FACULDADES INTEGRADAS PROMOVE
CURSO DE TECNOLOGIA EM GESTÃO AMBIENTAL
GESTÃO AMBIENTAL E TERRITORIAL EM TERRAS INDÍGENAS
O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE GESTÃO
AMBIENTAL E TERRITORIAL DE TERRAS INDÍGENAS
Graduanda: Ana Caroline Henley de Castro
Orientador: Bernardo Tadeu Machado Verano
Brasília
2013
ANA CAROLINE HENLEY DE CASTRO
CURSO TECNOLÓGICO EM GESTÃO AMBIENTAL
GESTÃO AMBIENTAL E TERRITORIAL EM TERRAS INDÍGENAS
O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE GESTÃO
AMBIENTAL E TERRITORIAL DE TERRAS INDÍGENAS
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado como requisito
parcial do curso de Tecnologia
em Gestão Ambiental, para
obtenção de título de Graduação
em tecnologia sob a orientação
do professor Mestre Bernardo
Tadeu Machado Verano.
BRASÍLIA
2013
RESUMO
A gestão ambiental e territorial de terras indígenas é hoje um tema polêmico
devido à complexidade que abrange tanto a questão ambiental, quanto a questão
indígena, envolvidas no processo. A Política Nacional de Gestão Ambiental e
Territorial em Terras Indígenas – PNGATI nasce da necessidade de se organizar as
políticas públicas voltadas para o tema. O presente estudo visa analisar o processo
de construção dessa política, por meio de análise documental, a fim de identificar os
desafios enfrentados pela mesma, como também, visualizar o futuro dos povos
indígenas a partir da implementação da PNGATI. Para tanto, primeiramente é
necessário traçar um panorama histórico-político a fim de identificar o ponto em que
meio ambiente e povos indígenas se encontram, e analisar como esses territórios
eram geridos antes da criação da política, ressaltando a questão da sobreposição de
Unidades de Conservação e terras indígenas, considerado o maior desafio desta
política.
Palavras-Chave: gestão ambiental em terras indígenas; gestão territorial em terras
indígenas; sobreposição de Unidades de Conservação.
ABSTRACT
The environmental and territorial management of indigenous lands is now a
controversial topic due to the complexity that covers environmental issue, as the
indigenous issue involved. The National Environmental and Land Management
Politics on Indigenous Lands - PNGATI born of the need to organize focused on the
public politics issue. This study aims to analyze the process of construction of this
politics, through documentary analysis, to identify the challenges faced by it, as well,
visualize the future of indigenous peoples from the implementation of PNGATI. To do
so, you first need to draw a historical-political landscape in order to identify the point
at which the environment and indigenous peoples collide, and analyze how these
areas were managed before the creation of the politics, highlighting the issue of
overlapping protected areas and indigenous lands, considered the biggest challenge
this politics.
Keywords: environmental management in indigenous land; land management in
indigenous land; overlapping Conservation Units.
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1. INTRODUÇÃO
As Terras Indígenas são geralmente áreas de florestas conservadas,
onde índios utilizam seus recursos de forma sustentável, portanto, além de proteger
os costumes e tradições dos povos indígenas, protegem também o meio ambiente.
Apesar disto, equacionar equilíbrio ambiental e justiça social na maioria das vezes
não é uma operação simples, as variáveis multiétnicas são diversas, compondo
assim, um desafio socioambiental. Neste sentido, faz-se necessário, uma análise da
gestão destes territórios que abrangem temas que estão interligados, e que
partilham de desafios parecidos para serem mantidos.
Sendo assim, primeiramente, é necessário revisitar a história visando
entender como foi construída a Política Indigenista, e em que momento histórico ela
se cruza com a Política Ambiental.
O Brasil não é índio; este, onde a civilização ainda não se extendeu, perdura com os seus costumes primitivos, sem adeantamento nem progresso.
Descoberto em 1500 pela frota portugueza ao mando de Pedro Alvares Cabral, o Brasil é a resultante directa da civilização occidental, trazida pela imigração, que lenta, mas continuadamente, foi povoando o sólo.
A religião, a mais poderosa fôrça civilizadora da epocha, internou-se pelos longinquos e invios sertões brasileiros e sob o influxo de Nobrega e Anchieta conseguiu assimilar número considerável de aborígene, que assim se incorporam à nação Brasileira.
Os selvícolas, esparsos, ainda abundam nas nossas magestosas florestas e em nada differem dos seus ascendentes de 400 anos atrás; não são nem podem ser considerados parte integrante da nossa nacionalidade; a esta cabe assimila-los e não o conseguindo elimina-los (FRONTIN, 1900 apud MATTOS, 1999, p.34).
Este pensamento defendido por Paulo de Frontin em 1900 representava a
opinião da oligarquia política desde a descoberta do Brasil, e foi apenas confrontado
por uma parte da sociedade defensora do pensamento positivista, no final do século
XIX/início do século XX, que, em contrapartida dizia:
Em primeiro lugar, os sentimentos de humanidade e justiça não permitem que se prégue o estermínio de hômens, mulhéres, e crianças, pelo único crime de estárem nas suas térras a aínda no estado de civilização primitiva, pela qual já passárão os antepassados dos chamados alemães atuais e dos chamados latinos atuais. Os sentimentos humanos não permítem que se faça tal estermínio para dar similhantes térras aos Alemães e Latinos, que deixão as suas pátrias, sem que os tivéssem chamados os selvagens, - que são legítimos possuidores do sólo em que se achão, segundo os princípios da moral e da razão - Estabelêção-se os colonos nas térras de que as fatalidades já privárão os indígenas (MENDES 1908 apud MATTOS, 1999, p.35).
A Comissão Rondon, subordinada ao Ministério da Agricultura e liderada pelo
Marechal Cândido Rondon - cujo lema era “Morrer se for preciso, matar nunca” -
influenciada pela corrente positivista, contatou diversas comunidades indígenas de
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forma pacífica e realizou seu objetivo de expansão territorial adentrando o país no
início do século XX. Posteriormente o então Marechal, foi convidado a assumir o
Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais - SPILN,
que logo depois se tornou apenas Serviço de Proteção ao Índio – SPI, devido à
complexidade que envolvia a questão indígena. O SPI tinha como objetivo “o
respeito às tribos como povos que tinham o direito de ser eles próprios, de professar
suas crenças, de viver segundo o único modo que sabiam fazê-lo: aquele que
aprenderam de seus antepassados e que só lentamente podia mudar” (RIBEIRO
1970, p.158 apud MATTOS,1999, p.38)
A situação dos povos indígenas a partir da criação do SPI, não mudou por
completo, Pois o mesmo, em toda a sua existência teve percalços na demarcação
territorial de terras indígenas, e também para assegurar a sua existência em função
de cortes de verbas e da pressão da Igreja que, desejava retomar as práticas
missionárias (MATTOS, 1999). Surge então, na década de 70, o Estatuto do Índio
(Lei nº6001/1973) que regula a situação jurídica dos índios e das comunidades
indígenas, juntamente com a Fundação Nacional do Índio que é subordinada ao
Ministério da Justiça.
