Gênero no Setor Agrícola Brasileiro
Coordenação
Professora Dra. Maria Sylvia Macchione Saes
Pesquisadoras
Dra. Paula Sarita Bígio Schnaider
Msc. Paula Macchione Saes
Índice
Sumário executivo ..................................................................................................................... 4
Introdução ................................................................................................................................. 7
Capítulo 1- Perfil demográfico ................................................................................................ 10
Políticas Públicas para mulheres rurais ................................................................................... 32
Capítulo 3- Projeto “mulheres do campo” – Soja ................................................................... 47
Capítulo 4- O caso de Cláudia Dias e a produção de laranja .................................................. 55
Capítulo 5- Projeto “Renovação” - cana ................................................................................. 61
Capítulo 6- Grupo de Mulheres da Feira Agroecológica de Viçosa do Ceará ........................ 68
Capítulo 7- Grupo de mulheres empreendedoras de Vila Pontões – Café .............................. 76
Capítulo 8- Cooperativa Mãos da Terra- Comater- Feira ....................................................... 87
Considerações finais ................................................................................................................ 96
Sumário executivo
Perfil demográfico:
Há mais de 14 milhões de mulheres no meio rural, o que representa 48% da
população residente nestas áreas (IBGE, 2011).
Destas, quase 5 milhões se declararam ocupadas na atividade agrícola em 2011
(30% de todos os trabalhadores no setor) e destas, 80% têm laços de parentesco
com o produtor (IBGE, 2006, 2011).
Maior concentração das mulheres que desenvolvem atividades agrícolas têm mais
de 60 anos (17%) e 78% têm mais de 30 anos.
Ao mesmo tempo, 49% das mulheres que vivem no meio rural e têm mais de 60
anos são analfabetas. Dentre as que têm entre 50 e 59 anos, 43% são analfabetas.
Na média, 21% das mulheres que vivem no meio rural, ou a maior concentração
destas mulheres, não têm instrução ou até 1 ano de estudo (IBGE, 2011), apesar
da melhora no cenário educacional ocorrida nos anos 2000.
72% das mulheres ocupadas na atividade agrícola não recebe nenhum rendimento,
seja por desenvolver atividades de subsistência ou por realizarem trabalho não
remunerado (IBGE, 2011).
Os segmentos em que a participação das mulheres é mais representativa em
relação à totalidade de trabalhadores são: pesca (37% do total), produção florestal
– florestas nativas (36% do total), horticultura e floricultura (33% do total),
pecuária e criação de animais (bovinos, ovinos, caprinos, suínos, aves e outros
animais -31% do total), e produção em lavouras temporárias (cereais, algodão,
cana, fumo, soja e oleaginosas – 30% do total). Dentre estes grupos de atividades,
a participação feminina obtém mais destaque, dentre a totalidade de trabalhadores,
nos segmentos de: cultivo de fumo (41% do total), criação de aves (38% do total),
pesca em água doce (37% do total), cultivo de uva (36% do total), criação de
suínos (35% do total) e cultivo de hortaliças e legumes (34% do total).
Políticas Públicas
A partir dos anos 2000 pode ser observado o aumento das políticas públicas
voltadas especificamente para as mulheres rurais. Elas podem se separar em três
grupos: direito à cidadania; direito ao acesso a terra; direitos econômicos.
Direito à Cidadania:
o Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural (2004): promover
a cidadania e autonomia das mulheres do campo a partir da emissão de
documentação básica por meio de mutirões itinerantes.
Direito ao acesso à terra:
o Constituição de 1988: direito a titulação conjunta das terras
o Portaria n. 981/03 do Incra: titulação conjunta obrigatória, independente do
estado civil, para os beneficiários da reforma agrária
Direitos Econômicos:
o Pronaf Mulher (2003): linha de crédito específica voltada para as mulheres de
agricultura familiar
o Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais –POPMR (2008):
fortalecer e apoiar as organizações produtivas de trabalhadoras rurais e
incentivar a troca de informações e de conhecimentos técnicos, culturais, de
gestão e comercialização
o Fomento Mulher (2014): tem como objetivo promover a inserção e a
participação produtiva e econômica das mulheres a fim de contribuir para a
redução das desigualdades de gênero no meio rural, a partir do fortalecimento
do trabalho produtivo das mulheres, realizadas nos quintais e hortas.
o ATER para Mulheres (2006): garantir a assistência técnica voltada
especificamente para as mulheres.
o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA (2003): o programa incluiu uma
vertente de gênero, assegurando um mínimo de 5% da dotação orçamentária
para uso exclusivo de organizações compostas por mulher ou mistas, com um
mínimo de 70% da participação feminina.
Caselets
Trazemos 6 pequenos casos de exemplos marcantes de mulheres que, através de
ações coletivas, melhoraram suas condições de vida e de suas comunidades.
Projeto Mulheres do Campo – Soja: O caso ilustra a inserção, empoderamento e
qualificação das mulheres na produção de soja na região de Sorriso (MT).
Experiência de Cláudia Marques Dias – Laranja: O caso aborda o processo da
introdução do plantio da laranja na região e o papel que a produtora Cláudia Dias
teve para a consolidação da região como um dos principais polos de produção no
estado.
Projeto Renovação – Cana: o projeto liderado pela UNICA, em parceria com a
Solidaridad e outras entidades ilustra uma importante iniciativa de qualificação
das mulheres no âmbito da produção de cana-de-açúcar no estado de São Paulo.
Feira Agorecológica de Viçosa do Ceará – Hortifruti: aborda o trabalho realizado
pelo grupo de pequenas produtoras rurais que realizam a Feira Agroecológica de
Viçosa do Ceará de Saberes e Sabores.
Grupo de Mulheres empreendedoras de Vila Pontões –Café: O caso ilustra a
formação de uma agroindústria por um grupo de mulheres em Vila Pontões
(Espírito Santo) ), integrantes da Cooperativa dos Cafeicultores das Montanhas
do Espírito Santo (Pronova).
Comater (Cooperativa Mãos da Terra): trata-se de um grupo de mulheres
assentadas na região de Ribeirão Preto que, coletivamente, montaram uma
cooperativa para a venda de produtos plantados nas hortas e quintais de cada lote.
Introdução
O presente relatório tem como objetivo apresentar subsídios para identificar e mapear o
papel desempenhando pelas mulheres no setor agrícola brasileiro. Tal propósito se
justifica, pois o papel das mulheres tem mudado ao longo do tempo, ainda que lentamente,
com o reconhecimento das desigualdades de gênero e com as diversas políticas públicas,
criadas ao longo dos anos 2000, que procuram garantir a autonomia e a inserção das
mulheres rurais no sistema produtivo. Para tanto, o presente trabalho se encontra
estruturado em duas partes: na primeira parte apresentamos um panorama geral das
mulheres no setor agrícola, organizado em dois capítulos independentes:
Capítulo 1- Perfil demográfico: neste capítulo delineamos o perfil demográfico do
setor agrícola brasileiro, tendo como principal foco a mulher. Buscamos, a partir deste
levantamento, mapear a interseção da mulher neste segmento e conhecer suas principais
características em termos de perfil populacional geral, educação e trabalho.
Capítulo 2 – Políticas públicas: neste capítulo realizamos um levantamento
histórico das principais políticas públicas voltadas para a promoção da autonomia das
mulheres rurais, a partir de políticas de acesso a cidadania, a terra e a inclusão produtiva.
Na segunda parte deste relatório trazemos 6 pequenos casos de exemplos marcantes de
mulheres que, através de ações coletivas ou individuais, melhoraram suas condições de
vida e de suas comunidades. A seleção dos casos se deu de maneira diversificada, de
forma a abranger uma variedade de setores e regiões geográficas, conforme será descrito
mais adiante. Mais importante do que isso, cada caso foi selecionado em vista da
expressividade de seus impactos regionais, seja devido ao número de mulheres ou à
importância local destas culturas. Assim, apresentaremos os seguintes casos:
Capítulo 3- Projeto Mulheres do Campo - Soja: abordamos a questão da inserção,
do empoderamento e da qualificação das mulheres no âmbito da produção de soja na
região de Sorriso (MT), maior produtor de soja no país. Trazemos como exemplo uma
ação do Clube dos Amigos da Terra de Sorriso que teve, a partir das mulheres,
oportunidade de alcançar seus objetivos de difundir boas práticas agrícolas na região.
Capítulo 4- Experiência de Cláudia Marques Dias – Laranja: conta a experiência
de Cláudia Marques Dias, produtora de laranja da região de Paranavaí (Paraná). O caso
aborda o processo da introdução do plantio da laranja na região e o papel que a produtora
Cláudia Dias teve para a consolidação da região como um dos principais polos de
produção no estado.
Capítulo 5- Projeto Renovação – Cana: abordamos a questão da qualificação das
mulheres no âmbito da produção de cana de açúcar no estado de São Paulo, maior
produtor de cana no Brasil. Em especial, trataremos do projeto “Renovação”,
desenvolvido pela União da Indústria de cana de açúcar (UNICA) em conjunto pela
Solidaridad, e por outros parceiros. A partir deste exemplo mostramos a importância da
qualificação para estas mulheres e para suas comunidades. Como resultado, o projeto em
questão inspirou o Pronatec.
Capítulo 6- Feira Agorecológica de Viçosa do Ceará – Hortifruti: aborda o
trabalho realizado pelo grupo de pequenas produtoras rurais que realizam a Feira
Agroecológica de Viçosa do Ceará de Saberes e Sabores. Essa experiência retrata a
inserção das mulheres na esfera econômica e social e como isso tem promovido o
empoderamento, aumento da autoestima e mudanças no quadro de violência local.
Capítulo 7- Grupo de Mulheres empreendedoras de Vila Pontões -Café: trazemos
um exemplo marcante de empreendedorismo feminino, motivado pela qualificação de um
grupo de mulheres em Vila Pontões (Espírito Santo), integrantes da Cooperativa dos
Cafeicultores das Montanhas do Espírito Santo (Pronova). O caso ilustra como, a partir
destas ações, este grupo de mulheres conseguiu montar uma agroindústria e assim superar
suas dificuldades financeiras, melhorar sua auto-estima e promover qualidade de vida
para suas famílias e para a comunidade.
Capítulo 8- Comater (Cooperativa Mãos da Terra): retratamos o caso de um grupo
de mulheres assentadas na região de Ribeirão Preto que, coletivamente, montaram uma
cooperativa para a venda de produtos plantados nas hortas e quintais de cada lote. Esta
ação gerou maior autonomia e independência das mulheres e maior reconhecimento por
parte dos assentados da importância da produção das mulheres.
Cada caselet é um capítulo independente, estruturado visando exprimir os principais
objetivos dos casos ilustrativos, as ações realizadas, a forma de engajamento das
mulheres, os principais desafios superados e por fim, os resultados alcançados.
Buscamos, a partir da análise comparativa destes casos, identificar fatores de sucesso que
possam ser potencialmente replicados em outros setores e regiões.
Por fim, em adição à análise comparativa dos casos apresentados, utilizamos informações
relativas ao perfil feminino no setor agrícola e as principais políticas públicas destinadas
à inserção e ao aumento de renda das mulheres na agricultura para delinear possíveis
ações generalizáveis e/ou novas políticas públicas.
Capítulo 1- Perfil demográfico
1. Introdução
Neste capítulo é realizada uma análise demográfica da população brasileira, a partir de
dados obtidos na Pesquisa Nacional de Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em particular, apresenta-se uma
comparação entre as pesquisas realizadas em 2001 e 2011, visto que estas exprimem as
mudanças que ocorreram durante a década de 2000. São abordados os seguintes temas:
perfil populacional geral, educação e trabalho.
Vale notar que tendo em vista os objetivos do presente relatório, é atribuída particular
ênfase à mulher ocupada na atividade agrícola, que segundo o IBGE (2011), compreende
as seguintes atividades: “agricultura, pecuária, silvicultura, exploração florestal, pesca,
aquicultura e serviços relacionados com estas atividades”.
Na ausência de tais informações, foram utilizados dados relativos às mulheres residentes
no meio rural como proxies para o grupo de nosso interesse, muito embora estejamos
cientes de que muitas destas mulheres não estão ocupadas na atividade agrícola e que
algumas das mulheres residentes no meio urbano também possam estar ocupadas na
atividade agrícola. Apesar disso, nos casos em que não foi possível obter de informações
mais específicas, esta é foi a melhor aproximação encontrada e portanto, será interpretada
como o perfil de nosso grupo de interesse.
Sempre que disponível e relevante, os resultados do grupo de interesse foram comparados
à população brasileira como um todo, ou às mulheres residentes nas áreas urbanas, ou
ainda aos homens. Além disso, buscou-se realizar uma comparação entre as pesquisas de
2001 e 2011, a fim de se avaliar as mudanças no perfil demográfico brasileiro ocorridas
durante os anos 2000.
Por fim, esta análise é complementada com dados obtidos no Censo Agropecuário,
realizado pelo IBGE em 2006. Embora não se disponha de informações anteriores ou
mais recentes, para fins de comparação, estes dados permitem delinear o perfil das
mulheres ocupadas na atividade agrícola por condição e tamanho da terra e por segmento
de atividade agrícola (produto).
2. População geral
Segundo estimativas do IBGE (2011), habitam no Brasil cerca de 195 milhões de pessoas.
Destas, cerca de 85% se concentram nas áreas urbanas, enquanto a minoria restante reside
nas áreas rurais. Em sua totalidade, a população brasileira cresceu 15% nos anos 2000,
passando de cerca de 175 milhões em 2001 para 195 milhões em 2011 (IBGE, 2001;
2011).
Neste mesmo período, a população residente nas áreas urbanas cresceu mais do que
aquela residente nas áreas rurais: enquanto o primeiro grupo cresceu pouco mais do que
a média geral de 15%, o segundo grupo não cresceu mais do que 7%, atingindo quase 30
milhões de pessoas em 2011. Esta tendência é ilustrada no Gráfico 1.
Gráfico 1 – População residente (em 1000 pessoas).
Fonte: IBGE (2001; 2003; 2005; 2007; 2009; 2011)
0
50.000
100.000
150.000
200.000
250.000
2001 2003 2005 2007 2009 2011
População total
População total
Urbana
Rural
Interessantemente, tal crescimento ocorreu de forma bastante equilibrada entre homens e
mulheres, tanto nas áreas urbanas quanto nas rurais. Conforme expresso no Gráfico 2, o
percentual de mulheres residentes nas áreas urbanas se manteve praticamente estável e
próximo dos 52% (IBGE, 2001; 2011). Já nas áreas rurais, as mulheres representaram
cerca de 48% da população, durante todo o período analisado (IBGE, 2001; 2011).
Gráfico 2 – População residente conforme sexo e área (em 1000 pessoas).
Fonte: IBGE (2001; 2003; 2005; 2007; 2009; 2011)
Apesar do modesto crescimento observado na população brasileira, há uma tendência
geral de diminuição no número de pessoas entre 0 e 4 anos de idade, tanto homens quanto
mulheres. Em média, a população total nesta faixa etária diminuiu quase 15% entre 2001
e 2011, média semelhante à redução da população nesta faixa etária residente nas áreas
urbanas. Isto reflete uma redução considerável na taxa de natalidade.
0
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
60.000
70.000
80.000
90.000
100.000
2001 2003 2005 2007 2009 2011
População residente
Rural - Mulheres
Rural - Homens
Urbana- Homens
Urbana - Mulheres
Neste sentido, é interessante observar que nas áreas rurais tal tendência se observa de
forma ainda mais pronunciada, visto que a população nesta faixa etária diminuiu 22%
(IBGE, 2001, 2011) no período em questão. Mais forte do que tal efeito, o número de
bebês com menos de 1 ano nas áreas rurais diminuiu quase 30% nos anos 2000. Isto quer
dizer que em média, as mulheres residentes nas áreas rurais tiveram menos filhos do que
na década anterior. Além disso, de uma maneira geral, a redução no número de
nascimentos nas áreas rurais foi maior nas áreas rurais do que nas urbanas.
Há fortes evidências, no entanto, de que esta tendência tenha ocorrido também entre os
anos 90 e 2000, embora de forma muito menos pronunciada, visto que o número de
crianças entre 5 e 10 anos residentes nas áreas rurais diminuiu cerca de 15% entre 2001 e
2011, enquanto a mesma faixa etária residente nas áreas urbanas diminuiu apenas 8%.
Concomitantemente, o que se observa é uma considerável tendência de envelhecimento
da população brasileira total. Dentre o período analisado, houve um crescimento médio
próximo de 50% na população total acima de 50 anos e próximo dos 30% na população
entre 25 e 49 anos. Tal tendência se mostrou bastante semelhante tanto nos homens
quanto nas mulheres residentes nas áreas urbanas.
Nas áreas rurais, no entanto, esta tendência se mostrou ligeiramente menos acentuada, na
medida em que a população com mais de 50 anos cresceu em média 37% nos anos 2000
(IBGE, 2001; 2011). De forma interessante, o maior aumento populacional nessa faixa
etária se deu nos homens residentes nas áreas rurais: 40% nos anos 2000. Isto indica que
a expectativa de vida dos homens tem aumentado, possivelmente devido aos avanços
tecnológicos que melhoraram as condições de trabalho. O envelhecimento das mulheres
se deu de forma ligeiramente menos pronunciada, de 33%, o que também revela melhores
condições de vida.
Outro aspecto que merece destaque é o fato de a população masculina residente nas áreas
rurais, entre 19 e 24 anos, ter diminuído muito mais do que a feminina: enquanto o
primeiro grupo diminuiu em média 15%, o segundo diminuiu 7%. Nas áreas urbanas,
houve um aumento de 5% no número de homens entre 19 e 24 anos e de 2% no número
de mulheres na mesma faixa etária, nos anos 2000. Isto poderia indicar que parte da
população rural se dirige às cidades para estudar ou ainda trabalhar em atividades não
agrícolas e tal efeito é mais forte no caso dos homens do que das mulheres.
3. Educação
Em 2011, quase 90% do total de brasileiros com 10 anos de idade ou mais tiveram pelo
menos 1 ano de estudo e 46% tiveram até 8 anos de estudo, enquanto 75% tiveram até 11
anos de estudo. Nas mulheres, de uma maneira geral, estes percentuais não são muito
diferentes da média nacional: 44% das mulheres têm até 8 anos de estudo, mas 74% delas
têm até 11 anos de estudo.
