou sobre a obra de
Ibsen importando mesmo destacar a ousadia de Ulysses Cruz o responsaacutevel pela concepccedilatildeo
da maior parte dos elementos cecircnicos da montagem Para Cruz Ibsen era ldquofreudiano antes de
Freudrdquo e a qualidade de seu teatro estava na prospecccedilatildeo emocional de suas personagens No
caso de A dama do mar ainda segundo o diretor a protagonista da peccedila Ellida tinha uma
ldquoligaccedilatildeo forte com a natureza Daiacute surgiu a ideacuteia de usar na cenografia a areia o vento e o
marrdquo1 Uma produccedilatildeo com tamanho aparato de imagens luzes cores e som ofuscou
evidentemente o trabalho dos atores e sobretudo a histoacuteria de Ibsen O puacuteblico por sua vez
extasiado com a visualidade e a espetacularizaccedilatildeo teve poucas chances de compreender o teor
e a mensagem da peccedila
Em 1997 a propoacutesito da comemoraccedilatildeo dos cinco anos da Casa da Gaacutevea do Rio de
Janeiro Domingos de Oliveira foi convidado a dirigir Um inimigo do povo peccedila que ele jaacute
havia encenado catorze anos antes no teatro Cacircndido Mendes tambeacutem no Rio Na linha de
1 Depoimento de Ulysses Cruz a Anabela Paiva ldquoA nova aventura de Ulyssesrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 5 out 1996
83
um teatro didaacutetico Domingos de Oliveira levou agrave cena a histoacuteria de um homem
impossibilitado de se expressar num sistema dito democraacutetico Ao colocar em xeque toda a
estrutura de poder da cidade do Dr Stockmann dos pontos de vista moral e eacutetico o diretor
procurou mostrar como a representaccedilatildeo democraacutetica pode ser falha e como a maioria pode ser
facilmente manipulada Ampliando essa discussatildeo central da peccedila Oliveira procurou enfatizar
ainda questotildees como a preservaccedilatildeo do meio ambiente o poder da imprensa na manipulaccedilatildeo
da opiniatildeo das massas e a eacutetica na administraccedilatildeo puacuteblica Essa linha de encenaccedilatildeo foi bastante
criticada principalmente pelo fato de que para muitos de nossos criacuteticos caso de Nelson de
Saacute da Folha de S Paulo natildeo era a poliacutetica nem o conflito com a maioria que caracterizavam
a atualidade e o vigor de Um inimigo do povo mas ldquoa seduccedilatildeo do homem soacute natildeo mais refeacutens
de ideacuteias verdades amigos ou gruposrdquo Para Nelson de Saacute a direccedilatildeo de Domingos de
Oliveira tinha sido maniqueiacutesta sobretudo por omitir ldquoa proclamaccedilatildeo da individualidaderdquo
aspecto que segundo o criacutetico era o cerne da peccedila de Ibsen1 Nesse sentido a interpretaccedilatildeo
dos atores principalmente a de Paulo Betti no papel do Dr Stockmann tambeacutem foi criticada
por natildeo apresentar nuances psicoloacutegicas mas apenas perfis funccedilotildees a serviccedilos do texto
apresentando clareza em vez de profundidade Da mesma maneira o cenaacuterio e figurinos que
nada tinham de espetaculares sofreu as mesmas restriccedilotildees Para Alberto Guzik ldquoos tons que
[oscilavam] do ocre ao bege e bordocircrdquo diluiacuteram a tensatildeo dramaacutetica da cena contribuindo para
a sensaccedilatildeo ldquode monotonia e achatamento do palcordquo A criacutetica foi estendida agrave iluminaccedilatildeo que
sendo convencional pouco fez para dar contornos ao ldquoproblema visual do espetaacuteculordquo2
No comeccedilo deste seacuteculo com a vida teatral cada vez mais subordinada ao arbiacutetrio dos
dirigentes de empresas privadas as encenaccedilotildees de Ibsen com rariacutessimas exceccedilotildees natildeo
sofreram mudanccedilas significativas O ponto a se destacar eacute a melhor qualidade literaacuteria de
alguns espetaacuteculos alcanccedilada graccedilas agraves traduccedilotildees feitas diretamente do original norueguecircs
por Karl Erik Schoslashllhammer3 Seguindo a loacutegica do governo brasileiro que confunde poliacutetica
cultural com poliacutetica de mercado vieram a puacuteblico mais uma vez produccedilotildees dispendiosas mdash a
grosso modo com artistas que se consagraram na televisatildeo mdash visando mais do qualquer outra
coisa o retorno de bilheteria Nessa esteira Casa de boneca produzida por Ana Paula Aroacutesio
foi encenada no Teatro Leblon do Rio em outubro de 2001 A direccedilatildeo de Aderbal Freire-
1 Nelson de Saacute ldquoIbsen proclama o poder do homem soacuterdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 20 mar 1998 Folha Ilustrada p 3 2 Alberto Guzik ldquoUm inimigo monoacutetonordquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 2 abr 1998 3 Karl Erik Schoslashllhammer traduziu Quando noacutes os mortos despertarmos para o espetaacuteculo do Teatro do Pequeno Gesto em 1991 e Casa de boneca dirigida por Aderbal Freire-Filho em 2001 Traduziu ainda em parceria com Faacutetima Saadi O pequeno Eyolf em 1993 e John Gabriel Borkman em 1996 ambas publicadas na Coleccedilatildeo Teatro da Editora 34 de Satildeo Paulo
84
Filho que teve o meacuterito de escolher uma traduccedilatildeo de qualidade natildeo escapou aos
esquematismos do teatro de entretenimento Sem abandonar de todo o realismo da obra
Freire-Filho procurou enfatizar os conflitos existenciais de Nora em sua busca por liberdade
focalizando o desejo da personagem de fazer a sua proacutepria histoacuteria A marcaccedilatildeo e os
elementos cecircnicos mdash uma miniatura de casa de boneca uma mesa e algumas cadeiras em
torno das quais giraram os atores mdash pretenderam dar uma significacircncia simboacutelica agraves atitudes
interiores das personagens O cenaacuterio do portuguecircs Joseacute Manuel Castanheira mdash uma janela
que abria todo o fundo do teatro para um jardim coberto de neve em contraste com o interior
aconchegante de uma casa burguesa mdash e a iluminaccedilatildeo refinada de Manuel Quindereacute
conferiram intensa plasticidade ao desenho cecircnico No ano seguinte em maio de 2002 a
mesma peccedila estreou no Teatro do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio dessa vez numa
versatildeo multimiacutedia de Bia Lessa O espetaacuteculo foi chamado pela proacutepria diretora de ldquopeccedila-
filmerdquo porque quase toda a accedilatildeo da peccedila era apresentada num viacutedeo e somente na cena final
Nora interpretada por Betty Gofman aparecia no palco para cumprir seu gesto de abandono
do lar O uso do cinema foi justificado como uma forma de dimensionar uma quebra realista
subvertendo-se assim os limites do espetaacuteculo teatral No entanto a falta de contraponto
dramaacutetico das duas linguagens aproximou a encenaccedilatildeo segundo Macksen Luiz da
dramaturgia televisiva sobretudo por causa do uso da cacircmera em primeiro plano1
Em agosto de 2004 o Festival Porto Alegre em Cena em parceria com o governo da
Noruega trouxeram ao Brasil duas jovens diretoras Catherine Kahn e Anne Klovholt para
ministrar um laboratoacuterio intitulado ldquoO ator compositor e a poesia do movimentordquo No final do
curso cinco atores brasileiros foram selecionados para participar da encenaccedilatildeo de A dama do
mar representada no Armazeacutem A5 do Cais do Porto em Porto Alegre no mecircs de setembro
Nesse mesmo ano em outubro Paulo de Moraes encenou O pequeno Eyolf no Centro
Cultural da Justiccedila Federal no Rio de Janeiro primeira montagem brasileira desse texto O
espetaacuteculo centrado nos conflitos familiares de Alfred e Rita Allmers trouxe agrave cena a
discussatildeo de sentimentos como ciuacutemes inveja desprezo e amargura As personagens
enredadas em si mesmas incapazes de fugir de seus remorsos foram o foco principal dessa
montagem que procurou abordar a possibilidade de transformaccedilatildeo do homem deixando de
lado a passividade e a auto-compaixatildeo No entanto em cena essas questotildees trabalhadas em
forma de diaacutelogos solenes e de discursos quase filosoacuteficos acabaram por tornar a encenaccedilatildeo
de oitenta minutos um peso para os ombros dos espectadores O trunfo da montagem ficou
1 Macksen Luiz ldquoA armadilha de Ibsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 4 maio 2002
85
por conta da moldura visual que ambientou a cena em um espelho drsquoaacutegua conferindo
densidade e imagem vigorosa ao quadro Criacuteticas mais duras receberam o elenco Viviane
Coutinho inteacuterprete de Eyolf apesar de deficiente apresentou-se um tanto saltitante no palco
e Joatildeo Vitti no papel da Mulher dos Ratos ficou reduzido a uma ldquocaricatura em travestirdquo1
Diante desse estado de coisas no final de 1998 surgiu o Movimento Arte Contra a
Barbaacuterie que reuacutene intelectuais artistas e grupos do teatro paulista cuja atuaccedilatildeo resultou na
lei municipal de fomento ao teatro Subvencionadas pelo Estado as companhias paulistas
tiveram a chance de desenvolver projetos comprometidos com a pesquisa da linguagem
teatral apresentando ao puacuteblico espetaacuteculos ligados agrave experiecircncia social brasileira Aleacutem
disso a ocupaccedilatildeo de teatros de vaacuterias regiotildees de Satildeo Paulo por esses grupos mdash fora do
circuito onde domina o teatro comercial mdash e a venda a baixo custo dos ingressos
possibilitaram ao menos em parte o acesso de um puacuteblico mais amplo agraves peccedilas Desse modo
em outubro de 2005 o grupo Teatro de Narradores beneficiado pela lei de fomento levou agrave
cena do Teatro Faacutebrica de Satildeo Paulo sua versatildeo de Casa de boneca que de imediato se
contrapocircs agraves montagens desse texto realizadas no paiacutes
Preocupado em oferecer uma encenaccedilatildeo que unisse o prazer esteacutetico agrave reflexatildeo o
Teatro de Narradores explorou uma das dimensotildees mais agudas e atuais do texto ibseniano o
dinheiro como base de um sistema soacutecio-econocircmico em que se resume Casa de boneca Eacute por
causa dos interesses materiais e atraveacutes dele que se originam e se alimentam todos os
acontecimentos da peccedila desde a prepotecircncia de Torvald sobre Nora o casamento de
conveniecircncia de Cristina Linde para assegurar uma situaccedilatildeo financeira ameaccedilada ateacute o falso
coacutedigo de honra de Torvald que acaba se desfazendo depois que sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na
sociedade se manteacutem assegurada Desse modo o conflito de Nora que em algumas
montagens beirou o existencial foi reduzido em proveito da anaacutelise das relaccedilotildees que
envolviam todos os demais personagens A adaptaccedilatildeo mdash viagem dos Helmer aos Estados
Unidos e Nora fantasiada de Marilyn Monroe por exemplo mdash procurou tornar patente a
superficialidade dos valores da classe meacutedia que se constituiacuteam nas relaccedilotildees fetichistas no
mito da auto-realizaccedilatildeo e na ideacuteia do sucesso como configuraccedilatildeo do sujeito O espaccedilo cecircnico
vazio e branco com apenas um telatildeo no fundo bem como a trilha sonora e a iluminaccedilatildeo
serviu para comentar epicamente a accedilatildeo e esboccedilar o pano de fundo social Nessa perspectiva
o grupo aleacutem de romper com as tradicionais realizaccedilotildees dessa peccedila mdash que entre noacutes
privilegiavam exclusivamente os conflitos individuais das personagens mdash vai na contramatildeo
1 Cf Macksen Luiz ldquoTexto prejudicado pelo elencordquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 25 out 2004 Caderno B p 4
86
do pensamento de que o cunho social de Casa de boneca eacute antiquado e obsoleto refazendo
desse modo o percurso ou pelo menos uma das trilhas principais do teatro brasileiro da
deacutecada de 60
Acompanhando a trajetoacuteria das encenaccedilotildees de Ibsen no Brasil fica claro que elas se
identificaram em sua maior parte com a mentalidade burguesa dominante quer pela mera
representaccedilatildeo pela representaccedilatildeo que natildeo leva em conta nada aleacutem dos aspectos lucrativos
do espetaacuteculo quer pelo investimento maciccedilo no capricho das produccedilotildees que fascinam pela
beleza mas satildeo vazias de conteuacutedo quer pela falta de estudos teoacutericos a respeito do texto a
ser encenado dos quais se encontra muito distante a maioria dos nossos artistas preocupados
tatildeo somente em exibir seus ldquodotesrdquo interpretativos Por essas razotildees o teatro ldquoformalista e
abstrato da forma pela formardquo tatildeo criticado por Antunes Filho na deacutecada de 1970 continua
de algum modo a imperar na cena brasileira com exceccedilotildees claro de alguns artistas seja da
nova ou da velha geraccedilatildeo que se comprometem com a cultura e natildeo com o mercado
87
A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos
Apesar das constantes encenaccedilotildees mdash quase sempre as mesmas Casa de boneca Os
espectros e Hedda Gabler mdash natildeo se pode dizer que Ibsen tenha alcanccedilado popularidade
tampouco despertado grande interesse no Brasil No fim do seacuteculo XIX e comeccedilo do XX
momento de grande efervescecircncia e de muitas polecircmicas acerca de sua obra Artur Azevedo
Oscar Guanabarino Alfredo Pujol entre outros constituiacuteram a primeira frente de resistecircncia
ao teatro do norueguecircs Afeitos agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita esses criacuteticos consideraram
as peccedilas de Ibsen enfadonhas desprovidas de quaisquer qualidades dramaacuteticas obscenas e
degeneradas encorajando o incesto a desestruturaccedilatildeo familiar e o amor livre Por volta dos
anos 1920 Ibsen jaacute considerado um claacutessico da literatura dramaacutetica mundial passou a ser
visto no Brasil como autor de um teatro puramente literaacuterio que visava mais agrave leitura que agrave
representaccedilatildeo Sua obra considerada entatildeo de total ausecircncia de dramaticidade cecircnica e de
temas sombrios e obsoletos merecia figurar nas principais bibliotecas do paiacutes apenas como
um complemento necessaacuterio agrave formaccedilatildeo literaacuteria de nossos artistas Somente a partir de 1940
sob a forte influecircncia da criacutetica de Carpeaux mdash que deslocou o foco dos pressupostos sociais
do dramaturgo dito ultrapassados para a subjetividade das personagens mdash as peccedilas
ibsenianas voltariam a ser discutidas mesmo assim de uma maneira muito tiacutemida Desse
modo num primeiro momento entre 1940 e 1970 ainda sob o influxo das concepccedilotildees de
Carpeaux a obra de Ibsen seria vista como uma versatildeo moderna da trageacutedia grega abordando
o destino individual do heroacutei ibseniano que conhece o infortuacutenio em consequumlecircncia de algum
erro cometido no passado Num segundo momento com a valorizaccedilatildeo cada vez maior do
cunho individual e psicoloacutegico de seu teatro principalmente a partir de 1980 a realidade
interior das personagens seus conflitos e suas anguacutestias viriam a ser os principais aspectos de
interesse tornando-se a psicologia uma das estrateacutegias criacuteticas mais viaacuteveis para se analisar as
peccedilas do autor Enquanto muitos de nossos criacuteticos presos ao simples conteudismo das peccedilas
preocupavam-se em estabelecer o que era velho ou novo no teatro de Ibsen Ruggero Jacobbi
Oduvaldo Viana Filho Anatol Rosenfeld e Luiz Israel Febrot entre outros seguiram caminho
inverso Retomando uma a uma as principais ideacuteias correntes acerca de Ibsen esses
intelectuais procuraram reformulaacute-las com maior amplitude e equiliacutebrio levando em
consideraccedilatildeo a complexidade interna dos textos a natureza social e o papel decisivo da forma
dramaacutetica do autor
88
Ruggero Jacobbi mdash talvez um dos poucos diretores estrangeiros a aderir ao programa
internacional do realismo criacutetico dirigindo peccedilas como Estrada do tabaco em 1947 e A ronda
dos malandros em 1950 ambas no TBC mdash sobressaiu como teoacuterico historiador e criacutetico de
teatro trazendo novas luzes ao pensamento das artes cecircnicas brasileiras Em 1956 Jacobbi
publica seu primeiro livro no Brasil A expressatildeo dramaacutetica onde apresenta as linhas evolutivas
da dramaturgia partindo da Greacutecia passando por Goldoni Schiller e Ibsen ateacute chegar aos
perfis de personalidades teatrais como Moacutelnar Verneuil Renato Simoni Baty e Claudel O
escritor procede por siacutentese raramente demora-se na anaacutelise minuciosa da composiccedilatildeo de uma
peccedila Antes distingue em traccedilos breves e incisivos a fisionomia de um autor e seu momento
histoacuterico Em ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo Jacobbi enfatizou a importacircncia do dramaturgo na histoacuteria
do teatro mundial apresentando as questotildees esteacuteticas pontuais de sua obra que definiriam
novos rumos para a configuraccedilatildeo da dramaturgia moderna Nesse percurso sem perder de vista
os principais conceitos brasileiros sobre a obra de Ibsen o criacutetico procurou mostrar que o
dramaturgo embora introduzisse em suas peccedilas elementos liacutericos e simboacutelicos para ressaltar as
contradiccedilotildees internas das personagens fez tudo como ningueacutem antes dele para alargar os
limites do individualismo Em Casa de boneca por exemplo a libertaccedilatildeo individual e
psicoloacutegica de Nora natildeo constituiacutea o cerne da peccedila pois ainda segundo Jacobbi Ibsen tinha
exigecircncias maiores como ldquoinvestigar agressivamente a substacircncia praacutetica de certas situaccedilotildees da
sociedaderdquo1 Os conflitos das personagens ibsenianas portanto extrapolavam a esfera
individualista uma vez que estavam carregados de uma historicidade que natildeo se desfizera com
o tempo Para Jacobbi nenhum dos problemas que o autor colocara diante e dentro dos homens
perdera a atualidade Os malogros dos indiviacuteduos e os fracassos das ideologias continuavam a
caracterizar o nosso mundo em cujo limiar esteve e estaacute Ibsen Por isso natildeo lhe interessou
dissecar o trabalho do autor com o uacutenico fim de instituir agrave moda de Croce na Itaacutelia e Carpeaux
no Brasil o que era vivo ou morto em sua obra Preferiu ater-se agrave forma das peccedilas que ele
denominou de dramas de problemas por apresentar uma estrutura dialeacutetica que abria dentro de
cada assunto uma problemaacutetica infinita Aleacutem disso ele apontou a imprecisatildeo de nossa criacutetica
em aproximar a obra de Ibsen da trageacutedia grega sobretudo no que dizia respeito a noccedilatildeo de
destino e fatalidade ldquoA estrutura dialeacutetica estaacute sempre presente e potildee em evidecircncia todos os
lados do problema Em Ibsen como em Shakespeare todos tecircm razatildeo cada um eacute
infalivelmente o que eacute em toda a sua complexidade tanto que agraves vezes temos uma suspeita de
1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 49
89
determinismo a qual teria fundamento se Ibsen natildeo tivesse uma confianccedila imensa nas
possibilidades do indiviacuteduo e natildeo exigisse dele muito ateacute demaisrdquo1
Agrave trageacutedia estaacute inerente um pano de fundo miacutetico bem como uma visatildeo que projeta os
conflitos humanos para uma dimensatildeo metafiacutesica Seus temas satildeo os conflitos inexoraacuteveis
eternos sem saiacuteda A isso se associa indissoluvelmente a sua organizaccedilatildeo o gesto grandioso
o tom solene a tendecircncia ao verso etc As peccedilas de Ibsen com seu realismo domeacutestico abalam
profundamente tal estrutura na medida em que ele trabalha com a prosa coloquial as
concepccedilotildees socioloacutegicas as relaccedilotildees financeiras que de maneira nenhuma se ajustam aos
alexandrinos e aos cinco atos da trageacutedia claacutessica Aleacutem disso as personagens ibsenianas
estatildeo condicionadas ao peso da histoacuteria seus conflitos satildeo ldquoresultados da pressatildeo do mundo
exterior ou mais exatamente do subsolo da realidade que se determina como existente isto
eacute da Histoacuteriardquo2 Um mundo absolutamente mediado a responsabilidade sendo de todos e de
ningueacutem jaacute natildeo comporta a grandeza do heroacutei traacutegico que sozinho define o destino de um
povo e assume toda a culpa integralmente Em Ibsen os protagonistas quase sempre natildeo
encontram a saiacuteda do dilema em que se debatem mas o dramaturgo sugere que a soluccedilatildeo
existe mormente no combate agrave hipocrisia da sociedade E eacute essa confianccedila na superaccedilatildeo da
crise que marca a impossibilidade da trageacutedia Descartada portanto a aproximaccedilatildeo das peccedilas
de Ibsen da trageacutedia Jacobbi conclui que a grande renovaccedilatildeo do teatro ibseniano aconteceu
no acircmbito da teacutecnica dramatuacutergica ldquoIbsen natildeo teve medo de escrever trecircs ou quatro atos de
tamanho normal ou de pocircr em cena dois criados conversando Sabia muito bem que o
problema era eacute outro que o que se havia perdido era o sentido concreto da personagem
dramaacuteticardquo3
Na deacutecada de 1960 assistiremos ao debate da intelectualidade de esquerda e do setor
teatral reclamando um espaccedilo para as encenaccedilotildees empenhadas na discussatildeo da realidade
brasileira Nessas circunstacircncias as peccedilas de Ibsen consideradas obsoletas e ultrapassadas
passam por uma importante reavaliaccedilatildeo criacutetica Vianinha uma das figuras mais expressivas
do teatro de agitaccedilatildeo e propaganda criacutetico ferrenho do ldquoesteticismordquo do TBC e de seu
descomprometimento com a dramaturgia nacional foi possivelmente o primeiro intelectual
brasileiro a questionar o modo como Ibsen vinha sendo encenado no Brasil Procurando
acompanhar as grandes mudanccedilas histoacuterico-sociais que repercutiam diretamente na esteacutetica
1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 52 2 Ruggero Jacobbi ldquoIbsen atualrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 31 jan 1959 Suplemento literaacuterio n 118 p 5 3 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica p 58
90
teatral Vianinha apontava na obra de Ibsen a gecircnese de uma dramaturgia voltada para a
participaccedilatildeo do indiviacuteduo como agente diante das adversidades poliacutetica e social As
personagens ibsenianas desse modo longe de resignar-se aos desiacutegnios de justiccedila e verdade
que jaacute natildeo eram estaacuteveis e absolutos como na trageacutedia claacutessica debatiam-se entre seus anseios
e a sua consciecircncia eacutetica em meio aos valores estabelecidos pela sociedade Determinada a
viga mestra do teatro de Ibsen Vianinha criticava as montagens brasileiras de suas peccedilas cuja
preocupaccedilatildeo era apenas com o destino individual das personagens natildeo ultrapassando a
aparecircncia esteticista de um teatro que se desfazia em luzes cenaacuterio gestos e inflexotildees
Vianinha apontava ainda o disparate da burguesia nacional que era ldquoincapazrdquo de distinguir
nos produtos culturais que importava ldquooposiccedilatildeo e lutardquo Para Vianinha Ibsen e Pirandello
por exemplo pouco diziam pouco contribuiacuteam para a organizaccedilatildeo cultural da classe
dirigente que assistia aos dois autores sem notar diferenccedila alguma entre eles diferenccedilas que
modificariam ainda segundo ele os criteacuterios de comportamento do puacuteblico Nessa mesma
perspectiva Vianinha criticava a encenaccedilatildeo de Ibsen por Ziembinski ldquoNatildeo interessa mais o
que diz Ibsen nem transmitir Ibsen com toda a sua eficaacutecia Natildeo O puacuteblico natildeo precisa
modificaccedilatildeo Ziembinski volta para traacutes Quando chegou aqui tratava-se de dizer Ibsen
Agora trata-se de montar um belo espetaacuteculo Natildeo haacute mais ressonacircncia humana no
espetaacuteculo O teatro natildeo tem mais funccedilatildeo culturalrdquo1
Ainda na esteira das mudanccedilas essenciais da dramaturgia de Ibsen Anatol Rosenfeld
publica em 1965 O teatro eacutepico livro de valor inestimaacutevel para o ensaiacutesmo teatral brasileiro
sobretudo pela importacircncia de se esclarecer os conceitos e as teorias de Brecht num momento
em que se radicalizavam as propostas dos diversos movimentos de cultura popular do paiacutes Ao
relatar o processo histoacuterico desencadeado pela crise da forma dramaacutetica que culminaria anos
mais tarde com o aparecimento do teatro eacutepico de Brecht Rosenfeld apontou a dimensatildeo
eacutepica da obra de Ibsen que escapava agraves leituras entatildeo em voga Desse modo ele contribuiu
enormemente para se desfazer os impasses de nossa criacutetica que ora via Ibsen como um
grande ldquotraacutegico modernordquo ora como autor de ldquoromances dialogadosrdquo Primeiramente
Rosenfeld tratou de explicar que a obra ibseniana embora restringida agrave dramaturgia
tradicional jaacute anunciava pela temaacutetica o advento do teatro eacutepico Em linhas gerais o criacutetico
destacou a estrutura rigorosa das peccedilas mdash exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e desenlace mdash sem
deixar de apontar para o elemento que subvertia a dramaacutetica pura o tempo passado Ele
alertou que a accedilatildeo decisiva em Ibsen natildeo se desenrolava na atualidade mas no passado Nesse
1 Oduvaldo Viana Filho ldquoQuatro instantes do teatro no Brasilrdquo In Fernando Peixoto (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983 p 48
91
ponto o teatro do escritor norueguecircs divergia da forma ldquoorgacircnicardquo do teatro aristoteacutelico uma
vez que o enredo deixava de narrar uma accedilatildeo conclusa As peccedilas definiam muito mais uma
conjuntura do que um desenvolvimento destinado a desenredar a trama Portanto as
recordaccedilotildees do passado mdash tema essencialmente eacutepico mdash dispersas no desenho das peccedilas
ibsenianas eacute que colaboraram para a dissoluccedilatildeo do drama E nisso estava a maestria da arte
de Ibsen que conseguia ldquoencobrir o tema eacutepico pela estrutura dramaacutetica atraveacutes de uma accedilatildeo
acessoacuteria que se desenvolve na breve atualidade de um ou dois diasrdquo1 Em seguida Rosenfeld
explicou as diferenccedilas entre Eacutedipo Rei de Soacutefocles e Os espectros de Ibsen tentando acabar
com o equiacutevoco da criacutetica sobretudo a de Carpeaux que costumava associar a obra ibseniana
agrave trageacutedia claacutessica Rosenfeld mostrou que as duas peccedilas foram construiacutedas rigorosamente
dentro do padratildeo da teacutecnica analiacutetica Em ambas a exposiccedilatildeo (a revelaccedilatildeo do passado)
constituiacutea quase toda a accedilatildeo da trama No entanto em Soacutefocles as revelaccedilotildees eram objetivas
ou seja o mito era conhecido do puacuteblico e o passado de Eacutedipo era revelado somente a ele
proacuteprio que desconhecia os seus crimes A personagem entatildeo era surpreendida pela
revelaccedilatildeo da verdade que natildeo ficava confinada no passado mas era atualizada Portanto o
tema de Eacutedipo natildeo era o tempo passado mas o destino terriacutevel do heroacutei que era o assassino do
pai o marido da matildee e o irmatildeo dos seus filhos Em Ibsen acontecia exatamente o contraacuterio A
accedilatildeo atual de Os espectros nada mais era que a ocasiatildeo de desvendar aos espectadores o
passado de Helena Alving o matrimocircnio infeliz mantido agrave custa das convenccedilotildees sociais As
revelaccedilotildees de Helena eram subjetivas na medida que suas confidecircncias eram feitas apenas ao
Pastor Manders E era por meio dele que o puacuteblico ficava sabendo os segredos da
protagonista Helena natildeo sofria o choque da descoberta da verdade uma vez que ela mesma
forjara o seu destino Assim o passado natildeo chegava a ser atualizado ele mesmo tornava-se o
assunto da peccedila por meio da exposiccedilatildeo de vidas malogradas Enquanto a mateacuteria de Soacutefocles
era dramaacutetica e traacutegica porque seu heroacutei resignava-se agraves deliberaccedilotildees dos deuses e oferecia ao
puacuteblico em seu sacrifiacutecio o efeito cataacutertico a de Ibsen era eacutepica porque estava delimitada ao
passado e agrave memoacuteria das personagens (esfera subjetiva)
Depois de estabelecido o problema formal da dramaturgia de Ibsen por Rosenfeld e
sob o impulso das primeiras montagens profissionais de suas peccedilas mdash que absurdamente soacute
ocorreram nos anos de 1960 mdash a obra ibseniana deixaria as prateleiras poeirentas das
bibliotecas para ser discutida nos principais perioacutedicos de cultura do paiacutes como o Suplemento
Literaacuterio drsquoO Estado de S Paulo o Caderno B do Jornal do Brasil a Revista de Teatro da
1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 85
92
SBAT etc Seguindo de perto as indicaccedilotildees de Rosenfeld Luiz Israel Febrot criacutetico de teatro e
cinema publica entre 1966 e 1968 quatro ensaios no Suplemento Literaacuterio drsquoO Estado de S
Paulo mdash ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo ldquoHedda Gablerrdquo ldquoIbsen Atual - Irdquo e ldquoOs espectros satildeo
as velhas ideacuteiasrdquo mdash procurando analisar o tema baacutesico do teatro de Ibsen ou seja o passado
evocado atraveacutes do diaacutelogo das personagens Deixava-se de lado a preocupaccedilatildeo de ver em
Ibsen o modelo da carpintaria de efeito do teatro claacutessico passando-se agrave tentativa de
compreender os valores do passado que as peccedilas reconstituiacuteam e criticavam Para Febrot a
declaraccedilatildeo de que os temas do dramaturgo eram ultrapassados servia apenas como um
pretexto para se evitar a discussatildeo de problemas que desagradavam as ldquoplateacuteias bem
pensantesrdquo como a opressatildeo social a luta de classes a corrupccedilatildeo o preconceito as relaccedilotildees
espuacuterias mantidas por interesse etc Assim em seu ensaio sobre Um inimigo do povo ele
apontou a base sobre a qual se assentava a trama da peccedila a especulaccedilatildeo mercantil situaccedilatildeo
tiacutepica da sociedade de livre concorrecircncia A contaminaccedilatildeo das aacuteguas do balneaacuterio da cidade
do Dr Stockmann foi causada pela cobiccedila dos proprietaacuterios que exigiram que os
encanamentos passassem sob seus terrenos para assim receberem indenizaccedilotildees Os industriais
por sua vez natildeo desejavam gastar dinheiro tratando das aacuteguas que saiacuteam de suas faacutebricas
preferindo jogaacute-las diretamente no rio Portanto o maior inimigo da liberdade e da verdade
era segundo o criacutetico o dinheiro e os interesses por ele criados1
No ensaio sobre ldquoHedda Gablerrdquo Febrot discutiu o lugar-comum da criacutetica em ver na
personagem-tiacutetulo uma neurastecircnica dama do fim do seacuteculo XIX uma enfastiada da vida Ele
assinalou que para essa concepccedilatildeo muito contribuiacuteram a performance cheia de pompa de
atrizes mdash como Eleonora Duse mdash que se preocupavam com a interiorizaccedilatildeo da personagem
ressaltando-lhe as crises de histeria ofuscando assim a mensagem da peccedila Para furtar-se agrave
leitura psicoloacutegica de Hedda Gabler o criacutetico recorreu agrave coerecircncia de temas e propoacutesitos do
teatro do norueguecircs Ibsen compreendera que os princiacutepios de igualdade fraternidade e
liberdade propagados pela Revoluccedilatildeo Francesa beneficiavam apenas uma pequena parcela
da sociedade Em toda a sua obra o dramaturgo procurou mostrar a contradiccedilatildeo que existia
entre os ideais que a sociedade burguesa proclamava e o que realmente acontecia com os
homens Nesse sentido ver Hedda apenas como uma histeacuterica era diminuir o alcance da peccedila
era dizer apenas a metade e precisamente a mais visiacutevel e portanto a menos importante A
outra metade que se devia levar em consideraccedilatildeo ainda segundo Febrot era que a
personagem encarnava as caracteriacutesticas e os preconceitos burgueses Hedda era
1 Cf Luiz Israel Febrot ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 10 set 1966 Suplemento Literaacuterio n 494 p 5
93
convencional casou-se com Tesman para manter seu conforto material e sua posiccedilatildeo na
sociedade relacionava-se apenas com as pessoas de seu niacutevel social rejeitava a ligaccedilatildeo
amorosa com o juiz Brack natildeo por pudor ou princiacutepio mas por medo do escacircndalo E foi
justamente o pavor do escacircndalo que a levou ao suiciacutedio Para Febrot Hedda como
individualidade psicoloacutegica com determinados conceitos e preconceitos simbolizava uma
categoria social Desse modo as accedilotildees da personagem interessavam menos ldquoagraves revistas
meacutedicas do que aos estudos de sociologia poliacutetica e histoacuteriardquo1
Apesar dessas contribuiccedilotildees a maior parte de nossa criacutetica teatral mais do que nunca
submetida agrave mercantilizaccedilatildeo da cultura continuou a reproduzir as velhas concepccedilotildees sobre o
dramaturgo Detendo-se apenas na superficialidade dos textos sem interesse algum de se
analisar as relaccedilotildees histoacutericas e sociais das peccedilas geralmente relegadas ao campo dos
conteuacutedos nossos criacuteticos continuaram a ver Ibsen como um autor ultrapassado Mariacircngela
Alves de Lima por exemplo a propoacutesito da montagem de Casa de boneca pela companhia
de Tocircnia Carrero na deacutecada de 1970 declarava que o texto de Ibsen servia muito mais como
um documento da histoacuteria do teatro do que como uma forccedila atuante no presente ldquoSem
duacutevida o direito de se afirmar aleacutem dos limites de um papel social eacute uma aspiraccedilatildeo humana
permanente Entretanto a situaccedilatildeo especiacutefica que o texto de Ibsen coloca tem no seacuteculo XX
um reduzido poder de contestaccedilatildeordquo2 Aqueles que procuravam afirmar a atualidade do
dramaturgo enfatizavam os conflitos individuais das personagens sem levar em conta os
mecanismos de opressatildeo da sociedade burguesa que efetivamente era o que Ibsen pretendia
criticar Para Deacutecio Drummond a liberdade individual de Nora que estava ldquoacima e aleacutem de
qualquer circunstacircncia socialrdquo era o fator maior da perene atualidade de Ibsen3 Seguindo
essa mesma loacutegica Mariacircngela Alves de Lima depois de negar a modernidade do dramaturgo
em 1973 voltou atraacutes afirmando ser a cena final de Casa de boneca um ldquosiacutembolo de todos os
sonhos de liberdade individual aleacutem das malhas restritivas dos papeacuteis sociais determinadosrdquo4
A partir do final da deacutecada de 1970 a leitura de orientaccedilatildeo biograacutefica tornou-se uma
constante sendo apropriada tanto pelos nossos criacuteticos como pelos nossos artistas que
reproduziam fielmente nos comentaacuterios e nos programas de espetaacuteculo os estudos de Robert
Brustein mestre dessa vertente Adones de Oliveira jornalista drsquoO Estado de S Paulo por
1 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5 2 Mariacircngela Alves de Lima ldquoIbsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 9 set 1973 3 Cf Deacutecio Drummond ldquoO gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humanordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 7 out 1973 Suplemento Literaacuterio n 845 p 5 4 Mariacircngela Alves de Lima ldquoEncenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsenrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 23 maio 1976
94
exemplo seguindo agrave risca as indicaccedilotildees de Brustein declarava ser o teatro de Ibsen resultado
de sua ldquovida interior e de seu ideal revolucionaacuteriordquo1 Como o criacutetico norte-americano ele
tambeacutem considerava as personagens ibsenianas como auto-retratos do dramaturgo Desse
modo o biografismo aleacutem de empobrecer o texto de Ibsen e de neutralizar o fluxo de
significados de suas peccedilas encobria as experiecircncias formais e os aspectos sociais presentes
em seu teatro Ao mesmo tempo o questionamento da histoacuteria dos valores burgueses da
hipocrisia social tatildeo buscados pelo dramaturgo passavam a ser vistos noutro plano como
relaccedilatildeo psicoloacutegica de Ibsen com sua obra ressaltando-se mais uma vez o cunho meramente
individualista de seu teatro Aliaacutes os meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura sobretudo dos anos
1980 em diante comeccedilaram a ser cada vez mais aplicados agrave criacutetica das peccedilas ibsenianas
Utilizados sem muita cautela esses criteacuterios reduziram muitas vezes a riqueza do enredo das
personagens das situaccedilotildees dos planos externo e interno da obra por tomaacute-la apenas como
material para se diagnosticar as neuroses do autor e de suas personagens
Deacutecio de Almeida Prado ao analisar Hedda Gabler procurou explicar como Ibsen
deixando de lado a loacutegica da peccedila bem-feita que admitia o pressuposto do homem
inteiramente explicaacutevel criou personagens que natildeo podiam mais ser enquadradas dentro de
uma soacute perspectiva caso de Hedda Assim em ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo o criacutetico comeccedilou a
mostrar como a partir de Casa de boneca o autor abrira brechas na dramaturgia rigorosa ao
tratar de temas como o feminismo e a liberdade da mulher No caso de Hedda Gabler o
criacutetico alertou que a soluccedilatildeo dramaacutetica era mais avanccedilada Ibsen conservara intacto o rigor do
teatro aristoteacutelico a condensaccedilatildeo no tempo e no espaccedilo a subordinaccedilatildeo das partes ao todo o
enredo girando em torno de um uacutenico eixo etc mas retirara da peccedila a comunicaccedilatildeo com o
puacuteblico a anaacutelise dos fatos e das personagens seja atraveacutes do confronto entre os indiviacuteduos
seja por meio de um comentador arguto Desse modo ainda segundo o criacutetico Ibsen passava
do que se sabia sobre o indiviacuteduo ldquopara o que natildeo se consegue senatildeo conjeturar abrindo
caminho para a exploraccedilatildeo do irracional do inconsciente ou seja das camadas mais
profundas da personalidaderdquo2 Por isso a resposta agrave pergunta ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo soacute
poderia ser dada pelo acircngulo psicoloacutegico que apresentava segundo Deacutecio de Almeida Prado
um fato incontestaacutevel ldquoa personagem era destrutiva e autodestrutivardquo Somente a partir daiacute
outras hipoacuteteses poderiam ser levantadas desde que se conciliassem as diversas facetas de seu
temperamento De fato as peccedilas de Ibsen tratam de vidas malogradas Os indiviacuteduos por meio
1 Adones de Oliveira ldquoIbsen o pai do teatro de hoje faz 150 anosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 19 mar 1978 2 Deacutecio de Almeida Prado ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 1 maio 1983 Caderno Cultura p 5
95
das recordaccedilotildees do passado encerram-se nas suas proacuteprias subjetividades isolam-se e
interrompem a situaccedilatildeo dialoacutegica Rosenfeld arriscou dizer que no dramaturgo jaacute ldquose
encontram os germes de um processo que iria pocircr em questatildeo a possibilidade do diaacutelogo inter-
humanordquo1 Natildeo haacute como negar que as personagens ibsenianas satildeo complexas natildeo
apresentando portanto contornos firmes e niacutetidos como na dramaturgia convencional No
entanto para natildeo se correr o risco de empobrecer a visatildeo da singularidade do teatro de Ibsen
haacute que se levar em consideraccedilatildeo a estrutura esteacutetica das peccedilas e tentar enxergar aleacutem do
conflito individual das personagens procurando analisar o contexto exterior e os impasses que
as oprimem Nesse sentido vale lembrar a primorosa anaacutelise de Febrot dessa mesma Hedda
Gabler Sem desconsiderar a realidade interior da personagem-tiacutetulo ele indicou um
importante aspecto da peccedila que talvez passasse desapercebido aos adeptos da psicanaacutelise
Hedda encarna os preconceitos e as ideacuteias do individualismo burguecircs eacute o ldquocaacutelculo que leva ao
carreirismo eacute o desejo de conforto antes e acima de tudo eacute a ambiccedilatildeo vatilde de prestiacutegio social eacute
o egoiacutesmo frio que esquece os demais inclusive famiacutelia e amigos Eacute a proacutepria inutilidade
socialrdquo2
As indicaccedilotildees de Deacutecio de Almeida Prado sobre o caraacuteter psicoloacutegico do teatro de
Ibsen tomadas sem as devidas precauccedilotildees mdash sugeridas aliaacutes pelo proacuteprio criacutetico mdash e os
estudos do psicanalista Wilhelm Reich entatildeo em voga contribuiriam para que se afigurasse
no centro das discussotildees de Ibsen apenas os conflitos existenciais de suas personagens
destituiacutedos de qualquer conjuntura maior seja esteacutetica ou social Essa situaccedilatildeo que de algum
modo perdura ateacute hoje corrobora equivocadamente o individualismo como o elemento
predominante da atualidade do dramaturgo deixando de lado as implicaccedilotildees materialistas e
desabusadas de sua obra que diga-se de passagem nunca perderam seu vigor Como
considerar ultrapassada a criacutetica do dramaturgo a um mundo comandado por lucro trabalho e
competiccedilatildeo Certamente os valores burgueses associados ao seu teatro e consolidados desde
a deacutecada de 1940 mdash prestiacutegio do vieacutes psicoloacutegico e refutaccedilatildeo da praacutetica poliacutetica e social de
suas peccedilas mdash ratificam esse estado de coisas Tanto eacute assim que ao se falar de Ibsen nossos
criacuteticos continuam reproduzindo os velhos chavotildees ora polemizam sobre a modernidade de
seus temas ora comparam a estrutura de suas peccedilas ao rigor do teatro claacutessico e ora
reafirmam a densidade psicoloacutegica de suas personagens Nessa perspectiva a recente
publicaccedilatildeo do livro de Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade fora o meacuterito
1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 88 2 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5
96
de se tratar do primeiro trabalho de focirclego sobre o dramaturgo no Brasil pouco trouxe de
novo para a reavaliaccedilatildeo de sua obra Haja vista que a autora procura mostrar ao longo de todo
o volume como as peccedilas de Ibsen foram contaminando-se de elementos abstratos e
subjetivos a ponto de abarcar ainda segundo Menezes ldquoo descontiacutenuo e contingente o
ambiacuteguo e o escorregadiordquo1 Depois de evidenciar nessa trajetoacuteria a ruptura do teatro de
Ibsen com os padrotildees dramaturgia convencional a autora passa a analisar o que ela denomina
de ldquoo novo sujeito da obra de Ibsenrdquo Apoiada nas teorias de Freud Tereza Menezes procura
trabalhar as principais caracteriacutesticas das personagens ibsenianas que seriam segundo ela os
limites da consciecircncia as irrupccedilotildees da irracionalidade a questatildeo da identidade as
possibilidades de elaboraccedilatildeo interior e os sujeitos precaacuterios Evidentemente que por ser o
recorte psicoloacutegico o enfoque de seu trabalho Menezes absteacutem-se de tratar do fator social da
obra ibseniana Entretanto a forma social do mundo se antepotildee aos propoacutesitos subjetivos das
personagens Justamente a configuraccedilatildeo social mdash engrenagem objetiva do teatro de Ibsen mdash
funcionando atraacutes das costas das personagens que definem suas intenccedilotildees e seus desejos mais
iacutentimos Portanto a tendecircncia de se interpretar e valorizar a obra ibseniana sem os devidos
cuidados em termos biograacuteficos e psicanaliacuteticos produz muitas vezes resultados
problemaacuteticos por ressaltar de maneira unilateral ou mesmo exclusiva aspectos pouco
relevantes para a compreensatildeo da validade esteacutetica de Ibsen
Por sua vez a criacutetica teatral de jornal limitada nos dias de hoje ao papel de
publicitaacuteria da cultura restringe sua tarefa mais agrave instacircncia de divulgaccedilatildeo dos espetaacuteculos do
que agrave funccedilatildeo analiacutetica No caso de Ibsen uma parte por causa do desinteresse de sua obra e
outra por causa da falta de bibliografia de apoio no nosso paiacutes os criacuteticos acabam
reproduzindo as ideacuteias mais do que conhecidas de autores como Carpeaux Brustein etc Mas
eacute claro que esses argumentos natildeo satildeo suficientemente vaacutelidos para se entender porque
privilegiam tais autores e descartam outros como Rosenfeld Vianinha e Febrot que tatildeo
lucidamente analisaram as peccedilas de Ibsen Essa questatildeo pode ser melhor compreendida se
levadas em conta as exigecircncias do mercado cultural que natildeo se interessa como dizia
Vianinha em ldquotransmitir Ibsen com toda a sua eficaacuteciardquo Os cadernos culturais dessa forma
ficam praticamente a reboque da conveniecircncia dos empresaacuterios de show business e dos
grandes patrocinadores dos espetaacuteculos tornando-se irrelevante discutir a peccedila que seraacute
encenada mas tatildeo somente informar o dia de estreacuteia o custo da montagem os aparatos
cecircnicos etc Assim a nossa criacutetica submetida agrave loacutegica do mercado acaba retornando agrave velha
1 Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006 p 134
97
estruturaccedilatildeo dos artigos do final do seacuteculo XIX uma biografia breve do dramaturgo o resumo
da peccedila a descriccedilatildeo dos cenaacuterios e figurinos e a anaacutelise do desempenho dos atores
Nessas condiccedilotildees natildeo eacute de se admirar que a obra de Ibsen tenha sido ateacute hoje
traduzida apenas parcialmente para nossa liacutengua As primeiras traduccedilotildees de suas peccedilas soacute
apareceram na deacutecada de 1940 restringindo-se ao leque dos textos mais conhecidos o que
resultou no famigerado livro Seis dramas Apesar dos problemas gerados pela traduccedilatildeo
intermediaacuteria do francecircs esse volume continua sendo a principal fonte de consulta sobre o
dramaturgo Versotildees diretas do original norueguecircs apareceram somente nos anos 1990 com
as publicaccedilotildees ineacuteditas de O pequeno Eyolf e John Gabriel Borkman feitas por Karl Erik
Schoslashllhammer Entretanto essas peccedilas jaacute natildeo satildeo mais reeditadas o que ratifica de certo
modo a falta de interesse por Ibsen em nosso paiacutes Essa situaccedilatildeo estende-se como natildeo
poderia deixar de ser agrave sua fortuna criacutetica Estamos literalmente agrave margem das mais
interessantes contribuiccedilotildees estrangeiras sobre o autor Basta dizer que no exterior seu teatro
continua vivo e atuante seja pela encenaccedilatildeo contiacutenua de suas peccedilas pela fundaccedilatildeo de
institutos como Centre for Ibsen Studies na Noruega e The Ibsen Society of America nos
Estados Unidos que promovem conferecircncias seminaacuterios e cursos sobre o autor ou ainda pela
ediccedilatildeo de perioacutedicos especializados como os noruegueses Ibsen Studies e The Contemporany
Approaches to Ibsen e o norte-americano Ibsen News and Comment que jaacute reuniram uma
boa coletacircnea de pesquisas atuais sobre sua obra No Brasil no entanto Ibsen continua
beirando o esquecimento Mesmo na academia seu teatro parece natildeo ser digno de atenccedilatildeo
haja vista que soacute recentemente em 2000 sua obra foi tema de uma dissertaccedilatildeo a de Tereza
Menezes que resultou no livro mencionado anteriormente Ibsen e o novo sujeito da
modernidade
Nessa conjuntura cabe destacar a traduccedilatildeo em 2002 de duas obras que trazem
importantes reflexotildees sobre o dramaturgo Trageacutedia moderna de Raymond Williams
publicado pela editora Cosac amp Naify de Satildeo Paulo e Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e
Chekhov de Stella Adler editado pela Bertrand Brasil do Rio de Janeiro Em linhas gerais o
professor e criacutetico inglecircs Raymond Williams atraveacutes do retrospecto da histoacuteria das ideacuteias e
das representaccedilotildees acerca da proacutepria noccedilatildeo de trageacutedia procura avaliar como se constitui a
experiecircncia traacutegica em autores modernos como Ibsen Arthur Miller Strindberg OrsquoNeill
Tcheacutekhov Beckett e outros No caso do dramaturgo norueguecircs ele aponta uma nova
definiccedilatildeo de trageacutedia a ldquotrageacutedia liberalrdquo que surge a partir da consolidaccedilatildeo do capitalismo
transformando posiccedilatildeo social em distinccedilatildeo de classe ldquoposiccedilatildeo implicava ordem e conexatildeo
98
classe era apenas uma separaccedilatildeo no acircmbito de uma sociedade informe e indeterminadardquo1 Sob
essa perspectiva Williams aponta como numa forma e contexto novos Ibsen criou suas
peccedilas introduzindo a preocupaccedilatildeo burguesa com o dinheiro a intensidade romacircntica de
alienaccedilatildeo o desejo pervertido o reconhecimento social de instituiccedilotildees inertes e de crenccedilas
limitadoras Mergulhadas nesse ambiente as personagens de Ibsen ganharam a feiccedilatildeo de um
novo tipo de heroacutei Diferentemente do heroacutei da trageacutedia claacutessica para quem bastava a nobreza
de sofrimento as personagens ibsenianas requeriam a auto-realizaccedilatildeo e a liberdade num
mundo falso e hipoacutecrita este o verdadeiro inimigo do homem Portanto segundo Raymond
Williams a essecircncia da obra de Ibsen natildeo estaacute na ldquolibertaccedilatildeo individualistardquo de suas
personagens mas na exploraccedilatildeo dos modos pelos quais a sociedade burguesa apresenta os
obstaacuteculos para se realizar essa aspiraccedilatildeo Por sua vez o livro Stella Adler sobre Ibsen
Strindberg e Chekhov traz as transcriccedilotildees de aulas e palestras de uma das mais eminentes
atrizes do Group Theatre sobre esses trecircs dramaturgos modernos Stella Adler procura
apresentar Ibsen como o precursor do realismo no teatro que se posicionara contra as
hipocrisias da classe meacutedia Eacute assim que ela aponta os temas mais frequumlentemente trabalhados
pelo dramaturgo moral dinheiro casamento verdades e mentiras Nesse percurso Adler
procura definir o objetivo de Ibsen que segundo ela natildeo era lidar com os problemas pessoais
e privados de suas personagens mas ldquoretratar os estados de espiacuterito e os destinos de um ser
humano condicionados por situaccedilotildees sociais importantesrdquo2
Ibsen cria de maneira recorrente e com uma extraordinaacuteria riqueza de detalhes
situaccedilotildees que possibilitam uma relaccedilatildeo analiacutetica com a realidade ora pela compreensatildeo que a
personagem tem de ldquosi mesmardquo e do seu mundo ora pela criacutetica e ataque agrave sociedade Eacute desse
confronto de caracteriacutesticas muitas vezes tidas como excludentes entre si que parece nascer a
praacutetica comum de nossa criacutetica de tentar reduzir sua obra ora ao elemento social ora ao
aspecto romacircntico ou existencialista O ponto paciacutefico eacute que a mateacuteria do teatro de Ibsen eacute
constituiacuteda de lembranccedilas de um passado irremediavelmente perdido Difiacutecil eacute perceber quais
satildeo os instrumentos adequados para lidar com ela eacute entender por que as personagens do
dramaturgo natildeo satildeo heroacuteis nem vilotildees eacute compreender por que os valores do passado satildeo
examinados criticamente Algumas respostas jaacute foram dadas por criacuteticos como Alcacircntara
Machado Rosenfeld Vianinha e Febrot Em Ibsen os conflitos o teacutedio profundo e a crise das
personagens natildeo satildeo puras abstraccedilotildees e sim o resultado da opressatildeo de classe das relaccedilotildees de
1 Raymond Williams ldquoDe heroacutei a viacutetima a feitura da trageacutedia liberal para Ibsen e Millerrdquo Traduccedilatildeo de Betina Bischof Trageacutedia moderna Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002 p 127 2 Stella Adler ldquoHenrik Ibsenrdquo Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e Chekhov Traduccedilatildeo de Socircnia Coutinho Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2002 p 76
99
conveniecircncia dos interesses gerados pelo dinheiro etc Portanto uma montagem ou uma
criacutetica que natildeo levem em conta esses aspectos privilegiando-se apenas o tratamento do
indiviacuteduo em seu psicologismo puro ou a defesa de uma tese torna-se problemaacutetica e
insatisfatoacuteria Haacute que se analisar o vazio e o fastio das personagens mas eacute preciso reconhecer
que esses fatores satildeo frutos da engrenagem anocircnima dos poderes sociais A questatildeo social em
Ibsen como bem jaacute demonstraram Rosenfeld Vianinha Raymond Williams e alguns outros
natildeo fornece apenas a mateacuteria que serve de veiacuteculo para conduzir sua corrente criadora ela
proacutepria eacute o elemento que atua na constituiccedilatildeo do que haacute de essencial em seu teatro
R E F E R Ecirc N C I A S B I B L I O G R Aacute F I C A S
101
TRADUCcedilOtildeES DA OBRA DO AUTOR
TEATRO COMPLETO
IBSEN Henrik Drammi Presentazione di Arturo Farinelli Versione a cura di C Giannini e N Zoja 2 v Cernusco sul Naviglio Milano Garzanti 1946 (Il Milione Grandi Scrittori Stranieri)
______ Henrik Ibsen Saumlmtliche Werke Herausgegeben von Julius Elias und Paul Schlenther 5 v Berlin S Ficher Verlag [19--]
______ Teatro completo Tradution y notas de Else Wasteson Revision y proacutelogo de M Winaerts e Germaacuten Goacutemez de la Mata Madrid Aguilar 1959
______ The collected works of Henrik Ibsen Translated by William Archer 13 v New York Scribnerrsquos sons 1911-1914
______ The Oxford Ibsen Translated and edited by James Walter McFarlane 8 v London Oxford University 1960-1977
POESIA
IBSEN Henrik Ibsenrsquos poems Translated by John Northam Oslo Norwegian University Press 1986
______ Poems by Henrik Ibsen Translated by Brian Sourbut [New York] York Settlement Trust 1993
______ The collected poems of Henrik Ibsen Translated by John Northam Disponiacutevel em lthttpwwwibsennetid=26645gt Acesso em 20 jan 2007
CORRESPONDEcircNCIA
IBSEN Henrik Ibsen letters and speeches Edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964
______ Letters of Henrik Ibsen Translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905
______ Lettres de Henrik Ibsen a ses amis Traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906
102
BIOGRAFIAS
BALZEL Oscar Henrik Ibsen Leipizig Infel Bucherei sd
FERGUSON Robert Henrik Ibsen a new biography London Cohen 1996
KOHT Halvdan Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971
JAEligGER Henrik Henrik Ibsen a critical biography Chicago AC McClurg 1901
LOTHAR Rudolph Henrik Ibsen Leipzig E A Seemann 1902 (Dichter und Darsteller 8)
MEYER Hans-Georg Henrik Ibsen New York Frederick Ungar 1972 (World dramatists series)
MEYER Michael Ibsen a biography by Michael Meyer London Peguin Books 1971
LIVROS E TESES SOBRE O AUTOR
APOLLONIO Mario Ibsen Brescia Morcelliana 1944
BERTEVAL W Le theacuteacirctre drsquoIbsen Preacuteface du Comte Prozor Paris Perrin 1912
BLOOM Harold Modern critical views Philadelphia Chelsea 1999
BOETTCHER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1912
BONET Ofelia Machado Ibsen Montevideo sn 1966
BOYESEN Hjalmar Hjorth Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894
BRADBOOK Muriel Clara Ibsen the Norwegian a revaluation London Chatto amp Windus 1946
BRANDES Georg Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies Revision e Introduction de William Archer New York Macmillan 1899
DEPPERMAN Maria et al (Orgs) Ibsen im europaumlischen Spannungsfeld zwischen Naturlismus um Symbolismus Frankfurt Peter Lang 1998
DOUMIC Reneacute De Scribe a Ibsen causeries sur le theacuteacirctre Paris Perrin 1896
DOWNS Brian W Ibsen the intellectual background New York Cambridge 1948
______ Modern Norwegian literature 1860-1918 Cambridge Cambridge University 1966
103
EGAN Michael Henrik Ibsen the critical heritage London Routledge 1997
EHRHARD Auguste Henrik Ibsen et le theacuteacirctre contemporain Paris Lecegravene Odin 1892 (Nouvelle Bibliothegraveque litteacuteraire)
FARINELLI Arturo Byron e Ibsen Milano Fratelli Booca 1944
FIRKINS Ina Ten Eyck Henrik Ibsena bibliography of criticism and biography with na index to characters New York London H W Wilson Company Grafton amp Company 1921 (Practical Bibliographies)
GRAVIER Maurice Ibsen Paris Seghers 1973
GRAY Ronald Ibsen a dissenting view a study of the last twelve plays London Cambridge 1977
HEIBERG Hans Ibsen a portrait of the artist London George Allen Unwin 1969
HOslashST Sigurd Henrik Ibsen Paris Stock 1924
JACOBBI Ruggero Ibsen la vita il pensiero i testi exemplari Milano Edizione Accademia 1972 (Il memorabili)
JACOBS M Ibsens Buumlhnentechnik Dresden Sibyllen-Verlag 1920
JANSEN ANNIE Ibsen el creador del teatro social Buenos Aires Claridad 1966
JOHNSTON Brian Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989
JORGENSONTHEODORE Henrik Ibsen a study in art and personality Northfield Minnesota St Olaf College 1948
KNIGHT WILSON G Ibsen Edinburgh Oliver and Boyd 1962
LA CHESNAIS Pierre Georget Brand drsquoIbsen eacutetude et analyse Paris Melloteacutee [19--] (Les Cheufs-drsquooeuvre de la Litteacuterature Expliqueacutes)
LAVRIN Janko Ibsen an approach London Methuen [1950]
LINGE Tore La conception de lrsquoamour dans le drama de Dumas fils et drsquoIbsen Paris H Champion 1935 (Bibliothegraveque de la Revue de Litteacuterature Compareacutee tome 110)
LOGEMAN H A commentary critical and explanatory on the Norwegian text of Henrik Ibsenrsquos Peer Gynt Its languageliterary associations and folklore The Hague Nijhoff 1917
LORIEacute OSSIP La philosophie sociale dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1900
104
LUGNEacute-POE Aureacutelien Ibsen par Lugneacute-Poe Paris Rieder 1936 (Maicirctres des Litteacuteratures 21)
MARKER Frederick J e Lise-Lone Ibsenrsquos lively art a performance study of the mayor plays New York Cambridge University 1989
MCFARLANE James Walter (Org) The Cambridge Companion to Ibsen New York Cambridge University 1994
______ Discussions of Henrik Ibsen Boston Heath 1962
______ Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970
______ Ibsen and the temper of Norwegian literature London Oxford 1960
NORTHAM John Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953
REINEDKER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris F Alcan 1912
REQUE Dikka A Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoslashrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930
SAROLET Charles Henrik Ibsen eacutetude sur sa vie amp son oeuvre Paris Nilsson 1891
SHAPIRO Bruce G Divine madness and the absurd paradox Ibsenrsquos Peer Gynt an the philosophy of Kierkegaard New York Greenwood 1990 (Contributions in Drama and Theatre Studies 29)
SHAW George Bernard The quintessence of Ibsenism London Walter Scott 1891
SHEPHERD-BARR Kirsten Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997
SLATAPER Scipio Ibsen Con un cenno su Scipio Slataper di Arturo Farinelli Torino Fratelli Bocca 1916 (Letterature Moderene Studi diretti da A Farinelli v 5)
TAM Kwok-kan Ibsen in China 1908-1997 a critical-annotated bibliography of criticism translation and performance Hong Kong Chinese University Press 2001
TEMPLETON Joan Ibsenrsquos women New York Cambridge University 1997
TENNANT P F D Ibsenrsquos dramatic technique Cambridge Bowes 1948
TISSOT Ernest Le drame norveacutegien Paris Perrin 1893
TORNQVIST Egil Ibsen A dollrsquos house Cambridge Cambridge University 1995
105
WEIGAND Hermann J The Modern Ibsen a reconsideration New York Henry Holt and Company 1925
ZAPPA Gabriella La fortuna di Ibsen in Italia (1891-1969) 1968 Tese (Doutorado em Letras) - Faculdade de Letras e Filosofia Universidade de Milatildeo Milatildeo
CAPIacuteTULO DE LIVROS SOBRE O AUTOR
ADORNO Theodor W ldquoExumaccedilatildeordquoldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo In ______ Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificada Traduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 79-82
ARCHER William ldquoIbsen and the English Theatrerdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 60-67
BENTLEY Eric ldquoTalking Ibsen personallyrdquo In ______ The theatre of commitment and others essays on drama in our society New York Atheneum 1967 p 98-118
BRECHT Bertold ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo In ______ Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12
BREED Paul Francis SNIDERMAN Florence M ldquoIbsenrdquo In ______ Dramatic criticism index a bibliography of commentaries on playwrights from Ibsen to the avant-garde Detroit Gale Research 1972 p 314-334
BRUSTEIN Robert ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 51-102
CASANOVA Ch de Bigault ldquoIbsen poetardquo In BRANDES Jorge Henrik IbsenTraduccedilatildeo e proacutelogo de Jose Liebermann Buenos Aires Tor 1965 p 157-188
FARIAS Javier ldquoEnrique Ibsenrdquo In ______ Historia del teatro Buenos Aires Atlandida 1944 (Coleccion Oro de Cultura General) p 210-211
FERGUSSON Francis ldquoGli Spettri e Il Giardino dei ciliegi il teatro del realismo modernordquo 1962 In ______ Idea di un teatro Milano Feltrinelli 1962 (Universale Economica) p 183-221
FREUD Sigmund ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In ______ Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356
GILMAN Richard ldquoIbsenrdquo In ______ Making of modern drama a study of Buchner Ibsen Strindberg Chekhov Pirandello Brecht Beckett Handke New York Farrar Straus Giraux 1975 p 45-82
106
GOLDMAN Emma ldquoThe scandinavian drama Henrik Ibsenrdquo In ______ The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914
GUARDIA Alfredo de la ldquoCriacioacuten espiritual de Ibsenrdquo In ______ El teatro contemporaacuteneo Buenos Aires Editorial Schapire [1947] p 115-156
LUKAacuteCS Georg ldquoHenrik Ibsen tentativo di creare una tragedia borgheserdquo In ______ La genesi della tragedia borghese de Lessing a Ibsenv 2 Milano SugarCo 1977 p 115-156
LUMLEY Frederick ldquoThe drama since Ibsen and Shawrdquo In ______ New trends in 20th century drama a survey since Ibsen and Shaw New York Oxford University 1972 p 9-16
PITOEumlFF Georges ldquoIbsenrdquo In ______ Notre theacuteacirctre Paris Messages 1949
PLEKHANOV Georgy ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In FLORES Angel Henrik IbsenNew York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007
SHAW George Bernard ldquoBefore and after Ibsen (1891)rdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 68-71
TOUCHARD Pierre-Aime ldquoIbsen ou le theacuteacirctre reacutevolutionnairerdquo In ______ Dionysos apologie pour le theacuteacirctre Nouvelle eacutedition revue et augmenteacute Paris Seuil 1949 p 153-157
WILLIAMS Raymond ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ Drama from Ibsen to Brecht 2 ed London Hogarth 1971 p 33-74
PERIOacuteDICOS SOBRE O AUTOR
ANDERSON Rasmus Bjoslashrn ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American [Wiscosin]15 abr 1882
ARCHER William ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 209-214 1 abr 1884
______ ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891
ARESTAD Sverre ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948
AVELING Edward ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-480 maio 1884
AVELING Edward MARX-AVELING Eleanor ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886
107
BOYESEN Hjalmar Hjorth ldquoHenrik Ibsenrdquo The Century a popular quarterly New York v 9 p 794-796 mar 1890
BRANDES Georg ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897
FJELDE Rolf ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988
HAGE Anne ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005
JAMES Henry ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893
MAETERLINCK Maurice ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894
SCOTT Clement [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893
______[sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891
URSO Simona ldquoIbsen in Italiardquo Societagrave Italiana per lo studio della Storia Contemporanea Scene di fine Ottocento lrsquoItalia fin de siegravecle a teatro Seccedilatildeo Cantieri di Storia II Disponiacutevel em lthttpwwwsisscoitattivitasem-set-2003relazioniursortfgt Acesso em 20 jan 2007
WIEDNER Elsie M ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978
GERAL
ABREU Briacutecio de Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958
ALMEIDA PRADO Deacutecio de Teatro brasileiro moderno Satildeo Paulo Perspectiva 1988
ANDERSON Rasmus Bjoslashrn Life story Madison Wisconsin ediccedilatildeo do autor 1915
ANTOINE Andreacute Mes souvenirs sur le Theacuteacirctre Libre Paris Arthegraveme Fayard 1921
BIGEON Maurice Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894
BETTI Maria Siacutelvia Oduvaldo Vianna Filho Satildeo Paulo EDUSP 1997
BORDEAUX Henry La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894
BOSI Alfredo ldquoPor um historicismo renovado reflexo e reflexatildeo na histoacuteria literaacuteriardquo In ______ Teresa revista de literatura brasileira n 1 Satildeo Paulo Ed34 2000
108
BOYESEN Hjalmar Hjorth Essays on Scandinavian literature London David Nutt 1895
BRANDAtildeO Cristina O Grande Teatro Tupi do Rio de Janeiroo teleteatro e suas muacuteltiplas faces Juiz de Fora UFJF OP COM 2005
BROCA Brito A vida literaacuteria no Brasil ndash 1900 Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1960
CACCIAGLIA Mario Pequena histoacuteria do teatro no Brasil (quatro seacuteculos de teatro no Brasil) Traduccedilatildeo de Carla de Queiroz Satildeo Paulo EDUSP 1986
CAFEZEIRO Edwaldo GADELHA Carmem Histoacuteria do teatro brasileiro um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues Rio de Janeiro UFRJ 1996
CAIRO Luiz Roberto Velloso Introduccedilatildeo agrave teoria literaacuteria de Araripe Juacutenior um criacutetico
brasileiro precursor da vanguarda atual 1978 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Linguumliacutestica e
Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de
Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
______ O salto por cima da proacutepria sombra o discurso criacutetico de Araripe Juacutenior uma
leitura 1986 Tese (Doutorado em Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de
Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas
Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo
CANDIDO Antonio et al A personagem de ficccedilatildeo Satildeo Paulo Perspectiva 1968
CANDIDO Antonio Literatura e sociedade estudos de teoria e histoacuteria literaacuteria Satildeo Paulo Nacional 1965
CARLSON Marvin Teorias do teatro estudo histoacuterico-criacutetico dos gregos agrave atualidade Traduccedilatildeo de Gilson Ceacutesar Cardoso de Souza Satildeo Paulo UNESP 1997
CARPEAUX Otto Maria La litteacuterature breacutesilienne du bovarysme agrave lrsquoengagement In ______ Les Temps Modernes Le Breacutesil n 257 Paris octobre 1967
CARVALHO Seacutergio de O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
COSTA Inaacute Camargo A hora do teatro eacutepico no Brasil Rio de Janeiro Paz e Terra 1996
______ Sinta o drama Rio de Janeiro Vozes 1998
CRAIG Edward Gordon Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971
109
DOacuteRIA Gustavo A Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975
FARIA Joatildeo Roberto Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva FAPESP 2001
______ O teatro na estante estudos sobre dramaturgia brasileira e estrangeira Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial 1998
______ O teatro realista no Brasil 1855-1865 Satildeo Paulo EDUSP Perspectiva 1993
FERRATON Hubert Syndicalisme ouvrier et social-deacutemocratie en Norvegravege Paris Armand Colin 1960
GOLDMAN Emma Anarchism and other essays New York Dover 1969
GOULD Jean Dentro e fora da Broadway o teatro moderno norte-americano Traduccedilatildeo Ana Maria M Machado Rio de Janeiro Bloch 1968
GRANIER Caroline Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes ndash Saint-Denis Paris
GUERRA Marco Antocircnio Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
GUINSBURG J FARIA Joatildeo Roberto LIMA Mariacircngela Alves de (Orgs) Dicionaacuterio do teatro brasileiro temas formas e conceitos Satildeo Paulo Perspectiva SESC Satildeo Paulo 2006
GUZIK Alberto TBC crocircnica de um sonho Satildeo Paulo Perspectiva 1986
HALLEWELL Laurence O livro no Brasil sua histoacuteria Traduccedilatildeo de Maria da Penha Villalobos Loacutelio Lourenccedilo de Oliveira e Geraldo Gerson de Souza Satildeo Paulo EDUSP 2005
HAUGSTOL H VERGEL J This is Norway Oslo Arne Gimmes Forlag 1949
HOBSBAWN Eric J A Era do Capital 1848-1875 Rio de Janeiro Paz e Terra 1996
______ A Era dos Impeacuterios 1875-1914 Rio de Janeiro Paz e Terra 2002
HYMAN Erin Williams ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005
LEITE Pedro Sisnando Escandinaacutevia modelo de desenvolvimento democracia e bem-estar Satildeo Paulo HUCITEC 1982
LEMAIcircTRE Jules Impressions de theacuteacirctre 10 v Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897
110
LOMBROSO Cesare LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894
LOMBROSO Cesare FERRERO William The female offender New York Philosophical Library 1958
LUKAacuteCS Georg Il drama moderno Milano SugarCo 1976
______ Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968
______ Teoria do romance uma ensaio histoacuterico-filosoacutefico sobre as formas da grande eacutepica Satildeo Paulo Duas Cidades Ed 34 2000
MAGALDI Saacutebato VARGAS Maria Thereza Cem anos de teatro em Satildeo Paulo (1875-1974) Satildeo Paulo SENAC 2000
MAGALDI Saacutebato Panorama do teatro brasileiro Satildeo Paulo Difel 1962
MARTINS Maria Helena (Org) Rumos da criacutetica Satildeo Paulo SENAC Itauacute Cultural 2000
MARTINS Wilson A criacutetica literaacuteria no Brasil 2 v Rio de Janeiro Francisco Alves 1983
MEYERHOLD Vsevolod Meyerhold on theatre Translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969
MILAREacute Sebastiatildeo ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrmateria_atualaspmat=176gt Acesso em 20 jan 2007
MORAES Alexandre Lara de Indiviacuteduo e resistecircncia sobre a anulaccedilatildeo da individualidade e a possibilidade de resistecircncia do indiviacuteduo em Adorno e Horkheimer Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia) Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Universidade Estadual de Campinas Campinas
NAESS Harald S A history of Norwegian literature London University of Nebraska 1993
NEVES Larissa de Oliveira O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 2 v Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas
NOCCIOLI Guido Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Translated by Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982
NORDAU Max Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94
PAVIS Patrice Dicionaacuterio de teatro Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Maria Luacutecia Pereira Satildeo Paulo Perspectiva 1999
111
PEREIRA Sidecircnia Freire O teleteatro da TV TUPI em Satildeo Paulo origens e contribuiccedilotildees na
teledramaturgia nacional 2004 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Comunicaccedilatildeo e Arte) ndash
Departamento de Comunicaccedilatildeo e Arte Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo
Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo
PEIXOTO Fernando (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983
PIVOT Sylvain Norvegravege Paris Seuil 1960 (Collection Petite Planegravete)
RAULINO Berenice Ruggero Jacobbi presenccedila italiana no teatro brasileiro Satildeo Paulo Perspectiva 2002
ROSENFELD Anatol O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000
______ Prismas do Teatro Satildeo Paulo Perspectiva EDUSP UNICAMP 1993
SARCEY Francisque Quarante ans de theacuteacirctre 8 v Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1900-1902
SILVA Flaacutevio Luiz Porto e (Org) O teleteatro paulista nas deacutecadas de 50 e 60 Satildeo Paulo Secretaria Municipal de Cultura Departamento de informaccedilatildeo e documentaccedilatildeo artiacutesticas Centro de documentaccedilatildeo e informaccedilatildeo sobre arte brasileira contemporacircnea 1981 (Cadernos 4)
STOVERUD T Milestones of Norwegian Literature Oslo Johan Grundt Tanum Forlag 1967
SZONDI Peter Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001
VENTURA Mauro de Souza Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
VENTURA Roberto Estilo tropical histoacuteria cultural e polecircmicas literaacuterias no Brasil 1870-1914 Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991
WAIZBORT Maria do Carmo Malheiros Um diaacutelogo criacutetico Otto Maria Carpeaux e as ldquociecircncias do espiacuteritordquo 1992 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Literatura Brasileira) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
This document was created with Win2PDF available at httpwwwwin2pdfcomThe unregistered version of Win2PDF is for evaluation or non-commercial use onlyThis page will not be added after purchasing Win2PDF
JANE PESSOA DA SILVA
Ibsen no Brasil
Historiografia Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e Cataacutelogo bibliograacutefico
Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de mestre em Letras
Aacuterea Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Orientadora Profa Dra Inaacute Camargo Costa
3 volumes
I Historiografia
Satildeo Paulo 2007
FOLHA DE APROVACcedilAtildeO
Jane Pessoa da Silva
Ibsen no Brasil historiografia seleccedilatildeo de textos criacuteticos e cataacutelogo bibliograacutefico
Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de mestre em Letras
Aacuterea Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada
Aprovado em
Banca Examinadora
Prof Dr ______________________________________________________________________
Instituiccedilatildeo _____________________________ Assinatura _____________________________
Prof Dr ______________________________________________________________________
Instituiccedilatildeo _____________________________ Assinatura _____________________________
Prof Dr ______________________________________________________________________
Instituiccedilatildeo _____________________________ Assinatura _____________________________
4
NOTA
Esta dissertaccedilatildeo eacute resultado de uma pesquisa iniciada em 2000 durante a graduaccedilatildeo
sob a forma de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica Nesse periacuteodo reuni uma boa parte da bibliografia de e
sobre Henrik Ibsen o que resultou em um quadro breve da recepccedilatildeo criacutetica do dramaturgo no
Brasil focalizando basicamente os anos de 1950 a 1990 No mestrado essa pesquisa de
campo foi ampliada na tentativa de apresentar ao leitor um panorama mais completo
incluindo as primeiras encenaccedilotildees feitas ainda no final do seacuteculo XIX ateacute as mais recentes
dos anos 2000 Da organizaccedilatildeo desse material bibliograacutefico mdash traduccedilotildees de sua obra livros
ensaios artigos registros dos espetaacuteculos etc mdash originaram os trecircs volumes que compotildeem
esta dissertaccedilatildeo I Historiografia II Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e III Cataacutelogo bibliograacutefico
No primeiro volume pretendi traccedilar em linhas gerais o percurso de Ibsen no Brasil
procurando mostrar as contradiccedilotildees e os impasses de nossa criacutetica ao tratar de mateacuteria tatildeo
profunda e significativa para a dramaturgia mundial No segundo reuni os artigos e ensaios
mais relevantes para a compreensatildeo de sua trajetoacuteria em nosso paiacutes buscando apreender as
nuanccedilas e tendecircncias mais revolucionaacuterias e heterodoxas sobre sua obra Por fim no terceiro
volume registrei os dados do material pesquisado a fim de oferecer ao leitor um cataacutelogo de
consulta e de registro das peccedilas montadas em palcos brasileiros bem como dos textos
produzidos sobre seu teatro
Este trabalho por sua proacutepria natureza soacute pocircde ser realizado porque contei com a
ajuda de pessoas generosas Agradeccedilo a Denise Radanovic Maria Siacutelvia Betti e a Miley pelo
auxiacutelio com algumas traduccedilotildees ao prof Ariovaldo Joseacute Vidal pelos livros fornecidos a
Huendel Viana pela leitura do presente texto e pelo tratamento das imagens do cataacutelogo aos
professores Inaacute Camargo Costa Maria Siacutelvia Betti e Jorge de Almeida pelas sugestotildees
preciosas durante o exame de qualificaccedilatildeo e ao Prof Joatildeo Roberto Faria pelo socorro com
informaccedilotildees bibliograacuteficas e pelo empreacutestimo de materiais valiosos para o desenvolvimento
dessa dissertaccedilatildeo Registro ainda o meu agradecimento ao CNPq pela concessatildeo da bolsa de
Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica e de Mestrado
5
RESUMO
SILVA J P Ibsen no Brasil historiografia seleccedilatildeo de textos criacuteticos e cataacutelogo bibliograacutefico
2007 3 v f Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas
Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2007
Este trabalho composto de trecircs volumes (I Historiografia II Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e III
Cataacutelogo bibliograacutefico) tem como objetivo apresentar um panorama da recepccedilatildeo de Ibsen no
Brasil O primeiro volume traz uma avaliaccedilatildeo da fortuna criacutetica de Ibsen no Brasil passando
pelas ideacuteias teatrais do seacuteculo XIX pela modernizaccedilatildeo do teatro nos anos 1940 ateacute chegar agraves
tendecircncias criacuteticas contemporacircneas O segundo traz os textos mais relevantes para o
entendimento da obra do dramaturgo publicados no Brasil entre 1895 e 2002 Por fim o
terceiro apresenta os dados bibliograacuteficos sobre as traduccedilotildees brasileiras das peccedilas do autor
sobre as montagens realizadas no teatro e na tv sobre os livros capiacutetulos de livros prefaacutecios e
textos publicados em perioacutedicos sobre o dramaturgo Com esse percurso buscou-se
compreender o modo de assimilaccedilatildeo do teatro ibseniano pela criacutetica brasileira levando em
consideraccedilatildeo as influecircncias estrangeiras especialmente a francesa Ao mesmo tempo procurou-
se ressaltar os momentos de ruptura com essa tradiccedilatildeo sobretudo a partir das reflexotildees de
Antonio de Alcacircntara Machado Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld que deram uma nova
orientaccedilatildeo para a leitura das peccedilas de Ibsen
Palavras-chave Henrik Ibsen Dramaturgia moderna Teatro brasileiro Histoacuteria do teatro
6
ABSTRACT
Silva JP Ibsen in Brazil historiography selection of critical texts and bibliographical
catalogue 2007 3 v f Dissertation (Masterrsquos degree) ndash Faculdade de Filosofia Letras e
Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo 2007
This work composed of three volumes (I Historiography II Selection of critical texts and
III Bibliographical catalogue) presents an overview of the reception of Ibsen in Brazil The
first volume is an assessment of the rich and varied criticism Ibsen received in Brazil within
the context of the theatrical ideas of the nineteenth century the modernization of the theatre in
the 1940s until the contemporary level of critical trends The second selects the most relevant
texts in order to understand the works of the playwright which were published in Brazil from
1985 and 2002 Finally the third presents bibliographical information on Brazilian
translations of his plays on adaptations carried through in theatre and on TV in books book
chapters prefaces and texts published in periodicals about the playwright Through this route
an attempt was made to understand the way Ibsenian theatre was assimilated by Brazilian
critics taking into account foreign influences especially of French origin At the same time
we attempt to highlight examples of breaking from such tradition especially considering the
thoughts of Antonio de Alcacircntara Machado Otto Maria Carpeaux and Anatol Rosenfeld who
gave us another approach to the studies of Ibsenrsquos plays
Keywords Henrik Ibsen Modern drama Brazilian theatre History of the theatre
7
SUMAacuteRIO
VOLUME I HISTORIOGRAFIA
Nota 4
Resumo 5
Abstract 6
Iacutendice 13
INTRODUCcedilAtildeO
Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15
IBSEN NO BRASIL
As primeiras encenaccedilotildees 40
Um claacutessico imperfeito 53
Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58
Entre o teatro amador e o profissional 63
A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 101
VOLUME II SELECcedilAtildeO DE TEXTOS CRIacuteTICOS
Iacutendice 120
Nota preacutevia 125
1 Os espectros de Henrik Ibsen (C Parlagreco) 127
2 Novelli ndash Ibsen (Sem assinatura) 131
3 Novelli ndash ldquoHenrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo (A) 136
4 Novelli ndash Os espectros (Sem assinatura) 139
5 Os espectros (Sem assinatura) 141
6 Ermete Novelli (Sem assinatura) 143
8
7 O Teatro ndash ldquoA grande figura de Francisque Sarcey []rdquo (Artur Azevedo) 145
8 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro colega e amigo []rdquo
(Luiacutes de Castro) 147
9 A casa de boneca (Luiacutes Guimaratildees Filho) 150
10 Teatro contemporacircneo Henrik Ibsen (Luiacutes de Castro) 154
11 SantrsquoAnna ndash Casa de boneca (Oscar Guanabarino) 158
12 Luciacutelia Simotildees (Paulo Barreto ndash Joatildeo do Rio) 166
13 O Teatro ndash ldquoEu estava no sul de Minas []rdquo (Artur Azevedo) 169
14 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro Artur []rdquo (Luiacutes de Castro)
174
15 O Teatro ndash ldquoLuiacutes de Castro voltou []rdquo (Artur Azevedo) 178
16 Ibsen e o seu teatro (Leopoldo de Freitas) 179
17 Politheama ndash ldquoPoucos homens neste seacuteculo []rdquo (Sem assinatura) 183
18 Teatro Lucinda ( PB ndash Joatildeo do Rio) 188
19 SantrsquoAnna ndash ldquoA primeira vez []rdquo (Sem assinatura) 190
20 Antoine ndash ldquoA companhia Antoine []rdquo (Sem assinatura) 192
21 O Teatro ndash ldquoTerminei o meu uacuteltimo folhetim []rdquo (Artur Azevedo) 193
22 SantrsquoAnna ndash ldquoA representaccedilatildeo da Casa de boneca de Ibsen []rdquo (Sem assinatura)
195
23 O Teatro ndash ldquoPassando por alto uma representaccedilatildeo da Fernanda []rdquo (Artur Azevedo)
197
24 Crocircnica ndash ldquoA nota artiacutestica foi a representaccedilatildeo de Hedda Gabler []rdquo (OB ndash Olavo Bilac) Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 7 jul 1907
199
25 Revistinha ndash Tourneacutee Eleonora Duse Teatro SantrsquoAnna Hedda Gabler drama de H Ibsen (Joatildeo Crespo)
201
26 SantrsquoAnna ndash ldquoEleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo (Sem assinatura)
207
27 Hedda Gabler ndash ldquoDissemos que Ibsen ainda natildeo eacute []rdquo (Sem assinatura) 208
28 Revistinha ndash ldquoUm criacutetico teatral de uma folha []rdquo (Joatildeo Crespo) 211
9
29 Ainda Hedda Gabler (Sem assinatura) 213
30 Revistinha ndash ldquoVaacute de resposta ao criacutetico teatral []rdquo (Joatildeo Crespo) 215
31 Os meus domingos (Alfredo Pujol) 217
32 A esteacutetica de uma trageacutedia (Graccedila Aranha) 221
33 Teatro Municipal ndash ldquoDois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo (Sem assinatura) 223
34 Ibsen o teatro de pensamento comemora o 1ordm centenaacuterio do nascimento do grande criador dinamarquecircs [norueguecircs] (Sem assinatura)
226
35 No centenaacuterio de Ibsen (Fleacutexa Ribeiro) 229
36 O primeiro centenaacuterio de Ibsen a obra e a vida do genial escandinavo A influecircncia de suas ideacuteias no teatro contemporacircneo (Sem assinatura)
232
37 Agrave memoacuteria de Ibsen (Camille Mauclair) 237
38 H Ibsen (Nestor Viacutetor) 241
39 Ibsen e o subconsciente (Fleacutexa Ribeiro) 243
40 Henrik Ibsen ndash ldquoEsse norueguecircs de Skien []rdquo (JJ de Saacute ndash Antonio de Alcacircntara Machado)
247
41 Teatro Municipal ndash ldquoEscrita haacute um pouco mais de meio seacuteculo []rdquo (Sem assinatura)
260
42 Defesa de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 262
43 O ibsenismo no Brasil (Alceste ndash Brito Broca) 270
44 Ibseniana ndash ldquoEstatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo (Otto Maria Carpeaux)
272
45 Aos atores brasileiros (Otto Maria Carpeaux) 276
46 Ibsen 50 anos depois (OMC ndash Otto Maria Carpeaux) 279
47 Presenccedila de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 282
48 Introduccedilatildeo a Ibsen (Ruggero Jacobbi) 287
49 Ibsen e a sua obra (Edmundo Moniz) 297
50 Ibsen atual (Ruggero Jacobbi) 307
51 Ibseniana ndash ldquoAcontece embora raramente []rdquo (Otto Maria Carpeaux) 312
52 Ibsen e o tempo passado (Anatol Rosenfeld) 316
10
53 Ibsen na sua correspondecircncia (Livio Xavier) 320
54 Modernidade de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 323
55 Ibsen e o Dr Stockmann (Luiz Israel Febrot) 327
56 Hedda Gabler ndash ldquoSegundo a crocircnica o maior sucesso de Ibsen []rdquo (Luiz Israel Febrot)
334
57 Os espectros satildeo as velhas ideacuteias (Luiz Israel Febrot) 341
58 De Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) (Joseacute Carlos Garbuglio)
346
59 Natildeo perca esta aventura (Saacutebato Magaldi) 363
60 A casa de bonecas (Luiacuteza Barreto Leite) 368
61 Nossa Casa de bonecas (Otto Maria Carpeaux) 370
62 Ibsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeo (Mariacircngela Alves de Lima) 372
63 A velha Casa de bonecas renovada por Tocircnia (Saacutebato Magaldi) 374
64 O gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humano (Deacutecio Drummond)
376
65 Encenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsen (Mariacircngela Alves de Lima)
379
66 Ibsen o pai do teatro de hoje faz 150 anos (Adones de Oliveira) 384
67 150 anos de Ibsen uma anaacutelise da obra do primeiro dramaturgo moderno (John Mortimer)
388
68 Casa de bonecas 100 anos depois (Sem assinatura) 392
69 Quem eacute Hedda Gabler (Deacutecio de Almeida Prado) 394
70 A densidade dramaacutetica de Ibsen (Fernando Peixoto) 399
71 As obsessotildees de Ibsen (Samuel Titan Jr) 403
72 Penuacuteltima peccedila de Ibsen estreou haacute cem anos (Seacutergio de Carvalho) 406
73 O inimigo do povo privilegia defesa de tese (MAL ndash Mariacircngela Alves de Lima)
413
74 Peccedila de Ibsen mobiliza atrizes desde o seacuteculo 19 (Mariacircngela Alves de Lima)
415
11
VOLUME III CATAacuteLOGO BIBLIOGRAacuteFICO
Iacutendice 425
Cronologia da vida e obra de Ibsen 429
Nota explicativa 434
Abreviaturas 436
1 Obra traduzida do autor 438
2 Obra sobre o autor 447
3 Montagem Teatro 523
4 Montagem TV 612
JANE PESSOA DA SILVA
Ibsen no Brasil
Historiografia Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e Cataacutelogo bibliograacutefico
Volume I
Satildeo Paulo 2007
13
IacuteNDICE
INTRODUCcedilAtildeO
Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15
IBSEN NO BRASIL
As primeiras encenaccedilotildees 40
Um claacutessico imperfeito 53
Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58
Entre o teatro amador e o profissional 63
A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
Traduccedilotildees da obra do autor teatro completo poesia correspondecircncia 101
Biografias 102
Livros e teses sobre o autor 102
Capiacutetulos de livro sobre o autor 105
Perioacutedicos sobre o autor 106
Geral 107
I N T R O D U Ccedil Atilde O
15
Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna
Henrik Ibsen (1828-1906) eacute uma figura central na histoacuteria do teatro moderno Suas vinte e
seis peccedilas escritas ao longo de quase 50 anos inauguraram uma nova era de experimentaccedilatildeo
teatral sobretudo no que diz respeito agrave dramaturgia abandonando as velhas formas do teatro
claacutessico e incorporando em sua fatura os problemas de seu tempo A nova forma de suas peccedilas
que se diferenciava bastante do drama burguecircs mdash comeacutedias realistas que apresentavam no palco
os costumes e os valores morais da burguesia mdash obrigou os artistas a repensar a concepccedilatildeo do
fazer teatral modificando a estrutura do palco o trabalho do ator e a relaccedilatildeo entre texto autor e
plateacuteia Aleacutem disso sua luta constante contra as convenccedilotildees tacanhas e obsoletas da sociedade
burguesa tatildeo evidentes nos chamados ldquodramas sociaisrdquo como Os pilares da sociedade (1877)
Casa de boneca (1879) Os espectros (1881) e Um inimigo do povo (1884) fizeram de Ibsen um
dos autores mais discutidos da segunda metade do seacuteculo XIX Suas ideacuteias aleacutem de influenciarem
muitos dramaturgos como Bernard Shaw Oscar Wilde Arthur Miller entre outros foram
apropriadas no acircmbito literaacuterio pelos movimentos de vanguarda da Europa como o naturalismo
e o simbolismo e na esfera poliacutetica pelos socialistas e anarquistas A partir de Ibsen o teatro
deixa de ser visto apenas como um entretenimento passando a ser encarado tambeacutem como um
instrumento de experiecircncia social que abriu o caminho para as novas formas teatrais do seacuteculo
XX
Ibsen iniciou sua carreira como homem de teatro em 1850 ano da consolidaccedilatildeo do
capitalismo europeu e do desmedido avanccedilo econocircmico que desencadearam uma seacuterie de
transformaccedilotildees na sociedade Nessa eacutepoca de especulaccedilatildeo financeira de imperialismo e de
ascensatildeo do proletariado o dinheiro passa a dominar toda a vida puacuteblica e privada tudo se curva
diante dele tudo o serve As novas relaccedilotildees sociais os direitos e o poder expressam-se em termos
de capital e as pessoas vecircem-se cada vez mais como rivais e inimigas sendo necessaacuterio conquistar
e legitimar permanentemente posiccedilotildees e influecircncias O matrimocircnio e a famiacutelia constituem o esteio
desse mundo burguecircs mormente porque tambeacutem estatildeo ligados ao sistema de propriedade e de
empreendimentos rentaacuteveis Os casamentos em regra estabelecem-se entre famiacutelias do mesmo
status social ou da mesma linha de negoacutecios e a estrutura patriarcal baseada na subordinaccedilatildeo da
mulher e dos filhos eacute mantida O enfraquecimento da unidade familiar eacute inaceitaacutevel seja atraveacutes
da paixatildeo descontrolada por indiviacuteduos ldquoimproacutepriosrdquo (isto eacute economicamente indesejaacuteveis) seja
atraveacutes de escacircndalos morais
16
Na vida artiacutestica prevalecem as tendecircncias que estatildeo de acordo com o gosto burguecircs a
obra faacutecil e agradaacutevel destinada apenas ao entretenimento A arte reduzida agrave diversatildeo e ao
apraziacutevel domina todas as formas de produccedilatildeo mas principalmente aquela ligada agrave esfera puacuteblica
o teatro Este apresenta-se como um instrumento de propaganda da ideologia burguesa de seus
princiacutepios econocircmicos sociais e morais Assim a importacircncia da famiacutelia como alicerce da
sociedade torna-se o principal assunto do teatro burguecircs Os ideais os deveres e sobretudo o amor
eterno capaz de resistir agrave prova cotidiana da vida conjugal satildeo valores constantemente
propugnados pelos dramaturgos desse periacuteodo Em La dame aux cameacutelias de Dumas Filho por
exemplo o amor do heroacutei pela cortesatilde eacute incompatiacutevel com a respeitabilidade da famiacutelia burguesa
em Le mariage drsquoOlympe de Eacutemile Augier a mulher de moral duvidosa natildeo tem como se
regenerar e deve ser banida do corpo social Em suma a discussatildeo de temas como a usura a
agiotagem a prostituiccedilatildeo e o casamento de conveniecircncia servem apenas como contrapontos agraves
ldquovirtudes burguesasrdquo
Aleacutem da temaacutetica moralizante as peccedilas tecircm de ser simples e ligeiras obedecendo aos
estratagemas e agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita Desse modo a accedilatildeo deve ser unificada a trama
deve desenrolar-se em um soacute lugar e sua duraccedilatildeo natildeo deve exceder vinte quatro horas o assunto
por mais indecoroso que seja nunca deve ser problemaacutetico nem tampouco obscuro a distribuiccedilatildeo
da mateacuteria dramaacutetica deve ser feita segundo um esquema de exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e
desenlace buscando sempre o mais alto grau de identificaccedilatildeo e verossimilhanccedila Em tal peccedila tudo
deve parecer inesperado embora tudo seja previsiacutevel As discussotildees os conflitos e ateacute mesmo o
desfecho da obra devem estar de acordo com o desejo e com a expectativa do puacuteblico Assim o
enredo torna-se o ingrediente mais artificial do drama e o que realmente importa eacute a arte de
produzir complicaccedilotildees e tensatildeo de atar e desatar noacutes de preparar as reviravoltas da intriga e
sobretudo de manter continuamente o suspense atraveacutes de uma sequumlecircncia de quumliproquoacutes efeitos e
golpes de teatro
Durante algum tempo Ibsen tentaraacute escrever segundo os artifiacutecios da peccedila bem-feita Os
seus primeiros dramas no entanto estatildeo mais proacuteximos do nacionalismo romacircntico e de modo
geral tratam de temas da histoacuteria e da mitologia norueguesa Eacute a partir de A comeacutedia do amor
(1862) que o autor passa a demonstrar interesse pelos assuntos de seu tempo A comeacutedia escrita
em versos tem o rigor da construccedilatildeo e da coerecircncia loacutegica exigidas pela convenccedilatildeo e ademais
apresenta o tema dileto da burguesia o amor Svanhild ama o poeta Falk mas entre o verdadeiro
amor e a solidez de uma vida confortavelmente burguesa a personagem escolhe a segunda opccedilatildeo
casando-se por conveniecircncia com o rico comerciante Gustald Essa peccedila escandalizou de tal modo
seus contemporacircneos que teve sua representaccedilatildeo vetada Com exceccedilatildeo do artigo do jornalista
17
norueguecircs Ditmar Mejdell que a considerou um deploraacutevel contra-senso literaacuterio quase nada se
publicou sobre a peccedila Apenas em conversas privadas falava-se dela qualificando-a como
vergonhosa e imoral
As obras seguintes jaacute satildeo de natureza diversa e apontam pouco a pouco o rumo da nova
dramaturgia proposta por Ibsen Na peccedila histoacuterica Os pretendentes agrave coroa (1863) e nos poemas
dramaacuteticos Brand (1866) e Peer Gynt (1867) a regra da unidade de tempo e espaccedilo eacute rompida As
aventuras de Peer por exemplo comeccedilam no iniacutecio do seacuteculo XIX e terminam em 1860
desenrolando-se na Noruega no Marrocos no deserto do Saara etc A personagem-tiacutetulo natildeo tem
vontade proacutepria eacute um homem elusivo cujas atitudes natildeo se prestam agrave criaccedilatildeo de conflitos entre
protagonistas e antagonistas e portanto estaacute longe de ser heroacutei de um drama rigoroso Sua vida eacute
ilustrada atraveacutes de uma sequumlecircncia de episoacutedios que nada tem do caraacuteter dramaacutetico exigido pela
convenccedilatildeo teatral Por esses motivos o criacutetico dinamarquecircs Clemens Petersen declarou que o
drama pecava contra as regras essenciais da poesia Em A liga da juventude (1869) Ibsen
abandona de vez os versos e satiriza a poliacutetica norueguesa A accedilatildeo se passa num ambiente rural e
as personagens satildeo pequenos burgueses agraves voltas com preocupaccedilotildees corriqueiras casamentos
vantajosos mesquinharias e ambiccedilotildees de arrivistas O protagonista eacute o advogado Stensgaard que
em busca de poder poliacutetico usa de todos os expedientes para conquistar um lugar no parlamento
Ele defende os princiacutepios de abnegaccedilatildeo e altruiacutesmo enfrenta Brattsberg o maior industrial da
cidade mas natildeo pensa duas vezes em se unir a ele para desfrutar as regalias de uma vida
burguesa O drama apresenta as caracteriacutesticas baacutesicas da peccedila bem-feita como a accedilatildeo variada e
complicada e o rigoroso encadeamento causal dos acontecimentos mas as reviravoltas da intriga
natildeo servem apenas para surpreender o espectador e sim para mostrar paulatinamente o quatildeo
inescrupuloso e demagogo eacute o protagonista Ateacute entatildeo na Noruega com exceccedilatildeo de A comeacutedia
do amor nenhum outro drama tinha abordado tatildeo escancaradamente os assuntos contemporacircneos
tornando-se assim a primeira representaccedilatildeo de A liga da juventude um verdadeiro alvoroccedilo Os
poliacuteticos do partido liberal norueguecircs sentiram-se caluniados sobretudo Bjoslashrnson poeta e
dramaturgo que se viu retratado na figura de Stensgaard Durante a encenaccedilatildeo houve
manifestaccedilotildees protestos e vaias obrigando o diretor da peccedila a subir ao palco e pedir silecircncio para
que a representaccedilatildeo pudesse continuar
Em 1873 aparece Imperador e Galileu drama histoacuterico que aborda o conflito entre
cristianismo e paganismo Contudo eacute com Os pilares da sociedade escrita quatro anos mais
tarde que Ibsen torna-se conhecido no restante da Europa Nessa peccedila as personagens
abandonam a linguagem empolada e numa prosa coloquial discorrem sobre temas como a
corrupccedilatildeo e a hipocrisia social A histoacuteria do cocircnsul Bernick homem rico e conceituado que
18
arruinou os membros da proacutepria famiacutelia e praticou crimes contra os cidadatildeos ao construir navios
defeituosos para receber o seguro mariacutetimo obteve grande ecircxito fora da Noruega Na Alemanha
a peccedila mereceu cinco montagens em 1878 sendo recebida como a expressatildeo do espiacuterito da eacutepoca
A partir dessa obra Ibsen abdica das figuras e das situaccedilotildees histoacutericas abrindo-se a uma nova
temaacutetica que forccedilosamente tende a dissolver a estrutura rigorosa do drama O desmascaramento
da sociedade passa a ser foco principal do autor e sua criacutetica primeira eacute dirigida agrave quintessecircncia
do mundo burguecircs o lar A sala de visitas da famiacutelia pequeno-burguesa ateacute entatildeo lugar onde os
indiviacuteduos conservavam a aparecircncia de uma vida harmoniosa onde problemas e contradiccedilotildees
podiam ser esquecidos ou suprimidos artificialmente passa a ser o ambiente onde transcorreraacute a
maior parte das accedilotildees de suas peccedilas Esse recinto iacutentimo e privado torna-se o cenaacuterio perfeito para
a caricatura da vida de cidadatildeos comuns e para o debate de temas como a poliacutetica do matrimocircnio
o relacionamento entre pais e filhos a liberdade a igualdade entre os sexos a mentira e a
hipocrisia Tal mudanccedila altera consequumlentemente a estrutura por vezes um tanto mecacircnica de seus
dramas e progressivamente seu teatro vai abrindo brechas na peccedila bem-feita
O primeiro abalo significativo na forma do drama foi produzido por Casa de boneca
(1879) Nessa peccedila Ibsen assinala a contradiccedilatildeo entre a estrutura da famiacutelia patriarcal e a
sociedade burguesa Por um lado ele questiona como um mundo baseado numa economia de
obtenccedilatildeo de lucro na livre iniciativa na igualdade de direitos oportunidades e liberdade pode
apoiar-se na instituiccedilatildeo do matrimocircnio que nega todos esses ideais e por outro denuncia o
cerceamento da liberdade e dos direitos das mulheres Aleacutem disso ele critica o sistema capitalista
ao fazer do dinheiro a mola propulsora de todos os acontecimentos de sua peccedila Ao abrir do pano
Nora define sua felicidade como resultado de uma situaccedilatildeo financeira vantajosa com a recente
nomeaccedilatildeo de Torvald Helmer seu marido para o cargo de diretor de um Banco Logo em
seguida ela censura a amiga Cristina Linde por ter feito um casamento de conveniecircncia para
assegurar uma vida economicamente estaacutevel Por fim cercada de roupas cortinas almofadas e
papeacuteis de parede eacute posta no palco a famiacutelia burguesa Helmer eacute o pai o marido o senhor honesto
e respeitado cuja funccedilatildeo eacute manter a paz o conforto e a harmonia do lar Nora eacute o ldquoanjo da casardquo
a matildee a esposa ignorante e tola cuja uacutenica tarefa cuidar dos filhos e dirigir os criados natildeo exige
qualquer inteligecircncia nem conhecimento Um casal aparentemente perfeito e feliz ateacute Nora
falsificar a assinatura de seu pai e contrair diacutevidas para custear o tratamento de sauacutede do marido
Helmer como muitos moralistas natildeo fica exasperado com o delito da esposa mas sim com a
ameaccedila de perder sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na sociedade No desfecho Nora frustra-se com a
atitude do marido repensa sua situaccedilatildeo de inferioridade e decide abandonar o lar e os filhos para
buscar sua liberdade pessoal
19
A primeira representaccedilatildeo de Casa de boneca ocorreu no Teatro Real em Copenhague
em dezembro de 1879 e no decurso de dois meses foi encenada em todos os principais
teatros da Escandinaacutevia A peccedila despertou tantas polecircmicas e comentaacuterios que logo Ibsen
passou a ser conhecido em todo o mundo Elogiado e aceito como gecircnio por uns e atacado por
outros o dramaturgo passou agrave ordem do dia O abandono do marido e dos filhos por Nora foi
o ponto que mais desconcerto produziu entre artistas criacuteticos e espectadores Na Alemanha a
atriz Hedwig Neimann-Raabe recusou-se a representar o desenlace da peccedila sendo necessaacuterio
o acreacutescimo de mais um ato agrave montagem onde a esposa arrependida volta ao lar com um filho
nos braccedilos Em Viena a inteacuterprete de Nora natildeo conseguiu deixar o palco na uacuteltima cena
Como se lhe faltasse o valor moral para tomar aquela decisatildeo apoiou-se agrave porta ficando ali
estaacutetica hesitante ateacute que o pano descesse lentamente Na Itaacutelia a Nora de Eleonora Duse
perdeu o mais corajoso gesto ao natildeo ir embora por livre iniciativa mas forccedilada pelo marido
No Japatildeo Matsui Sumako foi a primeira mulher a interpretar uma protagonista Sua Nora ao
mesmo tempo que emancipou as mulheres no palco japonecircs foi criticada pelo movimento
feminista Seistosha que considerou egoiacutesta a atitude da personagem alegando que ela natildeo
havia sido agredida fisicamente pelo marido
Aleacutem de Casa de boneca outra importante contribuiccedilatildeo para o renome de Ibsen foram
os trabalhos do criacutetico dinamarquecircs Georg Brandes Nos anos 1870 ele era uma das figuras
mais proeminentes da Escandinaacutevia e o principal filtro das ideacuteias entre os paiacuteses escandinavos
e o resto da Europa Brandes conseguiu popularidade sobretudo em 1871 quando fez uma
seacuterie de conferecircncias puacuteblicas em Copenhague incitando os escritores agrave reflexatildeo sobre os
desafios da literatura europeacuteia no final do seacuteculo XIX Para ele a proacutepria modernidade era o
tema que a ficccedilatildeo tinha de assumir e cabia aos escritores tomar a dianteira nessa empreitada
Nesse periacuteodo Ibsen passa a se corresponder com ele revelando atraveacutes de suas cartas um
profundo engajamento com as ideacuteias do criacutetico dinamarquecircs Pode-se dizer que o contato
entre os dois foi uma das razotildees que fez com que o autor abandonasse o nacionalismo
romacircntico de suas primeiras peccedilas movendo-se em direccedilatildeo aos problemas sociais de seu
tempo Brandes influenciou consideravelmente a recepccedilatildeo do dramaturgo na Inglaterra e na
Franccedila Ele manteve um contato estreito com Edmund Gosse e William Archer tradutores
ingleses do teatro ibseniano e frequumlentemente era evocado nos prefaacutecios das traduccedilotildees
francesas de Moritz Prozor Criacuteticos e escritores em toda a Europa reconheciam Brandes
como a autoridade maacutexima acerca da obra ibseniana Esse status internacional teve um papel
importante quando em 1897 o criacutetico defendeu Ibsen na revista Cosmopolis respondendo
(em francecircs) agraves acusaccedilotildees de que as ideacuteias do dramaturgo eram plagiadas dos autores
20
franceses No ano seguinte Brandes publicou Henrik Ibsen livro composto de trecircs ensaios
escritos em diferentes periacuteodos tornando-se o primeiro a tratar das questotildees cruciais que a
obra de Ibsen impunha agrave sociedade da eacutepoca O ensaio de 1867 traz uma visatildeo conjunta da
personalidade intelectual do dramaturgo na Europa o de 1882 discute a evoluccedilatildeo marcante de
sua carreira com a produccedilatildeo de obras que lhe garantiram uma posiccedilatildeo de destaque dentro e
fora da Escandinaacutevia e o de 1898 escrito em comemoraccedilatildeo ao 70ordm aniversaacuterio do
dramaturgo atualiza a sua obra poeacutetica1
Enquanto Brandes ganhava notoriedade com suas leituras puacuteblicas na deacutecada de 1870
tentativas iniciais de divulgar as ideacuteias ibsenianas na Franccedila e na Inglaterra comeccedilavam a ser
feitas A essa altura o dramaturgo jaacute tinha conseguido alguma reputaccedilatildeo fora da Escandinaacutevia
por causa dos rumores provocados por peccedilas como A comeacutedia do amor e Os pilares da
sociedade Sua obra que assumia cada vez mais o cunho de criacutetica social transformou-se em
siacutembolo das ideacuteias socialistas da luta dos trabalhadores e do movimento feminista O proacuteprio
Ibsen reconhecia que a igualdade de direitos soacute poderia ser conquistada atraveacutes de mudanccedilas
profundas na estrutura da sociedade e o primeiro passo para tal transformaccedilatildeo era segundo
ele a uniatildeo de ldquotodos os desprivilegiadosrdquo em defesa da causa dos trabalhadores e das
mulheres2 Por isso natildeo eacute agrave toa que o pontapeacute inicial para estimular o interesse dos leitores
franceses e ingleses pelo teatro ibseniano tenha sido dado pelas mulheres Na Inglaterra
Catherine Ray foi a responsaacutevel pela traduccedilatildeo integral de Imperador e Galileu em 1876 Ateacute
entatildeo somente parte de A comeacutedia do amor traduzida por Edmund Gosse tinha sido
publicada na Forthightly Review em 1873 Henriette Frances Lord editou Nora em 1882 e
Eleanor Marx-Aveling filha de Karl Marx traduziu Um inimigo do povo que juntamente
com as traduccedilotildees de Os pilares da sociedade e Os espectros de William Archer
compuseram em 1888 a primeira coletacircnea das peccedilas do autor em liacutengua inglesa Na Franccedila
a escritora Leacuteo Quesnel escreveu um dos primeiros artigos sobre Ibsen3 Mme Arvegravede
Barine colaboradora regular da Revue Bleue escreveu entre outras coisas um ensaio sobre
Brand Pauline Ahlberg analisando Os pilares da sociedade na Nouvelle Revue em 1882 foi
1 Cf Georg Brandes ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897 e Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies revision e introduction de William Archer New York Macmillan 1899 2 Cf os discursos do autor reunidos em Henrik Ibsen Ibsen letters and speeches edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964 e The Oxford Ibsen translated and edited by James Walter McFarlane v 6 London Oxford University 1960 p 445-447 ldquoThe transformation of social conditions which is now being undertaken in the rest of Europe is very largely concerned with the future status of the workers and of women That is what I am hoping and waiting for that is what I shall work for all I canrdquo 3 Leacuteo Quesnel publicou dois artigos na Revue Bleue em 31 de maio de 1873 e 25 de julho de 1874 referindo-se a Ibsen como ldquolrsquohomme modernerdquo e Bjoslashrnson como ldquolrsquohomme du Nordrdquo
21
uma das primeiras escritoras a vincular o nome do dramaturgo ao feminismo chegando a
chamaacute-lo de Victor Hugo do Norte1 Em ambos os paiacuteses as correspondecircncias de Ibsen
tambeacutem foram traduzidas primeiro por mulheres em inglecircs por Mary Morison e em francecircs
por Martine Reacutemusat2
Apesar de todas essas iniciativas Ibsen encontrou muita resistecircncia na Europa Na
Inglaterra o grande obstaacuteculo era a censura dramaacutetica que regulamentava e controlava o
conteuacutedo das peccedilas Lord Chamberlain o responsaacutevel pela manutenccedilatildeo do decoro das obras
alterava e eliminava as impropriedades de um drama livrando-o sobretudo de insinuaccedilotildees
sexuais Aleacutem disso as peccedilas de Scribe Sardou Augier e Dumas Filho estavam solidamente
estabelecidas no palco inglecircs proporcionando entretenimento seguro e lucrativo Por isso
atores diretores e dramaturgos relutavam em experimentar novos rumos o que poderia ser
financeiramente arriscado persistindo nas peccedilas bem-feitas Tais fatores talvez ajudem a
explicar a adaptaccedilatildeo de Casa de boneca feita por Henry Arthur Jones e Henry Herman em
1884 A peccedila passou a ser chamada Breaking a butterfly Nora foi substituiacuteda por Flora (ou
lsquoFlossiersquo) uma mulher agitada infantil e histeacuterica casada com Humphrey Goddard (ou
lsquoHumpyrsquo) diretor de um Banco Dr Rank virou Dan Birdseye homem apaixonado por
Agnes irmatilde de Humpy Krogstad o vilatildeo da trama ganhou o nome de Philip Dunkley
Cristina Linde foi excluiacuteda do enredo e duas novas personagens matildee e irmatilde de Flossie foram
inseridas na histoacuteria Em linhas gerais a intriga era a mesma do original no entanto os
autores optaram pelo tradicional happy end No ato final Humpy assume a culpa no lugar de
Flora mas quando ele estaacute prestes a se entregar agrave poliacutecia eacute salvo por Grittle um funcionaacuterio
do Banco que apoacutes ter sido enganado por Dunkley decide se vingar Esta cena a mais fraca e
inconvincente da peccedila termina com Humpy emergindo como heroacutei e Flora agradecida pela
dececircncia do marido permanece no lar para cumprir seu papel de matildee e esposa dedicada
William Archer Edward Aveling Edmund Gosse e Bernard Shaw criacuteticos afinados com as
ideacuteias ibsenianas ficaram indignados com a adaptaccedilatildeo Archer chegou a declarar que era
impossiacutevel a representaccedilatildeo de Ibsen na Inglaterra e Edward Aveling ao comparar Breaking a
butterfly com Casa de boneca acentuou a forccedila do original apontando algumas razotildees para a
1 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 14 2 Henrik Ibsen Letters of Henrik Ibsen translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905 e Lettres de Henrik Ibsen a ses amis traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906
22
distorccedilatildeo feita no texto do dramaturgo como por exemplo o medo da rejeiccedilatildeo do puacuteblico e o
receio de se revelar a verdadeira funccedilatildeo do matrimocircnio dentro da sociedade burguesa1
Depois da encenaccedilatildeo de Breaking a butterfly Ibsen soacute voltou a ser discutido
novamente em janeiro de 1886 atraveacutes da leitura dramaacutetica de Casa de boneca feita por um
grupo de jovens comprometidos com o movimento socialista Eleanor Marx-Aveling (Nora)
Edward Aveling (Helmer) Bernard Shaw (Krogstad) entre outros A leitura da peccedila na
traduccedilatildeo de Henriette Frances Lord aconteceu na casa de Eleanor e Edward Aveling uma vez
que a obra de Ibsen estava categoricamente proibida de ser representada nos teatros
convencionais Ainda assim as questotildees levantadas naquela pequena reuniatildeo como a
desigualdade social a hipocrisia da famiacutelia burguesa e o feminismo obtiveram uma grande
repercussatildeo No mesmo mecircs o casal Aveling publicou um artigo na The Westminster Review
discutindo a partir das peccedilas de Ibsen a emancipaccedilatildeo da mulher e da classe operaacuteria sob a
perspectiva do socialismo2 Iniciava-se desse modo a revoluccedilatildeo ibsenista na Inglaterra
William Archer comeccedilou a traduzir as peccedilas do autor colaborando em 1889 com a
montagem profissional de Casa de boneca que teve Janet Achurch no papel principal
Bernard Shaw publicou em 1891 The quintessence of ibsenism aprofundando o debate em
torno da desmistificaccedilatildeo do heroacutei romacircntico e do gesto teatral grandioso que mascaravam a
realidade transformando a arte em objeto meramente decorativo Nesse livro Shaw celebrou
o teatro de Ibsen como ldquonovo e subversivordquo sobretudo por levar para a cena a discussatildeo dos
problemas morais de seu tempo contrapondo-se assim ao conservadorismo vitoriano em suas
expressotildees sociais poliacuteticas e culturais Ainda em 1891 entre fevereiro e maio outras peccedilas
do dramaturgo estrearam no palco inglecircs mdash Os espectros (1881) Rosmersholm (1886) A
dama do mar (1888) e Hedda Gabler (1890) mdash instigando uma onda de protesto e
indignaccedilatildeo O autor foi considerado por muitos um pervertido sexual um advogado do amor
livre e do sufraacutegio feminino o principal responsaacutevel pela desestruturaccedilatildeo da famiacutelia e do
matrimocircnio e pior ainda um socialista Clement Scott o mais impetuoso dos ldquoIbsen-
phobiacsrdquo publicou vaacuterios artigos em que acusava natildeo somente Ibsen de obsceno e
1 Cf William Archer ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 214 1 abr 1884 e Edward Aveling ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-474 maio 1884 ldquoThe adapters were afraid either of the greatness of the play they had to take in hand or of the English public or of themselves or of all of these They have feared to face the tragic question [of marriage] and to deal with it in Ibsenrsquos tragic way They have shirked the difficulty The authors of this conventional little play have succeeded in the Herculean labour of making Ibsen appear common-place And a feeling of sorrow that is positive pain comes with the reflection that a magnificent dramatic opportunity a chance of teaching our bourgeois audiences something of what life is and therefore what a play should be have (sic) been thoughtlessly rechlessly thrown awayrdquo 2 Eleanor Marx-Aveling Edwald Aveling ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886
23
corruptiacutevel mas tambeacutem seus tradutores e apologistas que ofereciam ao puacuteblico uma arte
degenerada1 Os ataques ao dramaturgo foram tatildeo violentos que Archer resolveu publicar
uma espeacutecie de dicionaacuterio de abusos elencando os termos usados pelos criacuteticos
principalmente na recepccedilatildeo de Os espectros encenada pelo Independent Theatre em 13 de
marccedilo de 18912
De fato Os espectros foi uma das obras de Ibsen que mais controveacutersia suscitou nos
teatros europeus natildeo apenas por sua temaacutetica cientificista mas sobretudo por causa das
mudanccedilas realizadas na estrutura do drama A accedilatildeo essencial da peccedila eacute a reconstituiccedilatildeo do
passado de Helena Alving o matrimocircnio com o licencioso Capitatildeo Alving o amor ao pastor
Manders que a repeliu convencendo-a a permanecer ao lado do marido e a idealizaccedilatildeo
falaciosa da imagem do Capitatildeo frente ao filho e agrave sociedade O resultado desses eventos eacute a
heranccedila bioloacutegica que se manifesta na loucura de Osvaldo viacutetima do passado de libertinagem
do pai Outros acontecimentos da peccedila como o interesse de Osvaldo por Regina sua irmatilde
ilegiacutetima e a tentativa de eutanaacutesia praticada por Helena para interromper o sofrimento do
filho chocaram a plateacuteia burguesa Aleacutem disso para os criacuteticos habituados com o
desenvolvimento crescente da accedilatildeo mdash o esboccedilo da intriga no primeiro ato o alcance de um
ponto mais impetuoso no segundo e a resoluccedilatildeo dos conflitos no terceiro mdash Os espectros era
um despropoacutesito A peccedila natildeo apresentava accedilotildees melodramaacuteticas ao contraacuterio o que se via em
cena era somente a anaacutelise das personagens e de sua situaccedilatildeo Embora observando a unidade
completa de accedilatildeo tempo e lugar Ibsen passou a fazer uso do flashback deslocando as accedilotildees
decisivas de seus dramas para o passado Desse modo as recordaccedilotildees evocadas atraveacutes de um
diaacutelogo dramaacutetico conciso serviam apenas para dar sentido agraves condiccedilotildees das personagens no
tempo presente facultando aos espectadores a visatildeo da totalidade do processo Suas peccedilas na
medida em que apresentavam no palco os problemas da sociedade burguesa natildeo se ajustavam
mais agraves regras da dramaturgia de rigor aristoteacutelico e assim Ibsen se viu forccedilado a
1 Cf Clement Scott [sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891 ldquoAn obscure Scandinavian dramatist and poet a crazy fanatic and determined socialist is to be trumpeted into fame for the sake of the estimable gentlemen who can translate his works and the enterprising tradesmen who publish them The whole thing is most amusing to those who are behind the scenes and the artful aid of the reacuteclame is exercised with an ingenuity worthy of the Gallic race Meetings are held under the open pretence of advocating the study of Ibsen but in reality for the propagation of the gospel of Socialismrdquo 2 Cf William Archer ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891 ldquoIbsenrsquos positively abominable play entitled Ghostshellip This disgusting representationhellip Reprobation due to such as aim at infecting the modern theatre with poison after desperately inoculating themselves and othershellip An open drain lsquoa loathsome sore unbandaged a dirty act done publicly a lazar-house with all its doors and windows openhellip Candid foulnesshellip Kotzebue turned bestial and cynical hellipOffensive cynicismhellip Ibsenrsquos melancholy and malodorous worldhellip Absolutely loathsome and fetidhellip Gross almost putrid indecorumhellip Literary carrionhellip Crapulous stuffhellip Novel and perilous nuisancersquo mdash Daily Telegraph (leading article) lsquoThis mess of vulgarity egotism coarseness and absurdityrsquomdash Daily Telegraph (criticism) []rdquo
24
ldquodesdramatizaacute-lasrdquo para tornar visiacutevel o fluir da realidade cotidiana Eacute assim que ao
transformar o tempo passado em assunto fundamental de sua obra Ibsen deu iniacutecio agrave crise do
drama demonstrando cada vez mais seu interesse pelo gecircnero eacutepico
A repulsa que a publicaccedilatildeo de Os espectros provocou no puacuteblico em 1881 natildeo teve
precedentes na histoacuteria da literatura norueguesa Ibsen foi acusado de niilista lascivo
defensor do amor livre e anticristatildeo Os livreiros recusaram-se em vender o drama sendo
muitos exemplares devolvidos ao editor Para os criacuteticos apenas um ldquoinsanordquo poderia
escrever uma peccedila com tantos disparates o realismo da obra havia se convertido num
naturalismo completamente pagatildeo a psicologia das personagens era pouco clara discutiacutevel e
enervante e portanto somente os historiadores da literatura poderiam quiccedilaacute um dia
interessar-se por ela como um caso singular de desequiliacutebrio mental Os maiores protestos no
entanto foram feitos em nome da igreja nunca um livro que pregava o incesto o amor
extraconjugal e a devassidatildeo sexual poderia adentrar uma casa cristatilde A peccedila foi enviada para
vaacuterios teatros da Escandinaacutevia mas todos rejeitaram-na Assim a primeira representaccedilatildeo de
Os espectros soacute aconteceria um ano mais tarde no Aurora Turner Hall em Chicago em maio
de 1882 para uma plateacuteia de imigrantes escandinavos Aliaacutes foram os Norwegian-Americans
que introduziram Ibsen nos Estados Unidos atraveacutes da divulgaccedilatildeo dos trabalhos do autor no
jornal Skandinaven O perioacutedico que circulou entre 1866 e 1941 era escrito em norueguecircs
mas com a popularidade do dramaturgo na Europa os editores passaram a reproduzir as
criacuteticas inglesas em sua liacutengua original Aleacutem disso foram eles tambeacutem os responsaacuteveis pela
primeira encenaccedilatildeo de Casa de boneca em territoacuterio americano A peccedila na adaptaccedilatildeo inglesa
de William Lawrence foi intitulada The Child Wife sendo representada no Grand Opera
House em Milwaukee Wisconsin em 2 de junho de 1882 Essa montagem diferente de Os
espectros ocorrida um mecircs antes foi recebida com grande entusiasmo pela imprensa que a
anunciou como ldquoAn Emocional Domestic Dramardquo A exemplo do que acontecera na
Inglaterra com Breaking a butterfly a versatildeo americana tambeacutem distorceu o texto original
Helmer marido de Nora compreendeu a falsificaccedilatildeo feita pela esposa agradecendo-a por ter
salvo sua vida reconciliados Nora desistiu de abandonar o lar
Entre 1894 e 1907 as companhias teatrais estrangeiras fizeram vaacuterias excursotildees nos
Estados Unidos trazendo em seus repertoacuterios peccedilas como Os espectros Um inimigo do povo
John Gabriel Borkman Hedda Gabler Solness o construtor e Peer Gynt Assim como
ocorrera na Europa as polecircmicas suscitadas pelas encenaccedilotildees foram inevitaacuteveis e natildeo
demorou muito para que Ibsen aparecesse nos principais perioacutedicos do paiacutes Hjalmar Hjorth
Boyesen um dos admiradores do dramaturgo aleacutem de escrever muitas mateacuterias em jornais e
25
revistas publicou Commentary on the works of Henrik Ibsen em 18941 No entanto Rasmus
Bjoslashrn Anderson foi o primeiro a escrever um artigo em inglecircs sobre a revoluccedilatildeo que o autor
vinha operando no palco europeu2 Curiosamente Anderson passou a adotar outro ponto de
vista no final da deacutecada de 1890 passando de defensor a opositor feroz do teatro de Ibsen Eacute
provaacutevel que o contato entre ele e William Winter o criacutetico teatral mais puritano do Greeleyrsquos
Tribune tenha provocado essa transformaccedilatildeo O fato eacute que Winter e Anderson foram para
Boston Wisconsin e Nova York o que Clement Scott foi para Manchester e Londres
adversaacuterios da ldquoimoralidaderdquo do teatro moderno3 Aleacutem disso a preocupaccedilatildeo maior dos
conservadores era a empatia entre as ideacuteias ibsenianas e os movimentos operaacuterio e anarquista
Para Emma Goldman feminista anarquista e liacuteder da causa dos trabalhadores o drama
moderno era uma espeacutecie de disseminador do pensamento radical sobretudo na Ameacuterica
onde o teatro meramente comercial servia apenas para provocar francas gargalhadas no
puacuteblico eliminando da cena qualquer alusatildeo aos temas sociais4 Durante o periacuteodo em que
viveu nos Estados Unidos de 1886 ateacute 1919 quando entatildeo foi expulsa do paiacutes em razatildeo de
sua intensa atividade poliacutetica Goldman escreveu panfletos publicou livros e fundou a revista
Mother Earth (1906-1917) que teve entre seus colaboradores Georg Brandes Maxim Gorki
Alexander Berkman e Eugene OrsquoNeill O perioacutedico trazia assuntos diversos desde temas
urgentes da eacutepoca como as prisotildees arbitraacuterias dos trabalhadores e o direito das mulheres ao
controle de natalidade ateacute poesia ficccedilatildeo e criacutetica teatral Em relaccedilatildeo a Ibsen a autora
distinguia Os pilares da sociedade Casa de boneca Os espectros e Um inimigo do povo
como verdadeiras obras libertaacuterias uma vez que expunham no palco a opressatildeo social a
hipocrisia dos puritanos e a exclusatildeo das mulheres na sociedade Desse modo Goldman
tornou-se a primeira a alertar que embora o autor de Hedda Gabler reivindicasse em suas
peccedilas o fim da sociedade patriarcal burguesa o ponto de discussatildeo central de sua dramaturgia
1 Cf Hjalmar Hjorth Boyesen Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894 2 Rasmus Bjoslashrn Anderson ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American 15 abr 1882 3 O tom da mudanccedila de atitude de Anderson em relaccedilatildeo a Ibsen pode ser avaliado no seguinte trecho de sua autobiografia Life story Madison Wisconsin 1915 p 487 ldquoI have no sympathy with [Ibsenrsquos] so-called social dramas beginning with A Dollrsquos House and [ending with] When We Dead Awaken Aside from the improprieties and offense against good morals that are found in them they seem to me mere twaddle and all the symbolism which they are said to contain I regard as a mere opinion of his readers and admiring criticsrdquo 4 Emma Goldman The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914 ldquoPerhaps those who learn the great truths of the social travail in the school of life do not need the message of the drama But there is another class whose number is legion for whom that message is indispensable In countries where political oppression affects all classes the best intellectual element have made common cause with the people have become their teachers comrades and spokesmen But in America political pressure has so far affected only the ldquocommonrdquo people It is they who are thrown into prison they who are persecuted and mobbed tarred and deported Therefore another medium is needed to arouse the intellectuals of this country to make them realize their relation to the people to the social unrest permeating the atmosphererdquo
26
era a luta de classes natildeo de gecircnero1 Apesar das circunstacircncias desfavoraacuteveis as obras de
Ibsen foram assimiladas por alguns autores que desejavam criar um novo teatro No final do
seacuteculo XIX Bronson Howard abordou o embate entre capital e trabalho com Baron Rudolph
de 1881 no iniacutecio do XX Edward Sheldon foi o primeiro a tratar da questatildeo racial em 1910 com The
Nigger OrsquoNeill escreveu em 1939 The iceman cometh peccedila cujo enredo eacute semelhante ao de O pato
selvagem e Arthur Miller aleacutem de compor All my sons em 1947 transpondo a teacutecnica analiacutetica de
Ibsen para a atualidade americana produziu a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo na deacutecada de 19502
Na Franccedila berccedilo da forma hegemocircnica do drama a resistecircncia agraves peccedilas ibsenianas foi
muito mais severa do que em qualquer outro paiacutes europeu Desde o final dos anos 1840 o
palco francecircs era totalmente dominado pelas comeacutedias realistas de Augier Dumas Filho e
Sardou que aliavam as descriccedilotildees dos costumes burgueses agrave exaltaccedilatildeo moralizante de seus
valores eacuteticos como o trabalho o matrimocircnio e a famiacutelia Somente a partir de 1887 com a
fundaccedilatildeo do Theacuteacirctre Libre por Andreacute Antoine comeccedilaram as campanhas para a revitalizaccedilatildeo
da cena francesa Antoine inspirado nas ideacuteias naturalistas de Zola preconizava um teatro
baseado na verdade na observaccedilatildeo e no estudo da natureza Suas produccedilotildees aleacutem do caraacuteter
popular e social destacavam-se pelos cenaacuterios realistas e pela interpretaccedilatildeo mais natural dos
atores sem os tradicionais gestos exagerados e as elocuccedilotildees empoladas Com isso o Theacuteacirctre
Libre logo tornou-se o refuacutegio de autores como Ibsen Hauptmann e Strindberg rejeitados
pelos teatros convencionais Os espectros e O pato selvagem foram as primeiras peccedilas do
dramaturgo a serem apresentadas agrave plateacuteia parisiense respectivamente em 1890 e 1891
provocando a fuacuteria de criacuteticos conservadores como Francisque Sarcey Com receio de que o
teatro ibseniano destruiacutesse a tradiccedilatildeo dramaacutetica da Franccedila Sarcey levantou-se sem demora
contra a ldquoinvasatildeo do baacuterbaro do Norterdquo A pedra de toque de sua criacutetica era o gosto do
puacuteblico por conseguinte uma peccedila era considerada boa ou ruim conforme o grau de
receptividade dos espectadores Os autores deviam necessariamente escrever dramas que
pudessem ser entendidos pela plateacuteia por isso os recursos da peccedila bem-feita eram
indispensaacuteveis A clareza a estrutura loacutegica e o propoacutesito moral do drama eram as qualidades
que Sarcey reivindicava como o cerne da experiecircncia teatral Nesse sentido aleacutem da
incompreensatildeo e da inconsistecircncia dos temas a principal queixa de Sarcey contra as peccedilas
ibsenianas era relacionada agrave estrutura dramaacutetica que apresentava cenas incoerentes e
1 Cf Emma Goldman ldquoThe drama a powerful dissemination of radical thoughtrdquo Anarchism and others essays New York Dover 1969 p 241-271 2 Cf sobre Ibsen e OrsquoNeill Sverre Arestad ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948 e Rolf Fjelde ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988
27
desarticuladas Para o criacutetico Ibsen feria a regra mais importante do drama ao deixar o
puacuteblico sem o conhecimento baacutesico dos fatos e das histoacuterias de cada personagem O arranjo
cuidadoso da antecipaccedilatildeo de um evento e a efetivaccedilatildeo da scegravene agrave faire (cena obrigatoacuteria) era o
que Sarcey e a plateacuteia que ele representava esperavam de um espetaacuteculo teatral1
Ibsen configurava-se tatildeo obscuro aos olhos do puacuteblico francecircs que se tornou comum a
realizaccedilatildeo de uma conferecircncia preacutevia sobre o enredo e o contexto de qualquer uma de suas
obras que por laacute fosse encenada Assim minutos antes da estreacuteia de Hedda Gabler no
Theacuteacirctre du Vaudeville em 1891 Jules Lemacircitre tentou explicar o caraacuteter ldquonebulosordquo da
personagem-tiacutetulo atraveacutes de uma comparaccedilatildeo entre as mulheres escandinavas e as francesas
Para ele o desprezo que Hedda nutria por Tesman seu marido as suas ambiccedilotildees
desmesuradas que levaram agrave ruiacutena seu ex-amante Loevborg e a sua morte na uacuteltima cena da
peccedila mdash quando ela daacute fim agrave proacutepria vida e agrave do filho que estava esperando mdash provinham de
sua origem luterana Hedda sendo protestante estava fadada a se dedicar inteiramente a uma
vida de pureza espiritual ldquotoute acircmerdquo eximindo-se de qualquer prazer material e da ldquojoie de
vivrerdquo alardeada pelo catolicismo Segundo Lemaicirctre isso explicava o fastio da personagem
pela vida sua natildeo vocaccedilatildeo para a maternidade e sua falta de solidariedade com o proacuteximo
Nessa esteira ele argumentava ainda que a premissa baacutesica do luteranismo a reivindicaccedilatildeo da
autonomia moral tatildeo bem incorporada nos caracteres de Nora e Helena Alving havia sido
grotescamente distorcida resultando daiacute a figura neuroacutetica de Hedda Depois de todo esse
disparate o criacutetico concluiu sua exposiccedilatildeo aproximando Hedda Gabler de Emma Bovary
ambas monstruosamente orgulhosas esnobes ciacutenicas e crueacuteis2 Se por um lado alguns
criacuteticos indignaram-se com essa leitura como Camille Mauclair e Henri Becque que
acusaram Lemaicirctre de julgar a obra de Ibsen sob um ponto de vista hostil e malevolente
dificultando ainda mais a compreensatildeo do puacuteblico por outro houve quem concordasse com
ele como Camille Bellaigue criacutetico da Revue des Deux Monde que viu Hedda como ldquoune
toqueacutee une deacutepraveacuteerdquo uma criatura bizarra e uma meretriz da pior espeacutecie3
1 Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 371 ldquoIbsen jette sur la scegravene des personnages qui parlent de leurs affaires comme si nous eacutetions au courant Ce nest que peu agrave peu au cours de leurs conversations que nous finissons par reconstituer le point initial dougrave toute laction est partie Ce systegraveme mest insupportable Je suis Latin en cela ou plutocirct je suis Franccedilais Jai besoin quon me dise Voilagrave ce qui sest passeacute voici ougrave nous en sommes eacutecoutez ce qui va suivrerdquo 2 Cf Jules Lemaicirctre Impressions de theacuteacirctre v 6 Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897 p 50-62 Sobre a analogia entre Hedda Gabler e Emma Bovary cf Elsie M Wiedner ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989 p 32-33 3 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 128
28
Em 1892 o Cercle des Escholiers dirigido por Georges Bourdon representou A dama
do mar Entretanto foi no ano seguinte que Ibsen tornou-se definitivamente o adversaacuterio
nuacutemero um dos criacuteticos conservadores franceses com a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo
dirigida por Lugneacute-Poe e Camille Mauclair no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Esta montagem foi
polecircmica natildeo somente pelas inovaccedilotildees que os simbolistas trouxeram para a cena mdash como o
uso da iluminaccedilatildeo das cores do movimento e do arranjo cecircnico servindo antes agrave evocaccedilatildeo
do que agrave verossimilhanccedila mdash mas sobretudo porque a peccedila foi apresentada em termos
explicitamente anarquistas Como de praxe a estreacuteia do espetaacuteculo foi precedida de uma
conferecircncia dessa vez a cargo de Laurent Tailhade poeta libertaacuterio que enfatizou o aspecto
de criacutetica social do drama insistindo na importacircncia da ldquorevoltardquo contra ldquole pegravere le patron et
la patrierdquo Desse modo as desventuras do Dr Stockmann mdash protagonista da peccedila que acaba
sendo abandonado por todos e considerado um inimigo do povo ao entrar em choque com os
interesses dos poderosos de sua cidade mdash foram vistas como uma alegoria da luta do
indiviacuteduo contra as autoridades corruptas e contra a ilegitimidade do estado de poder Mas
natildeo foi apenas a leitura de Taillade que politizou o evento alguns simpatizantes do
movimento anarquista participaram da montagem como figurantes da cena em que uma
multidatildeo se reuacutene para discutir a contaminaccedilatildeo da estacircncia balneaacuteria da cidade pelos esgotos
das induacutestrias da regiatildeo Na sala do espetaacuteculo vaias e aplausos se misturaram possibilitando
desse modo que o puacuteblico participasse ativamente da encenaccedilatildeo O tumulto iniciado no
teatro ganhou as ruas resultando em alguns casos em prisatildeo perseguiccedilatildeo e ateacute mesmo
deportaccedilatildeo Por ordem da justiccedila a proacutexima peccedila do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Les acircmes solitaires
de Hauptmann foi cancelada e durante algum tempo o teatro permaneceu sob vigilacircncia
policial Por sua vez Um inimigo do povo foi execrada pela criacutetica e Ibsen passou cada vez
mais a ser visto como ldquoum anarquista da arterdquo que exercia um verdadeiro terror no puacuteblico1
Poucos meses depois do impacto causado por Um inimigo do povo o Theacuteacirctre de
lrsquoOeuvre apresentou ao puacuteblico Rosmersholm peccedila que conta a histoacuteria de Rosmer e Rebecca
West Ele um homem de caraacuteter refinado e distinto mdash viuacutevo da melancoacutelica Beata que
acabou por se suicidar atirando-se na correnteza de um rio mdash foi abandonado por todos os
amigos quando decidiu renunciar a seu cargo de pastor da comunidade assumindo ideacuteias
liberais Rebecca uma mulher livre de quaisquer autoritarismos e ortodoxias amiga e
1 Cf ldquoLes auteurs nordiques et les anarchistes un malentendu feacutecondrdquo In Caroline Granier Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes-Saint-Denis Paris e Erin Williams Hyman ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005
29
confidente de Rosmer influenciou consideravelmente nas suas decisotildees No decorrer da peccedila
Rebecca confessa que manipulou Beata induzindo-a ao suiciacutedio Apesar disso Rosmer a
perdoa pedindo-a em casamento Mas ela natildeo aceita argumentando que natildeo pode se libertar
dos erros cometidos no passado No fim da peccedila sem perspectivas negando-se a ter uma vida
de estagnaccedilatildeo e modorra ambos se matam jogando-se na mesma correnteza em que Beata
morrera Com essa montagem mais do que com Um inimigo do povo que ainda apresentava
evidentes conotaccedilotildees poliacuteticas Ibsen foi definitivamente incorporado ao movimento
simbolista do teatro francecircs No programa do espetaacuteculo talvez para estimular a criacutetica e o
puacuteblico a assistir a encenaccedilatildeo Victor Charbonnel declarou que Rosmersholm era ldquoune piegravece
moins embarrasseacutee et confuserdquo do que outras de Ibsen sendo quase uma ldquopiegravece bien faiterdquo
Ao mesmo tempo ele realccedilou a psicologia o idealismo a poesia e a paixatildeo das personagens
como os elementos relevantes da peccedila deixando claro que natildeo se veria no palco qualquer
mensagem poliacutetica ou ideoloacutegica mas tatildeo somente um drama evocativo propiacutecio mais agrave
meditaccedilatildeo do que agrave predicaccedilatildeo1
A despeito dessas consideraccedilotildees a peccedila foi tatildeo incompreendida quanto Os espectros
Hedda Gabler e A dama do mar Primeiro porque Rosmersholm fornecia o mais
impressionante exemplo da teacutecnica analiacutetica de Ibsen mdash a accedilatildeo principal da peccedila natildeo era
senatildeo a anaacutelise das razotildees que levaram agrave morte Beata Rosmer e Rebecca mdash gerando por
esse motivo a acusaccedilatildeo de criacuteticos favoraacuteveis agrave formula da peccedila bem-feita de que o drama era
artificial inconsistente ininteligiacutevel e absurdo Segundo porque a montagem enfatizando o
estado de espiacuterito sombrio o tom sepulcral e sobretudo a preocupaccedilatildeo com a morte assunto
tatildeo caro aos simbolistas levou a criacutetica a julgar a obra como estaacutetica e monoacutetona desprovida
de qualquer cunho dramaacutetico seja a tensatildeo o suspense a crise ou o conflito E terceiro
porque Rebecca vista pela oacutetica da imagem do eacuteternel feacuteminin mdash um tipo de mulher eteacuterea
altamente idealizada miacutestica quase um ente sobrenatural e diaboacutelico mdash levou alguns criacuteticos
a considerar natildeo soacute ela mas todas as personagens femininas de Ibsen como criaturas
maleacutevolas imorais e delinquumlentes capazes de desestruturar lares destruir os outros e a si
proacuteprias Para os adeptos do simbolismo como Henry James Edmund Gosse Paul Bourget
entre outros as personagens ibsenianas nada mais representavam que um eacutetat drsquoacircme ou souls-
crisis constituindo a obra de Ibsen desse modo de uma verdadeira ldquoSoulrsquos tragedyrdquo Seja
como for natildeo demorou muito para que as personagens femininas de Ibsen fossem tomadas
1 Cf ldquoRosmersholm toward new realms of artrdquo In Kirsten Shepherd-Barr Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997
30
pelos psiquiatras meacutedicos e criminalistas da eacutepoca como verdadeiros casos patoloacutegicos de
desequiliacutebrio mental sendo tratadas como histeacutericas neuroacuteticas e degeneradas1
Em 1894 o Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre levou agrave cena Solness o construtor (1892) A peccedila
escrita de acordo com a teacutecnica analiacutetica inicia-se quando Halvard Solness estaacute no fim da
vida A essa altura ele jaacute eacute o ceacutelebre construtor que se fez explorando muita gente sobretudo
dois de seus empregados Knut e Ragnar Brovik pai e filho Quando Solness descobre que
Ragnar quer montar o seu proacuteprio negoacutecio natildeo economiza meios para o impedir chegando a
incentivar Kaia Fosli noiva de Ragnar mas apaixonada por Solness a se casar com o rapaz
para manter ambos em seu escritoacuterio Em meio a esses eventos o construtor recebe a visita
inesperada de Hilda Wangel uma jovem que conhecera dez anos antes quando esteve em sua
cidade natal para construir a torre da igreja No decorrer da accedilatildeo atraveacutes do diaacutelogo entre
Solness e Hilda ficamos sabendo que a fortuna do construtor proveio de um incecircndio que
destruiu a casa herdada dos pais de sua mulher Aline que ele sabia da existecircncia de uma
fenda na chamineacute mas natildeo providenciou o conserto que em consequumlecircncia do ldquoincidenterdquo
Aline teve uma febre de leite que levou agrave morte o seu casal de gecircmeos e finalmente que ele
arruinou Knut Brovik o homem que lhe ensinara o ofiacutecio No final da peccedila Solness que
acabara de construir uma casa nova para sua famiacutelia eacute instigado por Hilda a subir ateacute o topo
da torre para depositar uma coroa de flores mdash costume norueguecircs para se comemorar a
inauguraccedilatildeo de uma obra O construtor malgrado a vertigem das alturas aceita o desafio e
acaba morrendo ao se desequilibrar e cair do alto da torre
A partir dessa peccedila alguns simbolistas como por exemplo Maeterlinck passaram a
associar a teacutecnica dramatuacutergica de Ibsen ao hipnotismo sugerindo que seus dramas
transportavam os espectadores para um mundo de sonho e alucinaccedilatildeo Tal qual um devaneio
Solness era composta de um conjunto de imagens de pensamentos ou de fantasias de ldquovaacuterias
camadas de siacutembolos superpostasrdquo que poderiam desdobrar-se e aparecer aos olhos do
puacuteblico sob muacuteltiplas formas Assim Ibsen foi saudado como autor de um novo tipo de drama
mdash um drama de reflexatildeo interna que expressava no palco apenas a vida interior das
personagens mdash transformando o teatro desse modo em um templo de compleiccedilatildeo miacutestica2
Nessa esteira Prozor no prefaacutecio de sua traduccedilatildeo de Solness forneceu uma explicaccedilatildeo
detalhada dos siacutembolos contidos na peccedila que segundo ele era completamente alegoacuterica
facilmente compreensiacutevel e ldquoassez transparentsrdquo as personagens natildeo eram senatildeo
1 Cf sobre essa questatildeo as anaacutelises equivocadas feitas pelo criminalista italiano Cesare Lombroso LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 e pelo meacutedico Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf Maurice Maeterlinck ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894
31
dramatizaccedilotildees do proacuteprio Ibsen Solness era o dramaturgo Hilda era a juventude e a
imaginaccedilatildeo Aline o passado Knut Brovik a rotina Ragnar o utilitarismo moderno as
igrejas que Solness construiacutera eram os dramas filosoacuteficos de Ibsen como Brand e as casas
eram peccedilas modernas como Os espectros1 Essa leitura influenciou muitos criacuteticos sendo
reproduzida em vaacuterios outros artigos e livros como por exemplo Acircmes modernes de Henry
Bordeaux e Les reacutevolteacutes scandinaves de Maurice Bigeon2 Henry James tambeacutem partilhou
das mesmas ideacuteias de Prozor chamando Solness de um ldquoIbsen within an Ibsenrdquo3 A criacutetica
contraacuteria a Ibsen recebeu a peccedila sem nenhum entusiasmo vendo-a como obra de um
desequilibrado Clement Scott chegou a comparaacute-la a um manicocircmio ldquoa play written
rehearsed and acted by lunaticsrdquo4 E Sarcey contestou-a pela falta de clareza acusando o
dramaturgo de ter um discurso verborraacutegico e esquisito que transformou Solness em pura e
simples banalidade ldquoil est tout agrave la fois obscur et pueacuterilrdquo ldquocrsquoest du pur galimatiasrdquo ldquocrsquoest le
plus simple et le plus naiumlf des truismesrdquo5
Enquanto Ibsen escrevia suas uacuteltimas peccedilas mdash O pequeno Eyolf (1894) John Gabriel
Borkman (1896) e Quando noacutes os mortos despertarmos (1899) mdash e o movimento simbolista
propagava suas ideacuteias sobre a soul-crisis Sigmund Freud avanccedilava do estudo da histeria para
o do inconsciente utilizando-se muitas vezes de obras-de-arte para ilustrar suas teorias No
acircmbito do teatro satildeo famosas suas investigaccedilotildees sobre o chiste que se referem indiretamente
agrave comeacutedia bem como seu exame de cenas e personagens dramaacuteticas para elucidar certas
condiccedilotildees psiconeuroacuteticas Aleacutem da ceacutelebre anaacutelise de Eacutedipo Freud fez um estudo de
Rebecca West personagem de Rosmersholm no artigo ldquoArruinados pelo ecircxitordquo publicado em
1916 Partindo da teoria do complexo de Eacutedipo Freud identifica no comportamento e
sobretudo nas palavras de Rebecca motivos ldquosubterracircneosrdquo e mecanismos inconscientes que
revelam um sentimento de culpa em relaccedilatildeo ao seu passado incestuoso ter sido amante do
proacuteprio pai sem o saber Essa situaccedilatildeo natildeo estaacute claramente explicitada no texto de Ibsen mas
segundo Freud haacute ldquoindiacutecios e fragmentosrdquo inseridos com tal arte nas entrelinhas da trama que
validam essa interpretaccedilatildeo e ao mesmo tempo ajudam a compreender o obstaacuteculo agrave uniatildeo de
1 Cf prefaacutecio de Solness le constructeur de Moritz Prozor em Henrik Ibsen Solness le constructeur Paris Savine 1893 Esse mesmo texto foi publicado na ediccedilatildeo brasileira de seis peccedilas de Ibsen Conde Prozor ldquoComentaacuterios sobre Solness o construtorrdquo Seis dramas Porto Alegre Globo 1944 p 479-488 2 Cf Henry Bordeaux La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894 e Maurice Bigeon Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894 3 Cf Henry James ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893 4 Cf Clement Scott [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893 5 Cf Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 356
32
Rebecca e Rosmer1 Esse tipo de anaacutelise que na maioria das vezes diz muito mais sobre a
psicanaacutelise do que sobre o trabalho eou os propoacutesitos do autor tornou-se a partir daiacute uma das
estrateacutegicas criacuteticas cada vez mais usadas para se analisar as obras ficcionais No caso da
criacutetica das peccedilas de Ibsen sobretudo depois de Solness agrave abordagem autobiograacutefica que jaacute
vinha sendo feita desde o final do seacuteculo XIX acrescentou-se a psicanaliacutetica a ponto de alguns
considerarem o dramaturgo como um ldquoFreud do teatrordquo Desse modo ora a obra de Ibsen
serve de material para diagnosticar seu psiquismo como por exemplo identificaacute-lo com o
escultor Rubek personagem de sua uacuteltima peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos
concluindo que ambos estatildeo presos agrave culpa de renunciar a proacutepria vida por um ideal de arte
ora suas personagens satildeo reduzidas sempre ao mesmo complexo de Eacutedipo deixando de lado
os problemas gerais mdash social moral e metafiacutesico mdash a favor de casos particulares e
patoloacutegicos negando assim a universalidade da obra ibseniana2
No iniacutecio do seacuteculo XX as peccedilas de Ibsen malgrado os escacircndalos as polecircmicas e a
oposiccedilatildeo cerrada de criacuteticos conservadores acabaram sendo incorporadas ao teatro claacutessico
Embora nem sempre gozando da popularidade que tivera no final do seacuteculo XIX Ibsen
continuou a ser discutido pelos teoacutericos de vanguarda sobretudo pelos simpatizantes da
esteacutetica simbolista que tentavam achar uma saiacuteda para a conflito entre a visatildeo abstrata do
drama e sua representaccedilatildeo fiacutesica Em 1906 ano da morte do dramaturgo Max Reinhardt
juntamente com Edvard Munch responsaacutevel pelo design da produccedilatildeo encenou Os espectros
no Kammerspiele Theatre em Berlim Vsevolod Meyerhold trabalhando entatildeo na companhia
da atriz Vera Komissarzhevskaya dirigiu Hedda Gabler em Satildeo Petersburgo e Edward
Gordon Craig criou o cenaacuterio para a representaccedilatildeo de Rosmersholm de Eleonora Duse no
Teatro della Pergola em Florenccedila Essas trecircs montagens embora muito distintas entre si
compartilharam da ruptura com os padrotildees realistas de encenaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo levando
para o palco a teatralidade a estilizaccedilatildeo e a sugestatildeo Craig no desenho das cenas de
Rosmersholm abusou das variaccedilotildees de luz e cor buscando estabelecer uma relaccedilatildeo
inequiacutevoca entre as personagens e os objetos que a cercavam Segundo registros de Guido
Noccioli um dos atores que participou dessa montagem o cenaacuterio e a mobiacutelia eram verdes
contrastando apenas com uma porta azul que vez ou outra atingia um tom celeste por causa
1 Cf ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In Sigmund Freud Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356 2 Cf por exemplo Derek Russell Davis ldquoA reappraisal of Ibsenrsquos Ghostsrdquo In James Walter Mcfarlane Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970 p 369-383 e Anne Hage ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005
33
dos dez refletores utilizados em cena1 A nova arquitetura do espaccedilo cecircnico foi o que mais
chamou a atenccedilatildeo de alguns criacuteticos italianos como Enrico Corradini que em um de seus
muitos artigos publicados na imprensa considerou-a perfeita para acolher a psicologia
profunda de Rosmer e Rebecca West2
Meyerhold antes da encenaccedilatildeo de Hedda Gabler escreveu o ensaio ldquoO teatro
naturalista e o teatro de humorrdquo onde desaprovava a esteacutetica naturalista pelo cuidado
excessivo da reproduccedilatildeo exata da natureza negando ao espectador a capacidade de sonhar e
imaginar No caso das peccedilas de Ibsen o diretor russo acusava os encenadores naturalistas de
transformaacute-las em tediosas monoacutetonas e doutrinaacuterias uma vez que se preocupavam apenas
com o desenho preciso de ldquotiposrdquo do universo norueguecircs e com a anaacutelise minuciosa dos
diaacutelogos das personagens Na acircnsia de tornar a dramaturgia ibseniana suficientemente
compreensiacutevel ao puacuteblico os naturalistas buscavam tornar vivos os diaacutelogos ldquoenfadonhosrdquo e
complicados do autor atraveacutes do trabalho analiacutetico das cenas de transiccedilatildeo ldquoas personagens
comem limpam a sala fazem as malas embrulham sanduiacuteches etcrdquo3 Com isso eles
colocavam em primeiro plano muitas cenas secundaacuterias sufocando o misteacuterio e as meias-
palavras que segundo Meyerhold eram as essecircncias da obra de Ibsen Em sua produccedilatildeo de
Hedda Gabler o diretor russo procurou efetivar no palco as ideacuteias contidas em seu ensaio de
modo a forccedilar o puacuteblico a ter uma visatildeo mais profunda da realidade e tentar decifrar o enigma
por traacutes dos discursos das personagens Para tanto qualquer alusatildeo a tempo ou espaccedilo foi
suprimida um esquema simboacutelico de valores e formas cromaacuteticas foi utilizado para
caracterizar a imagem e os traccedilos psicoloacutegicos de cada personagem Tesman vestia-se de
cinza Loevborg de marrom Brack de cinza escuro Thea de rosa e Hedda de verde o
cenaacuterio de Nicolai Sapunov tinha uma espeacutecie de trono coberto com um pano branco
contrapondo-se a um fundo azul onde Hedda se sentava e em torno do qual se desenvolveram
a maioria das cenas aleacutem disso o palco era em ldquobaixo relevordquo cujo efeito bi-dimensional
opunha-se agrave ldquocaixa asfixianterdquo e agrave profundidade do palco naturalista deixando o ator perto do
espectador4 Poucos meses depois dessa produccedilatildeo Meyerhold encenou Casa de boneca e agrave
medida que Nora aproximava-se da decisatildeo de deixar os filhos e o marido o diretor russo foi
1 Cf Guido Noccioli Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Traduccedilatildeo de Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982 2 Edward Gordon Craig Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971 ldquoil palcoscenico appariva trasformato veramente trasfigurato altissimo con una architettura nuova senza piugrave quinte di un solo colore fra il verde e il cilestrino semplice misterioso e affascinante degno insomma di accogliere la vita profonda di Rosmer e di Rebecca West La scena egrave la rappresentazione di uno stato danimordquo 3 Cf Vsevolod Meyerhold ldquoThe naturalistic theatre and the theatre of moodrdquo Meyerhold on theatre translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969 p 23-34 4 Vsevolod Meyerhold Meyerhold on theatre p 65-66
34
derrubando os cenaacuterios que compunham a casa da personagem evidenciando cenicamente a
queda dos valores da sociedade liberal burguesa
As vanguardas do novo seacuteculo salvo ralas manifestaccedilotildees oriundas de tendecircncias
marxista e socialista natildeo eram atraiacutedas pela poliacutetica A preocupaccedilatildeo dos simbolistas com um
teatro de encantamento e ecircxtase a exaltaccedilatildeo do estado de espiacuterito e do vitalismo dos
expressionistas o fasciacutenio dos futuristas pela maquinaria moderna a atenccedilatildeo dos surrealistas
para com os misteacuterios da vida interior levou muitas vezes a um puro subjetivismo beirando o
solipsismo Somente depois da Primeira Guerra e da Revoluccedilatildeo de Outubro teoacutericos criacuteticos
e dramaturgos voltariam a se interessar pelo desenvolvimento de um drama que respondesse
agraves inquietaccedilotildees do homem comum e aos problemas da sociedade moderna Em 1908 no
ensaio ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo o criacutetico russo Georgy Plekhanov jaacute reclamava
de autores que adotando pontos de vista burgueses produziam obras refrataacuterias agraves questotildees
sociais e poliacuteticas de seu tempo Em contrapartida o criacutetico cita o exemplo de Ibsen que
embora natildeo fosse capaz de dar nenhuma soluccedilatildeo poliacutetica aos problemas sociais de sua eacutepoca
foi como nenhum outro escritor moderno um liacuteder na luta contra os desmandos e as
hipocrisias da pequena burguesia oitocentista Sua revoluccedilatildeo apesar de puramente negativa
voltada para a libertaccedilatildeo individual levou-o muitas vezes ao simbolismo mas ainda assim
ofereceu agraves classes desprivilegiadas o entusiasmo pelo desejo de mudanccedila social seja
criticando a sociedade capitalista a instituiccedilatildeo do casamento ou a desigualdade de direitos
entre homens e mulheres Nessa esteira Plekhanov criticava os artistas que presos apenas aos
aspectos puramente simboacutelicos dos dramas ibsenianos priorizavam somente a visatildeo abstrata
do aperfeiccediloamento humano preterindo desse modo as ameaccedilas da revoluccedilatildeo social1
O huacutengaro Georg Lukaacutecs tambeacutem foi um criacutetico severo do idealismo abstrato na arte
Seu interesse pelo drama teve iniacutecio em 1904 quando ajudou a fundar o grupo Thalia de
teatro Concebido nos moldes do Freie Buumlhne de Berlim e do Theacuteacirctre Libre de Paris o Thalia
deu renovado alento agrave vida cultural de Budapeste encenando para a classe operaacuteria peccedilas de
Hebbel Strindberg Wedekind e Ibsen de quem aliaacutes Lukaacutecs traduziu O pato selvagem Sob o
influxo dessa organizaccedilatildeo teatral o jovem criacutetico escreveu em 1906 o seu primeiro livro
Histoacuteria do desenvolvimento do drama moderno publicado somente em 1911 Neste livro
que tem um capiacutetulo dedicado a Ibsen jaacute se encontra o fundamento da teoria do drama de
Lukaacutecs para quem as obras teatrais deveriam descrever acurada e abrangentemente a situaccedilatildeo
1 Georgy Plekhanov ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In Angel Flores Henrik Ibsen New York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007
35
soacutecio-histoacuterica de uma dada eacutepoca Por conseguinte as personagens deveriam apresentar-se
como ldquotiposrdquo emblemaacuteticos da sociedade a fim de apreenderem a totalidade do processo
social manifestando assim as tensotildees da cultura burguesa Esse sistema onde acreditava-se
que a arte podia harmonizar contradiccedilotildees para exprimir os traccedilos essenciais de natureza
moral psicoloacutegica e social da sociedade capitalista natildeo implicava nenhuma modificaccedilatildeo
profunda nos conceitos acerca da proacutepria estrutura dramaacutetica Desse modo qualquer mudanccedila
na forma convencional do drama era vista por Lukaacutecs como um trampolim para o
esvaziamento do conteuacutedo literaacuterio transformando a arte em um campo de experiecircncias
meramente formais Preso agrave concepccedilatildeo de drama como sinocircnimo de conflito Lukaacutecs vecirc as
personagens ibsenianas a partir de O pato selvagem como ldquodesagradaacuteveis figuras cocircmicasrdquo
Isso porque o ponto de vista dos heroacuteis de Ibsen segundo o criacutetico estaacute muito acima dos
outros personagens que lhes fazem frente impedindo desse modo que se produza a verdadeira
ldquoluta traacutegica e dramaacuteticardquo entre eles Assim o conflito desenrola-se no vazio e o antagonismo
entre as personagens torna-se grotesco atingindo o cocircmico e por vezes o ridiacuteculo A
ldquosublimidade traacutegicardquo dos heroacuteis ibsenianos torna-se artificial podendo ser mantida apenas
atraveacutes da criaccedilatildeo de uma atmosfera simbolista Mas para Lukaacutecs essa mudanccedila de Ibsen mdash
de um realismo ainda que impregnado de elementos naturalistas para a vacuidade dos
siacutembolos mdash de modo algum representa a superaccedilatildeo das contradiccedilotildees do realismo do fim do
seacuteculo XIX Antes aponta a continuidade das incoerecircncias mas num niacutevel artiacutestico inferior
afastado da compreensatildeo da realidade No entanto em Ibsen essa crise ideoloacutegica ainda
apresenta uma rigorosa e profunda criacutetica que mostra a dissoluccedilatildeo dos ideais burgueses e o
mecanismo da hipocrisia e da auto-ilusatildeo na sociedade capitalista em decliacutenio Essa visatildeo de
Lukaacutecs que insiste na inutilidade da experimentaccedilatildeo literaacuteria natildeo realista desencadearia mais
tarde os ataques ao teatro eacutepico de Brecht provocando um debate teoacuterico no seio da criacutetica
marxista que se arrastaria pelos anos 1930 e repercutiria nas deacutecadas seguintes1
Por volta de 1920 Ibsen jaacute estava completamente absorvido pelo mercado teatral As
dimensotildees sociais e poliacuteticas de suas peccedilas mdash que haviam revolucionado o teatro no seacuteculo
passado denunciando no palco os ideais capciosos da burguesia mdash foram rejeitadas a favor
exclusivamente da exploraccedilatildeo da vida interior e da intemporalidade da psicanaacutelise
Personagens como Nora de Casa de boneca e Helena Alving de Os espectros que outrora
haviam sido ldquoporta-vozesrdquo da emancipaccedilatildeo feminina criticando as convenccedilotildees da sociedade
burguesa afiguravam-se no novo seacuteculo como mulheres problemaacuteticas e mal resolvidas
1 Cf sobre Lukaacutecs e o drama moderno Georg Lukaacutecs Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968 e Il drama moderno Milano SugarCo 1976
36
viacutetimas de traumas ocorridos na infacircncia As variaccedilotildees do complexo edipiano explicavam no
caso de Nora a libertaccedilatildeo do passado e das amarras que a mantinham presa ao marido e no
caso de Helena a renuacutencia da felicidade transformando-a assim em matildee e esposa abnegada
Nesse periacuteodo Brecht elaborava seus primeiros escritos teoacutericos em sua maior parte criacuteticas
teatrais veiculadas no jornal Der Augsburger Volkswille entre 1919 e 1921 Alguns desses
textos em sua proacutepria fatura jaacute mostram o efeito de estranhamento mdash que seria amplamente
desenvolvido na teatro de Brecht nas deacutecadas seguintes mdash como forma de sacudir o leitor em
seu torpor abalando a velha imagem da cultura integrada e digerida sem perigo Eacute nesse
sentido que a propoacutesito da encenaccedilatildeo de Os espectros na Alemanha em 1919 Brecht
denuncia a pasteurizaccedilatildeo da obra de Ibsen por artistas e criacuteticos teatrais interessados tatildeo
somente na empatia do puacuteblico e no aspecto puramente lucrativo do espetaacuteculo teatral Num
texto curto de poucas linhas Brecht ressalta a importacircncia de se ir aleacutem da percepccedilatildeo
ideoloacutegica da esfera da vida privada examinando-a criticamente sobretudo nos seus
interesses mesquinhos e materiais Sob essa perspectiva em Os espectros importava verificar
que Helena Alving natildeo era a pobre viacutetima de um matrimocircnio infeliz mas uma mulher
oportunista que se casou por dinheiro mantendo a todo custo um casamento de aparecircncias a
fim de preservar a tradiccedilatildeo e o prestiacutegio social1
Apoacutes a Segunda Guerra a induacutestria de entretenimento cujas bases jaacute estavam dadas
no iniacutecio do seacuteculo fortaleceu-se de tal modo com a ascensatildeo do capitalismo tardio que as
produccedilotildees teatrais comprometidas com o engajamento poliacutetico foram expropriadas pelo
capital A essa altura as chamadas peccedilas sociais de Ibsen soacute interessavam quando tratadas
dentro dos limites do realismo psicoloacutegico jaacute que assuntos como moral dinheiro casamento
e feminismo eram tachados de obsoletos e ultrapassados Nessa nova fase do capitalismo
obras como Os pretendentes agrave coroa e Brand foram celebradas pela teacutecnica e pela poesia
magistral Imperador e Galileu pela filosofia profunda e Peer Gynt ateacute entatildeo conhecida
quase que exclusivamente pela muacutesica de Edvard Grieg foi encenada em muitos paiacuteses
obtendo grande ecircxito A ldquodomesticaccedilatildeo das artesrdquo pela induacutestria cultural foi examinada por
Max Horkheimer e Theodor Adorno na Dialeacutetica do esclarecimento livro dos anos 1940
Contudo eacute em Minima moralia obra composta de aforismos escritos entre 1944 e 1947 que
Adorno faz referecircncia direta a Ibsen analisando uma das questotildees caras ao dramaturgo a
condiccedilatildeo feminina na sociedade de consumo No fragmento intitulado ldquoExumaccedilatildeordquo o criacutetico
contraria o senso comum que apontando o afrouxamento dos tabus sexuais e a participaccedilatildeo
1 Bertold Brecht ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12
37
da mulher no mercado de trabalho daacute por superada a questatildeo do feminismo No entanto as
novas formas de exploraccedilatildeo econocircmica distorceram a independecircncia da mulher tornando-a a
um soacute tempo vulneraacutevel agrave dominaccedilatildeo e incapaz de refletir sobre essa conjuntura Assim sob a
falsa aparecircncia de autonomia e liberdade promovida sobretudo pela induacutestria de consumo mdash
cadeias de loja e magazines que lhes fazem deferecircncia e bajulaccedilatildeo mdash as mulheres se
esquecem de sua sujeiccedilatildeo a ordem social e econocircmica tanto no que diz respeito agrave sua
ldquomiseraacutevel jornada de trabalho profissionalrdquo quanto agrave sua vida no lar Na sequumlecircncia desses
argumentos Adorno compara as personagens ldquohisteacutericasrdquo de Ibsen e ldquosuas tentativas
desesperadas de evadir-se da prisatildeo da sociedaderdquo mdash referecircncia clara a Nora de Casa de
boneca mdash com as mulheres atuais ldquosuas netasrdquo que sem se sentirem atingidas pela mesma
desumanizaccedilatildeo enviariam-nas ldquoaos bons cuidados da assistecircncia socialrdquo Em chave irocircnica
Adorno aponta o retrocesso dos ideais do movimento feminista em relaccedilatildeo aos prodiacutegios
desejados pelas antiquadas personagens ibsenianas ldquoNatildeo eacute sem razatildeo que as mulheres de
Ibsen satildeo chamadas lsquomodernasrsquo O oacutedio agrave modernidade e o oacutedio ao antiquado satildeo
imediatamente a mesma coisardquo1
Em 1956 Peter Szondi em Teoria do drama moderno elabora a mais seacuteria reflexatildeo
sobre a crise do drama enfatizando o modo pelo qual o teatro eacute condicionado por processos
econocircmicos sociais e histoacutericos A partir da ideacuteia de que forma e conteuacutedo estatildeo
definitivamente associados numa relaccedilatildeo dialeacutetica Szondi explora as antinomias internas de
peccedilas de Ibsen Tcheacutekhov Strindberg Maeterlinck e Hauptmann apontando para a
contradiccedilatildeo crescente entre a forma dramaacutetica e os novos conteuacutedos advindos da ordem
social que o drama de rigor aristoteacutelico natildeo consegue assimilar Desse modo o criacutetico mostra
que o teatro de Ibsen entre outras coisas empreendeu uma total inversatildeo no conceito
convencional do drama sobretudo pela emersatildeo do elemento eacutepico em suas peccedilas Em Os
espectros Rosmersholm John Gabriel Borkman e Solness o construtor somente para citar
algumas as accedilotildees do presente servem apenas para revelar o passado iacutentimo das personagens
tornando-se a proacutepria lembranccedila o tema central de suas peccedilas Apesar do uso da construccedilatildeo
rigorosa e causaliacutestica do domiacutenio pleno das peripeacutecias e reconhecimento da exposiccedilatildeo
dissolvida com economia por toda a peccedila Ibsen percebeu que a dramaacutetica pura com seu
pressuposto de mostrar ldquosujeitos autoconscientesrdquo caducava num mundo cada vez mais
marcado pela alienaccedilatildeo Assim em seus dramas rigorosos mas de conteuacutedo eacutepico o proacuteprio
1 Theodor W Adorno ldquoExumaccedilatildeordquo Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificadaTraduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 81 Cf tambeacutem no mesmo livro ldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo p 81-82
38
diaacutelogo entre as personagens estabeleceu a cisatildeo entre sujeito e objeto apresentando no palco
ldquovidas danificadasrdquo pelo mundo da mercadoria do trabalho alienado das relaccedilotildees falsificadas
e do isolamento do indiviacuteduo1
A partir dos anos 1960 Ibsen entatildeo considerado um autor canocircnico repontava em
trabalhos no acircmbito da histoacuteria do teatro da biografia da filosofia e da psicanaacutelise Sua obra
celebrada mais pelos escacircndalos que causaram no final do seacuteculo XIX do que por seu valor
artiacutestico continuou a ser analisada por meio de diferentes teorias criacuteticas e em contextos
especiacuteficos Criacuteticos como Halvdan Koht John Northam e Eric Bentley interessaram-se pelo
aspecto ontoloacutegico das peccedilas ibsenianas examinando os elementos constitutivos dos textos
como a ironia o paradoxo a ambiguumlidade e o simbolismo Natildeo raro essas anaacutelises
consideravam a ldquopoesia dramaacuteticardquo do dramaturgo como a expressatildeo maacutexima de sua obra
estabelecendo Ibsen como um theatre-poet2 Outros estudiosos como H L Mencken e Brian
Johnston restituiacuteram Ibsen ao contexto do pensamento europeu aproximando-o de Nietzsche
Kierkegaard e Hegel3 Uma vasta produccedilatildeo de trabalhos sobre o dramaturgo incluindo
perioacutedicos especializados como Ibsen Studies e The contemporany approaches to Ibsen
foram produzidos desde entatildeo No entanto a maioria dos estudos mdash salvo algumas exceccedilotildees
a exemplo das anaacutelises da recepccedilatildeo de Ibsen em muitos paiacuteses mdash concentram-se
particularmente nos aspectos psicanaliacuteticos e ateacute mesmo autobiograacuteficos de sua obra
deixando de lado o elemento social que desempenhou um papel importante na constituiccedilatildeo de
seu teatro tanto pela exposiccedilatildeo dos problemas da sociedade liberal burguesa quanto pela
ruptura com os padrotildees hegemocircnicos do drama Uma boa demonstraccedilatildeo de que o dramaturgo
foi unanimemente considerado universal sem ser de todo compreendido seja por limitaccedilotildees
da criacutetica seja por posicionamentos ideoloacutegicos de seus leitores
1 Cf Peter Szondi Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 2 Cf Halvdan Koht Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971 John Northam Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953 e Eric Bentley The life of the drama New York Atheneum 1964 3 Cf Henrik Ibsen Eleven plays of Henrik Ibsen Introduction by H L Mencken New York B A Cerf D S Klopfer The Modern Library 1935 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989
I B S E N N O B R A S I L
40
As primeiras encenaccedilotildees
As peccedilas de Ibsen chegaram aos palcos brasileiros no fim do seacuteculo XIX filtradas pelo
olhar de companhias estrangeiras sobretudo as italianas de Ermete Novelli Clara Della
Guardia Eleonora Duse Gustavo Salvini e Ermete Zacconi Vale lembrar que a obra
ibseniana somente passou a ter interesse na Itaacutelia depois das encenaccedilotildees do Theacuteacirctre Libre de
Antoine em 1890 Como autor da moda discutido por toda a Europa Ibsen foi rapidamente
assimilado pelo mercado teatral sendo suas peccedilas devidamente moldadas ao gosto do puacuteblico
acostumado com as comeacutedias realistas francesas Assim no uacuteltimo dececircnio do seacuteculo XIX
Enrico Polese diretor da revista LrsquoArte Drammatica juntamente com empresaacuterios criacuteticos e
atores criou ldquoil prodotto Ibsenrdquo impondo aos espectadores um outro autor diferente daquele
que estava revolucionando o teatro europeu O controle da recepccedilatildeo de Ibsen comeccedilava pela
traduccedilatildeo de Polese que suprimia do texto qualquer alusatildeo ou criacutetica agrave sociedade nivelava os
argumentos considerados inconsistentes redesenhava as personagens visando agrave compaixatildeo do
puacuteblico e modificava as cenas que poderiam escandalizar a plateacuteia A encenaccedilatildeo era apoiada
exclusivamente na figura do grande ator e interessava colocar no palco um texto ligeiro
ausente de cenas monoacutetonas A influecircncia de Polese sobre o gosto ibseniano era transmitida
natildeo soacute pela traduccedilatildeo como pela paacutegina de sua revista que minimizava ainda mais as ideacuteias
ldquoaacutesperasrdquo do autor Aleacutem disso como profissional da dramaturgia conhecedor do puacuteblico
dos atores e empresaacuterios Polese fornecia agraves companhias indicaccedilotildees precisas sobre cenografia
indumentaacuteria e formas de composiccedilatildeo das personagens tudo isso visando a mais completa
empatia entre atores e espectadores
A companhia de Ermete Novelli foi a primeira a apresentar Ibsen agrave plateacuteia brasileira
encenando Os espectros no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em junho de 1895 Algumas das
indicaccedilotildees de Polese parecem ter sido seguidas de perto por Novelli o grande ator da
companhia que fez toda a encenaccedilatildeo girar em torno da personagem que ele representava
Osvaldo Alving Sua interpretaccedilatildeo carregada de um realismo tendencioso acentuava a
enfermidade de Osvaldo a ponto de muitos criacuteticos da eacutepoca identificarem a originalidade e a
essecircncia do drama de Ibsen como de ordem cientiacutefica A doenccedila hereditaacuteria de Osvaldo foi
considerada pela criacutetica o tema central da peccedila sendo deixados de lado outros assuntos como
por exemplo o casamento de conveniecircncia de Helena com o Capitatildeo Alving Da mesma
forma pouco se falou das outras personagens mdash Regina Engstrand e Pastor Manders mdash
vistas como secundaacuterias servindo apenas para dar ensejo agraves concepccedilotildees do dramaturgo acerca
41
da sociedade da moral e da famiacutelia Moral essa que para muitos criacuteticos era ldquoestranha e
inadmissiacutevelrdquo pois ao fazer perpassar na mente de Helena a felicidade do filho ao lado de sua
meia-irmatilde Regina Ibsen celebrava o incesto e a devassidatildeo sexual Sob essa perspectiva um
criacutetico do Jornal do Brasil chegou a fazer uma comparaccedilatildeo entre as ideacuteias socialistas e as
ibsenianas concluindo que ambas tinham como fundamentos a praacutetica do amor livre e a
desestruturaccedilatildeo familiar ldquoPois eacute preciso que o nosso leitor fique sabendo que o Dr Rossi um
meacutedico italiano fez para imprensa a propaganda do socialismo tendo por base o amor livre
tal qual existia na colocircnia Santa Luzia no Estado do Paranaacute [] Se Ibsen tivesse notiacutecia de
tal adiantamento social em terras do Brasil com certeza elevava-nos ao seacutetimo ceacuteu da
imortalidaderdquo1 Nessa conjuntura o dramaturgo era tido ora como reformador ora como
pensador nunca como artista jaacute que lhe faltavam segundo os criacuteticos as preocupaccedilotildees e as
qualidades de um autor dramaacutetico Os espectros desse modo foi considerado um drama ldquomal
apresentado e mal conduzidordquo repleto de cenas pesadas e monoacutetonas que soacute conseguiam
aborrecer a plateacuteia ldquoAssistindo agrave representaccedilatildeo drsquoOs espectros pareceu-nos estar diante de
um livro de medicina escrito sobre um caso especial de atavismo e cujo texto fosse de vez em
quando ilustrado pelas fotografias do doente representando-o nas diversas fases da moleacutestia
herdadardquo2 Os pontos positivos apontados pela criacutetica foram o desempenho de Novelli muito
elogiado pela destreza com que apresentou no palco todos os sintomas da enfermidade de seu
personagem e a forma como o drama apesar das impropriedades conseguiu comover e
fornecer uma significaccedilatildeo moral para os espectadores ldquoOsvaldo e Regina as duas viacutetimas
inocentes dos viacutecios de seus pais perseguidos pelo atavismo representam uma liccedilatildeo de moral
deduzida com todo o rigor de uma lei naturalrdquo3
Depois de Os espectros de Novelli Ibsen soacute voltaria agrave cena nacional em 1899 dessa vez
com duas montagens de Casa de boneca a primeira pela Companhia Portuguesa de Lucinda
Simotildees e Cristiano de Souza no Teatro SantrsquoAnna do Rio de Janeiro no mecircs de maio e a
segunda pela Companhia Italiana de Clara Della Guardia no Teatro Liacuterico do Rio no mecircs de
agosto4 A exemplo do que acontecera em muitos paiacuteses quando apresentada pela primeira vez
a peccedila suscitou um caloroso debate no nosso meio teatral A cena final em que Nora abandona
marido e filhos provocou muitas controveacutersias entre os criacuteticos ocupando as paacuteginas dos
principais perioacutedicos do paiacutes Carlo Parlagreco escritor italiano que lecionava Histoacuteria da Arte
1 ldquoOs espectrosrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 17 jun 1895 Palcos e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 A ldquoNovelli ndash Henrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo O Paiacutes Rio de Janeiro 17 jun 1895 Artes e Artistas p 2 3 ldquoNovelli ndash Ibsenrdquo Jornal do Comeacutercio Rio de Janeiro 17 jun 1895 Teatros e Muacutesicas p 1 (Sem assinatura) 4 Casa de boneca tambeacutem foi encenada em Satildeo Paulo A companhia de Clara Della Guardia apresentou-se no Teatro Politheama em setembro de 1899 e a de Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza em outubro no mesmo teatro
42
na Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro foi categoacuterico em seu artigo publicado
na Cidade do Rio ao afirmar que Ibsen era ldquoum socioacutelogo minuacutesculordquo e ldquoum filoacutesofo
incompletordquo que soacute conseguira popularidade por causa dos assuntos escabrosos de suas peccedilas
Por isso o criacutetico italiano censurava aqueles que em reaccedilatildeo ao teatro francecircs consideravam o
dramaturgo ldquocom um fetichismo indigno da razatildeo humanardquo como um dos maiores intelectuais
de sua eacutepoca Para ele Ibsen natildeo fazia mais que repetir as ldquoteorias e os achados alheiosrdquo de
Zola sendo que as ideacuteias do autor escandinavo eram muito mais monstruosas do que os
preconceitos da sociedade Parlagreco criticava a maneira como Ibsen conduzia as suas peccedilas
encorajando as mulheres a abandonar seus lares e estimulando a desagregaccedilatildeo familiar ldquoA
mulher fora do seu domiacutenio natural prepara os degenerados do futuro Subtrair as sociedades agraves
formas mais conhecidas da administraccedilatildeo e de convivecircncia eacute o ideal que Ibsen partilha com
Tolstoacutei mas seria a mesma coisa que suprimir ou inverter no organismo humano as funccedilotildees de
alimentaccedilatildeo de reproduccedilatildeo e de percepccedilatildeordquo1
Natildeo era somente o tema de Casa de boneca que desagradava a parte conservadora de
nossa criacutetica teatral A forma de composiccedilatildeo de Ibsen que se distanciava cada vez mais dos
padrotildees hegemocircnicos do drama burguecircs tambeacutem foi alvo constante de ataques Artur Azevedo
o grande criacutetico da eacutepoca era o defensor contumaz da tradiccedilatildeo dramaacutetica sobretudo da
francesa representada por escritores como Augier Dumas Filho Meilhac e Haleacutevy Assim
como o criacutetico francecircs Francisque Sarcey mdash que para ele era o ldquomais profundo o mais sensato
o mais sincero dos criacuteticos teatrais de todos os temposrdquo mdash Artur Azevedo tinha preferecircncia
pelas peccedilas bem-feitas valorizando mais a construccedilatildeo dramatuacutergica do que o gecircnero teatral
Portanto seus criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila aproximavam-se em tudo aos de Sarcey
importando tatildeo somente averiguar o uso das convenccedilotildees como a verossimilhanccedila a
identificaccedilatildeo o encadeamento linear e progressivo das accedilotildees o enredo com comeccedilo meio e fim
etc Desse modo uma das criacuteticas mais severas de Artur Azevedo agrave Casa de boneca dizia
respeito ao desenlace que para ele era inconcebiacutevel pois a mudanccedila da atitude de Nora natildeo
havia sido preparada nos atos anteriores Se ela tinha sido tatildeo friacutevola e tola nos dois primeiros
atos natildeo era coerente que se transformasse no uacuteltimo ato numa mulher consciente de sua
situaccedilatildeo na sociedade burguesa Faltava a Ibsen o domiacutenio da arte e da convenccedilatildeo dramaacutetica
por isso Artur Azevedo negava ao dramaturgo o tiacutetulo de ldquorevolucionaacuterio do teatrordquo O que
havia em suas peccedilas de verdadeiramente teatral ainda segundo o criacutetico era bebido em Augier
e Dumas Filho com quem Ibsen tinha aprendido a construccedilatildeo haacutebil e calculada para produzir
1 C Parlagrego ldquoOs espectros de Henrik Ibsenrdquo Cidade do Rio Rio de Janeiro p 1 15 jun 1895
43
efeitos bombaacutesticos Contra esses posicionamentos de Artur Azevedo levantou-se Luiacutes de
Castro jornalista da Gazeta de Notiacutecias que sensiacutevel aos rumos do teatro moderno refutou
veementemente o ponto de contato entre os dramas franceses e ibsenianos bem como o
prestiacutegio de Sarcey como criacutetico teatral provocando uma polecircmica com Artur Azevedo que se
estenderia durante algum tempo nas paacuteginas dos jornais1 Apesar das censuras aos dramas
ibsenianos Artur Azevedo escreveu em 1906 um necroloacutegio a Ibsen reconhecendo-o como
ldquouma das gloacuterias literaacuterias mais puras do seacuteculo XIXrdquo No entanto o seu ponto de vista pouco
mudou em relaccedilatildeo agraves convenccedilotildees teatrais Nesse texto ao fazer um balanccedilo da influecircncia do
norueguecircs no teatro mundial Artur Azevedo afirmou que o teatro de Ibsen ainda era
incompreensiacutevel interessando apenas a um pequeno puacuteblico o das ldquocamadas superioresrdquo As
peccedilas de Ibsen para ele serviam apenas para serem lidas natildeo representadas fato que de modo
algum reduzia suas qualidades de ldquoobras-primas de uma grande elevaccedilatildeo moral dignas da
admiraccedilatildeo universal que as celebrourdquo2
Como Artur Azevedo Oscar Guanabarino criacutetico de O Paiacutes tambeacutem reclamava das
cenas desconexas dos diaacutelogos interminaacuteveis e do desfecho de Casa de boneca pontos que
dificultavam o entendimento do puacuteblico ldquoDesde entatildeo surgem os disparates e entre eles o
maior eacute que o espectador depois de concluiacuteda a representaccedilatildeo deve ir para casa refletir sobre
o caso concluir como puder a peccedila que natildeo teve fim []rdquo3 Ibsen para Guanabarino era
produto do exagero de criacuteticos desorientados que cingiam seu nome com uma aureacuteola de
gecircnio mdash como se ele fosse ldquoo salvador da arte dramaacuteticardquo mdash sem perceber que os processos
de escrita de sua obra eram iguais ao do teatro da eacutepoca tinham os mesmos defeitos da ficelle
e o prejuiacutezo do desconhecimento de certas regras impostas pela experiecircncia e exigidas pelo
bom senso Igualmente exageradas segundo o criacutetico eram as ideacuteias do dramaturgo que sob
o pretexto de lutar contra as convenccedilotildees sociais levava para o palco personagens sempre
doentias Apoiado nos estudos de Cesare Lombroso psiquiatra e criminalista italiano famoso
na eacutepoca pelas suas teorias sobre o criminoso nato e o homem de gecircnio Guanabarino
afirmava ser Ibsen um ldquoalienistardquo e suas personagens figuras desequilibradas e anormais A
partir da anaacutelise de obras de ficccedilatildeo e de estudos de caso Lombroso chegara agrave conclusatildeo
absurda de que anomalias hereditaacuterias neuroloacutegicas e psiacutequicas desempenhavam papel
1 Cf sobre a polecircmica entre Artur Azevedo e Luiacutes de Castro Joatildeo Roberto Faria ldquoEntre Sarcey e Ibsenrdquo Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 240-245 647-651 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Terminei meu uacuteltimo folhetim []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 31 maio 1906 O Teatro Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 586-588 3 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2
44
preponderante na formaccedilatildeo da personalidade de um delinquumlente bastando portanto relacionar
as caracteriacutesticas fiacutesicas dos indiviacuteduos mdash tamanho da mandiacutebula formato do cracircnio etc mdash
para descobrir sua disposiccedilatildeo ao crime Da mesma maneira ele acreditava que escritores
considerados geniais como Shakespeare Zola Tolstoacutei Dostoieacutevski e Ibsen apresentavam
aleacutem de uma visatildeo especial formas mais ou menos atenuadas de loucura e perversatildeo o que
lhes permitiam vislumbrar um criminoso muito antes que a ciecircncia o fizesse Nessa esteira
Lombroso alertava que as mulheres sendo ldquocriaturas moralmente inferiores e infantisrdquo
tinham mais propensatildeo agrave delinquumlecircncia ldquoMulheres satildeo crianccedilas grandes Suas tendecircncias maacutes
satildeo mais numerosas e mais variadas que as dos homens mas geralmente permanecem
latentes Entretanto quando satildeo despertas e excitadas produzem resultados proporcionalmente
maioresrdquo1 Desse modo para Guanabarino Nora apresentava todos os sintomas da patologia
mental e moral examinados por Lombroso era infantil histeacuterica e mentirosa E somente
assim por meio de um tipo exagerado e complexo inferido com todo rigor de um estudo
cientiacutefico Nora poderia ser compreendida e aceita como verdadeira No entanto isso natildeo
reduzia ainda segundo Guanabarino sua iacutendole maacute seja ao abandonar os filhos seja ao
contrair um empreacutestimo sob o pretexto de salvar a vida do marido para saciar seus caprichos
ldquoo desejo de viajar como faziam as outras as ricas acendeu-lhe o desejo de salvar o marido
e ei-la contraindo um empreacutestimo com um indiviacuteduo de moral duvidosardquo2
Os criacuteticos favoraacuteveis a Ibsen geralmente analisavam a sua obra pelo vieacutes naturalista
evitando entrar nas discussotildees acerca de sua forma dramaacutetica Luiacutes de Castro aleacutem de
polemizar com Artur Azevedo sobre o teatro ibseniano talvez tenha sido o uacutenico a abordar
essa questatildeo Em seu artigo ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo o criacutetico da Gazeta de
Notiacutecias apontava a influecircncia das peccedilas de Ibsen na evoluccedilatildeo do teatro moderno Para ele a
teacutecnica dramatuacutergica ibseniana era totalmente diversa natildeo podendo ser comparada a nenhuma
outra existente principalmente agraves dos dramaturgos franceses de quem o norueguecircs natildeo havia
lido sequer uma linha Enquanto autores como Scribe Augier e Dumas Filho estavam
interessados na accedilatildeo e no enredo concluiacutea Luiacutes de Castro Ibsen preocupava-se com ldquoo
sentido profundo da obra a crise psicoloacutegica e moral em que os acontecimentos atiram os
personagensrdquo3 Por isso argumentava ele suas peccedilas foram combatidas em muitos paiacuteses
sobretudo na Franccedila onde o autor encontrou um nuacutemero maior de detratores Joatildeo do Rio por
1 Cesare Lombroso e William Ferrero The female offender New York Philosophical Library 1958 p 151 Cf tambeacutem Cesare Lombroso Lrsquouomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 2 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2 3 Luiacutes de Castro ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 28 maio 1899 Teatro e p 2
45
sua vez exaltava no dramaturgo o tom cientiacutefico da composiccedilatildeo das personagens que levava
em conta a influecircncia do meio e da hereditariedade em suas iacutendoles Em ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo
artigo publicado em A Tribuna o criacutetico procurou mostrar ao leitor por meio da descriccedilatildeo
minuciosa do desempenho da atriz portuguesa no papel de Nora os matizes da construccedilatildeo da
personagem ibseniana ldquoEacute admiraacutevel de anaacutelise humana e Luciacutelia eacute a encarnaccedilatildeo perfeita
deste tipo complexo de histeacuterica com o desequiliacutebrio nervoso da mulher do Norterdquo1 Joatildeo do
Rio tambeacutem enxergava Ibsen como um mentalista de Lombroso e Nora como um tipo de
deacutetraqueacute Mas diferentemente de Guanabarino essas caracteriacutesticas natildeo foram vistas atraveacutes
de uma oacutetica conservadora antes foram tratadas como o reflexo do estado patoloacutegico da
sociedade Para Joatildeo do Rio Ibsen era um reformador que viera fazer do teatro uma verdade
levando agrave cena a vida de todos os dias Outro criacutetico que apreciou as novidades do teatro de
Ibsen foi Luiz Guimaratildees Filho jornalista de A Notiacutecia responsaacutevel pela publicaccedilatildeo de um
dos artigos mais incisivos a favor dos direitos da mulher Para ele Casa de boneca era a
criaccedilatildeo suprema de Ibsen sobretudo porque questionava a exclusatildeo das mulheres na
sociedade ldquoA Casa de boneca demonstra cruelmente a falsidade da educaccedilatildeo feminina na
sociedade moderna mdash que a reduz a viacutetimas risonhas a escravas enfeitadas com sedas a
autocircmatos inconscientes e fracosrdquo2 Utilizando-se dos mesmos conceitos da teoria de
Lombroso comum na literatura da eacutepoca Guimaratildees Filho tambeacutem via Nora como uma
ldquodoida singularrdquo No entanto ainda segundo o criacutetico colocar no palco uma histeacuterica foi a
forma que Ibsen encontrou para marcar a diferenccedila de privileacutegios entre os sexos e mostrar o
erro da educaccedilatildeo da mulher
No iniacutecio do seacuteculo XX as companhias estrangeiras continuaram a ser presenccedila
marcante no Brasil trazendo em seus repertoacuterios peccedilas de Strindberg Maeterlinck
DrsquoAnnunzio Hauptmann Sundermann e Ibsen autores ateacute entatildeo desconhecidos da maior
parte do puacuteblico Entre os meses de maiojunho e agostooutubro periacuteodo da temporada
dessas companhias no Rio e em Satildeo Paulo os espectadores tinham a chance de conhecer os
grandes artistas estrangeiros bem como o que de melhor se produzira nos palcos europeus
Nessas ocasiotildees o teatro seacuterio de qualidade literaacuteria ganhava destaque na imprensa
possibilitando a discussatildeo dos novos rumos da literatura dramaacutetica No entanto a maioria de
nossos criacuteticos e homens de teatro presos agrave foacutermula da peccedila bem-feita ao gosto do puacuteblico e
principalmente aos interesses econocircmicos e lucrativos dos espetaacuteculos teatrais pouca
1 Paulo Barreto [Joatildeo do Rio] ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo A Tribuna Rio de Janeiro p 3 1 jul 1899 Reunido em Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 640 2 Luiz Guimaratildees Filho ldquoA Casa de bonecardquo A Notiacutecia Rio de Janeiro p 2 27-28 maio 1899
46
importacircncia davam aos movimentos de vanguarda Comumente o arranjo cecircnico e os
assuntos controversos de algumas peccedilas suscitavam polecircmicas na imprensa acabando quase
sempre com a rejeiccedilatildeo das novas formas do teatro moderno Bastava as companhias
estrangeiras irem embora os gecircneros mais apreciados do puacuteblico mdash operetas melodramas
feacuteeries e revistas de ano mdash voltavam agrave cena nacional Portanto os pilares baacutesicos do teatro
brasileiro continuavam sendo os mesmos a oacutepera reduzida a um nuacutemero de composiccedilotildees do
realejo italiano como Rigoletto Mme Butterfly e Manon e a dramaturgia francesa que haacute
muito jaacute havia se tornado o esteio de nossos palcos Aleacutem das convenccedilotildees da peccedila bem-feita
serem usadas como criteacuterios para a anaacutelise das obras teatrais nossa criacutetica literaacuteria tambeacutem
orientava-se pelas noccedilotildees de raccedila e natureza reduzindo as obras-de-arte agrave accedilatildeo de fatores
como clima meio e mesticcedilagem Foi assim que a partir do sincretismo de teorias e conceitos
europeus deslocados de suas funccedilotildees de origem formou-se no Brasil o padratildeo de leitura da
virada do seacuteculo XIX para o XX
Em 1900 Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza voltaram a apresentar Casa de boneca
no Teatro Lucinda do Rio de Janeiro e no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo A montagem
segundo artigo de Joatildeo do Rio teve poucas alteraccedilotildees ldquoA companhia vem a mesma na
distribuiccedilatildeo dos personagens [] Os cenaacuterios satildeo diferentes o material todo novo a ceacutelebre
cadeirinha de palhinha que fez tanto palerma gargalhar foi substituiacuteda por outra de veludo e
tudo eacute bom tudo eacute melhorrdquo1 A recepccedilatildeo tambeacutem foi a mesma elogios aos atores e criacuteticas agrave
peccedila que se ressentia da linearidade da accedilatildeo dramaacutetica apresentando aleacutem disso ficelles
velhas e usadas cenas monoacutetonas personagens excecircntricas e desequilibradas No ano
seguinte apareceu o primeiro ensaio sobre Ibsen reunido em A hora do escritor e criacutetico
literaacuterio Nestor Viacutetor2 Nesse livro Nestor Viacutetor ocupou-se da literatura estrangeira Os
Desplantados de Maurice Barregraves Cyrano de Bergerac de Edmond Rostand e Pretendentes agrave
coroa A comeacutedia do amor Imperador e Galileu Pilares da sociedade Os espectros entre
outras peccedilas de Ibsen A parte dedicada ao dramaturgo norueguecircs vinha dividida em quatorze
capiacutetulos onde o criacutetico traccedilava o perfil biograacutefico de Ibsen detendo-se no entanto na
anaacutelise de sua obra De Catilina primeira peccedila do autor ateacute John Gabriel Borkman Nestor
Viacutetor buscou examinar os elementos simboacutelicos dos dramas informando vez ou outra a
maneira como o teatro de Ibsen tinha sido recebido na Europa provocando polecircmicas e
discussotildees Nessa trajetoacuteria ele procurou apresentar ao leitor um resumo minucioso de todas
as peccedilas mdash traduzindo inclusive trechos inteiros de algumas delas mdash demonstrando assim
1 P B [Joatildeo do Rio] ldquoTeatro Lucindardquo Cidade do Rio Rio de Janeiro 5 mar 1900 Gambiarras p 2 2 Nestor Viacutetor A hora Rio de Janeiro Paris Garnier 1901
47
preocupaccedilatildeo com as condiccedilotildees de produccedilatildeo e recepccedilatildeo da arte em um paiacutes como o Brasil
Num seacuteculo cientificista Nestor Viacutetor foi o criacutetico que tomou os padrotildees esteacuteticos como
norma de julgamento da produccedilatildeo literaacuteria buscando analisar atraveacutes de um veio
impressionista os elementos intriacutensecos da obra-de-arte Sob essa perspectiva o criacutetico
apontou em Casa de boneca a siacutentese a economia de adornos e o desprezo de Ibsen pelas
ficelles como elementos essenciais de inauguraccedilatildeo de uma nova fase da dramaturgia mundial
Os espectros voltou aos palcos brasileiros na encenaccedilatildeo da companhia de Andreacute
Antoine no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em 14 de julho de 1903 A peccedila jaacute natildeo era
novidade entre noacutes e assim como na primeira representaccedilatildeo de Novelli em 1895 os criacuteticos
limitaram-se a aproximar o drama das teorias cientiacuteficas do atavismo e a reclamar das cenas
deprimentes e cansativas A atuaccedilatildeo de Antoine no papel de Osvaldo mdash diferente do que
ocorrera com Novelli elogiadiacutessimo pela nossa criacutetica mdash sofreu restriccedilotildees por parte de alguns
que a consideraram ldquosobremodo fatiganterdquo fria e modesta dissolvendo a personagem numa
atmosfera nebulosa e incompreensiacutevel Acostumados agraves interpretaccedilotildees melodramaacuteticas ao
exagero na expressatildeo dos sentimentos e aos apelos faacuteceis dos atores agrave plateacuteia muitos criacuteticos
estranharam o modo de representar do ator e encenador francecircs principalmente o tom baixo de
sua voz e os momentos em que ele virava as costas para o puacuteblico Artur Azevedo contraacuterio agraves
experiecircncias naturalistas no teatro foi o grande desafeto de Antoine protagonizando uma
querela com o ator francecircs que se estenderia ateacute o mecircs de outubro daquele ano1
Trecircs anos mais tarde Suzanne Despregraves que fizera parte da troupe de Antoine no Rio
voltou ao Brasil para encenar Casa de boneca no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em agosto de
1906 Eacute importante lembrar que a atriz francesa aleacutem de ter participado de algumas montagens
do Theacuteacirctre Libre tambeacutem fez parte do elenco da primeira representaccedilatildeo simbolista de Solness
o construtor sob a direccedilatildeo de Lugneacute-Poe no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre em 1894 Portanto sua
interpretaccedilatildeo de Nora diferenciava-se das que ateacute aquele momento tinham sido apresentadas ao
puacuteblico brasileiro deixando de lado as teorias de emancipaccedilotildees as teses do atavismo para
enfatizar o eacutetat drsquoacircme que existia por traacutes das accedilotildees da personagem Assim Casa de boneca
passou a ser lida como a expressatildeo da realidade atraveacutes da sugestatildeo simboacutelica e a cena da
tarantela mdash assim como acontecera com a construccedilatildeo do orfanato em Os espectros e a pistola
em Hedda Gabler nas encenaccedilotildees simbolistas mdash passou a ser encarada como a parte
substancial do drama concentrando todo o significado da peccedila em uma uacutenica imagem da accedilatildeo
A Nora de Suzanne Despregraves nessa perspectiva deixava de ser uma figura incomum para se
1 Cf sobre a temporada de Antoine no Rio de Janeiro Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 245-261
48
transformar no siacutembolo de uma mulher atormentada por sua condiccedilatildeo de boneca destituiacuteda do
livre-arbiacutetrio Um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo ao comparar a atuaccedilatildeo de Suzanne Despregraves
com as de Luciacutelia Simotildees e Clara Della Guardia elogiou a naturalidade com que a atriz
francesa compusera a personagem tornando um tipo tatildeo complexo como Nora compreensiacutevel
ao puacuteblico ldquoTanto Luciacutelia Simotildees como Clara Della Guardia as duas Noras que nos foi dado a
ver e ouvir diferentes em detalhes assemelham-se contudo nas suas linhas gerais [] ambas
nos deram uma Nora ridiculamente infantil no primeiro ato e no final do segundo na cena da
tarantela ambas se desconjuntavam numa horripilante danccedila de S Guido [] A Nora que
ontem nos deu Suzanne Despregraves afasta-se por completo desses moldesrdquo1 O desempenho da
atriz francesa foi muito elogiado pelos criacuteticos mas a peccedila continuou a ser censurada sobretudo
pelas cenas desarticuladas e incoerentes
Em 1907 esteve por aqui a Companhia Dramaacutetica Italiana de Gustavo Salvini
encenando Os espectros no Rio e em Satildeo Paulo no mecircs de julho A recepccedilatildeo foi comedida e
no geral os criacuteticos restringiram-se a apresentar o resumo da peccedila e a elogiar Salvini pela
interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving Entretanto o grande acontecimento teatral do ano foi a
temporada de Eleonora Duse nos palcos cariocas e paulistas Empresariada por Lugneacute-Poe e
V Consiglio a atriz veio ao Brasil com um repertoacuterio variado Magda de Sundermann La
Gioconda de DrsquoAnnunzio La signora dalle Camelie e La moglie di Claudio de Dumas
Filho Monna Vanna de Maeterlinck Rosmersholm e Hedda Gabler de Ibsen Fedora de
Sardou e Adriana Lecouvreur de Scribe e Legouveacute Apoacutes a encenaccedilatildeo de Casa de boneca
no Teatro Filodramaacutetico de Milatildeo em 1891 Duse natildeo tinha representado mais nenhum drama
de Ibsen preferindo antes o repertoacuterio italiano de Goldoni e Giacosa e o francecircs de Dumas
Filho e Sardou Somente a partir de 1904 seguindo a tendecircncia do teatro simbolista ela
voltou a Ibsen encenando Hedda Gabler e depois em 1905 Rosmersholm com cenaacuterio de
Gordon Craig Assim a anaacutelise cientiacutefica das personagens cedeu lugar para a do heroacutei
individualista e seus problemas de consciecircncia importando agora explorar no palco a poesia
a paixatildeo e vida interior das figuras ibsenianas
Hedda Gabler e Rosmersholm representadas no Teatro Liacuterico do Rio respectivamente
nos dias 2 e 16 de julho de 1907 eram pela primeira vez levadas agrave cena brasileira2
Rosmersholm segundo o jornalista Briacutecio de Abreu foi a uacuteltima peccedila que a companhia
1 ldquoSantrsquoAnna ndash A representaccedilatildeo de Casa de boneca de Ibsen []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 5 ago 1906 Palcos e Circos p 3 (Sem assinatura) 2 Hedda Gabler tambeacutem foi encenada no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em 20 de julho de 1907 Rosmersholm soacute foi representada no Rio
49
apresentou no Rio seguindo posteriormente para Satildeo Paulo1 Embora a encenaccedilatildeo de
Rosmersholm apareccedila no livro do jornalista carioca e na lista do repertoacuterio da companhia
publicada nos jornais da eacutepoca poucas referecircncias encontramos na imprensa sobre essa peccedila
limitando-se os criacuteticos a traccedilar o resumo da obra e a destacar o desempenho dos atores O
mesmo natildeo aconteceu com Hedda Gabler que tanto no Rio como em Satildeo Paulo provocou
uma efervescecircncia no meio teatral sendo discutida intensamente pelos nossos criacuteticos No Rio
de Janeiro Artur Azevedo declarou a peccedila nebulosa e absurda sobretudo porque apesar de
traacutegica natildeo apresentava ldquouma cena violenta um grito de paixatildeo ou de desesperordquo uma
situaccedilatildeo que pudesse produzir ldquocalafrios e arrepiar os cabelosrdquo dos espectadores Para
Azevedo as maiores estranhezas ficaram por conta dos diaacutelogos travados agrave meia-voz em
cenas consideradas extravagantes como aquela em que Theacutea sabendo do suiciacutedio de
Loevborg em vez de lhe socorrer potildee-se a trabalhar na reconstruccedilatildeo de seu manuscrito2 Em
Satildeo Paulo formou-se uma querela sobre a questatildeo da inacessibilidade de Ibsen agrave plateacuteia
paulistana Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo havia sido um erro a escolha de Hedda
Gabler para estreacuteia da companhia em Satildeo Paulo pois Ibsen ainda era incompreensiacutevel ao
puacuteblico e a empresa teria andado com mais acerto se representasse um drama jaacute conhecido
Para ele era importante que antes da encenaccedilatildeo os espectadores tivessem ouvido uma
conferecircncia explicativa da peccedila como fez Jules Lemaicirctre na representaccedilatildeo de Hedda Gabler
no Theacuteacirctre du Vaudeville em Paris em 1891 Somente assim a companhia teria evitado o
modo frio com que os espectadores receberam o espetaacuteculo aplaudindo-o apenas por mera
cortesia3 Joatildeo Crespo jornalista do Comeacutercio de Satildeo Paulo rebateu esses argumentos
alegando que ldquoas peccedilas de Ibsen obrigam a pensar e natildeo tecircm esses lances de paixatildeo que
levantam uma plateacuteiardquo4 Esse debate entre os criacuteticos drsquoO Estado e do Comeacutercio de Satildeo Paulo
se prolongou por cinco dias consecutivos na imprensa no entanto as questotildees esteacuteticas foram
deixadas de lado prevalecendo apenas os ataques pessoais
A maior parte de nossos criacuteticos teatrais declarava Ibsen ininteligiacutevel e mistificador
acusando aqueles que nutriam qualquer simpatia pelo escritor norueguecircs de snobs que
fingiam gostar de sua obra devido ao seu relativo sucesso em Paris Os criacuteticos mais avessos a
1 Briacutecio de Abreu Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958 p 15 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Passando por alto uma representaccedilatildeo de Fernanda []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 4 jul 1907 Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 626-628 3 ldquoSantrsquoAnna ndash Eleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 21 jul 1907 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 4 Joatildeo Crespo ldquoUm criacutetico teatral de uma folha matutina mostrou-se escandalizado []rdquo Comeacutercio de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 23 jul 1907 Revistinha p 1
50
Ibsen recorriam quase sempre agraves teses do meacutedico huacutengaro Max Nordau para desqualificar
sua obra considerando-a o arqueacutetipo da degeneraccedilatildeo da sociedade Ao publicar
Deacutegeacuteneacuterescence em 1893 Nordau retomou e radicalizou as grandes linhas das teorias de
Cesare Lombroso mdash sobretudo aquela em que o psiquiatra italiano aproximava a genialidade
da loucura mdash para declarar a arte moderna degenerada Frutos de autores semi-loucos essas
obras doentias poderiam segundo Nordau corromper os espiacuteritos dos leitores levando-os agrave
degradaccedilatildeo1 Nietzsche Tolstoacutei Zola e Ibsen entre outros foram considerados autores
ldquodegenerescentesrdquo que por traacutes da maacutescara enganadora de revolucionaacuterios da arte conduziam
pouco a pouco a sociedade agrave deterioraccedilatildeo moral Nessa esteira Alfredo Pujol em sua coluna
ldquoOs meus domingosrdquo drsquoO Estado de S Paulo aleacutem de censurar Ibsen por levar para o palco
ldquoas verdades crueacuteis da vidardquo e ldquoas tristes enfermidades da alma contemporacircneardquo fez questatildeo
de lembrar o diagnoacutestico ldquodos enfermos do hospital de Ibsenrdquo feito por R Geyer disciacutepulo de
Nordau degenerescecircncia mental histeria demecircncia senil deliacuterio crocircnico alcoolismo
melancolia etc2 Para Pujol esse teatro sombrio e doloroso natildeo podia durar muito caso
contraacuterio veriacuteamos ldquoenquanto no palco se representa Ibsen despencarem suicidas das
torrinhas e trocarem-se tiros de revoacutelver nos camarotesrdquo3 Ibsen portanto natildeo devia ser
representado mas somente lido como um escritor de gabinete natildeo de plateacuteia
Por esse tempo Moritz Prozor o ceacutelebre tradutor da obra de Ibsen para o francecircs
vivia em Petroacutepolis (RJ) a cargo de suas funccedilotildees de Ministro da Ruacutessia Durante sua
permanecircncia no Brasil Conde Prozor como passou a ser conhecido entre noacutes foi um
importante divulgador do teatro ibseniano e da esteacutetica simbolista de Lugneacute-Poe e Camille
Mauclair de quem foi profundo admirador Era comum como nos lembra Afonso Celso ver
Prozor nos salotildees brasileiros ldquoreferir-se agrave vida e agrave obra do seu poeta e escritor teatral
preferido a explicar-lhes as intenccedilotildees a filosofia o engenho inovador a salutar accedilatildeo
revolucionaacuteriardquo4 Por certo a amizade que Prozor teve por Nestor Viacutetor e sobretudo por Graccedila
Aranha mdash de quem prefaciou a ediccedilatildeo francesa de Canaatilde mdash influenciou de alguma maneira o
rumo da produccedilatildeo criacutetica e literaacuteria desses dois escritores que se deixaram atrair pelo
simbolismo Aliaacutes foi por intermeacutedio de Prozor que Graccedila Aranha conheceu a obra de Ibsen
a quem viria a dedicar um artigo em A esteacutetica da vida de 1921 Nesse artigo intitulado ldquoA
esteacutetica de uma trageacutediardquo Graccedila Aranha declarava que a forccedila dos dramas ibsenianos natildeo
estava na censura do autor agraves hipocrisias sociais mdash ldquotoda arte inspirada nos problemas sociais
1 Cf Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf R Geyer Eacutetude meacutedico-psychologique sur le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris [sn] 1902 3 Alfredo Pujol ldquoOs meus domingosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo p1 28 jul 1907 4 Afonso Celso ldquoIbsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 28 abr 1928
51
eacute precaacuteriardquo afirmava ele mdash mas no mundo de sonho imagens e poesia que uma vez posto
em accedilatildeo fazia ldquonascer o prodiacutegio de uma misteriosa comunhatildeo esteacuteticardquo Nesse sentido a
beleza em Hedda Gabler ainda segundo Graccedila Aranha encontrava-se no caraacuteter estranho e
fascinante da personagem-tiacutetulo que sendo irremediavelmente incompatiacutevel com a
sociedade a colocara numa situaccedilatildeo insoluacutevel podendo Hedda apenas ser salva pela morte
Para ele a ldquovisatildeo espetacular do mundordquo era o que assegurava agraves peccedilas de Ibsen valor e
universalidade1 Antes desse artigo Graccedila Aranha publicou em 1911 Malasarte peccedila que
tem semelhanccedilas e afinidades com Peer Gynt de Ibsen Ambas apresentam como
protagonista um heroacutei do folclore nacional tanto Peer Gynt como Malasarte vivem numa
esfera de amoralidade destituiacuteda dos conceitos de bem e mal e a mentira eacute o recurso que as
personagens utilizam para ldquoencantarrdquo os outros safando-se assim das encrencas que se metem
ao longo de suas vidas2 Malasarte aleacutem de ser publicada em portuguecircs ganhou uma versatildeo
em francecircs com prefaacutecio de Camille Mauclair A peccedila tambeacutem foi encenada no Theacuteacirctre de
lrsquoOeuvre em fevereiro de 1911 tendo em seu elenco Greta Prozor filha do Conde Prozor
uma das grandes inteacuterpretes de Ibsen na Franccedila
Ainda em 1911 Araripe Jr reuniu em livro nove artigos seus todos publicados no
Jornal do Comeacutercio do Rio entre 1895 e 1909 compondo assim uma monografia dedicada agrave
obra de Ibsen3 No prefaacutecio desse volume intitulado Ibsen Araripe Jr discute seus criteacuterios
literaacuterios reforccedilando sua adesatildeo agraves teorias de Taine ao evolucionismo de Spencer e ao
cientificismo de Eacutemile Hennequin As obras literaacuterias desse modo eram tratadas como
documentos que ao representar a sociedade e a natureza que as produziram podiam revelar a
psicologia de um seacuteculo ou povo Assim em Ibsen Araripe Jr procurou mostrar como o
sentimento da trageacutedia apesar das condiccedilotildees mesoloacutegicas eacutetnicas e momentacircneas
desenvolveu-se em Eacutesquilo e Shakespeare e que caminhos seguiu ateacute chegar ao seacuteculo XIX
quando aparece a dramaturgia de Ibsen Nesse percurso o criacutetico concluiu que a essecircncia da
trageacutedia moderna repousava no ldquocontraste feroz entre a vida subjetiva e a maacutequina do poderrdquo
ressalvando o caraacuteter psicossocial (e jaacute natildeo mais puramente miacutetico) do teatro moderno
Embora para Araripe Jr a obra de Ibsen natildeo fosse ldquooutra coisa senatildeo um magniacutefico capiacutetulo
de criacutetica socialrdquo ela apresentava tatildeo somente o lado ldquosaturninordquo da vida projetando-se numa
esfera espectral Por essa razatildeo suas personagens sobretudo as femininas adquiriram um
1 Graccedila Aranha ldquoA esteacutetica de uma trageacutediardquo A esteacutetica da vida Rio de Janeiro Garnier 1921 p 210-213 2 Cf sobre as semelhanccedilas entre Peer Gynt e Malasarte Joseacute Carlos Garbuglio ldquoDe Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) Revista do Instituto de Estudos Brasileiros Satildeo Paulo USP n 4 p 81-96 1968 3 Tristatildeo de Alencar Araripe Jr Ibsen Porto Lello amp Irmatildeo 1911
52
aspecto ldquomisteriosamente maleacuteficordquo como de ldquoum ente que natildeo parece desse mundordquo De
qualquer modo ainda segundo Araripe Jr a genialidade do dramaturgo estava na capacidade
que ele tinha de ldquoenxergar na vida o que nem todos podem verrdquo encerrando em sua obra ldquoo
comeccedilo da construccedilatildeo ideal da sociedaderdquo marca do sinal dos tempos que despertou o
interesse de alguns franceses como Antoine e Lugneacute-Poe
Nesse periacuteodo de 1895 a 1911 pode-se perceber a formaccedilatildeo cultural de nossos
criacuteticos que com graus diferentes de influecircncia nutriram-se de obras tributaacuterias ora do
evolucionismo e do materialismo corriqueiro de Max Nordau Spencer Haeckel e Comte ora
do idealismo e esteticismo de Eacutedouard Schureacute e Camille Mauclair ora da tendecircncia analiacutetica
de Eacutedouard Rod escritor suiacuteccedilo que como Moritz Prozor foi um dos famosos prefaciadores
das traduccedilotildees francesas das peccedilas de Ibsen No que diz respeito especificamente agrave criacutetica
teatral continuariacuteamos durante algum tempo a utilizar os criteacuterios analiacuteticos de Francisque
Sarcey
53
Um claacutessico imperfeito
Durante a Primeira Guerra as companhias estrangeiras que faziam as vezes de
atualizar nossa cena apresentando-nos os principais autores da vanguarda europeacuteia deixaram
de vir com frequumlecircncia ao Brasil Essa situaccedilatildeo contribuiu ao menos em parte para que os
nossos homens de teatro ficassem totalmente agrave margem da revoluccedilatildeo cecircnica operada por
Stanislavski Gordon Craig e Meyerhold restando-nos apenas ldquoa praacutetica do estrelismordquo
Assim a dramaturgia brasileira voltou-se para os temas nacionais retomando o fio iniciado
por Martins Pena e Franccedila Juacutenior a saacutetira aos costumes de nossa organizaccedilatildeo social e poliacutetica
a exaltaccedilatildeo da terra e da vida no campo em oposiccedilatildeo agrave degeneraccedilatildeo dos haacutebitos citadinos e o
contraste entre a figura do estrangeiro tolo e o brasileiro haacutebil e esperto Nesse gecircnero de
teatro o texto servia apenas como apoio agraves improvisaccedilotildees dos atores assinalando a tendecircncia
aos efeitos faacuteceis que se prolongaria durante as deacutecadas de 1920 e 1930 As peccedilas desse
modo eram escritas sob medida para os atores preferidos pelo puacuteblico que tinham a
possibilidade de projetar suas personalidades no palco A ausecircncia do diretor encarregado de
coordenar o espetaacuteculo numa visatildeo unitaacuteria facilitava ainda mais o improviso dos efeitos
cocircmicos o gosto dos ldquocacosrdquo e o desequiliacutebrio do conjunto contribuindo para colocar sempre
em primeiro plano o ator principal da companhia Muitos desses ldquoastrosrdquo aliaacutes tornaram-se
empresaacuterios teatrais emprestando aos grupos que dirigiam seus nomes de iacutedolos populares
caso das companhias de Leopoldo Froacutees e de Procoacutepio Ferreira Essas comeacutedias de costumes
previam por ordem expressa dos empresaacuterios um cenaacuterio fixo geralmente a sala de visitas de
uma famiacutelia de classe meacutedia por onde desfilavam os tipos habituais o galatilde o pai libertino e
conservador a matildee ingecircnua e dedicada a avoacute resmungona o empregado impertinente etc
Nessas circunstacircncias Ibsen voltaria aos palcos brasileiros somente em setembro de
1915 com a encenaccedilatildeo de Os espectros pela companhia de Gustavo Salvini no Teatro
Cassino Antaacutertica em Satildeo Paulo O ator italiano que jaacute havia apresentado essa peccedila no Rio e
em Satildeo Paulo em 1907 recebeu a mesma ldquoruidosa ovaccedilatildeordquo do puacuteblico e principalmente da
criacutetica que alardeava a perfeita atuaccedilatildeo de Salvini como resultado do longo tempo que ele
passara nos hospitais observando os casos de ataxia locomotora Ibsen embora acolhido com
um pouco mais de simpatia continuava a ser considerado um autor de ideacuteias tristes e
sombrias que fizera do teatro no dizer de um criacutetico do Correio Paulistano ldquoum museu de
54
anatomiardquo1 Aleacutem de Novelli e Salvini Ermete Zacconi foi outro ator italiano que se tornou
ceacutelebre na interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving de Os espectros apresentando-se no Teatro
Municipal de Satildeo Paulo em janeiro de 1924 Desde 1892 quando entatildeo estreara no Teatro
Manzoni de Milatildeo sob as orientaccedilotildees de Enrico Polese Zacconi vinha interpretando essa
personagem Apesar das renovaccedilotildees levadas agraves cenas europeacuteias por Stanislavski Craig
Meyerhold Appia Max Reinhardt e Copeau as representaccedilotildees de Zacconi seguiam ainda a
foacutermula de Polese O texto ibseniano ajustado ao gosto do puacuteblico tornava-se mero apoio
para que a figura de Zacconi sobressaiacutesse ao restante do elenco da companhia que aliaacutes era
formada por membros de sua famiacutelia A uacuteltima cena da peccedila em que Osvaldo Alving tem um
acesso de loucura exclamando ldquoIl sole Il solerdquo foi considerada pela imprensa o ponto alto
do drama Em cenas como essa Zacconi tinha a chance de mostrar ao puacuteblico as suas
qualidades de ator dramaacutetico exibindo no palco as nuanccedilas da enfermidade de Osvaldo Os
criacuteticos acostumados ao individualismo artiacutestico de nossos atores que muitas vezes
colocavam seus exibicionismos acima da ficccedilatildeo elogiaram muito o desempenho de Zacconi
ldquoComo se estiveacutessemos diante de um doente autecircntico faz mal agrave gente ver em cena o pobre
Osvaldo com as matildeos trecircmulas o andar trocircpego a liacutengua jaacute baralhada a cada instante
trocando siacutelabas e esquecendo dos nomes mais familiares Zacconi eacute tatildeo magistral nessa
personagem e impressiona tanto que a sala inteira parecia dominada como hipnotizada pela
sua arterdquo2 O sucesso da temporada de Zacconi foi um dos maiores jaacute vistos em Satildeo Paulo
com o proacuteprio Leopoldo Froacutees saudando-o de modo pomposo em cena aberta ldquoEacutes o sol eu
sou o vaga-lumerdquo
Em 1928 comemorou-se no mundo inteiro o centenaacuterio de Ibsen Nessa ocasiatildeo os
principais jornais brasileiros trouxeram mateacuterias que tentavam explicar a trajetoacuteria e as ideacuteias
do autor A essa altura o dramaturgo norueguecircs jaacute era considerado um claacutessico da literatura
dramaacutetica moderna sendo comumente comparado a Soacutefocles e a Shakespeare No Brasil com
alcance e graus de refinamento diversos Ibsen tambeacutem passou a ser reconhecido como um
ldquoespiacuterito originalrdquo responsaacutevel por introduzir novas situaccedilotildees no palco animando o teatro
com suas extraordinaacuterias personagens Natildeo se pode dizer no entanto que o dramaturgo
tornara-se um autor estimado de nossos criacuteticos muito menos popular jaacute que havia uma
concordacircncia generalizada de que sua obra de temas obscuros e de teatralidade inconsistente
podia alcanccedilar apenas uma parte do puacuteblico o de rigorosa formaccedilatildeo literaacuteria Supeacuterflua entatildeo
1 ldquoCassino Antaacutertica ndash A companhia dramaacutetica italiana []rdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 4 set 1915 Teatros e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura)
55
tornava-se a anaacutelise de suas peccedilas que apesar de continuarem a ser representadas nas cenas
mais autorizadas do mundo com enorme sucesso natildeo provocavam mais controveacutersias Para a
maioria de nossos criacuteticos o ecircxito de Ibsen como um artista de gecircnio era inquestionaacutevel no
entanto seu estilo insoacutelito era deacutemodeacute Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo passada a
curiosidade ningueacutem mais interessava-se pelas excentricidades de suas personagens pois elas
eram ldquode fato de outro meio de uma sociedade bem diversa provavelmente da nossa com
ideacuteias e costumes feitos segundo outra tradiccedilatildeordquo1 O mesmo acontecia com sua teacutecnica
dramatuacutergica que embora tivesse produzido uma consideraacutevel renovaccedilatildeo no gecircnero literaacuterio
natildeo apresentava segundo o jornalista Fleacutexa Ribeiro a ldquodramaticidade cecircnica necessaacuteria para
impressionar os auditoacuterios mais ou menos distraiacutedos e que vivem ainda soacute pelo sentimentordquo2
As figuras ibsenianas outrora tatildeo polecircmicas a ponto de muitos terem considerado
Ibsen um criador de monstros passaram a ser vistas com menos antipatia Para Fleacutexa Ribeiro
o aspecto mais marcante da obra de Ibsen era a ldquofecundidade da vida interiorrdquo de suas
personagens e o conceito de obscuridade habitualmente atribuiacutedo ao seu teatro era causado
sobretudo pela dupla personalidade de suas figuras dramaacuteticas Ibsen sendo um gecircnio
analiacutetico criara ldquouma seacuterie maravilhosa de realidades interioresrdquo onde atuavam ainda
segundo Fleacutexa Ribeiro ldquopersonagens invisiacuteveisrdquo que soacute poderiam ser explicadas pelo estudo
da psicologia Ribeiro talvez tenha sido um dos primeiros criacuteticos a aventar a possibilidade de
se analisar um obra de ficccedilatildeo pelo vieacutes psicanaliacutetico ldquoQuando um dia se conhecer melhor a
psicologia todo esse vasto domiacutenio do inconsciente e se tiver fixado as leis gerais que regem
os estranhos fenocircmenos do subconsciente (pois que ambos se aproximam mas satildeo bem
diferenciados) verificaremos o quanto a atuaccedilatildeo do invisiacutevel do desapercebido eacute profunda
duradoura e inquietanterdquo3 Outro criacutetico que admirava o eacutetat drsquoacircme das personagens
ibsenianas era Camille Mauclair um dos precursores do teatro simbolista francecircs que teve
uma conferecircncia sua traduzida e publicada nrsquoO Paiacutes em 25 de marccedilo de 1928 Em ldquoAgrave
memoacuteria de Ibsenrdquo Mauclair falou num primeiro momento de sua trajetoacuteria artiacutestica e de
como Ibsen entrara nas cogitaccedilotildees do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre apresentando um balanccedilo das
montagens realizadas pela sua companhia Num segundo momento o criacutetico francecircs tratou de
avaliar a obra do norueguecircs na eacutepoca presente Todas as ideacuteias sociais a que Ibsen dava
especial apreccedilo como a liberdade por exemplo pareciam-lhe ldquoavelhentadasrdquo e indiferentes
restando apenas ldquoos elementos da consciecircncia e da vida interiorrdquo para ele traccedilos originais do
1 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 2 Fleacutexa Ribeiro ldquoNo centenaacuterio de Ibsenrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo p 3 18 mar 1928 3 Id ldquoIbsen e o subconscienterdquo O Paiacutes Rio de Janeiro p 3 2 abr 1928
56
autor Eacute nesse sentido que segundo Mauclair Casa de boneca ldquomalgrado o seu desfecho
alegoacuterico e mal explicadordquo continuava a despertar o interesse de artistas de prestiacutegio
sobretudo de atrizes que se sentiam atraiacutedas pela personalidade de Nora A mesma coisa
acontecia com Os espectros uma das peccedilas segundo ele mais perfeitas de Ibsen que podia
ldquosuportar o confronto com as grandes criaccedilotildees gregasrdquo
Se por um lado o teatro de Ibsen ainda sofria censura por ser considerado pouco
dramaacutetico parecendo mais um ldquoromance dialogadordquo por outro havia quem enxergasse
justamente nessa reserva o desenvolvimento do teatro moderno Era o caso de Antonio de
Alcacircntara Machado que no ensaio ldquoHenrik Ibsenrdquo publicado no Diaacuterio Nacional de Satildeo
Paulo em 2 de abril de 1928 procurou explicar a teacutecnica dramatuacutergica do autor Com esse
texto escrito sob o pseudocircnimo de J J de Saacute Alcacircntara Machado deu novo alento agrave criacutetica
teatral brasileira Primeiro porque sua reflexatildeo voltava-se para o estudo da forma dramaacutetica de
Ibsen assunto nunca antes tratado na imprensa segundo porque a maneira de escrita de seu
ensaio subvertia a rigidez da estrutura dos artigos que normalmente obedeciam a um mesmo
molde resumo da obra (interesse mais pelo enredo do que pela teacutecnica) e comentaacuterios sobre o
desempenho dos atores e sobre o comportamento da plateacuteia Seus escritos passaram a
incorporar em sua fatura os elementos proacuteximos ao historicismo das formas teatrais e os
criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila comeccedilaram a ser vistos sob a perspectiva da crise do drama
do repuacutedio agrave carpintaria teatral de efeito e da insuficiecircncia da forma dramaacutetica brasileira
Assim Alcacircntara Machado antecipa alguns dos pressupostos que soacute em 1956 seriam
formulados por Peter Szondi na Teoria do drama moderno a contradiccedilatildeo entre a velha forma
do drama burguecircs e os novos conteuacutedos que ela natildeo tem como assimilar1 De maneira ainda
sutil sem entrar na interpretaccedilatildeo social da forma Alcacircntara Machado discute a crise do
gecircnero dramaacutetico em Ibsen e a impossibilidade moderna do drama dando um primeiro passo
para romper o ciclo de atraso de nossa criacutetica teatral que continuava trabalhando com os
mesmos meacutetodos de anaacutelise do final do seacuteculo XIX O ensaio encerra um caraacuteter pedagoacutegico
pelo modo como o criacutetico esclarece a nova realidade da accedilatildeo e das personagens em Ibsen
trazendo uma importante contribuiccedilatildeo pela maneira como aponta os caminhos que deviam
trilhar o teatro brasileiro a busca por formas dramaacuteticas anti-burguesas
O que salta aos olhos na primeira leitura do texto de Alcacircntara Machado eacute o abandono
da velha discussatildeo em torno das peccedilas da primeira fase de Ibsen interessando-se apenas pelos
dramas que apontam para a desestruturaccedilatildeo do ato teatral NrsquoA comeacutedia do amor o criacutetico
1 Cf Peter Szondi ldquoA crise do drama Ibsenrdquo Teoria do Drama Moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 p 37-46
57
assinala o desembaraccedilo da accedilatildeo e o interesse do dramaturgo pelas questotildees de seu tempo A
partir de Os pilares da sociedade ele assinala a influecircncia decisiva de Ibsen no
desenvolvimento de uma nova realidade da accedilatildeo dramaacutetica o interesse do autor norueguecircs
pelo passado das personagens como forma de ampliar o mundo aleacutem do diaacutelogo
interindividual agrave semelhanccedila do que ocorria no romance Nada daquela ldquohistoacuteria arranjadinha
que tem que comeccedilar no primeiro ato atingir o seu maior grau de intensidade no segundo e
acabar de qualquer maneira no terceirordquo A obra ibseniana abandonava de vez os cacoetes
romacircnticos os versos e as situaccedilotildees apoteoacuteticas subvertendo tudo e alcanccedilando a dramaturgia
de outros paiacuteses Nessa esteira Alcacircntara Machado descreve um panorama da recepccedilatildeo de
Ibsen na Europa sem deixar de inferir uma criacutetica cortante agraves teorias francesas responsaacuteveis
pela resistecircncia de intelectuais artistas e plateacuteia ao teatro do dramaturgo norueguecircs ldquoo mau
teatro francecircs portanto assimilava e igualava o teatro europeu entatildeo sinocircnimo de universalrdquo
Em Catilina o criacutetico identifica o cerne da constituiccedilatildeo de todas as personagens
ibsenianas o que ele denomina de figura do heroacutei falhado1 tipos ambiacuteguos de moral
duvidosa que se vecircem em contradiccedilatildeo entre a vontade e o ato Essas figuras para Alcacircntara
Machado movem-se de acordo com os interesses da burguesia e num dado momento satildeo
coagidas a enfrentar seu passado de devassidatildeo e baixeza Portanto elas nada tecircm de
anormais degeneradas e incoerentes estando suas accedilotildees condicionadas agrave realidade social a
que estatildeo inseridas Os espectadores nunca as conheceratildeo em sua integridade natildeo sendo
possiacutevel portanto tomar partido contra ou a favor de nenhuma delas Ainda segundo criacutetico a
tentativa de conhececirc-las na maioria das vezes leva a uma ldquoseacuterie de indagaccedilotildees freudianasrdquo
que privilegiam mais o estudo do gesto do mecanismo interior que prepara essa ou aquela
atitude da personagem em detrimento da reflexatildeo sobre as relaccedilotildees sociais que se
estabelecem entre elas As anaacutelises de Alcacircntara Machado atentas aos modelos de renovaccedilatildeo
estrangeira incorporavam uma dimensatildeo criacutetica avanccedilada indicando uma clareza cada vez
maior sobre o processo de superaccedilatildeo histoacuterica da forma dramaacutetica O criacutetico haacute muito jaacute havia
compreendido que a forma teatral para representar o mundo da crise da ordem burguesa
precisava lanccedilar matildeo de temporalidades muacuteltiplas diferente daquele tipo de organizaccedilatildeo em
que tudo tem que acabar no terceiro ato Ele percebeu que era necessaacuterio expandir o espaccedilo-
tempo das personagens para aleacutem do presente da accedilatildeo introduzindo os elementos eacutepicos nas
representaccedilotildees
1 Cf sobre este e outros aspectos da criacutetica de Alcacircntara Machado Seacutergio de Carvalho O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
58
Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen
Na deacutecada de 1930 pouco haacute para assinalar de novo nos campos da dramaturgia e da
atualizaccedilatildeo cecircnica apenas algumas tentativas de renovaccedilatildeo iniciadas ainda nos anos 1920
pela Companhia Brasileira de Comeacutedia de Oduvaldo Viana pelo teatro social de Jaime Costa
e pelo Teatro de Brinquedo de Aacutelvaro e Eugecircnia Moreira Estes a propoacutesito foram os
responsaacuteveis pela primeira produccedilatildeo brasileira de uma peccedila de Ibsen Hedda Gabler
encenada no Teatro Regina do Rio de Janeiro em 1937 Infelizmente quase nenhuma
informaccedilatildeo temos sobre esse espetaacuteculo salvo o registro de Gustavo Doacuteria em seu Moderno
teatro brasileiro ldquoAproveitando um grupo de atores afastados do palco Eugecircnia organizou
sob os auspiacutecios da Casa dos Artistas um conjunto que percorreu os subuacuterbios apresentando-
se em circos pavilhotildees cine-teatros e clubes com um repertoacuterio que abrangia Matildee de Joseacute
Alencar O noviccedilo de Martins Pena Hedda Gabler de Ibsen []rdquo1
Em setembro de 1938 Ermete Zacconi voltou a apresentar Os espectros no Teatro
Municipal de Satildeo Paulo A montagem centralizada no fatalismo da doenccedila de Osvaldo
Alving mesmo depois de ultrapassadas as teorias da hereditariedade pareceu aos nossos
criacuteticos inconsistente e fantasmagoacuterica Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo pouco
impressionava ldquoa parte mais esclarecida do puacuteblicordquo o caso do artista condenado agrave loucura
parecendo-lhe mais loacutegica e natural a figura de Helena ldquoa matildee sofredora cheio de recalcados
temoresrdquo2 Assim o sucesso do espetaacuteculo ficou por conta de Zacconi que salvo ligeiras
modificaccedilotildees apresentou a mesma imagem os mesmos gestos e inflexotildees que o puacuteblico tinha
aprendido a admirar desde a primeira interpretaccedilatildeo que o ator fizera dessa personagem em
Satildeo Paulo quatorze anos atraacutes Tanto era assim que para os espectadores dessa encenaccedilatildeo de
1938 foi natural ver o ator aos 81 anos subir ao palco para interpretar o jovem pintor viacutetima
da tara paterna
Em 1939 ano em que Otto Maria Carpeaux chegou ao Brasil a obra de Ibsen era
considerada anecircmica feita de uma teacutecnica artificial e antiquada de intrigas elementarmente
mecacircnicas e assuntos superados textos mortos enfim que visavam mais agrave leitura que agrave
representaccedilatildeo Nesse ambiente contraacuterio a qualquer experiecircncia que natildeo fosse selecionada e
filtrada pela influecircncia e visatildeo francesas Carpeaux tornou-se um espiacuterito renovador
mostrando pontos de vista diferentes dos que reinavam aqui seja ao revelar escritores pouco
1 Gustavo A Doacuteria ldquoDez anos de permeiordquo Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975 p 39 2 O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 2 set 1938 Palcos e Circos p 4 (Sem assinatura)
59
conhecidos como Kafka Vico Croce Dilthey Max Weber seja ao reconsiderar outros caso
de Ibsen que natildeo tiveram suas obras devidamente analisadas Dessa maneira em 1942
Carpeaux publicou ldquoDefesa de Ibsenrdquo o primeiro de uma seacuterie de artigos em que procurou
resgatar os aspectos de atualidade do teatro ibseniano Nesse texto jaacute encontramos as ideacuteias
que dois anos mais tarde seriam desenvolvidas minuciosamente no ldquoEnsaio sobre Henrik
Ibsenrdquo o estudo mais conhecido de Carpeaux sobre o dramaturgo escrito a propoacutesito da
traduccedilatildeo para o portuguecircs de seis de suas peccedilas1 Entre os anos de 1940 e 1970 Carpeaux fez
conferecircncias escreveu artigos ensaios tornando-se a criacutetica mais avanccedilada e a autoridade
maacutexima dos estudos ibsenianos no Brasil a ponto de quase todas as montagens realizadas
nesse periacuteodo trazer em seus programas textos comentaacuterios ou qualquer citaccedilatildeo do criacutetico
O primeiro problema que Carpeaux identificou na resistecircncia da criacutetica brasileira agrave
obra de Ibsen era a forma de ver seus dramas sempre encerrados na estreiteza do teatro
realista e nas preocupaccedilotildees da burguesia do fim do seacuteculo XIX Para Carpeaux os assuntos de
Ibsen natildeo podiam ter envelhecidos como diziam os nossos criacuteticos porque simplesmente
nunca existiram em suas peccedilas Ler Os espectros como uma trageacutedia da hereditariedade e
tomar a cataacutestrofe de Osvaldo como a mateacuteria essencial do drama era segundo Carpeaux um
erro ldquoo heroacutei da peccedila natildeo eacute Osvaldo eacute sua devota matildee Helena que arruinou o filho natildeo
querendo abandonar o marido corrompidordquo2 A mesma coisa acontecia com Os pilares da
sociedade cujo assunto natildeo era a podridatildeo moral de um burguecircs respeitado e sim o medo que
cada indiviacuteduo tem do seu passado Em Um inimigo do povo a forccedila natildeo estava na derrota e
sim na vitoacuteria da democracia E em Casa de boneca a mateacuteria natildeo era a emancipaccedilatildeo
feminina pois para o criacutetico as mulheres jaacute haviam conquistado todos os direitos civis
poliacuteticos e sociais A tese essencial era a dificuldade e a necessidade de cada um assumir a
responsabilidade pelos seus atos De fato as reflexotildees de Carpeaux deram novo acircnimo para as
discussotildees de Ibsen no Brasil No entanto suas anaacutelises desenvolvidas a partir de
consideraccedilotildees de ordem moral e religiosa oriundas de uma visatildeo catoacutelica do mundo
minimizaram as reivindicaccedilotildees sociais das peccedilas valorizando apenas ldquoo destino do homem
individual e humanordquo Por isso para ele a condiccedilatildeo feminina em Casa de boneca era um
assunto obsoleto servindo apenas para expor a personagem agrave prova natildeo tendo Nora portanto
ldquoo direito de reivindicar no palco os direitos da mulher porque a mulher do nosso tempo jaacute
1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 31-65 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 149-161 p 158
60
tem todos os direitosrdquo1 Eacute assim que sob essa vertente religiosa Carpeaux ldquoesquecia-serdquo
entre outras coisas de que apesar da constituiccedilatildeo de 1934 ter regularizado a entrada das
mulheres no mercado de trabalho elas continuavam a receber menos que os homens que o
direito de abrir contas fazer cesarianas e viajar sem a permissatildeo do marido soacute estabelecido
em 1962 ainda estava longe de ser conquistado assim como o divoacutercio que soacute viria a ser
reconhecido no Brasil em 1977
A atualidade de Ibsen para Carpeaux estava no fato do dramaturgo ter descoberto o
modo de reintroduzir a proacutepria noccedilatildeo de destino e de fatalidade mdash conceito essencial da
trageacutedia mdash no teatro moderno Assim para a compreensatildeo dos problemas de Ibsen natildeo
importava tanto considerar a escolha de seus assuntos mas sim a maneira como ele os tratava
Apenas por esse caminho chegava-se ao fundamento do teatro do autor norueguecircs e agrave unidade
interior de toda a sua obra ldquoo combate agrave mentira e a preocupaccedilatildeo da salvaccedilatildeo da alma
humanardquo2 A partir de um vieacutes ldquotraacutegico cristatildeordquo3 em que o conceito de trageacutedia transformava-
se em criteacuterio de valor Carpeaux colocou no centro de discussatildeo dos dramas ibsenianos o
dogma do pecado original Por essa razatildeo os heroacuteis de Ibsen estavam condenados a responder
pelos erros cometidos no passado ldquoO destino das suas personagens eacute determinado
inexoravelmente pelas forccedilas do seu passado pela lembranccedila inextinguiacutevel e vingadora de
crimes perpetrados ou tencionados em eacutepocas anteriores da sua vida Ibsen escreveu
propriamente trageacutedias lsquohistoacutericasrsquo embora representadas em roupagens modernas Natildeo
acredita na possibilidade de fugir por meio de conversotildees morais ao determinismo da
histoacuteriardquo4
Assim como na trageacutedia grega as personagens ibsenianas estavam fadadas a se opor agrave
ordem moral do mundo A natureza exata das forccedilas em confronto era a necessidade do
homem agir contra as leis do Estado e suportar a responsabilidade dos seus atos com todas as
suas consequumlecircncias Dessa forma em Ibsen o traacutegico apresentava-se como uma fatalidade
livremente aceita pelo heroacutei que mesmo sabendo que poderia selar a sua proacutepria perda ao dar
iniacutecio ao combate manifestava o desejo de lutar pela sua liberdade Por isso Nora tinha de
abandonar seu lar Helena Alving tinha que largar o marido e Dr Stockmann tinha que
1 Otto Maria Carpeaux ldquoAos atores brasileirosrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 1 abr 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 154 (Grifo meu) 3 Cf sobre esse aspecto e outros do meacutetodo criacutetico de Carpeaux Mauro de Souza Ventura Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 4 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 63
61
denunciar a presenccedila de microacutebios nas aacuteguas minerais A contradiccedilatildeo entre as leis do
indiviacuteduo e da sociedade constituiacuteam segundo Carpeaux o conflito traacutegico que conferia agraves
peccedilas de Ibsen ldquoo assunto do gecircnero da Trageacutediardquo1 Do mesmo modo a necessidade inelutaacutevel
de assumir a falta cometida levava o heroacutei ibseniano assim como na trageacutedia a expiar os seus
pecados ateacute o fim Caso por exemplo de Helena Alving que escrava das convenccedilotildees sociais
natildeo abandonou o marido levando o filho agrave loucura Portanto a esse sentimento do traacutegico se
associava em Carpeaux a visatildeo pessimista da natureza humana segundo a qual somente por
meio da aceitaccedilatildeo do castigo pelo erro cometido no passado o homem poderia alcanccedilar a
remissatildeo e recobrar a sua liberdade ldquoNo foacuterum iacutentimo da alma descobre Ibsen a possibilidade
de salvaccedilatildeo aquela ldquomudanccedila de vidardquo que no Evangelho se chama lsquometanoeitersquo Eis o
