GEOPOLÍTICA DAS MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS PARA O
BRASIL: OS NOVOS CONCEITOS DE POLÍTICA EXTERNA
MIGRATÓRIA, HIPERDINAMIZAÇÃO DAS MIGRAÇÕES E
MIGRAÇÕES DE PERSPECTIVA
ROBERTO RODOLFO GEORG UEBEL1
RESUMO: Este estudo é resultado de tese doutoral em Geopolítica e concentra a discussão de três novos conceitos propostos para o entendimento da geopolítica das migrações internacionais para o Brasil no período de 2003 a 2018. O Brasil foi o país que mais recebeu imigrantes de forma proporcional em todo o Hemisfério Sul neste período, cerca de 2,1 milhões, de acordo com os dados da Polícia Federal, a autoridade migratória brasileira. Oriundos majoritariamente da América Latina, Caribe e costa oeste da África, esses novos grupos migratórios trouxeram novas trajetórias migratórias e teceram um peculiar fluxo transnacional, implicando novas leituras e geografias políticas acerca de seus caminhos, repercussões e integrações nos países de recepção e acolhimento. A pesquisa realizou uma prévia revisão crítica dos principais referenciais teóricos da Ciência Geográfica global, sobretudo das escolas geopolíticas anglo-americana e franco-canadense, a fim de traçar um perfil de tratamento e definição de conceitos como migração, migrante, fronteira e refugiados. Utilizamos como instrumento complementar de análise dos dados estatísticos oficiais, as ferramentas da cartografia temática, que permitiram uma padronização e atualização dos mapas de fluxos migratórios para o Brasil, apontando, ao cabo, trajetórias relevantes para os estudos derivados da pesquisa principal. Como resultado, propusemos o debate de três novos conceitos para o entendimento da geopolítica das migrações internacionais para o Brasil, quais sejam: Política Externa Migratória Brasileira: sustentada exclusivamente a partir da inserção estratégica do Brasil, sob uma égide da “política externa ativa e altiva”, e cimentada por pilares como as participações brasileiras em missões humanitárias, a concessão de bolsas de estudo e pesquisa para estudantes estrangeiros, a criação do visto humanitário, a emissão e isenção de vistos para grandes eventos desportivos, a discussão e tramitação da nova Lei de Migração, a imigração subsidiada por meio do Programa Mais Médicos. Migrações de Perspectiva: se tratam de um tipo migratório, muito peculiar e pertinente aos grupos de imigrantes latino-americanos e africanos baseado nas perspectivas do país de acolhimento, isto é, de acordo com o cenário econômico, político, social, laboral, cultural, racial, de igualdade de gênero, etc., existentes no Brasil, neste caso, e que criaram condicionantes muito específicos que permitiram que o país acolhesse até dois milhões de imigrantes em treze anos. Os migrantes de perspectiva podem ser tanto refugiados como imigrantes ditos econômicos, e emigram ou remigram tão logo esses condicionantes e perspectivas apontem para uma piora no cenário de acolhimento, inserção e integração. Hiperdinamização das Migrações: fenômeno ocorrido a partir da revisão bibliográfica e documental geopolítica, pela primeira vez no Brasil e de forma mista entre os grupos, especialmente dentre os oeste-africanos e latino-americanos. Em menos de uma década o saldo migratório do Brasil oscilou de negativo para positivo, restando ali em um curto período de tempo, e retornando para negativo até os dias de hoje, dado o agravamento da economia, mercado de trabalho e xenofobia social e
1 Doutor em Estudos Estratégicos Internacionais (UFRGS) e Mestre em Geografia (UFRGS). Economista (CORECON/RS 8074) e Professor dos cursos de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-POA) e da Faculdade São Francisco de Assis (UNIFIN). Pesquisador do Laboratório Estado e Território (LABETER-UFRGS) e do grupo de pesquisa Novos Polos de Poder e a Política Internacional (ESPM-POA). E-mail de contato: [email protected].
