HISTÓRIA ORAL NO ESPAÇO ESCOLAR:
um estudo de caso sobre Tupãssi – Paraná – (1960 – 1990)
Autor: José Roberto de Godoy1
Orientadora: Geni Rosa Duarte2
RESUMO
Este artigo tem por objetivo analisar a história da região Oeste do Paraná, em especial o caso de Tupãssi, entre as décadas de 1960 e 1990, de uma forma socializada, inserindo os conteúdos destacados na formação do aluno do ensino médio de modo a auxiliar na produção do conhecimento como um todo e na valorização da história local. Nesse período chegaram, à região onde hoje está instalado o município, imigrantes oriundos de diversas regiões do país e também do próprio Estado. Este é um trabalho realizado com moradores que residem neste município e que migraram para esta região nesse período. A metodologia utilizada é a chamada história oral. Através das narrativas, pretende-se conhecer as origens e as aspirações, como o processo de migração desses moradores se desenvolveu na região. Além disso, intenta-se perceber como o advento da modernização da agricultura contribuiu, de forma significativa, para a perda gradativa da população da área rural, tanto para própria área urbana, como para outras cidades do Estado e para cidades de outros Estados, causando um esvaziamento populacional dos pequenos municípios pertencentes à região Oeste do Paraná.
Palavras-chave: Oeste do Paraná; Tupãssi; imigrantes; história oral; modernização da agricultura.
ABSTRACT
This article aims to analyze the history of western Paraná, in particular the case of Tupãssi between the 1960 and 1990, in a socialized, inserting the content posted in the training of high school student in order to assist in knowledge production as a whole and in the appreciation of local history. During this period came to this country has installed the city, immigrants from different regions of the country and the state itself. This is a work with residents who reside in this city and that is migrated to the region during this period. The methodology used is oral history. Through the narrative seeks to know the origins and aspirations, as the migration process, these residents 1 Professor de História da rede Estadual de Ensino. Pós-graduado em Administração, Supervisão e Orientação Educacional pela Universidade do Norte do Paraná. Aluno do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE – Turma de 2011.
2 Professora de História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Doutorada em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
have developed in this region. Also, notice how the advent of modern agricultural technology, contributed significantly to the gradual loss of population from rural areas, both for the urban area itself, as other cities of the state and cities in other states, causing an evacuation population of small cities from the western Paraná.
Keywords: West of Paraná; Tupãssi; immigrants, oral history, modernization of agriculture.
1 Introdução
Este artigo destaca os movimentos migratórios ocorridos entre as décadas
de 1960 e 1990 no Estado do Paraná, enfatizando a história e a memória do
município de Tupãssi, que se localiza no Extremo-Oeste do Paraná, microrregião de
Toledo, mesorregião Oeste Paranaense. Possui 7.997 habitantes (IBGE, 2010) e
uma área de 310, 957 km².
Investigar a história da região Oeste do Paraná, em especial o caso da
história de Tupãssi, através de fotos e de relatos orais é uma maneira de ampliar as
possibilidades do uso dessas fontes em sala de aula, como também colocar os
alunos frente ao processo de construção do conhecimento histórico.
A história local passa a ser uma das possibilidades metodológicas para
desenvolver no aluno habilidades de pesquisa para a compreensão e a construção
do conhecimento sobre uma realidade mais próxima. Pode-se iniciar essa discussão
tendo como ponto de partida o relato dos fatos ocorridos nos diferentes períodos da
história de Tupãssi. Não se necessita partir do processo de fundação do município,
mas levantar dados que problematizem as questões vividas no presente, já que
existe uma carência de informações e de documentos a esse respeito, pois a maior
parte da bibliografia retrata o início do povoamento do município.
Por meio da história oral, a memória pode ser compartilhada e socializada.
Tais narrativas possibilitam que a experiência, os valores e as visões de um grupo,
bem como os saberes construídos ao longo do tempo, se transformem em
patrimônio comum.
Pensar a história do município de Tupãssi do ponto de vista de cidadãos
que se encontram no anonimato não é negar a importância dos chamados pioneiros
que aparecem nos relatos sobre as origens do município, nem tampouco desprezar
o papel histórico dos personagens públicos, mas oportunizar aquelas memórias
vivas que participaram do processo histórico em outro momento e que se encontram
no esquecimento, bem como reconhecer que a construção da história é decorrente
da ação conjunta de todos os sujeitos envolvidos:
A memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma a que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens. (LE GOFF, 1992, p. 477).
Esta pesquisa torna-se relevante a partir do momento em que se percebe
certo desinteresse dos alunos pela disciplina de história e também pela ausência de
material didático necessário para se trabalhar os conteúdos de história do Paraná.
Na maioria das vezes, os conteúdos que são transmitidos aos educando nas aulas
de história são conhecimentos que estão muito distantes de suas experiências. A
grande maioria não conhece a história de sua comunidade, de seu município ou do
seu Estado, pois os conteúdos abordados estão desvinculados de sua realidade
local e de seu contexto histórico. Muitas vezes, os textos e os documentos da
história local retratam o local como algo separado, desvinculado do contexto
histórico nacional e global, como se os acontecimentos políticos, sociais e
econômicos não tivessem nenhuma influência sobre a sociedade local:
A História local requer um tipo de conhecimento diferente daquele focalizado no alto nível de desenvolvimento nacional e dá ao pesquisador uma ideia muito mais imediata do passado. Ele a encontra dobrando a esquina e descendo a rua. Ele pode ouvir os seus ecos no mercado, ler o seu grafite nas paredes, seguir suas pegadas no campo. (SAMUEL,1989/1990, p. 220).
Nesse sentido, a pesquisa procura despertar no aluno a curiosidade em
conhecer a história local e, ao mesmo tempo, se apropriar do conhecimento, analisar
o momento histórico em que ocorreu o fato e as mudanças processadas naquele
espaço.
