1
HAICAI: ENTRE A POETICIDADE E A NATUREZA
Cleyde de Lourdes Fabbri1
Márcio Roberto do Prado2
RESUMO
Este estudo resulta de um processo de implementação pedagógica que objetivou
proporcionar o ensino-aprendizagem de haicai para a fluência poética e uso da
forma concisa no Colégio Estadual Nestor Victor, na cidade de Pérola/PR, no ano de
2011, e o público, objeto da implementação foi composto pelos alunos da 6ª série B
do período matutino, do Ensino Fundamental. Os autores que fundamentaram o
processo foram Campos (1977), Iser (2002), Jauss (2002) e outros. A
contemporaneidade remete-nos ao encurtamento da espera e impõe novo ritmo aos
indivíduos na relação interativa com o cotidiano, vivendo o presente acelerado em
ajuste com os recursos eletrônicos e digitais. Texto poético de forma concisa, o
haicai, atende à demanda de brevidade, entrelaçando-se com o panorama atual e
priorizando a natureza por meio de práticas discursivas em um contexto
contemporâneo e real, considerando a qualidade de vida a partir de questões
ambientais adequando-se, portanto, às demandas de sala de aula. Além disso, esse
objeto de estudo possibilitou a experiência estética ao estabelecer contato com a
poesia lírica, propiciando embasamento teórico-prático relacionado à produção do
haicai e alicerçando noções básicas que regem a norma culta da língua materna,
capacitando, assim, o usuário dessa língua a desenvolver com mais fluência sua
própria produção literária ao obter contato com o texto poético que estimula o
imaginário e desperta a sensibilidade. A metodologia sensitiva foi de instigação e os
procedimentos implicaram na descoberta de poetas, sendo as palavras o material
utilizado para fomentar a produção poética dos haicais.
1 Professora de Língua Portuguesa - Colégio Estadual Nestor Víctor – Pérola/PR. [email protected]
2 **Professor Adjunto do Departamento de Letras – Área de Teoria Literária e literatura de Língua Portuguesa –
UEM – Maringá/PR
2
Palavras-chave: Haicai; Poeticidade; Concisão; Sensibilidade; Natureza.
ABSTRACT
This work results from a process of pedagogical implementation which aimed to
provide teaching-learning of haiku to poetry fluency and use of the concise way in the
Colégio Estadual Nestor Victor, in Pérola city/Pr, in 2011, and the public, which were
object of the implementation was compound by students from 6 th B series of the
Elementary School in the morning period. The authors who substantiated the process
were Campos (1977), Iser (2002), Jauss (2002) an others. Contemporaneity leads us
to shortening of waiting and imposes a new rhythm to the individuals between
interactive relationship and the everyday life, living the quick nowadays in adjustment
with the electronic and digitals resources. Concise poetry texts, the haiku, supplies
the demands of briefly, intercrossing with the current situation and prioritizing nature
through discursive practices in a contemporary context and real, considering the
quality of life from environmental issues, suiting, therefore, to the demands of the
classroom. Moreover, this goal study allowed the esthetic experience when
establishing contact with lyric poetry, providing theoretical-practical basement
related to the production of the haiku and consolidating basics clou which conduct
the rule of cultured of the native language, enabling thus, the user of this language to
develop more fluently their own literary production to get in touch with the poetry text
which one stimulate the imaginary and wake the sensibility up. The sensitive method
was the instigation and the procedures involved the discovery of poets, the words
were the material used in way to foment the poetry production of haiku.
Keywords: Haiku; Poeticity; Concision; Sensibility; Nature.
3
INTRODUÇÃO
O presente estudo ressalta a importância do trabalho com a forma concisa
do haicai em consonância com os elementos da natureza. A contemporaneidade
remete-nos ao encurtamento da espera e impõe novo ritmo aos indivíduos na
relação deles com o cotidiano midiatizado, vivendo o presente acelerado pelas
mídias eletrônicas e digitais. No entanto, esses indivíduos encontram-se desatentos
ao contexto social circundante. Como reflexo deste processo, torna-se urgente
viabilizar produções literárias e leituras sucintas no processo de ensino-
aprendizagem, sem, contudo, afetar negativamente a proficiência da leitura e da
escrita dos educandos. Partindo do pressuposto de que leituras e produções
sintetizadas atraem os educandos e amplia essas práticas, contribui assim, de
maneira decisiva na formação de um leitor e escritor crítico, competente e em plena
posse de seu discurso.
Assim, o haicai atende as demandas da escola pública em consenso com os
avanços tecnológicos. Atualmente estamos vivendo em uma sociedade imediatista e
midiática, sendo envolvidos pela informação que possibilita a rápida interação com
os fatos em tempo real, constituindo uma sociedade dinâmica e competitiva. Sendo
assim, compreender tal fenômeno de maneira crítica é algo da mais elevada
importância, o que aponta para um momento de valorização da escola pública e
democratização do ensino, contemplando a todos, sem exceções de qualquer
natureza, e oferecendo oportunidades de aprimoramento de competências
linguísticas e de interação social.
O ensino público tem a função de ensinar a ler e escrever com competência
àqueles que mais necessitam dele, tendo como instrumento indispensável o domínio
da língua materna e do discurso para que possam assumir uma postura de cidadãos
ativos e inseridos na sociedade.
Não raras vezes, nossos educandos estão desprovidos de ambientes
culturais que favoreçam o contato com as esferas sociais de leitura através do
teatro, cinema, feiras de livros, revistas e jornais, podendo contar somente com a
biblioteca escolar para internalizar essas leituras e interações artístico-culturais.
Esse distanciamento de ambientes favoráveis às múltiplas leituras contribui para
minimizar conhecimentos sistematizados, propiciando a dificuldade para produzir
4
textos que demandam a utilização de recursos linguísticos mais elaborados.
Diante desse contexto, é viável ensinar também o gênero lírico do haicai
para qualquer idade e classe social, pois favorece o estabelecimento das práticas
educativas de oralidade, leitura e escrita e expressa a subjetividade ou a
compreensão de ideias de forma sintética, capacitando o usuário da língua a
desenvolver com mais fluência sua própria produção artística, utilizando o contato
com o texto poético que estimula o imaginário e desperta a sensibilidade.
Isso abre espaço para desdobramentos que vão além da esfera
especificamente literária. No caso da proposta deste projeto, partindo-se da
demanda de concisão e brevidade poética do haicai, um dos principais temas que
podem ser trabalhados por essa forma poética é o retrato da natureza e o destaque
de características que propiciem produzir e sintetizar as práticas discursivas num
contexto contemporâneo e real considerando a qualidade de vida a partir da
temática mundial sobre as questões ambientais. Dada a urgência subjacente ao
tema abordado, surge a intenção de contribuir com a preservação da natureza: a
protagonista das contemplações do eu lírico deste projeto. Deste modo, prática
linguístico-literária articula-se com um outro tema de interesse social extremamente
relevante, que desencadeia uma inquietude particular e permeia o mundo
globalizado ao direcionar o olhar para as questões ambientais.
