HORTAS URBANAS: Uma alternativa para a sustentabilidade e para a transformação da paisagem urbana – o caso de Florianópolis/SC
LAHM, JÚLIA T. (1); NÓR, SORAYA (2)
1. Mestranda do Pós-Arq UFSC. Laboratório de Urbanismo - Departamento de Arquitetura e Urbanismo
Campus UFSC – Trindade, PósARQ/CTC Caixa Postal 476, 88040-900, Florianópolis – SC.
2. Profa. Dr. UFSC. Laboratório de Urbanismo - Departamento de Arquitetura e Urbanismo Campus UFSC – Trindade, PósARQ/CTC
Caixa Postal 476, 88040-900, Florianópolis – SC. [email protected]
RESUMO
Este artigo baseia-se na pesquisa de mestrado, que se encontra em desenvolvimento, e será construída a partir do estudo das hortas urbanas e de como sua implantação pode influenciar na transformação da paisagem urbana e ser uma alternativa para a sustentabilidade das cidades, mostrando de que maneira, seus vários benefícios ambientais, sociais, econômicos, culturais e paisagísticos, podem modificar a relação das pessoas com as cidades, com o meio ambiente, com a sociedade e com elas mesmas. Para isso, serão estudadas e analisadas, como estudo de caso, algumas hortas comunitárias urbanas existentes em Florianópolis, Santa Catarina, e mais profundamente uma horta comunitária do sul da ilha, localizada no bairro Campeche. Os estudos atuais se organizam em etapas, com a delimitação da pesquisa, entrevistas preliminares com os participantes, e apresentação de resultados parciais. O referencial teórico aborda temas como as terras de uso comum, a questão do zoneamento rural x urbano no Plano Diretor, políticas públicas envolvendo agricultura urbana, agroecologia, segurança alimentar e economia solidária. Futuramente, pretende-se realizar o mapeamento georreferenciado das hortas coletivas de Florianópolis.
Palavras-chave: Hortas urbanas; Paisagem urbana; Sustentabilidade.
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4° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
1. APRESENTAÇÃO
Imagine estar na sua casa ou apartamento em pleno centro urbano e poder colher uma
hortaliça fresca em uma horta ao lado de casa, ou até mesmo em seu próprio quintal ou
varanda. Imagine poder trocar mudas e sementes de ervas medicinais e aromáticas ou até
mesmo de seus vegetais prediletos com seus vizinhos de porta, descobrir qual erva é boa
para dor de cabeça ou para dor de estômago. Imagine ter uma horta comunitária na sua rua,
no lugar daquele terreno ocioso onde o lixo se acumulava, onde você possa, além de
conhecer e interagir com seus vizinhos, compostar seu resíduo orgânico, deixando de enviá-lo
para algum aterro sanitário a muitos quilômetros de distância e depois poder utilizar do seu
próprio composto orgânico para plantar novamente aquelas mudas que você trocou com a
vizinha da casa em frente (COUTINHO, 2010).
Pode parecer utopia, mas atualmente nas cidades estas cenas não são mais tão estranhas
assim. A prática da agricultura urbana vem ficando cada vez mais comum nas cidades
globalizadas e as pessoas estão, aos poucos, buscando retomar seu contato com a terra, nem
que seja através de um vasinho de tempero na varanda.
Em contrapartida, as ruas das cidades estão cada vez mais cinzas, os poucos espaços verdes
que restam estão sendo rapidamente absorvidos pelo mercado imobiliário, que faz da terra
urbana uma simples mercadoria sem nem precisar justificar, assim como fez dos alimentos e
da água. Além disso, os espaços públicos que seriam de todos, são considerados de
ninguém.
O espaço urbano é, antes de tudo, constituído e construído pelas relações humanas e sociais.
Hoje em dia, as ruas são cada vez menos espaços de relações sociais, local de trocas, para
conversar com um vizinho, trocar uma receita, colocar um banquinho e observar o movimento.