A Funai e o Estatuto do Índio foram criados num momento histórico em que predominavam, ainda, as antigas e equivocadas ideias evolucionistas sobre a humanidade e seu desenvolvimento através de estágios. Uma ideologia fortemente etnocêntrica. Por isso, a Constituição do Brasil da época estabelecia a figura jurídica da tutela e considerava os índios como ‘relativamente incapazes’. [...] O processo de democratização do Estado brasileiro, durante a década de 1980, permitiu e incentivou a ampla discussão da chamada questão indígena pela sociedade civil e pelos próprios índios, que começaram a se conscientizar e a se organizar politicamente, num processo de participação crescente nos assuntos de seu interesse. Nas discussões e atividades políticas que envolveram o período de elaboração da
Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988 (FUNAI, 2013a)
“A Constituição de 1988 reafirmou direitos anteriormente definidos e incluiu
inovações importantes no campo dos direitos permanentes e coletivos dos povos
indígenas” (VERDUM, 2006, p.6) De acordo com o Art.231 “São reconhecidos aos
índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos
originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam.” E também, “a Constituição
assegurou o direito originário dos povos indígenas sobre suas terras, ou seja, é um
direito congênito anterior a qualquer outro. E, determinou que, o Estado promova o
reconhecimento e demarcação dessas áreas.” (AMADO, 2011, p.3)
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A questão ambiental e a questão indígena estão intimamente ligadas desde
então. O art. 225 da constituição federal diz que “Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para às presentes e futuras gerações.” Sendo assim, as
terras indígenas visam proteger tanto os povos indígenas que nela habitam quanto o
meio ambiente, fonte de sua subsistência. Essas áreas tem seu acesso controlado
pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que não permite a entrada de não índios,
a não ser, mediante autorização.
A Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas
(PNGATI)1, foi instituída em 5 de junho de 2012 com o objetivo de garantir e
promover a proteção, a recuperação, a conservação e o uso sustentável dos
recursos naturais das terras e territórios indígenas, assegurando a integridade do
patrimônio indígena, a melhoria da qualidade de vida e as condições plenas de
reprodução física e cultura das atuais e futuras gerações dos povos indígenas,
respeitando sua autonomia sociocultural, nos termos da legislação vigente.
Seguindo os princípios estabelecidos pela Convenção 169 das Nações
Unidas, a política foi construída por representantes governamentais e da sociedade
civil, principalmente representantes indígenas e do movimento indígena organizado,
de forma participativa e colaborativa, por meio de consultas regionais públicas.
Dentro do Governo Federal quem liderou esse processo de consulta pública foi a
Fundação Nacional do Índio – FUNAI – MJ e o Ministério do Meio Ambiente – MMA.
Embasadas nos artigos 231 e 225 da Constituição de 1988 que dispõe sobre
os índios e o meio ambiente, respectivamente, a política discorre sobre os direitos
originários sobre as terras tradicionalmente ocupadas, competindo a União
demarcar, proteger e fazer respeitar todos os bens dos índios e sua organização
social, e determina que todos possuam o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo
para as presentes e futuras gerações.
1 Ver Anexo I, Decreto n°7747 de 5 de junho de 2012, Presidência da República - PNGATI, 2012.
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A PNGATI define que sua implementação deve ser realizada através da
elaboração de Planos de Gestão Territorial e Ambiental – PGTA´s, que utilizam
ferramentas como o Etnomapeamento, que nada mais é, que o mapeamento
participativo das áreas de relevância sociocultural e produtiva dos povos indígenas,
e do, Etnozoneamento, que consiste numa ferramenta de planejamento capaz de
categorizar essas áreas, também de forma participativa. Ambas as ferramentas são
importantes instrumentais de gestão territorial indígena, pois possibilitam um maior
conhecimento da área em estudo, assim como planificar a utilização dos recursos
naturais de forma sustentável e em concordância com os costumes, usos e tradições
indígenas.
1.1. OBJETIVO GERAL
Analisar os princípios e diretrizes da construção da Política Nacional de Gestão
Territorial e Ambiental em Terras Indígenas.
1.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Descrever a gestão ambiental e territorial pré-PNGATI
Identificar o processo de construção e os mecanismos de implementação da
PNGATI
Analisar como a PNGATI pode contribuir para solucionar o problema da
sobreposição de terras indígenas e Unidades de Conservação.
1.3. METODOLOGIA
A metodologia adotada no presente estudo se pauta na pesquisa qualitativa e
utiliza a análise documental a partir de um levantamento de acervo referente ao
tema abordado. A pesquisa documental foi feita com base em artigos acadêmicos,
livros e publicações de instituições governamentais como a FUNAI e o MMA,
publicações de organizações não governamentais da sociedade civil como GIZ2,
IIEB3, e ISA4, bem como Atas de reuniões do Grupo de Trabalho Interministerial –
GTI, que elaborou a proposta da “Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial
em Terras Indígenas” e anais de seminários sobre o tema.
2 GIZ - Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit, Empresa alemã com quem a FUNAI tem acordo de cooperação técnica. 3 IIEB – instituto Internacional de Educação do Brasil.
4 ISA – Instituto Socioambiental.
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REFERENCIAL TEÓRICO
“Os direitos territoriais de povos e populações tradicionais no Brasil foram
conquistados a partir de lutas e reivindicações ocorridas na história recente do país”
(ABIRACHED et al. 2010, p. 2). “Historicamente o território indígena no Brasil foi
expropriado, sendo que apenas no século XX houve o reconhecimento aos
indígenas à manutenção de sua cultura e de seus territórios” (PRINTES, 2012, p. 1).
Tendo em vista a queda dos sistemas coloniais a partir do final do século XX, e da
implementação de regimes democráticos por toda América Latina, o reconhecimento
de direitos territoriais, políticos e, sociais aos povos nativos vem ocorrendo
paulatinamente (RICARDO et al 2004).
Segundo Verdum (2006), o processo de regularização fundiária das terras
tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas, que se deu de forma político-
administrativa no Estado nacional brasileiro desencadeou na construção do conceito
de terras indígenas. A constituição de 1988 define que são terras tradicionalmente
ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas
para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos
ambientais necessários a seu bem estar-estar e as necessárias a sua reprodução
física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Almeida (2004), em seu
estudo sobre terras tradicionalmente ocupadas define que a territorialidade funciona
como fator de identificação, defesa e força, mesmo quando se trata de apropriações
temporárias dos recursos naturais, por grupos sociais classificados muitas vezes
como “nômades” e “itinerantes”.
Os direitos dos povos tradicionais são reconhecidos a partir da definição da
legislação que trata, principalmente, dos regimes de propriedade dos territórios a
que pertencem. Tal fato é conduzido ao reconhecimento do conceito de “pluralismo
legal‟, que vem sendo trabalhado tanto dentro da antropologia, quanto no âmbito do
direito (Little, 2002). O decreto 6.040 de, 7 de fevereiro de 2007 que institui a Política
Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, a
PNPCT, objetiva dar plenos poderes aos povos tradicionais sobre os seus territórios,
assim como também ao acesso aos recursos naturais que os mesmos utilizam para
que os mesmos possam perpetuar seus costumes e tradições ao longo das
gerações. A instituição da PNPCT, tem como uma de suas premissas, promover o
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desenvolvimento sustentável dessas comunidades, enfatizando, reconhecendo e
garantindo seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos, religiosos e
culturais e valorização de suas identidades, suas formas de organização e suas
instituições. A PNPCT visa também, estimular a criação de Unidades de
Conservação (UC’s) de uso sustentável, tomando-as como um dos principais
instrumentos para a consolidação da garantia territorial destes povos e comunidades
(MENDES, 2009).