No meio rural, no entanto, o cenário educacional feminino, para as mulheres com 10 anos
de idade ou mais que tiveram pelo menos 1 ano de estudo, é semelhante tanto à a média
nacional geral quanto às brasileiras em geral: 58% completaram até 8 anos de estudo e
75% tiveram até 11 anos de estudo. Por outro lado, o percentual de mulheres que vivem
no meio rural e que tiveram menos de um ano de estudo ou nenhum estudo é muito maior
do que a média nacional (11%) e do que as brasileiras em geral (11%): este grupo
corresponde a 21% de todas as mulheres que vivem no meio rural. Contudo, esta
proporção ainda é menor do que a dos homens que vivem no meio rural e que não tiveram
estudo (24%). Estes números se encontram na Tabela 1, a seguir.
Tabela 1 – Anos de estudo da população com 10 anos de idade ou mais. População
em 1000 pessoas.
Fonte: IBGE (2001; 2011)
Total
Total 166 987
Sem Instrução e menos de 1 ano 19 173
1 ano 3 167
2 anos 5 807
3 anos 8 550
4 anos 17 481
5 anos 10 330
6 anos 6 865
7 anos 7 918
8 anos 16 942
9 anos 5 985
10 anos 5 874
11 anos 36 936
12 anos 2 948
13 anos 2 424
14 anos 2 714
15 anos ou mais 13 509
Sem decalração 363
Total
Total 137 687
Sem Instrução e menos de 1 ano 17 398
1 ano 4 188
2 anos 7 457
3 anos 11 076
4 anos 19 251
5 anos 11 257
6 anos 7 544
7 anos 7 552
8 anos 12 387
9 anos 4 157
10 anos 4 580
11 anos 19 077
12 anos 1 740
13 anos 1 220
14 anos 1 310
15 anos ou mais 6 536
Sem decalração 956
2011
2001
Anos de estudo
Anos de estudo
AcumuladoTotal
mulheres
86 646
9 662
2% 1 497
5% 2 818
10% 4 253
21% 8 857
27% 5 087
31% 3 436
36% 3 941
46% 8 412
50% 3 097
53% 3 051
75% 19 895
77% 1 670
79% 1 346
80% 1 647
88% 7 762
89% 215
AcumuladoTotal
mulheres
71 253
8 885
3% 1 963
8% 3 627
17% 5 596
30% 9 833
39% 5 697
44% 3 824
50% 3 808
59% 6 380
62% 2 185
65% 2 408
79% 10 516
80% 1 041
81% 672
82% 788
87% 3 527
87% 505
2011
2001
AcumuladoMulheres
rural
11 716
2 428
2% 394
5% 686
10% 960
20% 1 698
26% 908
30% 543
34% 590
44% 970
48% 394
51% 354
74% 1 314
76% 95
78% 50
80% 76
89% 224
89% 33
AcumuladoMulheres
rural
10 187
2 523
3% 558
8% 938
16% 1 250
29% 1 793
37% 849
43% 438
48% 392
57% 509
60% 172
64% 160
78% 427
80% 39
81% 12
82% 20
87% 46
88% 59
2011
2001
Acumulado
3%
9%
17%
32%
40%
44%
49%
58%
61%
64%
75%
76%
76%
77%
79%
79%
Acumulado
5%
15%
27%
45%
53%
57%
61%
66%
68%
69%
73%
74%
74%
74%
75%
75%
2011
2001
Em comparação a 2001, observa-se na Tabela 1 acima que, em geral, houve uma melhora
no quadro educacional de todas as categorias analisadas. O que se observa,
primeiramente, é uma redução no percentual de brasileiros com 10 anos de idade ou mais
que não tiveram nenhum estudo ou que estudaram menos de 1 ano: este valor caiu de 13%
em 2001 para 11% em 2011. Concomitantemente, o percentual de brasileiros que teve até
8 anos de estudo se manteve estável nos anos 2000, enquanto aquele que teve até 11 anos
de estudo diminuiu de 79% em 2001 para 65% em 2011. Isto que dizer que o percentual
de brasileiros que tiveram mais de 11 anos de estudo aumentou no período entre 2001 e
2011: de 8% em 2001 para 13% em 2011.
Fenômeno semelhante se observa na totalidade de brasileiras com 10 anos de idade ou
mais: o percentual de mulheres sem estudo ou com até 1 ano de estudo diminuiu de 12%
em 2001 para 11% em 2011. Ao mesmo tempo, o percentual de mulheres com até 8 anos
de estudo se manteve praticamente estável nos anos 2000, enquanto aquele das que
tiveram até 11 anos de estudo diminuiu de 78% em 2001 para 74% em 2011. Isto quer
dizer que mais brasileiras tiveram mais de 11 anos de estudo: esse percentual aumentou
de 8% em 2001 para 14% em 2011.
No que se refere às mulheres que vivem no meio rural e que têm 10 anos de idade ou
mais, se registrou uma queda no percentual daquelas que não tiveram nenhum estudo ou
que estudaram pelos menos 1 ano de 25% em 2001 para 21% em 2011. Ao mesmo tempo,
o percentual de mulheres que vivem no meio rural e que tiveram até 8 anos de estudo
diminuiu de 66% para 58%, enquanto a proporção daquelas que acumularam até 11 anos
de estudo aumentou de 73% para 75%. Isto quer dizer que mais brasileiras que vivem no
meio rural aumentaram seus anos de estudo de até 8 para até 11 anos ou mais. Soma-se a
isso o fato de que o percentual de mulheres com mais de 11 anos de estudo que vivem no
meio rural aumentou de 1% em 2001 para 4% em 2011. Ou seja, as mulheres que vivem
no meio rural apresentaram um cenário educacional muito melhor em 2011 em
comparação a 2001.
Isto se reflete em uma consequente redução na taxa média de analfabetismo destas
mulheres, de 24% em 2001 para 17% em 2011. No entanto, vale lembrar que estas médias
não se distribuem de forma uniforme em todas as faixas etárias. Pelo contrário, dentre as
mulheres com 10 anos de idade ou mais e em idade escolar (10 a 19 anos), a taxa de
analfabetismo é muito menor e a tendência de queda no período é muito mais acentuada
do que a média das mulheres que vivem no meio rural e que têm 10 anos de idade ou
mais: ela diminuiu de 6,5% em 2001 para 2,5% em 2011.
Na medida em que as faixas etárias contemplam mulheres com mais idade, as taxas de
analfabetismo se tornam mais elevadas. Por exemplo, dentre as mulheres que viviam no
meio rural e que tinham 60 anos ou mais em 2011, a taxa de analfabetismo foi de 49%.;
e dentre aquelas entre 50 e 59 anos, de 27%. Estes dois grupos, juntos, correspondem a
um quarto das mulheres que vivem no meio rural, e dentre estas, 14% têm 60 anos ou
mais. Apesar disto, a taxa de analfabetismo nestes grupos também registrou uma melhora
em relação a 2011, quando 60% das mulheres com 60 anos ou mais eram analfabetas e
43% daquelas entre 50 e 59 anos residentes no meio rural não eram alfabetizadas. Afinal,
parte dos grupos com menos idade e menor analfabetismo envelheceu, trocando de faixa
etária, contribuindo portanto para boa parte da melhora observada.
Estes achados não apenas corroboram a tendência de melhora no quadro educacional das
mulheres que vivem no meio rural registrada durante os anos 2000, mas também indicam
que esta tendência provavelmente já vinha sido registrada em décadas anteriores. Na
medida em que as jovens em idade escolar e que tiveram melhores possibilidades de
estudo envelhecem, as estatísticas referentes à população mais idosa tendem a melhorar.
4. Trabalho
Dos 195 milhões de Brasileiros em 2011, cerca de 94 milhões têm mais de 10 anos de
idade e se declararam ocupados (IBGE, 2011). Isto representa um aumento de quase 24%
nos anos 2000, ou seja, além do crescimento populacional, a taxa de ocupação geral
também aumentou. Destes, cerca de 58% são homens e o restante mulheres e tal
proporção se manteve praticamente estável entre 2001 e 2011.
Quase 15 milhões dos brasileiros ocupados com mais de 10 anos de idade
desempenhavam atividades agrícolas em 2011, o que representa uma redução de 5% em
relação a 2001. Ou seja, há menos brasileiros desempenhando atividades agrícolas em
relação à década anterior.
Vale notar que embora o número total de trabalhadores no setor agrícola tenha diminuído,
a proporção de homens e mulheres ocupados neste segmento se manteve praticamente
estável durante os anos 2000: 30% são mulheres, o que representa cerca de 4,5 milhões
de pessoas em 2011 e quase 5 milhões em 2001.
Se em termos relativos tal proporção se manteve praticamente estável, em termos de
número de trabalhadores se observou uma redução de 11% na população feminina
ocupada em atividades agrícolas, e de apenas 2,9% no número de homens. Isto quer dizer
que as mulheres, muito mais do que os homens, deixaram de se considerar ocupadas em
atividades agrícolas, seja porque estão realizando outras atividades tais como indústria e
comércio (em que a participação feminina aumentou consideravelmente) ou porque se
consideram ocupadas em atividades domésticas (tal categoria é bastante significativa em
2011 e não se encontra definida em 2001).
É interessante notar que a maior parte das mulheres que declararam estarem ocupadas em
atividades agrícolas em 2011 realiza atividades de subsistência (45%) ou não são
remuneradas (25%). Se comparado ao quadro de 2001, houve uma melhora, visto que à
época, 39% das mulheres não eram remuneradas. Ainda que parte destas mulheres tenham
se declarado não remuneradas enquanto desenvolviam atividades de subsistência
(potenciais erros de classificação), a variação no número de mulheres que não são
remuneradas na década de 2000 melhorou.
Além disso, o que se verifica na comparação entre 2001 e 2011 é que a participação das
mulheres empregadas, trabalhando por conta própria ou empregadoras aumentou
consideravelmente, especialmente no que se refere às trabalhadoras por conta própria.
Estes números se encontram representados nos gráficos 3 e 4 abaixo.
Gráfico 3 – Ocupação dos trabalhadores agrícolas (em 1000 pessoas) em 2001.
Fonte: IBGE (2001)
Empregados Conta própria EmpregadoresNão
remunerados
Consumo
próprio
Total 4 246 4 098 487 3 820 2 883
Homens 3 790 3 577 450 1 874 886
Mulheres 457 521 37 1 946 1 997
27,33% 26,38%
3,14%
24,59%
18,56%
35,83%33,82%
4,26%
17,71%
8,38%
9,21% 10,50%
0,74%
39,26%40,28%
2001
Gráfico 4 – Ocupação dos trabalhadores agrícolas (em 1000 pessoas) em 2011.
Fonte: IBGE (2011)
Ou seja, muito embora o número total de trabalhadoras agrícolas tenha diminuído durante
a década de 2000, a variação nas funções ocupadas pelas mulheres se mostrou bastante
satisfatória, visto que, cada vez mais, as mulheres deixam de ser não remuneradas;
passando a ocupar mais posições como trabalhadoras por conta própria ou empregadas
(remuneradas).
Esse cenário não é gratuito: ele também ocasionou um aumento no número de horas
trabalhadas pelas mulheres na atividade agrícola. Conforme ilustrado no Gráfico 5
abaixo, houve uma redução no percentual de mulheres que trabalhavam até 14 horas (de
35% em 2001 para 31% em 2011), mas um aumento no percentual daquelas que
trabalhavam entre 15 e 39 horas (de 42% em 2001 para 45% em 2011) e entre 40 e 44
horas (de 11% em 2001 para 14% em 2011). Essa tendência não se mostrou significante
para mais de 45 horas, na medida em que nesses casos houve uma variação máxima de 1
ponto percentual.
Empregados Conta própria EmpregadoresNão
remunerados
Consumo
próprio
Total 4 178 4 349 346 2 057 3 753
Homens 3 701 3 622 308 913 1 726
Mulheres 477 727 38 1 144 2 026
28,45%29,62%
2,36%
14,01%
25,56%36,03% 35,27%
3,00%
8,89%
16,81%
10,81%16,48%
0,86%
25,92%
45,93%
2011
Gráfico 5 – Número de horas trabalhadas por mulheres no setor agrícola.
Fonte: IBGE (2001; 2011)
De qualquer forma, a grande maioria das mulheres continua dedicando entre 15 e 39 horas
por semana na atividade agrícola, ou ainda, menos de 14 horas. O que se pode inferir a
partir destas informações é que provavelmente, as novas atividades desenvolvidas pelas
mulheres no setor agrícola tiveram um impacto muito maior sobre o número de horas
trabalhadas pela maior parte das mulheres. Indo além nesse sentido, se a maior mudança
observada quanto às atividades desenvolvidas pelas mulheres foi a forte redução no
número de mulheres não remuneradas, pode-se inferir que estas trabalhavam menos horas
do que as demais, o que explicaria a redução no percentual de mulheres que trabalham
até 14 horas por semana.
Vale lembrar que o número total de mulheres desenvolvendo atividade agrícola diminuiu
no período em questão e, portanto, os percentuais informados em 2011 se referem a uma
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
40%
45%
50%
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 a 48 49 ou mais
% d
e m
ulh
eres
Número de horas trabalhadas por semana
Número de horas trabalhadas por
mulheres no setor agrícola
2011
2001
quantidade total de mulheres menor do que aqueles em 2001. Assim, o aumento
mencionado no número de horas trabalhadas não necessariamente significa que, em
termos absolutos, mais mulheres estejam trabalhando mais horas, mas sim que a
proporção destas, em relação ao total de mulheres, se tornou mais expressivo.
Esse movimento aproximou a carga de trabalho das mulheres no setor agrícola daquela
dos homens, muito embora ela esteja longe de ser semelhante. Os homens, em média,
dedicam mais horas à atividade agrícola do que as mulheres: em 2011, 58% dos homens
trabalhou entre 15 e 44 horas e 35% trabalhou mais de 45 horas. Ou seja, apenas 7% dos
homens dedicaram 14 horas ou menos à atividade agrícola. Curiosamente, no caso dos
homens, não se observou um aumento no número de horas trabalhadas, mas uma redução:
em 2011, 46% dos homens tralhavam mais de 45 horas na agricultura. Pode-se inferir que
grande parte desse fenômeno possa ser explicado pelos avanços tecnológicos que
aumentaram a eficiência do trabalhador (ex.: mecanização) ou ainda, mesmo que em
pequena escala, pela substituição de algumas tarefas desempenhadas pelos homens pelas
mulheres.
Os rendimentos recebidos pelas mulheres ocupadas na atividade agrícola, entretanto, não
são tão animadores quanto as novas funções realizadas por elas. A grande maioria das
mulheres (72%) continua sem receber rendimentos. Afinal, elas constituem o grupo das
que não exercem atividade remunerada ou que realiza trabalho de subsistência (total
72%). No entanto, assim como no caso das atividades realizadas pelas mulheres, o que se
nota é uma redução no percentual de trabalhadoras que não recebem rendimentos: em
2001, 80% destas não recebia rendimentos, frente aos 72% registrados em 2011. O que
se percebe ainda, na mesma linha da tendência da melhora nas funções realizadas pelas
mulheres e do aumento do número de horas tralhadas entre 2001 e 2011 é um aumento
de 3% para 5% no percentual de mulheres que recebem entre 1 e 2 salários mínimos, de
6% para 7% no percentual daquelas que recebem até 1 salário mínimo, e de 9% para 12%
nas que recebem até ½ salário mínimo. Tais valores se encontram ilustrados no gráfico
6, abaixo.
Gráfico 6 – Rendimentos recebidos por mulheres no setor agrícola.
Fonte: IBGE (2001; 2011)
Esta mudança de certa forma aproxima as mulheres da realidade dos homens no setor
agrícola, muito embora ela ainda esteja longe de ser semelhante. A título comparativo,
apenas 26% dos homens ocupados no setor agrícola não obtiveram rendimentos em 2011.
Mas, apesar disso, a grande maioria dos homens recebeu entre ½ salario mínimo e 2
salários mínimos (61%), remuneração esta semelhante à das mulheres remuneradas.
Outro aspecto que merece ser mencionado é a faixa etária das mulheres ocupadas na
atividade agrícola. Em 2011, 78% das mulheres ocupadas na atividade agrícola tinham
mais de 30 anos. Dentre estas mulheres, a faixa etária que concentrou o maior percentual
foi aquela das que tem mais de 60 anos (17% do total de mulheres ocupadas em atividades
agrícolas). De uma maneira geral, estas trabalhadoras tendem a ser mais velhas do que
aquelas que não desempenham atividades agrícolas. Neste segundo caso, 68% das
mulheres têm mais de 30 anos e destas, apenas 4% do total têm mais de 60 anos. Além
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
% d
e m
ulh
eres
Número de salários mínimos
Rendimentos recebidos pelas mulheres na
agricultura
2011
2001
disso, a maior parte das mulheres que não estão ocupadas em atividades agrícolas têm
entre 20 e 49 anos (77%).
Por outro lado, há um percentual menor de mulheres entre 5 e 17 anos exercendo
atividades não agrícolas em relação às agrícolas: 3% no primeiro grupo contra 6% no
segundo; muito embora tais percentuais sejam pequenos em ambos os grupos. Estes
valores estão ilustrados no Gráfico 7, a seguir.
Gráfico 7 – Faixa etária das mulheres ocupadas no setor agrícola.
Fonte: IBGE (2001; 2011)
Independentemente destas comparações entre ambos os grupos de atividades, o que se
percebe é que tanto o grupo agrícola quanto o não agrícola seguiram a tendência
populacional de envelhecimento mencionada no início deste relatório. O que se percebe,
0%
2%
4%
6%
8%
10%
12%
14%
16%
18%
20%
% d
e m
ulh
eres
Faixa etária das mulheres ocupadas por
atividade
Agrícola 2011
Agícola 2001
Não agrícola 2011
Não agrícola 2001
na comparação com os valores registrados em 2001, é um aumento no percentual de
mulheres com mais de 60 anos desempenhando tanto atividades agrícolas (de 16% para
17%) quanto não agrícolas (de 3% para 4%), bem como, de uma maneira geral, nos
percentuais correspondentes às faixas etárias com mais de 30 anos.
Concomitantemente, observa-se uma diminuição nos percentuais de jovens mulheres,
especialmente daquelas com menos de 18 anos (ou em idade escolar), ocupadas tanto em
atividades agrícolas quanto em atividades não agrícolas. Nesse sentido, o que chama mais
atenção é a redução nos percentuais de mulheres com até 17 anos desenvolvendo
atividades agrícolas: este grupo deixou de corresponder a 12% do total de mulheres em
2001 para corresponder a 6% do total de mulheres em 2011. Em termos absolutos (ou de
número de mulheres), tal diferença é ainda mais significativa: em 2001, 593 mil mulheres
em idade escolar desenvolviam atividades agrícolas, enquanto em 2011, esse grupo
diminuiu para 265 mil. Isto corresponde a uma variação de 55% no número de mulheres.
