Fundaccedilatildeo Municipal de Artes de Montenegro
Ano 16 ndash Nuacutemero 32 ndash JulhoDezembro 2016
REVISTA DA FUNDARTE Uma publicaccedilatildeo semestral da Editora da Fundaccedilatildeo Municipal de Artes de Montenegro - Ano 16 nuacutemero 32 julhojdezembro 2016
Fundaccedilatildeo Municipal de Artes de Montenegro-FUNDARTE
Legario Guilherme Nabinger - Presidente do Conselho Teacutecnico Deliberativo
Andreacute Luis Wagner- Diretor Executivo Julia Maria Hummes - Vice-diretora Executiva
Priscila Mathias Rosa ndash Vice-diretora Executiva
Maacutercia Moura Cordeiro Pessoa Dal Bello Vanessa Longarai Rodrigues
Coordenaccedilatildeo da Ediccedilatildeo
Julia Maria Hummes (FUNDARTERS) Maacutercia Moura Cordeiro Pessoa Dal Bello
(FUNDARTERS) Vanessa Longarai Rodrigues (FUNDARTERS)
Marco Tuacutelio (FUNDARTERS) Carine (FUNDARTERS)
Cristina Rolim Wolffenbuumlttel (UERGSRS) Maria Isabel Petry Kehrwald
Comissatildeo Editorial
Luciana Prass (UFRGSRS)
Carmen Luacutecia Capra (UERGSRS)
Edgardo Hugo Martinez (UNLSANTA FE)
Maria Eduarda Ferreira Coquet (UNIVERSIDADE DO MINHOPORTUGAL)
Andrea Hofstaeter (UFRGSRS)
Flavia Pilla do Valle (UFRGSRS)
Federico Gariglio (UNLSANTA FE)
Ana Maria Haddad Baptista (UNINOVESP)
Gilberto Icle (UFRGSRS)
Maria Cecilia de Araujo Rodrigues Torres (IPARS)
Comissatildeo Cientiacutefica
Capa Estevatildeo Dornelles Concepccedilatildeo Estevatildeo Dornelles Priscila Mathias
Rosa Deacutebora Brandt Alencastro Rodrigo Kochemborger e Janaiacutena Kremer
Direccedilatildeo Estevatildeo Dornelles Fotografia Ursula Jahn
Elenco Patrick Aozani Moraes Composiccedilatildeo Graacutefica Estevatildeo Dornelles
Vanessa Longarai Rodrigues
Editoraccedilatildeo Eletrocircnica
REVISTA DA FUNDARTE Rua Capitatildeo Porfiacuterio 2141 - B Centro CEP
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Revista da FUNDARTE
Montenegro Ano 16 N 32 JulhoDezembro2016
Periodicidade Semestral
Eacute permitida a reproduccedilatildeo dos artigos desde que citada a fonte Os conceitos emitidos satildeo de
responsabilidade de quem os assina Para os artigos em liacutengua estrangeira seraacute respeitada a
formataccedilatildeo do paiacutes de origem Excepcionalmente nesta ediccedilatildeo da Revista da
Fundarte seratildeo mantidas as formataccedilotildees de texto e referecircncias conforme encaminhadas pelos autores
Revista da FUNDARTE ndash ano 1 v1 n 1 (jan-jun 2001) ndash Montenegro Ed da Fundarte 2001 ndash Semestral ISSN 2319-0868
1 Artes 2 Educaccedilatildeo 3 Muacutesica 4 Gravura 5Perfomance I Fundaccedilatildeo Municipal de Artes de Montenegro
Sumaacuterio
Editorial
Editorial
LER EDITORIAL
Maria Isabel Petry Kehrwald P04 - P06
Artigos
A polifonia tonal na cifra alfanumeacuterica da muacutesica popular uma proposta analiacutetica fundamentada em trecircs estudos de caso
LER ARTIGO
Marcio Guedes Correa P07 - P14
Fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo Paul Valeacutery Espiritografias
LER ARTIGO
Idalina Krause de Campos P15 - P35
Gravura procedimentos alternativos em litografia contemporacircnea
L
Ana Paula Schoninger van Grol Lurdi Blauth P36 - P51
Pluralia Tantum reflexotildees sobre a muacutesica contemporacircnea
LER ARTIGO
Fernando Lewis de Mattos P52 - P94
Provocaccedilotildees (des)continuidades desfechos potecircncia edu(vo)cativa das imagens fiacutelmicas na formaccedilatildeo docente
LER ARTIGO
Lutiere Dalla Valle P95 - P108
PerformanceS
LER ARTIGO
Fernando Pinheiro Villar P109 - P119
Estudo sobre a Participaccedilatildeo de Estudantes em um Grupo Instrumental
LER ARTIGO
Dutra Goumlethel Pacircmela Cristina Rolim Wolffenbuumlttel Accorsi Bueno Ana Maria
P120 - P141
Teatro para quem A arte de teatrar para todos - Um estudo sobre acessibilidade cultural em espetaacuteculos teatrais no RS
LER ARTIGO
Izabel Cristina da Silveira P142 - P162
4 | P aacute g i n a
EDITORIAL
Nesta 32ordf ediccedilatildeo da Revista da FUNDARTE oferecemos aos nossos leitores
oito artigos centrados nas aacutereas das artes visuais muacutesica teatro educaccedilatildeo criadora
e cinema Eles estatildeo perpassados por enfoques educativos teoacutericos e artiacutesticos e
ancorados no tema ldquoArte e Educaccedilatildeo poeacutetica pesquisa e docecircnciardquo As
abordagens dos autores contemplam diferentes pontos de vista ora apresentando
processos artiacutesticos e performances ora refletindo sobre a pedagogia e a accedilatildeo
docente Eacute um panorama diversificado com propostas que enriquecem as discussotildees
em torno do tema
O primeiro artigo denominado ldquoA polifonia tonal na cifra alfanumeacuterica da
muacutesica popular uma proposta analiacutetica fundamentada em trecircs estudos de casordquo
de Marcio Guedes Correa do Instituto de Artes da Unesp apresenta estudos de caso
na aacuterea da muacutesica que reforccedilam a importacircncia do contraponto tanto para a
organizaccedilatildeo do ensino da muacutesica popular quanto para a compreensatildeo do saber
musical Almada e Lima satildeo alguns dos autores que datildeo suporte agrave investigaccedilatildeo
Idalina Krause de Campos da UFRGS discorre em seu artigo ldquoFazer
tradutoacuterio em educaccedilatildeo com Paul Valeacutery espiritografiasrdquo sobre conceitos de
leitura e escrita (escrileitura) e Filosofia da Diferenccedila entre outros que buscam
desenvolver uma consciecircncia da importacircncia do processo de pensar A pesquisa da
autora trata de uma praacutetica de ensino criadora centrada na obra de Valeacutery com
aportes teoacutericos tambeacutem de Deleuze e Corazza
As experiecircncia realizadas com diferentes meios e modos de produzir imagens
satildeo o foco do artigo ldquoGravura procedimentos alternativos em litografia
contemporacircneardquo de Ana Paula Schoninger van Grol da FeevaleNH
Procedimentos tradicionais satildeo inter-relacionados com processos de tecnologias
digitais propondo novas possibilidades de criaccedilatildeo de matrizes e aproveitamento de
materiais alternativos Blauth e Veneroso contribuem para o estudo da autora
5 | P aacute g i n a
Fernando Lewis de Mattos da UFRGS em seu ensaio ldquoPluralia Tantum
reflexotildees sobre a muacutesica contemporacircneardquo apresenta elementos histoacutericos da
esfera musical e discorre sobre caracteriacutesticas da muacutesica contemporacircnea Aponta
paralelamente aspectos do conservadorismo da muacutesica atual presentes em nosso
cotidiano Suas argumentaccedilotildees apoiam-se em extensa bibliografia da qual citamos
Buckinx e Koellreutter
ldquoProvocaccedilotildees (des)continuidades desfechos potecircncia edu(vo)cativa
das imagens fiacutelmicas na formaccedilatildeo docenterdquo aborda o cinema como dispositivo
provocador de formaccedilatildeo docente que conforme o autor Lutiere Dalla Valle da
UFSM ldquoproduz formas de ver e ser vistordquo O texto estabelece relaccedilotildees entre arte e
subjetividade presentes na cinematografia e explora o conceito de edu(vo)cativo
identificado nas aprendizagens mediadas pelas visualidades Contribuem para as
reflexotildees Dias Fresquet e Hernaacutendes
Fernando Pinheiro Villar aborda a pluraridade do conceito de performances
artiacutesticas relacionadas ao desempenho no seu artigo PerfomanceS Para o autor o
significado de desempenho afirma a observaccedilatildeo analiacutetica de comportamentos
humanos podendo significar comportamentos que se repetem ou accedilotildees cotidianas
que satildeo ensaiadas ou preparadas e observadas Segundo o autor ldquouma performance
sem consciecircncia do fato de estar sendo vista como tal pode significar uma
performance cotidiana cultural ou socialrdquo
Cristina Rolim Wolffenbuumlttel Pacircmela Goumlethel Dutra e Ana Maria Bueno
Accorsi no artigo Estudo sobre a participaccedilatildeo de estudantes em um Grupo
Instrumental apresenta a pesquisa realizada em uma escola Municipal de TaquariR
que teve como objetivo compreender a importacircncia da participaccedilatildeo dos alunos em
grupos instrumentais diante das diversas possiblidades da inserccedilatildeo da muacutesica a partir
da nova legislaccedilatildeo
Como promover a inclusatildeo social da pessoa com deficiecircncia no acircmbito cultural
eacute a preocupaccedilatildeo de Izabel Cristina da Silveira da FUNDARCRS expressa no artigo
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ldquoTeatro para quem A arte de teatrar para todos um estudo sobre
acessibilidade cultural em espetaacuteculos teatrais no RSrdquo que fecha esta Revista O
estudo praacutetico-teoacuterico desvela discussotildees questionamentos e legislaccedilatildeo em torno do
tema na tentativa de buscar alternativas para a acessibilidade Barba Tojal e
Werneck satildeo alguns dos teoacutericos consultados
Agradecemos imensamente aos que enviaram seus artigos para compor a 32ordf
Revista da FUNDARTE Desejamos uma boa leitura e que as reflexotildees oferecidas
pelos autores contribuam para a busca de novos e inquietantes saberes
Maria Isabel Petry Kehrwald Conselho Editorial da Revista
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CORREA Marcio Guedes A polifonia tonal na cifra alfanumeacuterica da muacutesica popular uma proposta analiacutetica
fundamentada em trecircs estudos de caso Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 7-14 juldez 2016
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A polifonia tonal na cifra alfanumeacuterica da muacutesica popular uma proposta
analiacutetica fundamentada em trecircs estudos de caso
Marcio Guedes Correa1
Instituto de Artes da Unesp
Resumo O repertoacuterio estudado nos cursos formais de muacutesica popular eacute em grande parte tonal de textura homofocircnica estruturado como melodia acompanhada No entanto eacute possiacutevel reconhecer estruturas polifocircnicas subordinadas agrave homofonia dos acompanhamentos instrumentais frequentemente realizados para acompanhar canccedilotildees Pode-se conjecturar que tais estruturas estejam presentes no repertoacuterio como um eco da polifonia vocal do renascimento e do barroco jaacute que muitas escolhas de acordes se datildeo ldquode ouvidordquo e natildeo necessariamente por uma opccedilatildeo teacutecnica e funcional em relaccedilatildeo agrave harmonia Portanto a harmonia informalmente chamada de funcional da muacutesica popular pode carregar em si diversas expectativas de direccedilatildeo ou resoluccedilatildeo que satildeo mais de ordem meloacutedica do que harmocircnica Este estudo espera contribuir para a revalorizaccedilatildeo do estudo de contraponto dentro das matrizes curriculares de muacutesica popular jaacute que eacute notoacuterio que tal disciplina vem sendo extinta do ambiente formal de educaccedilatildeo musical Palavras-chave ensino da muacutesica popular cifra alfanumeacuterica polifonia em muacutesica popular contraponto em muacutesica popular Abstract The repertoire studied in formal courses of popular music is largely tonal It has homophonic texture and itrsquos structured as na accompanied melody However it is possible to recognize polyphonic structures under the homophone of instrumental accompaniments often performed to accompany songs One can conjecture that such structures are present in the repertoire as an echo of the vocal polyphony of the Renaissance and the Baroque as many chord choices are given by ear and not necessarily by a technical and functional option with regard to harmony Therefore the functional harmony informally called popular music can load itself diverse expectations of management or resolution that are more melodic than harmonic order This study hopes to contribute to the upgrading of counterpoint study within the curriculum matrices of popular music as it is clear that this discipline is being extinguished of the formal setting of music education Keywords teaching of popular music alphanumeric cipher polyphony in popular music counterpoint in popular music
Primeiro estudo de caso o movimento meloacutedico do baixo impliacutecito na cifra do
choro em Um a Zero de Pixinguinha
No ensino do repertoacuterio popular eacute muito comum a utilizaccedilatildeo de partituras que
contecircm melodias cifradas Esta forma de registro musical oferece a melodia principal
(anaacuteloga ao cantus firmus) grafada em partitura o que garante uma certa precisatildeo
na compreensatildeo dessa camada mas todos os outros elementos componentes da
1 Graduado em Licenciatura em Muacutesica pela FAAM mestre em muacutesica pelo Instituto de Artes da Unesp Doutorando em muacutesica da Unesp ndash Instituto de Artes sob orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Sonia R Albano de Lima Contato correamarcioguedesgmailcom
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CORREA Marcio Guedes A polifonia tonal na cifra alfanumeacuterica da muacutesica popular uma proposta analiacutetica
fundamentada em trecircs estudos de caso Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 7-14 juldez 2016
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elaboraccedilatildeo musical ficam representados unicamente pela cifra alfanumeacuterica A cifra
confere ao interprete um grau de liberdade desejaacutevel na muacutesica popular mas essa
mesma liberdade pode ser em alguma medida prejudicial no ensino de muacutesica
popular quando se trata da compreensatildeo total do discurso a praacutetica aliada a
compreensatildeo racional do fazer musical
A cifra alfanumeacuterica da muacutesica popular eacute em primeira instacircncia uma
representaccedilatildeo de simultaneidades mais especificamente dos acordes da muacutesica
tonal Mas da informaccedilatildeo harmocircnica que a cifra oferece eacute possiacutevel depreender
tambeacutem procedimentos meloacutedicos complementares agrave melodia principal ou seja do
contraponto impliacutecito e subordinado agrave estrutura homofocircnica Pode-se considerar que
o caso mais audiacutevel estaacute nas melodias empregadas no baixo Em cifras em que haacute
fartura de acordes com inversatildeo percebe-se uma clara intenccedilatildeo de movimentar o
baixo melodicamente ou seja de conferir a essa camada estrutural contornos
meloacutedicos associados ao seu papel de delinear as fundamentais das funccedilotildees
harmocircnicas No repertoacuterio relacionado ao choro o violatildeo de sete cordas desenvolve
a funccedilatildeo de baixo que aleacutem de reforccedilar a estrutura harmocircnica tonal estaacute em
contraponto constante com a melodia principal
A composiccedilatildeo ldquoUm a Zerordquo de Pixinguinha eacute um exemplo disso
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CORREA Marcio Guedes A polifonia tonal na cifra alfanumeacuterica da muacutesica popular uma proposta analiacutetica
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Figura 1 ldquoUm a Zerordquo (Pixinguinha) Irmatildeos Vitale 1997
O exemplo da figura 1 traz a primeira parte da composiccedilatildeo A quantidade de
inversotildees de acordes presente procura dar pistas da realizaccedilatildeo do baixo comumente
tocado no violatildeo de sete cordas Isso retira do baixo o papel monoacutetono de garantir a
fundamental de cada funccedilatildeo harmocircnica Com base nesta cifra o muacutesico popular de
modo anaacutelogo ao muacutesico barroco realiza o baixo Na figura dois encontra-se uma
sugestatildeo de realizaccedilatildeo do baixo com base nas cifras
Figura 2 Realizaccedilatildeo do baixo em ldquoUm a Zerordquo de Pixinguinha Imagem concebida e editada pelo autor
Segundo estudo de caso a polifonia tonal no acompanhamento da canccedilatildeo
ldquoQuando o carnaval chegarrdquo de Chico Buarque
O ensino de harmonia da muacutesica popular ldquomais especificamente aquela que
eacute informalmente denominada harmonia funcionalrdquo (ALMADA 2013 p 12) se
preocupa em primeiro lugar em determinar a funccedilatildeo de cada um dos acordes
encontrados no discurso musical Este tipo de ensino tem objetivos diversos
compreender estruturas harmocircnicas orientar a praacutetica da improvisaccedilatildeo meloacutedica
guiar estudos de rearmonizaccedilatildeo e substituiccedilatildeo de acordes entre outros Poreacutem em
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alguns casos acordes podem ser simultaneidades geradas por direccedilotildees meloacutedicas
distintas na conduccedilatildeo de cada voz ldquoNo estudo da harmonia tonal acordes podem
surgir a partir de combinaccedilotildees de linhas meloacutedicas relativamente independentesrdquo
(LIMA 2008 p 63) Ainda que tais procedimentos meloacutedicos possam natildeo ser
conscientes pelo muacutesico que desenvolve a funccedilatildeo de acompanhamento pode-se
conjecturar que sua percepccedilatildeo auditiva esteja imbuiacuteda de sonoridades
caracteriacutesticas da muacutesica vocal polifocircnica e isso em algum momento pode
transparecer em acompanhamentos instrumentais
No presente estudo de caso eacute possiacutevel observar procedimentos polifocircnicos
na conduccedilatildeo dos acordes da primeira parte da canccedilatildeo ldquoQuando o Carnaval Chegarrdquo
de Chico Buarque Em diversas entrevistas o compositor carioca revela que
aprendeu a tocar violatildeo sozinho tentando imitar o violatildeo de Joatildeo Gilberto e
portanto natildeo conhece harmonia e suas regras As escolhas de acordes feitas por
compositores autodidatas se datildeo quase unicamente por sonoridade Ou seja um
acorde eacute seguido por outro porque o som eacute satisfatoacuterio para os objetivos do
compositor Disso pode-se compreender que tais escolhas harmocircnicas estatildeo
carregadas de expectativas meloacutedicas ou seja cada acorde eacute ouvido como um
conjunto simultacircneo de notas potencialmente meloacutedicas como o satildeo no estudo da
harmonia tradicional Portanto este estudo pretende apontar para a possibilidade de
anaacutelise harmocircnica em que alguns acordes sejam considerados simultaneidades de
expectativas meloacutedicas e estes tecircm menor concordacircncia com a anaacutelise harmocircnica
ou funcional
O estudo da harmonia natildeo pressupotildee obrigatoriamente apenas simultaneidade () eacute importante que seja considerado o movimento meloacutedico de cada linha (voz) A inter-relaccedilatildeo entre melodia harmonia ritmo dinacircmica textura etc satildeo fatores que devem ser levados em conta na anaacutelise e na composiccedilatildeo de uma peccedila (LIMA 2008 p 117)
Eacute necessaacuterio estudar certas passagens harmocircnicas agrave luz da polifonia e
portanto do contraponto
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Figura 4 anaacutelise do contraponto presente na harmonia de ldquoQuando o Carnaval Chegarrdquo de Chico Buarque Imagem concebida e editada pelo autor
O exemplo da Figura 4 oferece uma opccedilatildeo de compreensatildeo harmocircnica
diferente da sugerida na partitura O primeiro acorde eacute visto como faacute meio diminuto
na primeira inversatildeo em vez de laacute menor com sexta maior como sugerido na cifra
original O acorde seguinte o primeiro grau eacute um sol maior com seacutetima maior
portanto sua sensiacutevel faacute fundamental do acorde anterior ainda estaacute presente
como um retardo O terceiro acorde embora estruturalmente se iguale ao acorde de
laacute bemol diminuto de seacutetima diminuta nessa proposta de anaacutelise se daacute pela
consequecircncia de quatro figuraccedilotildees meloacutedicas bordadura no baixo nota de
passagem no tenor retardo no contralto e antecipaccedilatildeo no soprano Portanto ele natildeo
tem menos funccedilatildeo harmocircnica e mais implicaccedilotildees meloacutedicas
Quando se prolonga todas as notas que satildeo rearticuladas nos acordes do
exemplo da figura 4 depara-se com um contraponto a quatro vozes
predominantemente de segunda espeacutecie
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Figura 5 conclusatildeo contrapontiacutestica da primeira parte da canccedilatildeo ldquoquando o carnaval chegarrdquo Imagem concebida e editada pelo autor
Portanto nesta proposta de anaacutelise harmocircnica natildeo eacute possiacutevel desconsiderar
o contraponto e implicaccedilotildees polifocircnicas
Terceiro estudo de caso contraponto cromaacutetico nas dissonacircncias acima da
seacutetima no acompanhamento da canccedilatildeo ldquosamba do aviatildeordquo de Tom Jobim
A harmonia da muacutesica popular poacutes bossa-nova conferiu ldquoemancipaccedilatildeo agrave
dissonacircnciardquo emprestando a expressatildeo de Schoenberg Portanto a dissonacircncia natildeo
mais direciona os acordes no sentido de suas resoluccedilotildees mas emprestam a eles
sonoridades instaacuteveis e de alguma maneira ao mesmo tempo resolutas As
dissonacircncias conferem certa impressatildeo a cada um dos acordes mas natildeo
apresentam funccedilatildeo de interligaccedilatildeo dos fenocircmenos harmocircnicos atraveacutes da resoluccedilatildeo
delas Esta interligaccedilatildeo novamente se daacute muito mais por expectativas meloacutedicas
embutidas como vozes simultacircneas formadoras dos acordes
Embora a emancipaccedilatildeo da dissonacircncia seja plenamente presente no
repertoacuterio popular poacutes bossa-nova em alguns casos natildeo se pode desconsiderar
estruturas contrapontiacutesticas presentes nestas composiccedilotildees Eacute claro que neste caso
especiacutefico as dissonacircncias natildeo satildeo resolvidas mas suas irresoluccedilotildees natildeo raro
recaem sobre construccedilotildees meloacutedicas em vozes internas dos acordes subordinadas
agrave melodia principal ao baixo e claro agrave harmonia
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Figura 6 contraponto cromaacutetico na canccedilatildeo ldquosamba do aviatildeordquo de Tom Jobim Imagem concebida e editada pelo autor
No fragmento musical da figura 6 eacute possiacutevel identificar uma melodia cromaacutetica
embutida nas dissonacircncias acima da seacutetima A partir do compasso 5 as notas doacute
doacute si e laacute satildeo respectivamente deacutecima terceira maior deacutecima terceira menor
deacutecima segunda e deacutecima primeira aumentada do acorde de mi maior com seacutetima
menor Essas dissonacircncias constroem uma melodia cromaacutetica um contraponto
cromaacutetico
Essa melodia eacute imitada a partir do compasso 7 uma seacutetima maior abaixo nas
notas reacute do do e si respectivamente deacutecima primeira justa deacutecima maior deacutecima
menor e nona maior dos acordes laacute maior com seacutetima maior e laacute menor com seacutetima
menor A melodia cromaacutetica original e sua imitaccedilatildeo uma seacutetima menor abaixo
comeccedilam e terminam em dissonacircncia
Consideraccedilotildees Finais
As propostas aqui apresentadas pretendem apontar para uma contribuiccedilatildeo
dos gecircneros de muacutesica erudita na estruturaccedilatildeo do ensino da muacutesica popular mais
especificamente buscam valorizar o estudo da disciplina contraponto Talvez as
estruturaccedilotildees dos curriacuteculos de cursos de muacutesica possam ser de certo modo
exclusivamente populares apenas na escolha do repertoacuterio a ser aprendido e ainda
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CORREA Marcio Guedes A polifonia tonal na cifra alfanumeacuterica da muacutesica popular uma proposta analiacutetica
fundamentada em trecircs estudos de caso Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 7-14 juldez 2016
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assim persiste a discussatildeo do que vem a ser muacutesica popular e muacutesica erudita e se
essa fronteira existe com tanta clareza No acircmbito da estruturaccedilatildeo teacutecnica e teoacuterica
a hibridez dos conhecimentos historicamente categorizados como de muacutesica erudita
e popular parece ser inevitaacutevel O estudo do contraponto parece ainda ser
indispensaacutevel para fomentar uma compreensatildeo mais ampla do saber musical em
diversos acircmbitos em diferentes gecircneros e estilos
Referecircncias
ALMADA Carlos Contraponto em muacutesica popular fundamentaccedilatildeo teoacuterica e aplicaccedilotildees Rio de Janeiro Editora UFRJ 2013
BORTZ Graziela Direccedilatildeo e Movimento em Solfejos Tonais Percepta ndash revista de cogniccedilatildeo musical Curitiba 1 (1) 95-107 novembro de 2013 CARRASQUEIRA Maria Joseacute O melhor de Pixinguinha Songbook Satildeo Paulo Irmatildeo Vitale 1997 LIMA Marisa Ramirez Rosa de Harmonia Satildeo Paulo Embraform 2008 LIMA Sonia Regina Albano de Performance e interpretaccedilatildeo musical uma praacutetica interdisciplinar Satildeo Paulo Musa Editora 2006 NOGUEIRA Marcos Fernandes Pupo Agrupamentos Sonoros Plenos na Muacutesica de Simultaneidades Acuacutesticas e Estruturais Revista Muacutesica Hodie Goiacircnia v12 nordm 2 p87-972012 Disponiacutevel em lthttpwwwmusicahodiemusbr122artigo_7pdfgt Acesso em 07 de dezembro de 2016 SCHOENBERG Arnold Exerciacutecios Preliminares em Contraponto Traduccedilatildeo de Eduardo Seincman Satildeo Paulo Via Lettera 2001
15 | P aacute g i n a
CAMPOS Idalina Krause de Fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo com Paul Valeacutery esperitografias Revista da
Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 15-35 juldez 2016 Disponiacutevel em
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Fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo com Paul Valeacutery espiritografias
Idalina Krause de Campos1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Resumo Este artigo analisa as possibilidades de um fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo tendo como foco o poeta e pensador francecircs Paul Valeacutery e seus procedimentos muacuteltiplos de escrita uma escrita que opera com a leitura ― escrileitura ― e eacute considerada uma operaccedilatildeo ativa de consciecircncia que possibilita ampliar o uso das faculdades intelectivas de um espiacuterito que lecirc e escreve Propotildee atuar e operar com o meacutetodo do informe em atravessamentos imaginativos da filosofia com a literatura e a educaccedilatildeo da diferenccedila aleacutem de utilizar o conhecimento como invenccedilatildeo por meio de procedimentos tradutoacuterios que possibilitem accedilotildees criadoras em educaccedilatildeo Palavras-chave Valeacutery educaccedilatildeo escrileituras traduccedilatildeo Abstract This paper analyzes the possibilities of a translating action in education by focusing on the French poet and thinker Paul Valeacutery and his multiple writing procedures a kind of writing that operates with reading ― reading-writing ― and is considered as an active operation of awareness that favors the use of intellective faculties of a spirit that reads and writes It proposes to act and operate with the inform method in imaginative intersections between philosophy literature and education of difference besides using knowledge as invention by means of translating procedures that enable creation actions in education Keywords Valeacutery education reading-writings translation
Introduccedilatildeo
O escritor Paul Valeacutery nasceu em Segravete (1871) Comuna francesa no periacuteodo
da Guerra Franco-Prussiana A porta para o mar do Mediterracircneo eacute um porto de
encantos incomparaacuteveis de um horizonte vasto banhado pelas aacuteguas de bacias e
canais que desaacuteguam no mar O pensador eacute autor de uma obra vasta
profundamente original que possui uma intensidade uacutenica e merece ser analisada
em funccedilatildeo de seu movimento de escrita e leitura (escrileitura) pois ele pesquisou
1 Possui graduaccedilatildeo em Licenciatura e Bacharelado em Filosofia pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio
Grande do Sul (1986) Especializaccedilatildeo em Filosofia Cliacutenica pela Faculdade Joatildeo Bagozzi e Instituto Packter
(2008) Mestrado em Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo (PPGEDU) pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (2013) na Linha Filosofias da Diferenccedila e Educaccedilatildeo Atualmente eacute Doutoranda bolsista CAPES
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo na Linha
Filosofias da Diferenccedila e Educaccedilatildeo Participa como pesquisadora dos projetos Dramatizaccedilatildeo do infantil na
comeacutedia intelectual do curriacuteculo meacutetodo Valeacutery-Deleuze Escrileituras um modo de ler-escrever em meio agrave
vida e Didaacutetica da Traduccedilatildeo transcriaccedilotildees do curriacuteculo escrileituras da Diferenccedila Membro integrante do BOP
ndash Bando de Orientaccedilatildeo e Pesquisa da Linha de Pesquisa 09 Filosofias da Diferenccedila e Educaccedilatildeo e do Grupo de
Pesquisa DIF ndash artistagens fabulaccedilotildees variaccedilotildees
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CAMPOS Idalina Krause de Fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo com Paul Valeacutery esperitografias Revista da
Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 15-35 juldez 2016 Disponiacutevel em
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estudou e escreveu sobre conteuacutedos integrantes das mais diversas aacutereas do
conhecimento e que satildeo repletos de nuances e de viva poesia
Tal perspectiva oriunda de seus escritos propicia utilizar o conhecimento
como invenccedilatildeo para criar um compoacutesito de escrita e leitura e com ele produzir
meios que possibilitem accedilotildees criadoras em educaccedilatildeo o que propicia ao espiacuterito
construir a sua proacutepria realidade no campo ambiental da linguagem
Ainda em seus primeiros anos de vida o Mediterracircneo que banha a cidade
torna-se uma festa aos olhos curiosos do infante Valeacutery que considera tudo das
cores aos cheiros das formas agraves imagens de uma natureza exuberante ldquouma
verdadeira loucura de luz combinada com a loucura da aacuteguardquo (VALEacuteRY 2011 p
127) Satildeo seus primeiros passos de pensador e que trazem em germe um pensar
em estado nascente pois se deixa seduzir pela liberdade pelos estados poeacuteticos
com um olhar voltado para o mar o que eacute tambeacutem um olhar para o possiacutevel
Os olhos de Valeacutery abraccedilam o que haacute de humano e de inumano em uma
paisagem de natureza primitiva quase intocada mesclada com as atividades dos
homens que ali habitam Um grande cenaacuterio de teatro cujo personagem principal eacute
a luz que ilumina o mar Ali onde Afrodite passeia e que ao cair da tarde
crepuscular com o mar jaacute escuro deixa ver na rebentaccedilatildeo brilhos extraordinaacuterios
Onde a luz de fogo rosa insistente do sol daacute seu adeus ao dia deixando que entre
em cena a escuridatildeo da jaacute noite onde se entreveem os fantasmas que danccedilam
sobre as torres e muros de Aiguesmortes Sombras que festejam os cadaacuteveres
pesados dos atuns animais quase do tamanho de um homem trazidos pelos barcos
de pesca que adentram a costa em seu ldquoretorno da cruzadardquo (VALEacuteRY 2011 p
130)
Ao amanhecer a peccedila teatral do viviacutevel segue e a luz dos raios solares
derrama-se pelos molhes Eacute quando o pequeno Valeacutery tenciona banhar-se na
imensidatildeo cristalina do mar Poreacutem baixa os olhos e estremece diante de uma cena
singular que mistura carnificina e beleza Jazem sobre a ldquoaacutegua maravilhosamente
lisa e transparenterdquo restos de ldquoviacutesceras e entranhas de todo o bando de Netunordquo
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(VALEacuteRY 2011 p 130) Satildeo muacuteltiplas tonalidades de cores roacuteseo-puacuterpuras coral
sanguinolenta vermelhidatildeo de uma mortandade repulsivamente sinistra embalada
pelas ondas letaacutergicas
O espanto eacute inevitaacutevel e o faz esquecer o banho matinal Mas apesar do
susto que invade sua alma os olhos guardam alguma admiraccedilatildeo pelo
acontecimento fazendo vagar pensamentos relacionando o morticiacutenio repleto de
cores com imagens espectrais Misturas de tonalidades imersas na aquosidade de
um liacutempido e cristalino mar que poderiam bem servir para um fazer artiacutestico aos
homens de talento afeitos agraves curiosidades e agraves capturas de um olhar artistador
Natildeo perdura nessa imagem repentina o conteuacutedo pobre mas como pondera
Deleuze em O Esgotado (2010 p 85) vale nessa visatildeo a energia condensada ldquoa
prodigiosa energia captada prestes a explodir fazendo com que as imagens nunca
durem muito tempo [] A imagem dura o tempo furtivo de nosso prazer de nosso
olharrdquo Assim aparece a forccedila de sentimento de Valeacutery influenciado e estimulado
pelas deidades poeacuteticas do mar do ceacuteu e do sol
E o que decorre disso tudo eacute uma produccedilatildeo intelectual que foca em muacuteltiplas
temaacuteticas tendo como pano de fundo o funcionamento do intelecto atraveacutes de
accedilotildees de pensar o proacuteprio pensamento para verificar o que estes pensamentos
implicam Uma produccedilatildeo que abarca o viviacutevel e que merece ser investigada como
um meio possiacutevel para ser apropriado no acircmbito do ensino contemporacircneo em
funccedilatildeo de sua diversidade e de sua potecircncia textual
Pelo que foi possiacutevel observar em nossas pesquisas Valeacutery configura-se num
misto de poeta de pensador e de criacutetico da cultura tendo sido traduzido por
escritores e tambeacutem por poetas em vaacuterios idiomas No entanto apesar de possuir
um reconhecimento internacional pelo conjunto de suas obras produzidas eacute ainda
pouco explorado no Brasil especialmente no que tange ao uso teoacuterico e praacutetico do
seu pensamento no campo da educaccedilatildeo
Em suma como afirma Gonccedilalves (2011 p 238) Valeacutery eacute O Alquimista do
Espiacuterito ldquodevido ao seu sistema plural de linguagensrdquo em que ocorrem
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transmutaccedilotildees de montagem e desmontagem de escrita Uma verdadeira alquimia
contraacuteria agrave anestesia do gesto para que uma segunda natureza possa se apresentar
ao texto atraveacutes de um operar espiritual em constante variaccedilatildeo e que neste fazer
operativo produz uma escrita visceral e mutante cuja mateacuteria eacute a vida que se
experimenta no campo do saber como um processo aberto muacuteltiplo e desafiador
para assim buscar fazer com ele uma educaccedilatildeo disposta a disseminar as aventuras
do pensamento
Espiacuterito
Valeacutery utiliza-se da palavra francesa esprit para aludir ao Eu embora haja em
seu pensamento a distinccedilatildeo entre dois tipos de espiacuterito Moi que seria o Eu
empiacuterico (self-variance) e Moi que seria o Eu puro (Idolle de lrsquoIntelect) a ser
cultuado e buscado Este uacuteltimo conceito de Eu puro necessita ser entendido com
uma significaccedilatildeo peculiar qual seja o Eu como intelecto como inteligecircncia
Nessa perspectiva o presente artigo aborda um possiacutevel fazer tradutoacuterio em
educaccedilatildeo conjuntamente com o pensador Paul Valeacutery de modo a buscar atraveacutes
do movimento de leitura e escrita exercitar conscientemente os pensamentos que
possibilitam transitar no campo diverso do saber
O espiacuterito ndash ou Eu-empiacuterico ndash desenvolve-se conscientemente exercitando os
processos do pensar com a finalidade de conhecer Pensamento ativado via
processos de criaccedilatildeo oriundos de uma self-variance (autovariaccedilatildeo do espiacuterito)
disciplinada e rigorosa passando a verificar o que esses pensamentos implicam
procurando vecirc-los com precisatildeo e pesquisar seus labirintos sua mecacircnica psiacutequica
iacutentima e seu meacutetodo operativo
Valeacutery (2011 p179) conceitualiza as accedilotildees do pensar as invenccedilotildees
produzidas pela inteligecircncia onde o Eu-empiacuterico que se utiliza da leitura e da
escrita e consequentemente pensa define-se ldquoatraveacutes da relaccedilatildeo entre um 2010 p
85) certo lsquoespiacuteritorsquo e a linguagemrdquo Ou seja pondo em movimento um Eu-funcional
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pode-se desenvolver uma consciecircncia do processo do pensar para fins de
conhecimento expressos por intermeacutedio da linguagem
Espiacuterito este visto como um sujeito que natildeo se assujeita mas aspira agrave
criaccedilatildeo e a realiza sem divindade reguladora sem idealismo (Eu absoluto do
Idealismo Alematildeo) e distante da metafiacutesica da alma imortal (Eu substancial do
racionalismo de Descartes) Portanto o Eu puro valeacuteryano natildeo guarda uma
moralidade consistindo na invariabilidade naquilo que natildeo muda no espiacuterito O
espiacuterito eacute abordado como um signo de pura possibilidade de uma virtualidade ao
qual o Eu empiacuterico aspira e tende Eu que passa por uma ascese e encontra-se ―
purificado de paixotildees de outros iacutedolos e idolatrias ― de forma a se tornar liberto
para agir e pensar
A nossa pesquisa da escrita valeacuteryana gera e explora meios de afirmar e de
proporcionar possibilidades criadoras em educaccedilatildeo justamente porque ndash como
salienta Corazza (2010 p 2) ndash o espiacuterito humano enfrenta dificuldades para pensar
o informe de maneira que necessitamos ldquode uma Educaccedilatildeo ou pedagogia dos
sentidos associando a vivecircncia dos limites formais com a criaccedilatildeo artistadorardquo
A pesquisa trata portanto de um fazer compositivo de escrita de uma praacutetica
de ensino numa construccedilatildeo conjunta com a obra de Valeacutery que busca o valor do
pensar humano observa seu funcionamento e sua accedilatildeo fecunda de pensar Por seu
intermeacutedio construiacutemos operaccedilotildees escrileitoras tradutoacuterias (escrita-leitura e leitura
escrita) capturando as forccedilas que aproximam percepccedilatildeo e criaccedilatildeo
Pensamos que a Filosofia da Diferenccedila pode servir-se das pesquisas deste
poeta-pensador como um disparador de escrita que busca um novo modo de ver e
de pensar o pensamento no qual a linguagem a verdade a consciecircncia de si satildeo
inseparaacuteveis e inter-relacionadas Pensar que possibilita o alargamento das
fronteiras da linguagem educacional na medida em que quebra concepccedilotildees
filosoacuteficas e cientiacuteficas consideradas verdadeiras e incontestaacuteveis
Inter-relaccedilatildeo na qual o espiacuterito Estudante-Escritor- Educador (EEE) estaacute
sempre se autoproduzindo por via de uma self-variance num processo contiacutenuo de
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geraccedilatildeo de sentidos imanentes singulares e particulares os quais reivindicam
novas possibilidades de invenccedilatildeo de emissatildeo de signos que se inscrevem para
escriturar sentidos oriundos das sensaccedilotildees num empirismo de pensar constante
cujos procedimentos implicam necessariamente o campo do vivido Pesquisamos
nesse processo variante o ambiente humano por entre dramas e comeacutedias do
vivido no campo educacional ou ainda uma dracomeacutedia humana repleta de
potenciais vicissitudes que servem como disparadores para uma invenccedilatildeo
produtora de escrita texto-manifesto exposto por via da linguagem e suas
convenccedilotildees
Meacutetodo
O meacutetodo utilizado na pesquisa eacute o do informe que desenvolve um tipo de
pesquisa que possibilita enfrentar a dificuldade de pensar o informe Meacutetodo este
que se interroga e que varia durante todo o processo de sua execuccedilatildeo natildeo
possuindo um regramento estanque ou dogmaacutetico o que baniria o prazer do
inusitado
Esse meacutetodo age atraveacutes de capturas das forccedilas dos textos das imagens
das musicalidades das vozes e dos conhecimentos isto eacute de tudo que deveacutem em
vida potente e que possa ser adequado agraves praacuteticas de ensino pois conforme Valeacutery
(1997 p 59) ldquoeacute o que contenho de desconhecido a mim mesmo que me faz ser eu
mesmordquo
Na praacutetica o que observamos eacute um desejo que ronda ldquocomo uma mina a ceacuteu
abertordquo (BARTHES 2013 p12) que propicia criar uma fantasia de exploraccedilatildeo e por
intermeacutedio dela construir um ritmo proacuteprio de accedilatildeo exploratoacuteria um como para viver
junto com vida e obra de determinado pensador saboreando cotidianamente
ldquobocados de saber = pesquisardquo Assim por entre bocados de pesquisa esse meacutetodo
produz ficccedilatildeo de modo que ldquoos pesquisadores capturam forccedilas imaginaacuterias
fantasiacutesticas e intelectuais que os conduzem ao trabalho criadorrdquo (CORAZZA 2012
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p19) levando o espiacuterito a experimentar um novo fazer ou seja uma pesquisa gaia
na educaccedilatildeo contemporacircnea
Por este vieacutes tal meacutetodo busca dar adeus agraves metanarrativas de ambiccedilatildeo
universal insistente nos entremeios do territoacuterio educacional Sua ambiccedilatildeo universal
eacute hermeacutetica e portanto falha pois impede uma discussatildeo que se quer aberta e natildeo
reprodutora de conhecimento Esta abertura pode trazer ao proacuteprio curriacuteculo e agrave
didaacutetica um entoar de novas vozes capazes de compor narrativas novas fazendo
na accedilatildeo de ensinar um espaccedilo criacutetico um lugar puacuteblico para discussotildees diversas
Ou seja capturar o que ateacute entatildeo foi excluiacutedo ou natildeo contemplado nas
metanarrativas em funccedilatildeo de sua supressatildeo por natildeo pertencerem aos dogmas
ditos universais Busca-se assim o vatildeo o desvio o detalhe tendo a linguagem
como movimento isto eacute em fluxo constante no movimento de criaccedilatildeo
Desse modo aquilo que sabemos que nos pertence natildeo conta pois
procuramos o que natildeo foi ainda construiacutedo o que resta para ser adquirido
transformado e que se anuncia nos entremeios dos textos Sendo assim a literatura
a filosofia e a educaccedilatildeo entrecruzam-se visto que seus conhecimentos e saberes
satildeo investigados por via das proacuteprias escrileituras que interrogam as tramas
compositivas do intelecto
Pode-se tambeacutem afirmar que o referido meacutetodo tem apreccedilo pelo espiacuterito
crianccedila ― que jamais deveria morrer em noacutes ― pois que ele traz em si a forccedila da
curiosidade da persistecircncia da descoberta haacute neste espiacuterito pagatildeo e poeta um
infinito de possibilidades Como elucida Eduardo Galeano em entrevista chamada eacute
Tempo de viver sem medo2 ldquoeacute preciso olhar o que natildeo se olha o que merece ser
olhado tanto o micro mundo e ao mesmo tempo sermos capazes de contemplar o
universordquo E para tanto eacute preciso se ter uma visatildeo microscoacutepica e outra telescoacutepica
para assim tentar desvendar o que haacute de misterioso na existecircncia
2 Entrevista de Eduardo Galeano disponiacutevel em canal moritz Ptnet acesso em 05 de julho de
2016
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As escrileituras produzidas em uma praacutexis do informe portanto satildeo criadas
em conjunto com os meandros labiriacutenticos e espirituais dos quais nos ocupamos
escolhidos pela apaixonada necessidade de escrever Natildeo se verifica uma doutrina
mas um meacutetodo para operaccedilotildees espirituais tracircnsitos pelos macros e micros
mundos ofertados pelo existir Os espiacuteritos operam em variaccedilatildeo e lanccedilam um novo
olhar para o que ainda natildeo foi visto ou seja o que ainda ignoramos e com estes
novos elementos do que se detecta surgem vatildeos e frestas que propiciam uma
composiccedilatildeo de escrita viva
Sendo assim o meacutetodo do informe nada mais eacute do que um fazer mutante
avesso ao sedentarismo intelectual um ato fiacutesico corporal posto em movimento
atraveacutes de estudos e pesquisas abrindo possibilidades para que o espiacuterito trabalhe
e medite sobre a produccedilatildeo de uma obra ― de um espiacuterito criador ― numa atitude
interrogativa transformada em problema que questiona pelo vieacutes de Valeacutery (2011 p
200) O que a obra produz em noacutes
Todo corpo posto em atividade eacute energia despendida e tambeacutem adquirida a
todo instante um organismo em constante mutaccedilatildeo Uma forma fluente ― referida
por Duns Scot como um onde ou (ubi) ― e capaz de uma determinaccedilatildeo qualitativa
anaacuteloga ao calor adquirido pelo corpo que se aquece atraveacutes do contato e do
contaacutegio com outros corpos que os circundam E nesta metamorfose contiacutenua e
energeacutetica o espiacuterito se propotildee a buscar maior lucidez para o intelecto e conhecer a
fundo a problemaacutetica a que se propotildee num exerciacutecio que se realiza atraveacutes de um
nomadismo de pensamento ativo sempre em deslocamento que busca o novo
De fato com o espiacuterito entendido desde a perspectiva valeacuteryana atraveacutes dos
movimentos de escrileituras da pesquisa com o artifiacutecio da literatura movimentamos
uma malha intelectiva que possibilita a construccedilatildeo de espiritografias Ou seja vamos
ao mundo de um espiacuterito e com ele escrevemos a partir de um estudo de vida e de
obra ou de uma Vidarbo Trata-se do interesse ldquopor Vida (Biografia) e por Obra
(Bibliografia) Soacute que em vez de Vida e Obra tomadas em separado ou uma
derivada e mesmo causa da outra trata de Vidarbordquo (CORAZZA 2010) tomada
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conjuntamente Essas operaccedilotildees das faculdades intelectivas repletas de afecccedilotildees
permitem e compotildeem o meacutetodo do informe como um mecanismo que exige um tipo
de construccedilatildeo no qual o inesperado eacute condiccedilatildeo processual
Projetos
Essas operaccedilotildees de meacutetodo do informe tiveram suas experimentaccedilotildees e
pesquisas empiacutericas cultivadas em trecircs projetos desenvolvidos pela pesquisadora e
professora doutora Sandra Mara Corazza e seus orientandos de iniciaccedilatildeo cientiacutefica
mestrado e doutorado na Linha de Pesquisa 09 Filosofias da Diferenccedila em
Educaccedilatildeo integrante do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo (PPGEdu) da
Faculdade de Educaccedilatildeo (FACED) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS) quais sejam Dramatizaccedilatildeo do infantil na comeacutedia intelectual do curriacuteculo
meacutetodo Valeacutery-Deleuze (2010) Escrileituras um modo de ler-escrever em meio agrave
vida e Didaacutetica da Traduccedilatildeo transcriaccedilotildees do curriacuteculo escrileituras da Diferenccedila
(2014 ndash 2019)
O projeto atual almeja complementar correlacionar e consolidar a formaccedilatildeo
de professores-pesquisadores atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos resultados e
impactos das produccedilotildees oriundas das trecircs pesquisas investigando um curriacuteculo e
uma didaacutetica da diferenccedila visando criar e fortalecer a ampliaccedilatildeo e a consolidaccedilatildeo
da qualidade de uma pesquisa-docecircncia
Desde o iniacutecio o meacutetodo do informe apontava para um tipo de pesquisa
construcionista enquanto um convite para estudos e praacuteticas de escrita as quais
atraveacutes das aventuras do intelecto facultam ao espiacuterito construir a sua proacutepria
realidade no campo ambiental da linguagem pensando o informe com Valeacutery e sua
Comeacutedia Intelectual e com Deleuze e o seu Meacutetodo de Dramatizaccedilatildeo aleacutem de
recorrer tambeacutem a Roland Barthes e ao seu conceito de Biografemaacutetica (CORAZZA
e OLIVEIRA 2015)
O Projeto Escrileituras (2011-2015) apoiado pelo Programa Observatoacuterio da
Educaccedilatildeo (CAPESINEP) teve como proposiccedilatildeo um fazer-educaccedilatildeo por meio de
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Oficinas abrindo assim possibilidades de criaccedilatildeo de escrileituras em educaccedilatildeo
Oficinas que tinham em sua percepccedilatildeo criaccedilatildeo e desenvolvimento dois meios
possiacuteveis para movimentos experimentais de escrita a formaccedilatildeo que acompanhava
os bolsistas e pesquisadores participantes e cursos e accedilotildees de extensatildeo oferecidos
a professores da Educaccedilatildeo Baacutesica
Totalizando um registro de 570 oficinas desenvolvidas pelo projeto foi
desenvolvida a Oficina espiritograacutefica de co-criaccedilatildeo dialoacutegica propondo aos
participantes um exerciacutecio de pensamento valeacuteryano que explorasse a forma de