A globalização e a tecnologia, a pressa, a falta de tempo, a vida acelerada, fazem, em muitos
casos, do espaço público um mero local de passagem e não mais de apreciação e
contemplação, onde ocorrem cada vez menos interações sociais. Hoje em dia, pode-se
comunicar com um amigo do outro lado do mundo pela internet, mas não se sabe quem é o
vizinho da casa em frente. As trocas sociais estão se perdendo e, aos poucos, os saberes
ancestrais também. Consideramos importante para arquitetos e urbanistas, resgatar os
“velhos” conceitos de vizinhança, de proximidade com o local em que vivemos, pois é
descabido saber como está a economia mundial e não ter ideia do que se passa na sua
cidade, no seu bairro, na sua rua, no seu prédio. Como saber qual é o maior exportador de
soja do mundo, mas não saber de onde veio e muito menos quem cultivou o seu jantar.
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A natureza nos proporciona tudo que precisamos para viver, de forma gratuita. O ar que
respiramos, o sol que nos aquece, a terra que nos acolhe e a água que nos dá vida. A terra e
as águas, bens comuns da humanidade, estão sendo privatizadas e ficando nas mãos de
poucos que as monopolizam. Portanto, os alimentos são parte disso e deveriam ser também
bens comuns e acessíveis a todos os seres, humanos e não humanos, deste planeta.
Infelizmente não é isso que acontece.
Porém, felizmente, em diversos locais, as pessoas já estão se conscientizando e buscando
alternativas para esse monopólio e esse modo de vida alienado da realidade local. Em
Florianópolis, uma pequena ilha localizada no sul do Brasil, movimentos a favor do bem de
todos emergem a todo instante, talvez, justamente, por se tratar de uma ilha, e por isso
deveras vulnerável a possíveis desastres ambientais e contaminações. Sendo o alimento uma
das necessidades físicas que já não nos é ofertado “gratuitamente” pela natureza, sua busca,
principalmente, ao natural e sem venenos está emergindo fortemente na área urbana.
Os movimentos de hortas urbanas visam, além de resgatar as origens dos alimentos,
integração da comunidade, ocupação de espaços públicos e privados ociosos na cidade, além
de mostrar para as pessoas que a terra e os alimentos são, ou deveriam ser, bens comuns
aos quais todos têm direito. Assim, mais importante do que abastecer, as hortas urbanas
visam esclarecer, trazer informações, empoderar os cidadãos.
Parece ilógico as cidades não produzirem alimentos de forma orgânica, sem agrotóxicos e
sem modificação genética, para alimentar sua própria população, na escala local. Ao
contrário, tudo acaba vindo de outros lugares distantes, centralizando a produção em alguns
locais e isso acaba exigindo um enorme gasto de combustível, pessoal e ambiental, para
transporte dos alimentos de um extremo ao outro. Além disso, as práticas do agronegócio
ameaçam a soberania alimentar no Brasil. Ao deixar de plantar comida para plantar
mercadorias, ficamos extremamente dependentes do mercado externo, e vulneráveis às
mudanças climáticas, às oscilações de preços e outras tantas consequências.
Na pesquisa, em desenvolvimento, pretende-se compreender de que forma as hortas urbanas
influenciam na paisagem das cidades e como elas podem contribuir para a sustentabilidade
das mesmas, econômico, ambiental e socialmente. Desvendando, especialmente, a
importância das hortas urbanas comunitárias no contexto do município de Florianópolis - SC.
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2. AGRICULTURA NA PAISAGEM URBANA
A agricultura é tão antiga quanto nossas cidades, mas perdeu seu papel no século 19,
principalmente por causa dos novos meios de transporte e conservação dos alimentos
relacionados à expansão industrial. Então, durante muito tempo pensou-se que a agricultura
estava relacionada somente ao meio rural, vastos campos para grandes plantações e
pecuária. Atualmente, esse conceito vem se modificando e a agricultura vem ganhando
espaço também nas cidades.
A agricultura urbana pode revelar-se numa nova atividade da cidade. Atividade essa que tem
necessidades, relações e potencialidades, muito além da produção de alimentos e que, por
tal, deve ser considerada no planejamento urbano, atendendo à sua relação benéfica com os
outros componentes do ambiente urbano, tais como os serviços, as áreas verdes, os espaços
de recreio e lazer, os edifícios, a economia, entre outros, reconfigurando sua paisagem. Traz
assim benefícios econômicos, ambientais e sociais para as cidades. Neste sentido, as
políticas urbanas deveriam incentivar a implementação da agricultura urbana como forma de
promover a sustentabilidade. O cultivo de alimentos deve ser visto como um importante
componente da vida urbana do futuro (PINTO, 2007).