De acordo com dados estatísticos fornecidos pelo IBGE3, em 1970 a
população da área onde hoje está instalado o município de Tupãssi, que, na época,
era Distrito de Assis Chateaubriand, era de 14.320 habitantes. Mesmo assim, porém,
de acordo com levantamento de dados realizado na época numa perspectiva
favorável à emancipação política de Tupãssi4, deparamo-nos com uma declaração
datada de 20 de maio de 1975, assinada pelo Chefe da Equipe de Vacinação do
município de Assis Chateaubriand5, onde consta que foram vacinadas 23.600 (vinte
três mil e seiscentas) pessoas no Distrito de Tupãssi. Esses dados são confirmados
pelo IBGE no mesmo documento. Veja o gráfico.
Figura 1 Gráfico da evolução da população em Tupãssi (1970 a 2010)
Fonte: IBGE/IPARDES – (Adaptado pelo autor)
Natural de Barros Cassal, no estado do Rio Grande do Sul, o sr. Jari da Cruz
Vargas, juntamente com a sua família, chegou a Palmitolândia, atual distrito de
Tupãssi, em 1967. Quando da sua chegada, além de adquirir terras para o cultivo,
montaram uma olaria, com a finalidade de produzir telhas e tijolos, atividade que
desenvolviam no município de Lajeado, onde morava antes de migrar para o
Paraná. Depois de cinco anos atuando no fabrico de telhas e tijolos, a família Vargas
encerrou as atividades na olaria devido a certas dificuldades encontradas quanto à
reposição dos maquinários que se desgastaram, pois já haviam sido trazidos do Rio
Grande do Sul, como também a matéria-prima encontrada na região não 3 IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia Estatística.
4 Compêndio Socioeconômico do Distrito de Tupãssi. (Documentação pró-emancipação do Distrito de Tupãssi), Departamento de Educação e Cultura, Prefeitura Municipal de Tupãssi. 1976.
5 Na declaração não consta o nome do Chefe de Vacinação do Município de Assis Chateaubriand.
apresentava boa qualidade. A partir de então passaram a se dedicar somente à
agricultura.
Foram compradas duas áreas de terras, sendo uma de seis alqueires e outra
de três. As terras que adquiriram não eram mecanizadas e o trabalho era todo
manual, onde cultivavam principalmente o milho e o feijão. Houve uma época em
que plantaram amendoim e também chegaram a fazer uma safra de fumo. A menor
área de terra foi arrendada para o plantio de café, porém não conseguiram realizar
nenhuma colheita. Dois anos após o plantio, quando a lavoura estava formada,
iniciando a produção, uma forte geada devastou toda a plantação. Após esse
período, as terras foram mecanizadas e eles passaram a cultivar outras culturas,
como a soja e o trigo.
Segundo nosso entrevistado, quando aqui chegaram, as terras tinham pouco
valor comercial, pois podiam trocar cinco alqueires de terra por um jipe. O preço da
terra só se valorizou após a mecanização. Atualmente, um alqueire de terra aqui no
município é comercializado em torno de 90 a 100 mil reais, dependendo da
localização.
Na década de 1980, o sr. Jari deixou de trabalhar na agricultura e,
juntamente com sua esposa, ingressaram no serviço público. Ele exercendo a
função de serviços gerais e sua esposa, de merendeira. Ambos em uma escola
municipal no Distrito de Palmitolândia, onde residem até hoje e estão aposentados.
Em seu depoimento, ele diz:
Veio muita gente depois que nós chegamos. Todo dia eram duas ou três mudanças que chegava. Iche! Em 73, que veio muita gente. Em 73! Há influência do café. Derrubar e plantar café. Aquilo era só mato caindo. Só mato caindo. E formando café. Depois a geada desanimou muita gente. O povo foi desanimando com café. Não produziu! Ai aqueles que tinham café, a maioria foi embora. Foram vendendo o sítio e foram embora
6.
Analisando esses dados estatísticos, como também os relatos orais, fica
evidenciada uma notável mobilidade populacional durante o final da década de 1960
e início da década de 1970, na região onde hoje se encontra instalado o município
de Tupãssi. Nota-se que, no primeiro momento, o índice de imigração foi bastante
significativo, porém, a partir da década 1980, percebe-se que houve uma queda
drástica no número de habitantes.
6 Depoimento de Jari da Cruz Vargas concedido a José Roberto de Godoy, em 16 de julho de 2011, em sua
residência, no Distrito de Palmitolândia, município de Tupãssi – Paraná.
O processo de modernização do campo ocorrido a partir dos meados da
década de 1970 contribuiu, de forma significativa, para a queda do número de
habitantes, já que as propriedades rurais de pequeno e médio porte passaram a
empregar mão de obra braçal em quantidade cada vez menor, numa situação em
que muitos trabalhadores foram aos poucos sendo substituídos pelo uso intensivo
de novas tecnologias.
Através da narrativa oral é que se pretende tomar conhecimento das
transformações ocorridas nesse espaço a partir da modernização da agricultura,
pois tais narrativas possibilitam que a experiência, os valores e as visões de um
grupo, bem como os saberes construídos ao longo do tempo, se transformem em
patrimônio comum. O que se pretende é promover o conhecimento da história do
município de Tupãssi de uma forma socializada, inserindo os conteúdos destacados
na formação do aluno do ensino médio, de modo a auxiliar na produção do
conhecimento como um todo e na valorização da história local, como também
possibilitar ao aluno realizar uma leitura mais crítica do modelo econômico atual.
