GEÓLOGOS QUE FAZEM HISTÓRIA: ORVILLE DERBY,
AVELINO OLIVEIRA, OTHON LEONARDOS, VIKTOR LEINZ E
SUAS MONOGRAFIAS SOBRE A HISTORIA DA GEOLOGIA NO
BRASIL (1897 – 1955)
Picanço, Jefferson de Lima.1 ; Mesquita, Maria José.1
1 Departamento de Geologia e Recursos Naturais – Instituto de Geociências UNICAMP
RESUMO
São analisados os discursos de quatro monografias sobre a História das Ciências Geológicas no
Brasil. A monografia de Derby, publicada em 1895 na revista brasileira é o grande modelo
cronológico e narrativo para as demais. Neste texto, seguindo os cânones da geração de 1870,
a valorização da ciência estrangeira em detrimento da brasileira e a desvalorização do passado
luso-brasileiro é a maior característica. As monografias de Avelino Oliveira e Othon Leonardos
(1943), seguindo no geral a cronologia e a estrutura do texto de Derby, já aponta algumas
mudanças de rumo. Os textos de Othon Leonardos e Viktor Leinz, publicados em 1955 na
coleção “As Ciências no Brasil” (1955), dirigidas por Fernando Azevedo repetem o mesmo
discurso, mas renovam ao discutir alguns aspectos da institucionalização das ciências. O texto
de Othon Leonardos descreve as diversas escolas de pensamento, em geral associadas a
instituições de pesquisa ou ensino. Já o texto de Viktor Leinz, junto com uma discussão sobre as
instituições de ensino, também faz discussões sobre o financiamento da pesquisa pura e o
caráter de nossa produção cientifica. Ao revelar sua visão sobre o desenvolvimento das ciências
geológicas no Brasil há uma importante discussão sobre o papel do cientista na sociedade, tanto
no brasil quanto na américa latina;
INTRODUÇÃO
Em trabalho publicado na “Revista Brasileira” em 1897, Orville Derby (1851-1915) faz
um curto texto monográfico intitulado “As Investigações Geológicas do Brazil”, onde
mostra os principais trabalhos geológicos realizados até então. No texto de Derby, é
bastante significativo que os cientistas do período ilustrado são apresentados sem
explicitar suas ligações com a ilustração portuguesa. Por outro lado, o texto dá especial
ênfase ao trabalho dos viajantes e cientistas estrangeiros, retratados como os “pais” ou
“precursores” da ciência geológica no Brasil. Os cientistas Brasileiros, no texto de Derby
logo se sobrecarregam com serviços burocráticos ou são empurrados para a política, e
deixam para trás o trabalho cientifico. Assim se dá com Câmara e com José Bonifácio
com o Barão de Capanema e com João da Silva Coutinho, entre outros. Da mesma forma,
apesar de saudar a criação da Escola de Minas de Ouro Preto como uma nova era na
geologia Brasileira, Derby não deixa de observar que a “política vai desviando os
talentos” dos seus formandos.
O texto de Derby teve bastante influência na geologia Brasileira. Trabalhos posteriores
acabaram por repetir e aprofundar esta narrativa. Assim, as monografias sobre a história
da geologia Brasileira apresentadas por Avelino Ignácio Oliveira (1891-1970) e Othon
Henry Leonardos (1899-1977), no primeiro capítulo de seu livro “Geologia do Brasil”,
de 1943, mantem e reforça a cronologia de Derby, trazendo-a até meados dos anos 1930.
Da mesma forma, as monografias de Othon Leonardos e Viktor Leinz (1904 – 1983), que
aparecem no livro “A Ciência no Brasil”, de 1955, publicado sob a influência de Fernando
Azevedo repetem praticamente a mesma cronologia.
É importante ouvir a voz de cientistas refletindo sobre seu fazer. Esta leitura pode nos
ajudar a entender os caminhos adotados até aqui, e fazer com que possamos dimensionar
nossas opções enquanto cientistas. Este texto procura ressaltar esta narrativa e
contextualizar estes discursos.