A agricultura urbana é um conceito multidimensional que inclui a produção, o agro
extrativismo e a coleta, a transformação e a prestação de serviços, para gerar produtos
agrícolas (hortaliças, frutas, ervas medicinais, plantas ornamentais, etc.) e pecuários (animais
de pequeno, médio e grande porte). Inclui também a pesca, maricultura e apicultura. Estes
produtos estão voltados ao autoconsumo, trocas e doações ou comercialização, (re)
aproveitando-se, de forma eficiente e sustentável, os recursos e insumos locais (solo, água,
resíduos sólidos, mão-de-obra, saberes etc.) (PINTO, 2007).
O diagrama abaixo apresenta e mostra a abrangência da agricultura urbana relacionado à
urbanização:
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Figura 1: Mapa mental das abordagens que englobam a Agricultura Urbana. Elaboração LAHM, 2016.
A partir desde mapa mental, nota-se que os campos em que a agricultura urbana atua são
realmente muito amplos, transdisciplinares e complexos, sendo assim, para compreender a
agricultura urbana são necessárias interações em diferentes áreas do conhecimento, nos
âmbitos sociais, econômicos, culturais e políticos, a partir de uma leitura interdisciplinar,
fundamental para a realização da pesquisa.
As hortas domésticas, hortas em centros de saúde, hortas comunitárias ou coletivas,
arborização de frutíferas nas cidades, parques hortícolas, hortas de apartamentos,
compostagem, roças e chácaras, engenhos de farinha, cachaça e açúcar, agricultura
tradicional, dinâmicas de abastecimento de circuitos curtos, bancos de sementes, hortas em
marginais de rodovias e calçadas, enfim, todas estas e outras são tipologias de agricultura
urbana que com suas finalidades e objetivos podem compor a agricultura e a paisagem
urbana. (ABREU, 2006).
Os alimentos produzidos na cidade são geralmente destinados para autoconsumo,
abastecimento de restaurantes populares, cozinhas comunitárias e venda de excedentes no
mercado local, resultando em inclusão social, melhoria da alimentação, nutrição e geração de
renda (CEPAGRO, 2008).
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É então fundamental promover ações sustentáveis em que, no contexto do desenvolvimento
urbano, seja adotada uma estratégia que aperfeiçoe infraestruturas, minimize deslocamentos
e promova as relações sociais e a constituição de sinergias. A viabilidade destes fatores é
bastante rentável e promotora de um eficaz desenvolvimento sustentável, também em sua
vertente econômica.
As hortas urbanas comunitárias, pela sua importância, assentem inúmeras funções que
podem desempenhar, pois, além da função pedagógica, do resgate às origens através do (re)
contato com a terra, de serem um veículo de integração social, de terem potencial para
combater a fome, espacialmente entre a população de baixa renda, e de equilibrar o
orçamento familiar, funcionam também como uma estratégia de recuperação ambiental
especialmente de terrenos ociosos, que muitas vezes apenas acumulam mato e lixo, portanto,
devem ser consideradas no Plano Diretor Municipal para que a atividade seja regulamentada
(PINTO, 2007).
Os espaços verdes urbanos também contribuem para regularizar situações ambientais,
mediante as suas capacidades de termo regularização, controle da umidade, controle das
radiações solares, controle da nebulosidade, purificação da atmosfera, absorção de dióxido
de carbono e aumento do teor em oxigênio, proteção contra o vento, à chuva e o granizo,
proteção contra e erosão, o ruído e proteção em relação à circulação viária.