2 De um sonho a uma realidade
A história oral nos permite registrar o sonho dos moradores que migraram
para a região do município de Tupãssi nos meados da década de 1960 e início da
década de 1970, oriundos de diversas regiões do Brasil e, principalmente, do norte
do Estado do Paraná. Motivados pelo desenvolvimento da atividade cafeeira e
outras atividades paralelas de subsistência, pequenos proprietários e trabalhadores
contratados por arrendatários de terra chegaram à região trazendo consigo a
esperança de um futuro promissor em uma terra ainda desconhecida. Acabaram,
porém, por vivenciar as transformações econômicas ocorridas principalmente na
agricultura da época, processo em que a geada de 1975 acelerou o processo de
modernização da agricultura, o que provocou profundas mudanças no espaço
agrário e, consequentemente, no espaço urbano. A esse respeito, Robson Laverdi
acrescenta:
A modernização agrícola, assim como a crise do modelo de colonização sulino dela decorrente, constitui-se num outro problema bastante abordado pela historiografia regional. A expansão agrícola, a partir dos aos 1970, foi
devastadora para o projeto colonial e para os sujeitos que o construíram, em especial os pequenos agricultores. Algumas das interpretações destacaram que os colonos foram arrancados do campo e tiveram suas vidas profundamente modificadas e refeitas no espaço urbano. (LAVERDI, 2005, p. 62).
Através dos relatos nota-se que, no final da década de 1960 e início de
1970, também na região de Tupãssi, a principal atividade econômica era a
agricultura, com destaque para o café e o milho, os dois cultivos atrelados à pratica
de outras culturas de subsistência e criação de alguns animais. Mais ao norte do
município, paralelamente ao cultivo do café nota-se à presença das culturas do
algodão e do amendoim.
Até então a maioria da população vivia na zona rural, onde a realização do
trabalho era todo manual, desde o preparo do terreno, com o uso de arados
auxiliado por animais até o plantio e a colheita: “Com participação de todo núcleo
familiar, destacando o trabalho da mulher, que, além de cuidar das tarefas
domésticas, auxiliava seu esposo e filhos na prática da agricultura e da pecuária”
(MACHADO, 2008).
Natural de Arcos, Estado de Minas Gerais, Conceição Vergílio da Silva,
viúva, aposentada, atualmente reside na cidade de Tupãssi. Movidos pela
incessante busca de trabalho, trazendo toda sua experiência na atividade cafeeira,
nossa entrevistada migrou com sua família para Marialva, norte do Paraná, em
1951. Percorreu uma longa trajetória de migrações por vários municípios
paranaenses até chegar a Tupãssi. De Marialva para Santa Cruz do Monte Castelo,
retornou à Marialva, em seguida foi para Terra Boa, depois Nova Olímpia, até
chegar à comunidade do São Camilo, no município de Assis Chateaubriand, no
início da década de 70. Em seguida se muda para Jesuítas. Retorna ao município de
Assis Chateaubriand no bairro Zé Lulu e, em seguida, para a Fazenda São Judas,
no mesmo município no ano de 1977. Ali residiu por 12 anos, até se mudar em
definitivo para o município de Tupãssi, na região da Água Paulista, em 1989. Em seu
depoimento, ela diz:
Ah!… o motivo que viemos foi serviço. Quando chegamos aqui na São Judas,
7 era café e o terreno era sem mecanizar. Eles também plantavam
algodão, milho e soja. […] Os meus meninos todos começaram a trabalhar com seis anos de idade. […] Muitas vezes eles acabavam de limpar a nossa roça e iam colher algodão. Naquele tempo tinha bastante colheita de algodão. Então eles iam apanhar algodão para os outros. Eu não gostava
7 Fazenda localizada na divisa dos municípios de Tupãssi e Assis Chateaubriand.
que eles fossem, não! Tinha medo que eles caíssem do caminhão de bóia-fria. Os meus meninos ajudavam só colher, pois eles tinham a roça deles, que era aqui no município de Tupãssi. Eles faziam a roça, quando era tempo que não tinha serviço, a roça estava toda limpa e, era tempo de algodão, eles iam apanhar algodão. Eles (filhos) também cuidavam das terras que arrendaram do Sr. Ademar e, trabalhavam por dia para ele, quando precisava. […] O Sr. Ademar levava bóias-frias daqui de Tupãssi, ia buscar em Ubiratã e, por toda a região. Era para colher amendoim e colher milho.
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Atrelado a outras culturas, percebemos também a presença da soja, que
nesse tempo era cultivada de forma manual, sem a presença ainda da mecanização,
que foi acontecendo de forma gradativa. Já aparece, porém, a figura dos boias-frias,
trabalhadores temporários, que eram encontrados nas áreas urbanas e eram
requisitados para executar o trabalho de limpeza das lavouras, como também para
trabalharem durante a colheita. Mesmo as pessoas que residiam nas áreas rurais,
no entanto, e possuíam pequenas propriedades ou trabalhavam como arrendatários
e porcenteiros, durante as colheitas, para aumentarem suas rendas, também
trabalhavam como diaristas.
Pode-se afirmar que, a partir da década de 1970, o perfil econômico do
Estado do Paraná passa a sofrer algumas mudanças: “Com a erradicação dos
cafezais, que ocasionou grande êxodo rural, ganhou importância a cultura da soja,
em quase todo o território paranaense”.(LAZIER, 2004, p. 261).
Durante a safra 1974/75, o distrito de Tupãssi apresentava uma produção
diversificada, porém já se destacando a cultura da soja, conforme podemos verificar
no gráfico abaixo.
Figura 2 Gráfico da produção agrícola em Tupãssi: safra 1974/1975.
8 Depoimento de Conceição Vergílio da Silva concedido a José Roberto de Godoy, em 31 de maio de
2011, em sua residência na cidade de Tupãssi – Paraná.
Fonte: Prefeitura Municipal de Tupãssi – DEMEC, 1976.
(Adaptado pelo autor)
Analisando o gráfico, podemos perceber que, apesar da diversidade de
culturas, a atividade agrícola passa por um processo de transição, onde, aos
poucos, a policultura vai perdendo sua importância, cedendo lugar a uma
monocultura voltada à exportação: “Pode-se afirmar que a formação e a
consolidação de uma economia agrícola de exportação no Oeste do Paraná são
decorrência de fatores externos, no âmbito da dinâmica do capitalismo e das
políticas de Estado” (GREGORY, 1999, p.131).
