Gildo Manuel Espada
A AFIRMAO DO DIREITO DE GUAS
Tese com vista obteno do grau
de Doutor em Direito Pblico, no I
Programa de Doutoramento
conjunto entre a ESD-ISCTEM e a
FD-UNL
Orientador:
Professor Doutor Jorge Bacelar Gouveia
Maputo, Dezembro de 2014
Gildo Manuel Espada
A AFIRMAO DO DIREITO DE GUAS
Tese com vista obteno do grau
de Doutor em Direito Pblico, no I
Programa de Doutoramento
conjunto entre a ESD-ISCTEM e a
FD-UNL.
Orientador:
Professor Doutor Jorge Bacelar Gouveia
Maputo, Dezembro de 2014
Declarao anti-plgio
Declaro por minha honra que o texto apresentado de minha exclusiva autoria
e que toda a utilizao de contribuies ou textos alheios est devidamente
referenciada.
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Gildo Manuel Espada
A Afirmao do Direito de guas
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iv
Dedicatria
Aos meus pais, a quem tudo devo.
Ivete, o amor da minha vida.
v
Agradecimentos
Ao terminar os trabalhos de elaborao desta Tese, depois de um longo
percurso feito, obriga-me a conscincia a reconhecer as pessoas e entidades
que contriburam para que a mesma fosse concluda.
Em primeiro lugar, minha irm mais nova, Augusta Espada, que
suportou pacientemente o temperamento e as indisposies que me foram
assolando ao longo de todo o processo de elaborao desta Tese, sem nunca
deixar-se vergar e sem nunca deixar-me desamparado. Toda aquela ateno
e cuidado em relao minha sade, alimentao e ao meu aprumo e
disciplina provaram ser cruciais. Por isso, para ti, um obrigadssimo muito
especial.
O Instituto Superior de Cincias e Tecnologia de Moambique, na
pessoa do Magnfico Reitor, Professor Doutor Joo Leopoldo da Costa,
ofereceu-me a frequncia do Programa de Doutoramento sem custos, e
permitiu que me ausentasse, vrias vezes, para que pudesse fazer as
pesquisas necessrias para a concluso da Tese.
O Instituto Superior de Artes e Cultura, na pessoa do seu Director Geral,
Sr. Dr. Filimone Meigos, financiou grande parte das despesas relativas s
viagens por mim feitas e aquisio de bibliografia.
O Sr. Professor Doutor Jorge Bacelar Gouveia orientou a elaborao da
Tese. Mas foi muito mais que um mero orientador: deu-me foras quando
delas precisei, amparou-me quando sozinho me sentia em terras lusas e tudo
fez para que eu nunca desistisse.
Ao Sr. Dr. Vctor Serraventoso e ao Sr. Engenheiro Rui Gonzlez, da
Direco Nacional de guas de Moambique, agradeo pelo imensurvel
apoio na conceptualizao da Tese, e na recolha de material de estudo.
A Afirmao do Direito de guas
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vi
O Sr. Prof. Dr. Henriques Henriques deu-me todos os incentivos e
apoios necessrios, e tudo fez para que as necessrias dispensas do servio
que permitiram as ausncias para as minhas pesquisas fossem concedidas.
Os verdadeiros amigos tambm foram importantes nos momentos
crticos, incentivando-me e mostrando preocupao com os meus estudos: o
Sr. Dr. Raufi Tabo, o Sr. Dr. Salim Omar e o Sr. Prof. Dr. Carlos Serra foram
os que assumiram as despesas decorrentes das minhas ausncias,
substituindo-me nas minhas tarefas de docncia. Agradeo-vos, e em
particular, um obrigado muito especial ao Sr. Dr. Salim Omar.
O Sr. Prof. Dr. Teodoro Waty e o Sr. Professor Doutor Benjamim Alfredo
aceitaram amavelmente ler e opinar sobre a Tese, e por isso muito agradeo
pelas contribuies.
O Sr. Prof. Dr. Almeida Machava e a Dra. Ivete Mafundza muito
ajudaram na reviso e edio do texto final.
A todos vs, nhibongile!
vii
Apresentao
A presente Tese de Doutoramento foi elaborada como requisito parcial
para a obteno do Grau de Doutor em Direito Pblico, no mbito do Primeiro
Doutoramento Co-organizado entre o Instituto Superior de Cincias e
Tecnologia de Moambique e a Universidade Nova de Lisboa.
Tendo o Programa de Doutoramento iniciado em 9 de Junho de 2008, o
mesmo comportou uma parte lectiva, com durao de dois anos, tendo o
candidato no cmputo geral sido aprovado para a segunda parte do Programa
de Doutoramento, cuja notificao recebeu em Setembro de 2010.
Com a notificao da admisso segunda fase do Programa de
Doutoramento, e nos termos regulamentares, o candidato submeteu no dia 15
de Novembro de 2010 um plano de investigao ao Conselho Cientfico da
Universidade Nova de Lisboa, em relao ao qual recaiu uma deliberao
positiva a 19 de Janeiro de 2011, e da materializao dos trabalhos de
pesquisa da ento proposta resultou a presente Tese.
Na origem do tema da Tese de Doutoramento e certamente para a
deliberao favorvel em relao sua aprovao, muito contou o apoio e
encorajamento do Professor Doutor Jorge Bacelar Gouveia, que com muita
amabilidade e de forma pronta aceitou ser o orientador.
Entretanto, importa referir que para a escolha e at para a delimitao
do tema e do mbito da investigao muito contou a experincia passada do
aqui candidato na elaborao da dissertao de mestrado, cujo objecto era
igualmente o estudo do Direito de guas, apesar de em mbito e dimenso
muito menores, em termos de pesquisa e abordagem.
A fase inicial da elaborao da presente Tese de Doutoramento
consistiu na criao de um plano de trabalho, do qual foram estabelecidas
como metas iniciais a recolha da bibliografia essencial para o tema, tendo em
conta os objectivos a alcanar, a identificao de centros de excelncia que
A Afirmao do Direito de guas
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permitiram beber da experincia comprovada em locais de reconhecido mrito
e identificar situaes concretas que permitiriam provar, em caso de estudo,
as teses volta das quais a discusso iria decorrer.
A recolha de bibliografia para a elaborao da presente Tese foi feita em
vrios pases, nomeadamente Moambique, frica do Sul, Angola, Botswana,
Brasil, Portugal, Frana, Espanha, Itlia e Holanda. E porque oportuno, na
mesma altura, foram visitados alguns centros de excelncia no estudo do
Direito de guas, nomeadamente a African Water Issues Research Unit
(AWIRU), em Pretria, o Departamento de guas da SADC, no Botswana, e o
Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente
(CEDOUA), em Coimbra, Portugal.
De igual modo, encetmos a leitura sistemtica da bibliografia,
acompanhada sempre da escrita e tomada de notas que foram corporizando a
Tese final, num exerccio que nos obrigou a compulsar, para alm de
bibliografia diversa em Ingls, Francs e Portugus, legislao de pelo menos
19 pases, sendo 15 da regio da SADC e os restantes Portugal, Frana,
Holanda e EUA, para alm de jurisprudncia do Tribunal Internacional de
Justia, imprescindvel para a cabal discusso e anlise do Direito de guas,
nos termos traados.
Pelo que entre a aprovao do Tema pelo Conselho Cientfico da
Universidade Nova de Lisboa aos 19 de Janeiro de 2011 e apresentao da
presente Tese passaram-se trs anos e 11 meses, e o resultado final o
documento que agora apresentado para provas pblicas de defesa da Tese
de Doutoramento.
ix
Plano Geral
CAPTULO I INTRODUO
Razes justificativas do mbito da investigao
Objecto e objectivo da Tese
Indicao de sequncia
I Sntese conclusiva do captulo I
CAPTULO II - O DIREITO INTERNACIONAL DE GUAS NA
ENCICLOPDIA JURDICA
O Direito Internacional
O Direito Internacional de guas como ramo do Direito Internacional
O Direito Internacional de guas como Direito de confluncia de normas
I I Sntese conclusiva do captulo II
CAPTULO III - A CODIFICAO DO DIREITO DE GUAS
Os trabalhos da International Law Association e do Institut du Droit
International
O Status jurdico das regras do Direito Internacional de guas: entre hard law
e soft law.