Embora existam diversas experiências de agricultura urbana no Brasil e no mundo,
comprovando todos os benefícios anteriormente citados, existe ainda uma série de limitações
a ser superada. Frequentemente, a agricultura urbana não é reconhecida pelas políticas
agrícolas e não é contemplada no planejamento urbano, o que a torna “invisível” ao poder
público e consequentemente não comparece no Plano Diretor Municipal. Isso faz com que a
agricultura urbana aconteça informalmente e, assim, que os produtores e colaboradores não
tenham direito a nenhum apoio institucional, assistência técnica, créditos e outros serviços
necessários para a manutenção e planejamento desses espaços, tão relevantes e
transformadores da paisagem e da sociedade urbana (VALDIONES, 2013).
Esta pesquisa tem a intenção de levar ao debate práticas populares que estão acontecendo e
aos poucos ganhando dimensão nas cidades, mas que ainda, em diversos casos, se mantém
anônimas, e, portanto, fora do âmbito do planejamento das cidades. A intensão é dar ênfase
a essa atividade transformadora, fortalecendo essas práticas fundamentais para a
manutenção da vida nas cidades, atraindo assim o interesse não somente da população a ser
beneficiada, mas também, e principalmente, dos gestores e técnicos que devem discutir
planejar e projetar a cidade de forma participativa (COUTINHO, 2010).
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3. HORTAS URBANAS EM FLORIANÓPOLIS
Pensar em sustentabilidade implica em respeitar, sobretudo, nossos recursos naturais e
culturais. Para tanto, se faz necessário compreender paisagem e planejamento ambiental na
perspectiva de buscar a integração da racionalidade ambiental e social à econômica, na
ocupação e organização do espaço, visando priorizar a boa qualidade ambiental e,
consequentemente, a vida, de acordo com uma visão sistêmica e histórica (CITTADIN, 2010).
Nos últimos anos, em todo o mundo, aumentou consideravelmente a quantidade de pessoas
vivendo em grandes centros urbanos. As relações sociais e as facilidades proporcionadas
pelas cidades fazem que as pessoas optem por viver nestes centros. Esse processo de
urbanização, na maioria dos casos, ocorre de forma desordenada. Segundo Kabilio (2016, p.
10): “Os maiores desafios das próximas décadas estarão certamente relacionados ao
processo de urbanização, ao uso racional de recursos naturais, à recuperação de ambientes
degradados e a vida integrada à natureza”.
Este processo de urbanização desenfreada, sem planejamento, o aumento da pobreza e da
desigualdade que se deu com a expansão do capitalismo, pode levar as pessoas a não terem
acesso a condições mínimas de qualidade de vida. Uma destas condições é o acesso a
alimentos de qualidade e preço acessível. Neste contexto, surge a possibilidade da prática da
agricultura urbana, que além de transformar a paisagem urbana e, consequentemente,
melhorar as condições do meio ambiente nas cidades, pode ser uma ferramenta de
reconexão do ser humano urbano com a natureza, da qual muitos julgam, inconscientemente,
não ser parte.
No município de Florianópolis observa-se que cada vez mais a malha urbana se densifica,
havendo uma diminuição dos espaços verdes, e consequentemente um aumento da poluição
visual e atmosférica. Ao contrário do que se pode pensar, essa densificação, geralmente,
reduz a integração social dos indivíduos, uma vez que estes estão se cercando de muros e
grades, restando poucos espaços de comunhão e de organização participativa. Os
consumidores, nas cidades, estão cada vez mais afastados do processo de produção de seus
bens e alimentos e, consequentemente mais afastados, também, dos ciclos naturais. Os
cidadãos estão igualmente desconectados do manejo de seus próprios resíduos,
desconhecendo seu destino e tratamento – quando este existe.
Em meados de 2015, iniciou-se na ilha de Santa Catarina, um movimento coletivo intitulado
primeiramente como Quinta do Campeche, mas que mudou de nome para Quintais de Floripa,
devido à sua rápida expansão pela cidade. Juntamente com outros movimentos já existentes,
este coletivo surgiu como intuito de promover a alimentação de qualidade, a ocupação da
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cidade pelos seus cidadãos e resgatar o convívio entre os vizinhos de bairro ou de cidade.
Compartilhar ao invés de segregar, juntar ao invés de separar, multiplicar ao invés de dividir.