A produção poética do haicai não é meramente reprodução ou reflexo de
acontecimentos efêmeros, decorrentes de eventos sociais. Assim sendo, retrata as
contemplações da natureza e desempenha um papel ativo na reformulação e
tratamento para sentir e dinamizar as inferências que atingem o meio ambiente.
Portanto, o envolvimento com o gênero poético do haicai, vai além de ressaltar a
sensibilidade, torna o haicaísta um defensor da natureza comprometido com a
sustentabilidade. Esta inquietação foi preconizada pela poetisa paranaense de
haicai, Helena Kolody quando ela define poesia: “A transfiguração/ da realidade em
beleza/ pela magia das palavras”. E o poeta é; “Uma alma sensível, captando seus
próprios sentimentos, bem como os acontecimentos do mundo que lhe ferem a
sensibilidade”. E para instigar a curiosidade do leitor, Helena Kolody escreve no
poema Significado (1986) “No poema/ e nas nuvens/ cada qual descobre/ o que
deseja ver. Texto poético do haicai vai além das poucas sílabas e contempla o
letramento literário poético alicerçado nas propostas guiadas pela Hermenêutica de
Iser e pela Estética da Recepção, proposta de Jauss. Contribuição presente na
5
proposta das Diretrizes Curriculares (Daces) de Língua Portuguesa como uma
indicação nova de arquitetar o texto e o leitor, encontra no horizonte de expectativa,
meios para ampliar o processo de produção textual. Esta forma de perceber a
função do escritor permite que ele se aproprie de seu texto direcionando-o para
diferentes leituras.
Enquanto nestas se fundem imediatamente a compreensão e a interpretação, a assimilação espontânea e a interpretação refletida de um texto literário, no decorrer da interpretação, proponho aqui destacar os horizontes de uma primeira leitura de percepção estética de uma segunda leitura de interpretação retrospectiva. A estas segue uma terceira leitura, a histórica, que inicia com a construção do horizonte de expectativa. (JAUSS, 2002, p. 875)
O leitor é responsável por atribuir sentido ao texto. Quando o texto é lido, se
transforma e agrega os sentidos próprios do leitor. Assim sendo, o leitor de haicai
visualiza elementos extraídos de seu cotidiano, de experiência de vida, de leituras
anteriores e de acontecimentos históricos. É profícuo respeitar o momento histórico
de criação de um poema, levando em conta a forma composicional pertinente aos
poemas, como ode, haicai, madrigal, soneto, dentre outras. Considerar tanto o
momento da produção de um poema, como o da leitura e como se dá o processo de
recepção e interpretação, sendo capaz de desvendar as inferências olvidadas a
partir das indicações contidas na concisão do haicai, levando em consideração que
cada leitor é singular, e possui particularidades próprias. A concisão pertinente na
composição do haicai transforma o escritor e leitor em uma instância fundamental
para a construção de significados por meio da observação circundante e
sensibilidade poética.
Vale pontuar que o fazer poético não ficou somente em nível da inspiração.
Ocorreu uma reflexão para a análise crítica oriunda da preocupação com as
manifestações naturais no planeta, visto que, a natureza é um manancial inesgotável
de inspiração, mas é também parte integrante da vida dos seres humanos,
favorecendo assim, o envolvimento do educando com o meio em que se insere e o
manuseio da língua materna, por meio da composição e apreciação do texto poético
conciso.
6
DESENVOLVIMENTO
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E REVISÃO BIBLIOGRÁFICA DO PROJETO
O ensino da língua materna está pautado nas Diretrizes Curriculares de
Língua Portuguesa do Ensino Básico do Estado do Paraná (2008), construída para
recuperar a função da escola pública paranaense que é a de ensinar para atender
igualmente aos sujeitos, seja qual for sua condição social, seu pertencimento étnico
e cultural. Essas características devem ser tomadas como potencialidades para
promover a aprendizagem ao conhecimento sistematizado. Nesse sentido, para
Frigotto:
Os sujeitos da Educação Básica, crianças, jovens e adultos, em geral oriundos das classes assalariadas, urbanas ou rurais, de diversas regiões e com diferentes origens étnicas e culturais, devem ter acesso ao conhecimento produzido pela humanidade que, na escola, é veiculado pelos conteúdos das disciplinas escolares. (FRIGOTTO apud DCE, 2004, p.14)
Dessa forma, a linguagem é vista como fenômeno social, pois nasce da
interação política, social e econômica entre os homens. Nesta concepção, o ensino-
aprendizagem da língua considera o processo dinâmico e histórico tanto na
interação da linguagem, quanto do personagem envolvido no processo educacional,
portanto, contextualizar meio social e prática pedagógica é oportuno para a
interação e manuseio da língua.
Assim, determinadas posturas teóricas mostram-se bastante úteis, sobretudo
quando reforçamos a proposta do projeto de articular leitura e produção de textos
específicos (haicais). É o caso das abordagens que levam em conta a ideia de
“letramento”, fundamental para a inserção do indivíduo na sociedade de modo pleno.
Para Marcuschi:
7
O letramento, por sua vez, envolve as mais diversas práticas da escrita (nas suas variadas formas) na sociedade e pode ir desde uma apropriação mínima da escrita, tal como o indivíduo que é analfabeto, mas letrado na medida em que identifica o valor do dinheiro, identifica o ônibus que deve tomar, consegue fazer cálculos complexos, sabe distinguir as mercadorias pelas marcas, mas não escreve cartas nem lê jornal. (MARCURSCHI, 2005 p. 25)
O detentor de tais conhecimentos básicos é um letrado: ele sabe identificar o
valor do dinheiro, sabe reconhecer o ônibus que o levará ao destino almejado, faz
cálculos quando compra e vende produtos. Pode não possuir grande proficiência na
linguagem verbal, sobretudo sob o viés da norma culta e da gramática normativa,
mas é um excelente observador do meio social e adquire conhecimento através da
prática social. A relação estabelecida entre esse letrado e o escritor de haicai está
na capacidade que eles possuem para ficar atentos aos movimentos presentes e
circundantes e utilizá-los no que lhes convier. A leitura dessas múltiplas linguagens,
realizadas com propriedade, contempla o envolvimento do indivíduo com as práticas
discursivas.