III Sntese conclusiva do captulo III
A Afirmao do Direito de guas
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x
CAPTULO IV - FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL DE GUAS
As decises judiciais
Doutrinas e teorias sobre o Direito Internacional de guas
Princpios do Direito Internacional de guas
Direito Costumeiro Internacional de guas
Os Tratados Internacionais aplicveis ao Direito Internacional de guas
As regras de Berlim da ILA
Quadro comparativo entre as Regras de Helsnquia, a Conveno de Nova
Iorque e as Regras de Berlim
I V Sntese conclusiva do captulo IV
CAPTULO V - O DIREITO DE GUAS DA SADC
O Tratado da SADC
Os instrumentos de cooperao em guas na SADC
Os Protocolos de guas na SADC
V Sntese conclusiva do captulo V
CAPTULO VI - A INTERACO ENTRE AS NORMAS UNIVERSAIS,
REGIONAIS E LOCAIS
A sedimentao das normas e princpios do Direito Internacional de guas a
nvel regional e de bacia hidrogrfica
A transposio das normas e princpios do Direito Internacional de guas para
o cenrio regional e de bacia hidrogrfica
A gesto conjunta dos recursos hdricos
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O papel das Organizaes de Bacia Hidrogrficas na gesto dos recursos
hdricos internacionais
Os comits de gesto de bacias hidrogrficas da SADC
Os cursos de gua partilhados e os acordos bilaterais e multilaterais sobre
guas na regio da SADC
Os acordos de bacia hidrogrfica celebrados por Moambique
VI Sntese conclusiva do captulo VI
CAPTULO VII- AS LEIS DE GUAS DOS PASES DA SADC
A legislao de guas da Repblica da frica do Sul
A legislao de guas da Repblica de Angola
A legislao de guas da Repblica do Botswana
A legislao de guas do Reino do Lesoto
A legislao de guas da Repblica de Madagscar
A legislao de guas da Repblica do Malawi
A legislao de guas da Repblica das Maurcias
A legislao de guas da Repblica da Nambia
A legislao de guas da Repblica Democrtica do Congo
A legislao de guas da Repblica das Seychelles
A legislao de guas do Reino da Suazilndia
A legislao de guas da Repblica da Tanznia
A legislao de guas da Repblica da Zmbia
A legislao de guas da Repblica do Zimbbw
VII Sntese conclusiva do captulo VII
CAPTULO VIII- O DIREITO DE GUAS MOAMBICANO
O regime jurdico das guas de Moambique
A Afirmao do Direito de guas
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O Direito material de guas de Moambique
O Direito institucional de guas de Moambique
VIII Sntese conclusiva do captulo VIII
CAPTULO IX A COOPERAO NO USO DAS GUAS DE CURSOS
INTERNACIONAIS
Os benefcios da cooperao em guas
A cooperao no sector de guas da SADC e a necessidade de reformas
legais
O processo de harmonizao da legislao de guas na SADC
Benefcios da harmonizao da legislao do sector de guas da SADC
Situao actual concernente a harmonizao das legislaes nacionais sobre
guas na SADC
Questes especficas a harmonizar na legislao de guas dos pases da
SADC
IX Sntese conclusiva do captulo IX
CAPTULO X CONFLITOS PELA GUA NA SADC
A gua como fonte de conflito
Natureza dos conflitos pela gua
Os conflitos pela gua o caso de Moambique
A resoluo de conflitos pela gua
X Sntese conclusiva do captulo X
CAPTULO XI O DIREITO HUMANO GUA
A evoluo do direito humano gua
xiii
Os Comentrios Gerais do ECOSOC
O Comentrio Geral n. 15
O direito humano gua
XI Sntese conclusiva do captulo XI
TESES
BIBLIOGRAFIA E DOCUMENTOS CITADOS
A Afirmao do Direito de guas
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xiv
Nota prvia
A investigao conducente presente Tese de Doutoramento foi
concluda em Janeiro de 2014. A pesquisa por ns feita obrigou-nos a recorrer
a muita legislao, de diversos pases. Para alm da natural dificuldade em
encontrar bibliografia para o tema, por ser novo e pouco estudado, outra
preocupao enfrentada derivou do facto de a legislao em causa estar em
trs lnguas diferentes (Portugus, Ingls e Francs), tendo sido necessrio
fazer um grande esforo para identificar a legislao, apurar se a mesma
estava em vigor ou no, e s ento proceder anlise da mesma.
Neste processo tivemos que nos socorrer de bases de dados digitais,
mormente a FAO LEX, a LexisNexis, a HeinOnline, e a UNTreaty Database,
que foram de grande utilidade, mas que ao mesmo tempo mostravam muitas
limitaes, por no fornecerem informaes completas dos diplomas jurdicos
publicados nas bases de dados.
Para alm da legislao usada, recorremos a muitas fontes
bibliogrficas, em relao s quais devemos desde j referir que toda
bibliografia honesta. Isto , as fontes por ns referidas na presente Tese so
aquelas a que de facto tivemos acesso e pudmos compulsar.
Ao referir as fontes, nas notas de rodap, decidimos citar o nome
completo dos autores, em maisculas, seguida pela indicao completa de
todos elementos de citao textual, fazendo idntica situao mesmo no caso
em que a mesma foi repetida em notas de rodap que referiam a mesma obra
de forma consecutiva.
A razo de ser para esta tcnica de citao justificou-se pela
necessidade de no perdermos a lgica das referncias ao longo da escrita,
que devido arrumao textual obrigou-nos a alterar ou deslocar contedos
xv
de um local para outro vrias vezes. E, no fim, sentimo-nos to confortveis
com tal tcnica que decidimos mant-la no documento final, mantendo todos
os detalhes das referncias e citaes doutrinais em toda a Tese.
Por ltimo, por uma questo metodolgica, no fim de cada captulo,
fomos fazendo snteses conclusivas parcelares, e com isto evitmos
apresentar uma concluso final e em bloco, que no permitiria, do nosso ponto
de vista, criar um encadeamento conclusivo lgico dos diversos assuntos que
so tratados em captulos autnomos, se as concluses estivessem
mescladas num nico texto.
Todavia, porque a Tese de facto unitria e tem um objectivo claro e
comum que se alcana compartimentando as questes discutidas em vrios
captulos, no fim inclumos um total de 13 teses, que espelham de forma
resumida as grandes concluses a que chegmos e aquilo que achamos ser
nosso contributo para a melhor percepo e justificao afirmao do Direito
de guas como prenncio da concretizao da autonomia dogmtica do
Direito de guas.
A Afirmao do Direito de guas
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xvi
Siglas e abreviaturas
AJIL
The American Journal of International Law
Am. U. Int'l L. Rev.
American University International Law Review
ARA
Administrao Regional de guas
ARAs
Administraes Regionais de gua
Ariz. J. Int'l & Comp. Law
Arizona Journal of International and Comparative Law
Berkeley J. Int'l L.
Berkeley Journal of International Law
B.C. Envtl. Aff. L. Rev.
Boston College Environmental Affairs Law Review
B.U.L. Rev.
Boston University Law Review
Cardozo J. Intl & Comp. L.
Cardozo Journal of International and Comparative Law
xvii
Case W. Res. J. Int'l L.
Case Western Reserve of International Law
Chi.-Kent J. Int'l & Comp. L.
Chicago-Kent Journal of International and Comparative Law
CICOS
Comisso Internacional da bacia do Congo-Oubangui-Sangha
Colo. J. Int'l Envtl. L. & Pol'y
Colorado Journal of International Environmental Law and Policy
Colum. J. Asian L.
Columbia Journal of Asian Law
Conn. J. Intl L.
Connecticut Journal of International Law
CRA
Conselho de Regulao do Abastecimento de gua
CRM
Constituio da Repblica de Moambique
Cur. Intl L. Journal
Currents International Law Journal
Denv. J. Intl L. & Poly
Denver International Law and Policy
A Afirmao do Direito de guas
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xviii
Denv. Water L Rev.
Denver Water Law Review
DNA
Direco Nacional de guas
Duke J. Comp. & Int'l L.
Duke Journal of Comparative & International Law
Ecology L.Q.
Ecology Law Quarterly
ECOSOC
Comit para os Assuntos Econmicos, Sociais e Culturais
EJIL
European Journal of International Law
EUA
Estados Unidos da Amrica
FIPAG
Fundo de Investimento e Patrimnio do Abastecimento de gua
Fordham Int'l L.J.
Fordham International Law Journal
xix
GATT
General Agreement on Trade and Tariffs
GC15
General Comment number 15
Geo. Int'l Envtl. L. Rev.
Georgetown International Environmental Law Review
Hastings Intl & Comp. L. Rev.
Hastings International and Comparative Law Review
Hastings W.-N.W. J. Env. L. & Pol'y
Hastings West Northwest Journal of Environmental Law & Policy
Harv. Int'l. L. Club Bull.
Harvard International Law Club Bulletin
Harv. Int'l L.J.
Harvard International Law Journal
Hofstra L. Rev.
Hofstra Law Review
ICESCR
International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights
A Afirmao do Direito de guas
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xx
IDI
Institut du Droit International
ILC
International Law Commission
ILA
International Law Association
INCOMAPUTO
Comit Tcnico Permanente Tripartido do rio Incomti
Int. J. Global Environmental Issues
International Journal of Global Environmental Issues
J. Envtl. L. & Litig.
Journal of Environmental Law and Litigation
J. Int'l L. & Prac.
Journal of International Law and Practice
J. Land Resources & Envtl. L.
Journal of Land, Resources and Environmental Law
LIMCOM
Comit da Bacia do Rio Limpopo
xxi
Loy. L.A. Int'l & Comp. L.J.
Loyola of Los Angeles International and Comparative Law Review
LTA
Autoridade do Lago Tanganyika
Melbourne J. of Int'l Law
Melbourne Journal of International Law
MICOA
Ministrio para a Coordenao da Aco Ambiental
Minn. J. Intl L.
Minnesota Journal of International Law
MOPH
Ministrio das Obras Pblicas e Habitao
Nat. Resources J.
Natural Resources Journal
N.Z. J. Envtl. L.
New Zealand Journal of Environmental Law
N.Y.U. Envtl. L.J.
New York University Environmental Law Journal
NYU J.L. & Liberty
New York University Journal of Law & Liberty
A Afirmao do Direito de guas
_____________________________________________________________________
xxii
N.C.J. Int'l L. & Com. Reg.
North Carolina Journal of International Law and Commercial Regulation
NWA
National Water Act
NW. J. INT'L L. & BUS.
Northwestern Journal of International Law & Business
NWRA
National Water Resources Authority
OMS
Organizao Mundial da Sade
ONU
Organizao das Naes Unidas
OKACOM
Comit Permanente da Bacia do Rio Okavango
ORASECOM
Comit da Bacia do Rio Orange-Senqu
Or. Rev. Int'l L.
Oregon Review of International Law
xxiii
Pac. McGeorge Global Bus. & Dev. L.J.
Pacific McGeorge Global Business and Development Law Journal
RSA
Republic of South Africa
SADC
Southern African Devlopment Community
Santa Clara J. Int'l L.
Santa Clara Journal of International Law
Sustainable Dev. L. & Pol'y
Sustainable Developmant Law and Policy
Stan. J Int'l L.
Stanford Journal of International Law
Tex L. Rev.
Texas Law Review
TIJ
Tribunal Internacional de Justia
Tul. Envtl. L.J.
Tulane Environmental Law Journal
TPTC
Tripartite Permanent Technical Committee
A Afirmao do Direito de guas
_____________________________________________________________________
xxiv
U. Ark. Little Rock L. Rev.
University of Arkansas at Little Rock Law Review
U. Botswana L.J.
University of Botswana Law Review
U. Denv. Water L. Rev.
University of Denver Water Law Review
U. Pa. J. Int'l Econ. L.
University of Pennsylvania Journal of International Economic Law
UCLA J. Envtl. L. & Poly
University of California Journal of Environmental Law and Policy
UA
Unio Africana
UN
United Nations
UNEP
United Nations Environmental Program
Va. J. Int'l L.