Tal movimento superou em muito a tendência demográfica geral do total de mulheres
brasileiras nessa faixa etária, que diminuiu 2,6% entre 2001 e 2011, e até o número de
mulheres nessa faixa etária residente nas áreas rurais, que diminuiu quase 5% no período.
Pode-se inferir, a partir destas informações, que, cada vez mais, as jovens estariam
substituindo o trabalho nas atividades agrícolas pelo estudo. Tal inferência é corroborada
pelos dados de educação apresentados anteriormente neste relatório, que demonstraram
que de uma maneira geral, as brasileiras residentes tanto no meio urbano quanto no meio
rural tiveram mais anos de estudo em 2011 em comparação a 2001.
4.1.Mulheres ocupadas na atividade agrícola
30% de todos os Brasileiros ocupados em atividades agrícolas em 2006 são mulheres
(aproximadamente 5 milhões de mulheres), das quais 80% têm laços de parentesco com
o produtor. Esta média tende a se manter relativamente constante em todos os segmentos
de atuação, com exceção do cultivo de flores, folhagens e plantas ornamentais, em que
apenas 41% das mulheres têm laços de parentesco com o produtor.
É interessante notar que este vínculo familiar tende a parecer demasiadamente elevado,
mas na realidade 77% do total de mulheres ocupadas em atividades agrícolas em 2006
são proprietárias da terra e cerca de 16% destas dirigem os estabelecimentos. Dentre elas,
a grande maioria têm ensino fundamental incompleto (37%) ou é analfabeta (30%).
Em adição a isso, conforme exposto na Tabela 2, as mulheres representam 38% dos
produtores brasileiros sem área, 35% dos ocupantes e 33% dos assentados sem titulação
definitiva. Isto quer dizer que os grupos em que a participação feminina é mais expressiva
não possuem titularidade da terra; muito embora a maior parte das mulheres ocupadas em
atividades agrícolas, em termos absolutos, seja proprietária da terra, conforme exposto na
Tabela 2.
Nota-se ainda que a participação das mulheres é muito mais expressiva, em relação à
totalidade de pessoas, nas propriedades sem área ou em éreas pequenas, de até 1 hectare.
Em termos absolutos, o maior número de mulheres se concentra em propriedades maiores,
entre 5 e 50 hectares (e, especialmente, entre 20 e 50 hectares); conforme exposto na
Tabela 2, a seguir.
Tabela 2 – Condição do produtor em relação às terras (em 1000 pessoas).
FONTE: IBGE (2006)
Independentemente disto, os segmentos em que a participação das mulheres é mais
representativa em relação à totalidade de trabalhadores são: pesca (37% do total),
produção florestal – florestas nativas (36% do total), horticultura e floricultura (33% do
total), pecuária e criação de animais (bovinos, ovinos, caprinos, suínos, aves e outros
animais -31% do total), e produção em lavouras temporárias (cereais, algodão, cana,
fumo, soja e oleaginosas – 30% do total). Dentre estes grupos de atividades, a
participação feminina obtém mais destaque, dentre a totalidade de trabalhadores, nos
segmentos de: cultivo de fumo (41% do total), criação de aves (38% do total), pesca em
água doce (37% do total), cultivo de uva (36% do total), criação de suínos (35% do total)
Condição do produtor em relação às terras Total
Total 16568
Proprietário 12916
Assentado sem titulação definitiva 577
Arrendatário 774
Parceiro 446
Ocupante 1180
Produtor sem área 675
Mulheres
5052
3878
192
187
128
409
258
% total % mulheres
30% 100%
30% 77%
33% 4%
24% 4%
29% 3%
35% 8%
38% 5%
Grupos de área total (ha)
Maior de 0 a menos de 0,1 259
De 0,1 a menos de 0,2 120
De 0,2 a menos de 0,5 401
De 0,5 a menos de 1 739
De 1 a menos de 2 1188
De 2 a menos de 3 878
De 3 a menos de 4 728
De 4 a menos de 5 605
De 5 a menos de 10 1831
De 10 a menos de 20 2205
De 20 a menos de 50 2718
De 50 a menos de 100 1399
De 100 a menos de 200 901
De 200 a menos de 500 786
De 500 a menos de 1 000 366
De 1 000 a menos de 2 500 312
De 2 500 e mais 457
Produtor sem área 675
98
47
152
260
407
302
244
200
602
718
824
379
214
166
69
50
62
258
38% 2%
39% 1%
38% 3%
35% 5%
34% 8%
34% 6%
33% 5%
33% 4%
33% 12%
33% 14%
30% 16%
27% 7%
24% 4%
21% 3%
19% 1%
16% 1%
13% 1%
38% 5%
e cultivo de hortaliças e legumes (34% do total). Estes números de encontram expostos
na Tabela 3, a seguir.
Tabela 3 – Ocupação das mulheres por atividade agrícola (em 1000 pessoas).
FONTE: IBGE (2006)
Grupos e classes da atividade econômica Total Mulheres % Total % Mulheres
Total 16.568,21 5.052,49 30,50% 100,00%
Grupos e classes da atividade econômica
Produção de lavouras temporárias 6.262,65 1.907,78 30,46% 37,76%
Cultivo de cereais 1.768,48 534,17 30,21% 10,57%
Cultivo de algodão herbáceo e outras fibras da lavoura temporária 40,06 8,58 21,40% 0,17%
Cultivo de cana-de-açúcar 657,25 101,84 15,49% 2,02%
Cultivo de fumo 433,76 177,11 40,83% 3,51%
Cultivo de soja 424,13 103,55 24,41% 2,05%
Cultivo de oleaginosas da lavoura temporária, exceto soja 49,71 16,29 32,77% 0,32%
Cultivo de outros produtos da lavoura temporária 2.889,25 966,25 33,44% 19,12%
Horticultura e floricultura 593,42 199,74 33,66% 3,95%
Cultivo de hortaliças, legumes e outros produtos da horticultura 560,65 188,91 33,69% 3,74%
Cultivo de flores, folhagens e plantas ornamentais 32,77 10,83 33,05% 0,21%
Produção de lavouras permanentes 2.209,03 620,89 28,11% 12,29%
Cultivo de laranja 132,23 32,22 24,37% 0,64%
Cultivo de uva 81,50 29,45 36,14% 0,58%
Cultivo de frutas da lavoura permanente (exceto laranja e uva) 626,54 170,76 27,25% 3,38%
Cultivo de café 954,48 273,21 28,62% 5,41%
Cultivo de cacau 138,12 33,50 24,25% 0,66%
Cultivo de outros produtos da lavoura permanente 276,15 81,75 29,60% 1,62%
Produção de sementes, mudas e
outras formas de propagação vegetal13,20 2,98 22,55% 0,06%
Produção de semente certificada,
de produtos agrícolas - inclusive forrageiras 9,20 2,05 22,33% 0,04%
Produção de mudas certificadas e outras
formas de propagação vegetal de produtos agrícolas 4,00 0,92 23,06% 0,02%
Pecuária e criação de outros animais 6.901,81 2.105,64 30,51% 41,68%
Criação de bovinos 4.806,52 1.368,26 28,47% 27,08%
Criação de outros animais de grande porte 41,88 10,42 24,89% 0,21%
Criação de ovinos e caprinos 241,36 77,03 31,91% 1,52%
Criação de suínos 390,06 136,29 34,94% 2,70%
Criação de aves 1.245,43 477,44 38,34% 9,45%
Criação de outros animais 71,99 21,52 29,89% 0,43%
Produção florestal - florestas plantadas 219,97 62,09 28,22% 1,23%
Produção florestal - florestas nativas 381,42 139,97 36,70% 2,77%
Pesca 47,67 17,83 37,40% 0,35%
Pesca em água doce 47,67 17,83 37,40% 0,35%
Aquicultura 43,61 10,26 23,52% 0,20%
Aquicultura em água salgada ou salobra 9,01 1,48 16,47% 0,03%
Aquicultura em água doce 34,61 8,77 25,35% 0,17%
Mulheres ocupadas por atividade econômica (em 1000 pessoas)
Nota-se ainda que alguns setores apresentam número absoluto de mulheres muito mais
expressivo do que os demais, independentemente da representatividade destas em relação
ao total de trabalhadores nestes segmentos. São eles: pecuária e criação de animais (cerca
de 2,1 milhões de mulheres, ou 42% delas) e produção em lavouras temporárias (1,9
milhão de mulheres, ou 37% delas). Dentre eles, obtêm destaque a criação de bovinos
(1,3 milhão de mulheres, ou 27% delas) e o cultivo de cereais (500 mil mulheres ou 12%
delas). Entretanto, diferentemente da representatividade das mulheres sobre o total de
trabalhadores em cada segmento, o número absoluto de mulheres é, de uma maneira geral,
pouco concentrado em atividades específicas, sendo distribuído de maneira bem variada
dentre as diversas atividades desenvolvidas pelas mulheres, a exceção da pecuária e do
cultivo de cereais.
5. Considerações finais
No presente capítulo traçamos o perfil demográfico no setor agrícola brasileiro durante
os anos 2000, tendo como particular ênfase a mulher na agricultura. Conforme
demonstramos ao longo do capítulo, o que se verifica, de uma maneira geral é uma
redução na taxa de crescimento da população, e, em especial, no número de filhos por
mulher nas áreas rurais. Esta tendência se encontra associada ao também verificado
aumento no envelhecimento da população em geral e nas mulheres ocupadas em
atividades agrícolas.
Além disso, o que se verifica é que os brasileiros em geral e em especial as mulheres que
vivem no meio rural apresentaram um cenário educacional muito melhor em 2011 em
comparação a 2001, visto que mais brasileiras que vivem no meio rural aumentaram seus
anos de estudo de até 8 para até 11 anos ou mais. Soma-se a isso o fato de que o percentual
de mulheres com mais de 11 anos de estudo que vivem no meio rural aumentou de 1%
em 2001 para 4% em 2011.
No que se refere à ocupação destas mulheres, se verificou uma relação estável entre o
número de homens e mulheres ocupadas em atividades agrícolas nos anos 2000: cerca de
30% de todas estas pessoas são do sexo feminino e 80% delas têm laços de parentesco
com o produtor. Mas, apesar disto, cada vez mais, as funções desenvolvidas pelas
mulheres e sua remuneração tem melhorado de forma bastante expressiva, muito embora
ainda se encontrem distantes da realidade dos homens; visto que a grande maioria das
mulheres que desenvolvem atividades agrícolas continua sem receber rendimentos.
Independentemente disto, os segmentos em que a participação das mulheres é mais
representativa em relação à totalidade de trabalhadores são: pesca (37% do total),
produção florestal – florestas nativas (36% do total), horticultura e floricultura (33% do
total), pecuária e criação de animais (bovinos, ovinos, caprinos, suínos, aves e outros
animais -31% do total), e produção em lavouras temporárias (cereais, algodão, cana,
fumo, soja e oleaginosas – 30% do total). Dentre estes grupos de atividades, a
participação feminina obtém mais destaque, dentre a totalidade de trabalhadores, nos
segmentos de: cultivo de fumo (41% do total), criação de aves (38% do total), pesca em
água doce (37% do total), cultivo de uva (36% do total), criação de suínos (35% do total)
e cultivo de hortaliças e legumes (34% do total).
6. Referências
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE - Censo Agropecuário, 2006.
Disponível em:
< http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro/>. Acesso
em: 17/10/2016.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios, 2001. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2001/co
ment2001.shtm>. Acesso em: 17/10/2016.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios, 2011. Disponível em:
< http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2011/de
fault_brasil.shtm>. Acesso em: 17/10/2016.
Políticas Públicas para mulheres rurais
1. Introdução
Este capítulo tem como objetivo discutir as principais políticas públicas voltadas para as
mulheres no meio rural brasileiro. Para tal, apresentamos inicialmente um breve retrato
das relações de gênero no campo e os principais movimentos e reivindicações das
mulheres no setor. Em seguida, expomos algumas das políticas públicas implantadas que
tiveram como foco as mulheres no meio rural e ao final realizamos uma breve
consideração sobre as políticas em vigor atualmente.
2. Breve Histórico das lutas das mulheres rurais
Ao longo dos últimos anos o debate em torno das relações de gênero ganhou considerável
importância no cenário público e a adoção de políticas voltadas para a redução das
desigualdades de gênero se intensificaram. Durante meados dos anos 1980, com a luta
pela redemocratização do país, tanto os movimentos feministas quanto a presença de
mulheres em movimentos de base foram bastante atuantes na luta pelos direitos das
mulheres. As políticas públicas implantadas nesse período se constituíram em ações
setoriais específicas, realizadas especialmente nas áreas de saúde e violência. Ainda
assim, apesar dos avanços, diversas mulheres, especialmente as mais pobres, do campo,
negras e indígenas, continuaram a viver em situações de exclusão social e violência
(Tavares, 2011). Dessa forma, o enfrentamento das desigualdades de gênero permanece
e, para tal, o questionamento do pensamento econômico dominante, que tem colocado as
mulheres em papéis econômicos invisíveis, é uma das lutas centrais dos diversos
movimentos feministas atuais.
Assim como na cidade, em que o trabalho feminino durante muito tempo ficou restrito ao
espaço privado e as funções de reprodução, no campo essa lógica ainda é bastante
presente. As atividades realizadas pelas mulheres rurais são, sobretudo, atividades ligadas
ao trabalho doméstico e voltadas para o autoconsumo e sem remuneração, como o
trabalho nas hortas, quintais (como são chamadas as produções de alimentos feitas no
quintal da casa), pomares e criação de animais. Os dados do IPEA de 2011 confirmam
essa estrutura, mostrando que em famílias com nenhum filho 94% das mulheres são
responsáveis pelos afazeres domésticos, enquanto 54,6% dos homens se dedicam a essa
atividade. E em famílias com cinco filhos ou mais 95,7% das mulheres e apenas 34,3%
dos homens se responsabilizam pelo trabalho doméstico (IPEA, 2011). Além disso,
frequentemente, a participação feminina na produção é considerada uma “ajuda”, uma
atividade complementar à atividade realizada pelo marido e, por isso, com menor
remuneração (Nobre, Miguel, Moreno, Freitas, s/d).
No que tange às políticas específicas para as mulheres rurais, os avanços em vista da
diminuição das desigualdades de gênero e conquista de direitos começaram a aparecer a
partir da luta dos movimentos feministas de mulheres rurais e movimentos sociais do
campo, que ganharam maior intensidade durante os anos 1980, estimuladas pela igreja
católica, movimentos sindicais e partidos políticos. Durante essa década, uma série de
eventos marcou o fortalecimento dos movimentos de mulheres rurais que começaram a
reivindicar o seu reconhecimento enquanto agricultora, e não como doméstica, o acesso
igualitário à terra na reforma agrária e uma série de direitos sociais, como a previdência
social, salário maternidade e o direito a sindicalização (Cintrão, Siliprandi, 2011).
Em 1986 foi realizado em Barueri, São Paulo, o Primeiro Encontro Nacional de
Trabalhadoras Rurais, apoiado pela CUT (Central Única dos Trabalhadores) e pelo MST
(Movimento Sem Terra), que gerou intensa mobilização para a elaboração de propostas
do movimento para incluir na nova Constituição Brasileira os direitos de trabalhadoras e
trabalhadores rurais. Desse encontro se organizou, no ano seguinte, a Caravana das
Mulheres Trabalhadoras Rurais à Brasília, para a entrega do abaixo-assinado com as
propostas do movimento. Em 1991 aconteceu o Primeiro Congresso de Mulheres
Trabalhadoras Rurais, que teve como objetivo mobilizar as trabalhadoras rurais a se
filiarem nos sindicatos (Cruz, 2013).
Outras manifestações, tais como a Marcha das Margaridas, Via Campesina e o próprio 8
de março, surgiram durante esse período, dando corpo a luta das mulheres rurais. A
Marcha das Margaridas1, uma das principais mobilizações das mulheres rurais, teve sua
primeira edição nos anos 2000, reunindo mais de 20 mil mulheres que, com o lema
“contra a fome, a pobreza e a violência sexista”, lutavam também pelo acesso à
documentação básica e ao direito à terra. Na segunda edição, em 2003, estima-se que
participaram mais de 40 mil mulheres e em sua quinta edição, em 2015, estiveram
presentes mais de 70 mil mulheres de todo o país. Para além da ampla mobilização de
mulheres das diferentes regiões do Brasil, a Marcha das Margaridas permite colocar em
negociação com o governo federal as reivindicações dos movimentos das mulheres do
campo, levantando questões históricas, como o reconhecimento da mulher rural enquanto
agricultora, garantia e ampliação de direitos sociais e acesso à terra e combate à violência
sexista no campo (Herendia, Cintrão, 2006).
Esses eventos, entre os demais realizados durante esse período, deram maior visibilidade
à luta das mulheres do campo, sendo um importante articulador para as mudanças nas
políticas públicas, que foram e ainda são aos poucos atendidas pelo Estado. Desses
movimentos, reinvindicações como o acesso à terra, documentação civil, ao crédito,
previdência, assistência técnica, organização produtiva foram algumas das pautas
levantadas e que ganharam políticas públicas específicas.
Ainda assim, se ao longo dos anos 1980 e 1990 os movimentos tomavam força, poucas
foram as políticas adotadas em vista de atender as demandas desses grupos. Durante
muito tempo, as políticas públicas se voltaram para atender o “cidadão indiferenciado”,
ou seja, sem incorporar as questões de gênero. Nesse período, houve melhoras no meio
rural em relação ao acesso à infraestrutura básica, como água, luz, coleta de lixo e acesso
à educação. Uma das primeiras políticas adotadas exclusivamente para a mulher no meio
rural foi o Programa de Apoio à Mulher Rural, ainda em 1985, criado pelo Ministério da
Agricultura, com o objetivo de desenvolver planos de ação para a trabalhadora rural. Em
1988 foi criado o Projeto de Apoio à Organização da Mulher Rural, para sensibilizar e
1 O nome da marcha é uma homenagem a Margarida Maria Alves, líder sindical e percussora na luta pelos
direitos das trabalhadoras rurais, assassinada em 1983 em Alagoa Grande na Paraíba.
treinar os técnicos rurais para as questões de gênero. Mas ambas as iniciativas não tiveram
continuidade com o governo de Fernando Collor (Herendia, Cintrão, 2006).
A Constituição de 1988 foi também um marco importante para as mulheres. Foi somente
a partir desse momento que as mulheres rurais e urbanas passaram a ter, por lei, os
mesmos direitos trabalhistas e previdenciários que os homens. Até então, direitos como
assistência técnica rural, posse de terra, previdência social eram quase que
exclusivamente concedidos para os homens chefes de família. Além disso, as mulheres
foram incluídas na reforma agrária, com direito igual à distribuição de terras, sendo que
a terra deveria ser concedida e titulada em nome dos cônjuges (Deere, 2004).