“O Ministério da Justiça, através da Fundação Nacional do Índio
(FUNAI), é responsável pelo reconhecimento de direitos territoriais indígenas, assim
como pelo processo de demarcação das áreas” (LAURIOLA, 2003, p. 1). “O
processo administrativo inicia-se com estudos antropológicos de identificação e
delimitação; a demarcação é instituída por portaria do Ministro da Justiça e
homologada por decreto presidencial” (ABIRACHED et al, 2010, p. 3). “No contexto
atual, é possível identificar a relevância crescente de pautas ambientais e a
legitimação de um mundo pluriétnico em políticas públicas, na destinação de
recursos e nas legislações de Estados Nacionais e fóruns internacionais”
(RICARDO, 2004, p.7). “Cabem na noção de gestão ambiental as manifestações
práticas sócio-culturais individuais e coletivas indígenas de ocupação territorial e
utilização das potencialidades naturais aí disponíveis” (VERDUM, 2006, p.8).
Também segundo Verdum (2006), o Decreto presidencial 1.141, de 19 de
maio de 1994 que dispõe sobre as ações de proteção ambiental, saúde e apoio às
atividades produtivas para as comunidades indígenas define que a gestão ambiental
em Terras Indígenas é de atribuição do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Sendo
assim é importante ressaltar que, a forma da gestão dos recursos existentes em uma
terra indígena (TI), pode determinar se o impacto será atenuado ou minimizado. São
três as variáveis responsáveis pelo grau de impacto antropológico no meio ambiente:
A diversidade dos recursos extraídos do ambiente natural; a velocidade de extração
desses recursos, que permite ou não a sua reposição; e a forma de disposição e
tratamento dos resíduos e afluentes.
O domínio político e simbólico do território indígena engloba seus saberes
tradicionais e suas práticas quanto ao uso dos recursos naturais em favor de sua
subsistência, cultura ou religiosidade, existentes em seu território e varia de acordo
com o povo que ali habita (PEDREIRA, 2010). A criação de áreas protegidas em
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todo mundo, tem viabilizado a conservação de vários tipos de biomas e
ecossistemas, sejam eles de relevante interesse ecológico ou não. Porém, é sabido,
que essas áreas, encontram-se frequentemente, povoadas por grupos de culturas e
tradições diversas, e que, portanto passam a ser submetidos às regras de
conservação ambiental, que nem sempre estão em consonância com seu modo de
vida. Sendo assim, este tipo de intervenção implica num ordenamento territorial
polêmico (MENDES, 2009).
O calendário agrícola e extrativista associado com processos migratórios sazonais de famílias nucleares e extensas; a decisão de, quando e para onde transferir o local de moradia; de “abandonar” os atuais roçados e deixar em “descanso” áreas fontes de proteína animal (caça e pesca) ou de matéria prima (folhas, fibras, resinas, madeira, etc.); a definição do local e o momento para a abertura de novos roçados; o que cultivar e em que quantidade e disposição no terreno; a experimentação e os melhoramentos de espécies florestais (fruteiras, por exemplo); a incorporação ou reincorporação adaptativa de técnicas e tecnologias de cultivo e extrativismo, entre outras ações de caráter etnoecológico são também e fundamentalmente ações de gestão ambiental do e no processo territorialização indígena. (VERDUM, 2006, p.8).
Equacionar diversidades dinâmicas como as biológicas, geográficas e
culturais de um país de dimensões continentais, a fim de concatenar uma legislação
que regule relações entre meio ambiente e terras indígenas para criar políticas
públicas que possibilitem a coexistência sustentável de ambos, é um desafio no
mínimo intrigante para o Estado brasileiro, mesmo tendo a Constituição tutelado
patrimônio cultural e ambiental. Estando ambos, presentes em uma mesma área, a
tendência é que eles se associem ou se sobreponham, culminando na prevalência
da tutela de apenas um dos bens (MENDES, 2009).
“No que diz respeito ao destino do planeta, é provável que o ritmo de
predação da natureza leve a que, num futuro próximo, as únicas áreas florestadas
estejam nos perímetros das TI’s e UC’s” (RICARDO, 2004, p. 9). “Destaca-se que,
que atualmente, a superfície total de terras indígenas com limites definidos
corresponde a 12,64% do território nacional” (FUNAI, 2013b, p. 9). Quando se diz
respeito à UC’s e TI’s que estão sobrepostas a utilização dos recursos pelos povos
que ali residem, são os motivos alegados pelos defensores irrestritos das UC’s de
Proteção Integral, sendo que na contramão deste ponto de vista, povos indígenas e
seus apoiadores, pensam ser, este território, local de ocupação histórica indígena ou
propícia à sua reprodução física e cultural (RICARDO, 2004). Portanto, quando a
sobreposição atinge níveis perigosos, onde a defesa das Unidades de Conservação
incide sobre a defesa dos direitos territoriais e culturais indígenas causando
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constrangimentos as suas práticas socioculturais, de ocupação territorial e
subsistência, é necessário que seja feita uma nova avaliação metodológica para que
se consiga solucionar este complexo e dinâmico mosaico étnico e cultural, tão
comumente visto no país (VERDUM, 2006).
O Brasil apresenta atualmente 310 UC federais, com uma área total de
aproximadamente 78 milhões de hectares (ICMBio, 2010). De acordo com o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação5 categoriza as mesmas em dois grandes
grupos, as Unidades de Conservação de Proteção Integral, onde as modificações no
meio são extremamente restritas, e as Unidades de Conservação de Uso
Sustentavel, que admitem transformações antropológicas no meio. Os casos de
sobreposição existentes, vem sendo amplamente debatidos pelos órgãos
governamentais competentes, e também no meio acadêmico por se tratar de uma
questão de complexibilidade elevada (ABIRACHED et all, 2010). Essa
complexibilidade se dá também, pelo fato da questão possuir variáveis de ordem
legal, estatística e institucional, podendo ser a causa de conflitos entre os diversos
atores envolvidos, sejam eles governamentais ou da sociedade civil interessada. Os
conflitos existentes em territórios sobrepostos nunca tem como única causa s
sobreposição em si, há de ser levado em consideração os interesses divergentes
entre os que disputam a gestão, da área em questão (PASCA, 2006).
“A questão da sobreposição entre UC’s e TI’s na legislação brasileira é
controversa e não está resolvida. Em muitos casos ela tem recentemente
proporcionado conflitos entre reivindicações territoriais de povos indígenas e a
aplicação de políticas de conservação” (LAURIOLA, 2003). As diretrizes impostas
aos habitantes6 de Unidades de Conservação podem tanto beneficiá-los, ao
impedirem o uso dos recursos naturais, por outros que ali tenham o direito de estar,
quanto restringirem sua liberdade, definindo regras para a utilização desses mesmos
recursos que, muitas vezes não condizem com as tradições dessas populações,
Sendo assim, é necessário que haja uma pluralidade de métodos a serem adotados
para a gestão destes territórios, com variáveis étnicas e culturais diversas
(MENDES, 2009).
5 SNUC – Lei nº 9.985 de 18 de julho de 2000.
6 Populações tradicionais, com seus direitos garantidos pela Constituição Federal de 1988.
12
2.1. POLÍTICA NACIONAL DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL EM
TERRAS INDÍGENAS
As primeiras ações de gestão ambiental e territorial existentes em terras
indígenas surgiram na Amazônia Legal, devido à complexidade das demandas
indígenas, que acabaram fazendo com que as TI’s caminhassem rumo a sua
sustentabilidade (PRINTES, 2009). Sendo assim, foi percebido que a gestão
territorial das terras indígenas que vem sendo adotada pelo Governo brasileiro,
necessita que haja uma junção dos métodos tradicionais adotados com novos
mecanismos e estratégias que possibilitem a participação da sociedade civil neste
processo. Para tanto foi instituída, em 5 de junho de 2012, a Política Nacional de
Gestão Ambiental e Territorial em Terras Indígenas - PNGATI (FUNAI, 2013b). A
mesma “foi elaborada por Grupo de Trabalho Interministerial com representação
paritária indígena, que se baseia em 13 discussões e consultas junto aos povos
indígenas de diversas regiões do Brasil” (PEDREIRA, 2010, p. 12).