Embora o binômio soja/trigo nesse momento já representasse 65,13% da
área cultivada, o café ainda representava um peso na balança de produção,
contribuindo com o fortalecimento da economia: “Nesse momento a área plantada
correspondia a 981,57 alqueires e a produção nessa safra atingiu 65.483 sacas de
café em coco”.9
Paulista de Jardinópolis, agricultor aposentado, Amadeu Coleto reside
atualmente com sua esposa na cidade de Tupãssi. Possui dois alqueires de terra
que foram comprados quando ainda trabalhava como arrendatário na lavoura de
café, logo que chegou à região. Atualmente essa pequena propriedade se encontra
arrendada. Essa prática é comum entre os pequenos proprietários aqui no
9 Compêndio Socioeconômico do Distrito de Tupãssi. (Documentação pró-emancipação do Distrito de Tupãssi)
Departamento de Educação e Cultura, Prefeitura Municipal de Tupãssi. 1976.
município, pois, devido ao alto custo para a produção, preferem o arrendamento.
Eles recebem uma renda anual e mantêm a terra como um capital, que valoriza
conforme o mercado. Essas pequenas áreas rurais geralmente são arrendadas para
os grandes proprietários que se encontram estruturados de forma a atender as
necessidades que o mercado exige em relação às atuais tecnologias praticadas na
agricultura.
Nosso entrevistado migrou para o Norte do Paraná juntamente com sua
família no ano de 1949, no momento em que o Estado recebia uma grande leva de
imigrantes, principalmente paulistas atraídos por novas oportunidades de trabalho
nas lavouras de café. Em seu itinerário, percorrendo o Estado do Paraná em busca
de melhores condições econômicas, trazendo em sua bagagem a experiência de
alguns anos de trabalho com a lavoura de café, percorreu outros municípios antes
de chegar a Tupãssi em 1979. Além de Sertanópolis no Norte do Estado, residiu no
final da década de 1960 em Faxinal, na década de 1970 em Borrazópolis. Em seu
relato, ele diz:
Eu morava lá em Borrazópolis. Eu, mais dois irmãos e, meu pai. Nós estava meio apertado lá naquele sítio para morar e, faltava serviço. Nisso um parente meu comprou sete alqueires aqui na Água Lambari em 1979. Aí eu vim para cuidar do sítio. Aqui o sítio era de café. Eu toquei um ano. O café não deu nada. Quando cheguei, o café já estava formado. Mas a produção era ruim. Não produzia quase nada! Não produzia mesmo! Não vingava! O café não vingava! Tinha que acabar mesmo. E depois as terras em volta já era quase todas mecanizadas. A produção era ruim por causa do clima. Chegava à época da florada ventava muito. E essa ventania não deixava as flores vingar. Ventava muito naquela época, nos meses de agosto e setembro. Era muito vento! E também vinham as doenças. Não produzia mesmo! Era preciso mil pés de café, para produzir duas ou três sacas de café. A produção era muito pouco. Então, eu trabalhei um ano. Arrancamos o café e, começamos trabalhar com a terra mecanizada, plantar soja e trigo.
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O processo de modernização do campo no município é um pouco mais
tardio, pois, de acordo com alguns relatos, fica evidenciado que no início da década
de 1980 algumas lavouras não eram mecanizadas e ainda se podiam encontrar
algumas poucas plantações de café.
A mecanização da área rural paralelamente ao uso das novas tecnologias na
agricultura proporcionou um aumento da produtividade, porém a utilização cada vez
10
Depoimento de Amadeu Coleto concedido a José Roberto de Godoy, em 23 de março de 2011, em sua residência na cidade de Tupãssi – Paraná.
menor de mão de obra ocasionou o desemprego, provocando um esvaziamento das
áreas rurais.
Esse processo gerou um aumento na concentração de terras e de riquezas,
talvez devido à concorrência desleal entre os grandes proprietários rurais e os
pequenos proprietários, os quais não tiveram acesso às novas tecnologias. Muitos
pequenos produtores perderam suas propriedades para o pagamento de
empréstimos realizados junto a instituições financeiras. Outros venderam suas
propriedades, aproveitando a valorização dos terrenos, e adquiriram áreas maiores
de terras em outras regiões onde os preços eram mais acessíveis. A maioria migrou,
porém, para as cidades em busca de trabalho, conforme narra Jari da Cruz Vargas:
Quando mecanizou, a terra começou a valorizar. Aí um foi comprando do outro. Aquela ganância por terra. Um vendia para o outro… Muita gente vendeu… não pensavam também… achavam fácil de vender. O valor era alto. Muitos venderam, para ir para o Mato Grosso. Mais naquela época foi muita gente foi para a cidade. Muita gente!
11
Essa transferência da população do campo para a cidade, e desta para
outras cidades e também para outros estados, nos leva a concluir que esse
processo foi resultado da intensa da mecanização das atividades agrícolas e do
incentivo do governo às culturas agroexportadoras. Esses dois fatores forçaram o
deslocamento dos trabalhadores rurais, a maioria sem especialização, para outras
cidades, outras regiões e até outros países em busca de empregos.
Essa população que deixa o campo não foi atraída em sua maioria para as
áreas urbanas do município. Em um primeiro momento, essas migrações ocorrem
para centros urbanos maiores, como: Cascavel, Toledo, Curitiba, consideradas polos
regionais, onde as oportunidades de sobrevivência eram maiores, “[...] ou ainda para
outras frentes de colonização agrícola no Mato Grosso, Bahia e até mesmo no
Paraguai e Bolívia” (GREGORY, 1999, p. 136).
3 Implementação pedagógica
11
Depoimento de Jari da Cruz Vargas concedido a José Roberto de Godoy, em 16 de julho de 2011,
em sua residência no Distrito de Palmitolândia, município de Tupãssi – Paraná.