Os movimentos para o resgate da agricultura na ilha vêm crescendo à medida que a
urbanização, movida pelo turismo, acelera sem precedentes, num cenário em que a natureza
não é mais um empecilho para as grandes construtoras e para a especulação imobiliária. O
bem estar comum não tem sido prioridade para quem atende a interesses de grandes
empresas. Diminui em grade medida, o direito à cidade, ao alimento, à agua potável, ao
saneamento básico, para quem não “contribui” para o crescimento da economia.
Desse modo, teve origem a presente pesquisa, construída a partir do estudo das hortas
urbanas e de como sua implantação pode influenciar na transformação da paisagem urbana e
ser uma alternativa para a sustentabilidade das cidades, mostrando de que maneira, seus
inúmeros benefícios ambientais, sociais, econômicos, culturais e paisagísticos, podem
modificar a relação das pessoas com as cidades, com o meio ambiente, com a sociedade e
com elas mesmas.
Florianópolis divide-se na parte insular e continental, totalizando uma área de 433km² nos
quais estão distribuídos 421.240 habitantes, conforme os dados divulgados pelo último censo
realizado pelo IBGE, em 2010. Em uma área correspondente a 35,32km² do município
localiza-se o Distrito do Campeche. Nesta localidade a atividade econômica predominante é
turística, porém se intensificou a ocupação residencial nas últimas décadas (DIAS; SCHUCH,
2015).
Para isso, serão estudadas e analisadas, como estudo de caso, algumas hortas comunitárias
urbanas que existem em Florianópolis, Santa Catarina, e mais profundamente uma horta
comunitária localizada no sul da Ilha de Santa Catarina, no bairro Campeche.
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Figura 2: Florianópolis e divisão dos bairros. Fonte: http://mobfloripa.com.br
Este trabalho surgiu com o intuito de documentar, analisar e relacionar as hortas urbanas
comunitárias que estão emergindo em Florianópolis a partir acompanhamento e participação
do coletivo denominado Quintais de Floripa. Porém, à medida que a pesquisa foi se
desenvolvendo, avançando e se aprofundando, ao mesmo tempo o tema foi ganhando
espaço na vida política e social da cidade de Florianópolis, onde foi criada uma Rede de
Agricultura Urbana, promovida pela Secretaria da Saúde, inicialmente com o intuito de
erradicar os focos de dengue dos terrenos baldios e promover a saúde através das plantas
medicinais nas Unidades de Saúde da Prefeitura Municipal de Florianópolis, mas a ideia
rapidamente foi se alastrando para outras diferentes áreas, formando-se assim um grupo
concreto, cada vez mais crescente e interdisciplinar de pessoas da cidade interessadas no
tema.
A Rede Semear Floripa está crescendo rapidamente e agregando cada vez mais interessados
e simpatizantes, agricultores urbanos, produtores, acadêmicos, profissionais da saúde,
professores, advogados, famílias, enfim todo o tipo de pessoas que veem na agricultura
urbana uma forma de resgatar saberes e práticas ancestrais, ter maior autonomia, ter mais
segurança alimentar e assim contribuir com a sustentabilidade da cidade onde vivem. Ao
mesmo tempo, a (re) discussão do Plano Diretor Municipal de Florianópolis, de 2014, veio à
tona, num momento muito propício para a tentativa de incluir a agricultura urbana no
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planejamento, visto que este deve ser a base para políticas públicas voltadas para o bem
estar ambiental e social do espaço urbano.
Em função disso, em 2015 houve o 1º Encontro Municipal de Agricultura Urbana, no Camping
do Rio Vermelho em Florianópolis, e em junho de 2015, na UFSC, houve o 2º Encontro
Municipal de Agricultura Urbana. O LabUrb – Laboratório de Urbanismo da UFSC - participou
da organização, juntamente com outras diversas instituições, coletivos e associações. Foi um
evento aberto e participativo, criado e realizado em cooperação transdisciplinar, que teve
grande participação tanto da comunidade acadêmica quanto da comunidade local.
Diante de tantos acontecimentos envolvendo agricultura urbana na cidade de Florianópolis, a
pesquisa foi tomando seu rumo e se moldando aos acontecimentos, muito significativos e que
estão acontecendo de forma rápida. Assim, optou-se por focar o estudo, nas hortas urbanas
comunitárias, ilustrando com o estudo de caso da horta comunitária localizada no Parque
Cultural do Campeche – PACUCA.