escrita ldquodiaacutelogordquo atraveacutes de textos filosoacuteficos e literaacuterios que tratavam do tema
A oficina buscava pensar de forma luacutecida condiccedilotildees de criar personagens
que pensam o proacuteprio pensamento afirmando o espiacuterito que opera e escreve com
prazer ciente ldquoque cada um eacute a medida das coisasrdquo (VALEacuteRY 2011) E atraveacutes
desta empiria de escrita proposta na oficina proporcionou um aporte teoacuterico e
praacutetico para composiccedilatildeo da dissertaccedilatildeo de mestrado Alfabeto espiritograacutefico
escrileituras em educaccedilatildeo (CAMPOS 2013)
Espiritografia
Dessa accedilatildeo empiacuterica a palavra espiritografia comeccedila a tomar forccedila nas
pesquisas possibilitando ao espiacuterito escrileitor investigar outros Espiacuteritos e suas
vidarbos e com eles passar a criar procedimentos capazes de promover uma
produccedilatildeo de escrita espiritograacutefica experimental que se ocupa de erracircncias acasos
e o inusitado e que se configura em uma tese intitulada A Educaccedilatildeo da Diferenccedila
com Paul Valeacutery Meacutetodo Espiritograacutefico (CAMPOS 2015) com proposta jaacute
qualificada em 2015 e com defesa final prevista para 2017
Deste modo o espaccedilo curricular afirmava-se de maneira transversal com a
filosofia com as artes e com as ciecircncias tomando para si a tarefa de compor um
curriacuteculo como uma construccedilatildeo aberta fazendo dos conhecimentos que se colocam
em movimento um compoacutesito multidimensional de leitura e de escrita potenciais
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Assim o Projeto Escrileituras optou por afirmar um curriacuteculo mutante
provocando com isso que sua didaacutetica tambeacutem o fosse Ou seja didaacutetica e
curriacuteculo possibilitaram atraveacutes das Oficinas a ampliaccedilatildeo da visatildeo de mundo por
via do conhecimento que serve como um disparador para a edificaccedilatildeo de outros
mundos possiacuteveis isto eacute um modo de viver e de ldquomaquinar a educaccedilatildeo com prazer
aventureiro e espiacuterito aventurosordquo (CORAZZA 2014)
Abrindo dobras na pesquisa foi possiacutevel falar e escrever sobre Autor
Infacircncia Curriacuteculo e Educador ndash unidades analiacuteticas referidas como AICE e
integrantes de procedimentos didaacuteticos Jaacute o curriacuteculo foi composto pelas seguintes
unidades analiacuteticas Espaccedilos Imagens e Signos (EIS) os quais satildeo postos em
movimento por meio de um nomadismo intelectual experimentado no proacuteprio
territoacuterio da educaccedilatildeo valendo-se dos procedimentos muacuteltiplos de escrita de Valeacutery
para um fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo
Atraveacutes de um Meacutetodo do Informe utilizando o conhecimento como invenccedilatildeo
que por via de transbordamentos de pesquisa esses elementos possibilitaram criar
um novo meacutetodo chamado espiritograacutefico ndash defendido na tese A Educaccedilatildeo da
Diferenccedila com Paul Valeacutery Meacutetodo Espiritograacutefico (CAMPOS 2015) ndash pelo qual foi
possiacutevel a criaccedilatildeo de alguns tipos de espiritografias tradutoacuterias como Plagiotroacutepica
Imageacutetica Mise en Scegravene Desviante Extra-Ordinaacuteria Jogada Aula-Empiacuterica
Poeacutetica
Escrever eacute traduzir conforme afirma Valeacutery na eacutepoca em que traduzia as
Bucoacutelicas de Virgiacutelio (1944) destacado no livro de Haroldo de Campos (2013)
Transcriaccedilatildeo
Escrever o que quer que seja desde o momento em que o ato de escrever exige reflexatildeo e natildeo eacute uma inscriccedilatildeo maquinal e sem detenccedilas de uma palavra interior toda espontacircnea eacute um trabalho de traduccedilatildeo exatamente comparaacutevel agravequele que opera a transmutaccedilatildeo de um texto de uma liacutengua em outra (VALEacuteRY apud CAMPOS 2013 paacuteg61-62)
Essas forccedilas operativas da escrita (e da leitura) servem como impulso para
uma trajetoacuteria autoconsciente do espiacuterito que se aventura entre rasuras em busca
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do novo Produzindo uma escrita tradutoacuteria aberta sujeita a interaccedilotildees e oscilaccedilotildees
oriundas daquele espiacuterito que age sobre o texto criamos uma didactique da
novidade da erracircncia de AICE que pode gerar intranquilidade pois caccedila em meios
muacuteltiplos de escrita ― rigorosa e complexa ― seus desdobramentos enigmaacuteticos
perseguindo a exatidatildeo dos sentidos por entre Espaccedilos Imagens e Signos (EIS) do
Curriacuteculo
Sendo assim AICE (Didaacutetica) e EIS (Curriacuteculo) tomam para si uma poeacutetica de
pesquisa que se quer empiacuterica num processo de releitura e de reescrita do viviacutevel
no campo educacional e que acabam produzindo um diferencial curricular e didaacutetico
da diferenccedila visto que criam novas epistemes possibilitando ldquopensar uma didaacutetica e
um curriacuteculo tradutoacuteriosrdquo (CORAZZA 2014 p5)
Em seu texto A Tentaccedilatildeo de (Satildeo) Flaubert Valeacutery (2011) escreve sobre a
diaboacutelica tentaccedilatildeo humana e poeacutetica de provocar uma escrita amebiana como meio
para um jogo escritural do viviacutevel pois viver eacute a todo instante sentir falta de alguma
coisa e modificar-se para atingi-la para desse modo tender a substituir-se no
estado de sentir falta de alguma coisa Trata-se de um movimento corpoacutereo como o
feito pela ameba ou seja de transubstanciaccedilatildeo com o objeto amado pois ldquovivemos
do instaacutevel pelo instaacutevel no instaacutevel essa eacute a funccedilatildeo completa da Sensibilidade
que eacute a mola diaboacutelica da vida dos seres organizadosrdquo (VALEacuteRY 2011 p 83)
Essas perspectivas poeacuteticas sobre escrita leitura curriacuteculo e didaacutetica
possibilitam no espaccedilo da aulaoficina a emergecircncia de procedimentos
interpretativos das mateacuterias curriculares que funcionam como meio de invenccedilatildeo
recriando assim culturas e discursos atraveacutes de exerciacutecios rigorosos cocircmicos e
dramaacuteticos do pensamento Nesse sentido como um espaccedilo de ficccedilatildeo a aula eacute
planejada para que de algum modo funcione como um laboratoacuterio coletivo em que
se examina e promove-se a educaccedilatildeo do espiacuterito
Assim satildeo promovidos encontros imanentes que fornecem coordenadas
para o pensamento criacutetico que eacute experimentado num empirismo transcendental no
qual ldquoa Ideia natildeo eacute o elemento do saber mas de um lsquoaprenderrsquo infinitordquo (DELEUZE
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2006 p310) Nesse tipo de empirismo o que vale eacute o valor agregado ao espiacuterito
das forccedilas que do pensamento se apossa e que satildeo capazes de produzir novas
imagens que enunciam e novamente atualizam o pensar Com textos literaacuterios os
espiacuteritos escrileitores em movimentos de self-variance passam a acompanhar
essas danccedilas dramaacuteticas em meio agrave vida in-formada
Trata-se de um pensar vivo capaz de escriturar novos sentidos e de inscrever
signos que satildeo vitalmente transcriados pois operam para ldquoatravessar a ortodoxia
dos textosrdquo (CORAZZA 2014) e com eles criar uma escrita indomesticada criacutetica e
vivificadora Damos assim vida a uma nova praacutexis de ensino capaz de construir
espiritografias na qual o espiacuterito age por si enquanto move-se entre leituras e
escritas Espiacuterito que se interroga observa o proacuteprio fazer da escrita literaacuteria que
tem como tarefa anotar borrar fazer muacuteltiplas reflexotildees combinaccedilotildees tentativas e
falhas
Notemos que o espiacuterito ocupa trecircs lugares funcionais em seu laboratoacuterio
proacuteprio quais sejam EEE ndash o de Estudante (espiacuterito em curso tradutoacuterio de escrita)
o de Escritor (espiacuterito autor tradutor e transcriador) e o de Educador (espiacuterito em
exerciacutecio de traduccedilatildeo no exerciacutecio do magisteacuterio) Eacute esse atravessamento entre
lugares que movimenta EIS (Curriacuteculo) e AICE (Didaacutetica) os quais pela via da
traduccedilatildeo satildeo reimaginados Vislumbramos de acordo com Corazza (2013 p 219)
um fazer tradutoacuterio ldquopara aleacutem do literalismo rudimentar e da banalidade explicativardquo
que daacute nova vida ao educador-artista e cujas traduccedilotildees ldquopoderatildeo por vezes tornar-
se mais importantes que os originaisrdquo pois se configuram como uma ldquoestrateacutegia de
renovaccedilatildeo dos sistemas educacionais e culturais contemporacircneosrdquo
Experimentaccedilotildees
A partir do desenvolvimento de algumas Oficinas de Transcriaccedilatildeo durante o
Projeto Escrileituras continuamos estudando e pesquisando o pensamento de
Valeacutery na direccedilatildeo de construir tipos de espiritografias como uma praacutetica que
promove novos movimentos que tomam as unidades analiacuteticas de EIS AICE na qual
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buscamos combinar e correlacionar EIS com AICE (Espaccedilos Imagens e Signos a
Autor Infantil Curriacuteculo Educador) e nesse processo combinatoacuterio e correlacional
operacionalizar escrileituras tradutoacuterias que se articulassem com a praacutexis do ensinar
escrever orientar pesquisar colocando esses verbos em foco por meio de um fazer
espiritograacutefico Tal procedimento exploratoacuterio-experimental de pesquisa tem como
intuito criar meios para a produccedilatildeo de accedilotildees de pensamento na pesquisa
Nessa direccedilatildeo detalharemos um dos tipos de espiritografia aludida no texto
a Espiritografia Plagiotroacutepica Lembrando o que salienta o proacuteprio Valeacutery (2011 p
110) ldquoeu sei apenas o que sei fazerrdquo expomos os movimentos empiacutericos de escrita
feitos para criar essa espiritografia atraveacutes de movimentos de EIS AICE
apresentados a seguir por meio de um resumo do seu Glossaacuterio
EIS AICE
Espaccedilos - que se habitam e produzem
condiccedilotildees para novamente serem
habitados ao esvaziar-se na
constituiccedilatildeo de novas margens que a
sua vez lhes doam novas instacircncias
habitaacuteveis
Imagens - ausentes que presentificam
presenccedilas e Imagens presentes que
presentificam ausecircncias
Signos - satildeo dotados das forccedilas dos
encontros que podem exercer uma
violecircncia sobre o pensamento
violecircncia que implica na criaccedilatildeo do
pensar no proacuteprio pensamento
Autor-Tradutor - escreve lecirc interpreta aprende
compotildee apenas para desencadear devires
Infantil - como forccedila ativa e vontade de potecircncia
afirmativa
Curriacuteculo - cria a alegria afirmativa de educar
Educador - exercita se interrogar se tudo o que disse
ateacute entatildeo eacute tudo o que pode dizer se tudo o que viu
ateacute agora eacute de fato tudo o que pode ver se tudo o
que pensa eacute tudo o que pode pensar se tudo o que
sente eacute tudo o que pode sentir se tudo o que traduziu
eacute tudo que pode traduzir
O texto inspirador para a produccedilatildeo dessa espiritografia eacute o livro de Gonccedilalo
Tavares (2011) intitulado O senhor Valeacutery e a loacutegica tomado como um disparador
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como um meio potente para a produccedilatildeo de escrita Esse meio textual produz um
outro para falar e escrever sobre a Vidarbo (vida-obra) de Paul Valeacutery criando-se
assim um personagem O Monsieur Valeacutery
Esse texto eacute produzido por intermeacutedio de escrileituras que contemplam o
ainda natildeo visto ou ainda natildeo atribuiacutedo de valor para a criaccedilatildeo do personagem na
medida em que pesquisamos sobre a vida e a obra de Valeacutery de modo a escrever
sobre este personagem peculiarmente
Por via de um olhar outro que natildeo o de Tavares mas do olhar do espiacuterito
escrileitor que pesquisa vida e obra de outro espiacuterito no caso Valeacutery almejamos
compor uma espiritografia com e sobre este personagem do pensamento o que
pressupotildee ir ao mundo deste espiacuterito do qual se escreve observando como se daacute o
seu pensar Desta maneira foram produzidos quatro minicontos O Atum O
Ostinato O Sonho e Sem Destino (CAMPOS 2015) Abaixo seguem os dois
primeiros dessa seacuterie
O Atum
MONSIEUR VALEacuteRY era pequenino mas adorava nadar
Ele explicava
Sou igual a um atum soacute que em tamanho menor
Mas isto constitui para ele um problema
Mais tarde o monsieur Valeacutery pocircs-se a pensar que os pescadores podiam
confundi-lo com um atum e pescaacute-lo Sabia por suas leituras ser o Atum o mais
antigo deus criador do mundo Mediterracircneo e observou em seu livro a grande
Serpente Atum pai de Eneacuteade e Helioacutepolis E tal pensamento o animou um pouco
Dias depois saiu para passear agrave beira-mar e desenhou serpentes na areia E
pensava sobre a evoluccedilatildeo das espeacutecies e murmurava ldquose o homem estaacute situado ao
final de um longo esforccedilo geneacutetico tambeacutem seraacute preciso situar esta criatura fria sem
pata sem pelos sem plumas no iniacutecio deste mesmo esforccedilordquo E concluiu Haacute algo
de serpente no homem assim deve tambeacutem haver em mim
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Monsieur Valeacutery costumava fazer caacutelculos enquanto caminhava e riscava
atraacutes de si com uma varinha uma linha e ia medindo Caminhou caminhou de
suacutebito olhou para traacutes e viu a linha e pocircs-se a imaginar a Serpente como uma linha
viva E pensava que a linha eacute uma abstraccedilatildeo encarnada soacute enxergamos a sua parte
proacutexima manifesta Mas ele sabia que a linha seguia pelo invisiacutevel infinito de um
lado e de outro
O Ostinato
MONSIEUR VALEacuteRY cresceu assim como tambeacutem cresceu sua curiosidade
sobre as serpentes que seguia a rabiscar
Monsieur Valeacutery ainda costumava nadar poreacutem agora com maior
desenvoltura
Jogava-se ao mar e nadava de costas cachorrinho borboleta
Enquanto dava suas braccediladas e mergulhos no mar sem fim sentia-se
acompanhado
Entatildeo o monsieur Valeacutery pensava
― Seraacute Afrodite Ou seraacute Netuno
E enquanto caminhava para casa apoacutes seus nados volta e meia olhava para
traacutes observando a linha pintalgada pelos pingos que escorriam de seu corpo
Entatildeo Monsieur Valeacutery exclamava
― Que bela geometria
E logo se aborrecia
Monsieur Valeacutery era um perfeccionista e para se distrair durante o percurso
de volta para casa ia compondo versos Ostinatos que o enterneciam e lhe traziam
aromas de um pensamento Ele costumava declamaacute-los assim
Fonte minha fonte aacutegua friamente presente
Suave com os animais com os humanos clemente
Que tentados por si seguem ao fundo a morte
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Tudo te eacute sonho Irmatilde impaacutevida da Sorte3
Importa salientar que natildeo haacute um plaacutegio porque natildeo eacute coacutepia ou mera
reproduccedilatildeo textual mas de uma plagiotropia no sentido de Haroldo de Campos
(1997 p249) qual seja uma ldquoapropriaccedilatildeo seletiva natildeo histoacuterica para utilidade
imediata de um fazer poeacutetico situado na lsquoagoridadersquo o momento de ruptura em que
determinado presente (o nosso) se reinventa ao se reconhecer na eleiccedilatildeo de um
determinado passadordquo
Em outras palavras estabelecemos um diaacutelogo entre os espiacuteritos de Valeacutery
de Tavares e de um escrileitor que quer compor uma espiritografia O espiacuterito que
escreve lecirc repensa e mastiga o que chega dos textos de Tavares e de Valeacutery Essa
relaccedilatildeo estabelecida entre os espiacuteritos que leem e escrevem adquire potecircncia pelas
afecccedilotildees de forccedilas oriundas da accedilatildeo de leitura-escrita e gera novas relaccedilotildees com
os textos que satildeo entatildeo renovados e reinventados pelo meacutetodo espiritograacutefico
O EIS AICE do Curriacuteculo e da Didaacutetica com suas unidades analiacuteticas eacute posto
como bloco em movimento atraveacutes de um nomadismo intelectual que opera como
conhecimento e como invenccedilatildeo no territoacuterio da educaccedilatildeo de uma maneira
espiritograacutefica valeacuteryana Podemos descrever da seguinte maneira os movimentos
tradutoacuterios que ocorrem nessas unidades analiacuteticas de EIS AICE
EIS
Espaccedilos - satildeo criados entre e com Tavares e Valeacutery espaccedilos de escrita
novas margens que o espiacuterito escrileitor passa a habitar
Imagem - ausentes de Tavares e Valeacutery que se presentificam na agoridade
com novas imagens de pensamentos criadas que se ldquoreinventa ao se reconhecer na
eleiccedilatildeo de um determinado passadordquo (Campos 1997 p249) e que lhe serviu de
disparador como um rastro de escrita
3 Do poema Fragmentos de Narciso e outros poemas (VALEacuteRY 2013 p 61)
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Signos ndash encontro de forccedilas de um espiacuterito que escreve em Self-variance
com Valeacutery e com Tavares E desta violecircncia levantam-se problemas e com eles se
cria pois criaccedilatildeo pressupotildee pensar no proacuteprio pensamento e como eles se datildeo
entre leitura e escrita
AICE
Autor-tradutor ndash ler e escrever na educaccedilatildeo como operaccedilatildeo literaacuteria valer-se
da literatura que desencadeia movimentos de pensar interpretar aprender
compor devires tradutoacuterio
Infantil ndash do infante da crianccedila que descobre pois tem a forccedila ativa ativada
por uma vontade de potecircncia que quer afirmar-se com alegria
Curriacuteculo ndash Alegria que transborda pois se afirmam novos meios de educar
que natildeo o ldquoeu professotu escutasrdquo pois na teimosia que nos impele a educar eacute
necessaacuterio ir aleacutem da mera reproduccedilatildeo de textos
Educador ndash EEE (estudante escritor educador) trecircs papeacuteis intercambiaacuteveis
propiacutecios a interrogar-se levantar questotildees na busca de novos olhares ldquovatildeosrdquo
sobre o ainda natildeo visto que possibilita novas composiccedilotildees de escrita
Consideraccedilotildees Finais
Ao pensar sobre o processo de pesquisa exposto no presente artigo
sinalizamos a relevacircncia do pensamento de Paul Valeacutery e de sua apropriaccedilatildeo efetiva
no campo da educaccedilatildeo por considerar que os seus procedimentos de escrita
concedem ao espiacuterito que busca se educar agir com maior lucidez de pensamento
ou seja cultivar o Eu-empiacuterico que lecirc e escreve importando-se mais com o meio de
ocorrecircncia textual do que com um fim ou com uma meta
Tratamos em siacutentese de um fazer conjunto com Paul Valeacutery atraveacutes dos
seguintes aportes a) o Meacutetodo do Informe utilizado como processo experimental
para falar ler e escrever sobre a educaccedilatildeo com Valeacutery b) atraveacutes de uma Self-
variance do espiacuterito colocar-se em movimento funcional construcionista onde
autoeduca-se no entre-lugar variante de EEE c) a escrileitura conceitualizada como
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um campo aberto agrave formaccedilatildeo e ao fazer docente que mescla linguagem e
conhecimento
A vidarbo de Valeacutery engendra na didaacutetica e no curriacuteculo uma vontade de
expressatildeo unida agraves sensaccedilotildees experimentadas no viviacutevel em novos traccedilados
compositivos de escrita Para pensar e operar uma didaacutetica (AICE) e um curriacuteculo
(EIS) tradutoacuterios o estudo tambeacutem aponta que a pesquisa eacute mutante e aberta a
novas interferecircncias visto que o Meacutetodo do Informe transmuta-se no proacuteprio
percurso investigativo em um Meacutetodo Espiritograacutefico
Pelo que podemos observar acerca dos resultados e impactos das produccedilotildees
oriundas das trecircs pesquisas anteriormente citadas que pesquisam e produzem um
curriacuteculo e uma didaacutetica da diferenccedila eles vecircm proporcionando encontros
produtivos que ampliam e qualificam as pesquisas educacionais
Cabe enfatizar que no cotidiano educacional o que se traduz aleacutem de textos
eacute a proacutepria vida como potecircncia ou movimento de criaccedilatildeo almejando que a
existecircncia possa ser concebida como arte pois de acordo com Valeacutery (1977
p217) ldquoa arte natildeo eacute nada mais do que um pedagogo poreacutem mais importante ―
pois ela pode me ensinar a dispor do meu espiacuterito para aleacutem de suas aplicaccedilotildees
praacuteticasrdquo Trata-se entatildeo de um escrever vivendo espreitar a realidade e sobre ela
levantar novos problemas que promovem no espiacuterito dobras sobre si mesmo num
fazer poeacutetico-criador em elaboraccedilatildeo constante um modo de existir intensivo de arte-
vida que toma o viviacutevel como mateacuteria para assim transmutaacute-la no campo da
educaccedilatildeo contemporacircnea
Referecircncias CAMPOS Haroldo de Transcriaccedilatildeo Satildeo Paulo perspectiva 2013
_______ Haroldo de O Arco-Iacuteris Branco Rios de Janeiro Imago 1997 CAMPOS Maria Idalina Krause de Alfabeto Espiritograacutefico Escrileituras em Educaccedilatildeo Porto Alegre 2013 Projeto de dissertaccedilatildeo (Dissertaccedilatildeo em Educaccedilatildeo)
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Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Faculdade de Educaccedilatildeo Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2013 Disponiacutevel em lthttphdlhandlenet1018370246gt _______ Maria Idalina Krause de A Educaccedilatildeo da Diferenccedila com Paul Valeacutery Meacutetodo Espiritograacutefico Porto Alegre 2014-2017 Projeto de tese (Tese qualificada em Educaccedilatildeo) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Faculdade de Educaccedilatildeo Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2014 CORAZZA Sandra Mara OLIVEIRA Marcos da Rocha ADOacute Maacuteximo Daniel Lamela (Orgs) Biografemaacutetica na educaccedilatildeo Vidarbos (Caderno de Notas 7) Porto Alegre UFRGS Doisa 2015 _______ Sandra Mara Ensaio sobre EIS AICE proposiccedilatildeo e estrateacutegia para pesquisar em educaccedilatildeo Porto Alegre Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo CNPq 2014 30 p (No prelo) _______ Sandra Mara O que se transcria em educaccedilatildeo Porto Alegre ndash RS UFRGS Doisa 2013 _______ Sandra Mara Introduccedilatildeo ao meacutetodo biografemaacutetico In COSTA Luciano Bedin da FONSECA Tania Mara Galli (Org) Vidas do Fora habitantes do silecircncio Porto Alegre Editora da UFRGS 2010 _______ Sandra Mara Dramatizaccedilatildeo do infantil na comeacutedia intelectual do curriacuteculo meacutetodo Valeacutery-Deleuze Projeto de Pesquisa ndash Bolsa de produtividade CNPq 2010 _______ Sandra Mara Meacutetodo Valeacutery-Deleuze um drama na comeacutedia intelectual da educaccedilatildeo Educaccedilatildeo amp Realidade Porto Alegre v 37 n 3 Dec 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S2175-62362012000300016amplng=enampnrm=isogt Acessado em 13 de Julho de 2016 _______ Sandra Mara Didaacutetica da Traduccedilatildeo transcriaccedilotildees do curriacuteculo escrileituras da Diferenccedila (2014-2019) Projeto de Pesquisa de Produtividade (CNPq) _______ Gilles Diferenccedila e repeticcedilatildeo Trad Luiz Orlandi e Roberto Machado Rio de Janeiro Graal 2006 _______ Gilles A ilha deserta e outros textos Textos e entrevistas (1953-1974) Satildeo Paulo Iluminuras 2006 (Org Luiz B L Orlandi) DELEUZE Sobre o teatro Um manifesto de menos O esgotado Rio de Janeiro Editora Zahar 2010
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TAVARES Gonccedilalo M O senhor Valeacutery e a Loacutegica 1 ed Rio de Janeiro Casa da Palavra 2011 VALEacuteRY Paul Variedades Trad Maiza Martins de Siqueira Satildeo Paulo Iluminuras 2011 _______ Paul Fragmentos de Narciso e outros poemas Trad Juacutelio Castantildeon Guimaratildees Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial 2013 _______ Cahiers Paris Gallimard 1977
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GROL Ana Paula Schoninger Van BLAUTH Lurdi Gravura procedimentos alternativos em litografia
contemporacircnea Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 36-51 juldez 2016 Disponiacutevel em
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Gravura procedimentos alternativos em litografia contemporacircnea
Ana Paula Schoninger van Grol1 Universidade Feevale
Lurdi Blauth2
Universidade Feevale
Resumo O estudo aborda a inter-relaccedilatildeo da arte com distintos meios de produccedilatildeo de imagens mediando procedimentos tradicionais com processos de tecnologias digitais As experiecircncias satildeo realizadas no campo da gravura contemporacircnea com o intuito de propor outras possibilidades de criaccedilatildeo de matrizes pela utilizaccedilatildeo e o aproveitamento de materiais alternativos e o uso de produtos menos toacutexicos Consideramos que eacute importante estimular o uso destes outros meios principalmente em ateliecircs de gravura xilogravura gravura em metal litografia e serigrafia Neste momento apresentamos alguns resultados parciais no acircmbito da litografia cujas pesquisas foram desenvolvidas no ateliecirc de gravura da Universidade Feevale Palavras-chave Arte tecnologia gravura litografia Abstract The research takes into consideration the relation among the different ways of producing images associating traditional methods with digital technology processes The experiences are taken in the field of contemporary printing intenting propouse other possibilities in creating printing matrices from use and exploitation of alternative material and non-toxic products It is considered that it is important to stimulate the use of alternative means particularly in art labs such as xylography metal engraving lithography and silkscreen To the present moment will be presented some partial results related to lithograph all researches were accomplished at the art laboratory in Universidade Feevale Keywords Art technology printing lithography
Introduccedilatildeo
Os movimentos artiacutesticos no iniacutecio de seacuteculo XX transgridem as formas
tradicionais da arte como podemos observar no surrealismo futurismo e dadaiacutesmo e
nas publicaccedilotildees em manifestos que confrontam questotildees sociais e culturais A
invenccedilatildeo da fotografia intensifica a aproximaccedilatildeo entre a arte e a tecnologia liberando
os artistas da questatildeo da representaccedilatildeo tradicional de espaccedilo para realizarem novas
1 Graduada em Artes Visuais trabalha como professora de liacutengua inglesa Eacute diretora do grupo de teatro de rua DRIME e tambeacutem atua como artista plaacutestica 2 Doutora em Artes Visuais pela UFRGS (2005) e Doctorat sandwich en Art Plastique - Universiteacute Paris 1 (Pantheacuteon-Sorbonne) (2003) Artista visual pesquisadora e professora nos cursos de Artes Visuais Design Graacutefico e no PPG em Processos e Manifestaccedilotildees Culturais Universidade Feevale
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GROL Ana Paula Schoninger Van BLAUTH Lurdi Gravura procedimentos alternativos em litografia
contemporacircnea Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 36-51 juldez 2016 Disponiacutevel em
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experiecircncias Em 1910 quando Pablo Picasso e Georges Braque inserem em suas
pinturas outros materiais como fragmentos de jornais elementos da tipografia entre
outros impressos fazem uma alusatildeo direta ao cotidiano e ao progresso dos novos
meios tecnoloacutegicos da eacutepoca Tais fragmentos colados sobre a superfiacutecie da tela aleacutem
de redimensionarem a relaccedilatildeo da representaccedilatildeo do espaccedilo ilusionista da perspectiva
introduzem uma nova forma de tempo e espaccedilo Os limites tradicionais e a
representaccedilatildeo objetiva da arte comeccedilam a ser questionados sobretudo com a
utilizaccedilatildeo e a experimentaccedilatildeo de novos materiais bem como tambeacutem a expressatildeo
pessoal do artista
No acircmbito do desenvolvimento da gravura percebemos a coexistecircncia com
inovaccedilotildees teacutecnicas as quais satildeo constantemente renovadas e incorporadas aos
procedimentos tradicionais de criaccedilatildeo de imagens sobre distintas matrizes e processos
de reproduccedilatildeo sobre diferentes suportes Atualmente o conceito inicial da gravura se
transforma junto com a evoluccedilatildeo da cultura e dos novos meios tecnoloacutegicos Ela natildeo
envolve necessariamente gravaccedilatildeo isto eacute subtraircortar mateacuteria de uma superfiacutecie
como eacute feito nos meios mais tradicionais como a xilogravura e a calcografia Utiliza-se a
adiccedilatildeo de pigmentos os quais modificam a superfiacutecie de uma matriz atraveacutes de
processos quiacutemicos confronta-se tambeacutem com a gravaccedilatildeo fotograacutefica a eletrografia e
a computaccedilatildeo graacutefica buscando assim a inter-relaccedilatildeo com outras linguagens
Tais desdobramentos tencionam as suas especificidades teacutecnicas propondo
uma maior flexibilidade e autonomia em relaccedilatildeo aos seus meios convencionais de
gravaccedilatildeo e impressatildeo Contudo as linguagens tradicionais natildeo satildeo descartadas uma
vez que eacute fundamental termos conhecimento das caracteriacutesticas dos seus
procedimentos originais que continuam sendo desenvolvidos por inuacutemeros artistas Ou
seja satildeo produzidas gravuras com meios teacutecnicos da xilogravura calcografia serigrafia
e litografia e de acordo com as singularidades criativas de cada artista satildeo
incorporados desenhos pinturas colagens transferecircncia de fotografias digitais coacutepia
uacutenica em contraponto com a reproduccedilatildeo de imagens
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GROL Ana Paula Schoninger Van BLAUTH Lurdi Gravura procedimentos alternativos em litografia
contemporacircnea Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 36-51 juldez 2016 Disponiacutevel em
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Neste estudo investigamos a criaccedilatildeo de imagens por meio de experimentaccedilotildees
praacuteticas com procedimentos analoacutegicos (gravura) incluindo a utilizaccedilatildeo de recursos
provenientes de tecnologias digitais (fotografia) e a transferecircncia de imagens sobre
matrizes alternativas
O enfoque das nossas experimentaccedilotildees eacute buscar materiais que possam suprir
os procedimentos tradicionais da litografia devido a dois fatores primeiro satildeo poucos
ateliecircs que possuem as pedras litograacuteficas o que impede o seu faacutecil acesso segundo
aliada aos constantes desdobramentos e potencialidades da linguagem graacutefica eacute
fundamental a experimentaccedilatildeo de outros materiais mais acessiacuteveis e menos toacutexicos
Cabe mencionar que tais experimentaccedilotildees partem de informaccedilotildees obtidas por
pesquisas apresentadas em sites da internet artigos e estudos oriundos de testagens
realizadas em outros paiacuteses No entanto percebemos que os procedimentos natildeo
resultam em apenas transcrever teacutecnicas implicam em tentar adotar materiais similares
em nosso contexto aleacutem de indicarem outras possibilidades de criaccedilatildeo artiacutestica
Os experimentos e pesquisas relatados aqui satildeo vinculados ao projeto de
pesquisa Arte e Tecnologia Interfaces Hiacutebridas da Imagem entre Mediaccedilotildees e
Remediaccedilotildees que acontece sob orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Lurdi Blauth nos ateliecircs de arte
da Universidade Feevale O objeto de estudo investiga possibilidades hiacutebridas que
inter-relacionam meios analoacutegicos e digitais de diferentes linguagens esteacuteticas como a
gravura fotografia videoarte e tecnologias digitais
Litografia princiacutepios baacutesicos
A litografia descoberta por Alois Senefelder em 1796 comeccedilou a ser utilizada
de forma utilitaacuteria para impressatildeo de documentos roacutetulos cartazes mapas jornais
aleacutem de apresentar uma nova possibilidade expressiva para os artistas A teacutecnica da
litografia tem como princiacutepio baacutesico o fenocircmeno quiacutemico de repulsatildeo entre gordura e
aacutegua tornando-se um meio de reproduccedilatildeo de imagens Antes da invenccedilatildeo da litografia
toda a gravura pressupunha gravaccedilatildeo isto eacute a incisatildeo sobre uma superfiacutecie resultando
numa imagem que podia ser transferida pelo seu relevo Isto quer dizer que a gravura
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GROL Ana Paula Schoninger Van BLAUTH Lurdi Gravura procedimentos alternativos em litografia
contemporacircnea Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 36-51 juldez 2016 Disponiacutevel em
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estava associada agrave incisatildeo agrave subtraccedilatildeo o oposto de adiccedilatildeo De acordo com George
Kornis3 (2015)
O advento da litografia no seacuteculo XIX ndash um processo fundado apenas em uma accedilatildeo quiacutemica sobre uma matriz em pedra ndash possibilitou um grau de liberdade diante da incisatildeo e ampliou a escala de reprodutibilidade da imagem graacutefica Na litografia a linguagem graacutefica aproxima-se ainda mais do desenho Essa nova teacutecnica prescinde da incisatildeo o que amplia o acesso a novos artistas que optam por incorporar tambeacutem a expressatildeo graacutefica ao seu trabalho
Importantes artistas comeccedilam a utilizar a teacutecnica como meio de expressatildeo
Goya como podemos observar na obra Touradas de 1825 (fig 1) Gustave Doreacute
Renoir Ceacutezanne Toulouse-Lautrec Bonnard entre outros realizam novas
experimentaccedilotildees introduzindo inclusive a cor nos meios litograacuteficos
Figura 1 Francisco Joseacute de Goya Touradas 1825 Fonte Disponiacutevel em httpwwwpatrimoniodehuescaesmuseo-de-huesca-francisco-de-goya-y-
lucientes-grabados-de-tauromaquia-y-lienzo-del-sr-de-veian-s-xviii
A linguagem graacutefica aliada agraves transformaccedilotildees do seacuteculo XXI continua a sua
constante atualizaccedilatildeo teacutecnica pela convergecircncia de meios digitais e de teacutecnicas
seculares da gravura configurando-se pela exploraccedilatildeo de uma diversidade de novas
proposiccedilotildees esteacuteticas Nesse aspecto igualmente eacute colocado em discussatildeo o seu
caraacuteter original relacionado com a produccedilatildeo de uma matriz uacutenica e a reproduccedilatildeo de
3 KORNIS George Gravura passado presente e futuro Publicado em 13 de maio de 2015 Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomwatchv=mCmY_Oj3x64gt Acesso em 29 de julho de 2016
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GROL Ana Paula Schoninger Van BLAUTH Lurdi Gravura procedimentos alternativos em litografia
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estampas idecircnticas Para Nicole Malenfant (2012 p73) ldquoeacute na abertura para praacuteticas de
natureza interdisciplinar que a gravura transgrediu ainda mais o quadro de sua
especificidade para integrar a abordagem de criaccedilatildeo agrave perspectiva de uma
lsquopermeabilidade de fronteirasrsquo Em outras palavras estas novas abordagens inter-
relacionam procedimentos materialidades e conceitos ampliando inclusive o caraacuteter
mais intimista da gravura bem como as estruturas de suas praacuteticas teacutecnicas
convencionais que se desdobram no contato com as tecnologias digitais
Atualmente falamos em gravuras digitais que se distinguem das praacuteticas
tradicionais da gravura que ldquoeacute feita com base na construccedilatildeo pictoacuterica e utiliza
ferramentas proacuteprias aos softwares da imagem para elaborar uma proposta visual que
pode incluir elementos fotograacuteficos que se relacionem com outros elementos do todo da
imagemrdquo (MALENFANT 2012 p72) Embora as especificidades de cada procedimento
empregado estejam em sintonia eacute preciso levar em conta as peculiaridades e
denominaccedilotildees dos meios de reproduccedilatildeo e impressatildeo e suas diferentes granulaccedilotildees na
imagem A incorporaccedilatildeo da imagem fotograacutefica por meio de transferecircncia para outros
suportes e matrizes que permitem a sua reproduccedilatildeo se distingue da materialidade das
impressotildees manuais
Ainda de acordo com Malenfant
As pesquisas para transferir imagens fotograacuteficas ou digitais para matrizes que permitem se servir da impressatildeo artesanal tambeacutem enriqueceram essas imagens com uma materialidade diferente advindas da siacutentese de suas disciplinas implicadas Esses novos avanccedilos no plano teacutecnico permitem associar as ferramentas digitais ao processo de criaccedilatildeo da imagem e ampliam o campo da exploraccedilatildeo esteacuteticardquo (2012 p73)
Nessa perspectiva haacute uma liberdade muito maior em elaborar proposiccedilotildees
esteacuteticas que dialogam com uma diversidade de materiais e materialidades e de certa
maneira transgridem as delimitaccedilotildees para integrar novas formas de criaccedilatildeo no campo
ampliado da arte
Desse modo as investigaccedilotildees praacuteticas desta pesquisa se desdobram com a
exploraccedilatildeo de procedimentos alternativos para a gravura litograacutefica A partir do
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conhecimento de alguns princiacutepios baacutesicos da litografia procuramos trabalhar com
alguns meacutetodos que natildeo necessitam da utilizaccedilatildeo da pedra calcaacuteria cujo material eacute
escasso e limitado a poucos ateliecircs no Rio Grande do Sul
Contexto inicial
Para o desenvolvimento dos meios tradicionais da litografia eacute necessaacuterio uma
seacuterie de procedimentos que implicam no uso de diversos materiais como pedra
litograacutefica (calcaacuteria) materiais para desenho (Tousche laacutepis crayon) solvente
(removedor aacutegua-raz ou varsol) goma araacutebica breu aacutecido aceacutetico aacutecido niacutetrico entre
outros O processo eacute relativamente complexo pois depende da repulsatildeo entre gordura
e aacutegua A imagem eacute produzida sobre a superfiacutecie da pedra calcaacuteria com materiais
oleosos e depois de concluiacuteda satildeo aplicados diferentes componentes quiacutemicos que
iratildeo fixaacute-la Ou seja eacute necessaacuterio que todas as etapas sejam consideradas em sua
sequecircncia e geralmente requer o auxiacutelio de profissionais capacitados para a impressatildeo
aleacutem de outros cuidados teacutecnicos para que haja um bom resultado na obra final
Visando atender aos objetivos da pesquisa buscamos desenvolver a teacutecnica
com meacutetodos diversos realizando experimentaccedilotildees com diferentes suportes para a
produccedilatildeo de matrizes que se aproximem aos meios litograacuteficos Aleacutem disso buscamos
relacionar a pesquisa agraves tecnologias digitais seja no processo de criaccedilatildeo eou na
elaboraccedilatildeo das imagens graacuteficas
Experimentaccedilotildees praacuteticas
Inicialmente foram testados vaacuterios procedimentos e materiais tendo como
proposiccedilatildeo na medida do possiacutevel utilizar materiais menos nocivos ao ambiente
Nessas experimentaccedilotildees vaacuterios testes natildeo apresentaram os resultados esperados ou
adequados agrave proposta da investigaccedilatildeo contudo possibilitaram outras descobertas
Os estudos em ateliecirc tecircm como referecircncia o artigo ldquoLa siligrafiacutea Un proceso
alternativo en la graacutefica muacuteltiple contemporaacuteneardquo de Hortensia Miacutenguez Garciacutea e
Carles Meacutendez Llopis (2014) que sugere o uso de silicone e solvente sobre chapa
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offset Apoacutes algumas tentativas foi possiacutevel reproduzir a imagem contudo os
resultados deste experimento natildeo foram totalmente satisfatoacuterios em qualidade de
impressatildeo aleacutem do mais natildeo se enquadravam com os objetivos da pesquisa na
aplicaccedilatildeo dos materiais ndash que ainda apresentavam certa toxicidade (figura 2)
Figura 2 Ana van Grol - Detalhes do processo com litografia alternativa Fonte Arquivo pessoal
A partir destas experiecircncias realizadas em ateliecirc concluiacutemos que seratildeo
necessaacuterios mais estudos e praacuteticas para se obter melhores resultados para a
reproduccedilatildeo das imagens
Litografia natildeo toacutexica com refrigerante de cola e produtos caseiros
Nesta segunda etapa novos estudos bibliograacuteficos propiciaram outras testagens
com materiais e processos de litografia alternativa Percebemos que em muitos paiacuteses
jaacute estatildeo sendo pesquisados outros meacutetodos mais acessiacuteveis e de faacutecil manuseio
Nesse aspecto eacute interessante observar que encontramos pouco material em portuguecircs
inclusive os materiais sugeridos satildeo similares aos produzidos aqui no Brasil poreacutem
existe uma diferenccedila na qualidade dos mesmos
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Foram pesquisados em diversos viacutedeos disponiacuteveis na internet que tratam de
processos semelhantes ao de litografia alternativa Mencionamos alguns exemplos
como o ateliecirc francecircs Art Emilion4 (o qual tambeacutem produziu um manual para execuccedilatildeo
do processo) e o viacutedeo Kitchen Lithography Demo por Felicia Digiovanni5 ambos
demonstrando a teacutecnica com refrigerante de cola O processo utilizando somente
vinagre para substituir o refrigerante apresentado por ldquojjewelartrdquo tambeacutem fez parte do
experimento poreacutem natildeo apresentou os resultados esperados
De acordo com as demonstraccedilotildees do ateliecirc de arte Art Eacutemilion o procedimento
faz uso dos seguintes materiais oacuteleo de cozinha vinagre branco refrigerante de cola
papel alumiacutenio esponja litograacutefica tinta para talho doce rolo para entintagem laacutepis
para desenho litograacutefico (e outros materiais gordurosos para o mesmo fim como sabatildeo
de glicerina) papel para impressatildeo e aacutegua
O desenvolvimento da teacutecnica envolve as seguintes etapas
1 O papel alumiacutenio deve ser posto sobre uma chapa acriacutelica ou algo semelhante
para facilitar o trabalho o lado a ser usado eacute o fosco
2 Apoacutes limpar o papel alumiacutenio com aacutelcool pode-se fazer o desenho com giz
gorduroso ou sabatildeo de glicerina
3 O banho de refrigerante de cola eacute o passo seguinte mas deve-se ter a certeza
de que o desenho estaacute totalmente seco para isso Este processo toma alguns
segundos e eacute necessaacuterio assegurar-se de passar por toda a superfiacutecie
4 Depois disso deve-se lavar com aacutegua e secar levemente com papel toalha
5 O oacuteleo de canola deve ser espalhado por toda a superfiacutecie com uma gaze para
retirar o desenho do alumiacutenio
6 Eacute necessaacuterio passar a esponja de litografia sobre o desenho devendo estar
umedecida com aacutegua e ser aplicada entre as etapas de entintagem com tinta
4 EMILLION Aizier Lithography Maison ndash Kitchen lithography Disponiacutevel em lt httpwwwatelier-kitchen-printorgproducts-pagemanuelsproduitshandbook-of-kitchen-lithogt Acesso em 09 de junho de 2016 5DIGIOVANI Felicia Kitchen Lithography Demo Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomwatchv=UuBUlEt6vWwgt Acesso em 09 de junho de 2016
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para talho doce ou tipograacutefica com um rolo de borracha Na primeira passada eacute
possiacutevel que a tinta se fixe a todas as partes poreacutem a esponja molhada deve
ser aplicada vaacuterias vezes assim como a tinta ateacute que ao final a tinta aderiraacute
somente na imagem (figura 3)
Figura 3 Ana van Grol - testes de litografia alternativa com coca cola do atelier Art Eacutemilion Fonte Arquivo pessoal
Nos primeiros resultados apenas era possiacutevel reconhecer vestiacutegios das
imagens e teacutecnica entretanto ao repetir o processo algumas vezes e analisar os
procedimentos realizados era notaacutevel a melhora das impressotildees (figura 4)
Figura 4 Ana van Grol ndash detalhe da impressatildeo com maior fidelidade entre o desenho inicial e sua impressatildeo final
Fonte Arquivo pessoal
Eacute curioso salientar um aspecto em que diferem nossos estudos dos
experimentos realizados nos viacutedeos observados enquanto que em nossas praacuteticas a
tinta eacute fixada no plano de fundo da imagem nos viacutedeos ela adere nos desenhos sendo
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assim o sistema que repele a tinta acontece invertido e por esse motivo continuamos
as testagens para obter resultados mais proacuteximos aos dos viacutedeos
Nestas experimentaccedilotildees os resultados foram satisfatoacuterios tecnicamente poreacutem
ainda natildeo foram consideradas questotildees esteacuteticas e conceituais enquanto linguagem
artiacutestica Na etapa seguinte buscamos aliar a transferecircncia de imagens para a criaccedilatildeo
de matrizes com papel alumiacutenio utilizando outros procedimentos e materiais
A transferecircncia de imagem sobre matriz de alumiacutenio
A articulaccedilatildeo da gravura tem seus antecedentes histoacutericos que remetem aos
primoacuterdios da fotografia relacionados agrave gravaccedilatildeo de sombra luz e impressatildeo O uso de
recursos tecnoloacutegicos pela facilidade de acesso propicia a ampla reproduccedilatildeo de
imagens assim como a fotografia digital contribui para a renovaccedilatildeo e a interaccedilatildeo com
outras linguagens artiacutesticas No entanto diante das inuacutemeras possibilidades de
reproduzir coacutepias por tecnologias digitais a questatildeo da reproduccedilatildeo atraveacutes da gravura
jaacute natildeo eacute tatildeo relevante Com o avanccedilo dessas tecnologias digitais abrem-se novos
caminhos para a gravura Maria do Carmo Veneroso6 coloca que
Eacute pois a qualidade graacutefica e a possibilidade do uso da imagem fotograacutefica entre outras coisas que vai caracterizar a praacutetica dos gravadores atualmente A reprodutibilidade deixa portanto de ser um valor em si jaacute que com o desenvolvimento da induacutestria graacutefica muitas outras formas de impressatildeo mais raacutepidas e mais eficientes se impotildeem deixando que a gravura se realize plenamente em meio e tangenciando outras linguagens plaacutesticas Essa mudanccedila de paradigma faz com que a gravura se desenvolva como linguagem lanccedilando matildeo dos recursos teacutecnicos disponiacuteveis (2007 p1512)
A autonomia das linguagens graacuteficas propicia que sejam articulados distintos
meios e procedimentos borrando as fronteiras e delimitaccedilotildees teacutecnicas para originar
outras praacuteticas e confrontos esteacuteticos O caminho da gravura artiacutestica comeccedila a se
modificar significativamente quando a tecnologia e os meios de reproduccedilatildeo fotograacutefica
6 Blog Litografia 2010 ndash CAPECAUSP Disponiacutevel em lthttpcap-lito-2010blogspotcombr201003litografias-de-artistas-cezannehtmlgt Acesso em 09 de junho de 2016
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satildeo incluiacutedos aos procedimentos tradicionais ldquoRobert Rauschenberg por exemplo
desafiou os meios convencionais da gravura introduzindo elementos jaacute impressos
atraveacutes da transferecircncia de imagens Tambeacutem ampliou as escalas fiacutesicas misturando
diversas teacutecnicas graacuteficas que satildeo impressas sobre tela para substituir o papelrdquo
(BLAUTH 2011 p27) (Figura 5)
Figura 5 Robert Rauschenberg Shades 1964 Seis litografias impressas sobre acriacutelico 15 x 1438 x 11 58 p Ediccedilatildeo 24
Fonte MOMA Disponiacutevel em httpswwwmomaorgcollectionworks14718
Neste estudo apresentamos resultados parciais de procedimentos e meacutetodos
com o intuito de transferir a fotografia digital para criaccedilatildeo de matrizes com papel
alumiacutenio Inicialmente satildeo realizadas algumas testagens com outros tipos de matrizes
(acetato lata de refrigerante) e meios de transferecircncia (tela de serigrafia calor e