“INVESTIGAÇÕES GEOLÓGICAS DO BRASIL”, DE ORVILLE DERBY (1895)
Orville Adalbert Derby nasceu em 1851 em Kellogsville, no estado de Nova York
(Estados Unidos). Cursou geologia na universidade de Cornell, onde foi aluno de Charles
Frederick Hartt. Ainda muito jovem, veio ao Brasil por duas vezes, em 1870 e 1871, como
membro das expedições Morgan, chefiada pelo mesmo Hartt. Terminou seu curso em
1875, com um trabalho decorrente de suas observações no Brasil.
Em dezembro de 1875, retorna ao pais para fazer parte da Comissão Geológica do
Império, idealizada, criada e chefiada por Hartt. Entre seus colegas na comissão estavam
Richard Rathburn, geólogo também formado em Cornell, John Casper Branner, geólogo
formado em Indiana e um dos mais próximos amigos de Derby; além de Marc Ferrez,
fotógrafo, entre outros. Neste período foram realizadas diversas expedições pelo Brasil,
principalmente no Norte-Nordeste.
Com o fim da comissão geológica em 1877 e com a subsequente morte de Hartt em 1878,
Derby é um dos poucos estrangeiros que permanece no pais e passa a trabalhar no museu
nacional, a princípio sem remuneração e posteriormente como chefe da secção de
geologia. Neste período trabalhou com os catálogos e organização das coleções da
comissão geológica, tendo ainda se envolvido com inúmeros projetos na bacia do são
Francisco, minas gerais, são Paulo e Paraná. A partir de 1879 fez parte da comissão
hidráulica do império, trabalhando sob a chefia de William Milnor Roberts. Pouco depois,
trabalha em ouro preto com Gorceix, na elaboração de cartas geológicas de Minas Gerais
(Figueiroa, 1997).
Em 1885 Derby aceita o convite de Joao Alfredo Corrêa de Oliveira, presidente da
província de São Paulo, para organizar um survey nos mesmos moldes da comissão
geológica do império (Figueiroa, 1997). Criada em 1886, a Comissão Geográfica e
Geológica de São Paulo foi dirigida por Derby até 1905. Sob sua direção, foram efetuados
estudos de levantamento de vastas zonas inexploradas do oeste de São Paulo. Foram feitos
o reconhecimento de diversas bacias quanto a sua topografia e navegabilidade, bem como
a sugestão de obras que pudessem ser executadas. Da mesma forma foram efetuados
estudos sobre a geografia, a geologia e a biologia destas regiões.
Tendo sido afastado da CCGGSP em 1905, Derby trabalhou por algum tempo na Bahia,
convidado pelo secretário de agricultura Miguel Calmon Du Pin e Almeida, a trabalhar
no Serviço de Terras e Minas do estado. De volta ao Rio de Janeiro em 1907, Derby
organiza o serviço geológico e mineralógico do Brasil. No entanto, apesar da montagem
de uma boa equipe e do trabalho realizado, o SGMB padeceu de contínuos cortes de
verbas. Desgastado com a situação, derby suicidou-se em 1915 no Hotel dos Estrangeiros,
no Rio de Janeiro.
Orville Derby fez um curto texto monográfico publicado na “Revista Brasileira” em 1897,
intitulado “As Investigações Geológicas do Brazil”, onde discute os principais trabalhos
geológicos realizados até então no país.
Neste texto Derby não adota uma periodização formal, mas segue um padrão de ordem
cronológica. Inicialmente, faz referência aos trabalhos dos tempos coloniais. Ai, faz
referência as características de bom observador pratico dos mineiros práticos, os quais,
segundo Derby, fizeram experiências na descoberta das jazidas de diamante e ouro num
nível ”quase-científico”.
Derby também cita os trabalhos dos luso-Brasileiros da ilustração, como Vieira Couto,
Martim Francisco, Câmara e José Bonifácio. Em seu texto Derby afirma ser o trabalho de
Vieira Couto desprovido de valor cientifico.