sentido iacutentimo da fase ldquoneo-romacircnticardquo Lille Eyolf eacute a peccedila ldquoTolstoacuteianardquo da conversatildeo John
Gabriel Borkman eacute a trageacutedia da purificaccedilatildeo Naar vi Doede Vaagner [Quando noacutes os mortos
despertarmos] eacute a trageacutedia da ldquoressurreiccedilatildeordquo na morte do indiviacuteduordquo2
A partir da deacutecada de 1960 periacuteodo de instauraccedilatildeo do regime militar e da censura das
produccedilotildees artiacutesticas Carpeaux deixou um pouco de lado a visatildeo conservadora do catolicismo
passando a assumir pontos de vista poliacuteticos na apreciaccedilatildeo da literatura Assim o interesse
pela ldquosalvaccedilatildeo da almardquo em Ibsen foi substituiacutedo pelos problemas sociais Atesta-o um artigo
de 1962 onde o criacutetico apontou o disparate de se pensar resolvidos os problemas ibsenianos
ldquoEacute preciso ter muito boa consciecircncia e muita audaacutecia para achar lsquoantiquadosrsquo os negocistas
em As colunas da sociedade e a corrupccedilatildeo administrativa e o jornal venal em Um inimigo do
povordquo3 Nesse mesmo artigo Carpeaux tomou como o aspecto mais marcante da modernidade
de Ibsen a sua teacutecnica dramatuacutergica que assim como a de Brecht refutava o teatro
ilusioniacutestico levando o puacuteblico a participar dos acontecimentos no palco Em outro texto
publicado no programa do espetaacuteculo Casa de boneca da Companhia Tocircnia-Celi-Autran em
1973 o criacutetico denunciou o cerceamento da liberdade e a necessidade dos indiviacuteduos terem
consciecircncia dessa situaccedilatildeo Em chave irocircnica Carpeaux criticou o arbiacutetrio e o autoritarismo
que tomavam conta do paiacutes ldquoPois em nosso tempo atual e atualiacutessimo natildeo acontece mdash como
todo mundo sabe mdash que um empresaacuterio rico e respeitoso como lsquocoluna de sociedadersquo eacute na
realidade um escroque tampouco acontece em nosso tempo de plenitude da democracia que
um homem eacute perseguido como lsquoinimigo do povorsquo porque denuncia uma corrupccedilatildeo
1 Otto Maria Carpeaux ldquoPresenccedila de Ibsenrdquo Teatro brasileiro Satildeo Paulo Jaraguaacute n 7 p 2-3 maio-jun 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 64 3 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Acontece embora raramente []rdquoO Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 abr 1962 Suplemento Literaacuterio n 278 p 1
62
aproveitada pelos bem-pensantesrdquo1 Casa de boneca desse modo foi vista por Carpeaux
como a alegoria da luta dos homens pela liberdade e o gesto corajoso de Nora na uacuteltima cena
da peccedila como o expediente necessaacuterio para a transformaccedilatildeo da sociedade moderna que
tratava a todos homens e mulheres como bonecas
Sem duacutevida Carpeaux teve um papel importante como animador da volta de Ibsen aos
palcos brasileiros e como divulgador de sua obra entre noacutes No entanto sua concepccedilatildeo traacutegica
das peccedilas ibsenianas filtrada pela oacutetica do catolicismo progressista deu ensejo a uma seacuterie de
conjecturas que pouco ou quase nada de novo acrescentaram agrave anaacutelise do teatro de Ibsen Ao
contraacuterio ao aproximar a obra do norueguecircs da trageacutedia grega concentrando-se sobretudo na
figura do heroacutei ibseniano concebido como um indiviacuteduo isolado que sofre seu destino mdash seja
resignando-se agrave morte seja submetendo-se a um incessante exame de consciecircncia para expiar
seus pecados mdash Carpeaux perdeu de vista a dimensatildeo social das peccedilas transformando a obra
do autor em uma trageacutedia de moral cristatilde cujo uacutenico interesse estava na redenccedilatildeo da alma
humana Eacute assim que o criacutetico declarando obsoletos temas como o feminismo em Casa de
boneca a cobiccedila de Helena pelo dinheiro do Capitatildeo Alving em Os espectros a corrupccedilatildeo em
Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em John Gabriel Borkman etc acabou por
minimizar a criacutetica do dramaturgo agraves instituiccedilotildees e agraves convenccedilotildees limitadoras da sociedade
moderna Por conseguinte a maioria dos criacuteticos e artistas seguiram-lhe o caminho
preocupando-se quase que exclusivamente em estabelecer o que era novo na obra de Ibsen
Nesses casos normalmente o novo incidia no dilaceramento interior das personagens
substituindo-se a fatalidade religiosa de outrora pelo determinismo psicoloacutegico que
condenava os heroacuteis ibsenianos a viver com seus ldquodemocircnios interioresrdquo
1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoNossa Casa de bonecasrdquo Programa de Casa de bonecas direccedilatildeo de Cecil Thireacute Satildeo Paulo 1973
63
Entre o teatro amador e o profissional
A partir da deacutecada de 1940 sobretudo por causa das dificuldades de transporte
mariacutetimo durante a Segunda Guerra nossas editoras comeccedilaram a publicar obras estrangeiras
que em condiccedilotildees normais seriam importadas na liacutengua de origem ou em versotildees francesas
e inglesas no caso de autores como Ibsen Nietzsche Dostoieacutevski Tolstoacutei Puacutechkin entre
outros Mesmo num tempo de grande importaccedilatildeo de livros entre 1880 e 1910 era
praticamente impossiacutevel de se obter aqui um exemplar portuguecircs das peccedilas de Ibsen pois a
ediccedilatildeo e a representaccedilatildeo da obra do norueguecircs em Portugal era tatildeo diminuta quanto
episoacutedica1 Soacute em 1942 apareceram Casa de boneca e Os espectros traduzidos e prefaciados
por Joseacute Peacuterez para a Ediccedilotildees Cultura de Satildeo Paulo E dois anos mais tarde graccedilas agrave
influecircncia de Eacuterico Veriacutessimo entatildeo consultor editorial da Livraria Globo veio a puacuteblico a
ediccedilatildeo de Seis dramas coletacircnea traduzida por Vidal de Oliveira Esse livro composto de
peccedilas desconhecidas da maioria dos leitores brasileiros mdash Um inimigo do povo O pato
selvagem Rosmersholm A dama do mar Solness o construtor e Quando noacutes os mortos
despertarmos mdash trazia ainda um ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo de Otto Maria Carpeaux e um
prefaacutecio de Moritz Prozor para cada uma das peccedilas Nos anos 1950 tambeacutem apareceram
novas ediccedilotildees de Casa de boneca e Os espectros traduzidos por Alfredo Ferreira e A dama
do mar traduzida por Dea Caminha ambas pela Editora Vecchi do Rio de Janeiro Apesar
dessas iniciativas o niacutevel das traduccedilotildees brasileiras era muito baixo No caso de Ibsen os
tradutores partiam sempre do francecircs e deliberadamente evitavam a linguagem indelicada
amenizavam as ambiguumlidades das frases e utilizavam uma escrita excessivamente literaacuteria
nada coloquial
Ainda assim as traduccedilotildees serviram para os grupos de teatro amador trazerem Ibsen
novamente aos palcos brasileiros Para figuras como Aacutelvaro Moreira Renato Viana e
Paschoal Carlos Magno havia uma necessidade premente de colocar nosso teatro em peacute de
igualdade com o que se fazia nas grandes capitais da Europa Para isso natildeo bastava romper
com o passado e negar as tradiccedilotildees artiacutesticas da cena nacional muito menos encontrar o autor
brasileiro que refletisse os anseios da meacutedia sociedade burguesa Antes de mais nada era
imprescindiacutevel apresentar textos de melhor qualidade e espetaacuteculos mais bem cuidados
1 Consta desta pesquisa que circularam no Brasil as seguintes traduccedilotildees portuguesas Hedda Gabler Traduccedilatildeo de Freire Andrade [19--] Pilares da comunidade Traduccedilatildeo de Mario Delgado 1964 ambas da Editora Presenccedila de Lisboa Uma casa de bonecas dramas em trecircs atos Traduccedilatildeo de Emiacutelia de Arauacutejo Lisboa Guimaratildees 1916 e Os espectros Traduccedilatildeo de Joaquim Leone Soutello Lisboa Livraria Popular de Francisco Franco [19--]
64
seguindo principalmente os passos do modelo estrangeiro Assim para a modernizaccedilatildeo do
teatro brasileiro nossos artistas apoiaram-se quase que exclusivamente nas teorias de Jacques
Copeau embora conhecessem e acompanhassem com graus diversos de atenccedilatildeo as revoluccedilotildees
operadas por Antoine Stanislavski e Meyerhold Para as diferentes tendecircncias de renovaccedilatildeo
como a de Renato Viana e Alfredo Mesquita ou a de Aacutelvaro Moreira e Paschoal Carlos
Magno o mestre francecircs era o exemplo da nova arte e da nova eacutetica Nessa esteira os
espetaacuteculos deviam primar pela teatralidade Ao contraacuterio do significado original entre noacutes
isso queria dizer que no plano da interpretaccedilatildeo era imperativo a identificaccedilatildeo entre ator e
personagem e na relaccedilatildeo palco e plateacuteia era necessaacuterio provocar a empatia e a ilusatildeo da
realidade Isso soacute era possiacutevel atraveacutes do respeito ao texto isto eacute da busca do enriquecimento
da linguagem teatral da inspiraccedilatildeo poeacutetica e sobretudo da elevaccedilatildeo dos direitos espirituais
sobre os materiais Em outras palavras era inaceitaacutevel e de peacutessimo mau gosto a abordagem
naturalista do teatro e seus assuntos comezinhos problemas familiares adulteacuterio corrupccedilatildeo
hipocrisia reivindicaccedilotildees poliacuteticas etc Justamente dentro dessa perspectiva Ibsen foi
restituiacutedo ao contexto do teatro brasileiro Seguindo a mesma loacutegica de Carpeaux os dramas
ibsenianos deviam ser representados porque se igualavam em intensidade em profundeza e
em perfeiccedilatildeo cecircnica agraves grandes criaccedilotildees gregas A sua obra com as devidas exceccedilotildees natildeo
seria mais encenada pela oacutetica do cientificismo tampouco pelo vieacutes social mas pela
dramatizaccedilatildeo do destino do indiviacuteduo fadado a pagar pelos erros cometidos no passado
Assim o dramaturgo passou a ser visto pelo avesso ao tornar-se responsaacutevel pelo resgate da
accedilatildeo dramaacutetica mdash aquela motivada exclusivamente pelo psicoloacutegico mdash que expotildee no palco
somente a realidade interior das personagens
De qualquer forma os grupos do teatro amador colocaram o dramaturgo novamente na
ordem do dia Aleacutem das encenaccedilotildees jaacute conhecidas de Casa de boneca e Os espectros eles
trouxeram para o palco peccedilas nunca antes representadas na cena nacional como Um inimigo
do povo Quando noacutes os mortos despertarmos e John Gabriel Borkman Graccedilas agraves campanhas
artiacutesticas de Renato Viana que percorriam os estados do Norte e Nordeste do paiacutes e aos
festivais estudantis promovidos por Paschoal Carlos Magno as encenaccedilotildees da obra de Ibsen
natildeo ficaram mais restritas somente ao eixo Rio-Satildeo Paulo Aleacutem disso os espetaacuteculos
ganharam em qualidade o sotaque lusitano foi substituiacutedo pela prosoacutedia brasileira o ponto
que encerrado na caixinha do proscecircnio soprava o texto para os atores foi eliminado a
cenografia e a iluminaccedilatildeo ganharam importacircncia como linguagem cecircnica a figura do diretor
teatral indispensaacutevel para dar unidade de pensamento ao espetaacuteculo foi estabelecida Para
essas mudanccedilas contribuiacuteram os estrangeiros exilados de guerra que para caacute vieram trazendo
65
em suas bagagens experiecircncias teatrais de seus paiacuteses de origem Entre eles os poloneses
Ziembinski e Jorge Kossowsky o alematildeo Hoffmann Harnish o russo Zigmunt Turkov o
italiano Ruggero Jacobbi e o ator francecircs Louis Jouvet A atriz francesa Henriette Morineau
embora natildeo tenha participado diretamente da renovaccedilatildeo teatral influiu consideravelmente na
formaccedilatildeo dos novos atores ensinando-lhes a partir de seu proacuteprio exemplo o procedimento
declamatoacuterio dos textos a impostaccedilatildeo de voz o domiacutenio dos gestos e das expressotildees faciais
De Ibsen Morineau encenou Casa de boneca pela Companhia Dramaacutetica Francesa de Rachel
Beacuterendt no Teatro Municipal de Satildeo Paulo em julho de 1944 Dois anos depois ela fundaria
a sua proacutepria companhia Artistas Unidos cujo repertoacuterio abrangeria peccedilas do teatro de
boulevard de autores brasileiros e estrangeiros como Nelson Rodrigues Jean Anouilh Jean
Cocteau e Tennessee Williams
Entre dezembro de 1945 e janeiro de 1946 Renato Viana agrave frente do Teatro Anchieta
da Escola Dramaacutetica do Rio Grande do Sul apresentou-se no Rio de Janeiro com repertoacuterio
que incluiacutea obras de Dostoieacutevski Florecircncio Saacutenchez e Ibsen Desde a deacutecada de 1920 Renato
Viana empenhava-se em aparelhar o nosso incipiente teatro com novas praacuteticas de
interpretaccedilatildeo mormente inspiradas no meacutetodo de Stanislavski Envolvido pela atmosfera preacute-
modernista e munido de informaccedilotildees sobre a revoluccedilatildeo cecircnica na Ruacutessia (Stanislavski
Komissarzhevskaya e Meyerhold) e na Franccedila (Antoine Lugneacute-Poe e Copeau) ele propunha
a renovaccedilatildeo dos velhos coacutedigos teatrais e o estabelecimento de novos conceitos cecircnicos como
meios para se chegar a uma ldquoexpressatildeo brasileira em cenardquo Desse modo ele tornou-se o
nosso primeiro diretor de teatro instaurando um rigoroso sistema disciplinar que natildeo admitia
conversas paralelas durante os ensaios nem atrasos de atores e teacutecnicos coisas inteiramente
estranhas no nosso teatro onde a indisciplina era a regra1 Enquanto no Teatro do Estudante
de Paschoal Carlos Magno existia uma margem de improvisaccedilatildeo inerente agrave atividade
amadora nas campanhas artiacutesticas empreendidas por Renato Viana mdash Batalha da Quimera
Colmeacuteia Caverna Maacutegica Teatro de Arte Teatro-Escola e Teatro Anchieta mdash havia sempre
a preocupaccedilatildeo de um rigor profissional que exigia de seus alunos cada vez mais disciplina e
preparo especializado Foi assim que em dezembro de 1945 ele apresentou no Teatro
Ginaacutestico do Rio a primeira encenaccedilatildeo brasileira de Casa de boneca A imprensa saudou com
entusiasmo sua iniciativa sobretudo a de trazer para a cena nacional novos atores que
impressionavam pela maneira diferente de se comportarem no palco Entre os ldquonovos valoresrdquo
estava Maria Caetana filha de Renato Viana incumbidas do papel de Nora que embora jaacute
1 Cf sobre a obra e as campanhas artiacutesticas de Renato Viana Sebastiatildeo Milareacute ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrgt
66
conhecida da plateacuteia carioca pelo desempenho como protagonista nas peccedilas de seu pai
Monalisa e Margarida Gauthier recebeu muitos elogios sobretudo pela sua atuaccedilatildeo na cena
em que danccedilava a tarantela Depois dessa temporada no Rio Renato Viana como era de
praxe fez uma longa excursatildeo pelo paiacutes apresentando seus espetaacuteculos gratuitamente para
operaacuterios e estudantes
Nos anos subsequumlentes agrave montagem de Renato Viana seguiram-se as encenaccedilotildees de
Os espectros pelo Teatro do Estudante de Minas Gerais em 1947 pelo Teatro dos Estudantes
da Bahia e pelo Teatro Universitaacuterio do Centro Acadecircmico Horaacutecio Berlinck de Satildeo Paulo
ambos em 1948 Nesse mesmo ano paralelamente agraves accedilotildees do teatro amador o empresaacuterio
Franco Zampari fundou em Satildeo Paulo o Teatro Brasileiro de Comeacutedia (TBC) inaugurando
uma nova fase na cena nacional As atividades teatrais entraram nos paracircmetros da moderna
administraccedilatildeo mercadoloacutegica da cultura com patrociacutenio do Estado ou de grandes monopoacutelios
O programa esteacutetico ficou por conta dos encenadores estrangeiros que assumiram a tarefa de
dotar o paiacutes de uma dramaturgia compatiacutevel com o padratildeo internacional Desse modo para
equilibrar a receita e agradar a burguesia paulistana alternavam-se textos consagrados com
peccedilas de grande apelo popular principalmente as comeacutedias francesas e norte-americanas
Embora apoiado nos claacutessicos universais o TBC durante toda a sua existecircncia nunca incluiu
Ibsen em seu repertoacuterio Em entrevista ao Jornal do Brasil a propoacutesito da divulgaccedilatildeo do
espetaacuteculo Casa de boneca de 1971 Tocircnia Carrero nos daacute uma indicaccedilatildeo da resistecircncia do
TBC agraves peccedilas ibsenianas ldquoIbsen foi um autor de tal maneira importante que Shaw sentindo-se
ameaccedilado por sua qualidade dizia dele que era um dramaturgo ultrapassado Eu mesma por
influecircncia do TBC concordava com esta opiniatildeo Os diretores do TBC consideravam Ibsen um
autor de qualidade discutiacutevelrdquo1 Aleacutem do TBC considerar a obra do dramaturgo antiquada
portanto pouco apropriada para atualizaccedilatildeo do teatro brasileiro eacute possiacutevel que seguindo a
corrente esteacutetica francesa de Copeau e Jouvet julgasse de mau gosto os assuntos ibsenianos
voltados para o desmascaramento da sociedade burguesa Seja como for Ibsen ficaria ainda
algum tempo agrave margem das cogitaccedilotildees das companhias profissionais cabendo agrave accedilatildeo
renovadora do amadorismo estabelecer na imprensa um debate profiacutecuo sobre o seu teatro
Um dos conjuntos amadores que via em Ibsen o caminho para a transformaccedilatildeo da
praacutetica teatral vigente sobretudo pelo questionamento social de sua obra era o Teatro do
Estudante de Pernambuco Liderado por Hermilo Borba Filho o grupo desde 1945 procurava
redemocratizar a arte cecircnica brasileira atraveacutes da teatralidade e das teacutecnicas das festas
1 ldquoTocircnia feminista pela matildeo de Cecilrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 6 out 1971 (Sem assinatura)
67
populares nordestinas visando a um teatro poliacutetico feito para o povo Numa barraca
improvisada no Parque 13 de maio em Recife eles encenavam para uma plateacuteia que
desconhecia inteiramente o teatro peccedilas do repertoacuterio claacutessico e moderno como Soacutefocles
Shakespeare e Ibsen Foi com esse espiacuterito que em 1949 o grupo pernambucano montou a
peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos apresentando-a em praccedilas paacutetios ao ar livre
hospitais faacutebricas e presiacutedios Nesse mesmo ano o Teatro do Estudante do Paranaacute que tinha
sido fundado no ano anterior por Armando Maranhatildeo Ary Fontoura entre outros artistas
levou agrave cena Os espectros no Teatro Renascenccedila de Ponta-Grossa (PR)
Durante os anos 1950 os amadores continuaram a encenar as peccedilas de Ibsen caso de
Casa de boneca representada pelo Teatro 5 de setembro do Departamento Dramaacutetico do
Orfeatildeo Riograndense em 1952 e pelo Teatro Paulista em 1956 Rosmersholm encenado
pelos alunos da Faculdade de Direito da USP em 1955 Os espectros apresentado pelo Grupo
57 no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 e John Gabriel
Borkman montado pelo Teatro do Estudante da Paraiacuteba no II Festival Nacional de Teatros de
Estudantes em Santos (SP) em 1959 Nesse periacuteodo as diretrizes de encenaccedilatildeo das peccedilas
ibsenianas estavam mais niacutetidas diferenciando-se basicamente pela oposiccedilatildeo entre o social
que privilegiava neste caso o aspecto de criacutetica agrave sociedade e o individual voltado para os
problemas de consciecircncia das personagens As montagens de Renato Viana e Paschoal Carlos
Magno ambas de 1952 satildeo bons exemplos da contradiccedilatildeo que a partir de entatildeo se
estabeleceria entre artistas e criacuteticos a respeito da atualidade de Ibsen Para alguns caso de
Renato Viana e Hermilo Borba Filho o novo estava no esmaecimento do cunho dramaacutetico de
suas peccedilas o que possibilitava a criacutetica agrave realidade social para outros caso de Paschoal
Carlos Magno e Otto Maria Carpeaux o novo estava nos conflitos interiores das personagens
na condiccedilatildeo traacutegica do destino do indiviacuteduo e na teatralidade que visava aos sentidos e agrave
beleza esteacutetica
Por esse tempo Renato Viana estava na direccedilatildeo da Escola Dramaacutetica Martins Pena do
Rio de Janeiro que aleacutem ter um quadro docente de primeira linha composto por Joseacute
Oiticica Tomaacutes Santa Rosa Luiacutesa Barreto Leite entre outros mantinha uma companhia fixa
de teatro formada por alguns de seus alunos como Tereza Raquel e Roland Henze Dessa
experiecircncia resultaram as montagens Eacutedipo Rei de Andreacute Gide e Um inimigo do povo de
Ibsen que estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em julho de 1952 A encenaccedilatildeo foi
durante dois meses precedida de conferecircncias sobre a vida e a obra do autor norueguecircs caso
de ldquoAnaacutelise dos dramas ibsenianos sob o ponto de vista da representaccedilatildeordquo por Renato Viana
ldquoRetrato literaacuterio de Ibsenrdquo por Celso Kelly e ldquoIbsen e a questatildeo socialrdquo por Joseacute Oiticica A
68
linha da encenaccedilatildeo privilegiou o aspecto de censura agrave corrupccedilatildeo dos indiviacuteduos ao abuso de
poder e agrave opressatildeo social Carpeaux o criacutetico mais autorizado da eacutepoca sobre Ibsen elogiou a
iniciativa de Renato Viana de levar agrave cena um teatro de tatildeo grande valor literaacuterio No entanto
os temas sociais enfatizados na montagem pareceram-lhe revestidos de trajes histoacutericos ldquode
fantasias de casaca e cartolardquo Para ele a ideacuteia da responsabilidade moral das personagens era
a uacutenica coisa que natildeo envelhecera no teatro de Ibsen continuando a ser a condiccedilatildeo essencial
para a trageacutedia ldquona eacutepoca dos determinismos dialeacuteticos psicanaliacuteticos racistas e outros de
hoje a ideacuteia da responsabilidade continua a condiccedilatildeo sem qual natildeo haacute trageacutediardquo1
Dois meses depois da montagem de Um inimigo do povo o Teatro do Estudante do
Brasil apresentou Os espectros no Teatro Duse em setembro de 1952 Um texto de Carpeaux
impresso na primeira paacutegina do programa definia a linha do espetaacuteculo ldquono palco acenderatildeo a
luz da poesia traacutegicardquo2 Em outras palavras o que se veria em cena era a fatalidade da
condiccedilatildeo humana agindo sobre as personagens A doenccedila de Osvaldo jaacute natildeo era mais o tema
principal da peccedila mas sim o destino de Helena Alving condenada a expiar pelos pecados e
pela mentira A contemplaccedilatildeo esteacutetica e a catarse como na trageacutedia grega seriam
conquistadas pela grandeza e dignidade da protagonista ao aceitar e resignar-se agrave sua sorte A
encenaccedilatildeo pareceu seguir de perto as liccedilotildees de Copeau quanto ao primado do texto ao
despojamento do palco e agrave veneraccedilatildeo dos claacutessicos Em um manuscrito de Carpeaux reunido
por Orlanda Carlos Magno em seu livro sobre o Teatro Duse o criacutetico destacou a
simplicidade do cenaacuterio e a atmosfera de solidatildeo e anguacutestia criada pelo diretor Jorge
Kossowsky no momento da revelaccedilatildeo do segredo traacutegico ldquoo tema edipiano sofoclianordquo
Aleacutem disso elogiou a atuaccedilatildeo de Eugecircnio Carlos que sem se colocar no centro da accedilatildeo
ofereceu excelente estudo da decadecircncia fiacutesica de Osvaldo e de Miriam Carmem que no
papel de Helena reuniu a dignidade de uma ldquorainha shakespearianardquo e a expressatildeo de
amargura de uma vida desgraccedilada3 Passados dez anos de seu primeiro texto sobre Ibsen
Carpeaux ainda apontava como valores permanentes da obra ibseniana o conflito individual
das personagens O tempo para ele encarregara-se de eliminar os traccedilos histoacutericos e sociais
das peccedilas podendo apenas o esteacutetico comover e impressionar os espectadores
1 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Estatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo O Jornal Rio de Janeiro 29 jun 1952 2 Otto Maria Carpeaux ldquoAmigo espectador []rdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Jorge Kossowsky Rio de Janeiro 1952 3 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEspectros (Teatro Duse)rdquo In Orlanda Carlos Magno Pequena histoacuteria do Teatro Duse Rio de Janeiro SNT 1973 p 97-98
69
Ao abrir-se a deacutecada de 1960 o teatro brasileiro encontrava-se em pleno processo de
redemocratizaccedilatildeo apresentando uma dramaturgia de cunho criacutetico voltada para as
contradiccedilotildees baacutesicas da nossa realidade social Apreendidas as novas maneiras de conceber o
espetaacuteculo a valorizaccedilatildeo do diretor o aprimoramento dos atores o cuidado com cenaacuterios
figurinos e iluminaccedilatildeo comeccedilavam a despontar na cena nacional novos artistas que
reclamavam um espaccedilo para o teatro popular Tudo isso fruto dos esforccedilos realizados em
anos anteriores por Aacutelvaro Moreira Renato Viana Paschoal Carlos Magno Hermilo Borba
Filho entre outros artistas que se opuseram ao teatro comercial em voga Surgiram assim
figuras como Millocircr Fernandes Antonio Callado Oduvaldo Viana Filho e Gianfrancesco
Guarnieri autores preocupados com as questotildees sociais grupos como o Teatro de Arena
criado em 1953 por Joseacute Renato o Teatro Popular do Nordeste fundado em 1958 por
Hermilo Borba Filho e o Centro Popular de Cultura da UNE liderado por Vianinha e
inspirado no Movimento Popular de Cultura de Pernambuco de Miguel Arraes todos
compartilhando do mesmo desejo de transformar o paiacutes a partir da accedilatildeo cultural Aleacutem disso
novos conceitos oriundos dos recursos do teatro eacutepico de Brecht e do teatro poliacutetico de
Piscator ganhavam cada vez mais espaccedilo em detrimento das velhas teorias francesas de
Copeau e Jouvet Todo esse surto renovador sofreu enorme abalo com o golpe militar de 1964
e com a censura tatildeo logo instaurada que interditava as peccedilas que abordavam temas poliacuteticos e
sociais alterava os textos dramaacuteticos considerados improacuteprios e perseguia os artistas
engajados politicamente como eacute sabido
Nessas circunstacircncias Ibsen passou a interessar mais do que nunca os conjuntos
profissionais de teatro A essa altura jaacute estava mais do que consolidada a ideacuteia de que sua
obra era datada portanto nenhum problema nossos artistas teriam com a censura ao levar
para o palco um autor ldquoultrapassado das preacutedicas libertaacuteriasrdquo Se por um lado houve quem o
colocasse em cena exatamente dentro dessa linha de pensamento valorizando apenas a
grandeza de suas personagens que comparadas agrave estirpe das figuras da trageacutedia grega
poderiam oferecer aos atores a consagraccedilatildeo profissional por outro houve quem se utilizasse
dessa opiniatildeo generalizada como frente de resistecircncia agrave ditadura colocando em foco o
passado para melhor falar do presente por meio de alusotildees e metaacuteforas Curiosamente o
autor norueguecircs que fora excluiacutedo do repertoacuterio do TBC passou a ser encenado por atores e
diretores dissidentes do mesmo Teatro Brasileiro de Comeacutedia que mais tarde acabaram
formando suas proacuteprias companhias Ziembinski agrave frente do Teatro do Rio companhia
fundada por Rubens Correcirca e Ivan Albuquerque foi o responsaacutevel pela primeira realizaccedilatildeo
profissional de uma peccedila de Ibsen no Brasil dirigindo Os espectros no Teatro Satildeo Jorge do
70
Rio de Janeiro em marccedilo de 1961 No programa do espetaacuteculo o diretor aleacutem de afirmar a
modernidade do dramaturgo definia o fio condutor de sua montagem ldquoo horror do jogo das
conveniecircncias e pontos de vista hipoacutecritas que matam a espontacircnea liberdade do homem essa
uacutenica liberdade frutiacutefera criadora e causadora da nossa sobrevivecircncia espiritualrdquo1 Para ele o
drama tendo como assunto principal o ldquoconflito passional e ideoloacutegicordquo de Helena deveria
ser encenado numa linguagem atenuada sem o exagero de situaccedilotildees violentas e pateacuteticas Por
isso a orientaccedilatildeo dada aos atores era para fugir dos malabarismos psicoloacutegicos o que
transformaria o texto de um alcance filosoacutefico e social em aventuras que cheiravam a
melodrama O espetaacuteculo ficou pouco mais de um mecircs em cartaz A maior parte dos criacuteticos
apontou como fragilidade da encenaccedilatildeo o fato do diretor diminuir o aspecto melodramaacutetico da
peccedila deixando de colocar no palco o ldquomundo rico de sugestotildees teatraisrdquo de Ibsen Em outras
palavras puacuteblico e criacutetica lamentaram na montagem a ausecircncia do entusiasmo da vivacidade
e do substrato psicoloacutegico das personagens Para Paulo Francis o diretor apenas havia
ensaiado os atores sem se preocupar em chegar a qualquer conclusatildeo aparente da peccedila A
proacutepria atuaccedilatildeo de Ziembinski no papel do pastor Manders foi censurada ldquoZiembinski
limitou-se a procurar atenuar o melodrama da peccedila dando ao papel que interpreta do pastor
Manders graccedilas a certos gestos e inflexotildees uma comicidade para aleacutem do que nos parece
sugerir o personagem e constituindo hiatos cocircmicos que se chocam com o tom geral da
peccedilardquo2
Em outubro de 1965 duas peccedilas de Ibsen foram encenadas em Satildeo Paulo Hedda
Gabler pela Companhia Nydia Liacutecia e Seacutergio Cardoso representada no Teatro Bela Vista e
Os espectros primeira peccedila da companhia Teatro da Cidade de Satildeo Paulo de Alberto
DrsquoAversa montada no TBC Os dois espetaacuteculos na ordem da expectativa dramaacutetica tanto do
puacuteblico quanto da criacutetica parecem ter cumpridos seus papeacuteis Para Oliveira Ribeiro Neto
criacutetico drsquoA Gazeta mais importante que a exterioridade de Hedda Gabler mdash ldquomuito mais que
a sua beleza a sua juventude a sua classerdquo mdash era o ldquoseu aspecto interior de mulher
nevropata cansada da mediocridade da existecircnciardquo Por ser essa segundo ele a caracteriacutestica
essencial da peccedila pareceu-lhe ldquoexcessivamente desanuviadardquo a direccedilatildeo de Walmor Chagas
que suprimiu de sua montagem o ambiente opressivo em que se deveria desenvolver o drama
No entanto ainda segundo Ribeiro Neto esse detalhe natildeo desabonava em nada as qualidades
dramaacuteticas do espetaacuteculo sustentadas por Nydia Liacutecia no papel-tiacutetulo que emprestara agrave
1 Z Ziembinski ldquoSobre a atualidade de Ibsenrdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Ziembinski Rio de Janeiro 1961 2 Henrique Oscar ldquoEspectros de Ibsen pelo Teatro do Riordquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 14 abr 1961 Cf tambeacutem Paulo Francis ldquoO espetaacuteculo do Teatro do Riordquo Diaacuterio Carioca Rio de Janeiro 19 abr 1961
71
personagem ldquomuito do seu encanto aparecendo bela e sedutora com certos tiques nervosos
de quem sente profunda preocupaccedilatildeo sempre expressiva no seu nervosismo de mulher que
comeccedila a esperar um filhordquo1 indesejado Paulo Mendonccedila jornalista da Folha de S Paulo
compartilhava de certo modo das ideacuteias de Oliveira Ribeiro Neto Para ele a accedilatildeo dramaacutetica
de Hedda Gabler construiacuteda sem nenhum rigor teacutecnico dificultava a comunicaccedilatildeo com o
puacuteblico natildeo sendo raras as situaccedilotildees em que os espectadores sentiam-se perdidos por natildeo
entender as questotildees que Ibsen levantava e deixava sem respostas a ponto de ao cair o pano
todos indagarem ldquoe daiacuterdquo Considerando a intriga gratuita e pouco convincente Paulo
Mendonccedila atribuiacutea exclusivamente agrave atriz incumbida do papel-tiacutetulo a responsabilidade do
ecircxito da montagem Somente atraveacutes dos recursos da forccedila e do magnetismo da atriz
principal a peccedila poderia adquirir uma dimensatildeo cecircnica acessiacutevel agrave plateacuteia Portanto Hedda
Gabler segundo ele era ldquomenos uma peccedila do que um papelrdquo fruto da intransigecircncia do
dramaturgo que preferia ldquoser absurdo a deixar de ser implacavelmente autecircnticordquo2
Os espectros de Alberto DrsquoAversa embora em curta temporada na capital paulista por
causa do compromisso dos teatros com outros espetaacuteculos logrou enorme sucesso de criacutetica e
puacuteblico A montagem enfatizava com uma certa dose de afetaccedilatildeo o desespero e o sofrimento
de Helena Alving mdash exatamente os aspectos que quatro anos antes os criacuteticos sentiram falta
na mesma peccedila montada por Ziembinski no Rio de Janeiro Ao que parece o diretor italiano
aprendera com o ldquoerrordquo de seu colega e ao contraacuterio dele apresentou um drama sentimental
buscando uma empatia cada vez maior com a plateacuteia Em entrevista ao Diaacuterio da Noite
DrsquoAversa explicou o porquecirc da escolha de Os espectros para a estreacuteia de sua companhia em
Satildeo Paulo ldquoOs motivos satildeo claros e alguns de suma importacircncia Ibsen eacute um dos cinco
autores mais famosos do mundo Aleacutem disso apesar de natildeo ser inteiramente comercial eacute uma
peccedila que possui todas as qualidades para agradar o puacuteblicordquo3 Por certo as qualidades a que o
diretor se referia eram aquelas que a criacutetica reclamara como ausentes na encenaccedilatildeo de
Ziembinski conflito profundidade psicoloacutegica e tensatildeo dramaacutetica
Em maio de 1966 o Grupo 57 voltou a apresentar Os espectros dessa vez no Teatro
de Arena da Guanabara no Rio de Janeiro O grupo havia sido premiado pela encenaccedilatildeo
dessa mesma peccedila no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 No
entanto natildeo alcanccedilou o mesmo ecircxito com a montagem profissional As marcaccedilotildees do diretor
1 Oliveira Ribeiro Neto ldquoHedda Gabler ndash Muito mais importante que o aspecto externo da personagem Hedda Gabler []rdquo A Gazeta Satildeo Paulo 25 out 1965 2 Paulo Mendonccedila ldquoHedda Gabler ndash Irdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 12 out 1965 e ldquoHedda Gabler ndash IIrdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 14 out 1965 3 ldquoEspectros de Ibsen cinco dias no TBCrdquo Diaacuterio da noite Satildeo Paulo 14 out 1965 (Sem assinatura)
72
Garcia Xavier apoiada quase que exclusivamente no infortuacutenio de Helena e Osvaldo Alving
soaram artificiais e exageradas Henrique Oscar criacutetico do Diaacuterio de Notiacutecias apontou a
insuficiecircncia da maioria dos inteacuterpretes como a parte mais problemaacutetica do espetaacuteculo Agnes
Fontoura no papel de Helena foi a mais criticada pois atuara agrave maneira da velha escola com
gestos expressotildees fisionocircmicas e ldquoolhares digno de museurdquo A traduccedilatildeo de Alfredo Ferreira
utilizada no espetaacuteculo natildeo escapou agrave exprobraccedilatildeo ldquoAleacutem de empregar expressotildees
impraticaacuteveis no palco como lsquoazaacutefamarsquo e outras eacute de uma impropriedade clamorosa cheia de
lsquosim simrsquo lsquobem bemrsquordquo1 Para Fausto Wolff da Tribuna da Imprensa o diretor tinha
conseguido aproximar a peccedila de Ibsen da telenovela brasileira limitando-se os atores com
exceccedilatildeo de Edson Guimaratildees inteacuterprete de Engstrand a apresentar um tom monocoacuterdio e
melodramaacutetico onde entravam ldquosusto choro grito histeria e suspense amadorrdquo2
Se Os espectros do Grupo 57 foi duramente criticado pela falta de aperfeiccediloamento
dos atores e pela negligecircncia em cenaacuterio e figurino a primeira e uacutenica montagem de As
colunas da sociedade encenada no Teatro Guaiacutera de Curitiba pelo Teatro de Comeacutedia do
Paranaacute (TCP) em novembro do mesmo ano foi recebida entusiasticamente pela nossa criacutetica
teatral O TCP organizado e dirigido por Claacuteudio Correa e Castro vinha conquistando cada
vez mais espaccedilo no cenaacuterio cultural brasileiro atraveacutes de produccedilotildees de claacutessicos mundiais e de
textos nacionais como Um elefante no caos de Millocircr Fernandes montada em 1963 A
megera domada de Shakespeare encenada em 1964 Escola de mulheres de Moliegravere e O
santo milagroso de Lauro Cesar Muniz ambas representadas em 1965 O texto de Ibsen
segundo Claacuteudio Correa e Castro havia sido incluiacutedo no repertoacuterio do grupo porque aleacutem de
desmascarar a hipocrisia da sociedade mdash ldquoo que todo mundo gostaria que se fizesse com
algumas de nossas lsquocolunasrsquordquo3 mdash seus atores precisavam enfrentar um texto realista o que
natildeo acontecia havia cerca de trecircs anos desde A vida impressa em doacutelar de Clifford Odets
representada em 1963 Os pontos fortes da montagem ficaram por conta dos figurinos de
Kalma Murtinho e do cenaacuterio de Claacuteudio Correa e Castro ldquoimpecaacutevel no seu bom gosto e nos
menores detalhes do seu acabamentordquo4 Todos os moacuteveis haviam sido feitos especialmente
para a encenaccedilatildeo e ateacute se pocircs em cena uma maacutequina de costura da eacutepoca reproduzindo
fielmente o interior de uma residecircncia burguesa de 1870
1 Henrique Oscar ldquoEspectros no Arena da Guanabarardquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 26 maio 1966 2 Fausto Wolff ldquoOs espectros espectrais no Arena IIrdquo Tribuna da Imprensa Rio de Janeiro 1 jun 1966 3 Entrevista de Clauacutedio Correa e Castro concedida a Martim Gonccedilalves ldquoIbsen em Curitibardquo O Globo Rio de Janeiro 1 nov 1966 4 Yan Michalski ldquoIbsen em Curitibardquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 2 nov 1966
73
Entre as deacutecadas de 1960 e 1970 sobretudo apoacutes o recrudescimento da censura com o
AI-5 Ibsen ganharia encenaccedilotildees cada vez mais luxuosas impressionantes pela beleza plaacutestica
dos cenaacuterios e figurinos envolvendo os espectadores num mundo irreal dinacircmico cheio de
som cores e efeitos espetaculares Com raras exceccedilotildees caso das montagens de Hermilo
Borba Filho Fernando Torres e Antunes Filho buscava-se driblar a censura atraveacutes dos
recursos da estilizaccedilatildeo e da metaacutefora a fim de mostrar o significado real dos textos ibsenianos
e construir da melhor maneira possiacutevel uma frente de resistecircncia agrave ditadura Assim foi a
montagem de Um inimigo do povo encenada pelo Teatro Popular do Nordeste em 1967 A
companhia liderada por Hermilo Borba Filho dava continuidade ao trabalho artiacutestico e
cultural do Teatro do Estudante de Pernambuco (fundado em 1945) levando para o povo
espetaacuteculos natildeo soacute de qualidade literaacuteria como tambeacutem de questionamento social o que
permitia ao puacuteblico uma compreensatildeo maior de sua proacutepria histoacuteria Por meio de expedientes
como o canto a danccedila a maacutescara o boneco Hermilo procurou apresentar em sua casa de
espetaacuteculos na Avenida Conde da Boa Vista em Recife uma peccedila criacutetica viva denunciando
na figura do Dr Stockmann o cerceamento da liberdade e a perdiccedilatildeo do indiviacuteduo diante da
arbitrariedade do Estado
Dois anos mais tarde em agosto de 1969 Fernando Torres encenaria a mesma peccedila
no Teatro Satildeo Pedro em Satildeo Paulo procurando assim como Hermilo questionar o
autoritarismo a falta de liberdade de expressatildeo e a desigualdade de direitos Depois de
encerradas as atividades do Teatro de Arena e do Oficina o Teatro Satildeo Pedro arrendado por
Beatriz e Mauriacutecio Segall em 1968 no auge da repressatildeo apresentava-se como um dos
uacuteltimos grupos da cena paulistana comprometido com uma produccedilatildeo artiacutestica voltada para a
anaacutelise social Buscando uma nova maneira de expressatildeo teatral que pudesse burlar a censura
e ao mesmo tempo oferecer ao puacuteblico espetaacuteculos que vislumbrassem a transformaccedilatildeo das
praacuteticas poliacuteticas e culturais vigentes o Teatro Satildeo Pedro acolheu muitos artistas
rearticulando antigos laccedilos profissionais e poliacuteticos Dessa feita o grupo encenou entre outras
coisas Os fuzis da sra Carrar de Brecht com direccedilatildeo de Flaacutevio Impeacuterio em 1968 Marta
Sareacute de Gianfrancesco Guarnieri e Edu Lobo dirigido por Fernando Torres em 1969 e
Tambores na noite de Brecht dirigido por Fernando Peixoto em 1972 Para Beatriz e
Mauriacutecio Segall ldquoIbsen era o tom mais apropriado para o Brasil poacutes-AI-5 A questatildeo eacutetica
colocada em Um Inimigo do Povo de um homem que natildeo abandona as suas convicccedilotildees
74
mesmo quando todas as situaccedilotildees se voltam contra ele era uma profissatildeo de feacute que a
companhia estava disposta a carregar consigordquo1
Ainda na esteira da resistecircncia democraacutetica Antunes Filho encenou Peer Gynt no
Teatro Itaacutelia de Satildeo Paulo em abril de 1971 No panorama das produccedilotildees teatrais da eacutepoca
limitadas a um teatro comercial e digestivo a montagem de Antunes mereceu muitos elogios
dos nossos criacuteticos Depois dos absurdos dos empresaacuterios teatrais de apostar exclusivamente
no aspecto lucrativo dos espetaacuteculos sem se preocupar com a qualidade das peccedilas Saacutebato
Magaldi apontou a encenaccedilatildeo de Antunes como ldquouma resposta luacutecida e brilhante a todos os
erros que [ameaccedilavam] a nossa atividade cecircnicardquo2 Com Peer Gynt Antunes instituiacutea na cena
brasileira uma nova maneira de conceber o espetaacuteculo propondo a retomada da palavra e a
colocaccedilatildeo do homem no centro dos acontecimentos O proacuteprio Antunes em entrevista agrave Folha
de S Paulo registrou essa mudanccedila ldquonosso espetaacuteculo eacute um marco do novo teatro a
liberdade do autor e do ator Acabaram a ditadura e o accediloite do diretor do nosso teatro
formalista e abstrato da forma pela forma Agora eacute o homem recolocado novamente dentro de
sua histoacuteriardquo3 Nessa perspectiva Peer Gynt funcionava como um libelo contra a alienaccedilatildeo e o
escapismo apresentando a histoacuteria de um homem que vive apenas o momento sem lanccedilar
amarras e sem se engajar Desse modo a cada episoacutedio da vida de Peer Antunes buscou
criticar o oportunismo a filosofia do ldquojeitinho brasileirordquo e a indiferenccedila aos problemas
poliacuteticos e sociais A forccedila da montagem desse modo patenteava-se justamente na forma
como Antunes a partir da anaacutelise individual da personagem-tiacutetulo conseguira passar pelo
social e ascender ao poliacutetico
Poucos meses depois de Peer Gynt em outubro de 1971 estreava no Teatro Glaacuteucio
Gil do Rio de Janeiro Casa de boneca dirigida por Cecil Thireacute e estrelada por Tocircnia Carrero
A comeccedilar pelos textos apresentados no programa mdash ldquoNossa Casa de bonecasrdquo de Otto
Maria Carpeaux ldquoIbsen jaacute erardquo de Cecil Thireacute e ldquoCasa de bonecas ou sociedade de
bonecosrdquo de Fernando Peixoto mdash que discutiam a atualidade da peccedila agrave luz dos problemas
da realidade brasileira a montagem parecia sugerir uma criacutetica agrave opressatildeo e aos valores
retroacutegrados da sociedade encarnados na figura de Torvald Helmer No entanto a perspectiva
de criacutetica social parece ter ficado somente na intenccedilatildeo A linha adotada pelo diretor oscilou
1 ldquoTeatro Satildeo Pedrordquo Disponiacutevel lthttpwwwitauculturalorgbraplicexternasenciclopedia_teatrogt Cf tambeacutem Marco Antocircnio Guerra Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2 Saacutebato Magaldi ldquoNatildeo perca esta aventurardquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 29 abr 1971 3 Depoimento de Antunes Filho a Jorge Saacute de Miranda ldquoPeer Gynt celebra 100ordf apresentaccedilatildeordquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 29 abr 1971
75
entre uma montagem convencionalmente realista e uma vaga tentativa de modernizaccedilatildeo
cecircnica com o uso de intervenccedilotildees musicais e certos efeitos de luz que aproximaram o
espetaacuteculo segundo alguns criacuteticos ldquodas atuais telenovelas e dos dramalhotildees emboloradosrdquo1
Segundo Fernando Peixoto sentia-se claramente o intento do diretor Cecil Thireacute de apresentar
a tirania de Helmer como o microcosmo de uma realidade maior mais ampla e mais terriacutevel
No entanto a tiacutemida encenaccedilatildeo natildeo conseguira romper a estrutura soacutelida da intriga nem ldquoa
teia de conflitos do textordquo2 Desse modo a soluccedilatildeo eacutepica usada no final da peccedila o
desmoronamento do cenaacuterio como fizera Meyerhold na sua versatildeo de Casa de boneca de
1906 apresentou-se como uma ingecircnua metaacutefora da desestruturaccedilatildeo familiar e da queda dos
valores burgueses
Na deacutecada de 1980 a dramaturgia de natureza poliacutetica desaparece do palco brasileiro
voltando-se a maioria de nossos artistas para o ldquobesteirolrdquo um teatro de puro entretenimento
de grande aceitaccedilatildeo popular mas de completa despreocupaccedilatildeo literaacuteria e de indisfarccedilaacutevel
gratuidade Por outro lado no campo dos experimentalismos poacutes-modernos as encenaccedilotildees de
Gerald Thomas mdash Carmen com filtro e Electra com creta ambas de 1986 e Trilogia Kafka
de 1988 por exemplo mdash datildeo a tocircnica de um novo tipo de criaccedilatildeo cecircnica com a valorizaccedilatildeo
cada vez maior das linguagens visuais coreograacuteficas e sonoras em detrimento da palavra No
caso de Ibsen o vieacutes individualista de sua obra em oposiccedilatildeo ao aspecto social que desde os
anos 1940 vinha despertando o interesse de nossos artistas consolida-se a partir de entatildeo
como o grande fator de atualidade de seu teatro Os traccedilos morais e psicoloacutegicos de suas
personagens tidos como os uacutenicos elementos de modernidade e vigor de suas peccedilas ganham
relevo nas montagens desse periacuteodo Apoiados nos estudos do criacutetico norte-americano Robert
Brustein e do meacutedico vienense Wilhelm Reich nossos artistas passam a analisar a obra do
autor norueguecircs atraveacutes do recorte biograacutefico e de meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura Robert
Brustein exerceu grande influecircncia no Brasil sobretudo depois da publicaccedilatildeo de seu livro O
teatro de protesto pela editora Zahar do Rio de Janeiro em 1967 Retomando as ideacuteias de
Prozor acerca do caraacuteter autobiograacutefico do teatro de Ibsen Brustein procura identificar os
elementos da experiecircncia emocional do dramaturgo em suas peccedilas chegando agrave conclusatildeo de
que muitos dos heroacuteis ibsenianos satildeo auto-retratos do proacuteprio autor Nesse sentido ao analisar
O pato selvagem mdash para ele uma ldquopeccedila semi-autobiograacuteficardquo mdash o criacutetico afirma ter Ibsen
criado Gregers Werle agrave sua imagem e semelhanccedila conferindo agrave personagem as caracteriacutesticas
1 ldquoUm Ibsen bem comportadordquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 12 p 14-15 jan 1972 (Sem assinatura) 2 Fernando Peixoto e Alberto Guzik ldquoTeatro no Rio e em Satildeo Paulo a temporada de 71rdquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 13 p 7-13 fev 1972
76
de um tiacutepico ibsenista com o propoacutesito de satirizar a si proacuteprio e impedir que ele viesse a ldquoser
institucionalizado por adeptos servisrdquo Da mesma maneira como havia feito Prozor no seu
prefaacutecio da traduccedilatildeo de Solness o construtor em 1894 Brustein compara o desenvolvimento
da personagem-tiacutetulo com a evoluccedilatildeo do trabalho de Ibsen Para o criacutetico Solness eacute ldquopura
autobiografiardquo sendo o construtor um dos mais elaborados auto-retratos do autor ldquoO
sentimento alimentado por Solness de que sua inquebrantaacutevel dedicaccedilatildeo agrave sua vocaccedilatildeo
destruiacutera nele a felicidade eacute um reflexo das duacutevidas e dos pesares de Ibsen depois expressos
em John Gabriel Borkmanrdquo1
Por sua vez o polecircmico meacutedico Wilhelm Reich conhecido mundialmente pelo seu
livro Psicologia de massas do fascismo (1934) onde analisa a repressatildeo sexual como uma
espeacutecie de matriz que prepara o indiviacuteduo para a aceitaccedilatildeo das demais coerccedilotildees mdash caso
segundo ele da adesatildeo da populaccedilatildeo alematilde ao discurso fascista mdash teve no Brasil uma
recepccedilatildeo limitada ao campo da terapia corporal Simplificando bastante interessava aos
admiradores brasileiros de Reich apenas o exame do corpo como invoacutelucro da histoacuteria de cada
sujeito sendo possiacutevel por meio de sua anaacutelise resgatar as emoccedilotildees mais profundas dos
indiviacuteduos Nessa esteira A funccedilatildeo do orgasmo (1927) livro dedicado ao estudo da
sexualidade humana teve enorme repercussatildeo no Brasil dos anos de 1970 Essa obra alcanccedilou
tamanho sucesso entre noacutes que desde a primeira publicaccedilatildeo feita pela Brasiliense em 1975
passou a ser editada constantemente chegando a deacutecima nona ediccedilatildeo em 1995 Por certo o
ensaio sobre ldquoPeer Gyntrdquo contido nesse volume exerceu uma influecircncia significativa na nova
abordagem da peccedila que passaria a considerar a figura de Peer como o siacutembolo do homem
perdido no fluxo de suas experiecircncias tentando descobrir qual eacute o seu verdadeiro Eu
autecircntico Essa caracteriacutestica atribuiacuteda agrave personagem estendia-se a Ibsen mdash ldquoAssim era Ibsen
e assim era Peer Gyntrdquo2 mdash que tambeacutem procurava atraveacutes de suas peccedilas uma sondagem do
eu profundo expondo seu proacuteprio caraacuteter ao exame e criacutetica implacaacuteveis Tornou-se comum
a partir de entatildeo associar a mateacuteria das peccedilas agrave vida do autor caindo-se facilmente na
armadilha da projeccedilatildeo Desse modo o subjetivismo das imagens e das personagens elucidava
a psicologia de Ibsen e os fatos e experiecircncias de sua vida pessoal serviam para estabelecer o
conteuacutedo da obra A implicaccedilatildeo de tudo isso foi o depauperamento do texto ibseniano pois o
que nele se ambicionara passou a ser visto como atributo do autor ser vivo e inesgotaacutevel no
papel impresso Ao valorizar apenas a vida interior das personagens os padrotildees arquetiacutepicos
1 Robert Brustein ldquoHenrik Ibsenrdquo O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 93 2 Wilhelm Reich ldquoPeer Gyntrdquo A funccedilatildeo do orgasmo problemas enconocircmico-sexuais da energia bioloacutegica 4 ed Satildeo Paulo Brasiliense 1978 p 48
77
as raiacutezes miacuteticas e o significado simboacutelico e sexual do teatro de Ibsen nossos criacuteticos e
artistas deixaram de lado uma das dimensotildees mais modernas da obra do dramaturgo a perda
de consistecircncia da solidez de seus dramas que para expressar a desordem social poliacutetica e
econocircmica foram contaminando-se progressivamente de elementos eacutepicos chegando por
vezes a romper com os cacircnones tradicionais
Na esteira das orientaccedilotildees de Brustein e Reich inclusive reproduzindo quase na
iacutentegra os textos desses dois autores no programa do espetaacuteculo Marcos Fayad agrave frente do
grupo Engenho de Teatro dirigiu Peer Gynt no Teatro Ginaacutestico do Rio em junho de 1982 A
encenaccedilatildeo baseada na exploraccedilatildeo do inconsciente e dos recalques da personalidade de Peer
procurava mostrar a viagem empreendida por um homem em busca de sua proacutepria identidade
e do verdadeiro papel que lhe cabia na vida Desse modo a personagem-tiacutetulo veio ao palco
mergulhada num denso universo de misticismo metafiacutesica e duacutevidas existenciais Chegou-se
mesmo ao disparate de comparar Peer e Ibsen mdash ldquoPeer Gynt eacute o lado de Ibsen que foi em
busca de prazer sob o sol da Itaacuteliardquo1 mdash e a evocar em termos biograacuteficos os processos
psiacutequicos do autor quando estava escrevendo a peccedila Assim Peer Gynt tinha um discurso
tortuoso porque o dramaturgo no momento da escrita da obra oscilava entre influecircncias
esteacuteticas e filosoacuteficas muito diversificadas como a obsessatildeo miacutestica do romantismo e a
anguacutestia existencial kierkegaardiana Para Yan Michalski criacutetico do Jornal do Brasil em
nenhuma peccedila de Ibsen ldquoo debate existencial era colocado em termos tatildeo teoacutericos de tanta
abrangecircncia filosoacuteficardquo como em Peer Gynt Por essa razatildeo o desafio de qualquer montagem
dessa peccedila era tornar teatral ldquoo discurso aacuterido e metafiacutesicordquo da obra tarefa que ainda segundo
Michalski o Engenho de Teatro natildeo conseguira cumprir por dois motivos primeiro porque
ldquoo sentido mais profundo desse discurso natildeo foi assimilado pelos atoresrdquo e segundo porque
faltava-lhes o instrumental teacutecnico para tornar o conteuacutedo da peccedila claro aos espectadores
Essa falta de habilidade para o criacutetico tornava-se especialmente patente ldquonas cenas em que as
duacutevidas existenciais [estavam] contidas em seu estado puro como nos encontros de Peer com
o diretor do manicocircmio com o democircnio ou com o fundidorrdquo2
Um mecircs depois da encenaccedilatildeo de Peer Gynt Dina Sfat estreou Hedda Gabler no
Teatro Guaiacutera de Curitiba em agosto de 1982 O diretor do espetaacuteculo o francecircs Gilles
Gwizdeck em entrevista ao jornal O Globo indicou a linha da encenaccedilatildeo ldquoEu tentei traduzir
cenicamente o texto como um dramalhatildeo contando uma historinha com princiacutepio meio e fim
Mas com todo o subtexto presente todas as pressotildees familiares em cena atraveacutes de muitos
1 ldquoRobert Brustein fala de Ibsenrdquo Programa de Peer Gynt direccedilatildeo de Marcos Fayad Rio de Janeiro 1982 2 Yan Michalski ldquoPeer Gynt ou a dificuldade de filosofarrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro p 2 23 mar 1982
78
recursos como o cenaacuterio do Ratto que eacute bem pesado e abafado com muito veludordquo1 Sendo
assim num tom soturno e sombrio Hedda apresentou-se no palco como uma neuroacutetica
viacutetima das pressotildees de uma sociedade castradora A educaccedilatildeo riacutegida que a personagem
recebera de seu pai baseada em valores aristocraacuteticos e conservadores foi abordada como
uma das origens dos conflitos dolorosos de sua vida adulta A complexidade os conflitos
interiores e o gesto final de autodestruiccedilatildeo da personagem tratados no mais estreito realismo
psicoloacutegico fez com que a peccedila ganhasse ares folhetinescos O desempenho de Dina Sfat no
papel-tiacutetulo foi bastante elogiado sobretudo por criar a partir da entrada em cena o clima de
inevitabilidade da trageacutedia Para a maioria de nossos criacuteticos somente a psicanaacutelise poderia
explicar a trajetoacuteria da heroiacutena e desvendar seus mecanismos interiores Por um lado Ibsen
foi considerado o ldquopai do teatro psicoacutetico modernordquo2 o responsaacutevel no dizer de Tereza
Menezes de colocar em cena ldquoo novo sujeito da modernidaderdquo3 aquele indiviacuteduo que possui
dimensatildeo interior e capacidade de perceber a si mesmo Por outro mais uma vez a arquitetura
dramaacutetica de sua obra foi valorizada por aproximar-se da carpintaria do teatro claacutessico
carregada de pressaacutegios e costurada de intrigas paralelas que davam maior relevo ao conflito
central da peccedila
Em agosto de 1985 Fernando de Almeida levou agrave cena do Teatro Domus em Satildeo
Paulo a peccedila Os espectros resultado de uma motivaccedilatildeo pessoal sua que haacute muito
interessava-se pelo papel de Osvald Alving Como estava na idade limite para interpretar a
personagem reuniu um grupo de atores convidou Emiacutelio Di Biasi para dirigir a peccedila e arcou
com a maior parte das despesas da produccedilatildeo do espetaacuteculo Aleacutem disso ele mesmo
encarregou-se de traduzir e revitalizar o texto de Ibsen a fim de tornaacute-lo ldquomenos antiquadordquo
visando uma relaccedilatildeo mais direta com o espectador Assim a accedilatildeo foi transportada para algum
lugar indeterminado do seacuteculo XX o aviatildeo tomou o lugar do trem Nova York o de Paris os
nomes das personagens foram abrasileirados e a doenccedila de Osvaldo a siacutefilis foi substituiacuteda
pela Aids Entretanto justamente a adaptaccedilatildeo foi o que a criacutetica unanimemente julgou de
mais controverso nessa montagem Para Alberto Guzik aleacutem da encenaccedilatildeo levar agraves uacuteltimas
consequumlecircncias os sentimentos de Helena e Osvaldo Alving transformando a peccedila num
melodrama quase insuportaacutevel ldquoFernando de Almeida parece natildeo ter se dado conta de que os
termos a estrutura a proacutepria organizaccedilatildeo do debate travado pelas personagens de Ibsen
seriam necessariamente outros se a moralidade que serve de pano de fundo agrave obra fosse a da
1 Entrevista de Gilles Gwizdeck concedida a Flaacutevio Marinho ldquoA histoacuteria de uma mulher destruidora e autodestrutivardquo O Globo Rio de Janeiro 11 ago 1982 2 Jefferson Del Rios ldquoHedda emoccedilotildees no palco e na plateacuteiardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 1 abr 1983 3 Cf Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006
79
era do aviatildeo e natildeo a do tremrdquo1 Ao que parece do original restou apenas uma paroacutedia um
apego aos lances melodramaacuteticos do enredo que transformaram a realizaccedilatildeo num kitsch natildeo
intencional A peccedila ficou pouco tempo em cartaz e os elogios foram apenas para Leacutelia
Abramo que voltava aos palcos apoacutes seis anos de uma ausecircncia forccedilada A atriz no papel de
Helena Alving parecia ser a uacutenica a ter consciecircncia da importacircncia da peccedila como criacutetica agrave
hipocrisia e agraves convenccedilotildees sociais ldquoA encenaccedilatildeo de Ibsen hoje eacute importante por se
preocupar com as indagaccedilotildees do espiacuterito humano aleacutem de seu valor literaacuterio Esta a
verdadeira riqueza dos autores claacutessicos e hoje com o homem sendo aniquilado pelo
progresso pela massificaccedilatildeo eacute importante qualquer coisa que o faccedila refletirrdquo2
Peer Gynt foi levado agrave cena do Teatro Renascenccedila de Porto Alegre pelo grupo Teatro
Vivo em marccedilo de 1987 dessa vez numa versatildeo mais formalista O palco despojado de
qualquer artefato realista mdash apenas duas escadas um andor de procissatildeo e algumas malas mdash
manteve-se livre para o desenvolvimento dos atores que caminhavam em ciacuterculos
aproximando seus movimentos de uma danccedila coreografada Fora isso elementos como
fumaccedila aacutegua e farinha aleacutem de uma iluminaccedilatildeo requintada preenchiam os espaccedilos vazios da
cena Dos cinco atos do texto original restaram apenas dois apresentados em pouco mais de
uma hora e meia privilegiando-se temas como a vida a morte e as viagens da personagem-
tiacutetulo Para Irene Brietzke diretora do espetaacuteculo o estudo mais interessante a respeito de
Peer Gynt era o de Wilhelm Reich jaacute que mostrava Peer como uma personagem-siacutembolo que
representava o desejo mais secreto de todo o ser humano ldquoo sonho a paixatildeo o prazer e a
aventurardquo3 Por isso a exemplo do que fizera Marcos Fayad em sua montagem de 1982 ela
tambeacutem procurou contar a histoacuteria de um homem em busca de si mesmo resolvendo viajar
pelo mundo para achar seu caminho Paralela a essa accedilatildeo principal da peccedila Brietzke
acrescentou uma personagem que entre uma cena e outra da peccedila fazia reflexotildees sobre a
funccedilatildeo do artista a necessidade de buscar novos horizontes a morte etc citando passagens
de cineastas como Fellini e Buntildeuel e autores como Borges Apesar das inovaccedilotildees que
deram uma visualidade fascinante ao espetaacuteculo chegando por vezes a prejudicar a
mensagem do texto a direccedilatildeo do espetaacuteculo natildeo fugira a regra sendo Ibsen novamente
encerrado num universo miacutestico e existencialista
1 Alberto Guzik ldquoUma adaptaccedilatildeo de Ibsen Com bons propoacutesitos e equiacutevocos demaisrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 6 set de 1985 2 Depoimento de Leacutelia Abramo para O Estado de S Paulo ldquoIbsen a defesa feminina na peccedila Os Espectrosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 27 ago 1985 3 ldquoPeer Gynt a maioridade de Irenerdquo Correio do Povo Porto Alegre 6 mar 1987
80
Em maio de 1988 o Grupo Tapa encenou Solness o construtor no Teatro Alianccedila
Francesa em Satildeo Paulo A direccedilatildeo de Eduardo Tolentino privilegiou o conflito entre o velho
e o novo mostrando no palco a histoacuteria de Solness um construtor de meia-idade que se sente
ameaccedilado pela juventude expressa na figura de seu empregado Ragnar Brovik Durante a
encenaccedilatildeo o espectador pocircde acompanhar o tormento da personagem-tiacutetulo com o medo da
morte a ascensatildeo profissional de Ragnar e a fascinaccedilatildeo pela jovem Hilda Wangel A ecircnfase
dada aos opostos emblemaacuteticos mdash velhonovo sauacutededoenccedila luztrevas construccedilotildees de
alvenariacastelos no ar paixatildeo adolescentecasamento falido mdash reduziu de certo modo um
dos aspectos mais contundentes da peccedila os interesses materiais da mesquinha realidade
burguesa que envolve o conflito de geraccedilotildees as vidas entediadas e a submissatildeo domeacutestica
Aleacutem disso o fato do grupo ver Solness como um alter ego de Ibsen colaborou para o
empobrecimento do texto minando a forccedila da montagem No programa do espetaacuteculo o
jornalista Carlos Hee preso agrave ideacuteia do todo contiacutenuo formado entre autor e obra apontou
relaccedilotildees entre a trajetoacuteria da personagem e a vida do dramaturgo utilizando exatamente das
mesmas ideacuteias de Moritz Prozor e Robert Brustein A primeira fase do construtor dedicada agrave
edificaccedilatildeo de igrejas seria relativa aos temas dos dramas filosoacutefico-religiosos impregnados
de personagens miacutesticas A mudanccedila de postura de Solness apoacutes o incecircndio quando passa a
construir habitaccedilotildees teria o valor similar ao rompimento do escritor com a sociedade
norueguesa e agrave sua preocupaccedilatildeo em escrever peccedilas sobre a vida cotidiana O encontro de
Solness com Hilda simbolizaria a fase dos dramas simboacutelico-metafiacutesicos e a correspondecircncia
que o autor passou a trocar com Emilie Bardach uma jovem vienense de 18 anos Por fim
como sua personagem Ibsen temia a concorrecircncia da juventude sobretudo a ascensatildeo do
dramaturgo August Strindberg Aleacutem do biografismo que encobriu a estrutura e o valor da
peccedila o espetaacuteculo ganhou uma conotaccedilatildeo sexual ora pelas suas marcaccedilotildees ora pela
interpretaccedilatildeo das torres como siacutembolos faacutelicos Descontados esses problemas Eduardo
Tolentino alcanccedilou seu propoacutesito inicial de fazer uma montagem sem arroubos cecircnicos ldquosem
deixar nenhum exibicionismo esteticista se sobrepor ao textordquo1 De fato ele soube dar agrave sua
montagem o equiliacutebrio entre o sentido do texto e a traduccedilatildeo visual mdash a accedilatildeo se passava em
um cenaacuterio realista recheado de referecircncias simboacutelicas e num clima oniacuterico desenrolavam-se
flashes do passado e do presente Aleacutem disso toda a encenaccedilatildeo foi baseada no texto e nos
atores livre da intervenccedilatildeo musical e das soluccedilotildees espetaculosas exigindo dos espectadores
uma concentraccedilatildeo maior para acompanhar as ideacuteias da peccedila
1 Depoimento de Eduardo Tolentino a Ana Francisca Ponzio ldquoPaulo Autran o primeiro Ibsenrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 14 set 1988
81
A partir dos anos 1990 Ibsen passa a ser encenado por produtores independentes em
sua maioria artistas de grande popularidade e de incontestaacutevel prestiacutegio nacional Favorecidos
pelo patrociacutenio de empresas privadas mdash sobretudo depois da criaccedilatildeo em 1991 da chamada
lei de incentivo a Lei Rouanet que oferece isenccedilatildeo de impostos agraves empresas que invistam em
projetos artiacutesticos e culturais mdash esses artistas deram ensejo a produccedilotildees cada vez mais
imponentes com temas que agradam puacuteblico e empresaacuterios com programas de excelente
acabamento graacutefico mas que pouco ajudam a entender a diretriz do espetaacuteculo haja vista que
raramente trazem qualquer reflexatildeo sobre a peccedila encenada Do mesmo modo as encenaccedilotildees
ganharam beleza plaacutestica cenaacuterios luxuosos e iluminaccedilatildeo requintada privilegiando-se a
percepccedilatildeo visual em detrimento do conteuacutedo da peccedila No acircmbito desse teatro puramente
comercial Ibsen parece voltar aos palcos muito mais por oferecer aos atores bons papeacuteis
permitindo-lhes desenvolver suas virtudes interpretativas do que pela forccedila de seus textos
Evidentemente temas que contrariem a ideologia dominante mdash como a hipocrisia social em
Os espectros a exploraccedilatildeo capitalista em Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em
John Gabriel Borkman os interesses materialistas em Casa de boneca e Solness o construtor
por exemplo mdash satildeo ignorados nesse tipo de produccedilatildeo Por isso privilegiam-se em grande
parte apenas a subjetividade das personagens ibsenianas destituiacuteda de qualquer realidade
concreta maior social ou poliacutetica A justificativa para essa reduccedilatildeo encontra respaldo na velha
ideacuteia de que as preocupaccedilotildees sociais do dramaturgo satildeo obsoletas e ultrapassadas
constituindo apenas a psicologia e os conflitos existenciais das personagens os reais e efetivos
elementos de atualidade de sua obra Estaacute claro que essas produccedilotildees destinam-se mdash
sobretudo por causa dos preccedilos inacessiacuteveis dos ingressos mdash a uma plateacuteia financeiramente
distinta que busca no teatro a digestatildeo apraziacutevel do jantar
Nessas condiccedilotildees a Fundaccedilatildeo Bienal de Satildeo Paulo juntamente com empresaacuterios
patrocinou a vinda do American Repertory Theatre agrave cidade com o espetaacuteculo Quando noacutes os
mortos despertarmos encenado no Teatro Municipal em outubro de 1991 A peccedila adaptada e
dirigida por Robert Wilson o grande representante do ldquoteatro de imagensrdquo apresentou como
natildeo poderia deixar de ser as caracteriacutesticas fundamentais do encenador poesia visual
intimismo abstraccedilatildeo formalismo e distorccedilatildeo temporal A imprensa ocupou-se tanto dos
ldquoefeitismosrdquo de Robert Wilson que acabou ignorando a montagem brasileira desse mesmo
texto pelo Teatro do Pequeno Gesto em cartaz desde o mecircs de agosto no Espaccedilo Cultural
Seacutergio Porto no Rio de Janeiro Esse foi o espetaacuteculo de estreacuteia do grupo carioca que a partir
de entatildeo se dedicaria as montagens de grandes claacutessicos da literatura dramaacutetica preocupando-
se com estudos literaacuterios e teoacutericos das peccedilas a fim de conceber uma encenaccedilatildeo voltada para o
82
texto e a fala dos atores Antocircnio Guedes diretor da companhia apresentou uma versatildeo
totalmente diferente de Robert Wilson a comeccedilar pela diretriz do espetaacuteculo simplificaccedilatildeo
extrema do palco para colocar em relevo o texto em contraste com a fragmentaccedilatildeo dos
sentidos e o desenho formalizado da cena do diretor norte-americano Enquanto a montagem
de Wilson centrou-se na conotaccedilatildeo metafiacutesica do acerto de contas de Rubek com o seu
passado a do Pequeno Gesto privilegiou a discussatildeo de temas como o amor a morte o artista
e sua obra Aleacutem disso o puacuteblico do Teatro do Pequeno Gesto natildeo via passivamente uma
sucessatildeo de imagens deslumbrantes como na encenaccedilatildeo norte-americana uma vez que ele
proacuteprio era convidado a integrar o espetaacuteculo como elemento constitutivo do espaccedilo cecircnico
Em abril de 1994 Moacyr Goacutees e um conjunto de artistas conhecidos por seus
trabalhos na televisatildeo levaram agrave cena Peer Gynt no Teatro Gloacuteria do Rio de Janeiro A
abordagem da peccedila traduzida e adaptada pela psicanalista Clara Goacutees em nada diferenciou-
se do que desde a deacutecada de 1980 era considerado ldquocomumrdquo ao se estudar essa obra de
Ibsen a histoacuteria de um homem em busca de sua proacutepria identidade e do verdadeiro sentido da
vida Dois anos depois em outubro de 1996 Ulysses Cruz dirigia pela primeira vez no Brasil
A dama do mar representaccedilatildeo marcada por forte tendecircncia visual A peccedila aleacutem de encenada
no piacuteer da praccedila Mauaacute com vistas para a Baiacutea de Guanabara ganhou um cenaacuterio suntuoso
com 30 toneladas de areia fina entremeadas de conchas e de estrelas-do-mar e um barco de
verdade cedido pela Marinha que em certo momento do espetaacuteculo entrava em cena
trazendo uma das personagens o Estrangeiro Na imprensa pouco se falou sobre a obra de
Ibsen importando mesmo destacar a ousadia de Ulysses Cruz o responsaacutevel pela concepccedilatildeo
da maior parte dos elementos cecircnicos da montagem Para Cruz Ibsen era ldquofreudiano antes de
Freudrdquo e a qualidade de seu teatro estava na prospecccedilatildeo emocional de suas personagens No
caso de A dama do mar ainda segundo o diretor a protagonista da peccedila Ellida tinha uma
ldquoligaccedilatildeo forte com a natureza Daiacute surgiu a ideacuteia de usar na cenografia a areia o vento e o
marrdquo1 Uma produccedilatildeo com tamanho aparato de imagens luzes cores e som ofuscou
evidentemente o trabalho dos atores e sobretudo a histoacuteria de Ibsen O puacuteblico por sua vez
extasiado com a visualidade e a espetacularizaccedilatildeo teve poucas chances de compreender o teor
e a mensagem da peccedila
Em 1997 a propoacutesito da comemoraccedilatildeo dos cinco anos da Casa da Gaacutevea do Rio de
Janeiro Domingos de Oliveira foi convidado a dirigir Um inimigo do povo peccedila que ele jaacute
havia encenado catorze anos antes no teatro Cacircndido Mendes tambeacutem no Rio Na linha de
1 Depoimento de Ulysses Cruz a Anabela Paiva ldquoA nova aventura de Ulyssesrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 5 out 1996
83
um teatro didaacutetico Domingos de Oliveira levou agrave cena a histoacuteria de um homem
impossibilitado de se expressar num sistema dito democraacutetico Ao colocar em xeque toda a
estrutura de poder da cidade do Dr Stockmann dos pontos de vista moral e eacutetico o diretor
procurou mostrar como a representaccedilatildeo democraacutetica pode ser falha e como a maioria pode ser
facilmente manipulada Ampliando essa discussatildeo central da peccedila Oliveira procurou enfatizar
ainda questotildees como a preservaccedilatildeo do meio ambiente o poder da imprensa na manipulaccedilatildeo
da opiniatildeo das massas e a eacutetica na administraccedilatildeo puacuteblica Essa linha de encenaccedilatildeo foi bastante
criticada principalmente pelo fato de que para muitos de nossos criacuteticos caso de Nelson de
Saacute da Folha de S Paulo natildeo era a poliacutetica nem o conflito com a maioria que caracterizavam
a atualidade e o vigor de Um inimigo do povo mas ldquoa seduccedilatildeo do homem soacute natildeo mais refeacutens
de ideacuteias verdades amigos ou gruposrdquo Para Nelson de Saacute a direccedilatildeo de Domingos de
Oliveira tinha sido maniqueiacutesta sobretudo por omitir ldquoa proclamaccedilatildeo da individualidaderdquo
aspecto que segundo o criacutetico era o cerne da peccedila de Ibsen1 Nesse sentido a interpretaccedilatildeo
dos atores principalmente a de Paulo Betti no papel do Dr Stockmann tambeacutem foi criticada
por natildeo apresentar nuances psicoloacutegicas mas apenas perfis funccedilotildees a serviccedilos do texto
apresentando clareza em vez de profundidade Da mesma maneira o cenaacuterio e figurinos que
nada tinham de espetaculares sofreu as mesmas restriccedilotildees Para Alberto Guzik ldquoos tons que
[oscilavam] do ocre ao bege e bordocircrdquo diluiacuteram a tensatildeo dramaacutetica da cena contribuindo para
a sensaccedilatildeo ldquode monotonia e achatamento do palcordquo A criacutetica foi estendida agrave iluminaccedilatildeo que
sendo convencional pouco fez para dar contornos ao ldquoproblema visual do espetaacuteculordquo2
No comeccedilo deste seacuteculo com a vida teatral cada vez mais subordinada ao arbiacutetrio dos
dirigentes de empresas privadas as encenaccedilotildees de Ibsen com rariacutessimas exceccedilotildees natildeo
sofreram mudanccedilas significativas O ponto a se destacar eacute a melhor qualidade literaacuteria de
alguns espetaacuteculos alcanccedilada graccedilas agraves traduccedilotildees feitas diretamente do original norueguecircs
por Karl Erik Schoslashllhammer3 Seguindo a loacutegica do governo brasileiro que confunde poliacutetica
cultural com poliacutetica de mercado vieram a puacuteblico mais uma vez produccedilotildees dispendiosas mdash a
grosso modo com artistas que se consagraram na televisatildeo mdash visando mais do qualquer outra
coisa o retorno de bilheteria Nessa esteira Casa de boneca produzida por Ana Paula Aroacutesio
foi encenada no Teatro Leblon do Rio em outubro de 2001 A direccedilatildeo de Aderbal Freire-
1 Nelson de Saacute ldquoIbsen proclama o poder do homem soacuterdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 20 mar 1998 Folha Ilustrada p 3 2 Alberto Guzik ldquoUm inimigo monoacutetonordquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 2 abr 1998 3 Karl Erik Schoslashllhammer traduziu Quando noacutes os mortos despertarmos para o espetaacuteculo do Teatro do Pequeno Gesto em 1991 e Casa de boneca dirigida por Aderbal Freire-Filho em 2001 Traduziu ainda em parceria com Faacutetima Saadi O pequeno Eyolf em 1993 e John Gabriel Borkman em 1996 ambas publicadas na Coleccedilatildeo Teatro da Editora 34 de Satildeo Paulo
84
Filho que teve o meacuterito de escolher uma traduccedilatildeo de qualidade natildeo escapou aos
esquematismos do teatro de entretenimento Sem abandonar de todo o realismo da obra
Freire-Filho procurou enfatizar os conflitos existenciais de Nora em sua busca por liberdade
focalizando o desejo da personagem de fazer a sua proacutepria histoacuteria A marcaccedilatildeo e os
elementos cecircnicos mdash uma miniatura de casa de boneca uma mesa e algumas cadeiras em
torno das quais giraram os atores mdash pretenderam dar uma significacircncia simboacutelica agraves atitudes
interiores das personagens O cenaacuterio do portuguecircs Joseacute Manuel Castanheira mdash uma janela
que abria todo o fundo do teatro para um jardim coberto de neve em contraste com o interior
aconchegante de uma casa burguesa mdash e a iluminaccedilatildeo refinada de Manuel Quindereacute
conferiram intensa plasticidade ao desenho cecircnico No ano seguinte em maio de 2002 a
mesma peccedila estreou no Teatro do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio dessa vez numa
versatildeo multimiacutedia de Bia Lessa O espetaacuteculo foi chamado pela proacutepria diretora de ldquopeccedila-
filmerdquo porque quase toda a accedilatildeo da peccedila era apresentada num viacutedeo e somente na cena final
Nora interpretada por Betty Gofman aparecia no palco para cumprir seu gesto de abandono
do lar O uso do cinema foi justificado como uma forma de dimensionar uma quebra realista
subvertendo-se assim os limites do espetaacuteculo teatral No entanto a falta de contraponto
dramaacutetico das duas linguagens aproximou a encenaccedilatildeo segundo Macksen Luiz da
dramaturgia televisiva sobretudo por causa do uso da cacircmera em primeiro plano1
Em agosto de 2004 o Festival Porto Alegre em Cena em parceria com o governo da
Noruega trouxeram ao Brasil duas jovens diretoras Catherine Kahn e Anne Klovholt para
ministrar um laboratoacuterio intitulado ldquoO ator compositor e a poesia do movimentordquo No final do
curso cinco atores brasileiros foram selecionados para participar da encenaccedilatildeo de A dama do
mar representada no Armazeacutem A5 do Cais do Porto em Porto Alegre no mecircs de setembro
Nesse mesmo ano em outubro Paulo de Moraes encenou O pequeno Eyolf no Centro
Cultural da Justiccedila Federal no Rio de Janeiro primeira montagem brasileira desse texto O
espetaacuteculo centrado nos conflitos familiares de Alfred e Rita Allmers trouxe agrave cena a
discussatildeo de sentimentos como ciuacutemes inveja desprezo e amargura As personagens
enredadas em si mesmas incapazes de fugir de seus remorsos foram o foco principal dessa
montagem que procurou abordar a possibilidade de transformaccedilatildeo do homem deixando de
lado a passividade e a auto-compaixatildeo No entanto em cena essas questotildees trabalhadas em
forma de diaacutelogos solenes e de discursos quase filosoacuteficos acabaram por tornar a encenaccedilatildeo
de oitenta minutos um peso para os ombros dos espectadores O trunfo da montagem ficou
1 Macksen Luiz ldquoA armadilha de Ibsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 4 maio 2002
85
por conta da moldura visual que ambientou a cena em um espelho drsquoaacutegua conferindo
densidade e imagem vigorosa ao quadro Criacuteticas mais duras receberam o elenco Viviane
Coutinho inteacuterprete de Eyolf apesar de deficiente apresentou-se um tanto saltitante no palco
e Joatildeo Vitti no papel da Mulher dos Ratos ficou reduzido a uma ldquocaricatura em travestirdquo1
Diante desse estado de coisas no final de 1998 surgiu o Movimento Arte Contra a
Barbaacuterie que reuacutene intelectuais artistas e grupos do teatro paulista cuja atuaccedilatildeo resultou na
lei municipal de fomento ao teatro Subvencionadas pelo Estado as companhias paulistas
tiveram a chance de desenvolver projetos comprometidos com a pesquisa da linguagem
teatral apresentando ao puacuteblico espetaacuteculos ligados agrave experiecircncia social brasileira Aleacutem
disso a ocupaccedilatildeo de teatros de vaacuterias regiotildees de Satildeo Paulo por esses grupos mdash fora do
circuito onde domina o teatro comercial mdash e a venda a baixo custo dos ingressos
possibilitaram ao menos em parte o acesso de um puacuteblico mais amplo agraves peccedilas Desse modo
em outubro de 2005 o grupo Teatro de Narradores beneficiado pela lei de fomento levou agrave
cena do Teatro Faacutebrica de Satildeo Paulo sua versatildeo de Casa de boneca que de imediato se
contrapocircs agraves montagens desse texto realizadas no paiacutes
Preocupado em oferecer uma encenaccedilatildeo que unisse o prazer esteacutetico agrave reflexatildeo o
Teatro de Narradores explorou uma das dimensotildees mais agudas e atuais do texto ibseniano o
dinheiro como base de um sistema soacutecio-econocircmico em que se resume Casa de boneca Eacute por
causa dos interesses materiais e atraveacutes dele que se originam e se alimentam todos os
acontecimentos da peccedila desde a prepotecircncia de Torvald sobre Nora o casamento de
conveniecircncia de Cristina Linde para assegurar uma situaccedilatildeo financeira ameaccedilada ateacute o falso
coacutedigo de honra de Torvald que acaba se desfazendo depois que sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na
sociedade se manteacutem assegurada Desse modo o conflito de Nora que em algumas
montagens beirou o existencial foi reduzido em proveito da anaacutelise das relaccedilotildees que
envolviam todos os demais personagens A adaptaccedilatildeo mdash viagem dos Helmer aos Estados
Unidos e Nora fantasiada de Marilyn Monroe por exemplo mdash procurou tornar patente a
superficialidade dos valores da classe meacutedia que se constituiacuteam nas relaccedilotildees fetichistas no
mito da auto-realizaccedilatildeo e na ideacuteia do sucesso como configuraccedilatildeo do sujeito O espaccedilo cecircnico
vazio e branco com apenas um telatildeo no fundo bem como a trilha sonora e a iluminaccedilatildeo
serviu para comentar epicamente a accedilatildeo e esboccedilar o pano de fundo social Nessa perspectiva
o grupo aleacutem de romper com as tradicionais realizaccedilotildees dessa peccedila mdash que entre noacutes
privilegiavam exclusivamente os conflitos individuais das personagens mdash vai na contramatildeo
1 Cf Macksen Luiz ldquoTexto prejudicado pelo elencordquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 25 out 2004 Caderno B p 4
86
do pensamento de que o cunho social de Casa de boneca eacute antiquado e obsoleto refazendo
desse modo o percurso ou pelo menos uma das trilhas principais do teatro brasileiro da
deacutecada de 60
Acompanhando a trajetoacuteria das encenaccedilotildees de Ibsen no Brasil fica claro que elas se
identificaram em sua maior parte com a mentalidade burguesa dominante quer pela mera
representaccedilatildeo pela representaccedilatildeo que natildeo leva em conta nada aleacutem dos aspectos lucrativos
do espetaacuteculo quer pelo investimento maciccedilo no capricho das produccedilotildees que fascinam pela
beleza mas satildeo vazias de conteuacutedo quer pela falta de estudos teoacutericos a respeito do texto a
ser encenado dos quais se encontra muito distante a maioria dos nossos artistas preocupados
tatildeo somente em exibir seus ldquodotesrdquo interpretativos Por essas razotildees o teatro ldquoformalista e
abstrato da forma pela formardquo tatildeo criticado por Antunes Filho na deacutecada de 1970 continua
de algum modo a imperar na cena brasileira com exceccedilotildees claro de alguns artistas seja da
nova ou da velha geraccedilatildeo que se comprometem com a cultura e natildeo com o mercado
87
A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos
Apesar das constantes encenaccedilotildees mdash quase sempre as mesmas Casa de boneca Os
espectros e Hedda Gabler mdash natildeo se pode dizer que Ibsen tenha alcanccedilado popularidade
tampouco despertado grande interesse no Brasil No fim do seacuteculo XIX e comeccedilo do XX
momento de grande efervescecircncia e de muitas polecircmicas acerca de sua obra Artur Azevedo
Oscar Guanabarino Alfredo Pujol entre outros constituiacuteram a primeira frente de resistecircncia
ao teatro do norueguecircs Afeitos agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita esses criacuteticos consideraram
as peccedilas de Ibsen enfadonhas desprovidas de quaisquer qualidades dramaacuteticas obscenas e
degeneradas encorajando o incesto a desestruturaccedilatildeo familiar e o amor livre Por volta dos
anos 1920 Ibsen jaacute considerado um claacutessico da literatura dramaacutetica mundial passou a ser
visto no Brasil como autor de um teatro puramente literaacuterio que visava mais agrave leitura que agrave
representaccedilatildeo Sua obra considerada entatildeo de total ausecircncia de dramaticidade cecircnica e de
temas sombrios e obsoletos merecia figurar nas principais bibliotecas do paiacutes apenas como
um complemento necessaacuterio agrave formaccedilatildeo literaacuteria de nossos artistas Somente a partir de 1940
sob a forte influecircncia da criacutetica de Carpeaux mdash que deslocou o foco dos pressupostos sociais
do dramaturgo dito ultrapassados para a subjetividade das personagens mdash as peccedilas
ibsenianas voltariam a ser discutidas mesmo assim de uma maneira muito tiacutemida Desse
modo num primeiro momento entre 1940 e 1970 ainda sob o influxo das concepccedilotildees de
Carpeaux a obra de Ibsen seria vista como uma versatildeo moderna da trageacutedia grega abordando
o destino individual do heroacutei ibseniano que conhece o infortuacutenio em consequumlecircncia de algum
erro cometido no passado Num segundo momento com a valorizaccedilatildeo cada vez maior do
cunho individual e psicoloacutegico de seu teatro principalmente a partir de 1980 a realidade
interior das personagens seus conflitos e suas anguacutestias viriam a ser os principais aspectos de
interesse tornando-se a psicologia uma das estrateacutegias criacuteticas mais viaacuteveis para se analisar as
peccedilas do autor Enquanto muitos de nossos criacuteticos presos ao simples conteudismo das peccedilas
preocupavam-se em estabelecer o que era velho ou novo no teatro de Ibsen Ruggero Jacobbi
Oduvaldo Viana Filho Anatol Rosenfeld e Luiz Israel Febrot entre outros seguiram caminho
inverso Retomando uma a uma as principais ideacuteias correntes acerca de Ibsen esses
intelectuais procuraram reformulaacute-las com maior amplitude e equiliacutebrio levando em
consideraccedilatildeo a complexidade interna dos textos a natureza social e o papel decisivo da forma
dramaacutetica do autor
88
Ruggero Jacobbi mdash talvez um dos poucos diretores estrangeiros a aderir ao programa
internacional do realismo criacutetico dirigindo peccedilas como Estrada do tabaco em 1947 e A ronda
dos malandros em 1950 ambas no TBC mdash sobressaiu como teoacuterico historiador e criacutetico de
teatro trazendo novas luzes ao pensamento das artes cecircnicas brasileiras Em 1956 Jacobbi
publica seu primeiro livro no Brasil A expressatildeo dramaacutetica onde apresenta as linhas evolutivas
da dramaturgia partindo da Greacutecia passando por Goldoni Schiller e Ibsen ateacute chegar aos
perfis de personalidades teatrais como Moacutelnar Verneuil Renato Simoni Baty e Claudel O
escritor procede por siacutentese raramente demora-se na anaacutelise minuciosa da composiccedilatildeo de uma
peccedila Antes distingue em traccedilos breves e incisivos a fisionomia de um autor e seu momento
histoacuterico Em ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo Jacobbi enfatizou a importacircncia do dramaturgo na histoacuteria
do teatro mundial apresentando as questotildees esteacuteticas pontuais de sua obra que definiriam
novos rumos para a configuraccedilatildeo da dramaturgia moderna Nesse percurso sem perder de vista
os principais conceitos brasileiros sobre a obra de Ibsen o criacutetico procurou mostrar que o
dramaturgo embora introduzisse em suas peccedilas elementos liacutericos e simboacutelicos para ressaltar as
contradiccedilotildees internas das personagens fez tudo como ningueacutem antes dele para alargar os
limites do individualismo Em Casa de boneca por exemplo a libertaccedilatildeo individual e
psicoloacutegica de Nora natildeo constituiacutea o cerne da peccedila pois ainda segundo Jacobbi Ibsen tinha
exigecircncias maiores como ldquoinvestigar agressivamente a substacircncia praacutetica de certas situaccedilotildees da
sociedaderdquo1 Os conflitos das personagens ibsenianas portanto extrapolavam a esfera
individualista uma vez que estavam carregados de uma historicidade que natildeo se desfizera com
o tempo Para Jacobbi nenhum dos problemas que o autor colocara diante e dentro dos homens
perdera a atualidade Os malogros dos indiviacuteduos e os fracassos das ideologias continuavam a
caracterizar o nosso mundo em cujo limiar esteve e estaacute Ibsen Por isso natildeo lhe interessou
dissecar o trabalho do autor com o uacutenico fim de instituir agrave moda de Croce na Itaacutelia e Carpeaux
no Brasil o que era vivo ou morto em sua obra Preferiu ater-se agrave forma das peccedilas que ele
denominou de dramas de problemas por apresentar uma estrutura dialeacutetica que abria dentro de
cada assunto uma problemaacutetica infinita Aleacutem disso ele apontou a imprecisatildeo de nossa criacutetica
em aproximar a obra de Ibsen da trageacutedia grega sobretudo no que dizia respeito a noccedilatildeo de
destino e fatalidade ldquoA estrutura dialeacutetica estaacute sempre presente e potildee em evidecircncia todos os
lados do problema Em Ibsen como em Shakespeare todos tecircm razatildeo cada um eacute
infalivelmente o que eacute em toda a sua complexidade tanto que agraves vezes temos uma suspeita de
1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 49
89
determinismo a qual teria fundamento se Ibsen natildeo tivesse uma confianccedila imensa nas
possibilidades do indiviacuteduo e natildeo exigisse dele muito ateacute demaisrdquo1
Agrave trageacutedia estaacute inerente um pano de fundo miacutetico bem como uma visatildeo que projeta os
conflitos humanos para uma dimensatildeo metafiacutesica Seus temas satildeo os conflitos inexoraacuteveis
eternos sem saiacuteda A isso se associa indissoluvelmente a sua organizaccedilatildeo o gesto grandioso
o tom solene a tendecircncia ao verso etc As peccedilas de Ibsen com seu realismo domeacutestico abalam
profundamente tal estrutura na medida em que ele trabalha com a prosa coloquial as
concepccedilotildees socioloacutegicas as relaccedilotildees financeiras que de maneira nenhuma se ajustam aos
alexandrinos e aos cinco atos da trageacutedia claacutessica Aleacutem disso as personagens ibsenianas
estatildeo condicionadas ao peso da histoacuteria seus conflitos satildeo ldquoresultados da pressatildeo do mundo
exterior ou mais exatamente do subsolo da realidade que se determina como existente isto
eacute da Histoacuteriardquo2 Um mundo absolutamente mediado a responsabilidade sendo de todos e de
ningueacutem jaacute natildeo comporta a grandeza do heroacutei traacutegico que sozinho define o destino de um
povo e assume toda a culpa integralmente Em Ibsen os protagonistas quase sempre natildeo
encontram a saiacuteda do dilema em que se debatem mas o dramaturgo sugere que a soluccedilatildeo
existe mormente no combate agrave hipocrisia da sociedade E eacute essa confianccedila na superaccedilatildeo da
crise que marca a impossibilidade da trageacutedia Descartada portanto a aproximaccedilatildeo das peccedilas
de Ibsen da trageacutedia Jacobbi conclui que a grande renovaccedilatildeo do teatro ibseniano aconteceu
no acircmbito da teacutecnica dramatuacutergica ldquoIbsen natildeo teve medo de escrever trecircs ou quatro atos de
tamanho normal ou de pocircr em cena dois criados conversando Sabia muito bem que o
problema era eacute outro que o que se havia perdido era o sentido concreto da personagem
dramaacuteticardquo3
Na deacutecada de 1960 assistiremos ao debate da intelectualidade de esquerda e do setor
teatral reclamando um espaccedilo para as encenaccedilotildees empenhadas na discussatildeo da realidade
brasileira Nessas circunstacircncias as peccedilas de Ibsen consideradas obsoletas e ultrapassadas
passam por uma importante reavaliaccedilatildeo criacutetica Vianinha uma das figuras mais expressivas
do teatro de agitaccedilatildeo e propaganda criacutetico ferrenho do ldquoesteticismordquo do TBC e de seu
descomprometimento com a dramaturgia nacional foi possivelmente o primeiro intelectual
brasileiro a questionar o modo como Ibsen vinha sendo encenado no Brasil Procurando
acompanhar as grandes mudanccedilas histoacuterico-sociais que repercutiam diretamente na esteacutetica
1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 52 2 Ruggero Jacobbi ldquoIbsen atualrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 31 jan 1959 Suplemento literaacuterio n 118 p 5 3 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica p 58
90
teatral Vianinha apontava na obra de Ibsen a gecircnese de uma dramaturgia voltada para a
participaccedilatildeo do indiviacuteduo como agente diante das adversidades poliacutetica e social As
personagens ibsenianas desse modo longe de resignar-se aos desiacutegnios de justiccedila e verdade
que jaacute natildeo eram estaacuteveis e absolutos como na trageacutedia claacutessica debatiam-se entre seus anseios
e a sua consciecircncia eacutetica em meio aos valores estabelecidos pela sociedade Determinada a
viga mestra do teatro de Ibsen Vianinha criticava as montagens brasileiras de suas peccedilas cuja
preocupaccedilatildeo era apenas com o destino individual das personagens natildeo ultrapassando a
aparecircncia esteticista de um teatro que se desfazia em luzes cenaacuterio gestos e inflexotildees
Vianinha apontava ainda o disparate da burguesia nacional que era ldquoincapazrdquo de distinguir
nos produtos culturais que importava ldquooposiccedilatildeo e lutardquo Para Vianinha Ibsen e Pirandello
por exemplo pouco diziam pouco contribuiacuteam para a organizaccedilatildeo cultural da classe
dirigente que assistia aos dois autores sem notar diferenccedila alguma entre eles diferenccedilas que
modificariam ainda segundo ele os criteacuterios de comportamento do puacuteblico Nessa mesma
perspectiva Vianinha criticava a encenaccedilatildeo de Ibsen por Ziembinski ldquoNatildeo interessa mais o
que diz Ibsen nem transmitir Ibsen com toda a sua eficaacutecia Natildeo O puacuteblico natildeo precisa
modificaccedilatildeo Ziembinski volta para traacutes Quando chegou aqui tratava-se de dizer Ibsen
Agora trata-se de montar um belo espetaacuteculo Natildeo haacute mais ressonacircncia humana no
espetaacuteculo O teatro natildeo tem mais funccedilatildeo culturalrdquo1
Ainda na esteira das mudanccedilas essenciais da dramaturgia de Ibsen Anatol Rosenfeld
publica em 1965 O teatro eacutepico livro de valor inestimaacutevel para o ensaiacutesmo teatral brasileiro
sobretudo pela importacircncia de se esclarecer os conceitos e as teorias de Brecht num momento
em que se radicalizavam as propostas dos diversos movimentos de cultura popular do paiacutes Ao
relatar o processo histoacuterico desencadeado pela crise da forma dramaacutetica que culminaria anos
mais tarde com o aparecimento do teatro eacutepico de Brecht Rosenfeld apontou a dimensatildeo
eacutepica da obra de Ibsen que escapava agraves leituras entatildeo em voga Desse modo ele contribuiu
enormemente para se desfazer os impasses de nossa criacutetica que ora via Ibsen como um
grande ldquotraacutegico modernordquo ora como autor de ldquoromances dialogadosrdquo Primeiramente
Rosenfeld tratou de explicar que a obra ibseniana embora restringida agrave dramaturgia
tradicional jaacute anunciava pela temaacutetica o advento do teatro eacutepico Em linhas gerais o criacutetico
destacou a estrutura rigorosa das peccedilas mdash exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e desenlace mdash sem
deixar de apontar para o elemento que subvertia a dramaacutetica pura o tempo passado Ele
alertou que a accedilatildeo decisiva em Ibsen natildeo se desenrolava na atualidade mas no passado Nesse
1 Oduvaldo Viana Filho ldquoQuatro instantes do teatro no Brasilrdquo In Fernando Peixoto (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983 p 48
91
ponto o teatro do escritor norueguecircs divergia da forma ldquoorgacircnicardquo do teatro aristoteacutelico uma
vez que o enredo deixava de narrar uma accedilatildeo conclusa As peccedilas definiam muito mais uma
conjuntura do que um desenvolvimento destinado a desenredar a trama Portanto as
recordaccedilotildees do passado mdash tema essencialmente eacutepico mdash dispersas no desenho das peccedilas
ibsenianas eacute que colaboraram para a dissoluccedilatildeo do drama E nisso estava a maestria da arte
de Ibsen que conseguia ldquoencobrir o tema eacutepico pela estrutura dramaacutetica atraveacutes de uma accedilatildeo
acessoacuteria que se desenvolve na breve atualidade de um ou dois diasrdquo1 Em seguida Rosenfeld
explicou as diferenccedilas entre Eacutedipo Rei de Soacutefocles e Os espectros de Ibsen tentando acabar
com o equiacutevoco da criacutetica sobretudo a de Carpeaux que costumava associar a obra ibseniana
agrave trageacutedia claacutessica Rosenfeld mostrou que as duas peccedilas foram construiacutedas rigorosamente
dentro do padratildeo da teacutecnica analiacutetica Em ambas a exposiccedilatildeo (a revelaccedilatildeo do passado)
constituiacutea quase toda a accedilatildeo da trama No entanto em Soacutefocles as revelaccedilotildees eram objetivas
ou seja o mito era conhecido do puacuteblico e o passado de Eacutedipo era revelado somente a ele
proacuteprio que desconhecia os seus crimes A personagem entatildeo era surpreendida pela
revelaccedilatildeo da verdade que natildeo ficava confinada no passado mas era atualizada Portanto o
tema de Eacutedipo natildeo era o tempo passado mas o destino terriacutevel do heroacutei que era o assassino do
pai o marido da matildee e o irmatildeo dos seus filhos Em Ibsen acontecia exatamente o contraacuterio A
accedilatildeo atual de Os espectros nada mais era que a ocasiatildeo de desvendar aos espectadores o
passado de Helena Alving o matrimocircnio infeliz mantido agrave custa das convenccedilotildees sociais As
revelaccedilotildees de Helena eram subjetivas na medida que suas confidecircncias eram feitas apenas ao
Pastor Manders E era por meio dele que o puacuteblico ficava sabendo os segredos da
protagonista Helena natildeo sofria o choque da descoberta da verdade uma vez que ela mesma
forjara o seu destino Assim o passado natildeo chegava a ser atualizado ele mesmo tornava-se o
assunto da peccedila por meio da exposiccedilatildeo de vidas malogradas Enquanto a mateacuteria de Soacutefocles
era dramaacutetica e traacutegica porque seu heroacutei resignava-se agraves deliberaccedilotildees dos deuses e oferecia ao
puacuteblico em seu sacrifiacutecio o efeito cataacutertico a de Ibsen era eacutepica porque estava delimitada ao
passado e agrave memoacuteria das personagens (esfera subjetiva)
Depois de estabelecido o problema formal da dramaturgia de Ibsen por Rosenfeld e
sob o impulso das primeiras montagens profissionais de suas peccedilas mdash que absurdamente soacute
ocorreram nos anos de 1960 mdash a obra ibseniana deixaria as prateleiras poeirentas das
bibliotecas para ser discutida nos principais perioacutedicos de cultura do paiacutes como o Suplemento
Literaacuterio drsquoO Estado de S Paulo o Caderno B do Jornal do Brasil a Revista de Teatro da
1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 85
92
SBAT etc Seguindo de perto as indicaccedilotildees de Rosenfeld Luiz Israel Febrot criacutetico de teatro e
cinema publica entre 1966 e 1968 quatro ensaios no Suplemento Literaacuterio drsquoO Estado de S
Paulo mdash ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo ldquoHedda Gablerrdquo ldquoIbsen Atual - Irdquo e ldquoOs espectros satildeo
as velhas ideacuteiasrdquo mdash procurando analisar o tema baacutesico do teatro de Ibsen ou seja o passado
evocado atraveacutes do diaacutelogo das personagens Deixava-se de lado a preocupaccedilatildeo de ver em
Ibsen o modelo da carpintaria de efeito do teatro claacutessico passando-se agrave tentativa de
compreender os valores do passado que as peccedilas reconstituiacuteam e criticavam Para Febrot a
declaraccedilatildeo de que os temas do dramaturgo eram ultrapassados servia apenas como um
pretexto para se evitar a discussatildeo de problemas que desagradavam as ldquoplateacuteias bem
pensantesrdquo como a opressatildeo social a luta de classes a corrupccedilatildeo o preconceito as relaccedilotildees
espuacuterias mantidas por interesse etc Assim em seu ensaio sobre Um inimigo do povo ele
apontou a base sobre a qual se assentava a trama da peccedila a especulaccedilatildeo mercantil situaccedilatildeo
tiacutepica da sociedade de livre concorrecircncia A contaminaccedilatildeo das aacuteguas do balneaacuterio da cidade
do Dr Stockmann foi causada pela cobiccedila dos proprietaacuterios que exigiram que os
encanamentos passassem sob seus terrenos para assim receberem indenizaccedilotildees Os industriais
por sua vez natildeo desejavam gastar dinheiro tratando das aacuteguas que saiacuteam de suas faacutebricas
preferindo jogaacute-las diretamente no rio Portanto o maior inimigo da liberdade e da verdade
era segundo o criacutetico o dinheiro e os interesses por ele criados1
No ensaio sobre ldquoHedda Gablerrdquo Febrot discutiu o lugar-comum da criacutetica em ver na
personagem-tiacutetulo uma neurastecircnica dama do fim do seacuteculo XIX uma enfastiada da vida Ele
assinalou que para essa concepccedilatildeo muito contribuiacuteram a performance cheia de pompa de
atrizes mdash como Eleonora Duse mdash que se preocupavam com a interiorizaccedilatildeo da personagem
ressaltando-lhe as crises de histeria ofuscando assim a mensagem da peccedila Para furtar-se agrave
leitura psicoloacutegica de Hedda Gabler o criacutetico recorreu agrave coerecircncia de temas e propoacutesitos do
teatro do norueguecircs Ibsen compreendera que os princiacutepios de igualdade fraternidade e
liberdade propagados pela Revoluccedilatildeo Francesa beneficiavam apenas uma pequena parcela
da sociedade Em toda a sua obra o dramaturgo procurou mostrar a contradiccedilatildeo que existia
entre os ideais que a sociedade burguesa proclamava e o que realmente acontecia com os
homens Nesse sentido ver Hedda apenas como uma histeacuterica era diminuir o alcance da peccedila
era dizer apenas a metade e precisamente a mais visiacutevel e portanto a menos importante A
outra metade que se devia levar em consideraccedilatildeo ainda segundo Febrot era que a
personagem encarnava as caracteriacutesticas e os preconceitos burgueses Hedda era
1 Cf Luiz Israel Febrot ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 10 set 1966 Suplemento Literaacuterio n 494 p 5
93
convencional casou-se com Tesman para manter seu conforto material e sua posiccedilatildeo na
sociedade relacionava-se apenas com as pessoas de seu niacutevel social rejeitava a ligaccedilatildeo
amorosa com o juiz Brack natildeo por pudor ou princiacutepio mas por medo do escacircndalo E foi
justamente o pavor do escacircndalo que a levou ao suiciacutedio Para Febrot Hedda como
individualidade psicoloacutegica com determinados conceitos e preconceitos simbolizava uma
categoria social Desse modo as accedilotildees da personagem interessavam menos ldquoagraves revistas
meacutedicas do que aos estudos de sociologia poliacutetica e histoacuteriardquo1
Apesar dessas contribuiccedilotildees a maior parte de nossa criacutetica teatral mais do que nunca
submetida agrave mercantilizaccedilatildeo da cultura continuou a reproduzir as velhas concepccedilotildees sobre o
dramaturgo Detendo-se apenas na superficialidade dos textos sem interesse algum de se
analisar as relaccedilotildees histoacutericas e sociais das peccedilas geralmente relegadas ao campo dos
conteuacutedos nossos criacuteticos continuaram a ver Ibsen como um autor ultrapassado Mariacircngela
Alves de Lima por exemplo a propoacutesito da montagem de Casa de boneca pela companhia
de Tocircnia Carrero na deacutecada de 1970 declarava que o texto de Ibsen servia muito mais como
um documento da histoacuteria do teatro do que como uma forccedila atuante no presente ldquoSem
duacutevida o direito de se afirmar aleacutem dos limites de um papel social eacute uma aspiraccedilatildeo humana
permanente Entretanto a situaccedilatildeo especiacutefica que o texto de Ibsen coloca tem no seacuteculo XX
um reduzido poder de contestaccedilatildeordquo2 Aqueles que procuravam afirmar a atualidade do
dramaturgo enfatizavam os conflitos individuais das personagens sem levar em conta os
mecanismos de opressatildeo da sociedade burguesa que efetivamente era o que Ibsen pretendia
criticar Para Deacutecio Drummond a liberdade individual de Nora que estava ldquoacima e aleacutem de
qualquer circunstacircncia socialrdquo era o fator maior da perene atualidade de Ibsen3 Seguindo
essa mesma loacutegica Mariacircngela Alves de Lima depois de negar a modernidade do dramaturgo
em 1973 voltou atraacutes afirmando ser a cena final de Casa de boneca um ldquosiacutembolo de todos os
sonhos de liberdade individual aleacutem das malhas restritivas dos papeacuteis sociais determinadosrdquo4
A partir do final da deacutecada de 1970 a leitura de orientaccedilatildeo biograacutefica tornou-se uma
constante sendo apropriada tanto pelos nossos criacuteticos como pelos nossos artistas que
reproduziam fielmente nos comentaacuterios e nos programas de espetaacuteculo os estudos de Robert
Brustein mestre dessa vertente Adones de Oliveira jornalista drsquoO Estado de S Paulo por
1 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5 2 Mariacircngela Alves de Lima ldquoIbsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 9 set 1973 3 Cf Deacutecio Drummond ldquoO gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humanordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 7 out 1973 Suplemento Literaacuterio n 845 p 5 4 Mariacircngela Alves de Lima ldquoEncenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsenrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 23 maio 1976
94
exemplo seguindo agrave risca as indicaccedilotildees de Brustein declarava ser o teatro de Ibsen resultado
de sua ldquovida interior e de seu ideal revolucionaacuteriordquo1 Como o criacutetico norte-americano ele
tambeacutem considerava as personagens ibsenianas como auto-retratos do dramaturgo Desse
modo o biografismo aleacutem de empobrecer o texto de Ibsen e de neutralizar o fluxo de
significados de suas peccedilas encobria as experiecircncias formais e os aspectos sociais presentes
em seu teatro Ao mesmo tempo o questionamento da histoacuteria dos valores burgueses da
hipocrisia social tatildeo buscados pelo dramaturgo passavam a ser vistos noutro plano como
relaccedilatildeo psicoloacutegica de Ibsen com sua obra ressaltando-se mais uma vez o cunho meramente
individualista de seu teatro Aliaacutes os meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura sobretudo dos anos
1980 em diante comeccedilaram a ser cada vez mais aplicados agrave criacutetica das peccedilas ibsenianas
Utilizados sem muita cautela esses criteacuterios reduziram muitas vezes a riqueza do enredo das
personagens das situaccedilotildees dos planos externo e interno da obra por tomaacute-la apenas como
material para se diagnosticar as neuroses do autor e de suas personagens
Deacutecio de Almeida Prado ao analisar Hedda Gabler procurou explicar como Ibsen
deixando de lado a loacutegica da peccedila bem-feita que admitia o pressuposto do homem
inteiramente explicaacutevel criou personagens que natildeo podiam mais ser enquadradas dentro de
uma soacute perspectiva caso de Hedda Assim em ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo o criacutetico comeccedilou a
mostrar como a partir de Casa de boneca o autor abrira brechas na dramaturgia rigorosa ao
tratar de temas como o feminismo e a liberdade da mulher No caso de Hedda Gabler o
criacutetico alertou que a soluccedilatildeo dramaacutetica era mais avanccedilada Ibsen conservara intacto o rigor do
teatro aristoteacutelico a condensaccedilatildeo no tempo e no espaccedilo a subordinaccedilatildeo das partes ao todo o
enredo girando em torno de um uacutenico eixo etc mas retirara da peccedila a comunicaccedilatildeo com o
puacuteblico a anaacutelise dos fatos e das personagens seja atraveacutes do confronto entre os indiviacuteduos
seja por meio de um comentador arguto Desse modo ainda segundo o criacutetico Ibsen passava
do que se sabia sobre o indiviacuteduo ldquopara o que natildeo se consegue senatildeo conjeturar abrindo
caminho para a exploraccedilatildeo do irracional do inconsciente ou seja das camadas mais
profundas da personalidaderdquo2 Por isso a resposta agrave pergunta ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo soacute
poderia ser dada pelo acircngulo psicoloacutegico que apresentava segundo Deacutecio de Almeida Prado
um fato incontestaacutevel ldquoa personagem era destrutiva e autodestrutivardquo Somente a partir daiacute
outras hipoacuteteses poderiam ser levantadas desde que se conciliassem as diversas facetas de seu
temperamento De fato as peccedilas de Ibsen tratam de vidas malogradas Os indiviacuteduos por meio
1 Adones de Oliveira ldquoIbsen o pai do teatro de hoje faz 150 anosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 19 mar 1978 2 Deacutecio de Almeida Prado ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 1 maio 1983 Caderno Cultura p 5
95
das recordaccedilotildees do passado encerram-se nas suas proacuteprias subjetividades isolam-se e
interrompem a situaccedilatildeo dialoacutegica Rosenfeld arriscou dizer que no dramaturgo jaacute ldquose
encontram os germes de um processo que iria pocircr em questatildeo a possibilidade do diaacutelogo inter-
humanordquo1 Natildeo haacute como negar que as personagens ibsenianas satildeo complexas natildeo
apresentando portanto contornos firmes e niacutetidos como na dramaturgia convencional No
entanto para natildeo se correr o risco de empobrecer a visatildeo da singularidade do teatro de Ibsen
haacute que se levar em consideraccedilatildeo a estrutura esteacutetica das peccedilas e tentar enxergar aleacutem do
conflito individual das personagens procurando analisar o contexto exterior e os impasses que
as oprimem Nesse sentido vale lembrar a primorosa anaacutelise de Febrot dessa mesma Hedda
Gabler Sem desconsiderar a realidade interior da personagem-tiacutetulo ele indicou um
importante aspecto da peccedila que talvez passasse desapercebido aos adeptos da psicanaacutelise
Hedda encarna os preconceitos e as ideacuteias do individualismo burguecircs eacute o ldquocaacutelculo que leva ao
carreirismo eacute o desejo de conforto antes e acima de tudo eacute a ambiccedilatildeo vatilde de prestiacutegio social eacute
o egoiacutesmo frio que esquece os demais inclusive famiacutelia e amigos Eacute a proacutepria inutilidade
socialrdquo2
As indicaccedilotildees de Deacutecio de Almeida Prado sobre o caraacuteter psicoloacutegico do teatro de
Ibsen tomadas sem as devidas precauccedilotildees mdash sugeridas aliaacutes pelo proacuteprio criacutetico mdash e os
estudos do psicanalista Wilhelm Reich entatildeo em voga contribuiriam para que se afigurasse
no centro das discussotildees de Ibsen apenas os conflitos existenciais de suas personagens
destituiacutedos de qualquer conjuntura maior seja esteacutetica ou social Essa situaccedilatildeo que de algum
modo perdura ateacute hoje corrobora equivocadamente o individualismo como o elemento
predominante da atualidade do dramaturgo deixando de lado as implicaccedilotildees materialistas e
desabusadas de sua obra que diga-se de passagem nunca perderam seu vigor Como
considerar ultrapassada a criacutetica do dramaturgo a um mundo comandado por lucro trabalho e
competiccedilatildeo Certamente os valores burgueses associados ao seu teatro e consolidados desde
a deacutecada de 1940 mdash prestiacutegio do vieacutes psicoloacutegico e refutaccedilatildeo da praacutetica poliacutetica e social de
suas peccedilas mdash ratificam esse estado de coisas Tanto eacute assim que ao se falar de Ibsen nossos
criacuteticos continuam reproduzindo os velhos chavotildees ora polemizam sobre a modernidade de
seus temas ora comparam a estrutura de suas peccedilas ao rigor do teatro claacutessico e ora
reafirmam a densidade psicoloacutegica de suas personagens Nessa perspectiva a recente
publicaccedilatildeo do livro de Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade fora o meacuterito
1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 88 2 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5
96
de se tratar do primeiro trabalho de focirclego sobre o dramaturgo no Brasil pouco trouxe de
novo para a reavaliaccedilatildeo de sua obra Haja vista que a autora procura mostrar ao longo de todo
o volume como as peccedilas de Ibsen foram contaminando-se de elementos abstratos e
subjetivos a ponto de abarcar ainda segundo Menezes ldquoo descontiacutenuo e contingente o
ambiacuteguo e o escorregadiordquo1 Depois de evidenciar nessa trajetoacuteria a ruptura do teatro de
Ibsen com os padrotildees dramaturgia convencional a autora passa a analisar o que ela denomina
de ldquoo novo sujeito da obra de Ibsenrdquo Apoiada nas teorias de Freud Tereza Menezes procura
trabalhar as principais caracteriacutesticas das personagens ibsenianas que seriam segundo ela os
limites da consciecircncia as irrupccedilotildees da irracionalidade a questatildeo da identidade as
possibilidades de elaboraccedilatildeo interior e os sujeitos precaacuterios Evidentemente que por ser o
recorte psicoloacutegico o enfoque de seu trabalho Menezes absteacutem-se de tratar do fator social da
obra ibseniana Entretanto a forma social do mundo se antepotildee aos propoacutesitos subjetivos das
personagens Justamente a configuraccedilatildeo social mdash engrenagem objetiva do teatro de Ibsen mdash
funcionando atraacutes das costas das personagens que definem suas intenccedilotildees e seus desejos mais
iacutentimos Portanto a tendecircncia de se interpretar e valorizar a obra ibseniana sem os devidos
cuidados em termos biograacuteficos e psicanaliacuteticos produz muitas vezes resultados
problemaacuteticos por ressaltar de maneira unilateral ou mesmo exclusiva aspectos pouco
relevantes para a compreensatildeo da validade esteacutetica de Ibsen
Por sua vez a criacutetica teatral de jornal limitada nos dias de hoje ao papel de
publicitaacuteria da cultura restringe sua tarefa mais agrave instacircncia de divulgaccedilatildeo dos espetaacuteculos do
que agrave funccedilatildeo analiacutetica No caso de Ibsen uma parte por causa do desinteresse de sua obra e
outra por causa da falta de bibliografia de apoio no nosso paiacutes os criacuteticos acabam
reproduzindo as ideacuteias mais do que conhecidas de autores como Carpeaux Brustein etc Mas
eacute claro que esses argumentos natildeo satildeo suficientemente vaacutelidos para se entender porque
privilegiam tais autores e descartam outros como Rosenfeld Vianinha e Febrot que tatildeo
lucidamente analisaram as peccedilas de Ibsen Essa questatildeo pode ser melhor compreendida se
levadas em conta as exigecircncias do mercado cultural que natildeo se interessa como dizia
Vianinha em ldquotransmitir Ibsen com toda a sua eficaacuteciardquo Os cadernos culturais dessa forma
ficam praticamente a reboque da conveniecircncia dos empresaacuterios de show business e dos
grandes patrocinadores dos espetaacuteculos tornando-se irrelevante discutir a peccedila que seraacute
encenada mas tatildeo somente informar o dia de estreacuteia o custo da montagem os aparatos
cecircnicos etc Assim a nossa criacutetica submetida agrave loacutegica do mercado acaba retornando agrave velha
1 Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006 p 134
97
estruturaccedilatildeo dos artigos do final do seacuteculo XIX uma biografia breve do dramaturgo o resumo
da peccedila a descriccedilatildeo dos cenaacuterios e figurinos e a anaacutelise do desempenho dos atores
Nessas condiccedilotildees natildeo eacute de se admirar que a obra de Ibsen tenha sido ateacute hoje
traduzida apenas parcialmente para nossa liacutengua As primeiras traduccedilotildees de suas peccedilas soacute
apareceram na deacutecada de 1940 restringindo-se ao leque dos textos mais conhecidos o que
resultou no famigerado livro Seis dramas Apesar dos problemas gerados pela traduccedilatildeo
intermediaacuteria do francecircs esse volume continua sendo a principal fonte de consulta sobre o
dramaturgo Versotildees diretas do original norueguecircs apareceram somente nos anos 1990 com
as publicaccedilotildees ineacuteditas de O pequeno Eyolf e John Gabriel Borkman feitas por Karl Erik
Schoslashllhammer Entretanto essas peccedilas jaacute natildeo satildeo mais reeditadas o que ratifica de certo
modo a falta de interesse por Ibsen em nosso paiacutes Essa situaccedilatildeo estende-se como natildeo
poderia deixar de ser agrave sua fortuna criacutetica Estamos literalmente agrave margem das mais
interessantes contribuiccedilotildees estrangeiras sobre o autor Basta dizer que no exterior seu teatro
continua vivo e atuante seja pela encenaccedilatildeo contiacutenua de suas peccedilas pela fundaccedilatildeo de
institutos como Centre for Ibsen Studies na Noruega e The Ibsen Society of America nos
Estados Unidos que promovem conferecircncias seminaacuterios e cursos sobre o autor ou ainda pela
ediccedilatildeo de perioacutedicos especializados como os noruegueses Ibsen Studies e The Contemporany
Approaches to Ibsen e o norte-americano Ibsen News and Comment que jaacute reuniram uma
boa coletacircnea de pesquisas atuais sobre sua obra No Brasil no entanto Ibsen continua
beirando o esquecimento Mesmo na academia seu teatro parece natildeo ser digno de atenccedilatildeo
haja vista que soacute recentemente em 2000 sua obra foi tema de uma dissertaccedilatildeo a de Tereza
Menezes que resultou no livro mencionado anteriormente Ibsen e o novo sujeito da
modernidade
Nessa conjuntura cabe destacar a traduccedilatildeo em 2002 de duas obras que trazem
importantes reflexotildees sobre o dramaturgo Trageacutedia moderna de Raymond Williams
publicado pela editora Cosac amp Naify de Satildeo Paulo e Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e
Chekhov de Stella Adler editado pela Bertrand Brasil do Rio de Janeiro Em linhas gerais o
professor e criacutetico inglecircs Raymond Williams atraveacutes do retrospecto da histoacuteria das ideacuteias e
das representaccedilotildees acerca da proacutepria noccedilatildeo de trageacutedia procura avaliar como se constitui a
experiecircncia traacutegica em autores modernos como Ibsen Arthur Miller Strindberg OrsquoNeill
Tcheacutekhov Beckett e outros No caso do dramaturgo norueguecircs ele aponta uma nova
definiccedilatildeo de trageacutedia a ldquotrageacutedia liberalrdquo que surge a partir da consolidaccedilatildeo do capitalismo
transformando posiccedilatildeo social em distinccedilatildeo de classe ldquoposiccedilatildeo implicava ordem e conexatildeo
98
classe era apenas uma separaccedilatildeo no acircmbito de uma sociedade informe e indeterminadardquo1 Sob
essa perspectiva Williams aponta como numa forma e contexto novos Ibsen criou suas
peccedilas introduzindo a preocupaccedilatildeo burguesa com o dinheiro a intensidade romacircntica de
alienaccedilatildeo o desejo pervertido o reconhecimento social de instituiccedilotildees inertes e de crenccedilas
limitadoras Mergulhadas nesse ambiente as personagens de Ibsen ganharam a feiccedilatildeo de um
novo tipo de heroacutei Diferentemente do heroacutei da trageacutedia claacutessica para quem bastava a nobreza
de sofrimento as personagens ibsenianas requeriam a auto-realizaccedilatildeo e a liberdade num
mundo falso e hipoacutecrita este o verdadeiro inimigo do homem Portanto segundo Raymond
Williams a essecircncia da obra de Ibsen natildeo estaacute na ldquolibertaccedilatildeo individualistardquo de suas
personagens mas na exploraccedilatildeo dos modos pelos quais a sociedade burguesa apresenta os
obstaacuteculos para se realizar essa aspiraccedilatildeo Por sua vez o livro Stella Adler sobre Ibsen
Strindberg e Chekhov traz as transcriccedilotildees de aulas e palestras de uma das mais eminentes
atrizes do Group Theatre sobre esses trecircs dramaturgos modernos Stella Adler procura
apresentar Ibsen como o precursor do realismo no teatro que se posicionara contra as
hipocrisias da classe meacutedia Eacute assim que ela aponta os temas mais frequumlentemente trabalhados
pelo dramaturgo moral dinheiro casamento verdades e mentiras Nesse percurso Adler
procura definir o objetivo de Ibsen que segundo ela natildeo era lidar com os problemas pessoais
e privados de suas personagens mas ldquoretratar os estados de espiacuterito e os destinos de um ser
humano condicionados por situaccedilotildees sociais importantesrdquo2
Ibsen cria de maneira recorrente e com uma extraordinaacuteria riqueza de detalhes
situaccedilotildees que possibilitam uma relaccedilatildeo analiacutetica com a realidade ora pela compreensatildeo que a
personagem tem de ldquosi mesmardquo e do seu mundo ora pela criacutetica e ataque agrave sociedade Eacute desse
confronto de caracteriacutesticas muitas vezes tidas como excludentes entre si que parece nascer a
praacutetica comum de nossa criacutetica de tentar reduzir sua obra ora ao elemento social ora ao
aspecto romacircntico ou existencialista O ponto paciacutefico eacute que a mateacuteria do teatro de Ibsen eacute
constituiacuteda de lembranccedilas de um passado irremediavelmente perdido Difiacutecil eacute perceber quais
satildeo os instrumentos adequados para lidar com ela eacute entender por que as personagens do
dramaturgo natildeo satildeo heroacuteis nem vilotildees eacute compreender por que os valores do passado satildeo
examinados criticamente Algumas respostas jaacute foram dadas por criacuteticos como Alcacircntara
Machado Rosenfeld Vianinha e Febrot Em Ibsen os conflitos o teacutedio profundo e a crise das
personagens natildeo satildeo puras abstraccedilotildees e sim o resultado da opressatildeo de classe das relaccedilotildees de
1 Raymond Williams ldquoDe heroacutei a viacutetima a feitura da trageacutedia liberal para Ibsen e Millerrdquo Traduccedilatildeo de Betina Bischof Trageacutedia moderna Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002 p 127 2 Stella Adler ldquoHenrik Ibsenrdquo Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e Chekhov Traduccedilatildeo de Socircnia Coutinho Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2002 p 76
99
conveniecircncia dos interesses gerados pelo dinheiro etc Portanto uma montagem ou uma
criacutetica que natildeo levem em conta esses aspectos privilegiando-se apenas o tratamento do
indiviacuteduo em seu psicologismo puro ou a defesa de uma tese torna-se problemaacutetica e
insatisfatoacuteria Haacute que se analisar o vazio e o fastio das personagens mas eacute preciso reconhecer
que esses fatores satildeo frutos da engrenagem anocircnima dos poderes sociais A questatildeo social em
Ibsen como bem jaacute demonstraram Rosenfeld Vianinha Raymond Williams e alguns outros
natildeo fornece apenas a mateacuteria que serve de veiacuteculo para conduzir sua corrente criadora ela
proacutepria eacute o elemento que atua na constituiccedilatildeo do que haacute de essencial em seu teatro
R E F E R Ecirc N C I A S B I B L I O G R Aacute F I C A S
101
TRADUCcedilOtildeES DA OBRA DO AUTOR
TEATRO COMPLETO
IBSEN Henrik Drammi Presentazione di Arturo Farinelli Versione a cura di C Giannini e N Zoja 2 v Cernusco sul Naviglio Milano Garzanti 1946 (Il Milione Grandi Scrittori Stranieri)
______ Henrik Ibsen Saumlmtliche Werke Herausgegeben von Julius Elias und Paul Schlenther 5 v Berlin S Ficher Verlag [19--]
______ Teatro completo Tradution y notas de Else Wasteson Revision y proacutelogo de M Winaerts e Germaacuten Goacutemez de la Mata Madrid Aguilar 1959
______ The collected works of Henrik Ibsen Translated by William Archer 13 v New York Scribnerrsquos sons 1911-1914
______ The Oxford Ibsen Translated and edited by James Walter McFarlane 8 v London Oxford University 1960-1977
POESIA
IBSEN Henrik Ibsenrsquos poems Translated by John Northam Oslo Norwegian University Press 1986
______ Poems by Henrik Ibsen Translated by Brian Sourbut [New York] York Settlement Trust 1993
______ The collected poems of Henrik Ibsen Translated by John Northam Disponiacutevel em lthttpwwwibsennetid=26645gt Acesso em 20 jan 2007
CORRESPONDEcircNCIA
IBSEN Henrik Ibsen letters and speeches Edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964
______ Letters of Henrik Ibsen Translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905
______ Lettres de Henrik Ibsen a ses amis Traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906
102
BIOGRAFIAS
BALZEL Oscar Henrik Ibsen Leipizig Infel Bucherei sd
FERGUSON Robert Henrik Ibsen a new biography London Cohen 1996
KOHT Halvdan Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971
JAEligGER Henrik Henrik Ibsen a critical biography Chicago AC McClurg 1901
LOTHAR Rudolph Henrik Ibsen Leipzig E A Seemann 1902 (Dichter und Darsteller 8)
MEYER Hans-Georg Henrik Ibsen New York Frederick Ungar 1972 (World dramatists series)
MEYER Michael Ibsen a biography by Michael Meyer London Peguin Books 1971
LIVROS E TESES SOBRE O AUTOR
APOLLONIO Mario Ibsen Brescia Morcelliana 1944
BERTEVAL W Le theacuteacirctre drsquoIbsen Preacuteface du Comte Prozor Paris Perrin 1912
BLOOM Harold Modern critical views Philadelphia Chelsea 1999
BOETTCHER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1912
BONET Ofelia Machado Ibsen Montevideo sn 1966
BOYESEN Hjalmar Hjorth Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894
BRADBOOK Muriel Clara Ibsen the Norwegian a revaluation London Chatto amp Windus 1946
BRANDES Georg Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies Revision e Introduction de William Archer New York Macmillan 1899
DEPPERMAN Maria et al (Orgs) Ibsen im europaumlischen Spannungsfeld zwischen Naturlismus um Symbolismus Frankfurt Peter Lang 1998
DOUMIC Reneacute De Scribe a Ibsen causeries sur le theacuteacirctre Paris Perrin 1896
DOWNS Brian W Ibsen the intellectual background New York Cambridge 1948
______ Modern Norwegian literature 1860-1918 Cambridge Cambridge University 1966
103
EGAN Michael Henrik Ibsen the critical heritage London Routledge 1997
EHRHARD Auguste Henrik Ibsen et le theacuteacirctre contemporain Paris Lecegravene Odin 1892 (Nouvelle Bibliothegraveque litteacuteraire)
FARINELLI Arturo Byron e Ibsen Milano Fratelli Booca 1944
FIRKINS Ina Ten Eyck Henrik Ibsena bibliography of criticism and biography with na index to characters New York London H W Wilson Company Grafton amp Company 1921 (Practical Bibliographies)
GRAVIER Maurice Ibsen Paris Seghers 1973
GRAY Ronald Ibsen a dissenting view a study of the last twelve plays London Cambridge 1977
HEIBERG Hans Ibsen a portrait of the artist London George Allen Unwin 1969
HOslashST Sigurd Henrik Ibsen Paris Stock 1924
JACOBBI Ruggero Ibsen la vita il pensiero i testi exemplari Milano Edizione Accademia 1972 (Il memorabili)
JACOBS M Ibsens Buumlhnentechnik Dresden Sibyllen-Verlag 1920
JANSEN ANNIE Ibsen el creador del teatro social Buenos Aires Claridad 1966
JOHNSTON Brian Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989
JORGENSONTHEODORE Henrik Ibsen a study in art and personality Northfield Minnesota St Olaf College 1948
KNIGHT WILSON G Ibsen Edinburgh Oliver and Boyd 1962
LA CHESNAIS Pierre Georget Brand drsquoIbsen eacutetude et analyse Paris Melloteacutee [19--] (Les Cheufs-drsquooeuvre de la Litteacuterature Expliqueacutes)
LAVRIN Janko Ibsen an approach London Methuen [1950]
LINGE Tore La conception de lrsquoamour dans le drama de Dumas fils et drsquoIbsen Paris H Champion 1935 (Bibliothegraveque de la Revue de Litteacuterature Compareacutee tome 110)
LOGEMAN H A commentary critical and explanatory on the Norwegian text of Henrik Ibsenrsquos Peer Gynt Its languageliterary associations and folklore The Hague Nijhoff 1917
LORIEacute OSSIP La philosophie sociale dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1900
104
LUGNEacute-POE Aureacutelien Ibsen par Lugneacute-Poe Paris Rieder 1936 (Maicirctres des Litteacuteratures 21)
MARKER Frederick J e Lise-Lone Ibsenrsquos lively art a performance study of the mayor plays New York Cambridge University 1989
MCFARLANE James Walter (Org) The Cambridge Companion to Ibsen New York Cambridge University 1994
______ Discussions of Henrik Ibsen Boston Heath 1962
______ Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970
______ Ibsen and the temper of Norwegian literature London Oxford 1960
NORTHAM John Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953
REINEDKER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris F Alcan 1912
REQUE Dikka A Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoslashrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930
SAROLET Charles Henrik Ibsen eacutetude sur sa vie amp son oeuvre Paris Nilsson 1891
SHAPIRO Bruce G Divine madness and the absurd paradox Ibsenrsquos Peer Gynt an the philosophy of Kierkegaard New York Greenwood 1990 (Contributions in Drama and Theatre Studies 29)
SHAW George Bernard The quintessence of Ibsenism London Walter Scott 1891
SHEPHERD-BARR Kirsten Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997
SLATAPER Scipio Ibsen Con un cenno su Scipio Slataper di Arturo Farinelli Torino Fratelli Bocca 1916 (Letterature Moderene Studi diretti da A Farinelli v 5)
TAM Kwok-kan Ibsen in China 1908-1997 a critical-annotated bibliography of criticism translation and performance Hong Kong Chinese University Press 2001
TEMPLETON Joan Ibsenrsquos women New York Cambridge University 1997
TENNANT P F D Ibsenrsquos dramatic technique Cambridge Bowes 1948
TISSOT Ernest Le drame norveacutegien Paris Perrin 1893
TORNQVIST Egil Ibsen A dollrsquos house Cambridge Cambridge University 1995
105
WEIGAND Hermann J The Modern Ibsen a reconsideration New York Henry Holt and Company 1925
ZAPPA Gabriella La fortuna di Ibsen in Italia (1891-1969) 1968 Tese (Doutorado em Letras) - Faculdade de Letras e Filosofia Universidade de Milatildeo Milatildeo
CAPIacuteTULO DE LIVROS SOBRE O AUTOR
ADORNO Theodor W ldquoExumaccedilatildeordquoldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo In ______ Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificada Traduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 79-82
ARCHER William ldquoIbsen and the English Theatrerdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 60-67
BENTLEY Eric ldquoTalking Ibsen personallyrdquo In ______ The theatre of commitment and others essays on drama in our society New York Atheneum 1967 p 98-118
BRECHT Bertold ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo In ______ Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12
BREED Paul Francis SNIDERMAN Florence M ldquoIbsenrdquo In ______ Dramatic criticism index a bibliography of commentaries on playwrights from Ibsen to the avant-garde Detroit Gale Research 1972 p 314-334
BRUSTEIN Robert ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 51-102
CASANOVA Ch de Bigault ldquoIbsen poetardquo In BRANDES Jorge Henrik IbsenTraduccedilatildeo e proacutelogo de Jose Liebermann Buenos Aires Tor 1965 p 157-188
FARIAS Javier ldquoEnrique Ibsenrdquo In ______ Historia del teatro Buenos Aires Atlandida 1944 (Coleccion Oro de Cultura General) p 210-211
FERGUSSON Francis ldquoGli Spettri e Il Giardino dei ciliegi il teatro del realismo modernordquo 1962 In ______ Idea di un teatro Milano Feltrinelli 1962 (Universale Economica) p 183-221
FREUD Sigmund ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In ______ Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356
GILMAN Richard ldquoIbsenrdquo In ______ Making of modern drama a study of Buchner Ibsen Strindberg Chekhov Pirandello Brecht Beckett Handke New York Farrar Straus Giraux 1975 p 45-82
106
GOLDMAN Emma ldquoThe scandinavian drama Henrik Ibsenrdquo In ______ The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914
GUARDIA Alfredo de la ldquoCriacioacuten espiritual de Ibsenrdquo In ______ El teatro contemporaacuteneo Buenos Aires Editorial Schapire [1947] p 115-156
LUKAacuteCS Georg ldquoHenrik Ibsen tentativo di creare una tragedia borgheserdquo In ______ La genesi della tragedia borghese de Lessing a Ibsenv 2 Milano SugarCo 1977 p 115-156
LUMLEY Frederick ldquoThe drama since Ibsen and Shawrdquo In ______ New trends in 20th century drama a survey since Ibsen and Shaw New York Oxford University 1972 p 9-16
PITOEumlFF Georges ldquoIbsenrdquo In ______ Notre theacuteacirctre Paris Messages 1949
PLEKHANOV Georgy ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In FLORES Angel Henrik IbsenNew York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007
SHAW George Bernard ldquoBefore and after Ibsen (1891)rdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 68-71
TOUCHARD Pierre-Aime ldquoIbsen ou le theacuteacirctre reacutevolutionnairerdquo In ______ Dionysos apologie pour le theacuteacirctre Nouvelle eacutedition revue et augmenteacute Paris Seuil 1949 p 153-157
WILLIAMS Raymond ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ Drama from Ibsen to Brecht 2 ed London Hogarth 1971 p 33-74
PERIOacuteDICOS SOBRE O AUTOR
ANDERSON Rasmus Bjoslashrn ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American [Wiscosin]15 abr 1882
ARCHER William ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 209-214 1 abr 1884
______ ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891
ARESTAD Sverre ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948
AVELING Edward ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-480 maio 1884
AVELING Edward MARX-AVELING Eleanor ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886
107
BOYESEN Hjalmar Hjorth ldquoHenrik Ibsenrdquo The Century a popular quarterly New York v 9 p 794-796 mar 1890
BRANDES Georg ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897
FJELDE Rolf ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988
HAGE Anne ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005
JAMES Henry ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893
MAETERLINCK Maurice ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894
SCOTT Clement [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893
______[sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891
URSO Simona ldquoIbsen in Italiardquo Societagrave Italiana per lo studio della Storia Contemporanea Scene di fine Ottocento lrsquoItalia fin de siegravecle a teatro Seccedilatildeo Cantieri di Storia II Disponiacutevel em lthttpwwwsisscoitattivitasem-set-2003relazioniursortfgt Acesso em 20 jan 2007
WIEDNER Elsie M ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978
GERAL
ABREU Briacutecio de Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958
ALMEIDA PRADO Deacutecio de Teatro brasileiro moderno Satildeo Paulo Perspectiva 1988
ANDERSON Rasmus Bjoslashrn Life story Madison Wisconsin ediccedilatildeo do autor 1915
ANTOINE Andreacute Mes souvenirs sur le Theacuteacirctre Libre Paris Arthegraveme Fayard 1921
BIGEON Maurice Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894
BETTI Maria Siacutelvia Oduvaldo Vianna Filho Satildeo Paulo EDUSP 1997
BORDEAUX Henry La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894
BOSI Alfredo ldquoPor um historicismo renovado reflexo e reflexatildeo na histoacuteria literaacuteriardquo In ______ Teresa revista de literatura brasileira n 1 Satildeo Paulo Ed34 2000
108
BOYESEN Hjalmar Hjorth Essays on Scandinavian literature London David Nutt 1895
BRANDAtildeO Cristina O Grande Teatro Tupi do Rio de Janeiroo teleteatro e suas muacuteltiplas faces Juiz de Fora UFJF OP COM 2005
BROCA Brito A vida literaacuteria no Brasil ndash 1900 Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1960
CACCIAGLIA Mario Pequena histoacuteria do teatro no Brasil (quatro seacuteculos de teatro no Brasil) Traduccedilatildeo de Carla de Queiroz Satildeo Paulo EDUSP 1986
CAFEZEIRO Edwaldo GADELHA Carmem Histoacuteria do teatro brasileiro um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues Rio de Janeiro UFRJ 1996
CAIRO Luiz Roberto Velloso Introduccedilatildeo agrave teoria literaacuteria de Araripe Juacutenior um criacutetico
brasileiro precursor da vanguarda atual 1978 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Linguumliacutestica e
Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de
Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
______ O salto por cima da proacutepria sombra o discurso criacutetico de Araripe Juacutenior uma
leitura 1986 Tese (Doutorado em Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de
Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas
Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo
CANDIDO Antonio et al A personagem de ficccedilatildeo Satildeo Paulo Perspectiva 1968
CANDIDO Antonio Literatura e sociedade estudos de teoria e histoacuteria literaacuteria Satildeo Paulo Nacional 1965
CARLSON Marvin Teorias do teatro estudo histoacuterico-criacutetico dos gregos agrave atualidade Traduccedilatildeo de Gilson Ceacutesar Cardoso de Souza Satildeo Paulo UNESP 1997
CARPEAUX Otto Maria La litteacuterature breacutesilienne du bovarysme agrave lrsquoengagement In ______ Les Temps Modernes Le Breacutesil n 257 Paris octobre 1967
CARVALHO Seacutergio de O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
COSTA Inaacute Camargo A hora do teatro eacutepico no Brasil Rio de Janeiro Paz e Terra 1996
______ Sinta o drama Rio de Janeiro Vozes 1998
CRAIG Edward Gordon Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971
109
DOacuteRIA Gustavo A Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975
FARIA Joatildeo Roberto Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva FAPESP 2001
______ O teatro na estante estudos sobre dramaturgia brasileira e estrangeira Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial 1998
______ O teatro realista no Brasil 1855-1865 Satildeo Paulo EDUSP Perspectiva 1993
FERRATON Hubert Syndicalisme ouvrier et social-deacutemocratie en Norvegravege Paris Armand Colin 1960
GOLDMAN Emma Anarchism and other essays New York Dover 1969
GOULD Jean Dentro e fora da Broadway o teatro moderno norte-americano Traduccedilatildeo Ana Maria M Machado Rio de Janeiro Bloch 1968
GRANIER Caroline Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes ndash Saint-Denis Paris
GUERRA Marco Antocircnio Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
GUINSBURG J FARIA Joatildeo Roberto LIMA Mariacircngela Alves de (Orgs) Dicionaacuterio do teatro brasileiro temas formas e conceitos Satildeo Paulo Perspectiva SESC Satildeo Paulo 2006
GUZIK Alberto TBC crocircnica de um sonho Satildeo Paulo Perspectiva 1986
HALLEWELL Laurence O livro no Brasil sua histoacuteria Traduccedilatildeo de Maria da Penha Villalobos Loacutelio Lourenccedilo de Oliveira e Geraldo Gerson de Souza Satildeo Paulo EDUSP 2005
HAUGSTOL H VERGEL J This is Norway Oslo Arne Gimmes Forlag 1949
HOBSBAWN Eric J A Era do Capital 1848-1875 Rio de Janeiro Paz e Terra 1996
______ A Era dos Impeacuterios 1875-1914 Rio de Janeiro Paz e Terra 2002
HYMAN Erin Williams ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005
LEITE Pedro Sisnando Escandinaacutevia modelo de desenvolvimento democracia e bem-estar Satildeo Paulo HUCITEC 1982
LEMAIcircTRE Jules Impressions de theacuteacirctre 10 v Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897
110
LOMBROSO Cesare LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894
LOMBROSO Cesare FERRERO William The female offender New York Philosophical Library 1958
LUKAacuteCS Georg Il drama moderno Milano SugarCo 1976
______ Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968
______ Teoria do romance uma ensaio histoacuterico-filosoacutefico sobre as formas da grande eacutepica Satildeo Paulo Duas Cidades Ed 34 2000
MAGALDI Saacutebato VARGAS Maria Thereza Cem anos de teatro em Satildeo Paulo (1875-1974) Satildeo Paulo SENAC 2000
MAGALDI Saacutebato Panorama do teatro brasileiro Satildeo Paulo Difel 1962
MARTINS Maria Helena (Org) Rumos da criacutetica Satildeo Paulo SENAC Itauacute Cultural 2000
MARTINS Wilson A criacutetica literaacuteria no Brasil 2 v Rio de Janeiro Francisco Alves 1983
MEYERHOLD Vsevolod Meyerhold on theatre Translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969
MILAREacute Sebastiatildeo ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrmateria_atualaspmat=176gt Acesso em 20 jan 2007
MORAES Alexandre Lara de Indiviacuteduo e resistecircncia sobre a anulaccedilatildeo da individualidade e a possibilidade de resistecircncia do indiviacuteduo em Adorno e Horkheimer Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia) Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Universidade Estadual de Campinas Campinas
NAESS Harald S A history of Norwegian literature London University of Nebraska 1993
NEVES Larissa de Oliveira O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 2 v Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas
NOCCIOLI Guido Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Translated by Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982
NORDAU Max Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94
PAVIS Patrice Dicionaacuterio de teatro Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Maria Luacutecia Pereira Satildeo Paulo Perspectiva 1999
111
PEREIRA Sidecircnia Freire O teleteatro da TV TUPI em Satildeo Paulo origens e contribuiccedilotildees na
teledramaturgia nacional 2004 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Comunicaccedilatildeo e Arte) ndash
Departamento de Comunicaccedilatildeo e Arte Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo
Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo
PEIXOTO Fernando (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983
PIVOT Sylvain Norvegravege Paris Seuil 1960 (Collection Petite Planegravete)
RAULINO Berenice Ruggero Jacobbi presenccedila italiana no teatro brasileiro Satildeo Paulo Perspectiva 2002
ROSENFELD Anatol O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000
______ Prismas do Teatro Satildeo Paulo Perspectiva EDUSP UNICAMP 1993
SARCEY Francisque Quarante ans de theacuteacirctre 8 v Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1900-1902
SILVA Flaacutevio Luiz Porto e (Org) O teleteatro paulista nas deacutecadas de 50 e 60 Satildeo Paulo Secretaria Municipal de Cultura Departamento de informaccedilatildeo e documentaccedilatildeo artiacutesticas Centro de documentaccedilatildeo e informaccedilatildeo sobre arte brasileira contemporacircnea 1981 (Cadernos 4)
STOVERUD T Milestones of Norwegian Literature Oslo Johan Grundt Tanum Forlag 1967
SZONDI Peter Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001
VENTURA Mauro de Souza Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
VENTURA Roberto Estilo tropical histoacuteria cultural e polecircmicas literaacuterias no Brasil 1870-1914 Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991
WAIZBORT Maria do Carmo Malheiros Um diaacutelogo criacutetico Otto Maria Carpeaux e as ldquociecircncias do espiacuteritordquo 1992 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Literatura Brasileira) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
This document was created with Win2PDF available at httpwwwwin2pdfcomThe unregistered version of Win2PDF is for evaluation or non-commercial use onlyThis page will not be added after purchasing Win2PDF
FOLHA DE APROVACcedilAtildeO
Jane Pessoa da Silva
Ibsen no Brasil historiografia seleccedilatildeo de textos criacuteticos e cataacutelogo bibliograacutefico
Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de mestre em Letras
Aacuterea Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada
Aprovado em
Banca Examinadora
Prof Dr ______________________________________________________________________
Instituiccedilatildeo _____________________________ Assinatura _____________________________
Prof Dr ______________________________________________________________________
Instituiccedilatildeo _____________________________ Assinatura _____________________________
Prof Dr ______________________________________________________________________
Instituiccedilatildeo _____________________________ Assinatura _____________________________
4
NOTA
Esta dissertaccedilatildeo eacute resultado de uma pesquisa iniciada em 2000 durante a graduaccedilatildeo
sob a forma de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica Nesse periacuteodo reuni uma boa parte da bibliografia de e
sobre Henrik Ibsen o que resultou em um quadro breve da recepccedilatildeo criacutetica do dramaturgo no
Brasil focalizando basicamente os anos de 1950 a 1990 No mestrado essa pesquisa de
campo foi ampliada na tentativa de apresentar ao leitor um panorama mais completo
incluindo as primeiras encenaccedilotildees feitas ainda no final do seacuteculo XIX ateacute as mais recentes
dos anos 2000 Da organizaccedilatildeo desse material bibliograacutefico mdash traduccedilotildees de sua obra livros
ensaios artigos registros dos espetaacuteculos etc mdash originaram os trecircs volumes que compotildeem
esta dissertaccedilatildeo I Historiografia II Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e III Cataacutelogo bibliograacutefico
No primeiro volume pretendi traccedilar em linhas gerais o percurso de Ibsen no Brasil
procurando mostrar as contradiccedilotildees e os impasses de nossa criacutetica ao tratar de mateacuteria tatildeo
profunda e significativa para a dramaturgia mundial No segundo reuni os artigos e ensaios
mais relevantes para a compreensatildeo de sua trajetoacuteria em nosso paiacutes buscando apreender as
nuanccedilas e tendecircncias mais revolucionaacuterias e heterodoxas sobre sua obra Por fim no terceiro
volume registrei os dados do material pesquisado a fim de oferecer ao leitor um cataacutelogo de
consulta e de registro das peccedilas montadas em palcos brasileiros bem como dos textos
produzidos sobre seu teatro
Este trabalho por sua proacutepria natureza soacute pocircde ser realizado porque contei com a
ajuda de pessoas generosas Agradeccedilo a Denise Radanovic Maria Siacutelvia Betti e a Miley pelo
auxiacutelio com algumas traduccedilotildees ao prof Ariovaldo Joseacute Vidal pelos livros fornecidos a
Huendel Viana pela leitura do presente texto e pelo tratamento das imagens do cataacutelogo aos
professores Inaacute Camargo Costa Maria Siacutelvia Betti e Jorge de Almeida pelas sugestotildees
preciosas durante o exame de qualificaccedilatildeo e ao Prof Joatildeo Roberto Faria pelo socorro com
informaccedilotildees bibliograacuteficas e pelo empreacutestimo de materiais valiosos para o desenvolvimento
dessa dissertaccedilatildeo Registro ainda o meu agradecimento ao CNPq pela concessatildeo da bolsa de
Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica e de Mestrado
5
RESUMO
SILVA J P Ibsen no Brasil historiografia seleccedilatildeo de textos criacuteticos e cataacutelogo bibliograacutefico
2007 3 v f Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas
Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2007
Este trabalho composto de trecircs volumes (I Historiografia II Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e III
Cataacutelogo bibliograacutefico) tem como objetivo apresentar um panorama da recepccedilatildeo de Ibsen no
Brasil O primeiro volume traz uma avaliaccedilatildeo da fortuna criacutetica de Ibsen no Brasil passando
pelas ideacuteias teatrais do seacuteculo XIX pela modernizaccedilatildeo do teatro nos anos 1940 ateacute chegar agraves
tendecircncias criacuteticas contemporacircneas O segundo traz os textos mais relevantes para o
entendimento da obra do dramaturgo publicados no Brasil entre 1895 e 2002 Por fim o
terceiro apresenta os dados bibliograacuteficos sobre as traduccedilotildees brasileiras das peccedilas do autor
sobre as montagens realizadas no teatro e na tv sobre os livros capiacutetulos de livros prefaacutecios e
textos publicados em perioacutedicos sobre o dramaturgo Com esse percurso buscou-se
compreender o modo de assimilaccedilatildeo do teatro ibseniano pela criacutetica brasileira levando em
consideraccedilatildeo as influecircncias estrangeiras especialmente a francesa Ao mesmo tempo procurou-
se ressaltar os momentos de ruptura com essa tradiccedilatildeo sobretudo a partir das reflexotildees de
Antonio de Alcacircntara Machado Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld que deram uma nova
orientaccedilatildeo para a leitura das peccedilas de Ibsen
Palavras-chave Henrik Ibsen Dramaturgia moderna Teatro brasileiro Histoacuteria do teatro
6
ABSTRACT
Silva JP Ibsen in Brazil historiography selection of critical texts and bibliographical
catalogue 2007 3 v f Dissertation (Masterrsquos degree) ndash Faculdade de Filosofia Letras e
Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo 2007
This work composed of three volumes (I Historiography II Selection of critical texts and
III Bibliographical catalogue) presents an overview of the reception of Ibsen in Brazil The
first volume is an assessment of the rich and varied criticism Ibsen received in Brazil within
the context of the theatrical ideas of the nineteenth century the modernization of the theatre in
the 1940s until the contemporary level of critical trends The second selects the most relevant
texts in order to understand the works of the playwright which were published in Brazil from
1985 and 2002 Finally the third presents bibliographical information on Brazilian
translations of his plays on adaptations carried through in theatre and on TV in books book
chapters prefaces and texts published in periodicals about the playwright Through this route
an attempt was made to understand the way Ibsenian theatre was assimilated by Brazilian
critics taking into account foreign influences especially of French origin At the same time
we attempt to highlight examples of breaking from such tradition especially considering the
thoughts of Antonio de Alcacircntara Machado Otto Maria Carpeaux and Anatol Rosenfeld who
gave us another approach to the studies of Ibsenrsquos plays
Keywords Henrik Ibsen Modern drama Brazilian theatre History of the theatre
7
SUMAacuteRIO
VOLUME I HISTORIOGRAFIA
Nota 4
Resumo 5
Abstract 6
Iacutendice 13
INTRODUCcedilAtildeO
Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15
IBSEN NO BRASIL
As primeiras encenaccedilotildees 40
Um claacutessico imperfeito 53
Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58
Entre o teatro amador e o profissional 63
A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 101
VOLUME II SELECcedilAtildeO DE TEXTOS CRIacuteTICOS
Iacutendice 120
Nota preacutevia 125
1 Os espectros de Henrik Ibsen (C Parlagreco) 127
2 Novelli ndash Ibsen (Sem assinatura) 131
3 Novelli ndash ldquoHenrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo (A) 136
4 Novelli ndash Os espectros (Sem assinatura) 139
5 Os espectros (Sem assinatura) 141
6 Ermete Novelli (Sem assinatura) 143
8
7 O Teatro ndash ldquoA grande figura de Francisque Sarcey []rdquo (Artur Azevedo) 145
8 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro colega e amigo []rdquo
(Luiacutes de Castro) 147
9 A casa de boneca (Luiacutes Guimaratildees Filho) 150
10 Teatro contemporacircneo Henrik Ibsen (Luiacutes de Castro) 154
11 SantrsquoAnna ndash Casa de boneca (Oscar Guanabarino) 158
12 Luciacutelia Simotildees (Paulo Barreto ndash Joatildeo do Rio) 166
13 O Teatro ndash ldquoEu estava no sul de Minas []rdquo (Artur Azevedo) 169
14 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro Artur []rdquo (Luiacutes de Castro)
174
15 O Teatro ndash ldquoLuiacutes de Castro voltou []rdquo (Artur Azevedo) 178
16 Ibsen e o seu teatro (Leopoldo de Freitas) 179
17 Politheama ndash ldquoPoucos homens neste seacuteculo []rdquo (Sem assinatura) 183
18 Teatro Lucinda ( PB ndash Joatildeo do Rio) 188
19 SantrsquoAnna ndash ldquoA primeira vez []rdquo (Sem assinatura) 190
20 Antoine ndash ldquoA companhia Antoine []rdquo (Sem assinatura) 192
21 O Teatro ndash ldquoTerminei o meu uacuteltimo folhetim []rdquo (Artur Azevedo) 193
22 SantrsquoAnna ndash ldquoA representaccedilatildeo da Casa de boneca de Ibsen []rdquo (Sem assinatura)
195
23 O Teatro ndash ldquoPassando por alto uma representaccedilatildeo da Fernanda []rdquo (Artur Azevedo)
197
24 Crocircnica ndash ldquoA nota artiacutestica foi a representaccedilatildeo de Hedda Gabler []rdquo (OB ndash Olavo Bilac) Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 7 jul 1907
199
25 Revistinha ndash Tourneacutee Eleonora Duse Teatro SantrsquoAnna Hedda Gabler drama de H Ibsen (Joatildeo Crespo)
201
26 SantrsquoAnna ndash ldquoEleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo (Sem assinatura)
207
27 Hedda Gabler ndash ldquoDissemos que Ibsen ainda natildeo eacute []rdquo (Sem assinatura) 208
28 Revistinha ndash ldquoUm criacutetico teatral de uma folha []rdquo (Joatildeo Crespo) 211
9
29 Ainda Hedda Gabler (Sem assinatura) 213
30 Revistinha ndash ldquoVaacute de resposta ao criacutetico teatral []rdquo (Joatildeo Crespo) 215
31 Os meus domingos (Alfredo Pujol) 217
32 A esteacutetica de uma trageacutedia (Graccedila Aranha) 221
33 Teatro Municipal ndash ldquoDois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo (Sem assinatura) 223
34 Ibsen o teatro de pensamento comemora o 1ordm centenaacuterio do nascimento do grande criador dinamarquecircs [norueguecircs] (Sem assinatura)
226
35 No centenaacuterio de Ibsen (Fleacutexa Ribeiro) 229
36 O primeiro centenaacuterio de Ibsen a obra e a vida do genial escandinavo A influecircncia de suas ideacuteias no teatro contemporacircneo (Sem assinatura)
232
37 Agrave memoacuteria de Ibsen (Camille Mauclair) 237
38 H Ibsen (Nestor Viacutetor) 241
39 Ibsen e o subconsciente (Fleacutexa Ribeiro) 243
40 Henrik Ibsen ndash ldquoEsse norueguecircs de Skien []rdquo (JJ de Saacute ndash Antonio de Alcacircntara Machado)
247
41 Teatro Municipal ndash ldquoEscrita haacute um pouco mais de meio seacuteculo []rdquo (Sem assinatura)
260
42 Defesa de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 262
43 O ibsenismo no Brasil (Alceste ndash Brito Broca) 270
44 Ibseniana ndash ldquoEstatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo (Otto Maria Carpeaux)
272
45 Aos atores brasileiros (Otto Maria Carpeaux) 276
46 Ibsen 50 anos depois (OMC ndash Otto Maria Carpeaux) 279
47 Presenccedila de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 282
48 Introduccedilatildeo a Ibsen (Ruggero Jacobbi) 287
49 Ibsen e a sua obra (Edmundo Moniz) 297
50 Ibsen atual (Ruggero Jacobbi) 307
51 Ibseniana ndash ldquoAcontece embora raramente []rdquo (Otto Maria Carpeaux) 312
52 Ibsen e o tempo passado (Anatol Rosenfeld) 316
10
53 Ibsen na sua correspondecircncia (Livio Xavier) 320
54 Modernidade de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 323
55 Ibsen e o Dr Stockmann (Luiz Israel Febrot) 327
56 Hedda Gabler ndash ldquoSegundo a crocircnica o maior sucesso de Ibsen []rdquo (Luiz Israel Febrot)
334
57 Os espectros satildeo as velhas ideacuteias (Luiz Israel Febrot) 341
58 De Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) (Joseacute Carlos Garbuglio)
346
59 Natildeo perca esta aventura (Saacutebato Magaldi) 363
60 A casa de bonecas (Luiacuteza Barreto Leite) 368
61 Nossa Casa de bonecas (Otto Maria Carpeaux) 370
62 Ibsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeo (Mariacircngela Alves de Lima) 372
63 A velha Casa de bonecas renovada por Tocircnia (Saacutebato Magaldi) 374
64 O gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humano (Deacutecio Drummond)
376
65 Encenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsen (Mariacircngela Alves de Lima)
379
66 Ibsen o pai do teatro de hoje faz 150 anos (Adones de Oliveira) 384
67 150 anos de Ibsen uma anaacutelise da obra do primeiro dramaturgo moderno (John Mortimer)
388
68 Casa de bonecas 100 anos depois (Sem assinatura) 392
69 Quem eacute Hedda Gabler (Deacutecio de Almeida Prado) 394
70 A densidade dramaacutetica de Ibsen (Fernando Peixoto) 399
71 As obsessotildees de Ibsen (Samuel Titan Jr) 403
72 Penuacuteltima peccedila de Ibsen estreou haacute cem anos (Seacutergio de Carvalho) 406
73 O inimigo do povo privilegia defesa de tese (MAL ndash Mariacircngela Alves de Lima)
413
74 Peccedila de Ibsen mobiliza atrizes desde o seacuteculo 19 (Mariacircngela Alves de Lima)
415
11
VOLUME III CATAacuteLOGO BIBLIOGRAacuteFICO
Iacutendice 425
Cronologia da vida e obra de Ibsen 429
Nota explicativa 434
Abreviaturas 436
1 Obra traduzida do autor 438
2 Obra sobre o autor 447
3 Montagem Teatro 523
4 Montagem TV 612
JANE PESSOA DA SILVA
Ibsen no Brasil
Historiografia Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e Cataacutelogo bibliograacutefico
Volume I
Satildeo Paulo 2007
13
IacuteNDICE
INTRODUCcedilAtildeO
Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15
IBSEN NO BRASIL
As primeiras encenaccedilotildees 40
Um claacutessico imperfeito 53
Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58
Entre o teatro amador e o profissional 63
A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
Traduccedilotildees da obra do autor teatro completo poesia correspondecircncia 101
Biografias 102
Livros e teses sobre o autor 102
Capiacutetulos de livro sobre o autor 105
Perioacutedicos sobre o autor 106
Geral 107
I N T R O D U Ccedil Atilde O
15
Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna
Henrik Ibsen (1828-1906) eacute uma figura central na histoacuteria do teatro moderno Suas vinte e
seis peccedilas escritas ao longo de quase 50 anos inauguraram uma nova era de experimentaccedilatildeo
teatral sobretudo no que diz respeito agrave dramaturgia abandonando as velhas formas do teatro
claacutessico e incorporando em sua fatura os problemas de seu tempo A nova forma de suas peccedilas
que se diferenciava bastante do drama burguecircs mdash comeacutedias realistas que apresentavam no palco
os costumes e os valores morais da burguesia mdash obrigou os artistas a repensar a concepccedilatildeo do
fazer teatral modificando a estrutura do palco o trabalho do ator e a relaccedilatildeo entre texto autor e
plateacuteia Aleacutem disso sua luta constante contra as convenccedilotildees tacanhas e obsoletas da sociedade
burguesa tatildeo evidentes nos chamados ldquodramas sociaisrdquo como Os pilares da sociedade (1877)
Casa de boneca (1879) Os espectros (1881) e Um inimigo do povo (1884) fizeram de Ibsen um
dos autores mais discutidos da segunda metade do seacuteculo XIX Suas ideacuteias aleacutem de influenciarem
muitos dramaturgos como Bernard Shaw Oscar Wilde Arthur Miller entre outros foram
apropriadas no acircmbito literaacuterio pelos movimentos de vanguarda da Europa como o naturalismo
e o simbolismo e na esfera poliacutetica pelos socialistas e anarquistas A partir de Ibsen o teatro
deixa de ser visto apenas como um entretenimento passando a ser encarado tambeacutem como um
instrumento de experiecircncia social que abriu o caminho para as novas formas teatrais do seacuteculo
XX
Ibsen iniciou sua carreira como homem de teatro em 1850 ano da consolidaccedilatildeo do
capitalismo europeu e do desmedido avanccedilo econocircmico que desencadearam uma seacuterie de
transformaccedilotildees na sociedade Nessa eacutepoca de especulaccedilatildeo financeira de imperialismo e de
ascensatildeo do proletariado o dinheiro passa a dominar toda a vida puacuteblica e privada tudo se curva
diante dele tudo o serve As novas relaccedilotildees sociais os direitos e o poder expressam-se em termos
de capital e as pessoas vecircem-se cada vez mais como rivais e inimigas sendo necessaacuterio conquistar
e legitimar permanentemente posiccedilotildees e influecircncias O matrimocircnio e a famiacutelia constituem o esteio
desse mundo burguecircs mormente porque tambeacutem estatildeo ligados ao sistema de propriedade e de
empreendimentos rentaacuteveis Os casamentos em regra estabelecem-se entre famiacutelias do mesmo
status social ou da mesma linha de negoacutecios e a estrutura patriarcal baseada na subordinaccedilatildeo da
mulher e dos filhos eacute mantida O enfraquecimento da unidade familiar eacute inaceitaacutevel seja atraveacutes
da paixatildeo descontrolada por indiviacuteduos ldquoimproacutepriosrdquo (isto eacute economicamente indesejaacuteveis) seja
atraveacutes de escacircndalos morais
16
Na vida artiacutestica prevalecem as tendecircncias que estatildeo de acordo com o gosto burguecircs a
obra faacutecil e agradaacutevel destinada apenas ao entretenimento A arte reduzida agrave diversatildeo e ao
apraziacutevel domina todas as formas de produccedilatildeo mas principalmente aquela ligada agrave esfera puacuteblica
o teatro Este apresenta-se como um instrumento de propaganda da ideologia burguesa de seus
princiacutepios econocircmicos sociais e morais Assim a importacircncia da famiacutelia como alicerce da
sociedade torna-se o principal assunto do teatro burguecircs Os ideais os deveres e sobretudo o amor
eterno capaz de resistir agrave prova cotidiana da vida conjugal satildeo valores constantemente
propugnados pelos dramaturgos desse periacuteodo Em La dame aux cameacutelias de Dumas Filho por
exemplo o amor do heroacutei pela cortesatilde eacute incompatiacutevel com a respeitabilidade da famiacutelia burguesa
em Le mariage drsquoOlympe de Eacutemile Augier a mulher de moral duvidosa natildeo tem como se
regenerar e deve ser banida do corpo social Em suma a discussatildeo de temas como a usura a
agiotagem a prostituiccedilatildeo e o casamento de conveniecircncia servem apenas como contrapontos agraves
ldquovirtudes burguesasrdquo
Aleacutem da temaacutetica moralizante as peccedilas tecircm de ser simples e ligeiras obedecendo aos
estratagemas e agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita Desse modo a accedilatildeo deve ser unificada a trama
deve desenrolar-se em um soacute lugar e sua duraccedilatildeo natildeo deve exceder vinte quatro horas o assunto
por mais indecoroso que seja nunca deve ser problemaacutetico nem tampouco obscuro a distribuiccedilatildeo
da mateacuteria dramaacutetica deve ser feita segundo um esquema de exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e
desenlace buscando sempre o mais alto grau de identificaccedilatildeo e verossimilhanccedila Em tal peccedila tudo
deve parecer inesperado embora tudo seja previsiacutevel As discussotildees os conflitos e ateacute mesmo o
desfecho da obra devem estar de acordo com o desejo e com a expectativa do puacuteblico Assim o
enredo torna-se o ingrediente mais artificial do drama e o que realmente importa eacute a arte de
produzir complicaccedilotildees e tensatildeo de atar e desatar noacutes de preparar as reviravoltas da intriga e
sobretudo de manter continuamente o suspense atraveacutes de uma sequumlecircncia de quumliproquoacutes efeitos e
golpes de teatro
Durante algum tempo Ibsen tentaraacute escrever segundo os artifiacutecios da peccedila bem-feita Os
seus primeiros dramas no entanto estatildeo mais proacuteximos do nacionalismo romacircntico e de modo
geral tratam de temas da histoacuteria e da mitologia norueguesa Eacute a partir de A comeacutedia do amor
(1862) que o autor passa a demonstrar interesse pelos assuntos de seu tempo A comeacutedia escrita
em versos tem o rigor da construccedilatildeo e da coerecircncia loacutegica exigidas pela convenccedilatildeo e ademais
apresenta o tema dileto da burguesia o amor Svanhild ama o poeta Falk mas entre o verdadeiro
amor e a solidez de uma vida confortavelmente burguesa a personagem escolhe a segunda opccedilatildeo
casando-se por conveniecircncia com o rico comerciante Gustald Essa peccedila escandalizou de tal modo
seus contemporacircneos que teve sua representaccedilatildeo vetada Com exceccedilatildeo do artigo do jornalista
17
norueguecircs Ditmar Mejdell que a considerou um deploraacutevel contra-senso literaacuterio quase nada se
publicou sobre a peccedila Apenas em conversas privadas falava-se dela qualificando-a como
vergonhosa e imoral
As obras seguintes jaacute satildeo de natureza diversa e apontam pouco a pouco o rumo da nova
dramaturgia proposta por Ibsen Na peccedila histoacuterica Os pretendentes agrave coroa (1863) e nos poemas
dramaacuteticos Brand (1866) e Peer Gynt (1867) a regra da unidade de tempo e espaccedilo eacute rompida As
aventuras de Peer por exemplo comeccedilam no iniacutecio do seacuteculo XIX e terminam em 1860
desenrolando-se na Noruega no Marrocos no deserto do Saara etc A personagem-tiacutetulo natildeo tem
vontade proacutepria eacute um homem elusivo cujas atitudes natildeo se prestam agrave criaccedilatildeo de conflitos entre
protagonistas e antagonistas e portanto estaacute longe de ser heroacutei de um drama rigoroso Sua vida eacute
ilustrada atraveacutes de uma sequumlecircncia de episoacutedios que nada tem do caraacuteter dramaacutetico exigido pela
convenccedilatildeo teatral Por esses motivos o criacutetico dinamarquecircs Clemens Petersen declarou que o
drama pecava contra as regras essenciais da poesia Em A liga da juventude (1869) Ibsen
abandona de vez os versos e satiriza a poliacutetica norueguesa A accedilatildeo se passa num ambiente rural e
as personagens satildeo pequenos burgueses agraves voltas com preocupaccedilotildees corriqueiras casamentos
vantajosos mesquinharias e ambiccedilotildees de arrivistas O protagonista eacute o advogado Stensgaard que
em busca de poder poliacutetico usa de todos os expedientes para conquistar um lugar no parlamento
Ele defende os princiacutepios de abnegaccedilatildeo e altruiacutesmo enfrenta Brattsberg o maior industrial da
cidade mas natildeo pensa duas vezes em se unir a ele para desfrutar as regalias de uma vida
burguesa O drama apresenta as caracteriacutesticas baacutesicas da peccedila bem-feita como a accedilatildeo variada e
complicada e o rigoroso encadeamento causal dos acontecimentos mas as reviravoltas da intriga
natildeo servem apenas para surpreender o espectador e sim para mostrar paulatinamente o quatildeo
inescrupuloso e demagogo eacute o protagonista Ateacute entatildeo na Noruega com exceccedilatildeo de A comeacutedia
do amor nenhum outro drama tinha abordado tatildeo escancaradamente os assuntos contemporacircneos
tornando-se assim a primeira representaccedilatildeo de A liga da juventude um verdadeiro alvoroccedilo Os
poliacuteticos do partido liberal norueguecircs sentiram-se caluniados sobretudo Bjoslashrnson poeta e
dramaturgo que se viu retratado na figura de Stensgaard Durante a encenaccedilatildeo houve
manifestaccedilotildees protestos e vaias obrigando o diretor da peccedila a subir ao palco e pedir silecircncio para
que a representaccedilatildeo pudesse continuar
Em 1873 aparece Imperador e Galileu drama histoacuterico que aborda o conflito entre
cristianismo e paganismo Contudo eacute com Os pilares da sociedade escrita quatro anos mais
tarde que Ibsen torna-se conhecido no restante da Europa Nessa peccedila as personagens
abandonam a linguagem empolada e numa prosa coloquial discorrem sobre temas como a
corrupccedilatildeo e a hipocrisia social A histoacuteria do cocircnsul Bernick homem rico e conceituado que
18
arruinou os membros da proacutepria famiacutelia e praticou crimes contra os cidadatildeos ao construir navios
defeituosos para receber o seguro mariacutetimo obteve grande ecircxito fora da Noruega Na Alemanha
a peccedila mereceu cinco montagens em 1878 sendo recebida como a expressatildeo do espiacuterito da eacutepoca
A partir dessa obra Ibsen abdica das figuras e das situaccedilotildees histoacutericas abrindo-se a uma nova
temaacutetica que forccedilosamente tende a dissolver a estrutura rigorosa do drama O desmascaramento
da sociedade passa a ser foco principal do autor e sua criacutetica primeira eacute dirigida agrave quintessecircncia
do mundo burguecircs o lar A sala de visitas da famiacutelia pequeno-burguesa ateacute entatildeo lugar onde os
indiviacuteduos conservavam a aparecircncia de uma vida harmoniosa onde problemas e contradiccedilotildees
podiam ser esquecidos ou suprimidos artificialmente passa a ser o ambiente onde transcorreraacute a
maior parte das accedilotildees de suas peccedilas Esse recinto iacutentimo e privado torna-se o cenaacuterio perfeito para
a caricatura da vida de cidadatildeos comuns e para o debate de temas como a poliacutetica do matrimocircnio
o relacionamento entre pais e filhos a liberdade a igualdade entre os sexos a mentira e a
hipocrisia Tal mudanccedila altera consequumlentemente a estrutura por vezes um tanto mecacircnica de seus
dramas e progressivamente seu teatro vai abrindo brechas na peccedila bem-feita
O primeiro abalo significativo na forma do drama foi produzido por Casa de boneca
(1879) Nessa peccedila Ibsen assinala a contradiccedilatildeo entre a estrutura da famiacutelia patriarcal e a
sociedade burguesa Por um lado ele questiona como um mundo baseado numa economia de
obtenccedilatildeo de lucro na livre iniciativa na igualdade de direitos oportunidades e liberdade pode
apoiar-se na instituiccedilatildeo do matrimocircnio que nega todos esses ideais e por outro denuncia o
cerceamento da liberdade e dos direitos das mulheres Aleacutem disso ele critica o sistema capitalista
ao fazer do dinheiro a mola propulsora de todos os acontecimentos de sua peccedila Ao abrir do pano
Nora define sua felicidade como resultado de uma situaccedilatildeo financeira vantajosa com a recente
nomeaccedilatildeo de Torvald Helmer seu marido para o cargo de diretor de um Banco Logo em
seguida ela censura a amiga Cristina Linde por ter feito um casamento de conveniecircncia para
assegurar uma vida economicamente estaacutevel Por fim cercada de roupas cortinas almofadas e
papeacuteis de parede eacute posta no palco a famiacutelia burguesa Helmer eacute o pai o marido o senhor honesto
e respeitado cuja funccedilatildeo eacute manter a paz o conforto e a harmonia do lar Nora eacute o ldquoanjo da casardquo
a matildee a esposa ignorante e tola cuja uacutenica tarefa cuidar dos filhos e dirigir os criados natildeo exige
qualquer inteligecircncia nem conhecimento Um casal aparentemente perfeito e feliz ateacute Nora
falsificar a assinatura de seu pai e contrair diacutevidas para custear o tratamento de sauacutede do marido
Helmer como muitos moralistas natildeo fica exasperado com o delito da esposa mas sim com a
ameaccedila de perder sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na sociedade No desfecho Nora frustra-se com a
atitude do marido repensa sua situaccedilatildeo de inferioridade e decide abandonar o lar e os filhos para
buscar sua liberdade pessoal
19
A primeira representaccedilatildeo de Casa de boneca ocorreu no Teatro Real em Copenhague
em dezembro de 1879 e no decurso de dois meses foi encenada em todos os principais
teatros da Escandinaacutevia A peccedila despertou tantas polecircmicas e comentaacuterios que logo Ibsen
passou a ser conhecido em todo o mundo Elogiado e aceito como gecircnio por uns e atacado por
outros o dramaturgo passou agrave ordem do dia O abandono do marido e dos filhos por Nora foi
o ponto que mais desconcerto produziu entre artistas criacuteticos e espectadores Na Alemanha a
atriz Hedwig Neimann-Raabe recusou-se a representar o desenlace da peccedila sendo necessaacuterio
o acreacutescimo de mais um ato agrave montagem onde a esposa arrependida volta ao lar com um filho
nos braccedilos Em Viena a inteacuterprete de Nora natildeo conseguiu deixar o palco na uacuteltima cena
Como se lhe faltasse o valor moral para tomar aquela decisatildeo apoiou-se agrave porta ficando ali
estaacutetica hesitante ateacute que o pano descesse lentamente Na Itaacutelia a Nora de Eleonora Duse
perdeu o mais corajoso gesto ao natildeo ir embora por livre iniciativa mas forccedilada pelo marido
No Japatildeo Matsui Sumako foi a primeira mulher a interpretar uma protagonista Sua Nora ao
mesmo tempo que emancipou as mulheres no palco japonecircs foi criticada pelo movimento
feminista Seistosha que considerou egoiacutesta a atitude da personagem alegando que ela natildeo
havia sido agredida fisicamente pelo marido
Aleacutem de Casa de boneca outra importante contribuiccedilatildeo para o renome de Ibsen foram
os trabalhos do criacutetico dinamarquecircs Georg Brandes Nos anos 1870 ele era uma das figuras
mais proeminentes da Escandinaacutevia e o principal filtro das ideacuteias entre os paiacuteses escandinavos
e o resto da Europa Brandes conseguiu popularidade sobretudo em 1871 quando fez uma
seacuterie de conferecircncias puacuteblicas em Copenhague incitando os escritores agrave reflexatildeo sobre os
desafios da literatura europeacuteia no final do seacuteculo XIX Para ele a proacutepria modernidade era o
tema que a ficccedilatildeo tinha de assumir e cabia aos escritores tomar a dianteira nessa empreitada
Nesse periacuteodo Ibsen passa a se corresponder com ele revelando atraveacutes de suas cartas um
profundo engajamento com as ideacuteias do criacutetico dinamarquecircs Pode-se dizer que o contato
entre os dois foi uma das razotildees que fez com que o autor abandonasse o nacionalismo
romacircntico de suas primeiras peccedilas movendo-se em direccedilatildeo aos problemas sociais de seu
tempo Brandes influenciou consideravelmente a recepccedilatildeo do dramaturgo na Inglaterra e na
Franccedila Ele manteve um contato estreito com Edmund Gosse e William Archer tradutores
ingleses do teatro ibseniano e frequumlentemente era evocado nos prefaacutecios das traduccedilotildees
francesas de Moritz Prozor Criacuteticos e escritores em toda a Europa reconheciam Brandes
como a autoridade maacutexima acerca da obra ibseniana Esse status internacional teve um papel
importante quando em 1897 o criacutetico defendeu Ibsen na revista Cosmopolis respondendo
(em francecircs) agraves acusaccedilotildees de que as ideacuteias do dramaturgo eram plagiadas dos autores
20
franceses No ano seguinte Brandes publicou Henrik Ibsen livro composto de trecircs ensaios
escritos em diferentes periacuteodos tornando-se o primeiro a tratar das questotildees cruciais que a
obra de Ibsen impunha agrave sociedade da eacutepoca O ensaio de 1867 traz uma visatildeo conjunta da
personalidade intelectual do dramaturgo na Europa o de 1882 discute a evoluccedilatildeo marcante de
sua carreira com a produccedilatildeo de obras que lhe garantiram uma posiccedilatildeo de destaque dentro e
fora da Escandinaacutevia e o de 1898 escrito em comemoraccedilatildeo ao 70ordm aniversaacuterio do
dramaturgo atualiza a sua obra poeacutetica1
Enquanto Brandes ganhava notoriedade com suas leituras puacuteblicas na deacutecada de 1870
tentativas iniciais de divulgar as ideacuteias ibsenianas na Franccedila e na Inglaterra comeccedilavam a ser
feitas A essa altura o dramaturgo jaacute tinha conseguido alguma reputaccedilatildeo fora da Escandinaacutevia
por causa dos rumores provocados por peccedilas como A comeacutedia do amor e Os pilares da
sociedade Sua obra que assumia cada vez mais o cunho de criacutetica social transformou-se em
siacutembolo das ideacuteias socialistas da luta dos trabalhadores e do movimento feminista O proacuteprio
Ibsen reconhecia que a igualdade de direitos soacute poderia ser conquistada atraveacutes de mudanccedilas
profundas na estrutura da sociedade e o primeiro passo para tal transformaccedilatildeo era segundo
ele a uniatildeo de ldquotodos os desprivilegiadosrdquo em defesa da causa dos trabalhadores e das
mulheres2 Por isso natildeo eacute agrave toa que o pontapeacute inicial para estimular o interesse dos leitores
franceses e ingleses pelo teatro ibseniano tenha sido dado pelas mulheres Na Inglaterra
Catherine Ray foi a responsaacutevel pela traduccedilatildeo integral de Imperador e Galileu em 1876 Ateacute
entatildeo somente parte de A comeacutedia do amor traduzida por Edmund Gosse tinha sido
publicada na Forthightly Review em 1873 Henriette Frances Lord editou Nora em 1882 e
Eleanor Marx-Aveling filha de Karl Marx traduziu Um inimigo do povo que juntamente
com as traduccedilotildees de Os pilares da sociedade e Os espectros de William Archer
compuseram em 1888 a primeira coletacircnea das peccedilas do autor em liacutengua inglesa Na Franccedila
a escritora Leacuteo Quesnel escreveu um dos primeiros artigos sobre Ibsen3 Mme Arvegravede
Barine colaboradora regular da Revue Bleue escreveu entre outras coisas um ensaio sobre
Brand Pauline Ahlberg analisando Os pilares da sociedade na Nouvelle Revue em 1882 foi
1 Cf Georg Brandes ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897 e Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies revision e introduction de William Archer New York Macmillan 1899 2 Cf os discursos do autor reunidos em Henrik Ibsen Ibsen letters and speeches edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964 e The Oxford Ibsen translated and edited by James Walter McFarlane v 6 London Oxford University 1960 p 445-447 ldquoThe transformation of social conditions which is now being undertaken in the rest of Europe is very largely concerned with the future status of the workers and of women That is what I am hoping and waiting for that is what I shall work for all I canrdquo 3 Leacuteo Quesnel publicou dois artigos na Revue Bleue em 31 de maio de 1873 e 25 de julho de 1874 referindo-se a Ibsen como ldquolrsquohomme modernerdquo e Bjoslashrnson como ldquolrsquohomme du Nordrdquo
21
uma das primeiras escritoras a vincular o nome do dramaturgo ao feminismo chegando a
chamaacute-lo de Victor Hugo do Norte1 Em ambos os paiacuteses as correspondecircncias de Ibsen
tambeacutem foram traduzidas primeiro por mulheres em inglecircs por Mary Morison e em francecircs
por Martine Reacutemusat2
Apesar de todas essas iniciativas Ibsen encontrou muita resistecircncia na Europa Na
Inglaterra o grande obstaacuteculo era a censura dramaacutetica que regulamentava e controlava o
conteuacutedo das peccedilas Lord Chamberlain o responsaacutevel pela manutenccedilatildeo do decoro das obras
alterava e eliminava as impropriedades de um drama livrando-o sobretudo de insinuaccedilotildees
sexuais Aleacutem disso as peccedilas de Scribe Sardou Augier e Dumas Filho estavam solidamente
estabelecidas no palco inglecircs proporcionando entretenimento seguro e lucrativo Por isso
atores diretores e dramaturgos relutavam em experimentar novos rumos o que poderia ser
financeiramente arriscado persistindo nas peccedilas bem-feitas Tais fatores talvez ajudem a
explicar a adaptaccedilatildeo de Casa de boneca feita por Henry Arthur Jones e Henry Herman em
1884 A peccedila passou a ser chamada Breaking a butterfly Nora foi substituiacuteda por Flora (ou
lsquoFlossiersquo) uma mulher agitada infantil e histeacuterica casada com Humphrey Goddard (ou
lsquoHumpyrsquo) diretor de um Banco Dr Rank virou Dan Birdseye homem apaixonado por
Agnes irmatilde de Humpy Krogstad o vilatildeo da trama ganhou o nome de Philip Dunkley
Cristina Linde foi excluiacuteda do enredo e duas novas personagens matildee e irmatilde de Flossie foram
inseridas na histoacuteria Em linhas gerais a intriga era a mesma do original no entanto os
autores optaram pelo tradicional happy end No ato final Humpy assume a culpa no lugar de
Flora mas quando ele estaacute prestes a se entregar agrave poliacutecia eacute salvo por Grittle um funcionaacuterio
do Banco que apoacutes ter sido enganado por Dunkley decide se vingar Esta cena a mais fraca e
inconvincente da peccedila termina com Humpy emergindo como heroacutei e Flora agradecida pela
dececircncia do marido permanece no lar para cumprir seu papel de matildee e esposa dedicada
William Archer Edward Aveling Edmund Gosse e Bernard Shaw criacuteticos afinados com as
ideacuteias ibsenianas ficaram indignados com a adaptaccedilatildeo Archer chegou a declarar que era
impossiacutevel a representaccedilatildeo de Ibsen na Inglaterra e Edward Aveling ao comparar Breaking a
butterfly com Casa de boneca acentuou a forccedila do original apontando algumas razotildees para a
1 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 14 2 Henrik Ibsen Letters of Henrik Ibsen translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905 e Lettres de Henrik Ibsen a ses amis traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906
22
distorccedilatildeo feita no texto do dramaturgo como por exemplo o medo da rejeiccedilatildeo do puacuteblico e o
receio de se revelar a verdadeira funccedilatildeo do matrimocircnio dentro da sociedade burguesa1
Depois da encenaccedilatildeo de Breaking a butterfly Ibsen soacute voltou a ser discutido
novamente em janeiro de 1886 atraveacutes da leitura dramaacutetica de Casa de boneca feita por um
grupo de jovens comprometidos com o movimento socialista Eleanor Marx-Aveling (Nora)
Edward Aveling (Helmer) Bernard Shaw (Krogstad) entre outros A leitura da peccedila na
traduccedilatildeo de Henriette Frances Lord aconteceu na casa de Eleanor e Edward Aveling uma vez
que a obra de Ibsen estava categoricamente proibida de ser representada nos teatros
convencionais Ainda assim as questotildees levantadas naquela pequena reuniatildeo como a
desigualdade social a hipocrisia da famiacutelia burguesa e o feminismo obtiveram uma grande
repercussatildeo No mesmo mecircs o casal Aveling publicou um artigo na The Westminster Review
discutindo a partir das peccedilas de Ibsen a emancipaccedilatildeo da mulher e da classe operaacuteria sob a
perspectiva do socialismo2 Iniciava-se desse modo a revoluccedilatildeo ibsenista na Inglaterra
William Archer comeccedilou a traduzir as peccedilas do autor colaborando em 1889 com a
montagem profissional de Casa de boneca que teve Janet Achurch no papel principal
Bernard Shaw publicou em 1891 The quintessence of ibsenism aprofundando o debate em
torno da desmistificaccedilatildeo do heroacutei romacircntico e do gesto teatral grandioso que mascaravam a
realidade transformando a arte em objeto meramente decorativo Nesse livro Shaw celebrou
o teatro de Ibsen como ldquonovo e subversivordquo sobretudo por levar para a cena a discussatildeo dos
problemas morais de seu tempo contrapondo-se assim ao conservadorismo vitoriano em suas
expressotildees sociais poliacuteticas e culturais Ainda em 1891 entre fevereiro e maio outras peccedilas
do dramaturgo estrearam no palco inglecircs mdash Os espectros (1881) Rosmersholm (1886) A
dama do mar (1888) e Hedda Gabler (1890) mdash instigando uma onda de protesto e
indignaccedilatildeo O autor foi considerado por muitos um pervertido sexual um advogado do amor
livre e do sufraacutegio feminino o principal responsaacutevel pela desestruturaccedilatildeo da famiacutelia e do
matrimocircnio e pior ainda um socialista Clement Scott o mais impetuoso dos ldquoIbsen-
phobiacsrdquo publicou vaacuterios artigos em que acusava natildeo somente Ibsen de obsceno e
1 Cf William Archer ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 214 1 abr 1884 e Edward Aveling ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-474 maio 1884 ldquoThe adapters were afraid either of the greatness of the play they had to take in hand or of the English public or of themselves or of all of these They have feared to face the tragic question [of marriage] and to deal with it in Ibsenrsquos tragic way They have shirked the difficulty The authors of this conventional little play have succeeded in the Herculean labour of making Ibsen appear common-place And a feeling of sorrow that is positive pain comes with the reflection that a magnificent dramatic opportunity a chance of teaching our bourgeois audiences something of what life is and therefore what a play should be have (sic) been thoughtlessly rechlessly thrown awayrdquo 2 Eleanor Marx-Aveling Edwald Aveling ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886
23
corruptiacutevel mas tambeacutem seus tradutores e apologistas que ofereciam ao puacuteblico uma arte
degenerada1 Os ataques ao dramaturgo foram tatildeo violentos que Archer resolveu publicar
uma espeacutecie de dicionaacuterio de abusos elencando os termos usados pelos criacuteticos
principalmente na recepccedilatildeo de Os espectros encenada pelo Independent Theatre em 13 de
marccedilo de 18912
De fato Os espectros foi uma das obras de Ibsen que mais controveacutersia suscitou nos
teatros europeus natildeo apenas por sua temaacutetica cientificista mas sobretudo por causa das
mudanccedilas realizadas na estrutura do drama A accedilatildeo essencial da peccedila eacute a reconstituiccedilatildeo do
passado de Helena Alving o matrimocircnio com o licencioso Capitatildeo Alving o amor ao pastor
Manders que a repeliu convencendo-a a permanecer ao lado do marido e a idealizaccedilatildeo
falaciosa da imagem do Capitatildeo frente ao filho e agrave sociedade O resultado desses eventos eacute a
heranccedila bioloacutegica que se manifesta na loucura de Osvaldo viacutetima do passado de libertinagem
do pai Outros acontecimentos da peccedila como o interesse de Osvaldo por Regina sua irmatilde
ilegiacutetima e a tentativa de eutanaacutesia praticada por Helena para interromper o sofrimento do
filho chocaram a plateacuteia burguesa Aleacutem disso para os criacuteticos habituados com o
desenvolvimento crescente da accedilatildeo mdash o esboccedilo da intriga no primeiro ato o alcance de um
ponto mais impetuoso no segundo e a resoluccedilatildeo dos conflitos no terceiro mdash Os espectros era
um despropoacutesito A peccedila natildeo apresentava accedilotildees melodramaacuteticas ao contraacuterio o que se via em
cena era somente a anaacutelise das personagens e de sua situaccedilatildeo Embora observando a unidade
completa de accedilatildeo tempo e lugar Ibsen passou a fazer uso do flashback deslocando as accedilotildees
decisivas de seus dramas para o passado Desse modo as recordaccedilotildees evocadas atraveacutes de um
diaacutelogo dramaacutetico conciso serviam apenas para dar sentido agraves condiccedilotildees das personagens no
tempo presente facultando aos espectadores a visatildeo da totalidade do processo Suas peccedilas na
medida em que apresentavam no palco os problemas da sociedade burguesa natildeo se ajustavam
mais agraves regras da dramaturgia de rigor aristoteacutelico e assim Ibsen se viu forccedilado a
1 Cf Clement Scott [sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891 ldquoAn obscure Scandinavian dramatist and poet a crazy fanatic and determined socialist is to be trumpeted into fame for the sake of the estimable gentlemen who can translate his works and the enterprising tradesmen who publish them The whole thing is most amusing to those who are behind the scenes and the artful aid of the reacuteclame is exercised with an ingenuity worthy of the Gallic race Meetings are held under the open pretence of advocating the study of Ibsen but in reality for the propagation of the gospel of Socialismrdquo 2 Cf William Archer ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891 ldquoIbsenrsquos positively abominable play entitled Ghostshellip This disgusting representationhellip Reprobation due to such as aim at infecting the modern theatre with poison after desperately inoculating themselves and othershellip An open drain lsquoa loathsome sore unbandaged a dirty act done publicly a lazar-house with all its doors and windows openhellip Candid foulnesshellip Kotzebue turned bestial and cynical hellipOffensive cynicismhellip Ibsenrsquos melancholy and malodorous worldhellip Absolutely loathsome and fetidhellip Gross almost putrid indecorumhellip Literary carrionhellip Crapulous stuffhellip Novel and perilous nuisancersquo mdash Daily Telegraph (leading article) lsquoThis mess of vulgarity egotism coarseness and absurdityrsquomdash Daily Telegraph (criticism) []rdquo
24
ldquodesdramatizaacute-lasrdquo para tornar visiacutevel o fluir da realidade cotidiana Eacute assim que ao
transformar o tempo passado em assunto fundamental de sua obra Ibsen deu iniacutecio agrave crise do
drama demonstrando cada vez mais seu interesse pelo gecircnero eacutepico
A repulsa que a publicaccedilatildeo de Os espectros provocou no puacuteblico em 1881 natildeo teve
precedentes na histoacuteria da literatura norueguesa Ibsen foi acusado de niilista lascivo
defensor do amor livre e anticristatildeo Os livreiros recusaram-se em vender o drama sendo
muitos exemplares devolvidos ao editor Para os criacuteticos apenas um ldquoinsanordquo poderia
escrever uma peccedila com tantos disparates o realismo da obra havia se convertido num
naturalismo completamente pagatildeo a psicologia das personagens era pouco clara discutiacutevel e
enervante e portanto somente os historiadores da literatura poderiam quiccedilaacute um dia
interessar-se por ela como um caso singular de desequiliacutebrio mental Os maiores protestos no
entanto foram feitos em nome da igreja nunca um livro que pregava o incesto o amor
extraconjugal e a devassidatildeo sexual poderia adentrar uma casa cristatilde A peccedila foi enviada para
vaacuterios teatros da Escandinaacutevia mas todos rejeitaram-na Assim a primeira representaccedilatildeo de
Os espectros soacute aconteceria um ano mais tarde no Aurora Turner Hall em Chicago em maio
de 1882 para uma plateacuteia de imigrantes escandinavos Aliaacutes foram os Norwegian-Americans
que introduziram Ibsen nos Estados Unidos atraveacutes da divulgaccedilatildeo dos trabalhos do autor no
jornal Skandinaven O perioacutedico que circulou entre 1866 e 1941 era escrito em norueguecircs
mas com a popularidade do dramaturgo na Europa os editores passaram a reproduzir as
criacuteticas inglesas em sua liacutengua original Aleacutem disso foram eles tambeacutem os responsaacuteveis pela
primeira encenaccedilatildeo de Casa de boneca em territoacuterio americano A peccedila na adaptaccedilatildeo inglesa
de William Lawrence foi intitulada The Child Wife sendo representada no Grand Opera
House em Milwaukee Wisconsin em 2 de junho de 1882 Essa montagem diferente de Os
espectros ocorrida um mecircs antes foi recebida com grande entusiasmo pela imprensa que a
anunciou como ldquoAn Emocional Domestic Dramardquo A exemplo do que acontecera na
Inglaterra com Breaking a butterfly a versatildeo americana tambeacutem distorceu o texto original
Helmer marido de Nora compreendeu a falsificaccedilatildeo feita pela esposa agradecendo-a por ter
salvo sua vida reconciliados Nora desistiu de abandonar o lar
Entre 1894 e 1907 as companhias teatrais estrangeiras fizeram vaacuterias excursotildees nos
Estados Unidos trazendo em seus repertoacuterios peccedilas como Os espectros Um inimigo do povo
John Gabriel Borkman Hedda Gabler Solness o construtor e Peer Gynt Assim como
ocorrera na Europa as polecircmicas suscitadas pelas encenaccedilotildees foram inevitaacuteveis e natildeo
demorou muito para que Ibsen aparecesse nos principais perioacutedicos do paiacutes Hjalmar Hjorth
Boyesen um dos admiradores do dramaturgo aleacutem de escrever muitas mateacuterias em jornais e
25
revistas publicou Commentary on the works of Henrik Ibsen em 18941 No entanto Rasmus
Bjoslashrn Anderson foi o primeiro a escrever um artigo em inglecircs sobre a revoluccedilatildeo que o autor
vinha operando no palco europeu2 Curiosamente Anderson passou a adotar outro ponto de
vista no final da deacutecada de 1890 passando de defensor a opositor feroz do teatro de Ibsen Eacute
provaacutevel que o contato entre ele e William Winter o criacutetico teatral mais puritano do Greeleyrsquos
Tribune tenha provocado essa transformaccedilatildeo O fato eacute que Winter e Anderson foram para
Boston Wisconsin e Nova York o que Clement Scott foi para Manchester e Londres
adversaacuterios da ldquoimoralidaderdquo do teatro moderno3 Aleacutem disso a preocupaccedilatildeo maior dos
conservadores era a empatia entre as ideacuteias ibsenianas e os movimentos operaacuterio e anarquista
Para Emma Goldman feminista anarquista e liacuteder da causa dos trabalhadores o drama
moderno era uma espeacutecie de disseminador do pensamento radical sobretudo na Ameacuterica
onde o teatro meramente comercial servia apenas para provocar francas gargalhadas no
puacuteblico eliminando da cena qualquer alusatildeo aos temas sociais4 Durante o periacuteodo em que
viveu nos Estados Unidos de 1886 ateacute 1919 quando entatildeo foi expulsa do paiacutes em razatildeo de
sua intensa atividade poliacutetica Goldman escreveu panfletos publicou livros e fundou a revista
Mother Earth (1906-1917) que teve entre seus colaboradores Georg Brandes Maxim Gorki
Alexander Berkman e Eugene OrsquoNeill O perioacutedico trazia assuntos diversos desde temas
urgentes da eacutepoca como as prisotildees arbitraacuterias dos trabalhadores e o direito das mulheres ao
controle de natalidade ateacute poesia ficccedilatildeo e criacutetica teatral Em relaccedilatildeo a Ibsen a autora
distinguia Os pilares da sociedade Casa de boneca Os espectros e Um inimigo do povo
como verdadeiras obras libertaacuterias uma vez que expunham no palco a opressatildeo social a
hipocrisia dos puritanos e a exclusatildeo das mulheres na sociedade Desse modo Goldman
tornou-se a primeira a alertar que embora o autor de Hedda Gabler reivindicasse em suas
peccedilas o fim da sociedade patriarcal burguesa o ponto de discussatildeo central de sua dramaturgia
1 Cf Hjalmar Hjorth Boyesen Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894 2 Rasmus Bjoslashrn Anderson ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American 15 abr 1882 3 O tom da mudanccedila de atitude de Anderson em relaccedilatildeo a Ibsen pode ser avaliado no seguinte trecho de sua autobiografia Life story Madison Wisconsin 1915 p 487 ldquoI have no sympathy with [Ibsenrsquos] so-called social dramas beginning with A Dollrsquos House and [ending with] When We Dead Awaken Aside from the improprieties and offense against good morals that are found in them they seem to me mere twaddle and all the symbolism which they are said to contain I regard as a mere opinion of his readers and admiring criticsrdquo 4 Emma Goldman The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914 ldquoPerhaps those who learn the great truths of the social travail in the school of life do not need the message of the drama But there is another class whose number is legion for whom that message is indispensable In countries where political oppression affects all classes the best intellectual element have made common cause with the people have become their teachers comrades and spokesmen But in America political pressure has so far affected only the ldquocommonrdquo people It is they who are thrown into prison they who are persecuted and mobbed tarred and deported Therefore another medium is needed to arouse the intellectuals of this country to make them realize their relation to the people to the social unrest permeating the atmosphererdquo
26
era a luta de classes natildeo de gecircnero1 Apesar das circunstacircncias desfavoraacuteveis as obras de
Ibsen foram assimiladas por alguns autores que desejavam criar um novo teatro No final do
seacuteculo XIX Bronson Howard abordou o embate entre capital e trabalho com Baron Rudolph
de 1881 no iniacutecio do XX Edward Sheldon foi o primeiro a tratar da questatildeo racial em 1910 com The
Nigger OrsquoNeill escreveu em 1939 The iceman cometh peccedila cujo enredo eacute semelhante ao de O pato
selvagem e Arthur Miller aleacutem de compor All my sons em 1947 transpondo a teacutecnica analiacutetica de
Ibsen para a atualidade americana produziu a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo na deacutecada de 19502
Na Franccedila berccedilo da forma hegemocircnica do drama a resistecircncia agraves peccedilas ibsenianas foi
muito mais severa do que em qualquer outro paiacutes europeu Desde o final dos anos 1840 o
palco francecircs era totalmente dominado pelas comeacutedias realistas de Augier Dumas Filho e
Sardou que aliavam as descriccedilotildees dos costumes burgueses agrave exaltaccedilatildeo moralizante de seus
valores eacuteticos como o trabalho o matrimocircnio e a famiacutelia Somente a partir de 1887 com a
fundaccedilatildeo do Theacuteacirctre Libre por Andreacute Antoine comeccedilaram as campanhas para a revitalizaccedilatildeo
da cena francesa Antoine inspirado nas ideacuteias naturalistas de Zola preconizava um teatro
baseado na verdade na observaccedilatildeo e no estudo da natureza Suas produccedilotildees aleacutem do caraacuteter
popular e social destacavam-se pelos cenaacuterios realistas e pela interpretaccedilatildeo mais natural dos
atores sem os tradicionais gestos exagerados e as elocuccedilotildees empoladas Com isso o Theacuteacirctre
Libre logo tornou-se o refuacutegio de autores como Ibsen Hauptmann e Strindberg rejeitados
pelos teatros convencionais Os espectros e O pato selvagem foram as primeiras peccedilas do
dramaturgo a serem apresentadas agrave plateacuteia parisiense respectivamente em 1890 e 1891
provocando a fuacuteria de criacuteticos conservadores como Francisque Sarcey Com receio de que o
teatro ibseniano destruiacutesse a tradiccedilatildeo dramaacutetica da Franccedila Sarcey levantou-se sem demora
contra a ldquoinvasatildeo do baacuterbaro do Norterdquo A pedra de toque de sua criacutetica era o gosto do
puacuteblico por conseguinte uma peccedila era considerada boa ou ruim conforme o grau de
receptividade dos espectadores Os autores deviam necessariamente escrever dramas que
pudessem ser entendidos pela plateacuteia por isso os recursos da peccedila bem-feita eram
indispensaacuteveis A clareza a estrutura loacutegica e o propoacutesito moral do drama eram as qualidades
que Sarcey reivindicava como o cerne da experiecircncia teatral Nesse sentido aleacutem da
incompreensatildeo e da inconsistecircncia dos temas a principal queixa de Sarcey contra as peccedilas
ibsenianas era relacionada agrave estrutura dramaacutetica que apresentava cenas incoerentes e
1 Cf Emma Goldman ldquoThe drama a powerful dissemination of radical thoughtrdquo Anarchism and others essays New York Dover 1969 p 241-271 2 Cf sobre Ibsen e OrsquoNeill Sverre Arestad ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948 e Rolf Fjelde ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988
27
desarticuladas Para o criacutetico Ibsen feria a regra mais importante do drama ao deixar o
puacuteblico sem o conhecimento baacutesico dos fatos e das histoacuterias de cada personagem O arranjo
cuidadoso da antecipaccedilatildeo de um evento e a efetivaccedilatildeo da scegravene agrave faire (cena obrigatoacuteria) era o
que Sarcey e a plateacuteia que ele representava esperavam de um espetaacuteculo teatral1
Ibsen configurava-se tatildeo obscuro aos olhos do puacuteblico francecircs que se tornou comum a
realizaccedilatildeo de uma conferecircncia preacutevia sobre o enredo e o contexto de qualquer uma de suas
obras que por laacute fosse encenada Assim minutos antes da estreacuteia de Hedda Gabler no
Theacuteacirctre du Vaudeville em 1891 Jules Lemacircitre tentou explicar o caraacuteter ldquonebulosordquo da
personagem-tiacutetulo atraveacutes de uma comparaccedilatildeo entre as mulheres escandinavas e as francesas
Para ele o desprezo que Hedda nutria por Tesman seu marido as suas ambiccedilotildees
desmesuradas que levaram agrave ruiacutena seu ex-amante Loevborg e a sua morte na uacuteltima cena da
peccedila mdash quando ela daacute fim agrave proacutepria vida e agrave do filho que estava esperando mdash provinham de
sua origem luterana Hedda sendo protestante estava fadada a se dedicar inteiramente a uma
vida de pureza espiritual ldquotoute acircmerdquo eximindo-se de qualquer prazer material e da ldquojoie de
vivrerdquo alardeada pelo catolicismo Segundo Lemaicirctre isso explicava o fastio da personagem
pela vida sua natildeo vocaccedilatildeo para a maternidade e sua falta de solidariedade com o proacuteximo
Nessa esteira ele argumentava ainda que a premissa baacutesica do luteranismo a reivindicaccedilatildeo da
autonomia moral tatildeo bem incorporada nos caracteres de Nora e Helena Alving havia sido
grotescamente distorcida resultando daiacute a figura neuroacutetica de Hedda Depois de todo esse
disparate o criacutetico concluiu sua exposiccedilatildeo aproximando Hedda Gabler de Emma Bovary
ambas monstruosamente orgulhosas esnobes ciacutenicas e crueacuteis2 Se por um lado alguns
criacuteticos indignaram-se com essa leitura como Camille Mauclair e Henri Becque que
acusaram Lemaicirctre de julgar a obra de Ibsen sob um ponto de vista hostil e malevolente
dificultando ainda mais a compreensatildeo do puacuteblico por outro houve quem concordasse com
ele como Camille Bellaigue criacutetico da Revue des Deux Monde que viu Hedda como ldquoune
toqueacutee une deacutepraveacuteerdquo uma criatura bizarra e uma meretriz da pior espeacutecie3
1 Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 371 ldquoIbsen jette sur la scegravene des personnages qui parlent de leurs affaires comme si nous eacutetions au courant Ce nest que peu agrave peu au cours de leurs conversations que nous finissons par reconstituer le point initial dougrave toute laction est partie Ce systegraveme mest insupportable Je suis Latin en cela ou plutocirct je suis Franccedilais Jai besoin quon me dise Voilagrave ce qui sest passeacute voici ougrave nous en sommes eacutecoutez ce qui va suivrerdquo 2 Cf Jules Lemaicirctre Impressions de theacuteacirctre v 6 Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897 p 50-62 Sobre a analogia entre Hedda Gabler e Emma Bovary cf Elsie M Wiedner ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989 p 32-33 3 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 128
28
Em 1892 o Cercle des Escholiers dirigido por Georges Bourdon representou A dama
do mar Entretanto foi no ano seguinte que Ibsen tornou-se definitivamente o adversaacuterio
nuacutemero um dos criacuteticos conservadores franceses com a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo
dirigida por Lugneacute-Poe e Camille Mauclair no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Esta montagem foi
polecircmica natildeo somente pelas inovaccedilotildees que os simbolistas trouxeram para a cena mdash como o
uso da iluminaccedilatildeo das cores do movimento e do arranjo cecircnico servindo antes agrave evocaccedilatildeo
do que agrave verossimilhanccedila mdash mas sobretudo porque a peccedila foi apresentada em termos
explicitamente anarquistas Como de praxe a estreacuteia do espetaacuteculo foi precedida de uma
conferecircncia dessa vez a cargo de Laurent Tailhade poeta libertaacuterio que enfatizou o aspecto
de criacutetica social do drama insistindo na importacircncia da ldquorevoltardquo contra ldquole pegravere le patron et
la patrierdquo Desse modo as desventuras do Dr Stockmann mdash protagonista da peccedila que acaba
sendo abandonado por todos e considerado um inimigo do povo ao entrar em choque com os
interesses dos poderosos de sua cidade mdash foram vistas como uma alegoria da luta do
indiviacuteduo contra as autoridades corruptas e contra a ilegitimidade do estado de poder Mas
natildeo foi apenas a leitura de Taillade que politizou o evento alguns simpatizantes do
movimento anarquista participaram da montagem como figurantes da cena em que uma
multidatildeo se reuacutene para discutir a contaminaccedilatildeo da estacircncia balneaacuteria da cidade pelos esgotos
das induacutestrias da regiatildeo Na sala do espetaacuteculo vaias e aplausos se misturaram possibilitando
desse modo que o puacuteblico participasse ativamente da encenaccedilatildeo O tumulto iniciado no
teatro ganhou as ruas resultando em alguns casos em prisatildeo perseguiccedilatildeo e ateacute mesmo
deportaccedilatildeo Por ordem da justiccedila a proacutexima peccedila do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Les acircmes solitaires
de Hauptmann foi cancelada e durante algum tempo o teatro permaneceu sob vigilacircncia
policial Por sua vez Um inimigo do povo foi execrada pela criacutetica e Ibsen passou cada vez
mais a ser visto como ldquoum anarquista da arterdquo que exercia um verdadeiro terror no puacuteblico1
Poucos meses depois do impacto causado por Um inimigo do povo o Theacuteacirctre de
lrsquoOeuvre apresentou ao puacuteblico Rosmersholm peccedila que conta a histoacuteria de Rosmer e Rebecca
West Ele um homem de caraacuteter refinado e distinto mdash viuacutevo da melancoacutelica Beata que
acabou por se suicidar atirando-se na correnteza de um rio mdash foi abandonado por todos os
amigos quando decidiu renunciar a seu cargo de pastor da comunidade assumindo ideacuteias
liberais Rebecca uma mulher livre de quaisquer autoritarismos e ortodoxias amiga e
1 Cf ldquoLes auteurs nordiques et les anarchistes un malentendu feacutecondrdquo In Caroline Granier Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes-Saint-Denis Paris e Erin Williams Hyman ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005
29
confidente de Rosmer influenciou consideravelmente nas suas decisotildees No decorrer da peccedila
Rebecca confessa que manipulou Beata induzindo-a ao suiciacutedio Apesar disso Rosmer a
perdoa pedindo-a em casamento Mas ela natildeo aceita argumentando que natildeo pode se libertar
dos erros cometidos no passado No fim da peccedila sem perspectivas negando-se a ter uma vida
de estagnaccedilatildeo e modorra ambos se matam jogando-se na mesma correnteza em que Beata
morrera Com essa montagem mais do que com Um inimigo do povo que ainda apresentava
evidentes conotaccedilotildees poliacuteticas Ibsen foi definitivamente incorporado ao movimento
simbolista do teatro francecircs No programa do espetaacuteculo talvez para estimular a criacutetica e o
puacuteblico a assistir a encenaccedilatildeo Victor Charbonnel declarou que Rosmersholm era ldquoune piegravece
moins embarrasseacutee et confuserdquo do que outras de Ibsen sendo quase uma ldquopiegravece bien faiterdquo
Ao mesmo tempo ele realccedilou a psicologia o idealismo a poesia e a paixatildeo das personagens
como os elementos relevantes da peccedila deixando claro que natildeo se veria no palco qualquer
mensagem poliacutetica ou ideoloacutegica mas tatildeo somente um drama evocativo propiacutecio mais agrave
meditaccedilatildeo do que agrave predicaccedilatildeo1
A despeito dessas consideraccedilotildees a peccedila foi tatildeo incompreendida quanto Os espectros
Hedda Gabler e A dama do mar Primeiro porque Rosmersholm fornecia o mais
impressionante exemplo da teacutecnica analiacutetica de Ibsen mdash a accedilatildeo principal da peccedila natildeo era
senatildeo a anaacutelise das razotildees que levaram agrave morte Beata Rosmer e Rebecca mdash gerando por
esse motivo a acusaccedilatildeo de criacuteticos favoraacuteveis agrave formula da peccedila bem-feita de que o drama era
artificial inconsistente ininteligiacutevel e absurdo Segundo porque a montagem enfatizando o
estado de espiacuterito sombrio o tom sepulcral e sobretudo a preocupaccedilatildeo com a morte assunto
tatildeo caro aos simbolistas levou a criacutetica a julgar a obra como estaacutetica e monoacutetona desprovida
de qualquer cunho dramaacutetico seja a tensatildeo o suspense a crise ou o conflito E terceiro
porque Rebecca vista pela oacutetica da imagem do eacuteternel feacuteminin mdash um tipo de mulher eteacuterea
altamente idealizada miacutestica quase um ente sobrenatural e diaboacutelico mdash levou alguns criacuteticos
a considerar natildeo soacute ela mas todas as personagens femininas de Ibsen como criaturas
maleacutevolas imorais e delinquumlentes capazes de desestruturar lares destruir os outros e a si
proacuteprias Para os adeptos do simbolismo como Henry James Edmund Gosse Paul Bourget
entre outros as personagens ibsenianas nada mais representavam que um eacutetat drsquoacircme ou souls-
crisis constituindo a obra de Ibsen desse modo de uma verdadeira ldquoSoulrsquos tragedyrdquo Seja
como for natildeo demorou muito para que as personagens femininas de Ibsen fossem tomadas
1 Cf ldquoRosmersholm toward new realms of artrdquo In Kirsten Shepherd-Barr Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997
30
pelos psiquiatras meacutedicos e criminalistas da eacutepoca como verdadeiros casos patoloacutegicos de
desequiliacutebrio mental sendo tratadas como histeacutericas neuroacuteticas e degeneradas1
Em 1894 o Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre levou agrave cena Solness o construtor (1892) A peccedila
escrita de acordo com a teacutecnica analiacutetica inicia-se quando Halvard Solness estaacute no fim da
vida A essa altura ele jaacute eacute o ceacutelebre construtor que se fez explorando muita gente sobretudo
dois de seus empregados Knut e Ragnar Brovik pai e filho Quando Solness descobre que
Ragnar quer montar o seu proacuteprio negoacutecio natildeo economiza meios para o impedir chegando a
incentivar Kaia Fosli noiva de Ragnar mas apaixonada por Solness a se casar com o rapaz
para manter ambos em seu escritoacuterio Em meio a esses eventos o construtor recebe a visita
inesperada de Hilda Wangel uma jovem que conhecera dez anos antes quando esteve em sua
cidade natal para construir a torre da igreja No decorrer da accedilatildeo atraveacutes do diaacutelogo entre
Solness e Hilda ficamos sabendo que a fortuna do construtor proveio de um incecircndio que
destruiu a casa herdada dos pais de sua mulher Aline que ele sabia da existecircncia de uma
fenda na chamineacute mas natildeo providenciou o conserto que em consequumlecircncia do ldquoincidenterdquo
Aline teve uma febre de leite que levou agrave morte o seu casal de gecircmeos e finalmente que ele
arruinou Knut Brovik o homem que lhe ensinara o ofiacutecio No final da peccedila Solness que
acabara de construir uma casa nova para sua famiacutelia eacute instigado por Hilda a subir ateacute o topo
da torre para depositar uma coroa de flores mdash costume norueguecircs para se comemorar a
inauguraccedilatildeo de uma obra O construtor malgrado a vertigem das alturas aceita o desafio e
acaba morrendo ao se desequilibrar e cair do alto da torre
A partir dessa peccedila alguns simbolistas como por exemplo Maeterlinck passaram a
associar a teacutecnica dramatuacutergica de Ibsen ao hipnotismo sugerindo que seus dramas
transportavam os espectadores para um mundo de sonho e alucinaccedilatildeo Tal qual um devaneio
Solness era composta de um conjunto de imagens de pensamentos ou de fantasias de ldquovaacuterias
camadas de siacutembolos superpostasrdquo que poderiam desdobrar-se e aparecer aos olhos do
puacuteblico sob muacuteltiplas formas Assim Ibsen foi saudado como autor de um novo tipo de drama
mdash um drama de reflexatildeo interna que expressava no palco apenas a vida interior das
personagens mdash transformando o teatro desse modo em um templo de compleiccedilatildeo miacutestica2
Nessa esteira Prozor no prefaacutecio de sua traduccedilatildeo de Solness forneceu uma explicaccedilatildeo
detalhada dos siacutembolos contidos na peccedila que segundo ele era completamente alegoacuterica
facilmente compreensiacutevel e ldquoassez transparentsrdquo as personagens natildeo eram senatildeo
1 Cf sobre essa questatildeo as anaacutelises equivocadas feitas pelo criminalista italiano Cesare Lombroso LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 e pelo meacutedico Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf Maurice Maeterlinck ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894
31
dramatizaccedilotildees do proacuteprio Ibsen Solness era o dramaturgo Hilda era a juventude e a
imaginaccedilatildeo Aline o passado Knut Brovik a rotina Ragnar o utilitarismo moderno as
igrejas que Solness construiacutera eram os dramas filosoacuteficos de Ibsen como Brand e as casas
eram peccedilas modernas como Os espectros1 Essa leitura influenciou muitos criacuteticos sendo
reproduzida em vaacuterios outros artigos e livros como por exemplo Acircmes modernes de Henry
Bordeaux e Les reacutevolteacutes scandinaves de Maurice Bigeon2 Henry James tambeacutem partilhou
das mesmas ideacuteias de Prozor chamando Solness de um ldquoIbsen within an Ibsenrdquo3 A criacutetica
contraacuteria a Ibsen recebeu a peccedila sem nenhum entusiasmo vendo-a como obra de um
desequilibrado Clement Scott chegou a comparaacute-la a um manicocircmio ldquoa play written
rehearsed and acted by lunaticsrdquo4 E Sarcey contestou-a pela falta de clareza acusando o
dramaturgo de ter um discurso verborraacutegico e esquisito que transformou Solness em pura e
simples banalidade ldquoil est tout agrave la fois obscur et pueacuterilrdquo ldquocrsquoest du pur galimatiasrdquo ldquocrsquoest le
plus simple et le plus naiumlf des truismesrdquo5
Enquanto Ibsen escrevia suas uacuteltimas peccedilas mdash O pequeno Eyolf (1894) John Gabriel
Borkman (1896) e Quando noacutes os mortos despertarmos (1899) mdash e o movimento simbolista
propagava suas ideacuteias sobre a soul-crisis Sigmund Freud avanccedilava do estudo da histeria para
o do inconsciente utilizando-se muitas vezes de obras-de-arte para ilustrar suas teorias No
acircmbito do teatro satildeo famosas suas investigaccedilotildees sobre o chiste que se referem indiretamente
agrave comeacutedia bem como seu exame de cenas e personagens dramaacuteticas para elucidar certas
condiccedilotildees psiconeuroacuteticas Aleacutem da ceacutelebre anaacutelise de Eacutedipo Freud fez um estudo de
Rebecca West personagem de Rosmersholm no artigo ldquoArruinados pelo ecircxitordquo publicado em
1916 Partindo da teoria do complexo de Eacutedipo Freud identifica no comportamento e
sobretudo nas palavras de Rebecca motivos ldquosubterracircneosrdquo e mecanismos inconscientes que
revelam um sentimento de culpa em relaccedilatildeo ao seu passado incestuoso ter sido amante do
proacuteprio pai sem o saber Essa situaccedilatildeo natildeo estaacute claramente explicitada no texto de Ibsen mas
segundo Freud haacute ldquoindiacutecios e fragmentosrdquo inseridos com tal arte nas entrelinhas da trama que
validam essa interpretaccedilatildeo e ao mesmo tempo ajudam a compreender o obstaacuteculo agrave uniatildeo de
1 Cf prefaacutecio de Solness le constructeur de Moritz Prozor em Henrik Ibsen Solness le constructeur Paris Savine 1893 Esse mesmo texto foi publicado na ediccedilatildeo brasileira de seis peccedilas de Ibsen Conde Prozor ldquoComentaacuterios sobre Solness o construtorrdquo Seis dramas Porto Alegre Globo 1944 p 479-488 2 Cf Henry Bordeaux La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894 e Maurice Bigeon Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894 3 Cf Henry James ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893 4 Cf Clement Scott [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893 5 Cf Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 356
32
Rebecca e Rosmer1 Esse tipo de anaacutelise que na maioria das vezes diz muito mais sobre a
psicanaacutelise do que sobre o trabalho eou os propoacutesitos do autor tornou-se a partir daiacute uma das
estrateacutegicas criacuteticas cada vez mais usadas para se analisar as obras ficcionais No caso da
criacutetica das peccedilas de Ibsen sobretudo depois de Solness agrave abordagem autobiograacutefica que jaacute
vinha sendo feita desde o final do seacuteculo XIX acrescentou-se a psicanaliacutetica a ponto de alguns
considerarem o dramaturgo como um ldquoFreud do teatrordquo Desse modo ora a obra de Ibsen
serve de material para diagnosticar seu psiquismo como por exemplo identificaacute-lo com o
escultor Rubek personagem de sua uacuteltima peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos
concluindo que ambos estatildeo presos agrave culpa de renunciar a proacutepria vida por um ideal de arte
ora suas personagens satildeo reduzidas sempre ao mesmo complexo de Eacutedipo deixando de lado
os problemas gerais mdash social moral e metafiacutesico mdash a favor de casos particulares e
patoloacutegicos negando assim a universalidade da obra ibseniana2
No iniacutecio do seacuteculo XX as peccedilas de Ibsen malgrado os escacircndalos as polecircmicas e a
oposiccedilatildeo cerrada de criacuteticos conservadores acabaram sendo incorporadas ao teatro claacutessico
Embora nem sempre gozando da popularidade que tivera no final do seacuteculo XIX Ibsen
continuou a ser discutido pelos teoacutericos de vanguarda sobretudo pelos simpatizantes da
esteacutetica simbolista que tentavam achar uma saiacuteda para a conflito entre a visatildeo abstrata do
drama e sua representaccedilatildeo fiacutesica Em 1906 ano da morte do dramaturgo Max Reinhardt
juntamente com Edvard Munch responsaacutevel pelo design da produccedilatildeo encenou Os espectros
no Kammerspiele Theatre em Berlim Vsevolod Meyerhold trabalhando entatildeo na companhia
da atriz Vera Komissarzhevskaya dirigiu Hedda Gabler em Satildeo Petersburgo e Edward
Gordon Craig criou o cenaacuterio para a representaccedilatildeo de Rosmersholm de Eleonora Duse no
Teatro della Pergola em Florenccedila Essas trecircs montagens embora muito distintas entre si
compartilharam da ruptura com os padrotildees realistas de encenaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo levando
para o palco a teatralidade a estilizaccedilatildeo e a sugestatildeo Craig no desenho das cenas de
Rosmersholm abusou das variaccedilotildees de luz e cor buscando estabelecer uma relaccedilatildeo
inequiacutevoca entre as personagens e os objetos que a cercavam Segundo registros de Guido
Noccioli um dos atores que participou dessa montagem o cenaacuterio e a mobiacutelia eram verdes
contrastando apenas com uma porta azul que vez ou outra atingia um tom celeste por causa
1 Cf ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In Sigmund Freud Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356 2 Cf por exemplo Derek Russell Davis ldquoA reappraisal of Ibsenrsquos Ghostsrdquo In James Walter Mcfarlane Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970 p 369-383 e Anne Hage ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005
33
dos dez refletores utilizados em cena1 A nova arquitetura do espaccedilo cecircnico foi o que mais
chamou a atenccedilatildeo de alguns criacuteticos italianos como Enrico Corradini que em um de seus
muitos artigos publicados na imprensa considerou-a perfeita para acolher a psicologia
profunda de Rosmer e Rebecca West2
Meyerhold antes da encenaccedilatildeo de Hedda Gabler escreveu o ensaio ldquoO teatro
naturalista e o teatro de humorrdquo onde desaprovava a esteacutetica naturalista pelo cuidado
excessivo da reproduccedilatildeo exata da natureza negando ao espectador a capacidade de sonhar e
imaginar No caso das peccedilas de Ibsen o diretor russo acusava os encenadores naturalistas de
transformaacute-las em tediosas monoacutetonas e doutrinaacuterias uma vez que se preocupavam apenas
com o desenho preciso de ldquotiposrdquo do universo norueguecircs e com a anaacutelise minuciosa dos
diaacutelogos das personagens Na acircnsia de tornar a dramaturgia ibseniana suficientemente
compreensiacutevel ao puacuteblico os naturalistas buscavam tornar vivos os diaacutelogos ldquoenfadonhosrdquo e
complicados do autor atraveacutes do trabalho analiacutetico das cenas de transiccedilatildeo ldquoas personagens
comem limpam a sala fazem as malas embrulham sanduiacuteches etcrdquo3 Com isso eles
colocavam em primeiro plano muitas cenas secundaacuterias sufocando o misteacuterio e as meias-
palavras que segundo Meyerhold eram as essecircncias da obra de Ibsen Em sua produccedilatildeo de
Hedda Gabler o diretor russo procurou efetivar no palco as ideacuteias contidas em seu ensaio de
modo a forccedilar o puacuteblico a ter uma visatildeo mais profunda da realidade e tentar decifrar o enigma
por traacutes dos discursos das personagens Para tanto qualquer alusatildeo a tempo ou espaccedilo foi
suprimida um esquema simboacutelico de valores e formas cromaacuteticas foi utilizado para
caracterizar a imagem e os traccedilos psicoloacutegicos de cada personagem Tesman vestia-se de
cinza Loevborg de marrom Brack de cinza escuro Thea de rosa e Hedda de verde o
cenaacuterio de Nicolai Sapunov tinha uma espeacutecie de trono coberto com um pano branco
contrapondo-se a um fundo azul onde Hedda se sentava e em torno do qual se desenvolveram
a maioria das cenas aleacutem disso o palco era em ldquobaixo relevordquo cujo efeito bi-dimensional
opunha-se agrave ldquocaixa asfixianterdquo e agrave profundidade do palco naturalista deixando o ator perto do
espectador4 Poucos meses depois dessa produccedilatildeo Meyerhold encenou Casa de boneca e agrave
medida que Nora aproximava-se da decisatildeo de deixar os filhos e o marido o diretor russo foi
1 Cf Guido Noccioli Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Traduccedilatildeo de Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982 2 Edward Gordon Craig Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971 ldquoil palcoscenico appariva trasformato veramente trasfigurato altissimo con una architettura nuova senza piugrave quinte di un solo colore fra il verde e il cilestrino semplice misterioso e affascinante degno insomma di accogliere la vita profonda di Rosmer e di Rebecca West La scena egrave la rappresentazione di uno stato danimordquo 3 Cf Vsevolod Meyerhold ldquoThe naturalistic theatre and the theatre of moodrdquo Meyerhold on theatre translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969 p 23-34 4 Vsevolod Meyerhold Meyerhold on theatre p 65-66
34
derrubando os cenaacuterios que compunham a casa da personagem evidenciando cenicamente a
queda dos valores da sociedade liberal burguesa
As vanguardas do novo seacuteculo salvo ralas manifestaccedilotildees oriundas de tendecircncias
marxista e socialista natildeo eram atraiacutedas pela poliacutetica A preocupaccedilatildeo dos simbolistas com um
teatro de encantamento e ecircxtase a exaltaccedilatildeo do estado de espiacuterito e do vitalismo dos
expressionistas o fasciacutenio dos futuristas pela maquinaria moderna a atenccedilatildeo dos surrealistas
para com os misteacuterios da vida interior levou muitas vezes a um puro subjetivismo beirando o
solipsismo Somente depois da Primeira Guerra e da Revoluccedilatildeo de Outubro teoacutericos criacuteticos
e dramaturgos voltariam a se interessar pelo desenvolvimento de um drama que respondesse
agraves inquietaccedilotildees do homem comum e aos problemas da sociedade moderna Em 1908 no
ensaio ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo o criacutetico russo Georgy Plekhanov jaacute reclamava
de autores que adotando pontos de vista burgueses produziam obras refrataacuterias agraves questotildees
sociais e poliacuteticas de seu tempo Em contrapartida o criacutetico cita o exemplo de Ibsen que
embora natildeo fosse capaz de dar nenhuma soluccedilatildeo poliacutetica aos problemas sociais de sua eacutepoca
foi como nenhum outro escritor moderno um liacuteder na luta contra os desmandos e as
hipocrisias da pequena burguesia oitocentista Sua revoluccedilatildeo apesar de puramente negativa
voltada para a libertaccedilatildeo individual levou-o muitas vezes ao simbolismo mas ainda assim
ofereceu agraves classes desprivilegiadas o entusiasmo pelo desejo de mudanccedila social seja
criticando a sociedade capitalista a instituiccedilatildeo do casamento ou a desigualdade de direitos
entre homens e mulheres Nessa esteira Plekhanov criticava os artistas que presos apenas aos
aspectos puramente simboacutelicos dos dramas ibsenianos priorizavam somente a visatildeo abstrata
do aperfeiccediloamento humano preterindo desse modo as ameaccedilas da revoluccedilatildeo social1
O huacutengaro Georg Lukaacutecs tambeacutem foi um criacutetico severo do idealismo abstrato na arte
Seu interesse pelo drama teve iniacutecio em 1904 quando ajudou a fundar o grupo Thalia de
teatro Concebido nos moldes do Freie Buumlhne de Berlim e do Theacuteacirctre Libre de Paris o Thalia
deu renovado alento agrave vida cultural de Budapeste encenando para a classe operaacuteria peccedilas de
Hebbel Strindberg Wedekind e Ibsen de quem aliaacutes Lukaacutecs traduziu O pato selvagem Sob o
influxo dessa organizaccedilatildeo teatral o jovem criacutetico escreveu em 1906 o seu primeiro livro
Histoacuteria do desenvolvimento do drama moderno publicado somente em 1911 Neste livro
que tem um capiacutetulo dedicado a Ibsen jaacute se encontra o fundamento da teoria do drama de
Lukaacutecs para quem as obras teatrais deveriam descrever acurada e abrangentemente a situaccedilatildeo
1 Georgy Plekhanov ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In Angel Flores Henrik Ibsen New York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007
35
soacutecio-histoacuterica de uma dada eacutepoca Por conseguinte as personagens deveriam apresentar-se
como ldquotiposrdquo emblemaacuteticos da sociedade a fim de apreenderem a totalidade do processo
social manifestando assim as tensotildees da cultura burguesa Esse sistema onde acreditava-se
que a arte podia harmonizar contradiccedilotildees para exprimir os traccedilos essenciais de natureza
moral psicoloacutegica e social da sociedade capitalista natildeo implicava nenhuma modificaccedilatildeo
profunda nos conceitos acerca da proacutepria estrutura dramaacutetica Desse modo qualquer mudanccedila
na forma convencional do drama era vista por Lukaacutecs como um trampolim para o
esvaziamento do conteuacutedo literaacuterio transformando a arte em um campo de experiecircncias
meramente formais Preso agrave concepccedilatildeo de drama como sinocircnimo de conflito Lukaacutecs vecirc as
personagens ibsenianas a partir de O pato selvagem como ldquodesagradaacuteveis figuras cocircmicasrdquo
Isso porque o ponto de vista dos heroacuteis de Ibsen segundo o criacutetico estaacute muito acima dos
outros personagens que lhes fazem frente impedindo desse modo que se produza a verdadeira
ldquoluta traacutegica e dramaacuteticardquo entre eles Assim o conflito desenrola-se no vazio e o antagonismo
entre as personagens torna-se grotesco atingindo o cocircmico e por vezes o ridiacuteculo A
ldquosublimidade traacutegicardquo dos heroacuteis ibsenianos torna-se artificial podendo ser mantida apenas
atraveacutes da criaccedilatildeo de uma atmosfera simbolista Mas para Lukaacutecs essa mudanccedila de Ibsen mdash
de um realismo ainda que impregnado de elementos naturalistas para a vacuidade dos
siacutembolos mdash de modo algum representa a superaccedilatildeo das contradiccedilotildees do realismo do fim do
seacuteculo XIX Antes aponta a continuidade das incoerecircncias mas num niacutevel artiacutestico inferior
afastado da compreensatildeo da realidade No entanto em Ibsen essa crise ideoloacutegica ainda
apresenta uma rigorosa e profunda criacutetica que mostra a dissoluccedilatildeo dos ideais burgueses e o
mecanismo da hipocrisia e da auto-ilusatildeo na sociedade capitalista em decliacutenio Essa visatildeo de
Lukaacutecs que insiste na inutilidade da experimentaccedilatildeo literaacuteria natildeo realista desencadearia mais
tarde os ataques ao teatro eacutepico de Brecht provocando um debate teoacuterico no seio da criacutetica
marxista que se arrastaria pelos anos 1930 e repercutiria nas deacutecadas seguintes1
Por volta de 1920 Ibsen jaacute estava completamente absorvido pelo mercado teatral As
dimensotildees sociais e poliacuteticas de suas peccedilas mdash que haviam revolucionado o teatro no seacuteculo
passado denunciando no palco os ideais capciosos da burguesia mdash foram rejeitadas a favor
exclusivamente da exploraccedilatildeo da vida interior e da intemporalidade da psicanaacutelise
Personagens como Nora de Casa de boneca e Helena Alving de Os espectros que outrora
haviam sido ldquoporta-vozesrdquo da emancipaccedilatildeo feminina criticando as convenccedilotildees da sociedade
burguesa afiguravam-se no novo seacuteculo como mulheres problemaacuteticas e mal resolvidas
1 Cf sobre Lukaacutecs e o drama moderno Georg Lukaacutecs Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968 e Il drama moderno Milano SugarCo 1976
36
viacutetimas de traumas ocorridos na infacircncia As variaccedilotildees do complexo edipiano explicavam no
caso de Nora a libertaccedilatildeo do passado e das amarras que a mantinham presa ao marido e no
caso de Helena a renuacutencia da felicidade transformando-a assim em matildee e esposa abnegada
Nesse periacuteodo Brecht elaborava seus primeiros escritos teoacutericos em sua maior parte criacuteticas
teatrais veiculadas no jornal Der Augsburger Volkswille entre 1919 e 1921 Alguns desses
textos em sua proacutepria fatura jaacute mostram o efeito de estranhamento mdash que seria amplamente
desenvolvido na teatro de Brecht nas deacutecadas seguintes mdash como forma de sacudir o leitor em
seu torpor abalando a velha imagem da cultura integrada e digerida sem perigo Eacute nesse
sentido que a propoacutesito da encenaccedilatildeo de Os espectros na Alemanha em 1919 Brecht
denuncia a pasteurizaccedilatildeo da obra de Ibsen por artistas e criacuteticos teatrais interessados tatildeo
somente na empatia do puacuteblico e no aspecto puramente lucrativo do espetaacuteculo teatral Num
texto curto de poucas linhas Brecht ressalta a importacircncia de se ir aleacutem da percepccedilatildeo
ideoloacutegica da esfera da vida privada examinando-a criticamente sobretudo nos seus
interesses mesquinhos e materiais Sob essa perspectiva em Os espectros importava verificar
que Helena Alving natildeo era a pobre viacutetima de um matrimocircnio infeliz mas uma mulher
oportunista que se casou por dinheiro mantendo a todo custo um casamento de aparecircncias a
fim de preservar a tradiccedilatildeo e o prestiacutegio social1
Apoacutes a Segunda Guerra a induacutestria de entretenimento cujas bases jaacute estavam dadas
no iniacutecio do seacuteculo fortaleceu-se de tal modo com a ascensatildeo do capitalismo tardio que as
produccedilotildees teatrais comprometidas com o engajamento poliacutetico foram expropriadas pelo
capital A essa altura as chamadas peccedilas sociais de Ibsen soacute interessavam quando tratadas
dentro dos limites do realismo psicoloacutegico jaacute que assuntos como moral dinheiro casamento
e feminismo eram tachados de obsoletos e ultrapassados Nessa nova fase do capitalismo
obras como Os pretendentes agrave coroa e Brand foram celebradas pela teacutecnica e pela poesia
magistral Imperador e Galileu pela filosofia profunda e Peer Gynt ateacute entatildeo conhecida
quase que exclusivamente pela muacutesica de Edvard Grieg foi encenada em muitos paiacuteses
obtendo grande ecircxito A ldquodomesticaccedilatildeo das artesrdquo pela induacutestria cultural foi examinada por
Max Horkheimer e Theodor Adorno na Dialeacutetica do esclarecimento livro dos anos 1940
Contudo eacute em Minima moralia obra composta de aforismos escritos entre 1944 e 1947 que
Adorno faz referecircncia direta a Ibsen analisando uma das questotildees caras ao dramaturgo a
condiccedilatildeo feminina na sociedade de consumo No fragmento intitulado ldquoExumaccedilatildeordquo o criacutetico
contraria o senso comum que apontando o afrouxamento dos tabus sexuais e a participaccedilatildeo
1 Bertold Brecht ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12
37
da mulher no mercado de trabalho daacute por superada a questatildeo do feminismo No entanto as
novas formas de exploraccedilatildeo econocircmica distorceram a independecircncia da mulher tornando-a a
um soacute tempo vulneraacutevel agrave dominaccedilatildeo e incapaz de refletir sobre essa conjuntura Assim sob a
falsa aparecircncia de autonomia e liberdade promovida sobretudo pela induacutestria de consumo mdash
cadeias de loja e magazines que lhes fazem deferecircncia e bajulaccedilatildeo mdash as mulheres se
esquecem de sua sujeiccedilatildeo a ordem social e econocircmica tanto no que diz respeito agrave sua
ldquomiseraacutevel jornada de trabalho profissionalrdquo quanto agrave sua vida no lar Na sequumlecircncia desses
argumentos Adorno compara as personagens ldquohisteacutericasrdquo de Ibsen e ldquosuas tentativas
desesperadas de evadir-se da prisatildeo da sociedaderdquo mdash referecircncia clara a Nora de Casa de
boneca mdash com as mulheres atuais ldquosuas netasrdquo que sem se sentirem atingidas pela mesma
desumanizaccedilatildeo enviariam-nas ldquoaos bons cuidados da assistecircncia socialrdquo Em chave irocircnica
Adorno aponta o retrocesso dos ideais do movimento feminista em relaccedilatildeo aos prodiacutegios
desejados pelas antiquadas personagens ibsenianas ldquoNatildeo eacute sem razatildeo que as mulheres de
Ibsen satildeo chamadas lsquomodernasrsquo O oacutedio agrave modernidade e o oacutedio ao antiquado satildeo
imediatamente a mesma coisardquo1
Em 1956 Peter Szondi em Teoria do drama moderno elabora a mais seacuteria reflexatildeo
sobre a crise do drama enfatizando o modo pelo qual o teatro eacute condicionado por processos
econocircmicos sociais e histoacutericos A partir da ideacuteia de que forma e conteuacutedo estatildeo
definitivamente associados numa relaccedilatildeo dialeacutetica Szondi explora as antinomias internas de
peccedilas de Ibsen Tcheacutekhov Strindberg Maeterlinck e Hauptmann apontando para a
contradiccedilatildeo crescente entre a forma dramaacutetica e os novos conteuacutedos advindos da ordem
social que o drama de rigor aristoteacutelico natildeo consegue assimilar Desse modo o criacutetico mostra
que o teatro de Ibsen entre outras coisas empreendeu uma total inversatildeo no conceito
convencional do drama sobretudo pela emersatildeo do elemento eacutepico em suas peccedilas Em Os
espectros Rosmersholm John Gabriel Borkman e Solness o construtor somente para citar
algumas as accedilotildees do presente servem apenas para revelar o passado iacutentimo das personagens
tornando-se a proacutepria lembranccedila o tema central de suas peccedilas Apesar do uso da construccedilatildeo
rigorosa e causaliacutestica do domiacutenio pleno das peripeacutecias e reconhecimento da exposiccedilatildeo
dissolvida com economia por toda a peccedila Ibsen percebeu que a dramaacutetica pura com seu
pressuposto de mostrar ldquosujeitos autoconscientesrdquo caducava num mundo cada vez mais
marcado pela alienaccedilatildeo Assim em seus dramas rigorosos mas de conteuacutedo eacutepico o proacuteprio
1 Theodor W Adorno ldquoExumaccedilatildeordquo Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificadaTraduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 81 Cf tambeacutem no mesmo livro ldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo p 81-82
38
diaacutelogo entre as personagens estabeleceu a cisatildeo entre sujeito e objeto apresentando no palco
ldquovidas danificadasrdquo pelo mundo da mercadoria do trabalho alienado das relaccedilotildees falsificadas
e do isolamento do indiviacuteduo1
A partir dos anos 1960 Ibsen entatildeo considerado um autor canocircnico repontava em
trabalhos no acircmbito da histoacuteria do teatro da biografia da filosofia e da psicanaacutelise Sua obra
celebrada mais pelos escacircndalos que causaram no final do seacuteculo XIX do que por seu valor
artiacutestico continuou a ser analisada por meio de diferentes teorias criacuteticas e em contextos
especiacuteficos Criacuteticos como Halvdan Koht John Northam e Eric Bentley interessaram-se pelo
aspecto ontoloacutegico das peccedilas ibsenianas examinando os elementos constitutivos dos textos
como a ironia o paradoxo a ambiguumlidade e o simbolismo Natildeo raro essas anaacutelises
consideravam a ldquopoesia dramaacuteticardquo do dramaturgo como a expressatildeo maacutexima de sua obra
estabelecendo Ibsen como um theatre-poet2 Outros estudiosos como H L Mencken e Brian
Johnston restituiacuteram Ibsen ao contexto do pensamento europeu aproximando-o de Nietzsche
Kierkegaard e Hegel3 Uma vasta produccedilatildeo de trabalhos sobre o dramaturgo incluindo
perioacutedicos especializados como Ibsen Studies e The contemporany approaches to Ibsen
foram produzidos desde entatildeo No entanto a maioria dos estudos mdash salvo algumas exceccedilotildees
a exemplo das anaacutelises da recepccedilatildeo de Ibsen em muitos paiacuteses mdash concentram-se
