Download - HOrIzOntE ErrAntE - Um cAmpO dE ArmAdilhAs p/ filÓsOfOs - LÉO PImEntEl (2015)

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  • horizonte errante um campo de armadilhas para filsofos

    1. o desenho de nossas certezas e verdades, como a chama de uma vela, conduzido,

    continuamente, em novas direes por diversos eventos aleatrios, incertezas e dvidas. o drama frente a

    esse desenho que juntamos nossas reaes aos eventos aleatrios, incertezas e dvidas para determinar

    modo(s) de (mal)estar(es) num mundo. como resultado, as verdades e as certezas se tornam, ao mesmo

    tempo, fceis de serem estabelecidas, mas difceis de serem interpretadas e demonstradas. tal facilidade se

    realiza mediante nossa tendncia de independizarmos as certezas das verdades. ou seja, facilmente vemos

    exatamente o que esperamos ver, tornando-nos presas fceis das expectativas. assim, tornamos a linha que

    une a certeza da verdade de frouxa e elstica para absoluta e cristalina: as verdades no garantem certezas

    e as certezas no so proporcionais s verdades. por exemplo, quando estamos diante ou de uma iluso, ou

    de uma ideia nova, tentamos a todo custo provar que esto corretas, e nada fazemos para tentar ver se esto

    erradas. e aqui entra a tal dificuldade mencionada acima: assimilamos as coisas preenchendo suas lacunas

    com padres que faam sentido previamente dado por nossas noes preconcebidas insistimos que as

    concluses diferentes a que chegamos lutam entre si para determinar qual delas dominar as demais. ou

    seja, criamos estratgias e mecanismos de defesa e ataque, como numa guerra, para ocultarmos o

    importantssimo e entrpico papel do acaso nos acontecimentos (eventos aleatrios, incertezas e dvidas)

    que estabelecem a conexo/linha entre certezas e verdades: dificultando ao mximo a lida com as incertezas

    e com as dvidas (acasos, eventos aleatrios). por exemplo, interpretamos indcios ambguos de modo a

    favorecerem nossas ideias reforando nossas crenas (certezas) mesmo que nelas estejam ausentes dados

    ou ideias convincentes (verdades). desenhamos um alvo em um papel em branco depois que atiramos nele.

    2. h um confronto fundamental entre nossa necessidade de sentir que estamos certas

    (subjetividade) e nossa capacidade de reconhecer a verdade (intersubjetividade). o sentimento de certeza

    a motivao primeira para observar o que observamos: a realidade mais um ato imaginativo do que uma

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    consequncia direta da realidade. e tal ato se realiza mais em termos de vinculao a uma espcie de iluso

    laplaciana subjetiva a priori (psicologia do controle) do que em termos de vinculao a inferir a probabilidade

    de verdades a partir de observaes intersubjetivas a posteriori (teoria das probabilidades). ou seja,

    tendemos a pensar que, no sendo determinstico o universo, significa que sou eu quem o est controlando.

    importante lembrar aqui que a dita objetividade no entra nessa equao entre necessidade e capacidade.

    j que dela foi retirada a maleabilidade, a incompletude e o indefinidamente. pois bem, voltando

    necessidade aqui tratada, preciso se insurgir contra ela. caso contrrio as verdades permanecem reduzidas

    a importncia privadamente dada s memrias mais vvidas, pois serem mais fceis de serem recordadas.

    essa insurgncia nos conecta diretamente intersubjetividade, ou seja, capacidade de reconhecer a

    verdade para alm do sentimento de certeza experincia e experimentao que devemos ter em

    conta, para que, com isso, o reconhecer adquira seu significado mais rico e expressivo: imunizao contra

    os erros da intuio; alfabetizao ceticista; desconfiana na capacidade de prever acontecimentos;

    abandono de nosso arcabouo determinstico automtico.