Por outro lado, o texto dá especial ênfase ao trabalho dos cientistas estrangeiros. Entre
eles se destaca no texto o trabalho de Eschwege, que considera o maior pesquisador deste
período. As observações precisas e minuciosas de Eschwege foram publicadas am livros
e grande revistas, sendo uma fonte confiável de conhecimento sobre a geologia Brasileira.
Da mesma forma, a vinda de D Leopoldina ao Brasil propiciou a presença de
pesquisadores como Sellow, Lund e outros, com diversas contribuições interessantes.
Enfeixando o período inicial do século, Derby reconhece certo período “alemão” na
geologia Brasileira.
Da mesma forma, o texto faz referência as observações de pesquisadores como Darwin,
Lund, Helmreichen e Pissis, que apresentaram contribuições consideradas importantes
para a geologia Brasileira.
A expedição de Agassiz em 1867 teria inaugurado uma nova fase. Neste novo período,
na narrativa de Derby, sobressai de maneira decisiva a atuação de Charles Frederick Hartt.
Com Hartt, inicia-se uma fase de intensas pesquisas, que dura até o fim do século. Com
o fim da Comissão Geológica do Império, os pesquisadores dela oriundos, entre eles o
próprio Derby assumem os trabalhos nas instituições que vão se formando. Este trabalho
se desdobra, entre outros, nos trabalhos da Comissão Geográfica e Geológica de São
Paulo e na fundação da Escola de Minas de Ouro Preto.
O texto observa que os cientistas Brasileiros logo se sobrecarregam com serviços
burocráticos ou são empurrados para a política, e deixam para trás o trabalho cientifico.
Assim se dá com Câmara e com José Bonifácio, no início do século XIX. Posteriormente,
Derby cita o Barão de Capanema e João da Silva Coutinho, que realizaram diversos
estudos e expedições em meados do século XIX. Mesmo sendo “ativos observadores
geológicos”, estes cientistas deixaram poucas observações ao se sobrecarregarem “com
aspectos administrativos”. Da mesma forma, apesar de saudar a criação da Escola de
Minas de Ouro Preto como uma nova era na geologia Brasileira, não deixa de observar
que a “política vai desviando os talentos” dos seus formandos. O texto de Derby teve
bastante influência na geologia Brasileira. Trabalhos posteriores realizados por outros
pesquisadores acabaram por repetir e aprofundar esta narrativa.
INVESTIGAÇÕES GEOLOGICAS E MINERALOGICAS NO BRASIL: AVELINO
OLIVEIRA E OTHON LEONARDOS (1943)
Avelino Ignácio de Oliveira (1891-1970) nasceu em Minas Gerais. Gradou-se em 1916
pela Escola de Minas de Ouro Preto. Ingressou imediatamente no Departamento Nacional
de Produção Mineral, onde fez carreira. A maior parte de sua atuação profissional como
geólogo se fez na Amazônia, onde trabalhou de 1918 a 1933. Seu trabalho técnico foi
sobretudo em geologia econômica, onde estudou diversas ocorrências, como a barita de
Araxá (1936), adubos fosfatados (1937), e as ocorrências de ferro e manganês de Urucum
(1943).
Dirigiu a Divisão de Fomento da Produção Mineral (DPFM) em dois períodos: 1936-
1938 e 1942-1944. Avelino Ignácio de Oliveira era considerado uma das maiores
autoridades do pais em geologia e exploração de petróleo. Foi também diretor técnico do
conselho nacional do petróleo e, em 1947, foi nomeado seu vice-presidente. Foi diretor
geral do DNPM entre 1951 e 1961.
Othon Henry Leonardos nasceu em Niterói em 1889 e faleceu no Rio de Janeiro em 1977.
Graduado engenheiro geografo em 1917 e engenheiro civil em 1919 pela Escola
Politécnica do Rio, dedicou-se desde logo as ciências geológicas. Foi geólogo do
Departamento Nacional de Produção Mineral até 1925.
