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GERALDO MEDEIROS DE AGUIAR

GUIA DE ESTUDOS DE SOCIOLOGIA E

CIÊNCIAS SOCIAIS

Imagem fractal extraída do Google

Recife, 2012

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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO.....04

I. VISÃO PRÉVIA DAS RELAÇÕES HUMANAS E DA SOCIEDADE.....06

II. VELHOS E NOVOS PARADIGMAS DAS CIÊNCIAS.....13

� OUTROS CONCEITOS IMPORTANTES.....24 � O QUE VEM A SER MODELO EM

COMUNICAÇÃO?.....28 III. SINOPSE DAS PRINCIPAIS CIÊNCIAS SOCIAIS E

FATOS HISTÓRICOS.....36 � SOCIOLOGIA.....36 � POLÍTICA.....38 � ECONOMIA POLÍTICA.....43 � ÉTICA.....49 � ANTROPOLOGIA.....50 � HISTÓRIA.....51 � PALEONTOLOGIA.....52 � BIOLOGIA.....52 � MITOLOGIA.....53 � FILOSOFIA.....53 � GEOGRAFIA.....54 � SALTOS QUALITATIVOS NO MODO DE PRODUÇÃO

CAPITALISTA.....55 � FATOS QUE ABALARAM O SISTEMA MUNDO

CAPITALISTA PÓS 2ª GUERRA MUNDIAL.....55 � INVASÕES-INTERVENÇÕES DOS EUA NO PÓS 2ª GUERRA

MUNDIAL.....56 IV. AS EMOÇÕES E OS SENTIMENTOS

HUMANOS.....59

V. A CONSCIÊNCIA E A AMANUALIDADE.....62

VI. ATRIBUTOS DA CONSCIÊNCIA INGÊNUA.....67

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VII. A CONSCIÊNCIA CRÍTICA.....98

VIII. A DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO, A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E O EMPREGO.....103

IX. CULTURA E PLURALIDADE CULTURAL.....111

X. A EDUCAÇÃO E O HUMANISMO

CONCRETO.....116 A REPRESSÃO AO CAPITAL PRIVADO ESTRANGEIRO ESPECULATIVO.....117 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL PARA HUMANIZAÇÃO E EXISTÊNCIA.....120 O MONOPÓLIO ESTATAL DOS FATORES ECONÔMICOS BÁSICOS.....121 A DEFESA DA INDÚSTRIA NACIONAL AUTÊNTICA.....122 A OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO NACIONAL.....122 A REFORMA AGRÁRIA.....124 AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS DE PLENA SOBERANIA.....127 A EDUCAÇÃO POPULAR PARA O DESENVOLVIMENTO.....129 A CULTURA DO POVO.....129 A SOLIDARIEDADE INTERNACIONAL COM AS NAÇÕES EM LUTA PELA LIBERTAÇÃO.....130 XI. DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO

(UMA DESCONSTRUÇÃO POR EDGAR MORIN).....135

BIBLIOGRAFIA...140 O AUTOR...141

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APRESENTAÇÃO O presente Guia de Estudos sobre Sociologia e Ciências Sociais tem o propósito de induzir o discente a meditar sobre uma visão sistêmica das ciências humanas, sociais ou naturais aplicadas à realidade com vistas à autonomia e a uma situação de bem estar do povo brasileiro. Para tanto, o Autor condiciona seu ponto de vista ao Brasil e resgata importantes idéias formuladas pelos docentes e pesquisadores do Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB (extinto pela ditadura militar em abril de 1964), e, também, da Escola Superior de Guerra-ESG contextualizadas para a realidade presente do Brasil. O sentido da palavra crítica, utilizado no Guia, é aquele que vem do grego kritikos, ou seja, ser capaz de: julgar, decidir, pensar, discernir ou ter a faculdade de pensar e criar. Sob esse aspecto não cabe valorizá-la de crítica negativa na medida em que é sempre positiva, isto é, vale como o exame de um princípio ou idéia como fato de percepção com finalidade de produzir uma apreciação lógica, epistemológica, estética e moral sobre o objeto de investigação. Dessa forma, a crítica é o questionamento racional de todas as convicções, crenças e dogmas, mesmo se legitimadas pelo censo comum, pela tradição ou impostas por autoridades políticas e religiosas. A palavra crítica, aqui usada, não tem nada a ver com criticus do latim cujo sentido é censurar, ou ser juiz de obras literárias que, em geral, também, se confunde com censurae (ofício de censor) e censere (pesar, avaliar, julgar ou ação de censurar) ambas as etimologias provenientes do latim. Não cabe, portanto, no uso da palavra crítica, nenhum sentido de exercer censura moral, política, estética, religiosa, etc. ou apontar defeito em algo ou alguém, julgar desfavoravelmente, desaprovar, discordar, exprobrar, repreender, condenar, rotular e fofocar. Já a palavra sistema, usada ao longo do trabalho, tem significado de neutro, reunião, juntura cuja etimologia vem do latim systema, ou seja, conjunto de regras e leis que fundamentam determinada ciência. Significa, assim, conjunto de elementos, concretos ou abstratos intelectualmente organizados. Entende-se, também, como conjunto percebido como hipóteses, crenças, etc. de objetos, de reflexão, de convicção unida por um fundamento teórico, ideológico, doutrinário ou de uma tese, fornecendo explicação para uma grande quantidade de fatos. É teoria, quando especula com qualidade econômica, moral, política de uma sociedade que condiciona, integra ou aliena um indivíduo. É técnica, na medida em que é um meio de se fazer alguma coisa de acordo com um plano, método, processo ou procedimento. Em outras palavras significa conjunto de ações que visam um objetivo, planejamento e plano. O Guia complementa, ainda, os “Textos sobre economia política e desenvolvimento” escrito para a disciplina economia política, também, lecionada pelo autor. O plano de trabalho compreende dez capítulos, a saber: O primeiro trata de uma visão prévia, das relações humanas e da sociedade com o objetivo de situar o aluno não somente nas visões do mundo, mas também, nas categorias que facilitam o entendimento do que vem a ser a sociedade.

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O segundo apresenta uma sinopse das principais ciências humanas ou sociais que conformam uma introdução a essas ciências. O terceiro capítulo busca explicar os velhos e novos paradigmas das ciências, passando pelo pensar complexo e outros conceitos importantes para a criação ou formação da base de conhecimento do estudante. As emoções e os sentimentos humanos fazem parte do quarto capítulo que leva os discentes a melhor entender a consciência ingênua, objeto do quinto capítulo, e a consciência crítica, contida no sexto. O sétimo capítulo diz respeito à divisão social do trabalho sua organização e ao mundo sem empregos. O oitavo capítulo, objetiva levar o leitor, de forma sinótica, à pluralidade cultural a partir de um ponto de vista endógeno a realidade brasileira. O capítulo nono, revela a educação e o humanismo concreto a partir das teorias políticas e das modalidades da consciência que têm em vista o resgate de idéias do saudoso professor e filósofo, do ISEB, Álvaro Vieira Pinto em seu livro “Consciência e realidade nacional”. Estas, agora, atualizada, na visão do Autor, e revisitada para a realidade brasileira contemporânea. Finalmente, o capítulo dez trata de uma desconstrução do pensador e cientista Edgar Morin sobre o desenvolvimento e subdesenvolvimento. Acompanha, ainda, o Guia, a bibliografia básica utilizada e uma sinopse do currículo do autor que fica muito agradecido em receber críticas e sugestões no seu correio eletrônico (e-mail) [email protected] NOTA. As anotações ou textos do Guia não foram submetidos à revisão gramatical da língua portuguesa. A redação é a coloquial do autor servindo de apostila para aulas.

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I. VISÃO PRÉVIA DAS RELAÇÕES HUMANAS E DA SOCIEDADE

As gêneses do cosmo, da natureza viva e do mundo podem ser vista e

apreendida a partir de duas visões fundamentais:

1. CRIACIONISTA. Essa forma corresponde à visão da Gênese Bíblica segundo a qual tanto o cosmo quanto o mundo e a vida foram criados por Deus a partir do nada. Segundo o criacionismo todos os seres vivos tiveram criação independente e se mantêm biologicamente imutáveis. É a doutrina das três grandes religiões monoteístas, isto é, o judaísmo, o cristianismo e o islamismo cujo tronco comum e único está em Abraão. Dessa forma todas as três grandes religiões monoteístas são abraâmicas cuja origem está no Oriente Médio ou no Crescente Fértil (antiga Mesopotâmia), hoje, conhecido como Iraque. Em tese são movidas pela fé e se contrapõem a visão evolucionista e da ciência. Sua base filosófica está na metafísica e na ontologia pela razão pura, pela causa incausada, pelo moto primus ou, ainda, pelo design inteligente.

2. EVOLUCIONISTA. É a teoria que explica e apreende a criação do cosmo pelo “big bang”, e a vida pela teoria da evolução darwiniana (Charles Darwin) e outras teorias cosmológicas não-bíblicas e muito menos sagradas. Essa visão fundamenta-se na evolução das espécies ao longo do espaço-tempo, ou seja, é autocriacionismo simbiótico, transformismo e mutação. Como doutrina apreende toda cultura de uma sociedade como resultado de um processo evolutivo. Do ponto de vista da filosofia significa o desenvolvimento inevitável do real em direção ou ao sentido de estados ou situações mais aperfeiçoadas. É o modelo explicativo para o incessante fluxo de transformações e mudanças do cosmo, do mundo natural e da vida inclusive espiritual quando na concepção evolucionista se aceita ou se admite a reencarnação ou o yn e yang taoísta. É o ponto de vista adotado pela epistemologia como filosofia das ciências. Sua concepção da natureza humana é a de que o ente humano de fato muda no decurso histórico: ele se desenvolve se transforma, é o produto da história; assim como ele é e faz história. Ele é o seu próprio produto. Segundo os “Manuscritos econômicos e filosóficos” de Marx, citado por Erich Fromm, “o conjunto daquilo que se denomina história do mundo não passa de criação do ser humano pelo trabalho humano e o aparecimento da natureza para o ente humano; por conseguinte, ele tem a prova evidente e irrefutável de sua autocriação, de suas próprias origens”.

Nessa concepção a vida surge do acaso conforme explicam Oparine, Batesson, Varela, Monod, Margulis e outros cientistas detentores ou não de prêmios Nobel.

Dentro dessa segunda visão do mundo, sem dúvida, derivam as seguintes relações humanas básicas:

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a) Ser humano com ser humano que é necessária, imediata e natural inclusive entre os gêneros humanos naquilo que é reprodutivo e emocional nas diferentes culturas e sociedades humanas

b) Ser humano com a natureza que se caracteriza no domínio ou do controle da natureza para fins da sua subsistência onde utiliza não somente os cinco sentidos ou emoções naturais, mas também, suas emoções secundárias básicas, espirituais, supérfluas e de luxúrias.

Essas relações, no processo civilizatório, consubstanciaram as relações humanas que se compõem dos seguintes elementos:

� Proprietários dos meios de produção (P)

� Trabalhadores operários ou não (T)

� Meios de trabalho (MT)

� Relações preponderantes de propriedades (A)

� Relações de produção e de distribuição (B).

As combinações dos elementos essenciais das relações humanas (A, B, P, T) deram origem aos seguintes modos de produção (MP):

� Comunitário tribal

� Tributário asiático

� Antigo

� Camponês

� Artesanal

� Escravista

� Servil feudal

� Capitalista mercantil

� Latifundiário

� Escravista colonial

� Capitalista

� Associativo-cooperativo

� Estatal capitalista

� Estatal socialista

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� Escravista concentracionário

� Capitalista imperialista

� Capitalista global ou neoimperialista.

Para a apreensão das conexões da realidade e da sociedade a partir da pedagogia/andragogia é imperativo que o discente tenha o entendimento das categorias abaixo sumarizadas:

Interdisciplinaridade. Categoria que estabelece relações e conexões entre duas ou mais disciplinas ou ramos de conhecimento. È o corte transversal que se estabelece no processo de geração do conhecimento entre a unidisciplinaridade, passando pelas conexões da pluridisciplinaridade/plusdisciplinaridade e pela multidisciplinaridade, dando origem a transdisciplinaridade que é a essência do saber complexo.

Unidisciplinaridade. É a categoria que aponta para uma disciplina, ou seja, para a especialização de um único ramo de conhecimento. Representa o corte vertical do saber e se configura com o pensar linear. Em termos de figura pode-se aventar ser o todo conhecimento do nada na medida em que qualquer especialização é apenas um nada do conhecimento existente na humanidade. Em tese é conhecer quase tudo do nada.

Pluridisciplinaridade/plusdisciplinaridade. São as categorias que tratam de várias disciplinas ou ramos do conhecimento de forma fragmentadas ou estanques, isto é, sem a junção ou ligação da multidisciplinaridade. Em geral configuram-se com o pensar ou saber linear a partir dos paradigmas cartesianos. Em geral são utilizadas pelo sistema formal de ensino seja ele público ou privado.

Multidisciplinaridade. É a categoria que envolve ou distribui-se por várias disciplinas ou ramos do conhecimento de forma sobreposta uma com a outra sem as devidas e necessárias conexões que leva o saber para a transdisciplinaridade. A multidisciplinaridade representa o corte horizontal do saber.

Transdisciplinaridade. Categoria que dá plenitude a interdisciplinaridade e que vai além da multidisciplinaridade por conectar ou envolver todas as categorias da complexidade do conhecimento, ou seja, proceder a conexões de conexões em uma visão holística e sistêmica. A partir do corte transversal da interdisciplinaridade imbricado ao corte horizontal da muldisciplinaridade a transdisciplinaridade vai ao encontro dos diferentes ramos do conhecimento que conformam o pensar complexo e pensar crítico. Em termos de figura pode-se dizer que é o oposto da unidisciplinaridade, isto é, conhecer quase nada da infinitude de todo o conhecimento humano.

As categorias pedagógicas/andragógicas acima demandam que nas

relações humanas frente ao contrato social (estado e sociedade) seja relevante para a compreensão das categorias que dão inteligibilidade a sociedade (S).

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A categoria de sociedade é vista nos melhores dicionários, como um “conjunto de pessoas que vivem em certa faixa de tempo e de espaço, seguindo normas comuns e que são unidas pelo sentimento de consciência do grupo ou corpo social” entre muitas outras conceituações específicas.

A sociedade é objeto ou domínio de diferentes disciplinas ou ciências humanas como são a: filosofia, antropologia, paleontologia, sociologia, história, geografia, economia política, antropologia e muitas outras.

Segundo Marx, contextualizado por Fossaert, “a sociedade é constituída não de produtos, nem mesmo da produção, mas, isto sim, de relações de produção, de dominação, de comunicação (ideologia)” e de classes sociais antagônicas ou não. É a partir dessa complexidade da sociedade que, a seguir, de forma muito sinótica, se pretende levar o leitor a contextualizar aquelas categorias básicas para a apreensão e o entendimento do que vem a ser a sociedade.

Instância econômica– (IE). Grosso modo, a instância econômica é

a apreensão da sociedade em sua relação dual entre as forças produtivas versus relações de produção correspondentes e presentes em todo e qualquer modo de produção (MP). Este, por sua vez, é o conjunto das práticas, relações e estruturas sociais de produção na complexidade da teia da vida material dos humanos na rede da sociedade.

Em cada modo de produção (segundo Fossaert) o valor desenvolvimento (VD) abre possibilidades totalmente diferentes e articulações para as novas formações econômicas (FE).

Em tese, as lógicas do valor que conformam as diferentes formações econômicas são:

� Lógica do valor de uso (VU) constituída dos tributos e do comércio distante pelo capital mercantil e, também, pelo escambo em suas diferentes formas, ou ainda por comunidades autugeridas que se guiam pelo valor ou custos de produção da mercadoria

� Lógica do valor de troca (VT) se dá pela sujeição formal do capital mercantil, pela formação de preço do valor da mercadoria na troca mercantil, pela sujeição colonial, pela renda capitalista e pelo capital financeiro de sujeição formal

� Lógica do valor desenvolvimento se processa através das articulações de trocas no capitalismo de estado ou, ainda, planificadas no socialismo de estado quando voltada para o outro e, principalmente, nas articulações de trocas na economia social comunitária.

Das lógicas do valor, acima citadas, derivam redes de valores com

respeito a impostos/despesas e a moeda/crédito. As formações econômicas mais conhecidas e estudadas por Fossaert

e Srour são: comunitária, tributária, tributário-mercantil, antiga, escravista, servil, servil-mercantil, capitalista-mercantil, dominial-mercantil, dominial-capitalista, capitalista, capitalista-monopolista, estatal-monopolista, mercantil simples, colonial, dominial-estatal-capitalista, transição estatal-socialista, estatal-socialista.

Ainda, na instância econômica, a categoria de classe social (CS) é identificada pela situação dos trabalhadores e dos proprietários em determinado modo de produção e formação econômica em que figura com

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vistas aos meios de trabalho e aos meios de produção. Vale salientar que no próprio âmbito dos trabalhadores e dos proprietários existem e operam estratificações que na linguagem sociológica são conhecidas como estratos sociais ou categorias sociais. Existem situações em que indivíduos configuram presença entre os proprietários e entre os trabalhadores como são exemplos os artesãos, os minifundistas (capitalistas de si mesmo) e alguns manufatureiros.

Na instância econômica as classes sociais têm importância nas transferências de uma classe ou de um estrato social a outro no processo de produção de bens e serviços.

Instância social–(IS). Confunde-se com a própria categoria de modo

de produção na medida em que nele são articuladas as representações da sociedade como totalidade, ou seja, as relações das formações: econômica, política e ideológica para o espaço e tempo das formações sociais (FS) no sistema mundial. São naquelas instâncias que realmente se configura a teoria das classes sociais, particularmente, da luta de classes que é objeto da formação social caracterizada pelo modo de produção dominante ou hegemônico em determinado tempo e espaço.

Devido ao fato da instância social identificar-se, também, como modo de produção é que se conformam os sistemas mundiais ou internacionais inclusive do globalismo. O mundo e a sociedade são construções históricas. Não se confundem com a natureza como ordem do real (N), com o planeta terra e, mesmo ainda, com as concepções do mundo sejam elas evolucionista ou criacionista. Conclui-se, pois, que a terra contempla vários mundos e várias sociedades.

Sistemas mundiais são, portanto, uma demarcação para aferir os efeitos dos modos de produção e das seguintes formações que lhe corresponde: econômica, social, política e ideológica. São as articulações entre estados, povos, etnias e nações com as disfunções da revolução demográfica induzida pelos modos de produção que levam a partilha do mundo entre algumas potências que caracterizaram e caracterizam as seguintes formas no sistema mundial: antigo, mercantilista, mercantilista-colonialista, imperialista em construção, imperialista em crise, neoimperialista e, agora, sistema mundo do capitalismo que se encontra em crise sistêmica e que tende a ser superado por um outro modo de produção, ainda, não identificado ou caracterizado.

Instância política–(IP). Esta trata do conjunto da sociedade na sua

relação consigo mesma em todo o processo da organização social. É a forma principal de organização que a sociedade assume. Em geral sua organização principal é o estado. Outrossim, existem organizações em clãs, tribos, nações e etnias que normalmente estão representadas por um poder de estado.

Os domínios do estado são defendidos pelos aparelhos de estado (AE) concebidos como: forças armadas, judiciário, financeiro, econômico, relações exteriores, administrações locais, etc.

As grandes categorias de aparelhos de estado são: embrionários, militares, burocrático-cartoriais, financeiros e panificadores.

Nas formações sociais cuja formação econômica é dominada por qualquer modo de produção pré-capitalista a dominação consiste no recobrimento da propriedade pelo poder. Já nas formações sociais cuja

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formação econômica é capitalista a dominação se dá no livre jogo do valor de troca devidamente monopolizado nas mercadorias.

Fossaert e Srour em seus estudos apontam para os seguintes tipos de estado: chefia comunitária, tributário, cidade-estado (antiguidade), escravista, senhorio, principado, cidade-estado (medieval), aristocrático, aristocrático-burguês, república burguesa, república camponesa, militar-nacionalista, soviético e transnacional ora em formação pelos blocos de integração como é exemplo a União Européia.

Na instância política é muito significativa a conhecida sociedade civil (SC) como conjunto de poderes organizados que, em geral, opõe-se ao estado doando-lhe ou não legitimidade e inteligibilidade. Estado e sociedade civil interpenetram-se e combatem-se dialeticamente de uma sociedade a outra em busca de hegemonia. Toda e qualquer sociedade civil é caracterizada na determinação dos tipos de hegemonia nos sistemas: econômico, político e ideológico.

Ainda, na instância política há que se apreender a formação política (FP), isto é, o arranjo ou trama de poderes que se dão na sociedade para estabelecer compatibilidade com um aparelho de estado. A formação política é a relação que se dá entre o estado e a sociedade civil organizada da sociedade como um todo. Para tanto, nas formações políticas as classes sociais estão imbricadas a um jogo de determinações com posições variáveis nos aparelhos de estado emanados da formação econômica institucionalizada em organizações diversamente hierarquizadas.

Nas formações políticas as classes sociais se apresentam de forma dual e oposta, ou seja, uma dominante detentora do poder do estado e outra de dominados que povoam os aparelhos de estado.

Na sociedade o poder é a capacidade de determinadas classes sociais disporem de aparelhos de estado para conduzir ou reprimir segundo seus interesses as atividades dos entes humanos em sociedade. Com respeito ao poder todo aparelho de estado se confunde com o aparelho social que é um sistema organizado de pessoas e de meios materiais institucionalizados ou não. Propriedade e poder são relações idênticas e se confundem na sociedade e particularmente na instância política com vistas às classes sociais. A propriedade fundamenta o poder que a sustenta.

Instância ideológica/psicossocial–(II). Esta instância se verifica no

corte transversal do ente humano (EH) com a sociedade (EH/S). Todo ser humano é um animal político salvo aqueles que são idiotas, na acepção etimológica da palavra e não na acepção vulgar-preconceituosa. Os entes humanos são dotados de conhecimento reflexivo, desejam, falam, pensam, escrevem, comunicam-se, doam sentidos as coisas e a natureza, são possuidores de polegar opositor, em cada uma das mãos, além de serem bípedes com coluna vertical ereta e com tele-encéfalo altamente desenvolvido.

As formações ideológicas-(FI) explicitam as relações ou vínculos que unem toda vida ideológica ou psicossocial as constrições da economia e da política. Está imbricada ao sistema de classes em que se reduzem todas as estruturas sociais.

De forma sumária as formações ideológicas apresentam-se na tipologia como: teocráticas (religiosas), cidadãos, raciais, jurídicas, coloniais, nazi-fascistas, comunistas, liberais, neoliberais, socialistas, etc.

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Consubstanciam naquilo que se identifica como aparelhos ideológicos (AI), isto é, nas imbricações do real ao social e não existem como tais, isto é, situam-se nas entranhas das formações econômicas e misturadas no concreto das formações ideológicas. Materializam-se, em geral, em aparelhos ideológicos de: estado, religiões (igrejas), escolas, publicidade, imprensa (falada, escrita e televisa), artes, lazeres, ciências, assistenciais, associações, clubes, partidos políticos, corporações e sindicatos. Suas expressões categoriais explicitam-se em: embrionários, religiosos, escolares, governados, públicos, de pertença, de clientela, de adesão, etc.

Do ponto de vista das classes sociais a instância ideológica se projeta na forma dual contraditória de reinantes ou dominantes e de mantenedores ou dominados que não são intemporais.

As instâncias, acima citadas, conformam o que se chama discurso social e hegemonia inerente a qualquer sociedade e não servem de base a linguagem e a superestrutura da sociedade. O discurso social fala da pátria ou das próprias formas da integração/identificação da massa ou do povo de uma dada sociedade. Ele elucida a formação das: tribos, clães, etnias, nações, castas e as identificações das classes sociais. É de fato um sistema de valores que leva a hegemonia, ou seja, a uma ideologia dominante.

Sistemas mundiais. O conhecimento e a sociedade são construções

históricas. Não se confundem com o universo natural, com o planeta e menos ainda, com as concepções do mundo. Daí assegurar-se que a terra na sua biosfera contempla vários mundos e sociedades. O próprio conceito de sistemas mundiais é, portanto, uma demarcação para aferir os efeitos dos modos de produção e das seguintes formações: econômica, política, social e ideológica.

Os sistemas mundiais são as articulações intercontinentais ou internacionais com as difusões da revolução demográfica induzidas pelos modos de produção que levam a partilha do mundo entre algumas potências que caracterizaram e caracterizam as seguintes formas no sistema mundial: antigo, mercantilista, mercantilista-colonialista, imperialista-monopolista, imperialista em crise, neo-imperialista ou sistema mundo do capitalismo que tende a ser superado por outro modo de produção ainda não identificado.

Historicamente, o sistema mundo do capitalismo tem seu inicio com a Revolução Francesa (1789-1799), passando pelas Guerras Napoleônicas (1848-1870 quando Napoleão sonha em transformar a economia mundo capitalista no sistema mundo do capitalismo cujo contra ponto foi a criação dos estados nacionais). Em seguida a Revolução Russa de 1917 abala-se os alicerceis da formação do sistema e, no pós–guerra, vive-se a chamada Guerra Fria (1949-1998) passando pela Revolução Mundial das Desilusões de 1968 a partir da qual aquela tendência passa a consolidar-se para o que hoje se chama de globalismo.

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II. VELHOS E NOVOS PARADIGMAS DAS CIÊNCIAS

O objetivo aqui é situar o ledor no paradigma cartesiano,

(reducionista, mecanicista e determinista) e seu processo de superação por um novo paradigma que pode ser chamado de holístico, ecológico ou sistêmico. Para tanto, em termos sinóticos, busca-se a historicidade da visão do mundo pelos entes humanos e radical mudança do pensamento linear para o pensar complexo.

Grosso modo, pode afirmar-se que até os anos dos grandes descobrimentos ou invasões (1492 a 1500) a visão do mundo era criacionista orgânica, isto é, se vivenciava a natureza pela interdependência dos fenômenos naturais e espirituais em termos de relações orgânicas, onde prevalecia a subordinação das necessidades individuais às da comunidade. A Igreja fundamentada na filosofia de Aristóteles e na Teologia de Tomás de Aquino estabeleceu a estrutura conceitual do conhecimento durante toda a chamada Idade Média. Aquela visão tinha por finalidade apenas o significado das coisas e não exercia quaisquer predições ou controles dos fenômenos naturais. Seu foco era as questões teístas voltadas para a alma humana e a moral.

Igualmente, em pleno cisma da Igreja Católica Apostólica Romana, nasce e cresce o hedonista Francis Bacon ferrenho crítico de Aristóteles, Platão, escolásticos e alquimistas e reformula, por completo, a indução aristotélica dando a mesma uma grande amplitude e eficácia. Dessa maneira Bacon, em contraponto ao “Organon” aristotélico, expõe em sua obra “Novum organum” um novo método de investigação da natureza a partir das “Tábuas da investigação” que bem caracteriza a sua teoria da indução e seu empirismo.

Em réplica a Platão, Bacon escreve a “Nova Atlântida” em cuja utopia a ciência deixa de ser um exercício de gabinete ou atividade contemplativa para se transformar em um cotidiano de árdua luta com a natureza.

A partir desses escritos, Bacon redefine a visão orgânica do mundo, colocando o conhecimento em um novo plano científico cuja divisa máxima foi “saber é poder”. Este princípio lhe permitiu construir um vasto, eficaz e virtuoso sistema de idéias para o seu método do empírico de buscar a verdade mesmo violentando a natureza.

Em pleno processo da acumulação primitiva do capital e do capitalismo mercantil já em transição para o renascimento surge no, continente europeu, um grande pensador, René Descartes (Cartesius), que revoluciona o mundo do pensamento e da ciência com a criação do método cartesiano com base na metafísica e na mecânica. Seu método leva a laicização do saber, isto é, a universalização do conhecimento. Ao desenvolver o princípio da causalidade Descartes, anuncia o advento de um mundo racional e positivo sobre o qual o ente humano proclama seu reinado sobre as potencialidades da natureza. Na tentativa de organizar o mundo em um domínio da natureza Descartes, tenta integrá-la em um universo de máquinas que fundamenta a idéia cartesiana. Dessa forma, Descartes desenvolve o tema da empresa inflectida na caça ao lucro e a mecanização das relações humanas e da natureza fundamentando a forma de pensar cartesiana. O seu “penso logo existo” remete o pensar

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filósofico a uma ordem natural inerente à progressão do conhecimento, agora, alicerçado na matemática e na geometria cartesiana, ou seja, só se considera verdadeiro o que for evidente e intuitível com clareza e precisão. Sua filosofia racional proclama a universalidade do bom senso. A filosofia cartesiana se explicita na máquina capaz de produzir todos os fenômenos do universo inclusive o corpo humano.

Sua magistral obra está explicita nos seus seguintes escritos: � Discurso do método � Meditações � Objeções e respostas � As paixões da alma � Cartas.

Ainda, no renascimento ou iluminismo surgem dois grandes sábios

Galileu Galilei e Kepler que conceberam a idéia de lei natural em toda sua amplitude e profundidade, sem, entretanto, ser aplicada em outros fenômenos além do movimento dos corpos em queda livre e as órbitas dos planetas.

A partir de 1666 vem à luz à física e a mecânica celeste de Isaac Newton que matematiza e experimenta um método para a ciência de forma a unir e superar o empirismo de Francis Bacon e o racionalismo de René Descartes. Isaac Newton (matemático, físico, filosofo e teólogo) desenvolveu o método matemático das flexões com o cálculo diferencial e integral, criou a teoria sobre a natureza da luz e as primeiras idéias sobre a gravitação universal, enunciaram as leis e princípios da física com ênfase a sistematização da mecânica de Galileu e astronomia de Kepler. Dessa forma criou a metodologia da pesquisa científica da natureza, que consiste na análise indutiva seguida da síntese. Foi ainda criador da teoria do tempo e do espaço absolutos.

Vale dizer que os pensadores aqui, sinteticamente, apresentados foram os grandes formuladores dos paradigmas cartesianos (reducionista, mecanicista e determinista) das ciências e que somente a partir dos meados do século XX, começaram a serem superados com o desenvolvimento da teoria da relatividade e da física quântica.

Com os pensamentos de Darwin, Hegel, Marx, Engels, Freud, Einstein, Heisenberg, Planck, Bohr, Chew, Rutenford, Broglie, Schrodinger, Pauli, Dirac, Sartre, Bell, Habermas, Prigogine, Maturana, Varela, Bateson, Monod, Margulis, Grof, Lovelock, Capra e outros, dá-se o início da superação dos paradigmas cartesianos por um outro que pode ser chamado de holístico, ecológico ou sistêmico que pode ser explícito pelos critérios de:

� Mudança da parte para o todo - Tal critério, nesse novo paradigma, objetiva apreender as propriedades das partes a partir do todo. As partes são vistas como um padrão em um emaranhado de relações inseparáveis em forma de uma teia

� Mudança de estrutura para processo - No diagnóstico e prognóstico tentar-se-á apreender a realidade na dinâmica da teia, isto é, as estruturas serão vistas como manifestação de um processo subjacente e não a partir de estruturas fundamentais

� Mudança da objetividade real para um enfoque epistêmico, ou seja, a compreensão do processo de conhecimento na descrição dos

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fenômenos naturais. Dessa forma a objetividade do real passa a conter uma dependência do observador humano e do seu processo de conhecimento

� Mudança de construção para rede como metáfora do conhecimento. Com tal critério tenta-se fugir das chamadas leis e princípios fundamentais para uma metáfora em rede ou reticular. Na medida em que a realidade é percebida como uma rede de relações ou interfaces, passando as descrições a forma de uma rede interconexa dos fenômenos observados. Dessa maneira, o enfoque reticular ou em rede não suporta hierarquias ou alicerces

� Mudança de descrições verdadeiras para descrições aproximadas - É um critério de novo paradigma que não aceita a certeza absoluta e final. Reconhece que os conceitos, as teorias, as descobertas científicas e as inovações tecnológicas são limitados e aproximados. Entende que a própria realidade não pode ter uma compreensão completa, ou seja, sua apreensão depende da maior ou menor aderência do modelo ou enfoque que a apreende. O ente humano lida apenas com descrições limitadas e aproximadas da realidade.

A partir dos novos paradigmas é importante compreender o novo

código da época da revolução pós-industrial, da informação ou do conhecimento que se sustentam nas seguintes categorias:

a) Interatividade que se constitui de vasta rede de aparelhos eletrônicos interativos onde é deslocado o poder das redes de televisão para os usuários na medida em que estes podem modificar as imagens com total liberdade e, portanto, atenuar ou erradicar a passividade do telespectador. Está imbricada ao desenvolvimento da telemática

b) Mobilidade característica da comunicação em linha imediata de qualquer lugar para qualquer parte do planeta ou situação de trânsito ou lugar fixo. O imediatismo da comunicação móvel ou fixa, inserta nesta categoria, permite a efetividade da conversão ou transferência de informação de um meio para outro

c) Conversibilidade ou conectividade que tem a capacidade de transformar a mobilidade de um sistema de aparelho para outro independentemente de uma marca ou país de origem. A conversibilidade é também um elo fundamental da rede interativa e sua mobilidade;

d) Ubiqüidade consiste na sistemática disseminação dos sistemas de comunicação em rede pelo mundo e por todas as classes e estratos sociais dos países hegemônicos e periféricos. Esta categoria é responsável, hoje, pela divisão da população mundial em "inforrica e infopobre”, ou seja, de inclusão/exclusão digital.

e) Globalidade/mundialidade aponta para as ilações de troca onde se explicitam os fenômenos políticos de mundialização versus fragmentação. Também, dá-se o sócio-econômico de exclusão versus inclusão, ou a criação de um sistema mundo onde, ainda, não se visualiza o novo rumo do existente modo de produção capitalista ou de sua possível superação ou negação histórica, por outro modo de produção que não se sabe qual é.

No cenário de mudanças paradigmáticas e de globalização a

educação do futuro demanda uma reconceitualização e reencantamento dos

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discentes tão profundas que abalam os alicerces das questões orçamentário-financeira, tamanho das classes nas organizações educacionais, formação, salários do corpo docente, conflitos curriculares, avaliações e ementas insertas nos planos pedagógicos e andragógicos. Como transformar a educação em um sistema de alta opção em termos de compatibilizar o ensino desfocado e desencontrado com a realidade evolvente e mutante é o cerne da questão educacional em rede.

Vislumbra-se a tendência de as empresas venderem conhecimentos, com apoio das novas tecnologias da informação, com vistas a adequar o ensino ou adaptar a educação às novas realidades indicando novos caminhos que conduzem ao sucesso e orientam o ensino às demandas educacionais do futuro.

O código da revolução da informação e do conhecimento subverte o velho código do industrialismo que foi consubstanciado nas seguintes categorias: padronização; especialização; sincronização; concentração; maximização e centralização.

É nesse cenário de superação de um código por outro que a educação se projeta combinando o aprendizado com trabalho, com a luta política, com serviços comunal-associativos, com turismo e lazer, etc. Aponta para um total ou completo reexame educacional tanto nos países cêntricos como nos periféricos com vistas ao humanismo concreto como utopia a ser realizada.

Edgar Morin em seu livro “Os sete saberes necessários à educação do futuro" trata das seguintes questões, aqui, sinòticamente, apresentadas:

a) Aprender a ser, a fazer, a viver juntos e a conhecer (produzir conhecimento) b) Visão transdisciplinar da educação como processo de construção do conhecimento comum a todas as especialidades compreendendo principalmente:

� As linguagens para superar as diferenças de conceito e enfoque sobre o mesmo objeto que as especialidades introduzem no processo do conhecimento

� O erro e a ilusão, isto é, fazer conhecer o que é conhecer ou, ainda, conhecimento do conhecimento para saber que sabe

� O erro e a ilusão que são diretamente condicionados por características cerebrais, mentais e culturais do conhecimento humano

c) Princípios do conhecimento pertinente a:

� Aprender problemas globais e neles inserir conhecimentos parciais e locais

� Saber que o conhecimento fragmentado impede a operação da interface entre as partes e a totalidade

� Ensinar métodos que permitam estabelecer as relações mútuas e as influências recíprocas entre as partes e o todo em um mundo complexo

d) Identidade terrena com as percepções:

� Do destino planetário do ente humano (geneticamente modificado ou não)

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� Das comunicações imediatas entre todos os países e continentes � Do destino de vida e de morte compartilhado de forma planetária

e) Incertezas e inesperados nas percepções da vida e do mundo, ou seja: � Preparar as mentes para esperar o inesperado para poder

enfrentá-los � Pensar estratégias que permitam enfrentar os imprevisto ou

incertezas � Ensinar a enfrentar as incertezas, isto é, "navegar em mares de

incertezas em meio a arquipélagos de certezas"

f) Compreensão mútua entre os humanos para uma frente vital quanto a: � Reforma das mentalidades para novas percepções da vida e do

mundo � Compreensão da necessidade de sair do estado bárbaro da

incompreensão politizando os problemas concretos � Estudo da incompreensão a partir de suas raízes, modalidades

e efeitos para a erradicação do racismo, da xenofobia, do desprezo e da exclusão social

g) Ética e antropoética com vistas a perceber que o ser humano tem necessariamente a condição de indivíduo-sociedade-espécie, isto é:

� Os humanos serem simultaneamente indivíduos, parte da sociedade e parte da espécie

� A humanidade ser vista e desenvolvida como comunidade planetária

� A consciência traduzir a vontade de realizar a cidadania terrena e planetária com vistas à antropolítica.

O paradigma Cartesiano-Newtoniano. Uma Síntese. A tão

decantada civilização tecnológica está em crise. A técnica, o tecnicismo e a alta tecnologia, associadas a uma forma de viver moderna, igualmente técnica, mas cada vez mais estereotipada, pragmática e menos humana, está apontando para a falácia de mais uma promessa: por nos meios de produção ou no extremo desenvolvimento material a chave para a felicidade humana (hoje, tudo isso tem separado cada vez mais os humanos dos humanos e os humanos da natureza, e, também, o humano de si mesmo).

Esse paradigma se caracteriza por idealizar uma realidade, ou melhor, uma concepção/visão de mundo mecânica, determinista, material e composta, ou seja, de máquina constituída por peças menores que se conectam de modo preciso. Essa concepção de mundo teve um grande impacto não só na Física, mas muito mais, pélas suas conseqüências filosóficas em: Biologia, Medicina, Psicologia, Economia, Filosofia e Política. A extrema fragmentação das especializações, a codificação da natureza, a ênfase no racionalismo, a fria objetividade, o desvinculamento dos valores humanos superiores, a abordagem mercantil competitiva na exploração da natureza, a ideologia do consumismo desenfreado, as diversas explorações com fins de se obter qualquer vantagem em cima de outros seres vivos, etc. Tudo isso têm na sociedade atual sua fundamentação filosófica numa pretensa visão “científica”. Essa visão de um universo mecanicista, reducionista e determinista numa concepção

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“neodarwinista” da supremacia de umas ditas classes sociais, políticas e profissionais por sobre outras, é reedição aprimorada de um discurso fascista-racista já usado pelos nazistas há algum tempo atrás. A custa de querer disciplinar e embelezar o mundo o nazismo hitleriano cometeu atrocidades e genocídios incalculáveis. O fascínio por uma estética de um mundo belo e racialmente puro levou o nazi-fascismo buscar esse propósito mesmo que para isso tivesse que destruir o próprio mundo em uma guerra moderna com objetivos antigos.

O paradigma Holístico. Um Sumário. O extremo sentimento de mal-

estar que muitas pessoas sentem diante dos complexos e trágicos problemas da atualidade têm levado a uma busca de um diálogo entre os vários núcleos do saber e da atividade humana. Por exemplo, a ONU, a OMS, a UNESCO, a UNCTAD e a FAO, como grandes organizações internacionais, buscam uma maneira conjunta de solucionarem muitos dos atuais problemas humanos, sem falar nos movimentos de encontro interdisciplinares e a busca pela ação cooperativa em todos os âmbitos, a medicina psicossomática e homeopática e a abordagem holística em psicoterapia, etc. É a essa busca de um sentido de conjunto, de conexões, de uma visão do TODO, que se dá o nome holismo.

Desde que Descartes cristalizou, de modo definitivo, a idéia da divisão da ciência em humana e exata (ou melhor, em “Res cogitans” e “Res extensa”, o que viria a se refletir em nossa divisão em corpo e mente, etc.) tem-se visto toda uma vasta gama de atitudes e comportamentos compatíveis com a idéia dominante do universo como um sistema mecânico casualmente emergido de um caldo de matéria de modo fortuito.

O desagrado ao modelo cartesiano – e da sua conseqüente visão de mundo – foi expresso de maneira clara por vários grandes cientistas em nosso século, como Albert Einstein, Werner Heisenberg, Niels Bohr e tantos outros.

Enquanto, o mecanicismo cientifico vê e reduz o universo como uma imensa máquina determinística, o holismo, sem negar as características “mecânicas” que se apresentam na natureza, percebe o universo mais como uma rede de conexões e de inter-relações dinâmicas e orgânicas mesmo que em seus sentidos complementares hajam contradições não antagônicas.

Sabe-se que a incrível dinâmica do mercado das tecnologias e dos conhecimentos humanos impõe desafios. É preciso mudar sempre, estar aberto às idéias novas sempre. É necessário rever constantemente os conceitos e crenças, e estar atentos e prontos a reavaliar os conhecimentos sempre abertos a aprender mais. Esse é o desafio. Não se pode confundir o real com a cópia ou com o virtual.

O fato é que em todas as partes do mundo, todos os dias, pessoas reagem a propostas de mudanças que causam incertezas. Elas sempre são traduzidas nos cérebros humanos como perigo. Todos os dias, ao redor do globo, pessoas repelem novas idéias, empresas rejeitam boas soluções e propostas, apenas porque não estão de acordo com as expectativas dos conhecimentos anteriores das pessoas que tomam as decisões. Essas pessoas têm, em suas mentes, padrões já desenvolvidos de como funciona o mercado, ou a linha de produção, e assim, não conseguem enxergar nenhuma solução ou proposta que não obedeçam a esses padrões, esses paradigmas.

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No dicionário, paradigma significa “padrão”, “modelo”. Paradigmas são modelos que se concebe de como funciona ou é concebida alguma coisa. Está presente em tudo na vida; em nossas atividades particulares, no trabalho, na sociedade. Por exemplo. William Bridges, autor do best seller “Job shifting” (O mundo sem empregos) diz que as empresas do futuro, mesmo as grandes, não estarão baseadas em um conglomerado de empregos, mas sim em duas redes: uma de pessoas interdependentes (não-empregados) e outra de informações.

Para ver através dos paradigmas, é preciso ter em mente ainda outro conceito: os paradigmas cegam, não deixam ver soluções que fujam ao padrão conhecido. Por isso, a solução costuma vir de gente de fora, de pessoas que não estavam envolvidas com os padrões antigos. Às vezes, de pessoas não especialistas. Por isso, ao apresentar-se uma proposta nova, afaste do caminho aquelas pessoas que dizem “isto não funciona”. Elas vão atrapalhar os que estão buscando novos paradigmas. Quando Henry Ford quis desenvolver o motor V-8, teve como resposta dos especialistas de que não funcionaria. Buscou, então, gente nova, engenheiros novos sem os velhos paradigmas. Isto não significa que os conhecimentos dos mais experientes devam ser desprezados. Mas também, que não se deve desprezar a visão dos mais novos. Idêntico procedimento se deu com Thomas Edison não somente no invento da lâmpada incandescente, mas no do telegrafo e outras invenções.

Os cientistas gostam de pensar que contribuem para a marcha constante do progresso. Cada nova descoberta corrige deficiências, traz aperfeiçoamentos ao conhecimento e torna a verdade cada vez mais clara. Eles voltam seus olhos para a história da ciência e observam um contínuo desenvolvimento, convenientemente assinalado pelas grandes descobertas e criações.

Essa visão, entretanto, é ilusória, segundo o historiador de ciência Thomas Kuhn, em seu livro “The struture of scientific revolutions” (1962). A ciência não é uma transição suave do erro à verdade, é sim uma série de crises ou revoluções, expressas como “mudanças de paradigmas”.

Kuhn define “paradigma” como uma série de suposições, métodos e problemas típicos, que determinam para uma comunidade científica quais são as questões importantes, e qual a melhor maneira de respondê-las. Os estudos de Kuhn revelaram duas coisas: que os paradigmas são persistentes e que um derruba o outro de uma só tacada e não com pequenos golpes. O progresso científico está mais para uma série de transformações revolucionárias do que para um crescimento orgânico.

As idéias fundamentais sobre paradigmas: � O hábito é o maior inimigo do novo � Novos modelos só são propostos nos “limites” da situação atual � O novo só acontece se houver “força” para superar os

obstáculos que virão � Só enxerga-se o novo afastando-se da regra e do

comportamento atual. Apresentam-se, a seguir, alguns princípios da “teoria da

complexidade” para enfatizar as mudanças ou a transposição de paradigmas. Certamente, essa teoria ocupa cada vez mais espaços com a revolução do conhecimento e da informação. Mais ainda, com a física quântica e gestação

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de novas fontes de energia (biomassa, eólica, solar) e da economia do hidrogênio com vistas à substituição dos combustíveis fósseis, redistribuição não somente do lucro, mas também, do poder entre os humanos que vivem no planeta. A complexidade necessariamente supera o conhecimento disciplinarizado.

Fala-se, não mais dos processos de produção na organização da empresa convencional, mecânica e complicada, do sistema mundo do capitalismo, mas de uma empresa viva que se autorecria por ser capaz de aprender e pensar. Isso se dá a partir das famílias que nela estão insertas, portanto, de uma empresa ou organização tão complexa como a vida ou como a sociedade humana.

Para maior inteligibilidade de como funcionam essas visões da complexidade ou apreensões em rede, nos processos sócio-econômicos e nas organizações reticulares apresentam-se, sinoticamente, os princípios básicos ou características da teoria da complexidade e o holismo com vistas à contextualização e apreensão da ciência, particularmente, da economia política.

Dinâmica. Com a observação dos campos de forças contrárias (impulsoras e restritivas) que pressupõem o devir e o fazer novo imbricados as categorias de: atividade, criatividade, objetividade, historicidade e agilidade. Compreende as chamadas “estruturas dissipativas” para a criatividade possível. É o modo inovador do vir a ser. A dinâmica da ciência está no fato de que enquanto mais paradigmática ela for, menos cientifica será.

Não-linear. Esse princípio do pensar complexo embora aceite que toda intervenção ou criação tecnológica seja linear, na medida em que faz parte da realidade, igualmente, em se tratando de totalidades complexas, a decomposição das partes desconstrói o todo e é impraticável a partir das partes reconstruírem o todo. É preciso entender, também, que na parte de um organismo vivo está contido o todo. A não-linearidade implica equilíbrio e desequilíbrio que, geralmente, leva à substituição do velho pelo novo. Tudo está conectado.