Virginia Journal of International Law
xxv
Vill. Envtl. L.J.
Villanova Environmental Law Journal
Willamette J. Int'l L. & Dispute Res.
Williamette Journal of International Law & Dispute Resolution
Wis. Int'l L.J.
Wisconsin International Law Journal
WHO
World Health Organization
WTO
World Trade Organization
WWF
World Wild Fund
Yale J. Int'l L.
The Yale Journal of International Law
N.Z. J. Envtl. L.
The New Zealand Journal of Environmental Law
ZAMCOM
Comit da bacia do Rio Zambeze
A Afirmao do Direito de guas
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xxvi
Resumo
A presente Tese tem em vista demonstrar a afirmao do Direito de
guas, como prenncio da autonomia dogmtica deste ramo do Direito. A
Tese pretende igualmente esclarecer que este ramo do Direito no se
confunde com outras disciplinas circundantes. Para tal, a tese comea por
analisar as razes da existncia de uma dogmtica prpria do Direito de
guas, que surge a nvel internacional e igualmente uma realidade a nvel
regional e local.
A Tese analisa a gnese do Direito Internacional de guas, discutindo
as razes do seu surgimento, o objecto e a importncia deste ramo do Direito.
Mais ainda, a Tese explica a relao existente entre cursos de gua
internacionais e a necessidade de regulao dos mesmos, considerando que o
uso e gesto de tais recursos, apesar de ser de criao internacional, tm
sempre aplicao regional e local.
A Tese demonstra que por os cursos de gua serem internacionais, isto
, sempre que atravessem ou separem dois ou mais Estados, eles
circunscrevem-se a determinados pases e ou regies, o que justifica a
existncia de normas de Direito Internacional de guas aplicveis a nvel
regional, adequado regio e ou bacia hidrogrfica que visa regular em
concreto.
Por isso, a presente Tese relaciona no s o Direito Internacional de
guas com o Direito regional de guas aplicvel, mas tambm o Direito
regional com as normas aplicveis a nvel das bacias hidrogrficas e
particularmente aos Estados de bacia, estudando e discutindo a relao que
se estabelece entre estes trs espectros de normas, nomeadamente as de
natureza internacional ou universal, as regionais e ainda as de bacia
xxvii
hidrogrfica. Para demonstrar tal facto, usamos a regio da SADC como
objecto do estudo de caso que fazemos.
Como no deixaria de ser, a Tese tambm analisa e discute quem so
os destinatrios finais de tais normas, que identificamos como sendo os
Estados, por um lado, e por outro, todos os que de forma directa fazem uso e
ou beneficiam das guas que pertencem a cursos de gua internacionais. E
em ltima instncia conclui-se que tais normas destinam-s s populaes dos
vrios Estados, cujos direitos de acesso, uso, e gesto de tais recursos
encontram-se regulados pelo conjunto de normas internacionais, regionais e
de bacia hidrogrfica, sendo o caso, por um lado, mas que por outro agem no
estrito respeito pelas normas internas em vigor nos respectivos ordenamentos
internos.
Como se pode imaginar, no fcil conciliar todos estes conjuntos de
normas, aplicveis para um recurso escasso ao qual concorrem vrios sujeitos
que se encontram em vrios Estados, e que se destina a vrios fins, muitas
vezes conflituantes. E a forma de interaco dos diversos interesses
existentes, que deve ser feita tendo em considerao vrios espectros de
normas, leva-nos a analisar como este processo todo feito. E a razo e
fundamentao de tal discusso o ponto central da defesa que fazemos da
Afirmao do Direito de guas, como prenncio de uma verdadeira Autonomia
Dogmtica do Direito de guas.
Para chegar a esta concluso, num primeiro momento, sabendo da
existncia de normas aplicveis a nvel do Direito internacional de guas, a
Tese analisa como e at que ponto as mesmas se fazem sentir nos
ordenamentos jurdicos internos dos Estados vinculados por Tratados
Internacionais e regionais.
Por outro lado, a Tese estuda a situao tendo em conta que, tratando-
se de cursos de guas internacionais, questes h que dizem respeito aos
Estados parte de bacias hidrogrficas que muitas vezes estabelecem regras
A Afirmao do Direito de guas
_____________________________________________________________________
xxviii
de uso e gesto, e at de convivncia, que podem ser pouco pacficas, o que
gera conflitos. Neste diapaso, a Tese procura descortinar as solues
jurdicas existentes, tendo como ponto de partida a necessidade de uma s
convivncia causada por esta comunho de recursos naturais.
assim que a Tese compara as normas internacionais com as normas
internas relativas a guas de todos os Estados da SADC, e procura ver o nvel
de interaco e conformao existente entre as mesmas.
Considerando de antemo que os vrios Estados membros de bacias
hidrogrficas devem confinar-se ao cumprimento, primeiro, das suas normas
internas, e segundo s normas do Direito Internacional, que muitas vezes tm
o mesmo valor das normas internas dos Estados, e terceiro, s regras que
entre si estabeleam em consequncia da utilizao partilhada dos recursos
da bacia hidrogrfica, fazemos a nossa anlise com vista a perceber que os
diversos interesses existentes (que vezes sem conta esto por detrs de cada
Estado, que age em nome das suas populaes) criam as mais diversas
situaes jurdicas passveis de vrias interpretaes, que levam, muitas
vezes, a conflitos entre os Estados, entre as comunidades utentes do curso de
gua ou ainda entre particulares. Neste aspecto, a regio da SADC
apresentou-se-nos como local excelente para o nosso estudo de caso.
E, discutir como resolver tais questes, que normas so aplicveis, e
quais os princpios que norteiam a aplicao das mesmas, significa fazer
anlises e propor solues para uma situao em que o objecto de estudo a
gua, como bem jurdico sujeito tutela. Mais ainda, considerando a
existncia do direito humano gua, hoje uma realidade, a Tese discute a
natureza e a efectivao de tal direito, tendo em conta as premissas atrs
referidas. Pelo que, tal como conclumos, a vasta discusso em torno da gua,
como objecto de relaes jurdicas, uma manifestao clara do que deve ser
aceite como sendo a autonomia dogmtica deste ramo do Direito.
xxix
Abstract
This thesis aims at demonstrating the dogmatic autonomy of Water Law.
It also intends to clarify that this branch of law must not be confused with other
similar subjects of law. To accomplish this task, the thesis justifies the
dogmatic autonomy of Water Law beginning by discussing the emergence of
this branch of law both at international and regional levels.
The thesis analyses the emergence of International Water Law,
discussing the reasons of its existence, its subject and importance. It also
explains the relationship between international watercourses and the need to
regulate them, considering that rules related to the use and management of
such resources, although created at international level, are meant to be applied
at regional and local levels.
The thesis demonstrates that the fact that some waters are international,
because they cross different states or serve as border between two or more
states, justifies the existence of international water law rules aplicable to the
region and to the watercourse they are supposed to regulate.
For this reason, this thesis considers not only international water law in
relation with the aplicable regional water law, but also the regional law in
relation with the rules aplicable to the water basins and particularly with the
concerned water basin states. This relationship between rules leads us to
discuss how these three spectrums of rules are conciliated, namely
international or universal, regional and water basin rules. To demonstrate how
all this works we chose SADC for our case study.
The thesis also studies the States who benefit from rules of international
water law, and all other subjects who directly use water from international
watercourses, and the conclusion we reach is that who really benefits are the
population of such states whose rights of access, use and management are
regulated by international, regional and basin rules.
A Afirmao do Direito de guas
_____________________________________________________________________
xxx
As we can imagine, it is not easy to concile so many different rules,
applicable to a scarce resource to which many subjects in many states
compete for. And the interaction of the different interests, which is done under
different spectrum of rules, is what guided our study, in which we analyse how
all this process functions. And the main reason of all the discussion is to
conclude that there is, in fact, a dogmatic autonomy of water law.
To reach such a conclusion, the thesis begins by studying how
international water law is applied at local level. Considering that international
watercourses usually have different regimes adopted by the basin states,
which difference may cause conflicts, the thesis discusses how water law may
contribute to solve possible conflicts. To do this, the thesis studies and
compares rules of international water law with rules of water law applicable to
SADC states, and figures out the level of interaction between such rules.
Considering that basin states have to obey to local rules, first of all, and
after that to international and basin level rules, the thesis studies how the
differents interests at stake are managed by riparian states, who act on behalf
of their population. SADC appeared to provide an excellent case study to reach
this goal. And the thesis discusses all these matters, the rules and principles
applicable, and provides solutions where applicable, always considering water
as subject of our study.
Accordingly, we discuss the right to water, its nature and how it
functions, considering the facts mentioned previously. And, as we conclude, all
these legal discussions over water are a clear sign of the dogmatic autonomy
of water law
Captulo I- Introduo
____________________________________________________________________________
1
CAPTULO I Introduo
1. Razes justificativas do mbito da investigao
1.1. Consideraes gerais
A gua um elemento essencial para a existncia da vida na terra. Os
seres vivos so compostos maioritariamente de gua, sendo os seres
humanos compostos por entre 60 a 80 por cento de gua. Por isso, uma
pessoa pode viver cerca de um ms sem alimento, mas no resistiria mais do
que uma semana sem gua. Para alm de ser fundamental para garantir a
subsistncia da vida na terra, a gua essencial para o desenvolvimento
econmico e social, ao bem-estar e ao equilbrio ambiental.
As estatsticas provam que h gua suficiente no mundo para responder
s necessidades presentes e futuras da populao mundial, satisfazer as
necessidades industriais, hidroelctricas e de desenvolvimento urbano e rural1.
Na verdade, a quantidade total de gua existente no mundo no aumenta nem
diminui, supondo-se que a quantidade de gua existente hoje a mesma que
existia h trs bilies de anos.
Entretanto, alguns factores fazem com que o cenrio actual no que ao
acesso gua diz respeito se mostre preocupante e at drstico,
comparativamente com a situao que existia pelo menos h um sculo atrs.