salicilato de metila)
Um dos materiais testados foi o acetato com imagem impressa em toner preto
aacutegua e esponja para molhar o acetato antes de entintar tinta para talho doce rolo de
borracha papel proacuteprio para a impressatildeo e prensa
Fazendo uso das impressotildees a laser e conhecendo suas propriedades o acetato
foi entintado e impresso Apoacutes alguns testes o resultado foi satisfatoacuterio (figura 6)
poreacutem natildeo com total controle sobre as impressotildees Encontramos neste meacutetodo a
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possibilidade de unir a tecnologia com a reproduccedilatildeo de imagem aos materiais
alternativos na produccedilatildeo de gravura
Figura 6 Ana van Grol Processo e resultado acetato impresso a laser gravura direta com tinta para talho doce
Fonte Arquivo pessoal
Em outra experiecircncia eacute feita a transferecircncia de impressatildeo a laser com calor e
pressatildeo e a tinta para talho doce acaba por fazer a interaccedilatildeo necessaacuteria utilizando-se
do meacutetodo de limpar a placa com oacuteleo antes de entintaacute-la A tinta de talho doce eacute
aplicada com rolo de borracha vaacuterias vezes e entre os intervalos de cada entintagem eacute
necessaacuterio limpar a tinta com esponja litograacutefica embebida em aacutegua (figura 7)
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Figura 7 Ana van Grol Processo e resultado de trabalho com transferecircncia de coacutepia a laser e
impressatildeo direta com tinta para talho doce Fonte Arquivo pessoal
Outro procedimento de transferecircncia de imagem impressa a laser eacute o produto
denominado de salicilato de metila associado ao processo de impressatildeo com a prensa
Com este material obtemos resultados mais satisfatoacuterios quando a imagem eacute impressa
sobre papel couchet ressaltando um certo contraste na imagem Neste caso (figura 8)
apoacutes a transferecircncia satildeo realizadas grafias aleatoacuterias com laacutepis litograacutefico gorduroso e
depois satildeo empregados os procedimentos de fixaccedilatildeo da imagem sobre o alumiacutenio uso
de polvilho melado ou mel imersatildeo em refrigerante cola oacuteleo de cozinha (para retirar a
imagem) esponja embebida em aacutegua e tinta para impressatildeo (para talho doce) Nesse
processo a imagem transferida natildeo desaparece apenas o desenho feito com material
gorduroso
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Figura 8 Lurdi Blauth Teste de transferecircncia de imagem com salicilato de metila Fonte Arquivo pessoal
A serigrafia tambeacutem serve de aporte ao desejo de transferir uma imagem e
reproduzi-la em impressotildees Em si o processo de serigrafia consiste em sensibilizar a
tela de nylon com uma imagem que poderaacute ser reproduzida sobre outras superfiacutecies
com uso de tinta proacutepria No caso da litografia alternativa utilizamos o sabatildeo de
glicerina como ldquotintardquo ou seja na funccedilatildeo de base protetora para o banho de
refrigerante Para isso foi necessaacuterio criar uma pasta (na textura de tinta) para
reproduzir a imagem da tela para o papel alumiacutenio Mais tarde com a mistura de sabatildeo
jaacute seca foram aplicadas as etapas posteriores o resultado pode ser observado na
impressatildeo (figura 9)
Figura 9 Ana van Grol - impressatildeo com uso de serigrafia como forma de transferecircncia de imagem
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Fonte Arquivo pessoal
A impressatildeo apresentou resultados bem satisfatoacuterios quanto agrave qualidade de
imagem contudo outras misturas semelhantes agrave de sabatildeo de glicerina neutro devem
ser testadas e podem apresentar melhor aderecircncia eou resistecircncia ao banho de
refrigerante
Algumas consideraccedilotildees
Diante da pluralidade de meios e possibilidades artiacutesticas testadas procuramos
utilizar materiais alternativos e produtos atoacutexicos buscando aproveitar materiais
disponiacuteveis na tentativa de abrir outros meios de reproduccedilatildeo de imagens O caminho
continua em aberto e o que nos motiva eacute a nossa convicccedilatildeo na continuidade da
exploraccedilatildeo de novas perspectivas para o campo da arte e em especial agrave litografia
testada com diferentes procedimentos Entendemos que diversos fatores interferem
devido agraves caracteriacutesticas e qualidade dos materiais empregados os quais muitas
vezes apresentam resultados inesperados
As experimentaccedilotildees realizadas ateacute o momento nos indicam a continuidade da
pesquisa buscando meios variados para o campo da gravura que possam ser
socializados principalmente nos ateliecircs que ainda utilizam materiais prejudiciais Dessa
forma pretendemos tambeacutem contribuir com a conscientizaccedilatildeo dos cuidados
relacionados agrave sauacutede dos artistas e do meio ambiente Em nossas conclusotildees parciais
percebemos que as possibilidades satildeo inuacutemeras para a criaccedilatildeo e reproduccedilatildeo de
imagens com materiais ldquocaseirosrdquo e com o seguimento de nossas investigaccedilotildees e
testagens temos a convicccedilatildeo de que podemos estimular a adesatildeo e a interaccedilatildeo com
outros artistas e assim obtermos melhores resultados
Portanto o campo das linguagens graacuteficas e os seus meios de reproduccedilatildeo direta
ou indireta da imagem tem suas qualidades intriacutensecas em cada processo contudo se
natildeo suscitarem transformaccedilotildees tornam-se vazias e desnecessaacuterias Podemos dizer
que natildeo importam os meios empregados pois os ldquoproblemasrdquo artiacutesticos devem ser
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confrontados com novos questionamentos esteacuteticos seja pelo uso do computador na
imagem digital na fotografia ou mesmo os meios considerados tradicionais como
gravura a pintura a escultura podendo ter (ou natildeo) qualidade contemporacircnea
Referecircncias BLAUTH Lurdi Marcas Passagens e Condensaccedilotildees ndash investigaccedilotildees de um processo de gravura contemporacircnea Porto Alegre Editora da UFRGS 2011 GARCIacuteA Hortensia Miacutenguez e LLOPIS Carles Meacutendez La siligrafiacutea Un proceso alternativo en la graacutefica muacuteltiple contemporacircnea In Revista El Artista n 11 Pamplona Colombia Universidad Distrital Francisco Joseacute de Caldas 2014 MALENFANT Nicole A gravura entre a identidade disciplinar e suas manifestaccedilotildees em um quadro interdisciplinar In Revista Porto Arte v 1 n1 (jun 1990) Porto Alegre Universidade Federal do Rio Grande do Sul Instituto de Artes Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Artes Visuais 1990 VENEROSO Maria do Carmo Gravura e Fotografia - Um estudo das possibilidades da gravura como uma linguagem artiacutestica autocircnoma na contemporaneidade e sua associaccedilatildeo com a fotografia In 16deg Encontro Nacional da Associaccedilatildeo Nacional de Pesquisadores de Artes Plaacutesticas Dinacircmicas Epistemoloacutegicas em Artes Visuais ndash 24 a 28 de setembro de 2007 ndash Florianoacutepolis SC
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Pluralia Tantum reflexotildees sobre a muacutesica contemporacircnea
Fernando Lewis de Mattos1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
1 Consideraccedilotildees preliminares sobre o conservadorismo em muacutesica Antes de iniciar esta explanaccedilatildeo sobre algumas caracteriacutesticas da muacutesica
contemporacircnea gostaria de apontar aspectos do conservadorismo existente na
muacutesica atual
Mesmo atraveacutes de um vislumbre raacutepido sobre a Histoacuteria da Muacutesica percebe-
se que em todas as eacutepocas houve aqueles artistas que se esforccedilaram para expandir
a sensibilidade de seu tempo e aqueles (artistas teoacutericos criacuteticos pensadores e
parte do puacuteblico) que natildeo foram capazes de compreender o significado das
transformaccedilotildees ou natildeo estavam dispostos a abrir matildeo de seus valores
aparentemente bem fundamentados para escutar com a devida atenccedilatildeo as
realizaccedilotildees de seus contemporacircneos
Nem mesmo grandes pensadores estiveram livres de juiacutezos preconcebidos
ou natildeo foram capazes de apreciar a abrangecircncia de certas inovaccedilotildees no campo
artiacutestico de sua eacutepoca Platatildeo por exemplo revoltou-se contra a nova muacutesica de
seu tempo com seus trecircs gecircneros (diatocircnico cromaacutetico e enarmocircnico) e a
ampliaccedilatildeo vertiginosa das possibilidades de expressatildeo considerada perigosa pelo
filoacutesofo por romper com os fundamentos numeacutericos e com as normas pitagoacutericas da
muacutesica tradicional Rousseau e Diderot percebiam em Rameau somente o muacutesico
da corte chegando a ridicularizar suas oacuteperas por haver um grande contingente de
1 Possui Graduaccedilatildeo em Muacutesica - Habilitaccedilatildeo Violatildeo (1988) Mestrado em Muacutesica - Ecircnfase Educaccedilatildeo Musical
(1997) e Doutorado em Muacutesica - ecircnfase em Composiccedilatildeo (2005) pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul Atualmente eacute Professor Associado do Departamento de Muacutesica no Instituto de Artes da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul onde atua nas disciplinas Anaacutelise Musical Harmonia Esteacutetica da Muacutesica no
curso de Muacutesica e as disciplinas Praacuteticas Artiacutesticas e Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Muacutesica no curso de Histoacuteria da
Arte Soacutecio-fundador da Arena - Associaccedilatildeo Cultural Socioambiental onde ministra cursos regularmente
Instrumentista (cordas dedilhadas) dedicado agrave pesquisa e interpretaccedilatildeo de muacutesica antiga europeia (alauacutedes e
guitarras) muacutesica tradicional brasileira (viola caipira e guitarra romacircntica) e muacutesica contemporacircnea (violatildeo e
decacorde) compositor com obras para diferentes formaccedilotildees vocais e instrumentais muacutesica incidental para
teatro viacutedeo e cinema e produccedilatildeo de material sonoro para exposiccedilotildees Dedica-se tambeacutem agrave pesquisa e
interpretaccedilatildeo de muacutesica brasileira moderna e contemporacircnea
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instrumentos de percussatildeo tratando-as como natildeo sendo muacutesica mas somente um
amontoado de sons que produziam um barulho infernal Para Diderot Rameau era
[] aquele muacutesico ceacutelebre que nos livrou do canto chatildeo de Lully o qual recitamos haacute mais de cem anos que escreveu tantas visotildees ininteligiacuteveis e verdades apocaliacutepticas sobre a teoria da muacutesica sobre as quais nem ele nem ningueacutem jamais entendeu nada2 e de quem temos um certo nuacutemero de oacuteperas onde haacute harmonias fragmentos de cantos ideias desconexas ruiacutedos estrondosos voos triunfos lances gloacuterias murmuacuterios vitoacuterias de perder o focirclego aacuterias de danccedila que duraratildeo eternamente e que depois de ter enterrado o Florentino seraacute enterrado pelos virtuoses italianos (DIDEROT 1983 p 47-48)
Nietzsche que assim como Platatildeo e Rousseau tambeacutem era muacutesico viu no
Parsifal de Wagner apenas a capitulaccedilatildeo aos valores de uma arte germacircnica
redentora e consolatoacuteria que abdicava do ideal da muacutesica como retorno agrave inocecircncia
da arte atraveacutes do espiacuterito dionisiacuteaco Se houve este aspecto conservador na muacutesica
de Wagner havia muito mais pois foi a partir de suas inovaccedilotildees que compositores
como Mahler Debussy e Schoenberg conduziram suas proacuteprias experiecircncias
Mesmo que nem sempre tenha sido por razotildees especificamente musicais3 as
sucessivas reaccedilotildees agraves novas sonoridades levam a crer que a abertura para praacuteticas
musicais inusuais pode ser algo difiacutecil de ser alcanccedilado
No meio musical atual podem-se distinguir duas espeacutecies de
conservadorismo o conservadorismo preacute-moderno e o conservadorismo modernista
O conservadorismo preacute-moderno eacute aquele mais generalizado e hegemocircnico
predominante entre os programadores culturais administradores de teatro diretores
artiacutesticos de orquestras e afins Essa espeacutecie de conservadorismo se opotildee a toda e
qualquer criaccedilatildeo musical natildeo coincidente com os procedimentos e valores da
muacutesica do Periacuteodo Tonal situado entre as produccedilotildees de Johann Sebastian Bach
(1685-1750) e Johannes Brahms (1833-1897) Para aqueles que defendem ainda
hoje esses valores a muacutesica tonal eacute tida como sendo lsquouniversalrsquo mesmo que seja o
2 Jean-Philippe Rameau (1683-1764) foi um dos maiores muacutesicos e teoacutericos de sua eacutepoca foi o primeiro a sistematizar mais de duzentos anos de praacutetica musical em seu Tratado de Harmonia (1722) que eacute ainda hoje considerado como um dos escritos mais importantes sobre o assunto 3 Platatildeo estava preocupado com a educaccedilatildeo dos jovens os enciclopedistas viam em Rameau um representante do Ancien Reacutegime e Nietzsche sentiu-se traiacutedo por Wagner em seu ideal de superar o predomiacutenio do espiacuterito apoliacuteneo no campo musical
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MATTOS Fernando Lewis de Pluralia Tantum Reflexotildees sobre a muacutesica contemporacircnea Revista da Fundarte
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fruto do trabalho de muacutesicos de uma regiatildeo restrita do planeta que corresponde a
aproximadamente trecircs paiacuteses da Europa Ocidental (Itaacutelia Franccedila e principalmente
Alemanha) e produzida em um curto periacuteodo de tempo entre os seacuteculos XVIII e
XIX
Um bom exemplo desse tipo de conservadorismo estaacute naquela afirmaccedilatildeo
comum em certos meios musicais onde prevalecem valores convencionais ldquonatildeo
toco muacutesica contemporacircnea porque as pessoas natildeo tecircm como saber se estou
tocando as notas certas ou erradas e quando escuto uma muacutesica dessas natildeo sei se
o muacutesico estaacute tocando bem ou natildeo Por isso considero essa muacutesica como sendo
de menor importacircnciardquo Nota-se aqui um pensamento tautoloacutegico centrado apenas
na proacutepria experiecircncia pessoal e sem qualquer interesse pela produccedilatildeo que estaacute agrave
sua volta Tautoloacutegico no sentido em que o sujeito natildeo tem como avaliar aquela
interpretaccedilatildeo porque natildeo conhece a muacutesica e natildeo conhece aquela muacutesica porque
natildeo se permite avaliar a interpretaccedilatildeo O raciociacutenio artificioso estaacute em que como o
indiviacuteduo natildeo conhece a muacutesica natildeo se esforccedila para escutar sua interpretaccedilatildeo
portanto natildeo pode julgaacute-la e se natildeo eacute possiacutevel emitir juiacutezo a muacutesica natildeo tem valor ndash
como se fosse necessaacuterio conhecer a muacutesica para saber se algueacutem a estaacute
interpretando adequadamente como se a capacidade de anaacutelise natildeo estivesse no
conhecimento que o sujeito tem do objeto analisado Trata-se de uma atitude
autocentrada porque esses muacutesicos
[] soacute conhecem a arte que consomem e soacute consomem a que reconhecem portanto sua consciecircncia eacute leve e parcial Como sustentar o pacto se eacute tatildeo menos sofrido dormir com a consciecircncia leve sem a pretensatildeo de uma arte feita tambeacutem para arte sem a sombra do domiacutenio gigantesco Talvez arte feita somente para o mundo para o plano da distraccedilatildeo substacircncia que dissolve instantaneamente o artista Arte distraiacuteda quase arte quase atenccedilatildeo quase conteuacutedo insuficiecircncia (BERNARDES 1998 p 7)
Quem crecirc que julga a arte a partir dessa espeacutecie de raciociacutenio apenas se
limita a reconhecer aquilo que jaacute conhece ou seja nesse ponto natildeo haacute
conhecimento apenas reconhecimento Ouvem-se tambeacutem alguns muacutesicos que se
negam a tocar novos repertoacuterios argumentando que natildeo se dedicam a estudar a
muacutesica atual porque ela natildeo acrescenta muito agrave teacutecnica do seu instrumento Esse
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ponto de vista parece ainda mais esvaziado pois fica confinado nos limites da
teacutecnica onde natildeo se alcanccedila jamais a condiccedilatildeo de arte
O conservadorismo moderno eacute atualmente defendido por aqueles que foram
os protagonistas de grandes transformaccedilotildees teacutecnicas e esteacuteticas da muacutesica de
meados do seacuteculo XX (do poacutes-guerra agrave deacutecada de 1970) e seus disciacutepulos esses
muacutesicos opotildeem-se a qualquer mudanccedila de direcionamento que natildeo corresponda agraves
novidades introduzidas pelas vanguardas tardias e confundem novos processos
narrativos e novos significados musicais com a arte de um passado ao qual sempre
se opuseram Natildeo tecircm a capacidade de compreender que as novas geraccedilotildees
percebem o mundo de outra maneira tecircm outros anseios e consequentemente
outras necessidades Portanto produzem outra arte O musicoacutelogo Paul Bekker
afirmava que os muacutesicos de sua eacutepoca natildeo escreviam da mesma maneira que os
grandes gecircnios do passado ldquopelo simples fato de serem pessoas diferentesrdquo
(BEKKER 1928 p 217) Parece que os protagonistas das vanguardas (a quem
Bekker estava se referindo) natildeo se deram conta de que o tempo continua a passar e
que os mais jovens que vieram depois deles tambeacutem tecircm outras necessidades ndash o
que obviamente leva agrave criaccedilatildeo de outra muacutesica diferente da sua
Haacute tambeacutem aqueles que pretendem que a arte se limite agrave aplicaccedilatildeo de novos
processos tecnoloacutegicos esquecendo que a arte eacute antes de tudo expansatildeo da
sensibilidade e do pensamento e que a teacutecnica natildeo eacute condiccedilatildeo para a arte A
tecnologia pode ser mais um recurso para a realizaccedilatildeo artiacutestica natildeo seu fim
Quando a muacutesica eacute valorizada somente pelos procedimentos tecnoloacutegicos
empregados na sua produccedilatildeo tambeacutem fica confinada nos limites da teacutecnica e natildeo
alcanccedila sua condiccedilatildeo esteacutetica O emprego de recursos tecnoloacutegicos vem a partir de
necessidades mais amplas do que a simples aplicaccedilatildeo de teacutecnicas recentes Se o
emprego de novas tecnologias fosse criteacuterio para a avaliaccedilatildeo da arte as primeiras
experiecircncias com muacutesica eletrocircnica seriam atualmente obsoletas (e seria no
miacutenimo enganoso considerar ultrapassadas as peccedilas eletrocircnicas de Schaeffer
Henry ou Stockhausen dos anos rsquo50) Por sua vez a novidade tecnoloacutegica natildeo
implica necessariamente na produccedilatildeo de arte nova
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Como o tempo eacute inexoraacutevel os indiviacuteduos humanos de hoje satildeo outros do
que em outros tempos as sociedades satildeo outras haacute outras maneiras de perceber o
mundo e refletir sobre ele tambeacutem o resultado da produccedilatildeo desses indiviacuteduos eacute
necessariamente outro Natildeo tem como ser diferente Isso indica que toda espeacutecie de
conservadorismo estaacute fadada ao fracasso o movimento se manifesta em todos os
aspectos e em todos os lugares Natildeo tem como negar a transformaccedilatildeo ela
simplesmente estaacute aiacute Haacute que aceitaacute-la ou trabalhar com ela para a criaccedilatildeo de
processos que possam conduzir a novos significados e novos meios de fazer e
perceber muacutesica Isso natildeo eacute dito de um ponto de vista apenas teacutecnico ou
pragmaacutetico mas acima de tudo conceitual pois a muacutesica como diria Platatildeo
alcanccedila seu mais alto niacutevel quando ultrapassa as pretensotildees praacuteticas mais
imediatistas e eacute nesse sentido que Soacutecrates no diaacutelogo Feacutedon compara o ato de
criar muacutesica ao haacutebito de filosofar
Negar que o tempo se prolonga incessantemente e perdura sem interrupccedilatildeo
levando consigo toda a sorte de transformaccedilotildees em todos os aspectos da realidade
significa dar as costas ao devir em seu fluxo ininterrupto de ir e vir em muacuteltiplas
direccedilotildees O que eacute uacutetil intrigante e considerado como atual para determinado grupo
humano pode natildeo o ser para outros grupos e eacute necessaacuterio aceitar isso para
compreender algo da diversidade da produccedilatildeo artiacutestica hodierna Eacute necessaacuterio sair
do proacuteprio centro para apreender algo da realidade circundante
2 Caracteriacutesticas da muacutesica atual
Haacute vaacuterias maneiras de distribuir as diferentes correntes de composiccedilatildeo da
muacutesica contemporacircnea Podem-se diferenciar as tendecircncias atuais de acordo com
procedimentos teacutecnicos como muacutesica serial muacutesica neotonal muacutesica minimalista
muacutesica eletrocircnica e outras conforme a ecircnfase em um ou outro elemento da
composiccedilatildeo como por exemplo os muacutesicos que valorizam o timbre as tendecircncias
em que o mais importante eacute o ritmo os movimentos de retorno agrave melodia agrave
harmonia ou ao contraponto aquelas linhas em que o importante estaacute no tipo de
escrita musical como a muacutesica com escrita precisa a escrita em forma de roteiro a
muacutesica aleatoacuteria e a improvisaccedilatildeo espontacircnea (que prescinde da escrita) poderiam
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tambeacutem ser consideradas as relaccedilotildees da muacutesica com outras aacutereas em que se
levariam em consideraccedilatildeo subdivisotildees como o teatro musical as instalaccedilotildees
sonoras ou as tendecircncias de multimiacutedia aleacutem de muacutesica para danccedila e a muacutesica
para cinema entre outras o ambiente musical atual poderia ainda ser dividido
entre os grupos derivados das vanguardas como a muacutesica atonal a muacutesica serial a
muacutesica estocaacutestica e a muacutesica espectral
Haveria ainda outras tantas possibilidades de demarcaccedilatildeo das tendecircncias
da muacutesica contemporacircnea Optou-se poreacutem neste ensaio por uma organizaccedilatildeo
mais ou menos extriacutenseca agrave proacutepria muacutesica e que poderia se adequar a outras
manifestaccedilotildees culturais atuais O que importa no esboccedilo a seguir satildeo os valores
que movem os muacutesicos em direccedilotildees que se entrecruzam em algumas de suas
caracteriacutesticas em alguns muacutesicos ou grupos de compositores Com base nas
referecircncias tomadas a partir de tradiccedilotildees imediatas ou remotas isto eacute nas tradiccedilotildees
do modernismo ou em tradiccedilotildees anteriores que tecircm sido resgatadas nos uacuteltimos
anos podem ser demarcadas trecircs linhas gerais na esteacutetica musical
contemporacircnea4
1 Continuidade da Modernidade
2 Retorno agrave Tradiccedilatildeo e
3 Superaccedilatildeo do Modernismo
A intenccedilatildeo com essa divisatildeo natildeo eacute enquadrar toda e qualquer manifestaccedilatildeo
musical contemporacircnea em alguma dessas trecircs tendecircncias gerais mas ao
contraacuterio procurar entender essas manifestaccedilotildees no sentido dos valores que podem
estar impliacutecitos ou expliacutecitos latentes ou manifestos conscientes ou inconscientes
nas diferentes produccedilotildees da muacutesica atual
Antes de iniciar a elaboraccedilatildeo sobre cada uma dessas tendecircncias eacute
necessaacuterio esclarecer algo da terminologia que seraacute empregada ao longo deste
ensaio
4 A organizaccedilatildeo adotada aqui leva em consideraccedilatildeo alguns princiacutepios elaborados por Ramaut-Chevassus (1998) o que natildeo significa poreacutem que se permanece no escopo de suas proposiccedilotildees
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Em primeiro lugar quando se fala de lsquomuacutesica contemporacircnearsquo neste texto se
estaacute abordando uma parcela da totalidade da muacutesica produzida atualmente que eacute a
assim chamada lsquomuacutesica eruditarsquo aquela produzida por muacutesicos que se dedicam ao
estudo da Teoria Musical agrave Histoacuteria da Muacutesica e agrave colocaccedilatildeo e soluccedilatildeo de
problemas teacutecnicos esteacuteticos ou relativos aos vaacuterios niacuteveis de significaccedilatildeo que
podem estar engendrados no fazer musical Isso significa que este ensaio se dedica
agravequelas manifestaccedilotildees musicais em que o foco principal estaacute na reflexatildeo sobre
problemas relativos agrave muacutesica como arte portadora de significados e suas
implicaccedilotildees culturais e natildeo se apresentam apenas como reaccedilatildeo imediata ao meio
circundante5
Uma diferenciaccedilatildeo importante para as discussotildees que se seguem diz
respeito aos termos lsquoModernidadersquo e lsquoModernismorsquo
No contexto deste ensaio entende-se por Modernidade o grande periacuteodo
histoacuterico da cultura ocidental que sobreveio apoacutes a quebra da hegemonia da Igreja
Catoacutelica Romana em meados do seacuteculo XV isto eacute a partir do Renascimento Este eacute
um periacuteodo marcado por transformaccedilotildees em todos os campos e atividades
humanas que influenciaram profundamente o fazer musical em todos os seus
aspectos No acircmbito da sistematizaccedilatildeo da muacutesica europeia o antigo Sistema Modal
medieval com sua diversidade de modos foi cedendo lugar agraves novas organizaccedilotildees
com base na dualidade de modos do Sistema Tonal Os princiacutepios do contraponto
vatildeo-se tornando menos importantes ateacute que em meados do seacuteculo XVIII a
harmonia passa a ser o principal meacutetodo de organizaccedilatildeo musical Nessa eacutepoca a
Teoria dos Afetos jaacute estava plenamente elaborada para sua aplicabilidade na muacutesica
de cena na oacutepera e no oratoacuterio
Na segunda metade do seacuteculo XVIII o Sistema Tonal estaacute completamente
organizado com possibilidade de modulaccedilatildeo para todas as tonalidades e o emprego
de cromatismo em qualquer segmento independente da escala de base atraveacutes do
temperamento igual Nos seacuteculos XVIII e XIX as diversas teorias de explicaccedilatildeo da
5 Isso natildeo significa qualquer preferecircncia do ponto de vista valorativo por esta ou aquela manifestaccedilatildeo musical mas apenas que as consideraccedilotildees sobre a muacutesica contemporacircnea apresentadas neste ensaio satildeo relativas agrave parcela da muacutesica atual comumente denominada lsquomuacutesica eruditarsquo
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realidade satildeo aproveitadas pelos muacutesicos com a intenccedilatildeo de compreender e
justificar suas escolhas Essa reflexatildeo sobre a proacutepria produccedilatildeo leva os
compositores agrave procura de originalidade na busca da lsquofantasia criadorarsquo e de novos
significados emocionais que se desenvolvem no Romantismo e desembocam nas
vaacuterias correntes modernistas do seacuteculo XX
O Modernismo equivale a todos aqueles movimentos de ruptura com a
tradiccedilatildeo6 oitocentista que se desenvolveram ao longo da primeira metade do seacuteculo
XX tendo seu marco inicial geralmente fixado no Impressionismo francecircs das
uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX No campo musical esse Modernismo eacute marcado
pela negaccedilatildeo do Sistema Tonal Negaccedilatildeo essa que se manifestou em vaacuterias
direccedilotildees pois se na muacutesica de Debussy e Ravel que estatildeo entre os primeiros a
romper com a tonalidade tradicional foram incorporados processos percebidos na
escuta de muacutesica do Extremo Oriente em especial a orquestra de gamelatildeo balinesa
Stravinsky e Bartoacutek entre outros aproveitaram elementos folcloacutericos do Leste
Europeu e juntamente com Milhaud desenvolveram a politonalidade em que vaacuterias
escalas satildeo sobrepostas com a intenccedilatildeo de obscurecer a funcionalidade tonal7
Se os compositores latinos e eslavos (como diria Schoenberg) buscavam a
superaccedilatildeo do Tonalismo oitocentista atraveacutes da incorporaccedilatildeo de processos e
materiais sonoros aproveitados de culturas extraeuropeias no meio musical
germacircnico e mais especificamente no acircmbito da Segunda Escola de Viena sob a
lideranccedila de Arnold Schoenberg (1874-1951) os jovens muacutesicos estavam
conduzindo as possibilidades cromaacuteticas ao extremo atraveacutes do Atonalismo desde
os primeiros anos do seacuteculo XX e do Dodecafonismo a partir da deacutecada de 1920
Esta muacutesica mais densa psicologicamente e considerada como sendo mais
6 Note-se que a noccedilatildeo de lsquoruptura com a tradiccedilatildeorsquo atraveacutes da lsquonova artersquo (Philippe de Vitry 1322) com a criaccedilatildeo de lsquonovas muacutesicasrsquo (Giulio Caccini 1601) com a concepccedilatildeo de um lsquoestilo modernorsquo que aporta em uma lsquosegunda praacuteticarsquo (Monteverdi 1605) natildeo eacute caracteriacutestica apenas do Modernismo mas da Modernidade como um todo 7 Eacute interessante notar que Darius Milhaud (1892-1974) considerado como um dos primeiros a empregar teacutecnicas politonais nas duas suiacutetes para piano intituladas Saudades do Brasil (com o tiacutetulo original em portuguecircs) de 1920 e 1921 certamente aproveitou esse recurso a partir da sua experiecircncia com o compositor cearense Alberto Nepomuceno (1864-1920) com quem conviveu no Rio de Janeiro na eacutepoca em que este foi diretor da Escola Nacional de Muacutesica Nepomuceno jaacute havia escrito em 1902 suas Variations sur un thegraveme original Op 29 (com o tiacutetulo em francecircs) onde empregou explicitamente sobreposiccedilatildeo de tonalidades inclusive com diferentes armaduras de clave
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complexa e de difiacutecil assimilaccedilatildeo foi o ponto de partida para grande parte das
experiecircncias das vanguardas tardias (1950-1970) em que se elaboraram e
aprofundaram inuacutemeras teacutecnicas e processos de organizaccedilatildeo musical com base em
seacuteries de alturas seacuteries de duraccedilotildees seacuteries de timbres etc chegando ao que se
chamou de Serialismo Integral no qual todos os paracircmetros da composiccedilatildeo seriam
serializados Ateacute mesmo Stravinsky principal antiacutepoda de Schoenberg chegou a
praticar teacutecnicas seriais Entre os principais compositores dessa geraccedilatildeo que
comeccedilou a aparecer apoacutes a Segunda Guerra nos festivais de muacutesica nova de
Darmstadt estatildeo Pierre Boulez (1925) Luciano Berio (1925-2003) e Karlheinz
Stockhausen (1928)
No final da deacutecada de 1950 houve entre os compositores que participavam
dos movimentos de vanguarda diversas reaccedilotildees agrave extrema racionalizaccedilatildeo dos
processos de composiccedilatildeo empregados pelos serialistas do grupo de Darmstadt As
mais difundidas foram as diferentes espeacutecies de muacutesica aleatoacuteria certamente
influenciadas por John Cage (1912-1992) Tambeacutem entre os compositores mais
jovens se desenvolveram novas praacuteticas com base nas relaccedilotildees mais rudimentares
entre os sons ou a partir da organizaccedilatildeo espectral da seacuterie harmocircnica Muacutesicos do
Leste Europeu como o polonecircs Krzysztof Penderecki (1933) ou o huacutengaro Gyorgy
Ligeti (1923) seguiram caminhos completamente independentes com relaccedilatildeo agrave
corrente dominante da Europa Ocidental Tambeacutem nos Estados Unidos houve
reaccedilatildeo agraves praacuteticas dos serialistas atraveacutes do Minimalismo de compositores como
Terry Riley (1935) Steve Reich (1936) e Philip Glass (1937) Pode-se considerar o
Minimalismo puro como o uacuteltimo dos movimentos modernistas no sentido de buscar
a ruptura com a tradiccedilatildeo ou com as praacuteticas das geraccedilotildees anteriores
O que caracteriza esses movimentos modernos apesar de sua diversidade eacute
a busca de hegemonia de cada um deles Por essa razatildeo o Modernismo se
caracteriza pelo lsquomanifestorsquo em que satildeo apresentados os valores da nova arte e se
explicitam em que sentido essa arte eacute nova de que maneira ela se diferencia das
outras e como pode ultrapassaacute-las Assim cada novo trabalho produzido pelo artista
moderno tem o caraacuteter de um programa com a exposiccedilatildeo de suas intenccedilotildees e
projetos em que satildeo apresentados os novos recursos descobertos por ele e seus
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colegas Haacute dessa maneira a crenccedila em uma progressividade determinada da
cultura em que se percebe a Histoacuteria de forma diacrocircnica como um processo
evolutivo contiacutenuo em que cada nova geraccedilatildeo deve acrescentar algo agraves conquistas
das geraccedilotildees anteriores para estar agrave sua altura e se diferenciar delas
Como o que pode ser quantificado na arte satildeo os materiais empregados e as
teacutecnicas com que esses materiais satildeo manipulados desenvolveram-se em grande
parte valores tecnicistas predominantes entre os movimentos de vanguarda em que
o importante seria a descoberta ou a criaccedilatildeo de novas teacutecnicas e o emprego de
novos recursos acuacutesticos Nesse sentido a lsquoexpressatildeo de conteuacutedosrsquo foi relegada a
um segundo plano quando natildeo passou a ser tomada como um resiacuteduo indesejaacutevel
de valores do Romantismo oitocentista Esse preceito pode ser exemplificado com a
conhecida afirmaccedilatildeo de Stravinsky ldquoinspiraccedilatildeo arte artista satildeo termos no miacutenimo
obscuros que nos impedem de ver claramente um campo onde tudo eacute equiliacutebrio
caacutelculo onde o que se passa eacute o sopro do espiacuterito especulativordquo
(STRAVINSKY 1986 p 54)
Cada grupo ou movimento artiacutestico buscava desenvolver seu proacuteprio sistema
de organizaccedilatildeo sonora seus proacuteprios meacutetodos de elaboraccedilatildeo musical e se
esforccedilava por descobrir novos materiais e recursos acuacutesticos que o posicionassem agrave
frente de seus concorrentes Havia por exemplo grande rivalidade entre a Escola
de Viena e os muacutesicos atuantes em Paris Schoenberg chegou a afirmar em seu
ensaio Muacutesica Nacional de 1931 que ldquoningueacutem ainda se deu conta que minha
muacutesica nascida em solo germacircnico livre de influecircncias estrangeiras eacute o exemplo
vivo de uma arte efetivamente capaz de se opor agraves esperanccedilas latinas e eslavas de
hegemonia porque se trata de uma arte essencialmente derivada das tradiccedilotildees da
muacutesica germacircnicardquo (SCHOENBERG 1975 p 173)
A noccedilatildeo da rivalidade entre franceses e germacircnicos no periacuteodo entre
guerras pode ser apreendida com a citaccedilatildeo do texto mais influente no meio musical
francecircs da deacutecada de 1920 O Galo e o Arlequim escrito por Jean Cocteau em
1918
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Schoenberg eacute um mestre todos os nossos muacutesicos e Stravinsky lhe devem algo mas Schoenberg eacute sobretudo um muacutesico de quadro negro Soacutecrates dizia lsquoQuem eacute este homem que come patildeo como se fosse a boa carne e a boa carne como se fosse patildeorsquo Resposta o melocircmano alematildeo (COCTEAU 1995 p 433-434)
Essas citaccedilotildees podem dar alguma noccedilatildeo do que eram os confrontos entre os
grupos modernistas na primeira metade do seacuteculo XX Os principais representantes
desses debates podem ser facilmente agrupados entre os partidaacuterios do
Neoclassicismo franco-russo que tinham em Stravinsky e no Grupo dos Seis seus
expoentes mais destacados e o Expressionismo germacircnico do qual os participantes
da Segunda Escola de Viena eram os principais portadores de conceitos e valores
Naturalmente houve grande nuacutemero de muacutesicos independentes poreacutem estes
geralmente se localizavam fora da Europa Ocidental Entre eles podem-se citar Bela
Bartoacutek (1881-1945) na Hungria Charles Ives (1874-1954) nos Estados Unidos
Carlos Chaacutevez (1899-1978) no Meacutexico Heitor Villa-Lobos (1887-1959) no Brasil e
Alberto Ginastera (1916-1983) na Argentina
21 Continuidade da Modernidade
As tendecircncias da muacutesica contemporacircnea em que a principal caracteriacutestica se
pode encontrar na busca de afirmaccedilatildeo dos pressupostos da Modernidade isto eacute em
que o artista percebe o fluxo histoacuterico de maneira contiacutenua e procura acrescentar
algo de original a ele satildeo aquelas que se desenvolveram a partir das vanguardas
tardias das deacutecadas de 1950 e 1960
Esses compositores que se alinham aos valores da poacutes-vanguarda podem
ser identificados entre aqueles que empregam processos derivados da muacutesica
atonal e serial que organizam suas estruturas sonoras com base em referecircncias
matemaacuteticas (com o emprego de algoritmos ou com base em estruturas
estocaacutesticas entre outras) e que desenvolveram suas investigaccedilotildees a partir da
muacutesica espectral do dececircnio de 1970 Haacute tambeacutem aqueles muacutesicos que se
dedicam agrave pesquisa na aacuterea de muacutesica e tecnologia a partir das experiecircncias da
muacutesica concreta da muacutesica eletrocircnica e eletroacuacutestica e podem ser alinhados no
escopo das tendecircncias de poacutes-vanguarda da muacutesica contemporacircnea O compositor
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Michel Chion (1947) tem empregado a expressatildeo lsquomuacutesica acusmaacuteticarsquo para designar
certos experimentos que se desdobraram a partir da muacutesica concreta
Com o intuito de ultrapassar cada fase histoacuterica com base em descobertas
originais esses compositores tecircm em geral como sua principal referecircncia a
superaccedilatildeo dos sistemas totalizantes que definiram os caminhos da Modernidade
Isso significa que mesmo aqueles que se dedicam agrave organizaccedilatildeo do material
acuacutestico com base em estruturas sistemaacuteticas natildeo se definem por uma via uacutenica de
estruturaccedilatildeo sonora ou seja natildeo seguem um princiacutepio sistecircmico uacutenico mas se
abrem para outras possibilidades conforme os elementos musicais se apresentam agrave
sua percepccedilatildeo pois muitos desses muacutesicos estatildeo abertos agrave casualidade mesmo
quando organizam seu trabalho a partir de processos racionais intriacutensecos ou com
base em caacutelculos predeterminados Nesse sentido a poacutes-vanguarda se diferencia
das vanguardas do poacutes-guerra para as quais qualquer intromissatildeo da percepccedilatildeo
imediata no processo compositivo significava ceder espaccedilo agrave subjetividade e
consequentemente aos valores liacutericos do Romantismo oitocentista
Muitos compositores atuais assumem uma atitude renovada com relaccedilatildeo ao
material sonoro pois mesmo aqueles que mais se esforccedilam em manter criteacuterios
quantitativos com preferecircncia por estruturas abstratas distanciadas das
experiecircncias cotidianas demonstram interesse pela pluralidade que qualquer
estrutura sonora traz em si Entendem com isso que os criteacuterios de valoraccedilatildeo de
qualquer produccedilatildeo dependem dos contextos especiacuteficos em que ocorrem e que natildeo
se podem definir antecipadamente quais os caminhos por que deve seguir
determinado conteuacutedo musical Esse entendimento conduz a outro terreno de
ordem mais esteacutetica do que teacutecnica que eacute a abertura para manifestaccedilotildees culturais
diferenciadas Enquanto um muacutesico de vanguarda da geraccedilatildeo de Boulez por
exemplo somente encontra valor em realizaccedilotildees que se assemelham agraves suas ou se
encontram no mesmo campo de atuaccedilatildeo um muacutesico de geraccedilatildeo posterior tem a
capacidade de reconhecer valor em algo que ele proacuteprio natildeo faria porque percebe
que satildeo impulsos criteacuterios e o gosto pessoal que estatildeo em causa entende que os
valores satildeo relativos ao contexto em que ocorrem e fora desse contexto podem
perder seu significado
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Haacute outros muacutesicos que seguem a tendecircncia de se mover no acircmbito dos
valores modernos poreacutem se diferenciam daqueles comentados acima por
desdenharem da lsquohierarquia de gostosrsquo do meio musical isto eacute fazem a leitura das
muacutesicas atuais sem hierarquizar os diversos tipos de manifestaccedilatildeo cultural Esses
muacutesicos percebem como sendo equivalentes do ponto de vista valorativo as
abordagens loacutegicas ou abstratas em comparaccedilatildeo agravequelas centradas na absorccedilatildeo do
mundo cotidiano eles procuram estreitar os elos que ligam as diferentes formas de
manifestaccedilatildeo musical atuais Entre as teacutecnicas de estruturaccedilatildeo musical mais usuais
nesta linha de atuaccedilatildeo do campo musical estatildeo a apropriaccedilatildeo a citaccedilatildeo a alusatildeo e
a colagem
Com base no princiacutepio da apropriaccedilatildeo de elementos oriundos de qualquer
muacutesica para a conformaccedilatildeo de uma nova estrutura sonora os materiais podem ser
apropriados de seu contexto original sob diferentes aspectos O compositor russo
Alfred Schnittke (1934-1998) um dos fundadores dessa tendecircncia de assimilaccedilatildeo de
diversos tipos de manifestaccedilatildeo cultural diferencia citaccedilatildeo e alusatildeo da seguinte
maneira a citaccedilatildeo consiste na apropriaccedilatildeo direta de um fragmento musical para a
composiccedilatildeo de uma nova muacutesica isto eacute se cita literalmente uma linha meloacutedica
uma sequecircncia riacutetmica ou um encadeamento harmocircnico de modo a tornaacute-lo
reconheciacutevel ao passo que a alusatildeo consiste em somente sugerir a lsquomaneirarsquo de
outro muacutesico ou escola atraveacutes de um fragmento musical escrito pelo proacuteprio
compositor ldquoO princiacutepio de alusatildeo se manifesta por evocaccedilotildees sutis e natildeo por
anuacutencios expliacutecitos proacuteximos de citaccedilotildees sem realmente o serem Esse princiacutepio se
opotildee agrave classificaccedilatildeordquo (SCHNITTKE 1998 p 29) Assim faz-se alusatildeo sem citar
literalmente o modelo original
A teacutecnica da colagem que surgiu na pintura cubista e foi amplamente
utilizada pelos escritores surrealistas pelos dadaiacutestas e pelos muacutesicos franceses do
Grupo dos Seis eacute uma das principais teacutecnicas de elaboraccedilatildeo musical empregadas a
partir da apropriaccedilatildeo de materiais heterogecircneos esparsos ao longo de determinada
obra A colagem consiste na justaposiccedilatildeo ou na sobreposiccedilatildeo de elementos com
origens distintas e produz um resultado almejado por vaacuterios muacutesicos nos uacuteltimos
anos que eacute a produccedilatildeo de texturas sonoras heterofocircnicas nas quais se tem a niacutetida
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sensaccedilatildeo de estar escutando diversas muacutesicas simultaneamente Eacute interessante
notar que essa teacutecnica jaacute era empregada por Charles Ives desde o iniacutecio do seacuteculo
XX Sua Unanswered Question (1906) jaacute opunha trecircs ideias musicais distintas sem
que se produzisse qualquer tipo de interaccedilatildeo entre elas
Esses procedimentos e teacutecnicas de apropriaccedilatildeo citaccedilatildeo alusatildeo e colagem
podem ser agrupados em um conceito geral denominado por Schnittke de
lsquopoliestiliacutesticarsquo Para este compositor
[] apesar de todas as dificuldades e todos os perigos que encerram a poliestiliacutestica seus benefiacutecios indiscutiacuteveis jaacute satildeo evidentes Estes residem no alargamento da expressatildeo musical em uma maior facilidade para integrar os estilos lsquonobresrsquo e os estilos lsquocomunsrsquo os estilos lsquobanaisrsquo e os estilos lsquorefinadosrsquo ou em uma palavra em um universo alargado e em uma democratizaccedilatildeo de estilos A realidade musical pode ser objetivada de forma documental pois natildeo aparece unicamente como o reflexo do indiviacuteduo mas tambeacutem atraveacutes das citaccedilotildees [] Na realidade seria difiacutecil encontrar outra teacutecnica musical que fosse tatildeo bem adaptada quanto a poliestiliacutestica agrave expressatildeo da ideacuteia filosoacutefica de continuidade (SCHNITTKE 1989 p 134)
Com essas reflexotildees Schnittke aponta para a pluralidade como criteacuterio de
valoraccedilatildeo da arte e elimina a busca de hegemonia de uma tendecircncia sobre as
outras como sendo um princiacutepio esteacutetico vaacutelido Nota-se inclusive a ironia de
Schnittke com relaccedilatildeo aos conceitos tradicionais de lsquoestilos nobresrsquo ou lsquoestilos
banaisrsquo Essa espeacutecie de hierarquizaccedilatildeo vem de longa data pois jaacute na eacutepoca de
Mozart se diferenciavam o lsquoestilo elevadorsquo de caraacuteter afirmativo e enfaacutetico digno de
representar a nobreza e os sentimentos nobres o lsquoestilo meacutediorsquo mais ingecircnuo e
leve sobre o qual se dizia que ldquodeve agradar ao ouvinte sem excitaacute-lo ou levaacute-lo agrave
reflexatildeordquo e o lsquoestilo baixorsquo considerado ruacutestico e simples poderia aparecer na forma
de danccedilas populares e era proacuteprio para a representaccedilatildeo de camponeses e das
classes sociais inferiores (cf RATNER 1980 p 9) O que Schnittke estaacute fazendo eacute
uma criacutetica agraves categorizaccedilotildees riacutegidas dos estilos musicais com base em
preconceitos sociais No uacuteltimo movimento de sua Sonata para Violino e Orquestra
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de Cacircmara Op 508 (1968) um longo segmento eacute elaborado com base na citaccedilatildeo de
trechos de Vivaldi combinados com a melodia da canccedilatildeo La Cucaracha9
O resultado dessas teacutecnicas de apropriaccedilatildeo e colagem eacute uma espeacutecie de
hibridismo estiliacutestico em que eacute abolido o preceito da unidade de estilo conforme foi
preconizado pelo teoacuterico tcheco Eduard Hanslick em meados do seacuteculo XIX e se
manteve como valor intocaacutevel ateacute a deacutecada de 1970 Hanslick chegou ao ponto de
afirmar que se deveria ldquodizer lsquotal compositor tem estilorsquo com o mesmo sentido que
quando se diz de algueacutem lsquoele tem caraacuteterrsquordquo (HANSLICK 1989 p 96) Naturalmente
essa definiccedilatildeo quase moralizante do conceito de estilo natildeo se sustenta atualmente
ateacute porque apoacutes o decliacutenio dos metadiscursos e dos grandes sistemas de
explicaccedilatildeo da realidade natildeo se justifica a aplicaccedilatildeo de um criteacuterio uacutenico de caraacuteter
universal para a avaliaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural Cada nova peccedila musical cada
nova criaccedilatildeo no campo da arte traz em si a chave para a sua compreensatildeo e com
isso carrega tambeacutem os criteacuterios para sua avaliaccedilatildeo Eacute faacutecil demonstrar o equiacutevoco
de um criacutetico de muacutesica quando ao escutar uma peccedila atonal reclama da falta de
um centro tonal definido no qual possa apoiar sua audiccedilatildeo poder-se-ia responder a
outro criacutetico que considerasse aborrecida a estrutura da arte minimalista da mesma
forma que John Walker ldquoo aborrecimento eacute presumivelmente apenas uma emoccedilatildeo
tatildeo legiacutetima para a arte como qualquer outrardquo (WALKER 1977 p 27) Parece ser
igualmente simples perceber que procurar unidade de estilo na obra de um
compositor que como Schnittke professa a diversidade estiliacutestica estaacute fora de
cogitaccedilatildeo
Em um sentido geral nessa linha da produccedilatildeo contemporacircnea em que os
valores esteacuteticos seguem com base na continuidade das caracteriacutesticas inerentes da
Modernidade permanece importando em primeiro plano o processo criativo O que