particularmente nos aspectos psicanaliacuteticos e ateacute mesmo autobiograacuteficos de sua obra
deixando de lado o elemento social que desempenhou um papel importante na constituiccedilatildeo de
seu teatro tanto pela exposiccedilatildeo dos problemas da sociedade liberal burguesa quanto pela
ruptura com os padrotildees hegemocircnicos do drama Uma boa demonstraccedilatildeo de que o dramaturgo
foi unanimemente considerado universal sem ser de todo compreendido seja por limitaccedilotildees
da criacutetica seja por posicionamentos ideoloacutegicos de seus leitores
1 Cf Peter Szondi Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 2 Cf Halvdan Koht Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971 John Northam Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953 e Eric Bentley The life of the drama New York Atheneum 1964 3 Cf Henrik Ibsen Eleven plays of Henrik Ibsen Introduction by H L Mencken New York B A Cerf D S Klopfer The Modern Library 1935 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989
I B S E N N O B R A S I L
40
As primeiras encenaccedilotildees
As peccedilas de Ibsen chegaram aos palcos brasileiros no fim do seacuteculo XIX filtradas pelo
olhar de companhias estrangeiras sobretudo as italianas de Ermete Novelli Clara Della
Guardia Eleonora Duse Gustavo Salvini e Ermete Zacconi Vale lembrar que a obra
ibseniana somente passou a ter interesse na Itaacutelia depois das encenaccedilotildees do Theacuteacirctre Libre de
Antoine em 1890 Como autor da moda discutido por toda a Europa Ibsen foi rapidamente
assimilado pelo mercado teatral sendo suas peccedilas devidamente moldadas ao gosto do puacuteblico
acostumado com as comeacutedias realistas francesas Assim no uacuteltimo dececircnio do seacuteculo XIX
Enrico Polese diretor da revista LrsquoArte Drammatica juntamente com empresaacuterios criacuteticos e
atores criou ldquoil prodotto Ibsenrdquo impondo aos espectadores um outro autor diferente daquele
que estava revolucionando o teatro europeu O controle da recepccedilatildeo de Ibsen comeccedilava pela
traduccedilatildeo de Polese que suprimia do texto qualquer alusatildeo ou criacutetica agrave sociedade nivelava os
argumentos considerados inconsistentes redesenhava as personagens visando agrave compaixatildeo do
puacuteblico e modificava as cenas que poderiam escandalizar a plateacuteia A encenaccedilatildeo era apoiada
exclusivamente na figura do grande ator e interessava colocar no palco um texto ligeiro
ausente de cenas monoacutetonas A influecircncia de Polese sobre o gosto ibseniano era transmitida
natildeo soacute pela traduccedilatildeo como pela paacutegina de sua revista que minimizava ainda mais as ideacuteias
ldquoaacutesperasrdquo do autor Aleacutem disso como profissional da dramaturgia conhecedor do puacuteblico
dos atores e empresaacuterios Polese fornecia agraves companhias indicaccedilotildees precisas sobre cenografia
indumentaacuteria e formas de composiccedilatildeo das personagens tudo isso visando a mais completa
empatia entre atores e espectadores
A companhia de Ermete Novelli foi a primeira a apresentar Ibsen agrave plateacuteia brasileira
encenando Os espectros no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em junho de 1895 Algumas das
indicaccedilotildees de Polese parecem ter sido seguidas de perto por Novelli o grande ator da
companhia que fez toda a encenaccedilatildeo girar em torno da personagem que ele representava
Osvaldo Alving Sua interpretaccedilatildeo carregada de um realismo tendencioso acentuava a
enfermidade de Osvaldo a ponto de muitos criacuteticos da eacutepoca identificarem a originalidade e a
essecircncia do drama de Ibsen como de ordem cientiacutefica A doenccedila hereditaacuteria de Osvaldo foi
considerada pela criacutetica o tema central da peccedila sendo deixados de lado outros assuntos como
por exemplo o casamento de conveniecircncia de Helena com o Capitatildeo Alving Da mesma
forma pouco se falou das outras personagens mdash Regina Engstrand e Pastor Manders mdash
vistas como secundaacuterias servindo apenas para dar ensejo agraves concepccedilotildees do dramaturgo acerca
41
da sociedade da moral e da famiacutelia Moral essa que para muitos criacuteticos era ldquoestranha e
inadmissiacutevelrdquo pois ao fazer perpassar na mente de Helena a felicidade do filho ao lado de sua
meia-irmatilde Regina Ibsen celebrava o incesto e a devassidatildeo sexual Sob essa perspectiva um
criacutetico do Jornal do Brasil chegou a fazer uma comparaccedilatildeo entre as ideacuteias socialistas e as
ibsenianas concluindo que ambas tinham como fundamentos a praacutetica do amor livre e a
desestruturaccedilatildeo familiar ldquoPois eacute preciso que o nosso leitor fique sabendo que o Dr Rossi um
meacutedico italiano fez para imprensa a propaganda do socialismo tendo por base o amor livre
tal qual existia na colocircnia Santa Luzia no Estado do Paranaacute [] Se Ibsen tivesse notiacutecia de
tal adiantamento social em terras do Brasil com certeza elevava-nos ao seacutetimo ceacuteu da
imortalidaderdquo1 Nessa conjuntura o dramaturgo era tido ora como reformador ora como
pensador nunca como artista jaacute que lhe faltavam segundo os criacuteticos as preocupaccedilotildees e as
qualidades de um autor dramaacutetico Os espectros desse modo foi considerado um drama ldquomal
apresentado e mal conduzidordquo repleto de cenas pesadas e monoacutetonas que soacute conseguiam
aborrecer a plateacuteia ldquoAssistindo agrave representaccedilatildeo drsquoOs espectros pareceu-nos estar diante de
um livro de medicina escrito sobre um caso especial de atavismo e cujo texto fosse de vez em
quando ilustrado pelas fotografias do doente representando-o nas diversas fases da moleacutestia
herdadardquo2 Os pontos positivos apontados pela criacutetica foram o desempenho de Novelli muito
elogiado pela destreza com que apresentou no palco todos os sintomas da enfermidade de seu
personagem e a forma como o drama apesar das impropriedades conseguiu comover e
fornecer uma significaccedilatildeo moral para os espectadores ldquoOsvaldo e Regina as duas viacutetimas
inocentes dos viacutecios de seus pais perseguidos pelo atavismo representam uma liccedilatildeo de moral
deduzida com todo o rigor de uma lei naturalrdquo3
Depois de Os espectros de Novelli Ibsen soacute voltaria agrave cena nacional em 1899 dessa vez
com duas montagens de Casa de boneca a primeira pela Companhia Portuguesa de Lucinda
Simotildees e Cristiano de Souza no Teatro SantrsquoAnna do Rio de Janeiro no mecircs de maio e a
segunda pela Companhia Italiana de Clara Della Guardia no Teatro Liacuterico do Rio no mecircs de
agosto4 A exemplo do que acontecera em muitos paiacuteses quando apresentada pela primeira vez
a peccedila suscitou um caloroso debate no nosso meio teatral A cena final em que Nora abandona
marido e filhos provocou muitas controveacutersias entre os criacuteticos ocupando as paacuteginas dos
principais perioacutedicos do paiacutes Carlo Parlagreco escritor italiano que lecionava Histoacuteria da Arte
1 ldquoOs espectrosrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 17 jun 1895 Palcos e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 A ldquoNovelli ndash Henrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo O Paiacutes Rio de Janeiro 17 jun 1895 Artes e Artistas p 2 3 ldquoNovelli ndash Ibsenrdquo Jornal do Comeacutercio Rio de Janeiro 17 jun 1895 Teatros e Muacutesicas p 1 (Sem assinatura) 4 Casa de boneca tambeacutem foi encenada em Satildeo Paulo A companhia de Clara Della Guardia apresentou-se no Teatro Politheama em setembro de 1899 e a de Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza em outubro no mesmo teatro
42
na Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro foi categoacuterico em seu artigo publicado
na Cidade do Rio ao afirmar que Ibsen era ldquoum socioacutelogo minuacutesculordquo e ldquoum filoacutesofo
incompletordquo que soacute conseguira popularidade por causa dos assuntos escabrosos de suas peccedilas
Por isso o criacutetico italiano censurava aqueles que em reaccedilatildeo ao teatro francecircs consideravam o
dramaturgo ldquocom um fetichismo indigno da razatildeo humanardquo como um dos maiores intelectuais
de sua eacutepoca Para ele Ibsen natildeo fazia mais que repetir as ldquoteorias e os achados alheiosrdquo de
Zola sendo que as ideacuteias do autor escandinavo eram muito mais monstruosas do que os
preconceitos da sociedade Parlagreco criticava a maneira como Ibsen conduzia as suas peccedilas
encorajando as mulheres a abandonar seus lares e estimulando a desagregaccedilatildeo familiar ldquoA
mulher fora do seu domiacutenio natural prepara os degenerados do futuro Subtrair as sociedades agraves
formas mais conhecidas da administraccedilatildeo e de convivecircncia eacute o ideal que Ibsen partilha com
Tolstoacutei mas seria a mesma coisa que suprimir ou inverter no organismo humano as funccedilotildees de
alimentaccedilatildeo de reproduccedilatildeo e de percepccedilatildeordquo1
Natildeo era somente o tema de Casa de boneca que desagradava a parte conservadora de
nossa criacutetica teatral A forma de composiccedilatildeo de Ibsen que se distanciava cada vez mais dos
padrotildees hegemocircnicos do drama burguecircs tambeacutem foi alvo constante de ataques Artur Azevedo
o grande criacutetico da eacutepoca era o defensor contumaz da tradiccedilatildeo dramaacutetica sobretudo da
francesa representada por escritores como Augier Dumas Filho Meilhac e Haleacutevy Assim
como o criacutetico francecircs Francisque Sarcey mdash que para ele era o ldquomais profundo o mais sensato
o mais sincero dos criacuteticos teatrais de todos os temposrdquo mdash Artur Azevedo tinha preferecircncia
pelas peccedilas bem-feitas valorizando mais a construccedilatildeo dramatuacutergica do que o gecircnero teatral
Portanto seus criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila aproximavam-se em tudo aos de Sarcey
importando tatildeo somente averiguar o uso das convenccedilotildees como a verossimilhanccedila a
identificaccedilatildeo o encadeamento linear e progressivo das accedilotildees o enredo com comeccedilo meio e fim
etc Desse modo uma das criacuteticas mais severas de Artur Azevedo agrave Casa de boneca dizia
respeito ao desenlace que para ele era inconcebiacutevel pois a mudanccedila da atitude de Nora natildeo
havia sido preparada nos atos anteriores Se ela tinha sido tatildeo friacutevola e tola nos dois primeiros
atos natildeo era coerente que se transformasse no uacuteltimo ato numa mulher consciente de sua
situaccedilatildeo na sociedade burguesa Faltava a Ibsen o domiacutenio da arte e da convenccedilatildeo dramaacutetica
por isso Artur Azevedo negava ao dramaturgo o tiacutetulo de ldquorevolucionaacuterio do teatrordquo O que
havia em suas peccedilas de verdadeiramente teatral ainda segundo o criacutetico era bebido em Augier
e Dumas Filho com quem Ibsen tinha aprendido a construccedilatildeo haacutebil e calculada para produzir
1 C Parlagrego ldquoOs espectros de Henrik Ibsenrdquo Cidade do Rio Rio de Janeiro p 1 15 jun 1895
43
efeitos bombaacutesticos Contra esses posicionamentos de Artur Azevedo levantou-se Luiacutes de
Castro jornalista da Gazeta de Notiacutecias que sensiacutevel aos rumos do teatro moderno refutou
veementemente o ponto de contato entre os dramas franceses e ibsenianos bem como o
prestiacutegio de Sarcey como criacutetico teatral provocando uma polecircmica com Artur Azevedo que se
estenderia durante algum tempo nas paacuteginas dos jornais1 Apesar das censuras aos dramas
ibsenianos Artur Azevedo escreveu em 1906 um necroloacutegio a Ibsen reconhecendo-o como
ldquouma das gloacuterias literaacuterias mais puras do seacuteculo XIXrdquo No entanto o seu ponto de vista pouco
mudou em relaccedilatildeo agraves convenccedilotildees teatrais Nesse texto ao fazer um balanccedilo da influecircncia do
norueguecircs no teatro mundial Artur Azevedo afirmou que o teatro de Ibsen ainda era
incompreensiacutevel interessando apenas a um pequeno puacuteblico o das ldquocamadas superioresrdquo As
peccedilas de Ibsen para ele serviam apenas para serem lidas natildeo representadas fato que de modo
algum reduzia suas qualidades de ldquoobras-primas de uma grande elevaccedilatildeo moral dignas da
admiraccedilatildeo universal que as celebrourdquo2
Como Artur Azevedo Oscar Guanabarino criacutetico de O Paiacutes tambeacutem reclamava das
cenas desconexas dos diaacutelogos interminaacuteveis e do desfecho de Casa de boneca pontos que
dificultavam o entendimento do puacuteblico ldquoDesde entatildeo surgem os disparates e entre eles o
maior eacute que o espectador depois de concluiacuteda a representaccedilatildeo deve ir para casa refletir sobre
o caso concluir como puder a peccedila que natildeo teve fim []rdquo3 Ibsen para Guanabarino era
produto do exagero de criacuteticos desorientados que cingiam seu nome com uma aureacuteola de
gecircnio mdash como se ele fosse ldquoo salvador da arte dramaacuteticardquo mdash sem perceber que os processos
de escrita de sua obra eram iguais ao do teatro da eacutepoca tinham os mesmos defeitos da ficelle
e o prejuiacutezo do desconhecimento de certas regras impostas pela experiecircncia e exigidas pelo
bom senso Igualmente exageradas segundo o criacutetico eram as ideacuteias do dramaturgo que sob
o pretexto de lutar contra as convenccedilotildees sociais levava para o palco personagens sempre
doentias Apoiado nos estudos de Cesare Lombroso psiquiatra e criminalista italiano famoso
na eacutepoca pelas suas teorias sobre o criminoso nato e o homem de gecircnio Guanabarino
afirmava ser Ibsen um ldquoalienistardquo e suas personagens figuras desequilibradas e anormais A
partir da anaacutelise de obras de ficccedilatildeo e de estudos de caso Lombroso chegara agrave conclusatildeo
absurda de que anomalias hereditaacuterias neuroloacutegicas e psiacutequicas desempenhavam papel
1 Cf sobre a polecircmica entre Artur Azevedo e Luiacutes de Castro Joatildeo Roberto Faria ldquoEntre Sarcey e Ibsenrdquo Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 240-245 647-651 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Terminei meu uacuteltimo folhetim []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 31 maio 1906 O Teatro Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 586-588 3 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2
44
preponderante na formaccedilatildeo da personalidade de um delinquumlente bastando portanto relacionar
as caracteriacutesticas fiacutesicas dos indiviacuteduos mdash tamanho da mandiacutebula formato do cracircnio etc mdash
para descobrir sua disposiccedilatildeo ao crime Da mesma maneira ele acreditava que escritores
considerados geniais como Shakespeare Zola Tolstoacutei Dostoieacutevski e Ibsen apresentavam
aleacutem de uma visatildeo especial formas mais ou menos atenuadas de loucura e perversatildeo o que
lhes permitiam vislumbrar um criminoso muito antes que a ciecircncia o fizesse Nessa esteira
Lombroso alertava que as mulheres sendo ldquocriaturas moralmente inferiores e infantisrdquo
tinham mais propensatildeo agrave delinquumlecircncia ldquoMulheres satildeo crianccedilas grandes Suas tendecircncias maacutes
satildeo mais numerosas e mais variadas que as dos homens mas geralmente permanecem
latentes Entretanto quando satildeo despertas e excitadas produzem resultados proporcionalmente
maioresrdquo1 Desse modo para Guanabarino Nora apresentava todos os sintomas da patologia
mental e moral examinados por Lombroso era infantil histeacuterica e mentirosa E somente
assim por meio de um tipo exagerado e complexo inferido com todo rigor de um estudo
cientiacutefico Nora poderia ser compreendida e aceita como verdadeira No entanto isso natildeo
reduzia ainda segundo Guanabarino sua iacutendole maacute seja ao abandonar os filhos seja ao
contrair um empreacutestimo sob o pretexto de salvar a vida do marido para saciar seus caprichos
ldquoo desejo de viajar como faziam as outras as ricas acendeu-lhe o desejo de salvar o marido
e ei-la contraindo um empreacutestimo com um indiviacuteduo de moral duvidosardquo2
Os criacuteticos favoraacuteveis a Ibsen geralmente analisavam a sua obra pelo vieacutes naturalista
evitando entrar nas discussotildees acerca de sua forma dramaacutetica Luiacutes de Castro aleacutem de
polemizar com Artur Azevedo sobre o teatro ibseniano talvez tenha sido o uacutenico a abordar
essa questatildeo Em seu artigo ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo o criacutetico da Gazeta de
Notiacutecias apontava a influecircncia das peccedilas de Ibsen na evoluccedilatildeo do teatro moderno Para ele a
teacutecnica dramatuacutergica ibseniana era totalmente diversa natildeo podendo ser comparada a nenhuma
outra existente principalmente agraves dos dramaturgos franceses de quem o norueguecircs natildeo havia
lido sequer uma linha Enquanto autores como Scribe Augier e Dumas Filho estavam
interessados na accedilatildeo e no enredo concluiacutea Luiacutes de Castro Ibsen preocupava-se com ldquoo
sentido profundo da obra a crise psicoloacutegica e moral em que os acontecimentos atiram os
personagensrdquo3 Por isso argumentava ele suas peccedilas foram combatidas em muitos paiacuteses
sobretudo na Franccedila onde o autor encontrou um nuacutemero maior de detratores Joatildeo do Rio por
1 Cesare Lombroso e William Ferrero The female offender New York Philosophical Library 1958 p 151 Cf tambeacutem Cesare Lombroso Lrsquouomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 2 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2 3 Luiacutes de Castro ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 28 maio 1899 Teatro e p 2
45
sua vez exaltava no dramaturgo o tom cientiacutefico da composiccedilatildeo das personagens que levava
em conta a influecircncia do meio e da hereditariedade em suas iacutendoles Em ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo
artigo publicado em A Tribuna o criacutetico procurou mostrar ao leitor por meio da descriccedilatildeo
minuciosa do desempenho da atriz portuguesa no papel de Nora os matizes da construccedilatildeo da
personagem ibseniana ldquoEacute admiraacutevel de anaacutelise humana e Luciacutelia eacute a encarnaccedilatildeo perfeita
deste tipo complexo de histeacuterica com o desequiliacutebrio nervoso da mulher do Norterdquo1 Joatildeo do
Rio tambeacutem enxergava Ibsen como um mentalista de Lombroso e Nora como um tipo de
deacutetraqueacute Mas diferentemente de Guanabarino essas caracteriacutesticas natildeo foram vistas atraveacutes
de uma oacutetica conservadora antes foram tratadas como o reflexo do estado patoloacutegico da
sociedade Para Joatildeo do Rio Ibsen era um reformador que viera fazer do teatro uma verdade
levando agrave cena a vida de todos os dias Outro criacutetico que apreciou as novidades do teatro de
Ibsen foi Luiz Guimaratildees Filho jornalista de A Notiacutecia responsaacutevel pela publicaccedilatildeo de um
dos artigos mais incisivos a favor dos direitos da mulher Para ele Casa de boneca era a
criaccedilatildeo suprema de Ibsen sobretudo porque questionava a exclusatildeo das mulheres na
sociedade ldquoA Casa de boneca demonstra cruelmente a falsidade da educaccedilatildeo feminina na
sociedade moderna mdash que a reduz a viacutetimas risonhas a escravas enfeitadas com sedas a
autocircmatos inconscientes e fracosrdquo2 Utilizando-se dos mesmos conceitos da teoria de
Lombroso comum na literatura da eacutepoca Guimaratildees Filho tambeacutem via Nora como uma
ldquodoida singularrdquo No entanto ainda segundo o criacutetico colocar no palco uma histeacuterica foi a
forma que Ibsen encontrou para marcar a diferenccedila de privileacutegios entre os sexos e mostrar o
erro da educaccedilatildeo da mulher
No iniacutecio do seacuteculo XX as companhias estrangeiras continuaram a ser presenccedila
marcante no Brasil trazendo em seus repertoacuterios peccedilas de Strindberg Maeterlinck
DrsquoAnnunzio Hauptmann Sundermann e Ibsen autores ateacute entatildeo desconhecidos da maior
parte do puacuteblico Entre os meses de maiojunho e agostooutubro periacuteodo da temporada
dessas companhias no Rio e em Satildeo Paulo os espectadores tinham a chance de conhecer os
grandes artistas estrangeiros bem como o que de melhor se produzira nos palcos europeus
Nessas ocasiotildees o teatro seacuterio de qualidade literaacuteria ganhava destaque na imprensa
possibilitando a discussatildeo dos novos rumos da literatura dramaacutetica No entanto a maioria de
nossos criacuteticos e homens de teatro presos agrave foacutermula da peccedila bem-feita ao gosto do puacuteblico e
principalmente aos interesses econocircmicos e lucrativos dos espetaacuteculos teatrais pouca
1 Paulo Barreto [Joatildeo do Rio] ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo A Tribuna Rio de Janeiro p 3 1 jul 1899 Reunido em Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 640 2 Luiz Guimaratildees Filho ldquoA Casa de bonecardquo A Notiacutecia Rio de Janeiro p 2 27-28 maio 1899
46
importacircncia davam aos movimentos de vanguarda Comumente o arranjo cecircnico e os
assuntos controversos de algumas peccedilas suscitavam polecircmicas na imprensa acabando quase
sempre com a rejeiccedilatildeo das novas formas do teatro moderno Bastava as companhias
estrangeiras irem embora os gecircneros mais apreciados do puacuteblico mdash operetas melodramas
feacuteeries e revistas de ano mdash voltavam agrave cena nacional Portanto os pilares baacutesicos do teatro
brasileiro continuavam sendo os mesmos a oacutepera reduzida a um nuacutemero de composiccedilotildees do
realejo italiano como Rigoletto Mme Butterfly e Manon e a dramaturgia francesa que haacute
muito jaacute havia se tornado o esteio de nossos palcos Aleacutem das convenccedilotildees da peccedila bem-feita
serem usadas como criteacuterios para a anaacutelise das obras teatrais nossa criacutetica literaacuteria tambeacutem
orientava-se pelas noccedilotildees de raccedila e natureza reduzindo as obras-de-arte agrave accedilatildeo de fatores
como clima meio e mesticcedilagem Foi assim que a partir do sincretismo de teorias e conceitos
europeus deslocados de suas funccedilotildees de origem formou-se no Brasil o padratildeo de leitura da
virada do seacuteculo XIX para o XX
Em 1900 Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza voltaram a apresentar Casa de boneca
no Teatro Lucinda do Rio de Janeiro e no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo A montagem
segundo artigo de Joatildeo do Rio teve poucas alteraccedilotildees ldquoA companhia vem a mesma na
distribuiccedilatildeo dos personagens [] Os cenaacuterios satildeo diferentes o material todo novo a ceacutelebre
cadeirinha de palhinha que fez tanto palerma gargalhar foi substituiacuteda por outra de veludo e
tudo eacute bom tudo eacute melhorrdquo1 A recepccedilatildeo tambeacutem foi a mesma elogios aos atores e criacuteticas agrave
peccedila que se ressentia da linearidade da accedilatildeo dramaacutetica apresentando aleacutem disso ficelles
velhas e usadas cenas monoacutetonas personagens excecircntricas e desequilibradas No ano
seguinte apareceu o primeiro ensaio sobre Ibsen reunido em A hora do escritor e criacutetico
literaacuterio Nestor Viacutetor2 Nesse livro Nestor Viacutetor ocupou-se da literatura estrangeira Os
Desplantados de Maurice Barregraves Cyrano de Bergerac de Edmond Rostand e Pretendentes agrave
coroa A comeacutedia do amor Imperador e Galileu Pilares da sociedade Os espectros entre
outras peccedilas de Ibsen A parte dedicada ao dramaturgo norueguecircs vinha dividida em quatorze
capiacutetulos onde o criacutetico traccedilava o perfil biograacutefico de Ibsen detendo-se no entanto na
anaacutelise de sua obra De Catilina primeira peccedila do autor ateacute John Gabriel Borkman Nestor
Viacutetor buscou examinar os elementos simboacutelicos dos dramas informando vez ou outra a
maneira como o teatro de Ibsen tinha sido recebido na Europa provocando polecircmicas e
discussotildees Nessa trajetoacuteria ele procurou apresentar ao leitor um resumo minucioso de todas
as peccedilas mdash traduzindo inclusive trechos inteiros de algumas delas mdash demonstrando assim
1 P B [Joatildeo do Rio] ldquoTeatro Lucindardquo Cidade do Rio Rio de Janeiro 5 mar 1900 Gambiarras p 2 2 Nestor Viacutetor A hora Rio de Janeiro Paris Garnier 1901
47
preocupaccedilatildeo com as condiccedilotildees de produccedilatildeo e recepccedilatildeo da arte em um paiacutes como o Brasil
Num seacuteculo cientificista Nestor Viacutetor foi o criacutetico que tomou os padrotildees esteacuteticos como
norma de julgamento da produccedilatildeo literaacuteria buscando analisar atraveacutes de um veio
impressionista os elementos intriacutensecos da obra-de-arte Sob essa perspectiva o criacutetico
apontou em Casa de boneca a siacutentese a economia de adornos e o desprezo de Ibsen pelas
ficelles como elementos essenciais de inauguraccedilatildeo de uma nova fase da dramaturgia mundial
Os espectros voltou aos palcos brasileiros na encenaccedilatildeo da companhia de Andreacute
Antoine no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em 14 de julho de 1903 A peccedila jaacute natildeo era
novidade entre noacutes e assim como na primeira representaccedilatildeo de Novelli em 1895 os criacuteticos
limitaram-se a aproximar o drama das teorias cientiacuteficas do atavismo e a reclamar das cenas
deprimentes e cansativas A atuaccedilatildeo de Antoine no papel de Osvaldo mdash diferente do que
ocorrera com Novelli elogiadiacutessimo pela nossa criacutetica mdash sofreu restriccedilotildees por parte de alguns
que a consideraram ldquosobremodo fatiganterdquo fria e modesta dissolvendo a personagem numa
atmosfera nebulosa e incompreensiacutevel Acostumados agraves interpretaccedilotildees melodramaacuteticas ao
exagero na expressatildeo dos sentimentos e aos apelos faacuteceis dos atores agrave plateacuteia muitos criacuteticos
estranharam o modo de representar do ator e encenador francecircs principalmente o tom baixo de
sua voz e os momentos em que ele virava as costas para o puacuteblico Artur Azevedo contraacuterio agraves
experiecircncias naturalistas no teatro foi o grande desafeto de Antoine protagonizando uma
querela com o ator francecircs que se estenderia ateacute o mecircs de outubro daquele ano1
Trecircs anos mais tarde Suzanne Despregraves que fizera parte da troupe de Antoine no Rio
voltou ao Brasil para encenar Casa de boneca no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em agosto de
1906 Eacute importante lembrar que a atriz francesa aleacutem de ter participado de algumas montagens
do Theacuteacirctre Libre tambeacutem fez parte do elenco da primeira representaccedilatildeo simbolista de Solness
o construtor sob a direccedilatildeo de Lugneacute-Poe no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre em 1894 Portanto sua
interpretaccedilatildeo de Nora diferenciava-se das que ateacute aquele momento tinham sido apresentadas ao
puacuteblico brasileiro deixando de lado as teorias de emancipaccedilotildees as teses do atavismo para
enfatizar o eacutetat drsquoacircme que existia por traacutes das accedilotildees da personagem Assim Casa de boneca
passou a ser lida como a expressatildeo da realidade atraveacutes da sugestatildeo simboacutelica e a cena da
tarantela mdash assim como acontecera com a construccedilatildeo do orfanato em Os espectros e a pistola
em Hedda Gabler nas encenaccedilotildees simbolistas mdash passou a ser encarada como a parte
substancial do drama concentrando todo o significado da peccedila em uma uacutenica imagem da accedilatildeo
A Nora de Suzanne Despregraves nessa perspectiva deixava de ser uma figura incomum para se
1 Cf sobre a temporada de Antoine no Rio de Janeiro Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 245-261
48
transformar no siacutembolo de uma mulher atormentada por sua condiccedilatildeo de boneca destituiacuteda do
livre-arbiacutetrio Um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo ao comparar a atuaccedilatildeo de Suzanne Despregraves
com as de Luciacutelia Simotildees e Clara Della Guardia elogiou a naturalidade com que a atriz
francesa compusera a personagem tornando um tipo tatildeo complexo como Nora compreensiacutevel
ao puacuteblico ldquoTanto Luciacutelia Simotildees como Clara Della Guardia as duas Noras que nos foi dado a
ver e ouvir diferentes em detalhes assemelham-se contudo nas suas linhas gerais [] ambas
nos deram uma Nora ridiculamente infantil no primeiro ato e no final do segundo na cena da
tarantela ambas se desconjuntavam numa horripilante danccedila de S Guido [] A Nora que
ontem nos deu Suzanne Despregraves afasta-se por completo desses moldesrdquo1 O desempenho da
atriz francesa foi muito elogiado pelos criacuteticos mas a peccedila continuou a ser censurada sobretudo
pelas cenas desarticuladas e incoerentes
Em 1907 esteve por aqui a Companhia Dramaacutetica Italiana de Gustavo Salvini
encenando Os espectros no Rio e em Satildeo Paulo no mecircs de julho A recepccedilatildeo foi comedida e
no geral os criacuteticos restringiram-se a apresentar o resumo da peccedila e a elogiar Salvini pela
interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving Entretanto o grande acontecimento teatral do ano foi a
temporada de Eleonora Duse nos palcos cariocas e paulistas Empresariada por Lugneacute-Poe e
V Consiglio a atriz veio ao Brasil com um repertoacuterio variado Magda de Sundermann La
Gioconda de DrsquoAnnunzio La signora dalle Camelie e La moglie di Claudio de Dumas
Filho Monna Vanna de Maeterlinck Rosmersholm e Hedda Gabler de Ibsen Fedora de
Sardou e Adriana Lecouvreur de Scribe e Legouveacute Apoacutes a encenaccedilatildeo de Casa de boneca
no Teatro Filodramaacutetico de Milatildeo em 1891 Duse natildeo tinha representado mais nenhum drama
de Ibsen preferindo antes o repertoacuterio italiano de Goldoni e Giacosa e o francecircs de Dumas
Filho e Sardou Somente a partir de 1904 seguindo a tendecircncia do teatro simbolista ela
voltou a Ibsen encenando Hedda Gabler e depois em 1905 Rosmersholm com cenaacuterio de
Gordon Craig Assim a anaacutelise cientiacutefica das personagens cedeu lugar para a do heroacutei
individualista e seus problemas de consciecircncia importando agora explorar no palco a poesia
a paixatildeo e vida interior das figuras ibsenianas
Hedda Gabler e Rosmersholm representadas no Teatro Liacuterico do Rio respectivamente
nos dias 2 e 16 de julho de 1907 eram pela primeira vez levadas agrave cena brasileira2
Rosmersholm segundo o jornalista Briacutecio de Abreu foi a uacuteltima peccedila que a companhia
1 ldquoSantrsquoAnna ndash A representaccedilatildeo de Casa de boneca de Ibsen []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 5 ago 1906 Palcos e Circos p 3 (Sem assinatura) 2 Hedda Gabler tambeacutem foi encenada no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em 20 de julho de 1907 Rosmersholm soacute foi representada no Rio
49
apresentou no Rio seguindo posteriormente para Satildeo Paulo1 Embora a encenaccedilatildeo de
Rosmersholm apareccedila no livro do jornalista carioca e na lista do repertoacuterio da companhia
publicada nos jornais da eacutepoca poucas referecircncias encontramos na imprensa sobre essa peccedila
limitando-se os criacuteticos a traccedilar o resumo da obra e a destacar o desempenho dos atores O
mesmo natildeo aconteceu com Hedda Gabler que tanto no Rio como em Satildeo Paulo provocou
uma efervescecircncia no meio teatral sendo discutida intensamente pelos nossos criacuteticos No Rio
de Janeiro Artur Azevedo declarou a peccedila nebulosa e absurda sobretudo porque apesar de
traacutegica natildeo apresentava ldquouma cena violenta um grito de paixatildeo ou de desesperordquo uma
situaccedilatildeo que pudesse produzir ldquocalafrios e arrepiar os cabelosrdquo dos espectadores Para
Azevedo as maiores estranhezas ficaram por conta dos diaacutelogos travados agrave meia-voz em
cenas consideradas extravagantes como aquela em que Theacutea sabendo do suiciacutedio de
Loevborg em vez de lhe socorrer potildee-se a trabalhar na reconstruccedilatildeo de seu manuscrito2 Em
Satildeo Paulo formou-se uma querela sobre a questatildeo da inacessibilidade de Ibsen agrave plateacuteia
paulistana Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo havia sido um erro a escolha de Hedda
Gabler para estreacuteia da companhia em Satildeo Paulo pois Ibsen ainda era incompreensiacutevel ao
puacuteblico e a empresa teria andado com mais acerto se representasse um drama jaacute conhecido
Para ele era importante que antes da encenaccedilatildeo os espectadores tivessem ouvido uma
conferecircncia explicativa da peccedila como fez Jules Lemaicirctre na representaccedilatildeo de Hedda Gabler
no Theacuteacirctre du Vaudeville em Paris em 1891 Somente assim a companhia teria evitado o
modo frio com que os espectadores receberam o espetaacuteculo aplaudindo-o apenas por mera
cortesia3 Joatildeo Crespo jornalista do Comeacutercio de Satildeo Paulo rebateu esses argumentos
alegando que ldquoas peccedilas de Ibsen obrigam a pensar e natildeo tecircm esses lances de paixatildeo que
levantam uma plateacuteiardquo4 Esse debate entre os criacuteticos drsquoO Estado e do Comeacutercio de Satildeo Paulo
se prolongou por cinco dias consecutivos na imprensa no entanto as questotildees esteacuteticas foram
deixadas de lado prevalecendo apenas os ataques pessoais
A maior parte de nossos criacuteticos teatrais declarava Ibsen ininteligiacutevel e mistificador
acusando aqueles que nutriam qualquer simpatia pelo escritor norueguecircs de snobs que
fingiam gostar de sua obra devido ao seu relativo sucesso em Paris Os criacuteticos mais avessos a
1 Briacutecio de Abreu Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958 p 15 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Passando por alto uma representaccedilatildeo de Fernanda []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 4 jul 1907 Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 626-628 3 ldquoSantrsquoAnna ndash Eleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 21 jul 1907 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 4 Joatildeo Crespo ldquoUm criacutetico teatral de uma folha matutina mostrou-se escandalizado []rdquo Comeacutercio de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 23 jul 1907 Revistinha p 1
50
Ibsen recorriam quase sempre agraves teses do meacutedico huacutengaro Max Nordau para desqualificar
sua obra considerando-a o arqueacutetipo da degeneraccedilatildeo da sociedade Ao publicar
Deacutegeacuteneacuterescence em 1893 Nordau retomou e radicalizou as grandes linhas das teorias de
Cesare Lombroso mdash sobretudo aquela em que o psiquiatra italiano aproximava a genialidade
da loucura mdash para declarar a arte moderna degenerada Frutos de autores semi-loucos essas
obras doentias poderiam segundo Nordau corromper os espiacuteritos dos leitores levando-os agrave
degradaccedilatildeo1 Nietzsche Tolstoacutei Zola e Ibsen entre outros foram considerados autores
ldquodegenerescentesrdquo que por traacutes da maacutescara enganadora de revolucionaacuterios da arte conduziam
pouco a pouco a sociedade agrave deterioraccedilatildeo moral Nessa esteira Alfredo Pujol em sua coluna
ldquoOs meus domingosrdquo drsquoO Estado de S Paulo aleacutem de censurar Ibsen por levar para o palco
ldquoas verdades crueacuteis da vidardquo e ldquoas tristes enfermidades da alma contemporacircneardquo fez questatildeo
de lembrar o diagnoacutestico ldquodos enfermos do hospital de Ibsenrdquo feito por R Geyer disciacutepulo de
Nordau degenerescecircncia mental histeria demecircncia senil deliacuterio crocircnico alcoolismo
melancolia etc2 Para Pujol esse teatro sombrio e doloroso natildeo podia durar muito caso
contraacuterio veriacuteamos ldquoenquanto no palco se representa Ibsen despencarem suicidas das
torrinhas e trocarem-se tiros de revoacutelver nos camarotesrdquo3 Ibsen portanto natildeo devia ser
representado mas somente lido como um escritor de gabinete natildeo de plateacuteia
Por esse tempo Moritz Prozor o ceacutelebre tradutor da obra de Ibsen para o francecircs
vivia em Petroacutepolis (RJ) a cargo de suas funccedilotildees de Ministro da Ruacutessia Durante sua
permanecircncia no Brasil Conde Prozor como passou a ser conhecido entre noacutes foi um
importante divulgador do teatro ibseniano e da esteacutetica simbolista de Lugneacute-Poe e Camille
Mauclair de quem foi profundo admirador Era comum como nos lembra Afonso Celso ver
Prozor nos salotildees brasileiros ldquoreferir-se agrave vida e agrave obra do seu poeta e escritor teatral
preferido a explicar-lhes as intenccedilotildees a filosofia o engenho inovador a salutar accedilatildeo
revolucionaacuteriardquo4 Por certo a amizade que Prozor teve por Nestor Viacutetor e sobretudo por Graccedila
Aranha mdash de quem prefaciou a ediccedilatildeo francesa de Canaatilde mdash influenciou de alguma maneira o
rumo da produccedilatildeo criacutetica e literaacuteria desses dois escritores que se deixaram atrair pelo
simbolismo Aliaacutes foi por intermeacutedio de Prozor que Graccedila Aranha conheceu a obra de Ibsen
a quem viria a dedicar um artigo em A esteacutetica da vida de 1921 Nesse artigo intitulado ldquoA
esteacutetica de uma trageacutediardquo Graccedila Aranha declarava que a forccedila dos dramas ibsenianos natildeo
estava na censura do autor agraves hipocrisias sociais mdash ldquotoda arte inspirada nos problemas sociais
1 Cf Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf R Geyer Eacutetude meacutedico-psychologique sur le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris [sn] 1902 3 Alfredo Pujol ldquoOs meus domingosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo p1 28 jul 1907 4 Afonso Celso ldquoIbsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 28 abr 1928
51
eacute precaacuteriardquo afirmava ele mdash mas no mundo de sonho imagens e poesia que uma vez posto
em accedilatildeo fazia ldquonascer o prodiacutegio de uma misteriosa comunhatildeo esteacuteticardquo Nesse sentido a
beleza em Hedda Gabler ainda segundo Graccedila Aranha encontrava-se no caraacuteter estranho e
fascinante da personagem-tiacutetulo que sendo irremediavelmente incompatiacutevel com a
sociedade a colocara numa situaccedilatildeo insoluacutevel podendo Hedda apenas ser salva pela morte
Para ele a ldquovisatildeo espetacular do mundordquo era o que assegurava agraves peccedilas de Ibsen valor e
universalidade1 Antes desse artigo Graccedila Aranha publicou em 1911 Malasarte peccedila que
tem semelhanccedilas e afinidades com Peer Gynt de Ibsen Ambas apresentam como
protagonista um heroacutei do folclore nacional tanto Peer Gynt como Malasarte vivem numa
esfera de amoralidade destituiacuteda dos conceitos de bem e mal e a mentira eacute o recurso que as
personagens utilizam para ldquoencantarrdquo os outros safando-se assim das encrencas que se metem
ao longo de suas vidas2 Malasarte aleacutem de ser publicada em portuguecircs ganhou uma versatildeo
em francecircs com prefaacutecio de Camille Mauclair A peccedila tambeacutem foi encenada no Theacuteacirctre de
lrsquoOeuvre em fevereiro de 1911 tendo em seu elenco Greta Prozor filha do Conde Prozor
uma das grandes inteacuterpretes de Ibsen na Franccedila
Ainda em 1911 Araripe Jr reuniu em livro nove artigos seus todos publicados no
Jornal do Comeacutercio do Rio entre 1895 e 1909 compondo assim uma monografia dedicada agrave
obra de Ibsen3 No prefaacutecio desse volume intitulado Ibsen Araripe Jr discute seus criteacuterios
literaacuterios reforccedilando sua adesatildeo agraves teorias de Taine ao evolucionismo de Spencer e ao
cientificismo de Eacutemile Hennequin As obras literaacuterias desse modo eram tratadas como
documentos que ao representar a sociedade e a natureza que as produziram podiam revelar a
psicologia de um seacuteculo ou povo Assim em Ibsen Araripe Jr procurou mostrar como o
sentimento da trageacutedia apesar das condiccedilotildees mesoloacutegicas eacutetnicas e momentacircneas
desenvolveu-se em Eacutesquilo e Shakespeare e que caminhos seguiu ateacute chegar ao seacuteculo XIX
quando aparece a dramaturgia de Ibsen Nesse percurso o criacutetico concluiu que a essecircncia da
trageacutedia moderna repousava no ldquocontraste feroz entre a vida subjetiva e a maacutequina do poderrdquo
ressalvando o caraacuteter psicossocial (e jaacute natildeo mais puramente miacutetico) do teatro moderno
Embora para Araripe Jr a obra de Ibsen natildeo fosse ldquooutra coisa senatildeo um magniacutefico capiacutetulo
de criacutetica socialrdquo ela apresentava tatildeo somente o lado ldquosaturninordquo da vida projetando-se numa
esfera espectral Por essa razatildeo suas personagens sobretudo as femininas adquiriram um
1 Graccedila Aranha ldquoA esteacutetica de uma trageacutediardquo A esteacutetica da vida Rio de Janeiro Garnier 1921 p 210-213 2 Cf sobre as semelhanccedilas entre Peer Gynt e Malasarte Joseacute Carlos Garbuglio ldquoDe Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) Revista do Instituto de Estudos Brasileiros Satildeo Paulo USP n 4 p 81-96 1968 3 Tristatildeo de Alencar Araripe Jr Ibsen Porto Lello amp Irmatildeo 1911
52
aspecto ldquomisteriosamente maleacuteficordquo como de ldquoum ente que natildeo parece desse mundordquo De
qualquer modo ainda segundo Araripe Jr a genialidade do dramaturgo estava na capacidade
que ele tinha de ldquoenxergar na vida o que nem todos podem verrdquo encerrando em sua obra ldquoo
comeccedilo da construccedilatildeo ideal da sociedaderdquo marca do sinal dos tempos que despertou o
interesse de alguns franceses como Antoine e Lugneacute-Poe
Nesse periacuteodo de 1895 a 1911 pode-se perceber a formaccedilatildeo cultural de nossos
criacuteticos que com graus diferentes de influecircncia nutriram-se de obras tributaacuterias ora do
evolucionismo e do materialismo corriqueiro de Max Nordau Spencer Haeckel e Comte ora
do idealismo e esteticismo de Eacutedouard Schureacute e Camille Mauclair ora da tendecircncia analiacutetica
de Eacutedouard Rod escritor suiacuteccedilo que como Moritz Prozor foi um dos famosos prefaciadores
das traduccedilotildees francesas das peccedilas de Ibsen No que diz respeito especificamente agrave criacutetica
teatral continuariacuteamos durante algum tempo a utilizar os criteacuterios analiacuteticos de Francisque
Sarcey
53
Um claacutessico imperfeito
Durante a Primeira Guerra as companhias estrangeiras que faziam as vezes de
atualizar nossa cena apresentando-nos os principais autores da vanguarda europeacuteia deixaram
de vir com frequumlecircncia ao Brasil Essa situaccedilatildeo contribuiu ao menos em parte para que os
nossos homens de teatro ficassem totalmente agrave margem da revoluccedilatildeo cecircnica operada por
Stanislavski Gordon Craig e Meyerhold restando-nos apenas ldquoa praacutetica do estrelismordquo
Assim a dramaturgia brasileira voltou-se para os temas nacionais retomando o fio iniciado
por Martins Pena e Franccedila Juacutenior a saacutetira aos costumes de nossa organizaccedilatildeo social e poliacutetica
a exaltaccedilatildeo da terra e da vida no campo em oposiccedilatildeo agrave degeneraccedilatildeo dos haacutebitos citadinos e o
contraste entre a figura do estrangeiro tolo e o brasileiro haacutebil e esperto Nesse gecircnero de
teatro o texto servia apenas como apoio agraves improvisaccedilotildees dos atores assinalando a tendecircncia
aos efeitos faacuteceis que se prolongaria durante as deacutecadas de 1920 e 1930 As peccedilas desse
modo eram escritas sob medida para os atores preferidos pelo puacuteblico que tinham a
possibilidade de projetar suas personalidades no palco A ausecircncia do diretor encarregado de
coordenar o espetaacuteculo numa visatildeo unitaacuteria facilitava ainda mais o improviso dos efeitos
cocircmicos o gosto dos ldquocacosrdquo e o desequiliacutebrio do conjunto contribuindo para colocar sempre
em primeiro plano o ator principal da companhia Muitos desses ldquoastrosrdquo aliaacutes tornaram-se
empresaacuterios teatrais emprestando aos grupos que dirigiam seus nomes de iacutedolos populares
caso das companhias de Leopoldo Froacutees e de Procoacutepio Ferreira Essas comeacutedias de costumes
previam por ordem expressa dos empresaacuterios um cenaacuterio fixo geralmente a sala de visitas de
uma famiacutelia de classe meacutedia por onde desfilavam os tipos habituais o galatilde o pai libertino e
conservador a matildee ingecircnua e dedicada a avoacute resmungona o empregado impertinente etc
Nessas circunstacircncias Ibsen voltaria aos palcos brasileiros somente em setembro de
1915 com a encenaccedilatildeo de Os espectros pela companhia de Gustavo Salvini no Teatro
Cassino Antaacutertica em Satildeo Paulo O ator italiano que jaacute havia apresentado essa peccedila no Rio e
em Satildeo Paulo em 1907 recebeu a mesma ldquoruidosa ovaccedilatildeordquo do puacuteblico e principalmente da
criacutetica que alardeava a perfeita atuaccedilatildeo de Salvini como resultado do longo tempo que ele
passara nos hospitais observando os casos de ataxia locomotora Ibsen embora acolhido com
um pouco mais de simpatia continuava a ser considerado um autor de ideacuteias tristes e
sombrias que fizera do teatro no dizer de um criacutetico do Correio Paulistano ldquoum museu de
54
anatomiardquo1 Aleacutem de Novelli e Salvini Ermete Zacconi foi outro ator italiano que se tornou
ceacutelebre na interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving de Os espectros apresentando-se no Teatro
Municipal de Satildeo Paulo em janeiro de 1924 Desde 1892 quando entatildeo estreara no Teatro
Manzoni de Milatildeo sob as orientaccedilotildees de Enrico Polese Zacconi vinha interpretando essa
personagem Apesar das renovaccedilotildees levadas agraves cenas europeacuteias por Stanislavski Craig
Meyerhold Appia Max Reinhardt e Copeau as representaccedilotildees de Zacconi seguiam ainda a
foacutermula de Polese O texto ibseniano ajustado ao gosto do puacuteblico tornava-se mero apoio
para que a figura de Zacconi sobressaiacutesse ao restante do elenco da companhia que aliaacutes era
formada por membros de sua famiacutelia A uacuteltima cena da peccedila em que Osvaldo Alving tem um
acesso de loucura exclamando ldquoIl sole Il solerdquo foi considerada pela imprensa o ponto alto
do drama Em cenas como essa Zacconi tinha a chance de mostrar ao puacuteblico as suas
qualidades de ator dramaacutetico exibindo no palco as nuanccedilas da enfermidade de Osvaldo Os
criacuteticos acostumados ao individualismo artiacutestico de nossos atores que muitas vezes
colocavam seus exibicionismos acima da ficccedilatildeo elogiaram muito o desempenho de Zacconi
ldquoComo se estiveacutessemos diante de um doente autecircntico faz mal agrave gente ver em cena o pobre
Osvaldo com as matildeos trecircmulas o andar trocircpego a liacutengua jaacute baralhada a cada instante
trocando siacutelabas e esquecendo dos nomes mais familiares Zacconi eacute tatildeo magistral nessa
personagem e impressiona tanto que a sala inteira parecia dominada como hipnotizada pela
sua arterdquo2 O sucesso da temporada de Zacconi foi um dos maiores jaacute vistos em Satildeo Paulo
com o proacuteprio Leopoldo Froacutees saudando-o de modo pomposo em cena aberta ldquoEacutes o sol eu
sou o vaga-lumerdquo
Em 1928 comemorou-se no mundo inteiro o centenaacuterio de Ibsen Nessa ocasiatildeo os
principais jornais brasileiros trouxeram mateacuterias que tentavam explicar a trajetoacuteria e as ideacuteias
do autor A essa altura o dramaturgo norueguecircs jaacute era considerado um claacutessico da literatura
dramaacutetica moderna sendo comumente comparado a Soacutefocles e a Shakespeare No Brasil com
alcance e graus de refinamento diversos Ibsen tambeacutem passou a ser reconhecido como um
ldquoespiacuterito originalrdquo responsaacutevel por introduzir novas situaccedilotildees no palco animando o teatro
com suas extraordinaacuterias personagens Natildeo se pode dizer no entanto que o dramaturgo
tornara-se um autor estimado de nossos criacuteticos muito menos popular jaacute que havia uma
concordacircncia generalizada de que sua obra de temas obscuros e de teatralidade inconsistente
podia alcanccedilar apenas uma parte do puacuteblico o de rigorosa formaccedilatildeo literaacuteria Supeacuterflua entatildeo
1 ldquoCassino Antaacutertica ndash A companhia dramaacutetica italiana []rdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 4 set 1915 Teatros e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura)
55
tornava-se a anaacutelise de suas peccedilas que apesar de continuarem a ser representadas nas cenas
mais autorizadas do mundo com enorme sucesso natildeo provocavam mais controveacutersias Para a
maioria de nossos criacuteticos o ecircxito de Ibsen como um artista de gecircnio era inquestionaacutevel no
entanto seu estilo insoacutelito era deacutemodeacute Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo passada a
curiosidade ningueacutem mais interessava-se pelas excentricidades de suas personagens pois elas
eram ldquode fato de outro meio de uma sociedade bem diversa provavelmente da nossa com
ideacuteias e costumes feitos segundo outra tradiccedilatildeordquo1 O mesmo acontecia com sua teacutecnica
dramatuacutergica que embora tivesse produzido uma consideraacutevel renovaccedilatildeo no gecircnero literaacuterio
natildeo apresentava segundo o jornalista Fleacutexa Ribeiro a ldquodramaticidade cecircnica necessaacuteria para
impressionar os auditoacuterios mais ou menos distraiacutedos e que vivem ainda soacute pelo sentimentordquo2
As figuras ibsenianas outrora tatildeo polecircmicas a ponto de muitos terem considerado
Ibsen um criador de monstros passaram a ser vistas com menos antipatia Para Fleacutexa Ribeiro
o aspecto mais marcante da obra de Ibsen era a ldquofecundidade da vida interiorrdquo de suas
personagens e o conceito de obscuridade habitualmente atribuiacutedo ao seu teatro era causado
sobretudo pela dupla personalidade de suas figuras dramaacuteticas Ibsen sendo um gecircnio
analiacutetico criara ldquouma seacuterie maravilhosa de realidades interioresrdquo onde atuavam ainda
segundo Fleacutexa Ribeiro ldquopersonagens invisiacuteveisrdquo que soacute poderiam ser explicadas pelo estudo
da psicologia Ribeiro talvez tenha sido um dos primeiros criacuteticos a aventar a possibilidade de
se analisar um obra de ficccedilatildeo pelo vieacutes psicanaliacutetico ldquoQuando um dia se conhecer melhor a
psicologia todo esse vasto domiacutenio do inconsciente e se tiver fixado as leis gerais que regem
os estranhos fenocircmenos do subconsciente (pois que ambos se aproximam mas satildeo bem
diferenciados) verificaremos o quanto a atuaccedilatildeo do invisiacutevel do desapercebido eacute profunda
duradoura e inquietanterdquo3 Outro criacutetico que admirava o eacutetat drsquoacircme das personagens
ibsenianas era Camille Mauclair um dos precursores do teatro simbolista francecircs que teve
uma conferecircncia sua traduzida e publicada nrsquoO Paiacutes em 25 de marccedilo de 1928 Em ldquoAgrave
memoacuteria de Ibsenrdquo Mauclair falou num primeiro momento de sua trajetoacuteria artiacutestica e de
como Ibsen entrara nas cogitaccedilotildees do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre apresentando um balanccedilo das
montagens realizadas pela sua companhia Num segundo momento o criacutetico francecircs tratou de
avaliar a obra do norueguecircs na eacutepoca presente Todas as ideacuteias sociais a que Ibsen dava
especial apreccedilo como a liberdade por exemplo pareciam-lhe ldquoavelhentadasrdquo e indiferentes
restando apenas ldquoos elementos da consciecircncia e da vida interiorrdquo para ele traccedilos originais do
1 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 2 Fleacutexa Ribeiro ldquoNo centenaacuterio de Ibsenrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo p 3 18 mar 1928 3 Id ldquoIbsen e o subconscienterdquo O Paiacutes Rio de Janeiro p 3 2 abr 1928
56
autor Eacute nesse sentido que segundo Mauclair Casa de boneca ldquomalgrado o seu desfecho
alegoacuterico e mal explicadordquo continuava a despertar o interesse de artistas de prestiacutegio
sobretudo de atrizes que se sentiam atraiacutedas pela personalidade de Nora A mesma coisa
acontecia com Os espectros uma das peccedilas segundo ele mais perfeitas de Ibsen que podia
ldquosuportar o confronto com as grandes criaccedilotildees gregasrdquo
Se por um lado o teatro de Ibsen ainda sofria censura por ser considerado pouco
dramaacutetico parecendo mais um ldquoromance dialogadordquo por outro havia quem enxergasse
justamente nessa reserva o desenvolvimento do teatro moderno Era o caso de Antonio de
Alcacircntara Machado que no ensaio ldquoHenrik Ibsenrdquo publicado no Diaacuterio Nacional de Satildeo
Paulo em 2 de abril de 1928 procurou explicar a teacutecnica dramatuacutergica do autor Com esse
texto escrito sob o pseudocircnimo de J J de Saacute Alcacircntara Machado deu novo alento agrave criacutetica
teatral brasileira Primeiro porque sua reflexatildeo voltava-se para o estudo da forma dramaacutetica de
Ibsen assunto nunca antes tratado na imprensa segundo porque a maneira de escrita de seu
ensaio subvertia a rigidez da estrutura dos artigos que normalmente obedeciam a um mesmo
molde resumo da obra (interesse mais pelo enredo do que pela teacutecnica) e comentaacuterios sobre o
desempenho dos atores e sobre o comportamento da plateacuteia Seus escritos passaram a
incorporar em sua fatura os elementos proacuteximos ao historicismo das formas teatrais e os
criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila comeccedilaram a ser vistos sob a perspectiva da crise do drama
do repuacutedio agrave carpintaria teatral de efeito e da insuficiecircncia da forma dramaacutetica brasileira
Assim Alcacircntara Machado antecipa alguns dos pressupostos que soacute em 1956 seriam
formulados por Peter Szondi na Teoria do drama moderno a contradiccedilatildeo entre a velha forma
do drama burguecircs e os novos conteuacutedos que ela natildeo tem como assimilar1 De maneira ainda
sutil sem entrar na interpretaccedilatildeo social da forma Alcacircntara Machado discute a crise do
gecircnero dramaacutetico em Ibsen e a impossibilidade moderna do drama dando um primeiro passo
para romper o ciclo de atraso de nossa criacutetica teatral que continuava trabalhando com os
mesmos meacutetodos de anaacutelise do final do seacuteculo XIX O ensaio encerra um caraacuteter pedagoacutegico
pelo modo como o criacutetico esclarece a nova realidade da accedilatildeo e das personagens em Ibsen
trazendo uma importante contribuiccedilatildeo pela maneira como aponta os caminhos que deviam
trilhar o teatro brasileiro a busca por formas dramaacuteticas anti-burguesas
O que salta aos olhos na primeira leitura do texto de Alcacircntara Machado eacute o abandono
da velha discussatildeo em torno das peccedilas da primeira fase de Ibsen interessando-se apenas pelos
dramas que apontam para a desestruturaccedilatildeo do ato teatral NrsquoA comeacutedia do amor o criacutetico
1 Cf Peter Szondi ldquoA crise do drama Ibsenrdquo Teoria do Drama Moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 p 37-46
57
assinala o desembaraccedilo da accedilatildeo e o interesse do dramaturgo pelas questotildees de seu tempo A
partir de Os pilares da sociedade ele assinala a influecircncia decisiva de Ibsen no
desenvolvimento de uma nova realidade da accedilatildeo dramaacutetica o interesse do autor norueguecircs
pelo passado das personagens como forma de ampliar o mundo aleacutem do diaacutelogo
interindividual agrave semelhanccedila do que ocorria no romance Nada daquela ldquohistoacuteria arranjadinha
que tem que comeccedilar no primeiro ato atingir o seu maior grau de intensidade no segundo e
acabar de qualquer maneira no terceirordquo A obra ibseniana abandonava de vez os cacoetes
romacircnticos os versos e as situaccedilotildees apoteoacuteticas subvertendo tudo e alcanccedilando a dramaturgia
de outros paiacuteses Nessa esteira Alcacircntara Machado descreve um panorama da recepccedilatildeo de
Ibsen na Europa sem deixar de inferir uma criacutetica cortante agraves teorias francesas responsaacuteveis
pela resistecircncia de intelectuais artistas e plateacuteia ao teatro do dramaturgo norueguecircs ldquoo mau
teatro francecircs portanto assimilava e igualava o teatro europeu entatildeo sinocircnimo de universalrdquo
Em Catilina o criacutetico identifica o cerne da constituiccedilatildeo de todas as personagens
ibsenianas o que ele denomina de figura do heroacutei falhado1 tipos ambiacuteguos de moral
duvidosa que se vecircem em contradiccedilatildeo entre a vontade e o ato Essas figuras para Alcacircntara
Machado movem-se de acordo com os interesses da burguesia e num dado momento satildeo
coagidas a enfrentar seu passado de devassidatildeo e baixeza Portanto elas nada tecircm de
anormais degeneradas e incoerentes estando suas accedilotildees condicionadas agrave realidade social a
que estatildeo inseridas Os espectadores nunca as conheceratildeo em sua integridade natildeo sendo
possiacutevel portanto tomar partido contra ou a favor de nenhuma delas Ainda segundo criacutetico a
tentativa de conhececirc-las na maioria das vezes leva a uma ldquoseacuterie de indagaccedilotildees freudianasrdquo
que privilegiam mais o estudo do gesto do mecanismo interior que prepara essa ou aquela
atitude da personagem em detrimento da reflexatildeo sobre as relaccedilotildees sociais que se
estabelecem entre elas As anaacutelises de Alcacircntara Machado atentas aos modelos de renovaccedilatildeo
estrangeira incorporavam uma dimensatildeo criacutetica avanccedilada indicando uma clareza cada vez
maior sobre o processo de superaccedilatildeo histoacuterica da forma dramaacutetica O criacutetico haacute muito jaacute havia
compreendido que a forma teatral para representar o mundo da crise da ordem burguesa
precisava lanccedilar matildeo de temporalidades muacuteltiplas diferente daquele tipo de organizaccedilatildeo em
que tudo tem que acabar no terceiro ato Ele percebeu que era necessaacuterio expandir o espaccedilo-
tempo das personagens para aleacutem do presente da accedilatildeo introduzindo os elementos eacutepicos nas
representaccedilotildees
1 Cf sobre este e outros aspectos da criacutetica de Alcacircntara Machado Seacutergio de Carvalho O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
58
Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen
Na deacutecada de 1930 pouco haacute para assinalar de novo nos campos da dramaturgia e da
atualizaccedilatildeo cecircnica apenas algumas tentativas de renovaccedilatildeo iniciadas ainda nos anos 1920
pela Companhia Brasileira de Comeacutedia de Oduvaldo Viana pelo teatro social de Jaime Costa
e pelo Teatro de Brinquedo de Aacutelvaro e Eugecircnia Moreira Estes a propoacutesito foram os
responsaacuteveis pela primeira produccedilatildeo brasileira de uma peccedila de Ibsen Hedda Gabler
encenada no Teatro Regina do Rio de Janeiro em 1937 Infelizmente quase nenhuma
informaccedilatildeo temos sobre esse espetaacuteculo salvo o registro de Gustavo Doacuteria em seu Moderno
teatro brasileiro ldquoAproveitando um grupo de atores afastados do palco Eugecircnia organizou
sob os auspiacutecios da Casa dos Artistas um conjunto que percorreu os subuacuterbios apresentando-
se em circos pavilhotildees cine-teatros e clubes com um repertoacuterio que abrangia Matildee de Joseacute
Alencar O noviccedilo de Martins Pena Hedda Gabler de Ibsen []rdquo1
Em setembro de 1938 Ermete Zacconi voltou a apresentar Os espectros no Teatro
Municipal de Satildeo Paulo A montagem centralizada no fatalismo da doenccedila de Osvaldo
Alving mesmo depois de ultrapassadas as teorias da hereditariedade pareceu aos nossos
criacuteticos inconsistente e fantasmagoacuterica Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo pouco
impressionava ldquoa parte mais esclarecida do puacuteblicordquo o caso do artista condenado agrave loucura
parecendo-lhe mais loacutegica e natural a figura de Helena ldquoa matildee sofredora cheio de recalcados
temoresrdquo2 Assim o sucesso do espetaacuteculo ficou por conta de Zacconi que salvo ligeiras
modificaccedilotildees apresentou a mesma imagem os mesmos gestos e inflexotildees que o puacuteblico tinha
aprendido a admirar desde a primeira interpretaccedilatildeo que o ator fizera dessa personagem em
Satildeo Paulo quatorze anos atraacutes Tanto era assim que para os espectadores dessa encenaccedilatildeo de
1938 foi natural ver o ator aos 81 anos subir ao palco para interpretar o jovem pintor viacutetima
da tara paterna
Em 1939 ano em que Otto Maria Carpeaux chegou ao Brasil a obra de Ibsen era
considerada anecircmica feita de uma teacutecnica artificial e antiquada de intrigas elementarmente
mecacircnicas e assuntos superados textos mortos enfim que visavam mais agrave leitura que agrave
representaccedilatildeo Nesse ambiente contraacuterio a qualquer experiecircncia que natildeo fosse selecionada e
filtrada pela influecircncia e visatildeo francesas Carpeaux tornou-se um espiacuterito renovador
mostrando pontos de vista diferentes dos que reinavam aqui seja ao revelar escritores pouco
1 Gustavo A Doacuteria ldquoDez anos de permeiordquo Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975 p 39 2 O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 2 set 1938 Palcos e Circos p 4 (Sem assinatura)
59
conhecidos como Kafka Vico Croce Dilthey Max Weber seja ao reconsiderar outros caso
de Ibsen que natildeo tiveram suas obras devidamente analisadas Dessa maneira em 1942
Carpeaux publicou ldquoDefesa de Ibsenrdquo o primeiro de uma seacuterie de artigos em que procurou
resgatar os aspectos de atualidade do teatro ibseniano Nesse texto jaacute encontramos as ideacuteias
que dois anos mais tarde seriam desenvolvidas minuciosamente no ldquoEnsaio sobre Henrik
Ibsenrdquo o estudo mais conhecido de Carpeaux sobre o dramaturgo escrito a propoacutesito da
traduccedilatildeo para o portuguecircs de seis de suas peccedilas1 Entre os anos de 1940 e 1970 Carpeaux fez
conferecircncias escreveu artigos ensaios tornando-se a criacutetica mais avanccedilada e a autoridade
maacutexima dos estudos ibsenianos no Brasil a ponto de quase todas as montagens realizadas
nesse periacuteodo trazer em seus programas textos comentaacuterios ou qualquer citaccedilatildeo do criacutetico
O primeiro problema que Carpeaux identificou na resistecircncia da criacutetica brasileira agrave
obra de Ibsen era a forma de ver seus dramas sempre encerrados na estreiteza do teatro
realista e nas preocupaccedilotildees da burguesia do fim do seacuteculo XIX Para Carpeaux os assuntos de
Ibsen natildeo podiam ter envelhecidos como diziam os nossos criacuteticos porque simplesmente
nunca existiram em suas peccedilas Ler Os espectros como uma trageacutedia da hereditariedade e
tomar a cataacutestrofe de Osvaldo como a mateacuteria essencial do drama era segundo Carpeaux um
erro ldquoo heroacutei da peccedila natildeo eacute Osvaldo eacute sua devota matildee Helena que arruinou o filho natildeo
querendo abandonar o marido corrompidordquo2 A mesma coisa acontecia com Os pilares da
sociedade cujo assunto natildeo era a podridatildeo moral de um burguecircs respeitado e sim o medo que
cada indiviacuteduo tem do seu passado Em Um inimigo do povo a forccedila natildeo estava na derrota e
sim na vitoacuteria da democracia E em Casa de boneca a mateacuteria natildeo era a emancipaccedilatildeo
feminina pois para o criacutetico as mulheres jaacute haviam conquistado todos os direitos civis
poliacuteticos e sociais A tese essencial era a dificuldade e a necessidade de cada um assumir a
responsabilidade pelos seus atos De fato as reflexotildees de Carpeaux deram novo acircnimo para as
discussotildees de Ibsen no Brasil No entanto suas anaacutelises desenvolvidas a partir de
consideraccedilotildees de ordem moral e religiosa oriundas de uma visatildeo catoacutelica do mundo
minimizaram as reivindicaccedilotildees sociais das peccedilas valorizando apenas ldquoo destino do homem
individual e humanordquo Por isso para ele a condiccedilatildeo feminina em Casa de boneca era um
assunto obsoleto servindo apenas para expor a personagem agrave prova natildeo tendo Nora portanto
ldquoo direito de reivindicar no palco os direitos da mulher porque a mulher do nosso tempo jaacute
1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 31-65 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 149-161 p 158
60
tem todos os direitosrdquo1 Eacute assim que sob essa vertente religiosa Carpeaux ldquoesquecia-serdquo
entre outras coisas de que apesar da constituiccedilatildeo de 1934 ter regularizado a entrada das
mulheres no mercado de trabalho elas continuavam a receber menos que os homens que o
direito de abrir contas fazer cesarianas e viajar sem a permissatildeo do marido soacute estabelecido
em 1962 ainda estava longe de ser conquistado assim como o divoacutercio que soacute viria a ser
reconhecido no Brasil em 1977
A atualidade de Ibsen para Carpeaux estava no fato do dramaturgo ter descoberto o
modo de reintroduzir a proacutepria noccedilatildeo de destino e de fatalidade mdash conceito essencial da
trageacutedia mdash no teatro moderno Assim para a compreensatildeo dos problemas de Ibsen natildeo
importava tanto considerar a escolha de seus assuntos mas sim a maneira como ele os tratava
Apenas por esse caminho chegava-se ao fundamento do teatro do autor norueguecircs e agrave unidade
interior de toda a sua obra ldquoo combate agrave mentira e a preocupaccedilatildeo da salvaccedilatildeo da alma
humanardquo2 A partir de um vieacutes ldquotraacutegico cristatildeordquo3 em que o conceito de trageacutedia transformava-
se em criteacuterio de valor Carpeaux colocou no centro de discussatildeo dos dramas ibsenianos o
dogma do pecado original Por essa razatildeo os heroacuteis de Ibsen estavam condenados a responder
pelos erros cometidos no passado ldquoO destino das suas personagens eacute determinado
inexoravelmente pelas forccedilas do seu passado pela lembranccedila inextinguiacutevel e vingadora de
crimes perpetrados ou tencionados em eacutepocas anteriores da sua vida Ibsen escreveu
propriamente trageacutedias lsquohistoacutericasrsquo embora representadas em roupagens modernas Natildeo
acredita na possibilidade de fugir por meio de conversotildees morais ao determinismo da
histoacuteriardquo4
Assim como na trageacutedia grega as personagens ibsenianas estavam fadadas a se opor agrave
ordem moral do mundo A natureza exata das forccedilas em confronto era a necessidade do
homem agir contra as leis do Estado e suportar a responsabilidade dos seus atos com todas as
suas consequumlecircncias Dessa forma em Ibsen o traacutegico apresentava-se como uma fatalidade
livremente aceita pelo heroacutei que mesmo sabendo que poderia selar a sua proacutepria perda ao dar
iniacutecio ao combate manifestava o desejo de lutar pela sua liberdade Por isso Nora tinha de
abandonar seu lar Helena Alving tinha que largar o marido e Dr Stockmann tinha que
1 Otto Maria Carpeaux ldquoAos atores brasileirosrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 1 abr 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 154 (Grifo meu) 3 Cf sobre esse aspecto e outros do meacutetodo criacutetico de Carpeaux Mauro de Souza Ventura Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 4 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 63
61
denunciar a presenccedila de microacutebios nas aacuteguas minerais A contradiccedilatildeo entre as leis do
indiviacuteduo e da sociedade constituiacuteam segundo Carpeaux o conflito traacutegico que conferia agraves
peccedilas de Ibsen ldquoo assunto do gecircnero da Trageacutediardquo1 Do mesmo modo a necessidade inelutaacutevel
de assumir a falta cometida levava o heroacutei ibseniano assim como na trageacutedia a expiar os seus
pecados ateacute o fim Caso por exemplo de Helena Alving que escrava das convenccedilotildees sociais
natildeo abandonou o marido levando o filho agrave loucura Portanto a esse sentimento do traacutegico se
associava em Carpeaux a visatildeo pessimista da natureza humana segundo a qual somente por
meio da aceitaccedilatildeo do castigo pelo erro cometido no passado o homem poderia alcanccedilar a
remissatildeo e recobrar a sua liberdade ldquoNo foacuterum iacutentimo da alma descobre Ibsen a possibilidade
de salvaccedilatildeo aquela ldquomudanccedila de vidardquo que no Evangelho se chama lsquometanoeitersquo Eis o
sentido iacutentimo da fase ldquoneo-romacircnticardquo Lille Eyolf eacute a peccedila ldquoTolstoacuteianardquo da conversatildeo John
Gabriel Borkman eacute a trageacutedia da purificaccedilatildeo Naar vi Doede Vaagner [Quando noacutes os mortos
despertarmos] eacute a trageacutedia da ldquoressurreiccedilatildeordquo na morte do indiviacuteduordquo2
A partir da deacutecada de 1960 periacuteodo de instauraccedilatildeo do regime militar e da censura das
produccedilotildees artiacutesticas Carpeaux deixou um pouco de lado a visatildeo conservadora do catolicismo
passando a assumir pontos de vista poliacuteticos na apreciaccedilatildeo da literatura Assim o interesse
pela ldquosalvaccedilatildeo da almardquo em Ibsen foi substituiacutedo pelos problemas sociais Atesta-o um artigo
de 1962 onde o criacutetico apontou o disparate de se pensar resolvidos os problemas ibsenianos
ldquoEacute preciso ter muito boa consciecircncia e muita audaacutecia para achar lsquoantiquadosrsquo os negocistas
em As colunas da sociedade e a corrupccedilatildeo administrativa e o jornal venal em Um inimigo do
povordquo3 Nesse mesmo artigo Carpeaux tomou como o aspecto mais marcante da modernidade
de Ibsen a sua teacutecnica dramatuacutergica que assim como a de Brecht refutava o teatro
ilusioniacutestico levando o puacuteblico a participar dos acontecimentos no palco Em outro texto
publicado no programa do espetaacuteculo Casa de boneca da Companhia Tocircnia-Celi-Autran em
1973 o criacutetico denunciou o cerceamento da liberdade e a necessidade dos indiviacuteduos terem
consciecircncia dessa situaccedilatildeo Em chave irocircnica Carpeaux criticou o arbiacutetrio e o autoritarismo
que tomavam conta do paiacutes ldquoPois em nosso tempo atual e atualiacutessimo natildeo acontece mdash como
todo mundo sabe mdash que um empresaacuterio rico e respeitoso como lsquocoluna de sociedadersquo eacute na
realidade um escroque tampouco acontece em nosso tempo de plenitude da democracia que
um homem eacute perseguido como lsquoinimigo do povorsquo porque denuncia uma corrupccedilatildeo
1 Otto Maria Carpeaux ldquoPresenccedila de Ibsenrdquo Teatro brasileiro Satildeo Paulo Jaraguaacute n 7 p 2-3 maio-jun 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 64 3 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Acontece embora raramente []rdquoO Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 abr 1962 Suplemento Literaacuterio n 278 p 1
62
aproveitada pelos bem-pensantesrdquo1 Casa de boneca desse modo foi vista por Carpeaux
como a alegoria da luta dos homens pela liberdade e o gesto corajoso de Nora na uacuteltima cena
da peccedila como o expediente necessaacuterio para a transformaccedilatildeo da sociedade moderna que
tratava a todos homens e mulheres como bonecas
Sem duacutevida Carpeaux teve um papel importante como animador da volta de Ibsen aos
palcos brasileiros e como divulgador de sua obra entre noacutes No entanto sua concepccedilatildeo traacutegica
das peccedilas ibsenianas filtrada pela oacutetica do catolicismo progressista deu ensejo a uma seacuterie de
conjecturas que pouco ou quase nada de novo acrescentaram agrave anaacutelise do teatro de Ibsen Ao
contraacuterio ao aproximar a obra do norueguecircs da trageacutedia grega concentrando-se sobretudo na
figura do heroacutei ibseniano concebido como um indiviacuteduo isolado que sofre seu destino mdash seja
resignando-se agrave morte seja submetendo-se a um incessante exame de consciecircncia para expiar
seus pecados mdash Carpeaux perdeu de vista a dimensatildeo social das peccedilas transformando a obra
do autor em uma trageacutedia de moral cristatilde cujo uacutenico interesse estava na redenccedilatildeo da alma
humana Eacute assim que o criacutetico declarando obsoletos temas como o feminismo em Casa de
boneca a cobiccedila de Helena pelo dinheiro do Capitatildeo Alving em Os espectros a corrupccedilatildeo em
Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em John Gabriel Borkman etc acabou por
minimizar a criacutetica do dramaturgo agraves instituiccedilotildees e agraves convenccedilotildees limitadoras da sociedade
moderna Por conseguinte a maioria dos criacuteticos e artistas seguiram-lhe o caminho
preocupando-se quase que exclusivamente em estabelecer o que era novo na obra de Ibsen
Nesses casos normalmente o novo incidia no dilaceramento interior das personagens
substituindo-se a fatalidade religiosa de outrora pelo determinismo psicoloacutegico que
condenava os heroacuteis ibsenianos a viver com seus ldquodemocircnios interioresrdquo
1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoNossa Casa de bonecasrdquo Programa de Casa de bonecas direccedilatildeo de Cecil Thireacute Satildeo Paulo 1973
63
Entre o teatro amador e o profissional
A partir da deacutecada de 1940 sobretudo por causa das dificuldades de transporte
mariacutetimo durante a Segunda Guerra nossas editoras comeccedilaram a publicar obras estrangeiras
que em condiccedilotildees normais seriam importadas na liacutengua de origem ou em versotildees francesas
e inglesas no caso de autores como Ibsen Nietzsche Dostoieacutevski Tolstoacutei Puacutechkin entre
outros Mesmo num tempo de grande importaccedilatildeo de livros entre 1880 e 1910 era
praticamente impossiacutevel de se obter aqui um exemplar portuguecircs das peccedilas de Ibsen pois a
ediccedilatildeo e a representaccedilatildeo da obra do norueguecircs em Portugal era tatildeo diminuta quanto
episoacutedica1 Soacute em 1942 apareceram Casa de boneca e Os espectros traduzidos e prefaciados
por Joseacute Peacuterez para a Ediccedilotildees Cultura de Satildeo Paulo E dois anos mais tarde graccedilas agrave
influecircncia de Eacuterico Veriacutessimo entatildeo consultor editorial da Livraria Globo veio a puacuteblico a
ediccedilatildeo de Seis dramas coletacircnea traduzida por Vidal de Oliveira Esse livro composto de
peccedilas desconhecidas da maioria dos leitores brasileiros mdash Um inimigo do povo O pato
selvagem Rosmersholm A dama do mar Solness o construtor e Quando noacutes os mortos
despertarmos mdash trazia ainda um ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo de Otto Maria Carpeaux e um
prefaacutecio de Moritz Prozor para cada uma das peccedilas Nos anos 1950 tambeacutem apareceram
novas ediccedilotildees de Casa de boneca e Os espectros traduzidos por Alfredo Ferreira e A dama
do mar traduzida por Dea Caminha ambas pela Editora Vecchi do Rio de Janeiro Apesar
dessas iniciativas o niacutevel das traduccedilotildees brasileiras era muito baixo No caso de Ibsen os
tradutores partiam sempre do francecircs e deliberadamente evitavam a linguagem indelicada
amenizavam as ambiguumlidades das frases e utilizavam uma escrita excessivamente literaacuteria
nada coloquial
Ainda assim as traduccedilotildees serviram para os grupos de teatro amador trazerem Ibsen
novamente aos palcos brasileiros Para figuras como Aacutelvaro Moreira Renato Viana e
Paschoal Carlos Magno havia uma necessidade premente de colocar nosso teatro em peacute de
igualdade com o que se fazia nas grandes capitais da Europa Para isso natildeo bastava romper
com o passado e negar as tradiccedilotildees artiacutesticas da cena nacional muito menos encontrar o autor
brasileiro que refletisse os anseios da meacutedia sociedade burguesa Antes de mais nada era
imprescindiacutevel apresentar textos de melhor qualidade e espetaacuteculos mais bem cuidados
1 Consta desta pesquisa que circularam no Brasil as seguintes traduccedilotildees portuguesas Hedda Gabler Traduccedilatildeo de Freire Andrade [19--] Pilares da comunidade Traduccedilatildeo de Mario Delgado 1964 ambas da Editora Presenccedila de Lisboa Uma casa de bonecas dramas em trecircs atos Traduccedilatildeo de Emiacutelia de Arauacutejo Lisboa Guimaratildees 1916 e Os espectros Traduccedilatildeo de Joaquim Leone Soutello Lisboa Livraria Popular de Francisco Franco [19--]
64
seguindo principalmente os passos do modelo estrangeiro Assim para a modernizaccedilatildeo do
teatro brasileiro nossos artistas apoiaram-se quase que exclusivamente nas teorias de Jacques
Copeau embora conhecessem e acompanhassem com graus diversos de atenccedilatildeo as revoluccedilotildees
operadas por Antoine Stanislavski e Meyerhold Para as diferentes tendecircncias de renovaccedilatildeo
como a de Renato Viana e Alfredo Mesquita ou a de Aacutelvaro Moreira e Paschoal Carlos
Magno o mestre francecircs era o exemplo da nova arte e da nova eacutetica Nessa esteira os
espetaacuteculos deviam primar pela teatralidade Ao contraacuterio do significado original entre noacutes
isso queria dizer que no plano da interpretaccedilatildeo era imperativo a identificaccedilatildeo entre ator e
personagem e na relaccedilatildeo palco e plateacuteia era necessaacuterio provocar a empatia e a ilusatildeo da
realidade Isso soacute era possiacutevel atraveacutes do respeito ao texto isto eacute da busca do enriquecimento
da linguagem teatral da inspiraccedilatildeo poeacutetica e sobretudo da elevaccedilatildeo dos direitos espirituais
sobre os materiais Em outras palavras era inaceitaacutevel e de peacutessimo mau gosto a abordagem
naturalista do teatro e seus assuntos comezinhos problemas familiares adulteacuterio corrupccedilatildeo
hipocrisia reivindicaccedilotildees poliacuteticas etc Justamente dentro dessa perspectiva Ibsen foi
restituiacutedo ao contexto do teatro brasileiro Seguindo a mesma loacutegica de Carpeaux os dramas
ibsenianos deviam ser representados porque se igualavam em intensidade em profundeza e
em perfeiccedilatildeo cecircnica agraves grandes criaccedilotildees gregas A sua obra com as devidas exceccedilotildees natildeo
seria mais encenada pela oacutetica do cientificismo tampouco pelo vieacutes social mas pela
dramatizaccedilatildeo do destino do indiviacuteduo fadado a pagar pelos erros cometidos no passado
Assim o dramaturgo passou a ser visto pelo avesso ao tornar-se responsaacutevel pelo resgate da
accedilatildeo dramaacutetica mdash aquela motivada exclusivamente pelo psicoloacutegico mdash que expotildee no palco
somente a realidade interior das personagens
De qualquer forma os grupos do teatro amador colocaram o dramaturgo novamente na
ordem do dia Aleacutem das encenaccedilotildees jaacute conhecidas de Casa de boneca e Os espectros eles
trouxeram para o palco peccedilas nunca antes representadas na cena nacional como Um inimigo
do povo Quando noacutes os mortos despertarmos e John Gabriel Borkman Graccedilas agraves campanhas
artiacutesticas de Renato Viana que percorriam os estados do Norte e Nordeste do paiacutes e aos
festivais estudantis promovidos por Paschoal Carlos Magno as encenaccedilotildees da obra de Ibsen
natildeo ficaram mais restritas somente ao eixo Rio-Satildeo Paulo Aleacutem disso os espetaacuteculos
ganharam em qualidade o sotaque lusitano foi substituiacutedo pela prosoacutedia brasileira o ponto
que encerrado na caixinha do proscecircnio soprava o texto para os atores foi eliminado a
cenografia e a iluminaccedilatildeo ganharam importacircncia como linguagem cecircnica a figura do diretor
teatral indispensaacutevel para dar unidade de pensamento ao espetaacuteculo foi estabelecida Para
essas mudanccedilas contribuiacuteram os estrangeiros exilados de guerra que para caacute vieram trazendo
65
em suas bagagens experiecircncias teatrais de seus paiacuteses de origem Entre eles os poloneses
Ziembinski e Jorge Kossowsky o alematildeo Hoffmann Harnish o russo Zigmunt Turkov o
italiano Ruggero Jacobbi e o ator francecircs Louis Jouvet A atriz francesa Henriette Morineau
embora natildeo tenha participado diretamente da renovaccedilatildeo teatral influiu consideravelmente na
formaccedilatildeo dos novos atores ensinando-lhes a partir de seu proacuteprio exemplo o procedimento
declamatoacuterio dos textos a impostaccedilatildeo de voz o domiacutenio dos gestos e das expressotildees faciais
De Ibsen Morineau encenou Casa de boneca pela Companhia Dramaacutetica Francesa de Rachel
Beacuterendt no Teatro Municipal de Satildeo Paulo em julho de 1944 Dois anos depois ela fundaria
a sua proacutepria companhia Artistas Unidos cujo repertoacuterio abrangeria peccedilas do teatro de
boulevard de autores brasileiros e estrangeiros como Nelson Rodrigues Jean Anouilh Jean
Cocteau e Tennessee Williams
Entre dezembro de 1945 e janeiro de 1946 Renato Viana agrave frente do Teatro Anchieta
da Escola Dramaacutetica do Rio Grande do Sul apresentou-se no Rio de Janeiro com repertoacuterio
que incluiacutea obras de Dostoieacutevski Florecircncio Saacutenchez e Ibsen Desde a deacutecada de 1920 Renato
Viana empenhava-se em aparelhar o nosso incipiente teatro com novas praacuteticas de
interpretaccedilatildeo mormente inspiradas no meacutetodo de Stanislavski Envolvido pela atmosfera preacute-
modernista e munido de informaccedilotildees sobre a revoluccedilatildeo cecircnica na Ruacutessia (Stanislavski
Komissarzhevskaya e Meyerhold) e na Franccedila (Antoine Lugneacute-Poe e Copeau) ele propunha
a renovaccedilatildeo dos velhos coacutedigos teatrais e o estabelecimento de novos conceitos cecircnicos como
meios para se chegar a uma ldquoexpressatildeo brasileira em cenardquo Desse modo ele tornou-se o
nosso primeiro diretor de teatro instaurando um rigoroso sistema disciplinar que natildeo admitia
conversas paralelas durante os ensaios nem atrasos de atores e teacutecnicos coisas inteiramente
estranhas no nosso teatro onde a indisciplina era a regra1 Enquanto no Teatro do Estudante
de Paschoal Carlos Magno existia uma margem de improvisaccedilatildeo inerente agrave atividade
amadora nas campanhas artiacutesticas empreendidas por Renato Viana mdash Batalha da Quimera
Colmeacuteia Caverna Maacutegica Teatro de Arte Teatro-Escola e Teatro Anchieta mdash havia sempre
a preocupaccedilatildeo de um rigor profissional que exigia de seus alunos cada vez mais disciplina e
preparo especializado Foi assim que em dezembro de 1945 ele apresentou no Teatro
Ginaacutestico do Rio a primeira encenaccedilatildeo brasileira de Casa de boneca A imprensa saudou com
entusiasmo sua iniciativa sobretudo a de trazer para a cena nacional novos atores que
impressionavam pela maneira diferente de se comportarem no palco Entre os ldquonovos valoresrdquo
estava Maria Caetana filha de Renato Viana incumbidas do papel de Nora que embora jaacute
1 Cf sobre a obra e as campanhas artiacutesticas de Renato Viana Sebastiatildeo Milareacute ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrgt
66
conhecida da plateacuteia carioca pelo desempenho como protagonista nas peccedilas de seu pai
Monalisa e Margarida Gauthier recebeu muitos elogios sobretudo pela sua atuaccedilatildeo na cena
em que danccedilava a tarantela Depois dessa temporada no Rio Renato Viana como era de
praxe fez uma longa excursatildeo pelo paiacutes apresentando seus espetaacuteculos gratuitamente para
operaacuterios e estudantes
Nos anos subsequumlentes agrave montagem de Renato Viana seguiram-se as encenaccedilotildees de
Os espectros pelo Teatro do Estudante de Minas Gerais em 1947 pelo Teatro dos Estudantes
da Bahia e pelo Teatro Universitaacuterio do Centro Acadecircmico Horaacutecio Berlinck de Satildeo Paulo
ambos em 1948 Nesse mesmo ano paralelamente agraves accedilotildees do teatro amador o empresaacuterio
Franco Zampari fundou em Satildeo Paulo o Teatro Brasileiro de Comeacutedia (TBC) inaugurando
uma nova fase na cena nacional As atividades teatrais entraram nos paracircmetros da moderna
administraccedilatildeo mercadoloacutegica da cultura com patrociacutenio do Estado ou de grandes monopoacutelios
O programa esteacutetico ficou por conta dos encenadores estrangeiros que assumiram a tarefa de
dotar o paiacutes de uma dramaturgia compatiacutevel com o padratildeo internacional Desse modo para
equilibrar a receita e agradar a burguesia paulistana alternavam-se textos consagrados com
peccedilas de grande apelo popular principalmente as comeacutedias francesas e norte-americanas
Embora apoiado nos claacutessicos universais o TBC durante toda a sua existecircncia nunca incluiu
Ibsen em seu repertoacuterio Em entrevista ao Jornal do Brasil a propoacutesito da divulgaccedilatildeo do
espetaacuteculo Casa de boneca de 1971 Tocircnia Carrero nos daacute uma indicaccedilatildeo da resistecircncia do
TBC agraves peccedilas ibsenianas ldquoIbsen foi um autor de tal maneira importante que Shaw sentindo-se
ameaccedilado por sua qualidade dizia dele que era um dramaturgo ultrapassado Eu mesma por
influecircncia do TBC concordava com esta opiniatildeo Os diretores do TBC consideravam Ibsen um
autor de qualidade discutiacutevelrdquo1 Aleacutem do TBC considerar a obra do dramaturgo antiquada
portanto pouco apropriada para atualizaccedilatildeo do teatro brasileiro eacute possiacutevel que seguindo a
corrente esteacutetica francesa de Copeau e Jouvet julgasse de mau gosto os assuntos ibsenianos
voltados para o desmascaramento da sociedade burguesa Seja como for Ibsen ficaria ainda
algum tempo agrave margem das cogitaccedilotildees das companhias profissionais cabendo agrave accedilatildeo
renovadora do amadorismo estabelecer na imprensa um debate profiacutecuo sobre o seu teatro
Um dos conjuntos amadores que via em Ibsen o caminho para a transformaccedilatildeo da
praacutetica teatral vigente sobretudo pelo questionamento social de sua obra era o Teatro do
Estudante de Pernambuco Liderado por Hermilo Borba Filho o grupo desde 1945 procurava
redemocratizar a arte cecircnica brasileira atraveacutes da teatralidade e das teacutecnicas das festas
1 ldquoTocircnia feminista pela matildeo de Cecilrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 6 out 1971 (Sem assinatura)
67
populares nordestinas visando a um teatro poliacutetico feito para o povo Numa barraca
improvisada no Parque 13 de maio em Recife eles encenavam para uma plateacuteia que
desconhecia inteiramente o teatro peccedilas do repertoacuterio claacutessico e moderno como Soacutefocles
Shakespeare e Ibsen Foi com esse espiacuterito que em 1949 o grupo pernambucano montou a
peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos apresentando-a em praccedilas paacutetios ao ar livre
hospitais faacutebricas e presiacutedios Nesse mesmo ano o Teatro do Estudante do Paranaacute que tinha
sido fundado no ano anterior por Armando Maranhatildeo Ary Fontoura entre outros artistas
levou agrave cena Os espectros no Teatro Renascenccedila de Ponta-Grossa (PR)
Durante os anos 1950 os amadores continuaram a encenar as peccedilas de Ibsen caso de
Casa de boneca representada pelo Teatro 5 de setembro do Departamento Dramaacutetico do
Orfeatildeo Riograndense em 1952 e pelo Teatro Paulista em 1956 Rosmersholm encenado
pelos alunos da Faculdade de Direito da USP em 1955 Os espectros apresentado pelo Grupo
57 no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 e John Gabriel
Borkman montado pelo Teatro do Estudante da Paraiacuteba no II Festival Nacional de Teatros de
Estudantes em Santos (SP) em 1959 Nesse periacuteodo as diretrizes de encenaccedilatildeo das peccedilas
ibsenianas estavam mais niacutetidas diferenciando-se basicamente pela oposiccedilatildeo entre o social
que privilegiava neste caso o aspecto de criacutetica agrave sociedade e o individual voltado para os
problemas de consciecircncia das personagens As montagens de Renato Viana e Paschoal Carlos
Magno ambas de 1952 satildeo bons exemplos da contradiccedilatildeo que a partir de entatildeo se
estabeleceria entre artistas e criacuteticos a respeito da atualidade de Ibsen Para alguns caso de
Renato Viana e Hermilo Borba Filho o novo estava no esmaecimento do cunho dramaacutetico de
suas peccedilas o que possibilitava a criacutetica agrave realidade social para outros caso de Paschoal
Carlos Magno e Otto Maria Carpeaux o novo estava nos conflitos interiores das personagens
na condiccedilatildeo traacutegica do destino do indiviacuteduo e na teatralidade que visava aos sentidos e agrave
beleza esteacutetica
Por esse tempo Renato Viana estava na direccedilatildeo da Escola Dramaacutetica Martins Pena do
Rio de Janeiro que aleacutem ter um quadro docente de primeira linha composto por Joseacute
Oiticica Tomaacutes Santa Rosa Luiacutesa Barreto Leite entre outros mantinha uma companhia fixa
de teatro formada por alguns de seus alunos como Tereza Raquel e Roland Henze Dessa
experiecircncia resultaram as montagens Eacutedipo Rei de Andreacute Gide e Um inimigo do povo de
Ibsen que estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em julho de 1952 A encenaccedilatildeo foi
durante dois meses precedida de conferecircncias sobre a vida e a obra do autor norueguecircs caso
de ldquoAnaacutelise dos dramas ibsenianos sob o ponto de vista da representaccedilatildeordquo por Renato Viana
ldquoRetrato literaacuterio de Ibsenrdquo por Celso Kelly e ldquoIbsen e a questatildeo socialrdquo por Joseacute Oiticica A
68
linha da encenaccedilatildeo privilegiou o aspecto de censura agrave corrupccedilatildeo dos indiviacuteduos ao abuso de
poder e agrave opressatildeo social Carpeaux o criacutetico mais autorizado da eacutepoca sobre Ibsen elogiou a
iniciativa de Renato Viana de levar agrave cena um teatro de tatildeo grande valor literaacuterio No entanto
os temas sociais enfatizados na montagem pareceram-lhe revestidos de trajes histoacutericos ldquode
fantasias de casaca e cartolardquo Para ele a ideacuteia da responsabilidade moral das personagens era
a uacutenica coisa que natildeo envelhecera no teatro de Ibsen continuando a ser a condiccedilatildeo essencial
para a trageacutedia ldquona eacutepoca dos determinismos dialeacuteticos psicanaliacuteticos racistas e outros de
hoje a ideacuteia da responsabilidade continua a condiccedilatildeo sem qual natildeo haacute trageacutediardquo1
Dois meses depois da montagem de Um inimigo do povo o Teatro do Estudante do
Brasil apresentou Os espectros no Teatro Duse em setembro de 1952 Um texto de Carpeaux
impresso na primeira paacutegina do programa definia a linha do espetaacuteculo ldquono palco acenderatildeo a
luz da poesia traacutegicardquo2 Em outras palavras o que se veria em cena era a fatalidade da
condiccedilatildeo humana agindo sobre as personagens A doenccedila de Osvaldo jaacute natildeo era mais o tema
principal da peccedila mas sim o destino de Helena Alving condenada a expiar pelos pecados e
pela mentira A contemplaccedilatildeo esteacutetica e a catarse como na trageacutedia grega seriam
conquistadas pela grandeza e dignidade da protagonista ao aceitar e resignar-se agrave sua sorte A
encenaccedilatildeo pareceu seguir de perto as liccedilotildees de Copeau quanto ao primado do texto ao
despojamento do palco e agrave veneraccedilatildeo dos claacutessicos Em um manuscrito de Carpeaux reunido
por Orlanda Carlos Magno em seu livro sobre o Teatro Duse o criacutetico destacou a
simplicidade do cenaacuterio e a atmosfera de solidatildeo e anguacutestia criada pelo diretor Jorge
Kossowsky no momento da revelaccedilatildeo do segredo traacutegico ldquoo tema edipiano sofoclianordquo
Aleacutem disso elogiou a atuaccedilatildeo de Eugecircnio Carlos que sem se colocar no centro da accedilatildeo
ofereceu excelente estudo da decadecircncia fiacutesica de Osvaldo e de Miriam Carmem que no
papel de Helena reuniu a dignidade de uma ldquorainha shakespearianardquo e a expressatildeo de
amargura de uma vida desgraccedilada3 Passados dez anos de seu primeiro texto sobre Ibsen
Carpeaux ainda apontava como valores permanentes da obra ibseniana o conflito individual
das personagens O tempo para ele encarregara-se de eliminar os traccedilos histoacutericos e sociais
das peccedilas podendo apenas o esteacutetico comover e impressionar os espectadores
1 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Estatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo O Jornal Rio de Janeiro 29 jun 1952 2 Otto Maria Carpeaux ldquoAmigo espectador []rdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Jorge Kossowsky Rio de Janeiro 1952 3 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEspectros (Teatro Duse)rdquo In Orlanda Carlos Magno Pequena histoacuteria do Teatro Duse Rio de Janeiro SNT 1973 p 97-98
69
Ao abrir-se a deacutecada de 1960 o teatro brasileiro encontrava-se em pleno processo de
redemocratizaccedilatildeo apresentando uma dramaturgia de cunho criacutetico voltada para as
contradiccedilotildees baacutesicas da nossa realidade social Apreendidas as novas maneiras de conceber o
espetaacuteculo a valorizaccedilatildeo do diretor o aprimoramento dos atores o cuidado com cenaacuterios
figurinos e iluminaccedilatildeo comeccedilavam a despontar na cena nacional novos artistas que
reclamavam um espaccedilo para o teatro popular Tudo isso fruto dos esforccedilos realizados em
anos anteriores por Aacutelvaro Moreira Renato Viana Paschoal Carlos Magno Hermilo Borba
Filho entre outros artistas que se opuseram ao teatro comercial em voga Surgiram assim
figuras como Millocircr Fernandes Antonio Callado Oduvaldo Viana Filho e Gianfrancesco
Guarnieri autores preocupados com as questotildees sociais grupos como o Teatro de Arena
criado em 1953 por Joseacute Renato o Teatro Popular do Nordeste fundado em 1958 por
Hermilo Borba Filho e o Centro Popular de Cultura da UNE liderado por Vianinha e
inspirado no Movimento Popular de Cultura de Pernambuco de Miguel Arraes todos
compartilhando do mesmo desejo de transformar o paiacutes a partir da accedilatildeo cultural Aleacutem disso
novos conceitos oriundos dos recursos do teatro eacutepico de Brecht e do teatro poliacutetico de
Piscator ganhavam cada vez mais espaccedilo em detrimento das velhas teorias francesas de
Copeau e Jouvet Todo esse surto renovador sofreu enorme abalo com o golpe militar de 1964
e com a censura tatildeo logo instaurada que interditava as peccedilas que abordavam temas poliacuteticos e
sociais alterava os textos dramaacuteticos considerados improacuteprios e perseguia os artistas
engajados politicamente como eacute sabido
Nessas circunstacircncias Ibsen passou a interessar mais do que nunca os conjuntos
profissionais de teatro A essa altura jaacute estava mais do que consolidada a ideacuteia de que sua
obra era datada portanto nenhum problema nossos artistas teriam com a censura ao levar
para o palco um autor ldquoultrapassado das preacutedicas libertaacuteriasrdquo Se por um lado houve quem o
colocasse em cena exatamente dentro dessa linha de pensamento valorizando apenas a
grandeza de suas personagens que comparadas agrave estirpe das figuras da trageacutedia grega
poderiam oferecer aos atores a consagraccedilatildeo profissional por outro houve quem se utilizasse
dessa opiniatildeo generalizada como frente de resistecircncia agrave ditadura colocando em foco o
passado para melhor falar do presente por meio de alusotildees e metaacuteforas Curiosamente o
autor norueguecircs que fora excluiacutedo do repertoacuterio do TBC passou a ser encenado por atores e
diretores dissidentes do mesmo Teatro Brasileiro de Comeacutedia que mais tarde acabaram
formando suas proacuteprias companhias Ziembinski agrave frente do Teatro do Rio companhia
fundada por Rubens Correcirca e Ivan Albuquerque foi o responsaacutevel pela primeira realizaccedilatildeo
profissional de uma peccedila de Ibsen no Brasil dirigindo Os espectros no Teatro Satildeo Jorge do
70
Rio de Janeiro em marccedilo de 1961 No programa do espetaacuteculo o diretor aleacutem de afirmar a
modernidade do dramaturgo definia o fio condutor de sua montagem ldquoo horror do jogo das
conveniecircncias e pontos de vista hipoacutecritas que matam a espontacircnea liberdade do homem essa
uacutenica liberdade frutiacutefera criadora e causadora da nossa sobrevivecircncia espiritualrdquo1 Para ele o
drama tendo como assunto principal o ldquoconflito passional e ideoloacutegicordquo de Helena deveria
ser encenado numa linguagem atenuada sem o exagero de situaccedilotildees violentas e pateacuteticas Por
isso a orientaccedilatildeo dada aos atores era para fugir dos malabarismos psicoloacutegicos o que
transformaria o texto de um alcance filosoacutefico e social em aventuras que cheiravam a
melodrama O espetaacuteculo ficou pouco mais de um mecircs em cartaz A maior parte dos criacuteticos
apontou como fragilidade da encenaccedilatildeo o fato do diretor diminuir o aspecto melodramaacutetico da
peccedila deixando de colocar no palco o ldquomundo rico de sugestotildees teatraisrdquo de Ibsen Em outras
palavras puacuteblico e criacutetica lamentaram na montagem a ausecircncia do entusiasmo da vivacidade
e do substrato psicoloacutegico das personagens Para Paulo Francis o diretor apenas havia
ensaiado os atores sem se preocupar em chegar a qualquer conclusatildeo aparente da peccedila A
proacutepria atuaccedilatildeo de Ziembinski no papel do pastor Manders foi censurada ldquoZiembinski
limitou-se a procurar atenuar o melodrama da peccedila dando ao papel que interpreta do pastor
Manders graccedilas a certos gestos e inflexotildees uma comicidade para aleacutem do que nos parece
sugerir o personagem e constituindo hiatos cocircmicos que se chocam com o tom geral da
peccedilardquo2
Em outubro de 1965 duas peccedilas de Ibsen foram encenadas em Satildeo Paulo Hedda
Gabler pela Companhia Nydia Liacutecia e Seacutergio Cardoso representada no Teatro Bela Vista e
Os espectros primeira peccedila da companhia Teatro da Cidade de Satildeo Paulo de Alberto
DrsquoAversa montada no TBC Os dois espetaacuteculos na ordem da expectativa dramaacutetica tanto do
puacuteblico quanto da criacutetica parecem ter cumpridos seus papeacuteis Para Oliveira Ribeiro Neto
criacutetico drsquoA Gazeta mais importante que a exterioridade de Hedda Gabler mdash ldquomuito mais que
a sua beleza a sua juventude a sua classerdquo mdash era o ldquoseu aspecto interior de mulher
nevropata cansada da mediocridade da existecircnciardquo Por ser essa segundo ele a caracteriacutestica
essencial da peccedila pareceu-lhe ldquoexcessivamente desanuviadardquo a direccedilatildeo de Walmor Chagas
que suprimiu de sua montagem o ambiente opressivo em que se deveria desenvolver o drama
No entanto ainda segundo Ribeiro Neto esse detalhe natildeo desabonava em nada as qualidades
dramaacuteticas do espetaacuteculo sustentadas por Nydia Liacutecia no papel-tiacutetulo que emprestara agrave
1 Z Ziembinski ldquoSobre a atualidade de Ibsenrdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Ziembinski Rio de Janeiro 1961 2 Henrique Oscar ldquoEspectros de Ibsen pelo Teatro do Riordquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 14 abr 1961 Cf tambeacutem Paulo Francis ldquoO espetaacuteculo do Teatro do Riordquo Diaacuterio Carioca Rio de Janeiro 19 abr 1961
71
personagem ldquomuito do seu encanto aparecendo bela e sedutora com certos tiques nervosos
de quem sente profunda preocupaccedilatildeo sempre expressiva no seu nervosismo de mulher que
comeccedila a esperar um filhordquo1 indesejado Paulo Mendonccedila jornalista da Folha de S Paulo
compartilhava de certo modo das ideacuteias de Oliveira Ribeiro Neto Para ele a accedilatildeo dramaacutetica
de Hedda Gabler construiacuteda sem nenhum rigor teacutecnico dificultava a comunicaccedilatildeo com o
puacuteblico natildeo sendo raras as situaccedilotildees em que os espectadores sentiam-se perdidos por natildeo
entender as questotildees que Ibsen levantava e deixava sem respostas a ponto de ao cair o pano
todos indagarem ldquoe daiacuterdquo Considerando a intriga gratuita e pouco convincente Paulo
Mendonccedila atribuiacutea exclusivamente agrave atriz incumbida do papel-tiacutetulo a responsabilidade do
ecircxito da montagem Somente atraveacutes dos recursos da forccedila e do magnetismo da atriz
principal a peccedila poderia adquirir uma dimensatildeo cecircnica acessiacutevel agrave plateacuteia Portanto Hedda
Gabler segundo ele era ldquomenos uma peccedila do que um papelrdquo fruto da intransigecircncia do
dramaturgo que preferia ldquoser absurdo a deixar de ser implacavelmente autecircnticordquo2
Os espectros de Alberto DrsquoAversa embora em curta temporada na capital paulista por
causa do compromisso dos teatros com outros espetaacuteculos logrou enorme sucesso de criacutetica e
puacuteblico A montagem enfatizava com uma certa dose de afetaccedilatildeo o desespero e o sofrimento
de Helena Alving mdash exatamente os aspectos que quatro anos antes os criacuteticos sentiram falta
na mesma peccedila montada por Ziembinski no Rio de Janeiro Ao que parece o diretor italiano
aprendera com o ldquoerrordquo de seu colega e ao contraacuterio dele apresentou um drama sentimental
buscando uma empatia cada vez maior com a plateacuteia Em entrevista ao Diaacuterio da Noite
DrsquoAversa explicou o porquecirc da escolha de Os espectros para a estreacuteia de sua companhia em
Satildeo Paulo ldquoOs motivos satildeo claros e alguns de suma importacircncia Ibsen eacute um dos cinco
autores mais famosos do mundo Aleacutem disso apesar de natildeo ser inteiramente comercial eacute uma
peccedila que possui todas as qualidades para agradar o puacuteblicordquo3 Por certo as qualidades a que o
diretor se referia eram aquelas que a criacutetica reclamara como ausentes na encenaccedilatildeo de
Ziembinski conflito profundidade psicoloacutegica e tensatildeo dramaacutetica
Em maio de 1966 o Grupo 57 voltou a apresentar Os espectros dessa vez no Teatro
de Arena da Guanabara no Rio de Janeiro O grupo havia sido premiado pela encenaccedilatildeo
dessa mesma peccedila no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 No
entanto natildeo alcanccedilou o mesmo ecircxito com a montagem profissional As marcaccedilotildees do diretor
1 Oliveira Ribeiro Neto ldquoHedda Gabler ndash Muito mais importante que o aspecto externo da personagem Hedda Gabler []rdquo A Gazeta Satildeo Paulo 25 out 1965 2 Paulo Mendonccedila ldquoHedda Gabler ndash Irdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 12 out 1965 e ldquoHedda Gabler ndash IIrdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 14 out 1965 3 ldquoEspectros de Ibsen cinco dias no TBCrdquo Diaacuterio da noite Satildeo Paulo 14 out 1965 (Sem assinatura)
72
Garcia Xavier apoiada quase que exclusivamente no infortuacutenio de Helena e Osvaldo Alving
soaram artificiais e exageradas Henrique Oscar criacutetico do Diaacuterio de Notiacutecias apontou a
insuficiecircncia da maioria dos inteacuterpretes como a parte mais problemaacutetica do espetaacuteculo Agnes
Fontoura no papel de Helena foi a mais criticada pois atuara agrave maneira da velha escola com
gestos expressotildees fisionocircmicas e ldquoolhares digno de museurdquo A traduccedilatildeo de Alfredo Ferreira
utilizada no espetaacuteculo natildeo escapou agrave exprobraccedilatildeo ldquoAleacutem de empregar expressotildees
impraticaacuteveis no palco como lsquoazaacutefamarsquo e outras eacute de uma impropriedade clamorosa cheia de
lsquosim simrsquo lsquobem bemrsquordquo1 Para Fausto Wolff da Tribuna da Imprensa o diretor tinha
conseguido aproximar a peccedila de Ibsen da telenovela brasileira limitando-se os atores com
exceccedilatildeo de Edson Guimaratildees inteacuterprete de Engstrand a apresentar um tom monocoacuterdio e
melodramaacutetico onde entravam ldquosusto choro grito histeria e suspense amadorrdquo2
Se Os espectros do Grupo 57 foi duramente criticado pela falta de aperfeiccediloamento
dos atores e pela negligecircncia em cenaacuterio e figurino a primeira e uacutenica montagem de As
colunas da sociedade encenada no Teatro Guaiacutera de Curitiba pelo Teatro de Comeacutedia do
Paranaacute (TCP) em novembro do mesmo ano foi recebida entusiasticamente pela nossa criacutetica
teatral O TCP organizado e dirigido por Claacuteudio Correa e Castro vinha conquistando cada
vez mais espaccedilo no cenaacuterio cultural brasileiro atraveacutes de produccedilotildees de claacutessicos mundiais e de
textos nacionais como Um elefante no caos de Millocircr Fernandes montada em 1963 A
megera domada de Shakespeare encenada em 1964 Escola de mulheres de Moliegravere e O
santo milagroso de Lauro Cesar Muniz ambas representadas em 1965 O texto de Ibsen
segundo Claacuteudio Correa e Castro havia sido incluiacutedo no repertoacuterio do grupo porque aleacutem de
desmascarar a hipocrisia da sociedade mdash ldquoo que todo mundo gostaria que se fizesse com
algumas de nossas lsquocolunasrsquordquo3 mdash seus atores precisavam enfrentar um texto realista o que
natildeo acontecia havia cerca de trecircs anos desde A vida impressa em doacutelar de Clifford Odets
representada em 1963 Os pontos fortes da montagem ficaram por conta dos figurinos de
Kalma Murtinho e do cenaacuterio de Claacuteudio Correa e Castro ldquoimpecaacutevel no seu bom gosto e nos
menores detalhes do seu acabamentordquo4 Todos os moacuteveis haviam sido feitos especialmente
para a encenaccedilatildeo e ateacute se pocircs em cena uma maacutequina de costura da eacutepoca reproduzindo
fielmente o interior de uma residecircncia burguesa de 1870
1 Henrique Oscar ldquoEspectros no Arena da Guanabarardquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 26 maio 1966 2 Fausto Wolff ldquoOs espectros espectrais no Arena IIrdquo Tribuna da Imprensa Rio de Janeiro 1 jun 1966 3 Entrevista de Clauacutedio Correa e Castro concedida a Martim Gonccedilalves ldquoIbsen em Curitibardquo O Globo Rio de Janeiro 1 nov 1966 4 Yan Michalski ldquoIbsen em Curitibardquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 2 nov 1966
73
Entre as deacutecadas de 1960 e 1970 sobretudo apoacutes o recrudescimento da censura com o
AI-5 Ibsen ganharia encenaccedilotildees cada vez mais luxuosas impressionantes pela beleza plaacutestica
dos cenaacuterios e figurinos envolvendo os espectadores num mundo irreal dinacircmico cheio de
som cores e efeitos espetaculares Com raras exceccedilotildees caso das montagens de Hermilo
Borba Filho Fernando Torres e Antunes Filho buscava-se driblar a censura atraveacutes dos
recursos da estilizaccedilatildeo e da metaacutefora a fim de mostrar o significado real dos textos ibsenianos
e construir da melhor maneira possiacutevel uma frente de resistecircncia agrave ditadura Assim foi a
montagem de Um inimigo do povo encenada pelo Teatro Popular do Nordeste em 1967 A
companhia liderada por Hermilo Borba Filho dava continuidade ao trabalho artiacutestico e
cultural do Teatro do Estudante de Pernambuco (fundado em 1945) levando para o povo
espetaacuteculos natildeo soacute de qualidade literaacuteria como tambeacutem de questionamento social o que
permitia ao puacuteblico uma compreensatildeo maior de sua proacutepria histoacuteria Por meio de expedientes
como o canto a danccedila a maacutescara o boneco Hermilo procurou apresentar em sua casa de
espetaacuteculos na Avenida Conde da Boa Vista em Recife uma peccedila criacutetica viva denunciando
na figura do Dr Stockmann o cerceamento da liberdade e a perdiccedilatildeo do indiviacuteduo diante da
arbitrariedade do Estado
Dois anos mais tarde em agosto de 1969 Fernando Torres encenaria a mesma peccedila
no Teatro Satildeo Pedro em Satildeo Paulo procurando assim como Hermilo questionar o
autoritarismo a falta de liberdade de expressatildeo e a desigualdade de direitos Depois de
encerradas as atividades do Teatro de Arena e do Oficina o Teatro Satildeo Pedro arrendado por
Beatriz e Mauriacutecio Segall em 1968 no auge da repressatildeo apresentava-se como um dos
uacuteltimos grupos da cena paulistana comprometido com uma produccedilatildeo artiacutestica voltada para a
anaacutelise social Buscando uma nova maneira de expressatildeo teatral que pudesse burlar a censura
e ao mesmo tempo oferecer ao puacuteblico espetaacuteculos que vislumbrassem a transformaccedilatildeo das
praacuteticas poliacuteticas e culturais vigentes o Teatro Satildeo Pedro acolheu muitos artistas
rearticulando antigos laccedilos profissionais e poliacuteticos Dessa feita o grupo encenou entre outras
coisas Os fuzis da sra Carrar de Brecht com direccedilatildeo de Flaacutevio Impeacuterio em 1968 Marta
Sareacute de Gianfrancesco Guarnieri e Edu Lobo dirigido por Fernando Torres em 1969 e
Tambores na noite de Brecht dirigido por Fernando Peixoto em 1972 Para Beatriz e
Mauriacutecio Segall ldquoIbsen era o tom mais apropriado para o Brasil poacutes-AI-5 A questatildeo eacutetica
colocada em Um Inimigo do Povo de um homem que natildeo abandona as suas convicccedilotildees
74
mesmo quando todas as situaccedilotildees se voltam contra ele era uma profissatildeo de feacute que a
companhia estava disposta a carregar consigordquo1
Ainda na esteira da resistecircncia democraacutetica Antunes Filho encenou Peer Gynt no
Teatro Itaacutelia de Satildeo Paulo em abril de 1971 No panorama das produccedilotildees teatrais da eacutepoca
limitadas a um teatro comercial e digestivo a montagem de Antunes mereceu muitos elogios
dos nossos criacuteticos Depois dos absurdos dos empresaacuterios teatrais de apostar exclusivamente
no aspecto lucrativo dos espetaacuteculos sem se preocupar com a qualidade das peccedilas Saacutebato
Magaldi apontou a encenaccedilatildeo de Antunes como ldquouma resposta luacutecida e brilhante a todos os
erros que [ameaccedilavam] a nossa atividade cecircnicardquo2 Com Peer Gynt Antunes instituiacutea na cena
brasileira uma nova maneira de conceber o espetaacuteculo propondo a retomada da palavra e a
colocaccedilatildeo do homem no centro dos acontecimentos O proacuteprio Antunes em entrevista agrave Folha
de S Paulo registrou essa mudanccedila ldquonosso espetaacuteculo eacute um marco do novo teatro a
liberdade do autor e do ator Acabaram a ditadura e o accediloite do diretor do nosso teatro
formalista e abstrato da forma pela forma Agora eacute o homem recolocado novamente dentro de
sua histoacuteriardquo3 Nessa perspectiva Peer Gynt funcionava como um libelo contra a alienaccedilatildeo e o
escapismo apresentando a histoacuteria de um homem que vive apenas o momento sem lanccedilar
amarras e sem se engajar Desse modo a cada episoacutedio da vida de Peer Antunes buscou
criticar o oportunismo a filosofia do ldquojeitinho brasileirordquo e a indiferenccedila aos problemas
poliacuteticos e sociais A forccedila da montagem desse modo patenteava-se justamente na forma
como Antunes a partir da anaacutelise individual da personagem-tiacutetulo conseguira passar pelo
social e ascender ao poliacutetico
Poucos meses depois de Peer Gynt em outubro de 1971 estreava no Teatro Glaacuteucio
Gil do Rio de Janeiro Casa de boneca dirigida por Cecil Thireacute e estrelada por Tocircnia Carrero
A comeccedilar pelos textos apresentados no programa mdash ldquoNossa Casa de bonecasrdquo de Otto
Maria Carpeaux ldquoIbsen jaacute erardquo de Cecil Thireacute e ldquoCasa de bonecas ou sociedade de
bonecosrdquo de Fernando Peixoto mdash que discutiam a atualidade da peccedila agrave luz dos problemas
da realidade brasileira a montagem parecia sugerir uma criacutetica agrave opressatildeo e aos valores
retroacutegrados da sociedade encarnados na figura de Torvald Helmer No entanto a perspectiva
de criacutetica social parece ter ficado somente na intenccedilatildeo A linha adotada pelo diretor oscilou
1 ldquoTeatro Satildeo Pedrordquo Disponiacutevel lthttpwwwitauculturalorgbraplicexternasenciclopedia_teatrogt Cf tambeacutem Marco Antocircnio Guerra Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2 Saacutebato Magaldi ldquoNatildeo perca esta aventurardquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 29 abr 1971 3 Depoimento de Antunes Filho a Jorge Saacute de Miranda ldquoPeer Gynt celebra 100ordf apresentaccedilatildeordquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 29 abr 1971
75
entre uma montagem convencionalmente realista e uma vaga tentativa de modernizaccedilatildeo
cecircnica com o uso de intervenccedilotildees musicais e certos efeitos de luz que aproximaram o
espetaacuteculo segundo alguns criacuteticos ldquodas atuais telenovelas e dos dramalhotildees emboloradosrdquo1
Segundo Fernando Peixoto sentia-se claramente o intento do diretor Cecil Thireacute de apresentar
a tirania de Helmer como o microcosmo de uma realidade maior mais ampla e mais terriacutevel
No entanto a tiacutemida encenaccedilatildeo natildeo conseguira romper a estrutura soacutelida da intriga nem ldquoa
teia de conflitos do textordquo2 Desse modo a soluccedilatildeo eacutepica usada no final da peccedila o
desmoronamento do cenaacuterio como fizera Meyerhold na sua versatildeo de Casa de boneca de
1906 apresentou-se como uma ingecircnua metaacutefora da desestruturaccedilatildeo familiar e da queda dos
valores burgueses
Na deacutecada de 1980 a dramaturgia de natureza poliacutetica desaparece do palco brasileiro
voltando-se a maioria de nossos artistas para o ldquobesteirolrdquo um teatro de puro entretenimento
de grande aceitaccedilatildeo popular mas de completa despreocupaccedilatildeo literaacuteria e de indisfarccedilaacutevel
gratuidade Por outro lado no campo dos experimentalismos poacutes-modernos as encenaccedilotildees de
Gerald Thomas mdash Carmen com filtro e Electra com creta ambas de 1986 e Trilogia Kafka
de 1988 por exemplo mdash datildeo a tocircnica de um novo tipo de criaccedilatildeo cecircnica com a valorizaccedilatildeo
cada vez maior das linguagens visuais coreograacuteficas e sonoras em detrimento da palavra No
caso de Ibsen o vieacutes individualista de sua obra em oposiccedilatildeo ao aspecto social que desde os
anos 1940 vinha despertando o interesse de nossos artistas consolida-se a partir de entatildeo
como o grande fator de atualidade de seu teatro Os traccedilos morais e psicoloacutegicos de suas
personagens tidos como os uacutenicos elementos de modernidade e vigor de suas peccedilas ganham
relevo nas montagens desse periacuteodo Apoiados nos estudos do criacutetico norte-americano Robert
Brustein e do meacutedico vienense Wilhelm Reich nossos artistas passam a analisar a obra do
autor norueguecircs atraveacutes do recorte biograacutefico e de meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura Robert
Brustein exerceu grande influecircncia no Brasil sobretudo depois da publicaccedilatildeo de seu livro O
teatro de protesto pela editora Zahar do Rio de Janeiro em 1967 Retomando as ideacuteias de
Prozor acerca do caraacuteter autobiograacutefico do teatro de Ibsen Brustein procura identificar os
elementos da experiecircncia emocional do dramaturgo em suas peccedilas chegando agrave conclusatildeo de
que muitos dos heroacuteis ibsenianos satildeo auto-retratos do proacuteprio autor Nesse sentido ao analisar
O pato selvagem mdash para ele uma ldquopeccedila semi-autobiograacuteficardquo mdash o criacutetico afirma ter Ibsen
criado Gregers Werle agrave sua imagem e semelhanccedila conferindo agrave personagem as caracteriacutesticas
1 ldquoUm Ibsen bem comportadordquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 12 p 14-15 jan 1972 (Sem assinatura) 2 Fernando Peixoto e Alberto Guzik ldquoTeatro no Rio e em Satildeo Paulo a temporada de 71rdquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 13 p 7-13 fev 1972
76
de um tiacutepico ibsenista com o propoacutesito de satirizar a si proacuteprio e impedir que ele viesse a ldquoser
institucionalizado por adeptos servisrdquo Da mesma maneira como havia feito Prozor no seu
prefaacutecio da traduccedilatildeo de Solness o construtor em 1894 Brustein compara o desenvolvimento
da personagem-tiacutetulo com a evoluccedilatildeo do trabalho de Ibsen Para o criacutetico Solness eacute ldquopura
autobiografiardquo sendo o construtor um dos mais elaborados auto-retratos do autor ldquoO
sentimento alimentado por Solness de que sua inquebrantaacutevel dedicaccedilatildeo agrave sua vocaccedilatildeo
destruiacutera nele a felicidade eacute um reflexo das duacutevidas e dos pesares de Ibsen depois expressos
em John Gabriel Borkmanrdquo1
Por sua vez o polecircmico meacutedico Wilhelm Reich conhecido mundialmente pelo seu
livro Psicologia de massas do fascismo (1934) onde analisa a repressatildeo sexual como uma
espeacutecie de matriz que prepara o indiviacuteduo para a aceitaccedilatildeo das demais coerccedilotildees mdash caso
segundo ele da adesatildeo da populaccedilatildeo alematilde ao discurso fascista mdash teve no Brasil uma
recepccedilatildeo limitada ao campo da terapia corporal Simplificando bastante interessava aos
admiradores brasileiros de Reich apenas o exame do corpo como invoacutelucro da histoacuteria de cada
sujeito sendo possiacutevel por meio de sua anaacutelise resgatar as emoccedilotildees mais profundas dos
indiviacuteduos Nessa esteira A funccedilatildeo do orgasmo (1927) livro dedicado ao estudo da
sexualidade humana teve enorme repercussatildeo no Brasil dos anos de 1970 Essa obra alcanccedilou
tamanho sucesso entre noacutes que desde a primeira publicaccedilatildeo feita pela Brasiliense em 1975
passou a ser editada constantemente chegando a deacutecima nona ediccedilatildeo em 1995 Por certo o
ensaio sobre ldquoPeer Gyntrdquo contido nesse volume exerceu uma influecircncia significativa na nova
abordagem da peccedila que passaria a considerar a figura de Peer como o siacutembolo do homem
perdido no fluxo de suas experiecircncias tentando descobrir qual eacute o seu verdadeiro Eu
autecircntico Essa caracteriacutestica atribuiacuteda agrave personagem estendia-se a Ibsen mdash ldquoAssim era Ibsen
e assim era Peer Gyntrdquo2 mdash que tambeacutem procurava atraveacutes de suas peccedilas uma sondagem do
eu profundo expondo seu proacuteprio caraacuteter ao exame e criacutetica implacaacuteveis Tornou-se comum
a partir de entatildeo associar a mateacuteria das peccedilas agrave vida do autor caindo-se facilmente na
armadilha da projeccedilatildeo Desse modo o subjetivismo das imagens e das personagens elucidava
a psicologia de Ibsen e os fatos e experiecircncias de sua vida pessoal serviam para estabelecer o
conteuacutedo da obra A implicaccedilatildeo de tudo isso foi o depauperamento do texto ibseniano pois o
que nele se ambicionara passou a ser visto como atributo do autor ser vivo e inesgotaacutevel no
papel impresso Ao valorizar apenas a vida interior das personagens os padrotildees arquetiacutepicos
1 Robert Brustein ldquoHenrik Ibsenrdquo O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 93 2 Wilhelm Reich ldquoPeer Gyntrdquo A funccedilatildeo do orgasmo problemas enconocircmico-sexuais da energia bioloacutegica 4 ed Satildeo Paulo Brasiliense 1978 p 48
77
as raiacutezes miacuteticas e o significado simboacutelico e sexual do teatro de Ibsen nossos criacuteticos e
artistas deixaram de lado uma das dimensotildees mais modernas da obra do dramaturgo a perda
de consistecircncia da solidez de seus dramas que para expressar a desordem social poliacutetica e
econocircmica foram contaminando-se progressivamente de elementos eacutepicos chegando por
vezes a romper com os cacircnones tradicionais
Na esteira das orientaccedilotildees de Brustein e Reich inclusive reproduzindo quase na
iacutentegra os textos desses dois autores no programa do espetaacuteculo Marcos Fayad agrave frente do
grupo Engenho de Teatro dirigiu Peer Gynt no Teatro Ginaacutestico do Rio em junho de 1982 A
encenaccedilatildeo baseada na exploraccedilatildeo do inconsciente e dos recalques da personalidade de Peer
procurava mostrar a viagem empreendida por um homem em busca de sua proacutepria identidade
e do verdadeiro papel que lhe cabia na vida Desse modo a personagem-tiacutetulo veio ao palco
mergulhada num denso universo de misticismo metafiacutesica e duacutevidas existenciais Chegou-se
mesmo ao disparate de comparar Peer e Ibsen mdash ldquoPeer Gynt eacute o lado de Ibsen que foi em
busca de prazer sob o sol da Itaacuteliardquo1 mdash e a evocar em termos biograacuteficos os processos
psiacutequicos do autor quando estava escrevendo a peccedila Assim Peer Gynt tinha um discurso
tortuoso porque o dramaturgo no momento da escrita da obra oscilava entre influecircncias
esteacuteticas e filosoacuteficas muito diversificadas como a obsessatildeo miacutestica do romantismo e a
anguacutestia existencial kierkegaardiana Para Yan Michalski criacutetico do Jornal do Brasil em
nenhuma peccedila de Ibsen ldquoo debate existencial era colocado em termos tatildeo teoacutericos de tanta
abrangecircncia filosoacuteficardquo como em Peer Gynt Por essa razatildeo o desafio de qualquer montagem
dessa peccedila era tornar teatral ldquoo discurso aacuterido e metafiacutesicordquo da obra tarefa que ainda segundo
Michalski o Engenho de Teatro natildeo conseguira cumprir por dois motivos primeiro porque
ldquoo sentido mais profundo desse discurso natildeo foi assimilado pelos atoresrdquo e segundo porque
faltava-lhes o instrumental teacutecnico para tornar o conteuacutedo da peccedila claro aos espectadores
Essa falta de habilidade para o criacutetico tornava-se especialmente patente ldquonas cenas em que as
duacutevidas existenciais [estavam] contidas em seu estado puro como nos encontros de Peer com
o diretor do manicocircmio com o democircnio ou com o fundidorrdquo2
Um mecircs depois da encenaccedilatildeo de Peer Gynt Dina Sfat estreou Hedda Gabler no
Teatro Guaiacutera de Curitiba em agosto de 1982 O diretor do espetaacuteculo o francecircs Gilles
Gwizdeck em entrevista ao jornal O Globo indicou a linha da encenaccedilatildeo ldquoEu tentei traduzir
cenicamente o texto como um dramalhatildeo contando uma historinha com princiacutepio meio e fim
Mas com todo o subtexto presente todas as pressotildees familiares em cena atraveacutes de muitos
1 ldquoRobert Brustein fala de Ibsenrdquo Programa de Peer Gynt direccedilatildeo de Marcos Fayad Rio de Janeiro 1982 2 Yan Michalski ldquoPeer Gynt ou a dificuldade de filosofarrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro p 2 23 mar 1982
78
recursos como o cenaacuterio do Ratto que eacute bem pesado e abafado com muito veludordquo1 Sendo
assim num tom soturno e sombrio Hedda apresentou-se no palco como uma neuroacutetica
viacutetima das pressotildees de uma sociedade castradora A educaccedilatildeo riacutegida que a personagem
recebera de seu pai baseada em valores aristocraacuteticos e conservadores foi abordada como
uma das origens dos conflitos dolorosos de sua vida adulta A complexidade os conflitos
interiores e o gesto final de autodestruiccedilatildeo da personagem tratados no mais estreito realismo
psicoloacutegico fez com que a peccedila ganhasse ares folhetinescos O desempenho de Dina Sfat no
papel-tiacutetulo foi bastante elogiado sobretudo por criar a partir da entrada em cena o clima de
inevitabilidade da trageacutedia Para a maioria de nossos criacuteticos somente a psicanaacutelise poderia
explicar a trajetoacuteria da heroiacutena e desvendar seus mecanismos interiores Por um lado Ibsen
foi considerado o ldquopai do teatro psicoacutetico modernordquo2 o responsaacutevel no dizer de Tereza
Menezes de colocar em cena ldquoo novo sujeito da modernidaderdquo3 aquele indiviacuteduo que possui
dimensatildeo interior e capacidade de perceber a si mesmo Por outro mais uma vez a arquitetura
dramaacutetica de sua obra foi valorizada por aproximar-se da carpintaria do teatro claacutessico
carregada de pressaacutegios e costurada de intrigas paralelas que davam maior relevo ao conflito
central da peccedila
Em agosto de 1985 Fernando de Almeida levou agrave cena do Teatro Domus em Satildeo
Paulo a peccedila Os espectros resultado de uma motivaccedilatildeo pessoal sua que haacute muito
interessava-se pelo papel de Osvald Alving Como estava na idade limite para interpretar a
personagem reuniu um grupo de atores convidou Emiacutelio Di Biasi para dirigir a peccedila e arcou
com a maior parte das despesas da produccedilatildeo do espetaacuteculo Aleacutem disso ele mesmo
encarregou-se de traduzir e revitalizar o texto de Ibsen a fim de tornaacute-lo ldquomenos antiquadordquo
visando uma relaccedilatildeo mais direta com o espectador Assim a accedilatildeo foi transportada para algum
lugar indeterminado do seacuteculo XX o aviatildeo tomou o lugar do trem Nova York o de Paris os
nomes das personagens foram abrasileirados e a doenccedila de Osvaldo a siacutefilis foi substituiacuteda
pela Aids Entretanto justamente a adaptaccedilatildeo foi o que a criacutetica unanimemente julgou de
mais controverso nessa montagem Para Alberto Guzik aleacutem da encenaccedilatildeo levar agraves uacuteltimas
consequumlecircncias os sentimentos de Helena e Osvaldo Alving transformando a peccedila num
melodrama quase insuportaacutevel ldquoFernando de Almeida parece natildeo ter se dado conta de que os
termos a estrutura a proacutepria organizaccedilatildeo do debate travado pelas personagens de Ibsen
seriam necessariamente outros se a moralidade que serve de pano de fundo agrave obra fosse a da
1 Entrevista de Gilles Gwizdeck concedida a Flaacutevio Marinho ldquoA histoacuteria de uma mulher destruidora e autodestrutivardquo O Globo Rio de Janeiro 11 ago 1982 2 Jefferson Del Rios ldquoHedda emoccedilotildees no palco e na plateacuteiardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 1 abr 1983 3 Cf Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006
79
era do aviatildeo e natildeo a do tremrdquo1 Ao que parece do original restou apenas uma paroacutedia um
apego aos lances melodramaacuteticos do enredo que transformaram a realizaccedilatildeo num kitsch natildeo
intencional A peccedila ficou pouco tempo em cartaz e os elogios foram apenas para Leacutelia
Abramo que voltava aos palcos apoacutes seis anos de uma ausecircncia forccedilada A atriz no papel de
Helena Alving parecia ser a uacutenica a ter consciecircncia da importacircncia da peccedila como criacutetica agrave
hipocrisia e agraves convenccedilotildees sociais ldquoA encenaccedilatildeo de Ibsen hoje eacute importante por se
preocupar com as indagaccedilotildees do espiacuterito humano aleacutem de seu valor literaacuterio Esta a
verdadeira riqueza dos autores claacutessicos e hoje com o homem sendo aniquilado pelo
progresso pela massificaccedilatildeo eacute importante qualquer coisa que o faccedila refletirrdquo2
Peer Gynt foi levado agrave cena do Teatro Renascenccedila de Porto Alegre pelo grupo Teatro
Vivo em marccedilo de 1987 dessa vez numa versatildeo mais formalista O palco despojado de
qualquer artefato realista mdash apenas duas escadas um andor de procissatildeo e algumas malas mdash
manteve-se livre para o desenvolvimento dos atores que caminhavam em ciacuterculos
aproximando seus movimentos de uma danccedila coreografada Fora isso elementos como
fumaccedila aacutegua e farinha aleacutem de uma iluminaccedilatildeo requintada preenchiam os espaccedilos vazios da
cena Dos cinco atos do texto original restaram apenas dois apresentados em pouco mais de
uma hora e meia privilegiando-se temas como a vida a morte e as viagens da personagem-
tiacutetulo Para Irene Brietzke diretora do espetaacuteculo o estudo mais interessante a respeito de
Peer Gynt era o de Wilhelm Reich jaacute que mostrava Peer como uma personagem-siacutembolo que
representava o desejo mais secreto de todo o ser humano ldquoo sonho a paixatildeo o prazer e a
aventurardquo3 Por isso a exemplo do que fizera Marcos Fayad em sua montagem de 1982 ela
tambeacutem procurou contar a histoacuteria de um homem em busca de si mesmo resolvendo viajar
pelo mundo para achar seu caminho Paralela a essa accedilatildeo principal da peccedila Brietzke
acrescentou uma personagem que entre uma cena e outra da peccedila fazia reflexotildees sobre a
funccedilatildeo do artista a necessidade de buscar novos horizontes a morte etc citando passagens
de cineastas como Fellini e Buntildeuel e autores como Borges Apesar das inovaccedilotildees que
deram uma visualidade fascinante ao espetaacuteculo chegando por vezes a prejudicar a
mensagem do texto a direccedilatildeo do espetaacuteculo natildeo fugira a regra sendo Ibsen novamente
encerrado num universo miacutestico e existencialista
1 Alberto Guzik ldquoUma adaptaccedilatildeo de Ibsen Com bons propoacutesitos e equiacutevocos demaisrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 6 set de 1985 2 Depoimento de Leacutelia Abramo para O Estado de S Paulo ldquoIbsen a defesa feminina na peccedila Os Espectrosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 27 ago 1985 3 ldquoPeer Gynt a maioridade de Irenerdquo Correio do Povo Porto Alegre 6 mar 1987
80
Em maio de 1988 o Grupo Tapa encenou Solness o construtor no Teatro Alianccedila
Francesa em Satildeo Paulo A direccedilatildeo de Eduardo Tolentino privilegiou o conflito entre o velho
e o novo mostrando no palco a histoacuteria de Solness um construtor de meia-idade que se sente
ameaccedilado pela juventude expressa na figura de seu empregado Ragnar Brovik Durante a
encenaccedilatildeo o espectador pocircde acompanhar o tormento da personagem-tiacutetulo com o medo da
morte a ascensatildeo profissional de Ragnar e a fascinaccedilatildeo pela jovem Hilda Wangel A ecircnfase
dada aos opostos emblemaacuteticos mdash velhonovo sauacutededoenccedila luztrevas construccedilotildees de
alvenariacastelos no ar paixatildeo adolescentecasamento falido mdash reduziu de certo modo um
dos aspectos mais contundentes da peccedila os interesses materiais da mesquinha realidade
burguesa que envolve o conflito de geraccedilotildees as vidas entediadas e a submissatildeo domeacutestica
Aleacutem disso o fato do grupo ver Solness como um alter ego de Ibsen colaborou para o
empobrecimento do texto minando a forccedila da montagem No programa do espetaacuteculo o
jornalista Carlos Hee preso agrave ideacuteia do todo contiacutenuo formado entre autor e obra apontou
relaccedilotildees entre a trajetoacuteria da personagem e a vida do dramaturgo utilizando exatamente das
mesmas ideacuteias de Moritz Prozor e Robert Brustein A primeira fase do construtor dedicada agrave
edificaccedilatildeo de igrejas seria relativa aos temas dos dramas filosoacutefico-religiosos impregnados
de personagens miacutesticas A mudanccedila de postura de Solness apoacutes o incecircndio quando passa a
construir habitaccedilotildees teria o valor similar ao rompimento do escritor com a sociedade
norueguesa e agrave sua preocupaccedilatildeo em escrever peccedilas sobre a vida cotidiana O encontro de
Solness com Hilda simbolizaria a fase dos dramas simboacutelico-metafiacutesicos e a correspondecircncia
que o autor passou a trocar com Emilie Bardach uma jovem vienense de 18 anos Por fim
como sua personagem Ibsen temia a concorrecircncia da juventude sobretudo a ascensatildeo do
dramaturgo August Strindberg Aleacutem do biografismo que encobriu a estrutura e o valor da
peccedila o espetaacuteculo ganhou uma conotaccedilatildeo sexual ora pelas suas marcaccedilotildees ora pela
interpretaccedilatildeo das torres como siacutembolos faacutelicos Descontados esses problemas Eduardo
Tolentino alcanccedilou seu propoacutesito inicial de fazer uma montagem sem arroubos cecircnicos ldquosem
deixar nenhum exibicionismo esteticista se sobrepor ao textordquo1 De fato ele soube dar agrave sua
montagem o equiliacutebrio entre o sentido do texto e a traduccedilatildeo visual mdash a accedilatildeo se passava em
um cenaacuterio realista recheado de referecircncias simboacutelicas e num clima oniacuterico desenrolavam-se
flashes do passado e do presente Aleacutem disso toda a encenaccedilatildeo foi baseada no texto e nos
atores livre da intervenccedilatildeo musical e das soluccedilotildees espetaculosas exigindo dos espectadores
uma concentraccedilatildeo maior para acompanhar as ideacuteias da peccedila
1 Depoimento de Eduardo Tolentino a Ana Francisca Ponzio ldquoPaulo Autran o primeiro Ibsenrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 14 set 1988
81
A partir dos anos 1990 Ibsen passa a ser encenado por produtores independentes em
sua maioria artistas de grande popularidade e de incontestaacutevel prestiacutegio nacional Favorecidos
pelo patrociacutenio de empresas privadas mdash sobretudo depois da criaccedilatildeo em 1991 da chamada
lei de incentivo a Lei Rouanet que oferece isenccedilatildeo de impostos agraves empresas que invistam em
projetos artiacutesticos e culturais mdash esses artistas deram ensejo a produccedilotildees cada vez mais
imponentes com temas que agradam puacuteblico e empresaacuterios com programas de excelente
acabamento graacutefico mas que pouco ajudam a entender a diretriz do espetaacuteculo haja vista que
raramente trazem qualquer reflexatildeo sobre a peccedila encenada Do mesmo modo as encenaccedilotildees
ganharam beleza plaacutestica cenaacuterios luxuosos e iluminaccedilatildeo requintada privilegiando-se a
percepccedilatildeo visual em detrimento do conteuacutedo da peccedila No acircmbito desse teatro puramente
comercial Ibsen parece voltar aos palcos muito mais por oferecer aos atores bons papeacuteis
permitindo-lhes desenvolver suas virtudes interpretativas do que pela forccedila de seus textos
Evidentemente temas que contrariem a ideologia dominante mdash como a hipocrisia social em
Os espectros a exploraccedilatildeo capitalista em Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em
John Gabriel Borkman os interesses materialistas em Casa de boneca e Solness o construtor
por exemplo mdash satildeo ignorados nesse tipo de produccedilatildeo Por isso privilegiam-se em grande
parte apenas a subjetividade das personagens ibsenianas destituiacuteda de qualquer realidade
concreta maior social ou poliacutetica A justificativa para essa reduccedilatildeo encontra respaldo na velha
ideacuteia de que as preocupaccedilotildees sociais do dramaturgo satildeo obsoletas e ultrapassadas
constituindo apenas a psicologia e os conflitos existenciais das personagens os reais e efetivos
elementos de atualidade de sua obra Estaacute claro que essas produccedilotildees destinam-se mdash
sobretudo por causa dos preccedilos inacessiacuteveis dos ingressos mdash a uma plateacuteia financeiramente
distinta que busca no teatro a digestatildeo apraziacutevel do jantar
Nessas condiccedilotildees a Fundaccedilatildeo Bienal de Satildeo Paulo juntamente com empresaacuterios
patrocinou a vinda do American Repertory Theatre agrave cidade com o espetaacuteculo Quando noacutes os
mortos despertarmos encenado no Teatro Municipal em outubro de 1991 A peccedila adaptada e
dirigida por Robert Wilson o grande representante do ldquoteatro de imagensrdquo apresentou como
natildeo poderia deixar de ser as caracteriacutesticas fundamentais do encenador poesia visual
intimismo abstraccedilatildeo formalismo e distorccedilatildeo temporal A imprensa ocupou-se tanto dos
ldquoefeitismosrdquo de Robert Wilson que acabou ignorando a montagem brasileira desse mesmo
texto pelo Teatro do Pequeno Gesto em cartaz desde o mecircs de agosto no Espaccedilo Cultural
Seacutergio Porto no Rio de Janeiro Esse foi o espetaacuteculo de estreacuteia do grupo carioca que a partir
de entatildeo se dedicaria as montagens de grandes claacutessicos da literatura dramaacutetica preocupando-
se com estudos literaacuterios e teoacutericos das peccedilas a fim de conceber uma encenaccedilatildeo voltada para o
82
texto e a fala dos atores Antocircnio Guedes diretor da companhia apresentou uma versatildeo
totalmente diferente de Robert Wilson a comeccedilar pela diretriz do espetaacuteculo simplificaccedilatildeo
extrema do palco para colocar em relevo o texto em contraste com a fragmentaccedilatildeo dos
sentidos e o desenho formalizado da cena do diretor norte-americano Enquanto a montagem
de Wilson centrou-se na conotaccedilatildeo metafiacutesica do acerto de contas de Rubek com o seu
passado a do Pequeno Gesto privilegiou a discussatildeo de temas como o amor a morte o artista
e sua obra Aleacutem disso o puacuteblico do Teatro do Pequeno Gesto natildeo via passivamente uma
sucessatildeo de imagens deslumbrantes como na encenaccedilatildeo norte-americana uma vez que ele
proacuteprio era convidado a integrar o espetaacuteculo como elemento constitutivo do espaccedilo cecircnico
Em abril de 1994 Moacyr Goacutees e um conjunto de artistas conhecidos por seus
trabalhos na televisatildeo levaram agrave cena Peer Gynt no Teatro Gloacuteria do Rio de Janeiro A
abordagem da peccedila traduzida e adaptada pela psicanalista Clara Goacutees em nada diferenciou-
se do que desde a deacutecada de 1980 era considerado ldquocomumrdquo ao se estudar essa obra de
Ibsen a histoacuteria de um homem em busca de sua proacutepria identidade e do verdadeiro sentido da
vida Dois anos depois em outubro de 1996 Ulysses Cruz dirigia pela primeira vez no Brasil
A dama do mar representaccedilatildeo marcada por forte tendecircncia visual A peccedila aleacutem de encenada
no piacuteer da praccedila Mauaacute com vistas para a Baiacutea de Guanabara ganhou um cenaacuterio suntuoso
com 30 toneladas de areia fina entremeadas de conchas e de estrelas-do-mar e um barco de
verdade cedido pela Marinha que em certo momento do espetaacuteculo entrava em cena
trazendo uma das personagens o Estrangeiro Na imprensa pouco se falou sobre a obra de
Ibsen importando mesmo destacar a ousadia de Ulysses Cruz o responsaacutevel pela concepccedilatildeo
da maior parte dos elementos cecircnicos da montagem Para Cruz Ibsen era ldquofreudiano antes de
Freudrdquo e a qualidade de seu teatro estava na prospecccedilatildeo emocional de suas personagens No
caso de A dama do mar ainda segundo o diretor a protagonista da peccedila Ellida tinha uma
ldquoligaccedilatildeo forte com a natureza Daiacute surgiu a ideacuteia de usar na cenografia a areia o vento e o
marrdquo1 Uma produccedilatildeo com tamanho aparato de imagens luzes cores e som ofuscou
evidentemente o trabalho dos atores e sobretudo a histoacuteria de Ibsen O puacuteblico por sua vez
extasiado com a visualidade e a espetacularizaccedilatildeo teve poucas chances de compreender o teor
e a mensagem da peccedila
Em 1997 a propoacutesito da comemoraccedilatildeo dos cinco anos da Casa da Gaacutevea do Rio de
Janeiro Domingos de Oliveira foi convidado a dirigir Um inimigo do povo peccedila que ele jaacute
havia encenado catorze anos antes no teatro Cacircndido Mendes tambeacutem no Rio Na linha de
1 Depoimento de Ulysses Cruz a Anabela Paiva ldquoA nova aventura de Ulyssesrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 5 out 1996
83
um teatro didaacutetico Domingos de Oliveira levou agrave cena a histoacuteria de um homem
impossibilitado de se expressar num sistema dito democraacutetico Ao colocar em xeque toda a
estrutura de poder da cidade do Dr Stockmann dos pontos de vista moral e eacutetico o diretor
procurou mostrar como a representaccedilatildeo democraacutetica pode ser falha e como a maioria pode ser
facilmente manipulada Ampliando essa discussatildeo central da peccedila Oliveira procurou enfatizar
ainda questotildees como a preservaccedilatildeo do meio ambiente o poder da imprensa na manipulaccedilatildeo
da opiniatildeo das massas e a eacutetica na administraccedilatildeo puacuteblica Essa linha de encenaccedilatildeo foi bastante
criticada principalmente pelo fato de que para muitos de nossos criacuteticos caso de Nelson de
Saacute da Folha de S Paulo natildeo era a poliacutetica nem o conflito com a maioria que caracterizavam
a atualidade e o vigor de Um inimigo do povo mas ldquoa seduccedilatildeo do homem soacute natildeo mais refeacutens
de ideacuteias verdades amigos ou gruposrdquo Para Nelson de Saacute a direccedilatildeo de Domingos de
Oliveira tinha sido maniqueiacutesta sobretudo por omitir ldquoa proclamaccedilatildeo da individualidaderdquo
aspecto que segundo o criacutetico era o cerne da peccedila de Ibsen1 Nesse sentido a interpretaccedilatildeo
dos atores principalmente a de Paulo Betti no papel do Dr Stockmann tambeacutem foi criticada
por natildeo apresentar nuances psicoloacutegicas mas apenas perfis funccedilotildees a serviccedilos do texto
apresentando clareza em vez de profundidade Da mesma maneira o cenaacuterio e figurinos que
nada tinham de espetaculares sofreu as mesmas restriccedilotildees Para Alberto Guzik ldquoos tons que
[oscilavam] do ocre ao bege e bordocircrdquo diluiacuteram a tensatildeo dramaacutetica da cena contribuindo para
a sensaccedilatildeo ldquode monotonia e achatamento do palcordquo A criacutetica foi estendida agrave iluminaccedilatildeo que
sendo convencional pouco fez para dar contornos ao ldquoproblema visual do espetaacuteculordquo2
No comeccedilo deste seacuteculo com a vida teatral cada vez mais subordinada ao arbiacutetrio dos
dirigentes de empresas privadas as encenaccedilotildees de Ibsen com rariacutessimas exceccedilotildees natildeo
sofreram mudanccedilas significativas O ponto a se destacar eacute a melhor qualidade literaacuteria de
alguns espetaacuteculos alcanccedilada graccedilas agraves traduccedilotildees feitas diretamente do original norueguecircs
por Karl Erik Schoslashllhammer3 Seguindo a loacutegica do governo brasileiro que confunde poliacutetica
cultural com poliacutetica de mercado vieram a puacuteblico mais uma vez produccedilotildees dispendiosas mdash a
grosso modo com artistas que se consagraram na televisatildeo mdash visando mais do qualquer outra
coisa o retorno de bilheteria Nessa esteira Casa de boneca produzida por Ana Paula Aroacutesio
foi encenada no Teatro Leblon do Rio em outubro de 2001 A direccedilatildeo de Aderbal Freire-
1 Nelson de Saacute ldquoIbsen proclama o poder do homem soacuterdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 20 mar 1998 Folha Ilustrada p 3 2 Alberto Guzik ldquoUm inimigo monoacutetonordquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 2 abr 1998 3 Karl Erik Schoslashllhammer traduziu Quando noacutes os mortos despertarmos para o espetaacuteculo do Teatro do Pequeno Gesto em 1991 e Casa de boneca dirigida por Aderbal Freire-Filho em 2001 Traduziu ainda em parceria com Faacutetima Saadi O pequeno Eyolf em 1993 e John Gabriel Borkman em 1996 ambas publicadas na Coleccedilatildeo Teatro da Editora 34 de Satildeo Paulo
84
Filho que teve o meacuterito de escolher uma traduccedilatildeo de qualidade natildeo escapou aos
esquematismos do teatro de entretenimento Sem abandonar de todo o realismo da obra
Freire-Filho procurou enfatizar os conflitos existenciais de Nora em sua busca por liberdade
focalizando o desejo da personagem de fazer a sua proacutepria histoacuteria A marcaccedilatildeo e os
elementos cecircnicos mdash uma miniatura de casa de boneca uma mesa e algumas cadeiras em
torno das quais giraram os atores mdash pretenderam dar uma significacircncia simboacutelica agraves atitudes
interiores das personagens O cenaacuterio do portuguecircs Joseacute Manuel Castanheira mdash uma janela
que abria todo o fundo do teatro para um jardim coberto de neve em contraste com o interior
aconchegante de uma casa burguesa mdash e a iluminaccedilatildeo refinada de Manuel Quindereacute
conferiram intensa plasticidade ao desenho cecircnico No ano seguinte em maio de 2002 a
mesma peccedila estreou no Teatro do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio dessa vez numa
versatildeo multimiacutedia de Bia Lessa O espetaacuteculo foi chamado pela proacutepria diretora de ldquopeccedila-
filmerdquo porque quase toda a accedilatildeo da peccedila era apresentada num viacutedeo e somente na cena final
Nora interpretada por Betty Gofman aparecia no palco para cumprir seu gesto de abandono
do lar O uso do cinema foi justificado como uma forma de dimensionar uma quebra realista
subvertendo-se assim os limites do espetaacuteculo teatral No entanto a falta de contraponto
dramaacutetico das duas linguagens aproximou a encenaccedilatildeo segundo Macksen Luiz da
dramaturgia televisiva sobretudo por causa do uso da cacircmera em primeiro plano1
Em agosto de 2004 o Festival Porto Alegre em Cena em parceria com o governo da
Noruega trouxeram ao Brasil duas jovens diretoras Catherine Kahn e Anne Klovholt para
ministrar um laboratoacuterio intitulado ldquoO ator compositor e a poesia do movimentordquo No final do
curso cinco atores brasileiros foram selecionados para participar da encenaccedilatildeo de A dama do
mar representada no Armazeacutem A5 do Cais do Porto em Porto Alegre no mecircs de setembro
Nesse mesmo ano em outubro Paulo de Moraes encenou O pequeno Eyolf no Centro
Cultural da Justiccedila Federal no Rio de Janeiro primeira montagem brasileira desse texto O
espetaacuteculo centrado nos conflitos familiares de Alfred e Rita Allmers trouxe agrave cena a
discussatildeo de sentimentos como ciuacutemes inveja desprezo e amargura As personagens
enredadas em si mesmas incapazes de fugir de seus remorsos foram o foco principal dessa
montagem que procurou abordar a possibilidade de transformaccedilatildeo do homem deixando de
lado a passividade e a auto-compaixatildeo No entanto em cena essas questotildees trabalhadas em
forma de diaacutelogos solenes e de discursos quase filosoacuteficos acabaram por tornar a encenaccedilatildeo
de oitenta minutos um peso para os ombros dos espectadores O trunfo da montagem ficou
1 Macksen Luiz ldquoA armadilha de Ibsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 4 maio 2002
85
por conta da moldura visual que ambientou a cena em um espelho drsquoaacutegua conferindo
densidade e imagem vigorosa ao quadro Criacuteticas mais duras receberam o elenco Viviane
Coutinho inteacuterprete de Eyolf apesar de deficiente apresentou-se um tanto saltitante no palco
e Joatildeo Vitti no papel da Mulher dos Ratos ficou reduzido a uma ldquocaricatura em travestirdquo1
Diante desse estado de coisas no final de 1998 surgiu o Movimento Arte Contra a
Barbaacuterie que reuacutene intelectuais artistas e grupos do teatro paulista cuja atuaccedilatildeo resultou na
lei municipal de fomento ao teatro Subvencionadas pelo Estado as companhias paulistas
tiveram a chance de desenvolver projetos comprometidos com a pesquisa da linguagem
teatral apresentando ao puacuteblico espetaacuteculos ligados agrave experiecircncia social brasileira Aleacutem
disso a ocupaccedilatildeo de teatros de vaacuterias regiotildees de Satildeo Paulo por esses grupos mdash fora do
circuito onde domina o teatro comercial mdash e a venda a baixo custo dos ingressos
possibilitaram ao menos em parte o acesso de um puacuteblico mais amplo agraves peccedilas Desse modo
em outubro de 2005 o grupo Teatro de Narradores beneficiado pela lei de fomento levou agrave
cena do Teatro Faacutebrica de Satildeo Paulo sua versatildeo de Casa de boneca que de imediato se
contrapocircs agraves montagens desse texto realizadas no paiacutes
Preocupado em oferecer uma encenaccedilatildeo que unisse o prazer esteacutetico agrave reflexatildeo o
Teatro de Narradores explorou uma das dimensotildees mais agudas e atuais do texto ibseniano o
dinheiro como base de um sistema soacutecio-econocircmico em que se resume Casa de boneca Eacute por
causa dos interesses materiais e atraveacutes dele que se originam e se alimentam todos os
acontecimentos da peccedila desde a prepotecircncia de Torvald sobre Nora o casamento de
conveniecircncia de Cristina Linde para assegurar uma situaccedilatildeo financeira ameaccedilada ateacute o falso
coacutedigo de honra de Torvald que acaba se desfazendo depois que sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na
sociedade se manteacutem assegurada Desse modo o conflito de Nora que em algumas
montagens beirou o existencial foi reduzido em proveito da anaacutelise das relaccedilotildees que
envolviam todos os demais personagens A adaptaccedilatildeo mdash viagem dos Helmer aos Estados
Unidos e Nora fantasiada de Marilyn Monroe por exemplo mdash procurou tornar patente a
superficialidade dos valores da classe meacutedia que se constituiacuteam nas relaccedilotildees fetichistas no
mito da auto-realizaccedilatildeo e na ideacuteia do sucesso como configuraccedilatildeo do sujeito O espaccedilo cecircnico
vazio e branco com apenas um telatildeo no fundo bem como a trilha sonora e a iluminaccedilatildeo
serviu para comentar epicamente a accedilatildeo e esboccedilar o pano de fundo social Nessa perspectiva
o grupo aleacutem de romper com as tradicionais realizaccedilotildees dessa peccedila mdash que entre noacutes
privilegiavam exclusivamente os conflitos individuais das personagens mdash vai na contramatildeo
1 Cf Macksen Luiz ldquoTexto prejudicado pelo elencordquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 25 out 2004 Caderno B p 4
86
do pensamento de que o cunho social de Casa de boneca eacute antiquado e obsoleto refazendo
desse modo o percurso ou pelo menos uma das trilhas principais do teatro brasileiro da
deacutecada de 60
Acompanhando a trajetoacuteria das encenaccedilotildees de Ibsen no Brasil fica claro que elas se
identificaram em sua maior parte com a mentalidade burguesa dominante quer pela mera
representaccedilatildeo pela representaccedilatildeo que natildeo leva em conta nada aleacutem dos aspectos lucrativos
do espetaacuteculo quer pelo investimento maciccedilo no capricho das produccedilotildees que fascinam pela
beleza mas satildeo vazias de conteuacutedo quer pela falta de estudos teoacutericos a respeito do texto a
ser encenado dos quais se encontra muito distante a maioria dos nossos artistas preocupados
tatildeo somente em exibir seus ldquodotesrdquo interpretativos Por essas razotildees o teatro ldquoformalista e
abstrato da forma pela formardquo tatildeo criticado por Antunes Filho na deacutecada de 1970 continua
de algum modo a imperar na cena brasileira com exceccedilotildees claro de alguns artistas seja da
nova ou da velha geraccedilatildeo que se comprometem com a cultura e natildeo com o mercado
87
A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos
Apesar das constantes encenaccedilotildees mdash quase sempre as mesmas Casa de boneca Os
espectros e Hedda Gabler mdash natildeo se pode dizer que Ibsen tenha alcanccedilado popularidade
tampouco despertado grande interesse no Brasil No fim do seacuteculo XIX e comeccedilo do XX
momento de grande efervescecircncia e de muitas polecircmicas acerca de sua obra Artur Azevedo
Oscar Guanabarino Alfredo Pujol entre outros constituiacuteram a primeira frente de resistecircncia
ao teatro do norueguecircs Afeitos agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita esses criacuteticos consideraram
as peccedilas de Ibsen enfadonhas desprovidas de quaisquer qualidades dramaacuteticas obscenas e
degeneradas encorajando o incesto a desestruturaccedilatildeo familiar e o amor livre Por volta dos
anos 1920 Ibsen jaacute considerado um claacutessico da literatura dramaacutetica mundial passou a ser
visto no Brasil como autor de um teatro puramente literaacuterio que visava mais agrave leitura que agrave
representaccedilatildeo Sua obra considerada entatildeo de total ausecircncia de dramaticidade cecircnica e de
temas sombrios e obsoletos merecia figurar nas principais bibliotecas do paiacutes apenas como
um complemento necessaacuterio agrave formaccedilatildeo literaacuteria de nossos artistas Somente a partir de 1940
sob a forte influecircncia da criacutetica de Carpeaux mdash que deslocou o foco dos pressupostos sociais
do dramaturgo dito ultrapassados para a subjetividade das personagens mdash as peccedilas
ibsenianas voltariam a ser discutidas mesmo assim de uma maneira muito tiacutemida Desse
modo num primeiro momento entre 1940 e 1970 ainda sob o influxo das concepccedilotildees de
Carpeaux a obra de Ibsen seria vista como uma versatildeo moderna da trageacutedia grega abordando
o destino individual do heroacutei ibseniano que conhece o infortuacutenio em consequumlecircncia de algum
erro cometido no passado Num segundo momento com a valorizaccedilatildeo cada vez maior do
cunho individual e psicoloacutegico de seu teatro principalmente a partir de 1980 a realidade
interior das personagens seus conflitos e suas anguacutestias viriam a ser os principais aspectos de
interesse tornando-se a psicologia uma das estrateacutegias criacuteticas mais viaacuteveis para se analisar as
peccedilas do autor Enquanto muitos de nossos criacuteticos presos ao simples conteudismo das peccedilas
preocupavam-se em estabelecer o que era velho ou novo no teatro de Ibsen Ruggero Jacobbi
Oduvaldo Viana Filho Anatol Rosenfeld e Luiz Israel Febrot entre outros seguiram caminho
inverso Retomando uma a uma as principais ideacuteias correntes acerca de Ibsen esses
intelectuais procuraram reformulaacute-las com maior amplitude e equiliacutebrio levando em
consideraccedilatildeo a complexidade interna dos textos a natureza social e o papel decisivo da forma
dramaacutetica do autor
88
Ruggero Jacobbi mdash talvez um dos poucos diretores estrangeiros a aderir ao programa
internacional do realismo criacutetico dirigindo peccedilas como Estrada do tabaco em 1947 e A ronda
dos malandros em 1950 ambas no TBC mdash sobressaiu como teoacuterico historiador e criacutetico de
teatro trazendo novas luzes ao pensamento das artes cecircnicas brasileiras Em 1956 Jacobbi
publica seu primeiro livro no Brasil A expressatildeo dramaacutetica onde apresenta as linhas evolutivas
da dramaturgia partindo da Greacutecia passando por Goldoni Schiller e Ibsen ateacute chegar aos
perfis de personalidades teatrais como Moacutelnar Verneuil Renato Simoni Baty e Claudel O
escritor procede por siacutentese raramente demora-se na anaacutelise minuciosa da composiccedilatildeo de uma
peccedila Antes distingue em traccedilos breves e incisivos a fisionomia de um autor e seu momento
histoacuterico Em ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo Jacobbi enfatizou a importacircncia do dramaturgo na histoacuteria
do teatro mundial apresentando as questotildees esteacuteticas pontuais de sua obra que definiriam
novos rumos para a configuraccedilatildeo da dramaturgia moderna Nesse percurso sem perder de vista
os principais conceitos brasileiros sobre a obra de Ibsen o criacutetico procurou mostrar que o
dramaturgo embora introduzisse em suas peccedilas elementos liacutericos e simboacutelicos para ressaltar as
contradiccedilotildees internas das personagens fez tudo como ningueacutem antes dele para alargar os
limites do individualismo Em Casa de boneca por exemplo a libertaccedilatildeo individual e
psicoloacutegica de Nora natildeo constituiacutea o cerne da peccedila pois ainda segundo Jacobbi Ibsen tinha
exigecircncias maiores como ldquoinvestigar agressivamente a substacircncia praacutetica de certas situaccedilotildees da
sociedaderdquo1 Os conflitos das personagens ibsenianas portanto extrapolavam a esfera
individualista uma vez que estavam carregados de uma historicidade que natildeo se desfizera com
o tempo Para Jacobbi nenhum dos problemas que o autor colocara diante e dentro dos homens
perdera a atualidade Os malogros dos indiviacuteduos e os fracassos das ideologias continuavam a
caracterizar o nosso mundo em cujo limiar esteve e estaacute Ibsen Por isso natildeo lhe interessou
dissecar o trabalho do autor com o uacutenico fim de instituir agrave moda de Croce na Itaacutelia e Carpeaux
no Brasil o que era vivo ou morto em sua obra Preferiu ater-se agrave forma das peccedilas que ele
denominou de dramas de problemas por apresentar uma estrutura dialeacutetica que abria dentro de
cada assunto uma problemaacutetica infinita Aleacutem disso ele apontou a imprecisatildeo de nossa criacutetica
em aproximar a obra de Ibsen da trageacutedia grega sobretudo no que dizia respeito a noccedilatildeo de
destino e fatalidade ldquoA estrutura dialeacutetica estaacute sempre presente e potildee em evidecircncia todos os
lados do problema Em Ibsen como em Shakespeare todos tecircm razatildeo cada um eacute
infalivelmente o que eacute em toda a sua complexidade tanto que agraves vezes temos uma suspeita de
1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 49
89
determinismo a qual teria fundamento se Ibsen natildeo tivesse uma confianccedila imensa nas
possibilidades do indiviacuteduo e natildeo exigisse dele muito ateacute demaisrdquo1
Agrave trageacutedia estaacute inerente um pano de fundo miacutetico bem como uma visatildeo que projeta os
conflitos humanos para uma dimensatildeo metafiacutesica Seus temas satildeo os conflitos inexoraacuteveis
eternos sem saiacuteda A isso se associa indissoluvelmente a sua organizaccedilatildeo o gesto grandioso
o tom solene a tendecircncia ao verso etc As peccedilas de Ibsen com seu realismo domeacutestico abalam
profundamente tal estrutura na medida em que ele trabalha com a prosa coloquial as
concepccedilotildees socioloacutegicas as relaccedilotildees financeiras que de maneira nenhuma se ajustam aos
alexandrinos e aos cinco atos da trageacutedia claacutessica Aleacutem disso as personagens ibsenianas
estatildeo condicionadas ao peso da histoacuteria seus conflitos satildeo ldquoresultados da pressatildeo do mundo
exterior ou mais exatamente do subsolo da realidade que se determina como existente isto
eacute da Histoacuteriardquo2 Um mundo absolutamente mediado a responsabilidade sendo de todos e de
ningueacutem jaacute natildeo comporta a grandeza do heroacutei traacutegico que sozinho define o destino de um
povo e assume toda a culpa integralmente Em Ibsen os protagonistas quase sempre natildeo
encontram a saiacuteda do dilema em que se debatem mas o dramaturgo sugere que a soluccedilatildeo
existe mormente no combate agrave hipocrisia da sociedade E eacute essa confianccedila na superaccedilatildeo da
crise que marca a impossibilidade da trageacutedia Descartada portanto a aproximaccedilatildeo das peccedilas
de Ibsen da trageacutedia Jacobbi conclui que a grande renovaccedilatildeo do teatro ibseniano aconteceu
no acircmbito da teacutecnica dramatuacutergica ldquoIbsen natildeo teve medo de escrever trecircs ou quatro atos de
tamanho normal ou de pocircr em cena dois criados conversando Sabia muito bem que o
problema era eacute outro que o que se havia perdido era o sentido concreto da personagem
dramaacuteticardquo3
Na deacutecada de 1960 assistiremos ao debate da intelectualidade de esquerda e do setor
teatral reclamando um espaccedilo para as encenaccedilotildees empenhadas na discussatildeo da realidade
brasileira Nessas circunstacircncias as peccedilas de Ibsen consideradas obsoletas e ultrapassadas
passam por uma importante reavaliaccedilatildeo criacutetica Vianinha uma das figuras mais expressivas
do teatro de agitaccedilatildeo e propaganda criacutetico ferrenho do ldquoesteticismordquo do TBC e de seu
descomprometimento com a dramaturgia nacional foi possivelmente o primeiro intelectual
brasileiro a questionar o modo como Ibsen vinha sendo encenado no Brasil Procurando
acompanhar as grandes mudanccedilas histoacuterico-sociais que repercutiam diretamente na esteacutetica
1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 52 2 Ruggero Jacobbi ldquoIbsen atualrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 31 jan 1959 Suplemento literaacuterio n 118 p 5 3 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica p 58
90
teatral Vianinha apontava na obra de Ibsen a gecircnese de uma dramaturgia voltada para a
participaccedilatildeo do indiviacuteduo como agente diante das adversidades poliacutetica e social As
personagens ibsenianas desse modo longe de resignar-se aos desiacutegnios de justiccedila e verdade
que jaacute natildeo eram estaacuteveis e absolutos como na trageacutedia claacutessica debatiam-se entre seus anseios
e a sua consciecircncia eacutetica em meio aos valores estabelecidos pela sociedade Determinada a
viga mestra do teatro de Ibsen Vianinha criticava as montagens brasileiras de suas peccedilas cuja
preocupaccedilatildeo era apenas com o destino individual das personagens natildeo ultrapassando a
aparecircncia esteticista de um teatro que se desfazia em luzes cenaacuterio gestos e inflexotildees
Vianinha apontava ainda o disparate da burguesia nacional que era ldquoincapazrdquo de distinguir
nos produtos culturais que importava ldquooposiccedilatildeo e lutardquo Para Vianinha Ibsen e Pirandello
por exemplo pouco diziam pouco contribuiacuteam para a organizaccedilatildeo cultural da classe
dirigente que assistia aos dois autores sem notar diferenccedila alguma entre eles diferenccedilas que
modificariam ainda segundo ele os criteacuterios de comportamento do puacuteblico Nessa mesma
perspectiva Vianinha criticava a encenaccedilatildeo de Ibsen por Ziembinski ldquoNatildeo interessa mais o
que diz Ibsen nem transmitir Ibsen com toda a sua eficaacutecia Natildeo O puacuteblico natildeo precisa
modificaccedilatildeo Ziembinski volta para traacutes Quando chegou aqui tratava-se de dizer Ibsen
Agora trata-se de montar um belo espetaacuteculo Natildeo haacute mais ressonacircncia humana no
espetaacuteculo O teatro natildeo tem mais funccedilatildeo culturalrdquo1
Ainda na esteira das mudanccedilas essenciais da dramaturgia de Ibsen Anatol Rosenfeld
publica em 1965 O teatro eacutepico livro de valor inestimaacutevel para o ensaiacutesmo teatral brasileiro
sobretudo pela importacircncia de se esclarecer os conceitos e as teorias de Brecht num momento
em que se radicalizavam as propostas dos diversos movimentos de cultura popular do paiacutes Ao
relatar o processo histoacuterico desencadeado pela crise da forma dramaacutetica que culminaria anos
mais tarde com o aparecimento do teatro eacutepico de Brecht Rosenfeld apontou a dimensatildeo
eacutepica da obra de Ibsen que escapava agraves leituras entatildeo em voga Desse modo ele contribuiu
enormemente para se desfazer os impasses de nossa criacutetica que ora via Ibsen como um
grande ldquotraacutegico modernordquo ora como autor de ldquoromances dialogadosrdquo Primeiramente
Rosenfeld tratou de explicar que a obra ibseniana embora restringida agrave dramaturgia
tradicional jaacute anunciava pela temaacutetica o advento do teatro eacutepico Em linhas gerais o criacutetico
destacou a estrutura rigorosa das peccedilas mdash exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e desenlace mdash sem
deixar de apontar para o elemento que subvertia a dramaacutetica pura o tempo passado Ele
alertou que a accedilatildeo decisiva em Ibsen natildeo se desenrolava na atualidade mas no passado Nesse
1 Oduvaldo Viana Filho ldquoQuatro instantes do teatro no Brasilrdquo In Fernando Peixoto (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983 p 48
91
ponto o teatro do escritor norueguecircs divergia da forma ldquoorgacircnicardquo do teatro aristoteacutelico uma
vez que o enredo deixava de narrar uma accedilatildeo conclusa As peccedilas definiam muito mais uma
conjuntura do que um desenvolvimento destinado a desenredar a trama Portanto as
recordaccedilotildees do passado mdash tema essencialmente eacutepico mdash dispersas no desenho das peccedilas
ibsenianas eacute que colaboraram para a dissoluccedilatildeo do drama E nisso estava a maestria da arte
de Ibsen que conseguia ldquoencobrir o tema eacutepico pela estrutura dramaacutetica atraveacutes de uma accedilatildeo
acessoacuteria que se desenvolve na breve atualidade de um ou dois diasrdquo1 Em seguida Rosenfeld
explicou as diferenccedilas entre Eacutedipo Rei de Soacutefocles e Os espectros de Ibsen tentando acabar
com o equiacutevoco da criacutetica sobretudo a de Carpeaux que costumava associar a obra ibseniana
agrave trageacutedia claacutessica Rosenfeld mostrou que as duas peccedilas foram construiacutedas rigorosamente
dentro do padratildeo da teacutecnica analiacutetica Em ambas a exposiccedilatildeo (a revelaccedilatildeo do passado)
constituiacutea quase toda a accedilatildeo da trama No entanto em Soacutefocles as revelaccedilotildees eram objetivas
ou seja o mito era conhecido do puacuteblico e o passado de Eacutedipo era revelado somente a ele
proacuteprio que desconhecia os seus crimes A personagem entatildeo era surpreendida pela
revelaccedilatildeo da verdade que natildeo ficava confinada no passado mas era atualizada Portanto o
tema de Eacutedipo natildeo era o tempo passado mas o destino terriacutevel do heroacutei que era o assassino do
pai o marido da matildee e o irmatildeo dos seus filhos Em Ibsen acontecia exatamente o contraacuterio A
accedilatildeo atual de Os espectros nada mais era que a ocasiatildeo de desvendar aos espectadores o
passado de Helena Alving o matrimocircnio infeliz mantido agrave custa das convenccedilotildees sociais As
revelaccedilotildees de Helena eram subjetivas na medida que suas confidecircncias eram feitas apenas ao
Pastor Manders E era por meio dele que o puacuteblico ficava sabendo os segredos da
protagonista Helena natildeo sofria o choque da descoberta da verdade uma vez que ela mesma
forjara o seu destino Assim o passado natildeo chegava a ser atualizado ele mesmo tornava-se o
assunto da peccedila por meio da exposiccedilatildeo de vidas malogradas Enquanto a mateacuteria de Soacutefocles
era dramaacutetica e traacutegica porque seu heroacutei resignava-se agraves deliberaccedilotildees dos deuses e oferecia ao
puacuteblico em seu sacrifiacutecio o efeito cataacutertico a de Ibsen era eacutepica porque estava delimitada ao
passado e agrave memoacuteria das personagens (esfera subjetiva)
Depois de estabelecido o problema formal da dramaturgia de Ibsen por Rosenfeld e
sob o impulso das primeiras montagens profissionais de suas peccedilas mdash que absurdamente soacute
ocorreram nos anos de 1960 mdash a obra ibseniana deixaria as prateleiras poeirentas das
bibliotecas para ser discutida nos principais perioacutedicos de cultura do paiacutes como o Suplemento
Literaacuterio drsquoO Estado de S Paulo o Caderno B do Jornal do Brasil a Revista de Teatro da
1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 85
92
SBAT etc Seguindo de perto as indicaccedilotildees de Rosenfeld Luiz Israel Febrot criacutetico de teatro e
cinema publica entre 1966 e 1968 quatro ensaios no Suplemento Literaacuterio drsquoO Estado de S
Paulo mdash ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo ldquoHedda Gablerrdquo ldquoIbsen Atual - Irdquo e ldquoOs espectros satildeo
as velhas ideacuteiasrdquo mdash procurando analisar o tema baacutesico do teatro de Ibsen ou seja o passado
evocado atraveacutes do diaacutelogo das personagens Deixava-se de lado a preocupaccedilatildeo de ver em
Ibsen o modelo da carpintaria de efeito do teatro claacutessico passando-se agrave tentativa de
compreender os valores do passado que as peccedilas reconstituiacuteam e criticavam Para Febrot a
declaraccedilatildeo de que os temas do dramaturgo eram ultrapassados servia apenas como um
pretexto para se evitar a discussatildeo de problemas que desagradavam as ldquoplateacuteias bem
pensantesrdquo como a opressatildeo social a luta de classes a corrupccedilatildeo o preconceito as relaccedilotildees
espuacuterias mantidas por interesse etc Assim em seu ensaio sobre Um inimigo do povo ele
apontou a base sobre a qual se assentava a trama da peccedila a especulaccedilatildeo mercantil situaccedilatildeo
tiacutepica da sociedade de livre concorrecircncia A contaminaccedilatildeo das aacuteguas do balneaacuterio da cidade
do Dr Stockmann foi causada pela cobiccedila dos proprietaacuterios que exigiram que os
encanamentos passassem sob seus terrenos para assim receberem indenizaccedilotildees Os industriais
por sua vez natildeo desejavam gastar dinheiro tratando das aacuteguas que saiacuteam de suas faacutebricas
preferindo jogaacute-las diretamente no rio Portanto o maior inimigo da liberdade e da verdade
era segundo o criacutetico o dinheiro e os interesses por ele criados1
No ensaio sobre ldquoHedda Gablerrdquo Febrot discutiu o lugar-comum da criacutetica em ver na
personagem-tiacutetulo uma neurastecircnica dama do fim do seacuteculo XIX uma enfastiada da vida Ele
assinalou que para essa concepccedilatildeo muito contribuiacuteram a performance cheia de pompa de
atrizes mdash como Eleonora Duse mdash que se preocupavam com a interiorizaccedilatildeo da personagem
ressaltando-lhe as crises de histeria ofuscando assim a mensagem da peccedila Para furtar-se agrave
leitura psicoloacutegica de Hedda Gabler o criacutetico recorreu agrave coerecircncia de temas e propoacutesitos do
teatro do norueguecircs Ibsen compreendera que os princiacutepios de igualdade fraternidade e
liberdade propagados pela Revoluccedilatildeo Francesa beneficiavam apenas uma pequena parcela
da sociedade Em toda a sua obra o dramaturgo procurou mostrar a contradiccedilatildeo que existia
entre os ideais que a sociedade burguesa proclamava e o que realmente acontecia com os
homens Nesse sentido ver Hedda apenas como uma histeacuterica era diminuir o alcance da peccedila
era dizer apenas a metade e precisamente a mais visiacutevel e portanto a menos importante A
outra metade que se devia levar em consideraccedilatildeo ainda segundo Febrot era que a
personagem encarnava as caracteriacutesticas e os preconceitos burgueses Hedda era
1 Cf Luiz Israel Febrot ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 10 set 1966 Suplemento Literaacuterio n 494 p 5
93
convencional casou-se com Tesman para manter seu conforto material e sua posiccedilatildeo na
sociedade relacionava-se apenas com as pessoas de seu niacutevel social rejeitava a ligaccedilatildeo
amorosa com o juiz Brack natildeo por pudor ou princiacutepio mas por medo do escacircndalo E foi
justamente o pavor do escacircndalo que a levou ao suiciacutedio Para Febrot Hedda como
individualidade psicoloacutegica com determinados conceitos e preconceitos simbolizava uma
categoria social Desse modo as accedilotildees da personagem interessavam menos ldquoagraves revistas
meacutedicas do que aos estudos de sociologia poliacutetica e histoacuteriardquo1
Apesar dessas contribuiccedilotildees a maior parte de nossa criacutetica teatral mais do que nunca
submetida agrave mercantilizaccedilatildeo da cultura continuou a reproduzir as velhas concepccedilotildees sobre o
dramaturgo Detendo-se apenas na superficialidade dos textos sem interesse algum de se
analisar as relaccedilotildees histoacutericas e sociais das peccedilas geralmente relegadas ao campo dos
conteuacutedos nossos criacuteticos continuaram a ver Ibsen como um autor ultrapassado Mariacircngela
Alves de Lima por exemplo a propoacutesito da montagem de Casa de boneca pela companhia
de Tocircnia Carrero na deacutecada de 1970 declarava que o texto de Ibsen servia muito mais como
um documento da histoacuteria do teatro do que como uma forccedila atuante no presente ldquoSem
duacutevida o direito de se afirmar aleacutem dos limites de um papel social eacute uma aspiraccedilatildeo humana
permanente Entretanto a situaccedilatildeo especiacutefica que o texto de Ibsen coloca tem no seacuteculo XX
um reduzido poder de contestaccedilatildeordquo2 Aqueles que procuravam afirmar a atualidade do
dramaturgo enfatizavam os conflitos individuais das personagens sem levar em conta os
mecanismos de opressatildeo da sociedade burguesa que efetivamente era o que Ibsen pretendia
criticar Para Deacutecio Drummond a liberdade individual de Nora que estava ldquoacima e aleacutem de
qualquer circunstacircncia socialrdquo era o fator maior da perene atualidade de Ibsen3 Seguindo
essa mesma loacutegica Mariacircngela Alves de Lima depois de negar a modernidade do dramaturgo
em 1973 voltou atraacutes afirmando ser a cena final de Casa de boneca um ldquosiacutembolo de todos os
sonhos de liberdade individual aleacutem das malhas restritivas dos papeacuteis sociais determinadosrdquo4
A partir do final da deacutecada de 1970 a leitura de orientaccedilatildeo biograacutefica tornou-se uma
constante sendo apropriada tanto pelos nossos criacuteticos como pelos nossos artistas que
reproduziam fielmente nos comentaacuterios e nos programas de espetaacuteculo os estudos de Robert
Brustein mestre dessa vertente Adones de Oliveira jornalista drsquoO Estado de S Paulo por
1 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5 2 Mariacircngela Alves de Lima ldquoIbsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 9 set 1973 3 Cf Deacutecio Drummond ldquoO gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humanordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 7 out 1973 Suplemento Literaacuterio n 845 p 5 4 Mariacircngela Alves de Lima ldquoEncenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsenrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 23 maio 1976
94
exemplo seguindo agrave risca as indicaccedilotildees de Brustein declarava ser o teatro de Ibsen resultado
de sua ldquovida interior e de seu ideal revolucionaacuteriordquo1 Como o criacutetico norte-americano ele
tambeacutem considerava as personagens ibsenianas como auto-retratos do dramaturgo Desse
modo o biografismo aleacutem de empobrecer o texto de Ibsen e de neutralizar o fluxo de
significados de suas peccedilas encobria as experiecircncias formais e os aspectos sociais presentes
em seu teatro Ao mesmo tempo o questionamento da histoacuteria dos valores burgueses da
hipocrisia social tatildeo buscados pelo dramaturgo passavam a ser vistos noutro plano como
relaccedilatildeo psicoloacutegica de Ibsen com sua obra ressaltando-se mais uma vez o cunho meramente
individualista de seu teatro Aliaacutes os meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura sobretudo dos anos
1980 em diante comeccedilaram a ser cada vez mais aplicados agrave criacutetica das peccedilas ibsenianas
Utilizados sem muita cautela esses criteacuterios reduziram muitas vezes a riqueza do enredo das
personagens das situaccedilotildees dos planos externo e interno da obra por tomaacute-la apenas como
material para se diagnosticar as neuroses do autor e de suas personagens
Deacutecio de Almeida Prado ao analisar Hedda Gabler procurou explicar como Ibsen
deixando de lado a loacutegica da peccedila bem-feita que admitia o pressuposto do homem
inteiramente explicaacutevel criou personagens que natildeo podiam mais ser enquadradas dentro de
uma soacute perspectiva caso de Hedda Assim em ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo o criacutetico comeccedilou a
mostrar como a partir de Casa de boneca o autor abrira brechas na dramaturgia rigorosa ao
tratar de temas como o feminismo e a liberdade da mulher No caso de Hedda Gabler o
criacutetico alertou que a soluccedilatildeo dramaacutetica era mais avanccedilada Ibsen conservara intacto o rigor do
teatro aristoteacutelico a condensaccedilatildeo no tempo e no espaccedilo a subordinaccedilatildeo das partes ao todo o
enredo girando em torno de um uacutenico eixo etc mas retirara da peccedila a comunicaccedilatildeo com o
puacuteblico a anaacutelise dos fatos e das personagens seja atraveacutes do confronto entre os indiviacuteduos
seja por meio de um comentador arguto Desse modo ainda segundo o criacutetico Ibsen passava
do que se sabia sobre o indiviacuteduo ldquopara o que natildeo se consegue senatildeo conjeturar abrindo
caminho para a exploraccedilatildeo do irracional do inconsciente ou seja das camadas mais
profundas da personalidaderdquo2 Por isso a resposta agrave pergunta ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo soacute
poderia ser dada pelo acircngulo psicoloacutegico que apresentava segundo Deacutecio de Almeida Prado
um fato incontestaacutevel ldquoa personagem era destrutiva e autodestrutivardquo Somente a partir daiacute
outras hipoacuteteses poderiam ser levantadas desde que se conciliassem as diversas facetas de seu
temperamento De fato as peccedilas de Ibsen tratam de vidas malogradas Os indiviacuteduos por meio
1 Adones de Oliveira ldquoIbsen o pai do teatro de hoje faz 150 anosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 19 mar 1978 2 Deacutecio de Almeida Prado ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 1 maio 1983 Caderno Cultura p 5
95
das recordaccedilotildees do passado encerram-se nas suas proacuteprias subjetividades isolam-se e
interrompem a situaccedilatildeo dialoacutegica Rosenfeld arriscou dizer que no dramaturgo jaacute ldquose
encontram os germes de um processo que iria pocircr em questatildeo a possibilidade do diaacutelogo inter-
humanordquo1 Natildeo haacute como negar que as personagens ibsenianas satildeo complexas natildeo
apresentando portanto contornos firmes e niacutetidos como na dramaturgia convencional No
entanto para natildeo se correr o risco de empobrecer a visatildeo da singularidade do teatro de Ibsen
haacute que se levar em consideraccedilatildeo a estrutura esteacutetica das peccedilas e tentar enxergar aleacutem do
conflito individual das personagens procurando analisar o contexto exterior e os impasses que
as oprimem Nesse sentido vale lembrar a primorosa anaacutelise de Febrot dessa mesma Hedda
Gabler Sem desconsiderar a realidade interior da personagem-tiacutetulo ele indicou um
importante aspecto da peccedila que talvez passasse desapercebido aos adeptos da psicanaacutelise
Hedda encarna os preconceitos e as ideacuteias do individualismo burguecircs eacute o ldquocaacutelculo que leva ao
carreirismo eacute o desejo de conforto antes e acima de tudo eacute a ambiccedilatildeo vatilde de prestiacutegio social eacute
o egoiacutesmo frio que esquece os demais inclusive famiacutelia e amigos Eacute a proacutepria inutilidade
socialrdquo2
As indicaccedilotildees de Deacutecio de Almeida Prado sobre o caraacuteter psicoloacutegico do teatro de
Ibsen tomadas sem as devidas precauccedilotildees mdash sugeridas aliaacutes pelo proacuteprio criacutetico mdash e os
estudos do psicanalista Wilhelm Reich entatildeo em voga contribuiriam para que se afigurasse
no centro das discussotildees de Ibsen apenas os conflitos existenciais de suas personagens
destituiacutedos de qualquer conjuntura maior seja esteacutetica ou social Essa situaccedilatildeo que de algum
modo perdura ateacute hoje corrobora equivocadamente o individualismo como o elemento
predominante da atualidade do dramaturgo deixando de lado as implicaccedilotildees materialistas e
desabusadas de sua obra que diga-se de passagem nunca perderam seu vigor Como
considerar ultrapassada a criacutetica do dramaturgo a um mundo comandado por lucro trabalho e
competiccedilatildeo Certamente os valores burgueses associados ao seu teatro e consolidados desde
a deacutecada de 1940 mdash prestiacutegio do vieacutes psicoloacutegico e refutaccedilatildeo da praacutetica poliacutetica e social de
suas peccedilas mdash ratificam esse estado de coisas Tanto eacute assim que ao se falar de Ibsen nossos
criacuteticos continuam reproduzindo os velhos chavotildees ora polemizam sobre a modernidade de
seus temas ora comparam a estrutura de suas peccedilas ao rigor do teatro claacutessico e ora
reafirmam a densidade psicoloacutegica de suas personagens Nessa perspectiva a recente
publicaccedilatildeo do livro de Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade fora o meacuterito
1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 88 2 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5
96
de se tratar do primeiro trabalho de focirclego sobre o dramaturgo no Brasil pouco trouxe de
novo para a reavaliaccedilatildeo de sua obra Haja vista que a autora procura mostrar ao longo de todo
o volume como as peccedilas de Ibsen foram contaminando-se de elementos abstratos e
subjetivos a ponto de abarcar ainda segundo Menezes ldquoo descontiacutenuo e contingente o
ambiacuteguo e o escorregadiordquo1 Depois de evidenciar nessa trajetoacuteria a ruptura do teatro de
Ibsen com os padrotildees dramaturgia convencional a autora passa a analisar o que ela denomina
de ldquoo novo sujeito da obra de Ibsenrdquo Apoiada nas teorias de Freud Tereza Menezes procura
trabalhar as principais caracteriacutesticas das personagens ibsenianas que seriam segundo ela os
limites da consciecircncia as irrupccedilotildees da irracionalidade a questatildeo da identidade as
possibilidades de elaboraccedilatildeo interior e os sujeitos precaacuterios Evidentemente que por ser o
recorte psicoloacutegico o enfoque de seu trabalho Menezes absteacutem-se de tratar do fator social da
obra ibseniana Entretanto a forma social do mundo se antepotildee aos propoacutesitos subjetivos das
personagens Justamente a configuraccedilatildeo social mdash engrenagem objetiva do teatro de Ibsen mdash
funcionando atraacutes das costas das personagens que definem suas intenccedilotildees e seus desejos mais
iacutentimos Portanto a tendecircncia de se interpretar e valorizar a obra ibseniana sem os devidos
cuidados em termos biograacuteficos e psicanaliacuteticos produz muitas vezes resultados
problemaacuteticos por ressaltar de maneira unilateral ou mesmo exclusiva aspectos pouco
relevantes para a compreensatildeo da validade esteacutetica de Ibsen
Por sua vez a criacutetica teatral de jornal limitada nos dias de hoje ao papel de
publicitaacuteria da cultura restringe sua tarefa mais agrave instacircncia de divulgaccedilatildeo dos espetaacuteculos do
que agrave funccedilatildeo analiacutetica No caso de Ibsen uma parte por causa do desinteresse de sua obra e
outra por causa da falta de bibliografia de apoio no nosso paiacutes os criacuteticos acabam
reproduzindo as ideacuteias mais do que conhecidas de autores como Carpeaux Brustein etc Mas
eacute claro que esses argumentos natildeo satildeo suficientemente vaacutelidos para se entender porque
privilegiam tais autores e descartam outros como Rosenfeld Vianinha e Febrot que tatildeo
lucidamente analisaram as peccedilas de Ibsen Essa questatildeo pode ser melhor compreendida se
levadas em conta as exigecircncias do mercado cultural que natildeo se interessa como dizia
Vianinha em ldquotransmitir Ibsen com toda a sua eficaacuteciardquo Os cadernos culturais dessa forma
ficam praticamente a reboque da conveniecircncia dos empresaacuterios de show business e dos
grandes patrocinadores dos espetaacuteculos tornando-se irrelevante discutir a peccedila que seraacute
encenada mas tatildeo somente informar o dia de estreacuteia o custo da montagem os aparatos
cecircnicos etc Assim a nossa criacutetica submetida agrave loacutegica do mercado acaba retornando agrave velha
1 Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006 p 134
97
estruturaccedilatildeo dos artigos do final do seacuteculo XIX uma biografia breve do dramaturgo o resumo
da peccedila a descriccedilatildeo dos cenaacuterios e figurinos e a anaacutelise do desempenho dos atores
Nessas condiccedilotildees natildeo eacute de se admirar que a obra de Ibsen tenha sido ateacute hoje
traduzida apenas parcialmente para nossa liacutengua As primeiras traduccedilotildees de suas peccedilas soacute
apareceram na deacutecada de 1940 restringindo-se ao leque dos textos mais conhecidos o que
resultou no famigerado livro Seis dramas Apesar dos problemas gerados pela traduccedilatildeo
intermediaacuteria do francecircs esse volume continua sendo a principal fonte de consulta sobre o
dramaturgo Versotildees diretas do original norueguecircs apareceram somente nos anos 1990 com
as publicaccedilotildees ineacuteditas de O pequeno Eyolf e John Gabriel Borkman feitas por Karl Erik
Schoslashllhammer Entretanto essas peccedilas jaacute natildeo satildeo mais reeditadas o que ratifica de certo
modo a falta de interesse por Ibsen em nosso paiacutes Essa situaccedilatildeo estende-se como natildeo
poderia deixar de ser agrave sua fortuna criacutetica Estamos literalmente agrave margem das mais
interessantes contribuiccedilotildees estrangeiras sobre o autor Basta dizer que no exterior seu teatro
continua vivo e atuante seja pela encenaccedilatildeo contiacutenua de suas peccedilas pela fundaccedilatildeo de
institutos como Centre for Ibsen Studies na Noruega e The Ibsen Society of America nos
Estados Unidos que promovem conferecircncias seminaacuterios e cursos sobre o autor ou ainda pela
ediccedilatildeo de perioacutedicos especializados como os noruegueses Ibsen Studies e The Contemporany
Approaches to Ibsen e o norte-americano Ibsen News and Comment que jaacute reuniram uma
boa coletacircnea de pesquisas atuais sobre sua obra No Brasil no entanto Ibsen continua
beirando o esquecimento Mesmo na academia seu teatro parece natildeo ser digno de atenccedilatildeo
haja vista que soacute recentemente em 2000 sua obra foi tema de uma dissertaccedilatildeo a de Tereza
Menezes que resultou no livro mencionado anteriormente Ibsen e o novo sujeito da
modernidade
Nessa conjuntura cabe destacar a traduccedilatildeo em 2002 de duas obras que trazem
importantes reflexotildees sobre o dramaturgo Trageacutedia moderna de Raymond Williams
publicado pela editora Cosac amp Naify de Satildeo Paulo e Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e
Chekhov de Stella Adler editado pela Bertrand Brasil do Rio de Janeiro Em linhas gerais o
professor e criacutetico inglecircs Raymond Williams atraveacutes do retrospecto da histoacuteria das ideacuteias e
das representaccedilotildees acerca da proacutepria noccedilatildeo de trageacutedia procura avaliar como se constitui a
experiecircncia traacutegica em autores modernos como Ibsen Arthur Miller Strindberg OrsquoNeill
Tcheacutekhov Beckett e outros No caso do dramaturgo norueguecircs ele aponta uma nova
definiccedilatildeo de trageacutedia a ldquotrageacutedia liberalrdquo que surge a partir da consolidaccedilatildeo do capitalismo
transformando posiccedilatildeo social em distinccedilatildeo de classe ldquoposiccedilatildeo implicava ordem e conexatildeo
98
classe era apenas uma separaccedilatildeo no acircmbito de uma sociedade informe e indeterminadardquo1 Sob
essa perspectiva Williams aponta como numa forma e contexto novos Ibsen criou suas
peccedilas introduzindo a preocupaccedilatildeo burguesa com o dinheiro a intensidade romacircntica de
alienaccedilatildeo o desejo pervertido o reconhecimento social de instituiccedilotildees inertes e de crenccedilas
limitadoras Mergulhadas nesse ambiente as personagens de Ibsen ganharam a feiccedilatildeo de um
novo tipo de heroacutei Diferentemente do heroacutei da trageacutedia claacutessica para quem bastava a nobreza
de sofrimento as personagens ibsenianas requeriam a auto-realizaccedilatildeo e a liberdade num
mundo falso e hipoacutecrita este o verdadeiro inimigo do homem Portanto segundo Raymond
Williams a essecircncia da obra de Ibsen natildeo estaacute na ldquolibertaccedilatildeo individualistardquo de suas
personagens mas na exploraccedilatildeo dos modos pelos quais a sociedade burguesa apresenta os
obstaacuteculos para se realizar essa aspiraccedilatildeo Por sua vez o livro Stella Adler sobre Ibsen
Strindberg e Chekhov traz as transcriccedilotildees de aulas e palestras de uma das mais eminentes
atrizes do Group Theatre sobre esses trecircs dramaturgos modernos Stella Adler procura
apresentar Ibsen como o precursor do realismo no teatro que se posicionara contra as
hipocrisias da classe meacutedia Eacute assim que ela aponta os temas mais frequumlentemente trabalhados
pelo dramaturgo moral dinheiro casamento verdades e mentiras Nesse percurso Adler
procura definir o objetivo de Ibsen que segundo ela natildeo era lidar com os problemas pessoais
e privados de suas personagens mas ldquoretratar os estados de espiacuterito e os destinos de um ser
humano condicionados por situaccedilotildees sociais importantesrdquo2
Ibsen cria de maneira recorrente e com uma extraordinaacuteria riqueza de detalhes
situaccedilotildees que possibilitam uma relaccedilatildeo analiacutetica com a realidade ora pela compreensatildeo que a
personagem tem de ldquosi mesmardquo e do seu mundo ora pela criacutetica e ataque agrave sociedade Eacute desse
confronto de caracteriacutesticas muitas vezes tidas como excludentes entre si que parece nascer a
praacutetica comum de nossa criacutetica de tentar reduzir sua obra ora ao elemento social ora ao
aspecto romacircntico ou existencialista O ponto paciacutefico eacute que a mateacuteria do teatro de Ibsen eacute
constituiacuteda de lembranccedilas de um passado irremediavelmente perdido Difiacutecil eacute perceber quais
satildeo os instrumentos adequados para lidar com ela eacute entender por que as personagens do
dramaturgo natildeo satildeo heroacuteis nem vilotildees eacute compreender por que os valores do passado satildeo
examinados criticamente Algumas respostas jaacute foram dadas por criacuteticos como Alcacircntara
Machado Rosenfeld Vianinha e Febrot Em Ibsen os conflitos o teacutedio profundo e a crise das
personagens natildeo satildeo puras abstraccedilotildees e sim o resultado da opressatildeo de classe das relaccedilotildees de
1 Raymond Williams ldquoDe heroacutei a viacutetima a feitura da trageacutedia liberal para Ibsen e Millerrdquo Traduccedilatildeo de Betina Bischof Trageacutedia moderna Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002 p 127 2 Stella Adler ldquoHenrik Ibsenrdquo Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e Chekhov Traduccedilatildeo de Socircnia Coutinho Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2002 p 76
99
conveniecircncia dos interesses gerados pelo dinheiro etc Portanto uma montagem ou uma
criacutetica que natildeo levem em conta esses aspectos privilegiando-se apenas o tratamento do
indiviacuteduo em seu psicologismo puro ou a defesa de uma tese torna-se problemaacutetica e
insatisfatoacuteria Haacute que se analisar o vazio e o fastio das personagens mas eacute preciso reconhecer
que esses fatores satildeo frutos da engrenagem anocircnima dos poderes sociais A questatildeo social em
Ibsen como bem jaacute demonstraram Rosenfeld Vianinha Raymond Williams e alguns outros
natildeo fornece apenas a mateacuteria que serve de veiacuteculo para conduzir sua corrente criadora ela
proacutepria eacute o elemento que atua na constituiccedilatildeo do que haacute de essencial em seu teatro
R E F E R Ecirc N C I A S B I B L I O G R Aacute F I C A S
101
TRADUCcedilOtildeES DA OBRA DO AUTOR
TEATRO COMPLETO
IBSEN Henrik Drammi Presentazione di Arturo Farinelli Versione a cura di C Giannini e N Zoja 2 v Cernusco sul Naviglio Milano Garzanti 1946 (Il Milione Grandi Scrittori Stranieri)
______ Henrik Ibsen Saumlmtliche Werke Herausgegeben von Julius Elias und Paul Schlenther 5 v Berlin S Ficher Verlag [19--]
______ Teatro completo Tradution y notas de Else Wasteson Revision y proacutelogo de M Winaerts e Germaacuten Goacutemez de la Mata Madrid Aguilar 1959
______ The collected works of Henrik Ibsen Translated by William Archer 13 v New York Scribnerrsquos sons 1911-1914
______ The Oxford Ibsen Translated and edited by James Walter McFarlane 8 v London Oxford University 1960-1977
POESIA
IBSEN Henrik Ibsenrsquos poems Translated by John Northam Oslo Norwegian University Press 1986
______ Poems by Henrik Ibsen Translated by Brian Sourbut [New York] York Settlement Trust 1993
______ The collected poems of Henrik Ibsen Translated by John Northam Disponiacutevel em lthttpwwwibsennetid=26645gt Acesso em 20 jan 2007
CORRESPONDEcircNCIA
IBSEN Henrik Ibsen letters and speeches Edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964
______ Letters of Henrik Ibsen Translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905
______ Lettres de Henrik Ibsen a ses amis Traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906
102
BIOGRAFIAS
BALZEL Oscar Henrik Ibsen Leipizig Infel Bucherei sd
FERGUSON Robert Henrik Ibsen a new biography London Cohen 1996
KOHT Halvdan Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971
JAEligGER Henrik Henrik Ibsen a critical biography Chicago AC McClurg 1901
LOTHAR Rudolph Henrik Ibsen Leipzig E A Seemann 1902 (Dichter und Darsteller 8)
MEYER Hans-Georg Henrik Ibsen New York Frederick Ungar 1972 (World dramatists series)
MEYER Michael Ibsen a biography by Michael Meyer London Peguin Books 1971
LIVROS E TESES SOBRE O AUTOR
APOLLONIO Mario Ibsen Brescia Morcelliana 1944
BERTEVAL W Le theacuteacirctre drsquoIbsen Preacuteface du Comte Prozor Paris Perrin 1912
BLOOM Harold Modern critical views Philadelphia Chelsea 1999
BOETTCHER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1912
BONET Ofelia Machado Ibsen Montevideo sn 1966
BOYESEN Hjalmar Hjorth Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894
BRADBOOK Muriel Clara Ibsen the Norwegian a revaluation London Chatto amp Windus 1946
BRANDES Georg Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies Revision e Introduction de William Archer New York Macmillan 1899
DEPPERMAN Maria et al (Orgs) Ibsen im europaumlischen Spannungsfeld zwischen Naturlismus um Symbolismus Frankfurt Peter Lang 1998
DOUMIC Reneacute De Scribe a Ibsen causeries sur le theacuteacirctre Paris Perrin 1896
DOWNS Brian W Ibsen the intellectual background New York Cambridge 1948
______ Modern Norwegian literature 1860-1918 Cambridge Cambridge University 1966
103
EGAN Michael Henrik Ibsen the critical heritage London Routledge 1997
EHRHARD Auguste Henrik Ibsen et le theacuteacirctre contemporain Paris Lecegravene Odin 1892 (Nouvelle Bibliothegraveque litteacuteraire)
FARINELLI Arturo Byron e Ibsen Milano Fratelli Booca 1944
FIRKINS Ina Ten Eyck Henrik Ibsena bibliography of criticism and biography with na index to characters New York London H W Wilson Company Grafton amp Company 1921 (Practical Bibliographies)
GRAVIER Maurice Ibsen Paris Seghers 1973
GRAY Ronald Ibsen a dissenting view a study of the last twelve plays London Cambridge 1977
HEIBERG Hans Ibsen a portrait of the artist London George Allen Unwin 1969
HOslashST Sigurd Henrik Ibsen Paris Stock 1924
JACOBBI Ruggero Ibsen la vita il pensiero i testi exemplari Milano Edizione Accademia 1972 (Il memorabili)
JACOBS M Ibsens Buumlhnentechnik Dresden Sibyllen-Verlag 1920
JANSEN ANNIE Ibsen el creador del teatro social Buenos Aires Claridad 1966
JOHNSTON Brian Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989
JORGENSONTHEODORE Henrik Ibsen a study in art and personality Northfield Minnesota St Olaf College 1948
KNIGHT WILSON G Ibsen Edinburgh Oliver and Boyd 1962
LA CHESNAIS Pierre Georget Brand drsquoIbsen eacutetude et analyse Paris Melloteacutee [19--] (Les Cheufs-drsquooeuvre de la Litteacuterature Expliqueacutes)
LAVRIN Janko Ibsen an approach London Methuen [1950]
LINGE Tore La conception de lrsquoamour dans le drama de Dumas fils et drsquoIbsen Paris H Champion 1935 (Bibliothegraveque de la Revue de Litteacuterature Compareacutee tome 110)
LOGEMAN H A commentary critical and explanatory on the Norwegian text of Henrik Ibsenrsquos Peer Gynt Its languageliterary associations and folklore The Hague Nijhoff 1917
LORIEacute OSSIP La philosophie sociale dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1900
104
LUGNEacute-POE Aureacutelien Ibsen par Lugneacute-Poe Paris Rieder 1936 (Maicirctres des Litteacuteratures 21)
MARKER Frederick J e Lise-Lone Ibsenrsquos lively art a performance study of the mayor plays New York Cambridge University 1989
MCFARLANE James Walter (Org) The Cambridge Companion to Ibsen New York Cambridge University 1994
______ Discussions of Henrik Ibsen Boston Heath 1962
______ Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970
______ Ibsen and the temper of Norwegian literature London Oxford 1960
NORTHAM John Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953
REINEDKER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris F Alcan 1912
REQUE Dikka A Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoslashrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930
SAROLET Charles Henrik Ibsen eacutetude sur sa vie amp son oeuvre Paris Nilsson 1891
SHAPIRO Bruce G Divine madness and the absurd paradox Ibsenrsquos Peer Gynt an the philosophy of Kierkegaard New York Greenwood 1990 (Contributions in Drama and Theatre Studies 29)
SHAW George Bernard The quintessence of Ibsenism London Walter Scott 1891
SHEPHERD-BARR Kirsten Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997
SLATAPER Scipio Ibsen Con un cenno su Scipio Slataper di Arturo Farinelli Torino Fratelli Bocca 1916 (Letterature Moderene Studi diretti da A Farinelli v 5)
TAM Kwok-kan Ibsen in China 1908-1997 a critical-annotated bibliography of criticism translation and performance Hong Kong Chinese University Press 2001
TEMPLETON Joan Ibsenrsquos women New York Cambridge University 1997
TENNANT P F D Ibsenrsquos dramatic technique Cambridge Bowes 1948
TISSOT Ernest Le drame norveacutegien Paris Perrin 1893
TORNQVIST Egil Ibsen A dollrsquos house Cambridge Cambridge University 1995
105
WEIGAND Hermann J The Modern Ibsen a reconsideration New York Henry Holt and Company 1925
ZAPPA Gabriella La fortuna di Ibsen in Italia (1891-1969) 1968 Tese (Doutorado em Letras) - Faculdade de Letras e Filosofia Universidade de Milatildeo Milatildeo
CAPIacuteTULO DE LIVROS SOBRE O AUTOR
ADORNO Theodor W ldquoExumaccedilatildeordquoldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo In ______ Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificada Traduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 79-82
ARCHER William ldquoIbsen and the English Theatrerdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 60-67
BENTLEY Eric ldquoTalking Ibsen personallyrdquo In ______ The theatre of commitment and others essays on drama in our society New York Atheneum 1967 p 98-118
BRECHT Bertold ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo In ______ Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12
BREED Paul Francis SNIDERMAN Florence M ldquoIbsenrdquo In ______ Dramatic criticism index a bibliography of commentaries on playwrights from Ibsen to the avant-garde Detroit Gale Research 1972 p 314-334
BRUSTEIN Robert ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 51-102
CASANOVA Ch de Bigault ldquoIbsen poetardquo In BRANDES Jorge Henrik IbsenTraduccedilatildeo e proacutelogo de Jose Liebermann Buenos Aires Tor 1965 p 157-188
FARIAS Javier ldquoEnrique Ibsenrdquo In ______ Historia del teatro Buenos Aires Atlandida 1944 (Coleccion Oro de Cultura General) p 210-211
FERGUSSON Francis ldquoGli Spettri e Il Giardino dei ciliegi il teatro del realismo modernordquo 1962 In ______ Idea di un teatro Milano Feltrinelli 1962 (Universale Economica) p 183-221
FREUD Sigmund ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In ______ Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356
GILMAN Richard ldquoIbsenrdquo In ______ Making of modern drama a study of Buchner Ibsen Strindberg Chekhov Pirandello Brecht Beckett Handke New York Farrar Straus Giraux 1975 p 45-82
106
GOLDMAN Emma ldquoThe scandinavian drama Henrik Ibsenrdquo In ______ The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914
GUARDIA Alfredo de la ldquoCriacioacuten espiritual de Ibsenrdquo In ______ El teatro contemporaacuteneo Buenos Aires Editorial Schapire [1947] p 115-156
LUKAacuteCS Georg ldquoHenrik Ibsen tentativo di creare una tragedia borgheserdquo In ______ La genesi della tragedia borghese de Lessing a Ibsenv 2 Milano SugarCo 1977 p 115-156
LUMLEY Frederick ldquoThe drama since Ibsen and Shawrdquo In ______ New trends in 20th century drama a survey since Ibsen and Shaw New York Oxford University 1972 p 9-16
PITOEumlFF Georges ldquoIbsenrdquo In ______ Notre theacuteacirctre Paris Messages 1949
PLEKHANOV Georgy ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In FLORES Angel Henrik IbsenNew York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007
SHAW George Bernard ldquoBefore and after Ibsen (1891)rdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 68-71
TOUCHARD Pierre-Aime ldquoIbsen ou le theacuteacirctre reacutevolutionnairerdquo In ______ Dionysos apologie pour le theacuteacirctre Nouvelle eacutedition revue et augmenteacute Paris Seuil 1949 p 153-157
WILLIAMS Raymond ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ Drama from Ibsen to Brecht 2 ed London Hogarth 1971 p 33-74
PERIOacuteDICOS SOBRE O AUTOR
ANDERSON Rasmus Bjoslashrn ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American [Wiscosin]15 abr 1882
ARCHER William ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 209-214 1 abr 1884
______ ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891
ARESTAD Sverre ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948
AVELING Edward ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-480 maio 1884
AVELING Edward MARX-AVELING Eleanor ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886
107
BOYESEN Hjalmar Hjorth ldquoHenrik Ibsenrdquo The Century a popular quarterly New York v 9 p 794-796 mar 1890
BRANDES Georg ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897
FJELDE Rolf ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988
HAGE Anne ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005
JAMES Henry ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893
MAETERLINCK Maurice ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894
SCOTT Clement [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893
______[sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891
URSO Simona ldquoIbsen in Italiardquo Societagrave Italiana per lo studio della Storia Contemporanea Scene di fine Ottocento lrsquoItalia fin de siegravecle a teatro Seccedilatildeo Cantieri di Storia II Disponiacutevel em lthttpwwwsisscoitattivitasem-set-2003relazioniursortfgt Acesso em 20 jan 2007
WIEDNER Elsie M ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978
GERAL
ABREU Briacutecio de Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958
ALMEIDA PRADO Deacutecio de Teatro brasileiro moderno Satildeo Paulo Perspectiva 1988
ANDERSON Rasmus Bjoslashrn Life story Madison Wisconsin ediccedilatildeo do autor 1915
ANTOINE Andreacute Mes souvenirs sur le Theacuteacirctre Libre Paris Arthegraveme Fayard 1921
BIGEON Maurice Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894
BETTI Maria Siacutelvia Oduvaldo Vianna Filho Satildeo Paulo EDUSP 1997
BORDEAUX Henry La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894
BOSI Alfredo ldquoPor um historicismo renovado reflexo e reflexatildeo na histoacuteria literaacuteriardquo In ______ Teresa revista de literatura brasileira n 1 Satildeo Paulo Ed34 2000
108
BOYESEN Hjalmar Hjorth Essays on Scandinavian literature London David Nutt 1895
BRANDAtildeO Cristina O Grande Teatro Tupi do Rio de Janeiroo teleteatro e suas muacuteltiplas faces Juiz de Fora UFJF OP COM 2005
BROCA Brito A vida literaacuteria no Brasil ndash 1900 Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1960
CACCIAGLIA Mario Pequena histoacuteria do teatro no Brasil (quatro seacuteculos de teatro no Brasil) Traduccedilatildeo de Carla de Queiroz Satildeo Paulo EDUSP 1986
CAFEZEIRO Edwaldo GADELHA Carmem Histoacuteria do teatro brasileiro um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues Rio de Janeiro UFRJ 1996
CAIRO Luiz Roberto Velloso Introduccedilatildeo agrave teoria literaacuteria de Araripe Juacutenior um criacutetico
brasileiro precursor da vanguarda atual 1978 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Linguumliacutestica e
Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de
Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
______ O salto por cima da proacutepria sombra o discurso criacutetico de Araripe Juacutenior uma
leitura 1986 Tese (Doutorado em Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de
Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas
Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo
CANDIDO Antonio et al A personagem de ficccedilatildeo Satildeo Paulo Perspectiva 1968
CANDIDO Antonio Literatura e sociedade estudos de teoria e histoacuteria literaacuteria Satildeo Paulo Nacional 1965
CARLSON Marvin Teorias do teatro estudo histoacuterico-criacutetico dos gregos agrave atualidade Traduccedilatildeo de Gilson Ceacutesar Cardoso de Souza Satildeo Paulo UNESP 1997
CARPEAUX Otto Maria La litteacuterature breacutesilienne du bovarysme agrave lrsquoengagement In ______ Les Temps Modernes Le Breacutesil n 257 Paris octobre 1967
CARVALHO Seacutergio de O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
COSTA Inaacute Camargo A hora do teatro eacutepico no Brasil Rio de Janeiro Paz e Terra 1996
______ Sinta o drama Rio de Janeiro Vozes 1998
CRAIG Edward Gordon Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971
109
DOacuteRIA Gustavo A Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975
FARIA Joatildeo Roberto Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva FAPESP 2001
______ O teatro na estante estudos sobre dramaturgia brasileira e estrangeira Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial 1998
______ O teatro realista no Brasil 1855-1865 Satildeo Paulo EDUSP Perspectiva 1993
FERRATON Hubert Syndicalisme ouvrier et social-deacutemocratie en Norvegravege Paris Armand Colin 1960
GOLDMAN Emma Anarchism and other essays New York Dover 1969
GOULD Jean Dentro e fora da Broadway o teatro moderno norte-americano Traduccedilatildeo Ana Maria M Machado Rio de Janeiro Bloch 1968
GRANIER Caroline Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes ndash Saint-Denis Paris
GUERRA Marco Antocircnio Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
GUINSBURG J FARIA Joatildeo Roberto LIMA Mariacircngela Alves de (Orgs) Dicionaacuterio do teatro brasileiro temas formas e conceitos Satildeo Paulo Perspectiva SESC Satildeo Paulo 2006
GUZIK Alberto TBC crocircnica de um sonho Satildeo Paulo Perspectiva 1986
HALLEWELL Laurence O livro no Brasil sua histoacuteria Traduccedilatildeo de Maria da Penha Villalobos Loacutelio Lourenccedilo de Oliveira e Geraldo Gerson de Souza Satildeo Paulo EDUSP 2005
HAUGSTOL H VERGEL J This is Norway Oslo Arne Gimmes Forlag 1949
HOBSBAWN Eric J A Era do Capital 1848-1875 Rio de Janeiro Paz e Terra 1996
______ A Era dos Impeacuterios 1875-1914 Rio de Janeiro Paz e Terra 2002
HYMAN Erin Williams ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005
LEITE Pedro Sisnando Escandinaacutevia modelo de desenvolvimento democracia e bem-estar Satildeo Paulo HUCITEC 1982
LEMAIcircTRE Jules Impressions de theacuteacirctre 10 v Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897
110
LOMBROSO Cesare LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894
LOMBROSO Cesare FERRERO William The female offender New York Philosophical Library 1958
LUKAacuteCS Georg Il drama moderno Milano SugarCo 1976
______ Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968
______ Teoria do romance uma ensaio histoacuterico-filosoacutefico sobre as formas da grande eacutepica Satildeo Paulo Duas Cidades Ed 34 2000
MAGALDI Saacutebato VARGAS Maria Thereza Cem anos de teatro em Satildeo Paulo (1875-1974) Satildeo Paulo SENAC 2000
MAGALDI Saacutebato Panorama do teatro brasileiro Satildeo Paulo Difel 1962
MARTINS Maria Helena (Org) Rumos da criacutetica Satildeo Paulo SENAC Itauacute Cultural 2000
MARTINS Wilson A criacutetica literaacuteria no Brasil 2 v Rio de Janeiro Francisco Alves 1983
MEYERHOLD Vsevolod Meyerhold on theatre Translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969
MILAREacute Sebastiatildeo ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrmateria_atualaspmat=176gt Acesso em 20 jan 2007
MORAES Alexandre Lara de Indiviacuteduo e resistecircncia sobre a anulaccedilatildeo da individualidade e a possibilidade de resistecircncia do indiviacuteduo em Adorno e Horkheimer Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia) Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Universidade Estadual de Campinas Campinas
NAESS Harald S A history of Norwegian literature London University of Nebraska 1993
NEVES Larissa de Oliveira O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 2 v Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas
NOCCIOLI Guido Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Translated by Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982
NORDAU Max Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94
PAVIS Patrice Dicionaacuterio de teatro Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Maria Luacutecia Pereira Satildeo Paulo Perspectiva 1999
111
PEREIRA Sidecircnia Freire O teleteatro da TV TUPI em Satildeo Paulo origens e contribuiccedilotildees na
teledramaturgia nacional 2004 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Comunicaccedilatildeo e Arte) ndash
Departamento de Comunicaccedilatildeo e Arte Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo
Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo
PEIXOTO Fernando (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983
PIVOT Sylvain Norvegravege Paris Seuil 1960 (Collection Petite Planegravete)
RAULINO Berenice Ruggero Jacobbi presenccedila italiana no teatro brasileiro Satildeo Paulo Perspectiva 2002
ROSENFELD Anatol O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000
______ Prismas do Teatro Satildeo Paulo Perspectiva EDUSP UNICAMP 1993
SARCEY Francisque Quarante ans de theacuteacirctre 8 v Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1900-1902
SILVA Flaacutevio Luiz Porto e (Org) O teleteatro paulista nas deacutecadas de 50 e 60 Satildeo Paulo Secretaria Municipal de Cultura Departamento de informaccedilatildeo e documentaccedilatildeo artiacutesticas Centro de documentaccedilatildeo e informaccedilatildeo sobre arte brasileira contemporacircnea 1981 (Cadernos 4)
STOVERUD T Milestones of Norwegian Literature Oslo Johan Grundt Tanum Forlag 1967
SZONDI Peter Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001
VENTURA Mauro de Souza Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
VENTURA Roberto Estilo tropical histoacuteria cultural e polecircmicas literaacuterias no Brasil 1870-1914 Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991
WAIZBORT Maria do Carmo Malheiros Um diaacutelogo criacutetico Otto Maria Carpeaux e as ldquociecircncias do espiacuteritordquo 1992 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Literatura Brasileira) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
This document was created with Win2PDF available at httpwwwwin2pdfcomThe unregistered version of Win2PDF is for evaluation or non-commercial use onlyThis page will not be added after purchasing Win2PDF
4
NOTA
Esta dissertaccedilatildeo eacute resultado de uma pesquisa iniciada em 2000 durante a graduaccedilatildeo
sob a forma de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica Nesse periacuteodo reuni uma boa parte da bibliografia de e
sobre Henrik Ibsen o que resultou em um quadro breve da recepccedilatildeo criacutetica do dramaturgo no
Brasil focalizando basicamente os anos de 1950 a 1990 No mestrado essa pesquisa de
campo foi ampliada na tentativa de apresentar ao leitor um panorama mais completo
incluindo as primeiras encenaccedilotildees feitas ainda no final do seacuteculo XIX ateacute as mais recentes
dos anos 2000 Da organizaccedilatildeo desse material bibliograacutefico mdash traduccedilotildees de sua obra livros
ensaios artigos registros dos espetaacuteculos etc mdash originaram os trecircs volumes que compotildeem
esta dissertaccedilatildeo I Historiografia II Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e III Cataacutelogo bibliograacutefico
No primeiro volume pretendi traccedilar em linhas gerais o percurso de Ibsen no Brasil
procurando mostrar as contradiccedilotildees e os impasses de nossa criacutetica ao tratar de mateacuteria tatildeo
profunda e significativa para a dramaturgia mundial No segundo reuni os artigos e ensaios
mais relevantes para a compreensatildeo de sua trajetoacuteria em nosso paiacutes buscando apreender as
nuanccedilas e tendecircncias mais revolucionaacuterias e heterodoxas sobre sua obra Por fim no terceiro
volume registrei os dados do material pesquisado a fim de oferecer ao leitor um cataacutelogo de
consulta e de registro das peccedilas montadas em palcos brasileiros bem como dos textos
produzidos sobre seu teatro
Este trabalho por sua proacutepria natureza soacute pocircde ser realizado porque contei com a
ajuda de pessoas generosas Agradeccedilo a Denise Radanovic Maria Siacutelvia Betti e a Miley pelo
auxiacutelio com algumas traduccedilotildees ao prof Ariovaldo Joseacute Vidal pelos livros fornecidos a
Huendel Viana pela leitura do presente texto e pelo tratamento das imagens do cataacutelogo aos
professores Inaacute Camargo Costa Maria Siacutelvia Betti e Jorge de Almeida pelas sugestotildees
preciosas durante o exame de qualificaccedilatildeo e ao Prof Joatildeo Roberto Faria pelo socorro com
informaccedilotildees bibliograacuteficas e pelo empreacutestimo de materiais valiosos para o desenvolvimento
dessa dissertaccedilatildeo Registro ainda o meu agradecimento ao CNPq pela concessatildeo da bolsa de
Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica e de Mestrado
5
RESUMO
SILVA J P Ibsen no Brasil historiografia seleccedilatildeo de textos criacuteticos e cataacutelogo bibliograacutefico
2007 3 v f Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas
Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2007
Este trabalho composto de trecircs volumes (I Historiografia II Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e III
Cataacutelogo bibliograacutefico) tem como objetivo apresentar um panorama da recepccedilatildeo de Ibsen no
Brasil O primeiro volume traz uma avaliaccedilatildeo da fortuna criacutetica de Ibsen no Brasil passando
pelas ideacuteias teatrais do seacuteculo XIX pela modernizaccedilatildeo do teatro nos anos 1940 ateacute chegar agraves
tendecircncias criacuteticas contemporacircneas O segundo traz os textos mais relevantes para o
entendimento da obra do dramaturgo publicados no Brasil entre 1895 e 2002 Por fim o
terceiro apresenta os dados bibliograacuteficos sobre as traduccedilotildees brasileiras das peccedilas do autor
sobre as montagens realizadas no teatro e na tv sobre os livros capiacutetulos de livros prefaacutecios e
textos publicados em perioacutedicos sobre o dramaturgo Com esse percurso buscou-se
compreender o modo de assimilaccedilatildeo do teatro ibseniano pela criacutetica brasileira levando em
consideraccedilatildeo as influecircncias estrangeiras especialmente a francesa Ao mesmo tempo procurou-
se ressaltar os momentos de ruptura com essa tradiccedilatildeo sobretudo a partir das reflexotildees de
Antonio de Alcacircntara Machado Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld que deram uma nova
orientaccedilatildeo para a leitura das peccedilas de Ibsen
Palavras-chave Henrik Ibsen Dramaturgia moderna Teatro brasileiro Histoacuteria do teatro
6
ABSTRACT
Silva JP Ibsen in Brazil historiography selection of critical texts and bibliographical
catalogue 2007 3 v f Dissertation (Masterrsquos degree) ndash Faculdade de Filosofia Letras e
Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo 2007
This work composed of three volumes (I Historiography II Selection of critical texts and
III Bibliographical catalogue) presents an overview of the reception of Ibsen in Brazil The
first volume is an assessment of the rich and varied criticism Ibsen received in Brazil within
the context of the theatrical ideas of the nineteenth century the modernization of the theatre in
the 1940s until the contemporary level of critical trends The second selects the most relevant
texts in order to understand the works of the playwright which were published in Brazil from
1985 and 2002 Finally the third presents bibliographical information on Brazilian
translations of his plays on adaptations carried through in theatre and on TV in books book
chapters prefaces and texts published in periodicals about the playwright Through this route
an attempt was made to understand the way Ibsenian theatre was assimilated by Brazilian
critics taking into account foreign influences especially of French origin At the same time
we attempt to highlight examples of breaking from such tradition especially considering the
thoughts of Antonio de Alcacircntara Machado Otto Maria Carpeaux and Anatol Rosenfeld who
gave us another approach to the studies of Ibsenrsquos plays
Keywords Henrik Ibsen Modern drama Brazilian theatre History of the theatre
7
SUMAacuteRIO
VOLUME I HISTORIOGRAFIA
Nota 4
Resumo 5
Abstract 6
Iacutendice 13
INTRODUCcedilAtildeO
Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15
IBSEN NO BRASIL
As primeiras encenaccedilotildees 40
Um claacutessico imperfeito 53
Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58
Entre o teatro amador e o profissional 63
A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 101
VOLUME II SELECcedilAtildeO DE TEXTOS CRIacuteTICOS
Iacutendice 120
Nota preacutevia 125
1 Os espectros de Henrik Ibsen (C Parlagreco) 127
2 Novelli ndash Ibsen (Sem assinatura) 131
3 Novelli ndash ldquoHenrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo (A) 136
4 Novelli ndash Os espectros (Sem assinatura) 139
5 Os espectros (Sem assinatura) 141
6 Ermete Novelli (Sem assinatura) 143
8
7 O Teatro ndash ldquoA grande figura de Francisque Sarcey []rdquo (Artur Azevedo) 145
8 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro colega e amigo []rdquo
(Luiacutes de Castro) 147
9 A casa de boneca (Luiacutes Guimaratildees Filho) 150
10 Teatro contemporacircneo Henrik Ibsen (Luiacutes de Castro) 154
11 SantrsquoAnna ndash Casa de boneca (Oscar Guanabarino) 158
12 Luciacutelia Simotildees (Paulo Barreto ndash Joatildeo do Rio) 166
13 O Teatro ndash ldquoEu estava no sul de Minas []rdquo (Artur Azevedo) 169
14 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro Artur []rdquo (Luiacutes de Castro)
174
15 O Teatro ndash ldquoLuiacutes de Castro voltou []rdquo (Artur Azevedo) 178
16 Ibsen e o seu teatro (Leopoldo de Freitas) 179
17 Politheama ndash ldquoPoucos homens neste seacuteculo []rdquo (Sem assinatura) 183
18 Teatro Lucinda ( PB ndash Joatildeo do Rio) 188
19 SantrsquoAnna ndash ldquoA primeira vez []rdquo (Sem assinatura) 190
20 Antoine ndash ldquoA companhia Antoine []rdquo (Sem assinatura) 192
21 O Teatro ndash ldquoTerminei o meu uacuteltimo folhetim []rdquo (Artur Azevedo) 193
22 SantrsquoAnna ndash ldquoA representaccedilatildeo da Casa de boneca de Ibsen []rdquo (Sem assinatura)
195
23 O Teatro ndash ldquoPassando por alto uma representaccedilatildeo da Fernanda []rdquo (Artur Azevedo)
197
24 Crocircnica ndash ldquoA nota artiacutestica foi a representaccedilatildeo de Hedda Gabler []rdquo (OB ndash Olavo Bilac) Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 7 jul 1907
199
25 Revistinha ndash Tourneacutee Eleonora Duse Teatro SantrsquoAnna Hedda Gabler drama de H Ibsen (Joatildeo Crespo)
201
26 SantrsquoAnna ndash ldquoEleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo (Sem assinatura)
207
27 Hedda Gabler ndash ldquoDissemos que Ibsen ainda natildeo eacute []rdquo (Sem assinatura) 208
28 Revistinha ndash ldquoUm criacutetico teatral de uma folha []rdquo (Joatildeo Crespo) 211
9
29 Ainda Hedda Gabler (Sem assinatura) 213
30 Revistinha ndash ldquoVaacute de resposta ao criacutetico teatral []rdquo (Joatildeo Crespo) 215
31 Os meus domingos (Alfredo Pujol) 217
32 A esteacutetica de uma trageacutedia (Graccedila Aranha) 221
33 Teatro Municipal ndash ldquoDois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo (Sem assinatura) 223
34 Ibsen o teatro de pensamento comemora o 1ordm centenaacuterio do nascimento do grande criador dinamarquecircs [norueguecircs] (Sem assinatura)
226
35 No centenaacuterio de Ibsen (Fleacutexa Ribeiro) 229
36 O primeiro centenaacuterio de Ibsen a obra e a vida do genial escandinavo A influecircncia de suas ideacuteias no teatro contemporacircneo (Sem assinatura)
232
37 Agrave memoacuteria de Ibsen (Camille Mauclair) 237
38 H Ibsen (Nestor Viacutetor) 241
39 Ibsen e o subconsciente (Fleacutexa Ribeiro) 243
40 Henrik Ibsen ndash ldquoEsse norueguecircs de Skien []rdquo (JJ de Saacute ndash Antonio de Alcacircntara Machado)
247
41 Teatro Municipal ndash ldquoEscrita haacute um pouco mais de meio seacuteculo []rdquo (Sem assinatura)
260
42 Defesa de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 262
43 O ibsenismo no Brasil (Alceste ndash Brito Broca) 270
44 Ibseniana ndash ldquoEstatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo (Otto Maria Carpeaux)
272
45 Aos atores brasileiros (Otto Maria Carpeaux) 276
46 Ibsen 50 anos depois (OMC ndash Otto Maria Carpeaux) 279
47 Presenccedila de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 282
48 Introduccedilatildeo a Ibsen (Ruggero Jacobbi) 287
49 Ibsen e a sua obra (Edmundo Moniz) 297
50 Ibsen atual (Ruggero Jacobbi) 307
51 Ibseniana ndash ldquoAcontece embora raramente []rdquo (Otto Maria Carpeaux) 312
52 Ibsen e o tempo passado (Anatol Rosenfeld) 316
10
53 Ibsen na sua correspondecircncia (Livio Xavier) 320
54 Modernidade de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 323
55 Ibsen e o Dr Stockmann (Luiz Israel Febrot) 327
56 Hedda Gabler ndash ldquoSegundo a crocircnica o maior sucesso de Ibsen []rdquo (Luiz Israel Febrot)
334
57 Os espectros satildeo as velhas ideacuteias (Luiz Israel Febrot) 341
58 De Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) (Joseacute Carlos Garbuglio)
346
59 Natildeo perca esta aventura (Saacutebato Magaldi) 363
60 A casa de bonecas (Luiacuteza Barreto Leite) 368
61 Nossa Casa de bonecas (Otto Maria Carpeaux) 370
62 Ibsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeo (Mariacircngela Alves de Lima) 372
63 A velha Casa de bonecas renovada por Tocircnia (Saacutebato Magaldi) 374
64 O gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humano (Deacutecio Drummond)
376
65 Encenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsen (Mariacircngela Alves de Lima)
379
66 Ibsen o pai do teatro de hoje faz 150 anos (Adones de Oliveira) 384
67 150 anos de Ibsen uma anaacutelise da obra do primeiro dramaturgo moderno (John Mortimer)
388
68 Casa de bonecas 100 anos depois (Sem assinatura) 392
69 Quem eacute Hedda Gabler (Deacutecio de Almeida Prado) 394
70 A densidade dramaacutetica de Ibsen (Fernando Peixoto) 399
71 As obsessotildees de Ibsen (Samuel Titan Jr) 403
72 Penuacuteltima peccedila de Ibsen estreou haacute cem anos (Seacutergio de Carvalho) 406
73 O inimigo do povo privilegia defesa de tese (MAL ndash Mariacircngela Alves de Lima)
413
74 Peccedila de Ibsen mobiliza atrizes desde o seacuteculo 19 (Mariacircngela Alves de Lima)
415
11
VOLUME III CATAacuteLOGO BIBLIOGRAacuteFICO
Iacutendice 425
Cronologia da vida e obra de Ibsen 429
Nota explicativa 434
Abreviaturas 436
1 Obra traduzida do autor 438
2 Obra sobre o autor 447
3 Montagem Teatro 523
4 Montagem TV 612
JANE PESSOA DA SILVA
Ibsen no Brasil
Historiografia Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e Cataacutelogo bibliograacutefico
Volume I
Satildeo Paulo 2007
13
IacuteNDICE
INTRODUCcedilAtildeO
Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15
IBSEN NO BRASIL
As primeiras encenaccedilotildees 40
Um claacutessico imperfeito 53
Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58
Entre o teatro amador e o profissional 63
A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
Traduccedilotildees da obra do autor teatro completo poesia correspondecircncia 101
Biografias 102
Livros e teses sobre o autor 102
Capiacutetulos de livro sobre o autor 105
Perioacutedicos sobre o autor 106
Geral 107
I N T R O D U Ccedil Atilde O
15
Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna
Henrik Ibsen (1828-1906) eacute uma figura central na histoacuteria do teatro moderno Suas vinte e
seis peccedilas escritas ao longo de quase 50 anos inauguraram uma nova era de experimentaccedilatildeo
teatral sobretudo no que diz respeito agrave dramaturgia abandonando as velhas formas do teatro
claacutessico e incorporando em sua fatura os problemas de seu tempo A nova forma de suas peccedilas
que se diferenciava bastante do drama burguecircs mdash comeacutedias realistas que apresentavam no palco
os costumes e os valores morais da burguesia mdash obrigou os artistas a repensar a concepccedilatildeo do
fazer teatral modificando a estrutura do palco o trabalho do ator e a relaccedilatildeo entre texto autor e
plateacuteia Aleacutem disso sua luta constante contra as convenccedilotildees tacanhas e obsoletas da sociedade
burguesa tatildeo evidentes nos chamados ldquodramas sociaisrdquo como Os pilares da sociedade (1877)
Casa de boneca (1879) Os espectros (1881) e Um inimigo do povo (1884) fizeram de Ibsen um
dos autores mais discutidos da segunda metade do seacuteculo XIX Suas ideacuteias aleacutem de influenciarem
muitos dramaturgos como Bernard Shaw Oscar Wilde Arthur Miller entre outros foram
apropriadas no acircmbito literaacuterio pelos movimentos de vanguarda da Europa como o naturalismo
e o simbolismo e na esfera poliacutetica pelos socialistas e anarquistas A partir de Ibsen o teatro
deixa de ser visto apenas como um entretenimento passando a ser encarado tambeacutem como um
instrumento de experiecircncia social que abriu o caminho para as novas formas teatrais do seacuteculo
XX
Ibsen iniciou sua carreira como homem de teatro em 1850 ano da consolidaccedilatildeo do
capitalismo europeu e do desmedido avanccedilo econocircmico que desencadearam uma seacuterie de
transformaccedilotildees na sociedade Nessa eacutepoca de especulaccedilatildeo financeira de imperialismo e de
ascensatildeo do proletariado o dinheiro passa a dominar toda a vida puacuteblica e privada tudo se curva
diante dele tudo o serve As novas relaccedilotildees sociais os direitos e o poder expressam-se em termos
de capital e as pessoas vecircem-se cada vez mais como rivais e inimigas sendo necessaacuterio conquistar
e legitimar permanentemente posiccedilotildees e influecircncias O matrimocircnio e a famiacutelia constituem o esteio
desse mundo burguecircs mormente porque tambeacutem estatildeo ligados ao sistema de propriedade e de
empreendimentos rentaacuteveis Os casamentos em regra estabelecem-se entre famiacutelias do mesmo
status social ou da mesma linha de negoacutecios e a estrutura patriarcal baseada na subordinaccedilatildeo da
mulher e dos filhos eacute mantida O enfraquecimento da unidade familiar eacute inaceitaacutevel seja atraveacutes
da paixatildeo descontrolada por indiviacuteduos ldquoimproacutepriosrdquo (isto eacute economicamente indesejaacuteveis) seja
atraveacutes de escacircndalos morais
16
Na vida artiacutestica prevalecem as tendecircncias que estatildeo de acordo com o gosto burguecircs a
obra faacutecil e agradaacutevel destinada apenas ao entretenimento A arte reduzida agrave diversatildeo e ao
apraziacutevel domina todas as formas de produccedilatildeo mas principalmente aquela ligada agrave esfera puacuteblica
o teatro Este apresenta-se como um instrumento de propaganda da ideologia burguesa de seus
princiacutepios econocircmicos sociais e morais Assim a importacircncia da famiacutelia como alicerce da
sociedade torna-se o principal assunto do teatro burguecircs Os ideais os deveres e sobretudo o amor
eterno capaz de resistir agrave prova cotidiana da vida conjugal satildeo valores constantemente
propugnados pelos dramaturgos desse periacuteodo Em La dame aux cameacutelias de Dumas Filho por
exemplo o amor do heroacutei pela cortesatilde eacute incompatiacutevel com a respeitabilidade da famiacutelia burguesa
em Le mariage drsquoOlympe de Eacutemile Augier a mulher de moral duvidosa natildeo tem como se
regenerar e deve ser banida do corpo social Em suma a discussatildeo de temas como a usura a
agiotagem a prostituiccedilatildeo e o casamento de conveniecircncia servem apenas como contrapontos agraves
ldquovirtudes burguesasrdquo
Aleacutem da temaacutetica moralizante as peccedilas tecircm de ser simples e ligeiras obedecendo aos
estratagemas e agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita Desse modo a accedilatildeo deve ser unificada a trama
deve desenrolar-se em um soacute lugar e sua duraccedilatildeo natildeo deve exceder vinte quatro horas o assunto
por mais indecoroso que seja nunca deve ser problemaacutetico nem tampouco obscuro a distribuiccedilatildeo
da mateacuteria dramaacutetica deve ser feita segundo um esquema de exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e
desenlace buscando sempre o mais alto grau de identificaccedilatildeo e verossimilhanccedila Em tal peccedila tudo
deve parecer inesperado embora tudo seja previsiacutevel As discussotildees os conflitos e ateacute mesmo o
desfecho da obra devem estar de acordo com o desejo e com a expectativa do puacuteblico Assim o
enredo torna-se o ingrediente mais artificial do drama e o que realmente importa eacute a arte de
produzir complicaccedilotildees e tensatildeo de atar e desatar noacutes de preparar as reviravoltas da intriga e
sobretudo de manter continuamente o suspense atraveacutes de uma sequumlecircncia de quumliproquoacutes efeitos e
golpes de teatro
Durante algum tempo Ibsen tentaraacute escrever segundo os artifiacutecios da peccedila bem-feita Os
seus primeiros dramas no entanto estatildeo mais proacuteximos do nacionalismo romacircntico e de modo
geral tratam de temas da histoacuteria e da mitologia norueguesa Eacute a partir de A comeacutedia do amor
(1862) que o autor passa a demonstrar interesse pelos assuntos de seu tempo A comeacutedia escrita
em versos tem o rigor da construccedilatildeo e da coerecircncia loacutegica exigidas pela convenccedilatildeo e ademais
apresenta o tema dileto da burguesia o amor Svanhild ama o poeta Falk mas entre o verdadeiro
amor e a solidez de uma vida confortavelmente burguesa a personagem escolhe a segunda opccedilatildeo
casando-se por conveniecircncia com o rico comerciante Gustald Essa peccedila escandalizou de tal modo
seus contemporacircneos que teve sua representaccedilatildeo vetada Com exceccedilatildeo do artigo do jornalista
17
norueguecircs Ditmar Mejdell que a considerou um deploraacutevel contra-senso literaacuterio quase nada se
publicou sobre a peccedila Apenas em conversas privadas falava-se dela qualificando-a como
vergonhosa e imoral
As obras seguintes jaacute satildeo de natureza diversa e apontam pouco a pouco o rumo da nova
dramaturgia proposta por Ibsen Na peccedila histoacuterica Os pretendentes agrave coroa (1863) e nos poemas
dramaacuteticos Brand (1866) e Peer Gynt (1867) a regra da unidade de tempo e espaccedilo eacute rompida As
aventuras de Peer por exemplo comeccedilam no iniacutecio do seacuteculo XIX e terminam em 1860
desenrolando-se na Noruega no Marrocos no deserto do Saara etc A personagem-tiacutetulo natildeo tem
vontade proacutepria eacute um homem elusivo cujas atitudes natildeo se prestam agrave criaccedilatildeo de conflitos entre
protagonistas e antagonistas e portanto estaacute longe de ser heroacutei de um drama rigoroso Sua vida eacute
ilustrada atraveacutes de uma sequumlecircncia de episoacutedios que nada tem do caraacuteter dramaacutetico exigido pela
convenccedilatildeo teatral Por esses motivos o criacutetico dinamarquecircs Clemens Petersen declarou que o
drama pecava contra as regras essenciais da poesia Em A liga da juventude (1869) Ibsen
abandona de vez os versos e satiriza a poliacutetica norueguesa A accedilatildeo se passa num ambiente rural e
as personagens satildeo pequenos burgueses agraves voltas com preocupaccedilotildees corriqueiras casamentos
vantajosos mesquinharias e ambiccedilotildees de arrivistas O protagonista eacute o advogado Stensgaard que
em busca de poder poliacutetico usa de todos os expedientes para conquistar um lugar no parlamento
Ele defende os princiacutepios de abnegaccedilatildeo e altruiacutesmo enfrenta Brattsberg o maior industrial da
cidade mas natildeo pensa duas vezes em se unir a ele para desfrutar as regalias de uma vida
burguesa O drama apresenta as caracteriacutesticas baacutesicas da peccedila bem-feita como a accedilatildeo variada e
complicada e o rigoroso encadeamento causal dos acontecimentos mas as reviravoltas da intriga
natildeo servem apenas para surpreender o espectador e sim para mostrar paulatinamente o quatildeo
inescrupuloso e demagogo eacute o protagonista Ateacute entatildeo na Noruega com exceccedilatildeo de A comeacutedia
do amor nenhum outro drama tinha abordado tatildeo escancaradamente os assuntos contemporacircneos
tornando-se assim a primeira representaccedilatildeo de A liga da juventude um verdadeiro alvoroccedilo Os
poliacuteticos do partido liberal norueguecircs sentiram-se caluniados sobretudo Bjoslashrnson poeta e
dramaturgo que se viu retratado na figura de Stensgaard Durante a encenaccedilatildeo houve
manifestaccedilotildees protestos e vaias obrigando o diretor da peccedila a subir ao palco e pedir silecircncio para
que a representaccedilatildeo pudesse continuar
Em 1873 aparece Imperador e Galileu drama histoacuterico que aborda o conflito entre
cristianismo e paganismo Contudo eacute com Os pilares da sociedade escrita quatro anos mais
tarde que Ibsen torna-se conhecido no restante da Europa Nessa peccedila as personagens
abandonam a linguagem empolada e numa prosa coloquial discorrem sobre temas como a
corrupccedilatildeo e a hipocrisia social A histoacuteria do cocircnsul Bernick homem rico e conceituado que
18
arruinou os membros da proacutepria famiacutelia e praticou crimes contra os cidadatildeos ao construir navios
defeituosos para receber o seguro mariacutetimo obteve grande ecircxito fora da Noruega Na Alemanha
a peccedila mereceu cinco montagens em 1878 sendo recebida como a expressatildeo do espiacuterito da eacutepoca
A partir dessa obra Ibsen abdica das figuras e das situaccedilotildees histoacutericas abrindo-se a uma nova
temaacutetica que forccedilosamente tende a dissolver a estrutura rigorosa do drama O desmascaramento
da sociedade passa a ser foco principal do autor e sua criacutetica primeira eacute dirigida agrave quintessecircncia
do mundo burguecircs o lar A sala de visitas da famiacutelia pequeno-burguesa ateacute entatildeo lugar onde os
indiviacuteduos conservavam a aparecircncia de uma vida harmoniosa onde problemas e contradiccedilotildees
podiam ser esquecidos ou suprimidos artificialmente passa a ser o ambiente onde transcorreraacute a
maior parte das accedilotildees de suas peccedilas Esse recinto iacutentimo e privado torna-se o cenaacuterio perfeito para