O primeiro factor tem a ver com o consumo de gua per capita a nvel
mundial, que mostra um decrscimo da disponibilidade de gua existente,
tanto em quantidade assim como em qualidade. Este decrscimo atribudo
ao aumento dramtico dos nveis de consumo de gua, por um lado, e ao
1EYAL BENVENISTI, Collective Action in the Utilization of Shared Freshwater: The Challenges
of International Water Resources Law, Am. U. Int'l L. Rev., Vol. 90, No. 3, 1996, p. 384.
A Afirmao do Direito de guas
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2
aumento da populao, por outro, que devem ser somados s mudanas de
hbitos em relao ao uso da gua e ao desenvolvimento cientfico, que so
factores que interagem. Veja-se, por exemplo, como as necessidades de gua
mudaram de h 50 ou 100 anos para c, em que mais gente passou a viver
em urbes e a ter melhores condies de vida que, para mant-las, muita gua
necessria.
Por outro lado, o desenvolvimento cientfico tambm estimula a procura
de gua, como elemento necessrio para a funcionalizao dos mecanismos e
instrumentos resultantes da criatividade humana, sendo alis esta a razo pela
qual os maiores consumidores de gua so os que vivem nas cidades mais
avanadas tecnologicamente.
O segundo factor est relacionado com a distribuio da gua pelo
mundo. De facto, a gua encontra-se mal distribuda a nvel mundial: enquanto
certas regies enfrentam secas severas, noutras as cheias provocam
inundaes devastadoras; regies que no inverno so abundantes em gua
sofrem de escassez de gua no vero; e regies que so abundantes em
gua nalguns anos so ameaadas por secas, noutros.
Assim, a gesto dos recursos de gua doce em grande medida uma
questo de redistribuio deste recurso natural, tendo em conta os
constrangimentos fsicos, econmicos, ambientais e sociais a ele inerentes.
Esta m distribuio da gua pelo mundo muitas vezes gera conflitos de
interesse, causados pela escassez, outras vezes por uma sobre-explorao da
mesma, outras ainda pela utilizao intensiva, entre outros motivos.
O terceiro factor tem a ver com o uso da gua, que muitas vezes
ineficiente, e por isso mesmo inflacionando a demanda, porque muitos pases
continuam ainda a ter um uso ineficiente e insustentvel, em consequncia de
prticas pouco correctas na agricultura, por exemplo, por via de prticas
menos recomendveis, como a asperso ou ainda a inundao dos campos
Captulo I- Introduo
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3
agrcolas, que so tcnicas que usam grandes quantidades de gua mas que
no fim somente metade da gua usada consumida pelas plantas.
So vrios os fins a que se destinam as guas do planeta. As mesmas
podem servir de fronteira entre os Estados. A gua tem tambm um
importante papel econmico, como bem de alto valor econmico, para
produo de energia e, acima de tudo, considerando que o mais importante
elemento natural de que o homem se socorre para manter a sua vida, para
satisfazer as suas necessidades humanas bsicas, seja para destin-la a fins
econmicos (mormente a agricultura, a indstria etc.), seja para fins de lazer
ou outros que se podem apontar.
E porque a gua um bem de que todos necessitamos2, este acaba
sendo um problema global e comum da Humanidade. Com os actuais nveis
de crescimento populacional e com as cada vez maiores concentraes de
pessoas nas cidades que implicam algumas vezes a necessidade de
importao da gua, surge um cenrio em que por um ou outro destes
motivos, ou ainda por uma combinao dos mesmos, aumenta o risco de
frico entre os pases que partilham os mesmos recursos de gua, sendo por
isso que se aventa, como discutiremos adiante, a possibilidade de ocorrncia
de guerras no futuro.
Porque um facto que as grandes cidades, com o grande nmero de
habitantes que tm hoje (que faz crescer o consumo de gua per capita), tm
cada vez mais a necessidade de buscar gua em fontes distantes, por via dos
mais diversos mtodos, as consequncias da advenientes, incluindo conflitos
entre os Estados, tornam-se um risco. Por exemplo, quando um Estado
2 E por isso mesmo certa doutrina defende que ela constitui um direito colectivo (ou direito de
terceira gerao) de que so titulares as geraes presentes e futuras. Neste sentido, HELENA
PEREIRA DE MELO, As Geraes Futuras e o Direito gua, in Direito, Cidadania e
Desenvolvimento. XIX Encontro da Associao das Universidades de Lngua
Portuguesa, Associao das Universidades de Lngua Portuguesa, 2009, p. 53.
A Afirmao do Direito de guas
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4
desvia, atravs de canais, a gua necessria para alimentar cidades que no
esto prximas de cursos de gua, sendo o rio internacional, o que causa ira
noutros Estados por eventualmente estar-se a violar o seu direito.
Como de imaginar, o cenrio aqui colocado leva a que vrias
situaes tenham que ser enfrentadas, discutidas e ou solucionadas. Porque,
se por um lado a gua preciosa, por outro lado ela pode ser problemtica.
Primeiro porque pode gerar conflitos entre os Estados. Segundo porque sendo
a gua um bem que pelas suas caractersticas reputado de bem
fundamental e consequentemente passvel de invocao como direito
fundamental, tal facto cria um dever dos Estados garantirem a existncia de
gua para todos. E terceiro porque o cumprimento deste dever por parte dos
Estados legitima aces com vista satisfao de tal direito. E em quarto, e
ltimo, por a gua ser um bem econmico, a exigncia e satisfao do direito
gua no feita de forma linear, principalmente se tivermos em conta que a
satisfao do direito gua das populaes por parte dos Estados pode no
depender somente da vontade deste, porquanto a garantia da existncia de
gua pode estar condicionada a um factor natural: o facto de a existncia de
gua em quantidades satisfatrias, internamente, depender de cursos de gua
internacionais.
neste desiderato que surge a grande discusso despoletada pelos
cursos de gua internacionais: at que ponto um certo Estado pode arrogar-se
o direito de usar as guas de um curso de guas internacional, para a
satisfao das suas necessidades internas e qual o regime jurdico aplicvel
para o acesso, uso e gesto dos mesmos?
esta a questo que nos propomos sobre ela dissertar, na presente
Tese, que, partindo de uma situao geral, porquanto o tema de Direito
internacional, analisar o regime jurdico dos cursos de gua internacionais,
num primeiro momento, que conduzir ao estudo e anlise da forma como o
Direito Internacional de guas aplica-se a nvel regional, cuja anlise ser
Captulo I- Introduo
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5
afunilada a uma regio especfica, a da frica Austral, cujo direito vigente, no
que aos recursos hdricos internacionais diz respeito, emana da Comunidade
Para o Desenvolvimento da frica Austral (Southern African Development
Community, SADC, no original).
1.1.1. A Problemtica da gua
A questo da gua (doce) tem sido apontada como um dos maiores
desafios que o mundo enfrenta actualmente3. De facto, a importncia vital da
gua como recurso necessrio para a subsistncia humana, e como elemento
necessrio para o desenvolvimento scio-econmico das sociedades, tal
que justifica-se, na maior plenitude, o ditado sem gua no h vida4.
Entretanto, se considerarmos a quantidade de gua existente no mundo
e o nmero de habitantes existentes no planeta, haveria gua suficiente para
todos5. Todavia, o desafio que se coloca em relao gua o facto de ela
3 EDITH BROWN WEISS, The Evolution of International Water Law, Martinus Nijhoff
Publishers, Leiden/Boston, 2009, p. 177.
4 Referindo estudos que apontam a gua como uma das preocupaes principais da
humanidade no futuro prximo, vide CARLOS MANUEL SERRA e FERNANDO CUNHA, Manual de
Direito do Ambiente, Centro de Formao Jurdica e Judiciria, 2 Edio, 2008, p. 51.
5 A gua cobre 2/3 da superfcie terrestre, sendo todavia somente 3% desta gua doce,
porque 97% de toda a gua existente est nos oceanos, sendo portanto salgada. Considerando a
percentagem de gua doce existente, importa referir que dessa poro 77% est retida nos glaciares
e icebergs, no sendo directamente aproveitvel e 22% constituem gua subterrnea (aquferos), que,
por vezes, se localizam a grandes profundidades, o que impede ou dificulta a sua captao. Assim,
apenas uma reduzida percentagem de gua (1%) se encontra nos rios, lagos e solo, podendo ser
aproveitada pelo homem. Se excluirmos as reservas de gelo das calotas polares e glaciares, a gua
doce utilizvel representa apenas 0.6% da gua do nosso planeta, que se reparte desigualmente
pelas diversas regies continentais. Destes 0,6% de gua doce utilizvel, 97% correspondem a guas
subterrneas (aquferos), representando os rios e os lagos uma percentagem muito pequena.
A Afirmao do Direito de guas
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6
estar mal distribuda6. Esta distribuio desigual da gua elucidada com
factos concretos, que mostram que as regies ridas (que so os locais nos
quais a evaporao maior que a precipitao) compem 33% da Europa,
60% da sia, 85% da frica, quase toda a Austrlia e parte significativa da
Amrica do Norte7.
De acordo com a FAO8 mais de 2.8 bilies de pessoas em 48 pases
estaro em situao de stress hdrico ou de escassez de gua, at 2025, e at
2050 esse nmero de pases pode subir para 54. O conceito de stress hdrico,
que se baseia no confronto entre as necessidades mnimas de gua per capita
para manter uma qualidade de vida adequada em regies moderadamente
desenvolvidas situadas em zonas ridas. A definio baseia-se no
pressuposto de que 100 litros dirios (36,5 m3/ano) representam o requisito
mnimo para suprir as necessidades domsticas e a manuteno de um nvel
adequado de sade9.
A escassez de gua pode ser definida como o ponto no qual o impacto
agregado de todos os utentes reflecte-se na oferta ou qualidade da gua a
ponto de, a procura por parte de todos utentes da mesma, incluindo para fins
ambientais, no pode ser totalmente satisfeito. Entretanto, o conceito de
escassez de gua relativo, e a mesma pode ocorrer a qualquer nvel da
6 Se toda a gua doce existente no planeta fosse dividida equitativamente pela populao
mundial, haveria entre 5.000 e 6.000 m3 para cada indivduo por ano. Tendo em conta que um
indivduo necessita no mnimo, por ano, de 1700 m3 este clculo mostra que existe de facto gua em
abundncia para todos. Vide http://www.fao.org/nr/water/docs/escarcity.pdf, consultado em 26 de
Outubro de 2012, as 14.19h.