A proposta de pesquisar sobre a historiografia do Estado do Paraná,
priorizando a história e a memória do município de Tupãssi, foi elaborada a partir do
momento em que se percebe certo desinteresse dos alunos pela disciplina de
história. Geralmente os conteúdos transmitidos aos educandos são conhecimentos
que estão distantes de sua realidade local. Além disso ocorre a ausência de material
didático necessário para se trabalhar os conteúdos de história do Paraná. A
proposta foi implementada na escola onde leciono, de forma a sanar as dificuldades
citadas anteriormente. Os alunos participaram ativamente desse processo de
conhecimento, realizando as atividades propostas na Unidade Didática como
pesquisas de campo, entrevistas com familiares, exposição dos trabalhos realizados
e discussões sobre o tema.
A exposição do tema em sala de aula cumpriu com uma das etapas do
Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE. Este estudo recebeu
implementação pedagógica ao longo de 2010 e 2011 e foi apresentado em sala de
aula durante o segundo semestre de 2011 aos alunos da 2ª série do Ensino Médio
do Colégio Estadual "Vinícius de Moraes" – Ensino Fundamental Médio e
profissional, no município de Tupassi.
4 Estratégia de ação
A implementação pedagógica foi realizada através de várias etapas distintas
e necessárias, de tal forma a despertar nos alunos o sentimento da importância da
história local, história na qual eles se sintam como parte desse processo de
conhecimento no espaço escolar da comunidade na qual estão inseridos.
A primeira ação desenvolvida se refere ao estudo e análise de textos acerca
dos aspectos geográficos e históricos do município de Tupãssi. Após a explanação e
entendimento desses conteúdos, os alunos realizaram pesquisas nos arquivos da
Prefeitura e também na internet com o objetivo de aprofundar seus conhecimentos
em relação aos histórico da formação e emancipação do município, como também a
respeito dos aspectos geográficos. Após essa pesquisa de campo, eles produziram
textos destacando as características geográficas do município relacionando o
espaço físico do município com o espaço regional em que está inserido e também
fazendo referência ao contexto histórico em que ocorreu a emancipação política do
município.
Destaco ainda que esse trabalho realizado é muito pertinente no que se
refere à historiografia regional e também ao espaço geográfico do município, por
permitir que os alunos tenham acesso a uma gama de conhecimentos teóricos a
respeito da história local e regional. Assim, portanto, o conhecimento da história
local tem que ser analisado como um ponto de partida para a construção do
conhecimento histórico. Ou, como Raphael Samuel escreve:
[…] ao invés de considerar a localidade por si mesma como objeto de pesquisa, o historiador poderá escolher como ponto de partida algum elemento da vida que seja, por si só, limitado tanto em tempo como em espaço, mas usado como uma janela para o mundo. (SAMUEL, 1989/1990, p. 229).
A segunda ação desenvolvida parte da história local para a história regional,
ou seja, a historiografia do Estado do Paraná. Destaco o desenvolvimento da
cafeicultura nas décadas de 1950, 1960 e 1970, a qual proporcionou mudanças na
economia e influenciou o cotidiano da população paranaense. Para retratar esse
momento na história do Paraná, utilizei um texto do livro “Cafeicultura Paranaense –
1900/1970 ‟‟, página 139, de Nadir Aparecida Cancian. Após análise desse texto, os
alunos perceberam as mudanças ocorridas na paisagem do Estado do Paraná, nas
diferentes décadas, mudanças provocadas pela expansão da atividade cafeeira.
Essa percepção se torna mais evidente quando da elaboração de um mapa do
Estado do Paraná, destacando os municípios que a autora citou no texto. A
realização dessa atividade possibilitou ao aluno uma melhor compreensão de como
ocorreu a expansão do café no estado, iniciando no Norte e se espalhando pelas
demais regiões.
Figura 3 Mapa da expansão do café no Paraná
Fonte: http://pt.wikipedia.org (Adaptado pelos alunos)
Para melhor sintetizar a questão da expansão do café, em relação ao
desenvolvimento da economia paranaense, apresentei um texto extraído da página
255, do livro „„Paraná: terra de todas as gentes e de muita história‟‟, do historiador
Hermogenes Lazier, texto em que o autor faz um histórico do desenvolvimento da
atividade cafeeira no Paraná, desde a chegada dessa cultura em 1785 até os anos
de 1970. De acordo com o autor, essa atividade contribuiu de forma significativa
para o desenvolvimento econômico do Estado:
O café mudou o Paraná. Em 10 anos, de 1950 a 1960 a população dobrou, e o número de propriedades agrícolas aumentou de 90.000 para mais de 270.000. Só no ano de 1960 foram criados 57 municípios, sendo 40 só no norte do Paraná. O café, a partir de 1930 até mais ou menos 1970, influenciou toda a vida econômica, social e política do Paraná, contribuindo para criar um novo Estado. (LAZIER, 2004, p. 255).
Paralelamente ao texto referenciado, apresentei aos alunos um trecho da
entrevista cedida por Amadeu Coleto, fala em que ele destaca as dificuldades
enfrentadas pela sua família quando da chegada ao Estado do Paraná, no final da
década de 1940.
Meu pai trabalhava de colono, lá em Jardinópolis. Ele ganhava por mês... Quem trabalha assim, diziam que era colono. Tinha a caderneta patronal. Na caderneta estava tudo anotado. Com aquela caneta de tinteiro escrito com a pena. Quanto ele recebia, quantos mirreis custava cada grama de fumo… Nós viemos de trem para o Paraná. Embarcamos em Ribeirão
Preto, viemos até Marília. De Marília, pegamos o ônibus com destino à Sertanópolis. Ele vinha lá pelos fundos, passando por Assis. Do lugar onde nós desembarcamos até em Sertanópolis, tivemos que andar uns 15 km a pé, para poder chegar, na casa de uns parentes, que moravam na tal de Sete Ilhas. Viemos com um saco de roupas. Meu pai com dois sacos nas costas, e nós com um embrulho cada um. Eu vim para Sertanópolis, com nove anos de idade. Trabalhava na lavoura de café, tocava meia rua de café, junto com o meu pai. Com nove anos, já estava do lado dele, puxando a enxada…
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Após leitura, análise do texto e da entrevista, os alunos fizeram uma reflexão
a respeito da importância do café para a economia paranaense, como também das
dificuldades enfrentadas pelos imigrantes que chegaram ao Paraná nesse período.