Reconstrutiva. Essa característica do pensar complexo doa sentido a produzir-se algo para além de si mesmo. A luz pode ser vista como matéria e onda dependendo do ponto de vista de quem a observam. Apenas na lógica formal linear 2+2 são iguais a 4, haja vista que se leva em conta que o primeiro 2 são dois euros e, o segundo, são dois reais seus somatórios jamais serão 4. Muito do que parece igual esconde incomensuráveis diferenças e vice-versa. A reconstrutividade sinaliza sentidos de: autonomia; aprendizagem, reconstrução e reformação. A vida não significa uma matéria nova, mas certamente, uma nova modalidade de organização da matéria.

Processo dialético evolutivo. O computador não aprende, logo, não sabe errar. É máquina reversível, sofisticada, complicada, mas não complexa. O cérebro humano possui habilidades reconstrutivas e seletivas que ultrapassam todas as lógicas reversíveis. É, portanto, irreversível e complexo. A vida não foi criada, ela mesma se reconstrói. É autocriativa. Dizia Heráclito em 2000 a.C. que: “vive-se com a morte e morre-se com a vida”. Essa assertiva aponta ou compõe o desafio dialético do conhecimento sobre o cosmo e sobre a vida. Irreversibilidade. Nada se repete. Qualquer depois é diferente do antes. É não linearidade. É impossível voltar ao passado ou ir ao futuro permanecendo o

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mesmo. A irreversibilidade sinaliza o caráter evolutivo e histórico da natureza. O tempo-espaço são dimensões irreversíveis. Toda e qualquer realidade está muito além do que aparenta e que se pode verificar. O máximo que se pode fazer é construir um modelo de aderência à realidade. Aquilo que aparece real é muita das vezes virtual ou cópia. A natureza não doa sentido e não tem sentido em si, apenas age ou reage por causa e efeito.

Intensidade de fenômenos complexos. O que bem explicita esse fato é o chamado efeito borboleta, ou seja, aquelas que esvoaçam em um continente causam um ciclone em outro ou o, também conhecido efeito dominó. Demanda relação de causa e efeito e ambivalência em sua contextualização. Sabe-se, hoje, que o mundo da complexidade é o mundo das incertezas. No caso do direito pode-se aventar que a justiça é cega, não por ser injusta e imparcial, mas porque é voltada para o que se quer ver. Esse mesmo fenômeno pode ter referência a mais valia e à alienação do trabalho.

Ambigüidade/ambivalência dos fenômenos complexos. Ambigüidade refere-se à estrutura caótica, isto é, à ordem e à desordem. Ambivalência diz respeito à processualidade dos fenômenos. É o eterno vir a ser. Argumentar é questionar, é penetrar no campo de forças que constitui a dinâmica. A ambivalência subentende a existência e a simultaneidade de idéias com a mesma intensidade sobre algo ou coisa que se opõem mutuamente. Por isso a ambivalência é a tendência do construtivo no destrutivo e vice-versa com vistas à inovação e a criatividade. É o que se conhece como crise.

Sob a alegação que a inteligência humana ser não-linear Pedro Demo, em seu livro “Complexidade e aprendizagem”, cita de Hofstardter o seguinte texto: “ninguém sabe por onde passa a linha divisória entre o comportamento não inteligente e o comportamento inteligente; na verdade, admitir a existência de uma linha divisória nítida é provavelmente uma tolice. Mas, certamente, são capacidades essenciais para a inteligência:

� Responder a situações de maneira muito flexível � Tirar vantagens de circunstâncias fortuitas � Dar sentido a mensagens ambíguas ou contraditórias � Reconhecer a importância relativa de elementos de uma situação � Encontrar similaridades entre situações, apesar das diferenças

que possam separá-las � Encontrar diferenças entre situações, apesar das que possam

uni-las � Sintetizar novos conceitos, tomando conceitos anteriores e

reordená-los de maneiras novas � Formular idéias que constituem novidades”.

Sobre o pensar complexo e sistêmico a aluna Mirella Ferraz, junto com Aristófanes Júnior, contextualizou o tema resumindo-o nos seguintes princípios:

� “Tudo está ligado a tudo � O mundo natural é constituído de opostos ao mesmo tempo antagônicos

e complementares � Toda ação implica uma retro alimentação (feedback) � Toda retro alimentação resulta em novas ações � Vive-se em círculos sistêmicos e dinâmicos de retro alimentação e não

em linhas estáticas de causa e efeito imediato

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� Há que se ter responsabilidade em tudo que se influencia � A retro alimentação pode surgir bem longe da ação inicial, em termos de

tempo e espaço � Todo sistema reage segundo a sua estrutura � A estrutura de um sistema muda continuamente, mas não a sua

organização � Os resultados nem sempre são proporcionais aos esforços iniciais � Os sistemas funcionam melhor por meio de suas ligações mais frágeis � Uma parte só pode ser definida como tal em relação a um todo � Nunca se pode fazer uma coisa isolada � Não há fenômeno de causa única no mundo natural � As propriedades emergentes de um sistema não são redutíveis aos seus

componentes � É impossível pensar num sistema sem pensar em seu ambiente ou

contexto � Os sistemas não podem ser reduzidos ao meio ambiente e vice-versa”.

No final de suas apresentações, em sala de aula, foram enfáticos em

afirmar que, nas suas bases de conhecimento o pensar complexo mostrou que: � “Pequenas ações podem levar a grandes resultados (efeitos: borboleta e

dominó) � Nem sempre se aprende pela experiência ou repetição � O autoconhecimento se dar com ajuda do outro � Soluções imediatistas podem provocar problemas ainda maiores do que

aquele que se tenta resolver � Toda ação produz efeitos colaterais � Soluções óbvias em geral causam mais mal do que bem � É possível pensar em termos de conexões, e não de eventos isolados � O imediatismo e a inflexibilidade são os primeiros passos para o

subdesenvolvimento, seja ele pessoal, cultural e grupal”.

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PA

RA

DIG

MA

S

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OUTROS CONCEITOS SOCIOLÓGICOS IMPORTANTES Ainda, nessa visão prévia dos paradigmas nas ciências, para criação

de uma base de conhecimento, faz-se menção à conceitualização e contextualização de termos usuais, no cotidiano das pessoas, e que muito contribuem para uma consciência crítica da realidade brasileira.

Brasileiro. Etimologicamente, contrabandista de pau-brasil tornou-se o gentílico, no Brasil, por exclusão social, haja vista que, na língua portuguesa, o sufixo “eiro” é um sufixo de atividade (pedra=pedreiro, ferro=ferreiro, maconha=maconheiro, etc.) e não de gentílico. No caso concreto do Brasil o gentílico devia ter sido brasilês, para os homens e, brasilesa, para as mulheres. Igualmente, por falta de uma identidade para os cafuzos, curibócos, mamelucos, caboclos, etc. (que deram origem ao povo brasileiro), os portugueses de além mar, por discriminação social e, pejorativamente, os apelidaram de brasileiros que, na época eram conhecidos os contrabandista do pau brasil.

Sociodiversidade. Etimologicamente, sócio é aquele que compartilha, associa ou participa em conjunto de algo e, diversidade, é a qualidade do que não é igual ou semelhante, ou seja, aquilo que é diferente ou distinto. A sociodiversidade é a qualidade de mestiçagem de diferentes pessoas com culturas, religiões, raças, estamentos sociais e etnias diversificadas e que convivem de forma não antagônicas. O Brasil por ser detentor de um povo novo, (Darcy Ribeiro) é uma das maiores e bem sucedidas nação em termos de sociodiversidade (semelhante a Cuba) e tolerância social. Chega-se ao extremo de, em um mesmo local, coexistirem e conviverem status sociais de indigentes e lumpens com grandes burgueses ou status sociais de alta renda.

Exclusão social. Fenômeno causado pelo metabolismo do capital no sistema mundo capitalista, ora vigente e que exclui incomensurável número de pessoas dos processos de trabalho e de produção e circulação dos bens e serviços ofertados pelas empresas ou unidades de produção e de circulação de mercadorias. Ela gera, também, em nível mundial, resistências com vistas ao seu inverso, ou seja, a inclusão social e que batem de frente com as forças motrizes do metabolismo do capital (lucro e poder) na expectativa de uma antropolítica. Enquanto a inclusão social trata da ação de inserir, envolver ou introduzir os entes humanos no sistema mundo do capitalismo, a exclusão social, própria do metabolismo do capital, é a ação de descartar os seres humanos dos processos de trabalho transformando-os em coisas. Priva-os de ser do sistema e de sua cidadania. Embora, a exclusão social não signifique pobreza vale lembrar que a maioria da população brasileira, está inserta em um dos mais aberrantes e ignóbeis processos de pobreza. Nele apenas 15% são do país e do mundo e os 85% restantes apenas estão no território sob o manto da mais irracional e perversa concentração de renda, e da riqueza. O Brasil, segundo dados da ONU, só perde em concentração de renda, no mundo, para o mais miserável país do planeta, segundos dados de IDH da ONU que é Serra Leoa no Continente da África. A exclusão social, no Brasil, tende, também, para a exclusão digital, ou seja, no sistema tecnológico da informação, via satélites, e da nanotecnologia sob a ótica da física subatômica. Esta, inclusive muda a visão do mundo e do cosmo descartando o pensamento linear e a visão criacionista da vida no planeta.

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Racismo e sexismo. Qualquer bom dicionário explicita que o racismo configura um conjunto de teorias e crenças com vistas à discriminação entre as raças e entre as etnias e o sexismo é a atitude de se discriminar pessoas com fundamento no gênero, ou melhor, dizendo, na forma de comportamento sexual de um ser humano. Do ponto de vista da economia política o racismo tem a finalidade de manter as pessoas dentro do sistema econômico-social como inferiores e que podem e devem ser explorados economicamente. Isso se dá com os migrantes e imigrantes nos países cêntricos no processo incessante de acumulação de capital e, por isso, são vistos como atrasados, baderneiros ou bárbaros. Para tristeza dos antropolíticos os cientistas políticos e sociais vêm transformando o racismo em uma questão básica de legislação formal em vez de contextualizar as raízes dos privilégios, dele oriundos, que permeiam as sociedades e que dizem respeitos a todas as suas instituições e organizações inclusas nelas a do saber. Esquece-se que a luta contra o racismo é indivisível e que deve ser extipardo em quaisquer das formas em que se apresente. O sexismo é a maneira pela qual o sistema mundo capitalista discrimina o gênero feminino nos processos de produção e, conseqüentemente, no processo incessante de acumulação de capital onde as mulheres quase sempre têm remuneração mais baixa que os homens para a mesma atividade. O racismo e o sexismo são, sem dúvida, as formas pelas qual o neocolonialismo impera no sistema mundo do capitalismo.

Universalismo e particularismo. Não se pode deixar de trazer, para contextualizações, os conceitos de universalismo e de particularismo sob o ponto de vista das ciências sociais, em particular, da economia política. O conceito mais amplo de universalismo é aquele que o apresenta como doutrina ou crença que afirma que todos os humanos estão destinados a salvação eterna em virtude da bondade divina. Outro é aquele inspirado pelo iluminismo que só reconhecem como legado universal aquilo que é patrimônio de todos. Já do ponto de vista de determinados segmentos das ciências sociais universalismo é supostamente a visão que se tem de existirem leis, normas, valores ou verdades que se aplicam indistintamente a pessoas, grupos ou sistemas históricos no tempo e no espaço. Essa concepção é muito utilizada, pelos defensores do sistema mundo capitalista para perpetuar o processo incessante de acumulação de capital quando coloca como universal aqueles valores que são criados ou observados, primeiramente, pelo centro hegemônico do sistema de acumulação ou de potência imperial.

De um ponto de vista da economia política e da sociologia os conceitos acima citados levam a crença de existirem pelo menos três variedades de universalismo, isto é: o religioso, o humanista-científico e o imperialista. Daí os universalismos se prestarem para oprimir as pessoas que, em troca, se refugiam em particularismo como bem explica Wallerstein. “Os particularismos, por definição, negam os universalismos”. Daí existirem, também, múltiplos particularismos, ou seja, “aqueles reinvidicados pelos atuais derrotados nas corridas do universalismo”. Aqueles “dos grupos em declínios” sejam eles: raça, classe social, etnia, língua e religião. Aqueles oriundos “dos grupos persistentes situados no fundo da escala, independentemente de como sejam definidos” sejam eles párias ou não do sistema mundo capitalista que são “os negros, os ciganos, os harijan, os burakumin, os índios, os aborígines e os pigmeus”. Aqueles formados por “esnobes esgotados que se orgulham da sua elevada cultura” e mesmo pregam a vulgaridade das massas, ou melhor,

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traduzindo das pessoas comuns e, por fim, aqueles “constituídos pelas elites dominantes”. Notável é que, segundo Wallerstein, tanto os universalismos quanto os particularismos são governados pela lei aristotélica do terceiro excluído e são, em geral, focos centrais das lutas políticas. Para tanto, vale citar a assertiva de Wallerstein “universalismo e particularismo são definidos como antinomia crítica que podemos usar para analisar toda ação social; todos temos de escolher, de uma vez por toda, entre dar prioridade a um ou outro. Isto tem sido útil, para os vencedores e nada útil para os derrotados”.

Novos mapas geopolíticos da globalização/mundialização e da integração Sul-americana. Sob esse prisma os Textos, de um modo geral, remetem o leitor para o tema em epígrafe, chegando a contextualizar possíveis cenários para o presente século. Discorre sobre o caos estrutural do sistema mundo do capitalismo e sua possível ruptura ou substituição. Procura, ainda, mostrar a inserção do Brasil no chamado mundo globalizado. Discutem-se as grandes contradições do sistema mundo capitalista, em particular, aquela existente entre o capital mudializado versus trabalho local e descartável..

Com respeito à integração dos países da América do Sul, FIGUEROA, de forma explícita leva o leitor a concluir, acreditar e ter esperança que a integração dos países da América do Sul deve processar-se a partir do social e não pelo econômico como se pretende no MERCOSUL ou AMERCOSUL. Claro que o autor desta introdução concorda totalmente com as teses do seu mestre e amigo e, por isso, contextualiza-as em sala de aula e em conferências. Lamenta não ver os livros do mestre publicados em português e divulgados nas universidades brasileiras.

Políticas públicas. Como se sabe política vem do grego “polis” que significa cidade, cidadania, cidadão, estado. Como ciência, trata do estado, do poder e do governo em termos de regras, normas, leis e direito. Seu antônimo é idiota que, também, vem do grego “idios” que significa único, singular, privado. O termo tornou-se pejorativo e é remetido para pessoa que carece de discernimento, imbecilizada ou, ainda, vaidosa e estúpida. A palavra apolítica, confundida como antônimo é, em si, uma política de quem assim se julga, na medida em que todo e qualquer ser humano é por natureza social, portanto, político salvo os autistas e os esquizofrênicos. Estes por serem idiotas (na acepção etimológica da palavra), vivem em mundos criados por suas mentes. Nas formas como podem ser contextualizados os sentidos de políticas públicas o leitor pode até não aceitar a prática da etimologia do termo público. Todo e qualquer estado é capturado ou tomado por classes sociais, muitas das vezes, antagônicas, e, portanto, carece da essência de público que remete ou pertence ao povo, a uma coletividade. Como o estado é capturado por classes patrimoniais e elitistas, como no Brasil, a essência do público se esvai e transforma-se no seu oposto, isto é, no privado. As leis votadas pelo poder legislativo (que, no Brasil, nada tem de participativo para ser representativo) são interpretadas e julgadas pelo poder judiciário (no Brasil, onisciente, onipotente e onipresente) doam sentido a privatização do estado pelos três poderes, em particular, pelo executivo. O estado é, no Brasil, possuído por uma irrisória minoria de plutocratas, burocratas, meritocratas e cleptocratas (que em conjunto se dizem democratas) e que impõem à nação, como um todo, as suas vontades. Na prática a moral ditada pela minoria elitista que capturou e controla o estado, com seus respectivos poderes, doam sentido a construção de um país nanico ou de uma nação para outras de excluídos e

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prostituídos, ou seja, possuídos por outros, em vez de um Brasil Grande de Incluídos que configure uma nação para si e que faça jus a ter políticas públicas que doem sentido a cidadania do seu povo.

Terrorismo e violência. De um ponto de vista crítico das classes sociais despossuídas e oprimidas, no sistema mundo do capitalismo, o conceito de violência pode e deve ser contextualizado a partir da violência instituída pelo estado nacional contra seu povo e que o obriga a praticar a contra-violência ou criminalidade, hoje, sem controle, que se vive no Brasil e, também, no mundo. O estado e o governo brasileiro praticam contra a população do país uma violência de tal monta que obriga as massas despossuídas e oprimidas (política, econômica e socialmente) viverem uma autêntica guerra civil disfarçada, camuflada e mantida pelo próprio estado e pelo governo. Vale esclarecer que, em nenhum momento, se deve confundir o estado com o governo sob pena de não se entender a presente crise política. Mesmo, as crises passadas onde os poderes das elites civis e militares costumavam resolvê-las pelas armas impondo suas medíocres vontades às massas. Esse fato se deu desde a invasão dos europeus no continente sul-americano e, muito em particular, no território que, hoje, se chama Brasil. A dominação, pela medíocre elite, já tem 500 anos onde se muda apenas a forma. Quanto ao terrorismo que se vivencia, em nível mundial, também, pode ser contextualizado a luz do conceito de contra-terrorismo na medida em que a análise parta dos oprimidos e vencidos pelas ações unilaterais do terror de estado praticado pelos Estados Unidos com ou sem apoio da Inglaterra, da Itália, do Japão, do Canadá e da Austrália que conformam os países mais beligerantes do mundo. Que falem os vietnamitas, coreanos, somalis, sérvios, kosovares, bósnios, iraquianos, afeganes, palestinos e muitos outros povos submetidos aos horrores do terrorismo de estado. Também, Israel com sua política genocida contra os palestinos é um bom exemplo de terrorismo de estado. Na América do Sul, a Colômbia, por ter 40% do seu território “como terra de ninguém”, serve de cavalo de tróia para os interesses invasores dos Estados Unidos na Amazônia, principalmente, a brasileira. O Paraguai facilita a presença dos norte-americanos, na tríplice fronteira, com vistas a garantir para os Estados Unidos, via ONU e Empresas Transnacionais à posse e controle das maiores jazidas de águas doces subterrâneas do planeta que é o conhecido aqüífero Guarani. Na prática, as ações terroristas ou as de contra-terror, praticadas em todo o mundo, por distintos povos, são sem dúvida, um contra-terrorismo ao terror de estado praticado pelos Estados Unidos e seus sócios beligerantes do G7 e da OTAN contra a vontade dos povos por eles oprimidos. Não se tem dúvida, que o fim do terrorismo de estado, também, levará ao fim o terrorismo ou ações contra-terror praticadas por organizações ocultas, sem cara e sem território, que usam inclusive seres humanos bombas para seus fins.

Meritocracia. Significa etimologicamente o predomínio numa sociedade, na organização, no grupo no estado a ocupação daqueles que têm mais méritos, isto é, os mais bem dotados, os mais trabalhadores, os mais meritosos pessoalmente. Contrapõe-se ao conceito do homem medíocre, ou seja, do homem médio. Na prática, os sistemas meritocrático, institucionalizados nas sociedades, ajudam apenas a uns poucos (muitas das vezes medíocres) obterem acesso a posições que não merecem. De um modo geral, permite os muitos obterem status e posições na base “de quem indica”

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ou de outros atributos como nepotismo (nada meritório) sob o manto de terem obtidos por mérito. É na prática, do sistema mundo do capitalismo, uma forma para-facista de discriminação que leva ao racismo-sexismo acima conceituado.

Para concluir, esta visão prévia dos paradigmas convém lembrar que o sistema mundo capitalista passa pelos seguintes dilemas:

a) Acumulação incessante de capital em declínio e sob ajustes de

baixar os custos de produção, descobrir novos produtos e encontrar novos compradores

b) Legitimação política em declínio cujos ajustes estão nas lutas de classes, na participação política em eleições e na redistribuição de impostos cada vez mais crescentes pelos estados nacionais

c) Agenda cultural indefinida caracterizada por ajustes entre individualismo versus hedonismo econômico, universalismos versus racismo-sexismo e multiculturalismo versus transgressões das fronteiras culturais.

Note-se que os dilemas supracitados se dão ou estão insertos nos

seguintes clivares do sistema mundo do capitalismo: a) TRÍADE onde a União Européia, os Estados Unidos e o Japão

buscam harmonizar suas contradições no âmbito dos conflitos de mais competição e monopolização de mercado, dentro do sistema mundo do capitalismo e entre os estados nacionais na busca do processo incessante de acumulação de capital ou perseguição ao lucro e poder a custa de tudo e de todos em desenfreado consumismo

b) CONFLITO NORTE-SUL. No Norte além da tríade estão todos os países desenvolvidos da OCDE sob a hegemonia do G7 e, no Sul, os países tampões, os países entrepostos e os países espectros (no dizer de Rufin) além das terras de ninguém do norte da África, da Colômbia e do Haiti. O Brasil, no fórum da OMC, lidera o G20 em contra posição ao G7 e a OCDE. Desse conflito fazem parte, também, as instituições internacionais opressoras dos países pobres como são exemplos o FMI, o BIRD, a OMC e a própria ONU cujo Conselho de Segurança é manipulado pelos Estados Unidos como país hegemônico

c) CONFLITO DAVOS-PORTO ALEGRE. De um lado está o Fórum Econômico Mundial (FEM) formado pelos mais renomados capitalistas do mundo e de representantes dos estados nacionais, criado em 1971 em Davos, na Suíça. O FEM é conhecido popularmente como o “espírito de Davos”. Do outro lado o Fórum Social Mundial (FSM), criado em 2001 na cidade de Porto Alegre, no Brasil, e que em janeiro de 2010 estava em sua décima edição em Porto Alegre.

Saliente-se que o FSM reúne mais de 250.000 participantes na busca de uma nova ordem mundial em um cenário de antropolítica. Em contraposição ao FEM o FSM é conhecido como “o espírito de Porto Alegre

O QUE VEM A SER MODELO EM COMUNICAÇÃO?

A resposta a esta questão pode-se, grosso modo, afirmar-se que

modelo em comunicação, com vistas à publicidade e a propaganda, se fundamenta em construção e reconstrução metodológica para investigação de

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propaganda e discursos: produzidos e em produção como explicitações de interpretações metodológicas. Busca assemelhar-se ao discurso científico entendido como uma “aventura cognitiva, ou seja, a narrativa da busca que realiza o sujeito discursivo, de um objeto de valor, no caso, de certo saber” (Greimais, citado por Lopes, Maria Immaculata in Pesquisa em comunicação).

Segundo, ainda, Lopes, os componentes do modelo metodológico têm as seguintes instâncias da pesquisa: epistemológica, teórica, metódica e técnica. Não obstante, o que vem a caracterizar um modelo em comunicação são as atividades que objetivam:

a) Nas instâncias metodológicas: vigilância epistemológica, quadros de referência teórica, quadros de análise metódica e construção de dados da técnica b) Nas operações metodológicas: ruptura epistemológica, construção de objeto científico, formulação teórica do objeto, explicitação conceitual, exposição, causação, observação, seleção e operacionalização.

Os componentes sintagmáticos do modelo metodológico em

comunicação (relação entre unidades da língua que se encontra na cadeia da fala e não podem se substituir mutuamente ou sucessão dos elementos de uma mensagem) são expressos em:

a) Fases metodológicas compreendendo: definição do objeto com sua respectiva teorização, observação a partir de técnicas de investigação, descrição com vistas as suas técnicas e métodos e interpretação b) Operações metodológicas com foco: no problema, no quadro técnico de referências, nas hipóteses, nas amostragens, nas técnicas de coleta, nas análises descritivas e interpretativas e, fora da interpretação, nas conclusões e na bibliografia.

Wolf, Mauro em seu livro “Teorias da comunicação” trata dos seguintes

modelos nas teorias comunicativas:

a) Modelo comunicativo onde a transferência da informação efetua-se da fonte do destinatário e que segundo Shannon, (citado por Wolf), obedece ao seguinte esquema:

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c

Esse modelo, nas palavras da dileta aluna Thalita Brayner de

Barros, nos diz que: “uma fonte emissora, que é vista como detentora do poder de decisão, seleciona uma de entre um conjunto de mensagens que são formados por signos, essa mensagem é transmitida mediante a emissão de sinais ou estímulos físicos (ondas sonoras no ar, ondas de luz, impulsos eletrônicos ou toques), através de um canal eletrônico ou mecânico. Os sinais são recebidos por um mecanismo receptor, que também os decodifica ou decifra, isto é, reconstrói os signos a que correspondem os sinais. Assim, a mensagem é recebida pelo destinatário. Interferências físicas podem ocorrer durante a transmissão, chamadas genericamente de ‘ruídos’, que podem fazer com que a mensagem nem sempre se transmita fielmente. Distorção do som ou interferências numa linha telefônica são exemplos de ruído que ocorre dentro do canal, porém, o ruído pode ser qualquer coisa que torna o final pretendido mais difícil de decodificar com exatidão. A sobrecarga dos canais, também, conspira contra uma transmissão fiel. Em troca, a redundância e a repetição reforçam a fidelidade da transmissão”.

b) Modelo semiótico-informacional que tem um valor heurístico

(arte de inventar, descobrir, criar fatos) muito relevante na comunicação na medida em que é indispensável englobar tanto na estratégia da análise quanto nos mecanismos comunicativos com vistas à determinação dos efeitos macrossociais. Esquematicamente, tem o seguinte diagrama:

Transmissor

Fonte de ruído

Receptor

Destinatário

Mensagem

Sinal Sinal

Captado

Mensagem

Fonte de informação

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Do ponto de vista da estudiosa aluna Keury Karoline “como a semiótica é voltada para o campo informacional essa teoria começou a desenvolver-se. Os fatores semânticos foram introduzidos através do conceito de código. Com isso, a questão da decodificação, a forma com que o público interpreta a mensagem através da comunicação de massa. O espaço entre a mensagem e o significado dessa mensagem que é atribuída pelo destinatário tornou-se mais complexo. Entrando tanto do ponto de vista semiótico quanto sociológico, justificando a interpretação feita pelo destinatário. Ou seja, o grau de compartilhamento das competências relativas aos vários níveis, que criam à significação da mensagem, leva a mediação entre o indivíduo e a comunicação de massa”. c) Modelo semiótico-textual apresenta um instrumento mais adequado para interpretação de problemas específicos da comunicação de massa. Sua relação comunicativa se dá no entorno do conjunto de práticas textuais, ou seja, na assimetria dos papéis do emissor e do receptor. Insere-se no paradigma saber-fazer versus saber-reconhecer na articulação entre emissor e receptor derivados do modelo semiótico-informacional acima esquematizado. No dizer de Keury, o modelo semiótico-textual preocupa-se com algumas características que são específicas da comunicação de massa, ou seja, “a mensagem passou a não ser o objeto principal de estudo, mas sim a relação comunicativa que é construída em torno de conjuntos de práticas textuais ... na dinâmica que existe entre o emissor e o destinatário, ou seja, liga a estrutura e expõe os percursos interpretativos que o receptor tem que atualizar. Não se preocupa só com a mensagem, mas com o entendimento da mesma por parte do destinatário”. A aplicada aluna Flávia Neuma, também em exercício em sala de aula, fez menção, de forma muito sinótica, aos seguintes modelos funcionalistas dos norte-americanos:

� “Lasswell: apresenta funções de vigilância (informativa função

(Fonte) Emissor

Código

Sub-códigos

Código

Sub-códigos

Canal Destinatário Mensagem

emitida como significante que veicula certo significado

Mensagem recebida como significante

Eco–Fabbri e outros, 1965

Mensagem recebida como significado

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de alarme); de correlação das partes da sociedade (integração) e transmissão de herança cultural (educativa)”.

� “Wright: apresenta uma estrutura conceitual que prevê funções e disfunções dos meios, sendo que essas funções podem ser latentes ou manifestadas”.

� “Lazarsfeld e Merton: apresenta outras funções como a atribuição de status (estabilizar e dar coesão à hierarquia da sociedade); a execução de normas sociais (normalização) e o efeito ‘macrotizante’ (que seria uma disfunção)”.

Note-se que para os funcionalistas, acima citados, o sistema social é entendido como um organismo cujas partes desempenham funções de integração e de manutenção dos sistemas aos quais os modelos aderem como interpretação da realidade. Por isso ela adverte que “a natureza organísmica da abordagem funcionalista toma como estrutura o organismo do ser vivo composto de partes, e no qual cada parte cumpre seu papel e gera o todo, tornando esse todo funcional ou não”. Conclui Flávia, que os modelos “têm como centro de preocupação o equilíbrio da sociedade, na perspectiva do funcionamento do sistema social no seu conjunto e de seus componentes”. Em tese os funcionalistas em seus modelos lineares formulam as seguintes perguntas: Quem? (comunicador) Diz o quê? (mensagem) Em que canal? A quem? (audiência) Com que efeito?

Thalita em sua pesquisa sobre modelos de comunicação, como exercício da disciplina, discorreu sobre o modelo de Westley e Maclean da seguinte maneira:

“Esse é um modelo gerado especificamente para a comunicação humana de massa de categoria mais ou menos mecanicista. O modelo de Westley e Maclean funciona da forma seguinte: A e B são o comunicador e o receptor; podem ser indivíduos, ou governo e o povo, X faz parte de seu ambiente social e encontra-se mais próximo de A do que de B. C é a função editorial-comunicativa, isto é, o processo de decidir o quê e como comunicar. Um exemplo prático desse modelo é; vamos dizer que A é um repórter que envia uma história a C, a redação do seu jornal. Os processos editoriais e de publicação (que estão contidos em C) trabalham então essa história e transmitem-na a B, o público. Neste modelo, B não tem qualquer experiência direta ou imediata de X, visto que não existe uma relação direta com A, por que antes da mensagem chegar a B ela passa por C.

Segundo Westley e Maclean, os mass media aumentam o meio ambiente social com que B precisa de se relacionar e fornecem, ao mesmo

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tempo, os meios atravéz dos quais essa relação ou orientação opera. Nesse modelo A e C desempenham papéis dominantes e B está a serviço deles. Embora a necessidade de informação e de orientação de B tenha aumentado na sociedade de massa, os meios para satisfazer essa necessidade foram restringidos, tendo o mass media como o único meio disponível. Dessa forma B torna-se totalmente dependente dos mass media. Porém é importante ressaltar que esse modelo não leva em conta a relação entre o mass media e os outros meios que usamos para nos orientarmos ao nosso meio ambiente social”. Esses tipos de modelos tratam de relacionar a parte física da comunicação com os processos mentais das pessoas que se comunicam. Neles existem um esforço no sentido da humanização dos modelos mecanicistas.

Ainda, em sua pesquisa, a aluna Thalita, apresenta os modelos psicológicos em comunicação tanto de Berlo como o de Hovland que se reproduz na íntegra de como foi escrito e apresentado em aula.

“O modelo de Berlo supõe que a comunicação é um processo e tem uma estrutura cujos elementos estão relacionados em forma dinâmica e influentes. Ele utiliza os elementos básicos de Shannon e Weaver (fonte, mensagem, meios e receptor). Além dos ruídos que podem afetar a fidelidade da mensagem, Berlo indica alguns fatores da fonte e no receptor que também podem afetar a fidelidade. Esses fatores são:

A experiência: referem à capacidade analítica da fonte saber seus propósitos e a sua capacidade para codificar as mensagens expressando sua intenção. Se destaca particularmente o domínio da linguagem, e a habilidade verbal da fonte para falar e escrever bem. A fidelidade da comunicação aumentará na medida em que a fonte possui as capacidades comunicativas necessárias para codificar com exatidão suas mensagens e expressar assim seus propósitos.

As atitudes: a fidelidade da comunicação é afetada por três tipos de atitudes que apresenta a fonte: a atitude em direção a si mesmo ou autopercepção; a atitude em direção ao tema que trata ou mensagem, e a atitude em direção ao receptor. Quanto mais positivas essas atitudes maiores serão a fidelidade, desde que a fonte mostre confiança em si e valorize sua mensagem que foi passada ao receptor. Ao perceber uma atitude positiva na parte da fonte em direção a ele, tenderá a aceitar a mensagem enviada.

O conhecimento: refere-se ao nível de conhecimento da fonte tanto a respeito do tema da mensagem como no processo de comunicação. O conhecimento do processo de comunicação afetaria a conduta da comunicação de maneira que quanto maior o nível de conhecimento maio a fidelidade

O sistema sociocultural: refere-se à situação da fonte num contexto cultural e social determinado. Esta posição condicionará os papéis que desempenham suas expectativas, seus prestígios, etc. Tudo isso tem impacto na forma em que a fonte comunica. Em termos gerais, a fidelidade da

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comunicação será maior se os contextos socioculturais da fonte e o receptor são semelhantes”.

Já o modelo de Hovland, segundo ela, “tem como intenção organizar os elementos e variáveis de mudança de atitude produzida pela comunicação social. No seu modelo, o comunicador tem como objetivo mudar a atitude do receptor. Ele pode usar três fontes de troca:

Poder: a força, o controle de recompensas e castigos. Isto causa submissão mas só dura enquanto apresenta a força quando a mudança não se internaliza.

Atraente: ser bonito fisicamente, amável, parecido com quem quer mudar os valores e as crenças, de modo que o receptor se identifique. E, também, deve ser familiar. Isso resulta em um atrativo mas não se internaliza

Credibilidade: quando vemos uma pessoa entendedora, que sabe sobre ele e que fala a uma pessoa honesta. A confiança e a experiência influenciam muito, também, o estado ou o prestígio. Isso causa internalização em longo prazo.

Modelo de comunicação e mudança de atitude de Hovland

Pelo seu trabalho pode-se deduzir que os efeitos na mudança de atitude de uma pessoa dependem de diversas circunstâncias, relacionado às fontes que emitem e sua credibilidade, com a natureza da mensagem e sua capacidade comunicativa, ao mesmo tempo, com as características do receptor (afinidade/ oposição com a fonte, nível de formação, etc). Por causa disso, para conseguir que os estímulos alcancem a resposta da mudança de atitude, o processo da comunicação persuasiva deve ter em mente as circunstâncias dos atores e do cenário. Como as audiências não são semelhantes, a

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mensagem, sua definição retórica e complexidade, dependerão em cada caso, do tipo de receptor e de seu ambiente, para que os efeitos da mudança de atitude possam ser verificados.

Para Hovland não há causalidade entre o que a mídia diz e o público faz – há sim todo um contexto social, cultural, situacional e temporal”.

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III. SINOPSE DAS PRINCIPAIS CIÊNCIAS SOCIAIS.

Para maior e melhor inteligibilidade do que são ciências sociais vale apenas refletir sobre o que é ciência e seus epítetos? Por ciência entende-se o conhecimento ou saber atento de um ou mais ramos do conhecimento de forma contínua de suas leis, da reflexão e da experiência insertas em um processo racional de descoberta, de criação, e de técnica usado pelo ser humano para relacionar-se: consigo mesmo, com a natureza e com o cosmo. Para tanto, sistematiza o conhecimento ou o saber que se adquire via repetição, observação, identificação, pesquisa e formulações lógicas, metódicas, técnicas e racionais. Por seu complexo conceito, a ciência é dotada de grande epitetismo como por exemplos: humanas, sociais, políticas, abstratas, concretas, puras, aplicadas, biológicas, econômicas, exatas, morais, normativas, etc. No caso específico da conceituação das ciências sociais pode-se dizer que são aquelas ciências humanas ou disciplinas, que tratam dos aspectos do ser humano não somente como indivíduo, mas principalmente, como: ser social (sociologia), político (pelo campo público e do poder), ético (pelo campo privado), econômico (pela economia política e o processo de produção), antropológico (pelo campo de ser humano), histórico (pela evolução e pelas civilizações), paleontológico (pelas formas de vida passadas), biológico (por ser vivo e animal), filosófico (por pensar a vida, a razão de ser, a alienação e a consciência), ecológico (por ser da biosfera), psicológico (pela mente e emoções), mitológico (pelos mitos, signos e rituais), etc. Note-se, também, que todas as ciências sociais, as técnicas, e todas as ações e atividades humanas científicas ou não, estão insertas na trama da cultura. Feita essa introdução sobre o que é ciência, seus epítetos e ciências sociais procede-se a seguir, de forma sinótica, a descrição do objeto das principais ciências sociais e, em algumas delas, o que dizem seus principais pensadores.

SOCIOLOGIA

É a ciência que tem como objeto o estudo científico da organização e do funcionamento das sociedades humanas e das leis fundamentais que regem as relações sociais, as instituições, etc., assim como, a análise de determinados comportamentos sociais. Os campos de interesse da sociologia resumem-se em:

� Análise sociológica da cultura e sociedade, assim como, da perspectiva sociológica e do método científico

� Unidades fundamentais da vida social tais como: atos e ralações sociais, personalidades do indivíduo, grupos quanto a castas, classes, etnias, raças e religiosidades, comunidades, associações organizações e populações

� Instituições sociais básicas, como por exemplos: família, parentesco, atividades políticas e econômicas, jurídicas, religiosas, educacionais, científicas, diversionais e estéticas

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� Processos sociais fundamentais tais como: diferenciação, estratificação, cooperação, acomodação assimilação, conflitos sociais, comunicações, socialização, doutrinação, avaliação social divergência e controle social, integrações e mudanças sociais.

Os grandes pensadores da sociologia são:

� Augusto Comte (1798-1857). Foi ele o primeiro grande pensador e sistematizador dessa ciência e deu-lhe o nome de sociologia. Tratou-a em duas partes principais: a sociologia da estática social que consiste na investigação das leis de ação e reação de diferentes partes do sistema social e a sociologia da dinâmica social que localiza as sociedades globais como a unidade de análise e como amostra de como se desenvolvem e mudam com o tempo. Comte estava convencido do fato de as sociedades passarem por determinados estágios fixos de desenvolvimento e progrediam para a perfeição sempre crescente. Foi também, o criador da corrente de pensamento conhecida como positivismo. É provável que os dizeres da bandeira do Brasil “Ordem e Progresso” sejam devido ao positivismo de Augusto Comte.

� Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895). Fundadores do materialismo histórico contribuem para a sociologia salientando as relações de produção decorrentes dos modos de produção como fator de transformação da sociedade e da organização social com bases nas classes sociais. São também os criadores da teoria das lutas de classes. Segundo eles “na produção social da sua existência, os homens travam relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; estas relações de produção correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações forma a estrutura econômica da sociedade, a fundação real sobre a qual se levanta um edifício jurídico e político, e a que correspondem formas determinadas da consciência social. O modo de produção de vida material domina em geral o desenvolvimento da vida social, política e intelectual”. Para ambos pensadores não bastam a constatação de que a consciência social existe mas entender as relações sociais entre os humanos e concluem: “não é a consciência dos homens que determina a sua existência,é, pelo contrário, a sua existência social que determina a sua consciência”. Para Marx e Engels a sociedade divide-se em infra-estrutura e superestrutura. A primeira diz respeito a estrutura econômica, formada das relações de produção e forças produtivas e, a segunda, divide-se em dois níveis: a estrutura jurídico-politica e a estrutura ideológica (filosofia, arte, religião, etc.). São os autores do clássico “Manifesto do partido comunista” de 1847 nos umbrais da Revolução Mundial de 1848.

� Hebert Spencer. (1820-1903). Foi o autor do primeiro estudo sistemático da sociologia, publicado em 1877 em três volumes, com o título de “Princípios de sociologia”. Spencer via na sociologia os objetos de “controle de coerções”, “controle social”, e os campos da “família, política, religião, trabalho e indústria”, via também, na sociedade global a sua unidade de análise. Pregava que a sociologia deve comparar “sociedades de diferentes tipos e sociedades de diferentes estágios”.

� Émile Durkheim. (1858-1917). Este grande pensador alemão no que pese não ter tratado do objeto da sociologia afirmou, em sua vasta obra, que “na realidade, existem tantos domínios da sociologia, tantas ciências sociais específicas, quantas são as variedades de fatos sociais”. Afirmava que

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as sociedades eram unidades importantes de análise sociológica e, portanto, a sociologia é a ciência das sociedades, particularmente, em seus aspectos comparativos. Por isso, divulgou que “a sociologia comparativa não é um ramo específico da sociologia; é a própria sociologia”.

� Max Weber. (1864-1920). Tratou na sociologia o método da compreensão e a discussão das vicissitudes da objetividade e da neutralidade dos julgamentos de valor na ciência social. Segundo Weber a sociologia “é uma ciência que procura a compreensão interpretativa da ação social, a fim de chegar a uma explicação causal de seu curso e suas conseqüências”. É sabido que Weber via o “ato social” e a “relação social” como objetos específicos da sociologia. Além desses pioneiros da sociologia, ela deve o seu desenvolvimento a outros grandes pensadores como são exemplos: Ferdinand Tonnies, Gabriel Tarde, Charles Cooley, George Simmel, Vilfredo Pareto, Piritin Sorokin, Talcott Parsons, Robert Merton e Immanuel Wallerstein, entre muitos outros. No Brasil os nomes que mais se destacam na sociologia são: Emílio Willems, Romano Barreto, Gilberto Freyre, Fernando de Azevedo, Delgado de Carvalho, Carneiro Leão, Tristão de Ataíde, Luiz Aguiar da Costa Pinto, Florestan Fernandes, Antônio Cândido, Gioconda Mussolini, Octávio Ianni, Hiroshi Saito, Opheline Rabello, Guerreiro Ramos, Caio Prado Jr., Celso Furtado, Álvaro Vieira Pinto, Paul Singer, Darcy Ribeiro, Milton Santos, Hélio Jaguaribe, Theotônio dos Santos, Isaura Pereira de Queiroz e outros.

POLÍTICA

O pior da atual crise do sistema mundo do capitalismo é que passa a ter aspectos históricos altamente indesejáveis tais como: ter caráter universal; ser de âmbito global; ter escala temporal prolongada ou permanente; ter seu modo de evolução rastejante e ser estrutural afetando a totalidade das sociedades e a vida humana no planeta.

Contextualizando o conceito de política os alunos Carolina Burgo e Diego Morais, em exercício em sala de aula, o apresentaram como reunião de vários domínios das ciências sociais, dentre os quais: “O poder entendido como a faculdade de se exercer sobre o ente humano tal dominação, que se consegue obter dele atos ou comportamentos que ele não teria naturalmente. A permanência do poder numa sociedade complexa dá-se através do estado. Este é um conjunto de instituições políticas, jurídicas militares, administrativas, econômicas que organiza uma sociedade num determinado território. Pressupõe a institucionalização do poder que deixa de estar incorporado numa pessoa para se definir como espaço público.

Deste modo, pode-se afirmar que todo estado é uma república (res pública), isto é, uma coisa pública. A república é a essência de qualquer constituição política fundamentado no direito e que supõe a igualdade e a liberdade de toda sociedade, perante a lei, bem como a participação de todos na consciência política. A sociedade humana é um agrupamento complexo de individualidades, estruturadas por ligações recíprocas de grande dinamismo, regidas por instituições do estado e imersas em valores e crenças que cercam o sujeito.

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As crenças caracterizam-se como uma adesão incerta, por oposição ao saber ou à fé, as idéias, pensamentos, afirmações, teorias, dogmas. Nesse sentido, a crença é um efeito da vontade que adere, refuta ou questiona idéias. As crenças são pressões na sociedade complexa, concentradas em forma de coações. Estas se definem pelo ato de constranger, forçar, moldar, fazer aderir o sujeito a uma idéia, e pressupõe em si uma condição à própria liberdade.

As leis, as crenças, a violência, a riqueza, o capital e o conhecimento, são uns metabolismos de coação e auxiliam na manutenção da soberania de um estado. A soberania é a legitimação do exercício do poder, sendo, portanto, inalienável ao estado. Para que se mantenha a soberania de um estado, é preciso que as crenças e coações ajam de forma a subjugar os interesses individuais aos interesses públicos. A essa pressão social, dá-se o nome de dominação que se caracteriza pelo ato ou poder de dominar, preponderar, influir ou ter autoridade sobre o outro, as coisas, a natureza ou o conhecimento. Este é um produto da experiência, das sensações, e de uma construção elaborada da inteligência e da razão humana.

Dotado de poder, o conhecimento pode libertar ou promover alienação entendida pelo ato de tornar alheio, desconhecido, perturbar ou distanciar o sujeito da realidade e de sua essência. Os meios de comunicação de massa usam o seu poder de alienação para difundir idéias e tornar as coisas públicas através da publicidade.

A publicidade é aquilo que se torna público. Por isso deriva dos atos sociais e políticos. Estando sujeita ao estado, a publicidade associa-se ao marketing de forma a coagir as massas e a ter poder”.

Com respeito ao objeto poder a ciência política revela-se como as ciências dos que mandam e dos que obedecem. Para esse caso as fontes de poder são os valores e as crenças a partir das ações oriundas da violência, da riqueza ou do metabolismo do capital e do conhecimento. Essas fontes de poder são alimentadas pelos elementos de força, de coerção, de coação e de diplomacia.

Em se tratando do poder e dominação, como objeto da ciência política, vista por Marx e contextualizado por Duverger, a ciência política “não é senão o reflexo das relações de força entre as classes, conseguindo a classe dominante fazer admitir seu predomínio, legitimá-lo de certo modo, fazê-lo reconhecido como poder”.

No objeto estado a ciência política trata da soberania, da legitimidade, da democracia, da integração, da integridade e da paz social nas diferentes instâncias dos poderes que constituem um estado nacional.

Quando o objeto é a sociedade complexa ela reflete as pressões sociais difusas e concentradas da sociedade com os atributos de crenças e coações para conflitos econômicos, sociais e ambientais que, em muitos dos casos, levam a guerra. Esta, também, espelha-se ou apresenta-se com características étnicas, raciais e religiosas quase sempre sobre a base econômica.

Quanto ao método à ciência política é vista: a) Pela observação que remota a Aristóteles e Platão, na Grécia

antiga, quando recomendavam e apresentavam o hábito da observação como método

b) Pelo objetivo independente das preocupações morais ou éticas, conforme pregou Maquiavel, na idade média e que, na prática, ainda hoje,

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desconstrói o mito do bem comum e do interesse geral desmistificando a verdade brutal dos que governam sobre os governados ou dos que mandam sobre os que obedecem

c) Pela observação sistemática desenvolvida por Montesquieu que, segundo Sorel, é um método moralista baseado na indução. Foi Montesquieu que dotou à ciência política de uma base geográfica e de uma definição sociológica na tentativa de completar a chamada cosmogonia de Aristóteles

d) Pela observação em profundidade, pensada por Tocqueville, marca uma nova etapa no método da ciência política dotando-a de um caminho científico propriamente dito

e) Pela distinção entre base e superestrutura, das idéias de produção ligadas aos fenômenos econômicos. Esse método, doado por Marx, mostra a importância dos processos, das técnicas da ciência política à imagem coerente e precisa das relações e das interferências recíprocas da política e dos fatos sócio-econômicos e, agora, ambientais. O método de Marx orienta todas as ciências humanas para a ciência política com corte transversal na interdisciplinaridade, portanto, do pensamento complexo em contraponto ao pensar linear.