Além disso, na concepção de Geraldi, conceber o texto como unidade de
ensino-aprendizagem é entendê-lo como um lugar de entrada para este diálogo com
outros textos que remetem a textos futuros. Conceber o aluno como produtor de
textos é concebê-lo como participante ativo deste diálogo contínuo com textos e com
leitores (GERALDI, 2004, p. 22). Nesse contexto de produção textual insere-se o
gênero poético haicai que visualiza outros gêneros discursivos, pois capacita o
educando para ampliar seu universo de produção textual de forma sintética. O
exercício dessa prática possibilita ao educando ampliar o próprio universo de
gêneros discursivos. Seguindo com Geraldi:
Considero a produção de textos (orais e escritos) como ponto de partida (e ponto de chegada) de todo o processo de ensino/aprendizagem da língua. E isto não apenas por inspiração ideológica de devolução do direito à palavra às classes desprivilegiadas, para delas ouvirmos a história, contida e não contada, da grande maioria que hoje ocupa os bancos escolares. Sobretudo, é porque no texto que a língua – objeto de estudos – se revela em sua totalidade quer enquanto conjunto de formas e de reaparecimento, quer enquanto discurso que remete a uma relação intersubjetiva constituída no próprio processo de enunciação marcada pela temporalidade e suas dimensões. (GERALDI, 1997, p. 135)
8
É relevante a consideração atribuída à produção de texto no processo
ensino/aprendizagem, visto que, as histórias vivenciadas são inseridas no contexto
educacional por meio da produção textual. Partindo dessa realidade, o educador
concretiza o estudo da língua com a inserção de atividades linguísticas situadas no
cotidiano.
Outra postura teórica que se mostra relevante é a da Estética da Recepção,
que está vinculada às questões interpretativas que levam em conta a presença da
história em seu conceito e propõe romper com as teorias de produção da estética
tradicional onde se fundiam as três etapas da recepção literária. Tal perspectiva
começa a ser desconstruída a partir dos estudos de Jauss e Iser que passam a
considerar o papel do leitor como decisivo no processo de recepção do texto literário
surgindo, nesse contexto, inovações, pois, como aponta com precisão Jauss: "estão
fundamentadas na teoria de que o processo hermenêutico deve ser compreendido
como uma unidade dos três momentos da compreensão, da interpretação e da
aplicação" (JAUSS, 2002, p. 875).
Na compreensão real de um texto, estaria implícito o leitor e o início da
interpretação que corresponde à primeira leitura de sentido estético. Nesse sentido
vale citar novamente Jauss:
A compreensão estética, no texto poético, está orientada principalmente para o processo da percepção. Remete hermeneuticamente ao horizonte de experiência da primeira leitura, o qual muitas vezes pode tornar-se visível em sua coerência formal e plenitude de significado - principalmente em textos historicamente distantes ou na lírica hermética - apenas após várias leituras. A interpretação explícita na segunda fase e em todas as leituras seguintes também remete ao horizonte de expectativa da primeira leitura [...] ao transferir o significado que ultrapasse o horizonte do significado e com isso a intencionalidade do texto. A interpretação de um texto poético já sempre pressupõe a percepção estética como compreensão prévia; só deve concretizar significados que parecem ou poderiam parecer possíveis ao intérprete no horizonte de sua leitura anterior. (JAUSS, 2002, p. 877)
Desta maneira, a percepção estética emerge paulatinamente e vai
construindo significados por meio de várias leituras e compreensões. Assim, é
comum e necessário que se volte repetidas vezes ao texto poético para concretizar
a interpretação. Tal postura permite a compreensão do texto em sua alteridade, de
modo que o leitor coloca-se na história do autor para recuperar a historicidade da
obra. Citando uma última vez Jauss:
9
A percepção estética não é um código universal atemporal, mas, como toda experiência estética, está ligada a experiência histórica. Por isso o caráter estético de textos poéticos de tradição ocidental pode oferecer apenas pré dados heurísticos na interpretação de textos de outras culturas. O fato de que a própria percepção estética está sujeita à evolução histórica deve ser compensado pela interpretação literária por meio dos três resultados do processo hermenêutico (JAUSS, 2002, p. 884).
O conceito de leitor implícito, aspecto de suma importância aqui, tem a
consolidação na estética da recepção, com a centralidade no leitor, que recebe
abordagens para valorizar seu papel na ativação dos sentidos do texto. O leitor
implícito não aparece como real, mas apresenta-se no ato da escrita quando o autor
antecipa a presença do receptor. Com relação ao tema Wolfgang Iser destaca com
correção: "A concepção do leitor implícito circunscreve, portanto, o processo de
transferência pelo qual as estruturas textuais se traduzem para o campo de
experiências do leitor, através da atividade ideacional" (ISER apud GUMBRECHT,
2002, p. 994).
No caso do gênero literário aqui proposto (no caso, o lírico), a relação entre
leitor e obra é ainda mais delicada. A subjetividade lírica aproxima o sujeito do objeto
por meio do trabalho da linguagem promovendo uma interatividade entre os
envolvidos no processo. Isso dá ainda mais destaque ao papel do leitor. Mas não se
deve imaginar que tal tendência seja um indicativo de alienação simplória, uma vez
que, segundo Angélica Soares:
...há poemas de temática social explícita, não devemos pensar que aqueles, nos quais se sobressai a individualidade, não estejam motivados socialmente. Porque a linguagem, por mais "subjetiva ", é sempre transmissora de conceitos e une, com isso, sujeito e sociedade. A lírica faz da linguagem o meio pelo qual ela age sobre os outros e não apenas sobre o poeta. (SOARES, 2000, p. 28 - 29)
É nesse contexto que se insere o haicai. Todavia, uma vez que esse
subgênero poético muitas vezes leva a dúvidas sobre suas origens e natureza, vale,
aqui, uma breve explicação sobre esses aspectos. De início, já temos o problema do
nome, conforme aponta Yamashiro: "o haiku é chamado de haicai, mas sua grafia
diversifica. Sua pronúncia seria aicai, já que o h é mudo no português. Exemplos:
10
haicai(s), haikai(s), hai-cai(s), hai-kai(s), haiku, hokku, etc" (YAMASHIRO,1988,
p.19). Tomar uma decisão nesse sentido é sempre difícil, dada a diferença entre a
língua japonesa e a portuguesa, porém, neste projeto, optaremos pela forma “haicai”
com o plural “haicais”, seguindo uma tendência mais produtiva. De qualquer modo, a
despeito de dificuldades até mesmo em sua terminologia, o haicai, apresentado por
Afrânio Peixoto em 1919, chamou a atenção de poetas brasileiros que adaptaram
sua composição para o português. No entanto, o haicai não chegou ao Brasil
diretamente do Japão, e sim via uma retradução de versões da língua francesa e
inglesa. Mas algum contato direto pôde ser percebido, uma vez que o haicai, como
aponta Masuda: “em sua forma original, teve como introdutores os imigrantes
nipônicos. E essa introdução começou juntamente com a chegada da primeira leva
de imigrantes ao Brasil” (MASUDA, 1988, p. 30).