Após atingir seu auge em relação à produção econômica, conseguindo as
cifras de maior produtor do país, o café no Paraná vai aos poucos perdendo sua
importância econômica.
Vários fatores colaboraram para a decadência da cafeicultura paranaense,
dentre eles o clima foi fator decisivo para acelerar esse processo. As sucessivas
geadas ocorridas nas décadas de 60 e a grande “geada negra” de 75, que devastou
todas as lavouras de café do Estado provocaram profundas mudanças na economia
e na sociedade do Estado.
Além do clima, a concorrência no mercado internacional levou o governo
federal a adotar políticas de erradicação dos cafezais para diminuir a produção
nacional: “Só na safra 1966/1967 foram erradicados no Paraná 96.915.998 pés de
café” (LAZIER, 2004, p. 258). Sobre a crise na cafeicultura paranaense, Lucinéia
Cunha Steca e Mariléia Dias Flores, em seu livro “História do Paraná – do século
XVI à década de 1950”, descrevem:
Na década de 60, apesar da produção cafeeira paranaense estar em posição de destaque, sofreu alguns reveses. As frequentes geadas, a concorrência da produção africana com preços praticados bem mais baratos, a superprodução sem mercador consumidor, levou o governo a ampliar a política de erradicação dos cafeeiros. Na década de 70 o perfil econômico do Paraná começou a mudar, surgindo as grandes propriedades que engoliram as pequenas, aumentando o interesse pela produção de grãos e a mecanização da agricultura. Com a diversificação da agricultura e a utilização de tecnologia, extinguiu-se o sistema de colonato e o trabalhador enfrentou um novo sistema de trabalho, o temporário com pagamento de salários diário, cuja consequência foi o êxodo rural e o inchamento das cidades. (STECA e FLORES, 2002, p.197).
12
Depoimento de Amadeu Coleto concedido a José Roberto de Godoy, em 23 de março de 2011, em
sua residência na cidade de Tupãssi – Paraná.
Nesse trecho da entrevista, Amadeu Coleto relata as dificuldades que ele e
sua família enfrentavam para a realização do trabalho na lavoura, quando moravam
no Vale do Ivaí, região norte do Paraná. Como também nos conta detalhes da geada
de 1975 e as consequências para as lavouras de café:
Em Faxinal nós trabalhamos um ano plantando arroz. Mas depois, já pegamos um sítio de café. Ali naquela região era muito café. Nós moramos perto de Faxinal, depois mudamos para um lugar chamado Olho D‟água. Ali ficamos vários anos. Mas tudo no município de Faxinal. Próximo do Rio Ivaí. Em faxinal pegamos um sítio, que só trabalhava com cargueiro (animal de carga). Para amontoar o milho e puxar o café. A lavoura de café era na parte de baixo do sítio e nós morávamos na parte de cima. Ai tinha que puxar a produção com o cargueiro (um burro). Colocava três ou quatro sacos no balaio e vinha. O burro encostava-se ao monte, descarregava, e depois voltava. Ali as terras eram boas. É a região do Vale do Ivaí. Hoje, Borrazópolis é uma cidade até boa. Mas por volta dos anos 50, 60, foi considerada a capital do café. Se você olhar, hoje, não acredita que tinha tanto café plantado naqueles lugares. Era (é) tudo morro. Tinha o fusca, para ir para a cidade. E, em dois ou três lugares, tinha que engatar a primeira marcha. Ele chagava a patinar nas pedras. Aí veio a geada. Eu me lembro até da data. Foi em 18 de julho de 1975. A geada foi tanta, que se podia escorregar sobre o gelo. Nas descidas. É que lá as terras são quebradas (acidentadas). Dava até para patinar no gelo… chhhiiiiiiii (barulho da patinada), de tanto gelo que se formou. Foi uma das maiores geadas. Foi na lua cheia. Eu não esqueço, estou olhando na folhinha (calendário na parede) Ela foi em 18 de julho na lua cheia. Essa geada foi tão forte, que não teve café, nem nos lugares alto, nem nos lugares baixos, que resistiu. Morreu tudo! Até aquelas plantações que ficavam em cima dos morros. Não sobrou nada! Foi uma das maiores geadas que eu passei. Depois tiveram várias outras geadas menores.
13
Após apresentar aos alunos textos e entrevistas que destacam fatores que
contribuíram para a queda da produção cafeeira no Estado do Paraná, eles
perceberam que, além da geada, outros fatores sinalizaram para a queda da
economia cafeeira no Estado e que, a partir da década de 1970, mudou o perfil
econômico do Estado, com a introdução da modernização da agricultura, conforme
afirma Robson Laverdi:
A migração do mundo rural para o urbano foi experimentada, como para milhões de brasileiros, por um expressivo conjunto de trabalhadores migrados para e no Oeste do Paraná a partir dos anos de 1970. Esse movimento pode ser considerado, por certo, o propulsor de grandes transformações na distribuição da população no estado do Paraná e na constituição dos pequenos municípios dessa região, assim como no viver desses trabalhadores nas trilhas dessas mudanças. (LAVERDI, 2005, p. 54).
13
Depoimento de Amadeu Coleto concedido a José Roberto de Godoy, em 23 de março de 2011, em sua residência na cidade de Tupãssi – Paraná.