institucional/governamental do país, tornando-o não mais atrativo e, portanto, sem perspectivas positivas que fomentassem às novas imigrações ou a permanência daqueles que já haviam imigrado. Palavras-chave: Geopolítica. Migrações Internacionais. Brasil. Política Externa Migratória. Hiperdinamização. ABSTRACT: This study is the result of a doctoral dissertation in Geopolitics and concentrates the discussion of three new concepts proposed for the understanding of the geopolitics of international migrations to Brazil from 2003 to 2018. Brazil was the country that most proportionally received immigrants in the Southern Hemisphere in this period, around 2.1 million, according to data from the Federal Police, the Brazilian immigration authority. Coming mainly from Latin America, the Caribbean and the West Coast of Africa, these new migratory groups brought new migratory trajectories and created a peculiar transnational flow, implying new readings and political geographies about their paths, repercussions and integrations in the hosting countries. The research carried out a previous critical review of the main theoretical references of the global Geographical Science, especially of the Anglo-American and French-Canadian geopolitical schools, in order to draw a profile of treatment and definition of concepts such as migration, migrant, border and refugees. We used as a complementary tool to analyse official statistical data, the thematic cartography, which allowed a standardization and update of maps of migratory flows to Brazil, pointing out, eventually, trajectories relevant to the studies derived from the main research. As a result, we proposed the discussion of three new concepts for the understanding of the geopolitics of international migrations to Brazil, namely: Migration Foreign Policy: sustained exclusively from the strategic insertion of Brazil under the aegis of "active and assertive foreign policy", and cemented by pillars such as the Brazilian participation in humanitarian missions, granting of scholarships and research fellowships to foreign students, creation of the humanitarian visa, issuing and exempting visas for major sporting events, discussion and approval of the new Migration Law, subsidized immigration through the More Doctors Programme. Perspective Migrations: they are a very peculiar migratory type that is exclusively to Latin American and African immigrant groups based on the perspectives of the hosting country, that is, according to the economic, political, social, labour, cultural, racial, gender equality scenarios in Brazil, in this case, and which created very specific conditions that allowed the country to host up to two million immigrants in thirteen years. Perspective migrants can be both refugees and so-called economic immigrants, and they emigrate or remigrate as soon as these constraints and perspectives point to a worsening of the reception, insertion and integration scenarios. Hyperdynamization of migrations: a phenomenon that occurred from the bibliographic and documentary geopolitical review, for the first time in Brazil and in a mixed way among the groups, especially among West Africans and Latin Americans. In less than a decade Brazil's migratory balance has fluctuated from negative to positive, remaining there in a short period of time, and returning to negative until today, given the worsening economy, labour market and social and institutional/governmental xenophobia of the country, making it no more attractive and therefore without positive perspectives that would encourage new immigration or the permanence of those who had already immigrated. Keywords: Geopolitics. International Migration. Brazil. Migration Foreign Policy. Hyperdynamization.
1 – Introdução
De acordo com os dados compilados por Uebel (2018), fornecidos pela Polícia
Federal, o Brasil recebeu pouco mais de 2,1 milhões de imigrantes entre os anos de
2003 e 2018, originários sobretudo do Sul Global, a periferia do Sistema Internacional
sob a ótica moderna das Relações Internacionais e da Geografia Política sistêmica.
Oriundos majoritariamente das sub-regiões da América Latina, Caribe e costa
oeste da África, esses novos grupos migratórios trouxeram novas trajetórias
migratórias e teceram um peculiar fluxo transnacional, implicando novas leituras e
geografias políticas acerca de seus caminhos, repercussões e integrações nos países
de recepção e acolhimento.
Deste modo, a presente pesquisa realizou uma breve revisão crítica dos
principais referenciais teóricos da Ciência Geográfica global, sobretudo das escolas
geopolíticas anglo-americana e franco-canadense, a fim de traçar um perfil de
tratamento e definição de conceitos como migração, migrante, fronteira e refugiados.