Na década de 1930 começa o intercâmbio entre haicaístas japoneses e
brasileiros por intermédio dos imigrantes nipônicos ilustrando a chegada em 1929 de
Hidekazu Masuda, mestre Goga - introdutor do haicai em português no Brasil
trazendo na memória as estações do ano bem definidas, tal palavra é denominada
de "Kigo" (termo de estação) e como prática do haicai dirigia as contemplações à
exuberante natureza do Brasil. Desde então, escritores repassam informações sobre
o haicai a outros autores e por volta de 1953 o amigo de Goga, Fonseca Junior
trocou ideias com o poeta e haicaísta Guilherme de Almeida sobre a situação do
haicai no Japão daquela época. Mestre Goga foi orientador de muitos haicaístas, em
especial de Teruko Oda, fundadora e coordenadora do Grêmio de Haicai caminho
das Águas e Grêmio Haicai Ipê.
Um detalhe importante é o caráter conciso do haicai. Tal concisão ocorre,
dentre outros motivos, em função da escrita ideogrâmica, que, por sinal, serviu de
inspiração para vários aspectos da poesia moderna através de nomes como o Ezra
Pound. Nesse sentido, Haroldo de Campos, como bom entusiasta de Pound e de
suas percepções da contribuição ideogrâmica, afirma:
Neste processo de compor, duas coisas conjugadas não produzem uma terceira, mas sugere alguma relação fundamental entre ambas, compreendemos que um ideograma isolado pode ser, em si próprio, pela alta voltagem obtida com a justaposição direta dos elementos, um verdadeiro poema completo. mas não é somente do ponto de vista da estrutura que nos interessa o haicai. Também em seu léxico encontraremos
11
exemplos das mais arrojadas modernidade. Sendo o idiograma japonês eminentemente "aglutinante", possui maleabilidade extrema para a composição, dentro da normalidade e dos hábitos semânticos, de verdadeiras palavras montagem. (CAMPOS, 1977, p. 56 - 57)
Assim, o haicai configura-se como uma forma poética das mais instigantes,
mas, cumpre lembrar, não o faz apenas por meio de seus recursos formais. O haicai
é carregado de imagens, comparações, sugestões e de pistas que direcionam o
leitor conforme suas experiências de vida, seu conhecimento da realidade, suas
ideologias, bem como suas crenças e valores culturais. É um poema de fácil
compreensão, no qual se usa palavras do cotidiano em sua composição e que
retrata fielmente a sensibilidade do autor, prevalecendo o respeito à simplicidade,
deixando o leitor agregar o seu acabamento que remete a um rendimento máximo
de efeito com redução de recursos linguísticos para formar um poema por meio da
linguagem reduzida, descartando os conectivos, a adjetivação desnecessária e o
efeito explicativo, possibilitando ao apreciador de haicai contextualizar sua
manifestação poética, preconizando coisas do mundo sensível enquanto partilha
emoções e sentimentos.
O Paraná, por sinal, é um celeiro de haicaístas. Essa afirmação é reforçada
pela mestra Helena Kolody, pioneira do haicai no Paraná, que emergiu para
disseminar o haicai desde 1941, priorizando as novas gerações. Seus poemas são
marcados pela brevidade e ela procurava no cotidiano a matéria para sua lírica ao
valorizar ocorrências circundantes que evidenciando que a poesia está nas coisas,
bastando acertar o olhar para que as palavras eclodem e traduzam o pensamento.
Por deter essa sensibilidade, a poetisa recebeu a admiração de críticos consagrados
na poesia e, após receber uma homenagem de seus alunos, ficou muito
sensibilizada, chegando a afirmar em depoimento que “ é muito comovente perceber
que a escola não vive apenas a parte intelectual, mas também a emotiva e
psicológica” (KOLODY apud NICOLATO, 1999, p.). Reforçando a relação entre o
haicai e a sensibilidade frente ao mundo natural, Kolody ainda afirma: “o haicai
miniatural é capaz de despertar o sujeito para uma observação atenta da natureza”
(KOLODY apud CRUZ, 2001, p.7). E, por meio dessa concepção de síntese e
natureza, o haicai tem o poder de projetar palavras que despertam o leitor para uma
observação atenta das coisas mínimas, mas indispensáveis para harmonizar a vida.
12
(Cruz, 2001) Disponível em: <http://www.kakinet.com/caqui/kolody.p> Acesso em:
28/05/2012.
Assim, o haicai mostra-se como uma forma poética produtiva e relevante,
possibilitando, evidentemente, a reflexão sobre a linguagem verbal (não apenas
literária, destaque-se) e sobre suas potencialidades. Por outro lado, esse mesmo
haicai abre espaço para uma percepção, compreensão e apreensão da natureza,
levando seu leitor a considerações de caráter até mesmo ecológico que tão
necessárias se fazem no contexto do século XXI. Que isso se traduza em uma
reflexão sobre o papel desse leitor como cidadão e sujeito, articulando essa relação
por meio da linguagem, é um fator que demonstra como um trabalho feito a partir de
tal recorte no âmbito da disciplina de Língua Portuguesa mostra-se como necessário
e instigante.
A METODOLOGIA NA COMPOSIÇÃO DE HAICAI
O primeiro contato com o trabalho sobre texto poético do haicai ocorreu em
um ambiente natural por meio de questionamentos, instituindo uma conversa no
sentido de levantar definições sobre os interesses e conhecimentos internalizados
pelos educandos. As perguntas de caráter investigativo auxiliaram na determinação
do horizonte de expectativa e na recepção da poesia lírica, havendo naquele
instante, o despertar da sensibilidade poética que dormita em cada ser, bem como
as explicitações relevantes que são pertinentes ao tema abordado para a
composição de haicai.
A interação efetiva que julgamos profícua para o desdobramento das ações
propostas na Unidade Didática iniciou-se com os questionamentos: “Vocês gostam
de ler poesias? Quem faz as poesias? Onde nascem as poesias? Em que o poeta
busca inspiração para fazer poesias? Quais os assuntos que o poeta pode abordar?
Que poetas vocês conhecem? É possível escrever poemas sem ser um poeta?
Quem sabe recitar uma quadrinha ou um trecho de música que fale de flores de
pássaros, de chuva, de animais? Quem leu uma poesia de origem oriental,
composta por uma estrofe, três versos e distribuídos em 17 sílabas
aproximadamente e como é denominada?”.Os alunos falaram o que pensavam de
13
acordo com seus conhecimentos prévios e, na ocasião, o haicai foi apresentado à
turma de 7º ano do Ensino Fundamental, bem como os dez mandamentos do haicai
(ver anexo). Verificou-se, então, que os educandos receberam com muitas
expectativas o ensino-aprendizagem de haicai.