Como fechamento desse tema, foi feita uma discussão com os alunos com a
seguinte questão: A geada de 1975 foi o fator decisivo para a erradicação dos
cafezais no Estado do Paraná? A realização dessa discussão levou os alunos a
entender que os motivos da erradicação dos cafezais não foram somente os
climáticos, mas também esse processo se deveu a outros fatores, como a
concorrência dos mercados internacionais, a superprodução sem mercado
consumidor e substituição por outras culturas com incentivo do governo. Veja-se
uma das conclusões elaboradas pelos alunos:
Vários fatores colaboraram para a decadência da cafeicultura paranaense, dentre eles o clima foi decisivo para acelerar esse processo. As sucessivas geadas ocorridas nas décadas de 1960 e a grande geada negra de 1975. Mas além do clima podemos citar outros fatores, como a concorrência no mercado internacional, a superprodução e a falta de mercado consumidor. Esses fatores levaram o governo a adotar políticas para erradicação dos cafezais numa tentativa de diminuir a produção nacional. Paralelo a esse processo e, com incentivo do governo, iniciou-se a mecanização da agricultura que provocou profundas transformações no meio rural. A utilização das máquinas na agricultura gerou desemprego no campo, fazendo que grande parte da população deixasse as áreas rurais e fossem para as cidades
14.
A terceira ação desenvolvida destaca o uso da metodologia da história oral
para registrar a importância dos moradores que vieram para Tupãssi de diversas
regiões do Brasil e do Estado do Paraná durante esse período:
As entrevistas de história oral permitem explorar aspectos da experiência histórica raramente registrados, como as relações pessoais e interpessoais, possibilitando que as pessoas, pertencentes a categorias sociais, geralmente excluídas da história oficial, possam ser ouvidas, deixando registradas para análise futura sua própria visão de mundo e aquela do grupo social a que pertencem. (EULÁLIA, 2005, p. 70).
Após a elaboração de um roteiro em sala de aula, os alunos realizaram o
trabalho de campo, ou seja, as entrevistas com os moradores. Cada aluno realizou
uma entrevista, que, após ser transcrita, foi apresentada em sala em forma de texto
narrativo. Depois de apresentado, foram realizadas discussões sobre alguns
assuntos destacados na entrevista. Essas discussões possibilitaram a aproximação
do aluno com a história local, pois, ao retratarem, as realidades, as vivências e as
experiências pessoais dos entrevistados, levando em consideração suas crenças e
seus valores, permitiram aos alunos estarem mais perto do passado, contribuindo
14
A.C.B.F. (15 anos) – Aluna do 2º ano do Ensino Médio - Colégio Estadual "Vinícius de Moraes" –
EFMP – Tupãssi – PR - (2011).
para o conhecimento coletivo e a construção da história local. Além disso,
permitiram a inserção, na história local, de indivíduos que não estão presentes nas
fontes bibliográficas que tratam da história e memória do município.
Quanto ao uso da fotografia como fonte histórica, durante o depoimento dos
moradores os alunos coletaram algumas fotos, as quais, depois de separadas por
temas, foram contextualizadas. Essa atividade permitiu ao aluno perceber que a
fotografia nos traz uma riqueza de informações e significados, que nos coloca direto
com o momento, ou um personagem da época. De certa forma, ela atua como um
complemento das informações relatadas nos depoimentos.
5 Conclusão
Este artigo buscou destacar os movimentos migratórios ocorridos na Região
Oeste do Paraná a partir do final da década de 1960, analisando o caso específico
do município de Tupãssi.
Ao realizar este estudo da história local, percebi que o ensino de história
ganha um novo sentido, pois o envolvimento dos alunos desperta maior interesse,
por eles estarem redescobrindo sua própria história. Nesse sentido, a história oral
tem papel fundamental, pois quando buscamos nossas memórias estimulamos
nossos alunos a se tornaram nossos parceiros no processo ensino-aprendizagem.
Assim, trazemos a história para dentro da comunidade, fazendo com que todos se
sintam parte integrante do processo histórico.
Analisando os relatos das entrevistas realizadas, quero enfatizar que
praticamente todas as pessoas que migraram para a Região Oeste, mesmo em
diferentes períodos, se depararam com muitas dificuldades quanto à infraestrutura,
que não existia na região para receber os migrantes que aqui chegaram, pois não
existia história prévia de ocupação nem instituições públicas ou privadas instaladas
para tanto. Através das narrativas, a história oral nos permite uma interpretação
imediata do passado. A fala do sr. Jari Vargas, que migrou para à região no ano de
1967, nos traz uma visão imediata desse passado recente:
Viemos pra cá de Lajeado. Eu morava mesmo em Soledade, pertinho da divisa… Quando nós largamos aquela cerâmica e compramos outra, aí já mudamos para o município de Lajeado. E lá ficamos sete anos, dai viemos
para o Paraná. Aqui parecia que era um fim de mundo. Tinha lugar que estrada acabava… não tinha mais estrada. Tinha que voltar para trás e pegar outra. Era tudo mato. Aqui até Bragantina, Assis, só mato. As estradas eram longe uma das outras. Lá para Toledo, tinha uma estrada que passava por São Luiz. Tinha para Bragantina, para Tupãssi. E nesses meios era puro mato. Só tinha pique (picadas) no meio do mato. Ia de a cavalo. O que nós estranhamos, também… é que não tinha água… muita falta de água e também o pó (poeira). Lugar… sujo! Sujava muito! Diferente de lá de onde nós morava. A água era só de poço. Quem tinha poço tinha água. Quem não tinha… tinha que puxar água lá de longe. Era difícil achar água. Aquilo nós estranhamos bastante. Nós chegamos aqui, e ia lavar roupa, lá… no fundo do rio. E depois foi feito um poço. Também não tinha hospital, era só em Toledo e Cascavel. Antes do ônibus, tinha a kombi. Tinha uma kombi que levava o povo… Era particular. Levava cedo e voltava à tarde. Isso quando nós chegamos. Depois que começou a entrar os ônibus. Aquele tempo o que ganhava gastava tudo com doença. Depois foi equilibrando. Não tinha nenhum plano de saúde, era só no dinheiro. Era tudo no dinheiro! Não tinha SUS e nem convênio
15.