Ainda assim, as políticas específicas para as mulheres do campo ganharam maior atenção
a partir dos anos 2000. Com o início do governo Lula, as desigualdades de gênero
passaram a ser reconhecidas e diversas políticas públicas específicas foram criadas com
o objetivo de combater essa situação. O primeiro marco foi a criação, em 2003, da
Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), com status de ministério. A SPM foi
responsável pela realização de duas Conferências Nacionais de Políticas para as
Mulheres, em 2004 e 2007, que resultaram nos Planos Nacionais de Políticas para as
Mulheres I e II. As mulheres rurais estiveram presente em ambas conferências, e seus
questionamentos, demandas e reivindicações estão contidas no planos. Em relação às
políticas rurais, desde 2001 o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) liderava o
Programa de Ações Afirmativas para Promoção da Igualdade e Oportunidade de
Tratamento entre Homens e Mulheres, mas com poucos resultados. A partir de 2003 até
2009, o MDA passou a coordenar as ações governamentais através do Programa de
Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia (Ppigre), com o enfoque nas demandas
das mulheres, promovendo o diálogo constante com os movimentos de mulheres e
facilitando o acesso das mulheres rurais a diversas políticas existentes. Dessa forma,
Ppigre teve um papel de assessoria de gênero ao MDA. A partir do final de 2010, o Ppigre
passou por uma reformulação, e foi transformada em uma Diretoria de Políticas para
Mulheres e Quilombolas (DPMQ). Outra medida adotada pelo Governo Federal, em
2003, foi incluir no II Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) as demandas dos
movimentos de mulheres do campo, tornando a promoção da igualdade de gênero na
reforma agrária um compromisso a ser enfrentado pelo governo (Cintrão, Siliprandi,
2011).
Assim, a partir desse momento, houve o fortalecimento de políticas públicas adotadas no
meio rural para atender as demandas dos movimentos em busca da promoção de maior
autonomia das mulheres. Nesse sentido, as políticas públicas seguiram três principais
linhas de reinvindicação: estabelecimento de direitos básicos de cidadania, como o acesso
à documentação básica; direito ao acesso a terra, a partir da titulação das terras da reforma
agrária e pelo crédito fundiário; e direitos econômicos, com apoio à assistência técnica e
apoio à produção e à comercialização.
As seções a seguir apresentam as principais políticas públicas criadas para as mulheres
do meio rural, dividas nesses três principais eixos.
3. Direito à Cidadania
Para os movimentos de mulheres rurais a redução das desigualdades de gênero só pode
ser garantida a partir da promoção de autonomia e participação econômica e social
igualitária. Para que isso se efetive, é necessário que essas mulheres tenham,
primeiramente, o direito à cidadania assegurado, para que possam acessar as políticas e
participar efetivamente da vida pública.
Nesse sentindo, uma das grandes dificuldades encontrada pelas mulheres rurais em
acessar as políticas públicas é a falta de documentação básica. Até os anos 1980, por
exemplo, a filiação sindical no campo ocorria exclusivamente para os homens, reflexo
das relações sociais que estabeleciam a chefia familiar e o trabalho rural como atividade
majoritariamente masculina (Zarzar, 2009). A partir dos anos 1980 os movimentos de
mulheres rurais e movimentos sociais começaram a pautar essa questão, percebendo a
falta de documentação como expressão da negação do direito a ter direitos (Cintrão,
Siliprandi, 2011).
Para combater situação de exclusão das mulheres pela falta de documentação, em 1997 a
Articulação Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais (ANMTR) lançou a Campanha
Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural com o lema “Nenhuma Trabalhadora
Rural sem Documentos”. Desta Campanha surgiram os primeiros mutirões de
documentação, em que se criaram também espaços de reflexão e debate com as
trabalhadoras rurais. A Marcha das Margaridas de 2000 e 2003 tomou como principal
ponto de reivindicação a garantia de direito à documentação das mulheres rurais. Até
2003 se calculava aproximadamente 9 milhões de mulheres rurais sem documentação
básica (Cintrão, Siliprandi, 2011).
Como resposta a esses movimentos, o Governo Federal criou, em 2004, o “Programa
Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural” (PNDTR), sob a coordenação do
Ministério do Desenvolvimento Agrário e Incra (Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária). O programa tem como objetivo promover a cidadania e autonomia das
mulheres do campo a partir da emissão de documentação básica por meio de mutirões
itinerantes por todo o Brasil. O PNDTR fornece gratuitamente documentação civil e
trabalhista para as mulheres trabalhadoras da agricultura familiar, assentadas de reforma
agrária, acampadas, ribeirinhas, extrativistas, indígenas, quilombolas entre outras. Para
além do acesso à documentação, o programa promove ações educativas juntamente com
as beneficiárias, a fim de informar sobre a importância e o uso da documentação,
apresentar os direitos sociais e econômicos como a aposentadoria, políticas de crédito
rural, assistência técnica, conta bancária, entre outras políticas públicas e orientar quanto
ao seu acesso. (Zarzar, 2009)
Entre 2004 a 2014 foram realizados mais de 6.500 mutirões em quase 4.800 municípios
brasileiros, atendendo a 1.354.019 mulheres a partir da emissão de 2.739.047 documentos
(DPMR, MDA; s/d).
4. Direito ao acesso à terra
Para as trabalhadoras e trabalhadores rurais o acesso à terra é uma reinvindicação
fundamental, pois é a terra que garante os recursos básicos de produção e reprodução da
família. Assim, não sendo uma luta exclusivamente feminina, faz parte da pauta dos
diversos movimentos sociais rurais como medida de redução das desigualdades sociais e
da pobreza nessas áreas. Ao longo dos anos 1990, devido à pressão dos movimentos
sociais rurais, houve um aumento do número de famílias assentadas no Brasil, ainda que
longe de atender toda a demanda por terra.
Entretanto, apesar do maior acesso à terra via política de reforma agrária, a efetividade
da titularidade de terra pelas mulheres só foi conquistada tardiamente. Como
anteriormente mencionado, a titulação conjunta das terras de reforma agrária foi
assegurada primeiramente na Constituição de 1988. Porém, esta era uma prática
raramente efetivada, uma vez que não constavam instrumentos legais para a sua
obrigatoriedade, ocorrendo de forma precária e gerando práticas de subordinação ao pai,
marido ou irmão.
Para os movimentos de mulheres rurais, e a primeira edição da Marcha das Margaridas
tinha essa demanda como segundo ponto de reinvindicação após a garantia da
documentação, o direito à terra era de extrema importância, pois evitava, nos casos de
separação, abandono ou morte do marido, que a mulher tivesse que sair da propriedade.
Além disso, a titulação conjunta colabora para que a mulher tenha maior influência nas
decisões econômicas da família e também auxilia na comprovação enquanto
trabalhadoras rurais, o que facilita o acesso aos benefícios da previdência social (Cintrão,
Siliprandi, 2011).
Assim, no sentido de atender essas reivindicações dos movimentos de mulheres rurais e
diminuir as desigualdades de gênero, o Incra aprovou, em 2003, a Portaria Nº 981 que
efetiva o direito a Titulação conjunta obrigatória, independente do estado civil. Com essa
medida ficou garantido o direito igual das mulheres a terem os benefícios da reforma
agrária, além de garantir o direito à mulher em permanecer na propriedade em caso de
separação ou dissolução de união estável, se mantiver a guarda dos filhos. Além disso,
em 2007, o Incra, pela Instrução Normativa no. 38 deu preferência às mulheres chefes de
família na Sistemática de Classificação das Famílias Beneficiárias da Reforma Agrária,
dando prioridade às mulheres como beneficiárias independente da condição civil. Essa
Instrução Normativa garantiu também o acesso ao Crédito Instalação para as mulheres e
criou o “Adicional da Mulher Assentada”, para apoiar as atividades de fomento a
agroindustrialização, comercialização, assistência técnica (Brasil, 2007).
Com tais medidas, houve o aumento da presença das mulheres na reforma agrária. Em
2003, eram 24% de mulheres titulares dos lotes, sendo 13% o total de mulheres chefes de
família. Em 2013 esse número saltou para 72% de mulheres, sendo 23% como chefes de
família (DPMR/MDA, s/d).
5. Direitos Econômicos
No meio rural, a figura do homem enquanto chefe de família dificulta o acesso das
mulheres às políticas públicas e as concentra em atividades voltadas para o autoconsumo
e sem remuneração, deixando-as, muitas vezes, em condições de dependência financeira
do marido. Como forma de reverter essa condição, uma das lutas encampadas pelos
movimentos de mulheres rurais busca garantir a promoção da autonomia e igualdade de
gênero a partir de políticas de inclusão produtiva. Assim, a implantação de políticas
econômicas para mulheres rurais tem estimulado a constituição e fortalecimento de
grupos produtivos de trabalhadoras do campo como uma forma de se contrapor a essa
realidade, reconhecendo-as enquanto sujeitos sociais e econômicos.
Um das primeiras iniciativas voltadas para o acesso ao crédito produtivo para as mulheres
veio a partir da criação de uma linha específica do Pronaf (Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar), o Pronaf Mulher, entre 2003 a 2004. O Pronaf
foi implantado em 1996 para apoiar a agricultura familiar. A demanda para a expansão
de uma linha de crédito específica para as mulheres surgiu do baixo acesso delas ao
programa, visto que até 2001 apenas 10% do total era concedido para as agricultoras. Em
grande parte, essa situação era fruto da pouca autonomia econômica, pela falta de
documentação e titulação de terras por parte das mulheres (Aguiar, 2016). Ainda assim,
mesmo com o funcionamento do Pronaf Mulher, as mulheres encontram dificuldades para
acessar o programa, em especial, pelo desconhecimento por parte das próprias mulheres
e de técnicos desse tipo de crédito e pela falta de documentação, em especial o DAP
(Declaração de Apoio ao Pronaf), necessário para acessar o Pronaf. Apesar das
dificuldades, entre 2003 a 2013 foram realizados mais de 46 mil contratos com um
investimento superior a 360 milhões de reais pelo Pronaf Mulher (DPMR/MDA, s/d).
Outro programa criado governo federal para atender a demanda de acesso ao crédito foi
o Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais (POPMR), de 2008. Este
programa tem como objetivo fortalecer e apoiar as organizações produtivas de
trabalhadoras rurais e incentivar a troca de informações e de conhecimentos técnicos,
culturais, de gestão e comercialização para promover a autonomia e protagonismo
econômicos das produtoras rurais, a soberania alimentar e a agroecologia. O POPMR é
voltado especialmente para as mulheres de agricultura familiar e de reforma agrária e
deve conter no mínimo cinco integrantes. Para acessar o programa são realizadas
chamadas públicas em que estes grupos podem se inscrever nas modalidades de apoio à
formação de redes, grupos produtivos de mulheres ou feiras. Além do apoio financeiro
para organizações produtivas e feiras de economia feminista o programa busca identificar
e mapear os grupos produtivos de mulheres rurais, realizar capacitações para a elaboração
de projetos, divulgar estudos sobre acesso às políticas de apoio à produção e
comercialização (MDA, 2010). Entre 2008 a 2011 foram organizadas três feiras de
Economia Feminista e solidária que contaram com a participação de 296 grupos de
mulheres. Até 2014 mais de 120 projetos foram apoiados e foram identificados 13.392
grupos produtivos de mulheres rurais no Brasil (DPMR/MDA, s/d).
Para as mulheres da Reforma Agrária o governo federal disponibilizou uma modalidade
específica de crédito instalação. Primeiramente chamado de Apoio Mulher, a partir de
2014 o programa foi transformado em Fomento Mulher e tem como objetivo promover a
inserção e a participação produtiva e econômica das mulheres a fim de contribuir para a
redução das desigualdades de gênero no meio rural. O Fomento Mulher busca fortalecer
o trabalho produtivo das mulheres, para o aproveitamento dos quintais de casa com o
cultivo de hortaliças, plantas medicinais, árvores frutíferas e pequenos animais (MDA,
s/d).
Mesmo com o aumento das iniciativas de crédito para as trabalhadoras rurais, um ponto
crítico para o sucesso desses investimentos era a necessidade de assistência técnica
voltada para as produtoras rurais. A partir de 2003 o MDA (Ministério do
Desenvolvimento Agrário) implantou a Política Nacional de Assistência Técnica e
Extensão Rural (PNATER). A política nasceu da crítica aos modelos de revolução verde,
incluindo, dessa forma, a perspectiva agroecológica. Para os movimentos sociais essa
mudança era favorável à inclusão produtiva das mulheres, uma vez que a produção
agroecológica valoriza as atividades agrícolas tradicionalmente femininas (Siliprandi,
2009). Outro ponto importante incluído no PNATER foi o recorte de gênero. Assim,
programas como ATES (Assessoria Técnica Socioambiental) e ATER (Assistência
Técnica e Extensão Rural) passaram a incorporar esse enfoque nas suas políticas.
O programa ATER, criado no fim dos anos 1940 no contexto desenvolvimentista do pós-
guerra, tinha como objetivo melhorar as condições de vida da população rural.
Historicamente, suas ações estavam voltadas aos homens, considerando as mulheres
como um público secundário e atendendo-as apenas para questões ligadas ao ambiente
doméstico. Poucas eram as iniciativas de formá-las para participar ativamente das
atividades agrícolas e incluir as mudanças tecnológicas em suas vidas. Para reverter essa
quadro, em 2006 aconteceram as primeiras chamadas para o ATER para Mulheres, que
tinha como objetivo incentivar as produções de mulheres e incluí-las nas atividades
agrícolas, econômicas e de comercialização. A partir de 2008 o ATER para Mulheres foi
integrado ao POPMR e entre 2012 e 2013 parte da ação foi integrada ao Plano Brasil Sem
Miséria, do governo federal. Até 2014 o programa beneficiou em torno de 40 mil
mulheres e apoiou mais de 95 projetos (Casa Civil, 2016).
A partir de 2008, o ATES, programa voltado para a assessoria técnica em assentamentos
da reforma agrária, incorporou as perspectivas de gênero, incentivando as mulheres na
participação nos planejamentos da gestão produtiva e de desenvolvimento dos
assentamentos. Além disso, a equipe técnica também passou a contar com um maior
número de mulheres em todos os setores, como economistas, agrônomas, veterinárias,
engenheiras, para facilitar a mediação com as assentadas.
Além das politicas de acesso ao crédito e assistência, políticas já existentes com o objetivo
de comercialização passaram a incorporar as demandas dos movimentos de mulheres
rurais, criando medidas específicas para elas. Um exemplo é o Programa de Aquisição de
Alimentos (PAA), criado em 2003, que tem por objetivo fortalecer e garantir a
comercialização de produtos da agricultura familiar. A Resolução 44/2011 assegurou um
mínimo de 5% da dotação orçamentária para uso exclusivo de organizações compostas
por mulher ou mistas, com um mínimo de 70% da participação feminina. Com isso, houve
um aumento do percentual total de contratos realizados com mulheres no PAA, passando
de 27% em 2011 para 49% em 2014 (DPMR, MDA; s/d). Em 2015, foram quase 20 mil
agricultoras beneficiadas (Portal Brasil, 2016).
6. Considerações Finais
Ao longo dos anos 1980 os movimentos de mulheres rurais se fortaleceram e deram maior
visibilidade às condições de vida e às lutas dessas mulheres. Foi a partir dessas
manifestações que os olhares para o meio rural passaram a enfocar também a demanda
pela igualdade de gênero e as primeiras políticas começaram a surgir.
A partir de 2003, com o início de Governo Lula, a questão de gênero se tornou um dos
enfoques do governo, e assim, diversos programas, ações e políticas públicas começaram
a ser implantadas para atender ao compromisso de redução das desigualdades entre
homens e mulheres presentes na nossa sociedade.
Nesse sentindo, as políticas também se voltaram para o meio rural, local ainda bastante
marcado pelas diferenças de gênero. De lá para cá, houve mudanças no cenário, com a
maior introdução das mulheres no sistema produtivo e comercial, valorizando as formas
de produção bastante comuns a essas mulheres. Isso possibilitou a garantia de recursos
econômicos e consequentemente, maior autonomia e reconhecimento do trabalho da
mulher no meio rural.
Atualmente, com as mudanças no Governo Federal, diversas políticas têm sofrido com a
redução de verbas e outros programas não estão com a continuidade assegurada. Uma das
grandes mudanças veio com a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário que
foi incorporada ao Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário. Além disso, os
programas direcionados à agricultura familiar tiveram grande redução de orçamento. O
PAA deverá ter um encolhimento no número dos atendidos, passando de 91,7 mil famílias
para 41,3 mil. A chamada pública para uma das modalidades do ATER foi cancelada e
com tal medida mais de 1000 empreendimentos podem ser negativamente afetados
(Bragon, 2016). Essas medidas, para os participantes de movimentos e sindicatos rurais,
representam um retrocesso em relação às conquistas da agricultura familiar e da reforma
agrária (Bastos, 2016). Em relação às políticas de gênero, em 2015 a SPM deixou de ter
o status de ministério e foi incorporada ao Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial
e dos Direitos Humanos. Mas em maio de 2016 esse recém-criado ministério foi extinto
e suas atribuições passaram a ser funções do Ministério da Justiça e Cidadania (MJC,
2016). Analisando o atual momento, em que cortes no orçamento são realizados e
importantes órgãos que tratam das desigualdades de gênero são extintos, não é possível
garantir que as políticas específicas para as mulheres rurais continuem a ter a importância
dada em períodos anteriores, podendo também ser prejudicadas e vir a perder espaço nas
políticas públicas atuais.
7. Referências Bibliográficas
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Agricultura Familiar (Pronaf): análise do acesso ao programa a partir de uma perspectiva
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Capítulo 3- Projeto “mulheres do campo” – Soja
“Força feminina em ação pela sustentabilidade”
1. Introdução
Neste caselet abordamos a questão da inserção, do empoderamento e da qualificação
das mulheres no âmbito da produção de soja na região de Sorriso, localizada no Mato
Grosso. Em especial, trataremos do projeto “mulheres do campo”, desenvolvido pelo
Clube dos Amigos da Terra de Sorriso (CAT) e que teve como principal protagonista
a engenheira agrônoma Cynthia Moleta Cominesi.