significa que o resultado segue sendo uma arte centrada no fazer fundamentada na
poiacuteēsis acima de qualquer outro criteacuterio valorativo Isso significa que seus
fundamentos permanecem focalizados no indiviacuteduo criador que se coloca
8 Esta peccedila eacute uma transcriccedilatildeo da Sonata nordm 1 Op 30 (1963) para violino e piano 9 Eacute interessante notar que o proacuteprio Mozart jaacute fazia colagens com alusotildees ao estilo elevado e ao estilo baixo em suas oacuteperas Don Giovanni e Bodas de Fiacutegaro que causaram polecircmica em algumas cidades europeias devido ao seu conteuacutedo que subvertia os valores sociais da eacutepoca
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livremente como um inventor de novas sonoridades novas combinaccedilotildees acuacutesticas
novas teacutecnicas novos materiais e novos processos de elaboraccedilatildeo musical
22 Retorno agrave Tradiccedilatildeo
Ao contraacuterio da acepccedilatildeo anterior os muacutesicos que se colocam de maneira
favoraacutevel com relaccedilatildeo agrave tradiccedilatildeo tecircm sua fundamentaccedilatildeo na criacutetica ao Historicismo
Assim questionam a crenccedila de que as transformaccedilotildees histoacutericas satildeo o resultado de
princiacutepios universais tatildeo objetivos quanto as leis da Fiacutesica ou das Ciecircncias Naturais
e que eacute necessaacuterio descobrir quais satildeo esses princiacutepios para operar sobre eles10 Os
muacutesicos que se alinham agraves tendecircncias de retorno agrave tradiccedilatildeo fazem criacutetica a essa
concepccedilatildeo unidirecional da Histoacuteria e creem na possibilidade de sobreposiccedilatildeo das
diversas produccedilotildees musicais do passado e do presente o que significa que esses
muacutesicos estatildeo dispostos a retomar experiecircncias anteriores de qualquer eacutepoca ou
lugar ou evocar essas experiecircncias a partir de novos pontos de vista com o intuito
de atualizaacute-las em um momento especiacutefico da contemporaneidade
(Com relaccedilatildeo a essa discussatildeo os muacutesicos que se aplicam agrave continuidade da
Modernidade operam em grande parte com aquele princiacutepio historicista poreacutem jaacute
compreendido em contextos especiacuteficos e natildeo mais universais Nesta acepccedilatildeo da
muacutesica contemporacircnea ainda se tem a Histoacuteria como a dimensatildeo mais abrangente
para a explicaccedilatildeo da realidade e das transformaccedilotildees sociais e culturais A diferenccedila
com relaccedilatildeo agraves explicaccedilotildees modernas estaacute em que a dimensatildeo histoacuterica eacute
compreendida a partir de um ou outro ponto de vista isto eacute busca-se contextualizar
e relativizar os princiacutepios histoacutericos mesmo que esses princiacutepios ainda sejam
considerados como a melhor via de explicaccedilatildeo das transformaccedilotildees sociais poliacuteticas
econocircmicas ou culturais)
Entendido dessa maneira percebe-se que com relaccedilatildeo agrave ldquoideia filosoacutefica de
continuidaderdquo (para retomar agrave expressatildeo de Schnittke citada anteriormente)
aqueles muacutesicos que se colocam na posiccedilatildeo de lsquoretorno agrave tradiccedilatildeorsquo assumem uma
10 No acircmbito especiacutefico da muacutesica isso significaria a existecircncia de um direcionamento uniacutevoco dos fatos musicais atraveacutes da Histoacuteria e que a tarefa do muacutesico seria encontrar os princiacutepios que regem esse fluir contiacutenuo para criar a partir deles e transcendecirc-los
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postura necessariamente antagocircnica a qualquer espeacutecie de Historicismo mesmo
contextual ou relativo Com isso tem-se uma antinomia existente entre os dois
pontos de vista pois se para aqueles que pretendem dar continuidade aos valores
da Modernidade a tradiccedilatildeo deve ser investigada para ser ultrapassada no sentido
de que o artista deve dar continuidade agraves transformaccedilotildees histoacutericas para estar agrave
altura de seu tempo para aqueles que defendem o retorno ao passado a tradiccedilatildeo
deve ser compreendida para servir de suporte agrave criaccedilatildeo da nova muacutesica que natildeo
tem necessariamente que ultrapassaacute-la mas operar com ela
A atitude mais saliente na acepccedilatildeo da muacutesica atual de lsquoretorno agrave tradiccedilatildeorsquo eacute
a busca de valores e elementos estiliacutesticos do passado com o sentido de aproveitaacute-
los em estruturas musicais homogecircneas Essa caracteriacutestica distingue esse grupo
de valores de retorno ao passado dos outros dois grupos (lsquocontinuidade da
Modernidadersquo e lsquosuperaccedilatildeo do Modernismorsquo) para os quais as possibilidades de
aproveitamento de elementos diacutespares se daacute atraveacutes da fragmentaccedilatildeo e da colagem
heterofocircnica Com isso tem-se outro aspecto diferencial na relaccedilatildeo entre as
acepccedilotildees da muacutesica atual pois se por um lado aqueles que pretendem ultrapassar
a tradiccedilatildeo operam sobre um princiacutepio de continuidade histoacuterica que deve ser
reconhecido e ampliado por outro lado esses mesmos muacutesicos propotildeem a
descontinuidade e a fragmentaccedilatildeo da estrutura musical per se quando se trata de
cada peccedila de muacutesica em particular pois compreendem que estruturas sonoras
contiacutenuas jaacute estariam ultrapassadas por fazerem recuar agraves caracteriacutesticas mais
proeminentes da muacutesica tonal ou seja agraves praacuteticas musicais do seacuteculo XVIII e XIX
cujas possibilidades de discursividade e narratividade jaacute estariam esgotadas
Ao contraacuterio os muacutesicos que professam o retorno agrave tradiccedilatildeo por serem
criacuteticos com relaccedilatildeo agrave concepccedilatildeo diacrocircnica da Histoacuteria geralmente argumentam
em favor da retomada de estruturas musicais contiacutenuas por entenderem que os
processos de fragmentaccedilatildeo operados pelas vanguardas jaacute foram exauridos ao
extremo e portanto esvaziados Assim ao defenderem concepccedilotildees sincrocircnicas dos
fatos histoacutericos segundo as quais se pode ter uma percepccedilatildeo de ldquotudo ao mesmo
tempo agorardquo se sentem agrave vontade para sobrepor os meacutetodos de elaboraccedilatildeo
musical do Classicismo ou do Romantismo aos seus anseios de iacutendole
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eminentemente contemporacircnea Tem-se assim outra constataccedilatildeo que
complementa aquela do paraacutegrafo anterior os muacutesicos que se alinham aos
princiacutepios de retorno agrave tradiccedilatildeo propotildeem uma leitura sincrocircnica e portanto
descontiacutenua da Histoacuteria poreacutem a estrutura musical resultante da elaboraccedilatildeo de cada
peccedila particular se torna contiacutenua pelo resgate de processos discursivos e narrativos
em suas composiccedilotildees
Essas praacuteticas de retorno ao passado muitas vezes satildeo professadas sem a
definiccedilatildeo de eacutepoca ou regiatildeo especiacutefica mas se abrem agrave possibilidade de passar
por diferentes pontos geograacuteficos mais ou menos remotos e por diferentes periacuteodos
da Histoacuteria sem que isso signifique a perda da coesatildeo estiliacutestica (a identidade
estiliacutestica se torna novamente importante apesar de natildeo ser mais um princiacutepio
esteacutetico inflexiacutevel) De qualquer forma mesmo com uma concepccedilatildeo sincrocircnica da
Histoacuteria eacute comum que muitos desses muacutesicos se fixem em algum ponto do tempo
ou do espaccedilo para a criaccedilatildeo de uma peccedila ou de um conjunto de obras Outra
caracteriacutestica bastante comum entre os muacutesicos que se esforccedilam em retomar
aspectos da tradiccedilatildeo eacute o fato de centrarem seus esforccedilos na investigaccedilatildeo da muacutesica
europeia Isso natildeo significa que natildeo existem estudos sobre a muacutesica de outras
culturas sendo que os processos musicais extraeuropeus mais estudados satildeo o
sistema de ragas da muacutesica indiana e a estrutura riacutetmica aditiva da muacutesica africana
e oriental Um bom exemplo nesse sentido eacute a temporada que Steve Reich passou
em Gana em 1970 periacuteodo em que estudou sob a orientaccedilatildeo de um percussionista
jeje no Instituto de Estudos Africanos experiecircncia que lhe permitiu acrescentar
processos riacutetmicos aditivos e subtrativos agrave sua muacutesica ampliando as possibilidades
das suas primeiras experiecircncias minimalistas
Devido agrave inclinaccedilatildeo para aproveitar caracteriacutesticas da muacutesica do passado
vaacuterios muacutesicos tecircm sido criticados como portadores de uma postura conservadora
Michel Faure um criacutetico severo do Neoclassicismo francecircs do entre guerras por
consideraacute-lo um estilo ldquosocialmente concordataacuteriordquo e de ldquoafirmaccedilatildeo nacionalistardquo
considera ser essa atitude de retorno ao passado existente na muacutesica
contemporacircnea uma espeacutecie de reediccedilatildeo do Neoclassicismo histoacuterico Para o autor
ldquoos neoclaacutessicos natildeo satildeo jamais considerados como reacionaacuterios ndash assim como os
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poacutes-modernos natildeo aceitam a pecha de passadistas [] Os empreacutestimos que eles
fazem frequentemente lsquodescontextualizamrsquo os fragmentos aos quais fazem
referecircnciardquo (FAURE 1998 p 78) Bem ressurge aqui o mesmo problema da criacutetica
mal direcionada jaacute mencionado anteriormente Se a intenccedilatildeo desses muacutesicos eacute
recuperar processos tradicionais se buscam criar uma espeacutecie de representaccedilatildeo da
multiplicidade cultural da contemporaneidade atraveacutes da apropriaccedilatildeo do legado
histoacuterico nada mais adequado do que a descontextualizaccedilatildeo dos materiais
empregados de sua lsquohistoricidadersquo original e sua adequaccedilatildeo agrave nova situaccedilatildeo em que
esses elementos se encontram Percebe-se na criacutetica de Faure preceitos de
continuidade e pureza histoacuterica que natildeo se adeacutequam aos neoclaacutessicos nem aos poacutes-
modernos pois ambos subvertem os coacutedigos que servem de premissa agrave sua criacutetica
Um dos arautos da nova muacutesica Boudewijn Buckinx apresenta um exemplo
muito comum de retomada da tradiccedilatildeo ao afirmar que o compositor atual ldquonatildeo
escreve tatildeo-somente um concerto grosso Ele escolhe uma possibilidade ndash o
concerto grosso ndash entre diversas Portanto natildeo eacute propriamente um concerto grosso
mas uma peccedila que toma o concerto grosso por sujeitordquo (BUCKINX 1998 p 60-61)
Poder-se-ia dizer tomando de empreacutestimo as palavras de Wolfgang Rihm que se
trata de uma ldquomuacutesica sobre a muacutesicardquo ou em alguns casos de muacutesica sobre
muacutesicas Se assim for a criacutetica de Faure se esvazia pois existe uma tecircnue diferenccedila
entre permanecer em determinado estado de coisas sem se aventurar a outros e
voltar a esse estado quando se tem interesse em recorrer a ele Esta eacute a divergecircncia
existente entre o conservadorismo preacute-moderno mencionado anteriormente e a
tendecircncia contemporacircnea de retorno agrave tradiccedilatildeo (distinccedilatildeo que o conservadorismo
modernista parece natildeo ser capaz de perceber) natildeo se estaacute no passado volta-se a
ele quando se o considera adequado
Em vista disso torna-se importante entender como os processos e materiais
tradicionais satildeo reutilizados sob a perspectiva da nova muacutesica para diferenciar a
atitude de retorno agrave tradiccedilatildeo com base em um ponto de vista criacutetico da mera
permanecircncia conservadora de valores convencionais de forma subserviente e sem
nem mesmo compreender o que esses valores podem ter significado em sua
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eacutepoca11 Diferenciar aquilo que foi denominado no iniacutecio deste ensaio como
conservadorismo preacute-moderno da atitude criacutetica com relaccedilatildeo aos pontos de vista
historicistas e evolucionistas da cultura tambeacutem significa distinguir o conhecimento
extensivo da tradiccedilatildeo da simples sujeiccedilatildeo a valores passadistas Um artista que
pesquisa profundamente em sua aacuterea de atuaccedilatildeo natildeo se preocupa em primeiro
plano com a feiccedilatildeo externa dos resultados de suas investigaccedilotildees o que lhe
importam satildeo as possibilidades que suas descobertas podem trazer no plano da
criaccedilatildeo Ao contraacuterio um muacutesico que se apresenta com uma aparecircncia novidadeira
pode estar extremamente apegado agraves convenccedilotildees de determinada linha de
produccedilatildeo e mesmo que essa linha seja muito recente a falta de abertura para
outras aacutereas de investigaccedilatildeo pode mantecirc-lo submisso a convenccedilotildees jaacute assimiladas
por geraccedilotildees passadas mesmo que ele proacuteprio natildeo se aperceba disso Muitas
vezes a aparecircncia de novidade mascara uma seacuterie de valores apegados a
convenccedilotildees riacutegidas que natildeo se sustentariam sob o crivo da criacutetica
A sutil diferenccedila entre o Neotonalismo de um compositor como George
Rochberg (1918) e a imitaccedilatildeo trivial do estilo dos primeiros romacircnticos (sem ir aleacutem
dos procedimentos teacutecnicos) estaacute na atitude com relaccedilatildeo agrave lsquovivecircncia da
simultaneidadersquo Para Rochberg ldquoa esperanccedila da muacutesica contemporacircnea reside em
aprender como reconciliar todas as maneiras de opostos contradiccedilotildees paradoxos o
passado com o presente tonalidade com atonalidade Eacute por isso que em minha
muacutesica mais recente tenho tentado utilizar essas combinaccedilotildees que reafirmam os
valores primordiais da muacutesicardquo (ROCHBERG 2003 p 3) Essa noccedilatildeo da diferenccedila
entre o passado e o presente essa busca de conciliaccedilatildeo dos opostos diverge de um
ponto de vista conservador ou de uma postura epigocircnica pois o epiacutegono apenas
reproduz o passado agrave maneira deste ou daquele mestre ao passo que o artista
criador se apoia em aspectos do passado para produzir um trabalho artiacutestico que
11 Muitas vezes a simplificaccedilatildeo dos meios significa a criaccedilatildeo de algo que pode impulsionar grandes transformaccedilotildees Quando Giulio Caccini (1551-1618) defendia o uso de triacuteades maiores e menores para a elaboraccedilatildeo das nuove musiche de sua eacutepoca estava propalando uma simplificaccedilatildeo da textura musical uma homofonia mundana que se opunha agrave complexidade polifocircnica da muacutesica sacra Essa simplificaccedilatildeo trazia o germe para algumas das grandes conquistas da muacutesica europeia dos trezentos anos seguintes inclusive a criaccedilatildeo de um novo gecircnero musical a oacutepera
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traz algum frescor agrave educaccedilatildeo dos sentidos alguma maneira peculiar de descobrir
ou perceber o mundo
Com a retomada de processos de organizaccedilatildeo modal ou tonal haacute
necessariamente o retorno de melodias claramente definidas a renovaccedilatildeo das
teacutecnicas de contraponto e a ampliaccedilatildeo de estruturas harmocircnicas de caraacuteter
diatocircnico Um dos compositores mais importantes da vanguarda das deacutecadas de
1950 e 1960 Krzysztof Penderecki soube atualizar seu estilo em meados da
deacutecada de 1970 quando passou a combinar estruturas diatocircnicas ampliadas com
base na produccedilatildeo dos grandes sinfonistas da passagem do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX
(Gustav Mahler e Richard Strauss entre outros) com os resultados de suas
pesquisas acuacutesticas do periacuteodo vanguardista A consequecircncia eacute uma muacutesica
fortemente dramaacutetica com aspectos que lembram o Romantismo tardio e elementos
da vanguarda da deacutecada de 1960 elaborados de maneira que o resultado se
apresenta como uma muacutesica inusitada que jamais poderia ter sido concebida em
outra eacutepoca ou por outro artista
O legado histoacuterico natildeo eacute mais desprezado ou entendido apenas como um
passado a ser ultrapassado mas ao contraacuterio eacute tambeacutem identificado como uma
fonte inesgotaacutevel de possibilidades teacutecnicas e expressivas que podem ser
reaproveitadas de muitas formas possiacuteveis sem que isso incorra necessariamente
em postura conservadora ou em atitude epigonal Outro compositor que tambeacutem
soube atualizar seus processos compositivos eacute o huacutengaro Gyorgy Ligeti que tem
combinado seus experimentos microtonais e estruturas micropolifocircnicas levados a
cabo nas deacutecadas de 1960 e 1970 com outros meacutetodos de organizaccedilatildeo harmocircnica
engendrados a partir das relaccedilotildees acuacutesticas baacutesicas existentes em seus
conglomerados sonoros Esses processos datildeo vazatildeo agrave existecircncia de linhas
meloacutedicas claramente definidas com caraacuteter modal vigoroso e algumas vezes
fazem alusotildees agrave muacutesica popular e folcloacuterica de sua regiatildeo
Essa atitude com relaccedilatildeo ao passado traz novos modos de entendimento das
culturas tradicionais aleacutem da acomodaccedilatildeo de valores muitas vezes tomados como
contraditoacuterios em estruturas coesas Evidenciam-se natildeo apenas as tradiccedilotildees locais
com relaccedilatildeo agrave proacutepria formaccedilatildeo do indiviacuteduo como tambeacutem outras tradiccedilotildees que se
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buscam atraveacutes de meios natildeo-convencionais Compreende-se que natildeo eacute necessaacuterio
viver as experiecircncias de determinada sociedade para absorver parte de seus valores
ou de sua produccedilatildeo cultural ateacute porque os habitantes das grandes cidades estatildeo
expostos cotidianamente a tantos estiacutemulos advindos de origens distintas que se
criam identidades multiculturais mesmo quando natildeo se tem conhecimento intriacutenseco
de suas propriedades Qualquer cidadatildeo meacutedio atual tem noccedilotildees fundamentais
sobre os haacutebitos de vaacuterios povos originaacuterios de localidades onde nunca esteve A
tecnologia permite ao artista contemporacircneo ter acesso agrave produccedilatildeo de seus pares
de qualquer outra regiatildeo do planeta quase simultaneamente agrave sua criaccedilatildeo e
divulgaccedilatildeo Tambeacutem eacute possiacutevel conhecer aspectos de culturas remotas no tempo
atraveacutes de pesquisas arqueoloacutegicas e sua divulgaccedilatildeo em grande escala nos meios
de comunicaccedilatildeo Isso permite sermos contemporacircneos de outras eacutepocas e
conterracircneos dos povos de outros lugares
23 Superaccedilatildeo do Modernismo
As linhas de atuaccedilatildeo que se opotildeem agrave mentalidade das vanguardas tardias o
fazem por razotildees diversas daquelas que motivam as tendecircncias de retorno agrave
tradiccedilatildeo pois este retorno ao passado geralmente significa um passado visto pela
oacutetica da Modernidade (em geral satildeo leituras atualizadas das tradiccedilotildees do Ocidente
isto eacute das praacuteticas musicais do Renascimento ao Romantismo) Nesse sentido
especiacutefico haacute pontos em comum entre as duas acepccedilotildees abordadas anteriormente
(lsquocontinuidade da Modernidadersquo e lsquoretorno agrave Tradiccedilatildeorsquo) pois seja por dar
continuidade agraves praacuteticas da era moderna atraveacutes de sua ampliaccedilatildeo seja por
resgatar essas praacuteticas com base em novos meios de elaboraccedilatildeo musical a
Modernidade permanece como sendo forte ponto de referecircncia em ambos os casos
Diferentemente aqueles que se colocam com uma postura de lsquosuperaccedilatildeo do
Modernismorsquo geralmente focam seus interesses na ruptura com as tradiccedilotildees
modernistas mais recentes e natildeo na Modernidade como um todo
Aleacutem disso natildeo satildeo apenas as culturas tradicionais que interessam a esta
terceira linhagem mas tambeacutem outros aspectos da cultura contemporacircnea inclusive
a cultura pop e os meios de comunicaccedilatildeo de massa Esses muacutesicos acreditam
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estarem produzindo uma fissura na Modernidade ao se abrirem para toda e qualquer
espeacutecie de produccedilatildeo cultural sem hierarquizaacute-las12 Acreditam portanto que
estamos no iniacutecio de uma nova eacutepoca e natildeo em um periacuteodo de continuidade da
Modernidade ou de retomada dos valores de sua tradiccedilatildeo13
Podem-se esboccedilar algumas imagens geomeacutetricas para representar essas trecircs
formas de pensamento para a primeira acepccedilatildeo da muacutesica contemporacircnea que
professa a lsquocontinuidade da Modernidadersquo o tempo teria a imagem de uma linha reta
que se movimenta em determinado sentido (mesmo que alguns desses artistas
faccedilam criacutetica agrave mentalidade linear a linha parece bem representar o ponto de vista
evolucionista da cultura) para a segunda acepccedilatildeo aquela em que se pratica o
lsquoretorno agrave Tradiccedilatildeorsquo poder-se-ia formular a imagem do tempo em forma circular pois
o ciacuterculo eacute uma figura em que natildeo haacute sentido predeterminado pois se pode iniciar
ou terminar em qualquer ponto da circunferecircncia e se movimentar em sentido
horaacuterio ou anti-horaacuterio para a terceira acepccedilatildeo que propotildee a lsquosuperaccedilatildeo do
Modernismorsquo a imagem de uma esfera parece ser a mais adequada pois natildeo se
estaacute focando o tempo em apenas uma dimensatildeo mas abre-se o leque para toda e
qualquer manifestaccedilatildeo perceptiacutevel atualmente no tempo e no espaccedilo Com isso
tem-se a possibilidade de produzir movimentos de qualquer ponto para qualquer
outro ponto seguindo em qualquer sentido ou direccedilatildeo (para baixopara cima para a
esquerdapara a direita para traacutespara frente) ndash por isso a imagem tridimensional14
12 Note-se que neste aspecto haacute pontos de interseccedilatildeo entre certas tendecircncias de lsquocontinuidade da Modernidadersquo e aquelas que professam a lsquosuperaccedilatildeo do Modernismorsquo pois o princiacutepio da poliestiliacutestica defendido por Schnittke e outros tambeacutem rompe com a hierarquizaccedilatildeo dos estilos O que diferencia ambos os grupos eacute o enfoque com que cada qual se apropria das diferentes formas de manifestaccedilatildeo cultural 13 Tambeacutem nesse sentido haacute interseccedilatildeo entre as duas acepccedilotildees pois se as tendecircncias de lsquocontinuidade da Modernidadersquo professam a ruptura com a tradiccedilatildeo musical oitocentista as tendecircncias de lsquosuperaccedilatildeo do Modernismorsquo professam outra ruptura com as tradiccedilotildees novecentistas Em ambos os casos haacute valores centrados no princiacutepio da ruptura mesmo que na primeira acepccedilatildeo esta ruptura faccedila parte de um processo contiacutenuo de superaccedilatildeo da tradiccedilatildeo e no segundo caso seja entendida como uma fissura nesse processo 14 Este recurso de traccedilar analogias entre a estrutura das mentalidades e figuras geomeacutetricas jaacute foi delineado por Koellreutter (cf KOELLREUTTER 1987 p 29-32) compositor que confeccionou a partitura de sua peccedila Acronon em formato de esfera para representar sua concepccedilatildeo da mentalidade contemporacircnea Para Koellreutter poreacutem essas analogias aparecem com sentido diverso daquele apresentado aqui
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Para aqueles que se posicionam pela superaccedilatildeo do Modernismo as
vanguardas satildeo tidas como sendo formalistas ao extremo por se apoiarem
especificamente em criteacuterios teacutecnicos e formais para efetuarem seus julgamentos
Para entender o alcance dessa criacutetica eacute necessaacuterio adentrar um pouco em
algumas acepccedilotildees do termo lsquoformalismorsquo
Em seu Vocabulaacuterio de Esteacutetica Souriau informa que
[] eacute formalista aquele que daacute grande importacircncia agrave forma ou agraves formas poreacutem o termo forma pode ser tomado em diversos sentidos pode-se dar importacircncia a algo por razotildees de ordens bastante diferentes e enfim o termo formalismo foi frequentemente utilizado de maneira polecircmica mas em conflitos que natildeo eram sempre os mesmos de sorte que a palavra formalismo tem diversos sentidos que natildeo coincidem e cuja confusatildeo pode conduzir a erros graves (SOURIAU 1999 p 758)
Podem-se estabelecer a partir das classificaccedilotildees de Souriau trecircs sentidos
principais aplicados ao formalismo esteacutetico e empregados na criacutetica agraves tendecircncias
vanguardistas O primeiro sentido coincide com a censura a Hanslick criacutetico musical
de orientaccedilatildeo kantiana para quem a beleza esteacutetica seria inerente agrave existecircncia de
uma forma equilibrada e bem proporcionada o segundo sentido tem a ver com a
oposiccedilatildeo entre forma e conteuacutedo e se dirige principalmente agraves tendecircncias
modernistas de caraacuteter anticonteudista para as quais a estrutura eacute mais importante
do que o conteuacutedo representado ndash o que significa que para os criacuteticos atuais do
Modernismo o conteuacutedo ganha nova forccedila no terceiro sentido o termo lsquoformalistarsquo eacute
empregado para censurar as tendecircncias vanguardistas por centrarem suas
investigaccedilotildees em estruturas musicais abstratas criadas aprioristicamente sem levar
em consideraccedilatildeo a observaccedilatildeo do meio social ou cultural o que muitas vezes eacute
entendido como desprezo pela realidade
Em geral essas criacuteticas ao lsquoformalismorsquo das vanguardas surgem como
reaccedilotildees ao posicionamento antagocircnico dos muacutesicos de vanguarda das deacutecadas de
1950 e 1960 com relaccedilatildeo agrave muacutesica com sentido narrativo que necessariamente
traz o conteuacutedo ao primeiro plano e por conseguinte desvia a percepccedilatildeo dos
recursos teacutecnicos dos materiais sonoros e dos processos acuacutesticos envolvidos na
apreciaccedilatildeo musical Essa criacutetica modernista ao conteuacutedo vinha embutida em uma
criacutetica geral ao Romantismo e agrave muacutesica descritiva representada no seacuteculo XIX pelo
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lsquopoema sinfocircnicorsquo e pelas lsquopeccedilas caracteriacutesticasrsquo Ainda hoje em certos meios
musicais eacute comum a restriccedilatildeo agrave muacutesica descritiva em geral
Os muacutesicos vinculados agravequela via que pretende a superaccedilatildeo do Modernismo
ndash que agraves vezes chamam pejorativamente os movimentos de poacutes-vanguarda de
lsquoultramodernosrsquo ou lsquohipermodernosrsquo entendendo-os como o fruto de uma atitude
conservadora (cf BUCKINX 1998 p 22) ndash consideram que o lsquoformalismorsquo
vanguardista afastou o puacuteblico das salas de concerto e buscam novos processos de
comunicabilidade atraveacutes da investigaccedilatildeo mais ou menos sistemaacutetica de processos
narrativos e pela incorporaccedilatildeo da significaccedilatildeo musical direta
Eacute interessante notar a afericcedilatildeo de valor aos termos mencionados acima
lsquoUltramodernismorsquo e lsquoHipermodernismorsquo se essas expressotildees satildeo consideradas
negativamente pelos muacutesicos que professam a superaccedilatildeo do Modernismo satildeo
entendidas com sentido favoraacutevel pelos partidaacuterios da poacutes-vanguarda que
empregam essa terminologia para demonstrar que consideram determinada parcela
da produccedilatildeo atual como sendo extremamente significativa pois se apoiam nos
valores vanguardistas e os ultrapassam
Tem-se tambeacutem outra diferenccedila terminoloacutegica operada por alguns autores
que se faz apenas mudando a ordem dos termos lsquonova muacutesicarsquo e lsquomuacutesica novarsquo
Esta expressatildeo que foi amplamente empregada ao longo das deacutecadas de 1950 e
1960 estaacute ligada agraves tendecircncias vanguardistas e poacutes-vanguardistas No Brasil
houve inclusive um movimento de vanguarda autodenominado lsquoGrupo Muacutesica
Novarsquo que lanccedilou seu manifesto em 1963 com base nos princiacutepios do
Construtivismo e do Concretismo e terminou por influenciar o movimento
tropicalista na muacutesica popular O termo lsquonova muacutesicarsquo surgiu na deacutecada de 1990 na
Europa como contraposiccedilatildeo ao conceito de lsquomuacutesica novarsquo trata-se de muacutesicos que
absorvem diversas influecircncias e atuam em vaacuterias direccedilotildees natildeo pressupondo
qualquer identidade teoacuterica ou estiliacutestica entre si
Mesmo se eles satildeo muito diferentes e se tecircm personalidades e escrituras proacuteprias todos esses compositores se afastaram voluntariamente da corrente atonal da muacutesica contemporacircnea Eles sofreram diferentes influecircncias indo de muacutesicas natildeo-ocidentais ao jazz ao rock agrave muacutesica de variedades internacional passando pelo disco pelo funk ateacute a muacutesica techno e inclusive pelas generalidades de programas televisivos O que eles
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tecircm em comum eacute o fato de escutar o mundo sonoro que os envolve e que eacute o fundo musical de todos noacutes Eles tambeacutem tecircm uma filiaccedilatildeo direta a Stravinsky Eacute por isso que se pode separar a muacutesica lsquoeruditarsquo de hoje em duas grandes correntes A corrente lsquotonalrsquo consonante por opccedilatildeo pulsante e meloacutedica se situando em uma linha mais expressiva geralmente chamada de lsquoNova Muacutesicarsquo A corrente lsquoatonalrsquo caracterizada pela utilizaccedilatildeo quase sistemaacutetica de saltos de registro de assimetria riacutetmica e de dissonacircncias chamada tambeacutem de lsquomuacutesica contemporacircnearsquo (LELONG 1996 p 11)
Um dos movimentos de superaccedilatildeo do Modernismo que se pode colocar
como precursor dessa noccedilatildeo de lsquonova muacutesicarsquo eacute a lsquoNova Simplicidadersquo que teve
seu iniacutecio na deacutecada de 1970 com um grupo de compositores alematildees encabeccedilados
por Walter Zimmermann (1949) e Wolfgang Rihm (1952) Esses muacutesicos defendiam
a liberdade de escrita e a dissoluccedilatildeo do peso da Histoacuteria ndash que na sua opiniatildeo
engessava as praacuteticas vanguardistas ndash e preconizavam a absorccedilatildeo de experiecircncias
subjetivas de toda e qualquer natureza (vivecircncias impulsos emoccedilotildees preferecircncias
etc) que pudessem conduzir agrave produccedilatildeo de novos processos narrativos e agrave
depuraccedilatildeo dos meios empregados para a criaccedilatildeo musical Com essas intenccedilotildees
movimentaram-se na direccedilatildeo de estruturas mais elementares com gestos musicais
breves e texturas transparentes Entretanto os praticantes da Nova Simplicidade
natildeo se desviaram de configuraccedilotildees atonais apenas acrescentaram elementos de
caraacuteter tonal e deram vazatildeo a uma certa expressividade liacuterica em sua produccedilatildeo
Rihm em entrevista a Noreen e Cody comenta suas experiecircncias dos anos rsquo70 e
rsquo80
Eu sou um compositor intuitivo Mesmo se natildeo o fosse somente poderia escrever a minha proacutepria muacutesica Natildeo se pode criar arte com tabus Naturalmente somente quebrando tabus tambeacutem natildeo se faz arte Em ambos os casos o que surge satildeo objetos que [apenas] se parecem com arte [] De volta agraves triacuteades eu natildeo era de nenhuma maneira o uacutenico a empregaacute-las Talvez em minha muacutesica elas chocassem de forma mais provocativa provavelmente porque natildeo serviam ao propoacutesito de garantir lsquobelezarsquo mas eram empregadas no mesmo niacutevel que (quase) qualquer outra manifestaccedilatildeo sonora governadas por fluxos expressivos que natildeo poderiam ser inteiramente analisados de modo racional Isso era equivalente agrave alta traiccedilatildeo aos olhos dos modernistas (RIHM 2006 p 2)
Compositores que parecem seguir nessa mesma direccedilatildeo poreacutem com
interesses distintos satildeo os franceses Pascal Dusapin (1955) que trabalha com
misturas de elementos tonais e atonais carregados de forte lirismo e Reacutegis Campo
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(1968) cuja peccedila Commedia (1995) de escritura amplamente stravinskyana estaacute
organizada agrave base de muacuteltiplas linhas contrapontiacutesticas que se movimentam em
torno de uma melodia que se estende por quase quinze minutos
Outros grupos que tecircm sido bastante difundidos nos uacuteltimos anos satildeo
aqueles derivados do Minimalismo e que portanto empregam teacutecnicas de
organizaccedilatildeo repetitiva com base em um miacutenimo de elementos formadores de
processos sonoros Esses elementos baacutesicos ndash constituiacutedos de poucas notas
estrutura harmocircnica simples e riacutetmica perioacutedica ndash geralmente satildeo elaborados de
forma extremamente gradativa com a intenccedilatildeo de dar tempo agrave escuta Com isso
pretende-se dar ecircnfase aos processos perceptivos acima de qualquer princiacutepio
compositivo
O Minimalismo ortodoxo aquele dos anos 60 estava centrado em estruturas
ininterruptas fixas regulares e contiacutenuas no tempo Steve Reich partiu para suas
realizaccedilotildees mais peculiares da eacutepoca da experiecircncia de ouvir a mesma gravaccedilatildeo
reproduzida em dois aparelhos diferentes com rotaccedilotildees distintas o que gerou uma
defasagem gradual de tempo entre uma reproduccedilatildeo e outra O compositor declarou
[] enquanto eu ouvia esse processo gradual de mudanccedila de fase comecei a imaginar que esta seria uma forma extraordinaacuteria de estruturaccedilatildeo musical Esse processo afetou-me como um meio de alcanccedilar determinado nuacutemero de relaccedilotildees entre duas identidades sem nenhuma transiccedilatildeo Era um processo musical sem emenda ininterrupto (REICH apud SCHWARZ 1996 p 61)
Eacute interessante notar como esses princiacutepios de Reich e seus colegas
minimalistas da deacutecada de 1960 satildeo bastante lsquoformalistasrsquo para os muacutesicos mais
jovens e nesse sentido se assemelham aos valores vanguardistas da mesma
eacutepoca pois as preocupaccedilotildees com o processo com a estrutura ou com as teacutecnicas
de composiccedilatildeo estatildeo acima de qualquer outro aspecto envolvido na atividade
compositiva Por essa razatildeo essa fase do Minimalismo pode ser considerada como
sendo a uacuteltima manifestaccedilatildeo modernista pois mesmo que os processos de escuta
jaacute estivessem em evidecircncia o interesse principal estaacute na construccedilatildeo de estruturas
musicais abstratas Ao comparar a mentalidade de Reich da deacutecada de 1960 com
alguns comentaacuterios de John Adams (1947) um dos compositores mais destacados
da corrente atual a que alguns chamam de Poacutes-Minimalismo percebe-se que o
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ponto de vista deste estaacute descentrado do fazer e mais voltado para a absorccedilatildeo do
meio sonoro circundante
Eu sempre fui profundamente influenciado pelo rock pelo jazz e pela muacutesica pop Creio que eacute uma parte importante da experiecircncia de um norte-americano e penso que eacute a linha de demarcaccedilatildeo entre a velha geraccedilatildeo de compositores eruditos aqueles que nasceram antes da guerra e minha geraccedilatildeo ou a dos meus alunos Eacute por isso que natildeo tento me afastar dessa muacutesica nem tapar os ouvidos para ela Entretanto ao ler John Cage a gente nota que ele natildeo era sensiacutevel a essa muacutesica e ateacute mesmo a execrava Por minha parte eu gosto e ela influenciou bastante a minha proacutepria muacutesica (ADAMS 1996 p 20)
Ao contraacuterio do purismo muitas vezes pretendido pelos muacutesicos das deacutecadas
de 1950 e 1960 (que geralmente buscavam um estilo original sem admitir
ascendecircncias externas expliacutecitas pois essas influecircncias15 eram transformadas ateacute o
ponto em que se tornavam imperceptiacuteveis ou eram incorporadas em estruturas que
natildeo poderiam ser remetidas a outras realidades que a da proacutepria muacutesica em
questatildeo) vaacuterios compositores atuais estatildeo buscando a assimilaccedilatildeo expliacutecita de
diferentes fontes desde a muacutesica claacutessica europeia e a muacutesica tradicional de outras
culturas ateacute as diferentes manifestaccedilotildees populares e dos meios de comunicaccedilatildeo de
massa Adams eacute preciso a esse respeito
O que distingue minha muacutesica das outras eacute o fato de que ela eacute tatildeo lsquomiscigenadarsquo Se eu comparo minha muacutesica com a de Morton Feldman que eacute tatildeo pura a minha eacute uma espeacutecie de lsquogrande lixeirarsquo ali se encontra de tudo como em um grande lsquoensopadorsquo [] Cresci ao longo de um periacuteodo em que se podia escutar de tudo pois tudo estava registrado e isso vai continuar no proacuteximo milecircnio Eu costumo surfar na Internet todo o tempo e posso andar por tudo (ADAMS 1996 p 21)
Natildeo apenas Adams e os poacutes-minimalistas (que se diferenciam do
Minimalismo histoacuterico pela assimilaccedilatildeo expliacutecita de elementos exoacutegenos) como
tambeacutem outros muacutesicos das novas geraccedilotildees aproveitam influecircncias atraveacutes da
incorporaccedilatildeo de estilemas16 apropriados de diferentes tradiccedilotildees o que tambeacutem pode
15 O termo lsquoinfluecircnciarsquo foi tomado durante algum tempo como sendo depreciativo por indicar a ascendecircncia de determinado artista ou escola sobre outros Atualmente para os compositores das novas geraccedilotildees a ideia de ascendecircncia parece natildeo gerar constrangimento sendo inclusive um valor a ser aproveitado 16 lsquoEstilemarsquo eacute um termo apropriado da linguiacutestica empregado para designar traccedilos estiliacutesticos caracteriacutesticos de determinada obra escritor ou escola literaacuteria o que em muacutesica pode ser indicado
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incluir teacutecnicas de vanguarda Com isso esta muacutesica se torna mais corpoacuterea estaacute
vinculada agrave realidade circundante ou em outras palavras se faz mais mundana
Isso tambeacutem se deve agrave introduccedilatildeo de elementos de linguagens musicais
vernaculares consideradas como sendo parte da lsquofalarsquo cotidiana seja a muacutesica
autoacutectone ou a muacutesica tocada nos meios de comunicaccedilatildeo e que se torna com o
passar do tempo tatildeo absorvida pelas mentalidades que passa a ser entendida como
lsquolinguagem comumrsquo
Os chilenos Eduardo Caacuteceres (1954) e Aliosha Solovera (1963) tecircm
incorporado elementos de tradiccedilotildees locais em suas criaccedilotildees de caraacuteter
experimental Caacuteceres em sua peccedila Canciones ceremoniales para aprendiz de
machi para grupo vocal feminino aproveita textos em liacutengua mapudungum para
combinar diferentes ritmos apropriados dos iacutendios mapuches Na peccedila Ressonandes
(2002) para dez flautas cujo tiacutetulo alude agrave lsquoressonacircncia dos Andesrsquo Solovera busca
ldquoestabelecer um viacutenculo com a muacutesica das culturas preacute-colombianasrdquo atraveacutes da
experimentaccedilatildeo de sonoridades incomuns no instrumento Para o compositor ldquoa
flauta transversa se desliga de sua raiz cultural e eacute assumida em sua condiccedilatildeo mais
elementar como instrumento de soprordquo Eacute interessante notar nesse sentido o
paralelismo entre Ressonandes e a peccedila Nola (1994) para vaacuterias flautas e orquestra
de cordas do tajiquistanecircs Benjamin Yusupov (1962) que se refere agrave sua muacutesica da
seguinte maneira ldquoesta peccedila eacute uma busca de efeitos sonoros gerados pelas flautas
como se fossem instrumentos de cordas A combinaccedilatildeo com a muacutesica eacutetnica estaacute
associada a um certo esteticismo da muacutesica orientalrdquo Ambos aproveitam valores de
suas tradiccedilotildees locais para experimentar sonoridades inusuais em conjuntos de
flautas Solovera busca restituir o som elementar do sopro Yusupov tem o intuito de
fazer um instrumento de sopro soar como corda Apesar da similaridade conceptual
o resultado sonoro eacute bastante distinto
Em uma direccedilatildeo similar e com base em vivecircncias pessoais o colombiano
Angel Alfonso Rivera (1983) escreveu Quya-Killa (2013) para voz flauta percussatildeo
por padrotildees escalares contornos meloacutedicos figuraccedilotildees riacutetmicas encadeamentos harmocircnicos combinaccedilotildees instrumentais ou algum outro aspecto de qualquer natureza que identifique lsquoestilosrsquo ou lsquomaneirasrsquo
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(dois tom-tons maracas temple blocks prato suspenso) e piano A peccedila foi escrita a
partir da participaccedilatildeo em rituais e celebraccedilotildees indiacutegenas na Boliacutevia e no Peru dos
quais se destacam Pachamama (Ritual da Matildee Terra) Inti Raymi (Festa do Sol) e
Quya Raymi (Festa da Lua e da Fertilidade) A peccedila que eacute o resultado de
lembranccedilas afetivas desses rituais isto eacute os traccedilos que permanecem na memoacuteria
de forma pulsante e transformam a percepccedilatildeo do mundo estaacute organizada em trecircs
seccedilotildees derivadas das fases ritualpisticas Preparaccedilatildeo Oraccedilatildeo e Celebraccedilatildeo
Para o compositor
[] a muacutesica de culturas tribais gira em torno de um mundo proacuteprio com sonoridades que derivam do contorno da natureza dos animais e do proacuteprio homem As manifestaccedilotildees foneacuteticas os gestos e a miacutemica satildeo meios de comunicaccedilatildeo e neste contexto a muacutesica e a danccedila manifestam estreita relaccedilatildeo com os rituais e cerimocircnias [] Por se tratar de algo maacutegico e que possui caracteriacutesticas que podem ser aproveitadas na composiccedilatildeo considero que a imagem do ritual tem forte funccedilatildeo orientadora e organizacional sendo uma imagem que fundamenta e orienta os elementos do percurso criativo (RIVERA p 39-40)
Natildeo eacute necessaacuterio que o muacutesico esteja estreitamente vinculado a esta ou
agravequela tradiccedilatildeo para se sentir compelido a empregaacute-la em alguma obra O
compositor inglecircs Thomas Adegraves (1971) escreveu sua America a prophecy (1999)
para meio-soprano coro opcional e orquestra sinfocircnica para um projeto chamado
lsquoMensagens para o Milecircniorsquo promovido pela Orquestra Filarmocircnica de Nova Iorque
Interessante nesta peccedila eacute o fato de que o uacutenico texto em inglecircs eacute a traduccedilatildeo de um
fragmento da profecia maia que prenuncia o fim dos tempos os outros trechos
cantados na peccedila de Adegraves foram aproveitados de textos hispano-americanos Com
isso o compositor pretendia criar um mapa da Ameacuterica localizado ao Sul dos
Estados Unidos com o intuito de mostrar aos norte-americanos que eles natildeo foram
os primeiros americanos (escrito maia) como tambeacutem natildeo satildeo os uacutenicos
(fragmentos latino-americanos) Interessado pelas culturas preacute-colombianas e pelo
sincretismo cultural da Ameacuterica Latina atual o compositor disse em entrevista a
Tom Service que essa sua noccedilatildeo da Ameacuterica ldquocomeccedilou quando tive uma enorme
vista da piracircmide de Belize Havia aacutervores em todas as direccedilotildees Entretanto havia
estas pequenas saliecircncias que tambeacutem eram verdes e eram as antigas piracircmides
maiasrdquo (ADEgraveS apud FOX 2006 p 1) Outra representaccedilatildeo da Ameacuterica ocorreu-lhe a
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partir de um mapa surrealista publicado na revista belga Parietein em 1929 Essas
imagens aliadas aos textos escolhidos se tornaram o ponto de partida para a
estruturaccedilatildeo de America a prophecy
Outro exemplo agora no sentido da assimilaccedilatildeo dos meios de comunicaccedilatildeo
de massa em uma muacutesica de caraacuteter experimental eacute a peccedila de Michael Daugherty
(1954) intitulada Elvis Everywhere (1993) em que satildeo combinados cantores um
quarteto de cordas processos de manipulaccedilatildeo eletrocircnica dos sons e a voz de Elvis
Presley que funciona como uma espeacutecie de material unificador de todas as
sonoridades que acontecem ao longo da muacutesica
Natildeo posso escrever a miacutenima nota se natildeo tenho antes uma ideia Eacute geralmente um elemento visual um iacutedolo americano como Elvis um flamingo de plaacutestico cor-de-rosa ou ainda Jackie Kennedy que me evocam os sons [] Antes de compor Elvis Everywhere para o Quarteto Kronos assisti ao Congresso Internacional de Imitadores de Elvis onde ouvi cantar mais de duzentos Elvis Somente posso escrever muacutesica quando estou proacuteximo dela Seria difiacutecil transcrever musicalmente a poesia de Safo por exemplo Por outro lado assisti a todos os episoacutedios de Star Trek17 (DAUGHERTY 1996 p 105)
O que interessa para muitos artistas contemporacircneos eacute essa ruptura dos
limites daquilo que era tradicionalmente considerado como sendo lsquobom gostorsquo e lsquomau
gostorsquo lsquoarte e lsquoinduacutestria do entretenimentorsquo enfim todas as formas de dicotomia que
caracterizaram as correntes modernistas A intenccedilatildeo de superar essas dualidades
com uma atitude inclusiva em que as diferentes formas de manifestaccedilatildeo cultural
tecircm seu lugar na cultura contemporacircnea natildeo significa necessariamente aquela
postura ciacutenica do blaseacute que caracterizou o final do seacuteculo XX nas deacutecadas de 1980
e 1990 Ao contraacuterio estar aberto aos diferentes pontos de vista tambeacutem pode
significar assumir uma postura de caraacuteter pessoal poreacutem com o entendimento de
que esta eacute mais uma entre tantas possibilidades de conhecer a realidade e de se
relacionar com o mundo
Na busca de autonomia um grupo de compositores nova-iorquinos
encabeccedilados por Michael Gordon (1956) David Lang (1957) e Julia Wolfe (1958)
17 Essas consideraccedilotildees seriam impossiacuteveis se vindas de um compositor como Pierre Boulez por exemplo que consideraria essa assimilaccedilatildeo de elementos da cultura de massa como vulgarizaccedilatildeo da criaccedilatildeo musical
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criou o festival Bang on a Can e formou um grupo de cacircmara para divulgar sua
muacutesica e a de outros compositores de sua geraccedilatildeo18 Wolfe conta a origem do
festival em entrevista a Lelong
Noacutes queriacuteamos abalar as estruturas em Nova Iorque e ter um pretexto para tomarmos cafeacute da manhatilde juntos todos os dias Bang on a Can quase comeccedilou como uma brincadeira Noacutes chamamos assim ao primeiro festival porque pensamos que natildeo haveria outros mas terminou sendo um rastro de poacutelvora Muitas e muitas pessoas vieram no primeiro ano entre eles John Cage e Steve Reich Noacutes trabalhamos duramente para ampliar nosso puacuteblico para aleacutem do ciacuterculo dos amantes da Nova Muacutesica Fizemos nossa divulgaccedilatildeo bastante numerosa entre o puacuteblico de baleacute de teatro e de cinema Mesmo que o festival tenha se desenvolvido ainda se manteacutem a serviccedilo dos compositores com ideias novas com espiacuterito aventureiro O puacuteblico vem numeroso e entusiasmado a apresentaccedilatildeo eacute formidaacutevel descontraiacuteda o que tem o efeito de natildeo espantar a audiecircncia (WOLFE 1996 p 369-370)
O festival que existe desde 1987 se tornou um evento anual que conta com
um conjunto de cacircmara formado por solistas virtuoses o grupo Bang on a Can All-