Como um dos fundamentos da pesquisa, revisitou-se o conceito das terras de uso comum, as
quais existiram na ilha e no litoral de Santa Catarina, buscando relacionar esses locais de uso
comum com o planejamento urbano atual, mais precisamente com as hortas comunitárias
como terras de uso comum, buscando relacionar o conceito de bem comum que deveria ser
resgatado em relação aos recursos naturais essenciais à vida na terra, como a terra, os
alimentos, a água, o ar.
Pretende-se também elaborar o mapeamento das hortas urbanas comunitárias do município
de Florianópolis, como um dos resultados propostos para esta pesquisa, o qual faz parte de
um projeto de pesquisa vinculado ao LabUrb, que engloba as Tramas Verdes e Azuis da
cidade, conceito também bastante amplo e recente, que requer ainda grande investigação e
estudo, principalmente no Brasil.
A questão sobre o zoneamento Rural X Urbano no Plano Diretor também será brevemente
discutida. Serão apresentados também, os conceitos de Agroecologia, fundamental para a
compreensão da dinâmica de produção sustentável de alimentos assim como a Economia
Solidária e Segurança Alimentar e Nutricional. Por fim, serão apresentadas algumas Políticas
Públicas nacionais e internacionais envolvendo a agricultura urbana no planejamento urbano,
fazendo um panorama do que já está sendo proposto a respeito do tema no Brasil e no
mundo, e assim como podemos avançar neste sentido e também mostrar alguns locais que já
estão aplicando e onde a agricultura urbana acontece de forma eficaz, o caso de Cuba,
Rosário na Argentina, Sevilla na Espanha e na cidade de São Paulo.
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4. HORTA COMUNITÁRIA PACUCA
A análise dos participantes da horta comunitária localizada no Parque Cultural do Campeche
– PACUCA foi realizada questionários com o “Discurso do Sujeito Coletivo” (DSC), o qual é
uma técnica de pesquisa que se presta à abordagem de todo tipo de temática que envolva o
vasto campo dos pensamentos, sentimentos, crenças, atitudes, valores, representações
sociais, quando estas são expressas sob forma de discursos verbais (LEFEVRE e LEFEVRE,
2010). A proposta para o resgate e descrição das opiniões é, assim, qualiquantitativa já que,
num mesmo processo de pesquisa, qualifica e quantifica as opiniões de coletividades. Esta
tarefa dupla é necessária uma vez que uma opinião coletiva é, sempre, uma qualidade (a
opinião/depoimento) e uma quantidade (a coletividade ou seus segmentos). O resultado de
uma pesquisa que usa este método oferece um painel de distintas qualidades (depoimentos
coletivos que apresentam sentidos diferentes) cada uma com seu respectivo peso e
distribuição no tecido social, que expressam as opiniões existentes numa coletividade, no
momento da pesquisa, sobre o tema pesquisado (LEFEVRE F.; LEFEVRE, AMC, 2005).
A análise e discussão dos resultados fará a síntese dos conhecimentos obtidos através das
pesquisas realizadas, trazendo discussões e novas interpretações possíveis para a pesquisa.
Figura 3: Horta Comunitária Quinta do Campeche. Onde tudo começou. Horta mandala. Fonte: Novas do Campeche. *
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Figura 4: Horta Comunitária Quinta do Campeche. Onde tudo começou. Reunião dos participantes. Fonte: Novas do Campeche. *
Figura 5: Horta Comunitária da PACUCA. Mutirão e canteiros elevados. Fonte: Novas do Campeche.*
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Figura 6: Horta Comunitária da PACUCA. Espiral de Ervas. Fonte: Novas do Campeche.*
* Disponível em: https://quintaisdefloripa.wordpress.com/
Os possíveis entrevistados foram previamente consultados e concordaram que preferiam
responder as questões por escrito, com mais tempo em suas casas, por razão de tempo,
espaço e circunstância (praticamente todos os encontros são realizados nos mutirões).