7 Vide EDITH BROWN WEISS, The Evolution of International Water Law, Martinus Nijhoff
Publishers, Leiden/Boston, 2009, p. 178.
8 Vide. http://www.fao.org/nr/water/docs/escarcity.pdf, consultado em 26 de Outubro de 2012,
as 14.19h.
9 Vide Coping with water Scarcity. Challenge for the Twenty-First Century
http://www.un.org/waterforlifedecade/scarcity.shtml, consultado a 26 de Outubro de 2012, as 13. 47h.
http://www.fao.org/nr/water/docs/escarcity.pdfhttp://www.fao.org/nr/water/docs/escarcity.pdfhttp://www.un.org/waterforlifedecade/scarcity.shtml
Captulo I- Introduo
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7
procura ou da oferta. A escassez pode ser uma construo social (um produto
da expectativa ou comportamento costumeiro) ou consequncia da alterao
dos padres de oferta ou procura (em consequncia da mudana climtica,
por exemplo) 10.
Deste modo, tendo em conta que s 0,5% da quantidade de gua total
existente no planeta que directamente acessvel aos homens, preciso
esclarecer que este no um acesso referente a toda populao mundial,
porque a distribuio dos recursos de gua doce seguiu ditames naturais, o
que leva a uma outra anlise necessria, que a da distribuio geogrfica do
recurso: se nalguns locais a gua abundante, noutros nem por isso, havendo
uma verdadeira escassez do recurso, sendo as regies ridas (as que nas
quais a evaporao superior precipitao) que, naturalmente, mais se
ressentem. De facto, a descrio do cenrio acima referido apenas uma
parte dos problemas que tornam a questo da gua um verdadeiro desafio,
porquanto vrios outros se colocam, nomeadamente:
a) A questo relativa aos diversos usos da gua, que podem ser, dentre
outros, o abastecimento pblico, dessedentao animal, uso industrial,
agricultura irrigada, gerao de energia elctrica, transporte aquavirio,
turismo e lazer, aquacultura e pesca, que podem ser concorrentes, o que cria
o desafio de saber como balancear os vrios interesses, e quais os critrios de
tomada de deciso a seguir na priorizao de certos usos em detrimento de
outros;
b) Os impactos dos usos da gua: efluentes domsticos, industriais e
agro-pecurios, navegao e no processo de gerao de energia
hidroelctrica, que podem ser divergentes entre usurios da gua;
10 Vide Coping with water Scarcity. Challenge for the Twenty-First Century
http://www.un.org/waterforlifedecade/scarcity.shtml, consultado a 26 de Outubro de 2012, as 13. 47h.
http://www.un.org/waterforlifedecade/scarcity.shtml
A Afirmao do Direito de guas
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8
c) Os impactos sobre a sociedade: inundaes, secas e doenas de
veiculao hdrica, que sendo muitas vezes alheios vontade humana,
representam sempre uma grande preocupao;
d) Os impactos ambientais correlatos sobre os recursos hdricos: uso
inadequado do solo nas reas urbana e rural, prticas agrcolas inadequadas,
desmatamento, queimadas, minerao, o fraco saneamento bsico ou a total
inexistncia do mesmo, etc.
e) A questo institucional: questes associadas ao arcabouo jurdico
institucional, relativas principalmente ao recorte de bacias, mas com
rebatimento nas questes internas de cada estado, no sentido de saber que
medidas devem ser tomadas para proteger os recursos hdricos, que medidas
legais e institucionais devem ser tomadas para garantir uma coordenao
adequada, etc.
Deste modo, constata-se que a distribuio dos recursos hdricos no
mundo, porque inconstante, acaba tornando-se um dos principais motivos que
tornam o uso e a gesto da gua um verdadeiro desafio.
Refira-se igualmente que a escassez da gua, para alm de afectar
directamente s populaes, tem tambm um impacto directo nos Estados que
de forma natural sofrem devido variabilidade de gua existente, devido por
exemplo aos maiores ou menores nveis de precipitao, a boa ou m
cooperao existente entre os Estados que partilham bacias hidrogrficas, a
nveis de consumos mais ou menos reduzidos, etc., sendo certo que os pases
que mais demandas de gua tm nem sempre so os mais ricos em gua.
Presentemente, o crescimento econmico e a natureza das actividades
econmicas praticadas que determinam os nveis de procura e consumo de
gua, mas interessante notar, por exemplo, que at 2025 quase todos os
Captulo I- Introduo
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9
pases da frica Sub-sahariana estaro sob stress hdrico ou ainda numa
situao de escassez11.
Uma questo importante a analisar a de descortinar que desafio ser
este e sobre quem recai o nus de enfrent-lo, considerando que, como j se
disse, a distribuio da gua uma questo relativa, pases havendo que tem
gua em abundncia e outros que passam por uma verdadeira escassez12,
tendo em conta os impactos advenientes tanto do stress hdrico assim como
da escassez de gua.
Malin Falkenmark foi um dos pioneiros da ideia de stress hdrico.13 Nas
suas anlises, concluiu que o ratio da quantidade de gua renovvel
disponvel para a populao no territrio de um certo Estado um perfeito
indicador de escassez de gua. Assim, poder-se-ia dizer que um pas
encontra-se seguro em relao gua disponvel se tivesse 10,000 metros
cbicos de gua per capita. Por outro lado, um pas seria considerado com
quantidade de gua adequada se o mesmo tivesse entre 10.000 e 1.666
metros cbicos per capita. Entretanto, os Estados que tivessem quantidades
de gua que variassem entre 1000 e 1600 metros cbicos per capita seriam
considerados como Estados enfrentando stress hdrico.
Na mesma senda, seriam considerados como tendo um stress hdrico
crnico os Estados que tivessem entre 500 e 1000 metros cbicos de gua per
11 Vide An Overview of the State of the Worlds Fresh and Marine Waters, 2nd Edition - 2008,
disponvel em http://www.unep.org/dewa/vitalwater/article14.html, consultado a 26 de Outubro de
2012, as 22. 40h.
12 Devido presso crescente sobre os recursos hdricos mundiais, a UN-Water identificou a
escassez de gua como tema do dia mundial da gua, em 2007, e muitas aces foram
empreendidas nessa data. Vide Coping with water Scarcity. Challenge for the Twenty-First Century,
acessvel em http://www.un.org/waterforlifedecade/scarcity.shtml, consultado a 26 de Outubro de
2012, as 13. 47h.
13 MALIN FALKENMARK, Global Water Issues Confronting Humanity, Journal of Peace
Research, Vol. 27, No. 2, 1990, p. 183.
http://www.unep.org/dewa/vitalwater/index.htmlhttp://www.unep.org/dewa/vitalwater/article14.htmlhttp://www.un.org/waterforlifedecade/scarcity.shtml
A Afirmao do Direito de guas
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10
capita ou abaixo desses nveis. Estes indicadores de stress hdrico foram
baseados essencialmente na estimativa das quantidades necessrias para a
produo agrcola com base na irrigao. Assim, um Estado que no fosse
auto-suficiente na produo de alimentos seria considerado como estando sob
stress hdrico, apesar de as quantidades de gua per capita serem suficientes
para cobrir necessidades domsticas.14
Malin Falkenmark analisa ainda a quantidade de gua necessria para
um indivduo durante um ano, e o resultado foi o de 100 litros por dia,
diferentemente de Peter Gleick, que estima em 50 litros por dia, para cozinhar,
banho, beber e fins sanitrios.15 Estas questes so importantes a nvel das
bacias hidrogrficas partilhadas, na medida em que preciso saber que
quantidade de gua necessria para garantir o direito humano gua das
pessoas, e como que a mesma deve ser distribuda proporcionalmente entre
os Estados, de acordo com a relao que se estabelece entre as
necessidades existentes versus situao do pas no contexto da partilha
(poro territorial, existncia de outras fontes, etc) para que haja um acesso
equitativo, o que previne disputas.
Porque um facto que a escassez de gua induz competio pela
gua entre os diversos utentes, entre sectores da economia, entre pases e
entre regies16 que partilham recursos naturais, neste caso rios internacionais,
so muitos e diferentes os interesses em jogo, e preciso encontrar solues
equitativas para as vrias questes que se colocam. Os conflitos pela gua,
14 JULIE TROTTIER, Water Wars: The Rise of a Hegemonic Concept. Exploring the making of
the water war and water peace belief within the IsraeliPalestinian Conflict, Water for Peace: A Cultural
Strategy, UNESCO-IHP, 2003, p. 146.
15 PETER H. GLEICK, The Worlds Water: The Biennial Report on Freshwater Resources
19981999, Washington, D.C., Island Press, 1998, p.44.
16 Sejam os mesmos ricos ou pobres; terras ridas ou ricas em gua; infra-estruturas ou meio
ambiente natural; grupos principais ou marginais; actores locais, ou autoridades centrais.
Captulo I- Introduo
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11
por exemplo, podem surgir porque a escassez de gua afecta comunidades
locais, pases e regies que devem partilhar um recurso limitado e insuficiente,
e na falta de instrumentos legais necessrios ou ainda na falta da devida
cooperao, esses conflitos so exacerbados, e caso os poderes, as
instituies ou regras institudas no sejam capazes de manter a ordem, passa
a prevalecer a lei do poder, em que vence o mais forte, pelo que o discurso a
ser incentivado o de partilha dos recursos por via de acordos e no o de
alocao de quotas. Por isso que a gua vista como um verdadeiro factor
de cooperao entre os Estados e no de conflito. Mas esta mxima s se
aplica, obviamente, caso tal cooperao seja bem-sucedida.
Quase sempre, o volume total de gua de cada pas no de grande
importncia, pois est directamente relacionado com a sua rea geogrfica.