Stars uma orquestra a Spit Orchestra gravaccedilotildees que satildeo lanccediladas em CD e
transmissotildees radiofocircnicas O grupo Bang on a Can All-Stars tem uma constituiccedilatildeo
heterogecircnea tanto do ponto de vista dos instrumentos que fazem parte do grupo
quanto da linha de atuaccedilatildeo de seus muacutesicos Formado por instrumentos como
piano saxofone clarinete violoncelo guitarra eleacutetrica baixo eleacutetrico e percussatildeo19 o
grupo se caracteriza pela mistura de sonoridades de muacutesica erudita muacutesica pop e
jazz A formaccedilatildeo e a praacutetica dos muacutesicos ndash que tocam em orquestras sinfocircnicas
tradicionais participam de shows ou concertos gravam discos de muacutesica pop e
tocam em bandas de jazz ndash possibilita trabalhar com repertoacuterios diversificados
Assim o grupo se propotildee a divulgar diferentes tipos de manifestaccedilatildeo musical da
contemporaneidade o que o difere de outros grupos ndash como por exemplo lsquoSteve
Reich and Musiciansrsquo lsquoMichael Nyman Bandrsquo ou lsquoPhilip Glass Ensemblersquo ndash que tecircm
em seu repertoacuterio somente a produccedilatildeo do proacuteprio compositor que daacute nome ao grupo
ou daqueles que estatildeo diretamente associados a ele
18 Essa praacutetica de criar o proacuteprio grupo musical jaacute havia sido praticada por muacutesicos como Steve Reich Philip Glass Louis Andriessen (1939) e Michael Nyman (1944) entre outros 19 Os muacutesicos do Bang on a Can All-Stars satildeo atualmente Vicky Chow teclados Ken Thomson sopros Ashley Bathgate violoncelo Mark Stewart guitarra eleacutetrica Robert Black contrabaixos David Cossin percussatildeo
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Percebe-se nessa postura comum a muitos muacutesicos atuais a busca pela
diferenccedila se tornando mais importante do que a pretensatildeo de identidade estiliacutestica
Esse aspecto resulta em outra caracteriacutestica difundida entre os compositores
contemporacircneos que se dedicam agrave investigaccedilatildeo de novos meacutetodos narrativos
Muitos compositores atuais tecircm formaccedilatildeo acadecircmica em aacutereas como linguiacutestica
letras comunicaccedilatildeo ou filosofia campos do conhecimento considerados como
sendo profiacutecuos para a criaccedilatildeo musical Vaacuterios compositores atuam como
professores universitaacuterios nessas aacutereas e desenvolvem seu trabalho criativo com
base nesse conhecimento mais do que em teacutecnicas tradicionais de composiccedilatildeo
Conhecem essas teacutecnicas mas preferem deixaacute-las em segundo plano no processo
criativo ndash o que difere de certas linhas vanguardistas das deacutecadas de 1950 e 1960
em que a invenccedilatildeo de novos processos de estruturaccedilatildeo e meacutetodos compositivos
estavam em primeiro plano
O compositor brasileiro Eduardo Seincman (1958) escreveu uma seacuterie
intitulada A Danccedila dos Duplos20 em que cada uma das cinco peccedilas que compotildeem o
ciclo destinada a uma formaccedilatildeo instrumental diferente foi concebida a partir de uma
experiecircncia extramusical A Danccedila de Dorian21 para piano a quatro matildeos foi escrita
a partir da leitura do romance O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde Esta peccedila
conteacutem diversos elementos que caracterizam a investigaccedilatildeo de novos processos
narrativos Excertos do texto de Wilde foram apostos agrave partitura para orientar os
muacutesicos sobre qual segmento do romance corresponde a cada uma das passagens
musicais O compositor chama a atenccedilatildeo no entanto para o fato de que natildeo se
trata de muacutesica programaacutetica pois sua intenccedilatildeo natildeo eacute produzir uma descriccedilatildeo
musical ipsis litteris da narrativa de Wilde mas criar uma narrativa paralela
estritamente musical e que natildeo se vincula diretamente agrave sequecircncia de episoacutedios do
20 A Danccedila dos Duplos eacute formada pelas seguintes peccedilas A Danccedila Misteriosa (1986 ldquopara um anjo que nasceraacuterdquo) para piano solo A Danccedila Luacutegubre (1987) para flauta contralto marimba e piano A Danccedila de Dorian (1988 ldquobaseada no romance O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilderdquo) para piano a quatro matildeos A Danccedila do Dibuk (1988 ldquobaseada na peccedila de teatro O Dibuk de Sch An-Skirdquo) para marimba vibrafone e glockenspiel A Uacuteltima Danccedila (1989 ldquoinspirada na leitura de O Cisne de Leonardo da Vincirdquo) para flauta contralto e dois vibrafones 21 Esta que foi a muacutesica tocada na Abertura do Simpoacutesio Agora Arte e Pensamento no dia 24 de outubro de 2006 pelas pianistas Carolina Avellar e Elaine Foltran
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romance Neste sentido tornam-se importantes as citaccedilotildees das obras musicais
apresentadas no texto nas cenas em que Dorian Gray toca piano ou assiste a um
concerto
Cria-se uma nova narratividade musical atraveacutes de uma sinestesia muacuteltipla
na audiccedilatildeo da obra A estrutura musical se desdobra como uma sequecircncia de
imagens (visuais taacuteteis auditivas e mesmo olfativas) que satildeo justapostas umas agraves
outras agraves vezes por meio de transiccedilotildees gradativas agraves vezes por meio de
interrupccedilotildees abruptas como cortes cinematograacuteficos Conforme a muacutesica se
aproxima do final vai-se tornando mais tensa e agitada criando a atmosfera para o
desfecho extraordinaacuterio (Dorian Gray natildeo envelhece porque eacute a figura pintada em
seu retrato que se torna mais velha) atraveacutes da precipitaccedilatildeo de uma cena na outra
com o propoacutesito de alterar o rumo dos acontecimentos de modo inesperado
Percebe-se nesse sentido uma espeacutecie de anaacutelogo musical daquilo a que
Aristoacuteteles chamaria de resoluccedilatildeo cataacutertica atraveacutes da lsquoperipeacuteteiarsquo (peripeacutecia) isto eacute
a incorporaccedilatildeo de encadeamentos imprevistos no decorrer da accedilatildeo com o sentido
de produzir alteraccedilotildees suacutebitas dos estados de humor Entre os tipos de narrativa
destacados por Aristoacuteteles (narrativa episoacutedica narrativa simples e narrativa
complexa) o filoacutesofo dava preferecircncia agrave narrativa complexa que produz expectativa
por meio do acuacutemulo de accedilotildees e pelo emprego de princiacutepios como a
verossimilhanccedila dessas accedilotildees a necessidade dos acontecimentos no curso da
histoacuteria o reconhecimento (descoberta) de uma situaccedilatildeo vivida poreacutem natildeo
compreendida anteriormente e o imprevisto produzido por novas situaccedilotildees
Peripeacutecia eacute uma viravolta das accedilotildees em sentido contraacuterio [] segundo a verossimilhanccedila ou necessidade [] O reconhecimento como a palavra mesma indica eacute a mudanccedila do desconhecimento ao conhecimento ou agrave amizade ou ao oacutedio das pessoas marcadas para a ventura ou desdita O mais belo reconhecimento eacute o que se daacute ao mesmo tempo em que uma peripeacutecia como aconteceu no Eacutedipo [] Nesse passo se verificam duas partes da faacutebula a peripeacutecia e o reconhecimento mas haacute uma terceira o pateacutetico [] O pateacutetico consiste numa accedilatildeo que produz destruiccedilatildeo ou sofrimento como mortes em cena dores cruciantes ferimentos e ocorrecircncias desse gecircnero (ARISTOacuteTELES 1997 p 30-31)
Naturalmente Aristoacuteteles natildeo exigia a concomitacircncia de todas essas linhas
narrativas para a produccedilatildeo de estados cataacuterticos que na trageacutedia antiga vinham
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geralmente associados agrave muacutesica Quando se escuta A Danccedila de Dorian de
Seincman poreacutem a impressatildeo que se tem eacute que todos esses processos se
acumulam nos trechos finais da peccedila produzindo vaacuterias camadas de expressatildeo que
extrapolam a significaccedilatildeo especificamente musical na direccedilatildeo de uma espeacutecie de
experiecircncia esteacutetica multissensorial geralmente possibilitada pela combinaccedilatildeo de
diferentes linguagens artiacutesticas (poesia teatro muacutesica artes visuais etc) Alguns
processos narrativos ou semacircnticos empregados se assemelham a formulaccedilotildees de
compositores romacircnticos como Robert Schumann (1810-1856) poreacutem a totalidade
do resultado seria algo impensaacutevel antes da concepccedilatildeo da muacutesica de Seincman
Outro compositor que se interessa pela criaccedilatildeo de sensaccedilotildees sinesteacutesicas eacute o
uzbequistanecircs Dimitri Yanov-Yanovski (1963) Segundo depoimento do compositor
sua muacutesica estaacute centrada na intenccedilatildeo de criar diferentes processos de estruturaccedilatildeo
do tempo musical atraveacutes da oposiccedilatildeo de duraccedilotildees heterogecircneas apresentadas
simultaneamente Esses meacutetodos produzem dois resultados distintos que se
complementam o efeito psicoloacutegico de contraccedilatildeo e distensatildeo do tempo e o
processo linguiacutestico de polifonia narrativa que eacute obtida pelo entrecruzamento de
muacuteltiplos significados (que podem ser musicais textuais dramaacuteticos ou plaacutesticos) A
investigaccedilatildeo de novos princiacutepios de comunicabilidade e a valorizaccedilatildeo do processo
musical por meio de meacutetodos repetitivos colocam Yanovski entre os compositores
atuais cujos trabalhos apresentam processos multidirecionais que resultam em
novas formas de produccedilatildeo e recepccedilatildeo musicais Tambeacutem nesse sentido vaacuterios
muacutesicos atuais se diferenciam das geraccedilotildees anteriores pois valorizam o ato de
recepccedilatildeo como sendo tatildeo ou mais importante do que as teacutecnicas de composiccedilatildeo
visto que entendem que estas devem estar a serviccedilo daqueles ndash o que conduz a
uma arte centrada nos processos esteacutesicos e nas possibilidades de interaccedilatildeo
comunicativa entre o compositor o inteacuterprete e o puacuteblico22
22 A avaliaccedilatildeo das relaccedilotildees entre o compositor e o inteacuterprete eacute outro aspecto extremamente relevante nas discussotildees sobre a muacutesica contemporacircnea Nas tendecircncias vanguardistas em geral o compositor muitas vezes busca escrever uma ldquomuacutesica contra o instrumentordquo o que gera grandes dificuldades de execuccedilatildeo Brian Ferneyhough (1943) um dos mais importantes compositores da poacutes-vanguarda e partiacutecipe da Nova Complexidade (note-se o antagonismo com relaccedilatildeo agrave lsquoNova Simplicidadersquo) costuma dizer com intenccedilatildeo motivadora e polecircmica que escreve mais notas do que o muacutesico consegue tocar para que ele tenha que escolher entre as notas escritas e interferir no
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3 Traccedilos Gerais
Percebe-se com as reflexotildees apresentadas acima sobre aspectos da muacutesica
atual (e sempre lembrando que este ensaio aborda uma parcela da totalidade da
produccedilatildeo contemporacircnea) que vivemos em um periacuteodo em que haacute muacutesicos e
musicoacutelogos23 dedicados agrave investigaccedilatildeo de toda e qualquer produccedilatildeo musical seja
ela proacutexima ou distante geograficamente seja recente ou remota no tempo
Pesquisadores atuais dedicam-se inclusive agrave descoberta de processos e materiais
que natildeo satildeo condizentes com seu gosto pessoal pois o que importa eacute que toda e
qualquer parcela da produccedilatildeo humana estaacute aiacute para ser conhecida
independentemente agradar ou natildeo ao estudioso24
Assim quebram-se hierarquias seculares em que se considerava
determinada parcela da produccedilatildeo de alguma eacutepoca superior agraves outras ou se
entendia que determinada regiatildeo do planeta produz algo de maior importacircncia
cultural ou histoacuterica do que outras Essas posiccedilotildees etnocecircntricas ainda hoje
defendidas por alguns como o criacutetico literaacuterio Harold Bloom por exemplo satildeo
questionadas por natildeo serem condizentes com as infinitas possibilidades atuais de
acesso agrave informaccedilatildeo pois satildeo restritivas do ponto de vista do gosto no sentido em
que elevam opiniotildees meramente pessoais de seus autores agrave categoria de valor
universal
A postura abrangente de pensadores contemporacircneos como Michel Meyer
vem de encontro agravequeles pontos de vista exclusivistas em que se confunde lsquoopiniatildeorsquo
com lsquoconhecimentorsquo Para Meyer
[] cada um tem o direito de ser diferente de realizar sua diferenccedila contanto que a igualdade de direitos da [outra] pessoa seja respeitada
processo de criaccedilatildeo da obra de forma que cada nova interpretaccedilatildeo soaraacute diferente das demais Ferneyhough parece buscar resultados semelhantes aos de John Cage poreacutem pelo caminho inverso Essa discussatildeo poreacutem extrapola os limites deste ensaio 23 Vale esclarecer que se entende por musicoacutelogo aqui todo aquele profissional que se dedica agrave pesquisa em muacutesica seja atraveacutes da musicologia histoacuterica musicologia sistemaacutetica ou etnomusicologia da anaacutelise musical psicologia da muacutesica criacutetica musical ou da esteacutetica musical entre outras Sendo assim musicologia eacute entendida como sendo a aacuterea que engloba todos os campos teoacutericos do saber musical 24 Um bom exemplo neste sentido eacute a incansaacutevel pesquisa sobre o Neoclassicismo francecircs realizada
por Michel Faure musicoacutelogo que se posiciona antagonicamente com relaccedilatildeo agravequela tendecircncia esteacutetico-musical
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Inversamente a universalidade eacute imperativa mas natildeo pode secirc-lo em detrimento das diferenccedilas que constituiacutemos e que nos faz ser [aquilo que somos] Cada um tem o direito agrave sua histoacuteria e o dever de cada um eacute respeitar esse direito nos outros A universalidade sem diferenccedila eacute tatildeo totalitaacuteria quanto a diferenccedila sem universalidade (MEYER 2000 p 148)
Tem-se assim uma nova postura criacutetica (que tambeacutem pode ser denominada
metacriacutetica) a qual propotildee que ao exercitar a criacutetica se inicie fazendo criacutetica aos
proacuteprios valores pessoais e inclusive agraves possibilidades de exerciacutecio da criacutetica no
domiacutenio de determinados contextos Isso aplicado ao campo da muacutesica que eacute uma
arte e natildeo uma ciecircncia exata leva agrave abertura de novas perspectivas e ao
entendimento de que os pontos de vista dos outros tecircm tanto direito agrave existecircncia
quanto os nossos Isso natildeo significa igualdade de criteacuterios mas igualdade de direito
pois pode haver diferenccedilas na qualidade dos valores sendo que alguns princiacutepios
podem estar mais fundamentados do que outros O que faz levar em consideraccedilatildeo
que em qualquer sistema de valores os criteacuterios apropriados para sua avaliaccedilatildeo
estatildeo no exame de sua estrutura loacutegica interna entrecruzada com sua adequaccedilatildeo agrave
realidade Entretanto nem mesmo a argumentaccedilatildeo mais sistematizada e bem
fundamentada eacute garantia de excelecircncia em se tratando de arte pois esta eacute uma
aacuterea onde os criteacuterios satildeo qualitativos e portanto natildeo podem ser quantizados ndash e jaacute
houve quem (como Max Bense) se esforccedilou em mensurar matematicamente a arte
poreacutem em nenhum caso se alcanccedilou um resultado considerado minimamente
satisfatoacuterio junto agrave comunidade artiacutestica
Quando o muacutesico se torna mais receptivo agraves diferentes opiniotildees que circulam
no campo da esteacutetica musical percebe tambeacutem que diferentes processos musicais
podem ser combinados em uma uacutenica peccedila de muacutesica natildeo importando onde ou
quando esses processos se originaram Essas fontes podem ser justapostas uma
apoacutes a outra na sequecircncia de eventos sonoros assim como podem ser sobrepostas
em um uacutenico momento do tempo musical Isso depende de vaacuterios fatores muitos
deles ligados aos anseios do proacuteprio artista Tambeacutem se abrem novas possibilidades
de significaccedilatildeo atraveacutes da muacutesica que natildeo permanece restrita a valores
exclusivamente teacutecnicos ou formais Por outro lado a teacutecnica e a forma sempre
poderatildeo ser incorporadas em situaccedilotildees musicais de iacutendole mais ampla do que a
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mera oposiccedilatildeo dicotocircmica entre lsquomodernorsquo e lsquopoacutes-modernorsquo lsquomuacutesica novarsquo e lsquonova
muacutesicarsquo ou entre lsquopreferecircncia pela forma e pela teacutecnicarsquo e lsquopreferecircncia pelo conteuacutedo
e pelas estruturas narrativasrsquo Para o compositor italiano Luca Lombardi (1945)
ldquouma filosofia da nova muacutesica escrita hoje natildeo poderia dividir de maneira
maniqueiacutesta o mundo em [] progressistas e reacionaacuterios mas deveria dar conta da
multipolaridade da situaccedilatildeo atual A realidade ndash e natildeo somente a realidade musical ndash
eacute complexa contraditoacuteria e consequentemente ndash para exprimir em termos positivos ndash
ricardquo (Lombardi apud MICHEL 1998 p 104)
A tradiccedilatildeo natildeo eacute mais entendida como sistema fechado em que determinada
interpretaccedilatildeo se torna lsquoa explicaccedilatildeorsquo dos fatos mas tambeacutem satildeo valorizadas as
reaccedilotildees pessoais particularizadas e mesmo idiossincraacuteticas Tambeacutem se torna
problemaacutetico asseverar algo sobre lsquoa tradiccedilatildeorsquo sendo que se reconhece a
simultaneidade de inuacutemeras lsquotradiccedilotildeesrsquo algumas complementares entre si outras
antagocircnicas mas todas com igual direito agrave existecircncia A identidade passa pela
diferenccedila entre um e outro e essa diferenccedila passa pela universalidade dos valores
que podem reconhecer a diferenccedila de um no outro assim como a identidade de
cada um somente pode ser reconhecida quando se tem conhecimento da
universalidade relativa (ou contextual) de cada uma das partes constituintes do todo
identitaacuterio25 A valorizaccedilatildeo da diferenccedila pode conduzir agrave aceitaccedilatildeo da multiplicidade
das praacuteticas musicais seus materiais acuacutesticos suas teacutecnicas seus processos de
elaboraccedilatildeo seus significados intriacutensecos e extriacutensecos suas praacuteticas e seus
valores pois ldquoo conteuacutedo eacute em suma a teoria que daacute significado agrave muacutesicardquo
(BUCKINX 1998 p 91)
Como resultado tecircm-se alcanccedilado novas funcionalidades no campo musical
isto eacute descobrem-se novas possibilidades de uso ou aplicaccedilatildeo da muacutesica que
correspondem agraves necessidades das novas geraccedilotildees A diversidade de funccedilotildees
musicais que se disseminaram desde a Antiguidade foi-se tornando cada vez mais
restrita nos uacuteltimos anos do seacuteculo XX periacuteodo em que alguns dividiam as funccedilotildees
em apenas lsquomuacutesica de concertorsquo e lsquomuacutesica de entretenimentorsquo reforccedilando outra
25 Pluralia tantum mesmo o singular eacute plural
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dicotomia com caraacuteter de preconceito social Nos uacuteltimos anos outras funccedilotildees tecircm
sido observadas como a funccedilatildeo de aglutinaccedilatildeo social comum nas tribos indiacutegenas
que necessitavam da uniatildeo grupal para garantir a sobrevivecircncia Quando se pratica
muacutesica como interferecircncia urbana se traz um grande contingente de pessoas para
uma praccedila puacuteblica e se as oferece experiecircncias que se diferenciam do lugar-comum
estaacute-se recuperando aquela praacutetica de aglutinaccedilatildeo social
Quando o compositor estoniano Arvo Paumlrt (1935) busca sonoridades
medievais e orientais em combinaccedilatildeo com as siacutenteses operadas pelo Minimalismo
para expressar seus valores miacutesticos de caraacuteter ecumecircnico em uma peccedila como
Summa (1977) estaacute retomando a funccedilatildeo congregacional da muacutesica anteriormente
mantida somente no acircmbito dos templos religiosos A muacutesica de Paumlrt eacute tocada tanto
em rituais religiosos como em salas de concerto e em manifestaccedilotildees puacuteblicas ao ar
livre
Outra funccedilatildeo que estaacute sendo redescoberta por muacutesicos eruditos
contemporacircneos eacute a muacutesica de diversatildeo Cabe uma distinccedilatildeo importante entre os
termos lsquodivertirrsquo e lsquodistrairrsquo Divertir na acepccedilatildeo empregada aqui significa lsquoseparar-
se ser diferente divergirrsquo Assim a funccedilatildeo de divertir pode ser compreendida em
um sentido metacriacutetico como divergecircncia em relaccedilatildeo ao estado de coisas
dominante Distrair significa lsquorasgar vender a retalhorsquo tambeacutem pode ser entendido
como lsquodesviar ardilosamente a atenccedilatildeo do adversaacuterio para fazecirc-lo cometer errosrsquo e
nesse sentido o termo pode se adequar agravequelas experiecircncias que conduzem ao
alheamento da proacutepria condiccedilatildeo da condiccedilatildeo do outro e da realidade circundante
Depreendido desse modo surge outra noccedilatildeo do conceito de lsquomuacutesica de diversatildeorsquo
que pode ser tomada como uma nova funcionalidade da muacutesica que se apotildee ao
estado de distraccedilatildeo
Exemplo recente nesse sentido eacute a Revoluccedilatildeo Laranja na Ucracircnia em
2005 em que a populaccedilatildeo das grandes cidades foi agraves ruas vestindo laranja a cor
da oposiccedilatildeo para protestar contra as fraudes eleitorais que mantinham o primeiro-
ministro Viktor Yanukovich no poder Vaacuterios grupos musicais tocando jazz muacutesica
pop muacutesica folcloacuterica ou muacutesica claacutessica se revezavam para manter a praccedila de Kiev
repleta de muacutesica vinte e quatro horas por dia No Brasil atual em novembro de
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2016 um grupo de estudantes permaneceu danccedilando em frente agrave universidade em
Curitiba por um dia inteiro em protesto agrave PEC 24155 Como estavam em uma zona
residencial para natildeo fazer barulho em respeito aos moradores cada um deles
portava seus proacuteprios fones de ouvido e danccedilavam embalados pelas muacutesicas que
lhes agradavam Vaacuterias muacutesicas ao mesmo tempo Cada um na sua Seu slogan
ldquo20 horas em movimento contra 20 anos de congelamentordquo
Post-Scriptum Presumir que os compositores das novas geraccedilotildees
permaneccedilam escrevendo muacutesica da mesma maneira que os muacutesicos de geraccedilotildees
anteriores seria o mesmo que esperar que estes continuassem fazendo muacutesica
como seus antepassados Se forem tomados intervalos de aproximadamente meio
seacuteculo pode-se considerar que pretender que Thomas Adegraves (1971) continue a
escrever muacutesica como Pierre Boulez (1925) seria o mesmo que supor que Boulez
continuaria a pensar muacutesica da mesma forma que Arnold Schoenberg (1874-1951)
que Schoenberg ter-se-ia mantido na mesma linha de investigaccedilatildeo que Anton
Bruckner (1824-1896) que Bruckner natildeo poderia ter concebido muacutesica diferente de
Ludwig van Beethoven (1770-1827) que teria seguido na linha de Niccolograve Piccinini
(1728-1800) o qual permaneceria pensando como Antonio Vivaldi (1678-1741)
Segundo esse raciociacutenio Adegraves apenas escreveria autecircnticos concertos barrocos (o
que eacute uma hipoacutetese no miacutenimo intrigante)
O quadro abaixo sintetiza as principais caracteriacutesticas da muacutesica
contemporacircnea de acordo com as acepccedilotildees discutidas neste ensaio
ACEPCcedilOtildeES REFERENCIAIS ATITUDES PROCEDIMENTOS VALORES RESULTADOS 1 Continuidade da Modernidade
1 Liquidaccedilatildeo dos Sistemas Totalizantes (Modal Tonal Serial)
1 Experimentalismo (expansatildeo das possibilidades teacutecnicas compositivas e instrumentais)
1 Poacutes-Vanguarda 2 Espectralismo 3 Nova Complexidade
1 Arte Especulativa 2 Diversidade Contextual (cada momento no tempo dirige-se a vaacuterios pontos do espaccedilo)
1 Criaccedilatildeo de estruturas inovadoras 2 Espacializaccedilatildeo do tempo 3 Arte poeacutetico-centrada (importa a criaccedilatildeo)
2 Retorno agrave Tradiccedilatildeo
2 Criacutetica ao Historicismo e ao Determinismo
2 Retorno ao passado (alguma eacutepoca em algum
4 Tendecircncias restauradoras (reutilizaccedilatildeo de
3 Apropriaccedilatildeo do Legado
4 Permanecircncia do passado em um presente
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Histoacuterico lugar) processos tradicionais Neomodalismo Neotonalismo etc) 5 Retorno agrave melodia ao contraponto e agrave harmonia
Histoacuterico transformado 5 Evidecircncia de procedimentos eou estilemas oriundos de tradiccedilotildees culturais variadas
3 Superaccedilatildeo do Modernismo
3 Questionamento das vanguardas do Estruturalismo e das tendecircncias formalistas (importam todos os aspectos da produccedilatildeo e recepccedilatildeo artiacutesticas e natildeo apenas seu niacutevel imanente)
3 Novos processos de comunicabilidade
6 Meacutetodos repetitivos (Poacutes-Minimalismo) 7 Nova Simplicidade 8 Apropriaccedilatildeo de Linguagens (folclore popular urbana pop etc)
4Valorizaccedilatildeo do Processo 5 Pluralidade e identidade pulverizada (quebra de conceitos como a unidade estiliacutestica e a distinccedilatildeo de gecircneros)
6 Nova Narratividade 7 Hibridismo Estiliacutestico 8 Arte esteacutesico-centrada (importa a recepccedilatildeo)
4 Traccedilos Gerais
4 Investigaccedilatildeo de toda e qualquer produccedilatildeo musical independente de eacutepoca ou lugar
4 Metacriacutetica como criacutetica ao Criticismo convencional
9 Poliestiliacutestica (citaccedilatildeo alusatildeo colagem) 10 Multiculturalismo (justaposiccedilatildeo e sobreposiccedilatildeo de processos musicais oriundos de diferentes fontes)
6 Valorizaccedilatildeo da Diferenccedila (importam reaccedilotildees peculiares a aspectos especiacuteficos da tradiccedilatildeo e natildeo a lsquoTradiccedilatildeorsquo como lsquoSistemarsquo)
9 Multidirecionalidade na produccedilatildeo e na recepccedilatildeo musicais 10 Novas funcionalidades do fazer musical
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VALLE Lutiere Dalla Provocaccedilotildees (des)continuidades desfechos potecircncia edu(vo)cativa das imagens
fiacutelmicas na formaccedilatildeo docente Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 95-108 juldez 2016
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Provocaccedilotildees (des)continuidades desfechos potecircncia edu(vo)cativa das
imagens fiacutelmicas na formaccedilatildeo docente
Lutiere Dalla Valle1
Universidade Federal de Santa Maria - UFSM
Resumo O objetivo neste texto eacute abordar o cinema enquanto dispositivodisparador para a formaccedilatildeo docente compreendendo-o como artefato produzido pela cultura que produz formas de ver e ser visto Neste iacutenterim subsidiado por experiecircncias de aprendizagem no contexto da formaccedilatildeo docente respaldado pela abordagem narrativa e perspectiva da cultura visual busca-se estabelecer relaccedilotildees entre arte e subjetividade no que tange agraves construccedilotildees sociais histoacutericasculturais e ideoloacutegicas presentes nas visualidades veiculadas pela cinematografia Para tanto explora-se o conceito edu(vo)cativo atribuiacutedo ao cinema que compreende os aspectos educativo evocativo e cativo que envolvem a aprendizagem mediada pelas visualidades Palavras-chave Potecircncia Edu(vo)cativa cinema formaccedilatildeo docente Abstract The objective of this text is to approach the film as device for teacher training understanding it as an artifact produced by the culture that produces ways of seeing and being seen In the interim subsidized by learning experiences in the context of teacher training supported by the narrative approach and perspective of visual culture we seek to establish relationships between art and subjectivity in relation to social historical cultural and ideological constructions present in visualities conveyed by cinematography So it explores the concept edu(vo)cational attributed to the film comprising the educational evocative and captive aspects involving learning mediated visualities Key-words Edu(vo)cational power movies images teacher training
1 Doutor em Artes Visuais e Educaccedilatildeo (Universidad de BarcelonaES 2012) Mestre em Educacioacuten y Artes Visuales un Enfoque Construccionista (Universitat de Barcelona EspanhaUB 2009) Mestre em Educaccedilatildeo pela Universidade Federal de Santa Maria (CEPPGEUFSM2008) Linha de Pesquisa Educaccedilatildeo e Artes Possui Especializaccedilatildeo em Arte e Visualidade pela Universidade Federal de Santa Maria (2005) Licenciatura Plena em Desenho e Plaacutestica (Universidade Federal de Santa Maria2003) Bacharelado em Desenho e Plaacutestica (Universidade Federal de Santa Maria2002) Atualmente atua como Coordenador do Curso de Artes Visuais - Licenciatura e Bacharelado DAVCALUFSM professor adjunto no Departamento de Artes Visuais CALUFSM tambeacutem no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Artes VisuaisPPGART - Linha de Pesquisa Arte e Cultura e nos Cursos de Graduaccedilatildeo Bacharelado e Licenciatura em Artes Visuais Co-orienta no Doutorado em Educaccedilatildeo Linha de Educaccedilatildeo e Artes do CEUFSM Investiga as relaccedilotildees entre Artes Visuais e Cultura Visual relacionado agrave formaccedilatildeo de artistas e professores de artes visuais Tem experiecircncia na aacuterea de artes visuais com ecircnfase em entornos educativos LiacutederCoordenador dos seguintes Grupos de Pesquisa e Extensatildeo Grupo de Estudos e Pesquisas Artes Visuais e IMediaccedilotildees (AVICALUFSM) Nuacutecleo Educativo Claacuteudio Carriconde (NECCA CALUFSM) Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte e Medicina (GEPAMCALUFSM) Grupo de Estudos Cinema e Educaccedilatildeo (GECED) Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte Contemporacircnea e Educaccedilatildeo da Cultura Visual Pegadogias Culturais na alfabetizaccedilatildeo infantil Rota das Esculturas e Pintura Mural no Campus (DAVUFSM) Membro pesquisador do GEPAEC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte Educaccedilatildeo e Cultura UFSM Linhas de Interesse e Investigaccedilatildeo Formaccedilatildeo de Professores Estudos da Cultura Visual Estudos sobre Cinema e Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo de Artistas Agentes Culturais e Processos de Mediaccedilatildeo em Espaccedilos Expositivos Formais e Natildeo-Formais Contato lutieredallavallenetbr
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Introduccedilatildeo
Os seres humanos natildeo terminam em sua proacutepria pele satildeo expressatildeo da cultura Considerar o mundo como um fluxo indiferente da informaccedilatildeo que eacute processada pelos indiviacuteduos cada um atuando agrave sua maneira supotildee perder
de vista como se formam os indiviacuteduos e como funcionam Ou para citar novamente Geertz lsquonatildeo existe uma natureza humana independente da
culturarsquo (BRUNER 1991 28)
Diaacutelogos entre cinema e educaccedilatildeo tecircm sido recorrentes em nossos contextos
educativos O uso do cinema como um ponto de partida para desenvolver projetos
educativos - sobretudo nos uacuteltimos dez anos no contexto nacional - tem assinalado
variadas experimentaccedilotildees publicaccedilotildees a partir de agrupamentos de textos
produzidos em grupos de pesquisa ensaios atravessamentos diversos em que o
cinema constitui-se fio condutor eou mote reflexivo para desencadear escritas
narrativas dissertaccedilotildees e teses de doutorado em Educaccedilatildeo e aacutereas afins Talvez
resultado do vasto processo de contaminaccedilatildeo eou proliferaccedilatildeo de imagens oriundas
das mais diversas fontes que suscitam possibilidades educativas e favorecem
experiecircncias de aprendizagens significativas mediadas por pedagogias culturais
articulando desta maneira tentativas curiosas em abordar a cinematografia a partir
de acircngulos e enquadramentos diversos em que satildeo apresentadas distintas formas
de ver e ser visto pelas visualidades
Haacute experimentaccedilotildees que apostam em praacuteticas educativas embasadas pela
criacutetica pela produccedilatildeo criativa e emancipatoacuteria transitando entre campos que
articulam conceitos e contextos plurais de produccedilatildeo de significados Por outro lado
eacute recorrente tambeacutem a tentativa de pedagogizar o cinema seguindo um receituaacuterio
de como fazer como ver e o que ver nos filmes
Diante destas consideraccedilotildees adianto que neste texto proponho pensar e
articular o cinema de modo relacional afetivo muacuteltiplo em devir algo que natildeo estaacute
pronto onde existem infinitas probabilidades de aproximaccedilatildeo e diaacutelogo
configurando-se tambeacutem como dispositivo edu(vo)cativo ponto de partida um
comeccedilo isento da intenccedilatildeo de prescrever um meacutetodo a ser implementado
Igualmente refletir sobre o que podemos aprender coma partir das imagens
produzidas pelo cinema e como as experiecircncias de aprender podem ser
potencializadas a partir dos filmes isto eacute investigar como o cinema pode configurar-
se edu(vo)cativo na formaccedilatildeo docente
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A Potecircncia Edu(vo)cativa das imagens fiacutelmicas
Toda voz individual como nos mostra Bajtin estaacute abstraiacuteda de um diaacutelogo
(BRUNER 1991 14)
Edu(vo)cativo origina-se da junccedilatildeo de trecircs palavras educativo evocativo
cativo2 eacute desta forma que nos aproximamos do cinema na busca por propor uma
justaposiccedilatildeo com a imagem fiacutelmica em que sejam articuladas as relaccedilotildees de
aprendizagem potencializadas a partir de sua visualizaccedilatildeo Igualmente tendo em
vista que as imagens em movimento carregam particularidades especiacuteficas de sua
natureza visualafetiva a ideia eacute pensar que o cinema natildeo poderia ser conjecturado
dentro de uma uacutenica estrutura linguiacutestica agrave qual nos vinculamos em nossos
contextos culturais geograacuteficos e temporais pois amplia os campos da percepccedilatildeo
abrindo-se mais para a experimentaccedilatildeo subjetiva do que a uma compreensatildeo
formal de significaccedilatildeo previamente apreendida Da mesma forma discursivamente
constitui-se potecircncia simboacutelica recheada de elementos oriundos de imaginaacuterios
coletivos nos quais ancoramos nossas percepccedilotildees mais iacutentimas assim como os
imaginaacuterios produzidos pelas culturas
Neste contexto entendemos o cinema como artefato educativo pois nos
ensina modos de ver e sermos vistos de ser e estar envolvendo tudo o que
potencializa visotildees de mundo de construccedilatildeo e legitimaccedilatildeo de concepccedilotildees de
mundo eacute tambeacutem evocativo pois diz respeito agraves percepccedilotildees que envolvem a
memoacuteria agravequilo que permanece como referencial anterior e que em relaccedilatildeo com as
novas conexotildees pode reconfigurar-se estabelecer novasoutras conexotildees
2 O Conceito Edu(vo)cativo vem sendo pensado no Grupo de Estudos e Pesquisas Cinema e Educaccedilatildeo (GECEDCNPq) O GECED configura-se a partir do cinema como mobilizador de aprendizagens em variados acircmbitos e contextos educativos formais e natildeo formais de ensino onde cada membro propotildee um enfoque particular em relaccedilatildeo ao cinema e um enfoque de pesquisa Desta forma haacute pesquisas que relacionam diferentes abordagens tais como cinema e gecircnero cinema e subjetividade cinema e infacircncia cinema e educaccedilatildeo cinema e formaccedilatildeo docente O marco teoacuterico-metodoloacutegico respalda-se pela perspectiva educativa da cultura visual e pedagogias culturais amparado por autores como Fernando Hernaacutendez Nicholas Mirzoef David Darts Raimundo Martins Irene Tourinho acerca dos Modos de Endereccedilamento com a obra de Elizabeth Ellsworth acerca do cinema e educaccedilatildeo Adriana Fresquet dentre outros No que diz respeito agraves construccedilotildees sociaisculturais e ideoloacutegicas bem como satildeo produzidos os significados Jerome Bruner e Kenneth Gergen consistem nas principais referecircncias
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produzindo outras vias traz agrave tona movimenta do interno para o externo emerge
faz surgir E por fim o termo cativo busca estabelecer relaccedilotildees com aquilo que
seduz que aprisiona que deteacutem atenccedilatildeo que afeta que domina um filme natildeo
apenas mobiliza mas evoca potencializa educa constroacutei legitima instrui
Pensando o cinema a partir da conjunccedilatildeo leacutexica proposta agrave luz da
perspectiva educativa dos estudos da cultura visual podemos dizer que este
mobiliza formas de compreensatildeo que talvez natildeo sejam possiacuteveis de outra ordem
Os atravessamentos que o cinema estabelece com espectadores envolve
conhecimento da linguagem mobilizaccedilatildeo de conceitos e imagens previamente
apreendidas configurando-se no plano sensorial sonoro visual da accedilatildeo que
materializa-se em seu tempo de visualizaccedilatildeo a partir de um entre e sucessivos
momentos Nas palavras de Adriana Fresquet
[] de fato o cinema nos oferece uma janela pela qual podemos nos assomar ao mundo para ver o que estaacute laacute fora distante no espaccedilo ou no tempo para ver o que natildeo conseguimos ver com nossos proacuteprios olhos de modo direto Ao mesmo tempo essa janela vira espelho e nos permite fazer longas viagens para o interior tatildeo ou mais distante de nosso conhecimento imediato e possiacutevel (2013 p 19)
Para Fresquet ldquoa tela de cinema (ou do visor da cacircmera) se instaura como
uma nova forma de membrana para permear um outro modo de comunicaccedilatildeo com o
outrordquo (2013 p 19) Ou seja os sistemas de representaccedilatildeo criados e veiculados
pelas produccedilotildees cinematograacuteficas ativam e potencializam imaginaacuterios ao dar forma
agravequilo que antes de se tornar visualmente comumcotidiano era apenas mundo das
ideias A partir do cinema o imaginaacuterio visual ganhou forma ritmo movimento e voz
As visualidades adquiriram o status de imagempensamento tendo em vista que
articulam em noacutes uma multiplicidade de relaccedilotildees construccedilotildees definiccedilotildees e
conceitos que soacute satildeo possiacuteveis atraveacutes daquilo que os olhos captam e formulam
mentalmente
Quando vemos uma imagem objeto ou artefato recorremos agraves informaccedilotildees gerais eou ao conhecimento especiacutefico que possuiacutemos Recorremos a haacutebitos valores referecircncias e contexto para dar sentidosignificado ao que vemos Cada indiviacuteduo utiliza suas informaccedilotildees conhecimento haacutebitos e referecircncias para estruturar e dar sentido agraves coisas que visualiza valorizando-as diferentemente negociando seus significados de acordo com o contexto sua trajetoacuteria cultural e seus interesses (MARTINS TOURINHO 2011 p 54-55)
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No contexto educativo torna-se edu(vo)cativo uma vez que haacute uma
multiplicidade de caminhos de natureza relacional os quais mobilizamos durante um
processo interpretativo ndash seja ele no campo da arte ou da educaccedilatildeo da ciecircncia ou
da sociologia Portanto aprender com a partir do cinema implica abandonar a ideia
de um uacutenico caminho a ser seguido de forma riacutegida pois sugere estabelecer
relaccedilotildees Diante de infinitas possibilidades de abordagem ndash principalmente tendo em
vista a presenccedila constante de representaccedilotildees visuais oriundas de diversas fontes ndash
o desafio de fugir das concepccedilotildees estereotipadas de uso do cinema em sala de aula
propunha reinventaacute-las atraveacutes de praacuteticas investigativas experimentais movediccedilas
questionadoras comeccedilando pelo exerciacutecio de reconhecer a potencialidade
narrativaevocativa dos filmes O que pode um filme Como abordaacute-lo enquanto
potecircncia agrave aprendizagem
Neste iacutenterim noccedilotildees de identidade e subjetividade examinadas (re)vistas
compreendidas e articuladas a partir da perspectiva educativa da cultura visual nos
oferecem pistas e tambeacutem evidecircncias para interrogarmos a sua construccedilatildeo e
tambeacutem os estereoacutetipos que contribuem para definir condutas delinear posiccedilotildees
hieraacuterquicas e legitimar papeacuteis sociais sobretudo no que tange agrave construccedilatildeo da
docecircncia O olhar produzido pela cinematografia hollywoodiana ndash de maior difusatildeo
em nossa cultura ndash que se constitui forte veiacuteculo de construccedilatildeo e produccedilatildeo de
identidades (natildeo apenas as identidades docentes) revisitado pode desencadear
processos de questionamento e reelaboraccedilatildeo pois como argumenta Fernando
Hernaacutendez
Os estudos da Cultura Visual nos permitem a aproximaccedilatildeo com essas novas realidades a partir de uma perspectiva de reconstruccedilatildeo das proacuteprias referecircncias culturais e das maneiras de as crianccedilas jovens famiacutelias e educadores olharem (-se) e serem olhados Reconstruccedilatildeo natildeo somente de caraacuteter histoacuterico mas a partir do momento presente mediante o trabalho de campo ou a anaacutelise e a criaccedilatildeo de textos e imagens Reconstruccedilatildeo que daacute ecircnfase agrave funccedilatildeo mediadora das subjetividades e das relaccedilotildees agraves formas de representaccedilatildeo e agrave produccedilatildeo de novos saberes acerca destas realidades (HERNAacuteNDEZ 2007 37)
Tomando como ponto de partida o argumento do autor em favor da
perspectiva educativa da cultura visual as produccedilotildees fiacutelmicas nos conferem uacutenicas
ou infinitas visotildees de mundo de ser de estar e atuar nas mais variadas situaccedilotildees
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cotidianas Natildeo apenas aprendemos a olhar e compreender as narrativas visuais
desde a infacircncia mas tambeacutem nossas formas de ver passam a ser articuladas a
partir do lugar que ocupamos ndash social cultural histoacuterico Natildeo apenas visualizamos
uma narrativa decodificando a sequecircncia de imagens mas reconstruiacutemos e
recontamos internamente a partir daquilo que compreendemos da visualidade
daquilo que apreendemos Portanto enquanto dispositivo do olhar o cinema pode
contribuir para desvelar imagens assim como pensar sobre quequais lugares
ocupam dentro dos imaginaacuterios coletivos e quais satildeo as possibilidades de
transgredi-los em favor de articulaccedilotildees mais subjetivas autorais e inclusivas
Problematizar o cinema (no sentido de pensar o que evocaprovocamobiliza)
sugere praacuteticas de desnaturalizaccedilatildeo do olhar e especial atenccedilatildeo agraves contingecircncias
que delineiam nossas relaccedilotildees com o mundo nossas experiecircncias cotidianas Em
decorrecircncia podemos nutrir-nos de estrateacutegias criacuteticas para questionar padrotildees
desmontar estruturas hegemocircnicas discursos riacutegidos e propor fissuras brechas em
que nossa subjetividade seja potencializada Partindo da concepccedilatildeo de que noccedilotildees
de verdade e realidade igualmente correspondem a construccedilotildees sociais culturais e
histoacutericas podemos permitir-nos distanciarmo-nos desprendermo-nos de
concepccedilotildees alicerccediladas em padrotildees e posicionamentos fechados e inflexiacuteveis Esse
distanciamento nos permite repensar o que eacute normativo a fim de examinar de onde
surgiu e como a essa normatividade natildeo corresponde uma uacutenica verdade mas uma
referecircncia datada localizada e impregnada de ideologias
Examinar a docecircncia agrave luz do que dizem suas representaccedilotildees no cinema
colocam frente a frente as distintas versotildees que nos satildeo oferecidas enquanto papeacuteis
sociais eacute recorrente a figura docente caricaturada atraveacutes de modelos messiacircnicos
assistencialistas e transformadores dispostos a abrir matildeo de suas expectativas de
vida para solucionar os mais variados problemas de seus alunos Poucas satildeo as
narrativas que evidenciam uma docecircncia fragilizada hostil e afetiva ou ainda como
profissatildeo3
3 No livro Pedagogias Culturais organizado por Raimundo Martins e Irene Tourinho (Editora da UFSM 2014)
discuto esta questatildeo no texto ldquoAprendendo a ser docente atraveacutes de filmes possiacuteveis tracircnsitos entre cinema e educaccedilatildeordquo (p 141-164) Neste faccedilo referecircncia a uma seacuterie de tiacutetulos de filmes que tecircm como tema
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O cinema como ponto de partida na formaccedilatildeo docente
Tomar a perspectiva educativa da cultura visual como ancoradouro nos
favorece interrogar as elaboraccedilotildees discursivas que envolvem a construccedilatildeo do olhar
e tambeacutem os estereoacutetipos que contribuem para definir condutas delinear posiccedilotildees
hieraacuterquicas e legitimar papeacuteis sociais Sobretudo o olhar produzido pela
cinematografia hollywoodiana ndash de maior difusatildeo em nossa cultura ndash que se constitui
forte veiacuteculo de construccedilatildeo e produccedilatildeo de identidades
Acredita-se que cada espectador aporte sua proacutepria experiecircncia histoacuteria e
identidade agrave compreensatildeo de um texto fiacutelmico Contudo eacute possiacutevel que as
narrativas visuais privilegiem certas posiccedilotildees - mesmo que haja certa autonomia
para colocar interpretaccedilotildees personalizadas - pois estas interpretaccedilotildees se
encontraratildeo afetadas pelos limites impostos pelo enquadramento pela delimitaccedilatildeo
de algueacutem sobre o que tornar visiacutevel e o que deixar fora
As interpelaccedilotildees entre narrativas visuais textos discursivos e processos
cognitivos satildeo aspectos importantes que merecem ser discutidos sob a luz da
ideologia presente nos roteiros uma vez que problematizaacute-los pode configurar-se
como ferramenta pedagoacutegica para pensar a complexidade das concepccedilotildees que
elaboramos a partir do que visualizamos
Quando as imagens fiacutelmicas se convertem em aparatos de propulsatildeo para
desencadear aspectos problematizadores no campo social a respeito de questotildees
de gecircnero credo liberdade respeito cidadania e educaccedilatildeo as narrativas fiacutelmicas
funcionam como dispositivos possibilitando que os estudantes exercitem a
experiecircncia da indagaccedilatildeo
Ao examinar as relaccedilotildees dos sujeitos envolvidos com experiecircncias de
visualizaccedilatildeo de filmes durante o desenvolvimento de disciplinas na universidade no
curso de Licenciatura em Artes Visuais - seus diaacutelogos interpretaccedilotildees e
reconstruccedilotildees - percebeu-se que a negociaccedilatildeo eacute fundamental para desenvolver e
estimular a construccedilatildeo do conhecimento a partir de uma abordagem educativa
poliacutetica criacutetica que potencialize o caraacuteter subjetivo e colaborativo comentre os
professores com maior difusatildeo em contextos educativos formais tencionando a partir de algumas experiecircncias durante a formaccedilatildeo inicial e continuada de professores
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sujeitos Diante da experiecircncia de aprender coma partir do cinema estamos lidando
com imprevisibilidades incongruecircncias insatisfaccedilatildeo e a constante possibilidade de
revermos nossas concepccedilotildees e demais processos constitutivos O ambiente