A PNGATI é definida pelo Decreto nº 7.747/ 2012, com 47 objetivos
específicos, abrangendo tanto o que se pretende alcançar nas TI’s como o que se
pretende realizar institucionalmente (FUNAI, 2013c). Essa política, recentemente
proposta, surge do reconhecimento de que as terras indígenas são importantes
áreas de conservação do meio ambiente, e busca concretizar ações permanentes
que estruturem e fortaleçam as iniciativas indígenas de manejo e uso sustentável
dos recursos existentes garantindo assim, a proteção das TI’s (PEDREIRA 2010).
Para concretizar essas ações, a PNGATI prevê os Planos de Gestão Territorial e
Ambiental de Terras Indígenas – PGTA’s que são instrumentais de caráter dinâmico,
que visam à valorização do patrimônio material e imaterial indígena, à recuperação,
à conservação e ao uso sustentável dos recursos naturais, assegurando a melhoria
da qualidade de vida e as condições plenas de reprodução física e cultural das
atuais e futuras gerações indígenas (FUNAI, 2013b).
Se pudermos apontar alguns grandes momentos da história, onde os povos
indígenas a cada passo conquistam seus direitos, até então usurpados, temos: a
emergência do moderno movimento indígena com a criação da FUNAI e do Estatuto
do Índio, em meados de 1970; a Constituição que dedica um capítulo inteiro a esses
povos; a criação de programas de apoio à demarcação territorial indígena na década
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de 1990 e a PNGATI que se torna agora, um ponto crucial na história de conquistas
de direitos emancipatórios protagonizado pelos povos indígenas no país (IIEB,
2013).
“O grande número de terras indígenas, a nova regionalização da estrutura de gestão da FUNAI e a tendência de promoção da autonomia dos povos indígenas apontam para um modelo de gestão com as seguintes características:
Regionalização da nova estrutura da FUNAI e numa sub-regionalização estabelecida a partir da formação de conjuntos de TIs com identidade de gestão (complexos de TIs).
Descentralização da gestão dos recursos para esses conjuntos de TIs, ao mesmo tempo em que estabeleça a conexão sistêmica dos mecanismos de financiamento no âmbito dos biomas ou do país (o que será buscado na recomendação dos mecanismos financeiros).
Controle social e transparência na gestão de recursos nesses conjuntos de TIs (o que terá como ponto de partida a estrutura de participação regional da FUNAI).
Menor participação do governo na gestão dos recursos complementares (não orçamentários) e descentralização da execução dos recursos orçamentários (por meio das coordenações regionais da FUNAI).
Visão sistêmica à aplicação dos recursos das várias fontes disponíveis para um território (por meio de redes de fundos e cadastros/sistemas informatizados de gestão).
Adaptável para ser implementado na diversidade de condições culturais, administrativas, políticas, sociais, econômicas e ecológicas.” (FUNAI, 2013c, p. v)
Nesse contexto, a importância dos “instrumentos de gestão territorial e
ambiental de Terras Indígenas tem sido cada vez mais reconhecidos como forma de
apoiar o uso sustentável dos recursos naturais, valorizando e reconhecendo os
conhecimentos indígenas associados à conservação da biodiversidade” (FUNAI,
2013b, p.9).
2. ANÁLISE DA GESTÃO AMBIENTAL E TERRITORIAL PRÉ-PNEGATI
De acordo com Printes (2012), em seu estudo sobre a gestão territorial e
ambiental em comunidades indígenas, o Brasil, em sua história experimentou em
vários momentos, fases distintas de expansão das fronteiras agrícolas, apesar disso,
todas elas caracterizaram um modelo de desenvolvimento social marcado pelas
relações impositivas e desiguais estabelecidas no espaço. Esse processo resultou
na deslegitimidade da territorialidade dos povos originários, onde a lógica
homogênea de economia de escala sobrepõe às diversidades culturais e naturais,
que sempre foram tratadas como obstáculos ao desejado progresso. Sendo assim,
as populações tradicionais que não se enquadram nesse sistema dominante
hegemônico, à margem do processo de desenvolvimento a qualquer custo, se
refugiaram em espaços ainda remotos e de difícil acesso existentes no país. Esses
movimentos desencadearam em rearranjos territoriais de diversos povos se
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expressando na reconfiguração de territórios, alheios à “ideologia territorial soberana
do Estado-nação” (PRINTES, 2012).
No início do século XX, com a expansão econômica e territorial, os povos
indígenas passam a ser um entrave ao processo de ampliação do território nacional,
a legislação, por sua vez, reconhecia o direito legítimo dos índios às terras através
do artigo 12° da lei nº601, de 18 de setembro de 1850, que determinava que, o
governo deveria reservar terras para a colonização de indígenas, mas, em
contrapartida, não dispunha de dispositivos para protegê-los das frentes de
expansão. A partir da criação do SPI – Serviço de Proteção Indígena a gestão dos
territórios destinados a comunidades indígenas ficou a cargo deste órgão, até a sua
extinção em 1967, dali em diante o assunto é de responsabilidade da FUNAI –
Fundação Nacional do Índio. Paralelamente, a gestão territorial em TI’s7 na
Amazônia, ficava a cargo da Secretaria Geral do CSN – SADEN8, que adotou, entre
1986 e 1989, uma estratégia de tomada de controle direto da política indigenista e
ambiental na Amazônia, visando captar recursos internacionais para região, tendo
em vista a vulnerabilidade ecológica das florestas tropicais e das regiões de
fronteiras do extremo norte da Amazônia, áreas de intenso povoamento indígena
(ALBERT, 1991).
Em 1988, com a promulgação da nova Constituição Federal, houve a junção
de dois temas, até então marginalizados pela política nacional, a questão indígena, e
o meio ambiente, temas considerados entraves ao desenvolvimento econômico do
país, sendo a expansão das fronteiras agrícolas, mecanismos essenciais a este
processo. A Constituição Federal de 1988 revolucionou a forma de ver a legislação,
que antes era apenas um instrumento que de um lado freava o Estado, de outro
controlava a liberdade dos indivíduos. Essa mudança ocorre, principalmente, pela
pegada ecológica existente no texto, que adquire então um papel de destaque nesta
mudança, pois traz um novo conceito, ao invés da ideia do “eu-contra-o-Estado”, ou
mesmo de sua versão mais moderna do, “nós-contra-o-Estado”, a proteção do meio
ambiente propõe uma nova fórmula, “nós-todos-em-favor-do-planeta” (MENDES,
2009). Essa visão, protecionista em relação ao meio ambiente, exclui o conceito de
7 TI’s – Terras Indígenas
8 CSN – SADEN: Conselho de Segurança Nacional – Secretaria de Assessoramento da Defesa
Nacional.
15
individualismo, e o sujeito, passa a ser o coletivo, composto de cidadãos, Estado e
meio ambiente.