Esta afirmao torna-se mais verdadeira se considerarmos que muitos dos
rios e lagos existentes no planeta so partilhados por dois ou mais pases, o
que conjugado com muitos outros factores como a qualidade, o acesso, o uso
e a distribuio desses recursos, pode levar-nos concluso de que a
variabilidade entre os valores mximos e mnimos de recursos hdricos
disponveis, mesmo sendo muito alta, pode contribuir para a gerao de
problemas sazonais de escassez, e eventualmente de conflitos, entre os
vrios utentes.
A gua disponvel per capita reduziu-se em termos globais em cerca de
80 por cento, no sculo passado, e sendo este um processo contnuo, h cada
vez maior escassez de gua, maiores disputas, uma reduo da fluidez
ambiental e provavelmente maior uso insustentvel da gua17, sendo por isso
a garantia da gua para satisfao das necessidades bsicas humanas, dos
17 ANTHONY TURTON AND RICHARD MEISSNER, The hydrosocial contract and its
manifestation in society: A South African case study, In: Hydropolitics in the Developing World: A
Southern African Perspective (ANTHONY R. TURTON and R. HENWOOD, Eds.), AWIRU, Pretoria,
2002, p. 48.
A Afirmao do Direito de guas
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12
ecossistemas, da agricultura, indstria, recreao, etc., um verdadeiro desafio.
A referncia ao facto de a existncia de gua para a satisfao de
necessidades humanas ser um verdadeiro desafio nos dias de hoje no
significa que outras aces antrpicas no possam ser realizadas com vista a
minimizar o problema. Tendo em conta a demanda dos recursos hdricos a
nvel mundial, e as aces antrpicas para satisfazer tal demanda de gua -
construo de poos, barragens, audes, aquedutos, sistemas de
abastecimento, sistemas de drenagem, projectos de irrigao e outras
estruturas - constata-se, mesmo assim, que aproximadamente 20% dos 5,7
bilhes de habitantes da Terra sofre com a falta de um sistema de
abastecimento confivel de gua e, alm disso, mais de 50% da populao
no dispunha de um sistema adequado de instalaes sanitrias18.
Por outro lado, a referncia ao facto de a gua ser um verdadeiro
desafio no deve, entretanto, ser vista escala macro, numa perspectiva de
escassez ou stress de gua que afecta os Estados. Na verdade, so as
populaes ou talvez at algumas populaes dos vrios Estados nessas
situaes (de escassez e stress hdrico) que de forma directa ou indirecta
sofrem os impactos nefastos dos mesmos, no importando aqui discutir se so
maiorias ou minorias. A premissa , na verdade, a igualdade de direitos e de
oportunidades que os cidados tm na satisfao dos seus direitos
fundamentais.
18 Os nmeros mais recentes apontam para cerca de 700 milhes de pessoas em 43 pases
assoladas pela escassez de gua. At 2025, 1.8 bilies de pessoas estaro a viver em pases ou
regies com escassez de gua absoluta, e dois teros da populao mundial poder estar a viver em
condies de stress hdrico. E, com o actual cenrio de mudanas climticas, quase metade da
populao mundial viver, at 2030, em cenrios de stress hdrico elevado, e as estimativas indicam
que s em frica este nmero est entre 75 e 250 milhes de habitantes, sendo a regio da frica
sub-sahariana a que maior impacto sofrer. Vide Coping with water Scarcity. Challenge for the
Twenty-First Century http://www.un.org/waterforlifedecade/scarcity.shtml, consultado a 26 de Outubro
de 2012, as 13. 47h.
http://www.un.org/waterforlifedecade/scarcity.shtml
Captulo I- Introduo
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13
Por isso, problemas como falta de acesso gua, falta de saneamento
bsico, problemas de sade relacionados falta de gua, fome e malnutrio
crnica so apenas exemplos dos problemas concretos que afectam as
populaes cuja causa principal relacionada escassez de gua. E, apesar
de todos os esforos que so feitos com vista a reduzir o nmero de pessoas
sem acesso gua19, o mundo continua a enfrentar dificuldades em colmatar
o problema, isto porque a soluo no se circunscreve somente vontade
individual dos Estados, mas muitas vezes forma como a nvel das relaes
estatal e inter-estatal a questo tratada.
Por ltimo, preciso referir que a gesto de recursos hdricos tem
recebido cada vez maior ateno a nvel mundial, dada a constatao da
problemtica generalizada das limitaes quantitativas e qualitativas da gua,
para os quais contribuem o aumento populacional, a urbanizao crescente e
a degradao ambiental, que so uma realidade na frica Austral20, que
uma regio de clima rido e semi-rido com nveis muito altos de taxa de
natalidade, e em que as populaes dependem grandemente dos recursos
hdricos das bacias hidrogrficas partilhadas.
Assim, o risco de surgimento de conflitos na regio grande, mais no
seja pelo facto de a regio sofrer uma grande variabilidade de temperatura e
pluviosidade, sendo ao mesmo tempo uma regio tropical, semi-rida e rida,
o que a torna susceptvel ocorrncia de cheias e secas, que vo ocorrendo
de forma cclica. De acordo com os estudos existentes, cerca de sete por
cento da regio da SADC desrtica, com menos de 100 mm de precipitao
19 Um dos Objectivos de Desenvolvimento do Milnio (o objectivo n. 7) prev, no seu ponto
10 reduzir, at 2015 a proporo de pessoas sem um acesso sustentvel gua potvel e condies
sanitrias bsicas.
20 Vide SALMAN A. SALMAN, Legal Regime for Use and Protection of International
Watercourses in the Southern African Region: Evolution and Context, Nat. Resources J. , Vol. 41,
2001, p. 981.
A Afirmao do Direito de guas
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14
anuais; cerca de um tero da regio semi-rida, com precipitao varivel
entre os 100 e os 600 mm, e apenas trs por cento da regio que tem
precipitao superior a 1500 mm por ano, sendo comum a regio ser fustigada
por secas imprevisveis, nalguns anos, e cheias cclicas, noutros anos21.
1.1.2. O uso da gua: questes fundamentais
Estimativas apontam para uma crise mundial de gua que no ano 2025
afectar dois teros da populao mundial, que no ter gua potvel
suficiente para satisfazer as suas necessidades22 23, na medida em que a
poluio, as mudanas climticas, o uso insustentvel e um crescimento
exacerbado da populao mundial tm comprometido a segurana dos
recursos de gua existentes.24
Espera-se ainda que at ao ano 2015 mais de trs bilies de pessoas
vivam em pases com stress hdrico25 e a escassez da gua aumentar
tenses no Oriente Mdio, na frica sub-sahariana e no Norte da China.26
21 Vide SALMAN A. SALMAN, Legal Regime for Use and Protection of International
Watercourses in the Southern African Region: Evolution and Context, Nat. Resources J. , Vol. 41,
2001, p. 985.
22 Vide RONA NARDONE, Like Oil and Water: The WTO and the Worlds Water Resources, 19
Conn. J. Intl L., 2003-2004, p.183.
23 Prev-se que pases como o Paquisto, frica do Sul, ndia e China passem por crises de
escassez absoluta de gua. Vide CHRISTOPHER SCOTT MARAVILLA, The Canadian Bulk Water
Moratorium and Its Implications for NAFTA, 10 Cur. Intl L. Journal, 2001, p. 29.
24 Vide Ministerial Declaration of the Hague on Water Security in the 21st Centuary, Second
World Water Forum, 2000, disponvel em http://www.worldwaterforum.net/index2.html consultado a 12
de Maro de 2013. Vide igualmente PATRICIA WOUTERS et al., The Legal Response to the Worlds
Water Crisis: What Legacy From the Hague? What Future in Kyoto? 4 U. Denv. Water L. Rev., 2001,
p. 420.
25 Um pas que esteja sob stress hdrico aquele no qual a precipitao anual menor que
1,700 metros cbicos per capita por ano. Vide CHRISTOPHER SCOTT MARAVILLA, The Canadian
Bulk Water Moratorium and Its Implications for NAFTA, 10 Cur. Intl L. Journal, 2001, p. 30.
http://www.worldwaterforum.net/index2.html
Captulo I- Introduo
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15
A escassez de gua e a inacessibilidade de recursos aqui analisados
no so mero espectro do futuro.27 Presentemente, as estimativas mostram
que 1.1 bilio de pessoas no tm acesso gua potvel, 2.4 bilies de
pessoas no tem acesso a servios sanitrios e a limitao de gua afecta
actualmente a mais de 450 milhes de pessoas em 29 pases.28 Actualmente,
a gua considerada escassa em 14 por cento dos pases a nvel mundial, e
somente 35 por cento dos pases tm disponveis mais de 10.000 metros
cbicos per capita disponveis29.
De acordo com certos autores, existem trs tipos de escassez de gua:
escassez estrutural, escassez induzida pela procura e a escassez induzida
pela oferta.30 A escassez estrutural refere-se ao facto de a gua estar
distribuda de forma desigual, facto que muitas vezes passa despercebido ou
26 Vide CHRISTOPHER SCOTT MARAVILLA, The Canadian Bulk Water Moratorium and Its
Implications for NAFTA, 10 Cur. Intl L. Journal, 2001, p. 30.
27 Hidrologistas sugerem que uma regio pode ser considerada como sofrendo de escassez
de gua aguda quando os nveis de gua renovvel se encontrem abaixo dos 1,000 metros cbicos
por ano per capita. Vide SIMON NICHOLSON, Water Scarcity, Conflict and International Water Law:
An Examination of the Regime Established by the UN Convention on International Watercourses, 5
New Zealand Journal of Environmental Law 2001, p. 94.
28 Vide PATRICIA WOUTERS et al., The Legal Response to the Worlds Water Crisis: What
Legacy From The Hague? What Future in Kyoto? 4 University of Denver Water Law Review, 2001, p.
419. Note-se, todavia, que as limitaes da gua no afectam somente o consume domstico e
industrial. Estes mesmos pases no tero gua suficiente para a irrigao e abeberamento do gado,
por exemplo. CHRISTOPHER SCOT MARAVILLA, The Canadian Bulk Water Moratorium and Its
Implications for NAFTA, 10 Currents International Law Journal, 2001, p. 30.