Era, pois, uma época em que se podem verificar diversas formas
rudimentares do trabalho realizadas no campo, pois praticamente todas as
atividades desenvolvidas eram feitas de forma manual. Essas práticas manuais
exigiam, porém, muita mão de obra, o que possibilitou a vinda de muitos
trabalhadores a essa região.
Durante a implementação pedagógica, os alunos realizaram 16 entrevistas
com moradores que chegaram ao município de Tupãssi entre as décadas de 1960 a
1980. De acordo com os resultados apresentados no gráfico, a grande maioria dos
imigrantes tem origem no próprio Estado do Paraná, porém vale ressaltar que, de
acordo com os depoimentos dos entrevistados, suas origens são dos Estados de
São Paulo, de Minas Gerais, do Rio Grande do sul e de Santa Catarina, que
inicialmente migraram para outros municípios do Estado do Paraná antes de virem
para região de Tupãssi.
Figura 4 Gráfico da origem das migrações: 1960 a 1980
15
Depoimento de Jari da Cruz Vargas concedido a José Roberto de Godoy, em 16 de julho de 2011, em sua residência no Distrito de Palmitolândia, município de Tupãssi – Paraná.
Gráfico elaborado pelo autor.
Dentre os motivos que deram origem a essas migrações podemos destacar
que as famílias e os demais indivíduos, em sua grande maioria, vieram atraídos pela
agricultura, principalmente pela atividade cafeeira. Esses migrantes viam nessa nova
região possibilidades de um futuro promissor em torno da pequena propriedade
rural, pois, como afirma o sr. Amadeu Coleto, que veio para o município em 1979:
“Não se encontrava terra, como tem aqui para agricultura. Muito mais fácil para
trabalhar e produzir. Terra plana! Lá onde eu morava, a região era muito quebrada,
muita pedra!” 16.
No decorrer das pesquisas e relatos sobre o município, os educandos
identificaram a sua importância no desenvolvimento da economia, tanto no cenário
regional, como nacional. Com relação à estrutura fundiária do município, os alunos
passaram a perceber que é decorrente de uma atividade econômica que veio
substituir as antigas plantações de café e lavouras de subsistência, e que essa
atividade não causou o declínio da população apenas em Tupãssi, mas em
praticamente toda a região Oeste, onde hoje temos uma agricultura empresarial
tecnificada voltada basicamente para a produção de soja e milho.
16
Depoimento de Amadeu Coleto concedido a José Roberto de Godoy, em 23 de março de 2011, em sua residência na cidade de Tupãssi – Paraná.
Durante a realização das atividades, na busca de informações sobre o
município, os alunos puderam perceber como seus familiares, os mais idosos
principalmente, se sentiram valorizados, pois, através de seus relatos, contaram um
pouco da história de suas vidas, relatos que agora passam a integrar a história do
município de Tupãssi.
FONTES ORAIS
COLETO, Amadeu. 71 anos, agricultor aposentado. Depoimento concedido a José Roberto de Godoy, em 23 de março de 2011, em sua residência na cidade de Tupãssi – Paraná. SILVA, Conceição Virgílio da. 79 anos, doméstica aposentada. Depoimento concedido a José Roberto de Godoy, em 31 de maio de 2011, em sua residência na cidade de Tupãssi – Paraná. VARGAS, Jari da Cruz. 67 anos, funcionário público aposentado. Depoimento concedido a José Roberto de Godoy, em 16 de julho de 2011, em sua residência no Distrito de Palmitolândia, município de Tupãssi – Paraná.
REFERÊNCIAS CANCIAN, Nadir Aparecida. Cafeicultura paranaense – 1900/1970. Curitiba, PR: Grafipar, 1981. COLOGNESE, Silvio; GREGORY, Valdir; SCHALLENBERGER, Erneldo. Tupãssi: do mito à história. Cascavel, PR: Edunioeste. 1999. EULÁLIA, Maria do Carmo. A história oral: vetor do tempo para pessoas idosas. In: WHITAKER, Dulce Consuelo Andreata; VELÔSO,Thelma Maria Grisi (Orgs.). Oralidade e subjetividade: os meandros infinitos da memória. Campina Grande, PB: EUEP, 2005. p. 70-83. IBGE. Censo populacional. 2010. Disponível: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 2 jun. 2011.
IPARDES. Caderno Estatístico Municipal (Tupãssi). 2011. Disponível em: <http://www.ipardes.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo>. Acesso em: 13 jun. 2011.
LAVERDI, Robson. Tempos diversos, vidas entrelaçadas trajetórias itinerantes de trabalhadores no extremo-oeste do Paraná. Curitiba, PR: Aos Quatro Ventos, 2005. LAZIER, Hermogenes. Paraná: terra de todas as gentes e de muita história. Francisco Beltrão, PR: GRAFIT, 2003. LE GOFF, Jacques. História e memória. 2. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1992. MACHADO, Maria Helena Silveira Hernandes. Primeiro de Maio - história e memória. Produção didático-pedagógica – PDE/UEL. Londrina, 2008. Disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/585-2.pdf?PHPSE SSID =2009060908175561>. Acesso em: 2 ago. 2011. SAMUEL, Raphael. História local e história oral. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 9, nº 19, p. 219-243, set.1989/fev.1990. STECA, Lucinéia Cunha; FLORES, Mariléia Dias. História do Paraná: do século XVI à década de 1950. Londrina, PR: EdUEL, 2002. TUPÃSSI. Compêndio socioeconômico do distrito de Tupãssi. Departamento de Educação e Cultura, Prefeitura Municipal de Tupãssi. 1976. WIKIPÉDIA. Tupãssi. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Tupassi>. Acesso em: 4 nov. 2011.
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