Desde 1918 lecionou mineralogia, geologia e metalurgia na Escola Nacional de
Engenharia, na faculdade Nacional de Filosofia, na Universidade do Distrito federal e na
Escola Fluminense de Engenharia. Foi também engenheiro de Minas do DNPM (1933-
1938). Em 1956, participou juntamente com outros pesquisadores, do grupo que resultou
na formação dos primeiros cursos de geologia do Brasil. Foi membro de diversas
sociedades cientificas no Brasil e em outros países.
Foi autor do livro “Geologia do Brasil” (1943), em parceira com Avelino Ignácio de
Oliveira, um dos grandes compêndios sobre a geologia Brasileira. Também foi autor de
vários trabalhos de história da geologia, como os capítulos sobre a Mineralogia e a
petrografia no Brasil, publicados no livro “As Ciências no Brasil” (1951), coordenados
por Fernando de Azevedo. Também publicou os livros “Geociências no Brasil: a
contribuição Britânica”, de 1970 e “geociências no Brasil: a contribuição germânica”
(1973). Publicou também, em parceria com Viktor Leinz, o “Glossário Geológico”
(1971).
Em seu livro Geologia do Brasil, o primeiro capitulo é intitulado “investigações
geológicas e mineralógicas no Brasil”. Neste curto capitulo introdutório, Oliveira e
Leonardos tratam de assuntos que vão desde a origem da geologia até os últimos esforços
em termos de institucionalização da ciência geológica no Brasil.
A estrutura segue em muito a da monografia de Derby, já citada, inclusive
cronologicamente. No entanto, como abrange um período temporal maior, e mesmo sem
estabelecer uma clara periodização, o capítulo apresenta uma estruturação que varia de
períodos históricos a instituições.
O relato percorre inicialmente a História da Geologia. Neste trecho é significativa a
narrativa da superação da controvérsia entre Netunistas e Plutonistas pelo atualismo de
Lyell. Quanto ao Brasil, o período colonial é citado em passant, seguido de referências
sobre os trabalhos de martim Francisco e José Bonifácio de Andrada e de Manuel Ferreira
da Câmara. Quanto a este último, os autores ignoram onde havia feito seus estudos,
embora reconheça o mérito de sua memória.
Também é reconhecido o grupo de pesquisadores da Escola Politécnica do Rio de Janeiro
e do Museu Nacional. Nesse grupo o autor destaca Frederico Guilherme Schuch de
Capanema, embora sejam também destacados Joao Martins da Silva Coutinho (1830 –
1889), Oscar Nerval de Gouveia e Manuel Timóteo da Costa.
A narrativa da comissão geológica do império segue praticamente a mesma narrativa de
Derby, passando pelo “naufrágio” e pela “perda total” da qual Hartt não se refez,
culminando com sua morte. A seguir é feito o relato da Comissão Geografia e Geológica
de São Paulo e da Escola de Minas de Ouro Preto. Neste item é feita uma biografia tão
pormenorizada quanto possível de alguns dos mais importantes alunos da escola, como
Gonzaga de Campos, Eusébio de Paula Oliveira, Calógeras, Arrojado Lisboa e outros.
No século XX a narrativa é centrada em instituições: são descritos os pesquisadores das
comissões das minas de carvão de pedra (1903), o Serviço Geológico e Mineralógico do
Brasil, o museu nacional e o Conselho Nacional do Petróleo (CNP). Termina com um
retrato das principais escolas de geologia do pais e seus principais professores.
“A MINERAGLOGIA E A PETROGRAFIA NO BRASIL”, DE OTHON
LEONARDOS (1955)
A monografia “A Mineralogia e a Petrografia no Brasil”, publicada em 1955 por Othon
Leonardos como um capitulo do tomo II da Coleção “A Ciência No Brasil”, dirigida por
Fernando Azevedo. Trata-se de um trabalho um pouco mais distinto do trabalho de Derby,
uma vez que se encontra com uma clara periodização e subdividido em itens marcados
por uma “escola” ou uma instituição, senão ambas. A estrutura de diversos trechos do
texto são em muito semelhantes com o Capitulo 1 da Geologia do Brasil.