Utilizamos como instrumento complementar de análise dos dados estatísticos
oficiais, as ferramentas da cartografia temática, que permitiram uma padronização e
atualização dos mapas de fluxos migratórios para o Brasil, apontando, ao cabo,
trajetórias relevantes para os estudos derivados da pesquisa principal (UEBEL, 2018).
Como resultado, propusemos o debate de três novos conceitos para o
entendimento da geopolítica das migrações internacionais para o Brasil, a saber:
Política Externa Migratória, Migrações de Perspectiva e Hiperdinamização das
Migrações, que serão sumarizados na próxima seção (Discussão), bem como a sua
aplicação na Geopolítica e Geografia Política em sala de aula (Resultados), somada
à seção sobre a Metodologia empregada e as Conclusões ao final do trabalho.
2 – Discussão
2.1 – Perfil Imigratório do Brasil: um panorama
Conforme mencionado na seção anterior, segundo os dados da Polícia Federal,
a autoridade migratória brasileira, a população de novos imigrantes no Brasil chegou
a 2,1 milhões entre 2013 e 2018, isto é, o somatório total dos ingressos nacionais.
Com relação ao saldo migratório, ainda existe no Brasil um grande desafio para
geógrafos, demógrafos e pesquisadores da temática migratória em estabelecer uma
quantificação aproximada, uma vez que os dados de saída da própria Polícia Federal
contabilizam apenas a emigração regular, e os censos realizados pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística disponibilizam dados a cada dez anos, portanto,
as últimas estatísticas são de nove anos atrás, quando o Brasil ainda não havia
passado por um processo de boom imigratório ou se transformado em um “Eldorado”
para os novos imigrantes, ainda que de forma provisória (SILVA; ASSIS, 2016).
Apesar destas questões, é possível estimar, conforme apresentamos na Figura
01 a seguir, as principais origens destes cerca de 2,1 milhões de imigrantes, que
escolheram o país baseados numa perspectiva de acolhimento atrelada à própria
inserção estratégica do Brasil em seus países de origem, uma sub-agenda da Política
Externa Migratória Brasileira, que veremos mais adiante.
Figura 01 – Estoque de imigrantes no Brasil por país de origem (2011-2016). Elaborado pelo autor
com a revisão técnica da geógrafa Jesica Beltrán.
A partir do mapa da Figura 01 é possível traçar o seguinte panorama: as
migrações para o Brasil se originaram principalmente na América do Sul e Caribe,
seguidas pelos fluxos originados na Europa Ocidental, China e Índia e países
africanos, subsequentemente. Conforme Uebel (2018) discute em sua tese, o fluxo de
africanos foi o que mais cresceu entre 2003 e 2018, cerca de 173% em quinze anos,
face os 90% dos influxos de europeus.
Para finalizar a seção, apresentamos o Gráfico 01, que sintetiza a
representação percentual dos dez maiores grupos de imigrantes no Brasil de acordo
com os seus países de origem, e que subsidiará a discussão da próxima seção:
Gráfico 01 – Dez maiores grupos de imigrantes no Brasil de acordo com os seus países de origem
(2003-2018). Elaborado pelo autor.
Os dados supramencionados apontam, portanto, para uma concentração
quase que exclusiva de latino-americanos no perfil imigratório do Brasil no período –
cerca de 475 mil –, e que, somados aos cerca de 46 mil novos imigrantes africanos,
representarão o maior contingente imigratório do país, suplantando pela primeira vez
os fluxos históricos de europeus e asiáticos, representando assim uma nova etapa da
geopolítica das migrações do Brasil e do próprio Sul Global (WENDEN, 2016). Este
novo caráter geopolítico migratório será fortemente influenciado pela Política Externa
Migratória Brasileira, que discutiremos na próxima subseção.
2.2 – Política Externa Migratória
Por que o Brasil como país de destino em uma época de grandes fluxos Sul-
Norte e Sul-Sul? A resposta que explica o complexo fenômeno geográfico humano e
geopolítico das novas migrações se dá a partir do que chamamos de eixos de inserção
17%
16%
12%11%
9%
8%
8%
7%
6%6%
Bolívia Venezuela Haiti
Estados Unidos Argentina Colômbia
China Portugal Peru
França
estratégica do Brasil, que são os direcionamentos e pautas de uma determinada
agenda, política ou ambição externa do governo brasileiro.