Sorriso é o maior e mais importante produtor de soja no país, tendo produzido em
2013 quase 2 milhões de toneladas do grão. Isto representa mais de 8% de toda a
produção do estado do Mato Grosso (produtor de 27,8% de toda a soja no Brasil) e
2,5% de toda a produção nacional naquele ano (IBGE, 2013). Além disso, em termos
de valor da produção de soja, a região representa quase 1% do total nacional e a soja
corresponde a mais de 60% do valor gerado no município (IBGE, 2013).
Em termos de área, mais de 600000 hectares foram destinados à produção de soja na
região em 2013 (IBGE, 2013). Destes, a maior parte se concentra em propriedades
com porte significativo, visto que apenas as áreas com menos de 340 hectares são
consideradas pequenas. Além disso, 1500 propriedades são de larga escala, sendo
1200 afiliadas ao sindicato patronal, embora o tamanho médio das propriedades varie
entre 1500 e 2000 hectares. Por outro lado, há apenas 500 propriedades de pequena
escala, em geral assentamentos.
2. Objetivos e características gerais
Dada a relevância da produção agrícola, e em especial da soja, para a região de
Sorriso, foi fundado em 9 de Julho de 2002 o Clube dos Amigos da Terra de Sorriso
(CAT). Trata-se de uma entidade sem fins lucrativos, fundada por produtores rurais
da região2, que visa facilitar e difundir melhores práticas agrícolas. Por exemplo, ela
incentiva a troca de experiências sobre técnicas de cultivo e preservação do solo,
promove treinamentos técnicos, conscientiza a população sobre a importância da
preservação de recursos e responsabilidade social.
Diante destes objetivos, a principal abordagem do CAT junto aos produtores de soja
se dava pela promoção dos denominados “dias de campo para produtores rurais”. No
entanto, a partir de 2007-2008, a participação dos produtores rurais nos eventos
promovidos pelo CAT começou a decair porque as empresas privadas e traders da
região competiam com os eventos promovidos pelo CAT e, ao oferecerem atrações
como churrasco e cerveja, se tornavam muito mais atrativos aos produtores e
incentivavam uma maior adesão. Sem os recursos necessários para competir com
estes eventos corporativos, o CAT enfrentava um grande desafio para atrair estes
agricultores.
Assim, ao longo do tempo o CAT percebeu que seria necessário utilizar uma
estratégia alternativa para poder alcançar seus objetivos e sua razão de existir, sem
competir com os eventos promovidos pelas empresas privadas. Foi neste contexto que
o CAT notou que havia uma participação feminina muito pequena tanto nos eventos
corporativos quanto na produção. Decidiu, portanto, promover, em 9 de Agosto de
2009, uma reunião exclusivamente destinada às produtoras rurais, da qual
participaram 30 pessoas. Neste evento foi confirmada a observação do CAT quanto à
baixa participação feminina, visto que os relatos mais frequentes foram de que os
eventos eram “coisa de homem”, dos quais elas nem se quer eram convidadas; e de
que elas sofriam preconceito e insegurança no dia-a-dia.
Nesta mesma reunião, o próprio grupo de produtoras sugeriu que a capacitação seria
a melhor ferramenta para ajudá-las a vencer o medo, a insegurança e o preconceito
enfrentavam. Foi a partir daí que nasceu o projeto “mulheres do campo”, com o
principal objetivo de oferecer cursos, workshops, encontros para promover o
2 A criação do CAT foi motivada por um grupo de produtores da região de Sorriso que se organizaram para
trazer o sétimo encontro nacional do plantio direto na palha. Eles tinham como objetivo implantar esse
sistema de produção, visto que enfrentavam muitas perdas na lavoura devidas ao sistema convencional.
empoderamento feminino e a capacitação das mulheres sobre temas voltados para o
agronegócio e sustentabilidade.
Esta foi a estratégia encontrada pelo CAT para continuar a difundir as melhores
práticas agrícolas: através das mulheres, outrora negligenciadas
3. Principais ações adotadas
A estratégia encontrada pelo CAT para continuar a difundir as melhores práticas
agrícolas na região de Sorriso se deu pelas mulheres, a partir da elaboração do projeto
“mulheres do campo”, em 2009. Este projeto capacitou as mulheres e permitiu que
elas participassem de reuniões, palestras e eventos voltados à gestão da propriedade
rural; que outrora contavam exclusivamente com a participação masculina. As
mulheres passaram, portanto, a ser tidas como ferramenta de difusão das práticas
agrícolas sustentáveis.
Dando continuidade ao projeto “mulheres do campo”, em novembro de 2010,
aconteceu a primeira edição do Fórum “Construindo um Futuro Melhor”. Este evento
teve como objetivo de mostrar as ações realizadas junto ao grupo das Mulheres do
Campo e também definir quais seriam as próximas ações para o grupo no ano seguinte.
Esta foi a principal motivação para a redação da “Carta da Terra do Médio Norte das
Mulheres do Campo em Mato Grosso”. Elaborada por mais de 140 mulheres
representantes do médio-norte do MT, nesta carta ficaram definidos os princípios que
norteariam o grupo das mulheres bem como os temas que seriam defendidos e
abordados nos próximos anos do desenvolvimento do projeto.
O processo de capacitação trazido pelo projeto “mulheres do campo” se baseou em
diversas parcerias. Por exemplo, o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
(SENAR) oferecia cursos de curta duração (2 a 3 dias – 40 horas) gratuitos e
exclusivamente destinados às mulheres, sejam elas provenientes de grandes ou
pequenas propriedades. Estes cursos focavam em temas como o cooperativismo,
liderança, falar em público, agronegócio e sustentabilidade, gestão da propriedade
rural. Especial ênfase era destinada à questão psico-social destas mulheres, com foco
na linguagem, auto-imagem e medos, para que elas pudessem vencer o preconceito e
a insegurança que enfrentavam.
No decorrer dos anos, vários projetos foram realizados através do grupo das Mulheres
do Campo. Entre eles podemos citar o Projeto “Conscientizar é Preciso”, que tinha
como objetivo incentivar a coleta seletiva dentro das propriedades rurais numa época
em que nem a área urbana estava trabalhando com isso. Além disso, também foi
reativada a Associação das Mulheres Produtivas da Poranga, com o objetivo de
produzir derivados de leite e cana-de-açúcar para aumentar a renda da agricultura
familiar.
Mais adiante, entre 2011 e 2013, Cynthia traz para a região de Sorriso um projeto de
certificação de sustentabilidade3. O projeto visava uma parceria do CAT com a World
Wildlife Fund (WWF), líder mundial na promoção da preservação dos recursos
naturais e presente em 100 países, tenta implementar certificações sustentáveis no
Mato Grosso; mas enfrenta grande resistência por parte dos homens. Assim, o CAT
opta por utilizar o projeto “mulheres do campo” para tanto, já que as mulheres tendem
a ser mais abertas e sensíveis a estes treinamentos.
Assim nasce mais um projeto associado ao “mulheres do campo”, o projeto “Gente
que produz”, voltado principalmente à certificação sustentável das grandes
propriedades produtoras de soja na região de Sorriso; mas não exclusivamente a isso.
Assim como o projeto “mulheres do campo”, este novo projeto também visava ao
empoderamento das mulheres e ao aumento da renda da agricultura familiar trazido
por ele.
4. Resultados
As ações promovidas pelo CAT junto às mulheres na região de Sorriso tiveram bons
resultados em termos de aumento na participação feminina e em termos de difusão de
melhores práticas agrícolas e certificação. O projeto “mulheres do campo” teve uma
boa adesão pelas mulheres desde o início: em sua primeira fase de treinamento, já
3 Na época, Cynthia fazia parte do corpo de colaboradores do WWF Brasil.
contou com a participação de 200 mulheres, distribuídas de forma heterogênea entre
os diversos cursos.
Além disso, em 2016, há 9 propriedades certificadas pela Roud Table on Responsible
Soy (RTRS), que determina um padrão de responsabilidade social na produção de
soja em termos de melhores práticas de gestão, condições justas de trabalho e respeito
à terra e aos recursos naturais.
Estas propriedades possuem em média 2000 hectares cada uma, e dentre elas, há 3
mulheres que são proprietárias, uma delas pertence ao presidente do CAT e outra ao
seu diretor financeiro, e as demais entraram devido ao incentivo das esposas dos
proprietários que faziam parte do “mulheres do campo” para serem usadas como
exemplos aos demais produtores. Além disso, há 18 propriedades em processo de
certificação, contando inclusive com a adesão dos homens. Este é um resultado
marcante, visto que toda a motivação para a existência dos projetos voltados à mulher
foi a resistência dos homens. E hoje eles querem se juntar às mulheres nestes
programas!
Os resultados não se limitaram apenas à produção de soja na região. Estes projetos
permitiram ao CAT perceber que as pequenas propriedades, em geral assentamentos
com agricultura familiar, não possuem escala suficiente para competir na produção
de soja e, portanto, acabam focando em outros produtos como milho, cana, mandioca,
horti-fruti e leite. E como na região há carência de alimentos vindos de outras regiões,
foram inspirados projetos para que estes produtores tivessem um mercado local e
abastecessem a merenda escolar. Assim, o CAT utilizou a abordagem feminina
aprendida dos projetos “mulheres no campo” e “gente que produz” para inserir os
projetos “balde cheio” (leite) e “agroecologia”.
Estes projetos, juntos, já somam mais de 50 mulheres 29 delas ativamente envolvidas
desde o início e contam com 21 propriedades leiteiras (com aumento de produtividade
de 100 litros de leite/dia de 17 vacas para 140 litros por dia de 9 vacas) e 6 de horti-
fruti, das quais 4 estão em processo para obtenção do selo de agroecologia. Estas
propriedades vendem em feiras locais e abastecem a merenda escolar da região.
5. Considerações finais
Neste caselet apresentamos o projeto “mulheres do campo”, um projeto que teve a
engenheira agrônoma Cynthia Moleta Cominesi como protagonista, para ilustrar a
questão da inserção, do empoderamento e da qualificação das mulheres no âmbito da
produção de soja e da agricultura familiar na região de Sorriso. A Tabela 1, a seguir,
sintetiza os principais aspectos abordados no caselet.
Tabela 4 – Síntese analítica do caselet do Projeto Mulheres do Campo
Objetivo
Difundir boas práticas agrícolas na
região de Sorriso. Capacitar, engajar e
encorajar as mulheres para tomarem
decisões nos negócios.
Estratégia utilizada Utilização das mulheres como
ferramenta de difusão de boas práticas.
Engajamento com as mulheres
(atrativo)
Promoção de eventos e cursos de
capacitação voltados à mulher: temas de
seu interesse como auto-imagem,
linguagem, liderança.
Barreiras
A principal barreira encontrada pelo
CAT na verdade constituiu o maior
motivador para a criação do Projeto
Mulheres do Campo: a dificuldade
encontrada pelo CAT na abordagem
junto aos homens.
Resultados
Adesão de mais de 200 mulheres já em
sua primeira fase. Inspiração para outros
projetos junto às mulheres: o “Gente que
produz” já certificou 9 propriedades e
tem 18 em processo de certificação a
partir da abordagem feminina, criação e
adesão aos projetos balde cheio e
agroecologia. Grande aumento de
produtividade trazido pelo projeto balde
cheio (de 100 litros de leite/dia de 17
vacas para 140 litros por dia de 9 vacas).
Como foi possível observar, o projeto em questão foi muito além de seus objetivos:
ele melhorou a qualidade de vida das mulheres que o integram, ao ajuda-las a vencer
os medos e preconceitos que enfrentavam no dia-a-dia. Além disso, ao inspirar a
implementação de outros projetos, como o projeto “Gente que produz”, levou a
resultados bastante favoráveis em termos de preservação ambiental e de difusão para
as mulheres ocupadas em pequenas propriedades e em outras atividades além da Soja
em Sorriso, por meio dos projetos “balde-cheio” e “agroecologia”.
Figura 1 – Cynthia Cominesi
Fonte: http://ruralcentro.uol.com.br/noticias/mulheres-no-campo-engenheira-agronoma-
cynthia-cominesi-50472
Figura 2 – I Fórum Construindo um futuro melhor
Fonte: http://ruralcentro.uol.com.br/noticias/mulheres-no-campo-engenheira-agronoma-
cynthia-cominesi-50472
Capítulo 4- O caso de Cláudia Dias e a produção de laranja
“Com a introdução da citricultura, pude levar o desenvolvimento econômico e social
para a região do Paranavaí”- Cláudia Dias, produtora de laranja
1. Introdução
Este caselet conta a experiência de Cláudia Marques Dias, produtora de laranja da região
de Paranavaí, localizada no noroeste do estado do Paraná. O caso aborda o processo da
introdução do plantio da laranja na região e o papel que a produtora Cláudia Dias teve
para a consolidação da região como um dos principais polos de produção no estado.
2. Objetivos e características gerais
O Brasil e os Estados Unidos são os principais países produtores de laranja no mundo. Os
dois países juntos concentram quase a metade da produção mundial de laranja. No Brasil,
são colhidos cerca de 30% da safra mundial da fruta e aproximadamente 60% da produção
mundial de suco de laranja vêm do Brasil (Ministério da Agricultura, 2016). O estado de
São Paulo é o principal produtor com mais de 77,2% da produção total do País (IBGE,
2013).
No Paraná a produção de laranja ganhou força a partir da década de 1980 e se concentrou
no noroeste do estado, devido ao clima favorável da região. Atualmente, o estado é o
quarto produtor nacional de laranja, o que corresponde a 5,7% do que é produzido no
Brasil e detém apenas 3% dos pomares no país, indicando um bom rendimento no cultivo.
Quase toda laranja produzida na região é transformada em suco para exportação. No ano
de 2014 foram colhidos 958 mil toneladas de laranja, transformadas em 50 mil toneladas
de suco (IAPAR, 2015).
Estima-se que no estado do Paraná existam aproximadamente 600 citricultores
produzindo em áreas médias de 19 a 35 hectares, ocupando uma área de 24 mil hectares.
No campo a citricultura gera no estado mais de 3 mil empregos diretos e nas indústrias
são 600 empregos diretos e indiretos (IAPAR, 2015).
3. Principais ações adotadas
O fortalecimento da região de Paranavaí como local de produção de laranja se relaciona
com a trajetória estabelecida pela produtora rural Cláudia Dias. Filha de um produtor
rural, seu pai possuía cinco propriedades ocupadas majoritariamente por gado. Após o
fim do ciclo do café a região passou a aderir à pecuária, atividade que se adaptava às
condições climáticas e com o solo da região.
Após terminar o curso de engenharia agronômica pela Universidade Federal do Paraná,
em 1987, Cláudia voltou para Paranavaí e viu, nas fazendas de seu pai, a oportunidade de
iniciar o plantio de uma nova cultura: a laranja. As cotações da laranja no mercado
internacional mantinham-se elevadas, devido à severa geada ocorrida nas plantações da
Flórida, o principal produtor mundial, em meados da década de 1980. Além disso, como
engenheira agrônoma, os conhecimentos técnicos por ela adquiridos permitiram que
Cláudia apostasse no plantio da laranja, ainda que a cultura não fosse tradicional na
região. Seu pai cedeu uma de suas fazendas, com 1182 hectares, e a apoiou para iniciar o
plantio em escala comercial. Para que o plantio obtivesse sucesso, Cláudia realizou
diversos cursos e pesquisou tecnologias para trazer ao plantio, passando esses
conhecimentos aos seus empregados.
Além do desafio de iniciar uma nova cultura na fazenda de seu pai, foi preciso realizar
uma disputa política para a autorização da plantação de laranja na região. Até os anos
1980, o estado do Paraná estava proibido de plantar laranja, devido a bactéria cancro
cítrico4. No estado, diferentemente de São Paulo, havia uma política de erradicação da
doença. Para que o cultivo fosse autorizado foi necessária a aprovação, em 1990, de uma
4 “O cancro cítrico, causado pela bactéria Xanthomonas citri subsp. citri, afeta todas as espécies e
variedades de citros de importância comercial. Com origem na Ásia, onde ocorre de forma endêmica em
todos os países produtores, foi constatado pela primeira vez no Brasil em 1957, nos Estados de São Paulo
e Paraná” (FUNDECITRUS, 2016).
legislação favorável ao plantio, diante do seguimento de certos protocolos para evitar a
que a doença se espalhasse5.
No ano de 1992/1993 foi realizada a primeira colheita de laranja e o sucesso inicial da
colheita fez com que outros produtores passassem a aderir a produção de laranja. Em
1994 a Cocamar havia inaugurado uma empresa processadora de suco concentrado e
congelado de laranja, parte da estratégia de fomentar o plantio de pomares iniciada em
1986 (Cocamar, 2016). A produção de laranja da região era majoritariamente vendida
para a Cocamar.
Na safra de 1998/1999 a agroindústria da Cocamar se viu deficitária,. A cooperativa,
apesar de ser bastante atuante, não possuía recursos suficientes para movimentar a
processadora. A solução para evitar com que os produtores da região perdessem toda a
colheita veio da associação (ACIPAR) fundada por Cláudia, em 1999, no qual ela atuava
também como vice-presidente. A associação fez uma parceria com o governo do Estado,
por meio do Banco Regional de Desenvolvimento do Estado, possibilitando com que os
produtores assumissem a agroindústria, estabelecendo um compromisso com os
produtores de laranja da região.
Logo na primeira safra a agroindústria obteve bons resultados, devidos também ao
aumento dos preços internacionais da laranja. A situação favorável fez com que a
Cocamar se interessasse pela retomada da agroindústria. Com essa situação, muitos
citricultores da região se sentiram traídos e decidiram criar uma pequena indústria de
laranja. Com a articulação de Cláudia e outros produtores foi criada a Citri Agroindustrial
S/A, a partir do financiamento privado.
A partir da criação da Citri Agroindustrial S/A a associação passou a atuar apenas com
pequenos produtores, para realizar o mercado do suco justo (fair traide). A associação
colaborou com a criação da Coacipar, uma cooperativa de mercado de suco justo, formada
por cerca de cinquenta produtores.
5“A Resolução 079/90 resolve permitir a implantação de citricultura em áreas indenes das propriedades da
região interditada, desde que saneadas da doença denominada Cancro Cítrico” (Secretaria de Estado da
Agricultura e do Abastecimento do Paraná, 1990).
Recentemente, a Cocamar vendeu a indústria para a Louis Dreyfus. Hoje, os produtores
da região vendem a laranja tanto para a Louis Dreyfus quanto para Citri Agroindustrial
S/A.
4. Considerações Finais
Cláudia Marques Dias trabalha na região com a produção de laranja há mais de 26 anos.
Ao longo desse período Cláudia teve uma atuação muito forte tanto na fazenda, com a
implementação de tecnologias e inovações na produção, quanto na política local do setor
de laranja, participando ativamente na criação da associação da região e nos embates para
colocar a laranja como uma produção local.