É interessante notar que Leonardos reconhece os “precursores” coloniais, como Gabriel
Soares de Souza e Antonil, entre outros. Mas, como as demais monografias, não vê os
Andradas como produto da ilustração luso-Brasileira, como pode se apreender do título
do item: “A Escola Brasileira dos Andradas”.
Os cientistas estrangeiros merecem dois itens, um para os norte-americanos (págs. 280-
285) e outro para os “europeus e seus discípulos Brasileiros” (286-294). Trata-se de dois
itens extensos, que abrangem, no caso americano, desde Hartt até cientistas
contemporâneos de Leonardos, como John Dorr II e William Pecora, entre outros. Da
mesma forma, o item sobre os europeus abrange desde o século XIX até seus
contemporâneos.
Os geólogos Brasileiros estão apresentados nos itens “o Serviço Geológico e o Grupo
Moderno do Rio de Janeiro”, onde é feita uma extensa listagem e apresentadas pequenas
biografais dos geólogos do SGMB/DNPM e do museu nacional; “Djalma Guimarães e o
Grupo de minas Gerais” e “Viktor Leinz e o Grupo Paulista”. Por fim, os geólogos do Sul
são discutidos no item “Pesquisas Isoladas no Sul do Brasil”.
“A GEOLOGIA E A PALEONTOLOGIA NO BRASIL”, DE VIKTOR LEINZ (1955)
Viktor Leinz (1904 – 1983) nasceu na Alemanha, onde gradou-se pela universidade de
Heidelberg. Aluno do prof. Carl W. Correns, trabalhou também na Universidade de
Rostok. Veio ao Brasil em 1935 a convite do governo Brasileiro, para trabalhar no
Departamento Nacional de Produção Mineral. Neste período, também deu aulas de
Mineralogia e Geologia no Rio de Janeiro, Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e
Letras do Distrito Federal (Anônimo, 1983).
Entre 1939 e 1945 trabalhou no Rio Grande do Sul, onde trabalhou com estudos sobre
diversos bens minerais, como cobre, estanho, volfrâmio e carvão, além de pesquisas
geológicas e estratigráficas.
Veio para São Paulo em 1948 para ocupar a cátedra de geologia e paleontologia na
Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo. Em 1957 participou da criação do
curso de geologia do USP, tendo sido seu primeiro coordenador. Aí trabalhou até 1974,
quando se aposentou.
Viktor Leinz publicou diversos trabalhos como petrólogo e mineralogista. No entanto,
sua obra mais famosa e de maior alcance oi o livro “Geologia Geral”, escrito em parceria
com seu ex-aluno Sergio Estanislau do Amaral (1925-1996). Este livro, publicado pela
primeira vez em 1962 teve 14 edições até 2001. Foi o mais importante livro-texto de
geologia de seu tempo, tendo sido lido por diversas gerações de geólogos Brasileiros.
A monografia de Viktor Leinz, “A Geologia e a Paleontologia no Brasil”, também
publicada no livro de Fernando Azevedo, tem uma estrutura um pouco diferente. O autor
apresenta aqui uma periodização em três fases distintas (embora haja na verdade quatro):
1) época dos viajantes estrangeiros (1810-1875); 2) as primeiras iniciativas oficiais para
a criação de “Comissões”, mas ainda orientadas por cientistas estrangeiros; 3) fase
moderna com desenvolvimento de pesquisas (1907-1935). O autor reconhece ainda uma
“Fase atual”, de 1935 até o presente (1955), onde faz um breve relato da situação da
Geologia Geral, da Paleontologia e Estratigrafia e da Geologia Regional. Neste item,
Leinz destaca que sem o desenvolvimento da sociedade e o aumento do número de
geólogos, não haverá possibilidade de uma ciência “sem fins utilitários”.