A Constituição traz novas responsabilidades ao Estado e aos cidadãos,
colocando-os num mesmo patamar de direitos e obrigações. “Ao afirmar que todos
têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a Constituição define que
a titularidade deste direito é assegurada ao indivíduo como também à coletividade”.
(BENATTI apud MENDES, 2009, p.153) Da mesma maneira, o dever de defender e
preservar este bem é compartilhado tanto pela sociedade civil, quanto pelo Estado.
Entre as mudanças que a Constituição trouxe a ampliação da definição de
patrimônio cultural9, teve efeitos diretos tanto na proteção ambiental, quanto na
política indigenista. O art. 231 exemplifica a questão, pois estabelece os direitos (já
reconhecidos anteriormente) de um grupo específico até então, marginalizado, os
índios, o que implica complexidades jurídicas e políticas10. Ao mesmo tempo surgem
choques territoriais provocados pela incessante expansão das fronteiras agrícolas,
que sucumbiram em ondas de territorialização por parte dos povos indígenas
juntamente com outros povos tradicionais.
PRINTES, em seu estudo, aponta a Amazônia Legal (AL) como o ponto onde,
a partir da década de 1990, houve a convergência dos temas, conservação da
biodiversidade e política indigenista. Esse processo resultou na demarcação de
várias TI’s, correspondendo a 94.67% das terras indígenas do território brasileiro,
abrigando 60% da população indígena. A FUNAI, a partir de sua criação, é
responsável pela gestão territorial de TI’s, porém há uma escassez de recursos, bem
como de pessoal para realizar este trabalho. A partir de 1994, quando foi atribuído
9 “O meio ambiente, entendido em toda sua plenitude e de um ponto de vista humanista, compreende
a natureza e as modificações que nela vem introduzindo o ser humano. Assim, o meio ambiente é composto pela terra, a água, o ar, a flora e a fauna, as edificações, as obras de arte e os elementos subjetivos e evocativos, como a beleza da paisagem ou a lembrança do passado, inscrições, marcos ou sinais de fatos naturais ou da passagem de seres humanos. Desta forma, para compreender o meio ambiente é tão importante a montanha, como a evocação mística que dela faça o povo. Alguns desses elementos existem independentes da ação do homem: os chamamos de meio ambiente natural; outros são frutos da sua intervenção e os chamamos meio ambiente cultural” (SOUZA FILHO apud MENDES, 2009, p. 159)
10 “As reivindicações territoriais, que fundamentam a garantia perante o Estado do reconhecimento
dos territórios sociais, estão relacionadas a expressões de territorialidades, que, apesar de despossuídas de “títulos ou leis, são mantidas vivas na memória coletiva, incorporando dimensões simbólicas e identitárias dos grupos com os lugares que habitam” ou usufruem sazonalmente” (LITTLE, apud PRINTES,2012, p.37)
16
ao Ministério do Meio Ambiente, a gestão ambiental das Terras Indígenas, a FUNAI
conta com o apoio do MMA para buscar estratégias que articulem a segurança
ecológica com a segurança e o bem-estar das comunidades que ali residem, bem
como do entorno dessas terras, e das atividades realizadas nas imediações e que
causem impactos tanto no meio físico, quanto na comunidade indígena.
Neste cenário, anterior a PNGATI, vemos uma dificuldade na gestão das
terras indígenas, ao considerarmos que o poder executivo ainda não regulamentou
os dispositivos constitucionais do capitulo voltado aos direitos dos povos indígenas.
O Estatuto do Índio, Lei n°6001/73, ainda está vigente, porém com grande parte dos
seus artigos vetados. Uma nova proposta foi elaborada com ampla participação dos
povos indígenas, instituições Federais, Estaduais e Municipais, no Conselho
Nacional de Política Indigenista – CNPI, mas encontra-se parado a mais de dois
anos na casa legislativa. Considerando que o poder legislativo não atualiza a “luz da
Constituição Federal” este importante dispositivo, as ações administrativas ficam
prejudicadas.
A estrutura fundiária brasileira é pouco consolidada, e ainda existe no interior
dos estados da federação um grande poder político nas mãos de poucos
latifundiários. Soma-se a esse contexto um enorme número de famílias de baixa
renda que não possuem a titularidade, ou mesmo posse dos locais em que vivem. O
reconhecimento de Terras Indígenas na grande maioria dos casos geram muitas
contestações, tanto administrativas quanto judiciais. Os litígios tornam os processos
administrativos de demarcação de terras indígenas morosos, e essa morosidade
acarreta uma série de problemas sociais, ambientais e políticos. As terras indígenas
com maiores índices de desmatamento, em sua grande totalidade, são aquelas que
carecem de regularização fundiária e que se encontram com processos judiciais. Por
esses motivos é que a PNGATI consolida o entendimento que as terras indígenas
devem estar na posse plena dos povos indígenas.
4. O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA PNGATI
A PNGATI começa a ser construída efetivamente a partir do segundo
semestre de 2008 quando o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério da Justiça, por
meio da FUNAI, e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, juntamente
17
com o apoio de cooperações internacionais, e de organizações não governamentais
criaram o GTI – Grupo de Trabalho Interministerial para Elaboração da PNGATI.
Segundo as ATAS das reuniões realizadas pelo GTI no período de 2009 à 2010,
observa-se desde o início, a preocupação com a burocratização do processo de
elaboração da minuta e a ausência de alguns participantes, demonstrando que a
devida importância do tema não foi internalizada pelos convidados. Um dos maiores
problemas enfrentados, é gerado pela dicotomia aparente, entre gestão ambiental e
territorial e a necessidade de superar essa oposição de pensamentos afim de,
articular a política nacional.
Observa-se que durante todo o Processo de elaboração da minuta do Decreto
PNGATI, foram realizadas 7 reuniões do GTI e 5 consultas públicas regionais, afim
de elaborar e discutir a minuta proposta. As reuniões do GTI aconteceram em
Brasília, enquanto as consultas regionais se espalharam por todo o país. A
construção da minuta da PNGATI esteve pautada no entendimento da diversidade
de experiências e ações já existentes, voltadas para a sustentabilidade das TI’s, e
na abrangência da gestão ambiental em tais terras, visando estruturar o sistema de
gestão da política, em uma proposta que dialogasse com as esferas municipais,
estaduais e, federal. Sendo assim, a consulta indígena foi parte essencial do
processo. A participação de indígenas na elaboração da PNGATI se deu de duas
formas, além das consultas regionais, que englobavam a participação de
representantes e lideranças indígenas, no GTI foram inseridas seis lideranças
indígenas, influenciando diretamente o texto, sendo a participação indígena a
principal marca do processo de construção da PNGATI.
Alguns dos desafios que a PNGATI deve enfrentar e solucionar foram
elencados no Seminário de Gestão Participativa de Unidades de Conservação no
Sul do Amazonas, Nordeste de Rondônia e Norte do Mato Grosso, que aconteceu
em outubro de 2012, em Porto Velho, RO, logo após o Decreto entrar em vigor, são
eles:
A comunicação ineficiente entre as instituições, bem como entre essas e as
comunidades; a falta de diálogo entre os órgãos responsáveis (tais como FUNAI,
ICMBio); e a falta de esclarecimento, informação, comunicação e participação em
consonância com ausência de diálogo institucional em Brasília, localmente e com as
18
próprias comunidades; no mesmo sentido, a constante falta de compromisso do
Estado com o tema, além dos interesses conflituosos envolvidos no processo,
contribuem para que os gestores não se qualifiquem para lidar com os conflitos da
melhor forma; somado a isso, tem-se também uma falta de divulgação de estratégias
bem-sucedidas, o que traz implicações para um desentendimento e desarticulação
entre as instituições gestoras e gestores públicos (IIEB, 2012).