Nessa direção, não poderia ser diferente para com a política externa migratória
brasileira, que se trata de uma variante, uma consequência da política externa, ou
ainda, um amálgama da política imigratória, inexistente quanto à sua formalidade, com
a própria política exterior do país. Porém, sua temporalidade e evolução nem sempre
seguiram ao próprio sabor da política externa matriz, isto é, não raro, a práxis da
política externa migratória seguiu rumos, tendências e, até mesmo, ideologias,
diferentes da sua política-mãe.
Outro fator que consideramos neste estudo é a questão dimensional, por assim
dizer, que a política externa migratória brasileira e os subsequentes eixos de inserção
estratégica do Brasil sofreram e verificaram continuidades e rupturas nas transições
dos governos Lula da Silva para Dilma Rousseff, ou seja, ao contrário do inferido pelo
senso comum e por parte da literatura acadêmica referencial, no que se refere às
questões migratórias, não é possível afirmar em uma total continuidade de agendas e
política entre os dois governos, pelo contrário, há mais rupturas que continuidades.
Para cada um dos dois governos estudados, nota-se a existência de três eixos
de inserção estratégica que fomentaram os fluxos imigratórios em massa, isto é, a
própria hiperdinamização imigratória sentida pelo Brasil no período estudado, que
veremos mais adiante. A fim de facilitar a leitura e compreensão da discussão
proposta aqui, a Figura 02 sintetiza a relação entre política externa, política externa
migratória e eixos de inserção estratégica, com a específica inclusão dos dois
governos em tela.
Figura 02 – Quadro-síntese da relação entre política externa, política externa migratória e eixos de
inserção estratégica. Fonte: Elaborado pelo autor.
Cabe analisar como essas duas peças quadrangulares – políticas externas
migratórias – inserem-se no tabuleiro quadrado-retangular que é a política externa
brasileira e como esses eixos, outrora chamados de pilares, sustentam a engrenagem
que movimentou as continuidades e rupturas entre os dois governos estudados.
Segundo Sassen (2007), são os próprios mecanismos de vinculação da política
externa à política externa migratória.
Esse movimento, ainda dentro da abstração da Figura 02, ocasionou, portanto,
a hiperdinamização das migrações no Brasil, migrações estas que chamamos de
perspectiva, dado que não seguiam com exclusividade às motivações econômicas
(imigrações econômicas) e políticas-humanitárias (refúgio e solicitação de asilo),
muito menos eram apenas motivadas por conflitos (migrações de crise), mas sim um
conjunto desses fatores, como nos casos dos sírios, venezuelanos, cubanos,
haitianos e oeste-africanos, dentre outros grupos.
O eixo de inserção estratégica que de fato influenciou e fomentação o boom
imigratório hiperdinamicamente vivido pelo Brasil foi justamente aquele que teve uma
menor participação estatal-governamental e sim uma maior presença das redes e
atores não estatais, ou seja, aquilo que chamamos de “a propagandização do país
pelas redes migratórias e internacionais do trabalho como uma alternativa aos
destinos tradicionais”.
Conceitos emprestados da Geografia, as redes migratórias e internacionais do
trabalho foram a principal força-motriz e eixo de inserção estratégica que propiciaram
a emergência de um cenário aberto, ainda que muito dinâmico e temporalmente
diminuto, para a chegada em massa de imigrantes de perspectiva durante o governo
Rousseff, algo que ficou muito evidente quando das entrevistas informais como
imigrantes latino-americanos e africanos.
Apesar de não serem temas e conceitos novos – as redes migratórias já eram
estudadas no século XIX –, a forma como se desenvolveram no Brasil e, mais
especificamente, no governo Rousseff, foram muito peculiares quanto a sua
dinamização, intensidade e espacialidade. Relembremos novamente como as
imigrações ganharam um caráter essencialmente terrestre e físico naquele governo,
mesmo para aquelas oriundas de além-mar, como dos oeste-africanos.