29 Vide EDITH BROWN WEISS, The Evolution of International Water Law, Martinus Nijhoff
Publishers, Leiden/Boston, 2009, p. 178. Refira-se ainda que a linha de pobreza para o acesso gua
potvel de 1000 metros cbicos por pessoa por ano, e que trs quartos da populao mundial
encontra-se em situao de acesso limitado gua, havendo estimativas que indicam que at 2025
35 por cento da populao mundial, que reside em 52 pases, estar em situao de stress hdrico ou
mesmo de escassez de gua. Ibidem.
30 Vide V. PERCIVAL & T. HOMER DIXON, Environmental Scarcity and Violent Conflict: The
Case of South Africa, 35 Journal of Peace research, 1998, P.280.
A Afirmao do Direito de guas
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erradamente interpretado porque no geral ficamos com a ideia de o nosso
planeta ser abundante em gua pelas imagens do mesmo, vistas do espao,
que indicam uma aparente abundncia de gua, no se relacionando, por
exemplo, a abundncia da gua com os mares e oceanos.
A escassez induzida pela procura surge em resultado do aumento da
procura da gua, exacerbada pela crescente explorao da gua devido ao
crescimento da populao e pelas presses do desenvolvimento, tendo este
tipo de escassez um maior impacto em regies ridas e semi-ridas, nas quais
j se verificavam problemas de escassez de gua.31
A escassez induzida pela oferta refere-se degradao dos recursos
hdricos num ritmo mais rpido do que o necessrio para a reposio natural
do recurso. A poluio e o uso insustentvel de guas subterrneas so dois
dos factores que mais contribuem para este tipo de escassez.32
Dos trs tipos de escassez referidos, no h dvidas que a escassez
estrutural a mais preocupante de todas porque, na verdade, um dos maiores
problemas relacionados com a gua a sua localizao geogrfica33 e a
31 Vide SIMON NICHOLSON, Water Scarcity, Conflict and International Water Law: An
Examination of the Regime Established by the UN Convention on International Watercourse, 5 N.Z. J.
Envtl. L., 2001, p. 95. Para estatsticas em relao disponibilidade de gua e respectivo uso, por
pas, vide World Bank, World Development Indicators 2005, disponvel em
http\\www.worldbank.org/data/wdi/environment.html (consultado a 12 Setembro 2012).
32 Vide SIMON NICHOLSON, Water Scarcity, Conflict and International Water Law: An
Examination of the Regime Established by the UN Convention on International Watercourses, 5 N.Z. J.
Envtl. L. 2001, p. 97. Um outro problema o que est relacionado com as perdas durante o
transporte urbano. A necessidade de transportar a gua de locais distantes para os locais de consumo
leva a perdas massivas devido evaporao e a fugas de gua (estas ltimas responsveis pela
perda de entre 30 a 50% da quantidade total da gua transportada). Ibidem.
33 De facto, tal como o Professor Stephen MacCaffrey afirma, if you took the total available
water and divided it by the number of people on the planet, there would be plenty of water to go
around. The problem is its in the wrong places! Vide STEPHEN C. MACCAFFREY, Water, Water
Everywhere, But Too Few Drops T Drink: The Coming Fresh Water Crisis and International
Captulo I- Introduo
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histria de subdesenvolvimento de alguns pases que partilham cursos de
gua internacionais, quando comparados com outros pases que partilham a
mesma bacia hidrogrfica.
A questo que se coloca liga-se necessidade que os pases tm de
fazer a explorao dos recursos hdricos, para o que devem desenvolver
sistemas de distribuio e gesto da gua, e para tal precisam quase sempre
reabilitar ou construir as infra-estruturas necessrias para um melhor uso e
gesto das guas em benefcio das populaes.
Mas isto tem que ser feito, muitas vezes, num contexto de possveis
reclamaes provenientes dos demais Estados de bacia, tratando-se de rios
internacionais, porque os demais pases tambm tm interesses a proteger,
situao esta que se torna mais complicada nos casos em que determinados
pases alcanaram nveis muito altos de desenvolvimento que demandam
altos nveis de uso de gua, enquanto outros no puderam desenvolver por
razes econmicas ou polticas.
O problema, neste caso, tem tambm a ver com a distribuio desigual
da gua, que, tal como afirma o Professor Canelas de Castro, aparece em
unidades naturais dividida entre os Estados, atravessando fronteiras ou
formando-as,34 e dessa forma justificando a sua natureza fugitiva.35
Environmental Law, 28 Denver Journal of International Law & Policy, 1999-2000, p. 330. Vide
igualmente URS LUTEBACHER, ELLEN WIEGANDT, Cooperation or Confrontation: Sustainable
Water Use in an International Context, in EDITH BROWN WEISS et al. (eds.), Fresh Water and
International Economic Law, Oxford University Press, 2005, p. 12, que referem que uma parte do
problema da distribuio da gua est relacionado com a diviso do globo em regies hmidas,
semiridas e ridas.
34 Vide PAULO CANELAS DE CASTRO, The Future of International Water Law, Luso-
American Foundation, Lisbon, 2005, p. 12, que explica, de forma incisiva, que a lgica omnipotente
(suprema potestas) da afirmao da propriedade soberana (dominium), que expressa na mxima
Romana ius utendi, fruendi et abutendi, e que ainda aplicada nos dias de hoje para a terra, nunca
foi aplicvel gua, porque a gua geralmente encontrada em cursos correntes, que tal como o
A Afirmao do Direito de guas
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18
Os nmeros mostram que h mais de 250 rios no planeta que so
internacionais (atravessam dois ou mais Estados ou formam fronteira entre
dois ou mais Estados), e as bacias hidrogrficas partilhadas ocupam cerca de
50 por cento da superfcie terrestre, e porque de facto a procura mundial de
gua cresce diariamente a nvel internacional, assiste-se, hoje em dia, a uma
verdadeira crise internacional.36
Para alm disso, os oceanos contm 97 por cento de toda a quantidade
de gua do planeta (e enquanto o processo de dessalinizao da gua do mar
continuar muito oneroso, o mundo no pode usufruir da abundncia da gua
do mar pois a mesma imprpria para beber, para a agricultura ou para fins
industriais).37
prprio nome sugere (curso de gua) mvel, no respeitando soberanias ou jurisdies demarcadas
por fronteiras e sinalizadas por administraes. Ibidem. (nfase original).
35 A expresso propriedade fugitiva pertence a R. COOTER & T. ULEN, Law and Economics
(2nd edition, 1997), citados por SIMON NICHOLSON, Water Scarcity, Conflict and International Water
Law: An Examination of the Regime Established by the UN Convention on International Watercourses,
5 N.Z. J. Envtl. L. 2001, p. 93.
36 Vide PAULO CANELAS DE CASTRO, The Future of International Water Law, Luso-
American Foundation, Lisbon, 2005, p. 12. E no difcil de perceber tal situao: porque a gua no
um recurso fisicamente esttico, a competio pela gua envolve diferentes conjuntos de conflitos;
Por um lado porque os rios so usados por milhares de pessoas, e esta situao geradora de
conflitos, e por outro lado, porque o prprio ciclo da gua, com as suas pocas altas e baixas, acaba
causando outros conflitos entre os utentes. Vide FRANOIS DU BOIS, Water Rights and the Limits of
Environmental Law, 6 Journal of Environmental. Law, 1994, p. 77.
37 possvel, por tcnicas de dessalinizao, que incluem a destilao e osmose reversa,
converter gua salgada ou gua salobra em gua potvel. Todavia, estes processos requerem o uso
de tecnologia de ponta, bastante onerosa, o que torna o processo todo bastante oneroso, e logo,
pouco acessvel. O World Research Institute estima que a dessalinizao custa trs a quarto vezes
mais que as tcnicas usuais de retirada da gua dos cursos de gua ou aquferos subterrneos. Vide
SIMON NICHOLSON, Water Scarcity, Conflict and International Water Law: An Examination of the
Regime Established by the UN Convention on International Watercourses, 5 N.Z. J. Envtl. L.2001, p.
93.
Captulo I- Introduo
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19
Deste modo, considerando que s trs por cento da quantidade total de
gua existente no planeta doce, correspondente a um volume total de
aproximadamente 35 milhes de quilmetros cbicos, e ainda assim, grande
parte desta gua potencialmente til estar para alm do alcance imediato do
homem, pois uma parte encontra-se nas calotes polares, em glaciares ou
ainda em profundos aquferos subterrneos, somente 0.3 por cento das
reservas totais de gua (menos de 100,000 km3) esto disponveis em rios e
lagos, nos quais grande parte da populao mundial depende, para satisfazer
as suas necessidades.38
E como se depreende, vezes sem conta estes factos causam
desentendimentos e at disputas, que so vistos como problemas clssicos e
modernos do Direito de guas,39 uma vez que a disponibilidade de gua em
quantidade suficiente importante no s para salvaguardar o
desenvolvimento econmico e a robustez ecolgica, mas tambm para
salvaguardar a paz e segurana internacionais.40
38 Os dados diferem, de acordo com as fontes, embora a magnitude seja prxima, nas
diversas apreciaes. Os dados aqui apresentados foram retirados de PETER GLEICK, An
introduction to Global Fresh water Issues, in PETER GLEICK(ed), Water in Crisis: A Guide to the
Worlds Fresh Water Resources, Pacific Institute For Studies in Development, Environment and
Security,1993, P. 198.
39 Com a mesma opinio, mas numa anlise do caso do Afeganisto, vide A. DAN TARLOCK
e JAMES C. MCMURRAY, The Law of Later Developing Riparian States: The Case of Afghanistan, 14
N.Y.U. Envtl. L.J., 2004, p. 745.
40 Vide, todavia, o paradoxo apresentado pelo caso entre o Canad e os Estados Unidos, em
relao bacia dos Grandes Lagos: Comparada maioria das mais contestadas bacias hidrogrficas,
tais como a Amu Darya na sia Central, Bacia do Rio Nilo, ou ainda do rio Zambeze, o nvel de
controvrsia em relao ao uso e gesto das guas dos Grandes Lagos inverso em relao
quantidade de gua disponvel naquela bacia. Isto , os lagos contm 20% da quantidade total de
gua superficial existente no planeta. Todavia, em termos comparados, muito pouca gua usada
nesta bacia, em quantidades que no ultrapassam os cinco por cento. Para mais discusses em
relao situao dos Grandes Lagos, vide A. DAN TARLOCK, Five Views of the Great Lakes and
Why They Might Matter, 15 Minn. J. Intl L., 2006, p. 21 e ss.