a caricatura da vida de cidadatildeos comuns e para o debate de temas como a poliacutetica do matrimocircnio
o relacionamento entre pais e filhos a liberdade a igualdade entre os sexos a mentira e a
hipocrisia Tal mudanccedila altera consequumlentemente a estrutura por vezes um tanto mecacircnica de seus
dramas e progressivamente seu teatro vai abrindo brechas na peccedila bem-feita
O primeiro abalo significativo na forma do drama foi produzido por Casa de boneca
(1879) Nessa peccedila Ibsen assinala a contradiccedilatildeo entre a estrutura da famiacutelia patriarcal e a
sociedade burguesa Por um lado ele questiona como um mundo baseado numa economia de
obtenccedilatildeo de lucro na livre iniciativa na igualdade de direitos oportunidades e liberdade pode
apoiar-se na instituiccedilatildeo do matrimocircnio que nega todos esses ideais e por outro denuncia o
cerceamento da liberdade e dos direitos das mulheres Aleacutem disso ele critica o sistema capitalista
ao fazer do dinheiro a mola propulsora de todos os acontecimentos de sua peccedila Ao abrir do pano
Nora define sua felicidade como resultado de uma situaccedilatildeo financeira vantajosa com a recente
nomeaccedilatildeo de Torvald Helmer seu marido para o cargo de diretor de um Banco Logo em
seguida ela censura a amiga Cristina Linde por ter feito um casamento de conveniecircncia para
assegurar uma vida economicamente estaacutevel Por fim cercada de roupas cortinas almofadas e
papeacuteis de parede eacute posta no palco a famiacutelia burguesa Helmer eacute o pai o marido o senhor honesto
e respeitado cuja funccedilatildeo eacute manter a paz o conforto e a harmonia do lar Nora eacute o ldquoanjo da casardquo
a matildee a esposa ignorante e tola cuja uacutenica tarefa cuidar dos filhos e dirigir os criados natildeo exige
qualquer inteligecircncia nem conhecimento Um casal aparentemente perfeito e feliz ateacute Nora
falsificar a assinatura de seu pai e contrair diacutevidas para custear o tratamento de sauacutede do marido
Helmer como muitos moralistas natildeo fica exasperado com o delito da esposa mas sim com a
ameaccedila de perder sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na sociedade No desfecho Nora frustra-se com a
atitude do marido repensa sua situaccedilatildeo de inferioridade e decide abandonar o lar e os filhos para
buscar sua liberdade pessoal
19
A primeira representaccedilatildeo de Casa de boneca ocorreu no Teatro Real em Copenhague
em dezembro de 1879 e no decurso de dois meses foi encenada em todos os principais
teatros da Escandinaacutevia A peccedila despertou tantas polecircmicas e comentaacuterios que logo Ibsen
passou a ser conhecido em todo o mundo Elogiado e aceito como gecircnio por uns e atacado por
outros o dramaturgo passou agrave ordem do dia O abandono do marido e dos filhos por Nora foi
o ponto que mais desconcerto produziu entre artistas criacuteticos e espectadores Na Alemanha a
atriz Hedwig Neimann-Raabe recusou-se a representar o desenlace da peccedila sendo necessaacuterio
o acreacutescimo de mais um ato agrave montagem onde a esposa arrependida volta ao lar com um filho
nos braccedilos Em Viena a inteacuterprete de Nora natildeo conseguiu deixar o palco na uacuteltima cena
Como se lhe faltasse o valor moral para tomar aquela decisatildeo apoiou-se agrave porta ficando ali
estaacutetica hesitante ateacute que o pano descesse lentamente Na Itaacutelia a Nora de Eleonora Duse
perdeu o mais corajoso gesto ao natildeo ir embora por livre iniciativa mas forccedilada pelo marido
No Japatildeo Matsui Sumako foi a primeira mulher a interpretar uma protagonista Sua Nora ao
mesmo tempo que emancipou as mulheres no palco japonecircs foi criticada pelo movimento
feminista Seistosha que considerou egoiacutesta a atitude da personagem alegando que ela natildeo
havia sido agredida fisicamente pelo marido
Aleacutem de Casa de boneca outra importante contribuiccedilatildeo para o renome de Ibsen foram
os trabalhos do criacutetico dinamarquecircs Georg Brandes Nos anos 1870 ele era uma das figuras
mais proeminentes da Escandinaacutevia e o principal filtro das ideacuteias entre os paiacuteses escandinavos
e o resto da Europa Brandes conseguiu popularidade sobretudo em 1871 quando fez uma
seacuterie de conferecircncias puacuteblicas em Copenhague incitando os escritores agrave reflexatildeo sobre os
desafios da literatura europeacuteia no final do seacuteculo XIX Para ele a proacutepria modernidade era o
tema que a ficccedilatildeo tinha de assumir e cabia aos escritores tomar a dianteira nessa empreitada
Nesse periacuteodo Ibsen passa a se corresponder com ele revelando atraveacutes de suas cartas um
profundo engajamento com as ideacuteias do criacutetico dinamarquecircs Pode-se dizer que o contato
entre os dois foi uma das razotildees que fez com que o autor abandonasse o nacionalismo
romacircntico de suas primeiras peccedilas movendo-se em direccedilatildeo aos problemas sociais de seu
tempo Brandes influenciou consideravelmente a recepccedilatildeo do dramaturgo na Inglaterra e na
Franccedila Ele manteve um contato estreito com Edmund Gosse e William Archer tradutores
ingleses do teatro ibseniano e frequumlentemente era evocado nos prefaacutecios das traduccedilotildees
francesas de Moritz Prozor Criacuteticos e escritores em toda a Europa reconheciam Brandes
como a autoridade maacutexima acerca da obra ibseniana Esse status internacional teve um papel
importante quando em 1897 o criacutetico defendeu Ibsen na revista Cosmopolis respondendo
(em francecircs) agraves acusaccedilotildees de que as ideacuteias do dramaturgo eram plagiadas dos autores
20
franceses No ano seguinte Brandes publicou Henrik Ibsen livro composto de trecircs ensaios
escritos em diferentes periacuteodos tornando-se o primeiro a tratar das questotildees cruciais que a
obra de Ibsen impunha agrave sociedade da eacutepoca O ensaio de 1867 traz uma visatildeo conjunta da
personalidade intelectual do dramaturgo na Europa o de 1882 discute a evoluccedilatildeo marcante de
sua carreira com a produccedilatildeo de obras que lhe garantiram uma posiccedilatildeo de destaque dentro e
fora da Escandinaacutevia e o de 1898 escrito em comemoraccedilatildeo ao 70ordm aniversaacuterio do
dramaturgo atualiza a sua obra poeacutetica1
Enquanto Brandes ganhava notoriedade com suas leituras puacuteblicas na deacutecada de 1870
tentativas iniciais de divulgar as ideacuteias ibsenianas na Franccedila e na Inglaterra comeccedilavam a ser
feitas A essa altura o dramaturgo jaacute tinha conseguido alguma reputaccedilatildeo fora da Escandinaacutevia
por causa dos rumores provocados por peccedilas como A comeacutedia do amor e Os pilares da
sociedade Sua obra que assumia cada vez mais o cunho de criacutetica social transformou-se em
siacutembolo das ideacuteias socialistas da luta dos trabalhadores e do movimento feminista O proacuteprio
Ibsen reconhecia que a igualdade de direitos soacute poderia ser conquistada atraveacutes de mudanccedilas
profundas na estrutura da sociedade e o primeiro passo para tal transformaccedilatildeo era segundo
ele a uniatildeo de ldquotodos os desprivilegiadosrdquo em defesa da causa dos trabalhadores e das
mulheres2 Por isso natildeo eacute agrave toa que o pontapeacute inicial para estimular o interesse dos leitores
franceses e ingleses pelo teatro ibseniano tenha sido dado pelas mulheres Na Inglaterra
Catherine Ray foi a responsaacutevel pela traduccedilatildeo integral de Imperador e Galileu em 1876 Ateacute
entatildeo somente parte de A comeacutedia do amor traduzida por Edmund Gosse tinha sido
publicada na Forthightly Review em 1873 Henriette Frances Lord editou Nora em 1882 e
Eleanor Marx-Aveling filha de Karl Marx traduziu Um inimigo do povo que juntamente
com as traduccedilotildees de Os pilares da sociedade e Os espectros de William Archer
compuseram em 1888 a primeira coletacircnea das peccedilas do autor em liacutengua inglesa Na Franccedila
a escritora Leacuteo Quesnel escreveu um dos primeiros artigos sobre Ibsen3 Mme Arvegravede
Barine colaboradora regular da Revue Bleue escreveu entre outras coisas um ensaio sobre
Brand Pauline Ahlberg analisando Os pilares da sociedade na Nouvelle Revue em 1882 foi
1 Cf Georg Brandes ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897 e Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies revision e introduction de William Archer New York Macmillan 1899 2 Cf os discursos do autor reunidos em Henrik Ibsen Ibsen letters and speeches edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964 e The Oxford Ibsen translated and edited by James Walter McFarlane v 6 London Oxford University 1960 p 445-447 ldquoThe transformation of social conditions which is now being undertaken in the rest of Europe is very largely concerned with the future status of the workers and of women That is what I am hoping and waiting for that is what I shall work for all I canrdquo 3 Leacuteo Quesnel publicou dois artigos na Revue Bleue em 31 de maio de 1873 e 25 de julho de 1874 referindo-se a Ibsen como ldquolrsquohomme modernerdquo e Bjoslashrnson como ldquolrsquohomme du Nordrdquo
21
uma das primeiras escritoras a vincular o nome do dramaturgo ao feminismo chegando a
chamaacute-lo de Victor Hugo do Norte1 Em ambos os paiacuteses as correspondecircncias de Ibsen
tambeacutem foram traduzidas primeiro por mulheres em inglecircs por Mary Morison e em francecircs
por Martine Reacutemusat2
Apesar de todas essas iniciativas Ibsen encontrou muita resistecircncia na Europa Na
Inglaterra o grande obstaacuteculo era a censura dramaacutetica que regulamentava e controlava o
conteuacutedo das peccedilas Lord Chamberlain o responsaacutevel pela manutenccedilatildeo do decoro das obras
alterava e eliminava as impropriedades de um drama livrando-o sobretudo de insinuaccedilotildees
sexuais Aleacutem disso as peccedilas de Scribe Sardou Augier e Dumas Filho estavam solidamente
estabelecidas no palco inglecircs proporcionando entretenimento seguro e lucrativo Por isso
atores diretores e dramaturgos relutavam em experimentar novos rumos o que poderia ser
financeiramente arriscado persistindo nas peccedilas bem-feitas Tais fatores talvez ajudem a
explicar a adaptaccedilatildeo de Casa de boneca feita por Henry Arthur Jones e Henry Herman em
1884 A peccedila passou a ser chamada Breaking a butterfly Nora foi substituiacuteda por Flora (ou
lsquoFlossiersquo) uma mulher agitada infantil e histeacuterica casada com Humphrey Goddard (ou
lsquoHumpyrsquo) diretor de um Banco Dr Rank virou Dan Birdseye homem apaixonado por
Agnes irmatilde de Humpy Krogstad o vilatildeo da trama ganhou o nome de Philip Dunkley
Cristina Linde foi excluiacuteda do enredo e duas novas personagens matildee e irmatilde de Flossie foram
inseridas na histoacuteria Em linhas gerais a intriga era a mesma do original no entanto os
autores optaram pelo tradicional happy end No ato final Humpy assume a culpa no lugar de
Flora mas quando ele estaacute prestes a se entregar agrave poliacutecia eacute salvo por Grittle um funcionaacuterio
do Banco que apoacutes ter sido enganado por Dunkley decide se vingar Esta cena a mais fraca e
inconvincente da peccedila termina com Humpy emergindo como heroacutei e Flora agradecida pela
dececircncia do marido permanece no lar para cumprir seu papel de matildee e esposa dedicada
William Archer Edward Aveling Edmund Gosse e Bernard Shaw criacuteticos afinados com as
ideacuteias ibsenianas ficaram indignados com a adaptaccedilatildeo Archer chegou a declarar que era
impossiacutevel a representaccedilatildeo de Ibsen na Inglaterra e Edward Aveling ao comparar Breaking a
butterfly com Casa de boneca acentuou a forccedila do original apontando algumas razotildees para a
1 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 14 2 Henrik Ibsen Letters of Henrik Ibsen translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905 e Lettres de Henrik Ibsen a ses amis traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906
22
distorccedilatildeo feita no texto do dramaturgo como por exemplo o medo da rejeiccedilatildeo do puacuteblico e o
receio de se revelar a verdadeira funccedilatildeo do matrimocircnio dentro da sociedade burguesa1
Depois da encenaccedilatildeo de Breaking a butterfly Ibsen soacute voltou a ser discutido
novamente em janeiro de 1886 atraveacutes da leitura dramaacutetica de Casa de boneca feita por um
grupo de jovens comprometidos com o movimento socialista Eleanor Marx-Aveling (Nora)
Edward Aveling (Helmer) Bernard Shaw (Krogstad) entre outros A leitura da peccedila na
traduccedilatildeo de Henriette Frances Lord aconteceu na casa de Eleanor e Edward Aveling uma vez
que a obra de Ibsen estava categoricamente proibida de ser representada nos teatros
convencionais Ainda assim as questotildees levantadas naquela pequena reuniatildeo como a
desigualdade social a hipocrisia da famiacutelia burguesa e o feminismo obtiveram uma grande
repercussatildeo No mesmo mecircs o casal Aveling publicou um artigo na The Westminster Review
discutindo a partir das peccedilas de Ibsen a emancipaccedilatildeo da mulher e da classe operaacuteria sob a
perspectiva do socialismo2 Iniciava-se desse modo a revoluccedilatildeo ibsenista na Inglaterra
William Archer comeccedilou a traduzir as peccedilas do autor colaborando em 1889 com a
montagem profissional de Casa de boneca que teve Janet Achurch no papel principal
Bernard Shaw publicou em 1891 The quintessence of ibsenism aprofundando o debate em
torno da desmistificaccedilatildeo do heroacutei romacircntico e do gesto teatral grandioso que mascaravam a
realidade transformando a arte em objeto meramente decorativo Nesse livro Shaw celebrou
o teatro de Ibsen como ldquonovo e subversivordquo sobretudo por levar para a cena a discussatildeo dos
problemas morais de seu tempo contrapondo-se assim ao conservadorismo vitoriano em suas
expressotildees sociais poliacuteticas e culturais Ainda em 1891 entre fevereiro e maio outras peccedilas
do dramaturgo estrearam no palco inglecircs mdash Os espectros (1881) Rosmersholm (1886) A
dama do mar (1888) e Hedda Gabler (1890) mdash instigando uma onda de protesto e
indignaccedilatildeo O autor foi considerado por muitos um pervertido sexual um advogado do amor
livre e do sufraacutegio feminino o principal responsaacutevel pela desestruturaccedilatildeo da famiacutelia e do
matrimocircnio e pior ainda um socialista Clement Scott o mais impetuoso dos ldquoIbsen-
phobiacsrdquo publicou vaacuterios artigos em que acusava natildeo somente Ibsen de obsceno e
1 Cf William Archer ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 214 1 abr 1884 e Edward Aveling ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-474 maio 1884 ldquoThe adapters were afraid either of the greatness of the play they had to take in hand or of the English public or of themselves or of all of these They have feared to face the tragic question [of marriage] and to deal with it in Ibsenrsquos tragic way They have shirked the difficulty The authors of this conventional little play have succeeded in the Herculean labour of making Ibsen appear common-place And a feeling of sorrow that is positive pain comes with the reflection that a magnificent dramatic opportunity a chance of teaching our bourgeois audiences something of what life is and therefore what a play should be have (sic) been thoughtlessly rechlessly thrown awayrdquo 2 Eleanor Marx-Aveling Edwald Aveling ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886
23
corruptiacutevel mas tambeacutem seus tradutores e apologistas que ofereciam ao puacuteblico uma arte
degenerada1 Os ataques ao dramaturgo foram tatildeo violentos que Archer resolveu publicar
uma espeacutecie de dicionaacuterio de abusos elencando os termos usados pelos criacuteticos
principalmente na recepccedilatildeo de Os espectros encenada pelo Independent Theatre em 13 de
marccedilo de 18912
De fato Os espectros foi uma das obras de Ibsen que mais controveacutersia suscitou nos
teatros europeus natildeo apenas por sua temaacutetica cientificista mas sobretudo por causa das
mudanccedilas realizadas na estrutura do drama A accedilatildeo essencial da peccedila eacute a reconstituiccedilatildeo do
passado de Helena Alving o matrimocircnio com o licencioso Capitatildeo Alving o amor ao pastor
Manders que a repeliu convencendo-a a permanecer ao lado do marido e a idealizaccedilatildeo
falaciosa da imagem do Capitatildeo frente ao filho e agrave sociedade O resultado desses eventos eacute a
heranccedila bioloacutegica que se manifesta na loucura de Osvaldo viacutetima do passado de libertinagem
do pai Outros acontecimentos da peccedila como o interesse de Osvaldo por Regina sua irmatilde
ilegiacutetima e a tentativa de eutanaacutesia praticada por Helena para interromper o sofrimento do
filho chocaram a plateacuteia burguesa Aleacutem disso para os criacuteticos habituados com o
desenvolvimento crescente da accedilatildeo mdash o esboccedilo da intriga no primeiro ato o alcance de um
ponto mais impetuoso no segundo e a resoluccedilatildeo dos conflitos no terceiro mdash Os espectros era
um despropoacutesito A peccedila natildeo apresentava accedilotildees melodramaacuteticas ao contraacuterio o que se via em
cena era somente a anaacutelise das personagens e de sua situaccedilatildeo Embora observando a unidade
completa de accedilatildeo tempo e lugar Ibsen passou a fazer uso do flashback deslocando as accedilotildees
decisivas de seus dramas para o passado Desse modo as recordaccedilotildees evocadas atraveacutes de um
diaacutelogo dramaacutetico conciso serviam apenas para dar sentido agraves condiccedilotildees das personagens no
tempo presente facultando aos espectadores a visatildeo da totalidade do processo Suas peccedilas na
medida em que apresentavam no palco os problemas da sociedade burguesa natildeo se ajustavam
mais agraves regras da dramaturgia de rigor aristoteacutelico e assim Ibsen se viu forccedilado a
1 Cf Clement Scott [sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891 ldquoAn obscure Scandinavian dramatist and poet a crazy fanatic and determined socialist is to be trumpeted into fame for the sake of the estimable gentlemen who can translate his works and the enterprising tradesmen who publish them The whole thing is most amusing to those who are behind the scenes and the artful aid of the reacuteclame is exercised with an ingenuity worthy of the Gallic race Meetings are held under the open pretence of advocating the study of Ibsen but in reality for the propagation of the gospel of Socialismrdquo 2 Cf William Archer ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891 ldquoIbsenrsquos positively abominable play entitled Ghostshellip This disgusting representationhellip Reprobation due to such as aim at infecting the modern theatre with poison after desperately inoculating themselves and othershellip An open drain lsquoa loathsome sore unbandaged a dirty act done publicly a lazar-house with all its doors and windows openhellip Candid foulnesshellip Kotzebue turned bestial and cynical hellipOffensive cynicismhellip Ibsenrsquos melancholy and malodorous worldhellip Absolutely loathsome and fetidhellip Gross almost putrid indecorumhellip Literary carrionhellip Crapulous stuffhellip Novel and perilous nuisancersquo mdash Daily Telegraph (leading article) lsquoThis mess of vulgarity egotism coarseness and absurdityrsquomdash Daily Telegraph (criticism) []rdquo
24
ldquodesdramatizaacute-lasrdquo para tornar visiacutevel o fluir da realidade cotidiana Eacute assim que ao
transformar o tempo passado em assunto fundamental de sua obra Ibsen deu iniacutecio agrave crise do
drama demonstrando cada vez mais seu interesse pelo gecircnero eacutepico
A repulsa que a publicaccedilatildeo de Os espectros provocou no puacuteblico em 1881 natildeo teve
precedentes na histoacuteria da literatura norueguesa Ibsen foi acusado de niilista lascivo
defensor do amor livre e anticristatildeo Os livreiros recusaram-se em vender o drama sendo
muitos exemplares devolvidos ao editor Para os criacuteticos apenas um ldquoinsanordquo poderia
escrever uma peccedila com tantos disparates o realismo da obra havia se convertido num
naturalismo completamente pagatildeo a psicologia das personagens era pouco clara discutiacutevel e
enervante e portanto somente os historiadores da literatura poderiam quiccedilaacute um dia
interessar-se por ela como um caso singular de desequiliacutebrio mental Os maiores protestos no
entanto foram feitos em nome da igreja nunca um livro que pregava o incesto o amor
extraconjugal e a devassidatildeo sexual poderia adentrar uma casa cristatilde A peccedila foi enviada para
vaacuterios teatros da Escandinaacutevia mas todos rejeitaram-na Assim a primeira representaccedilatildeo de
Os espectros soacute aconteceria um ano mais tarde no Aurora Turner Hall em Chicago em maio
de 1882 para uma plateacuteia de imigrantes escandinavos Aliaacutes foram os Norwegian-Americans
que introduziram Ibsen nos Estados Unidos atraveacutes da divulgaccedilatildeo dos trabalhos do autor no
jornal Skandinaven O perioacutedico que circulou entre 1866 e 1941 era escrito em norueguecircs
mas com a popularidade do dramaturgo na Europa os editores passaram a reproduzir as
criacuteticas inglesas em sua liacutengua original Aleacutem disso foram eles tambeacutem os responsaacuteveis pela
primeira encenaccedilatildeo de Casa de boneca em territoacuterio americano A peccedila na adaptaccedilatildeo inglesa
de William Lawrence foi intitulada The Child Wife sendo representada no Grand Opera
House em Milwaukee Wisconsin em 2 de junho de 1882 Essa montagem diferente de Os
espectros ocorrida um mecircs antes foi recebida com grande entusiasmo pela imprensa que a
anunciou como ldquoAn Emocional Domestic Dramardquo A exemplo do que acontecera na
Inglaterra com Breaking a butterfly a versatildeo americana tambeacutem distorceu o texto original
Helmer marido de Nora compreendeu a falsificaccedilatildeo feita pela esposa agradecendo-a por ter
salvo sua vida reconciliados Nora desistiu de abandonar o lar
Entre 1894 e 1907 as companhias teatrais estrangeiras fizeram vaacuterias excursotildees nos
Estados Unidos trazendo em seus repertoacuterios peccedilas como Os espectros Um inimigo do povo
John Gabriel Borkman Hedda Gabler Solness o construtor e Peer Gynt Assim como
ocorrera na Europa as polecircmicas suscitadas pelas encenaccedilotildees foram inevitaacuteveis e natildeo
demorou muito para que Ibsen aparecesse nos principais perioacutedicos do paiacutes Hjalmar Hjorth
Boyesen um dos admiradores do dramaturgo aleacutem de escrever muitas mateacuterias em jornais e
25
revistas publicou Commentary on the works of Henrik Ibsen em 18941 No entanto Rasmus
Bjoslashrn Anderson foi o primeiro a escrever um artigo em inglecircs sobre a revoluccedilatildeo que o autor
vinha operando no palco europeu2 Curiosamente Anderson passou a adotar outro ponto de
vista no final da deacutecada de 1890 passando de defensor a opositor feroz do teatro de Ibsen Eacute
provaacutevel que o contato entre ele e William Winter o criacutetico teatral mais puritano do Greeleyrsquos
Tribune tenha provocado essa transformaccedilatildeo O fato eacute que Winter e Anderson foram para
Boston Wisconsin e Nova York o que Clement Scott foi para Manchester e Londres
adversaacuterios da ldquoimoralidaderdquo do teatro moderno3 Aleacutem disso a preocupaccedilatildeo maior dos
conservadores era a empatia entre as ideacuteias ibsenianas e os movimentos operaacuterio e anarquista
Para Emma Goldman feminista anarquista e liacuteder da causa dos trabalhadores o drama
moderno era uma espeacutecie de disseminador do pensamento radical sobretudo na Ameacuterica
onde o teatro meramente comercial servia apenas para provocar francas gargalhadas no
puacuteblico eliminando da cena qualquer alusatildeo aos temas sociais4 Durante o periacuteodo em que
viveu nos Estados Unidos de 1886 ateacute 1919 quando entatildeo foi expulsa do paiacutes em razatildeo de
sua intensa atividade poliacutetica Goldman escreveu panfletos publicou livros e fundou a revista
Mother Earth (1906-1917) que teve entre seus colaboradores Georg Brandes Maxim Gorki
Alexander Berkman e Eugene OrsquoNeill O perioacutedico trazia assuntos diversos desde temas
urgentes da eacutepoca como as prisotildees arbitraacuterias dos trabalhadores e o direito das mulheres ao
controle de natalidade ateacute poesia ficccedilatildeo e criacutetica teatral Em relaccedilatildeo a Ibsen a autora
distinguia Os pilares da sociedade Casa de boneca Os espectros e Um inimigo do povo
como verdadeiras obras libertaacuterias uma vez que expunham no palco a opressatildeo social a
hipocrisia dos puritanos e a exclusatildeo das mulheres na sociedade Desse modo Goldman
tornou-se a primeira a alertar que embora o autor de Hedda Gabler reivindicasse em suas
peccedilas o fim da sociedade patriarcal burguesa o ponto de discussatildeo central de sua dramaturgia
1 Cf Hjalmar Hjorth Boyesen Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894 2 Rasmus Bjoslashrn Anderson ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American 15 abr 1882 3 O tom da mudanccedila de atitude de Anderson em relaccedilatildeo a Ibsen pode ser avaliado no seguinte trecho de sua autobiografia Life story Madison Wisconsin 1915 p 487 ldquoI have no sympathy with [Ibsenrsquos] so-called social dramas beginning with A Dollrsquos House and [ending with] When We Dead Awaken Aside from the improprieties and offense against good morals that are found in them they seem to me mere twaddle and all the symbolism which they are said to contain I regard as a mere opinion of his readers and admiring criticsrdquo 4 Emma Goldman The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914 ldquoPerhaps those who learn the great truths of the social travail in the school of life do not need the message of the drama But there is another class whose number is legion for whom that message is indispensable In countries where political oppression affects all classes the best intellectual element have made common cause with the people have become their teachers comrades and spokesmen But in America political pressure has so far affected only the ldquocommonrdquo people It is they who are thrown into prison they who are persecuted and mobbed tarred and deported Therefore another medium is needed to arouse the intellectuals of this country to make them realize their relation to the people to the social unrest permeating the atmosphererdquo
26
era a luta de classes natildeo de gecircnero1 Apesar das circunstacircncias desfavoraacuteveis as obras de
Ibsen foram assimiladas por alguns autores que desejavam criar um novo teatro No final do
seacuteculo XIX Bronson Howard abordou o embate entre capital e trabalho com Baron Rudolph
de 1881 no iniacutecio do XX Edward Sheldon foi o primeiro a tratar da questatildeo racial em 1910 com The
Nigger OrsquoNeill escreveu em 1939 The iceman cometh peccedila cujo enredo eacute semelhante ao de O pato
selvagem e Arthur Miller aleacutem de compor All my sons em 1947 transpondo a teacutecnica analiacutetica de
Ibsen para a atualidade americana produziu a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo na deacutecada de 19502
Na Franccedila berccedilo da forma hegemocircnica do drama a resistecircncia agraves peccedilas ibsenianas foi
muito mais severa do que em qualquer outro paiacutes europeu Desde o final dos anos 1840 o
palco francecircs era totalmente dominado pelas comeacutedias realistas de Augier Dumas Filho e
Sardou que aliavam as descriccedilotildees dos costumes burgueses agrave exaltaccedilatildeo moralizante de seus
valores eacuteticos como o trabalho o matrimocircnio e a famiacutelia Somente a partir de 1887 com a
fundaccedilatildeo do Theacuteacirctre Libre por Andreacute Antoine comeccedilaram as campanhas para a revitalizaccedilatildeo
da cena francesa Antoine inspirado nas ideacuteias naturalistas de Zola preconizava um teatro
baseado na verdade na observaccedilatildeo e no estudo da natureza Suas produccedilotildees aleacutem do caraacuteter
popular e social destacavam-se pelos cenaacuterios realistas e pela interpretaccedilatildeo mais natural dos
atores sem os tradicionais gestos exagerados e as elocuccedilotildees empoladas Com isso o Theacuteacirctre
Libre logo tornou-se o refuacutegio de autores como Ibsen Hauptmann e Strindberg rejeitados
pelos teatros convencionais Os espectros e O pato selvagem foram as primeiras peccedilas do
dramaturgo a serem apresentadas agrave plateacuteia parisiense respectivamente em 1890 e 1891
provocando a fuacuteria de criacuteticos conservadores como Francisque Sarcey Com receio de que o
teatro ibseniano destruiacutesse a tradiccedilatildeo dramaacutetica da Franccedila Sarcey levantou-se sem demora
contra a ldquoinvasatildeo do baacuterbaro do Norterdquo A pedra de toque de sua criacutetica era o gosto do
puacuteblico por conseguinte uma peccedila era considerada boa ou ruim conforme o grau de
receptividade dos espectadores Os autores deviam necessariamente escrever dramas que
pudessem ser entendidos pela plateacuteia por isso os recursos da peccedila bem-feita eram
indispensaacuteveis A clareza a estrutura loacutegica e o propoacutesito moral do drama eram as qualidades
que Sarcey reivindicava como o cerne da experiecircncia teatral Nesse sentido aleacutem da
incompreensatildeo e da inconsistecircncia dos temas a principal queixa de Sarcey contra as peccedilas
ibsenianas era relacionada agrave estrutura dramaacutetica que apresentava cenas incoerentes e
1 Cf Emma Goldman ldquoThe drama a powerful dissemination of radical thoughtrdquo Anarchism and others essays New York Dover 1969 p 241-271 2 Cf sobre Ibsen e OrsquoNeill Sverre Arestad ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948 e Rolf Fjelde ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988
27
desarticuladas Para o criacutetico Ibsen feria a regra mais importante do drama ao deixar o
puacuteblico sem o conhecimento baacutesico dos fatos e das histoacuterias de cada personagem O arranjo
cuidadoso da antecipaccedilatildeo de um evento e a efetivaccedilatildeo da scegravene agrave faire (cena obrigatoacuteria) era o
que Sarcey e a plateacuteia que ele representava esperavam de um espetaacuteculo teatral1
Ibsen configurava-se tatildeo obscuro aos olhos do puacuteblico francecircs que se tornou comum a
realizaccedilatildeo de uma conferecircncia preacutevia sobre o enredo e o contexto de qualquer uma de suas
obras que por laacute fosse encenada Assim minutos antes da estreacuteia de Hedda Gabler no
Theacuteacirctre du Vaudeville em 1891 Jules Lemacircitre tentou explicar o caraacuteter ldquonebulosordquo da
personagem-tiacutetulo atraveacutes de uma comparaccedilatildeo entre as mulheres escandinavas e as francesas
Para ele o desprezo que Hedda nutria por Tesman seu marido as suas ambiccedilotildees
desmesuradas que levaram agrave ruiacutena seu ex-amante Loevborg e a sua morte na uacuteltima cena da
peccedila mdash quando ela daacute fim agrave proacutepria vida e agrave do filho que estava esperando mdash provinham de
sua origem luterana Hedda sendo protestante estava fadada a se dedicar inteiramente a uma
vida de pureza espiritual ldquotoute acircmerdquo eximindo-se de qualquer prazer material e da ldquojoie de
vivrerdquo alardeada pelo catolicismo Segundo Lemaicirctre isso explicava o fastio da personagem
pela vida sua natildeo vocaccedilatildeo para a maternidade e sua falta de solidariedade com o proacuteximo
Nessa esteira ele argumentava ainda que a premissa baacutesica do luteranismo a reivindicaccedilatildeo da
autonomia moral tatildeo bem incorporada nos caracteres de Nora e Helena Alving havia sido
grotescamente distorcida resultando daiacute a figura neuroacutetica de Hedda Depois de todo esse
disparate o criacutetico concluiu sua exposiccedilatildeo aproximando Hedda Gabler de Emma Bovary
ambas monstruosamente orgulhosas esnobes ciacutenicas e crueacuteis2 Se por um lado alguns
criacuteticos indignaram-se com essa leitura como Camille Mauclair e Henri Becque que
acusaram Lemaicirctre de julgar a obra de Ibsen sob um ponto de vista hostil e malevolente
dificultando ainda mais a compreensatildeo do puacuteblico por outro houve quem concordasse com
ele como Camille Bellaigue criacutetico da Revue des Deux Monde que viu Hedda como ldquoune
toqueacutee une deacutepraveacuteerdquo uma criatura bizarra e uma meretriz da pior espeacutecie3
1 Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 371 ldquoIbsen jette sur la scegravene des personnages qui parlent de leurs affaires comme si nous eacutetions au courant Ce nest que peu agrave peu au cours de leurs conversations que nous finissons par reconstituer le point initial dougrave toute laction est partie Ce systegraveme mest insupportable Je suis Latin en cela ou plutocirct je suis Franccedilais Jai besoin quon me dise Voilagrave ce qui sest passeacute voici ougrave nous en sommes eacutecoutez ce qui va suivrerdquo 2 Cf Jules Lemaicirctre Impressions de theacuteacirctre v 6 Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897 p 50-62 Sobre a analogia entre Hedda Gabler e Emma Bovary cf Elsie M Wiedner ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989 p 32-33 3 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 128
28
Em 1892 o Cercle des Escholiers dirigido por Georges Bourdon representou A dama
do mar Entretanto foi no ano seguinte que Ibsen tornou-se definitivamente o adversaacuterio
nuacutemero um dos criacuteticos conservadores franceses com a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo
dirigida por Lugneacute-Poe e Camille Mauclair no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Esta montagem foi
polecircmica natildeo somente pelas inovaccedilotildees que os simbolistas trouxeram para a cena mdash como o
uso da iluminaccedilatildeo das cores do movimento e do arranjo cecircnico servindo antes agrave evocaccedilatildeo
do que agrave verossimilhanccedila mdash mas sobretudo porque a peccedila foi apresentada em termos
explicitamente anarquistas Como de praxe a estreacuteia do espetaacuteculo foi precedida de uma
conferecircncia dessa vez a cargo de Laurent Tailhade poeta libertaacuterio que enfatizou o aspecto
de criacutetica social do drama insistindo na importacircncia da ldquorevoltardquo contra ldquole pegravere le patron et
la patrierdquo Desse modo as desventuras do Dr Stockmann mdash protagonista da peccedila que acaba
sendo abandonado por todos e considerado um inimigo do povo ao entrar em choque com os
interesses dos poderosos de sua cidade mdash foram vistas como uma alegoria da luta do
indiviacuteduo contra as autoridades corruptas e contra a ilegitimidade do estado de poder Mas
natildeo foi apenas a leitura de Taillade que politizou o evento alguns simpatizantes do
movimento anarquista participaram da montagem como figurantes da cena em que uma
multidatildeo se reuacutene para discutir a contaminaccedilatildeo da estacircncia balneaacuteria da cidade pelos esgotos
das induacutestrias da regiatildeo Na sala do espetaacuteculo vaias e aplausos se misturaram possibilitando
desse modo que o puacuteblico participasse ativamente da encenaccedilatildeo O tumulto iniciado no
teatro ganhou as ruas resultando em alguns casos em prisatildeo perseguiccedilatildeo e ateacute mesmo
deportaccedilatildeo Por ordem da justiccedila a proacutexima peccedila do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Les acircmes solitaires
de Hauptmann foi cancelada e durante algum tempo o teatro permaneceu sob vigilacircncia
policial Por sua vez Um inimigo do povo foi execrada pela criacutetica e Ibsen passou cada vez
mais a ser visto como ldquoum anarquista da arterdquo que exercia um verdadeiro terror no puacuteblico1
Poucos meses depois do impacto causado por Um inimigo do povo o Theacuteacirctre de
lrsquoOeuvre apresentou ao puacuteblico Rosmersholm peccedila que conta a histoacuteria de Rosmer e Rebecca
West Ele um homem de caraacuteter refinado e distinto mdash viuacutevo da melancoacutelica Beata que
acabou por se suicidar atirando-se na correnteza de um rio mdash foi abandonado por todos os
amigos quando decidiu renunciar a seu cargo de pastor da comunidade assumindo ideacuteias
liberais Rebecca uma mulher livre de quaisquer autoritarismos e ortodoxias amiga e
1 Cf ldquoLes auteurs nordiques et les anarchistes un malentendu feacutecondrdquo In Caroline Granier Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes-Saint-Denis Paris e Erin Williams Hyman ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005
29
confidente de Rosmer influenciou consideravelmente nas suas decisotildees No decorrer da peccedila
Rebecca confessa que manipulou Beata induzindo-a ao suiciacutedio Apesar disso Rosmer a
perdoa pedindo-a em casamento Mas ela natildeo aceita argumentando que natildeo pode se libertar
dos erros cometidos no passado No fim da peccedila sem perspectivas negando-se a ter uma vida
de estagnaccedilatildeo e modorra ambos se matam jogando-se na mesma correnteza em que Beata
morrera Com essa montagem mais do que com Um inimigo do povo que ainda apresentava
evidentes conotaccedilotildees poliacuteticas Ibsen foi definitivamente incorporado ao movimento
simbolista do teatro francecircs No programa do espetaacuteculo talvez para estimular a criacutetica e o
puacuteblico a assistir a encenaccedilatildeo Victor Charbonnel declarou que Rosmersholm era ldquoune piegravece
moins embarrasseacutee et confuserdquo do que outras de Ibsen sendo quase uma ldquopiegravece bien faiterdquo
Ao mesmo tempo ele realccedilou a psicologia o idealismo a poesia e a paixatildeo das personagens
como os elementos relevantes da peccedila deixando claro que natildeo se veria no palco qualquer
mensagem poliacutetica ou ideoloacutegica mas tatildeo somente um drama evocativo propiacutecio mais agrave
meditaccedilatildeo do que agrave predicaccedilatildeo1
A despeito dessas consideraccedilotildees a peccedila foi tatildeo incompreendida quanto Os espectros
Hedda Gabler e A dama do mar Primeiro porque Rosmersholm fornecia o mais
impressionante exemplo da teacutecnica analiacutetica de Ibsen mdash a accedilatildeo principal da peccedila natildeo era
senatildeo a anaacutelise das razotildees que levaram agrave morte Beata Rosmer e Rebecca mdash gerando por
esse motivo a acusaccedilatildeo de criacuteticos favoraacuteveis agrave formula da peccedila bem-feita de que o drama era
artificial inconsistente ininteligiacutevel e absurdo Segundo porque a montagem enfatizando o
estado de espiacuterito sombrio o tom sepulcral e sobretudo a preocupaccedilatildeo com a morte assunto
tatildeo caro aos simbolistas levou a criacutetica a julgar a obra como estaacutetica e monoacutetona desprovida
de qualquer cunho dramaacutetico seja a tensatildeo o suspense a crise ou o conflito E terceiro
porque Rebecca vista pela oacutetica da imagem do eacuteternel feacuteminin mdash um tipo de mulher eteacuterea
altamente idealizada miacutestica quase um ente sobrenatural e diaboacutelico mdash levou alguns criacuteticos
a considerar natildeo soacute ela mas todas as personagens femininas de Ibsen como criaturas
maleacutevolas imorais e delinquumlentes capazes de desestruturar lares destruir os outros e a si
proacuteprias Para os adeptos do simbolismo como Henry James Edmund Gosse Paul Bourget
entre outros as personagens ibsenianas nada mais representavam que um eacutetat drsquoacircme ou souls-
crisis constituindo a obra de Ibsen desse modo de uma verdadeira ldquoSoulrsquos tragedyrdquo Seja
como for natildeo demorou muito para que as personagens femininas de Ibsen fossem tomadas
1 Cf ldquoRosmersholm toward new realms of artrdquo In Kirsten Shepherd-Barr Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997
30
pelos psiquiatras meacutedicos e criminalistas da eacutepoca como verdadeiros casos patoloacutegicos de
desequiliacutebrio mental sendo tratadas como histeacutericas neuroacuteticas e degeneradas1
Em 1894 o Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre levou agrave cena Solness o construtor (1892) A peccedila
escrita de acordo com a teacutecnica analiacutetica inicia-se quando Halvard Solness estaacute no fim da
vida A essa altura ele jaacute eacute o ceacutelebre construtor que se fez explorando muita gente sobretudo
dois de seus empregados Knut e Ragnar Brovik pai e filho Quando Solness descobre que
Ragnar quer montar o seu proacuteprio negoacutecio natildeo economiza meios para o impedir chegando a
incentivar Kaia Fosli noiva de Ragnar mas apaixonada por Solness a se casar com o rapaz
para manter ambos em seu escritoacuterio Em meio a esses eventos o construtor recebe a visita
inesperada de Hilda Wangel uma jovem que conhecera dez anos antes quando esteve em sua
cidade natal para construir a torre da igreja No decorrer da accedilatildeo atraveacutes do diaacutelogo entre
Solness e Hilda ficamos sabendo que a fortuna do construtor proveio de um incecircndio que
destruiu a casa herdada dos pais de sua mulher Aline que ele sabia da existecircncia de uma
fenda na chamineacute mas natildeo providenciou o conserto que em consequumlecircncia do ldquoincidenterdquo
Aline teve uma febre de leite que levou agrave morte o seu casal de gecircmeos e finalmente que ele
arruinou Knut Brovik o homem que lhe ensinara o ofiacutecio No final da peccedila Solness que
acabara de construir uma casa nova para sua famiacutelia eacute instigado por Hilda a subir ateacute o topo
da torre para depositar uma coroa de flores mdash costume norueguecircs para se comemorar a
inauguraccedilatildeo de uma obra O construtor malgrado a vertigem das alturas aceita o desafio e
acaba morrendo ao se desequilibrar e cair do alto da torre
A partir dessa peccedila alguns simbolistas como por exemplo Maeterlinck passaram a
associar a teacutecnica dramatuacutergica de Ibsen ao hipnotismo sugerindo que seus dramas
transportavam os espectadores para um mundo de sonho e alucinaccedilatildeo Tal qual um devaneio
Solness era composta de um conjunto de imagens de pensamentos ou de fantasias de ldquovaacuterias
camadas de siacutembolos superpostasrdquo que poderiam desdobrar-se e aparecer aos olhos do
puacuteblico sob muacuteltiplas formas Assim Ibsen foi saudado como autor de um novo tipo de drama
mdash um drama de reflexatildeo interna que expressava no palco apenas a vida interior das
personagens mdash transformando o teatro desse modo em um templo de compleiccedilatildeo miacutestica2
Nessa esteira Prozor no prefaacutecio de sua traduccedilatildeo de Solness forneceu uma explicaccedilatildeo
detalhada dos siacutembolos contidos na peccedila que segundo ele era completamente alegoacuterica
facilmente compreensiacutevel e ldquoassez transparentsrdquo as personagens natildeo eram senatildeo
1 Cf sobre essa questatildeo as anaacutelises equivocadas feitas pelo criminalista italiano Cesare Lombroso LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 e pelo meacutedico Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf Maurice Maeterlinck ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894
31
dramatizaccedilotildees do proacuteprio Ibsen Solness era o dramaturgo Hilda era a juventude e a
imaginaccedilatildeo Aline o passado Knut Brovik a rotina Ragnar o utilitarismo moderno as
igrejas que Solness construiacutera eram os dramas filosoacuteficos de Ibsen como Brand e as casas
eram peccedilas modernas como Os espectros1 Essa leitura influenciou muitos criacuteticos sendo
reproduzida em vaacuterios outros artigos e livros como por exemplo Acircmes modernes de Henry
Bordeaux e Les reacutevolteacutes scandinaves de Maurice Bigeon2 Henry James tambeacutem partilhou
das mesmas ideacuteias de Prozor chamando Solness de um ldquoIbsen within an Ibsenrdquo3 A criacutetica
contraacuteria a Ibsen recebeu a peccedila sem nenhum entusiasmo vendo-a como obra de um
desequilibrado Clement Scott chegou a comparaacute-la a um manicocircmio ldquoa play written
rehearsed and acted by lunaticsrdquo4 E Sarcey contestou-a pela falta de clareza acusando o
dramaturgo de ter um discurso verborraacutegico e esquisito que transformou Solness em pura e
simples banalidade ldquoil est tout agrave la fois obscur et pueacuterilrdquo ldquocrsquoest du pur galimatiasrdquo ldquocrsquoest le
plus simple et le plus naiumlf des truismesrdquo5
Enquanto Ibsen escrevia suas uacuteltimas peccedilas mdash O pequeno Eyolf (1894) John Gabriel
Borkman (1896) e Quando noacutes os mortos despertarmos (1899) mdash e o movimento simbolista
propagava suas ideacuteias sobre a soul-crisis Sigmund Freud avanccedilava do estudo da histeria para
o do inconsciente utilizando-se muitas vezes de obras-de-arte para ilustrar suas teorias No
acircmbito do teatro satildeo famosas suas investigaccedilotildees sobre o chiste que se referem indiretamente
agrave comeacutedia bem como seu exame de cenas e personagens dramaacuteticas para elucidar certas
condiccedilotildees psiconeuroacuteticas Aleacutem da ceacutelebre anaacutelise de Eacutedipo Freud fez um estudo de
Rebecca West personagem de Rosmersholm no artigo ldquoArruinados pelo ecircxitordquo publicado em
1916 Partindo da teoria do complexo de Eacutedipo Freud identifica no comportamento e
sobretudo nas palavras de Rebecca motivos ldquosubterracircneosrdquo e mecanismos inconscientes que
revelam um sentimento de culpa em relaccedilatildeo ao seu passado incestuoso ter sido amante do
proacuteprio pai sem o saber Essa situaccedilatildeo natildeo estaacute claramente explicitada no texto de Ibsen mas
segundo Freud haacute ldquoindiacutecios e fragmentosrdquo inseridos com tal arte nas entrelinhas da trama que
validam essa interpretaccedilatildeo e ao mesmo tempo ajudam a compreender o obstaacuteculo agrave uniatildeo de
1 Cf prefaacutecio de Solness le constructeur de Moritz Prozor em Henrik Ibsen Solness le constructeur Paris Savine 1893 Esse mesmo texto foi publicado na ediccedilatildeo brasileira de seis peccedilas de Ibsen Conde Prozor ldquoComentaacuterios sobre Solness o construtorrdquo Seis dramas Porto Alegre Globo 1944 p 479-488 2 Cf Henry Bordeaux La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894 e Maurice Bigeon Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894 3 Cf Henry James ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893 4 Cf Clement Scott [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893 5 Cf Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 356
32
Rebecca e Rosmer1 Esse tipo de anaacutelise que na maioria das vezes diz muito mais sobre a
psicanaacutelise do que sobre o trabalho eou os propoacutesitos do autor tornou-se a partir daiacute uma das
estrateacutegicas criacuteticas cada vez mais usadas para se analisar as obras ficcionais No caso da
criacutetica das peccedilas de Ibsen sobretudo depois de Solness agrave abordagem autobiograacutefica que jaacute
vinha sendo feita desde o final do seacuteculo XIX acrescentou-se a psicanaliacutetica a ponto de alguns
considerarem o dramaturgo como um ldquoFreud do teatrordquo Desse modo ora a obra de Ibsen
serve de material para diagnosticar seu psiquismo como por exemplo identificaacute-lo com o
escultor Rubek personagem de sua uacuteltima peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos
concluindo que ambos estatildeo presos agrave culpa de renunciar a proacutepria vida por um ideal de arte
ora suas personagens satildeo reduzidas sempre ao mesmo complexo de Eacutedipo deixando de lado
os problemas gerais mdash social moral e metafiacutesico mdash a favor de casos particulares e
patoloacutegicos negando assim a universalidade da obra ibseniana2
No iniacutecio do seacuteculo XX as peccedilas de Ibsen malgrado os escacircndalos as polecircmicas e a
oposiccedilatildeo cerrada de criacuteticos conservadores acabaram sendo incorporadas ao teatro claacutessico
Embora nem sempre gozando da popularidade que tivera no final do seacuteculo XIX Ibsen
continuou a ser discutido pelos teoacutericos de vanguarda sobretudo pelos simpatizantes da
esteacutetica simbolista que tentavam achar uma saiacuteda para a conflito entre a visatildeo abstrata do
drama e sua representaccedilatildeo fiacutesica Em 1906 ano da morte do dramaturgo Max Reinhardt
juntamente com Edvard Munch responsaacutevel pelo design da produccedilatildeo encenou Os espectros
no Kammerspiele Theatre em Berlim Vsevolod Meyerhold trabalhando entatildeo na companhia
da atriz Vera Komissarzhevskaya dirigiu Hedda Gabler em Satildeo Petersburgo e Edward
Gordon Craig criou o cenaacuterio para a representaccedilatildeo de Rosmersholm de Eleonora Duse no
Teatro della Pergola em Florenccedila Essas trecircs montagens embora muito distintas entre si
compartilharam da ruptura com os padrotildees realistas de encenaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo levando
para o palco a teatralidade a estilizaccedilatildeo e a sugestatildeo Craig no desenho das cenas de
Rosmersholm abusou das variaccedilotildees de luz e cor buscando estabelecer uma relaccedilatildeo
inequiacutevoca entre as personagens e os objetos que a cercavam Segundo registros de Guido
Noccioli um dos atores que participou dessa montagem o cenaacuterio e a mobiacutelia eram verdes
contrastando apenas com uma porta azul que vez ou outra atingia um tom celeste por causa
1 Cf ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In Sigmund Freud Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356 2 Cf por exemplo Derek Russell Davis ldquoA reappraisal of Ibsenrsquos Ghostsrdquo In James Walter Mcfarlane Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970 p 369-383 e Anne Hage ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005
33
dos dez refletores utilizados em cena1 A nova arquitetura do espaccedilo cecircnico foi o que mais
chamou a atenccedilatildeo de alguns criacuteticos italianos como Enrico Corradini que em um de seus
muitos artigos publicados na imprensa considerou-a perfeita para acolher a psicologia
profunda de Rosmer e Rebecca West2
Meyerhold antes da encenaccedilatildeo de Hedda Gabler escreveu o ensaio ldquoO teatro
naturalista e o teatro de humorrdquo onde desaprovava a esteacutetica naturalista pelo cuidado
excessivo da reproduccedilatildeo exata da natureza negando ao espectador a capacidade de sonhar e
imaginar No caso das peccedilas de Ibsen o diretor russo acusava os encenadores naturalistas de
transformaacute-las em tediosas monoacutetonas e doutrinaacuterias uma vez que se preocupavam apenas
com o desenho preciso de ldquotiposrdquo do universo norueguecircs e com a anaacutelise minuciosa dos
diaacutelogos das personagens Na acircnsia de tornar a dramaturgia ibseniana suficientemente
compreensiacutevel ao puacuteblico os naturalistas buscavam tornar vivos os diaacutelogos ldquoenfadonhosrdquo e
complicados do autor atraveacutes do trabalho analiacutetico das cenas de transiccedilatildeo ldquoas personagens
comem limpam a sala fazem as malas embrulham sanduiacuteches etcrdquo3 Com isso eles
colocavam em primeiro plano muitas cenas secundaacuterias sufocando o misteacuterio e as meias-
palavras que segundo Meyerhold eram as essecircncias da obra de Ibsen Em sua produccedilatildeo de
Hedda Gabler o diretor russo procurou efetivar no palco as ideacuteias contidas em seu ensaio de
modo a forccedilar o puacuteblico a ter uma visatildeo mais profunda da realidade e tentar decifrar o enigma
por traacutes dos discursos das personagens Para tanto qualquer alusatildeo a tempo ou espaccedilo foi
suprimida um esquema simboacutelico de valores e formas cromaacuteticas foi utilizado para
caracterizar a imagem e os traccedilos psicoloacutegicos de cada personagem Tesman vestia-se de
cinza Loevborg de marrom Brack de cinza escuro Thea de rosa e Hedda de verde o
cenaacuterio de Nicolai Sapunov tinha uma espeacutecie de trono coberto com um pano branco
contrapondo-se a um fundo azul onde Hedda se sentava e em torno do qual se desenvolveram
a maioria das cenas aleacutem disso o palco era em ldquobaixo relevordquo cujo efeito bi-dimensional
opunha-se agrave ldquocaixa asfixianterdquo e agrave profundidade do palco naturalista deixando o ator perto do
espectador4 Poucos meses depois dessa produccedilatildeo Meyerhold encenou Casa de boneca e agrave
medida que Nora aproximava-se da decisatildeo de deixar os filhos e o marido o diretor russo foi
1 Cf Guido Noccioli Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Traduccedilatildeo de Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982 2 Edward Gordon Craig Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971 ldquoil palcoscenico appariva trasformato veramente trasfigurato altissimo con una architettura nuova senza piugrave quinte di un solo colore fra il verde e il cilestrino semplice misterioso e affascinante degno insomma di accogliere la vita profonda di Rosmer e di Rebecca West La scena egrave la rappresentazione di uno stato danimordquo 3 Cf Vsevolod Meyerhold ldquoThe naturalistic theatre and the theatre of moodrdquo Meyerhold on theatre translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969 p 23-34 4 Vsevolod Meyerhold Meyerhold on theatre p 65-66
34
derrubando os cenaacuterios que compunham a casa da personagem evidenciando cenicamente a
queda dos valores da sociedade liberal burguesa
As vanguardas do novo seacuteculo salvo ralas manifestaccedilotildees oriundas de tendecircncias
marxista e socialista natildeo eram atraiacutedas pela poliacutetica A preocupaccedilatildeo dos simbolistas com um
teatro de encantamento e ecircxtase a exaltaccedilatildeo do estado de espiacuterito e do vitalismo dos
expressionistas o fasciacutenio dos futuristas pela maquinaria moderna a atenccedilatildeo dos surrealistas
para com os misteacuterios da vida interior levou muitas vezes a um puro subjetivismo beirando o
solipsismo Somente depois da Primeira Guerra e da Revoluccedilatildeo de Outubro teoacutericos criacuteticos
e dramaturgos voltariam a se interessar pelo desenvolvimento de um drama que respondesse
agraves inquietaccedilotildees do homem comum e aos problemas da sociedade moderna Em 1908 no
ensaio ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo o criacutetico russo Georgy Plekhanov jaacute reclamava
de autores que adotando pontos de vista burgueses produziam obras refrataacuterias agraves questotildees
sociais e poliacuteticas de seu tempo Em contrapartida o criacutetico cita o exemplo de Ibsen que
embora natildeo fosse capaz de dar nenhuma soluccedilatildeo poliacutetica aos problemas sociais de sua eacutepoca
foi como nenhum outro escritor moderno um liacuteder na luta contra os desmandos e as
hipocrisias da pequena burguesia oitocentista Sua revoluccedilatildeo apesar de puramente negativa
voltada para a libertaccedilatildeo individual levou-o muitas vezes ao simbolismo mas ainda assim
ofereceu agraves classes desprivilegiadas o entusiasmo pelo desejo de mudanccedila social seja
criticando a sociedade capitalista a instituiccedilatildeo do casamento ou a desigualdade de direitos
entre homens e mulheres Nessa esteira Plekhanov criticava os artistas que presos apenas aos
aspectos puramente simboacutelicos dos dramas ibsenianos priorizavam somente a visatildeo abstrata
do aperfeiccediloamento humano preterindo desse modo as ameaccedilas da revoluccedilatildeo social1
O huacutengaro Georg Lukaacutecs tambeacutem foi um criacutetico severo do idealismo abstrato na arte
Seu interesse pelo drama teve iniacutecio em 1904 quando ajudou a fundar o grupo Thalia de
teatro Concebido nos moldes do Freie Buumlhne de Berlim e do Theacuteacirctre Libre de Paris o Thalia
deu renovado alento agrave vida cultural de Budapeste encenando para a classe operaacuteria peccedilas de
Hebbel Strindberg Wedekind e Ibsen de quem aliaacutes Lukaacutecs traduziu O pato selvagem Sob o
influxo dessa organizaccedilatildeo teatral o jovem criacutetico escreveu em 1906 o seu primeiro livro
Histoacuteria do desenvolvimento do drama moderno publicado somente em 1911 Neste livro
que tem um capiacutetulo dedicado a Ibsen jaacute se encontra o fundamento da teoria do drama de
Lukaacutecs para quem as obras teatrais deveriam descrever acurada e abrangentemente a situaccedilatildeo
1 Georgy Plekhanov ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In Angel Flores Henrik Ibsen New York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007
35
soacutecio-histoacuterica de uma dada eacutepoca Por conseguinte as personagens deveriam apresentar-se
como ldquotiposrdquo emblemaacuteticos da sociedade a fim de apreenderem a totalidade do processo
social manifestando assim as tensotildees da cultura burguesa Esse sistema onde acreditava-se
que a arte podia harmonizar contradiccedilotildees para exprimir os traccedilos essenciais de natureza
moral psicoloacutegica e social da sociedade capitalista natildeo implicava nenhuma modificaccedilatildeo
profunda nos conceitos acerca da proacutepria estrutura dramaacutetica Desse modo qualquer mudanccedila
na forma convencional do drama era vista por Lukaacutecs como um trampolim para o
esvaziamento do conteuacutedo literaacuterio transformando a arte em um campo de experiecircncias
meramente formais Preso agrave concepccedilatildeo de drama como sinocircnimo de conflito Lukaacutecs vecirc as
personagens ibsenianas a partir de O pato selvagem como ldquodesagradaacuteveis figuras cocircmicasrdquo
Isso porque o ponto de vista dos heroacuteis de Ibsen segundo o criacutetico estaacute muito acima dos
outros personagens que lhes fazem frente impedindo desse modo que se produza a verdadeira
ldquoluta traacutegica e dramaacuteticardquo entre eles Assim o conflito desenrola-se no vazio e o antagonismo
entre as personagens torna-se grotesco atingindo o cocircmico e por vezes o ridiacuteculo A
ldquosublimidade traacutegicardquo dos heroacuteis ibsenianos torna-se artificial podendo ser mantida apenas
atraveacutes da criaccedilatildeo de uma atmosfera simbolista Mas para Lukaacutecs essa mudanccedila de Ibsen mdash
de um realismo ainda que impregnado de elementos naturalistas para a vacuidade dos
siacutembolos mdash de modo algum representa a superaccedilatildeo das contradiccedilotildees do realismo do fim do
seacuteculo XIX Antes aponta a continuidade das incoerecircncias mas num niacutevel artiacutestico inferior
afastado da compreensatildeo da realidade No entanto em Ibsen essa crise ideoloacutegica ainda
apresenta uma rigorosa e profunda criacutetica que mostra a dissoluccedilatildeo dos ideais burgueses e o
mecanismo da hipocrisia e da auto-ilusatildeo na sociedade capitalista em decliacutenio Essa visatildeo de
Lukaacutecs que insiste na inutilidade da experimentaccedilatildeo literaacuteria natildeo realista desencadearia mais
tarde os ataques ao teatro eacutepico de Brecht provocando um debate teoacuterico no seio da criacutetica
marxista que se arrastaria pelos anos 1930 e repercutiria nas deacutecadas seguintes1
Por volta de 1920 Ibsen jaacute estava completamente absorvido pelo mercado teatral As
dimensotildees sociais e poliacuteticas de suas peccedilas mdash que haviam revolucionado o teatro no seacuteculo
passado denunciando no palco os ideais capciosos da burguesia mdash foram rejeitadas a favor
exclusivamente da exploraccedilatildeo da vida interior e da intemporalidade da psicanaacutelise
Personagens como Nora de Casa de boneca e Helena Alving de Os espectros que outrora
haviam sido ldquoporta-vozesrdquo da emancipaccedilatildeo feminina criticando as convenccedilotildees da sociedade
burguesa afiguravam-se no novo seacuteculo como mulheres problemaacuteticas e mal resolvidas
1 Cf sobre Lukaacutecs e o drama moderno Georg Lukaacutecs Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968 e Il drama moderno Milano SugarCo 1976
36
viacutetimas de traumas ocorridos na infacircncia As variaccedilotildees do complexo edipiano explicavam no
caso de Nora a libertaccedilatildeo do passado e das amarras que a mantinham presa ao marido e no
caso de Helena a renuacutencia da felicidade transformando-a assim em matildee e esposa abnegada
Nesse periacuteodo Brecht elaborava seus primeiros escritos teoacutericos em sua maior parte criacuteticas
teatrais veiculadas no jornal Der Augsburger Volkswille entre 1919 e 1921 Alguns desses
textos em sua proacutepria fatura jaacute mostram o efeito de estranhamento mdash que seria amplamente
desenvolvido na teatro de Brecht nas deacutecadas seguintes mdash como forma de sacudir o leitor em
seu torpor abalando a velha imagem da cultura integrada e digerida sem perigo Eacute nesse
sentido que a propoacutesito da encenaccedilatildeo de Os espectros na Alemanha em 1919 Brecht
denuncia a pasteurizaccedilatildeo da obra de Ibsen por artistas e criacuteticos teatrais interessados tatildeo
somente na empatia do puacuteblico e no aspecto puramente lucrativo do espetaacuteculo teatral Num
texto curto de poucas linhas Brecht ressalta a importacircncia de se ir aleacutem da percepccedilatildeo
ideoloacutegica da esfera da vida privada examinando-a criticamente sobretudo nos seus
interesses mesquinhos e materiais Sob essa perspectiva em Os espectros importava verificar
que Helena Alving natildeo era a pobre viacutetima de um matrimocircnio infeliz mas uma mulher
oportunista que se casou por dinheiro mantendo a todo custo um casamento de aparecircncias a
fim de preservar a tradiccedilatildeo e o prestiacutegio social1
Apoacutes a Segunda Guerra a induacutestria de entretenimento cujas bases jaacute estavam dadas
no iniacutecio do seacuteculo fortaleceu-se de tal modo com a ascensatildeo do capitalismo tardio que as
produccedilotildees teatrais comprometidas com o engajamento poliacutetico foram expropriadas pelo
capital A essa altura as chamadas peccedilas sociais de Ibsen soacute interessavam quando tratadas
dentro dos limites do realismo psicoloacutegico jaacute que assuntos como moral dinheiro casamento
e feminismo eram tachados de obsoletos e ultrapassados Nessa nova fase do capitalismo
obras como Os pretendentes agrave coroa e Brand foram celebradas pela teacutecnica e pela poesia
magistral Imperador e Galileu pela filosofia profunda e Peer Gynt ateacute entatildeo conhecida
quase que exclusivamente pela muacutesica de Edvard Grieg foi encenada em muitos paiacuteses
obtendo grande ecircxito A ldquodomesticaccedilatildeo das artesrdquo pela induacutestria cultural foi examinada por
Max Horkheimer e Theodor Adorno na Dialeacutetica do esclarecimento livro dos anos 1940
Contudo eacute em Minima moralia obra composta de aforismos escritos entre 1944 e 1947 que
Adorno faz referecircncia direta a Ibsen analisando uma das questotildees caras ao dramaturgo a
condiccedilatildeo feminina na sociedade de consumo No fragmento intitulado ldquoExumaccedilatildeordquo o criacutetico
contraria o senso comum que apontando o afrouxamento dos tabus sexuais e a participaccedilatildeo
1 Bertold Brecht ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12
37
da mulher no mercado de trabalho daacute por superada a questatildeo do feminismo No entanto as
novas formas de exploraccedilatildeo econocircmica distorceram a independecircncia da mulher tornando-a a
um soacute tempo vulneraacutevel agrave dominaccedilatildeo e incapaz de refletir sobre essa conjuntura Assim sob a
falsa aparecircncia de autonomia e liberdade promovida sobretudo pela induacutestria de consumo mdash
cadeias de loja e magazines que lhes fazem deferecircncia e bajulaccedilatildeo mdash as mulheres se
esquecem de sua sujeiccedilatildeo a ordem social e econocircmica tanto no que diz respeito agrave sua
ldquomiseraacutevel jornada de trabalho profissionalrdquo quanto agrave sua vida no lar Na sequumlecircncia desses
argumentos Adorno compara as personagens ldquohisteacutericasrdquo de Ibsen e ldquosuas tentativas
desesperadas de evadir-se da prisatildeo da sociedaderdquo mdash referecircncia clara a Nora de Casa de
boneca mdash com as mulheres atuais ldquosuas netasrdquo que sem se sentirem atingidas pela mesma
desumanizaccedilatildeo enviariam-nas ldquoaos bons cuidados da assistecircncia socialrdquo Em chave irocircnica
Adorno aponta o retrocesso dos ideais do movimento feminista em relaccedilatildeo aos prodiacutegios
desejados pelas antiquadas personagens ibsenianas ldquoNatildeo eacute sem razatildeo que as mulheres de
Ibsen satildeo chamadas lsquomodernasrsquo O oacutedio agrave modernidade e o oacutedio ao antiquado satildeo
imediatamente a mesma coisardquo1
Em 1956 Peter Szondi em Teoria do drama moderno elabora a mais seacuteria reflexatildeo
sobre a crise do drama enfatizando o modo pelo qual o teatro eacute condicionado por processos
econocircmicos sociais e histoacutericos A partir da ideacuteia de que forma e conteuacutedo estatildeo
definitivamente associados numa relaccedilatildeo dialeacutetica Szondi explora as antinomias internas de
peccedilas de Ibsen Tcheacutekhov Strindberg Maeterlinck e Hauptmann apontando para a
contradiccedilatildeo crescente entre a forma dramaacutetica e os novos conteuacutedos advindos da ordem
social que o drama de rigor aristoteacutelico natildeo consegue assimilar Desse modo o criacutetico mostra
que o teatro de Ibsen entre outras coisas empreendeu uma total inversatildeo no conceito
convencional do drama sobretudo pela emersatildeo do elemento eacutepico em suas peccedilas Em Os
espectros Rosmersholm John Gabriel Borkman e Solness o construtor somente para citar
algumas as accedilotildees do presente servem apenas para revelar o passado iacutentimo das personagens
tornando-se a proacutepria lembranccedila o tema central de suas peccedilas Apesar do uso da construccedilatildeo
rigorosa e causaliacutestica do domiacutenio pleno das peripeacutecias e reconhecimento da exposiccedilatildeo
dissolvida com economia por toda a peccedila Ibsen percebeu que a dramaacutetica pura com seu
pressuposto de mostrar ldquosujeitos autoconscientesrdquo caducava num mundo cada vez mais
marcado pela alienaccedilatildeo Assim em seus dramas rigorosos mas de conteuacutedo eacutepico o proacuteprio
1 Theodor W Adorno ldquoExumaccedilatildeordquo Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificadaTraduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 81 Cf tambeacutem no mesmo livro ldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo p 81-82
38
diaacutelogo entre as personagens estabeleceu a cisatildeo entre sujeito e objeto apresentando no palco
ldquovidas danificadasrdquo pelo mundo da mercadoria do trabalho alienado das relaccedilotildees falsificadas
e do isolamento do indiviacuteduo1
A partir dos anos 1960 Ibsen entatildeo considerado um autor canocircnico repontava em
trabalhos no acircmbito da histoacuteria do teatro da biografia da filosofia e da psicanaacutelise Sua obra
celebrada mais pelos escacircndalos que causaram no final do seacuteculo XIX do que por seu valor
artiacutestico continuou a ser analisada por meio de diferentes teorias criacuteticas e em contextos
especiacuteficos Criacuteticos como Halvdan Koht John Northam e Eric Bentley interessaram-se pelo
aspecto ontoloacutegico das peccedilas ibsenianas examinando os elementos constitutivos dos textos
como a ironia o paradoxo a ambiguumlidade e o simbolismo Natildeo raro essas anaacutelises
consideravam a ldquopoesia dramaacuteticardquo do dramaturgo como a expressatildeo maacutexima de sua obra
estabelecendo Ibsen como um theatre-poet2 Outros estudiosos como H L Mencken e Brian
Johnston restituiacuteram Ibsen ao contexto do pensamento europeu aproximando-o de Nietzsche
Kierkegaard e Hegel3 Uma vasta produccedilatildeo de trabalhos sobre o dramaturgo incluindo
perioacutedicos especializados como Ibsen Studies e The contemporany approaches to Ibsen
foram produzidos desde entatildeo No entanto a maioria dos estudos mdash salvo algumas exceccedilotildees
a exemplo das anaacutelises da recepccedilatildeo de Ibsen em muitos paiacuteses mdash concentram-se
particularmente nos aspectos psicanaliacuteticos e ateacute mesmo autobiograacuteficos de sua obra
deixando de lado o elemento social que desempenhou um papel importante na constituiccedilatildeo de
seu teatro tanto pela exposiccedilatildeo dos problemas da sociedade liberal burguesa quanto pela
ruptura com os padrotildees hegemocircnicos do drama Uma boa demonstraccedilatildeo de que o dramaturgo
foi unanimemente considerado universal sem ser de todo compreendido seja por limitaccedilotildees
da criacutetica seja por posicionamentos ideoloacutegicos de seus leitores
1 Cf Peter Szondi Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 2 Cf Halvdan Koht Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971 John Northam Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953 e Eric Bentley The life of the drama New York Atheneum 1964 3 Cf Henrik Ibsen Eleven plays of Henrik Ibsen Introduction by H L Mencken New York B A Cerf D S Klopfer The Modern Library 1935 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989
I B S E N N O B R A S I L
40
As primeiras encenaccedilotildees
As peccedilas de Ibsen chegaram aos palcos brasileiros no fim do seacuteculo XIX filtradas pelo
olhar de companhias estrangeiras sobretudo as italianas de Ermete Novelli Clara Della
Guardia Eleonora Duse Gustavo Salvini e Ermete Zacconi Vale lembrar que a obra
ibseniana somente passou a ter interesse na Itaacutelia depois das encenaccedilotildees do Theacuteacirctre Libre de
Antoine em 1890 Como autor da moda discutido por toda a Europa Ibsen foi rapidamente
assimilado pelo mercado teatral sendo suas peccedilas devidamente moldadas ao gosto do puacuteblico
acostumado com as comeacutedias realistas francesas Assim no uacuteltimo dececircnio do seacuteculo XIX
Enrico Polese diretor da revista LrsquoArte Drammatica juntamente com empresaacuterios criacuteticos e
atores criou ldquoil prodotto Ibsenrdquo impondo aos espectadores um outro autor diferente daquele
que estava revolucionando o teatro europeu O controle da recepccedilatildeo de Ibsen comeccedilava pela
traduccedilatildeo de Polese que suprimia do texto qualquer alusatildeo ou criacutetica agrave sociedade nivelava os
argumentos considerados inconsistentes redesenhava as personagens visando agrave compaixatildeo do
puacuteblico e modificava as cenas que poderiam escandalizar a plateacuteia A encenaccedilatildeo era apoiada
exclusivamente na figura do grande ator e interessava colocar no palco um texto ligeiro
ausente de cenas monoacutetonas A influecircncia de Polese sobre o gosto ibseniano era transmitida
natildeo soacute pela traduccedilatildeo como pela paacutegina de sua revista que minimizava ainda mais as ideacuteias
ldquoaacutesperasrdquo do autor Aleacutem disso como profissional da dramaturgia conhecedor do puacuteblico
dos atores e empresaacuterios Polese fornecia agraves companhias indicaccedilotildees precisas sobre cenografia
indumentaacuteria e formas de composiccedilatildeo das personagens tudo isso visando a mais completa
empatia entre atores e espectadores
A companhia de Ermete Novelli foi a primeira a apresentar Ibsen agrave plateacuteia brasileira
encenando Os espectros no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em junho de 1895 Algumas das
indicaccedilotildees de Polese parecem ter sido seguidas de perto por Novelli o grande ator da
companhia que fez toda a encenaccedilatildeo girar em torno da personagem que ele representava
Osvaldo Alving Sua interpretaccedilatildeo carregada de um realismo tendencioso acentuava a
enfermidade de Osvaldo a ponto de muitos criacuteticos da eacutepoca identificarem a originalidade e a
essecircncia do drama de Ibsen como de ordem cientiacutefica A doenccedila hereditaacuteria de Osvaldo foi
considerada pela criacutetica o tema central da peccedila sendo deixados de lado outros assuntos como
por exemplo o casamento de conveniecircncia de Helena com o Capitatildeo Alving Da mesma
forma pouco se falou das outras personagens mdash Regina Engstrand e Pastor Manders mdash
vistas como secundaacuterias servindo apenas para dar ensejo agraves concepccedilotildees do dramaturgo acerca
41
da sociedade da moral e da famiacutelia Moral essa que para muitos criacuteticos era ldquoestranha e
inadmissiacutevelrdquo pois ao fazer perpassar na mente de Helena a felicidade do filho ao lado de sua
meia-irmatilde Regina Ibsen celebrava o incesto e a devassidatildeo sexual Sob essa perspectiva um
criacutetico do Jornal do Brasil chegou a fazer uma comparaccedilatildeo entre as ideacuteias socialistas e as
ibsenianas concluindo que ambas tinham como fundamentos a praacutetica do amor livre e a
desestruturaccedilatildeo familiar ldquoPois eacute preciso que o nosso leitor fique sabendo que o Dr Rossi um
meacutedico italiano fez para imprensa a propaganda do socialismo tendo por base o amor livre
tal qual existia na colocircnia Santa Luzia no Estado do Paranaacute [] Se Ibsen tivesse notiacutecia de
tal adiantamento social em terras do Brasil com certeza elevava-nos ao seacutetimo ceacuteu da
imortalidaderdquo1 Nessa conjuntura o dramaturgo era tido ora como reformador ora como
pensador nunca como artista jaacute que lhe faltavam segundo os criacuteticos as preocupaccedilotildees e as
qualidades de um autor dramaacutetico Os espectros desse modo foi considerado um drama ldquomal
apresentado e mal conduzidordquo repleto de cenas pesadas e monoacutetonas que soacute conseguiam
aborrecer a plateacuteia ldquoAssistindo agrave representaccedilatildeo drsquoOs espectros pareceu-nos estar diante de
um livro de medicina escrito sobre um caso especial de atavismo e cujo texto fosse de vez em
quando ilustrado pelas fotografias do doente representando-o nas diversas fases da moleacutestia
herdadardquo2 Os pontos positivos apontados pela criacutetica foram o desempenho de Novelli muito
elogiado pela destreza com que apresentou no palco todos os sintomas da enfermidade de seu
personagem e a forma como o drama apesar das impropriedades conseguiu comover e
fornecer uma significaccedilatildeo moral para os espectadores ldquoOsvaldo e Regina as duas viacutetimas
inocentes dos viacutecios de seus pais perseguidos pelo atavismo representam uma liccedilatildeo de moral
deduzida com todo o rigor de uma lei naturalrdquo3
Depois de Os espectros de Novelli Ibsen soacute voltaria agrave cena nacional em 1899 dessa vez
com duas montagens de Casa de boneca a primeira pela Companhia Portuguesa de Lucinda
Simotildees e Cristiano de Souza no Teatro SantrsquoAnna do Rio de Janeiro no mecircs de maio e a
segunda pela Companhia Italiana de Clara Della Guardia no Teatro Liacuterico do Rio no mecircs de
agosto4 A exemplo do que acontecera em muitos paiacuteses quando apresentada pela primeira vez
a peccedila suscitou um caloroso debate no nosso meio teatral A cena final em que Nora abandona
marido e filhos provocou muitas controveacutersias entre os criacuteticos ocupando as paacuteginas dos
principais perioacutedicos do paiacutes Carlo Parlagreco escritor italiano que lecionava Histoacuteria da Arte
1 ldquoOs espectrosrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 17 jun 1895 Palcos e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 A ldquoNovelli ndash Henrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo O Paiacutes Rio de Janeiro 17 jun 1895 Artes e Artistas p 2 3 ldquoNovelli ndash Ibsenrdquo Jornal do Comeacutercio Rio de Janeiro 17 jun 1895 Teatros e Muacutesicas p 1 (Sem assinatura) 4 Casa de boneca tambeacutem foi encenada em Satildeo Paulo A companhia de Clara Della Guardia apresentou-se no Teatro Politheama em setembro de 1899 e a de Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza em outubro no mesmo teatro
42
na Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro foi categoacuterico em seu artigo publicado
na Cidade do Rio ao afirmar que Ibsen era ldquoum socioacutelogo minuacutesculordquo e ldquoum filoacutesofo
incompletordquo que soacute conseguira popularidade por causa dos assuntos escabrosos de suas peccedilas
Por isso o criacutetico italiano censurava aqueles que em reaccedilatildeo ao teatro francecircs consideravam o
dramaturgo ldquocom um fetichismo indigno da razatildeo humanardquo como um dos maiores intelectuais
de sua eacutepoca Para ele Ibsen natildeo fazia mais que repetir as ldquoteorias e os achados alheiosrdquo de
Zola sendo que as ideacuteias do autor escandinavo eram muito mais monstruosas do que os
preconceitos da sociedade Parlagreco criticava a maneira como Ibsen conduzia as suas peccedilas
encorajando as mulheres a abandonar seus lares e estimulando a desagregaccedilatildeo familiar ldquoA
mulher fora do seu domiacutenio natural prepara os degenerados do futuro Subtrair as sociedades agraves
formas mais conhecidas da administraccedilatildeo e de convivecircncia eacute o ideal que Ibsen partilha com
Tolstoacutei mas seria a mesma coisa que suprimir ou inverter no organismo humano as funccedilotildees de
alimentaccedilatildeo de reproduccedilatildeo e de percepccedilatildeordquo1
Natildeo era somente o tema de Casa de boneca que desagradava a parte conservadora de
nossa criacutetica teatral A forma de composiccedilatildeo de Ibsen que se distanciava cada vez mais dos
padrotildees hegemocircnicos do drama burguecircs tambeacutem foi alvo constante de ataques Artur Azevedo
o grande criacutetico da eacutepoca era o defensor contumaz da tradiccedilatildeo dramaacutetica sobretudo da
francesa representada por escritores como Augier Dumas Filho Meilhac e Haleacutevy Assim
como o criacutetico francecircs Francisque Sarcey mdash que para ele era o ldquomais profundo o mais sensato
o mais sincero dos criacuteticos teatrais de todos os temposrdquo mdash Artur Azevedo tinha preferecircncia
pelas peccedilas bem-feitas valorizando mais a construccedilatildeo dramatuacutergica do que o gecircnero teatral
Portanto seus criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila aproximavam-se em tudo aos de Sarcey
importando tatildeo somente averiguar o uso das convenccedilotildees como a verossimilhanccedila a
identificaccedilatildeo o encadeamento linear e progressivo das accedilotildees o enredo com comeccedilo meio e fim
etc Desse modo uma das criacuteticas mais severas de Artur Azevedo agrave Casa de boneca dizia
respeito ao desenlace que para ele era inconcebiacutevel pois a mudanccedila da atitude de Nora natildeo
havia sido preparada nos atos anteriores Se ela tinha sido tatildeo friacutevola e tola nos dois primeiros
atos natildeo era coerente que se transformasse no uacuteltimo ato numa mulher consciente de sua
situaccedilatildeo na sociedade burguesa Faltava a Ibsen o domiacutenio da arte e da convenccedilatildeo dramaacutetica
por isso Artur Azevedo negava ao dramaturgo o tiacutetulo de ldquorevolucionaacuterio do teatrordquo O que
havia em suas peccedilas de verdadeiramente teatral ainda segundo o criacutetico era bebido em Augier
e Dumas Filho com quem Ibsen tinha aprendido a construccedilatildeo haacutebil e calculada para produzir
1 C Parlagrego ldquoOs espectros de Henrik Ibsenrdquo Cidade do Rio Rio de Janeiro p 1 15 jun 1895
43
efeitos bombaacutesticos Contra esses posicionamentos de Artur Azevedo levantou-se Luiacutes de
Castro jornalista da Gazeta de Notiacutecias que sensiacutevel aos rumos do teatro moderno refutou
veementemente o ponto de contato entre os dramas franceses e ibsenianos bem como o
prestiacutegio de Sarcey como criacutetico teatral provocando uma polecircmica com Artur Azevedo que se
estenderia durante algum tempo nas paacuteginas dos jornais1 Apesar das censuras aos dramas
ibsenianos Artur Azevedo escreveu em 1906 um necroloacutegio a Ibsen reconhecendo-o como
ldquouma das gloacuterias literaacuterias mais puras do seacuteculo XIXrdquo No entanto o seu ponto de vista pouco
mudou em relaccedilatildeo agraves convenccedilotildees teatrais Nesse texto ao fazer um balanccedilo da influecircncia do
norueguecircs no teatro mundial Artur Azevedo afirmou que o teatro de Ibsen ainda era
incompreensiacutevel interessando apenas a um pequeno puacuteblico o das ldquocamadas superioresrdquo As
peccedilas de Ibsen para ele serviam apenas para serem lidas natildeo representadas fato que de modo
algum reduzia suas qualidades de ldquoobras-primas de uma grande elevaccedilatildeo moral dignas da
admiraccedilatildeo universal que as celebrourdquo2
Como Artur Azevedo Oscar Guanabarino criacutetico de O Paiacutes tambeacutem reclamava das
cenas desconexas dos diaacutelogos interminaacuteveis e do desfecho de Casa de boneca pontos que
dificultavam o entendimento do puacuteblico ldquoDesde entatildeo surgem os disparates e entre eles o
maior eacute que o espectador depois de concluiacuteda a representaccedilatildeo deve ir para casa refletir sobre
o caso concluir como puder a peccedila que natildeo teve fim []rdquo3 Ibsen para Guanabarino era
produto do exagero de criacuteticos desorientados que cingiam seu nome com uma aureacuteola de
gecircnio mdash como se ele fosse ldquoo salvador da arte dramaacuteticardquo mdash sem perceber que os processos
de escrita de sua obra eram iguais ao do teatro da eacutepoca tinham os mesmos defeitos da ficelle
e o prejuiacutezo do desconhecimento de certas regras impostas pela experiecircncia e exigidas pelo
bom senso Igualmente exageradas segundo o criacutetico eram as ideacuteias do dramaturgo que sob
o pretexto de lutar contra as convenccedilotildees sociais levava para o palco personagens sempre
doentias Apoiado nos estudos de Cesare Lombroso psiquiatra e criminalista italiano famoso
na eacutepoca pelas suas teorias sobre o criminoso nato e o homem de gecircnio Guanabarino
afirmava ser Ibsen um ldquoalienistardquo e suas personagens figuras desequilibradas e anormais A
partir da anaacutelise de obras de ficccedilatildeo e de estudos de caso Lombroso chegara agrave conclusatildeo
absurda de que anomalias hereditaacuterias neuroloacutegicas e psiacutequicas desempenhavam papel
1 Cf sobre a polecircmica entre Artur Azevedo e Luiacutes de Castro Joatildeo Roberto Faria ldquoEntre Sarcey e Ibsenrdquo Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 240-245 647-651 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Terminei meu uacuteltimo folhetim []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 31 maio 1906 O Teatro Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 586-588 3 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2
44
preponderante na formaccedilatildeo da personalidade de um delinquumlente bastando portanto relacionar
as caracteriacutesticas fiacutesicas dos indiviacuteduos mdash tamanho da mandiacutebula formato do cracircnio etc mdash
para descobrir sua disposiccedilatildeo ao crime Da mesma maneira ele acreditava que escritores
considerados geniais como Shakespeare Zola Tolstoacutei Dostoieacutevski e Ibsen apresentavam
aleacutem de uma visatildeo especial formas mais ou menos atenuadas de loucura e perversatildeo o que
lhes permitiam vislumbrar um criminoso muito antes que a ciecircncia o fizesse Nessa esteira
Lombroso alertava que as mulheres sendo ldquocriaturas moralmente inferiores e infantisrdquo
tinham mais propensatildeo agrave delinquumlecircncia ldquoMulheres satildeo crianccedilas grandes Suas tendecircncias maacutes
satildeo mais numerosas e mais variadas que as dos homens mas geralmente permanecem
latentes Entretanto quando satildeo despertas e excitadas produzem resultados proporcionalmente
maioresrdquo1 Desse modo para Guanabarino Nora apresentava todos os sintomas da patologia
mental e moral examinados por Lombroso era infantil histeacuterica e mentirosa E somente
assim por meio de um tipo exagerado e complexo inferido com todo rigor de um estudo
cientiacutefico Nora poderia ser compreendida e aceita como verdadeira No entanto isso natildeo
reduzia ainda segundo Guanabarino sua iacutendole maacute seja ao abandonar os filhos seja ao
contrair um empreacutestimo sob o pretexto de salvar a vida do marido para saciar seus caprichos
ldquoo desejo de viajar como faziam as outras as ricas acendeu-lhe o desejo de salvar o marido
e ei-la contraindo um empreacutestimo com um indiviacuteduo de moral duvidosardquo2
Os criacuteticos favoraacuteveis a Ibsen geralmente analisavam a sua obra pelo vieacutes naturalista
evitando entrar nas discussotildees acerca de sua forma dramaacutetica Luiacutes de Castro aleacutem de
polemizar com Artur Azevedo sobre o teatro ibseniano talvez tenha sido o uacutenico a abordar
essa questatildeo Em seu artigo ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo o criacutetico da Gazeta de
Notiacutecias apontava a influecircncia das peccedilas de Ibsen na evoluccedilatildeo do teatro moderno Para ele a
teacutecnica dramatuacutergica ibseniana era totalmente diversa natildeo podendo ser comparada a nenhuma
outra existente principalmente agraves dos dramaturgos franceses de quem o norueguecircs natildeo havia
lido sequer uma linha Enquanto autores como Scribe Augier e Dumas Filho estavam
interessados na accedilatildeo e no enredo concluiacutea Luiacutes de Castro Ibsen preocupava-se com ldquoo
sentido profundo da obra a crise psicoloacutegica e moral em que os acontecimentos atiram os
personagensrdquo3 Por isso argumentava ele suas peccedilas foram combatidas em muitos paiacuteses
sobretudo na Franccedila onde o autor encontrou um nuacutemero maior de detratores Joatildeo do Rio por
1 Cesare Lombroso e William Ferrero The female offender New York Philosophical Library 1958 p 151 Cf tambeacutem Cesare Lombroso Lrsquouomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 2 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2 3 Luiacutes de Castro ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 28 maio 1899 Teatro e p 2
45
sua vez exaltava no dramaturgo o tom cientiacutefico da composiccedilatildeo das personagens que levava
em conta a influecircncia do meio e da hereditariedade em suas iacutendoles Em ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo
artigo publicado em A Tribuna o criacutetico procurou mostrar ao leitor por meio da descriccedilatildeo
minuciosa do desempenho da atriz portuguesa no papel de Nora os matizes da construccedilatildeo da
personagem ibseniana ldquoEacute admiraacutevel de anaacutelise humana e Luciacutelia eacute a encarnaccedilatildeo perfeita
deste tipo complexo de histeacuterica com o desequiliacutebrio nervoso da mulher do Norterdquo1 Joatildeo do
Rio tambeacutem enxergava Ibsen como um mentalista de Lombroso e Nora como um tipo de
deacutetraqueacute Mas diferentemente de Guanabarino essas caracteriacutesticas natildeo foram vistas atraveacutes
de uma oacutetica conservadora antes foram tratadas como o reflexo do estado patoloacutegico da
sociedade Para Joatildeo do Rio Ibsen era um reformador que viera fazer do teatro uma verdade
levando agrave cena a vida de todos os dias Outro criacutetico que apreciou as novidades do teatro de
Ibsen foi Luiz Guimaratildees Filho jornalista de A Notiacutecia responsaacutevel pela publicaccedilatildeo de um
dos artigos mais incisivos a favor dos direitos da mulher Para ele Casa de boneca era a
criaccedilatildeo suprema de Ibsen sobretudo porque questionava a exclusatildeo das mulheres na
sociedade ldquoA Casa de boneca demonstra cruelmente a falsidade da educaccedilatildeo feminina na
sociedade moderna mdash que a reduz a viacutetimas risonhas a escravas enfeitadas com sedas a
autocircmatos inconscientes e fracosrdquo2 Utilizando-se dos mesmos conceitos da teoria de
Lombroso comum na literatura da eacutepoca Guimaratildees Filho tambeacutem via Nora como uma
ldquodoida singularrdquo No entanto ainda segundo o criacutetico colocar no palco uma histeacuterica foi a
forma que Ibsen encontrou para marcar a diferenccedila de privileacutegios entre os sexos e mostrar o
erro da educaccedilatildeo da mulher
No iniacutecio do seacuteculo XX as companhias estrangeiras continuaram a ser presenccedila
marcante no Brasil trazendo em seus repertoacuterios peccedilas de Strindberg Maeterlinck
DrsquoAnnunzio Hauptmann Sundermann e Ibsen autores ateacute entatildeo desconhecidos da maior
parte do puacuteblico Entre os meses de maiojunho e agostooutubro periacuteodo da temporada
dessas companhias no Rio e em Satildeo Paulo os espectadores tinham a chance de conhecer os
grandes artistas estrangeiros bem como o que de melhor se produzira nos palcos europeus
Nessas ocasiotildees o teatro seacuterio de qualidade literaacuteria ganhava destaque na imprensa
possibilitando a discussatildeo dos novos rumos da literatura dramaacutetica No entanto a maioria de
nossos criacuteticos e homens de teatro presos agrave foacutermula da peccedila bem-feita ao gosto do puacuteblico e
principalmente aos interesses econocircmicos e lucrativos dos espetaacuteculos teatrais pouca
1 Paulo Barreto [Joatildeo do Rio] ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo A Tribuna Rio de Janeiro p 3 1 jul 1899 Reunido em Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 640 2 Luiz Guimaratildees Filho ldquoA Casa de bonecardquo A Notiacutecia Rio de Janeiro p 2 27-28 maio 1899
46
importacircncia davam aos movimentos de vanguarda Comumente o arranjo cecircnico e os
assuntos controversos de algumas peccedilas suscitavam polecircmicas na imprensa acabando quase
sempre com a rejeiccedilatildeo das novas formas do teatro moderno Bastava as companhias
estrangeiras irem embora os gecircneros mais apreciados do puacuteblico mdash operetas melodramas
feacuteeries e revistas de ano mdash voltavam agrave cena nacional Portanto os pilares baacutesicos do teatro
brasileiro continuavam sendo os mesmos a oacutepera reduzida a um nuacutemero de composiccedilotildees do
realejo italiano como Rigoletto Mme Butterfly e Manon e a dramaturgia francesa que haacute
muito jaacute havia se tornado o esteio de nossos palcos Aleacutem das convenccedilotildees da peccedila bem-feita
serem usadas como criteacuterios para a anaacutelise das obras teatrais nossa criacutetica literaacuteria tambeacutem
orientava-se pelas noccedilotildees de raccedila e natureza reduzindo as obras-de-arte agrave accedilatildeo de fatores
como clima meio e mesticcedilagem Foi assim que a partir do sincretismo de teorias e conceitos
europeus deslocados de suas funccedilotildees de origem formou-se no Brasil o padratildeo de leitura da
virada do seacuteculo XIX para o XX
Em 1900 Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza voltaram a apresentar Casa de boneca
no Teatro Lucinda do Rio de Janeiro e no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo A montagem
segundo artigo de Joatildeo do Rio teve poucas alteraccedilotildees ldquoA companhia vem a mesma na
distribuiccedilatildeo dos personagens [] Os cenaacuterios satildeo diferentes o material todo novo a ceacutelebre
cadeirinha de palhinha que fez tanto palerma gargalhar foi substituiacuteda por outra de veludo e
tudo eacute bom tudo eacute melhorrdquo1 A recepccedilatildeo tambeacutem foi a mesma elogios aos atores e criacuteticas agrave
peccedila que se ressentia da linearidade da accedilatildeo dramaacutetica apresentando aleacutem disso ficelles
velhas e usadas cenas monoacutetonas personagens excecircntricas e desequilibradas No ano
seguinte apareceu o primeiro ensaio sobre Ibsen reunido em A hora do escritor e criacutetico
literaacuterio Nestor Viacutetor2 Nesse livro Nestor Viacutetor ocupou-se da literatura estrangeira Os
Desplantados de Maurice Barregraves Cyrano de Bergerac de Edmond Rostand e Pretendentes agrave
coroa A comeacutedia do amor Imperador e Galileu Pilares da sociedade Os espectros entre
outras peccedilas de Ibsen A parte dedicada ao dramaturgo norueguecircs vinha dividida em quatorze
capiacutetulos onde o criacutetico traccedilava o perfil biograacutefico de Ibsen detendo-se no entanto na
anaacutelise de sua obra De Catilina primeira peccedila do autor ateacute John Gabriel Borkman Nestor
Viacutetor buscou examinar os elementos simboacutelicos dos dramas informando vez ou outra a
maneira como o teatro de Ibsen tinha sido recebido na Europa provocando polecircmicas e
discussotildees Nessa trajetoacuteria ele procurou apresentar ao leitor um resumo minucioso de todas
as peccedilas mdash traduzindo inclusive trechos inteiros de algumas delas mdash demonstrando assim
1 P B [Joatildeo do Rio] ldquoTeatro Lucindardquo Cidade do Rio Rio de Janeiro 5 mar 1900 Gambiarras p 2 2 Nestor Viacutetor A hora Rio de Janeiro Paris Garnier 1901
47
preocupaccedilatildeo com as condiccedilotildees de produccedilatildeo e recepccedilatildeo da arte em um paiacutes como o Brasil
Num seacuteculo cientificista Nestor Viacutetor foi o criacutetico que tomou os padrotildees esteacuteticos como
norma de julgamento da produccedilatildeo literaacuteria buscando analisar atraveacutes de um veio
impressionista os elementos intriacutensecos da obra-de-arte Sob essa perspectiva o criacutetico
apontou em Casa de boneca a siacutentese a economia de adornos e o desprezo de Ibsen pelas
ficelles como elementos essenciais de inauguraccedilatildeo de uma nova fase da dramaturgia mundial
Os espectros voltou aos palcos brasileiros na encenaccedilatildeo da companhia de Andreacute
Antoine no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em 14 de julho de 1903 A peccedila jaacute natildeo era
novidade entre noacutes e assim como na primeira representaccedilatildeo de Novelli em 1895 os criacuteticos
limitaram-se a aproximar o drama das teorias cientiacuteficas do atavismo e a reclamar das cenas
deprimentes e cansativas A atuaccedilatildeo de Antoine no papel de Osvaldo mdash diferente do que
ocorrera com Novelli elogiadiacutessimo pela nossa criacutetica mdash sofreu restriccedilotildees por parte de alguns
que a consideraram ldquosobremodo fatiganterdquo fria e modesta dissolvendo a personagem numa
atmosfera nebulosa e incompreensiacutevel Acostumados agraves interpretaccedilotildees melodramaacuteticas ao
exagero na expressatildeo dos sentimentos e aos apelos faacuteceis dos atores agrave plateacuteia muitos criacuteticos
estranharam o modo de representar do ator e encenador francecircs principalmente o tom baixo de
sua voz e os momentos em que ele virava as costas para o puacuteblico Artur Azevedo contraacuterio agraves
experiecircncias naturalistas no teatro foi o grande desafeto de Antoine protagonizando uma
querela com o ator francecircs que se estenderia ateacute o mecircs de outubro daquele ano1
Trecircs anos mais tarde Suzanne Despregraves que fizera parte da troupe de Antoine no Rio
voltou ao Brasil para encenar Casa de boneca no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em agosto de
1906 Eacute importante lembrar que a atriz francesa aleacutem de ter participado de algumas montagens
do Theacuteacirctre Libre tambeacutem fez parte do elenco da primeira representaccedilatildeo simbolista de Solness
o construtor sob a direccedilatildeo de Lugneacute-Poe no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre em 1894 Portanto sua
interpretaccedilatildeo de Nora diferenciava-se das que ateacute aquele momento tinham sido apresentadas ao
puacuteblico brasileiro deixando de lado as teorias de emancipaccedilotildees as teses do atavismo para
enfatizar o eacutetat drsquoacircme que existia por traacutes das accedilotildees da personagem Assim Casa de boneca
passou a ser lida como a expressatildeo da realidade atraveacutes da sugestatildeo simboacutelica e a cena da
tarantela mdash assim como acontecera com a construccedilatildeo do orfanato em Os espectros e a pistola
em Hedda Gabler nas encenaccedilotildees simbolistas mdash passou a ser encarada como a parte
substancial do drama concentrando todo o significado da peccedila em uma uacutenica imagem da accedilatildeo
A Nora de Suzanne Despregraves nessa perspectiva deixava de ser uma figura incomum para se
1 Cf sobre a temporada de Antoine no Rio de Janeiro Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 245-261
48
transformar no siacutembolo de uma mulher atormentada por sua condiccedilatildeo de boneca destituiacuteda do
livre-arbiacutetrio Um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo ao comparar a atuaccedilatildeo de Suzanne Despregraves
com as de Luciacutelia Simotildees e Clara Della Guardia elogiou a naturalidade com que a atriz
francesa compusera a personagem tornando um tipo tatildeo complexo como Nora compreensiacutevel
ao puacuteblico ldquoTanto Luciacutelia Simotildees como Clara Della Guardia as duas Noras que nos foi dado a
ver e ouvir diferentes em detalhes assemelham-se contudo nas suas linhas gerais [] ambas
nos deram uma Nora ridiculamente infantil no primeiro ato e no final do segundo na cena da
tarantela ambas se desconjuntavam numa horripilante danccedila de S Guido [] A Nora que
ontem nos deu Suzanne Despregraves afasta-se por completo desses moldesrdquo1 O desempenho da
atriz francesa foi muito elogiado pelos criacuteticos mas a peccedila continuou a ser censurada sobretudo
pelas cenas desarticuladas e incoerentes
Em 1907 esteve por aqui a Companhia Dramaacutetica Italiana de Gustavo Salvini
encenando Os espectros no Rio e em Satildeo Paulo no mecircs de julho A recepccedilatildeo foi comedida e
no geral os criacuteticos restringiram-se a apresentar o resumo da peccedila e a elogiar Salvini pela
interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving Entretanto o grande acontecimento teatral do ano foi a
temporada de Eleonora Duse nos palcos cariocas e paulistas Empresariada por Lugneacute-Poe e
V Consiglio a atriz veio ao Brasil com um repertoacuterio variado Magda de Sundermann La
Gioconda de DrsquoAnnunzio La signora dalle Camelie e La moglie di Claudio de Dumas
Filho Monna Vanna de Maeterlinck Rosmersholm e Hedda Gabler de Ibsen Fedora de
Sardou e Adriana Lecouvreur de Scribe e Legouveacute Apoacutes a encenaccedilatildeo de Casa de boneca
no Teatro Filodramaacutetico de Milatildeo em 1891 Duse natildeo tinha representado mais nenhum drama
de Ibsen preferindo antes o repertoacuterio italiano de Goldoni e Giacosa e o francecircs de Dumas
Filho e Sardou Somente a partir de 1904 seguindo a tendecircncia do teatro simbolista ela
voltou a Ibsen encenando Hedda Gabler e depois em 1905 Rosmersholm com cenaacuterio de
Gordon Craig Assim a anaacutelise cientiacutefica das personagens cedeu lugar para a do heroacutei
individualista e seus problemas de consciecircncia importando agora explorar no palco a poesia
a paixatildeo e vida interior das figuras ibsenianas
Hedda Gabler e Rosmersholm representadas no Teatro Liacuterico do Rio respectivamente
nos dias 2 e 16 de julho de 1907 eram pela primeira vez levadas agrave cena brasileira2
Rosmersholm segundo o jornalista Briacutecio de Abreu foi a uacuteltima peccedila que a companhia
1 ldquoSantrsquoAnna ndash A representaccedilatildeo de Casa de boneca de Ibsen []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 5 ago 1906 Palcos e Circos p 3 (Sem assinatura) 2 Hedda Gabler tambeacutem foi encenada no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em 20 de julho de 1907 Rosmersholm soacute foi representada no Rio
49
apresentou no Rio seguindo posteriormente para Satildeo Paulo1 Embora a encenaccedilatildeo de
Rosmersholm apareccedila no livro do jornalista carioca e na lista do repertoacuterio da companhia
publicada nos jornais da eacutepoca poucas referecircncias encontramos na imprensa sobre essa peccedila
limitando-se os criacuteticos a traccedilar o resumo da obra e a destacar o desempenho dos atores O
mesmo natildeo aconteceu com Hedda Gabler que tanto no Rio como em Satildeo Paulo provocou
uma efervescecircncia no meio teatral sendo discutida intensamente pelos nossos criacuteticos No Rio
de Janeiro Artur Azevedo declarou a peccedila nebulosa e absurda sobretudo porque apesar de
traacutegica natildeo apresentava ldquouma cena violenta um grito de paixatildeo ou de desesperordquo uma
situaccedilatildeo que pudesse produzir ldquocalafrios e arrepiar os cabelosrdquo dos espectadores Para
Azevedo as maiores estranhezas ficaram por conta dos diaacutelogos travados agrave meia-voz em
cenas consideradas extravagantes como aquela em que Theacutea sabendo do suiciacutedio de
Loevborg em vez de lhe socorrer potildee-se a trabalhar na reconstruccedilatildeo de seu manuscrito2 Em
Satildeo Paulo formou-se uma querela sobre a questatildeo da inacessibilidade de Ibsen agrave plateacuteia
paulistana Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo havia sido um erro a escolha de Hedda
Gabler para estreacuteia da companhia em Satildeo Paulo pois Ibsen ainda era incompreensiacutevel ao
puacuteblico e a empresa teria andado com mais acerto se representasse um drama jaacute conhecido
Para ele era importante que antes da encenaccedilatildeo os espectadores tivessem ouvido uma
conferecircncia explicativa da peccedila como fez Jules Lemaicirctre na representaccedilatildeo de Hedda Gabler
no Theacuteacirctre du Vaudeville em Paris em 1891 Somente assim a companhia teria evitado o
modo frio com que os espectadores receberam o espetaacuteculo aplaudindo-o apenas por mera
cortesia3 Joatildeo Crespo jornalista do Comeacutercio de Satildeo Paulo rebateu esses argumentos
alegando que ldquoas peccedilas de Ibsen obrigam a pensar e natildeo tecircm esses lances de paixatildeo que
levantam uma plateacuteiardquo4 Esse debate entre os criacuteticos drsquoO Estado e do Comeacutercio de Satildeo Paulo
se prolongou por cinco dias consecutivos na imprensa no entanto as questotildees esteacuteticas foram
deixadas de lado prevalecendo apenas os ataques pessoais
A maior parte de nossos criacuteticos teatrais declarava Ibsen ininteligiacutevel e mistificador
acusando aqueles que nutriam qualquer simpatia pelo escritor norueguecircs de snobs que
fingiam gostar de sua obra devido ao seu relativo sucesso em Paris Os criacuteticos mais avessos a
1 Briacutecio de Abreu Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958 p 15 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Passando por alto uma representaccedilatildeo de Fernanda []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 4 jul 1907 Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 626-628 3 ldquoSantrsquoAnna ndash Eleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 21 jul 1907 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 4 Joatildeo Crespo ldquoUm criacutetico teatral de uma folha matutina mostrou-se escandalizado []rdquo Comeacutercio de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 23 jul 1907 Revistinha p 1
50
Ibsen recorriam quase sempre agraves teses do meacutedico huacutengaro Max Nordau para desqualificar
sua obra considerando-a o arqueacutetipo da degeneraccedilatildeo da sociedade Ao publicar
Deacutegeacuteneacuterescence em 1893 Nordau retomou e radicalizou as grandes linhas das teorias de
Cesare Lombroso mdash sobretudo aquela em que o psiquiatra italiano aproximava a genialidade
da loucura mdash para declarar a arte moderna degenerada Frutos de autores semi-loucos essas
obras doentias poderiam segundo Nordau corromper os espiacuteritos dos leitores levando-os agrave
degradaccedilatildeo1 Nietzsche Tolstoacutei Zola e Ibsen entre outros foram considerados autores
ldquodegenerescentesrdquo que por traacutes da maacutescara enganadora de revolucionaacuterios da arte conduziam
pouco a pouco a sociedade agrave deterioraccedilatildeo moral Nessa esteira Alfredo Pujol em sua coluna
ldquoOs meus domingosrdquo drsquoO Estado de S Paulo aleacutem de censurar Ibsen por levar para o palco
ldquoas verdades crueacuteis da vidardquo e ldquoas tristes enfermidades da alma contemporacircneardquo fez questatildeo
de lembrar o diagnoacutestico ldquodos enfermos do hospital de Ibsenrdquo feito por R Geyer disciacutepulo de
Nordau degenerescecircncia mental histeria demecircncia senil deliacuterio crocircnico alcoolismo
melancolia etc2 Para Pujol esse teatro sombrio e doloroso natildeo podia durar muito caso
contraacuterio veriacuteamos ldquoenquanto no palco se representa Ibsen despencarem suicidas das
torrinhas e trocarem-se tiros de revoacutelver nos camarotesrdquo3 Ibsen portanto natildeo devia ser
representado mas somente lido como um escritor de gabinete natildeo de plateacuteia
Por esse tempo Moritz Prozor o ceacutelebre tradutor da obra de Ibsen para o francecircs
vivia em Petroacutepolis (RJ) a cargo de suas funccedilotildees de Ministro da Ruacutessia Durante sua
permanecircncia no Brasil Conde Prozor como passou a ser conhecido entre noacutes foi um
importante divulgador do teatro ibseniano e da esteacutetica simbolista de Lugneacute-Poe e Camille
Mauclair de quem foi profundo admirador Era comum como nos lembra Afonso Celso ver
Prozor nos salotildees brasileiros ldquoreferir-se agrave vida e agrave obra do seu poeta e escritor teatral
preferido a explicar-lhes as intenccedilotildees a filosofia o engenho inovador a salutar accedilatildeo
revolucionaacuteriardquo4 Por certo a amizade que Prozor teve por Nestor Viacutetor e sobretudo por Graccedila
Aranha mdash de quem prefaciou a ediccedilatildeo francesa de Canaatilde mdash influenciou de alguma maneira o
rumo da produccedilatildeo criacutetica e literaacuteria desses dois escritores que se deixaram atrair pelo
simbolismo Aliaacutes foi por intermeacutedio de Prozor que Graccedila Aranha conheceu a obra de Ibsen
a quem viria a dedicar um artigo em A esteacutetica da vida de 1921 Nesse artigo intitulado ldquoA
esteacutetica de uma trageacutediardquo Graccedila Aranha declarava que a forccedila dos dramas ibsenianos natildeo
estava na censura do autor agraves hipocrisias sociais mdash ldquotoda arte inspirada nos problemas sociais
1 Cf Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf R Geyer Eacutetude meacutedico-psychologique sur le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris [sn] 1902 3 Alfredo Pujol ldquoOs meus domingosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo p1 28 jul 1907 4 Afonso Celso ldquoIbsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 28 abr 1928
51
eacute precaacuteriardquo afirmava ele mdash mas no mundo de sonho imagens e poesia que uma vez posto
em accedilatildeo fazia ldquonascer o prodiacutegio de uma misteriosa comunhatildeo esteacuteticardquo Nesse sentido a
beleza em Hedda Gabler ainda segundo Graccedila Aranha encontrava-se no caraacuteter estranho e
fascinante da personagem-tiacutetulo que sendo irremediavelmente incompatiacutevel com a
sociedade a colocara numa situaccedilatildeo insoluacutevel podendo Hedda apenas ser salva pela morte
Para ele a ldquovisatildeo espetacular do mundordquo era o que assegurava agraves peccedilas de Ibsen valor e
universalidade1 Antes desse artigo Graccedila Aranha publicou em 1911 Malasarte peccedila que
tem semelhanccedilas e afinidades com Peer Gynt de Ibsen Ambas apresentam como
protagonista um heroacutei do folclore nacional tanto Peer Gynt como Malasarte vivem numa
esfera de amoralidade destituiacuteda dos conceitos de bem e mal e a mentira eacute o recurso que as
personagens utilizam para ldquoencantarrdquo os outros safando-se assim das encrencas que se metem
ao longo de suas vidas2 Malasarte aleacutem de ser publicada em portuguecircs ganhou uma versatildeo
em francecircs com prefaacutecio de Camille Mauclair A peccedila tambeacutem foi encenada no Theacuteacirctre de
lrsquoOeuvre em fevereiro de 1911 tendo em seu elenco Greta Prozor filha do Conde Prozor
uma das grandes inteacuterpretes de Ibsen na Franccedila
Ainda em 1911 Araripe Jr reuniu em livro nove artigos seus todos publicados no
Jornal do Comeacutercio do Rio entre 1895 e 1909 compondo assim uma monografia dedicada agrave
obra de Ibsen3 No prefaacutecio desse volume intitulado Ibsen Araripe Jr discute seus criteacuterios
literaacuterios reforccedilando sua adesatildeo agraves teorias de Taine ao evolucionismo de Spencer e ao
cientificismo de Eacutemile Hennequin As obras literaacuterias desse modo eram tratadas como
documentos que ao representar a sociedade e a natureza que as produziram podiam revelar a
psicologia de um seacuteculo ou povo Assim em Ibsen Araripe Jr procurou mostrar como o
sentimento da trageacutedia apesar das condiccedilotildees mesoloacutegicas eacutetnicas e momentacircneas
desenvolveu-se em Eacutesquilo e Shakespeare e que caminhos seguiu ateacute chegar ao seacuteculo XIX
quando aparece a dramaturgia de Ibsen Nesse percurso o criacutetico concluiu que a essecircncia da
trageacutedia moderna repousava no ldquocontraste feroz entre a vida subjetiva e a maacutequina do poderrdquo
ressalvando o caraacuteter psicossocial (e jaacute natildeo mais puramente miacutetico) do teatro moderno
Embora para Araripe Jr a obra de Ibsen natildeo fosse ldquooutra coisa senatildeo um magniacutefico capiacutetulo
de criacutetica socialrdquo ela apresentava tatildeo somente o lado ldquosaturninordquo da vida projetando-se numa
esfera espectral Por essa razatildeo suas personagens sobretudo as femininas adquiriram um
1 Graccedila Aranha ldquoA esteacutetica de uma trageacutediardquo A esteacutetica da vida Rio de Janeiro Garnier 1921 p 210-213 2 Cf sobre as semelhanccedilas entre Peer Gynt e Malasarte Joseacute Carlos Garbuglio ldquoDe Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) Revista do Instituto de Estudos Brasileiros Satildeo Paulo USP n 4 p 81-96 1968 3 Tristatildeo de Alencar Araripe Jr Ibsen Porto Lello amp Irmatildeo 1911
52
aspecto ldquomisteriosamente maleacuteficordquo como de ldquoum ente que natildeo parece desse mundordquo De
qualquer modo ainda segundo Araripe Jr a genialidade do dramaturgo estava na capacidade
que ele tinha de ldquoenxergar na vida o que nem todos podem verrdquo encerrando em sua obra ldquoo
comeccedilo da construccedilatildeo ideal da sociedaderdquo marca do sinal dos tempos que despertou o
interesse de alguns franceses como Antoine e Lugneacute-Poe
Nesse periacuteodo de 1895 a 1911 pode-se perceber a formaccedilatildeo cultural de nossos
criacuteticos que com graus diferentes de influecircncia nutriram-se de obras tributaacuterias ora do
evolucionismo e do materialismo corriqueiro de Max Nordau Spencer Haeckel e Comte ora
do idealismo e esteticismo de Eacutedouard Schureacute e Camille Mauclair ora da tendecircncia analiacutetica
de Eacutedouard Rod escritor suiacuteccedilo que como Moritz Prozor foi um dos famosos prefaciadores
das traduccedilotildees francesas das peccedilas de Ibsen No que diz respeito especificamente agrave criacutetica
teatral continuariacuteamos durante algum tempo a utilizar os criteacuterios analiacuteticos de Francisque
Sarcey
53
Um claacutessico imperfeito
Durante a Primeira Guerra as companhias estrangeiras que faziam as vezes de
atualizar nossa cena apresentando-nos os principais autores da vanguarda europeacuteia deixaram
de vir com frequumlecircncia ao Brasil Essa situaccedilatildeo contribuiu ao menos em parte para que os
nossos homens de teatro ficassem totalmente agrave margem da revoluccedilatildeo cecircnica operada por
Stanislavski Gordon Craig e Meyerhold restando-nos apenas ldquoa praacutetica do estrelismordquo
Assim a dramaturgia brasileira voltou-se para os temas nacionais retomando o fio iniciado
por Martins Pena e Franccedila Juacutenior a saacutetira aos costumes de nossa organizaccedilatildeo social e poliacutetica
a exaltaccedilatildeo da terra e da vida no campo em oposiccedilatildeo agrave degeneraccedilatildeo dos haacutebitos citadinos e o
contraste entre a figura do estrangeiro tolo e o brasileiro haacutebil e esperto Nesse gecircnero de
teatro o texto servia apenas como apoio agraves improvisaccedilotildees dos atores assinalando a tendecircncia
aos efeitos faacuteceis que se prolongaria durante as deacutecadas de 1920 e 1930 As peccedilas desse
modo eram escritas sob medida para os atores preferidos pelo puacuteblico que tinham a
possibilidade de projetar suas personalidades no palco A ausecircncia do diretor encarregado de
coordenar o espetaacuteculo numa visatildeo unitaacuteria facilitava ainda mais o improviso dos efeitos
cocircmicos o gosto dos ldquocacosrdquo e o desequiliacutebrio do conjunto contribuindo para colocar sempre
em primeiro plano o ator principal da companhia Muitos desses ldquoastrosrdquo aliaacutes tornaram-se
empresaacuterios teatrais emprestando aos grupos que dirigiam seus nomes de iacutedolos populares
caso das companhias de Leopoldo Froacutees e de Procoacutepio Ferreira Essas comeacutedias de costumes
previam por ordem expressa dos empresaacuterios um cenaacuterio fixo geralmente a sala de visitas de
uma famiacutelia de classe meacutedia por onde desfilavam os tipos habituais o galatilde o pai libertino e
conservador a matildee ingecircnua e dedicada a avoacute resmungona o empregado impertinente etc
Nessas circunstacircncias Ibsen voltaria aos palcos brasileiros somente em setembro de
1915 com a encenaccedilatildeo de Os espectros pela companhia de Gustavo Salvini no Teatro
Cassino Antaacutertica em Satildeo Paulo O ator italiano que jaacute havia apresentado essa peccedila no Rio e
em Satildeo Paulo em 1907 recebeu a mesma ldquoruidosa ovaccedilatildeordquo do puacuteblico e principalmente da
criacutetica que alardeava a perfeita atuaccedilatildeo de Salvini como resultado do longo tempo que ele
passara nos hospitais observando os casos de ataxia locomotora Ibsen embora acolhido com
um pouco mais de simpatia continuava a ser considerado um autor de ideacuteias tristes e
sombrias que fizera do teatro no dizer de um criacutetico do Correio Paulistano ldquoum museu de
54
anatomiardquo1 Aleacutem de Novelli e Salvini Ermete Zacconi foi outro ator italiano que se tornou
ceacutelebre na interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving de Os espectros apresentando-se no Teatro
Municipal de Satildeo Paulo em janeiro de 1924 Desde 1892 quando entatildeo estreara no Teatro
Manzoni de Milatildeo sob as orientaccedilotildees de Enrico Polese Zacconi vinha interpretando essa
personagem Apesar das renovaccedilotildees levadas agraves cenas europeacuteias por Stanislavski Craig
Meyerhold Appia Max Reinhardt e Copeau as representaccedilotildees de Zacconi seguiam ainda a
foacutermula de Polese O texto ibseniano ajustado ao gosto do puacuteblico tornava-se mero apoio
para que a figura de Zacconi sobressaiacutesse ao restante do elenco da companhia que aliaacutes era
formada por membros de sua famiacutelia A uacuteltima cena da peccedila em que Osvaldo Alving tem um
acesso de loucura exclamando ldquoIl sole Il solerdquo foi considerada pela imprensa o ponto alto
do drama Em cenas como essa Zacconi tinha a chance de mostrar ao puacuteblico as suas
qualidades de ator dramaacutetico exibindo no palco as nuanccedilas da enfermidade de Osvaldo Os
criacuteticos acostumados ao individualismo artiacutestico de nossos atores que muitas vezes
colocavam seus exibicionismos acima da ficccedilatildeo elogiaram muito o desempenho de Zacconi
ldquoComo se estiveacutessemos diante de um doente autecircntico faz mal agrave gente ver em cena o pobre
Osvaldo com as matildeos trecircmulas o andar trocircpego a liacutengua jaacute baralhada a cada instante
trocando siacutelabas e esquecendo dos nomes mais familiares Zacconi eacute tatildeo magistral nessa
personagem e impressiona tanto que a sala inteira parecia dominada como hipnotizada pela
sua arterdquo2 O sucesso da temporada de Zacconi foi um dos maiores jaacute vistos em Satildeo Paulo
com o proacuteprio Leopoldo Froacutees saudando-o de modo pomposo em cena aberta ldquoEacutes o sol eu
sou o vaga-lumerdquo
Em 1928 comemorou-se no mundo inteiro o centenaacuterio de Ibsen Nessa ocasiatildeo os
principais jornais brasileiros trouxeram mateacuterias que tentavam explicar a trajetoacuteria e as ideacuteias
do autor A essa altura o dramaturgo norueguecircs jaacute era considerado um claacutessico da literatura
dramaacutetica moderna sendo comumente comparado a Soacutefocles e a Shakespeare No Brasil com
alcance e graus de refinamento diversos Ibsen tambeacutem passou a ser reconhecido como um
ldquoespiacuterito originalrdquo responsaacutevel por introduzir novas situaccedilotildees no palco animando o teatro
com suas extraordinaacuterias personagens Natildeo se pode dizer no entanto que o dramaturgo
tornara-se um autor estimado de nossos criacuteticos muito menos popular jaacute que havia uma
concordacircncia generalizada de que sua obra de temas obscuros e de teatralidade inconsistente
podia alcanccedilar apenas uma parte do puacuteblico o de rigorosa formaccedilatildeo literaacuteria Supeacuterflua entatildeo
1 ldquoCassino Antaacutertica ndash A companhia dramaacutetica italiana []rdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 4 set 1915 Teatros e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura)
55
tornava-se a anaacutelise de suas peccedilas que apesar de continuarem a ser representadas nas cenas
mais autorizadas do mundo com enorme sucesso natildeo provocavam mais controveacutersias Para a
maioria de nossos criacuteticos o ecircxito de Ibsen como um artista de gecircnio era inquestionaacutevel no
entanto seu estilo insoacutelito era deacutemodeacute Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo passada a
curiosidade ningueacutem mais interessava-se pelas excentricidades de suas personagens pois elas
eram ldquode fato de outro meio de uma sociedade bem diversa provavelmente da nossa com
ideacuteias e costumes feitos segundo outra tradiccedilatildeordquo1 O mesmo acontecia com sua teacutecnica
dramatuacutergica que embora tivesse produzido uma consideraacutevel renovaccedilatildeo no gecircnero literaacuterio
natildeo apresentava segundo o jornalista Fleacutexa Ribeiro a ldquodramaticidade cecircnica necessaacuteria para
impressionar os auditoacuterios mais ou menos distraiacutedos e que vivem ainda soacute pelo sentimentordquo2
As figuras ibsenianas outrora tatildeo polecircmicas a ponto de muitos terem considerado
Ibsen um criador de monstros passaram a ser vistas com menos antipatia Para Fleacutexa Ribeiro
o aspecto mais marcante da obra de Ibsen era a ldquofecundidade da vida interiorrdquo de suas
personagens e o conceito de obscuridade habitualmente atribuiacutedo ao seu teatro era causado
sobretudo pela dupla personalidade de suas figuras dramaacuteticas Ibsen sendo um gecircnio
analiacutetico criara ldquouma seacuterie maravilhosa de realidades interioresrdquo onde atuavam ainda
segundo Fleacutexa Ribeiro ldquopersonagens invisiacuteveisrdquo que soacute poderiam ser explicadas pelo estudo
da psicologia Ribeiro talvez tenha sido um dos primeiros criacuteticos a aventar a possibilidade de
se analisar um obra de ficccedilatildeo pelo vieacutes psicanaliacutetico ldquoQuando um dia se conhecer melhor a
psicologia todo esse vasto domiacutenio do inconsciente e se tiver fixado as leis gerais que regem
os estranhos fenocircmenos do subconsciente (pois que ambos se aproximam mas satildeo bem
diferenciados) verificaremos o quanto a atuaccedilatildeo do invisiacutevel do desapercebido eacute profunda
duradoura e inquietanterdquo3 Outro criacutetico que admirava o eacutetat drsquoacircme das personagens
ibsenianas era Camille Mauclair um dos precursores do teatro simbolista francecircs que teve
uma conferecircncia sua traduzida e publicada nrsquoO Paiacutes em 25 de marccedilo de 1928 Em ldquoAgrave
memoacuteria de Ibsenrdquo Mauclair falou num primeiro momento de sua trajetoacuteria artiacutestica e de
como Ibsen entrara nas cogitaccedilotildees do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre apresentando um balanccedilo das
montagens realizadas pela sua companhia Num segundo momento o criacutetico francecircs tratou de
avaliar a obra do norueguecircs na eacutepoca presente Todas as ideacuteias sociais a que Ibsen dava
especial apreccedilo como a liberdade por exemplo pareciam-lhe ldquoavelhentadasrdquo e indiferentes
restando apenas ldquoos elementos da consciecircncia e da vida interiorrdquo para ele traccedilos originais do
1 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 2 Fleacutexa Ribeiro ldquoNo centenaacuterio de Ibsenrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo p 3 18 mar 1928 3 Id ldquoIbsen e o subconscienterdquo O Paiacutes Rio de Janeiro p 3 2 abr 1928
56
autor Eacute nesse sentido que segundo Mauclair Casa de boneca ldquomalgrado o seu desfecho
alegoacuterico e mal explicadordquo continuava a despertar o interesse de artistas de prestiacutegio
sobretudo de atrizes que se sentiam atraiacutedas pela personalidade de Nora A mesma coisa
acontecia com Os espectros uma das peccedilas segundo ele mais perfeitas de Ibsen que podia
ldquosuportar o confronto com as grandes criaccedilotildees gregasrdquo
Se por um lado o teatro de Ibsen ainda sofria censura por ser considerado pouco
dramaacutetico parecendo mais um ldquoromance dialogadordquo por outro havia quem enxergasse
justamente nessa reserva o desenvolvimento do teatro moderno Era o caso de Antonio de
Alcacircntara Machado que no ensaio ldquoHenrik Ibsenrdquo publicado no Diaacuterio Nacional de Satildeo
Paulo em 2 de abril de 1928 procurou explicar a teacutecnica dramatuacutergica do autor Com esse
texto escrito sob o pseudocircnimo de J J de Saacute Alcacircntara Machado deu novo alento agrave criacutetica
teatral brasileira Primeiro porque sua reflexatildeo voltava-se para o estudo da forma dramaacutetica de
Ibsen assunto nunca antes tratado na imprensa segundo porque a maneira de escrita de seu
ensaio subvertia a rigidez da estrutura dos artigos que normalmente obedeciam a um mesmo
molde resumo da obra (interesse mais pelo enredo do que pela teacutecnica) e comentaacuterios sobre o
desempenho dos atores e sobre o comportamento da plateacuteia Seus escritos passaram a
incorporar em sua fatura os elementos proacuteximos ao historicismo das formas teatrais e os
criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila comeccedilaram a ser vistos sob a perspectiva da crise do drama
do repuacutedio agrave carpintaria teatral de efeito e da insuficiecircncia da forma dramaacutetica brasileira
Assim Alcacircntara Machado antecipa alguns dos pressupostos que soacute em 1956 seriam
formulados por Peter Szondi na Teoria do drama moderno a contradiccedilatildeo entre a velha forma
do drama burguecircs e os novos conteuacutedos que ela natildeo tem como assimilar1 De maneira ainda
sutil sem entrar na interpretaccedilatildeo social da forma Alcacircntara Machado discute a crise do
gecircnero dramaacutetico em Ibsen e a impossibilidade moderna do drama dando um primeiro passo
para romper o ciclo de atraso de nossa criacutetica teatral que continuava trabalhando com os
mesmos meacutetodos de anaacutelise do final do seacuteculo XIX O ensaio encerra um caraacuteter pedagoacutegico
pelo modo como o criacutetico esclarece a nova realidade da accedilatildeo e das personagens em Ibsen
trazendo uma importante contribuiccedilatildeo pela maneira como aponta os caminhos que deviam
trilhar o teatro brasileiro a busca por formas dramaacuteticas anti-burguesas
O que salta aos olhos na primeira leitura do texto de Alcacircntara Machado eacute o abandono
da velha discussatildeo em torno das peccedilas da primeira fase de Ibsen interessando-se apenas pelos
dramas que apontam para a desestruturaccedilatildeo do ato teatral NrsquoA comeacutedia do amor o criacutetico
1 Cf Peter Szondi ldquoA crise do drama Ibsenrdquo Teoria do Drama Moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 p 37-46
57
assinala o desembaraccedilo da accedilatildeo e o interesse do dramaturgo pelas questotildees de seu tempo A
partir de Os pilares da sociedade ele assinala a influecircncia decisiva de Ibsen no
desenvolvimento de uma nova realidade da accedilatildeo dramaacutetica o interesse do autor norueguecircs
pelo passado das personagens como forma de ampliar o mundo aleacutem do diaacutelogo
interindividual agrave semelhanccedila do que ocorria no romance Nada daquela ldquohistoacuteria arranjadinha
que tem que comeccedilar no primeiro ato atingir o seu maior grau de intensidade no segundo e
acabar de qualquer maneira no terceirordquo A obra ibseniana abandonava de vez os cacoetes
romacircnticos os versos e as situaccedilotildees apoteoacuteticas subvertendo tudo e alcanccedilando a dramaturgia
de outros paiacuteses Nessa esteira Alcacircntara Machado descreve um panorama da recepccedilatildeo de
Ibsen na Europa sem deixar de inferir uma criacutetica cortante agraves teorias francesas responsaacuteveis
pela resistecircncia de intelectuais artistas e plateacuteia ao teatro do dramaturgo norueguecircs ldquoo mau
teatro francecircs portanto assimilava e igualava o teatro europeu entatildeo sinocircnimo de universalrdquo
Em Catilina o criacutetico identifica o cerne da constituiccedilatildeo de todas as personagens
ibsenianas o que ele denomina de figura do heroacutei falhado1 tipos ambiacuteguos de moral
duvidosa que se vecircem em contradiccedilatildeo entre a vontade e o ato Essas figuras para Alcacircntara
Machado movem-se de acordo com os interesses da burguesia e num dado momento satildeo
coagidas a enfrentar seu passado de devassidatildeo e baixeza Portanto elas nada tecircm de
anormais degeneradas e incoerentes estando suas accedilotildees condicionadas agrave realidade social a
que estatildeo inseridas Os espectadores nunca as conheceratildeo em sua integridade natildeo sendo
possiacutevel portanto tomar partido contra ou a favor de nenhuma delas Ainda segundo criacutetico a
tentativa de conhececirc-las na maioria das vezes leva a uma ldquoseacuterie de indagaccedilotildees freudianasrdquo
que privilegiam mais o estudo do gesto do mecanismo interior que prepara essa ou aquela
atitude da personagem em detrimento da reflexatildeo sobre as relaccedilotildees sociais que se
estabelecem entre elas As anaacutelises de Alcacircntara Machado atentas aos modelos de renovaccedilatildeo
estrangeira incorporavam uma dimensatildeo criacutetica avanccedilada indicando uma clareza cada vez
maior sobre o processo de superaccedilatildeo histoacuterica da forma dramaacutetica O criacutetico haacute muito jaacute havia
compreendido que a forma teatral para representar o mundo da crise da ordem burguesa
precisava lanccedilar matildeo de temporalidades muacuteltiplas diferente daquele tipo de organizaccedilatildeo em
que tudo tem que acabar no terceiro ato Ele percebeu que era necessaacuterio expandir o espaccedilo-
tempo das personagens para aleacutem do presente da accedilatildeo introduzindo os elementos eacutepicos nas
representaccedilotildees
1 Cf sobre este e outros aspectos da criacutetica de Alcacircntara Machado Seacutergio de Carvalho O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
58
Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen
Na deacutecada de 1930 pouco haacute para assinalar de novo nos campos da dramaturgia e da
atualizaccedilatildeo cecircnica apenas algumas tentativas de renovaccedilatildeo iniciadas ainda nos anos 1920
pela Companhia Brasileira de Comeacutedia de Oduvaldo Viana pelo teatro social de Jaime Costa
e pelo Teatro de Brinquedo de Aacutelvaro e Eugecircnia Moreira Estes a propoacutesito foram os
responsaacuteveis pela primeira produccedilatildeo brasileira de uma peccedila de Ibsen Hedda Gabler
encenada no Teatro Regina do Rio de Janeiro em 1937 Infelizmente quase nenhuma
informaccedilatildeo temos sobre esse espetaacuteculo salvo o registro de Gustavo Doacuteria em seu Moderno
teatro brasileiro ldquoAproveitando um grupo de atores afastados do palco Eugecircnia organizou
sob os auspiacutecios da Casa dos Artistas um conjunto que percorreu os subuacuterbios apresentando-
se em circos pavilhotildees cine-teatros e clubes com um repertoacuterio que abrangia Matildee de Joseacute
Alencar O noviccedilo de Martins Pena Hedda Gabler de Ibsen []rdquo1
Em setembro de 1938 Ermete Zacconi voltou a apresentar Os espectros no Teatro
Municipal de Satildeo Paulo A montagem centralizada no fatalismo da doenccedila de Osvaldo
Alving mesmo depois de ultrapassadas as teorias da hereditariedade pareceu aos nossos
criacuteticos inconsistente e fantasmagoacuterica Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo pouco
impressionava ldquoa parte mais esclarecida do puacuteblicordquo o caso do artista condenado agrave loucura
parecendo-lhe mais loacutegica e natural a figura de Helena ldquoa matildee sofredora cheio de recalcados
temoresrdquo2 Assim o sucesso do espetaacuteculo ficou por conta de Zacconi que salvo ligeiras
modificaccedilotildees apresentou a mesma imagem os mesmos gestos e inflexotildees que o puacuteblico tinha
aprendido a admirar desde a primeira interpretaccedilatildeo que o ator fizera dessa personagem em
Satildeo Paulo quatorze anos atraacutes Tanto era assim que para os espectadores dessa encenaccedilatildeo de
1938 foi natural ver o ator aos 81 anos subir ao palco para interpretar o jovem pintor viacutetima
da tara paterna
Em 1939 ano em que Otto Maria Carpeaux chegou ao Brasil a obra de Ibsen era
considerada anecircmica feita de uma teacutecnica artificial e antiquada de intrigas elementarmente
mecacircnicas e assuntos superados textos mortos enfim que visavam mais agrave leitura que agrave
representaccedilatildeo Nesse ambiente contraacuterio a qualquer experiecircncia que natildeo fosse selecionada e
filtrada pela influecircncia e visatildeo francesas Carpeaux tornou-se um espiacuterito renovador
mostrando pontos de vista diferentes dos que reinavam aqui seja ao revelar escritores pouco
1 Gustavo A Doacuteria ldquoDez anos de permeiordquo Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975 p 39 2 O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 2 set 1938 Palcos e Circos p 4 (Sem assinatura)
59
conhecidos como Kafka Vico Croce Dilthey Max Weber seja ao reconsiderar outros caso
de Ibsen que natildeo tiveram suas obras devidamente analisadas Dessa maneira em 1942
Carpeaux publicou ldquoDefesa de Ibsenrdquo o primeiro de uma seacuterie de artigos em que procurou
resgatar os aspectos de atualidade do teatro ibseniano Nesse texto jaacute encontramos as ideacuteias
que dois anos mais tarde seriam desenvolvidas minuciosamente no ldquoEnsaio sobre Henrik
Ibsenrdquo o estudo mais conhecido de Carpeaux sobre o dramaturgo escrito a propoacutesito da
traduccedilatildeo para o portuguecircs de seis de suas peccedilas1 Entre os anos de 1940 e 1970 Carpeaux fez
conferecircncias escreveu artigos ensaios tornando-se a criacutetica mais avanccedilada e a autoridade
maacutexima dos estudos ibsenianos no Brasil a ponto de quase todas as montagens realizadas
nesse periacuteodo trazer em seus programas textos comentaacuterios ou qualquer citaccedilatildeo do criacutetico
O primeiro problema que Carpeaux identificou na resistecircncia da criacutetica brasileira agrave
obra de Ibsen era a forma de ver seus dramas sempre encerrados na estreiteza do teatro
realista e nas preocupaccedilotildees da burguesia do fim do seacuteculo XIX Para Carpeaux os assuntos de
Ibsen natildeo podiam ter envelhecidos como diziam os nossos criacuteticos porque simplesmente
nunca existiram em suas peccedilas Ler Os espectros como uma trageacutedia da hereditariedade e
tomar a cataacutestrofe de Osvaldo como a mateacuteria essencial do drama era segundo Carpeaux um
erro ldquoo heroacutei da peccedila natildeo eacute Osvaldo eacute sua devota matildee Helena que arruinou o filho natildeo
querendo abandonar o marido corrompidordquo2 A mesma coisa acontecia com Os pilares da
sociedade cujo assunto natildeo era a podridatildeo moral de um burguecircs respeitado e sim o medo que
cada indiviacuteduo tem do seu passado Em Um inimigo do povo a forccedila natildeo estava na derrota e
sim na vitoacuteria da democracia E em Casa de boneca a mateacuteria natildeo era a emancipaccedilatildeo
feminina pois para o criacutetico as mulheres jaacute haviam conquistado todos os direitos civis
poliacuteticos e sociais A tese essencial era a dificuldade e a necessidade de cada um assumir a
responsabilidade pelos seus atos De fato as reflexotildees de Carpeaux deram novo acircnimo para as
discussotildees de Ibsen no Brasil No entanto suas anaacutelises desenvolvidas a partir de
consideraccedilotildees de ordem moral e religiosa oriundas de uma visatildeo catoacutelica do mundo
minimizaram as reivindicaccedilotildees sociais das peccedilas valorizando apenas ldquoo destino do homem
individual e humanordquo Por isso para ele a condiccedilatildeo feminina em Casa de boneca era um
assunto obsoleto servindo apenas para expor a personagem agrave prova natildeo tendo Nora portanto
ldquoo direito de reivindicar no palco os direitos da mulher porque a mulher do nosso tempo jaacute
1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 31-65 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 149-161 p 158
60
tem todos os direitosrdquo1 Eacute assim que sob essa vertente religiosa Carpeaux ldquoesquecia-serdquo
entre outras coisas de que apesar da constituiccedilatildeo de 1934 ter regularizado a entrada das
mulheres no mercado de trabalho elas continuavam a receber menos que os homens que o
direito de abrir contas fazer cesarianas e viajar sem a permissatildeo do marido soacute estabelecido
em 1962 ainda estava longe de ser conquistado assim como o divoacutercio que soacute viria a ser
reconhecido no Brasil em 1977
A atualidade de Ibsen para Carpeaux estava no fato do dramaturgo ter descoberto o
modo de reintroduzir a proacutepria noccedilatildeo de destino e de fatalidade mdash conceito essencial da
trageacutedia mdash no teatro moderno Assim para a compreensatildeo dos problemas de Ibsen natildeo
importava tanto considerar a escolha de seus assuntos mas sim a maneira como ele os tratava
Apenas por esse caminho chegava-se ao fundamento do teatro do autor norueguecircs e agrave unidade
interior de toda a sua obra ldquoo combate agrave mentira e a preocupaccedilatildeo da salvaccedilatildeo da alma
humanardquo2 A partir de um vieacutes ldquotraacutegico cristatildeordquo3 em que o conceito de trageacutedia transformava-
se em criteacuterio de valor Carpeaux colocou no centro de discussatildeo dos dramas ibsenianos o
dogma do pecado original Por essa razatildeo os heroacuteis de Ibsen estavam condenados a responder
pelos erros cometidos no passado ldquoO destino das suas personagens eacute determinado
inexoravelmente pelas forccedilas do seu passado pela lembranccedila inextinguiacutevel e vingadora de
crimes perpetrados ou tencionados em eacutepocas anteriores da sua vida Ibsen escreveu
propriamente trageacutedias lsquohistoacutericasrsquo embora representadas em roupagens modernas Natildeo
acredita na possibilidade de fugir por meio de conversotildees morais ao determinismo da
histoacuteriardquo4
Assim como na trageacutedia grega as personagens ibsenianas estavam fadadas a se opor agrave
ordem moral do mundo A natureza exata das forccedilas em confronto era a necessidade do
homem agir contra as leis do Estado e suportar a responsabilidade dos seus atos com todas as
suas consequumlecircncias Dessa forma em Ibsen o traacutegico apresentava-se como uma fatalidade
livremente aceita pelo heroacutei que mesmo sabendo que poderia selar a sua proacutepria perda ao dar
iniacutecio ao combate manifestava o desejo de lutar pela sua liberdade Por isso Nora tinha de
abandonar seu lar Helena Alving tinha que largar o marido e Dr Stockmann tinha que
1 Otto Maria Carpeaux ldquoAos atores brasileirosrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 1 abr 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 154 (Grifo meu) 3 Cf sobre esse aspecto e outros do meacutetodo criacutetico de Carpeaux Mauro de Souza Ventura Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 4 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 63
61
denunciar a presenccedila de microacutebios nas aacuteguas minerais A contradiccedilatildeo entre as leis do
indiviacuteduo e da sociedade constituiacuteam segundo Carpeaux o conflito traacutegico que conferia agraves
peccedilas de Ibsen ldquoo assunto do gecircnero da Trageacutediardquo1 Do mesmo modo a necessidade inelutaacutevel
de assumir a falta cometida levava o heroacutei ibseniano assim como na trageacutedia a expiar os seus
pecados ateacute o fim Caso por exemplo de Helena Alving que escrava das convenccedilotildees sociais
natildeo abandonou o marido levando o filho agrave loucura Portanto a esse sentimento do traacutegico se
associava em Carpeaux a visatildeo pessimista da natureza humana segundo a qual somente por
meio da aceitaccedilatildeo do castigo pelo erro cometido no passado o homem poderia alcanccedilar a
remissatildeo e recobrar a sua liberdade ldquoNo foacuterum iacutentimo da alma descobre Ibsen a possibilidade
de salvaccedilatildeo aquela ldquomudanccedila de vidardquo que no Evangelho se chama lsquometanoeitersquo Eis o
sentido iacutentimo da fase ldquoneo-romacircnticardquo Lille Eyolf eacute a peccedila ldquoTolstoacuteianardquo da conversatildeo John
Gabriel Borkman eacute a trageacutedia da purificaccedilatildeo Naar vi Doede Vaagner [Quando noacutes os mortos
despertarmos] eacute a trageacutedia da ldquoressurreiccedilatildeordquo na morte do indiviacuteduordquo2
A partir da deacutecada de 1960 periacuteodo de instauraccedilatildeo do regime militar e da censura das
produccedilotildees artiacutesticas Carpeaux deixou um pouco de lado a visatildeo conservadora do catolicismo
passando a assumir pontos de vista poliacuteticos na apreciaccedilatildeo da literatura Assim o interesse
pela ldquosalvaccedilatildeo da almardquo em Ibsen foi substituiacutedo pelos problemas sociais Atesta-o um artigo
de 1962 onde o criacutetico apontou o disparate de se pensar resolvidos os problemas ibsenianos
ldquoEacute preciso ter muito boa consciecircncia e muita audaacutecia para achar lsquoantiquadosrsquo os negocistas
em As colunas da sociedade e a corrupccedilatildeo administrativa e o jornal venal em Um inimigo do
povordquo3 Nesse mesmo artigo Carpeaux tomou como o aspecto mais marcante da modernidade
de Ibsen a sua teacutecnica dramatuacutergica que assim como a de Brecht refutava o teatro
ilusioniacutestico levando o puacuteblico a participar dos acontecimentos no palco Em outro texto
publicado no programa do espetaacuteculo Casa de boneca da Companhia Tocircnia-Celi-Autran em
1973 o criacutetico denunciou o cerceamento da liberdade e a necessidade dos indiviacuteduos terem
consciecircncia dessa situaccedilatildeo Em chave irocircnica Carpeaux criticou o arbiacutetrio e o autoritarismo
que tomavam conta do paiacutes ldquoPois em nosso tempo atual e atualiacutessimo natildeo acontece mdash como
todo mundo sabe mdash que um empresaacuterio rico e respeitoso como lsquocoluna de sociedadersquo eacute na
realidade um escroque tampouco acontece em nosso tempo de plenitude da democracia que
um homem eacute perseguido como lsquoinimigo do povorsquo porque denuncia uma corrupccedilatildeo
1 Otto Maria Carpeaux ldquoPresenccedila de Ibsenrdquo Teatro brasileiro Satildeo Paulo Jaraguaacute n 7 p 2-3 maio-jun 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 64 3 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Acontece embora raramente []rdquoO Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 abr 1962 Suplemento Literaacuterio n 278 p 1
62
aproveitada pelos bem-pensantesrdquo1 Casa de boneca desse modo foi vista por Carpeaux
como a alegoria da luta dos homens pela liberdade e o gesto corajoso de Nora na uacuteltima cena
da peccedila como o expediente necessaacuterio para a transformaccedilatildeo da sociedade moderna que
tratava a todos homens e mulheres como bonecas
Sem duacutevida Carpeaux teve um papel importante como animador da volta de Ibsen aos
palcos brasileiros e como divulgador de sua obra entre noacutes No entanto sua concepccedilatildeo traacutegica
das peccedilas ibsenianas filtrada pela oacutetica do catolicismo progressista deu ensejo a uma seacuterie de
conjecturas que pouco ou quase nada de novo acrescentaram agrave anaacutelise do teatro de Ibsen Ao
contraacuterio ao aproximar a obra do norueguecircs da trageacutedia grega concentrando-se sobretudo na
figura do heroacutei ibseniano concebido como um indiviacuteduo isolado que sofre seu destino mdash seja
resignando-se agrave morte seja submetendo-se a um incessante exame de consciecircncia para expiar
seus pecados mdash Carpeaux perdeu de vista a dimensatildeo social das peccedilas transformando a obra
do autor em uma trageacutedia de moral cristatilde cujo uacutenico interesse estava na redenccedilatildeo da alma
humana Eacute assim que o criacutetico declarando obsoletos temas como o feminismo em Casa de
boneca a cobiccedila de Helena pelo dinheiro do Capitatildeo Alving em Os espectros a corrupccedilatildeo em
Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em John Gabriel Borkman etc acabou por
minimizar a criacutetica do dramaturgo agraves instituiccedilotildees e agraves convenccedilotildees limitadoras da sociedade
moderna Por conseguinte a maioria dos criacuteticos e artistas seguiram-lhe o caminho
preocupando-se quase que exclusivamente em estabelecer o que era novo na obra de Ibsen
Nesses casos normalmente o novo incidia no dilaceramento interior das personagens
substituindo-se a fatalidade religiosa de outrora pelo determinismo psicoloacutegico que
condenava os heroacuteis ibsenianos a viver com seus ldquodemocircnios interioresrdquo
1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoNossa Casa de bonecasrdquo Programa de Casa de bonecas direccedilatildeo de Cecil Thireacute Satildeo Paulo 1973
63
Entre o teatro amador e o profissional
A partir da deacutecada de 1940 sobretudo por causa das dificuldades de transporte
mariacutetimo durante a Segunda Guerra nossas editoras comeccedilaram a publicar obras estrangeiras
que em condiccedilotildees normais seriam importadas na liacutengua de origem ou em versotildees francesas
e inglesas no caso de autores como Ibsen Nietzsche Dostoieacutevski Tolstoacutei Puacutechkin entre
outros Mesmo num tempo de grande importaccedilatildeo de livros entre 1880 e 1910 era
praticamente impossiacutevel de se obter aqui um exemplar portuguecircs das peccedilas de Ibsen pois a
ediccedilatildeo e a representaccedilatildeo da obra do norueguecircs em Portugal era tatildeo diminuta quanto
episoacutedica1 Soacute em 1942 apareceram Casa de boneca e Os espectros traduzidos e prefaciados
por Joseacute Peacuterez para a Ediccedilotildees Cultura de Satildeo Paulo E dois anos mais tarde graccedilas agrave
influecircncia de Eacuterico Veriacutessimo entatildeo consultor editorial da Livraria Globo veio a puacuteblico a
ediccedilatildeo de Seis dramas coletacircnea traduzida por Vidal de Oliveira Esse livro composto de
peccedilas desconhecidas da maioria dos leitores brasileiros mdash Um inimigo do povo O pato
selvagem Rosmersholm A dama do mar Solness o construtor e Quando noacutes os mortos
despertarmos mdash trazia ainda um ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo de Otto Maria Carpeaux e um
prefaacutecio de Moritz Prozor para cada uma das peccedilas Nos anos 1950 tambeacutem apareceram
novas ediccedilotildees de Casa de boneca e Os espectros traduzidos por Alfredo Ferreira e A dama
do mar traduzida por Dea Caminha ambas pela Editora Vecchi do Rio de Janeiro Apesar
dessas iniciativas o niacutevel das traduccedilotildees brasileiras era muito baixo No caso de Ibsen os
tradutores partiam sempre do francecircs e deliberadamente evitavam a linguagem indelicada
amenizavam as ambiguumlidades das frases e utilizavam uma escrita excessivamente literaacuteria
nada coloquial
Ainda assim as traduccedilotildees serviram para os grupos de teatro amador trazerem Ibsen
novamente aos palcos brasileiros Para figuras como Aacutelvaro Moreira Renato Viana e
Paschoal Carlos Magno havia uma necessidade premente de colocar nosso teatro em peacute de
igualdade com o que se fazia nas grandes capitais da Europa Para isso natildeo bastava romper
com o passado e negar as tradiccedilotildees artiacutesticas da cena nacional muito menos encontrar o autor
brasileiro que refletisse os anseios da meacutedia sociedade burguesa Antes de mais nada era
imprescindiacutevel apresentar textos de melhor qualidade e espetaacuteculos mais bem cuidados
1 Consta desta pesquisa que circularam no Brasil as seguintes traduccedilotildees portuguesas Hedda Gabler Traduccedilatildeo de Freire Andrade [19--] Pilares da comunidade Traduccedilatildeo de Mario Delgado 1964 ambas da Editora Presenccedila de Lisboa Uma casa de bonecas dramas em trecircs atos Traduccedilatildeo de Emiacutelia de Arauacutejo Lisboa Guimaratildees 1916 e Os espectros Traduccedilatildeo de Joaquim Leone Soutello Lisboa Livraria Popular de Francisco Franco [19--]
64
seguindo principalmente os passos do modelo estrangeiro Assim para a modernizaccedilatildeo do
teatro brasileiro nossos artistas apoiaram-se quase que exclusivamente nas teorias de Jacques
Copeau embora conhecessem e acompanhassem com graus diversos de atenccedilatildeo as revoluccedilotildees
operadas por Antoine Stanislavski e Meyerhold Para as diferentes tendecircncias de renovaccedilatildeo
como a de Renato Viana e Alfredo Mesquita ou a de Aacutelvaro Moreira e Paschoal Carlos
Magno o mestre francecircs era o exemplo da nova arte e da nova eacutetica Nessa esteira os
espetaacuteculos deviam primar pela teatralidade Ao contraacuterio do significado original entre noacutes
isso queria dizer que no plano da interpretaccedilatildeo era imperativo a identificaccedilatildeo entre ator e
personagem e na relaccedilatildeo palco e plateacuteia era necessaacuterio provocar a empatia e a ilusatildeo da
realidade Isso soacute era possiacutevel atraveacutes do respeito ao texto isto eacute da busca do enriquecimento
da linguagem teatral da inspiraccedilatildeo poeacutetica e sobretudo da elevaccedilatildeo dos direitos espirituais
sobre os materiais Em outras palavras era inaceitaacutevel e de peacutessimo mau gosto a abordagem
naturalista do teatro e seus assuntos comezinhos problemas familiares adulteacuterio corrupccedilatildeo
hipocrisia reivindicaccedilotildees poliacuteticas etc Justamente dentro dessa perspectiva Ibsen foi
restituiacutedo ao contexto do teatro brasileiro Seguindo a mesma loacutegica de Carpeaux os dramas
ibsenianos deviam ser representados porque se igualavam em intensidade em profundeza e
em perfeiccedilatildeo cecircnica agraves grandes criaccedilotildees gregas A sua obra com as devidas exceccedilotildees natildeo
seria mais encenada pela oacutetica do cientificismo tampouco pelo vieacutes social mas pela
dramatizaccedilatildeo do destino do indiviacuteduo fadado a pagar pelos erros cometidos no passado
Assim o dramaturgo passou a ser visto pelo avesso ao tornar-se responsaacutevel pelo resgate da
accedilatildeo dramaacutetica mdash aquela motivada exclusivamente pelo psicoloacutegico mdash que expotildee no palco
somente a realidade interior das personagens
De qualquer forma os grupos do teatro amador colocaram o dramaturgo novamente na
ordem do dia Aleacutem das encenaccedilotildees jaacute conhecidas de Casa de boneca e Os espectros eles
trouxeram para o palco peccedilas nunca antes representadas na cena nacional como Um inimigo
do povo Quando noacutes os mortos despertarmos e John Gabriel Borkman Graccedilas agraves campanhas
artiacutesticas de Renato Viana que percorriam os estados do Norte e Nordeste do paiacutes e aos
festivais estudantis promovidos por Paschoal Carlos Magno as encenaccedilotildees da obra de Ibsen
natildeo ficaram mais restritas somente ao eixo Rio-Satildeo Paulo Aleacutem disso os espetaacuteculos
ganharam em qualidade o sotaque lusitano foi substituiacutedo pela prosoacutedia brasileira o ponto
que encerrado na caixinha do proscecircnio soprava o texto para os atores foi eliminado a
cenografia e a iluminaccedilatildeo ganharam importacircncia como linguagem cecircnica a figura do diretor
teatral indispensaacutevel para dar unidade de pensamento ao espetaacuteculo foi estabelecida Para
essas mudanccedilas contribuiacuteram os estrangeiros exilados de guerra que para caacute vieram trazendo
65
em suas bagagens experiecircncias teatrais de seus paiacuteses de origem Entre eles os poloneses
Ziembinski e Jorge Kossowsky o alematildeo Hoffmann Harnish o russo Zigmunt Turkov o
italiano Ruggero Jacobbi e o ator francecircs Louis Jouvet A atriz francesa Henriette Morineau
embora natildeo tenha participado diretamente da renovaccedilatildeo teatral influiu consideravelmente na
formaccedilatildeo dos novos atores ensinando-lhes a partir de seu proacuteprio exemplo o procedimento
declamatoacuterio dos textos a impostaccedilatildeo de voz o domiacutenio dos gestos e das expressotildees faciais
De Ibsen Morineau encenou Casa de boneca pela Companhia Dramaacutetica Francesa de Rachel
Beacuterendt no Teatro Municipal de Satildeo Paulo em julho de 1944 Dois anos depois ela fundaria
a sua proacutepria companhia Artistas Unidos cujo repertoacuterio abrangeria peccedilas do teatro de
boulevard de autores brasileiros e estrangeiros como Nelson Rodrigues Jean Anouilh Jean
Cocteau e Tennessee Williams
Entre dezembro de 1945 e janeiro de 1946 Renato Viana agrave frente do Teatro Anchieta
da Escola Dramaacutetica do Rio Grande do Sul apresentou-se no Rio de Janeiro com repertoacuterio
que incluiacutea obras de Dostoieacutevski Florecircncio Saacutenchez e Ibsen Desde a deacutecada de 1920 Renato
Viana empenhava-se em aparelhar o nosso incipiente teatro com novas praacuteticas de
interpretaccedilatildeo mormente inspiradas no meacutetodo de Stanislavski Envolvido pela atmosfera preacute-
modernista e munido de informaccedilotildees sobre a revoluccedilatildeo cecircnica na Ruacutessia (Stanislavski
Komissarzhevskaya e Meyerhold) e na Franccedila (Antoine Lugneacute-Poe e Copeau) ele propunha
a renovaccedilatildeo dos velhos coacutedigos teatrais e o estabelecimento de novos conceitos cecircnicos como
meios para se chegar a uma ldquoexpressatildeo brasileira em cenardquo Desse modo ele tornou-se o
nosso primeiro diretor de teatro instaurando um rigoroso sistema disciplinar que natildeo admitia
conversas paralelas durante os ensaios nem atrasos de atores e teacutecnicos coisas inteiramente
estranhas no nosso teatro onde a indisciplina era a regra1 Enquanto no Teatro do Estudante
de Paschoal Carlos Magno existia uma margem de improvisaccedilatildeo inerente agrave atividade
amadora nas campanhas artiacutesticas empreendidas por Renato Viana mdash Batalha da Quimera
Colmeacuteia Caverna Maacutegica Teatro de Arte Teatro-Escola e Teatro Anchieta mdash havia sempre
a preocupaccedilatildeo de um rigor profissional que exigia de seus alunos cada vez mais disciplina e
preparo especializado Foi assim que em dezembro de 1945 ele apresentou no Teatro
Ginaacutestico do Rio a primeira encenaccedilatildeo brasileira de Casa de boneca A imprensa saudou com
entusiasmo sua iniciativa sobretudo a de trazer para a cena nacional novos atores que
impressionavam pela maneira diferente de se comportarem no palco Entre os ldquonovos valoresrdquo
estava Maria Caetana filha de Renato Viana incumbidas do papel de Nora que embora jaacute
1 Cf sobre a obra e as campanhas artiacutesticas de Renato Viana Sebastiatildeo Milareacute ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrgt
66
conhecida da plateacuteia carioca pelo desempenho como protagonista nas peccedilas de seu pai
Monalisa e Margarida Gauthier recebeu muitos elogios sobretudo pela sua atuaccedilatildeo na cena
em que danccedilava a tarantela Depois dessa temporada no Rio Renato Viana como era de
praxe fez uma longa excursatildeo pelo paiacutes apresentando seus espetaacuteculos gratuitamente para
operaacuterios e estudantes
Nos anos subsequumlentes agrave montagem de Renato Viana seguiram-se as encenaccedilotildees de
Os espectros pelo Teatro do Estudante de Minas Gerais em 1947 pelo Teatro dos Estudantes
da Bahia e pelo Teatro Universitaacuterio do Centro Acadecircmico Horaacutecio Berlinck de Satildeo Paulo
ambos em 1948 Nesse mesmo ano paralelamente agraves accedilotildees do teatro amador o empresaacuterio
Franco Zampari fundou em Satildeo Paulo o Teatro Brasileiro de Comeacutedia (TBC) inaugurando
uma nova fase na cena nacional As atividades teatrais entraram nos paracircmetros da moderna
administraccedilatildeo mercadoloacutegica da cultura com patrociacutenio do Estado ou de grandes monopoacutelios
O programa esteacutetico ficou por conta dos encenadores estrangeiros que assumiram a tarefa de
dotar o paiacutes de uma dramaturgia compatiacutevel com o padratildeo internacional Desse modo para
equilibrar a receita e agradar a burguesia paulistana alternavam-se textos consagrados com
peccedilas de grande apelo popular principalmente as comeacutedias francesas e norte-americanas
Embora apoiado nos claacutessicos universais o TBC durante toda a sua existecircncia nunca incluiu
Ibsen em seu repertoacuterio Em entrevista ao Jornal do Brasil a propoacutesito da divulgaccedilatildeo do
espetaacuteculo Casa de boneca de 1971 Tocircnia Carrero nos daacute uma indicaccedilatildeo da resistecircncia do
TBC agraves peccedilas ibsenianas ldquoIbsen foi um autor de tal maneira importante que Shaw sentindo-se
ameaccedilado por sua qualidade dizia dele que era um dramaturgo ultrapassado Eu mesma por
influecircncia do TBC concordava com esta opiniatildeo Os diretores do TBC consideravam Ibsen um
autor de qualidade discutiacutevelrdquo1 Aleacutem do TBC considerar a obra do dramaturgo antiquada
portanto pouco apropriada para atualizaccedilatildeo do teatro brasileiro eacute possiacutevel que seguindo a
corrente esteacutetica francesa de Copeau e Jouvet julgasse de mau gosto os assuntos ibsenianos
voltados para o desmascaramento da sociedade burguesa Seja como for Ibsen ficaria ainda
algum tempo agrave margem das cogitaccedilotildees das companhias profissionais cabendo agrave accedilatildeo
renovadora do amadorismo estabelecer na imprensa um debate profiacutecuo sobre o seu teatro
Um dos conjuntos amadores que via em Ibsen o caminho para a transformaccedilatildeo da
praacutetica teatral vigente sobretudo pelo questionamento social de sua obra era o Teatro do
Estudante de Pernambuco Liderado por Hermilo Borba Filho o grupo desde 1945 procurava
redemocratizar a arte cecircnica brasileira atraveacutes da teatralidade e das teacutecnicas das festas
1 ldquoTocircnia feminista pela matildeo de Cecilrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 6 out 1971 (Sem assinatura)
67
populares nordestinas visando a um teatro poliacutetico feito para o povo Numa barraca
improvisada no Parque 13 de maio em Recife eles encenavam para uma plateacuteia que
desconhecia inteiramente o teatro peccedilas do repertoacuterio claacutessico e moderno como Soacutefocles
Shakespeare e Ibsen Foi com esse espiacuterito que em 1949 o grupo pernambucano montou a
peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos apresentando-a em praccedilas paacutetios ao ar livre
hospitais faacutebricas e presiacutedios Nesse mesmo ano o Teatro do Estudante do Paranaacute que tinha
sido fundado no ano anterior por Armando Maranhatildeo Ary Fontoura entre outros artistas
levou agrave cena Os espectros no Teatro Renascenccedila de Ponta-Grossa (PR)
Durante os anos 1950 os amadores continuaram a encenar as peccedilas de Ibsen caso de
Casa de boneca representada pelo Teatro 5 de setembro do Departamento Dramaacutetico do
Orfeatildeo Riograndense em 1952 e pelo Teatro Paulista em 1956 Rosmersholm encenado
pelos alunos da Faculdade de Direito da USP em 1955 Os espectros apresentado pelo Grupo
57 no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 e John Gabriel
Borkman montado pelo Teatro do Estudante da Paraiacuteba no II Festival Nacional de Teatros de
Estudantes em Santos (SP) em 1959 Nesse periacuteodo as diretrizes de encenaccedilatildeo das peccedilas
ibsenianas estavam mais niacutetidas diferenciando-se basicamente pela oposiccedilatildeo entre o social
que privilegiava neste caso o aspecto de criacutetica agrave sociedade e o individual voltado para os
problemas de consciecircncia das personagens As montagens de Renato Viana e Paschoal Carlos
Magno ambas de 1952 satildeo bons exemplos da contradiccedilatildeo que a partir de entatildeo se
estabeleceria entre artistas e criacuteticos a respeito da atualidade de Ibsen Para alguns caso de
Renato Viana e Hermilo Borba Filho o novo estava no esmaecimento do cunho dramaacutetico de
suas peccedilas o que possibilitava a criacutetica agrave realidade social para outros caso de Paschoal
Carlos Magno e Otto Maria Carpeaux o novo estava nos conflitos interiores das personagens
na condiccedilatildeo traacutegica do destino do indiviacuteduo e na teatralidade que visava aos sentidos e agrave
beleza esteacutetica
Por esse tempo Renato Viana estava na direccedilatildeo da Escola Dramaacutetica Martins Pena do
Rio de Janeiro que aleacutem ter um quadro docente de primeira linha composto por Joseacute
Oiticica Tomaacutes Santa Rosa Luiacutesa Barreto Leite entre outros mantinha uma companhia fixa
de teatro formada por alguns de seus alunos como Tereza Raquel e Roland Henze Dessa
experiecircncia resultaram as montagens Eacutedipo Rei de Andreacute Gide e Um inimigo do povo de
Ibsen que estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em julho de 1952 A encenaccedilatildeo foi
durante dois meses precedida de conferecircncias sobre a vida e a obra do autor norueguecircs caso
de ldquoAnaacutelise dos dramas ibsenianos sob o ponto de vista da representaccedilatildeordquo por Renato Viana
ldquoRetrato literaacuterio de Ibsenrdquo por Celso Kelly e ldquoIbsen e a questatildeo socialrdquo por Joseacute Oiticica A
68
linha da encenaccedilatildeo privilegiou o aspecto de censura agrave corrupccedilatildeo dos indiviacuteduos ao abuso de
poder e agrave opressatildeo social Carpeaux o criacutetico mais autorizado da eacutepoca sobre Ibsen elogiou a
iniciativa de Renato Viana de levar agrave cena um teatro de tatildeo grande valor literaacuterio No entanto
os temas sociais enfatizados na montagem pareceram-lhe revestidos de trajes histoacutericos ldquode
fantasias de casaca e cartolardquo Para ele a ideacuteia da responsabilidade moral das personagens era
a uacutenica coisa que natildeo envelhecera no teatro de Ibsen continuando a ser a condiccedilatildeo essencial
para a trageacutedia ldquona eacutepoca dos determinismos dialeacuteticos psicanaliacuteticos racistas e outros de
hoje a ideacuteia da responsabilidade continua a condiccedilatildeo sem qual natildeo haacute trageacutediardquo1
Dois meses depois da montagem de Um inimigo do povo o Teatro do Estudante do
Brasil apresentou Os espectros no Teatro Duse em setembro de 1952 Um texto de Carpeaux
impresso na primeira paacutegina do programa definia a linha do espetaacuteculo ldquono palco acenderatildeo a
luz da poesia traacutegicardquo2 Em outras palavras o que se veria em cena era a fatalidade da
condiccedilatildeo humana agindo sobre as personagens A doenccedila de Osvaldo jaacute natildeo era mais o tema
principal da peccedila mas sim o destino de Helena Alving condenada a expiar pelos pecados e
pela mentira A contemplaccedilatildeo esteacutetica e a catarse como na trageacutedia grega seriam
conquistadas pela grandeza e dignidade da protagonista ao aceitar e resignar-se agrave sua sorte A
encenaccedilatildeo pareceu seguir de perto as liccedilotildees de Copeau quanto ao primado do texto ao
despojamento do palco e agrave veneraccedilatildeo dos claacutessicos Em um manuscrito de Carpeaux reunido
por Orlanda Carlos Magno em seu livro sobre o Teatro Duse o criacutetico destacou a
simplicidade do cenaacuterio e a atmosfera de solidatildeo e anguacutestia criada pelo diretor Jorge
Kossowsky no momento da revelaccedilatildeo do segredo traacutegico ldquoo tema edipiano sofoclianordquo
Aleacutem disso elogiou a atuaccedilatildeo de Eugecircnio Carlos que sem se colocar no centro da accedilatildeo
ofereceu excelente estudo da decadecircncia fiacutesica de Osvaldo e de Miriam Carmem que no
papel de Helena reuniu a dignidade de uma ldquorainha shakespearianardquo e a expressatildeo de
amargura de uma vida desgraccedilada3 Passados dez anos de seu primeiro texto sobre Ibsen
Carpeaux ainda apontava como valores permanentes da obra ibseniana o conflito individual
das personagens O tempo para ele encarregara-se de eliminar os traccedilos histoacutericos e sociais
das peccedilas podendo apenas o esteacutetico comover e impressionar os espectadores
1 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Estatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo O Jornal Rio de Janeiro 29 jun 1952 2 Otto Maria Carpeaux ldquoAmigo espectador []rdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Jorge Kossowsky Rio de Janeiro 1952 3 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEspectros (Teatro Duse)rdquo In Orlanda Carlos Magno Pequena histoacuteria do Teatro Duse Rio de Janeiro SNT 1973 p 97-98
69
Ao abrir-se a deacutecada de 1960 o teatro brasileiro encontrava-se em pleno processo de
redemocratizaccedilatildeo apresentando uma dramaturgia de cunho criacutetico voltada para as
contradiccedilotildees baacutesicas da nossa realidade social Apreendidas as novas maneiras de conceber o
espetaacuteculo a valorizaccedilatildeo do diretor o aprimoramento dos atores o cuidado com cenaacuterios
figurinos e iluminaccedilatildeo comeccedilavam a despontar na cena nacional novos artistas que
reclamavam um espaccedilo para o teatro popular Tudo isso fruto dos esforccedilos realizados em
anos anteriores por Aacutelvaro Moreira Renato Viana Paschoal Carlos Magno Hermilo Borba
Filho entre outros artistas que se opuseram ao teatro comercial em voga Surgiram assim
figuras como Millocircr Fernandes Antonio Callado Oduvaldo Viana Filho e Gianfrancesco
Guarnieri autores preocupados com as questotildees sociais grupos como o Teatro de Arena
criado em 1953 por Joseacute Renato o Teatro Popular do Nordeste fundado em 1958 por
Hermilo Borba Filho e o Centro Popular de Cultura da UNE liderado por Vianinha e
inspirado no Movimento Popular de Cultura de Pernambuco de Miguel Arraes todos
compartilhando do mesmo desejo de transformar o paiacutes a partir da accedilatildeo cultural Aleacutem disso
novos conceitos oriundos dos recursos do teatro eacutepico de Brecht e do teatro poliacutetico de
Piscator ganhavam cada vez mais espaccedilo em detrimento das velhas teorias francesas de
Copeau e Jouvet Todo esse surto renovador sofreu enorme abalo com o golpe militar de 1964
e com a censura tatildeo logo instaurada que interditava as peccedilas que abordavam temas poliacuteticos e
sociais alterava os textos dramaacuteticos considerados improacuteprios e perseguia os artistas
engajados politicamente como eacute sabido
Nessas circunstacircncias Ibsen passou a interessar mais do que nunca os conjuntos
profissionais de teatro A essa altura jaacute estava mais do que consolidada a ideacuteia de que sua
obra era datada portanto nenhum problema nossos artistas teriam com a censura ao levar
para o palco um autor ldquoultrapassado das preacutedicas libertaacuteriasrdquo Se por um lado houve quem o
colocasse em cena exatamente dentro dessa linha de pensamento valorizando apenas a
grandeza de suas personagens que comparadas agrave estirpe das figuras da trageacutedia grega
poderiam oferecer aos atores a consagraccedilatildeo profissional por outro houve quem se utilizasse
dessa opiniatildeo generalizada como frente de resistecircncia agrave ditadura colocando em foco o
passado para melhor falar do presente por meio de alusotildees e metaacuteforas Curiosamente o
autor norueguecircs que fora excluiacutedo do repertoacuterio do TBC passou a ser encenado por atores e
diretores dissidentes do mesmo Teatro Brasileiro de Comeacutedia que mais tarde acabaram
formando suas proacuteprias companhias Ziembinski agrave frente do Teatro do Rio companhia
fundada por Rubens Correcirca e Ivan Albuquerque foi o responsaacutevel pela primeira realizaccedilatildeo
profissional de uma peccedila de Ibsen no Brasil dirigindo Os espectros no Teatro Satildeo Jorge do
70
Rio de Janeiro em marccedilo de 1961 No programa do espetaacuteculo o diretor aleacutem de afirmar a
modernidade do dramaturgo definia o fio condutor de sua montagem ldquoo horror do jogo das
conveniecircncias e pontos de vista hipoacutecritas que matam a espontacircnea liberdade do homem essa
uacutenica liberdade frutiacutefera criadora e causadora da nossa sobrevivecircncia espiritualrdquo1 Para ele o
drama tendo como assunto principal o ldquoconflito passional e ideoloacutegicordquo de Helena deveria
ser encenado numa linguagem atenuada sem o exagero de situaccedilotildees violentas e pateacuteticas Por
isso a orientaccedilatildeo dada aos atores era para fugir dos malabarismos psicoloacutegicos o que
transformaria o texto de um alcance filosoacutefico e social em aventuras que cheiravam a
melodrama O espetaacuteculo ficou pouco mais de um mecircs em cartaz A maior parte dos criacuteticos
apontou como fragilidade da encenaccedilatildeo o fato do diretor diminuir o aspecto melodramaacutetico da
peccedila deixando de colocar no palco o ldquomundo rico de sugestotildees teatraisrdquo de Ibsen Em outras
palavras puacuteblico e criacutetica lamentaram na montagem a ausecircncia do entusiasmo da vivacidade
e do substrato psicoloacutegico das personagens Para Paulo Francis o diretor apenas havia
ensaiado os atores sem se preocupar em chegar a qualquer conclusatildeo aparente da peccedila A
proacutepria atuaccedilatildeo de Ziembinski no papel do pastor Manders foi censurada ldquoZiembinski
limitou-se a procurar atenuar o melodrama da peccedila dando ao papel que interpreta do pastor
Manders graccedilas a certos gestos e inflexotildees uma comicidade para aleacutem do que nos parece
sugerir o personagem e constituindo hiatos cocircmicos que se chocam com o tom geral da
peccedilardquo2
Em outubro de 1965 duas peccedilas de Ibsen foram encenadas em Satildeo Paulo Hedda
Gabler pela Companhia Nydia Liacutecia e Seacutergio Cardoso representada no Teatro Bela Vista e
Os espectros primeira peccedila da companhia Teatro da Cidade de Satildeo Paulo de Alberto
DrsquoAversa montada no TBC Os dois espetaacuteculos na ordem da expectativa dramaacutetica tanto do
puacuteblico quanto da criacutetica parecem ter cumpridos seus papeacuteis Para Oliveira Ribeiro Neto
criacutetico drsquoA Gazeta mais importante que a exterioridade de Hedda Gabler mdash ldquomuito mais que
a sua beleza a sua juventude a sua classerdquo mdash era o ldquoseu aspecto interior de mulher
nevropata cansada da mediocridade da existecircnciardquo Por ser essa segundo ele a caracteriacutestica
essencial da peccedila pareceu-lhe ldquoexcessivamente desanuviadardquo a direccedilatildeo de Walmor Chagas
que suprimiu de sua montagem o ambiente opressivo em que se deveria desenvolver o drama
No entanto ainda segundo Ribeiro Neto esse detalhe natildeo desabonava em nada as qualidades
dramaacuteticas do espetaacuteculo sustentadas por Nydia Liacutecia no papel-tiacutetulo que emprestara agrave
1 Z Ziembinski ldquoSobre a atualidade de Ibsenrdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Ziembinski Rio de Janeiro 1961 2 Henrique Oscar ldquoEspectros de Ibsen pelo Teatro do Riordquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 14 abr 1961 Cf tambeacutem Paulo Francis ldquoO espetaacuteculo do Teatro do Riordquo Diaacuterio Carioca Rio de Janeiro 19 abr 1961
71
personagem ldquomuito do seu encanto aparecendo bela e sedutora com certos tiques nervosos
de quem sente profunda preocupaccedilatildeo sempre expressiva no seu nervosismo de mulher que
comeccedila a esperar um filhordquo1 indesejado Paulo Mendonccedila jornalista da Folha de S Paulo
compartilhava de certo modo das ideacuteias de Oliveira Ribeiro Neto Para ele a accedilatildeo dramaacutetica
de Hedda Gabler construiacuteda sem nenhum rigor teacutecnico dificultava a comunicaccedilatildeo com o
puacuteblico natildeo sendo raras as situaccedilotildees em que os espectadores sentiam-se perdidos por natildeo
entender as questotildees que Ibsen levantava e deixava sem respostas a ponto de ao cair o pano
todos indagarem ldquoe daiacuterdquo Considerando a intriga gratuita e pouco convincente Paulo
Mendonccedila atribuiacutea exclusivamente agrave atriz incumbida do papel-tiacutetulo a responsabilidade do
ecircxito da montagem Somente atraveacutes dos recursos da forccedila e do magnetismo da atriz
principal a peccedila poderia adquirir uma dimensatildeo cecircnica acessiacutevel agrave plateacuteia Portanto Hedda
Gabler segundo ele era ldquomenos uma peccedila do que um papelrdquo fruto da intransigecircncia do
dramaturgo que preferia ldquoser absurdo a deixar de ser implacavelmente autecircnticordquo2
Os espectros de Alberto DrsquoAversa embora em curta temporada na capital paulista por
causa do compromisso dos teatros com outros espetaacuteculos logrou enorme sucesso de criacutetica e
puacuteblico A montagem enfatizava com uma certa dose de afetaccedilatildeo o desespero e o sofrimento
de Helena Alving mdash exatamente os aspectos que quatro anos antes os criacuteticos sentiram falta
na mesma peccedila montada por Ziembinski no Rio de Janeiro Ao que parece o diretor italiano
aprendera com o ldquoerrordquo de seu colega e ao contraacuterio dele apresentou um drama sentimental
buscando uma empatia cada vez maior com a plateacuteia Em entrevista ao Diaacuterio da Noite
DrsquoAversa explicou o porquecirc da escolha de Os espectros para a estreacuteia de sua companhia em
Satildeo Paulo ldquoOs motivos satildeo claros e alguns de suma importacircncia Ibsen eacute um dos cinco
autores mais famosos do mundo Aleacutem disso apesar de natildeo ser inteiramente comercial eacute uma
peccedila que possui todas as qualidades para agradar o puacuteblicordquo3 Por certo as qualidades a que o
diretor se referia eram aquelas que a criacutetica reclamara como ausentes na encenaccedilatildeo de
Ziembinski conflito profundidade psicoloacutegica e tensatildeo dramaacutetica
Em maio de 1966 o Grupo 57 voltou a apresentar Os espectros dessa vez no Teatro
de Arena da Guanabara no Rio de Janeiro O grupo havia sido premiado pela encenaccedilatildeo
dessa mesma peccedila no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 No
entanto natildeo alcanccedilou o mesmo ecircxito com a montagem profissional As marcaccedilotildees do diretor
1 Oliveira Ribeiro Neto ldquoHedda Gabler ndash Muito mais importante que o aspecto externo da personagem Hedda Gabler []rdquo A Gazeta Satildeo Paulo 25 out 1965 2 Paulo Mendonccedila ldquoHedda Gabler ndash Irdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 12 out 1965 e ldquoHedda Gabler ndash IIrdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 14 out 1965 3 ldquoEspectros de Ibsen cinco dias no TBCrdquo Diaacuterio da noite Satildeo Paulo 14 out 1965 (Sem assinatura)
72
Garcia Xavier apoiada quase que exclusivamente no infortuacutenio de Helena e Osvaldo Alving
soaram artificiais e exageradas Henrique Oscar criacutetico do Diaacuterio de Notiacutecias apontou a
insuficiecircncia da maioria dos inteacuterpretes como a parte mais problemaacutetica do espetaacuteculo Agnes
Fontoura no papel de Helena foi a mais criticada pois atuara agrave maneira da velha escola com
gestos expressotildees fisionocircmicas e ldquoolhares digno de museurdquo A traduccedilatildeo de Alfredo Ferreira
utilizada no espetaacuteculo natildeo escapou agrave exprobraccedilatildeo ldquoAleacutem de empregar expressotildees
impraticaacuteveis no palco como lsquoazaacutefamarsquo e outras eacute de uma impropriedade clamorosa cheia de
lsquosim simrsquo lsquobem bemrsquordquo1 Para Fausto Wolff da Tribuna da Imprensa o diretor tinha
conseguido aproximar a peccedila de Ibsen da telenovela brasileira limitando-se os atores com
exceccedilatildeo de Edson Guimaratildees inteacuterprete de Engstrand a apresentar um tom monocoacuterdio e
melodramaacutetico onde entravam ldquosusto choro grito histeria e suspense amadorrdquo2
Se Os espectros do Grupo 57 foi duramente criticado pela falta de aperfeiccediloamento
dos atores e pela negligecircncia em cenaacuterio e figurino a primeira e uacutenica montagem de As
colunas da sociedade encenada no Teatro Guaiacutera de Curitiba pelo Teatro de Comeacutedia do
Paranaacute (TCP) em novembro do mesmo ano foi recebida entusiasticamente pela nossa criacutetica
teatral O TCP organizado e dirigido por Claacuteudio Correa e Castro vinha conquistando cada
vez mais espaccedilo no cenaacuterio cultural brasileiro atraveacutes de produccedilotildees de claacutessicos mundiais e de
textos nacionais como Um elefante no caos de Millocircr Fernandes montada em 1963 A
megera domada de Shakespeare encenada em 1964 Escola de mulheres de Moliegravere e O
santo milagroso de Lauro Cesar Muniz ambas representadas em 1965 O texto de Ibsen
segundo Claacuteudio Correa e Castro havia sido incluiacutedo no repertoacuterio do grupo porque aleacutem de
desmascarar a hipocrisia da sociedade mdash ldquoo que todo mundo gostaria que se fizesse com
algumas de nossas lsquocolunasrsquordquo3 mdash seus atores precisavam enfrentar um texto realista o que
natildeo acontecia havia cerca de trecircs anos desde A vida impressa em doacutelar de Clifford Odets
representada em 1963 Os pontos fortes da montagem ficaram por conta dos figurinos de
Kalma Murtinho e do cenaacuterio de Claacuteudio Correa e Castro ldquoimpecaacutevel no seu bom gosto e nos
menores detalhes do seu acabamentordquo4 Todos os moacuteveis haviam sido feitos especialmente
para a encenaccedilatildeo e ateacute se pocircs em cena uma maacutequina de costura da eacutepoca reproduzindo
fielmente o interior de uma residecircncia burguesa de 1870
1 Henrique Oscar ldquoEspectros no Arena da Guanabarardquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 26 maio 1966 2 Fausto Wolff ldquoOs espectros espectrais no Arena IIrdquo Tribuna da Imprensa Rio de Janeiro 1 jun 1966 3 Entrevista de Clauacutedio Correa e Castro concedida a Martim Gonccedilalves ldquoIbsen em Curitibardquo O Globo Rio de Janeiro 1 nov 1966 4 Yan Michalski ldquoIbsen em Curitibardquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 2 nov 1966
73
Entre as deacutecadas de 1960 e 1970 sobretudo apoacutes o recrudescimento da censura com o
AI-5 Ibsen ganharia encenaccedilotildees cada vez mais luxuosas impressionantes pela beleza plaacutestica
dos cenaacuterios e figurinos envolvendo os espectadores num mundo irreal dinacircmico cheio de
som cores e efeitos espetaculares Com raras exceccedilotildees caso das montagens de Hermilo
Borba Filho Fernando Torres e Antunes Filho buscava-se driblar a censura atraveacutes dos
recursos da estilizaccedilatildeo e da metaacutefora a fim de mostrar o significado real dos textos ibsenianos
e construir da melhor maneira possiacutevel uma frente de resistecircncia agrave ditadura Assim foi a
montagem de Um inimigo do povo encenada pelo Teatro Popular do Nordeste em 1967 A
companhia liderada por Hermilo Borba Filho dava continuidade ao trabalho artiacutestico e
cultural do Teatro do Estudante de Pernambuco (fundado em 1945) levando para o povo
espetaacuteculos natildeo soacute de qualidade literaacuteria como tambeacutem de questionamento social o que
permitia ao puacuteblico uma compreensatildeo maior de sua proacutepria histoacuteria Por meio de expedientes
como o canto a danccedila a maacutescara o boneco Hermilo procurou apresentar em sua casa de
espetaacuteculos na Avenida Conde da Boa Vista em Recife uma peccedila criacutetica viva denunciando
na figura do Dr Stockmann o cerceamento da liberdade e a perdiccedilatildeo do indiviacuteduo diante da
arbitrariedade do Estado
Dois anos mais tarde em agosto de 1969 Fernando Torres encenaria a mesma peccedila
no Teatro Satildeo Pedro em Satildeo Paulo procurando assim como Hermilo questionar o
autoritarismo a falta de liberdade de expressatildeo e a desigualdade de direitos Depois de
encerradas as atividades do Teatro de Arena e do Oficina o Teatro Satildeo Pedro arrendado por
Beatriz e Mauriacutecio Segall em 1968 no auge da repressatildeo apresentava-se como um dos
uacuteltimos grupos da cena paulistana comprometido com uma produccedilatildeo artiacutestica voltada para a
anaacutelise social Buscando uma nova maneira de expressatildeo teatral que pudesse burlar a censura
e ao mesmo tempo oferecer ao puacuteblico espetaacuteculos que vislumbrassem a transformaccedilatildeo das
praacuteticas poliacuteticas e culturais vigentes o Teatro Satildeo Pedro acolheu muitos artistas
rearticulando antigos laccedilos profissionais e poliacuteticos Dessa feita o grupo encenou entre outras
coisas Os fuzis da sra Carrar de Brecht com direccedilatildeo de Flaacutevio Impeacuterio em 1968 Marta
Sareacute de Gianfrancesco Guarnieri e Edu Lobo dirigido por Fernando Torres em 1969 e
Tambores na noite de Brecht dirigido por Fernando Peixoto em 1972 Para Beatriz e
Mauriacutecio Segall ldquoIbsen era o tom mais apropriado para o Brasil poacutes-AI-5 A questatildeo eacutetica
colocada em Um Inimigo do Povo de um homem que natildeo abandona as suas convicccedilotildees
74
mesmo quando todas as situaccedilotildees se voltam contra ele era uma profissatildeo de feacute que a
companhia estava disposta a carregar consigordquo1
Ainda na esteira da resistecircncia democraacutetica Antunes Filho encenou Peer Gynt no
Teatro Itaacutelia de Satildeo Paulo em abril de 1971 No panorama das produccedilotildees teatrais da eacutepoca
limitadas a um teatro comercial e digestivo a montagem de Antunes mereceu muitos elogios
dos nossos criacuteticos Depois dos absurdos dos empresaacuterios teatrais de apostar exclusivamente
no aspecto lucrativo dos espetaacuteculos sem se preocupar com a qualidade das peccedilas Saacutebato
Magaldi apontou a encenaccedilatildeo de Antunes como ldquouma resposta luacutecida e brilhante a todos os
erros que [ameaccedilavam] a nossa atividade cecircnicardquo2 Com Peer Gynt Antunes instituiacutea na cena
brasileira uma nova maneira de conceber o espetaacuteculo propondo a retomada da palavra e a
colocaccedilatildeo do homem no centro dos acontecimentos O proacuteprio Antunes em entrevista agrave Folha
de S Paulo registrou essa mudanccedila ldquonosso espetaacuteculo eacute um marco do novo teatro a
liberdade do autor e do ator Acabaram a ditadura e o accediloite do diretor do nosso teatro
formalista e abstrato da forma pela forma Agora eacute o homem recolocado novamente dentro de
sua histoacuteriardquo3 Nessa perspectiva Peer Gynt funcionava como um libelo contra a alienaccedilatildeo e o
escapismo apresentando a histoacuteria de um homem que vive apenas o momento sem lanccedilar
amarras e sem se engajar Desse modo a cada episoacutedio da vida de Peer Antunes buscou
criticar o oportunismo a filosofia do ldquojeitinho brasileirordquo e a indiferenccedila aos problemas
poliacuteticos e sociais A forccedila da montagem desse modo patenteava-se justamente na forma
como Antunes a partir da anaacutelise individual da personagem-tiacutetulo conseguira passar pelo
social e ascender ao poliacutetico
Poucos meses depois de Peer Gynt em outubro de 1971 estreava no Teatro Glaacuteucio
Gil do Rio de Janeiro Casa de boneca dirigida por Cecil Thireacute e estrelada por Tocircnia Carrero
A comeccedilar pelos textos apresentados no programa mdash ldquoNossa Casa de bonecasrdquo de Otto
Maria Carpeaux ldquoIbsen jaacute erardquo de Cecil Thireacute e ldquoCasa de bonecas ou sociedade de
bonecosrdquo de Fernando Peixoto mdash que discutiam a atualidade da peccedila agrave luz dos problemas
da realidade brasileira a montagem parecia sugerir uma criacutetica agrave opressatildeo e aos valores
retroacutegrados da sociedade encarnados na figura de Torvald Helmer No entanto a perspectiva
de criacutetica social parece ter ficado somente na intenccedilatildeo A linha adotada pelo diretor oscilou
1 ldquoTeatro Satildeo Pedrordquo Disponiacutevel lthttpwwwitauculturalorgbraplicexternasenciclopedia_teatrogt Cf tambeacutem Marco Antocircnio Guerra Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2 Saacutebato Magaldi ldquoNatildeo perca esta aventurardquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 29 abr 1971 3 Depoimento de Antunes Filho a Jorge Saacute de Miranda ldquoPeer Gynt celebra 100ordf apresentaccedilatildeordquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 29 abr 1971
75
entre uma montagem convencionalmente realista e uma vaga tentativa de modernizaccedilatildeo
cecircnica com o uso de intervenccedilotildees musicais e certos efeitos de luz que aproximaram o
espetaacuteculo segundo alguns criacuteticos ldquodas atuais telenovelas e dos dramalhotildees emboloradosrdquo1
Segundo Fernando Peixoto sentia-se claramente o intento do diretor Cecil Thireacute de apresentar
a tirania de Helmer como o microcosmo de uma realidade maior mais ampla e mais terriacutevel
No entanto a tiacutemida encenaccedilatildeo natildeo conseguira romper a estrutura soacutelida da intriga nem ldquoa
teia de conflitos do textordquo2 Desse modo a soluccedilatildeo eacutepica usada no final da peccedila o
desmoronamento do cenaacuterio como fizera Meyerhold na sua versatildeo de Casa de boneca de
1906 apresentou-se como uma ingecircnua metaacutefora da desestruturaccedilatildeo familiar e da queda dos
valores burgueses
Na deacutecada de 1980 a dramaturgia de natureza poliacutetica desaparece do palco brasileiro
voltando-se a maioria de nossos artistas para o ldquobesteirolrdquo um teatro de puro entretenimento
de grande aceitaccedilatildeo popular mas de completa despreocupaccedilatildeo literaacuteria e de indisfarccedilaacutevel
gratuidade Por outro lado no campo dos experimentalismos poacutes-modernos as encenaccedilotildees de
Gerald Thomas mdash Carmen com filtro e Electra com creta ambas de 1986 e Trilogia Kafka
de 1988 por exemplo mdash datildeo a tocircnica de um novo tipo de criaccedilatildeo cecircnica com a valorizaccedilatildeo
cada vez maior das linguagens visuais coreograacuteficas e sonoras em detrimento da palavra No
caso de Ibsen o vieacutes individualista de sua obra em oposiccedilatildeo ao aspecto social que desde os
anos 1940 vinha despertando o interesse de nossos artistas consolida-se a partir de entatildeo
como o grande fator de atualidade de seu teatro Os traccedilos morais e psicoloacutegicos de suas
personagens tidos como os uacutenicos elementos de modernidade e vigor de suas peccedilas ganham
relevo nas montagens desse periacuteodo Apoiados nos estudos do criacutetico norte-americano Robert
Brustein e do meacutedico vienense Wilhelm Reich nossos artistas passam a analisar a obra do
autor norueguecircs atraveacutes do recorte biograacutefico e de meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura Robert
Brustein exerceu grande influecircncia no Brasil sobretudo depois da publicaccedilatildeo de seu livro O
teatro de protesto pela editora Zahar do Rio de Janeiro em 1967 Retomando as ideacuteias de
Prozor acerca do caraacuteter autobiograacutefico do teatro de Ibsen Brustein procura identificar os
elementos da experiecircncia emocional do dramaturgo em suas peccedilas chegando agrave conclusatildeo de
que muitos dos heroacuteis ibsenianos satildeo auto-retratos do proacuteprio autor Nesse sentido ao analisar
O pato selvagem mdash para ele uma ldquopeccedila semi-autobiograacuteficardquo mdash o criacutetico afirma ter Ibsen
criado Gregers Werle agrave sua imagem e semelhanccedila conferindo agrave personagem as caracteriacutesticas
1 ldquoUm Ibsen bem comportadordquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 12 p 14-15 jan 1972 (Sem assinatura) 2 Fernando Peixoto e Alberto Guzik ldquoTeatro no Rio e em Satildeo Paulo a temporada de 71rdquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 13 p 7-13 fev 1972
76
de um tiacutepico ibsenista com o propoacutesito de satirizar a si proacuteprio e impedir que ele viesse a ldquoser
institucionalizado por adeptos servisrdquo Da mesma maneira como havia feito Prozor no seu
prefaacutecio da traduccedilatildeo de Solness o construtor em 1894 Brustein compara o desenvolvimento
da personagem-tiacutetulo com a evoluccedilatildeo do trabalho de Ibsen Para o criacutetico Solness eacute ldquopura
autobiografiardquo sendo o construtor um dos mais elaborados auto-retratos do autor ldquoO
sentimento alimentado por Solness de que sua inquebrantaacutevel dedicaccedilatildeo agrave sua vocaccedilatildeo
destruiacutera nele a felicidade eacute um reflexo das duacutevidas e dos pesares de Ibsen depois expressos
em John Gabriel Borkmanrdquo1
Por sua vez o polecircmico meacutedico Wilhelm Reich conhecido mundialmente pelo seu
livro Psicologia de massas do fascismo (1934) onde analisa a repressatildeo sexual como uma
espeacutecie de matriz que prepara o indiviacuteduo para a aceitaccedilatildeo das demais coerccedilotildees mdash caso
segundo ele da adesatildeo da populaccedilatildeo alematilde ao discurso fascista mdash teve no Brasil uma
recepccedilatildeo limitada ao campo da terapia corporal Simplificando bastante interessava aos
admiradores brasileiros de Reich apenas o exame do corpo como invoacutelucro da histoacuteria de cada
sujeito sendo possiacutevel por meio de sua anaacutelise resgatar as emoccedilotildees mais profundas dos
indiviacuteduos Nessa esteira A funccedilatildeo do orgasmo (1927) livro dedicado ao estudo da
sexualidade humana teve enorme repercussatildeo no Brasil dos anos de 1970 Essa obra alcanccedilou
tamanho sucesso entre noacutes que desde a primeira publicaccedilatildeo feita pela Brasiliense em 1975
passou a ser editada constantemente chegando a deacutecima nona ediccedilatildeo em 1995 Por certo o
ensaio sobre ldquoPeer Gyntrdquo contido nesse volume exerceu uma influecircncia significativa na nova
abordagem da peccedila que passaria a considerar a figura de Peer como o siacutembolo do homem
perdido no fluxo de suas experiecircncias tentando descobrir qual eacute o seu verdadeiro Eu
autecircntico Essa caracteriacutestica atribuiacuteda agrave personagem estendia-se a Ibsen mdash ldquoAssim era Ibsen
e assim era Peer Gyntrdquo2 mdash que tambeacutem procurava atraveacutes de suas peccedilas uma sondagem do
eu profundo expondo seu proacuteprio caraacuteter ao exame e criacutetica implacaacuteveis Tornou-se comum
a partir de entatildeo associar a mateacuteria das peccedilas agrave vida do autor caindo-se facilmente na
armadilha da projeccedilatildeo Desse modo o subjetivismo das imagens e das personagens elucidava
a psicologia de Ibsen e os fatos e experiecircncias de sua vida pessoal serviam para estabelecer o
conteuacutedo da obra A implicaccedilatildeo de tudo isso foi o depauperamento do texto ibseniano pois o
que nele se ambicionara passou a ser visto como atributo do autor ser vivo e inesgotaacutevel no
papel impresso Ao valorizar apenas a vida interior das personagens os padrotildees arquetiacutepicos
1 Robert Brustein ldquoHenrik Ibsenrdquo O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 93 2 Wilhelm Reich ldquoPeer Gyntrdquo A funccedilatildeo do orgasmo problemas enconocircmico-sexuais da energia bioloacutegica 4 ed Satildeo Paulo Brasiliense 1978 p 48
77
as raiacutezes miacuteticas e o significado simboacutelico e sexual do teatro de Ibsen nossos criacuteticos e
artistas deixaram de lado uma das dimensotildees mais modernas da obra do dramaturgo a perda
de consistecircncia da solidez de seus dramas que para expressar a desordem social poliacutetica e
econocircmica foram contaminando-se progressivamente de elementos eacutepicos chegando por
vezes a romper com os cacircnones tradicionais
Na esteira das orientaccedilotildees de Brustein e Reich inclusive reproduzindo quase na
iacutentegra os textos desses dois autores no programa do espetaacuteculo Marcos Fayad agrave frente do
grupo Engenho de Teatro dirigiu Peer Gynt no Teatro Ginaacutestico do Rio em junho de 1982 A
encenaccedilatildeo baseada na exploraccedilatildeo do inconsciente e dos recalques da personalidade de Peer
procurava mostrar a viagem empreendida por um homem em busca de sua proacutepria identidade
e do verdadeiro papel que lhe cabia na vida Desse modo a personagem-tiacutetulo veio ao palco
mergulhada num denso universo de misticismo metafiacutesica e duacutevidas existenciais Chegou-se
mesmo ao disparate de comparar Peer e Ibsen mdash ldquoPeer Gynt eacute o lado de Ibsen que foi em
busca de prazer sob o sol da Itaacuteliardquo1 mdash e a evocar em termos biograacuteficos os processos
psiacutequicos do autor quando estava escrevendo a peccedila Assim Peer Gynt tinha um discurso
tortuoso porque o dramaturgo no momento da escrita da obra oscilava entre influecircncias
esteacuteticas e filosoacuteficas muito diversificadas como a obsessatildeo miacutestica do romantismo e a
anguacutestia existencial kierkegaardiana Para Yan Michalski criacutetico do Jornal do Brasil em
nenhuma peccedila de Ibsen ldquoo debate existencial era colocado em termos tatildeo teoacutericos de tanta
abrangecircncia filosoacuteficardquo como em Peer Gynt Por essa razatildeo o desafio de qualquer montagem
dessa peccedila era tornar teatral ldquoo discurso aacuterido e metafiacutesicordquo da obra tarefa que ainda segundo
Michalski o Engenho de Teatro natildeo conseguira cumprir por dois motivos primeiro porque
ldquoo sentido mais profundo desse discurso natildeo foi assimilado pelos atoresrdquo e segundo porque
faltava-lhes o instrumental teacutecnico para tornar o conteuacutedo da peccedila claro aos espectadores
Essa falta de habilidade para o criacutetico tornava-se especialmente patente ldquonas cenas em que as
duacutevidas existenciais [estavam] contidas em seu estado puro como nos encontros de Peer com
o diretor do manicocircmio com o democircnio ou com o fundidorrdquo2
Um mecircs depois da encenaccedilatildeo de Peer Gynt Dina Sfat estreou Hedda Gabler no
Teatro Guaiacutera de Curitiba em agosto de 1982 O diretor do espetaacuteculo o francecircs Gilles
Gwizdeck em entrevista ao jornal O Globo indicou a linha da encenaccedilatildeo ldquoEu tentei traduzir
cenicamente o texto como um dramalhatildeo contando uma historinha com princiacutepio meio e fim
Mas com todo o subtexto presente todas as pressotildees familiares em cena atraveacutes de muitos
1 ldquoRobert Brustein fala de Ibsenrdquo Programa de Peer Gynt direccedilatildeo de Marcos Fayad Rio de Janeiro 1982 2 Yan Michalski ldquoPeer Gynt ou a dificuldade de filosofarrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro p 2 23 mar 1982
78
recursos como o cenaacuterio do Ratto que eacute bem pesado e abafado com muito veludordquo1 Sendo
assim num tom soturno e sombrio Hedda apresentou-se no palco como uma neuroacutetica
viacutetima das pressotildees de uma sociedade castradora A educaccedilatildeo riacutegida que a personagem
recebera de seu pai baseada em valores aristocraacuteticos e conservadores foi abordada como
uma das origens dos conflitos dolorosos de sua vida adulta A complexidade os conflitos
interiores e o gesto final de autodestruiccedilatildeo da personagem tratados no mais estreito realismo
psicoloacutegico fez com que a peccedila ganhasse ares folhetinescos O desempenho de Dina Sfat no
papel-tiacutetulo foi bastante elogiado sobretudo por criar a partir da entrada em cena o clima de
inevitabilidade da trageacutedia Para a maioria de nossos criacuteticos somente a psicanaacutelise poderia
explicar a trajetoacuteria da heroiacutena e desvendar seus mecanismos interiores Por um lado Ibsen
foi considerado o ldquopai do teatro psicoacutetico modernordquo2 o responsaacutevel no dizer de Tereza
Menezes de colocar em cena ldquoo novo sujeito da modernidaderdquo3 aquele indiviacuteduo que possui
dimensatildeo interior e capacidade de perceber a si mesmo Por outro mais uma vez a arquitetura
dramaacutetica de sua obra foi valorizada por aproximar-se da carpintaria do teatro claacutessico
carregada de pressaacutegios e costurada de intrigas paralelas que davam maior relevo ao conflito
central da peccedila
Em agosto de 1985 Fernando de Almeida levou agrave cena do Teatro Domus em Satildeo
Paulo a peccedila Os espectros resultado de uma motivaccedilatildeo pessoal sua que haacute muito
interessava-se pelo papel de Osvald Alving Como estava na idade limite para interpretar a
personagem reuniu um grupo de atores convidou Emiacutelio Di Biasi para dirigir a peccedila e arcou
com a maior parte das despesas da produccedilatildeo do espetaacuteculo Aleacutem disso ele mesmo
encarregou-se de traduzir e revitalizar o texto de Ibsen a fim de tornaacute-lo ldquomenos antiquadordquo
visando uma relaccedilatildeo mais direta com o espectador Assim a accedilatildeo foi transportada para algum
lugar indeterminado do seacuteculo XX o aviatildeo tomou o lugar do trem Nova York o de Paris os
nomes das personagens foram abrasileirados e a doenccedila de Osvaldo a siacutefilis foi substituiacuteda
pela Aids Entretanto justamente a adaptaccedilatildeo foi o que a criacutetica unanimemente julgou de
mais controverso nessa montagem Para Alberto Guzik aleacutem da encenaccedilatildeo levar agraves uacuteltimas
consequumlecircncias os sentimentos de Helena e Osvaldo Alving transformando a peccedila num
melodrama quase insuportaacutevel ldquoFernando de Almeida parece natildeo ter se dado conta de que os
termos a estrutura a proacutepria organizaccedilatildeo do debate travado pelas personagens de Ibsen
seriam necessariamente outros se a moralidade que serve de pano de fundo agrave obra fosse a da
1 Entrevista de Gilles Gwizdeck concedida a Flaacutevio Marinho ldquoA histoacuteria de uma mulher destruidora e autodestrutivardquo O Globo Rio de Janeiro 11 ago 1982 2 Jefferson Del Rios ldquoHedda emoccedilotildees no palco e na plateacuteiardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 1 abr 1983 3 Cf Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006
79
era do aviatildeo e natildeo a do tremrdquo1 Ao que parece do original restou apenas uma paroacutedia um
apego aos lances melodramaacuteticos do enredo que transformaram a realizaccedilatildeo num kitsch natildeo
intencional A peccedila ficou pouco tempo em cartaz e os elogios foram apenas para Leacutelia
Abramo que voltava aos palcos apoacutes seis anos de uma ausecircncia forccedilada A atriz no papel de
Helena Alving parecia ser a uacutenica a ter consciecircncia da importacircncia da peccedila como criacutetica agrave
hipocrisia e agraves convenccedilotildees sociais ldquoA encenaccedilatildeo de Ibsen hoje eacute importante por se
preocupar com as indagaccedilotildees do espiacuterito humano aleacutem de seu valor literaacuterio Esta a
verdadeira riqueza dos autores claacutessicos e hoje com o homem sendo aniquilado pelo
progresso pela massificaccedilatildeo eacute importante qualquer coisa que o faccedila refletirrdquo2
Peer Gynt foi levado agrave cena do Teatro Renascenccedila de Porto Alegre pelo grupo Teatro
Vivo em marccedilo de 1987 dessa vez numa versatildeo mais formalista O palco despojado de
qualquer artefato realista mdash apenas duas escadas um andor de procissatildeo e algumas malas mdash
manteve-se livre para o desenvolvimento dos atores que caminhavam em ciacuterculos
aproximando seus movimentos de uma danccedila coreografada Fora isso elementos como
fumaccedila aacutegua e farinha aleacutem de uma iluminaccedilatildeo requintada preenchiam os espaccedilos vazios da
cena Dos cinco atos do texto original restaram apenas dois apresentados em pouco mais de
uma hora e meia privilegiando-se temas como a vida a morte e as viagens da personagem-
tiacutetulo Para Irene Brietzke diretora do espetaacuteculo o estudo mais interessante a respeito de
Peer Gynt era o de Wilhelm Reich jaacute que mostrava Peer como uma personagem-siacutembolo que
representava o desejo mais secreto de todo o ser humano ldquoo sonho a paixatildeo o prazer e a
aventurardquo3 Por isso a exemplo do que fizera Marcos Fayad em sua montagem de 1982 ela
tambeacutem procurou contar a histoacuteria de um homem em busca de si mesmo resolvendo viajar
pelo mundo para achar seu caminho Paralela a essa accedilatildeo principal da peccedila Brietzke
acrescentou uma personagem que entre uma cena e outra da peccedila fazia reflexotildees sobre a
funccedilatildeo do artista a necessidade de buscar novos horizontes a morte etc citando passagens
de cineastas como Fellini e Buntildeuel e autores como Borges Apesar das inovaccedilotildees que
deram uma visualidade fascinante ao espetaacuteculo chegando por vezes a prejudicar a
mensagem do texto a direccedilatildeo do espetaacuteculo natildeo fugira a regra sendo Ibsen novamente
encerrado num universo miacutestico e existencialista
1 Alberto Guzik ldquoUma adaptaccedilatildeo de Ibsen Com bons propoacutesitos e equiacutevocos demaisrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 6 set de 1985 2 Depoimento de Leacutelia Abramo para O Estado de S Paulo ldquoIbsen a defesa feminina na peccedila Os Espectrosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 27 ago 1985 3 ldquoPeer Gynt a maioridade de Irenerdquo Correio do Povo Porto Alegre 6 mar 1987
80
Em maio de 1988 o Grupo Tapa encenou Solness o construtor no Teatro Alianccedila
Francesa em Satildeo Paulo A direccedilatildeo de Eduardo Tolentino privilegiou o conflito entre o velho
e o novo mostrando no palco a histoacuteria de Solness um construtor de meia-idade que se sente
ameaccedilado pela juventude expressa na figura de seu empregado Ragnar Brovik Durante a
encenaccedilatildeo o espectador pocircde acompanhar o tormento da personagem-tiacutetulo com o medo da
morte a ascensatildeo profissional de Ragnar e a fascinaccedilatildeo pela jovem Hilda Wangel A ecircnfase
dada aos opostos emblemaacuteticos mdash velhonovo sauacutededoenccedila luztrevas construccedilotildees de
alvenariacastelos no ar paixatildeo adolescentecasamento falido mdash reduziu de certo modo um
dos aspectos mais contundentes da peccedila os interesses materiais da mesquinha realidade
burguesa que envolve o conflito de geraccedilotildees as vidas entediadas e a submissatildeo domeacutestica
Aleacutem disso o fato do grupo ver Solness como um alter ego de Ibsen colaborou para o
empobrecimento do texto minando a forccedila da montagem No programa do espetaacuteculo o
jornalista Carlos Hee preso agrave ideacuteia do todo contiacutenuo formado entre autor e obra apontou
relaccedilotildees entre a trajetoacuteria da personagem e a vida do dramaturgo utilizando exatamente das
mesmas ideacuteias de Moritz Prozor e Robert Brustein A primeira fase do construtor dedicada agrave
edificaccedilatildeo de igrejas seria relativa aos temas dos dramas filosoacutefico-religiosos impregnados
de personagens miacutesticas A mudanccedila de postura de Solness apoacutes o incecircndio quando passa a
construir habitaccedilotildees teria o valor similar ao rompimento do escritor com a sociedade
norueguesa e agrave sua preocupaccedilatildeo em escrever peccedilas sobre a vida cotidiana O encontro de
Solness com Hilda simbolizaria a fase dos dramas simboacutelico-metafiacutesicos e a correspondecircncia
que o autor passou a trocar com Emilie Bardach uma jovem vienense de 18 anos Por fim
como sua personagem Ibsen temia a concorrecircncia da juventude sobretudo a ascensatildeo do
dramaturgo August Strindberg Aleacutem do biografismo que encobriu a estrutura e o valor da
peccedila o espetaacuteculo ganhou uma conotaccedilatildeo sexual ora pelas suas marcaccedilotildees ora pela
interpretaccedilatildeo das torres como siacutembolos faacutelicos Descontados esses problemas Eduardo
Tolentino alcanccedilou seu propoacutesito inicial de fazer uma montagem sem arroubos cecircnicos ldquosem
deixar nenhum exibicionismo esteticista se sobrepor ao textordquo1 De fato ele soube dar agrave sua
montagem o equiliacutebrio entre o sentido do texto e a traduccedilatildeo visual mdash a accedilatildeo se passava em
um cenaacuterio realista recheado de referecircncias simboacutelicas e num clima oniacuterico desenrolavam-se
flashes do passado e do presente Aleacutem disso toda a encenaccedilatildeo foi baseada no texto e nos
atores livre da intervenccedilatildeo musical e das soluccedilotildees espetaculosas exigindo dos espectadores
uma concentraccedilatildeo maior para acompanhar as ideacuteias da peccedila
1 Depoimento de Eduardo Tolentino a Ana Francisca Ponzio ldquoPaulo Autran o primeiro Ibsenrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 14 set 1988
81
A partir dos anos 1990 Ibsen passa a ser encenado por produtores independentes em
sua maioria artistas de grande popularidade e de incontestaacutevel prestiacutegio nacional Favorecidos
pelo patrociacutenio de empresas privadas mdash sobretudo depois da criaccedilatildeo em 1991 da chamada
lei de incentivo a Lei Rouanet que oferece isenccedilatildeo de impostos agraves empresas que invistam em
projetos artiacutesticos e culturais mdash esses artistas deram ensejo a produccedilotildees cada vez mais
imponentes com temas que agradam puacuteblico e empresaacuterios com programas de excelente
acabamento graacutefico mas que pouco ajudam a entender a diretriz do espetaacuteculo haja vista que
raramente trazem qualquer reflexatildeo sobre a peccedila encenada Do mesmo modo as encenaccedilotildees
ganharam beleza plaacutestica cenaacuterios luxuosos e iluminaccedilatildeo requintada privilegiando-se a
percepccedilatildeo visual em detrimento do conteuacutedo da peccedila No acircmbito desse teatro puramente
comercial Ibsen parece voltar aos palcos muito mais por oferecer aos atores bons papeacuteis
permitindo-lhes desenvolver suas virtudes interpretativas do que pela forccedila de seus textos
Evidentemente temas que contrariem a ideologia dominante mdash como a hipocrisia social em
Os espectros a exploraccedilatildeo capitalista em Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em
John Gabriel Borkman os interesses materialistas em Casa de boneca e Solness o construtor
por exemplo mdash satildeo ignorados nesse tipo de produccedilatildeo Por isso privilegiam-se em grande
parte apenas a subjetividade das personagens ibsenianas destituiacuteda de qualquer realidade
concreta maior social ou poliacutetica A justificativa para essa reduccedilatildeo encontra respaldo na velha
ideacuteia de que as preocupaccedilotildees sociais do dramaturgo satildeo obsoletas e ultrapassadas
constituindo apenas a psicologia e os conflitos existenciais das personagens os reais e efetivos
elementos de atualidade de sua obra Estaacute claro que essas produccedilotildees destinam-se mdash
sobretudo por causa dos preccedilos inacessiacuteveis dos ingressos mdash a uma plateacuteia financeiramente
distinta que busca no teatro a digestatildeo apraziacutevel do jantar
Nessas condiccedilotildees a Fundaccedilatildeo Bienal de Satildeo Paulo juntamente com empresaacuterios
patrocinou a vinda do American Repertory Theatre agrave cidade com o espetaacuteculo Quando noacutes os
mortos despertarmos encenado no Teatro Municipal em outubro de 1991 A peccedila adaptada e
dirigida por Robert Wilson o grande representante do ldquoteatro de imagensrdquo apresentou como
natildeo poderia deixar de ser as caracteriacutesticas fundamentais do encenador poesia visual
intimismo abstraccedilatildeo formalismo e distorccedilatildeo temporal A imprensa ocupou-se tanto dos
ldquoefeitismosrdquo de Robert Wilson que acabou ignorando a montagem brasileira desse mesmo
texto pelo Teatro do Pequeno Gesto em cartaz desde o mecircs de agosto no Espaccedilo Cultural
Seacutergio Porto no Rio de Janeiro Esse foi o espetaacuteculo de estreacuteia do grupo carioca que a partir
de entatildeo se dedicaria as montagens de grandes claacutessicos da literatura dramaacutetica preocupando-
se com estudos literaacuterios e teoacutericos das peccedilas a fim de conceber uma encenaccedilatildeo voltada para o
82
texto e a fala dos atores Antocircnio Guedes diretor da companhia apresentou uma versatildeo
totalmente diferente de Robert Wilson a comeccedilar pela diretriz do espetaacuteculo simplificaccedilatildeo
extrema do palco para colocar em relevo o texto em contraste com a fragmentaccedilatildeo dos
sentidos e o desenho formalizado da cena do diretor norte-americano Enquanto a montagem
de Wilson centrou-se na conotaccedilatildeo metafiacutesica do acerto de contas de Rubek com o seu
passado a do Pequeno Gesto privilegiou a discussatildeo de temas como o amor a morte o artista
e sua obra Aleacutem disso o puacuteblico do Teatro do Pequeno Gesto natildeo via passivamente uma
sucessatildeo de imagens deslumbrantes como na encenaccedilatildeo norte-americana uma vez que ele
proacuteprio era convidado a integrar o espetaacuteculo como elemento constitutivo do espaccedilo cecircnico
Em abril de 1994 Moacyr Goacutees e um conjunto de artistas conhecidos por seus
trabalhos na televisatildeo levaram agrave cena Peer Gynt no Teatro Gloacuteria do Rio de Janeiro A
abordagem da peccedila traduzida e adaptada pela psicanalista Clara Goacutees em nada diferenciou-
se do que desde a deacutecada de 1980 era considerado ldquocomumrdquo ao se estudar essa obra de
Ibsen a histoacuteria de um homem em busca de sua proacutepria identidade e do verdadeiro sentido da
vida Dois anos depois em outubro de 1996 Ulysses Cruz dirigia pela primeira vez no Brasil
A dama do mar representaccedilatildeo marcada por forte tendecircncia visual A peccedila aleacutem de encenada
no piacuteer da praccedila Mauaacute com vistas para a Baiacutea de Guanabara ganhou um cenaacuterio suntuoso
com 30 toneladas de areia fina entremeadas de conchas e de estrelas-do-mar e um barco de
verdade cedido pela Marinha que em certo momento do espetaacuteculo entrava em cena
trazendo uma das personagens o Estrangeiro Na imprensa pouco se falou sobre a obra de
Ibsen importando mesmo destacar a ousadia de Ulysses Cruz o responsaacutevel pela concepccedilatildeo
da maior parte dos elementos cecircnicos da montagem Para Cruz Ibsen era ldquofreudiano antes de
Freudrdquo e a qualidade de seu teatro estava na prospecccedilatildeo emocional de suas personagens No
caso de A dama do mar ainda segundo o diretor a protagonista da peccedila Ellida tinha uma
ldquoligaccedilatildeo forte com a natureza Daiacute surgiu a ideacuteia de usar na cenografia a areia o vento e o
marrdquo1 Uma produccedilatildeo com tamanho aparato de imagens luzes cores e som ofuscou
evidentemente o trabalho dos atores e sobretudo a histoacuteria de Ibsen O puacuteblico por sua vez
extasiado com a visualidade e a espetacularizaccedilatildeo teve poucas chances de compreender o teor
e a mensagem da peccedila
Em 1997 a propoacutesito da comemoraccedilatildeo dos cinco anos da Casa da Gaacutevea do Rio de
Janeiro Domingos de Oliveira foi convidado a dirigir Um inimigo do povo peccedila que ele jaacute
havia encenado catorze anos antes no teatro Cacircndido Mendes tambeacutem no Rio Na linha de
1 Depoimento de Ulysses Cruz a Anabela Paiva ldquoA nova aventura de Ulyssesrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 5 out 1996
83
um teatro didaacutetico Domingos de Oliveira levou agrave cena a histoacuteria de um homem
impossibilitado de se expressar num sistema dito democraacutetico Ao colocar em xeque toda a
estrutura de poder da cidade do Dr Stockmann dos pontos de vista moral e eacutetico o diretor
procurou mostrar como a representaccedilatildeo democraacutetica pode ser falha e como a maioria pode ser
facilmente manipulada Ampliando essa discussatildeo central da peccedila Oliveira procurou enfatizar
ainda questotildees como a preservaccedilatildeo do meio ambiente o poder da imprensa na manipulaccedilatildeo
da opiniatildeo das massas e a eacutetica na administraccedilatildeo puacuteblica Essa linha de encenaccedilatildeo foi bastante
criticada principalmente pelo fato de que para muitos de nossos criacuteticos caso de Nelson de
Saacute da Folha de S Paulo natildeo era a poliacutetica nem o conflito com a maioria que caracterizavam
a atualidade e o vigor de Um inimigo do povo mas ldquoa seduccedilatildeo do homem soacute natildeo mais refeacutens
de ideacuteias verdades amigos ou gruposrdquo Para Nelson de Saacute a direccedilatildeo de Domingos de
Oliveira tinha sido maniqueiacutesta sobretudo por omitir ldquoa proclamaccedilatildeo da individualidaderdquo
aspecto que segundo o criacutetico era o cerne da peccedila de Ibsen1 Nesse sentido a interpretaccedilatildeo
dos atores principalmente a de Paulo Betti no papel do Dr Stockmann tambeacutem foi criticada
por natildeo apresentar nuances psicoloacutegicas mas apenas perfis funccedilotildees a serviccedilos do texto
apresentando clareza em vez de profundidade Da mesma maneira o cenaacuterio e figurinos que
nada tinham de espetaculares sofreu as mesmas restriccedilotildees Para Alberto Guzik ldquoos tons que
[oscilavam] do ocre ao bege e bordocircrdquo diluiacuteram a tensatildeo dramaacutetica da cena contribuindo para
a sensaccedilatildeo ldquode monotonia e achatamento do palcordquo A criacutetica foi estendida agrave iluminaccedilatildeo que
sendo convencional pouco fez para dar contornos ao ldquoproblema visual do espetaacuteculordquo2
No comeccedilo deste seacuteculo com a vida teatral cada vez mais subordinada ao arbiacutetrio dos
dirigentes de empresas privadas as encenaccedilotildees de Ibsen com rariacutessimas exceccedilotildees natildeo
sofreram mudanccedilas significativas O ponto a se destacar eacute a melhor qualidade literaacuteria de
alguns espetaacuteculos alcanccedilada graccedilas agraves traduccedilotildees feitas diretamente do original norueguecircs
por Karl Erik Schoslashllhammer3 Seguindo a loacutegica do governo brasileiro que confunde poliacutetica
cultural com poliacutetica de mercado vieram a puacuteblico mais uma vez produccedilotildees dispendiosas mdash a
grosso modo com artistas que se consagraram na televisatildeo mdash visando mais do qualquer outra
coisa o retorno de bilheteria Nessa esteira Casa de boneca produzida por Ana Paula Aroacutesio
foi encenada no Teatro Leblon do Rio em outubro de 2001 A direccedilatildeo de Aderbal Freire-
1 Nelson de Saacute ldquoIbsen proclama o poder do homem soacuterdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 20 mar 1998 Folha Ilustrada p 3 2 Alberto Guzik ldquoUm inimigo monoacutetonordquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 2 abr 1998 3 Karl Erik Schoslashllhammer traduziu Quando noacutes os mortos despertarmos para o espetaacuteculo do Teatro do Pequeno Gesto em 1991 e Casa de boneca dirigida por Aderbal Freire-Filho em 2001 Traduziu ainda em parceria com Faacutetima Saadi O pequeno Eyolf em 1993 e John Gabriel Borkman em 1996 ambas publicadas na Coleccedilatildeo Teatro da Editora 34 de Satildeo Paulo
84
Filho que teve o meacuterito de escolher uma traduccedilatildeo de qualidade natildeo escapou aos
esquematismos do teatro de entretenimento Sem abandonar de todo o realismo da obra
Freire-Filho procurou enfatizar os conflitos existenciais de Nora em sua busca por liberdade
focalizando o desejo da personagem de fazer a sua proacutepria histoacuteria A marcaccedilatildeo e os
elementos cecircnicos mdash uma miniatura de casa de boneca uma mesa e algumas cadeiras em
torno das quais giraram os atores mdash pretenderam dar uma significacircncia simboacutelica agraves atitudes
interiores das personagens O cenaacuterio do portuguecircs Joseacute Manuel Castanheira mdash uma janela
que abria todo o fundo do teatro para um jardim coberto de neve em contraste com o interior
aconchegante de uma casa burguesa mdash e a iluminaccedilatildeo refinada de Manuel Quindereacute
conferiram intensa plasticidade ao desenho cecircnico No ano seguinte em maio de 2002 a
mesma peccedila estreou no Teatro do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio dessa vez numa
versatildeo multimiacutedia de Bia Lessa O espetaacuteculo foi chamado pela proacutepria diretora de ldquopeccedila-
filmerdquo porque quase toda a accedilatildeo da peccedila era apresentada num viacutedeo e somente na cena final
Nora interpretada por Betty Gofman aparecia no palco para cumprir seu gesto de abandono
do lar O uso do cinema foi justificado como uma forma de dimensionar uma quebra realista
subvertendo-se assim os limites do espetaacuteculo teatral No entanto a falta de contraponto
dramaacutetico das duas linguagens aproximou a encenaccedilatildeo segundo Macksen Luiz da
dramaturgia televisiva sobretudo por causa do uso da cacircmera em primeiro plano1
Em agosto de 2004 o Festival Porto Alegre em Cena em parceria com o governo da
Noruega trouxeram ao Brasil duas jovens diretoras Catherine Kahn e Anne Klovholt para
ministrar um laboratoacuterio intitulado ldquoO ator compositor e a poesia do movimentordquo No final do
curso cinco atores brasileiros foram selecionados para participar da encenaccedilatildeo de A dama do
mar representada no Armazeacutem A5 do Cais do Porto em Porto Alegre no mecircs de setembro
Nesse mesmo ano em outubro Paulo de Moraes encenou O pequeno Eyolf no Centro
Cultural da Justiccedila Federal no Rio de Janeiro primeira montagem brasileira desse texto O
espetaacuteculo centrado nos conflitos familiares de Alfred e Rita Allmers trouxe agrave cena a
discussatildeo de sentimentos como ciuacutemes inveja desprezo e amargura As personagens
enredadas em si mesmas incapazes de fugir de seus remorsos foram o foco principal dessa
montagem que procurou abordar a possibilidade de transformaccedilatildeo do homem deixando de
lado a passividade e a auto-compaixatildeo No entanto em cena essas questotildees trabalhadas em
forma de diaacutelogos solenes e de discursos quase filosoacuteficos acabaram por tornar a encenaccedilatildeo
de oitenta minutos um peso para os ombros dos espectadores O trunfo da montagem ficou
1 Macksen Luiz ldquoA armadilha de Ibsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 4 maio 2002
85
por conta da moldura visual que ambientou a cena em um espelho drsquoaacutegua conferindo
densidade e imagem vigorosa ao quadro Criacuteticas mais duras receberam o elenco Viviane
Coutinho inteacuterprete de Eyolf apesar de deficiente apresentou-se um tanto saltitante no palco
e Joatildeo Vitti no papel da Mulher dos Ratos ficou reduzido a uma ldquocaricatura em travestirdquo1
Diante desse estado de coisas no final de 1998 surgiu o Movimento Arte Contra a
Barbaacuterie que reuacutene intelectuais artistas e grupos do teatro paulista cuja atuaccedilatildeo resultou na
lei municipal de fomento ao teatro Subvencionadas pelo Estado as companhias paulistas
tiveram a chance de desenvolver projetos comprometidos com a pesquisa da linguagem
teatral apresentando ao puacuteblico espetaacuteculos ligados agrave experiecircncia social brasileira Aleacutem
disso a ocupaccedilatildeo de teatros de vaacuterias regiotildees de Satildeo Paulo por esses grupos mdash fora do
circuito onde domina o teatro comercial mdash e a venda a baixo custo dos ingressos
possibilitaram ao menos em parte o acesso de um puacuteblico mais amplo agraves peccedilas Desse modo
em outubro de 2005 o grupo Teatro de Narradores beneficiado pela lei de fomento levou agrave
cena do Teatro Faacutebrica de Satildeo Paulo sua versatildeo de Casa de boneca que de imediato se
contrapocircs agraves montagens desse texto realizadas no paiacutes
Preocupado em oferecer uma encenaccedilatildeo que unisse o prazer esteacutetico agrave reflexatildeo o
Teatro de Narradores explorou uma das dimensotildees mais agudas e atuais do texto ibseniano o
dinheiro como base de um sistema soacutecio-econocircmico em que se resume Casa de boneca Eacute por
causa dos interesses materiais e atraveacutes dele que se originam e se alimentam todos os
acontecimentos da peccedila desde a prepotecircncia de Torvald sobre Nora o casamento de
conveniecircncia de Cristina Linde para assegurar uma situaccedilatildeo financeira ameaccedilada ateacute o falso
coacutedigo de honra de Torvald que acaba se desfazendo depois que sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na
sociedade se manteacutem assegurada Desse modo o conflito de Nora que em algumas
montagens beirou o existencial foi reduzido em proveito da anaacutelise das relaccedilotildees que
envolviam todos os demais personagens A adaptaccedilatildeo mdash viagem dos Helmer aos Estados
Unidos e Nora fantasiada de Marilyn Monroe por exemplo mdash procurou tornar patente a
superficialidade dos valores da classe meacutedia que se constituiacuteam nas relaccedilotildees fetichistas no
mito da auto-realizaccedilatildeo e na ideacuteia do sucesso como configuraccedilatildeo do sujeito O espaccedilo cecircnico
vazio e branco com apenas um telatildeo no fundo bem como a trilha sonora e a iluminaccedilatildeo
serviu para comentar epicamente a accedilatildeo e esboccedilar o pano de fundo social Nessa perspectiva
o grupo aleacutem de romper com as tradicionais realizaccedilotildees dessa peccedila mdash que entre noacutes
privilegiavam exclusivamente os conflitos individuais das personagens mdash vai na contramatildeo
1 Cf Macksen Luiz ldquoTexto prejudicado pelo elencordquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 25 out 2004 Caderno B p 4
86
do pensamento de que o cunho social de Casa de boneca eacute antiquado e obsoleto refazendo
desse modo o percurso ou pelo menos uma das trilhas principais do teatro brasileiro da
deacutecada de 60
Acompanhando a trajetoacuteria das encenaccedilotildees de Ibsen no Brasil fica claro que elas se
identificaram em sua maior parte com a mentalidade burguesa dominante quer pela mera
representaccedilatildeo pela representaccedilatildeo que natildeo leva em conta nada aleacutem dos aspectos lucrativos
do espetaacuteculo quer pelo investimento maciccedilo no capricho das produccedilotildees que fascinam pela
beleza mas satildeo vazias de conteuacutedo quer pela falta de estudos teoacutericos a respeito do texto a
ser encenado dos quais se encontra muito distante a maioria dos nossos artistas preocupados
tatildeo somente em exibir seus ldquodotesrdquo interpretativos Por essas razotildees o teatro ldquoformalista e
abstrato da forma pela formardquo tatildeo criticado por Antunes Filho na deacutecada de 1970 continua
de algum modo a imperar na cena brasileira com exceccedilotildees claro de alguns artistas seja da
nova ou da velha geraccedilatildeo que se comprometem com a cultura e natildeo com o mercado
87
A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos
Apesar das constantes encenaccedilotildees mdash quase sempre as mesmas Casa de boneca Os
espectros e Hedda Gabler mdash natildeo se pode dizer que Ibsen tenha alcanccedilado popularidade
tampouco despertado grande interesse no Brasil No fim do seacuteculo XIX e comeccedilo do XX
momento de grande efervescecircncia e de muitas polecircmicas acerca de sua obra Artur Azevedo
Oscar Guanabarino Alfredo Pujol entre outros constituiacuteram a primeira frente de resistecircncia
ao teatro do norueguecircs Afeitos agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita esses criacuteticos consideraram
as peccedilas de Ibsen enfadonhas desprovidas de quaisquer qualidades dramaacuteticas obscenas e
degeneradas encorajando o incesto a desestruturaccedilatildeo familiar e o amor livre Por volta dos
anos 1920 Ibsen jaacute considerado um claacutessico da literatura dramaacutetica mundial passou a ser
visto no Brasil como autor de um teatro puramente literaacuterio que visava mais agrave leitura que agrave
representaccedilatildeo Sua obra considerada entatildeo de total ausecircncia de dramaticidade cecircnica e de
temas sombrios e obsoletos merecia figurar nas principais bibliotecas do paiacutes apenas como
um complemento necessaacuterio agrave formaccedilatildeo literaacuteria de nossos artistas Somente a partir de 1940
sob a forte influecircncia da criacutetica de Carpeaux mdash que deslocou o foco dos pressupostos sociais
do dramaturgo dito ultrapassados para a subjetividade das personagens mdash as peccedilas
ibsenianas voltariam a ser discutidas mesmo assim de uma maneira muito tiacutemida Desse
modo num primeiro momento entre 1940 e 1970 ainda sob o influxo das concepccedilotildees de
Carpeaux a obra de Ibsen seria vista como uma versatildeo moderna da trageacutedia grega abordando
o destino individual do heroacutei ibseniano que conhece o infortuacutenio em consequumlecircncia de algum
erro cometido no passado Num segundo momento com a valorizaccedilatildeo cada vez maior do
cunho individual e psicoloacutegico de seu teatro principalmente a partir de 1980 a realidade
interior das personagens seus conflitos e suas anguacutestias viriam a ser os principais aspectos de
interesse tornando-se a psicologia uma das estrateacutegias criacuteticas mais viaacuteveis para se analisar as
peccedilas do autor Enquanto muitos de nossos criacuteticos presos ao simples conteudismo das peccedilas
preocupavam-se em estabelecer o que era velho ou novo no teatro de Ibsen Ruggero Jacobbi
Oduvaldo Viana Filho Anatol Rosenfeld e Luiz Israel Febrot entre outros seguiram caminho
inverso Retomando uma a uma as principais ideacuteias correntes acerca de Ibsen esses
intelectuais procuraram reformulaacute-las com maior amplitude e equiliacutebrio levando em
consideraccedilatildeo a complexidade interna dos textos a natureza social e o papel decisivo da forma
dramaacutetica do autor
88
Ruggero Jacobbi mdash talvez um dos poucos diretores estrangeiros a aderir ao programa
internacional do realismo criacutetico dirigindo peccedilas como Estrada do tabaco em 1947 e A ronda
dos malandros em 1950 ambas no TBC mdash sobressaiu como teoacuterico historiador e criacutetico de
teatro trazendo novas luzes ao pensamento das artes cecircnicas brasileiras Em 1956 Jacobbi
publica seu primeiro livro no Brasil A expressatildeo dramaacutetica onde apresenta as linhas evolutivas
da dramaturgia partindo da Greacutecia passando por Goldoni Schiller e Ibsen ateacute chegar aos
perfis de personalidades teatrais como Moacutelnar Verneuil Renato Simoni Baty e Claudel O
escritor procede por siacutentese raramente demora-se na anaacutelise minuciosa da composiccedilatildeo de uma
peccedila Antes distingue em traccedilos breves e incisivos a fisionomia de um autor e seu momento
histoacuterico Em ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo Jacobbi enfatizou a importacircncia do dramaturgo na histoacuteria
do teatro mundial apresentando as questotildees esteacuteticas pontuais de sua obra que definiriam
novos rumos para a configuraccedilatildeo da dramaturgia moderna Nesse percurso sem perder de vista
os principais conceitos brasileiros sobre a obra de Ibsen o criacutetico procurou mostrar que o
dramaturgo embora introduzisse em suas peccedilas elementos liacutericos e simboacutelicos para ressaltar as
contradiccedilotildees internas das personagens fez tudo como ningueacutem antes dele para alargar os
limites do individualismo Em Casa de boneca por exemplo a libertaccedilatildeo individual e
psicoloacutegica de Nora natildeo constituiacutea o cerne da peccedila pois ainda segundo Jacobbi Ibsen tinha
exigecircncias maiores como ldquoinvestigar agressivamente a substacircncia praacutetica de certas situaccedilotildees da
sociedaderdquo1 Os conflitos das personagens ibsenianas portanto extrapolavam a esfera
individualista uma vez que estavam carregados de uma historicidade que natildeo se desfizera com
o tempo Para Jacobbi nenhum dos problemas que o autor colocara diante e dentro dos homens
perdera a atualidade Os malogros dos indiviacuteduos e os fracassos das ideologias continuavam a
caracterizar o nosso mundo em cujo limiar esteve e estaacute Ibsen Por isso natildeo lhe interessou
dissecar o trabalho do autor com o uacutenico fim de instituir agrave moda de Croce na Itaacutelia e Carpeaux
no Brasil o que era vivo ou morto em sua obra Preferiu ater-se agrave forma das peccedilas que ele
denominou de dramas de problemas por apresentar uma estrutura dialeacutetica que abria dentro de
cada assunto uma problemaacutetica infinita Aleacutem disso ele apontou a imprecisatildeo de nossa criacutetica
em aproximar a obra de Ibsen da trageacutedia grega sobretudo no que dizia respeito a noccedilatildeo de
destino e fatalidade ldquoA estrutura dialeacutetica estaacute sempre presente e potildee em evidecircncia todos os
lados do problema Em Ibsen como em Shakespeare todos tecircm razatildeo cada um eacute
infalivelmente o que eacute em toda a sua complexidade tanto que agraves vezes temos uma suspeita de
1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 49
89
determinismo a qual teria fundamento se Ibsen natildeo tivesse uma confianccedila imensa nas
possibilidades do indiviacuteduo e natildeo exigisse dele muito ateacute demaisrdquo1
Agrave trageacutedia estaacute inerente um pano de fundo miacutetico bem como uma visatildeo que projeta os
conflitos humanos para uma dimensatildeo metafiacutesica Seus temas satildeo os conflitos inexoraacuteveis
eternos sem saiacuteda A isso se associa indissoluvelmente a sua organizaccedilatildeo o gesto grandioso
o tom solene a tendecircncia ao verso etc As peccedilas de Ibsen com seu realismo domeacutestico abalam
profundamente tal estrutura na medida em que ele trabalha com a prosa coloquial as
concepccedilotildees socioloacutegicas as relaccedilotildees financeiras que de maneira nenhuma se ajustam aos
alexandrinos e aos cinco atos da trageacutedia claacutessica Aleacutem disso as personagens ibsenianas
estatildeo condicionadas ao peso da histoacuteria seus conflitos satildeo ldquoresultados da pressatildeo do mundo
exterior ou mais exatamente do subsolo da realidade que se determina como existente isto
eacute da Histoacuteriardquo2 Um mundo absolutamente mediado a responsabilidade sendo de todos e de
ningueacutem jaacute natildeo comporta a grandeza do heroacutei traacutegico que sozinho define o destino de um
povo e assume toda a culpa integralmente Em Ibsen os protagonistas quase sempre natildeo
encontram a saiacuteda do dilema em que se debatem mas o dramaturgo sugere que a soluccedilatildeo
existe mormente no combate agrave hipocrisia da sociedade E eacute essa confianccedila na superaccedilatildeo da
crise que marca a impossibilidade da trageacutedia Descartada portanto a aproximaccedilatildeo das peccedilas
de Ibsen da trageacutedia Jacobbi conclui que a grande renovaccedilatildeo do teatro ibseniano aconteceu
no acircmbito da teacutecnica dramatuacutergica ldquoIbsen natildeo teve medo de escrever trecircs ou quatro atos de
tamanho normal ou de pocircr em cena dois criados conversando Sabia muito bem que o
problema era eacute outro que o que se havia perdido era o sentido concreto da personagem
dramaacuteticardquo3
Na deacutecada de 1960 assistiremos ao debate da intelectualidade de esquerda e do setor
teatral reclamando um espaccedilo para as encenaccedilotildees empenhadas na discussatildeo da realidade
brasileira Nessas circunstacircncias as peccedilas de Ibsen consideradas obsoletas e ultrapassadas
passam por uma importante reavaliaccedilatildeo criacutetica Vianinha uma das figuras mais expressivas
do teatro de agitaccedilatildeo e propaganda criacutetico ferrenho do ldquoesteticismordquo do TBC e de seu
descomprometimento com a dramaturgia nacional foi possivelmente o primeiro intelectual
brasileiro a questionar o modo como Ibsen vinha sendo encenado no Brasil Procurando
acompanhar as grandes mudanccedilas histoacuterico-sociais que repercutiam diretamente na esteacutetica
1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 52 2 Ruggero Jacobbi ldquoIbsen atualrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 31 jan 1959 Suplemento literaacuterio n 118 p 5 3 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica p 58
90
teatral Vianinha apontava na obra de Ibsen a gecircnese de uma dramaturgia voltada para a
participaccedilatildeo do indiviacuteduo como agente diante das adversidades poliacutetica e social As
personagens ibsenianas desse modo longe de resignar-se aos desiacutegnios de justiccedila e verdade
que jaacute natildeo eram estaacuteveis e absolutos como na trageacutedia claacutessica debatiam-se entre seus anseios
e a sua consciecircncia eacutetica em meio aos valores estabelecidos pela sociedade Determinada a
viga mestra do teatro de Ibsen Vianinha criticava as montagens brasileiras de suas peccedilas cuja
preocupaccedilatildeo era apenas com o destino individual das personagens natildeo ultrapassando a
aparecircncia esteticista de um teatro que se desfazia em luzes cenaacuterio gestos e inflexotildees
Vianinha apontava ainda o disparate da burguesia nacional que era ldquoincapazrdquo de distinguir
nos produtos culturais que importava ldquooposiccedilatildeo e lutardquo Para Vianinha Ibsen e Pirandello
por exemplo pouco diziam pouco contribuiacuteam para a organizaccedilatildeo cultural da classe
dirigente que assistia aos dois autores sem notar diferenccedila alguma entre eles diferenccedilas que
modificariam ainda segundo ele os criteacuterios de comportamento do puacuteblico Nessa mesma
perspectiva Vianinha criticava a encenaccedilatildeo de Ibsen por Ziembinski ldquoNatildeo interessa mais o
que diz Ibsen nem transmitir Ibsen com toda a sua eficaacutecia Natildeo O puacuteblico natildeo precisa
modificaccedilatildeo Ziembinski volta para traacutes Quando chegou aqui tratava-se de dizer Ibsen
Agora trata-se de montar um belo espetaacuteculo Natildeo haacute mais ressonacircncia humana no
espetaacuteculo O teatro natildeo tem mais funccedilatildeo culturalrdquo1
Ainda na esteira das mudanccedilas essenciais da dramaturgia de Ibsen Anatol Rosenfeld
publica em 1965 O teatro eacutepico livro de valor inestimaacutevel para o ensaiacutesmo teatral brasileiro
sobretudo pela importacircncia de se esclarecer os conceitos e as teorias de Brecht num momento
em que se radicalizavam as propostas dos diversos movimentos de cultura popular do paiacutes Ao
relatar o processo histoacuterico desencadeado pela crise da forma dramaacutetica que culminaria anos
mais tarde com o aparecimento do teatro eacutepico de Brecht Rosenfeld apontou a dimensatildeo
eacutepica da obra de Ibsen que escapava agraves leituras entatildeo em voga Desse modo ele contribuiu
enormemente para se desfazer os impasses de nossa criacutetica que ora via Ibsen como um
grande ldquotraacutegico modernordquo ora como autor de ldquoromances dialogadosrdquo Primeiramente
Rosenfeld tratou de explicar que a obra ibseniana embora restringida agrave dramaturgia
tradicional jaacute anunciava pela temaacutetica o advento do teatro eacutepico Em linhas gerais o criacutetico
destacou a estrutura rigorosa das peccedilas mdash exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e desenlace mdash sem
deixar de apontar para o elemento que subvertia a dramaacutetica pura o tempo passado Ele
alertou que a accedilatildeo decisiva em Ibsen natildeo se desenrolava na atualidade mas no passado Nesse
1 Oduvaldo Viana Filho ldquoQuatro instantes do teatro no Brasilrdquo In Fernando Peixoto (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983 p 48
91
ponto o teatro do escritor norueguecircs divergia da forma ldquoorgacircnicardquo do teatro aristoteacutelico uma
vez que o enredo deixava de narrar uma accedilatildeo conclusa As peccedilas definiam muito mais uma
conjuntura do que um desenvolvimento destinado a desenredar a trama Portanto as
recordaccedilotildees do passado mdash tema essencialmente eacutepico mdash dispersas no desenho das peccedilas
ibsenianas eacute que colaboraram para a dissoluccedilatildeo do drama E nisso estava a maestria da arte
de Ibsen que conseguia ldquoencobrir o tema eacutepico pela estrutura dramaacutetica atraveacutes de uma accedilatildeo
acessoacuteria que se desenvolve na breve atualidade de um ou dois diasrdquo1 Em seguida Rosenfeld
explicou as diferenccedilas entre Eacutedipo Rei de Soacutefocles e Os espectros de Ibsen tentando acabar
com o equiacutevoco da criacutetica sobretudo a de Carpeaux que costumava associar a obra ibseniana
agrave trageacutedia claacutessica Rosenfeld mostrou que as duas peccedilas foram construiacutedas rigorosamente
dentro do padratildeo da teacutecnica analiacutetica Em ambas a exposiccedilatildeo (a revelaccedilatildeo do passado)
constituiacutea quase toda a accedilatildeo da trama No entanto em Soacutefocles as revelaccedilotildees eram objetivas
ou seja o mito era conhecido do puacuteblico e o passado de Eacutedipo era revelado somente a ele
proacuteprio que desconhecia os seus crimes A personagem entatildeo era surpreendida pela
revelaccedilatildeo da verdade que natildeo ficava confinada no passado mas era atualizada Portanto o
tema de Eacutedipo natildeo era o tempo passado mas o destino terriacutevel do heroacutei que era o assassino do
pai o marido da matildee e o irmatildeo dos seus filhos Em Ibsen acontecia exatamente o contraacuterio A
accedilatildeo atual de Os espectros nada mais era que a ocasiatildeo de desvendar aos espectadores o
passado de Helena Alving o matrimocircnio infeliz mantido agrave custa das convenccedilotildees sociais As
revelaccedilotildees de Helena eram subjetivas na medida que suas confidecircncias eram feitas apenas ao
Pastor Manders E era por meio dele que o puacuteblico ficava sabendo os segredos da
protagonista Helena natildeo sofria o choque da descoberta da verdade uma vez que ela mesma
forjara o seu destino Assim o passado natildeo chegava a ser atualizado ele mesmo tornava-se o
assunto da peccedila por meio da exposiccedilatildeo de vidas malogradas Enquanto a mateacuteria de Soacutefocles
era dramaacutetica e traacutegica porque seu heroacutei resignava-se agraves deliberaccedilotildees dos deuses e oferecia ao
puacuteblico em seu sacrifiacutecio o efeito cataacutertico a de Ibsen era eacutepica porque estava delimitada ao
passado e agrave memoacuteria das personagens (esfera subjetiva)
Depois de estabelecido o problema formal da dramaturgia de Ibsen por Rosenfeld e
sob o impulso das primeiras montagens profissionais de suas peccedilas mdash que absurdamente soacute
ocorreram nos anos de 1960 mdash a obra ibseniana deixaria as prateleiras poeirentas das
bibliotecas para ser discutida nos principais perioacutedicos de cultura do paiacutes como o Suplemento
Literaacuterio drsquoO Estado de S Paulo o Caderno B do Jornal do Brasil a Revista de Teatro da
1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 85
92
SBAT etc Seguindo de perto as indicaccedilotildees de Rosenfeld Luiz Israel Febrot criacutetico de teatro e
cinema publica entre 1966 e 1968 quatro ensaios no Suplemento Literaacuterio drsquoO Estado de S
Paulo mdash ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo ldquoHedda Gablerrdquo ldquoIbsen Atual - Irdquo e ldquoOs espectros satildeo