A questão escalar também reaparece na Política Externa Migratória Brasileira,
uma vez que as redes obrigatoriamente, segundo a leitura de um mundo técnico-
científico-informacional (SANTOS, 1993), demandam a presença de múltiplas escalas
para a sua execução e própria compreensão. Por este motivo, na próxima subseção
discutiremos o conceito-proposto de migrações de perspectiva.
2.3 – Migrações de Perspectiva
Ao longo das últimas quatro décadas, desde a revolução quantitativa na Ciência
Geográfica, a qual a Geografia Política e a Geopolítica não ficaram imunes, o
empréstimo de terminologias das Ciências Sociais Aplicadas, sobretudo da Economia,
se apresentou de forma cada vez mais recorrente e inerente aos temas dos estudos
migratórios, por conseguinte.
Neste contexto, conceitos como “migrações de crise” (BAENINGER; PERES,
2017), expatriados (GREEN, 2009) e “migrações econômicas” (HATTON;
WILLIAMSON, 1998), se tornaram frequentes e mandatórios em praticamente todo e
qualquer estudo que versasse sobre a grande área das migrações, sobretudo as
internacionais e, mais recentemente, as transnacionais.
Apesar destes conceitos, sempre moldados de acordo com as figuras do ser
migrante, imigrante, emigrante e remigrante, portarem uma simbologia e uma
significância política, também atrelada à imagética do contexto em que se
apresentam, isto é, o cenário migratório, com a revisão de literatura que realizamos
em Uebel (2018), evidenciou-se uma lacuna conceitual que explicasse o real motivo
das migrações contemporâneas e o complexo processo de transição e transformação
de migrantes em refugiados, apátridas, vítimas de tráfico humano, etc.
Isto posto, após retomarmos os autores supracitados e as contribuições da
criação teórica de Saskia Sassen (2007) com seus “mecanismos de vinculação”,
propusemos a elaboração do conceito de migrações de perspectiva, que significa,
para o caso brasileiro, mas adaptável em outros contextos internacionais:
[...] as migrações de perspectivas, criadas a partir da leitura dos conceitos tradicionais de imigração econômica, refúgio, asilo, e suas variantes, expatriação e migrações de crise, além das classificações adotadas pela Polícia Federal, como migrações permanentes, temporárias, provisórias e fronteiriças, se tratam de um tipo migratório, muito peculiar e pertinente aos grupos de imigrantes latino-americanos e africanos [...], baseado nas perspectivas do país de acolhimento, isto é, de acordo com o cenário econômico, político, social, laboral, cultural, racial, de igualdade de gênero, etc., existentes no Brasil, neste caso, e que criaram condicionantes muito específicos que permitiram que o país acolhesse até dois milhões de imigrantes em treze anos. Os migrantes de perspectiva podem ser tanto refugiados como imigrantes ditos econômicos, e emigram (deixam o país que os acolheu) ou remigram (migram para um terceiro país que não o seu de origem) tão logo esses condicionantes e perspectivas apontem para uma piora no cenário de acolhimento, inserção e integração, cenário que chamamos [...] de “hiperdinamização das migrações”. (UEBEL, 2018, p. 550).
Ou seja, o conceito é construído a partir das perspectivas que o potencial
migrante encontrará no seu futuro país de destino, que também contribuirão para a
sua permanência ou remigração para outro destino, uma vez consideradas as
perspectivas (aqui entendidas também como variáveis) econômicas, laborais, sociais,
políticas, previdenciárias, etc., no país de acolhimento, muito influenciadas pelo outro
conceito-proposto de hiperdinamização das migrações, que apresentaremos a seguir.
2.4 – Hiperdinamização das Migrações
Com relação ao nosso último conceito-proposto, o de hiperdinamização das
migrações, é possível defini-lo como o fenômeno ocorrido a partir da revisão
bibliográfica e documental histórica, pela primeira vez no Brasil e de forma mista entre
os grupos, especialmente dentre os oeste-africanos e latino-americanos.