Vale aqui mencionar que a ciência política quanto ao seu objeto e

método serve tanto para a libertação quanto para a alienação, dominação, domesticação e submissão dos entes humanos em sociedade. Significa dizer que ela é dotada de sentido revolucionário e, também, reacionário ou de status quo. É nesse jogo de interesses que a publicidade e a propaganda têm desempenhado papel significativo tanto junto às populações ditas desenvolvidas ou ricas quanto sobre aquelas chamadas de subdesenvolvidas ou pobres. Seus disfarces são inúmeros para refletir as aparências de mistificadora ou de libertadora.

Já o conceito de publicidade tem a ver, como já se disse, com aquilo que é tornado público, (logo político), isto é, aquilo que se refere ao povo em geral ou a um governo de um país. Está imbricado ao ato ou efeito de promover, ou seja, à propaganda ou ação de difundir idéias, princípios, teorias, doutrinas e técnicas de promoção para comunicar e anunciar algo público, seja ele uma intenção, um produto ou um serviço para venda ou consumo.

Igualmente, aquilo que é publico tem relação a um número considerável de pessoas reunidas. Por isso, a publicidade e a propaganda são inerentes aos atos sociais e necessariamente políticos. Essa é a razão de, no sistema mundo do capitalismo, a publicidade e a propaganda serem rigorosamente conectada a mídia, entendida esta, como um conjunto de meios de comunicação de massa e, portanto, do poder necessitando estar sujeita ao sistema de controle do estado que pode ou não voltar-se para os interesses ou necessidades públicas, do povo ou das massas. Em geral, a publicidade e a propaganda têm como vetor ou doação de sentido à comunicação e, dentro dela, os interesses das classes, estratos e estamentos sociais que capturam ou detêm o estado como instituição de poder e, assim, as suas respectivas privacidades.

Por esse fato a publicidade e a propaganda têm sentidos muito mais privados que público. Estando imbricada à comunicação midiática ou ação de comunicar a publicidade e a propaganda refletem os avisos, as mensagens, as

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informações e, principalmente, as suas transmissões ou conexões às estruturas ou organizações que detêm o estado sejam elas públicas ou privadas.

No sistema mundo do capitalismo o instrumento básico da publicidade e da propaganda é o marketing, principalmente, o político que pode ou não ser divulgado em forma de comunicação em rede, comunicação de massa e mesmo comunicação subliminar que é proibida pela ONU, porém, pouco respeitada pelos países.

Daí a publicidade e a propaganda, por meio do marketing, ser um fator de poder como coação psicológica, ou seja, não ser sentida por aquele que a sofre e, como tal, tem efeito anestesiante e, portanto, é enviado ao poder das crenças e das pressões sociais difusas.

Como sugestão de consulta e de pesquisa recomenda-se ao leitor contextualizar as obras dos grandes clássicos da ciência política que são os seguintes:

� Nicolau Maquiavel, nascido em 1469 em Florença na Itália imortalizou-se na ciência política com sua obra “O Príncipe” escrita entre 1512 e 1513. É autor, também, das seguintes publicações: “O discurso sobre a primeira década de Tito Lívio” de 1513/19, “A arte da guerra” de 1519/1520 e da “História de Florença” de 1520. È o autor da idéia de que em política “os fins justificam os meios”.

� Thomas Hobbes, nascido em 1588 em Westport, na Inglaterra, contemporâneo de Francis Bacon do qual foi secretário. É autor dos seguintes tratados: “Elementos de lei natural e política” e “Natureza humana e sobre o corpo político”. Publicou, ainda, “Sobre o cidadão” em 1642, “Sobre o corpo” em 1654 e “Sobre o homem” em 1658. Sua obra prima para a ciência política é o “Leviatã” de 1651 onde entre outras metáforas refere-se à de que “o homem é o lobo do homem”.

� John Locke, nascido em 1632 em Wrington, na Inglaterra, imortalizou-se como político e filósofo com seus ensaios: “Carta acerca da tolerância”, “Segundo tratado do governo” e “Ensaio acerca do entendimento humano” em quatro livros, ou seja, “Nem os princípios nem as idéias são inatas”, “As idéias”, “Palavras” e “Conhecimento e opinião”.

� Charles-Louis de Secondat Barão de la Brède e de Montesquieu, nascido no Castelo de la Brède na França, em 1689. É autor do clássico da ciência política “Do espírito das leis” além das suas “Cartas Persas”, “Tempo de Gnido” “Tratado das leis de comunicação do movimento”, “Considerações sobre causas da grandeza e decadência dos romanos” e “Em defesa do espírito das leis”.

� Jean-Jackes Rousseau, nascido em 1712, em Genebra, na Suíça francesa é um dos mais famosos enciclopedista e autor “Do contrato social ou princípios do direito político”. Escreveu, ainda, “Os discursos sobre a origem da desigualdade e sobre a economia política”, “Emilio e o contrato social”, “Constituição para a Córsega”, “Confissões”, ”Dicionário da música”, “Considerações sobre o governo da Polônia”, “Diálogos” e ”Devaneios de um caminhante solitário”.

� Immanuel Kant nasceu em 1724 em Konigsberg na Prússia (Alemanha). É um dos mais conceituado e conhecido filósofo cuja monumental obra é a “Critica da razão pura”. É um clássico da ciência política quando trata da liberdade, do indivíduo e da república. Escreveu, também, “O único

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argumento possível para uma demonstração da existência de Deus”, “Sonhos de um visionário, interpretados mediante os sonhos da metafísica”. “Dissertação sobre a forma e os princípios do mundo sensível e do mundo inteligível”. “Prolegômenos a qualquer metafísica futura que possa vir a ser considerada como ciência”, “Fundamento da metafísica dos costumes”. “Crítica da razão prática”. “Críticas da faculdade de julgar”. “Religião dentro dos limites da simples razão” e o “Conflito das faculdades”.

� Thomas Jefferson, Thomas Paine e os Federalistas (Hamilton, Madisson e Jay). Pensadores políticos norte-americanos que, em muito, contribuíram para a ciência política a partir dos “Escritos políticos” de Jefferson e do “Senso comum” de Paine. Já a famosa obra “O Federalista: remédio republicano para males republicanos” é fruto de uma série de ensaios publicados na imprensa de Nova York, em 1788, com vistas à independência e à Constituição dos EUA. Essa obra conjunta de Alexander Hamilton (1755-1804), James Madisson (1751-1836) e Jonh Jay (1745-1859) foram assinados sob o pseudônimo de “Publius”.

� Georg Wilhelm Fredrich Hegel, nascido em 1770, em Stuttgart na Alemanha é, também, um dos mais conhecidos e consultado filósofo da humanidade autor da obra “Fenomenologia do espírito”, “Ávida de Jesus”, “Ciência da lógica”, “Enciclopédia das ciências filosóficas” e os “Princípios da filosofia do direito”. A sua grande contribuição à ciência política está no seu pensamento relativo à propriedade, à liberdade, aos contratualistas além da história e da dialética.

� Aléxis Charles Henri Maurice Clérel de Tocqueville, nascido em 1805 na França e autor de “A democracia na América” em 1835. Contemporâneo de Marx foi colaborador de Luís Bonaparte (pediu demissão antes do golpe de estado que tornou Luís Bonaparte imperador). Tocqueville publicou, ainda, “O antigo regime e a revolução”, em 1856.

� Jonh Stuart Mill, nascido em 1806 em Londres na Inglaterra. É considerado um clássico da economia política e, também, da ciência política. É autor da obra “Princípios de economia política. Com algumas considerações à filosofia social”. Na ciência política sua contribuição está na contextualização da categoria de liberdade e representação. Sua obra é um compromisso entre o pensar liberal e as idéias democráticas do século XIX. Seu pensamento político de maior importância foi muito comentado pela UNB na sua publicação “Considerações sobre o governo representativo” citado por Graças Wagner.

� Karl Marx, nascido em 1818, em Treves na Alemanha foi e é o filósofo, economista, sociólogo e político mais discutido e estudado no mundo. Sua fantástica obra parte de três grandes fontes: a. filosofia clássica alemã, o socialismo utópico, principalmente francês, a economia dos fisiocratas e, em particular, a clássica inglesa. Além dos “Manuscritos econômico-filosóficos” de 1844, escreveu “A miséria da filosofia”, “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”, ”O programa de Gotka”, “Para a crítica da economia política”, “O capital” (três volumes) além de vasta obra em parceria com Friedich Engels seu fiel protetor e colaborador entre eles “O manifesto Comunista”, “A sagrada família. A crítica da crítica, crítica” e outros. Sua incomensurável contribuição à ciência política está na luta de classes, na concepção de estrutura e superestrutura no modo de produção capitalista e em várias categorias da economia política como a teoria do valor trabalho e da mais valia. Sua obra está voltada para a

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política e a revolução sob os pontos de vista do direito, da economia, da atualidade da revolução, da emancipação social e da emancipação política dos trabalhadores, do estado e da transição para o socialismo.

Partindo da assertiva que teoria é o conhecimento especulativo, ideal, independente das aplicações da mente humana ou um conjunto sistematizado de opiniões, de idéias sobre determinado assunto, nesse marco teórico explicita-se as seguintes teorias políticas: Teoria da ciência do estado que remota ao direito romano e está ligada a concepção jurídica tradicional do estado soberano. Foi elaborada no fim da idade média contra as pretensões do Santo Império ter autoridade sobre as nações. Outro aspecto dessa teoria está em introduzir uma diferença de natureza entre o poder no estado e o poder em outros grupos humanos. Essa teoria preconiza uma ação lógica entre a concepção jurídica do estado soberano e o conceito ou objeto da ciência política como ciência do estado. Estabelece a diferenciação entre poder no estado e o poder em grupos humanos, isto é, que a soberania do estado se exerce sobre o domínio público, mas não do privado. Teoria da ciência do poder. Essa teoria sucede a anterior e ainda hoje é consagrada nos cursos de direito na França, segundo afirma Duverger, e repousa sobre uma noção sociológica do estado em oposição ao conceito tradicional de soberania. Dessa forma tende a explicar uma concepção realista do estado com fundamentos na análise sociológica. Parte do princípio que a solidariedade nacional é mais forte que todas as outras. Para isso ela se apega aos seguintes pontos de vistas:

a) No estado se imbricam decisões de trabalho entre governantes na repartição de tarefas como das hierarquias das organizações

b) No estado está a maior força coercitiva para fazer valer e executar suas decisões desde os aparatos jurídicos até os militares

d) No estado se encontram sistemas de sanções organizadas superiores garantias jurídicas, mecanismos de sanções, etc. Essa teoria tem a ver com a complexidade do estado de forma simultânea ao poder a qualquer outra forma de instituição, isto é, tribunais, em todas as classes, grupos, tribos e estamentos sociais. Por esse motivo ela especula que a ciência política é igual à ciência do poder que tem “superioridade metodológica” sobre a concepção de a ciência política ser igual à ciência do estado.

Em função dessas duas teorias da ciência política surgem concepções

intermediárias tais como aquelas que pregam ser a ciência política, a ciência do poder nas sociedades complexas e aquelas que defendem ser a ciência do poder baseada na coação física.

ECONOMIA POLÍTICA

Etimologicamente, economia vem do grego: oikos, que significa casa e nomos, cujos sentidos são administração, regra, governo ou lei. Política, como se viu, vem de pólis, cidade, cidadania, estado. Economia Política é a ciência das leis imbricadas ao processo de acumulação incessante de capital a partir do processo de produção onde tem lugar o excedente econômico e,

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oriundo dele, o lucro e o poder. Ressalve-se que a produção e distribuição dos bens econômicos, resultantes dos processos de trabalho e de produção, são para satisfazer necessidades ou desejos humanos.

Na literatura, encontram-se vários epítetos ou conceitos de economia política como, por exemplo:

a) Ciência das leis da ordem social e da riqueza b) Ciência das leis que regem as atividades econômicas c) Ciência da escassez d) Ciência social que quantifica o produto e) Ciência das leis da oferta, da procura e do valor das mercadorias ou

bens econômicos f) Ciência que explica o mercado e nele as mercadorias g) Ciência das leis do mínimo esforço na oferta e procura de

mercadorias movidas pelas necessidades próprias e não pela consciência das necessidades recíprocas

h) Ciência que estuda as leis características dos modos de produção, historicamente formados e o sistema de distribuição correspondente

i) Ciência que se propõe estudar todas as leis das formações socioeconômicas e abranger o desenvolvimento total da humanidade

j) Ciência que tem por objeto o conhecimento das leis que presidem à formação, à distribuição e ao consumo das riquezas

l) Ciência das leis sociais das atividades econômicas. Segundo a historiografia (conceito eurocêntrico), a expressão

economia política apareceu no início do século XVII, com o escritor francês Antoine de Montchrétien que, em 1615, publicou seu “Traité de l´Economie Politique”, abordando os problemas da atividade econômica do estado e daí passou a fazer parte da linguagem corrente tanto na França como na Inglaterra que foram, posteriormente, os palcos das revoluções: francesa e industrial, respectivamente.

O surgimento do termo se deu no mercantilismo fase anterior à época dos fisiocratas: Williams Petty (1623 - 1687); David Hume (1711-1776) e François Quesnay (1694 -1774). A fisiocracia (domínio ou governo da natureza) se constituiu na primeira escola de economia política, e considerava que a vida econômica está sujeita as leis naturais, e que as necessidades humanas podem ser satisfeitas sem que seja necessário forçar a marcha regular dos fenômenos econômicos. Foram os fisiocratas, os primeiros a visualizar os fatos econômicos como um conjunto da ciência social na medida em que apontaram as relações necessárias entre a “ordem natural” e as necessidades humanas. As escolas de economia política conhecidas como clássica e como marxista partem dos estudos publicados pelos fisiocratas.

A economia política clássica tem início em 1776, com a publicação da obra de Adam Smith (1723 - 1790) “A Riqueza das Nações”, que é, essencialmente, uma teoria do crescimento econômico onde se trata da divisão social do trabalho, da troca, do uso da moeda e das teorias do mercado e do preço. Também, as teorias do lucro e da alocação de capital são grandes contribuições de Adam Smith para a economia política como ciência. Não obstante Smith ser considerado o pai da economia clássica John Nash (que em 1994 foi laureado com o Prêmio Nobel de Economia) nas suas descobertas na “Teoria dos jogos” desconstrói matemática, econômica e

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politicamente toda a base da economia clássica de Smith. Também, desconstrói a economia moderna neoclássica e neoliberal segundo as quais “o nível máximo de bem-estar social é gerado quando cada indivíduo, de forma egoísta, persegue o seu bem-estar individual e nada mais que isso”. Ver o filme “Uma Mente Brilhante” ganhador do Oscar de Melhor Filme de 2001. Nash com sua teoria dos jogos desmonta a panacéia do individualismo e da livre concorrência como alicerce fundamental ou central da economia. Ele prova matematicamente que o indivíduo em favor do seu bem-estar não pode e não deve perder de vista o, outro, ou seja, os demais integrantes do grupo, da equipe ou da sociedade. A não cooperação entre os diferentes jogadores leva os mesmos obterem menor bem-estar do que poderiam. O inverso do que prega Smith, os neoclássicos e os neoliberais.

Dois outros grandes pensadores da escola da economia política clássica foram Thomas Robert Malthus (1766-1834) com a teoria da superpopulação e David Ricardo (1772-1823), com teoria da renda da terra, do valor trabalho e do comércio mundial. Essa escola, que teve, ainda, como pensadores Georg Friedrich List (1789-1846), Thomas Hodgskin (1787-1869), Jean Baptiste Say (1767-1832) e John Stuart Mill (1806-1873) tinham como fundamento a investigação das leis naturais que induzem à vida econômica e à permanente busca dos princípios reguladores na livre concorrência. Essa foi e é, sem dúvida, o alicerce da teoria da economia política até os dias de hoje. E, também, desconstruída por Nash na sua teoria dos jogos.

As premissas das teorias da economia política clássica estavam imbricadas à luta das burguesias industriais da época na Europa, contra os restos das relações feudais de produção, inclusive o mercantilismo. Seu rebento, nas colônias, foi o escravismo colonial racista contra os negros e os indígenas dos territórios invadidos ou ocupados pelos europeus como foi exemplo o Brasil. Por seu conteúdo de classe na contradição básica do modo de produção capitalista que se dá na relação entre os humanos (força de trabalho) e a natureza (bens livres) de onde se origina o capital (parte do excedente econômico ou do lucro em forma de investimento), surgiu a economia política clássica. Ela serviu para racionalizar e melhor encobrir a exploração dos entes humanos por outros humanos, particularmente, no processo de produção capitalista entre a burguesia e o proletariado com ênfase ao operariado fabril e no mais desvairado hedonismo econômico.

Essa foi à razão que levou Karl Marx a submeter os fisiocratas, mas, principalmente, os economistas clássicos a uma severa crítica não somente do ponto de vista da própria economia política, mas também da filosofia (materialismo dialético e materialismo histórico) e do socialismo científico. Ao criar a teoria da mais valia, ele a explicitava como “o suplemento de tempo de trabalho do operário apropriado pelo capitalista em seu benefício” e demonstrava a diferença entre o preço de custo e o preço de venda a partir do trabalho não-pago, seja ele resultante da mais valia absoluta ou da mais valia relativa. A radical crítica de Marx a economia política dos fisiocratas e da escola clássica deu origem à escola da economia política marxista ou marxiana. Os mecanismos de obtenção e de distribuição de mais valia absoluta e de mais valia relativa constituem o fundamento da teoria da acumulação incessante do capital, que é a gênese das forças motrizes do capitalismo consubstanciadas no lucro e no poder. Ainda, segundo Marx, o

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capitalismo concentra o processo de trabalho em grandes empresas produtivas, o que inevitavelmente conduz à sua associação. Outrossim, a propriedade privada dos meios de produção faz com que as relações entre as atividades individuais, via cooperação e divisão social do trabalho, regulem-se de forma espontânea por força da lei do valor. Esse fato causa o caráter irracional ou anárquico do modo de produção capitalista. O efeito da causa em tela retira qualquer direção consciente da sociedade e conduz o capitalismo a colapsos e guerras sob a forma de crises político-econômicas. Outra importante contribuição de Marx foi à descoberta da taxa de uso decrescente no capitalismo que aponta para a “sociedade descartável” que, hoje, se vivencia. Sem dúvida essa taxa “afeta negativamente as três dimensões fundamentais da produção e do consumo capitalista, a saber: bens e serviços, instalações e maquinaria e a própria força de trabalho”. Meszáros explica como a taxa de uso decrescente no capitalismo leva no modo de produção a “linha de menor resistência do capital configurado no complexo militar industrial enquanto agente todo-poderoso e efetivo no deslocamento das contradições internas do capital”. Dessa forma ele explicita a administração das crises e da autoreprodução destrutiva do capital.

A razão da natureza bélica do capitalismo, através de suas crises, produziu nos últimos cem anos nada mais que três grandes conflitos mundiais estando agora, no quarto conflito ou guerra senão vejamos:

a) A primeira guerra mundial entre os anos de 1914 e 1918 b) A segunda guerra mundial entre os anos de 1939 e 1945 c) A terceira guerra mundial ou guerra fria durou de 1949 até 1991 d) A quarta guerra mundial teve início em 1991 e foi, unilateralmente,

declarada pelos EUA em 11 de setembro de 2001 e se caracteriza pela guerra dos ricos contra os pobres, diferentes, portanto, das anteriores onde os pobres buscavam alcançar novos direitos e mais liberdade. Hoje, são milhões de pessoas implorando para serem exploradas pelo capital, e os capitalistas respondem com a mais cruel exclusão e manipulação social.

Não há previsão de seu término com a hegemonia do império norte-

americano que age de forma unilateral em todos os acontecimentos e eventos internacionais. Haja vista suas recentes intervenções no Afeganistão e no Iraque (neste, inclusive, sem o apoio do Conselho de Segurança da ONU) e a maneira como, através de Israel, sustenta no Oriente Médio um dos maiores genocídios: étnico, religioso e racial do planeta.

A partir da economia política marxista, a burguesia, ainda, na economia mundo do capitalismo adotou a escola da economia política neoclássica ou marginalista e a transformou em neoliberal (após as revoluções mundiais de 1968). Essa é, hoje, a escola cujas disciplinas são ensinadas nas universidades do sistema mundo do capitalismo.

Além de Marx e Engels, a economia política marxiana teve outros grandes pensadores como: Bernstein, Rosa Luxemburgo, Bukharim, Lenine, Hilferding, Plekhamov, Kautsky, Mão Tse Tung, Dobb, Baram, Sweeze, Lange , Fidel Castro e, no Brasil, Caio Prado Junior e Florestan Fernandes. Hoje, um dos grandes filósofos e economistas marxista é o húngaro Istvan Meszáros.

Em 1945, na pós-segunda guerra mundial, destaca-se a escola da economia política neoclássica ou marginalista com Keynes, Wicksell, Marshall e Walras para, em seguida, na Alemanha, tomar corpo a escola de

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economia política histórica a partir dos estudos de Menger, Jevons, Wieser e Bohm-Bawerk da escola austríaca. Destacam-se, a partir da escola histórica e da escola austríaca os pensadores da economia política conhecidos como: Pareto, Weber e Sombart.

Sob influência da escola marxiana surgiu a teoria do desenvolvimento econômico formulada por Schumpeter, também procedente da escola austríaca. Ainda, na tendência da escola histórica surge a escola institucionalista com Veblen, Mitchell, Commous, e quiçá Robinson e Kalecki.

No período da guerra fria, surgem grandes pensadores econômicos como são exemplos: Berle, Means, Mandel, Leontief, Kuznets, Friedman, Myrdal, Galbraith, Sem, Stiglitz e, no Brasil, Celso Furtado, e na Argentina, Prebisch.

Contemporaneamente, têm-se vários economistas que receberam o Prêmio Nobel quase todos ligados à economia quantitativa e teoria dos jogos muito divulgados nos Estados Unidos e que vivem e trabalham em suas universidades com destaque para John Nash, Lipsey e Lancaster com o teorema do segundo melhor.

No capítulo sobre Teorias do desenvolvimento e subdesenvolvimento se mostram as idéias de outros pensadores, voltadas para as ciências sociais, particularmente, da economia política em seu viés desenvolvimentista.

Após esse breve intróito sobre as escolas da economia política, tratar-se-ão, agora, as principais categorias da ciência economia política com vistas a permitir ao leitor contextualizá-las a fim de formar sua base de conhecimento. Para tanto, é conveniente que ele não somente conheça as categorias aqui apresentadas, mas também não confundam princípios com valores e tenham um mínimo de conhecimento sobre: métodos ou metodologia; lógica e técnica e, fundamentalmente, da epistemologia para construir sua base de conhecimento.

Na economia política, em geral, tem-se conhecimento de três tipos de leis econômicas: as leis causais, cujas relações se dão sempre com determinado fato como efeito no tempo onde o fato anterior (causa) induz um fato posterior (efeito); as leis de concomitância, quando as relações entre dois ou mais fatos surgem ou aparecem constantemente juntas e que são normalmente chamadas de “leis estruturais”. Elas formam estruturas regulares, e as leis funcionais, quando as relações entre os fatos permitem serem mensuráveis quantitativamente por funções matemáticas, que dão origem aos modelos e funções econométricas. Igualmente, tanto as leis de concomitância como as leis funcionais podem ser apreendidas e contextualizadas, também, como leis causais, que são as leis fundamentais da economia política.

Na controversa contextualização das leis na economia política, existe uma gama de estudiosos que fazem distinções entre “leis de economia política”, reflexos adequados das leis da economia, e “leis econômicas”, pelo caráter estocástico ou de prever as probabilidades (estatísticas) e possibilidades como se apresentam. Não obstante os diferentes enfoques e contextualizações, a quase totalidade dos economistas concorda que as leis econômicas são independentes da consciência e da vontade dos humanos, ou seja, se os humanos têm ou não consciência delas e de suas causas e efeitos.

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Segundo Marx “os homens não são livres árbitros de suas forças produtivas – que são a base de toda sua história – porque toda força produtiva é uma força adquirida, produto de uma atividade anterior.”

Essa visão marxista é ampliada por Engels, citado por Lange, da seguinte maneira: “... na história da sociedade, os fatores atuantes são exclusivamente homens dotados de consciência, agindo com reflexão ou com paixão, e perseguindo objetivos determinados; nada é produzido sem desígnio consciente, sem fim desejado (...) só raramente se atinge o objetivo colimado; na maioria dos casos, os numerosos objetivos perseguidos se entrecruzam e se contradizem, ou são eles mesmos a priori irrealizáveis, ou ainda, os meios para realizá-los são insuficientes. É assim que os conflitos das inumeráveis vontades e ações individuais criam no domínio histórico, um estado inteiramente análogo aos que se encontram na natureza inconsciente. Os objetivos das ações são desejados, mas os resultados que surgem realmente dessas ações não o são, ou, se parecem, a princípio, corresponder ao objetivo em vista, têm finalmente conseqüências diferentes das que se pretendia. Assim os acontecimentos históricos se apresentam, de maneira geral, como dominados também pelo acaso. Mas sempre que o acaso parece dominar na superfície, na realidade está sob o império de leis internas ocultas, e basta descobri-las”.

As leis econômicas do comportamento humano ou do entrelaçamento das ações humanas decorrem das necessidades técnicas e materiais no processo de produção, isto é, quando os humanos a partir de estímulos são incitados a realizar os objetivos da atividade econômica colimada.

Ainda, segundo Engels, citado por Lange, “a natureza também (...) percorre uma história efetiva (...) as leis da natureza modificam-se da mesma forma. Todavia, as mudanças que se dão na natureza são muito lentas comparadas com as mudanças que se verificam na história da sociedade humana e, por conseguinte com as condições de modificações de ação das leis econômicas. Essas condições mudam de uma época para outra.”. A economia política, como diz Engels, “... trata de matéria histórica, isto é, em transformação constante; ela estuda em primeiro lugar as leis próprias de cada fase da evolução da produção e da troca... é por esse motivo que as leis econômicas não são de alcance universal, abrangendo todos os estágios do desenvolvimento social, mas sim leis históricas, relativas a níveis definidos de desenvolvimento e desaparecem quando passa para o nível seguinte”.

O que se chamam leis econômicas não são leis eternas da natureza, mas leis históricas que surgem e desaparecem.

No processo da ação recíproca entre os humanos e a natureza que se materializa no processo de produção de bens e serviços, pode-se, para fins didáticos, explicitar três tipos de leis estudadas pela economia política: o primeiro, são as leis das relações de produção e as correspondentes relações de distribuição onde às ações se limitam pela formação social historicamente definida como é exemplo a lei da formação da taxa de lucro; o segundo trata das leis do comportamento humano e do entrelaçamento das suas relações expressa nas conhecidas leis: do valor; da oferta e da procura e da formação dos preços, e o terceiro tipo, são as leis que resultam da ação da superestrutura sobre as relações econômicas, ou melhor, as derivadas da ação recíproca da superestrutura, como por exemplo as leis que estabelecem o status quo no comércio mundial, as do papel-moeda ou meios de

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pagamento, as do controle do câmbio, a moeda ouro, o protecionismo alfandegário, etc.

Com respeito ao metabolismo do capital há que se levar em conta a lei que estabelece a taxa de uso decrescente no capitalismo, ou seja, o decréscimo de vida útil da mercadoria ou de suas horas de uso. Em outras palavras busca-se sempre aumentar a produtividade do trabalho com vistas, também, ao maior obsoletismo da mercadoria e, em conseqüência, sua maior vendabilidade. Essa lei do capital afeta negativamente as três dimensões da produção e do consumo no capitalismo, a saber:

� Bens e serviços � Instalações e maquinarias � A própria força de trabalho.

Está imbricada a taxa de uso decrescente no capitalismo o que se conhece como obsolescência prematura, subutilização crônica, ciclo curto de amortização e ociosidade do capital tanto em nível da empresa quanto da sociedade. A sua manifestação mais nociva à sociedade está no desemprego em massa pela substituição do trabalho vivo pelo trabalho pretérito (produtividade do trabalho) e intensidade do trabalho nos processos de produção que leva a criação da força de trabalho supérflua ou ao vulgarmente conhecido desemprego estrutural. Da lei de formação da taxa de uso decrescente no capitalismo resulta a linha de menor resistência do capital. Esta leva a produção destrutiva do capital que a partir do relacionamento com o estado, como instituição, a doar alto significado ao chamado complexo militar-industrial que se transforma no agente todo poderoso das contradições do capital em seu processo de desumanização ou inumanização. No dizer de Meszáros “o resultado positivo dessa interação dialética entre produção e consumo está muito longe de ser seguro, já que o impulso capitalista para a expansão da produção não está necessariamente ligado à necessidade humana como tal, mas somente ao imperativo abstrato da ‘realização’ do capital ... pela transformação radical da produção genuinamente orientada para o consumo em destruição”.

ÈTICA

Grosso modo sabe-se que os valores que constituem a moral de uma determinada sociedade representam de fato uma defesa da sociedade contra o indivíduo. Este não pode ser ele mesmo, em termos de valores, mas sim há que se imbricarem, em si, os valores que a sociedade lhes impõe. Essa talvez seja a razão de Marx afirmar "não é a consciência do homem que determina a sua existência e sim a sua existência social é que determina a sua consciência". A ciência que estuda a moral é a ética e a que estuda o poder é a política. Ambas estão imbricadamente relacionadas de forma que a ética está no campo privado e a política no campo público. As sociedades no planeta são constituídas fundamentalmente por esses dois campos. Estes remetem o indivíduo para o emaranhamento da ética com a política e que, necessariamente, se reflete na vida empresarial com todos os seus vieses de

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ambigüidade, particularmente, quando se sabe que as forças motrizes do modo de produção capitalista são: o lucro e o poder. É dentro desse emaranhamento que surgem as chamadas morais empresariais e, nelas, as vertentes da moral da integridade (com vieses do campo religioso da ética de convicção) e da moral da parceria imbricadas a ética de responsabilidade social. Ora em tal emaranhamento (explicado pelos paradigmas holísticos da física quântica) surgem valores que consolidam ou não a moral do oportunismo. Em geral, antiética nas empresas que necessariamente leva ao que o livro "Ética empresarial” de Srour trata como moral da parcialidade quando ao for generalizado pelos indivíduos com poder de decisão a se comportarem tanto individual como coletivamente de forma hedonistas. Esta é a síntese da moral da parcialidade, ou seja, incapaz de ver o outro. Também essa moral, como bem mostra Srour com seus exemplos, são levadas às empresas. Igualmente, forma-se, no Brasil, com a emergência de sua cultura com valores universais reais e não somente ocidental uma moral da parceria cujo eixo básico "consiste em estabelecer relações de convergência e de confiança recíproca, visando a uma distribuição eqüitativa dos ganhos". Srour aponta para "pedras de toque da moral da parceria" que substanciam no profissionalismo e na idoneidade nas transações, no profissionalismo e na idoneidade das transações e nos relacionamentos empresariais. Para finalizar esta sinopse, sugere-se a leitura do livro "Ética e movimentos sociais populares. Práxis, subjetividade e libertação" publicação do Instituto Paz, Desenvolvimento e Inovação (IPSIA), Trapeiros de Emaús (Recife/PE) e Cooperazione Italiana. Trata, em Pernambuco, junto às comunidades de excluídos, constrói unidades semióticas com vistas a uma antropologia filosófica de libertação totalmente imbricada a ética e estética empresarial comunitária que integra tanto a dimensão mental como a social e a ambiental. O curso piloto e a prática dessas ONGs pode ser acessado na página www.escolarecife.org.br Toda ação dessas ONGs se fundamenta na filosofia de libertação cuja ética da libertação é exatamente o outro, o afetado, o dominado e o excluído do sistema mundo capitalista que reclama, como atitude da ética empresarial, uma práxis de libertação do outro e de si mesmo. Nela não cabe a moral da parcialidade, e conseqüentemente, a moral do oportunismo. Vale trazer para outras turmas, o debate sobre a ética da libertação fundamentada em paradigmas holísticos imbricados aquilo que Capra trata nos seus livros "Teia da vida" e nas "Conexões ocultas" onde também se tem uma virtuosa aplicação da teoria da complexidade defendida por esse cientista especializado na física quântica.

ANTROPOLOGIA

Ciência que estuda o ser humano em seu sentido mais lato. Tratam-se da sua origem, evolução e desenvolvimento físico, material, cultural, psicológico, fisiológico e suas características raciais, suas crenças, seus costumes, etc. Pelo seu caráter abrangente, em relação ao ser humano, seu objeto de estudo, a antropologia possui um grande número de abordagem, tais como, estruturalista, marxista, funcionalista, evolucionista, filosófica, cultural, etc.

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Os mestres que se destacaram nas diferentes abordagens da antropologia foram: Lewis H. Morgan, Lubboc (1834-1913), K. Marx (1818-1883), F. Engels (1820-1895), Boas (1858-1942), Malinowski (1884-1942), Radcliffe-Brown (1881-1951). Contemporaneamente a antropologia teve grande impulso a partir das obras dos seguintes mestres: Maurice Bloch, Jean Capans, David Seddon, Stanley Diamond, Raimond Firth, Maurice Godelier, Lévi-Strauss, Althuser, Meillassoux, entre outros. Tanto o clássico de Engels “A origem da família, da propriedade privada e do estado” quanto os “Manuscritos econômicos e filosóficos” de Marx comprovam que a abordagem marxista é uma antropologia filosófica. Também, a Escola de FRANKFURT (Habermas, From, Eder, Benjamim, Marcuse, Adorno e Horkheimer) têm grande responsabilidade com desenvolvimento da antropologia contemporânea com a ampliação da noção de crítica até uma reflexão de formas históricas específicas do processo de troca no capitalismo. No Brasil os antropólogos mais conhecidos são: Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro, os irmãos Vilaboas, (indigenistas), Luis da Câmara Cascudo, Josué de Castro, Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Willems Emílio, entre outros.

HISTÓRIA

Grosso modo, segundo os melhores dicionários, por história se entende o conjunto de conhecimentos relativos ao passado da humanidade segundo o lugar, a época e o condicionamento do ponto de vista. Como ciência tem como objeto os estudos e as reavaliações de eventos passados tendo como referência desde um clã passando pela tribo, pela massa, pelo povo até uma nação ou um país, de conformidade com períodos ou indivíduos específicos. Trata, ainda, da origem e evolução de uma arte de um mito, de uma cultura, de um ramo de conhecimento, de uma ciência, de uma técnica, de um indivíduo, de uma coletividade com todas as seqüências passadas de ações. O ser humano, em sua essência e natureza, é um ser histórico na medida em que somente ele é evoluído e desenvolvido de forma que a realidade, històricamente, pode ser predita, mas nunca alterada pela vontade humana mesmo sabendo-se que a realidade é criada e recriada pelo cérebro humano. Entre os grandes pensadores que sistematizaram a história como ciência pode-se mencionar: Hegel (1770-1831), Marx (1818-1883), Spengler (1880-1936), Karl Popper (1902-1994), Ortega y Gasset (1883-1955), Eric Hobsbawn (1917-...) entre muitos outros historiadores. No Brasil, naquilo que trata de sua identidade histórica, podem-se destacar os seguintes pensadores-historiadores: Vahnhagen, Karl von Martius, Gilberto Freyre, Capistrano de Abreu, Euclides da Cunha, Sérgio Buarque de Holanda, Nelson Werneck Sodré, Vamirech Chacon, Caio Prado Jr., Celso Furtado, Vianna Moog, Hélio Silva, José Honório Rodrigues, Moniz Bandeira, Darcy Ribeiro, Jacob Gorender, Florestan Fernandes, Hélio Jaguaribe entre outros. A titulo de exemplo de fatos histórico para pesquisas e reflexões do alunado apresentam-se, a seguir, uma cronologia de acontecimentos na economia mundo e no sistema mundo do capitalismo.

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PALEONTOLOGIA

Ciência cujo objeto de estudo é as formas de vida que existiram em períodos geológicos passados, a partir dos seus fósseis, artes rupestres, vasos, fogueiras e instrumentos de trabalho. No caso concreto do Brasil tem-se voltada a atenção especial a paleantropologia a partir dos sítios arqueológicos em diferentes estados brasileiros, particularmente, Piauí, Amazonas, Sergipe, Minas Gerais, Ceará e Paraíba. Encontrou-se, em Minas Gerais, o fóssil de Luzia (o mais antigo de um ser humano nas Américas) que refuta e redefine toda teoria do homem pré-colombiano criada pelos norte-americanos com base nos estudos do grande sítio histórico de Clóvis nos Estados Unidos da América. O fato é que o fóssil do crânio de Luzia é muito mais antigo que aqueles fósseis encontrados em Clóvis. Tem muito mais semelhança com negróide e aborígine australiano que com os polinésios que tiveram acesso às Américas pelo estreito de Bering ou pelas ilhas Aleutas segundo as teorias norte-americanas. Em termos mundiais a paleantropologia tem, em muito, se desenvolvido com as grandes descobertas de fósseis no continente africano, em particular, dos gêneros dos Australopithecus, dos Homus, (já extintos como os: Pitecantropos, Robusto, Neandertal, Ergaster, Habilis, etc.), todos que evoluíram para o Sapiens sapiens, hoje, o único gênero e espécime humana existente no planeta. Vale lembrar que os Australopithecus foram, durante muito tempo, os elos perdidos da evolução dos hominídeos e viveram acerca de três milhões de anos atrás. Ainda hoje, há muitas discussões em torno dos estudos paleantropológicos de fósseis encontrados nos grandes sítios arqueológicos da África e outros continentes sem, entretanto, abalar os alicerces da teoria da evolução, mas, pelo contrário, confirmá-la mais ainda.

BIOLOGIA

Essa ciência extrapola, em muito, o estudo da vida humana na medida em que tem como objeto todas as formas de vida do planeta desde uma simples célula até as mais complexas formas de vida multicelulares e simbióticas. Sâo também conhecidas como ciências naturais. Por estudar a vida planetária a biologia compreende inúmeras outras ciências ou disciplinas específicas como são: a ecologia, a bioquímica, a biofísica, a biogeografia, a genética, a zoologia, a botânica, etc. Possui, ainda, um grande número de especializações ou especificações do metabolismo da vida como são exemplos: todas as ciências médicas, a biologia celular, a simbiótica, a agrônica, a agrótica, a biologia marinha, a biologia molecular, a engenharia genética, a biotecnologia, a clonagem, a agricultura molecular e muitas outras. Pela singularidade de disciplinas e quantidade de nomes dos cientistas nas diferentes ciências biológicas omitem-se, aqui, os nomes daqueles cientistas mais proeminentes em cada ramificação. Cabe, portanto, ao discente identificar o ramo do conhecimento da biologia que mais lhe interessa e investigar ou pesquisar os nomes daqueles que mais se destacam inclusive daqueles que foram premiados pela Academia Sueca com o Prêmio Nobel. Mesmo com a resalva supra não se podem omitir os nomes de Darwin, Mendel, Lineu, Von Martius, Oparin, Pavlov, Baterson, Varela, Monod, Lovelock, Carlos Chagas, Pauling, Osvaldo Cruz, Dawkins, Margulis e

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Miguel Nicolelis como grandes pensadores e sistematizadores das ciências biológicas ou, ainda, ciências naturais.

MITOLOGIA

Embora não seja considerada uma ciência social a mitologia exerce em toda e qualquer sociedade humana um grande poder pela forma fantasiosa, fantástica e imaginária de suas narrações como verdadeiras. Tem como objeto um determinado conjunto de mitos antigos, sejam eles, gregos, romanos, egípcios, maias, incas, indianos, chineses ou de quaisquer outros povos. A mitologia estuda os mitos quanto as suas origens, evolução, significado e poder sobre a mente dos humanos nas diferentes civilizações. As tragédias gregas são, ainda hoje, instrumentos de várias correntes interpretativas da psiquiatria. O mito, por sua vez, é um relato fantástico ou fantasioso geralmente de tradição oral protagonizando seres que encarnam de maneira simbólica, as forças da natureza e os aspectos gerais da condição humana. São as lendas, as fábulas e as tragédias oriundas do panteísmo ou politeísmo de diferentes civilizações que dão vida a cultura dos diferentes povos. Em tese muitos estudiosos da mitologia afirmam que os mitos ajudam os seres humanos a compreenderem o presente e a si mesmo. Joseph Campbell em seu livro “O poder do mito” (Editora Palas Athena) trata de explicar o poder do mito a luz: do mundo moderno, da jornada interior, dos contadores de histórias, do sacrifício e bem-aventurança, da saga do herói, da dádiva das deusas, das histórias de amor e matrimônio e das máscaras da eternidade. Nas obras primas da mitologia grega destacam-se as do poeta épico Homero autor da “Ilíada” e da “Odisséia” e as fábulas de Esopo que exercem grande influência sobre filósofos, escritores e na educação. As obras de Eurípedes (480 a 406 a.C.) poeta trágico grego, despertam muitas preocupações científicas e filosóficas com ênfase para a psicanálise. Também, Esquilo (525 a 456 a.C.) poeta grego, tem seus poemas muito admirados e contextualizados por escritores, educadores, psicanalistas e filósofos.

FILOSOFIA

Conjunto de todas as ciências, de ramos do saber ou do conhecimento racional. Na dimensão das relações com o conhecimento científico é o conjunto de princípios teóricos que fundamentam, avaliam e sintetizam a miríade de ciências particulares, e que, até hoje, contribui para as conexões mútuas entre as ciências específicas e com a própria filosofia como amor pela sabedoria. Igualmente a biologia possui muitos epítetos desde a filosofia de vida, passando pelas filosofias: barata, da ação, da história, da natureza, da identidade, das luzes, oriental, ocidental, positiva, até a transcendental Na dimensão metafísica a filosofia é o conjunto de especulações teóricas que envolvem as religiões, a Deus, como design inteligente ou moto primus divergindo da fé por usar procedimentos argumentativos, lógicos e dedutivos. Os grandes mestres da filosofia, abaixo mencionados, marcaram formas de sistematizar os diferentes ramos do saber humano. Entre os pré-socráticos mencionam-se: Xenófanes de Calofão, Heráclito de Éfeso,

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Parmênides de Eléia, Empédocles de Agrigento, Anaxágoras de Clazomenes e Demócrito de Abdera. Ainda, na antiguidade, marcaram época os discípulos de Sócrates: Platão e Aristóteles. Também naquela época destacaram-se: Epicuro, Lucrécio, Cícero, Sêneca e Marco Aurélio. Na idade média (onde todo o saber foi enclausurado pela igreja) os filósofos mais proeminentes foram: Sto. Agostinho, Sto. Anselmo, Abelardo, Tomás de Aquino, Dante, Duns Scot, Ockham, Erasmo, Tomas More, Giordano Bruno, Galileu, Campanela, Maquiavel e Montaigne. Com a renascença ou iluminismo aparecem: Bacon, Hobbes, Descartes, Espinosa, Pascal, Berkeley, Hermes, Newton, Leibniz, Condillac, Hevéltius, Degerando, Voltaire, Montesquieu, Rosseau, Diderot, Locke, Jeremy, Stuart Mill, Nietzsche, Kant e Fichte. Na transição do iluminismo para a modernidade e na própria modernidade destacam-se: os Federalistas (Hamilton, Madison e Day), Jefferson, Paine, Tocqueville, Hegel, Schellig, Smith, Ricardo, Schopenhauer, Marx, Weber, Durkeheim, Kierkegaard, Freud, Veblen, Husserl, Bérgson, Comte, W. James, Malinowski, Pavlov, Rosa Luxemburgo e Skinner. Na contemporaneidade os pensadores que mais se destacam são: Lenine, Wittgenstein, Moore, Keines, Kalecky, Mão Tse Tung, Schlich, Carnap, Popper, Bachelard, Ryle, Strawson, Austin, Quine, Haidegger, Dewey, Russell, Benjamin, Adorno, Horkhemer, Habernas, Peice, Frege, Marcuse, Levi-Strauss, Sraffa, Joan Robinson, Lukács, Saussure, Varela, Baterson, Margulis, Fidel Castro, Jakobson, Hjelmslev, Chomsky, Merlou-Ponty, Sartre, Piaget, Baudlillard, Meszáros, Morin, etc.

GEOGRAFIA

Uma das mais antigas ciências humanas tem por objeto a descrição do planeta terra e, em particular, os estudos dos fenômenos físicos, biológicos e humanos que nele ocorrem. Etimologicamente, vem do grego geõngraphia e do latim geografiae e dizem respeito à descrição da terra ou carta geográfica. Hoje, a geografia, serve, também, para descrever a superfície da lua, de marte e de outros satélites e planetas a partir das investigações e pesquisas realizadas por naves espaciais e por telescópio gigante ou extraterrestre (Huble) usados pelos humanos. O conceito da geografia envolve, ainda, um conjunto de temas específicos ou campos de estudos analisados com enfoque particular das geociências sociais ou humanas como são exemplos as geografias: da fome, lingüística, humana, política (geopolítica), matemática (referente à astronomia elementar), econômica (geoeconomia), etc. A geoponia que trata do cultivo dos solos ou da agricultura inclui-se nas ciências humanas o que não são os casos das ciências: geologia (história da estrutura terráquea), a geometria (parte da matemática que estuda o espaço), geomorfologia (ramo da geologia) que estão nos campos das ciências exatas ou físicas. A geografia por ser uma das ciências mais antigas e diversificadas, omite-se nestas aulas sobre Introdução às ciências sociais o grande número de pensadores dos ramos ou campos das geociências, como se fez, também, com relação às ciências biológicas, à ética e à paleontologia.