as velhas ideacuteiasrdquo mdash procurando analisar o tema baacutesico do teatro de Ibsen ou seja o passado
evocado atraveacutes do diaacutelogo das personagens Deixava-se de lado a preocupaccedilatildeo de ver em
Ibsen o modelo da carpintaria de efeito do teatro claacutessico passando-se agrave tentativa de
compreender os valores do passado que as peccedilas reconstituiacuteam e criticavam Para Febrot a
declaraccedilatildeo de que os temas do dramaturgo eram ultrapassados servia apenas como um
pretexto para se evitar a discussatildeo de problemas que desagradavam as ldquoplateacuteias bem
pensantesrdquo como a opressatildeo social a luta de classes a corrupccedilatildeo o preconceito as relaccedilotildees
espuacuterias mantidas por interesse etc Assim em seu ensaio sobre Um inimigo do povo ele
apontou a base sobre a qual se assentava a trama da peccedila a especulaccedilatildeo mercantil situaccedilatildeo
tiacutepica da sociedade de livre concorrecircncia A contaminaccedilatildeo das aacuteguas do balneaacuterio da cidade
do Dr Stockmann foi causada pela cobiccedila dos proprietaacuterios que exigiram que os
encanamentos passassem sob seus terrenos para assim receberem indenizaccedilotildees Os industriais
por sua vez natildeo desejavam gastar dinheiro tratando das aacuteguas que saiacuteam de suas faacutebricas
preferindo jogaacute-las diretamente no rio Portanto o maior inimigo da liberdade e da verdade
era segundo o criacutetico o dinheiro e os interesses por ele criados1
No ensaio sobre ldquoHedda Gablerrdquo Febrot discutiu o lugar-comum da criacutetica em ver na
personagem-tiacutetulo uma neurastecircnica dama do fim do seacuteculo XIX uma enfastiada da vida Ele
assinalou que para essa concepccedilatildeo muito contribuiacuteram a performance cheia de pompa de
atrizes mdash como Eleonora Duse mdash que se preocupavam com a interiorizaccedilatildeo da personagem
ressaltando-lhe as crises de histeria ofuscando assim a mensagem da peccedila Para furtar-se agrave
leitura psicoloacutegica de Hedda Gabler o criacutetico recorreu agrave coerecircncia de temas e propoacutesitos do
teatro do norueguecircs Ibsen compreendera que os princiacutepios de igualdade fraternidade e
liberdade propagados pela Revoluccedilatildeo Francesa beneficiavam apenas uma pequena parcela
da sociedade Em toda a sua obra o dramaturgo procurou mostrar a contradiccedilatildeo que existia
entre os ideais que a sociedade burguesa proclamava e o que realmente acontecia com os
homens Nesse sentido ver Hedda apenas como uma histeacuterica era diminuir o alcance da peccedila
era dizer apenas a metade e precisamente a mais visiacutevel e portanto a menos importante A
outra metade que se devia levar em consideraccedilatildeo ainda segundo Febrot era que a
personagem encarnava as caracteriacutesticas e os preconceitos burgueses Hedda era
1 Cf Luiz Israel Febrot ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 10 set 1966 Suplemento Literaacuterio n 494 p 5
93
convencional casou-se com Tesman para manter seu conforto material e sua posiccedilatildeo na
sociedade relacionava-se apenas com as pessoas de seu niacutevel social rejeitava a ligaccedilatildeo
amorosa com o juiz Brack natildeo por pudor ou princiacutepio mas por medo do escacircndalo E foi
justamente o pavor do escacircndalo que a levou ao suiciacutedio Para Febrot Hedda como
individualidade psicoloacutegica com determinados conceitos e preconceitos simbolizava uma
categoria social Desse modo as accedilotildees da personagem interessavam menos ldquoagraves revistas
meacutedicas do que aos estudos de sociologia poliacutetica e histoacuteriardquo1
Apesar dessas contribuiccedilotildees a maior parte de nossa criacutetica teatral mais do que nunca
submetida agrave mercantilizaccedilatildeo da cultura continuou a reproduzir as velhas concepccedilotildees sobre o
dramaturgo Detendo-se apenas na superficialidade dos textos sem interesse algum de se
analisar as relaccedilotildees histoacutericas e sociais das peccedilas geralmente relegadas ao campo dos
conteuacutedos nossos criacuteticos continuaram a ver Ibsen como um autor ultrapassado Mariacircngela
Alves de Lima por exemplo a propoacutesito da montagem de Casa de boneca pela companhia
de Tocircnia Carrero na deacutecada de 1970 declarava que o texto de Ibsen servia muito mais como
um documento da histoacuteria do teatro do que como uma forccedila atuante no presente ldquoSem
duacutevida o direito de se afirmar aleacutem dos limites de um papel social eacute uma aspiraccedilatildeo humana
permanente Entretanto a situaccedilatildeo especiacutefica que o texto de Ibsen coloca tem no seacuteculo XX
um reduzido poder de contestaccedilatildeordquo2 Aqueles que procuravam afirmar a atualidade do
dramaturgo enfatizavam os conflitos individuais das personagens sem levar em conta os
mecanismos de opressatildeo da sociedade burguesa que efetivamente era o que Ibsen pretendia
criticar Para Deacutecio Drummond a liberdade individual de Nora que estava ldquoacima e aleacutem de
qualquer circunstacircncia socialrdquo era o fator maior da perene atualidade de Ibsen3 Seguindo
essa mesma loacutegica Mariacircngela Alves de Lima depois de negar a modernidade do dramaturgo
em 1973 voltou atraacutes afirmando ser a cena final de Casa de boneca um ldquosiacutembolo de todos os
sonhos de liberdade individual aleacutem das malhas restritivas dos papeacuteis sociais determinadosrdquo4
A partir do final da deacutecada de 1970 a leitura de orientaccedilatildeo biograacutefica tornou-se uma
constante sendo apropriada tanto pelos nossos criacuteticos como pelos nossos artistas que
reproduziam fielmente nos comentaacuterios e nos programas de espetaacuteculo os estudos de Robert
Brustein mestre dessa vertente Adones de Oliveira jornalista drsquoO Estado de S Paulo por
1 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5 2 Mariacircngela Alves de Lima ldquoIbsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 9 set 1973 3 Cf Deacutecio Drummond ldquoO gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humanordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 7 out 1973 Suplemento Literaacuterio n 845 p 5 4 Mariacircngela Alves de Lima ldquoEncenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsenrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 23 maio 1976
94
exemplo seguindo agrave risca as indicaccedilotildees de Brustein declarava ser o teatro de Ibsen resultado
de sua ldquovida interior e de seu ideal revolucionaacuteriordquo1 Como o criacutetico norte-americano ele
tambeacutem considerava as personagens ibsenianas como auto-retratos do dramaturgo Desse
modo o biografismo aleacutem de empobrecer o texto de Ibsen e de neutralizar o fluxo de
significados de suas peccedilas encobria as experiecircncias formais e os aspectos sociais presentes
em seu teatro Ao mesmo tempo o questionamento da histoacuteria dos valores burgueses da
hipocrisia social tatildeo buscados pelo dramaturgo passavam a ser vistos noutro plano como
relaccedilatildeo psicoloacutegica de Ibsen com sua obra ressaltando-se mais uma vez o cunho meramente
individualista de seu teatro Aliaacutes os meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura sobretudo dos anos
1980 em diante comeccedilaram a ser cada vez mais aplicados agrave criacutetica das peccedilas ibsenianas
Utilizados sem muita cautela esses criteacuterios reduziram muitas vezes a riqueza do enredo das
personagens das situaccedilotildees dos planos externo e interno da obra por tomaacute-la apenas como
material para se diagnosticar as neuroses do autor e de suas personagens
Deacutecio de Almeida Prado ao analisar Hedda Gabler procurou explicar como Ibsen
deixando de lado a loacutegica da peccedila bem-feita que admitia o pressuposto do homem
inteiramente explicaacutevel criou personagens que natildeo podiam mais ser enquadradas dentro de
uma soacute perspectiva caso de Hedda Assim em ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo o criacutetico comeccedilou a
mostrar como a partir de Casa de boneca o autor abrira brechas na dramaturgia rigorosa ao
tratar de temas como o feminismo e a liberdade da mulher No caso de Hedda Gabler o
criacutetico alertou que a soluccedilatildeo dramaacutetica era mais avanccedilada Ibsen conservara intacto o rigor do
teatro aristoteacutelico a condensaccedilatildeo no tempo e no espaccedilo a subordinaccedilatildeo das partes ao todo o
enredo girando em torno de um uacutenico eixo etc mas retirara da peccedila a comunicaccedilatildeo com o
puacuteblico a anaacutelise dos fatos e das personagens seja atraveacutes do confronto entre os indiviacuteduos
seja por meio de um comentador arguto Desse modo ainda segundo o criacutetico Ibsen passava
do que se sabia sobre o indiviacuteduo ldquopara o que natildeo se consegue senatildeo conjeturar abrindo
caminho para a exploraccedilatildeo do irracional do inconsciente ou seja das camadas mais
profundas da personalidaderdquo2 Por isso a resposta agrave pergunta ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo soacute
poderia ser dada pelo acircngulo psicoloacutegico que apresentava segundo Deacutecio de Almeida Prado
um fato incontestaacutevel ldquoa personagem era destrutiva e autodestrutivardquo Somente a partir daiacute
outras hipoacuteteses poderiam ser levantadas desde que se conciliassem as diversas facetas de seu
temperamento De fato as peccedilas de Ibsen tratam de vidas malogradas Os indiviacuteduos por meio
1 Adones de Oliveira ldquoIbsen o pai do teatro de hoje faz 150 anosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 19 mar 1978 2 Deacutecio de Almeida Prado ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 1 maio 1983 Caderno Cultura p 5
95
das recordaccedilotildees do passado encerram-se nas suas proacuteprias subjetividades isolam-se e
interrompem a situaccedilatildeo dialoacutegica Rosenfeld arriscou dizer que no dramaturgo jaacute ldquose
encontram os germes de um processo que iria pocircr em questatildeo a possibilidade do diaacutelogo inter-
humanordquo1 Natildeo haacute como negar que as personagens ibsenianas satildeo complexas natildeo
apresentando portanto contornos firmes e niacutetidos como na dramaturgia convencional No
entanto para natildeo se correr o risco de empobrecer a visatildeo da singularidade do teatro de Ibsen
haacute que se levar em consideraccedilatildeo a estrutura esteacutetica das peccedilas e tentar enxergar aleacutem do
conflito individual das personagens procurando analisar o contexto exterior e os impasses que
as oprimem Nesse sentido vale lembrar a primorosa anaacutelise de Febrot dessa mesma Hedda
Gabler Sem desconsiderar a realidade interior da personagem-tiacutetulo ele indicou um
importante aspecto da peccedila que talvez passasse desapercebido aos adeptos da psicanaacutelise
Hedda encarna os preconceitos e as ideacuteias do individualismo burguecircs eacute o ldquocaacutelculo que leva ao
carreirismo eacute o desejo de conforto antes e acima de tudo eacute a ambiccedilatildeo vatilde de prestiacutegio social eacute
o egoiacutesmo frio que esquece os demais inclusive famiacutelia e amigos Eacute a proacutepria inutilidade
socialrdquo2
As indicaccedilotildees de Deacutecio de Almeida Prado sobre o caraacuteter psicoloacutegico do teatro de
Ibsen tomadas sem as devidas precauccedilotildees mdash sugeridas aliaacutes pelo proacuteprio criacutetico mdash e os
estudos do psicanalista Wilhelm Reich entatildeo em voga contribuiriam para que se afigurasse
no centro das discussotildees de Ibsen apenas os conflitos existenciais de suas personagens
destituiacutedos de qualquer conjuntura maior seja esteacutetica ou social Essa situaccedilatildeo que de algum
modo perdura ateacute hoje corrobora equivocadamente o individualismo como o elemento
predominante da atualidade do dramaturgo deixando de lado as implicaccedilotildees materialistas e
desabusadas de sua obra que diga-se de passagem nunca perderam seu vigor Como
considerar ultrapassada a criacutetica do dramaturgo a um mundo comandado por lucro trabalho e
competiccedilatildeo Certamente os valores burgueses associados ao seu teatro e consolidados desde
a deacutecada de 1940 mdash prestiacutegio do vieacutes psicoloacutegico e refutaccedilatildeo da praacutetica poliacutetica e social de
suas peccedilas mdash ratificam esse estado de coisas Tanto eacute assim que ao se falar de Ibsen nossos
criacuteticos continuam reproduzindo os velhos chavotildees ora polemizam sobre a modernidade de
seus temas ora comparam a estrutura de suas peccedilas ao rigor do teatro claacutessico e ora
reafirmam a densidade psicoloacutegica de suas personagens Nessa perspectiva a recente
publicaccedilatildeo do livro de Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade fora o meacuterito
1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 88 2 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5
96
de se tratar do primeiro trabalho de focirclego sobre o dramaturgo no Brasil pouco trouxe de
novo para a reavaliaccedilatildeo de sua obra Haja vista que a autora procura mostrar ao longo de todo
o volume como as peccedilas de Ibsen foram contaminando-se de elementos abstratos e
subjetivos a ponto de abarcar ainda segundo Menezes ldquoo descontiacutenuo e contingente o
ambiacuteguo e o escorregadiordquo1 Depois de evidenciar nessa trajetoacuteria a ruptura do teatro de
Ibsen com os padrotildees dramaturgia convencional a autora passa a analisar o que ela denomina
de ldquoo novo sujeito da obra de Ibsenrdquo Apoiada nas teorias de Freud Tereza Menezes procura
trabalhar as principais caracteriacutesticas das personagens ibsenianas que seriam segundo ela os
limites da consciecircncia as irrupccedilotildees da irracionalidade a questatildeo da identidade as
possibilidades de elaboraccedilatildeo interior e os sujeitos precaacuterios Evidentemente que por ser o
recorte psicoloacutegico o enfoque de seu trabalho Menezes absteacutem-se de tratar do fator social da
obra ibseniana Entretanto a forma social do mundo se antepotildee aos propoacutesitos subjetivos das
personagens Justamente a configuraccedilatildeo social mdash engrenagem objetiva do teatro de Ibsen mdash
funcionando atraacutes das costas das personagens que definem suas intenccedilotildees e seus desejos mais
iacutentimos Portanto a tendecircncia de se interpretar e valorizar a obra ibseniana sem os devidos
cuidados em termos biograacuteficos e psicanaliacuteticos produz muitas vezes resultados
problemaacuteticos por ressaltar de maneira unilateral ou mesmo exclusiva aspectos pouco
relevantes para a compreensatildeo da validade esteacutetica de Ibsen
Por sua vez a criacutetica teatral de jornal limitada nos dias de hoje ao papel de
publicitaacuteria da cultura restringe sua tarefa mais agrave instacircncia de divulgaccedilatildeo dos espetaacuteculos do
que agrave funccedilatildeo analiacutetica No caso de Ibsen uma parte por causa do desinteresse de sua obra e
outra por causa da falta de bibliografia de apoio no nosso paiacutes os criacuteticos acabam
reproduzindo as ideacuteias mais do que conhecidas de autores como Carpeaux Brustein etc Mas
eacute claro que esses argumentos natildeo satildeo suficientemente vaacutelidos para se entender porque
privilegiam tais autores e descartam outros como Rosenfeld Vianinha e Febrot que tatildeo
lucidamente analisaram as peccedilas de Ibsen Essa questatildeo pode ser melhor compreendida se
levadas em conta as exigecircncias do mercado cultural que natildeo se interessa como dizia
Vianinha em ldquotransmitir Ibsen com toda a sua eficaacuteciardquo Os cadernos culturais dessa forma
ficam praticamente a reboque da conveniecircncia dos empresaacuterios de show business e dos
grandes patrocinadores dos espetaacuteculos tornando-se irrelevante discutir a peccedila que seraacute
encenada mas tatildeo somente informar o dia de estreacuteia o custo da montagem os aparatos
cecircnicos etc Assim a nossa criacutetica submetida agrave loacutegica do mercado acaba retornando agrave velha
1 Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006 p 134
97
estruturaccedilatildeo dos artigos do final do seacuteculo XIX uma biografia breve do dramaturgo o resumo
da peccedila a descriccedilatildeo dos cenaacuterios e figurinos e a anaacutelise do desempenho dos atores
Nessas condiccedilotildees natildeo eacute de se admirar que a obra de Ibsen tenha sido ateacute hoje
traduzida apenas parcialmente para nossa liacutengua As primeiras traduccedilotildees de suas peccedilas soacute
apareceram na deacutecada de 1940 restringindo-se ao leque dos textos mais conhecidos o que
resultou no famigerado livro Seis dramas Apesar dos problemas gerados pela traduccedilatildeo
intermediaacuteria do francecircs esse volume continua sendo a principal fonte de consulta sobre o
dramaturgo Versotildees diretas do original norueguecircs apareceram somente nos anos 1990 com
as publicaccedilotildees ineacuteditas de O pequeno Eyolf e John Gabriel Borkman feitas por Karl Erik
Schoslashllhammer Entretanto essas peccedilas jaacute natildeo satildeo mais reeditadas o que ratifica de certo
modo a falta de interesse por Ibsen em nosso paiacutes Essa situaccedilatildeo estende-se como natildeo
poderia deixar de ser agrave sua fortuna criacutetica Estamos literalmente agrave margem das mais
interessantes contribuiccedilotildees estrangeiras sobre o autor Basta dizer que no exterior seu teatro
continua vivo e atuante seja pela encenaccedilatildeo contiacutenua de suas peccedilas pela fundaccedilatildeo de
institutos como Centre for Ibsen Studies na Noruega e The Ibsen Society of America nos
Estados Unidos que promovem conferecircncias seminaacuterios e cursos sobre o autor ou ainda pela
ediccedilatildeo de perioacutedicos especializados como os noruegueses Ibsen Studies e The Contemporany
Approaches to Ibsen e o norte-americano Ibsen News and Comment que jaacute reuniram uma
boa coletacircnea de pesquisas atuais sobre sua obra No Brasil no entanto Ibsen continua
beirando o esquecimento Mesmo na academia seu teatro parece natildeo ser digno de atenccedilatildeo
haja vista que soacute recentemente em 2000 sua obra foi tema de uma dissertaccedilatildeo a de Tereza
Menezes que resultou no livro mencionado anteriormente Ibsen e o novo sujeito da
modernidade
Nessa conjuntura cabe destacar a traduccedilatildeo em 2002 de duas obras que trazem
importantes reflexotildees sobre o dramaturgo Trageacutedia moderna de Raymond Williams
publicado pela editora Cosac amp Naify de Satildeo Paulo e Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e
Chekhov de Stella Adler editado pela Bertrand Brasil do Rio de Janeiro Em linhas gerais o
professor e criacutetico inglecircs Raymond Williams atraveacutes do retrospecto da histoacuteria das ideacuteias e
das representaccedilotildees acerca da proacutepria noccedilatildeo de trageacutedia procura avaliar como se constitui a
experiecircncia traacutegica em autores modernos como Ibsen Arthur Miller Strindberg OrsquoNeill
Tcheacutekhov Beckett e outros No caso do dramaturgo norueguecircs ele aponta uma nova
definiccedilatildeo de trageacutedia a ldquotrageacutedia liberalrdquo que surge a partir da consolidaccedilatildeo do capitalismo
transformando posiccedilatildeo social em distinccedilatildeo de classe ldquoposiccedilatildeo implicava ordem e conexatildeo
98
classe era apenas uma separaccedilatildeo no acircmbito de uma sociedade informe e indeterminadardquo1 Sob
essa perspectiva Williams aponta como numa forma e contexto novos Ibsen criou suas
peccedilas introduzindo a preocupaccedilatildeo burguesa com o dinheiro a intensidade romacircntica de
alienaccedilatildeo o desejo pervertido o reconhecimento social de instituiccedilotildees inertes e de crenccedilas
limitadoras Mergulhadas nesse ambiente as personagens de Ibsen ganharam a feiccedilatildeo de um
novo tipo de heroacutei Diferentemente do heroacutei da trageacutedia claacutessica para quem bastava a nobreza
de sofrimento as personagens ibsenianas requeriam a auto-realizaccedilatildeo e a liberdade num
mundo falso e hipoacutecrita este o verdadeiro inimigo do homem Portanto segundo Raymond
Williams a essecircncia da obra de Ibsen natildeo estaacute na ldquolibertaccedilatildeo individualistardquo de suas
personagens mas na exploraccedilatildeo dos modos pelos quais a sociedade burguesa apresenta os
obstaacuteculos para se realizar essa aspiraccedilatildeo Por sua vez o livro Stella Adler sobre Ibsen
Strindberg e Chekhov traz as transcriccedilotildees de aulas e palestras de uma das mais eminentes
atrizes do Group Theatre sobre esses trecircs dramaturgos modernos Stella Adler procura
apresentar Ibsen como o precursor do realismo no teatro que se posicionara contra as
hipocrisias da classe meacutedia Eacute assim que ela aponta os temas mais frequumlentemente trabalhados
pelo dramaturgo moral dinheiro casamento verdades e mentiras Nesse percurso Adler
procura definir o objetivo de Ibsen que segundo ela natildeo era lidar com os problemas pessoais
e privados de suas personagens mas ldquoretratar os estados de espiacuterito e os destinos de um ser
humano condicionados por situaccedilotildees sociais importantesrdquo2
Ibsen cria de maneira recorrente e com uma extraordinaacuteria riqueza de detalhes
situaccedilotildees que possibilitam uma relaccedilatildeo analiacutetica com a realidade ora pela compreensatildeo que a
personagem tem de ldquosi mesmardquo e do seu mundo ora pela criacutetica e ataque agrave sociedade Eacute desse
confronto de caracteriacutesticas muitas vezes tidas como excludentes entre si que parece nascer a
praacutetica comum de nossa criacutetica de tentar reduzir sua obra ora ao elemento social ora ao
aspecto romacircntico ou existencialista O ponto paciacutefico eacute que a mateacuteria do teatro de Ibsen eacute
constituiacuteda de lembranccedilas de um passado irremediavelmente perdido Difiacutecil eacute perceber quais
satildeo os instrumentos adequados para lidar com ela eacute entender por que as personagens do
dramaturgo natildeo satildeo heroacuteis nem vilotildees eacute compreender por que os valores do passado satildeo
examinados criticamente Algumas respostas jaacute foram dadas por criacuteticos como Alcacircntara
Machado Rosenfeld Vianinha e Febrot Em Ibsen os conflitos o teacutedio profundo e a crise das
personagens natildeo satildeo puras abstraccedilotildees e sim o resultado da opressatildeo de classe das relaccedilotildees de
1 Raymond Williams ldquoDe heroacutei a viacutetima a feitura da trageacutedia liberal para Ibsen e Millerrdquo Traduccedilatildeo de Betina Bischof Trageacutedia moderna Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002 p 127 2 Stella Adler ldquoHenrik Ibsenrdquo Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e Chekhov Traduccedilatildeo de Socircnia Coutinho Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2002 p 76
99
conveniecircncia dos interesses gerados pelo dinheiro etc Portanto uma montagem ou uma
criacutetica que natildeo levem em conta esses aspectos privilegiando-se apenas o tratamento do
indiviacuteduo em seu psicologismo puro ou a defesa de uma tese torna-se problemaacutetica e
insatisfatoacuteria Haacute que se analisar o vazio e o fastio das personagens mas eacute preciso reconhecer
que esses fatores satildeo frutos da engrenagem anocircnima dos poderes sociais A questatildeo social em
Ibsen como bem jaacute demonstraram Rosenfeld Vianinha Raymond Williams e alguns outros
natildeo fornece apenas a mateacuteria que serve de veiacuteculo para conduzir sua corrente criadora ela
proacutepria eacute o elemento que atua na constituiccedilatildeo do que haacute de essencial em seu teatro
R E F E R Ecirc N C I A S B I B L I O G R Aacute F I C A S
101
TRADUCcedilOtildeES DA OBRA DO AUTOR
TEATRO COMPLETO
IBSEN Henrik Drammi Presentazione di Arturo Farinelli Versione a cura di C Giannini e N Zoja 2 v Cernusco sul Naviglio Milano Garzanti 1946 (Il Milione Grandi Scrittori Stranieri)
______ Henrik Ibsen Saumlmtliche Werke Herausgegeben von Julius Elias und Paul Schlenther 5 v Berlin S Ficher Verlag [19--]
______ Teatro completo Tradution y notas de Else Wasteson Revision y proacutelogo de M Winaerts e Germaacuten Goacutemez de la Mata Madrid Aguilar 1959
______ The collected works of Henrik Ibsen Translated by William Archer 13 v New York Scribnerrsquos sons 1911-1914
______ The Oxford Ibsen Translated and edited by James Walter McFarlane 8 v London Oxford University 1960-1977
POESIA
IBSEN Henrik Ibsenrsquos poems Translated by John Northam Oslo Norwegian University Press 1986
______ Poems by Henrik Ibsen Translated by Brian Sourbut [New York] York Settlement Trust 1993
______ The collected poems of Henrik Ibsen Translated by John Northam Disponiacutevel em lthttpwwwibsennetid=26645gt Acesso em 20 jan 2007
CORRESPONDEcircNCIA
IBSEN Henrik Ibsen letters and speeches Edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964
______ Letters of Henrik Ibsen Translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905
______ Lettres de Henrik Ibsen a ses amis Traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906
102
BIOGRAFIAS
BALZEL Oscar Henrik Ibsen Leipizig Infel Bucherei sd
FERGUSON Robert Henrik Ibsen a new biography London Cohen 1996
KOHT Halvdan Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971
JAEligGER Henrik Henrik Ibsen a critical biography Chicago AC McClurg 1901
LOTHAR Rudolph Henrik Ibsen Leipzig E A Seemann 1902 (Dichter und Darsteller 8)
MEYER Hans-Georg Henrik Ibsen New York Frederick Ungar 1972 (World dramatists series)
MEYER Michael Ibsen a biography by Michael Meyer London Peguin Books 1971
LIVROS E TESES SOBRE O AUTOR
APOLLONIO Mario Ibsen Brescia Morcelliana 1944
BERTEVAL W Le theacuteacirctre drsquoIbsen Preacuteface du Comte Prozor Paris Perrin 1912
BLOOM Harold Modern critical views Philadelphia Chelsea 1999
BOETTCHER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1912
BONET Ofelia Machado Ibsen Montevideo sn 1966
BOYESEN Hjalmar Hjorth Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894
BRADBOOK Muriel Clara Ibsen the Norwegian a revaluation London Chatto amp Windus 1946
BRANDES Georg Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies Revision e Introduction de William Archer New York Macmillan 1899
DEPPERMAN Maria et al (Orgs) Ibsen im europaumlischen Spannungsfeld zwischen Naturlismus um Symbolismus Frankfurt Peter Lang 1998
DOUMIC Reneacute De Scribe a Ibsen causeries sur le theacuteacirctre Paris Perrin 1896
DOWNS Brian W Ibsen the intellectual background New York Cambridge 1948
______ Modern Norwegian literature 1860-1918 Cambridge Cambridge University 1966
103
EGAN Michael Henrik Ibsen the critical heritage London Routledge 1997
EHRHARD Auguste Henrik Ibsen et le theacuteacirctre contemporain Paris Lecegravene Odin 1892 (Nouvelle Bibliothegraveque litteacuteraire)
FARINELLI Arturo Byron e Ibsen Milano Fratelli Booca 1944
FIRKINS Ina Ten Eyck Henrik Ibsena bibliography of criticism and biography with na index to characters New York London H W Wilson Company Grafton amp Company 1921 (Practical Bibliographies)
GRAVIER Maurice Ibsen Paris Seghers 1973
GRAY Ronald Ibsen a dissenting view a study of the last twelve plays London Cambridge 1977
HEIBERG Hans Ibsen a portrait of the artist London George Allen Unwin 1969
HOslashST Sigurd Henrik Ibsen Paris Stock 1924
JACOBBI Ruggero Ibsen la vita il pensiero i testi exemplari Milano Edizione Accademia 1972 (Il memorabili)
JACOBS M Ibsens Buumlhnentechnik Dresden Sibyllen-Verlag 1920
JANSEN ANNIE Ibsen el creador del teatro social Buenos Aires Claridad 1966
JOHNSTON Brian Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989
JORGENSONTHEODORE Henrik Ibsen a study in art and personality Northfield Minnesota St Olaf College 1948
KNIGHT WILSON G Ibsen Edinburgh Oliver and Boyd 1962
LA CHESNAIS Pierre Georget Brand drsquoIbsen eacutetude et analyse Paris Melloteacutee [19--] (Les Cheufs-drsquooeuvre de la Litteacuterature Expliqueacutes)
LAVRIN Janko Ibsen an approach London Methuen [1950]
LINGE Tore La conception de lrsquoamour dans le drama de Dumas fils et drsquoIbsen Paris H Champion 1935 (Bibliothegraveque de la Revue de Litteacuterature Compareacutee tome 110)
LOGEMAN H A commentary critical and explanatory on the Norwegian text of Henrik Ibsenrsquos Peer Gynt Its languageliterary associations and folklore The Hague Nijhoff 1917
LORIEacute OSSIP La philosophie sociale dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1900
104
LUGNEacute-POE Aureacutelien Ibsen par Lugneacute-Poe Paris Rieder 1936 (Maicirctres des Litteacuteratures 21)
MARKER Frederick J e Lise-Lone Ibsenrsquos lively art a performance study of the mayor plays New York Cambridge University 1989
MCFARLANE James Walter (Org) The Cambridge Companion to Ibsen New York Cambridge University 1994
______ Discussions of Henrik Ibsen Boston Heath 1962
______ Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970
______ Ibsen and the temper of Norwegian literature London Oxford 1960
NORTHAM John Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953
REINEDKER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris F Alcan 1912
REQUE Dikka A Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoslashrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930
SAROLET Charles Henrik Ibsen eacutetude sur sa vie amp son oeuvre Paris Nilsson 1891
SHAPIRO Bruce G Divine madness and the absurd paradox Ibsenrsquos Peer Gynt an the philosophy of Kierkegaard New York Greenwood 1990 (Contributions in Drama and Theatre Studies 29)
SHAW George Bernard The quintessence of Ibsenism London Walter Scott 1891
SHEPHERD-BARR Kirsten Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997
SLATAPER Scipio Ibsen Con un cenno su Scipio Slataper di Arturo Farinelli Torino Fratelli Bocca 1916 (Letterature Moderene Studi diretti da A Farinelli v 5)
TAM Kwok-kan Ibsen in China 1908-1997 a critical-annotated bibliography of criticism translation and performance Hong Kong Chinese University Press 2001
TEMPLETON Joan Ibsenrsquos women New York Cambridge University 1997
TENNANT P F D Ibsenrsquos dramatic technique Cambridge Bowes 1948
TISSOT Ernest Le drame norveacutegien Paris Perrin 1893
TORNQVIST Egil Ibsen A dollrsquos house Cambridge Cambridge University 1995
105
WEIGAND Hermann J The Modern Ibsen a reconsideration New York Henry Holt and Company 1925
ZAPPA Gabriella La fortuna di Ibsen in Italia (1891-1969) 1968 Tese (Doutorado em Letras) - Faculdade de Letras e Filosofia Universidade de Milatildeo Milatildeo
CAPIacuteTULO DE LIVROS SOBRE O AUTOR
ADORNO Theodor W ldquoExumaccedilatildeordquoldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo In ______ Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificada Traduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 79-82
ARCHER William ldquoIbsen and the English Theatrerdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 60-67
BENTLEY Eric ldquoTalking Ibsen personallyrdquo In ______ The theatre of commitment and others essays on drama in our society New York Atheneum 1967 p 98-118
BRECHT Bertold ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo In ______ Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12
BREED Paul Francis SNIDERMAN Florence M ldquoIbsenrdquo In ______ Dramatic criticism index a bibliography of commentaries on playwrights from Ibsen to the avant-garde Detroit Gale Research 1972 p 314-334
BRUSTEIN Robert ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 51-102
CASANOVA Ch de Bigault ldquoIbsen poetardquo In BRANDES Jorge Henrik IbsenTraduccedilatildeo e proacutelogo de Jose Liebermann Buenos Aires Tor 1965 p 157-188
FARIAS Javier ldquoEnrique Ibsenrdquo In ______ Historia del teatro Buenos Aires Atlandida 1944 (Coleccion Oro de Cultura General) p 210-211
FERGUSSON Francis ldquoGli Spettri e Il Giardino dei ciliegi il teatro del realismo modernordquo 1962 In ______ Idea di un teatro Milano Feltrinelli 1962 (Universale Economica) p 183-221
FREUD Sigmund ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In ______ Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356
GILMAN Richard ldquoIbsenrdquo In ______ Making of modern drama a study of Buchner Ibsen Strindberg Chekhov Pirandello Brecht Beckett Handke New York Farrar Straus Giraux 1975 p 45-82
106
GOLDMAN Emma ldquoThe scandinavian drama Henrik Ibsenrdquo In ______ The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914
GUARDIA Alfredo de la ldquoCriacioacuten espiritual de Ibsenrdquo In ______ El teatro contemporaacuteneo Buenos Aires Editorial Schapire [1947] p 115-156
LUKAacuteCS Georg ldquoHenrik Ibsen tentativo di creare una tragedia borgheserdquo In ______ La genesi della tragedia borghese de Lessing a Ibsenv 2 Milano SugarCo 1977 p 115-156
LUMLEY Frederick ldquoThe drama since Ibsen and Shawrdquo In ______ New trends in 20th century drama a survey since Ibsen and Shaw New York Oxford University 1972 p 9-16
PITOEumlFF Georges ldquoIbsenrdquo In ______ Notre theacuteacirctre Paris Messages 1949
PLEKHANOV Georgy ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In FLORES Angel Henrik IbsenNew York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007
SHAW George Bernard ldquoBefore and after Ibsen (1891)rdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 68-71
TOUCHARD Pierre-Aime ldquoIbsen ou le theacuteacirctre reacutevolutionnairerdquo In ______ Dionysos apologie pour le theacuteacirctre Nouvelle eacutedition revue et augmenteacute Paris Seuil 1949 p 153-157
WILLIAMS Raymond ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ Drama from Ibsen to Brecht 2 ed London Hogarth 1971 p 33-74
PERIOacuteDICOS SOBRE O AUTOR
ANDERSON Rasmus Bjoslashrn ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American [Wiscosin]15 abr 1882
ARCHER William ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 209-214 1 abr 1884
______ ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891
ARESTAD Sverre ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948
AVELING Edward ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-480 maio 1884
AVELING Edward MARX-AVELING Eleanor ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886
107
BOYESEN Hjalmar Hjorth ldquoHenrik Ibsenrdquo The Century a popular quarterly New York v 9 p 794-796 mar 1890
BRANDES Georg ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897
FJELDE Rolf ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988
HAGE Anne ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005
JAMES Henry ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893
MAETERLINCK Maurice ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894
SCOTT Clement [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893
______[sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891
URSO Simona ldquoIbsen in Italiardquo Societagrave Italiana per lo studio della Storia Contemporanea Scene di fine Ottocento lrsquoItalia fin de siegravecle a teatro Seccedilatildeo Cantieri di Storia II Disponiacutevel em lthttpwwwsisscoitattivitasem-set-2003relazioniursortfgt Acesso em 20 jan 2007
WIEDNER Elsie M ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978
GERAL
ABREU Briacutecio de Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958
ALMEIDA PRADO Deacutecio de Teatro brasileiro moderno Satildeo Paulo Perspectiva 1988
ANDERSON Rasmus Bjoslashrn Life story Madison Wisconsin ediccedilatildeo do autor 1915
ANTOINE Andreacute Mes souvenirs sur le Theacuteacirctre Libre Paris Arthegraveme Fayard 1921
BIGEON Maurice Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894
BETTI Maria Siacutelvia Oduvaldo Vianna Filho Satildeo Paulo EDUSP 1997
BORDEAUX Henry La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894
BOSI Alfredo ldquoPor um historicismo renovado reflexo e reflexatildeo na histoacuteria literaacuteriardquo In ______ Teresa revista de literatura brasileira n 1 Satildeo Paulo Ed34 2000
108
BOYESEN Hjalmar Hjorth Essays on Scandinavian literature London David Nutt 1895
BRANDAtildeO Cristina O Grande Teatro Tupi do Rio de Janeiroo teleteatro e suas muacuteltiplas faces Juiz de Fora UFJF OP COM 2005
BROCA Brito A vida literaacuteria no Brasil ndash 1900 Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1960
CACCIAGLIA Mario Pequena histoacuteria do teatro no Brasil (quatro seacuteculos de teatro no Brasil) Traduccedilatildeo de Carla de Queiroz Satildeo Paulo EDUSP 1986
CAFEZEIRO Edwaldo GADELHA Carmem Histoacuteria do teatro brasileiro um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues Rio de Janeiro UFRJ 1996
CAIRO Luiz Roberto Velloso Introduccedilatildeo agrave teoria literaacuteria de Araripe Juacutenior um criacutetico
brasileiro precursor da vanguarda atual 1978 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Linguumliacutestica e
Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de
Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
______ O salto por cima da proacutepria sombra o discurso criacutetico de Araripe Juacutenior uma
leitura 1986 Tese (Doutorado em Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de
Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas
Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo
CANDIDO Antonio et al A personagem de ficccedilatildeo Satildeo Paulo Perspectiva 1968
CANDIDO Antonio Literatura e sociedade estudos de teoria e histoacuteria literaacuteria Satildeo Paulo Nacional 1965
CARLSON Marvin Teorias do teatro estudo histoacuterico-criacutetico dos gregos agrave atualidade Traduccedilatildeo de Gilson Ceacutesar Cardoso de Souza Satildeo Paulo UNESP 1997
CARPEAUX Otto Maria La litteacuterature breacutesilienne du bovarysme agrave lrsquoengagement In ______ Les Temps Modernes Le Breacutesil n 257 Paris octobre 1967
CARVALHO Seacutergio de O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
COSTA Inaacute Camargo A hora do teatro eacutepico no Brasil Rio de Janeiro Paz e Terra 1996
______ Sinta o drama Rio de Janeiro Vozes 1998
CRAIG Edward Gordon Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971
109
DOacuteRIA Gustavo A Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975
FARIA Joatildeo Roberto Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva FAPESP 2001
______ O teatro na estante estudos sobre dramaturgia brasileira e estrangeira Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial 1998
______ O teatro realista no Brasil 1855-1865 Satildeo Paulo EDUSP Perspectiva 1993
FERRATON Hubert Syndicalisme ouvrier et social-deacutemocratie en Norvegravege Paris Armand Colin 1960
GOLDMAN Emma Anarchism and other essays New York Dover 1969
GOULD Jean Dentro e fora da Broadway o teatro moderno norte-americano Traduccedilatildeo Ana Maria M Machado Rio de Janeiro Bloch 1968
GRANIER Caroline Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes ndash Saint-Denis Paris
GUERRA Marco Antocircnio Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
GUINSBURG J FARIA Joatildeo Roberto LIMA Mariacircngela Alves de (Orgs) Dicionaacuterio do teatro brasileiro temas formas e conceitos Satildeo Paulo Perspectiva SESC Satildeo Paulo 2006
GUZIK Alberto TBC crocircnica de um sonho Satildeo Paulo Perspectiva 1986
HALLEWELL Laurence O livro no Brasil sua histoacuteria Traduccedilatildeo de Maria da Penha Villalobos Loacutelio Lourenccedilo de Oliveira e Geraldo Gerson de Souza Satildeo Paulo EDUSP 2005
HAUGSTOL H VERGEL J This is Norway Oslo Arne Gimmes Forlag 1949
HOBSBAWN Eric J A Era do Capital 1848-1875 Rio de Janeiro Paz e Terra 1996
______ A Era dos Impeacuterios 1875-1914 Rio de Janeiro Paz e Terra 2002
HYMAN Erin Williams ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005
LEITE Pedro Sisnando Escandinaacutevia modelo de desenvolvimento democracia e bem-estar Satildeo Paulo HUCITEC 1982
LEMAIcircTRE Jules Impressions de theacuteacirctre 10 v Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897
110
LOMBROSO Cesare LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894
LOMBROSO Cesare FERRERO William The female offender New York Philosophical Library 1958
LUKAacuteCS Georg Il drama moderno Milano SugarCo 1976
______ Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968
______ Teoria do romance uma ensaio histoacuterico-filosoacutefico sobre as formas da grande eacutepica Satildeo Paulo Duas Cidades Ed 34 2000
MAGALDI Saacutebato VARGAS Maria Thereza Cem anos de teatro em Satildeo Paulo (1875-1974) Satildeo Paulo SENAC 2000
MAGALDI Saacutebato Panorama do teatro brasileiro Satildeo Paulo Difel 1962
MARTINS Maria Helena (Org) Rumos da criacutetica Satildeo Paulo SENAC Itauacute Cultural 2000
MARTINS Wilson A criacutetica literaacuteria no Brasil 2 v Rio de Janeiro Francisco Alves 1983
MEYERHOLD Vsevolod Meyerhold on theatre Translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969
MILAREacute Sebastiatildeo ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrmateria_atualaspmat=176gt Acesso em 20 jan 2007
MORAES Alexandre Lara de Indiviacuteduo e resistecircncia sobre a anulaccedilatildeo da individualidade e a possibilidade de resistecircncia do indiviacuteduo em Adorno e Horkheimer Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia) Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Universidade Estadual de Campinas Campinas
NAESS Harald S A history of Norwegian literature London University of Nebraska 1993
NEVES Larissa de Oliveira O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 2 v Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas
NOCCIOLI Guido Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Translated by Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982
NORDAU Max Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94
PAVIS Patrice Dicionaacuterio de teatro Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Maria Luacutecia Pereira Satildeo Paulo Perspectiva 1999
111
PEREIRA Sidecircnia Freire O teleteatro da TV TUPI em Satildeo Paulo origens e contribuiccedilotildees na
teledramaturgia nacional 2004 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Comunicaccedilatildeo e Arte) ndash
Departamento de Comunicaccedilatildeo e Arte Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo
Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo
PEIXOTO Fernando (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983
PIVOT Sylvain Norvegravege Paris Seuil 1960 (Collection Petite Planegravete)
RAULINO Berenice Ruggero Jacobbi presenccedila italiana no teatro brasileiro Satildeo Paulo Perspectiva 2002
ROSENFELD Anatol O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000
______ Prismas do Teatro Satildeo Paulo Perspectiva EDUSP UNICAMP 1993
SARCEY Francisque Quarante ans de theacuteacirctre 8 v Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1900-1902
SILVA Flaacutevio Luiz Porto e (Org) O teleteatro paulista nas deacutecadas de 50 e 60 Satildeo Paulo Secretaria Municipal de Cultura Departamento de informaccedilatildeo e documentaccedilatildeo artiacutesticas Centro de documentaccedilatildeo e informaccedilatildeo sobre arte brasileira contemporacircnea 1981 (Cadernos 4)
STOVERUD T Milestones of Norwegian Literature Oslo Johan Grundt Tanum Forlag 1967
SZONDI Peter Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001
VENTURA Mauro de Souza Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
VENTURA Roberto Estilo tropical histoacuteria cultural e polecircmicas literaacuterias no Brasil 1870-1914 Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991
WAIZBORT Maria do Carmo Malheiros Um diaacutelogo criacutetico Otto Maria Carpeaux e as ldquociecircncias do espiacuteritordquo 1992 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Literatura Brasileira) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
This document was created with Win2PDF available at httpwwwwin2pdfcomThe unregistered version of Win2PDF is for evaluation or non-commercial use onlyThis page will not be added after purchasing Win2PDF
5
RESUMO
SILVA J P Ibsen no Brasil historiografia seleccedilatildeo de textos criacuteticos e cataacutelogo bibliograacutefico
2007 3 v f Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas
Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2007
Este trabalho composto de trecircs volumes (I Historiografia II Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e III
Cataacutelogo bibliograacutefico) tem como objetivo apresentar um panorama da recepccedilatildeo de Ibsen no
Brasil O primeiro volume traz uma avaliaccedilatildeo da fortuna criacutetica de Ibsen no Brasil passando
pelas ideacuteias teatrais do seacuteculo XIX pela modernizaccedilatildeo do teatro nos anos 1940 ateacute chegar agraves
tendecircncias criacuteticas contemporacircneas O segundo traz os textos mais relevantes para o
entendimento da obra do dramaturgo publicados no Brasil entre 1895 e 2002 Por fim o
terceiro apresenta os dados bibliograacuteficos sobre as traduccedilotildees brasileiras das peccedilas do autor
sobre as montagens realizadas no teatro e na tv sobre os livros capiacutetulos de livros prefaacutecios e
textos publicados em perioacutedicos sobre o dramaturgo Com esse percurso buscou-se
compreender o modo de assimilaccedilatildeo do teatro ibseniano pela criacutetica brasileira levando em
consideraccedilatildeo as influecircncias estrangeiras especialmente a francesa Ao mesmo tempo procurou-
se ressaltar os momentos de ruptura com essa tradiccedilatildeo sobretudo a partir das reflexotildees de
Antonio de Alcacircntara Machado Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld que deram uma nova
orientaccedilatildeo para a leitura das peccedilas de Ibsen
Palavras-chave Henrik Ibsen Dramaturgia moderna Teatro brasileiro Histoacuteria do teatro
6
ABSTRACT
Silva JP Ibsen in Brazil historiography selection of critical texts and bibliographical
catalogue 2007 3 v f Dissertation (Masterrsquos degree) ndash Faculdade de Filosofia Letras e
Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo 2007
This work composed of three volumes (I Historiography II Selection of critical texts and
III Bibliographical catalogue) presents an overview of the reception of Ibsen in Brazil The
first volume is an assessment of the rich and varied criticism Ibsen received in Brazil within
the context of the theatrical ideas of the nineteenth century the modernization of the theatre in
the 1940s until the contemporary level of critical trends The second selects the most relevant
texts in order to understand the works of the playwright which were published in Brazil from
1985 and 2002 Finally the third presents bibliographical information on Brazilian
translations of his plays on adaptations carried through in theatre and on TV in books book
chapters prefaces and texts published in periodicals about the playwright Through this route
an attempt was made to understand the way Ibsenian theatre was assimilated by Brazilian
critics taking into account foreign influences especially of French origin At the same time
we attempt to highlight examples of breaking from such tradition especially considering the
thoughts of Antonio de Alcacircntara Machado Otto Maria Carpeaux and Anatol Rosenfeld who
gave us another approach to the studies of Ibsenrsquos plays
Keywords Henrik Ibsen Modern drama Brazilian theatre History of the theatre
7
SUMAacuteRIO
VOLUME I HISTORIOGRAFIA
Nota 4
Resumo 5
Abstract 6
Iacutendice 13
INTRODUCcedilAtildeO
Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15
IBSEN NO BRASIL
As primeiras encenaccedilotildees 40
Um claacutessico imperfeito 53
Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58
Entre o teatro amador e o profissional 63
A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 101
VOLUME II SELECcedilAtildeO DE TEXTOS CRIacuteTICOS
Iacutendice 120
Nota preacutevia 125
1 Os espectros de Henrik Ibsen (C Parlagreco) 127
2 Novelli ndash Ibsen (Sem assinatura) 131
3 Novelli ndash ldquoHenrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo (A) 136
4 Novelli ndash Os espectros (Sem assinatura) 139
5 Os espectros (Sem assinatura) 141
6 Ermete Novelli (Sem assinatura) 143
8
7 O Teatro ndash ldquoA grande figura de Francisque Sarcey []rdquo (Artur Azevedo) 145
8 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro colega e amigo []rdquo
(Luiacutes de Castro) 147
9 A casa de boneca (Luiacutes Guimaratildees Filho) 150
10 Teatro contemporacircneo Henrik Ibsen (Luiacutes de Castro) 154
11 SantrsquoAnna ndash Casa de boneca (Oscar Guanabarino) 158
12 Luciacutelia Simotildees (Paulo Barreto ndash Joatildeo do Rio) 166
13 O Teatro ndash ldquoEu estava no sul de Minas []rdquo (Artur Azevedo) 169
14 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro Artur []rdquo (Luiacutes de Castro)
174
15 O Teatro ndash ldquoLuiacutes de Castro voltou []rdquo (Artur Azevedo) 178
16 Ibsen e o seu teatro (Leopoldo de Freitas) 179
17 Politheama ndash ldquoPoucos homens neste seacuteculo []rdquo (Sem assinatura) 183
18 Teatro Lucinda ( PB ndash Joatildeo do Rio) 188
19 SantrsquoAnna ndash ldquoA primeira vez []rdquo (Sem assinatura) 190
20 Antoine ndash ldquoA companhia Antoine []rdquo (Sem assinatura) 192
21 O Teatro ndash ldquoTerminei o meu uacuteltimo folhetim []rdquo (Artur Azevedo) 193
22 SantrsquoAnna ndash ldquoA representaccedilatildeo da Casa de boneca de Ibsen []rdquo (Sem assinatura)
195
23 O Teatro ndash ldquoPassando por alto uma representaccedilatildeo da Fernanda []rdquo (Artur Azevedo)
197
24 Crocircnica ndash ldquoA nota artiacutestica foi a representaccedilatildeo de Hedda Gabler []rdquo (OB ndash Olavo Bilac) Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 7 jul 1907
199
25 Revistinha ndash Tourneacutee Eleonora Duse Teatro SantrsquoAnna Hedda Gabler drama de H Ibsen (Joatildeo Crespo)
201
26 SantrsquoAnna ndash ldquoEleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo (Sem assinatura)
207
27 Hedda Gabler ndash ldquoDissemos que Ibsen ainda natildeo eacute []rdquo (Sem assinatura) 208
28 Revistinha ndash ldquoUm criacutetico teatral de uma folha []rdquo (Joatildeo Crespo) 211
9
29 Ainda Hedda Gabler (Sem assinatura) 213
30 Revistinha ndash ldquoVaacute de resposta ao criacutetico teatral []rdquo (Joatildeo Crespo) 215
31 Os meus domingos (Alfredo Pujol) 217
32 A esteacutetica de uma trageacutedia (Graccedila Aranha) 221
33 Teatro Municipal ndash ldquoDois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo (Sem assinatura) 223
34 Ibsen o teatro de pensamento comemora o 1ordm centenaacuterio do nascimento do grande criador dinamarquecircs [norueguecircs] (Sem assinatura)
226
35 No centenaacuterio de Ibsen (Fleacutexa Ribeiro) 229
36 O primeiro centenaacuterio de Ibsen a obra e a vida do genial escandinavo A influecircncia de suas ideacuteias no teatro contemporacircneo (Sem assinatura)
232
37 Agrave memoacuteria de Ibsen (Camille Mauclair) 237
38 H Ibsen (Nestor Viacutetor) 241
39 Ibsen e o subconsciente (Fleacutexa Ribeiro) 243
40 Henrik Ibsen ndash ldquoEsse norueguecircs de Skien []rdquo (JJ de Saacute ndash Antonio de Alcacircntara Machado)
247
41 Teatro Municipal ndash ldquoEscrita haacute um pouco mais de meio seacuteculo []rdquo (Sem assinatura)
260
42 Defesa de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 262
43 O ibsenismo no Brasil (Alceste ndash Brito Broca) 270
44 Ibseniana ndash ldquoEstatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo (Otto Maria Carpeaux)
272
45 Aos atores brasileiros (Otto Maria Carpeaux) 276
46 Ibsen 50 anos depois (OMC ndash Otto Maria Carpeaux) 279
47 Presenccedila de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 282
48 Introduccedilatildeo a Ibsen (Ruggero Jacobbi) 287
49 Ibsen e a sua obra (Edmundo Moniz) 297
50 Ibsen atual (Ruggero Jacobbi) 307
51 Ibseniana ndash ldquoAcontece embora raramente []rdquo (Otto Maria Carpeaux) 312
52 Ibsen e o tempo passado (Anatol Rosenfeld) 316
10
53 Ibsen na sua correspondecircncia (Livio Xavier) 320
54 Modernidade de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 323
55 Ibsen e o Dr Stockmann (Luiz Israel Febrot) 327
56 Hedda Gabler ndash ldquoSegundo a crocircnica o maior sucesso de Ibsen []rdquo (Luiz Israel Febrot)
334
57 Os espectros satildeo as velhas ideacuteias (Luiz Israel Febrot) 341
58 De Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) (Joseacute Carlos Garbuglio)
346
59 Natildeo perca esta aventura (Saacutebato Magaldi) 363
60 A casa de bonecas (Luiacuteza Barreto Leite) 368
61 Nossa Casa de bonecas (Otto Maria Carpeaux) 370
62 Ibsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeo (Mariacircngela Alves de Lima) 372
63 A velha Casa de bonecas renovada por Tocircnia (Saacutebato Magaldi) 374
64 O gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humano (Deacutecio Drummond)
376
65 Encenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsen (Mariacircngela Alves de Lima)
379
66 Ibsen o pai do teatro de hoje faz 150 anos (Adones de Oliveira) 384
67 150 anos de Ibsen uma anaacutelise da obra do primeiro dramaturgo moderno (John Mortimer)
388
68 Casa de bonecas 100 anos depois (Sem assinatura) 392
69 Quem eacute Hedda Gabler (Deacutecio de Almeida Prado) 394
70 A densidade dramaacutetica de Ibsen (Fernando Peixoto) 399
71 As obsessotildees de Ibsen (Samuel Titan Jr) 403
72 Penuacuteltima peccedila de Ibsen estreou haacute cem anos (Seacutergio de Carvalho) 406
73 O inimigo do povo privilegia defesa de tese (MAL ndash Mariacircngela Alves de Lima)
413
74 Peccedila de Ibsen mobiliza atrizes desde o seacuteculo 19 (Mariacircngela Alves de Lima)
415
11
VOLUME III CATAacuteLOGO BIBLIOGRAacuteFICO
Iacutendice 425
Cronologia da vida e obra de Ibsen 429
Nota explicativa 434
Abreviaturas 436
1 Obra traduzida do autor 438
2 Obra sobre o autor 447
3 Montagem Teatro 523
4 Montagem TV 612
JANE PESSOA DA SILVA
Ibsen no Brasil
Historiografia Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e Cataacutelogo bibliograacutefico
Volume I
Satildeo Paulo 2007
13
IacuteNDICE
INTRODUCcedilAtildeO
Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15
IBSEN NO BRASIL
As primeiras encenaccedilotildees 40
Um claacutessico imperfeito 53
Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58
Entre o teatro amador e o profissional 63
A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
Traduccedilotildees da obra do autor teatro completo poesia correspondecircncia 101
Biografias 102
Livros e teses sobre o autor 102
Capiacutetulos de livro sobre o autor 105
Perioacutedicos sobre o autor 106
Geral 107
I N T R O D U Ccedil Atilde O
15
Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna
Henrik Ibsen (1828-1906) eacute uma figura central na histoacuteria do teatro moderno Suas vinte e
seis peccedilas escritas ao longo de quase 50 anos inauguraram uma nova era de experimentaccedilatildeo
teatral sobretudo no que diz respeito agrave dramaturgia abandonando as velhas formas do teatro
claacutessico e incorporando em sua fatura os problemas de seu tempo A nova forma de suas peccedilas
que se diferenciava bastante do drama burguecircs mdash comeacutedias realistas que apresentavam no palco
os costumes e os valores morais da burguesia mdash obrigou os artistas a repensar a concepccedilatildeo do
fazer teatral modificando a estrutura do palco o trabalho do ator e a relaccedilatildeo entre texto autor e
plateacuteia Aleacutem disso sua luta constante contra as convenccedilotildees tacanhas e obsoletas da sociedade
burguesa tatildeo evidentes nos chamados ldquodramas sociaisrdquo como Os pilares da sociedade (1877)
Casa de boneca (1879) Os espectros (1881) e Um inimigo do povo (1884) fizeram de Ibsen um
dos autores mais discutidos da segunda metade do seacuteculo XIX Suas ideacuteias aleacutem de influenciarem
muitos dramaturgos como Bernard Shaw Oscar Wilde Arthur Miller entre outros foram
apropriadas no acircmbito literaacuterio pelos movimentos de vanguarda da Europa como o naturalismo
e o simbolismo e na esfera poliacutetica pelos socialistas e anarquistas A partir de Ibsen o teatro
deixa de ser visto apenas como um entretenimento passando a ser encarado tambeacutem como um
instrumento de experiecircncia social que abriu o caminho para as novas formas teatrais do seacuteculo
XX
Ibsen iniciou sua carreira como homem de teatro em 1850 ano da consolidaccedilatildeo do
capitalismo europeu e do desmedido avanccedilo econocircmico que desencadearam uma seacuterie de
transformaccedilotildees na sociedade Nessa eacutepoca de especulaccedilatildeo financeira de imperialismo e de
ascensatildeo do proletariado o dinheiro passa a dominar toda a vida puacuteblica e privada tudo se curva
diante dele tudo o serve As novas relaccedilotildees sociais os direitos e o poder expressam-se em termos
de capital e as pessoas vecircem-se cada vez mais como rivais e inimigas sendo necessaacuterio conquistar
e legitimar permanentemente posiccedilotildees e influecircncias O matrimocircnio e a famiacutelia constituem o esteio
desse mundo burguecircs mormente porque tambeacutem estatildeo ligados ao sistema de propriedade e de
empreendimentos rentaacuteveis Os casamentos em regra estabelecem-se entre famiacutelias do mesmo
status social ou da mesma linha de negoacutecios e a estrutura patriarcal baseada na subordinaccedilatildeo da
mulher e dos filhos eacute mantida O enfraquecimento da unidade familiar eacute inaceitaacutevel seja atraveacutes
da paixatildeo descontrolada por indiviacuteduos ldquoimproacutepriosrdquo (isto eacute economicamente indesejaacuteveis) seja
atraveacutes de escacircndalos morais
16
Na vida artiacutestica prevalecem as tendecircncias que estatildeo de acordo com o gosto burguecircs a
obra faacutecil e agradaacutevel destinada apenas ao entretenimento A arte reduzida agrave diversatildeo e ao
apraziacutevel domina todas as formas de produccedilatildeo mas principalmente aquela ligada agrave esfera puacuteblica
o teatro Este apresenta-se como um instrumento de propaganda da ideologia burguesa de seus
princiacutepios econocircmicos sociais e morais Assim a importacircncia da famiacutelia como alicerce da
sociedade torna-se o principal assunto do teatro burguecircs Os ideais os deveres e sobretudo o amor
eterno capaz de resistir agrave prova cotidiana da vida conjugal satildeo valores constantemente
propugnados pelos dramaturgos desse periacuteodo Em La dame aux cameacutelias de Dumas Filho por
exemplo o amor do heroacutei pela cortesatilde eacute incompatiacutevel com a respeitabilidade da famiacutelia burguesa
em Le mariage drsquoOlympe de Eacutemile Augier a mulher de moral duvidosa natildeo tem como se
regenerar e deve ser banida do corpo social Em suma a discussatildeo de temas como a usura a
agiotagem a prostituiccedilatildeo e o casamento de conveniecircncia servem apenas como contrapontos agraves
ldquovirtudes burguesasrdquo
Aleacutem da temaacutetica moralizante as peccedilas tecircm de ser simples e ligeiras obedecendo aos
estratagemas e agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita Desse modo a accedilatildeo deve ser unificada a trama
deve desenrolar-se em um soacute lugar e sua duraccedilatildeo natildeo deve exceder vinte quatro horas o assunto
por mais indecoroso que seja nunca deve ser problemaacutetico nem tampouco obscuro a distribuiccedilatildeo
da mateacuteria dramaacutetica deve ser feita segundo um esquema de exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e
desenlace buscando sempre o mais alto grau de identificaccedilatildeo e verossimilhanccedila Em tal peccedila tudo
deve parecer inesperado embora tudo seja previsiacutevel As discussotildees os conflitos e ateacute mesmo o
desfecho da obra devem estar de acordo com o desejo e com a expectativa do puacuteblico Assim o
enredo torna-se o ingrediente mais artificial do drama e o que realmente importa eacute a arte de
produzir complicaccedilotildees e tensatildeo de atar e desatar noacutes de preparar as reviravoltas da intriga e
sobretudo de manter continuamente o suspense atraveacutes de uma sequumlecircncia de quumliproquoacutes efeitos e
golpes de teatro
Durante algum tempo Ibsen tentaraacute escrever segundo os artifiacutecios da peccedila bem-feita Os
seus primeiros dramas no entanto estatildeo mais proacuteximos do nacionalismo romacircntico e de modo
geral tratam de temas da histoacuteria e da mitologia norueguesa Eacute a partir de A comeacutedia do amor
(1862) que o autor passa a demonstrar interesse pelos assuntos de seu tempo A comeacutedia escrita
em versos tem o rigor da construccedilatildeo e da coerecircncia loacutegica exigidas pela convenccedilatildeo e ademais
apresenta o tema dileto da burguesia o amor Svanhild ama o poeta Falk mas entre o verdadeiro
amor e a solidez de uma vida confortavelmente burguesa a personagem escolhe a segunda opccedilatildeo
casando-se por conveniecircncia com o rico comerciante Gustald Essa peccedila escandalizou de tal modo
seus contemporacircneos que teve sua representaccedilatildeo vetada Com exceccedilatildeo do artigo do jornalista
17
norueguecircs Ditmar Mejdell que a considerou um deploraacutevel contra-senso literaacuterio quase nada se
publicou sobre a peccedila Apenas em conversas privadas falava-se dela qualificando-a como
vergonhosa e imoral
As obras seguintes jaacute satildeo de natureza diversa e apontam pouco a pouco o rumo da nova
dramaturgia proposta por Ibsen Na peccedila histoacuterica Os pretendentes agrave coroa (1863) e nos poemas
dramaacuteticos Brand (1866) e Peer Gynt (1867) a regra da unidade de tempo e espaccedilo eacute rompida As
aventuras de Peer por exemplo comeccedilam no iniacutecio do seacuteculo XIX e terminam em 1860
desenrolando-se na Noruega no Marrocos no deserto do Saara etc A personagem-tiacutetulo natildeo tem
vontade proacutepria eacute um homem elusivo cujas atitudes natildeo se prestam agrave criaccedilatildeo de conflitos entre
protagonistas e antagonistas e portanto estaacute longe de ser heroacutei de um drama rigoroso Sua vida eacute
ilustrada atraveacutes de uma sequumlecircncia de episoacutedios que nada tem do caraacuteter dramaacutetico exigido pela
convenccedilatildeo teatral Por esses motivos o criacutetico dinamarquecircs Clemens Petersen declarou que o
drama pecava contra as regras essenciais da poesia Em A liga da juventude (1869) Ibsen
abandona de vez os versos e satiriza a poliacutetica norueguesa A accedilatildeo se passa num ambiente rural e
as personagens satildeo pequenos burgueses agraves voltas com preocupaccedilotildees corriqueiras casamentos
vantajosos mesquinharias e ambiccedilotildees de arrivistas O protagonista eacute o advogado Stensgaard que
em busca de poder poliacutetico usa de todos os expedientes para conquistar um lugar no parlamento
Ele defende os princiacutepios de abnegaccedilatildeo e altruiacutesmo enfrenta Brattsberg o maior industrial da
cidade mas natildeo pensa duas vezes em se unir a ele para desfrutar as regalias de uma vida
burguesa O drama apresenta as caracteriacutesticas baacutesicas da peccedila bem-feita como a accedilatildeo variada e
complicada e o rigoroso encadeamento causal dos acontecimentos mas as reviravoltas da intriga
natildeo servem apenas para surpreender o espectador e sim para mostrar paulatinamente o quatildeo
inescrupuloso e demagogo eacute o protagonista Ateacute entatildeo na Noruega com exceccedilatildeo de A comeacutedia
do amor nenhum outro drama tinha abordado tatildeo escancaradamente os assuntos contemporacircneos
tornando-se assim a primeira representaccedilatildeo de A liga da juventude um verdadeiro alvoroccedilo Os
poliacuteticos do partido liberal norueguecircs sentiram-se caluniados sobretudo Bjoslashrnson poeta e
dramaturgo que se viu retratado na figura de Stensgaard Durante a encenaccedilatildeo houve
manifestaccedilotildees protestos e vaias obrigando o diretor da peccedila a subir ao palco e pedir silecircncio para
que a representaccedilatildeo pudesse continuar
Em 1873 aparece Imperador e Galileu drama histoacuterico que aborda o conflito entre
cristianismo e paganismo Contudo eacute com Os pilares da sociedade escrita quatro anos mais
tarde que Ibsen torna-se conhecido no restante da Europa Nessa peccedila as personagens
abandonam a linguagem empolada e numa prosa coloquial discorrem sobre temas como a
corrupccedilatildeo e a hipocrisia social A histoacuteria do cocircnsul Bernick homem rico e conceituado que
18
arruinou os membros da proacutepria famiacutelia e praticou crimes contra os cidadatildeos ao construir navios
defeituosos para receber o seguro mariacutetimo obteve grande ecircxito fora da Noruega Na Alemanha
a peccedila mereceu cinco montagens em 1878 sendo recebida como a expressatildeo do espiacuterito da eacutepoca
A partir dessa obra Ibsen abdica das figuras e das situaccedilotildees histoacutericas abrindo-se a uma nova
temaacutetica que forccedilosamente tende a dissolver a estrutura rigorosa do drama O desmascaramento
da sociedade passa a ser foco principal do autor e sua criacutetica primeira eacute dirigida agrave quintessecircncia
do mundo burguecircs o lar A sala de visitas da famiacutelia pequeno-burguesa ateacute entatildeo lugar onde os
indiviacuteduos conservavam a aparecircncia de uma vida harmoniosa onde problemas e contradiccedilotildees
podiam ser esquecidos ou suprimidos artificialmente passa a ser o ambiente onde transcorreraacute a
maior parte das accedilotildees de suas peccedilas Esse recinto iacutentimo e privado torna-se o cenaacuterio perfeito para
a caricatura da vida de cidadatildeos comuns e para o debate de temas como a poliacutetica do matrimocircnio
o relacionamento entre pais e filhos a liberdade a igualdade entre os sexos a mentira e a
hipocrisia Tal mudanccedila altera consequumlentemente a estrutura por vezes um tanto mecacircnica de seus
dramas e progressivamente seu teatro vai abrindo brechas na peccedila bem-feita
O primeiro abalo significativo na forma do drama foi produzido por Casa de boneca
(1879) Nessa peccedila Ibsen assinala a contradiccedilatildeo entre a estrutura da famiacutelia patriarcal e a
sociedade burguesa Por um lado ele questiona como um mundo baseado numa economia de
obtenccedilatildeo de lucro na livre iniciativa na igualdade de direitos oportunidades e liberdade pode
apoiar-se na instituiccedilatildeo do matrimocircnio que nega todos esses ideais e por outro denuncia o
cerceamento da liberdade e dos direitos das mulheres Aleacutem disso ele critica o sistema capitalista
ao fazer do dinheiro a mola propulsora de todos os acontecimentos de sua peccedila Ao abrir do pano
Nora define sua felicidade como resultado de uma situaccedilatildeo financeira vantajosa com a recente
nomeaccedilatildeo de Torvald Helmer seu marido para o cargo de diretor de um Banco Logo em
seguida ela censura a amiga Cristina Linde por ter feito um casamento de conveniecircncia para
assegurar uma vida economicamente estaacutevel Por fim cercada de roupas cortinas almofadas e
papeacuteis de parede eacute posta no palco a famiacutelia burguesa Helmer eacute o pai o marido o senhor honesto
e respeitado cuja funccedilatildeo eacute manter a paz o conforto e a harmonia do lar Nora eacute o ldquoanjo da casardquo
a matildee a esposa ignorante e tola cuja uacutenica tarefa cuidar dos filhos e dirigir os criados natildeo exige
qualquer inteligecircncia nem conhecimento Um casal aparentemente perfeito e feliz ateacute Nora
falsificar a assinatura de seu pai e contrair diacutevidas para custear o tratamento de sauacutede do marido
Helmer como muitos moralistas natildeo fica exasperado com o delito da esposa mas sim com a
ameaccedila de perder sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na sociedade No desfecho Nora frustra-se com a
atitude do marido repensa sua situaccedilatildeo de inferioridade e decide abandonar o lar e os filhos para
buscar sua liberdade pessoal
19
A primeira representaccedilatildeo de Casa de boneca ocorreu no Teatro Real em Copenhague
em dezembro de 1879 e no decurso de dois meses foi encenada em todos os principais
teatros da Escandinaacutevia A peccedila despertou tantas polecircmicas e comentaacuterios que logo Ibsen
passou a ser conhecido em todo o mundo Elogiado e aceito como gecircnio por uns e atacado por
outros o dramaturgo passou agrave ordem do dia O abandono do marido e dos filhos por Nora foi
o ponto que mais desconcerto produziu entre artistas criacuteticos e espectadores Na Alemanha a
atriz Hedwig Neimann-Raabe recusou-se a representar o desenlace da peccedila sendo necessaacuterio
o acreacutescimo de mais um ato agrave montagem onde a esposa arrependida volta ao lar com um filho
nos braccedilos Em Viena a inteacuterprete de Nora natildeo conseguiu deixar o palco na uacuteltima cena
Como se lhe faltasse o valor moral para tomar aquela decisatildeo apoiou-se agrave porta ficando ali
estaacutetica hesitante ateacute que o pano descesse lentamente Na Itaacutelia a Nora de Eleonora Duse
perdeu o mais corajoso gesto ao natildeo ir embora por livre iniciativa mas forccedilada pelo marido
No Japatildeo Matsui Sumako foi a primeira mulher a interpretar uma protagonista Sua Nora ao
mesmo tempo que emancipou as mulheres no palco japonecircs foi criticada pelo movimento
feminista Seistosha que considerou egoiacutesta a atitude da personagem alegando que ela natildeo
havia sido agredida fisicamente pelo marido
Aleacutem de Casa de boneca outra importante contribuiccedilatildeo para o renome de Ibsen foram
os trabalhos do criacutetico dinamarquecircs Georg Brandes Nos anos 1870 ele era uma das figuras
mais proeminentes da Escandinaacutevia e o principal filtro das ideacuteias entre os paiacuteses escandinavos
e o resto da Europa Brandes conseguiu popularidade sobretudo em 1871 quando fez uma
seacuterie de conferecircncias puacuteblicas em Copenhague incitando os escritores agrave reflexatildeo sobre os
desafios da literatura europeacuteia no final do seacuteculo XIX Para ele a proacutepria modernidade era o
tema que a ficccedilatildeo tinha de assumir e cabia aos escritores tomar a dianteira nessa empreitada
Nesse periacuteodo Ibsen passa a se corresponder com ele revelando atraveacutes de suas cartas um
profundo engajamento com as ideacuteias do criacutetico dinamarquecircs Pode-se dizer que o contato
entre os dois foi uma das razotildees que fez com que o autor abandonasse o nacionalismo
romacircntico de suas primeiras peccedilas movendo-se em direccedilatildeo aos problemas sociais de seu
tempo Brandes influenciou consideravelmente a recepccedilatildeo do dramaturgo na Inglaterra e na
Franccedila Ele manteve um contato estreito com Edmund Gosse e William Archer tradutores
ingleses do teatro ibseniano e frequumlentemente era evocado nos prefaacutecios das traduccedilotildees
francesas de Moritz Prozor Criacuteticos e escritores em toda a Europa reconheciam Brandes
como a autoridade maacutexima acerca da obra ibseniana Esse status internacional teve um papel
importante quando em 1897 o criacutetico defendeu Ibsen na revista Cosmopolis respondendo
(em francecircs) agraves acusaccedilotildees de que as ideacuteias do dramaturgo eram plagiadas dos autores
20
franceses No ano seguinte Brandes publicou Henrik Ibsen livro composto de trecircs ensaios
escritos em diferentes periacuteodos tornando-se o primeiro a tratar das questotildees cruciais que a
obra de Ibsen impunha agrave sociedade da eacutepoca O ensaio de 1867 traz uma visatildeo conjunta da
personalidade intelectual do dramaturgo na Europa o de 1882 discute a evoluccedilatildeo marcante de
sua carreira com a produccedilatildeo de obras que lhe garantiram uma posiccedilatildeo de destaque dentro e
fora da Escandinaacutevia e o de 1898 escrito em comemoraccedilatildeo ao 70ordm aniversaacuterio do
dramaturgo atualiza a sua obra poeacutetica1
Enquanto Brandes ganhava notoriedade com suas leituras puacuteblicas na deacutecada de 1870
tentativas iniciais de divulgar as ideacuteias ibsenianas na Franccedila e na Inglaterra comeccedilavam a ser
feitas A essa altura o dramaturgo jaacute tinha conseguido alguma reputaccedilatildeo fora da Escandinaacutevia
por causa dos rumores provocados por peccedilas como A comeacutedia do amor e Os pilares da
sociedade Sua obra que assumia cada vez mais o cunho de criacutetica social transformou-se em
siacutembolo das ideacuteias socialistas da luta dos trabalhadores e do movimento feminista O proacuteprio
Ibsen reconhecia que a igualdade de direitos soacute poderia ser conquistada atraveacutes de mudanccedilas
profundas na estrutura da sociedade e o primeiro passo para tal transformaccedilatildeo era segundo
ele a uniatildeo de ldquotodos os desprivilegiadosrdquo em defesa da causa dos trabalhadores e das
mulheres2 Por isso natildeo eacute agrave toa que o pontapeacute inicial para estimular o interesse dos leitores
franceses e ingleses pelo teatro ibseniano tenha sido dado pelas mulheres Na Inglaterra
Catherine Ray foi a responsaacutevel pela traduccedilatildeo integral de Imperador e Galileu em 1876 Ateacute
entatildeo somente parte de A comeacutedia do amor traduzida por Edmund Gosse tinha sido
publicada na Forthightly Review em 1873 Henriette Frances Lord editou Nora em 1882 e
Eleanor Marx-Aveling filha de Karl Marx traduziu Um inimigo do povo que juntamente
com as traduccedilotildees de Os pilares da sociedade e Os espectros de William Archer
compuseram em 1888 a primeira coletacircnea das peccedilas do autor em liacutengua inglesa Na Franccedila
a escritora Leacuteo Quesnel escreveu um dos primeiros artigos sobre Ibsen3 Mme Arvegravede
Barine colaboradora regular da Revue Bleue escreveu entre outras coisas um ensaio sobre
Brand Pauline Ahlberg analisando Os pilares da sociedade na Nouvelle Revue em 1882 foi
1 Cf Georg Brandes ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897 e Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies revision e introduction de William Archer New York Macmillan 1899 2 Cf os discursos do autor reunidos em Henrik Ibsen Ibsen letters and speeches edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964 e The Oxford Ibsen translated and edited by James Walter McFarlane v 6 London Oxford University 1960 p 445-447 ldquoThe transformation of social conditions which is now being undertaken in the rest of Europe is very largely concerned with the future status of the workers and of women That is what I am hoping and waiting for that is what I shall work for all I canrdquo 3 Leacuteo Quesnel publicou dois artigos na Revue Bleue em 31 de maio de 1873 e 25 de julho de 1874 referindo-se a Ibsen como ldquolrsquohomme modernerdquo e Bjoslashrnson como ldquolrsquohomme du Nordrdquo
21
uma das primeiras escritoras a vincular o nome do dramaturgo ao feminismo chegando a
chamaacute-lo de Victor Hugo do Norte1 Em ambos os paiacuteses as correspondecircncias de Ibsen
tambeacutem foram traduzidas primeiro por mulheres em inglecircs por Mary Morison e em francecircs
por Martine Reacutemusat2
Apesar de todas essas iniciativas Ibsen encontrou muita resistecircncia na Europa Na
Inglaterra o grande obstaacuteculo era a censura dramaacutetica que regulamentava e controlava o
conteuacutedo das peccedilas Lord Chamberlain o responsaacutevel pela manutenccedilatildeo do decoro das obras
alterava e eliminava as impropriedades de um drama livrando-o sobretudo de insinuaccedilotildees
sexuais Aleacutem disso as peccedilas de Scribe Sardou Augier e Dumas Filho estavam solidamente
estabelecidas no palco inglecircs proporcionando entretenimento seguro e lucrativo Por isso
atores diretores e dramaturgos relutavam em experimentar novos rumos o que poderia ser
financeiramente arriscado persistindo nas peccedilas bem-feitas Tais fatores talvez ajudem a
explicar a adaptaccedilatildeo de Casa de boneca feita por Henry Arthur Jones e Henry Herman em
1884 A peccedila passou a ser chamada Breaking a butterfly Nora foi substituiacuteda por Flora (ou
lsquoFlossiersquo) uma mulher agitada infantil e histeacuterica casada com Humphrey Goddard (ou
lsquoHumpyrsquo) diretor de um Banco Dr Rank virou Dan Birdseye homem apaixonado por
Agnes irmatilde de Humpy Krogstad o vilatildeo da trama ganhou o nome de Philip Dunkley
Cristina Linde foi excluiacuteda do enredo e duas novas personagens matildee e irmatilde de Flossie foram
inseridas na histoacuteria Em linhas gerais a intriga era a mesma do original no entanto os
autores optaram pelo tradicional happy end No ato final Humpy assume a culpa no lugar de
Flora mas quando ele estaacute prestes a se entregar agrave poliacutecia eacute salvo por Grittle um funcionaacuterio
do Banco que apoacutes ter sido enganado por Dunkley decide se vingar Esta cena a mais fraca e
inconvincente da peccedila termina com Humpy emergindo como heroacutei e Flora agradecida pela
dececircncia do marido permanece no lar para cumprir seu papel de matildee e esposa dedicada
William Archer Edward Aveling Edmund Gosse e Bernard Shaw criacuteticos afinados com as
ideacuteias ibsenianas ficaram indignados com a adaptaccedilatildeo Archer chegou a declarar que era
impossiacutevel a representaccedilatildeo de Ibsen na Inglaterra e Edward Aveling ao comparar Breaking a
butterfly com Casa de boneca acentuou a forccedila do original apontando algumas razotildees para a
1 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 14 2 Henrik Ibsen Letters of Henrik Ibsen translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905 e Lettres de Henrik Ibsen a ses amis traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906
22
distorccedilatildeo feita no texto do dramaturgo como por exemplo o medo da rejeiccedilatildeo do puacuteblico e o
receio de se revelar a verdadeira funccedilatildeo do matrimocircnio dentro da sociedade burguesa1
Depois da encenaccedilatildeo de Breaking a butterfly Ibsen soacute voltou a ser discutido
novamente em janeiro de 1886 atraveacutes da leitura dramaacutetica de Casa de boneca feita por um
grupo de jovens comprometidos com o movimento socialista Eleanor Marx-Aveling (Nora)
Edward Aveling (Helmer) Bernard Shaw (Krogstad) entre outros A leitura da peccedila na
traduccedilatildeo de Henriette Frances Lord aconteceu na casa de Eleanor e Edward Aveling uma vez
que a obra de Ibsen estava categoricamente proibida de ser representada nos teatros
convencionais Ainda assim as questotildees levantadas naquela pequena reuniatildeo como a
desigualdade social a hipocrisia da famiacutelia burguesa e o feminismo obtiveram uma grande
repercussatildeo No mesmo mecircs o casal Aveling publicou um artigo na The Westminster Review
discutindo a partir das peccedilas de Ibsen a emancipaccedilatildeo da mulher e da classe operaacuteria sob a
perspectiva do socialismo2 Iniciava-se desse modo a revoluccedilatildeo ibsenista na Inglaterra
William Archer comeccedilou a traduzir as peccedilas do autor colaborando em 1889 com a
montagem profissional de Casa de boneca que teve Janet Achurch no papel principal
Bernard Shaw publicou em 1891 The quintessence of ibsenism aprofundando o debate em
torno da desmistificaccedilatildeo do heroacutei romacircntico e do gesto teatral grandioso que mascaravam a
realidade transformando a arte em objeto meramente decorativo Nesse livro Shaw celebrou
o teatro de Ibsen como ldquonovo e subversivordquo sobretudo por levar para a cena a discussatildeo dos
problemas morais de seu tempo contrapondo-se assim ao conservadorismo vitoriano em suas
expressotildees sociais poliacuteticas e culturais Ainda em 1891 entre fevereiro e maio outras peccedilas
do dramaturgo estrearam no palco inglecircs mdash Os espectros (1881) Rosmersholm (1886) A
dama do mar (1888) e Hedda Gabler (1890) mdash instigando uma onda de protesto e
indignaccedilatildeo O autor foi considerado por muitos um pervertido sexual um advogado do amor
livre e do sufraacutegio feminino o principal responsaacutevel pela desestruturaccedilatildeo da famiacutelia e do
matrimocircnio e pior ainda um socialista Clement Scott o mais impetuoso dos ldquoIbsen-
phobiacsrdquo publicou vaacuterios artigos em que acusava natildeo somente Ibsen de obsceno e
1 Cf William Archer ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 214 1 abr 1884 e Edward Aveling ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-474 maio 1884 ldquoThe adapters were afraid either of the greatness of the play they had to take in hand or of the English public or of themselves or of all of these They have feared to face the tragic question [of marriage] and to deal with it in Ibsenrsquos tragic way They have shirked the difficulty The authors of this conventional little play have succeeded in the Herculean labour of making Ibsen appear common-place And a feeling of sorrow that is positive pain comes with the reflection that a magnificent dramatic opportunity a chance of teaching our bourgeois audiences something of what life is and therefore what a play should be have (sic) been thoughtlessly rechlessly thrown awayrdquo 2 Eleanor Marx-Aveling Edwald Aveling ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886
23
corruptiacutevel mas tambeacutem seus tradutores e apologistas que ofereciam ao puacuteblico uma arte
degenerada1 Os ataques ao dramaturgo foram tatildeo violentos que Archer resolveu publicar
uma espeacutecie de dicionaacuterio de abusos elencando os termos usados pelos criacuteticos
principalmente na recepccedilatildeo de Os espectros encenada pelo Independent Theatre em 13 de
marccedilo de 18912
De fato Os espectros foi uma das obras de Ibsen que mais controveacutersia suscitou nos
teatros europeus natildeo apenas por sua temaacutetica cientificista mas sobretudo por causa das
mudanccedilas realizadas na estrutura do drama A accedilatildeo essencial da peccedila eacute a reconstituiccedilatildeo do
passado de Helena Alving o matrimocircnio com o licencioso Capitatildeo Alving o amor ao pastor
Manders que a repeliu convencendo-a a permanecer ao lado do marido e a idealizaccedilatildeo
falaciosa da imagem do Capitatildeo frente ao filho e agrave sociedade O resultado desses eventos eacute a
heranccedila bioloacutegica que se manifesta na loucura de Osvaldo viacutetima do passado de libertinagem
do pai Outros acontecimentos da peccedila como o interesse de Osvaldo por Regina sua irmatilde
ilegiacutetima e a tentativa de eutanaacutesia praticada por Helena para interromper o sofrimento do
filho chocaram a plateacuteia burguesa Aleacutem disso para os criacuteticos habituados com o
desenvolvimento crescente da accedilatildeo mdash o esboccedilo da intriga no primeiro ato o alcance de um
ponto mais impetuoso no segundo e a resoluccedilatildeo dos conflitos no terceiro mdash Os espectros era
um despropoacutesito A peccedila natildeo apresentava accedilotildees melodramaacuteticas ao contraacuterio o que se via em
cena era somente a anaacutelise das personagens e de sua situaccedilatildeo Embora observando a unidade
completa de accedilatildeo tempo e lugar Ibsen passou a fazer uso do flashback deslocando as accedilotildees
decisivas de seus dramas para o passado Desse modo as recordaccedilotildees evocadas atraveacutes de um
diaacutelogo dramaacutetico conciso serviam apenas para dar sentido agraves condiccedilotildees das personagens no
tempo presente facultando aos espectadores a visatildeo da totalidade do processo Suas peccedilas na
medida em que apresentavam no palco os problemas da sociedade burguesa natildeo se ajustavam
mais agraves regras da dramaturgia de rigor aristoteacutelico e assim Ibsen se viu forccedilado a
1 Cf Clement Scott [sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891 ldquoAn obscure Scandinavian dramatist and poet a crazy fanatic and determined socialist is to be trumpeted into fame for the sake of the estimable gentlemen who can translate his works and the enterprising tradesmen who publish them The whole thing is most amusing to those who are behind the scenes and the artful aid of the reacuteclame is exercised with an ingenuity worthy of the Gallic race Meetings are held under the open pretence of advocating the study of Ibsen but in reality for the propagation of the gospel of Socialismrdquo 2 Cf William Archer ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891 ldquoIbsenrsquos positively abominable play entitled Ghostshellip This disgusting representationhellip Reprobation due to such as aim at infecting the modern theatre with poison after desperately inoculating themselves and othershellip An open drain lsquoa loathsome sore unbandaged a dirty act done publicly a lazar-house with all its doors and windows openhellip Candid foulnesshellip Kotzebue turned bestial and cynical hellipOffensive cynicismhellip Ibsenrsquos melancholy and malodorous worldhellip Absolutely loathsome and fetidhellip Gross almost putrid indecorumhellip Literary carrionhellip Crapulous stuffhellip Novel and perilous nuisancersquo mdash Daily Telegraph (leading article) lsquoThis mess of vulgarity egotism coarseness and absurdityrsquomdash Daily Telegraph (criticism) []rdquo
24
ldquodesdramatizaacute-lasrdquo para tornar visiacutevel o fluir da realidade cotidiana Eacute assim que ao
transformar o tempo passado em assunto fundamental de sua obra Ibsen deu iniacutecio agrave crise do
drama demonstrando cada vez mais seu interesse pelo gecircnero eacutepico
A repulsa que a publicaccedilatildeo de Os espectros provocou no puacuteblico em 1881 natildeo teve
precedentes na histoacuteria da literatura norueguesa Ibsen foi acusado de niilista lascivo
defensor do amor livre e anticristatildeo Os livreiros recusaram-se em vender o drama sendo
muitos exemplares devolvidos ao editor Para os criacuteticos apenas um ldquoinsanordquo poderia
escrever uma peccedila com tantos disparates o realismo da obra havia se convertido num
naturalismo completamente pagatildeo a psicologia das personagens era pouco clara discutiacutevel e
enervante e portanto somente os historiadores da literatura poderiam quiccedilaacute um dia
interessar-se por ela como um caso singular de desequiliacutebrio mental Os maiores protestos no
entanto foram feitos em nome da igreja nunca um livro que pregava o incesto o amor
extraconjugal e a devassidatildeo sexual poderia adentrar uma casa cristatilde A peccedila foi enviada para
vaacuterios teatros da Escandinaacutevia mas todos rejeitaram-na Assim a primeira representaccedilatildeo de
Os espectros soacute aconteceria um ano mais tarde no Aurora Turner Hall em Chicago em maio
de 1882 para uma plateacuteia de imigrantes escandinavos Aliaacutes foram os Norwegian-Americans
que introduziram Ibsen nos Estados Unidos atraveacutes da divulgaccedilatildeo dos trabalhos do autor no
jornal Skandinaven O perioacutedico que circulou entre 1866 e 1941 era escrito em norueguecircs
mas com a popularidade do dramaturgo na Europa os editores passaram a reproduzir as
criacuteticas inglesas em sua liacutengua original Aleacutem disso foram eles tambeacutem os responsaacuteveis pela
primeira encenaccedilatildeo de Casa de boneca em territoacuterio americano A peccedila na adaptaccedilatildeo inglesa
de William Lawrence foi intitulada The Child Wife sendo representada no Grand Opera
House em Milwaukee Wisconsin em 2 de junho de 1882 Essa montagem diferente de Os
espectros ocorrida um mecircs antes foi recebida com grande entusiasmo pela imprensa que a
anunciou como ldquoAn Emocional Domestic Dramardquo A exemplo do que acontecera na
Inglaterra com Breaking a butterfly a versatildeo americana tambeacutem distorceu o texto original
Helmer marido de Nora compreendeu a falsificaccedilatildeo feita pela esposa agradecendo-a por ter
salvo sua vida reconciliados Nora desistiu de abandonar o lar
Entre 1894 e 1907 as companhias teatrais estrangeiras fizeram vaacuterias excursotildees nos
Estados Unidos trazendo em seus repertoacuterios peccedilas como Os espectros Um inimigo do povo
John Gabriel Borkman Hedda Gabler Solness o construtor e Peer Gynt Assim como
ocorrera na Europa as polecircmicas suscitadas pelas encenaccedilotildees foram inevitaacuteveis e natildeo
demorou muito para que Ibsen aparecesse nos principais perioacutedicos do paiacutes Hjalmar Hjorth
Boyesen um dos admiradores do dramaturgo aleacutem de escrever muitas mateacuterias em jornais e
25
revistas publicou Commentary on the works of Henrik Ibsen em 18941 No entanto Rasmus
Bjoslashrn Anderson foi o primeiro a escrever um artigo em inglecircs sobre a revoluccedilatildeo que o autor
vinha operando no palco europeu2 Curiosamente Anderson passou a adotar outro ponto de
vista no final da deacutecada de 1890 passando de defensor a opositor feroz do teatro de Ibsen Eacute
provaacutevel que o contato entre ele e William Winter o criacutetico teatral mais puritano do Greeleyrsquos
Tribune tenha provocado essa transformaccedilatildeo O fato eacute que Winter e Anderson foram para
Boston Wisconsin e Nova York o que Clement Scott foi para Manchester e Londres
adversaacuterios da ldquoimoralidaderdquo do teatro moderno3 Aleacutem disso a preocupaccedilatildeo maior dos
conservadores era a empatia entre as ideacuteias ibsenianas e os movimentos operaacuterio e anarquista
Para Emma Goldman feminista anarquista e liacuteder da causa dos trabalhadores o drama
moderno era uma espeacutecie de disseminador do pensamento radical sobretudo na Ameacuterica
onde o teatro meramente comercial servia apenas para provocar francas gargalhadas no
puacuteblico eliminando da cena qualquer alusatildeo aos temas sociais4 Durante o periacuteodo em que
viveu nos Estados Unidos de 1886 ateacute 1919 quando entatildeo foi expulsa do paiacutes em razatildeo de
sua intensa atividade poliacutetica Goldman escreveu panfletos publicou livros e fundou a revista
Mother Earth (1906-1917) que teve entre seus colaboradores Georg Brandes Maxim Gorki
Alexander Berkman e Eugene OrsquoNeill O perioacutedico trazia assuntos diversos desde temas
urgentes da eacutepoca como as prisotildees arbitraacuterias dos trabalhadores e o direito das mulheres ao
controle de natalidade ateacute poesia ficccedilatildeo e criacutetica teatral Em relaccedilatildeo a Ibsen a autora
distinguia Os pilares da sociedade Casa de boneca Os espectros e Um inimigo do povo
como verdadeiras obras libertaacuterias uma vez que expunham no palco a opressatildeo social a
hipocrisia dos puritanos e a exclusatildeo das mulheres na sociedade Desse modo Goldman
tornou-se a primeira a alertar que embora o autor de Hedda Gabler reivindicasse em suas
peccedilas o fim da sociedade patriarcal burguesa o ponto de discussatildeo central de sua dramaturgia
1 Cf Hjalmar Hjorth Boyesen Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894 2 Rasmus Bjoslashrn Anderson ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American 15 abr 1882 3 O tom da mudanccedila de atitude de Anderson em relaccedilatildeo a Ibsen pode ser avaliado no seguinte trecho de sua autobiografia Life story Madison Wisconsin 1915 p 487 ldquoI have no sympathy with [Ibsenrsquos] so-called social dramas beginning with A Dollrsquos House and [ending with] When We Dead Awaken Aside from the improprieties and offense against good morals that are found in them they seem to me mere twaddle and all the symbolism which they are said to contain I regard as a mere opinion of his readers and admiring criticsrdquo 4 Emma Goldman The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914 ldquoPerhaps those who learn the great truths of the social travail in the school of life do not need the message of the drama But there is another class whose number is legion for whom that message is indispensable In countries where political oppression affects all classes the best intellectual element have made common cause with the people have become their teachers comrades and spokesmen But in America political pressure has so far affected only the ldquocommonrdquo people It is they who are thrown into prison they who are persecuted and mobbed tarred and deported Therefore another medium is needed to arouse the intellectuals of this country to make them realize their relation to the people to the social unrest permeating the atmosphererdquo
26
era a luta de classes natildeo de gecircnero1 Apesar das circunstacircncias desfavoraacuteveis as obras de
Ibsen foram assimiladas por alguns autores que desejavam criar um novo teatro No final do
seacuteculo XIX Bronson Howard abordou o embate entre capital e trabalho com Baron Rudolph
de 1881 no iniacutecio do XX Edward Sheldon foi o primeiro a tratar da questatildeo racial em 1910 com The
Nigger OrsquoNeill escreveu em 1939 The iceman cometh peccedila cujo enredo eacute semelhante ao de O pato
selvagem e Arthur Miller aleacutem de compor All my sons em 1947 transpondo a teacutecnica analiacutetica de
Ibsen para a atualidade americana produziu a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo na deacutecada de 19502
Na Franccedila berccedilo da forma hegemocircnica do drama a resistecircncia agraves peccedilas ibsenianas foi
muito mais severa do que em qualquer outro paiacutes europeu Desde o final dos anos 1840 o
palco francecircs era totalmente dominado pelas comeacutedias realistas de Augier Dumas Filho e
Sardou que aliavam as descriccedilotildees dos costumes burgueses agrave exaltaccedilatildeo moralizante de seus
valores eacuteticos como o trabalho o matrimocircnio e a famiacutelia Somente a partir de 1887 com a
fundaccedilatildeo do Theacuteacirctre Libre por Andreacute Antoine comeccedilaram as campanhas para a revitalizaccedilatildeo
da cena francesa Antoine inspirado nas ideacuteias naturalistas de Zola preconizava um teatro
baseado na verdade na observaccedilatildeo e no estudo da natureza Suas produccedilotildees aleacutem do caraacuteter
popular e social destacavam-se pelos cenaacuterios realistas e pela interpretaccedilatildeo mais natural dos
atores sem os tradicionais gestos exagerados e as elocuccedilotildees empoladas Com isso o Theacuteacirctre
Libre logo tornou-se o refuacutegio de autores como Ibsen Hauptmann e Strindberg rejeitados
pelos teatros convencionais Os espectros e O pato selvagem foram as primeiras peccedilas do
dramaturgo a serem apresentadas agrave plateacuteia parisiense respectivamente em 1890 e 1891
provocando a fuacuteria de criacuteticos conservadores como Francisque Sarcey Com receio de que o
teatro ibseniano destruiacutesse a tradiccedilatildeo dramaacutetica da Franccedila Sarcey levantou-se sem demora
contra a ldquoinvasatildeo do baacuterbaro do Norterdquo A pedra de toque de sua criacutetica era o gosto do
puacuteblico por conseguinte uma peccedila era considerada boa ou ruim conforme o grau de
receptividade dos espectadores Os autores deviam necessariamente escrever dramas que
pudessem ser entendidos pela plateacuteia por isso os recursos da peccedila bem-feita eram
indispensaacuteveis A clareza a estrutura loacutegica e o propoacutesito moral do drama eram as qualidades
que Sarcey reivindicava como o cerne da experiecircncia teatral Nesse sentido aleacutem da
incompreensatildeo e da inconsistecircncia dos temas a principal queixa de Sarcey contra as peccedilas
ibsenianas era relacionada agrave estrutura dramaacutetica que apresentava cenas incoerentes e
1 Cf Emma Goldman ldquoThe drama a powerful dissemination of radical thoughtrdquo Anarchism and others essays New York Dover 1969 p 241-271 2 Cf sobre Ibsen e OrsquoNeill Sverre Arestad ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948 e Rolf Fjelde ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988
27
desarticuladas Para o criacutetico Ibsen feria a regra mais importante do drama ao deixar o
puacuteblico sem o conhecimento baacutesico dos fatos e das histoacuterias de cada personagem O arranjo
cuidadoso da antecipaccedilatildeo de um evento e a efetivaccedilatildeo da scegravene agrave faire (cena obrigatoacuteria) era o
que Sarcey e a plateacuteia que ele representava esperavam de um espetaacuteculo teatral1
Ibsen configurava-se tatildeo obscuro aos olhos do puacuteblico francecircs que se tornou comum a
realizaccedilatildeo de uma conferecircncia preacutevia sobre o enredo e o contexto de qualquer uma de suas
obras que por laacute fosse encenada Assim minutos antes da estreacuteia de Hedda Gabler no
Theacuteacirctre du Vaudeville em 1891 Jules Lemacircitre tentou explicar o caraacuteter ldquonebulosordquo da
personagem-tiacutetulo atraveacutes de uma comparaccedilatildeo entre as mulheres escandinavas e as francesas
Para ele o desprezo que Hedda nutria por Tesman seu marido as suas ambiccedilotildees
desmesuradas que levaram agrave ruiacutena seu ex-amante Loevborg e a sua morte na uacuteltima cena da
peccedila mdash quando ela daacute fim agrave proacutepria vida e agrave do filho que estava esperando mdash provinham de
sua origem luterana Hedda sendo protestante estava fadada a se dedicar inteiramente a uma
vida de pureza espiritual ldquotoute acircmerdquo eximindo-se de qualquer prazer material e da ldquojoie de
vivrerdquo alardeada pelo catolicismo Segundo Lemaicirctre isso explicava o fastio da personagem
pela vida sua natildeo vocaccedilatildeo para a maternidade e sua falta de solidariedade com o proacuteximo
Nessa esteira ele argumentava ainda que a premissa baacutesica do luteranismo a reivindicaccedilatildeo da
autonomia moral tatildeo bem incorporada nos caracteres de Nora e Helena Alving havia sido
grotescamente distorcida resultando daiacute a figura neuroacutetica de Hedda Depois de todo esse
disparate o criacutetico concluiu sua exposiccedilatildeo aproximando Hedda Gabler de Emma Bovary
ambas monstruosamente orgulhosas esnobes ciacutenicas e crueacuteis2 Se por um lado alguns
criacuteticos indignaram-se com essa leitura como Camille Mauclair e Henri Becque que
acusaram Lemaicirctre de julgar a obra de Ibsen sob um ponto de vista hostil e malevolente
dificultando ainda mais a compreensatildeo do puacuteblico por outro houve quem concordasse com
ele como Camille Bellaigue criacutetico da Revue des Deux Monde que viu Hedda como ldquoune
toqueacutee une deacutepraveacuteerdquo uma criatura bizarra e uma meretriz da pior espeacutecie3
1 Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 371 ldquoIbsen jette sur la scegravene des personnages qui parlent de leurs affaires comme si nous eacutetions au courant Ce nest que peu agrave peu au cours de leurs conversations que nous finissons par reconstituer le point initial dougrave toute laction est partie Ce systegraveme mest insupportable Je suis Latin en cela ou plutocirct je suis Franccedilais Jai besoin quon me dise Voilagrave ce qui sest passeacute voici ougrave nous en sommes eacutecoutez ce qui va suivrerdquo 2 Cf Jules Lemaicirctre Impressions de theacuteacirctre v 6 Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897 p 50-62 Sobre a analogia entre Hedda Gabler e Emma Bovary cf Elsie M Wiedner ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989 p 32-33 3 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 128
28
Em 1892 o Cercle des Escholiers dirigido por Georges Bourdon representou A dama
do mar Entretanto foi no ano seguinte que Ibsen tornou-se definitivamente o adversaacuterio
nuacutemero um dos criacuteticos conservadores franceses com a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo
dirigida por Lugneacute-Poe e Camille Mauclair no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Esta montagem foi
polecircmica natildeo somente pelas inovaccedilotildees que os simbolistas trouxeram para a cena mdash como o
uso da iluminaccedilatildeo das cores do movimento e do arranjo cecircnico servindo antes agrave evocaccedilatildeo
do que agrave verossimilhanccedila mdash mas sobretudo porque a peccedila foi apresentada em termos
explicitamente anarquistas Como de praxe a estreacuteia do espetaacuteculo foi precedida de uma
conferecircncia dessa vez a cargo de Laurent Tailhade poeta libertaacuterio que enfatizou o aspecto
de criacutetica social do drama insistindo na importacircncia da ldquorevoltardquo contra ldquole pegravere le patron et
la patrierdquo Desse modo as desventuras do Dr Stockmann mdash protagonista da peccedila que acaba
sendo abandonado por todos e considerado um inimigo do povo ao entrar em choque com os
interesses dos poderosos de sua cidade mdash foram vistas como uma alegoria da luta do
indiviacuteduo contra as autoridades corruptas e contra a ilegitimidade do estado de poder Mas
natildeo foi apenas a leitura de Taillade que politizou o evento alguns simpatizantes do
movimento anarquista participaram da montagem como figurantes da cena em que uma
multidatildeo se reuacutene para discutir a contaminaccedilatildeo da estacircncia balneaacuteria da cidade pelos esgotos
das induacutestrias da regiatildeo Na sala do espetaacuteculo vaias e aplausos se misturaram possibilitando
desse modo que o puacuteblico participasse ativamente da encenaccedilatildeo O tumulto iniciado no
teatro ganhou as ruas resultando em alguns casos em prisatildeo perseguiccedilatildeo e ateacute mesmo
deportaccedilatildeo Por ordem da justiccedila a proacutexima peccedila do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Les acircmes solitaires
de Hauptmann foi cancelada e durante algum tempo o teatro permaneceu sob vigilacircncia
policial Por sua vez Um inimigo do povo foi execrada pela criacutetica e Ibsen passou cada vez
mais a ser visto como ldquoum anarquista da arterdquo que exercia um verdadeiro terror no puacuteblico1
Poucos meses depois do impacto causado por Um inimigo do povo o Theacuteacirctre de
lrsquoOeuvre apresentou ao puacuteblico Rosmersholm peccedila que conta a histoacuteria de Rosmer e Rebecca
West Ele um homem de caraacuteter refinado e distinto mdash viuacutevo da melancoacutelica Beata que
acabou por se suicidar atirando-se na correnteza de um rio mdash foi abandonado por todos os
amigos quando decidiu renunciar a seu cargo de pastor da comunidade assumindo ideacuteias
liberais Rebecca uma mulher livre de quaisquer autoritarismos e ortodoxias amiga e
1 Cf ldquoLes auteurs nordiques et les anarchistes un malentendu feacutecondrdquo In Caroline Granier Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes-Saint-Denis Paris e Erin Williams Hyman ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005
29
confidente de Rosmer influenciou consideravelmente nas suas decisotildees No decorrer da peccedila
Rebecca confessa que manipulou Beata induzindo-a ao suiciacutedio Apesar disso Rosmer a
perdoa pedindo-a em casamento Mas ela natildeo aceita argumentando que natildeo pode se libertar
dos erros cometidos no passado No fim da peccedila sem perspectivas negando-se a ter uma vida
de estagnaccedilatildeo e modorra ambos se matam jogando-se na mesma correnteza em que Beata
morrera Com essa montagem mais do que com Um inimigo do povo que ainda apresentava
evidentes conotaccedilotildees poliacuteticas Ibsen foi definitivamente incorporado ao movimento
simbolista do teatro francecircs No programa do espetaacuteculo talvez para estimular a criacutetica e o
puacuteblico a assistir a encenaccedilatildeo Victor Charbonnel declarou que Rosmersholm era ldquoune piegravece
moins embarrasseacutee et confuserdquo do que outras de Ibsen sendo quase uma ldquopiegravece bien faiterdquo
Ao mesmo tempo ele realccedilou a psicologia o idealismo a poesia e a paixatildeo das personagens
como os elementos relevantes da peccedila deixando claro que natildeo se veria no palco qualquer
mensagem poliacutetica ou ideoloacutegica mas tatildeo somente um drama evocativo propiacutecio mais agrave
meditaccedilatildeo do que agrave predicaccedilatildeo1
A despeito dessas consideraccedilotildees a peccedila foi tatildeo incompreendida quanto Os espectros
Hedda Gabler e A dama do mar Primeiro porque Rosmersholm fornecia o mais
impressionante exemplo da teacutecnica analiacutetica de Ibsen mdash a accedilatildeo principal da peccedila natildeo era
senatildeo a anaacutelise das razotildees que levaram agrave morte Beata Rosmer e Rebecca mdash gerando por
esse motivo a acusaccedilatildeo de criacuteticos favoraacuteveis agrave formula da peccedila bem-feita de que o drama era
artificial inconsistente ininteligiacutevel e absurdo Segundo porque a montagem enfatizando o
estado de espiacuterito sombrio o tom sepulcral e sobretudo a preocupaccedilatildeo com a morte assunto
tatildeo caro aos simbolistas levou a criacutetica a julgar a obra como estaacutetica e monoacutetona desprovida
de qualquer cunho dramaacutetico seja a tensatildeo o suspense a crise ou o conflito E terceiro
porque Rebecca vista pela oacutetica da imagem do eacuteternel feacuteminin mdash um tipo de mulher eteacuterea
altamente idealizada miacutestica quase um ente sobrenatural e diaboacutelico mdash levou alguns criacuteticos
a considerar natildeo soacute ela mas todas as personagens femininas de Ibsen como criaturas
maleacutevolas imorais e delinquumlentes capazes de desestruturar lares destruir os outros e a si
proacuteprias Para os adeptos do simbolismo como Henry James Edmund Gosse Paul Bourget
entre outros as personagens ibsenianas nada mais representavam que um eacutetat drsquoacircme ou souls-
crisis constituindo a obra de Ibsen desse modo de uma verdadeira ldquoSoulrsquos tragedyrdquo Seja
como for natildeo demorou muito para que as personagens femininas de Ibsen fossem tomadas
1 Cf ldquoRosmersholm toward new realms of artrdquo In Kirsten Shepherd-Barr Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997
30
pelos psiquiatras meacutedicos e criminalistas da eacutepoca como verdadeiros casos patoloacutegicos de
desequiliacutebrio mental sendo tratadas como histeacutericas neuroacuteticas e degeneradas1
Em 1894 o Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre levou agrave cena Solness o construtor (1892) A peccedila
escrita de acordo com a teacutecnica analiacutetica inicia-se quando Halvard Solness estaacute no fim da
vida A essa altura ele jaacute eacute o ceacutelebre construtor que se fez explorando muita gente sobretudo
dois de seus empregados Knut e Ragnar Brovik pai e filho Quando Solness descobre que
Ragnar quer montar o seu proacuteprio negoacutecio natildeo economiza meios para o impedir chegando a
incentivar Kaia Fosli noiva de Ragnar mas apaixonada por Solness a se casar com o rapaz
para manter ambos em seu escritoacuterio Em meio a esses eventos o construtor recebe a visita
inesperada de Hilda Wangel uma jovem que conhecera dez anos antes quando esteve em sua
cidade natal para construir a torre da igreja No decorrer da accedilatildeo atraveacutes do diaacutelogo entre
Solness e Hilda ficamos sabendo que a fortuna do construtor proveio de um incecircndio que
destruiu a casa herdada dos pais de sua mulher Aline que ele sabia da existecircncia de uma
fenda na chamineacute mas natildeo providenciou o conserto que em consequumlecircncia do ldquoincidenterdquo
Aline teve uma febre de leite que levou agrave morte o seu casal de gecircmeos e finalmente que ele
arruinou Knut Brovik o homem que lhe ensinara o ofiacutecio No final da peccedila Solness que
acabara de construir uma casa nova para sua famiacutelia eacute instigado por Hilda a subir ateacute o topo
da torre para depositar uma coroa de flores mdash costume norueguecircs para se comemorar a
inauguraccedilatildeo de uma obra O construtor malgrado a vertigem das alturas aceita o desafio e
acaba morrendo ao se desequilibrar e cair do alto da torre
A partir dessa peccedila alguns simbolistas como por exemplo Maeterlinck passaram a
associar a teacutecnica dramatuacutergica de Ibsen ao hipnotismo sugerindo que seus dramas
transportavam os espectadores para um mundo de sonho e alucinaccedilatildeo Tal qual um devaneio
Solness era composta de um conjunto de imagens de pensamentos ou de fantasias de ldquovaacuterias
camadas de siacutembolos superpostasrdquo que poderiam desdobrar-se e aparecer aos olhos do
puacuteblico sob muacuteltiplas formas Assim Ibsen foi saudado como autor de um novo tipo de drama
mdash um drama de reflexatildeo interna que expressava no palco apenas a vida interior das
personagens mdash transformando o teatro desse modo em um templo de compleiccedilatildeo miacutestica2
Nessa esteira Prozor no prefaacutecio de sua traduccedilatildeo de Solness forneceu uma explicaccedilatildeo
detalhada dos siacutembolos contidos na peccedila que segundo ele era completamente alegoacuterica
facilmente compreensiacutevel e ldquoassez transparentsrdquo as personagens natildeo eram senatildeo
1 Cf sobre essa questatildeo as anaacutelises equivocadas feitas pelo criminalista italiano Cesare Lombroso LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 e pelo meacutedico Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf Maurice Maeterlinck ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894
31
dramatizaccedilotildees do proacuteprio Ibsen Solness era o dramaturgo Hilda era a juventude e a
imaginaccedilatildeo Aline o passado Knut Brovik a rotina Ragnar o utilitarismo moderno as
igrejas que Solness construiacutera eram os dramas filosoacuteficos de Ibsen como Brand e as casas
eram peccedilas modernas como Os espectros1 Essa leitura influenciou muitos criacuteticos sendo
reproduzida em vaacuterios outros artigos e livros como por exemplo Acircmes modernes de Henry
Bordeaux e Les reacutevolteacutes scandinaves de Maurice Bigeon2 Henry James tambeacutem partilhou
das mesmas ideacuteias de Prozor chamando Solness de um ldquoIbsen within an Ibsenrdquo3 A criacutetica
contraacuteria a Ibsen recebeu a peccedila sem nenhum entusiasmo vendo-a como obra de um
desequilibrado Clement Scott chegou a comparaacute-la a um manicocircmio ldquoa play written
rehearsed and acted by lunaticsrdquo4 E Sarcey contestou-a pela falta de clareza acusando o
dramaturgo de ter um discurso verborraacutegico e esquisito que transformou Solness em pura e
simples banalidade ldquoil est tout agrave la fois obscur et pueacuterilrdquo ldquocrsquoest du pur galimatiasrdquo ldquocrsquoest le
plus simple et le plus naiumlf des truismesrdquo5
Enquanto Ibsen escrevia suas uacuteltimas peccedilas mdash O pequeno Eyolf (1894) John Gabriel
Borkman (1896) e Quando noacutes os mortos despertarmos (1899) mdash e o movimento simbolista
propagava suas ideacuteias sobre a soul-crisis Sigmund Freud avanccedilava do estudo da histeria para
o do inconsciente utilizando-se muitas vezes de obras-de-arte para ilustrar suas teorias No
acircmbito do teatro satildeo famosas suas investigaccedilotildees sobre o chiste que se referem indiretamente
agrave comeacutedia bem como seu exame de cenas e personagens dramaacuteticas para elucidar certas
condiccedilotildees psiconeuroacuteticas Aleacutem da ceacutelebre anaacutelise de Eacutedipo Freud fez um estudo de
Rebecca West personagem de Rosmersholm no artigo ldquoArruinados pelo ecircxitordquo publicado em
1916 Partindo da teoria do complexo de Eacutedipo Freud identifica no comportamento e
sobretudo nas palavras de Rebecca motivos ldquosubterracircneosrdquo e mecanismos inconscientes que
revelam um sentimento de culpa em relaccedilatildeo ao seu passado incestuoso ter sido amante do
proacuteprio pai sem o saber Essa situaccedilatildeo natildeo estaacute claramente explicitada no texto de Ibsen mas
segundo Freud haacute ldquoindiacutecios e fragmentosrdquo inseridos com tal arte nas entrelinhas da trama que
validam essa interpretaccedilatildeo e ao mesmo tempo ajudam a compreender o obstaacuteculo agrave uniatildeo de
1 Cf prefaacutecio de Solness le constructeur de Moritz Prozor em Henrik Ibsen Solness le constructeur Paris Savine 1893 Esse mesmo texto foi publicado na ediccedilatildeo brasileira de seis peccedilas de Ibsen Conde Prozor ldquoComentaacuterios sobre Solness o construtorrdquo Seis dramas Porto Alegre Globo 1944 p 479-488 2 Cf Henry Bordeaux La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894 e Maurice Bigeon Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894 3 Cf Henry James ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893 4 Cf Clement Scott [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893 5 Cf Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 356
32
Rebecca e Rosmer1 Esse tipo de anaacutelise que na maioria das vezes diz muito mais sobre a
psicanaacutelise do que sobre o trabalho eou os propoacutesitos do autor tornou-se a partir daiacute uma das
estrateacutegicas criacuteticas cada vez mais usadas para se analisar as obras ficcionais No caso da
criacutetica das peccedilas de Ibsen sobretudo depois de Solness agrave abordagem autobiograacutefica que jaacute
vinha sendo feita desde o final do seacuteculo XIX acrescentou-se a psicanaliacutetica a ponto de alguns
considerarem o dramaturgo como um ldquoFreud do teatrordquo Desse modo ora a obra de Ibsen
serve de material para diagnosticar seu psiquismo como por exemplo identificaacute-lo com o
escultor Rubek personagem de sua uacuteltima peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos
concluindo que ambos estatildeo presos agrave culpa de renunciar a proacutepria vida por um ideal de arte
ora suas personagens satildeo reduzidas sempre ao mesmo complexo de Eacutedipo deixando de lado
os problemas gerais mdash social moral e metafiacutesico mdash a favor de casos particulares e
patoloacutegicos negando assim a universalidade da obra ibseniana2
No iniacutecio do seacuteculo XX as peccedilas de Ibsen malgrado os escacircndalos as polecircmicas e a
oposiccedilatildeo cerrada de criacuteticos conservadores acabaram sendo incorporadas ao teatro claacutessico
Embora nem sempre gozando da popularidade que tivera no final do seacuteculo XIX Ibsen
continuou a ser discutido pelos teoacutericos de vanguarda sobretudo pelos simpatizantes da
esteacutetica simbolista que tentavam achar uma saiacuteda para a conflito entre a visatildeo abstrata do
drama e sua representaccedilatildeo fiacutesica Em 1906 ano da morte do dramaturgo Max Reinhardt
juntamente com Edvard Munch responsaacutevel pelo design da produccedilatildeo encenou Os espectros
no Kammerspiele Theatre em Berlim Vsevolod Meyerhold trabalhando entatildeo na companhia
da atriz Vera Komissarzhevskaya dirigiu Hedda Gabler em Satildeo Petersburgo e Edward
Gordon Craig criou o cenaacuterio para a representaccedilatildeo de Rosmersholm de Eleonora Duse no
Teatro della Pergola em Florenccedila Essas trecircs montagens embora muito distintas entre si
compartilharam da ruptura com os padrotildees realistas de encenaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo levando
para o palco a teatralidade a estilizaccedilatildeo e a sugestatildeo Craig no desenho das cenas de
Rosmersholm abusou das variaccedilotildees de luz e cor buscando estabelecer uma relaccedilatildeo
inequiacutevoca entre as personagens e os objetos que a cercavam Segundo registros de Guido
Noccioli um dos atores que participou dessa montagem o cenaacuterio e a mobiacutelia eram verdes
contrastando apenas com uma porta azul que vez ou outra atingia um tom celeste por causa
1 Cf ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In Sigmund Freud Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356 2 Cf por exemplo Derek Russell Davis ldquoA reappraisal of Ibsenrsquos Ghostsrdquo In James Walter Mcfarlane Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970 p 369-383 e Anne Hage ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005
33
dos dez refletores utilizados em cena1 A nova arquitetura do espaccedilo cecircnico foi o que mais
chamou a atenccedilatildeo de alguns criacuteticos italianos como Enrico Corradini que em um de seus
muitos artigos publicados na imprensa considerou-a perfeita para acolher a psicologia
profunda de Rosmer e Rebecca West2
Meyerhold antes da encenaccedilatildeo de Hedda Gabler escreveu o ensaio ldquoO teatro
naturalista e o teatro de humorrdquo onde desaprovava a esteacutetica naturalista pelo cuidado
excessivo da reproduccedilatildeo exata da natureza negando ao espectador a capacidade de sonhar e
imaginar No caso das peccedilas de Ibsen o diretor russo acusava os encenadores naturalistas de
transformaacute-las em tediosas monoacutetonas e doutrinaacuterias uma vez que se preocupavam apenas
com o desenho preciso de ldquotiposrdquo do universo norueguecircs e com a anaacutelise minuciosa dos
diaacutelogos das personagens Na acircnsia de tornar a dramaturgia ibseniana suficientemente
compreensiacutevel ao puacuteblico os naturalistas buscavam tornar vivos os diaacutelogos ldquoenfadonhosrdquo e
complicados do autor atraveacutes do trabalho analiacutetico das cenas de transiccedilatildeo ldquoas personagens
comem limpam a sala fazem as malas embrulham sanduiacuteches etcrdquo3 Com isso eles
colocavam em primeiro plano muitas cenas secundaacuterias sufocando o misteacuterio e as meias-
palavras que segundo Meyerhold eram as essecircncias da obra de Ibsen Em sua produccedilatildeo de
Hedda Gabler o diretor russo procurou efetivar no palco as ideacuteias contidas em seu ensaio de
modo a forccedilar o puacuteblico a ter uma visatildeo mais profunda da realidade e tentar decifrar o enigma
por traacutes dos discursos das personagens Para tanto qualquer alusatildeo a tempo ou espaccedilo foi
suprimida um esquema simboacutelico de valores e formas cromaacuteticas foi utilizado para
caracterizar a imagem e os traccedilos psicoloacutegicos de cada personagem Tesman vestia-se de
cinza Loevborg de marrom Brack de cinza escuro Thea de rosa e Hedda de verde o
cenaacuterio de Nicolai Sapunov tinha uma espeacutecie de trono coberto com um pano branco
contrapondo-se a um fundo azul onde Hedda se sentava e em torno do qual se desenvolveram
a maioria das cenas aleacutem disso o palco era em ldquobaixo relevordquo cujo efeito bi-dimensional
opunha-se agrave ldquocaixa asfixianterdquo e agrave profundidade do palco naturalista deixando o ator perto do
espectador4 Poucos meses depois dessa produccedilatildeo Meyerhold encenou Casa de boneca e agrave
medida que Nora aproximava-se da decisatildeo de deixar os filhos e o marido o diretor russo foi
1 Cf Guido Noccioli Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Traduccedilatildeo de Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982 2 Edward Gordon Craig Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971 ldquoil palcoscenico appariva trasformato veramente trasfigurato altissimo con una architettura nuova senza piugrave quinte di un solo colore fra il verde e il cilestrino semplice misterioso e affascinante degno insomma di accogliere la vita profonda di Rosmer e di Rebecca West La scena egrave la rappresentazione di uno stato danimordquo 3 Cf Vsevolod Meyerhold ldquoThe naturalistic theatre and the theatre of moodrdquo Meyerhold on theatre translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969 p 23-34 4 Vsevolod Meyerhold Meyerhold on theatre p 65-66
34
derrubando os cenaacuterios que compunham a casa da personagem evidenciando cenicamente a
queda dos valores da sociedade liberal burguesa
As vanguardas do novo seacuteculo salvo ralas manifestaccedilotildees oriundas de tendecircncias
marxista e socialista natildeo eram atraiacutedas pela poliacutetica A preocupaccedilatildeo dos simbolistas com um
teatro de encantamento e ecircxtase a exaltaccedilatildeo do estado de espiacuterito e do vitalismo dos
expressionistas o fasciacutenio dos futuristas pela maquinaria moderna a atenccedilatildeo dos surrealistas
para com os misteacuterios da vida interior levou muitas vezes a um puro subjetivismo beirando o
solipsismo Somente depois da Primeira Guerra e da Revoluccedilatildeo de Outubro teoacutericos criacuteticos
e dramaturgos voltariam a se interessar pelo desenvolvimento de um drama que respondesse
agraves inquietaccedilotildees do homem comum e aos problemas da sociedade moderna Em 1908 no
ensaio ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo o criacutetico russo Georgy Plekhanov jaacute reclamava
de autores que adotando pontos de vista burgueses produziam obras refrataacuterias agraves questotildees
sociais e poliacuteticas de seu tempo Em contrapartida o criacutetico cita o exemplo de Ibsen que
embora natildeo fosse capaz de dar nenhuma soluccedilatildeo poliacutetica aos problemas sociais de sua eacutepoca
foi como nenhum outro escritor moderno um liacuteder na luta contra os desmandos e as
hipocrisias da pequena burguesia oitocentista Sua revoluccedilatildeo apesar de puramente negativa
voltada para a libertaccedilatildeo individual levou-o muitas vezes ao simbolismo mas ainda assim
ofereceu agraves classes desprivilegiadas o entusiasmo pelo desejo de mudanccedila social seja
criticando a sociedade capitalista a instituiccedilatildeo do casamento ou a desigualdade de direitos
entre homens e mulheres Nessa esteira Plekhanov criticava os artistas que presos apenas aos
aspectos puramente simboacutelicos dos dramas ibsenianos priorizavam somente a visatildeo abstrata
do aperfeiccediloamento humano preterindo desse modo as ameaccedilas da revoluccedilatildeo social1
O huacutengaro Georg Lukaacutecs tambeacutem foi um criacutetico severo do idealismo abstrato na arte
Seu interesse pelo drama teve iniacutecio em 1904 quando ajudou a fundar o grupo Thalia de
teatro Concebido nos moldes do Freie Buumlhne de Berlim e do Theacuteacirctre Libre de Paris o Thalia
deu renovado alento agrave vida cultural de Budapeste encenando para a classe operaacuteria peccedilas de
Hebbel Strindberg Wedekind e Ibsen de quem aliaacutes Lukaacutecs traduziu O pato selvagem Sob o
influxo dessa organizaccedilatildeo teatral o jovem criacutetico escreveu em 1906 o seu primeiro livro
Histoacuteria do desenvolvimento do drama moderno publicado somente em 1911 Neste livro
que tem um capiacutetulo dedicado a Ibsen jaacute se encontra o fundamento da teoria do drama de
Lukaacutecs para quem as obras teatrais deveriam descrever acurada e abrangentemente a situaccedilatildeo
1 Georgy Plekhanov ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In Angel Flores Henrik Ibsen New York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007
35
soacutecio-histoacuterica de uma dada eacutepoca Por conseguinte as personagens deveriam apresentar-se
como ldquotiposrdquo emblemaacuteticos da sociedade a fim de apreenderem a totalidade do processo
social manifestando assim as tensotildees da cultura burguesa Esse sistema onde acreditava-se
que a arte podia harmonizar contradiccedilotildees para exprimir os traccedilos essenciais de natureza
moral psicoloacutegica e social da sociedade capitalista natildeo implicava nenhuma modificaccedilatildeo
profunda nos conceitos acerca da proacutepria estrutura dramaacutetica Desse modo qualquer mudanccedila
na forma convencional do drama era vista por Lukaacutecs como um trampolim para o
esvaziamento do conteuacutedo literaacuterio transformando a arte em um campo de experiecircncias
meramente formais Preso agrave concepccedilatildeo de drama como sinocircnimo de conflito Lukaacutecs vecirc as
personagens ibsenianas a partir de O pato selvagem como ldquodesagradaacuteveis figuras cocircmicasrdquo
Isso porque o ponto de vista dos heroacuteis de Ibsen segundo o criacutetico estaacute muito acima dos
outros personagens que lhes fazem frente impedindo desse modo que se produza a verdadeira
ldquoluta traacutegica e dramaacuteticardquo entre eles Assim o conflito desenrola-se no vazio e o antagonismo
entre as personagens torna-se grotesco atingindo o cocircmico e por vezes o ridiacuteculo A
ldquosublimidade traacutegicardquo dos heroacuteis ibsenianos torna-se artificial podendo ser mantida apenas
atraveacutes da criaccedilatildeo de uma atmosfera simbolista Mas para Lukaacutecs essa mudanccedila de Ibsen mdash
de um realismo ainda que impregnado de elementos naturalistas para a vacuidade dos
siacutembolos mdash de modo algum representa a superaccedilatildeo das contradiccedilotildees do realismo do fim do
seacuteculo XIX Antes aponta a continuidade das incoerecircncias mas num niacutevel artiacutestico inferior
afastado da compreensatildeo da realidade No entanto em Ibsen essa crise ideoloacutegica ainda
apresenta uma rigorosa e profunda criacutetica que mostra a dissoluccedilatildeo dos ideais burgueses e o
mecanismo da hipocrisia e da auto-ilusatildeo na sociedade capitalista em decliacutenio Essa visatildeo de
Lukaacutecs que insiste na inutilidade da experimentaccedilatildeo literaacuteria natildeo realista desencadearia mais
tarde os ataques ao teatro eacutepico de Brecht provocando um debate teoacuterico no seio da criacutetica
marxista que se arrastaria pelos anos 1930 e repercutiria nas deacutecadas seguintes1
Por volta de 1920 Ibsen jaacute estava completamente absorvido pelo mercado teatral As
dimensotildees sociais e poliacuteticas de suas peccedilas mdash que haviam revolucionado o teatro no seacuteculo
passado denunciando no palco os ideais capciosos da burguesia mdash foram rejeitadas a favor
exclusivamente da exploraccedilatildeo da vida interior e da intemporalidade da psicanaacutelise
Personagens como Nora de Casa de boneca e Helena Alving de Os espectros que outrora
haviam sido ldquoporta-vozesrdquo da emancipaccedilatildeo feminina criticando as convenccedilotildees da sociedade
burguesa afiguravam-se no novo seacuteculo como mulheres problemaacuteticas e mal resolvidas
1 Cf sobre Lukaacutecs e o drama moderno Georg Lukaacutecs Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968 e Il drama moderno Milano SugarCo 1976
36
viacutetimas de traumas ocorridos na infacircncia As variaccedilotildees do complexo edipiano explicavam no
caso de Nora a libertaccedilatildeo do passado e das amarras que a mantinham presa ao marido e no
caso de Helena a renuacutencia da felicidade transformando-a assim em matildee e esposa abnegada
Nesse periacuteodo Brecht elaborava seus primeiros escritos teoacutericos em sua maior parte criacuteticas
teatrais veiculadas no jornal Der Augsburger Volkswille entre 1919 e 1921 Alguns desses
textos em sua proacutepria fatura jaacute mostram o efeito de estranhamento mdash que seria amplamente
desenvolvido na teatro de Brecht nas deacutecadas seguintes mdash como forma de sacudir o leitor em
seu torpor abalando a velha imagem da cultura integrada e digerida sem perigo Eacute nesse
sentido que a propoacutesito da encenaccedilatildeo de Os espectros na Alemanha em 1919 Brecht
denuncia a pasteurizaccedilatildeo da obra de Ibsen por artistas e criacuteticos teatrais interessados tatildeo
somente na empatia do puacuteblico e no aspecto puramente lucrativo do espetaacuteculo teatral Num
texto curto de poucas linhas Brecht ressalta a importacircncia de se ir aleacutem da percepccedilatildeo
ideoloacutegica da esfera da vida privada examinando-a criticamente sobretudo nos seus
interesses mesquinhos e materiais Sob essa perspectiva em Os espectros importava verificar
que Helena Alving natildeo era a pobre viacutetima de um matrimocircnio infeliz mas uma mulher
oportunista que se casou por dinheiro mantendo a todo custo um casamento de aparecircncias a
fim de preservar a tradiccedilatildeo e o prestiacutegio social1
Apoacutes a Segunda Guerra a induacutestria de entretenimento cujas bases jaacute estavam dadas
no iniacutecio do seacuteculo fortaleceu-se de tal modo com a ascensatildeo do capitalismo tardio que as
produccedilotildees teatrais comprometidas com o engajamento poliacutetico foram expropriadas pelo
capital A essa altura as chamadas peccedilas sociais de Ibsen soacute interessavam quando tratadas
dentro dos limites do realismo psicoloacutegico jaacute que assuntos como moral dinheiro casamento
e feminismo eram tachados de obsoletos e ultrapassados Nessa nova fase do capitalismo
obras como Os pretendentes agrave coroa e Brand foram celebradas pela teacutecnica e pela poesia
magistral Imperador e Galileu pela filosofia profunda e Peer Gynt ateacute entatildeo conhecida
quase que exclusivamente pela muacutesica de Edvard Grieg foi encenada em muitos paiacuteses
obtendo grande ecircxito A ldquodomesticaccedilatildeo das artesrdquo pela induacutestria cultural foi examinada por
Max Horkheimer e Theodor Adorno na Dialeacutetica do esclarecimento livro dos anos 1940
Contudo eacute em Minima moralia obra composta de aforismos escritos entre 1944 e 1947 que
Adorno faz referecircncia direta a Ibsen analisando uma das questotildees caras ao dramaturgo a
condiccedilatildeo feminina na sociedade de consumo No fragmento intitulado ldquoExumaccedilatildeordquo o criacutetico
contraria o senso comum que apontando o afrouxamento dos tabus sexuais e a participaccedilatildeo
1 Bertold Brecht ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12
37
da mulher no mercado de trabalho daacute por superada a questatildeo do feminismo No entanto as
novas formas de exploraccedilatildeo econocircmica distorceram a independecircncia da mulher tornando-a a
um soacute tempo vulneraacutevel agrave dominaccedilatildeo e incapaz de refletir sobre essa conjuntura Assim sob a
falsa aparecircncia de autonomia e liberdade promovida sobretudo pela induacutestria de consumo mdash
cadeias de loja e magazines que lhes fazem deferecircncia e bajulaccedilatildeo mdash as mulheres se
esquecem de sua sujeiccedilatildeo a ordem social e econocircmica tanto no que diz respeito agrave sua
ldquomiseraacutevel jornada de trabalho profissionalrdquo quanto agrave sua vida no lar Na sequumlecircncia desses
argumentos Adorno compara as personagens ldquohisteacutericasrdquo de Ibsen e ldquosuas tentativas
desesperadas de evadir-se da prisatildeo da sociedaderdquo mdash referecircncia clara a Nora de Casa de
boneca mdash com as mulheres atuais ldquosuas netasrdquo que sem se sentirem atingidas pela mesma
desumanizaccedilatildeo enviariam-nas ldquoaos bons cuidados da assistecircncia socialrdquo Em chave irocircnica
Adorno aponta o retrocesso dos ideais do movimento feminista em relaccedilatildeo aos prodiacutegios
desejados pelas antiquadas personagens ibsenianas ldquoNatildeo eacute sem razatildeo que as mulheres de
Ibsen satildeo chamadas lsquomodernasrsquo O oacutedio agrave modernidade e o oacutedio ao antiquado satildeo
imediatamente a mesma coisardquo1
Em 1956 Peter Szondi em Teoria do drama moderno elabora a mais seacuteria reflexatildeo
sobre a crise do drama enfatizando o modo pelo qual o teatro eacute condicionado por processos
econocircmicos sociais e histoacutericos A partir da ideacuteia de que forma e conteuacutedo estatildeo
definitivamente associados numa relaccedilatildeo dialeacutetica Szondi explora as antinomias internas de
peccedilas de Ibsen Tcheacutekhov Strindberg Maeterlinck e Hauptmann apontando para a
contradiccedilatildeo crescente entre a forma dramaacutetica e os novos conteuacutedos advindos da ordem
social que o drama de rigor aristoteacutelico natildeo consegue assimilar Desse modo o criacutetico mostra
que o teatro de Ibsen entre outras coisas empreendeu uma total inversatildeo no conceito
convencional do drama sobretudo pela emersatildeo do elemento eacutepico em suas peccedilas Em Os
espectros Rosmersholm John Gabriel Borkman e Solness o construtor somente para citar
algumas as accedilotildees do presente servem apenas para revelar o passado iacutentimo das personagens
tornando-se a proacutepria lembranccedila o tema central de suas peccedilas Apesar do uso da construccedilatildeo
rigorosa e causaliacutestica do domiacutenio pleno das peripeacutecias e reconhecimento da exposiccedilatildeo
dissolvida com economia por toda a peccedila Ibsen percebeu que a dramaacutetica pura com seu
pressuposto de mostrar ldquosujeitos autoconscientesrdquo caducava num mundo cada vez mais
marcado pela alienaccedilatildeo Assim em seus dramas rigorosos mas de conteuacutedo eacutepico o proacuteprio
1 Theodor W Adorno ldquoExumaccedilatildeordquo Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificadaTraduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 81 Cf tambeacutem no mesmo livro ldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo p 81-82
38
diaacutelogo entre as personagens estabeleceu a cisatildeo entre sujeito e objeto apresentando no palco
ldquovidas danificadasrdquo pelo mundo da mercadoria do trabalho alienado das relaccedilotildees falsificadas
e do isolamento do indiviacuteduo1
A partir dos anos 1960 Ibsen entatildeo considerado um autor canocircnico repontava em
trabalhos no acircmbito da histoacuteria do teatro da biografia da filosofia e da psicanaacutelise Sua obra
celebrada mais pelos escacircndalos que causaram no final do seacuteculo XIX do que por seu valor
artiacutestico continuou a ser analisada por meio de diferentes teorias criacuteticas e em contextos
especiacuteficos Criacuteticos como Halvdan Koht John Northam e Eric Bentley interessaram-se pelo
aspecto ontoloacutegico das peccedilas ibsenianas examinando os elementos constitutivos dos textos
como a ironia o paradoxo a ambiguumlidade e o simbolismo Natildeo raro essas anaacutelises
consideravam a ldquopoesia dramaacuteticardquo do dramaturgo como a expressatildeo maacutexima de sua obra
estabelecendo Ibsen como um theatre-poet2 Outros estudiosos como H L Mencken e Brian
Johnston restituiacuteram Ibsen ao contexto do pensamento europeu aproximando-o de Nietzsche
Kierkegaard e Hegel3 Uma vasta produccedilatildeo de trabalhos sobre o dramaturgo incluindo
perioacutedicos especializados como Ibsen Studies e The contemporany approaches to Ibsen
foram produzidos desde entatildeo No entanto a maioria dos estudos mdash salvo algumas exceccedilotildees
a exemplo das anaacutelises da recepccedilatildeo de Ibsen em muitos paiacuteses mdash concentram-se
particularmente nos aspectos psicanaliacuteticos e ateacute mesmo autobiograacuteficos de sua obra
deixando de lado o elemento social que desempenhou um papel importante na constituiccedilatildeo de
seu teatro tanto pela exposiccedilatildeo dos problemas da sociedade liberal burguesa quanto pela
ruptura com os padrotildees hegemocircnicos do drama Uma boa demonstraccedilatildeo de que o dramaturgo
foi unanimemente considerado universal sem ser de todo compreendido seja por limitaccedilotildees
da criacutetica seja por posicionamentos ideoloacutegicos de seus leitores
1 Cf Peter Szondi Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 2 Cf Halvdan Koht Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971 John Northam Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953 e Eric Bentley The life of the drama New York Atheneum 1964 3 Cf Henrik Ibsen Eleven plays of Henrik Ibsen Introduction by H L Mencken New York B A Cerf D S Klopfer The Modern Library 1935 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989
I B S E N N O B R A S I L
40
As primeiras encenaccedilotildees
As peccedilas de Ibsen chegaram aos palcos brasileiros no fim do seacuteculo XIX filtradas pelo
olhar de companhias estrangeiras sobretudo as italianas de Ermete Novelli Clara Della
Guardia Eleonora Duse Gustavo Salvini e Ermete Zacconi Vale lembrar que a obra
ibseniana somente passou a ter interesse na Itaacutelia depois das encenaccedilotildees do Theacuteacirctre Libre de
Antoine em 1890 Como autor da moda discutido por toda a Europa Ibsen foi rapidamente
assimilado pelo mercado teatral sendo suas peccedilas devidamente moldadas ao gosto do puacuteblico
acostumado com as comeacutedias realistas francesas Assim no uacuteltimo dececircnio do seacuteculo XIX
Enrico Polese diretor da revista LrsquoArte Drammatica juntamente com empresaacuterios criacuteticos e
atores criou ldquoil prodotto Ibsenrdquo impondo aos espectadores um outro autor diferente daquele
que estava revolucionando o teatro europeu O controle da recepccedilatildeo de Ibsen comeccedilava pela
traduccedilatildeo de Polese que suprimia do texto qualquer alusatildeo ou criacutetica agrave sociedade nivelava os
argumentos considerados inconsistentes redesenhava as personagens visando agrave compaixatildeo do
puacuteblico e modificava as cenas que poderiam escandalizar a plateacuteia A encenaccedilatildeo era apoiada
exclusivamente na figura do grande ator e interessava colocar no palco um texto ligeiro
ausente de cenas monoacutetonas A influecircncia de Polese sobre o gosto ibseniano era transmitida
natildeo soacute pela traduccedilatildeo como pela paacutegina de sua revista que minimizava ainda mais as ideacuteias
ldquoaacutesperasrdquo do autor Aleacutem disso como profissional da dramaturgia conhecedor do puacuteblico
dos atores e empresaacuterios Polese fornecia agraves companhias indicaccedilotildees precisas sobre cenografia
indumentaacuteria e formas de composiccedilatildeo das personagens tudo isso visando a mais completa
empatia entre atores e espectadores
A companhia de Ermete Novelli foi a primeira a apresentar Ibsen agrave plateacuteia brasileira
encenando Os espectros no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em junho de 1895 Algumas das
indicaccedilotildees de Polese parecem ter sido seguidas de perto por Novelli o grande ator da
companhia que fez toda a encenaccedilatildeo girar em torno da personagem que ele representava
Osvaldo Alving Sua interpretaccedilatildeo carregada de um realismo tendencioso acentuava a
enfermidade de Osvaldo a ponto de muitos criacuteticos da eacutepoca identificarem a originalidade e a
essecircncia do drama de Ibsen como de ordem cientiacutefica A doenccedila hereditaacuteria de Osvaldo foi
considerada pela criacutetica o tema central da peccedila sendo deixados de lado outros assuntos como
por exemplo o casamento de conveniecircncia de Helena com o Capitatildeo Alving Da mesma
forma pouco se falou das outras personagens mdash Regina Engstrand e Pastor Manders mdash
vistas como secundaacuterias servindo apenas para dar ensejo agraves concepccedilotildees do dramaturgo acerca
41
da sociedade da moral e da famiacutelia Moral essa que para muitos criacuteticos era ldquoestranha e
inadmissiacutevelrdquo pois ao fazer perpassar na mente de Helena a felicidade do filho ao lado de sua
meia-irmatilde Regina Ibsen celebrava o incesto e a devassidatildeo sexual Sob essa perspectiva um
criacutetico do Jornal do Brasil chegou a fazer uma comparaccedilatildeo entre as ideacuteias socialistas e as
ibsenianas concluindo que ambas tinham como fundamentos a praacutetica do amor livre e a
desestruturaccedilatildeo familiar ldquoPois eacute preciso que o nosso leitor fique sabendo que o Dr Rossi um
meacutedico italiano fez para imprensa a propaganda do socialismo tendo por base o amor livre
tal qual existia na colocircnia Santa Luzia no Estado do Paranaacute [] Se Ibsen tivesse notiacutecia de
tal adiantamento social em terras do Brasil com certeza elevava-nos ao seacutetimo ceacuteu da
imortalidaderdquo1 Nessa conjuntura o dramaturgo era tido ora como reformador ora como
pensador nunca como artista jaacute que lhe faltavam segundo os criacuteticos as preocupaccedilotildees e as
qualidades de um autor dramaacutetico Os espectros desse modo foi considerado um drama ldquomal
apresentado e mal conduzidordquo repleto de cenas pesadas e monoacutetonas que soacute conseguiam
aborrecer a plateacuteia ldquoAssistindo agrave representaccedilatildeo drsquoOs espectros pareceu-nos estar diante de
um livro de medicina escrito sobre um caso especial de atavismo e cujo texto fosse de vez em
quando ilustrado pelas fotografias do doente representando-o nas diversas fases da moleacutestia
herdadardquo2 Os pontos positivos apontados pela criacutetica foram o desempenho de Novelli muito
elogiado pela destreza com que apresentou no palco todos os sintomas da enfermidade de seu
personagem e a forma como o drama apesar das impropriedades conseguiu comover e
fornecer uma significaccedilatildeo moral para os espectadores ldquoOsvaldo e Regina as duas viacutetimas
inocentes dos viacutecios de seus pais perseguidos pelo atavismo representam uma liccedilatildeo de moral
deduzida com todo o rigor de uma lei naturalrdquo3
Depois de Os espectros de Novelli Ibsen soacute voltaria agrave cena nacional em 1899 dessa vez
com duas montagens de Casa de boneca a primeira pela Companhia Portuguesa de Lucinda
Simotildees e Cristiano de Souza no Teatro SantrsquoAnna do Rio de Janeiro no mecircs de maio e a
segunda pela Companhia Italiana de Clara Della Guardia no Teatro Liacuterico do Rio no mecircs de
agosto4 A exemplo do que acontecera em muitos paiacuteses quando apresentada pela primeira vez
a peccedila suscitou um caloroso debate no nosso meio teatral A cena final em que Nora abandona
marido e filhos provocou muitas controveacutersias entre os criacuteticos ocupando as paacuteginas dos
principais perioacutedicos do paiacutes Carlo Parlagreco escritor italiano que lecionava Histoacuteria da Arte
1 ldquoOs espectrosrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 17 jun 1895 Palcos e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 A ldquoNovelli ndash Henrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo O Paiacutes Rio de Janeiro 17 jun 1895 Artes e Artistas p 2 3 ldquoNovelli ndash Ibsenrdquo Jornal do Comeacutercio Rio de Janeiro 17 jun 1895 Teatros e Muacutesicas p 1 (Sem assinatura) 4 Casa de boneca tambeacutem foi encenada em Satildeo Paulo A companhia de Clara Della Guardia apresentou-se no Teatro Politheama em setembro de 1899 e a de Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza em outubro no mesmo teatro
42
na Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro foi categoacuterico em seu artigo publicado
na Cidade do Rio ao afirmar que Ibsen era ldquoum socioacutelogo minuacutesculordquo e ldquoum filoacutesofo
incompletordquo que soacute conseguira popularidade por causa dos assuntos escabrosos de suas peccedilas
Por isso o criacutetico italiano censurava aqueles que em reaccedilatildeo ao teatro francecircs consideravam o
dramaturgo ldquocom um fetichismo indigno da razatildeo humanardquo como um dos maiores intelectuais
de sua eacutepoca Para ele Ibsen natildeo fazia mais que repetir as ldquoteorias e os achados alheiosrdquo de
Zola sendo que as ideacuteias do autor escandinavo eram muito mais monstruosas do que os
preconceitos da sociedade Parlagreco criticava a maneira como Ibsen conduzia as suas peccedilas
encorajando as mulheres a abandonar seus lares e estimulando a desagregaccedilatildeo familiar ldquoA
mulher fora do seu domiacutenio natural prepara os degenerados do futuro Subtrair as sociedades agraves
formas mais conhecidas da administraccedilatildeo e de convivecircncia eacute o ideal que Ibsen partilha com
Tolstoacutei mas seria a mesma coisa que suprimir ou inverter no organismo humano as funccedilotildees de
alimentaccedilatildeo de reproduccedilatildeo e de percepccedilatildeordquo1
Natildeo era somente o tema de Casa de boneca que desagradava a parte conservadora de
nossa criacutetica teatral A forma de composiccedilatildeo de Ibsen que se distanciava cada vez mais dos
padrotildees hegemocircnicos do drama burguecircs tambeacutem foi alvo constante de ataques Artur Azevedo
o grande criacutetico da eacutepoca era o defensor contumaz da tradiccedilatildeo dramaacutetica sobretudo da
francesa representada por escritores como Augier Dumas Filho Meilhac e Haleacutevy Assim
como o criacutetico francecircs Francisque Sarcey mdash que para ele era o ldquomais profundo o mais sensato
o mais sincero dos criacuteticos teatrais de todos os temposrdquo mdash Artur Azevedo tinha preferecircncia
pelas peccedilas bem-feitas valorizando mais a construccedilatildeo dramatuacutergica do que o gecircnero teatral
Portanto seus criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila aproximavam-se em tudo aos de Sarcey
importando tatildeo somente averiguar o uso das convenccedilotildees como a verossimilhanccedila a
identificaccedilatildeo o encadeamento linear e progressivo das accedilotildees o enredo com comeccedilo meio e fim
etc Desse modo uma das criacuteticas mais severas de Artur Azevedo agrave Casa de boneca dizia
respeito ao desenlace que para ele era inconcebiacutevel pois a mudanccedila da atitude de Nora natildeo
havia sido preparada nos atos anteriores Se ela tinha sido tatildeo friacutevola e tola nos dois primeiros
atos natildeo era coerente que se transformasse no uacuteltimo ato numa mulher consciente de sua
situaccedilatildeo na sociedade burguesa Faltava a Ibsen o domiacutenio da arte e da convenccedilatildeo dramaacutetica
por isso Artur Azevedo negava ao dramaturgo o tiacutetulo de ldquorevolucionaacuterio do teatrordquo O que
havia em suas peccedilas de verdadeiramente teatral ainda segundo o criacutetico era bebido em Augier
e Dumas Filho com quem Ibsen tinha aprendido a construccedilatildeo haacutebil e calculada para produzir
1 C Parlagrego ldquoOs espectros de Henrik Ibsenrdquo Cidade do Rio Rio de Janeiro p 1 15 jun 1895
43
efeitos bombaacutesticos Contra esses posicionamentos de Artur Azevedo levantou-se Luiacutes de
Castro jornalista da Gazeta de Notiacutecias que sensiacutevel aos rumos do teatro moderno refutou
veementemente o ponto de contato entre os dramas franceses e ibsenianos bem como o
prestiacutegio de Sarcey como criacutetico teatral provocando uma polecircmica com Artur Azevedo que se
estenderia durante algum tempo nas paacuteginas dos jornais1 Apesar das censuras aos dramas
ibsenianos Artur Azevedo escreveu em 1906 um necroloacutegio a Ibsen reconhecendo-o como
ldquouma das gloacuterias literaacuterias mais puras do seacuteculo XIXrdquo No entanto o seu ponto de vista pouco
mudou em relaccedilatildeo agraves convenccedilotildees teatrais Nesse texto ao fazer um balanccedilo da influecircncia do
norueguecircs no teatro mundial Artur Azevedo afirmou que o teatro de Ibsen ainda era
incompreensiacutevel interessando apenas a um pequeno puacuteblico o das ldquocamadas superioresrdquo As
peccedilas de Ibsen para ele serviam apenas para serem lidas natildeo representadas fato que de modo
algum reduzia suas qualidades de ldquoobras-primas de uma grande elevaccedilatildeo moral dignas da
admiraccedilatildeo universal que as celebrourdquo2
Como Artur Azevedo Oscar Guanabarino criacutetico de O Paiacutes tambeacutem reclamava das
cenas desconexas dos diaacutelogos interminaacuteveis e do desfecho de Casa de boneca pontos que
dificultavam o entendimento do puacuteblico ldquoDesde entatildeo surgem os disparates e entre eles o
maior eacute que o espectador depois de concluiacuteda a representaccedilatildeo deve ir para casa refletir sobre
o caso concluir como puder a peccedila que natildeo teve fim []rdquo3 Ibsen para Guanabarino era
produto do exagero de criacuteticos desorientados que cingiam seu nome com uma aureacuteola de
gecircnio mdash como se ele fosse ldquoo salvador da arte dramaacuteticardquo mdash sem perceber que os processos
de escrita de sua obra eram iguais ao do teatro da eacutepoca tinham os mesmos defeitos da ficelle
e o prejuiacutezo do desconhecimento de certas regras impostas pela experiecircncia e exigidas pelo
bom senso Igualmente exageradas segundo o criacutetico eram as ideacuteias do dramaturgo que sob
o pretexto de lutar contra as convenccedilotildees sociais levava para o palco personagens sempre
doentias Apoiado nos estudos de Cesare Lombroso psiquiatra e criminalista italiano famoso
na eacutepoca pelas suas teorias sobre o criminoso nato e o homem de gecircnio Guanabarino
afirmava ser Ibsen um ldquoalienistardquo e suas personagens figuras desequilibradas e anormais A
partir da anaacutelise de obras de ficccedilatildeo e de estudos de caso Lombroso chegara agrave conclusatildeo
absurda de que anomalias hereditaacuterias neuroloacutegicas e psiacutequicas desempenhavam papel
1 Cf sobre a polecircmica entre Artur Azevedo e Luiacutes de Castro Joatildeo Roberto Faria ldquoEntre Sarcey e Ibsenrdquo Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 240-245 647-651 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Terminei meu uacuteltimo folhetim []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 31 maio 1906 O Teatro Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 586-588 3 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2
44
preponderante na formaccedilatildeo da personalidade de um delinquumlente bastando portanto relacionar
as caracteriacutesticas fiacutesicas dos indiviacuteduos mdash tamanho da mandiacutebula formato do cracircnio etc mdash
para descobrir sua disposiccedilatildeo ao crime Da mesma maneira ele acreditava que escritores
considerados geniais como Shakespeare Zola Tolstoacutei Dostoieacutevski e Ibsen apresentavam
aleacutem de uma visatildeo especial formas mais ou menos atenuadas de loucura e perversatildeo o que
lhes permitiam vislumbrar um criminoso muito antes que a ciecircncia o fizesse Nessa esteira
Lombroso alertava que as mulheres sendo ldquocriaturas moralmente inferiores e infantisrdquo
tinham mais propensatildeo agrave delinquumlecircncia ldquoMulheres satildeo crianccedilas grandes Suas tendecircncias maacutes
satildeo mais numerosas e mais variadas que as dos homens mas geralmente permanecem
latentes Entretanto quando satildeo despertas e excitadas produzem resultados proporcionalmente
maioresrdquo1 Desse modo para Guanabarino Nora apresentava todos os sintomas da patologia
mental e moral examinados por Lombroso era infantil histeacuterica e mentirosa E somente
assim por meio de um tipo exagerado e complexo inferido com todo rigor de um estudo
cientiacutefico Nora poderia ser compreendida e aceita como verdadeira No entanto isso natildeo
reduzia ainda segundo Guanabarino sua iacutendole maacute seja ao abandonar os filhos seja ao
contrair um empreacutestimo sob o pretexto de salvar a vida do marido para saciar seus caprichos
ldquoo desejo de viajar como faziam as outras as ricas acendeu-lhe o desejo de salvar o marido
e ei-la contraindo um empreacutestimo com um indiviacuteduo de moral duvidosardquo2
Os criacuteticos favoraacuteveis a Ibsen geralmente analisavam a sua obra pelo vieacutes naturalista
evitando entrar nas discussotildees acerca de sua forma dramaacutetica Luiacutes de Castro aleacutem de
polemizar com Artur Azevedo sobre o teatro ibseniano talvez tenha sido o uacutenico a abordar
essa questatildeo Em seu artigo ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo o criacutetico da Gazeta de
Notiacutecias apontava a influecircncia das peccedilas de Ibsen na evoluccedilatildeo do teatro moderno Para ele a
teacutecnica dramatuacutergica ibseniana era totalmente diversa natildeo podendo ser comparada a nenhuma
outra existente principalmente agraves dos dramaturgos franceses de quem o norueguecircs natildeo havia
lido sequer uma linha Enquanto autores como Scribe Augier e Dumas Filho estavam
interessados na accedilatildeo e no enredo concluiacutea Luiacutes de Castro Ibsen preocupava-se com ldquoo
sentido profundo da obra a crise psicoloacutegica e moral em que os acontecimentos atiram os
personagensrdquo3 Por isso argumentava ele suas peccedilas foram combatidas em muitos paiacuteses
sobretudo na Franccedila onde o autor encontrou um nuacutemero maior de detratores Joatildeo do Rio por
1 Cesare Lombroso e William Ferrero The female offender New York Philosophical Library 1958 p 151 Cf tambeacutem Cesare Lombroso Lrsquouomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 2 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2 3 Luiacutes de Castro ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 28 maio 1899 Teatro e p 2
45
sua vez exaltava no dramaturgo o tom cientiacutefico da composiccedilatildeo das personagens que levava
em conta a influecircncia do meio e da hereditariedade em suas iacutendoles Em ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo
artigo publicado em A Tribuna o criacutetico procurou mostrar ao leitor por meio da descriccedilatildeo
minuciosa do desempenho da atriz portuguesa no papel de Nora os matizes da construccedilatildeo da
personagem ibseniana ldquoEacute admiraacutevel de anaacutelise humana e Luciacutelia eacute a encarnaccedilatildeo perfeita
deste tipo complexo de histeacuterica com o desequiliacutebrio nervoso da mulher do Norterdquo1 Joatildeo do
Rio tambeacutem enxergava Ibsen como um mentalista de Lombroso e Nora como um tipo de
deacutetraqueacute Mas diferentemente de Guanabarino essas caracteriacutesticas natildeo foram vistas atraveacutes
de uma oacutetica conservadora antes foram tratadas como o reflexo do estado patoloacutegico da
sociedade Para Joatildeo do Rio Ibsen era um reformador que viera fazer do teatro uma verdade
levando agrave cena a vida de todos os dias Outro criacutetico que apreciou as novidades do teatro de
Ibsen foi Luiz Guimaratildees Filho jornalista de A Notiacutecia responsaacutevel pela publicaccedilatildeo de um
dos artigos mais incisivos a favor dos direitos da mulher Para ele Casa de boneca era a
criaccedilatildeo suprema de Ibsen sobretudo porque questionava a exclusatildeo das mulheres na
sociedade ldquoA Casa de boneca demonstra cruelmente a falsidade da educaccedilatildeo feminina na
sociedade moderna mdash que a reduz a viacutetimas risonhas a escravas enfeitadas com sedas a
autocircmatos inconscientes e fracosrdquo2 Utilizando-se dos mesmos conceitos da teoria de
Lombroso comum na literatura da eacutepoca Guimaratildees Filho tambeacutem via Nora como uma
ldquodoida singularrdquo No entanto ainda segundo o criacutetico colocar no palco uma histeacuterica foi a
forma que Ibsen encontrou para marcar a diferenccedila de privileacutegios entre os sexos e mostrar o
erro da educaccedilatildeo da mulher
No iniacutecio do seacuteculo XX as companhias estrangeiras continuaram a ser presenccedila
marcante no Brasil trazendo em seus repertoacuterios peccedilas de Strindberg Maeterlinck
DrsquoAnnunzio Hauptmann Sundermann e Ibsen autores ateacute entatildeo desconhecidos da maior
parte do puacuteblico Entre os meses de maiojunho e agostooutubro periacuteodo da temporada
dessas companhias no Rio e em Satildeo Paulo os espectadores tinham a chance de conhecer os
grandes artistas estrangeiros bem como o que de melhor se produzira nos palcos europeus
Nessas ocasiotildees o teatro seacuterio de qualidade literaacuteria ganhava destaque na imprensa
possibilitando a discussatildeo dos novos rumos da literatura dramaacutetica No entanto a maioria de
nossos criacuteticos e homens de teatro presos agrave foacutermula da peccedila bem-feita ao gosto do puacuteblico e
principalmente aos interesses econocircmicos e lucrativos dos espetaacuteculos teatrais pouca
1 Paulo Barreto [Joatildeo do Rio] ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo A Tribuna Rio de Janeiro p 3 1 jul 1899 Reunido em Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 640 2 Luiz Guimaratildees Filho ldquoA Casa de bonecardquo A Notiacutecia Rio de Janeiro p 2 27-28 maio 1899
46
importacircncia davam aos movimentos de vanguarda Comumente o arranjo cecircnico e os
assuntos controversos de algumas peccedilas suscitavam polecircmicas na imprensa acabando quase
sempre com a rejeiccedilatildeo das novas formas do teatro moderno Bastava as companhias
estrangeiras irem embora os gecircneros mais apreciados do puacuteblico mdash operetas melodramas
feacuteeries e revistas de ano mdash voltavam agrave cena nacional Portanto os pilares baacutesicos do teatro
brasileiro continuavam sendo os mesmos a oacutepera reduzida a um nuacutemero de composiccedilotildees do
realejo italiano como Rigoletto Mme Butterfly e Manon e a dramaturgia francesa que haacute
muito jaacute havia se tornado o esteio de nossos palcos Aleacutem das convenccedilotildees da peccedila bem-feita
serem usadas como criteacuterios para a anaacutelise das obras teatrais nossa criacutetica literaacuteria tambeacutem
orientava-se pelas noccedilotildees de raccedila e natureza reduzindo as obras-de-arte agrave accedilatildeo de fatores
como clima meio e mesticcedilagem Foi assim que a partir do sincretismo de teorias e conceitos
europeus deslocados de suas funccedilotildees de origem formou-se no Brasil o padratildeo de leitura da
virada do seacuteculo XIX para o XX
Em 1900 Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza voltaram a apresentar Casa de boneca
no Teatro Lucinda do Rio de Janeiro e no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo A montagem
segundo artigo de Joatildeo do Rio teve poucas alteraccedilotildees ldquoA companhia vem a mesma na
distribuiccedilatildeo dos personagens [] Os cenaacuterios satildeo diferentes o material todo novo a ceacutelebre
cadeirinha de palhinha que fez tanto palerma gargalhar foi substituiacuteda por outra de veludo e
tudo eacute bom tudo eacute melhorrdquo1 A recepccedilatildeo tambeacutem foi a mesma elogios aos atores e criacuteticas agrave
peccedila que se ressentia da linearidade da accedilatildeo dramaacutetica apresentando aleacutem disso ficelles
velhas e usadas cenas monoacutetonas personagens excecircntricas e desequilibradas No ano
seguinte apareceu o primeiro ensaio sobre Ibsen reunido em A hora do escritor e criacutetico
literaacuterio Nestor Viacutetor2 Nesse livro Nestor Viacutetor ocupou-se da literatura estrangeira Os
Desplantados de Maurice Barregraves Cyrano de Bergerac de Edmond Rostand e Pretendentes agrave
coroa A comeacutedia do amor Imperador e Galileu Pilares da sociedade Os espectros entre
outras peccedilas de Ibsen A parte dedicada ao dramaturgo norueguecircs vinha dividida em quatorze
capiacutetulos onde o criacutetico traccedilava o perfil biograacutefico de Ibsen detendo-se no entanto na
anaacutelise de sua obra De Catilina primeira peccedila do autor ateacute John Gabriel Borkman Nestor
Viacutetor buscou examinar os elementos simboacutelicos dos dramas informando vez ou outra a
maneira como o teatro de Ibsen tinha sido recebido na Europa provocando polecircmicas e
discussotildees Nessa trajetoacuteria ele procurou apresentar ao leitor um resumo minucioso de todas
as peccedilas mdash traduzindo inclusive trechos inteiros de algumas delas mdash demonstrando assim
1 P B [Joatildeo do Rio] ldquoTeatro Lucindardquo Cidade do Rio Rio de Janeiro 5 mar 1900 Gambiarras p 2 2 Nestor Viacutetor A hora Rio de Janeiro Paris Garnier 1901
47
preocupaccedilatildeo com as condiccedilotildees de produccedilatildeo e recepccedilatildeo da arte em um paiacutes como o Brasil
Num seacuteculo cientificista Nestor Viacutetor foi o criacutetico que tomou os padrotildees esteacuteticos como
norma de julgamento da produccedilatildeo literaacuteria buscando analisar atraveacutes de um veio
impressionista os elementos intriacutensecos da obra-de-arte Sob essa perspectiva o criacutetico
apontou em Casa de boneca a siacutentese a economia de adornos e o desprezo de Ibsen pelas
ficelles como elementos essenciais de inauguraccedilatildeo de uma nova fase da dramaturgia mundial
Os espectros voltou aos palcos brasileiros na encenaccedilatildeo da companhia de Andreacute
Antoine no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em 14 de julho de 1903 A peccedila jaacute natildeo era
novidade entre noacutes e assim como na primeira representaccedilatildeo de Novelli em 1895 os criacuteticos
limitaram-se a aproximar o drama das teorias cientiacuteficas do atavismo e a reclamar das cenas
deprimentes e cansativas A atuaccedilatildeo de Antoine no papel de Osvaldo mdash diferente do que
ocorrera com Novelli elogiadiacutessimo pela nossa criacutetica mdash sofreu restriccedilotildees por parte de alguns
que a consideraram ldquosobremodo fatiganterdquo fria e modesta dissolvendo a personagem numa
atmosfera nebulosa e incompreensiacutevel Acostumados agraves interpretaccedilotildees melodramaacuteticas ao
exagero na expressatildeo dos sentimentos e aos apelos faacuteceis dos atores agrave plateacuteia muitos criacuteticos
estranharam o modo de representar do ator e encenador francecircs principalmente o tom baixo de
sua voz e os momentos em que ele virava as costas para o puacuteblico Artur Azevedo contraacuterio agraves
experiecircncias naturalistas no teatro foi o grande desafeto de Antoine protagonizando uma
querela com o ator francecircs que se estenderia ateacute o mecircs de outubro daquele ano1
Trecircs anos mais tarde Suzanne Despregraves que fizera parte da troupe de Antoine no Rio
voltou ao Brasil para encenar Casa de boneca no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em agosto de
1906 Eacute importante lembrar que a atriz francesa aleacutem de ter participado de algumas montagens
do Theacuteacirctre Libre tambeacutem fez parte do elenco da primeira representaccedilatildeo simbolista de Solness
o construtor sob a direccedilatildeo de Lugneacute-Poe no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre em 1894 Portanto sua
interpretaccedilatildeo de Nora diferenciava-se das que ateacute aquele momento tinham sido apresentadas ao
puacuteblico brasileiro deixando de lado as teorias de emancipaccedilotildees as teses do atavismo para
enfatizar o eacutetat drsquoacircme que existia por traacutes das accedilotildees da personagem Assim Casa de boneca
passou a ser lida como a expressatildeo da realidade atraveacutes da sugestatildeo simboacutelica e a cena da
tarantela mdash assim como acontecera com a construccedilatildeo do orfanato em Os espectros e a pistola
em Hedda Gabler nas encenaccedilotildees simbolistas mdash passou a ser encarada como a parte
substancial do drama concentrando todo o significado da peccedila em uma uacutenica imagem da accedilatildeo
A Nora de Suzanne Despregraves nessa perspectiva deixava de ser uma figura incomum para se
1 Cf sobre a temporada de Antoine no Rio de Janeiro Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 245-261
48
transformar no siacutembolo de uma mulher atormentada por sua condiccedilatildeo de boneca destituiacuteda do
livre-arbiacutetrio Um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo ao comparar a atuaccedilatildeo de Suzanne Despregraves
com as de Luciacutelia Simotildees e Clara Della Guardia elogiou a naturalidade com que a atriz
francesa compusera a personagem tornando um tipo tatildeo complexo como Nora compreensiacutevel
ao puacuteblico ldquoTanto Luciacutelia Simotildees como Clara Della Guardia as duas Noras que nos foi dado a
ver e ouvir diferentes em detalhes assemelham-se contudo nas suas linhas gerais [] ambas
nos deram uma Nora ridiculamente infantil no primeiro ato e no final do segundo na cena da
tarantela ambas se desconjuntavam numa horripilante danccedila de S Guido [] A Nora que
ontem nos deu Suzanne Despregraves afasta-se por completo desses moldesrdquo1 O desempenho da
atriz francesa foi muito elogiado pelos criacuteticos mas a peccedila continuou a ser censurada sobretudo
pelas cenas desarticuladas e incoerentes
Em 1907 esteve por aqui a Companhia Dramaacutetica Italiana de Gustavo Salvini
encenando Os espectros no Rio e em Satildeo Paulo no mecircs de julho A recepccedilatildeo foi comedida e
no geral os criacuteticos restringiram-se a apresentar o resumo da peccedila e a elogiar Salvini pela
interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving Entretanto o grande acontecimento teatral do ano foi a
temporada de Eleonora Duse nos palcos cariocas e paulistas Empresariada por Lugneacute-Poe e
V Consiglio a atriz veio ao Brasil com um repertoacuterio variado Magda de Sundermann La
Gioconda de DrsquoAnnunzio La signora dalle Camelie e La moglie di Claudio de Dumas
Filho Monna Vanna de Maeterlinck Rosmersholm e Hedda Gabler de Ibsen Fedora de
Sardou e Adriana Lecouvreur de Scribe e Legouveacute Apoacutes a encenaccedilatildeo de Casa de boneca
no Teatro Filodramaacutetico de Milatildeo em 1891 Duse natildeo tinha representado mais nenhum drama
de Ibsen preferindo antes o repertoacuterio italiano de Goldoni e Giacosa e o francecircs de Dumas
Filho e Sardou Somente a partir de 1904 seguindo a tendecircncia do teatro simbolista ela
voltou a Ibsen encenando Hedda Gabler e depois em 1905 Rosmersholm com cenaacuterio de
Gordon Craig Assim a anaacutelise cientiacutefica das personagens cedeu lugar para a do heroacutei
individualista e seus problemas de consciecircncia importando agora explorar no palco a poesia
a paixatildeo e vida interior das figuras ibsenianas
Hedda Gabler e Rosmersholm representadas no Teatro Liacuterico do Rio respectivamente
nos dias 2 e 16 de julho de 1907 eram pela primeira vez levadas agrave cena brasileira2
Rosmersholm segundo o jornalista Briacutecio de Abreu foi a uacuteltima peccedila que a companhia
1 ldquoSantrsquoAnna ndash A representaccedilatildeo de Casa de boneca de Ibsen []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 5 ago 1906 Palcos e Circos p 3 (Sem assinatura) 2 Hedda Gabler tambeacutem foi encenada no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em 20 de julho de 1907 Rosmersholm soacute foi representada no Rio
49
apresentou no Rio seguindo posteriormente para Satildeo Paulo1 Embora a encenaccedilatildeo de
Rosmersholm apareccedila no livro do jornalista carioca e na lista do repertoacuterio da companhia
publicada nos jornais da eacutepoca poucas referecircncias encontramos na imprensa sobre essa peccedila
limitando-se os criacuteticos a traccedilar o resumo da obra e a destacar o desempenho dos atores O
mesmo natildeo aconteceu com Hedda Gabler que tanto no Rio como em Satildeo Paulo provocou
uma efervescecircncia no meio teatral sendo discutida intensamente pelos nossos criacuteticos No Rio
de Janeiro Artur Azevedo declarou a peccedila nebulosa e absurda sobretudo porque apesar de
traacutegica natildeo apresentava ldquouma cena violenta um grito de paixatildeo ou de desesperordquo uma
situaccedilatildeo que pudesse produzir ldquocalafrios e arrepiar os cabelosrdquo dos espectadores Para
Azevedo as maiores estranhezas ficaram por conta dos diaacutelogos travados agrave meia-voz em
cenas consideradas extravagantes como aquela em que Theacutea sabendo do suiciacutedio de
Loevborg em vez de lhe socorrer potildee-se a trabalhar na reconstruccedilatildeo de seu manuscrito2 Em
Satildeo Paulo formou-se uma querela sobre a questatildeo da inacessibilidade de Ibsen agrave plateacuteia
paulistana Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo havia sido um erro a escolha de Hedda
Gabler para estreacuteia da companhia em Satildeo Paulo pois Ibsen ainda era incompreensiacutevel ao
puacuteblico e a empresa teria andado com mais acerto se representasse um drama jaacute conhecido
Para ele era importante que antes da encenaccedilatildeo os espectadores tivessem ouvido uma
conferecircncia explicativa da peccedila como fez Jules Lemaicirctre na representaccedilatildeo de Hedda Gabler
no Theacuteacirctre du Vaudeville em Paris em 1891 Somente assim a companhia teria evitado o
modo frio com que os espectadores receberam o espetaacuteculo aplaudindo-o apenas por mera
cortesia3 Joatildeo Crespo jornalista do Comeacutercio de Satildeo Paulo rebateu esses argumentos
alegando que ldquoas peccedilas de Ibsen obrigam a pensar e natildeo tecircm esses lances de paixatildeo que
levantam uma plateacuteiardquo4 Esse debate entre os criacuteticos drsquoO Estado e do Comeacutercio de Satildeo Paulo
se prolongou por cinco dias consecutivos na imprensa no entanto as questotildees esteacuteticas foram
deixadas de lado prevalecendo apenas os ataques pessoais
A maior parte de nossos criacuteticos teatrais declarava Ibsen ininteligiacutevel e mistificador
acusando aqueles que nutriam qualquer simpatia pelo escritor norueguecircs de snobs que
fingiam gostar de sua obra devido ao seu relativo sucesso em Paris Os criacuteticos mais avessos a
1 Briacutecio de Abreu Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958 p 15 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Passando por alto uma representaccedilatildeo de Fernanda []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 4 jul 1907 Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 626-628 3 ldquoSantrsquoAnna ndash Eleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 21 jul 1907 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 4 Joatildeo Crespo ldquoUm criacutetico teatral de uma folha matutina mostrou-se escandalizado []rdquo Comeacutercio de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 23 jul 1907 Revistinha p 1
50
Ibsen recorriam quase sempre agraves teses do meacutedico huacutengaro Max Nordau para desqualificar
sua obra considerando-a o arqueacutetipo da degeneraccedilatildeo da sociedade Ao publicar
Deacutegeacuteneacuterescence em 1893 Nordau retomou e radicalizou as grandes linhas das teorias de
Cesare Lombroso mdash sobretudo aquela em que o psiquiatra italiano aproximava a genialidade
da loucura mdash para declarar a arte moderna degenerada Frutos de autores semi-loucos essas
obras doentias poderiam segundo Nordau corromper os espiacuteritos dos leitores levando-os agrave
degradaccedilatildeo1 Nietzsche Tolstoacutei Zola e Ibsen entre outros foram considerados autores
ldquodegenerescentesrdquo que por traacutes da maacutescara enganadora de revolucionaacuterios da arte conduziam
pouco a pouco a sociedade agrave deterioraccedilatildeo moral Nessa esteira Alfredo Pujol em sua coluna
ldquoOs meus domingosrdquo drsquoO Estado de S Paulo aleacutem de censurar Ibsen por levar para o palco
ldquoas verdades crueacuteis da vidardquo e ldquoas tristes enfermidades da alma contemporacircneardquo fez questatildeo
de lembrar o diagnoacutestico ldquodos enfermos do hospital de Ibsenrdquo feito por R Geyer disciacutepulo de
Nordau degenerescecircncia mental histeria demecircncia senil deliacuterio crocircnico alcoolismo
melancolia etc2 Para Pujol esse teatro sombrio e doloroso natildeo podia durar muito caso
contraacuterio veriacuteamos ldquoenquanto no palco se representa Ibsen despencarem suicidas das
torrinhas e trocarem-se tiros de revoacutelver nos camarotesrdquo3 Ibsen portanto natildeo devia ser
representado mas somente lido como um escritor de gabinete natildeo de plateacuteia
Por esse tempo Moritz Prozor o ceacutelebre tradutor da obra de Ibsen para o francecircs
vivia em Petroacutepolis (RJ) a cargo de suas funccedilotildees de Ministro da Ruacutessia Durante sua
permanecircncia no Brasil Conde Prozor como passou a ser conhecido entre noacutes foi um
importante divulgador do teatro ibseniano e da esteacutetica simbolista de Lugneacute-Poe e Camille
Mauclair de quem foi profundo admirador Era comum como nos lembra Afonso Celso ver
Prozor nos salotildees brasileiros ldquoreferir-se agrave vida e agrave obra do seu poeta e escritor teatral
preferido a explicar-lhes as intenccedilotildees a filosofia o engenho inovador a salutar accedilatildeo
revolucionaacuteriardquo4 Por certo a amizade que Prozor teve por Nestor Viacutetor e sobretudo por Graccedila
Aranha mdash de quem prefaciou a ediccedilatildeo francesa de Canaatilde mdash influenciou de alguma maneira o
rumo da produccedilatildeo criacutetica e literaacuteria desses dois escritores que se deixaram atrair pelo
simbolismo Aliaacutes foi por intermeacutedio de Prozor que Graccedila Aranha conheceu a obra de Ibsen
a quem viria a dedicar um artigo em A esteacutetica da vida de 1921 Nesse artigo intitulado ldquoA
esteacutetica de uma trageacutediardquo Graccedila Aranha declarava que a forccedila dos dramas ibsenianos natildeo
estava na censura do autor agraves hipocrisias sociais mdash ldquotoda arte inspirada nos problemas sociais
1 Cf Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf R Geyer Eacutetude meacutedico-psychologique sur le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris [sn] 1902 3 Alfredo Pujol ldquoOs meus domingosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo p1 28 jul 1907 4 Afonso Celso ldquoIbsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 28 abr 1928
51
eacute precaacuteriardquo afirmava ele mdash mas no mundo de sonho imagens e poesia que uma vez posto
em accedilatildeo fazia ldquonascer o prodiacutegio de uma misteriosa comunhatildeo esteacuteticardquo Nesse sentido a
beleza em Hedda Gabler ainda segundo Graccedila Aranha encontrava-se no caraacuteter estranho e
fascinante da personagem-tiacutetulo que sendo irremediavelmente incompatiacutevel com a
sociedade a colocara numa situaccedilatildeo insoluacutevel podendo Hedda apenas ser salva pela morte
Para ele a ldquovisatildeo espetacular do mundordquo era o que assegurava agraves peccedilas de Ibsen valor e
universalidade1 Antes desse artigo Graccedila Aranha publicou em 1911 Malasarte peccedila que
tem semelhanccedilas e afinidades com Peer Gynt de Ibsen Ambas apresentam como
protagonista um heroacutei do folclore nacional tanto Peer Gynt como Malasarte vivem numa
esfera de amoralidade destituiacuteda dos conceitos de bem e mal e a mentira eacute o recurso que as
personagens utilizam para ldquoencantarrdquo os outros safando-se assim das encrencas que se metem
ao longo de suas vidas2 Malasarte aleacutem de ser publicada em portuguecircs ganhou uma versatildeo
em francecircs com prefaacutecio de Camille Mauclair A peccedila tambeacutem foi encenada no Theacuteacirctre de
lrsquoOeuvre em fevereiro de 1911 tendo em seu elenco Greta Prozor filha do Conde Prozor
uma das grandes inteacuterpretes de Ibsen na Franccedila
Ainda em 1911 Araripe Jr reuniu em livro nove artigos seus todos publicados no
Jornal do Comeacutercio do Rio entre 1895 e 1909 compondo assim uma monografia dedicada agrave
obra de Ibsen3 No prefaacutecio desse volume intitulado Ibsen Araripe Jr discute seus criteacuterios
literaacuterios reforccedilando sua adesatildeo agraves teorias de Taine ao evolucionismo de Spencer e ao
cientificismo de Eacutemile Hennequin As obras literaacuterias desse modo eram tratadas como
documentos que ao representar a sociedade e a natureza que as produziram podiam revelar a
psicologia de um seacuteculo ou povo Assim em Ibsen Araripe Jr procurou mostrar como o
sentimento da trageacutedia apesar das condiccedilotildees mesoloacutegicas eacutetnicas e momentacircneas
desenvolveu-se em Eacutesquilo e Shakespeare e que caminhos seguiu ateacute chegar ao seacuteculo XIX
quando aparece a dramaturgia de Ibsen Nesse percurso o criacutetico concluiu que a essecircncia da
trageacutedia moderna repousava no ldquocontraste feroz entre a vida subjetiva e a maacutequina do poderrdquo
ressalvando o caraacuteter psicossocial (e jaacute natildeo mais puramente miacutetico) do teatro moderno
Embora para Araripe Jr a obra de Ibsen natildeo fosse ldquooutra coisa senatildeo um magniacutefico capiacutetulo
de criacutetica socialrdquo ela apresentava tatildeo somente o lado ldquosaturninordquo da vida projetando-se numa
esfera espectral Por essa razatildeo suas personagens sobretudo as femininas adquiriram um
1 Graccedila Aranha ldquoA esteacutetica de uma trageacutediardquo A esteacutetica da vida Rio de Janeiro Garnier 1921 p 210-213 2 Cf sobre as semelhanccedilas entre Peer Gynt e Malasarte Joseacute Carlos Garbuglio ldquoDe Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) Revista do Instituto de Estudos Brasileiros Satildeo Paulo USP n 4 p 81-96 1968 3 Tristatildeo de Alencar Araripe Jr Ibsen Porto Lello amp Irmatildeo 1911
52
aspecto ldquomisteriosamente maleacuteficordquo como de ldquoum ente que natildeo parece desse mundordquo De
qualquer modo ainda segundo Araripe Jr a genialidade do dramaturgo estava na capacidade
que ele tinha de ldquoenxergar na vida o que nem todos podem verrdquo encerrando em sua obra ldquoo
comeccedilo da construccedilatildeo ideal da sociedaderdquo marca do sinal dos tempos que despertou o
interesse de alguns franceses como Antoine e Lugneacute-Poe
Nesse periacuteodo de 1895 a 1911 pode-se perceber a formaccedilatildeo cultural de nossos
criacuteticos que com graus diferentes de influecircncia nutriram-se de obras tributaacuterias ora do
evolucionismo e do materialismo corriqueiro de Max Nordau Spencer Haeckel e Comte ora
do idealismo e esteticismo de Eacutedouard Schureacute e Camille Mauclair ora da tendecircncia analiacutetica
de Eacutedouard Rod escritor suiacuteccedilo que como Moritz Prozor foi um dos famosos prefaciadores
das traduccedilotildees francesas das peccedilas de Ibsen No que diz respeito especificamente agrave criacutetica
teatral continuariacuteamos durante algum tempo a utilizar os criteacuterios analiacuteticos de Francisque
Sarcey
53
Um claacutessico imperfeito
Durante a Primeira Guerra as companhias estrangeiras que faziam as vezes de
atualizar nossa cena apresentando-nos os principais autores da vanguarda europeacuteia deixaram
de vir com frequumlecircncia ao Brasil Essa situaccedilatildeo contribuiu ao menos em parte para que os
nossos homens de teatro ficassem totalmente agrave margem da revoluccedilatildeo cecircnica operada por
Stanislavski Gordon Craig e Meyerhold restando-nos apenas ldquoa praacutetica do estrelismordquo
Assim a dramaturgia brasileira voltou-se para os temas nacionais retomando o fio iniciado
por Martins Pena e Franccedila Juacutenior a saacutetira aos costumes de nossa organizaccedilatildeo social e poliacutetica
a exaltaccedilatildeo da terra e da vida no campo em oposiccedilatildeo agrave degeneraccedilatildeo dos haacutebitos citadinos e o
contraste entre a figura do estrangeiro tolo e o brasileiro haacutebil e esperto Nesse gecircnero de
teatro o texto servia apenas como apoio agraves improvisaccedilotildees dos atores assinalando a tendecircncia
aos efeitos faacuteceis que se prolongaria durante as deacutecadas de 1920 e 1930 As peccedilas desse
modo eram escritas sob medida para os atores preferidos pelo puacuteblico que tinham a
possibilidade de projetar suas personalidades no palco A ausecircncia do diretor encarregado de
coordenar o espetaacuteculo numa visatildeo unitaacuteria facilitava ainda mais o improviso dos efeitos
cocircmicos o gosto dos ldquocacosrdquo e o desequiliacutebrio do conjunto contribuindo para colocar sempre
em primeiro plano o ator principal da companhia Muitos desses ldquoastrosrdquo aliaacutes tornaram-se
empresaacuterios teatrais emprestando aos grupos que dirigiam seus nomes de iacutedolos populares
caso das companhias de Leopoldo Froacutees e de Procoacutepio Ferreira Essas comeacutedias de costumes
previam por ordem expressa dos empresaacuterios um cenaacuterio fixo geralmente a sala de visitas de
uma famiacutelia de classe meacutedia por onde desfilavam os tipos habituais o galatilde o pai libertino e
conservador a matildee ingecircnua e dedicada a avoacute resmungona o empregado impertinente etc
Nessas circunstacircncias Ibsen voltaria aos palcos brasileiros somente em setembro de
1915 com a encenaccedilatildeo de Os espectros pela companhia de Gustavo Salvini no Teatro
Cassino Antaacutertica em Satildeo Paulo O ator italiano que jaacute havia apresentado essa peccedila no Rio e
em Satildeo Paulo em 1907 recebeu a mesma ldquoruidosa ovaccedilatildeordquo do puacuteblico e principalmente da
criacutetica que alardeava a perfeita atuaccedilatildeo de Salvini como resultado do longo tempo que ele
passara nos hospitais observando os casos de ataxia locomotora Ibsen embora acolhido com
um pouco mais de simpatia continuava a ser considerado um autor de ideacuteias tristes e
sombrias que fizera do teatro no dizer de um criacutetico do Correio Paulistano ldquoum museu de
54
anatomiardquo1 Aleacutem de Novelli e Salvini Ermete Zacconi foi outro ator italiano que se tornou
ceacutelebre na interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving de Os espectros apresentando-se no Teatro
Municipal de Satildeo Paulo em janeiro de 1924 Desde 1892 quando entatildeo estreara no Teatro
Manzoni de Milatildeo sob as orientaccedilotildees de Enrico Polese Zacconi vinha interpretando essa
personagem Apesar das renovaccedilotildees levadas agraves cenas europeacuteias por Stanislavski Craig
Meyerhold Appia Max Reinhardt e Copeau as representaccedilotildees de Zacconi seguiam ainda a
foacutermula de Polese O texto ibseniano ajustado ao gosto do puacuteblico tornava-se mero apoio
para que a figura de Zacconi sobressaiacutesse ao restante do elenco da companhia que aliaacutes era
formada por membros de sua famiacutelia A uacuteltima cena da peccedila em que Osvaldo Alving tem um
acesso de loucura exclamando ldquoIl sole Il solerdquo foi considerada pela imprensa o ponto alto
do drama Em cenas como essa Zacconi tinha a chance de mostrar ao puacuteblico as suas
qualidades de ator dramaacutetico exibindo no palco as nuanccedilas da enfermidade de Osvaldo Os
criacuteticos acostumados ao individualismo artiacutestico de nossos atores que muitas vezes
colocavam seus exibicionismos acima da ficccedilatildeo elogiaram muito o desempenho de Zacconi
ldquoComo se estiveacutessemos diante de um doente autecircntico faz mal agrave gente ver em cena o pobre
Osvaldo com as matildeos trecircmulas o andar trocircpego a liacutengua jaacute baralhada a cada instante
trocando siacutelabas e esquecendo dos nomes mais familiares Zacconi eacute tatildeo magistral nessa
personagem e impressiona tanto que a sala inteira parecia dominada como hipnotizada pela
sua arterdquo2 O sucesso da temporada de Zacconi foi um dos maiores jaacute vistos em Satildeo Paulo
com o proacuteprio Leopoldo Froacutees saudando-o de modo pomposo em cena aberta ldquoEacutes o sol eu
sou o vaga-lumerdquo
Em 1928 comemorou-se no mundo inteiro o centenaacuterio de Ibsen Nessa ocasiatildeo os
principais jornais brasileiros trouxeram mateacuterias que tentavam explicar a trajetoacuteria e as ideacuteias
do autor A essa altura o dramaturgo norueguecircs jaacute era considerado um claacutessico da literatura
dramaacutetica moderna sendo comumente comparado a Soacutefocles e a Shakespeare No Brasil com
alcance e graus de refinamento diversos Ibsen tambeacutem passou a ser reconhecido como um
ldquoespiacuterito originalrdquo responsaacutevel por introduzir novas situaccedilotildees no palco animando o teatro
com suas extraordinaacuterias personagens Natildeo se pode dizer no entanto que o dramaturgo
tornara-se um autor estimado de nossos criacuteticos muito menos popular jaacute que havia uma
concordacircncia generalizada de que sua obra de temas obscuros e de teatralidade inconsistente
podia alcanccedilar apenas uma parte do puacuteblico o de rigorosa formaccedilatildeo literaacuteria Supeacuterflua entatildeo
1 ldquoCassino Antaacutertica ndash A companhia dramaacutetica italiana []rdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 4 set 1915 Teatros e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura)
55
tornava-se a anaacutelise de suas peccedilas que apesar de continuarem a ser representadas nas cenas
mais autorizadas do mundo com enorme sucesso natildeo provocavam mais controveacutersias Para a
maioria de nossos criacuteticos o ecircxito de Ibsen como um artista de gecircnio era inquestionaacutevel no
entanto seu estilo insoacutelito era deacutemodeacute Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo passada a
curiosidade ningueacutem mais interessava-se pelas excentricidades de suas personagens pois elas
eram ldquode fato de outro meio de uma sociedade bem diversa provavelmente da nossa com
ideacuteias e costumes feitos segundo outra tradiccedilatildeordquo1 O mesmo acontecia com sua teacutecnica
dramatuacutergica que embora tivesse produzido uma consideraacutevel renovaccedilatildeo no gecircnero literaacuterio
natildeo apresentava segundo o jornalista Fleacutexa Ribeiro a ldquodramaticidade cecircnica necessaacuteria para
impressionar os auditoacuterios mais ou menos distraiacutedos e que vivem ainda soacute pelo sentimentordquo2
As figuras ibsenianas outrora tatildeo polecircmicas a ponto de muitos terem considerado
Ibsen um criador de monstros passaram a ser vistas com menos antipatia Para Fleacutexa Ribeiro
o aspecto mais marcante da obra de Ibsen era a ldquofecundidade da vida interiorrdquo de suas
personagens e o conceito de obscuridade habitualmente atribuiacutedo ao seu teatro era causado
sobretudo pela dupla personalidade de suas figuras dramaacuteticas Ibsen sendo um gecircnio
analiacutetico criara ldquouma seacuterie maravilhosa de realidades interioresrdquo onde atuavam ainda
segundo Fleacutexa Ribeiro ldquopersonagens invisiacuteveisrdquo que soacute poderiam ser explicadas pelo estudo
da psicologia Ribeiro talvez tenha sido um dos primeiros criacuteticos a aventar a possibilidade de
se analisar um obra de ficccedilatildeo pelo vieacutes psicanaliacutetico ldquoQuando um dia se conhecer melhor a
psicologia todo esse vasto domiacutenio do inconsciente e se tiver fixado as leis gerais que regem
os estranhos fenocircmenos do subconsciente (pois que ambos se aproximam mas satildeo bem
diferenciados) verificaremos o quanto a atuaccedilatildeo do invisiacutevel do desapercebido eacute profunda
duradoura e inquietanterdquo3 Outro criacutetico que admirava o eacutetat drsquoacircme das personagens
ibsenianas era Camille Mauclair um dos precursores do teatro simbolista francecircs que teve
uma conferecircncia sua traduzida e publicada nrsquoO Paiacutes em 25 de marccedilo de 1928 Em ldquoAgrave
memoacuteria de Ibsenrdquo Mauclair falou num primeiro momento de sua trajetoacuteria artiacutestica e de
como Ibsen entrara nas cogitaccedilotildees do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre apresentando um balanccedilo das
montagens realizadas pela sua companhia Num segundo momento o criacutetico francecircs tratou de
avaliar a obra do norueguecircs na eacutepoca presente Todas as ideacuteias sociais a que Ibsen dava
especial apreccedilo como a liberdade por exemplo pareciam-lhe ldquoavelhentadasrdquo e indiferentes
restando apenas ldquoos elementos da consciecircncia e da vida interiorrdquo para ele traccedilos originais do
1 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 2 Fleacutexa Ribeiro ldquoNo centenaacuterio de Ibsenrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo p 3 18 mar 1928 3 Id ldquoIbsen e o subconscienterdquo O Paiacutes Rio de Janeiro p 3 2 abr 1928
56
autor Eacute nesse sentido que segundo Mauclair Casa de boneca ldquomalgrado o seu desfecho
alegoacuterico e mal explicadordquo continuava a despertar o interesse de artistas de prestiacutegio
sobretudo de atrizes que se sentiam atraiacutedas pela personalidade de Nora A mesma coisa
acontecia com Os espectros uma das peccedilas segundo ele mais perfeitas de Ibsen que podia
ldquosuportar o confronto com as grandes criaccedilotildees gregasrdquo
Se por um lado o teatro de Ibsen ainda sofria censura por ser considerado pouco
dramaacutetico parecendo mais um ldquoromance dialogadordquo por outro havia quem enxergasse
justamente nessa reserva o desenvolvimento do teatro moderno Era o caso de Antonio de
Alcacircntara Machado que no ensaio ldquoHenrik Ibsenrdquo publicado no Diaacuterio Nacional de Satildeo
Paulo em 2 de abril de 1928 procurou explicar a teacutecnica dramatuacutergica do autor Com esse
texto escrito sob o pseudocircnimo de J J de Saacute Alcacircntara Machado deu novo alento agrave criacutetica
teatral brasileira Primeiro porque sua reflexatildeo voltava-se para o estudo da forma dramaacutetica de
Ibsen assunto nunca antes tratado na imprensa segundo porque a maneira de escrita de seu
ensaio subvertia a rigidez da estrutura dos artigos que normalmente obedeciam a um mesmo
molde resumo da obra (interesse mais pelo enredo do que pela teacutecnica) e comentaacuterios sobre o
desempenho dos atores e sobre o comportamento da plateacuteia Seus escritos passaram a
incorporar em sua fatura os elementos proacuteximos ao historicismo das formas teatrais e os
criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila comeccedilaram a ser vistos sob a perspectiva da crise do drama
do repuacutedio agrave carpintaria teatral de efeito e da insuficiecircncia da forma dramaacutetica brasileira
Assim Alcacircntara Machado antecipa alguns dos pressupostos que soacute em 1956 seriam
formulados por Peter Szondi na Teoria do drama moderno a contradiccedilatildeo entre a velha forma
do drama burguecircs e os novos conteuacutedos que ela natildeo tem como assimilar1 De maneira ainda
sutil sem entrar na interpretaccedilatildeo social da forma Alcacircntara Machado discute a crise do
gecircnero dramaacutetico em Ibsen e a impossibilidade moderna do drama dando um primeiro passo
para romper o ciclo de atraso de nossa criacutetica teatral que continuava trabalhando com os
mesmos meacutetodos de anaacutelise do final do seacuteculo XIX O ensaio encerra um caraacuteter pedagoacutegico
pelo modo como o criacutetico esclarece a nova realidade da accedilatildeo e das personagens em Ibsen
trazendo uma importante contribuiccedilatildeo pela maneira como aponta os caminhos que deviam
trilhar o teatro brasileiro a busca por formas dramaacuteticas anti-burguesas
O que salta aos olhos na primeira leitura do texto de Alcacircntara Machado eacute o abandono
da velha discussatildeo em torno das peccedilas da primeira fase de Ibsen interessando-se apenas pelos
dramas que apontam para a desestruturaccedilatildeo do ato teatral NrsquoA comeacutedia do amor o criacutetico
1 Cf Peter Szondi ldquoA crise do drama Ibsenrdquo Teoria do Drama Moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 p 37-46
57
assinala o desembaraccedilo da accedilatildeo e o interesse do dramaturgo pelas questotildees de seu tempo A
partir de Os pilares da sociedade ele assinala a influecircncia decisiva de Ibsen no
desenvolvimento de uma nova realidade da accedilatildeo dramaacutetica o interesse do autor norueguecircs
pelo passado das personagens como forma de ampliar o mundo aleacutem do diaacutelogo
interindividual agrave semelhanccedila do que ocorria no romance Nada daquela ldquohistoacuteria arranjadinha
que tem que comeccedilar no primeiro ato atingir o seu maior grau de intensidade no segundo e
acabar de qualquer maneira no terceirordquo A obra ibseniana abandonava de vez os cacoetes
romacircnticos os versos e as situaccedilotildees apoteoacuteticas subvertendo tudo e alcanccedilando a dramaturgia
de outros paiacuteses Nessa esteira Alcacircntara Machado descreve um panorama da recepccedilatildeo de
Ibsen na Europa sem deixar de inferir uma criacutetica cortante agraves teorias francesas responsaacuteveis
pela resistecircncia de intelectuais artistas e plateacuteia ao teatro do dramaturgo norueguecircs ldquoo mau
teatro francecircs portanto assimilava e igualava o teatro europeu entatildeo sinocircnimo de universalrdquo
Em Catilina o criacutetico identifica o cerne da constituiccedilatildeo de todas as personagens
ibsenianas o que ele denomina de figura do heroacutei falhado1 tipos ambiacuteguos de moral
duvidosa que se vecircem em contradiccedilatildeo entre a vontade e o ato Essas figuras para Alcacircntara
Machado movem-se de acordo com os interesses da burguesia e num dado momento satildeo
coagidas a enfrentar seu passado de devassidatildeo e baixeza Portanto elas nada tecircm de
anormais degeneradas e incoerentes estando suas accedilotildees condicionadas agrave realidade social a
que estatildeo inseridas Os espectadores nunca as conheceratildeo em sua integridade natildeo sendo
possiacutevel portanto tomar partido contra ou a favor de nenhuma delas Ainda segundo criacutetico a
tentativa de conhececirc-las na maioria das vezes leva a uma ldquoseacuterie de indagaccedilotildees freudianasrdquo
que privilegiam mais o estudo do gesto do mecanismo interior que prepara essa ou aquela
atitude da personagem em detrimento da reflexatildeo sobre as relaccedilotildees sociais que se
estabelecem entre elas As anaacutelises de Alcacircntara Machado atentas aos modelos de renovaccedilatildeo
estrangeira incorporavam uma dimensatildeo criacutetica avanccedilada indicando uma clareza cada vez
maior sobre o processo de superaccedilatildeo histoacuterica da forma dramaacutetica O criacutetico haacute muito jaacute havia
compreendido que a forma teatral para representar o mundo da crise da ordem burguesa
precisava lanccedilar matildeo de temporalidades muacuteltiplas diferente daquele tipo de organizaccedilatildeo em
que tudo tem que acabar no terceiro ato Ele percebeu que era necessaacuterio expandir o espaccedilo-
tempo das personagens para aleacutem do presente da accedilatildeo introduzindo os elementos eacutepicos nas
representaccedilotildees
1 Cf sobre este e outros aspectos da criacutetica de Alcacircntara Machado Seacutergio de Carvalho O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
58
Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen
Na deacutecada de 1930 pouco haacute para assinalar de novo nos campos da dramaturgia e da
atualizaccedilatildeo cecircnica apenas algumas tentativas de renovaccedilatildeo iniciadas ainda nos anos 1920
pela Companhia Brasileira de Comeacutedia de Oduvaldo Viana pelo teatro social de Jaime Costa
e pelo Teatro de Brinquedo de Aacutelvaro e Eugecircnia Moreira Estes a propoacutesito foram os
responsaacuteveis pela primeira produccedilatildeo brasileira de uma peccedila de Ibsen Hedda Gabler
encenada no Teatro Regina do Rio de Janeiro em 1937 Infelizmente quase nenhuma
informaccedilatildeo temos sobre esse espetaacuteculo salvo o registro de Gustavo Doacuteria em seu Moderno
teatro brasileiro ldquoAproveitando um grupo de atores afastados do palco Eugecircnia organizou
sob os auspiacutecios da Casa dos Artistas um conjunto que percorreu os subuacuterbios apresentando-
se em circos pavilhotildees cine-teatros e clubes com um repertoacuterio que abrangia Matildee de Joseacute
Alencar O noviccedilo de Martins Pena Hedda Gabler de Ibsen []rdquo1
Em setembro de 1938 Ermete Zacconi voltou a apresentar Os espectros no Teatro
Municipal de Satildeo Paulo A montagem centralizada no fatalismo da doenccedila de Osvaldo
Alving mesmo depois de ultrapassadas as teorias da hereditariedade pareceu aos nossos
criacuteticos inconsistente e fantasmagoacuterica Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo pouco
impressionava ldquoa parte mais esclarecida do puacuteblicordquo o caso do artista condenado agrave loucura
parecendo-lhe mais loacutegica e natural a figura de Helena ldquoa matildee sofredora cheio de recalcados
temoresrdquo2 Assim o sucesso do espetaacuteculo ficou por conta de Zacconi que salvo ligeiras
modificaccedilotildees apresentou a mesma imagem os mesmos gestos e inflexotildees que o puacuteblico tinha
aprendido a admirar desde a primeira interpretaccedilatildeo que o ator fizera dessa personagem em
Satildeo Paulo quatorze anos atraacutes Tanto era assim que para os espectadores dessa encenaccedilatildeo de
1938 foi natural ver o ator aos 81 anos subir ao palco para interpretar o jovem pintor viacutetima
da tara paterna
Em 1939 ano em que Otto Maria Carpeaux chegou ao Brasil a obra de Ibsen era
considerada anecircmica feita de uma teacutecnica artificial e antiquada de intrigas elementarmente
mecacircnicas e assuntos superados textos mortos enfim que visavam mais agrave leitura que agrave
representaccedilatildeo Nesse ambiente contraacuterio a qualquer experiecircncia que natildeo fosse selecionada e
filtrada pela influecircncia e visatildeo francesas Carpeaux tornou-se um espiacuterito renovador
mostrando pontos de vista diferentes dos que reinavam aqui seja ao revelar escritores pouco
1 Gustavo A Doacuteria ldquoDez anos de permeiordquo Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975 p 39 2 O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 2 set 1938 Palcos e Circos p 4 (Sem assinatura)
59
conhecidos como Kafka Vico Croce Dilthey Max Weber seja ao reconsiderar outros caso
de Ibsen que natildeo tiveram suas obras devidamente analisadas Dessa maneira em 1942
Carpeaux publicou ldquoDefesa de Ibsenrdquo o primeiro de uma seacuterie de artigos em que procurou
resgatar os aspectos de atualidade do teatro ibseniano Nesse texto jaacute encontramos as ideacuteias
que dois anos mais tarde seriam desenvolvidas minuciosamente no ldquoEnsaio sobre Henrik
Ibsenrdquo o estudo mais conhecido de Carpeaux sobre o dramaturgo escrito a propoacutesito da
traduccedilatildeo para o portuguecircs de seis de suas peccedilas1 Entre os anos de 1940 e 1970 Carpeaux fez
conferecircncias escreveu artigos ensaios tornando-se a criacutetica mais avanccedilada e a autoridade
maacutexima dos estudos ibsenianos no Brasil a ponto de quase todas as montagens realizadas
nesse periacuteodo trazer em seus programas textos comentaacuterios ou qualquer citaccedilatildeo do criacutetico
O primeiro problema que Carpeaux identificou na resistecircncia da criacutetica brasileira agrave
obra de Ibsen era a forma de ver seus dramas sempre encerrados na estreiteza do teatro
realista e nas preocupaccedilotildees da burguesia do fim do seacuteculo XIX Para Carpeaux os assuntos de
Ibsen natildeo podiam ter envelhecidos como diziam os nossos criacuteticos porque simplesmente
nunca existiram em suas peccedilas Ler Os espectros como uma trageacutedia da hereditariedade e
tomar a cataacutestrofe de Osvaldo como a mateacuteria essencial do drama era segundo Carpeaux um
erro ldquoo heroacutei da peccedila natildeo eacute Osvaldo eacute sua devota matildee Helena que arruinou o filho natildeo
querendo abandonar o marido corrompidordquo2 A mesma coisa acontecia com Os pilares da
sociedade cujo assunto natildeo era a podridatildeo moral de um burguecircs respeitado e sim o medo que
cada indiviacuteduo tem do seu passado Em Um inimigo do povo a forccedila natildeo estava na derrota e
sim na vitoacuteria da democracia E em Casa de boneca a mateacuteria natildeo era a emancipaccedilatildeo
feminina pois para o criacutetico as mulheres jaacute haviam conquistado todos os direitos civis
poliacuteticos e sociais A tese essencial era a dificuldade e a necessidade de cada um assumir a
responsabilidade pelos seus atos De fato as reflexotildees de Carpeaux deram novo acircnimo para as
discussotildees de Ibsen no Brasil No entanto suas anaacutelises desenvolvidas a partir de
consideraccedilotildees de ordem moral e religiosa oriundas de uma visatildeo catoacutelica do mundo
minimizaram as reivindicaccedilotildees sociais das peccedilas valorizando apenas ldquoo destino do homem
individual e humanordquo Por isso para ele a condiccedilatildeo feminina em Casa de boneca era um
assunto obsoleto servindo apenas para expor a personagem agrave prova natildeo tendo Nora portanto
ldquoo direito de reivindicar no palco os direitos da mulher porque a mulher do nosso tempo jaacute
1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 31-65 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 149-161 p 158
60
tem todos os direitosrdquo1 Eacute assim que sob essa vertente religiosa Carpeaux ldquoesquecia-serdquo
entre outras coisas de que apesar da constituiccedilatildeo de 1934 ter regularizado a entrada das
mulheres no mercado de trabalho elas continuavam a receber menos que os homens que o
direito de abrir contas fazer cesarianas e viajar sem a permissatildeo do marido soacute estabelecido
em 1962 ainda estava longe de ser conquistado assim como o divoacutercio que soacute viria a ser
reconhecido no Brasil em 1977
A atualidade de Ibsen para Carpeaux estava no fato do dramaturgo ter descoberto o
modo de reintroduzir a proacutepria noccedilatildeo de destino e de fatalidade mdash conceito essencial da
trageacutedia mdash no teatro moderno Assim para a compreensatildeo dos problemas de Ibsen natildeo
importava tanto considerar a escolha de seus assuntos mas sim a maneira como ele os tratava
Apenas por esse caminho chegava-se ao fundamento do teatro do autor norueguecircs e agrave unidade
interior de toda a sua obra ldquoo combate agrave mentira e a preocupaccedilatildeo da salvaccedilatildeo da alma
humanardquo2 A partir de um vieacutes ldquotraacutegico cristatildeordquo3 em que o conceito de trageacutedia transformava-
se em criteacuterio de valor Carpeaux colocou no centro de discussatildeo dos dramas ibsenianos o
dogma do pecado original Por essa razatildeo os heroacuteis de Ibsen estavam condenados a responder
pelos erros cometidos no passado ldquoO destino das suas personagens eacute determinado
inexoravelmente pelas forccedilas do seu passado pela lembranccedila inextinguiacutevel e vingadora de
crimes perpetrados ou tencionados em eacutepocas anteriores da sua vida Ibsen escreveu
propriamente trageacutedias lsquohistoacutericasrsquo embora representadas em roupagens modernas Natildeo
acredita na possibilidade de fugir por meio de conversotildees morais ao determinismo da
histoacuteriardquo4
Assim como na trageacutedia grega as personagens ibsenianas estavam fadadas a se opor agrave
ordem moral do mundo A natureza exata das forccedilas em confronto era a necessidade do
homem agir contra as leis do Estado e suportar a responsabilidade dos seus atos com todas as
suas consequumlecircncias Dessa forma em Ibsen o traacutegico apresentava-se como uma fatalidade
livremente aceita pelo heroacutei que mesmo sabendo que poderia selar a sua proacutepria perda ao dar
iniacutecio ao combate manifestava o desejo de lutar pela sua liberdade Por isso Nora tinha de
abandonar seu lar Helena Alving tinha que largar o marido e Dr Stockmann tinha que
1 Otto Maria Carpeaux ldquoAos atores brasileirosrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 1 abr 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 154 (Grifo meu) 3 Cf sobre esse aspecto e outros do meacutetodo criacutetico de Carpeaux Mauro de Souza Ventura Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 4 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 63
61
denunciar a presenccedila de microacutebios nas aacuteguas minerais A contradiccedilatildeo entre as leis do
indiviacuteduo e da sociedade constituiacuteam segundo Carpeaux o conflito traacutegico que conferia agraves
peccedilas de Ibsen ldquoo assunto do gecircnero da Trageacutediardquo1 Do mesmo modo a necessidade inelutaacutevel
de assumir a falta cometida levava o heroacutei ibseniano assim como na trageacutedia a expiar os seus
pecados ateacute o fim Caso por exemplo de Helena Alving que escrava das convenccedilotildees sociais
natildeo abandonou o marido levando o filho agrave loucura Portanto a esse sentimento do traacutegico se
associava em Carpeaux a visatildeo pessimista da natureza humana segundo a qual somente por
meio da aceitaccedilatildeo do castigo pelo erro cometido no passado o homem poderia alcanccedilar a
remissatildeo e recobrar a sua liberdade ldquoNo foacuterum iacutentimo da alma descobre Ibsen a possibilidade
de salvaccedilatildeo aquela ldquomudanccedila de vidardquo que no Evangelho se chama lsquometanoeitersquo Eis o
sentido iacutentimo da fase ldquoneo-romacircnticardquo Lille Eyolf eacute a peccedila ldquoTolstoacuteianardquo da conversatildeo John
Gabriel Borkman eacute a trageacutedia da purificaccedilatildeo Naar vi Doede Vaagner [Quando noacutes os mortos
despertarmos] eacute a trageacutedia da ldquoressurreiccedilatildeordquo na morte do indiviacuteduordquo2
A partir da deacutecada de 1960 periacuteodo de instauraccedilatildeo do regime militar e da censura das
produccedilotildees artiacutesticas Carpeaux deixou um pouco de lado a visatildeo conservadora do catolicismo
passando a assumir pontos de vista poliacuteticos na apreciaccedilatildeo da literatura Assim o interesse
pela ldquosalvaccedilatildeo da almardquo em Ibsen foi substituiacutedo pelos problemas sociais Atesta-o um artigo
de 1962 onde o criacutetico apontou o disparate de se pensar resolvidos os problemas ibsenianos
ldquoEacute preciso ter muito boa consciecircncia e muita audaacutecia para achar lsquoantiquadosrsquo os negocistas
em As colunas da sociedade e a corrupccedilatildeo administrativa e o jornal venal em Um inimigo do
povordquo3 Nesse mesmo artigo Carpeaux tomou como o aspecto mais marcante da modernidade
de Ibsen a sua teacutecnica dramatuacutergica que assim como a de Brecht refutava o teatro
ilusioniacutestico levando o puacuteblico a participar dos acontecimentos no palco Em outro texto
publicado no programa do espetaacuteculo Casa de boneca da Companhia Tocircnia-Celi-Autran em
1973 o criacutetico denunciou o cerceamento da liberdade e a necessidade dos indiviacuteduos terem
consciecircncia dessa situaccedilatildeo Em chave irocircnica Carpeaux criticou o arbiacutetrio e o autoritarismo
que tomavam conta do paiacutes ldquoPois em nosso tempo atual e atualiacutessimo natildeo acontece mdash como
todo mundo sabe mdash que um empresaacuterio rico e respeitoso como lsquocoluna de sociedadersquo eacute na
realidade um escroque tampouco acontece em nosso tempo de plenitude da democracia que
um homem eacute perseguido como lsquoinimigo do povorsquo porque denuncia uma corrupccedilatildeo
1 Otto Maria Carpeaux ldquoPresenccedila de Ibsenrdquo Teatro brasileiro Satildeo Paulo Jaraguaacute n 7 p 2-3 maio-jun 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 64 3 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Acontece embora raramente []rdquoO Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 abr 1962 Suplemento Literaacuterio n 278 p 1
62
aproveitada pelos bem-pensantesrdquo1 Casa de boneca desse modo foi vista por Carpeaux
como a alegoria da luta dos homens pela liberdade e o gesto corajoso de Nora na uacuteltima cena
da peccedila como o expediente necessaacuterio para a transformaccedilatildeo da sociedade moderna que
tratava a todos homens e mulheres como bonecas
Sem duacutevida Carpeaux teve um papel importante como animador da volta de Ibsen aos
palcos brasileiros e como divulgador de sua obra entre noacutes No entanto sua concepccedilatildeo traacutegica
das peccedilas ibsenianas filtrada pela oacutetica do catolicismo progressista deu ensejo a uma seacuterie de
conjecturas que pouco ou quase nada de novo acrescentaram agrave anaacutelise do teatro de Ibsen Ao
contraacuterio ao aproximar a obra do norueguecircs da trageacutedia grega concentrando-se sobretudo na
figura do heroacutei ibseniano concebido como um indiviacuteduo isolado que sofre seu destino mdash seja
resignando-se agrave morte seja submetendo-se a um incessante exame de consciecircncia para expiar
seus pecados mdash Carpeaux perdeu de vista a dimensatildeo social das peccedilas transformando a obra
do autor em uma trageacutedia de moral cristatilde cujo uacutenico interesse estava na redenccedilatildeo da alma
humana Eacute assim que o criacutetico declarando obsoletos temas como o feminismo em Casa de
boneca a cobiccedila de Helena pelo dinheiro do Capitatildeo Alving em Os espectros a corrupccedilatildeo em
Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em John Gabriel Borkman etc acabou por
minimizar a criacutetica do dramaturgo agraves instituiccedilotildees e agraves convenccedilotildees limitadoras da sociedade
moderna Por conseguinte a maioria dos criacuteticos e artistas seguiram-lhe o caminho
preocupando-se quase que exclusivamente em estabelecer o que era novo na obra de Ibsen
Nesses casos normalmente o novo incidia no dilaceramento interior das personagens
substituindo-se a fatalidade religiosa de outrora pelo determinismo psicoloacutegico que
condenava os heroacuteis ibsenianos a viver com seus ldquodemocircnios interioresrdquo
1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoNossa Casa de bonecasrdquo Programa de Casa de bonecas direccedilatildeo de Cecil Thireacute Satildeo Paulo 1973
63
Entre o teatro amador e o profissional
A partir da deacutecada de 1940 sobretudo por causa das dificuldades de transporte
mariacutetimo durante a Segunda Guerra nossas editoras comeccedilaram a publicar obras estrangeiras
que em condiccedilotildees normais seriam importadas na liacutengua de origem ou em versotildees francesas
e inglesas no caso de autores como Ibsen Nietzsche Dostoieacutevski Tolstoacutei Puacutechkin entre
outros Mesmo num tempo de grande importaccedilatildeo de livros entre 1880 e 1910 era
praticamente impossiacutevel de se obter aqui um exemplar portuguecircs das peccedilas de Ibsen pois a
ediccedilatildeo e a representaccedilatildeo da obra do norueguecircs em Portugal era tatildeo diminuta quanto
episoacutedica1 Soacute em 1942 apareceram Casa de boneca e Os espectros traduzidos e prefaciados
por Joseacute Peacuterez para a Ediccedilotildees Cultura de Satildeo Paulo E dois anos mais tarde graccedilas agrave
influecircncia de Eacuterico Veriacutessimo entatildeo consultor editorial da Livraria Globo veio a puacuteblico a
ediccedilatildeo de Seis dramas coletacircnea traduzida por Vidal de Oliveira Esse livro composto de
peccedilas desconhecidas da maioria dos leitores brasileiros mdash Um inimigo do povo O pato
selvagem Rosmersholm A dama do mar Solness o construtor e Quando noacutes os mortos
despertarmos mdash trazia ainda um ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo de Otto Maria Carpeaux e um
prefaacutecio de Moritz Prozor para cada uma das peccedilas Nos anos 1950 tambeacutem apareceram
novas ediccedilotildees de Casa de boneca e Os espectros traduzidos por Alfredo Ferreira e A dama
do mar traduzida por Dea Caminha ambas pela Editora Vecchi do Rio de Janeiro Apesar
dessas iniciativas o niacutevel das traduccedilotildees brasileiras era muito baixo No caso de Ibsen os
tradutores partiam sempre do francecircs e deliberadamente evitavam a linguagem indelicada
amenizavam as ambiguumlidades das frases e utilizavam uma escrita excessivamente literaacuteria
nada coloquial
Ainda assim as traduccedilotildees serviram para os grupos de teatro amador trazerem Ibsen
novamente aos palcos brasileiros Para figuras como Aacutelvaro Moreira Renato Viana e
Paschoal Carlos Magno havia uma necessidade premente de colocar nosso teatro em peacute de
igualdade com o que se fazia nas grandes capitais da Europa Para isso natildeo bastava romper
com o passado e negar as tradiccedilotildees artiacutesticas da cena nacional muito menos encontrar o autor
brasileiro que refletisse os anseios da meacutedia sociedade burguesa Antes de mais nada era
imprescindiacutevel apresentar textos de melhor qualidade e espetaacuteculos mais bem cuidados
1 Consta desta pesquisa que circularam no Brasil as seguintes traduccedilotildees portuguesas Hedda Gabler Traduccedilatildeo de Freire Andrade [19--] Pilares da comunidade Traduccedilatildeo de Mario Delgado 1964 ambas da Editora Presenccedila de Lisboa Uma casa de bonecas dramas em trecircs atos Traduccedilatildeo de Emiacutelia de Arauacutejo Lisboa Guimaratildees 1916 e Os espectros Traduccedilatildeo de Joaquim Leone Soutello Lisboa Livraria Popular de Francisco Franco [19--]
64
seguindo principalmente os passos do modelo estrangeiro Assim para a modernizaccedilatildeo do
teatro brasileiro nossos artistas apoiaram-se quase que exclusivamente nas teorias de Jacques
Copeau embora conhecessem e acompanhassem com graus diversos de atenccedilatildeo as revoluccedilotildees
operadas por Antoine Stanislavski e Meyerhold Para as diferentes tendecircncias de renovaccedilatildeo
como a de Renato Viana e Alfredo Mesquita ou a de Aacutelvaro Moreira e Paschoal Carlos
Magno o mestre francecircs era o exemplo da nova arte e da nova eacutetica Nessa esteira os
espetaacuteculos deviam primar pela teatralidade Ao contraacuterio do significado original entre noacutes
isso queria dizer que no plano da interpretaccedilatildeo era imperativo a identificaccedilatildeo entre ator e
personagem e na relaccedilatildeo palco e plateacuteia era necessaacuterio provocar a empatia e a ilusatildeo da
realidade Isso soacute era possiacutevel atraveacutes do respeito ao texto isto eacute da busca do enriquecimento
da linguagem teatral da inspiraccedilatildeo poeacutetica e sobretudo da elevaccedilatildeo dos direitos espirituais
sobre os materiais Em outras palavras era inaceitaacutevel e de peacutessimo mau gosto a abordagem
naturalista do teatro e seus assuntos comezinhos problemas familiares adulteacuterio corrupccedilatildeo
hipocrisia reivindicaccedilotildees poliacuteticas etc Justamente dentro dessa perspectiva Ibsen foi
restituiacutedo ao contexto do teatro brasileiro Seguindo a mesma loacutegica de Carpeaux os dramas
ibsenianos deviam ser representados porque se igualavam em intensidade em profundeza e
em perfeiccedilatildeo cecircnica agraves grandes criaccedilotildees gregas A sua obra com as devidas exceccedilotildees natildeo
seria mais encenada pela oacutetica do cientificismo tampouco pelo vieacutes social mas pela
dramatizaccedilatildeo do destino do indiviacuteduo fadado a pagar pelos erros cometidos no passado
Assim o dramaturgo passou a ser visto pelo avesso ao tornar-se responsaacutevel pelo resgate da
accedilatildeo dramaacutetica mdash aquela motivada exclusivamente pelo psicoloacutegico mdash que expotildee no palco
somente a realidade interior das personagens
De qualquer forma os grupos do teatro amador colocaram o dramaturgo novamente na
ordem do dia Aleacutem das encenaccedilotildees jaacute conhecidas de Casa de boneca e Os espectros eles
trouxeram para o palco peccedilas nunca antes representadas na cena nacional como Um inimigo
do povo Quando noacutes os mortos despertarmos e John Gabriel Borkman Graccedilas agraves campanhas
artiacutesticas de Renato Viana que percorriam os estados do Norte e Nordeste do paiacutes e aos
festivais estudantis promovidos por Paschoal Carlos Magno as encenaccedilotildees da obra de Ibsen
natildeo ficaram mais restritas somente ao eixo Rio-Satildeo Paulo Aleacutem disso os espetaacuteculos
ganharam em qualidade o sotaque lusitano foi substituiacutedo pela prosoacutedia brasileira o ponto
que encerrado na caixinha do proscecircnio soprava o texto para os atores foi eliminado a
cenografia e a iluminaccedilatildeo ganharam importacircncia como linguagem cecircnica a figura do diretor
teatral indispensaacutevel para dar unidade de pensamento ao espetaacuteculo foi estabelecida Para
essas mudanccedilas contribuiacuteram os estrangeiros exilados de guerra que para caacute vieram trazendo
65
em suas bagagens experiecircncias teatrais de seus paiacuteses de origem Entre eles os poloneses
Ziembinski e Jorge Kossowsky o alematildeo Hoffmann Harnish o russo Zigmunt Turkov o
italiano Ruggero Jacobbi e o ator francecircs Louis Jouvet A atriz francesa Henriette Morineau
embora natildeo tenha participado diretamente da renovaccedilatildeo teatral influiu consideravelmente na
formaccedilatildeo dos novos atores ensinando-lhes a partir de seu proacuteprio exemplo o procedimento
declamatoacuterio dos textos a impostaccedilatildeo de voz o domiacutenio dos gestos e das expressotildees faciais
De Ibsen Morineau encenou Casa de boneca pela Companhia Dramaacutetica Francesa de Rachel
Beacuterendt no Teatro Municipal de Satildeo Paulo em julho de 1944 Dois anos depois ela fundaria
a sua proacutepria companhia Artistas Unidos cujo repertoacuterio abrangeria peccedilas do teatro de
boulevard de autores brasileiros e estrangeiros como Nelson Rodrigues Jean Anouilh Jean
Cocteau e Tennessee Williams
Entre dezembro de 1945 e janeiro de 1946 Renato Viana agrave frente do Teatro Anchieta
da Escola Dramaacutetica do Rio Grande do Sul apresentou-se no Rio de Janeiro com repertoacuterio
que incluiacutea obras de Dostoieacutevski Florecircncio Saacutenchez e Ibsen Desde a deacutecada de 1920 Renato
Viana empenhava-se em aparelhar o nosso incipiente teatro com novas praacuteticas de
interpretaccedilatildeo mormente inspiradas no meacutetodo de Stanislavski Envolvido pela atmosfera preacute-
modernista e munido de informaccedilotildees sobre a revoluccedilatildeo cecircnica na Ruacutessia (Stanislavski
Komissarzhevskaya e Meyerhold) e na Franccedila (Antoine Lugneacute-Poe e Copeau) ele propunha
a renovaccedilatildeo dos velhos coacutedigos teatrais e o estabelecimento de novos conceitos cecircnicos como
meios para se chegar a uma ldquoexpressatildeo brasileira em cenardquo Desse modo ele tornou-se o
nosso primeiro diretor de teatro instaurando um rigoroso sistema disciplinar que natildeo admitia
conversas paralelas durante os ensaios nem atrasos de atores e teacutecnicos coisas inteiramente
estranhas no nosso teatro onde a indisciplina era a regra1 Enquanto no Teatro do Estudante
de Paschoal Carlos Magno existia uma margem de improvisaccedilatildeo inerente agrave atividade
amadora nas campanhas artiacutesticas empreendidas por Renato Viana mdash Batalha da Quimera
Colmeacuteia Caverna Maacutegica Teatro de Arte Teatro-Escola e Teatro Anchieta mdash havia sempre
a preocupaccedilatildeo de um rigor profissional que exigia de seus alunos cada vez mais disciplina e
preparo especializado Foi assim que em dezembro de 1945 ele apresentou no Teatro
Ginaacutestico do Rio a primeira encenaccedilatildeo brasileira de Casa de boneca A imprensa saudou com
entusiasmo sua iniciativa sobretudo a de trazer para a cena nacional novos atores que
impressionavam pela maneira diferente de se comportarem no palco Entre os ldquonovos valoresrdquo
estava Maria Caetana filha de Renato Viana incumbidas do papel de Nora que embora jaacute
1 Cf sobre a obra e as campanhas artiacutesticas de Renato Viana Sebastiatildeo Milareacute ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrgt
66
conhecida da plateacuteia carioca pelo desempenho como protagonista nas peccedilas de seu pai
Monalisa e Margarida Gauthier recebeu muitos elogios sobretudo pela sua atuaccedilatildeo na cena
em que danccedilava a tarantela Depois dessa temporada no Rio Renato Viana como era de
praxe fez uma longa excursatildeo pelo paiacutes apresentando seus espetaacuteculos gratuitamente para
operaacuterios e estudantes
Nos anos subsequumlentes agrave montagem de Renato Viana seguiram-se as encenaccedilotildees de
Os espectros pelo Teatro do Estudante de Minas Gerais em 1947 pelo Teatro dos Estudantes
da Bahia e pelo Teatro Universitaacuterio do Centro Acadecircmico Horaacutecio Berlinck de Satildeo Paulo
ambos em 1948 Nesse mesmo ano paralelamente agraves accedilotildees do teatro amador o empresaacuterio
Franco Zampari fundou em Satildeo Paulo o Teatro Brasileiro de Comeacutedia (TBC) inaugurando
uma nova fase na cena nacional As atividades teatrais entraram nos paracircmetros da moderna
administraccedilatildeo mercadoloacutegica da cultura com patrociacutenio do Estado ou de grandes monopoacutelios
O programa esteacutetico ficou por conta dos encenadores estrangeiros que assumiram a tarefa de
dotar o paiacutes de uma dramaturgia compatiacutevel com o padratildeo internacional Desse modo para
equilibrar a receita e agradar a burguesia paulistana alternavam-se textos consagrados com
peccedilas de grande apelo popular principalmente as comeacutedias francesas e norte-americanas
Embora apoiado nos claacutessicos universais o TBC durante toda a sua existecircncia nunca incluiu
Ibsen em seu repertoacuterio Em entrevista ao Jornal do Brasil a propoacutesito da divulgaccedilatildeo do
espetaacuteculo Casa de boneca de 1971 Tocircnia Carrero nos daacute uma indicaccedilatildeo da resistecircncia do
TBC agraves peccedilas ibsenianas ldquoIbsen foi um autor de tal maneira importante que Shaw sentindo-se
ameaccedilado por sua qualidade dizia dele que era um dramaturgo ultrapassado Eu mesma por
influecircncia do TBC concordava com esta opiniatildeo Os diretores do TBC consideravam Ibsen um
autor de qualidade discutiacutevelrdquo1 Aleacutem do TBC considerar a obra do dramaturgo antiquada
portanto pouco apropriada para atualizaccedilatildeo do teatro brasileiro eacute possiacutevel que seguindo a
corrente esteacutetica francesa de Copeau e Jouvet julgasse de mau gosto os assuntos ibsenianos
voltados para o desmascaramento da sociedade burguesa Seja como for Ibsen ficaria ainda
algum tempo agrave margem das cogitaccedilotildees das companhias profissionais cabendo agrave accedilatildeo
renovadora do amadorismo estabelecer na imprensa um debate profiacutecuo sobre o seu teatro
Um dos conjuntos amadores que via em Ibsen o caminho para a transformaccedilatildeo da
praacutetica teatral vigente sobretudo pelo questionamento social de sua obra era o Teatro do
Estudante de Pernambuco Liderado por Hermilo Borba Filho o grupo desde 1945 procurava
redemocratizar a arte cecircnica brasileira atraveacutes da teatralidade e das teacutecnicas das festas
1 ldquoTocircnia feminista pela matildeo de Cecilrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 6 out 1971 (Sem assinatura)
67
populares nordestinas visando a um teatro poliacutetico feito para o povo Numa barraca
improvisada no Parque 13 de maio em Recife eles encenavam para uma plateacuteia que
desconhecia inteiramente o teatro peccedilas do repertoacuterio claacutessico e moderno como Soacutefocles
Shakespeare e Ibsen Foi com esse espiacuterito que em 1949 o grupo pernambucano montou a
peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos apresentando-a em praccedilas paacutetios ao ar livre
hospitais faacutebricas e presiacutedios Nesse mesmo ano o Teatro do Estudante do Paranaacute que tinha
sido fundado no ano anterior por Armando Maranhatildeo Ary Fontoura entre outros artistas
levou agrave cena Os espectros no Teatro Renascenccedila de Ponta-Grossa (PR)
Durante os anos 1950 os amadores continuaram a encenar as peccedilas de Ibsen caso de
Casa de boneca representada pelo Teatro 5 de setembro do Departamento Dramaacutetico do
Orfeatildeo Riograndense em 1952 e pelo Teatro Paulista em 1956 Rosmersholm encenado
pelos alunos da Faculdade de Direito da USP em 1955 Os espectros apresentado pelo Grupo
57 no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 e John Gabriel
Borkman montado pelo Teatro do Estudante da Paraiacuteba no II Festival Nacional de Teatros de
Estudantes em Santos (SP) em 1959 Nesse periacuteodo as diretrizes de encenaccedilatildeo das peccedilas
ibsenianas estavam mais niacutetidas diferenciando-se basicamente pela oposiccedilatildeo entre o social
que privilegiava neste caso o aspecto de criacutetica agrave sociedade e o individual voltado para os
problemas de consciecircncia das personagens As montagens de Renato Viana e Paschoal Carlos
Magno ambas de 1952 satildeo bons exemplos da contradiccedilatildeo que a partir de entatildeo se
estabeleceria entre artistas e criacuteticos a respeito da atualidade de Ibsen Para alguns caso de
Renato Viana e Hermilo Borba Filho o novo estava no esmaecimento do cunho dramaacutetico de
suas peccedilas o que possibilitava a criacutetica agrave realidade social para outros caso de Paschoal
Carlos Magno e Otto Maria Carpeaux o novo estava nos conflitos interiores das personagens
na condiccedilatildeo traacutegica do destino do indiviacuteduo e na teatralidade que visava aos sentidos e agrave
beleza esteacutetica
Por esse tempo Renato Viana estava na direccedilatildeo da Escola Dramaacutetica Martins Pena do
Rio de Janeiro que aleacutem ter um quadro docente de primeira linha composto por Joseacute
Oiticica Tomaacutes Santa Rosa Luiacutesa Barreto Leite entre outros mantinha uma companhia fixa
de teatro formada por alguns de seus alunos como Tereza Raquel e Roland Henze Dessa
experiecircncia resultaram as montagens Eacutedipo Rei de Andreacute Gide e Um inimigo do povo de
Ibsen que estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em julho de 1952 A encenaccedilatildeo foi
durante dois meses precedida de conferecircncias sobre a vida e a obra do autor norueguecircs caso
de ldquoAnaacutelise dos dramas ibsenianos sob o ponto de vista da representaccedilatildeordquo por Renato Viana
ldquoRetrato literaacuterio de Ibsenrdquo por Celso Kelly e ldquoIbsen e a questatildeo socialrdquo por Joseacute Oiticica A
68
linha da encenaccedilatildeo privilegiou o aspecto de censura agrave corrupccedilatildeo dos indiviacuteduos ao abuso de
poder e agrave opressatildeo social Carpeaux o criacutetico mais autorizado da eacutepoca sobre Ibsen elogiou a
iniciativa de Renato Viana de levar agrave cena um teatro de tatildeo grande valor literaacuterio No entanto
os temas sociais enfatizados na montagem pareceram-lhe revestidos de trajes histoacutericos ldquode
fantasias de casaca e cartolardquo Para ele a ideacuteia da responsabilidade moral das personagens era
a uacutenica coisa que natildeo envelhecera no teatro de Ibsen continuando a ser a condiccedilatildeo essencial
para a trageacutedia ldquona eacutepoca dos determinismos dialeacuteticos psicanaliacuteticos racistas e outros de
hoje a ideacuteia da responsabilidade continua a condiccedilatildeo sem qual natildeo haacute trageacutediardquo1
Dois meses depois da montagem de Um inimigo do povo o Teatro do Estudante do
Brasil apresentou Os espectros no Teatro Duse em setembro de 1952 Um texto de Carpeaux
impresso na primeira paacutegina do programa definia a linha do espetaacuteculo ldquono palco acenderatildeo a
luz da poesia traacutegicardquo2 Em outras palavras o que se veria em cena era a fatalidade da
condiccedilatildeo humana agindo sobre as personagens A doenccedila de Osvaldo jaacute natildeo era mais o tema
principal da peccedila mas sim o destino de Helena Alving condenada a expiar pelos pecados e
pela mentira A contemplaccedilatildeo esteacutetica e a catarse como na trageacutedia grega seriam
conquistadas pela grandeza e dignidade da protagonista ao aceitar e resignar-se agrave sua sorte A
encenaccedilatildeo pareceu seguir de perto as liccedilotildees de Copeau quanto ao primado do texto ao
despojamento do palco e agrave veneraccedilatildeo dos claacutessicos Em um manuscrito de Carpeaux reunido
por Orlanda Carlos Magno em seu livro sobre o Teatro Duse o criacutetico destacou a
simplicidade do cenaacuterio e a atmosfera de solidatildeo e anguacutestia criada pelo diretor Jorge
Kossowsky no momento da revelaccedilatildeo do segredo traacutegico ldquoo tema edipiano sofoclianordquo
Aleacutem disso elogiou a atuaccedilatildeo de Eugecircnio Carlos que sem se colocar no centro da accedilatildeo
ofereceu excelente estudo da decadecircncia fiacutesica de Osvaldo e de Miriam Carmem que no
papel de Helena reuniu a dignidade de uma ldquorainha shakespearianardquo e a expressatildeo de
amargura de uma vida desgraccedilada3 Passados dez anos de seu primeiro texto sobre Ibsen
Carpeaux ainda apontava como valores permanentes da obra ibseniana o conflito individual
das personagens O tempo para ele encarregara-se de eliminar os traccedilos histoacutericos e sociais
das peccedilas podendo apenas o esteacutetico comover e impressionar os espectadores
1 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Estatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo O Jornal Rio de Janeiro 29 jun 1952 2 Otto Maria Carpeaux ldquoAmigo espectador []rdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Jorge Kossowsky Rio de Janeiro 1952 3 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEspectros (Teatro Duse)rdquo In Orlanda Carlos Magno Pequena histoacuteria do Teatro Duse Rio de Janeiro SNT 1973 p 97-98
69
Ao abrir-se a deacutecada de 1960 o teatro brasileiro encontrava-se em pleno processo de
redemocratizaccedilatildeo apresentando uma dramaturgia de cunho criacutetico voltada para as
contradiccedilotildees baacutesicas da nossa realidade social Apreendidas as novas maneiras de conceber o
espetaacuteculo a valorizaccedilatildeo do diretor o aprimoramento dos atores o cuidado com cenaacuterios
figurinos e iluminaccedilatildeo comeccedilavam a despontar na cena nacional novos artistas que
reclamavam um espaccedilo para o teatro popular Tudo isso fruto dos esforccedilos realizados em
anos anteriores por Aacutelvaro Moreira Renato Viana Paschoal Carlos Magno Hermilo Borba
Filho entre outros artistas que se opuseram ao teatro comercial em voga Surgiram assim
figuras como Millocircr Fernandes Antonio Callado Oduvaldo Viana Filho e Gianfrancesco
Guarnieri autores preocupados com as questotildees sociais grupos como o Teatro de Arena
criado em 1953 por Joseacute Renato o Teatro Popular do Nordeste fundado em 1958 por
Hermilo Borba Filho e o Centro Popular de Cultura da UNE liderado por Vianinha e
inspirado no Movimento Popular de Cultura de Pernambuco de Miguel Arraes todos
compartilhando do mesmo desejo de transformar o paiacutes a partir da accedilatildeo cultural Aleacutem disso
novos conceitos oriundos dos recursos do teatro eacutepico de Brecht e do teatro poliacutetico de
Piscator ganhavam cada vez mais espaccedilo em detrimento das velhas teorias francesas de
Copeau e Jouvet Todo esse surto renovador sofreu enorme abalo com o golpe militar de 1964
e com a censura tatildeo logo instaurada que interditava as peccedilas que abordavam temas poliacuteticos e
sociais alterava os textos dramaacuteticos considerados improacuteprios e perseguia os artistas
engajados politicamente como eacute sabido
Nessas circunstacircncias Ibsen passou a interessar mais do que nunca os conjuntos
profissionais de teatro A essa altura jaacute estava mais do que consolidada a ideacuteia de que sua
obra era datada portanto nenhum problema nossos artistas teriam com a censura ao levar
para o palco um autor ldquoultrapassado das preacutedicas libertaacuteriasrdquo Se por um lado houve quem o
colocasse em cena exatamente dentro dessa linha de pensamento valorizando apenas a
grandeza de suas personagens que comparadas agrave estirpe das figuras da trageacutedia grega
poderiam oferecer aos atores a consagraccedilatildeo profissional por outro houve quem se utilizasse
dessa opiniatildeo generalizada como frente de resistecircncia agrave ditadura colocando em foco o
passado para melhor falar do presente por meio de alusotildees e metaacuteforas Curiosamente o
autor norueguecircs que fora excluiacutedo do repertoacuterio do TBC passou a ser encenado por atores e
diretores dissidentes do mesmo Teatro Brasileiro de Comeacutedia que mais tarde acabaram
formando suas proacuteprias companhias Ziembinski agrave frente do Teatro do Rio companhia
fundada por Rubens Correcirca e Ivan Albuquerque foi o responsaacutevel pela primeira realizaccedilatildeo
profissional de uma peccedila de Ibsen no Brasil dirigindo Os espectros no Teatro Satildeo Jorge do
70
Rio de Janeiro em marccedilo de 1961 No programa do espetaacuteculo o diretor aleacutem de afirmar a
modernidade do dramaturgo definia o fio condutor de sua montagem ldquoo horror do jogo das
conveniecircncias e pontos de vista hipoacutecritas que matam a espontacircnea liberdade do homem essa
uacutenica liberdade frutiacutefera criadora e causadora da nossa sobrevivecircncia espiritualrdquo1 Para ele o
drama tendo como assunto principal o ldquoconflito passional e ideoloacutegicordquo de Helena deveria
ser encenado numa linguagem atenuada sem o exagero de situaccedilotildees violentas e pateacuteticas Por
isso a orientaccedilatildeo dada aos atores era para fugir dos malabarismos psicoloacutegicos o que
transformaria o texto de um alcance filosoacutefico e social em aventuras que cheiravam a
melodrama O espetaacuteculo ficou pouco mais de um mecircs em cartaz A maior parte dos criacuteticos
apontou como fragilidade da encenaccedilatildeo o fato do diretor diminuir o aspecto melodramaacutetico da
peccedila deixando de colocar no palco o ldquomundo rico de sugestotildees teatraisrdquo de Ibsen Em outras
palavras puacuteblico e criacutetica lamentaram na montagem a ausecircncia do entusiasmo da vivacidade
e do substrato psicoloacutegico das personagens Para Paulo Francis o diretor apenas havia
ensaiado os atores sem se preocupar em chegar a qualquer conclusatildeo aparente da peccedila A
proacutepria atuaccedilatildeo de Ziembinski no papel do pastor Manders foi censurada ldquoZiembinski
limitou-se a procurar atenuar o melodrama da peccedila dando ao papel que interpreta do pastor
Manders graccedilas a certos gestos e inflexotildees uma comicidade para aleacutem do que nos parece
sugerir o personagem e constituindo hiatos cocircmicos que se chocam com o tom geral da
peccedilardquo2
Em outubro de 1965 duas peccedilas de Ibsen foram encenadas em Satildeo Paulo Hedda
Gabler pela Companhia Nydia Liacutecia e Seacutergio Cardoso representada no Teatro Bela Vista e
Os espectros primeira peccedila da companhia Teatro da Cidade de Satildeo Paulo de Alberto
DrsquoAversa montada no TBC Os dois espetaacuteculos na ordem da expectativa dramaacutetica tanto do
puacuteblico quanto da criacutetica parecem ter cumpridos seus papeacuteis Para Oliveira Ribeiro Neto
criacutetico drsquoA Gazeta mais importante que a exterioridade de Hedda Gabler mdash ldquomuito mais que
a sua beleza a sua juventude a sua classerdquo mdash era o ldquoseu aspecto interior de mulher
nevropata cansada da mediocridade da existecircnciardquo Por ser essa segundo ele a caracteriacutestica
essencial da peccedila pareceu-lhe ldquoexcessivamente desanuviadardquo a direccedilatildeo de Walmor Chagas
que suprimiu de sua montagem o ambiente opressivo em que se deveria desenvolver o drama
No entanto ainda segundo Ribeiro Neto esse detalhe natildeo desabonava em nada as qualidades
dramaacuteticas do espetaacuteculo sustentadas por Nydia Liacutecia no papel-tiacutetulo que emprestara agrave
1 Z Ziembinski ldquoSobre a atualidade de Ibsenrdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Ziembinski Rio de Janeiro 1961 2 Henrique Oscar ldquoEspectros de Ibsen pelo Teatro do Riordquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 14 abr 1961 Cf tambeacutem Paulo Francis ldquoO espetaacuteculo do Teatro do Riordquo Diaacuterio Carioca Rio de Janeiro 19 abr 1961
71
personagem ldquomuito do seu encanto aparecendo bela e sedutora com certos tiques nervosos
de quem sente profunda preocupaccedilatildeo sempre expressiva no seu nervosismo de mulher que
comeccedila a esperar um filhordquo1 indesejado Paulo Mendonccedila jornalista da Folha de S Paulo
compartilhava de certo modo das ideacuteias de Oliveira Ribeiro Neto Para ele a accedilatildeo dramaacutetica
de Hedda Gabler construiacuteda sem nenhum rigor teacutecnico dificultava a comunicaccedilatildeo com o
puacuteblico natildeo sendo raras as situaccedilotildees em que os espectadores sentiam-se perdidos por natildeo
entender as questotildees que Ibsen levantava e deixava sem respostas a ponto de ao cair o pano
todos indagarem ldquoe daiacuterdquo Considerando a intriga gratuita e pouco convincente Paulo
Mendonccedila atribuiacutea exclusivamente agrave atriz incumbida do papel-tiacutetulo a responsabilidade do
ecircxito da montagem Somente atraveacutes dos recursos da forccedila e do magnetismo da atriz
principal a peccedila poderia adquirir uma dimensatildeo cecircnica acessiacutevel agrave plateacuteia Portanto Hedda
Gabler segundo ele era ldquomenos uma peccedila do que um papelrdquo fruto da intransigecircncia do
dramaturgo que preferia ldquoser absurdo a deixar de ser implacavelmente autecircnticordquo2
Os espectros de Alberto DrsquoAversa embora em curta temporada na capital paulista por
causa do compromisso dos teatros com outros espetaacuteculos logrou enorme sucesso de criacutetica e
puacuteblico A montagem enfatizava com uma certa dose de afetaccedilatildeo o desespero e o sofrimento
de Helena Alving mdash exatamente os aspectos que quatro anos antes os criacuteticos sentiram falta
na mesma peccedila montada por Ziembinski no Rio de Janeiro Ao que parece o diretor italiano
aprendera com o ldquoerrordquo de seu colega e ao contraacuterio dele apresentou um drama sentimental
buscando uma empatia cada vez maior com a plateacuteia Em entrevista ao Diaacuterio da Noite