Em menos de uma década o saldo migratório do Brasil oscilou de negativo para
positivo, restando ali em um curto período de tempo, e retornando para negativo até
os dias de hoje, dado o agravamento da economia, mercado de trabalho e xenofobia
social e institucional/governamental do país, tornando-o não mais atrativo e, portanto,
sem perspectivas positivas que fomentassem às novas imigrações ou a permanência
daqueles que já haviam imigrado. Essa hiperdinamização também foi motivada pelas
transformações da política externa migratória brasileira, afetada pelas restrições
orçamentárias dos programas (eixos) que a mantinham, bem como pelo caótico
contexto político-institucional que se desenhou desde 2014 até a presente data.
A hiperdinamização se deu de forma quase que putativa, uma vez que poderia
ser confundida com a grande crise global das migrações, porém, no caso do Brasil,
as questões domésticas foram intrinsecamente mais relevantes, por meio de suas
interrupções e rupturas, do que as pressões externas, tanto que a própria Argentina,
em quadro muito semelhante, continuou a receber imigrantes no mesmo período.
Deste modo, os três conceitos que apresentamos nesta segunda seção são
complementares e indissociáveis para a compreensão total do cenário imigratório do
Brasil ao longo das últimas duas décadas. Espera-se que estas propostas conceituais
possam ser debatidas e incorporadas à grande discussão teórica acerca das
migrações na Geografia brasileira contemporânea. Para tanto, na próxima seção
faremos um breve arrazoado sobre o processo metodológico que levou à criação dos
três conceitos.
3 – Metodologias
Com relação às metodologias utilizadas nesta pesquisa, conforme já
mencionado, aplicamos os instrumentais da revisão bibliográfica, bem como uma
revisita aos autores referenciais dos estudos migratórios na Geografia brasileira,
anglo-saxônica e franco-canadense, aproximando as suas leituras sobre fluxos
migratórios internacionais com a transnacionalidade dos grupos verificados no Brasil.
Ademais, utilizando como referência a produção de Wenden (2016),
procedemos com a atualização das cartografias temáticas dos fluxos migratórios para
o Brasil, cujo exemplo apresentamos na Figura 01 no começo do artigo. O uso dos
mapas temáticos e interativos, além de traduzir a informação quantitativa de tabelas
e gráficos, também comporta um aspecto didático, uma vez que arrazoa a informação
cartográfica de acordo com o público-leitor.
Por fim, cabe mencionar que, seguindo os preceitos de Gil (2008), o presente
artigo incorporou elementos da pesquisa bibliográfica, documental, explicativa e quali-
quantitativa, agregando-os ao problema de pesquisa em tela, sobretudo quando da
elaboração dos três conceitos propostos sob o prisma das teorias da Geopolítica
crítica moderna (LE BRAS, 2014).
4 – Resultados: a aplicação na Geopolítica e Geopolítica em sala de aula
Em se tratando de uma pesquisa que aporta conceitos novos, recém-
introduzidos no debate acadêmico, como este artigo em tela, procuramos aplicar os
três conceitos nas disciplinas de Geopolítica e Teoria das Relações Internacionais,
para estudantes de Relações Internacionais do quarto semestre2, a fim de coletar as
primeiras impressões sobre esta proposta conceitual de releitura das migrações
internacionais.
A aplicação se deu entre o segundo semestre de 2018 e o primeiro de 2019 por
meio de duas formas: a) aulas expositivas, apresentando, de fato, os três conceitos;
e b) aferição da compreensão dos conteúdos por meio de provas dissertativas. Nesse
contexto, foi possível identificar uma rápida assimilação entre os estudantes quanto
aos conceitos de migrações de perspectiva e hiperdinamização das migrações,
enquanto a política externa migratória ainda apresentou resistência interpretativa face
à extensa literatura sobre PEB que não aborda a temática migratória.