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SALTOS QUALITATIVOS NO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA

1415-1746. Expansão européia pelo mercantilismo. Invasões e

colonizações dos novos e velhos continentes a partir do escravismo colonial principalmente dos negros e dos indígenas

1775-1848. Inicio e período de concretização da Revolução Industrial 1789-1792. Revolução Francesa. Abolição do feudalismo como modo

de produção. Proclamação dos direitos do homem. O poder emana do povo. Cria-se o lema igualdade, fraternidade e liberdade

1848. Movimentos revolucionários na Europa. Segunda República Francesa

1870-1873. 1 ª Grande Recessão Mundial e a Guerra Franco-Prussiana

1914-1918. 1 ª Guerra Mundial 1917. Revolução Russa 1929-1932. 2 ª Grande Recessão Mundial 1939-1945. 2 ª Guerra Mundial 1945. Conferência de Yalta e a divisão do mundo 1949-1990. Guerra Fria ou 3 ª Guerra Mundial. O equilíbrio do terror

nuclear 1968. Revolução Mundial da Desilusão (Primavera de Praga, quebra-

quebra na França, ofensiva do Tete e reação popular nos EUA, revolta racial nos EUA, crise da Polônia, marchas estudantis e golpe de estado no Brasil, etc.). Inicio da guerra dos ricos contra os pobres pelo metabolismo do capital

1989-1990. Fim da URSS e do Tratado de Yalta 2001- ? Início da 4 ª Guerra Mundial a partir do ataque da Al-qaeda às

torres gêmeas e ao Pentágono nos EUA. Guerra declarada em discurso de Bush que mais parece, em nível mundial, uma caricatura de Hitler e preparativos para invasão do Afeganistão em nome da OTAN

2009- ? Início da 3ª Grande Recessão Mundial do capitalismo

FATOS QUE ABALARAM O SISTEMA MUNDO CAPITALISTA PÓS 2ª GUERRA MUNDIAL

1945. Bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki ordenadas por

Truman 1945-1948. Revolução Chinesa. Tomada do poder por Mao Tse Tung

como líder do Partido Comunista Chinês 1948-1949. Bloqueio de Berlin 1949. A URSS torna-se potência nuclear. Dá-se inicio a Guerra Fria ou

3 ª Guerra Mundial com inúmeros conflitos localizados sob tensão nuclear 1949-1991. Equilíbrio do Terror. Conflitos localizados da Guerra Fria

principalmente na África pelo conturbado processo de descolonização 1950-1953. Guerra da Coréia. Até hoje existe apenas um armistício sito

no paralelo 38 em Pamujon entre as duas Coréias. Os EUA com suas tropas na Coréia do Sul encontram resistência sem controle por parte da Coréia do Norte, hoje, possuindo artefatos nucleares

1954. Partilha da Indochina

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1959. Revolução Cubana 1959-1975. Guerra do Vietnam onde os EUA sofrem de fato uma

verdadeira derrota militar em campo de batalha após arrasar o país e sua retirada desmoralizada de Saigon. Dá-se a unificação do país por Hochimin

1967. Guerra dos seis dias na Palestina (árabes contra judeus) e vitória militar de Israel

1970-1971. Os EUA unilateralmente, no governo Nixon, retira o dólar do padrão-ouro desarticulando o Acordo de Breton Woods. Crise do padrão monetário mundial

1973. 1 ° Choque do petróleo 1979. 2 º Choque do petróleo. 1979. A Revolução Iraniana 1980-1988. Crise da dívida. Diminuição de tamanho das empresas pela

terceirização nas redes corporativas - TEAMNETs 1989-1990. Fim da URSS e do Tratado de Yalta 1990-2000. Criação da primeira moeda transnacional o euro na União

Européia. Guerra nos balcães (inicio do fim da Yugoslávia), crise da OTAN, crise asiática, estouro da bolha imobiliária japonesa. Inicio da separação militar EUA versus Europa, intensificação dos conflitos hegemônicos na Tríade

2001- ? Ataque da Al-qaeda aos EUA em 11 de setembro e início da 4 ª Guerra Mundial.

INVASÕES/INTERVENÇÕES DOS EUA NO PÓS 2 ª GUERRA MUNDIAL

1953. Iran. Deposição de Mohammad Mussadeq e retorno do Xá Reza Pahlevi ao poder sempre a serviço da CIA até ser deposto e execrado por Komeine

1954 Guatemala. Deposição de Jacobo Arbenz, eleito presidente e deposto pelo títere coronel Castillo Armas a serviço da CIA

1958. Líbano. Tomado por tropas norte-americanas como prevenção de inspiração nacionalista da Síria e do Egito antes da capitulação de Anuar Sadat

1965. Indonésia. Com as sucessivas vitórias do Partido Comunista da Indonésia os EUA desestabilizaram o país e provocaram o massacre de mais de 500.000 comunistas com a tomada do poder pelo general Suharto (um dos maiores genocida lacaio dos EUA) que, em 1968, depôs o herói nacional Sukarno já completamente desmoralizado pelo golpe militar sob a égide dos EUA

1965. República Dominicana. Os EUA provocaram um golpe militar contra o presidente eleito Juan Bosch com imediata reação da guerrilha pró-Bosch liderada por Caamaño Deno que assume o poder, Os EUA juntos com o Brasil e a Argentina, em nome da OEA, invadem o país depõem o líder revolucionário que é morto por seguidores do carismático Balaguer que volta ao poder

1969. Camboja. Insatisfeitos com a neutralidade de Sihanouk na Guerra do Vietnan e sob alegação do Camboja dar apoio aos guerrilheiros vietnamitas os EUA bombardeiam o país e, em 1970, depõe Sihanouk substituindo-o pelo ex-primeiro-ministro marechal Lon Nol cooptado pela CIA que se torna ditador e seu fiel aliado

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1969. Somália. Os EUA promoveu o golpe militar que levou seu preposto Siad Barre ao poder que, de há muito, estava a serviço da CIA

1973. Chile. Após a nacionalização de suas empresas mineradoras por Salvador Allende, (que se suicidou), os EUA provocaram de forma hostil à desestabilização do governo e promoveu o golpe de estado mais sanguinário da América do Sul pelo ditador, torturador e genocida general Pinochet que ordenou a matança de mais de 2.300 pessoas. Esse energúmeno general falecido em dezembro de 2006 foi depois um personagem desmoralizado e sempre sob judice pelos crimes que praticou contra o povo chileno

1980. El Salvador. Sob a égide da CIA os EUA provocaram a guerra civil que se inicia com o assassinato do arcebispo Oscar Romero defensor dos direitos humanos, no país, provocando um morticínio que vai até a queda da União Soviética (1990)

1980. Nicarágua. Após a deposição do seu títere Anastásio Somoza pelos guerrilheiros sandinistas e seu assassinato no Paraguai, os EUA passaram a treinar, financiar e equipar os contra anti-sandinistas pela CIA sob alegação de os nicaragiienses armarem e equiparem os guerrilheiros salvadorenhos além de impor incomensuráveis sanções ao governo sandinista até seu esgotamento

1982. Líbano. Israel sob o beneplácito norte-americano invade o país e massacra civis nos campos de refugiados de Chatila e Sabra matando milhares de civis

1983. Granada. Após o fuzilamento de Bishop por um movimento de esquerda liderado por Hudson Austin e Bernardo Gard que assumem o poder e logo os EUA invadem o país depõem os governantes e os condena a prisão perpetetua nos EUA

1986. Líbia. Insatisfeitos com a política de Kadafi os EUA bombardeiam o país particularmente o Palácio do Governo e a casa residencial do Presidente numa tentativa de eliminá-lo

1989. Panamá. Após desentendimento com seu ex-aliado Noriega os EUA invadem o país em uma chamada Operação Causa Justa e o depõe, seqüestra e o condena a 40 anos de prisão em cárcere norte-americano

1991. Iraque. Depois de romper com sua cria o ditador Sadam Hussein, por ter invadido o Kuvait, os EUA com o aval da ONU bombardeiam e invadem o Iraque impondo severas restrições econômicas e controle do seu espaço aéreo antes de retirar suas tropas do país

1991. Haiti. Os EUA desestabilizam o governo constitucional transformando o país em terra de ninguém até 2006 quando a ONU tenta estabilizar o país com tropas militares sob comando do Brasil

1992. Somália. Com aval da ONU tropas americanas invadem o país e após verdadeiro caos e guerras entre tribos. Seus soldados são humilhados e retira-se deixando o país como terra de ninguém

1998. Sudão. Por arrogância e desprezo aos povos muçulmanos africanos os EUA, no governo Clinton, bombardeiam o hospital-laboratório AL-Shifa causando a morte direta e indireta de aproximadamente 30.000 africanos. Segundo Noam Shomsky esse bombardeio foi à causa principal do revide da Al-qaeda para destruir as torres gêmeas em Nova York em 11 de setembro de 2001

2002. Afeganistão. Em represália a queda das torres gêmeas os EUA com tropas da OTAN e com o aval da ONU bombardeiam e invadem o

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Afeganistão depondo o governo dos seus ex-aliados na guerra contra a URSS - os Talebães sob a liderança de Bin Laden hoje líder soberano da Al-qaeda. Essa invasão/ocupação ainda não foi, concluída por conta de ferrenha resistência e atentados, hoje, existentes contra as tropas da OTAN/EUA

2004. Iraque. Sob a mentira de o Iraque possuir armas de extermínio os EUA unilateralmente, agora, sem aval da ONU, bombardeiam e invadem o Iraque onde se encontram envolvidos em uma guerra civil sofrendo todos os tipos de atentados e perdendo inúmeros soldados nos conflitos. A ocupação ainda não se concluiu e suas tropas estão em acelerado processo de desmoralização em plena guerra civil iraquiana que também levou a derrota de Bush e dos republicanos nas eleições de 2006 para o Congresso e a volta de um presidente do partido democrata em 2008 Barack Obama eu assume o poder em 2009

2006. Líbano. Com total e incondicional apoio dos EUA, Israel bombardeia o país e recebe forte resistência do Hezbollar (a quem queria destruir) e é forçado a uma trégua, suspender os bombardeios e retirar suas tropas do sul do Líbano. Pela primeira vez as tropas de Israel saem de um território ocupado, militarmente, desmoralizadas.

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IV. AS EMOÇÕES E OS SENTIMENTOS HUMANOS

Antes mesmo da contextualização do presente tema vale perguntar o

que são desejos e emoções? Desejo tem sua origem no latim desedium ou desiderium ato de

sentar-se ou de ócio. Igualmente, o significado da palavra desejo é a aspiração humana de preencher um sentimento de falta ou de incompletitude. Essa é a razão de os humanos fazerem cultura com vistas à criação de objetos e símbolos para satisfazer os seus desejos. Em outras palavras o desejo diferencia o ente humano da natureza e dos demais entes viventes na medida em que o torna sempre insatisfeito com sua situação atual e natural. Por força do desejo os humanos estão sempre e eternamente em busca de uma nova e futura situação. O desejo é a fonte dos problemas humanos e o eterno sentimento de privação e de ausência de algo. É o sentimento que leva os humanos ao conhecimento prospectivo e a cognição em busca do novo. É a essência e a gênese do que vem a ser um problema.

O desejo assemelha-se ao conceito de horizonte, ou seja, aquela linha imaginária que se distancia do observador na mesma proporção que ele dela se aproxima. Por ausência de concretude o desejo leva os humanos a transcenderem e a buscar o sagrado através dos símbolos invisíveis para além do sentimento comum que somente a fé pode ver e contemplar. É com esse propósito que as religiões se fazem presentes com o seu discurso ou tipo de fala em uma incomensurável rede de símbolos e mitos. É o mundo do sagrado que trata dos sujeitos e dos objetos ou coisas invisíveis. Por força do desejo os humanos não sobrevivem por artifícios de adaptações com a natureza e demais seres viventes na medida em que criam à cultura e com ela as incomensuráveis redes simbólicas das religiões.

A palavra emoção vem do latim movere que significa propensão para agir de imediato. Nos entes humanos as emoções se caracterizam por serem naturais ou primárias (conhecidas como audição, visão, tato, paladar e olfato) e secundárias ou práticas-espirituais que se externalizam pelo amor, o ódio, o medo à ira, etc. e muitos outros sentimentos espirituais.

Partes dessas emoções apresentam-se, também, em todas as culturas nas diferentes sociedades como emoções faciais, isto é, o medo, a ira, a alegria e a tristeza.

Quando as emoções naturais ou primárias misturam os seus sentidos em seres humanos dizem que são sisnetésicas razão pela qual a sinestesia quando materializada nos humanos são consideradas distúrbios.

As emoções naturais ou primárias são, em geral, assim conceituadas pelos melhores dicionários da língua portuguesa:

� Audição. Função sensorial que permite captar os sons pelos ouvidos e transmiti-los, através do nervo auditivo, ao cérebro onde são recebidos, processados e analisados para as emoções por ele externalizadas. Em certos animais esse sentido é altamente desenvolvido para sua autodefesa e sobrevivência além de procriação

� Visão. É o sentido da vista, ou seja, ato ou efeito de ver. Esse sentido doa ao ente humano a percepção do mundo exterior pelos órgãos da

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vista (os olhos) e mesmo pelo cérebro quando já se tem gravada a imagem pela visão ou pelo tato

� Tato. Sentido que doa conhecimento, percepção ou emoção com o uso do corpo, particularmente pelos dedos das mãos. Dá aos humanos sentidos de: forma, consistência, peso, temperatura, aspereza, etc. de outro corpo ou de algo material palpável

� Paladar. É a função sensorial que permite a percepção e as emoções dos sabores pela língua e sua transmissão para o cérebro (através do nervo gustativo) onde são recebidos e analisados para sua externalidade como sentido, sentimento ou emoção

� Olfato. Sentido de distinção de odores sejam eles: cheiro, faro ou olor. Esse sentido é altamente desenvolvido entre outros mamíferos e entre aves tanto para a autodefesa, marcação de território, faro, quanto para alimentação e acasalamento. No ente humano o sentido ou a emoção do olfato, em geral, se externaliza pelo odor ou cheiro acatado pelas narinas e processados e analisados pelo cérebro.

Todo e qualquer ser humano através dos sentidos, acima descritos,

relacionam-se entre si através das relações humanas doando sentido e emoções a cultura de sua sociedade. Em conseqüência afetam os elementos essenciais das relações humanas que doam sentido aos modos de produção ou nas relações: ser humano versus natureza e serem humanos versus serem humanos consubstanciados na contradição entre forças produtivas versus relações de produção.

Em geral, nos sentimentos ou emoções secundárias vêm em primeiro plano as idéias ou pensamentos para em seguida, em resposta rápida da emoção, proceder ao sentimento. Via de regra, uma idéia ou pensamento mais articulado precede o sentimento ou emoção. Criam-se, também, os chamados “estados de espírito” que duram mais que uma emoção. São, ainda, coadjuvantes dos temperamentos e dos distúrbios emocionais.

Para fins didáticos, da disciplina, conceituam-se, de forma sinótica ou breve, as principais emoções secundárias:

� Amor. Forma de interação psicológica ou psicobiológica entre pessoas, seja por afinidade imanente, seja por formalidade social e desejo. Considerado um princípio humano o amor é dotado de um grande número de epítetos como são: paixão amorosa, atração amorosa efetivo-física, afeição por outra pessoa, atração sexual, relação amorosa, ato sexual, força agregadora protetiva, devoção, veneração, fidelidade, etc. Sua toponomástica, também, é numerosa como são exemplos: amor de Deus, amor ao próximo, amor platônico, amor socrático (homossexual), amor à primeira vista, amor carnal, amor conjugal, amor à vida, amor livre, amor de si, amor-próprio, amor e paz, amor vulgar, amor família, amor de mãe, etc. Na mitologia o amor tem referência a Afrodite, a Eros, a Narciso, a Volúpia, a Psique e na literatura entre muitas obras pode-se aqui mencionar: “O banquete” de Platão, “A arte de amar” de Ovídio, “A lírica” de Camões, “Do amor” de Stendhal, “A arte de amar” de Erich Fromm, etc.

� Ódio. É a antítese do amor ou aversão interna motivada por medo, ciúme, raiva ou injúria. O ódio contrapõe-se ou é antônimo do afeto e da

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amizade e internaliza-se no humano pela fúria, repulsão, antipatia, aversão, enfado e desagrado a alguém

� Tristeza. Situação emocional caracterizada pela ausência da alegria, pela melancolia e pela saudade. Contrapõe-se a felicidade. Como distúrbio emocional se apresenta na forma de tristimania

� Medo. Emocionalmente é o estado ou sentimento efetivo suscitado pela consciência. Internaliza-se no ente humano de várias formas como, por exemplo: temor, desassossego, inquietação, ansiedade, temor religioso e objeto do temor. Em geral o medo está imbricado às emoções ou sentimentos naturais ou primários dos humanos e de outros animais como autodefesa. É sempre um desejo de evitar ou de apreensão, preocupação em relação a algo ou visão aterradora processada e analisada pelo cérebro provocada por um ou vários sentidos naturais ou primários

� Alegria. Antítese da tristeza ou situação de viva satisfação, contentamento, regozijo, jubila, prazer. Internaliza-se nos humanos pelas relações que inspiram ou causam alegria, volúpia, felicidade

� Surpresa. Sentimento, ato ou efeito de surpreender-se. Fato ou coisa que surpreende que cause admiração ou espanto. Fato inesperado, não anunciado, repentino, imprevisto. Em geral a surpresa é a emoção que está imbricada a um prazer não anunciado previamente

� Prazer. Sentimento ou emoção de agradável, ligada à satisfação de uma necessidade humana ou de um desejo, de uma tendência ou do exercício harmonioso das atividades vitais, etc.

� Nojo. Sentimento ou emoção de profunda tristeza provocada por comportamento social amoral ou antiético ou, ainda, por um sentimento ou emoção de repulsa que algo desperta em uma pessoa que o evita e não o toca por asco ou repugnância

� Ira. É o máximo da intensidade do ódio, do rancor dirigido a uma ou mais pessoas em função de alguma situação injuriante, furiosa, colérica ou de imaginação. É um sentimento que por si só ou junto com o ódio leva a vingança

� Gula. Sentimento, vício e emoção de comer e beber em excesso. Atração irresistível por comer e beber em excesso ou por comer iguarias finas expresso em desejo ardente ou com sofreguidão

� Inveja. Emoção e sentimento em que se misturam o ódio e o desgosto que é provocado pela felicidade, pelo sucesso e pela prosperidade de outrem. Desejo de ser exclusivista em detrimento de outrem

� Avareza. Emoção ou sentimento de quem tem apego excessivo ao dinheiro, às riquezas e comporta-se com sovinice, mesquinharia, cobiça e desejo excessivo de haveres

� Usura. Sentimento ou emoção semelhante à de avareza com vista ao desejo exarcebado de poder e lucro. Em geral as pessoas usurárias são hedonistas, ou seja, buscam vencer a custa de todo e de todos não importando os meios para tal fim.

� Vaidade. Qualidade emocional de que busca aparência ilusória. É um exarcebado sentimento de valorização a própria pessoa ou aparência ou quaisquer outras qualidades físicas ou intelectuais, reconhecidas ou admiradas pelos outros. Identifica-se pela imodéstia, pela presunção e pela vanidade

� Luxúria. Emoção ou sentimento de viço, magnificência. Internaliza-se pelo comportamento desregrado com relação aos prazeres do sexo, da lascívia e da concupiscência.

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V. A CONSCIÊNCIA E A AMANUALIDADE A transformação da consciência privada em pública tem suas raízes no

próprio atributo da consciência individual de assumir o duplo papel: exprimir julgamento pessoal e forjar para si o sentimento de estar exprimindo o que todos os outros pensam.

Como coletiva, a consciência individual se converte em consciência de classes que se uniformizam pela comunidade dos fundamentos econômicos em que repousam no processo de produção e circulação dos bens econômicos ou mercadorias.

A consciência individual quando se proclama coletiva assume caráter político-ideológico desde que esteja ligada a realidade do país. Isto se dá pelo fato da consciência ser um julgamento da sociedade sobre si mesma, por intermédio de quem acredita exprimir o sentimento coletivo em cuja base material, física e social a consciência uniformiza-se.

Em geral, o indivíduo acredita que exprime o que qualquer outro também pensa, em vez de admitir que a consciência comum seja produto do seu modo pessoal de pensar agregado ao de todos os demais.

A consciência, desde que não saiba do seu condicionamento, ou o negue, está excluída da condição de crítica, e assim poderá enriquecer-se do mais vasto conteúdo de erudição e sapiência, cogitar as mais profundas teorias científicas ou filosóficas, que, nem por isso, deixa de ser ingênua.

A consciência crítica, mesmo nos graus incultos, é sempre autêntica, porquanto só se faz portadora de uma idéia porque sabe ser levada a pensar pela situação em que se acha.

Necessário condicionamento de todo ponto de vista. Todo ponto-de-vista está necessariamente carregado de restrição posicional, donde depende o maior ou menor grau de na representação do condicionamento que afeta a toda situação e posição, quaisquer que sejam elas.

Todo indivíduo, pela circunstância do seu existir, é capaz de constituir um ponto-de-vista sobre o universo onde ele se encontra. Todo campo de visão pessoal é sempre limitado e situacional. A consciência inculta não é menos rica em conteúdo do que a presunçosa que julga ver mais longe.

Não é pelo diâmetro do horizonte intelectual que se deve achar o grau de representatividade da consciência. A definição desse grau é baseada na maneira como a consciência representa os fatores que a condicionam, com a menor ou maior clareza da situação e posição. No que inclui a situação de um fato objetivo, a percepção simultânea das condições e as influências que a determinam nesse ato a proceder como procede.

As categorias da consciência crítica são induzidas empiricamente da objetividade da situação do real e procedem do processo econômico-social-ambiental. A consciência consiste na representação possuída pelo indivíduo em comunidade. Somente, quando o pensamento do existente é simultaneamente pensamento da existência, é que se revela a consciência da comunidade, pois só nesta forma os aspectos do real são considerados com a significação de fatores da totalidade. Só neste caso a reflexão cognoscitiva transcende os dados singulares imediatos da realidade para abrangê-la como um todo.

As idéias que a comunidade detém a respeito de si mesma configuram a autoconsciência da nação, cujo papel, é a transformação da realidade. A

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condição de processo consiste na formulação consciente de projetos com sustentabilidade, envolvendo todas as iniciativas geradoras de sucesso ou progresso. Não há projeto social sem ideologia, isto é, sem a suficiente unificação do pensamento e da vontade popular, mediante representação objetiva da realidade e decisão de modificá-la.

Os fatores político-ideológicos são necessários para produzir o processo e a ideologia que é a concepção de nova forma de ser para a existência comunitária, em razão da qual se carregam de valores positivos e negativos todos os objetos, as idéias e os acontecimentos da realidade presente.

Componentes volitivos da consciência. A consciência só é fator de progresso quando deixa de ser simples representação para tornar-se projeto e origem de ação, isto é, de especulativa converter-se em político-ideológica. Assim, é que a consciência se desenvolve no real na forma de projeto de modificá-lo. Sem assumir feição político-ideológica e sem tornar clara sua intenção objetivadora à consciência é inoperante.

Quando a representação concreta do dado real se associa ao ímpeto da vontade que propõe a transformação desse dado, cuja apreensão consciente é o projeto de mudança. A consciência se constitui em núcleos da ideologia que objetiva transformar o processo de elaboração e implantação de com sustentabilidade sócio-ambiental com vistas a cenários de antropolítica.

A consciência não tem existência em si, independente, destacada da coisa que representa, mas é sempre consciência de algo, tende sempre para aquilo que é a cada instante e situação o seu objeto e se conforma exclusivamente no momento de refleti-lo.

O caráter da intencionalidade da consciência, sendo constitutivo de ser da consciência, deve espelhar-se em todos os seus modos de ser em face da situação política e sócio-ambiental. Deve haver, portanto, modalidades de intencionalidade, segundo as quais se configurarão os diferentes comportamentos do sujeito, em presença daquilo que representa a situação. O problema capital da teoria da ideologia é a investigação dos modos e condições segundo os quais uma imagem da realidade e um projeto de transformação se tornam conteúdo da consciência geral.

É indício de ressentimento aristocrático acusar as massas de incompreensão. A receptividade do espírito das massas aos planos políticos é ditada por causas e situações reais e objetivas, que são parte do processo que esses planos pretendem alterar. Por outro lado, uma consciência esclarecida não desconhece os fatores situacionais, psicológicos ou psicossociais das massas, mas não se comporta apenas psicologicamente.

O vício fundamental que invalida certas ideologias é a suposição de que conseguirão assegurar o triunfo de seus projetos pelo efeito da publicidade e propaganda maciça, constante e profunda. Tais ideologias caem ou se esfacelam porque acabam por acreditar na publicidade e propaganda que preparam para os outros tais quais se deram no nazi-fascismo, no bolchevismo e outras situações de fanatismos políticos e religiosos intransigentes e racistas.

Reconhecida pela consciência das massas como autêntico pensamento de que carecia para exprimir o seu projeto de existência, a ideologia, efetivamente politizada, assume caráter operatório e desencadeia forças criadoras, que a fazem transformarem-se de vivência subjetiva em fator dinâmico, criativo e libertador.

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A consciência e a práxis. A apreciação que a cada momento a consciência faz da situação do real é condição de possibilidade de novo projeto. O projeto de desenvolvimento autônomo nacional é uma sucessão de projetos mantidos em continuidade pela intenção geral.

O elenco de medidas que produzem o progresso ou desenvolvimento só pode ser estabelecido na e pela prática. Só a vivência das condições efetivas da realidade permite ao indivíduo constituir-se em autor de sua transformação.

Quem não está preso ao problema por um vínculo prático, por mais que dele se ocupe, seja por simpatia moral ou obrigação profissional, nunca terá a vivência indispensável à revelação de possibilidade de solução que apenas a inteligência, por mais arguta que seja não será capaz de discernir.

A noção de prática não admite ser estabelecida em termos universais e não tem conteúdo idêntico em todos os contextos históricos e, principalmente, político.

A prática de um país pobre está na grande maioria do povo que o habita. Para o homem do povo que habita na miséria de sua situação primitiva, não há outra prática senão o sofrimento cotidiano e não há outro critério de verdade senão a transformação objetiva de seu modo de existência pela luta política.

No país periférico, as elites enquanto classe são também afetadas pelo atraso, mas, enquanto indivíduos vivem fora dele e submetem-se ao pensar dos países hegemônicos.

Na situação de pobreza as classes ricas são restritas e se acham submetidas a pressões sociais, por parte das classes oprimidas, com maior intensidade que nas situações de pleno desenvolvimento.

Os determinantes da "praxis" com relação ao indivíduo são a: � Sua posição numa estrutura social dinâmica com estratos e classes

diferenciados em sentido econômico, social, ambiental ou em hierarquia administrativa

� Natureza e quantidade de trabalho que exerce na posição que ocupa.

Pela posição e situação existencial, o indivíduo participa de uma

"praxis" coletiva; pelo trabalho e encontra efetivamente a realidade. O trabalho no sistema mundo do capitalismo é causa modificadora da realidade e é sempre ação transformadora mesmo como mercadoria consubstanciada na força de trabalho.

A consciência é determinada pela prática social, primordialmente mediante o trabalho. A consciência é, na verdade, a percepção da existência do mundo enquanto espaço para a ação, campo de projetos possíveis. O trabalho, no capitalismo, é fator constitutivo do homem e é através dele que cada um constrói a consciência da realidade.

O trabalho é a essência da prática, e seu caráter transformador é a via de acesso à realidade. A adequação do pensamento a realidade material se faz mediante o ato humano de transformar esta realidade, e este ato é que se chama trabalho.

As tarefas do político, do teólogo e do filósofo do país subdesenvolvido são específicas e refletem a condição da realidade de que o pensador participa.

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Os políticos, teólogos e filósofos pertencentes aos centros dominantes da cultura contemplam o mundo do centro de dominação histórica e política.

O pensador do mundo periférico tem de pensar o real concreto, aquele que efetivamente se defronta e sobre o qual é obrigado a agir e transformar.

O pensador do país da periferia contempla sua realidade sem o direito de distrair-se na criação de concepções de cunho abstrato. Até os seus mais legítimos interesses e situações pessoais o obrigam a constituir-se em interprete do país a que pertence.

O filósofo, teólogo e político do país periférico é um homem em face do Tudo quando está por fazer no mundo que é o seu. Portanto, para ele não há o Nada. Não tem direito a futilidade intelectual, quando está diante da imperiosa exigência e necessidade de transformação do mundo a que pertence.

O pensador do país emergente-subdesenvolvido, como o Brasil, não pode, por isso, refletir o modo de existir de quem pensa a partir dos centros dominadores da cultura, particularmente, do ocidente. Deve denunciar a insuficiência da filosofia estrutura1ista que apresenta as estruturas de forma mecânica, da filosofia existencialista, que ignora os aspectos objetivos do existir humano, e do pragmatismo, que se resume em proclamar a prática sem a teoria.

Há que se ter todo o cuidado em depurar os traços alienantes das filosofias oriundas das metrópoles.

O conceito de amanualidade e a filosofia da técnica. A tese central de uma filosofia para um país emergente-subdesenvolvido ou periférico no modo de produção capitalista está na afirmação: é o trabalho que revela a realidade, na medida em que a modifica. Todas as demais formas de especulação que desviam a atenção deste conceito central estão em oposição aos interesses internos das nações que conformam esses países. O conceito de amanualidade (não se encontra nos dicionários) está, pois, na determinação de que os entes humanos no mundo se dão como algo que "está à mão", isto é, o manus, us ou man(i/u).

O amanual do objeto é visto como resultado de operação laboriosa, ao cabo da qual é dado porque foi feito. A qualidade de "feito" incorpora ao objeto esforço humano. “O amanual do objeto é sempre produto da mão que o faz, dado a mão que o conhece. Os objetos que se revelam como coisas, em virtude do caráter amanual, são na verdade objetos fabricados”. (ÁlvaroVieira Pinto).

A noção do valor econômico (valor, valor de uso, valor de troca e valor desenvolvimento) do objeto reflete-se, na realidade do artefato como uma das manifestações do ser humano.

A revelação do mundo, pelo amanual das coisas, se faz, portanto, trazendo sempre caráter histórico da manufatura e se refere às forças de produção, às relações de produção e ao grau de avanço intelectual existente.

O mundo contemporâneo é cada vez mais um mundo de fabricados e de símbolos. Quando o ente humano desenvolve a sua prática vital, por meio do trabalho, a partir de determinada posição social, esta mesma posição é resultado do trabalho das gerações anteriores. A essência da prática é o trabalho, agora no duplo sentido: de trabalho individual e de trabalho histórico acumulado (trabalho pretérito).

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O amanual de fazer objetos e valores simbólicos não muda apenas o modo de vida; muda o conhecimento do mundo. É com a criação e instalação da tecnologia nacional que se dá a transformação qualitativa do contorno vital humano, porquanto a industrialização conduz o indivíduo e a comunidade a terem, de si e do mundo, uma consciência qualitativamente diferente da que tinha nas fases primárias do desenvolvimento e do conhecimento científico.

O movimento de acumulação do trabalho social é a única maneira de elevar a nação aos planos mais altos da existência cultural e do bem-estar humano. A importância da distinção entre tipos de acumulação do trabalho está no discernir, quando uma atividade social se aplica conscientemente não a produzir "um mais", porém a produzir "um novo".

Não é apenas a acumulação quantitativa de trabalho social que gera o desenvolvimento, e sim a qualitativa. O que define em qualidade um modo de fazer é o que se chama de técnica.

A essência da técnica, bem como sua natureza de processo, lhe é conferida pela acumulação qualitativa do trabalho. A técnica é o "know-how", isto é, o modo de fazer novo alguma coisa.

A inércia da técnica está no "fazer bem”, quando aprovado pelo consenso geral como vantajoso e produtivo, e tender a resistir às modificações que visem a melhorar os seus resultados com a substituição do velho pelo novo.

A essência da técnica não está no "fazer bem", e sim no "fazer novo" que é, por natureza, invenção ou criação (trabalho abstrato e trabalho simbólico).

A técnica afeta o modo de trabalho existente e sobre ele deposita o modo novo de fazer e o mais perfeito. Além de ser uma acumulação de trabalho, é uma sedimentação histórica de maneiras de trabalho distintas qualitativamente e superpostas como camadas, revelando a natureza de "processo" do desenvolvimento técnico-científico.

A técnica revela-se através do jogo de ensaios e erros, no qual a imaginação dialoga com a realidade, até que, no curso desse confronto e dessa tensão, a inteligência capta nova propriedade do real ou nova possibilidade de agir, até então desconhecida quebrando paradigmas.

E necessário alterar o modo de produzir, proporcionando outro nível de existência econômica, social e ambiental. É, portanto, de natureza qualitativa, e não apenas quantitativa, a alteração indispensável. A técnica é a criação do novo a partir do antigo; é, pois, desenvolvimento que pode levar ou não a sustentabilidade da humanidade.

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VI. ATRIBUTOS DA CONSCIÊNCIA INGÊNUA

A postura ou forma básica de localização e interpretação da realidade

chamada de ingênua está inserta, geralmente, em enfoques eurocêntricos ou etnocêntricos da realidade brasileira. Sua consciência é emocional, linear e divorciada da objetividade e dos fatores e condições que a determinam. Encontra-se em disponibilidade e independente das coisas e dos acontecimentos. É isenta de julgamento com a intenção de rigorosa fidelidade aos fatos. Interpreta-os, segundo os princípios da lógica metafísica formal, da moral e da paixão. Julga-se incondicionada por considerá-los, a síntese do saber, no que se refere, às suas afirmações às quais submete a realidade. Sente-se satisfeita consigo mesma. Detém critérios absolutos de julgamento. É fechada ao diálogo. Atribui valor perene ás suas assertivas. A consciência ingênua é, por essência e por definição, aquela que não tem consciência dos fatores que a condicionam, que se julga origem não originada e causa incausada sobre o ser das coisas, a significação dos acontecimentos e ao valor das ações.

A consciência ingênua julga-se origem absoluta, donde não precisa obedecer à realidade, mas pensa que a realidade é que lhe deve obedecer.

A postura ou forma básica de localização e interpretação da realidade chamada de ingênua está inserta, geralmente, em enfoques eurocêntricos ou etnocêntricos da realidade brasileira. Sua consciência é emocional, linear e divorciada da objetividade e dos fatores e condições que a determinam. Encontra-se em disponibilidade e independente das coisas e dos acontecimentos. É isenta de julgamento com a intenção de rigorosa fidelidade aos fatos. Interpreta-os, segundo os princípios da lógica metafísica formal, da moral e da paixão. Julga-se incondicionada por considerá-los, a síntese do saber, no que se refere, às suas afirmações às quais submete a realidade. Sente-se satisfeita consigo mesma. Detém critérios absolutos de julgamento. É fechada ao diálogo. Atribui valor perene ás suas assertivas. Tem vários atributos quando condicionada pelo seu caráter eurocêntrico e etnocêntrico, como sejam: a visão mitológica da realidade, a ausência de compreensão unitária, o condicionamento pelo âmbito individual, a incoerência lógica, a absolutização de sua posição, a incapacidade de atuação ordenada, além da idealização dos dados concretos, do moralismo, da irascibilidade, do pessimismo, do ufanismo, do saudosismo, apelo à violência e muitos outros qualificados.

A seguir se apresenta uma ordem de atributos e caracteres da consciência ingênua ou cândida parafraseada ou extraída da obra do filósofo e sábio Álvaro Vieira Pinto, intitulada "Consciência e realidade nacional" (MEC-ISEB, 1960).

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1. CARÁTER SENSITIVO Através deste caráter, a consciência ingênua fundamenta-se em percepções superficiais, o que a faz tomar irrefletidamente a aparência, o sensível com que se defronta como expressão última da realidade. Reduz, assim, o real ao dado imediato, e este é naturalmente o que a impressiona no momento.

Tem percepções superficiais. Valoriza a aparência. Reduz o real ao dado imediato. Impressiona-se pelo momento. Interpreta a realidade de acordo com as vantagens e prejuízos que lhe causa. Perde-se em mimetismo. Transmite emoções de outros. É passiva, imitativa e reflexa. Está disponível a influência alheia.

Contentando-se em exprimir seu estado emocional julga estar emitindo conceitos válidos para a realidade como um todo. Desta forma, exprimindo seus interesses materiais, em vez de examinar racionalmente, segundo uma compreensão total, a relação dos seus interesses com o estado geral do processo, reage emotivamente o combate de situações criadas e passa a interpretar o conjunto do processo de acordo com as vantagens ou prejuízos que lhe causa.

Daí a vociferar valorações genéricas do tipo: "o país vai bem" esgotando-se no mundo de emoções que lhe é peculiar, ou seja, em torno de vantagens e prejuízos que lhe trazem os acontecimentos.

Por achar que o mundo é um conjunto de objetos e pessoas destinadas a lhe causar bem-estar perdem-se no mais vil mimetismo, atrelando-se às emoções de outras intelectualidades igualmente ingênuas e passa a refletí-la em seus conceitos de valores. Por este caráter de transmitir as emoções dos outros, assume postura passiva, imitativa, reflexa, estando, portanto, sempre disponível a influência alheia. Sua principal fonte de idéias é a paixão que lhe serve sempre como critério de verdade.

2. CARATER IMPRESSIONISTA Tem valor de simples impressão pela aparência. Sente os acontecimentos de forma emocional. Não pensa a realidade. Justifica-se a si própria. Interpreta a realidade independentemente de quaisquer conexões racionais. Encerra-se na subjetividade e na aparência dos fenômenos. Reflete sentimento das idéias e estados de ânimos. É cega às relações entre os fatos e entre as coisas.

Por ignorar os fundamentos de sua apreciação, seus enunciados têm o valor de simples impressões, tomadas dessa aparência, que não consegue apreender na sua exata significação. Sua disposição natural não é de pensar sobre os acontecimentos, mas a de senti-los intensamente. Identificada por estes atributos, quando é colocada frente aos acontecimentos, ela através deste contato emocional, justificar-se a si própria.

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A partir daí, sua essência se expressa em demonstrar interesse pela realidade, vivendo-a num processo de percepções singulares, independentemente de quaisquer conexões racionais. Por isso mesmo, é cega às condições que lhe permitiriam descobrir o significado lógico dos fatos, estabiliza-se em uma atitude impressionista, elevando-a a categoria de procedimento metodológico.

Este tipo de procedimento é altamente indesejáveis e graves, quando afeta o pensamento de técnicos, docentes e especialistas, pois, sendo portador de cegueira e obstinação no campo das idéias, cai, fatalmente, numa condição de confinamento e perde por completo quaisquer percepções críticas do conjunto da realidade. É por esta postura impressionista que se vê a candura do pensamento de muitos acadêmicos, especialistas, políticos, jornalistas e intelectuais, quando no trato de questões econômico-social.

Seu traço principal é seu encerramento na subjetividade. Contentando-se com as aparências, ela transporta para o plano do subjetivo o que, de fato, é conteúdo dotado de lógica própria. Fechando-se a captação das razões objetivas seu raciocínio limita-se as formas de sentimento das idéias e de estados de ânimos que lhes dão os substratos das apresentações no plano da subjetividade.

Por esse mecanismo de pensar, ela ignora as conexões materiais que constituem a lógica interna da realidade e, portanto, não vê as relações entre os fatos ou entre as coisas que representam a pertença verdade da realidade. Por isso mesmo, a sonoridade de suas formulações pretensiosamente universalista cai, fatalmente, em construções irreais que representam seu caráter cândido impressionista.

3. CONDICIONAMENTO PELO ÂMBITO INDIVIDUAL Apreende a realidade de um ponto de vista individual. Tem visão limitada e julga interpretar o real. Confunde o visto com o existente. Confina-se no seu próprio âmbito individual. Desconhece e ignora os processos históricos das transformações da realidade.

A consciência ingênua está sempre condicionada pelo âmbito individual privado. Apreende a realidade a partir de um ponto de vista do individuo, isto é, limita-se à área da existência de quem a constitui. Representa uma visão limitada, que julga ser contemplação de todo real e atual.

Em linhas gerais, recusa que toda consciência é, naturalmente, um "ponto-de-vista", ou seja, uma unidade de representação do real que a consciência critica vê em totalidade e atualidade mediante a aquisição de noções que transpõem ou circula a existência de cada ser humano individualmente. Por isso mesmo, a postura ingênua confunde o visto com o existente, pois, não tendo consciência da sua "situação" e do seu condicionamento, falta-lhe a possibilidade de ver a sua posição no conjunto mais geral da sociedade, e admitir que haja múltiplas regiões da realidade que lhe são desconhecidas.

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O que acontece ao técnico, ao político, ou especialista qualquer, quando se confina no seu próprio âmbito individual e a partir dele, se propõe, sem a devida compreensão metódica, a captar a realidade inteira: é o arquiteto que pensa somente como arquiteto, é o urbanista, para quem os problemas sociais são os exclusivamente de sua especialidade; é o político que reduz as lutas econômicas e sociais contra as ações exógenas das nações hegemônicas, a problemas de subversão, etc.

Pelo caráter do condicionamento pelo âmbito individual, a consciência ingênua revela-se através de conceitos "universalistas" do tipo: “inquietação do nosso tempo", "crise espiritual" "rearmamento moral”, etc. Estes conceitos impressionistas não têm correspondência alguma com o processo histórico das transformações da realidade.

4. ABSOLUTIZAÇÃO DE SUA POSIÇÃO Acredita ser absoluta. Não vê como é possível pensar diferente. Não está disposta a discutir o significado e as razões de sua posição. Não discute, contenta-se em responder. Sua formulação é abstrata, pois só assim consegue ser absoluta. Falta-lhe a percepção das determinações históricas; por isto absolutiza o ponto de vista de sua classe, do seu país, da sua raça, da sua posição ideológica, Considera-se sujeito da história, para o qual todos os demais indivíduos são objetos.

A consciência ingênua é, particularmente, nociva quando passa a exaltar certos princípios e ideais elevados a verdades eternas, pois, coincidindo com os interesses individuais de quem as cultiva diretamente ligado a vantagens pessoais ou indiretamente às do seu grupo ou nação, chega a descambar diretamente para o fascismo, desconhecendo o direito de expressão à consciência discordante, ou eliminando-a por métodos violentos, genocidas ou de torturas.

Por outro lado, este caráter de absolutização da sua posição pode levar também a consciência ingênua a enveredar-se pela inatividade e pelo fatalismo, isto é, sua percepção a-histórica dá-lhe todas as facilidades de sentir-se segura em seus enunciados, e quem está seguro do que sabe, não achando motivos para dúvidas, não se dispõe a provar a realidade, dispensa o contato com os fatos, tende, por conseguinte a não agir.

Pelos motivos expostos, o caráter de absolutização de sua posição pode levar a consciência primária, como ativa, ao mais desenfreado fascismo, ou, como passiva, ao fatalismo.

5. INCOERÊNCIA LÓGICA É surda e incoerente às formulações lógicas. É dogmática. Não tem precisão de linguagem e de pensamento. É cega às matizes da realidade. É insensível à argumentação objetiva. Foge a qualquer objetivo que contradiga suas afirmações. Acham importante e digno de atenção, apenas, os seus

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julgamentos. Tem aversão às formulações críticas. É silogística e escolástica. É hostil aos princípios de racionalidade.

A consciência ingênua é surda as formulações lógicas, insensíveis as matizes na diferenciação dos conceitos. Por ser dogmática exibe constante imprevisão de linguagem e pensamento. É imprecisa pela falta de contato com o real. Emprega repetidamente expressões indefinidas como: “tal e qual”, ”tal é a coisa”, “etc e tal”.

Por ser cega as matizes da realidade a consciência cândida busca somente efeitos estéticos da realidade e, portanto, limita-se em zombar daqueles que procedem a investigar os dados empíricos. Pela absolutização de sua posição, fica insensível à argumentação objetiva, às análises e demonstrações matemáticas. Tem aversão a discutir em termos concretos e foge a qualquer objetivo que contradiga alguma de suas afirmações. O que lhe é importante, são os seus julgamentos e, assim, torna-se impermeável as razões do adversário que, a priori, já sabia ser pessoa equivocada. Não argumenta quando suas atitudes estão em jogo, porquanto, elas, ao seu modo de ver, são as certas e verdadeiras. Tem horror às formulações criticas e, por isso mesmo, taxa pejorativamente de “teóricos” a todos aqueles que pensam criticamente.

Desconhece e nega que o pensar crítico seja a tradução, interpretação e apreensão do concreto ou do empírico em linguagem racional, porque é procedente da incorporação a representação subjetiva da lógica imanente ao processo.

Muitas vezes, por ser culta erudita e simplista a consciência cândida apresenta propensão a argumentar, mas de forma silogística e escolástica, interessando-se apenas em explorar as conexões abstratas entre as idéias e, por isso mesmo, é hostil aos princípios de racionalidade e de crítica, pois julga definir-se pela clareza e logicidade, que supõe ser objetiva.

6. IRASCIBILIDADE É reclamadora e deblatedora. Substitui os nexos reais por ligações entre estados psicológicos. Vive indignada contra os fatos e atitudes dos humanos. Decepciona-se de estar num mundo que não lhe obedece, isto é, teima em ser o que não deveria ser. É fanática e irascível. Inverte a existência em acusação normal contra a realidade.

Por ser contra aos acontecimentos, deblatera contra tudo e contra todos. Substitui os nexos reais das coisas por ligações entre estados psicológicos dos agentes. Grita contra a estupidez, a incompetência e, sobretudo, a desonestidade dos responsáveis pelos negócios públicos, não acredita em corrigir a realidade na medida em que se substituem os autores.

Sendo fechada, circunscrita, tendenciosa, por sistemática reação a exaltar-se, ela vive na decepção de estar num mundo que não obedece ao que para ela seria racional. Por isso acusa a realidade, desligando-se da ação causal dos fatores objetivos e inverte a existência em acusação moral contra a realidade.

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Ignora que a moral é uma defesa do coletivo social humano contra o indivíduo. Daí passa o mundo a ser, para ela, um depósito de perversidade e de malícia, porquanto, teima em ser o que não devia ser. É por excelência fanática.

Por ser colérica, ela apregoa que a ignorância e a imoralidade estão por toda parte; portanto, a ela cabe promover a purificação das almas e separar o "joio do trigo", ou seja, condenar todos aqueles considerados maus.

Para a sua ressonância ou acústica recíproca, ela cria e alimenta tendência do "escritor ingênuo e público-ingênuo”. Por isso se alicerça na deblateração desenfreada e no vitupério que lança contra o esta candura do pensar mágico. É levada a se julgar no dever de clamar, cessar, e manter uma eterna vigilância contra os desvios da história. Jamais pode entender que o preço da vigilância de países hegemônicos pode ser também, o preço da eterna escravidão.

7. INCAPACIDADE DE DIALOGAR Nega o diálogo como ação concreta. É impenetrável à comunicação. Demonstra que a consciência discordante vem à discussão sem estar de posse da verdade que é sua. Não admite a verdade como valor social. Recusa que no âmbito da comunicação coletiva a prática se torna fundamento da verdade. Vive em busca de aplausos. Contenta-se com suas aclamações emotivas e multiplica-se sem se reproduzir.

Tendo assumido a validade absoluta do seu ponto de vista, considera aberração mental qualquer posição diferente da sua. É profundamente antidialógica. A procura da verdade é um escândalo intelectual e uma fraqueza moral. O convite ao debate, a tentativa de ordenar racionalmente as idéias, procurando estabelecer os problemas e investigá-los de modo metódico, tudo isso lhe parece recurso tendencioso, indício de falta de certeza em quem o utiliza; demonstra que o adversário vem à discussão sem estar ainda de posse da verdade, mas quer procurá-la enquanto analisa a questão em apreço, revelando sua debilidade perante a qual já está seguro de possuir aquilo que o outro penosamente vem buscando.

Impenetrável á comunicação, é conduzida a ver na consciência discordante permanente intenção maliciosa, demonstrada na repetida negação das idéias e fórmulas que lhe parecem às únicas justas.

Vocifera e não aceita que o diálogo é condição existencial do ser humano, e que, por isso mesmo, não pode ser exercício imaginário. Por essa postura, não vê o diálogo como um drama concreto, travado entre existências que ocupam, no espaço e tempo social, posições distintas e, às vezes, antagônicas, em virtude de razões que afetam, existencialmente, uma e outra.