Em seguida, foram desenvolvidas práticas escritas visando criar condições
propícias para a exploração do haicai em sala de aula. Os alunos escreveram versos
aludindo à Natureza para fluência da poética e leram de forma aleatória os versos
escritos. Nesse momento, foi recompensador verificar como uma proposta como a
que foi apresentada reiterou a dimensão humana do processo de ensino-
aprendizagem, uma vez que os educandos ficaram emocionados ao escrever e ler
seus versos. Utilizamos uma ferramenta tecnológica, a TV pendrive para apresentar
haicais premiados em concursos, bem como de poetas consagrados (no caso do
haicai, o nome que se dá aos escritores desse tipo de texto é haijin ou haicaísta),
além de chamar a atenção para a haiga (imagem que, não raras vezes, ilustra o
haicai) e explicar a estrutura e composição do haicai na língua portuguesa e oriental
(lembrando que, em japonês, o haicai é tradicionalmente impresso em uma única
linha vertical, ao passo que, na Língua Portuguesa, aparece em três linhas
horizontais).
Analisamos com os alunos os fatos circundantes e a reflexão que pode estar
inserida no olhar atento sobre as manifestações da natureza evidenciou algumas
questões plausíveis que levaram os alunos a participar da elaboração de
significados por meio da exploração discursiva do poema.
Neste ponto, seria interessante relembrar alguns aspectos de suma
importância do processo de leitura. Em relação às leituras possíveis, considera-se o
papel do leitor como significativo no processo de recepção do texto literário, bem
como o resultado de um processo de interação entre o escritor, texto e leitor. A
Estética da Recepção propõe-se a considerar esses participantes do processo de
leitura a partir das discussões dos estudos recepcionais, e visualiza-se o ato da
leitura por meio da percepção de que há imagens no texto que são internalizadas
nas experiências do leitor, “cujas vivências afetam sim, e diretamente, o modo como
concretiza a leitura na experiência estética” (ISER, 1996, p. 79).
Para exemplificar aqui a dinâmica, utilizamos a foto 01(reproduzida abaixo) e
o poema gerador. Os alunos fizeram a leitura e, em seguida, fecharam os olhos e
tentaram ver a imagem e visualizar as manifestações circundantes e implícitas
14
contidas no poema. Em seguida, responderam às questões: “Com base no texto,
(em especial o 3º verso) responda: o que foi bicado? Por quê? Para quê? Por quem?
Que grau de importância tem esse pé de goiaba na beira da estrada para a
sustentabilidade do meio ambiente? Quais pássaros podem ter vindo se alimentar
dessas frutas?”. Após tais questões, foram sugeridas algumas reflexões: “qual das
duas palavras (“goiaba” ou “estrada”) é considerada a base temática do texto, ou
seja, o kigo? Que sensações esse poema passou para você? Qual é a finalidade do
texto poético (neste caso, o haicai) para a vida?”. O conjunto de temas possíveis
nesse tipo de texto é abrangente e potencializa a interdisciplinaridade por meio dos
conteúdos temáticos. Assim, foram explorados os outros protótipos, observando o
discurso que permeia o poema. A título de exemplo, seguem alguns haicais e
imagens (haigas) ilustrativas.
Foto 01: Cleyde Fabbri, Pérola – PR, 2005.
Um pé de goiaba
Na beira da estrada
Todas bicadas.
Gerson Antônio de Aleixo – 3º colocação no Concurso Brasileiro Infantojuvenil 2005
15
Foto 02: Praça da Fundação Osvaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2011.
Um sabiá cantou
Longe, dançou o arvoredo.
Choveram saudades.
Helena Kolody, Viagem no Espelho, 2004.
Foto 03: Cleyde Fabbri, 2011
16
Despenca da árvore
e aparece dentro da bolsa.
Floresta da lagarta.
Cleyde Fabbri, 2011.
Foto 04: Cleyde Fabbri, Jardim Botânico - Palmeiras Imperiais - Rio de Janeiro, 2011.
Ao anoitecer
Os passarinhos namoram
Na beira da fonte.
Thainá Aparecida da Silva – 1º lugar no Concurso Nacional de Haicai Infantojuvenil 2010.
O tema da pesquisa PDE e os exemplos acima mencionados reforçam o
papel fundamental da literatura no processo de ensino-aprendizagem. Sobre a
conjugação de poesia e ensino, é interessante registrar uma passagem de Helena
Kolody:
Por vocação e escolha fui apaixonadamente professora. Nasci poetisa. Desde criança amei os pássaros, as palavras e as canções. Na adolescência, comecei a cantar meus sonhos em versos. De sonhos aprisionados em poemas inventei muitos livros. Dedico-me agora a aplaudir as novas gerações (KOLODY apud CRUZ, 2008).
17
A concisão do haicai requer algum conhecimento sobre versificação, de
modo que foi implementado esse estudo a partir dos haicais apresentados na ação
anterior, fazendo a divisão gramatical e a silábica para que o aluno fizesse a
contagem das sílabas (embora seja importante destacar que não se deve exigir uma
métrica rígida para compositores de haicai iniciantes). A próxima ação implementada
foi intitulada “um verso é seu”: entregamos uma folha com vários haicais de um autor
faltando um verso, e o aluno colocou no universo deste autor e criou o verso que
estava faltando no haicai, e que podia ser diferente do verso original.
Dando sequência à implementação da unidade didática, para fazer fluir a
poeticidade, os alunos visitaram a biblioteca e fizeram leituras de haicais e outros
poemas e foi organizado o círculo do livro.
A sala de informática do Paraná Digital, não comportou 37 (trinta e sete)
alunos para realizarem a pesquisa proposta: a origem e a chegada do haicai ao
Brasil, bem como a bibliografia de escritores de haicai como Helena Kolody, Teruko
Oda, Alice Ruiz, José Marins, Paulo Leminski, Paulo Franchetti, Guilherme de
Almeida, Afrânio Peixoto, dentre outros, além das temáticas referentes às
manifestações da natureza às quais os haicais remetem. No entanto, foi solicitada a
pesquisa fora do espaço escolar para exposição oral pelas equipes formadas
anteriormente na sala de aula. A pesquisa dos sites sugeridos teve contribuição para
o estudo vigente, e foi complementada no momento da exposição oral.
Partindo da premissa de que a poesia nasce espontaneamente, de um
momento de contemplação, foi indispensável haver uma recorrente conexão de
temporalidade entre o instante de observação e a escrita do haicai, isto é, captar a
emoção do instante e registrar o fato percebido imediatamente em forma de haicai.