DrsquoAversa explicou o porquecirc da escolha de Os espectros para a estreacuteia de sua companhia em
Satildeo Paulo ldquoOs motivos satildeo claros e alguns de suma importacircncia Ibsen eacute um dos cinco
autores mais famosos do mundo Aleacutem disso apesar de natildeo ser inteiramente comercial eacute uma
peccedila que possui todas as qualidades para agradar o puacuteblicordquo3 Por certo as qualidades a que o
diretor se referia eram aquelas que a criacutetica reclamara como ausentes na encenaccedilatildeo de
Ziembinski conflito profundidade psicoloacutegica e tensatildeo dramaacutetica
Em maio de 1966 o Grupo 57 voltou a apresentar Os espectros dessa vez no Teatro
de Arena da Guanabara no Rio de Janeiro O grupo havia sido premiado pela encenaccedilatildeo
dessa mesma peccedila no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 No
entanto natildeo alcanccedilou o mesmo ecircxito com a montagem profissional As marcaccedilotildees do diretor
1 Oliveira Ribeiro Neto ldquoHedda Gabler ndash Muito mais importante que o aspecto externo da personagem Hedda Gabler []rdquo A Gazeta Satildeo Paulo 25 out 1965 2 Paulo Mendonccedila ldquoHedda Gabler ndash Irdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 12 out 1965 e ldquoHedda Gabler ndash IIrdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 14 out 1965 3 ldquoEspectros de Ibsen cinco dias no TBCrdquo Diaacuterio da noite Satildeo Paulo 14 out 1965 (Sem assinatura)
72
Garcia Xavier apoiada quase que exclusivamente no infortuacutenio de Helena e Osvaldo Alving
soaram artificiais e exageradas Henrique Oscar criacutetico do Diaacuterio de Notiacutecias apontou a
insuficiecircncia da maioria dos inteacuterpretes como a parte mais problemaacutetica do espetaacuteculo Agnes
Fontoura no papel de Helena foi a mais criticada pois atuara agrave maneira da velha escola com
gestos expressotildees fisionocircmicas e ldquoolhares digno de museurdquo A traduccedilatildeo de Alfredo Ferreira
utilizada no espetaacuteculo natildeo escapou agrave exprobraccedilatildeo ldquoAleacutem de empregar expressotildees
impraticaacuteveis no palco como lsquoazaacutefamarsquo e outras eacute de uma impropriedade clamorosa cheia de
lsquosim simrsquo lsquobem bemrsquordquo1 Para Fausto Wolff da Tribuna da Imprensa o diretor tinha
conseguido aproximar a peccedila de Ibsen da telenovela brasileira limitando-se os atores com
exceccedilatildeo de Edson Guimaratildees inteacuterprete de Engstrand a apresentar um tom monocoacuterdio e
melodramaacutetico onde entravam ldquosusto choro grito histeria e suspense amadorrdquo2
Se Os espectros do Grupo 57 foi duramente criticado pela falta de aperfeiccediloamento
dos atores e pela negligecircncia em cenaacuterio e figurino a primeira e uacutenica montagem de As
colunas da sociedade encenada no Teatro Guaiacutera de Curitiba pelo Teatro de Comeacutedia do
Paranaacute (TCP) em novembro do mesmo ano foi recebida entusiasticamente pela nossa criacutetica
teatral O TCP organizado e dirigido por Claacuteudio Correa e Castro vinha conquistando cada
vez mais espaccedilo no cenaacuterio cultural brasileiro atraveacutes de produccedilotildees de claacutessicos mundiais e de
textos nacionais como Um elefante no caos de Millocircr Fernandes montada em 1963 A
megera domada de Shakespeare encenada em 1964 Escola de mulheres de Moliegravere e O
santo milagroso de Lauro Cesar Muniz ambas representadas em 1965 O texto de Ibsen
segundo Claacuteudio Correa e Castro havia sido incluiacutedo no repertoacuterio do grupo porque aleacutem de
desmascarar a hipocrisia da sociedade mdash ldquoo que todo mundo gostaria que se fizesse com
algumas de nossas lsquocolunasrsquordquo3 mdash seus atores precisavam enfrentar um texto realista o que
natildeo acontecia havia cerca de trecircs anos desde A vida impressa em doacutelar de Clifford Odets
representada em 1963 Os pontos fortes da montagem ficaram por conta dos figurinos de
Kalma Murtinho e do cenaacuterio de Claacuteudio Correa e Castro ldquoimpecaacutevel no seu bom gosto e nos
menores detalhes do seu acabamentordquo4 Todos os moacuteveis haviam sido feitos especialmente
para a encenaccedilatildeo e ateacute se pocircs em cena uma maacutequina de costura da eacutepoca reproduzindo
fielmente o interior de uma residecircncia burguesa de 1870
1 Henrique Oscar ldquoEspectros no Arena da Guanabarardquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 26 maio 1966 2 Fausto Wolff ldquoOs espectros espectrais no Arena IIrdquo Tribuna da Imprensa Rio de Janeiro 1 jun 1966 3 Entrevista de Clauacutedio Correa e Castro concedida a Martim Gonccedilalves ldquoIbsen em Curitibardquo O Globo Rio de Janeiro 1 nov 1966 4 Yan Michalski ldquoIbsen em Curitibardquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 2 nov 1966
73
Entre as deacutecadas de 1960 e 1970 sobretudo apoacutes o recrudescimento da censura com o
AI-5 Ibsen ganharia encenaccedilotildees cada vez mais luxuosas impressionantes pela beleza plaacutestica
dos cenaacuterios e figurinos envolvendo os espectadores num mundo irreal dinacircmico cheio de
som cores e efeitos espetaculares Com raras exceccedilotildees caso das montagens de Hermilo
Borba Filho Fernando Torres e Antunes Filho buscava-se driblar a censura atraveacutes dos
recursos da estilizaccedilatildeo e da metaacutefora a fim de mostrar o significado real dos textos ibsenianos
e construir da melhor maneira possiacutevel uma frente de resistecircncia agrave ditadura Assim foi a
montagem de Um inimigo do povo encenada pelo Teatro Popular do Nordeste em 1967 A
companhia liderada por Hermilo Borba Filho dava continuidade ao trabalho artiacutestico e
cultural do Teatro do Estudante de Pernambuco (fundado em 1945) levando para o povo
espetaacuteculos natildeo soacute de qualidade literaacuteria como tambeacutem de questionamento social o que
permitia ao puacuteblico uma compreensatildeo maior de sua proacutepria histoacuteria Por meio de expedientes
como o canto a danccedila a maacutescara o boneco Hermilo procurou apresentar em sua casa de
espetaacuteculos na Avenida Conde da Boa Vista em Recife uma peccedila criacutetica viva denunciando
na figura do Dr Stockmann o cerceamento da liberdade e a perdiccedilatildeo do indiviacuteduo diante da
arbitrariedade do Estado
Dois anos mais tarde em agosto de 1969 Fernando Torres encenaria a mesma peccedila
no Teatro Satildeo Pedro em Satildeo Paulo procurando assim como Hermilo questionar o
autoritarismo a falta de liberdade de expressatildeo e a desigualdade de direitos Depois de
encerradas as atividades do Teatro de Arena e do Oficina o Teatro Satildeo Pedro arrendado por
Beatriz e Mauriacutecio Segall em 1968 no auge da repressatildeo apresentava-se como um dos
uacuteltimos grupos da cena paulistana comprometido com uma produccedilatildeo artiacutestica voltada para a
anaacutelise social Buscando uma nova maneira de expressatildeo teatral que pudesse burlar a censura
e ao mesmo tempo oferecer ao puacuteblico espetaacuteculos que vislumbrassem a transformaccedilatildeo das
praacuteticas poliacuteticas e culturais vigentes o Teatro Satildeo Pedro acolheu muitos artistas
rearticulando antigos laccedilos profissionais e poliacuteticos Dessa feita o grupo encenou entre outras
coisas Os fuzis da sra Carrar de Brecht com direccedilatildeo de Flaacutevio Impeacuterio em 1968 Marta
Sareacute de Gianfrancesco Guarnieri e Edu Lobo dirigido por Fernando Torres em 1969 e
Tambores na noite de Brecht dirigido por Fernando Peixoto em 1972 Para Beatriz e
Mauriacutecio Segall ldquoIbsen era o tom mais apropriado para o Brasil poacutes-AI-5 A questatildeo eacutetica
colocada em Um Inimigo do Povo de um homem que natildeo abandona as suas convicccedilotildees
74
mesmo quando todas as situaccedilotildees se voltam contra ele era uma profissatildeo de feacute que a
companhia estava disposta a carregar consigordquo1
Ainda na esteira da resistecircncia democraacutetica Antunes Filho encenou Peer Gynt no
Teatro Itaacutelia de Satildeo Paulo em abril de 1971 No panorama das produccedilotildees teatrais da eacutepoca
limitadas a um teatro comercial e digestivo a montagem de Antunes mereceu muitos elogios
dos nossos criacuteticos Depois dos absurdos dos empresaacuterios teatrais de apostar exclusivamente
no aspecto lucrativo dos espetaacuteculos sem se preocupar com a qualidade das peccedilas Saacutebato
Magaldi apontou a encenaccedilatildeo de Antunes como ldquouma resposta luacutecida e brilhante a todos os
erros que [ameaccedilavam] a nossa atividade cecircnicardquo2 Com Peer Gynt Antunes instituiacutea na cena
brasileira uma nova maneira de conceber o espetaacuteculo propondo a retomada da palavra e a
colocaccedilatildeo do homem no centro dos acontecimentos O proacuteprio Antunes em entrevista agrave Folha
de S Paulo registrou essa mudanccedila ldquonosso espetaacuteculo eacute um marco do novo teatro a
liberdade do autor e do ator Acabaram a ditadura e o accediloite do diretor do nosso teatro
formalista e abstrato da forma pela forma Agora eacute o homem recolocado novamente dentro de
sua histoacuteriardquo3 Nessa perspectiva Peer Gynt funcionava como um libelo contra a alienaccedilatildeo e o
escapismo apresentando a histoacuteria de um homem que vive apenas o momento sem lanccedilar
amarras e sem se engajar Desse modo a cada episoacutedio da vida de Peer Antunes buscou
criticar o oportunismo a filosofia do ldquojeitinho brasileirordquo e a indiferenccedila aos problemas
poliacuteticos e sociais A forccedila da montagem desse modo patenteava-se justamente na forma
como Antunes a partir da anaacutelise individual da personagem-tiacutetulo conseguira passar pelo
social e ascender ao poliacutetico
Poucos meses depois de Peer Gynt em outubro de 1971 estreava no Teatro Glaacuteucio
Gil do Rio de Janeiro Casa de boneca dirigida por Cecil Thireacute e estrelada por Tocircnia Carrero
A comeccedilar pelos textos apresentados no programa mdash ldquoNossa Casa de bonecasrdquo de Otto
Maria Carpeaux ldquoIbsen jaacute erardquo de Cecil Thireacute e ldquoCasa de bonecas ou sociedade de
bonecosrdquo de Fernando Peixoto mdash que discutiam a atualidade da peccedila agrave luz dos problemas
da realidade brasileira a montagem parecia sugerir uma criacutetica agrave opressatildeo e aos valores
retroacutegrados da sociedade encarnados na figura de Torvald Helmer No entanto a perspectiva
de criacutetica social parece ter ficado somente na intenccedilatildeo A linha adotada pelo diretor oscilou
1 ldquoTeatro Satildeo Pedrordquo Disponiacutevel lthttpwwwitauculturalorgbraplicexternasenciclopedia_teatrogt Cf tambeacutem Marco Antocircnio Guerra Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2 Saacutebato Magaldi ldquoNatildeo perca esta aventurardquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 29 abr 1971 3 Depoimento de Antunes Filho a Jorge Saacute de Miranda ldquoPeer Gynt celebra 100ordf apresentaccedilatildeordquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 29 abr 1971
75
entre uma montagem convencionalmente realista e uma vaga tentativa de modernizaccedilatildeo
cecircnica com o uso de intervenccedilotildees musicais e certos efeitos de luz que aproximaram o
espetaacuteculo segundo alguns criacuteticos ldquodas atuais telenovelas e dos dramalhotildees emboloradosrdquo1
Segundo Fernando Peixoto sentia-se claramente o intento do diretor Cecil Thireacute de apresentar
a tirania de Helmer como o microcosmo de uma realidade maior mais ampla e mais terriacutevel
No entanto a tiacutemida encenaccedilatildeo natildeo conseguira romper a estrutura soacutelida da intriga nem ldquoa
teia de conflitos do textordquo2 Desse modo a soluccedilatildeo eacutepica usada no final da peccedila o
desmoronamento do cenaacuterio como fizera Meyerhold na sua versatildeo de Casa de boneca de
1906 apresentou-se como uma ingecircnua metaacutefora da desestruturaccedilatildeo familiar e da queda dos
valores burgueses
Na deacutecada de 1980 a dramaturgia de natureza poliacutetica desaparece do palco brasileiro
voltando-se a maioria de nossos artistas para o ldquobesteirolrdquo um teatro de puro entretenimento
de grande aceitaccedilatildeo popular mas de completa despreocupaccedilatildeo literaacuteria e de indisfarccedilaacutevel
gratuidade Por outro lado no campo dos experimentalismos poacutes-modernos as encenaccedilotildees de
Gerald Thomas mdash Carmen com filtro e Electra com creta ambas de 1986 e Trilogia Kafka
de 1988 por exemplo mdash datildeo a tocircnica de um novo tipo de criaccedilatildeo cecircnica com a valorizaccedilatildeo
cada vez maior das linguagens visuais coreograacuteficas e sonoras em detrimento da palavra No
caso de Ibsen o vieacutes individualista de sua obra em oposiccedilatildeo ao aspecto social que desde os
anos 1940 vinha despertando o interesse de nossos artistas consolida-se a partir de entatildeo
como o grande fator de atualidade de seu teatro Os traccedilos morais e psicoloacutegicos de suas
personagens tidos como os uacutenicos elementos de modernidade e vigor de suas peccedilas ganham
relevo nas montagens desse periacuteodo Apoiados nos estudos do criacutetico norte-americano Robert
Brustein e do meacutedico vienense Wilhelm Reich nossos artistas passam a analisar a obra do
autor norueguecircs atraveacutes do recorte biograacutefico e de meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura Robert
Brustein exerceu grande influecircncia no Brasil sobretudo depois da publicaccedilatildeo de seu livro O
teatro de protesto pela editora Zahar do Rio de Janeiro em 1967 Retomando as ideacuteias de
Prozor acerca do caraacuteter autobiograacutefico do teatro de Ibsen Brustein procura identificar os
elementos da experiecircncia emocional do dramaturgo em suas peccedilas chegando agrave conclusatildeo de
que muitos dos heroacuteis ibsenianos satildeo auto-retratos do proacuteprio autor Nesse sentido ao analisar
O pato selvagem mdash para ele uma ldquopeccedila semi-autobiograacuteficardquo mdash o criacutetico afirma ter Ibsen
criado Gregers Werle agrave sua imagem e semelhanccedila conferindo agrave personagem as caracteriacutesticas
1 ldquoUm Ibsen bem comportadordquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 12 p 14-15 jan 1972 (Sem assinatura) 2 Fernando Peixoto e Alberto Guzik ldquoTeatro no Rio e em Satildeo Paulo a temporada de 71rdquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 13 p 7-13 fev 1972
76
de um tiacutepico ibsenista com o propoacutesito de satirizar a si proacuteprio e impedir que ele viesse a ldquoser
institucionalizado por adeptos servisrdquo Da mesma maneira como havia feito Prozor no seu
prefaacutecio da traduccedilatildeo de Solness o construtor em 1894 Brustein compara o desenvolvimento
da personagem-tiacutetulo com a evoluccedilatildeo do trabalho de Ibsen Para o criacutetico Solness eacute ldquopura
autobiografiardquo sendo o construtor um dos mais elaborados auto-retratos do autor ldquoO
sentimento alimentado por Solness de que sua inquebrantaacutevel dedicaccedilatildeo agrave sua vocaccedilatildeo
destruiacutera nele a felicidade eacute um reflexo das duacutevidas e dos pesares de Ibsen depois expressos
em John Gabriel Borkmanrdquo1
Por sua vez o polecircmico meacutedico Wilhelm Reich conhecido mundialmente pelo seu
livro Psicologia de massas do fascismo (1934) onde analisa a repressatildeo sexual como uma
espeacutecie de matriz que prepara o indiviacuteduo para a aceitaccedilatildeo das demais coerccedilotildees mdash caso
segundo ele da adesatildeo da populaccedilatildeo alematilde ao discurso fascista mdash teve no Brasil uma
recepccedilatildeo limitada ao campo da terapia corporal Simplificando bastante interessava aos
admiradores brasileiros de Reich apenas o exame do corpo como invoacutelucro da histoacuteria de cada
sujeito sendo possiacutevel por meio de sua anaacutelise resgatar as emoccedilotildees mais profundas dos
indiviacuteduos Nessa esteira A funccedilatildeo do orgasmo (1927) livro dedicado ao estudo da
sexualidade humana teve enorme repercussatildeo no Brasil dos anos de 1970 Essa obra alcanccedilou
tamanho sucesso entre noacutes que desde a primeira publicaccedilatildeo feita pela Brasiliense em 1975
passou a ser editada constantemente chegando a deacutecima nona ediccedilatildeo em 1995 Por certo o
ensaio sobre ldquoPeer Gyntrdquo contido nesse volume exerceu uma influecircncia significativa na nova
abordagem da peccedila que passaria a considerar a figura de Peer como o siacutembolo do homem
perdido no fluxo de suas experiecircncias tentando descobrir qual eacute o seu verdadeiro Eu
autecircntico Essa caracteriacutestica atribuiacuteda agrave personagem estendia-se a Ibsen mdash ldquoAssim era Ibsen
e assim era Peer Gyntrdquo2 mdash que tambeacutem procurava atraveacutes de suas peccedilas uma sondagem do
eu profundo expondo seu proacuteprio caraacuteter ao exame e criacutetica implacaacuteveis Tornou-se comum
a partir de entatildeo associar a mateacuteria das peccedilas agrave vida do autor caindo-se facilmente na
armadilha da projeccedilatildeo Desse modo o subjetivismo das imagens e das personagens elucidava
a psicologia de Ibsen e os fatos e experiecircncias de sua vida pessoal serviam para estabelecer o
conteuacutedo da obra A implicaccedilatildeo de tudo isso foi o depauperamento do texto ibseniano pois o
que nele se ambicionara passou a ser visto como atributo do autor ser vivo e inesgotaacutevel no
papel impresso Ao valorizar apenas a vida interior das personagens os padrotildees arquetiacutepicos
1 Robert Brustein ldquoHenrik Ibsenrdquo O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 93 2 Wilhelm Reich ldquoPeer Gyntrdquo A funccedilatildeo do orgasmo problemas enconocircmico-sexuais da energia bioloacutegica 4 ed Satildeo Paulo Brasiliense 1978 p 48
77
as raiacutezes miacuteticas e o significado simboacutelico e sexual do teatro de Ibsen nossos criacuteticos e
artistas deixaram de lado uma das dimensotildees mais modernas da obra do dramaturgo a perda
de consistecircncia da solidez de seus dramas que para expressar a desordem social poliacutetica e
econocircmica foram contaminando-se progressivamente de elementos eacutepicos chegando por
vezes a romper com os cacircnones tradicionais
Na esteira das orientaccedilotildees de Brustein e Reich inclusive reproduzindo quase na
iacutentegra os textos desses dois autores no programa do espetaacuteculo Marcos Fayad agrave frente do
grupo Engenho de Teatro dirigiu Peer Gynt no Teatro Ginaacutestico do Rio em junho de 1982 A
encenaccedilatildeo baseada na exploraccedilatildeo do inconsciente e dos recalques da personalidade de Peer
procurava mostrar a viagem empreendida por um homem em busca de sua proacutepria identidade
e do verdadeiro papel que lhe cabia na vida Desse modo a personagem-tiacutetulo veio ao palco
mergulhada num denso universo de misticismo metafiacutesica e duacutevidas existenciais Chegou-se
mesmo ao disparate de comparar Peer e Ibsen mdash ldquoPeer Gynt eacute o lado de Ibsen que foi em
busca de prazer sob o sol da Itaacuteliardquo1 mdash e a evocar em termos biograacuteficos os processos
psiacutequicos do autor quando estava escrevendo a peccedila Assim Peer Gynt tinha um discurso
tortuoso porque o dramaturgo no momento da escrita da obra oscilava entre influecircncias
esteacuteticas e filosoacuteficas muito diversificadas como a obsessatildeo miacutestica do romantismo e a
anguacutestia existencial kierkegaardiana Para Yan Michalski criacutetico do Jornal do Brasil em
nenhuma peccedila de Ibsen ldquoo debate existencial era colocado em termos tatildeo teoacutericos de tanta
abrangecircncia filosoacuteficardquo como em Peer Gynt Por essa razatildeo o desafio de qualquer montagem
dessa peccedila era tornar teatral ldquoo discurso aacuterido e metafiacutesicordquo da obra tarefa que ainda segundo
Michalski o Engenho de Teatro natildeo conseguira cumprir por dois motivos primeiro porque
ldquoo sentido mais profundo desse discurso natildeo foi assimilado pelos atoresrdquo e segundo porque
faltava-lhes o instrumental teacutecnico para tornar o conteuacutedo da peccedila claro aos espectadores
Essa falta de habilidade para o criacutetico tornava-se especialmente patente ldquonas cenas em que as
duacutevidas existenciais [estavam] contidas em seu estado puro como nos encontros de Peer com
o diretor do manicocircmio com o democircnio ou com o fundidorrdquo2
Um mecircs depois da encenaccedilatildeo de Peer Gynt Dina Sfat estreou Hedda Gabler no
Teatro Guaiacutera de Curitiba em agosto de 1982 O diretor do espetaacuteculo o francecircs Gilles
Gwizdeck em entrevista ao jornal O Globo indicou a linha da encenaccedilatildeo ldquoEu tentei traduzir
cenicamente o texto como um dramalhatildeo contando uma historinha com princiacutepio meio e fim
Mas com todo o subtexto presente todas as pressotildees familiares em cena atraveacutes de muitos
1 ldquoRobert Brustein fala de Ibsenrdquo Programa de Peer Gynt direccedilatildeo de Marcos Fayad Rio de Janeiro 1982 2 Yan Michalski ldquoPeer Gynt ou a dificuldade de filosofarrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro p 2 23 mar 1982
78
recursos como o cenaacuterio do Ratto que eacute bem pesado e abafado com muito veludordquo1 Sendo
assim num tom soturno e sombrio Hedda apresentou-se no palco como uma neuroacutetica
viacutetima das pressotildees de uma sociedade castradora A educaccedilatildeo riacutegida que a personagem
recebera de seu pai baseada em valores aristocraacuteticos e conservadores foi abordada como
uma das origens dos conflitos dolorosos de sua vida adulta A complexidade os conflitos
interiores e o gesto final de autodestruiccedilatildeo da personagem tratados no mais estreito realismo
psicoloacutegico fez com que a peccedila ganhasse ares folhetinescos O desempenho de Dina Sfat no
papel-tiacutetulo foi bastante elogiado sobretudo por criar a partir da entrada em cena o clima de
inevitabilidade da trageacutedia Para a maioria de nossos criacuteticos somente a psicanaacutelise poderia
explicar a trajetoacuteria da heroiacutena e desvendar seus mecanismos interiores Por um lado Ibsen
foi considerado o ldquopai do teatro psicoacutetico modernordquo2 o responsaacutevel no dizer de Tereza
Menezes de colocar em cena ldquoo novo sujeito da modernidaderdquo3 aquele indiviacuteduo que possui
dimensatildeo interior e capacidade de perceber a si mesmo Por outro mais uma vez a arquitetura
dramaacutetica de sua obra foi valorizada por aproximar-se da carpintaria do teatro claacutessico
carregada de pressaacutegios e costurada de intrigas paralelas que davam maior relevo ao conflito
central da peccedila
Em agosto de 1985 Fernando de Almeida levou agrave cena do Teatro Domus em Satildeo
Paulo a peccedila Os espectros resultado de uma motivaccedilatildeo pessoal sua que haacute muito
interessava-se pelo papel de Osvald Alving Como estava na idade limite para interpretar a
personagem reuniu um grupo de atores convidou Emiacutelio Di Biasi para dirigir a peccedila e arcou
com a maior parte das despesas da produccedilatildeo do espetaacuteculo Aleacutem disso ele mesmo
encarregou-se de traduzir e revitalizar o texto de Ibsen a fim de tornaacute-lo ldquomenos antiquadordquo
visando uma relaccedilatildeo mais direta com o espectador Assim a accedilatildeo foi transportada para algum
lugar indeterminado do seacuteculo XX o aviatildeo tomou o lugar do trem Nova York o de Paris os
nomes das personagens foram abrasileirados e a doenccedila de Osvaldo a siacutefilis foi substituiacuteda
pela Aids Entretanto justamente a adaptaccedilatildeo foi o que a criacutetica unanimemente julgou de
mais controverso nessa montagem Para Alberto Guzik aleacutem da encenaccedilatildeo levar agraves uacuteltimas
consequumlecircncias os sentimentos de Helena e Osvaldo Alving transformando a peccedila num
melodrama quase insuportaacutevel ldquoFernando de Almeida parece natildeo ter se dado conta de que os
termos a estrutura a proacutepria organizaccedilatildeo do debate travado pelas personagens de Ibsen
seriam necessariamente outros se a moralidade que serve de pano de fundo agrave obra fosse a da
1 Entrevista de Gilles Gwizdeck concedida a Flaacutevio Marinho ldquoA histoacuteria de uma mulher destruidora e autodestrutivardquo O Globo Rio de Janeiro 11 ago 1982 2 Jefferson Del Rios ldquoHedda emoccedilotildees no palco e na plateacuteiardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 1 abr 1983 3 Cf Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006
79
era do aviatildeo e natildeo a do tremrdquo1 Ao que parece do original restou apenas uma paroacutedia um
apego aos lances melodramaacuteticos do enredo que transformaram a realizaccedilatildeo num kitsch natildeo
intencional A peccedila ficou pouco tempo em cartaz e os elogios foram apenas para Leacutelia
Abramo que voltava aos palcos apoacutes seis anos de uma ausecircncia forccedilada A atriz no papel de
Helena Alving parecia ser a uacutenica a ter consciecircncia da importacircncia da peccedila como criacutetica agrave
hipocrisia e agraves convenccedilotildees sociais ldquoA encenaccedilatildeo de Ibsen hoje eacute importante por se
preocupar com as indagaccedilotildees do espiacuterito humano aleacutem de seu valor literaacuterio Esta a
verdadeira riqueza dos autores claacutessicos e hoje com o homem sendo aniquilado pelo
progresso pela massificaccedilatildeo eacute importante qualquer coisa que o faccedila refletirrdquo2
Peer Gynt foi levado agrave cena do Teatro Renascenccedila de Porto Alegre pelo grupo Teatro
Vivo em marccedilo de 1987 dessa vez numa versatildeo mais formalista O palco despojado de
qualquer artefato realista mdash apenas duas escadas um andor de procissatildeo e algumas malas mdash
manteve-se livre para o desenvolvimento dos atores que caminhavam em ciacuterculos
aproximando seus movimentos de uma danccedila coreografada Fora isso elementos como
fumaccedila aacutegua e farinha aleacutem de uma iluminaccedilatildeo requintada preenchiam os espaccedilos vazios da
cena Dos cinco atos do texto original restaram apenas dois apresentados em pouco mais de
uma hora e meia privilegiando-se temas como a vida a morte e as viagens da personagem-
tiacutetulo Para Irene Brietzke diretora do espetaacuteculo o estudo mais interessante a respeito de
Peer Gynt era o de Wilhelm Reich jaacute que mostrava Peer como uma personagem-siacutembolo que
representava o desejo mais secreto de todo o ser humano ldquoo sonho a paixatildeo o prazer e a
aventurardquo3 Por isso a exemplo do que fizera Marcos Fayad em sua montagem de 1982 ela
tambeacutem procurou contar a histoacuteria de um homem em busca de si mesmo resolvendo viajar
pelo mundo para achar seu caminho Paralela a essa accedilatildeo principal da peccedila Brietzke
acrescentou uma personagem que entre uma cena e outra da peccedila fazia reflexotildees sobre a
funccedilatildeo do artista a necessidade de buscar novos horizontes a morte etc citando passagens
de cineastas como Fellini e Buntildeuel e autores como Borges Apesar das inovaccedilotildees que
deram uma visualidade fascinante ao espetaacuteculo chegando por vezes a prejudicar a
mensagem do texto a direccedilatildeo do espetaacuteculo natildeo fugira a regra sendo Ibsen novamente
encerrado num universo miacutestico e existencialista
1 Alberto Guzik ldquoUma adaptaccedilatildeo de Ibsen Com bons propoacutesitos e equiacutevocos demaisrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 6 set de 1985 2 Depoimento de Leacutelia Abramo para O Estado de S Paulo ldquoIbsen a defesa feminina na peccedila Os Espectrosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 27 ago 1985 3 ldquoPeer Gynt a maioridade de Irenerdquo Correio do Povo Porto Alegre 6 mar 1987
80
Em maio de 1988 o Grupo Tapa encenou Solness o construtor no Teatro Alianccedila
Francesa em Satildeo Paulo A direccedilatildeo de Eduardo Tolentino privilegiou o conflito entre o velho
e o novo mostrando no palco a histoacuteria de Solness um construtor de meia-idade que se sente
ameaccedilado pela juventude expressa na figura de seu empregado Ragnar Brovik Durante a
encenaccedilatildeo o espectador pocircde acompanhar o tormento da personagem-tiacutetulo com o medo da
morte a ascensatildeo profissional de Ragnar e a fascinaccedilatildeo pela jovem Hilda Wangel A ecircnfase
dada aos opostos emblemaacuteticos mdash velhonovo sauacutededoenccedila luztrevas construccedilotildees de
alvenariacastelos no ar paixatildeo adolescentecasamento falido mdash reduziu de certo modo um
dos aspectos mais contundentes da peccedila os interesses materiais da mesquinha realidade
burguesa que envolve o conflito de geraccedilotildees as vidas entediadas e a submissatildeo domeacutestica
Aleacutem disso o fato do grupo ver Solness como um alter ego de Ibsen colaborou para o
empobrecimento do texto minando a forccedila da montagem No programa do espetaacuteculo o
jornalista Carlos Hee preso agrave ideacuteia do todo contiacutenuo formado entre autor e obra apontou
relaccedilotildees entre a trajetoacuteria da personagem e a vida do dramaturgo utilizando exatamente das
mesmas ideacuteias de Moritz Prozor e Robert Brustein A primeira fase do construtor dedicada agrave
edificaccedilatildeo de igrejas seria relativa aos temas dos dramas filosoacutefico-religiosos impregnados
de personagens miacutesticas A mudanccedila de postura de Solness apoacutes o incecircndio quando passa a
construir habitaccedilotildees teria o valor similar ao rompimento do escritor com a sociedade
norueguesa e agrave sua preocupaccedilatildeo em escrever peccedilas sobre a vida cotidiana O encontro de
Solness com Hilda simbolizaria a fase dos dramas simboacutelico-metafiacutesicos e a correspondecircncia
que o autor passou a trocar com Emilie Bardach uma jovem vienense de 18 anos Por fim
como sua personagem Ibsen temia a concorrecircncia da juventude sobretudo a ascensatildeo do
dramaturgo August Strindberg Aleacutem do biografismo que encobriu a estrutura e o valor da
peccedila o espetaacuteculo ganhou uma conotaccedilatildeo sexual ora pelas suas marcaccedilotildees ora pela
interpretaccedilatildeo das torres como siacutembolos faacutelicos Descontados esses problemas Eduardo
Tolentino alcanccedilou seu propoacutesito inicial de fazer uma montagem sem arroubos cecircnicos ldquosem
deixar nenhum exibicionismo esteticista se sobrepor ao textordquo1 De fato ele soube dar agrave sua
montagem o equiliacutebrio entre o sentido do texto e a traduccedilatildeo visual mdash a accedilatildeo se passava em
um cenaacuterio realista recheado de referecircncias simboacutelicas e num clima oniacuterico desenrolavam-se
flashes do passado e do presente Aleacutem disso toda a encenaccedilatildeo foi baseada no texto e nos
atores livre da intervenccedilatildeo musical e das soluccedilotildees espetaculosas exigindo dos espectadores
uma concentraccedilatildeo maior para acompanhar as ideacuteias da peccedila
1 Depoimento de Eduardo Tolentino a Ana Francisca Ponzio ldquoPaulo Autran o primeiro Ibsenrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 14 set 1988
81
A partir dos anos 1990 Ibsen passa a ser encenado por produtores independentes em
sua maioria artistas de grande popularidade e de incontestaacutevel prestiacutegio nacional Favorecidos
pelo patrociacutenio de empresas privadas mdash sobretudo depois da criaccedilatildeo em 1991 da chamada
lei de incentivo a Lei Rouanet que oferece isenccedilatildeo de impostos agraves empresas que invistam em
projetos artiacutesticos e culturais mdash esses artistas deram ensejo a produccedilotildees cada vez mais
imponentes com temas que agradam puacuteblico e empresaacuterios com programas de excelente
acabamento graacutefico mas que pouco ajudam a entender a diretriz do espetaacuteculo haja vista que
raramente trazem qualquer reflexatildeo sobre a peccedila encenada Do mesmo modo as encenaccedilotildees
ganharam beleza plaacutestica cenaacuterios luxuosos e iluminaccedilatildeo requintada privilegiando-se a
percepccedilatildeo visual em detrimento do conteuacutedo da peccedila No acircmbito desse teatro puramente
comercial Ibsen parece voltar aos palcos muito mais por oferecer aos atores bons papeacuteis
permitindo-lhes desenvolver suas virtudes interpretativas do que pela forccedila de seus textos
Evidentemente temas que contrariem a ideologia dominante mdash como a hipocrisia social em
Os espectros a exploraccedilatildeo capitalista em Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em
John Gabriel Borkman os interesses materialistas em Casa de boneca e Solness o construtor
por exemplo mdash satildeo ignorados nesse tipo de produccedilatildeo Por isso privilegiam-se em grande
parte apenas a subjetividade das personagens ibsenianas destituiacuteda de qualquer realidade
concreta maior social ou poliacutetica A justificativa para essa reduccedilatildeo encontra respaldo na velha
ideacuteia de que as preocupaccedilotildees sociais do dramaturgo satildeo obsoletas e ultrapassadas
constituindo apenas a psicologia e os conflitos existenciais das personagens os reais e efetivos
elementos de atualidade de sua obra Estaacute claro que essas produccedilotildees destinam-se mdash
sobretudo por causa dos preccedilos inacessiacuteveis dos ingressos mdash a uma plateacuteia financeiramente
distinta que busca no teatro a digestatildeo apraziacutevel do jantar
Nessas condiccedilotildees a Fundaccedilatildeo Bienal de Satildeo Paulo juntamente com empresaacuterios
patrocinou a vinda do American Repertory Theatre agrave cidade com o espetaacuteculo Quando noacutes os
mortos despertarmos encenado no Teatro Municipal em outubro de 1991 A peccedila adaptada e
dirigida por Robert Wilson o grande representante do ldquoteatro de imagensrdquo apresentou como
natildeo poderia deixar de ser as caracteriacutesticas fundamentais do encenador poesia visual
intimismo abstraccedilatildeo formalismo e distorccedilatildeo temporal A imprensa ocupou-se tanto dos
ldquoefeitismosrdquo de Robert Wilson que acabou ignorando a montagem brasileira desse mesmo
texto pelo Teatro do Pequeno Gesto em cartaz desde o mecircs de agosto no Espaccedilo Cultural
Seacutergio Porto no Rio de Janeiro Esse foi o espetaacuteculo de estreacuteia do grupo carioca que a partir
de entatildeo se dedicaria as montagens de grandes claacutessicos da literatura dramaacutetica preocupando-
se com estudos literaacuterios e teoacutericos das peccedilas a fim de conceber uma encenaccedilatildeo voltada para o
82
texto e a fala dos atores Antocircnio Guedes diretor da companhia apresentou uma versatildeo
totalmente diferente de Robert Wilson a comeccedilar pela diretriz do espetaacuteculo simplificaccedilatildeo
extrema do palco para colocar em relevo o texto em contraste com a fragmentaccedilatildeo dos
sentidos e o desenho formalizado da cena do diretor norte-americano Enquanto a montagem
de Wilson centrou-se na conotaccedilatildeo metafiacutesica do acerto de contas de Rubek com o seu
passado a do Pequeno Gesto privilegiou a discussatildeo de temas como o amor a morte o artista
e sua obra Aleacutem disso o puacuteblico do Teatro do Pequeno Gesto natildeo via passivamente uma
sucessatildeo de imagens deslumbrantes como na encenaccedilatildeo norte-americana uma vez que ele
proacuteprio era convidado a integrar o espetaacuteculo como elemento constitutivo do espaccedilo cecircnico
Em abril de 1994 Moacyr Goacutees e um conjunto de artistas conhecidos por seus
trabalhos na televisatildeo levaram agrave cena Peer Gynt no Teatro Gloacuteria do Rio de Janeiro A
abordagem da peccedila traduzida e adaptada pela psicanalista Clara Goacutees em nada diferenciou-
se do que desde a deacutecada de 1980 era considerado ldquocomumrdquo ao se estudar essa obra de
Ibsen a histoacuteria de um homem em busca de sua proacutepria identidade e do verdadeiro sentido da
vida Dois anos depois em outubro de 1996 Ulysses Cruz dirigia pela primeira vez no Brasil
A dama do mar representaccedilatildeo marcada por forte tendecircncia visual A peccedila aleacutem de encenada
no piacuteer da praccedila Mauaacute com vistas para a Baiacutea de Guanabara ganhou um cenaacuterio suntuoso
com 30 toneladas de areia fina entremeadas de conchas e de estrelas-do-mar e um barco de
verdade cedido pela Marinha que em certo momento do espetaacuteculo entrava em cena
trazendo uma das personagens o Estrangeiro Na imprensa pouco se falou sobre a obra de
Ibsen importando mesmo destacar a ousadia de Ulysses Cruz o responsaacutevel pela concepccedilatildeo
da maior parte dos elementos cecircnicos da montagem Para Cruz Ibsen era ldquofreudiano antes de
Freudrdquo e a qualidade de seu teatro estava na prospecccedilatildeo emocional de suas personagens No
caso de A dama do mar ainda segundo o diretor a protagonista da peccedila Ellida tinha uma
ldquoligaccedilatildeo forte com a natureza Daiacute surgiu a ideacuteia de usar na cenografia a areia o vento e o
marrdquo1 Uma produccedilatildeo com tamanho aparato de imagens luzes cores e som ofuscou
evidentemente o trabalho dos atores e sobretudo a histoacuteria de Ibsen O puacuteblico por sua vez
extasiado com a visualidade e a espetacularizaccedilatildeo teve poucas chances de compreender o teor
e a mensagem da peccedila
Em 1997 a propoacutesito da comemoraccedilatildeo dos cinco anos da Casa da Gaacutevea do Rio de
Janeiro Domingos de Oliveira foi convidado a dirigir Um inimigo do povo peccedila que ele jaacute
havia encenado catorze anos antes no teatro Cacircndido Mendes tambeacutem no Rio Na linha de
1 Depoimento de Ulysses Cruz a Anabela Paiva ldquoA nova aventura de Ulyssesrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 5 out 1996
83
um teatro didaacutetico Domingos de Oliveira levou agrave cena a histoacuteria de um homem
impossibilitado de se expressar num sistema dito democraacutetico Ao colocar em xeque toda a
estrutura de poder da cidade do Dr Stockmann dos pontos de vista moral e eacutetico o diretor
procurou mostrar como a representaccedilatildeo democraacutetica pode ser falha e como a maioria pode ser
facilmente manipulada Ampliando essa discussatildeo central da peccedila Oliveira procurou enfatizar
ainda questotildees como a preservaccedilatildeo do meio ambiente o poder da imprensa na manipulaccedilatildeo
da opiniatildeo das massas e a eacutetica na administraccedilatildeo puacuteblica Essa linha de encenaccedilatildeo foi bastante
criticada principalmente pelo fato de que para muitos de nossos criacuteticos caso de Nelson de
Saacute da Folha de S Paulo natildeo era a poliacutetica nem o conflito com a maioria que caracterizavam
a atualidade e o vigor de Um inimigo do povo mas ldquoa seduccedilatildeo do homem soacute natildeo mais refeacutens
de ideacuteias verdades amigos ou gruposrdquo Para Nelson de Saacute a direccedilatildeo de Domingos de
Oliveira tinha sido maniqueiacutesta sobretudo por omitir ldquoa proclamaccedilatildeo da individualidaderdquo
aspecto que segundo o criacutetico era o cerne da peccedila de Ibsen1 Nesse sentido a interpretaccedilatildeo
dos atores principalmente a de Paulo Betti no papel do Dr Stockmann tambeacutem foi criticada
por natildeo apresentar nuances psicoloacutegicas mas apenas perfis funccedilotildees a serviccedilos do texto
apresentando clareza em vez de profundidade Da mesma maneira o cenaacuterio e figurinos que
nada tinham de espetaculares sofreu as mesmas restriccedilotildees Para Alberto Guzik ldquoos tons que
[oscilavam] do ocre ao bege e bordocircrdquo diluiacuteram a tensatildeo dramaacutetica da cena contribuindo para
a sensaccedilatildeo ldquode monotonia e achatamento do palcordquo A criacutetica foi estendida agrave iluminaccedilatildeo que
sendo convencional pouco fez para dar contornos ao ldquoproblema visual do espetaacuteculordquo2
No comeccedilo deste seacuteculo com a vida teatral cada vez mais subordinada ao arbiacutetrio dos
dirigentes de empresas privadas as encenaccedilotildees de Ibsen com rariacutessimas exceccedilotildees natildeo
sofreram mudanccedilas significativas O ponto a se destacar eacute a melhor qualidade literaacuteria de
alguns espetaacuteculos alcanccedilada graccedilas agraves traduccedilotildees feitas diretamente do original norueguecircs
por Karl Erik Schoslashllhammer3 Seguindo a loacutegica do governo brasileiro que confunde poliacutetica
cultural com poliacutetica de mercado vieram a puacuteblico mais uma vez produccedilotildees dispendiosas mdash a
grosso modo com artistas que se consagraram na televisatildeo mdash visando mais do qualquer outra
coisa o retorno de bilheteria Nessa esteira Casa de boneca produzida por Ana Paula Aroacutesio
foi encenada no Teatro Leblon do Rio em outubro de 2001 A direccedilatildeo de Aderbal Freire-
1 Nelson de Saacute ldquoIbsen proclama o poder do homem soacuterdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 20 mar 1998 Folha Ilustrada p 3 2 Alberto Guzik ldquoUm inimigo monoacutetonordquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 2 abr 1998 3 Karl Erik Schoslashllhammer traduziu Quando noacutes os mortos despertarmos para o espetaacuteculo do Teatro do Pequeno Gesto em 1991 e Casa de boneca dirigida por Aderbal Freire-Filho em 2001 Traduziu ainda em parceria com Faacutetima Saadi O pequeno Eyolf em 1993 e John Gabriel Borkman em 1996 ambas publicadas na Coleccedilatildeo Teatro da Editora 34 de Satildeo Paulo
84
Filho que teve o meacuterito de escolher uma traduccedilatildeo de qualidade natildeo escapou aos
esquematismos do teatro de entretenimento Sem abandonar de todo o realismo da obra
Freire-Filho procurou enfatizar os conflitos existenciais de Nora em sua busca por liberdade
focalizando o desejo da personagem de fazer a sua proacutepria histoacuteria A marcaccedilatildeo e os
elementos cecircnicos mdash uma miniatura de casa de boneca uma mesa e algumas cadeiras em
torno das quais giraram os atores mdash pretenderam dar uma significacircncia simboacutelica agraves atitudes
interiores das personagens O cenaacuterio do portuguecircs Joseacute Manuel Castanheira mdash uma janela
que abria todo o fundo do teatro para um jardim coberto de neve em contraste com o interior
aconchegante de uma casa burguesa mdash e a iluminaccedilatildeo refinada de Manuel Quindereacute
conferiram intensa plasticidade ao desenho cecircnico No ano seguinte em maio de 2002 a
mesma peccedila estreou no Teatro do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio dessa vez numa
versatildeo multimiacutedia de Bia Lessa O espetaacuteculo foi chamado pela proacutepria diretora de ldquopeccedila-
filmerdquo porque quase toda a accedilatildeo da peccedila era apresentada num viacutedeo e somente na cena final
Nora interpretada por Betty Gofman aparecia no palco para cumprir seu gesto de abandono
do lar O uso do cinema foi justificado como uma forma de dimensionar uma quebra realista
subvertendo-se assim os limites do espetaacuteculo teatral No entanto a falta de contraponto
dramaacutetico das duas linguagens aproximou a encenaccedilatildeo segundo Macksen Luiz da
dramaturgia televisiva sobretudo por causa do uso da cacircmera em primeiro plano1
Em agosto de 2004 o Festival Porto Alegre em Cena em parceria com o governo da
Noruega trouxeram ao Brasil duas jovens diretoras Catherine Kahn e Anne Klovholt para
ministrar um laboratoacuterio intitulado ldquoO ator compositor e a poesia do movimentordquo No final do
curso cinco atores brasileiros foram selecionados para participar da encenaccedilatildeo de A dama do
mar representada no Armazeacutem A5 do Cais do Porto em Porto Alegre no mecircs de setembro
Nesse mesmo ano em outubro Paulo de Moraes encenou O pequeno Eyolf no Centro
Cultural da Justiccedila Federal no Rio de Janeiro primeira montagem brasileira desse texto O
espetaacuteculo centrado nos conflitos familiares de Alfred e Rita Allmers trouxe agrave cena a
discussatildeo de sentimentos como ciuacutemes inveja desprezo e amargura As personagens
enredadas em si mesmas incapazes de fugir de seus remorsos foram o foco principal dessa
montagem que procurou abordar a possibilidade de transformaccedilatildeo do homem deixando de
lado a passividade e a auto-compaixatildeo No entanto em cena essas questotildees trabalhadas em
forma de diaacutelogos solenes e de discursos quase filosoacuteficos acabaram por tornar a encenaccedilatildeo
de oitenta minutos um peso para os ombros dos espectadores O trunfo da montagem ficou
1 Macksen Luiz ldquoA armadilha de Ibsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 4 maio 2002
85
por conta da moldura visual que ambientou a cena em um espelho drsquoaacutegua conferindo
densidade e imagem vigorosa ao quadro Criacuteticas mais duras receberam o elenco Viviane
Coutinho inteacuterprete de Eyolf apesar de deficiente apresentou-se um tanto saltitante no palco
e Joatildeo Vitti no papel da Mulher dos Ratos ficou reduzido a uma ldquocaricatura em travestirdquo1
Diante desse estado de coisas no final de 1998 surgiu o Movimento Arte Contra a
Barbaacuterie que reuacutene intelectuais artistas e grupos do teatro paulista cuja atuaccedilatildeo resultou na
lei municipal de fomento ao teatro Subvencionadas pelo Estado as companhias paulistas
tiveram a chance de desenvolver projetos comprometidos com a pesquisa da linguagem
teatral apresentando ao puacuteblico espetaacuteculos ligados agrave experiecircncia social brasileira Aleacutem
disso a ocupaccedilatildeo de teatros de vaacuterias regiotildees de Satildeo Paulo por esses grupos mdash fora do
circuito onde domina o teatro comercial mdash e a venda a baixo custo dos ingressos
possibilitaram ao menos em parte o acesso de um puacuteblico mais amplo agraves peccedilas Desse modo
em outubro de 2005 o grupo Teatro de Narradores beneficiado pela lei de fomento levou agrave
cena do Teatro Faacutebrica de Satildeo Paulo sua versatildeo de Casa de boneca que de imediato se
contrapocircs agraves montagens desse texto realizadas no paiacutes
Preocupado em oferecer uma encenaccedilatildeo que unisse o prazer esteacutetico agrave reflexatildeo o
Teatro de Narradores explorou uma das dimensotildees mais agudas e atuais do texto ibseniano o
dinheiro como base de um sistema soacutecio-econocircmico em que se resume Casa de boneca Eacute por
causa dos interesses materiais e atraveacutes dele que se originam e se alimentam todos os
acontecimentos da peccedila desde a prepotecircncia de Torvald sobre Nora o casamento de
conveniecircncia de Cristina Linde para assegurar uma situaccedilatildeo financeira ameaccedilada ateacute o falso
coacutedigo de honra de Torvald que acaba se desfazendo depois que sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na
sociedade se manteacutem assegurada Desse modo o conflito de Nora que em algumas
montagens beirou o existencial foi reduzido em proveito da anaacutelise das relaccedilotildees que
envolviam todos os demais personagens A adaptaccedilatildeo mdash viagem dos Helmer aos Estados
Unidos e Nora fantasiada de Marilyn Monroe por exemplo mdash procurou tornar patente a
superficialidade dos valores da classe meacutedia que se constituiacuteam nas relaccedilotildees fetichistas no
mito da auto-realizaccedilatildeo e na ideacuteia do sucesso como configuraccedilatildeo do sujeito O espaccedilo cecircnico
vazio e branco com apenas um telatildeo no fundo bem como a trilha sonora e a iluminaccedilatildeo
serviu para comentar epicamente a accedilatildeo e esboccedilar o pano de fundo social Nessa perspectiva
o grupo aleacutem de romper com as tradicionais realizaccedilotildees dessa peccedila mdash que entre noacutes
privilegiavam exclusivamente os conflitos individuais das personagens mdash vai na contramatildeo
1 Cf Macksen Luiz ldquoTexto prejudicado pelo elencordquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 25 out 2004 Caderno B p 4
86
do pensamento de que o cunho social de Casa de boneca eacute antiquado e obsoleto refazendo
desse modo o percurso ou pelo menos uma das trilhas principais do teatro brasileiro da
deacutecada de 60
Acompanhando a trajetoacuteria das encenaccedilotildees de Ibsen no Brasil fica claro que elas se
identificaram em sua maior parte com a mentalidade burguesa dominante quer pela mera
representaccedilatildeo pela representaccedilatildeo que natildeo leva em conta nada aleacutem dos aspectos lucrativos
do espetaacuteculo quer pelo investimento maciccedilo no capricho das produccedilotildees que fascinam pela
beleza mas satildeo vazias de conteuacutedo quer pela falta de estudos teoacutericos a respeito do texto a
ser encenado dos quais se encontra muito distante a maioria dos nossos artistas preocupados
tatildeo somente em exibir seus ldquodotesrdquo interpretativos Por essas razotildees o teatro ldquoformalista e
abstrato da forma pela formardquo tatildeo criticado por Antunes Filho na deacutecada de 1970 continua
de algum modo a imperar na cena brasileira com exceccedilotildees claro de alguns artistas seja da
nova ou da velha geraccedilatildeo que se comprometem com a cultura e natildeo com o mercado
87
A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos
Apesar das constantes encenaccedilotildees mdash quase sempre as mesmas Casa de boneca Os
espectros e Hedda Gabler mdash natildeo se pode dizer que Ibsen tenha alcanccedilado popularidade
tampouco despertado grande interesse no Brasil No fim do seacuteculo XIX e comeccedilo do XX
momento de grande efervescecircncia e de muitas polecircmicas acerca de sua obra Artur Azevedo
Oscar Guanabarino Alfredo Pujol entre outros constituiacuteram a primeira frente de resistecircncia
ao teatro do norueguecircs Afeitos agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita esses criacuteticos consideraram
as peccedilas de Ibsen enfadonhas desprovidas de quaisquer qualidades dramaacuteticas obscenas e
degeneradas encorajando o incesto a desestruturaccedilatildeo familiar e o amor livre Por volta dos
anos 1920 Ibsen jaacute considerado um claacutessico da literatura dramaacutetica mundial passou a ser
visto no Brasil como autor de um teatro puramente literaacuterio que visava mais agrave leitura que agrave
representaccedilatildeo Sua obra considerada entatildeo de total ausecircncia de dramaticidade cecircnica e de
temas sombrios e obsoletos merecia figurar nas principais bibliotecas do paiacutes apenas como
um complemento necessaacuterio agrave formaccedilatildeo literaacuteria de nossos artistas Somente a partir de 1940
sob a forte influecircncia da criacutetica de Carpeaux mdash que deslocou o foco dos pressupostos sociais
do dramaturgo dito ultrapassados para a subjetividade das personagens mdash as peccedilas
ibsenianas voltariam a ser discutidas mesmo assim de uma maneira muito tiacutemida Desse
modo num primeiro momento entre 1940 e 1970 ainda sob o influxo das concepccedilotildees de
Carpeaux a obra de Ibsen seria vista como uma versatildeo moderna da trageacutedia grega abordando
o destino individual do heroacutei ibseniano que conhece o infortuacutenio em consequumlecircncia de algum
erro cometido no passado Num segundo momento com a valorizaccedilatildeo cada vez maior do
cunho individual e psicoloacutegico de seu teatro principalmente a partir de 1980 a realidade
interior das personagens seus conflitos e suas anguacutestias viriam a ser os principais aspectos de
interesse tornando-se a psicologia uma das estrateacutegias criacuteticas mais viaacuteveis para se analisar as
peccedilas do autor Enquanto muitos de nossos criacuteticos presos ao simples conteudismo das peccedilas
preocupavam-se em estabelecer o que era velho ou novo no teatro de Ibsen Ruggero Jacobbi
Oduvaldo Viana Filho Anatol Rosenfeld e Luiz Israel Febrot entre outros seguiram caminho
inverso Retomando uma a uma as principais ideacuteias correntes acerca de Ibsen esses
intelectuais procuraram reformulaacute-las com maior amplitude e equiliacutebrio levando em
consideraccedilatildeo a complexidade interna dos textos a natureza social e o papel decisivo da forma
dramaacutetica do autor
88
Ruggero Jacobbi mdash talvez um dos poucos diretores estrangeiros a aderir ao programa
internacional do realismo criacutetico dirigindo peccedilas como Estrada do tabaco em 1947 e A ronda
dos malandros em 1950 ambas no TBC mdash sobressaiu como teoacuterico historiador e criacutetico de
teatro trazendo novas luzes ao pensamento das artes cecircnicas brasileiras Em 1956 Jacobbi
publica seu primeiro livro no Brasil A expressatildeo dramaacutetica onde apresenta as linhas evolutivas
da dramaturgia partindo da Greacutecia passando por Goldoni Schiller e Ibsen ateacute chegar aos
perfis de personalidades teatrais como Moacutelnar Verneuil Renato Simoni Baty e Claudel O
escritor procede por siacutentese raramente demora-se na anaacutelise minuciosa da composiccedilatildeo de uma
peccedila Antes distingue em traccedilos breves e incisivos a fisionomia de um autor e seu momento
histoacuterico Em ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo Jacobbi enfatizou a importacircncia do dramaturgo na histoacuteria
do teatro mundial apresentando as questotildees esteacuteticas pontuais de sua obra que definiriam
novos rumos para a configuraccedilatildeo da dramaturgia moderna Nesse percurso sem perder de vista
os principais conceitos brasileiros sobre a obra de Ibsen o criacutetico procurou mostrar que o
dramaturgo embora introduzisse em suas peccedilas elementos liacutericos e simboacutelicos para ressaltar as
contradiccedilotildees internas das personagens fez tudo como ningueacutem antes dele para alargar os
limites do individualismo Em Casa de boneca por exemplo a libertaccedilatildeo individual e
psicoloacutegica de Nora natildeo constituiacutea o cerne da peccedila pois ainda segundo Jacobbi Ibsen tinha
exigecircncias maiores como ldquoinvestigar agressivamente a substacircncia praacutetica de certas situaccedilotildees da
sociedaderdquo1 Os conflitos das personagens ibsenianas portanto extrapolavam a esfera
individualista uma vez que estavam carregados de uma historicidade que natildeo se desfizera com
o tempo Para Jacobbi nenhum dos problemas que o autor colocara diante e dentro dos homens
perdera a atualidade Os malogros dos indiviacuteduos e os fracassos das ideologias continuavam a
caracterizar o nosso mundo em cujo limiar esteve e estaacute Ibsen Por isso natildeo lhe interessou
dissecar o trabalho do autor com o uacutenico fim de instituir agrave moda de Croce na Itaacutelia e Carpeaux
no Brasil o que era vivo ou morto em sua obra Preferiu ater-se agrave forma das peccedilas que ele
denominou de dramas de problemas por apresentar uma estrutura dialeacutetica que abria dentro de
cada assunto uma problemaacutetica infinita Aleacutem disso ele apontou a imprecisatildeo de nossa criacutetica
em aproximar a obra de Ibsen da trageacutedia grega sobretudo no que dizia respeito a noccedilatildeo de
destino e fatalidade ldquoA estrutura dialeacutetica estaacute sempre presente e potildee em evidecircncia todos os
lados do problema Em Ibsen como em Shakespeare todos tecircm razatildeo cada um eacute
infalivelmente o que eacute em toda a sua complexidade tanto que agraves vezes temos uma suspeita de
1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 49
89
determinismo a qual teria fundamento se Ibsen natildeo tivesse uma confianccedila imensa nas
possibilidades do indiviacuteduo e natildeo exigisse dele muito ateacute demaisrdquo1
Agrave trageacutedia estaacute inerente um pano de fundo miacutetico bem como uma visatildeo que projeta os
conflitos humanos para uma dimensatildeo metafiacutesica Seus temas satildeo os conflitos inexoraacuteveis
eternos sem saiacuteda A isso se associa indissoluvelmente a sua organizaccedilatildeo o gesto grandioso
o tom solene a tendecircncia ao verso etc As peccedilas de Ibsen com seu realismo domeacutestico abalam
profundamente tal estrutura na medida em que ele trabalha com a prosa coloquial as
concepccedilotildees socioloacutegicas as relaccedilotildees financeiras que de maneira nenhuma se ajustam aos
alexandrinos e aos cinco atos da trageacutedia claacutessica Aleacutem disso as personagens ibsenianas
estatildeo condicionadas ao peso da histoacuteria seus conflitos satildeo ldquoresultados da pressatildeo do mundo
exterior ou mais exatamente do subsolo da realidade que se determina como existente isto
eacute da Histoacuteriardquo2 Um mundo absolutamente mediado a responsabilidade sendo de todos e de
ningueacutem jaacute natildeo comporta a grandeza do heroacutei traacutegico que sozinho define o destino de um
povo e assume toda a culpa integralmente Em Ibsen os protagonistas quase sempre natildeo
encontram a saiacuteda do dilema em que se debatem mas o dramaturgo sugere que a soluccedilatildeo
existe mormente no combate agrave hipocrisia da sociedade E eacute essa confianccedila na superaccedilatildeo da
crise que marca a impossibilidade da trageacutedia Descartada portanto a aproximaccedilatildeo das peccedilas
de Ibsen da trageacutedia Jacobbi conclui que a grande renovaccedilatildeo do teatro ibseniano aconteceu
no acircmbito da teacutecnica dramatuacutergica ldquoIbsen natildeo teve medo de escrever trecircs ou quatro atos de
tamanho normal ou de pocircr em cena dois criados conversando Sabia muito bem que o
problema era eacute outro que o que se havia perdido era o sentido concreto da personagem
dramaacuteticardquo3
Na deacutecada de 1960 assistiremos ao debate da intelectualidade de esquerda e do setor
teatral reclamando um espaccedilo para as encenaccedilotildees empenhadas na discussatildeo da realidade
brasileira Nessas circunstacircncias as peccedilas de Ibsen consideradas obsoletas e ultrapassadas
passam por uma importante reavaliaccedilatildeo criacutetica Vianinha uma das figuras mais expressivas
do teatro de agitaccedilatildeo e propaganda criacutetico ferrenho do ldquoesteticismordquo do TBC e de seu
descomprometimento com a dramaturgia nacional foi possivelmente o primeiro intelectual
brasileiro a questionar o modo como Ibsen vinha sendo encenado no Brasil Procurando
acompanhar as grandes mudanccedilas histoacuterico-sociais que repercutiam diretamente na esteacutetica
1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 52 2 Ruggero Jacobbi ldquoIbsen atualrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 31 jan 1959 Suplemento literaacuterio n 118 p 5 3 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica p 58
90
teatral Vianinha apontava na obra de Ibsen a gecircnese de uma dramaturgia voltada para a
participaccedilatildeo do indiviacuteduo como agente diante das adversidades poliacutetica e social As
personagens ibsenianas desse modo longe de resignar-se aos desiacutegnios de justiccedila e verdade
que jaacute natildeo eram estaacuteveis e absolutos como na trageacutedia claacutessica debatiam-se entre seus anseios
e a sua consciecircncia eacutetica em meio aos valores estabelecidos pela sociedade Determinada a
viga mestra do teatro de Ibsen Vianinha criticava as montagens brasileiras de suas peccedilas cuja
preocupaccedilatildeo era apenas com o destino individual das personagens natildeo ultrapassando a
aparecircncia esteticista de um teatro que se desfazia em luzes cenaacuterio gestos e inflexotildees
Vianinha apontava ainda o disparate da burguesia nacional que era ldquoincapazrdquo de distinguir
nos produtos culturais que importava ldquooposiccedilatildeo e lutardquo Para Vianinha Ibsen e Pirandello
por exemplo pouco diziam pouco contribuiacuteam para a organizaccedilatildeo cultural da classe
dirigente que assistia aos dois autores sem notar diferenccedila alguma entre eles diferenccedilas que
modificariam ainda segundo ele os criteacuterios de comportamento do puacuteblico Nessa mesma
perspectiva Vianinha criticava a encenaccedilatildeo de Ibsen por Ziembinski ldquoNatildeo interessa mais o
que diz Ibsen nem transmitir Ibsen com toda a sua eficaacutecia Natildeo O puacuteblico natildeo precisa
modificaccedilatildeo Ziembinski volta para traacutes Quando chegou aqui tratava-se de dizer Ibsen
Agora trata-se de montar um belo espetaacuteculo Natildeo haacute mais ressonacircncia humana no
espetaacuteculo O teatro natildeo tem mais funccedilatildeo culturalrdquo1
Ainda na esteira das mudanccedilas essenciais da dramaturgia de Ibsen Anatol Rosenfeld
publica em 1965 O teatro eacutepico livro de valor inestimaacutevel para o ensaiacutesmo teatral brasileiro
sobretudo pela importacircncia de se esclarecer os conceitos e as teorias de Brecht num momento
em que se radicalizavam as propostas dos diversos movimentos de cultura popular do paiacutes Ao
relatar o processo histoacuterico desencadeado pela crise da forma dramaacutetica que culminaria anos
mais tarde com o aparecimento do teatro eacutepico de Brecht Rosenfeld apontou a dimensatildeo
eacutepica da obra de Ibsen que escapava agraves leituras entatildeo em voga Desse modo ele contribuiu
enormemente para se desfazer os impasses de nossa criacutetica que ora via Ibsen como um
grande ldquotraacutegico modernordquo ora como autor de ldquoromances dialogadosrdquo Primeiramente
Rosenfeld tratou de explicar que a obra ibseniana embora restringida agrave dramaturgia
tradicional jaacute anunciava pela temaacutetica o advento do teatro eacutepico Em linhas gerais o criacutetico
destacou a estrutura rigorosa das peccedilas mdash exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e desenlace mdash sem
deixar de apontar para o elemento que subvertia a dramaacutetica pura o tempo passado Ele
alertou que a accedilatildeo decisiva em Ibsen natildeo se desenrolava na atualidade mas no passado Nesse
1 Oduvaldo Viana Filho ldquoQuatro instantes do teatro no Brasilrdquo In Fernando Peixoto (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983 p 48
91
ponto o teatro do escritor norueguecircs divergia da forma ldquoorgacircnicardquo do teatro aristoteacutelico uma
vez que o enredo deixava de narrar uma accedilatildeo conclusa As peccedilas definiam muito mais uma
conjuntura do que um desenvolvimento destinado a desenredar a trama Portanto as
recordaccedilotildees do passado mdash tema essencialmente eacutepico mdash dispersas no desenho das peccedilas
ibsenianas eacute que colaboraram para a dissoluccedilatildeo do drama E nisso estava a maestria da arte
de Ibsen que conseguia ldquoencobrir o tema eacutepico pela estrutura dramaacutetica atraveacutes de uma accedilatildeo
acessoacuteria que se desenvolve na breve atualidade de um ou dois diasrdquo1 Em seguida Rosenfeld
explicou as diferenccedilas entre Eacutedipo Rei de Soacutefocles e Os espectros de Ibsen tentando acabar
com o equiacutevoco da criacutetica sobretudo a de Carpeaux que costumava associar a obra ibseniana
agrave trageacutedia claacutessica Rosenfeld mostrou que as duas peccedilas foram construiacutedas rigorosamente
dentro do padratildeo da teacutecnica analiacutetica Em ambas a exposiccedilatildeo (a revelaccedilatildeo do passado)
constituiacutea quase toda a accedilatildeo da trama No entanto em Soacutefocles as revelaccedilotildees eram objetivas
ou seja o mito era conhecido do puacuteblico e o passado de Eacutedipo era revelado somente a ele
proacuteprio que desconhecia os seus crimes A personagem entatildeo era surpreendida pela
revelaccedilatildeo da verdade que natildeo ficava confinada no passado mas era atualizada Portanto o
tema de Eacutedipo natildeo era o tempo passado mas o destino terriacutevel do heroacutei que era o assassino do
pai o marido da matildee e o irmatildeo dos seus filhos Em Ibsen acontecia exatamente o contraacuterio A
accedilatildeo atual de Os espectros nada mais era que a ocasiatildeo de desvendar aos espectadores o
passado de Helena Alving o matrimocircnio infeliz mantido agrave custa das convenccedilotildees sociais As
revelaccedilotildees de Helena eram subjetivas na medida que suas confidecircncias eram feitas apenas ao
Pastor Manders E era por meio dele que o puacuteblico ficava sabendo os segredos da
protagonista Helena natildeo sofria o choque da descoberta da verdade uma vez que ela mesma
forjara o seu destino Assim o passado natildeo chegava a ser atualizado ele mesmo tornava-se o
assunto da peccedila por meio da exposiccedilatildeo de vidas malogradas Enquanto a mateacuteria de Soacutefocles
era dramaacutetica e traacutegica porque seu heroacutei resignava-se agraves deliberaccedilotildees dos deuses e oferecia ao
puacuteblico em seu sacrifiacutecio o efeito cataacutertico a de Ibsen era eacutepica porque estava delimitada ao
passado e agrave memoacuteria das personagens (esfera subjetiva)
Depois de estabelecido o problema formal da dramaturgia de Ibsen por Rosenfeld e
sob o impulso das primeiras montagens profissionais de suas peccedilas mdash que absurdamente soacute
ocorreram nos anos de 1960 mdash a obra ibseniana deixaria as prateleiras poeirentas das
bibliotecas para ser discutida nos principais perioacutedicos de cultura do paiacutes como o Suplemento
Literaacuterio drsquoO Estado de S Paulo o Caderno B do Jornal do Brasil a Revista de Teatro da
1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 85
92
SBAT etc Seguindo de perto as indicaccedilotildees de Rosenfeld Luiz Israel Febrot criacutetico de teatro e
cinema publica entre 1966 e 1968 quatro ensaios no Suplemento Literaacuterio drsquoO Estado de S
Paulo mdash ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo ldquoHedda Gablerrdquo ldquoIbsen Atual - Irdquo e ldquoOs espectros satildeo
as velhas ideacuteiasrdquo mdash procurando analisar o tema baacutesico do teatro de Ibsen ou seja o passado
evocado atraveacutes do diaacutelogo das personagens Deixava-se de lado a preocupaccedilatildeo de ver em
Ibsen o modelo da carpintaria de efeito do teatro claacutessico passando-se agrave tentativa de
compreender os valores do passado que as peccedilas reconstituiacuteam e criticavam Para Febrot a
declaraccedilatildeo de que os temas do dramaturgo eram ultrapassados servia apenas como um
pretexto para se evitar a discussatildeo de problemas que desagradavam as ldquoplateacuteias bem
pensantesrdquo como a opressatildeo social a luta de classes a corrupccedilatildeo o preconceito as relaccedilotildees
espuacuterias mantidas por interesse etc Assim em seu ensaio sobre Um inimigo do povo ele
apontou a base sobre a qual se assentava a trama da peccedila a especulaccedilatildeo mercantil situaccedilatildeo
tiacutepica da sociedade de livre concorrecircncia A contaminaccedilatildeo das aacuteguas do balneaacuterio da cidade
do Dr Stockmann foi causada pela cobiccedila dos proprietaacuterios que exigiram que os
encanamentos passassem sob seus terrenos para assim receberem indenizaccedilotildees Os industriais
por sua vez natildeo desejavam gastar dinheiro tratando das aacuteguas que saiacuteam de suas faacutebricas
preferindo jogaacute-las diretamente no rio Portanto o maior inimigo da liberdade e da verdade
era segundo o criacutetico o dinheiro e os interesses por ele criados1
No ensaio sobre ldquoHedda Gablerrdquo Febrot discutiu o lugar-comum da criacutetica em ver na
personagem-tiacutetulo uma neurastecircnica dama do fim do seacuteculo XIX uma enfastiada da vida Ele
assinalou que para essa concepccedilatildeo muito contribuiacuteram a performance cheia de pompa de
atrizes mdash como Eleonora Duse mdash que se preocupavam com a interiorizaccedilatildeo da personagem
ressaltando-lhe as crises de histeria ofuscando assim a mensagem da peccedila Para furtar-se agrave
leitura psicoloacutegica de Hedda Gabler o criacutetico recorreu agrave coerecircncia de temas e propoacutesitos do
teatro do norueguecircs Ibsen compreendera que os princiacutepios de igualdade fraternidade e
liberdade propagados pela Revoluccedilatildeo Francesa beneficiavam apenas uma pequena parcela
da sociedade Em toda a sua obra o dramaturgo procurou mostrar a contradiccedilatildeo que existia
entre os ideais que a sociedade burguesa proclamava e o que realmente acontecia com os
homens Nesse sentido ver Hedda apenas como uma histeacuterica era diminuir o alcance da peccedila
era dizer apenas a metade e precisamente a mais visiacutevel e portanto a menos importante A
outra metade que se devia levar em consideraccedilatildeo ainda segundo Febrot era que a
personagem encarnava as caracteriacutesticas e os preconceitos burgueses Hedda era
1 Cf Luiz Israel Febrot ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 10 set 1966 Suplemento Literaacuterio n 494 p 5
93
convencional casou-se com Tesman para manter seu conforto material e sua posiccedilatildeo na
sociedade relacionava-se apenas com as pessoas de seu niacutevel social rejeitava a ligaccedilatildeo
amorosa com o juiz Brack natildeo por pudor ou princiacutepio mas por medo do escacircndalo E foi
justamente o pavor do escacircndalo que a levou ao suiciacutedio Para Febrot Hedda como
individualidade psicoloacutegica com determinados conceitos e preconceitos simbolizava uma
categoria social Desse modo as accedilotildees da personagem interessavam menos ldquoagraves revistas
meacutedicas do que aos estudos de sociologia poliacutetica e histoacuteriardquo1
Apesar dessas contribuiccedilotildees a maior parte de nossa criacutetica teatral mais do que nunca
submetida agrave mercantilizaccedilatildeo da cultura continuou a reproduzir as velhas concepccedilotildees sobre o
dramaturgo Detendo-se apenas na superficialidade dos textos sem interesse algum de se
analisar as relaccedilotildees histoacutericas e sociais das peccedilas geralmente relegadas ao campo dos
conteuacutedos nossos criacuteticos continuaram a ver Ibsen como um autor ultrapassado Mariacircngela
Alves de Lima por exemplo a propoacutesito da montagem de Casa de boneca pela companhia
de Tocircnia Carrero na deacutecada de 1970 declarava que o texto de Ibsen servia muito mais como
um documento da histoacuteria do teatro do que como uma forccedila atuante no presente ldquoSem
duacutevida o direito de se afirmar aleacutem dos limites de um papel social eacute uma aspiraccedilatildeo humana
permanente Entretanto a situaccedilatildeo especiacutefica que o texto de Ibsen coloca tem no seacuteculo XX
um reduzido poder de contestaccedilatildeordquo2 Aqueles que procuravam afirmar a atualidade do
dramaturgo enfatizavam os conflitos individuais das personagens sem levar em conta os
mecanismos de opressatildeo da sociedade burguesa que efetivamente era o que Ibsen pretendia
criticar Para Deacutecio Drummond a liberdade individual de Nora que estava ldquoacima e aleacutem de
qualquer circunstacircncia socialrdquo era o fator maior da perene atualidade de Ibsen3 Seguindo
essa mesma loacutegica Mariacircngela Alves de Lima depois de negar a modernidade do dramaturgo
em 1973 voltou atraacutes afirmando ser a cena final de Casa de boneca um ldquosiacutembolo de todos os
sonhos de liberdade individual aleacutem das malhas restritivas dos papeacuteis sociais determinadosrdquo4
A partir do final da deacutecada de 1970 a leitura de orientaccedilatildeo biograacutefica tornou-se uma
constante sendo apropriada tanto pelos nossos criacuteticos como pelos nossos artistas que
reproduziam fielmente nos comentaacuterios e nos programas de espetaacuteculo os estudos de Robert
Brustein mestre dessa vertente Adones de Oliveira jornalista drsquoO Estado de S Paulo por
1 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5 2 Mariacircngela Alves de Lima ldquoIbsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 9 set 1973 3 Cf Deacutecio Drummond ldquoO gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humanordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 7 out 1973 Suplemento Literaacuterio n 845 p 5 4 Mariacircngela Alves de Lima ldquoEncenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsenrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 23 maio 1976
94
exemplo seguindo agrave risca as indicaccedilotildees de Brustein declarava ser o teatro de Ibsen resultado
de sua ldquovida interior e de seu ideal revolucionaacuteriordquo1 Como o criacutetico norte-americano ele
tambeacutem considerava as personagens ibsenianas como auto-retratos do dramaturgo Desse
modo o biografismo aleacutem de empobrecer o texto de Ibsen e de neutralizar o fluxo de
significados de suas peccedilas encobria as experiecircncias formais e os aspectos sociais presentes
em seu teatro Ao mesmo tempo o questionamento da histoacuteria dos valores burgueses da
hipocrisia social tatildeo buscados pelo dramaturgo passavam a ser vistos noutro plano como
relaccedilatildeo psicoloacutegica de Ibsen com sua obra ressaltando-se mais uma vez o cunho meramente
individualista de seu teatro Aliaacutes os meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura sobretudo dos anos
1980 em diante comeccedilaram a ser cada vez mais aplicados agrave criacutetica das peccedilas ibsenianas
Utilizados sem muita cautela esses criteacuterios reduziram muitas vezes a riqueza do enredo das
personagens das situaccedilotildees dos planos externo e interno da obra por tomaacute-la apenas como
material para se diagnosticar as neuroses do autor e de suas personagens
Deacutecio de Almeida Prado ao analisar Hedda Gabler procurou explicar como Ibsen
deixando de lado a loacutegica da peccedila bem-feita que admitia o pressuposto do homem
inteiramente explicaacutevel criou personagens que natildeo podiam mais ser enquadradas dentro de
uma soacute perspectiva caso de Hedda Assim em ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo o criacutetico comeccedilou a
mostrar como a partir de Casa de boneca o autor abrira brechas na dramaturgia rigorosa ao
tratar de temas como o feminismo e a liberdade da mulher No caso de Hedda Gabler o
criacutetico alertou que a soluccedilatildeo dramaacutetica era mais avanccedilada Ibsen conservara intacto o rigor do
teatro aristoteacutelico a condensaccedilatildeo no tempo e no espaccedilo a subordinaccedilatildeo das partes ao todo o
enredo girando em torno de um uacutenico eixo etc mas retirara da peccedila a comunicaccedilatildeo com o
puacuteblico a anaacutelise dos fatos e das personagens seja atraveacutes do confronto entre os indiviacuteduos
seja por meio de um comentador arguto Desse modo ainda segundo o criacutetico Ibsen passava
do que se sabia sobre o indiviacuteduo ldquopara o que natildeo se consegue senatildeo conjeturar abrindo
caminho para a exploraccedilatildeo do irracional do inconsciente ou seja das camadas mais
profundas da personalidaderdquo2 Por isso a resposta agrave pergunta ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo soacute
poderia ser dada pelo acircngulo psicoloacutegico que apresentava segundo Deacutecio de Almeida Prado
um fato incontestaacutevel ldquoa personagem era destrutiva e autodestrutivardquo Somente a partir daiacute
outras hipoacuteteses poderiam ser levantadas desde que se conciliassem as diversas facetas de seu
temperamento De fato as peccedilas de Ibsen tratam de vidas malogradas Os indiviacuteduos por meio
1 Adones de Oliveira ldquoIbsen o pai do teatro de hoje faz 150 anosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 19 mar 1978 2 Deacutecio de Almeida Prado ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 1 maio 1983 Caderno Cultura p 5
95
das recordaccedilotildees do passado encerram-se nas suas proacuteprias subjetividades isolam-se e
interrompem a situaccedilatildeo dialoacutegica Rosenfeld arriscou dizer que no dramaturgo jaacute ldquose
encontram os germes de um processo que iria pocircr em questatildeo a possibilidade do diaacutelogo inter-
humanordquo1 Natildeo haacute como negar que as personagens ibsenianas satildeo complexas natildeo
apresentando portanto contornos firmes e niacutetidos como na dramaturgia convencional No
entanto para natildeo se correr o risco de empobrecer a visatildeo da singularidade do teatro de Ibsen
haacute que se levar em consideraccedilatildeo a estrutura esteacutetica das peccedilas e tentar enxergar aleacutem do
conflito individual das personagens procurando analisar o contexto exterior e os impasses que
as oprimem Nesse sentido vale lembrar a primorosa anaacutelise de Febrot dessa mesma Hedda
Gabler Sem desconsiderar a realidade interior da personagem-tiacutetulo ele indicou um
importante aspecto da peccedila que talvez passasse desapercebido aos adeptos da psicanaacutelise
Hedda encarna os preconceitos e as ideacuteias do individualismo burguecircs eacute o ldquocaacutelculo que leva ao
carreirismo eacute o desejo de conforto antes e acima de tudo eacute a ambiccedilatildeo vatilde de prestiacutegio social eacute
o egoiacutesmo frio que esquece os demais inclusive famiacutelia e amigos Eacute a proacutepria inutilidade
socialrdquo2
As indicaccedilotildees de Deacutecio de Almeida Prado sobre o caraacuteter psicoloacutegico do teatro de
Ibsen tomadas sem as devidas precauccedilotildees mdash sugeridas aliaacutes pelo proacuteprio criacutetico mdash e os
estudos do psicanalista Wilhelm Reich entatildeo em voga contribuiriam para que se afigurasse
no centro das discussotildees de Ibsen apenas os conflitos existenciais de suas personagens
destituiacutedos de qualquer conjuntura maior seja esteacutetica ou social Essa situaccedilatildeo que de algum
modo perdura ateacute hoje corrobora equivocadamente o individualismo como o elemento
predominante da atualidade do dramaturgo deixando de lado as implicaccedilotildees materialistas e
desabusadas de sua obra que diga-se de passagem nunca perderam seu vigor Como
considerar ultrapassada a criacutetica do dramaturgo a um mundo comandado por lucro trabalho e
competiccedilatildeo Certamente os valores burgueses associados ao seu teatro e consolidados desde
a deacutecada de 1940 mdash prestiacutegio do vieacutes psicoloacutegico e refutaccedilatildeo da praacutetica poliacutetica e social de
suas peccedilas mdash ratificam esse estado de coisas Tanto eacute assim que ao se falar de Ibsen nossos
criacuteticos continuam reproduzindo os velhos chavotildees ora polemizam sobre a modernidade de
seus temas ora comparam a estrutura de suas peccedilas ao rigor do teatro claacutessico e ora
reafirmam a densidade psicoloacutegica de suas personagens Nessa perspectiva a recente
publicaccedilatildeo do livro de Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade fora o meacuterito
1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 88 2 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5
96
de se tratar do primeiro trabalho de focirclego sobre o dramaturgo no Brasil pouco trouxe de
novo para a reavaliaccedilatildeo de sua obra Haja vista que a autora procura mostrar ao longo de todo
o volume como as peccedilas de Ibsen foram contaminando-se de elementos abstratos e
subjetivos a ponto de abarcar ainda segundo Menezes ldquoo descontiacutenuo e contingente o
ambiacuteguo e o escorregadiordquo1 Depois de evidenciar nessa trajetoacuteria a ruptura do teatro de
Ibsen com os padrotildees dramaturgia convencional a autora passa a analisar o que ela denomina
de ldquoo novo sujeito da obra de Ibsenrdquo Apoiada nas teorias de Freud Tereza Menezes procura
trabalhar as principais caracteriacutesticas das personagens ibsenianas que seriam segundo ela os
limites da consciecircncia as irrupccedilotildees da irracionalidade a questatildeo da identidade as
possibilidades de elaboraccedilatildeo interior e os sujeitos precaacuterios Evidentemente que por ser o
recorte psicoloacutegico o enfoque de seu trabalho Menezes absteacutem-se de tratar do fator social da
obra ibseniana Entretanto a forma social do mundo se antepotildee aos propoacutesitos subjetivos das
personagens Justamente a configuraccedilatildeo social mdash engrenagem objetiva do teatro de Ibsen mdash
funcionando atraacutes das costas das personagens que definem suas intenccedilotildees e seus desejos mais
iacutentimos Portanto a tendecircncia de se interpretar e valorizar a obra ibseniana sem os devidos
cuidados em termos biograacuteficos e psicanaliacuteticos produz muitas vezes resultados
problemaacuteticos por ressaltar de maneira unilateral ou mesmo exclusiva aspectos pouco
relevantes para a compreensatildeo da validade esteacutetica de Ibsen
Por sua vez a criacutetica teatral de jornal limitada nos dias de hoje ao papel de
publicitaacuteria da cultura restringe sua tarefa mais agrave instacircncia de divulgaccedilatildeo dos espetaacuteculos do
que agrave funccedilatildeo analiacutetica No caso de Ibsen uma parte por causa do desinteresse de sua obra e
outra por causa da falta de bibliografia de apoio no nosso paiacutes os criacuteticos acabam
reproduzindo as ideacuteias mais do que conhecidas de autores como Carpeaux Brustein etc Mas
eacute claro que esses argumentos natildeo satildeo suficientemente vaacutelidos para se entender porque
privilegiam tais autores e descartam outros como Rosenfeld Vianinha e Febrot que tatildeo
lucidamente analisaram as peccedilas de Ibsen Essa questatildeo pode ser melhor compreendida se
levadas em conta as exigecircncias do mercado cultural que natildeo se interessa como dizia
Vianinha em ldquotransmitir Ibsen com toda a sua eficaacuteciardquo Os cadernos culturais dessa forma
ficam praticamente a reboque da conveniecircncia dos empresaacuterios de show business e dos
grandes patrocinadores dos espetaacuteculos tornando-se irrelevante discutir a peccedila que seraacute
encenada mas tatildeo somente informar o dia de estreacuteia o custo da montagem os aparatos
cecircnicos etc Assim a nossa criacutetica submetida agrave loacutegica do mercado acaba retornando agrave velha
1 Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006 p 134
97
estruturaccedilatildeo dos artigos do final do seacuteculo XIX uma biografia breve do dramaturgo o resumo
da peccedila a descriccedilatildeo dos cenaacuterios e figurinos e a anaacutelise do desempenho dos atores
Nessas condiccedilotildees natildeo eacute de se admirar que a obra de Ibsen tenha sido ateacute hoje
traduzida apenas parcialmente para nossa liacutengua As primeiras traduccedilotildees de suas peccedilas soacute
apareceram na deacutecada de 1940 restringindo-se ao leque dos textos mais conhecidos o que
resultou no famigerado livro Seis dramas Apesar dos problemas gerados pela traduccedilatildeo
intermediaacuteria do francecircs esse volume continua sendo a principal fonte de consulta sobre o
dramaturgo Versotildees diretas do original norueguecircs apareceram somente nos anos 1990 com
as publicaccedilotildees ineacuteditas de O pequeno Eyolf e John Gabriel Borkman feitas por Karl Erik
Schoslashllhammer Entretanto essas peccedilas jaacute natildeo satildeo mais reeditadas o que ratifica de certo
modo a falta de interesse por Ibsen em nosso paiacutes Essa situaccedilatildeo estende-se como natildeo
poderia deixar de ser agrave sua fortuna criacutetica Estamos literalmente agrave margem das mais
interessantes contribuiccedilotildees estrangeiras sobre o autor Basta dizer que no exterior seu teatro
continua vivo e atuante seja pela encenaccedilatildeo contiacutenua de suas peccedilas pela fundaccedilatildeo de
institutos como Centre for Ibsen Studies na Noruega e The Ibsen Society of America nos
Estados Unidos que promovem conferecircncias seminaacuterios e cursos sobre o autor ou ainda pela
ediccedilatildeo de perioacutedicos especializados como os noruegueses Ibsen Studies e The Contemporany
Approaches to Ibsen e o norte-americano Ibsen News and Comment que jaacute reuniram uma
boa coletacircnea de pesquisas atuais sobre sua obra No Brasil no entanto Ibsen continua
beirando o esquecimento Mesmo na academia seu teatro parece natildeo ser digno de atenccedilatildeo
haja vista que soacute recentemente em 2000 sua obra foi tema de uma dissertaccedilatildeo a de Tereza
Menezes que resultou no livro mencionado anteriormente Ibsen e o novo sujeito da
modernidade
Nessa conjuntura cabe destacar a traduccedilatildeo em 2002 de duas obras que trazem
importantes reflexotildees sobre o dramaturgo Trageacutedia moderna de Raymond Williams
publicado pela editora Cosac amp Naify de Satildeo Paulo e Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e
Chekhov de Stella Adler editado pela Bertrand Brasil do Rio de Janeiro Em linhas gerais o
professor e criacutetico inglecircs Raymond Williams atraveacutes do retrospecto da histoacuteria das ideacuteias e
das representaccedilotildees acerca da proacutepria noccedilatildeo de trageacutedia procura avaliar como se constitui a
experiecircncia traacutegica em autores modernos como Ibsen Arthur Miller Strindberg OrsquoNeill
Tcheacutekhov Beckett e outros No caso do dramaturgo norueguecircs ele aponta uma nova
definiccedilatildeo de trageacutedia a ldquotrageacutedia liberalrdquo que surge a partir da consolidaccedilatildeo do capitalismo
transformando posiccedilatildeo social em distinccedilatildeo de classe ldquoposiccedilatildeo implicava ordem e conexatildeo
98
classe era apenas uma separaccedilatildeo no acircmbito de uma sociedade informe e indeterminadardquo1 Sob
essa perspectiva Williams aponta como numa forma e contexto novos Ibsen criou suas
peccedilas introduzindo a preocupaccedilatildeo burguesa com o dinheiro a intensidade romacircntica de
alienaccedilatildeo o desejo pervertido o reconhecimento social de instituiccedilotildees inertes e de crenccedilas
limitadoras Mergulhadas nesse ambiente as personagens de Ibsen ganharam a feiccedilatildeo de um
novo tipo de heroacutei Diferentemente do heroacutei da trageacutedia claacutessica para quem bastava a nobreza
de sofrimento as personagens ibsenianas requeriam a auto-realizaccedilatildeo e a liberdade num
mundo falso e hipoacutecrita este o verdadeiro inimigo do homem Portanto segundo Raymond
Williams a essecircncia da obra de Ibsen natildeo estaacute na ldquolibertaccedilatildeo individualistardquo de suas
personagens mas na exploraccedilatildeo dos modos pelos quais a sociedade burguesa apresenta os
obstaacuteculos para se realizar essa aspiraccedilatildeo Por sua vez o livro Stella Adler sobre Ibsen
Strindberg e Chekhov traz as transcriccedilotildees de aulas e palestras de uma das mais eminentes
atrizes do Group Theatre sobre esses trecircs dramaturgos modernos Stella Adler procura
apresentar Ibsen como o precursor do realismo no teatro que se posicionara contra as
hipocrisias da classe meacutedia Eacute assim que ela aponta os temas mais frequumlentemente trabalhados
pelo dramaturgo moral dinheiro casamento verdades e mentiras Nesse percurso Adler
procura definir o objetivo de Ibsen que segundo ela natildeo era lidar com os problemas pessoais
e privados de suas personagens mas ldquoretratar os estados de espiacuterito e os destinos de um ser
humano condicionados por situaccedilotildees sociais importantesrdquo2
Ibsen cria de maneira recorrente e com uma extraordinaacuteria riqueza de detalhes
situaccedilotildees que possibilitam uma relaccedilatildeo analiacutetica com a realidade ora pela compreensatildeo que a
personagem tem de ldquosi mesmardquo e do seu mundo ora pela criacutetica e ataque agrave sociedade Eacute desse
confronto de caracteriacutesticas muitas vezes tidas como excludentes entre si que parece nascer a
praacutetica comum de nossa criacutetica de tentar reduzir sua obra ora ao elemento social ora ao
aspecto romacircntico ou existencialista O ponto paciacutefico eacute que a mateacuteria do teatro de Ibsen eacute
constituiacuteda de lembranccedilas de um passado irremediavelmente perdido Difiacutecil eacute perceber quais
satildeo os instrumentos adequados para lidar com ela eacute entender por que as personagens do
dramaturgo natildeo satildeo heroacuteis nem vilotildees eacute compreender por que os valores do passado satildeo
examinados criticamente Algumas respostas jaacute foram dadas por criacuteticos como Alcacircntara
Machado Rosenfeld Vianinha e Febrot Em Ibsen os conflitos o teacutedio profundo e a crise das
personagens natildeo satildeo puras abstraccedilotildees e sim o resultado da opressatildeo de classe das relaccedilotildees de
1 Raymond Williams ldquoDe heroacutei a viacutetima a feitura da trageacutedia liberal para Ibsen e Millerrdquo Traduccedilatildeo de Betina Bischof Trageacutedia moderna Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002 p 127 2 Stella Adler ldquoHenrik Ibsenrdquo Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e Chekhov Traduccedilatildeo de Socircnia Coutinho Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2002 p 76
99
conveniecircncia dos interesses gerados pelo dinheiro etc Portanto uma montagem ou uma
criacutetica que natildeo levem em conta esses aspectos privilegiando-se apenas o tratamento do
indiviacuteduo em seu psicologismo puro ou a defesa de uma tese torna-se problemaacutetica e
insatisfatoacuteria Haacute que se analisar o vazio e o fastio das personagens mas eacute preciso reconhecer
que esses fatores satildeo frutos da engrenagem anocircnima dos poderes sociais A questatildeo social em
Ibsen como bem jaacute demonstraram Rosenfeld Vianinha Raymond Williams e alguns outros
natildeo fornece apenas a mateacuteria que serve de veiacuteculo para conduzir sua corrente criadora ela
proacutepria eacute o elemento que atua na constituiccedilatildeo do que haacute de essencial em seu teatro
R E F E R Ecirc N C I A S B I B L I O G R Aacute F I C A S
101
TRADUCcedilOtildeES DA OBRA DO AUTOR
TEATRO COMPLETO
IBSEN Henrik Drammi Presentazione di Arturo Farinelli Versione a cura di C Giannini e N Zoja 2 v Cernusco sul Naviglio Milano Garzanti 1946 (Il Milione Grandi Scrittori Stranieri)
______ Henrik Ibsen Saumlmtliche Werke Herausgegeben von Julius Elias und Paul Schlenther 5 v Berlin S Ficher Verlag [19--]
______ Teatro completo Tradution y notas de Else Wasteson Revision y proacutelogo de M Winaerts e Germaacuten Goacutemez de la Mata Madrid Aguilar 1959
______ The collected works of Henrik Ibsen Translated by William Archer 13 v New York Scribnerrsquos sons 1911-1914
______ The Oxford Ibsen Translated and edited by James Walter McFarlane 8 v London Oxford University 1960-1977
POESIA
IBSEN Henrik Ibsenrsquos poems Translated by John Northam Oslo Norwegian University Press 1986
______ Poems by Henrik Ibsen Translated by Brian Sourbut [New York] York Settlement Trust 1993
______ The collected poems of Henrik Ibsen Translated by John Northam Disponiacutevel em lthttpwwwibsennetid=26645gt Acesso em 20 jan 2007
CORRESPONDEcircNCIA
IBSEN Henrik Ibsen letters and speeches Edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964
______ Letters of Henrik Ibsen Translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905
______ Lettres de Henrik Ibsen a ses amis Traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906
102
BIOGRAFIAS
BALZEL Oscar Henrik Ibsen Leipizig Infel Bucherei sd
FERGUSON Robert Henrik Ibsen a new biography London Cohen 1996
KOHT Halvdan Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971
JAEligGER Henrik Henrik Ibsen a critical biography Chicago AC McClurg 1901
LOTHAR Rudolph Henrik Ibsen Leipzig E A Seemann 1902 (Dichter und Darsteller 8)
MEYER Hans-Georg Henrik Ibsen New York Frederick Ungar 1972 (World dramatists series)
MEYER Michael Ibsen a biography by Michael Meyer London Peguin Books 1971
LIVROS E TESES SOBRE O AUTOR
APOLLONIO Mario Ibsen Brescia Morcelliana 1944
BERTEVAL W Le theacuteacirctre drsquoIbsen Preacuteface du Comte Prozor Paris Perrin 1912
BLOOM Harold Modern critical views Philadelphia Chelsea 1999
BOETTCHER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1912
BONET Ofelia Machado Ibsen Montevideo sn 1966
BOYESEN Hjalmar Hjorth Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894
BRADBOOK Muriel Clara Ibsen the Norwegian a revaluation London Chatto amp Windus 1946
BRANDES Georg Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies Revision e Introduction de William Archer New York Macmillan 1899
DEPPERMAN Maria et al (Orgs) Ibsen im europaumlischen Spannungsfeld zwischen Naturlismus um Symbolismus Frankfurt Peter Lang 1998
DOUMIC Reneacute De Scribe a Ibsen causeries sur le theacuteacirctre Paris Perrin 1896
DOWNS Brian W Ibsen the intellectual background New York Cambridge 1948
______ Modern Norwegian literature 1860-1918 Cambridge Cambridge University 1966
103
EGAN Michael Henrik Ibsen the critical heritage London Routledge 1997
EHRHARD Auguste Henrik Ibsen et le theacuteacirctre contemporain Paris Lecegravene Odin 1892 (Nouvelle Bibliothegraveque litteacuteraire)
FARINELLI Arturo Byron e Ibsen Milano Fratelli Booca 1944
FIRKINS Ina Ten Eyck Henrik Ibsena bibliography of criticism and biography with na index to characters New York London H W Wilson Company Grafton amp Company 1921 (Practical Bibliographies)
GRAVIER Maurice Ibsen Paris Seghers 1973
GRAY Ronald Ibsen a dissenting view a study of the last twelve plays London Cambridge 1977
HEIBERG Hans Ibsen a portrait of the artist London George Allen Unwin 1969
HOslashST Sigurd Henrik Ibsen Paris Stock 1924
JACOBBI Ruggero Ibsen la vita il pensiero i testi exemplari Milano Edizione Accademia 1972 (Il memorabili)
JACOBS M Ibsens Buumlhnentechnik Dresden Sibyllen-Verlag 1920
JANSEN ANNIE Ibsen el creador del teatro social Buenos Aires Claridad 1966
JOHNSTON Brian Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989
JORGENSONTHEODORE Henrik Ibsen a study in art and personality Northfield Minnesota St Olaf College 1948
KNIGHT WILSON G Ibsen Edinburgh Oliver and Boyd 1962
LA CHESNAIS Pierre Georget Brand drsquoIbsen eacutetude et analyse Paris Melloteacutee [19--] (Les Cheufs-drsquooeuvre de la Litteacuterature Expliqueacutes)
LAVRIN Janko Ibsen an approach London Methuen [1950]
LINGE Tore La conception de lrsquoamour dans le drama de Dumas fils et drsquoIbsen Paris H Champion 1935 (Bibliothegraveque de la Revue de Litteacuterature Compareacutee tome 110)
LOGEMAN H A commentary critical and explanatory on the Norwegian text of Henrik Ibsenrsquos Peer Gynt Its languageliterary associations and folklore The Hague Nijhoff 1917
LORIEacute OSSIP La philosophie sociale dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1900
104
LUGNEacute-POE Aureacutelien Ibsen par Lugneacute-Poe Paris Rieder 1936 (Maicirctres des Litteacuteratures 21)
MARKER Frederick J e Lise-Lone Ibsenrsquos lively art a performance study of the mayor plays New York Cambridge University 1989
MCFARLANE James Walter (Org) The Cambridge Companion to Ibsen New York Cambridge University 1994
______ Discussions of Henrik Ibsen Boston Heath 1962
______ Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970
______ Ibsen and the temper of Norwegian literature London Oxford 1960
NORTHAM John Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953
REINEDKER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris F Alcan 1912
REQUE Dikka A Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoslashrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930
SAROLET Charles Henrik Ibsen eacutetude sur sa vie amp son oeuvre Paris Nilsson 1891
SHAPIRO Bruce G Divine madness and the absurd paradox Ibsenrsquos Peer Gynt an the philosophy of Kierkegaard New York Greenwood 1990 (Contributions in Drama and Theatre Studies 29)
SHAW George Bernard The quintessence of Ibsenism London Walter Scott 1891
SHEPHERD-BARR Kirsten Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997
SLATAPER Scipio Ibsen Con un cenno su Scipio Slataper di Arturo Farinelli Torino Fratelli Bocca 1916 (Letterature Moderene Studi diretti da A Farinelli v 5)
TAM Kwok-kan Ibsen in China 1908-1997 a critical-annotated bibliography of criticism translation and performance Hong Kong Chinese University Press 2001
TEMPLETON Joan Ibsenrsquos women New York Cambridge University 1997
TENNANT P F D Ibsenrsquos dramatic technique Cambridge Bowes 1948
TISSOT Ernest Le drame norveacutegien Paris Perrin 1893
TORNQVIST Egil Ibsen A dollrsquos house Cambridge Cambridge University 1995
105
WEIGAND Hermann J The Modern Ibsen a reconsideration New York Henry Holt and Company 1925
ZAPPA Gabriella La fortuna di Ibsen in Italia (1891-1969) 1968 Tese (Doutorado em Letras) - Faculdade de Letras e Filosofia Universidade de Milatildeo Milatildeo
CAPIacuteTULO DE LIVROS SOBRE O AUTOR
ADORNO Theodor W ldquoExumaccedilatildeordquoldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo In ______ Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificada Traduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 79-82
ARCHER William ldquoIbsen and the English Theatrerdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 60-67
BENTLEY Eric ldquoTalking Ibsen personallyrdquo In ______ The theatre of commitment and others essays on drama in our society New York Atheneum 1967 p 98-118
BRECHT Bertold ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo In ______ Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12
BREED Paul Francis SNIDERMAN Florence M ldquoIbsenrdquo In ______ Dramatic criticism index a bibliography of commentaries on playwrights from Ibsen to the avant-garde Detroit Gale Research 1972 p 314-334
BRUSTEIN Robert ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 51-102
CASANOVA Ch de Bigault ldquoIbsen poetardquo In BRANDES Jorge Henrik IbsenTraduccedilatildeo e proacutelogo de Jose Liebermann Buenos Aires Tor 1965 p 157-188
FARIAS Javier ldquoEnrique Ibsenrdquo In ______ Historia del teatro Buenos Aires Atlandida 1944 (Coleccion Oro de Cultura General) p 210-211
FERGUSSON Francis ldquoGli Spettri e Il Giardino dei ciliegi il teatro del realismo modernordquo 1962 In ______ Idea di un teatro Milano Feltrinelli 1962 (Universale Economica) p 183-221
FREUD Sigmund ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In ______ Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356
GILMAN Richard ldquoIbsenrdquo In ______ Making of modern drama a study of Buchner Ibsen Strindberg Chekhov Pirandello Brecht Beckett Handke New York Farrar Straus Giraux 1975 p 45-82
106
GOLDMAN Emma ldquoThe scandinavian drama Henrik Ibsenrdquo In ______ The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914
GUARDIA Alfredo de la ldquoCriacioacuten espiritual de Ibsenrdquo In ______ El teatro contemporaacuteneo Buenos Aires Editorial Schapire [1947] p 115-156
LUKAacuteCS Georg ldquoHenrik Ibsen tentativo di creare una tragedia borgheserdquo In ______ La genesi della tragedia borghese de Lessing a Ibsenv 2 Milano SugarCo 1977 p 115-156
LUMLEY Frederick ldquoThe drama since Ibsen and Shawrdquo In ______ New trends in 20th century drama a survey since Ibsen and Shaw New York Oxford University 1972 p 9-16
PITOEumlFF Georges ldquoIbsenrdquo In ______ Notre theacuteacirctre Paris Messages 1949
PLEKHANOV Georgy ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In FLORES Angel Henrik IbsenNew York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007
SHAW George Bernard ldquoBefore and after Ibsen (1891)rdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 68-71
TOUCHARD Pierre-Aime ldquoIbsen ou le theacuteacirctre reacutevolutionnairerdquo In ______ Dionysos apologie pour le theacuteacirctre Nouvelle eacutedition revue et augmenteacute Paris Seuil 1949 p 153-157
WILLIAMS Raymond ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ Drama from Ibsen to Brecht 2 ed London Hogarth 1971 p 33-74
PERIOacuteDICOS SOBRE O AUTOR
ANDERSON Rasmus Bjoslashrn ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American [Wiscosin]15 abr 1882
ARCHER William ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 209-214 1 abr 1884
______ ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891
ARESTAD Sverre ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948
AVELING Edward ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-480 maio 1884
AVELING Edward MARX-AVELING Eleanor ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886
107
BOYESEN Hjalmar Hjorth ldquoHenrik Ibsenrdquo The Century a popular quarterly New York v 9 p 794-796 mar 1890
BRANDES Georg ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897
FJELDE Rolf ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988
HAGE Anne ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005
JAMES Henry ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893
MAETERLINCK Maurice ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894
SCOTT Clement [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893
______[sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891
URSO Simona ldquoIbsen in Italiardquo Societagrave Italiana per lo studio della Storia Contemporanea Scene di fine Ottocento lrsquoItalia fin de siegravecle a teatro Seccedilatildeo Cantieri di Storia II Disponiacutevel em lthttpwwwsisscoitattivitasem-set-2003relazioniursortfgt Acesso em 20 jan 2007
WIEDNER Elsie M ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978
GERAL
ABREU Briacutecio de Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958
ALMEIDA PRADO Deacutecio de Teatro brasileiro moderno Satildeo Paulo Perspectiva 1988
ANDERSON Rasmus Bjoslashrn Life story Madison Wisconsin ediccedilatildeo do autor 1915
ANTOINE Andreacute Mes souvenirs sur le Theacuteacirctre Libre Paris Arthegraveme Fayard 1921
BIGEON Maurice Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894
BETTI Maria Siacutelvia Oduvaldo Vianna Filho Satildeo Paulo EDUSP 1997
BORDEAUX Henry La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894
BOSI Alfredo ldquoPor um historicismo renovado reflexo e reflexatildeo na histoacuteria literaacuteriardquo In ______ Teresa revista de literatura brasileira n 1 Satildeo Paulo Ed34 2000
108
BOYESEN Hjalmar Hjorth Essays on Scandinavian literature London David Nutt 1895
BRANDAtildeO Cristina O Grande Teatro Tupi do Rio de Janeiroo teleteatro e suas muacuteltiplas faces Juiz de Fora UFJF OP COM 2005
BROCA Brito A vida literaacuteria no Brasil ndash 1900 Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1960
CACCIAGLIA Mario Pequena histoacuteria do teatro no Brasil (quatro seacuteculos de teatro no Brasil) Traduccedilatildeo de Carla de Queiroz Satildeo Paulo EDUSP 1986
CAFEZEIRO Edwaldo GADELHA Carmem Histoacuteria do teatro brasileiro um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues Rio de Janeiro UFRJ 1996
CAIRO Luiz Roberto Velloso Introduccedilatildeo agrave teoria literaacuteria de Araripe Juacutenior um criacutetico
brasileiro precursor da vanguarda atual 1978 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Linguumliacutestica e
Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de
Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
______ O salto por cima da proacutepria sombra o discurso criacutetico de Araripe Juacutenior uma
leitura 1986 Tese (Doutorado em Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de
Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas
Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo
CANDIDO Antonio et al A personagem de ficccedilatildeo Satildeo Paulo Perspectiva 1968
CANDIDO Antonio Literatura e sociedade estudos de teoria e histoacuteria literaacuteria Satildeo Paulo Nacional 1965
CARLSON Marvin Teorias do teatro estudo histoacuterico-criacutetico dos gregos agrave atualidade Traduccedilatildeo de Gilson Ceacutesar Cardoso de Souza Satildeo Paulo UNESP 1997
CARPEAUX Otto Maria La litteacuterature breacutesilienne du bovarysme agrave lrsquoengagement In ______ Les Temps Modernes Le Breacutesil n 257 Paris octobre 1967
CARVALHO Seacutergio de O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
COSTA Inaacute Camargo A hora do teatro eacutepico no Brasil Rio de Janeiro Paz e Terra 1996
______ Sinta o drama Rio de Janeiro Vozes 1998
CRAIG Edward Gordon Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971
109
DOacuteRIA Gustavo A Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975
FARIA Joatildeo Roberto Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva FAPESP 2001
______ O teatro na estante estudos sobre dramaturgia brasileira e estrangeira Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial 1998
______ O teatro realista no Brasil 1855-1865 Satildeo Paulo EDUSP Perspectiva 1993
FERRATON Hubert Syndicalisme ouvrier et social-deacutemocratie en Norvegravege Paris Armand Colin 1960
GOLDMAN Emma Anarchism and other essays New York Dover 1969
GOULD Jean Dentro e fora da Broadway o teatro moderno norte-americano Traduccedilatildeo Ana Maria M Machado Rio de Janeiro Bloch 1968
GRANIER Caroline Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes ndash Saint-Denis Paris
GUERRA Marco Antocircnio Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
GUINSBURG J FARIA Joatildeo Roberto LIMA Mariacircngela Alves de (Orgs) Dicionaacuterio do teatro brasileiro temas formas e conceitos Satildeo Paulo Perspectiva SESC Satildeo Paulo 2006
GUZIK Alberto TBC crocircnica de um sonho Satildeo Paulo Perspectiva 1986
HALLEWELL Laurence O livro no Brasil sua histoacuteria Traduccedilatildeo de Maria da Penha Villalobos Loacutelio Lourenccedilo de Oliveira e Geraldo Gerson de Souza Satildeo Paulo EDUSP 2005
HAUGSTOL H VERGEL J This is Norway Oslo Arne Gimmes Forlag 1949
HOBSBAWN Eric J A Era do Capital 1848-1875 Rio de Janeiro Paz e Terra 1996
______ A Era dos Impeacuterios 1875-1914 Rio de Janeiro Paz e Terra 2002
HYMAN Erin Williams ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005
LEITE Pedro Sisnando Escandinaacutevia modelo de desenvolvimento democracia e bem-estar Satildeo Paulo HUCITEC 1982
LEMAIcircTRE Jules Impressions de theacuteacirctre 10 v Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897
110
LOMBROSO Cesare LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894
LOMBROSO Cesare FERRERO William The female offender New York Philosophical Library 1958
LUKAacuteCS Georg Il drama moderno Milano SugarCo 1976
______ Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968
______ Teoria do romance uma ensaio histoacuterico-filosoacutefico sobre as formas da grande eacutepica Satildeo Paulo Duas Cidades Ed 34 2000
MAGALDI Saacutebato VARGAS Maria Thereza Cem anos de teatro em Satildeo Paulo (1875-1974) Satildeo Paulo SENAC 2000
MAGALDI Saacutebato Panorama do teatro brasileiro Satildeo Paulo Difel 1962
MARTINS Maria Helena (Org) Rumos da criacutetica Satildeo Paulo SENAC Itauacute Cultural 2000
MARTINS Wilson A criacutetica literaacuteria no Brasil 2 v Rio de Janeiro Francisco Alves 1983
MEYERHOLD Vsevolod Meyerhold on theatre Translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969
MILAREacute Sebastiatildeo ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrmateria_atualaspmat=176gt Acesso em 20 jan 2007
MORAES Alexandre Lara de Indiviacuteduo e resistecircncia sobre a anulaccedilatildeo da individualidade e a possibilidade de resistecircncia do indiviacuteduo em Adorno e Horkheimer Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia) Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Universidade Estadual de Campinas Campinas
NAESS Harald S A history of Norwegian literature London University of Nebraska 1993
NEVES Larissa de Oliveira O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 2 v Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas
NOCCIOLI Guido Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Translated by Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982
NORDAU Max Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94
PAVIS Patrice Dicionaacuterio de teatro Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Maria Luacutecia Pereira Satildeo Paulo Perspectiva 1999
111
PEREIRA Sidecircnia Freire O teleteatro da TV TUPI em Satildeo Paulo origens e contribuiccedilotildees na
teledramaturgia nacional 2004 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Comunicaccedilatildeo e Arte) ndash
Departamento de Comunicaccedilatildeo e Arte Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo
Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo
PEIXOTO Fernando (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983
PIVOT Sylvain Norvegravege Paris Seuil 1960 (Collection Petite Planegravete)
RAULINO Berenice Ruggero Jacobbi presenccedila italiana no teatro brasileiro Satildeo Paulo Perspectiva 2002
ROSENFELD Anatol O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000
______ Prismas do Teatro Satildeo Paulo Perspectiva EDUSP UNICAMP 1993
SARCEY Francisque Quarante ans de theacuteacirctre 8 v Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1900-1902
SILVA Flaacutevio Luiz Porto e (Org) O teleteatro paulista nas deacutecadas de 50 e 60 Satildeo Paulo Secretaria Municipal de Cultura Departamento de informaccedilatildeo e documentaccedilatildeo artiacutesticas Centro de documentaccedilatildeo e informaccedilatildeo sobre arte brasileira contemporacircnea 1981 (Cadernos 4)
STOVERUD T Milestones of Norwegian Literature Oslo Johan Grundt Tanum Forlag 1967
SZONDI Peter Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001
VENTURA Mauro de Souza Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
VENTURA Roberto Estilo tropical histoacuteria cultural e polecircmicas literaacuterias no Brasil 1870-1914 Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991
WAIZBORT Maria do Carmo Malheiros Um diaacutelogo criacutetico Otto Maria Carpeaux e as ldquociecircncias do espiacuteritordquo 1992 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Literatura Brasileira) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
This document was created with Win2PDF available at httpwwwwin2pdfcomThe unregistered version of Win2PDF is for evaluation or non-commercial use onlyThis page will not be added after purchasing Win2PDF
6
ABSTRACT
Silva JP Ibsen in Brazil historiography selection of critical texts and bibliographical
catalogue 2007 3 v f Dissertation (Masterrsquos degree) ndash Faculdade de Filosofia Letras e
Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo 2007
This work composed of three volumes (I Historiography II Selection of critical texts and
III Bibliographical catalogue) presents an overview of the reception of Ibsen in Brazil The
first volume is an assessment of the rich and varied criticism Ibsen received in Brazil within
the context of the theatrical ideas of the nineteenth century the modernization of the theatre in
the 1940s until the contemporary level of critical trends The second selects the most relevant
texts in order to understand the works of the playwright which were published in Brazil from
1985 and 2002 Finally the third presents bibliographical information on Brazilian
translations of his plays on adaptations carried through in theatre and on TV in books book
chapters prefaces and texts published in periodicals about the playwright Through this route
an attempt was made to understand the way Ibsenian theatre was assimilated by Brazilian
critics taking into account foreign influences especially of French origin At the same time
we attempt to highlight examples of breaking from such tradition especially considering the
thoughts of Antonio de Alcacircntara Machado Otto Maria Carpeaux and Anatol Rosenfeld who
gave us another approach to the studies of Ibsenrsquos plays
Keywords Henrik Ibsen Modern drama Brazilian theatre History of the theatre
7
SUMAacuteRIO
VOLUME I HISTORIOGRAFIA
Nota 4
Resumo 5
Abstract 6
Iacutendice 13
INTRODUCcedilAtildeO
Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15
IBSEN NO BRASIL
As primeiras encenaccedilotildees 40
Um claacutessico imperfeito 53
Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58
Entre o teatro amador e o profissional 63
A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 101
VOLUME II SELECcedilAtildeO DE TEXTOS CRIacuteTICOS
Iacutendice 120
Nota preacutevia 125
1 Os espectros de Henrik Ibsen (C Parlagreco) 127
2 Novelli ndash Ibsen (Sem assinatura) 131
3 Novelli ndash ldquoHenrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo (A) 136
4 Novelli ndash Os espectros (Sem assinatura) 139
5 Os espectros (Sem assinatura) 141
6 Ermete Novelli (Sem assinatura) 143
8
7 O Teatro ndash ldquoA grande figura de Francisque Sarcey []rdquo (Artur Azevedo) 145
8 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro colega e amigo []rdquo
(Luiacutes de Castro) 147
9 A casa de boneca (Luiacutes Guimaratildees Filho) 150
10 Teatro contemporacircneo Henrik Ibsen (Luiacutes de Castro) 154
11 SantrsquoAnna ndash Casa de boneca (Oscar Guanabarino) 158
12 Luciacutelia Simotildees (Paulo Barreto ndash Joatildeo do Rio) 166
13 O Teatro ndash ldquoEu estava no sul de Minas []rdquo (Artur Azevedo) 169
14 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro Artur []rdquo (Luiacutes de Castro)
174
15 O Teatro ndash ldquoLuiacutes de Castro voltou []rdquo (Artur Azevedo) 178
16 Ibsen e o seu teatro (Leopoldo de Freitas) 179
17 Politheama ndash ldquoPoucos homens neste seacuteculo []rdquo (Sem assinatura) 183
18 Teatro Lucinda ( PB ndash Joatildeo do Rio) 188
19 SantrsquoAnna ndash ldquoA primeira vez []rdquo (Sem assinatura) 190
20 Antoine ndash ldquoA companhia Antoine []rdquo (Sem assinatura) 192
21 O Teatro ndash ldquoTerminei o meu uacuteltimo folhetim []rdquo (Artur Azevedo) 193
22 SantrsquoAnna ndash ldquoA representaccedilatildeo da Casa de boneca de Ibsen []rdquo (Sem assinatura)
195
23 O Teatro ndash ldquoPassando por alto uma representaccedilatildeo da Fernanda []rdquo (Artur Azevedo)
197
24 Crocircnica ndash ldquoA nota artiacutestica foi a representaccedilatildeo de Hedda Gabler []rdquo (OB ndash Olavo Bilac) Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 7 jul 1907
199
25 Revistinha ndash Tourneacutee Eleonora Duse Teatro SantrsquoAnna Hedda Gabler drama de H Ibsen (Joatildeo Crespo)
201
26 SantrsquoAnna ndash ldquoEleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo (Sem assinatura)
207
27 Hedda Gabler ndash ldquoDissemos que Ibsen ainda natildeo eacute []rdquo (Sem assinatura) 208
28 Revistinha ndash ldquoUm criacutetico teatral de uma folha []rdquo (Joatildeo Crespo) 211
9
29 Ainda Hedda Gabler (Sem assinatura) 213
30 Revistinha ndash ldquoVaacute de resposta ao criacutetico teatral []rdquo (Joatildeo Crespo) 215
31 Os meus domingos (Alfredo Pujol) 217
32 A esteacutetica de uma trageacutedia (Graccedila Aranha) 221
33 Teatro Municipal ndash ldquoDois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo (Sem assinatura) 223
34 Ibsen o teatro de pensamento comemora o 1ordm centenaacuterio do nascimento do grande criador dinamarquecircs [norueguecircs] (Sem assinatura)
226
35 No centenaacuterio de Ibsen (Fleacutexa Ribeiro) 229
36 O primeiro centenaacuterio de Ibsen a obra e a vida do genial escandinavo A influecircncia de suas ideacuteias no teatro contemporacircneo (Sem assinatura)
232
37 Agrave memoacuteria de Ibsen (Camille Mauclair) 237
38 H Ibsen (Nestor Viacutetor) 241
39 Ibsen e o subconsciente (Fleacutexa Ribeiro) 243
40 Henrik Ibsen ndash ldquoEsse norueguecircs de Skien []rdquo (JJ de Saacute ndash Antonio de Alcacircntara Machado)
247
41 Teatro Municipal ndash ldquoEscrita haacute um pouco mais de meio seacuteculo []rdquo (Sem assinatura)
260
42 Defesa de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 262
43 O ibsenismo no Brasil (Alceste ndash Brito Broca) 270
44 Ibseniana ndash ldquoEstatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo (Otto Maria Carpeaux)
272
45 Aos atores brasileiros (Otto Maria Carpeaux) 276
46 Ibsen 50 anos depois (OMC ndash Otto Maria Carpeaux) 279
47 Presenccedila de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 282
48 Introduccedilatildeo a Ibsen (Ruggero Jacobbi) 287
49 Ibsen e a sua obra (Edmundo Moniz) 297
50 Ibsen atual (Ruggero Jacobbi) 307
51 Ibseniana ndash ldquoAcontece embora raramente []rdquo (Otto Maria Carpeaux) 312
52 Ibsen e o tempo passado (Anatol Rosenfeld) 316
10
53 Ibsen na sua correspondecircncia (Livio Xavier) 320
54 Modernidade de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 323
55 Ibsen e o Dr Stockmann (Luiz Israel Febrot) 327
56 Hedda Gabler ndash ldquoSegundo a crocircnica o maior sucesso de Ibsen []rdquo (Luiz Israel Febrot)
334
57 Os espectros satildeo as velhas ideacuteias (Luiz Israel Febrot) 341
58 De Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) (Joseacute Carlos Garbuglio)
346
59 Natildeo perca esta aventura (Saacutebato Magaldi) 363
60 A casa de bonecas (Luiacuteza Barreto Leite) 368
61 Nossa Casa de bonecas (Otto Maria Carpeaux) 370
62 Ibsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeo (Mariacircngela Alves de Lima) 372
63 A velha Casa de bonecas renovada por Tocircnia (Saacutebato Magaldi) 374
64 O gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humano (Deacutecio Drummond)
376
65 Encenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsen (Mariacircngela Alves de Lima)
379
66 Ibsen o pai do teatro de hoje faz 150 anos (Adones de Oliveira) 384
67 150 anos de Ibsen uma anaacutelise da obra do primeiro dramaturgo moderno (John Mortimer)
388
68 Casa de bonecas 100 anos depois (Sem assinatura) 392
69 Quem eacute Hedda Gabler (Deacutecio de Almeida Prado) 394
70 A densidade dramaacutetica de Ibsen (Fernando Peixoto) 399
71 As obsessotildees de Ibsen (Samuel Titan Jr) 403
72 Penuacuteltima peccedila de Ibsen estreou haacute cem anos (Seacutergio de Carvalho) 406
73 O inimigo do povo privilegia defesa de tese (MAL ndash Mariacircngela Alves de Lima)
413
74 Peccedila de Ibsen mobiliza atrizes desde o seacuteculo 19 (Mariacircngela Alves de Lima)
415
11
VOLUME III CATAacuteLOGO BIBLIOGRAacuteFICO
Iacutendice 425
Cronologia da vida e obra de Ibsen 429
Nota explicativa 434
Abreviaturas 436
1 Obra traduzida do autor 438
2 Obra sobre o autor 447
3 Montagem Teatro 523
4 Montagem TV 612
JANE PESSOA DA SILVA
Ibsen no Brasil
Historiografia Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e Cataacutelogo bibliograacutefico
Volume I
Satildeo Paulo 2007
13
IacuteNDICE
INTRODUCcedilAtildeO
Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15
IBSEN NO BRASIL
As primeiras encenaccedilotildees 40
Um claacutessico imperfeito 53
Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58
Entre o teatro amador e o profissional 63
A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
Traduccedilotildees da obra do autor teatro completo poesia correspondecircncia 101
Biografias 102
Livros e teses sobre o autor 102
Capiacutetulos de livro sobre o autor 105
Perioacutedicos sobre o autor 106
Geral 107
I N T R O D U Ccedil Atilde O
15
Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna
Henrik Ibsen (1828-1906) eacute uma figura central na histoacuteria do teatro moderno Suas vinte e
seis peccedilas escritas ao longo de quase 50 anos inauguraram uma nova era de experimentaccedilatildeo
teatral sobretudo no que diz respeito agrave dramaturgia abandonando as velhas formas do teatro
claacutessico e incorporando em sua fatura os problemas de seu tempo A nova forma de suas peccedilas
que se diferenciava bastante do drama burguecircs mdash comeacutedias realistas que apresentavam no palco
os costumes e os valores morais da burguesia mdash obrigou os artistas a repensar a concepccedilatildeo do
fazer teatral modificando a estrutura do palco o trabalho do ator e a relaccedilatildeo entre texto autor e
plateacuteia Aleacutem disso sua luta constante contra as convenccedilotildees tacanhas e obsoletas da sociedade
burguesa tatildeo evidentes nos chamados ldquodramas sociaisrdquo como Os pilares da sociedade (1877)
Casa de boneca (1879) Os espectros (1881) e Um inimigo do povo (1884) fizeram de Ibsen um
dos autores mais discutidos da segunda metade do seacuteculo XIX Suas ideacuteias aleacutem de influenciarem
muitos dramaturgos como Bernard Shaw Oscar Wilde Arthur Miller entre outros foram
apropriadas no acircmbito literaacuterio pelos movimentos de vanguarda da Europa como o naturalismo
e o simbolismo e na esfera poliacutetica pelos socialistas e anarquistas A partir de Ibsen o teatro
deixa de ser visto apenas como um entretenimento passando a ser encarado tambeacutem como um
instrumento de experiecircncia social que abriu o caminho para as novas formas teatrais do seacuteculo
XX
Ibsen iniciou sua carreira como homem de teatro em 1850 ano da consolidaccedilatildeo do
capitalismo europeu e do desmedido avanccedilo econocircmico que desencadearam uma seacuterie de
transformaccedilotildees na sociedade Nessa eacutepoca de especulaccedilatildeo financeira de imperialismo e de
ascensatildeo do proletariado o dinheiro passa a dominar toda a vida puacuteblica e privada tudo se curva
diante dele tudo o serve As novas relaccedilotildees sociais os direitos e o poder expressam-se em termos
de capital e as pessoas vecircem-se cada vez mais como rivais e inimigas sendo necessaacuterio conquistar
e legitimar permanentemente posiccedilotildees e influecircncias O matrimocircnio e a famiacutelia constituem o esteio
desse mundo burguecircs mormente porque tambeacutem estatildeo ligados ao sistema de propriedade e de
empreendimentos rentaacuteveis Os casamentos em regra estabelecem-se entre famiacutelias do mesmo
status social ou da mesma linha de negoacutecios e a estrutura patriarcal baseada na subordinaccedilatildeo da
mulher e dos filhos eacute mantida O enfraquecimento da unidade familiar eacute inaceitaacutevel seja atraveacutes
da paixatildeo descontrolada por indiviacuteduos ldquoimproacutepriosrdquo (isto eacute economicamente indesejaacuteveis) seja
atraveacutes de escacircndalos morais
16
Na vida artiacutestica prevalecem as tendecircncias que estatildeo de acordo com o gosto burguecircs a
obra faacutecil e agradaacutevel destinada apenas ao entretenimento A arte reduzida agrave diversatildeo e ao
apraziacutevel domina todas as formas de produccedilatildeo mas principalmente aquela ligada agrave esfera puacuteblica
o teatro Este apresenta-se como um instrumento de propaganda da ideologia burguesa de seus
princiacutepios econocircmicos sociais e morais Assim a importacircncia da famiacutelia como alicerce da
sociedade torna-se o principal assunto do teatro burguecircs Os ideais os deveres e sobretudo o amor
eterno capaz de resistir agrave prova cotidiana da vida conjugal satildeo valores constantemente
propugnados pelos dramaturgos desse periacuteodo Em La dame aux cameacutelias de Dumas Filho por
exemplo o amor do heroacutei pela cortesatilde eacute incompatiacutevel com a respeitabilidade da famiacutelia burguesa
em Le mariage drsquoOlympe de Eacutemile Augier a mulher de moral duvidosa natildeo tem como se
regenerar e deve ser banida do corpo social Em suma a discussatildeo de temas como a usura a
agiotagem a prostituiccedilatildeo e o casamento de conveniecircncia servem apenas como contrapontos agraves
ldquovirtudes burguesasrdquo
Aleacutem da temaacutetica moralizante as peccedilas tecircm de ser simples e ligeiras obedecendo aos
estratagemas e agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita Desse modo a accedilatildeo deve ser unificada a trama
deve desenrolar-se em um soacute lugar e sua duraccedilatildeo natildeo deve exceder vinte quatro horas o assunto
por mais indecoroso que seja nunca deve ser problemaacutetico nem tampouco obscuro a distribuiccedilatildeo
da mateacuteria dramaacutetica deve ser feita segundo um esquema de exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e
desenlace buscando sempre o mais alto grau de identificaccedilatildeo e verossimilhanccedila Em tal peccedila tudo
deve parecer inesperado embora tudo seja previsiacutevel As discussotildees os conflitos e ateacute mesmo o
desfecho da obra devem estar de acordo com o desejo e com a expectativa do puacuteblico Assim o
enredo torna-se o ingrediente mais artificial do drama e o que realmente importa eacute a arte de
produzir complicaccedilotildees e tensatildeo de atar e desatar noacutes de preparar as reviravoltas da intriga e
sobretudo de manter continuamente o suspense atraveacutes de uma sequumlecircncia de quumliproquoacutes efeitos e
golpes de teatro
Durante algum tempo Ibsen tentaraacute escrever segundo os artifiacutecios da peccedila bem-feita Os
seus primeiros dramas no entanto estatildeo mais proacuteximos do nacionalismo romacircntico e de modo
geral tratam de temas da histoacuteria e da mitologia norueguesa Eacute a partir de A comeacutedia do amor
(1862) que o autor passa a demonstrar interesse pelos assuntos de seu tempo A comeacutedia escrita
em versos tem o rigor da construccedilatildeo e da coerecircncia loacutegica exigidas pela convenccedilatildeo e ademais
apresenta o tema dileto da burguesia o amor Svanhild ama o poeta Falk mas entre o verdadeiro
amor e a solidez de uma vida confortavelmente burguesa a personagem escolhe a segunda opccedilatildeo
casando-se por conveniecircncia com o rico comerciante Gustald Essa peccedila escandalizou de tal modo
seus contemporacircneos que teve sua representaccedilatildeo vetada Com exceccedilatildeo do artigo do jornalista
17
norueguecircs Ditmar Mejdell que a considerou um deploraacutevel contra-senso literaacuterio quase nada se
publicou sobre a peccedila Apenas em conversas privadas falava-se dela qualificando-a como
vergonhosa e imoral
As obras seguintes jaacute satildeo de natureza diversa e apontam pouco a pouco o rumo da nova
dramaturgia proposta por Ibsen Na peccedila histoacuterica Os pretendentes agrave coroa (1863) e nos poemas
dramaacuteticos Brand (1866) e Peer Gynt (1867) a regra da unidade de tempo e espaccedilo eacute rompida As
aventuras de Peer por exemplo comeccedilam no iniacutecio do seacuteculo XIX e terminam em 1860
desenrolando-se na Noruega no Marrocos no deserto do Saara etc A personagem-tiacutetulo natildeo tem
vontade proacutepria eacute um homem elusivo cujas atitudes natildeo se prestam agrave criaccedilatildeo de conflitos entre
protagonistas e antagonistas e portanto estaacute longe de ser heroacutei de um drama rigoroso Sua vida eacute
ilustrada atraveacutes de uma sequumlecircncia de episoacutedios que nada tem do caraacuteter dramaacutetico exigido pela
convenccedilatildeo teatral Por esses motivos o criacutetico dinamarquecircs Clemens Petersen declarou que o
drama pecava contra as regras essenciais da poesia Em A liga da juventude (1869) Ibsen
abandona de vez os versos e satiriza a poliacutetica norueguesa A accedilatildeo se passa num ambiente rural e
as personagens satildeo pequenos burgueses agraves voltas com preocupaccedilotildees corriqueiras casamentos
vantajosos mesquinharias e ambiccedilotildees de arrivistas O protagonista eacute o advogado Stensgaard que
em busca de poder poliacutetico usa de todos os expedientes para conquistar um lugar no parlamento
Ele defende os princiacutepios de abnegaccedilatildeo e altruiacutesmo enfrenta Brattsberg o maior industrial da
cidade mas natildeo pensa duas vezes em se unir a ele para desfrutar as regalias de uma vida
burguesa O drama apresenta as caracteriacutesticas baacutesicas da peccedila bem-feita como a accedilatildeo variada e
complicada e o rigoroso encadeamento causal dos acontecimentos mas as reviravoltas da intriga
natildeo servem apenas para surpreender o espectador e sim para mostrar paulatinamente o quatildeo
inescrupuloso e demagogo eacute o protagonista Ateacute entatildeo na Noruega com exceccedilatildeo de A comeacutedia
do amor nenhum outro drama tinha abordado tatildeo escancaradamente os assuntos contemporacircneos
tornando-se assim a primeira representaccedilatildeo de A liga da juventude um verdadeiro alvoroccedilo Os
poliacuteticos do partido liberal norueguecircs sentiram-se caluniados sobretudo Bjoslashrnson poeta e
dramaturgo que se viu retratado na figura de Stensgaard Durante a encenaccedilatildeo houve
manifestaccedilotildees protestos e vaias obrigando o diretor da peccedila a subir ao palco e pedir silecircncio para
que a representaccedilatildeo pudesse continuar
Em 1873 aparece Imperador e Galileu drama histoacuterico que aborda o conflito entre
cristianismo e paganismo Contudo eacute com Os pilares da sociedade escrita quatro anos mais
tarde que Ibsen torna-se conhecido no restante da Europa Nessa peccedila as personagens
abandonam a linguagem empolada e numa prosa coloquial discorrem sobre temas como a
corrupccedilatildeo e a hipocrisia social A histoacuteria do cocircnsul Bernick homem rico e conceituado que
18
arruinou os membros da proacutepria famiacutelia e praticou crimes contra os cidadatildeos ao construir navios
defeituosos para receber o seguro mariacutetimo obteve grande ecircxito fora da Noruega Na Alemanha
a peccedila mereceu cinco montagens em 1878 sendo recebida como a expressatildeo do espiacuterito da eacutepoca
A partir dessa obra Ibsen abdica das figuras e das situaccedilotildees histoacutericas abrindo-se a uma nova
temaacutetica que forccedilosamente tende a dissolver a estrutura rigorosa do drama O desmascaramento
da sociedade passa a ser foco principal do autor e sua criacutetica primeira eacute dirigida agrave quintessecircncia
do mundo burguecircs o lar A sala de visitas da famiacutelia pequeno-burguesa ateacute entatildeo lugar onde os
indiviacuteduos conservavam a aparecircncia de uma vida harmoniosa onde problemas e contradiccedilotildees
podiam ser esquecidos ou suprimidos artificialmente passa a ser o ambiente onde transcorreraacute a
maior parte das accedilotildees de suas peccedilas Esse recinto iacutentimo e privado torna-se o cenaacuterio perfeito para
a caricatura da vida de cidadatildeos comuns e para o debate de temas como a poliacutetica do matrimocircnio
o relacionamento entre pais e filhos a liberdade a igualdade entre os sexos a mentira e a
hipocrisia Tal mudanccedila altera consequumlentemente a estrutura por vezes um tanto mecacircnica de seus
dramas e progressivamente seu teatro vai abrindo brechas na peccedila bem-feita
O primeiro abalo significativo na forma do drama foi produzido por Casa de boneca
(1879) Nessa peccedila Ibsen assinala a contradiccedilatildeo entre a estrutura da famiacutelia patriarcal e a
sociedade burguesa Por um lado ele questiona como um mundo baseado numa economia de
obtenccedilatildeo de lucro na livre iniciativa na igualdade de direitos oportunidades e liberdade pode
apoiar-se na instituiccedilatildeo do matrimocircnio que nega todos esses ideais e por outro denuncia o
cerceamento da liberdade e dos direitos das mulheres Aleacutem disso ele critica o sistema capitalista
ao fazer do dinheiro a mola propulsora de todos os acontecimentos de sua peccedila Ao abrir do pano
Nora define sua felicidade como resultado de uma situaccedilatildeo financeira vantajosa com a recente
nomeaccedilatildeo de Torvald Helmer seu marido para o cargo de diretor de um Banco Logo em
seguida ela censura a amiga Cristina Linde por ter feito um casamento de conveniecircncia para
assegurar uma vida economicamente estaacutevel Por fim cercada de roupas cortinas almofadas e
papeacuteis de parede eacute posta no palco a famiacutelia burguesa Helmer eacute o pai o marido o senhor honesto
e respeitado cuja funccedilatildeo eacute manter a paz o conforto e a harmonia do lar Nora eacute o ldquoanjo da casardquo
a matildee a esposa ignorante e tola cuja uacutenica tarefa cuidar dos filhos e dirigir os criados natildeo exige
qualquer inteligecircncia nem conhecimento Um casal aparentemente perfeito e feliz ateacute Nora
falsificar a assinatura de seu pai e contrair diacutevidas para custear o tratamento de sauacutede do marido
Helmer como muitos moralistas natildeo fica exasperado com o delito da esposa mas sim com a
ameaccedila de perder sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na sociedade No desfecho Nora frustra-se com a
atitude do marido repensa sua situaccedilatildeo de inferioridade e decide abandonar o lar e os filhos para
buscar sua liberdade pessoal
19
A primeira representaccedilatildeo de Casa de boneca ocorreu no Teatro Real em Copenhague
em dezembro de 1879 e no decurso de dois meses foi encenada em todos os principais
teatros da Escandinaacutevia A peccedila despertou tantas polecircmicas e comentaacuterios que logo Ibsen
passou a ser conhecido em todo o mundo Elogiado e aceito como gecircnio por uns e atacado por
outros o dramaturgo passou agrave ordem do dia O abandono do marido e dos filhos por Nora foi
o ponto que mais desconcerto produziu entre artistas criacuteticos e espectadores Na Alemanha a
atriz Hedwig Neimann-Raabe recusou-se a representar o desenlace da peccedila sendo necessaacuterio
o acreacutescimo de mais um ato agrave montagem onde a esposa arrependida volta ao lar com um filho
nos braccedilos Em Viena a inteacuterprete de Nora natildeo conseguiu deixar o palco na uacuteltima cena
Como se lhe faltasse o valor moral para tomar aquela decisatildeo apoiou-se agrave porta ficando ali
estaacutetica hesitante ateacute que o pano descesse lentamente Na Itaacutelia a Nora de Eleonora Duse
perdeu o mais corajoso gesto ao natildeo ir embora por livre iniciativa mas forccedilada pelo marido
No Japatildeo Matsui Sumako foi a primeira mulher a interpretar uma protagonista Sua Nora ao
mesmo tempo que emancipou as mulheres no palco japonecircs foi criticada pelo movimento
feminista Seistosha que considerou egoiacutesta a atitude da personagem alegando que ela natildeo
havia sido agredida fisicamente pelo marido
Aleacutem de Casa de boneca outra importante contribuiccedilatildeo para o renome de Ibsen foram
os trabalhos do criacutetico dinamarquecircs Georg Brandes Nos anos 1870 ele era uma das figuras
mais proeminentes da Escandinaacutevia e o principal filtro das ideacuteias entre os paiacuteses escandinavos
e o resto da Europa Brandes conseguiu popularidade sobretudo em 1871 quando fez uma
seacuterie de conferecircncias puacuteblicas em Copenhague incitando os escritores agrave reflexatildeo sobre os
desafios da literatura europeacuteia no final do seacuteculo XIX Para ele a proacutepria modernidade era o
tema que a ficccedilatildeo tinha de assumir e cabia aos escritores tomar a dianteira nessa empreitada
Nesse periacuteodo Ibsen passa a se corresponder com ele revelando atraveacutes de suas cartas um
profundo engajamento com as ideacuteias do criacutetico dinamarquecircs Pode-se dizer que o contato
entre os dois foi uma das razotildees que fez com que o autor abandonasse o nacionalismo
romacircntico de suas primeiras peccedilas movendo-se em direccedilatildeo aos problemas sociais de seu
tempo Brandes influenciou consideravelmente a recepccedilatildeo do dramaturgo na Inglaterra e na
Franccedila Ele manteve um contato estreito com Edmund Gosse e William Archer tradutores
ingleses do teatro ibseniano e frequumlentemente era evocado nos prefaacutecios das traduccedilotildees
francesas de Moritz Prozor Criacuteticos e escritores em toda a Europa reconheciam Brandes
como a autoridade maacutexima acerca da obra ibseniana Esse status internacional teve um papel
importante quando em 1897 o criacutetico defendeu Ibsen na revista Cosmopolis respondendo
(em francecircs) agraves acusaccedilotildees de que as ideacuteias do dramaturgo eram plagiadas dos autores
20
franceses No ano seguinte Brandes publicou Henrik Ibsen livro composto de trecircs ensaios
escritos em diferentes periacuteodos tornando-se o primeiro a tratar das questotildees cruciais que a
obra de Ibsen impunha agrave sociedade da eacutepoca O ensaio de 1867 traz uma visatildeo conjunta da
personalidade intelectual do dramaturgo na Europa o de 1882 discute a evoluccedilatildeo marcante de
sua carreira com a produccedilatildeo de obras que lhe garantiram uma posiccedilatildeo de destaque dentro e
fora da Escandinaacutevia e o de 1898 escrito em comemoraccedilatildeo ao 70ordm aniversaacuterio do
dramaturgo atualiza a sua obra poeacutetica1
Enquanto Brandes ganhava notoriedade com suas leituras puacuteblicas na deacutecada de 1870
tentativas iniciais de divulgar as ideacuteias ibsenianas na Franccedila e na Inglaterra comeccedilavam a ser
feitas A essa altura o dramaturgo jaacute tinha conseguido alguma reputaccedilatildeo fora da Escandinaacutevia
por causa dos rumores provocados por peccedilas como A comeacutedia do amor e Os pilares da
sociedade Sua obra que assumia cada vez mais o cunho de criacutetica social transformou-se em
siacutembolo das ideacuteias socialistas da luta dos trabalhadores e do movimento feminista O proacuteprio
Ibsen reconhecia que a igualdade de direitos soacute poderia ser conquistada atraveacutes de mudanccedilas
profundas na estrutura da sociedade e o primeiro passo para tal transformaccedilatildeo era segundo
ele a uniatildeo de ldquotodos os desprivilegiadosrdquo em defesa da causa dos trabalhadores e das
mulheres2 Por isso natildeo eacute agrave toa que o pontapeacute inicial para estimular o interesse dos leitores
franceses e ingleses pelo teatro ibseniano tenha sido dado pelas mulheres Na Inglaterra
Catherine Ray foi a responsaacutevel pela traduccedilatildeo integral de Imperador e Galileu em 1876 Ateacute
entatildeo somente parte de A comeacutedia do amor traduzida por Edmund Gosse tinha sido
publicada na Forthightly Review em 1873 Henriette Frances Lord editou Nora em 1882 e
Eleanor Marx-Aveling filha de Karl Marx traduziu Um inimigo do povo que juntamente
com as traduccedilotildees de Os pilares da sociedade e Os espectros de William Archer
compuseram em 1888 a primeira coletacircnea das peccedilas do autor em liacutengua inglesa Na Franccedila
a escritora Leacuteo Quesnel escreveu um dos primeiros artigos sobre Ibsen3 Mme Arvegravede
Barine colaboradora regular da Revue Bleue escreveu entre outras coisas um ensaio sobre
Brand Pauline Ahlberg analisando Os pilares da sociedade na Nouvelle Revue em 1882 foi
1 Cf Georg Brandes ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897 e Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies revision e introduction de William Archer New York Macmillan 1899 2 Cf os discursos do autor reunidos em Henrik Ibsen Ibsen letters and speeches edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964 e The Oxford Ibsen translated and edited by James Walter McFarlane v 6 London Oxford University 1960 p 445-447 ldquoThe transformation of social conditions which is now being undertaken in the rest of Europe is very largely concerned with the future status of the workers and of women That is what I am hoping and waiting for that is what I shall work for all I canrdquo 3 Leacuteo Quesnel publicou dois artigos na Revue Bleue em 31 de maio de 1873 e 25 de julho de 1874 referindo-se a Ibsen como ldquolrsquohomme modernerdquo e Bjoslashrnson como ldquolrsquohomme du Nordrdquo
21
uma das primeiras escritoras a vincular o nome do dramaturgo ao feminismo chegando a
chamaacute-lo de Victor Hugo do Norte1 Em ambos os paiacuteses as correspondecircncias de Ibsen
tambeacutem foram traduzidas primeiro por mulheres em inglecircs por Mary Morison e em francecircs
por Martine Reacutemusat2
Apesar de todas essas iniciativas Ibsen encontrou muita resistecircncia na Europa Na
Inglaterra o grande obstaacuteculo era a censura dramaacutetica que regulamentava e controlava o
conteuacutedo das peccedilas Lord Chamberlain o responsaacutevel pela manutenccedilatildeo do decoro das obras
alterava e eliminava as impropriedades de um drama livrando-o sobretudo de insinuaccedilotildees
sexuais Aleacutem disso as peccedilas de Scribe Sardou Augier e Dumas Filho estavam solidamente
estabelecidas no palco inglecircs proporcionando entretenimento seguro e lucrativo Por isso
atores diretores e dramaturgos relutavam em experimentar novos rumos o que poderia ser
financeiramente arriscado persistindo nas peccedilas bem-feitas Tais fatores talvez ajudem a
explicar a adaptaccedilatildeo de Casa de boneca feita por Henry Arthur Jones e Henry Herman em
1884 A peccedila passou a ser chamada Breaking a butterfly Nora foi substituiacuteda por Flora (ou
lsquoFlossiersquo) uma mulher agitada infantil e histeacuterica casada com Humphrey Goddard (ou
lsquoHumpyrsquo) diretor de um Banco Dr Rank virou Dan Birdseye homem apaixonado por
Agnes irmatilde de Humpy Krogstad o vilatildeo da trama ganhou o nome de Philip Dunkley
Cristina Linde foi excluiacuteda do enredo e duas novas personagens matildee e irmatilde de Flossie foram
inseridas na histoacuteria Em linhas gerais a intriga era a mesma do original no entanto os
autores optaram pelo tradicional happy end No ato final Humpy assume a culpa no lugar de
Flora mas quando ele estaacute prestes a se entregar agrave poliacutecia eacute salvo por Grittle um funcionaacuterio
do Banco que apoacutes ter sido enganado por Dunkley decide se vingar Esta cena a mais fraca e
inconvincente da peccedila termina com Humpy emergindo como heroacutei e Flora agradecida pela
dececircncia do marido permanece no lar para cumprir seu papel de matildee e esposa dedicada
William Archer Edward Aveling Edmund Gosse e Bernard Shaw criacuteticos afinados com as
ideacuteias ibsenianas ficaram indignados com a adaptaccedilatildeo Archer chegou a declarar que era
impossiacutevel a representaccedilatildeo de Ibsen na Inglaterra e Edward Aveling ao comparar Breaking a
butterfly com Casa de boneca acentuou a forccedila do original apontando algumas razotildees para a
1 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 14 2 Henrik Ibsen Letters of Henrik Ibsen translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905 e Lettres de Henrik Ibsen a ses amis traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906
22
distorccedilatildeo feita no texto do dramaturgo como por exemplo o medo da rejeiccedilatildeo do puacuteblico e o
receio de se revelar a verdadeira funccedilatildeo do matrimocircnio dentro da sociedade burguesa1
Depois da encenaccedilatildeo de Breaking a butterfly Ibsen soacute voltou a ser discutido
novamente em janeiro de 1886 atraveacutes da leitura dramaacutetica de Casa de boneca feita por um
grupo de jovens comprometidos com o movimento socialista Eleanor Marx-Aveling (Nora)
Edward Aveling (Helmer) Bernard Shaw (Krogstad) entre outros A leitura da peccedila na
traduccedilatildeo de Henriette Frances Lord aconteceu na casa de Eleanor e Edward Aveling uma vez
que a obra de Ibsen estava categoricamente proibida de ser representada nos teatros
convencionais Ainda assim as questotildees levantadas naquela pequena reuniatildeo como a
desigualdade social a hipocrisia da famiacutelia burguesa e o feminismo obtiveram uma grande
repercussatildeo No mesmo mecircs o casal Aveling publicou um artigo na The Westminster Review
discutindo a partir das peccedilas de Ibsen a emancipaccedilatildeo da mulher e da classe operaacuteria sob a
perspectiva do socialismo2 Iniciava-se desse modo a revoluccedilatildeo ibsenista na Inglaterra
William Archer comeccedilou a traduzir as peccedilas do autor colaborando em 1889 com a
montagem profissional de Casa de boneca que teve Janet Achurch no papel principal
Bernard Shaw publicou em 1891 The quintessence of ibsenism aprofundando o debate em
torno da desmistificaccedilatildeo do heroacutei romacircntico e do gesto teatral grandioso que mascaravam a
realidade transformando a arte em objeto meramente decorativo Nesse livro Shaw celebrou
o teatro de Ibsen como ldquonovo e subversivordquo sobretudo por levar para a cena a discussatildeo dos
problemas morais de seu tempo contrapondo-se assim ao conservadorismo vitoriano em suas
expressotildees sociais poliacuteticas e culturais Ainda em 1891 entre fevereiro e maio outras peccedilas
do dramaturgo estrearam no palco inglecircs mdash Os espectros (1881) Rosmersholm (1886) A
dama do mar (1888) e Hedda Gabler (1890) mdash instigando uma onda de protesto e
indignaccedilatildeo O autor foi considerado por muitos um pervertido sexual um advogado do amor
livre e do sufraacutegio feminino o principal responsaacutevel pela desestruturaccedilatildeo da famiacutelia e do
matrimocircnio e pior ainda um socialista Clement Scott o mais impetuoso dos ldquoIbsen-
phobiacsrdquo publicou vaacuterios artigos em que acusava natildeo somente Ibsen de obsceno e
1 Cf William Archer ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 214 1 abr 1884 e Edward Aveling ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-474 maio 1884 ldquoThe adapters were afraid either of the greatness of the play they had to take in hand or of the English public or of themselves or of all of these They have feared to face the tragic question [of marriage] and to deal with it in Ibsenrsquos tragic way They have shirked the difficulty The authors of this conventional little play have succeeded in the Herculean labour of making Ibsen appear common-place And a feeling of sorrow that is positive pain comes with the reflection that a magnificent dramatic opportunity a chance of teaching our bourgeois audiences something of what life is and therefore what a play should be have (sic) been thoughtlessly rechlessly thrown awayrdquo 2 Eleanor Marx-Aveling Edwald Aveling ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886
23
corruptiacutevel mas tambeacutem seus tradutores e apologistas que ofereciam ao puacuteblico uma arte
degenerada1 Os ataques ao dramaturgo foram tatildeo violentos que Archer resolveu publicar
uma espeacutecie de dicionaacuterio de abusos elencando os termos usados pelos criacuteticos
principalmente na recepccedilatildeo de Os espectros encenada pelo Independent Theatre em 13 de
marccedilo de 18912
De fato Os espectros foi uma das obras de Ibsen que mais controveacutersia suscitou nos
teatros europeus natildeo apenas por sua temaacutetica cientificista mas sobretudo por causa das
mudanccedilas realizadas na estrutura do drama A accedilatildeo essencial da peccedila eacute a reconstituiccedilatildeo do
passado de Helena Alving o matrimocircnio com o licencioso Capitatildeo Alving o amor ao pastor
Manders que a repeliu convencendo-a a permanecer ao lado do marido e a idealizaccedilatildeo
falaciosa da imagem do Capitatildeo frente ao filho e agrave sociedade O resultado desses eventos eacute a
heranccedila bioloacutegica que se manifesta na loucura de Osvaldo viacutetima do passado de libertinagem
do pai Outros acontecimentos da peccedila como o interesse de Osvaldo por Regina sua irmatilde
ilegiacutetima e a tentativa de eutanaacutesia praticada por Helena para interromper o sofrimento do
filho chocaram a plateacuteia burguesa Aleacutem disso para os criacuteticos habituados com o
desenvolvimento crescente da accedilatildeo mdash o esboccedilo da intriga no primeiro ato o alcance de um
ponto mais impetuoso no segundo e a resoluccedilatildeo dos conflitos no terceiro mdash Os espectros era
um despropoacutesito A peccedila natildeo apresentava accedilotildees melodramaacuteticas ao contraacuterio o que se via em
cena era somente a anaacutelise das personagens e de sua situaccedilatildeo Embora observando a unidade
completa de accedilatildeo tempo e lugar Ibsen passou a fazer uso do flashback deslocando as accedilotildees
decisivas de seus dramas para o passado Desse modo as recordaccedilotildees evocadas atraveacutes de um
diaacutelogo dramaacutetico conciso serviam apenas para dar sentido agraves condiccedilotildees das personagens no
tempo presente facultando aos espectadores a visatildeo da totalidade do processo Suas peccedilas na
medida em que apresentavam no palco os problemas da sociedade burguesa natildeo se ajustavam
mais agraves regras da dramaturgia de rigor aristoteacutelico e assim Ibsen se viu forccedilado a
1 Cf Clement Scott [sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891 ldquoAn obscure Scandinavian dramatist and poet a crazy fanatic and determined socialist is to be trumpeted into fame for the sake of the estimable gentlemen who can translate his works and the enterprising tradesmen who publish them The whole thing is most amusing to those who are behind the scenes and the artful aid of the reacuteclame is exercised with an ingenuity worthy of the Gallic race Meetings are held under the open pretence of advocating the study of Ibsen but in reality for the propagation of the gospel of Socialismrdquo 2 Cf William Archer ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891 ldquoIbsenrsquos positively abominable play entitled Ghostshellip This disgusting representationhellip Reprobation due to such as aim at infecting the modern theatre with poison after desperately inoculating themselves and othershellip An open drain lsquoa loathsome sore unbandaged a dirty act done publicly a lazar-house with all its doors and windows openhellip Candid foulnesshellip Kotzebue turned bestial and cynical hellipOffensive cynicismhellip Ibsenrsquos melancholy and malodorous worldhellip Absolutely loathsome and fetidhellip Gross almost putrid indecorumhellip Literary carrionhellip Crapulous stuffhellip Novel and perilous nuisancersquo mdash Daily Telegraph (leading article) lsquoThis mess of vulgarity egotism coarseness and absurdityrsquomdash Daily Telegraph (criticism) []rdquo
24
ldquodesdramatizaacute-lasrdquo para tornar visiacutevel o fluir da realidade cotidiana Eacute assim que ao
transformar o tempo passado em assunto fundamental de sua obra Ibsen deu iniacutecio agrave crise do
drama demonstrando cada vez mais seu interesse pelo gecircnero eacutepico
A repulsa que a publicaccedilatildeo de Os espectros provocou no puacuteblico em 1881 natildeo teve
precedentes na histoacuteria da literatura norueguesa Ibsen foi acusado de niilista lascivo
defensor do amor livre e anticristatildeo Os livreiros recusaram-se em vender o drama sendo
muitos exemplares devolvidos ao editor Para os criacuteticos apenas um ldquoinsanordquo poderia
escrever uma peccedila com tantos disparates o realismo da obra havia se convertido num
naturalismo completamente pagatildeo a psicologia das personagens era pouco clara discutiacutevel e
enervante e portanto somente os historiadores da literatura poderiam quiccedilaacute um dia
interessar-se por ela como um caso singular de desequiliacutebrio mental Os maiores protestos no
entanto foram feitos em nome da igreja nunca um livro que pregava o incesto o amor
extraconjugal e a devassidatildeo sexual poderia adentrar uma casa cristatilde A peccedila foi enviada para
vaacuterios teatros da Escandinaacutevia mas todos rejeitaram-na Assim a primeira representaccedilatildeo de
Os espectros soacute aconteceria um ano mais tarde no Aurora Turner Hall em Chicago em maio
de 1882 para uma plateacuteia de imigrantes escandinavos Aliaacutes foram os Norwegian-Americans
que introduziram Ibsen nos Estados Unidos atraveacutes da divulgaccedilatildeo dos trabalhos do autor no
jornal Skandinaven O perioacutedico que circulou entre 1866 e 1941 era escrito em norueguecircs
mas com a popularidade do dramaturgo na Europa os editores passaram a reproduzir as
criacuteticas inglesas em sua liacutengua original Aleacutem disso foram eles tambeacutem os responsaacuteveis pela
primeira encenaccedilatildeo de Casa de boneca em territoacuterio americano A peccedila na adaptaccedilatildeo inglesa
de William Lawrence foi intitulada The Child Wife sendo representada no Grand Opera
House em Milwaukee Wisconsin em 2 de junho de 1882 Essa montagem diferente de Os
espectros ocorrida um mecircs antes foi recebida com grande entusiasmo pela imprensa que a
anunciou como ldquoAn Emocional Domestic Dramardquo A exemplo do que acontecera na
Inglaterra com Breaking a butterfly a versatildeo americana tambeacutem distorceu o texto original
Helmer marido de Nora compreendeu a falsificaccedilatildeo feita pela esposa agradecendo-a por ter
salvo sua vida reconciliados Nora desistiu de abandonar o lar
Entre 1894 e 1907 as companhias teatrais estrangeiras fizeram vaacuterias excursotildees nos
Estados Unidos trazendo em seus repertoacuterios peccedilas como Os espectros Um inimigo do povo
John Gabriel Borkman Hedda Gabler Solness o construtor e Peer Gynt Assim como
ocorrera na Europa as polecircmicas suscitadas pelas encenaccedilotildees foram inevitaacuteveis e natildeo
demorou muito para que Ibsen aparecesse nos principais perioacutedicos do paiacutes Hjalmar Hjorth
Boyesen um dos admiradores do dramaturgo aleacutem de escrever muitas mateacuterias em jornais e
25
revistas publicou Commentary on the works of Henrik Ibsen em 18941 No entanto Rasmus
Bjoslashrn Anderson foi o primeiro a escrever um artigo em inglecircs sobre a revoluccedilatildeo que o autor
vinha operando no palco europeu2 Curiosamente Anderson passou a adotar outro ponto de
vista no final da deacutecada de 1890 passando de defensor a opositor feroz do teatro de Ibsen Eacute
provaacutevel que o contato entre ele e William Winter o criacutetico teatral mais puritano do Greeleyrsquos
Tribune tenha provocado essa transformaccedilatildeo O fato eacute que Winter e Anderson foram para
Boston Wisconsin e Nova York o que Clement Scott foi para Manchester e Londres
adversaacuterios da ldquoimoralidaderdquo do teatro moderno3 Aleacutem disso a preocupaccedilatildeo maior dos
conservadores era a empatia entre as ideacuteias ibsenianas e os movimentos operaacuterio e anarquista
Para Emma Goldman feminista anarquista e liacuteder da causa dos trabalhadores o drama
moderno era uma espeacutecie de disseminador do pensamento radical sobretudo na Ameacuterica
onde o teatro meramente comercial servia apenas para provocar francas gargalhadas no
puacuteblico eliminando da cena qualquer alusatildeo aos temas sociais4 Durante o periacuteodo em que
viveu nos Estados Unidos de 1886 ateacute 1919 quando entatildeo foi expulsa do paiacutes em razatildeo de
sua intensa atividade poliacutetica Goldman escreveu panfletos publicou livros e fundou a revista
Mother Earth (1906-1917) que teve entre seus colaboradores Georg Brandes Maxim Gorki
Alexander Berkman e Eugene OrsquoNeill O perioacutedico trazia assuntos diversos desde temas
urgentes da eacutepoca como as prisotildees arbitraacuterias dos trabalhadores e o direito das mulheres ao
controle de natalidade ateacute poesia ficccedilatildeo e criacutetica teatral Em relaccedilatildeo a Ibsen a autora
distinguia Os pilares da sociedade Casa de boneca Os espectros e Um inimigo do povo
como verdadeiras obras libertaacuterias uma vez que expunham no palco a opressatildeo social a
hipocrisia dos puritanos e a exclusatildeo das mulheres na sociedade Desse modo Goldman
tornou-se a primeira a alertar que embora o autor de Hedda Gabler reivindicasse em suas
peccedilas o fim da sociedade patriarcal burguesa o ponto de discussatildeo central de sua dramaturgia
1 Cf Hjalmar Hjorth Boyesen Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894 2 Rasmus Bjoslashrn Anderson ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American 15 abr 1882 3 O tom da mudanccedila de atitude de Anderson em relaccedilatildeo a Ibsen pode ser avaliado no seguinte trecho de sua autobiografia Life story Madison Wisconsin 1915 p 487 ldquoI have no sympathy with [Ibsenrsquos] so-called social dramas beginning with A Dollrsquos House and [ending with] When We Dead Awaken Aside from the improprieties and offense against good morals that are found in them they seem to me mere twaddle and all the symbolism which they are said to contain I regard as a mere opinion of his readers and admiring criticsrdquo 4 Emma Goldman The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914 ldquoPerhaps those who learn the great truths of the social travail in the school of life do not need the message of the drama But there is another class whose number is legion for whom that message is indispensable In countries where political oppression affects all classes the best intellectual element have made common cause with the people have become their teachers comrades and spokesmen But in America political pressure has so far affected only the ldquocommonrdquo people It is they who are thrown into prison they who are persecuted and mobbed tarred and deported Therefore another medium is needed to arouse the intellectuals of this country to make them realize their relation to the people to the social unrest permeating the atmosphererdquo
26
era a luta de classes natildeo de gecircnero1 Apesar das circunstacircncias desfavoraacuteveis as obras de
Ibsen foram assimiladas por alguns autores que desejavam criar um novo teatro No final do
seacuteculo XIX Bronson Howard abordou o embate entre capital e trabalho com Baron Rudolph
de 1881 no iniacutecio do XX Edward Sheldon foi o primeiro a tratar da questatildeo racial em 1910 com The
Nigger OrsquoNeill escreveu em 1939 The iceman cometh peccedila cujo enredo eacute semelhante ao de O pato
selvagem e Arthur Miller aleacutem de compor All my sons em 1947 transpondo a teacutecnica analiacutetica de
Ibsen para a atualidade americana produziu a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo na deacutecada de 19502
Na Franccedila berccedilo da forma hegemocircnica do drama a resistecircncia agraves peccedilas ibsenianas foi
muito mais severa do que em qualquer outro paiacutes europeu Desde o final dos anos 1840 o
palco francecircs era totalmente dominado pelas comeacutedias realistas de Augier Dumas Filho e
Sardou que aliavam as descriccedilotildees dos costumes burgueses agrave exaltaccedilatildeo moralizante de seus
valores eacuteticos como o trabalho o matrimocircnio e a famiacutelia Somente a partir de 1887 com a
fundaccedilatildeo do Theacuteacirctre Libre por Andreacute Antoine comeccedilaram as campanhas para a revitalizaccedilatildeo
da cena francesa Antoine inspirado nas ideacuteias naturalistas de Zola preconizava um teatro
baseado na verdade na observaccedilatildeo e no estudo da natureza Suas produccedilotildees aleacutem do caraacuteter
popular e social destacavam-se pelos cenaacuterios realistas e pela interpretaccedilatildeo mais natural dos
atores sem os tradicionais gestos exagerados e as elocuccedilotildees empoladas Com isso o Theacuteacirctre
Libre logo tornou-se o refuacutegio de autores como Ibsen Hauptmann e Strindberg rejeitados
pelos teatros convencionais Os espectros e O pato selvagem foram as primeiras peccedilas do
dramaturgo a serem apresentadas agrave plateacuteia parisiense respectivamente em 1890 e 1891
provocando a fuacuteria de criacuteticos conservadores como Francisque Sarcey Com receio de que o
teatro ibseniano destruiacutesse a tradiccedilatildeo dramaacutetica da Franccedila Sarcey levantou-se sem demora
contra a ldquoinvasatildeo do baacuterbaro do Norterdquo A pedra de toque de sua criacutetica era o gosto do
puacuteblico por conseguinte uma peccedila era considerada boa ou ruim conforme o grau de
receptividade dos espectadores Os autores deviam necessariamente escrever dramas que
pudessem ser entendidos pela plateacuteia por isso os recursos da peccedila bem-feita eram
indispensaacuteveis A clareza a estrutura loacutegica e o propoacutesito moral do drama eram as qualidades
que Sarcey reivindicava como o cerne da experiecircncia teatral Nesse sentido aleacutem da
incompreensatildeo e da inconsistecircncia dos temas a principal queixa de Sarcey contra as peccedilas
ibsenianas era relacionada agrave estrutura dramaacutetica que apresentava cenas incoerentes e
1 Cf Emma Goldman ldquoThe drama a powerful dissemination of radical thoughtrdquo Anarchism and others essays New York Dover 1969 p 241-271 2 Cf sobre Ibsen e OrsquoNeill Sverre Arestad ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948 e Rolf Fjelde ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988
27
desarticuladas Para o criacutetico Ibsen feria a regra mais importante do drama ao deixar o
puacuteblico sem o conhecimento baacutesico dos fatos e das histoacuterias de cada personagem O arranjo
cuidadoso da antecipaccedilatildeo de um evento e a efetivaccedilatildeo da scegravene agrave faire (cena obrigatoacuteria) era o
que Sarcey e a plateacuteia que ele representava esperavam de um espetaacuteculo teatral1
Ibsen configurava-se tatildeo obscuro aos olhos do puacuteblico francecircs que se tornou comum a
realizaccedilatildeo de uma conferecircncia preacutevia sobre o enredo e o contexto de qualquer uma de suas
obras que por laacute fosse encenada Assim minutos antes da estreacuteia de Hedda Gabler no
Theacuteacirctre du Vaudeville em 1891 Jules Lemacircitre tentou explicar o caraacuteter ldquonebulosordquo da
personagem-tiacutetulo atraveacutes de uma comparaccedilatildeo entre as mulheres escandinavas e as francesas
Para ele o desprezo que Hedda nutria por Tesman seu marido as suas ambiccedilotildees
desmesuradas que levaram agrave ruiacutena seu ex-amante Loevborg e a sua morte na uacuteltima cena da
peccedila mdash quando ela daacute fim agrave proacutepria vida e agrave do filho que estava esperando mdash provinham de
sua origem luterana Hedda sendo protestante estava fadada a se dedicar inteiramente a uma
vida de pureza espiritual ldquotoute acircmerdquo eximindo-se de qualquer prazer material e da ldquojoie de
vivrerdquo alardeada pelo catolicismo Segundo Lemaicirctre isso explicava o fastio da personagem
pela vida sua natildeo vocaccedilatildeo para a maternidade e sua falta de solidariedade com o proacuteximo
Nessa esteira ele argumentava ainda que a premissa baacutesica do luteranismo a reivindicaccedilatildeo da
autonomia moral tatildeo bem incorporada nos caracteres de Nora e Helena Alving havia sido
grotescamente distorcida resultando daiacute a figura neuroacutetica de Hedda Depois de todo esse
disparate o criacutetico concluiu sua exposiccedilatildeo aproximando Hedda Gabler de Emma Bovary
ambas monstruosamente orgulhosas esnobes ciacutenicas e crueacuteis2 Se por um lado alguns
criacuteticos indignaram-se com essa leitura como Camille Mauclair e Henri Becque que
acusaram Lemaicirctre de julgar a obra de Ibsen sob um ponto de vista hostil e malevolente
dificultando ainda mais a compreensatildeo do puacuteblico por outro houve quem concordasse com
ele como Camille Bellaigue criacutetico da Revue des Deux Monde que viu Hedda como ldquoune
toqueacutee une deacutepraveacuteerdquo uma criatura bizarra e uma meretriz da pior espeacutecie3
1 Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 371 ldquoIbsen jette sur la scegravene des personnages qui parlent de leurs affaires comme si nous eacutetions au courant Ce nest que peu agrave peu au cours de leurs conversations que nous finissons par reconstituer le point initial dougrave toute laction est partie Ce systegraveme mest insupportable Je suis Latin en cela ou plutocirct je suis Franccedilais Jai besoin quon me dise Voilagrave ce qui sest passeacute voici ougrave nous en sommes eacutecoutez ce qui va suivrerdquo 2 Cf Jules Lemaicirctre Impressions de theacuteacirctre v 6 Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897 p 50-62 Sobre a analogia entre Hedda Gabler e Emma Bovary cf Elsie M Wiedner ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989 p 32-33 3 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 128
28
Em 1892 o Cercle des Escholiers dirigido por Georges Bourdon representou A dama
do mar Entretanto foi no ano seguinte que Ibsen tornou-se definitivamente o adversaacuterio
nuacutemero um dos criacuteticos conservadores franceses com a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo
dirigida por Lugneacute-Poe e Camille Mauclair no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Esta montagem foi
polecircmica natildeo somente pelas inovaccedilotildees que os simbolistas trouxeram para a cena mdash como o
uso da iluminaccedilatildeo das cores do movimento e do arranjo cecircnico servindo antes agrave evocaccedilatildeo
do que agrave verossimilhanccedila mdash mas sobretudo porque a peccedila foi apresentada em termos
explicitamente anarquistas Como de praxe a estreacuteia do espetaacuteculo foi precedida de uma
conferecircncia dessa vez a cargo de Laurent Tailhade poeta libertaacuterio que enfatizou o aspecto
de criacutetica social do drama insistindo na importacircncia da ldquorevoltardquo contra ldquole pegravere le patron et
la patrierdquo Desse modo as desventuras do Dr Stockmann mdash protagonista da peccedila que acaba
sendo abandonado por todos e considerado um inimigo do povo ao entrar em choque com os
interesses dos poderosos de sua cidade mdash foram vistas como uma alegoria da luta do
indiviacuteduo contra as autoridades corruptas e contra a ilegitimidade do estado de poder Mas
natildeo foi apenas a leitura de Taillade que politizou o evento alguns simpatizantes do
movimento anarquista participaram da montagem como figurantes da cena em que uma
multidatildeo se reuacutene para discutir a contaminaccedilatildeo da estacircncia balneaacuteria da cidade pelos esgotos
das induacutestrias da regiatildeo Na sala do espetaacuteculo vaias e aplausos se misturaram possibilitando
desse modo que o puacuteblico participasse ativamente da encenaccedilatildeo O tumulto iniciado no
teatro ganhou as ruas resultando em alguns casos em prisatildeo perseguiccedilatildeo e ateacute mesmo
deportaccedilatildeo Por ordem da justiccedila a proacutexima peccedila do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Les acircmes solitaires
de Hauptmann foi cancelada e durante algum tempo o teatro permaneceu sob vigilacircncia
policial Por sua vez Um inimigo do povo foi execrada pela criacutetica e Ibsen passou cada vez
mais a ser visto como ldquoum anarquista da arterdquo que exercia um verdadeiro terror no puacuteblico1
Poucos meses depois do impacto causado por Um inimigo do povo o Theacuteacirctre de
lrsquoOeuvre apresentou ao puacuteblico Rosmersholm peccedila que conta a histoacuteria de Rosmer e Rebecca
West Ele um homem de caraacuteter refinado e distinto mdash viuacutevo da melancoacutelica Beata que
acabou por se suicidar atirando-se na correnteza de um rio mdash foi abandonado por todos os
amigos quando decidiu renunciar a seu cargo de pastor da comunidade assumindo ideacuteias
liberais Rebecca uma mulher livre de quaisquer autoritarismos e ortodoxias amiga e
1 Cf ldquoLes auteurs nordiques et les anarchistes un malentendu feacutecondrdquo In Caroline Granier Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes-Saint-Denis Paris e Erin Williams Hyman ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005
29
confidente de Rosmer influenciou consideravelmente nas suas decisotildees No decorrer da peccedila
Rebecca confessa que manipulou Beata induzindo-a ao suiciacutedio Apesar disso Rosmer a
perdoa pedindo-a em casamento Mas ela natildeo aceita argumentando que natildeo pode se libertar
dos erros cometidos no passado No fim da peccedila sem perspectivas negando-se a ter uma vida
de estagnaccedilatildeo e modorra ambos se matam jogando-se na mesma correnteza em que Beata
morrera Com essa montagem mais do que com Um inimigo do povo que ainda apresentava
evidentes conotaccedilotildees poliacuteticas Ibsen foi definitivamente incorporado ao movimento
simbolista do teatro francecircs No programa do espetaacuteculo talvez para estimular a criacutetica e o
puacuteblico a assistir a encenaccedilatildeo Victor Charbonnel declarou que Rosmersholm era ldquoune piegravece
moins embarrasseacutee et confuserdquo do que outras de Ibsen sendo quase uma ldquopiegravece bien faiterdquo
Ao mesmo tempo ele realccedilou a psicologia o idealismo a poesia e a paixatildeo das personagens
como os elementos relevantes da peccedila deixando claro que natildeo se veria no palco qualquer
mensagem poliacutetica ou ideoloacutegica mas tatildeo somente um drama evocativo propiacutecio mais agrave
meditaccedilatildeo do que agrave predicaccedilatildeo1
A despeito dessas consideraccedilotildees a peccedila foi tatildeo incompreendida quanto Os espectros
Hedda Gabler e A dama do mar Primeiro porque Rosmersholm fornecia o mais
impressionante exemplo da teacutecnica analiacutetica de Ibsen mdash a accedilatildeo principal da peccedila natildeo era
senatildeo a anaacutelise das razotildees que levaram agrave morte Beata Rosmer e Rebecca mdash gerando por
esse motivo a acusaccedilatildeo de criacuteticos favoraacuteveis agrave formula da peccedila bem-feita de que o drama era
artificial inconsistente ininteligiacutevel e absurdo Segundo porque a montagem enfatizando o
estado de espiacuterito sombrio o tom sepulcral e sobretudo a preocupaccedilatildeo com a morte assunto
tatildeo caro aos simbolistas levou a criacutetica a julgar a obra como estaacutetica e monoacutetona desprovida
de qualquer cunho dramaacutetico seja a tensatildeo o suspense a crise ou o conflito E terceiro
porque Rebecca vista pela oacutetica da imagem do eacuteternel feacuteminin mdash um tipo de mulher eteacuterea
altamente idealizada miacutestica quase um ente sobrenatural e diaboacutelico mdash levou alguns criacuteticos
a considerar natildeo soacute ela mas todas as personagens femininas de Ibsen como criaturas
maleacutevolas imorais e delinquumlentes capazes de desestruturar lares destruir os outros e a si
proacuteprias Para os adeptos do simbolismo como Henry James Edmund Gosse Paul Bourget
entre outros as personagens ibsenianas nada mais representavam que um eacutetat drsquoacircme ou souls-
crisis constituindo a obra de Ibsen desse modo de uma verdadeira ldquoSoulrsquos tragedyrdquo Seja
como for natildeo demorou muito para que as personagens femininas de Ibsen fossem tomadas
1 Cf ldquoRosmersholm toward new realms of artrdquo In Kirsten Shepherd-Barr Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997
30
pelos psiquiatras meacutedicos e criminalistas da eacutepoca como verdadeiros casos patoloacutegicos de
desequiliacutebrio mental sendo tratadas como histeacutericas neuroacuteticas e degeneradas1
Em 1894 o Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre levou agrave cena Solness o construtor (1892) A peccedila
escrita de acordo com a teacutecnica analiacutetica inicia-se quando Halvard Solness estaacute no fim da
vida A essa altura ele jaacute eacute o ceacutelebre construtor que se fez explorando muita gente sobretudo
dois de seus empregados Knut e Ragnar Brovik pai e filho Quando Solness descobre que
Ragnar quer montar o seu proacuteprio negoacutecio natildeo economiza meios para o impedir chegando a
incentivar Kaia Fosli noiva de Ragnar mas apaixonada por Solness a se casar com o rapaz
para manter ambos em seu escritoacuterio Em meio a esses eventos o construtor recebe a visita
inesperada de Hilda Wangel uma jovem que conhecera dez anos antes quando esteve em sua
cidade natal para construir a torre da igreja No decorrer da accedilatildeo atraveacutes do diaacutelogo entre
Solness e Hilda ficamos sabendo que a fortuna do construtor proveio de um incecircndio que
destruiu a casa herdada dos pais de sua mulher Aline que ele sabia da existecircncia de uma
fenda na chamineacute mas natildeo providenciou o conserto que em consequumlecircncia do ldquoincidenterdquo
Aline teve uma febre de leite que levou agrave morte o seu casal de gecircmeos e finalmente que ele
arruinou Knut Brovik o homem que lhe ensinara o ofiacutecio No final da peccedila Solness que
acabara de construir uma casa nova para sua famiacutelia eacute instigado por Hilda a subir ateacute o topo
da torre para depositar uma coroa de flores mdash costume norueguecircs para se comemorar a
inauguraccedilatildeo de uma obra O construtor malgrado a vertigem das alturas aceita o desafio e
acaba morrendo ao se desequilibrar e cair do alto da torre
A partir dessa peccedila alguns simbolistas como por exemplo Maeterlinck passaram a
associar a teacutecnica dramatuacutergica de Ibsen ao hipnotismo sugerindo que seus dramas
transportavam os espectadores para um mundo de sonho e alucinaccedilatildeo Tal qual um devaneio
Solness era composta de um conjunto de imagens de pensamentos ou de fantasias de ldquovaacuterias
camadas de siacutembolos superpostasrdquo que poderiam desdobrar-se e aparecer aos olhos do
puacuteblico sob muacuteltiplas formas Assim Ibsen foi saudado como autor de um novo tipo de drama
mdash um drama de reflexatildeo interna que expressava no palco apenas a vida interior das
personagens mdash transformando o teatro desse modo em um templo de compleiccedilatildeo miacutestica2
Nessa esteira Prozor no prefaacutecio de sua traduccedilatildeo de Solness forneceu uma explicaccedilatildeo
detalhada dos siacutembolos contidos na peccedila que segundo ele era completamente alegoacuterica
facilmente compreensiacutevel e ldquoassez transparentsrdquo as personagens natildeo eram senatildeo
1 Cf sobre essa questatildeo as anaacutelises equivocadas feitas pelo criminalista italiano Cesare Lombroso LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 e pelo meacutedico Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf Maurice Maeterlinck ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894
31
dramatizaccedilotildees do proacuteprio Ibsen Solness era o dramaturgo Hilda era a juventude e a
imaginaccedilatildeo Aline o passado Knut Brovik a rotina Ragnar o utilitarismo moderno as
igrejas que Solness construiacutera eram os dramas filosoacuteficos de Ibsen como Brand e as casas
eram peccedilas modernas como Os espectros1 Essa leitura influenciou muitos criacuteticos sendo
reproduzida em vaacuterios outros artigos e livros como por exemplo Acircmes modernes de Henry
Bordeaux e Les reacutevolteacutes scandinaves de Maurice Bigeon2 Henry James tambeacutem partilhou
das mesmas ideacuteias de Prozor chamando Solness de um ldquoIbsen within an Ibsenrdquo3 A criacutetica
contraacuteria a Ibsen recebeu a peccedila sem nenhum entusiasmo vendo-a como obra de um
desequilibrado Clement Scott chegou a comparaacute-la a um manicocircmio ldquoa play written
rehearsed and acted by lunaticsrdquo4 E Sarcey contestou-a pela falta de clareza acusando o
dramaturgo de ter um discurso verborraacutegico e esquisito que transformou Solness em pura e
simples banalidade ldquoil est tout agrave la fois obscur et pueacuterilrdquo ldquocrsquoest du pur galimatiasrdquo ldquocrsquoest le
plus simple et le plus naiumlf des truismesrdquo5
Enquanto Ibsen escrevia suas uacuteltimas peccedilas mdash O pequeno Eyolf (1894) John Gabriel
Borkman (1896) e Quando noacutes os mortos despertarmos (1899) mdash e o movimento simbolista
propagava suas ideacuteias sobre a soul-crisis Sigmund Freud avanccedilava do estudo da histeria para
o do inconsciente utilizando-se muitas vezes de obras-de-arte para ilustrar suas teorias No
acircmbito do teatro satildeo famosas suas investigaccedilotildees sobre o chiste que se referem indiretamente
agrave comeacutedia bem como seu exame de cenas e personagens dramaacuteticas para elucidar certas
condiccedilotildees psiconeuroacuteticas Aleacutem da ceacutelebre anaacutelise de Eacutedipo Freud fez um estudo de
Rebecca West personagem de Rosmersholm no artigo ldquoArruinados pelo ecircxitordquo publicado em
1916 Partindo da teoria do complexo de Eacutedipo Freud identifica no comportamento e
sobretudo nas palavras de Rebecca motivos ldquosubterracircneosrdquo e mecanismos inconscientes que
revelam um sentimento de culpa em relaccedilatildeo ao seu passado incestuoso ter sido amante do
proacuteprio pai sem o saber Essa situaccedilatildeo natildeo estaacute claramente explicitada no texto de Ibsen mas
segundo Freud haacute ldquoindiacutecios e fragmentosrdquo inseridos com tal arte nas entrelinhas da trama que
validam essa interpretaccedilatildeo e ao mesmo tempo ajudam a compreender o obstaacuteculo agrave uniatildeo de
1 Cf prefaacutecio de Solness le constructeur de Moritz Prozor em Henrik Ibsen Solness le constructeur Paris Savine 1893 Esse mesmo texto foi publicado na ediccedilatildeo brasileira de seis peccedilas de Ibsen Conde Prozor ldquoComentaacuterios sobre Solness o construtorrdquo Seis dramas Porto Alegre Globo 1944 p 479-488 2 Cf Henry Bordeaux La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894 e Maurice Bigeon Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894 3 Cf Henry James ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893 4 Cf Clement Scott [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893 5 Cf Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 356
32
Rebecca e Rosmer1 Esse tipo de anaacutelise que na maioria das vezes diz muito mais sobre a
psicanaacutelise do que sobre o trabalho eou os propoacutesitos do autor tornou-se a partir daiacute uma das
estrateacutegicas criacuteticas cada vez mais usadas para se analisar as obras ficcionais No caso da
criacutetica das peccedilas de Ibsen sobretudo depois de Solness agrave abordagem autobiograacutefica que jaacute
vinha sendo feita desde o final do seacuteculo XIX acrescentou-se a psicanaliacutetica a ponto de alguns
considerarem o dramaturgo como um ldquoFreud do teatrordquo Desse modo ora a obra de Ibsen
serve de material para diagnosticar seu psiquismo como por exemplo identificaacute-lo com o
escultor Rubek personagem de sua uacuteltima peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos
concluindo que ambos estatildeo presos agrave culpa de renunciar a proacutepria vida por um ideal de arte
ora suas personagens satildeo reduzidas sempre ao mesmo complexo de Eacutedipo deixando de lado
os problemas gerais mdash social moral e metafiacutesico mdash a favor de casos particulares e
patoloacutegicos negando assim a universalidade da obra ibseniana2
No iniacutecio do seacuteculo XX as peccedilas de Ibsen malgrado os escacircndalos as polecircmicas e a
oposiccedilatildeo cerrada de criacuteticos conservadores acabaram sendo incorporadas ao teatro claacutessico
Embora nem sempre gozando da popularidade que tivera no final do seacuteculo XIX Ibsen
continuou a ser discutido pelos teoacutericos de vanguarda sobretudo pelos simpatizantes da
esteacutetica simbolista que tentavam achar uma saiacuteda para a conflito entre a visatildeo abstrata do
drama e sua representaccedilatildeo fiacutesica Em 1906 ano da morte do dramaturgo Max Reinhardt
juntamente com Edvard Munch responsaacutevel pelo design da produccedilatildeo encenou Os espectros
no Kammerspiele Theatre em Berlim Vsevolod Meyerhold trabalhando entatildeo na companhia
da atriz Vera Komissarzhevskaya dirigiu Hedda Gabler em Satildeo Petersburgo e Edward
Gordon Craig criou o cenaacuterio para a representaccedilatildeo de Rosmersholm de Eleonora Duse no
Teatro della Pergola em Florenccedila Essas trecircs montagens embora muito distintas entre si
compartilharam da ruptura com os padrotildees realistas de encenaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo levando
para o palco a teatralidade a estilizaccedilatildeo e a sugestatildeo Craig no desenho das cenas de
Rosmersholm abusou das variaccedilotildees de luz e cor buscando estabelecer uma relaccedilatildeo
inequiacutevoca entre as personagens e os objetos que a cercavam Segundo registros de Guido
Noccioli um dos atores que participou dessa montagem o cenaacuterio e a mobiacutelia eram verdes
contrastando apenas com uma porta azul que vez ou outra atingia um tom celeste por causa
1 Cf ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In Sigmund Freud Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356 2 Cf por exemplo Derek Russell Davis ldquoA reappraisal of Ibsenrsquos Ghostsrdquo In James Walter Mcfarlane Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970 p 369-383 e Anne Hage ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005
33
dos dez refletores utilizados em cena1 A nova arquitetura do espaccedilo cecircnico foi o que mais
chamou a atenccedilatildeo de alguns criacuteticos italianos como Enrico Corradini que em um de seus
muitos artigos publicados na imprensa considerou-a perfeita para acolher a psicologia
profunda de Rosmer e Rebecca West2
Meyerhold antes da encenaccedilatildeo de Hedda Gabler escreveu o ensaio ldquoO teatro
naturalista e o teatro de humorrdquo onde desaprovava a esteacutetica naturalista pelo cuidado
excessivo da reproduccedilatildeo exata da natureza negando ao espectador a capacidade de sonhar e
imaginar No caso das peccedilas de Ibsen o diretor russo acusava os encenadores naturalistas de
transformaacute-las em tediosas monoacutetonas e doutrinaacuterias uma vez que se preocupavam apenas
com o desenho preciso de ldquotiposrdquo do universo norueguecircs e com a anaacutelise minuciosa dos
diaacutelogos das personagens Na acircnsia de tornar a dramaturgia ibseniana suficientemente
compreensiacutevel ao puacuteblico os naturalistas buscavam tornar vivos os diaacutelogos ldquoenfadonhosrdquo e
complicados do autor atraveacutes do trabalho analiacutetico das cenas de transiccedilatildeo ldquoas personagens
comem limpam a sala fazem as malas embrulham sanduiacuteches etcrdquo3 Com isso eles
colocavam em primeiro plano muitas cenas secundaacuterias sufocando o misteacuterio e as meias-
palavras que segundo Meyerhold eram as essecircncias da obra de Ibsen Em sua produccedilatildeo de
Hedda Gabler o diretor russo procurou efetivar no palco as ideacuteias contidas em seu ensaio de
modo a forccedilar o puacuteblico a ter uma visatildeo mais profunda da realidade e tentar decifrar o enigma
por traacutes dos discursos das personagens Para tanto qualquer alusatildeo a tempo ou espaccedilo foi
suprimida um esquema simboacutelico de valores e formas cromaacuteticas foi utilizado para
caracterizar a imagem e os traccedilos psicoloacutegicos de cada personagem Tesman vestia-se de
cinza Loevborg de marrom Brack de cinza escuro Thea de rosa e Hedda de verde o
cenaacuterio de Nicolai Sapunov tinha uma espeacutecie de trono coberto com um pano branco
contrapondo-se a um fundo azul onde Hedda se sentava e em torno do qual se desenvolveram
a maioria das cenas aleacutem disso o palco era em ldquobaixo relevordquo cujo efeito bi-dimensional
opunha-se agrave ldquocaixa asfixianterdquo e agrave profundidade do palco naturalista deixando o ator perto do
espectador4 Poucos meses depois dessa produccedilatildeo Meyerhold encenou Casa de boneca e agrave
medida que Nora aproximava-se da decisatildeo de deixar os filhos e o marido o diretor russo foi
1 Cf Guido Noccioli Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Traduccedilatildeo de Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982 2 Edward Gordon Craig Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971 ldquoil palcoscenico appariva trasformato veramente trasfigurato altissimo con una architettura nuova senza piugrave quinte di un solo colore fra il verde e il cilestrino semplice misterioso e affascinante degno insomma di accogliere la vita profonda di Rosmer e di Rebecca West La scena egrave la rappresentazione di uno stato danimordquo 3 Cf Vsevolod Meyerhold ldquoThe naturalistic theatre and the theatre of moodrdquo Meyerhold on theatre translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969 p 23-34 4 Vsevolod Meyerhold Meyerhold on theatre p 65-66
34
derrubando os cenaacuterios que compunham a casa da personagem evidenciando cenicamente a
queda dos valores da sociedade liberal burguesa
As vanguardas do novo seacuteculo salvo ralas manifestaccedilotildees oriundas de tendecircncias
marxista e socialista natildeo eram atraiacutedas pela poliacutetica A preocupaccedilatildeo dos simbolistas com um
teatro de encantamento e ecircxtase a exaltaccedilatildeo do estado de espiacuterito e do vitalismo dos
expressionistas o fasciacutenio dos futuristas pela maquinaria moderna a atenccedilatildeo dos surrealistas
para com os misteacuterios da vida interior levou muitas vezes a um puro subjetivismo beirando o
solipsismo Somente depois da Primeira Guerra e da Revoluccedilatildeo de Outubro teoacutericos criacuteticos
e dramaturgos voltariam a se interessar pelo desenvolvimento de um drama que respondesse
agraves inquietaccedilotildees do homem comum e aos problemas da sociedade moderna Em 1908 no
ensaio ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo o criacutetico russo Georgy Plekhanov jaacute reclamava
de autores que adotando pontos de vista burgueses produziam obras refrataacuterias agraves questotildees
sociais e poliacuteticas de seu tempo Em contrapartida o criacutetico cita o exemplo de Ibsen que
embora natildeo fosse capaz de dar nenhuma soluccedilatildeo poliacutetica aos problemas sociais de sua eacutepoca
foi como nenhum outro escritor moderno um liacuteder na luta contra os desmandos e as
hipocrisias da pequena burguesia oitocentista Sua revoluccedilatildeo apesar de puramente negativa
voltada para a libertaccedilatildeo individual levou-o muitas vezes ao simbolismo mas ainda assim
ofereceu agraves classes desprivilegiadas o entusiasmo pelo desejo de mudanccedila social seja
criticando a sociedade capitalista a instituiccedilatildeo do casamento ou a desigualdade de direitos
entre homens e mulheres Nessa esteira Plekhanov criticava os artistas que presos apenas aos
aspectos puramente simboacutelicos dos dramas ibsenianos priorizavam somente a visatildeo abstrata
do aperfeiccediloamento humano preterindo desse modo as ameaccedilas da revoluccedilatildeo social1
O huacutengaro Georg Lukaacutecs tambeacutem foi um criacutetico severo do idealismo abstrato na arte
Seu interesse pelo drama teve iniacutecio em 1904 quando ajudou a fundar o grupo Thalia de
teatro Concebido nos moldes do Freie Buumlhne de Berlim e do Theacuteacirctre Libre de Paris o Thalia
deu renovado alento agrave vida cultural de Budapeste encenando para a classe operaacuteria peccedilas de
Hebbel Strindberg Wedekind e Ibsen de quem aliaacutes Lukaacutecs traduziu O pato selvagem Sob o
influxo dessa organizaccedilatildeo teatral o jovem criacutetico escreveu em 1906 o seu primeiro livro
Histoacuteria do desenvolvimento do drama moderno publicado somente em 1911 Neste livro
que tem um capiacutetulo dedicado a Ibsen jaacute se encontra o fundamento da teoria do drama de
Lukaacutecs para quem as obras teatrais deveriam descrever acurada e abrangentemente a situaccedilatildeo
1 Georgy Plekhanov ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In Angel Flores Henrik Ibsen New York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007
35
soacutecio-histoacuterica de uma dada eacutepoca Por conseguinte as personagens deveriam apresentar-se
como ldquotiposrdquo emblemaacuteticos da sociedade a fim de apreenderem a totalidade do processo
social manifestando assim as tensotildees da cultura burguesa Esse sistema onde acreditava-se
que a arte podia harmonizar contradiccedilotildees para exprimir os traccedilos essenciais de natureza
moral psicoloacutegica e social da sociedade capitalista natildeo implicava nenhuma modificaccedilatildeo
profunda nos conceitos acerca da proacutepria estrutura dramaacutetica Desse modo qualquer mudanccedila
na forma convencional do drama era vista por Lukaacutecs como um trampolim para o
esvaziamento do conteuacutedo literaacuterio transformando a arte em um campo de experiecircncias
meramente formais Preso agrave concepccedilatildeo de drama como sinocircnimo de conflito Lukaacutecs vecirc as
personagens ibsenianas a partir de O pato selvagem como ldquodesagradaacuteveis figuras cocircmicasrdquo
Isso porque o ponto de vista dos heroacuteis de Ibsen segundo o criacutetico estaacute muito acima dos
outros personagens que lhes fazem frente impedindo desse modo que se produza a verdadeira
ldquoluta traacutegica e dramaacuteticardquo entre eles Assim o conflito desenrola-se no vazio e o antagonismo
entre as personagens torna-se grotesco atingindo o cocircmico e por vezes o ridiacuteculo A
ldquosublimidade traacutegicardquo dos heroacuteis ibsenianos torna-se artificial podendo ser mantida apenas
atraveacutes da criaccedilatildeo de uma atmosfera simbolista Mas para Lukaacutecs essa mudanccedila de Ibsen mdash
de um realismo ainda que impregnado de elementos naturalistas para a vacuidade dos
siacutembolos mdash de modo algum representa a superaccedilatildeo das contradiccedilotildees do realismo do fim do
seacuteculo XIX Antes aponta a continuidade das incoerecircncias mas num niacutevel artiacutestico inferior
afastado da compreensatildeo da realidade No entanto em Ibsen essa crise ideoloacutegica ainda
apresenta uma rigorosa e profunda criacutetica que mostra a dissoluccedilatildeo dos ideais burgueses e o
mecanismo da hipocrisia e da auto-ilusatildeo na sociedade capitalista em decliacutenio Essa visatildeo de
Lukaacutecs que insiste na inutilidade da experimentaccedilatildeo literaacuteria natildeo realista desencadearia mais
tarde os ataques ao teatro eacutepico de Brecht provocando um debate teoacuterico no seio da criacutetica
marxista que se arrastaria pelos anos 1930 e repercutiria nas deacutecadas seguintes1
Por volta de 1920 Ibsen jaacute estava completamente absorvido pelo mercado teatral As
dimensotildees sociais e poliacuteticas de suas peccedilas mdash que haviam revolucionado o teatro no seacuteculo
passado denunciando no palco os ideais capciosos da burguesia mdash foram rejeitadas a favor
exclusivamente da exploraccedilatildeo da vida interior e da intemporalidade da psicanaacutelise
Personagens como Nora de Casa de boneca e Helena Alving de Os espectros que outrora
haviam sido ldquoporta-vozesrdquo da emancipaccedilatildeo feminina criticando as convenccedilotildees da sociedade
burguesa afiguravam-se no novo seacuteculo como mulheres problemaacuteticas e mal resolvidas
1 Cf sobre Lukaacutecs e o drama moderno Georg Lukaacutecs Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968 e Il drama moderno Milano SugarCo 1976
36
viacutetimas de traumas ocorridos na infacircncia As variaccedilotildees do complexo edipiano explicavam no
caso de Nora a libertaccedilatildeo do passado e das amarras que a mantinham presa ao marido e no
caso de Helena a renuacutencia da felicidade transformando-a assim em matildee e esposa abnegada
Nesse periacuteodo Brecht elaborava seus primeiros escritos teoacutericos em sua maior parte criacuteticas
teatrais veiculadas no jornal Der Augsburger Volkswille entre 1919 e 1921 Alguns desses
textos em sua proacutepria fatura jaacute mostram o efeito de estranhamento mdash que seria amplamente
desenvolvido na teatro de Brecht nas deacutecadas seguintes mdash como forma de sacudir o leitor em
seu torpor abalando a velha imagem da cultura integrada e digerida sem perigo Eacute nesse
sentido que a propoacutesito da encenaccedilatildeo de Os espectros na Alemanha em 1919 Brecht
denuncia a pasteurizaccedilatildeo da obra de Ibsen por artistas e criacuteticos teatrais interessados tatildeo
somente na empatia do puacuteblico e no aspecto puramente lucrativo do espetaacuteculo teatral Num
texto curto de poucas linhas Brecht ressalta a importacircncia de se ir aleacutem da percepccedilatildeo
ideoloacutegica da esfera da vida privada examinando-a criticamente sobretudo nos seus
interesses mesquinhos e materiais Sob essa perspectiva em Os espectros importava verificar
que Helena Alving natildeo era a pobre viacutetima de um matrimocircnio infeliz mas uma mulher
oportunista que se casou por dinheiro mantendo a todo custo um casamento de aparecircncias a
fim de preservar a tradiccedilatildeo e o prestiacutegio social1
Apoacutes a Segunda Guerra a induacutestria de entretenimento cujas bases jaacute estavam dadas
no iniacutecio do seacuteculo fortaleceu-se de tal modo com a ascensatildeo do capitalismo tardio que as
produccedilotildees teatrais comprometidas com o engajamento poliacutetico foram expropriadas pelo
capital A essa altura as chamadas peccedilas sociais de Ibsen soacute interessavam quando tratadas
dentro dos limites do realismo psicoloacutegico jaacute que assuntos como moral dinheiro casamento
e feminismo eram tachados de obsoletos e ultrapassados Nessa nova fase do capitalismo
obras como Os pretendentes agrave coroa e Brand foram celebradas pela teacutecnica e pela poesia
magistral Imperador e Galileu pela filosofia profunda e Peer Gynt ateacute entatildeo conhecida
quase que exclusivamente pela muacutesica de Edvard Grieg foi encenada em muitos paiacuteses
obtendo grande ecircxito A ldquodomesticaccedilatildeo das artesrdquo pela induacutestria cultural foi examinada por
Max Horkheimer e Theodor Adorno na Dialeacutetica do esclarecimento livro dos anos 1940
Contudo eacute em Minima moralia obra composta de aforismos escritos entre 1944 e 1947 que
Adorno faz referecircncia direta a Ibsen analisando uma das questotildees caras ao dramaturgo a
condiccedilatildeo feminina na sociedade de consumo No fragmento intitulado ldquoExumaccedilatildeordquo o criacutetico
contraria o senso comum que apontando o afrouxamento dos tabus sexuais e a participaccedilatildeo
1 Bertold Brecht ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12
37
da mulher no mercado de trabalho daacute por superada a questatildeo do feminismo No entanto as
novas formas de exploraccedilatildeo econocircmica distorceram a independecircncia da mulher tornando-a a
um soacute tempo vulneraacutevel agrave dominaccedilatildeo e incapaz de refletir sobre essa conjuntura Assim sob a
falsa aparecircncia de autonomia e liberdade promovida sobretudo pela induacutestria de consumo mdash
cadeias de loja e magazines que lhes fazem deferecircncia e bajulaccedilatildeo mdash as mulheres se
esquecem de sua sujeiccedilatildeo a ordem social e econocircmica tanto no que diz respeito agrave sua
ldquomiseraacutevel jornada de trabalho profissionalrdquo quanto agrave sua vida no lar Na sequumlecircncia desses
argumentos Adorno compara as personagens ldquohisteacutericasrdquo de Ibsen e ldquosuas tentativas
desesperadas de evadir-se da prisatildeo da sociedaderdquo mdash referecircncia clara a Nora de Casa de
boneca mdash com as mulheres atuais ldquosuas netasrdquo que sem se sentirem atingidas pela mesma
desumanizaccedilatildeo enviariam-nas ldquoaos bons cuidados da assistecircncia socialrdquo Em chave irocircnica
Adorno aponta o retrocesso dos ideais do movimento feminista em relaccedilatildeo aos prodiacutegios
desejados pelas antiquadas personagens ibsenianas ldquoNatildeo eacute sem razatildeo que as mulheres de
Ibsen satildeo chamadas lsquomodernasrsquo O oacutedio agrave modernidade e o oacutedio ao antiquado satildeo
imediatamente a mesma coisardquo1
Em 1956 Peter Szondi em Teoria do drama moderno elabora a mais seacuteria reflexatildeo
sobre a crise do drama enfatizando o modo pelo qual o teatro eacute condicionado por processos
econocircmicos sociais e histoacutericos A partir da ideacuteia de que forma e conteuacutedo estatildeo
definitivamente associados numa relaccedilatildeo dialeacutetica Szondi explora as antinomias internas de
peccedilas de Ibsen Tcheacutekhov Strindberg Maeterlinck e Hauptmann apontando para a
contradiccedilatildeo crescente entre a forma dramaacutetica e os novos conteuacutedos advindos da ordem
social que o drama de rigor aristoteacutelico natildeo consegue assimilar Desse modo o criacutetico mostra
que o teatro de Ibsen entre outras coisas empreendeu uma total inversatildeo no conceito
convencional do drama sobretudo pela emersatildeo do elemento eacutepico em suas peccedilas Em Os
espectros Rosmersholm John Gabriel Borkman e Solness o construtor somente para citar
algumas as accedilotildees do presente servem apenas para revelar o passado iacutentimo das personagens
tornando-se a proacutepria lembranccedila o tema central de suas peccedilas Apesar do uso da construccedilatildeo
rigorosa e causaliacutestica do domiacutenio pleno das peripeacutecias e reconhecimento da exposiccedilatildeo
dissolvida com economia por toda a peccedila Ibsen percebeu que a dramaacutetica pura com seu
pressuposto de mostrar ldquosujeitos autoconscientesrdquo caducava num mundo cada vez mais
marcado pela alienaccedilatildeo Assim em seus dramas rigorosos mas de conteuacutedo eacutepico o proacuteprio
1 Theodor W Adorno ldquoExumaccedilatildeordquo Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificadaTraduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 81 Cf tambeacutem no mesmo livro ldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo p 81-82
38
diaacutelogo entre as personagens estabeleceu a cisatildeo entre sujeito e objeto apresentando no palco
ldquovidas danificadasrdquo pelo mundo da mercadoria do trabalho alienado das relaccedilotildees falsificadas
e do isolamento do indiviacuteduo1
A partir dos anos 1960 Ibsen entatildeo considerado um autor canocircnico repontava em
trabalhos no acircmbito da histoacuteria do teatro da biografia da filosofia e da psicanaacutelise Sua obra
celebrada mais pelos escacircndalos que causaram no final do seacuteculo XIX do que por seu valor
artiacutestico continuou a ser analisada por meio de diferentes teorias criacuteticas e em contextos
especiacuteficos Criacuteticos como Halvdan Koht John Northam e Eric Bentley interessaram-se pelo
aspecto ontoloacutegico das peccedilas ibsenianas examinando os elementos constitutivos dos textos
como a ironia o paradoxo a ambiguumlidade e o simbolismo Natildeo raro essas anaacutelises
consideravam a ldquopoesia dramaacuteticardquo do dramaturgo como a expressatildeo maacutexima de sua obra
estabelecendo Ibsen como um theatre-poet2 Outros estudiosos como H L Mencken e Brian
Johnston restituiacuteram Ibsen ao contexto do pensamento europeu aproximando-o de Nietzsche
Kierkegaard e Hegel3 Uma vasta produccedilatildeo de trabalhos sobre o dramaturgo incluindo
perioacutedicos especializados como Ibsen Studies e The contemporany approaches to Ibsen
foram produzidos desde entatildeo No entanto a maioria dos estudos mdash salvo algumas exceccedilotildees
a exemplo das anaacutelises da recepccedilatildeo de Ibsen em muitos paiacuteses mdash concentram-se
particularmente nos aspectos psicanaliacuteticos e ateacute mesmo autobiograacuteficos de sua obra
deixando de lado o elemento social que desempenhou um papel importante na constituiccedilatildeo de
seu teatro tanto pela exposiccedilatildeo dos problemas da sociedade liberal burguesa quanto pela
ruptura com os padrotildees hegemocircnicos do drama Uma boa demonstraccedilatildeo de que o dramaturgo
foi unanimemente considerado universal sem ser de todo compreendido seja por limitaccedilotildees
da criacutetica seja por posicionamentos ideoloacutegicos de seus leitores
1 Cf Peter Szondi Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 2 Cf Halvdan Koht Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971 John Northam Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953 e Eric Bentley The life of the drama New York Atheneum 1964 3 Cf Henrik Ibsen Eleven plays of Henrik Ibsen Introduction by H L Mencken New York B A Cerf D S Klopfer The Modern Library 1935 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989
I B S E N N O B R A S I L
40
As primeiras encenaccedilotildees
As peccedilas de Ibsen chegaram aos palcos brasileiros no fim do seacuteculo XIX filtradas pelo
olhar de companhias estrangeiras sobretudo as italianas de Ermete Novelli Clara Della
Guardia Eleonora Duse Gustavo Salvini e Ermete Zacconi Vale lembrar que a obra
ibseniana somente passou a ter interesse na Itaacutelia depois das encenaccedilotildees do Theacuteacirctre Libre de
Antoine em 1890 Como autor da moda discutido por toda a Europa Ibsen foi rapidamente
assimilado pelo mercado teatral sendo suas peccedilas devidamente moldadas ao gosto do puacuteblico
acostumado com as comeacutedias realistas francesas Assim no uacuteltimo dececircnio do seacuteculo XIX
Enrico Polese diretor da revista LrsquoArte Drammatica juntamente com empresaacuterios criacuteticos e
atores criou ldquoil prodotto Ibsenrdquo impondo aos espectadores um outro autor diferente daquele
que estava revolucionando o teatro europeu O controle da recepccedilatildeo de Ibsen comeccedilava pela
traduccedilatildeo de Polese que suprimia do texto qualquer alusatildeo ou criacutetica agrave sociedade nivelava os
argumentos considerados inconsistentes redesenhava as personagens visando agrave compaixatildeo do
puacuteblico e modificava as cenas que poderiam escandalizar a plateacuteia A encenaccedilatildeo era apoiada
exclusivamente na figura do grande ator e interessava colocar no palco um texto ligeiro
ausente de cenas monoacutetonas A influecircncia de Polese sobre o gosto ibseniano era transmitida
natildeo soacute pela traduccedilatildeo como pela paacutegina de sua revista que minimizava ainda mais as ideacuteias
ldquoaacutesperasrdquo do autor Aleacutem disso como profissional da dramaturgia conhecedor do puacuteblico
dos atores e empresaacuterios Polese fornecia agraves companhias indicaccedilotildees precisas sobre cenografia
indumentaacuteria e formas de composiccedilatildeo das personagens tudo isso visando a mais completa
empatia entre atores e espectadores
A companhia de Ermete Novelli foi a primeira a apresentar Ibsen agrave plateacuteia brasileira
encenando Os espectros no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em junho de 1895 Algumas das
indicaccedilotildees de Polese parecem ter sido seguidas de perto por Novelli o grande ator da
companhia que fez toda a encenaccedilatildeo girar em torno da personagem que ele representava
Osvaldo Alving Sua interpretaccedilatildeo carregada de um realismo tendencioso acentuava a
enfermidade de Osvaldo a ponto de muitos criacuteticos da eacutepoca identificarem a originalidade e a
essecircncia do drama de Ibsen como de ordem cientiacutefica A doenccedila hereditaacuteria de Osvaldo foi
considerada pela criacutetica o tema central da peccedila sendo deixados de lado outros assuntos como
por exemplo o casamento de conveniecircncia de Helena com o Capitatildeo Alving Da mesma
forma pouco se falou das outras personagens mdash Regina Engstrand e Pastor Manders mdash
vistas como secundaacuterias servindo apenas para dar ensejo agraves concepccedilotildees do dramaturgo acerca
41
da sociedade da moral e da famiacutelia Moral essa que para muitos criacuteticos era ldquoestranha e
inadmissiacutevelrdquo pois ao fazer perpassar na mente de Helena a felicidade do filho ao lado de sua
meia-irmatilde Regina Ibsen celebrava o incesto e a devassidatildeo sexual Sob essa perspectiva um
criacutetico do Jornal do Brasil chegou a fazer uma comparaccedilatildeo entre as ideacuteias socialistas e as
ibsenianas concluindo que ambas tinham como fundamentos a praacutetica do amor livre e a
desestruturaccedilatildeo familiar ldquoPois eacute preciso que o nosso leitor fique sabendo que o Dr Rossi um
meacutedico italiano fez para imprensa a propaganda do socialismo tendo por base o amor livre
tal qual existia na colocircnia Santa Luzia no Estado do Paranaacute [] Se Ibsen tivesse notiacutecia de
tal adiantamento social em terras do Brasil com certeza elevava-nos ao seacutetimo ceacuteu da
imortalidaderdquo1 Nessa conjuntura o dramaturgo era tido ora como reformador ora como
pensador nunca como artista jaacute que lhe faltavam segundo os criacuteticos as preocupaccedilotildees e as
qualidades de um autor dramaacutetico Os espectros desse modo foi considerado um drama ldquomal
apresentado e mal conduzidordquo repleto de cenas pesadas e monoacutetonas que soacute conseguiam
aborrecer a plateacuteia ldquoAssistindo agrave representaccedilatildeo drsquoOs espectros pareceu-nos estar diante de
um livro de medicina escrito sobre um caso especial de atavismo e cujo texto fosse de vez em
quando ilustrado pelas fotografias do doente representando-o nas diversas fases da moleacutestia
herdadardquo2 Os pontos positivos apontados pela criacutetica foram o desempenho de Novelli muito
elogiado pela destreza com que apresentou no palco todos os sintomas da enfermidade de seu
personagem e a forma como o drama apesar das impropriedades conseguiu comover e
fornecer uma significaccedilatildeo moral para os espectadores ldquoOsvaldo e Regina as duas viacutetimas
inocentes dos viacutecios de seus pais perseguidos pelo atavismo representam uma liccedilatildeo de moral
deduzida com todo o rigor de uma lei naturalrdquo3
Depois de Os espectros de Novelli Ibsen soacute voltaria agrave cena nacional em 1899 dessa vez
com duas montagens de Casa de boneca a primeira pela Companhia Portuguesa de Lucinda
Simotildees e Cristiano de Souza no Teatro SantrsquoAnna do Rio de Janeiro no mecircs de maio e a
segunda pela Companhia Italiana de Clara Della Guardia no Teatro Liacuterico do Rio no mecircs de
agosto4 A exemplo do que acontecera em muitos paiacuteses quando apresentada pela primeira vez
a peccedila suscitou um caloroso debate no nosso meio teatral A cena final em que Nora abandona
marido e filhos provocou muitas controveacutersias entre os criacuteticos ocupando as paacuteginas dos
principais perioacutedicos do paiacutes Carlo Parlagreco escritor italiano que lecionava Histoacuteria da Arte
1 ldquoOs espectrosrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 17 jun 1895 Palcos e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 A ldquoNovelli ndash Henrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo O Paiacutes Rio de Janeiro 17 jun 1895 Artes e Artistas p 2 3 ldquoNovelli ndash Ibsenrdquo Jornal do Comeacutercio Rio de Janeiro 17 jun 1895 Teatros e Muacutesicas p 1 (Sem assinatura) 4 Casa de boneca tambeacutem foi encenada em Satildeo Paulo A companhia de Clara Della Guardia apresentou-se no Teatro Politheama em setembro de 1899 e a de Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza em outubro no mesmo teatro
42
na Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro foi categoacuterico em seu artigo publicado
na Cidade do Rio ao afirmar que Ibsen era ldquoum socioacutelogo minuacutesculordquo e ldquoum filoacutesofo
incompletordquo que soacute conseguira popularidade por causa dos assuntos escabrosos de suas peccedilas
Por isso o criacutetico italiano censurava aqueles que em reaccedilatildeo ao teatro francecircs consideravam o
dramaturgo ldquocom um fetichismo indigno da razatildeo humanardquo como um dos maiores intelectuais
de sua eacutepoca Para ele Ibsen natildeo fazia mais que repetir as ldquoteorias e os achados alheiosrdquo de
Zola sendo que as ideacuteias do autor escandinavo eram muito mais monstruosas do que os
preconceitos da sociedade Parlagreco criticava a maneira como Ibsen conduzia as suas peccedilas
encorajando as mulheres a abandonar seus lares e estimulando a desagregaccedilatildeo familiar ldquoA
mulher fora do seu domiacutenio natural prepara os degenerados do futuro Subtrair as sociedades agraves
formas mais conhecidas da administraccedilatildeo e de convivecircncia eacute o ideal que Ibsen partilha com
Tolstoacutei mas seria a mesma coisa que suprimir ou inverter no organismo humano as funccedilotildees de
alimentaccedilatildeo de reproduccedilatildeo e de percepccedilatildeordquo1
Natildeo era somente o tema de Casa de boneca que desagradava a parte conservadora de
nossa criacutetica teatral A forma de composiccedilatildeo de Ibsen que se distanciava cada vez mais dos
padrotildees hegemocircnicos do drama burguecircs tambeacutem foi alvo constante de ataques Artur Azevedo
o grande criacutetico da eacutepoca era o defensor contumaz da tradiccedilatildeo dramaacutetica sobretudo da
francesa representada por escritores como Augier Dumas Filho Meilhac e Haleacutevy Assim
como o criacutetico francecircs Francisque Sarcey mdash que para ele era o ldquomais profundo o mais sensato
o mais sincero dos criacuteticos teatrais de todos os temposrdquo mdash Artur Azevedo tinha preferecircncia
pelas peccedilas bem-feitas valorizando mais a construccedilatildeo dramatuacutergica do que o gecircnero teatral
Portanto seus criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila aproximavam-se em tudo aos de Sarcey
importando tatildeo somente averiguar o uso das convenccedilotildees como a verossimilhanccedila a
identificaccedilatildeo o encadeamento linear e progressivo das accedilotildees o enredo com comeccedilo meio e fim
etc Desse modo uma das criacuteticas mais severas de Artur Azevedo agrave Casa de boneca dizia
respeito ao desenlace que para ele era inconcebiacutevel pois a mudanccedila da atitude de Nora natildeo
havia sido preparada nos atos anteriores Se ela tinha sido tatildeo friacutevola e tola nos dois primeiros
atos natildeo era coerente que se transformasse no uacuteltimo ato numa mulher consciente de sua
situaccedilatildeo na sociedade burguesa Faltava a Ibsen o domiacutenio da arte e da convenccedilatildeo dramaacutetica
por isso Artur Azevedo negava ao dramaturgo o tiacutetulo de ldquorevolucionaacuterio do teatrordquo O que
havia em suas peccedilas de verdadeiramente teatral ainda segundo o criacutetico era bebido em Augier
e Dumas Filho com quem Ibsen tinha aprendido a construccedilatildeo haacutebil e calculada para produzir
1 C Parlagrego ldquoOs espectros de Henrik Ibsenrdquo Cidade do Rio Rio de Janeiro p 1 15 jun 1895
43
efeitos bombaacutesticos Contra esses posicionamentos de Artur Azevedo levantou-se Luiacutes de
Castro jornalista da Gazeta de Notiacutecias que sensiacutevel aos rumos do teatro moderno refutou
veementemente o ponto de contato entre os dramas franceses e ibsenianos bem como o
prestiacutegio de Sarcey como criacutetico teatral provocando uma polecircmica com Artur Azevedo que se
estenderia durante algum tempo nas paacuteginas dos jornais1 Apesar das censuras aos dramas
ibsenianos Artur Azevedo escreveu em 1906 um necroloacutegio a Ibsen reconhecendo-o como
ldquouma das gloacuterias literaacuterias mais puras do seacuteculo XIXrdquo No entanto o seu ponto de vista pouco
mudou em relaccedilatildeo agraves convenccedilotildees teatrais Nesse texto ao fazer um balanccedilo da influecircncia do
norueguecircs no teatro mundial Artur Azevedo afirmou que o teatro de Ibsen ainda era
incompreensiacutevel interessando apenas a um pequeno puacuteblico o das ldquocamadas superioresrdquo As
peccedilas de Ibsen para ele serviam apenas para serem lidas natildeo representadas fato que de modo
algum reduzia suas qualidades de ldquoobras-primas de uma grande elevaccedilatildeo moral dignas da
admiraccedilatildeo universal que as celebrourdquo2
Como Artur Azevedo Oscar Guanabarino criacutetico de O Paiacutes tambeacutem reclamava das
cenas desconexas dos diaacutelogos interminaacuteveis e do desfecho de Casa de boneca pontos que
dificultavam o entendimento do puacuteblico ldquoDesde entatildeo surgem os disparates e entre eles o
maior eacute que o espectador depois de concluiacuteda a representaccedilatildeo deve ir para casa refletir sobre
o caso concluir como puder a peccedila que natildeo teve fim []rdquo3 Ibsen para Guanabarino era
produto do exagero de criacuteticos desorientados que cingiam seu nome com uma aureacuteola de
gecircnio mdash como se ele fosse ldquoo salvador da arte dramaacuteticardquo mdash sem perceber que os processos
de escrita de sua obra eram iguais ao do teatro da eacutepoca tinham os mesmos defeitos da ficelle
e o prejuiacutezo do desconhecimento de certas regras impostas pela experiecircncia e exigidas pelo
bom senso Igualmente exageradas segundo o criacutetico eram as ideacuteias do dramaturgo que sob
o pretexto de lutar contra as convenccedilotildees sociais levava para o palco personagens sempre
doentias Apoiado nos estudos de Cesare Lombroso psiquiatra e criminalista italiano famoso
na eacutepoca pelas suas teorias sobre o criminoso nato e o homem de gecircnio Guanabarino
afirmava ser Ibsen um ldquoalienistardquo e suas personagens figuras desequilibradas e anormais A
partir da anaacutelise de obras de ficccedilatildeo e de estudos de caso Lombroso chegara agrave conclusatildeo
absurda de que anomalias hereditaacuterias neuroloacutegicas e psiacutequicas desempenhavam papel
1 Cf sobre a polecircmica entre Artur Azevedo e Luiacutes de Castro Joatildeo Roberto Faria ldquoEntre Sarcey e Ibsenrdquo Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 240-245 647-651 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Terminei meu uacuteltimo folhetim []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 31 maio 1906 O Teatro Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 586-588 3 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2
44
preponderante na formaccedilatildeo da personalidade de um delinquumlente bastando portanto relacionar
as caracteriacutesticas fiacutesicas dos indiviacuteduos mdash tamanho da mandiacutebula formato do cracircnio etc mdash
para descobrir sua disposiccedilatildeo ao crime Da mesma maneira ele acreditava que escritores
considerados geniais como Shakespeare Zola Tolstoacutei Dostoieacutevski e Ibsen apresentavam
aleacutem de uma visatildeo especial formas mais ou menos atenuadas de loucura e perversatildeo o que
lhes permitiam vislumbrar um criminoso muito antes que a ciecircncia o fizesse Nessa esteira
Lombroso alertava que as mulheres sendo ldquocriaturas moralmente inferiores e infantisrdquo
tinham mais propensatildeo agrave delinquumlecircncia ldquoMulheres satildeo crianccedilas grandes Suas tendecircncias maacutes
satildeo mais numerosas e mais variadas que as dos homens mas geralmente permanecem
latentes Entretanto quando satildeo despertas e excitadas produzem resultados proporcionalmente
maioresrdquo1 Desse modo para Guanabarino Nora apresentava todos os sintomas da patologia
mental e moral examinados por Lombroso era infantil histeacuterica e mentirosa E somente
assim por meio de um tipo exagerado e complexo inferido com todo rigor de um estudo
cientiacutefico Nora poderia ser compreendida e aceita como verdadeira No entanto isso natildeo
reduzia ainda segundo Guanabarino sua iacutendole maacute seja ao abandonar os filhos seja ao
contrair um empreacutestimo sob o pretexto de salvar a vida do marido para saciar seus caprichos
ldquoo desejo de viajar como faziam as outras as ricas acendeu-lhe o desejo de salvar o marido
e ei-la contraindo um empreacutestimo com um indiviacuteduo de moral duvidosardquo2
Os criacuteticos favoraacuteveis a Ibsen geralmente analisavam a sua obra pelo vieacutes naturalista
evitando entrar nas discussotildees acerca de sua forma dramaacutetica Luiacutes de Castro aleacutem de
polemizar com Artur Azevedo sobre o teatro ibseniano talvez tenha sido o uacutenico a abordar
essa questatildeo Em seu artigo ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo o criacutetico da Gazeta de
Notiacutecias apontava a influecircncia das peccedilas de Ibsen na evoluccedilatildeo do teatro moderno Para ele a
teacutecnica dramatuacutergica ibseniana era totalmente diversa natildeo podendo ser comparada a nenhuma
outra existente principalmente agraves dos dramaturgos franceses de quem o norueguecircs natildeo havia
lido sequer uma linha Enquanto autores como Scribe Augier e Dumas Filho estavam
interessados na accedilatildeo e no enredo concluiacutea Luiacutes de Castro Ibsen preocupava-se com ldquoo
sentido profundo da obra a crise psicoloacutegica e moral em que os acontecimentos atiram os
personagensrdquo3 Por isso argumentava ele suas peccedilas foram combatidas em muitos paiacuteses
sobretudo na Franccedila onde o autor encontrou um nuacutemero maior de detratores Joatildeo do Rio por
1 Cesare Lombroso e William Ferrero The female offender New York Philosophical Library 1958 p 151 Cf tambeacutem Cesare Lombroso Lrsquouomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 2 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2 3 Luiacutes de Castro ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 28 maio 1899 Teatro e p 2
45
sua vez exaltava no dramaturgo o tom cientiacutefico da composiccedilatildeo das personagens que levava
em conta a influecircncia do meio e da hereditariedade em suas iacutendoles Em ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo
artigo publicado em A Tribuna o criacutetico procurou mostrar ao leitor por meio da descriccedilatildeo
minuciosa do desempenho da atriz portuguesa no papel de Nora os matizes da construccedilatildeo da
personagem ibseniana ldquoEacute admiraacutevel de anaacutelise humana e Luciacutelia eacute a encarnaccedilatildeo perfeita
deste tipo complexo de histeacuterica com o desequiliacutebrio nervoso da mulher do Norterdquo1 Joatildeo do
Rio tambeacutem enxergava Ibsen como um mentalista de Lombroso e Nora como um tipo de
deacutetraqueacute Mas diferentemente de Guanabarino essas caracteriacutesticas natildeo foram vistas atraveacutes
de uma oacutetica conservadora antes foram tratadas como o reflexo do estado patoloacutegico da
sociedade Para Joatildeo do Rio Ibsen era um reformador que viera fazer do teatro uma verdade
levando agrave cena a vida de todos os dias Outro criacutetico que apreciou as novidades do teatro de
Ibsen foi Luiz Guimaratildees Filho jornalista de A Notiacutecia responsaacutevel pela publicaccedilatildeo de um
dos artigos mais incisivos a favor dos direitos da mulher Para ele Casa de boneca era a
criaccedilatildeo suprema de Ibsen sobretudo porque questionava a exclusatildeo das mulheres na
sociedade ldquoA Casa de boneca demonstra cruelmente a falsidade da educaccedilatildeo feminina na
sociedade moderna mdash que a reduz a viacutetimas risonhas a escravas enfeitadas com sedas a
autocircmatos inconscientes e fracosrdquo2 Utilizando-se dos mesmos conceitos da teoria de
Lombroso comum na literatura da eacutepoca Guimaratildees Filho tambeacutem via Nora como uma
ldquodoida singularrdquo No entanto ainda segundo o criacutetico colocar no palco uma histeacuterica foi a
forma que Ibsen encontrou para marcar a diferenccedila de privileacutegios entre os sexos e mostrar o
erro da educaccedilatildeo da mulher
No iniacutecio do seacuteculo XX as companhias estrangeiras continuaram a ser presenccedila
marcante no Brasil trazendo em seus repertoacuterios peccedilas de Strindberg Maeterlinck
DrsquoAnnunzio Hauptmann Sundermann e Ibsen autores ateacute entatildeo desconhecidos da maior
parte do puacuteblico Entre os meses de maiojunho e agostooutubro periacuteodo da temporada
dessas companhias no Rio e em Satildeo Paulo os espectadores tinham a chance de conhecer os
grandes artistas estrangeiros bem como o que de melhor se produzira nos palcos europeus
Nessas ocasiotildees o teatro seacuterio de qualidade literaacuteria ganhava destaque na imprensa
possibilitando a discussatildeo dos novos rumos da literatura dramaacutetica No entanto a maioria de
nossos criacuteticos e homens de teatro presos agrave foacutermula da peccedila bem-feita ao gosto do puacuteblico e
principalmente aos interesses econocircmicos e lucrativos dos espetaacuteculos teatrais pouca
1 Paulo Barreto [Joatildeo do Rio] ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo A Tribuna Rio de Janeiro p 3 1 jul 1899 Reunido em Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 640 2 Luiz Guimaratildees Filho ldquoA Casa de bonecardquo A Notiacutecia Rio de Janeiro p 2 27-28 maio 1899
46
importacircncia davam aos movimentos de vanguarda Comumente o arranjo cecircnico e os
assuntos controversos de algumas peccedilas suscitavam polecircmicas na imprensa acabando quase
sempre com a rejeiccedilatildeo das novas formas do teatro moderno Bastava as companhias
estrangeiras irem embora os gecircneros mais apreciados do puacuteblico mdash operetas melodramas
feacuteeries e revistas de ano mdash voltavam agrave cena nacional Portanto os pilares baacutesicos do teatro
brasileiro continuavam sendo os mesmos a oacutepera reduzida a um nuacutemero de composiccedilotildees do
realejo italiano como Rigoletto Mme Butterfly e Manon e a dramaturgia francesa que haacute
muito jaacute havia se tornado o esteio de nossos palcos Aleacutem das convenccedilotildees da peccedila bem-feita
serem usadas como criteacuterios para a anaacutelise das obras teatrais nossa criacutetica literaacuteria tambeacutem
orientava-se pelas noccedilotildees de raccedila e natureza reduzindo as obras-de-arte agrave accedilatildeo de fatores
como clima meio e mesticcedilagem Foi assim que a partir do sincretismo de teorias e conceitos
europeus deslocados de suas funccedilotildees de origem formou-se no Brasil o padratildeo de leitura da
virada do seacuteculo XIX para o XX
Em 1900 Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza voltaram a apresentar Casa de boneca
no Teatro Lucinda do Rio de Janeiro e no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo A montagem
segundo artigo de Joatildeo do Rio teve poucas alteraccedilotildees ldquoA companhia vem a mesma na
distribuiccedilatildeo dos personagens [] Os cenaacuterios satildeo diferentes o material todo novo a ceacutelebre
cadeirinha de palhinha que fez tanto palerma gargalhar foi substituiacuteda por outra de veludo e
tudo eacute bom tudo eacute melhorrdquo1 A recepccedilatildeo tambeacutem foi a mesma elogios aos atores e criacuteticas agrave
peccedila que se ressentia da linearidade da accedilatildeo dramaacutetica apresentando aleacutem disso ficelles
velhas e usadas cenas monoacutetonas personagens excecircntricas e desequilibradas No ano
seguinte apareceu o primeiro ensaio sobre Ibsen reunido em A hora do escritor e criacutetico
literaacuterio Nestor Viacutetor2 Nesse livro Nestor Viacutetor ocupou-se da literatura estrangeira Os
Desplantados de Maurice Barregraves Cyrano de Bergerac de Edmond Rostand e Pretendentes agrave
coroa A comeacutedia do amor Imperador e Galileu Pilares da sociedade Os espectros entre
outras peccedilas de Ibsen A parte dedicada ao dramaturgo norueguecircs vinha dividida em quatorze
capiacutetulos onde o criacutetico traccedilava o perfil biograacutefico de Ibsen detendo-se no entanto na
anaacutelise de sua obra De Catilina primeira peccedila do autor ateacute John Gabriel Borkman Nestor
Viacutetor buscou examinar os elementos simboacutelicos dos dramas informando vez ou outra a
maneira como o teatro de Ibsen tinha sido recebido na Europa provocando polecircmicas e
discussotildees Nessa trajetoacuteria ele procurou apresentar ao leitor um resumo minucioso de todas
as peccedilas mdash traduzindo inclusive trechos inteiros de algumas delas mdash demonstrando assim
1 P B [Joatildeo do Rio] ldquoTeatro Lucindardquo Cidade do Rio Rio de Janeiro 5 mar 1900 Gambiarras p 2 2 Nestor Viacutetor A hora Rio de Janeiro Paris Garnier 1901
47
preocupaccedilatildeo com as condiccedilotildees de produccedilatildeo e recepccedilatildeo da arte em um paiacutes como o Brasil
Num seacuteculo cientificista Nestor Viacutetor foi o criacutetico que tomou os padrotildees esteacuteticos como
norma de julgamento da produccedilatildeo literaacuteria buscando analisar atraveacutes de um veio
impressionista os elementos intriacutensecos da obra-de-arte Sob essa perspectiva o criacutetico
apontou em Casa de boneca a siacutentese a economia de adornos e o desprezo de Ibsen pelas
ficelles como elementos essenciais de inauguraccedilatildeo de uma nova fase da dramaturgia mundial
Os espectros voltou aos palcos brasileiros na encenaccedilatildeo da companhia de Andreacute
Antoine no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em 14 de julho de 1903 A peccedila jaacute natildeo era
novidade entre noacutes e assim como na primeira representaccedilatildeo de Novelli em 1895 os criacuteticos
limitaram-se a aproximar o drama das teorias cientiacuteficas do atavismo e a reclamar das cenas
deprimentes e cansativas A atuaccedilatildeo de Antoine no papel de Osvaldo mdash diferente do que
ocorrera com Novelli elogiadiacutessimo pela nossa criacutetica mdash sofreu restriccedilotildees por parte de alguns
que a consideraram ldquosobremodo fatiganterdquo fria e modesta dissolvendo a personagem numa
atmosfera nebulosa e incompreensiacutevel Acostumados agraves interpretaccedilotildees melodramaacuteticas ao
exagero na expressatildeo dos sentimentos e aos apelos faacuteceis dos atores agrave plateacuteia muitos criacuteticos
estranharam o modo de representar do ator e encenador francecircs principalmente o tom baixo de
sua voz e os momentos em que ele virava as costas para o puacuteblico Artur Azevedo contraacuterio agraves
experiecircncias naturalistas no teatro foi o grande desafeto de Antoine protagonizando uma
querela com o ator francecircs que se estenderia ateacute o mecircs de outubro daquele ano1
Trecircs anos mais tarde Suzanne Despregraves que fizera parte da troupe de Antoine no Rio
voltou ao Brasil para encenar Casa de boneca no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em agosto de
1906 Eacute importante lembrar que a atriz francesa aleacutem de ter participado de algumas montagens
do Theacuteacirctre Libre tambeacutem fez parte do elenco da primeira representaccedilatildeo simbolista de Solness
o construtor sob a direccedilatildeo de Lugneacute-Poe no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre em 1894 Portanto sua
interpretaccedilatildeo de Nora diferenciava-se das que ateacute aquele momento tinham sido apresentadas ao
puacuteblico brasileiro deixando de lado as teorias de emancipaccedilotildees as teses do atavismo para
enfatizar o eacutetat drsquoacircme que existia por traacutes das accedilotildees da personagem Assim Casa de boneca
passou a ser lida como a expressatildeo da realidade atraveacutes da sugestatildeo simboacutelica e a cena da
tarantela mdash assim como acontecera com a construccedilatildeo do orfanato em Os espectros e a pistola
em Hedda Gabler nas encenaccedilotildees simbolistas mdash passou a ser encarada como a parte
substancial do drama concentrando todo o significado da peccedila em uma uacutenica imagem da accedilatildeo
A Nora de Suzanne Despregraves nessa perspectiva deixava de ser uma figura incomum para se
1 Cf sobre a temporada de Antoine no Rio de Janeiro Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 245-261
48
transformar no siacutembolo de uma mulher atormentada por sua condiccedilatildeo de boneca destituiacuteda do
livre-arbiacutetrio Um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo ao comparar a atuaccedilatildeo de Suzanne Despregraves
com as de Luciacutelia Simotildees e Clara Della Guardia elogiou a naturalidade com que a atriz
francesa compusera a personagem tornando um tipo tatildeo complexo como Nora compreensiacutevel
ao puacuteblico ldquoTanto Luciacutelia Simotildees como Clara Della Guardia as duas Noras que nos foi dado a
ver e ouvir diferentes em detalhes assemelham-se contudo nas suas linhas gerais [] ambas
nos deram uma Nora ridiculamente infantil no primeiro ato e no final do segundo na cena da
tarantela ambas se desconjuntavam numa horripilante danccedila de S Guido [] A Nora que
ontem nos deu Suzanne Despregraves afasta-se por completo desses moldesrdquo1 O desempenho da
atriz francesa foi muito elogiado pelos criacuteticos mas a peccedila continuou a ser censurada sobretudo
pelas cenas desarticuladas e incoerentes
Em 1907 esteve por aqui a Companhia Dramaacutetica Italiana de Gustavo Salvini
encenando Os espectros no Rio e em Satildeo Paulo no mecircs de julho A recepccedilatildeo foi comedida e
no geral os criacuteticos restringiram-se a apresentar o resumo da peccedila e a elogiar Salvini pela
interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving Entretanto o grande acontecimento teatral do ano foi a
temporada de Eleonora Duse nos palcos cariocas e paulistas Empresariada por Lugneacute-Poe e
V Consiglio a atriz veio ao Brasil com um repertoacuterio variado Magda de Sundermann La
Gioconda de DrsquoAnnunzio La signora dalle Camelie e La moglie di Claudio de Dumas
Filho Monna Vanna de Maeterlinck Rosmersholm e Hedda Gabler de Ibsen Fedora de
Sardou e Adriana Lecouvreur de Scribe e Legouveacute Apoacutes a encenaccedilatildeo de Casa de boneca
no Teatro Filodramaacutetico de Milatildeo em 1891 Duse natildeo tinha representado mais nenhum drama
de Ibsen preferindo antes o repertoacuterio italiano de Goldoni e Giacosa e o francecircs de Dumas
Filho e Sardou Somente a partir de 1904 seguindo a tendecircncia do teatro simbolista ela
voltou a Ibsen encenando Hedda Gabler e depois em 1905 Rosmersholm com cenaacuterio de
Gordon Craig Assim a anaacutelise cientiacutefica das personagens cedeu lugar para a do heroacutei
individualista e seus problemas de consciecircncia importando agora explorar no palco a poesia
a paixatildeo e vida interior das figuras ibsenianas
Hedda Gabler e Rosmersholm representadas no Teatro Liacuterico do Rio respectivamente
nos dias 2 e 16 de julho de 1907 eram pela primeira vez levadas agrave cena brasileira2
Rosmersholm segundo o jornalista Briacutecio de Abreu foi a uacuteltima peccedila que a companhia
1 ldquoSantrsquoAnna ndash A representaccedilatildeo de Casa de boneca de Ibsen []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 5 ago 1906 Palcos e Circos p 3 (Sem assinatura) 2 Hedda Gabler tambeacutem foi encenada no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em 20 de julho de 1907 Rosmersholm soacute foi representada no Rio
49
apresentou no Rio seguindo posteriormente para Satildeo Paulo1 Embora a encenaccedilatildeo de
Rosmersholm apareccedila no livro do jornalista carioca e na lista do repertoacuterio da companhia
publicada nos jornais da eacutepoca poucas referecircncias encontramos na imprensa sobre essa peccedila
limitando-se os criacuteticos a traccedilar o resumo da obra e a destacar o desempenho dos atores O
mesmo natildeo aconteceu com Hedda Gabler que tanto no Rio como em Satildeo Paulo provocou
uma efervescecircncia no meio teatral sendo discutida intensamente pelos nossos criacuteticos No Rio
de Janeiro Artur Azevedo declarou a peccedila nebulosa e absurda sobretudo porque apesar de
traacutegica natildeo apresentava ldquouma cena violenta um grito de paixatildeo ou de desesperordquo uma
situaccedilatildeo que pudesse produzir ldquocalafrios e arrepiar os cabelosrdquo dos espectadores Para
Azevedo as maiores estranhezas ficaram por conta dos diaacutelogos travados agrave meia-voz em
cenas consideradas extravagantes como aquela em que Theacutea sabendo do suiciacutedio de
Loevborg em vez de lhe socorrer potildee-se a trabalhar na reconstruccedilatildeo de seu manuscrito2 Em
Satildeo Paulo formou-se uma querela sobre a questatildeo da inacessibilidade de Ibsen agrave plateacuteia
paulistana Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo havia sido um erro a escolha de Hedda
Gabler para estreacuteia da companhia em Satildeo Paulo pois Ibsen ainda era incompreensiacutevel ao
puacuteblico e a empresa teria andado com mais acerto se representasse um drama jaacute conhecido
Para ele era importante que antes da encenaccedilatildeo os espectadores tivessem ouvido uma
conferecircncia explicativa da peccedila como fez Jules Lemaicirctre na representaccedilatildeo de Hedda Gabler
no Theacuteacirctre du Vaudeville em Paris em 1891 Somente assim a companhia teria evitado o
modo frio com que os espectadores receberam o espetaacuteculo aplaudindo-o apenas por mera
cortesia3 Joatildeo Crespo jornalista do Comeacutercio de Satildeo Paulo rebateu esses argumentos
alegando que ldquoas peccedilas de Ibsen obrigam a pensar e natildeo tecircm esses lances de paixatildeo que
levantam uma plateacuteiardquo4 Esse debate entre os criacuteticos drsquoO Estado e do Comeacutercio de Satildeo Paulo
se prolongou por cinco dias consecutivos na imprensa no entanto as questotildees esteacuteticas foram
deixadas de lado prevalecendo apenas os ataques pessoais
A maior parte de nossos criacuteticos teatrais declarava Ibsen ininteligiacutevel e mistificador
acusando aqueles que nutriam qualquer simpatia pelo escritor norueguecircs de snobs que
fingiam gostar de sua obra devido ao seu relativo sucesso em Paris Os criacuteticos mais avessos a
1 Briacutecio de Abreu Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958 p 15 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Passando por alto uma representaccedilatildeo de Fernanda []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 4 jul 1907 Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 626-628 3 ldquoSantrsquoAnna ndash Eleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 21 jul 1907 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 4 Joatildeo Crespo ldquoUm criacutetico teatral de uma folha matutina mostrou-se escandalizado []rdquo Comeacutercio de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 23 jul 1907 Revistinha p 1
50
Ibsen recorriam quase sempre agraves teses do meacutedico huacutengaro Max Nordau para desqualificar
sua obra considerando-a o arqueacutetipo da degeneraccedilatildeo da sociedade Ao publicar
Deacutegeacuteneacuterescence em 1893 Nordau retomou e radicalizou as grandes linhas das teorias de
Cesare Lombroso mdash sobretudo aquela em que o psiquiatra italiano aproximava a genialidade
da loucura mdash para declarar a arte moderna degenerada Frutos de autores semi-loucos essas
obras doentias poderiam segundo Nordau corromper os espiacuteritos dos leitores levando-os agrave
degradaccedilatildeo1 Nietzsche Tolstoacutei Zola e Ibsen entre outros foram considerados autores
ldquodegenerescentesrdquo que por traacutes da maacutescara enganadora de revolucionaacuterios da arte conduziam
pouco a pouco a sociedade agrave deterioraccedilatildeo moral Nessa esteira Alfredo Pujol em sua coluna
ldquoOs meus domingosrdquo drsquoO Estado de S Paulo aleacutem de censurar Ibsen por levar para o palco
ldquoas verdades crueacuteis da vidardquo e ldquoas tristes enfermidades da alma contemporacircneardquo fez questatildeo
de lembrar o diagnoacutestico ldquodos enfermos do hospital de Ibsenrdquo feito por R Geyer disciacutepulo de
Nordau degenerescecircncia mental histeria demecircncia senil deliacuterio crocircnico alcoolismo
melancolia etc2 Para Pujol esse teatro sombrio e doloroso natildeo podia durar muito caso
contraacuterio veriacuteamos ldquoenquanto no palco se representa Ibsen despencarem suicidas das
torrinhas e trocarem-se tiros de revoacutelver nos camarotesrdquo3 Ibsen portanto natildeo devia ser
representado mas somente lido como um escritor de gabinete natildeo de plateacuteia
Por esse tempo Moritz Prozor o ceacutelebre tradutor da obra de Ibsen para o francecircs
vivia em Petroacutepolis (RJ) a cargo de suas funccedilotildees de Ministro da Ruacutessia Durante sua
permanecircncia no Brasil Conde Prozor como passou a ser conhecido entre noacutes foi um
importante divulgador do teatro ibseniano e da esteacutetica simbolista de Lugneacute-Poe e Camille
Mauclair de quem foi profundo admirador Era comum como nos lembra Afonso Celso ver
Prozor nos salotildees brasileiros ldquoreferir-se agrave vida e agrave obra do seu poeta e escritor teatral
preferido a explicar-lhes as intenccedilotildees a filosofia o engenho inovador a salutar accedilatildeo
revolucionaacuteriardquo4 Por certo a amizade que Prozor teve por Nestor Viacutetor e sobretudo por Graccedila
Aranha mdash de quem prefaciou a ediccedilatildeo francesa de Canaatilde mdash influenciou de alguma maneira o
rumo da produccedilatildeo criacutetica e literaacuteria desses dois escritores que se deixaram atrair pelo
simbolismo Aliaacutes foi por intermeacutedio de Prozor que Graccedila Aranha conheceu a obra de Ibsen
a quem viria a dedicar um artigo em A esteacutetica da vida de 1921 Nesse artigo intitulado ldquoA
esteacutetica de uma trageacutediardquo Graccedila Aranha declarava que a forccedila dos dramas ibsenianos natildeo
estava na censura do autor agraves hipocrisias sociais mdash ldquotoda arte inspirada nos problemas sociais
1 Cf Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf R Geyer Eacutetude meacutedico-psychologique sur le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris [sn] 1902 3 Alfredo Pujol ldquoOs meus domingosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo p1 28 jul 1907 4 Afonso Celso ldquoIbsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 28 abr 1928