A Afirmao do Direito de guas
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Se um facto a problemtica da quantidade reduzida de gua, no
menos preocupante a questo da qualidade de gua, que posta em causa
devido a problemas ligados poluio. A poluio reduz a quantidade de gua
disponvel, uma vez que pode torna-la intil, por culpa das actividades agrcola
e industrial, principalmente, o que faz que algumas vezes as pessoas
consumam gua inadequada, que acaba sendo um vector de doenas.
Outras razes como a mudana do uso que se faz da gua, como forma
de acompanhar o desenvolvimento econmico, outro factor que pode
exacerbar potenciais conflitos.41 Isto acontece, por exemplo, no caso do
Afeganisto, que visto como um verdadeiro pesadelo do clssico regime de
cursos de gua transfronteirios42, pois um pas cujo desenvolvimento deu-
se tardiamente e agora exige dos pases com quem partilha rios internacionais
o direito de acesso a uma quantidade de gua que lhe permita alcanar os
seus planos sociais e econmicos, o que se torna agora bastante difcil de
materializar, em face da intensa explorao que feita pelos demais Estados
ribeirinhos, que no s construram infraestruturas de gesto, reteno e
distribuio de guas, como tambm tem usado a gua para diversos fins
cujas metas foram traadas a longo prazo.43
41 Vide URS LUTEBACHER e ELLEN WIEGANDT, Cooperation or Confrontation: Sustainable
Water Use in an International Context, in EDITH BROWN WEISS et al. (eds.), Fresh Water and
International Economic Law, Oxford University Press, 2005, p. 12, que afirmam que essa competio
existe no s em regies geogrficas mas tambm entre tipos de usurios. A agricultura, a indstria, a
produo de energia e os usos domsticos exigem todos cada vez maiores fornecimentos de gua,
sendo certo que as quantidades do recurso regra geral no aumenta, por razes como as mudanas
climticas, sobre-uso ou ainda devido poluio.
42 Esta expresso pertence a A. DAN TARLOCK e JAMES C. MCMURRAY, The Law of Later
Developing Riparian States: The Case of Afghanistan, 14 New N.Y.U. Envtl. L.J., 2004, p. 713.
43 Outro exemplo clssico o da Etipia, que contribui com 85% do fluxo do Rio Nilo,
jusante para o Sudo e o Egipto. Mas o Egipto invoca usos histricos para controlar o rio Nilo e
bloquear quaisquer empreendimentos de vulto que requeiram o uso da gua. Vide JOSEPH W.
Captulo I- Introduo
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21
Outro excelente exemplo das crises que podem ser originadas pela
gua pode ser encontrado na China, que o pas mais populoso do mundo, e
igualmente um dos pases mais carentes de gua do mundo, devido s
limitaes que enfrenta.44 A disponibilidade desproporcional de gua, tanto
no tempo assim como no espao, agrava a situao da gua na China, j
bastante crtica. De facto, os recursos hdricos da China esto
geograficamente desigualmente distribudos; existe muito mais gua no sul do
que no norte. O sul da China, incluindo a regio de Changjiang, alberga 53.5
por cento da populao chinesa, numa rea correspondente a 36.5 por cento
da rea total do territrio chines. Entretanto, nesta mesma regio, encontra-se
80.9 por cento da quantidade total dos recursos hdricos do pas.45
Em contrapartida, o norte da China, incluindo as regies de Liaohe,
Hailuanhe, Huanghe, Huaihe, alberga 46.5 por cento da populao total do
pas, numa rea que corresponde a 63.5 por cento do territrio nacional, para
os quais esto meramente disponveis 19.1 por cento da quantidade total de
gua do pas. 46
Consequentemente, a distribuio desigual de gua apontada como
uma das causas primrias da falta de desenvolvimento social e econmico
deste pas, no qual mais de 400 das suas 668 grandes cidades sofre de
limitaes de gua, incluindo Beijing (com uma populao de 15.36 milhes
em 2012), Tianjin (11.19 milhes) Xian (9.03), Taiyuan (5.22 milhes), Datong
DELLAPENNA, The Two Rivers and the Land Between: Mesopotamia and the International Law of
Transboundary Waters, 213 BYU Law Review, 1996, p. 220.
44 Vide PATRICIA WOUTERS et al. The New Development of Water Law in China 7, U. Denv.
Water L. Rev., 2003-2004, p. 250.
45 Vide PATRICIA WOUTERS et al. The New Development of Water Law in China 7, U. Denv.
Water L. Rev., 2003-2004, p. 250.
46 Vide PATRICIA WOUTERS et al. The New Development of Water Law in China 7, U. Denv.
Water L. Rev., 2003-2004, p. 250.
A Afirmao do Direito de guas
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22
(5.05 milhes), Qingdao (9.16 miles), Yantai (8.45 milhes) e Dalian (7.58
milhes).47
Em face do exposto, e na procura de solues para estes problemas, e
porque as quantidades de gua so fixas, discute-se como aumentar as
quantidades de gua disponveis. Obviamente que a resposta deve ser a
necessidade de recurso a melhores prticas e hbitos, que devem ser
buscados na disciplina do Direito do Ambiente, recorrendo reciclagem das
guas, captao das guas da chuva, e outros mtodos e tcnicas
ambientalmente recomendveis, por um lado, e por outro, o uso de
tecnologias para a conservao da gua que muitas vezes abunda em certos
perodos e escasseia noutros, construindo diques e canais.
Em Agosto de 2002, os delegados Cimeira das Naes Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentvel, decorrida em Joanesburgo, comprometeram-se
em reduzir o nmero de pessoas sem acesso gua potvel em 50 por cento,
at ao ano 2015, mas sublinharam que para tal seria necessria cooperao
entre os pases.48 Por outras palavras, isto significa que a comunidade
internacional ter que trabalhar em conjunto para ultrapassar os desafios
culturais, financeiros, legais e operacionais para que juntos ultrapassem a
crise de gua mundial, pois este no um problema de uma s nao ou
povo, mas de toda a Humanidade. Porque enquanto no houver consenso
sobre como mitigar a crise de gua, haver sempre o receio de os conflitos e
disputas latentes poderem transformar-se em verdadeiras guerras.
Da que questes relativas ao quadro normativo interno vigente nos
vrios Estados podem ser mais ou menos favorveis reduo dos dfices de
47 Vide PATRICIA WOUTERS et al. The New Development of Water Law in China 7, U. Denv.
Water L. Rev., 2003-2004, p. 252.
48 Vide RONA NARDONE, Like Oil and Water: the WTO and the Worlds Water Resources, 19
Conn. J. Intl L., 2003-2004, p. 183.
Captulo I- Introduo
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acesso gua, e dos problemas que da podem advir. Porque h uma relao
directa entre a escassez de gua e a falta de acesso mesma e o direito
vigente, na medida em que a existncia ou no de um quadro jurdico
favorvel ao acesso gua pelas populaes pode determinar o maior ou
menor grau de carncia do recurso por essas mesmas populaes, uma vez
que, havendo um nus legal por parte do Estado em providenciar o acesso
mnimo de gua o mesmo tem que fazer os esforos mnimos necessrios
para garantir que tal direito seja de facto efectivado, sob pena de colocar-se
em situao de incumprimento e sujeitar-se a todos os tipos de presso.
Entretanto, um facto que a escassez de gua, no sendo um facto
novo, teve sempre os mais diversos tipos de soluo ao longo da histria
comum da civilizao humana. Na verdade, o nvel de desenvolvimento das
sociedades esteve sempre dependente da quantidade e qualidade de gua
disponvel, pois esta sempre condicionou questes como alimentos, energia,
transporte e indstria, nos vrios momentos da civilizao humana.
E, sempre que houve crises ou escassez de gua, foi possvel encontrar
mtodos e meios de ultrapassar as crises existentes. Pelo que a procura
contnua de solues para os problemas da gua mais no que um diapaso
da prpria evoluo humana, com a diferena de se estar em outros tempos,
com outro tipo de meios, e recurso a outras tcnicas que podem ser mais ou
menos onerosas, e por isso deve-se afirmar, desde j, que a actual crise de
gua no ser ultrapassada simplesmente com base nas novas tecnologias,
como a dessalinizao, por exemplo, mas com base em solues transversais
que levam em conta uma matriz social e ideolgica dos povos.49 Como se
depreende, as limitaes do acesso gua acabam se tornando verdadeiros
motores de inovao da Humanidade, motivando, encorajando e incentivando
49 FEKRI A. HASSAN, Water Management and Early Civilizations: From Cooperation to
Conflict. Water for Peace: A Cultural Strategy, UNESCO-IHP, 2003, p. 115.
A Afirmao do Direito de guas
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24
as populaes a descobrir novas formas de solucionar os problemas de
escassez de gua.
1.1.3. A questo do acesso gua
A gua um elemento fundamental para a vida e para a sade. o
recurso natural no qual toda a vida depende. Sem gua, a sobrevivncia dos
seres vivos impossvel. Da que o acesso a gua seja crucial para a
sobrevivncia humana, em particular, pois na gua que se centra o
desenvolvimento socioeconmico, a luta contra a pobreza, e uma vida
saudvel50. A Organizao Mundial da Sade estima que a nvel mundial mais
de 1.1 bilio de pessoas no tem acesso a gua potvel. Em consequncia,
2.2 bilies de pessoas morrem em mdia devido a doenas ligadas a gua, e
1.87 bilies de crianas morrem devido a diarreias causadas pelo consumo de
gua imprpria51.
O acesso gua vital porque uma das condies essenciais para a
satisfao das necessidades bsicas das populaes, agora e no futuro.
Regra geral, o acesso gua geralmente analisado numa perspectiva de
acesso fsico e acesso econmico, em quantidade e qualidade adequadas
suficientes para satisfazer necessidades bsicas das pessoas52 .
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