Diante desses aspectos, pode-se extrapolar os intramuros escolares por meio de um
passeio ecológico ao CIBAX (Consórcio Intermunicipal para a Conservação da
Biodiversidade da Bacia do Rio Xambrê) na cidade de Iporã/PR. Os alunos da turma
contemplaram a harmonia entre as árvores e os outros elementos viventes naquele
espaço natural, fotografaram a natureza e praticaram a composição de haicais in
loco , onde observaram o fato circunstancial e escreveram seus haicais no ambiente
de inspiração. Na chegada, os alunos foram recebidos pela instrutora Aline, que
apresentou algumas ações realizadas pelo consórcio no município para a
conservação do Rio Xambrê, destacando os cuidados que todos devem ter com o
meio ambiente; a instrutora ainda falou sobre como evitar o desperdício de água,
18
mata ciliar, impactos causados pelo homem, preservação do rio e suas nascentes,
entre outros assuntos, sempre destacando que os alunos devem levar para seu
meio um pouco daquilo que vivenciaram no passeio ecológico. Em seguida, foi
realizada uma trilha ecológica até a pequena mata existente dentro do parque, onde
os alunos tiveram contato bem próximo com as peculiaridades da natureza. Durante
o percurso, a instrutora Aline conduzia uma explicação sobre algo inusitado oriundo
da ação do meio ambiente. Tais aspectos estão relacionados diretamente com
textos pertencentes ao gênero lírico, como é o caso do haicai. Nesse sentido, afirma
Angélica Soares:
Não faltam, em nossos poetas, exemplos deste lirismo participante,
resultado de uma integração entre a emoção e o desejo de interpretar o
mundo; integração responsável pelo nascimento de uma significação que,
ao revelar o mundo, revela o sujeito que o considera poeticamente, unindo-
se, mais nitidamente, o emocional e o reflexivo. (SOARES, 2000, p. 27).
Ao retornar à sala de aula, foi realizada a reescrita textual dos haicais
criados após o passeio ecológico, observando a composição estrutural, bem como a
adequação do "kigo", do aspecto motivador "natureza" e os recursos linguísticos
utilizados. E função da coerência e/ou da coesão, era possível a substituição de
vocábulos, isto é, fazer a troca por uma palavra de mesma significação e número de
sílabas. A estrutura concisa do haicai, contribuiu para dar atendimento presencial e
individualizado aos alunos repetidas vezes. Além disso, houve a solicitação no
sentido de que não apagassem e deixassem os registros nos cadernos após cada
modificação para adequar o haicai até chegar a um consenso final, conforme
amostragem.
19
.Fotos: Cleyde Fabbri, Edifício Uirapuru, Umuarama - PR, 06/06/ 2011
Décimo primeiro
Na sacada do banheiro
Mora a mãe coruja.
(Cleyde Fabbri, 2011)
20
A contextualização imagética do haicai, ou seja, a ilustração (haiga) do
aluno, deu-se por meio de desenho, colagem ou foto. O aluno reescreveu o haicai
ao lado, acima ou sobreposto à ilustração que contempla inferências ao leitor de
haicai, bem como organizaram e encadernaram um livro com a coletânea de haicais
escritos e ilustrados por eles. Em seguida foi passado suporte acadêmico aos alunos
para declamarem seus haicais na escola em visita a outras turmas, respeitando a
individualidade de cada um com as seguintes indicações: 1) O declamador deve
conhecer o poema, entender a pontuação para fazer as pausas adequadamente,
bem como a pronúncia correta; 2) Memorizar o haicai de forma gradual, lembrando
que a impostação de voz deve estar sempre no mesmo tom; 3) O nome de seu autor
e título, se houver, devem ser ditos antes do início da declamação.
A socialização da poesia priorizou a interação do projeto com a comunidade
e aconteceu por meio de trabalhos confeccionados pelos alunos e expostos na sala
de aula, no pátio da escola e pendurados na árvore que fica na entrada do colégio.
Os trabalhos foram: haicais imagéticos, foto haicai, marcador de páginas, varal de
cartões, haicais colados em folhas caídas das árvores recolhidas pelos alunos no
caminho da escola ou em outro momento, e no blog - Haicai: poesia e natureza
(cleydefabbrihaikai.blogspot.com).
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A jornada de implementação do projeto foi de 64 horas (sessenta e quatro
horas), finalizada em novembro de 2011. A escrita do último haicai foi para avaliar
resultados alcançados pelos alunos e participação no Concurso Brasileiro de Haicai
Infantojuvenil 2012. Foram explicadas as regras e o tema proposto para 2012: “Da
Minha Janela...”, que recebemos da coordenadora do concurso Teruko Oda. Foi
dito que um haicai de cada aluno da turma seria enviado à coordenação do concurso
para classificação e o resultado do concurso sairá em 2012. Cada aluno deixou um
trabalho pronto para ser enviado ao concurso de 2012. A comissão que julgará os
trabalhos é formada por membros do Grêmio Haicai Ipê e tendo como coordenadora
a professora e escritora Teruko Oda. As instruções para participar do concurso
referido, o formulário de inscrição e os “Dez Mandamentos do Haicai” escritos por H.
21
Masuda Goga que contribuíram para enriquecer a prática da escrita do haicai,
encontram-se disponível no site: www.kakinet.com/concurso. Finalmente, a julgar
pelo desenvolvimento das ações e trabalho final, o resultado foi amplamente
proveitoso e superou todas as expectativas no que se refere à prática de ensinar,
aprender e produzir haicai.
A experiência desse estudo foi compartilhada apresentando o Projeto
Pedagógico e a implementação da Unidade Didática com os participantes do Grupo
de Trabalho em Rede (GTR), objetivando dinamizar a aplicabilidade da poética e
disseminar a prática metodológica do haicai. É importante enfatizar recortes
relevantes inferidos sobre o processo de ensino-aprendizagem de haicai, por meio
dos quais as professores ressaltaram a importância de se ensinar haicai nas Escolas
Públicas do Paraná, fazendo uso de colocações sábias e primordiais.
Essas colocações permearam as interações nas discussões, com destaque
para o fato de que o trabalho com o haicai, que retrata a natureza em seus poemas,
levanta a questão da criticidade sobre temas urgentes e vitais para fazer parte dos
conteúdos curriculares, aproveitando a concisão e a sensibilidade para tratar de
assuntos globalizados. Diante disso, a professora Matilde relata: “compreende-se
que trabalhar com leituras e produções sintetizadas (como o haicai) chama atenção
dos alunos, porque são chamados de maneira atraente, a partir dos elementos
vivenciados no cotidiano...”. Além disso, a participante Isabel também ressalta:
“trabalhar com os textos sintéticos como o haicai, [leva à] reflexão, desperta a
sensibilidade, auxilia na aprendizagem da escrita de forma mais concisa”. Flora
confirmou a contribuição anterior ao relatar: “Alunos não tem necessidade de
escrever longos textos, com o haicai sente-se mais motivado e obriga-o a pensar em
cada palavra escrita, pois uma palavra deve refletir uma ideia”. Perante as
inferências dos participantes, o trabalho com o haicai apresenta aplicabilidade pela
síntese, no entanto, vai mais além: o haicai filtra a essência do momento que exige
concentração e fina observação, bem como a interação do aluno com outra cultura
que originou o haicai.