51
eacute precaacuteriardquo afirmava ele mdash mas no mundo de sonho imagens e poesia que uma vez posto
em accedilatildeo fazia ldquonascer o prodiacutegio de uma misteriosa comunhatildeo esteacuteticardquo Nesse sentido a
beleza em Hedda Gabler ainda segundo Graccedila Aranha encontrava-se no caraacuteter estranho e
fascinante da personagem-tiacutetulo que sendo irremediavelmente incompatiacutevel com a
sociedade a colocara numa situaccedilatildeo insoluacutevel podendo Hedda apenas ser salva pela morte
Para ele a ldquovisatildeo espetacular do mundordquo era o que assegurava agraves peccedilas de Ibsen valor e
universalidade1 Antes desse artigo Graccedila Aranha publicou em 1911 Malasarte peccedila que
tem semelhanccedilas e afinidades com Peer Gynt de Ibsen Ambas apresentam como
protagonista um heroacutei do folclore nacional tanto Peer Gynt como Malasarte vivem numa
esfera de amoralidade destituiacuteda dos conceitos de bem e mal e a mentira eacute o recurso que as
personagens utilizam para ldquoencantarrdquo os outros safando-se assim das encrencas que se metem
ao longo de suas vidas2 Malasarte aleacutem de ser publicada em portuguecircs ganhou uma versatildeo
em francecircs com prefaacutecio de Camille Mauclair A peccedila tambeacutem foi encenada no Theacuteacirctre de
lrsquoOeuvre em fevereiro de 1911 tendo em seu elenco Greta Prozor filha do Conde Prozor
uma das grandes inteacuterpretes de Ibsen na Franccedila
Ainda em 1911 Araripe Jr reuniu em livro nove artigos seus todos publicados no
Jornal do Comeacutercio do Rio entre 1895 e 1909 compondo assim uma monografia dedicada agrave
obra de Ibsen3 No prefaacutecio desse volume intitulado Ibsen Araripe Jr discute seus criteacuterios
literaacuterios reforccedilando sua adesatildeo agraves teorias de Taine ao evolucionismo de Spencer e ao
cientificismo de Eacutemile Hennequin As obras literaacuterias desse modo eram tratadas como
documentos que ao representar a sociedade e a natureza que as produziram podiam revelar a
psicologia de um seacuteculo ou povo Assim em Ibsen Araripe Jr procurou mostrar como o
sentimento da trageacutedia apesar das condiccedilotildees mesoloacutegicas eacutetnicas e momentacircneas
desenvolveu-se em Eacutesquilo e Shakespeare e que caminhos seguiu ateacute chegar ao seacuteculo XIX
quando aparece a dramaturgia de Ibsen Nesse percurso o criacutetico concluiu que a essecircncia da
trageacutedia moderna repousava no ldquocontraste feroz entre a vida subjetiva e a maacutequina do poderrdquo
ressalvando o caraacuteter psicossocial (e jaacute natildeo mais puramente miacutetico) do teatro moderno
Embora para Araripe Jr a obra de Ibsen natildeo fosse ldquooutra coisa senatildeo um magniacutefico capiacutetulo
de criacutetica socialrdquo ela apresentava tatildeo somente o lado ldquosaturninordquo da vida projetando-se numa
esfera espectral Por essa razatildeo suas personagens sobretudo as femininas adquiriram um
1 Graccedila Aranha ldquoA esteacutetica de uma trageacutediardquo A esteacutetica da vida Rio de Janeiro Garnier 1921 p 210-213 2 Cf sobre as semelhanccedilas entre Peer Gynt e Malasarte Joseacute Carlos Garbuglio ldquoDe Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) Revista do Instituto de Estudos Brasileiros Satildeo Paulo USP n 4 p 81-96 1968 3 Tristatildeo de Alencar Araripe Jr Ibsen Porto Lello amp Irmatildeo 1911
52
aspecto ldquomisteriosamente maleacuteficordquo como de ldquoum ente que natildeo parece desse mundordquo De
qualquer modo ainda segundo Araripe Jr a genialidade do dramaturgo estava na capacidade
que ele tinha de ldquoenxergar na vida o que nem todos podem verrdquo encerrando em sua obra ldquoo
comeccedilo da construccedilatildeo ideal da sociedaderdquo marca do sinal dos tempos que despertou o
interesse de alguns franceses como Antoine e Lugneacute-Poe
Nesse periacuteodo de 1895 a 1911 pode-se perceber a formaccedilatildeo cultural de nossos
criacuteticos que com graus diferentes de influecircncia nutriram-se de obras tributaacuterias ora do
evolucionismo e do materialismo corriqueiro de Max Nordau Spencer Haeckel e Comte ora
do idealismo e esteticismo de Eacutedouard Schureacute e Camille Mauclair ora da tendecircncia analiacutetica
de Eacutedouard Rod escritor suiacuteccedilo que como Moritz Prozor foi um dos famosos prefaciadores
das traduccedilotildees francesas das peccedilas de Ibsen No que diz respeito especificamente agrave criacutetica
teatral continuariacuteamos durante algum tempo a utilizar os criteacuterios analiacuteticos de Francisque
Sarcey
53
Um claacutessico imperfeito
Durante a Primeira Guerra as companhias estrangeiras que faziam as vezes de
atualizar nossa cena apresentando-nos os principais autores da vanguarda europeacuteia deixaram
de vir com frequumlecircncia ao Brasil Essa situaccedilatildeo contribuiu ao menos em parte para que os
nossos homens de teatro ficassem totalmente agrave margem da revoluccedilatildeo cecircnica operada por
Stanislavski Gordon Craig e Meyerhold restando-nos apenas ldquoa praacutetica do estrelismordquo
Assim a dramaturgia brasileira voltou-se para os temas nacionais retomando o fio iniciado
por Martins Pena e Franccedila Juacutenior a saacutetira aos costumes de nossa organizaccedilatildeo social e poliacutetica
a exaltaccedilatildeo da terra e da vida no campo em oposiccedilatildeo agrave degeneraccedilatildeo dos haacutebitos citadinos e o
contraste entre a figura do estrangeiro tolo e o brasileiro haacutebil e esperto Nesse gecircnero de
teatro o texto servia apenas como apoio agraves improvisaccedilotildees dos atores assinalando a tendecircncia
aos efeitos faacuteceis que se prolongaria durante as deacutecadas de 1920 e 1930 As peccedilas desse
modo eram escritas sob medida para os atores preferidos pelo puacuteblico que tinham a
possibilidade de projetar suas personalidades no palco A ausecircncia do diretor encarregado de
coordenar o espetaacuteculo numa visatildeo unitaacuteria facilitava ainda mais o improviso dos efeitos
cocircmicos o gosto dos ldquocacosrdquo e o desequiliacutebrio do conjunto contribuindo para colocar sempre
em primeiro plano o ator principal da companhia Muitos desses ldquoastrosrdquo aliaacutes tornaram-se
empresaacuterios teatrais emprestando aos grupos que dirigiam seus nomes de iacutedolos populares
caso das companhias de Leopoldo Froacutees e de Procoacutepio Ferreira Essas comeacutedias de costumes
previam por ordem expressa dos empresaacuterios um cenaacuterio fixo geralmente a sala de visitas de
uma famiacutelia de classe meacutedia por onde desfilavam os tipos habituais o galatilde o pai libertino e
conservador a matildee ingecircnua e dedicada a avoacute resmungona o empregado impertinente etc
Nessas circunstacircncias Ibsen voltaria aos palcos brasileiros somente em setembro de
1915 com a encenaccedilatildeo de Os espectros pela companhia de Gustavo Salvini no Teatro
Cassino Antaacutertica em Satildeo Paulo O ator italiano que jaacute havia apresentado essa peccedila no Rio e
em Satildeo Paulo em 1907 recebeu a mesma ldquoruidosa ovaccedilatildeordquo do puacuteblico e principalmente da
criacutetica que alardeava a perfeita atuaccedilatildeo de Salvini como resultado do longo tempo que ele
passara nos hospitais observando os casos de ataxia locomotora Ibsen embora acolhido com
um pouco mais de simpatia continuava a ser considerado um autor de ideacuteias tristes e
sombrias que fizera do teatro no dizer de um criacutetico do Correio Paulistano ldquoum museu de
54
anatomiardquo1 Aleacutem de Novelli e Salvini Ermete Zacconi foi outro ator italiano que se tornou
ceacutelebre na interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving de Os espectros apresentando-se no Teatro
Municipal de Satildeo Paulo em janeiro de 1924 Desde 1892 quando entatildeo estreara no Teatro
Manzoni de Milatildeo sob as orientaccedilotildees de Enrico Polese Zacconi vinha interpretando essa
personagem Apesar das renovaccedilotildees levadas agraves cenas europeacuteias por Stanislavski Craig
Meyerhold Appia Max Reinhardt e Copeau as representaccedilotildees de Zacconi seguiam ainda a
foacutermula de Polese O texto ibseniano ajustado ao gosto do puacuteblico tornava-se mero apoio
para que a figura de Zacconi sobressaiacutesse ao restante do elenco da companhia que aliaacutes era
formada por membros de sua famiacutelia A uacuteltima cena da peccedila em que Osvaldo Alving tem um
acesso de loucura exclamando ldquoIl sole Il solerdquo foi considerada pela imprensa o ponto alto
do drama Em cenas como essa Zacconi tinha a chance de mostrar ao puacuteblico as suas
qualidades de ator dramaacutetico exibindo no palco as nuanccedilas da enfermidade de Osvaldo Os
criacuteticos acostumados ao individualismo artiacutestico de nossos atores que muitas vezes
colocavam seus exibicionismos acima da ficccedilatildeo elogiaram muito o desempenho de Zacconi
ldquoComo se estiveacutessemos diante de um doente autecircntico faz mal agrave gente ver em cena o pobre
Osvaldo com as matildeos trecircmulas o andar trocircpego a liacutengua jaacute baralhada a cada instante
trocando siacutelabas e esquecendo dos nomes mais familiares Zacconi eacute tatildeo magistral nessa
personagem e impressiona tanto que a sala inteira parecia dominada como hipnotizada pela
sua arterdquo2 O sucesso da temporada de Zacconi foi um dos maiores jaacute vistos em Satildeo Paulo
com o proacuteprio Leopoldo Froacutees saudando-o de modo pomposo em cena aberta ldquoEacutes o sol eu
sou o vaga-lumerdquo
Em 1928 comemorou-se no mundo inteiro o centenaacuterio de Ibsen Nessa ocasiatildeo os
principais jornais brasileiros trouxeram mateacuterias que tentavam explicar a trajetoacuteria e as ideacuteias
do autor A essa altura o dramaturgo norueguecircs jaacute era considerado um claacutessico da literatura
dramaacutetica moderna sendo comumente comparado a Soacutefocles e a Shakespeare No Brasil com
alcance e graus de refinamento diversos Ibsen tambeacutem passou a ser reconhecido como um
ldquoespiacuterito originalrdquo responsaacutevel por introduzir novas situaccedilotildees no palco animando o teatro
com suas extraordinaacuterias personagens Natildeo se pode dizer no entanto que o dramaturgo
tornara-se um autor estimado de nossos criacuteticos muito menos popular jaacute que havia uma
concordacircncia generalizada de que sua obra de temas obscuros e de teatralidade inconsistente
podia alcanccedilar apenas uma parte do puacuteblico o de rigorosa formaccedilatildeo literaacuteria Supeacuterflua entatildeo
1 ldquoCassino Antaacutertica ndash A companhia dramaacutetica italiana []rdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 4 set 1915 Teatros e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura)
55
tornava-se a anaacutelise de suas peccedilas que apesar de continuarem a ser representadas nas cenas
mais autorizadas do mundo com enorme sucesso natildeo provocavam mais controveacutersias Para a
maioria de nossos criacuteticos o ecircxito de Ibsen como um artista de gecircnio era inquestionaacutevel no
entanto seu estilo insoacutelito era deacutemodeacute Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo passada a
curiosidade ningueacutem mais interessava-se pelas excentricidades de suas personagens pois elas
eram ldquode fato de outro meio de uma sociedade bem diversa provavelmente da nossa com
ideacuteias e costumes feitos segundo outra tradiccedilatildeordquo1 O mesmo acontecia com sua teacutecnica
dramatuacutergica que embora tivesse produzido uma consideraacutevel renovaccedilatildeo no gecircnero literaacuterio
natildeo apresentava segundo o jornalista Fleacutexa Ribeiro a ldquodramaticidade cecircnica necessaacuteria para
impressionar os auditoacuterios mais ou menos distraiacutedos e que vivem ainda soacute pelo sentimentordquo2
As figuras ibsenianas outrora tatildeo polecircmicas a ponto de muitos terem considerado
Ibsen um criador de monstros passaram a ser vistas com menos antipatia Para Fleacutexa Ribeiro
o aspecto mais marcante da obra de Ibsen era a ldquofecundidade da vida interiorrdquo de suas
personagens e o conceito de obscuridade habitualmente atribuiacutedo ao seu teatro era causado
sobretudo pela dupla personalidade de suas figuras dramaacuteticas Ibsen sendo um gecircnio
analiacutetico criara ldquouma seacuterie maravilhosa de realidades interioresrdquo onde atuavam ainda
segundo Fleacutexa Ribeiro ldquopersonagens invisiacuteveisrdquo que soacute poderiam ser explicadas pelo estudo
da psicologia Ribeiro talvez tenha sido um dos primeiros criacuteticos a aventar a possibilidade de
se analisar um obra de ficccedilatildeo pelo vieacutes psicanaliacutetico ldquoQuando um dia se conhecer melhor a
psicologia todo esse vasto domiacutenio do inconsciente e se tiver fixado as leis gerais que regem
os estranhos fenocircmenos do subconsciente (pois que ambos se aproximam mas satildeo bem
diferenciados) verificaremos o quanto a atuaccedilatildeo do invisiacutevel do desapercebido eacute profunda
duradoura e inquietanterdquo3 Outro criacutetico que admirava o eacutetat drsquoacircme das personagens
ibsenianas era Camille Mauclair um dos precursores do teatro simbolista francecircs que teve
uma conferecircncia sua traduzida e publicada nrsquoO Paiacutes em 25 de marccedilo de 1928 Em ldquoAgrave
memoacuteria de Ibsenrdquo Mauclair falou num primeiro momento de sua trajetoacuteria artiacutestica e de
como Ibsen entrara nas cogitaccedilotildees do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre apresentando um balanccedilo das
montagens realizadas pela sua companhia Num segundo momento o criacutetico francecircs tratou de
avaliar a obra do norueguecircs na eacutepoca presente Todas as ideacuteias sociais a que Ibsen dava
especial apreccedilo como a liberdade por exemplo pareciam-lhe ldquoavelhentadasrdquo e indiferentes
restando apenas ldquoos elementos da consciecircncia e da vida interiorrdquo para ele traccedilos originais do
1 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 2 Fleacutexa Ribeiro ldquoNo centenaacuterio de Ibsenrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo p 3 18 mar 1928 3 Id ldquoIbsen e o subconscienterdquo O Paiacutes Rio de Janeiro p 3 2 abr 1928
56
autor Eacute nesse sentido que segundo Mauclair Casa de boneca ldquomalgrado o seu desfecho
alegoacuterico e mal explicadordquo continuava a despertar o interesse de artistas de prestiacutegio
sobretudo de atrizes que se sentiam atraiacutedas pela personalidade de Nora A mesma coisa
acontecia com Os espectros uma das peccedilas segundo ele mais perfeitas de Ibsen que podia
ldquosuportar o confronto com as grandes criaccedilotildees gregasrdquo
Se por um lado o teatro de Ibsen ainda sofria censura por ser considerado pouco
dramaacutetico parecendo mais um ldquoromance dialogadordquo por outro havia quem enxergasse
justamente nessa reserva o desenvolvimento do teatro moderno Era o caso de Antonio de
Alcacircntara Machado que no ensaio ldquoHenrik Ibsenrdquo publicado no Diaacuterio Nacional de Satildeo
Paulo em 2 de abril de 1928 procurou explicar a teacutecnica dramatuacutergica do autor Com esse
texto escrito sob o pseudocircnimo de J J de Saacute Alcacircntara Machado deu novo alento agrave criacutetica
teatral brasileira Primeiro porque sua reflexatildeo voltava-se para o estudo da forma dramaacutetica de
Ibsen assunto nunca antes tratado na imprensa segundo porque a maneira de escrita de seu
ensaio subvertia a rigidez da estrutura dos artigos que normalmente obedeciam a um mesmo
molde resumo da obra (interesse mais pelo enredo do que pela teacutecnica) e comentaacuterios sobre o
desempenho dos atores e sobre o comportamento da plateacuteia Seus escritos passaram a
incorporar em sua fatura os elementos proacuteximos ao historicismo das formas teatrais e os
criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila comeccedilaram a ser vistos sob a perspectiva da crise do drama
do repuacutedio agrave carpintaria teatral de efeito e da insuficiecircncia da forma dramaacutetica brasileira
Assim Alcacircntara Machado antecipa alguns dos pressupostos que soacute em 1956 seriam
formulados por Peter Szondi na Teoria do drama moderno a contradiccedilatildeo entre a velha forma
do drama burguecircs e os novos conteuacutedos que ela natildeo tem como assimilar1 De maneira ainda
sutil sem entrar na interpretaccedilatildeo social da forma Alcacircntara Machado discute a crise do
gecircnero dramaacutetico em Ibsen e a impossibilidade moderna do drama dando um primeiro passo
para romper o ciclo de atraso de nossa criacutetica teatral que continuava trabalhando com os
mesmos meacutetodos de anaacutelise do final do seacuteculo XIX O ensaio encerra um caraacuteter pedagoacutegico
pelo modo como o criacutetico esclarece a nova realidade da accedilatildeo e das personagens em Ibsen
trazendo uma importante contribuiccedilatildeo pela maneira como aponta os caminhos que deviam
trilhar o teatro brasileiro a busca por formas dramaacuteticas anti-burguesas
O que salta aos olhos na primeira leitura do texto de Alcacircntara Machado eacute o abandono
da velha discussatildeo em torno das peccedilas da primeira fase de Ibsen interessando-se apenas pelos
dramas que apontam para a desestruturaccedilatildeo do ato teatral NrsquoA comeacutedia do amor o criacutetico
1 Cf Peter Szondi ldquoA crise do drama Ibsenrdquo Teoria do Drama Moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 p 37-46
57
assinala o desembaraccedilo da accedilatildeo e o interesse do dramaturgo pelas questotildees de seu tempo A
partir de Os pilares da sociedade ele assinala a influecircncia decisiva de Ibsen no
desenvolvimento de uma nova realidade da accedilatildeo dramaacutetica o interesse do autor norueguecircs
pelo passado das personagens como forma de ampliar o mundo aleacutem do diaacutelogo
interindividual agrave semelhanccedila do que ocorria no romance Nada daquela ldquohistoacuteria arranjadinha
que tem que comeccedilar no primeiro ato atingir o seu maior grau de intensidade no segundo e
acabar de qualquer maneira no terceirordquo A obra ibseniana abandonava de vez os cacoetes
romacircnticos os versos e as situaccedilotildees apoteoacuteticas subvertendo tudo e alcanccedilando a dramaturgia
de outros paiacuteses Nessa esteira Alcacircntara Machado descreve um panorama da recepccedilatildeo de
Ibsen na Europa sem deixar de inferir uma criacutetica cortante agraves teorias francesas responsaacuteveis
pela resistecircncia de intelectuais artistas e plateacuteia ao teatro do dramaturgo norueguecircs ldquoo mau
teatro francecircs portanto assimilava e igualava o teatro europeu entatildeo sinocircnimo de universalrdquo
Em Catilina o criacutetico identifica o cerne da constituiccedilatildeo de todas as personagens
ibsenianas o que ele denomina de figura do heroacutei falhado1 tipos ambiacuteguos de moral
duvidosa que se vecircem em contradiccedilatildeo entre a vontade e o ato Essas figuras para Alcacircntara
Machado movem-se de acordo com os interesses da burguesia e num dado momento satildeo
coagidas a enfrentar seu passado de devassidatildeo e baixeza Portanto elas nada tecircm de
anormais degeneradas e incoerentes estando suas accedilotildees condicionadas agrave realidade social a
que estatildeo inseridas Os espectadores nunca as conheceratildeo em sua integridade natildeo sendo
possiacutevel portanto tomar partido contra ou a favor de nenhuma delas Ainda segundo criacutetico a
tentativa de conhececirc-las na maioria das vezes leva a uma ldquoseacuterie de indagaccedilotildees freudianasrdquo
que privilegiam mais o estudo do gesto do mecanismo interior que prepara essa ou aquela
atitude da personagem em detrimento da reflexatildeo sobre as relaccedilotildees sociais que se
estabelecem entre elas As anaacutelises de Alcacircntara Machado atentas aos modelos de renovaccedilatildeo
estrangeira incorporavam uma dimensatildeo criacutetica avanccedilada indicando uma clareza cada vez
maior sobre o processo de superaccedilatildeo histoacuterica da forma dramaacutetica O criacutetico haacute muito jaacute havia
compreendido que a forma teatral para representar o mundo da crise da ordem burguesa
precisava lanccedilar matildeo de temporalidades muacuteltiplas diferente daquele tipo de organizaccedilatildeo em
que tudo tem que acabar no terceiro ato Ele percebeu que era necessaacuterio expandir o espaccedilo-
tempo das personagens para aleacutem do presente da accedilatildeo introduzindo os elementos eacutepicos nas
representaccedilotildees
1 Cf sobre este e outros aspectos da criacutetica de Alcacircntara Machado Seacutergio de Carvalho O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
58
Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen
Na deacutecada de 1930 pouco haacute para assinalar de novo nos campos da dramaturgia e da
atualizaccedilatildeo cecircnica apenas algumas tentativas de renovaccedilatildeo iniciadas ainda nos anos 1920
pela Companhia Brasileira de Comeacutedia de Oduvaldo Viana pelo teatro social de Jaime Costa
e pelo Teatro de Brinquedo de Aacutelvaro e Eugecircnia Moreira Estes a propoacutesito foram os
responsaacuteveis pela primeira produccedilatildeo brasileira de uma peccedila de Ibsen Hedda Gabler
encenada no Teatro Regina do Rio de Janeiro em 1937 Infelizmente quase nenhuma
informaccedilatildeo temos sobre esse espetaacuteculo salvo o registro de Gustavo Doacuteria em seu Moderno
teatro brasileiro ldquoAproveitando um grupo de atores afastados do palco Eugecircnia organizou
sob os auspiacutecios da Casa dos Artistas um conjunto que percorreu os subuacuterbios apresentando-
se em circos pavilhotildees cine-teatros e clubes com um repertoacuterio que abrangia Matildee de Joseacute
Alencar O noviccedilo de Martins Pena Hedda Gabler de Ibsen []rdquo1
Em setembro de 1938 Ermete Zacconi voltou a apresentar Os espectros no Teatro
Municipal de Satildeo Paulo A montagem centralizada no fatalismo da doenccedila de Osvaldo
Alving mesmo depois de ultrapassadas as teorias da hereditariedade pareceu aos nossos
criacuteticos inconsistente e fantasmagoacuterica Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo pouco
impressionava ldquoa parte mais esclarecida do puacuteblicordquo o caso do artista condenado agrave loucura
parecendo-lhe mais loacutegica e natural a figura de Helena ldquoa matildee sofredora cheio de recalcados
temoresrdquo2 Assim o sucesso do espetaacuteculo ficou por conta de Zacconi que salvo ligeiras
modificaccedilotildees apresentou a mesma imagem os mesmos gestos e inflexotildees que o puacuteblico tinha
aprendido a admirar desde a primeira interpretaccedilatildeo que o ator fizera dessa personagem em
Satildeo Paulo quatorze anos atraacutes Tanto era assim que para os espectadores dessa encenaccedilatildeo de
1938 foi natural ver o ator aos 81 anos subir ao palco para interpretar o jovem pintor viacutetima
da tara paterna
Em 1939 ano em que Otto Maria Carpeaux chegou ao Brasil a obra de Ibsen era
considerada anecircmica feita de uma teacutecnica artificial e antiquada de intrigas elementarmente
mecacircnicas e assuntos superados textos mortos enfim que visavam mais agrave leitura que agrave
representaccedilatildeo Nesse ambiente contraacuterio a qualquer experiecircncia que natildeo fosse selecionada e
filtrada pela influecircncia e visatildeo francesas Carpeaux tornou-se um espiacuterito renovador
mostrando pontos de vista diferentes dos que reinavam aqui seja ao revelar escritores pouco
1 Gustavo A Doacuteria ldquoDez anos de permeiordquo Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975 p 39 2 O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 2 set 1938 Palcos e Circos p 4 (Sem assinatura)
59
conhecidos como Kafka Vico Croce Dilthey Max Weber seja ao reconsiderar outros caso
de Ibsen que natildeo tiveram suas obras devidamente analisadas Dessa maneira em 1942
Carpeaux publicou ldquoDefesa de Ibsenrdquo o primeiro de uma seacuterie de artigos em que procurou
resgatar os aspectos de atualidade do teatro ibseniano Nesse texto jaacute encontramos as ideacuteias
que dois anos mais tarde seriam desenvolvidas minuciosamente no ldquoEnsaio sobre Henrik
Ibsenrdquo o estudo mais conhecido de Carpeaux sobre o dramaturgo escrito a propoacutesito da
traduccedilatildeo para o portuguecircs de seis de suas peccedilas1 Entre os anos de 1940 e 1970 Carpeaux fez
conferecircncias escreveu artigos ensaios tornando-se a criacutetica mais avanccedilada e a autoridade
maacutexima dos estudos ibsenianos no Brasil a ponto de quase todas as montagens realizadas
nesse periacuteodo trazer em seus programas textos comentaacuterios ou qualquer citaccedilatildeo do criacutetico
O primeiro problema que Carpeaux identificou na resistecircncia da criacutetica brasileira agrave
obra de Ibsen era a forma de ver seus dramas sempre encerrados na estreiteza do teatro
realista e nas preocupaccedilotildees da burguesia do fim do seacuteculo XIX Para Carpeaux os assuntos de
Ibsen natildeo podiam ter envelhecidos como diziam os nossos criacuteticos porque simplesmente
nunca existiram em suas peccedilas Ler Os espectros como uma trageacutedia da hereditariedade e
tomar a cataacutestrofe de Osvaldo como a mateacuteria essencial do drama era segundo Carpeaux um
erro ldquoo heroacutei da peccedila natildeo eacute Osvaldo eacute sua devota matildee Helena que arruinou o filho natildeo
querendo abandonar o marido corrompidordquo2 A mesma coisa acontecia com Os pilares da
sociedade cujo assunto natildeo era a podridatildeo moral de um burguecircs respeitado e sim o medo que
cada indiviacuteduo tem do seu passado Em Um inimigo do povo a forccedila natildeo estava na derrota e
sim na vitoacuteria da democracia E em Casa de boneca a mateacuteria natildeo era a emancipaccedilatildeo
feminina pois para o criacutetico as mulheres jaacute haviam conquistado todos os direitos civis
poliacuteticos e sociais A tese essencial era a dificuldade e a necessidade de cada um assumir a
responsabilidade pelos seus atos De fato as reflexotildees de Carpeaux deram novo acircnimo para as
discussotildees de Ibsen no Brasil No entanto suas anaacutelises desenvolvidas a partir de
consideraccedilotildees de ordem moral e religiosa oriundas de uma visatildeo catoacutelica do mundo
minimizaram as reivindicaccedilotildees sociais das peccedilas valorizando apenas ldquoo destino do homem
individual e humanordquo Por isso para ele a condiccedilatildeo feminina em Casa de boneca era um
assunto obsoleto servindo apenas para expor a personagem agrave prova natildeo tendo Nora portanto
ldquoo direito de reivindicar no palco os direitos da mulher porque a mulher do nosso tempo jaacute
1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 31-65 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 149-161 p 158
60
tem todos os direitosrdquo1 Eacute assim que sob essa vertente religiosa Carpeaux ldquoesquecia-serdquo
entre outras coisas de que apesar da constituiccedilatildeo de 1934 ter regularizado a entrada das
mulheres no mercado de trabalho elas continuavam a receber menos que os homens que o
direito de abrir contas fazer cesarianas e viajar sem a permissatildeo do marido soacute estabelecido
em 1962 ainda estava longe de ser conquistado assim como o divoacutercio que soacute viria a ser
reconhecido no Brasil em 1977
A atualidade de Ibsen para Carpeaux estava no fato do dramaturgo ter descoberto o
modo de reintroduzir a proacutepria noccedilatildeo de destino e de fatalidade mdash conceito essencial da
trageacutedia mdash no teatro moderno Assim para a compreensatildeo dos problemas de Ibsen natildeo
importava tanto considerar a escolha de seus assuntos mas sim a maneira como ele os tratava
Apenas por esse caminho chegava-se ao fundamento do teatro do autor norueguecircs e agrave unidade
interior de toda a sua obra ldquoo combate agrave mentira e a preocupaccedilatildeo da salvaccedilatildeo da alma
humanardquo2 A partir de um vieacutes ldquotraacutegico cristatildeordquo3 em que o conceito de trageacutedia transformava-
se em criteacuterio de valor Carpeaux colocou no centro de discussatildeo dos dramas ibsenianos o
dogma do pecado original Por essa razatildeo os heroacuteis de Ibsen estavam condenados a responder
pelos erros cometidos no passado ldquoO destino das suas personagens eacute determinado
inexoravelmente pelas forccedilas do seu passado pela lembranccedila inextinguiacutevel e vingadora de
crimes perpetrados ou tencionados em eacutepocas anteriores da sua vida Ibsen escreveu
propriamente trageacutedias lsquohistoacutericasrsquo embora representadas em roupagens modernas Natildeo
acredita na possibilidade de fugir por meio de conversotildees morais ao determinismo da
histoacuteriardquo4
Assim como na trageacutedia grega as personagens ibsenianas estavam fadadas a se opor agrave
ordem moral do mundo A natureza exata das forccedilas em confronto era a necessidade do
homem agir contra as leis do Estado e suportar a responsabilidade dos seus atos com todas as
suas consequumlecircncias Dessa forma em Ibsen o traacutegico apresentava-se como uma fatalidade
livremente aceita pelo heroacutei que mesmo sabendo que poderia selar a sua proacutepria perda ao dar
iniacutecio ao combate manifestava o desejo de lutar pela sua liberdade Por isso Nora tinha de
abandonar seu lar Helena Alving tinha que largar o marido e Dr Stockmann tinha que
1 Otto Maria Carpeaux ldquoAos atores brasileirosrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 1 abr 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 154 (Grifo meu) 3 Cf sobre esse aspecto e outros do meacutetodo criacutetico de Carpeaux Mauro de Souza Ventura Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 4 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 63
61
denunciar a presenccedila de microacutebios nas aacuteguas minerais A contradiccedilatildeo entre as leis do
indiviacuteduo e da sociedade constituiacuteam segundo Carpeaux o conflito traacutegico que conferia agraves
peccedilas de Ibsen ldquoo assunto do gecircnero da Trageacutediardquo1 Do mesmo modo a necessidade inelutaacutevel
de assumir a falta cometida levava o heroacutei ibseniano assim como na trageacutedia a expiar os seus
pecados ateacute o fim Caso por exemplo de Helena Alving que escrava das convenccedilotildees sociais
natildeo abandonou o marido levando o filho agrave loucura Portanto a esse sentimento do traacutegico se
associava em Carpeaux a visatildeo pessimista da natureza humana segundo a qual somente por
meio da aceitaccedilatildeo do castigo pelo erro cometido no passado o homem poderia alcanccedilar a
remissatildeo e recobrar a sua liberdade ldquoNo foacuterum iacutentimo da alma descobre Ibsen a possibilidade
de salvaccedilatildeo aquela ldquomudanccedila de vidardquo que no Evangelho se chama lsquometanoeitersquo Eis o
sentido iacutentimo da fase ldquoneo-romacircnticardquo Lille Eyolf eacute a peccedila ldquoTolstoacuteianardquo da conversatildeo John
Gabriel Borkman eacute a trageacutedia da purificaccedilatildeo Naar vi Doede Vaagner [Quando noacutes os mortos
despertarmos] eacute a trageacutedia da ldquoressurreiccedilatildeordquo na morte do indiviacuteduordquo2
A partir da deacutecada de 1960 periacuteodo de instauraccedilatildeo do regime militar e da censura das
produccedilotildees artiacutesticas Carpeaux deixou um pouco de lado a visatildeo conservadora do catolicismo
passando a assumir pontos de vista poliacuteticos na apreciaccedilatildeo da literatura Assim o interesse
pela ldquosalvaccedilatildeo da almardquo em Ibsen foi substituiacutedo pelos problemas sociais Atesta-o um artigo
de 1962 onde o criacutetico apontou o disparate de se pensar resolvidos os problemas ibsenianos
ldquoEacute preciso ter muito boa consciecircncia e muita audaacutecia para achar lsquoantiquadosrsquo os negocistas
em As colunas da sociedade e a corrupccedilatildeo administrativa e o jornal venal em Um inimigo do
povordquo3 Nesse mesmo artigo Carpeaux tomou como o aspecto mais marcante da modernidade
de Ibsen a sua teacutecnica dramatuacutergica que assim como a de Brecht refutava o teatro
ilusioniacutestico levando o puacuteblico a participar dos acontecimentos no palco Em outro texto
publicado no programa do espetaacuteculo Casa de boneca da Companhia Tocircnia-Celi-Autran em
1973 o criacutetico denunciou o cerceamento da liberdade e a necessidade dos indiviacuteduos terem
consciecircncia dessa situaccedilatildeo Em chave irocircnica Carpeaux criticou o arbiacutetrio e o autoritarismo
que tomavam conta do paiacutes ldquoPois em nosso tempo atual e atualiacutessimo natildeo acontece mdash como
todo mundo sabe mdash que um empresaacuterio rico e respeitoso como lsquocoluna de sociedadersquo eacute na
realidade um escroque tampouco acontece em nosso tempo de plenitude da democracia que
um homem eacute perseguido como lsquoinimigo do povorsquo porque denuncia uma corrupccedilatildeo
1 Otto Maria Carpeaux ldquoPresenccedila de Ibsenrdquo Teatro brasileiro Satildeo Paulo Jaraguaacute n 7 p 2-3 maio-jun 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 64 3 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Acontece embora raramente []rdquoO Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 abr 1962 Suplemento Literaacuterio n 278 p 1
62
aproveitada pelos bem-pensantesrdquo1 Casa de boneca desse modo foi vista por Carpeaux
como a alegoria da luta dos homens pela liberdade e o gesto corajoso de Nora na uacuteltima cena
da peccedila como o expediente necessaacuterio para a transformaccedilatildeo da sociedade moderna que
tratava a todos homens e mulheres como bonecas
Sem duacutevida Carpeaux teve um papel importante como animador da volta de Ibsen aos
palcos brasileiros e como divulgador de sua obra entre noacutes No entanto sua concepccedilatildeo traacutegica
das peccedilas ibsenianas filtrada pela oacutetica do catolicismo progressista deu ensejo a uma seacuterie de
conjecturas que pouco ou quase nada de novo acrescentaram agrave anaacutelise do teatro de Ibsen Ao
contraacuterio ao aproximar a obra do norueguecircs da trageacutedia grega concentrando-se sobretudo na
figura do heroacutei ibseniano concebido como um indiviacuteduo isolado que sofre seu destino mdash seja
resignando-se agrave morte seja submetendo-se a um incessante exame de consciecircncia para expiar
seus pecados mdash Carpeaux perdeu de vista a dimensatildeo social das peccedilas transformando a obra
do autor em uma trageacutedia de moral cristatilde cujo uacutenico interesse estava na redenccedilatildeo da alma
humana Eacute assim que o criacutetico declarando obsoletos temas como o feminismo em Casa de
boneca a cobiccedila de Helena pelo dinheiro do Capitatildeo Alving em Os espectros a corrupccedilatildeo em
Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em John Gabriel Borkman etc acabou por
minimizar a criacutetica do dramaturgo agraves instituiccedilotildees e agraves convenccedilotildees limitadoras da sociedade
moderna Por conseguinte a maioria dos criacuteticos e artistas seguiram-lhe o caminho
preocupando-se quase que exclusivamente em estabelecer o que era novo na obra de Ibsen
Nesses casos normalmente o novo incidia no dilaceramento interior das personagens
substituindo-se a fatalidade religiosa de outrora pelo determinismo psicoloacutegico que
condenava os heroacuteis ibsenianos a viver com seus ldquodemocircnios interioresrdquo
1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoNossa Casa de bonecasrdquo Programa de Casa de bonecas direccedilatildeo de Cecil Thireacute Satildeo Paulo 1973
63
Entre o teatro amador e o profissional
A partir da deacutecada de 1940 sobretudo por causa das dificuldades de transporte
mariacutetimo durante a Segunda Guerra nossas editoras comeccedilaram a publicar obras estrangeiras
que em condiccedilotildees normais seriam importadas na liacutengua de origem ou em versotildees francesas
e inglesas no caso de autores como Ibsen Nietzsche Dostoieacutevski Tolstoacutei Puacutechkin entre
outros Mesmo num tempo de grande importaccedilatildeo de livros entre 1880 e 1910 era
praticamente impossiacutevel de se obter aqui um exemplar portuguecircs das peccedilas de Ibsen pois a
ediccedilatildeo e a representaccedilatildeo da obra do norueguecircs em Portugal era tatildeo diminuta quanto
episoacutedica1 Soacute em 1942 apareceram Casa de boneca e Os espectros traduzidos e prefaciados
por Joseacute Peacuterez para a Ediccedilotildees Cultura de Satildeo Paulo E dois anos mais tarde graccedilas agrave
influecircncia de Eacuterico Veriacutessimo entatildeo consultor editorial da Livraria Globo veio a puacuteblico a
ediccedilatildeo de Seis dramas coletacircnea traduzida por Vidal de Oliveira Esse livro composto de
peccedilas desconhecidas da maioria dos leitores brasileiros mdash Um inimigo do povo O pato
selvagem Rosmersholm A dama do mar Solness o construtor e Quando noacutes os mortos
despertarmos mdash trazia ainda um ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo de Otto Maria Carpeaux e um
prefaacutecio de Moritz Prozor para cada uma das peccedilas Nos anos 1950 tambeacutem apareceram
novas ediccedilotildees de Casa de boneca e Os espectros traduzidos por Alfredo Ferreira e A dama
do mar traduzida por Dea Caminha ambas pela Editora Vecchi do Rio de Janeiro Apesar
dessas iniciativas o niacutevel das traduccedilotildees brasileiras era muito baixo No caso de Ibsen os
tradutores partiam sempre do francecircs e deliberadamente evitavam a linguagem indelicada
amenizavam as ambiguumlidades das frases e utilizavam uma escrita excessivamente literaacuteria
nada coloquial
Ainda assim as traduccedilotildees serviram para os grupos de teatro amador trazerem Ibsen
novamente aos palcos brasileiros Para figuras como Aacutelvaro Moreira Renato Viana e
Paschoal Carlos Magno havia uma necessidade premente de colocar nosso teatro em peacute de
igualdade com o que se fazia nas grandes capitais da Europa Para isso natildeo bastava romper
com o passado e negar as tradiccedilotildees artiacutesticas da cena nacional muito menos encontrar o autor
brasileiro que refletisse os anseios da meacutedia sociedade burguesa Antes de mais nada era
imprescindiacutevel apresentar textos de melhor qualidade e espetaacuteculos mais bem cuidados
1 Consta desta pesquisa que circularam no Brasil as seguintes traduccedilotildees portuguesas Hedda Gabler Traduccedilatildeo de Freire Andrade [19--] Pilares da comunidade Traduccedilatildeo de Mario Delgado 1964 ambas da Editora Presenccedila de Lisboa Uma casa de bonecas dramas em trecircs atos Traduccedilatildeo de Emiacutelia de Arauacutejo Lisboa Guimaratildees 1916 e Os espectros Traduccedilatildeo de Joaquim Leone Soutello Lisboa Livraria Popular de Francisco Franco [19--]
64
seguindo principalmente os passos do modelo estrangeiro Assim para a modernizaccedilatildeo do
teatro brasileiro nossos artistas apoiaram-se quase que exclusivamente nas teorias de Jacques
Copeau embora conhecessem e acompanhassem com graus diversos de atenccedilatildeo as revoluccedilotildees
operadas por Antoine Stanislavski e Meyerhold Para as diferentes tendecircncias de renovaccedilatildeo
como a de Renato Viana e Alfredo Mesquita ou a de Aacutelvaro Moreira e Paschoal Carlos
Magno o mestre francecircs era o exemplo da nova arte e da nova eacutetica Nessa esteira os
espetaacuteculos deviam primar pela teatralidade Ao contraacuterio do significado original entre noacutes
isso queria dizer que no plano da interpretaccedilatildeo era imperativo a identificaccedilatildeo entre ator e
personagem e na relaccedilatildeo palco e plateacuteia era necessaacuterio provocar a empatia e a ilusatildeo da
realidade Isso soacute era possiacutevel atraveacutes do respeito ao texto isto eacute da busca do enriquecimento
da linguagem teatral da inspiraccedilatildeo poeacutetica e sobretudo da elevaccedilatildeo dos direitos espirituais
sobre os materiais Em outras palavras era inaceitaacutevel e de peacutessimo mau gosto a abordagem
naturalista do teatro e seus assuntos comezinhos problemas familiares adulteacuterio corrupccedilatildeo
hipocrisia reivindicaccedilotildees poliacuteticas etc Justamente dentro dessa perspectiva Ibsen foi
restituiacutedo ao contexto do teatro brasileiro Seguindo a mesma loacutegica de Carpeaux os dramas
ibsenianos deviam ser representados porque se igualavam em intensidade em profundeza e
em perfeiccedilatildeo cecircnica agraves grandes criaccedilotildees gregas A sua obra com as devidas exceccedilotildees natildeo
seria mais encenada pela oacutetica do cientificismo tampouco pelo vieacutes social mas pela
dramatizaccedilatildeo do destino do indiviacuteduo fadado a pagar pelos erros cometidos no passado
Assim o dramaturgo passou a ser visto pelo avesso ao tornar-se responsaacutevel pelo resgate da
accedilatildeo dramaacutetica mdash aquela motivada exclusivamente pelo psicoloacutegico mdash que expotildee no palco
somente a realidade interior das personagens
De qualquer forma os grupos do teatro amador colocaram o dramaturgo novamente na
ordem do dia Aleacutem das encenaccedilotildees jaacute conhecidas de Casa de boneca e Os espectros eles
trouxeram para o palco peccedilas nunca antes representadas na cena nacional como Um inimigo
do povo Quando noacutes os mortos despertarmos e John Gabriel Borkman Graccedilas agraves campanhas
artiacutesticas de Renato Viana que percorriam os estados do Norte e Nordeste do paiacutes e aos
festivais estudantis promovidos por Paschoal Carlos Magno as encenaccedilotildees da obra de Ibsen
natildeo ficaram mais restritas somente ao eixo Rio-Satildeo Paulo Aleacutem disso os espetaacuteculos
ganharam em qualidade o sotaque lusitano foi substituiacutedo pela prosoacutedia brasileira o ponto
que encerrado na caixinha do proscecircnio soprava o texto para os atores foi eliminado a
cenografia e a iluminaccedilatildeo ganharam importacircncia como linguagem cecircnica a figura do diretor
teatral indispensaacutevel para dar unidade de pensamento ao espetaacuteculo foi estabelecida Para
essas mudanccedilas contribuiacuteram os estrangeiros exilados de guerra que para caacute vieram trazendo
65
em suas bagagens experiecircncias teatrais de seus paiacuteses de origem Entre eles os poloneses
Ziembinski e Jorge Kossowsky o alematildeo Hoffmann Harnish o russo Zigmunt Turkov o
italiano Ruggero Jacobbi e o ator francecircs Louis Jouvet A atriz francesa Henriette Morineau
embora natildeo tenha participado diretamente da renovaccedilatildeo teatral influiu consideravelmente na
formaccedilatildeo dos novos atores ensinando-lhes a partir de seu proacuteprio exemplo o procedimento
declamatoacuterio dos textos a impostaccedilatildeo de voz o domiacutenio dos gestos e das expressotildees faciais
De Ibsen Morineau encenou Casa de boneca pela Companhia Dramaacutetica Francesa de Rachel
Beacuterendt no Teatro Municipal de Satildeo Paulo em julho de 1944 Dois anos depois ela fundaria
a sua proacutepria companhia Artistas Unidos cujo repertoacuterio abrangeria peccedilas do teatro de
boulevard de autores brasileiros e estrangeiros como Nelson Rodrigues Jean Anouilh Jean
Cocteau e Tennessee Williams
Entre dezembro de 1945 e janeiro de 1946 Renato Viana agrave frente do Teatro Anchieta
da Escola Dramaacutetica do Rio Grande do Sul apresentou-se no Rio de Janeiro com repertoacuterio
que incluiacutea obras de Dostoieacutevski Florecircncio Saacutenchez e Ibsen Desde a deacutecada de 1920 Renato
Viana empenhava-se em aparelhar o nosso incipiente teatro com novas praacuteticas de
interpretaccedilatildeo mormente inspiradas no meacutetodo de Stanislavski Envolvido pela atmosfera preacute-
modernista e munido de informaccedilotildees sobre a revoluccedilatildeo cecircnica na Ruacutessia (Stanislavski
Komissarzhevskaya e Meyerhold) e na Franccedila (Antoine Lugneacute-Poe e Copeau) ele propunha
a renovaccedilatildeo dos velhos coacutedigos teatrais e o estabelecimento de novos conceitos cecircnicos como
meios para se chegar a uma ldquoexpressatildeo brasileira em cenardquo Desse modo ele tornou-se o
nosso primeiro diretor de teatro instaurando um rigoroso sistema disciplinar que natildeo admitia
conversas paralelas durante os ensaios nem atrasos de atores e teacutecnicos coisas inteiramente
estranhas no nosso teatro onde a indisciplina era a regra1 Enquanto no Teatro do Estudante
de Paschoal Carlos Magno existia uma margem de improvisaccedilatildeo inerente agrave atividade
amadora nas campanhas artiacutesticas empreendidas por Renato Viana mdash Batalha da Quimera
Colmeacuteia Caverna Maacutegica Teatro de Arte Teatro-Escola e Teatro Anchieta mdash havia sempre
a preocupaccedilatildeo de um rigor profissional que exigia de seus alunos cada vez mais disciplina e
preparo especializado Foi assim que em dezembro de 1945 ele apresentou no Teatro
Ginaacutestico do Rio a primeira encenaccedilatildeo brasileira de Casa de boneca A imprensa saudou com
entusiasmo sua iniciativa sobretudo a de trazer para a cena nacional novos atores que
impressionavam pela maneira diferente de se comportarem no palco Entre os ldquonovos valoresrdquo
estava Maria Caetana filha de Renato Viana incumbidas do papel de Nora que embora jaacute
1 Cf sobre a obra e as campanhas artiacutesticas de Renato Viana Sebastiatildeo Milareacute ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrgt
66
conhecida da plateacuteia carioca pelo desempenho como protagonista nas peccedilas de seu pai
Monalisa e Margarida Gauthier recebeu muitos elogios sobretudo pela sua atuaccedilatildeo na cena
em que danccedilava a tarantela Depois dessa temporada no Rio Renato Viana como era de
praxe fez uma longa excursatildeo pelo paiacutes apresentando seus espetaacuteculos gratuitamente para
operaacuterios e estudantes
Nos anos subsequumlentes agrave montagem de Renato Viana seguiram-se as encenaccedilotildees de
Os espectros pelo Teatro do Estudante de Minas Gerais em 1947 pelo Teatro dos Estudantes
da Bahia e pelo Teatro Universitaacuterio do Centro Acadecircmico Horaacutecio Berlinck de Satildeo Paulo
ambos em 1948 Nesse mesmo ano paralelamente agraves accedilotildees do teatro amador o empresaacuterio
Franco Zampari fundou em Satildeo Paulo o Teatro Brasileiro de Comeacutedia (TBC) inaugurando
uma nova fase na cena nacional As atividades teatrais entraram nos paracircmetros da moderna
administraccedilatildeo mercadoloacutegica da cultura com patrociacutenio do Estado ou de grandes monopoacutelios
O programa esteacutetico ficou por conta dos encenadores estrangeiros que assumiram a tarefa de
dotar o paiacutes de uma dramaturgia compatiacutevel com o padratildeo internacional Desse modo para
equilibrar a receita e agradar a burguesia paulistana alternavam-se textos consagrados com
peccedilas de grande apelo popular principalmente as comeacutedias francesas e norte-americanas
Embora apoiado nos claacutessicos universais o TBC durante toda a sua existecircncia nunca incluiu
Ibsen em seu repertoacuterio Em entrevista ao Jornal do Brasil a propoacutesito da divulgaccedilatildeo do
espetaacuteculo Casa de boneca de 1971 Tocircnia Carrero nos daacute uma indicaccedilatildeo da resistecircncia do
TBC agraves peccedilas ibsenianas ldquoIbsen foi um autor de tal maneira importante que Shaw sentindo-se
ameaccedilado por sua qualidade dizia dele que era um dramaturgo ultrapassado Eu mesma por
influecircncia do TBC concordava com esta opiniatildeo Os diretores do TBC consideravam Ibsen um
autor de qualidade discutiacutevelrdquo1 Aleacutem do TBC considerar a obra do dramaturgo antiquada
portanto pouco apropriada para atualizaccedilatildeo do teatro brasileiro eacute possiacutevel que seguindo a
corrente esteacutetica francesa de Copeau e Jouvet julgasse de mau gosto os assuntos ibsenianos
voltados para o desmascaramento da sociedade burguesa Seja como for Ibsen ficaria ainda
algum tempo agrave margem das cogitaccedilotildees das companhias profissionais cabendo agrave accedilatildeo
renovadora do amadorismo estabelecer na imprensa um debate profiacutecuo sobre o seu teatro
Um dos conjuntos amadores que via em Ibsen o caminho para a transformaccedilatildeo da
praacutetica teatral vigente sobretudo pelo questionamento social de sua obra era o Teatro do
Estudante de Pernambuco Liderado por Hermilo Borba Filho o grupo desde 1945 procurava
redemocratizar a arte cecircnica brasileira atraveacutes da teatralidade e das teacutecnicas das festas
1 ldquoTocircnia feminista pela matildeo de Cecilrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 6 out 1971 (Sem assinatura)
67
populares nordestinas visando a um teatro poliacutetico feito para o povo Numa barraca
improvisada no Parque 13 de maio em Recife eles encenavam para uma plateacuteia que
desconhecia inteiramente o teatro peccedilas do repertoacuterio claacutessico e moderno como Soacutefocles
Shakespeare e Ibsen Foi com esse espiacuterito que em 1949 o grupo pernambucano montou a
peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos apresentando-a em praccedilas paacutetios ao ar livre
hospitais faacutebricas e presiacutedios Nesse mesmo ano o Teatro do Estudante do Paranaacute que tinha
sido fundado no ano anterior por Armando Maranhatildeo Ary Fontoura entre outros artistas
levou agrave cena Os espectros no Teatro Renascenccedila de Ponta-Grossa (PR)
Durante os anos 1950 os amadores continuaram a encenar as peccedilas de Ibsen caso de
Casa de boneca representada pelo Teatro 5 de setembro do Departamento Dramaacutetico do
Orfeatildeo Riograndense em 1952 e pelo Teatro Paulista em 1956 Rosmersholm encenado
pelos alunos da Faculdade de Direito da USP em 1955 Os espectros apresentado pelo Grupo
57 no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 e John Gabriel
Borkman montado pelo Teatro do Estudante da Paraiacuteba no II Festival Nacional de Teatros de
Estudantes em Santos (SP) em 1959 Nesse periacuteodo as diretrizes de encenaccedilatildeo das peccedilas
ibsenianas estavam mais niacutetidas diferenciando-se basicamente pela oposiccedilatildeo entre o social
que privilegiava neste caso o aspecto de criacutetica agrave sociedade e o individual voltado para os
problemas de consciecircncia das personagens As montagens de Renato Viana e Paschoal Carlos
Magno ambas de 1952 satildeo bons exemplos da contradiccedilatildeo que a partir de entatildeo se
estabeleceria entre artistas e criacuteticos a respeito da atualidade de Ibsen Para alguns caso de
Renato Viana e Hermilo Borba Filho o novo estava no esmaecimento do cunho dramaacutetico de
suas peccedilas o que possibilitava a criacutetica agrave realidade social para outros caso de Paschoal
Carlos Magno e Otto Maria Carpeaux o novo estava nos conflitos interiores das personagens
na condiccedilatildeo traacutegica do destino do indiviacuteduo e na teatralidade que visava aos sentidos e agrave
beleza esteacutetica
Por esse tempo Renato Viana estava na direccedilatildeo da Escola Dramaacutetica Martins Pena do
Rio de Janeiro que aleacutem ter um quadro docente de primeira linha composto por Joseacute
Oiticica Tomaacutes Santa Rosa Luiacutesa Barreto Leite entre outros mantinha uma companhia fixa
de teatro formada por alguns de seus alunos como Tereza Raquel e Roland Henze Dessa
experiecircncia resultaram as montagens Eacutedipo Rei de Andreacute Gide e Um inimigo do povo de
Ibsen que estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em julho de 1952 A encenaccedilatildeo foi
durante dois meses precedida de conferecircncias sobre a vida e a obra do autor norueguecircs caso
de ldquoAnaacutelise dos dramas ibsenianos sob o ponto de vista da representaccedilatildeordquo por Renato Viana
ldquoRetrato literaacuterio de Ibsenrdquo por Celso Kelly e ldquoIbsen e a questatildeo socialrdquo por Joseacute Oiticica A
68
linha da encenaccedilatildeo privilegiou o aspecto de censura agrave corrupccedilatildeo dos indiviacuteduos ao abuso de
poder e agrave opressatildeo social Carpeaux o criacutetico mais autorizado da eacutepoca sobre Ibsen elogiou a
iniciativa de Renato Viana de levar agrave cena um teatro de tatildeo grande valor literaacuterio No entanto
os temas sociais enfatizados na montagem pareceram-lhe revestidos de trajes histoacutericos ldquode
fantasias de casaca e cartolardquo Para ele a ideacuteia da responsabilidade moral das personagens era
a uacutenica coisa que natildeo envelhecera no teatro de Ibsen continuando a ser a condiccedilatildeo essencial
para a trageacutedia ldquona eacutepoca dos determinismos dialeacuteticos psicanaliacuteticos racistas e outros de
hoje a ideacuteia da responsabilidade continua a condiccedilatildeo sem qual natildeo haacute trageacutediardquo1
Dois meses depois da montagem de Um inimigo do povo o Teatro do Estudante do
Brasil apresentou Os espectros no Teatro Duse em setembro de 1952 Um texto de Carpeaux
impresso na primeira paacutegina do programa definia a linha do espetaacuteculo ldquono palco acenderatildeo a
luz da poesia traacutegicardquo2 Em outras palavras o que se veria em cena era a fatalidade da
condiccedilatildeo humana agindo sobre as personagens A doenccedila de Osvaldo jaacute natildeo era mais o tema
principal da peccedila mas sim o destino de Helena Alving condenada a expiar pelos pecados e
pela mentira A contemplaccedilatildeo esteacutetica e a catarse como na trageacutedia grega seriam
conquistadas pela grandeza e dignidade da protagonista ao aceitar e resignar-se agrave sua sorte A
encenaccedilatildeo pareceu seguir de perto as liccedilotildees de Copeau quanto ao primado do texto ao
despojamento do palco e agrave veneraccedilatildeo dos claacutessicos Em um manuscrito de Carpeaux reunido
por Orlanda Carlos Magno em seu livro sobre o Teatro Duse o criacutetico destacou a
simplicidade do cenaacuterio e a atmosfera de solidatildeo e anguacutestia criada pelo diretor Jorge
Kossowsky no momento da revelaccedilatildeo do segredo traacutegico ldquoo tema edipiano sofoclianordquo
Aleacutem disso elogiou a atuaccedilatildeo de Eugecircnio Carlos que sem se colocar no centro da accedilatildeo
ofereceu excelente estudo da decadecircncia fiacutesica de Osvaldo e de Miriam Carmem que no
papel de Helena reuniu a dignidade de uma ldquorainha shakespearianardquo e a expressatildeo de
amargura de uma vida desgraccedilada3 Passados dez anos de seu primeiro texto sobre Ibsen
Carpeaux ainda apontava como valores permanentes da obra ibseniana o conflito individual
das personagens O tempo para ele encarregara-se de eliminar os traccedilos histoacutericos e sociais
das peccedilas podendo apenas o esteacutetico comover e impressionar os espectadores
1 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Estatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo O Jornal Rio de Janeiro 29 jun 1952 2 Otto Maria Carpeaux ldquoAmigo espectador []rdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Jorge Kossowsky Rio de Janeiro 1952 3 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEspectros (Teatro Duse)rdquo In Orlanda Carlos Magno Pequena histoacuteria do Teatro Duse Rio de Janeiro SNT 1973 p 97-98
69
Ao abrir-se a deacutecada de 1960 o teatro brasileiro encontrava-se em pleno processo de
redemocratizaccedilatildeo apresentando uma dramaturgia de cunho criacutetico voltada para as
contradiccedilotildees baacutesicas da nossa realidade social Apreendidas as novas maneiras de conceber o
espetaacuteculo a valorizaccedilatildeo do diretor o aprimoramento dos atores o cuidado com cenaacuterios
figurinos e iluminaccedilatildeo comeccedilavam a despontar na cena nacional novos artistas que
reclamavam um espaccedilo para o teatro popular Tudo isso fruto dos esforccedilos realizados em
anos anteriores por Aacutelvaro Moreira Renato Viana Paschoal Carlos Magno Hermilo Borba
Filho entre outros artistas que se opuseram ao teatro comercial em voga Surgiram assim
figuras como Millocircr Fernandes Antonio Callado Oduvaldo Viana Filho e Gianfrancesco
Guarnieri autores preocupados com as questotildees sociais grupos como o Teatro de Arena
criado em 1953 por Joseacute Renato o Teatro Popular do Nordeste fundado em 1958 por
Hermilo Borba Filho e o Centro Popular de Cultura da UNE liderado por Vianinha e
inspirado no Movimento Popular de Cultura de Pernambuco de Miguel Arraes todos
compartilhando do mesmo desejo de transformar o paiacutes a partir da accedilatildeo cultural Aleacutem disso
novos conceitos oriundos dos recursos do teatro eacutepico de Brecht e do teatro poliacutetico de
Piscator ganhavam cada vez mais espaccedilo em detrimento das velhas teorias francesas de
Copeau e Jouvet Todo esse surto renovador sofreu enorme abalo com o golpe militar de 1964
e com a censura tatildeo logo instaurada que interditava as peccedilas que abordavam temas poliacuteticos e
sociais alterava os textos dramaacuteticos considerados improacuteprios e perseguia os artistas
engajados politicamente como eacute sabido
Nessas circunstacircncias Ibsen passou a interessar mais do que nunca os conjuntos
profissionais de teatro A essa altura jaacute estava mais do que consolidada a ideacuteia de que sua
obra era datada portanto nenhum problema nossos artistas teriam com a censura ao levar
para o palco um autor ldquoultrapassado das preacutedicas libertaacuteriasrdquo Se por um lado houve quem o
colocasse em cena exatamente dentro dessa linha de pensamento valorizando apenas a
grandeza de suas personagens que comparadas agrave estirpe das figuras da trageacutedia grega
poderiam oferecer aos atores a consagraccedilatildeo profissional por outro houve quem se utilizasse
dessa opiniatildeo generalizada como frente de resistecircncia agrave ditadura colocando em foco o
passado para melhor falar do presente por meio de alusotildees e metaacuteforas Curiosamente o
autor norueguecircs que fora excluiacutedo do repertoacuterio do TBC passou a ser encenado por atores e
diretores dissidentes do mesmo Teatro Brasileiro de Comeacutedia que mais tarde acabaram
formando suas proacuteprias companhias Ziembinski agrave frente do Teatro do Rio companhia
fundada por Rubens Correcirca e Ivan Albuquerque foi o responsaacutevel pela primeira realizaccedilatildeo
profissional de uma peccedila de Ibsen no Brasil dirigindo Os espectros no Teatro Satildeo Jorge do
70
Rio de Janeiro em marccedilo de 1961 No programa do espetaacuteculo o diretor aleacutem de afirmar a
modernidade do dramaturgo definia o fio condutor de sua montagem ldquoo horror do jogo das
conveniecircncias e pontos de vista hipoacutecritas que matam a espontacircnea liberdade do homem essa
uacutenica liberdade frutiacutefera criadora e causadora da nossa sobrevivecircncia espiritualrdquo1 Para ele o
drama tendo como assunto principal o ldquoconflito passional e ideoloacutegicordquo de Helena deveria
ser encenado numa linguagem atenuada sem o exagero de situaccedilotildees violentas e pateacuteticas Por
isso a orientaccedilatildeo dada aos atores era para fugir dos malabarismos psicoloacutegicos o que
transformaria o texto de um alcance filosoacutefico e social em aventuras que cheiravam a
melodrama O espetaacuteculo ficou pouco mais de um mecircs em cartaz A maior parte dos criacuteticos
apontou como fragilidade da encenaccedilatildeo o fato do diretor diminuir o aspecto melodramaacutetico da
peccedila deixando de colocar no palco o ldquomundo rico de sugestotildees teatraisrdquo de Ibsen Em outras
palavras puacuteblico e criacutetica lamentaram na montagem a ausecircncia do entusiasmo da vivacidade
e do substrato psicoloacutegico das personagens Para Paulo Francis o diretor apenas havia
ensaiado os atores sem se preocupar em chegar a qualquer conclusatildeo aparente da peccedila A
proacutepria atuaccedilatildeo de Ziembinski no papel do pastor Manders foi censurada ldquoZiembinski
limitou-se a procurar atenuar o melodrama da peccedila dando ao papel que interpreta do pastor
Manders graccedilas a certos gestos e inflexotildees uma comicidade para aleacutem do que nos parece
sugerir o personagem e constituindo hiatos cocircmicos que se chocam com o tom geral da
peccedilardquo2
Em outubro de 1965 duas peccedilas de Ibsen foram encenadas em Satildeo Paulo Hedda
Gabler pela Companhia Nydia Liacutecia e Seacutergio Cardoso representada no Teatro Bela Vista e
Os espectros primeira peccedila da companhia Teatro da Cidade de Satildeo Paulo de Alberto
DrsquoAversa montada no TBC Os dois espetaacuteculos na ordem da expectativa dramaacutetica tanto do
puacuteblico quanto da criacutetica parecem ter cumpridos seus papeacuteis Para Oliveira Ribeiro Neto
criacutetico drsquoA Gazeta mais importante que a exterioridade de Hedda Gabler mdash ldquomuito mais que
a sua beleza a sua juventude a sua classerdquo mdash era o ldquoseu aspecto interior de mulher
nevropata cansada da mediocridade da existecircnciardquo Por ser essa segundo ele a caracteriacutestica
essencial da peccedila pareceu-lhe ldquoexcessivamente desanuviadardquo a direccedilatildeo de Walmor Chagas
que suprimiu de sua montagem o ambiente opressivo em que se deveria desenvolver o drama
No entanto ainda segundo Ribeiro Neto esse detalhe natildeo desabonava em nada as qualidades
dramaacuteticas do espetaacuteculo sustentadas por Nydia Liacutecia no papel-tiacutetulo que emprestara agrave
1 Z Ziembinski ldquoSobre a atualidade de Ibsenrdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Ziembinski Rio de Janeiro 1961 2 Henrique Oscar ldquoEspectros de Ibsen pelo Teatro do Riordquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 14 abr 1961 Cf tambeacutem Paulo Francis ldquoO espetaacuteculo do Teatro do Riordquo Diaacuterio Carioca Rio de Janeiro 19 abr 1961
71
personagem ldquomuito do seu encanto aparecendo bela e sedutora com certos tiques nervosos
de quem sente profunda preocupaccedilatildeo sempre expressiva no seu nervosismo de mulher que
comeccedila a esperar um filhordquo1 indesejado Paulo Mendonccedila jornalista da Folha de S Paulo
compartilhava de certo modo das ideacuteias de Oliveira Ribeiro Neto Para ele a accedilatildeo dramaacutetica
de Hedda Gabler construiacuteda sem nenhum rigor teacutecnico dificultava a comunicaccedilatildeo com o
puacuteblico natildeo sendo raras as situaccedilotildees em que os espectadores sentiam-se perdidos por natildeo
entender as questotildees que Ibsen levantava e deixava sem respostas a ponto de ao cair o pano
todos indagarem ldquoe daiacuterdquo Considerando a intriga gratuita e pouco convincente Paulo
Mendonccedila atribuiacutea exclusivamente agrave atriz incumbida do papel-tiacutetulo a responsabilidade do
ecircxito da montagem Somente atraveacutes dos recursos da forccedila e do magnetismo da atriz
principal a peccedila poderia adquirir uma dimensatildeo cecircnica acessiacutevel agrave plateacuteia Portanto Hedda
Gabler segundo ele era ldquomenos uma peccedila do que um papelrdquo fruto da intransigecircncia do
dramaturgo que preferia ldquoser absurdo a deixar de ser implacavelmente autecircnticordquo2
Os espectros de Alberto DrsquoAversa embora em curta temporada na capital paulista por
causa do compromisso dos teatros com outros espetaacuteculos logrou enorme sucesso de criacutetica e
puacuteblico A montagem enfatizava com uma certa dose de afetaccedilatildeo o desespero e o sofrimento
de Helena Alving mdash exatamente os aspectos que quatro anos antes os criacuteticos sentiram falta
na mesma peccedila montada por Ziembinski no Rio de Janeiro Ao que parece o diretor italiano
aprendera com o ldquoerrordquo de seu colega e ao contraacuterio dele apresentou um drama sentimental
buscando uma empatia cada vez maior com a plateacuteia Em entrevista ao Diaacuterio da Noite
DrsquoAversa explicou o porquecirc da escolha de Os espectros para a estreacuteia de sua companhia em
Satildeo Paulo ldquoOs motivos satildeo claros e alguns de suma importacircncia Ibsen eacute um dos cinco
autores mais famosos do mundo Aleacutem disso apesar de natildeo ser inteiramente comercial eacute uma
peccedila que possui todas as qualidades para agradar o puacuteblicordquo3 Por certo as qualidades a que o
diretor se referia eram aquelas que a criacutetica reclamara como ausentes na encenaccedilatildeo de
Ziembinski conflito profundidade psicoloacutegica e tensatildeo dramaacutetica
Em maio de 1966 o Grupo 57 voltou a apresentar Os espectros dessa vez no Teatro
de Arena da Guanabara no Rio de Janeiro O grupo havia sido premiado pela encenaccedilatildeo
dessa mesma peccedila no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 No
entanto natildeo alcanccedilou o mesmo ecircxito com a montagem profissional As marcaccedilotildees do diretor
1 Oliveira Ribeiro Neto ldquoHedda Gabler ndash Muito mais importante que o aspecto externo da personagem Hedda Gabler []rdquo A Gazeta Satildeo Paulo 25 out 1965 2 Paulo Mendonccedila ldquoHedda Gabler ndash Irdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 12 out 1965 e ldquoHedda Gabler ndash IIrdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 14 out 1965 3 ldquoEspectros de Ibsen cinco dias no TBCrdquo Diaacuterio da noite Satildeo Paulo 14 out 1965 (Sem assinatura)
72
Garcia Xavier apoiada quase que exclusivamente no infortuacutenio de Helena e Osvaldo Alving
soaram artificiais e exageradas Henrique Oscar criacutetico do Diaacuterio de Notiacutecias apontou a
insuficiecircncia da maioria dos inteacuterpretes como a parte mais problemaacutetica do espetaacuteculo Agnes
Fontoura no papel de Helena foi a mais criticada pois atuara agrave maneira da velha escola com
gestos expressotildees fisionocircmicas e ldquoolhares digno de museurdquo A traduccedilatildeo de Alfredo Ferreira
utilizada no espetaacuteculo natildeo escapou agrave exprobraccedilatildeo ldquoAleacutem de empregar expressotildees
impraticaacuteveis no palco como lsquoazaacutefamarsquo e outras eacute de uma impropriedade clamorosa cheia de
lsquosim simrsquo lsquobem bemrsquordquo1 Para Fausto Wolff da Tribuna da Imprensa o diretor tinha
conseguido aproximar a peccedila de Ibsen da telenovela brasileira limitando-se os atores com
exceccedilatildeo de Edson Guimaratildees inteacuterprete de Engstrand a apresentar um tom monocoacuterdio e
melodramaacutetico onde entravam ldquosusto choro grito histeria e suspense amadorrdquo2
Se Os espectros do Grupo 57 foi duramente criticado pela falta de aperfeiccediloamento
dos atores e pela negligecircncia em cenaacuterio e figurino a primeira e uacutenica montagem de As
colunas da sociedade encenada no Teatro Guaiacutera de Curitiba pelo Teatro de Comeacutedia do
Paranaacute (TCP) em novembro do mesmo ano foi recebida entusiasticamente pela nossa criacutetica
teatral O TCP organizado e dirigido por Claacuteudio Correa e Castro vinha conquistando cada
vez mais espaccedilo no cenaacuterio cultural brasileiro atraveacutes de produccedilotildees de claacutessicos mundiais e de
textos nacionais como Um elefante no caos de Millocircr Fernandes montada em 1963 A
megera domada de Shakespeare encenada em 1964 Escola de mulheres de Moliegravere e O
santo milagroso de Lauro Cesar Muniz ambas representadas em 1965 O texto de Ibsen
segundo Claacuteudio Correa e Castro havia sido incluiacutedo no repertoacuterio do grupo porque aleacutem de
desmascarar a hipocrisia da sociedade mdash ldquoo que todo mundo gostaria que se fizesse com
algumas de nossas lsquocolunasrsquordquo3 mdash seus atores precisavam enfrentar um texto realista o que
natildeo acontecia havia cerca de trecircs anos desde A vida impressa em doacutelar de Clifford Odets
representada em 1963 Os pontos fortes da montagem ficaram por conta dos figurinos de
Kalma Murtinho e do cenaacuterio de Claacuteudio Correa e Castro ldquoimpecaacutevel no seu bom gosto e nos
menores detalhes do seu acabamentordquo4 Todos os moacuteveis haviam sido feitos especialmente
para a encenaccedilatildeo e ateacute se pocircs em cena uma maacutequina de costura da eacutepoca reproduzindo
fielmente o interior de uma residecircncia burguesa de 1870
1 Henrique Oscar ldquoEspectros no Arena da Guanabarardquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 26 maio 1966 2 Fausto Wolff ldquoOs espectros espectrais no Arena IIrdquo Tribuna da Imprensa Rio de Janeiro 1 jun 1966 3 Entrevista de Clauacutedio Correa e Castro concedida a Martim Gonccedilalves ldquoIbsen em Curitibardquo O Globo Rio de Janeiro 1 nov 1966 4 Yan Michalski ldquoIbsen em Curitibardquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 2 nov 1966
73
Entre as deacutecadas de 1960 e 1970 sobretudo apoacutes o recrudescimento da censura com o
AI-5 Ibsen ganharia encenaccedilotildees cada vez mais luxuosas impressionantes pela beleza plaacutestica
dos cenaacuterios e figurinos envolvendo os espectadores num mundo irreal dinacircmico cheio de
som cores e efeitos espetaculares Com raras exceccedilotildees caso das montagens de Hermilo
Borba Filho Fernando Torres e Antunes Filho buscava-se driblar a censura atraveacutes dos
recursos da estilizaccedilatildeo e da metaacutefora a fim de mostrar o significado real dos textos ibsenianos
e construir da melhor maneira possiacutevel uma frente de resistecircncia agrave ditadura Assim foi a
montagem de Um inimigo do povo encenada pelo Teatro Popular do Nordeste em 1967 A
companhia liderada por Hermilo Borba Filho dava continuidade ao trabalho artiacutestico e
cultural do Teatro do Estudante de Pernambuco (fundado em 1945) levando para o povo
espetaacuteculos natildeo soacute de qualidade literaacuteria como tambeacutem de questionamento social o que
permitia ao puacuteblico uma compreensatildeo maior de sua proacutepria histoacuteria Por meio de expedientes
como o canto a danccedila a maacutescara o boneco Hermilo procurou apresentar em sua casa de
espetaacuteculos na Avenida Conde da Boa Vista em Recife uma peccedila criacutetica viva denunciando
na figura do Dr Stockmann o cerceamento da liberdade e a perdiccedilatildeo do indiviacuteduo diante da
arbitrariedade do Estado
Dois anos mais tarde em agosto de 1969 Fernando Torres encenaria a mesma peccedila
no Teatro Satildeo Pedro em Satildeo Paulo procurando assim como Hermilo questionar o
autoritarismo a falta de liberdade de expressatildeo e a desigualdade de direitos Depois de
encerradas as atividades do Teatro de Arena e do Oficina o Teatro Satildeo Pedro arrendado por
Beatriz e Mauriacutecio Segall em 1968 no auge da repressatildeo apresentava-se como um dos
uacuteltimos grupos da cena paulistana comprometido com uma produccedilatildeo artiacutestica voltada para a
anaacutelise social Buscando uma nova maneira de expressatildeo teatral que pudesse burlar a censura
e ao mesmo tempo oferecer ao puacuteblico espetaacuteculos que vislumbrassem a transformaccedilatildeo das
praacuteticas poliacuteticas e culturais vigentes o Teatro Satildeo Pedro acolheu muitos artistas
rearticulando antigos laccedilos profissionais e poliacuteticos Dessa feita o grupo encenou entre outras
coisas Os fuzis da sra Carrar de Brecht com direccedilatildeo de Flaacutevio Impeacuterio em 1968 Marta
Sareacute de Gianfrancesco Guarnieri e Edu Lobo dirigido por Fernando Torres em 1969 e
Tambores na noite de Brecht dirigido por Fernando Peixoto em 1972 Para Beatriz e
Mauriacutecio Segall ldquoIbsen era o tom mais apropriado para o Brasil poacutes-AI-5 A questatildeo eacutetica
colocada em Um Inimigo do Povo de um homem que natildeo abandona as suas convicccedilotildees
74
mesmo quando todas as situaccedilotildees se voltam contra ele era uma profissatildeo de feacute que a
companhia estava disposta a carregar consigordquo1
Ainda na esteira da resistecircncia democraacutetica Antunes Filho encenou Peer Gynt no
Teatro Itaacutelia de Satildeo Paulo em abril de 1971 No panorama das produccedilotildees teatrais da eacutepoca
limitadas a um teatro comercial e digestivo a montagem de Antunes mereceu muitos elogios
dos nossos criacuteticos Depois dos absurdos dos empresaacuterios teatrais de apostar exclusivamente
no aspecto lucrativo dos espetaacuteculos sem se preocupar com a qualidade das peccedilas Saacutebato
Magaldi apontou a encenaccedilatildeo de Antunes como ldquouma resposta luacutecida e brilhante a todos os
erros que [ameaccedilavam] a nossa atividade cecircnicardquo2 Com Peer Gynt Antunes instituiacutea na cena
brasileira uma nova maneira de conceber o espetaacuteculo propondo a retomada da palavra e a
colocaccedilatildeo do homem no centro dos acontecimentos O proacuteprio Antunes em entrevista agrave Folha
de S Paulo registrou essa mudanccedila ldquonosso espetaacuteculo eacute um marco do novo teatro a
liberdade do autor e do ator Acabaram a ditadura e o accediloite do diretor do nosso teatro
formalista e abstrato da forma pela forma Agora eacute o homem recolocado novamente dentro de
sua histoacuteriardquo3 Nessa perspectiva Peer Gynt funcionava como um libelo contra a alienaccedilatildeo e o
escapismo apresentando a histoacuteria de um homem que vive apenas o momento sem lanccedilar
amarras e sem se engajar Desse modo a cada episoacutedio da vida de Peer Antunes buscou
criticar o oportunismo a filosofia do ldquojeitinho brasileirordquo e a indiferenccedila aos problemas
poliacuteticos e sociais A forccedila da montagem desse modo patenteava-se justamente na forma
como Antunes a partir da anaacutelise individual da personagem-tiacutetulo conseguira passar pelo
social e ascender ao poliacutetico
Poucos meses depois de Peer Gynt em outubro de 1971 estreava no Teatro Glaacuteucio
Gil do Rio de Janeiro Casa de boneca dirigida por Cecil Thireacute e estrelada por Tocircnia Carrero
A comeccedilar pelos textos apresentados no programa mdash ldquoNossa Casa de bonecasrdquo de Otto
Maria Carpeaux ldquoIbsen jaacute erardquo de Cecil Thireacute e ldquoCasa de bonecas ou sociedade de
bonecosrdquo de Fernando Peixoto mdash que discutiam a atualidade da peccedila agrave luz dos problemas
da realidade brasileira a montagem parecia sugerir uma criacutetica agrave opressatildeo e aos valores
retroacutegrados da sociedade encarnados na figura de Torvald Helmer No entanto a perspectiva
de criacutetica social parece ter ficado somente na intenccedilatildeo A linha adotada pelo diretor oscilou
1 ldquoTeatro Satildeo Pedrordquo Disponiacutevel lthttpwwwitauculturalorgbraplicexternasenciclopedia_teatrogt Cf tambeacutem Marco Antocircnio Guerra Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2 Saacutebato Magaldi ldquoNatildeo perca esta aventurardquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 29 abr 1971 3 Depoimento de Antunes Filho a Jorge Saacute de Miranda ldquoPeer Gynt celebra 100ordf apresentaccedilatildeordquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 29 abr 1971
75
entre uma montagem convencionalmente realista e uma vaga tentativa de modernizaccedilatildeo
cecircnica com o uso de intervenccedilotildees musicais e certos efeitos de luz que aproximaram o
espetaacuteculo segundo alguns criacuteticos ldquodas atuais telenovelas e dos dramalhotildees emboloradosrdquo1
Segundo Fernando Peixoto sentia-se claramente o intento do diretor Cecil Thireacute de apresentar
a tirania de Helmer como o microcosmo de uma realidade maior mais ampla e mais terriacutevel
No entanto a tiacutemida encenaccedilatildeo natildeo conseguira romper a estrutura soacutelida da intriga nem ldquoa
teia de conflitos do textordquo2 Desse modo a soluccedilatildeo eacutepica usada no final da peccedila o
desmoronamento do cenaacuterio como fizera Meyerhold na sua versatildeo de Casa de boneca de
1906 apresentou-se como uma ingecircnua metaacutefora da desestruturaccedilatildeo familiar e da queda dos
valores burgueses
Na deacutecada de 1980 a dramaturgia de natureza poliacutetica desaparece do palco brasileiro
voltando-se a maioria de nossos artistas para o ldquobesteirolrdquo um teatro de puro entretenimento
de grande aceitaccedilatildeo popular mas de completa despreocupaccedilatildeo literaacuteria e de indisfarccedilaacutevel
gratuidade Por outro lado no campo dos experimentalismos poacutes-modernos as encenaccedilotildees de
Gerald Thomas mdash Carmen com filtro e Electra com creta ambas de 1986 e Trilogia Kafka
de 1988 por exemplo mdash datildeo a tocircnica de um novo tipo de criaccedilatildeo cecircnica com a valorizaccedilatildeo
cada vez maior das linguagens visuais coreograacuteficas e sonoras em detrimento da palavra No
caso de Ibsen o vieacutes individualista de sua obra em oposiccedilatildeo ao aspecto social que desde os
anos 1940 vinha despertando o interesse de nossos artistas consolida-se a partir de entatildeo
como o grande fator de atualidade de seu teatro Os traccedilos morais e psicoloacutegicos de suas
personagens tidos como os uacutenicos elementos de modernidade e vigor de suas peccedilas ganham
relevo nas montagens desse periacuteodo Apoiados nos estudos do criacutetico norte-americano Robert
Brustein e do meacutedico vienense Wilhelm Reich nossos artistas passam a analisar a obra do
autor norueguecircs atraveacutes do recorte biograacutefico e de meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura Robert
Brustein exerceu grande influecircncia no Brasil sobretudo depois da publicaccedilatildeo de seu livro O
teatro de protesto pela editora Zahar do Rio de Janeiro em 1967 Retomando as ideacuteias de
Prozor acerca do caraacuteter autobiograacutefico do teatro de Ibsen Brustein procura identificar os
elementos da experiecircncia emocional do dramaturgo em suas peccedilas chegando agrave conclusatildeo de
que muitos dos heroacuteis ibsenianos satildeo auto-retratos do proacuteprio autor Nesse sentido ao analisar
O pato selvagem mdash para ele uma ldquopeccedila semi-autobiograacuteficardquo mdash o criacutetico afirma ter Ibsen
criado Gregers Werle agrave sua imagem e semelhanccedila conferindo agrave personagem as caracteriacutesticas
1 ldquoUm Ibsen bem comportadordquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 12 p 14-15 jan 1972 (Sem assinatura) 2 Fernando Peixoto e Alberto Guzik ldquoTeatro no Rio e em Satildeo Paulo a temporada de 71rdquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 13 p 7-13 fev 1972
76
de um tiacutepico ibsenista com o propoacutesito de satirizar a si proacuteprio e impedir que ele viesse a ldquoser
institucionalizado por adeptos servisrdquo Da mesma maneira como havia feito Prozor no seu
prefaacutecio da traduccedilatildeo de Solness o construtor em 1894 Brustein compara o desenvolvimento
da personagem-tiacutetulo com a evoluccedilatildeo do trabalho de Ibsen Para o criacutetico Solness eacute ldquopura
autobiografiardquo sendo o construtor um dos mais elaborados auto-retratos do autor ldquoO
sentimento alimentado por Solness de que sua inquebrantaacutevel dedicaccedilatildeo agrave sua vocaccedilatildeo
destruiacutera nele a felicidade eacute um reflexo das duacutevidas e dos pesares de Ibsen depois expressos
em John Gabriel Borkmanrdquo1
Por sua vez o polecircmico meacutedico Wilhelm Reich conhecido mundialmente pelo seu
livro Psicologia de massas do fascismo (1934) onde analisa a repressatildeo sexual como uma
espeacutecie de matriz que prepara o indiviacuteduo para a aceitaccedilatildeo das demais coerccedilotildees mdash caso
segundo ele da adesatildeo da populaccedilatildeo alematilde ao discurso fascista mdash teve no Brasil uma
recepccedilatildeo limitada ao campo da terapia corporal Simplificando bastante interessava aos
admiradores brasileiros de Reich apenas o exame do corpo como invoacutelucro da histoacuteria de cada
sujeito sendo possiacutevel por meio de sua anaacutelise resgatar as emoccedilotildees mais profundas dos
indiviacuteduos Nessa esteira A funccedilatildeo do orgasmo (1927) livro dedicado ao estudo da
sexualidade humana teve enorme repercussatildeo no Brasil dos anos de 1970 Essa obra alcanccedilou
tamanho sucesso entre noacutes que desde a primeira publicaccedilatildeo feita pela Brasiliense em 1975
passou a ser editada constantemente chegando a deacutecima nona ediccedilatildeo em 1995 Por certo o
ensaio sobre ldquoPeer Gyntrdquo contido nesse volume exerceu uma influecircncia significativa na nova
abordagem da peccedila que passaria a considerar a figura de Peer como o siacutembolo do homem
perdido no fluxo de suas experiecircncias tentando descobrir qual eacute o seu verdadeiro Eu
autecircntico Essa caracteriacutestica atribuiacuteda agrave personagem estendia-se a Ibsen mdash ldquoAssim era Ibsen
e assim era Peer Gyntrdquo2 mdash que tambeacutem procurava atraveacutes de suas peccedilas uma sondagem do
eu profundo expondo seu proacuteprio caraacuteter ao exame e criacutetica implacaacuteveis Tornou-se comum
a partir de entatildeo associar a mateacuteria das peccedilas agrave vida do autor caindo-se facilmente na
armadilha da projeccedilatildeo Desse modo o subjetivismo das imagens e das personagens elucidava
a psicologia de Ibsen e os fatos e experiecircncias de sua vida pessoal serviam para estabelecer o
conteuacutedo da obra A implicaccedilatildeo de tudo isso foi o depauperamento do texto ibseniano pois o
que nele se ambicionara passou a ser visto como atributo do autor ser vivo e inesgotaacutevel no
papel impresso Ao valorizar apenas a vida interior das personagens os padrotildees arquetiacutepicos
1 Robert Brustein ldquoHenrik Ibsenrdquo O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 93 2 Wilhelm Reich ldquoPeer Gyntrdquo A funccedilatildeo do orgasmo problemas enconocircmico-sexuais da energia bioloacutegica 4 ed Satildeo Paulo Brasiliense 1978 p 48
77
as raiacutezes miacuteticas e o significado simboacutelico e sexual do teatro de Ibsen nossos criacuteticos e
artistas deixaram de lado uma das dimensotildees mais modernas da obra do dramaturgo a perda
de consistecircncia da solidez de seus dramas que para expressar a desordem social poliacutetica e
econocircmica foram contaminando-se progressivamente de elementos eacutepicos chegando por
vezes a romper com os cacircnones tradicionais
Na esteira das orientaccedilotildees de Brustein e Reich inclusive reproduzindo quase na
iacutentegra os textos desses dois autores no programa do espetaacuteculo Marcos Fayad agrave frente do
grupo Engenho de Teatro dirigiu Peer Gynt no Teatro Ginaacutestico do Rio em junho de 1982 A
encenaccedilatildeo baseada na exploraccedilatildeo do inconsciente e dos recalques da personalidade de Peer
procurava mostrar a viagem empreendida por um homem em busca de sua proacutepria identidade
e do verdadeiro papel que lhe cabia na vida Desse modo a personagem-tiacutetulo veio ao palco
mergulhada num denso universo de misticismo metafiacutesica e duacutevidas existenciais Chegou-se
mesmo ao disparate de comparar Peer e Ibsen mdash ldquoPeer Gynt eacute o lado de Ibsen que foi em
busca de prazer sob o sol da Itaacuteliardquo1 mdash e a evocar em termos biograacuteficos os processos
psiacutequicos do autor quando estava escrevendo a peccedila Assim Peer Gynt tinha um discurso
tortuoso porque o dramaturgo no momento da escrita da obra oscilava entre influecircncias
esteacuteticas e filosoacuteficas muito diversificadas como a obsessatildeo miacutestica do romantismo e a
anguacutestia existencial kierkegaardiana Para Yan Michalski criacutetico do Jornal do Brasil em
nenhuma peccedila de Ibsen ldquoo debate existencial era colocado em termos tatildeo teoacutericos de tanta
abrangecircncia filosoacuteficardquo como em Peer Gynt Por essa razatildeo o desafio de qualquer montagem
dessa peccedila era tornar teatral ldquoo discurso aacuterido e metafiacutesicordquo da obra tarefa que ainda segundo
Michalski o Engenho de Teatro natildeo conseguira cumprir por dois motivos primeiro porque
ldquoo sentido mais profundo desse discurso natildeo foi assimilado pelos atoresrdquo e segundo porque
faltava-lhes o instrumental teacutecnico para tornar o conteuacutedo da peccedila claro aos espectadores
Essa falta de habilidade para o criacutetico tornava-se especialmente patente ldquonas cenas em que as
duacutevidas existenciais [estavam] contidas em seu estado puro como nos encontros de Peer com
o diretor do manicocircmio com o democircnio ou com o fundidorrdquo2
Um mecircs depois da encenaccedilatildeo de Peer Gynt Dina Sfat estreou Hedda Gabler no
Teatro Guaiacutera de Curitiba em agosto de 1982 O diretor do espetaacuteculo o francecircs Gilles
Gwizdeck em entrevista ao jornal O Globo indicou a linha da encenaccedilatildeo ldquoEu tentei traduzir
cenicamente o texto como um dramalhatildeo contando uma historinha com princiacutepio meio e fim
Mas com todo o subtexto presente todas as pressotildees familiares em cena atraveacutes de muitos
1 ldquoRobert Brustein fala de Ibsenrdquo Programa de Peer Gynt direccedilatildeo de Marcos Fayad Rio de Janeiro 1982 2 Yan Michalski ldquoPeer Gynt ou a dificuldade de filosofarrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro p 2 23 mar 1982
78
recursos como o cenaacuterio do Ratto que eacute bem pesado e abafado com muito veludordquo1 Sendo
assim num tom soturno e sombrio Hedda apresentou-se no palco como uma neuroacutetica
viacutetima das pressotildees de uma sociedade castradora A educaccedilatildeo riacutegida que a personagem
recebera de seu pai baseada em valores aristocraacuteticos e conservadores foi abordada como
uma das origens dos conflitos dolorosos de sua vida adulta A complexidade os conflitos
interiores e o gesto final de autodestruiccedilatildeo da personagem tratados no mais estreito realismo
psicoloacutegico fez com que a peccedila ganhasse ares folhetinescos O desempenho de Dina Sfat no
papel-tiacutetulo foi bastante elogiado sobretudo por criar a partir da entrada em cena o clima de
inevitabilidade da trageacutedia Para a maioria de nossos criacuteticos somente a psicanaacutelise poderia
explicar a trajetoacuteria da heroiacutena e desvendar seus mecanismos interiores Por um lado Ibsen
foi considerado o ldquopai do teatro psicoacutetico modernordquo2 o responsaacutevel no dizer de Tereza
Menezes de colocar em cena ldquoo novo sujeito da modernidaderdquo3 aquele indiviacuteduo que possui
dimensatildeo interior e capacidade de perceber a si mesmo Por outro mais uma vez a arquitetura
dramaacutetica de sua obra foi valorizada por aproximar-se da carpintaria do teatro claacutessico
carregada de pressaacutegios e costurada de intrigas paralelas que davam maior relevo ao conflito
central da peccedila
Em agosto de 1985 Fernando de Almeida levou agrave cena do Teatro Domus em Satildeo
Paulo a peccedila Os espectros resultado de uma motivaccedilatildeo pessoal sua que haacute muito
interessava-se pelo papel de Osvald Alving Como estava na idade limite para interpretar a
personagem reuniu um grupo de atores convidou Emiacutelio Di Biasi para dirigir a peccedila e arcou
com a maior parte das despesas da produccedilatildeo do espetaacuteculo Aleacutem disso ele mesmo
encarregou-se de traduzir e revitalizar o texto de Ibsen a fim de tornaacute-lo ldquomenos antiquadordquo
visando uma relaccedilatildeo mais direta com o espectador Assim a accedilatildeo foi transportada para algum
lugar indeterminado do seacuteculo XX o aviatildeo tomou o lugar do trem Nova York o de Paris os
nomes das personagens foram abrasileirados e a doenccedila de Osvaldo a siacutefilis foi substituiacuteda
pela Aids Entretanto justamente a adaptaccedilatildeo foi o que a criacutetica unanimemente julgou de
mais controverso nessa montagem Para Alberto Guzik aleacutem da encenaccedilatildeo levar agraves uacuteltimas
consequumlecircncias os sentimentos de Helena e Osvaldo Alving transformando a peccedila num
melodrama quase insuportaacutevel ldquoFernando de Almeida parece natildeo ter se dado conta de que os
termos a estrutura a proacutepria organizaccedilatildeo do debate travado pelas personagens de Ibsen
seriam necessariamente outros se a moralidade que serve de pano de fundo agrave obra fosse a da
1 Entrevista de Gilles Gwizdeck concedida a Flaacutevio Marinho ldquoA histoacuteria de uma mulher destruidora e autodestrutivardquo O Globo Rio de Janeiro 11 ago 1982 2 Jefferson Del Rios ldquoHedda emoccedilotildees no palco e na plateacuteiardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 1 abr 1983 3 Cf Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006
79
era do aviatildeo e natildeo a do tremrdquo1 Ao que parece do original restou apenas uma paroacutedia um
apego aos lances melodramaacuteticos do enredo que transformaram a realizaccedilatildeo num kitsch natildeo
intencional A peccedila ficou pouco tempo em cartaz e os elogios foram apenas para Leacutelia
Abramo que voltava aos palcos apoacutes seis anos de uma ausecircncia forccedilada A atriz no papel de
Helena Alving parecia ser a uacutenica a ter consciecircncia da importacircncia da peccedila como criacutetica agrave
hipocrisia e agraves convenccedilotildees sociais ldquoA encenaccedilatildeo de Ibsen hoje eacute importante por se
preocupar com as indagaccedilotildees do espiacuterito humano aleacutem de seu valor literaacuterio Esta a
verdadeira riqueza dos autores claacutessicos e hoje com o homem sendo aniquilado pelo
progresso pela massificaccedilatildeo eacute importante qualquer coisa que o faccedila refletirrdquo2
Peer Gynt foi levado agrave cena do Teatro Renascenccedila de Porto Alegre pelo grupo Teatro
Vivo em marccedilo de 1987 dessa vez numa versatildeo mais formalista O palco despojado de
qualquer artefato realista mdash apenas duas escadas um andor de procissatildeo e algumas malas mdash
manteve-se livre para o desenvolvimento dos atores que caminhavam em ciacuterculos
aproximando seus movimentos de uma danccedila coreografada Fora isso elementos como
fumaccedila aacutegua e farinha aleacutem de uma iluminaccedilatildeo requintada preenchiam os espaccedilos vazios da
cena Dos cinco atos do texto original restaram apenas dois apresentados em pouco mais de
uma hora e meia privilegiando-se temas como a vida a morte e as viagens da personagem-
tiacutetulo Para Irene Brietzke diretora do espetaacuteculo o estudo mais interessante a respeito de
Peer Gynt era o de Wilhelm Reich jaacute que mostrava Peer como uma personagem-siacutembolo que
representava o desejo mais secreto de todo o ser humano ldquoo sonho a paixatildeo o prazer e a
aventurardquo3 Por isso a exemplo do que fizera Marcos Fayad em sua montagem de 1982 ela
tambeacutem procurou contar a histoacuteria de um homem em busca de si mesmo resolvendo viajar
pelo mundo para achar seu caminho Paralela a essa accedilatildeo principal da peccedila Brietzke
acrescentou uma personagem que entre uma cena e outra da peccedila fazia reflexotildees sobre a
funccedilatildeo do artista a necessidade de buscar novos horizontes a morte etc citando passagens
de cineastas como Fellini e Buntildeuel e autores como Borges Apesar das inovaccedilotildees que
deram uma visualidade fascinante ao espetaacuteculo chegando por vezes a prejudicar a
mensagem do texto a direccedilatildeo do espetaacuteculo natildeo fugira a regra sendo Ibsen novamente
encerrado num universo miacutestico e existencialista
1 Alberto Guzik ldquoUma adaptaccedilatildeo de Ibsen Com bons propoacutesitos e equiacutevocos demaisrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 6 set de 1985 2 Depoimento de Leacutelia Abramo para O Estado de S Paulo ldquoIbsen a defesa feminina na peccedila Os Espectrosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 27 ago 1985 3 ldquoPeer Gynt a maioridade de Irenerdquo Correio do Povo Porto Alegre 6 mar 1987
80
Em maio de 1988 o Grupo Tapa encenou Solness o construtor no Teatro Alianccedila
Francesa em Satildeo Paulo A direccedilatildeo de Eduardo Tolentino privilegiou o conflito entre o velho
e o novo mostrando no palco a histoacuteria de Solness um construtor de meia-idade que se sente
ameaccedilado pela juventude expressa na figura de seu empregado Ragnar Brovik Durante a
encenaccedilatildeo o espectador pocircde acompanhar o tormento da personagem-tiacutetulo com o medo da
morte a ascensatildeo profissional de Ragnar e a fascinaccedilatildeo pela jovem Hilda Wangel A ecircnfase
dada aos opostos emblemaacuteticos mdash velhonovo sauacutededoenccedila luztrevas construccedilotildees de
alvenariacastelos no ar paixatildeo adolescentecasamento falido mdash reduziu de certo modo um
dos aspectos mais contundentes da peccedila os interesses materiais da mesquinha realidade
burguesa que envolve o conflito de geraccedilotildees as vidas entediadas e a submissatildeo domeacutestica
Aleacutem disso o fato do grupo ver Solness como um alter ego de Ibsen colaborou para o
empobrecimento do texto minando a forccedila da montagem No programa do espetaacuteculo o
jornalista Carlos Hee preso agrave ideacuteia do todo contiacutenuo formado entre autor e obra apontou
relaccedilotildees entre a trajetoacuteria da personagem e a vida do dramaturgo utilizando exatamente das
mesmas ideacuteias de Moritz Prozor e Robert Brustein A primeira fase do construtor dedicada agrave
edificaccedilatildeo de igrejas seria relativa aos temas dos dramas filosoacutefico-religiosos impregnados
de personagens miacutesticas A mudanccedila de postura de Solness apoacutes o incecircndio quando passa a
construir habitaccedilotildees teria o valor similar ao rompimento do escritor com a sociedade
norueguesa e agrave sua preocupaccedilatildeo em escrever peccedilas sobre a vida cotidiana O encontro de
Solness com Hilda simbolizaria a fase dos dramas simboacutelico-metafiacutesicos e a correspondecircncia
que o autor passou a trocar com Emilie Bardach uma jovem vienense de 18 anos Por fim
como sua personagem Ibsen temia a concorrecircncia da juventude sobretudo a ascensatildeo do
dramaturgo August Strindberg Aleacutem do biografismo que encobriu a estrutura e o valor da
peccedila o espetaacuteculo ganhou uma conotaccedilatildeo sexual ora pelas suas marcaccedilotildees ora pela
interpretaccedilatildeo das torres como siacutembolos faacutelicos Descontados esses problemas Eduardo
Tolentino alcanccedilou seu propoacutesito inicial de fazer uma montagem sem arroubos cecircnicos ldquosem
deixar nenhum exibicionismo esteticista se sobrepor ao textordquo1 De fato ele soube dar agrave sua
montagem o equiliacutebrio entre o sentido do texto e a traduccedilatildeo visual mdash a accedilatildeo se passava em
um cenaacuterio realista recheado de referecircncias simboacutelicas e num clima oniacuterico desenrolavam-se
flashes do passado e do presente Aleacutem disso toda a encenaccedilatildeo foi baseada no texto e nos
atores livre da intervenccedilatildeo musical e das soluccedilotildees espetaculosas exigindo dos espectadores
uma concentraccedilatildeo maior para acompanhar as ideacuteias da peccedila
1 Depoimento de Eduardo Tolentino a Ana Francisca Ponzio ldquoPaulo Autran o primeiro Ibsenrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 14 set 1988
81
A partir dos anos 1990 Ibsen passa a ser encenado por produtores independentes em
sua maioria artistas de grande popularidade e de incontestaacutevel prestiacutegio nacional Favorecidos
pelo patrociacutenio de empresas privadas mdash sobretudo depois da criaccedilatildeo em 1991 da chamada
lei de incentivo a Lei Rouanet que oferece isenccedilatildeo de impostos agraves empresas que invistam em
projetos artiacutesticos e culturais mdash esses artistas deram ensejo a produccedilotildees cada vez mais
imponentes com temas que agradam puacuteblico e empresaacuterios com programas de excelente
acabamento graacutefico mas que pouco ajudam a entender a diretriz do espetaacuteculo haja vista que
raramente trazem qualquer reflexatildeo sobre a peccedila encenada Do mesmo modo as encenaccedilotildees
ganharam beleza plaacutestica cenaacuterios luxuosos e iluminaccedilatildeo requintada privilegiando-se a
percepccedilatildeo visual em detrimento do conteuacutedo da peccedila No acircmbito desse teatro puramente
comercial Ibsen parece voltar aos palcos muito mais por oferecer aos atores bons papeacuteis
permitindo-lhes desenvolver suas virtudes interpretativas do que pela forccedila de seus textos
Evidentemente temas que contrariem a ideologia dominante mdash como a hipocrisia social em
Os espectros a exploraccedilatildeo capitalista em Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em
John Gabriel Borkman os interesses materialistas em Casa de boneca e Solness o construtor
por exemplo mdash satildeo ignorados nesse tipo de produccedilatildeo Por isso privilegiam-se em grande
parte apenas a subjetividade das personagens ibsenianas destituiacuteda de qualquer realidade
concreta maior social ou poliacutetica A justificativa para essa reduccedilatildeo encontra respaldo na velha
ideacuteia de que as preocupaccedilotildees sociais do dramaturgo satildeo obsoletas e ultrapassadas
constituindo apenas a psicologia e os conflitos existenciais das personagens os reais e efetivos
elementos de atualidade de sua obra Estaacute claro que essas produccedilotildees destinam-se mdash
sobretudo por causa dos preccedilos inacessiacuteveis dos ingressos mdash a uma plateacuteia financeiramente
distinta que busca no teatro a digestatildeo apraziacutevel do jantar
Nessas condiccedilotildees a Fundaccedilatildeo Bienal de Satildeo Paulo juntamente com empresaacuterios
patrocinou a vinda do American Repertory Theatre agrave cidade com o espetaacuteculo Quando noacutes os
mortos despertarmos encenado no Teatro Municipal em outubro de 1991 A peccedila adaptada e
dirigida por Robert Wilson o grande representante do ldquoteatro de imagensrdquo apresentou como
natildeo poderia deixar de ser as caracteriacutesticas fundamentais do encenador poesia visual
intimismo abstraccedilatildeo formalismo e distorccedilatildeo temporal A imprensa ocupou-se tanto dos
ldquoefeitismosrdquo de Robert Wilson que acabou ignorando a montagem brasileira desse mesmo
texto pelo Teatro do Pequeno Gesto em cartaz desde o mecircs de agosto no Espaccedilo Cultural
Seacutergio Porto no Rio de Janeiro Esse foi o espetaacuteculo de estreacuteia do grupo carioca que a partir
de entatildeo se dedicaria as montagens de grandes claacutessicos da literatura dramaacutetica preocupando-
se com estudos literaacuterios e teoacutericos das peccedilas a fim de conceber uma encenaccedilatildeo voltada para o
82
texto e a fala dos atores Antocircnio Guedes diretor da companhia apresentou uma versatildeo
totalmente diferente de Robert Wilson a comeccedilar pela diretriz do espetaacuteculo simplificaccedilatildeo
extrema do palco para colocar em relevo o texto em contraste com a fragmentaccedilatildeo dos
sentidos e o desenho formalizado da cena do diretor norte-americano Enquanto a montagem
de Wilson centrou-se na conotaccedilatildeo metafiacutesica do acerto de contas de Rubek com o seu
passado a do Pequeno Gesto privilegiou a discussatildeo de temas como o amor a morte o artista
e sua obra Aleacutem disso o puacuteblico do Teatro do Pequeno Gesto natildeo via passivamente uma
sucessatildeo de imagens deslumbrantes como na encenaccedilatildeo norte-americana uma vez que ele
proacuteprio era convidado a integrar o espetaacuteculo como elemento constitutivo do espaccedilo cecircnico
Em abril de 1994 Moacyr Goacutees e um conjunto de artistas conhecidos por seus
trabalhos na televisatildeo levaram agrave cena Peer Gynt no Teatro Gloacuteria do Rio de Janeiro A
abordagem da peccedila traduzida e adaptada pela psicanalista Clara Goacutees em nada diferenciou-
se do que desde a deacutecada de 1980 era considerado ldquocomumrdquo ao se estudar essa obra de
Ibsen a histoacuteria de um homem em busca de sua proacutepria identidade e do verdadeiro sentido da
vida Dois anos depois em outubro de 1996 Ulysses Cruz dirigia pela primeira vez no Brasil
A dama do mar representaccedilatildeo marcada por forte tendecircncia visual A peccedila aleacutem de encenada
no piacuteer da praccedila Mauaacute com vistas para a Baiacutea de Guanabara ganhou um cenaacuterio suntuoso
com 30 toneladas de areia fina entremeadas de conchas e de estrelas-do-mar e um barco de
verdade cedido pela Marinha que em certo momento do espetaacuteculo entrava em cena
trazendo uma das personagens o Estrangeiro Na imprensa pouco se falou sobre a obra de
Ibsen importando mesmo destacar a ousadia de Ulysses Cruz o responsaacutevel pela concepccedilatildeo
da maior parte dos elementos cecircnicos da montagem Para Cruz Ibsen era ldquofreudiano antes de
Freudrdquo e a qualidade de seu teatro estava na prospecccedilatildeo emocional de suas personagens No
caso de A dama do mar ainda segundo o diretor a protagonista da peccedila Ellida tinha uma
ldquoligaccedilatildeo forte com a natureza Daiacute surgiu a ideacuteia de usar na cenografia a areia o vento e o
marrdquo1 Uma produccedilatildeo com tamanho aparato de imagens luzes cores e som ofuscou
evidentemente o trabalho dos atores e sobretudo a histoacuteria de Ibsen O puacuteblico por sua vez
extasiado com a visualidade e a espetacularizaccedilatildeo teve poucas chances de compreender o teor
e a mensagem da peccedila
Em 1997 a propoacutesito da comemoraccedilatildeo dos cinco anos da Casa da Gaacutevea do Rio de
Janeiro Domingos de Oliveira foi convidado a dirigir Um inimigo do povo peccedila que ele jaacute
havia encenado catorze anos antes no teatro Cacircndido Mendes tambeacutem no Rio Na linha de
1 Depoimento de Ulysses Cruz a Anabela Paiva ldquoA nova aventura de Ulyssesrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 5 out 1996
83
um teatro didaacutetico Domingos de Oliveira levou agrave cena a histoacuteria de um homem
impossibilitado de se expressar num sistema dito democraacutetico Ao colocar em xeque toda a
estrutura de poder da cidade do Dr Stockmann dos pontos de vista moral e eacutetico o diretor
procurou mostrar como a representaccedilatildeo democraacutetica pode ser falha e como a maioria pode ser
facilmente manipulada Ampliando essa discussatildeo central da peccedila Oliveira procurou enfatizar
ainda questotildees como a preservaccedilatildeo do meio ambiente o poder da imprensa na manipulaccedilatildeo
da opiniatildeo das massas e a eacutetica na administraccedilatildeo puacuteblica Essa linha de encenaccedilatildeo foi bastante
criticada principalmente pelo fato de que para muitos de nossos criacuteticos caso de Nelson de
Saacute da Folha de S Paulo natildeo era a poliacutetica nem o conflito com a maioria que caracterizavam
a atualidade e o vigor de Um inimigo do povo mas ldquoa seduccedilatildeo do homem soacute natildeo mais refeacutens
de ideacuteias verdades amigos ou gruposrdquo Para Nelson de Saacute a direccedilatildeo de Domingos de
Oliveira tinha sido maniqueiacutesta sobretudo por omitir ldquoa proclamaccedilatildeo da individualidaderdquo
aspecto que segundo o criacutetico era o cerne da peccedila de Ibsen1 Nesse sentido a interpretaccedilatildeo
dos atores principalmente a de Paulo Betti no papel do Dr Stockmann tambeacutem foi criticada
por natildeo apresentar nuances psicoloacutegicas mas apenas perfis funccedilotildees a serviccedilos do texto
apresentando clareza em vez de profundidade Da mesma maneira o cenaacuterio e figurinos que
nada tinham de espetaculares sofreu as mesmas restriccedilotildees Para Alberto Guzik ldquoos tons que
[oscilavam] do ocre ao bege e bordocircrdquo diluiacuteram a tensatildeo dramaacutetica da cena contribuindo para
a sensaccedilatildeo ldquode monotonia e achatamento do palcordquo A criacutetica foi estendida agrave iluminaccedilatildeo que
sendo convencional pouco fez para dar contornos ao ldquoproblema visual do espetaacuteculordquo2
No comeccedilo deste seacuteculo com a vida teatral cada vez mais subordinada ao arbiacutetrio dos
dirigentes de empresas privadas as encenaccedilotildees de Ibsen com rariacutessimas exceccedilotildees natildeo
sofreram mudanccedilas significativas O ponto a se destacar eacute a melhor qualidade literaacuteria de
alguns espetaacuteculos alcanccedilada graccedilas agraves traduccedilotildees feitas diretamente do original norueguecircs
por Karl Erik Schoslashllhammer3 Seguindo a loacutegica do governo brasileiro que confunde poliacutetica
cultural com poliacutetica de mercado vieram a puacuteblico mais uma vez produccedilotildees dispendiosas mdash a
grosso modo com artistas que se consagraram na televisatildeo mdash visando mais do qualquer outra
coisa o retorno de bilheteria Nessa esteira Casa de boneca produzida por Ana Paula Aroacutesio
foi encenada no Teatro Leblon do Rio em outubro de 2001 A direccedilatildeo de Aderbal Freire-
1 Nelson de Saacute ldquoIbsen proclama o poder do homem soacuterdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 20 mar 1998 Folha Ilustrada p 3 2 Alberto Guzik ldquoUm inimigo monoacutetonordquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 2 abr 1998 3 Karl Erik Schoslashllhammer traduziu Quando noacutes os mortos despertarmos para o espetaacuteculo do Teatro do Pequeno Gesto em 1991 e Casa de boneca dirigida por Aderbal Freire-Filho em 2001 Traduziu ainda em parceria com Faacutetima Saadi O pequeno Eyolf em 1993 e John Gabriel Borkman em 1996 ambas publicadas na Coleccedilatildeo Teatro da Editora 34 de Satildeo Paulo
84
Filho que teve o meacuterito de escolher uma traduccedilatildeo de qualidade natildeo escapou aos
esquematismos do teatro de entretenimento Sem abandonar de todo o realismo da obra
Freire-Filho procurou enfatizar os conflitos existenciais de Nora em sua busca por liberdade
focalizando o desejo da personagem de fazer a sua proacutepria histoacuteria A marcaccedilatildeo e os
elementos cecircnicos mdash uma miniatura de casa de boneca uma mesa e algumas cadeiras em
torno das quais giraram os atores mdash pretenderam dar uma significacircncia simboacutelica agraves atitudes
interiores das personagens O cenaacuterio do portuguecircs Joseacute Manuel Castanheira mdash uma janela
que abria todo o fundo do teatro para um jardim coberto de neve em contraste com o interior
aconchegante de uma casa burguesa mdash e a iluminaccedilatildeo refinada de Manuel Quindereacute
conferiram intensa plasticidade ao desenho cecircnico No ano seguinte em maio de 2002 a
mesma peccedila estreou no Teatro do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio dessa vez numa
versatildeo multimiacutedia de Bia Lessa O espetaacuteculo foi chamado pela proacutepria diretora de ldquopeccedila-
filmerdquo porque quase toda a accedilatildeo da peccedila era apresentada num viacutedeo e somente na cena final
Nora interpretada por Betty Gofman aparecia no palco para cumprir seu gesto de abandono
do lar O uso do cinema foi justificado como uma forma de dimensionar uma quebra realista
subvertendo-se assim os limites do espetaacuteculo teatral No entanto a falta de contraponto
dramaacutetico das duas linguagens aproximou a encenaccedilatildeo segundo Macksen Luiz da
dramaturgia televisiva sobretudo por causa do uso da cacircmera em primeiro plano1
Em agosto de 2004 o Festival Porto Alegre em Cena em parceria com o governo da
Noruega trouxeram ao Brasil duas jovens diretoras Catherine Kahn e Anne Klovholt para
ministrar um laboratoacuterio intitulado ldquoO ator compositor e a poesia do movimentordquo No final do
curso cinco atores brasileiros foram selecionados para participar da encenaccedilatildeo de A dama do
mar representada no Armazeacutem A5 do Cais do Porto em Porto Alegre no mecircs de setembro
Nesse mesmo ano em outubro Paulo de Moraes encenou O pequeno Eyolf no Centro
Cultural da Justiccedila Federal no Rio de Janeiro primeira montagem brasileira desse texto O
espetaacuteculo centrado nos conflitos familiares de Alfred e Rita Allmers trouxe agrave cena a
discussatildeo de sentimentos como ciuacutemes inveja desprezo e amargura As personagens
enredadas em si mesmas incapazes de fugir de seus remorsos foram o foco principal dessa
montagem que procurou abordar a possibilidade de transformaccedilatildeo do homem deixando de
lado a passividade e a auto-compaixatildeo No entanto em cena essas questotildees trabalhadas em
forma de diaacutelogos solenes e de discursos quase filosoacuteficos acabaram por tornar a encenaccedilatildeo
de oitenta minutos um peso para os ombros dos espectadores O trunfo da montagem ficou
1 Macksen Luiz ldquoA armadilha de Ibsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 4 maio 2002
85
por conta da moldura visual que ambientou a cena em um espelho drsquoaacutegua conferindo
densidade e imagem vigorosa ao quadro Criacuteticas mais duras receberam o elenco Viviane
Coutinho inteacuterprete de Eyolf apesar de deficiente apresentou-se um tanto saltitante no palco
e Joatildeo Vitti no papel da Mulher dos Ratos ficou reduzido a uma ldquocaricatura em travestirdquo1
Diante desse estado de coisas no final de 1998 surgiu o Movimento Arte Contra a
Barbaacuterie que reuacutene intelectuais artistas e grupos do teatro paulista cuja atuaccedilatildeo resultou na
lei municipal de fomento ao teatro Subvencionadas pelo Estado as companhias paulistas
tiveram a chance de desenvolver projetos comprometidos com a pesquisa da linguagem
teatral apresentando ao puacuteblico espetaacuteculos ligados agrave experiecircncia social brasileira Aleacutem
disso a ocupaccedilatildeo de teatros de vaacuterias regiotildees de Satildeo Paulo por esses grupos mdash fora do
circuito onde domina o teatro comercial mdash e a venda a baixo custo dos ingressos
possibilitaram ao menos em parte o acesso de um puacuteblico mais amplo agraves peccedilas Desse modo
em outubro de 2005 o grupo Teatro de Narradores beneficiado pela lei de fomento levou agrave
cena do Teatro Faacutebrica de Satildeo Paulo sua versatildeo de Casa de boneca que de imediato se
contrapocircs agraves montagens desse texto realizadas no paiacutes
Preocupado em oferecer uma encenaccedilatildeo que unisse o prazer esteacutetico agrave reflexatildeo o
Teatro de Narradores explorou uma das dimensotildees mais agudas e atuais do texto ibseniano o
dinheiro como base de um sistema soacutecio-econocircmico em que se resume Casa de boneca Eacute por
causa dos interesses materiais e atraveacutes dele que se originam e se alimentam todos os
acontecimentos da peccedila desde a prepotecircncia de Torvald sobre Nora o casamento de
conveniecircncia de Cristina Linde para assegurar uma situaccedilatildeo financeira ameaccedilada ateacute o falso
coacutedigo de honra de Torvald que acaba se desfazendo depois que sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na
sociedade se manteacutem assegurada Desse modo o conflito de Nora que em algumas
montagens beirou o existencial foi reduzido em proveito da anaacutelise das relaccedilotildees que
envolviam todos os demais personagens A adaptaccedilatildeo mdash viagem dos Helmer aos Estados
Unidos e Nora fantasiada de Marilyn Monroe por exemplo mdash procurou tornar patente a
superficialidade dos valores da classe meacutedia que se constituiacuteam nas relaccedilotildees fetichistas no
mito da auto-realizaccedilatildeo e na ideacuteia do sucesso como configuraccedilatildeo do sujeito O espaccedilo cecircnico
vazio e branco com apenas um telatildeo no fundo bem como a trilha sonora e a iluminaccedilatildeo
serviu para comentar epicamente a accedilatildeo e esboccedilar o pano de fundo social Nessa perspectiva
o grupo aleacutem de romper com as tradicionais realizaccedilotildees dessa peccedila mdash que entre noacutes
privilegiavam exclusivamente os conflitos individuais das personagens mdash vai na contramatildeo
1 Cf Macksen Luiz ldquoTexto prejudicado pelo elencordquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 25 out 2004 Caderno B p 4
86
do pensamento de que o cunho social de Casa de boneca eacute antiquado e obsoleto refazendo
desse modo o percurso ou pelo menos uma das trilhas principais do teatro brasileiro da
deacutecada de 60
Acompanhando a trajetoacuteria das encenaccedilotildees de Ibsen no Brasil fica claro que elas se
identificaram em sua maior parte com a mentalidade burguesa dominante quer pela mera
representaccedilatildeo pela representaccedilatildeo que natildeo leva em conta nada aleacutem dos aspectos lucrativos
do espetaacuteculo quer pelo investimento maciccedilo no capricho das produccedilotildees que fascinam pela
beleza mas satildeo vazias de conteuacutedo quer pela falta de estudos teoacutericos a respeito do texto a
ser encenado dos quais se encontra muito distante a maioria dos nossos artistas preocupados
tatildeo somente em exibir seus ldquodotesrdquo interpretativos Por essas razotildees o teatro ldquoformalista e
abstrato da forma pela formardquo tatildeo criticado por Antunes Filho na deacutecada de 1970 continua
de algum modo a imperar na cena brasileira com exceccedilotildees claro de alguns artistas seja da
nova ou da velha geraccedilatildeo que se comprometem com a cultura e natildeo com o mercado
87
A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos
Apesar das constantes encenaccedilotildees mdash quase sempre as mesmas Casa de boneca Os
espectros e Hedda Gabler mdash natildeo se pode dizer que Ibsen tenha alcanccedilado popularidade
tampouco despertado grande interesse no Brasil No fim do seacuteculo XIX e comeccedilo do XX
momento de grande efervescecircncia e de muitas polecircmicas acerca de sua obra Artur Azevedo
Oscar Guanabarino Alfredo Pujol entre outros constituiacuteram a primeira frente de resistecircncia
ao teatro do norueguecircs Afeitos agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita esses criacuteticos consideraram
as peccedilas de Ibsen enfadonhas desprovidas de quaisquer qualidades dramaacuteticas obscenas e
degeneradas encorajando o incesto a desestruturaccedilatildeo familiar e o amor livre Por volta dos
anos 1920 Ibsen jaacute considerado um claacutessico da literatura dramaacutetica mundial passou a ser
visto no Brasil como autor de um teatro puramente literaacuterio que visava mais agrave leitura que agrave
representaccedilatildeo Sua obra considerada entatildeo de total ausecircncia de dramaticidade cecircnica e de
temas sombrios e obsoletos merecia figurar nas principais bibliotecas do paiacutes apenas como
um complemento necessaacuterio agrave formaccedilatildeo literaacuteria de nossos artistas Somente a partir de 1940
sob a forte influecircncia da criacutetica de Carpeaux mdash que deslocou o foco dos pressupostos sociais
do dramaturgo dito ultrapassados para a subjetividade das personagens mdash as peccedilas
ibsenianas voltariam a ser discutidas mesmo assim de uma maneira muito tiacutemida Desse
modo num primeiro momento entre 1940 e 1970 ainda sob o influxo das concepccedilotildees de
Carpeaux a obra de Ibsen seria vista como uma versatildeo moderna da trageacutedia grega abordando
o destino individual do heroacutei ibseniano que conhece o infortuacutenio em consequumlecircncia de algum
erro cometido no passado Num segundo momento com a valorizaccedilatildeo cada vez maior do
cunho individual e psicoloacutegico de seu teatro principalmente a partir de 1980 a realidade
interior das personagens seus conflitos e suas anguacutestias viriam a ser os principais aspectos de
interesse tornando-se a psicologia uma das estrateacutegias criacuteticas mais viaacuteveis para se analisar as
peccedilas do autor Enquanto muitos de nossos criacuteticos presos ao simples conteudismo das peccedilas
preocupavam-se em estabelecer o que era velho ou novo no teatro de Ibsen Ruggero Jacobbi
Oduvaldo Viana Filho Anatol Rosenfeld e Luiz Israel Febrot entre outros seguiram caminho
inverso Retomando uma a uma as principais ideacuteias correntes acerca de Ibsen esses
intelectuais procuraram reformulaacute-las com maior amplitude e equiliacutebrio levando em
consideraccedilatildeo a complexidade interna dos textos a natureza social e o papel decisivo da forma
dramaacutetica do autor
88
Ruggero Jacobbi mdash talvez um dos poucos diretores estrangeiros a aderir ao programa
internacional do realismo criacutetico dirigindo peccedilas como Estrada do tabaco em 1947 e A ronda
dos malandros em 1950 ambas no TBC mdash sobressaiu como teoacuterico historiador e criacutetico de
teatro trazendo novas luzes ao pensamento das artes cecircnicas brasileiras Em 1956 Jacobbi
publica seu primeiro livro no Brasil A expressatildeo dramaacutetica onde apresenta as linhas evolutivas
da dramaturgia partindo da Greacutecia passando por Goldoni Schiller e Ibsen ateacute chegar aos
perfis de personalidades teatrais como Moacutelnar Verneuil Renato Simoni Baty e Claudel O
escritor procede por siacutentese raramente demora-se na anaacutelise minuciosa da composiccedilatildeo de uma
peccedila Antes distingue em traccedilos breves e incisivos a fisionomia de um autor e seu momento
histoacuterico Em ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo Jacobbi enfatizou a importacircncia do dramaturgo na histoacuteria
do teatro mundial apresentando as questotildees esteacuteticas pontuais de sua obra que definiriam
novos rumos para a configuraccedilatildeo da dramaturgia moderna Nesse percurso sem perder de vista
os principais conceitos brasileiros sobre a obra de Ibsen o criacutetico procurou mostrar que o
dramaturgo embora introduzisse em suas peccedilas elementos liacutericos e simboacutelicos para ressaltar as
contradiccedilotildees internas das personagens fez tudo como ningueacutem antes dele para alargar os
limites do individualismo Em Casa de boneca por exemplo a libertaccedilatildeo individual e
psicoloacutegica de Nora natildeo constituiacutea o cerne da peccedila pois ainda segundo Jacobbi Ibsen tinha
exigecircncias maiores como ldquoinvestigar agressivamente a substacircncia praacutetica de certas situaccedilotildees da
sociedaderdquo1 Os conflitos das personagens ibsenianas portanto extrapolavam a esfera
individualista uma vez que estavam carregados de uma historicidade que natildeo se desfizera com
o tempo Para Jacobbi nenhum dos problemas que o autor colocara diante e dentro dos homens
perdera a atualidade Os malogros dos indiviacuteduos e os fracassos das ideologias continuavam a
caracterizar o nosso mundo em cujo limiar esteve e estaacute Ibsen Por isso natildeo lhe interessou
dissecar o trabalho do autor com o uacutenico fim de instituir agrave moda de Croce na Itaacutelia e Carpeaux
no Brasil o que era vivo ou morto em sua obra Preferiu ater-se agrave forma das peccedilas que ele
denominou de dramas de problemas por apresentar uma estrutura dialeacutetica que abria dentro de
cada assunto uma problemaacutetica infinita Aleacutem disso ele apontou a imprecisatildeo de nossa criacutetica
em aproximar a obra de Ibsen da trageacutedia grega sobretudo no que dizia respeito a noccedilatildeo de
destino e fatalidade ldquoA estrutura dialeacutetica estaacute sempre presente e potildee em evidecircncia todos os
lados do problema Em Ibsen como em Shakespeare todos tecircm razatildeo cada um eacute
infalivelmente o que eacute em toda a sua complexidade tanto que agraves vezes temos uma suspeita de
1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 49
89
determinismo a qual teria fundamento se Ibsen natildeo tivesse uma confianccedila imensa nas
possibilidades do indiviacuteduo e natildeo exigisse dele muito ateacute demaisrdquo1
Agrave trageacutedia estaacute inerente um pano de fundo miacutetico bem como uma visatildeo que projeta os
conflitos humanos para uma dimensatildeo metafiacutesica Seus temas satildeo os conflitos inexoraacuteveis
eternos sem saiacuteda A isso se associa indissoluvelmente a sua organizaccedilatildeo o gesto grandioso
o tom solene a tendecircncia ao verso etc As peccedilas de Ibsen com seu realismo domeacutestico abalam
profundamente tal estrutura na medida em que ele trabalha com a prosa coloquial as
concepccedilotildees socioloacutegicas as relaccedilotildees financeiras que de maneira nenhuma se ajustam aos
alexandrinos e aos cinco atos da trageacutedia claacutessica Aleacutem disso as personagens ibsenianas
estatildeo condicionadas ao peso da histoacuteria seus conflitos satildeo ldquoresultados da pressatildeo do mundo
exterior ou mais exatamente do subsolo da realidade que se determina como existente isto
eacute da Histoacuteriardquo2 Um mundo absolutamente mediado a responsabilidade sendo de todos e de
ningueacutem jaacute natildeo comporta a grandeza do heroacutei traacutegico que sozinho define o destino de um
povo e assume toda a culpa integralmente Em Ibsen os protagonistas quase sempre natildeo
encontram a saiacuteda do dilema em que se debatem mas o dramaturgo sugere que a soluccedilatildeo
existe mormente no combate agrave hipocrisia da sociedade E eacute essa confianccedila na superaccedilatildeo da
crise que marca a impossibilidade da trageacutedia Descartada portanto a aproximaccedilatildeo das peccedilas
de Ibsen da trageacutedia Jacobbi conclui que a grande renovaccedilatildeo do teatro ibseniano aconteceu
no acircmbito da teacutecnica dramatuacutergica ldquoIbsen natildeo teve medo de escrever trecircs ou quatro atos de
tamanho normal ou de pocircr em cena dois criados conversando Sabia muito bem que o
problema era eacute outro que o que se havia perdido era o sentido concreto da personagem
dramaacuteticardquo3
Na deacutecada de 1960 assistiremos ao debate da intelectualidade de esquerda e do setor
teatral reclamando um espaccedilo para as encenaccedilotildees empenhadas na discussatildeo da realidade
brasileira Nessas circunstacircncias as peccedilas de Ibsen consideradas obsoletas e ultrapassadas
passam por uma importante reavaliaccedilatildeo criacutetica Vianinha uma das figuras mais expressivas
do teatro de agitaccedilatildeo e propaganda criacutetico ferrenho do ldquoesteticismordquo do TBC e de seu
descomprometimento com a dramaturgia nacional foi possivelmente o primeiro intelectual
brasileiro a questionar o modo como Ibsen vinha sendo encenado no Brasil Procurando
acompanhar as grandes mudanccedilas histoacuterico-sociais que repercutiam diretamente na esteacutetica
1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 52 2 Ruggero Jacobbi ldquoIbsen atualrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 31 jan 1959 Suplemento literaacuterio n 118 p 5 3 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica p 58
90
teatral Vianinha apontava na obra de Ibsen a gecircnese de uma dramaturgia voltada para a
participaccedilatildeo do indiviacuteduo como agente diante das adversidades poliacutetica e social As
personagens ibsenianas desse modo longe de resignar-se aos desiacutegnios de justiccedila e verdade
que jaacute natildeo eram estaacuteveis e absolutos como na trageacutedia claacutessica debatiam-se entre seus anseios
e a sua consciecircncia eacutetica em meio aos valores estabelecidos pela sociedade Determinada a
viga mestra do teatro de Ibsen Vianinha criticava as montagens brasileiras de suas peccedilas cuja
preocupaccedilatildeo era apenas com o destino individual das personagens natildeo ultrapassando a
aparecircncia esteticista de um teatro que se desfazia em luzes cenaacuterio gestos e inflexotildees
Vianinha apontava ainda o disparate da burguesia nacional que era ldquoincapazrdquo de distinguir
nos produtos culturais que importava ldquooposiccedilatildeo e lutardquo Para Vianinha Ibsen e Pirandello
por exemplo pouco diziam pouco contribuiacuteam para a organizaccedilatildeo cultural da classe
dirigente que assistia aos dois autores sem notar diferenccedila alguma entre eles diferenccedilas que
modificariam ainda segundo ele os criteacuterios de comportamento do puacuteblico Nessa mesma
perspectiva Vianinha criticava a encenaccedilatildeo de Ibsen por Ziembinski ldquoNatildeo interessa mais o
que diz Ibsen nem transmitir Ibsen com toda a sua eficaacutecia Natildeo O puacuteblico natildeo precisa
modificaccedilatildeo Ziembinski volta para traacutes Quando chegou aqui tratava-se de dizer Ibsen
Agora trata-se de montar um belo espetaacuteculo Natildeo haacute mais ressonacircncia humana no
espetaacuteculo O teatro natildeo tem mais funccedilatildeo culturalrdquo1
Ainda na esteira das mudanccedilas essenciais da dramaturgia de Ibsen Anatol Rosenfeld
publica em 1965 O teatro eacutepico livro de valor inestimaacutevel para o ensaiacutesmo teatral brasileiro
sobretudo pela importacircncia de se esclarecer os conceitos e as teorias de Brecht num momento
em que se radicalizavam as propostas dos diversos movimentos de cultura popular do paiacutes Ao
relatar o processo histoacuterico desencadeado pela crise da forma dramaacutetica que culminaria anos
mais tarde com o aparecimento do teatro eacutepico de Brecht Rosenfeld apontou a dimensatildeo
eacutepica da obra de Ibsen que escapava agraves leituras entatildeo em voga Desse modo ele contribuiu
enormemente para se desfazer os impasses de nossa criacutetica que ora via Ibsen como um
grande ldquotraacutegico modernordquo ora como autor de ldquoromances dialogadosrdquo Primeiramente
Rosenfeld tratou de explicar que a obra ibseniana embora restringida agrave dramaturgia
tradicional jaacute anunciava pela temaacutetica o advento do teatro eacutepico Em linhas gerais o criacutetico
destacou a estrutura rigorosa das peccedilas mdash exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e desenlace mdash sem
deixar de apontar para o elemento que subvertia a dramaacutetica pura o tempo passado Ele
alertou que a accedilatildeo decisiva em Ibsen natildeo se desenrolava na atualidade mas no passado Nesse
1 Oduvaldo Viana Filho ldquoQuatro instantes do teatro no Brasilrdquo In Fernando Peixoto (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983 p 48
91
ponto o teatro do escritor norueguecircs divergia da forma ldquoorgacircnicardquo do teatro aristoteacutelico uma
vez que o enredo deixava de narrar uma accedilatildeo conclusa As peccedilas definiam muito mais uma
conjuntura do que um desenvolvimento destinado a desenredar a trama Portanto as
recordaccedilotildees do passado mdash tema essencialmente eacutepico mdash dispersas no desenho das peccedilas
ibsenianas eacute que colaboraram para a dissoluccedilatildeo do drama E nisso estava a maestria da arte
de Ibsen que conseguia ldquoencobrir o tema eacutepico pela estrutura dramaacutetica atraveacutes de uma accedilatildeo
acessoacuteria que se desenvolve na breve atualidade de um ou dois diasrdquo1 Em seguida Rosenfeld
explicou as diferenccedilas entre Eacutedipo Rei de Soacutefocles e Os espectros de Ibsen tentando acabar
com o equiacutevoco da criacutetica sobretudo a de Carpeaux que costumava associar a obra ibseniana
agrave trageacutedia claacutessica Rosenfeld mostrou que as duas peccedilas foram construiacutedas rigorosamente
dentro do padratildeo da teacutecnica analiacutetica Em ambas a exposiccedilatildeo (a revelaccedilatildeo do passado)
constituiacutea quase toda a accedilatildeo da trama No entanto em Soacutefocles as revelaccedilotildees eram objetivas
ou seja o mito era conhecido do puacuteblico e o passado de Eacutedipo era revelado somente a ele
proacuteprio que desconhecia os seus crimes A personagem entatildeo era surpreendida pela
revelaccedilatildeo da verdade que natildeo ficava confinada no passado mas era atualizada Portanto o
tema de Eacutedipo natildeo era o tempo passado mas o destino terriacutevel do heroacutei que era o assassino do
pai o marido da matildee e o irmatildeo dos seus filhos Em Ibsen acontecia exatamente o contraacuterio A
accedilatildeo atual de Os espectros nada mais era que a ocasiatildeo de desvendar aos espectadores o
passado de Helena Alving o matrimocircnio infeliz mantido agrave custa das convenccedilotildees sociais As
revelaccedilotildees de Helena eram subjetivas na medida que suas confidecircncias eram feitas apenas ao
Pastor Manders E era por meio dele que o puacuteblico ficava sabendo os segredos da
protagonista Helena natildeo sofria o choque da descoberta da verdade uma vez que ela mesma
forjara o seu destino Assim o passado natildeo chegava a ser atualizado ele mesmo tornava-se o
assunto da peccedila por meio da exposiccedilatildeo de vidas malogradas Enquanto a mateacuteria de Soacutefocles
era dramaacutetica e traacutegica porque seu heroacutei resignava-se agraves deliberaccedilotildees dos deuses e oferecia ao
puacuteblico em seu sacrifiacutecio o efeito cataacutertico a de Ibsen era eacutepica porque estava delimitada ao
passado e agrave memoacuteria das personagens (esfera subjetiva)
Depois de estabelecido o problema formal da dramaturgia de Ibsen por Rosenfeld e
sob o impulso das primeiras montagens profissionais de suas peccedilas mdash que absurdamente soacute
ocorreram nos anos de 1960 mdash a obra ibseniana deixaria as prateleiras poeirentas das
bibliotecas para ser discutida nos principais perioacutedicos de cultura do paiacutes como o Suplemento
Literaacuterio drsquoO Estado de S Paulo o Caderno B do Jornal do Brasil a Revista de Teatro da
1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 85
92
SBAT etc Seguindo de perto as indicaccedilotildees de Rosenfeld Luiz Israel Febrot criacutetico de teatro e
cinema publica entre 1966 e 1968 quatro ensaios no Suplemento Literaacuterio drsquoO Estado de S
Paulo mdash ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo ldquoHedda Gablerrdquo ldquoIbsen Atual - Irdquo e ldquoOs espectros satildeo
as velhas ideacuteiasrdquo mdash procurando analisar o tema baacutesico do teatro de Ibsen ou seja o passado
evocado atraveacutes do diaacutelogo das personagens Deixava-se de lado a preocupaccedilatildeo de ver em
Ibsen o modelo da carpintaria de efeito do teatro claacutessico passando-se agrave tentativa de
compreender os valores do passado que as peccedilas reconstituiacuteam e criticavam Para Febrot a
declaraccedilatildeo de que os temas do dramaturgo eram ultrapassados servia apenas como um
pretexto para se evitar a discussatildeo de problemas que desagradavam as ldquoplateacuteias bem
pensantesrdquo como a opressatildeo social a luta de classes a corrupccedilatildeo o preconceito as relaccedilotildees
espuacuterias mantidas por interesse etc Assim em seu ensaio sobre Um inimigo do povo ele
apontou a base sobre a qual se assentava a trama da peccedila a especulaccedilatildeo mercantil situaccedilatildeo
tiacutepica da sociedade de livre concorrecircncia A contaminaccedilatildeo das aacuteguas do balneaacuterio da cidade
do Dr Stockmann foi causada pela cobiccedila dos proprietaacuterios que exigiram que os
encanamentos passassem sob seus terrenos para assim receberem indenizaccedilotildees Os industriais
por sua vez natildeo desejavam gastar dinheiro tratando das aacuteguas que saiacuteam de suas faacutebricas
preferindo jogaacute-las diretamente no rio Portanto o maior inimigo da liberdade e da verdade
era segundo o criacutetico o dinheiro e os interesses por ele criados1
No ensaio sobre ldquoHedda Gablerrdquo Febrot discutiu o lugar-comum da criacutetica em ver na
personagem-tiacutetulo uma neurastecircnica dama do fim do seacuteculo XIX uma enfastiada da vida Ele
assinalou que para essa concepccedilatildeo muito contribuiacuteram a performance cheia de pompa de
atrizes mdash como Eleonora Duse mdash que se preocupavam com a interiorizaccedilatildeo da personagem
ressaltando-lhe as crises de histeria ofuscando assim a mensagem da peccedila Para furtar-se agrave
leitura psicoloacutegica de Hedda Gabler o criacutetico recorreu agrave coerecircncia de temas e propoacutesitos do
teatro do norueguecircs Ibsen compreendera que os princiacutepios de igualdade fraternidade e
liberdade propagados pela Revoluccedilatildeo Francesa beneficiavam apenas uma pequena parcela
da sociedade Em toda a sua obra o dramaturgo procurou mostrar a contradiccedilatildeo que existia
entre os ideais que a sociedade burguesa proclamava e o que realmente acontecia com os
homens Nesse sentido ver Hedda apenas como uma histeacuterica era diminuir o alcance da peccedila
era dizer apenas a metade e precisamente a mais visiacutevel e portanto a menos importante A
outra metade que se devia levar em consideraccedilatildeo ainda segundo Febrot era que a
personagem encarnava as caracteriacutesticas e os preconceitos burgueses Hedda era
1 Cf Luiz Israel Febrot ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 10 set 1966 Suplemento Literaacuterio n 494 p 5
93
convencional casou-se com Tesman para manter seu conforto material e sua posiccedilatildeo na
sociedade relacionava-se apenas com as pessoas de seu niacutevel social rejeitava a ligaccedilatildeo
amorosa com o juiz Brack natildeo por pudor ou princiacutepio mas por medo do escacircndalo E foi
justamente o pavor do escacircndalo que a levou ao suiciacutedio Para Febrot Hedda como
individualidade psicoloacutegica com determinados conceitos e preconceitos simbolizava uma
categoria social Desse modo as accedilotildees da personagem interessavam menos ldquoagraves revistas
meacutedicas do que aos estudos de sociologia poliacutetica e histoacuteriardquo1
Apesar dessas contribuiccedilotildees a maior parte de nossa criacutetica teatral mais do que nunca
submetida agrave mercantilizaccedilatildeo da cultura continuou a reproduzir as velhas concepccedilotildees sobre o
dramaturgo Detendo-se apenas na superficialidade dos textos sem interesse algum de se
analisar as relaccedilotildees histoacutericas e sociais das peccedilas geralmente relegadas ao campo dos
conteuacutedos nossos criacuteticos continuaram a ver Ibsen como um autor ultrapassado Mariacircngela
Alves de Lima por exemplo a propoacutesito da montagem de Casa de boneca pela companhia
de Tocircnia Carrero na deacutecada de 1970 declarava que o texto de Ibsen servia muito mais como
um documento da histoacuteria do teatro do que como uma forccedila atuante no presente ldquoSem
duacutevida o direito de se afirmar aleacutem dos limites de um papel social eacute uma aspiraccedilatildeo humana
permanente Entretanto a situaccedilatildeo especiacutefica que o texto de Ibsen coloca tem no seacuteculo XX
um reduzido poder de contestaccedilatildeordquo2 Aqueles que procuravam afirmar a atualidade do
dramaturgo enfatizavam os conflitos individuais das personagens sem levar em conta os
mecanismos de opressatildeo da sociedade burguesa que efetivamente era o que Ibsen pretendia
criticar Para Deacutecio Drummond a liberdade individual de Nora que estava ldquoacima e aleacutem de
qualquer circunstacircncia socialrdquo era o fator maior da perene atualidade de Ibsen3 Seguindo
essa mesma loacutegica Mariacircngela Alves de Lima depois de negar a modernidade do dramaturgo
em 1973 voltou atraacutes afirmando ser a cena final de Casa de boneca um ldquosiacutembolo de todos os
sonhos de liberdade individual aleacutem das malhas restritivas dos papeacuteis sociais determinadosrdquo4
A partir do final da deacutecada de 1970 a leitura de orientaccedilatildeo biograacutefica tornou-se uma
constante sendo apropriada tanto pelos nossos criacuteticos como pelos nossos artistas que
reproduziam fielmente nos comentaacuterios e nos programas de espetaacuteculo os estudos de Robert
Brustein mestre dessa vertente Adones de Oliveira jornalista drsquoO Estado de S Paulo por
1 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5 2 Mariacircngela Alves de Lima ldquoIbsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 9 set 1973 3 Cf Deacutecio Drummond ldquoO gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humanordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 7 out 1973 Suplemento Literaacuterio n 845 p 5 4 Mariacircngela Alves de Lima ldquoEncenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsenrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 23 maio 1976
94
exemplo seguindo agrave risca as indicaccedilotildees de Brustein declarava ser o teatro de Ibsen resultado
de sua ldquovida interior e de seu ideal revolucionaacuteriordquo1 Como o criacutetico norte-americano ele
tambeacutem considerava as personagens ibsenianas como auto-retratos do dramaturgo Desse
modo o biografismo aleacutem de empobrecer o texto de Ibsen e de neutralizar o fluxo de
significados de suas peccedilas encobria as experiecircncias formais e os aspectos sociais presentes
em seu teatro Ao mesmo tempo o questionamento da histoacuteria dos valores burgueses da
hipocrisia social tatildeo buscados pelo dramaturgo passavam a ser vistos noutro plano como
relaccedilatildeo psicoloacutegica de Ibsen com sua obra ressaltando-se mais uma vez o cunho meramente
individualista de seu teatro Aliaacutes os meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura sobretudo dos anos
1980 em diante comeccedilaram a ser cada vez mais aplicados agrave criacutetica das peccedilas ibsenianas
Utilizados sem muita cautela esses criteacuterios reduziram muitas vezes a riqueza do enredo das
personagens das situaccedilotildees dos planos externo e interno da obra por tomaacute-la apenas como
material para se diagnosticar as neuroses do autor e de suas personagens
Deacutecio de Almeida Prado ao analisar Hedda Gabler procurou explicar como Ibsen
deixando de lado a loacutegica da peccedila bem-feita que admitia o pressuposto do homem
inteiramente explicaacutevel criou personagens que natildeo podiam mais ser enquadradas dentro de
uma soacute perspectiva caso de Hedda Assim em ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo o criacutetico comeccedilou a
mostrar como a partir de Casa de boneca o autor abrira brechas na dramaturgia rigorosa ao
tratar de temas como o feminismo e a liberdade da mulher No caso de Hedda Gabler o
criacutetico alertou que a soluccedilatildeo dramaacutetica era mais avanccedilada Ibsen conservara intacto o rigor do
teatro aristoteacutelico a condensaccedilatildeo no tempo e no espaccedilo a subordinaccedilatildeo das partes ao todo o
enredo girando em torno de um uacutenico eixo etc mas retirara da peccedila a comunicaccedilatildeo com o
puacuteblico a anaacutelise dos fatos e das personagens seja atraveacutes do confronto entre os indiviacuteduos
seja por meio de um comentador arguto Desse modo ainda segundo o criacutetico Ibsen passava
do que se sabia sobre o indiviacuteduo ldquopara o que natildeo se consegue senatildeo conjeturar abrindo
caminho para a exploraccedilatildeo do irracional do inconsciente ou seja das camadas mais
profundas da personalidaderdquo2 Por isso a resposta agrave pergunta ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo soacute
poderia ser dada pelo acircngulo psicoloacutegico que apresentava segundo Deacutecio de Almeida Prado
um fato incontestaacutevel ldquoa personagem era destrutiva e autodestrutivardquo Somente a partir daiacute
outras hipoacuteteses poderiam ser levantadas desde que se conciliassem as diversas facetas de seu
temperamento De fato as peccedilas de Ibsen tratam de vidas malogradas Os indiviacuteduos por meio
1 Adones de Oliveira ldquoIbsen o pai do teatro de hoje faz 150 anosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 19 mar 1978 2 Deacutecio de Almeida Prado ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 1 maio 1983 Caderno Cultura p 5
95
das recordaccedilotildees do passado encerram-se nas suas proacuteprias subjetividades isolam-se e
interrompem a situaccedilatildeo dialoacutegica Rosenfeld arriscou dizer que no dramaturgo jaacute ldquose
encontram os germes de um processo que iria pocircr em questatildeo a possibilidade do diaacutelogo inter-
humanordquo1 Natildeo haacute como negar que as personagens ibsenianas satildeo complexas natildeo
apresentando portanto contornos firmes e niacutetidos como na dramaturgia convencional No
entanto para natildeo se correr o risco de empobrecer a visatildeo da singularidade do teatro de Ibsen
haacute que se levar em consideraccedilatildeo a estrutura esteacutetica das peccedilas e tentar enxergar aleacutem do
conflito individual das personagens procurando analisar o contexto exterior e os impasses que
as oprimem Nesse sentido vale lembrar a primorosa anaacutelise de Febrot dessa mesma Hedda
Gabler Sem desconsiderar a realidade interior da personagem-tiacutetulo ele indicou um
importante aspecto da peccedila que talvez passasse desapercebido aos adeptos da psicanaacutelise
Hedda encarna os preconceitos e as ideacuteias do individualismo burguecircs eacute o ldquocaacutelculo que leva ao
carreirismo eacute o desejo de conforto antes e acima de tudo eacute a ambiccedilatildeo vatilde de prestiacutegio social eacute
o egoiacutesmo frio que esquece os demais inclusive famiacutelia e amigos Eacute a proacutepria inutilidade
socialrdquo2
As indicaccedilotildees de Deacutecio de Almeida Prado sobre o caraacuteter psicoloacutegico do teatro de
Ibsen tomadas sem as devidas precauccedilotildees mdash sugeridas aliaacutes pelo proacuteprio criacutetico mdash e os
estudos do psicanalista Wilhelm Reich entatildeo em voga contribuiriam para que se afigurasse
no centro das discussotildees de Ibsen apenas os conflitos existenciais de suas personagens
destituiacutedos de qualquer conjuntura maior seja esteacutetica ou social Essa situaccedilatildeo que de algum
modo perdura ateacute hoje corrobora equivocadamente o individualismo como o elemento
predominante da atualidade do dramaturgo deixando de lado as implicaccedilotildees materialistas e
desabusadas de sua obra que diga-se de passagem nunca perderam seu vigor Como
considerar ultrapassada a criacutetica do dramaturgo a um mundo comandado por lucro trabalho e
competiccedilatildeo Certamente os valores burgueses associados ao seu teatro e consolidados desde
a deacutecada de 1940 mdash prestiacutegio do vieacutes psicoloacutegico e refutaccedilatildeo da praacutetica poliacutetica e social de
suas peccedilas mdash ratificam esse estado de coisas Tanto eacute assim que ao se falar de Ibsen nossos
criacuteticos continuam reproduzindo os velhos chavotildees ora polemizam sobre a modernidade de
seus temas ora comparam a estrutura de suas peccedilas ao rigor do teatro claacutessico e ora
reafirmam a densidade psicoloacutegica de suas personagens Nessa perspectiva a recente
publicaccedilatildeo do livro de Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade fora o meacuterito
1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 88 2 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5
96
de se tratar do primeiro trabalho de focirclego sobre o dramaturgo no Brasil pouco trouxe de
novo para a reavaliaccedilatildeo de sua obra Haja vista que a autora procura mostrar ao longo de todo
o volume como as peccedilas de Ibsen foram contaminando-se de elementos abstratos e
subjetivos a ponto de abarcar ainda segundo Menezes ldquoo descontiacutenuo e contingente o
ambiacuteguo e o escorregadiordquo1 Depois de evidenciar nessa trajetoacuteria a ruptura do teatro de
Ibsen com os padrotildees dramaturgia convencional a autora passa a analisar o que ela denomina
de ldquoo novo sujeito da obra de Ibsenrdquo Apoiada nas teorias de Freud Tereza Menezes procura
trabalhar as principais caracteriacutesticas das personagens ibsenianas que seriam segundo ela os
limites da consciecircncia as irrupccedilotildees da irracionalidade a questatildeo da identidade as
possibilidades de elaboraccedilatildeo interior e os sujeitos precaacuterios Evidentemente que por ser o
recorte psicoloacutegico o enfoque de seu trabalho Menezes absteacutem-se de tratar do fator social da
obra ibseniana Entretanto a forma social do mundo se antepotildee aos propoacutesitos subjetivos das
personagens Justamente a configuraccedilatildeo social mdash engrenagem objetiva do teatro de Ibsen mdash
funcionando atraacutes das costas das personagens que definem suas intenccedilotildees e seus desejos mais
iacutentimos Portanto a tendecircncia de se interpretar e valorizar a obra ibseniana sem os devidos
cuidados em termos biograacuteficos e psicanaliacuteticos produz muitas vezes resultados
problemaacuteticos por ressaltar de maneira unilateral ou mesmo exclusiva aspectos pouco
relevantes para a compreensatildeo da validade esteacutetica de Ibsen
Por sua vez a criacutetica teatral de jornal limitada nos dias de hoje ao papel de
publicitaacuteria da cultura restringe sua tarefa mais agrave instacircncia de divulgaccedilatildeo dos espetaacuteculos do
que agrave funccedilatildeo analiacutetica No caso de Ibsen uma parte por causa do desinteresse de sua obra e
outra por causa da falta de bibliografia de apoio no nosso paiacutes os criacuteticos acabam
reproduzindo as ideacuteias mais do que conhecidas de autores como Carpeaux Brustein etc Mas
eacute claro que esses argumentos natildeo satildeo suficientemente vaacutelidos para se entender porque
privilegiam tais autores e descartam outros como Rosenfeld Vianinha e Febrot que tatildeo
lucidamente analisaram as peccedilas de Ibsen Essa questatildeo pode ser melhor compreendida se
levadas em conta as exigecircncias do mercado cultural que natildeo se interessa como dizia
Vianinha em ldquotransmitir Ibsen com toda a sua eficaacuteciardquo Os cadernos culturais dessa forma
ficam praticamente a reboque da conveniecircncia dos empresaacuterios de show business e dos
grandes patrocinadores dos espetaacuteculos tornando-se irrelevante discutir a peccedila que seraacute
encenada mas tatildeo somente informar o dia de estreacuteia o custo da montagem os aparatos
cecircnicos etc Assim a nossa criacutetica submetida agrave loacutegica do mercado acaba retornando agrave velha
1 Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006 p 134
97
estruturaccedilatildeo dos artigos do final do seacuteculo XIX uma biografia breve do dramaturgo o resumo
da peccedila a descriccedilatildeo dos cenaacuterios e figurinos e a anaacutelise do desempenho dos atores
Nessas condiccedilotildees natildeo eacute de se admirar que a obra de Ibsen tenha sido ateacute hoje
traduzida apenas parcialmente para nossa liacutengua As primeiras traduccedilotildees de suas peccedilas soacute
apareceram na deacutecada de 1940 restringindo-se ao leque dos textos mais conhecidos o que
resultou no famigerado livro Seis dramas Apesar dos problemas gerados pela traduccedilatildeo
intermediaacuteria do francecircs esse volume continua sendo a principal fonte de consulta sobre o
dramaturgo Versotildees diretas do original norueguecircs apareceram somente nos anos 1990 com
as publicaccedilotildees ineacuteditas de O pequeno Eyolf e John Gabriel Borkman feitas por Karl Erik
Schoslashllhammer Entretanto essas peccedilas jaacute natildeo satildeo mais reeditadas o que ratifica de certo
modo a falta de interesse por Ibsen em nosso paiacutes Essa situaccedilatildeo estende-se como natildeo
poderia deixar de ser agrave sua fortuna criacutetica Estamos literalmente agrave margem das mais
interessantes contribuiccedilotildees estrangeiras sobre o autor Basta dizer que no exterior seu teatro
continua vivo e atuante seja pela encenaccedilatildeo contiacutenua de suas peccedilas pela fundaccedilatildeo de
institutos como Centre for Ibsen Studies na Noruega e The Ibsen Society of America nos
Estados Unidos que promovem conferecircncias seminaacuterios e cursos sobre o autor ou ainda pela
ediccedilatildeo de perioacutedicos especializados como os noruegueses Ibsen Studies e The Contemporany
Approaches to Ibsen e o norte-americano Ibsen News and Comment que jaacute reuniram uma
boa coletacircnea de pesquisas atuais sobre sua obra No Brasil no entanto Ibsen continua
beirando o esquecimento Mesmo na academia seu teatro parece natildeo ser digno de atenccedilatildeo
haja vista que soacute recentemente em 2000 sua obra foi tema de uma dissertaccedilatildeo a de Tereza
Menezes que resultou no livro mencionado anteriormente Ibsen e o novo sujeito da
modernidade
Nessa conjuntura cabe destacar a traduccedilatildeo em 2002 de duas obras que trazem
importantes reflexotildees sobre o dramaturgo Trageacutedia moderna de Raymond Williams
publicado pela editora Cosac amp Naify de Satildeo Paulo e Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e
Chekhov de Stella Adler editado pela Bertrand Brasil do Rio de Janeiro Em linhas gerais o
professor e criacutetico inglecircs Raymond Williams atraveacutes do retrospecto da histoacuteria das ideacuteias e
das representaccedilotildees acerca da proacutepria noccedilatildeo de trageacutedia procura avaliar como se constitui a
experiecircncia traacutegica em autores modernos como Ibsen Arthur Miller Strindberg OrsquoNeill
Tcheacutekhov Beckett e outros No caso do dramaturgo norueguecircs ele aponta uma nova
definiccedilatildeo de trageacutedia a ldquotrageacutedia liberalrdquo que surge a partir da consolidaccedilatildeo do capitalismo
transformando posiccedilatildeo social em distinccedilatildeo de classe ldquoposiccedilatildeo implicava ordem e conexatildeo
98
classe era apenas uma separaccedilatildeo no acircmbito de uma sociedade informe e indeterminadardquo1 Sob
essa perspectiva Williams aponta como numa forma e contexto novos Ibsen criou suas
peccedilas introduzindo a preocupaccedilatildeo burguesa com o dinheiro a intensidade romacircntica de
alienaccedilatildeo o desejo pervertido o reconhecimento social de instituiccedilotildees inertes e de crenccedilas
limitadoras Mergulhadas nesse ambiente as personagens de Ibsen ganharam a feiccedilatildeo de um
novo tipo de heroacutei Diferentemente do heroacutei da trageacutedia claacutessica para quem bastava a nobreza
de sofrimento as personagens ibsenianas requeriam a auto-realizaccedilatildeo e a liberdade num
mundo falso e hipoacutecrita este o verdadeiro inimigo do homem Portanto segundo Raymond
Williams a essecircncia da obra de Ibsen natildeo estaacute na ldquolibertaccedilatildeo individualistardquo de suas
personagens mas na exploraccedilatildeo dos modos pelos quais a sociedade burguesa apresenta os
obstaacuteculos para se realizar essa aspiraccedilatildeo Por sua vez o livro Stella Adler sobre Ibsen
Strindberg e Chekhov traz as transcriccedilotildees de aulas e palestras de uma das mais eminentes
atrizes do Group Theatre sobre esses trecircs dramaturgos modernos Stella Adler procura
apresentar Ibsen como o precursor do realismo no teatro que se posicionara contra as
hipocrisias da classe meacutedia Eacute assim que ela aponta os temas mais frequumlentemente trabalhados
pelo dramaturgo moral dinheiro casamento verdades e mentiras Nesse percurso Adler
procura definir o objetivo de Ibsen que segundo ela natildeo era lidar com os problemas pessoais
e privados de suas personagens mas ldquoretratar os estados de espiacuterito e os destinos de um ser
humano condicionados por situaccedilotildees sociais importantesrdquo2
Ibsen cria de maneira recorrente e com uma extraordinaacuteria riqueza de detalhes
situaccedilotildees que possibilitam uma relaccedilatildeo analiacutetica com a realidade ora pela compreensatildeo que a
personagem tem de ldquosi mesmardquo e do seu mundo ora pela criacutetica e ataque agrave sociedade Eacute desse
confronto de caracteriacutesticas muitas vezes tidas como excludentes entre si que parece nascer a
praacutetica comum de nossa criacutetica de tentar reduzir sua obra ora ao elemento social ora ao
aspecto romacircntico ou existencialista O ponto paciacutefico eacute que a mateacuteria do teatro de Ibsen eacute
constituiacuteda de lembranccedilas de um passado irremediavelmente perdido Difiacutecil eacute perceber quais
satildeo os instrumentos adequados para lidar com ela eacute entender por que as personagens do
dramaturgo natildeo satildeo heroacuteis nem vilotildees eacute compreender por que os valores do passado satildeo
examinados criticamente Algumas respostas jaacute foram dadas por criacuteticos como Alcacircntara
Machado Rosenfeld Vianinha e Febrot Em Ibsen os conflitos o teacutedio profundo e a crise das
personagens natildeo satildeo puras abstraccedilotildees e sim o resultado da opressatildeo de classe das relaccedilotildees de
1 Raymond Williams ldquoDe heroacutei a viacutetima a feitura da trageacutedia liberal para Ibsen e Millerrdquo Traduccedilatildeo de Betina Bischof Trageacutedia moderna Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002 p 127 2 Stella Adler ldquoHenrik Ibsenrdquo Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e Chekhov Traduccedilatildeo de Socircnia Coutinho Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2002 p 76
99
conveniecircncia dos interesses gerados pelo dinheiro etc Portanto uma montagem ou uma
criacutetica que natildeo levem em conta esses aspectos privilegiando-se apenas o tratamento do
indiviacuteduo em seu psicologismo puro ou a defesa de uma tese torna-se problemaacutetica e
insatisfatoacuteria Haacute que se analisar o vazio e o fastio das personagens mas eacute preciso reconhecer
que esses fatores satildeo frutos da engrenagem anocircnima dos poderes sociais A questatildeo social em
Ibsen como bem jaacute demonstraram Rosenfeld Vianinha Raymond Williams e alguns outros
natildeo fornece apenas a mateacuteria que serve de veiacuteculo para conduzir sua corrente criadora ela
proacutepria eacute o elemento que atua na constituiccedilatildeo do que haacute de essencial em seu teatro
R E F E R Ecirc N C I A S B I B L I O G R Aacute F I C A S
101
TRADUCcedilOtildeES DA OBRA DO AUTOR
TEATRO COMPLETO
IBSEN Henrik Drammi Presentazione di Arturo Farinelli Versione a cura di C Giannini e N Zoja 2 v Cernusco sul Naviglio Milano Garzanti 1946 (Il Milione Grandi Scrittori Stranieri)
______ Henrik Ibsen Saumlmtliche Werke Herausgegeben von Julius Elias und Paul Schlenther 5 v Berlin S Ficher Verlag [19--]
______ Teatro completo Tradution y notas de Else Wasteson Revision y proacutelogo de M Winaerts e Germaacuten Goacutemez de la Mata Madrid Aguilar 1959
______ The collected works of Henrik Ibsen Translated by William Archer 13 v New York Scribnerrsquos sons 1911-1914
______ The Oxford Ibsen Translated and edited by James Walter McFarlane 8 v London Oxford University 1960-1977
POESIA
IBSEN Henrik Ibsenrsquos poems Translated by John Northam Oslo Norwegian University Press 1986
______ Poems by Henrik Ibsen Translated by Brian Sourbut [New York] York Settlement Trust 1993
______ The collected poems of Henrik Ibsen Translated by John Northam Disponiacutevel em lthttpwwwibsennetid=26645gt Acesso em 20 jan 2007
CORRESPONDEcircNCIA
IBSEN Henrik Ibsen letters and speeches Edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964
______ Letters of Henrik Ibsen Translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905
______ Lettres de Henrik Ibsen a ses amis Traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906
102
BIOGRAFIAS
BALZEL Oscar Henrik Ibsen Leipizig Infel Bucherei sd
FERGUSON Robert Henrik Ibsen a new biography London Cohen 1996
KOHT Halvdan Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971
JAEligGER Henrik Henrik Ibsen a critical biography Chicago AC McClurg 1901
LOTHAR Rudolph Henrik Ibsen Leipzig E A Seemann 1902 (Dichter und Darsteller 8)
MEYER Hans-Georg Henrik Ibsen New York Frederick Ungar 1972 (World dramatists series)
MEYER Michael Ibsen a biography by Michael Meyer London Peguin Books 1971
LIVROS E TESES SOBRE O AUTOR
APOLLONIO Mario Ibsen Brescia Morcelliana 1944
BERTEVAL W Le theacuteacirctre drsquoIbsen Preacuteface du Comte Prozor Paris Perrin 1912
BLOOM Harold Modern critical views Philadelphia Chelsea 1999
BOETTCHER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1912
BONET Ofelia Machado Ibsen Montevideo sn 1966
BOYESEN Hjalmar Hjorth Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894
BRADBOOK Muriel Clara Ibsen the Norwegian a revaluation London Chatto amp Windus 1946
BRANDES Georg Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies Revision e Introduction de William Archer New York Macmillan 1899
DEPPERMAN Maria et al (Orgs) Ibsen im europaumlischen Spannungsfeld zwischen Naturlismus um Symbolismus Frankfurt Peter Lang 1998
DOUMIC Reneacute De Scribe a Ibsen causeries sur le theacuteacirctre Paris Perrin 1896
DOWNS Brian W Ibsen the intellectual background New York Cambridge 1948
______ Modern Norwegian literature 1860-1918 Cambridge Cambridge University 1966
103
EGAN Michael Henrik Ibsen the critical heritage London Routledge 1997
EHRHARD Auguste Henrik Ibsen et le theacuteacirctre contemporain Paris Lecegravene Odin 1892 (Nouvelle Bibliothegraveque litteacuteraire)
FARINELLI Arturo Byron e Ibsen Milano Fratelli Booca 1944
FIRKINS Ina Ten Eyck Henrik Ibsena bibliography of criticism and biography with na index to characters New York London H W Wilson Company Grafton amp Company 1921 (Practical Bibliographies)
GRAVIER Maurice Ibsen Paris Seghers 1973
GRAY Ronald Ibsen a dissenting view a study of the last twelve plays London Cambridge 1977
HEIBERG Hans Ibsen a portrait of the artist London George Allen Unwin 1969
HOslashST Sigurd Henrik Ibsen Paris Stock 1924
JACOBBI Ruggero Ibsen la vita il pensiero i testi exemplari Milano Edizione Accademia 1972 (Il memorabili)
JACOBS M Ibsens Buumlhnentechnik Dresden Sibyllen-Verlag 1920
JANSEN ANNIE Ibsen el creador del teatro social Buenos Aires Claridad 1966
JOHNSTON Brian Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989
JORGENSONTHEODORE Henrik Ibsen a study in art and personality Northfield Minnesota St Olaf College 1948
KNIGHT WILSON G Ibsen Edinburgh Oliver and Boyd 1962
LA CHESNAIS Pierre Georget Brand drsquoIbsen eacutetude et analyse Paris Melloteacutee [19--] (Les Cheufs-drsquooeuvre de la Litteacuterature Expliqueacutes)
LAVRIN Janko Ibsen an approach London Methuen [1950]
LINGE Tore La conception de lrsquoamour dans le drama de Dumas fils et drsquoIbsen Paris H Champion 1935 (Bibliothegraveque de la Revue de Litteacuterature Compareacutee tome 110)
LOGEMAN H A commentary critical and explanatory on the Norwegian text of Henrik Ibsenrsquos Peer Gynt Its languageliterary associations and folklore The Hague Nijhoff 1917
LORIEacute OSSIP La philosophie sociale dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1900
104
LUGNEacute-POE Aureacutelien Ibsen par Lugneacute-Poe Paris Rieder 1936 (Maicirctres des Litteacuteratures 21)
MARKER Frederick J e Lise-Lone Ibsenrsquos lively art a performance study of the mayor plays New York Cambridge University 1989
MCFARLANE James Walter (Org) The Cambridge Companion to Ibsen New York Cambridge University 1994
______ Discussions of Henrik Ibsen Boston Heath 1962
______ Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970
______ Ibsen and the temper of Norwegian literature London Oxford 1960
NORTHAM John Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953
REINEDKER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris F Alcan 1912
REQUE Dikka A Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoslashrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930
SAROLET Charles Henrik Ibsen eacutetude sur sa vie amp son oeuvre Paris Nilsson 1891
SHAPIRO Bruce G Divine madness and the absurd paradox Ibsenrsquos Peer Gynt an the philosophy of Kierkegaard New York Greenwood 1990 (Contributions in Drama and Theatre Studies 29)
SHAW George Bernard The quintessence of Ibsenism London Walter Scott 1891
SHEPHERD-BARR Kirsten Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997
SLATAPER Scipio Ibsen Con un cenno su Scipio Slataper di Arturo Farinelli Torino Fratelli Bocca 1916 (Letterature Moderene Studi diretti da A Farinelli v 5)
TAM Kwok-kan Ibsen in China 1908-1997 a critical-annotated bibliography of criticism translation and performance Hong Kong Chinese University Press 2001
TEMPLETON Joan Ibsenrsquos women New York Cambridge University 1997
TENNANT P F D Ibsenrsquos dramatic technique Cambridge Bowes 1948
TISSOT Ernest Le drame norveacutegien Paris Perrin 1893
TORNQVIST Egil Ibsen A dollrsquos house Cambridge Cambridge University 1995
105
WEIGAND Hermann J The Modern Ibsen a reconsideration New York Henry Holt and Company 1925
ZAPPA Gabriella La fortuna di Ibsen in Italia (1891-1969) 1968 Tese (Doutorado em Letras) - Faculdade de Letras e Filosofia Universidade de Milatildeo Milatildeo
CAPIacuteTULO DE LIVROS SOBRE O AUTOR
ADORNO Theodor W ldquoExumaccedilatildeordquoldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo In ______ Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificada Traduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 79-82
ARCHER William ldquoIbsen and the English Theatrerdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 60-67
BENTLEY Eric ldquoTalking Ibsen personallyrdquo In ______ The theatre of commitment and others essays on drama in our society New York Atheneum 1967 p 98-118
BRECHT Bertold ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo In ______ Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12
BREED Paul Francis SNIDERMAN Florence M ldquoIbsenrdquo In ______ Dramatic criticism index a bibliography of commentaries on playwrights from Ibsen to the avant-garde Detroit Gale Research 1972 p 314-334
BRUSTEIN Robert ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 51-102
CASANOVA Ch de Bigault ldquoIbsen poetardquo In BRANDES Jorge Henrik IbsenTraduccedilatildeo e proacutelogo de Jose Liebermann Buenos Aires Tor 1965 p 157-188
FARIAS Javier ldquoEnrique Ibsenrdquo In ______ Historia del teatro Buenos Aires Atlandida 1944 (Coleccion Oro de Cultura General) p 210-211
FERGUSSON Francis ldquoGli Spettri e Il Giardino dei ciliegi il teatro del realismo modernordquo 1962 In ______ Idea di un teatro Milano Feltrinelli 1962 (Universale Economica) p 183-221
FREUD Sigmund ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In ______ Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356
GILMAN Richard ldquoIbsenrdquo In ______ Making of modern drama a study of Buchner Ibsen Strindberg Chekhov Pirandello Brecht Beckett Handke New York Farrar Straus Giraux 1975 p 45-82
106
GOLDMAN Emma ldquoThe scandinavian drama Henrik Ibsenrdquo In ______ The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914
GUARDIA Alfredo de la ldquoCriacioacuten espiritual de Ibsenrdquo In ______ El teatro contemporaacuteneo Buenos Aires Editorial Schapire [1947] p 115-156
LUKAacuteCS Georg ldquoHenrik Ibsen tentativo di creare una tragedia borgheserdquo In ______ La genesi della tragedia borghese de Lessing a Ibsenv 2 Milano SugarCo 1977 p 115-156
LUMLEY Frederick ldquoThe drama since Ibsen and Shawrdquo In ______ New trends in 20th century drama a survey since Ibsen and Shaw New York Oxford University 1972 p 9-16
PITOEumlFF Georges ldquoIbsenrdquo In ______ Notre theacuteacirctre Paris Messages 1949
PLEKHANOV Georgy ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In FLORES Angel Henrik IbsenNew York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007
SHAW George Bernard ldquoBefore and after Ibsen (1891)rdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 68-71
TOUCHARD Pierre-Aime ldquoIbsen ou le theacuteacirctre reacutevolutionnairerdquo In ______ Dionysos apologie pour le theacuteacirctre Nouvelle eacutedition revue et augmenteacute Paris Seuil 1949 p 153-157
WILLIAMS Raymond ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ Drama from Ibsen to Brecht 2 ed London Hogarth 1971 p 33-74
PERIOacuteDICOS SOBRE O AUTOR
ANDERSON Rasmus Bjoslashrn ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American [Wiscosin]15 abr 1882
ARCHER William ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 209-214 1 abr 1884
______ ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891
ARESTAD Sverre ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948
AVELING Edward ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-480 maio 1884
AVELING Edward MARX-AVELING Eleanor ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886
107
BOYESEN Hjalmar Hjorth ldquoHenrik Ibsenrdquo The Century a popular quarterly New York v 9 p 794-796 mar 1890
BRANDES Georg ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897
FJELDE Rolf ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988
HAGE Anne ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005
JAMES Henry ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893
MAETERLINCK Maurice ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894
SCOTT Clement [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893
______[sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891
URSO Simona ldquoIbsen in Italiardquo Societagrave Italiana per lo studio della Storia Contemporanea Scene di fine Ottocento lrsquoItalia fin de siegravecle a teatro Seccedilatildeo Cantieri di Storia II Disponiacutevel em lthttpwwwsisscoitattivitasem-set-2003relazioniursortfgt Acesso em 20 jan 2007
WIEDNER Elsie M ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978
GERAL
ABREU Briacutecio de Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958
ALMEIDA PRADO Deacutecio de Teatro brasileiro moderno Satildeo Paulo Perspectiva 1988
ANDERSON Rasmus Bjoslashrn Life story Madison Wisconsin ediccedilatildeo do autor 1915
ANTOINE Andreacute Mes souvenirs sur le Theacuteacirctre Libre Paris Arthegraveme Fayard 1921
BIGEON Maurice Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894
BETTI Maria Siacutelvia Oduvaldo Vianna Filho Satildeo Paulo EDUSP 1997
BORDEAUX Henry La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894
BOSI Alfredo ldquoPor um historicismo renovado reflexo e reflexatildeo na histoacuteria literaacuteriardquo In ______ Teresa revista de literatura brasileira n 1 Satildeo Paulo Ed34 2000
108
BOYESEN Hjalmar Hjorth Essays on Scandinavian literature London David Nutt 1895
BRANDAtildeO Cristina O Grande Teatro Tupi do Rio de Janeiroo teleteatro e suas muacuteltiplas faces Juiz de Fora UFJF OP COM 2005
BROCA Brito A vida literaacuteria no Brasil ndash 1900 Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1960
CACCIAGLIA Mario Pequena histoacuteria do teatro no Brasil (quatro seacuteculos de teatro no Brasil) Traduccedilatildeo de Carla de Queiroz Satildeo Paulo EDUSP 1986
CAFEZEIRO Edwaldo GADELHA Carmem Histoacuteria do teatro brasileiro um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues Rio de Janeiro UFRJ 1996
CAIRO Luiz Roberto Velloso Introduccedilatildeo agrave teoria literaacuteria de Araripe Juacutenior um criacutetico
brasileiro precursor da vanguarda atual 1978 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Linguumliacutestica e
Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de
Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
______ O salto por cima da proacutepria sombra o discurso criacutetico de Araripe Juacutenior uma
leitura 1986 Tese (Doutorado em Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de
Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas
Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo
CANDIDO Antonio et al A personagem de ficccedilatildeo Satildeo Paulo Perspectiva 1968
CANDIDO Antonio Literatura e sociedade estudos de teoria e histoacuteria literaacuteria Satildeo Paulo Nacional 1965
CARLSON Marvin Teorias do teatro estudo histoacuterico-criacutetico dos gregos agrave atualidade Traduccedilatildeo de Gilson Ceacutesar Cardoso de Souza Satildeo Paulo UNESP 1997
CARPEAUX Otto Maria La litteacuterature breacutesilienne du bovarysme agrave lrsquoengagement In ______ Les Temps Modernes Le Breacutesil n 257 Paris octobre 1967
CARVALHO Seacutergio de O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
COSTA Inaacute Camargo A hora do teatro eacutepico no Brasil Rio de Janeiro Paz e Terra 1996
______ Sinta o drama Rio de Janeiro Vozes 1998
CRAIG Edward Gordon Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971
109
DOacuteRIA Gustavo A Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975
FARIA Joatildeo Roberto Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva FAPESP 2001
______ O teatro na estante estudos sobre dramaturgia brasileira e estrangeira Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial 1998
______ O teatro realista no Brasil 1855-1865 Satildeo Paulo EDUSP Perspectiva 1993
FERRATON Hubert Syndicalisme ouvrier et social-deacutemocratie en Norvegravege Paris Armand Colin 1960
GOLDMAN Emma Anarchism and other essays New York Dover 1969
GOULD Jean Dentro e fora da Broadway o teatro moderno norte-americano Traduccedilatildeo Ana Maria M Machado Rio de Janeiro Bloch 1968
GRANIER Caroline Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes ndash Saint-Denis Paris
GUERRA Marco Antocircnio Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
GUINSBURG J FARIA Joatildeo Roberto LIMA Mariacircngela Alves de (Orgs) Dicionaacuterio do teatro brasileiro temas formas e conceitos Satildeo Paulo Perspectiva SESC Satildeo Paulo 2006
GUZIK Alberto TBC crocircnica de um sonho Satildeo Paulo Perspectiva 1986
HALLEWELL Laurence O livro no Brasil sua histoacuteria Traduccedilatildeo de Maria da Penha Villalobos Loacutelio Lourenccedilo de Oliveira e Geraldo Gerson de Souza Satildeo Paulo EDUSP 2005
HAUGSTOL H VERGEL J This is Norway Oslo Arne Gimmes Forlag 1949
HOBSBAWN Eric J A Era do Capital 1848-1875 Rio de Janeiro Paz e Terra 1996
______ A Era dos Impeacuterios 1875-1914 Rio de Janeiro Paz e Terra 2002
HYMAN Erin Williams ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005
LEITE Pedro Sisnando Escandinaacutevia modelo de desenvolvimento democracia e bem-estar Satildeo Paulo HUCITEC 1982
LEMAIcircTRE Jules Impressions de theacuteacirctre 10 v Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897
110
LOMBROSO Cesare LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894
LOMBROSO Cesare FERRERO William The female offender New York Philosophical Library 1958
LUKAacuteCS Georg Il drama moderno Milano SugarCo 1976
______ Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968
______ Teoria do romance uma ensaio histoacuterico-filosoacutefico sobre as formas da grande eacutepica Satildeo Paulo Duas Cidades Ed 34 2000
MAGALDI Saacutebato VARGAS Maria Thereza Cem anos de teatro em Satildeo Paulo (1875-1974) Satildeo Paulo SENAC 2000
MAGALDI Saacutebato Panorama do teatro brasileiro Satildeo Paulo Difel 1962
MARTINS Maria Helena (Org) Rumos da criacutetica Satildeo Paulo SENAC Itauacute Cultural 2000
MARTINS Wilson A criacutetica literaacuteria no Brasil 2 v Rio de Janeiro Francisco Alves 1983
MEYERHOLD Vsevolod Meyerhold on theatre Translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969
MILAREacute Sebastiatildeo ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrmateria_atualaspmat=176gt Acesso em 20 jan 2007
MORAES Alexandre Lara de Indiviacuteduo e resistecircncia sobre a anulaccedilatildeo da individualidade e a possibilidade de resistecircncia do indiviacuteduo em Adorno e Horkheimer Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia) Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Universidade Estadual de Campinas Campinas
NAESS Harald S A history of Norwegian literature London University of Nebraska 1993
NEVES Larissa de Oliveira O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 2 v Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas
NOCCIOLI Guido Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Translated by Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982
NORDAU Max Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94
PAVIS Patrice Dicionaacuterio de teatro Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Maria Luacutecia Pereira Satildeo Paulo Perspectiva 1999
111
PEREIRA Sidecircnia Freire O teleteatro da TV TUPI em Satildeo Paulo origens e contribuiccedilotildees na
teledramaturgia nacional 2004 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Comunicaccedilatildeo e Arte) ndash
Departamento de Comunicaccedilatildeo e Arte Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo
Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo
PEIXOTO Fernando (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983
PIVOT Sylvain Norvegravege Paris Seuil 1960 (Collection Petite Planegravete)
RAULINO Berenice Ruggero Jacobbi presenccedila italiana no teatro brasileiro Satildeo Paulo Perspectiva 2002
ROSENFELD Anatol O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000
______ Prismas do Teatro Satildeo Paulo Perspectiva EDUSP UNICAMP 1993
SARCEY Francisque Quarante ans de theacuteacirctre 8 v Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1900-1902
SILVA Flaacutevio Luiz Porto e (Org) O teleteatro paulista nas deacutecadas de 50 e 60 Satildeo Paulo Secretaria Municipal de Cultura Departamento de informaccedilatildeo e documentaccedilatildeo artiacutesticas Centro de documentaccedilatildeo e informaccedilatildeo sobre arte brasileira contemporacircnea 1981 (Cadernos 4)
STOVERUD T Milestones of Norwegian Literature Oslo Johan Grundt Tanum Forlag 1967
SZONDI Peter Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001
VENTURA Mauro de Souza Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
VENTURA Roberto Estilo tropical histoacuteria cultural e polecircmicas literaacuterias no Brasil 1870-1914 Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991
WAIZBORT Maria do Carmo Malheiros Um diaacutelogo criacutetico Otto Maria Carpeaux e as ldquociecircncias do espiacuteritordquo 1992 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Literatura Brasileira) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
This document was created with Win2PDF available at httpwwwwin2pdfcomThe unregistered version of Win2PDF is for evaluation or non-commercial use onlyThis page will not be added after purchasing Win2PDF
7
SUMAacuteRIO
VOLUME I HISTORIOGRAFIA
Nota 4
Resumo 5
Abstract 6
Iacutendice 13
INTRODUCcedilAtildeO
Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15
IBSEN NO BRASIL
As primeiras encenaccedilotildees 40
Um claacutessico imperfeito 53
Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58
Entre o teatro amador e o profissional 63
A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 101
VOLUME II SELECcedilAtildeO DE TEXTOS CRIacuteTICOS
Iacutendice 120
Nota preacutevia 125
1 Os espectros de Henrik Ibsen (C Parlagreco) 127
2 Novelli ndash Ibsen (Sem assinatura) 131
3 Novelli ndash ldquoHenrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo (A) 136
4 Novelli ndash Os espectros (Sem assinatura) 139
5 Os espectros (Sem assinatura) 141
6 Ermete Novelli (Sem assinatura) 143
8
7 O Teatro ndash ldquoA grande figura de Francisque Sarcey []rdquo (Artur Azevedo) 145
8 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro colega e amigo []rdquo
(Luiacutes de Castro) 147
9 A casa de boneca (Luiacutes Guimaratildees Filho) 150
10 Teatro contemporacircneo Henrik Ibsen (Luiacutes de Castro) 154
11 SantrsquoAnna ndash Casa de boneca (Oscar Guanabarino) 158
12 Luciacutelia Simotildees (Paulo Barreto ndash Joatildeo do Rio) 166
13 O Teatro ndash ldquoEu estava no sul de Minas []rdquo (Artur Azevedo) 169
14 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro Artur []rdquo (Luiacutes de Castro)
174
15 O Teatro ndash ldquoLuiacutes de Castro voltou []rdquo (Artur Azevedo) 178
16 Ibsen e o seu teatro (Leopoldo de Freitas) 179
17 Politheama ndash ldquoPoucos homens neste seacuteculo []rdquo (Sem assinatura) 183
18 Teatro Lucinda ( PB ndash Joatildeo do Rio) 188
19 SantrsquoAnna ndash ldquoA primeira vez []rdquo (Sem assinatura) 190
20 Antoine ndash ldquoA companhia Antoine []rdquo (Sem assinatura) 192
21 O Teatro ndash ldquoTerminei o meu uacuteltimo folhetim []rdquo (Artur Azevedo) 193
22 SantrsquoAnna ndash ldquoA representaccedilatildeo da Casa de boneca de Ibsen []rdquo (Sem assinatura)
195
23 O Teatro ndash ldquoPassando por alto uma representaccedilatildeo da Fernanda []rdquo (Artur Azevedo)
197
24 Crocircnica ndash ldquoA nota artiacutestica foi a representaccedilatildeo de Hedda Gabler []rdquo (OB ndash Olavo Bilac) Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 7 jul 1907
199
25 Revistinha ndash Tourneacutee Eleonora Duse Teatro SantrsquoAnna Hedda Gabler drama de H Ibsen (Joatildeo Crespo)
201
26 SantrsquoAnna ndash ldquoEleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo (Sem assinatura)
207
27 Hedda Gabler ndash ldquoDissemos que Ibsen ainda natildeo eacute []rdquo (Sem assinatura) 208
28 Revistinha ndash ldquoUm criacutetico teatral de uma folha []rdquo (Joatildeo Crespo) 211
9
29 Ainda Hedda Gabler (Sem assinatura) 213
30 Revistinha ndash ldquoVaacute de resposta ao criacutetico teatral []rdquo (Joatildeo Crespo) 215
31 Os meus domingos (Alfredo Pujol) 217
32 A esteacutetica de uma trageacutedia (Graccedila Aranha) 221
33 Teatro Municipal ndash ldquoDois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo (Sem assinatura) 223
34 Ibsen o teatro de pensamento comemora o 1ordm centenaacuterio do nascimento do grande criador dinamarquecircs [norueguecircs] (Sem assinatura)
226
35 No centenaacuterio de Ibsen (Fleacutexa Ribeiro) 229
36 O primeiro centenaacuterio de Ibsen a obra e a vida do genial escandinavo A influecircncia de suas ideacuteias no teatro contemporacircneo (Sem assinatura)
232
37 Agrave memoacuteria de Ibsen (Camille Mauclair) 237
38 H Ibsen (Nestor Viacutetor) 241
39 Ibsen e o subconsciente (Fleacutexa Ribeiro) 243
40 Henrik Ibsen ndash ldquoEsse norueguecircs de Skien []rdquo (JJ de Saacute ndash Antonio de Alcacircntara Machado)
247
41 Teatro Municipal ndash ldquoEscrita haacute um pouco mais de meio seacuteculo []rdquo (Sem assinatura)
260
42 Defesa de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 262
43 O ibsenismo no Brasil (Alceste ndash Brito Broca) 270
44 Ibseniana ndash ldquoEstatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo (Otto Maria Carpeaux)
272
45 Aos atores brasileiros (Otto Maria Carpeaux) 276
46 Ibsen 50 anos depois (OMC ndash Otto Maria Carpeaux) 279
47 Presenccedila de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 282
48 Introduccedilatildeo a Ibsen (Ruggero Jacobbi) 287
49 Ibsen e a sua obra (Edmundo Moniz) 297
50 Ibsen atual (Ruggero Jacobbi) 307
51 Ibseniana ndash ldquoAcontece embora raramente []rdquo (Otto Maria Carpeaux) 312
52 Ibsen e o tempo passado (Anatol Rosenfeld) 316
10
53 Ibsen na sua correspondecircncia (Livio Xavier) 320
54 Modernidade de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 323
55 Ibsen e o Dr Stockmann (Luiz Israel Febrot) 327
56 Hedda Gabler ndash ldquoSegundo a crocircnica o maior sucesso de Ibsen []rdquo (Luiz Israel Febrot)
334
57 Os espectros satildeo as velhas ideacuteias (Luiz Israel Febrot) 341
58 De Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) (Joseacute Carlos Garbuglio)
346
59 Natildeo perca esta aventura (Saacutebato Magaldi) 363
60 A casa de bonecas (Luiacuteza Barreto Leite) 368
61 Nossa Casa de bonecas (Otto Maria Carpeaux) 370
62 Ibsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeo (Mariacircngela Alves de Lima) 372
63 A velha Casa de bonecas renovada por Tocircnia (Saacutebato Magaldi) 374
64 O gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humano (Deacutecio Drummond)
376
65 Encenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsen (Mariacircngela Alves de Lima)
379
66 Ibsen o pai do teatro de hoje faz 150 anos (Adones de Oliveira) 384
67 150 anos de Ibsen uma anaacutelise da obra do primeiro dramaturgo moderno (John Mortimer)
388
68 Casa de bonecas 100 anos depois (Sem assinatura) 392
69 Quem eacute Hedda Gabler (Deacutecio de Almeida Prado) 394
70 A densidade dramaacutetica de Ibsen (Fernando Peixoto) 399
71 As obsessotildees de Ibsen (Samuel Titan Jr) 403
72 Penuacuteltima peccedila de Ibsen estreou haacute cem anos (Seacutergio de Carvalho) 406
73 O inimigo do povo privilegia defesa de tese (MAL ndash Mariacircngela Alves de Lima)
413
74 Peccedila de Ibsen mobiliza atrizes desde o seacuteculo 19 (Mariacircngela Alves de Lima)
415
11
VOLUME III CATAacuteLOGO BIBLIOGRAacuteFICO
Iacutendice 425
Cronologia da vida e obra de Ibsen 429
Nota explicativa 434
Abreviaturas 436
1 Obra traduzida do autor 438
2 Obra sobre o autor 447
3 Montagem Teatro 523
4 Montagem TV 612
JANE PESSOA DA SILVA
Ibsen no Brasil
Historiografia Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e Cataacutelogo bibliograacutefico
Volume I
Satildeo Paulo 2007
13
IacuteNDICE
INTRODUCcedilAtildeO
Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15
IBSEN NO BRASIL
As primeiras encenaccedilotildees 40
Um claacutessico imperfeito 53
Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58
Entre o teatro amador e o profissional 63
A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
Traduccedilotildees da obra do autor teatro completo poesia correspondecircncia 101
Biografias 102
Livros e teses sobre o autor 102
Capiacutetulos de livro sobre o autor 105
Perioacutedicos sobre o autor 106
Geral 107
I N T R O D U Ccedil Atilde O
15
Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna
Henrik Ibsen (1828-1906) eacute uma figura central na histoacuteria do teatro moderno Suas vinte e
seis peccedilas escritas ao longo de quase 50 anos inauguraram uma nova era de experimentaccedilatildeo
teatral sobretudo no que diz respeito agrave dramaturgia abandonando as velhas formas do teatro
claacutessico e incorporando em sua fatura os problemas de seu tempo A nova forma de suas peccedilas
que se diferenciava bastante do drama burguecircs mdash comeacutedias realistas que apresentavam no palco
os costumes e os valores morais da burguesia mdash obrigou os artistas a repensar a concepccedilatildeo do
fazer teatral modificando a estrutura do palco o trabalho do ator e a relaccedilatildeo entre texto autor e
plateacuteia Aleacutem disso sua luta constante contra as convenccedilotildees tacanhas e obsoletas da sociedade
burguesa tatildeo evidentes nos chamados ldquodramas sociaisrdquo como Os pilares da sociedade (1877)
Casa de boneca (1879) Os espectros (1881) e Um inimigo do povo (1884) fizeram de Ibsen um
dos autores mais discutidos da segunda metade do seacuteculo XIX Suas ideacuteias aleacutem de influenciarem
muitos dramaturgos como Bernard Shaw Oscar Wilde Arthur Miller entre outros foram
apropriadas no acircmbito literaacuterio pelos movimentos de vanguarda da Europa como o naturalismo
e o simbolismo e na esfera poliacutetica pelos socialistas e anarquistas A partir de Ibsen o teatro
deixa de ser visto apenas como um entretenimento passando a ser encarado tambeacutem como um
instrumento de experiecircncia social que abriu o caminho para as novas formas teatrais do seacuteculo
XX
Ibsen iniciou sua carreira como homem de teatro em 1850 ano da consolidaccedilatildeo do
capitalismo europeu e do desmedido avanccedilo econocircmico que desencadearam uma seacuterie de
transformaccedilotildees na sociedade Nessa eacutepoca de especulaccedilatildeo financeira de imperialismo e de
ascensatildeo do proletariado o dinheiro passa a dominar toda a vida puacuteblica e privada tudo se curva
diante dele tudo o serve As novas relaccedilotildees sociais os direitos e o poder expressam-se em termos
de capital e as pessoas vecircem-se cada vez mais como rivais e inimigas sendo necessaacuterio conquistar
e legitimar permanentemente posiccedilotildees e influecircncias O matrimocircnio e a famiacutelia constituem o esteio
desse mundo burguecircs mormente porque tambeacutem estatildeo ligados ao sistema de propriedade e de
empreendimentos rentaacuteveis Os casamentos em regra estabelecem-se entre famiacutelias do mesmo
status social ou da mesma linha de negoacutecios e a estrutura patriarcal baseada na subordinaccedilatildeo da
mulher e dos filhos eacute mantida O enfraquecimento da unidade familiar eacute inaceitaacutevel seja atraveacutes
da paixatildeo descontrolada por indiviacuteduos ldquoimproacutepriosrdquo (isto eacute economicamente indesejaacuteveis) seja
atraveacutes de escacircndalos morais
16
Na vida artiacutestica prevalecem as tendecircncias que estatildeo de acordo com o gosto burguecircs a
obra faacutecil e agradaacutevel destinada apenas ao entretenimento A arte reduzida agrave diversatildeo e ao
apraziacutevel domina todas as formas de produccedilatildeo mas principalmente aquela ligada agrave esfera puacuteblica
o teatro Este apresenta-se como um instrumento de propaganda da ideologia burguesa de seus
princiacutepios econocircmicos sociais e morais Assim a importacircncia da famiacutelia como alicerce da
sociedade torna-se o principal assunto do teatro burguecircs Os ideais os deveres e sobretudo o amor
eterno capaz de resistir agrave prova cotidiana da vida conjugal satildeo valores constantemente
propugnados pelos dramaturgos desse periacuteodo Em La dame aux cameacutelias de Dumas Filho por
exemplo o amor do heroacutei pela cortesatilde eacute incompatiacutevel com a respeitabilidade da famiacutelia burguesa
em Le mariage drsquoOlympe de Eacutemile Augier a mulher de moral duvidosa natildeo tem como se
regenerar e deve ser banida do corpo social Em suma a discussatildeo de temas como a usura a
agiotagem a prostituiccedilatildeo e o casamento de conveniecircncia servem apenas como contrapontos agraves
ldquovirtudes burguesasrdquo
Aleacutem da temaacutetica moralizante as peccedilas tecircm de ser simples e ligeiras obedecendo aos
estratagemas e agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita Desse modo a accedilatildeo deve ser unificada a trama
deve desenrolar-se em um soacute lugar e sua duraccedilatildeo natildeo deve exceder vinte quatro horas o assunto
por mais indecoroso que seja nunca deve ser problemaacutetico nem tampouco obscuro a distribuiccedilatildeo
da mateacuteria dramaacutetica deve ser feita segundo um esquema de exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e
desenlace buscando sempre o mais alto grau de identificaccedilatildeo e verossimilhanccedila Em tal peccedila tudo
deve parecer inesperado embora tudo seja previsiacutevel As discussotildees os conflitos e ateacute mesmo o
desfecho da obra devem estar de acordo com o desejo e com a expectativa do puacuteblico Assim o
enredo torna-se o ingrediente mais artificial do drama e o que realmente importa eacute a arte de
produzir complicaccedilotildees e tensatildeo de atar e desatar noacutes de preparar as reviravoltas da intriga e
sobretudo de manter continuamente o suspense atraveacutes de uma sequumlecircncia de quumliproquoacutes efeitos e
golpes de teatro
Durante algum tempo Ibsen tentaraacute escrever segundo os artifiacutecios da peccedila bem-feita Os
seus primeiros dramas no entanto estatildeo mais proacuteximos do nacionalismo romacircntico e de modo
geral tratam de temas da histoacuteria e da mitologia norueguesa Eacute a partir de A comeacutedia do amor
(1862) que o autor passa a demonstrar interesse pelos assuntos de seu tempo A comeacutedia escrita
em versos tem o rigor da construccedilatildeo e da coerecircncia loacutegica exigidas pela convenccedilatildeo e ademais
apresenta o tema dileto da burguesia o amor Svanhild ama o poeta Falk mas entre o verdadeiro
amor e a solidez de uma vida confortavelmente burguesa a personagem escolhe a segunda opccedilatildeo
casando-se por conveniecircncia com o rico comerciante Gustald Essa peccedila escandalizou de tal modo
seus contemporacircneos que teve sua representaccedilatildeo vetada Com exceccedilatildeo do artigo do jornalista
17
norueguecircs Ditmar Mejdell que a considerou um deploraacutevel contra-senso literaacuterio quase nada se
publicou sobre a peccedila Apenas em conversas privadas falava-se dela qualificando-a como
vergonhosa e imoral
As obras seguintes jaacute satildeo de natureza diversa e apontam pouco a pouco o rumo da nova
dramaturgia proposta por Ibsen Na peccedila histoacuterica Os pretendentes agrave coroa (1863) e nos poemas
dramaacuteticos Brand (1866) e Peer Gynt (1867) a regra da unidade de tempo e espaccedilo eacute rompida As
aventuras de Peer por exemplo comeccedilam no iniacutecio do seacuteculo XIX e terminam em 1860
desenrolando-se na Noruega no Marrocos no deserto do Saara etc A personagem-tiacutetulo natildeo tem
vontade proacutepria eacute um homem elusivo cujas atitudes natildeo se prestam agrave criaccedilatildeo de conflitos entre
protagonistas e antagonistas e portanto estaacute longe de ser heroacutei de um drama rigoroso Sua vida eacute
ilustrada atraveacutes de uma sequumlecircncia de episoacutedios que nada tem do caraacuteter dramaacutetico exigido pela
convenccedilatildeo teatral Por esses motivos o criacutetico dinamarquecircs Clemens Petersen declarou que o
drama pecava contra as regras essenciais da poesia Em A liga da juventude (1869) Ibsen
abandona de vez os versos e satiriza a poliacutetica norueguesa A accedilatildeo se passa num ambiente rural e
as personagens satildeo pequenos burgueses agraves voltas com preocupaccedilotildees corriqueiras casamentos
vantajosos mesquinharias e ambiccedilotildees de arrivistas O protagonista eacute o advogado Stensgaard que
em busca de poder poliacutetico usa de todos os expedientes para conquistar um lugar no parlamento
Ele defende os princiacutepios de abnegaccedilatildeo e altruiacutesmo enfrenta Brattsberg o maior industrial da
cidade mas natildeo pensa duas vezes em se unir a ele para desfrutar as regalias de uma vida
burguesa O drama apresenta as caracteriacutesticas baacutesicas da peccedila bem-feita como a accedilatildeo variada e
complicada e o rigoroso encadeamento causal dos acontecimentos mas as reviravoltas da intriga
natildeo servem apenas para surpreender o espectador e sim para mostrar paulatinamente o quatildeo
inescrupuloso e demagogo eacute o protagonista Ateacute entatildeo na Noruega com exceccedilatildeo de A comeacutedia
do amor nenhum outro drama tinha abordado tatildeo escancaradamente os assuntos contemporacircneos
tornando-se assim a primeira representaccedilatildeo de A liga da juventude um verdadeiro alvoroccedilo Os
poliacuteticos do partido liberal norueguecircs sentiram-se caluniados sobretudo Bjoslashrnson poeta e
dramaturgo que se viu retratado na figura de Stensgaard Durante a encenaccedilatildeo houve
manifestaccedilotildees protestos e vaias obrigando o diretor da peccedila a subir ao palco e pedir silecircncio para
que a representaccedilatildeo pudesse continuar
Em 1873 aparece Imperador e Galileu drama histoacuterico que aborda o conflito entre
cristianismo e paganismo Contudo eacute com Os pilares da sociedade escrita quatro anos mais
tarde que Ibsen torna-se conhecido no restante da Europa Nessa peccedila as personagens
abandonam a linguagem empolada e numa prosa coloquial discorrem sobre temas como a
corrupccedilatildeo e a hipocrisia social A histoacuteria do cocircnsul Bernick homem rico e conceituado que
18
arruinou os membros da proacutepria famiacutelia e praticou crimes contra os cidadatildeos ao construir navios
defeituosos para receber o seguro mariacutetimo obteve grande ecircxito fora da Noruega Na Alemanha
a peccedila mereceu cinco montagens em 1878 sendo recebida como a expressatildeo do espiacuterito da eacutepoca
A partir dessa obra Ibsen abdica das figuras e das situaccedilotildees histoacutericas abrindo-se a uma nova
temaacutetica que forccedilosamente tende a dissolver a estrutura rigorosa do drama O desmascaramento
da sociedade passa a ser foco principal do autor e sua criacutetica primeira eacute dirigida agrave quintessecircncia
do mundo burguecircs o lar A sala de visitas da famiacutelia pequeno-burguesa ateacute entatildeo lugar onde os
indiviacuteduos conservavam a aparecircncia de uma vida harmoniosa onde problemas e contradiccedilotildees
podiam ser esquecidos ou suprimidos artificialmente passa a ser o ambiente onde transcorreraacute a
maior parte das accedilotildees de suas peccedilas Esse recinto iacutentimo e privado torna-se o cenaacuterio perfeito para
a caricatura da vida de cidadatildeos comuns e para o debate de temas como a poliacutetica do matrimocircnio
o relacionamento entre pais e filhos a liberdade a igualdade entre os sexos a mentira e a
hipocrisia Tal mudanccedila altera consequumlentemente a estrutura por vezes um tanto mecacircnica de seus
dramas e progressivamente seu teatro vai abrindo brechas na peccedila bem-feita
O primeiro abalo significativo na forma do drama foi produzido por Casa de boneca
(1879) Nessa peccedila Ibsen assinala a contradiccedilatildeo entre a estrutura da famiacutelia patriarcal e a
sociedade burguesa Por um lado ele questiona como um mundo baseado numa economia de
obtenccedilatildeo de lucro na livre iniciativa na igualdade de direitos oportunidades e liberdade pode
apoiar-se na instituiccedilatildeo do matrimocircnio que nega todos esses ideais e por outro denuncia o
cerceamento da liberdade e dos direitos das mulheres Aleacutem disso ele critica o sistema capitalista
ao fazer do dinheiro a mola propulsora de todos os acontecimentos de sua peccedila Ao abrir do pano
Nora define sua felicidade como resultado de uma situaccedilatildeo financeira vantajosa com a recente
nomeaccedilatildeo de Torvald Helmer seu marido para o cargo de diretor de um Banco Logo em
seguida ela censura a amiga Cristina Linde por ter feito um casamento de conveniecircncia para
assegurar uma vida economicamente estaacutevel Por fim cercada de roupas cortinas almofadas e
papeacuteis de parede eacute posta no palco a famiacutelia burguesa Helmer eacute o pai o marido o senhor honesto
e respeitado cuja funccedilatildeo eacute manter a paz o conforto e a harmonia do lar Nora eacute o ldquoanjo da casardquo
a matildee a esposa ignorante e tola cuja uacutenica tarefa cuidar dos filhos e dirigir os criados natildeo exige
qualquer inteligecircncia nem conhecimento Um casal aparentemente perfeito e feliz ateacute Nora
falsificar a assinatura de seu pai e contrair diacutevidas para custear o tratamento de sauacutede do marido
Helmer como muitos moralistas natildeo fica exasperado com o delito da esposa mas sim com a
ameaccedila de perder sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na sociedade No desfecho Nora frustra-se com a
atitude do marido repensa sua situaccedilatildeo de inferioridade e decide abandonar o lar e os filhos para
buscar sua liberdade pessoal
19
A primeira representaccedilatildeo de Casa de boneca ocorreu no Teatro Real em Copenhague
em dezembro de 1879 e no decurso de dois meses foi encenada em todos os principais
teatros da Escandinaacutevia A peccedila despertou tantas polecircmicas e comentaacuterios que logo Ibsen
passou a ser conhecido em todo o mundo Elogiado e aceito como gecircnio por uns e atacado por
outros o dramaturgo passou agrave ordem do dia O abandono do marido e dos filhos por Nora foi
o ponto que mais desconcerto produziu entre artistas criacuteticos e espectadores Na Alemanha a
atriz Hedwig Neimann-Raabe recusou-se a representar o desenlace da peccedila sendo necessaacuterio
o acreacutescimo de mais um ato agrave montagem onde a esposa arrependida volta ao lar com um filho
nos braccedilos Em Viena a inteacuterprete de Nora natildeo conseguiu deixar o palco na uacuteltima cena
Como se lhe faltasse o valor moral para tomar aquela decisatildeo apoiou-se agrave porta ficando ali
estaacutetica hesitante ateacute que o pano descesse lentamente Na Itaacutelia a Nora de Eleonora Duse
perdeu o mais corajoso gesto ao natildeo ir embora por livre iniciativa mas forccedilada pelo marido
No Japatildeo Matsui Sumako foi a primeira mulher a interpretar uma protagonista Sua Nora ao
mesmo tempo que emancipou as mulheres no palco japonecircs foi criticada pelo movimento
feminista Seistosha que considerou egoiacutesta a atitude da personagem alegando que ela natildeo
havia sido agredida fisicamente pelo marido
Aleacutem de Casa de boneca outra importante contribuiccedilatildeo para o renome de Ibsen foram
os trabalhos do criacutetico dinamarquecircs Georg Brandes Nos anos 1870 ele era uma das figuras
mais proeminentes da Escandinaacutevia e o principal filtro das ideacuteias entre os paiacuteses escandinavos
e o resto da Europa Brandes conseguiu popularidade sobretudo em 1871 quando fez uma
seacuterie de conferecircncias puacuteblicas em Copenhague incitando os escritores agrave reflexatildeo sobre os
desafios da literatura europeacuteia no final do seacuteculo XIX Para ele a proacutepria modernidade era o
tema que a ficccedilatildeo tinha de assumir e cabia aos escritores tomar a dianteira nessa empreitada
Nesse periacuteodo Ibsen passa a se corresponder com ele revelando atraveacutes de suas cartas um
profundo engajamento com as ideacuteias do criacutetico dinamarquecircs Pode-se dizer que o contato
entre os dois foi uma das razotildees que fez com que o autor abandonasse o nacionalismo
romacircntico de suas primeiras peccedilas movendo-se em direccedilatildeo aos problemas sociais de seu
tempo Brandes influenciou consideravelmente a recepccedilatildeo do dramaturgo na Inglaterra e na
Franccedila Ele manteve um contato estreito com Edmund Gosse e William Archer tradutores
ingleses do teatro ibseniano e frequumlentemente era evocado nos prefaacutecios das traduccedilotildees
francesas de Moritz Prozor Criacuteticos e escritores em toda a Europa reconheciam Brandes
como a autoridade maacutexima acerca da obra ibseniana Esse status internacional teve um papel
importante quando em 1897 o criacutetico defendeu Ibsen na revista Cosmopolis respondendo
(em francecircs) agraves acusaccedilotildees de que as ideacuteias do dramaturgo eram plagiadas dos autores
20
franceses No ano seguinte Brandes publicou Henrik Ibsen livro composto de trecircs ensaios
escritos em diferentes periacuteodos tornando-se o primeiro a tratar das questotildees cruciais que a
obra de Ibsen impunha agrave sociedade da eacutepoca O ensaio de 1867 traz uma visatildeo conjunta da
personalidade intelectual do dramaturgo na Europa o de 1882 discute a evoluccedilatildeo marcante de
sua carreira com a produccedilatildeo de obras que lhe garantiram uma posiccedilatildeo de destaque dentro e
fora da Escandinaacutevia e o de 1898 escrito em comemoraccedilatildeo ao 70ordm aniversaacuterio do
dramaturgo atualiza a sua obra poeacutetica1
Enquanto Brandes ganhava notoriedade com suas leituras puacuteblicas na deacutecada de 1870
tentativas iniciais de divulgar as ideacuteias ibsenianas na Franccedila e na Inglaterra comeccedilavam a ser
feitas A essa altura o dramaturgo jaacute tinha conseguido alguma reputaccedilatildeo fora da Escandinaacutevia
por causa dos rumores provocados por peccedilas como A comeacutedia do amor e Os pilares da
sociedade Sua obra que assumia cada vez mais o cunho de criacutetica social transformou-se em
siacutembolo das ideacuteias socialistas da luta dos trabalhadores e do movimento feminista O proacuteprio
Ibsen reconhecia que a igualdade de direitos soacute poderia ser conquistada atraveacutes de mudanccedilas
profundas na estrutura da sociedade e o primeiro passo para tal transformaccedilatildeo era segundo
ele a uniatildeo de ldquotodos os desprivilegiadosrdquo em defesa da causa dos trabalhadores e das
mulheres2 Por isso natildeo eacute agrave toa que o pontapeacute inicial para estimular o interesse dos leitores
franceses e ingleses pelo teatro ibseniano tenha sido dado pelas mulheres Na Inglaterra
Catherine Ray foi a responsaacutevel pela traduccedilatildeo integral de Imperador e Galileu em 1876 Ateacute
entatildeo somente parte de A comeacutedia do amor traduzida por Edmund Gosse tinha sido
publicada na Forthightly Review em 1873 Henriette Frances Lord editou Nora em 1882 e
Eleanor Marx-Aveling filha de Karl Marx traduziu Um inimigo do povo que juntamente
com as traduccedilotildees de Os pilares da sociedade e Os espectros de William Archer
compuseram em 1888 a primeira coletacircnea das peccedilas do autor em liacutengua inglesa Na Franccedila
a escritora Leacuteo Quesnel escreveu um dos primeiros artigos sobre Ibsen3 Mme Arvegravede
Barine colaboradora regular da Revue Bleue escreveu entre outras coisas um ensaio sobre
Brand Pauline Ahlberg analisando Os pilares da sociedade na Nouvelle Revue em 1882 foi
1 Cf Georg Brandes ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897 e Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies revision e introduction de William Archer New York Macmillan 1899 2 Cf os discursos do autor reunidos em Henrik Ibsen Ibsen letters and speeches edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964 e The Oxford Ibsen translated and edited by James Walter McFarlane v 6 London Oxford University 1960 p 445-447 ldquoThe transformation of social conditions which is now being undertaken in the rest of Europe is very largely concerned with the future status of the workers and of women That is what I am hoping and waiting for that is what I shall work for all I canrdquo 3 Leacuteo Quesnel publicou dois artigos na Revue Bleue em 31 de maio de 1873 e 25 de julho de 1874 referindo-se a Ibsen como ldquolrsquohomme modernerdquo e Bjoslashrnson como ldquolrsquohomme du Nordrdquo
21
uma das primeiras escritoras a vincular o nome do dramaturgo ao feminismo chegando a
chamaacute-lo de Victor Hugo do Norte1 Em ambos os paiacuteses as correspondecircncias de Ibsen
tambeacutem foram traduzidas primeiro por mulheres em inglecircs por Mary Morison e em francecircs
por Martine Reacutemusat2
Apesar de todas essas iniciativas Ibsen encontrou muita resistecircncia na Europa Na
Inglaterra o grande obstaacuteculo era a censura dramaacutetica que regulamentava e controlava o
conteuacutedo das peccedilas Lord Chamberlain o responsaacutevel pela manutenccedilatildeo do decoro das obras
alterava e eliminava as impropriedades de um drama livrando-o sobretudo de insinuaccedilotildees
sexuais Aleacutem disso as peccedilas de Scribe Sardou Augier e Dumas Filho estavam solidamente
estabelecidas no palco inglecircs proporcionando entretenimento seguro e lucrativo Por isso
atores diretores e dramaturgos relutavam em experimentar novos rumos o que poderia ser
financeiramente arriscado persistindo nas peccedilas bem-feitas Tais fatores talvez ajudem a
explicar a adaptaccedilatildeo de Casa de boneca feita por Henry Arthur Jones e Henry Herman em
1884 A peccedila passou a ser chamada Breaking a butterfly Nora foi substituiacuteda por Flora (ou
lsquoFlossiersquo) uma mulher agitada infantil e histeacuterica casada com Humphrey Goddard (ou
lsquoHumpyrsquo) diretor de um Banco Dr Rank virou Dan Birdseye homem apaixonado por
Agnes irmatilde de Humpy Krogstad o vilatildeo da trama ganhou o nome de Philip Dunkley
Cristina Linde foi excluiacuteda do enredo e duas novas personagens matildee e irmatilde de Flossie foram
inseridas na histoacuteria Em linhas gerais a intriga era a mesma do original no entanto os
autores optaram pelo tradicional happy end No ato final Humpy assume a culpa no lugar de
Flora mas quando ele estaacute prestes a se entregar agrave poliacutecia eacute salvo por Grittle um funcionaacuterio
do Banco que apoacutes ter sido enganado por Dunkley decide se vingar Esta cena a mais fraca e
inconvincente da peccedila termina com Humpy emergindo como heroacutei e Flora agradecida pela
dececircncia do marido permanece no lar para cumprir seu papel de matildee e esposa dedicada
William Archer Edward Aveling Edmund Gosse e Bernard Shaw criacuteticos afinados com as
ideacuteias ibsenianas ficaram indignados com a adaptaccedilatildeo Archer chegou a declarar que era
impossiacutevel a representaccedilatildeo de Ibsen na Inglaterra e Edward Aveling ao comparar Breaking a
butterfly com Casa de boneca acentuou a forccedila do original apontando algumas razotildees para a
1 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 14 2 Henrik Ibsen Letters of Henrik Ibsen translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905 e Lettres de Henrik Ibsen a ses amis traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906
22
distorccedilatildeo feita no texto do dramaturgo como por exemplo o medo da rejeiccedilatildeo do puacuteblico e o
receio de se revelar a verdadeira funccedilatildeo do matrimocircnio dentro da sociedade burguesa1
Depois da encenaccedilatildeo de Breaking a butterfly Ibsen soacute voltou a ser discutido
novamente em janeiro de 1886 atraveacutes da leitura dramaacutetica de Casa de boneca feita por um
grupo de jovens comprometidos com o movimento socialista Eleanor Marx-Aveling (Nora)
Edward Aveling (Helmer) Bernard Shaw (Krogstad) entre outros A leitura da peccedila na
traduccedilatildeo de Henriette Frances Lord aconteceu na casa de Eleanor e Edward Aveling uma vez
que a obra de Ibsen estava categoricamente proibida de ser representada nos teatros
convencionais Ainda assim as questotildees levantadas naquela pequena reuniatildeo como a
desigualdade social a hipocrisia da famiacutelia burguesa e o feminismo obtiveram uma grande
repercussatildeo No mesmo mecircs o casal Aveling publicou um artigo na The Westminster Review
discutindo a partir das peccedilas de Ibsen a emancipaccedilatildeo da mulher e da classe operaacuteria sob a
perspectiva do socialismo2 Iniciava-se desse modo a revoluccedilatildeo ibsenista na Inglaterra
William Archer comeccedilou a traduzir as peccedilas do autor colaborando em 1889 com a
montagem profissional de Casa de boneca que teve Janet Achurch no papel principal
Bernard Shaw publicou em 1891 The quintessence of ibsenism aprofundando o debate em
torno da desmistificaccedilatildeo do heroacutei romacircntico e do gesto teatral grandioso que mascaravam a
realidade transformando a arte em objeto meramente decorativo Nesse livro Shaw celebrou
o teatro de Ibsen como ldquonovo e subversivordquo sobretudo por levar para a cena a discussatildeo dos
problemas morais de seu tempo contrapondo-se assim ao conservadorismo vitoriano em suas
expressotildees sociais poliacuteticas e culturais Ainda em 1891 entre fevereiro e maio outras peccedilas
do dramaturgo estrearam no palco inglecircs mdash Os espectros (1881) Rosmersholm (1886) A
dama do mar (1888) e Hedda Gabler (1890) mdash instigando uma onda de protesto e
indignaccedilatildeo O autor foi considerado por muitos um pervertido sexual um advogado do amor
livre e do sufraacutegio feminino o principal responsaacutevel pela desestruturaccedilatildeo da famiacutelia e do
matrimocircnio e pior ainda um socialista Clement Scott o mais impetuoso dos ldquoIbsen-
phobiacsrdquo publicou vaacuterios artigos em que acusava natildeo somente Ibsen de obsceno e
1 Cf William Archer ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 214 1 abr 1884 e Edward Aveling ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-474 maio 1884 ldquoThe adapters were afraid either of the greatness of the play they had to take in hand or of the English public or of themselves or of all of these They have feared to face the tragic question [of marriage] and to deal with it in Ibsenrsquos tragic way They have shirked the difficulty The authors of this conventional little play have succeeded in the Herculean labour of making Ibsen appear common-place And a feeling of sorrow that is positive pain comes with the reflection that a magnificent dramatic opportunity a chance of teaching our bourgeois audiences something of what life is and therefore what a play should be have (sic) been thoughtlessly rechlessly thrown awayrdquo 2 Eleanor Marx-Aveling Edwald Aveling ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886
23
corruptiacutevel mas tambeacutem seus tradutores e apologistas que ofereciam ao puacuteblico uma arte
degenerada1 Os ataques ao dramaturgo foram tatildeo violentos que Archer resolveu publicar
uma espeacutecie de dicionaacuterio de abusos elencando os termos usados pelos criacuteticos
principalmente na recepccedilatildeo de Os espectros encenada pelo Independent Theatre em 13 de
marccedilo de 18912
De fato Os espectros foi uma das obras de Ibsen que mais controveacutersia suscitou nos
teatros europeus natildeo apenas por sua temaacutetica cientificista mas sobretudo por causa das
mudanccedilas realizadas na estrutura do drama A accedilatildeo essencial da peccedila eacute a reconstituiccedilatildeo do
passado de Helena Alving o matrimocircnio com o licencioso Capitatildeo Alving o amor ao pastor
Manders que a repeliu convencendo-a a permanecer ao lado do marido e a idealizaccedilatildeo
falaciosa da imagem do Capitatildeo frente ao filho e agrave sociedade O resultado desses eventos eacute a
heranccedila bioloacutegica que se manifesta na loucura de Osvaldo viacutetima do passado de libertinagem
do pai Outros acontecimentos da peccedila como o interesse de Osvaldo por Regina sua irmatilde
ilegiacutetima e a tentativa de eutanaacutesia praticada por Helena para interromper o sofrimento do
filho chocaram a plateacuteia burguesa Aleacutem disso para os criacuteticos habituados com o
desenvolvimento crescente da accedilatildeo mdash o esboccedilo da intriga no primeiro ato o alcance de um
ponto mais impetuoso no segundo e a resoluccedilatildeo dos conflitos no terceiro mdash Os espectros era
um despropoacutesito A peccedila natildeo apresentava accedilotildees melodramaacuteticas ao contraacuterio o que se via em
cena era somente a anaacutelise das personagens e de sua situaccedilatildeo Embora observando a unidade
completa de accedilatildeo tempo e lugar Ibsen passou a fazer uso do flashback deslocando as accedilotildees
decisivas de seus dramas para o passado Desse modo as recordaccedilotildees evocadas atraveacutes de um
diaacutelogo dramaacutetico conciso serviam apenas para dar sentido agraves condiccedilotildees das personagens no
tempo presente facultando aos espectadores a visatildeo da totalidade do processo Suas peccedilas na
medida em que apresentavam no palco os problemas da sociedade burguesa natildeo se ajustavam
mais agraves regras da dramaturgia de rigor aristoteacutelico e assim Ibsen se viu forccedilado a
1 Cf Clement Scott [sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891 ldquoAn obscure Scandinavian dramatist and poet a crazy fanatic and determined socialist is to be trumpeted into fame for the sake of the estimable gentlemen who can translate his works and the enterprising tradesmen who publish them The whole thing is most amusing to those who are behind the scenes and the artful aid of the reacuteclame is exercised with an ingenuity worthy of the Gallic race Meetings are held under the open pretence of advocating the study of Ibsen but in reality for the propagation of the gospel of Socialismrdquo 2 Cf William Archer ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891 ldquoIbsenrsquos positively abominable play entitled Ghostshellip This disgusting representationhellip Reprobation due to such as aim at infecting the modern theatre with poison after desperately inoculating themselves and othershellip An open drain lsquoa loathsome sore unbandaged a dirty act done publicly a lazar-house with all its doors and windows openhellip Candid foulnesshellip Kotzebue turned bestial and cynical hellipOffensive cynicismhellip Ibsenrsquos melancholy and malodorous worldhellip Absolutely loathsome and fetidhellip Gross almost putrid indecorumhellip Literary carrionhellip Crapulous stuffhellip Novel and perilous nuisancersquo mdash Daily Telegraph (leading article) lsquoThis mess of vulgarity egotism coarseness and absurdityrsquomdash Daily Telegraph (criticism) []rdquo
24
ldquodesdramatizaacute-lasrdquo para tornar visiacutevel o fluir da realidade cotidiana Eacute assim que ao
transformar o tempo passado em assunto fundamental de sua obra Ibsen deu iniacutecio agrave crise do
drama demonstrando cada vez mais seu interesse pelo gecircnero eacutepico
A repulsa que a publicaccedilatildeo de Os espectros provocou no puacuteblico em 1881 natildeo teve
precedentes na histoacuteria da literatura norueguesa Ibsen foi acusado de niilista lascivo
defensor do amor livre e anticristatildeo Os livreiros recusaram-se em vender o drama sendo
muitos exemplares devolvidos ao editor Para os criacuteticos apenas um ldquoinsanordquo poderia
escrever uma peccedila com tantos disparates o realismo da obra havia se convertido num
naturalismo completamente pagatildeo a psicologia das personagens era pouco clara discutiacutevel e
enervante e portanto somente os historiadores da literatura poderiam quiccedilaacute um dia
interessar-se por ela como um caso singular de desequiliacutebrio mental Os maiores protestos no
entanto foram feitos em nome da igreja nunca um livro que pregava o incesto o amor
extraconjugal e a devassidatildeo sexual poderia adentrar uma casa cristatilde A peccedila foi enviada para
vaacuterios teatros da Escandinaacutevia mas todos rejeitaram-na Assim a primeira representaccedilatildeo de
Os espectros soacute aconteceria um ano mais tarde no Aurora Turner Hall em Chicago em maio
de 1882 para uma plateacuteia de imigrantes escandinavos Aliaacutes foram os Norwegian-Americans
que introduziram Ibsen nos Estados Unidos atraveacutes da divulgaccedilatildeo dos trabalhos do autor no
jornal Skandinaven O perioacutedico que circulou entre 1866 e 1941 era escrito em norueguecircs
mas com a popularidade do dramaturgo na Europa os editores passaram a reproduzir as
criacuteticas inglesas em sua liacutengua original Aleacutem disso foram eles tambeacutem os responsaacuteveis pela
primeira encenaccedilatildeo de Casa de boneca em territoacuterio americano A peccedila na adaptaccedilatildeo inglesa
de William Lawrence foi intitulada The Child Wife sendo representada no Grand Opera
House em Milwaukee Wisconsin em 2 de junho de 1882 Essa montagem diferente de Os
espectros ocorrida um mecircs antes foi recebida com grande entusiasmo pela imprensa que a
anunciou como ldquoAn Emocional Domestic Dramardquo A exemplo do que acontecera na
Inglaterra com Breaking a butterfly a versatildeo americana tambeacutem distorceu o texto original
Helmer marido de Nora compreendeu a falsificaccedilatildeo feita pela esposa agradecendo-a por ter
salvo sua vida reconciliados Nora desistiu de abandonar o lar
Entre 1894 e 1907 as companhias teatrais estrangeiras fizeram vaacuterias excursotildees nos
Estados Unidos trazendo em seus repertoacuterios peccedilas como Os espectros Um inimigo do povo
John Gabriel Borkman Hedda Gabler Solness o construtor e Peer Gynt Assim como
ocorrera na Europa as polecircmicas suscitadas pelas encenaccedilotildees foram inevitaacuteveis e natildeo
demorou muito para que Ibsen aparecesse nos principais perioacutedicos do paiacutes Hjalmar Hjorth
Boyesen um dos admiradores do dramaturgo aleacutem de escrever muitas mateacuterias em jornais e
25
revistas publicou Commentary on the works of Henrik Ibsen em 18941 No entanto Rasmus
Bjoslashrn Anderson foi o primeiro a escrever um artigo em inglecircs sobre a revoluccedilatildeo que o autor
vinha operando no palco europeu2 Curiosamente Anderson passou a adotar outro ponto de
vista no final da deacutecada de 1890 passando de defensor a opositor feroz do teatro de Ibsen Eacute
provaacutevel que o contato entre ele e William Winter o criacutetico teatral mais puritano do Greeleyrsquos
Tribune tenha provocado essa transformaccedilatildeo O fato eacute que Winter e Anderson foram para
Boston Wisconsin e Nova York o que Clement Scott foi para Manchester e Londres
adversaacuterios da ldquoimoralidaderdquo do teatro moderno3 Aleacutem disso a preocupaccedilatildeo maior dos
conservadores era a empatia entre as ideacuteias ibsenianas e os movimentos operaacuterio e anarquista
Para Emma Goldman feminista anarquista e liacuteder da causa dos trabalhadores o drama
moderno era uma espeacutecie de disseminador do pensamento radical sobretudo na Ameacuterica
onde o teatro meramente comercial servia apenas para provocar francas gargalhadas no
puacuteblico eliminando da cena qualquer alusatildeo aos temas sociais4 Durante o periacuteodo em que
viveu nos Estados Unidos de 1886 ateacute 1919 quando entatildeo foi expulsa do paiacutes em razatildeo de
sua intensa atividade poliacutetica Goldman escreveu panfletos publicou livros e fundou a revista
Mother Earth (1906-1917) que teve entre seus colaboradores Georg Brandes Maxim Gorki
Alexander Berkman e Eugene OrsquoNeill O perioacutedico trazia assuntos diversos desde temas
urgentes da eacutepoca como as prisotildees arbitraacuterias dos trabalhadores e o direito das mulheres ao
controle de natalidade ateacute poesia ficccedilatildeo e criacutetica teatral Em relaccedilatildeo a Ibsen a autora
distinguia Os pilares da sociedade Casa de boneca Os espectros e Um inimigo do povo
como verdadeiras obras libertaacuterias uma vez que expunham no palco a opressatildeo social a
hipocrisia dos puritanos e a exclusatildeo das mulheres na sociedade Desse modo Goldman
tornou-se a primeira a alertar que embora o autor de Hedda Gabler reivindicasse em suas
peccedilas o fim da sociedade patriarcal burguesa o ponto de discussatildeo central de sua dramaturgia
1 Cf Hjalmar Hjorth Boyesen Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894 2 Rasmus Bjoslashrn Anderson ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American 15 abr 1882 3 O tom da mudanccedila de atitude de Anderson em relaccedilatildeo a Ibsen pode ser avaliado no seguinte trecho de sua autobiografia Life story Madison Wisconsin 1915 p 487 ldquoI have no sympathy with [Ibsenrsquos] so-called social dramas beginning with A Dollrsquos House and [ending with] When We Dead Awaken Aside from the improprieties and offense against good morals that are found in them they seem to me mere twaddle and all the symbolism which they are said to contain I regard as a mere opinion of his readers and admiring criticsrdquo 4 Emma Goldman The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914 ldquoPerhaps those who learn the great truths of the social travail in the school of life do not need the message of the drama But there is another class whose number is legion for whom that message is indispensable In countries where political oppression affects all classes the best intellectual element have made common cause with the people have become their teachers comrades and spokesmen But in America political pressure has so far affected only the ldquocommonrdquo people It is they who are thrown into prison they who are persecuted and mobbed tarred and deported Therefore another medium is needed to arouse the intellectuals of this country to make them realize their relation to the people to the social unrest permeating the atmosphererdquo
26
era a luta de classes natildeo de gecircnero1 Apesar das circunstacircncias desfavoraacuteveis as obras de
Ibsen foram assimiladas por alguns autores que desejavam criar um novo teatro No final do
seacuteculo XIX Bronson Howard abordou o embate entre capital e trabalho com Baron Rudolph
de 1881 no iniacutecio do XX Edward Sheldon foi o primeiro a tratar da questatildeo racial em 1910 com The
Nigger OrsquoNeill escreveu em 1939 The iceman cometh peccedila cujo enredo eacute semelhante ao de O pato
selvagem e Arthur Miller aleacutem de compor All my sons em 1947 transpondo a teacutecnica analiacutetica de
Ibsen para a atualidade americana produziu a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo na deacutecada de 19502
Na Franccedila berccedilo da forma hegemocircnica do drama a resistecircncia agraves peccedilas ibsenianas foi
muito mais severa do que em qualquer outro paiacutes europeu Desde o final dos anos 1840 o
palco francecircs era totalmente dominado pelas comeacutedias realistas de Augier Dumas Filho e
Sardou que aliavam as descriccedilotildees dos costumes burgueses agrave exaltaccedilatildeo moralizante de seus
valores eacuteticos como o trabalho o matrimocircnio e a famiacutelia Somente a partir de 1887 com a
fundaccedilatildeo do Theacuteacirctre Libre por Andreacute Antoine comeccedilaram as campanhas para a revitalizaccedilatildeo
da cena francesa Antoine inspirado nas ideacuteias naturalistas de Zola preconizava um teatro
baseado na verdade na observaccedilatildeo e no estudo da natureza Suas produccedilotildees aleacutem do caraacuteter
popular e social destacavam-se pelos cenaacuterios realistas e pela interpretaccedilatildeo mais natural dos
atores sem os tradicionais gestos exagerados e as elocuccedilotildees empoladas Com isso o Theacuteacirctre
Libre logo tornou-se o refuacutegio de autores como Ibsen Hauptmann e Strindberg rejeitados
pelos teatros convencionais Os espectros e O pato selvagem foram as primeiras peccedilas do
dramaturgo a serem apresentadas agrave plateacuteia parisiense respectivamente em 1890 e 1891
provocando a fuacuteria de criacuteticos conservadores como Francisque Sarcey Com receio de que o
teatro ibseniano destruiacutesse a tradiccedilatildeo dramaacutetica da Franccedila Sarcey levantou-se sem demora
contra a ldquoinvasatildeo do baacuterbaro do Norterdquo A pedra de toque de sua criacutetica era o gosto do
puacuteblico por conseguinte uma peccedila era considerada boa ou ruim conforme o grau de
receptividade dos espectadores Os autores deviam necessariamente escrever dramas que
pudessem ser entendidos pela plateacuteia por isso os recursos da peccedila bem-feita eram
indispensaacuteveis A clareza a estrutura loacutegica e o propoacutesito moral do drama eram as qualidades
que Sarcey reivindicava como o cerne da experiecircncia teatral Nesse sentido aleacutem da
incompreensatildeo e da inconsistecircncia dos temas a principal queixa de Sarcey contra as peccedilas
ibsenianas era relacionada agrave estrutura dramaacutetica que apresentava cenas incoerentes e
1 Cf Emma Goldman ldquoThe drama a powerful dissemination of radical thoughtrdquo Anarchism and others essays New York Dover 1969 p 241-271 2 Cf sobre Ibsen e OrsquoNeill Sverre Arestad ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948 e Rolf Fjelde ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988
27
desarticuladas Para o criacutetico Ibsen feria a regra mais importante do drama ao deixar o
puacuteblico sem o conhecimento baacutesico dos fatos e das histoacuterias de cada personagem O arranjo
cuidadoso da antecipaccedilatildeo de um evento e a efetivaccedilatildeo da scegravene agrave faire (cena obrigatoacuteria) era o
que Sarcey e a plateacuteia que ele representava esperavam de um espetaacuteculo teatral1
Ibsen configurava-se tatildeo obscuro aos olhos do puacuteblico francecircs que se tornou comum a
realizaccedilatildeo de uma conferecircncia preacutevia sobre o enredo e o contexto de qualquer uma de suas
obras que por laacute fosse encenada Assim minutos antes da estreacuteia de Hedda Gabler no
Theacuteacirctre du Vaudeville em 1891 Jules Lemacircitre tentou explicar o caraacuteter ldquonebulosordquo da
personagem-tiacutetulo atraveacutes de uma comparaccedilatildeo entre as mulheres escandinavas e as francesas
Para ele o desprezo que Hedda nutria por Tesman seu marido as suas ambiccedilotildees
desmesuradas que levaram agrave ruiacutena seu ex-amante Loevborg e a sua morte na uacuteltima cena da
peccedila mdash quando ela daacute fim agrave proacutepria vida e agrave do filho que estava esperando mdash provinham de
sua origem luterana Hedda sendo protestante estava fadada a se dedicar inteiramente a uma
vida de pureza espiritual ldquotoute acircmerdquo eximindo-se de qualquer prazer material e da ldquojoie de
vivrerdquo alardeada pelo catolicismo Segundo Lemaicirctre isso explicava o fastio da personagem
pela vida sua natildeo vocaccedilatildeo para a maternidade e sua falta de solidariedade com o proacuteximo
Nessa esteira ele argumentava ainda que a premissa baacutesica do luteranismo a reivindicaccedilatildeo da
autonomia moral tatildeo bem incorporada nos caracteres de Nora e Helena Alving havia sido
grotescamente distorcida resultando daiacute a figura neuroacutetica de Hedda Depois de todo esse
disparate o criacutetico concluiu sua exposiccedilatildeo aproximando Hedda Gabler de Emma Bovary
ambas monstruosamente orgulhosas esnobes ciacutenicas e crueacuteis2 Se por um lado alguns
criacuteticos indignaram-se com essa leitura como Camille Mauclair e Henri Becque que
acusaram Lemaicirctre de julgar a obra de Ibsen sob um ponto de vista hostil e malevolente
dificultando ainda mais a compreensatildeo do puacuteblico por outro houve quem concordasse com
ele como Camille Bellaigue criacutetico da Revue des Deux Monde que viu Hedda como ldquoune
toqueacutee une deacutepraveacuteerdquo uma criatura bizarra e uma meretriz da pior espeacutecie3
1 Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 371 ldquoIbsen jette sur la scegravene des personnages qui parlent de leurs affaires comme si nous eacutetions au courant Ce nest que peu agrave peu au cours de leurs conversations que nous finissons par reconstituer le point initial dougrave toute laction est partie Ce systegraveme mest insupportable Je suis Latin en cela ou plutocirct je suis Franccedilais Jai besoin quon me dise Voilagrave ce qui sest passeacute voici ougrave nous en sommes eacutecoutez ce qui va suivrerdquo 2 Cf Jules Lemaicirctre Impressions de theacuteacirctre v 6 Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897 p 50-62 Sobre a analogia entre Hedda Gabler e Emma Bovary cf Elsie M Wiedner ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989 p 32-33 3 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 128
28
Em 1892 o Cercle des Escholiers dirigido por Georges Bourdon representou A dama
do mar Entretanto foi no ano seguinte que Ibsen tornou-se definitivamente o adversaacuterio
nuacutemero um dos criacuteticos conservadores franceses com a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo
dirigida por Lugneacute-Poe e Camille Mauclair no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Esta montagem foi
polecircmica natildeo somente pelas inovaccedilotildees que os simbolistas trouxeram para a cena mdash como o
uso da iluminaccedilatildeo das cores do movimento e do arranjo cecircnico servindo antes agrave evocaccedilatildeo
do que agrave verossimilhanccedila mdash mas sobretudo porque a peccedila foi apresentada em termos
explicitamente anarquistas Como de praxe a estreacuteia do espetaacuteculo foi precedida de uma
conferecircncia dessa vez a cargo de Laurent Tailhade poeta libertaacuterio que enfatizou o aspecto
de criacutetica social do drama insistindo na importacircncia da ldquorevoltardquo contra ldquole pegravere le patron et
la patrierdquo Desse modo as desventuras do Dr Stockmann mdash protagonista da peccedila que acaba
sendo abandonado por todos e considerado um inimigo do povo ao entrar em choque com os
interesses dos poderosos de sua cidade mdash foram vistas como uma alegoria da luta do
indiviacuteduo contra as autoridades corruptas e contra a ilegitimidade do estado de poder Mas
natildeo foi apenas a leitura de Taillade que politizou o evento alguns simpatizantes do
movimento anarquista participaram da montagem como figurantes da cena em que uma
multidatildeo se reuacutene para discutir a contaminaccedilatildeo da estacircncia balneaacuteria da cidade pelos esgotos
das induacutestrias da regiatildeo Na sala do espetaacuteculo vaias e aplausos se misturaram possibilitando
desse modo que o puacuteblico participasse ativamente da encenaccedilatildeo O tumulto iniciado no
teatro ganhou as ruas resultando em alguns casos em prisatildeo perseguiccedilatildeo e ateacute mesmo
deportaccedilatildeo Por ordem da justiccedila a proacutexima peccedila do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Les acircmes solitaires
de Hauptmann foi cancelada e durante algum tempo o teatro permaneceu sob vigilacircncia
policial Por sua vez Um inimigo do povo foi execrada pela criacutetica e Ibsen passou cada vez
mais a ser visto como ldquoum anarquista da arterdquo que exercia um verdadeiro terror no puacuteblico1
Poucos meses depois do impacto causado por Um inimigo do povo o Theacuteacirctre de
lrsquoOeuvre apresentou ao puacuteblico Rosmersholm peccedila que conta a histoacuteria de Rosmer e Rebecca
West Ele um homem de caraacuteter refinado e distinto mdash viuacutevo da melancoacutelica Beata que
acabou por se suicidar atirando-se na correnteza de um rio mdash foi abandonado por todos os
amigos quando decidiu renunciar a seu cargo de pastor da comunidade assumindo ideacuteias
liberais Rebecca uma mulher livre de quaisquer autoritarismos e ortodoxias amiga e
1 Cf ldquoLes auteurs nordiques et les anarchistes un malentendu feacutecondrdquo In Caroline Granier Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes-Saint-Denis Paris e Erin Williams Hyman ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005
29
confidente de Rosmer influenciou consideravelmente nas suas decisotildees No decorrer da peccedila
Rebecca confessa que manipulou Beata induzindo-a ao suiciacutedio Apesar disso Rosmer a
perdoa pedindo-a em casamento Mas ela natildeo aceita argumentando que natildeo pode se libertar
dos erros cometidos no passado No fim da peccedila sem perspectivas negando-se a ter uma vida
de estagnaccedilatildeo e modorra ambos se matam jogando-se na mesma correnteza em que Beata
morrera Com essa montagem mais do que com Um inimigo do povo que ainda apresentava
evidentes conotaccedilotildees poliacuteticas Ibsen foi definitivamente incorporado ao movimento
simbolista do teatro francecircs No programa do espetaacuteculo talvez para estimular a criacutetica e o
puacuteblico a assistir a encenaccedilatildeo Victor Charbonnel declarou que Rosmersholm era ldquoune piegravece
moins embarrasseacutee et confuserdquo do que outras de Ibsen sendo quase uma ldquopiegravece bien faiterdquo
Ao mesmo tempo ele realccedilou a psicologia o idealismo a poesia e a paixatildeo das personagens
como os elementos relevantes da peccedila deixando claro que natildeo se veria no palco qualquer
mensagem poliacutetica ou ideoloacutegica mas tatildeo somente um drama evocativo propiacutecio mais agrave
meditaccedilatildeo do que agrave predicaccedilatildeo1
A despeito dessas consideraccedilotildees a peccedila foi tatildeo incompreendida quanto Os espectros
Hedda Gabler e A dama do mar Primeiro porque Rosmersholm fornecia o mais
impressionante exemplo da teacutecnica analiacutetica de Ibsen mdash a accedilatildeo principal da peccedila natildeo era
senatildeo a anaacutelise das razotildees que levaram agrave morte Beata Rosmer e Rebecca mdash gerando por
esse motivo a acusaccedilatildeo de criacuteticos favoraacuteveis agrave formula da peccedila bem-feita de que o drama era
artificial inconsistente ininteligiacutevel e absurdo Segundo porque a montagem enfatizando o
estado de espiacuterito sombrio o tom sepulcral e sobretudo a preocupaccedilatildeo com a morte assunto
tatildeo caro aos simbolistas levou a criacutetica a julgar a obra como estaacutetica e monoacutetona desprovida
de qualquer cunho dramaacutetico seja a tensatildeo o suspense a crise ou o conflito E terceiro
porque Rebecca vista pela oacutetica da imagem do eacuteternel feacuteminin mdash um tipo de mulher eteacuterea
altamente idealizada miacutestica quase um ente sobrenatural e diaboacutelico mdash levou alguns criacuteticos
a considerar natildeo soacute ela mas todas as personagens femininas de Ibsen como criaturas
maleacutevolas imorais e delinquumlentes capazes de desestruturar lares destruir os outros e a si
proacuteprias Para os adeptos do simbolismo como Henry James Edmund Gosse Paul Bourget
entre outros as personagens ibsenianas nada mais representavam que um eacutetat drsquoacircme ou souls-
crisis constituindo a obra de Ibsen desse modo de uma verdadeira ldquoSoulrsquos tragedyrdquo Seja
como for natildeo demorou muito para que as personagens femininas de Ibsen fossem tomadas
1 Cf ldquoRosmersholm toward new realms of artrdquo In Kirsten Shepherd-Barr Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997
30
pelos psiquiatras meacutedicos e criminalistas da eacutepoca como verdadeiros casos patoloacutegicos de
desequiliacutebrio mental sendo tratadas como histeacutericas neuroacuteticas e degeneradas1
Em 1894 o Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre levou agrave cena Solness o construtor (1892) A peccedila
escrita de acordo com a teacutecnica analiacutetica inicia-se quando Halvard Solness estaacute no fim da
vida A essa altura ele jaacute eacute o ceacutelebre construtor que se fez explorando muita gente sobretudo
dois de seus empregados Knut e Ragnar Brovik pai e filho Quando Solness descobre que
Ragnar quer montar o seu proacuteprio negoacutecio natildeo economiza meios para o impedir chegando a
incentivar Kaia Fosli noiva de Ragnar mas apaixonada por Solness a se casar com o rapaz
para manter ambos em seu escritoacuterio Em meio a esses eventos o construtor recebe a visita
inesperada de Hilda Wangel uma jovem que conhecera dez anos antes quando esteve em sua
cidade natal para construir a torre da igreja No decorrer da accedilatildeo atraveacutes do diaacutelogo entre
Solness e Hilda ficamos sabendo que a fortuna do construtor proveio de um incecircndio que
destruiu a casa herdada dos pais de sua mulher Aline que ele sabia da existecircncia de uma
fenda na chamineacute mas natildeo providenciou o conserto que em consequumlecircncia do ldquoincidenterdquo
Aline teve uma febre de leite que levou agrave morte o seu casal de gecircmeos e finalmente que ele
arruinou Knut Brovik o homem que lhe ensinara o ofiacutecio No final da peccedila Solness que
acabara de construir uma casa nova para sua famiacutelia eacute instigado por Hilda a subir ateacute o topo
da torre para depositar uma coroa de flores mdash costume norueguecircs para se comemorar a
inauguraccedilatildeo de uma obra O construtor malgrado a vertigem das alturas aceita o desafio e
acaba morrendo ao se desequilibrar e cair do alto da torre
A partir dessa peccedila alguns simbolistas como por exemplo Maeterlinck passaram a
associar a teacutecnica dramatuacutergica de Ibsen ao hipnotismo sugerindo que seus dramas
transportavam os espectadores para um mundo de sonho e alucinaccedilatildeo Tal qual um devaneio
Solness era composta de um conjunto de imagens de pensamentos ou de fantasias de ldquovaacuterias
camadas de siacutembolos superpostasrdquo que poderiam desdobrar-se e aparecer aos olhos do
puacuteblico sob muacuteltiplas formas Assim Ibsen foi saudado como autor de um novo tipo de drama
mdash um drama de reflexatildeo interna que expressava no palco apenas a vida interior das
personagens mdash transformando o teatro desse modo em um templo de compleiccedilatildeo miacutestica2
Nessa esteira Prozor no prefaacutecio de sua traduccedilatildeo de Solness forneceu uma explicaccedilatildeo
detalhada dos siacutembolos contidos na peccedila que segundo ele era completamente alegoacuterica
facilmente compreensiacutevel e ldquoassez transparentsrdquo as personagens natildeo eram senatildeo
1 Cf sobre essa questatildeo as anaacutelises equivocadas feitas pelo criminalista italiano Cesare Lombroso LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 e pelo meacutedico Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf Maurice Maeterlinck ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894
31
dramatizaccedilotildees do proacuteprio Ibsen Solness era o dramaturgo Hilda era a juventude e a
imaginaccedilatildeo Aline o passado Knut Brovik a rotina Ragnar o utilitarismo moderno as
igrejas que Solness construiacutera eram os dramas filosoacuteficos de Ibsen como Brand e as casas
eram peccedilas modernas como Os espectros1 Essa leitura influenciou muitos criacuteticos sendo
reproduzida em vaacuterios outros artigos e livros como por exemplo Acircmes modernes de Henry
Bordeaux e Les reacutevolteacutes scandinaves de Maurice Bigeon2 Henry James tambeacutem partilhou
das mesmas ideacuteias de Prozor chamando Solness de um ldquoIbsen within an Ibsenrdquo3 A criacutetica
contraacuteria a Ibsen recebeu a peccedila sem nenhum entusiasmo vendo-a como obra de um