Para tanto, a Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial em Terras
Indígenas dispõe de instrumentos para conseguir solucionar tais problemas, são eles
os PGTA’s – Planos de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas, que
estão sendo montados desde 2012.
“Os Planos de Gestão territorial e Ambiental de Terras Indígenas devem ser
construídos conforme a especificidade de cada territorialidade indígena, as características
políticas, sociais, culturais e econômicas de cada povo, bem como de acordo com as
especificidades ambientais de seus territórios. Sua implantação deve contemplar/implicar um
processo contínuo de discussão, negociação, construção de conhecimentos e
estabelecimentos de acordos acerca das formas de convivência, ocupação e uso do território
pelos povos indígenas, considerando sua situação atual e aspirações presentes e futuras”
(FUNAI, 2013b).
Por ser um instrumento feito por e para os povos indígenas, os PGTA’s tem
como princípio o Protagonismo Indígena que prevê suas aspirações e visões de
futuro, com a colaboração e o apoio do Estado e da sociedade civil. A Legalidade,
também surge como um dos princípios que regem os Planos de Gestão Territorial e
Ambiental em TI’s sempre respeitando as normas vigentes, consideradas as
especificidades indígenas no âmbito do ordenamento jurídico nacional. Tendo em
vista os aspectos socioculturais, econômicos, políticos e ambientais, a
Sustentabilidade é também um princípio, pois visa atender as necessidades
presentes, sem comprometer as necessidades das gerações futuras. Por último, é
necessário o estabelecimento de acordos que sejam utilizados como ferramentas de
diálogo, de organização dos espaços socialmente definidos, afim de, contribuir para
a efetividade das ações planejadas, das políticas públicas e demais serviços
voltados aos povos indígenas e ao meio ambiente. Entende-se assim, que os
PGTA’s são instrumentos estratégicos para a própria articulação e coordenação das
diversas políticas públicas voltadas aos povos indígenas, tanto no âmbito federal,
19
quanto estadual e municipal. E antes de tudo, são instrumentos estratégicos para os
povos indígenas refletirem e planejarem o futuro de seus territórios (FUNAI, 2013b).
Aos 30 dias do mês de outubro de 2013 foi instalado o comitê gestor da
PNGATI, e seus titulares e suplentes empossados, com mandato de dois anos. A
secretaria executiva ficou a cargo da FUNAI. O evento aconteceu no Centro de
Formação em Política Indigenista da FUNAI, em Sobradinho – DF. O comitê tem o
objetivo de ser o órgão de governança responsável pela coordenação, execução e
monitoramento da Política. Participam do CG-PNGATI, a Coordenação das
Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira - COIAB; a Articulação dos Povos e
Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – APOINME; a
Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul – ARPINSUL; a Articulação dos
Povos Indígenas do Sudeste – ARPINSUDESTE; o Conselho de Articulação dos
Povos Indígenas do Mato Grosso do Sul – Aty Guasu; a Articulação dos Povos
Indígenas do Brasil – APIB; a Fundação Nacional do Índio – FUNAI; o Ministério da
Justíça – MJ; o Ministério do Meio Ambiente - MMA; O Ministério do
Desenvolvimento Agrário – MDA; o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate
a Fome – MDS; e o Ministério da Saúde – MS (FUNAI,2013a)
5. SOBREPOSIÇÃO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO E TERRAS INDÍGENAS
Um dos maiores desafios da gestão territorial e ambiental em terras
indígenas, existentes na atualidade, é a gestão compartilhada de um território.
Tendo o Brasil, cerca de, 13% de seu território demarcado como terras indígenas, e
sendo este um mecanismo comprovado de preservação dos ecossistemas
existentes, a sobreposição de Unidades de Conservação e terras indígenas, tem
acentuado a proteção dessas áreas. Porém, essa dupla afetação gera uma
dicotomia de gestão. Quem é responsável por gerir esta terra? Os povos indígenas,
seus representantes e a FUNAI, ou ICMBio e demais órgãos responsáveis pela
gestão ambiental? O conceito de dupla afetação pode ser explicado, pela
duplicidade de destino de uso deste território, que garantido os direitos
constitucionais dos povos indígenas, deve-se ainda proteger o meio ambiente.
20
A Constituição Federal de 198811 representa um grande avanço no que diz
respeito aos direitos ambientais e aos direitos indígenas. Porém, anteriormente,
haviam sido criados, diversos Parques Nacionais e Reservas Nacionais sob
territórios indígenas. Dentro deste entendimento, este fato não era reconhecido
como problema pelo estado brasileiro, pois os povos indígenas eram considerados
como parte da paisagem. O modelo clássico adotado foi o do Parque Nacional de
Yellowstone, nos EUA, que foi a primeiro parque ocidental criado para a
conservação da paisagem natural. Ao passo que as fronteiras agrícolas começaram
a se expandir e adentrar cada vez mais o norte do país, os povos indígenas
percorriam um árduo caminho de reivindicação de seus territórios tradicionais, aos
quais foram anteriormente expulsos. Para os projetos de expansão de infraestrutura
na Amazônia Legal a presença de povos indígenas passou a ser vista como um
entrave, pois os índios lutavam por suas terras, o que culminava numa série de
conflitos. Da mesma forma as preocupações ambientais com regiões prioritárias
para a conservação de biodiversidade e recursos naturais, tem enfrentado severos
embates com projetos de desenvolvimento em regiões amazônicas. Recentemente
esses conflitos vêm se acirrando por conta da consolidação fundiária brasileira. O
processo de consolidação dos direitos indígenas, e seus reconhecimentos
territoriais, assim como a necessidade de se preservar certos biomas ameaçados
criando-se Unidades de Conservação, têm por consequência, disputas sob as
mesmas áreas.
Devido ao processo de colonização com bases exploratórias e extrativistas
vivido pelo Brasil, boa parte de sua cobertura vegetal foi sumariamente devastada.
Sendo assim, parte da corrente ambientalista que trabalha em defesa das Unidades
de Conservação, tem como premissa a preservação12 das mesmas, tendo em vista
sua fragilidade e alto grau de endemismo. Existem dois tipos de Unidades de
11
O artigo 231 “dos índios” e o artigo 225 “do meio ambiente”, da Constituição Federal de 1988, foram
precursores, pois um reconhece os direitos indígenas e o outro reconhece o meio ambiente como direito fundamental do cidadão, respectivamente. 12
Preservar uma área é a mesma coisa que limitar essa área e proibir complemente o uso direto dos recursos naturais nela existente. Preservação é não permitir a retirada de recursos naturais de uma área (PEREIRA, 2010).
21
Conservação de acordo com o SNUC13. As Unidades de proteção integral14, e as
Unidades de uso sustentável15. As Unidades de proteção integral são, portanto, os
palcos da maioria dos conflitos. Unidades de Proteção Integral visam preservar a
natureza, sendo admitido apenas, o uso indireto dos seus recursos naturais, com
exceção dos casos previstos na Lei. Já as Unidades de Uso Sustentável são
caracterizadas por compatibilizar a conservação16 da natureza com o uso
sustentável de parcela dos seus recursos naturais. Vejamos abaixo as diferentes
categorias de Unidades de Conservação:
Unidades de Conservação de Proteção Integral Estação Ecológica
Tem como objetivo a preservação da natureza e a realização de pesquisas científicas.