A monografia se encerra com itens dedicado as instituições de pesquisa e ensino e à
produção cientifica nacional. Neste item entram em discussão a criação de diversas
instituições de pesquisa e de cursos com a presença de disciplinas de geologia nos últimos
anos. O item “publicações Brasileiras versando ciências geológicas” encerra a
monografia. Neste item é apresentado um levantamento sobre as publicações sobre a
geologia do Brasil nos anos de 1800-1945. No diagrama apresentado (Pág. 260), Leinz
mostra o aumento exponencial de artigos totais, e o aumento da produção de artigos
escritos em português. Discute também os principais periódicos que publicavam assuntos
relativos a geologia no Brasil. Desde o primeiro deles, os “Anais da Escola de Minas de
Ouro Preto”, o número de periódicos sofre um constante aumento. Com a diminuição da
frequência de viagens de estrangeiros no Brasil, observa que está aumentando
progressivamente o número de artigos escritos em português. Entretanto, a quantidade
não necessariamente quer dizer qualidade, como observa.
DISCUSSÃO
As monografias até aqui discutidas apresentam diversos pontos em comum. Em termos
de estrutura, são textos cronológicos, contendo pequenas biografias e bibliografias
comentadas de (geo)cientistas que estudaram o Brasil, sejam oriundos de outros países,
seja brasileiros de nascença ou de adoção. Estes textos, por vezes difíceis de ler, contém,
no entanto, diversas chaves para sua compreensão. Estas chaves dizem respeito ao
contexto para o qual o autor escrevia, e como pensava o fazer cientifico.
Os textos também apresentam uma ciência bastante restrita (e restritiva). Em seu texto,
Derby faz uma série de restrições: por um lado, elege Eschwege como “pai” da geologia
brasileira. Por outro, nega o status cientifico de Vieira Couto. Leinz faz uma restrição
mais elíptica, quando estabelece que o primeiro período (ou seja, o início) da geologia
brasileira seria a época dos viajantes estrangeiros, que ele situa entre 1810-1875. Ao se
referir ao ano de 1810, refere-se muito provavelmente ao ano da chegada ao Brasil de
Eschwege e Varnhagen. Neste sentido, o texto de Othon Leonardos (1955) é o que se
apresenta mais generoso, ao incluir as contribuições dos autores coloniais como Gabriel
Soares ou Antonil. Por outro, o texto de Othon acaba por desconhecer o papel da
ilustração portuguesa quando cita a “escola brasileira dos Andradas”.
Outra característica comum dos textos é a visão negativa do passado colonial português.
Este discurso, elaborado em meados do século XIX, reflete as críticas de parte dos
intelectuais da geração de 1870 (Alonso, 2002, pág. 240). No entanto, este discurso
adentra o século XX, com a obra de autores como Fernando Azevedo (Figueiroa, 1998b,
pág. 109).
A estruturação e a cronologia do texto de Derby repetem-se nos demais textos. A grande
diferença reside no fato de que, nos textos subsequentes aqui estudados, há o início de
uma narrativa que vai além da cronologia, para se fixar em instituições – no dizer de
Othon Leonardos (1955) em “escolas” - provavelmente no sentido de escolas de
pensamento e ação. Leinz chega a esboçar uma periodização muito próxima da narrativa
de Derby. Quando esta narrativa se estende além da narrativa de Derby, a presença de
instituições parece tomar conta das narrativas. Não é outra a intenção de Leonardos, ao
estabelecer as suas “escolas”. Também não é casual a fase de “Consolidação das
pesquisas” de Viktor Leinz seja encerrada em 1935, ao tempo das reformas promovidas
pelo governo Vargas no DNPM, expandindo sua organização.
Os geólogos brasileiros de seu tempo, Derby repete várias vezes ao longo do texto, são
sempre sequestrados para a “política”. Como discutido por Figueiroa (1998b), os
cientistas brasileiros, assim como em toda a américa Latina “foram ao mesmo tempo
religiosos, funcionários públicos, diretores de repartições públicas, membros de
associações diversas, escritores e até mesmo literatos” (Figueiroa, op.cit., pág. 120). A
função do intelectual ainda não estava claramente definida nesta época. Em geral,
pertencia a uma pequena elite letrada em meio a um “mar de analfabetos”.