Pela sua incapacidade de dialogar, a consciência ingênua não aceita que a verdade é um valor social, exigindo a participação de/ou por outro que a deve aceitar, mediante condições que lhe sejam próprias; do contrário, seria elucubração solipsista.

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Não permitindo que a verdade adquira significado social de caráter crítico, escapa-lhe o significado do existir objetivo. Por isso, desconhece que, só no âmbito da comunicação coletiva, a prática se torna fundamento da verdade, pois, não é na experiência pessoal isolada que se estatui o vínculo de conhecimento entre o pensar e o ser.

A consciência primária tem, ainda, uma característica de transferir ao interlocutor a incomunicação de que padece pelas definições que tem de si e dos seus condicionamentos. Vive à cata de aplausos contentando-se com aclamações emotivas e, assim, ela multiplica-se sem se reproduzir. Instalada entre espelhos, na repetição ao infinito da própria imagem, considera o reflexo de si mesma satisfatória aprovação.

8. PEDANTISMO É receptora da cultura alheia eurocêntrica ou universal. Divorcia-se da relação que deveria ter com sua existência social. Valoriza o que sabe e o problema com empáfia. Apregoa e divulga a recepção da cultura. É por natureza eurocêntrica, americanocêntrica ou etnocêntrica. Vive a busca de: elogios, cargos, títulos, medalhas, honorárias e honrarias.

A consciência ingênua tem, por fundamento, a falsa compreensão do papel da consciência em relação à realidade a que está ligada que, da sua maneira de ser, das suas peculiaridades subjetivas, inclinações psicológicas e interesses pessoais, dos quais devem derivar os acordos para que desempenhe a função intelectual.

Importa-lhe valorizar o que sabe e proclamá-lo com empáfia. Confia na ignorância alheia mais que na própria ciência. Conquistada a áurea de personagem importante, desinteressa-se do estudo e se entrega à luta pela conquista de elogios, cargos, títulos, medalhas, honorários e honrarias em geral. Esse caráter da consciência ingênua não é outra coisa senão uma das faces da alienação cultural, específica do intelectual do país subdesenvolvido.

Consumada a desvinculação com a realidade, a modalidade pedante da consciência ingênua se autofecunda e descamba na série cômica e ridícula de atitudes, que bem se distingue, em grande parte, dos nossos acadêmicos e renomados intelectuais ou “homens de ciência”.

A função básica da consciência pedante é servir de mediadora do saber entre os centros estrangeiros universais e os restritos e atrasados centros cultural nacionais, produzindo, no meio local, livros que traduzem ou refletem o conteúdo dos livros estrangeiros.

Sendo receptora da cultura alheia ou universal, o modo pedante de pensar da consciência ingênua não percebe ou divorcia-se da relação que deveria ter com sua existência social e, por isso mesmo, apregoa e divulga a "recepção da cultura”, não somente no sentido de receber de fora, mas, também, no de festa. É, portanto, neste sentido, que o conceito de "recepção da cultura", peculiar ao pedantismo da consciência primária, induz o pedante, quando demonstra seu

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vasto cabedal de conhecimentos, a nada mais fazer que vestir a indumentária intelectual para comparecer à festa alheia.

O próprio hábito de ostentar os anéis de formatura é típico do intelectual do país subdesenvolvido, pois é sabido que o uso de tais anéis se destinava, no passado, a indicar as pessoas que não precisavam utilizar as mãos para o trabalho pelo privilégio de servirem apenas como escribas.

9. AUSÊNCIA DE COMPREENSÃO UNITÁRIA Nega seu fundamento histórico e nacional. Ignora que a problemática é da realidade e não do pensamento. Assume posições opostas e afirma conceitos desajustáveis por ausência de compreensão unitária. Julga-se expressão da verdade imparcial. Nega o contexto político, econômico e social da nação que exprime a realidade. Ignora a unidade de pensamento e ação. É incapaz de atuar ordenadamente.

Por ter índole contraditória e não tendo disto a menor percepção, a consciência ingênua torna-se incapaz de indagar o que constitui os seus fundamentos. Situa-se na subjetividade e se fecha a oportunidade de assimilar a racionalidade imanente aos acontecimentos. Substitui a racionalidade pelo raciocínio abstrato, formal, limitando-se a pensar relações entre idéias. Contenta-se com o mundo de especulações que constrói e que habita, tornando-o como reprodução fiel do exterior. O real passa a ser algo estranho do qual, de vez em quando, se aproxima.

Movida por ímpetos irrefletidos, é capaz de assumir satisfeitas, posições opostas e afirmar conceitos inajustáveis, os quais, não sendo submetidos à análise que lhes denunciaria a incompatibilidade, podem coexistir, desde que sustentados por motivos irracionais. A razão desta ausência de compreensão unitária descansa na ignorância de que o real possui os meios de sua retificação porque a problematicidade é da realidade e não do pensamento.

Em função da criação, em nosso tempo, de um grande número de instituições estrangeiras e internacionais e de várias espécies, deparam-se, hoje, os países subdesenvolvidos, com um sem número de especialistas recrutados por esses organismos, que os transfere a um plano fictício do anacional puro e que produzem inúmeros documentos de natureza política, econômica, social, ambiental, literária ou científica. Dispondo de grandes somas de recursos e de técnicos de notória capacidade, essas instituições protornacionais são chamadas a pronunciar julgamentos sobre problemas específicos da validade de todos os países. Esses pronunciamentos e julgamentos, por virem desse mundo de ninguém, se inculcam como expressão da verdade imparcial. Por esse equívoco, a atitude de imparcialidade abstrata deixa de ser vaidade de alguns pensadores românticos, para encontrar um pequeno exército de realizadores práticos. É provável que muito tempo se passe até que a consciência nacional venha a ter clara compreensão deste fato.

O pensar crítico não aceita esta prática de imparcialidade; ao contrário, sustenta que, para haver imparcialidade, é necessário que o pensador veja a

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realidade a partir dos interesses e/ou necessidades da comunidade a que pertence, pois lá está a plena representação do condicionamento imparcial. Não pensando independentemente de qualquer determinação, o pensador sabe que a perspectiva na qual se coloca não conduz a alteração do conteúdo do fato, mas, ao significado do fato.

Por isso mesmo é que o pensar crítico defende a tese de que compete ao filósofo, economista, sociólogo ou outro especialista social assumir o significado interior dos dados do contexto econômico-social da nação, tal como se apresentam a consciência que os vê de dentro e que exprimem o estado real que é o seu, e não outro qualquer. Acredita que só assim, gera-se a imparcialidade de natureza concreta. Todo este conceito de imparcialidade deriva do fato da inalienável condição de o humano ser um ente no mundo histórico, no âmbito do seu país e de, neste, ter lugar o fato em apreço.

Muitos dos especialistas internacionais resvalam para a ingenuidade, mesmo quando no afã de superar o que chamam de "estreiteza do seu horizonte familiar”.

10. INCAPACIDADE DE ATUAÇÃO ORDENADA A consciência ingênua não exige o reconhecimento ponderado da verdade de suas assertivas. Não se empenha em conquistar sólida penetração na sua consciência e na alheia. Não defende senão com calor verbal a veracidade do que diz, porque é ágil em substituir qualquer pronunciamento a outro, evitando o ônus das laboriosas demonstrações. Não se interessa pelas próprias soluções que apresenta. Limitando-se a proposição, não compreende que toda realização concreta implica unidade de pensamento e ação.

Por faltar-lhe a compreensão do que seja a prática social, filosoficamente entendida, a consciência ingênua idealiza mecanismos e motivos que acionam os seus julgamentos terminando por desprezar o aspecto prático da existência e a consideração dos fatores objetivos. Quando privada do comando político, a consciência cândida se acha sempre no direito de um dia atuar e alterar a face das coisas.

Daí assumir atitudes conhecidas como de "políticas da oposição", geralmente embebida numa visão singela da realidade nacional. Por supor a permanente divisão entre pensamento e prática, aceita como natural o esquema da divisão social das atividades de acordo com o qual alguns se reservam a parte do pensar puro, deixando a outros a incumbência da realização.

Através deste cunho intelectualista e aristocrático, e em virtude da percepção da própria inoperância, assume para com o real, indiferente ou rebelde, a atitude moralista.

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11. MORALISMO Afirma o primado da realidade na prática social. Desconhece as leis do processo real. Prioriza o ser pelo “quantum” de bondade que possui. Apela para violência contra instituições, coisas e pessoas nas quais julga que a maldade se encarnou. Valoriza a ordem de cogitações abstratas e a espera ontológica dos valores. Torna a lei ética de validade absoluta. Ama a lei e o direito em detrimento do ente humano. É cega a realidade histórica. Nega a percepção de grupos, classes e estratos sociais. Apregoa o efeito do bem e do mal entre a luz e a treva. Elege os puros e condena os imorais.

Conduz a apreciação dos acontecimentos e o julgo sobre os humanos, segundo o que lhe parece ser o valor moral contido nos fatos e nas condutas. Coloca a existência de um ser na dependência do quantum de bondade que possui. Da mesma forma, a consciência ingênua reivindica o primado da moralidade na prática social. Não reconhecem que o processo real tenha leis próprias, de teor objetivo, que determinam os acontecimentos ao ligarem os fatos as suas condições, e constituam mecanismos de criação da realidade, independentes da nossa vontade e do nosso julgamento.

Apela para a violência, mesmo extrema, contra instituições, coisas e pessoas, nas quais a maldade se encarnou. Desvia a atenção do verdadeiro significado dos acontecimentos do processo histórico, o seu condicionamento material, especialmente econômico, e o dirige para a ordem de cogitações abstratas, a esfera ontológica dos valores levando a discussão dos problemas da realidade a ser travada em função das pessoas.

A lei ética é elevada à razão ultima de todo acontecer histórico e princípio de constituição humana. Sua validade é absoluta.

Contentam-se em profligar a má conduta dos humanos a fustigá-los com a denúncia de sua imoralidade. Lamenta que sejam tão tristes os tempos em que tem a desgraça de viver. Sua repulsa ao real não decorre da experiência das condições materiais dos fatos nem é motivada pelo sentimento das conveniências humanas, mas deriva somente de postulados éticos. Não ama o ser humano ama a lei.

É cega à realidade histórica. Só o ente humano individual é responsável pelo que faz e pelo que é. Não aceita e muito menos vê a percepção dinâmica de grupos, classes sociais, partidos, etc. e, por isso, descobre sempre neles uma personalidade representativa do conjunto a quem atribui significado e valor ético. Os demais membros são avaliados por equiparação ao líder. O grupo ou classe social não tem significado, pois, a rigor, só importa a figura saliente que em geral, é explicada pelo efeito enfeitiçador do bem ou do mal. Sua essência está no combate místico entre a Luz e a Treva. O Bem e o Mal é seu lema para eleger os puros e condenar os imorais.

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12. IDEALIZAÇAO DOS DADOS CONCRETOS Idealiza os dados concretos. Tem fascínio pela violência e que traduz em julgamento. Cultua o moralismo. É seduzida a ditadura. Apela para a violência como meio pedagógico e como recurso corretivo. Defende a violência na política social como método de dirigir a sociedade. Acredita na tutela de um líder sobre o povo na medida em que este, do seu ponto-de-vista, não tem condições de escolher seus governantes.

Por ser a-hístóríca na presença de um problema concreto, dispõe-se a dar-lhe solução, mas supõem prèviamente modificados os termos materiais e humanos da questão. Encaminha os problemas em termos que desde o começo os moldam nas formas favoráveis às soluções que lhes pretendem dar. Ao imaginar ou idealizar a solução de um problema, inflama-se de entusiasmo que a visão antecipada do sucesso lhe desperta.

Igualmente, a tendência pela sua visão idealizadora antecipada do modo de ser das coisas e das pessoas, que a experiência, no momento da execução, denuncia como falso, ela, em vez de voltar a si a reconhecer o erro das suas premissas, simplesmente se revolta contra a realidade e sucumbe à depressão.

Vivendo na alternância de exaltação e desânimo exacerba-se ao conceder soluções prontas as dificuldades e desgraças contra as quais reclama. Ao verificar o malogro de sua pregação e idéias salvadoras, desalenta-se e passa á atitude acusadora.

A consciência ingênua não erra; apenas falha. A seus olhos, há tanta coerência no que enuncia que a eventualidade do erro é inadmissível. Reconhece, porém, que falha com freqüência, mas a culpa do insucesso não e sua e sim das coisas e dos humanos.

13. APELO À VIOLÊNCIA Despreza as massas populares. Considera os trabalhadores o “Zé povinho”. Vê no processo de urbanização o desvio da “vocação agrícola” do Brasil. Teme o futuro. Nega a mobilidade das mudanças que a situação presente indaga sobre o estado futuro. Acha que o conceito de massa é subversivo e deturpa a idéia autêntica de povo. Julga a massa um fenômeno social patológico. Desconhece que a massa é produto da época contemporânea imposta pela moderna divisão social do trabalho, pelo processo de desruralização e pela globalização e seu caráter de exclusão social.

Do culto ao moralismo e do desencanto pelo malogro das soluções perfeitas, a consciência ingênua inclina-se a apelar para a violência na solução das questões sociais. Apela para a violência com duplo motivo, enquanto meio pedagógico e como recurso corretivo. Sempre assume um posicionamento aristocrático.

Pelo incorreto entendimento do processo histórico proclama como legitima a violência como política social, isto é, como método de dirigir a sociedade.

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Entretanto, não aceita e repudia a violência quando reflete as crises do processo histórico, isto é, aquela violência que deriva da certeza de ser feita pela maioria sobre a minoria em declínio, por força do dinamismo social.

O fascínio da consciência ingênua pela violência se traduz em julgamentos obtusos dos tipos:

“Qual! Só matando esses canalhas é que este país endireita"; “É preciso um pulso de ferro para botar isto nos eixos” e outros do mesmo jaez. Por esses traços, ela é sempre seduzida à ditadura; é, portanto, altamente maléfica, pois entende como realidade a projeção imaginária dos seus desejos íntimos, a concretização futura dos seus sonhos em um mundo que dê corpo aos seus valores morais.

O povo e a massa, para esta modalidade de consciência, sofrem de congênita debilidade mental incorrigível infantilismo quando num contexto de um "país atrasado como o nosso" é que por isso mesmo, não tem condições de escolher seus governantes, precisando ser tutelado.

14. DESPREZO PELA MASSA Por seu sentido moralista e anti-histórico e aristocrático despreza aqueles que consideram "Zé povinho", ou seja, toda a gama de trabalhadores rurais e urbanos. Menospreza as máquinas sob alegação de que elas voltam-se contra os humanos e servem para seus sinistros desígnios. Assusta-se com o processo de urbanização e vê no êxodo rural o desvio da "vocação agrícola" do Brasil. Vive no contínuo temor do futuro. É saudosista e comportam-se como elites.

Nega que a realidade social, como um total real, e mobilidade e, portanto, mudança sucessiva, pelo que todo estado presente suscita a indagação sobre o estado futuro.

Através dessa postura primária, não só nega a existência da massa, mas, também, despreza, por julgá-la um conceito artificial e astuciosamente cunhado por “ideologias subversivas”.

Segundo a consciência ingênua, o conceito de "massa" visa deturpar a idéia autêntica de povo, que é dotada de valor ético e, portanto, não pode ser confundido com o conceito “subversivo de massa". Tal desprezo descansa no fato de que essa consciência entende que o termo massa é um instrumento verbal artificioso, criado pelos interessados em manejá-lo contra as instituições e as idéias vigentes. Para contestá-lo, é imprescindível mostrar que o ser humano pertence ao povo que é, por essência, um conceito de coletividade nobre e autêntico.

A massa é, para ela, um fenômeno social patológico, indício de uma civilização decadente e próxima do extermínio, que perdeu o senso de valores morais, que se afasta de Deus, etc. No seio da massa o ente humano anonimiza-se,

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perde o nome e a face, renuncia ao que tem de singular, de único, em favor dos interesses médios da multidão desqualificada.

É difícil para ela entender que a massa nem sempre existiu no curso na história; é produto da época moderna e contemporânea quando se instituiu um tipo peculiar de convivência social, em que a divisão social do trabalho impôs uma especial divisão de classes sociais onde teve origem o fenômeno de surgimento da massa.

15. CULTO AO HERÓI SALVADOR A consciência ingênua cultua o herói salvador. Define os problemas nacionais pela “desorientação dos espíritos”, “ambição desenfreada”, “falta de caráter”, “falta de vergonha", etc., e por isso apela para o salvador. Reduz a problemática nacional à incumbência da salvação do país pelos justos sob a chefia do salvador. Ignora que o país não precisa ser salvo, necessita ser desenvolvido. Quer a salvação moral do país pela melhoria dos homens e depois a solução da problemática nacional. Tem visão moral da história e falseia a verdadeira significação dos fatos dinâmicos da história.

Quando tal estado se apresenta por emergência providencial, apelam para a figura do salvador para superpor-se as forças sociais e recolocar o país na senda das suas tradições e do seu destino.

Reduz todos os problemas nacionais exclusivamente a incumbência da salvação do país pela campanha dos justos, devidamente arregimentados sob a chefia de um pastor excelso. Ignora e não aceita que o país não precisa ser salvo, precisa ser desenvolvido.

Para ela o problema geral da nacionalidade se apresenta como o da salvação moral do país e, portanto, está presa a convicção de que é preciso, primeiro, melhorar os humanos para, depois, dar solução aos problemas nacionais. Advoga que o redentor deve vir de cima, receber o aplauso e beneplácito das camadas superiores, ricas e letradas, da sociedade, para grupar o exército dos escolhidos que deverá dar combate às turbas analfabetas e aos corrompidos que as dominam.

Toda mentalidade salvacionista do culto ao herói se fundamenta numa visão moral da história e falseia de todo a verdadeira significação dos fatores dinâmicos da história.

Fica indignada e vocifera contra o homem anônimo da massa que está raciocinando com categorias mais autênticas, que concebe a realidade de modo muito mais objetivo, do que os apóstolos da consciência cândida e idealizadora, que lhe acena com a possibilidade de elevar-se na escala da perfeição.

A forma primária de pensar ignora e não aceita que a pobreza nivela os indivíduos no plano dos misteres elementares, proporcionando-lhes uma representação do real muito mais autêntica do que a das classes abastadas e

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plutocratas. Na vivência da pobreza, o ente humano possui, naturalmente, uma consciência critica.

A ingenuidade de cultuar o herói salvador chega ao cúmulo de pensar em "tornar os ricos menos ricos, para tornar os pobres menos pobres", através da nobreza de intenções e humana compaixão do excelso salvador.

Ignora que as reivindicações dos pobres são sempre no sentido de vender mais caro seu trabalho e seu ponto-de-vista e, por conseguinte, bastante diferente. Os pobres encaram o problema da eliminação do seu estado de miséria do interior dele não pensam segundo esquemas de equilíbrio social, que não sabem o que é, pois a sua vida é a permanente experiência do desequilíbrio. Não se sentem obrigados a respeitar nenhuma convenção, nenhuma ordem ou estrutura coletiva, portanto, ao que lhes parece, são estas que configuram a realidade onde se encontram. Desta maneira, sem qualquer maldade intencional, estão naturalmente disponíveis para todas as transgressões, porque, vistas de dentro, estas chamadas transgressões são excursões ao exterior do seu estado de penúria,

É um engano pensar que existe continuamente uma consciente intenção revolucionária na massa; esta só aparece em condições especiais, após longo período de propaganda ideológica, de politização prática; exige demorado processo evolutivo das bases materiais e nem sempre se organiza de maneira eficaz. Não é a revolução que os ricos e os exploradores devem temer; é a revolta. A primeira só é possível em circunstâncias particulares; para produzir-se obedece a leis históricas definidas, tendo por condições preparatórias transformações objetivas que envolvem aqueles mesmos que a ela se opõem, e não conseguirão impedi-la quando tiver de ocorrer. Mas a revolta é sempre possível. Não é senão mediatamente determinada pelo processo da realidade. Não decorre de nenhuma lei e dai o fato de, embora às vezes terrível, ser efêmera. A revolta pode sempre ser vencida, a revolução, não.

16. MESSIANISMO DA REVOLUÇÃO Venera o herói salvador e lhe reconhece dons carismáticos. Transfere-lhe a responsabilidade da revolução. Acredita na “certeza de melhores dias” e horroriza-se pela situação atual. Esgota-se na vingança contra a corrupção e a indignidade moral. Acredita que o país vai mal por causa da loucura da ambição e das mordomias. Nega que as revoluções obedecem a leis históricas. Prega que as revoluções são atos de chefes salvadores ou gesto mágico de uma vontade onipotente, onisciente e onipresente. Por isso é messiânica.

Intimamente ligada ao atributo anterior, à consciência ingênua venera o chefe ou herói salvador no qual reconhece dons carismáticos, transfere para ele a responsabilidade da revolução, considerando ser sua obrigação apenas apoiá-lo no devido momento. O herói salvador, quando chegar a hora, farà a revolução; é o motor, o aqente único, todos os demais figurantes são subdivisões da sua vontade.

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Acreditando na "certeza de melhores dias", a consciência primária horroriza-se diante da situação atual e augura a salvação do país pela ação dos homens de bem que não o desampararão do progresso por ela ansiado. Acreditando, que está armada de uma teoria revolucionária, ela se esvai em um estado de espírito de flagrante inocência intelectual de conteúdo unicamente emotivo e se vê impressionista. Sua doutrina de revolução se esgota na vingança contra a corrupção e a indignidade moral, pois sente que "o estado de coisas não pode continuar a ser assim", daí o seu caráter messiânico.

O porquê da revolução deve ser buscado na incompetência, irresponsabilidade e corrupção dos “homens de governo” que, na loucura da ambição e da "mordomia", perderam contato com os interesses do povo.

Pela sua cegueira, a consciência primária não vê que a revolução é fenômeno natural na dinâmica da história; é a manifestação sensível de uma transformação qualitativa da realidade social. Obedece a leis, e não a chefes. Não é espontânea nem mecânica, mas também não é arbitrária, no sentido em que seria o gesto mágico de uma vontade onipotente. É, ao contrário, acontecimento resultante do processo objetivo, cujas determinações específicas a torna possível em certos momentos e só nestes. Tem leis que o pensamento crítico não pode recusar, e que constituem o fundamento último de sua ocorrência.

17. ADMISSÃO DA EXISTÊNCIA DE UM PROBLEMA SUPREMO É por demais reducionistas. Acredita que os males que o país padece, tem uma só causa. Escolhe um problema nacional, considera-o supremo e apregoa que a partir de sua solução ocorre a dos demais. Falta-lhe o sentido de totalidade do real por reduzir a multiplicidade dos problemas a um só. É desarmada de categorias lógicas e perde-se em julgamentos dos tipos: “a saúde da população é o mal do Brasil”, “o mal é o analfabetismo e a ignorância”, “governar é abrir estradas”, etc.

Como decorrência do caráter messiânico da revolução, a consciência ingênua tende a escolher arbitràriamente um problema nacional e considerá-lo supremo, acreditando que na sua solução decorra a dos demais. Acredita que os males que a nação padece têm uma só raiz, uma só causa. Nega que as questões só se tornam relativamente mais graves quando da sua solução depende a de um maior número de outros problemas.

Não aceita que a relação entre as questões é lógica, exprime a interação entre toda a reciprocidade dos efeitos e das causas, é determinada pelas leis do desenvolvimento do processo, e não arbitrária e decidida por preferências individuais, ou por interesses profissionais de quem emite uma opinião pessoal.

Desarmada de categorias lógicas ela se perde no seu diagnóstico ao sabor de as referências individuais dos tipos: “a saúde da população é a raiz de todo o mal do Brasil”; “o mal é o analfabetismo e a ignorância”; “a precariedade está nos meios de comunicação”, “governar é abrir estradas”; ou é o "clima desfavorável que torna o homem doente crônico, preguiçoso nato”. Alguns

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afirmam que somos uma nação de caráter mal formado por conta da miscigenação das raças ilogicamente misturadas; outros julgam que o problema crucial é a falta de capitais ou, ainda, a falta de energia elétrica e de petróleo abundante, etc.

A sua ingenuidade não está nos problemas a que se referem alguns em si mesmo reais, mas na conduta de pretender reduzir a multiplicidade dos problemas a um só, isto é, julgar que todos os malem do País decorrem de uma só razão.

Faltando-lhe o sentido de totalidade do real, ela está afeita ao trato constante de um aspecto parcial do mundo e acaba por converter os demais em secundários e dependentes. Este vezo da consciência simplória se observa com significativa freqüência na mentalidade de técnicos, de especialistas e dos acadêmicos.

18. COISIFICAÇÃO DAS IDÉIAS Reificadora dos problemas concretos. Converte conceitos e idéias em coisas. Entende o mal como dado empírico, concreto, individual e como ser ou força do mundo. Ignora a realidade humana dando lugar a materialização dos conceitos e das idéias. Fala com freqüência no “mal do Brasil”, na “falta de vergonha”, na “baixeza do caráter”, no “analfabetismo”, na “preguiça”, etc. Ignora os esforços históricos para a formação de um modo de pensar critico abrangente.

Converte os conceitos abstratos em coisas dotadas de ação definida e de força física a que se pode imputar um malefício. Com freqüência deblatera sobre: “mal do Brasil", "falta de vergonha", "baixeza de caráter”, "analfabetismo”, “preguiça do brasileiro", etc.

Estes conceitos, como se viu acima, assumem diretamente o caráter de coisa, sem necessidade de ser antes corporificados como "mal". Toda realidade humana contida nestes epítetos cede lugar à materialização do conceito.

Entende o mal como dado empírico, com existência concreta e individual, como ser ou força do mundo, a ser um fato, em vez de uma apreciação, é uma presença corpórea em vez de um modo de dizer. Entretanto, se consultada sobre os traços distintivos, não se interessa em definir claramente em que consiste o mal.

Sendo pobre de conceito, ela força a multiplicidade de dados e aspectos do real a enquadrar-se no exíguo aparelho mental de que dispõe. Em seus discursos retornam sempre as mesmas idéias, o que julga ser bom indício do que chama "fidelidade às idéias".

Reacionária por natureza, ela considera com reservas a proliferação de problemas, diante dos quais se sente tomada de vertigem. Não compreende os esforços históricos que temos diante de nós sem proceder á completas remodelação de nosso modo de ver a realidade, sem a substituição das idéias

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de que nos servíamos quando eram outras as condições de existência e pobre em extremo o panorama da realidade.

Não aceita que a criação de novos bens de produção significa simultaneamente a criação de novas idéias, que permitem compreender a modificação operada no real pela introdução de tais bens.

19. MALEDICÊNCIA E PRECIPITAÇÃO DE JULGAMENTO É maledicente. Ocupa-se em proferir julgamentos sem respeito pela necessária fundamentação. Precipita-se na atribuição de qualificativos deprimentes do tipo “ladrão”, “picareta”, “canalha”, ”corrupto”, “negocista”, “traidor”, “vendido ao capital americano”, “a serviço do comunismo”, etc. Acolhe a difamação, a intriga, a calúnia, as “fofocas”, etc. Vê o Brasil através da tristeza e por isso mesmo denegri o real por achá-lo hostil e insuportável. Divide os humanos entre os que pertencem e os que não pertencem ao governo ou à elite ou, ainda, ao bem e ao mau.

Sendo emocional impressionista e ilógica, a consciência ingênua precipita-se na atribuição de qualificativos, isto é, ocupa-se em proferir julgamentos sem nenhum respeito pela necessária fundamentação. Não apela para nenhum mecanismo demonstrativo, confia no poder de difusão de seu falatório.

Acolhe com prazer a difamação, a intriga, a calúnia, "as fofocas", especialmente em relação a pessoas com função de governo. Valores como a honradez, o patriotismo, o devotamento, a pobreza, a corrupção, a traição, etc., é sua preocupação, mas não é capaz de exprimir ao certo em que consistem.

Vendo a nação através da tristeza e da desgraça, estabelece um vínculo simpático entre o espírito e o real, em virtude do qual desafoga a frustração interior, pela convicção de que a culpa do que acontece cabe ao estado da realidade má e inóspita.

Tem pendor a denegrir o real, a julgá-lo feio, hostil e insuportável. Vive na impressão de que o governo é uma espécie de empório de encantos e delícias. Para ela o governo encarna a realidade. Reduz o mundo a um combate de vontades, a um prélio anímico, por meio do qual explica porque todos os males que a afligem são devidos à decisão dos outros.

No trato de fenômenos econômicos ela se deblatera na total inversão da ordem dos fatores determinantes. As forças econômicas são privadas de objetividade a materialidade e as relações de produção são substituídas pela psicologia dos impulsos egoístas, a teoria econômica é absorvida pela moral.

20. CRENÇA NA IMUTABILIDADE DOS PADRÕES DE VALOR Diviniza os padrões de valor. Acredita na existência de uma ordem de valores éticos, estéticos, sociais, religiosos, etc., dotados de vigência eterna e imutável. Aceita que o valor precede o ser. Nega a concepção objetiva da história. Ignora que a norma é um sinal discriminatório de acordo com os interesses do

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processo ou do contrato social. Desconhece que é a validade do valor que suscita a sua substituição acionando o processo da realidade a transmutar a fase atual em outra e com novos valores.

Para ela a existência não é apenas fato, mas cumprimento de um fim. A todo o momento invoca seus valores para justificar-se, menos abertamente nos seus fanatismos, mas sempre nos seus anátemas. Segura de estar de posse da norma eterna, seu papel social consiste em aplicar tal norma inflexivelmente. Há um plano ideal onde os valores têm realidade em si; a história nada mais faz do que proporcionar a matéria em que se encarnam.

Neqa a concepção objetiva da história, segundo a qual nenhum valor se constitui a parte do movimento universal da realidade. Desconhece que o valor e o código em que se exprime são produtos históricos, cuja vigência é determinada por condições objetivas que lhes assinalam duração e situação limitadas. Desconhece que nenhuma lei antecede em caráter absoluto a existência; é a realidade que, no curso das transformações desenvolvidas em razão da sua causalidade implícita, oferece à reorientação de certos conteúdos que assumirão o significado de normas de valor, em vista de servirem como contos de referência para o julgamento das ações humanas. Desconhece que o direito nem sempre é justo e que justiça não é sinônimo de direito.

Não aceita que a norma é um sinal discriminatório, de natureza exclusivamente pratica destinada a facilitar o reconhecimento das ações desejáveis de acordo com os interesses do processo ou do contrato social. Não aceita que nada há de eterno ou imutável valor, e que este é sempre relativo a um momento do processo histórico.

Explica o valor através da psicológica ou nele vê apenas a expressão de um hábito social definitivamente cristalizado, contra o qual nada mais poderia a mobilidade do real.

Desconhece que e a validade do valor que suscita a sua substituição, justamente porque, sendo valido, aciona o processo da realidade a transmutar a fase atual em outra, na qual os valores serão outros. Deste modo, o valor ao se valorizar se desvaloriza, porque cumpre sua função de valor, dando incentivo a novas condições objetivas para as quais se exigem valores de ação que anulam a validade dos anteriores. A essência do valor é, pois, eminentemente dialética.

A crença na perenidade da constelação de valores é totalmente falsa, porém não tem nenhuma falsidade o primarismo e nocividade dessa modalidade da consciência simplória.

21. DESPREZO PELA LIBERDADE Despreza a liberdade. Nega a liberdade aos que pregam a liberdade para que ela se exerça em sua plenitude. Julga preciso impedir a alguns o direito à liberdade em nome do princípio liberal. Recusa aos outros o direito de pensar e agir de modo diverso do julgado verdadeiro. É intolerante em nome da

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tolerância de princípio. Não aceita que o processo de desenvolvimento implica a liberdade de intervenção humana como origem de decisões libertadoras eficazes. Não aceita a liberdade como um ato de libertar.

A consciência ingênua recusa aos outros a liberdade que não cessa de reclamar para si. Considera que a liberdade e um atributo concedido ao ser humano para um destino específico: o de realizar a perfeição de sua natureza, segundo a idéia que faz desta última.

A liberdade está vinculada à verdade a priori, tanto quanto ao valor eterno. Pela sua pretensão de validade absoluta, julga-se no direito de decidir sobre o exercício da liberdade somente a quem, achando-se orientado para a verdade, irá utilizar-se do poder de livre decisão, a fim de realizar concretamente as idéias verdadeiras que possui.

Para ela é imprescindível negar a liberdade aos que negam a liberdade para que ela se realize na sua plenitude. Esta não é medida pela identificação com a verdade absoluta e os fins morais. Em nome do princípio liberal, ela julga preciso impedir a alguns o direito á liberdade.

Admite que haja uma funesta dualidade na essência do ser humano, a participação entre a razão e imaginação. Os seus traços de fácil apelo à violência, de exasperação e vociferação se conjugam com a tendência de recusar aos outros o direito de pensar e agir de modo diverso do julgado verdadeiro.

Desconhece os anseios da ação individual, porque ignora que é inútil é atender, pois, assim procedendo, não consegue mais do que obrigá-los a mudar de tática. Não aceita ou ignora que a lógica do processo de desenvolvimento implica a liberdade de intervenção humana, como origem de decisões eficazes.

Politicamente, sua atitude é de autoritarismo da mais prepotente, justificando sua auto-intolerância em nome da tolerância de princípio.

O exercício de policiamento conduz a suprimir o direito de ativa dissensão ideológica; de fato, como o limite entre as ações de menor importância ética ou política e as que, mais graves, ofendem o sistema de valores, reconhecidamente úteis e os únicos corretos, não é uma fronteira definível de maneira inequívoca, vale mais para a tranqüilidade geral, privar dos meios de ação aqueles que despertem qualquer suspeita de querer atentar contra a ordem de idéias vigente. Sendo impossível a análise detida dos casos individuais, e preferível, por precaução, retirar de cada um o direito que ameaça arruinar a todos.

Contrariamente, a esta forma de pensar e agir, a consciência critica acolhe favoravelmente os anseios da livre ação individual, porque sabe que é inútil pretender sopitá-los, e contar com eles para a realização das transformações que tem em vista.

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Esta é a razão do pensar crítico sustentar que, se não houver autonomia das liberdades individuais, não se configurarão as condições ótimas de desenvolvimento do processo real, no qual a iniciativa, esclarecida pela compreensão crítica, tem papel decisivo.

22. INTELECTUALISMO NA CONCEPÇÃO DOS PROBLEMAS SOCIAIS Intelectualista. Acha que os males da sociedade são de ordem intelectual e tem uma causa última na confusão das idéias. Admite que as elites quando estiverem iluminadas, ter-se-á a disposição natural de resolução dos problemas sociais. Acha que as idéias são a condições do existir, sem elas sobreviverá o caos por não ter os fatores intelectuais indispensáveis à manutenção da estrutura política. Admite que os problemas sociais sejam questões de inteligência e compreensão exata da ciência. Reprime a liberdade e castiga o “erro intelectual”.

Para a consciência ingênua os males da sociedade são fundamentalmente, de ordem intelectual, e têm sua causa legítima na confusão das idéias, que impede os humanos de perceber o verdadeiro significado e disposição natural dos fatores sociais.

Advoga que a reforma da sociedade deve vir "de cima" e, a rigor, basta fazer-se nas camadas dirigentes. Quando estas estiverem devidamente iluminadas, tudo o mais se conseguirá sem dificuldades, porque a sociedade tem uma hierarquia natural na sua estrutura, composta de classes superpostas e irredutíveis, cujo concurso harmonioso só será obtido pela clara compreensão do regime de relações imutáveis que deve haver entre elas.

Ao propagar o mito das elites e da reforma intelectual, tapa os ouvidos aos clamores populares, indistintamente considerados como sintomas de anarquia moral e, assim, credencia um grupo de cúpula para fazer reformas das instituições. Por isso mesmo deblatera sobre o que chama "anarquia mental” alegando que a desordem da razão instala, necessariamente, a desordem moral que, por sua vez, deteriora a política.

Acha que as idéias não são decoração luxuosa e a sociedade, mas a condição de sua possibilidade de existir, pois, sem elas, sobrevirá o caos, por falta dos fatores intelectuais indispensáveis para manter a estrutura política.

Apregoa que os problemas sociais cifram-se ao conhecimento por parte das classes superiores, das leis naturais que regem a sociedade. São questões de inteligência, de compreensão exata, de ciência. Quanto aos que não dispõem de poder de comando, aceitarão com prazerosa docilidade a supremacia e o governo da elite, desde que para isso sejam educados.

Este traço intelectualista da consciência ingênua demonstra sua pobreza de compreensão, pois faz da sociedade uma idéia inteiramente abstrata, divorciada dos verdadeiros móveis das ações humanas. Ignora o significado das bases materiais da existência e sua causalidade objetiva; não valoriza devidamente os condicionamentos

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que, de modo inelutável, as transformações históricas impõem. Não é de se estranhar a sua tendência à ditadura, à repressão da liberdade, e ao castigo do erro intelectual.

23. CULTO AO BOM SENSO Cultua o bom senso. Acha que o bom senso é patrimônio universal. Formula todas as questões em termos de bom senso que ela mesma não conceitua. É anticientífica e preconceituosa. Usa terminologia desprovida de conteúdo objetivo do tipo “bem comum”, “bom senso”, etc. Opõe-se aos princípios científicos que ela chama de “cientificismo”.

Esta modalidade da consciência ingênua é muito peculiar às pessoas de formação intelectual mínima que admitem serem elementares os problemas do País, bastando possuir mediano bom senso para ver o que é preciso fazer. Não tem cerimônia em oferecer a solução conveniente a qualquer dificuldade. Irritam-se ao ver como, apesar disso, tantos se obstinam em pesquisas, estudos, discussões, quando tudo é tão simples e fácil de resolver.

Confia num dom particular do espírito que seria sua espécie de instinto, para dar resposta prática aos problemas oferecidos pela vida. Acredita que o bom senso é patrimônio universal e foi dado aos humanos justamente para servir de faculdade intuitiva comum, capaz de encontrar soluções aceitáveis por todos. Assevera que é preciso rejeitar as cogitações artificiais e formular todas as questões em termos de bom senso. O seu traço fundamental é preconceito anticientífica.

Um dos caracteres mais usuais desta modalidade da consciência cândida é a utilização de uma terminologia desprovida de qualquer conteúdo, como é exemplo a citação “bem comum" que, parecendo sublime para certos programas políticos, é desprovido de qualquer conteúdo objetivo. Indagada sobre o que vem a ser o "bem comum", aquela consciência certamente invocará que é a forma pela qual unir-se-ão as boas pessoas para reformar ou reformular os costumes cívicos, com vistas a suprimir as injustiças entre os humanos.

Determinando um valor supremo ao conceito, ela ordena e hierarquiza todos os demais valores em um universo platônico destituído de objetivo prático ou conteúdo lógico definível. Seu preconceito anticientífica a leva a opor-se àquilo que chama de "cientificismo". Alega que o cientificismo consiste no defeito do ente humano de ciência em violar os contornos traçados pela natureza particular dos objetos de que se ocupa, pela modéstia dos recursos intelectuais postos em jogo, pois não vai além de engenhosidade experimental, da indução empírica e da generalização relativa. Em síntese, ela se coloca sempre em posição inadequada a interpretar o mundo visto da perspectiva de quem habita as áreas marginais subdesenvolvidas.

24. DEFESA DO PROGRESSO MODERADO É reacionária. É insensível aos empreendimentos grandiosos e, por isso encolhe o real, deseja pouco, simpatiza com o pequeno e valoriza o acanhado.

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Apregoa que o “país cresce durante a noite”. Considera infantilidade toda audácia criadora. Formula a doutrina do antidesenvolvimento com seu ”crescimento normal e espontâneo”. Refuta a teoria crítica da história no seu desejo de “mais fazer”. Nega o desequilíbrio do desenvolvimento capitalista e fica indócil frente as suas crises. Acredita que o Brasil está à beira de um precipício ou abismo.

A consciência ingênua e insensível aos empreendimentos grandiosos. Desacredita na viabilidade das grandes obras destinadas a alterar de maneira profunda realidade nacional. Privada de descortino histórico, procura encolher o real, simpatiza com menor, tende a desejar pouco, a valorizar o acanhado, considerando tais propósitos como virtuosa demonstração de modéstia.

Defendendo a teoria ingênua do desenvolvimento, resume-se em dizer que o crescimento nacional deve ser espontâneo. Daí apregoar que o País "cresce durante a noite". Julga que o planejamento da ação ou a empresa colossal violam a lei das oportunidades.

A audácia criadora para ela e infantilidade, precipitação, "ingenuidade". Sob forma de motes como os de "crescimento normal e espontâneo", "ilusões do desenvolvimento”, "perspectivas de crises sociais", "desequilíbrio regional", "distributismo de riqueza", "humanismo em vez de tecnicismo" etc., formula teoricamente a doutrina do antidesenvolvimento. Segundo este modo primário de pensar a ingerência da ação do Estado na economia é perturbadora e só faz retardar o crescimento espontâneo.

Acha também, que as obras excepcionais são tentativas de forçar a história a acelerar o passo, a aceitar desde já a realização do que só deveria vir mais tarde e, portanto, tais obras são geradoras de crise. Não entendem que, em que pese às crises serem momentos inquietantes e de perigos, são também instantes criadores, fissuras no tempo histórico, onde se pode esperar o surgimento de algo novo. Mais difícil ainda é compreender a teoria critica da história, que demonstra ser necessária a contribuição do desejo de "mais fazer” para desentranhar da realidade os recursos potenciais que contem, ou seja, que a crise é, precisamente, o atualizar-se desse potencial oculto.

Está sempre indócil a qualquer tipo de desequilíbrios e, por isso mesmo, nega que o desequilíbrio, no modo de produção capitalista, é a lei do desenvolvimento é seu motor, desde que se considere que o desequilíbrio de uma fase é compensado pelo da fase seguinte que resolve e supera a situação original, embora gerando novas espécies de diferenças entre aspectos da realidade.

25. IGNORÂNCIA DO POTENCIAL POLÍTICO NA ATUAÇÃO INTERNACIONAL

É mimética. Toma por empréstimo a experiência e os produtos da cultura alheia. Ignora o potencial político na atuação internacional. Desacredita que o Brasil, em Ascenso histórico, rompa com o atual equilíbrio e as relações de dominação internacionais. Escapa-lhe a compreensão de que o fator decisivo

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não é o Brasil ser a 10ª economia do mundo, mas a força expansiva liberada pelo País em etapa de emergência histórica. É imitativa e pensa de forma eurocêntrica, etnocêntrica e americocêntrica.

Para suas argumentações, a consciência ingênua limita-se a fazer comparação entre situações nacionais de países distintos. Cria grave confusões, jogando com comparações entre situações nacionais dispares, para efeito de racionalizar a atitude tomada em relação à nossa, e de apoiar os projetos que preconizam e não encobrem outra coisa senão os seus interesses privados. Preconiza tomar por empréstimos a experiência e os produtos da cultura alheia.

Ignora quanto podemos valer como força respeitável no cenário internacional, para só atender as nossas ainda reais deficiências econômicas. Escapa-lhe a compreensão de que o fator decisivo não é o desenvolvimento atualmente atingido, mas a força expansiva liberada pelo País em etapa de emergência histórica de sua situação anterior de atraso e privação do domínio de si.

Desconhece que o Ascenso histórico de um país, ameaçando romper equilíbrios e relações de dominação, gera um potencial político que não deve acontecer em termos puramente econômicos. Ignora que a defesa da PETROBRAS, da TELEBRÀS, dos Correios e outras grandes empresas nacionais, têm em vista não só as indiscutíveis vantagens econômicas, mas, sobretudo, visando a conquista do potencial político representado na demonstração dada pelo País de ter podido resolver por sí, contra pressões externas, o problema da criação das fontes de energia, comunicação e outros dados objetivos para seu desenvolvimento. Ignora também, que, embora o Estado no setor econômico seja apropriador de mais valia, não significa que não esteja criando as novas bases de um novo modo de produção no devenir.

É claro que a ação do Estado como apropriador de mais valia não anula a contradição entre o trabalho e o capital, mas pode provisoriamente, servir de base ao necessário período de transição, além de impedir, em parte, a alienação do trabalho nacional para outras nações. A ignorância do potencial político na atuação internacional permite que o país em Ascenso histórico perca a oportunidade de romper equilíbrio e relações de dominação.

26. VISÃO ROMÂNTICA DA HISTÓRIA Crê num segundo significado dos acontecimentos históricos. Despojam as transformações sociais da qualidade empírica que as tornam inteligíveis nos seus condicionamentos culturais e materiais. Reduz o processo histórico a ação das individualidades humanas ou dos agentes abstratos. Cria a antropomorfização da história. Leva ao sucesso os regimes ditatoriais e endeusa o caudilhismo. Converte personagens dotados de poderes anímicos e desvirtua o conceito de liberdade. Desfigura os processos: político, econômico e social por critérios subjetivos do bem e do mau. Por isso é romântica.

Admite a consciência em tela que a história de uma comunidade nacional, ou a do mundo, é um movimento conjunto presidido por uma força superior, uma

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vontade divina ou um destino fatal. Desta forma, supõe que os acontecimentos, além de ser aquilo que são na sua objetividade e nos mecanismos imediatos que explicam, admitem também uma componente transcendente, constituída pela ligação de cada fato particular com o movimento absoluto da história, concebido como razão causal envolvente. O romantismo está na crença de um segundo significado dos acontecimentos, isto é, interpreta-os como se tivessem um lado secreto, como se fossem a mensagem cifrada do Princípio ou do Fundamento, de que os iniciadores têm a chave reveladora.

O mundo deixa de ser o encadeamento necessário dos fenômenos; os atos dos humanos e as transformações sociais despojam-se da qualidade empírica, que os torna compreensíveis nos seus condicionamentos culturais e materiais, para se converterem em signos de uma super-história imaginária.

Não argumenta sobre as opiniões divergentes por acreditar que a sua já é a conclusão. Insiste sempre em reduzir o processo histórico à ação das individualidades humanas, ou dos agentes abstratos e entidades lógicas, cujo comportamento é concebido em igualdade com o comportamento humano.

Admitem tipos diversos de comportamento em concordância com o ilusório pressuposto teórico de que derivam. Serão otimista ou pessimista com a mesma falta de razão. Postulando-se no universo da Razão Suprema em busca de um fim transcendental ela é otimista e encontrará justificativa para todo e qualquer tipo de humilhação, desgraças e retrocessos, furtando-se à crítica que tais fenômenos poderiam suscitar. No caso de descrer na existência da Divina Providência, é pessimista e concebe o movimento da realidade como destituído de sentido lógico e incapaz de ser conhecido nos seus determinantes. Tanto na forma otimista como na pessimista, esta maneira ingênua de pensar insiste em ir ao encontro dos fatos com um prévio juízo de valor.

Através da faceta do moralismo político e sua íntima associação à antropomorfização da história essa maneira simplória da consciência consegue levar ao sucesso os regimes ditatoriais de volição pessoal ou, ainda; de endeusamento de caudilhos.