educativo pode configurar-se como lugar de tensionamentos de imagens que
afetam e reverberam conexotildees inventivas que articulam distintos saberes
A partir das consideraccedilotildees elaboradas juntamente com os sujeitos em
formaccedilatildeo podemos pensar o cinema como dispositivo que produz e faz circular
modos de ver ser relacionar e pensar os diversos coacutedigos culturais com os quais
dialogamos diariamente Contribui tambeacutem para refletirmos sobre a construccedilatildeo de
imaginaacuterios e do mesmo modo para advertir-nos sugerir eou alertar-nos frente agraves
incertezas que configuram nossos dilemas existenciais que encontram sua potecircncia
nas relaccedilotildees que estabelecemos diariamente
Neste iacutenterim as produccedilotildees cinematograacuteficas -- enquanto artefatos
produzidos pelas distintas culturas inseridos e veiculados por determinados
discursos e ideaacuterios de acordo com as contingecircncias vigentes de seu tempo --
possibilitam noccedilotildees de realidade pois refletem questotildees sociais que permeiam seu
tempo Sob este aspecto Raimundo Martins argumenta
A ilusatildeo de realidade de que se valem as obras fotograacuteficas e sobretudo as cinematograacuteficas brinca com a percepccedilatildeo da plateacuteia Assim raramente eacute levado em consideraccedilatildeo o fato de que em uacuteltima instacircncia toda imagem constitui um conjunto de pontos de vista que decorrem de certos modos de interpretaccedilatildeo da realidade recortes que enfatizam determinadas informaccedilotildees em detrimento de outras o que vemos ao contemplar as imagens teacutecnicas natildeo eacute o mundo mas determinados conceitos relativos ao mundo a despeito da automaticidade da impressatildeo do mundo sobre a superfiacutecie da imagem (MARTINS 2007 115-116)
Ao mobilizar o campo da afetividade por meio da narrativa que nos eacute contada
bem como a proximidade com os personagens envolvidos haacute quase sempre uma
conexatildeo imediata (em maior ou menor grau) o que coloca os espectadores em
situaccedilatildeo de igualdade de relaccedilatildeo iacutentima Inscrevemos nossas proacuteprias relaccedilotildees com
a vida plasmada na tela e estabelecemos algumas relaccedilotildees ao reviver nossas
proacuteprias experiecircncias ou ainda projetarmos sonhos desejos medos aventuras
imaginaacuterias
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Neste vieacutes afetivo haacute ilimitadas interlocuccedilotildees com o cinema o que talvez
configure nossa questatildeo principal Como pensarpropor o cinema edu(vo)cativo no
contexto da formaccedilatildeo docente E aleacutem desta Qual a relevacircncia desta articulaccedilatildeo
durante a formaccedilatildeo docente
De modo geral como jaacute foi mencionado experiecircncias de aprender com o
cinema na escola privilegiam a vontade do professorprofessora em dar continuidade
a um determinado conteuacutedo e o filme parece ser uma opccedilatildeo ilustrativa de
determinado fenocircmeno eou fato a ser apreendido Natildeo que esta abordagem natildeo
seja relevante ao contraacuterio pode ser um bom argumento O problema eacute quando
restringe-se apenas agrave ilustraccedilatildeo natildeo abrindo espaccedilos ao que reverbera a
visualizaccedilatildeo de um filme Ou ainda quando natildeo se problematizam as visotildees de
realidade representadas na tela ndash no que diz respeito aos enquadramentos
discursos e demais significados que satildeo relacionados muitas vezes de maneira
impliacutecita
Nessa direccedilatildeo a educaccedilatildeo da cultura visual eacute aberta a novas e diversas formas de conhecimentos promove o entendimento de meios de opressatildeo dissimulada rejeita a cultura do Positivismo aceita a ideia de que os fatos e os valores satildeo indivisiacuteveis e sobretudo admite que o conhecimento eacute socialmente construiacutedo e relacionado intrinsecamente ao poder (DIAS 2011 62)
Talvez o questionamento pontuado por Belidson Dias adquira maior potecircncia
ao trazer para a discussatildeo a recente lei que torna obrigatoacuteria a exibiccedilatildeo de pelo
menos duas horas de filmes produzidos nacionalmente nas escolas de Educaccedilatildeo
Baacutesica Aiacute reside uma de nossas grandes preocupaccedilotildees
Que filmes Que formas de exibiccedilatildeo Que engajamento dos professores e da comunidade Que formas de acesso agraves obras Como regulamentar a Lei Haacute filmes com tecnologias assistivas que permitam sua aces- sibilidade a professores e estudantes cegos e surdos Como engajar outros atores ndash Ancine Secretaria do Audiovisual secretarias de educaccedilatildeo MEC Quem custearaacute as accedilotildees E sobretudo o que esperar dessa relaccedilatildeo do cinema com a educaccedilatildeo (FRESQUET MIGLIORIN 2015 4)
Aleacutem disso quais aacutereas Quais docentes Que preparaccedilatildeo preacutevia O que
precisa saberconhecer o docente que iraacute abordar o cinema enquanto dispositivo
Haacute que ensinar coacutedigos da linguagem E no que tange agrave visualidade o que propor
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Seria da competecircncia da aacuterea das artes visuais Propor pensar sobre os elementos
esteacuteticos Etc
Neste cenaacuterio abrem-se muitos debates em torno desta obrigatoriedade por
um lado esta regulamentaccedilatildeo faz com que o cinema deixe de participar apenas
como complemento ilustraccedilatildeo como decorativorecreativo tornando-se objeto
principal ponto de partida agrave reflexatildeo em torno dos coacutedigos culturais que o formulam
legitimam e distribuem noccedilotildees de realidade Por outro proposiccedilotildees prescritivas
destituiacutedas de negociaccedilatildeo coletiva -- que desconsidera o cinema enquanto obra
aberta -- podem desencadear versotildees estereotipadas que devido agrave obrigatoriedade
venham a ser desenvolvidas por profissionais despreparados dispostos a cumprir
tarefas apenas
Ao discutir a lei Adriana Fresquet e Cezar Migliorin sugerem alguns princiacutepios
que poderiam ser levados em consideraccedilatildeo diante das aproximaccedilotildees com a
educaccedilatildeo Para os autores ao tomar a lei como ponto de partida deveriacuteamos ter em
mente estas dez consideraccedilotildees
1 Democratizar o acesso 2 Acesso diversidade e capilaridade de decisotildees 3 Valorizar as accedilotildees existentes e locais 4 O cinema deve ser arriscado 5 Cinema eacute conhecimento e invenccedilatildeo de mundo 6 A escola natildeo forma consumidores 7 Tensatildeo na estrutura das escolas 8 Por que cinema brasileiro 9 Promover a criaccedilatildeo com imagens 10 A experiecircncia com o cinema (FRESQUET MIGLIORIN 2015 6-17)
Diante destes aspectos expostos talvez fosse interessante retomarmos o
conceito de ldquodesaprenderreaprenderrdquo proposto por Adriana Fresquet (2007) no livro
ldquoImagens do Desaprender uma experiecircncia de aprender com o cinemardquo em que
narra a seguinte relaccedilatildeo
Desaprender eacute algo mais que aprender coisas opostas sobre um mesmo tema assunto valor questatildeo da vida Desaprender pode ateacute indicar erradamente a ideacuteia de esquecer o aprendido Poreacutem o seu significado e intenccedilatildeo eacute exatamente o contraacuterio Tal eacute a forccedila da irreversibilidade da aprendizagem que desaprender significa fundamentalmente lsquolembrarrsquo as coisas aprendidas que querem ser desaprendidas Desaprender eacute aprender a natildeo querecirc-las mais para si a natildeo outorgar mais o estatuto de verdade de sentido ou de interesse Verdade aprendida com outros desde sempre adquire valor de inquestionaacutevel Desaprender eacute animar-se a questionar tais verdades Desaprender eacute tambeacutem fazer o esforccedilo de conscientizar todo o vivido na contramatildeo evocando o impacto histoacuterico e emocional que teve aquela aprendizagem que hoje deseja ser modificada (FRESQUET 2007 49)
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Portanto as muacuteltiplas relaccedilotildees promovidas pelas narrativas fiacutelmicas nos
fazem pensar em diversas maneiras de abordar a visualidade comeccedilando pelo
acircmbito da sensibilidade da emoccedilatildeo do afeto ateacute avanccedilarmos pelo terreno da
pedagogia onde nos encontramos com a relaccedilatildeo ensinaraprender Partimos do
princiacutepio de que o cinema se inscreve em uma temporalidade compreensiacutevel a
praticamente todos os puacuteblicos ao representar as diversas etapas do
desenvolvimento humano as descobertas infantis a adolescecircncia e a juventude a
maturidade e a velhice nas suas mais variadas manifestaccedilotildees e a utilizarmos como
ponto de partida para comeccedilar nossa viagem Durante o percurso eacute possiacutevel
visualizar terrenos feacuterteis e tambeacutem arenosos lugares remotos de nossa memoacuteria e
outros recocircncavos repletos de figuras miacuteticas fantasmagorias e possibilidades
Estes dispositivos desestabilizam e mobilizam outras aprendizagens
promovem crises que geram avanccedilos instigam a pensar alternativas Satildeo forccedilas
que produzem o deslocamento e a descoberta de outras dimensotildees de outras
linhas de pensamento Incitam tambeacutem a adotar uma postura criacutetica impulsionada
pelo desejo de criar espaccedilos e alternativas para aprender sobre o mundo a partir do
diaacutelogo com o outro a reconhecer-se pelas diferenccedilas a pensar o ambiente de
formaccedilatildeo inicial e continuada da docecircncia como exerciacutecio do olhar criacutetico e
mobilizador
Sobre o cinema e suas provocaccedilotildees um desfecho provisoacuterio
Referecircncia na moda no comportamento na muacutesica e nos mais variados
acircmbitos das experiecircncias humanas o cinema configura-se como fenocircmeno cultural
de grande impacto na configuraccedilatildeo de imaginaacuterios desde a infacircncia Desde muito
cedo somos introduzidos agrave loacutegica narrativa sequencial que apresenta muitas
realidades Eacute recorrente em nossa contemporaneidade nos depararmos com
personagens criados pelo cinema em acessoacuterios utensiacutelios domeacutesticos adereccedilos
materiais pedagoacutegicos brinquedos etc propagando uma legiatildeo de muitos heroacuteis (e
rariacutessimas heroiacutenas) que inevitavelmente invadem a escola reproduzindo-se nas
canccedilotildees brincadeiras corporeidades comportamentos Diante destes contextos
Como a docecircncia articula estas experiecircncias visuais enquanto mote inicial a ser
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esmiuccedilado Que relaccedilotildees com as imagens fiacutelmicas osas docentes tecircm
apreendidas Como satildeo seus enfrentamentos relaccedilotildees com o cinema
Talvez seja relevante pensarmos alternativas nas quais estudos sobre cinema
e educaccedilatildeo possam estar presentes durante a formaccedilatildeo inicial e continuada da
docecircncia para propor relaccedilotildees de aprendizagem a partir da imprevisibilidade seu
papel e sua utilizaccedilatildeo dentro dos ambientes de aprendizagem tendo como premissa
natildeo cairmos na tentativa de pedagogizaacute-lo ou tornaacute-lo mais um instrumento fechado
ou previsiacutevel mas de tomaacute-lo como obra aberta ndash a partir da concepccedilatildeo do rizoma ndash
para tomar vias distintas Bricolar propor conexotildees com outras narrativas abordaacute-lo
sem tentar traduzir o que eacute essencialmente percepccedilatildeo visualsensorialemocional e
que obviamente requer outro tipo de relaccedilatildeo outros coacutedigos outras loacutegicas
Para finalizar estaacute escrita retomo os vocaacutebulos que a iniciam provocaccedilotildees
descontinuidades desfechos com o intuito de sinalizar como poderiam operar no
campo educativo ndash ao menos como pretendo que sejam pensados aqui
O cinema enquanto provocador que desafia incita o questionamento retira
da calmaria e lanccedila na tempestade desacomoda instiga o pensamento retira do
lugar comum causa desconforto Neste contexto por significados que possam ser
revistosrevisados reconceituados Imaginaacuterios produzidos pela cinematografia
dominante (em nossos contextos) possam ser repensados ou em alguns casos
como argumenta Adriana Fresquet desaprendidos e reaprendidos a partir de outras
loacutegicasrelaccedilotildees
(Des)continuidade tem duplo sentido no cinema a ideia de movimento se daacute
pela sequecircncia contiacutenua de imagens trabalha-se com a continuidade de um roteiro
Uma descontinuidade seria uma ruptura da continuidade da linearidade Poderia ir
na contramatildeo a contrapelo Caracteriza-se como uma interrupccedilatildeo A continuidade
no cinema busca uma coerecircncia loacutegica que envolve sonoridade e fluxo visual na
sucessatildeo de imagens o que pode envolver cortes durante uma montagem pois
cabe ao continuiacutesta manter a conexatildeo desejada pelo roteiro entre as cenas
concedendo entendimento agrave narrativa que estaacute sendo contada Juntamente com o
diretor ou diretora de um filme colabora com todas as demais especificidades
teacutecnicas que participam da histoacuteria a ser contada dos enquadramentos aos
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cenaacuterios objetos de cena etc Entatildeo O que seria umuma (Des)Continuiacutesta em
educaccedilatildeo
Talvez aqueleaquela que ocupa-se da provocaccedilatildeo que incita o jogo que
lanccedila convites que desafia Sabemos que a escola nos moldes atuais natildeo
configura-se uacutenica fonte de saberes mas espaccedilo de diaacutelogo de negociaccedilatildeo
formulaccedilatildeo
Desfecho do ponto de vista literaacuterio diz respeito agrave finalizaccedilatildeo ao desenlace
de uma tramanarrativa Pode ser entendido tambeacutem como local de chegada depois
de alguns trechos percorridos Neste texto desfecho pode ser concebido tambeacutem
como siacutentese do processo desenvolvido poreacutem aberto ainda no ato de acontecer
Entendo desfechos como provisoacuterios embora pareccedila relevante percebermos
processos de soluccedilotildees de problemas pontos que podem ser destacados ao teacutermino
de uma jornada de uma investida uma aposta Acredito que desfechos satildeo
importantes pois impelem a retomar a jornada examinar o percurso movimentar-se
em temporalidades diversas para compreender como se articula o momento
presente Transformando-o em verbo desfecho - desfechar - poderia ser des-fechar
tornaacute-lo em aberto apesar de haver jaacute percorrido uma trajetoacuteria examina-se o
recorrido poreacutem servindo como propulsor a dar segmento a tomar novas
experiecircncias seguir aprendendo des-fechando processos educativos
Referecircncias
BRUNER Jerome Actos de significado maacutes allaacute de la revolucioacuten cognitiva Madrid Alianza Editorial 1991 DIAS Belidson O imundo da cultura visual Brasiacutelia Editora da poacutes-graduaccedilatildeo em arte da Universidade de Brasiacutelia 2011 ELLSWORTH Elizabeth Posiciones en la ensentildeanza diferencia pedagogiacutea y el poder de la direccionalidad Madrid Akal 2005 FRESQUET Adriana Cinema e educaccedilatildeo reflexotildees e experiecircncias com professores e estudantes de educaccedilatildeo baacutesica dentro e ldquoforardquo da escola Belo Horizonte Autecircntica 2013
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FRESQUET Adriana Imagens do desaprender uma experiecircncia de aprender com o cinema Rio de Janeiro UFRJ 2007 FRESQUET Adriana MIGLIORIN Cezar Da obrigatoriedade do cinema na escola notas para uma reflexatildeo sobre a lei 1300614 In FRESQUET Adriana (Org) Cinema e Educaccedilatildeo a lei 13006 Reflexotildees perspectivas e propostas Belo Horizonte Universo Produccedilatildeo 2015 HERNAacuteNDEZ Fernando Catadores da Cultura Visual uma proposta para uma nova narrativa educacional Porto Alegre Mediaccedilatildeo 2007 MARTINS Alice Faacutetima Imagens do cinema cultura contemporacircnea e o ensino de artes visuais In OLIVEIRA M O de (Ed) Arte educaccedilatildeo e cultura Santa Maria Ed da UFSM 111-130 2007 MARTINS Raimundo TOURINHO Irene (Org) Circunstacircncias e ingerecircncias da cultura visual In MARTINS R y TOURINHO I (Eds) Educaccedilatildeo da cultura visual conceitos e contextos Santa Maria Ed da UFSM (paacuteg 51-68) 2011
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PerformanceS1
Fernando Pinheiro Villar 2 Universidade de Brasiacutelia - UnB
Aproximando-se do primeiro ano apoacutes 11 de setembro continuamos sem saber
o que sabemos e o que natildeo sabemos sobre a destruiccedilatildeo dos preacutedios do World Trade
Center em Nova York O que podemos ter certeza eacute que antes da queda das torres
gecircmeas jaacute viviacuteamos crises aceleradas empor nossa supermodernidade crise de
certezas crise social crise de conceitos crise de significados Realidades que se
transformam continuamente demandam novos conceitos e revisatildeo constante de
conceitos existentes para negociar com as novas praacuteticas artiacutesticas teorias famiacutelias
trabalho sexualidades etnias ensino e meacutetodos
Performance eacute apontada como um conceito chave em estudos culturais
contemporacircneos Este artigo aborda performances artiacutesticas Enfatizo o lsquoartiacutesticasrsquo
como necessaacuterio recorte e por minha experiecircncia praacutetica Mas este recorte natildeo evita a
interferecircncia de outros significados nem indica um terreno mais tranquilo para
taxonomias
No meio de uma semana de debates sobre lsquoperformancersquo na Universidade de
Brasiacutelia em maio de 2002 um estudante disse que parecia lsquohaver uma certa
glamourizaccedilatildeo da duacutevida ou da dificuldade de definir performancersquo3 Mais preocupante eacute
a banalizaccedilatildeo da duacutevida em torno da amplitude do conceito gecircnero artiacutestico objeto de
estudo eou metodologia de criacutetica e pesquisa que performance pode significar Este
1 Publicado em CARREIRA Andreacute VILLAR Fernando Pinheiro GRAMMONT Guiomar de RAVETTI Graciela e ROJO Sara (orgs) Mediaccedilotildees performaacuteticas latino-americanas (Belo Horizonte FALEUFMG 2003) p 71 - p80 2 Autor encenador e diretor Professor da graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo do Departamento de Artes Cecircnicas do Instituto de Artes da Universidade de Brasiacutelia Graduado na UnB em Artes Plaacutesticas poacutes-graduado em Direccedilatildeo no Drama Studio London e PhD no Queen Mary CollegeUniversity of London Fundador dos grupos Vidas Erradas (83-89) TUCAN (92-08) e CHIA LIIAA (2007) tem trabalhado com diversos grupos artistas e instituiccedilotildees de ensino do Brasil e Europa Professor visitante na University of Manchester e na UNICAMP com vaacuterios artigos publicados e alguns livros organizados sobre teatro performance e hibridismos artiacutesticos contemporacircneos 3 Seminaacuterio preparatoacuterio para o evento performaacutetico artiacutestico Gecircnesis de performances (28 29072002) organizados pelo ex-aluno de Artes Cecircnicas e funcionaacuterio da UnB Magno de Assis
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artigo natildeo elimina duacutevidas sobre performance mas busca discordar de ambas
banalizaccedilatildeo e glamourizaccedilatildeo destas duacutevidas
O tiacutetulo lsquoperformanceSrsquo inicia esta empreitada afirmando a pluralidade do
conceito performance Assumir-se a multiplicidade de significados atrelados ao
significante lsquoperformancersquo eacute condiccedilatildeo inicial para seu entendimento Sabemos que
lsquoperformancersquo tem orientado inspirado eou desobstruiacutedo teorias e praacuteticas de
sociologia antropologia linguiacutestica psicologia filosofia neurologia artes cecircnicas artes
plaacutesticas muacutesica e danccedila entre outros campos de conhecimento Essa amplitude
conceitual pode provocar um desconforto com a abrangecircncia desconcertante e
escorregadia de performance como conceito como objeto de estudo como gecircnero
artiacutestico ou como metodologia de criacutetica e pesquisa
Um dos principais significados aliados ao significante performance eacute o de
desempenho O significado de desempenho afirma a observaccedilatildeo analiacutetica de
comportamentos humanos produtos eletrocircnicos e mecacircnicos ou de atores xampus
transeuntes oacuteleos atletas sapatos de corrida animais fios condutores ou de minerais
Na observaccedilatildeo do desempenho humano performance pode tambeacutem significar
comportamentos que se repetem Ou accedilotildees cotidianas que satildeo ensaiadas ou
preparadas - e observadas Assim sendo uma performance sem consciecircncia do fato de
estar sendo vista como tal pode significar uma performance cotidiana cultural ou social
Para Richard Schechner ldquotudo no comportamento humano indica que performamos
nossa existecircncia especialmente nossa existecircncia socialrdquo (1982 14) Steven Connor
considera que ldquose tornou difiacutecil estarmos seguros onde que uma accedilatildeo termina e uma
performance comeccedilardquo (108) Schechner e Connor datildeo uma ideia do possiacutevel alcance de
performance Este alcance detona diferentes linhas de pesquisa e teorias sobre
performance em campos distintos Pelo recorte optado por esta comunicaccedilatildeo estou me
atendo mais agraves performances artiacutesticas exibiccedilotildees ou accedilotildees declaradas publicamente
como tais accedilotildees conscientes mesmo que liminais construiacutedas e organizadas por
agentes que as mostraratildeo como opccedilatildeo profissional ou amadora entrada franca
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cobrando um ingresso ou distribuindo convite em espaccedilos ao ar livre semi-abertos ou
cobertos
A performance artiacutestica se caracteriza(va) muito pela fuga de qualquer
possibilidade de categorizaccedilatildeo Esta evasatildeo de escaninhos esteacuteticos caracteriza(ria)
aquilo que artistas objetivam(vam) natildeo ser caracterizado Com a heranccedila forte das
Vanguardas Histoacutericas das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX e das trecircs primeiras
deacutecadas do seacuteculo XX vanguardas do periacuteodo poacutes-Segunda Guerra Mundial
continua(ra)m indo contra restriccedilotildees das possibilidades expressivas das artes e
rechaccedilando definiccedilotildees que se pretendiam definitivas
As Vanguardas Histoacutericas satildeo compostas pelo Simbolismo Expressionismo
Futurismo Construtivismo Dada Surrealismo Bauhaus ou Adolphe Appia Gordon
Craig Isadora Duncan Vsevolod Meyerhold Vladimir Mayakovsky Marcel Duchamp
Antonin Artaud entre tantos outros Darwin Nietzsche Marx Wagner Freud Einstein
Edison nos lembram que a virada do seacuteculo XIX para o XX tambeacutem testemunha uma
crise de conceitos e certezas consideraacutevel Aliados agrave revoluccedilatildeo no pensamento humano
provocada por estes pensadores artistas e cientistas o motor a lacircmpada eleacutetrica
locomotivas teleacutegrafos e o cinema transformam comportamentos e sociedades Ainda
com ecos do idealismo do Romantismo em buscar o intercacircmbio entre diferentes artes
artistas de vaacuterias correntes e tendecircncias deixam um legado de accedilotildees textos e
manifestos que transitam e querem transitar aleacutem das fronteiras convencionais de cada
linguagem Durante todo o seacuteculo XX o impacto das duas guerras mundiais no mesmo
seacuteculo foi refletido diretamente numa arte que promovia a primazia da accedilatildeo
testemunhada de interferecircncia puacuteblica como paliativo passageiro para a impotecircncia do
ser humano diante da destruiccedilatildeo inoacutecua Artistas das Vanguardas Histoacutericas da
primeira e segunda metades do seacuteculo XX questionam entatildeo de forma radical a
convencionalidade de suas linguagens e de seus puacuteblicos no bojo de intensas
transformaccedilotildees econocircmicas sociais e poliacuteticas As fronteiras entre arte e vida se
misturam
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Na entatildeo nova ediccedilatildeo do Oxford Dictionary em 1971 lsquoperformance artrsquo eacute incluiacuteda
no verbete lsquoperformancersquo como uma suposta arte de accedilotildees realizada por artistas
plaacutesticos para plateias presentes Depois da Segunda Guerra Mundial outros termos e
conceitos jaacute tentam acompanhar uma intensa atividade de artistas em torno do eixo
tempo-espaccedilo com testemunhas Estas atividades manipulam nexos com accedilatildeo corporal
e a presenccedila do autor realizando seu processo sua obra ou sua obra em processo para
espectadores visitantes puacuteblico ou testemunhas Uma das tentativas de conceituaccedilatildeo
para estas obras foi lsquointermiacutediarsquo [(intermedia ou interlinguagem)] cunhado em 1967
por Dick Higgins do Fluxus (Higgins 1978) Um ano depois Richard Kostelanetz
defendeu o termo lsquoteatro dos meios misturadosrsquo (Kostelanetz 1970) Mas eacute
lsquoperformance artrsquo nos paiacuteses anglo-saxocircnicos e lsquoperformancersquo em paiacuteses de liacutengua
latina que consegue abarcar uma praacutetica artiacutestica interdisciplinar Sem desconhecer a
heranccedila das Vanguardas Histoacutericas performance art ou performance conteria action
paintings John Cage arte conceitual minimalismo espacialismo Happenings action
art arte corporal aktionism vienense arte feminista art povera parangoleacutes de Oiticica
bichos de Ligia Clark teatro instrumental environments viacutedeo arte colaboraccedilotildees
decollage assemblage arte cineacutetica o neo-dada do Gutai endurance art Flaacutevio
Impeacuterio Artur Barrio ou Laurie Anderson entre tantos outros grupos e artistas
Em 1981 Douglas Davis jaacute propotildee o termo lsquopost-performancismrsquo para defender
uma arte aleacutem do teatro performance ou artes plaacutesticas Em 1992 Josette Feraacutel coloca
performance como o nascimento de um gecircnero com a morte de sua funccedilatildeo anaacuterquica
anti-categorizaccedilotildees Em 1999 Paul Schimmel anuncia a morte de performance art por
volta de 1979 No entanto as referecircncias cruzadas e trocas entre gecircneros hiacutebridos e
mo(vi)mentos foram se acelerando durante as deacutecadas de 1980 e 1990
simultaneamente dificultando e promovendo novos termos e roacutetulos Autores como
Gregory Battcock (1984) RoseLee Goldberg (1984) ou Herbert Blau (1992)
reconhecem que lsquoperformancersquo seria o termo para a contiacutenua expansatildeo do terreno
ampliado que performance art conquistou Utilizando um artigo anterior performance no
final do seacuteculo XX
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[] parece ser um conceito guarda-chuva que abriga uma livre pluralidade de expressotildees cecircnicas socircnicas e visuais Atraveacutes de performance inuacutemeros estudos de diferentes artes revelam um comportamento cuidadoso para evitar novas definiccedilotildees que natildeo respeitem as diferenccedilas e o caraacuteter anaacuterquico das artes em desordenar e escapar de novas categorizaccedilotildees Performance inclui entre outros campos de estudo rituais festas populares comportamento cotidiano linguumliacutestica ciecircncias sociais cultura psicologia [performing self criacutetica em performance] o evento teatral a encenaccedilatildeo de peccedilas drama ou dramaturgia escrita dramaturgia de imagens e outras produccedilotildees multi pluri anti ou interdiscliplinares em frente de plateacuteias em diversos tipos de espaccedilo cecircnico aleacutem do teatro O termo e conceito performance vai contra uma visatildeo logocecircntrica e exclusiva de teatro como lsquoa representaccedilatildeo de dramas eurocecircntricosrsquo (Schechner 1992 9) Para os estudos de teatro a metodologia e sistema de criticismo proposto por performance resgata o irrepetiacutevel efecircmero transitoacuterio momento de exposiccedilatildeo da linguagem cecircnica com a presenccedila de atores e espectadores privilegia-se a performance como um dos principais focos de significados do teatro (Villar de Queiroz 1999 249)
Para os estudos e praacutetica de teatro o texto performaacutetico ou o performance text eacute
um derivado do significante performance fundamental Batendo de frente com a visatildeo
antagocircnica quando exclusivista de teatro como domiacutenio da literatura dramaacutetica o texto
performaacutetico seria o texto da encenaccedilatildeo em curso a mise-en-scegravene fluindo ante e entre
os sentidos dos presentes la puesta en escena acontecendo uma rede intertextual
Ainda haacute uma defasagem da jovem academia de teatro em reconhecer o texto
performaacutetico artiacutestico na linguagem cecircnica Isso pode dever-se em parte agrave
supervalorizaccedilatildeo persistente e descontextualizada historicamente da visatildeo aristoteacutelica
de teatro em Poeacutetica Mais forte razatildeo eacute a impossibilidade do registro da performance
uacutenica irrepetiacutevel efecircmera transitoacuteria Essa impossibilidade caracteriza um choque
frontal com abordagens materialistas de cultura que tem em textos de peccedilas
documentos partituras quadros esculturas monumentos e edifiacutecios suas evidecircncias
para descrever o comportamento humano O viacutedeo o DVD e novas tecnologias alteram
um pouco a impossibilidade de registros do evento aacuteudio-cineacutetico-temporal e visual que
uma performance teatral coreograacutefica musical ou artiacutestica pode ser Novas tecnologias
natildeo podem entretanto cortar a impossibilidade de reproduccedilatildeo de um evento
caracterizado pela junccedilatildeo de pessoas durante sua vida uacutenica que morre para renascer
diferente no proacuteximo dia Como Dyonisus
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A maioria do teatro convencional claacutessico familiar eou teatratildeo e muito do teatro
de pesquisa de artistas com visibilidade internacional e respaldo criacutetico estaria
caracterizado pela representaccedilatildeo de um laacute-entatildeo Este laacute-entatildeo eacute reproduzido em um
palco ou espaccedilo eleito com atores ou atrizes vivendo personagens escritos por um
autor ou autora seguindo marcaccedilotildees de um diretor ou diretora Performance
privilegiaria o aqui-agora do durante da apresentaccedilatildeo seja onde for de uma accedilatildeo
desenrolada e apresentada por seu autor-ator-diretor-encenador-produtor o
performador tenta ser o proacuteprio meio esteacutetico ndash ele ou ela se colocam como linguagem
processo e obra Mas esta diferenciaccedilatildeo pode natildeo resistir ao fato de que o uso atual
quase omnipresente do termo performance abala certezas linguiacutesticas e esteacuteticas
anglo-saxocircnicas e latinas Na liacutengua inglesa por exemplo performance sempre foi
associada agrave apresentaccedilatildeo representaccedilatildeo ou exposiccedilatildeo cecircnica ou musical em frente a
uma plateia e [agrave] interpretaccedilatildeo de artistas Em 1990 o Diccionario Actual de la Lengua
Espantildeola apresenta performance como entre outros significados lsquorepresentacioacuten de
cine y teatrorsquo e lsquoactuacioacuten de un artistarsquo (1219) Estudantes no Brasil me convidam para
assistir a suas performances mesmo que sejam representaccedilotildees naturalistas de
personagens de Calderoacuten de la Barca Shakespeare ou Nelson Rodrigues dirigidos por
um diretor ou uma professora
As aacuteguas de performance e de teatro se confundem e confundem Em 1987 o
diretor e acadecircmico Michael Kirby lembrava que ldquotodo teatro eacute performance mas nem
toda performance eacute teatrordquo (xi) Em 1992 Herbert Blau reconhece sua saudade ldquode um
tempo em que se algueacutem falasse de performance estaria falando de teatrordquo (2) Em
1996 Elin Diamond recorda que ldquose performance eacute o reverso do teatro convencional
teatro tambeacutem eacute o reverso de performancerdquo (4) Em 1997 a artista e professora da New
York University Deb Magolin por exemplo celebra que ldquoperformance eacute um teatro de
inclusatildeo Qualquer um pode fazerrdquo (69) Para vaacuterios criacuteticos acadecircmicos e artistas no
mundo performance seria o teatro poacutes-moderno ou teatro contemporacircneo de
vanguarda
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Ainda persiste uma tendecircncia que considera performance art e performance
como variaccedilotildees da arte teatral Esta tendecircncia convive com uma perspectiva oposta
que exclui teatro da histoacuteria de performance e de performance art Ambas
perspectivas parecem reafirmar concepccedilotildees binaacuterias que natildeo reconhecem um campo
artiacutestico ampliado interdisciplinar aleacutem das disciplinas que se juntaram chocaram-se
ou digladiaram-se ateacute o nascimento de uma outra disciplina linguagem ou objeto que
se independe das matrizes anteriores e continua um caminho proacuteprio Disciplinas
liacutenguas paiacuteses e pessoas satildeo universos em construccedilatildeo e negociaccedilatildeo com seus meios
ambientes A dialeacutetica cultural promove novas disciplinas liacutenguas territoacuterios e
fronteiras mudanccedilas e se o mundo performa o teatro continuaraacute sendo um siacutetio de
performances sobre performances do mundo
Em 1980 Timothy J Wiles lanccedilava o termo lsquoteatro performancersquo para descrever
uma diversidade cecircnica revelada por uma dramaturgia e estilos de interpretaccedilatildeo
distintos do realismo naturalista ou do teatro eacutepico Essa diversidade tambeacutem era
revelada por inovaccedilotildees formais que segundo Wiles haviam criado ldquouma situaccedilatildeo
desconfortaacutevel para todos os historiadores de esteacuteticardquo (112) Com lsquoperformance teatrorsquo
a primazia dada ao texto performaacutetico questiona encapsulamentos da linguagem cecircnica
em limites da literatura dramaacutetica e questiona tambeacutem hierarquias fixas de criaccedilatildeo
direccedilatildeo e autoria Teatro performance transita por diferentes linguagens artiacutesticas
resultando em outra Teatro performance assume um espaccedilo intermediaacuterio
interdisciplinar entre performance art e teatro
Nuances interdisciplinares nas artes e ciecircncias ou obras interdisciplinares
artiacutesticas natildeo podem ser mais ignoradas em sua notoacuteria presenccedila em nossa
contemporaneidade Praacuteticas artisticamente interdisciplinares tecircm uma histoacuteria que
remonta [a] seacuteculos antes de Cristo na praacutetica oriental e ocidental se focarmos o
manual para artiacutesticos cecircnicos indiano Natya-Sastra ou os festivais gregos Artistas
renascentistas italianos e a oacutepera barroca apresentam impulsos interdisciplinares
claros Estes impulsos se aceleram de forma radical nas sucessivas transformaccedilotildees
esteacuteticas promovidas pelas vanguardas do seacuteculo XX Poacutes 1968 e poacutes performance art
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tanto o omnipresente conceito metodologia de pesquisa e criacutetica de performance
quanto as performances artiacutesticas desenvolvidas nas duas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo
XX reforccedilam a necessidade de abordar-se interdisciplinaridade entre as artes
Esta breviacutessima perspectiva histoacuterica objetiva apontar uma presenccedila e uma
necessidade de estudos de um fenocircmeno interdisciplinar entre as artes Entretanto
assim como performance interdisciplinaridade tambeacutem pode ter uso indevido ou
diletante dentro dos muacuteltiplos acircngulos e mundos simultacircneos e paradoxais da
supermodernidade Tambeacutem como performance lsquointerdisciplinaridadersquo tem desafiado
certezas epistemoloacutegicas
Na uacuteltima deacutecada podemos encontrar novas propostas em torno de
disciplinaridades Judith Butler (1990) e Baz Englers (1996) propotildeem a discussatildeo de
lsquopoacutes-disciplinaridadesrsquo Dwight Conquergood e Joseph Roach definem performance
para Marvin Carlson como uma lsquoanti-disciplinarsquo (189) Fechando a deacutecada Roy Ascott
usa o termo lsquoumiacutediarsquo (moistmedia) para descrever um lsquointerespaccedilo entre o mundo seco
da virtualidade e o mundo molhado da naturezarsquo (9)
Transdisciplinaridade poacutes-disciplinaridades anti-disciplinas e umiacutedias atestam
todas processos interdisciplinares Como interdisciplinas artiacutesticas poacutes-disciplinas anti-
disciplinas e umiacutedias satildeo lsquointermiacutediasrsquo satildeo resultantes de disciplinas que dialogaram ou
digladiaram-se atraveacutes de encontro troca negociaccedilotildees eou choque gerando uma
nova disciplina Assim sendo meu entendimento de interdisciplinaridade natildeo confere
com o simples juntar de disciplinas diferentes ou muito menos com o improdutivo de
realidades pseudo interdisciplinares que natildeo se tocam nem se trocam Investigo
interdisciplinaridade artiacutestica para estudar ensinar e praticar negociaccedilotildees e
intercacircmbios entre diferentes linguagens ou disciplinas artiacutesticas que resultaram em
novos campos de accedilatildeo em outros territoacuterios de mutaccedilatildeo artiacutestica e de possibilidades
expressivas Interdisciplinas artiacutesticas seriam entatildeo outras disciplinas ou intermiacutedias
tais como as jaacute citadas performance art e teatro performance danccedila teatro butoh
muacutesica teatro arte computacional teatro acuacutestico teatro digital instalaccedilatildeo roboacutetica
criacutetica em performance ou viacutedeo poesia
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Terroristas oficiais e disfarccedilados continuam a defender fronteiras imutaacuteveis e a
dividir pessoas quando soacute existe uma raccedila a humana Enquanto a natureza se delicia
com a diversidade interesses econocircmicos impotildeem modelos hegemocircnicos injustos e
uniformizantes que querem evitar a particularidade a convivecircncia ou a diferenccedila Os
mercados globalizados nos orgasmos muacuteltiplos do capitalismo selvagem conquistam
novas trilhas para o livre fluir de capitais mas natildeo de pessoas
A paz o livre exerciacutecio de sexualidades igualdade novas fronteiras e o
assentamento de pessoas em condiccedilotildees mais justas satildeo evitados no Brasil e no mundo
por problemas pessoais mal resolvidos interesses escusos e paranoias
governamentais Como lembrou Lucia Sander em palestra-performance em Maceioacute
neste ano Einstein dizia que ldquoeacute mais faacutecil dividir um aacutetomo que destruir um
preconceitordquo E Susan Sontag afirmou anos depois que a histoacuteria do preconceito eacute tatildeo
antiga quanto a histoacuteria das questotildees pessoais mal resolvidas As artes incluindo
performance e outras interdisciplinas artiacutesticas vazam esses escudos anti-
transformaccedilotildees e tentam exemplificar outras possibilidades de outros mundos
simultacircneos e distintos que se trocam e produzem outros mundos inclusivos e
questionadores de absolutismos restringentes A batalha continua sintomaacutetica
enigmaacutetica e performaacutetica
Referecircncias ASCOTT Roy lsquoArte emergente interativa tecnoeacutetica e uacutemidarsquo Trad Cleacuteria Maria Costa Anais do 1 Encontro Internacional de Arte e Tecnologia Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 1999 p19 - p29 BARTHES Roland Image-Music-Text Trad Stephen Heath Nova York Hill and Wang 1977 BATTCOCK Gregory e NICKAS Robert eds The Art of Performance Nova York E P Duncan amp Co 1984 BLAU Herbert lsquoThe Prospect Before Usrsquo Discourse 142 1992 p 1- p 25
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DUTRA Pacircmela Goumlethel WOLFFENBUumlTTEL Cristina Rolim ACCORSI Ana Maria Bueno Estudo sobre a
participaccedilatildeo de estudantes em um grupo instrumental Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 120-
141 juldez 2016 Disponiacutevel em lthttpseerfundartersgovbrindexphpRevistadaFundarteindexgt
Estudo sobre a participaccedilatildeo de estudantes em um grupo instrumental
Pacircmela Goumlethel Dutra1 Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS
Cristina Rolim Wolffenbuumlttel2
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS
Ana Maria Bueno Accorsi3 Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS
Resumo O artigo apresenta a pesquisa com um grupo instrumental em uma escola puacuteblica municipal em TaquariRS Partiu dos questionamentos Qual o significado da participaccedilatildeo dos estudantes em um grupo instrumental Quais as expectativas dos estudantes que participam desses grupos Qual a influecircncia da muacutesica para estes participantes Quais as expectativas de estudantes familiares e comunidade escolar em relaccedilatildeo ao grupo Como ocorre o envolvimento dos familiares dos estudantes O objetivo foi compreender a importacircncia da participaccedilatildeo em um grupo instrumental escolar Constatou-se a importacircncia da participaccedilatildeo no grupo instrumental apontado por todos investigados Entende-se que esta pesquisa contribua para a construccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para a educaccedilatildeo musical nas escolas bem como para a implementaccedilatildeo da legislaccedilatildeo que dispotildee sobre a inserccedilatildeo da muacutesica no Brasil Palavras-chave Educaccedilatildeo musical grupos instrumentais muacutesica na Educaccedilatildeo Baacutesica
1 Estudante do curso de Especializaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Musical na Universidade Estadual pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul Licenciada em Pedagogia pelo Centro Universitaacuterio Leonardo da Vinci Cursando o 9ordm semestre de licenciatura em Muacutesica pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul Participou do grupo de pesquisa na Uergs intitulado Educaccedilatildeo Musical diferentes tempos e espaccedilos com linhas de pesquisas sobre processos de ensino e aprendizado em muacutesica e poliacuteticas em Educaccedilatildeo Musical Professora de muacutesica do municiacutepio de Taquari- RS desde 2013 no qual atua em atividades de Educaccedilatildeo Musical no curriacuteculo do ensino baacutesico nos anos iniciais e finais do ensino fundamental e em atividades escolares no extracurricular com aulas de instrumentos e na formaccedilatildeo de grupos instrumentais bandas marciais e coro infanto-juvenil 2 Doutora e Mestre em Educaccedilatildeo Musical pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Especialista em Informaacutetica na Educaccedilatildeo Ecircnfase em Instrumentaccedilatildeo pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul Licenciada em Muacutesica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Coordena o curso de Especializaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Musical na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul Unidade de Montenegro Eacute coordenadora da Aacuterea Muacutesica do Programa de Iniciaccedilatildeo agrave Docecircncia em Montenegro da CAPESUERGS Coordena a Comissatildeo de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo da Uergs-Montenegro orientando bolsistas de iniciaccedilatildeo cientiacutefica em muacutesica e artes da FAPERGS CNPq e UERGS Eacute coordenadora dos grupos de pesquisa registrados no CNPq Arte criaccedilatildeo interdisciplinaridade e educaccedilatildeo e Educaccedilatildeo Musical diferentes tempos e espaccedilos Coordena o Programa de Extensatildeo Universitaacuteria do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo pela Uergs Eacute Diretora Cientiacutefica da Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo Musical da Editora Prismas de Curitiba Faz parte da Comissatildeo Gauacutecha de Folclore e da Fundaccedilatildeo Santos Herrmann Eacute integrante da Academia Montenegrina de Letras ocupando a Cadeira nordm5 Faz parte da Associaccedilatildeo Montenegrina de Escritores 3 Possui graduaccedilatildeo em Letras pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul (1976) mestrado em Linguumliacutestica e Letras pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul (1999) e doutorado em Linguumliacutestica e Letras pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul (2005) Atualmente eacute professor adjunto da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul e Consultora Terapecircutica em Dependecircncia Quiacutemica Coordena o Curso de Licenciatura em Letras Portuguecircs e Literaturas de Liacutengua Portuguesa e o Curso de Especializaccedilatildeo Teoria e Praacutetica da Formaccedilatildeo do Leitor
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participaccedilatildeo de estudantes em um grupo instrumental Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 120-
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Abstract The article presents the research with an instrumental group at a municipal public school in TaquariRS The research started from the questions What is the meaning of student participation in an instrumental group What are the expectations of the students participating in these groups What is the influence of music on these participants What are the expectations of students families and the school community in relation to the group How does the involvement of the students family members occur The objective was to understand the importance of participation in a school instrumental group It was verified the importance of the participation in the instrumental group indicated by all investigated It is understood that this research contributes to the construction of public policies for music education in schools as well as for the implementation of the legislation that regulates the insertion of music in Brazil Keywords Musical education instrumental musical groups music in Basic Education
Introduccedilatildeo
As diversas possibilidades de inserccedilatildeo da muacutesica na escola conquistaram
legitimidade com a Lei nordm 11769 de 18 de agosto de 2008 Mais recentemente em
3 de maio de 2016 foi publicada a Lei nordm 13278 que incluiu artes visuais danccedila
muacutesica e teatro nos curriacuteculos dos diversos niacuteveis da Educaccedilatildeo Baacutesica A nova
legislaccedilatildeo altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional nordm 9394 de
1996 (LDB 93941996) estabelecendo um prazo de cinco anos para que os
sistemas de ensino promovam a formaccedilatildeo de professores para implantar esses
componentes curriculares nas escolas A partir dessas leis tem-se a obrigatoriedade
da inclusatildeo da muacutesica no curriacuteculo das escolas Neste sentido pode-se pensar na
diversidade dos modos de a muacutesica se configurar na escola inclusive como
atividade extracurricular Nesse sentido Wolffenbuumlttel (2014) aponta
Muitas vezes as escolas optam pelo desenvolvimento de determinadas atividades - dentre essas as musicais - em outras dimensotildees que natildeo as tradicionais relacionadas com tempos e espaccedilos curriculares Surgem assim as atividades extracurriculares como alternativas para o ensino
escolar (WOLFFENBUumlTTEL 2014 p 56)
Percebe-se portanto que as atividades musicais extracurriculares
possibilitam a inserccedilatildeo da muacutesica se assim for a opccedilatildeo da escola Poreacutem natildeo
inviabilizam a implementaccedilatildeo da muacutesica no ensino regular da mesma instituiccedilatildeo
podendo a escola oferecer tanto atividades musicais no ensino regular quanto
extracurricular
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Sobre as funccedilotildees sociais envolvidas nas praacuteticas instrumentais de grupos
musicais Bozzetto (2012) aponta a importacircncia da participaccedilatildeo de crianccedilas e jovens
em projetos que envolvam atividades musicais Em sua anaacutelise a autora afirma
A importacircncia de que projetos que satildeo erguidos com a funccedilatildeo de inserccedilatildeo social atraveacutes da muacutesica mantenham viva e coerente essa afirmativa cientes de que dar a oportunidade a uma crianccedila e jovem notadamente de camadas de baixa renda eacute abrir um mundo de possibilidades que com o tempo de convivecircncia podem se tornar uma referecircncia de mundo social para toda uma vida (BOZZETTO 2012 p 266)
Bozzetto (2012) finaliza essa discussatildeo refletindo sobre a necessidade de os
projetos sociais entenderem seu papel de inclusatildeo social destacando que a tarefa
do educador musical eacute a de ldquocontribuir para uma educaccedilatildeo musical mais justa e
humana e da importacircncia de sua inserccedilatildeo em projetos que reconheccedilam a praacutetica