    3. a certeza (subjetividade) sempre se quer sem o reconhecer a verdade (intersubjetividade), j

    que se v como tautolgica. tautologia como resultado mgico capaz de acalmar nossas inquietudes, de

    aniquilar a incerteza, de sanar qualquer dvida, de controlar a aleatoriedade. propriamente uma fobia em

    pensar que usa certezas como remdio e que tambm funciona tica e politicamente como um niilismo

    seletivo conservador atribui o nada como um valor desqualificador. pois, confunde o no-valor de um

    processo e a atribuio do no-valor ao resultado desse processo. por exemplo, existe uma diferena abismal

    entre o no-valor da vida e o no-valor atribudo a uma vida vivida. para a certeza o acaso sempre

    responsabilidade de algum. inabalvel perpetua e conserva preconceitos. desqualifica as diferenas

    (resultados), principalmente as pequenas (efeito borboleta). desqualificao que trata a causalidade como

    sendo mais fundamental que o acaso, mantendo, com isso, uma iluso da inevitabilidade (tendo o passado

    como algo fcil de entender seletivamente, trata o futuro como algo tambm fcil de prever).

    3.1. h uma peculiar pergunta identificadora da certeza: o quanto gastamos de tempo na

    busca de provas de que estamos em erro e o quanto gastamos de tempo na elaborao de razes que

    demonstram o quanto estamos certas? no entanto, antes de calcularmos individualmente tal gasto de

    tempo importante levar em considerao que para o reconhecer a verdade (intersubjetividade) tanto o

    certo quanto o errado tambm no so absolutos como o verdadeiro e o falso tambm no o so.

    intersubjetivamente ambos fazem parte de um campo, de um horizonte incompleto que preciso percorrer

    coletivamente no h verdade alguma nascida desde o isolamento. por exemplo, pensemos na macro

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    histria das lnguas e suas relaes com a realidade (formao, criao e propagao), ou ainda

    pensemos nas micro histrias dos nmeros, cuja historicidade passa pelo planeta inteiro (o zero hindu, o

    algarismo indo-arbicos, etc.) ou mesmo na histria da concepo ocidental da forma da terra [plana

    (aristteles), esfrica (eratstenes-newton), esferoide oblato (satlite vanguard i)].

    4. o reconhecer a verdade (intersubjetividade) somente se realiza comunitariamente e em

    meio a um campo sistmico (de ideias, mtodos, experimentaes, experimentos e tcnicas) ao qual se

    dispem um nmero infinito, por incompletude, de graus de liberdades a percepo individual (subjetiva)

    necessita da imaginao comunitria (intersubjetiva) porque os dados que encontramos (objetividade

    contrada, dita acima) nunca so completos, so sempre ambguos (objetividade expandida). individualmente

    temos o costume de avaliar equivocadamente o nosso papel enquanto acaso dentro na construo

    intersubjetiva do reconhecimento da verdade. pensamos que h verdades que podemos descobrir

    solitariamente (como geralmente a filosofia nos faz crer). assim nos equivocamos pensando que

    isoladamente temos acesso a dados privilegiados que descrevem completamente um sistema de interesses,

    de modo a conseguirmos impedir a ocorrncia de influncias imprevistas mecanismos da certeza.

    pensamos que, individualmente, temos um papel decisivo dentro das iluses e sabedorias coletivas

    necessidade em estar certa. no entanto somos, ao mesmo tempo, iluses de padres e padres de iluses.

    nosso papel na intersubjetividade e, portanto, no reconhecimento de verdades, se realiza dentro de uma

    distribuio anmala para descrever a variao de muitos fenmenos e acontecimentos ao redor de

    constelaes de valores que representam o resultado mais provvel. ou seja, nosso papel enquanto

    isolamento ou solido se realiza como um conjunto estatstico (por observaes passivas, como na

    astronomia) de aes e pensamentos atuando aleatoriamente (diferentes graus de liberdade), mas que

    produz padres quantificveis e previsveis (a ordem no caos). para tentar visualizar um bom exemplo para

    ilustrar esse campo (inter|ativo e inter|passivo) tentemos responder as seguintes perguntas: quando que

    pronunciamos um ns sem pensarmos em um eu e um outro? quando que nos engajamos em

    tentativas de encontrar meios para melhorar a condio humana mediante a expanso e propagao da

    diversidade? porque tendemos nossos interesses ao ser-humano-mdio e a pensar a sociedade como um

    fenmeno governado pelo desvio padro da mdia? mais rico em expressividade e em poder iderio

    reconhecer a verdade dentro do nosso horizonte errante (onde nem o certo e nem o errado so absolutos) do

    que viver na miservel e mesquinha certeza, onde o certo e o errado so valores absolutos de (mal)estar(es)-

    num-mundo.

    lo pimentel, outono de 2015