desequilibrado Clement Scott chegou a comparaacute-la a um manicocircmio ldquoa play written
rehearsed and acted by lunaticsrdquo4 E Sarcey contestou-a pela falta de clareza acusando o
dramaturgo de ter um discurso verborraacutegico e esquisito que transformou Solness em pura e
simples banalidade ldquoil est tout agrave la fois obscur et pueacuterilrdquo ldquocrsquoest du pur galimatiasrdquo ldquocrsquoest le
plus simple et le plus naiumlf des truismesrdquo5
Enquanto Ibsen escrevia suas uacuteltimas peccedilas mdash O pequeno Eyolf (1894) John Gabriel
Borkman (1896) e Quando noacutes os mortos despertarmos (1899) mdash e o movimento simbolista
propagava suas ideacuteias sobre a soul-crisis Sigmund Freud avanccedilava do estudo da histeria para
o do inconsciente utilizando-se muitas vezes de obras-de-arte para ilustrar suas teorias No
acircmbito do teatro satildeo famosas suas investigaccedilotildees sobre o chiste que se referem indiretamente
agrave comeacutedia bem como seu exame de cenas e personagens dramaacuteticas para elucidar certas
condiccedilotildees psiconeuroacuteticas Aleacutem da ceacutelebre anaacutelise de Eacutedipo Freud fez um estudo de
Rebecca West personagem de Rosmersholm no artigo ldquoArruinados pelo ecircxitordquo publicado em
1916 Partindo da teoria do complexo de Eacutedipo Freud identifica no comportamento e
sobretudo nas palavras de Rebecca motivos ldquosubterracircneosrdquo e mecanismos inconscientes que
revelam um sentimento de culpa em relaccedilatildeo ao seu passado incestuoso ter sido amante do
proacuteprio pai sem o saber Essa situaccedilatildeo natildeo estaacute claramente explicitada no texto de Ibsen mas
segundo Freud haacute ldquoindiacutecios e fragmentosrdquo inseridos com tal arte nas entrelinhas da trama que
validam essa interpretaccedilatildeo e ao mesmo tempo ajudam a compreender o obstaacuteculo agrave uniatildeo de
1 Cf prefaacutecio de Solness le constructeur de Moritz Prozor em Henrik Ibsen Solness le constructeur Paris Savine 1893 Esse mesmo texto foi publicado na ediccedilatildeo brasileira de seis peccedilas de Ibsen Conde Prozor ldquoComentaacuterios sobre Solness o construtorrdquo Seis dramas Porto Alegre Globo 1944 p 479-488 2 Cf Henry Bordeaux La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894 e Maurice Bigeon Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894 3 Cf Henry James ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893 4 Cf Clement Scott [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893 5 Cf Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 356
32
Rebecca e Rosmer1 Esse tipo de anaacutelise que na maioria das vezes diz muito mais sobre a
psicanaacutelise do que sobre o trabalho eou os propoacutesitos do autor tornou-se a partir daiacute uma das
estrateacutegicas criacuteticas cada vez mais usadas para se analisar as obras ficcionais No caso da
criacutetica das peccedilas de Ibsen sobretudo depois de Solness agrave abordagem autobiograacutefica que jaacute
vinha sendo feita desde o final do seacuteculo XIX acrescentou-se a psicanaliacutetica a ponto de alguns
considerarem o dramaturgo como um ldquoFreud do teatrordquo Desse modo ora a obra de Ibsen
serve de material para diagnosticar seu psiquismo como por exemplo identificaacute-lo com o
escultor Rubek personagem de sua uacuteltima peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos
concluindo que ambos estatildeo presos agrave culpa de renunciar a proacutepria vida por um ideal de arte
ora suas personagens satildeo reduzidas sempre ao mesmo complexo de Eacutedipo deixando de lado
os problemas gerais mdash social moral e metafiacutesico mdash a favor de casos particulares e
patoloacutegicos negando assim a universalidade da obra ibseniana2
No iniacutecio do seacuteculo XX as peccedilas de Ibsen malgrado os escacircndalos as polecircmicas e a
oposiccedilatildeo cerrada de criacuteticos conservadores acabaram sendo incorporadas ao teatro claacutessico
Embora nem sempre gozando da popularidade que tivera no final do seacuteculo XIX Ibsen
continuou a ser discutido pelos teoacutericos de vanguarda sobretudo pelos simpatizantes da
esteacutetica simbolista que tentavam achar uma saiacuteda para a conflito entre a visatildeo abstrata do
drama e sua representaccedilatildeo fiacutesica Em 1906 ano da morte do dramaturgo Max Reinhardt
juntamente com Edvard Munch responsaacutevel pelo design da produccedilatildeo encenou Os espectros
no Kammerspiele Theatre em Berlim Vsevolod Meyerhold trabalhando entatildeo na companhia
da atriz Vera Komissarzhevskaya dirigiu Hedda Gabler em Satildeo Petersburgo e Edward
Gordon Craig criou o cenaacuterio para a representaccedilatildeo de Rosmersholm de Eleonora Duse no
Teatro della Pergola em Florenccedila Essas trecircs montagens embora muito distintas entre si
compartilharam da ruptura com os padrotildees realistas de encenaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo levando
para o palco a teatralidade a estilizaccedilatildeo e a sugestatildeo Craig no desenho das cenas de
Rosmersholm abusou das variaccedilotildees de luz e cor buscando estabelecer uma relaccedilatildeo
inequiacutevoca entre as personagens e os objetos que a cercavam Segundo registros de Guido
Noccioli um dos atores que participou dessa montagem o cenaacuterio e a mobiacutelia eram verdes
contrastando apenas com uma porta azul que vez ou outra atingia um tom celeste por causa
1 Cf ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In Sigmund Freud Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356 2 Cf por exemplo Derek Russell Davis ldquoA reappraisal of Ibsenrsquos Ghostsrdquo In James Walter Mcfarlane Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970 p 369-383 e Anne Hage ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005
33
dos dez refletores utilizados em cena1 A nova arquitetura do espaccedilo cecircnico foi o que mais
chamou a atenccedilatildeo de alguns criacuteticos italianos como Enrico Corradini que em um de seus
muitos artigos publicados na imprensa considerou-a perfeita para acolher a psicologia
profunda de Rosmer e Rebecca West2
Meyerhold antes da encenaccedilatildeo de Hedda Gabler escreveu o ensaio ldquoO teatro
naturalista e o teatro de humorrdquo onde desaprovava a esteacutetica naturalista pelo cuidado
excessivo da reproduccedilatildeo exata da natureza negando ao espectador a capacidade de sonhar e
imaginar No caso das peccedilas de Ibsen o diretor russo acusava os encenadores naturalistas de
transformaacute-las em tediosas monoacutetonas e doutrinaacuterias uma vez que se preocupavam apenas
com o desenho preciso de ldquotiposrdquo do universo norueguecircs e com a anaacutelise minuciosa dos
diaacutelogos das personagens Na acircnsia de tornar a dramaturgia ibseniana suficientemente
compreensiacutevel ao puacuteblico os naturalistas buscavam tornar vivos os diaacutelogos ldquoenfadonhosrdquo e
complicados do autor atraveacutes do trabalho analiacutetico das cenas de transiccedilatildeo ldquoas personagens
comem limpam a sala fazem as malas embrulham sanduiacuteches etcrdquo3 Com isso eles
colocavam em primeiro plano muitas cenas secundaacuterias sufocando o misteacuterio e as meias-
palavras que segundo Meyerhold eram as essecircncias da obra de Ibsen Em sua produccedilatildeo de
Hedda Gabler o diretor russo procurou efetivar no palco as ideacuteias contidas em seu ensaio de
modo a forccedilar o puacuteblico a ter uma visatildeo mais profunda da realidade e tentar decifrar o enigma
por traacutes dos discursos das personagens Para tanto qualquer alusatildeo a tempo ou espaccedilo foi
suprimida um esquema simboacutelico de valores e formas cromaacuteticas foi utilizado para
caracterizar a imagem e os traccedilos psicoloacutegicos de cada personagem Tesman vestia-se de
cinza Loevborg de marrom Brack de cinza escuro Thea de rosa e Hedda de verde o
cenaacuterio de Nicolai Sapunov tinha uma espeacutecie de trono coberto com um pano branco
contrapondo-se a um fundo azul onde Hedda se sentava e em torno do qual se desenvolveram
a maioria das cenas aleacutem disso o palco era em ldquobaixo relevordquo cujo efeito bi-dimensional
opunha-se agrave ldquocaixa asfixianterdquo e agrave profundidade do palco naturalista deixando o ator perto do
espectador4 Poucos meses depois dessa produccedilatildeo Meyerhold encenou Casa de boneca e agrave
medida que Nora aproximava-se da decisatildeo de deixar os filhos e o marido o diretor russo foi
1 Cf Guido Noccioli Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Traduccedilatildeo de Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982 2 Edward Gordon Craig Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971 ldquoil palcoscenico appariva trasformato veramente trasfigurato altissimo con una architettura nuova senza piugrave quinte di un solo colore fra il verde e il cilestrino semplice misterioso e affascinante degno insomma di accogliere la vita profonda di Rosmer e di Rebecca West La scena egrave la rappresentazione di uno stato danimordquo 3 Cf Vsevolod Meyerhold ldquoThe naturalistic theatre and the theatre of moodrdquo Meyerhold on theatre translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969 p 23-34 4 Vsevolod Meyerhold Meyerhold on theatre p 65-66
34
derrubando os cenaacuterios que compunham a casa da personagem evidenciando cenicamente a
queda dos valores da sociedade liberal burguesa
As vanguardas do novo seacuteculo salvo ralas manifestaccedilotildees oriundas de tendecircncias
marxista e socialista natildeo eram atraiacutedas pela poliacutetica A preocupaccedilatildeo dos simbolistas com um
teatro de encantamento e ecircxtase a exaltaccedilatildeo do estado de espiacuterito e do vitalismo dos
expressionistas o fasciacutenio dos futuristas pela maquinaria moderna a atenccedilatildeo dos surrealistas
para com os misteacuterios da vida interior levou muitas vezes a um puro subjetivismo beirando o
solipsismo Somente depois da Primeira Guerra e da Revoluccedilatildeo de Outubro teoacutericos criacuteticos
e dramaturgos voltariam a se interessar pelo desenvolvimento de um drama que respondesse
agraves inquietaccedilotildees do homem comum e aos problemas da sociedade moderna Em 1908 no
ensaio ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo o criacutetico russo Georgy Plekhanov jaacute reclamava
de autores que adotando pontos de vista burgueses produziam obras refrataacuterias agraves questotildees
sociais e poliacuteticas de seu tempo Em contrapartida o criacutetico cita o exemplo de Ibsen que
embora natildeo fosse capaz de dar nenhuma soluccedilatildeo poliacutetica aos problemas sociais de sua eacutepoca
foi como nenhum outro escritor moderno um liacuteder na luta contra os desmandos e as
hipocrisias da pequena burguesia oitocentista Sua revoluccedilatildeo apesar de puramente negativa
voltada para a libertaccedilatildeo individual levou-o muitas vezes ao simbolismo mas ainda assim
ofereceu agraves classes desprivilegiadas o entusiasmo pelo desejo de mudanccedila social seja
criticando a sociedade capitalista a instituiccedilatildeo do casamento ou a desigualdade de direitos
entre homens e mulheres Nessa esteira Plekhanov criticava os artistas que presos apenas aos
aspectos puramente simboacutelicos dos dramas ibsenianos priorizavam somente a visatildeo abstrata
do aperfeiccediloamento humano preterindo desse modo as ameaccedilas da revoluccedilatildeo social1
O huacutengaro Georg Lukaacutecs tambeacutem foi um criacutetico severo do idealismo abstrato na arte
Seu interesse pelo drama teve iniacutecio em 1904 quando ajudou a fundar o grupo Thalia de
teatro Concebido nos moldes do Freie Buumlhne de Berlim e do Theacuteacirctre Libre de Paris o Thalia
deu renovado alento agrave vida cultural de Budapeste encenando para a classe operaacuteria peccedilas de
Hebbel Strindberg Wedekind e Ibsen de quem aliaacutes Lukaacutecs traduziu O pato selvagem Sob o
influxo dessa organizaccedilatildeo teatral o jovem criacutetico escreveu em 1906 o seu primeiro livro
Histoacuteria do desenvolvimento do drama moderno publicado somente em 1911 Neste livro
que tem um capiacutetulo dedicado a Ibsen jaacute se encontra o fundamento da teoria do drama de
Lukaacutecs para quem as obras teatrais deveriam descrever acurada e abrangentemente a situaccedilatildeo
1 Georgy Plekhanov ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In Angel Flores Henrik Ibsen New York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007
35
soacutecio-histoacuterica de uma dada eacutepoca Por conseguinte as personagens deveriam apresentar-se
como ldquotiposrdquo emblemaacuteticos da sociedade a fim de apreenderem a totalidade do processo
social manifestando assim as tensotildees da cultura burguesa Esse sistema onde acreditava-se
que a arte podia harmonizar contradiccedilotildees para exprimir os traccedilos essenciais de natureza
moral psicoloacutegica e social da sociedade capitalista natildeo implicava nenhuma modificaccedilatildeo
profunda nos conceitos acerca da proacutepria estrutura dramaacutetica Desse modo qualquer mudanccedila
na forma convencional do drama era vista por Lukaacutecs como um trampolim para o
esvaziamento do conteuacutedo literaacuterio transformando a arte em um campo de experiecircncias
meramente formais Preso agrave concepccedilatildeo de drama como sinocircnimo de conflito Lukaacutecs vecirc as
personagens ibsenianas a partir de O pato selvagem como ldquodesagradaacuteveis figuras cocircmicasrdquo
Isso porque o ponto de vista dos heroacuteis de Ibsen segundo o criacutetico estaacute muito acima dos
outros personagens que lhes fazem frente impedindo desse modo que se produza a verdadeira
ldquoluta traacutegica e dramaacuteticardquo entre eles Assim o conflito desenrola-se no vazio e o antagonismo
entre as personagens torna-se grotesco atingindo o cocircmico e por vezes o ridiacuteculo A
ldquosublimidade traacutegicardquo dos heroacuteis ibsenianos torna-se artificial podendo ser mantida apenas
atraveacutes da criaccedilatildeo de uma atmosfera simbolista Mas para Lukaacutecs essa mudanccedila de Ibsen mdash
de um realismo ainda que impregnado de elementos naturalistas para a vacuidade dos
siacutembolos mdash de modo algum representa a superaccedilatildeo das contradiccedilotildees do realismo do fim do
seacuteculo XIX Antes aponta a continuidade das incoerecircncias mas num niacutevel artiacutestico inferior
afastado da compreensatildeo da realidade No entanto em Ibsen essa crise ideoloacutegica ainda
apresenta uma rigorosa e profunda criacutetica que mostra a dissoluccedilatildeo dos ideais burgueses e o
mecanismo da hipocrisia e da auto-ilusatildeo na sociedade capitalista em decliacutenio Essa visatildeo de
Lukaacutecs que insiste na inutilidade da experimentaccedilatildeo literaacuteria natildeo realista desencadearia mais
tarde os ataques ao teatro eacutepico de Brecht provocando um debate teoacuterico no seio da criacutetica
marxista que se arrastaria pelos anos 1930 e repercutiria nas deacutecadas seguintes1
Por volta de 1920 Ibsen jaacute estava completamente absorvido pelo mercado teatral As
dimensotildees sociais e poliacuteticas de suas peccedilas mdash que haviam revolucionado o teatro no seacuteculo
passado denunciando no palco os ideais capciosos da burguesia mdash foram rejeitadas a favor
exclusivamente da exploraccedilatildeo da vida interior e da intemporalidade da psicanaacutelise
Personagens como Nora de Casa de boneca e Helena Alving de Os espectros que outrora
haviam sido ldquoporta-vozesrdquo da emancipaccedilatildeo feminina criticando as convenccedilotildees da sociedade
burguesa afiguravam-se no novo seacuteculo como mulheres problemaacuteticas e mal resolvidas
1 Cf sobre Lukaacutecs e o drama moderno Georg Lukaacutecs Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968 e Il drama moderno Milano SugarCo 1976
36
viacutetimas de traumas ocorridos na infacircncia As variaccedilotildees do complexo edipiano explicavam no
caso de Nora a libertaccedilatildeo do passado e das amarras que a mantinham presa ao marido e no
caso de Helena a renuacutencia da felicidade transformando-a assim em matildee e esposa abnegada
Nesse periacuteodo Brecht elaborava seus primeiros escritos teoacutericos em sua maior parte criacuteticas
teatrais veiculadas no jornal Der Augsburger Volkswille entre 1919 e 1921 Alguns desses
textos em sua proacutepria fatura jaacute mostram o efeito de estranhamento mdash que seria amplamente
desenvolvido na teatro de Brecht nas deacutecadas seguintes mdash como forma de sacudir o leitor em
seu torpor abalando a velha imagem da cultura integrada e digerida sem perigo Eacute nesse
sentido que a propoacutesito da encenaccedilatildeo de Os espectros na Alemanha em 1919 Brecht
denuncia a pasteurizaccedilatildeo da obra de Ibsen por artistas e criacuteticos teatrais interessados tatildeo
somente na empatia do puacuteblico e no aspecto puramente lucrativo do espetaacuteculo teatral Num
texto curto de poucas linhas Brecht ressalta a importacircncia de se ir aleacutem da percepccedilatildeo
ideoloacutegica da esfera da vida privada examinando-a criticamente sobretudo nos seus
interesses mesquinhos e materiais Sob essa perspectiva em Os espectros importava verificar
que Helena Alving natildeo era a pobre viacutetima de um matrimocircnio infeliz mas uma mulher
oportunista que se casou por dinheiro mantendo a todo custo um casamento de aparecircncias a
fim de preservar a tradiccedilatildeo e o prestiacutegio social1
Apoacutes a Segunda Guerra a induacutestria de entretenimento cujas bases jaacute estavam dadas
no iniacutecio do seacuteculo fortaleceu-se de tal modo com a ascensatildeo do capitalismo tardio que as
produccedilotildees teatrais comprometidas com o engajamento poliacutetico foram expropriadas pelo
capital A essa altura as chamadas peccedilas sociais de Ibsen soacute interessavam quando tratadas
dentro dos limites do realismo psicoloacutegico jaacute que assuntos como moral dinheiro casamento
e feminismo eram tachados de obsoletos e ultrapassados Nessa nova fase do capitalismo
obras como Os pretendentes agrave coroa e Brand foram celebradas pela teacutecnica e pela poesia
magistral Imperador e Galileu pela filosofia profunda e Peer Gynt ateacute entatildeo conhecida
quase que exclusivamente pela muacutesica de Edvard Grieg foi encenada em muitos paiacuteses
obtendo grande ecircxito A ldquodomesticaccedilatildeo das artesrdquo pela induacutestria cultural foi examinada por
Max Horkheimer e Theodor Adorno na Dialeacutetica do esclarecimento livro dos anos 1940
Contudo eacute em Minima moralia obra composta de aforismos escritos entre 1944 e 1947 que
Adorno faz referecircncia direta a Ibsen analisando uma das questotildees caras ao dramaturgo a
condiccedilatildeo feminina na sociedade de consumo No fragmento intitulado ldquoExumaccedilatildeordquo o criacutetico
contraria o senso comum que apontando o afrouxamento dos tabus sexuais e a participaccedilatildeo
1 Bertold Brecht ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12
37
da mulher no mercado de trabalho daacute por superada a questatildeo do feminismo No entanto as
novas formas de exploraccedilatildeo econocircmica distorceram a independecircncia da mulher tornando-a a
um soacute tempo vulneraacutevel agrave dominaccedilatildeo e incapaz de refletir sobre essa conjuntura Assim sob a
falsa aparecircncia de autonomia e liberdade promovida sobretudo pela induacutestria de consumo mdash
cadeias de loja e magazines que lhes fazem deferecircncia e bajulaccedilatildeo mdash as mulheres se
esquecem de sua sujeiccedilatildeo a ordem social e econocircmica tanto no que diz respeito agrave sua
ldquomiseraacutevel jornada de trabalho profissionalrdquo quanto agrave sua vida no lar Na sequumlecircncia desses
argumentos Adorno compara as personagens ldquohisteacutericasrdquo de Ibsen e ldquosuas tentativas
desesperadas de evadir-se da prisatildeo da sociedaderdquo mdash referecircncia clara a Nora de Casa de
boneca mdash com as mulheres atuais ldquosuas netasrdquo que sem se sentirem atingidas pela mesma
desumanizaccedilatildeo enviariam-nas ldquoaos bons cuidados da assistecircncia socialrdquo Em chave irocircnica
Adorno aponta o retrocesso dos ideais do movimento feminista em relaccedilatildeo aos prodiacutegios
desejados pelas antiquadas personagens ibsenianas ldquoNatildeo eacute sem razatildeo que as mulheres de
Ibsen satildeo chamadas lsquomodernasrsquo O oacutedio agrave modernidade e o oacutedio ao antiquado satildeo
imediatamente a mesma coisardquo1
Em 1956 Peter Szondi em Teoria do drama moderno elabora a mais seacuteria reflexatildeo
sobre a crise do drama enfatizando o modo pelo qual o teatro eacute condicionado por processos
econocircmicos sociais e histoacutericos A partir da ideacuteia de que forma e conteuacutedo estatildeo
definitivamente associados numa relaccedilatildeo dialeacutetica Szondi explora as antinomias internas de
peccedilas de Ibsen Tcheacutekhov Strindberg Maeterlinck e Hauptmann apontando para a
contradiccedilatildeo crescente entre a forma dramaacutetica e os novos conteuacutedos advindos da ordem
social que o drama de rigor aristoteacutelico natildeo consegue assimilar Desse modo o criacutetico mostra
que o teatro de Ibsen entre outras coisas empreendeu uma total inversatildeo no conceito
convencional do drama sobretudo pela emersatildeo do elemento eacutepico em suas peccedilas Em Os
espectros Rosmersholm John Gabriel Borkman e Solness o construtor somente para citar
algumas as accedilotildees do presente servem apenas para revelar o passado iacutentimo das personagens
tornando-se a proacutepria lembranccedila o tema central de suas peccedilas Apesar do uso da construccedilatildeo
rigorosa e causaliacutestica do domiacutenio pleno das peripeacutecias e reconhecimento da exposiccedilatildeo
dissolvida com economia por toda a peccedila Ibsen percebeu que a dramaacutetica pura com seu
pressuposto de mostrar ldquosujeitos autoconscientesrdquo caducava num mundo cada vez mais
marcado pela alienaccedilatildeo Assim em seus dramas rigorosos mas de conteuacutedo eacutepico o proacuteprio
1 Theodor W Adorno ldquoExumaccedilatildeordquo Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificadaTraduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 81 Cf tambeacutem no mesmo livro ldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo p 81-82
38
diaacutelogo entre as personagens estabeleceu a cisatildeo entre sujeito e objeto apresentando no palco
ldquovidas danificadasrdquo pelo mundo da mercadoria do trabalho alienado das relaccedilotildees falsificadas
e do isolamento do indiviacuteduo1
A partir dos anos 1960 Ibsen entatildeo considerado um autor canocircnico repontava em
trabalhos no acircmbito da histoacuteria do teatro da biografia da filosofia e da psicanaacutelise Sua obra
celebrada mais pelos escacircndalos que causaram no final do seacuteculo XIX do que por seu valor
artiacutestico continuou a ser analisada por meio de diferentes teorias criacuteticas e em contextos
especiacuteficos Criacuteticos como Halvdan Koht John Northam e Eric Bentley interessaram-se pelo
aspecto ontoloacutegico das peccedilas ibsenianas examinando os elementos constitutivos dos textos
como a ironia o paradoxo a ambiguumlidade e o simbolismo Natildeo raro essas anaacutelises
consideravam a ldquopoesia dramaacuteticardquo do dramaturgo como a expressatildeo maacutexima de sua obra
estabelecendo Ibsen como um theatre-poet2 Outros estudiosos como H L Mencken e Brian
Johnston restituiacuteram Ibsen ao contexto do pensamento europeu aproximando-o de Nietzsche
Kierkegaard e Hegel3 Uma vasta produccedilatildeo de trabalhos sobre o dramaturgo incluindo
perioacutedicos especializados como Ibsen Studies e The contemporany approaches to Ibsen
foram produzidos desde entatildeo No entanto a maioria dos estudos mdash salvo algumas exceccedilotildees
a exemplo das anaacutelises da recepccedilatildeo de Ibsen em muitos paiacuteses mdash concentram-se
particularmente nos aspectos psicanaliacuteticos e ateacute mesmo autobiograacuteficos de sua obra
deixando de lado o elemento social que desempenhou um papel importante na constituiccedilatildeo de
seu teatro tanto pela exposiccedilatildeo dos problemas da sociedade liberal burguesa quanto pela
ruptura com os padrotildees hegemocircnicos do drama Uma boa demonstraccedilatildeo de que o dramaturgo
foi unanimemente considerado universal sem ser de todo compreendido seja por limitaccedilotildees
da criacutetica seja por posicionamentos ideoloacutegicos de seus leitores
1 Cf Peter Szondi Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 2 Cf Halvdan Koht Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971 John Northam Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953 e Eric Bentley The life of the drama New York Atheneum 1964 3 Cf Henrik Ibsen Eleven plays of Henrik Ibsen Introduction by H L Mencken New York B A Cerf D S Klopfer The Modern Library 1935 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989
I B S E N N O B R A S I L
40
As primeiras encenaccedilotildees
As peccedilas de Ibsen chegaram aos palcos brasileiros no fim do seacuteculo XIX filtradas pelo
olhar de companhias estrangeiras sobretudo as italianas de Ermete Novelli Clara Della
Guardia Eleonora Duse Gustavo Salvini e Ermete Zacconi Vale lembrar que a obra
ibseniana somente passou a ter interesse na Itaacutelia depois das encenaccedilotildees do Theacuteacirctre Libre de
Antoine em 1890 Como autor da moda discutido por toda a Europa Ibsen foi rapidamente
assimilado pelo mercado teatral sendo suas peccedilas devidamente moldadas ao gosto do puacuteblico
acostumado com as comeacutedias realistas francesas Assim no uacuteltimo dececircnio do seacuteculo XIX
Enrico Polese diretor da revista LrsquoArte Drammatica juntamente com empresaacuterios criacuteticos e
atores criou ldquoil prodotto Ibsenrdquo impondo aos espectadores um outro autor diferente daquele
que estava revolucionando o teatro europeu O controle da recepccedilatildeo de Ibsen comeccedilava pela
traduccedilatildeo de Polese que suprimia do texto qualquer alusatildeo ou criacutetica agrave sociedade nivelava os
argumentos considerados inconsistentes redesenhava as personagens visando agrave compaixatildeo do
puacuteblico e modificava as cenas que poderiam escandalizar a plateacuteia A encenaccedilatildeo era apoiada
exclusivamente na figura do grande ator e interessava colocar no palco um texto ligeiro
ausente de cenas monoacutetonas A influecircncia de Polese sobre o gosto ibseniano era transmitida
natildeo soacute pela traduccedilatildeo como pela paacutegina de sua revista que minimizava ainda mais as ideacuteias
ldquoaacutesperasrdquo do autor Aleacutem disso como profissional da dramaturgia conhecedor do puacuteblico
dos atores e empresaacuterios Polese fornecia agraves companhias indicaccedilotildees precisas sobre cenografia
indumentaacuteria e formas de composiccedilatildeo das personagens tudo isso visando a mais completa
empatia entre atores e espectadores
A companhia de Ermete Novelli foi a primeira a apresentar Ibsen agrave plateacuteia brasileira
encenando Os espectros no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em junho de 1895 Algumas das
indicaccedilotildees de Polese parecem ter sido seguidas de perto por Novelli o grande ator da
companhia que fez toda a encenaccedilatildeo girar em torno da personagem que ele representava
Osvaldo Alving Sua interpretaccedilatildeo carregada de um realismo tendencioso acentuava a
enfermidade de Osvaldo a ponto de muitos criacuteticos da eacutepoca identificarem a originalidade e a
essecircncia do drama de Ibsen como de ordem cientiacutefica A doenccedila hereditaacuteria de Osvaldo foi
considerada pela criacutetica o tema central da peccedila sendo deixados de lado outros assuntos como
por exemplo o casamento de conveniecircncia de Helena com o Capitatildeo Alving Da mesma
forma pouco se falou das outras personagens mdash Regina Engstrand e Pastor Manders mdash
vistas como secundaacuterias servindo apenas para dar ensejo agraves concepccedilotildees do dramaturgo acerca
41
da sociedade da moral e da famiacutelia Moral essa que para muitos criacuteticos era ldquoestranha e
inadmissiacutevelrdquo pois ao fazer perpassar na mente de Helena a felicidade do filho ao lado de sua
meia-irmatilde Regina Ibsen celebrava o incesto e a devassidatildeo sexual Sob essa perspectiva um
criacutetico do Jornal do Brasil chegou a fazer uma comparaccedilatildeo entre as ideacuteias socialistas e as
ibsenianas concluindo que ambas tinham como fundamentos a praacutetica do amor livre e a
desestruturaccedilatildeo familiar ldquoPois eacute preciso que o nosso leitor fique sabendo que o Dr Rossi um
meacutedico italiano fez para imprensa a propaganda do socialismo tendo por base o amor livre
tal qual existia na colocircnia Santa Luzia no Estado do Paranaacute [] Se Ibsen tivesse notiacutecia de
tal adiantamento social em terras do Brasil com certeza elevava-nos ao seacutetimo ceacuteu da
imortalidaderdquo1 Nessa conjuntura o dramaturgo era tido ora como reformador ora como
pensador nunca como artista jaacute que lhe faltavam segundo os criacuteticos as preocupaccedilotildees e as
qualidades de um autor dramaacutetico Os espectros desse modo foi considerado um drama ldquomal
apresentado e mal conduzidordquo repleto de cenas pesadas e monoacutetonas que soacute conseguiam
aborrecer a plateacuteia ldquoAssistindo agrave representaccedilatildeo drsquoOs espectros pareceu-nos estar diante de
um livro de medicina escrito sobre um caso especial de atavismo e cujo texto fosse de vez em
quando ilustrado pelas fotografias do doente representando-o nas diversas fases da moleacutestia
herdadardquo2 Os pontos positivos apontados pela criacutetica foram o desempenho de Novelli muito
elogiado pela destreza com que apresentou no palco todos os sintomas da enfermidade de seu
personagem e a forma como o drama apesar das impropriedades conseguiu comover e
fornecer uma significaccedilatildeo moral para os espectadores ldquoOsvaldo e Regina as duas viacutetimas
inocentes dos viacutecios de seus pais perseguidos pelo atavismo representam uma liccedilatildeo de moral
deduzida com todo o rigor de uma lei naturalrdquo3
Depois de Os espectros de Novelli Ibsen soacute voltaria agrave cena nacional em 1899 dessa vez
com duas montagens de Casa de boneca a primeira pela Companhia Portuguesa de Lucinda
Simotildees e Cristiano de Souza no Teatro SantrsquoAnna do Rio de Janeiro no mecircs de maio e a
segunda pela Companhia Italiana de Clara Della Guardia no Teatro Liacuterico do Rio no mecircs de
agosto4 A exemplo do que acontecera em muitos paiacuteses quando apresentada pela primeira vez
a peccedila suscitou um caloroso debate no nosso meio teatral A cena final em que Nora abandona
marido e filhos provocou muitas controveacutersias entre os criacuteticos ocupando as paacuteginas dos
principais perioacutedicos do paiacutes Carlo Parlagreco escritor italiano que lecionava Histoacuteria da Arte
1 ldquoOs espectrosrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 17 jun 1895 Palcos e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 A ldquoNovelli ndash Henrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo O Paiacutes Rio de Janeiro 17 jun 1895 Artes e Artistas p 2 3 ldquoNovelli ndash Ibsenrdquo Jornal do Comeacutercio Rio de Janeiro 17 jun 1895 Teatros e Muacutesicas p 1 (Sem assinatura) 4 Casa de boneca tambeacutem foi encenada em Satildeo Paulo A companhia de Clara Della Guardia apresentou-se no Teatro Politheama em setembro de 1899 e a de Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza em outubro no mesmo teatro
42
na Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro foi categoacuterico em seu artigo publicado
na Cidade do Rio ao afirmar que Ibsen era ldquoum socioacutelogo minuacutesculordquo e ldquoum filoacutesofo
incompletordquo que soacute conseguira popularidade por causa dos assuntos escabrosos de suas peccedilas
Por isso o criacutetico italiano censurava aqueles que em reaccedilatildeo ao teatro francecircs consideravam o
dramaturgo ldquocom um fetichismo indigno da razatildeo humanardquo como um dos maiores intelectuais
de sua eacutepoca Para ele Ibsen natildeo fazia mais que repetir as ldquoteorias e os achados alheiosrdquo de
Zola sendo que as ideacuteias do autor escandinavo eram muito mais monstruosas do que os
preconceitos da sociedade Parlagreco criticava a maneira como Ibsen conduzia as suas peccedilas
encorajando as mulheres a abandonar seus lares e estimulando a desagregaccedilatildeo familiar ldquoA
mulher fora do seu domiacutenio natural prepara os degenerados do futuro Subtrair as sociedades agraves
formas mais conhecidas da administraccedilatildeo e de convivecircncia eacute o ideal que Ibsen partilha com
Tolstoacutei mas seria a mesma coisa que suprimir ou inverter no organismo humano as funccedilotildees de
alimentaccedilatildeo de reproduccedilatildeo e de percepccedilatildeordquo1
Natildeo era somente o tema de Casa de boneca que desagradava a parte conservadora de
nossa criacutetica teatral A forma de composiccedilatildeo de Ibsen que se distanciava cada vez mais dos
padrotildees hegemocircnicos do drama burguecircs tambeacutem foi alvo constante de ataques Artur Azevedo
o grande criacutetico da eacutepoca era o defensor contumaz da tradiccedilatildeo dramaacutetica sobretudo da
francesa representada por escritores como Augier Dumas Filho Meilhac e Haleacutevy Assim
como o criacutetico francecircs Francisque Sarcey mdash que para ele era o ldquomais profundo o mais sensato
o mais sincero dos criacuteticos teatrais de todos os temposrdquo mdash Artur Azevedo tinha preferecircncia
pelas peccedilas bem-feitas valorizando mais a construccedilatildeo dramatuacutergica do que o gecircnero teatral
Portanto seus criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila aproximavam-se em tudo aos de Sarcey
importando tatildeo somente averiguar o uso das convenccedilotildees como a verossimilhanccedila a
identificaccedilatildeo o encadeamento linear e progressivo das accedilotildees o enredo com comeccedilo meio e fim
etc Desse modo uma das criacuteticas mais severas de Artur Azevedo agrave Casa de boneca dizia
respeito ao desenlace que para ele era inconcebiacutevel pois a mudanccedila da atitude de Nora natildeo
havia sido preparada nos atos anteriores Se ela tinha sido tatildeo friacutevola e tola nos dois primeiros
atos natildeo era coerente que se transformasse no uacuteltimo ato numa mulher consciente de sua
situaccedilatildeo na sociedade burguesa Faltava a Ibsen o domiacutenio da arte e da convenccedilatildeo dramaacutetica
por isso Artur Azevedo negava ao dramaturgo o tiacutetulo de ldquorevolucionaacuterio do teatrordquo O que
havia em suas peccedilas de verdadeiramente teatral ainda segundo o criacutetico era bebido em Augier
e Dumas Filho com quem Ibsen tinha aprendido a construccedilatildeo haacutebil e calculada para produzir
1 C Parlagrego ldquoOs espectros de Henrik Ibsenrdquo Cidade do Rio Rio de Janeiro p 1 15 jun 1895
43
efeitos bombaacutesticos Contra esses posicionamentos de Artur Azevedo levantou-se Luiacutes de
Castro jornalista da Gazeta de Notiacutecias que sensiacutevel aos rumos do teatro moderno refutou
veementemente o ponto de contato entre os dramas franceses e ibsenianos bem como o
prestiacutegio de Sarcey como criacutetico teatral provocando uma polecircmica com Artur Azevedo que se
estenderia durante algum tempo nas paacuteginas dos jornais1 Apesar das censuras aos dramas
ibsenianos Artur Azevedo escreveu em 1906 um necroloacutegio a Ibsen reconhecendo-o como
ldquouma das gloacuterias literaacuterias mais puras do seacuteculo XIXrdquo No entanto o seu ponto de vista pouco
mudou em relaccedilatildeo agraves convenccedilotildees teatrais Nesse texto ao fazer um balanccedilo da influecircncia do
norueguecircs no teatro mundial Artur Azevedo afirmou que o teatro de Ibsen ainda era
incompreensiacutevel interessando apenas a um pequeno puacuteblico o das ldquocamadas superioresrdquo As
peccedilas de Ibsen para ele serviam apenas para serem lidas natildeo representadas fato que de modo
algum reduzia suas qualidades de ldquoobras-primas de uma grande elevaccedilatildeo moral dignas da
admiraccedilatildeo universal que as celebrourdquo2
Como Artur Azevedo Oscar Guanabarino criacutetico de O Paiacutes tambeacutem reclamava das
cenas desconexas dos diaacutelogos interminaacuteveis e do desfecho de Casa de boneca pontos que
dificultavam o entendimento do puacuteblico ldquoDesde entatildeo surgem os disparates e entre eles o
maior eacute que o espectador depois de concluiacuteda a representaccedilatildeo deve ir para casa refletir sobre
o caso concluir como puder a peccedila que natildeo teve fim []rdquo3 Ibsen para Guanabarino era
produto do exagero de criacuteticos desorientados que cingiam seu nome com uma aureacuteola de
gecircnio mdash como se ele fosse ldquoo salvador da arte dramaacuteticardquo mdash sem perceber que os processos
de escrita de sua obra eram iguais ao do teatro da eacutepoca tinham os mesmos defeitos da ficelle
e o prejuiacutezo do desconhecimento de certas regras impostas pela experiecircncia e exigidas pelo
bom senso Igualmente exageradas segundo o criacutetico eram as ideacuteias do dramaturgo que sob
o pretexto de lutar contra as convenccedilotildees sociais levava para o palco personagens sempre
doentias Apoiado nos estudos de Cesare Lombroso psiquiatra e criminalista italiano famoso
na eacutepoca pelas suas teorias sobre o criminoso nato e o homem de gecircnio Guanabarino
afirmava ser Ibsen um ldquoalienistardquo e suas personagens figuras desequilibradas e anormais A
partir da anaacutelise de obras de ficccedilatildeo e de estudos de caso Lombroso chegara agrave conclusatildeo
absurda de que anomalias hereditaacuterias neuroloacutegicas e psiacutequicas desempenhavam papel
1 Cf sobre a polecircmica entre Artur Azevedo e Luiacutes de Castro Joatildeo Roberto Faria ldquoEntre Sarcey e Ibsenrdquo Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 240-245 647-651 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Terminei meu uacuteltimo folhetim []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 31 maio 1906 O Teatro Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 586-588 3 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2
44
preponderante na formaccedilatildeo da personalidade de um delinquumlente bastando portanto relacionar
as caracteriacutesticas fiacutesicas dos indiviacuteduos mdash tamanho da mandiacutebula formato do cracircnio etc mdash
para descobrir sua disposiccedilatildeo ao crime Da mesma maneira ele acreditava que escritores
considerados geniais como Shakespeare Zola Tolstoacutei Dostoieacutevski e Ibsen apresentavam
aleacutem de uma visatildeo especial formas mais ou menos atenuadas de loucura e perversatildeo o que
lhes permitiam vislumbrar um criminoso muito antes que a ciecircncia o fizesse Nessa esteira
Lombroso alertava que as mulheres sendo ldquocriaturas moralmente inferiores e infantisrdquo
tinham mais propensatildeo agrave delinquumlecircncia ldquoMulheres satildeo crianccedilas grandes Suas tendecircncias maacutes
satildeo mais numerosas e mais variadas que as dos homens mas geralmente permanecem
latentes Entretanto quando satildeo despertas e excitadas produzem resultados proporcionalmente
maioresrdquo1 Desse modo para Guanabarino Nora apresentava todos os sintomas da patologia
mental e moral examinados por Lombroso era infantil histeacuterica e mentirosa E somente
assim por meio de um tipo exagerado e complexo inferido com todo rigor de um estudo
cientiacutefico Nora poderia ser compreendida e aceita como verdadeira No entanto isso natildeo
reduzia ainda segundo Guanabarino sua iacutendole maacute seja ao abandonar os filhos seja ao
contrair um empreacutestimo sob o pretexto de salvar a vida do marido para saciar seus caprichos
ldquoo desejo de viajar como faziam as outras as ricas acendeu-lhe o desejo de salvar o marido
e ei-la contraindo um empreacutestimo com um indiviacuteduo de moral duvidosardquo2
Os criacuteticos favoraacuteveis a Ibsen geralmente analisavam a sua obra pelo vieacutes naturalista
evitando entrar nas discussotildees acerca de sua forma dramaacutetica Luiacutes de Castro aleacutem de
polemizar com Artur Azevedo sobre o teatro ibseniano talvez tenha sido o uacutenico a abordar
essa questatildeo Em seu artigo ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo o criacutetico da Gazeta de
Notiacutecias apontava a influecircncia das peccedilas de Ibsen na evoluccedilatildeo do teatro moderno Para ele a
teacutecnica dramatuacutergica ibseniana era totalmente diversa natildeo podendo ser comparada a nenhuma
outra existente principalmente agraves dos dramaturgos franceses de quem o norueguecircs natildeo havia
lido sequer uma linha Enquanto autores como Scribe Augier e Dumas Filho estavam
interessados na accedilatildeo e no enredo concluiacutea Luiacutes de Castro Ibsen preocupava-se com ldquoo
sentido profundo da obra a crise psicoloacutegica e moral em que os acontecimentos atiram os
personagensrdquo3 Por isso argumentava ele suas peccedilas foram combatidas em muitos paiacuteses
sobretudo na Franccedila onde o autor encontrou um nuacutemero maior de detratores Joatildeo do Rio por
1 Cesare Lombroso e William Ferrero The female offender New York Philosophical Library 1958 p 151 Cf tambeacutem Cesare Lombroso Lrsquouomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 2 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2 3 Luiacutes de Castro ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 28 maio 1899 Teatro e p 2
45
sua vez exaltava no dramaturgo o tom cientiacutefico da composiccedilatildeo das personagens que levava
em conta a influecircncia do meio e da hereditariedade em suas iacutendoles Em ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo
artigo publicado em A Tribuna o criacutetico procurou mostrar ao leitor por meio da descriccedilatildeo
minuciosa do desempenho da atriz portuguesa no papel de Nora os matizes da construccedilatildeo da
personagem ibseniana ldquoEacute admiraacutevel de anaacutelise humana e Luciacutelia eacute a encarnaccedilatildeo perfeita
deste tipo complexo de histeacuterica com o desequiliacutebrio nervoso da mulher do Norterdquo1 Joatildeo do
Rio tambeacutem enxergava Ibsen como um mentalista de Lombroso e Nora como um tipo de
deacutetraqueacute Mas diferentemente de Guanabarino essas caracteriacutesticas natildeo foram vistas atraveacutes
de uma oacutetica conservadora antes foram tratadas como o reflexo do estado patoloacutegico da
sociedade Para Joatildeo do Rio Ibsen era um reformador que viera fazer do teatro uma verdade
levando agrave cena a vida de todos os dias Outro criacutetico que apreciou as novidades do teatro de
Ibsen foi Luiz Guimaratildees Filho jornalista de A Notiacutecia responsaacutevel pela publicaccedilatildeo de um
dos artigos mais incisivos a favor dos direitos da mulher Para ele Casa de boneca era a
criaccedilatildeo suprema de Ibsen sobretudo porque questionava a exclusatildeo das mulheres na
sociedade ldquoA Casa de boneca demonstra cruelmente a falsidade da educaccedilatildeo feminina na
sociedade moderna mdash que a reduz a viacutetimas risonhas a escravas enfeitadas com sedas a
autocircmatos inconscientes e fracosrdquo2 Utilizando-se dos mesmos conceitos da teoria de
Lombroso comum na literatura da eacutepoca Guimaratildees Filho tambeacutem via Nora como uma
ldquodoida singularrdquo No entanto ainda segundo o criacutetico colocar no palco uma histeacuterica foi a
forma que Ibsen encontrou para marcar a diferenccedila de privileacutegios entre os sexos e mostrar o
erro da educaccedilatildeo da mulher
No iniacutecio do seacuteculo XX as companhias estrangeiras continuaram a ser presenccedila
marcante no Brasil trazendo em seus repertoacuterios peccedilas de Strindberg Maeterlinck
DrsquoAnnunzio Hauptmann Sundermann e Ibsen autores ateacute entatildeo desconhecidos da maior
parte do puacuteblico Entre os meses de maiojunho e agostooutubro periacuteodo da temporada
dessas companhias no Rio e em Satildeo Paulo os espectadores tinham a chance de conhecer os
grandes artistas estrangeiros bem como o que de melhor se produzira nos palcos europeus
Nessas ocasiotildees o teatro seacuterio de qualidade literaacuteria ganhava destaque na imprensa
possibilitando a discussatildeo dos novos rumos da literatura dramaacutetica No entanto a maioria de
nossos criacuteticos e homens de teatro presos agrave foacutermula da peccedila bem-feita ao gosto do puacuteblico e
principalmente aos interesses econocircmicos e lucrativos dos espetaacuteculos teatrais pouca
1 Paulo Barreto [Joatildeo do Rio] ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo A Tribuna Rio de Janeiro p 3 1 jul 1899 Reunido em Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 640 2 Luiz Guimaratildees Filho ldquoA Casa de bonecardquo A Notiacutecia Rio de Janeiro p 2 27-28 maio 1899
46
importacircncia davam aos movimentos de vanguarda Comumente o arranjo cecircnico e os
assuntos controversos de algumas peccedilas suscitavam polecircmicas na imprensa acabando quase
sempre com a rejeiccedilatildeo das novas formas do teatro moderno Bastava as companhias
estrangeiras irem embora os gecircneros mais apreciados do puacuteblico mdash operetas melodramas
feacuteeries e revistas de ano mdash voltavam agrave cena nacional Portanto os pilares baacutesicos do teatro
brasileiro continuavam sendo os mesmos a oacutepera reduzida a um nuacutemero de composiccedilotildees do
realejo italiano como Rigoletto Mme Butterfly e Manon e a dramaturgia francesa que haacute
muito jaacute havia se tornado o esteio de nossos palcos Aleacutem das convenccedilotildees da peccedila bem-feita
serem usadas como criteacuterios para a anaacutelise das obras teatrais nossa criacutetica literaacuteria tambeacutem
orientava-se pelas noccedilotildees de raccedila e natureza reduzindo as obras-de-arte agrave accedilatildeo de fatores
como clima meio e mesticcedilagem Foi assim que a partir do sincretismo de teorias e conceitos
europeus deslocados de suas funccedilotildees de origem formou-se no Brasil o padratildeo de leitura da
virada do seacuteculo XIX para o XX
Em 1900 Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza voltaram a apresentar Casa de boneca
no Teatro Lucinda do Rio de Janeiro e no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo A montagem
segundo artigo de Joatildeo do Rio teve poucas alteraccedilotildees ldquoA companhia vem a mesma na
distribuiccedilatildeo dos personagens [] Os cenaacuterios satildeo diferentes o material todo novo a ceacutelebre
cadeirinha de palhinha que fez tanto palerma gargalhar foi substituiacuteda por outra de veludo e
tudo eacute bom tudo eacute melhorrdquo1 A recepccedilatildeo tambeacutem foi a mesma elogios aos atores e criacuteticas agrave
peccedila que se ressentia da linearidade da accedilatildeo dramaacutetica apresentando aleacutem disso ficelles
velhas e usadas cenas monoacutetonas personagens excecircntricas e desequilibradas No ano
seguinte apareceu o primeiro ensaio sobre Ibsen reunido em A hora do escritor e criacutetico
literaacuterio Nestor Viacutetor2 Nesse livro Nestor Viacutetor ocupou-se da literatura estrangeira Os
Desplantados de Maurice Barregraves Cyrano de Bergerac de Edmond Rostand e Pretendentes agrave
coroa A comeacutedia do amor Imperador e Galileu Pilares da sociedade Os espectros entre
outras peccedilas de Ibsen A parte dedicada ao dramaturgo norueguecircs vinha dividida em quatorze
capiacutetulos onde o criacutetico traccedilava o perfil biograacutefico de Ibsen detendo-se no entanto na
anaacutelise de sua obra De Catilina primeira peccedila do autor ateacute John Gabriel Borkman Nestor
Viacutetor buscou examinar os elementos simboacutelicos dos dramas informando vez ou outra a
maneira como o teatro de Ibsen tinha sido recebido na Europa provocando polecircmicas e
discussotildees Nessa trajetoacuteria ele procurou apresentar ao leitor um resumo minucioso de todas
as peccedilas mdash traduzindo inclusive trechos inteiros de algumas delas mdash demonstrando assim
1 P B [Joatildeo do Rio] ldquoTeatro Lucindardquo Cidade do Rio Rio de Janeiro 5 mar 1900 Gambiarras p 2 2 Nestor Viacutetor A hora Rio de Janeiro Paris Garnier 1901
47
preocupaccedilatildeo com as condiccedilotildees de produccedilatildeo e recepccedilatildeo da arte em um paiacutes como o Brasil
Num seacuteculo cientificista Nestor Viacutetor foi o criacutetico que tomou os padrotildees esteacuteticos como
norma de julgamento da produccedilatildeo literaacuteria buscando analisar atraveacutes de um veio
impressionista os elementos intriacutensecos da obra-de-arte Sob essa perspectiva o criacutetico
apontou em Casa de boneca a siacutentese a economia de adornos e o desprezo de Ibsen pelas
ficelles como elementos essenciais de inauguraccedilatildeo de uma nova fase da dramaturgia mundial
Os espectros voltou aos palcos brasileiros na encenaccedilatildeo da companhia de Andreacute
Antoine no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em 14 de julho de 1903 A peccedila jaacute natildeo era
novidade entre noacutes e assim como na primeira representaccedilatildeo de Novelli em 1895 os criacuteticos
limitaram-se a aproximar o drama das teorias cientiacuteficas do atavismo e a reclamar das cenas
deprimentes e cansativas A atuaccedilatildeo de Antoine no papel de Osvaldo mdash diferente do que
ocorrera com Novelli elogiadiacutessimo pela nossa criacutetica mdash sofreu restriccedilotildees por parte de alguns
que a consideraram ldquosobremodo fatiganterdquo fria e modesta dissolvendo a personagem numa
atmosfera nebulosa e incompreensiacutevel Acostumados agraves interpretaccedilotildees melodramaacuteticas ao
exagero na expressatildeo dos sentimentos e aos apelos faacuteceis dos atores agrave plateacuteia muitos criacuteticos
estranharam o modo de representar do ator e encenador francecircs principalmente o tom baixo de
sua voz e os momentos em que ele virava as costas para o puacuteblico Artur Azevedo contraacuterio agraves
experiecircncias naturalistas no teatro foi o grande desafeto de Antoine protagonizando uma
querela com o ator francecircs que se estenderia ateacute o mecircs de outubro daquele ano1
Trecircs anos mais tarde Suzanne Despregraves que fizera parte da troupe de Antoine no Rio
voltou ao Brasil para encenar Casa de boneca no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em agosto de
1906 Eacute importante lembrar que a atriz francesa aleacutem de ter participado de algumas montagens
do Theacuteacirctre Libre tambeacutem fez parte do elenco da primeira representaccedilatildeo simbolista de Solness
o construtor sob a direccedilatildeo de Lugneacute-Poe no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre em 1894 Portanto sua
interpretaccedilatildeo de Nora diferenciava-se das que ateacute aquele momento tinham sido apresentadas ao
puacuteblico brasileiro deixando de lado as teorias de emancipaccedilotildees as teses do atavismo para
enfatizar o eacutetat drsquoacircme que existia por traacutes das accedilotildees da personagem Assim Casa de boneca
passou a ser lida como a expressatildeo da realidade atraveacutes da sugestatildeo simboacutelica e a cena da
tarantela mdash assim como acontecera com a construccedilatildeo do orfanato em Os espectros e a pistola
em Hedda Gabler nas encenaccedilotildees simbolistas mdash passou a ser encarada como a parte
substancial do drama concentrando todo o significado da peccedila em uma uacutenica imagem da accedilatildeo
A Nora de Suzanne Despregraves nessa perspectiva deixava de ser uma figura incomum para se
1 Cf sobre a temporada de Antoine no Rio de Janeiro Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 245-261
48
transformar no siacutembolo de uma mulher atormentada por sua condiccedilatildeo de boneca destituiacuteda do
livre-arbiacutetrio Um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo ao comparar a atuaccedilatildeo de Suzanne Despregraves
com as de Luciacutelia Simotildees e Clara Della Guardia elogiou a naturalidade com que a atriz
francesa compusera a personagem tornando um tipo tatildeo complexo como Nora compreensiacutevel
ao puacuteblico ldquoTanto Luciacutelia Simotildees como Clara Della Guardia as duas Noras que nos foi dado a
ver e ouvir diferentes em detalhes assemelham-se contudo nas suas linhas gerais [] ambas
nos deram uma Nora ridiculamente infantil no primeiro ato e no final do segundo na cena da
tarantela ambas se desconjuntavam numa horripilante danccedila de S Guido [] A Nora que
ontem nos deu Suzanne Despregraves afasta-se por completo desses moldesrdquo1 O desempenho da
atriz francesa foi muito elogiado pelos criacuteticos mas a peccedila continuou a ser censurada sobretudo
pelas cenas desarticuladas e incoerentes
Em 1907 esteve por aqui a Companhia Dramaacutetica Italiana de Gustavo Salvini
encenando Os espectros no Rio e em Satildeo Paulo no mecircs de julho A recepccedilatildeo foi comedida e
no geral os criacuteticos restringiram-se a apresentar o resumo da peccedila e a elogiar Salvini pela
interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving Entretanto o grande acontecimento teatral do ano foi a
temporada de Eleonora Duse nos palcos cariocas e paulistas Empresariada por Lugneacute-Poe e
V Consiglio a atriz veio ao Brasil com um repertoacuterio variado Magda de Sundermann La
Gioconda de DrsquoAnnunzio La signora dalle Camelie e La moglie di Claudio de Dumas
Filho Monna Vanna de Maeterlinck Rosmersholm e Hedda Gabler de Ibsen Fedora de
Sardou e Adriana Lecouvreur de Scribe e Legouveacute Apoacutes a encenaccedilatildeo de Casa de boneca
no Teatro Filodramaacutetico de Milatildeo em 1891 Duse natildeo tinha representado mais nenhum drama
de Ibsen preferindo antes o repertoacuterio italiano de Goldoni e Giacosa e o francecircs de Dumas
Filho e Sardou Somente a partir de 1904 seguindo a tendecircncia do teatro simbolista ela
voltou a Ibsen encenando Hedda Gabler e depois em 1905 Rosmersholm com cenaacuterio de
Gordon Craig Assim a anaacutelise cientiacutefica das personagens cedeu lugar para a do heroacutei
individualista e seus problemas de consciecircncia importando agora explorar no palco a poesia
a paixatildeo e vida interior das figuras ibsenianas
Hedda Gabler e Rosmersholm representadas no Teatro Liacuterico do Rio respectivamente
nos dias 2 e 16 de julho de 1907 eram pela primeira vez levadas agrave cena brasileira2
Rosmersholm segundo o jornalista Briacutecio de Abreu foi a uacuteltima peccedila que a companhia
1 ldquoSantrsquoAnna ndash A representaccedilatildeo de Casa de boneca de Ibsen []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 5 ago 1906 Palcos e Circos p 3 (Sem assinatura) 2 Hedda Gabler tambeacutem foi encenada no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em 20 de julho de 1907 Rosmersholm soacute foi representada no Rio
49
apresentou no Rio seguindo posteriormente para Satildeo Paulo1 Embora a encenaccedilatildeo de
Rosmersholm apareccedila no livro do jornalista carioca e na lista do repertoacuterio da companhia
publicada nos jornais da eacutepoca poucas referecircncias encontramos na imprensa sobre essa peccedila
limitando-se os criacuteticos a traccedilar o resumo da obra e a destacar o desempenho dos atores O
mesmo natildeo aconteceu com Hedda Gabler que tanto no Rio como em Satildeo Paulo provocou
uma efervescecircncia no meio teatral sendo discutida intensamente pelos nossos criacuteticos No Rio
de Janeiro Artur Azevedo declarou a peccedila nebulosa e absurda sobretudo porque apesar de
traacutegica natildeo apresentava ldquouma cena violenta um grito de paixatildeo ou de desesperordquo uma
situaccedilatildeo que pudesse produzir ldquocalafrios e arrepiar os cabelosrdquo dos espectadores Para
Azevedo as maiores estranhezas ficaram por conta dos diaacutelogos travados agrave meia-voz em
cenas consideradas extravagantes como aquela em que Theacutea sabendo do suiciacutedio de
Loevborg em vez de lhe socorrer potildee-se a trabalhar na reconstruccedilatildeo de seu manuscrito2 Em
Satildeo Paulo formou-se uma querela sobre a questatildeo da inacessibilidade de Ibsen agrave plateacuteia
paulistana Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo havia sido um erro a escolha de Hedda
Gabler para estreacuteia da companhia em Satildeo Paulo pois Ibsen ainda era incompreensiacutevel ao
puacuteblico e a empresa teria andado com mais acerto se representasse um drama jaacute conhecido
Para ele era importante que antes da encenaccedilatildeo os espectadores tivessem ouvido uma
conferecircncia explicativa da peccedila como fez Jules Lemaicirctre na representaccedilatildeo de Hedda Gabler
no Theacuteacirctre du Vaudeville em Paris em 1891 Somente assim a companhia teria evitado o
modo frio com que os espectadores receberam o espetaacuteculo aplaudindo-o apenas por mera
cortesia3 Joatildeo Crespo jornalista do Comeacutercio de Satildeo Paulo rebateu esses argumentos
alegando que ldquoas peccedilas de Ibsen obrigam a pensar e natildeo tecircm esses lances de paixatildeo que
levantam uma plateacuteiardquo4 Esse debate entre os criacuteticos drsquoO Estado e do Comeacutercio de Satildeo Paulo
se prolongou por cinco dias consecutivos na imprensa no entanto as questotildees esteacuteticas foram
deixadas de lado prevalecendo apenas os ataques pessoais
A maior parte de nossos criacuteticos teatrais declarava Ibsen ininteligiacutevel e mistificador
acusando aqueles que nutriam qualquer simpatia pelo escritor norueguecircs de snobs que
fingiam gostar de sua obra devido ao seu relativo sucesso em Paris Os criacuteticos mais avessos a
1 Briacutecio de Abreu Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958 p 15 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Passando por alto uma representaccedilatildeo de Fernanda []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 4 jul 1907 Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 626-628 3 ldquoSantrsquoAnna ndash Eleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 21 jul 1907 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 4 Joatildeo Crespo ldquoUm criacutetico teatral de uma folha matutina mostrou-se escandalizado []rdquo Comeacutercio de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 23 jul 1907 Revistinha p 1
50
Ibsen recorriam quase sempre agraves teses do meacutedico huacutengaro Max Nordau para desqualificar
sua obra considerando-a o arqueacutetipo da degeneraccedilatildeo da sociedade Ao publicar
Deacutegeacuteneacuterescence em 1893 Nordau retomou e radicalizou as grandes linhas das teorias de
Cesare Lombroso mdash sobretudo aquela em que o psiquiatra italiano aproximava a genialidade
da loucura mdash para declarar a arte moderna degenerada Frutos de autores semi-loucos essas
obras doentias poderiam segundo Nordau corromper os espiacuteritos dos leitores levando-os agrave
degradaccedilatildeo1 Nietzsche Tolstoacutei Zola e Ibsen entre outros foram considerados autores
ldquodegenerescentesrdquo que por traacutes da maacutescara enganadora de revolucionaacuterios da arte conduziam
pouco a pouco a sociedade agrave deterioraccedilatildeo moral Nessa esteira Alfredo Pujol em sua coluna
ldquoOs meus domingosrdquo drsquoO Estado de S Paulo aleacutem de censurar Ibsen por levar para o palco
ldquoas verdades crueacuteis da vidardquo e ldquoas tristes enfermidades da alma contemporacircneardquo fez questatildeo
de lembrar o diagnoacutestico ldquodos enfermos do hospital de Ibsenrdquo feito por R Geyer disciacutepulo de
Nordau degenerescecircncia mental histeria demecircncia senil deliacuterio crocircnico alcoolismo
melancolia etc2 Para Pujol esse teatro sombrio e doloroso natildeo podia durar muito caso
contraacuterio veriacuteamos ldquoenquanto no palco se representa Ibsen despencarem suicidas das
torrinhas e trocarem-se tiros de revoacutelver nos camarotesrdquo3 Ibsen portanto natildeo devia ser
representado mas somente lido como um escritor de gabinete natildeo de plateacuteia
Por esse tempo Moritz Prozor o ceacutelebre tradutor da obra de Ibsen para o francecircs
vivia em Petroacutepolis (RJ) a cargo de suas funccedilotildees de Ministro da Ruacutessia Durante sua
permanecircncia no Brasil Conde Prozor como passou a ser conhecido entre noacutes foi um
importante divulgador do teatro ibseniano e da esteacutetica simbolista de Lugneacute-Poe e Camille
Mauclair de quem foi profundo admirador Era comum como nos lembra Afonso Celso ver
Prozor nos salotildees brasileiros ldquoreferir-se agrave vida e agrave obra do seu poeta e escritor teatral
preferido a explicar-lhes as intenccedilotildees a filosofia o engenho inovador a salutar accedilatildeo
revolucionaacuteriardquo4 Por certo a amizade que Prozor teve por Nestor Viacutetor e sobretudo por Graccedila
Aranha mdash de quem prefaciou a ediccedilatildeo francesa de Canaatilde mdash influenciou de alguma maneira o
rumo da produccedilatildeo criacutetica e literaacuteria desses dois escritores que se deixaram atrair pelo
simbolismo Aliaacutes foi por intermeacutedio de Prozor que Graccedila Aranha conheceu a obra de Ibsen
a quem viria a dedicar um artigo em A esteacutetica da vida de 1921 Nesse artigo intitulado ldquoA
esteacutetica de uma trageacutediardquo Graccedila Aranha declarava que a forccedila dos dramas ibsenianos natildeo
estava na censura do autor agraves hipocrisias sociais mdash ldquotoda arte inspirada nos problemas sociais
1 Cf Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf R Geyer Eacutetude meacutedico-psychologique sur le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris [sn] 1902 3 Alfredo Pujol ldquoOs meus domingosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo p1 28 jul 1907 4 Afonso Celso ldquoIbsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 28 abr 1928
51
eacute precaacuteriardquo afirmava ele mdash mas no mundo de sonho imagens e poesia que uma vez posto
em accedilatildeo fazia ldquonascer o prodiacutegio de uma misteriosa comunhatildeo esteacuteticardquo Nesse sentido a
beleza em Hedda Gabler ainda segundo Graccedila Aranha encontrava-se no caraacuteter estranho e
fascinante da personagem-tiacutetulo que sendo irremediavelmente incompatiacutevel com a
sociedade a colocara numa situaccedilatildeo insoluacutevel podendo Hedda apenas ser salva pela morte
Para ele a ldquovisatildeo espetacular do mundordquo era o que assegurava agraves peccedilas de Ibsen valor e
universalidade1 Antes desse artigo Graccedila Aranha publicou em 1911 Malasarte peccedila que
tem semelhanccedilas e afinidades com Peer Gynt de Ibsen Ambas apresentam como
protagonista um heroacutei do folclore nacional tanto Peer Gynt como Malasarte vivem numa
esfera de amoralidade destituiacuteda dos conceitos de bem e mal e a mentira eacute o recurso que as
personagens utilizam para ldquoencantarrdquo os outros safando-se assim das encrencas que se metem
ao longo de suas vidas2 Malasarte aleacutem de ser publicada em portuguecircs ganhou uma versatildeo
em francecircs com prefaacutecio de Camille Mauclair A peccedila tambeacutem foi encenada no Theacuteacirctre de
lrsquoOeuvre em fevereiro de 1911 tendo em seu elenco Greta Prozor filha do Conde Prozor
uma das grandes inteacuterpretes de Ibsen na Franccedila
Ainda em 1911 Araripe Jr reuniu em livro nove artigos seus todos publicados no
Jornal do Comeacutercio do Rio entre 1895 e 1909 compondo assim uma monografia dedicada agrave
obra de Ibsen3 No prefaacutecio desse volume intitulado Ibsen Araripe Jr discute seus criteacuterios
literaacuterios reforccedilando sua adesatildeo agraves teorias de Taine ao evolucionismo de Spencer e ao
cientificismo de Eacutemile Hennequin As obras literaacuterias desse modo eram tratadas como
documentos que ao representar a sociedade e a natureza que as produziram podiam revelar a
psicologia de um seacuteculo ou povo Assim em Ibsen Araripe Jr procurou mostrar como o
sentimento da trageacutedia apesar das condiccedilotildees mesoloacutegicas eacutetnicas e momentacircneas
desenvolveu-se em Eacutesquilo e Shakespeare e que caminhos seguiu ateacute chegar ao seacuteculo XIX
quando aparece a dramaturgia de Ibsen Nesse percurso o criacutetico concluiu que a essecircncia da
trageacutedia moderna repousava no ldquocontraste feroz entre a vida subjetiva e a maacutequina do poderrdquo
ressalvando o caraacuteter psicossocial (e jaacute natildeo mais puramente miacutetico) do teatro moderno
Embora para Araripe Jr a obra de Ibsen natildeo fosse ldquooutra coisa senatildeo um magniacutefico capiacutetulo
de criacutetica socialrdquo ela apresentava tatildeo somente o lado ldquosaturninordquo da vida projetando-se numa
esfera espectral Por essa razatildeo suas personagens sobretudo as femininas adquiriram um
1 Graccedila Aranha ldquoA esteacutetica de uma trageacutediardquo A esteacutetica da vida Rio de Janeiro Garnier 1921 p 210-213 2 Cf sobre as semelhanccedilas entre Peer Gynt e Malasarte Joseacute Carlos Garbuglio ldquoDe Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) Revista do Instituto de Estudos Brasileiros Satildeo Paulo USP n 4 p 81-96 1968 3 Tristatildeo de Alencar Araripe Jr Ibsen Porto Lello amp Irmatildeo 1911
52
aspecto ldquomisteriosamente maleacuteficordquo como de ldquoum ente que natildeo parece desse mundordquo De
qualquer modo ainda segundo Araripe Jr a genialidade do dramaturgo estava na capacidade
que ele tinha de ldquoenxergar na vida o que nem todos podem verrdquo encerrando em sua obra ldquoo
comeccedilo da construccedilatildeo ideal da sociedaderdquo marca do sinal dos tempos que despertou o
interesse de alguns franceses como Antoine e Lugneacute-Poe
Nesse periacuteodo de 1895 a 1911 pode-se perceber a formaccedilatildeo cultural de nossos
criacuteticos que com graus diferentes de influecircncia nutriram-se de obras tributaacuterias ora do
evolucionismo e do materialismo corriqueiro de Max Nordau Spencer Haeckel e Comte ora
do idealismo e esteticismo de Eacutedouard Schureacute e Camille Mauclair ora da tendecircncia analiacutetica
de Eacutedouard Rod escritor suiacuteccedilo que como Moritz Prozor foi um dos famosos prefaciadores
das traduccedilotildees francesas das peccedilas de Ibsen No que diz respeito especificamente agrave criacutetica
teatral continuariacuteamos durante algum tempo a utilizar os criteacuterios analiacuteticos de Francisque
Sarcey
53
Um claacutessico imperfeito
Durante a Primeira Guerra as companhias estrangeiras que faziam as vezes de
atualizar nossa cena apresentando-nos os principais autores da vanguarda europeacuteia deixaram
de vir com frequumlecircncia ao Brasil Essa situaccedilatildeo contribuiu ao menos em parte para que os
nossos homens de teatro ficassem totalmente agrave margem da revoluccedilatildeo cecircnica operada por
Stanislavski Gordon Craig e Meyerhold restando-nos apenas ldquoa praacutetica do estrelismordquo
Assim a dramaturgia brasileira voltou-se para os temas nacionais retomando o fio iniciado
por Martins Pena e Franccedila Juacutenior a saacutetira aos costumes de nossa organizaccedilatildeo social e poliacutetica
a exaltaccedilatildeo da terra e da vida no campo em oposiccedilatildeo agrave degeneraccedilatildeo dos haacutebitos citadinos e o
contraste entre a figura do estrangeiro tolo e o brasileiro haacutebil e esperto Nesse gecircnero de
teatro o texto servia apenas como apoio agraves improvisaccedilotildees dos atores assinalando a tendecircncia
aos efeitos faacuteceis que se prolongaria durante as deacutecadas de 1920 e 1930 As peccedilas desse
modo eram escritas sob medida para os atores preferidos pelo puacuteblico que tinham a
possibilidade de projetar suas personalidades no palco A ausecircncia do diretor encarregado de
coordenar o espetaacuteculo numa visatildeo unitaacuteria facilitava ainda mais o improviso dos efeitos
cocircmicos o gosto dos ldquocacosrdquo e o desequiliacutebrio do conjunto contribuindo para colocar sempre
em primeiro plano o ator principal da companhia Muitos desses ldquoastrosrdquo aliaacutes tornaram-se
empresaacuterios teatrais emprestando aos grupos que dirigiam seus nomes de iacutedolos populares
caso das companhias de Leopoldo Froacutees e de Procoacutepio Ferreira Essas comeacutedias de costumes
previam por ordem expressa dos empresaacuterios um cenaacuterio fixo geralmente a sala de visitas de
uma famiacutelia de classe meacutedia por onde desfilavam os tipos habituais o galatilde o pai libertino e
conservador a matildee ingecircnua e dedicada a avoacute resmungona o empregado impertinente etc
Nessas circunstacircncias Ibsen voltaria aos palcos brasileiros somente em setembro de
1915 com a encenaccedilatildeo de Os espectros pela companhia de Gustavo Salvini no Teatro
Cassino Antaacutertica em Satildeo Paulo O ator italiano que jaacute havia apresentado essa peccedila no Rio e
em Satildeo Paulo em 1907 recebeu a mesma ldquoruidosa ovaccedilatildeordquo do puacuteblico e principalmente da
criacutetica que alardeava a perfeita atuaccedilatildeo de Salvini como resultado do longo tempo que ele
passara nos hospitais observando os casos de ataxia locomotora Ibsen embora acolhido com
um pouco mais de simpatia continuava a ser considerado um autor de ideacuteias tristes e
sombrias que fizera do teatro no dizer de um criacutetico do Correio Paulistano ldquoum museu de
54
anatomiardquo1 Aleacutem de Novelli e Salvini Ermete Zacconi foi outro ator italiano que se tornou
ceacutelebre na interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving de Os espectros apresentando-se no Teatro
Municipal de Satildeo Paulo em janeiro de 1924 Desde 1892 quando entatildeo estreara no Teatro
Manzoni de Milatildeo sob as orientaccedilotildees de Enrico Polese Zacconi vinha interpretando essa
personagem Apesar das renovaccedilotildees levadas agraves cenas europeacuteias por Stanislavski Craig
Meyerhold Appia Max Reinhardt e Copeau as representaccedilotildees de Zacconi seguiam ainda a
foacutermula de Polese O texto ibseniano ajustado ao gosto do puacuteblico tornava-se mero apoio
para que a figura de Zacconi sobressaiacutesse ao restante do elenco da companhia que aliaacutes era
formada por membros de sua famiacutelia A uacuteltima cena da peccedila em que Osvaldo Alving tem um
acesso de loucura exclamando ldquoIl sole Il solerdquo foi considerada pela imprensa o ponto alto
do drama Em cenas como essa Zacconi tinha a chance de mostrar ao puacuteblico as suas
qualidades de ator dramaacutetico exibindo no palco as nuanccedilas da enfermidade de Osvaldo Os
criacuteticos acostumados ao individualismo artiacutestico de nossos atores que muitas vezes
colocavam seus exibicionismos acima da ficccedilatildeo elogiaram muito o desempenho de Zacconi
ldquoComo se estiveacutessemos diante de um doente autecircntico faz mal agrave gente ver em cena o pobre
Osvaldo com as matildeos trecircmulas o andar trocircpego a liacutengua jaacute baralhada a cada instante
trocando siacutelabas e esquecendo dos nomes mais familiares Zacconi eacute tatildeo magistral nessa
personagem e impressiona tanto que a sala inteira parecia dominada como hipnotizada pela
sua arterdquo2 O sucesso da temporada de Zacconi foi um dos maiores jaacute vistos em Satildeo Paulo
com o proacuteprio Leopoldo Froacutees saudando-o de modo pomposo em cena aberta ldquoEacutes o sol eu
sou o vaga-lumerdquo
Em 1928 comemorou-se no mundo inteiro o centenaacuterio de Ibsen Nessa ocasiatildeo os
principais jornais brasileiros trouxeram mateacuterias que tentavam explicar a trajetoacuteria e as ideacuteias
do autor A essa altura o dramaturgo norueguecircs jaacute era considerado um claacutessico da literatura
dramaacutetica moderna sendo comumente comparado a Soacutefocles e a Shakespeare No Brasil com
alcance e graus de refinamento diversos Ibsen tambeacutem passou a ser reconhecido como um
ldquoespiacuterito originalrdquo responsaacutevel por introduzir novas situaccedilotildees no palco animando o teatro
com suas extraordinaacuterias personagens Natildeo se pode dizer no entanto que o dramaturgo
tornara-se um autor estimado de nossos criacuteticos muito menos popular jaacute que havia uma
concordacircncia generalizada de que sua obra de temas obscuros e de teatralidade inconsistente
podia alcanccedilar apenas uma parte do puacuteblico o de rigorosa formaccedilatildeo literaacuteria Supeacuterflua entatildeo
1 ldquoCassino Antaacutertica ndash A companhia dramaacutetica italiana []rdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 4 set 1915 Teatros e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura)
55
tornava-se a anaacutelise de suas peccedilas que apesar de continuarem a ser representadas nas cenas
mais autorizadas do mundo com enorme sucesso natildeo provocavam mais controveacutersias Para a
maioria de nossos criacuteticos o ecircxito de Ibsen como um artista de gecircnio era inquestionaacutevel no
entanto seu estilo insoacutelito era deacutemodeacute Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo passada a
curiosidade ningueacutem mais interessava-se pelas excentricidades de suas personagens pois elas
eram ldquode fato de outro meio de uma sociedade bem diversa provavelmente da nossa com
ideacuteias e costumes feitos segundo outra tradiccedilatildeordquo1 O mesmo acontecia com sua teacutecnica
dramatuacutergica que embora tivesse produzido uma consideraacutevel renovaccedilatildeo no gecircnero literaacuterio
natildeo apresentava segundo o jornalista Fleacutexa Ribeiro a ldquodramaticidade cecircnica necessaacuteria para
impressionar os auditoacuterios mais ou menos distraiacutedos e que vivem ainda soacute pelo sentimentordquo2
As figuras ibsenianas outrora tatildeo polecircmicas a ponto de muitos terem considerado
Ibsen um criador de monstros passaram a ser vistas com menos antipatia Para Fleacutexa Ribeiro
o aspecto mais marcante da obra de Ibsen era a ldquofecundidade da vida interiorrdquo de suas
personagens e o conceito de obscuridade habitualmente atribuiacutedo ao seu teatro era causado
sobretudo pela dupla personalidade de suas figuras dramaacuteticas Ibsen sendo um gecircnio
analiacutetico criara ldquouma seacuterie maravilhosa de realidades interioresrdquo onde atuavam ainda
segundo Fleacutexa Ribeiro ldquopersonagens invisiacuteveisrdquo que soacute poderiam ser explicadas pelo estudo
da psicologia Ribeiro talvez tenha sido um dos primeiros criacuteticos a aventar a possibilidade de
se analisar um obra de ficccedilatildeo pelo vieacutes psicanaliacutetico ldquoQuando um dia se conhecer melhor a
psicologia todo esse vasto domiacutenio do inconsciente e se tiver fixado as leis gerais que regem
os estranhos fenocircmenos do subconsciente (pois que ambos se aproximam mas satildeo bem
diferenciados) verificaremos o quanto a atuaccedilatildeo do invisiacutevel do desapercebido eacute profunda
duradoura e inquietanterdquo3 Outro criacutetico que admirava o eacutetat drsquoacircme das personagens
ibsenianas era Camille Mauclair um dos precursores do teatro simbolista francecircs que teve
uma conferecircncia sua traduzida e publicada nrsquoO Paiacutes em 25 de marccedilo de 1928 Em ldquoAgrave
memoacuteria de Ibsenrdquo Mauclair falou num primeiro momento de sua trajetoacuteria artiacutestica e de
como Ibsen entrara nas cogitaccedilotildees do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre apresentando um balanccedilo das
montagens realizadas pela sua companhia Num segundo momento o criacutetico francecircs tratou de
avaliar a obra do norueguecircs na eacutepoca presente Todas as ideacuteias sociais a que Ibsen dava
especial apreccedilo como a liberdade por exemplo pareciam-lhe ldquoavelhentadasrdquo e indiferentes
restando apenas ldquoos elementos da consciecircncia e da vida interiorrdquo para ele traccedilos originais do
1 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 2 Fleacutexa Ribeiro ldquoNo centenaacuterio de Ibsenrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo p 3 18 mar 1928 3 Id ldquoIbsen e o subconscienterdquo O Paiacutes Rio de Janeiro p 3 2 abr 1928
56
autor Eacute nesse sentido que segundo Mauclair Casa de boneca ldquomalgrado o seu desfecho
alegoacuterico e mal explicadordquo continuava a despertar o interesse de artistas de prestiacutegio
sobretudo de atrizes que se sentiam atraiacutedas pela personalidade de Nora A mesma coisa
acontecia com Os espectros uma das peccedilas segundo ele mais perfeitas de Ibsen que podia
ldquosuportar o confronto com as grandes criaccedilotildees gregasrdquo
Se por um lado o teatro de Ibsen ainda sofria censura por ser considerado pouco
dramaacutetico parecendo mais um ldquoromance dialogadordquo por outro havia quem enxergasse
justamente nessa reserva o desenvolvimento do teatro moderno Era o caso de Antonio de
Alcacircntara Machado que no ensaio ldquoHenrik Ibsenrdquo publicado no Diaacuterio Nacional de Satildeo
Paulo em 2 de abril de 1928 procurou explicar a teacutecnica dramatuacutergica do autor Com esse
texto escrito sob o pseudocircnimo de J J de Saacute Alcacircntara Machado deu novo alento agrave criacutetica
teatral brasileira Primeiro porque sua reflexatildeo voltava-se para o estudo da forma dramaacutetica de
Ibsen assunto nunca antes tratado na imprensa segundo porque a maneira de escrita de seu
ensaio subvertia a rigidez da estrutura dos artigos que normalmente obedeciam a um mesmo
molde resumo da obra (interesse mais pelo enredo do que pela teacutecnica) e comentaacuterios sobre o
desempenho dos atores e sobre o comportamento da plateacuteia Seus escritos passaram a
incorporar em sua fatura os elementos proacuteximos ao historicismo das formas teatrais e os
criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila comeccedilaram a ser vistos sob a perspectiva da crise do drama
do repuacutedio agrave carpintaria teatral de efeito e da insuficiecircncia da forma dramaacutetica brasileira
Assim Alcacircntara Machado antecipa alguns dos pressupostos que soacute em 1956 seriam
formulados por Peter Szondi na Teoria do drama moderno a contradiccedilatildeo entre a velha forma
do drama burguecircs e os novos conteuacutedos que ela natildeo tem como assimilar1 De maneira ainda
sutil sem entrar na interpretaccedilatildeo social da forma Alcacircntara Machado discute a crise do
gecircnero dramaacutetico em Ibsen e a impossibilidade moderna do drama dando um primeiro passo
para romper o ciclo de atraso de nossa criacutetica teatral que continuava trabalhando com os
mesmos meacutetodos de anaacutelise do final do seacuteculo XIX O ensaio encerra um caraacuteter pedagoacutegico
pelo modo como o criacutetico esclarece a nova realidade da accedilatildeo e das personagens em Ibsen
trazendo uma importante contribuiccedilatildeo pela maneira como aponta os caminhos que deviam
trilhar o teatro brasileiro a busca por formas dramaacuteticas anti-burguesas
O que salta aos olhos na primeira leitura do texto de Alcacircntara Machado eacute o abandono
da velha discussatildeo em torno das peccedilas da primeira fase de Ibsen interessando-se apenas pelos
dramas que apontam para a desestruturaccedilatildeo do ato teatral NrsquoA comeacutedia do amor o criacutetico
1 Cf Peter Szondi ldquoA crise do drama Ibsenrdquo Teoria do Drama Moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 p 37-46
57
assinala o desembaraccedilo da accedilatildeo e o interesse do dramaturgo pelas questotildees de seu tempo A
partir de Os pilares da sociedade ele assinala a influecircncia decisiva de Ibsen no
desenvolvimento de uma nova realidade da accedilatildeo dramaacutetica o interesse do autor norueguecircs
pelo passado das personagens como forma de ampliar o mundo aleacutem do diaacutelogo
interindividual agrave semelhanccedila do que ocorria no romance Nada daquela ldquohistoacuteria arranjadinha
que tem que comeccedilar no primeiro ato atingir o seu maior grau de intensidade no segundo e
acabar de qualquer maneira no terceirordquo A obra ibseniana abandonava de vez os cacoetes
romacircnticos os versos e as situaccedilotildees apoteoacuteticas subvertendo tudo e alcanccedilando a dramaturgia
de outros paiacuteses Nessa esteira Alcacircntara Machado descreve um panorama da recepccedilatildeo de
Ibsen na Europa sem deixar de inferir uma criacutetica cortante agraves teorias francesas responsaacuteveis
pela resistecircncia de intelectuais artistas e plateacuteia ao teatro do dramaturgo norueguecircs ldquoo mau
teatro francecircs portanto assimilava e igualava o teatro europeu entatildeo sinocircnimo de universalrdquo
Em Catilina o criacutetico identifica o cerne da constituiccedilatildeo de todas as personagens
ibsenianas o que ele denomina de figura do heroacutei falhado1 tipos ambiacuteguos de moral
duvidosa que se vecircem em contradiccedilatildeo entre a vontade e o ato Essas figuras para Alcacircntara
Machado movem-se de acordo com os interesses da burguesia e num dado momento satildeo
coagidas a enfrentar seu passado de devassidatildeo e baixeza Portanto elas nada tecircm de
anormais degeneradas e incoerentes estando suas accedilotildees condicionadas agrave realidade social a
que estatildeo inseridas Os espectadores nunca as conheceratildeo em sua integridade natildeo sendo
possiacutevel portanto tomar partido contra ou a favor de nenhuma delas Ainda segundo criacutetico a
tentativa de conhececirc-las na maioria das vezes leva a uma ldquoseacuterie de indagaccedilotildees freudianasrdquo
que privilegiam mais o estudo do gesto do mecanismo interior que prepara essa ou aquela
atitude da personagem em detrimento da reflexatildeo sobre as relaccedilotildees sociais que se
estabelecem entre elas As anaacutelises de Alcacircntara Machado atentas aos modelos de renovaccedilatildeo
estrangeira incorporavam uma dimensatildeo criacutetica avanccedilada indicando uma clareza cada vez
maior sobre o processo de superaccedilatildeo histoacuterica da forma dramaacutetica O criacutetico haacute muito jaacute havia
compreendido que a forma teatral para representar o mundo da crise da ordem burguesa
precisava lanccedilar matildeo de temporalidades muacuteltiplas diferente daquele tipo de organizaccedilatildeo em
que tudo tem que acabar no terceiro ato Ele percebeu que era necessaacuterio expandir o espaccedilo-
tempo das personagens para aleacutem do presente da accedilatildeo introduzindo os elementos eacutepicos nas
representaccedilotildees
1 Cf sobre este e outros aspectos da criacutetica de Alcacircntara Machado Seacutergio de Carvalho O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
58
Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen
Na deacutecada de 1930 pouco haacute para assinalar de novo nos campos da dramaturgia e da
atualizaccedilatildeo cecircnica apenas algumas tentativas de renovaccedilatildeo iniciadas ainda nos anos 1920
pela Companhia Brasileira de Comeacutedia de Oduvaldo Viana pelo teatro social de Jaime Costa
e pelo Teatro de Brinquedo de Aacutelvaro e Eugecircnia Moreira Estes a propoacutesito foram os
responsaacuteveis pela primeira produccedilatildeo brasileira de uma peccedila de Ibsen Hedda Gabler
encenada no Teatro Regina do Rio de Janeiro em 1937 Infelizmente quase nenhuma
informaccedilatildeo temos sobre esse espetaacuteculo salvo o registro de Gustavo Doacuteria em seu Moderno
teatro brasileiro ldquoAproveitando um grupo de atores afastados do palco Eugecircnia organizou
sob os auspiacutecios da Casa dos Artistas um conjunto que percorreu os subuacuterbios apresentando-
se em circos pavilhotildees cine-teatros e clubes com um repertoacuterio que abrangia Matildee de Joseacute
Alencar O noviccedilo de Martins Pena Hedda Gabler de Ibsen []rdquo1
Em setembro de 1938 Ermete Zacconi voltou a apresentar Os espectros no Teatro
Municipal de Satildeo Paulo A montagem centralizada no fatalismo da doenccedila de Osvaldo
Alving mesmo depois de ultrapassadas as teorias da hereditariedade pareceu aos nossos
criacuteticos inconsistente e fantasmagoacuterica Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo pouco
impressionava ldquoa parte mais esclarecida do puacuteblicordquo o caso do artista condenado agrave loucura
parecendo-lhe mais loacutegica e natural a figura de Helena ldquoa matildee sofredora cheio de recalcados
temoresrdquo2 Assim o sucesso do espetaacuteculo ficou por conta de Zacconi que salvo ligeiras
modificaccedilotildees apresentou a mesma imagem os mesmos gestos e inflexotildees que o puacuteblico tinha
aprendido a admirar desde a primeira interpretaccedilatildeo que o ator fizera dessa personagem em
Satildeo Paulo quatorze anos atraacutes Tanto era assim que para os espectadores dessa encenaccedilatildeo de
1938 foi natural ver o ator aos 81 anos subir ao palco para interpretar o jovem pintor viacutetima
da tara paterna
Em 1939 ano em que Otto Maria Carpeaux chegou ao Brasil a obra de Ibsen era
considerada anecircmica feita de uma teacutecnica artificial e antiquada de intrigas elementarmente
mecacircnicas e assuntos superados textos mortos enfim que visavam mais agrave leitura que agrave
representaccedilatildeo Nesse ambiente contraacuterio a qualquer experiecircncia que natildeo fosse selecionada e
filtrada pela influecircncia e visatildeo francesas Carpeaux tornou-se um espiacuterito renovador
mostrando pontos de vista diferentes dos que reinavam aqui seja ao revelar escritores pouco
1 Gustavo A Doacuteria ldquoDez anos de permeiordquo Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975 p 39 2 O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 2 set 1938 Palcos e Circos p 4 (Sem assinatura)
59
conhecidos como Kafka Vico Croce Dilthey Max Weber seja ao reconsiderar outros caso
de Ibsen que natildeo tiveram suas obras devidamente analisadas Dessa maneira em 1942
Carpeaux publicou ldquoDefesa de Ibsenrdquo o primeiro de uma seacuterie de artigos em que procurou
resgatar os aspectos de atualidade do teatro ibseniano Nesse texto jaacute encontramos as ideacuteias
que dois anos mais tarde seriam desenvolvidas minuciosamente no ldquoEnsaio sobre Henrik
Ibsenrdquo o estudo mais conhecido de Carpeaux sobre o dramaturgo escrito a propoacutesito da
traduccedilatildeo para o portuguecircs de seis de suas peccedilas1 Entre os anos de 1940 e 1970 Carpeaux fez
conferecircncias escreveu artigos ensaios tornando-se a criacutetica mais avanccedilada e a autoridade
maacutexima dos estudos ibsenianos no Brasil a ponto de quase todas as montagens realizadas
nesse periacuteodo trazer em seus programas textos comentaacuterios ou qualquer citaccedilatildeo do criacutetico
O primeiro problema que Carpeaux identificou na resistecircncia da criacutetica brasileira agrave
obra de Ibsen era a forma de ver seus dramas sempre encerrados na estreiteza do teatro
realista e nas preocupaccedilotildees da burguesia do fim do seacuteculo XIX Para Carpeaux os assuntos de
Ibsen natildeo podiam ter envelhecidos como diziam os nossos criacuteticos porque simplesmente
nunca existiram em suas peccedilas Ler Os espectros como uma trageacutedia da hereditariedade e
tomar a cataacutestrofe de Osvaldo como a mateacuteria essencial do drama era segundo Carpeaux um
erro ldquoo heroacutei da peccedila natildeo eacute Osvaldo eacute sua devota matildee Helena que arruinou o filho natildeo
querendo abandonar o marido corrompidordquo2 A mesma coisa acontecia com Os pilares da
sociedade cujo assunto natildeo era a podridatildeo moral de um burguecircs respeitado e sim o medo que
cada indiviacuteduo tem do seu passado Em Um inimigo do povo a forccedila natildeo estava na derrota e
sim na vitoacuteria da democracia E em Casa de boneca a mateacuteria natildeo era a emancipaccedilatildeo
feminina pois para o criacutetico as mulheres jaacute haviam conquistado todos os direitos civis
poliacuteticos e sociais A tese essencial era a dificuldade e a necessidade de cada um assumir a
responsabilidade pelos seus atos De fato as reflexotildees de Carpeaux deram novo acircnimo para as
discussotildees de Ibsen no Brasil No entanto suas anaacutelises desenvolvidas a partir de
consideraccedilotildees de ordem moral e religiosa oriundas de uma visatildeo catoacutelica do mundo
minimizaram as reivindicaccedilotildees sociais das peccedilas valorizando apenas ldquoo destino do homem
individual e humanordquo Por isso para ele a condiccedilatildeo feminina em Casa de boneca era um
assunto obsoleto servindo apenas para expor a personagem agrave prova natildeo tendo Nora portanto
ldquoo direito de reivindicar no palco os direitos da mulher porque a mulher do nosso tempo jaacute
1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 31-65 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 149-161 p 158
60
tem todos os direitosrdquo1 Eacute assim que sob essa vertente religiosa Carpeaux ldquoesquecia-serdquo
entre outras coisas de que apesar da constituiccedilatildeo de 1934 ter regularizado a entrada das
mulheres no mercado de trabalho elas continuavam a receber menos que os homens que o
direito de abrir contas fazer cesarianas e viajar sem a permissatildeo do marido soacute estabelecido
em 1962 ainda estava longe de ser conquistado assim como o divoacutercio que soacute viria a ser
reconhecido no Brasil em 1977
A atualidade de Ibsen para Carpeaux estava no fato do dramaturgo ter descoberto o
modo de reintroduzir a proacutepria noccedilatildeo de destino e de fatalidade mdash conceito essencial da
trageacutedia mdash no teatro moderno Assim para a compreensatildeo dos problemas de Ibsen natildeo
importava tanto considerar a escolha de seus assuntos mas sim a maneira como ele os tratava
Apenas por esse caminho chegava-se ao fundamento do teatro do autor norueguecircs e agrave unidade
interior de toda a sua obra ldquoo combate agrave mentira e a preocupaccedilatildeo da salvaccedilatildeo da alma
humanardquo2 A partir de um vieacutes ldquotraacutegico cristatildeordquo3 em que o conceito de trageacutedia transformava-
se em criteacuterio de valor Carpeaux colocou no centro de discussatildeo dos dramas ibsenianos o
dogma do pecado original Por essa razatildeo os heroacuteis de Ibsen estavam condenados a responder
pelos erros cometidos no passado ldquoO destino das suas personagens eacute determinado
inexoravelmente pelas forccedilas do seu passado pela lembranccedila inextinguiacutevel e vingadora de
crimes perpetrados ou tencionados em eacutepocas anteriores da sua vida Ibsen escreveu
propriamente trageacutedias lsquohistoacutericasrsquo embora representadas em roupagens modernas Natildeo
acredita na possibilidade de fugir por meio de conversotildees morais ao determinismo da
histoacuteriardquo4
Assim como na trageacutedia grega as personagens ibsenianas estavam fadadas a se opor agrave
ordem moral do mundo A natureza exata das forccedilas em confronto era a necessidade do
homem agir contra as leis do Estado e suportar a responsabilidade dos seus atos com todas as
suas consequumlecircncias Dessa forma em Ibsen o traacutegico apresentava-se como uma fatalidade
livremente aceita pelo heroacutei que mesmo sabendo que poderia selar a sua proacutepria perda ao dar
iniacutecio ao combate manifestava o desejo de lutar pela sua liberdade Por isso Nora tinha de
abandonar seu lar Helena Alving tinha que largar o marido e Dr Stockmann tinha que
1 Otto Maria Carpeaux ldquoAos atores brasileirosrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 1 abr 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 154 (Grifo meu) 3 Cf sobre esse aspecto e outros do meacutetodo criacutetico de Carpeaux Mauro de Souza Ventura Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 4 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 63
61
denunciar a presenccedila de microacutebios nas aacuteguas minerais A contradiccedilatildeo entre as leis do
indiviacuteduo e da sociedade constituiacuteam segundo Carpeaux o conflito traacutegico que conferia agraves
peccedilas de Ibsen ldquoo assunto do gecircnero da Trageacutediardquo1 Do mesmo modo a necessidade inelutaacutevel
de assumir a falta cometida levava o heroacutei ibseniano assim como na trageacutedia a expiar os seus
pecados ateacute o fim Caso por exemplo de Helena Alving que escrava das convenccedilotildees sociais
natildeo abandonou o marido levando o filho agrave loucura Portanto a esse sentimento do traacutegico se
associava em Carpeaux a visatildeo pessimista da natureza humana segundo a qual somente por
meio da aceitaccedilatildeo do castigo pelo erro cometido no passado o homem poderia alcanccedilar a
remissatildeo e recobrar a sua liberdade ldquoNo foacuterum iacutentimo da alma descobre Ibsen a possibilidade
de salvaccedilatildeo aquela ldquomudanccedila de vidardquo que no Evangelho se chama lsquometanoeitersquo Eis o
sentido iacutentimo da fase ldquoneo-romacircnticardquo Lille Eyolf eacute a peccedila ldquoTolstoacuteianardquo da conversatildeo John
Gabriel Borkman eacute a trageacutedia da purificaccedilatildeo Naar vi Doede Vaagner [Quando noacutes os mortos
despertarmos] eacute a trageacutedia da ldquoressurreiccedilatildeordquo na morte do indiviacuteduordquo2
A partir da deacutecada de 1960 periacuteodo de instauraccedilatildeo do regime militar e da censura das
produccedilotildees artiacutesticas Carpeaux deixou um pouco de lado a visatildeo conservadora do catolicismo
passando a assumir pontos de vista poliacuteticos na apreciaccedilatildeo da literatura Assim o interesse
pela ldquosalvaccedilatildeo da almardquo em Ibsen foi substituiacutedo pelos problemas sociais Atesta-o um artigo
de 1962 onde o criacutetico apontou o disparate de se pensar resolvidos os problemas ibsenianos
ldquoEacute preciso ter muito boa consciecircncia e muita audaacutecia para achar lsquoantiquadosrsquo os negocistas
em As colunas da sociedade e a corrupccedilatildeo administrativa e o jornal venal em Um inimigo do
povordquo3 Nesse mesmo artigo Carpeaux tomou como o aspecto mais marcante da modernidade
de Ibsen a sua teacutecnica dramatuacutergica que assim como a de Brecht refutava o teatro
ilusioniacutestico levando o puacuteblico a participar dos acontecimentos no palco Em outro texto
publicado no programa do espetaacuteculo Casa de boneca da Companhia Tocircnia-Celi-Autran em
1973 o criacutetico denunciou o cerceamento da liberdade e a necessidade dos indiviacuteduos terem
consciecircncia dessa situaccedilatildeo Em chave irocircnica Carpeaux criticou o arbiacutetrio e o autoritarismo
que tomavam conta do paiacutes ldquoPois em nosso tempo atual e atualiacutessimo natildeo acontece mdash como
todo mundo sabe mdash que um empresaacuterio rico e respeitoso como lsquocoluna de sociedadersquo eacute na
realidade um escroque tampouco acontece em nosso tempo de plenitude da democracia que
um homem eacute perseguido como lsquoinimigo do povorsquo porque denuncia uma corrupccedilatildeo
1 Otto Maria Carpeaux ldquoPresenccedila de Ibsenrdquo Teatro brasileiro Satildeo Paulo Jaraguaacute n 7 p 2-3 maio-jun 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 64 3 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Acontece embora raramente []rdquoO Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 abr 1962 Suplemento Literaacuterio n 278 p 1
62
aproveitada pelos bem-pensantesrdquo1 Casa de boneca desse modo foi vista por Carpeaux
como a alegoria da luta dos homens pela liberdade e o gesto corajoso de Nora na uacuteltima cena
da peccedila como o expediente necessaacuterio para a transformaccedilatildeo da sociedade moderna que
tratava a todos homens e mulheres como bonecas
Sem duacutevida Carpeaux teve um papel importante como animador da volta de Ibsen aos
palcos brasileiros e como divulgador de sua obra entre noacutes No entanto sua concepccedilatildeo traacutegica
das peccedilas ibsenianas filtrada pela oacutetica do catolicismo progressista deu ensejo a uma seacuterie de
conjecturas que pouco ou quase nada de novo acrescentaram agrave anaacutelise do teatro de Ibsen Ao
contraacuterio ao aproximar a obra do norueguecircs da trageacutedia grega concentrando-se sobretudo na
figura do heroacutei ibseniano concebido como um indiviacuteduo isolado que sofre seu destino mdash seja
resignando-se agrave morte seja submetendo-se a um incessante exame de consciecircncia para expiar
seus pecados mdash Carpeaux perdeu de vista a dimensatildeo social das peccedilas transformando a obra
do autor em uma trageacutedia de moral cristatilde cujo uacutenico interesse estava na redenccedilatildeo da alma
humana Eacute assim que o criacutetico declarando obsoletos temas como o feminismo em Casa de
boneca a cobiccedila de Helena pelo dinheiro do Capitatildeo Alving em Os espectros a corrupccedilatildeo em
Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em John Gabriel Borkman etc acabou por
minimizar a criacutetica do dramaturgo agraves instituiccedilotildees e agraves convenccedilotildees limitadoras da sociedade
moderna Por conseguinte a maioria dos criacuteticos e artistas seguiram-lhe o caminho
preocupando-se quase que exclusivamente em estabelecer o que era novo na obra de Ibsen
Nesses casos normalmente o novo incidia no dilaceramento interior das personagens
substituindo-se a fatalidade religiosa de outrora pelo determinismo psicoloacutegico que
condenava os heroacuteis ibsenianos a viver com seus ldquodemocircnios interioresrdquo
1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoNossa Casa de bonecasrdquo Programa de Casa de bonecas direccedilatildeo de Cecil Thireacute Satildeo Paulo 1973
63
Entre o teatro amador e o profissional
A partir da deacutecada de 1940 sobretudo por causa das dificuldades de transporte
mariacutetimo durante a Segunda Guerra nossas editoras comeccedilaram a publicar obras estrangeiras
que em condiccedilotildees normais seriam importadas na liacutengua de origem ou em versotildees francesas
e inglesas no caso de autores como Ibsen Nietzsche Dostoieacutevski Tolstoacutei Puacutechkin entre
outros Mesmo num tempo de grande importaccedilatildeo de livros entre 1880 e 1910 era
praticamente impossiacutevel de se obter aqui um exemplar portuguecircs das peccedilas de Ibsen pois a
ediccedilatildeo e a representaccedilatildeo da obra do norueguecircs em Portugal era tatildeo diminuta quanto
episoacutedica1 Soacute em 1942 apareceram Casa de boneca e Os espectros traduzidos e prefaciados
por Joseacute Peacuterez para a Ediccedilotildees Cultura de Satildeo Paulo E dois anos mais tarde graccedilas agrave
influecircncia de Eacuterico Veriacutessimo entatildeo consultor editorial da Livraria Globo veio a puacuteblico a
ediccedilatildeo de Seis dramas coletacircnea traduzida por Vidal de Oliveira Esse livro composto de
peccedilas desconhecidas da maioria dos leitores brasileiros mdash Um inimigo do povo O pato
selvagem Rosmersholm A dama do mar Solness o construtor e Quando noacutes os mortos
despertarmos mdash trazia ainda um ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo de Otto Maria Carpeaux e um
prefaacutecio de Moritz Prozor para cada uma das peccedilas Nos anos 1950 tambeacutem apareceram
novas ediccedilotildees de Casa de boneca e Os espectros traduzidos por Alfredo Ferreira e A dama
do mar traduzida por Dea Caminha ambas pela Editora Vecchi do Rio de Janeiro Apesar
dessas iniciativas o niacutevel das traduccedilotildees brasileiras era muito baixo No caso de Ibsen os
tradutores partiam sempre do francecircs e deliberadamente evitavam a linguagem indelicada
amenizavam as ambiguumlidades das frases e utilizavam uma escrita excessivamente literaacuteria
nada coloquial
Ainda assim as traduccedilotildees serviram para os grupos de teatro amador trazerem Ibsen
novamente aos palcos brasileiros Para figuras como Aacutelvaro Moreira Renato Viana e
Paschoal Carlos Magno havia uma necessidade premente de colocar nosso teatro em peacute de
igualdade com o que se fazia nas grandes capitais da Europa Para isso natildeo bastava romper
com o passado e negar as tradiccedilotildees artiacutesticas da cena nacional muito menos encontrar o autor
brasileiro que refletisse os anseios da meacutedia sociedade burguesa Antes de mais nada era
imprescindiacutevel apresentar textos de melhor qualidade e espetaacuteculos mais bem cuidados
1 Consta desta pesquisa que circularam no Brasil as seguintes traduccedilotildees portuguesas Hedda Gabler Traduccedilatildeo de Freire Andrade [19--] Pilares da comunidade Traduccedilatildeo de Mario Delgado 1964 ambas da Editora Presenccedila de Lisboa Uma casa de bonecas dramas em trecircs atos Traduccedilatildeo de Emiacutelia de Arauacutejo Lisboa Guimaratildees 1916 e Os espectros Traduccedilatildeo de Joaquim Leone Soutello Lisboa Livraria Popular de Francisco Franco [19--]
64
seguindo principalmente os passos do modelo estrangeiro Assim para a modernizaccedilatildeo do
teatro brasileiro nossos artistas apoiaram-se quase que exclusivamente nas teorias de Jacques
Copeau embora conhecessem e acompanhassem com graus diversos de atenccedilatildeo as revoluccedilotildees
operadas por Antoine Stanislavski e Meyerhold Para as diferentes tendecircncias de renovaccedilatildeo
como a de Renato Viana e Alfredo Mesquita ou a de Aacutelvaro Moreira e Paschoal Carlos
Magno o mestre francecircs era o exemplo da nova arte e da nova eacutetica Nessa esteira os
espetaacuteculos deviam primar pela teatralidade Ao contraacuterio do significado original entre noacutes
isso queria dizer que no plano da interpretaccedilatildeo era imperativo a identificaccedilatildeo entre ator e
personagem e na relaccedilatildeo palco e plateacuteia era necessaacuterio provocar a empatia e a ilusatildeo da
realidade Isso soacute era possiacutevel atraveacutes do respeito ao texto isto eacute da busca do enriquecimento
da linguagem teatral da inspiraccedilatildeo poeacutetica e sobretudo da elevaccedilatildeo dos direitos espirituais
sobre os materiais Em outras palavras era inaceitaacutevel e de peacutessimo mau gosto a abordagem
naturalista do teatro e seus assuntos comezinhos problemas familiares adulteacuterio corrupccedilatildeo
hipocrisia reivindicaccedilotildees poliacuteticas etc Justamente dentro dessa perspectiva Ibsen foi
restituiacutedo ao contexto do teatro brasileiro Seguindo a mesma loacutegica de Carpeaux os dramas
ibsenianos deviam ser representados porque se igualavam em intensidade em profundeza e
em perfeiccedilatildeo cecircnica agraves grandes criaccedilotildees gregas A sua obra com as devidas exceccedilotildees natildeo
seria mais encenada pela oacutetica do cientificismo tampouco pelo vieacutes social mas pela
dramatizaccedilatildeo do destino do indiviacuteduo fadado a pagar pelos erros cometidos no passado
Assim o dramaturgo passou a ser visto pelo avesso ao tornar-se responsaacutevel pelo resgate da
accedilatildeo dramaacutetica mdash aquela motivada exclusivamente pelo psicoloacutegico mdash que expotildee no palco
somente a realidade interior das personagens
De qualquer forma os grupos do teatro amador colocaram o dramaturgo novamente na
ordem do dia Aleacutem das encenaccedilotildees jaacute conhecidas de Casa de boneca e Os espectros eles
trouxeram para o palco peccedilas nunca antes representadas na cena nacional como Um inimigo
do povo Quando noacutes os mortos despertarmos e John Gabriel Borkman Graccedilas agraves campanhas
artiacutesticas de Renato Viana que percorriam os estados do Norte e Nordeste do paiacutes e aos
festivais estudantis promovidos por Paschoal Carlos Magno as encenaccedilotildees da obra de Ibsen
natildeo ficaram mais restritas somente ao eixo Rio-Satildeo Paulo Aleacutem disso os espetaacuteculos
ganharam em qualidade o sotaque lusitano foi substituiacutedo pela prosoacutedia brasileira o ponto
que encerrado na caixinha do proscecircnio soprava o texto para os atores foi eliminado a
cenografia e a iluminaccedilatildeo ganharam importacircncia como linguagem cecircnica a figura do diretor
teatral indispensaacutevel para dar unidade de pensamento ao espetaacuteculo foi estabelecida Para
essas mudanccedilas contribuiacuteram os estrangeiros exilados de guerra que para caacute vieram trazendo
65
em suas bagagens experiecircncias teatrais de seus paiacuteses de origem Entre eles os poloneses
Ziembinski e Jorge Kossowsky o alematildeo Hoffmann Harnish o russo Zigmunt Turkov o
italiano Ruggero Jacobbi e o ator francecircs Louis Jouvet A atriz francesa Henriette Morineau
embora natildeo tenha participado diretamente da renovaccedilatildeo teatral influiu consideravelmente na
formaccedilatildeo dos novos atores ensinando-lhes a partir de seu proacuteprio exemplo o procedimento
declamatoacuterio dos textos a impostaccedilatildeo de voz o domiacutenio dos gestos e das expressotildees faciais
De Ibsen Morineau encenou Casa de boneca pela Companhia Dramaacutetica Francesa de Rachel
Beacuterendt no Teatro Municipal de Satildeo Paulo em julho de 1944 Dois anos depois ela fundaria
a sua proacutepria companhia Artistas Unidos cujo repertoacuterio abrangeria peccedilas do teatro de
boulevard de autores brasileiros e estrangeiros como Nelson Rodrigues Jean Anouilh Jean
Cocteau e Tennessee Williams
Entre dezembro de 1945 e janeiro de 1946 Renato Viana agrave frente do Teatro Anchieta
da Escola Dramaacutetica do Rio Grande do Sul apresentou-se no Rio de Janeiro com repertoacuterio
que incluiacutea obras de Dostoieacutevski Florecircncio Saacutenchez e Ibsen Desde a deacutecada de 1920 Renato
Viana empenhava-se em aparelhar o nosso incipiente teatro com novas praacuteticas de
interpretaccedilatildeo mormente inspiradas no meacutetodo de Stanislavski Envolvido pela atmosfera preacute-
modernista e munido de informaccedilotildees sobre a revoluccedilatildeo cecircnica na Ruacutessia (Stanislavski
Komissarzhevskaya e Meyerhold) e na Franccedila (Antoine Lugneacute-Poe e Copeau) ele propunha
a renovaccedilatildeo dos velhos coacutedigos teatrais e o estabelecimento de novos conceitos cecircnicos como
meios para se chegar a uma ldquoexpressatildeo brasileira em cenardquo Desse modo ele tornou-se o
nosso primeiro diretor de teatro instaurando um rigoroso sistema disciplinar que natildeo admitia
conversas paralelas durante os ensaios nem atrasos de atores e teacutecnicos coisas inteiramente
estranhas no nosso teatro onde a indisciplina era a regra1 Enquanto no Teatro do Estudante
de Paschoal Carlos Magno existia uma margem de improvisaccedilatildeo inerente agrave atividade
amadora nas campanhas artiacutesticas empreendidas por Renato Viana mdash Batalha da Quimera
Colmeacuteia Caverna Maacutegica Teatro de Arte Teatro-Escola e Teatro Anchieta mdash havia sempre
a preocupaccedilatildeo de um rigor profissional que exigia de seus alunos cada vez mais disciplina e
preparo especializado Foi assim que em dezembro de 1945 ele apresentou no Teatro
Ginaacutestico do Rio a primeira encenaccedilatildeo brasileira de Casa de boneca A imprensa saudou com
entusiasmo sua iniciativa sobretudo a de trazer para a cena nacional novos atores que
impressionavam pela maneira diferente de se comportarem no palco Entre os ldquonovos valoresrdquo
estava Maria Caetana filha de Renato Viana incumbidas do papel de Nora que embora jaacute
1 Cf sobre a obra e as campanhas artiacutesticas de Renato Viana Sebastiatildeo Milareacute ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrgt
66
conhecida da plateacuteia carioca pelo desempenho como protagonista nas peccedilas de seu pai
Monalisa e Margarida Gauthier recebeu muitos elogios sobretudo pela sua atuaccedilatildeo na cena
em que danccedilava a tarantela Depois dessa temporada no Rio Renato Viana como era de
praxe fez uma longa excursatildeo pelo paiacutes apresentando seus espetaacuteculos gratuitamente para
operaacuterios e estudantes
Nos anos subsequumlentes agrave montagem de Renato Viana seguiram-se as encenaccedilotildees de
Os espectros pelo Teatro do Estudante de Minas Gerais em 1947 pelo Teatro dos Estudantes
da Bahia e pelo Teatro Universitaacuterio do Centro Acadecircmico Horaacutecio Berlinck de Satildeo Paulo
ambos em 1948 Nesse mesmo ano paralelamente agraves accedilotildees do teatro amador o empresaacuterio
Franco Zampari fundou em Satildeo Paulo o Teatro Brasileiro de Comeacutedia (TBC) inaugurando
uma nova fase na cena nacional As atividades teatrais entraram nos paracircmetros da moderna
administraccedilatildeo mercadoloacutegica da cultura com patrociacutenio do Estado ou de grandes monopoacutelios
O programa esteacutetico ficou por conta dos encenadores estrangeiros que assumiram a tarefa de
dotar o paiacutes de uma dramaturgia compatiacutevel com o padratildeo internacional Desse modo para
equilibrar a receita e agradar a burguesia paulistana alternavam-se textos consagrados com
peccedilas de grande apelo popular principalmente as comeacutedias francesas e norte-americanas
Embora apoiado nos claacutessicos universais o TBC durante toda a sua existecircncia nunca incluiu
Ibsen em seu repertoacuterio Em entrevista ao Jornal do Brasil a propoacutesito da divulgaccedilatildeo do
espetaacuteculo Casa de boneca de 1971 Tocircnia Carrero nos daacute uma indicaccedilatildeo da resistecircncia do
TBC agraves peccedilas ibsenianas ldquoIbsen foi um autor de tal maneira importante que Shaw sentindo-se
ameaccedilado por sua qualidade dizia dele que era um dramaturgo ultrapassado Eu mesma por
influecircncia do TBC concordava com esta opiniatildeo Os diretores do TBC consideravam Ibsen um
autor de qualidade discutiacutevelrdquo1 Aleacutem do TBC considerar a obra do dramaturgo antiquada
portanto pouco apropriada para atualizaccedilatildeo do teatro brasileiro eacute possiacutevel que seguindo a
corrente esteacutetica francesa de Copeau e Jouvet julgasse de mau gosto os assuntos ibsenianos
voltados para o desmascaramento da sociedade burguesa Seja como for Ibsen ficaria ainda
algum tempo agrave margem das cogitaccedilotildees das companhias profissionais cabendo agrave accedilatildeo
renovadora do amadorismo estabelecer na imprensa um debate profiacutecuo sobre o seu teatro
Um dos conjuntos amadores que via em Ibsen o caminho para a transformaccedilatildeo da
praacutetica teatral vigente sobretudo pelo questionamento social de sua obra era o Teatro do
Estudante de Pernambuco Liderado por Hermilo Borba Filho o grupo desde 1945 procurava
redemocratizar a arte cecircnica brasileira atraveacutes da teatralidade e das teacutecnicas das festas
1 ldquoTocircnia feminista pela matildeo de Cecilrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 6 out 1971 (Sem assinatura)
67
populares nordestinas visando a um teatro poliacutetico feito para o povo Numa barraca
improvisada no Parque 13 de maio em Recife eles encenavam para uma plateacuteia que
desconhecia inteiramente o teatro peccedilas do repertoacuterio claacutessico e moderno como Soacutefocles
Shakespeare e Ibsen Foi com esse espiacuterito que em 1949 o grupo pernambucano montou a
peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos apresentando-a em praccedilas paacutetios ao ar livre
hospitais faacutebricas e presiacutedios Nesse mesmo ano o Teatro do Estudante do Paranaacute que tinha
sido fundado no ano anterior por Armando Maranhatildeo Ary Fontoura entre outros artistas
levou agrave cena Os espectros no Teatro Renascenccedila de Ponta-Grossa (PR)
Durante os anos 1950 os amadores continuaram a encenar as peccedilas de Ibsen caso de
Casa de boneca representada pelo Teatro 5 de setembro do Departamento Dramaacutetico do
Orfeatildeo Riograndense em 1952 e pelo Teatro Paulista em 1956 Rosmersholm encenado
pelos alunos da Faculdade de Direito da USP em 1955 Os espectros apresentado pelo Grupo
57 no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 e John Gabriel
Borkman montado pelo Teatro do Estudante da Paraiacuteba no II Festival Nacional de Teatros de
Estudantes em Santos (SP) em 1959 Nesse periacuteodo as diretrizes de encenaccedilatildeo das peccedilas
ibsenianas estavam mais niacutetidas diferenciando-se basicamente pela oposiccedilatildeo entre o social
que privilegiava neste caso o aspecto de criacutetica agrave sociedade e o individual voltado para os
problemas de consciecircncia das personagens As montagens de Renato Viana e Paschoal Carlos
Magno ambas de 1952 satildeo bons exemplos da contradiccedilatildeo que a partir de entatildeo se
estabeleceria entre artistas e criacuteticos a respeito da atualidade de Ibsen Para alguns caso de
Renato Viana e Hermilo Borba Filho o novo estava no esmaecimento do cunho dramaacutetico de
suas peccedilas o que possibilitava a criacutetica agrave realidade social para outros caso de Paschoal
Carlos Magno e Otto Maria Carpeaux o novo estava nos conflitos interiores das personagens
na condiccedilatildeo traacutegica do destino do indiviacuteduo e na teatralidade que visava aos sentidos e agrave
beleza esteacutetica
Por esse tempo Renato Viana estava na direccedilatildeo da Escola Dramaacutetica Martins Pena do
Rio de Janeiro que aleacutem ter um quadro docente de primeira linha composto por Joseacute
Oiticica Tomaacutes Santa Rosa Luiacutesa Barreto Leite entre outros mantinha uma companhia fixa
de teatro formada por alguns de seus alunos como Tereza Raquel e Roland Henze Dessa
experiecircncia resultaram as montagens Eacutedipo Rei de Andreacute Gide e Um inimigo do povo de
Ibsen que estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em julho de 1952 A encenaccedilatildeo foi
durante dois meses precedida de conferecircncias sobre a vida e a obra do autor norueguecircs caso
de ldquoAnaacutelise dos dramas ibsenianos sob o ponto de vista da representaccedilatildeordquo por Renato Viana
ldquoRetrato literaacuterio de Ibsenrdquo por Celso Kelly e ldquoIbsen e a questatildeo socialrdquo por Joseacute Oiticica A
68
linha da encenaccedilatildeo privilegiou o aspecto de censura agrave corrupccedilatildeo dos indiviacuteduos ao abuso de
poder e agrave opressatildeo social Carpeaux o criacutetico mais autorizado da eacutepoca sobre Ibsen elogiou a
iniciativa de Renato Viana de levar agrave cena um teatro de tatildeo grande valor literaacuterio No entanto
os temas sociais enfatizados na montagem pareceram-lhe revestidos de trajes histoacutericos ldquode
fantasias de casaca e cartolardquo Para ele a ideacuteia da responsabilidade moral das personagens era
a uacutenica coisa que natildeo envelhecera no teatro de Ibsen continuando a ser a condiccedilatildeo essencial
para a trageacutedia ldquona eacutepoca dos determinismos dialeacuteticos psicanaliacuteticos racistas e outros de
hoje a ideacuteia da responsabilidade continua a condiccedilatildeo sem qual natildeo haacute trageacutediardquo1
Dois meses depois da montagem de Um inimigo do povo o Teatro do Estudante do
Brasil apresentou Os espectros no Teatro Duse em setembro de 1952 Um texto de Carpeaux
impresso na primeira paacutegina do programa definia a linha do espetaacuteculo ldquono palco acenderatildeo a
luz da poesia traacutegicardquo2 Em outras palavras o que se veria em cena era a fatalidade da
condiccedilatildeo humana agindo sobre as personagens A doenccedila de Osvaldo jaacute natildeo era mais o tema
principal da peccedila mas sim o destino de Helena Alving condenada a expiar pelos pecados e
pela mentira A contemplaccedilatildeo esteacutetica e a catarse como na trageacutedia grega seriam
conquistadas pela grandeza e dignidade da protagonista ao aceitar e resignar-se agrave sua sorte A
encenaccedilatildeo pareceu seguir de perto as liccedilotildees de Copeau quanto ao primado do texto ao
despojamento do palco e agrave veneraccedilatildeo dos claacutessicos Em um manuscrito de Carpeaux reunido
por Orlanda Carlos Magno em seu livro sobre o Teatro Duse o criacutetico destacou a
simplicidade do cenaacuterio e a atmosfera de solidatildeo e anguacutestia criada pelo diretor Jorge
Kossowsky no momento da revelaccedilatildeo do segredo traacutegico ldquoo tema edipiano sofoclianordquo
Aleacutem disso elogiou a atuaccedilatildeo de Eugecircnio Carlos que sem se colocar no centro da accedilatildeo
ofereceu excelente estudo da decadecircncia fiacutesica de Osvaldo e de Miriam Carmem que no
papel de Helena reuniu a dignidade de uma ldquorainha shakespearianardquo e a expressatildeo de
amargura de uma vida desgraccedilada3 Passados dez anos de seu primeiro texto sobre Ibsen
Carpeaux ainda apontava como valores permanentes da obra ibseniana o conflito individual
das personagens O tempo para ele encarregara-se de eliminar os traccedilos histoacutericos e sociais
das peccedilas podendo apenas o esteacutetico comover e impressionar os espectadores
1 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Estatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo O Jornal Rio de Janeiro 29 jun 1952 2 Otto Maria Carpeaux ldquoAmigo espectador []rdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Jorge Kossowsky Rio de Janeiro 1952 3 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEspectros (Teatro Duse)rdquo In Orlanda Carlos Magno Pequena histoacuteria do Teatro Duse Rio de Janeiro SNT 1973 p 97-98
69
Ao abrir-se a deacutecada de 1960 o teatro brasileiro encontrava-se em pleno processo de
redemocratizaccedilatildeo apresentando uma dramaturgia de cunho criacutetico voltada para as
contradiccedilotildees baacutesicas da nossa realidade social Apreendidas as novas maneiras de conceber o
espetaacuteculo a valorizaccedilatildeo do diretor o aprimoramento dos atores o cuidado com cenaacuterios
figurinos e iluminaccedilatildeo comeccedilavam a despontar na cena nacional novos artistas que
reclamavam um espaccedilo para o teatro popular Tudo isso fruto dos esforccedilos realizados em
anos anteriores por Aacutelvaro Moreira Renato Viana Paschoal Carlos Magno Hermilo Borba
Filho entre outros artistas que se opuseram ao teatro comercial em voga Surgiram assim
figuras como Millocircr Fernandes Antonio Callado Oduvaldo Viana Filho e Gianfrancesco
Guarnieri autores preocupados com as questotildees sociais grupos como o Teatro de Arena
criado em 1953 por Joseacute Renato o Teatro Popular do Nordeste fundado em 1958 por
Hermilo Borba Filho e o Centro Popular de Cultura da UNE liderado por Vianinha e
inspirado no Movimento Popular de Cultura de Pernambuco de Miguel Arraes todos
compartilhando do mesmo desejo de transformar o paiacutes a partir da accedilatildeo cultural Aleacutem disso
novos conceitos oriundos dos recursos do teatro eacutepico de Brecht e do teatro poliacutetico de
Piscator ganhavam cada vez mais espaccedilo em detrimento das velhas teorias francesas de
Copeau e Jouvet Todo esse surto renovador sofreu enorme abalo com o golpe militar de 1964
e com a censura tatildeo logo instaurada que interditava as peccedilas que abordavam temas poliacuteticos e
sociais alterava os textos dramaacuteticos considerados improacuteprios e perseguia os artistas
engajados politicamente como eacute sabido
Nessas circunstacircncias Ibsen passou a interessar mais do que nunca os conjuntos
profissionais de teatro A essa altura jaacute estava mais do que consolidada a ideacuteia de que sua
obra era datada portanto nenhum problema nossos artistas teriam com a censura ao levar
para o palco um autor ldquoultrapassado das preacutedicas libertaacuteriasrdquo Se por um lado houve quem o
colocasse em cena exatamente dentro dessa linha de pensamento valorizando apenas a
grandeza de suas personagens que comparadas agrave estirpe das figuras da trageacutedia grega
poderiam oferecer aos atores a consagraccedilatildeo profissional por outro houve quem se utilizasse
dessa opiniatildeo generalizada como frente de resistecircncia agrave ditadura colocando em foco o
passado para melhor falar do presente por meio de alusotildees e metaacuteforas Curiosamente o
autor norueguecircs que fora excluiacutedo do repertoacuterio do TBC passou a ser encenado por atores e
diretores dissidentes do mesmo Teatro Brasileiro de Comeacutedia que mais tarde acabaram
formando suas proacuteprias companhias Ziembinski agrave frente do Teatro do Rio companhia
fundada por Rubens Correcirca e Ivan Albuquerque foi o responsaacutevel pela primeira realizaccedilatildeo
profissional de uma peccedila de Ibsen no Brasil dirigindo Os espectros no Teatro Satildeo Jorge do
70
Rio de Janeiro em marccedilo de 1961 No programa do espetaacuteculo o diretor aleacutem de afirmar a
modernidade do dramaturgo definia o fio condutor de sua montagem ldquoo horror do jogo das
conveniecircncias e pontos de vista hipoacutecritas que matam a espontacircnea liberdade do homem essa
uacutenica liberdade frutiacutefera criadora e causadora da nossa sobrevivecircncia espiritualrdquo1 Para ele o
drama tendo como assunto principal o ldquoconflito passional e ideoloacutegicordquo de Helena deveria
ser encenado numa linguagem atenuada sem o exagero de situaccedilotildees violentas e pateacuteticas Por
isso a orientaccedilatildeo dada aos atores era para fugir dos malabarismos psicoloacutegicos o que
transformaria o texto de um alcance filosoacutefico e social em aventuras que cheiravam a
melodrama O espetaacuteculo ficou pouco mais de um mecircs em cartaz A maior parte dos criacuteticos
apontou como fragilidade da encenaccedilatildeo o fato do diretor diminuir o aspecto melodramaacutetico da
peccedila deixando de colocar no palco o ldquomundo rico de sugestotildees teatraisrdquo de Ibsen Em outras
palavras puacuteblico e criacutetica lamentaram na montagem a ausecircncia do entusiasmo da vivacidade
e do substrato psicoloacutegico das personagens Para Paulo Francis o diretor apenas havia
ensaiado os atores sem se preocupar em chegar a qualquer conclusatildeo aparente da peccedila A
proacutepria atuaccedilatildeo de Ziembinski no papel do pastor Manders foi censurada ldquoZiembinski
limitou-se a procurar atenuar o melodrama da peccedila dando ao papel que interpreta do pastor
Manders graccedilas a certos gestos e inflexotildees uma comicidade para aleacutem do que nos parece
sugerir o personagem e constituindo hiatos cocircmicos que se chocam com o tom geral da
peccedilardquo2
Em outubro de 1965 duas peccedilas de Ibsen foram encenadas em Satildeo Paulo Hedda
Gabler pela Companhia Nydia Liacutecia e Seacutergio Cardoso representada no Teatro Bela Vista e
Os espectros primeira peccedila da companhia Teatro da Cidade de Satildeo Paulo de Alberto
DrsquoAversa montada no TBC Os dois espetaacuteculos na ordem da expectativa dramaacutetica tanto do
puacuteblico quanto da criacutetica parecem ter cumpridos seus papeacuteis Para Oliveira Ribeiro Neto
criacutetico drsquoA Gazeta mais importante que a exterioridade de Hedda Gabler mdash ldquomuito mais que
a sua beleza a sua juventude a sua classerdquo mdash era o ldquoseu aspecto interior de mulher
nevropata cansada da mediocridade da existecircnciardquo Por ser essa segundo ele a caracteriacutestica
essencial da peccedila pareceu-lhe ldquoexcessivamente desanuviadardquo a direccedilatildeo de Walmor Chagas
que suprimiu de sua montagem o ambiente opressivo em que se deveria desenvolver o drama
No entanto ainda segundo Ribeiro Neto esse detalhe natildeo desabonava em nada as qualidades
dramaacuteticas do espetaacuteculo sustentadas por Nydia Liacutecia no papel-tiacutetulo que emprestara agrave
1 Z Ziembinski ldquoSobre a atualidade de Ibsenrdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Ziembinski Rio de Janeiro 1961 2 Henrique Oscar ldquoEspectros de Ibsen pelo Teatro do Riordquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 14 abr 1961 Cf tambeacutem Paulo Francis ldquoO espetaacuteculo do Teatro do Riordquo Diaacuterio Carioca Rio de Janeiro 19 abr 1961
71
personagem ldquomuito do seu encanto aparecendo bela e sedutora com certos tiques nervosos
de quem sente profunda preocupaccedilatildeo sempre expressiva no seu nervosismo de mulher que
comeccedila a esperar um filhordquo1 indesejado Paulo Mendonccedila jornalista da Folha de S Paulo
compartilhava de certo modo das ideacuteias de Oliveira Ribeiro Neto Para ele a accedilatildeo dramaacutetica
de Hedda Gabler construiacuteda sem nenhum rigor teacutecnico dificultava a comunicaccedilatildeo com o
puacuteblico natildeo sendo raras as situaccedilotildees em que os espectadores sentiam-se perdidos por natildeo
entender as questotildees que Ibsen levantava e deixava sem respostas a ponto de ao cair o pano
todos indagarem ldquoe daiacuterdquo Considerando a intriga gratuita e pouco convincente Paulo
Mendonccedila atribuiacutea exclusivamente agrave atriz incumbida do papel-tiacutetulo a responsabilidade do
ecircxito da montagem Somente atraveacutes dos recursos da forccedila e do magnetismo da atriz
principal a peccedila poderia adquirir uma dimensatildeo cecircnica acessiacutevel agrave plateacuteia Portanto Hedda
Gabler segundo ele era ldquomenos uma peccedila do que um papelrdquo fruto da intransigecircncia do
dramaturgo que preferia ldquoser absurdo a deixar de ser implacavelmente autecircnticordquo2
Os espectros de Alberto DrsquoAversa embora em curta temporada na capital paulista por
causa do compromisso dos teatros com outros espetaacuteculos logrou enorme sucesso de criacutetica e
puacuteblico A montagem enfatizava com uma certa dose de afetaccedilatildeo o desespero e o sofrimento
de Helena Alving mdash exatamente os aspectos que quatro anos antes os criacuteticos sentiram falta
na mesma peccedila montada por Ziembinski no Rio de Janeiro Ao que parece o diretor italiano
aprendera com o ldquoerrordquo de seu colega e ao contraacuterio dele apresentou um drama sentimental
buscando uma empatia cada vez maior com a plateacuteia Em entrevista ao Diaacuterio da Noite
DrsquoAversa explicou o porquecirc da escolha de Os espectros para a estreacuteia de sua companhia em
Satildeo Paulo ldquoOs motivos satildeo claros e alguns de suma importacircncia Ibsen eacute um dos cinco
autores mais famosos do mundo Aleacutem disso apesar de natildeo ser inteiramente comercial eacute uma
peccedila que possui todas as qualidades para agradar o puacuteblicordquo3 Por certo as qualidades a que o
diretor se referia eram aquelas que a criacutetica reclamara como ausentes na encenaccedilatildeo de
Ziembinski conflito profundidade psicoloacutegica e tensatildeo dramaacutetica
Em maio de 1966 o Grupo 57 voltou a apresentar Os espectros dessa vez no Teatro
de Arena da Guanabara no Rio de Janeiro O grupo havia sido premiado pela encenaccedilatildeo
dessa mesma peccedila no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 No
entanto natildeo alcanccedilou o mesmo ecircxito com a montagem profissional As marcaccedilotildees do diretor
1 Oliveira Ribeiro Neto ldquoHedda Gabler ndash Muito mais importante que o aspecto externo da personagem Hedda Gabler []rdquo A Gazeta Satildeo Paulo 25 out 1965 2 Paulo Mendonccedila ldquoHedda Gabler ndash Irdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 12 out 1965 e ldquoHedda Gabler ndash IIrdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 14 out 1965 3 ldquoEspectros de Ibsen cinco dias no TBCrdquo Diaacuterio da noite Satildeo Paulo 14 out 1965 (Sem assinatura)
72
Garcia Xavier apoiada quase que exclusivamente no infortuacutenio de Helena e Osvaldo Alving
soaram artificiais e exageradas Henrique Oscar criacutetico do Diaacuterio de Notiacutecias apontou a
insuficiecircncia da maioria dos inteacuterpretes como a parte mais problemaacutetica do espetaacuteculo Agnes
Fontoura no papel de Helena foi a mais criticada pois atuara agrave maneira da velha escola com
gestos expressotildees fisionocircmicas e ldquoolhares digno de museurdquo A traduccedilatildeo de Alfredo Ferreira
utilizada no espetaacuteculo natildeo escapou agrave exprobraccedilatildeo ldquoAleacutem de empregar expressotildees
impraticaacuteveis no palco como lsquoazaacutefamarsquo e outras eacute de uma impropriedade clamorosa cheia de
lsquosim simrsquo lsquobem bemrsquordquo1 Para Fausto Wolff da Tribuna da Imprensa o diretor tinha
conseguido aproximar a peccedila de Ibsen da telenovela brasileira limitando-se os atores com
exceccedilatildeo de Edson Guimaratildees inteacuterprete de Engstrand a apresentar um tom monocoacuterdio e
melodramaacutetico onde entravam ldquosusto choro grito histeria e suspense amadorrdquo2
Se Os espectros do Grupo 57 foi duramente criticado pela falta de aperfeiccediloamento
dos atores e pela negligecircncia em cenaacuterio e figurino a primeira e uacutenica montagem de As
colunas da sociedade encenada no Teatro Guaiacutera de Curitiba pelo Teatro de Comeacutedia do
Paranaacute (TCP) em novembro do mesmo ano foi recebida entusiasticamente pela nossa criacutetica
teatral O TCP organizado e dirigido por Claacuteudio Correa e Castro vinha conquistando cada
vez mais espaccedilo no cenaacuterio cultural brasileiro atraveacutes de produccedilotildees de claacutessicos mundiais e de
textos nacionais como Um elefante no caos de Millocircr Fernandes montada em 1963 A
megera domada de Shakespeare encenada em 1964 Escola de mulheres de Moliegravere e O
santo milagroso de Lauro Cesar Muniz ambas representadas em 1965 O texto de Ibsen
segundo Claacuteudio Correa e Castro havia sido incluiacutedo no repertoacuterio do grupo porque aleacutem de
desmascarar a hipocrisia da sociedade mdash ldquoo que todo mundo gostaria que se fizesse com
algumas de nossas lsquocolunasrsquordquo3 mdash seus atores precisavam enfrentar um texto realista o que
natildeo acontecia havia cerca de trecircs anos desde A vida impressa em doacutelar de Clifford Odets
representada em 1963 Os pontos fortes da montagem ficaram por conta dos figurinos de
Kalma Murtinho e do cenaacuterio de Claacuteudio Correa e Castro ldquoimpecaacutevel no seu bom gosto e nos
menores detalhes do seu acabamentordquo4 Todos os moacuteveis haviam sido feitos especialmente
para a encenaccedilatildeo e ateacute se pocircs em cena uma maacutequina de costura da eacutepoca reproduzindo
fielmente o interior de uma residecircncia burguesa de 1870
1 Henrique Oscar ldquoEspectros no Arena da Guanabarardquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 26 maio 1966 2 Fausto Wolff ldquoOs espectros espectrais no Arena IIrdquo Tribuna da Imprensa Rio de Janeiro 1 jun 1966 3 Entrevista de Clauacutedio Correa e Castro concedida a Martim Gonccedilalves ldquoIbsen em Curitibardquo O Globo Rio de Janeiro 1 nov 1966 4 Yan Michalski ldquoIbsen em Curitibardquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 2 nov 1966
73
Entre as deacutecadas de 1960 e 1970 sobretudo apoacutes o recrudescimento da censura com o
AI-5 Ibsen ganharia encenaccedilotildees cada vez mais luxuosas impressionantes pela beleza plaacutestica
dos cenaacuterios e figurinos envolvendo os espectadores num mundo irreal dinacircmico cheio de
som cores e efeitos espetaculares Com raras exceccedilotildees caso das montagens de Hermilo
Borba Filho Fernando Torres e Antunes Filho buscava-se driblar a censura atraveacutes dos
recursos da estilizaccedilatildeo e da metaacutefora a fim de mostrar o significado real dos textos ibsenianos
e construir da melhor maneira possiacutevel uma frente de resistecircncia agrave ditadura Assim foi a
montagem de Um inimigo do povo encenada pelo Teatro Popular do Nordeste em 1967 A
companhia liderada por Hermilo Borba Filho dava continuidade ao trabalho artiacutestico e
cultural do Teatro do Estudante de Pernambuco (fundado em 1945) levando para o povo
espetaacuteculos natildeo soacute de qualidade literaacuteria como tambeacutem de questionamento social o que
permitia ao puacuteblico uma compreensatildeo maior de sua proacutepria histoacuteria Por meio de expedientes
como o canto a danccedila a maacutescara o boneco Hermilo procurou apresentar em sua casa de
espetaacuteculos na Avenida Conde da Boa Vista em Recife uma peccedila criacutetica viva denunciando
na figura do Dr Stockmann o cerceamento da liberdade e a perdiccedilatildeo do indiviacuteduo diante da
arbitrariedade do Estado
Dois anos mais tarde em agosto de 1969 Fernando Torres encenaria a mesma peccedila
no Teatro Satildeo Pedro em Satildeo Paulo procurando assim como Hermilo questionar o
autoritarismo a falta de liberdade de expressatildeo e a desigualdade de direitos Depois de
encerradas as atividades do Teatro de Arena e do Oficina o Teatro Satildeo Pedro arrendado por
Beatriz e Mauriacutecio Segall em 1968 no auge da repressatildeo apresentava-se como um dos
uacuteltimos grupos da cena paulistana comprometido com uma produccedilatildeo artiacutestica voltada para a
anaacutelise social Buscando uma nova maneira de expressatildeo teatral que pudesse burlar a censura
e ao mesmo tempo oferecer ao puacuteblico espetaacuteculos que vislumbrassem a transformaccedilatildeo das
praacuteticas poliacuteticas e culturais vigentes o Teatro Satildeo Pedro acolheu muitos artistas
rearticulando antigos laccedilos profissionais e poliacuteticos Dessa feita o grupo encenou entre outras
coisas Os fuzis da sra Carrar de Brecht com direccedilatildeo de Flaacutevio Impeacuterio em 1968 Marta
Sareacute de Gianfrancesco Guarnieri e Edu Lobo dirigido por Fernando Torres em 1969 e
Tambores na noite de Brecht dirigido por Fernando Peixoto em 1972 Para Beatriz e
Mauriacutecio Segall ldquoIbsen era o tom mais apropriado para o Brasil poacutes-AI-5 A questatildeo eacutetica
colocada em Um Inimigo do Povo de um homem que natildeo abandona as suas convicccedilotildees
74
mesmo quando todas as situaccedilotildees se voltam contra ele era uma profissatildeo de feacute que a
companhia estava disposta a carregar consigordquo1
Ainda na esteira da resistecircncia democraacutetica Antunes Filho encenou Peer Gynt no
Teatro Itaacutelia de Satildeo Paulo em abril de 1971 No panorama das produccedilotildees teatrais da eacutepoca
limitadas a um teatro comercial e digestivo a montagem de Antunes mereceu muitos elogios
dos nossos criacuteticos Depois dos absurdos dos empresaacuterios teatrais de apostar exclusivamente
no aspecto lucrativo dos espetaacuteculos sem se preocupar com a qualidade das peccedilas Saacutebato
Magaldi apontou a encenaccedilatildeo de Antunes como ldquouma resposta luacutecida e brilhante a todos os
erros que [ameaccedilavam] a nossa atividade cecircnicardquo2 Com Peer Gynt Antunes instituiacutea na cena
brasileira uma nova maneira de conceber o espetaacuteculo propondo a retomada da palavra e a
colocaccedilatildeo do homem no centro dos acontecimentos O proacuteprio Antunes em entrevista agrave Folha
de S Paulo registrou essa mudanccedila ldquonosso espetaacuteculo eacute um marco do novo teatro a
liberdade do autor e do ator Acabaram a ditadura e o accediloite do diretor do nosso teatro
formalista e abstrato da forma pela forma Agora eacute o homem recolocado novamente dentro de
sua histoacuteriardquo3 Nessa perspectiva Peer Gynt funcionava como um libelo contra a alienaccedilatildeo e o
escapismo apresentando a histoacuteria de um homem que vive apenas o momento sem lanccedilar
amarras e sem se engajar Desse modo a cada episoacutedio da vida de Peer Antunes buscou
criticar o oportunismo a filosofia do ldquojeitinho brasileirordquo e a indiferenccedila aos problemas
poliacuteticos e sociais A forccedila da montagem desse modo patenteava-se justamente na forma
como Antunes a partir da anaacutelise individual da personagem-tiacutetulo conseguira passar pelo
social e ascender ao poliacutetico
Poucos meses depois de Peer Gynt em outubro de 1971 estreava no Teatro Glaacuteucio
Gil do Rio de Janeiro Casa de boneca dirigida por Cecil Thireacute e estrelada por Tocircnia Carrero
A comeccedilar pelos textos apresentados no programa mdash ldquoNossa Casa de bonecasrdquo de Otto
Maria Carpeaux ldquoIbsen jaacute erardquo de Cecil Thireacute e ldquoCasa de bonecas ou sociedade de
bonecosrdquo de Fernando Peixoto mdash que discutiam a atualidade da peccedila agrave luz dos problemas
da realidade brasileira a montagem parecia sugerir uma criacutetica agrave opressatildeo e aos valores
retroacutegrados da sociedade encarnados na figura de Torvald Helmer No entanto a perspectiva
de criacutetica social parece ter ficado somente na intenccedilatildeo A linha adotada pelo diretor oscilou
1 ldquoTeatro Satildeo Pedrordquo Disponiacutevel lthttpwwwitauculturalorgbraplicexternasenciclopedia_teatrogt Cf tambeacutem Marco Antocircnio Guerra Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2 Saacutebato Magaldi ldquoNatildeo perca esta aventurardquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 29 abr 1971 3 Depoimento de Antunes Filho a Jorge Saacute de Miranda ldquoPeer Gynt celebra 100ordf apresentaccedilatildeordquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 29 abr 1971
75
entre uma montagem convencionalmente realista e uma vaga tentativa de modernizaccedilatildeo
cecircnica com o uso de intervenccedilotildees musicais e certos efeitos de luz que aproximaram o
espetaacuteculo segundo alguns criacuteticos ldquodas atuais telenovelas e dos dramalhotildees emboloradosrdquo1
Segundo Fernando Peixoto sentia-se claramente o intento do diretor Cecil Thireacute de apresentar
a tirania de Helmer como o microcosmo de uma realidade maior mais ampla e mais terriacutevel
No entanto a tiacutemida encenaccedilatildeo natildeo conseguira romper a estrutura soacutelida da intriga nem ldquoa
teia de conflitos do textordquo2 Desse modo a soluccedilatildeo eacutepica usada no final da peccedila o
desmoronamento do cenaacuterio como fizera Meyerhold na sua versatildeo de Casa de boneca de
1906 apresentou-se como uma ingecircnua metaacutefora da desestruturaccedilatildeo familiar e da queda dos
valores burgueses
Na deacutecada de 1980 a dramaturgia de natureza poliacutetica desaparece do palco brasileiro
voltando-se a maioria de nossos artistas para o ldquobesteirolrdquo um teatro de puro entretenimento
de grande aceitaccedilatildeo popular mas de completa despreocupaccedilatildeo literaacuteria e de indisfarccedilaacutevel
gratuidade Por outro lado no campo dos experimentalismos poacutes-modernos as encenaccedilotildees de
Gerald Thomas mdash Carmen com filtro e Electra com creta ambas de 1986 e Trilogia Kafka
de 1988 por exemplo mdash datildeo a tocircnica de um novo tipo de criaccedilatildeo cecircnica com a valorizaccedilatildeo
cada vez maior das linguagens visuais coreograacuteficas e sonoras em detrimento da palavra No
caso de Ibsen o vieacutes individualista de sua obra em oposiccedilatildeo ao aspecto social que desde os
anos 1940 vinha despertando o interesse de nossos artistas consolida-se a partir de entatildeo
como o grande fator de atualidade de seu teatro Os traccedilos morais e psicoloacutegicos de suas
personagens tidos como os uacutenicos elementos de modernidade e vigor de suas peccedilas ganham
relevo nas montagens desse periacuteodo Apoiados nos estudos do criacutetico norte-americano Robert
Brustein e do meacutedico vienense Wilhelm Reich nossos artistas passam a analisar a obra do
autor norueguecircs atraveacutes do recorte biograacutefico e de meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura Robert
Brustein exerceu grande influecircncia no Brasil sobretudo depois da publicaccedilatildeo de seu livro O
teatro de protesto pela editora Zahar do Rio de Janeiro em 1967 Retomando as ideacuteias de
Prozor acerca do caraacuteter autobiograacutefico do teatro de Ibsen Brustein procura identificar os
elementos da experiecircncia emocional do dramaturgo em suas peccedilas chegando agrave conclusatildeo de
que muitos dos heroacuteis ibsenianos satildeo auto-retratos do proacuteprio autor Nesse sentido ao analisar
O pato selvagem mdash para ele uma ldquopeccedila semi-autobiograacuteficardquo mdash o criacutetico afirma ter Ibsen
criado Gregers Werle agrave sua imagem e semelhanccedila conferindo agrave personagem as caracteriacutesticas
1 ldquoUm Ibsen bem comportadordquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 12 p 14-15 jan 1972 (Sem assinatura) 2 Fernando Peixoto e Alberto Guzik ldquoTeatro no Rio e em Satildeo Paulo a temporada de 71rdquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 13 p 7-13 fev 1972
76
de um tiacutepico ibsenista com o propoacutesito de satirizar a si proacuteprio e impedir que ele viesse a ldquoser
institucionalizado por adeptos servisrdquo Da mesma maneira como havia feito Prozor no seu
prefaacutecio da traduccedilatildeo de Solness o construtor em 1894 Brustein compara o desenvolvimento
da personagem-tiacutetulo com a evoluccedilatildeo do trabalho de Ibsen Para o criacutetico Solness eacute ldquopura
autobiografiardquo sendo o construtor um dos mais elaborados auto-retratos do autor ldquoO
sentimento alimentado por Solness de que sua inquebrantaacutevel dedicaccedilatildeo agrave sua vocaccedilatildeo
destruiacutera nele a felicidade eacute um reflexo das duacutevidas e dos pesares de Ibsen depois expressos
em John Gabriel Borkmanrdquo1
Por sua vez o polecircmico meacutedico Wilhelm Reich conhecido mundialmente pelo seu
livro Psicologia de massas do fascismo (1934) onde analisa a repressatildeo sexual como uma
espeacutecie de matriz que prepara o indiviacuteduo para a aceitaccedilatildeo das demais coerccedilotildees mdash caso
segundo ele da adesatildeo da populaccedilatildeo alematilde ao discurso fascista mdash teve no Brasil uma
recepccedilatildeo limitada ao campo da terapia corporal Simplificando bastante interessava aos
admiradores brasileiros de Reich apenas o exame do corpo como invoacutelucro da histoacuteria de cada
sujeito sendo possiacutevel por meio de sua anaacutelise resgatar as emoccedilotildees mais profundas dos
indiviacuteduos Nessa esteira A funccedilatildeo do orgasmo (1927) livro dedicado ao estudo da
sexualidade humana teve enorme repercussatildeo no Brasil dos anos de 1970 Essa obra alcanccedilou
tamanho sucesso entre noacutes que desde a primeira publicaccedilatildeo feita pela Brasiliense em 1975
passou a ser editada constantemente chegando a deacutecima nona ediccedilatildeo em 1995 Por certo o
ensaio sobre ldquoPeer Gyntrdquo contido nesse volume exerceu uma influecircncia significativa na nova
abordagem da peccedila que passaria a considerar a figura de Peer como o siacutembolo do homem
perdido no fluxo de suas experiecircncias tentando descobrir qual eacute o seu verdadeiro Eu
autecircntico Essa caracteriacutestica atribuiacuteda agrave personagem estendia-se a Ibsen mdash ldquoAssim era Ibsen
e assim era Peer Gyntrdquo2 mdash que tambeacutem procurava atraveacutes de suas peccedilas uma sondagem do
eu profundo expondo seu proacuteprio caraacuteter ao exame e criacutetica implacaacuteveis Tornou-se comum
a partir de entatildeo associar a mateacuteria das peccedilas agrave vida do autor caindo-se facilmente na
armadilha da projeccedilatildeo Desse modo o subjetivismo das imagens e das personagens elucidava
a psicologia de Ibsen e os fatos e experiecircncias de sua vida pessoal serviam para estabelecer o
conteuacutedo da obra A implicaccedilatildeo de tudo isso foi o depauperamento do texto ibseniano pois o
que nele se ambicionara passou a ser visto como atributo do autor ser vivo e inesgotaacutevel no
papel impresso Ao valorizar apenas a vida interior das personagens os padrotildees arquetiacutepicos
1 Robert Brustein ldquoHenrik Ibsenrdquo O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 93 2 Wilhelm Reich ldquoPeer Gyntrdquo A funccedilatildeo do orgasmo problemas enconocircmico-sexuais da energia bioloacutegica 4 ed Satildeo Paulo Brasiliense 1978 p 48
77
as raiacutezes miacuteticas e o significado simboacutelico e sexual do teatro de Ibsen nossos criacuteticos e
artistas deixaram de lado uma das dimensotildees mais modernas da obra do dramaturgo a perda
de consistecircncia da solidez de seus dramas que para expressar a desordem social poliacutetica e
econocircmica foram contaminando-se progressivamente de elementos eacutepicos chegando por
vezes a romper com os cacircnones tradicionais
Na esteira das orientaccedilotildees de Brustein e Reich inclusive reproduzindo quase na
iacutentegra os textos desses dois autores no programa do espetaacuteculo Marcos Fayad agrave frente do
grupo Engenho de Teatro dirigiu Peer Gynt no Teatro Ginaacutestico do Rio em junho de 1982 A
encenaccedilatildeo baseada na exploraccedilatildeo do inconsciente e dos recalques da personalidade de Peer
procurava mostrar a viagem empreendida por um homem em busca de sua proacutepria identidade
e do verdadeiro papel que lhe cabia na vida Desse modo a personagem-tiacutetulo veio ao palco
mergulhada num denso universo de misticismo metafiacutesica e duacutevidas existenciais Chegou-se
mesmo ao disparate de comparar Peer e Ibsen mdash ldquoPeer Gynt eacute o lado de Ibsen que foi em
busca de prazer sob o sol da Itaacuteliardquo1 mdash e a evocar em termos biograacuteficos os processos
psiacutequicos do autor quando estava escrevendo a peccedila Assim Peer Gynt tinha um discurso
tortuoso porque o dramaturgo no momento da escrita da obra oscilava entre influecircncias
esteacuteticas e filosoacuteficas muito diversificadas como a obsessatildeo miacutestica do romantismo e a
anguacutestia existencial kierkegaardiana Para Yan Michalski criacutetico do Jornal do Brasil em
nenhuma peccedila de Ibsen ldquoo debate existencial era colocado em termos tatildeo teoacutericos de tanta
abrangecircncia filosoacuteficardquo como em Peer Gynt Por essa razatildeo o desafio de qualquer montagem
dessa peccedila era tornar teatral ldquoo discurso aacuterido e metafiacutesicordquo da obra tarefa que ainda segundo
Michalski o Engenho de Teatro natildeo conseguira cumprir por dois motivos primeiro porque
ldquoo sentido mais profundo desse discurso natildeo foi assimilado pelos atoresrdquo e segundo porque
faltava-lhes o instrumental teacutecnico para tornar o conteuacutedo da peccedila claro aos espectadores
Essa falta de habilidade para o criacutetico tornava-se especialmente patente ldquonas cenas em que as
duacutevidas existenciais [estavam] contidas em seu estado puro como nos encontros de Peer com
o diretor do manicocircmio com o democircnio ou com o fundidorrdquo2
Um mecircs depois da encenaccedilatildeo de Peer Gynt Dina Sfat estreou Hedda Gabler no
Teatro Guaiacutera de Curitiba em agosto de 1982 O diretor do espetaacuteculo o francecircs Gilles
Gwizdeck em entrevista ao jornal O Globo indicou a linha da encenaccedilatildeo ldquoEu tentei traduzir
cenicamente o texto como um dramalhatildeo contando uma historinha com princiacutepio meio e fim
Mas com todo o subtexto presente todas as pressotildees familiares em cena atraveacutes de muitos
1 ldquoRobert Brustein fala de Ibsenrdquo Programa de Peer Gynt direccedilatildeo de Marcos Fayad Rio de Janeiro 1982 2 Yan Michalski ldquoPeer Gynt ou a dificuldade de filosofarrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro p 2 23 mar 1982
78
recursos como o cenaacuterio do Ratto que eacute bem pesado e abafado com muito veludordquo1 Sendo
assim num tom soturno e sombrio Hedda apresentou-se no palco como uma neuroacutetica
viacutetima das pressotildees de uma sociedade castradora A educaccedilatildeo riacutegida que a personagem
recebera de seu pai baseada em valores aristocraacuteticos e conservadores foi abordada como
uma das origens dos conflitos dolorosos de sua vida adulta A complexidade os conflitos
interiores e o gesto final de autodestruiccedilatildeo da personagem tratados no mais estreito realismo
psicoloacutegico fez com que a peccedila ganhasse ares folhetinescos O desempenho de Dina Sfat no
papel-tiacutetulo foi bastante elogiado sobretudo por criar a partir da entrada em cena o clima de
inevitabilidade da trageacutedia Para a maioria de nossos criacuteticos somente a psicanaacutelise poderia
explicar a trajetoacuteria da heroiacutena e desvendar seus mecanismos interiores Por um lado Ibsen
foi considerado o ldquopai do teatro psicoacutetico modernordquo2 o responsaacutevel no dizer de Tereza
Menezes de colocar em cena ldquoo novo sujeito da modernidaderdquo3 aquele indiviacuteduo que possui
dimensatildeo interior e capacidade de perceber a si mesmo Por outro mais uma vez a arquitetura
dramaacutetica de sua obra foi valorizada por aproximar-se da carpintaria do teatro claacutessico
carregada de pressaacutegios e costurada de intrigas paralelas que davam maior relevo ao conflito
central da peccedila
Em agosto de 1985 Fernando de Almeida levou agrave cena do Teatro Domus em Satildeo
Paulo a peccedila Os espectros resultado de uma motivaccedilatildeo pessoal sua que haacute muito
interessava-se pelo papel de Osvald Alving Como estava na idade limite para interpretar a
personagem reuniu um grupo de atores convidou Emiacutelio Di Biasi para dirigir a peccedila e arcou
com a maior parte das despesas da produccedilatildeo do espetaacuteculo Aleacutem disso ele mesmo
encarregou-se de traduzir e revitalizar o texto de Ibsen a fim de tornaacute-lo ldquomenos antiquadordquo
visando uma relaccedilatildeo mais direta com o espectador Assim a accedilatildeo foi transportada para algum
lugar indeterminado do seacuteculo XX o aviatildeo tomou o lugar do trem Nova York o de Paris os
nomes das personagens foram abrasileirados e a doenccedila de Osvaldo a siacutefilis foi substituiacuteda
pela Aids Entretanto justamente a adaptaccedilatildeo foi o que a criacutetica unanimemente julgou de
mais controverso nessa montagem Para Alberto Guzik aleacutem da encenaccedilatildeo levar agraves uacuteltimas
consequumlecircncias os sentimentos de Helena e Osvaldo Alving transformando a peccedila num
melodrama quase insuportaacutevel ldquoFernando de Almeida parece natildeo ter se dado conta de que os
termos a estrutura a proacutepria organizaccedilatildeo do debate travado pelas personagens de Ibsen
seriam necessariamente outros se a moralidade que serve de pano de fundo agrave obra fosse a da
1 Entrevista de Gilles Gwizdeck concedida a Flaacutevio Marinho ldquoA histoacuteria de uma mulher destruidora e autodestrutivardquo O Globo Rio de Janeiro 11 ago 1982 2 Jefferson Del Rios ldquoHedda emoccedilotildees no palco e na plateacuteiardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 1 abr 1983 3 Cf Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006
79
era do aviatildeo e natildeo a do tremrdquo1 Ao que parece do original restou apenas uma paroacutedia um
apego aos lances melodramaacuteticos do enredo que transformaram a realizaccedilatildeo num kitsch natildeo
intencional A peccedila ficou pouco tempo em cartaz e os elogios foram apenas para Leacutelia
Abramo que voltava aos palcos apoacutes seis anos de uma ausecircncia forccedilada A atriz no papel de
Helena Alving parecia ser a uacutenica a ter consciecircncia da importacircncia da peccedila como criacutetica agrave
hipocrisia e agraves convenccedilotildees sociais ldquoA encenaccedilatildeo de Ibsen hoje eacute importante por se
preocupar com as indagaccedilotildees do espiacuterito humano aleacutem de seu valor literaacuterio Esta a
verdadeira riqueza dos autores claacutessicos e hoje com o homem sendo aniquilado pelo
progresso pela massificaccedilatildeo eacute importante qualquer coisa que o faccedila refletirrdquo2
Peer Gynt foi levado agrave cena do Teatro Renascenccedila de Porto Alegre pelo grupo Teatro
Vivo em marccedilo de 1987 dessa vez numa versatildeo mais formalista O palco despojado de
qualquer artefato realista mdash apenas duas escadas um andor de procissatildeo e algumas malas mdash
manteve-se livre para o desenvolvimento dos atores que caminhavam em ciacuterculos
aproximando seus movimentos de uma danccedila coreografada Fora isso elementos como
fumaccedila aacutegua e farinha aleacutem de uma iluminaccedilatildeo requintada preenchiam os espaccedilos vazios da
cena Dos cinco atos do texto original restaram apenas dois apresentados em pouco mais de
uma hora e meia privilegiando-se temas como a vida a morte e as viagens da personagem-
tiacutetulo Para Irene Brietzke diretora do espetaacuteculo o estudo mais interessante a respeito de
Peer Gynt era o de Wilhelm Reich jaacute que mostrava Peer como uma personagem-siacutembolo que
representava o desejo mais secreto de todo o ser humano ldquoo sonho a paixatildeo o prazer e a
aventurardquo3 Por isso a exemplo do que fizera Marcos Fayad em sua montagem de 1982 ela
tambeacutem procurou contar a histoacuteria de um homem em busca de si mesmo resolvendo viajar
pelo mundo para achar seu caminho Paralela a essa accedilatildeo principal da peccedila Brietzke
acrescentou uma personagem que entre uma cena e outra da peccedila fazia reflexotildees sobre a
funccedilatildeo do artista a necessidade de buscar novos horizontes a morte etc citando passagens
de cineastas como Fellini e Buntildeuel e autores como Borges Apesar das inovaccedilotildees que
deram uma visualidade fascinante ao espetaacuteculo chegando por vezes a prejudicar a
mensagem do texto a direccedilatildeo do espetaacuteculo natildeo fugira a regra sendo Ibsen novamente
encerrado num universo miacutestico e existencialista
1 Alberto Guzik ldquoUma adaptaccedilatildeo de Ibsen Com bons propoacutesitos e equiacutevocos demaisrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 6 set de 1985 2 Depoimento de Leacutelia Abramo para O Estado de S Paulo ldquoIbsen a defesa feminina na peccedila Os Espectrosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 27 ago 1985 3 ldquoPeer Gynt a maioridade de Irenerdquo Correio do Povo Porto Alegre 6 mar 1987
80
Em maio de 1988 o Grupo Tapa encenou Solness o construtor no Teatro Alianccedila
Francesa em Satildeo Paulo A direccedilatildeo de Eduardo Tolentino privilegiou o conflito entre o velho
e o novo mostrando no palco a histoacuteria de Solness um construtor de meia-idade que se sente
ameaccedilado pela juventude expressa na figura de seu empregado Ragnar Brovik Durante a
encenaccedilatildeo o espectador pocircde acompanhar o tormento da personagem-tiacutetulo com o medo da
morte a ascensatildeo profissional de Ragnar e a fascinaccedilatildeo pela jovem Hilda Wangel A ecircnfase
dada aos opostos emblemaacuteticos mdash velhonovo sauacutededoenccedila luztrevas construccedilotildees de
alvenariacastelos no ar paixatildeo adolescentecasamento falido mdash reduziu de certo modo um
dos aspectos mais contundentes da peccedila os interesses materiais da mesquinha realidade
burguesa que envolve o conflito de geraccedilotildees as vidas entediadas e a submissatildeo domeacutestica
Aleacutem disso o fato do grupo ver Solness como um alter ego de Ibsen colaborou para o
empobrecimento do texto minando a forccedila da montagem No programa do espetaacuteculo o
jornalista Carlos Hee preso agrave ideacuteia do todo contiacutenuo formado entre autor e obra apontou
relaccedilotildees entre a trajetoacuteria da personagem e a vida do dramaturgo utilizando exatamente das
mesmas ideacuteias de Moritz Prozor e Robert Brustein A primeira fase do construtor dedicada agrave
edificaccedilatildeo de igrejas seria relativa aos temas dos dramas filosoacutefico-religiosos impregnados
de personagens miacutesticas A mudanccedila de postura de Solness apoacutes o incecircndio quando passa a
construir habitaccedilotildees teria o valor similar ao rompimento do escritor com a sociedade
norueguesa e agrave sua preocupaccedilatildeo em escrever peccedilas sobre a vida cotidiana O encontro de
Solness com Hilda simbolizaria a fase dos dramas simboacutelico-metafiacutesicos e a correspondecircncia
que o autor passou a trocar com Emilie Bardach uma jovem vienense de 18 anos Por fim
como sua personagem Ibsen temia a concorrecircncia da juventude sobretudo a ascensatildeo do
dramaturgo August Strindberg Aleacutem do biografismo que encobriu a estrutura e o valor da
peccedila o espetaacuteculo ganhou uma conotaccedilatildeo sexual ora pelas suas marcaccedilotildees ora pela
interpretaccedilatildeo das torres como siacutembolos faacutelicos Descontados esses problemas Eduardo
Tolentino alcanccedilou seu propoacutesito inicial de fazer uma montagem sem arroubos cecircnicos ldquosem
deixar nenhum exibicionismo esteticista se sobrepor ao textordquo1 De fato ele soube dar agrave sua
montagem o equiliacutebrio entre o sentido do texto e a traduccedilatildeo visual mdash a accedilatildeo se passava em
um cenaacuterio realista recheado de referecircncias simboacutelicas e num clima oniacuterico desenrolavam-se
flashes do passado e do presente Aleacutem disso toda a encenaccedilatildeo foi baseada no texto e nos
atores livre da intervenccedilatildeo musical e das soluccedilotildees espetaculosas exigindo dos espectadores
uma concentraccedilatildeo maior para acompanhar as ideacuteias da peccedila
1 Depoimento de Eduardo Tolentino a Ana Francisca Ponzio ldquoPaulo Autran o primeiro Ibsenrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 14 set 1988
81
A partir dos anos 1990 Ibsen passa a ser encenado por produtores independentes em
sua maioria artistas de grande popularidade e de incontestaacutevel prestiacutegio nacional Favorecidos
pelo patrociacutenio de empresas privadas mdash sobretudo depois da criaccedilatildeo em 1991 da chamada
lei de incentivo a Lei Rouanet que oferece isenccedilatildeo de impostos agraves empresas que invistam em
projetos artiacutesticos e culturais mdash esses artistas deram ensejo a produccedilotildees cada vez mais
imponentes com temas que agradam puacuteblico e empresaacuterios com programas de excelente
acabamento graacutefico mas que pouco ajudam a entender a diretriz do espetaacuteculo haja vista que
raramente trazem qualquer reflexatildeo sobre a peccedila encenada Do mesmo modo as encenaccedilotildees
ganharam beleza plaacutestica cenaacuterios luxuosos e iluminaccedilatildeo requintada privilegiando-se a
percepccedilatildeo visual em detrimento do conteuacutedo da peccedila No acircmbito desse teatro puramente
comercial Ibsen parece voltar aos palcos muito mais por oferecer aos atores bons papeacuteis
permitindo-lhes desenvolver suas virtudes interpretativas do que pela forccedila de seus textos
Evidentemente temas que contrariem a ideologia dominante mdash como a hipocrisia social em
Os espectros a exploraccedilatildeo capitalista em Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em
John Gabriel Borkman os interesses materialistas em Casa de boneca e Solness o construtor
por exemplo mdash satildeo ignorados nesse tipo de produccedilatildeo Por isso privilegiam-se em grande
parte apenas a subjetividade das personagens ibsenianas destituiacuteda de qualquer realidade
concreta maior social ou poliacutetica A justificativa para essa reduccedilatildeo encontra respaldo na velha
ideacuteia de que as preocupaccedilotildees sociais do dramaturgo satildeo obsoletas e ultrapassadas
constituindo apenas a psicologia e os conflitos existenciais das personagens os reais e efetivos
elementos de atualidade de sua obra Estaacute claro que essas produccedilotildees destinam-se mdash
sobretudo por causa dos preccedilos inacessiacuteveis dos ingressos mdash a uma plateacuteia financeiramente
distinta que busca no teatro a digestatildeo apraziacutevel do jantar
Nessas condiccedilotildees a Fundaccedilatildeo Bienal de Satildeo Paulo juntamente com empresaacuterios
patrocinou a vinda do American Repertory Theatre agrave cidade com o espetaacuteculo Quando noacutes os
mortos despertarmos encenado no Teatro Municipal em outubro de 1991 A peccedila adaptada e
dirigida por Robert Wilson o grande representante do ldquoteatro de imagensrdquo apresentou como
natildeo poderia deixar de ser as caracteriacutesticas fundamentais do encenador poesia visual
intimismo abstraccedilatildeo formalismo e distorccedilatildeo temporal A imprensa ocupou-se tanto dos
ldquoefeitismosrdquo de Robert Wilson que acabou ignorando a montagem brasileira desse mesmo
texto pelo Teatro do Pequeno Gesto em cartaz desde o mecircs de agosto no Espaccedilo Cultural
Seacutergio Porto no Rio de Janeiro Esse foi o espetaacuteculo de estreacuteia do grupo carioca que a partir
de entatildeo se dedicaria as montagens de grandes claacutessicos da literatura dramaacutetica preocupando-
se com estudos literaacuterios e teoacutericos das peccedilas a fim de conceber uma encenaccedilatildeo voltada para o
82
texto e a fala dos atores Antocircnio Guedes diretor da companhia apresentou uma versatildeo
totalmente diferente de Robert Wilson a comeccedilar pela diretriz do espetaacuteculo simplificaccedilatildeo
extrema do palco para colocar em relevo o texto em contraste com a fragmentaccedilatildeo dos
sentidos e o desenho formalizado da cena do diretor norte-americano Enquanto a montagem
de Wilson centrou-se na conotaccedilatildeo metafiacutesica do acerto de contas de Rubek com o seu
passado a do Pequeno Gesto privilegiou a discussatildeo de temas como o amor a morte o artista
e sua obra Aleacutem disso o puacuteblico do Teatro do Pequeno Gesto natildeo via passivamente uma
sucessatildeo de imagens deslumbrantes como na encenaccedilatildeo norte-americana uma vez que ele
proacuteprio era convidado a integrar o espetaacuteculo como elemento constitutivo do espaccedilo cecircnico
Em abril de 1994 Moacyr Goacutees e um conjunto de artistas conhecidos por seus
trabalhos na televisatildeo levaram agrave cena Peer Gynt no Teatro Gloacuteria do Rio de Janeiro A
abordagem da peccedila traduzida e adaptada pela psicanalista Clara Goacutees em nada diferenciou-
se do que desde a deacutecada de 1980 era considerado ldquocomumrdquo ao se estudar essa obra de
Ibsen a histoacuteria de um homem em busca de sua proacutepria identidade e do verdadeiro sentido da
vida Dois anos depois em outubro de 1996 Ulysses Cruz dirigia pela primeira vez no Brasil
A dama do mar representaccedilatildeo marcada por forte tendecircncia visual A peccedila aleacutem de encenada
no piacuteer da praccedila Mauaacute com vistas para a Baiacutea de Guanabara ganhou um cenaacuterio suntuoso
com 30 toneladas de areia fina entremeadas de conchas e de estrelas-do-mar e um barco de
verdade cedido pela Marinha que em certo momento do espetaacuteculo entrava em cena
trazendo uma das personagens o Estrangeiro Na imprensa pouco se falou sobre a obra de
Ibsen importando mesmo destacar a ousadia de Ulysses Cruz o responsaacutevel pela concepccedilatildeo
da maior parte dos elementos cecircnicos da montagem Para Cruz Ibsen era ldquofreudiano antes de
Freudrdquo e a qualidade de seu teatro estava na prospecccedilatildeo emocional de suas personagens No
caso de A dama do mar ainda segundo o diretor a protagonista da peccedila Ellida tinha uma
ldquoligaccedilatildeo forte com a natureza Daiacute surgiu a ideacuteia de usar na cenografia a areia o vento e o
marrdquo1 Uma produccedilatildeo com tamanho aparato de imagens luzes cores e som ofuscou
evidentemente o trabalho dos atores e sobretudo a histoacuteria de Ibsen O puacuteblico por sua vez
extasiado com a visualidade e a espetacularizaccedilatildeo teve poucas chances de compreender o teor
e a mensagem da peccedila
Em 1997 a propoacutesito da comemoraccedilatildeo dos cinco anos da Casa da Gaacutevea do Rio de
Janeiro Domingos de Oliveira foi convidado a dirigir Um inimigo do povo peccedila que ele jaacute
havia encenado catorze anos antes no teatro Cacircndido Mendes tambeacutem no Rio Na linha de
1 Depoimento de Ulysses Cruz a Anabela Paiva ldquoA nova aventura de Ulyssesrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 5 out 1996
83
um teatro didaacutetico Domingos de Oliveira levou agrave cena a histoacuteria de um homem
impossibilitado de se expressar num sistema dito democraacutetico Ao colocar em xeque toda a
estrutura de poder da cidade do Dr Stockmann dos pontos de vista moral e eacutetico o diretor
procurou mostrar como a representaccedilatildeo democraacutetica pode ser falha e como a maioria pode ser
facilmente manipulada Ampliando essa discussatildeo central da peccedila Oliveira procurou enfatizar
ainda questotildees como a preservaccedilatildeo do meio ambiente o poder da imprensa na manipulaccedilatildeo
da opiniatildeo das massas e a eacutetica na administraccedilatildeo puacuteblica Essa linha de encenaccedilatildeo foi bastante
criticada principalmente pelo fato de que para muitos de nossos criacuteticos caso de Nelson de
Saacute da Folha de S Paulo natildeo era a poliacutetica nem o conflito com a maioria que caracterizavam
a atualidade e o vigor de Um inimigo do povo mas ldquoa seduccedilatildeo do homem soacute natildeo mais refeacutens
de ideacuteias verdades amigos ou gruposrdquo Para Nelson de Saacute a direccedilatildeo de Domingos de
Oliveira tinha sido maniqueiacutesta sobretudo por omitir ldquoa proclamaccedilatildeo da individualidaderdquo
aspecto que segundo o criacutetico era o cerne da peccedila de Ibsen1 Nesse sentido a interpretaccedilatildeo
dos atores principalmente a de Paulo Betti no papel do Dr Stockmann tambeacutem foi criticada
por natildeo apresentar nuances psicoloacutegicas mas apenas perfis funccedilotildees a serviccedilos do texto
apresentando clareza em vez de profundidade Da mesma maneira o cenaacuterio e figurinos que
nada tinham de espetaculares sofreu as mesmas restriccedilotildees Para Alberto Guzik ldquoos tons que
[oscilavam] do ocre ao bege e bordocircrdquo diluiacuteram a tensatildeo dramaacutetica da cena contribuindo para
a sensaccedilatildeo ldquode monotonia e achatamento do palcordquo A criacutetica foi estendida agrave iluminaccedilatildeo que
sendo convencional pouco fez para dar contornos ao ldquoproblema visual do espetaacuteculordquo2
No comeccedilo deste seacuteculo com a vida teatral cada vez mais subordinada ao arbiacutetrio dos
dirigentes de empresas privadas as encenaccedilotildees de Ibsen com rariacutessimas exceccedilotildees natildeo
sofreram mudanccedilas significativas O ponto a se destacar eacute a melhor qualidade literaacuteria de
alguns espetaacuteculos alcanccedilada graccedilas agraves traduccedilotildees feitas diretamente do original norueguecircs
por Karl Erik Schoslashllhammer3 Seguindo a loacutegica do governo brasileiro que confunde poliacutetica
cultural com poliacutetica de mercado vieram a puacuteblico mais uma vez produccedilotildees dispendiosas mdash a
grosso modo com artistas que se consagraram na televisatildeo mdash visando mais do qualquer outra
coisa o retorno de bilheteria Nessa esteira Casa de boneca produzida por Ana Paula Aroacutesio
foi encenada no Teatro Leblon do Rio em outubro de 2001 A direccedilatildeo de Aderbal Freire-
1 Nelson de Saacute ldquoIbsen proclama o poder do homem soacuterdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 20 mar 1998 Folha Ilustrada p 3 2 Alberto Guzik ldquoUm inimigo monoacutetonordquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 2 abr 1998 3 Karl Erik Schoslashllhammer traduziu Quando noacutes os mortos despertarmos para o espetaacuteculo do Teatro do Pequeno Gesto em 1991 e Casa de boneca dirigida por Aderbal Freire-Filho em 2001 Traduziu ainda em parceria com Faacutetima Saadi O pequeno Eyolf em 1993 e John Gabriel Borkman em 1996 ambas publicadas na Coleccedilatildeo Teatro da Editora 34 de Satildeo Paulo
84
Filho que teve o meacuterito de escolher uma traduccedilatildeo de qualidade natildeo escapou aos
esquematismos do teatro de entretenimento Sem abandonar de todo o realismo da obra
Freire-Filho procurou enfatizar os conflitos existenciais de Nora em sua busca por liberdade
focalizando o desejo da personagem de fazer a sua proacutepria histoacuteria A marcaccedilatildeo e os
elementos cecircnicos mdash uma miniatura de casa de boneca uma mesa e algumas cadeiras em
torno das quais giraram os atores mdash pretenderam dar uma significacircncia simboacutelica agraves atitudes
interiores das personagens O cenaacuterio do portuguecircs Joseacute Manuel Castanheira mdash uma janela
que abria todo o fundo do teatro para um jardim coberto de neve em contraste com o interior
aconchegante de uma casa burguesa mdash e a iluminaccedilatildeo refinada de Manuel Quindereacute
conferiram intensa plasticidade ao desenho cecircnico No ano seguinte em maio de 2002 a
mesma peccedila estreou no Teatro do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio dessa vez numa
versatildeo multimiacutedia de Bia Lessa O espetaacuteculo foi chamado pela proacutepria diretora de ldquopeccedila-
filmerdquo porque quase toda a accedilatildeo da peccedila era apresentada num viacutedeo e somente na cena final
Nora interpretada por Betty Gofman aparecia no palco para cumprir seu gesto de abandono
do lar O uso do cinema foi justificado como uma forma de dimensionar uma quebra realista
subvertendo-se assim os limites do espetaacuteculo teatral No entanto a falta de contraponto
dramaacutetico das duas linguagens aproximou a encenaccedilatildeo segundo Macksen Luiz da
dramaturgia televisiva sobretudo por causa do uso da cacircmera em primeiro plano1
Em agosto de 2004 o Festival Porto Alegre em Cena em parceria com o governo da
Noruega trouxeram ao Brasil duas jovens diretoras Catherine Kahn e Anne Klovholt para
ministrar um laboratoacuterio intitulado ldquoO ator compositor e a poesia do movimentordquo No final do
curso cinco atores brasileiros foram selecionados para participar da encenaccedilatildeo de A dama do
mar representada no Armazeacutem A5 do Cais do Porto em Porto Alegre no mecircs de setembro
Nesse mesmo ano em outubro Paulo de Moraes encenou O pequeno Eyolf no Centro
Cultural da Justiccedila Federal no Rio de Janeiro primeira montagem brasileira desse texto O
espetaacuteculo centrado nos conflitos familiares de Alfred e Rita Allmers trouxe agrave cena a
discussatildeo de sentimentos como ciuacutemes inveja desprezo e amargura As personagens
enredadas em si mesmas incapazes de fugir de seus remorsos foram o foco principal dessa
montagem que procurou abordar a possibilidade de transformaccedilatildeo do homem deixando de
lado a passividade e a auto-compaixatildeo No entanto em cena essas questotildees trabalhadas em
forma de diaacutelogos solenes e de discursos quase filosoacuteficos acabaram por tornar a encenaccedilatildeo
de oitenta minutos um peso para os ombros dos espectadores O trunfo da montagem ficou
1 Macksen Luiz ldquoA armadilha de Ibsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 4 maio 2002
85
por conta da moldura visual que ambientou a cena em um espelho drsquoaacutegua conferindo
densidade e imagem vigorosa ao quadro Criacuteticas mais duras receberam o elenco Viviane
Coutinho inteacuterprete de Eyolf apesar de deficiente apresentou-se um tanto saltitante no palco
e Joatildeo Vitti no papel da Mulher dos Ratos ficou reduzido a uma ldquocaricatura em travestirdquo1
Diante desse estado de coisas no final de 1998 surgiu o Movimento Arte Contra a
Barbaacuterie que reuacutene intelectuais artistas e grupos do teatro paulista cuja atuaccedilatildeo resultou na
lei municipal de fomento ao teatro Subvencionadas pelo Estado as companhias paulistas
tiveram a chance de desenvolver projetos comprometidos com a pesquisa da linguagem
teatral apresentando ao puacuteblico espetaacuteculos ligados agrave experiecircncia social brasileira Aleacutem
disso a ocupaccedilatildeo de teatros de vaacuterias regiotildees de Satildeo Paulo por esses grupos mdash fora do
circuito onde domina o teatro comercial mdash e a venda a baixo custo dos ingressos
possibilitaram ao menos em parte o acesso de um puacuteblico mais amplo agraves peccedilas Desse modo
em outubro de 2005 o grupo Teatro de Narradores beneficiado pela lei de fomento levou agrave
cena do Teatro Faacutebrica de Satildeo Paulo sua versatildeo de Casa de boneca que de imediato se
contrapocircs agraves montagens desse texto realizadas no paiacutes
Preocupado em oferecer uma encenaccedilatildeo que unisse o prazer esteacutetico agrave reflexatildeo o
Teatro de Narradores explorou uma das dimensotildees mais agudas e atuais do texto ibseniano o
dinheiro como base de um sistema soacutecio-econocircmico em que se resume Casa de boneca Eacute por
causa dos interesses materiais e atraveacutes dele que se originam e se alimentam todos os
acontecimentos da peccedila desde a prepotecircncia de Torvald sobre Nora o casamento de
conveniecircncia de Cristina Linde para assegurar uma situaccedilatildeo financeira ameaccedilada ateacute o falso
coacutedigo de honra de Torvald que acaba se desfazendo depois que sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na
sociedade se manteacutem assegurada Desse modo o conflito de Nora que em algumas
montagens beirou o existencial foi reduzido em proveito da anaacutelise das relaccedilotildees que
envolviam todos os demais personagens A adaptaccedilatildeo mdash viagem dos Helmer aos Estados
Unidos e Nora fantasiada de Marilyn Monroe por exemplo mdash procurou tornar patente a
superficialidade dos valores da classe meacutedia que se constituiacuteam nas relaccedilotildees fetichistas no
mito da auto-realizaccedilatildeo e na ideacuteia do sucesso como configuraccedilatildeo do sujeito O espaccedilo cecircnico
vazio e branco com apenas um telatildeo no fundo bem como a trilha sonora e a iluminaccedilatildeo
serviu para comentar epicamente a accedilatildeo e esboccedilar o pano de fundo social Nessa perspectiva
o grupo aleacutem de romper com as tradicionais realizaccedilotildees dessa peccedila mdash que entre noacutes
privilegiavam exclusivamente os conflitos individuais das personagens mdash vai na contramatildeo
1 Cf Macksen Luiz ldquoTexto prejudicado pelo elencordquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 25 out 2004 Caderno B p 4
86
do pensamento de que o cunho social de Casa de boneca eacute antiquado e obsoleto refazendo
desse modo o percurso ou pelo menos uma das trilhas principais do teatro brasileiro da
deacutecada de 60
Acompanhando a trajetoacuteria das encenaccedilotildees de Ibsen no Brasil fica claro que elas se
identificaram em sua maior parte com a mentalidade burguesa dominante quer pela mera
representaccedilatildeo pela representaccedilatildeo que natildeo leva em conta nada aleacutem dos aspectos lucrativos
do espetaacuteculo quer pelo investimento maciccedilo no capricho das produccedilotildees que fascinam pela
beleza mas satildeo vazias de conteuacutedo quer pela falta de estudos teoacutericos a respeito do texto a
ser encenado dos quais se encontra muito distante a maioria dos nossos artistas preocupados
tatildeo somente em exibir seus ldquodotesrdquo interpretativos Por essas razotildees o teatro ldquoformalista e
abstrato da forma pela formardquo tatildeo criticado por Antunes Filho na deacutecada de 1970 continua
de algum modo a imperar na cena brasileira com exceccedilotildees claro de alguns artistas seja da
nova ou da velha geraccedilatildeo que se comprometem com a cultura e natildeo com o mercado
87
A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos
Apesar das constantes encenaccedilotildees mdash quase sempre as mesmas Casa de boneca Os
espectros e Hedda Gabler mdash natildeo se pode dizer que Ibsen tenha alcanccedilado popularidade
tampouco despertado grande interesse no Brasil No fim do seacuteculo XIX e comeccedilo do XX
momento de grande efervescecircncia e de muitas polecircmicas acerca de sua obra Artur Azevedo
Oscar Guanabarino Alfredo Pujol entre outros constituiacuteram a primeira frente de resistecircncia
ao teatro do norueguecircs Afeitos agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita esses criacuteticos consideraram
as peccedilas de Ibsen enfadonhas desprovidas de quaisquer qualidades dramaacuteticas obscenas e
degeneradas encorajando o incesto a desestruturaccedilatildeo familiar e o amor livre Por volta dos
anos 1920 Ibsen jaacute considerado um claacutessico da literatura dramaacutetica mundial passou a ser
visto no Brasil como autor de um teatro puramente literaacuterio que visava mais agrave leitura que agrave
representaccedilatildeo Sua obra considerada entatildeo de total ausecircncia de dramaticidade cecircnica e de
temas sombrios e obsoletos merecia figurar nas principais bibliotecas do paiacutes apenas como
um complemento necessaacuterio agrave formaccedilatildeo literaacuteria de nossos artistas Somente a partir de 1940
sob a forte influecircncia da criacutetica de Carpeaux mdash que deslocou o foco dos pressupostos sociais
do dramaturgo dito ultrapassados para a subjetividade das personagens mdash as peccedilas
ibsenianas voltariam a ser discutidas mesmo assim de uma maneira muito tiacutemida Desse
modo num primeiro momento entre 1940 e 1970 ainda sob o influxo das concepccedilotildees de
Carpeaux a obra de Ibsen seria vista como uma versatildeo moderna da trageacutedia grega abordando
o destino individual do heroacutei ibseniano que conhece o infortuacutenio em consequumlecircncia de algum
erro cometido no passado Num segundo momento com a valorizaccedilatildeo cada vez maior do
cunho individual e psicoloacutegico de seu teatro principalmente a partir de 1980 a realidade
interior das personagens seus conflitos e suas anguacutestias viriam a ser os principais aspectos de
interesse tornando-se a psicologia uma das estrateacutegias criacuteticas mais viaacuteveis para se analisar as
peccedilas do autor Enquanto muitos de nossos criacuteticos presos ao simples conteudismo das peccedilas
preocupavam-se em estabelecer o que era velho ou novo no teatro de Ibsen Ruggero Jacobbi
Oduvaldo Viana Filho Anatol Rosenfeld e Luiz Israel Febrot entre outros seguiram caminho
inverso Retomando uma a uma as principais ideacuteias correntes acerca de Ibsen esses
intelectuais procuraram reformulaacute-las com maior amplitude e equiliacutebrio levando em
consideraccedilatildeo a complexidade interna dos textos a natureza social e o papel decisivo da forma
dramaacutetica do autor
88
Ruggero Jacobbi mdash talvez um dos poucos diretores estrangeiros a aderir ao programa
internacional do realismo criacutetico dirigindo peccedilas como Estrada do tabaco em 1947 e A ronda
dos malandros em 1950 ambas no TBC mdash sobressaiu como teoacuterico historiador e criacutetico de
teatro trazendo novas luzes ao pensamento das artes cecircnicas brasileiras Em 1956 Jacobbi
publica seu primeiro livro no Brasil A expressatildeo dramaacutetica onde apresenta as linhas evolutivas
da dramaturgia partindo da Greacutecia passando por Goldoni Schiller e Ibsen ateacute chegar aos
perfis de personalidades teatrais como Moacutelnar Verneuil Renato Simoni Baty e Claudel O
escritor procede por siacutentese raramente demora-se na anaacutelise minuciosa da composiccedilatildeo de uma
peccedila Antes distingue em traccedilos breves e incisivos a fisionomia de um autor e seu momento
histoacuterico Em ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo Jacobbi enfatizou a importacircncia do dramaturgo na histoacuteria
do teatro mundial apresentando as questotildees esteacuteticas pontuais de sua obra que definiriam
novos rumos para a configuraccedilatildeo da dramaturgia moderna Nesse percurso sem perder de vista
os principais conceitos brasileiros sobre a obra de Ibsen o criacutetico procurou mostrar que o
dramaturgo embora introduzisse em suas peccedilas elementos liacutericos e simboacutelicos para ressaltar as
contradiccedilotildees internas das personagens fez tudo como ningueacutem antes dele para alargar os
limites do individualismo Em Casa de boneca por exemplo a libertaccedilatildeo individual e
psicoloacutegica de Nora natildeo constituiacutea o cerne da peccedila pois ainda segundo Jacobbi Ibsen tinha
exigecircncias maiores como ldquoinvestigar agressivamente a substacircncia praacutetica de certas situaccedilotildees da
sociedaderdquo1 Os conflitos das personagens ibsenianas portanto extrapolavam a esfera
individualista uma vez que estavam carregados de uma historicidade que natildeo se desfizera com
o tempo Para Jacobbi nenhum dos problemas que o autor colocara diante e dentro dos homens
perdera a atualidade Os malogros dos indiviacuteduos e os fracassos das ideologias continuavam a
caracterizar o nosso mundo em cujo limiar esteve e estaacute Ibsen Por isso natildeo lhe interessou
dissecar o trabalho do autor com o uacutenico fim de instituir agrave moda de Croce na Itaacutelia e Carpeaux
no Brasil o que era vivo ou morto em sua obra Preferiu ater-se agrave forma das peccedilas que ele
denominou de dramas de problemas por apresentar uma estrutura dialeacutetica que abria dentro de
cada assunto uma problemaacutetica infinita Aleacutem disso ele apontou a imprecisatildeo de nossa criacutetica
em aproximar a obra de Ibsen da trageacutedia grega sobretudo no que dizia respeito a noccedilatildeo de
destino e fatalidade ldquoA estrutura dialeacutetica estaacute sempre presente e potildee em evidecircncia todos os
lados do problema Em Ibsen como em Shakespeare todos tecircm razatildeo cada um eacute
infalivelmente o que eacute em toda a sua complexidade tanto que agraves vezes temos uma suspeita de
1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 49
89
determinismo a qual teria fundamento se Ibsen natildeo tivesse uma confianccedila imensa nas
possibilidades do indiviacuteduo e natildeo exigisse dele muito ateacute demaisrdquo1
Agrave trageacutedia estaacute inerente um pano de fundo miacutetico bem como uma visatildeo que projeta os
conflitos humanos para uma dimensatildeo metafiacutesica Seus temas satildeo os conflitos inexoraacuteveis
eternos sem saiacuteda A isso se associa indissoluvelmente a sua organizaccedilatildeo o gesto grandioso
o tom solene a tendecircncia ao verso etc As peccedilas de Ibsen com seu realismo domeacutestico abalam
profundamente tal estrutura na medida em que ele trabalha com a prosa coloquial as
concepccedilotildees socioloacutegicas as relaccedilotildees financeiras que de maneira nenhuma se ajustam aos
alexandrinos e aos cinco atos da trageacutedia claacutessica Aleacutem disso as personagens ibsenianas
estatildeo condicionadas ao peso da histoacuteria seus conflitos satildeo ldquoresultados da pressatildeo do mundo
exterior ou mais exatamente do subsolo da realidade que se determina como existente isto
eacute da Histoacuteriardquo2 Um mundo absolutamente mediado a responsabilidade sendo de todos e de
ningueacutem jaacute natildeo comporta a grandeza do heroacutei traacutegico que sozinho define o destino de um
povo e assume toda a culpa integralmente Em Ibsen os protagonistas quase sempre natildeo
encontram a saiacuteda do dilema em que se debatem mas o dramaturgo sugere que a soluccedilatildeo
existe mormente no combate agrave hipocrisia da sociedade E eacute essa confianccedila na superaccedilatildeo da
crise que marca a impossibilidade da trageacutedia Descartada portanto a aproximaccedilatildeo das peccedilas
de Ibsen da trageacutedia Jacobbi conclui que a grande renovaccedilatildeo do teatro ibseniano aconteceu
no acircmbito da teacutecnica dramatuacutergica ldquoIbsen natildeo teve medo de escrever trecircs ou quatro atos de
tamanho normal ou de pocircr em cena dois criados conversando Sabia muito bem que o
problema era eacute outro que o que se havia perdido era o sentido concreto da personagem
dramaacuteticardquo3
Na deacutecada de 1960 assistiremos ao debate da intelectualidade de esquerda e do setor
teatral reclamando um espaccedilo para as encenaccedilotildees empenhadas na discussatildeo da realidade
brasileira Nessas circunstacircncias as peccedilas de Ibsen consideradas obsoletas e ultrapassadas
passam por uma importante reavaliaccedilatildeo criacutetica Vianinha uma das figuras mais expressivas
do teatro de agitaccedilatildeo e propaganda criacutetico ferrenho do ldquoesteticismordquo do TBC e de seu
descomprometimento com a dramaturgia nacional foi possivelmente o primeiro intelectual
brasileiro a questionar o modo como Ibsen vinha sendo encenado no Brasil Procurando
acompanhar as grandes mudanccedilas histoacuterico-sociais que repercutiam diretamente na esteacutetica
1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 52 2 Ruggero Jacobbi ldquoIbsen atualrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 31 jan 1959 Suplemento literaacuterio n 118 p 5 3 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica p 58
90
teatral Vianinha apontava na obra de Ibsen a gecircnese de uma dramaturgia voltada para a
participaccedilatildeo do indiviacuteduo como agente diante das adversidades poliacutetica e social As
personagens ibsenianas desse modo longe de resignar-se aos desiacutegnios de justiccedila e verdade
que jaacute natildeo eram estaacuteveis e absolutos como na trageacutedia claacutessica debatiam-se entre seus anseios
e a sua consciecircncia eacutetica em meio aos valores estabelecidos pela sociedade Determinada a
viga mestra do teatro de Ibsen Vianinha criticava as montagens brasileiras de suas peccedilas cuja
preocupaccedilatildeo era apenas com o destino individual das personagens natildeo ultrapassando a
aparecircncia esteticista de um teatro que se desfazia em luzes cenaacuterio gestos e inflexotildees
Vianinha apontava ainda o disparate da burguesia nacional que era ldquoincapazrdquo de distinguir
nos produtos culturais que importava ldquooposiccedilatildeo e lutardquo Para Vianinha Ibsen e Pirandello
por exemplo pouco diziam pouco contribuiacuteam para a organizaccedilatildeo cultural da classe
dirigente que assistia aos dois autores sem notar diferenccedila alguma entre eles diferenccedilas que
modificariam ainda segundo ele os criteacuterios de comportamento do puacuteblico Nessa mesma
perspectiva Vianinha criticava a encenaccedilatildeo de Ibsen por Ziembinski ldquoNatildeo interessa mais o
que diz Ibsen nem transmitir Ibsen com toda a sua eficaacutecia Natildeo O puacuteblico natildeo precisa
modificaccedilatildeo Ziembinski volta para traacutes Quando chegou aqui tratava-se de dizer Ibsen
Agora trata-se de montar um belo espetaacuteculo Natildeo haacute mais ressonacircncia humana no
espetaacuteculo O teatro natildeo tem mais funccedilatildeo culturalrdquo1
Ainda na esteira das mudanccedilas essenciais da dramaturgia de Ibsen Anatol Rosenfeld
publica em 1965 O teatro eacutepico livro de valor inestimaacutevel para o ensaiacutesmo teatral brasileiro
sobretudo pela importacircncia de se esclarecer os conceitos e as teorias de Brecht num momento
em que se radicalizavam as propostas dos diversos movimentos de cultura popular do paiacutes Ao
relatar o processo histoacuterico desencadeado pela crise da forma dramaacutetica que culminaria anos
mais tarde com o aparecimento do teatro eacutepico de Brecht Rosenfeld apontou a dimensatildeo
eacutepica da obra de Ibsen que escapava agraves leituras entatildeo em voga Desse modo ele contribuiu
enormemente para se desfazer os impasses de nossa criacutetica que ora via Ibsen como um
grande ldquotraacutegico modernordquo ora como autor de ldquoromances dialogadosrdquo Primeiramente
Rosenfeld tratou de explicar que a obra ibseniana embora restringida agrave dramaturgia
tradicional jaacute anunciava pela temaacutetica o advento do teatro eacutepico Em linhas gerais o criacutetico
destacou a estrutura rigorosa das peccedilas mdash exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e desenlace mdash sem
deixar de apontar para o elemento que subvertia a dramaacutetica pura o tempo passado Ele
alertou que a accedilatildeo decisiva em Ibsen natildeo se desenrolava na atualidade mas no passado Nesse
1 Oduvaldo Viana Filho ldquoQuatro instantes do teatro no Brasilrdquo In Fernando Peixoto (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983 p 48
91
ponto o teatro do escritor norueguecircs divergia da forma ldquoorgacircnicardquo do teatro aristoteacutelico uma
vez que o enredo deixava de narrar uma accedilatildeo conclusa As peccedilas definiam muito mais uma
conjuntura do que um desenvolvimento destinado a desenredar a trama Portanto as
recordaccedilotildees do passado mdash tema essencialmente eacutepico mdash dispersas no desenho das peccedilas
ibsenianas eacute que colaboraram para a dissoluccedilatildeo do drama E nisso estava a maestria da arte
de Ibsen que conseguia ldquoencobrir o tema eacutepico pela estrutura dramaacutetica atraveacutes de uma accedilatildeo
acessoacuteria que se desenvolve na breve atualidade de um ou dois diasrdquo1 Em seguida Rosenfeld
explicou as diferenccedilas entre Eacutedipo Rei de Soacutefocles e Os espectros de Ibsen tentando acabar
com o equiacutevoco da criacutetica sobretudo a de Carpeaux que costumava associar a obra ibseniana
agrave trageacutedia claacutessica Rosenfeld mostrou que as duas peccedilas foram construiacutedas rigorosamente
dentro do padratildeo da teacutecnica analiacutetica Em ambas a exposiccedilatildeo (a revelaccedilatildeo do passado)
constituiacutea quase toda a accedilatildeo da trama No entanto em Soacutefocles as revelaccedilotildees eram objetivas
ou seja o mito era conhecido do puacuteblico e o passado de Eacutedipo era revelado somente a ele
proacuteprio que desconhecia os seus crimes A personagem entatildeo era surpreendida pela
revelaccedilatildeo da verdade que natildeo ficava confinada no passado mas era atualizada Portanto o
tema de Eacutedipo natildeo era o tempo passado mas o destino terriacutevel do heroacutei que era o assassino do
pai o marido da matildee e o irmatildeo dos seus filhos Em Ibsen acontecia exatamente o contraacuterio A
accedilatildeo atual de Os espectros nada mais era que a ocasiatildeo de desvendar aos espectadores o
passado de Helena Alving o matrimocircnio infeliz mantido agrave custa das convenccedilotildees sociais As
revelaccedilotildees de Helena eram subjetivas na medida que suas confidecircncias eram feitas apenas ao
Pastor Manders E era por meio dele que o puacuteblico ficava sabendo os segredos da
protagonista Helena natildeo sofria o choque da descoberta da verdade uma vez que ela mesma
forjara o seu destino Assim o passado natildeo chegava a ser atualizado ele mesmo tornava-se o
assunto da peccedila por meio da exposiccedilatildeo de vidas malogradas Enquanto a mateacuteria de Soacutefocles
era dramaacutetica e traacutegica porque seu heroacutei resignava-se agraves deliberaccedilotildees dos deuses e oferecia ao
puacuteblico em seu sacrifiacutecio o efeito cataacutertico a de Ibsen era eacutepica porque estava delimitada ao
passado e agrave memoacuteria das personagens (esfera subjetiva)
Depois de estabelecido o problema formal da dramaturgia de Ibsen por Rosenfeld e
sob o impulso das primeiras montagens profissionais de suas peccedilas mdash que absurdamente soacute
ocorreram nos anos de 1960 mdash a obra ibseniana deixaria as prateleiras poeirentas das
bibliotecas para ser discutida nos principais perioacutedicos de cultura do paiacutes como o Suplemento
Literaacuterio drsquoO Estado de S Paulo o Caderno B do Jornal do Brasil a Revista de Teatro da
1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 85
92
SBAT etc Seguindo de perto as indicaccedilotildees de Rosenfeld Luiz Israel Febrot criacutetico de teatro e
cinema publica entre 1966 e 1968 quatro ensaios no Suplemento Literaacuterio drsquoO Estado de S
Paulo mdash ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo ldquoHedda Gablerrdquo ldquoIbsen Atual - Irdquo e ldquoOs espectros satildeo
as velhas ideacuteiasrdquo mdash procurando analisar o tema baacutesico do teatro de Ibsen ou seja o passado
evocado atraveacutes do diaacutelogo das personagens Deixava-se de lado a preocupaccedilatildeo de ver em
Ibsen o modelo da carpintaria de efeito do teatro claacutessico passando-se agrave tentativa de
compreender os valores do passado que as peccedilas reconstituiacuteam e criticavam Para Febrot a
declaraccedilatildeo de que os temas do dramaturgo eram ultrapassados servia apenas como um
pretexto para se evitar a discussatildeo de problemas que desagradavam as ldquoplateacuteias bem
pensantesrdquo como a opressatildeo social a luta de classes a corrupccedilatildeo o preconceito as relaccedilotildees
espuacuterias mantidas por interesse etc Assim em seu ensaio sobre Um inimigo do povo ele
apontou a base sobre a qual se assentava a trama da peccedila a especulaccedilatildeo mercantil situaccedilatildeo
tiacutepica da sociedade de livre concorrecircncia A contaminaccedilatildeo das aacuteguas do balneaacuterio da cidade
do Dr Stockmann foi causada pela cobiccedila dos proprietaacuterios que exigiram que os
encanamentos passassem sob seus terrenos para assim receberem indenizaccedilotildees Os industriais
por sua vez natildeo desejavam gastar dinheiro tratando das aacuteguas que saiacuteam de suas faacutebricas
preferindo jogaacute-las diretamente no rio Portanto o maior inimigo da liberdade e da verdade
era segundo o criacutetico o dinheiro e os interesses por ele criados1
No ensaio sobre ldquoHedda Gablerrdquo Febrot discutiu o lugar-comum da criacutetica em ver na
personagem-tiacutetulo uma neurastecircnica dama do fim do seacuteculo XIX uma enfastiada da vida Ele
assinalou que para essa concepccedilatildeo muito contribuiacuteram a performance cheia de pompa de
atrizes mdash como Eleonora Duse mdash que se preocupavam com a interiorizaccedilatildeo da personagem
ressaltando-lhe as crises de histeria ofuscando assim a mensagem da peccedila Para furtar-se agrave
leitura psicoloacutegica de Hedda Gabler o criacutetico recorreu agrave coerecircncia de temas e propoacutesitos do
teatro do norueguecircs Ibsen compreendera que os princiacutepios de igualdade fraternidade e
liberdade propagados pela Revoluccedilatildeo Francesa beneficiavam apenas uma pequena parcela
da sociedade Em toda a sua obra o dramaturgo procurou mostrar a contradiccedilatildeo que existia
entre os ideais que a sociedade burguesa proclamava e o que realmente acontecia com os
homens Nesse sentido ver Hedda apenas como uma histeacuterica era diminuir o alcance da peccedila
era dizer apenas a metade e precisamente a mais visiacutevel e portanto a menos importante A
outra metade que se devia levar em consideraccedilatildeo ainda segundo Febrot era que a
personagem encarnava as caracteriacutesticas e os preconceitos burgueses Hedda era
1 Cf Luiz Israel Febrot ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 10 set 1966 Suplemento Literaacuterio n 494 p 5
93
convencional casou-se com Tesman para manter seu conforto material e sua posiccedilatildeo na
sociedade relacionava-se apenas com as pessoas de seu niacutevel social rejeitava a ligaccedilatildeo
amorosa com o juiz Brack natildeo por pudor ou princiacutepio mas por medo do escacircndalo E foi
justamente o pavor do escacircndalo que a levou ao suiciacutedio Para Febrot Hedda como
individualidade psicoloacutegica com determinados conceitos e preconceitos simbolizava uma
categoria social Desse modo as accedilotildees da personagem interessavam menos ldquoagraves revistas
meacutedicas do que aos estudos de sociologia poliacutetica e histoacuteriardquo1
Apesar dessas contribuiccedilotildees a maior parte de nossa criacutetica teatral mais do que nunca
submetida agrave mercantilizaccedilatildeo da cultura continuou a reproduzir as velhas concepccedilotildees sobre o
dramaturgo Detendo-se apenas na superficialidade dos textos sem interesse algum de se
analisar as relaccedilotildees histoacutericas e sociais das peccedilas geralmente relegadas ao campo dos
conteuacutedos nossos criacuteticos continuaram a ver Ibsen como um autor ultrapassado Mariacircngela
Alves de Lima por exemplo a propoacutesito da montagem de Casa de boneca pela companhia
de Tocircnia Carrero na deacutecada de 1970 declarava que o texto de Ibsen servia muito mais como
um documento da histoacuteria do teatro do que como uma forccedila atuante no presente ldquoSem
duacutevida o direito de se afirmar aleacutem dos limites de um papel social eacute uma aspiraccedilatildeo humana
permanente Entretanto a situaccedilatildeo especiacutefica que o texto de Ibsen coloca tem no seacuteculo XX
um reduzido poder de contestaccedilatildeordquo2 Aqueles que procuravam afirmar a atualidade do
dramaturgo enfatizavam os conflitos individuais das personagens sem levar em conta os
mecanismos de opressatildeo da sociedade burguesa que efetivamente era o que Ibsen pretendia
criticar Para Deacutecio Drummond a liberdade individual de Nora que estava ldquoacima e aleacutem de
qualquer circunstacircncia socialrdquo era o fator maior da perene atualidade de Ibsen3 Seguindo
essa mesma loacutegica Mariacircngela Alves de Lima depois de negar a modernidade do dramaturgo
em 1973 voltou atraacutes afirmando ser a cena final de Casa de boneca um ldquosiacutembolo de todos os
sonhos de liberdade individual aleacutem das malhas restritivas dos papeacuteis sociais determinadosrdquo4
A partir do final da deacutecada de 1970 a leitura de orientaccedilatildeo biograacutefica tornou-se uma
constante sendo apropriada tanto pelos nossos criacuteticos como pelos nossos artistas que
reproduziam fielmente nos comentaacuterios e nos programas de espetaacuteculo os estudos de Robert
Brustein mestre dessa vertente Adones de Oliveira jornalista drsquoO Estado de S Paulo por
1 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5 2 Mariacircngela Alves de Lima ldquoIbsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 9 set 1973 3 Cf Deacutecio Drummond ldquoO gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humanordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 7 out 1973 Suplemento Literaacuterio n 845 p 5 4 Mariacircngela Alves de Lima ldquoEncenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsenrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 23 maio 1976
94
exemplo seguindo agrave risca as indicaccedilotildees de Brustein declarava ser o teatro de Ibsen resultado
de sua ldquovida interior e de seu ideal revolucionaacuteriordquo1 Como o criacutetico norte-americano ele
tambeacutem considerava as personagens ibsenianas como auto-retratos do dramaturgo Desse
modo o biografismo aleacutem de empobrecer o texto de Ibsen e de neutralizar o fluxo de
significados de suas peccedilas encobria as experiecircncias formais e os aspectos sociais presentes
em seu teatro Ao mesmo tempo o questionamento da histoacuteria dos valores burgueses da
hipocrisia social tatildeo buscados pelo dramaturgo passavam a ser vistos noutro plano como
relaccedilatildeo psicoloacutegica de Ibsen com sua obra ressaltando-se mais uma vez o cunho meramente
individualista de seu teatro Aliaacutes os meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura sobretudo dos anos
1980 em diante comeccedilaram a ser cada vez mais aplicados agrave criacutetica das peccedilas ibsenianas
Utilizados sem muita cautela esses criteacuterios reduziram muitas vezes a riqueza do enredo das
personagens das situaccedilotildees dos planos externo e interno da obra por tomaacute-la apenas como
material para se diagnosticar as neuroses do autor e de suas personagens
Deacutecio de Almeida Prado ao analisar Hedda Gabler procurou explicar como Ibsen
deixando de lado a loacutegica da peccedila bem-feita que admitia o pressuposto do homem
inteiramente explicaacutevel criou personagens que natildeo podiam mais ser enquadradas dentro de
uma soacute perspectiva caso de Hedda Assim em ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo o criacutetico comeccedilou a
mostrar como a partir de Casa de boneca o autor abrira brechas na dramaturgia rigorosa ao
tratar de temas como o feminismo e a liberdade da mulher No caso de Hedda Gabler o
criacutetico alertou que a soluccedilatildeo dramaacutetica era mais avanccedilada Ibsen conservara intacto o rigor do
teatro aristoteacutelico a condensaccedilatildeo no tempo e no espaccedilo a subordinaccedilatildeo das partes ao todo o
enredo girando em torno de um uacutenico eixo etc mas retirara da peccedila a comunicaccedilatildeo com o
puacuteblico a anaacutelise dos fatos e das personagens seja atraveacutes do confronto entre os indiviacuteduos
seja por meio de um comentador arguto Desse modo ainda segundo o criacutetico Ibsen passava
do que se sabia sobre o indiviacuteduo ldquopara o que natildeo se consegue senatildeo conjeturar abrindo
caminho para a exploraccedilatildeo do irracional do inconsciente ou seja das camadas mais
profundas da personalidaderdquo2 Por isso a resposta agrave pergunta ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo soacute
poderia ser dada pelo acircngulo psicoloacutegico que apresentava segundo Deacutecio de Almeida Prado
um fato incontestaacutevel ldquoa personagem era destrutiva e autodestrutivardquo Somente a partir daiacute
outras hipoacuteteses poderiam ser levantadas desde que se conciliassem as diversas facetas de seu
temperamento De fato as peccedilas de Ibsen tratam de vidas malogradas Os indiviacuteduos por meio
1 Adones de Oliveira ldquoIbsen o pai do teatro de hoje faz 150 anosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 19 mar 1978 2 Deacutecio de Almeida Prado ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 1 maio 1983 Caderno Cultura p 5
95
das recordaccedilotildees do passado encerram-se nas suas proacuteprias subjetividades isolam-se e
interrompem a situaccedilatildeo dialoacutegica Rosenfeld arriscou dizer que no dramaturgo jaacute ldquose
encontram os germes de um processo que iria pocircr em questatildeo a possibilidade do diaacutelogo inter-
humanordquo1 Natildeo haacute como negar que as personagens ibsenianas satildeo complexas natildeo
apresentando portanto contornos firmes e niacutetidos como na dramaturgia convencional No
entanto para natildeo se correr o risco de empobrecer a visatildeo da singularidade do teatro de Ibsen
haacute que se levar em consideraccedilatildeo a estrutura esteacutetica das peccedilas e tentar enxergar aleacutem do
conflito individual das personagens procurando analisar o contexto exterior e os impasses que
as oprimem Nesse sentido vale lembrar a primorosa anaacutelise de Febrot dessa mesma Hedda
Gabler Sem desconsiderar a realidade interior da personagem-tiacutetulo ele indicou um
importante aspecto da peccedila que talvez passasse desapercebido aos adeptos da psicanaacutelise
Hedda encarna os preconceitos e as ideacuteias do individualismo burguecircs eacute o ldquocaacutelculo que leva ao
carreirismo eacute o desejo de conforto antes e acima de tudo eacute a ambiccedilatildeo vatilde de prestiacutegio social eacute
o egoiacutesmo frio que esquece os demais inclusive famiacutelia e amigos Eacute a proacutepria inutilidade
socialrdquo2
As indicaccedilotildees de Deacutecio de Almeida Prado sobre o caraacuteter psicoloacutegico do teatro de
Ibsen tomadas sem as devidas precauccedilotildees mdash sugeridas aliaacutes pelo proacuteprio criacutetico mdash e os
estudos do psicanalista Wilhelm Reich entatildeo em voga contribuiriam para que se afigurasse
no centro das discussotildees de Ibsen apenas os conflitos existenciais de suas personagens
destituiacutedos de qualquer conjuntura maior seja esteacutetica ou social Essa situaccedilatildeo que de algum
modo perdura ateacute hoje corrobora equivocadamente o individualismo como o elemento
predominante da atualidade do dramaturgo deixando de lado as implicaccedilotildees materialistas e
desabusadas de sua obra que diga-se de passagem nunca perderam seu vigor Como
considerar ultrapassada a criacutetica do dramaturgo a um mundo comandado por lucro trabalho e
competiccedilatildeo Certamente os valores burgueses associados ao seu teatro e consolidados desde
a deacutecada de 1940 mdash prestiacutegio do vieacutes psicoloacutegico e refutaccedilatildeo da praacutetica poliacutetica e social de
suas peccedilas mdash ratificam esse estado de coisas Tanto eacute assim que ao se falar de Ibsen nossos
criacuteticos continuam reproduzindo os velhos chavotildees ora polemizam sobre a modernidade de
seus temas ora comparam a estrutura de suas peccedilas ao rigor do teatro claacutessico e ora
reafirmam a densidade psicoloacutegica de suas personagens Nessa perspectiva a recente
publicaccedilatildeo do livro de Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade fora o meacuterito
1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 88 2 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5
96
de se tratar do primeiro trabalho de focirclego sobre o dramaturgo no Brasil pouco trouxe de
novo para a reavaliaccedilatildeo de sua obra Haja vista que a autora procura mostrar ao longo de todo
o volume como as peccedilas de Ibsen foram contaminando-se de elementos abstratos e
subjetivos a ponto de abarcar ainda segundo Menezes ldquoo descontiacutenuo e contingente o
ambiacuteguo e o escorregadiordquo1 Depois de evidenciar nessa trajetoacuteria a ruptura do teatro de
Ibsen com os padrotildees dramaturgia convencional a autora passa a analisar o que ela denomina
de ldquoo novo sujeito da obra de Ibsenrdquo Apoiada nas teorias de Freud Tereza Menezes procura
trabalhar as principais caracteriacutesticas das personagens ibsenianas que seriam segundo ela os
limites da consciecircncia as irrupccedilotildees da irracionalidade a questatildeo da identidade as
possibilidades de elaboraccedilatildeo interior e os sujeitos precaacuterios Evidentemente que por ser o
recorte psicoloacutegico o enfoque de seu trabalho Menezes absteacutem-se de tratar do fator social da
obra ibseniana Entretanto a forma social do mundo se antepotildee aos propoacutesitos subjetivos das
personagens Justamente a configuraccedilatildeo social mdash engrenagem objetiva do teatro de Ibsen mdash
funcionando atraacutes das costas das personagens que definem suas intenccedilotildees e seus desejos mais
iacutentimos Portanto a tendecircncia de se interpretar e valorizar a obra ibseniana sem os devidos
cuidados em termos biograacuteficos e psicanaliacuteticos produz muitas vezes resultados
problemaacuteticos por ressaltar de maneira unilateral ou mesmo exclusiva aspectos pouco
relevantes para a compreensatildeo da validade esteacutetica de Ibsen
Por sua vez a criacutetica teatral de jornal limitada nos dias de hoje ao papel de
publicitaacuteria da cultura restringe sua tarefa mais agrave instacircncia de divulgaccedilatildeo dos espetaacuteculos do
que agrave funccedilatildeo analiacutetica No caso de Ibsen uma parte por causa do desinteresse de sua obra e
outra por causa da falta de bibliografia de apoio no nosso paiacutes os criacuteticos acabam
reproduzindo as ideacuteias mais do que conhecidas de autores como Carpeaux Brustein etc Mas
eacute claro que esses argumentos natildeo satildeo suficientemente vaacutelidos para se entender porque
privilegiam tais autores e descartam outros como Rosenfeld Vianinha e Febrot que tatildeo
lucidamente analisaram as peccedilas de Ibsen Essa questatildeo pode ser melhor compreendida se
levadas em conta as exigecircncias do mercado cultural que natildeo se interessa como dizia
Vianinha em ldquotransmitir Ibsen com toda a sua eficaacuteciardquo Os cadernos culturais dessa forma
ficam praticamente a reboque da conveniecircncia dos empresaacuterios de show business e dos
grandes patrocinadores dos espetaacuteculos tornando-se irrelevante discutir a peccedila que seraacute
encenada mas tatildeo somente informar o dia de estreacuteia o custo da montagem os aparatos
cecircnicos etc Assim a nossa criacutetica submetida agrave loacutegica do mercado acaba retornando agrave velha
1 Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006 p 134
97
estruturaccedilatildeo dos artigos do final do seacuteculo XIX uma biografia breve do dramaturgo o resumo
da peccedila a descriccedilatildeo dos cenaacuterios e figurinos e a anaacutelise do desempenho dos atores
Nessas condiccedilotildees natildeo eacute de se admirar que a obra de Ibsen tenha sido ateacute hoje
traduzida apenas parcialmente para nossa liacutengua As primeiras traduccedilotildees de suas peccedilas soacute
apareceram na deacutecada de 1940 restringindo-se ao leque dos textos mais conhecidos o que
resultou no famigerado livro Seis dramas Apesar dos problemas gerados pela traduccedilatildeo
intermediaacuteria do francecircs esse volume continua sendo a principal fonte de consulta sobre o
dramaturgo Versotildees diretas do original norueguecircs apareceram somente nos anos 1990 com
as publicaccedilotildees ineacuteditas de O pequeno Eyolf e John Gabriel Borkman feitas por Karl Erik
Schoslashllhammer Entretanto essas peccedilas jaacute natildeo satildeo mais reeditadas o que ratifica de certo
modo a falta de interesse por Ibsen em nosso paiacutes Essa situaccedilatildeo estende-se como natildeo
poderia deixar de ser agrave sua fortuna criacutetica Estamos literalmente agrave margem das mais
interessantes contribuiccedilotildees estrangeiras sobre o autor Basta dizer que no exterior seu teatro
continua vivo e atuante seja pela encenaccedilatildeo contiacutenua de suas peccedilas pela fundaccedilatildeo de
institutos como Centre for Ibsen Studies na Noruega e The Ibsen Society of America nos
Estados Unidos que promovem conferecircncias seminaacuterios e cursos sobre o autor ou ainda pela
ediccedilatildeo de perioacutedicos especializados como os noruegueses Ibsen Studies e The Contemporany
Approaches to Ibsen e o norte-americano Ibsen News and Comment que jaacute reuniram uma
boa coletacircnea de pesquisas atuais sobre sua obra No Brasil no entanto Ibsen continua
beirando o esquecimento Mesmo na academia seu teatro parece natildeo ser digno de atenccedilatildeo
haja vista que soacute recentemente em 2000 sua obra foi tema de uma dissertaccedilatildeo a de Tereza
Menezes que resultou no livro mencionado anteriormente Ibsen e o novo sujeito da
modernidade
Nessa conjuntura cabe destacar a traduccedilatildeo em 2002 de duas obras que trazem
importantes reflexotildees sobre o dramaturgo Trageacutedia moderna de Raymond Williams
publicado pela editora Cosac amp Naify de Satildeo Paulo e Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e
Chekhov de Stella Adler editado pela Bertrand Brasil do Rio de Janeiro Em linhas gerais o
professor e criacutetico inglecircs Raymond Williams atraveacutes do retrospecto da histoacuteria das ideacuteias e
das representaccedilotildees acerca da proacutepria noccedilatildeo de trageacutedia procura avaliar como se constitui a
experiecircncia traacutegica em autores modernos como Ibsen Arthur Miller Strindberg OrsquoNeill
Tcheacutekhov Beckett e outros No caso do dramaturgo norueguecircs ele aponta uma nova
definiccedilatildeo de trageacutedia a ldquotrageacutedia liberalrdquo que surge a partir da consolidaccedilatildeo do capitalismo
transformando posiccedilatildeo social em distinccedilatildeo de classe ldquoposiccedilatildeo implicava ordem e conexatildeo
98
classe era apenas uma separaccedilatildeo no acircmbito de uma sociedade informe e indeterminadardquo1 Sob
essa perspectiva Williams aponta como numa forma e contexto novos Ibsen criou suas
peccedilas introduzindo a preocupaccedilatildeo burguesa com o dinheiro a intensidade romacircntica de
alienaccedilatildeo o desejo pervertido o reconhecimento social de instituiccedilotildees inertes e de crenccedilas
limitadoras Mergulhadas nesse ambiente as personagens de Ibsen ganharam a feiccedilatildeo de um
novo tipo de heroacutei Diferentemente do heroacutei da trageacutedia claacutessica para quem bastava a nobreza
de sofrimento as personagens ibsenianas requeriam a auto-realizaccedilatildeo e a liberdade num
mundo falso e hipoacutecrita este o verdadeiro inimigo do homem Portanto segundo Raymond
Williams a essecircncia da obra de Ibsen natildeo estaacute na ldquolibertaccedilatildeo individualistardquo de suas
personagens mas na exploraccedilatildeo dos modos pelos quais a sociedade burguesa apresenta os
obstaacuteculos para se realizar essa aspiraccedilatildeo Por sua vez o livro Stella Adler sobre Ibsen
Strindberg e Chekhov traz as transcriccedilotildees de aulas e palestras de uma das mais eminentes
atrizes do Group Theatre sobre esses trecircs dramaturgos modernos Stella Adler procura
apresentar Ibsen como o precursor do realismo no teatro que se posicionara contra as
hipocrisias da classe meacutedia Eacute assim que ela aponta os temas mais frequumlentemente trabalhados
pelo dramaturgo moral dinheiro casamento verdades e mentiras Nesse percurso Adler
procura definir o objetivo de Ibsen que segundo ela natildeo era lidar com os problemas pessoais
e privados de suas personagens mas ldquoretratar os estados de espiacuterito e os destinos de um ser
humano condicionados por situaccedilotildees sociais importantesrdquo2
Ibsen cria de maneira recorrente e com uma extraordinaacuteria riqueza de detalhes
situaccedilotildees que possibilitam uma relaccedilatildeo analiacutetica com a realidade ora pela compreensatildeo que a
personagem tem de ldquosi mesmardquo e do seu mundo ora pela criacutetica e ataque agrave sociedade Eacute desse
confronto de caracteriacutesticas muitas vezes tidas como excludentes entre si que parece nascer a
praacutetica comum de nossa criacutetica de tentar reduzir sua obra ora ao elemento social ora ao
aspecto romacircntico ou existencialista O ponto paciacutefico eacute que a mateacuteria do teatro de Ibsen eacute
constituiacuteda de lembranccedilas de um passado irremediavelmente perdido Difiacutecil eacute perceber quais
satildeo os instrumentos adequados para lidar com ela eacute entender por que as personagens do
dramaturgo natildeo satildeo heroacuteis nem vilotildees eacute compreender por que os valores do passado satildeo
examinados criticamente Algumas respostas jaacute foram dadas por criacuteticos como Alcacircntara
Machado Rosenfeld Vianinha e Febrot Em Ibsen os conflitos o teacutedio profundo e a crise das
personagens natildeo satildeo puras abstraccedilotildees e sim o resultado da opressatildeo de classe das relaccedilotildees de
1 Raymond Williams ldquoDe heroacutei a viacutetima a feitura da trageacutedia liberal para Ibsen e Millerrdquo Traduccedilatildeo de Betina Bischof Trageacutedia moderna Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002 p 127 2 Stella Adler ldquoHenrik Ibsenrdquo Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e Chekhov Traduccedilatildeo de Socircnia Coutinho Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2002 p 76
99
conveniecircncia dos interesses gerados pelo dinheiro etc Portanto uma montagem ou uma
criacutetica que natildeo levem em conta esses aspectos privilegiando-se apenas o tratamento do
indiviacuteduo em seu psicologismo puro ou a defesa de uma tese torna-se problemaacutetica e
insatisfatoacuteria Haacute que se analisar o vazio e o fastio das personagens mas eacute preciso reconhecer
que esses fatores satildeo frutos da engrenagem anocircnima dos poderes sociais A questatildeo social em
Ibsen como bem jaacute demonstraram Rosenfeld Vianinha Raymond Williams e alguns outros
natildeo fornece apenas a mateacuteria que serve de veiacuteculo para conduzir sua corrente criadora ela
proacutepria eacute o elemento que atua na constituiccedilatildeo do que haacute de essencial em seu teatro
R E F E R Ecirc N C I A S B I B L I O G R Aacute F I C A S
101
TRADUCcedilOtildeES DA OBRA DO AUTOR
TEATRO COMPLETO
IBSEN Henrik Drammi Presentazione di Arturo Farinelli Versione a cura di C Giannini e N Zoja 2 v Cernusco sul Naviglio Milano Garzanti 1946 (Il Milione Grandi Scrittori Stranieri)
______ Henrik Ibsen Saumlmtliche Werke Herausgegeben von Julius Elias und Paul Schlenther 5 v Berlin S Ficher Verlag [19--]
______ Teatro completo Tradution y notas de Else Wasteson Revision y proacutelogo de M Winaerts e Germaacuten Goacutemez de la Mata Madrid Aguilar 1959
______ The collected works of Henrik Ibsen Translated by William Archer 13 v New York Scribnerrsquos sons 1911-1914
______ The Oxford Ibsen Translated and edited by James Walter McFarlane 8 v London Oxford University 1960-1977
POESIA
IBSEN Henrik Ibsenrsquos poems Translated by John Northam Oslo Norwegian University Press 1986
______ Poems by Henrik Ibsen Translated by Brian Sourbut [New York] York Settlement Trust 1993
______ The collected poems of Henrik Ibsen Translated by John Northam Disponiacutevel em lthttpwwwibsennetid=26645gt Acesso em 20 jan 2007
CORRESPONDEcircNCIA
IBSEN Henrik Ibsen letters and speeches Edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964
______ Letters of Henrik Ibsen Translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905
______ Lettres de Henrik Ibsen a ses amis Traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906
102
BIOGRAFIAS
BALZEL Oscar Henrik Ibsen Leipizig Infel Bucherei sd
FERGUSON Robert Henrik Ibsen a new biography London Cohen 1996
KOHT Halvdan Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971
JAEligGER Henrik Henrik Ibsen a critical biography Chicago AC McClurg 1901
LOTHAR Rudolph Henrik Ibsen Leipzig E A Seemann 1902 (Dichter und Darsteller 8)
MEYER Hans-Georg Henrik Ibsen New York Frederick Ungar 1972 (World dramatists series)
MEYER Michael Ibsen a biography by Michael Meyer London Peguin Books 1971
LIVROS E TESES SOBRE O AUTOR
APOLLONIO Mario Ibsen Brescia Morcelliana 1944
BERTEVAL W Le theacuteacirctre drsquoIbsen Preacuteface du Comte Prozor Paris Perrin 1912
BLOOM Harold Modern critical views Philadelphia Chelsea 1999
BOETTCHER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1912
BONET Ofelia Machado Ibsen Montevideo sn 1966
BOYESEN Hjalmar Hjorth Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894
BRADBOOK Muriel Clara Ibsen the Norwegian a revaluation London Chatto amp Windus 1946
BRANDES Georg Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies Revision e Introduction de William Archer New York Macmillan 1899
DEPPERMAN Maria et al (Orgs) Ibsen im europaumlischen Spannungsfeld zwischen Naturlismus um Symbolismus Frankfurt Peter Lang 1998
DOUMIC Reneacute De Scribe a Ibsen causeries sur le theacuteacirctre Paris Perrin 1896
DOWNS Brian W Ibsen the intellectual background New York Cambridge 1948
______ Modern Norwegian literature 1860-1918 Cambridge Cambridge University 1966
103
EGAN Michael Henrik Ibsen the critical heritage London Routledge 1997
EHRHARD Auguste Henrik Ibsen et le theacuteacirctre contemporain Paris Lecegravene Odin 1892 (Nouvelle Bibliothegraveque litteacuteraire)
FARINELLI Arturo Byron e Ibsen Milano Fratelli Booca 1944
FIRKINS Ina Ten Eyck Henrik Ibsena bibliography of criticism and biography with na index to characters New York London H W Wilson Company Grafton amp Company 1921 (Practical Bibliographies)
GRAVIER Maurice Ibsen Paris Seghers 1973
GRAY Ronald Ibsen a dissenting view a study of the last twelve plays London Cambridge 1977
HEIBERG Hans Ibsen a portrait of the artist London George Allen Unwin 1969
HOslashST Sigurd Henrik Ibsen Paris Stock 1924
JACOBBI Ruggero Ibsen la vita il pensiero i testi exemplari Milano Edizione Accademia 1972 (Il memorabili)
JACOBS M Ibsens Buumlhnentechnik Dresden Sibyllen-Verlag 1920
JANSEN ANNIE Ibsen el creador del teatro social Buenos Aires Claridad 1966
JOHNSTON Brian Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989
JORGENSONTHEODORE Henrik Ibsen a study in art and personality Northfield Minnesota St Olaf College 1948
KNIGHT WILSON G Ibsen Edinburgh Oliver and Boyd 1962
LA CHESNAIS Pierre Georget Brand drsquoIbsen eacutetude et analyse Paris Melloteacutee [19--] (Les Cheufs-drsquooeuvre de la Litteacuterature Expliqueacutes)
LAVRIN Janko Ibsen an approach London Methuen [1950]
LINGE Tore La conception de lrsquoamour dans le drama de Dumas fils et drsquoIbsen Paris H Champion 1935 (Bibliothegraveque de la Revue de Litteacuterature Compareacutee tome 110)
LOGEMAN H A commentary critical and explanatory on the Norwegian text of Henrik Ibsenrsquos Peer Gynt Its languageliterary associations and folklore The Hague Nijhoff 1917
LORIEacute OSSIP La philosophie sociale dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1900
104
LUGNEacute-POE Aureacutelien Ibsen par Lugneacute-Poe Paris Rieder 1936 (Maicirctres des Litteacuteratures 21)
MARKER Frederick J e Lise-Lone Ibsenrsquos lively art a performance study of the mayor plays New York Cambridge University 1989
MCFARLANE James Walter (Org) The Cambridge Companion to Ibsen New York Cambridge University 1994
______ Discussions of Henrik Ibsen Boston Heath 1962
______ Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970
______ Ibsen and the temper of Norwegian literature London Oxford 1960
NORTHAM John Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953
REINEDKER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris F Alcan 1912
REQUE Dikka A Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoslashrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930
SAROLET Charles Henrik Ibsen eacutetude sur sa vie amp son oeuvre Paris Nilsson 1891
SHAPIRO Bruce G Divine madness and the absurd paradox Ibsenrsquos Peer Gynt an the philosophy of Kierkegaard New York Greenwood 1990 (Contributions in Drama and Theatre Studies 29)
SHAW George Bernard The quintessence of Ibsenism London Walter Scott 1891
SHEPHERD-BARR Kirsten Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997
SLATAPER Scipio Ibsen Con un cenno su Scipio Slataper di Arturo Farinelli Torino Fratelli Bocca 1916 (Letterature Moderene Studi diretti da A Farinelli v 5)
TAM Kwok-kan Ibsen in China 1908-1997 a critical-annotated bibliography of criticism translation and performance Hong Kong Chinese University Press 2001
TEMPLETON Joan Ibsenrsquos women New York Cambridge University 1997
TENNANT P F D Ibsenrsquos dramatic technique Cambridge Bowes 1948
TISSOT Ernest Le drame norveacutegien Paris Perrin 1893
TORNQVIST Egil Ibsen A dollrsquos house Cambridge Cambridge University 1995
105
WEIGAND Hermann J The Modern Ibsen a reconsideration New York Henry Holt and Company 1925
ZAPPA Gabriella La fortuna di Ibsen in Italia (1891-1969) 1968 Tese (Doutorado em Letras) - Faculdade de Letras e Filosofia Universidade de Milatildeo Milatildeo
CAPIacuteTULO DE LIVROS SOBRE O AUTOR
ADORNO Theodor W ldquoExumaccedilatildeordquoldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo In ______ Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificada Traduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 79-82
ARCHER William ldquoIbsen and the English Theatrerdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 60-67
BENTLEY Eric ldquoTalking Ibsen personallyrdquo In ______ The theatre of commitment and others essays on drama in our society New York Atheneum 1967 p 98-118
BRECHT Bertold ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo In ______ Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12
BREED Paul Francis SNIDERMAN Florence M ldquoIbsenrdquo In ______ Dramatic criticism index a bibliography of commentaries on playwrights from Ibsen to the avant-garde Detroit Gale Research 1972 p 314-334
BRUSTEIN Robert ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 51-102
CASANOVA Ch de Bigault ldquoIbsen poetardquo In BRANDES Jorge Henrik IbsenTraduccedilatildeo e proacutelogo de Jose Liebermann Buenos Aires Tor 1965 p 157-188
FARIAS Javier ldquoEnrique Ibsenrdquo In ______ Historia del teatro Buenos Aires Atlandida 1944 (Coleccion Oro de Cultura General) p 210-211
FERGUSSON Francis ldquoGli Spettri e Il Giardino dei ciliegi il teatro del realismo modernordquo 1962 In ______ Idea di un teatro Milano Feltrinelli 1962 (Universale Economica) p 183-221
FREUD Sigmund ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In ______ Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356
GILMAN Richard ldquoIbsenrdquo In ______ Making of modern drama a study of Buchner Ibsen Strindberg Chekhov Pirandello Brecht Beckett Handke New York Farrar Straus Giraux 1975 p 45-82
106
GOLDMAN Emma ldquoThe scandinavian drama Henrik Ibsenrdquo In ______ The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914
GUARDIA Alfredo de la ldquoCriacioacuten espiritual de Ibsenrdquo In ______ El teatro contemporaacuteneo Buenos Aires Editorial Schapire [1947] p 115-156
LUKAacuteCS Georg ldquoHenrik Ibsen tentativo di creare una tragedia borgheserdquo In ______ La genesi della tragedia borghese de Lessing a Ibsenv 2 Milano SugarCo 1977 p 115-156
LUMLEY Frederick ldquoThe drama since Ibsen and Shawrdquo In ______ New trends in 20th century drama a survey since Ibsen and Shaw New York Oxford University 1972 p 9-16
PITOEumlFF Georges ldquoIbsenrdquo In ______ Notre theacuteacirctre Paris Messages 1949
PLEKHANOV Georgy ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In FLORES Angel Henrik IbsenNew York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007
SHAW George Bernard ldquoBefore and after Ibsen (1891)rdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 68-71
TOUCHARD Pierre-Aime ldquoIbsen ou le theacuteacirctre reacutevolutionnairerdquo In ______ Dionysos apologie pour le theacuteacirctre Nouvelle eacutedition revue et augmenteacute Paris Seuil 1949 p 153-157
WILLIAMS Raymond ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ Drama from Ibsen to Brecht 2 ed London Hogarth 1971 p 33-74
PERIOacuteDICOS SOBRE O AUTOR
ANDERSON Rasmus Bjoslashrn ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American [Wiscosin]15 abr 1882
ARCHER William ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 209-214 1 abr 1884
______ ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891
ARESTAD Sverre ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948
AVELING Edward ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-480 maio 1884
AVELING Edward MARX-AVELING Eleanor ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886
107
BOYESEN Hjalmar Hjorth ldquoHenrik Ibsenrdquo The Century a popular quarterly New York v 9 p 794-796 mar 1890
BRANDES Georg ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897
FJELDE Rolf ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988
HAGE Anne ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005
JAMES Henry ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893
MAETERLINCK Maurice ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894
SCOTT Clement [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893
______[sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891
URSO Simona ldquoIbsen in Italiardquo Societagrave Italiana per lo studio della Storia Contemporanea Scene di fine Ottocento lrsquoItalia fin de siegravecle a teatro Seccedilatildeo Cantieri di Storia II Disponiacutevel em lthttpwwwsisscoitattivitasem-set-2003relazioniursortfgt Acesso em 20 jan 2007
WIEDNER Elsie M ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978
GERAL
ABREU Briacutecio de Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958
ALMEIDA PRADO Deacutecio de Teatro brasileiro moderno Satildeo Paulo Perspectiva 1988
ANDERSON Rasmus Bjoslashrn Life story Madison Wisconsin ediccedilatildeo do autor 1915
ANTOINE Andreacute Mes souvenirs sur le Theacuteacirctre Libre Paris Arthegraveme Fayard 1921
BIGEON Maurice Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894
BETTI Maria Siacutelvia Oduvaldo Vianna Filho Satildeo Paulo EDUSP 1997
BORDEAUX Henry La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894
BOSI Alfredo ldquoPor um historicismo renovado reflexo e reflexatildeo na histoacuteria literaacuteriardquo In ______ Teresa revista de literatura brasileira n 1 Satildeo Paulo Ed34 2000
108
BOYESEN Hjalmar Hjorth Essays on Scandinavian literature London David Nutt 1895
BRANDAtildeO Cristina O Grande Teatro Tupi do Rio de Janeiroo teleteatro e suas muacuteltiplas faces Juiz de Fora UFJF OP COM 2005
BROCA Brito A vida literaacuteria no Brasil ndash 1900 Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1960
CACCIAGLIA Mario Pequena histoacuteria do teatro no Brasil (quatro seacuteculos de teatro no Brasil) Traduccedilatildeo de Carla de Queiroz Satildeo Paulo EDUSP 1986
CAFEZEIRO Edwaldo GADELHA Carmem Histoacuteria do teatro brasileiro um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues Rio de Janeiro UFRJ 1996
CAIRO Luiz Roberto Velloso Introduccedilatildeo agrave teoria literaacuteria de Araripe Juacutenior um criacutetico
brasileiro precursor da vanguarda atual 1978 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Linguumliacutestica e
Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de
Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
______ O salto por cima da proacutepria sombra o discurso criacutetico de Araripe Juacutenior uma
leitura 1986 Tese (Doutorado em Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de
Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas
Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo
CANDIDO Antonio et al A personagem de ficccedilatildeo Satildeo Paulo Perspectiva 1968
CANDIDO Antonio Literatura e sociedade estudos de teoria e histoacuteria literaacuteria Satildeo Paulo Nacional 1965
CARLSON Marvin Teorias do teatro estudo histoacuterico-criacutetico dos gregos agrave atualidade Traduccedilatildeo de Gilson Ceacutesar Cardoso de Souza Satildeo Paulo UNESP 1997
CARPEAUX Otto Maria La litteacuterature breacutesilienne du bovarysme agrave lrsquoengagement In ______ Les Temps Modernes Le Breacutesil n 257 Paris octobre 1967
CARVALHO Seacutergio de O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
COSTA Inaacute Camargo A hora do teatro eacutepico no Brasil Rio de Janeiro Paz e Terra 1996
______ Sinta o drama Rio de Janeiro Vozes 1998
CRAIG Edward Gordon Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971
109
DOacuteRIA Gustavo A Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975
FARIA Joatildeo Roberto Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva FAPESP 2001
______ O teatro na estante estudos sobre dramaturgia brasileira e estrangeira Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial 1998
______ O teatro realista no Brasil 1855-1865 Satildeo Paulo EDUSP Perspectiva 1993
FERRATON Hubert Syndicalisme ouvrier et social-deacutemocratie en Norvegravege Paris Armand Colin 1960
GOLDMAN Emma Anarchism and other essays New York Dover 1969
GOULD Jean Dentro e fora da Broadway o teatro moderno norte-americano Traduccedilatildeo Ana Maria M Machado Rio de Janeiro Bloch 1968
GRANIER Caroline Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes ndash Saint-Denis Paris
GUERRA Marco Antocircnio Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
GUINSBURG J FARIA Joatildeo Roberto LIMA Mariacircngela Alves de (Orgs) Dicionaacuterio do teatro brasileiro temas formas e conceitos Satildeo Paulo Perspectiva SESC Satildeo Paulo 2006
GUZIK Alberto TBC crocircnica de um sonho Satildeo Paulo Perspectiva 1986
HALLEWELL Laurence O livro no Brasil sua histoacuteria Traduccedilatildeo de Maria da Penha Villalobos Loacutelio Lourenccedilo de Oliveira e Geraldo Gerson de Souza Satildeo Paulo EDUSP 2005
HAUGSTOL H VERGEL J This is Norway Oslo Arne Gimmes Forlag 1949
HOBSBAWN Eric J A Era do Capital 1848-1875 Rio de Janeiro Paz e Terra 1996
______ A Era dos Impeacuterios 1875-1914 Rio de Janeiro Paz e Terra 2002
HYMAN Erin Williams ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005
LEITE Pedro Sisnando Escandinaacutevia modelo de desenvolvimento democracia e bem-estar Satildeo Paulo HUCITEC 1982
LEMAIcircTRE Jules Impressions de theacuteacirctre 10 v Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897
110
LOMBROSO Cesare LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894
LOMBROSO Cesare FERRERO William The female offender New York Philosophical Library 1958
LUKAacuteCS Georg Il drama moderno Milano SugarCo 1976
______ Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968
______ Teoria do romance uma ensaio histoacuterico-filosoacutefico sobre as formas da grande eacutepica Satildeo Paulo Duas Cidades Ed 34 2000
MAGALDI Saacutebato VARGAS Maria Thereza Cem anos de teatro em Satildeo Paulo (1875-1974) Satildeo Paulo SENAC 2000
MAGALDI Saacutebato Panorama do teatro brasileiro Satildeo Paulo Difel 1962
MARTINS Maria Helena (Org) Rumos da criacutetica Satildeo Paulo SENAC Itauacute Cultural 2000
MARTINS Wilson A criacutetica literaacuteria no Brasil 2 v Rio de Janeiro Francisco Alves 1983
MEYERHOLD Vsevolod Meyerhold on theatre Translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969
MILAREacute Sebastiatildeo ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrmateria_atualaspmat=176gt Acesso em 20 jan 2007
MORAES Alexandre Lara de Indiviacuteduo e resistecircncia sobre a anulaccedilatildeo da individualidade e a possibilidade de resistecircncia do indiviacuteduo em Adorno e Horkheimer Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia) Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Universidade Estadual de Campinas Campinas
NAESS Harald S A history of Norwegian literature London University of Nebraska 1993
NEVES Larissa de Oliveira O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 2 v Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas
NOCCIOLI Guido Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Translated by Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982
NORDAU Max Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94
PAVIS Patrice Dicionaacuterio de teatro Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Maria Luacutecia Pereira Satildeo Paulo Perspectiva 1999
111
PEREIRA Sidecircnia Freire O teleteatro da TV TUPI em Satildeo Paulo origens e contribuiccedilotildees na
teledramaturgia nacional 2004 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Comunicaccedilatildeo e Arte) ndash
Departamento de Comunicaccedilatildeo e Arte Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo
Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo
PEIXOTO Fernando (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983
PIVOT Sylvain Norvegravege Paris Seuil 1960 (Collection Petite Planegravete)
RAULINO Berenice Ruggero Jacobbi presenccedila italiana no teatro brasileiro Satildeo Paulo Perspectiva 2002
ROSENFELD Anatol O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000
______ Prismas do Teatro Satildeo Paulo Perspectiva EDUSP UNICAMP 1993
SARCEY Francisque Quarante ans de theacuteacirctre 8 v Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1900-1902
SILVA Flaacutevio Luiz Porto e (Org) O teleteatro paulista nas deacutecadas de 50 e 60 Satildeo Paulo Secretaria Municipal de Cultura Departamento de informaccedilatildeo e documentaccedilatildeo artiacutesticas Centro de documentaccedilatildeo e informaccedilatildeo sobre arte brasileira contemporacircnea 1981 (Cadernos 4)
STOVERUD T Milestones of Norwegian Literature Oslo Johan Grundt Tanum Forlag 1967
SZONDI Peter Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001
VENTURA Mauro de Souza Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
VENTURA Roberto Estilo tropical histoacuteria cultural e polecircmicas literaacuterias no Brasil 1870-1914 Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991
WAIZBORT Maria do Carmo Malheiros Um diaacutelogo criacutetico Otto Maria Carpeaux e as ldquociecircncias do espiacuteritordquo 1992 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Literatura Brasileira) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
This document was created with Win2PDF available at httpwwwwin2pdfcomThe unregistered version of Win2PDF is for evaluation or non-commercial use onlyThis page will not be added after purchasing Win2PDF
Top Related