Em síntese, a Vazão Romântica da História converte personagens dotadas de poderes anímicos e desvirtua o significado de liberdade tornando-a apenas um nome metafísico.

27. ROMANTISMO NA CONCEPÇÃO DAS RELAÇÕES ECONÔMICAS E POLÍTICAS

A consciência ingênua ignora que os humanos são seres que precisam produzir a sua existência, mediante o trabalho sobre a natureza, dentro de um regime de relações sociais com seus semelhantes. Desconhecendo este fato, amontoa valorações de ordem ética, teleológica, metafísica e até mística que atribui Espírito, á Razão ou á Providência o papel de agente supremo "Devenir" histórico.

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Trata o fenômeno político em moldes exclusivamente subjetivos, como se consistisse em intercâmbio entre indivíduos movidos apenas pelas relações psíquicas que neles produzem os atos dos seus antagonistas ou comparsas. Atribui ao indivíduo, enquanto interioridade, espírito e pessoa moral, toda a responsabilidade pelo conflito econômico-social.

Desfigurando o processo econômico, perde também a perspectiva social. Assim sendo, o processo econômico é objetivo e tem causalidade própria, e beneficiado ou impedido, conforme sejam tomadas as medidas, cuja execução dependerá do critério subjetivo, que as valoriza como boas ou más.

O temor respeitoso em frente dos potentados especialmente estrangeiros faz a discussão de problemas econômicos revestirem-se de certo tom indireto; no espírito dos homens do país subdesenvolvido a consciência do atraso e da pobreza origina a tendência a se desgostarem das ocasiões em que são forçados a debater tão desagradável assunto, e os leva, com preferência, nos debates internacionais de questões econômicas, a aceitar soluções desvantajosas, desde que sejam as mais expeditas, encerrem o mais breve possível, e de qualquer modo, tão aborrecida e humilhante conversações.

A falta de pertinácia na defesa dos interesses do país subdesenvolvido tem fundamento no íntimo desprazer causado aos políticos, diplomatas e administradores de cúpula pelo trato de matéria econômica, pois são obrigados a ter constantemente relembrada a condição inferior em que comparecem a esses conciliábulos.

Esta modalidade da consciência simplória é muito nociva aos países subdesenvolvidos que necessitam empregar com lucidez e altivez toda sua inteligência para compreender a realidade material que visam modificar, a fim de oferecer condições de vida mais humanas às suas populações.

28. PESSIMISM0 É pessimista. Tem visão apocalíptica do País. Esquece que o Brasil nunca se perde, transforma-se. Pensa através de falácias do tipo “colapso da civilização”, “fins do tempo”, “crise do mundo moderno”, etc. Desconhece que a verdade daquilo que desaparece está na existência daquilo que se prossegue. Enfeitiça-se por profecias sinistras. Alardeia que o Brasil está à beira do abismo ou do precipício ou ainda de uma cratera. Compara a realidade nacional à de uma região sísmica. É visceralmente apocalíptica. Presta-se a acreditar em todos os tipos de fraudes induzidas pelos países cêntricos, hoje, acobertados pela ONU como é o caso das mudanças climáticas antropocêntricas do “efeito estufa” e combate ao gás carbônico que é um gás vital.

Este atributo da consciência cândida se manifesta na pseudo verdade de que faltam homens dignos capazes de imprimir direção superior aos negócios públicos. Por isto mesmo, a consciência simplista não para de alardear que estamos à beira do abismo, dançando sobre a fina crosta do terreno que encobre um vulcão. Essa versão apocalíptica, própria da consciência primária, esquece que o país nunca se perde, transforma-se.

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Outro equívoco desta atitude derrotista é pensar que as mutações históricas são obrigatoriamente destruidoras da totalidade das condições vigentes. As falácias de “colapso da civilização”, “fim dos tempos", "crise do mundo moderno" e outras ingenuidades, impedem que aqueles que professam o pessimismo ilógico entendam que num processo de surgimento do novo, com a abolição do existente, um tanto da realidade anterior sempre subsiste na que tomou o seu lugar e, assim, a verdade daquilo que desaparece está na existência daquilo que prossegue.

O pessimismo ilógico, manifestado na predição calamitosa, é característico de algumas camadas da pequena burguesia, dos profissionais semi-unteis, dos fracassados da política, e reflete o desajuste social de que padecem como classe.

Enfeitiçada por profecias sinistras, admite que á realidade nacional equipara-se a uma região sísmica, constantemente ameaçada por erupções imprevistas, que teriam origem em processos incompreensíveis e incontroláveis. Daí o seu conceito de "forças sociais vulcânicas".

Aqueles dotados dessa modalidade de consciência, em geral, postulam na teoria segundo a qual a sociedade, por si, e harmoniosa ou, pelo menos, tende a organizar-se em forma equilibrada; mas sofre continuamente o assalto de poderes destruidores, representados não só pelos fatores físicos adversos de incidência episódica, como pelo aparecimento de homens malignos, em geral de grande prestígio intelectual e sedução, que enfeitiçam o povo e o arrastam para o desvario das revoluções.

A partir desta teoria a consciência ingênua preconiza e incita os "homens prudentes e de bom senso", a estarem sempre atentos, na postura de eterna vigilância, para, se possível tomarem o governo para dignificá-lo e por ordem na administração. Sua perspectiva e de cataclismo e não a de que se poderia chamar de "anaclismo”.

29. UFANISMO Ufanista. Anula no indivíduo a possibilidade de revolução pelo lirismo da imaginação fantasiosa. Prega um estado emocional beato, visto na forma da existência magnífica que o Brasil deve de ter. Apregoa complacência com a realidade por estar sempre satisfeita com o mundo que lhe é dado. Anula ímpetos de revolta e desinteressa-se por crítica aos dados empíricos. Na política contrapõe-se a utopia.

Este lirismo de consciência simplória se expressa quando o pensamento transporta-se da existência de fato para expectativa de existência, mediante a especulação sobre os aspectos potenciais da realidade entregues à imaginação fantasiosa.

O ufanismo é o sentimento precipitado do futuro, visto sempre na forma de existência magnífica, que haveremos de ter simplesmente por que tal é o destino que nos aguarda. Enquanto isso, o trabalho a desenvolver para

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conquistá-la banha-se em atmosfera de irrealidade, onde os obstáculos efetivos se diluem na convicção otimista geral.

O espírito ufanista é modalidade de consciência de efeito paralisante. Conduz à atrofia do sentido objetivo, da observação veraz e do julgamento exato. O ufanismo anula no indivíduo a possibilidade da revolução. É um estado de absoluta complacência com a realidade.

O ufanista está sempre satisfeito com o mundo que lhe é dado e, mesmo quando se depara com a dura precariedade do mundo presente, ao viver as cenas da pobreza, atraso, incultura e enfermidade insensivelmente se deslocam para a região do futuro, que nenhuma linha divisória separa do real, e a encontra na substituição do ser pela quimera a imediata resolução dos problemas e temores que o assaltavam.

O ufanismo aqui denunciado como ingênuo é aquele que visa insinuar na consciência brasileira o comportamento de candura e esquecimento em face da realidade, que ameaça entorpecer energias necessárias à obra árdua de revolucionar as condições de nossa vida, por anular ímpetos de revolta ou desinteressar-se da crítica rigorosa dos dados empíricos. Mas, é inegável que nada, se realiza de grande com a ausência do sentimento ufanista. Seria tão simplória a propositura da atitude estóica e impessoal para com o próprio país, quanto o conselho de adormecer ao som das odes que o exaltam.

A consciência crítica reconhece a dimensão emotiva da reação humana, sabe que nada se constrói sem amor pela coisa a construir, que um coeficiente sentimental não deve ser excluído do projeto de operações sobre a realidade.

30. SAUDOSISMO Sintetiza o otimismo e o pessimismo na candura do saudosismo. Crê que o passado era melhor e por isso deleita-se nas falácias do tipo “a vida era mais barata”, “os homens tinham mais caráter”, “havia mais honestidade”, “trabalhava-se mais”, etc. Repudia, sem criticar, a idéia positivista de progresso. Considera o pretérito como o período da ordem, beleza e fartura. Vive na imobilidade e cria a disposição de antipatia a qualquer princípio de mudança. Cultua a tradição. Evoca os costumes fidalgos, heróicos, galantes e de bem-estar de uma minoria afortunada. É por isso rotuilada de saudosista.

A candura desta forma de pensar está na síntese de pessimismo e otimismo, isto é: pessimismo em relação ao presente e otimismo quanto ao passado. A sua essência está na crença irracional de que o passado era melhor. Em tese, estes toscos enunciados configuram que a história não é a marcha ascendente da comunidade, que modela cada dia melhores condições de existência em progresso contínuo, mas o registro de um processo regressivo, pelo menos no período que nos é dado viver.

O seu critério de avaliação do real e a lembrança do que foram os bons tempos de antanho. Os dois traços principais dessa atitude são a sua ingenuida e de seu reacionarismo.

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Despreza qualquer concepção lógica da história. Repudia a idéia de progresso e não sabe exatamente que correlação admitir entre o desenvolvimento material e as transformações dos costumes e das idéias.

Considera a pretérita urna época de ordem, beleza e fartura, e por isso o prefere. A imagem sedutora que dele forjou, contendo a nota de imobilidade, cria a disposição anêmica de antipatia por toda espécie de mudança, e quando reconhece no presente um momento em que estas mudanças se processam rapidamente, afinca-se na repulsa a todo projeto de alterar a realidade. Não se limita a nostalgia do passado, pretende restabelecê-lo.

Falta-lhe o sentido da novidade essencial do futuro; quer que seja a reprodução do passado idealizado. O culto à tradição adquire o significado de norma de agir. Ignora essa mentalidade que a evolução histórica é global; está sempre esgotando, apenas em grau variável, o sentido de todos os fatos que nela se desenrolam.

O que a consciência ingênua culta concebe como solução para os problemas do nosso tempo é a ascensão das forças da fé transcendente e do amor místico. Ao lado dos esforços por reorganizar a sociedade, inspirados nos preceitos de uma moral sublime cessa renovação pela fé e pela caridade significa o progresso na descoberta do mundo das realidades espirituais, único meio normal e digno pelo qual o humano penetrará nas profundezas a sua natureza sem mutilá-la nem desfigurá-la.

É através de pensamentos tão simplórios que contribui para espalhar o desencorajamento e o medo na consciência das massas, que precisam crer, justamente, na eficácia das medidas da revolução material, como único meio de solucionar seus dramáticos problemas.

Pelo seu caráter reacionário, a mentalidade saudosista esquece o imenso atraso, a miséria, o sofrimento, a enfermidade, a humilhação, a ignorância em que viveram nos tempos idos milhões de seres humanos, para entregar-se somente à evocação política dos costumes fidalgos, heróicos, galantes de reduzidíssima camada social superior, do bem estar de alguns poucos afortunados.

31. PRIMARISMO POLÍTICO Enquanto o processo nacional não alcança fases mais adiantadas, enquanto se move no segmento inicial, onde a sociedade se define pela estrutura primitiva da exploração do mundo exterior, agrícola, pastoril ou extrativa, em bases sempre latifundiárias, com relações de produções simples e pobres, ausência quase que completa de mercado interno, imensas massas de população vivendo praticamente em regime de economia natural, não e de esperar que subsista outra percepção da realidade senão a ingênua.

Nas fases incipientes do progresso da consciência, a variedade ingênua é, de muito, a mais representativa. Oscila constantemente entre dois pólos: ora identificando-se com os anseios populares, esposando suas reinvidicações, ora

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aliando-se aos representantes das multinacionais e participando de manobras lesivas ao desenvolvimento do País.

Percebe-se a diferença entre o processo de libertação política e o de libertação econômica: enquanto o primeiro pode ser guiado pela consciência ingênua, na etapa em que, sendo ela a única possível, tem autenticidade social, o segundo supõe fase do processo nacional que exige a direção de pensar crítico.

É preciso admitir que a derrota da consciência crítica incipiente seja sempre possível e não há que contar com nenhum automatismo que assegure o desencadeamento irreversível do processo. Enquanto o País está vivendo os períodos iniciais da luta pela sua Iibertação econômica, não deve julgar-se imune ao retrocesso; pois a consciência prática que preside essa fase de sua existência predominantemente aquela desarmada das categorias indispensáveis a compreensão da realidade que reflete e sobre a qual atua.

A consciência ingênua tem a seu favor o prestígio de um passado longo e pontilhado de reais vitoria. Freqüentemente conta em seu ativo a glória de ter sido autora de constituição do organismo nacional, conquistando-lhe a soberania política; tem a seu favor a defesa das liberdades, a obra da estruturação do regime, a sanção dos costumes populares, as bênçãos das instituições eclesiásticas.

Como, porém, a realidade evoluiu e o processo nacional atingiu graus de complexidade nos quais já não é admissível conduzir os fatos de acordo com a consciência simplista e desarmada, se os homens que, for efeito da escolha popular, manipular as alavancas do poder, tendo vindo da fase anterior onde executavam, sempre com êxito, as manobras de acomodação, não percebendo a inadequação do seu costumeiro procedimento às novas circunstâncias, produzir-se-á séria crise política, resultante da incompatibilidade entre o estilo da autoridade existente e as tarefas objetivas que tem de assumir.

A política é, cada vez mais, a realização do projeto da comunidade e acarreta a fidelidade a um grupo de princípios, a partir dos quais os fatos recebem um sentido. O risco máximo do primarismo político é a possibilidade de que a consciência ingênua predominante no País se disponha a elaborar, ela própria, o projeto de desenvolvimento nacional.

32. AMBIGUIDADE E CONCILIAÇÃO DE IDÉIAS INCOMPATÍVEIS Acredita que a coerência ideológica é um preconceito. É recalcada e incoerente. Autoproclama-se progressista e situam as questões políticas entre direita versus esquerda, que lhe permite uma opção de centro. É consumista de idéias eurocêntricas, americocêntrica e etnocêntricas. Julga-se eclética e aprisiona-se no seu próprio arbítrio intelectual. Proclama o “progresso sem quebra de tradição”. Recusa os atributos de incoerência e julga-se crítica. É tagarela e fala por falar. Constrói um mundo de palavras, emite vozes e não tem humildade para despojar-se do acervo de conceitos que cultua. Falta-lhe rigor científico pela sua ambigüidade.

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Este aspecto de consciência cândida encontra-se na situação paradoxal de defender com vibrante entusiasmo certas proposições conflitantes com pontos de vista doutrinários, desde que não lhe sejam exigidas as justificativas teóricas dessa acomodação. Não tolera o aprofundamento das idéias, o exame de motivos e conseqüências.

No descompromisso e ausência de objetividade e, às vezes, fanática no exclusivismo com que adota u m limitado grupo de idéias, mas, em outros casos, é, ao contrário, irracionalmente liberal e adota simultaneamente orientações conflitantes, incompatíveis entre si. O caso vulgar da coexistência de princípios contraditórios no mesmo pensamento nos é dado pela atitude daqueles indivíduos que necessitam parecer progressistas nas suas idéias adiantadas, pessoas insuspeitas de pactuar com as tendências retrogradas da sociedade, mas se mostram, ao mesmo tempo, incapazes de se libertar de todo um acervo de idéias e comportamentos que não desejam pelos prejuízos que esse gesto lhes causaria.

A sua "ambiguidade" está em acreditar que a coerência ideológica é um preconceito como outro qualquer. Na verdade o mesmo que vale a incoerência. Outra atitude em relação à arnbiquidade ideológica é o recalque, a tentativa de ignorá-la, a negação em confessá-la a si mesmo.

Pelo caráter dúbio os indivíduos possuidores desta ingenuidade arquitetam uma posição ideológica fictícia na quais ambos os pólos estão situados no terreno da "direita" e depois saem dela pela “esquerda", o que lhes permite uma opção de “centro”. Em geral, por serem letrados auto cultuam-se figuras “progressistas" e apresentam-se desejosos de mostrarem-se superiores e, por isso mesmo, assumem uma atitude eclética. Entretanto, esse ecletismo é o produto filosófico normal do estudioso voltado para a contemplação, a aquisição e o consumo das idéias dos centros metropolitanos.

Em regime de plena alienação cultural, o pensador eclético é prisioneiro do próprio arbítrio intelectual, escravo da liberdade de combinação ideológica de que tanto se orgulha.

Ligados quase sempre a poderosos grupos econômicos que espoliam não só os operários, mas também, as nações ou, ainda, a credos religiosos, que imobilizam o pensamento, conseguem os representantes deste modo de pensar, apresentarem-se como paladinos do que chamam de "progresso sem quebra da tradição".

Para essa modalidade do pensar não importa a coerência entre as compreensões, pois isso é coisa teórica, que não interessa discutir. Repele a acusação de incoerência, porque tem coragem de exibi-la naquilo em que lhe parece inevitável.

33. RECUSA DA ATRIBUIÇAO DE INGENUIDADE Peculiar atitude de ingenuidade pela qual a consciência, em verdade inocente, julga-se crítica, é a pretensão de querer passar por critico. Compreender e

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explicar a necessária existência das modalidades de consciência é comportamentos de pensar crítico e só a este pertencem.

A mentalidade simplória, quando atribui caráter de ingenuidade ao pensamento crítico não o faz porque se considere crítica, mas porque se julga normal. As duas modalidades de consciência não são dois modelos de pensar completos, encerrados em si, incomunicáveis, de tal sorte que cada indivíduo tem de possuir um ou outro são comportamentos que, em sua estrutura, se mostram coerentes, formando uma totalidade, mas podem alternar sem o mesmo indivíduo. Os dois modos de pensar persistem sempre como alternativas possíveis e, por isso, o exercício de um deles não exclui manifestações próprias da atitude oposta.

Mesmo quem se afirmou na posição critica, e procura conduzir-se por ela, não está isento de tombar nas atitudes primárias nem de exprimir opiniões ingênuas. Assim também, por acidente, à consciência simplória é dado emitir às vezes observações profundas, corretas, críticas sobre a realidade.

A consciência primária é tagarela e fala por falar. O mundo de representações que constrói é um mundo de palavras, cada uma das quais do apoio às outras e, em totalidade, ocupam o espaço da consciência.

Quando o povo é inculto, o conhecimento da língua e altamente valorizado e serve de motivo de orgulho para os que o possuem. A fundamentação verbal dos enunciados é, pois, um traço de pensar despreparado.

Falta à consciência cândida o reconhecimento da dualidade nas maneiras de representação do saber. Falta-lhes, ademais, a humildade para despojar-se do acervo de conceitos, dos vezos de estilo, dos hábitos de raciocínio, que dão bons resultados dão na prática diária superficial. Falta-lhe, também, a exigência do rigor científico, em que, de fato, assenta a racionalidade dos enunciados.

A consciência crítica combate contra a ingenuidade, não para eliminá-la de todo, mas para se constituir a si própria, com relação aos assuntos nos quais a escolha entre ambas significa justa interpretação da realidade e, portanto, ação eficaz ou ineficiente.

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VII. A CONSCIÊNCIA CRÍTICA Esta maneira de interpretar os fatos procura descobrir as causas de

onde se originam. É objetiva e se pauta na realidade que lhe serve de guia. É variável, também, pois se sente condicionada pelo processo social e não sobrepõe o técnico e o econômico ao político. Explica-se em termos de dependência situacional e histórica e conduz à racionalidade dentro da lógica dialética e sistêmica. Pode apresentar-se em formas culta e inculta, porém sob a condição “sine qua non” de se estribar na objetividade da realidade.

É dialógica, totalizante, ativa e libertadora, particularmente quando vista sob o prisma da nacionalidade. "Pensar criticamente é derrubar falsas imagens, ir além das crenças e rotinas estabelecidas, redescobrir a realidade e seus fundamentos". (...) "onde falham a crença, o mito, a magia, o costume, a rotina, surge à razão, o conhecimento elaborado com esforço, intencionalmente buscado, consciente de si e de seus critérios”. (Álvaro Vieira Pinto).

É determinando a coerência interna e externa entre os fatos, situações e as coisas que a consciência crítica se explicita, captando a razão e o sentido dos mesmos. A consciência crítica é tão profícua em suas análises que estabelece comparações entre a teoria dos sistemas e o enfoque estruturalista e a destes com a lógica dialética para:

a) Realizar uma análise objetiva e concreta do processo a ser estudado

b) Descobrir o conjunto de conexões internas do processo, em todos seus aspectos, no seu movimento e no seu próprio desenvolvimento

c) Identificar os aspectos, as situações e os momentos contraditórios, considerando o processo como totalidade e como uma unidade de contradições

d) Examinar o conflito interno dos contrários, o desenvolvimento da sua luta, suas mudanças, suas alternâncias e suas tendências

e) Descobrir e analisar as conexões do processo com os outros processos, na sua atividade e nas influências recíprocas

f) Estudar as transições do processo entre seus diversos aspectos e suas contradições, nas distintas fases que apresenta e no seu continuo devenir

g) Comprovar reiteradamente, através de experimentos e situações, tudo aquilo que foi reconstituído, generalizado e explicado racionalmente, com base nos experimentos anteriores

h) Aprofundar e ampliar constantemente a pesquisa, sem tomar, jamais, conhecimento algum como definitivo ou imutável.

Segundo Álvaro Vieira Pinto as categorias fundamentais para se ter

uma consciência crítica (culta ou inculta) são as seguintes:

1. OBJETIVIDADE Nessa categoria, remete-se à consciência a representação dos fatos e

das coisas tais como se dão na existência empírica, nas suas correlações causais e circunstanciais. Significa dizer que a realidade deve ser apreendida e refletida, independentemente dos nossos pensamentos a esse respeito, anteriores aos nossos conhecimentos. A consciência não vê a realidade como exclusivo objeto de representação, mas como espaço concreto, onde, além da

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possibilidade de conhecer, se lhe impõe a necessidade de agir, a fim de modificá-lo de maneira a torná-lo mais propício à satisfação das exigências e das necessidades humanas. A imperfeição da realidade vista pela consciência crítica é oposta à da abordagem ingênua. Para ela, a imperfeição está nas condições materiais, ou seja, no atraso cultural, na miséria e não como menos ser em face do pleno ser. A medida do imperfeito está no projeto da realidade futura, elaborada a partir das condições e situações existentes. A objetividade dos fatos e das coisas fundamenta-se na sua condição de real concreto, isto é, independentemente do que concebe o espírito ou mesmo de sua existência.

2. HISTORICIDADE

O homem não é apenas natureza; é, sobretudo, história que a cultura

modela nas formas plásticas da natureza viva. Esta categoria do pensar crítico permite a apreensão e reflexão da realidade como processo que transcorre no tempo e varia de instante a instante de conformidade com as situações. É por meio da historicidade que se vê e se descobre à insuficiência das formulações que se propõem explicitar o real e situações em esquemas estruturais fixos, quer sejam políticos, físicos, matemáticos, sociais, econômicos ou ideológicos. É o homem e o mundo, na sua objetividade, que varia no tempo e faz a história pelo seu existir. A contribuição dessa categoria para o entendimento e a apreensão da realidade brasileira permite-nos identificar os dados históricos no fluir dos fatos humanos, dentro do contexto da cultura nacional, em seus aspectos críticos abrangentes como isentos de eurocentrismo etnocentrismo e americanocentrismo. Portanto, a realidade será vista à luz dos fatos, situações e dados empíricos referidos sempre a uma dimensão temporal. É apreendida como produto de um processo onde há transitoriedade de idéias, crenças, valores e mitos que, por sua vez, não existem isoladamente, mas como aspectos ou movimento de uma totalidade em mudança. No desenrolar da disciplina, procura-se apreender os fatos sociais através da lógica dialética. As variantes da lógica formal-metafísica quer nos seus aspectos clássicos, quer através das concepções lineares e simbólicas atuais, serão vistas dentro dos seus respectivos limites como modo de pensar e dentro do seu próprio caráter histórico-situacional.

3. RACIONALIDADE

À medida que se analisa a realidade à luz da objetividade e da

historicidade, surge à necessidade de recorrer a essa categoria para exprimir as conexões necessárias que revelam haver uma lógica imanente ao seu movimento. Por pertencer à instância das coisas concretas e não das do espírito, a racionalidade transmite a consciência, a objetividade e a historicidade do real. Apresenta a sucessão dos fatos econômicos, sociais, ambientais, políticos e ideológicos de forma ordenada e coerente. Essa sucessão é descoberta por via empírica, situacional e não por meio de intuição intelectual ou por dedução de verdades reveladas. Não se pretende apresentar somente a razão do fato, mas o próprio fato tem que ser averiguado na experiência e nas relações de produção e de circulação dos bens econômicos que se apreendem em sucessivas e metódicas observações. É através da racionalidade que se vê e se explica como a mercadoria adquire o valor, o valor

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de uso, o valor de troca e o valor desenvolvimento e simbólico e assume o lugar da ação dos homens e, portanto, revela o seu oposto - a irracionalidade. A racionalidade da consciência consiste em que esta se sabe situada num mundo cuja existência não é produto da sua ideação, em admitir que as leis descobertas no estudo dos fenômenos não decorrem de condições prévias do espírito cognoscente, mas pertencem ao mundo que regem, embora, eventualmente, tais como são formuladas, sejam, depois, invalidadas por novas descobertas técnico-científicas ou por novas interpretações.

4. TOTALIDADE

Essa categoria permite apreender a realidade como fenômeno

racional por compor uma totalidade, isto é, como fato objetivo e não somente como idéia. Essa é a razão do pensar crítico: produzir a representação racional da objetividade histórica, concebendo-a como totalidade. A correlação recíproca de todas as partes do real permite compreender que haja simultaneamente mobilidade universal e lei racional, presidindo às transformações do todo. Há quem ignore que a intencionalidade da consciência está contida no sentido de que o fato se reveste e é derivado das forças produtivas e das relações de produção em dado momento ou situação, do grau de avanço do processo de desenvolvimento e da qualidade da consciência que lhe corresponde. O sentido exprime uma relação entre fenômenos segundo a qual o fato considerado não existiria, não havendo certos antecedentes, nem os mecanismos e fim da ação, que o devem produzir. É aspecto objetivo da coisa e não intuito subjetivo do agente. É objetivo-situacional e serve para revelar, por indução, os caracteres específicos do todo que naquele novo objeto se refletem por serem antecedentes que o tornaram possível e depois o fizeram real. O sentido é essencial, pois não apenas, por meio dele, se entenderá a completa significação real do fato, como a partir da consideração do sentido dos objetos presentes se compreenderá a transição da realidade atual para a futura. Daí ser a totalidade, também, uma conexão do sentido. A ligação dos seres entre si não se faz em virtude de relação de distância, causalidade, sucessão, ações e reações espontâneas recíprocas, contraste ou identidade, mas se fundamenta na correlação de sentido, que os revela como partes de totalidades, com dimensões variáveis.

5. ATIVIDADE

Por meio dessa categoria, tenta-se mostrar toda a possibilidade de

associar o pensamento e a ação como projeto concreto de desenvolvimento, ou seja, transpor o ato de possível a efetivo. Exprime-se, a atividade, na proposição segundo a qual, na origem das teorias, está o trabalho efetivo exercido sobre o real, de onde se origina a descoberta das propriedades das coisas e a formulação de problemas, para cuja solução, se concebem idéias e se estruturam teorias. Compreende-se que sem a operação efetiva sobre o real não se descobre à racionalidade, porquanto, a lógica do processo social não se desvenda senão a quem dele participa pela prática e com tanto maior clareza se manifesta quanto mais transformadora, ou seja, revolucionária for à qualidade de tal prática. Para a análise da realidade brasileira contemporânea, considera-se a ação mais do que um dado da experiência. Ela é condição da

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experiência cognoscitiva, pois, sendo concreta, completa-se no efeito sobre determinada situação e objeto da realidade. A relação do homem ao mundo admite duas modalidades, possuindo cada uma dois sentidos opostos: pela primeira, no sentido do pensamento para o mundo, tem-se acesso ao mundo, e no sentido oposto, à formação da idéia, como reflexo do mundo na consciência, isto é, o processo de conhecer. Na segunda modalidade, também, há dois sentidos, o que vai da consciência ao mundo é o projeto e a operação; e o que vai do mundo à consciência é a transformação desta pelo ato que realizou, pois não é mais a mesma que antes de havê-la feito. Nesta modalidade da consciência se constituem o agir e a atividade. "A consciência como fenômeno em si não pode manifestar-se nem agir, só se torna eficaz por meio da técnica orgânica e extra-orgânica, dos instrumentos de ação que configuram a atividade do sistema nervoso superior e do meio sócio-cultural. Assim, consciência significa o conjunto do mundo pensado pelo sujeito, enquanto esse sujeito o transforma pela ação, e o interpreta como produto de circunstâncias que modifica ou acredita poder modificar" (Álvaro Vieira Pinto)

6. LIBERDADE

O conceito dessa categoria varia, historicamente, com o contexto e

situação social, as peculiaridades e o nível de desenvolvimento. Representa, ou reconhece como ato livre certo conjunto definido de comportamentos. Não é atributo do ente humano, mas dos seus atos em determinada situação. A atividade concebida apenas como independente da ação não aponta para a liberdade. Esta só é concretizada na existência em si e para si e em atos libertadores pelo exercício pleno e livre de todas as capacidades humanas resumidas na historicidade dos atos. A liberdade se explícita pela atividade e a luta contra as instituições sociais anacrônicas. Permite construir, pela ação, a representação verídica do real e determina o agir conseqüente pela proposta de fins consciente que se estabelece nos limites da possibilidade e da exigibilidade do ato concreto que liberta. Para a temática da disciplina, essa categoria é de indizível importância. Permite verificar o trabalho dimensionando as instituições retrogradas na tentativa de se ter uma representação do real que determine a ação de mudanças conseqüentes. É aí que se busca identificar os atos livres que se incorporam à consciência para determinar o novo projeto de desenvolvimento nacional no qual as atividades não somente de publicidade e propaganda mas as econômicas, agrícolas, industriais, serviços, urbanização etc., são importantes para precisar o espaço libertador do projeto.

7. NACIONALIDADE

Todo o enfoque desta categoria, como síntese das anteriormente

descritas, está na premissa de que é preciso ser nação para que um grupo humano, historicamente diferenciado, ofereça aos seus componentes condições reais de exercício da liberdade. O homem não alcançará a consciência de si e o domínio do seu mundo se não conseguir organizar em nação o seu circulo social de existência. A partir deste princípio e dentro do contexto histórico atual, é que se condiciona o ponto de vista das análises que se desenvolvem. Há uma intenção clara de se armar em defesa do conteúdo

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nacional, dando preeminência aos aspectos econômicos e à utilização de todo um modus operacional (lógico, técnico e objetivo), representado pelos interesses da maioria absoluta da população nacional, e não de suas minorias elitistas. Procura-se ter um substancial divórcio dos atributos do pensar ingênuo ou linear com que são, geralmente, enfocados. Não se tem preocupação em defender a forma da nacionalidade, mas o seu conteúdo. Os estudos são considerados como ato político. Este demanda a oportunidade de concretizar formas amplas de liberdade, principalmente, quando se tem consciência que o Brasil é um país emergente-subdesenvolvido, caracterizado por um tipo particular de alienação do trabalho e da alienação internacional. Trabalha para os norte-americanos e outros países cêntricos que se beneficiam da quase totalidade da mais-valia da exploração exercida, tanto ao nível da alienação do trabalho como da alienação do País como um todo. Visto sob este ângulo, o Brasil é uma colônia proletária dos países hegemônicos. Suas autonomia, soberania e autodeterminação devem fundamentar-se numa política revolucionária que tem como princípio básico abolir a servitude internacional a que está submetido, buscando valorizar o trabalho nacional e recuperar e reconstruir a nação. Para tanto, urge libertar o País da influência opressiva exercida pelo capital que explora o seu trabalho alienado. Essa modalidade de trabalho consiste em trabalhar para outro. No caso concreto do Brasil, mesmo a massa que trabalha para suas classes patronais está, de fato, trabalhando para o bem-estar dos povos e dos capitalistas dos países hegemônicos, que recolhem, no Brasil, através dos seus títeres ou cônsules do seu capital, os frutos de todo o labor do País cujos habitantes, na sua maioria, vivem em profunda miséria e abjeta dependência. Por ser um País de absoluta inequalidade social, a maioria da população não passam de meros executantes animais ou semoventes, ignorando que a sua principal riqueza está na capacidade e potencialidade de fornecer trabalho a si mesmo. O despertar da consciência crítica no Brasil deve passar pela conscientização também das forças armadas e pela sua convicção de que o labor do povo voltado para si é a causa suprema de sua autodeterminação, autonomia e soberania sobre sua riqueza ambiental e de sua hominização. O capital alienígena é sempre um capital colonizador, pois faz com que o trabalho nacional se realize para outros. É a negação da liberdade nacional. Urge, que as forças armadas se autocritiquem, redefinam e recriem uma nova doutrina da segurança nacional da ESG e se legitimem perante o povo brasileiro mediante a erradicação da iniqüidade social, ora existente, para garantir a soberania e autodeterminação não somente do Brasil, mas também do continente sul-americano em integração ecumênica com as forças armadas dos distintos países que o conformam.

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VIII. A DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO, A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E O EMPREGO

A divisão social do trabalho é no sistema mundo do capitalismo, a

fonte de todas as alienações. As ciências da administração e da economia política a têm sempre como pano de fundo. Ela é discutida a luz da gestão da fábrica ou da organização da intensidade e da produtividade do trabalho, da intensidade da produção e, particularmente, da cisão entre o trabalho intelectual e o braçal. Isso com vistas à hierarquização e à disciplina insertas no parcelamento das tarefas e nos sistemas de monopolização da técnica e da ciência pelas gigantes instalações e centralização do poder das empresas transnacionais.

Essa configuração foi, historicamente, montada pelo metabolismo do capital em seu processo incessante de acumulação em suas diferentes fases. No dizer de André Gorz, “a monopolização da produção pelos aparelhos institucionais – trustes industriais, administrações – e das corporações especializadas (médicos, professores, corporações de Estado) faz com que ela se submeta a produzir o que não consome, a consumir o que não produz e a não poder produzir nem consumir conforme suas próprias aspirações individuais ou coletivas. Não existe mais lugar onde a unidade dos trabalhos socialmente divididos passa a corresponder à experiência da cooperação, da troca, da produção em comum de um resultado global. Essa unidade só é assegurada – de um lado, pelo mercado; do outro, pelas burocracias privadas estatais. Ela se impõe aos indivíduos, portanto, como unidade exterior, como ‘uma força estranha da qual não conhece nem a origem, nem a finalidade’”.

Em “A ideologia alemã”, ainda, segundo Gorz, Karl Marx explica o tema em lide quando explicitou que “enquanto a atividade não for, pois dividida voluntária, mas naturalmente, o ato próprio do homem torna-se para ele uma força exterior que o subjuga, quando ele deveria dominá-la. Com efeito, desde que o trabalho passa a ser repartido, cada um tem seu currículo de atividade determinado, exclusivo, que lhe é imposto, do qual não pode sair; seja ele caçador, pescador, pastor ou crítico – é forçado a continuar a sê-lo, se não quiser perder seus meios de subsistência; enquanto na sociedade comunista, onde cada um não tem currículo exclusivo de atividade, mas pode aperfeiçoar-se em qualquer ramo, a sociedade regula a produção geral e dá-me, assim, a possibilidade de hoje fazer isso; amanhã, aquilo; de caçar pela manhã, pescar à tarde, cuidar da criação à noite, e mesmo criticar a alimentação, a meu bel prazer, sem jamais tornar-me pescador, caçador, pastor ou crítico. Essa estabilização da atividade social, essa consolidação do nosso próprio produto numa força concreta que nos domina, que foge ao nosso controle, barra as nossas esperanças, anula nossos cálculos, constitui um dos principais fatores do desenvolvimento histórico passado (...). A força social, ou seja, a força produtiva multiplicada, que resulta da colaboração dos diferentes indivíduos condicionados pela divisão do trabalho, aparece para esses indivíduos – porque a própria colaboração não é voluntária, mas, natural – não como a sua própria força unida, mas como força estranha, situada fora deles, da qual não conhecem nem a origem, nem a finalidade, que eles, portanto, não mais podem dominar, mas que agora percorre, ao contrário, toda uma série de fases e de

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graus de desenvolvimento particular, independente da vontade e da agitação dos homens, até regulando essa vontade e essa agitação”.

Em geral, os estudantes de administração e de economia política têm em sua grade escolar de curso os ensinamentos de Henri Fayol a partir de sua obra “Administração industrial e geral”, base de sua doutrina - o fayolismo - que trata das necessidades e possibilidades de um ensino administrativo e dos princípios e elementos da administração com vistas à divisão racional do trabalho, à autoridade, à responsabilidade, à disciplina, à unidade de mando e à convergência de esforços na empresa. Outro clássico da administração é “Os princípios de administração científica”, de F.W. Taylor, onde ele apresenta suas observações e experiências, particularmente, quanto às formas de desperdícios, procura de homens eficientes, causas da vadiagem no trabalho, lei da fadiga, seleção de pessoal e outros temas relevantes que serviram de fundamentos à sua doutrina, conhecida como teilorismo. Uma das mais belas críticas ao teilorismo, como doutrina, vem do gênio do cinema mudo Charles Chaplin em seu belíssimo filme “Tempos modernos”, que se aconselha a ver, para divertir-se e contextualizar tão importante crítica.

Tanto Fayol quanto Taylor em muito influenciaram Henry Ford, em sua indústria automobilista, onde, de fato, também criou sua doutrina administrativa mundialmente conhecida como fordismo, que se fundamenta na linha de montagem com ou sem esteira rolante para a produção em série.

Em tese, esses arautos da administração e da economia política fabril ou empresarial Fayol, Taylor e Ford em suas idéias e obras camuflam ou dão uma “aparência científica à racionalização do trabalho de tal forma” a ocultar e negar as críticas de Marx segundo as quais “toda produção capitalista, como geradora não só do valor, mas também da mais-valia, tem esta característica: em vez de dominar as condições de trabalho, o trabalhador é dominado por elas; mas essa inversão de papéis só se torna real e efetiva, do ponto de vista técnico, com emprego das máquinas. O meio de trabalho, tornado autômato ergue-se, durante o processo de trabalho, diante do operário sob a forma de capital, de trabalho morto, que domina e explora a força de trabalho viva”.

É do conhecimento público que, em todos os setores da economia (primário, secundário e terciário) o nível de emprego tende a diminuir e, sem dúvida, não há um único segmento industrial, na última década, onde o emprego não tenha se contraído. A revolução do conhecimento e da informação via telemática, biotecnologia, nanotecnologia, robótica, aeroespacial e agricultura molecular estão levando a mudança radicais na empregabilidade. Tanto o crescimento e o desenvolvimento econômicos se dão, hoje, à revelia da geração de empregos e, mais grave ainda, tornando-os obsoletos e o empregado descartável.

A reengenharia do trabalho foi criada pelas grandes corporações para eliminar cargos de todos os tipos e em quantidade maior do que em qualquer época do sistema mundo capitalista. Sua forma de eliminar empregos é comparável a grande crise mundial do capitalismo dos anos 29 e 30 do século passado. Note-se, também, que a reengenharia do trabalho alimenta a queda do poder aquisitivo das comunidades pelo impacto do achatamento das gigantescas burocracias das transnacionais, agora, funcionando em rede ou de forma reticular com total e absoluta transposição de fronteiras, sejam elas quais forem, ou seja, geográficas, culturais, raciais, religiosas, étnicas etc.

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Observe-se, também, que as grandes corporações desenvolvem diferentes estratégias de trabalho contigencial para evitar os altos custos, para elas, de benefícios aos trabalhadores, tais como: aposentadorias, assistência médica, férias e licenças médicas pagas, etc. Reduzem, portanto, seu núcleo de trabalhadores fixos, contratando trabalhadores temporários, estagiários universitários, todos com variações sazonais. Na prática, a mão de obra, como mercadoria, recebe todo o impacto da logística “just-in-time”, criada para atender o que há de mais moderno na circulação dos bens econômicos sob a égide da micro-eletrônica.

Por mais que as corporações diminuam a duração de vida dos produtos via acelerada depreciação moral e material dos mesmos, com sua substituição em intervalos cada vez menores, a crise de empregabilidade se torna mais dramática, sem quaisquer ajustes nos campos econômico-social e ambiental do modo de produção capitalista. Dessa forma justifica o enunciado de Marx, feito em 1857, de que “chegou o tempo em que os homens não mais farão o que as máquinas podem fazer”. Vive-se, hoje, no sistema mundo do capitalismo, com a abolição do trabalho obrigando o trabalhador a disputar entre si as escassas oportunidades de emprego em vez de juntos se organizarem em busca de uma nova racionalidade econômica, política, social e ambiental. Na prática, essa crise da empregabilidade tem servido de arma para os detentores de capital com vistas a estabelecer cada vez mais hierarquia, obediência, disciplina na divisão do trabalho nas empresas e corporações transnacionais.

Segundo Gorz, a crise da empregabilidade tem levado os estados capitalistas ao ponto de em suas linguagens oficiais afirmarem “não se trata mais de trabalhar para produzir, mas de produzir para trabalhar (...) a economia de guerra e a própria guerra que foram, até hoje, os únicos métodos eficazes para assegurar o pleno emprego dos homens e das máquinas quando a capacidade de produzir ultrapassava a de consumir”.

“O declínio inevitável dos níveis dos empregos e a redução da força global do trabalho”, é o subtítulo do livro,” O fim dos empregos”, de Jeremy Rifkin, que aponta para se deixar de lado a ilusão de retreinar pessoas para cargos já inexistentes e pondera, institucionalmente, para a ação em um mundo que está eliminando o emprego de massa na produção e na comercialização de bens e serviços. Aconselha a intuir-se uma era pós-mercado em busca de novas alternativas e novas maneiras de proporcionar renda e poder aquisitivo com vistas à restauração das comunidades e reconstrução de uma cultura de sustentabilidade. Sinaliza, também, a necessidade de se iniciar uma grande transformação política, social, econômica e ambiental com vistas ao renascimento do ser humano em toda sua plenitude.

Em seu conhecido livro “A economia do hidrogênio”, o mesmo Rifkin sinaliza que as células combustíveis energizadas por hidrogênio possuída pelas comunidades possibilitarão toda uma nova redistribuição do poder na medida em que qualquer ser humano poderá produzir sua própria energia. Essa “geração distributiva”, preconizada por Rifkin, tornará o controle oligárquico e hierárquico das grandes corporações obsoleto. Afirma ele que “milhões de usuários poderão conectar suas células combustíveis locais, regionais e nacionais de hidrogênio, através dos mesmos princípios e

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tecnologia da world wide web, compartilhando e criando um novo uso descentralizado da energia”.

Seu otimismo chega a ponto de afirmar que “o hidrogênio pode acabar com a dependência do petróleo, reduzir a emissão de dióxido de carbono e o aquecimento global, além de apaziguar guerras políticas religiosas. O hidrogênio poderá se tornar o primeiro sistema energético democrático da história”.

Fritjof Capra, também, em sua obra “As conexões ocultas” aponta como tarefa desta e das futuras gerações “a mudança do sistema de valores que está por trás da economia global, de modo que passe a respeitar os valores da dignidade humana e atenda às exigências da sustentabilidade ecológica”.

Após essas breves divagações sobre a divisão do trabalho procura-se, agora, navegar ou proceder a conjecturas sobre um mundo sem empregos.

Contextualizando o livro de William Bridges, “Um mundo sem empregos. JobShift. O desafio da sociedade pós-industrial”, pode-se, grosso modo, sinalizar os seguintes tópicos para a sua compreensão:

1. Da gênese e da evolução ou desenvolvimento, vê-se que o conceito de emprego não faz parte da natureza na medida em que é uma criação humana. Durante séculos, apresentou-se como arte ou ofício dos humanos nos modos de produção precedentes ao capitalismo e, mesmo, em algumas fases deste. Passou a ter o significado que tem hoje a partir da revolução industrial, através do advento das fábricas, das máquinas e das burocracias institucionais e organizacionais tanto das empresas quanto dos estados nacionais. Não existem empregos fora das organizações fabris ou não-fabris – burocratas. Hoje, as organizações que deram origem ou criaram os empregos estão em processo de mutação, ou seja, desaparecendo via processos de terceirizações (outsourcing) e serviços públicos terceirizados/privatizados.

O emprego nunca foi e não é um fato atemporal da existência humana. É um artefato social próprio de determinadas etapas do desenvolvimento da economia mundo do capitalismo e, muito em particular, do metabolismo do capital.

Do ponto de vista da psicologia social, o emprego proporciona à pessoa o seguinte:

� Seu envolvimento em uma rede central de relações de amizades em um contexto social

� Uma estrutura de tempo onde se imagina a padronização dos dias, meses e anos de sua vida

� Um rol de papéis a serem desempenhados em tempo hábil, ou seja, lugar e hora de comparecer, coisas a fazer, expectativa quanto a um padrão de carreira e propósitos diários

� Um significado e ordem de sua vida em função de uma remuneração e direitos sociais empregatícios

� Uma ajuda à pessoa a dizer a si mesma e aos outros o que ela é. 2. Do mundo do emprego para o mundo sem emprego. Nesse

processo de transição vale lembrar os seguintes tópicos: � A força de trabalho insere-se no processo “just-in-time”, tornando-se

fluida, flexível e descartável, e as oportunidades e situações de trabalho

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tendem para tempo parcial, temporalidade e flexibilidade � As novas tecnologias facilitam e deslocam a colaboração entre

empresas em redes e, também, a partir de fornecedores terceirizados entre diferentes localizações de uma mesma organização transnacional

� A economia desloca-se das velhas indústrias para novas guiadas pela micro-eletrônica, biotecnologia, robotização e outras informatizadas. A agricultura tradicional passa a dar lugar à agricultura molecular, agrônica e agrótica

� A reengenharia do trabalho altera significadamente o mundo da divisão do trabalho tanto em seus aspectos qualitativos quanto quantitativos, remetendo para o mundo da administração e da gestão das organizações públicas e privadas o emprego, como parte do problema e não da solução na medida em que o analisa e o vê como inibidor das mudanças

� O trabalho, informatizado e robotizado demanda um número bem menor de empregados e desloca-se para todo e qualquer lugar. Essa é a razão do fax, dos laptops, dos telefones celulares transformarem qualquer ambiente em um escritório completo

� O ex-empregado necessita, agora, vender suas habilidades, inventar novas relações com organizações para ocupar seu tempo de trabalho e aprender novas maneiras de trabalhar fora dos empregos, ou seja, nas organizações ou corporações sem empregos. 3. Desse processo de abolição dos empregos deduz-se que levam

às mudanças as necessidades não-satisfeitas nos seguintes aspectos das organizações:

� No abrir dos espaços entre os recursos disponíveis � Na criação de novas fronteiras e novas interfaces entre as organizações � Na introdução de novas tecnologias e novas economias a serem

introduzidas no metabolismo do capital � No obsoletismo dos arranjos técnicos, econômicos e organizacionais.