A síntese desperta o interesse dos alunos para múltiplas leituras, mormente
se o haicai estiver em paridade com a haiga. A participante Simone comenta com
primazia: “...os autores paranaenses referenciados no Projeto são sensibilizadores
para instigar a composição de poemas”. A professora Andrea escreve: “O Paraná,
tem forte ligação com os poemas em haicai e possui excelentes haicaístas, entre
22
tantos, os saudosos Paulo Leminski e Helena Kolody, é de suma importância que o
ensino e divulgação sejam trabalhados nas escolas do estado [...] o ensino de haicai
deveria fazer parte do currículo estadual para dar acesso a esta forma de cultura e
aprendizado a todos os alunos do Paraná”. Nessa mesma linha de posicionamento,
outros educadores fazem inferências a respeito de inserir no currículo estadual o
ensino de haicai e outros poemas com maior relevância.
As colocações da professora Ivone foram muito propícias ao pontuar que
parte da Produção Didático-Pedagógica ajuda entender um pouco mais dos recursos
possíveis para realizar passo a passo a prática pedagógica por sensibilizar os
alunos no trabalho com o haicai. Helena Kolody permeia a produção e o professor
Paulo relembra as metodologias aplicadas para a produção de texto e afirma que
tudo passa pelo crivo da sensibilidade que devemos criar uma atmosfera para
estimular a sensibilidade nos nossos alunos, mesmo que a situação histórico-social
deles não seja tão estimulante. A professora Simone discorre sobre as ações
propostas na Unidade Didática, registrando que as atividades propostas ajudam o
aluno a escrever bem e o professor a como trabalhar com haicais.
Ao interagir com os participantes, foi interessante observar que a maioria
dos alunos não comete erros gramaticais (talvez pela síntese). No entanto, a maior
dificuldade do poeta principiante de haicai é perceber a essência haicaísta e permitir
que o poema fique inacabado para que gere inúmeras interpretações e reflexões. Os
cursistas revelaram compromisso com a Educação da Escola Pública do Paraná e
consideraram gratificante o trabalho com o texto poético, de modo que foi possível
notar na criatividade dos alunos uma forte corrente de interação.
A discussão permeou os avanços, desafios e viabilidade das ações na fase
de implementação pedagógica, momento em que foi socializado o desenvolvimento
das ações, algumas desafiadoras quanto ao atendimento individualizado ao aluno na
composição dos haicais. Segundo a professora Isabel: “O refazer textual é uma
etapa muito importante e também desafiadora, já que os alunos recebem
atendimento individualizado, eles precisaram de muita ajuda do professor na
reconstrução ou adequação do texto”. Enfim, os desafios impulsionaram o trabalho e
resultaram na superação.
As experiências apresentadas muito contribuíram para fazer fluir a
poeticidade do haicai em sala de aula e todas foram vivenciadas plenamente e
obtiveram resultados gratificantes, sendo aplicáveis e criativas. Cumpre lembrar a
23
experiência da professora Andrea que fez uma síntese da sua experiência, fazendo
outra leitura da brincadeira de amigo secreto, em que o aluno tira o nome e escreve
um haicai para presentear seu amigo secreto e o envelope é um tangram. É
pertinente por estar em consonância com a origem do haicai, escrever para um leitor
provável. O embasamento teórico para essa dinâmica está na percepção estética de
Jauss: "Tal postura permite a compreensão do texto em sua alteridade, de modo que
o leitor coloca-se na história do autor para recuperar a historicidade da obra"
(JAUSS, 2002, p. 884). Iser complementa: "O conceito de leitor implícito, aspecto de
suma importância aqui, tem a consolidação na estética da recepção, com a
centralidade no leitor, que recebe abordagens para valorizar seu papel na ativação
dos sentidos do texto". (ISER apud GRUMBRECHT, 2002, p. 994)
Os participantes também enriqueceram o curso alocando referências aos
poetas haicaístas paranaenses, exemplificaram suas postagens com a troca de
haicais, fomentando a sensibilização. Por fim, confirmaram a aplicabilidade da
Produção Didático-Pedagógica, bem como enriqueceram o passo a passo das
ações com exemplos vivenciados, a considerar as interações entre os participantes
que superaram as expectativas pelas inferências postadas com ampla proficiência.
CONCLUSÃO
O presente trabalho que contempla o ensino-aprendizagem de haicai
acenou para resultados pedagógicos significativos para a Escola Pública do Paraná,
visto que oportunizou reais condições de aprendizado de forma profícua, prazerosa
e motivadora. Essas propriedades contribuem para fomentar o gênero lírico e
justificam a escolha do professor pelo texto poético para dinamizar as aulas de
Língua Portuguesa. Uma vez que o texto poético pode apresentar desafios
específicos, deve fazer parte do currículo com mais aplicação e exploração, inclusive
podendo ser utilizado em escala superior àquela que é encontrada em diversas
ocasiões. O texto poético tem a função de sensibilizar os educadores, que não
podem perder de vista essa maravilhosa possibilidade de trabalho, que, inclusive, é
parte integrante da proposta curricular e abre novos horizontes na formação de
leitores capazes de identificar elementos artísticos por meio do texto poético,
24
desmistificando eventuais propostas que fazem da aula de literatura apenas uma
aula de gramática normativa.
É importante, também, desmistificar a generalização de que uma biblioteca
com um acervo rico em termos de quantidade seja capaz de influenciar
positivamente os alunos no campo da leitura e composição de poemas. É preciso
organizar, estimular e coordenar o encontro do educando com o texto poético, para
que ele fique entusiasmado com a capacidade de produzir versos e transmitir
inspiração. Considerando o papel do mediador um elemento fundamental para
construir aprendizagem, a opção pelo texto poético merece atenção especial por
parte do professor, que deve fazer uso de experiências novas e ousadas para
superar o desinteresse dos educandos. Para isso, é importante que o professor
esteja motivado e preparado para transmitir sensibilidade e ser porta-voz dessa
comunicação.