musical como oportunidade de inclusatildeo socialrdquo (p 266)
Joly e Joly (2011) investigaram as praacuteticas sociais e os processos educativos
que acontecem em ambiente de orquestra No sentido das praacuteticas sociais as
autoras refletem sobre as ldquorelaccedilotildees que se estabelecem entre pessoas pessoas e
comunidade na qual se inserem pessoas e grupos grupos entre si grupos e
sociedade mais amplardquo (p 80)
De acordo com Bastiatildeo (2012) nosso paiacutes eacute multicultural possuindo vaacuterias
culturas diferentes e cada regiatildeo possui uma manifestaccedilatildeo folcloacuterica musical
proacutepria Nesse sentido o educador musical poderaacute atraveacutes da praacutetica de conjunto
trabalhar esse contexto ldquodadas a riqueza e a diversidade da muacutesica popular
brasileira ndash observam-se a valorizaccedilatildeo e a inserccedilatildeo das muacutesicas e manifestaccedilotildees da
cultura oral nos contextos acadecircmico e regular de ensinordquo (p 60)
Entende-se que atividades que envolvem grupos instrumentais nos quais a
praacutetica de conjunto estaacute inserida no seu cotidiano contemplam o que os Paracircmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) tratam sobre os objetivos de expressatildeo e
comunicaccedilatildeo em muacutesica tais como
Improvisaccedilatildeo composiccedilatildeo e interpretaccedilatildeo com instrumentos musicais tais como flauta percussatildeo etc eou vozes (observando tessitura e questatildeo de muda vocal) fazendo uso de teacutecnicas instrumental e vocal baacutesicas participando de conjuntos instrumentais eou vocais desenvolvendo autoconfianccedila senso criacutetico e atitude de cooperaccedilatildeo (BRASIL 1998 p 83)
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Ainda no que tange aos PCNs satildeo relacionados objetivos de interpretaccedilatildeo
acompanhamento recriaccedilatildeo e realizaccedilatildeo de arranjos
Arranjos de muacutesica do meio sociocultural e do patrimocircnio musical construiacutedo pela humanidade nos diferentes espaccedilos geograacuteficos eacutepocas povos culturas e etnias tocando eou cantando individualmente eou em grupo (banda canto coral e outros) construindo relaccedilotildees de respeito e diaacutelogo (BRASIL 1998 p 83)
Considerando-se a potencialidade da muacutesica na escola bem como a
existecircncia de atividades extracurriculares caracterizadas como organizaccedilotildees de
grupos instrumentais em diversas escolas alguns questionamentos surgiram Qual o
significado da participaccedilatildeo dos estudantes em um grupo instrumental Quais as
expectativas dos estudantes que participam destes grupos Qual a influecircncia da
muacutesica para esses participantes Quais as expectativas de estudantes familiares e
comunidade escolar em relaccedilatildeo ao grupo Como ocorre o envolvimento dos
familiares dos estudantes Esta pesquisa portanto objetivou compreender a
importacircncia de fazer parte de um grupo instrumental escolar
O Grupo Instrumental Investigado
A investigaccedilatildeo sobre a importacircncia da participaccedilatildeo em um grupo instrumental
escolar originou-se a partir da inserccedilatildeo de uma das autoras deste artigo como
professora de muacutesica em uma escola puacuteblica municipal em TaquariRS O foco da
pesquisa deu-se a partir dessa atuaccedilatildeo considerando-se as atividades no
contraturno escolar
Os ensaios do grupo ocorrem uma vez por semana no uacuteltimo periacuteodo do
turno da tarde apoacutes as aulas coletivas de instrumentos de sopro Contando com
catorze estudantes de 10 a 18 anos de idade a atividade oportuniza a
experimentaccedilatildeo e o manuseio de diversos instrumentos musicais permitindo muitos
aprendizados importantes para o desenvolvimento musical dos estudantes
Atraveacutes da aquisiccedilatildeo de variados instrumentos musicais o grupo tem tido a
possibilidade de fazer apresentaccedilotildees em variadas configuraccedilotildees grupais incluindo
o formato de banda marcial possibilitando aos estudantes experimentar e manusear
uma diversidade musical
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Esta praacutetica extrapola os tempos e espaccedilos escolares agregando pessoas da
comunidade bem como egressos que continuam participando das atividades
musicais O grupo instrumental faz apresentaccedilotildees locais incluindo o comeacutercio local
as instituiccedilotildees beneficentes aleacutem das demais regiotildees do municiacutepio e de fora dele
Metodologia
A proposta metodoloacutegica desta investigaccedilatildeo incluiu a abordagem qualitativa o
meacutetodo estudo de caso e entrevistas e observaccedilotildees como teacutecnicas para a coleta dos
dados A anaacutelise dos dados consistiu na anaacutelise de conteuacutedo
A Abordagem Qualitativa
Para a pesquisa foi utilizada a abordagem qualitativa Martins (2004) explica
que a ldquometodologia qualitativa mais do que qualquer outra levanta questotildees eacuteticas
principalmente devido agrave proximidade entre pesquisador e pesquisadosrdquo (p 295)
Aleacutem disso eacute a partir de cada dado coletado conforme suas caracteriacutesticas que se
faz uma interaccedilatildeo entre os conteuacutedos atraveacutes dessa interaccedilatildeo a pesquisa traz suas
impressotildees e percepccedilotildees
A razatildeo para a escolha da abordagem qualitativa para realizaccedilatildeo deste
trabalho relacionou-se ao fato de a mesma possibilitar a reflexatildeo sobre a
participaccedilatildeo dos estudantes em um grupo instrumental no contexto escolar e na
sociedade em que estatildeo inseridos
O Estudo de Caso
O estudo de caso caracteriza-se por atender a determinado objetivo atraveacutes
da investigaccedilatildeo de um caso especiacutefico Eacute muito utilizado quando se pretende
compreender explorar ou descrever acontecimentos e contextos complexos nos
quais estatildeo simultaneamente envolvidos diversos fatores Para Yin (2001) o estudo
de caso ldquocontribui de forma inigualaacutevel para a compreensatildeo que temos dos
fenocircmenos individuais organizacionais sociais e poliacuteticosrdquo (p 21)
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As Entrevistas Semiestruturadas
As entrevistas semiestruturadas permitiram aprofundar as questotildees
especiacuteficas desta pesquisa A entrevista semiestruturada eacute uma ldquoseacuterie de perguntas
abertas feitas verbalmente em uma ordem prevista mas na qual o entrevistador
pode acrescentar perguntas de esclarecimentordquo (LAVILLE DIONE p 188) Todas
as entrevistas foram realizadas na escola na qual existe o grupo instrumental em
horaacuterios previamente combinados
Ao todo foram feitas cinco entrevistas sendo as mesmas realizadas com dois
estudantes integrantes do grupo instrumental com a matildee de um dos estudantes
com a diretora da escola e com uma professora Como acontece nas entrevistas do
tipo semiestruturada seguiu-se um roteiro mas com a possibilidade de serem
acrescidas outras perguntas conforme necessaacuterio
Considerando-se a escolha dos entrevistados foram seguidos alguns
criteacuterios Selecionou-se um estudante (denominado Estudante J) que participa do
grupo desde o iniacutecio das atividades Neste caso suas informaccedilotildees poderiam
fornecer uma visatildeo geral sobre a importacircncia de participar do grupo haacute mais tempo
O outro estudante (denominado Estudante W) foi escolhido por ter ingressado
recentemente no grupo instrumental e poderia fornecer outra visatildeo a respeito desta
participaccedilatildeo Deste modo aleacutem de ambos os estudantes terem concordado com a
participaccedilatildeo na pesquisa e de terem tempo disponiacutevel para serem entrevistados
eles poderiam contribuir com as informaccedilotildees sobre sua participaccedilatildeo mas tendo
tempos de participaccedilatildeo diferentes no grupo Foi entrevistada tambeacutem a matildee do
Estudante J que participa desde o iniacutecio das atividades do grupo instrumental A
professora que participou da pesquisa foi selecionada por ser docente na escola em
que o grupo instrumental tem suas atividades aleacutem de ter lecionado para os
estudantes investigados Adicionalmente esclarece-se que a professora concordou
em fornecer a entrevista e teve tempo para a mesma Por fim a diretora foi
entrevistada por ter importantes contribuiccedilotildees para a pesquisa considerando-se sua
visatildeo como gestora da escola
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A Anaacutelise dos Dados
Para a realizaccedilatildeo da anaacutelise dos dados coletados nesta investigaccedilatildeo utilizou-
se a anaacutelise de conteuacutedo a partir da proposta de Moraes (1999) Para Moraes
(1999) a anaacutelise de conteuacutedo ldquoconstitui uma metodologia de pesquisa usada para
descrever e interpretar o conteuacutedo de toda classe de documentos e textosrdquo (p 2) A
anaacutelise de conteuacutedo viabilizou a anaacutelise dos dados transcritos tendo contato com
diversos textos corroborando a conclusatildeo da anaacutelise sobre o assunto da pesquisa
atingindo assim os objetivos
Para a realizaccedilatildeo desta anaacutelise alguns procedimentos foram necessaacuterios
como as etapas que Moraes (1999) propotildee tais como a ldquopreparaccedilatildeo das
informaccedilotildeesrdquo a qual foi feita por meio de entrevistas semiestruturadas Deve-se
salientar que as entrevistas foram gravadas no gravador de aacuteudio do celular Apoacutes a
realizaccedilatildeo das entrevistas as mesmas foram integralmente transcritas Efetuadas as
transcriccedilotildees das cinco entrevistas todas passaram pelo processo de revisatildeo e
textualizaccedilatildeo a fim de ajustar possiacuteveis inconsistecircncias de dados ou mesmo
correccedilotildees ortograacuteficas e gramaticais necessaacuterias
Para Moraes (1999) este procedimento eacute importante para iniciar o processo
de codificaccedilatildeo dos materiais estabelecendo um coacutedigo que possibilite identificar
rapidamente cada elemento da amostra de depoimentos ou documentos a serem
analisados
Todo este processo resultou na constituiccedilatildeo de um caderno denominado
Caderno de Entrevistas 2015 (C E 2015) contendo as entrevistas dos estudantes
J e W da matildee do Estudante J da professora e da diretora da escola
Posteriormente este Caderno de Entrevistas 2015 passou por uma leitura
minuciosa considerando-se o processo de ldquounitarizaccedilatildeordquo proposto por Moraes
(1999) servindo de base para as etapas subsequentes quais sejam a
categorizaccedilatildeo e a anaacutelise dos dados Aleacutem do Caderno de Entrevistas tambeacutem foi
constituiacutedo outro caderno denominado Caderno de Categorizaccedilatildeo 2015 (C C
2015) A categorizaccedilatildeo consiste em um procedimento de ldquoagrupar dados
considerando a parte comum existente entre eles Classifica-se por semelhanccedila ou
analogia segundo criteacuterios previamente estabelecidos ou definidos no processordquo
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participaccedilatildeo de estudantes em um grupo instrumental Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 120-
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(MORAES 1999 p 6) Neste caderno os dados coletados foram separados por
categorias sendo que posteriormente depois de rigorosa anaacutelise das categorias
criadas compuseram os Resultados e a Anaacutelise dos Dados juntamente com a
realizaccedilatildeo da anaacutelise fundamentada no referencial teoacuterico desta pesquisa Salienta-
se que estas atividades foram precedidas de uma cuidadosa e ampla leitura do texto
final
Aleacutem dos cadernos mencionados foi constituiacutedo um Caderno de Fotografias
2015 (C F 2015) no qual se encontram as imagens dos eventos dos quais o grupo
instrumental participou servindo como complemento para a anaacutelise dos dados
Desse modo considerando-se o material coletado e organizado resultaram
as seguintes categorias de anaacutelise Os Entrevistados A Importacircncia da Participaccedilatildeo
dos Estudantes nas Atividades do Grupo Instrumental Influecircncias de Participar em
um Grupo Instrumental para a vida dos Estudantes Participantes e Familiares
Envolvidos Expectativas em Relaccedilatildeo agraves Atividades Instrumentais Estas categorias
foram analisadas a partir de um referencial teoacuterico da educaccedilatildeo musical o qual eacute
apresentado a seguir
Referencial Teoacuterico
O referencial teoacuterico selecionado para a anaacutelise dos dados desta investigaccedilatildeo
sobre a importacircncia da participaccedilatildeo de estudantes em um grupo instrumental
escolar foi constituiacutedo por conceitos de educaccedilatildeo musical e do desenvolvimento
musical de crianccedilas e adolescentes
A Educaccedilatildeo Musical
Kraemer (2000) trata da questatildeo epistemoloacutegica da educaccedilatildeo musical dentre
outros assuntos pertinentes ao tema Define como pedagogia da muacutesica o campo da
educaccedilatildeo musical explicando que a pedagogia da muacutesica ldquodivide seu objeto com as
disciplinas chamadas ciecircncias humanas filosofia antropologia sociologia ciecircncias
poliacuteticas histoacuteriardquo Para Kraemer (2000) ldquoeacute dada a relaccedilatildeo com a musicologia
(assim como com a praacutetica da muacutesica e a vida musical)rdquo (p 52) A psicologia da
muacutesica ldquoinvestiga o comportamento musical e as vivecircncias musicaisrdquo (p 55) e a
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sociologia da muacutesica ldquoas condiccedilotildees sociais e os efeitos da muacutesica assim como
relaccedilotildees sociais que estejam relacionadas agrave muacutesicardquo (p 57)
A partir desses fatores trazidos pelo autor eacute possiacutevel constatar o quanto eacute
vasto o campo da educaccedilatildeo musical agregando a muacutesica a vaacuterias aacutereas do
conhecimento e podendo ser trabalhada dentro dessas linguagens Assim cada
aspecto tem importantes contribuiccedilotildees para o conhecimento musical num todo
Assim como a pedagogia acrescenta em sua didaacutetica e se complementa com
as outras aacutereas do conhecimento para ter mais ecircxito no ensino-aprendizagem e na
relaccedilatildeo estudante-professor podemos fazer o mesmo com a muacutesica agregando
essas aacutereas no fazer didaacutetico-musical Satildeo aacutereas que se complementam em
diversas situaccedilotildees Desse modo a muacutesica tem um papel integrador e
transdisciplinar assim como o papel da pedagogia que considera ldquoa vida humana
sob aspectos da educaccedilatildeo formaccedilatildeo instruccedilatildeo e didaacuteticardquo (KRAEMER 2000 p
60)
Eacute necessaacuterio que na muacutesica assim como na pedagogia existam esses
olhares num contexto amplo da educaccedilatildeo observando todos os aspectos relevantes
no desenvolvimento integral do estudante independente de como a disciplina estaacute
inserida na escola seja de forma curricular ou extracurricular Eacute importante que os
professores de muacutesica considerem a educaccedilatildeo musical como um todo objetivando a
formaccedilatildeo do cidadatildeo Natildeo se desconsidera a teacutecnica da execuccedilatildeo musical
igualmente importante Todavia outros conceitos que fazem parte da educaccedilatildeo
musical satildeo igualmente necessaacuterios
Englobando aspectos socioloacutegicos nos quais eacute observado o comportamento
de uma determinada sociedade e a forma com que se organizam no tempo livre e
trabalho Kraemer (2000) relaciona a muacutesica agrave sociologia explicando
A sociologia da muacutesica examina as condiccedilotildees sociais e os efeitos da muacutesica assim como relaccedilotildees sociais que estejam relacionadas com a muacutesica Ela considera o manuseio com a muacutesica como um processo social e analisa o comportamento do homem relacionado com a muacutesica em direccedilatildeo agraves influecircncias sociais instituiccedilotildees e grupos (KRAEMER 2000 p 57)
Para Swanwick (2003) eacute fundamental unir atividades de execuccedilatildeo
apreciaccedilatildeo e criaccedilatildeo para que os estudantes se desenvolvam artisticamente O foco
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reside especialmente no que acontece quando a pessoa se relaciona com muacutesica
no fazer musical
Swanwick (2003) propotildee trecircs atividades principais na muacutesica compor ouvir
muacutesica e tocaacute-la Ele reuacutene estas atividades em sua proposta conhecida no Brasil
como TECLA constituiacuteda pelo estudo da histoacuteria da muacutesica (literatura) e pela
aquisiccedilatildeo de habilidades (em inglecircs skill aquisition) denominado de teacutecnica Tem-
se assim T de teacutecnica E de execuccedilatildeo C de composiccedilatildeo L de literatura e A de
apreciaccedilatildeo E atraveacutes de sua proposta o autor aborda diversos fatores que
envolvem esse contexto Conceitos a se considerar em qualquer lugar em que o
educador musical possa estar atuando assim como os de Kraemer (2000) seja em
sala de aula anos iniciais e finais ou em um coro um grupo instrumental ou banda
escolar ou marcial com crianccedilas jovens ou adultos Onde haacute pessoas que de
alguma forma estatildeo se relacionando com muacutesica essas concepccedilotildees podem ser
utilizadas
O Desenvolvimento Musical de Crianccedilas e Adolescentes
O estudante ao se identificar com o que estaacute sendo proposto nas atividades
de ensino e aprendizagem no caso de atividades instrumentais em que o estudante
eacute considerado como um propositor e natildeo apenas plateia sentir-se-aacute responsaacutevel
pelas atividades e pelo sucesso das mesmas O estudante se sente valorizado o
que aumenta sua autoestima colabora para seu desenvolvimento pessoal no
sentido intelectual resultando familiarizaccedilatildeo e encantamento com o fazer musical
Nesse sentido Swanwick (2003) discorre sobre a importacircncia de ldquoconsiderar
o discurso musical dos alunosrdquo A partir daiacute o discurso ldquoconversaccedilatildeo musical natildeo
pode ser nunca um monoacutelogo Cada estudante traz consigo um domiacutenio de
compreensatildeo musical quando chega a nossas instituiccedilotildees educacionaisrdquo
(SWANWICK 2003 p 66)
Considerando a muacutesica como discurso ldquoprocederemos baseados na ideia de
que ela pode fazer uma diferenccedila na maneira como vivemos e como podemos
refletir sobre nossa vidardquo (SWANWICK 2003 p 78) Despertar no estudante o
encantamento com o fazer musical oportunizando a compreensatildeo dos aspectos
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musicais Swanwick (2003) explica que as ldquoteacutecnicas e manuseio de materiais
sonoros satildeo importantes mas sabemos que eles natildeo satildeo a soma total da
compreensatildeo musicalrdquo (p 67) Mesmo em grupos musicais que tecircm por base as
atividades instrumentais de aprendizagem de instrumento e praacutetica de conjunto
existem diversas possibilidades para alcanccedilar os objetivos musicais propostos
sensibilizando para a aprendizagem musical
Conforme Wolffenbuumlttel (2014) as atividades extracurriculares servem como
ldquoperspectiva de ampliaccedilatildeo das possibilidades das escolas Estudos realizados em
diferentes paiacuteses sugerem que as atividades extracurriculares satildeo capazes de
contribuir para o desenvolvimento dos alunosrdquo (p 56)
Em relaccedilatildeo agraves possibilidades musicais para desenvolver a compreensatildeo
musical Swanwick (2003) aponta a importacircncia de os estudantes terem ldquoa
oportunidade de produzir e responder agrave muacutesica em todas as camadas do discurso
musical qualquer que seja a atividaderdquo (SWANWICK 2003 p 97) As atividades
musicais em grupos instrumentais contemplam o que os PCNs sugerem para as
atividades musicais no que se refere agrave ldquoCriaccedilatildeo a partir do aprendizado de
instrumentos do canto de materiais sonoros diversos e da utilizaccedilatildeo do corpo como
instrumento procurando o domiacutenio de conteuacutedos da linguagem musicalrdquo (BRASIL
1998 p 83)
Resultados e Anaacutelise dos Dados
A partir da anaacutelise dos dados resultaram quatro categorias Os Entrevistados
A Importacircncia da Participaccedilatildeo dos Estudantes nas Atividades do Grupo
Instrumental Influecircncias de Participar em um Grupo Instrumental para a vida dos
Estudantes Participantes e Familiares Envolvidos Expectativas em Relaccedilatildeo agraves
Atividades Instrumentais
Os Entrevistados
Foram entrevistadas cinco pessoas dois estudantes a matildee de um dos
estudantes uma professora e a diretora da escola
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Um dos estudantes do grupo instrumental o Estudante J participa das
atividades musicais extracurriculares desde abril de 2013 ele iniciou com aulas de
flauta doce e apoacutes a criaccedilatildeo do grupo instrumental teve a oportunidade de
experimentar e manusear outros instrumentos musicais iniciando seus estudos no
saxofone alto o qual toca no grupo ateacute os dias de hoje Seu pai e seu avocirc tambeacutem
tocam instrumentos musicais sendo que desde crianccedila o Estudante J disse
conviver com essas audiccedilotildees tendo aprendido muacutesica e em especial as noccedilotildees de
ritmo atraveacutes do ensinamento de seus familiares (C E 2015 p 11) O Estudante J
salientou que gosta muito de escutar muacutesica sertaneja muacutesica gauacutecha e vaacuterios
outros gecircneros musicais (C E 2015 p 12)
O Estudante W que tem 18 anos de idade participa das atividades do grupo
instrumental desde junho de 2014 tendo comeccedilado a tocar o instrumento musical
metalofone apoacutes a flauta doce este estudante iniciou seus estudos no saxofone alto
desde o iniacutecio de 2015 O Estudante W continuou no grupo instrumental mesmo
apoacutes sua saiacuteda da escola devido ao teacutermino de seus estudos no Ensino
Fundamental Este estudante explicou que nunca foi reprovado mas devido a
problemas familiares parou de estudar por um determinado tempo Diferentemente
do Estudante J o Estudante W natildeo tem familiares com conhecimentos musicais
sendo o primeiro a ter contato com a muacutesica na escola (C E 2015 p 7) O
Estudante W explicou que costuma escutar muacutesica em casa todos os dias
raramente assiste agrave televisatildeo e gosta muito de ouvir muacutesica sertaneja (C E 2015
p 9) Ele relatou que quase todo o dia pratica estudos no saxofone alto ou tem
contato com o instrumento mesmo que seja somente para fazer os procedimentos
de limpeza (C E 2015 p 8)
Eacute possiacutevel apoacutes caracterizar os estudantes organizar e categorizar suas
falas apontar aspectos relativos aos seus gostos e preferecircncias musicais Nesse
sentido Swanwick (2003) postula a necessidade dessa praacutetica de ldquoconsiderar o
discurso musical dos alunosrdquo (p 66) pois estes ao se apresentarem trazem suas
identidades musicais E nesse sentido considerar o discurso musical nos ensaios
do grupo instrumental foi um dos importantes procedimentos realizados
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Em relaccedilatildeo agrave famiacutelia foi entrevistada a matildee do Estudante J o qual eacute
participante do grupo instrumental desde 2013 tambeacutem entrevistado nessa
pesquisa
Representando os professores de sala de aula dos estudantes participantes
do grupo instrumental foi entrevistada a professora do componente curricular de
matemaacutetica Ela leciona para as turmas do 5ordm ao 9ordm ano fazendo parte do processo
de ensino e aprendizagem de estudantes de diferentes faixas etaacuterias que satildeo
participantes do grupo
Por fim da equipe diretiva da escola foi entrevistada a diretora a qual ocupa
este cargo de gestatildeo desde abril de 2014 Anteriormente era vice-diretora da
escola
A Importacircncia da Participaccedilatildeo de Estudantes nas Atividades do Grupo Instrumental
A partir da realizaccedilatildeo desta pesquisa constatou-se a importacircncia que o grupo
instrumental tem na vida de todos os envolvidos com este tipo de trabalho Quer
sejam os estudantes que participam do grupo quer sejam as famiacutelias ndash nesta
pesquisa caracterizadas pela entrevista com uma matildee ndash quer sejam os professores
que trabalham com esses estudantes que estatildeo participando do grupo e com
certeza a equipe diretiva caracterizada pela diretora todos percebem esta
importacircncia Cada um do seu modo demonstrou a intensidade da importacircncia desta
participaccedilatildeo
Os estudantes percebem que ao participarem do grupo instrumental aleacutem de
gostarem eles constatam diversos aprendizados tanto musicais quanto
extramusicais A este respeito o Estudante W relatou ldquoPercebo que para mim
ajudou bastante e eu acho que as pessoas gostam do que a gente faz bem dizer
assimrdquo (C E 2015 p 7)
Em outro momento da entrevista o Estudante W explicou sobre sua
socializaccedilatildeo no grupo e em relaccedilatildeo ao rendimento escolar De acordo com seu
depoimento ldquoAcho bom fiz vaacuterias amizades tambeacutem e gosto das apresentaccedilotildees
Sinto-me bem agrave vontade E melhorei meu rendimento bastante e a aprendizagemrdquo
(C E 2015 p 7)
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Quanto agrave oportunidade que lhe foi dada em relaccedilatildeo agrave muacutesica de participar do
grupo musical o Estudante W salientou este aspecto explicando ldquoSempre gostei de
muacutesica e nunca tinha tido a oportunidade de entrar e acabei gostando muitordquo (C E
2015 p 7)
O Estudante J outro entrevistado nesta pesquisa a respeito de seu apreccedilo
pelas aulas de instrumento explicou ldquoEu gosto muito das aulas eacute bom estar aqui
[na escola] estudando muacutesica e aprendendo outros instrumentos novos isso eacute bem
legalrdquo (C E 2015 p 11)
A matildee do Estudante J explicou sobre como percebe a participaccedilatildeo de seu
filho bem como sobre o que esta participaccedilatildeo resulta na famiacutelia modificando-a
inclusive
Ele gosta muito chega a hora de vir natildeo interessa se estaacute chovendo ou se natildeo estaacute ele [seu filho] se arruma e vem [agrave escola] de qualquer jeito Ele gosta muito isso foi uma coisa que vocecircs [da escola] fizeram que foi oacutetimo neacute [] Porque ele fica faceiro chega na hora ele guarda aquele instrumento com muito carinho muito bem guardado Ele gosta muito mesmo (C E 2015 p 3)
A professora dos estudantes que participam do grupo instrumental tambeacutem
observou o reflexo desta participaccedilatildeo no seu trabalho pedagoacutegico no cotidiano da
escola Para a professora ldquoAquele comprometimento que eles tecircm com o horaacuterio da
muacutesica de aprender e tudo mais causa neles um compromisso com o resto das
disciplinas em sala de aula tambeacutemrdquo (C E 2015 p 16) A diretora da escola
tambeacutem contribuiu com a anaacutelise fornecendo importantes dados sobre a participaccedilatildeo
dos estudantes da escola no grupo instrumental De acordo com a diretora
A participaccedilatildeo dos estudantes no grupo para mim eacute acima de tudo muita emoccedilatildeo porque eu sempre acreditei no projeto tentei da melhor maneira possiacutevel focar e conseguir mecanismos para que ele pudesse existir E eu vejo que estar no grupo eacute um grande investimento para essas crianccedilas e adolescentes na construccedilatildeo integral da sua personalidade da sua maneira de pensar e de ver o mundo (C E 2015 p 14)
A diretora ainda acrescentou um comentaacuterio sobre a repercussatildeo do grupo
instrumental na comunidade ressaltando a importacircncia desse fator ao explicar
O grupo instrumental traz a questatildeo da comunidade pois natildeo ficou apenas na escola Ele foi para a comunidade local no bairro ele foi para o centro da cidade as pessoas conhecem o grupo as pessoas convidam para participar de eventos Entatildeo eu acho que para a professora de muacutesica eacute
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profissionalismo para mim eacute emoccedilatildeo e para eles eu acho que eacute um trabalho de autoestima de grande valor porque satildeo crianccedilas de uma localidade rural que nunca se imaginaria de seguir um caminho de estrada de chatildeo com um saxofone (C E 2015 p 15)
As atividades musicais existentes no grupo instrumental da escola repercutem
junto agrave comunidade escolar no seu entorno demais regiotildees do municiacutepio e fora
dele E essa repercussatildeo eacute devida ao incentivo por parte da escola aos estudos
musicais dos estudantes do grupo instrumental e aos demais estudantes da escola e
de fora da escola Isso ocorre no caso do Estudante W que jaacute concluiu seus
estudos mas permanece na escola o que incentiva os demais estudantes a
optarem pela muacutesica como profissatildeo
Observou-se uma concordacircncia entre os entrevistados quando enfatizaram a
extrema importacircncia de os estudantes participarem do grupo instrumental (C E
2015) principalmente no que diz respeito agraves funccedilotildees da muacutesica Esta anaacutelise remete
a Kraemer (2000) considerando-se as funccedilotildees da muacutesica Do mesmo modo os
aspectos socioloacutegicos e psicoloacutegicos apresentaram-se relevantes para esta anaacutelise
O relacionamento entre as pessoas desenvolvido atraveacutes das atividades musicais
no grupo instrumental apresentou-se fortemente Kraemer (2000) ao analisar as
relaccedilotildees entre as pessoas e a importacircncia que a muacutesica pode ter em suas vidas
explica que a pedagogia da muacutesica ocupa-se com ldquoas relaccedilotildees entre a(s) pessoa(s)
e a(s) muacutesica(s) sob os aspectos de apropriaccedilatildeo e de transmissatildeordquo (KRAEMER
2000 p 51) Isto foi encontrado nesse grupo bem como nas falas dos
entrevistados
Nesse sentido a partir das entrevistas realizadas que oportunizaram analisar
e correlacionar os conteuacutedos das falas ao referencial teoacuterico principalmente neste
caso como aponta Kraemer (2000) observa-se a importacircncia da muacutesica para as
pessoas bem como a potecircncia de estar em um grupo instrumental em espaccedilos
escolares
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Influecircncias de Participar de um Grupo Instrumental para a Vida dos Estudantes
Participantes e Familiares Envolvidos
Atraveacutes das entrevistas com os estudantes J e W observou-se a influecircncia
que a muacutesica exerce em suas vidas desde a entrada no grupo instrumental Neste
sentido o Estudante W explicou ldquoMinha famiacutelia apoia bastante eles gostam Em
casa eles pedem para tocar agraves vezes A voacute adora e apoia bastante sempre me
perguntando se eu tirei muacutesica nova alguma coisardquo (C E 2015 p 8)
Aleacutem disso ao comentar sobre o impacto em sua vida o Estudante W
explicou ldquoMelhorou bastante minha vida musical e familiar com isso eu me sinto
muito melhorrdquo (C E 2015 p 9) O Estudante W foi convidado a entrar no grupo
instrumental poreacutem natildeo tinha grandes expectativas musicais E foi se envolvendo
com o fazer musical despertando o interesse de aprender diversos instrumentos
musicais O Estudante W levou esse encantamento para seus familiares seus
ensaios musicais promovem satisfaccedilatildeo em sua famiacutelia promovendo uniatildeo e
interaccedilatildeo dos mesmos durante esse processo
O Estudante J externou em sua fala que ao entrar no grupo ocorreram
muitas mudanccedilas em seu modo de ser Em seu depoimento ele destacou
mudanccedilas quanto ao comprometimento e agrave pontualidade Ele observa que consegue
cumprir o que eacute solicitado pela professora estaacute estudando mais Assim ldquome ajudou
bastante ateacute na aula normal estou mais comportado fazendo todos os trabalhos
melhorrdquo (C E 2015 p 12)
Em relaccedilatildeo agrave famiacutelia a matildee do Estudante J enfatizou a grande socializaccedilatildeo e
o clima de harmonia que a famiacutelia experienciou por meio do contato de seu filho com
o instrumento musical em casa (C E 2015)
Observa-se nos depoimentos a funccedilatildeo da muacutesica no campo socioloacutegico que
vai ao encontro do que Kraemer (2000) acredita jaacute que ldquoconsidera o manuseio com
a muacutesica como um processo socialrdquo e analisa o ldquocomportamento do homem
relacionado com a muacutesica em direccedilatildeo agraves influecircncias sociais institucionais e gruposrdquo
(p 57) Eacute possiacutevel atraveacutes dos dados coletados observar a influecircncia social e
comportamental que a muacutesica exerce entre os agentes envolvidos seja no acircmbito
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familiar ou no processo de desenvolvimento intelectual dos estudantes participantes
do grupo
Nas falas da escola caracterizadas pela entrevista com a diretora e com a
professora foi possiacutevel verificar que ambas tambeacutem trataram da influecircncia que
resulta da participaccedilatildeo no grupo instrumental A professora explicou suas
observaccedilotildees quanto aos estudantes participantes do grupo instrumental feitas na
sua aula Ela leciona haacute muitos anos na escola e por isso tem um grande
conhecimento dos estudantes os tem acompanhado antes mesmo de ingressarem
no grupo instrumental Ao conhecer os estudantes ela pode analisar mais
amplamente De acordo com a professora
A gente nota uma diferenccedila bastante elevada neles Que eles se concentram mais em sala de aula e isso ajuda para o futuro deles e isso eacute muito bom Pois a gente sabe que tudo na vida precisa de concentraccedilatildeo precisa de carinho para fazer as coisas precisa de dedicaccedilatildeo E isso eu vejo enquanto eles aprendem muacutesica Eacute claro que isso reflete em sala de aula tambeacutem (C E 2015 p 17)
Foi possiacutevel constatar ao analisar a entrevista da professora no que se
relaciona agrave psicologia da muacutesica o que Kraemer (2000) explica sobre as
ldquosemelhanccedilas e diferenccedilas observaacuteveis de comportamento e da vivecircncia musicalrdquo (p
55) Assim pode-se analisar as funccedilotildees da educaccedilatildeo musical que envolvem ldquotarefas
da pedagogia da muacutesica [que] devem ser definidas juntamente com a aquisiccedilatildeo de
conhecimento compreender e interpretar descrever e esclarecer conscientizar e
transformarrdquo (KRAEMER 2000 p 66)
Os dados obtidos nas entrevistas no que diz respeito agrave participaccedilatildeo dos
estudantes no grupo instrumental tambeacutem remetem agrave importacircncia da oferta de
atividades no turno inverso escolar Nesse sentido Wolffenbuumlttel (2014) explica que
as atividades extracurriculares tecircm uma perspectiva de ampliaccedilatildeo das possibilidades
das escolas Segundo a autora as ldquoatividades extracurriculares satildeo capazes de
contribuir para o desenvolvimento dos alunosrdquo (p 56)
Expectativas em Relaccedilatildeo agraves Atividades Instrumentais
Ao longo das entrevistas os estudantes participantes do grupo instrumental
externaram suas expectativas musicais em relaccedilatildeo a esta participaccedilatildeo O Estudante
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W foi aleacutem acrescentando sua expectativa profissional De acordo com seu
depoimento ldquoEu pretendo evoluir de repente fazer uma faculdade de muacutesica que
me interessa bastante esse caminhordquo (C E 2015 p 8)
O Estudante J em sua entrevista afirmou sobre as expectativas em relaccedilatildeo agrave
participaccedilatildeo no grupo pretendendo aperfeiccediloar-se para uma melhor representaccedilatildeo
de sua escola De acordo com ele esta participaccedilatildeo se daacute no sentido de ldquofazer o
que tem que fazer natildeo deixar de ensaiar em casa e fazer o melhor Espero que
cada vez melhore para representar melhor a escola e aprender tambeacutemrdquo (C E
2015 p 12) Em suas expectativas profissionais apontou a vontade de seguir
profissionalmente na muacutesica Para ele ldquoAh se surgir alguma oportunidade eu quero
fazer uma faculdade de muacutesica neacute Quero me formarrdquo (C E 2015 p 12) Nesta
fala externada pelo Estudante J observa-se o que os PCNs sugerem em relaccedilatildeo a
um dos objetivos gerais para a muacutesica na escola qual seja adquirir ldquoconhecimento
sobre profissotildees e profissionais da aacuterea musical considerando diferentes aacutereas de
atuaccedilatildeo e caracteriacutesticas do trabalhordquo (BRASIL 1998 p 82)
A participaccedilatildeo dos estudantes no grupo instrumental eacute de suma importacircncia
o que se evidenciou em suas falas em relaccedilatildeo agraves expectativas profissionais
remetendo agraves funccedilotildees da muacutesica e da educaccedilatildeo musical nos acircmbitos psicoloacutegico e
social estando em sintonia com as anaacutelises de Kraemer (2000) apresentadas
anteriormente
Observou-se que todos os entrevistados tecircm expectativas musicais
estudantes que inclusive mencionaram pretender seguir nas atividades musicais
como profissatildeo demonstrando encantamento com o fazer musical e indicando
pretensotildees profissionais A diretora por sua vez mencionou em sua fala esperar
que o grupo instrumental cada vez se estruture mais para assim atender mais
estudantes Ela se preocupa portanto em atender agraves demandas escolares e da
comunidade
Salienta-se que todo esse envolvimento teve como ponto de partida uma
atividade extracurricular (WOLFFENBUumlTTEL 2014) E o bom desempenho do grupo
eacute advindo de vaacuterios esforccedilos sendo que a muacutesica e seu ensino atraveacutes da
educaccedilatildeo musical estaacute desempenhando suas funccedilotildees na vida dos estudantes e dos
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familiares (KRAEMER 2000) Observou-se tambeacutem a valorizaccedilatildeo dos estudantes
participantes como sujeitos propositores no trabalho pedagoacutegico-musical
(SWANWICK 2003) resultando no encantamento do fazer musical colaborando
para o desenvolvimento integral dos sujeitos envolvidos considerando-se as
atividades musicais do grupo instrumental
Consideraccedilotildees Finais
Apoacutes a realizaccedilatildeo desta pesquisa foi possiacutevel responder aos
questionamentos apresentados na introduccedilatildeo deste artigo e que nortearam esta
investigaccedilatildeo quais sejam Qual o significado da participaccedilatildeo dos estudantes em um
grupo instrumental Quais as expectativas dos estudantes que participam destes
grupos Qual a influecircncia da muacutesica para estes participantes Quais as expectativas
de estudantes familiares e comunidade escolar em relaccedilatildeo ao grupo Como ocorre
o envolvimento dos familiares dos estudantes
Quanto ao significado da participaccedilatildeo dos estudantes no grupo instrumental
observou-se que a mesma reflete diversos aspectos positivos nas vidas de todos os
envolvidos o que segundo os estudantes do grupo instrumental possui vaacuterios
significados e representaccedilotildees em seus cotidianos Para eles significa ter melhoria
no comportamento na socializaccedilatildeo no processo de ensino e aprendizagem no
comprometimento na pontualidade na concentraccedilatildeo e no conviacutevio familiar
Agregam o significado de ldquofelicidaderdquo na convivecircncia que o grupo instrumental
proporciona e ainda destacam a importacircncia de representar a escola e a
abrangecircncia desta participaccedilatildeo junto agrave comunidade Todos os entrevistados
relacionaram significados com a importacircncia de o grupo existir na escola
apontando-o como desencadeador desses diversos contextos significativos para
eles
As expectativas dos participantes deste grupo foram tambeacutem
questionamentos desta pesquisa Constatou-se que os estudantes possuem
expectativas profissionais em relaccedilatildeo agrave muacutesica quando acrescentaram o interesse
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em continuar seus estudos musicais para culminar com o ingresso em um curso
superior em muacutesica
Outro questionamento foi a influecircncia da muacutesica para os participantes deste
grupo De acordo com os dados coletados e analisados observa-se que o grupo
instrumental influencia de forma positiva suas vidas visto que foram observadas
mudanccedilas positivas pela matildee pela professora e pela diretora aleacutem dos estudantes
principalmente nas suas condutas e atuaccedilotildees no acircmbito familiar e escolar
resultando em melhorias nas relaccedilotildees sociais e no ensino e aprendizagem
As expectativas dos estudantes familiares e comunidade escolar quanto ao
grupo instrumental foi um dos questionamentos que oportunizou inuacutemeros
aprendizados no que diz respeito agrave pesquisa Observou-se que todos os
entrevistados esperam que o grupo se estruture cada vez mais para que os
benefiacutecios de participar de um grupo instrumental sejam ampliados para mais
estudantes ressaltando expectativas em relaccedilatildeo agrave evoluccedilatildeo como instrumentistas
para continuar contribuindo na qualidade e no crescimento do grupo
Por fim o envolvimento dos familiares dos participantes deste grupo foi um
questionamento que se apresentou de forma bastante marcante nesta pesquisa De
acordo com as entrevistas pocircde-se compreender o envolvimento significativo da
famiacutelia no processo de desenvolvimento musical do estudante identificou-se que a
famiacutelia participa da rotina de estudos e que proporciona momentos de integraccedilatildeo
nos ensaios de repertoacuterio dos estudantes com os demais familiares Isso
desencadeia reflexotildees sobre a importacircncia de seu filho ter contato com um
instrumento musical e de conviver em um grupo instrumental motivando-o para a
permanecircncia no mesmo
Alguns fatos surpreenderam no decorrer desta pesquisa como momentos de
emoccedilatildeo na entrevista com a diretora na fala fervorosa da matildee do Estudante J em
relaccedilatildeo agrave rotina de ensaios musicais do filho e a integraccedilatildeo familiar que promove As
entrevistadas ao responderem aos questionamentos da entrevista emocionaram-se
muito demonstrando a forte relaccedilatildeo advinda da existecircncia do grupo instrumental na
escola
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DUTRA Pacircmela Goumlethel WOLFFENBUumlTTEL Cristina Rolim ACCORSI Ana Maria Bueno Estudo sobre a
participaccedilatildeo de estudantes em um grupo instrumental Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 120-
141 juldez 2016 Disponiacutevel em lthttpseerfundartersgovbrindexphpRevistadaFundarteindexgt
Deve-se salientar tambeacutem que a pesquisa possibilitou a reflexatildeo sobre os
fazeres pedagoacutegico-musicais da professora de muacutesica atuante na escola a qual
coordena o grupo instrumental investigado Foi possiacutevel neste processo
investigativo constatar a dimensatildeo e a importacircncia desse trabalho na vida dos
estudantes identificando atraveacutes dos depoimentos analisados a responsabilidade
que os profissionais da aacuterea da educaccedilatildeo musical tecircm Eacute importante portanto que
sempre se esteja atento agraves atitudes procedimentos e metodologias utilizados pois
somos importantes neste processo para aleacutem do encantamento do fazer musical
para uma aprendizagem que contribua com a formaccedilatildeo de um ser humano integral
Ao longo da pesquisa outros dados relevantes foram coletados apontando
futuras investigaccedilotildees Desse modo resultaram novos questionamentos como O
que levou outros estudantes a desistirem de participar do grupo instrumental ao
longo de sua trajetoacuteria Qual a importacircncia de os estudantes que participam de um
grupo instrumental terem a oportunidade de manusear diversos instrumentos
musicais
Ao finalizar a investigaccedilatildeo prospecta-se que a mesma possa contribuir para a
construccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para a educaccedilatildeo musical no contexto escolar
Entende-se tambeacutem que este trabalho possa contribuir com a implementaccedilatildeo da
legislaccedilatildeo que dispotildee sobre a inserccedilatildeo da muacutesica nas escolas brasileiras e assim
somar de maneira significativa na vida dos estudantes participantes como no caso
do grupo instrumental pesquisado
Referecircncias BASTIAtildeO Zuraida Abud Praacutetica de conjunto instrumental na educaccedilatildeo baacutesica Muacutesica na Educaccedilatildeo Baacutesica Londrina v4 n4 p 58-69 novembro de 2012
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DUTRA Pacircmela Goumlethel WOLFFENBUumlTTEL Cristina Rolim ACCORSI Ana Maria Bueno Estudo sobre a
participaccedilatildeo de estudantes em um grupo instrumental Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 120-
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BRASIL Lei nordm 11769 de 16 de agosto de 2008 Altera a Lei ndeg 9394 de 20 dezembro de 1990 para dispor sobre a obrigatoriedade do ensino de muacutesica na educaccedilatildeo baacutesica Brasiacutelia 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03LEISL9394htmgt Acesso em 15 set 2015 JOLY Maria Carolina Leme JOLY Ilza Zenker Leme Praacuteticas musicais coletivas um olhar para a convivecircncia em uma orquestra comunitaacuteria Revista da ABEM Londrina v19 n26 p 79-91 jul Dez 2011 KRAEMER Rudolf Dimensotildees e funccedilotildees do conhecimento pedagoacutegico musical Em Pauta Porto Alegre v11 n 1617 p 50-73 abrnov 2000 LAVILLE Christian DIONNE Jean A construccedilatildeo do Saber manual de metodologia da pesquisa em ciecircncias humanas Porto Alegre Artmed 1999 MARTINS Heloiacutesa Helena Tde Souza Metodologia qualitativa de pesquisa Educaccedilatildeo e Pesquisa Satildeo Paulo V 30 n2 p 289-300 maioago 2004 Disponiacutevel em lt httpwwwscielobrpdfepv30n2v30n2a07pdfgt Acesso em 25 ago 2015 MORAES Roque Anaacutelise de conteuacutedo Revista Educaccedilatildeo Porto Alegre v 22 n 37 p 7-32 1999 SWANWICK Keith Ensinando muacutesica musicalmente Satildeo Paulo Moderna 2003 VENTURA Magda Maria O estudo de caso como modalidade de pesquisa Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro v 20 n 5 p 383-386 setout 2007 Disponiacutevel em lthttpsociedadescardiolbrsocerjrevista2007_05a2007_v20_n05_art10pdfgt Acesso em 15 ago 2015 WOLFFENBUumlTTEL Cristina Rolim A inserccedilatildeo da muacutesica nos projetos poliacutetico-pedagoacutegicos da educaccedilatildeo baacutesica 1ordf ed Curitiba Editora Prismas 2014 YIN Robert K Estudo de caso planejamento e meacutetodos 2ordf ed Porto Alegre Bookman 2001
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TEATRO PARA QUEM A ARTE DE TEATRAR PARA TODOS Um estudo
sobre acessibilidade cultural em espetaacuteculos teatrais no RS
Izabel Cristina da Silveira1
Fundaccedilatildeo de Arte e Cultura de Gravataiacute - FUNDARC
Resumo Este trabalho busca investigar analisar e viabilizar diaacutelogos reflexotildees e percepccedilotildees em torno do tema da acessibilidade cultural sob a oacuteptica do contexto teatral no estado do Rio Grande do Sul com um recorte pontual no municiacutepio de Porto Alegre capital do estado a fim de promover a inclusatildeo social da pessoa com deficiecircncia no acircmbito cultural Para tanto servem como suporte para anaacutelise registros pesquisa e observaccedilotildees de seis grupos de teatro do municiacutepio supracitado e suas relaccedilotildees com o assunto em pauta aleacutem de discussotildees das noccedilotildees de deficiecircncia acessibilidade e Legislaccedilatildeo vigente Palavras-chave Acessibilidade teatro inclusatildeo Abstract This work aims to investigate analyze and facilitate dialogues reflections and insights on the theme of cultural accessibility from the perspective of the theatrical context in the state of Rio Grande do Sul with a point cut in the city of Porto Alegre the state capital to promote social inclusion of persons with disabilities in the cultural sphere To serve both as support for analysis records research and observations six theater groups of the aforementioned municipality and its relations with the subject at hand in addition to discussing the shortcomings notions of accessibility and current legislation Keywords Accessibility theater inclusion
Introduccedilatildeo
[] temos o direito a ser iguais quando a nossa diferenccedila nos inferioriza e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza Daiacute a necessidade de uma igualdade que reconheccedila as diferenccedilas e de uma diferenccedila que natildeo produza alimente ou reproduza as desigualdades (Boaventura de Souza Santos 2003 p56)