Hoje, com o espaço que a laranja ganhou na região e a importância dessa atividade
econômica para o estado, as disputas políticas se tornaram menos acirradas e a laranja
passou a ser aceita como cultura local. Cláudia observa que, como uma das poucas
mulheres atuantes nos anos 1980/1990, a presença de mulheres nas fazendas da região
tem crescido. Assim como ela, as mulheres são, em grande parte, filhas de proprietários
que depois de formadas em cursos como engenharia agrícola, agronomia, voltam para as
propriedades a fim de estabelecer inovações e melhorias na produção.
Como uma das pioneiras da região no plantio de laranja, a conhecimento técnico de
Cláudia e liderança exercida, fizeram com que Paranavaí mudasse a cultura local de
pecuária para o sucesso de plantação de laranja.
A Tabela 1, a seguir, apresenta de forma sintetizada os principais aspectos apresentados
neste caselet.
Tabela 5 – Síntese analítica do caselet
Objetivo
Introduzir a laranja como uma nova
cultura na região do Paranavaí, que era
anteriormente dominada pela pecuária.
Estratégia utilizada
Como engenheira agrônoma, Cláudia
Dias pode estudar a fundo quais seriam
as melhores possibilidades para a
introdução de uma nova cultura no local.
Para o sucesso da iniciativa a Cláudia
Dias teve travar uma disputa política
para a autorização do plantio de laranja
na região.
Engajamento com as mulheres
(atrativo)
A família de Cláudia Dias possuía
algumas fazendas na região. Depois de
concluir o curso de engenharia
agrônoma Cláudia quis colocar em
prática seus conhecimentos e assumir
uma das fazendas para o seu cuidado.
Com tal iniciativa, incentivou outras
produtoras e teve importante papel para
a criação de uma cooperativa de laranja
orgânica administrada por mulheres.
Barreiras
A primeira barreira surgiu com o poder
público que proibia o plantio de laranja
na região devido à bactéria cancro
cítrico. Outros desafios enfrentados
vieram no momento de comercialização
do produto, com fechamento de uma
agroindústria e a necessidade de criar
um novo espaço de comercialização.
Resultados
A introdução da cultura de laranja na
região do Paranavaí por parte de Cláudia
Dias fez mudar a dinâmica local, antes
baseada na pecuária. Com a iniciativa
Paranavaí passou a ser um dos locais de
grande importância para a citricultura do
estado do Paraná.
1. Referências
Cocamar. Paranavaí. 2016. Disponível em:
http://www.cocamar.com.br/ver_unidade?id_unidade=49. Acesso em 09 de setembro de
2016.
FUNDECITRUS, Araraquara, 2016. Disponível em:
http://www.fundecitrus.com.br/doencas/cancro/7. Acesso em 09 de setembro de 2016.
IAPAR (Instituto Agronômico do Paraná). Paraná triplica produção de laranja, com
foco na exportação de suco. 24/11/2015. Disponível em:
http://www.iapar.br/modules/noticias/article.php?storyid=1839. Acesso em 09 de
setembro de 2016.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Indicadores IBGE (mensal). 2013
Ministério da Agricultura, Citrus. 2016. Disponível em:
http://www.agricultura.gov.br/vegetal/culturas/citrus. Acesso em 09 de setembro de
2016.
Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento do Paraná. Resolução 079/90,
Curitiba, 02 de agosto de 1990.
Capítulo 5- Projeto “Renovação” - cana
“Trabalho de homem, que nada!”
Giani da Silva Conceição, soldadora formada pelo Renovação
1. Introdução
Neste caselet abordamos a questão da qualificação das mulheres no âmbito da
produção de cana de açúcar no estado de São Paulo. Em especial, trataremos do
projeto “Renovação”, desenvolvido em conjunto pela Solidaridad, pela União da
Indústria de cana de açúcar (UNICA) e por outros parceiros.
O estado de São Paulo é o maior produtor de cana do Brasil, concentrando mais da
metade da área plantada e de toda a cana colhida no País (UNICA, 2016). Além disso,
segundo o IBGE (2006), cerca de 30000 mulheres trabalhavam no cultivo da cana-
de-açúcar no estado, em 2006; fazendo com que esta seja a atividade agropecuária
que concentra o maior número de mulheres em São Paulo.
2. Objetivos e características gerais
O projeto “Renovação” tem suas origens com a assinatura do Protocolo
Agroambiental do setor sucroalcooleiro6, em 2007, pela UNICA junto ao governo do
estado de São Paulo. Dentre outras medidas, este documento previu, principalmente,
a antecipação dos prazos para o fim da colheita da cana com o uso prévio de fogo nos
canaviais para 2014 nas áreas mecanizáveis, e para 2017 nas demais.
Esta medida ganha relevância para o caselet em questão pois a colheita da cana
constituía a principal tarefa desenvolvida pelas mulheres neste setor. Ou seja, de uma
maneira geral, as mulheres que trabalhavam no campo no âmbito da cana
desenvolviam atividades degradantes e que em breve seriam proibidas. Vale notar que
6 Este Protocolo é um acordo voluntário, que contou com a adesão de mais de 170 unidades
agroindustriais e 29 associações de fornecedores. Juntos, eles representam mais de 90% da produção de
cana paulista.
estas mulheres tendiam a exercer estas atividades devido, especialmente, aos laços
familiares que possuíam com os produtores e à dificuldade enfrentada em encontrar
ocupações distintas, seja por uma questão geográfica ou pela falta de qualificação para
outras atividades.
Diante deste cenário surgiu uma iniciativa da UNICA, em parceria com a Solidaridad
e outras entidades, para qualificar estas mulheres e, de uma maneira geral, os
cortadores de cana das principais regiões produtoras do estado de São Paulo (Ribeirão
Preto, Piracicaba, Bauru, Araçatuba, São José do Rio Preto e Presidente Prudente)
para desenvolverem outras atividades. Este constitui o principal objetivo do “Projeto
Renovação”.
3. Principais ações adotadas
Para qualificar estes profissionais e atingir seus objetivos, o “Projeto Renovação”
contou com uma série de ações e parcerias. Em primeiro lugar, reuniu as usinas de
forma a incentivar sua participação voluntária no projeto. Interessantemente, a grande
adesão se deu por mecanismos sociais, pois as usinas que não participassem ficariam
mal vistas pelo setor. A principal função das usinas, neste projeto, era de financiar a
participação dos funcionários, sejam eles homens ou mulheres. Assim, o funcionário
que se inscrevesse no projeto seria integralmente remunerado enquanto receberia a
capacitação, ao mesmo tempo em que recebe transporte e alimentação por parte da
usina.
Para capacitar os trabalhadores, o “Projeto Renovação” contou com uma parceria com
o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), que desenvolveu cursos de
média duração em período integral. Ou seja, o trabalhador receberia um curso de
capacitação em período integral, enquanto seria integralmente remunerado pela usina
para estudar. Estes cursos visam formar profissionais com qualidade, sendo bastante
exigentes em termos de dedicação, e certificavam os alunos que os concluíam.
Além disso, o projeto compreendeu que seria necessário estimar a demanda pela
recolocação dos cortadores de cana, sejam eles homens ou mulheres (estas últimas
em especial), para desenvolver os cursos7. Primeiramente, foram mapeadas posições
dentro das usinas (tais como mecânicos, operadores de máquinas, eletricistas,
motoristas, dentre outros), mas visto que estas seriam incapazes de absorver todo o
pessoal qualificado, foi feita uma parceria com a Federação dos Empregados Rurais
Assalariados do Estado de São Paulo (FERAESP), a qual determinava em que regiões
haveria carência de cada modalidade profissional. Por exemplo, em regiões turísticas,
foram capacitadas camareiras e em regiões onde havia maior número de construções
civis, pedreiros. Dentre estes cursos, destacam-se os de confeiteiro, auxiliar de
costura, padeiro, pintor, pizzaiolo, informática básica, dentre outros.
Por fim, os cursos de qualificação foram financiados por outros membros da cadeia
produtiva da cana, como fornecedores de máquinas e equipamentos (tais como a FMC
Corporation), além de organismos internacionais como o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID).
4. Resultados
O “Projeto Renovação” teve boa adesão por parte dos funcionários das usinas, visto
que todas as vagas do projeto são preenchidas e que a demanda pelos cursos tende a
superar em parte a sua oferta. Em especial, a participação feminina obteve particular
destaque: a taxa de adesão das mulheres passou de 4% em 2008 para 12% em 20128.
Grande parte deste crescimento pode ser explicada pelo aumento de renda trazido para
as mulheres participantes do programa. Sem mencionar a melhora na qualidade de
vida decorrente da alocação destas mulheres em atividades que não são degradantes,
7 Há duas modalidades de cursos: aqueles técnicos do projeto Renovação e os cursos de matemática e
português do projeto “Pré-renovação”, que são oferecidos aos funcionários com pouca escolaridade
como preparação para os cursos do projeto Renovação em si. 8 Vale lembrar que a participação feminina no campo, no setor de cana, é em geral menor do que a
masculina, visto que a maior parte destas atividades tende a ser mais difícil para as mulheres do que
para os homens por requerer grande esforço físico.
como no corte da cana. Exemplos destas atividades são mecânica, soldadora,
operadora de máquinas, costureira e camareira.
Além disso, as próprias usinas perceberam que as mulheres desenvolvem algumas
atividades com muito mais cuidado do que os homens. De fato, algumas delas
relataram preferir mulheres em funções como soldadora e operadora de máquinas,
pois estas tendem a ser mais minuciosas e cuidadosas, o que ocasiona menor número
de equipamentos quebrados ou defeitos no processo produtivo. Isto tem criado, cada
vez mais, espaço para as mulheres dentro das usinas, em funções que exigem maior
qualificação, mas que oferecem melhor qualidade de vida e maior renda.
No que se refere à questão social, o projeto serviu como modelo tanto para outros
setores no âmbito agrícola, quanto na indústria em geral. Neste sentido, a cadeia
produtiva da laranja tem desenvolvido ações semelhantes ao projeto Renovação e o
Ministério da Educação e Cultura (MEC) recorreu ao projeto Renovação para elaborar
o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), em 2011.
Este projeto oferece cursos de treinamento técnico e tecnológico visando melhorar a
qualificação de jovens e aumentar sua renda. Tendo como inspiração o projeto
Renovação, o Pronatec obteve mais de 8 milhões de matrículas entre 2011 e 2014, em
mais de 4300 municípios no Brasil (MEC, 2016).
5. Considerações finais
Neste caselet apresentamos o projeto “Renovação”, um projeto liderado pela UNICA,
em parceria com a Solidaridad e outras entidades; para ilustrar uma importante
iniciativa de qualificação das mulheres no âmbito da produção de cana-de-açúcar no
estado de São Paulo. A Tabela 1, a seguir, sintetiza os principais aspectos abordados
neste caselet.
Tabela 6 – Síntese analítica do caselet do Projeto Renovação
Objetivo
Qualificar e recolocar cortadores de cana, após
assinatura do Protocolo Agroambiental. O corte da cana
era a principal função desenvolvida pelas mulheres
neste setor.
Estratégia utilizada Cursos de capacitação para recolocação.
Engajamento com as
mulheres (atrativo)
Não houve atrativo especial para as mulheres. Elas se
inscreveram, da mesma forma que os homens, buscando
melhor qualidade de vida.
Barreiras
A principal barreira encontrada, do ponto de vista das
cortadoras de cana, foi vencer o medo de estudar e de
eventualmente se deslocarem para desenvolver novas
funções. Outras dificuldades encontradas foram o baixo
nível de escolaridade de alguns trabalhadores, o que
inspirou a criação do projeto Pré-renovação, que trazia
cursos básicos de português e matemática como pré-
requisitos aos cursos de capacitação do Projeto
Renovação em si. Por fim, gerenciar oferta e demanda
de vagas e oportunidades nos cursos de capacitação foi
outro desafio superado pelo projeto.
Resultados
Grande adesão pelas mulheres: 12% em 2012. Algumas
usinas identificaram talentos nas mulheres e
manifestaram preferencia pelas mesmas para
desempenhar algumas funções mais qualificadas como
solda e operação de máquinas devido ao maior cuidado
delas junto aos equipamentos, quando comparadas aos
homens. Inspirou o Pronatec, do MEC.
Como foi possível observar, o projeto em questão foi muito além da qualificação das
cortadoras de cana: ele possibilitou uma maior inserção das mulheres nas usinas, além
de melhorar sua qualidade de vida e aumentar sua renda. Além disso, ao inspirar
projetos semelhantes em outros setores, permitiu que estes resultados fossem
expandidos para outros produtos e outras localidades. O projeto Renovação viabilizou
a melhora da qualidade de vida e aumento de renda de cerca de 8 milhões de
brasileiros em mais de 4000 municípios.
Figura 3 – Lançamento da segunda etapa do Projeto Renovação
Fonte: Relatório Projeto Renovação
Figura 4 – Unidades móveis do Senai – cursos do Renovação
Fonte: Relatório Projeto Renovação
Figura 5 – Curso de operadora de colheita de cana para mulheres.
Fonte: Relatório Projeto Renovação
Capítulo 6- Grupo de Mulheres da Feira Agroecológica de Viçosa do Ceará
“Quando iniciei minha participação na Feira meu esposo não concordava e nem
apoiava e dizia que era um prejuízo, não tinha lucro só despesas. Eu fui insistente e não
fui pela conversa do meu esposo e acho que foi desafiador, mas valeu a pena” - Ilda
Alves Pereira- participante do grupo
1. Introdução
O presente caselet aborda o trabalho realizado pelo grupo de mulheres que organizam a
Feira Agroecológica de Viçosa do Ceará de Saberes e Sabores. Essa experiência é
exemplar ao retratar como a inserção das mulheres na esfera econômica e social gera o
empoderamento, aumento da autoestima e mudanças no quadro de violência local.
2. Características Gerais
A cidade de Viçosa do Ceará está localizada na serra de Ibiapaba, distante de Fortaleza
em 365 quilômetros. Com uma população de 54.955 habitantes, quase 70% reside em
áreas rurais (IBGE, 2010), o que faz a base econômica da região girar em torno da
agricultura, pecuária e avicultura. É a cidade da região com maior produção com base na
agricultura familiar. São produzidos milho, feijão, arroz, cana-de-açúcar, mandioca e
hortaliças. Alguns desses produtos, como mandioca, hortaliças, castanha de caju e cana-
de-açúcar, são exportados para cidades e estados vizinhos, como Maranhão e Piaui.
Assim como em outras regiões rurais, as desigualdades de gênero se fazem presente nesse
município. No geral, as mulheres se ocupam das atividades domésticas, tanto com o
cuidado da casa, como no quintal, na horta e na criação de pequenos animais. Enfrentam,
dessa forma, o não reconhecimento por essas atividades e a dependência financeira do
marido. Dessa situação, surge na região um quadro crítico de violência contra as
mulheres.
3. Principais ações adotadas
Como forma de reverter esse quadro de violência e promover maior autonomia das
mulheres, em 2004 um grupo de mulheres se organizou para formar o Movimento
Ibiapabano de Mulheres (MIM), com atuação em 10 municípios da região da Serra de
Ibiapaba. O grupo nascia com o intuito de promover mobilizações e reuniões para
organização das mulheres da região.
Em 2007, em parceria com a Fundação CEPEMA, com o Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Viçosa (STTR), com o MIM e com o apoio da ONG Terra do Futuro, da Suécia,
foi criada a Feira Agroecológica de Viçosa. A feira reunia grupos de mulheres rurais da
região, que essencialmente produziam no quintal e horta de casa. A iniciativa tinha como
objetivo permitir maior autonomia econômica, além de contribuir para a melhoria da
renda familiar, expansão da economia local e, principalmente, fortalecer e empoderar as
mulheres, valorizando a produção realizada no dia a dia por elas. Para se diferenciar do
mercado local, os produtos comercializados eram produzidos dentro do sistema
agroecológico e todos orgânicos, iniciativa rara no local, onde o uso de agrotóxicos se
fazia regra.
Inicialmente, o poder público dificultou o funcionamento da feira, mas a resistência e a
luta das mulheres garantiu a continuidade da feira. Entre 2007 a 2009 a feira acontecia
uma vez por mês. A demanda local de clientes e a melhor organização produtiva das
mulheres possibilitaram a realização da feira uma vez por semana. De 2010 até hoje a
feira é organizadas todos os sábados na frente do Sindicato e para tal, o grupo realiza
todas as semanas reuniões de planejamento e avaliação das feiras anteriores. Os principais
produtos comercializados são frutas, como banana, abacate, manga, fruta do conde,
mamão, laranja e maracujá; hortaliças e verduras, como cebola, coentro, cenoura, tomate,
maxixe, pimentão, alface, couve e beterraba; e outros produtos como, leite, café, poupa
de frutas.
Atualmente fazem parte do grupo 10 mulheres, agricultoras familiares com idade entre
20 a 65 anos, que dividem sua jornada de trabalho entre o trabalho doméstico e a
agricultura familiar. A maior parte delas possui o ensino fundamental incompleto e todas
possuem documentação, como identidade, CPF, Carteira de Trabalho (Meirelles, 2016).
4. Resultados
A feira de Viçosa, organizada e administrada somente por mulheres, foi uma das
primeiras feiras agroecológicas do Ceará e tem servido de exemplo para outras iniciativas
de mulheres no estado. Esse modelo foi expandido para oito municípios do Estado,
incluindo a capital Fortaleza.
Para as mulheres participantes, a Feira trouxe o resgate da autoestima, com o
reconhecimento de suas potencialidades e de seu trabalho. Possibilitou novas formas de
socialização, criando laços de amizades e trocas de conhecimentos e, inclusive, de
produtos por elas comercializados. Além disso, a renda gerada pela venda dos produtos
contribuiu de forma positiva para as relações de gênero na família e na comunidade. A
autonomia financeira conquistada pelas mulheres, aos poucos tem o potencial de avançar
o diálogo entre seus companheiros, a reconstrução da convivência cotidiana e a
diminuição da violência de gênero recorrente na região.
Para além dos resultados sociais, o projeto também têm gerado impactos ambientais
positivos, devido à adoção da agroecologia e agricultura orgânica. O manejo
agroecológico contribui para a redução do impacto ambiental provocado pela agricultura
no local. Com isso, melhora-se a capacidade produtiva do solo e a qualidade dos
alimentos. Ainda assim, as mulheres apontam que durante o verão existe pouca
disponibilidade de produtos, pois falta um melhor planejamento da produção.