Isto posto, os resultados iniciais apontam para uma possibilidade de aplicação
em sala de aula dos novos conceitos, sobretudo para as classes de Geografia Política,
Geopolítica e Teoria das Relações Internacionais, assimilando-os aos clássicos
destas disciplinas e apresentando-os como possibilidades inovativas e práticas,
reforçando o caráter lúdico da cartografia temática neste aspecto. Portanto,
2 Aplicação realizada com estudantes da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-POA) e da Faculdade São Francisco de Assis (UNIFIN), onde o autor é docente.
recomendamos a sua aplicação em estudos futuros, bem como a adoção dos
conceitos em diferentes níveis da formação acadêmica, a fim de consolidar o eixo
teoria-prática no que se refere aos estudos migratórios brasileiros.
5 – Conclusões
Neste artigo, que é resultado de pesquisa doutoral no campo da Geopolítica e
dos Estudos Estratégicos Internacionais, procuramos apresentar uma primeira
discussão acerca da proposta dos conceitos de migrações de perspectiva,
hiperdinamização das migrações e de política externa migratória (brasileira), a fim de
possibilitar uma releitura crítica contemporânea dos fluxos migratórios inter e
transnacionais com direção ao Brasil, especialmente de africanos e latino-americanos.
Nesse sentido, utilizando a revisão da literatura consolidada da Geografia,
sobretudo a crítica, sobre migrações, inferimos que a adoção de novas categorias
explicativas – e não classificatórias – para o entendimento dos fluxos do Sul Global se
faz relevante num contexto de ascensão de agendas nacionalistas, xenofóbicas e anti-
imigração e anti-integração, as quais se aplicam também para o caso brasileiro.
Considerando o aspecto de assimilação dos conceitos de migrações de
perspectiva e hiperdinamização das migrações, a cartografia temática se apresentou
como importante instrumental de aproximação quando da aplicação em sala de aula,
para estudantes de Relações Internacionais. Já o conceito de política externa
migratória demandará, segundo a nossa conclusão a partir dos resultados iniciais, um
debate maior e agregação tanto pela literatura consolidada de Política Externa
Brasileira, como a aproximação crítica da Geografia Política e da Geoeconomia,
sendo este primeiro artigo, portanto, um passo inicial para o seu debate nos meios
acadêmicos.
Referências
BAENINGER, Rosana; PERES, Roberta. Migração de crise: a migração haitiana para o Brasil. Revista Brasileira de Estudos de População, Belo Horizonte, v. 34, n. 1, p. 119-143, jan./abr. 2017. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.20947/S0102-3098a0017>. Acesso em: 24 jun. 2019. GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2008. GREEN, Nancy L. Expatriation, Expatriates, and Expats: The American Transformation of a Concept. The American Historical Review, Oxford, v. 114, n. 2, p. 307-328, abr. 2009. Disponível em: < https://www.jstor.org/stable/30223780>. Acesso em: 24 jun. 2019. HATTON, Timothy J.; WILLIAMSON, Jeffrey G. The age of mass migration: causes and economic impact. Nova York: Oxford University Press, 1998. LE BRAS, Hervé. L’invention de l’immigré. Paris: L’Aube, 2014. SANTOS, Milton. Fim de século e globalização. São Paulo: Hucitec, 1993. SASSEN, Saskia. Una sociología de la globalización. Buenos Aires: Katz Editores, 2007. SILVA, Sidney; ASSIS, Glaucia. Em Busca do Eldorado: O Brasil no Contexto das Migrações Nacionais e Internacionais. Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2016. UEBEL, Roberto Rodolfo Georg. Política externa migratória brasileira: das migrações de perspectiva à hiperdinamização das migrações durante os governos Lula da Silva e Dilma Rousseff. Tese de Doutorado em Estudos Estratégicos Internacionais, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2018. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10183/188410>. Acesso em: 21 jun. 2019. WENDEN, Catherine Wihtol de. Atlas des migrations: un équilibre Mondial à inventer. Paris: Éditions Autrement, 2016.
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