4. Do trabalho ou ocupação no mundo sem empregos torna-se

necessário que a pessoa ou trabalhador redefina e recicle seus dados pessoais quanto:

� Às expectativas sob a ótica das incertezas � Aos hábitos sociais, técnicos, econômicos e criação de cenários

alternativos � Às regras pessoais quanto à qualificação, atitudes, capacidades,

temperamento e ativos � À estrutura da integridade/identidade doando limites as possibilidades do

que se cogita na jornada da vida � À estrutura da realidade em constante e permanente mudança � À criação de um novo sentido com vistas às condições internas e

externas para lidar com esse novo mundo. Nesses tópicos sobre a divisão do trabalho e sobre um mundo sem

empregos, vale, aqui, transcreverem-se as novas atitudes ou estratégias apresentadas por William Bridges em seu livro, acima citado, resumidas no seguinte:

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“1. Aprenda a encarar toda situação potencial de trabalho, tanto dentro quanto fora de uma organização, como um mercado. Até mesmo pessoas que atualmente estão sem trabalho descobrirão, ironicamente, que muito das melhores perspectivas para as futuras situações de trabalho encontram-se na organização que as demitiu de emprego ou as induziu a uma aposentadoria precoce”.

“2. Pesquise seus DADOS (ou seja, suas Aspirações, Capacidades, Temperamento e Pontos Fortes) e recicle-os num produto diferente e mais ‘viável’. Todo mercado está cheio de pessoas à procura de produtos, mesmo quando nenhum emprego está sendo anunciado. Você precisa aprender a transformar seus recursos naquilo que está sendo procurado”.

“3. Pegue os resultados do nº2, construa um negócio (vamos chamá-lo de Você & Co.) em torno do mesmo aprenda a dirigi-lo. Nos anos vindouros, você vai obter menos quilometragem de um plano de carreira no sentido antigo do que de um ‘plano comercial’ para sua própria empresa. Quer você esteja empregado ou não naquilo que costumava chamar de emprego, daqui para frente você está num negócio próprio”.

“4. Aprenda sobre os impactos psicológicos da vida neste novo mundo do trabalho e monte um plano para lidar com eles com sucesso. Não bastará saber para onde você vai se você não puder suportar as pressões do lugar quando chegar lá”.

No ambiente das empresas e organizações pós-emprego, os

cargos tornam-se obsoletos e são substituídos por atribuições de tarefas além de se ter em conta o ócio criativo e uma economia pública. Daí sua estrutura tender para conter os seguintes elementos:

� Empregados essenciais � Fornecedores e subcontratantes � Fregueses e clientes � Trabalhadores temporários � Contratações por prazo limitado.

Nos escritórios e departamentos de empresas que antes estavam

repletos de empregados, hoje se limita a um número pequeno de pessoas fazendo previsões para clientes reais e potenciais ou indivíduos mandando pedidos via fax de seus “laptops” em veículos, hotéis, etc. Muitas dessas pessoas são distribuidores independentes do sistema de vendas direta, contratantes individuais ou trabalhadores temporários para o fluxo de negócios.

A questão de uma organização ou empresa pós-emprego é qualitativamente diferente daquela baseada em cargos. As carreiras são reconceitualizadas e reinventadas desde a disponibilidade de acoplamento tecnológico até as questões idiossincrásicas como são as responsabilidades familiares das partes como as condições de ir e vir ao autoemprego, autonegócios ou trabalho. Há que se rever e refazer o estado em função das empresas ou organizações não-governamentais (ONG) economia social-comunitária.

No pós-emprego das empresas trabalho e lazer também fogem ou se divorciam do cálculo do emprego permanente. O tempo livre não é mais parte do horário de serviço, mas algo inserto nas atribuições de tarefas ou contratos de projeto e aposentadoria torna-se uma questão individual que

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nada tem a ver com a política organizacional. A economia do hidrogênio certamente provocará a redistribuição do poder no mundo globalizado.

As tendências das empresas ou organizações pós-emprego são três: � Expansão dos ganhos para participação dos resultados � Pagamento por habilidades � Autogestão na direção dos negócios, isto é, aceso direto às

informações que antes eram do domínio das pessoas que tomavam as decisões. Hoje se observa que a economia tende a conectar células combustíveis de hidrogênio com geração autônoma e resdistribuitiva.

Ainda no ambiente da empresa ou organização pós-emprego, a

pessoa faz aquilo que precisa ser feito para facilitar, honrar e realizar a missão, a visão e os valores da organização onde cada pessoa administra o todo e não apenas a sua parte. O hidrogênio como fonte de energia pode se tornar o primeiro sistema energético democrático, libertador e eqüitativo da história humana.

Nas organizações pós-emprego, consegue-se que as pessoas: � Tomem decisões gerenciais que eram restritas aos gerentes � Tenham acesso às informações para tais decisões � Sejam capacitadas e treinadas para entender as questões

comerciais e financeiras da empresa � Interessem-se pelo fruto de seu trabalho como forma de

compartilhar com a organização e participar dos seus lucros � Possam na economia do hidrogênio compartilhar e criar um novo

uso descentralizado da energia e do bem estar. Para administrar a transição da sociedade industrial para a

sociedade da informação, onde predominam as organizações pós-emprego, há que se reinventarem também os programas de capacitação e treinamento. Essas ações devem:

� Objetivar a leitura dos mercados, identificar as necessidades oriundas das mudanças e definir o produto de ou para alguém de acordo com as necessidades

� Identificar outros vendedores de bens ou serviços que estão fazendo aquilo que a organização pretende fazer e como alcançam resultados

� Induzir a melhorar continuamente a qualidade daquilo que se pretende fazer;

� Gerir seu tempo pessoal e do “joint-venturing” pessoal na organização. A criação da economia do hidrogênio deve levar à redistribuição do lucro e do poder como forças motrizes de um novo modo de produção.

O novo sistema circulatório da organização pós-emprego requer para

a redisposição de recursos: � Capacitação e treinamento em como administrar a própria

carreira e oportunidades de negócios

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� Estímulo, motivação e entusiasmo para ações multiníveis (networking) e acesso “on line” às oportunidades de negócios ou de oportunidades de trabalho ou autoemprego

� Desenvolvimento de estratégias de a própria pessoa atuar como um negócio

� Informações de como dispor da ajuda para a carreira, em termos de cursos, bancos de dados, serviços de avaliação e coisas afins

� Com o hidrogênio, como fonte de energia, a geopolítica do sistema mundo do capitalismo entrará em colapso dando lugar a uma política biosférica inserta em uma antropolítica.

Vale lembrar que o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio

Vargas, em seu recente levantamento sobre emprego no Brasil, aponta que “uma em cada três pessoas vai perder o emprego nos próximos dois anos”. (Ver Revista Época nº. 427 de 24/07/2006). Comenta, ainda, a revista em tela que aqueles que pretendem manter seu emprego têm de cuidar das seguintes habilidades:

� Entender o que é sucesso, conhecendo os valores da empresa � Não prometer demais de forma a apreender a cultura da empresa � Controlar o tempo como meio de focar o trabalho e ser produtivo

e dar resultados � Ser político, isto é, participar da vontade do time, mesmo que dele

não faça parte de forma a externalizar habilidade política e liderança

� Fazer marketing pessoal de maneira que as pessoas achem que seu trabalho tem a ver com o sucesso em manter seu emprego ou carreira na empresa.

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IX. CULTURA E PLURALIDAE CULTURAL

Cultura etimologicamente vem do latim “culturae” que significa ação de

cuidar tratar, venerar. A palavra por ser detentora de amplos sentidos e conceitos configura um grande número de epítetos como exemplo cultura de massa, cultura popular, cultura erudita, etc. Do ponto de vista das ciências humanas ou sociais há que se contextualizar o processo da origem da cultura, sua historicidade, suas funções e suas relações e conexões com a natureza circundante e a essência da teoria da cultura. Sendo processo de hominização a cultura está imbricada a evolução da ideação reflexiva dos hominídeos nas ações ou operações inovadoras e prospectivas sobre a natureza e o cosmo.

Como efeito da relação produtiva (indissociável do processo de produção e do processo incessante de acumulação de capital) a teoria da cultura a vê em dois sentidos fundamentais: produção do ser humano por si mesmo e produção dos meios de sustentação da vida e a interpreta em dupla natureza, isto é, bem de consumo e bem de produção. Inserta nos sentidos e naturezas supracitados a cultura é o acervo de conhecimentos, instrumentos e técnicas que permite a exploração coletiva do planeta terra pelos hominídeos. Essa dupla natureza implica em que nas sociedades humanas ou nos diferentes modos de produção a cultura se apresente apropriada por um grupo minoritário que se autodesigna de “cultos” em contra ponto a maioria desapropriada que assume a aparência enganosa de “inculta”.

Sendo o ente humano um bem de produção ou principal força produtiva ele próprio inventa e produz a cultura e na medida em que lhe doa finalidades, apropriações e desapropriações e coloca em evidência todo o fenômeno do processo de alienação do próprio ser humano e da cultura, particularmente imbricado ao conceito de classes sociais, de divisão social do trabalho e da teoria do valor-trabalho.

A cultura, em sua acepção mais ampla, é a maneira pelas quais os hominídeos se humanizaram e se humanizam na criação de sua existência: política; social; ambiental; econômica; religiosa; lúdica e etc. Seus significados podem ser resumidos no seguinte:

a) Posse de certos conhecimentos (artes, turismo, literatura, etc.) b) Diferenças sociais (ser ou não ser culto) c) Propriedade individual através de prestígio, respeito, privilégios e

exclusão d) Algo em si ou por si mesmo tais como culturas: brasileira, francesa,

chinesa, australiana, angolana, etc. e) Erudita, culta, intelectual, científica, etc. f) Popular ou vulgar como expressão da massa ou do povo g) Elitista como é exemplo a Doutrina da Escola Superior de Guerra e

outras doutrinas ocultas h) De massa quando disseminada pela mídia falada e escrita com

vistas às manipulações i) De comunidade, onde os mitos unificam o tempo e às interpretações

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j) De atividade agrícola, com os cultivos de vegetais e criatórios de animais

k) Cuidado do ente humano com a natureza, com a alma e com o eco-agroturismo

l) Formação e educação dos seres humanos m) Aprimoramento da natureza humana n) Natureza adquirida. A cultura pode e deve ser apreciada como: Cultura histórica. Vista sob o ponto de observação do espírito ou

razão conforme trata HEGEL na “Fenomenologia do Espírito” e em seus tratados sobre a “Estética” tanto no referencial a idéia e o ideal quanto ao belo artístico e o ideal. Historicamente pode ser apreendida segundo a ótica das relações de produção na extensa, oportuna e discutida obra de MARX não somente nos seus “Manuscritos Econômico-Filosóficos”, mas no “Capital” (três volumes) e na “Crítica da Economia Política”.

Cultura e antropologia. Sob essa ótica a cultura é vista como diferença ente humano-natureza, ou seja, é apreendida como a ordem simbólica da lei, da linguagem e do conjunto de práticas, comportamentos e ações entre os humanos entre si e entre eles e a natureza. Em sua análise sobre a cultura brasileira o antropólogo Darcy Ribeiro escreve o seguinte: “o caráter espúrio da cultura brasileira decorre, como vimos, da própria natureza exógena e mercantil da empresa que lhe deu nascimento como formação colonial escravista, organizada para prover o mercado europeu de certos produtos. Nestas condições, o Brasil nasce e cresce como um proletariado externo das sociedades européias, destinado a contribuir para o preenchimento das condições de sobrevivência, de conforto e de riqueza destas e não das suas próprias. A classe dominante brasileira, em conseqüência, é chamada a exercer desde o início, o papel de uma camada gerencial de interesses estrangeiros mais atenta para as exigências destes do que para as condições de existência da população nacional. Não constituía, por isso, um estrato senhorial e erudito de uma sociedade autônoma, mas uma representação local, alienada, de outra sociedade cuja cultura buscava mimetizar. Sua função precípua era induzir a população a atender os requisitos de feitoria produtora de gêneros tropicais ou de metais preciosos e geradora de lucro exportáveis”.

Cultura e ideologia. Sob este ângulo a cultura é vista como imposição das classes dominantes do seu ideal ou ponto de vista sobre a sociedade ocultando as divisões internas. Tanto isto é verdade que MARX, historicamente, colocou que “as idéias das classes dominantes são as idéias dominantes de cada época ... a existência de idéias revolucionárias em uma determinada época já pressupõe a existência de uma classe revolucionária.” Na Crítica a Economia Política, MARX é enfático em afirmar: “o modo de produção da vida material condiciona o processo de existência social, política e espiritual no seu conjunto. Não é a consciência dos homens que lhe determina o ser, mas, pelo contrário, é o ser social que lhes determina a consciência”.

Cultura e desenvolvimento sustentável segundo o saudoso economista CELSO FURTADO (Ex-ministro de Planejamento, da Cultura e 1º Superintendente da SUDENE) cabem aos brasileiros, quanto ao item supradito, o seguinte:

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a) Tirar proveito da crise atual para fundamentar um novo pacto social com vistas a erradicar a concentração de rendas e as desigualdades sociais e regionais existentes

b) Aprofundar a percepção da realidade para restaurar a confiança na criatividade da cultura brasileira e da identidade nacional

c) Criar padrões de consumo de conformidade com a configuração da demanda populacional em um forte e consolidado MERCOBRASIL sobre bases sustentáveis de desenvolvimento

d) Satisfazer via MERCOBRASIL, as necessidades básicas da população com redução radical das desigualdades pessoais de rendas e das regiões

e) Criar ou buscar meios e caminhos para sanear o desastre dos endividamentos externo e interno e salvaguardar a nação da tutela do FMI, BIRD, OMC, BIS, FED (Federal Reserv Bank) e do CFR (Council on Foreign Relations) sobre a política econômica nacional

f) Modificar as bases do poder de sustentação econômica atual com vistas a assegurar uma participação efetiva nos processos político e cultural dos segmentos sociais vitimados pela racionalização econômica atual

g) Abolir formas sofisticadas de concorrência e de competitividade de elevados custos sociais e que conformam à demanda definindo o status de cada classe de consumidor

h) Compreender que cabe a ação política gerar os recursos de poder requeridos para modificar o modelo atual de desenvolvimento que conduz a ingovernabilidade e a calamitosa situação de bem estar social, econômico e financeiro

i) Adotar políticas culturais, econômicas, sociais e ambientais que atendam de frente os problemas que mais angustiam a população brasileira.

No que diz respeito à dimensão cultural do desenvolvimento

sustentável FURTADO, no seu livro “O Capitalismo Global” afirma que “a cultura deve ser observada simultaneamente, como um processo acumulativo e como sistema, vale dizer, algo que tem uma coerência e cuja totalidade não se explica cabalmente pelo significado das partes, graças a efeitos de sinergia”. Após outras considerações importantes sobre a dimensão cultural enfatiza de forma muito clara “a importância do conceito de identidade cultural, que enfeita a idéia de manter com nosso passado uma relação enriquecedora do presente”.

No Dicionário Filosófico Abreviado de Rosental cultura é o “conjunto dos valores materiais e espirituais criados pela humanidade, no curso de sua história. A cultura é um fenômeno social que representa o nível alcançado pela sociedade em determinada etapa histórica: progresso, técnica, experiência de produção e de trabalho, instrução, educação, ciência, literatura, arte instituições que lhes correspondem. Em um sentido mais restrito, compreende-se, sob o termo cultura, o conjunto de formas da vida espiritual da sociedade, que nascem e se desenvolvem à base do modo de produção dos bens materiais historicamente determinados. Assim entende-se por cultura o nível de desenvolvimento alcançado pela sociedade na instrução, na ciência, na literatura, na arte, na filosofia, na moral, etc. e as instituições correspondentes”.

A partir do conceito acima citado se pode estudar a cultura brasileira em três fases, a saber: a primeira, cultura transplantada anterior ao

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aparecimento do povo brasileiro; a segunda, cultura transplantada com o surgimento do povo brasileiro, isto é, mamelucos, caipiras, curibocos, crioulos, caboclos, sertanejos, etc. que vem a constituir o proletariado e a chamada classe média e, a terceira, a partir da libertação dos escravos, com o surgimento do processo de desenvolvimento da cultura brasileira, muito em particular, depois de 1930, com a era VARGAS, dinamizando as relações capitalistas de produção tanto no agro quanto na urbe consolidando a existência das classes sociais: burguesia e proletariado no Brasil.

Cultura e imperialismo (Globalismo). Considerando que a produção intelectual é à base da cultura capitalista, tanto material quanto espiritual, ela tende ou é dirigida a reproduzir globalmente, idéias, valores, princípios e doutrinas colocando os países periféricos em profunda dependência cultural. A produção intelectual é o produto e a condição do imperialismo cultural, na forma do pensar eurocêntrico e etnocêntrico, que se verifica no chamado processo de globalização. Para superar as formas de pensar eurocêntricas e etnocêntrica há que se contrapor, a elas, o pensar crítico abrangente com as respectivas recomposições: política, econômica, social, psicossocial, institucional e ambiental. Com esta perspectiva o povo do país, alienado culturalmente, deve entender e apreender de forma objetiva não somente os processos de deculturação, mas, principalmente, de aculturação. Na medida em que apreende os processos, em tela, cabe ao povo e à intelectualidade esforçar-se, persistentemente, em conduzir maneiras de auto-afirmação libertando sua cultura da carga de pré-noções e preconceitos destinados a resigná-la. Em contra ponto ao pensar do “centro de dominação" há que se estabelecerem umas compreensões solidárias, criativas e niveladoras na dimensão cultural da nação. O pensar crítico abrangente na sociedade, no dizer de Darcy Ribeiro, pode experimentar impulsos progressistas “incorporando à sua cultura elementos de um acervo tecnológico-produtivo que, mais que traços de uma cultura qualquer, faz parte, hoje em dia, do patrimônio do saber humano”. Ainda, segundo Ribeiro, é necessário ter em conta que "as construções culturais devem ser examinadas valorativamente, em termos de seu papel como instrumentos e estímulos da afirmação de criatividade e desenvolvimento autônomo de um povo, ou ao contrário, de percalços dissuasivos de qualquer esforço renovador. É admitir ademais a possibilidade de restauração da ingenuidade cultural pela erradicação de seus conteúdos espúrios, através de processos autoconstrutivos que seriam revoluções culturais".

A pluralidade cultural se dá no âmbito da teoria da adaptação (ver HABERMAS) a partir da tolerância que prefigura, envolve e evolve o multiculturalismo e a democracia nas sociedades humanas chamadas ocidentais. O termo tolerância vem do latim “toleranz” que trata da virtude política entre os cidadãos de procedência e modos diferentes de viver. Do ponto de vista da cultura tolerância é considerada a mistura ou miscigenação de diferentes e distintas culturas para a cooperação e compromisso de convivência humanitária, ou seja, mistura, de forma virtuosa, não somente de etnias, mas principalmente, de raças e de religiões.

Sob esse aspecto o Brasil se diferencia, no planeta, na medida em que é dotado de total e absoluta tolerância étnica, racial e religiosa em todo o seu território. Esse qualificativo da pluralidade cultural ou do multiculturalismo brasileiro aponta para um por vir virtuoso da nacionalidade na solução dos seus

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problemas internos. Também, muito em particular, dos problemas mundiais ou internacionais aonde se vêm ou se verificam cerca de 30 conflitos bélicos (guerras) que tem conteúdos e formas de origem ética, racial e religiosa que se sobrepõem à estrutura metabólica do capital no modo produção capitalista e se tornam irreconciliáveis.

Sendo um modelo reduzido das contradições globais, desse modo produção, certamente o Brasil, na medida em que soluciona os seus problemas, pode e deve servir de modelo para a solução dos conflitos atuais do sistema mundo capitalista. Para tanto sua pluralidade cultural, pela bem sucedida miscigenação, é o seu principal ponto forte pela adaptabilidade étnica, racial e religiosa do seu povo.

Com uma séria política de inclusão social onde o eco-agroturismo é de suma importância acredita-se que o país possa, agora, circunscrever um campo de ação onde possa reivindicar para si e para o mundo uma estrutura e uma lógica de humanidades ou antropolítica ou, ainda, uma nova forma de vida em seu todo. O nexo da teoria da cultura e da teoria da adaptação está, no Brasil, exatamente na miscigenação da cultura que é a gênese da pluralidade cultural ou formação de identidades coletivas próprias do seu povo não somente em termos políticos, mas na busca evolvente de mitigar, virtuosamente, a destrutividade social e o discenso irreconciliável das etnias, das raças e das religiões. Com essa sensibilidade e virtuosidade o povo brasileiro tem um ajuste legitimador a um pluralismo de visões do mundo, coexistências e integração político-social para os “por vir” da humanidade ou sociedade global livres, ecumênica e sem ranços colonialistas e imperialistas.

Multiculturalismo. Coexistência de diferentes culturas em um mesmo território ou país. O Brasil é por excelência, um país multicultural bem sucedido. Em seu território fala-se mais de 170 línguas com particularidade a oficial o português (substituta da língua geral) integrar sua população em seus 8,5 milhões de km² independentemente de raças, etnias, religiões, níveis sociais e de rendas. Até mesmo os regionalismos existentes servem de catalisadores para a identidade nacional onde as distâncias servem de unidade. O Brasil, como um todo, é a negação do eurocentrismo ou etnocentrismo do determinismo geográfico. O multiculturalismo imbricado ao metabolismo do capital, no Brasil, pode ser explícito como “uma exigência política, uma exigência de grupos que sentiam ser oprimidos, ignorados e reprimidos” (Wallerstein). É por isso versátil e libertador.

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X. A EDUCAÇÃO E O HUMANISMO CONCRETO

Para início do desenvolvimento do tema vale perguntar o que é educação e o que vem a ser humanismo concreto?

A educação é entendida como um processo que enfatiza e busca o conhecimento e o saber do ser humano para aprender a:

� Conhecer � Fazer � Conviver � Ser � Criticar

Saliente-se que todos esses atributos são necessários para a construção de bases de conhecimento de forma contínua (teórica e prática) com sentido de humanização ou de antropolítica, no dizer de Morin. Subtende-se, também, que o conhecimento e a consciência devem ser crítico e abrangente. Dessa maneira é que se constrói a ponte entre o processo de educação com o processo do humanismo concreto, como antítese da alienação, em contraponto ao humanismo vulgar pregado pela educação convencional onde se insere o processo de alienação não somente oriundo do metabolismo do capital, mas também, do campo religioso. Por humanismo concreto entende-se o processo de libertar a mente e a consciência humana de forma a integrar o ser humano à sociedade e à sua comunidade sem que ele perca a sua individualidade. Fica implícita, no conceito, a doação de sentido ao seu destino antropolítico de pensar, querer, agir e criticar. É, portanto pela crítica, que o ser humano propõe a transformação da coisa ou do objeto criticado. É a maneira pela qual ele se defende da alienação lutando pela preservação da sua consciência crítica com a própria consciência crítica. Esta, por princípio, se contrapõe ou se opõe a consciência ingênua, cândida ou reflexa de ver a realidade induzida pelo chamado universalismo ocidental levado às escolas /universidades pela educação convencional. É a consciência crítica, como defesa contra a alienação do ente humano, que desconstrói os mitos, as crenças, os dogmas, os tabus e as ilusões oriundas da educação convencional. O processo de educação para o humanismo concreto é aquele que tem como propósito unificador libertar o ente humano da alienação: do seu trabalho, da sua mente e da sua consciência. Dessa forma, revela as contradições provocadas pelo metabolismo do capital e pela total irracionalidade dos mitos, tabus, crenças dogmas e ilusões criadas no campo religioso, nos aparelhos ideológico e de estado cujo fim é a domestificação dos seres humanos e sua servitude. Deve, ainda, a educação para o humanismo concreto, evidenciar a subsunção humana ao capital, às ideologias, à política e aos sem números de igrejas. Estas devem ser vistas, nas escolas/universidades, apenas como aspectos culturais do povo e como cultura e, jamais como princípios imanentes ao humanismo concreto que é libertador do ser humano. Os caminhos da educação formal, no Brasil, apontam para um crescente processo de deseducação de sua população não somente quanto

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à análise do sistema mundo capitalista, mas também, da vida planetária quando intencionalmente se violenta a natureza com a destruição da biosfera com vistas ao processo de acumulação incessante do capital. Em termos de globalização (com a subsunção do sistema educacional ao metabolismo do capital) se oculta à vivência de uma nação para outras, na totalidade nacional, em que se tem a postura ingênua nos questionamentos que dizem respeito a:

A REPRESSÃO AO CAPITAL PRIVADO ESTRANGEIRO ESPECULATIVO

O capital estrangeiro especulativo equivale sempre a uma forma de

alienação do trabalho do povo brasileiro. É por isso que o humanismo-nacionalista ou o patriotismo têm como conteúdo ideológico, para emancipação econômica e política do País, a repulsa ao capital estrangeiro, particularmente, o especulativo.

O capital estrangeiro, não passa de uma ficção econômica, constituída graças à legislação colonial.Esta permite a um mínimo de doação inicial acrescentar volume imensamente maior de capital gerado no País, para formar, em conjunto o que a lei considera "capital estrangeiro", assegurando-lhe o direito de remeter lucros para o exterior. As empresas estrangeiras operam na verdade com o dinheiro aqui arrecadado, tendo o seu magro dispêndio primitivo regressado ao país originário, depois de haver montado a máquina pneumática de sucção do dinheiro do povo. Exemplo claro desse fato foi que levou o entrególogo Fernando Henrique Cardoso a não somente privatizar o capital nacional, mas principalmente aliená-lo a muitas das empresas estrangeiras. Desasa forma a subtraiu a ocupação ou emprego dos brasileiros e criou empregos para os anacionais que passaram a comandar as empresas antes nacionais que já em tempos pretéritos obrigaram a estatizar aquelas sucatas para apossarem-se das divisas ganhas pelo Brasil no período da 2ª Guerra Mundial.

A novidade e periculoside do capital estrangeiro principalmente o especulativo ou financeiro está sempre em seu caráter de determinar o sentido da economia brasileira independentemente dos interesses e necessidades nacionais e, particularmente, do povo. Essa é a razão de se argumentar que, enquanto o capital estrangeiro for vital para o país, não se deve recebê-lo sem um rigoroso controle. A frase tem sabor evidentemente paradoxal, mas tem um sentido profundo, sério e sólido. Significa que, enquanto o Brasil estiver nas fases vitais de seu desenvolvimento, é que se torna imperiosa a substituição dessa espécie de capital por outra, a nacional. Quando o país tiver alcançado a fase em que domina e tem autonomia de sua economia, em que a submete à lei da própria totalidade, pode se quiser receber capital de fora, que já então não tem meios de se impor como força política e fundamento de atitudes político-ideológicas. Por isso cabe dizer que só se deve receber o capital de fora quando dele não mais se precisa. Não se deve agora receber o capital estranho exatamente porque é vital, ou seja, com rigor etimológico, significa a vida, que, em tal caso, seria dada por outrem, quando é evidente que quem deve dar a vida são os brasileiros.

Para fazer frente aos entregologos, adeptos ou paladinos do capital estrangeiro, os críticos têm como teorema central da teoria humanista-

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nacionalista do processo brasileiro, o seguinte: é sempre em última análise o trabalho das massas que financia o desenvolvimento do Brasil. Mesmo quando, em fase inicial, o capital entra como fator decisivo, na verdade, a expectativa dos lucros e do poder que irá obter à custa do trabalho do povo é o que explica a presença dele, logo, é na verdade o trabalho do povo o fator fundamental do desenvolvimento. A ficção do desenvolvimento econômico ajudado de fora deve ser denunciada como simulação de vantagens das elites para encobrir a realidade da exploração. Os arautos do capital privado estrangeiro apregoam a impossibilidade de o povo organizado pelo seu estado nacional impulsionar o desenvolvimento do País sem ajuda externa, tais as somas exigidas para instalar as obras de base. Cumpre a consciência crítica de a realidade brasileira contemporânea contestar o raciocínio de que a consciência do dominador se utiliza, fundada em teorias econômicas estrangeiras procedentes das áreas dominantes, propositalmente forjadas para servir à exploração das nações subdesenvolvidas.

Não se deve se emocionar quando se ouvem as lições desses cientistas nem se inquietar sobre o bom fundamento de suas conclusões. Sabe-se que a ciência em que fulguram como catedráticos abalizados é produto ideológico da situação de domínio de sua classe e de seu grupo nacional. Quando se lêem os escritos dos pontífices do entreguismo, dos entrególogos e ideólogos do colonialismo, não se deve comover-se com os argumentos caso apresentem contra o modo de pensar crítico, porque tudo o que dizem decorre de premissas que são exatamente aquilo que se está pondo em dúvida. Não é de admirar que se refutem, ou nem sequer se dêem a essa pena, limitando-se a sorrir por sua inocência, diletantismo ou petulância. Da parte crítica, o que se faz é pôr em questão a totalidade de sua ciência, mostrando que se trata de um caso de alienação cultural, de reflexo do saber alheio. Em última análise, se é o trabalho do povo que vai pagar, com acréscimo, o capital emprestado para as obras do desenvolvimento, significa dizer que as fontes dos recursos são na verdade internas. No caso de o pagamento ser feito sobre o valor emprestado, tem-se de fazê-lo com o capital que se gera aqui mesmo, sob forma de trabalho.

Na atual estrutura econômica brasileira, tudo está organizado para favorecer o desenvolvimento impulsionado pela contribuição do capital estrangeiro. Nada há de admirar, portanto, se, ao observar a realidade, os analistas simplórios concluem por considerar indispensável à participação do capital externo. É evidente que assim tem de ser, se tudo foi preparado para isso. Mas basta que se conceba a possibilidade de outra estrutura econômica no País, para se compreender que nela os recursos internos seriam suficientes para promover o desenvolvimento, sem recorrer à colaboração e, portanto, sem a dependência, do capital alienígena. Indiscutivelmente, sem o capital externo não se pode manter essa estrutura que aí está. Mas nada impede que o País dirigido por nova consciência política de seu destino histórico, organize sua economia de modo a transformar a força de trabalho da população em origem de recursos para obter os meios de se desenvolver. Para tanto, de usar a intermediação apenas do capital gerado em seu interior e possuído exclusivamente por quem só tem interesse no progresso nacional.

Basta que o governo com o respaldo do Estado decida executar diferente política econômica para encontrar meios de obter internamente, e externamente em operações não onerosas de governo a governo, os capitais

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necessários aos empreendimentos básicos, pois na verdade é sempre o trabalho das massas que financia o desenvolvimento do País. A PETROBRÁS e a ELETROBRÁS são claros exemplos dessa assertiva como foram no passado a CVRD e a TELEBRÁS. A intervenção do capital privado estrangeiro principalmente o financeiro é indébita e procura parasitar um processo social que pode ser feito mesmo sem ela, uma vez que os fatores objetivos requeridos estão aqui. A periculosidade do capital colonizador atinge o grau máximo no comércio externo de investimentos, representado pelas companhias de crédito, financiamentos e investimentos em favor da instalação de novas empresas estrangeiras, porque, em tal caso, trata-se não apenas da simples ocorrência do mal, mas da presença do transmissor do mal. No caso de aceitá-lo há que se ter rigoroso controle como se faz na China.

Terão de ser sumariamente proscritas, no mesmo ato pelo qual o poder nacional retira dos bancos estrangeiros a capacidade de receber depósitos de residentes no País. Suprime-se, assim, a forma mais grave de alienação econômica, as do dinheiro em espécie que é, em muito, incluso em sistemas de lavagens com destino aos paraísos fiscais mantidos pelos países hegemônicos. O sofisma do desenvolvimento do país pobre à custa dos outros, os ricos, somente se sustenta pela falta de reflexão sobre o simples fato de que o capital nem aqui nem lá fora caiu do céu, não nasceu espontaneamente, mas deriva do trabalho das massas assalariadas, se o povo brasileiro trabalha o suficiente para remunerar com altos juros o investimento externo aqui aplicado, se a mais valia nacional se mostra capaz de retribuir e restituir o capital investido se pode produzir bastante capital para pagar o capital recebido, devolvendo-o, em prazo extremamente curto, ao país de origem, e passando a remeter daí por mesma necessidade que obriga o País a libertar-se da alienação internacional de seu trabalho.

A sustentabilidade do desenvolvimento faz-se sentir no âmbito interno sob forma de rápida elevação de padrão de vida das massas, pela valorização do trabalho, do qual devem auferir os frutos legítimos. Somente a remodelação da estrutura econômica, modificando coletivamente as condições de vida das massas, conduzida por uma política nacional conseqüente, resolverá os problemas sociais do momento. Não há que contar com outro meio. A simples caridade nada constrói objetivamente senão asilos, orfanatos, hospitais e reformatórios e a eterna escravidão. Deixa intactas as verdadeiras causas das infelicidades sociais, que só serão anuladas com a efetiva alteração das bases materiais da existência das massas, o modo de trabalho, o regime de produção a que se acham submetidas. O espírito de lucro privado será forçado a ceder lugar ao espírito do interesse coletivo. É engano pensar que o simples aumento dos índices de produtividade dos bens de consumo, a elevação dos salários, a munificência dos serviços sociais postos à disposição dos trabalhadores pelas empresas consigam resolver os problemas vitais que os afligem. Poderão atenuar as agruras do momento, mas serão sempre medidas caritativas, que medeiam sem curar, diante de lucros que em verdade se referem ao capital nacional reposto em lugar do estrangeiro, já devolvido, então de fato o capital necessário ao País está aqui, potencialmente, sob forma dos fatores que o produzem.

São impedimentos de ordem institucional, decorrentes da falta de consciência política nacional, por sua vez decorrente da falta de participação das massas no processo político, que impossibilitam o capital potencial de se

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constituir em força econômica atual para tornar o País autônomo. Se há geração interna de capital para pagar com altos juros aquele investido de fora, e, se não houvesse, este não seria investido, então há capital para ser utilizado pelo próprio País. Cabe ao governo referendado pelo Estado promover pela política nacional o aproveitamento do trabalho do povo como origem dos recursos internos, suprimindo o lucro estrangeiro e a ação de seus agentes, nativos ou forâneos, sempre desmoralizadores do esforço do povo.

A avassaladora invasão dos investimentos alheios, que agora funcionam como mecanismo esvaziador do capital nativo nas empresas nacionais estabelecidas há muito tempo, deve ter um paradeiro, porque se está configurando para o País. Isso conforma um dilema fatal que se apresenta a toda nação dependente, em rápido esforço de desenvolvimento e próxima do ponto em que divisa a possibilidade de alcançar o nível de plena independência econômica e soberania. É o dilema que surge quando se indaga do destino a dar aos lucros do capital estrangeiro aplicado em nossa economia. Dois caminhos se abrem, e só dois: ou esses lucros são remetidos para fora, entregues aos especuladores e investidores estrangeiros; ou, por diversas modalidades, são reinvestidos no País. No primeiro caso, temos a exploração, a sangria, o depauperamento, a servitude. No segundo, produz-se o alargamento da área de dominação estrangeira.

Dessas alternativas não há como fugir, tendo ambos os desfechos desfavoráveis para o país subdesenvolvido. Se os lucros são remetidos, o capital, ao cabo de algum tempo, retorna ao país de origem, e o que fica é uma bomba de sucção indefinida de novas quantidades de capitais constantemente gerados pelo trabalho das massas nativas na empresa estrangeira. Daí em diante, toda vez que essa fábrica produz uma unidade de certo produto aqui consumido, origina ao mesmo tempo um quantum de lucro, desnecessariamente enviado para fora, a fim de pagar aquilo que chamamos a dívida infinita e impagável contraída com o investidor alienígena. Nenhuma reflexão sobre o problema dos capitais estrangeiros pode ignorar este princípio: a vantagem ou a nocividade de tais capitais têm de ser medidas pelo projeto emancipador que a consciência crítica das massas já é capaz de conceber.

O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL PARA HUMANIZAR A

EXISTÊNCIA No regime em que vive o povo brasileiro o simples enunciado da idéia

de "sacrifício do povo", a exigência de "apertar o cinto”, constitui crime político-ideológico, e só explicável quando se encontra em representantes da consciência ingênua reacionária e de apátridas. Repetidas vezes se tem declarado que o subdesenvolvimento do País se identifica com a desumanização da existência do povo. O ser humano do país atrasado é um ente desprovido de sua essência humana, tal o estado de miséria, ignorância e enfermidade em que vive. É um ser alienado de si mesmo, não possuidor daquilo que o deveria definir como ser humano. Esse conceito tem valor capital para interpretar a realidade brasileira contemporânea e equacionar os seus problemas. Não se deve jamais esquecer que as realizações econômicas, políticas e ambientais são momentos de um processo pelo qual o ente humano se aproxima de sua essência, para chegar algum dia a possuí-la em sua plenitude. A política do desenvolvimento sustentável em bases nacionais

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constitui o verdadeiro humanismo concreto. É o bem-estar do povo todo que inspira a política do desenvolvimento sustentável em alicerces nacionais, não o de uma fração social, mesmo sendo esta livre de filiações estrangeiras. Sua indiscutível origem interna não lhe assegura privilégios para espoliar o restante da população.

O MONOPÓLIO ESTATAL DOS FATORES ECONÔMICOS

BÁSICOS Não é possível pretender alterar consideráveis aspectos da

superestrutura econômica, fazendo passar importantes setores de produção para as mãos da iniciativa genuinamente nacional, se aqueles empreendimentos se conservam fora do comando político interno da sociedade. A posse, por agentes estrangeiros, e mesmo por particulares nacionais, dos instrumentos e insumos básicos da produção, representados pela energia elétrica, pela telemática básica, por combustíveis líquidos e sólidos, por jazidas de minérios essenciais, bem como a sua exploração e comércio, impedem o poder político do povo de aproveitar em seu benefício exclusivo a potência econômica corporificada nesses instrumentos.

O monopólio estatal de todas as fontes de energia e dos grandes recursos minerais básicos impõe-se como medida fundamental de toda política nacional. Não se admitem distinções nessa matéria. Nos países em desenvolvimento somente o Estado como agente político da sociedade está em condições de fazer frente a tão formidáveis investimentos como são exemplos a PETROBRÁS, a ELETROBRÁS e a NUCLEBRÁS. Se as indústrias sediadas no País não pertencem de fato ao País, ou seja, se não estão em seu poder todos os fatores produtivos, deve-se, para efeito de apreciar o grau de avanço do processo de libertação econômica. Vale considerar tão inexistente essa industrialização quanto se estivesse localizada fora de seu território e apenas para que remeta mercadorias.

A indústria estrangeira corporativa é sempre indústria no estrangeiro. Sem dúvida, o emprego da mão de obra local e o adestramento técnico nativo contribuem para estabelecer certa diferença entre um caso e outro, e dar um mínimo de valor útil à indústria estrangeira implantada no País. Mas na prática esse proveito torna-se imperceptível, e mesmo em alguns casos ilusório, comparado com as ruinosas conseqüências que tem para o curso geral do desenvolvimento sustentável nacional a entrega de nossa indústria ao capital estrangeiro. É uma política que não contribui para suprimir as servidões econômicas, antes as multiplica e as reforça. Cria a falsa consciência industrial, a que julga haver o país se agigantado porque ostenta um parque fabril relativamente desenvolvido e promissor. Na verdade, essa industrialização não constitui senão a expansão estrangeira sobre o País. Não caracteriza o próprio desenvolvimento, mas o desenvolvimento dos outros em terras brasileiras. Significa que se exporta a mão de obra nacional sem sair-se do território, mas fazendo sair, isso sim, os lucros que advêm do trabalho dela.

Está claro que todo trabalho sempre traz vantagens e deixa no Brasil resultados úteis, por exemplo, melhoria das condições de vida da população desenvolve sua consciência social, leva as fábricas estrangeiras a pagarem impostos às instituições de previdência, consome matérias primas nacionais etc. Mas, na perspectiva de um pensamento sociológico e político, e não

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apenas econômico esses fatos são secundários. Enquanto o essencial está em saber se ao lado, de certos efeitos valiosos que possam alegar, não ocultam malefícios reais ao processo da emancipação, impedindo o País de executar uma política econômica que, dando os mesmos favoráveis resultados, tenha como finalidade última conquistar a plena autonomia. Para isso faz-se necessário que lhe seja conferido o monopólio íntegro, sem fissuras ou subterfúgios, da produção de energia e de sua distribuição às indústrias particulares e aos serviços públicos como de telemática. Toda fonte de riqueza que, por seu crescimento, alcance desmesurado poder de coação social, precisa ser colocada sob o controle do Estado, isto é, do povo politicamente organizado, para não se converter em instrumento de exploração e empobrecimento da população. É exigência do momento histórico, no regime vigente, uma defesa da sociedade, a qual, se não a praticar, corre o perigo de aumentar rapidamente suas pressões internas e chegar ao ponto explosivo.

A DEFESA DA INDÚSTRIA NACIONAL AUTÊNTICA

Significando a industrialização à mudança qualitativa da sociedade

mediante a qual se aparelha para levar a cabo as fases superiores da cadeia de atos produtivos, de modo a engendrar em seu interior a totalidade do produto. Essa radical diferença de estrutura importa em completa utilização por ela mesma dos recursos de que dispõe, e evidentemente obriga a cessar a prática colonial de exportar as matérias-primas minerais para serem elaboradas alhures. A industrialização é sinal de desenvolvimento porque indica que a comunidade nacional se aparelhou para fabricar por si e para si os bens materiais de que necessita

A nação precisa ter o completo comando de seu aparelho econômico, para conduzir a sua industrialização em condições que excluam a espoliação por parte de outra. Com essa observação, patenteia-se um aspecto da teoria da industrialização que, não fosse aclarado, poderia induzir o enganoso julgamento e ocasionar graves confusões nas propostas da política nacional. Quer-se referir ao fato de não ser qualquer industrialização que significa o real progresso da sociedade a uma etapa superior de desenvolvimento, mas somente aquela que é feita mediante o integral processamento das operações fabricadas pelos verdadeiros agentes e atores do processo nacional de desenvolvimento.

Favorecer a entrada da indústria estrangeira é favorecer a saída do trabalho nacional. É degradar o valor humano do operário nacional. A situação do habitante do País pobre não lhe permite constituir-se em forças capaz de criar o País autônomo.

A OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO NACIONAL

A ocupação das áreas desabitadas do País faz parte da nova teoria

política, que não mais dissocia o fato histórico dos fundamentos geográficos. A existência desse problema constitui uma peculiaridade do Brasil, por sua extensão e sua diversa densidade demográfica constituída de um povo novo. Há um componente geográfico nos temas sociológicos nacionais, que impossibilitam as generalizações irrefletidas e deve precaver contra abstrações imprudentes, obrigando a mencionar as disparidades regionais, as diferenças

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demográficas e as inconcebíveis diferenças de renda entre as pessoas como categorias sempre presentes em qualquer análise da realidade.

Reclama-se a devida atenção para as desigualdades regionais e a concentração de renda pessoal. É o meio de denunciar quaisquer manobras de agentes do capitalismo internacional. Mesmo de algum empresário nativo destinado a conservar o desnível, vantajoso para esses exploradores, mas repudiado pela consciência nacional, cujo objetivo supremo está em promover a igualdade do desenvolvimento econômico-social-ambiental e do bem-estar humano em todas as regiões do País. Tudo tem de ser feito para extinguir as disparidades regionais o mais breve possível. A condição para isso, entretanto, está em partir do reconhecimento de tais disparidades. Se as medidas governamentais forem tomadas ignorando esse dado objetivo, determinarão ao invés de extinção o exarcebamento.

A postura político-ideológica nacional deve incluir como ponto primordial de seu programa a ocupação territorial. Deve colocar todas as grandes questões econômicas, ambientais e sociais na perspectiva que as associa intimamente à diversidade demográfica e à existência de correntes migratórias internas relacionadas com a presença de enormes espaços vazios no interior, com o crescimento vegetativo global da população e as imensas distâncias entre os grupos humanos. Convém observar que a realidade objetiva da distância manifesta um dado específico da fisionomia social e ambiental do Brasil, que falta a quase todas as comunidades dos países metropolitanos, de pequenas dimensões, e em conseqüência não figura na meditação de seus sociólogos e filósofos.

No país pequeno, a distância é sempre concebida entre ele e os outros, distantes dele. Para o país pequeno, distante é outro país; para o Brasil, distantes são os aglomerados humanos do povo brasileiro, incluso as comunidades dos indígenas. Para o primeiro, distância quer dizer diferença, para o Brasil, quer dizer identidade. Nesse caso, a distância é interior a todos os habitantes no território brasileiro. Esse fato determina um significado existencial único, original, distinto quanto à vivência e ao pensamento da distância, que jamais o pensador metropolitano dos países pequenos será capaz de alcançar. Admitir que para o Brasil a distância não separa, mas liga, é coisa dificilmente concebível pela mentalidade do pensador europeu e japonês. Para o país menor, a idéia de distância contém a nota de diversidade entre os pontos distantes, mas no caso do Brasil transporta ao contrário o sentido de identidade entre os locais afastados um do outro, pois são implicitamente concebidos como pertencentes ao mesmo ser nacional.

Não é um hábito a consciência social pensar a distância entre os brasileiros e entre povos de outro país. À distância para os brasileiros não é uma relação externa; o brasileiro é distante de si mesmo e não dos outros. A familiaridade com o espaço, o hábito de pensar nos longos afastamentos, a convivência normal com remotas populações patrícias e a métrica social e cultural que daí deriva tudo isso é específico da existência dos brasileiros e os distingue das comunidades de limites estreitos. Hoje, não tem cabimento pensar na imensidão do Brasil e imaginá-lo vagamente em sua pujança futura. A percepção que se deve ter obrigatoriamente do espaço disponível é a preocupação de melhor ocupá-lo e utilizá-lo. Vivendo esse novo estilo de pensar, o modo crítico, percebe que precisa ocupá-lo rapidamente, é essa

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"ocupação antecipada”, ou "pré-ocupação" que se apresenta ao espírito como "preocupação" política.

A REFORMA AGRÁRIA

Por reforma agrária entende-se o conjunto de medidas que visam a

transformar a existência das massas que vivem no agro, diante da alteração de suas relações de produção, modo de trabalho e regime de propriedade da terra, integrando-as no movimento geral de ascensão do nível de vida do País. Incorporando-as ao processo do desenvolvimento. É um tema de grande complexidade, não admite ser tratado na forma simplificada e dogmática que lhe desejam dar muito daqueles que por ela propugnam. Deve se opor às tendências progressistas do desenvolvimento, que ameaçam abalar-lhes o mundo de crenças e de interesses materiais e na verdade seriam incapazes de dizer em que consiste ou como fazê-la.

A diferença nos modos de trabalho nas relações de produção entre a cidade e o campo, decorrente da divisão social do trabalho, constitui uma contradição na estrutura da sociedade, ainda hoje, não resolvida, e condiciona em cada um desses setores modalidades particulares ao desenvolvimento sustentável das respectivas forças produtivas. Considerando-se o País como o Brasil, onde as formas de trabalho rural se encontram entre as mais adiantadas, por um lado, e entre as mais atrasadas, pelo outro. O desnível entre o avanço do processo do desenvolvimento em seus aspectos industriais, por isso urbano, e em seus aspectos agrários, torna-se cada vez maior e mais visível.