Com o sucesso da iniciativa as mulheres passaram a se organizar para vender seus
produtos para a merenda escolar e realizaram cursos com entidades parceiras, como o
CEPEMA e o STTR, para fabricação de produtos de padaria, como pães, biscoitos e
doces. Hoje, cerca de 30% dos alimentos das escolas provêm da produção de mulheres e
foi criada uma padaria artesanal para a fabricação de seus produtos.
A Feira Agroecológica de Viçosa do Ceará também integra o projeto “Rede de Mulheres
Líderes pela Sustentabilidade: Soberania alimentar, empoderamento político e acesso as
políticas públicas”, organizada pela Fundação Cepema e Centro Ecológico. Contando
com 16 grupos de mulheres, a construção dessa rede busca promover o fortalecimento da
produção, a partir das estratégias e sistemas de produção ecológicas traçadas por cada
grupo que a compõe. Assim, o projeto objetiva também ampliar e difundir as informações
das relações de gênero e efetivar a atuação mais equitativa das mulheres na participação
nas tomadas de decisão.
5. Considerações Finais
A partir de uma situação recorrente no meio rural, a violência de gênero, as mulheres da
região de Ibiapaba se organizaram em busca de resoluções. A formação de um grupo de
mulheres fortaleceu aquelas que individualmente enfrentavam problemas sociais. Com o
auxílio e parceria de instituições atuantes na região, a criação da Feira de Mulheres
fortaleceu ainda mais aquelas que viviam em situações de dependência econômica do
marido e que sofriam com o quadro de violência local.
Essa experiência foi capaz de resgatar a autoestima e permitir a autonomia das mulheres,
valorizando um trabalho comumente realizado por elas, a partir da criação de um espaço
exclusivo para a atividade econômica. A Feira representa um local de liberdade para
aquelas que participam e um espaço de trocas de experiências e aprendizados, que não se
limita apenas aos saberes de produção agroecológico.
O sucesso da iniciativa é comprovado pelos seus quase dez anos de existência da Feira e
pela expansão desse modelo de comercialização para diversos municípios do estado do
Ceará.
A Tabela 1, a seguir, apresenta de forma sintetizada os principais aspectos apresentados
neste caselet.
Tabela 7 – Síntese analítica do caselet do Grupo de mulheres empreendedoras de
Vila dos Pontões
Objetivo
Diminuir o quadro crítico de violência
contra as mulheres, a partir da inserção
econômica e social das mulheres do
campo.
Estratégia utilizada
Foi criada a Feira Agroecológica de
Viçosa do Ceará de Saberes e Sabores
exclusiva para as produtoras rurais, em
parceria com a Fundação CEPEMA,
com o Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Viçosa (STTR), com o MIM e
com o apoio da ONG Terra do Futuro,
da Suécia, para a comercialização de
produtos do quintal e horta de casa.
Engajamento com as mulheres
(atrativo)
O grupo Movimento Ibiapabano de
Mulheres (MIM) teve importante
atuação para trazer o debate da
autonomia e independência econômica
para essas mulheres.
Barreiras
As principais barreiras surgiram com o
poder público que inicialmente
dificultou o funcionamento da feira e os
próprios maridos que no começo não
incentivavam as mulheres a participar da
feira.
Resultados
O grupo conta hoje com 10 produtoras
rurais que participam em uma feira
realizada semanalmente. Além disso,
cerca de 30% dos alimentos das escolas
de Viçosa provêm da produção de
mulheres e elas expandiram a produção
não apenas para produtos do quintal,
criando uma padaria artesanal para a
fabricação de seus produtos. Essa
experiência resgatou a autoestima e a
autonomia das mulheres, a partir de um
espaço exclusivo para a atividade
econômica.
6. Referências
IBGE. CENSO DEMOGRÁFICO 2010. Características da população e dos domicílios:
resultados do universo. Rio de Janeiro: IBGE, 2010.
Meirelles, Ana Luiza (org.). Experiências Agroecológicas Protagonizadas por Mulheres:
relatos do Ceará e do Rio Grande do Sul. 2014.
7. Fotos
Fotos da Feira Agroecológica de Viçosa do Ceará, realizada aos sábados:
Fonte:
http://caatingacearense.blogspot.com.br/2015/02/extrativista-do-babacu-participa-
da.html
Capítulo 7- Grupo de mulheres empreendedoras de Vila Pontões – Café
“O trabalho do grupo faz a mulher olhar para si mesma e ver a diferença que ela faz
na vida da comunidade e da sua família.” – Terezinha Vidal – Participante do Grupo
1. Introdução
Neste caselet trazemos um exemplo marcante de empreendedorismo feminino,
motivado pela qualificação de um grupo de mulheres em Vila Pontões (Espírito
Santo), integrantes da Cooperativa dos Cafeicultores das Montanhas do Espírito Santo
(Pronova9). O caso ilustra como, a partir destas ações, este grupo de mulheres –
lideradas pela consultora Andrea Salermo e pelas cooperadas Jackeline Uliana Donna
e Edinea Behrend Falqueto - conseguiu montar uma agroindústria e assim superar
suas dificuldades financeiras, melhorar sua auto-estima e promover qualidade de vida
para suas famílias e para a comunidade.
2. Objetivos e características gerais
Vila Pontões é uma comunidade localizada no município de Afonso Cláudio, na
região Serrana do Espirito Santo. Este município é bastante conhecido pela produção
de café de qualidade. Inclusive, muitos destes produtores já receberam diversos
prêmios pela qualidade do café que produzem.
De uma maneira geral, há cerca de 41.000 pessoas trabalhando no agronegócio neste
município. Destas, pouco mais de 14.000 (ou 35%) são mulheres, das quais mais de
80% têm laços de parentesco com o produtor (IBGE, 2006). Ou seja, no município de
Afonso Cláudio, a considerável inserção das mulheres nas atividades agrícolas se
deve muito mais às relações familiares (isto é, prestação de auxílio a parentes) do que
por motivação própria. De fato, a maior parte das tarefas desempenhadas por essas
mulheres são domésticas e/ou na roça, seja na colheita ou na pós-colheita de café
(SAFRAES, 2013).
9 A cooperativa Pronova foi absorvida pela cooperativa Coopeavi de Santa Maria de Jetibá.
Conforme vamos ilustrar neste caselet, este cenário tem mudado a partir de uma
iniciativa coletiva promovida pela cooperativa Pronova junto às mulheres. Esta ação,
que teve inicialmente por objetivo aumentar a participação das mulheres na
cooperativa e na gestão das propriedades, resultou na criação do Grupo das Mulheres
empreendedoras de Vila Pontões, que trouxe um novo sentido para a vida das
mulheres e permitiu que elas desempenhassem, além das suas atividades em casa e
no café, atividades de maior valor agregado na pequena agroindústria que formaram.
3. Principais ações adotadas
A criação do Grupo de mulheres empreendedoras de Vila Pontões tem suas origens
em setembro de 2012, a partir de uma ação conjunta da cooperativa Pronova e da
Aliança Internacional das Mulheres do Café do Brasil (IWCA Brasil). Como o café é
a principal fonte de renda da região, estas duas entidades promoveram um curso de
pós-colheita e noções básicas de degustação de café, voltado ao público feminino e
em especial, às esposas e filhas dos produtores. Afinal, são elas que desempenham
estas atividades. O curso, que reuniu 6 mulheres, foi bastante proveitoso para elas,
visto que puderam identificar diversas oportunidades de melhorias nas atividades que
desenvolviam. Por este motivo, manifestaram vontade continuar aprendendo e
desenvolvendo novos projetos, embora relatem não saber inicialmente quais.
Desta forma, foram incentivadas a continuar atuando em conjunto pela cooperativa
Pronova. Para tanto, foram promovidos entre 2012 e 2013 três encontros, onde eram
trabalhados temas como o auto-conhecimento do grupo, a força do cooperativismo –
tendo como exemplo a própria Pronova -, liderança, quebra de paradigmas, visão de
futuro, fortalecimento do cooperativismo e elaboração de um plano de trabalho para
o grupo. Estes encontros aconteciam no período da tarde ou da noite, depois que as
mulheres terminavam suas atividades no café e seus afazeres domésticos.
Mais tarde, em fevereiro de 2013, foi criado o Grupo de mulheres empreendedoras de
Vila Pontões. Finalmente, em 29 de setembro de 2013, quase um ano depois da
realização do curso, o grupo de mulheres empreendedoras de Vila Pontões promoveu
o 1º Encontro das Mulheres Empreendedoras de Vila Pontões. Nesta ocasião, o grupo
foi oficializado, sob coordenação da Pronova e com apoio da Organização das
Cooperativas do Brasil (OCB)/Sescoop-ES. O evento, realizado na Igreja, contou com
palestras sobre motivação e autoestima, piquenique, sorteios e momento de beleza da
mulher; sendo coordenado pela consultora Andréa Salerno, e pelas funcionárias da
Pronova Jackeline Uliana Donna e Ednea Behrend Falqueto.
De maneira semelhante, foram realizados diversos encontros promovidos por esse
grupo de mulheres, sempre na Igreja. A exemplo do 1º Batom com Prosa - Encontro
das Mulheres Empreendedoras e Cooperativistas de Vila Pontões, realizado em 20 de
outubro de 2013, estes eventos contavam com palestras relacionadas ao
empreendedorismo feminino e assuntos relacionados às mulheres, e traziam
atividades culturais como dança, exposição de artesanato, tratamentos de beleza,
sorteio de brindes e lanches feitos pela participantes. Estes eventos sempre eram
acompanhados e apoiados pela Pronova.
Ao longo do tempo, o grupo começou a produzir bens com maior valor agregado
como pães, biscoitos e doces, destinados ao consumo local ou à venda em feiras que
elas mesmas organizavam. As receitas foram obtidas em cursos promovidos pelo
Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – Senar/ES.
Pouco a pouco, esta produção começou a ficar conhecida na região. A demanda pelos
produtos cresceu e o número de mulheres atuantes também. Em 2016, havia 25
mulheres participantes desta iniciativa. Além disso, parcerias realizadas com a
Cooperativa dos Agricultores Familiares de Afonso Cláudio (Cacaf) inseriram o
Grupo no Plano de Aquisição de Alimentos (PAA), do Conselho Nacional de
Abastecimento (Conab), de forma que os seus pães abastecem Hospital São Vicente
de Paulo, a Casa do Menino e o asilo “Ninho de Amor”.
Além disso, o crescimento e a notoriedade do Grupo levou a prefeitura local a ceder
um posto de saúde desativado para que os encontros fossem realizados e a produção
fosse feita. Esta doação, somada à receita proveniente da venda dos produtos,
viabilizou a construção de uma cozinha profissional e cede da agroindústria que estas
mulheres formaram.
A partir de uma parceria com a Universidade de Viçosa e com o Instituto Capixaba
de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), as mulheres do Grupo
realizaram o curso “Cores da Terra10”. Neste evento, elas aprenderam a misturar terras
de diferentes cores com cola e água, para formar uma tinta de baixo custo (quase 75%
mais barata que a da tinta tradicional) para pintura da nova sede.
O Grupo de Mulheres Empreendedoras de Vila Pontões também busca expandir seus
horizontes e conhecimentos. Para tanto, procuram conhecer outros projetos liderados
por mulheres, visando à troca de experiências. Este é o caso do Grupo das Mulheres
do Prata – município de Anchieta, no Sul do Espírito Santo, visitado pelas mulheres
de Vila Pontões.
4. Resultados
O Grupo de Mulheres empreendedoras de Vila Pontões conta com 25 mulheres que
produzem pães, bolos e doces, além de venderem fubá, feijão e hortaliças para compor
a cesta do PAA. A fim de abastecer o programa, as mulheres fabricam 78kg de pães
a cada 15 dias e em média, são feitos 156 pães de meio quilo, quantidade esta definida
em contrato firmado junto ao Cacaf.
Além disso, abastecem a comunidade local com estes produtos e relatam que esta
demanda vem crescendo cada vez mais. As mulheres já chegaram a fazer 400 pães
para poder atender à comunidade e relatam sempre vender entre 40 e 50 pães além da
quantidade por elas estimada e prevista em contrato com o Cacaf. Uma das mulheres
também iniciou uma torrefadora de café, e fornece o produto em pó para a rede
municipal de educação e para a prefeitura.
Este sucesso não se deu apenas em termos de aumento de renda. As mulheres que
participam do grupo também relataram que se sentem mais motivadas e mais alegres,
10 O “Projeto Cores da Terra” existe no Espírito Santo desde 2007, a partir da parceria da Universidade de
Viçosa com o Incaper.
além de terem descoberto novos talentos, como no caso das artesãs. Soma-se a isso o
fato de que a comunidade gostou tanto da pintura realizada na nova sede do Grupo
que estas mulheres estão embelezando a comunidade, pintando o meio fio da Vila que
estava desbotado e decorando canteiros com pneus coloridos.
Além disso, algumas mulheres participantes do Grupo relataram histórias de
superação, quebra de barreiras e união viabilizadas pelo Grupo de Mulheres
Empreendedoras de Vila Pontões. Por exemplo, uma destas mulheres declarou que
com a perda do parceiro, de uma hora para a outra, se viu obrigada a assumir a gestão
da propriedade.
5. Considerações finais
Este caselet apresentou o caso do Grupo de mulheres empreendedoras de Vila Pontões
como exemplo de empreendedorismo feminino no setor agrícola brasileiro. A Tabela
1, a seguir, apresenta de forma sintetizada os principais aspectos apresentados neste
caselet.
Tabela 8 – Síntese analítica do caselet do Grupo de mulheres empreendedoras de
Vila Pontões
Objetivo Aumentar a participação feminina na
cooperativa Pronova.
Estratégia utilizada
Promoção de curso de degustação e pós-colheita
de café voltado às esposas e filhas dos
produtores. Incentivo para que o grupo
continuasse aprendendo em conjunto. Cursos de
capacitação, auto-estima, liderança e
cooperativismo. Apoio para a criação do Grupo
de mulheres empreendedoras de Vila Pontões.
Engajamento com as
mulheres (atrativo)
Promoção de eventos ligados às funções
desempenhadas pelas mulheres no âmbito do
café. Nestes eventos há atividades culturais de
interesse feminino como dança, tratamentos
estéticos e artesanato.
Barreiras
A principal dificuldade encontrada foi reunir as
mulheres que trabalhavam em período integral
em casa e na roça e precisavam de tempo para se
dedicar ao Grupo.
Resultados
Crescimento da participação feminina: o grupo
já conta com 25 integrantes. Obtenção de sede
própria no posto de saúde desativado, doado pela
prefeitura, em que foi instalada uma
agroindústria. Abastecimento a hospitais e
escolas regionais por meio de contrato com
PAA, com produtos do quintal. Demanda local
superou as expectativas das mulheres. Melhorias
na comunidade: pintura de canteiros e calçadas.
Além do aumento da renda, as mulheres se
sentem mais felizes e motivadas. Há relatos de
casos de superação trazidos pelo Grupo.
Conforme já descrito, a partir da capacitação das integrantes da cooperativa Pronova,
foi possível despertar sua motivação empreendedora e, consequentemente, viabilizar
o desenvolvimento de atividades que vão além dos afazeres domésticos e/ou trabalhos
na colheita do café. Como resultado, além do aumento da renda trazida a estas
famílias, as mulheres se tornaram mais motivadas e têm contribuído para a melhoria
da qualidade de vida da comunidade de Vila Pontões.
6. Referências
http://www.safraes.com.br/site/conteudo.asp?codigo=27
7. Relatos de participantes do grupo – Radio FMZ - 2013
Maria Delpupo Bissoli, 72 anos, uma das mulheres mais ativas do Grupo relata que
ela e sua família tinham uma propriedade no distrito de Floresta, onde viviam
tranquilamente. No entanto, em 1987, com a troca da moeda brasileira e os juros altos,
fizeram alguns investimentos que não trouxeram retorno e com isso, a família decidiu
vender tudo o que tinha, pagar as dívidas e comprar um terreno em Vila Pontões, onde
recomeçaram a vida e estrearam na cafeicultura. Ali, investiram em café de qualidade
e, com apoio dos filhos, reestabeleceram a saúde financeira da família. “Meu marido
Guarino, já falecido, sempre buscou novas oportunidades, era honesto, trabalhador e
tinha boas ideias.”
Maria Delpupo Bissoli
Imaculada Mendonça Ferreira, 42 anos conta outra história comovente. Casada aos
19, logo teve seu primeiro filho que viveu 18 anos em estado vegetativo até morrer.
“Não saía de perto dele, apenas quando precisar ir ao médico ou ao dentista ou uma
vez por ano na festa de premiação do concurso de qualidade de café da Pronova,
quando contava com ajuda da família para ficar com meu filho em casa”, conta.
Quando o primogênito morreu, Imaculada diz que se sentiu perdida. Como tinha outro
filho menor, afirma ter ganhado força para recomeçar e o trabalho na roça foi
fundamental. A atividade lhe abriu portas para participar de reuniões e cursos até
chegar ao Grupo de Mulheres. “Às vezes ainda bate uma tristeza, mas busco força na
fé para seguir adiante.”
8. Fotos
Curso de pós-colheita e noções básicas de degustação de café
Fonte:
http://www.radiofmz.com.br/imagens/noticias/noticias/antigas/44c259df-b.jpg
Primeiro encontro do Grupo de Mulheres Empreeendedoras de Vila Pontões
Fonte:
http://www.radiofmz.com.br/imagens/noticias/noticias/antigas/44c259df-b.jpg
Produção de pães
Fonte: http://www.radiofmz.com.br/2015/conteudo.asp?codigo=10231
Sede do Grupo
Fonte: http://g1.globo.com/espirito-
santo/agronegocios/noticia/2016/03/mulheres-empreendedoras-inspiram-e-
transformam-vila-de-pontoes-es.html
Capítulo 8- Cooperativa Mãos da Terra- Comater- Feira
“A mulher quando se levanta para fazer as coisas acontecem. A gente pode fazer e
concorrer igual aos homens”- Nivalda Nascimento- participante da cooperativa
1. Introdução
Neste caselet trazemos a experiência de um grupo de mulheres moradoras do
assentamento Mário Lago em Ribeirão Preto que fundaram a Cooperativa Mãos da Terra-
Comater. O caso ilustra a organização e união das mulheres em busca de um objetivo
comum, de se tornarem independentes, e a concretização desse sonho a partir da criação
da cooperativa.
2. Características gerais
O assentamento Mário Lago se localiza em Ribeirão Preto no estado de São Paulo, mais
especificamente onde antes era a Fazenda da Barra. A fazenda foi ocupada em 2003 e no
ano de 2007 o Incra legalizou o assentamento no modelo PDS (Projeto de
Desenvolvimento Sustentável), com o objetivo de produção baseada em atividades
ambientalmente diferenciadas, com baixo impacto ambiental (Ferrante, Filho, 2010). O
assentamento conta com aproximadamente 400 famílias que possuem um hectare e meio
de terra e que plantam baseado no sistema agroflorestal.