Assim, foi elaborado um questionário com quatro perguntas abertas para que os interessados
pudessem manifestar livremente suas opiniões. Parte dos questionários foi distribuída e parte
enviada online para os participantes. Foram distribuídos, aproximadamente 15, para pessoas
realmente envolvidas e/ou que já tiveram envolvimento no movimento.
Procurou-se tomar cuidado para que participassem da entrevista pessoas de diferentes
idades, sexo, escolaridade e classe social, para não haver distorções. As respostas foram
tratadas como anônimas, sem distinção de gênero, raça, cor, idade ou escolaridade, tanto por
uma questão ética, quanto para não ter influência na pesquisa.
As questões a serem respondidas na entrevista foram as seguintes:
1 – EM SUA OPINIÃO, QUAIS OS PRINCIPAIS BENEFÍCIOS DAS HORTAS URBANAS
COMUNITÁRIAS DO BAIRRO CAMPECHE?
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2 – EM SUA OPINIÃO, QUAIS AS PRINCIPAIS DIFICULDADES DAS HORTAS URBANAS
COMUNITÁRIAS DO BAIRRO CAMPECHE?
3 – EM SUA OPINIÃO, QUAL O PERFIL DOS PRINCIPAIS
PARTICIPANTES/FREQUENTADORES DAS HORTAS URBANAS COMUNITÁRIAS DO
BAIRRO CAMPECHE? (IDADE, GENERO, CONDIÇÃO SOCIAL, FREQUENCIA DE
PARTICIPAÇÃO).
4 – DÊ A SUA OPINIÃO, EM GERAL, SOBRE AS HORTAS URBANAS.
Na técnica do Discurso do Sujeito Coletivo busca-se identificar as seguintes figuras
metodológicas ou operadores: expressões-chave, ideias centrais e ancoragem.
Após leitura minuciosa das respostas, identificaram-se e reuniram-se as semelhantes na
mesma categoria, formando o Discurso com a união dos depoimentos numa mesma
categoria, acrescentado elementos conectivos e excluindo-se as expressões repetidas a fim
de garantir a coesão textual do discurso.
A metodologia utilizada para a análise das entrevistas permitiu valorizar todas as respostas,
desde as mais citadas e repetidas até as que foram citadas somente uma única vez, mas não
menos importantes. O Discurso do Sujeito Coletivo permite que se tenha uma ideia geral do
que pensa um coletivo, sem deixar nenhuma opinião de lado e valorizando as opiniões mais
recorrentes. Nos Discursos do Sujeito Coletivo as primeiras três ou quatro respostas do texto
são sempre as mais recorrentes, ou seja, que foram citadas diversas vezes pelos
entrevistados. À medida que o discurso avança, vai se colocando as respostas menos
recorrentes ou até mesmo que somente uma pessoa citou, porém não desprezando essa
resposta, que faz parte do coletivo e é muito importante que seja valorizada. Acredita-se que
este modelo de análise é uma maneira bastante democrática de valorização de opiniões, e
muito válida quando implantada, principalmente, em questões comunitárias. A seguir
apresenta-se o discurso com as respostas já compiladas e organizadas de acordo com a
metodologia.
4.1. DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO
“Acredito que a interação e integração social são os principais benefícios das Hortas Urbanas
do Campeche, pois elas são um espaço para plantarmos e que podemos compartilhar em
comunhão os alimentos e conhecimentos, proporcionando mais qualidade de vida para todos
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os envolvidos. As hortas nos trazem conexão com a natureza e um olhar voltado para si
mesmo. Despertam a consciência coletiva. São um incentivo à produção local e familiar,
sendo um espaço de união entre as famílias. O fortalecimento dos laços também é um fato
que as Hortas Urbanas resgatam. Acredito que as Hortas podem empoderar a comunidade
fazendo-a refletir mais a respeito do destino de seus resíduos, fazendo com que nos sintamos
responsáveis por isso. Acredito que sejam uma terapia ocupacional, e uma experiência muito
válida por estar divulgando os princípios da Permacultura e ocupando os espaços públicos.
No meu ver é uma prática necessária para a sustentabilidade e o incentivo à alimentação
saudável.