Outro aspecto a considerar é o fato de que a poesia não deve apenas
estudada, mas também apreciada por meio da sensibilidade, e, para embrenhar-se
no que o poeta quis transmitir e no contexto social ao qual ele nos remete, é
necessário capacitar o aluno para reconhecer o caráter de significação do haicai e
as possibilidades de aprendizagem que o texto conciso oferece, levando este aluno
a um campo de observação e reflexão da atualidade vigente, pois, como lembra
Haroldo de Campos: “não é somente do ponto de vista da estrutura que nos
interessa o haicai. Também em seu léxico encontraremos, constantemente,
exemplos da mais arrojada modernidade” (CAMPOS, 1977, p. 58).
Atualmente, fala-se muito no despertar da sensibilidade e na humanização
do ser humano para que a sociedade seja igualitária, não alienada e pacífica. Neste
cenário, mais uma vez se faz imprescindível a sensibilidade e a criatividade do
professor que, ao disseminar o texto poético do haicai, promove equilíbrio entre o
ser humano e a natureza. Além de inserir uma prática que resulta em harmonia com
o meio-ambiente, desperta também o uso da oralidade, da escrita, e da leitura,
contemplando assim, os conteúdos básicos do ensino de Língua Portuguesa. Dessa
forma, atinge o campo sensível do ser humano, despertando valores para que este
se constitua como um ser de tolerância e respeito, isto é, coloque-se no lugar do
outro, seja solidário, aprenda a amar a natureza e valorize seu próprio meio como
um lugar bom para se viver, priorizando, além disso, a língua materna para produzir
conhecimentos e harmonia na convivência social.
25
Em tempos de avanços tecnológicos e científicos, de objetividade e
individualismo, a poesia ensina a enxergar o mundo de maneira diferente, e sentir e
ouvir o som inaudível da natureza que contribuem para harmonizar o interior do ser
humano. Sendo assim, o fino trato com a poesia é fundamental na escola e na vida
das pessoas como instrumento de sensibilização deste ser humano para com suas
relações, para consigo mesmo e para com a natureza. Neste ambiente conturbado e
de mutações a todo instante, o papel do professor é o de criar condições e fazer uso
de experiências novas e ousadas para que o aluno perceba que sua capacidade vai
além do que já foi decifrado e se encante com novas possibilidades de majorar
conhecimento.
26
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, G. Encantamento, acaso, você, seguidos dos haicais completos. Campinas, São Paulo: Unicamp, 2002.
CAMPOS, H. Haicai: homenagem à síntese. In: CAMPOS, H. A arte no horizonte do provável. São Paulo: Perspectiva, 1977.
CARA, S. A poesia lírica. São Paulo: Ática, 1988. (Princípios)
CIBAX. Zoneamento Ecológico Econômico das Áreas de Proteção Ambiental do Rio Xambrê (APA’s) Intermunicipal do Rio Xambrê. Iporã: IGPlan, p. 226, 2001.
CORTEZ, C; RODRIGUES, M. Operadores de leitura da poesia. In: BONNICI, T. ZOLIN (Org.), L. Teoria Literária: Abordagens históricas e tendências contemporâneas. Maringá: EDUEM, 2003. p. 59-92.
GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
CRUZ, Antonio Donizeti da. A influência da arte oriental na poesia de Helena Kolody e o ensino-aprendizagem do haicai. Disponível em: <http://www.literaturahistoriaememoria.com.br/annals/2008/Arquivos/Artigos/Seminario/seminario_memoria_2.pdf > Acesso em: 28/05/12.
_____. Aprender e ensinar com textos de alunos. São Paulo: Cortez, 2004.
GOGA, H. M. O haicai no Brasil. Tradução: José Yamashimiro. São Paulo: Oriento, 1988.
GUMBRECHT, H. A teoria do efeito estético de Wolfgang Iser. In: LIMA, L. Teoria da Literatura em suas fontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. 2v. p. 989-1014.
GUTTILLA, Rodolfo Witzig. (Org.), Boa companhia: haicai. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
_______. Uns & Outros Poemas, 1985. 2005. São Paulo: Landy, 2005.
ISER, W. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético/tradução Johannes Kretschmer. São Paulo: ed. 34, 1996.
27
________. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético/tradução Johannes Kretschmer. São Paulo: ed. 34, 1999.
JAUSS, H. O texto poético na mudança de horizonte da leitura. In: LIMA, L. Teoria da Literatura em suas fontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. 2v. p. 873-925.
KOLODY, H. Sinfonia da vida. Curitiba: Letra viva, 1986.
_____ . Viagem no Espelho e vinte e um poemas inéditos. Curitiba: Criar Edições Ltda, 2004.
LEMINSKI, P. Ensaios e Anseios Crípticos. Organização Alice Ruiz e Áurea Leminski. Curitiba: Polo Editorial do Paraná,1997.
LIMA, L. Teoria da Literatura em suas fontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. 2v.
MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2005.
MARINS, J. Helena Kolody: Pioneira do haicai. Disponível em: <http://www.kakinet.com/caqui/kolody.p>Acesso em: 06/09/2010.
MASSUDA, Goga H. O haicai no Brasil. Tradução: José Yamashimiro. São Paulo: Oriento, 1988.
ODA, T.; HANDA, F. Introdução ao haicai. São Paulo: Grêmio Haicai Ipê/Aliança Cultural Brasil-Japão Editores, 2008.
ODA, T,. Compartilhando experiência: o trabalho com crianças em sala de aula. Disponível em: <http://www.kakinet.com/caqui/odaoficina.shtm> Acesso em:28/10/2010.
_______. Flauta ao Vento. São Paulo: Escrituras Editoras, 2005.
_______. furusato no uta - canção da terra natal. São Paulo: Escrituras Editoras,
2010.
_______. 11º Concurso Brasileiro de Haicai Infantojuveni 2012. <
http://www.kakinet.com/concurso/> Acesso em: 28/05/12.
28
_______. Janela e Tempo. 3ª ed. São Paulo: Escrituras Editoras, 2009.
PARANÁ. Secretaria do Estado da Educação. Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa para a Educação Básica. Curitiba, 2008.
PICHORIM, S.; MARINS, J. Pinhão Pinheiro: Renga. Curitiba: Araucária Cultural, 2004.
RUIZ, S, A,. Desorientais: haicai. 5. ed. São Paulo; Iluminuras Ltda,2006.
SAITO, R.; GOGA, H. M.; HANDA, F. As quatro estações. São Paulo: Aliança Cultural Brasil - Japão/Massao Ohno,1991.
SALVADORI, J. Paulo Leminski . Disponível em:<http://www.kakinet.com/caqui/htm> Acesso em: 28/10/2010.
SOARES, A. Gêneros Literários. São Paulo: Ática, 2000.
ZAPPONE, M. Leitura de poesia na escola. Formação de Professores EAD nº19, cap. 07. Maringá: EDUEM, 2005.
ZILBERMAN, R. Estética da recepção e história da literatura. São Paulo: Ática, 1989.
Top Related