Esse modelo de produção se contraria com a paisagem da região, marcada pela
agroindústria canavieira. A região de Ribeirão Preto abriga seis das dez maiores empresas
de produção de álcool no Brasil. Em 2015, cerca de 357 mil hectares, de 19 cidades que
fazem parte do Escritório de Desenvolvimento Rural de Ribeirão Preto (EDR), foram
destinadas a cultura da cana-de-açúcar (Virdes, 2015).
O contraste entre as formas de produção local e do assentamento fazem com que as
paisagens se diferenciem fortemente. O sistema de produção agroflorestal inclui o
pequeno produtor e favorece a produção praticada pelas mulheres nos quintais do lote.
Ainda assim, mesmo com essa dinâmica de produção, muitas mulheres sofrem com as
desigualdades de gênero, que as colocam em posições de dependência e de pouca
influência nas decisões do ambiente familiar.
3. Principais ações adotadas
A formação da Comater está diretamente ligada aos anos iniciais do processo de ocupação
da Fazenda da Barra. Em 2003, quando montado o acampamento, o movimento organizou
os acampados em diversos núcleos para a realização de algumas tarefas fundamentais,
tais como segurança, saúde, educação, gênero e produção. Um desses grupos era
composto majoritariamente por mulheres que tinham a função de fazer a guarda da
portaria. Durante as seis horas diárias que passavam nessa função, conversavam sobre os
sonhos no dia em que fossem assentadas. Queriam ser independente de seus maridos,
produzir e vender seus produtos do quintal e criar uma padaria para comercializar pães,
bolos, biscoitos. Esse grupo, composto essencialmente por esposas com seus mais de 50
anos, foi estabelecendo diversas afinidades, se fortalecendo e criando uma união dentro
do acampamento.
Três anos depois da regularização do assentamento, em 2010, um grupo de assentados
organizou uma cooperativa para a venda da produção local. As mulheres participavam da
cooperativa, mas sentiam que não era aquilo que elas sonhavam. Não tinham muita voz
nos processos de decisões, que acabavam ficando a cargo de um pequeno grupo de
homens que não compreendiam as demandas delas.
Assim, esse grupo de mulheres decidiu criar a própria cooperativa, que, incialmente seria
composta apenas pelas assentadas que exerceriam em conjunto a direção e coordenação
do empreendimento. O ponta pé inicial se deu em 2013, quando elaboraram um projeto e
conseguiram o apoio financeiro do programa do governo federal Fomento Mulher. Com
os 2400,00 reais do programa levantaram um barracão e construíram a sede do que viria
a ser a Cooperativa Mãos da Terra - Comater.
Em 2013 o grupo de 22 mulheres formou a Comater. Por ser o primeiro grupo de mulheres
organizadas, inicialmente sofreram bastante resistência por parte dos maridos e dos
próprios assentados que não acreditavam que a iniciativa poderia dar certo. O preconceito
era muito grande, ainda mais porque as mulheres tinham pouca voz dentro de casa.
Em 2014 iniciaram os processos de venda dos produtos, que eram essencialmente
verduras e legumes dos quintais de casa. Estabeleceram uma parceria com a Conab
(Companhia Nacional do Abastecimento), para a venda dos produtos para o Programa de
Aquisição de Alimentos (PAA)11. No mesmo ano também acertaram uma parceria na
cidade de Miguelópolis e Guaíra, ambas distantes a aproximadamente 130 km de Ribeirão
Preto para a venda de produtos para merenda escolar, vinculados ao Programa Nacional
de Alimentação Escolar (Pnae). Posteriormente também começaram a vender para a
merenda escolar de Ribeirão Preto.
No início de 2016 a Comater passou a contar com o apoio do Sebrae (Serviço Brasileiro
de Apoio a Micro e Pequenas Empresas) para organizar a gestão e mercado dos produtos.
Assim, as cooperadas recebem cursos de formação com o foco nos processos de
comercialização e venda. Essas etapas são uma das principais dificuldades encontradas
pela cooperativa e a falta de conhecimento e formação muitas vezes impede a venda para
diferentes setores, que não apenas as entidades públicas. Assim, com o apoio do Sebrae
a cooperativa hoje também comercializa seus produtos para três restaurantes e uma
quitanda da região.
11 O Programa de Aquisição de Alimentos: Instituído pelo artigo 19 da Lei nº 10.696, de 2 de julho de 2003
e regulamentado pelo Decreto nº 7.775, de 4 de julho de 2012, o PAA integra o Sistema Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN e tem como finalidades principais a promoção do acesso à
alimentação e o incentivo da agricultura familiar. O apoio aos agricultores familiares opera-se por meio da
aquisição de produtos da sua produção, com dispensa de licitação. Na modalidade compra com doação
simultânea.
Cada beneficiário fornecedor (unidade familiar) tem o limite de participação anual de R$ 8.000,00 (oito
mil reais) e as organizações fornecedoras têm o limite de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) por ano,
respeitados os limites por unidade familiar.. Fonte: Conab. Disponível em:
http://www.conab.gov.br/conteudos.php?a=1125 . Acessado em 14 de outubro de 2016.
Nesse mesmo ano, a cooperativa iniciou uma parceria para com a ONG Pau Brasil para
começar a plantar a partir do sistema agroflorestal (SAF) em uma parte do terreno do
assentamento. Além disso, começaram a construção de um barracão para o
beneficiamento dos produtos agrícolas e um escritório para a sede da cooperativa.
Em 2016, o grupo já conta com 50 cooperados. Apesar da presença de 7 homens na
Cometer, as mulheres ainda são a maioria, 43 cooperadas, e são as responsáveis pelo
gerenciamento e direção das decisões.
4. Principais Resultados
A cooperativa Comater foi a primeira iniciativa no Assentamento Mario Lago, localizado
na região de Ribeirão Preto, de auto-organização das mulheres assentadas. A união dessas
mulheres possibilitou a criação de uma cooperativa que garante uma parte da renda para
as assentadas e assentados cooperados. Incialmente com 20 mulheres, passados três anos
da sua fundação a Comater conta hoje com 50 assentados, em sua ampla maioria de
mulheres, dentre eles, uma equipe de 20 mulheres que participam ativamente das
atividades da cooperativa. O crescimento da cooperativa possibilitou a contratação de
algumas assentadas para organizar a parte administrativa e financeira.
Com essa iniciativa, muitas mulheres conseguiram superar as opressões sofridas dentro
de casa e, com os ganhos financeiros, passaram a não depender exclusivamente da renda
dos maridos para a realização de suas atividades. Atualmente, o preconceito sofrido
diminuiu um pouco e muitos assentados reconhecem a importância do trabalho realizado
por essas mulheres.
A vontade inicial de construir uma padaria no barracão ainda não se concretizou, mas elas
buscam colocar em funcionamento em breve. Com as mudanças no governo federal, a
cooperativa enfrenta uma série de dificuldades, em especial em relação à comercialização
e assistência técnica. Anteriormente, o assentamento contava com um técnico fornecido
pelo governo que auxiliava na parte da produção e demais demandas da cooperativa e do
assentamento. Em meados desse ano a assistência técnica foi cortada, assim como
diversos projetos de comercialização do governo federal que a cooperativa participava. O
Sebrae tem colaborado para encontrar um novo mercado para a venda dos produtos e a
cooperativa atualmente busca novos parceiros privados para a criação de um novo
mercado consumidor.
5. Considerações Finais
Este caselet apresentou o caso da Comater. A formação e organização da cooperativa é
um exemplo de como a auto-organização das mulheres é capaz de mudar uma realidade
local, marcada pelas relações de gênero que tornam invisíveis o trabalho realizado pelas
mulheres nos limites do seu lote. A comercialização dos produtos plantados nos quintais
garante a essas mulheres uma independência financeira e consequentemente maior
autonomia e poder nos processos decisórios familiares.
A iniciativa também mostra a importância da união dessas mulheres, que ao almejarem
semelhantes objetivos, se fortaleceram e lutaram para essa conquista. Dificilmente,
sozinhas elas teriam obtido tal resultado. Assim, puderam mostrar aos homens do
assentamento que elas podem participar com eles no sustento da família e ter
independência econômica ao produzir e comercializar seus produtos. Isso tem gerado uma
mudança de mentalidade, diminuindo o preconceito que anteriormente sofriam.
A Tabela 1, a seguir, apresenta de forma sintetizada os principais aspectos apresentados
neste caselet.
Tabela 9 – Síntese analítica do caselet da Comater
Objetivo
Possibilitar a independência das
mulheres assentadas a partir da inserção
econômica.
Estratégia utilizada
As mulheres do assentamento Mario
Lago se uniram para a criação de uma
cooperativa que seria gerida e dirigida
apenas por mulheres, para a venda dos
produtos plantados nos quintais dos
lotes.
Engajamento com as mulheres
(atrativo)
O que tornou o engajamento das
mulheres para a criação da cooperativa
foi a união estabelecida por elas nos
anos anteriores a fundação da Comater.
Durante quase dez anos essas mulheres
estabeleceram parceiras no
assentamento e foram criando
afinidades, em especial pelas
dificuldades e opressões de gênero
sofridas, comuns para esse grupo.
Assim, o sonho em comum de
autonomia e independência econômica
para as mulheres foram o principal
atrativo de engajamento.
Barreiras
As principais barreiras surgiram com os
próprios assentados que não
acreditavam que a iniciativa das
mulheres poderia dar certo.
Resultados
O grupo, que inicialmente se formou
com 22 mulheres, conta hoje com 50
integrantes, sendo sete homens e 43
mulheres. Grande parte da venda dos
produtos se destinava a merenda escolar
de cidades da região. Em 2016, com as
mudanças no governo federal, alguns
projetos foram cortados, mas com o
auxílio do Sebrae a cooperativa tem
estabelecido um novo mercado
consumidor. A criação da cooperativa
possibilitou a independência das
assentadas e resgatou a autoestima e a
autonomia das mulheres, a partir de um
espaço exclusivo para a atividade
econômica.
6. Referências
Ferrante, V., B.; Filho, D. B. O sistema produtivo do assentamento Mário Lago: uma
experiência de produção agroecológica no centro da indústria agrocanavieira do interior
do estado de São Paulo. Sober: Campo Grande, 2010.
Virdes, G. Cana-de-açúcar predomina nas terras de Ribeirão Preto. Jornal A Cidade.
14/4/2015. Disponível em:
http://www.acidadeon.com/economia/NOT,2,2,1052180,Cana-de-
acucar+predomina++nas+terras+de+Ribeirao+Preto.aspx. Acessado em 08 de outubro de
2016.
7. Fotos
Fonte: Arquivo pessoal de Flaviane Araújo
Considerações finais
Neste trabalho, analisamos o papel desempenhado pelas mulheres no setor agrícola
brasileiro. Conforme pudemos verificar, há quase 5 milhões de brasileiras ocupadas em
atividades agrícolas (ou 30% do total empregado no setor) e de uma maneira geral, estas
mulheres são mais velhas do que aquelas ocupadas em atividades não agrícolas - 78%
delas têm mais de 30 anos e quase 20% têm 60 anos ou mais – e tendem a ter baixo nível
de escolaridade. Segundo o IBGE (2011), 17% destas mulheres têm menos de 1 ano de
instrução e quase a metade delas têm até 4 anos de escolaridade. Dentre as mulheres com
60 anos ou mais (faixa etária predominante no setor agrícola), a taxa de analfabetismo
chega a 60%12.
Além disso, em geral, as atividades desenvolvidas por estas mulheres são não
remuneradas ou de subsistência, tais como o cultivo para consumo próprio ou afazeres
domésticos (totalizando 70% da ocupação de todas as mulheres em atividades agrícolas).
Essa condição tende a tornar o trabalho da mulher invisível e menos reconhecida, uma
vez que a atividade remunerada acaba sendo realizada essencialmente pelos homens,
deixando-as em situação de dependência financeira de seus maridos. Ainda assim, o
trabalho doméstico e o cuidado dos quintais, hortas e animais é intenso e diário, porém
pouco reconhecido como atividade produtiva.
Embora este cenário tenha melhorado modestamente nos anos 2000, a realidade destas
mulheres ainda é muito distante daquela dos homens. Independentemente disto, os
segmentos em que a participação das mulheres é mais representativa em relação à
totalidade de trabalhadores são: pesca (37% do total), produção florestal – florestas
nativas (36% do total), horticultura e floricultura (33% do total), pecuária e criação de
animais (bovinos, ovinos, caprinos, suínos, aves e outros animais -31% do total), e
12 Apesar disto, se verificou uma melhora entre as mulheres mais jovens residentes em áreas rurais: cada
vez mais, estas têm trocado o trabalho nas atividades agrícolas por mais anos de estudo.
produção em lavouras temporárias (cereais, algodão, cana, fumo, soja e oleaginosas –
30% do total). Dentre estes grupos de atividades, a participação feminina obtém mais
destaque, dentre a totalidade de trabalhadores, nos segmentos de: cultivo de fumo (41%
do total), criação de aves (38% do total), pesca em água doce (37% do total), cultivo de
uva (36% do total), criação de suínos (35% do total) e cultivo de hortaliças e legumes
(34% do total).
Esse cenário de pouca visibilidade do trabalho feminino rural fez com que diversos
movimentos sociais e movimentos de mulheres rurais começassem a reivindicar direitos
e acesso as políticas públicas. Ao longo dos anos 2000, o governo federal intensificou a
criação de políticas públicas voltadas especificamente para as mulheres do campo. Nas
suas diversas vertentes, as principais políticas tiveram como principal foco atender as
demandas de acesso à cidadania, como a acesso a documentação básica pouco presente
para as mulheres do meio rural; acesso à terra, pois até 1988 a terra ficava no nome do
homem chefe de família, deixando as mulheres em situações de extrema dependência; e
acesso a inclusão produtiva, permitindo as mulheres apoio à assistência técnica e crédito
para a produção e comercialização da produção.
Nos caselets selecionados para integrar o presente relatório pudemos observar de forma
bastante clara a tendência demográfica pesquisada. Em quase todos os casos, as mulheres
eram mais velhas, possuíam baixo nível de escolaridade e se dedicavam, principalmente,
aos afazeres domésticos e atividades de subsistência pouco valorizadas pelos homens e
por suas comunidades. Neste sentido, o que quase todos eles têm em comum e que os
tornam exemplos marcantes é o fato de que estas mulheres conseguiram mudar este
cenário e desta forma, melhoraram sua qualidade de vida e sua autoestima.
Por exemplo, no caso do Grupo de Mulheres empreendedoras de Vila Pontões (café – ES
– ilustrado no capítulo 7) mostramos como um grupo de mulheres conseguiu, a partir da
qualificação, montar uma agroindústria e assim superar suas dificuldades financeiras,
melhorar sua autoestima e promover qualidade de vida para suas famílias e para a
comunidade.
De maneira bastante semelhante, o caso da Feira Agorecológica de Viçosa do Ceará
(Hortifruti – capítulo 6) abordou o trabalho realizado pelo grupo de mulheres que fazem
a Feira Agroecológica de Viçosa do Ceará de Saberes e Sabores, sendo exemplar ao
retratar como a inserção das mulheres na esfera econômica e social promoveu o
empoderamento, aumentou a autoestima e trouxe mudanças no quadro de violência local.
A criação da Cooperativa Mãos da Terra- Comater (Capítulo 8) é também um exemplo
de como a inserção econômica gerou o resgate da autoestima e a independência em
relação aos maridos. Isso só se realizou devido a união das mulheres de um assentamento
em Ribeirão Preto em vista de um bem comum.
O Projeto Mulheres do Campo (soja – Sorriso – capítulo 3) também abordou a questão
da inserção, do empoderamento e da qualificação das mulheres, que melhoraram suas
vidas por meio da difusão de melhores práticas agrícolas. O Projeto Renovação (cana –
SP – capítulo 5), também buscou por meio da oferta de cursos de qualificação profissional
a melhora da renda das mulheres e suas condições de trabalho. Por fim, o caso da Cláudia
Dias (Capítulo 4) mostrou a importância da qualificação da produtora rural para inserir
de forma eficiente uma nova cultura na região e tornar a região como um dos principais
polos de produção do estado do Paraná.
Ainda que os casos demonstrem a importância da qualificação para a inserção produtiva,
ela por si só, não é suficiente para melhorar a vida destas mulheres. Os diversos casos e
a literatura sobre as políticas públicas de mulheres rurais apresentam algumas
dificuldades básicas para essas mulheres. Muitas vezes a falta de documentação impede
o acesso a diversas políticas de inclusão produtiva, como o Pronaf Mulher, o Fomento
Mulher. A falta de conhecimento das políticas também é um impeditivo: nem as
agricultoras, nem os próprios técnicos sabem informar corretamente quais as políticas e
as formas de acessá-las. Falta também assistência técnica especializada e que saiba
trabalhar com as demandas específicas das mulheres. Mas ainda assim, uma das principais
dificuldades vivenciadas pelas mulheres rurais e o que permitiu que todos estes exemplos
fossem bem-sucedidos foi a superação do principal desafio enfrentado por elas no setor:
vencer o forte preconceito de que as mulheres devem se restringir às atividades
domésticas e que as mesmas não podem ter espaço na gestão das propriedades. Posto de
outra forma, o principal empecilho ainda é a forte cultura de que o trabalho no campo e a
gestão das propriedades devem ser feitas pelos homens.
Conforme pudemos observar, em quase todos os casos apresentados, a qualificação das
mulheres foi associada a outros cursos destinados à melhorar a autoestima destas
mulheres, que precisavam vencer este preconceito. Além disto, contaram com uma série
de atividades culturais de interesse feminino, tais como dança e artesanato, o que ajudou
a atrair a participação das mulheres e permitir que seus maridos as deixassem participar
destes eventos.
Assim, se por um lado vemos o surgimento de grupos de mulheres rurais que conseguem
superar essa situação de dependência e resgatar a autonomia, as políticas públicas
adotadas ao longo dos anos 2000 têm, por outro lado, o caráter de reforçar a necessidade
de medidas para a diminuição das desigualdades de gênero. Nesse sentido, diversos
avanços puderam ser observados ao durante as últimas décadas, resgatando o papel das
mulheres na produção e as inserindo economicamente, conferindo visibilidade ao
trabalho realizado por elas. Mesmo assim, diversos desafios ainda precisam ser vencidos
para que de fato as desigualdades de gênero sejam suprimidas, sendo necessária a
continuidade de diversas políticas e iniciativas com esse fim.
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