Reserva Biológica
Tem como objetivo a preservação integral da biota e demais atributos naturais existentes em seus limites, sem interferência humana direta ou modificações ambientais, excetuando-se as medidas de recuperação de seus ecossistemas alterados e as ações de manejo necessárias para recuperar e preservar o equilíbrio natural, a diversidade biológica e os processos ecológicos naturais.
Parque Nacional
Tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.
Monumento Natural
Tem como objetivo básico preservar sítios naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica.
Refúgio de Vida Silvestre
Tem como objetivo proteger ambientes naturais onde se asseguram condições para a existência ou reprodução de espécies ou comunidades da flora local e da fauna residente ou migratória.
Tabela 01. Unidades de Proteção Integral. Fonte: LEI No 9.985, de 18 de julho de 2000.
Unidades de Conservação de Uso Sustentável
Área de Proteção Ambiental
É uma área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.
13
Sistema Nacional de Unidade de Conservação – SNUC, foi instituído pela Lei 9985 de 18 de julho de 2000, e estabelece critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação. 14
Vide tabela 01. 15
Vide tabela 02. 16
Quando falamos em conservar uma área, podemos usar os recursos naturais delas, mas com limites, de forma sustentável. Conservação é usar direito os recursos naturais de uma área, ou seja, de modo que eles não acabem. Os recursos naturais podem ser usados, mas há limites para sua exploração e também há fiscalização do governo.
22
Área de Relevante Interesse Ecológico
é uma área em geral de pequena extensão, com pouca ou nenhuma ocupação humana, com características naturais extraordinárias ou que abriga exemplares raros da biota regional, e tem como objetivo manter os ecossistemas naturais de importância regional ou local e regular o uso admissível dessas áreas, de modo a compatibilizá-lo com os objetivos de conservação da natureza.
Floresta Nacional
é uma área com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas e tem como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas nativas.
Reserva Extrativista
é uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.
Reserva de Fauna
é uma área natural com populações animais de espécies nativas, terrestres ou aquáticas, residentes ou migratórias, adequadas para estudos técnico-científicos sobre o manejo econômico sustentável de recursos faunísticos.
Reserva de Desenvolvimento Sustentável
é uma área natural que abriga populações tradicionais, cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais e que desempenham um papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica.
Reserva Particular do Patrimônio Natural
é uma área privada, gravada com perpetuidade, com o objetivo de conservar a diversidade biológica.
Tabela 02. Unidades de Uso Sustentável. Fonte: Fonte: LEI No 9.985, de 18 de julho de 2000.
Como coadunar as restrições preservacionistas de Unidades de Conservação
de Proteção Integral onde encontram-se os povos indígenas em pleno exercício de
suas liberdades culturais? Os defensores dos direitos indígenas mais aguerridos
contestam a sobreposição, entendendo que os territórios de ocupação tradicional,
histórica, cultural, religiosa, e necessárias a sua reprodução física e cultural, estão
embasados em uma legislação vinculada aos direitos humanos, portanto acima da
legislação ambiental. Assim propõe a revogação das áreas das UC´s que estão
sobrepostas. Por outro lado os preservacionistas, muitas vezes, não concebem os
povos indígenas como protetores da natureza e dos recursos naturais, e entendem
que são as terras indígenas que devem ser revogadas. Muitas vezes, essas
disputas, desviam o foco de problemas mais graves, que atingem tanto os povos
indígenas quanto o meio ambiente, como as atividades ilegais impetradas por
garimpeiros, madeireiros, fazendeiros, grileiros, traficantes, entre outros.
23
Vale lembrar que tanto as TI’s, quanto as UC’s, são Áreas Protegidas, mas
que possuem objetivos e destinações diferentes. Abaixo, observar-se essas
diferenças através do quadro de Luis Fernando Pereira:
Terra Indígena Unidade de
Conservação de uso sustentável
Unidade de Conservação de
proteção integral
Conceituação
São territórios tradicionalmente ocupados ou podem ser áreas (reservas) criadas, para onde são levados os povos indígenas.
Flona, RESEX, RDS, APA
PARNA, Parque Estadual, Estação Ecológica, Reserva Biológica
Objetivo
São criadas para proteger o modo de vida das populações indígenas.
São criadas para proteger o modo de vida das populações tradicionais e os recursos naturais.
São criadas para proteger os recursos ambientais.
Recursos Ambientais Podem ser explorados para uso interno das populações indígenas.
Podem ser exploradas de forma sustentável, para uso interno das populações tradicionais e para uso externo com Plano de Manejo.
Não podem ser explorados; só é permitido o uso indireto (visitação, pesquisas e outros).
Tabela 03. Conceituação de Terras Indígenas e Unidades de Conservação. Fonte: Pereira, 2010, adaptado.
Quando o debate acerca da sobreposição das TI’s e UC’s, foge ao nível da
racionalidade, mascara a realidade de que são as frentes de grilagem ligadas à
atividades predatórias, que configuram o verdadeiro inimigo, a ser combatido.
Enquanto isso, ambientalistas alegam que a demarcação das Terras Indígenas
violam a integridade do SNUC, e povos indígenas afirmam que as sobreposições
violam o direito de usufruto exclusivo sobre os recursos naturais, reconhecido pela
Constituição, aos povos indígenas. De acordo com o ICMBio, existem hoje no Brasil,
313 Unidades de Conservação Federais. E, segundo a FUNAI, são 672 Terras
Indígenas, em diversas situações.
Segundo estudo organizado por Fany Ricardo (2004), e publicado pelo
Instituto Socioambiental - ISA, “Unidades de Conservação e Terras Indígenas - O
desafio das sobreposições”, em função da existência de diferentes lógicas espaciais
indígenas, e, portanto de diferentes formas indígenas de organização territorial, é
24
necessário que se analise “caso a caso”. Este fato dificulta a produção de políticas
públicas direcionadas à população indígena, e ao território que a mesma ocupa. Os
quadros abaixo exemplificam as áreas protegidas agrupadas por Biomas:
Terras Indígenas
Bioma Número de TI's Extensão (ha) % da extensão no Bioma
Amazônia 352 96.640.671 22,99
Caatinga 38 253.510 0,3
Cerrado 94 7.291.290 3,6
Mata Atlântica 129 466.750 0,42
Pampa 17 2.411 0,01
Pantanal 9 279.649 1,83
No Brasil 626 104.932.650
Extensão nominal das TI's com perímetro definido. Não há sobreposições ente TI's. Tabela 04. Terras Indígenas por Bioma. Fonte: Ricardo, 2004, adaptado.
Unidades de Conservação Federais
Bioma Número de UCF's Extensão (ha) % da extensão no
Bioma
Amazônia 93 40.424.710 9,62
Caatinga 17 487.757 0,57
Cerrado 34 4.111.819 2,03
Mata Atlântica 81 1.193.513 1,07
Pampa 2 122.704 0,74
Pantanal 2 146.200 0,96
No Brasil 224 46.530.466 Extensão nominal das UCF's com perímetro definido. Há sobreposições ente algumas delas, e
também com TI's e UCE's. A sobreposição não está descontada nessa soma.
Tabela 05. Unidades de Conservação Federais por Bioma. Fonte: Ricardo, 2004, adaptado.