A desigualdade alcançou presentemente a um ponto tal que veio a se constituir em elemento da consciência coletiva. Só agora isso acontece e se deve ao processo de desruralização e do progressivo afavelamento do chamado setor urbano do desenvolvimento. Por isso, nos dias atuais começa a surgir como tema imperioso à questão da existência agrária, e impostergável a necessidade de alterar a presente situação. Tendo o País alcançado significativo nível de desenvolvimento industrial urbano, a contradição entre este e o do campo assume tamanho vulto que começa a penetrar a consciência do trabalhador rurícola, forçando a classe dos senhores de terra a se preocupar com o problema. Sabendo que o término das presentes relações de produção será também o fim de seu domínio e das vantagens excepcionais de que desfruta, a classe senhorial verifica que precisa antecipar-se a todos, propondo, antes que outras forças sociais o façam, uma reforma agrária, que conterá, sem duvida alguma, restrições aos seus atuais privilégios, mas deixando-a ainda em condições confortáveis.

Para atenuar a contradição entre o trabalho citadino e o do agro deve-se discernir a solução razoável mediante um conjunto de medidas políticas que transformem as relações de produção e o regime de propriedade da terra a que está acorrentado o trabalhador do campo. Esse é o objetivo. As particularidades do método são numerosas e implicam medidas econômicas, jurídicas, compensatório-assistencialistas, entre as quais avulta em primeiro lugar a divisão do latifúndio e o confisco pelo Estado das propriedades inaproveitadas para serem entregues aos agricultores sem terra ou com pouca terra e, ademais, a posse legal da terra por aquele que a cultiva, a associação dos produtores em organismos coletivos de produção, a mecanização do

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trabalho, a melhoria da habitação familiar, o fornecimento de energias rurais, o crédito efetivo para custeio das safras, o acesso fácil aos mercados consumidores, a facilidade de transporte, a alfabetização das populações, a higiene e a assistência médica. Essas ações resumem-se em dois pontos: suprimir as relações de servitude, ainda existentes, e incorporar o campo ao mercado nacional, do qual ainda está em larga margem semi-ausente.

É importante frisar que numerosos componentes do processo de reforma agrária estão situados fora do campo, dizem respeito ao progresso da industrialização, que fornecerá as bases de utilização de fertilizantes e defensivos, da mecanização da lavoura, da eletrificação agrícola. São fatores que determinam pressões econômicas internas, exigindo o alargamento do mercado consumidor, a divisão dos latifúndios, e muitas outras medidas que vem dar um paradeiro ao sistema colonial ainda em grande parte vigente. A inadiável transformação da vida agrária apresenta condições objetivas para gerarem dentro e fora do agro, à premissa teórica que permitem deduzir o elenco de medidas prática como conteúdo de uma só consciência crítica, a que reflete a totalidade do processo de desenvolvimento no grau em que agora se encontra. O problema agrário consiste, antes de tudo, em transformar as relações de produção no trabalho do campo, com o fim de elevar o padrão de existência do operário agrícola e do agricultor. A essência social do problema comanda todos os demais aspectos. A reforma agrária tem por fim, fundamentalmente, humanizar a existência do trabalhador da gleba, o que só será conseguido modificando-se o atual sistema de trabalho e a posse da terra.

É ingênuo, e quase ridículo, esperar que a reforma agrária no Brasil possa ser promovida pelo governo federal ou pelo estadual, constituído em sua maior parte de latifundiários, ou tendo nessa classe as suas raízes políticas. Se isso pudesse acontecer, seria coisa inaudita na historia, ver-se uma classe decretar a restrição de seus privilégios sociais, por abnegação para com os desesperados. A não ser que se apresentem condições para fazê-lo por via revolucionária, somente quando o desenvolvimento da consciência nacionalista nas massas do agro, conjugado ao movimento dos trabalhadores urbanos, conseguirem elevar as assembléias 1egislativas e aos postos de direção um número suficiente de legítimos representantes dos agricultores. Será lícito esperar o projeto racional de reforma agrária. Antes disso, ter-se-á de assistir apenas a grosseiros e mistificadores ensaios de “reformas". Essas insinuadas pela classe de grandes proprietários ou por instituições de simples socorro espiritual, que visam na verdade diminuir um pouco a ameaça de irrupção das massas dos sem-terra, supondo que se antecipam os seus anseios, realizando-os antes que elas mesmas o façam com sua própria força.

A verdadeira transformação da existência do homem do campo somente será realizada quando se tiver reunidos em todos os setores do País as forças sociais que a possam levar o efeito. Ora, essas forças são, no próprio campo, as massas rurais, mas são, também, as massas urbanas, em cuja consciência se apresenta como medida consentânea com seus interesses, e justificada pela ideologia progressista que naturalmente adotam.

Tratando-se de derrocar os privilégios da classe dominante no campo, os latifundiários e seus serviçais, não é possível contar senão com a força das massas oprimidas no campo e na cidade, associada aos setores de outras classes para os quais haja igualmente interesse em ver promovido à reforma agrária. Pensar fora desse molde é fazer do tema objeto de considerações

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morais e cair na simploriedade de apresentar um problema social como se fosse um dever de consciência moral. A mudança na existência agrária, representando a troca do padrão de vida do contingente humano mais extenso da comunidade nacional, é tarefa que incumbe às massas como força consciente, a que trarão valioso concurso alguns setores de outras classes sociais a quem a humanização da vida no agro também possa interessar.

A reforma agrária constitui aspecto particular do processo geral da sociedade, do movimento transformador de todas as suas estruturas, e não se realiza apenas pela ação da fração social diretamente interessada, mas pela comunidade toda, em seu conjunto. Permanecendo dominante a figura do grande latifundiário, do escravocrata, do "coronel" prepotente e retrógrado do fazendeiro ausente, do usineiro, do arrendatário explorador, da empresa estrangeira açambarcadora da produção, conservado o sistema de crédito privilegiado a certas áreas e conjunturas, distribuído como munificência do poder aos apaniguados por políticos descomprometidos e corruptos, desprovido o interior de vias de penetração e circulação mercantil, o estado de pauperismo agrário em nada seria modificado pela simples declaração jurídica de propriedade de diminuto pedaço de terra, logo fraudada em seus efeitos libertadores por manobras econômicas que a anulariam como medida progressista. A posse de terra por seus reais trabalhadores, os colonos que aí labutam só terá valor de passo inicial para modificar as condições reais de vida se for acompanhada das demais medidas que assegurem a abertura do mercado, a quebra da atual correlação entre a oferta e a procura de mão-de-obra e a instituição das relações capitalistas nas áreas onde ainda não existem.

A divisão e a posse da terra são medidas justas e indispensáveis, mas, por si só, incompletas. A elas têm de seguirem-se muitas outras, impostas pelo processo econômico total do País. A reforma agrária não se reduz a um problema jurídico apenas, mas de cunho existencial, diz respeito ao modo de ser do homem que trabalha a terra, modo de ser que reflete a etapa vigente do processo de desenvolvimento. Não se deve esquecer que o quadro de espantosa desumanidade como se apresenta a existência do trabalhador rural representa um modo de ser do homem; e um tipo de existência. Para abolir tal situação, tem-se de indagar as causas que a explicam. Verifica-se que elas são basicamente de ordem econômica, as relações de produção e o regime de trabalho, tendo por cobertura formal um sistema de relações jurídicas e uma constelação de valores éticos, que se destinam a justificar o estado vigente. Para suprimir esse quadro, humanizando o ente humano do interior, há que abolir todas as causas que se conjugam para estabelecer o atual modo desumano de existir.

A reforma agrária não resulta de um decreto, mas da conquista de novo momento de um processo. Não depende da decisão intelectual, mas da dinâmica dos fatores reais da sociedade inteira. Não há, a rigor, reforma "agrária”, pois não se trata de reformar o campo, mas a totalidade da realidade nacional. E no âmbito da sociedade como um todo, do processo de desruralização e não, isoladamente, no das suas áreas agrícolas, que se tem de pensar o problema agrário. Não é a legislação que determina a reforma agrária, é a efetiva ocorrência de uma reforma da realidade da existência humana e das relações de produção no campo que se manifesta sob as espécies de lei agrária.

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AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS DE PLENA SOBERANIA O supremo traço distintivo da realidade da nação subdesenvolvida é a

ausência de soberania. No plano internacional suas ações são comandadas pelo sistema de forças que a domina. Não tem expressão própria, pois não figura como sujeito histórico livre e sim como reflexo das nações soberanas (G7) a que está ligada por dependência econômica. Não constitui um ser para si, não enuncia no plenário mundial uma opinião onde retrate a vontade do povo, mas acompanha docilmente a do grupo hegemônico de que não sabe se desvincular. O país subdesenvolvido tem uma diplomacia de etiqueta, só para uso de cerimônia, para representação formal no plano internacional. Não lhe traz benefícios, e, mesmo, talvez, em alguns casos contra o propósito de seus executantes individuais, tão fascinados que disso não se apercebem só lhe acarreta servitude e aumento de exploração. Dessa forma, o aparelho que deveria servir à comunicação internacional dá em resultado a incomunicabi1idade do país, pois aqueles que por ele falam não são realmente porta-vozes do que têm a dizer.

A alienação, quase universal, de seus representantes diplomáticos leva a nação subdesenvolvida a se constituir em ser histórico afônico que ninguém de fora escuta, porque o que tem a dizer não lhe chega aos ouvidos, e o que ouve é apenas o eco da palavra alheia. O mais grave, porém, é que a privação de soberania não arrasta apenas o país à fase caudatária do protagonismo alheio nos prélios internacionais, mas importa na intromissão da potência dominante na vida interna da nação pobre, especialmente pela influência que exerce sobre as deliberações de sua política econômica. Se o primeiro aspecto representa o caudilismo da nação dominada, o segundo, corporifica o imperialismo da nação dominante. Em ambos os casos, existem uma razão comum para essas inadmissíveis atitudes: a ausência de soberania, de que padece a nação subdesenvolvida.

O livre exercício de todas as modalidades de domínio é permitido pelo primarismo do desenvolvimento nacional. Por isso, qualquer movimento que signifique elevação na escala do desenvolvimento sustentável torna-se sinônimo de aquisição, ao menos potencial, de soberania. Se o incremento dessa qualidade define o processo de desenvolvimento sustentável, deve-se medir o grau de avanço da realidade nacional pelo teor de independência demonstrada pelo país no trato internacional. Breve chega-se ao ponto no qual se romper a falsa correspondência entre o interior, pleno de atividade, e a vida de relação mundial, débil, incolor, inexpressiva, obediente aos interesses da nação hegemônica.

Aproxima-se de uma crise, certamente produzida por algum ato mais violento da pressão imperialista, em que de repente o País percebe achar-se dotado de alto poderio internacional e resolver agir em concordância com a consciência desse fato. Por enquanto, porém, persiste, em parte, o descompasso e a falta de correspondência, sem embargo de um ou outro fraco e confuso pronunciamento, de algumas pretensões ainda abstratas, mais significativas como alvissareiros sintomas de futuras virilidades do que como operações capazes de trazer imediatos resultados úteis. À medida que progride o desenvolvimento sustentável, articula-se contra ele manobras de pressão externa, que por algum tempo são infelizmente bem sucedidas.

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A existência de uma camada de empresários e de políticos ligados ao capital externo assegura aos interesses estrangeiros uma corte de emissários e agentes internos com forte poder de decisão. Dirigindo setores vitais da política financeira ou diplomática do País, imprimem-lhe naturalmente os rumos que satisfazem suas convicções e conveniências, em alguns indivíduos com tranqüila consciência de servir realmente à nação. Somente quando se investe dos predicados de nação soberana, ou seja, quando as forças autenticamente nacionais se apossarem do comando do processo econômico e financeiro, chega-se ao grau superior do desenvolvimento, caracterizado pela condição de "desenvolvimento para si". Até lá, está-se realizando um desenvolvimento controlado por estranhos, a serviço deles; na verdade, estar-se efetuando um "desenvolvimento para outro", desenvolvendo-se até o ponto, e no ritmo em que não ponha em perigo a supremacia das atuais grandes potências, particularmente do G7. Convém não esquecer que o Brasil figura entre as três únicas nações do mundo atual que possuem condições de alcançar o plano máximo de grande potência, mediante rápido e iminente desenvolvimento como é exemplo a China.

Sua extensão, riqueza de recursos e possibilidade de mercado interno credenciam-no a tanto, e disso melhor sabem os outros do que os próprios brasileiros. Não é sem motivo que consideram o Brasil como espaço econômico a ser imediatamente ocupado, antes que mesmo dele os brasileiros tomem conhecimento e posse. Enquanto permanecer na etapa de economia periférica, complementar das economias capitalistas dominantes, viver-se-á um processo econômico reflexo, servindo preferentemente aos dominadores e só secundariamente aos próprios interesses do seu povo. Esta situação de complementaridade econômica espelha-se no comportamento de servitude política internacional e de subserviência diplomática.

A EDUCAÇÃO POPULAR PARA O DESENVOLVIMENTO

O desenvolvimento se acompanha sempre de um processo de

transformação qualitativa da consciência nacional. Tal consciência está em relação dialética com as modificações objetivas da realidade: de um lado, é produzida pelo grau de apropriação do real por parte da comunidade, para seu benefício, mas, por outro lado, o domínio da realidade depende da percepção que a consciência social tem do estado da realidade e da lógica dos acontecimentos. A educação, consistindo no processo pelo qual se expande e multiplica a consciência social útil, tem de ser fundamentalmente popular e libertadora.

O desenvolvimento sustentável implica o progresso da consciência, e este se acelera pela educação, mas para que isso aconteça faz-se necessário que a educação vise à totalidade das massas trabalhadoras e se descaracterize, cada vez mais, como privilégio das elites. A educação de que o país em esforço de desenvolvimento necessita é assunto eminentemente político, e deve ser definida sob a inspiração de justa teoria sociológica do processo nacional, pelos representantes políticos da consciência comunitária-libertadora. A escola e a universidade não podem fazer a revolução de que o Brasil precisa, simplesmente porque é a revolução nacional e nela a educacional que tem de fazer a escola e a universidade de que o Brasil precisa.

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A escola não faz a revolução porque a revolução tem de ser feita nela; logo, será conduzida por outras forças, que nela terão de operar a transformação indispensável. É inútil e ingênuo esperar que o processo educacional a universidade se reforme a si mesma, por iniciativa exclusiva dos elementos que a compõem, professores e alunos. Não existe na historia exemplo de tal fato, de um grupo de privi1igiados no país subdesenvolvido onde a educação é um benefício de classe, de etnia e de raça. A rigor, até os alunos o são, instalados num castelo de sinecuras, honrarias e vitaliciedades, abrir mão dos proveitos em que se reclinam a assumir o papel de fator de vanguarda no processo social.

A função proveitosa que a escola e a universidade devem desempenhar tem de lhe ser imposta de fora para dentro, pelas forças políticas, particularmente pelas comunidades organizadas, que, ao impulsionar a alteração da sociedade, a transformarão em órgão cooperante no desenvolvimento sustentável do País.

Na situação de subdesenvolvimento, caracterizado pela inevitável alienação cultural, a escola e a universidade não passa de simples ornamento social, cenáculo de marginais cultos e de ociosos mais ou menos instruídos. Em tal estado, a escola e a universidade não é exigida como força propulsora da comunidade, pois os elementos que objetivamente movem o processo nacional, justamente porque são ativos, estão situados fora daquela área, não precisam ir ali aprender como fazer o que de útil estão fazendo. A escola e a universidade, ainda, mero requinte de luxo da classe dominante para alojar seus rebentos intelectuais, permanece à margem do movimento social-comunitário, pois não tem nele qualquer papel a desempenhar salvo reeducando-se a partir do humanismo concreto.

A CULTURA DO POVO

A teoria do desenvolvimento e a pratica política que lhe corresponde

constituem por si nova forma de cultura com raízes nacionais. A anterior, que se identificava, na visão crítica, com "a cultura" pura e simples, correspondia à fase de nosso desenvolvimento, que, com razão, denomina-se colonial ou semicolonial. Seus traços marcantes foram à alienação do saber, o mimetismos, a transplantação, o horror aos problemas brasileiros, o modismo metropolitano. Admitindo-se que o transplante e a alienação, foi um modo de ser inevitável dado à etapa de dependência econômica em que o país vivia e vive, compreende-se que só agora, quando se ingressa na fase de desenvolvimento sustentável, está-se em condições de produzir de modo consciente, e em forma crítica, aquilo que antes desejava fazer, exprimir o próprio ser, mas objetivamente não conseguia, porque não dispunha de condições para criar instrumentos intelectuais autônomos que permitissem interpretar sua realidade. Somente agora se abre para a cultura brasileira uma era de existência original, onde a produção cultural começa a ser feita para satisfazer a exigência da nação. Existir para os brasileiros, é exprimir seu próprio ser, tal é o fim da nova cultura que o desenvolvimento sustentável propicia.

São inevitáveis que se constituam diferentes estilos artísticos, inéditos modos de pensar, linguagem própria, criações arquitetônicas pictóricas e cinematográficas de caráter novo e original, na sociedade que rompe o cerco

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histórico. A conquista de um destino livre representa, por si, feito de tal magnitude, pelo que custou de trabalho, luta e fé, que se oferece como manancial de infinitas criações culturais. Para a nação em fase de eclosão de suas potências criadoras, ver-se a si mesma como o ser que se fez o que é agora e constitui "motivo" artístico inesgotável. A cópia de sentimentos que sugere é inédita, não se compara em nada ao que experimentava quando se entregava aos motivos a1heios. O mesmo se dá com qualquer forma de arte sensível as novas condições de existência do povo. Fica como prova de alienação e arcaísmo o culto dos valores estéticos anteriores, os que pertenceram a artistas que, na falta de intensa motivação nacional autêntica e superior. Muitos se apegam ao folclórico, ao colorido dos aspectos elementares da vida popular, ou vão buscar a inspiração nas classes cultas dos países metropolitanos ou hegemônicos.

A genuína cultura nacional não constitui, a rigor, um item do programa nacionalista, porque, em verdade, resulta dele. Mas, representa um resultado dialético, que reflui sobre a causa, modifica-a contribuindo para torná-la mais eficiente. A cultura nacional não deve ser entendida apenas como expressão resultante das condições da existência nacional, pois constitui fator eminentemente ativo do processo de desenvolvimento pelo qual se engendra essa própria existência. Sendo autêntica, nela se refletem, nas modalidades e estilos que assume as reivindicações populares, nela se manifestam os projetos de ação social que a comunidade sugere, nela vêm à luz os novos valores, os ideais nascentes que começam a reclamar vigência na consciência coletiva. Nesse sentido, deflui da cultura um efeito positivo sobre o processo do desenvolvimento, o qual ê decisivamente influenciado pelas representações ideológicas, pelas teorias, idéias e exigências artísticas que esse mesmo processo permite produzir. Há, pois, uma relação dialética de ação recíproca entre os aspectos espirituais do desenvolvimento sustentável, representados pelas idéias e produtos da criação cultural e os aspectos materiais em que se corporificam as transformações da realidade. Como o desenvolvimento, vai surgindo à consciência crítica mais rigorosa, exigente e exata. A cultura do povo, exprimindo essa consciência em crescimento, desempenha papel unificador, pela forma como apresenta à consciência social a imagem de sua realidade. A unidade de cultura que o processo nacional tende a produzir representa no plano da consciência social aquilo que é a totalidade do País no plano objetivo para a sustentabilidade do seu desenvolvimento.

A SOLIDARIEDADE INTERNACIONAL COM AS NAÇÕES EM LUTA PELA LIBERTAÇÃO

O esforço que o País deve empreender para conquistar sua plena

autonomia não se realiza num espaço histórico vazio, nem se reduz a um combate singular entre ele e uma potência dominante, que o subjuga. Representa uma façanha nacional, tendo por cenário a totalidade mundial, onde outras comunidades se empenham igualmente na luta pela libertação. Não pode deixar de figurar na carta de princípios humanistas a solidariedade com as nações que se acham em condições semelhantes às do Brasil e porfiam em alcançar para si os mesmos bens que almejam. Deve, pois, ser estabelecido o princípio de integral apoio a essas nações, com as quais

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convém estabelecer vínculos de amizade e auxílio, organizando, em forma de parciais sistemas de forças internacionais, blocos de inf1uências nas assembléias mundiais a fim de defender os interesses comuns.

Neste momento, quando tantas comunidades do continente africano se levantam e proclamam sua autonomia política e forcejam por afirmar a independência econômica, é dever dos brasileiros estreitarem os laços de solidariedade com tais nações, e com as demais do mundo periférico, para travar em conjunto a luta que é de todas contra os mesmos adversários. O processo da realização objetiva da unidade dos povos e das classes, na parte do mundo onde se acha corporificado na dominação imperialista, evolui em função das relações que as áreas periféricas são obrigadas a manter com os centros dominantes. Como tais relações não são fixas, mas formam, elas próprias, um processo, será em função deste que se desenvolverá o outro, o das relações de congraçamento entre as nações menores. Pelo fato de estarem todas elas, de um modo ou de outro, cativas da mesma influência espoliadora, será pelo teor de liberdade que cada qual venha a conseguir que se deverão apreciar suas possibilidades de se associar com outras nações de igual situação, para efeito de um desempenho mundial unificado. O conceito de humanismo concreto tem de ser interpretado como os procedimentos pelos quais os países se integram num internacionalismo autêntico, o das nações em luta pela humanização da vida de suas populações.

O nacionalismo como sinônimo do humanismo concreto, ao afirmar-se e consolidar-se em seus princípios, conduz o país a identificar-se com um internacionalismo que não o destrói, não revoga nenhuma de suas teses, não substitui nenhuns de seus ideais. Antes encontra nessa nova etapa a plena realização daquilo que pregava. O País não se desfigura, nem renuncia a nada do que a específica ao se solidarizar com outros que segue o mesmo caminho e procuram atingir os mesmos fins. Quando houver conquistado a condição de pleno desenvolvimento, sob a direção do pensamento humanista, o País terá trilhado um caminho histórico diverso daquele seguido pelas atuais potências dominantes. Estas precisam fazer-se imperialistas para galgar a culminância a que chegaram. Por isso terão de ser derrotadas no sistema que instituíram para vencer, tal situação devem sofrer alterações internas que as tornem membros pacíficos, respeitáveis e úteis da vindoura totalidade universal de nações. Mas os países que se elevarem a completa autonomia pela via do humanismo concreto, tendo abolido ao longo da sua marcha histórica todas as formas de espoliação de suas próprias massas trabalhadoras, chegarão ao plano de desenvolvimento superior. São inocentes de qualquer crime contra a humanidade, contra nações mais fracas e, desse modo, integrar-se-ão, sem violências recíprocas, na sociedade ecumênica futura, onde terá definitivamente cessado toda espécie de exploração humana.

Não há de ser, é claro, o tipo de associações internacionais atualmente existentes, mas nova espécie de comunidade, na qual cada membro se integra por se haver despojado do aparelho da dominação que exercia sobre outros povos ou sobre as classes trabalhadoras de seu próprio âmbito. Quando se observa o atual panorama do mundo periférico e verifica-se por toda parte um vigoroso surto nacionalista, deve-se compreender a concordância ideológica de todos esses movimentos e o sincronismo com que se desenrolam como efeito de uma causa semelhante atuando sobre todos os países subdesenvolvidos.

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O nacionalismo aparece como fenômeno internacional constante para o humanismo concreto porque é a resposta dada por toda nação atrasada à agressão partida do mesmo adversário de todas elas, o centro dominante. A uniformidade da resposta explica-se pela identidade do estímulo. Desse modo, quando cada país constrói seu projeto de existência autônoma visando embora unicamente à servitude particular de que padece, está contribuindo para a atuação congênere de todos os demais, está igualmente libertando os outros. Os atos de cada um que se liberta libertam ao mesmo tempo os outros, e isso em virtude de destruírem a nefasta hegemonia e hierarquia preestabelecida, própria do sistema imperialista. Do exposto, urge, que se pregue, no Brasil, a necessidade da convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte (nunca um congresso constituinte) para elaboração de um novo contrato ou pacto social entre o estado e a sociedade brasileira (com total mutação dos já caducos, entulhados, esclerosados e disfuncionais poderes do Estado no Brasil). Ao ignorar e ao omitir-se do debate sobre as questões acima citadas as escolas/universidades do Brasil deixam de pesquisar e analisar a conveniência e a necessidade de se construir uma nação para si sob a ótica ou égide da educação para o humanismo concreto. Apenas, pregoam e confinam-se em um processo educacional (ou deseducacional) alienado e alienante como parte de um nocivo e perverso universalismo ocidental que breca, em todas as instâncias, os propósitos do humanismo concreto no Brasil. Neste momento, observa-se (governo Lula) movimentos embrionários que pregam e praticam um novo contrato social (a revelia do estado) nos princípios da filosofia da libertação com vistas a uma ética de responsabilidade fundamentada na práxis e subjetividade da libertação como conteúdo de um novo processo educacional para os movimentos sociais. Por todos esses motivos é que, o AUTOR, em seu livro “Agenda 21 e desenvolvimento sustentável. Caminhos e desvios”. (2ª edição no prelo do editor Livro Rápido) desenvolve as idéias para um modelo autônomo de desenvolvimento sustentável para o Brasil, com vistas a induzir uma política nacional que leva a um processo educacional libertador ou ao humanismo concreto com vistas à construção de uma nação para si. As idéias do modelo contrapõem ao universalismo ocidental um universalismo real do qual o Brasil é portador tanto em sua cultura (profundamente miscigenada) tanto em sua formação étnica oriunda do processo de miscigenação racial e cultural mais bem sucedido do planeta. No modelo, está implícita, a necessidade da convocação de uma Assembléia Constituinte ou de reformas constitucionais que venha ao encontro da construção do novo pacto ou contrato social na medida em que o agora existente divorciou o estado (poderes legislativo, judiciário e executivo) da sociedade brasileira. Na prática os poderes do estado brasileiro são, incomensuravelmente, corporativos, regidos e constituídos de plutocratas irresponsáveis com fortes vieses de burocratas e cleptocratas quando vistos pela desenfreada corrupção que envolve os poderes do estado. Em tese, também, são os responsáveis por uma das maiores concentrações de renda pessoal no planeta e desigualdades sociais entre pessoas e entre regiões. Raros são os democratas de fato no estado, até mesmo porque os que assim se autodesignam, em um partido político, não passam de emperdenidos plutocratas-reacionários.

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Essa situação de divorcio entre o estado e a sociedade brasileira tende a fracionar a família compulsória brasileira através da violência e da guerra civil (não declarada e ainda não reconhecida) em que se vive em todo o território nacional. Isson se dá, principalmente, nas cidades do país onde impera a insegurança social e o crime organizado (devidamente protegido pelo judiciário com indescritível impunidade) e, em plena simbiose, com os cleptocratas que giram em torno do legislativo e do executivo. A falência dos poderes do estado compromete o projeto político e o humanismo concreto para a construção de uma nação para si no Brasil. Observa-se no cotidiano da sociedade a intensificação, cada vez mais, da violência do estado contra a população que se sente sem referência alguma para ser do Brasil e do mundo. Isso a leva a ter, sempre, a sensação de apenas estar no mundo ou em um território que não é o seu e, portanto, tende a perder sua autoestima, a fragmentar-se e a inviabilizar-se como povo e como nação. Acredita-se que as advertências e denúncias devem necessariamente fazer parte de um processo educacional que leve a sociedade brasileira ao encontro do humanismo concreto a partir de um novo e virtuoso processo educacional que tenha em suas entranhas o novo pacto ou contrato social. Lembre-se que, para tanto, o conceito de humanismo concreto está imbricado à antítese da alienação humana pelo trabalho, pela mente e pela consciência.

Há que se lutar, aqui e agora, por esse contrato ou pacto social onde se possa ter um processo educacional que tenha por princípio o humanismo concreto nos termos aqui definidos. É importante ter consciência de que a atual crise do sistema mudo do capitalismo tem as seguintes causas:

� Transformação de tudo em mercadorias � Privatização dos bens livres e da natureza como um todo � Colapso dos sistemas morais e éticos nas diferentes sociedades � Intensificação da queda das margens de lucro � Gigantismo de corporações com aumento dos seus poderes � Formação de zonas opacas no próprio sistema do capitalismo � Aceleração da desruralização do mundo � Aprofundamento das crises fiscais dos estados nacionais � Transposição de fronteiras de todos os tipos na caça ao lucro pelas

corporações � Intensificação do consumo como ruptura social e das sociedades � Democratização do uso de armamentos a nível planetário com

aumento da grande e da pequena violência � Imigração de indivíduos dos países pobres para os países mais

ricos, quase sempre, em regressão populacional � Aumento das incertezas e da insegurança social, econômica e

ambiental � Crises energéticas e ecológicas globais � Mutações dos estados nacionais e formações de megablocos

econômicos � Unilateralismo crescente nas decisões internacionais,

particularmente, pelos Estados Unidos da América do Norte como expoente máximo do império.

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O pior da atual crise do sistema mundo do capitalismo é que tem aspectos históricos altamente indesejáveis tais como ser de âmbito global, ou seja: ter caráter universal, ter escala temporal prolongada ou permanente, ter seu modo de evolução rastejante e ser estrutural afetando a totalidade das sociedades e a vida humana no planeta.

Finalizando, vale apresentar os paradigmas para uma educação com

vistas ao humanismo concreto: � Enfatizar e competência nos pilares do processo educacional:

aprender a ser, aprender a conhecer, aprender a fazer e aprender a conviver � Ter visão sistêmica do processo de conhecimento a partir de uma

visão complexa em contraponto a visão linear � Estimular o ambiente plural e multidimensional para uma visão

holística da realidade � Induzir e estimular o aprendiz a ser agente e autor do processo

educacional � Delimitar a aprendizagem não por espaço físico, mas pela

concepção dos pilares da educação do saber (acima citados) em quaisquer ambientes

� Integrar o conhecimento desde a unidisciplinaridade até a transdisciplinaridade passando pelo corte transversal da interdisciplinaridade

� Desenvolver formas sofisticadas de comunicações multidimensionais e sensoriais

� Desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes apropriadas para o humanismo concreto ou antropolítica.

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XII. DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO

(UMA DESCONSTRUÇÃO POR EDGAR MORIN) Considerando as oscilações das crises e não-crises da economia

política mundial, bem como, suas regulações e desregulações sob os epítetos de “progresso/recessão” ou de “desenvolvimento/subdesenvolvimento” o mercado entre os países, no sistema mundo do capitalismo, manifesta-se segundo:

� Desordem nas cotações do comércio das matérias-primas ou “commodities” em cadeias econômicas de empresas com profunda exclusão social e exploração dos países pobres

� Relações monetárias artificiais, precárias e desreguladas de forma a ser um desastroso cassino global sob a égide de uma seletiva plutocracia imbricada às corporações e ao capital financeiro

� Surgimento de máfias sob epítetos de corporações que mutilam as sociedades de todos os países em todos os continentes a partir da hedonística caça ao lucro e ao poder liderado por uma poderosa cleptocracia corporativista

� Perturbações sistêmicas no metabolismo do capital que levam aos bloqueios, fechamentos de fronteiras e guerras localizadas que se manifestam sob as óticas; ora de racismo, ora religiosa e ora étnica ou, simultaneamente, com duas ou mais vertentes sob base econômica hegemônica/imperialista

� Acumulação incessante de capital a custa da depredação da natureza (biomas e ecossistemas), da exploração hiperintensiva da mão de obra, agora, descartáveis ou não, inclusive de crianças, por corporações em todos os seus matizes do trabalho até mesmo escravista em pleno Século XXI e da crescente e incontrolável produção de lixo provocada pelo metabolismo do capital nas corporações

� Concorrência monopolista ou desigual no mercado mundial onde os países hegemônicos através de suas corporações, seus estados nacionais e das organizações internacionais, (OMC, BIRD, FMI, Conselho de Segurança da ONU, etc.), por eles controlados, impõem fome e miséria a 80% da população mundial de forma a beneficiar 20% da mesma população

� Desruralização do mundo altamente perversa em favor de uma vida urbana em guetos, favelas, mocambos, cortiços ou assentamentos subnormais com péssimas ou inumanas qualidades de vida e com violência social de toda ordem.

A partir desses pressupostos é que no entender do autor destes Textos, o cientista Edgar Morin mostra que “o problema do desenvolvimento depara-se diretamente com o problema cultural/civilizacional e o problema ecológico. O próprio sentido da palavra desenvolvimento, tal como foi aceito, contém nele e provoca subdesenvolvimento”. Em sua contextualização ou desconstrução da categoria de desenvolvimento Morin mostra que a partir dos anos de 1945 (pós 2ª Guerra

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Mundial) surge como panacéia imbricada a categoria de desenvolvimento a tríade “ciência-técnica-indústria” como uma ideologia acoplada ou atrelada à noção positivista de “progresso”. Esta leva a concretizar, no sistema mundo capitalista, uma total e absoluta incapacidade de conceber um futuro para a humanidade em termos de “antropolítica” que vem a ser uma política do ente humano com vistas a tratar a biosfera em sua multidimensionalidade de problemas. Por isso, Morin antever na “antropolítica” que o devir do ser humano “traz em si o problema filosófico, doravante politizado, no sentido da vida, das finalidades humanas, do destino humano. A política, portanto, se vê de fato levada a assumir o destino e o devir do ente humano assim como do planeta”. Considera Morin que na nova problemática política fora da incensatez da ideologia desenvolvimento/subdesenvolvimento “o viver, o nascer e o morrer estão doravante no campo político. As perturbações que afetam as noções de pai, mãe, filho, masculino, feminino, isto é, o que havia de fundamental na organização da família e da sociedade, reclamam normas políticas. A noção de ser humano, tornado modificável por manipulações, em breve se arrisca a ser normatizada por um poder político que disponha do poder de manipular o poder de manipulação.”

Confirmando a “tragédia do desenvolvimento” Morin mostra os dois aspectos fundamentais do desenvolvimento, ou seja: “de um lado, é um mito global no qual as sociedades industrializadas atingem o bem-estar, reduzem suas desigualdades extremas e dispensam aos indivíduos o máximo de felicidade que uma sociedade pode dispensar. Do outro, é uma concepção redutora, em que o crescimento econômico é o motor necessário e suficiente de todos os desenvolvimentos sociais, psíquicos e morais. Essa concepção tecno-econômica ignora os problemas humanos da identidade, da comunidade, da solidariedade, da cultura. Assim, a noção de desenvolvimento se apresenta gravemente subdesenvolvida. A noção de subdesenvolvimento é um produto pobre e abstrato da noção pobre e abstrata de desenvolvimento”.

Com uma análise, que tende a confirmar a chamada hipótese 20/80, nas desigualdades humanas do sistema mundo capitalista, Morin mostra que no após guerra ou nos últimos 60 anos (voltados para a ideologia do desenvolvimento/subdesenvolvimento) o capitalismo levou o planeta, ao desequilíbrio explícito no clivar Norte/Sul. Para tanto, “as grandes potências conservam o monopólio da alta tecnologia e se aproximam até mesmo do poder cognitivo e manipulador do capital genético das espécies vivas, inclusive a humana. O mundo desenvolvido destrói seus excedentes agrícolas, põe suas terras em pousio enquanto fomes e miséria se multiplicam no mundo pobre. Quando há guerras civis ou desastres naturais, a ajuda filantrópica momentânea é devorada por parasitas burocráticos ou políticos interessados em negócios. O terceiro mundo continua a sofrer a exploração econômica, mas sofre também a cegueira, o pensamento limitado, o subdesenvolvimento moral e intelectual do mundo desenvolvido”.

Em sua crítica a cegueira da ideologia do desenvolvimento/subdesenvolvimento Morin mostra que as incertezas, as turbulências, as bifurcações e as oscilações imprevistas da realidade histórica têm levado renomados economistas e cientistas a condicionar seu ponto de vista a uma interpretação economicista da história. A economia “ignora os acidentes, os indivíduos, as paixões, a loucura humana. Ela julga perceber a

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natureza profunda da realidade numa concepção que a torna cega à natureza complexa dessa realidade”. Segundo ele, a realidade “não é feita só de imediato, não é legível de maneira evidente nos fatos, não é senão nossa idéia de realidade depende também da aposta” e que não refletindo a realidade concreta apenas a traduz “de um modo que pode ser errôneo”. É certo que nestes Textos a crítica de Morin tem muita procedência o que leva os leitores e discentes a desconstruirem muitas das assertivas, neles existentes, o que permite ao alunado criar suas próprias idéias sobre os modelos de aderência àquilo que se denomina ou se imagina ser realidade. Esta é regida pelos princípios da incerteza, da ordem e da desordem ou simplesmente da teoria do caos, ou seja: “o possível é impossível e vivemos num mundo impossível em que é impossível atingir a solução possível”. É, portanto, ambivalência. Com essa assertiva augura-se aos discentes e leitores destes Textos possam entender o metabolismo do capital que tem imbricado em si o espírito de competição, de êxito, de progresso, e desenvolve o hedonismo a um nível tal a dissolver toda e qualquer possibilidade de solidariedade humana. Ele subordina o ente humano produtor ao ser humano consumidor e este ao produto vendido no mercado monopolizado que por sua vez fomenta as orças libidinais, cada vez menos controladas, no processo de circulação das mercadorias. Essa agitação econômico-social mercadológica é, segundo Morin, “superfícial e se apodera dos indivíduos assim que escapam às coerções escravizantes do trabalho. O consumo desregrado torna-se super-consumo insaciável que alterna com curas de privação; a obsessão dietética e a obsessão com a forma fisica multiplicam os temores narcísicos e os caprichos alimentares sustentam o culto dispendioso das vitaminas e dos oligo-elementos. Entre os ricos o consumo se torna histérico, maníoaco pelo prestígio, a autenticidade, a beleza, a tez pura, a saúde. Eles percorrem as vitrines, os grandes magazines, os antiquários, os mercados de pulgas. A bibelomania se conjuga com a bugingangomania”. Ainda, na desconstrução de muito que foi dito nos Textos, vale lembrar que Morin mostra que sobrepor o técnico-econômico ao político é pura ingenuidade, principalmente, na competição técnico-econômica entre os países e, especialmente, em conjunturas de depressão ou crise. Dessa forma, o técnico-econômico se torna um problema político permanente, envolvendo os vieses das ideologias, da técnica, da ciência e das idéias enfraquecendo o papel democrático vital às soluções dos conflitos. Conclui, portanto, que “os econocratas, muito capazes de adaptar o progresso técnico aos humanos, não conseguem imaginar soluções novas de reorganização do trabalho e de repartição da riqueza”. Também Antônio Delfim Neto, no Brasil, tem sistematicamente apontado os desvios dos econocratas na sua coluna Sextante na revista Carta Capital. Sobre o papel do estado-nação, Morin é enfático em afirmar que “se tornou bastante forte para destruir maciçamente humanos e sociedades, ele se tornou demasiado pequeno para se ocupar dos grandes problemas agora planetários, embora seja demasiado grande para se ocupar dos problemas singulares concretos de seus cidadãos”. As classes sociais subordinadas nos estados-nação são “cada vez mais incapazes de salvaguardar as identidades culturais que são provinciais e se defendem justamente exigindo a diminuição dos poderes do Estado”. ... “A

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superação do Estado-nação não é sua liquidação, mas sua integração em associações mais amplas, a limitação de seu poder absoluto de vida e de morte sobre etnias e sobre os indivíduos”. Para o leitor ter idéia do que vem a ser corporação, aqui várias vezes citadas, vale transcrever, a contextualização da dileta aluna Marluce de Castro Acosta sobre o documentário canadense “The Corporation” dirigido por Mark Achbar e Jennifer Abbott com roteiro de Joel Bakan apresentado em sala de aula. A citada aluna assim resume sua contextualização: “O filme, ou documentário descreve, o que, de fato é uma corporação. Tudo se deu início em 1886, quando o condado de Santa Clara, nos EUA, enfrentou nos tribunais a Southern Pacific Railroad, poderosa companhia de estradas de ferro. No veredicto, sem maiores explicações, o juiz responsável pelo caso declarou, em sua argumentação, ‘a corporação ré é um indivíduo que goza das premissas da 14a Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que proíbe ao Estado que este negue, a qualquer pessoa sob sua jurisdição, igual proteção perante a lei’. Isso significa que, a partir daquele momento, era estabelecida uma jurisprudência através da qual, perante as leis Norte Americanas, corporações poderiam considerar-se como indivíduos”.

“Corporações são consideradas como pessoas perante a lei. Podem comprar, vender, alugar, acionar judicialmente, sofrer perdas, capitalizar ganhos, incorporar patrimônio e tantas outras ações que as pessoas físicas realizam durante suas existências nesse planeta. Diferentemente de mim ou de você, não têm corpo físico definido e, tampouco alma. Sua principal razão de ser é a obtenção de lucro, mesmo que isso se oponha ao bem estar comum de toda a coletividade humana”.

“O documentário mostra os rumos da vida nesse planeta ao gerenciarmos de forma irresponsável e inconseqüente os recursos que por aqui existem. Estamos legando para as próximas gerações de habitantes da Terra um mundo destruído, falido e, para finalizar, doente ou até mesmo morto”...

“O que mais me impressiona nesse documentário é a nossa impotência diante de tudo isso, o fato de milhões de crianças ingerirem leite podre e estragado e ninguém fazer nada, e quando alguém tenta, é obrigado a se calar, porque no mundo em que vivemos não importa quem somos e sim o quanto ganhamos, também não importa se uma menina de nove anos trabalha por prato de comida, no final o que importa, é a satisfação da usar um tênis, uma camisa ou uma bolsa que foi confeccionada através do trabalho escravo de uma inocente que não tem futuro, não ao menos um futuro no mínimo decente”.

“É lógico que o documentário nos mostra uma mídia que só está preocupada em lucros e em vender, vender e vender, não importando-se com nada exceto bater metas, produzir mais consumo e vender mais sonhos. Achei o documentário excelente sim, só acho uma pena que a maioria dos jovens de hoje pouco se preocupem com isso, até porque estão tão concentrados em seus próprios problemas que se esquecem que isso afeta a todos, inclusive à eles próprios”.

“Eu sou uma pessoa positiva e que acredita ainda em mudanças, e assistir algo assim é realmente libertador para mim, pois, me certifica do que quero fazer, e me mostra que a publícidade também pode servir para algo bom e positivo, pode sim servir como um

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alerta, pois foi através da publicidade que tivemos acesso a esse tipo de material. É lógico que mesmo antes de assistir ao documentário em questão, sempre preocupei-me com o fato das grandes corporações serem tão dominantes como são, é possível que eu não tivesse consciência da dimensão desse problema, mas isso já me preocupava, o documentário mostra também os dois lados de uma mesma moeda, questiona como seria se o mundo inteiro fosse privatizado, idéia essa que já existe”.

“Gostaria de destacar que a certa altura do documentário um alto executivo de uma multinacional se diz, em alto e bom tom, impotente para mudar qualquer ação da empresa onde trabalha, mesmo considerando que muitas das práticas contrariam seus princípios e filosofia de vida. Outro depoimento, de um destacado consultor do mercado financeiro, atesta que graves crises, como o ataque terrorista ao World Trade Center, ou guerras, como aquelas que são travadas no Oriente Médio, são um ótimo negócio para os investidores que apostam suas fichas diariamente em ouro, petróleo, indústria bélica, água, alimentos. Isso é o fim”!

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O AUTOR

Geraldo Medeiros de Aguiar. Engenheiro Econômico e Mestre em Engenharia e Administração de Empresas (MSc) pela Escola Superior de Economia de Praga (República Tcheca). Tem seus diplomas revalidados como Economista na Universidade Federal da Paraíba, e o de Mestre em Administração na Universidade Federal Rural de Pernambuco. Fez vários cursos de pós-graduação lato-sensu e de especializações. É professor universitário. Foi ativista estudantil no Rio de Janeiro e na Primavera de Praga até a ascensão de Dubcek.

Possui longa experiência no setor público além de ter participado do quadro técnico de grandes empresas de consultoria e ter trabalhado como Consultor Sênior contratado ou não. Têm publicado mais de 70 ensaios e trabalhos técnico-científicos incluindo-se entre eles: livros, ensaios, relatórios técnicos e trabalhos em equipe. Tem obras publicadas, em co-autoria ou não, em revistas científicas no Brasil e, ainda, na República Tcheca, Polônia, República da Eslováquia, e na República da Nicarágua (relatório da missão técnica ao Trópico Seco Nicaragüense apresentado a OEA).

Palestrante em mais de 60 conferências em várias universidades brasileiras e Professor convidado em mais de 25 cursos de pós-graduação. Teve prática como agricultor inovador (premiado pelo INCRA por duas vezes como agricultor modelo em Gravatá-PE) e fez parte do quadro de técnicos e de dirigentes da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) durante 22 anos. Participou como Conferencista, de vários seminários regionais e nacionais.

É autor dos livros: Agriculturas no Nordeste (Vozes, 1985); Agenda 21 e desenvolvimento sustentável. Caminhos e desvios. (Livro Rápido, 2004). Turismo, desenvolvimento local e integração regional (cap.6) do livro “Turismo de base local” (UFPB, p.101 a 124. 2007) e, co-autor das obras: Estudo de problemas brasileiros (UFPE, 1971); Aspectos gerais da agropecuária do Nordeste (volume nº3 da Série Projeto Nordeste, SUDENE, 1984); Políticas econômicas setoriais e desigualdades regionais, (UFPE-PIMES/ SUDENE / IPEA, 1984) e Política fundiária no Nordeste (Massangana, 1990); O Nordeste futuro (SUDENE, 1988). Turismo, desenvolvimento local e integração regional. Cap.6 do livro Turismo de base local. (Universitária-UFPB, 2007). Segurança alimentar e biocombustíveis. Cap. Do livro Terra questões ambientais globais e soluções locais. (Universitária-UFPB. 2008).

Em diferentes ocasiões foi Consultor da FAO, OEA, BID e IICA através de contratos específicos e temporários. No momento é Consultor Autônomo. Dá aulas em cursos de: pós-graduação; graduação; seqüencial e de especialização profissional. Foi Assessor Técnico do Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural - CENTRU para o Programa Crédito Fundiário do MDA, em Pernambuco. Participou da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD XI) em São Paulo.

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Quando contratado, faz palestras ou ministra conferências em seminários ou oficinas de trabalho no Brasil, muito em particular, nos estados da Região Nordeste da qual é grande conhecedor transdisciplinar. Atende pelo telefone 0xx81 3088-1477 telefones 0xx81 3326-6428 e celular 081 9972-8025 e e-mail [email protected]

Tem currículum vitae detalhado e atualizado no sistema LATES do CNPQ, protocolo 8307025653862771, cujo site é: www.cnpq.br