Já para Leinz, um dos maiores problemas da pesquisa estava no caráter endógeno da
pesquisa brasileira. Com a maior institucionalização e com o advento de cientistas
brasileiros, as publicações em português tornam-se mais e mais importantes que as
publicações em inglês e alemão, por exemplo. Em sua época, Leinz lamenta que “ótimas
monografias [...] se dissolveram em pequenas notas nem sempre substanciais (Leinz,
1955, pág. 261) ”.
CONCLUSÕES
A partir das quatro monografias analisadas, percebe-se um discurso comum e que
atravessa todo o século XX, refletindo sobre o caráter da geológica brasileira. Ao colocar
o papel de pioneiro para os grandes pesquisadores estrangeiros, como Derby e Eschwege,
escamoteia-se toda uma geração de cientistas brasileiros e luso-brasileiros importantes.
Aqui, a crítica a colonização e o caráter ibérico pouco avesso à ciência também se faz
presente.
Muito embora o texto de Derby seja quase canônico, seguido na forma e conteúdo,
diversas diferenças aparecem. O texto de Oliveira e Leonardos parece mais “fixado” no
texto de Derby. No entanto, ali começa a se esboçar uma periodização e uma organização
que surgem mais claramente nos textos de Leonardos e Leinz. Embora não seja o objetivo,
e nem tampouco haja uma discussão mais aprofundada, a questão da institucionalização
plena da geologia no pais parece estar presente. As “escolas” de Leonardos refletem um
fazer que está presente em diversas regiões e instituições do pais. A discussão final do
texto de Leinz sobre a questão da educação em geologia nas escolas superiores brasileiras,
o papel do financiamento à pesquisa pura e a visibilidade da ciência aqui produzida
através de artigos em periódicos mostra uma nova fase na pesquisa geológica.
O aprofundamento das questões colocadas nestas monografias é um tema de grande
relevância para entender o papel do cientista em nossa sociedade, onde o desvelar destes
discursos revelam facetas interessantes da ciência geológica e mesmo da ciência brasileira
neste período. A reflexão dos geocientistas sobre o seu saber ilumina aspectos
interessantes do fazer ciência no Brasil e na América Latina. Que suas vozes nos tragam
novas ideias e reflexões para moldar o fazer ciência neste novo século que adentramos.
REFERENCIAS
Anônimo (1983) Viktor Leinz; obituário. In: ppegeo-
local.igc.usp.br/pdf/bigusp/v14/v14a01.pdf
Derby, O. A. (1895). As investigações geológicas do Brasil. Revista Brasileira, 2, 141-
157.
Figueirôa, S. F. D. M. (1998). Mundialização da ciência e respostas locais: sobre a
institucionalização das ciências naturais no Brasil (de fins do século XVIII à transição
ao século XX). Asclepio, 50(2), 107-123.
Figueirôa, S. F.M. (1997). As ciências geológicas no Brasil: uma história social e
institucional, 1875-1934. Editora Hucitec.
Leinz, V. (1955). A Geologia e a Paleontologia no Brasil. As ciências no Brasil. São
Paulo, Melhoramentos,[1955], 243-63.
Leinz, V., & Amaral, S. E. (1978). Geologia Geral. 7 ed. São Paulo, Editora
Nacional, 397pp.
Leinz, V., & Leonardos, O. H. (1971). Glossário geológico: com a correspondente
terminologia em inglês, alemão e francês. Companhia Editora Nacional.
Leonardos, H. O. (1955). A Mineralogia e a Petrografia no Brasil. As Ciências no Brasil,
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Leonardos, O. H. (1970). Geociências no Brasil: a contribuição britânica. Forum.
Leonardos, O. H. (1973). Geociências no Brasil: contribuição germânica. Forum/Sulina.
Oliveira, A. I. D., Leonardos, O. H., & Pinto, F. J. (1943). Geologia do Brasil.
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