Porém as dificuldades são muitas, mas acredito que principalmente a falta de mão-de-obra
para a manutenção dos espaços, que resulta da falta de mobilização e também da escassa
divulgação que acontece. Acho que faltam também espaços físicos disponíveis para as
hortas. Acredito que falta incentivo do governo e por isso os participantes acabam desistindo,
além de não terem tempo disponível suficiente para dedicar às hortas. A falta de
conhecimento técnico também dificulta um pouco o andamento das Hortas, mas
principalmente a falta de comprometimento dos envolvidos para seguir com a iniciativa firme.
Acredito que o perfil de grande parte dos participantes dos mutirões são famílias de classe de
renda média, escolarizadas, de todas as idades, mas a grande maioria tem em comum o perfil
de pessoa já consciente da sustentabilidade. Acredito que falta a participação de jovens e
adolescentes, a média de participantes encontra-se entre 20 a 50 anos, a maioria mulheres
com seus filhos.
Em geral, acredito que as hortas urbanas são uma ótima iniciativa, pois proporcionam
qualidade de vida, alimentação saudável, empoderam a comunidade, promovem o conceito
de autossuficiência e combatem a pobreza. Acredito ser uma alternativa para a continuidade
da existência de cidades. Promove conexão, cuidado, integração, revolução real, pessoal e
social, cooperação, coletividade e a tomada de consciência. Entretanto elas necessitam de
incentivo para se manter. Acho que falta um caráter mais produtivo para maior incentivo e
adesão das pessoas.”
A realização desta etapa com o coletivo que participa da Horta Comunitária PACUCA do
Campeche permitiu extrair diferentes percepções dos entrevistados a respeito dos benefícios,
dificuldades, perfil dos frequentadores e opinião geral a respeito de tais espaços. Em geral, os
participantes concordam que as hortas possuem diversos benefícios e também diversas
dificuldades sendo enfrentadas. Entre os benefícios um dos mais citados foi a integração –
com a natureza, com outras pessoas e consigo mesmo, evidenciando que as hortas urbanas
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vão muito além da produção de alimentos, recreação e sustentabilidade. A principal
dificuldade certamente é a falta de mão-de-obra, já que há poucas pessoas realmente
comprometidas seriamente com a horta, fazendo com que o processo não consiga manter-se
contínuo e que avance com qualidade. A falta de incentivos e a falta de divulgação da
proposta também são fatores que necessitam ser observados e trabalhados para que haja
maior adesão da comunidade às hortas. O perfil dos usuários é bastante diverso, porém
observa-se pouca participação de jovens e adolescentes (dos 14 aos 20 anos).
Em geral, a comunidade acredita muito na iniciativa e no projeto como instrumento para
incentivar a alimentação saudável, a sustentabilidade e a qualidade de vida, ressaltando que é
necessário mais incentivo, principalmente da parte institucional, para que o poder público
possa apoiar e prover recursos para manter a iniciativa e para que continue transformando o
bairro e toda a comunidade ao seu redor. A inclusão da agricultura urbana no Plano Diretor
Municipal é um ponto chave para a criação de políticas públicas.
5. REFERÊNCIAS
ABREU, Marcos. José de. Agricultura urbana: diagnóstico e educação ambiental na
comunidade da Praia das Areias do Campeche – Florianópolis (SC). 71f. Relatório de
Estágio de Conclusão do Curso (Graduação em Agronomia) - Centro de Ciências
Agrárias/UFSC. 2006.
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município. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC). Florianópolis, 2010.
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políticas públicas. Dissertação de mestrado. UFMG. 2010.
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Campeche: Plano Diretor versus características do solo. X CONEA. 2015
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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
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pesquisa qualitativa. Desdobramentos. Caxias do Sul: Educs 2003.
LEFEVRE F.; LEFEVRE, AMC. Depoimentos e Discursos. Uma nova proposta de análise
em pesquisa social. Brasília. Liberlivro, 2005.
PINTO, RUTE SOFIA BORLIDO FIÚZA FERNANDES. Hortas urbanas: espaços para o
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2007.
VALDIONES, Ana Paula Gouveia. Panorama da agricultura urbana e periurbana no
município de São Paulo. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo. Escola de
Artes, Ciências e Humanidades. Programa de Pós-Graduação em Mudança Social e
Participação Política. São Paulo, 2013.
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