Unidades de Conservação Estaduais
Bioma número de UCF's Extensão (ha) % da extensão no
Bioma
Amazônia 89 17.157.297 4,08
Caatinga 13 127.111 0,15
Cerrado 80 1.793.552 0,88
Mata Atlântica 129 1.515.332 1,36
Pampa 14 47.208 0,29
25
Pantanal 2 178.303 1,17
No Brasil 324 20.807.364
Extensão nominal das UCE's com perímetro definido. Há sobreposições ente algumas delas, e também com TI's E UCE's. A sobreposição não está descontada nessa soma.
Tabela 06. Unidades de Conservação Estaduais por Bioma. Fonte: Ricardo, 2004, adaptado.
Bioma Área de sobreposição no Bioma (há)
Área Protegida no Bioma (há)
%
Amazônia 14.165.441 140.057.238 33,32
Caatinga 82 868.295 1,01
Cerrado 554.887 12.641.77 6,23
Mata Atlântica 38.162 3.137.434 2,82
Pampa - 172.323 1,04
.Pantanal - 604.152 3,96
No Brasil 14.758.572 157.511.908 18,51
Extensão no bioma com sobreposição de duas ou mais unidades de proteção (TI ou UC).
Extensão efetivamente protegida, ou seja, excluindo-se as sobreposições. Tabela 07. Sobreposições por Bioma. Fonte: Ricardo, 2004, adaptado.
Sobre os quadros17, é importante ressaltar que não foram consideradas as
Unidades de Conservação que incidem sobre o oceano, nem as 29 APAs Federais,
e as 174 estaduais, que somam respectivamente 6.837.844ha e 25.173.659ha. Os
números apresentados refletem a situação na data em questão, e podem ter sido
alterados ao longo dos anos, em caráter do monitoramento do projeto. Este cenário
aparentemente sem saída encontra orientações na PNGATI. A gestão
compartilhada, entre duas instituições, FUNAI e ICMBio, ou entre instituição e
sociedades indígenas ou extrativistas, pode ser realizada dentro de uma concepção
em que o uso sustentável pode prever e atender as diversas preocupações. Os
PGTA´s podem apresentar soluções para que em determinada área sobreposta,
entre uma TI e uma UC, por exemplo, seja implementado um zoneamento que
define áreas de usos e áreas de não uso. A discussão deve ser realizada com ampla
participação das instituições e das populações locais com vistas ao respeito às
especificidades sociais e ambientais garantidas por essa política.
Como exemplo dos conflitos de interesse e da situação atual encontrada em
áreas sobrepostas, podemos citar o Parque Nacional Pico da Neblina, localizado no
17
Esses dados podem ser melhor observados no mapa que segue no Anexo II.
26
norte do Amazonas, na Terra Indígena Yanomami Ye’kuana. O PARNA Pico da
Neblina tem hoje, a sua visitação suspensa devido à importância espiritual, que o
ponto mais alto do Brasil, representa para os povos indígenas que habitam a região.
Porém, não raro se encontram notícias de que turistas estrangeiros e também
brasileiros tenham alcançado o topo da Brasil. Isso se deve ao fato de a FUNAI, que
deveria manter o controle da entrada e saída dos não-índios em terras indígenas,
por falta de pessoal, recursos e devido a vasta extensão do território Yanomami,
não consegue de fato controlar efetivamente quem entra na TI. Existe uma
movimentação a favor da reabertura da visitação no parque por meio do ICMBio,
mas os interesses indígenas se opõe a esta corrente. A PNGATI por meio do diálogo
estabelecido entre FUNAI e ICMBio, pode vir a solucionar o problema.
6. ANÁLISE DA PNGATI
Foi verificado que, mesmo os representantes indígenas mais experientes no
trato com o governo, sentiram dificuldades para entender os termos técnicos e
jurídicos discutidos no GTI. Da mesma forma, as consultas regionais mostraram a
preocupação das lideranças indígenas de que “os parentes” legitimassem a
proposta, sem entender realmente do que ela trata, e do risco da própria política se
voltar contra os interesses indígenas no futuro. Sendo assim, percebe-se a
necessidade de produção de materiais que facilitem o diálogo intercultural. Para
tanto, a interlocução com profissionais da área de educação que atuam dentro das
comunidades indígenas, pode ser a solução para o problema, visto que os mesmos
estão largamente acostumados ao desafio da tradução cultural.
A divergência ideológica que permeia as questões ambientais e indígenas,
assim como o choque entre essas legislações, dificulta o diálogo dos setores do
governo responsáveis pelas ações de gestão nas terras indígenas, principalmente
no que tange a sobreposição de terras indígenas e Unidades de Conservação,
assim como suas áreas circunvizinhas. Entretanto, a PNGATI vislumbra a
coexistência das mesmas, numa organização do espaço a partir da aproximação das
instituições que atuam nesse processo, sendo que o diálogo constitui a base para os
avanços necessários. No entanto, faz-se necessário destacar o esforço realizado no
sentido de aperfeiçoar a cooperação técnica para elucidar os problemas existentes.
27
Visualizando um cenário futuro, percebe-se que a política indigenista aliada à
política de conservação ambiental em terras indígenas, apresentada pela PNGATI,
se implementada, pode vir a ser o primeiro passo para que os povos indígenas
sejam verdadeiramente os protagonistas desse processo, podendo num futuro
próximo, inclusive agir como articuladores de seus interesses junto ao Estado, e
também, como defensores do meio ambiente em suas terras. Nesse sentido, os
papeis do Ministério do Meio Ambiente, por meio do ICMBio e do Ministério da
Justiça, através da FUNAI, ficam claros, no sentido de dar o suporte necessário para
que os mesmos possam desenvolver suas atividades de forma sustentável.
7. CONCLUSÃO
A Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial em Terras Indígenas
pode ser considerada um marco na história da construção de políticas voltadas a
esses povos, pois teve como um de seus pilares a participação e o protagonismo
indígena. Este fato, no entanto, foi o mote de todo o empreendimento, desde a
formação do GTI, passando pelas reuniões prévias (onde a proposta foi explicada às
lideranças indígenas), até a última consulta regional. Consultas essas, que tinham o
objetivo de discutir e legitimar a proposta da PNGATI. O movimento indígena, que
antes tinha como seu principal representante no diálogo com o Estado, o Conselho
Nacional de Política Indigenista (CNPI), ganha força com a possibilidade de
articulação efetiva com o governo, a partir de uma agenda nacional. Foi observado,
no entanto, uma dificuldade de integração dos diversos setores envolvidos neste
processo.
A consulta livre, prévia e informada, como dita a convenção 169 da qual o
Brasil é signatário, não possui um formato definido sendo, portanto, um mecanismo
adaptável de acordo com os interesses do processo a que ela é aplicada. No caso
da PNGATI, o modelo de consulta adotado, revelou que é necessário um conjunto
de procedimentos e instrumentos que garantam a informação prévia. Sendo assim,
uma única consulta não é viável. Devido à diversidade cultural e multiétnica,
característica dos povos indígenas brasileiros, percebeu-se a necessidade de
reuniões prévias onde o documento fosse apresentado em uma linguagem de fácil
entendimento a esses povos, e tendo os mesmos, um tempo para assimilar as
28
informações descritas antes das consultas regionais, para que houvesse
legitimidade no processo.
8. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MATTOS, Gleice M. L. de. O Positivismo e a Política Indigenista do século
XIX. Rio de Janeiro: UERJ, 1999.
FUNAI. História e Política indigenista. Disponível em:
<http://www.funai.gov.br/indios/politica/politica.htm>. Acesso em: 5 out.
2013a.
VERDUM, Ricardo. A Gestão Ambiental e Territorial no Brasil Indígena -
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