A pauta da acessibilidade nos meios de comunicaccedilatildeo e equipamentos
culturais tem se configurado como um importante tema de discussatildeo e luta entre
grupos e sociedade em decorrecircncia dos direitos da pessoa com deficiecircncia Os
esforccedilos neste sentido visam natildeo apenas proporcionar o acesso a produtos
culturais a uma parcela da populaccedilatildeo que se encontra excluiacuteda como tambeacutem
estabelecer um novo patamar de igualdade baseado na valorizaccedilatildeo da diversidade
1 Coordenadora do Departamento de Artes Cecircnicas da Fundarc em Gravataiacute Diretora e professora de teatro na
Cia Teatral Tem Gente no Palco Poacutes Graduada em Acessibilidade Cultural pela UFRJ Graduada em
Licenciatura em Teatro pela UFRGS
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Ao longo dos anos essas reivindicaccedilotildees tecircm provocado diversas mudanccedilas
no comportamento social que passa a identificar a pessoa com deficiecircncia como um
sujeito pertencente agrave sociedade que possui representatividade cidadatilde e econocircmica
Esse reconhecimento gera a necessidade de mudanccedilas e adaptaccedilotildees tambeacutem nas
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas
Sendo assim o presente artigo busca trazer agrave tona tais questionamentos e
fomentar a discussatildeo do assunto problematizando e dialogando a fim de colaborar
efetivamente para a pauta da acessibilidade para todos e buscar alternativas
possiacuteveis para acessibilizar espetaacuteculos teatrais em suas apresentaccedilotildees
Para tanto realizou-se estudo praacutetico-teoacuterico junto a grupos teatrais do estado
do Rio Grande do Sul atuantes na capital Porto Alegre Optou-se por um recorte
pontual no maior centro urbano e cultural do estado com cenaacuterio teatral fortemente
constituiacutedo e onde se localiza o Curso de Graduaccedilatildeo em Teatro em uma das mais
conceituadas Universidades do Brasil ndash a Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS)
Levando-se em conta o grande nuacutemero de grupos teatrais existentes em
Porto Alegre e a impossibilidade de uma pesquisa que abranja todas as demandas
a metodologia deste trabalho teve como base uma amostragem de dados com
pesquisa e acompanhamento de 06 (seis) grupos teatrais profissionais com
empresa constituiacuteda e atuaccedilatildeo no mercado artiacutestico haacute mais de 05 (cinco) anos A
escolha se deu por conhecimento dos grupos e do trabalho que desenvolvem
levando-se em conta tambeacutem a disponibilidade dos mesmos e o contato que
possuem ou natildeo com o tema Para tanto foram selecionados entre os 06 (seis)
grupos pesquisados 02 (dois) que jaacute desenvolvem ou desenvolveram trabalhos em
acessibilidade cultural e outros 04 (quatro) que natildeo tecircm contato direto
A pesquisa caracteriza-se por seu caraacuteter qualitativo e quantitativo visando
compreender e interpretar este grupo determinado comportamento opiniotildees e
expectativas destes indiviacuteduos criando uma base de conhecimentos para depois
quantificaacute-los a partir de entrevista estruturada Este trabalho natildeo tem como intuito
apontar procedimentos certos ou errados mas levantar a problematizaratildeo da
acessibilidade no meio teatral tanto fiacutesico quanto de concepccedilatildeo instigando a
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comunidade artiacutestica e demais a refletir e perceber a necessidade de uma cultura
acessiacutevel a todos propondo ideias e atitudes que de fato promovam a inclusatildeo
social
Com um vieacutes de poliacutetica cultural o estudo levanta dados referentes agraves
poliacuteticas puacuteblicas que estatildeo sendo desenvolvidas no acircmbito da acessibilidade
cultural tendo como base a Lei Federal de Incentivo agrave Cultura (Lei Rouanet) a Lei
de Incentivo agrave Cultura do Estado do Rio Grande do Sul (LIC) e o Fundo Municipal de
Apoio agrave Produccedilatildeo Artiacutestica e Cultural do municiacutepio de Porto Alegre (Fumproarte)
procurando transitar pelas trecircs instacircncias governamentais de fomento agrave cultura no
Brasil
Para melhor fundamentaccedilatildeo alguns referenciais teoacutericos satildeo utilizados e
discutidos ao longo deste trabalho como embasamento para discussotildees acerca da
deficiecircncia e seu processo de inclusatildeo do teatro sob vieacutes acessiacutevel e da legislaccedilatildeo
vigente referente ao tema Em um segundo momento satildeo pontuados assuntos
referentes agrave acessibilidade cultural em espetaacuteculos teatrais tendo como objeto de
estudo os grupos de teatro referidos a partir de entrevistas e aplicaccedilatildeo de
questionaacuterio com perguntas objetivas e abertas sobre a temaacutetica com amostra
teacutecnica dos resultados e anaacutelise discursiva sobre os dados coletados
Entre seus objetivos especiacuteficos alguns jaacute mencionados no corpo deste texto
que serviram de norteadores para o desenvolvimento deste trabalho estatildeo traccedilar
um panoramadiagnoacutestico da inclusatildeo social e cultural da pessoa com deficiecircncia a
partir do enfoque do teatro e seus espetaacuteculos qualificar accedilotildees desenvolvidas ao
encontro das demandas de acessibilidade discutir poliacuteticas puacuteblicas e culturais a
partir da interface com mecanismos de incentivo agrave cultura como Leis e Editais
analisar as dificuldades encontradas pelos grupos pesquisados no processo de
inclusatildeo relacionar o teatro e seu caraacuteter contestador e democraacutetico com a luta por
direitos das pessoas com deficiecircncia ampliar o diaacutelogo e reconhecimento da
importacircncia da igualdade baseada na valorizaccedilatildeo da diversidade
Todos esses objetivos e questionamentos vecircm ao encontro do propoacutesito
maior desta pesquisa que se fundamenta em viabilizar a discussatildeo reflexatildeo e
percepccedilatildeo em torno da acessibilidade cultural dentro do contexto teatral no estado
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do Rio Grande do Sul promovendo assim a inclusatildeo social da pessoa com
deficiecircncia
Contextualizaccedilatildeo histoacuterica social e legal
O teatro surge antes mesmo da Greacutecia Antiga Acredita-se que jaacute na Preacute-
Histoacuteria o Homem para se comunicar representavaencenava suas accedilotildees
principalmente as caccediladas para seus familiares e amigos Era uma maneira luacutedica e
de faacutecil compreensatildeo de contar e preservar sua histoacuteria Natildeo se tinha ainda o
espetaacuteculo teatral que de fato tem sua origem na Civilizaccedilatildeo Grega mas as
primeiras manifestaccedilotildees artiacutesticas comeccedilam a surgir e mais importante que isso o
ato de se comunicar
O espetaacuteculo teatral precisa ser entendido sentido internalizado para
somente entatildeo desempenhar seu papel significador de instrumento social e cultural
Para tanto o seu ato de comunicar deve ser abrangente natildeo seletivo ou excludente
Como arte democraacutetica que eacute deve ou deveria ser para todos
Todos Como Claudia Werneck ndash jornalista escritora e militante em inclusatildeo
social ndash intitula em um dos seus livros ldquoQuem cabe no seu todosrdquo E ao usar a
palavra TODOS a autora convida o leitor a acompanhar suas certezas e anguacutestias
sobre as diretrizes e encaminhamentos da inclusatildeo no Brasil Claudia questiona
instiga potildee agrave prova o que se costuma entender e chamar de Todos A sociedade eacute
constituiacuteda por diferentes Todos totalmente distintos entre si que segundo
Werneck precisam ser ampliados e reconhecidos para entatildeo tornarem-se um
TODOS somente Um TODOS social humano ldquo[] defendo que o direito agrave
igualdade social soacute seraacute garantido com o reconhecimento e a legitimaccedilatildeo de TODAS
as diferenccedilasrdquo (WERNECK 2012 p 29)
A psicoacuteloga e professora Virgiacutenia Kastrup em seu artigo ldquoCegos e videntes se
encontram no museu da dicotomia agrave partilha do sensiacutevelrdquo (p3) reafirma a
importacircncia das diferenccedilas para a construccedilatildeo de uma sociedade mais inclusiva
Eacute preciso atentar para o fato que o mundo comum natildeo eacute feito de igualdades e identidades [] Para o mundo ser comum no sentido amplo e inclusivo ele deve comportar a heterogeneidade Natildeo apenas toleraacute-la mas honrar-se com as muacuteltiplas diferenccedilas que nele habitam (KASTRUP p3)
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O Brasil apresenta segundo uacuteltimo censo do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatiacutestica (IBGE) de 2010 cerca de 456 milhotildees de pessoas com deficiecircncia
239 da populaccedilatildeo que declara ter algum tipo de deficiecircncia Destas a deficiecircncia
visual aparece em maior nuacutemero (188) -- tendo a regiatildeo Sul do paiacutes com maior
abrangecircncia de casos -- seguida pela deficiecircncia fiacutesica (7) e depois auditiva (51)
e intelectual (14) segundo publicaccedilatildeo do Jornal Estadatildeo de 290620122
Com nuacutemeros tatildeo significativos natildeo se pode pensar que a inclusatildeo de
pessoas com deficiecircncia seja um assunto remoto ou longiacutenquo que a sociedade natildeo
esteja ciente e integrada a tal fato Mas o que acontece no campo da praacutetica eacute bem
diverso da teoria
Muito do que se pode constatar eacute que a falta de inclusatildeo da pessoa com
deficiecircncia se reafirma a partir de barreiras atitudinais fundamentadas em uma
cultura histoacuterico-social que construiu um estereoacutetipo de separaccedilatildeo entre pessoas
saudaacuteveis e pessoas ldquodoentesrdquo com problemas leia-se deficiecircncia Quebrar
tais barreiras se torna muito mais difiacutecil do que solucionar barreiras fiacutesicas palpaacuteveis
e concretas
Sob o vieacutes filosoacutefico-social
O homem em sua busca incessante por descobrir-se por encontrar seu lugar
no mundo anseia por elementos que o faccedilam sentir-se ldquovivordquo uacutetil sujeito ativo de
sua histoacuteria Os viacutenculos sociais natildeo fazem parte apenas da necessidade cataacutertica
do ser humano da sua busca por encontrar-se por pertencer a um lugar mas satildeo
tambeacutem laccedilos culturalmente construiacutedos O Homem quer e precisa se sentir parte
integrante da sociedade que o cerca Pessoas agrupam-se em torno de
pensamentos objetivos eou ideais em comum Encontrar semelhantes eacute a
certificaccedilatildeo de sua identidade eacute o natildeo se estar soacute Eacute protegerem-se em seus nichos
sociais de um mundo tantas vezes opressor desigual e competitivo
Diante de uma realidade calcada em valores descartaacuteveis natildeo eacute de se
admirar que atos de solidariedade sejam cada vez mais raros Sendo assim os
sup1 Fonte Agecircncia Brasil de 21082015 via site wwwebccombr
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viacutenculos humanos natildeo se constituem em laccedilos radicados em accedilotildees para o outro
mas sim em benefiacutecio proacuteprio O socioacutelogo Zygmunt Bauman sabiamente destaca
Os viacutenculos humanos satildeo confortavelmente frouxos mas por isso mesmo terrivelmente precaacuterios e eacute tatildeo difiacutecil praticar a solidariedade quanto compreender seus benefiacutecios e mais ainda suas virtudes morais (BAUMAN 2007 P30)
Para tanto ao se pensar em inclusatildeo se faz tambeacutem necessaacuterio aleacutem do
social e histoacuterico voltar o olhar para o intriacutenseco filosoacutefico O que leva as pessoas a
natildeo quererem enxergar o outro em suas especificidades e diversidades Alfredo
Bosi em seu livro Fenomenologia do Olhar nos apresenta este fenocircmeno e como
ele se manifesta ldquo[] o ato de olhar significa um dirigir a mente para um ato de
intencionalidade Eacute ter sua intenccedilatildeo voltada para o objeto de interesserdquo (BOSI
1988 p65) O olhar de cada um possui diferenccedilas e estas estatildeo ligadas agraves suas
vivecircncias o que se consegue captar e lhe eacute significativo O olhar para Bosi como
forma de expressatildeo que reconhece e percebe o outro em sua plenitude
Em um estudo mais intimista da fenomenologia da percepccedilatildeo atraveacutes dos
pensamentos do filoacutesofo e fenomenoacutelogo francecircs Maurice Merleau-Ponty (1908 -
1961) podemos constatar que haacute uma universalidade do sentir e sobre ela que
repousa nossa identificaccedilatildeo a constituiccedilatildeo do eu a generalizaccedilatildeo do corpo e a
percepccedilatildeo do outro onde para Ponty (1994 p 260) ldquotodo o saber se instala no
horizonte da percepccedilatildeordquo e reafirma que ldquose a percepccedilatildeo interpreta ela soacute o faz a
partir do mundo de forma sensiacutevelrdquo Pensar natildeo eacute somente razatildeo mas um refletir
sobre o mundo sensiacutevel A fenomenologia eacute uma atitude de reflexatildeo do fenocircmeno
que se mostra para noacutes na relaccedilatildeo que estabelecemos com os outros no mundo
Os fenocircmenos constituem o mundo como noacutes o experimentamos segundo nossas
experiecircncias e pensamentos Toda nossa relaccedilatildeo com o mundo natildeo teria razatildeo se
natildeo comeccedilasse pela percepccedilatildeo ou seja pelos sentidos Noacutes eacute que buscamos o
sentido daquilo que se mostra
No momento em que se deixa de perceber de olhar o outro e de fato
enxergaacute-lo em suas diferenccedilas e igualdades estes deixam de serem vistos como
possiacuteveis sujeitos de suas histoacuterias Sua autonomia eacute podada por assistencialismos
ou segregaccedilatildeo social A humanizaccedilatildeo dilui-se com a mesma intensidade com que o
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individualismo se enraiacuteza O Homem corre contra o tempo As relaccedilotildees passam a
adquirir um caraacuteter efecircmero e superficial e tudo se torna banal Natildeo basta mais
pertencer a uma sociedade eacute preciso ser o melhor aquele que corre na frente
ldquoCom mais frequecircncia ainda a exclusatildeo tende hoje a ser uma rua de matildeo uacutenicardquo
(BAUMAM 2007 p 75) Vivemos em ldquotempos liacutequidosrdquo
O cerceamento seja fiacutesico intelectual ou cultural se daacute de tal forma que o
indiviacuteduo perde sua autonomia transformando-se mecanicamente em apenas um
produto do meio O teatro surge neste contexto como um desses caminhos
possiacuteveis de serem trilhados como desmistificador de conceitos preestabelecidos
Quem faz essa pergunta ldquoqual eacute a sua utilidaderdquo deve estar atento a si mesmo a essa atitude que leva a negar o valor das aacutervores que natildeo datildeo frutos A aacutervore que natildeo daacute fruto ndash proverbialmente inuacutetil ndash se converte em algo essencial nas cidades sem oxigecircnio (BARBA 1991 p 145)
Quando o teatro entra em cena
Haacute uma diferenccedila fundamental entre a ciecircncia e a arte [] A ciecircncia atua diretamente sobre a realidade modificando-a Pelo contraacuterio a arte modifica os modificadores da sociedade transforma os transformadores (BOAL 1983)
A arte e sua estreita relaccedilatildeo com o homem e a sociedade a qual este
pertence torna-se um importante instrumento de discussatildeo e transformaccedilatildeo social
que natildeo pode ser esquecido nem perdido no emaranhado de modismos que
tendem a surgir Ao pensarmos a arte como elemento transformador capaz de
estabelecer diferentes relaccedilotildees de contextos e olhares somos remetidos agraves
possiacuteveis conexotildees e diaacutelogos que surgem a partir de sua experimentaccedilatildeo Sendo
assim o espectador deixa sua posiccedilatildeo de receptor passivo para ir ao encontro de
relaccedilotildees interativas que lhe permitam conceber seu proacuteprio conhecimento em
relaccedilatildeo agrave arte agrave obra ao espetaacuteculo
Amanda Tojal (2014 p15) a partir da anaacutelise dos processos de comunicaccedilatildeo
museoloacutegica que comeccedilam a se afirmar na sociedade contemporacircnea chama a
atenccedilatildeo para a forma de participaccedilatildeo do sujeito receptor ndash ldquo[] de uma condiccedilatildeo
anteriormente mais passiva como simples assimilador de uma mensagem ndash para
uma condiccedilatildeo mais dialoacutegica isto eacute a de um participante mais ativo no processo de
apreensatildeo e de ressignificaccedilatildeo do objeto cultural []rdquo
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Um equipamento cultural independentemente do segmento ndash museu galeria
teatro biblioteca ndash deve a priori comunicar Estabelecer essa via de comunicaccedilatildeo de
forma efetiva diante do heterogecircneo e oportunizar a qualquer pessoa o acesso e o
contato com a arte e suas manifestaccedilotildees A acessibilidade passa ou deveria passar
mais fortemente para aleacutem da acessibilidade fiacutesica e concreta gerando uma
reflexatildeo sobre como acessibilizar a comunicaccedilatildeo e a interaccedilatildeo A pessoa com
deficiecircncia deve ter atendido seu desejo de se sentir parte integrante do todo de
entender e reconhecer seu direito de pertencimento de ser ouvido de olhar para o
mundo de sentir se relacionar e acima de tudo de ter autonomia e liberdade
A acessibilidade natildeo eacute um favor que estaacute sendo feito eacute um direito de toda
pessoa com deficiecircncia Eacute garantir o direito maior e universal de toda e qualquer
pessoa de ir e vir de sua liberdade Conforme o Glossaacuterio de Acessibilidade
fornecido pelo Curso de Extensatildeo em EAD Acessibilidade em Ambientes Culturais
da UFRGS ndash Universidade Federal do Rio Grande do Sul o termo Acessibilidade
designa
Condiccedilatildeo para utilizaccedilatildeo com seguranccedila e autonomia total ou assistida dos espaccedilos mobiliaacuterios e equipamentos urbanos das edificaccedilotildees dos serviccedilos de transporte e dos dispositivos sistemas e meios de comunicaccedilatildeo e informaccedilatildeo por pessoa com deficiecircncia ou mobilidade reduzida
Sendo assim a acessibilidade cultural discussatildeo geral deste artigo eacute uma
das condiccedilotildees baacutesicas para que pessoas com algum tipo de deficiecircncia possam ter
acesso aos instrumentos e mecanismos de cultura usufruindo de suas
manifestaccedilotildees artiacutesticas
O teatro ensina contesta mostra sugere questiona natildeo se acomoda diante
do passivo do irremediaacutevel E como ainda pessoas ficam fora de suas salas
Como ainda muitas pessoas com deficiecircncia natildeo podem natildeo tecircm como assistir
usufruir de uma peccedila de teatro ir a um teatro consumir cultura viva Porque satildeo
diferentes O que deveria ser comum normal se torna o a mais o plus o
diferencial Ver espetaacuteculos teatrais acessiacuteveis eacute com dia e hora marcada
A arte teatral por si soacute jaacute apresenta uma gama de problemaacuteticas a serem
transpostas Natildeo eacute faacutecil fazer teatro como natildeo eacute faacutecil fazer cultura no Brasil Grupos
normalmente possuem orccedilamentos e recursos reduzidos para montagem de seus
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trabalhos a formaccedilatildeo de plateia eacute uma luta constante a valorizaccedilatildeo e entendimento
da profissionalizaccedilatildeo do artista tem sido uma conquista em pequenas doses Diante
desse quadro parece surgir quase como um ldquoincocircmodordquo a questatildeo da acessibilidade
cultural no meio teatral Proporcionar espetaacuteculos teatrais acessiacuteveis quando natildeo haacute
nem Casas de Teatro acessiacuteveis Quando as instacircncias governamentais acreditam
que os menores orccedilamentos e cortes devem comeccedilar pelas manifestaccedilotildees
artiacutesticas Com uma arbitrariedade latente tais questionamentos corroboram para a
divergecircncia selada entre praacutetica e teoria No entanto assim como nos lembra
Claudia Werneck em seu livro Ningueacutem mais vai ser bonzinho na sociedade
inclusiva ldquosomos cidadatildeos responsaacuteveis pela qualidade de vida do nosso
semelhante por mais diferente que ele seja ou nos pareccedila serrdquo
Tornar espetaacuteculos teatrais acessiacuteveis natildeo eacute uma tarefa faacutecil e comumente
realizada Eacute necessaacuterio um entendimento conhecimento de causa recursos e
profissionais disponiacuteveis para que natildeo se caia na vala comum do ldquofazer por fazerrdquo
Quando se estaacute interferindo tatildeo diretamente na vida de outras pessoas todo o
cuidado eacute pouco e um estudo detalhado de todas as possibilidades viaacuteveis faz a
diferenccedila no resultado final
Atualmente alguns recursos satildeo vistos como fundamentais para serem
aplicados quando a proposta eacute acessibilizar um espetaacuteculo teatral Audiodescriccedilatildeo
Libras (Liacutengua Brasileira de Sinais) Estenotipia (legenda em tempo real) Braile QR
Code (coacutedigo bidimensional) Caixa alta texto simples e contraste Reconhecimento
de palco Rampas de acesso
O Teatro Acessiacutevel passa pela aplicabilidade dessas tecnologias mas
principalmente e fundamentalmente pela quebra das barreiras atitudinais frente agrave
percepccedilatildeo destas questotildees A ldquoEscola de Genterdquo Organizaccedilatildeo Natildeo Governamental
fundada em 2002 por Claacuteudia Werneck no Rio de Janeiro trabalha haacute bastante
tempo o tema da inclusatildeo e tem no teatro na representaccedilatildeo teatral um grande
propagador de luta e difusor dos direitos da pessoa com deficiecircncia no Brasil Tem
como objetivo transformar poliacuteticas puacuteblicas em poliacuteticas inclusivas para que
pessoas com e sem deficiecircncia exerccedilam seus direitos humanos desde a infacircncia
Em 2003 O Grupo Teatro Acessiacutevel ldquoOs Inclusos e os Sisosrdquo da ldquoEscola de
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Genterdquo foi criado como meio de mobilizaccedilatildeo pela diversidade inclusatildeo e
acessibilidade Em 2011 a ldquoEscola de Genterdquo idealizou a campanha ldquoTeatro
Acessiacutevel Arte Prazer e Direitosrdquo e produziu o primeiro espetaacuteculo infantojuvenil
com total acessibilidade no paiacutes o musical rock Um Amigo Diferente que se
tornou o siacutembolo da Campanha Teatro Acessiacutevel Arte Prazer e Direitos
Em 2013 entrou em vigor o Projeto de Lei 61292013 de autoria dos
deputados federais Jean Wyllys Jandira Feghali Mara Gabrilli e Rosinha Adefal
que institui o dia 19 de setembro como o ldquoDia Nacional do Teatro Acessiacutevelrdquo Para os
autores do Projeto ldquoa data ajudaraacute a divulgar a cultura por meio de atividades
cecircnicas que utilizem praacuteticas de acessibilidade fiacutesica e comunicativa a pessoas com
deficiecircnciardquo3
Accedilotildees concretas sendo pensadas e realizadas para o desenvolvimento de
poliacuteticas puacuteblicas que estejam ao encontro de praacuteticas acessiacuteveis no contexto teatral
e cultural
Leis e poliacuteticas puacuteblicas
Por muito tempo as pessoas com deficiecircncia foram vistas como um problema
familiar social e cliacutenico Consideradas ldquoaberraccedilotildeesrdquo de puniccedilotildees divinas ou doentes
incapazes essas pessoas tecircm lutado por seus direitos e conquistas de cidadania
principalmente por ocuparem seu lugar de sujeitos ativos na sociedade a que
pertencem
Por ainda muito se pensar ser um problema familiar e natildeo social a sociedade
vem deixando de dar o suporte necessaacuterio agraves pessoas com deficiecircncia quando o
que se tem eacute uma ldquodiacutevida humana e socialrdquo para com as mesmas
Simplesmente fechar os olhos e fingir natildeo estar vendo tapar os ouvidos e se
isentar de qualquer responsabilidade natildeo resolve o problema Ter acesso aos
instrumentos culturais agrave cultura eacute um direito universal e constitucional de todo e
qualquer cidadatildeo ldquoA Constituiccedilatildeo Brasileira eacute inclusiva [] natildeo eacute integradora
porque natildeo admite que apenas em determinadas condiccedilotildees o exerciacutecio dos direitos
3 Disponiacutevel em ltwwwcamaralegbrgt Acesso em 03 de julho de 2014
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humanos seja observado exercido exigidordquo (WERNECK 2012 P 62) Conforme
afirmaccedilatildeo do Artigo 215 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
Art 215 O Estado garantiraacute a todos o pleno exerciacutecio dos direitos culturais e acesso agraves fontes da cultura nacional e apoiaraacute e incentivaraacute a valorizaccedilatildeo
e a difusatildeo das manifestaccedilotildees culturais
A inclusatildeo da pessoa com deficiecircncia e mais especificamente o tema da
Acessibilidade Cultural tem conquistado seu espaccedilo diante do poder puacuteblico e
poliacutetico Leis de direitos satildeo aprovadas discussotildees traccediladas e reivindicaccedilotildees
formuladas A Lei Brasileira de Inclusatildeo da Pessoa com Deficiecircncia Lei 131462015
foi uma das grandes conquistas na luta pela inclusatildeo onde especifica em seu
capiacutetulo IX e artigo 42 que
A pessoa com deficiecircncia tem direito agrave cultura ao esporte ao turismo e ao lazer em igualdade de oportunidades com as demais pessoas sendo-lhe garantido o acesso I - a bens culturais em formato acessiacutevel II - a programas de televisatildeo cinema teatro e outras atividades culturais e desportivas em formato acessiacutevel
Sendo assim na legislaccedilatildeo mais recente que temos de defesa dos direitos da
pessoa com deficiecircncia em nosso paiacutes haacute a garantia por parte destes ao acesso
agraves atividades culturais entre elas o teatro Lei esta que origina o Estatuto da
Pessoa com Deficiecircncia ldquoum dos mais importantes instrumentos de emancipaccedilatildeo
civil e social dessa parcela da sociedaderdquo segundo o Senador Paulo Paim (autor da
Lei) que entrou em vigor no dia 02 de janeiro de 2016 O Estatuto da Pessoa com
Deficiecircncia traz regras e orientaccedilotildees para que os direitos dessa parcela da
populaccedilatildeo sejam garantidos e estabelece puniccedilotildees para atitudes discriminatoacuterias ldquoO
documento consolida as leis existentes e avanccedila nos princiacutepios da Cidadaniardquo
reitera Paim
Em seu Capiacutetulo IX ndash Do Direito agrave Cultura ao Esporte ao Turismo e ao Lazer
Art 43 prevecirc ldquoO poder puacuteblico deve promover a participaccedilatildeo da pessoa com
deficiecircncia em atividades artiacutesticas intelectuais culturais esportivas e recreativas
com vistas ao seu protagonismordquo
Outro importante marco legislatoacuterio no referente agrave acessibilidade cultural eacute o
Plano Nacional de Cultura (PNC) ldquoinstituiacutedo pela Lei 12343 de 02 de dezembro de
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2010 tem por finalidade o planejamento e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
longo prazo (ateacute 2020) voltadas agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da diversidade cultural
brasileirardquo (Ministeacuterio da Cultura)
Em especial a Meta 29 do Ministeacuterio da Cultura que se refere agrave
acessibilidade de espaccedilos e instrumentos culturais afirmando que
100 de bibliotecas puacuteblicas museus cinemas teatros arquivos puacuteblicos e centros culturais devem atender aos requisitos legais de acessibilidade e desenvolver accedilotildees de promoccedilatildeo da fruiccedilatildeo cultural por parte das pessoas com deficiecircncia
Seguindo a linha de referenciais norteadores no tema da acessibilidade
temos como leitura obrigatoacuteria a publicaccedilatildeo do livro Nada sobre noacutes sem Noacutes
relatoacuterio final da Oficina Nacional de Indicaccedilatildeo de Poliacuteticas Puacuteblicas Culturais para
Inclusatildeo de Pessoas com Deficiecircncia que se realizou na cidade do Rio de Janeiro
no periacuteodo de 16 a 18 de outubro de 2008 numa parceria da Secretaria da
Identidade e da Diversidade Cultural do Ministeacuterio da Cultura (SIDMinC) com a
Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Ministeacuterio da Sauacutede e com apoio da Caixa
Econocircmica Federal (CEF) Esta Oficina foi destinada a artistas gestores puacuteblicos
pesquisadores e agentes culturais da sociedade civil representativos do campo da
produccedilatildeo cultural das pessoas com deficiecircncia Conforme consta na introduccedilatildeo
desta publicaccedilatildeo o objetivo dessa oficina foi
Indicar diretrizes e accedilotildees no sentido de contribuir para a construccedilatildeo de poliacuteticas culturais de patrimocircnio difusatildeo fomento e acessibilidade para pessoas com deficiecircncia A oficina foi constituiacuteda a partir de um processo participativo e por isso adotamos o lema lsquoNada sobre Noacutes sem Noacutesrsquo
Por fim um dos documentos mais significativos de orientaccedilatildeo para poliacuteticas
puacuteblicas direcionadas agraves pessoas com deficiecircncia eacute a Convenccedilatildeo dos Direitos das
Pessoas com Deficiecircncia da ONU de 2008 em que o Brasil eacute um dos paiacuteses
signataacuterios ou seja aceitou estar juridicamente vinculado agrave obrigaccedilatildeo de tratar as
pessoas com deficiecircncia como sujeitos de direito com direitos bem definidos tal
como qualquer outra pessoa A Convenccedilatildeo eacute um Tratado Internacional de Direitos
Humanos aprovado na Assembleia Geral da ONU em 13 de dezembro de 2006 e
assinado pelo Brasil em 30 de marccedilo de 2007 Entrou em vigor em 03 de maio de
2008 apoacutes ter sido ratificado por 20 (vinte) paiacuteses membros das Naccedilotildees Unidas Eacute
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um instrumento que reafirma os princiacutepios universais (dignidade integralidade
igualdade acessibilidade e natildeo discriminaccedilatildeo) a todos os cidadatildeos em particular agraves
pessoas com deficiecircncia Tem como objetivo promover proteger e assegurar o
exerciacutecio pleno de todos os direitos humanos e fundamentais por parte de todas as
pessoas com deficiecircncia e promover o respeito pela sua dignidade
Metodologia A partir de uma pesquisa praacutetica teoacuterica 06 (seis) grupos de teatro do
municiacutepio de Porto Alegre no estado do Rio Grande do Sul foram entrevistados
respondendo um questionaacuterio com perguntas objetivas e abertas e instigados a
dialogar sobre a pauta da acessibilidade cultural no meio teatral Para uma base
analiacutetica e de avaliaccedilatildeo com os referidos grupos o estudo daraacute conta
primeiramente de discutir as Leis de Incentivo agrave Cultura uma federal ndash Lei Rouanet
uma estadual ndash LIC e um Fundo Municipal de Apoio agrave Produccedilatildeo Artiacutestica e Cultural
do municiacutepio de Porto Alegre ndash FUMPROARTE transitando assim pelas trecircs
esferas governamentais
A Lei Federal de Incentivo agrave Cultura (Lei nordm 8313 de 23 de dezembro de
1991) eacute a lei que institui poliacuteticas puacuteblicas para a cultura nacional atraveacutes do
Programa Nacional de Apoio agrave Cultura (Pronac) O grande diferencial da Lei
Rouanet eacute o mecanismo de incentivos fiscais em deduccedilotildees do Imposto de Renda
(IR) fornecidos agraves empresas (pessoas juriacutedicas) e cidadatildeos (pessoas fiacutesicas) que
invistam em accedilotildees culturais em um percentual de 4 e 6 respectivamente
A Lei surgiu com o intuito de fomentar e estimular as empresas e cidadatildeos a
investirem em cultura aleacutem de efetivamente promover poliacutetica cultural em
acessibilidade Conforme sua Instruccedilatildeo Normativa Nordm 1 de 24 de junho de 2013
para propostas e projetos culturais define em seu Art 3ordm as medidas de
acessibilidade que devem ser observadas
XI ndash medidas de acessibilidade intervenccedilotildees que objetivem priorizar ou facilitar o livre acesso de idosos e pessoas com deficiecircncia ou mobilidade reduzida assim definidos em legislaccedilatildeo especiacutefica de modo a possibilitar-lhes o pleno exerciacutecio de seus direitos culturais por meio da disponibilizaccedilatildeo ou adaptaccedilatildeo de espaccedilos equipamentos transporte comunicaccedilatildeo e quaisquer bens ou serviccedilos agraves suas limitaccedilotildees fiacutesicas
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sensoriais ou cognitivas de forma segura de forma autocircnoma ou acompanhada []
Jaacute na Lei de Incentivo agrave Cultura do Estado do Rio Grande do Sul (LIC) natildeo haacute
referecircncias ao campo da acessibilidade Em sua Instruccedilatildeo Normativa Nordm 01 de 29
de fevereiro de 2016 da Secretaria da Cultura do Estado (SEDAC) natildeo haacute qualquer
menccedilatildeo ao tema A LIC assim como o FAC ndash Fundo de Apoio agrave Cultura fazem
parte do Sistema Unificado PROacute-CULTURA do RS programa que consiste no apoio
e fomento agraves atividades culturais do estado
Poderatildeo ser beneficiados pela LIC projetos culturais nas aacutereas de artes
plaacutesticas e grafismos artes cecircnicas e carnaval de rua cinema e viacutedeo literatura
muacutesica artesanato e folclore acervo e patrimocircnio histoacuterico e cultural
Aprovada e sancionada em 19 de agosto de 1996 a Lei Nordm 10846 (LIC)
institui a deduccedilatildeo fiscal de ICMS em ateacute 75 do valor aplicado pela empresa em
projetos culturais sendo os outros 25 repassados pelo patrocinador ao FAC
instituiacutedo pela Lei Nordm 11706 de 18 de dezembro de 2001 que tem por finalidade
financiar projetos culturais em 100 do seu valor e fomentar a produccedilatildeo artiacutestico-
cultural do Rio Grande do Sul mas tambeacutem natildeo apresenta criteacuterios referentes agrave
acessibilidade de forma obrigatoacuteria em seus editais destinados agraves Artes Cecircnicas
mais especificamente agrave aacuterea do teatro
O Fundo Municipal de Apoio agrave Produccedilatildeo Artiacutestica e Cultural do municiacutepio de
Porto Alegre (FUMPROARTE) que eacute gerido pela Secretaria Municipal da Cultura
deste municiacutepio foi criado como forma de apoio agrave produccedilatildeo artiacutestica local com a
finalidade de financiar projetos de bolsas de pesquisa e de produccedilatildeo artiacutestico-
cultural Criado pela Lei Nordm 7328 de 04 de outubro de 1993 o FUMPROARTE abre
normalmente dois concursos anuais que satildeo divulgados atraveacutes de editais puacuteblicos
Podem concorrer ao Edital de Projetos apresentados pessoas fiacutesicas ou juriacutedicas
que proponham accedilotildees em qualquer aacuterea cultural
Analisando seu uacuteltimo edital de 2015 eacute possiacutevel observar que no capiacutetulo 4
Inscriccedilatildeo no item 43 Retorno de Interesse Puacuteblico no subitem 434 consta que ldquoos
projetos poderatildeo contemplar ainda accedilotildees de promoccedilatildeo de acessibilidade para
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pessoas com deficiecircncia []rdquo O que evidencia a sua natildeo obrigatoriedade
(ldquopoderatildeordquo) do criteacuterio ldquoacessibilidaderdquo para avaliaccedilatildeo dos projetos
Propondo um melhor entendimento e relaccedilatildeo com os resultados obtidos na
pesquisa os grupos entrevistados seratildeo aqui brevemente contextualizados
Grupo Las Brujas Cia de Teatro e Feiticcedilos
Tempo de atuaccedilatildeo 05 anos Integrantes 07 pessoas
O grupo surge em 2011 e em 2012 criou o espetaacuteculo infantil ldquoA Menina do
Cabelo Vermelhordquo que atraveacutes de sua personagem ldquoFiloacuterdquo busca trabalhar a
diversidade e inclusatildeo Em 2013 o grupo firmou uma parceria com a OVNI
Acessibilidade Universal ndash empresa com sede em Porto AlegreRS que produz
audiodescriccedilatildeo (AD) e legendas para surdos e ensurdecidos (LSE) ndash e consolidou-
se como o primeiro trabalho de teatro infantil da Regiatildeo Sul a proporcionar recurso
de audiodescriccedilatildeo aberta (onde natildeo satildeo utilizados aparelhos individuais para a
recepccedilatildeo) em suas sessotildees Aleacutem de audiodescriccedilatildeo em 2014 o espetaacuteculo teve
sessotildees com traduccedilatildeo simultacircnea em Libras ndash Liacutengua Brasileira de Sinais -- para
pessoas com deficiecircncia auditiva e distribuiacuteram livros e aacuteudios-livro ao puacuteblico
presente
Teatro Sarcaustico
Tempo de atuaccedilatildeo 12 anos Integrantes 13 pessoas
Com uma formaccedilatildeo de 12 (doze) anos o grupo que surgiu dentro do
Departamento de Arte Dramaacutetica da UFRGS jaacute tem um longo caminho de trabalhos
e espetaacuteculos montados notoriamente reconhecidos pelo puacuteblico e criacutetica Sua linha
de trabalho estaacute embasada no corpo e suas manifestaccedilotildees improvisaccedilotildees intensas
textos e criaccedilotildees proacuteprias
Uma das coordenadoras do grupo comenta que ele esteve sempre tatildeo
preocupado em trabalhar se autossustentar por tratar-se de um grupo
independente que a questatildeo da acessibilidade lhes passou ldquobatidordquo Algo novo para
se pensar mas que nunca realizaram nenhuma accedilatildeo contemplando a temaacutetica e a
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falta de recursos e orccedilamentos por si soacute jaacute eacute um grande complicador para
acessibilizar espetaacuteculos
Apesar de natildeo trabalharem direto com a questatildeo da acessibilidade o grupo
estaacute preocupado em discutir e dialogar sobre a diversidade a exclusatildeo Um dos
seus uacuteltimos espetaacuteculos uma montagem infantil ndash ldquoFranky Frankenstein um
Divertido conto de Terror sobre Amizaderdquo - aborda a ldquodiferenccedilardquo a diversidade no
mundo atual
Rococoacute Produccedilotildees Artiacutesticas e Culturais
Tempo de atuaccedilatildeo 05 anos Integrantes 02 coordenadores + 10 colaboradores
diretos
A empresa e grupo de teatro Rococoacute surgem a partir de dois atores e
bailarinos que trabalham em uma linha de investigaccedilatildeo da cultura tradicionalista
gauacutecha pluralidades de linguagens e formaccedilatildeo de plateia atraveacutes de editais
prefeituras SESC educaccedilatildeo escolas oficinas e assessoria em projetos culturais
Seu uacuteltimo espetaacuteculo ldquoEra uma vezContos Lendas e Cantigasrdquo do Projeto
ldquoA Visita da Fantasiardquo eacute bastante narrativo o que acredita Henrique ajuda que
pessoas com deficiecircncia visual possam entendecirc-lo melhor Fazem tambeacutem
reconhecimento de palco cenaacuterio figurinos quando haacute alguma deficiecircncia visual
Mas Henrique expressa a dificuldade de conhecimento que se tem sobre
acessibilidade no meio artiacutestico de entendimento ldquoNatildeo se pensa no assunto natildeo
enxergamosrdquo Disse que chegaram a pensar somente quando o espetaacuteculo jaacute estava
circulando
Grupo Trilho de Teatro Popular
Tempo de atuaccedilatildeo 10 anos Integrantes 05 pessoas
O Grupo Trilho trabalha essencialmente na linha social e didaacutetica de Bertolt
Brecht e do clown nas oficinas e montagens de seus espetaacuteculos Satildeo um grupo
independente que participa de editais mas seus orccedilamentos partem mais da venda
de espetaacuteculos e oficinas
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Um dos coordenadores e fundadores do grupo fala de nunca terem
trabalhado a questatildeo da acessibilidade e nem pensarem em aplicaacute-la por
desconhecimento do assunto pela falta de recursos financeiros e por serem outras
as demandas tratadas pelo grupo mesmo que de minorias como preconceito
racismo sexualidade gecircnero a pauta da deficiecircncia nunca esteve presente
Apesar de natildeo trabalharem diretamente com acessibilidade Daniel frisa que o
teatro de rua muito presente nos espetaacuteculos do grupo por sua democratizaccedilatildeo eacute
em partes mais acessiacutevel
Associaccedilatildeo Cultural Depoacutesito de Teatro
Tempo de atuaccedilatildeo 20 anos Integrantes 06 pessoas
O Grupo Depoacutesito do Teatro eacute uma entidade cultural sem fins
lucrativos fundada em 1996 Durante todos seus anos de atuaccedilatildeo produziu e
montou mais de 25 espetaacuteculos profissionais reconhecidos pela criacutetica e puacuteblico
conquistando inuacutemeras indicaccedilotildees e precircmios do Trofeacuteu Accedilorianos e Tibicuera da
Prefeitura de Porto Alegre
O grupo tem como um de seus principais objetivos a ldquotroca humana a
constituiccedilatildeo de sujeitos criativos autecircnticos e profundamente sensiacuteveisrdquo relata o
diretor e fundador da Associaccedilatildeo Cultural Depoacutesito de Teatro Poreacutem afirma
tambeacutem nunca terem trabalho acessibilidade ou com recursos acessiacuteveis em seus
espetaacuteculos ou oficinas
Grupo Signatores (Teatro com Surdos)
Tempo de atuaccedilatildeo 06 anos Integrantes 14 pessoas
O Signatores eacute um grupo de teatro biliacutengue sendo a primeira liacutengua a Liacutengua
Brasileira de Sinais (LIBRAS) e a segunda o Portuguecircs E os membros do grupo
satildeo pesquisadores e professores especialistas na aacuterea de Educaccedilatildeo e Artes da
Comunidade Surda
Todos os seus espetaacuteculos satildeo representados por atores surdos em LIBRAS
e acompanhados por personagens narradores aacuteudio em Portuguecircs Os espetaacuteculos
apresentados pelo grupo foram ldquoAventuras no Reino Surdordquo ldquoMemoacuteria na Ponta dos
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Dedosrdquo ldquoO ensaio de Alicerdquo e ldquoAlice no Paiacutes das Maravilhasrdquo O grupo jaacute foi
contemplado com vaacuterios Editais a niacutevel municipal e estadual e financiamento
atraveacutes da Lei Rouanet
Em entrevista com a diretora ela pontua as diretrizes de trabalho do
Signatores Este que tem se mostrado um grupo bastante atuante no Estado quando
o assunto eacute inclusatildeo social acessibilidade e diversidade ldquoA proposta do Grupo
Signatores eacute incentivar a formaccedilatildeo de docentes e pesquisadores na aacuterea teatral e
aproximar jovens e adultos surdos dos palcos investigando as possibilidades de
criaccedilatildeo artiacutestica dos surdos [] invertendo a loacutegica vigenterdquo
Resultados de dados
Com base no questionaacuterio aplicado no acompanhamento e entrevistas aos
grupos surgem os diferentes questionamentos quanto ao entendimento e
conhecimento sobre questotildees referentes agrave acessibilidade e suas legislaccedilotildees assim
como aplicabilidade dos recursos acessiacuteveis O Graacutefico 1 denota que a maioria dos
grupos entrevistados jaacute teve contato com tema sobre acessibilidade cultural
(pergunta 1) e em uma quase equivalecircncia jaacute trabalhou com pessoas com
deficiecircncia ou teve acesso a recursos acessiacuteveis (perguntas 2 e 3) Em sua maioria
jaacute participou de algum edital de Lei de Incentivo agrave cultura (pergunta 4)
GRAacuteFICO 1
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Jaacute no Graacutefico 2 evidencia-se o desconhecimento de Poliacuteticas Puacuteblicas e
Legislaccedilatildeo sobre o tema da acessibilidade cultural (perguntas 5 e 8) As perguntas 6
e 7 referem-se respectivamente agrave existecircncia de grupos de teatro que trabalham
com recursos acessiacuteveis em seus projetos e se haacute Casas de Teatro acessiacuteveis em
Porto Alegre Todos os grupos pontuaram a falta de um conhecimento maior e
percepccedilatildeo em relaccedilatildeo ao assunto pautado e natildeo se consideram ldquoacessiacuteveisrdquo de
forma plena e eficaz Evidenciou-se o interesse de todos em pensar discutir e
aprender mais sobre acessibilidade
GRAacuteFICO 2
Conclusotildees
Com base nos resultados obtidos com as pesquisas e discussotildees pode-se
avaliar que poliacuteticas puacuteblicas que garantam os direitos culturais das pessoas com
deficiecircncia devem transitar por todas as esferas governamentais e natildeo ficarem
restritas ao acircmbito burocraacutetico que muitas vezes as consolidam O diaacutelogo entre
poder puacuteblico Instituiccedilotildees e gestores culturais eacute de cunho fundamental para a
articulaccedilatildeo de propostas e medidas inclusivas que de fato consolidem-se no cenaacuterio
cultural
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O que temos visto ainda eacute uma consciecircncia social muito enraizada e que
precisa ser constantemente trabalhada em barreiras atitudinais que natildeo permitem
ampliar a visatildeo quando o que estaacute em pauta satildeo as deficiecircncias Sabemos que
atraveacutes da cultura e educaccedilatildeo caminharemos para um futuro mais promissor com
menos desigualdades sociais menos violecircncia mais possibilidades ldquoO teatro
permite a construccedilatildeo de mentes mais livres e de cidadatildeos mais esclarecidos e
ativosrdquo (VIGANOacute 2006 p 36)
O olhar sentir o outro satildeo premissas baacutesicas para o comunicar Natildeo haacute
construccedilatildeo de relaccedilotildees sociais e humanas se natildeo houver o reconhecimento do outro
como parte integrante de nossas vidas
Natildeo basta um pouco de eacutetica uma pitada de cidadania toques de cumplicidade um quecirc de direitos fundamentais Sempre que discutirmos estes assuntos agraves uacuteltimas consequecircncias estaremos colaborando para resolver a principal questatildeo incluir pessoas com deficiecircncia [] no TODOS social incondicionalmente (WERNECK 2012 p 27)
Referecircncias BARBA Eugenio Aleacutem das ilhas flutuantes Campinas SP Hucitec 1991 BAUMAN Zygmunt Tempos Liacutequidos Rio de Janeiro Jorge Zahar 2007 BOAL Augusto 200 exerciacutecios e jogos para o ator e o natildeo-ator com vontade de dizer algo atraveacutes do teatro 5ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo SA 1983 BOSSI Alfredo Fenomenologia do olhar In BOSSI A O Olhar Satildeo Paulo Companhia das Letras 1988 BRASIL Ministeacuterio da Cultura As metas do Plano Nacional de Cultura Brasiacutelia Ministeacuterio da Cultura 2012 Disponiacutevel em lt httpswwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102010leil12343htmgt Acesso em 21 de dezembro de 2016 BRASIL Constituiccedilatildeo Federal 1988 BRASIL Convenccedilatildeo dos Direitos das Pessoas com Deficiecircncia da ONU 2008 Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2007-20102009DecretoD6949htmgt Acesso em 21 de dezembro de 2016
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KASTRUP Virinia Vergara Luiz Guilherme Cegos e videntes se encontram no museu da dicotomia agrave partilha do sensiacutevel Ineacutedito MERLEAU-PONTY Maurice Fenomenologia da Percepccedilatildeo Martins Fontes 1994 Oficina Nacional de Indicaccedilatildeo de Poliacuteticas Puacuteblicas Culturais para Inclusatildeo de Pessoas com Deficiecircncia Nada sobre noacutes sem noacutes Relatoacuterio final 16 a 18 de outubro de 2008 Rio de janeiro Rj ENSPFIOCRUZ 2009 SANTOS Boaventura de Sousa Reconhecer para libertar os caminhos do cosmopolitanismo multicultural Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 TOJAL Amanda Pinto da Fonseca Comunicaccedilatildeo museoloacutegica e accedilatildeo educativa inclusiva mudanccedila de paradigmas In CARDOSO Eduardo CUTY Jeniffer (Org) Acessibilidade em ambientes culturais relatos de experiecircncias Porto Alegre Marcavisual 2014 VIGANOacute Suzana Schmidt As regras do jogo a accedilatildeo sociocultural em teatro e o ideal democraacutetico Satildeo Paulo Hucitec 2006 WERNECK Claudia Ningueacutem mais vai ser bonzinho na sociedade inclusiva Rio de Janeiro Editora WVA 2009 WERNECK Claudia Quem cabe no seu todos Rio de Janeiro Editora WVA 2006
REVISTA DA FUNDARTE Uma publicaccedilatildeo semestral da Editora da Fundaccedilatildeo Municipal de Artes de Montenegro - Ano 16 nuacutemero 32 julhojdezembro 2016
Fundaccedilatildeo Municipal de Artes de Montenegro-FUNDARTE
Legario Guilherme Nabinger - Presidente do Conselho Teacutecnico Deliberativo
Andreacute Luis Wagner- Diretor Executivo Julia Maria Hummes - Vice-diretora Executiva
Priscila Mathias Rosa ndash Vice-diretora Executiva
Maacutercia Moura Cordeiro Pessoa Dal Bello Vanessa Longarai Rodrigues
Coordenaccedilatildeo da Ediccedilatildeo
Julia Maria Hummes (FUNDARTERS) Maacutercia Moura Cordeiro Pessoa Dal Bello
(FUNDARTERS) Vanessa Longarai Rodrigues (FUNDARTERS)
Marco Tuacutelio (FUNDARTERS) Carine (FUNDARTERS)
Cristina Rolim Wolffenbuumlttel (UERGSRS) Maria Isabel Petry Kehrwald
Comissatildeo Editorial
Luciana Prass (UFRGSRS)
Carmen Luacutecia Capra (UERGSRS)
Edgardo Hugo Martinez (UNLSANTA FE)
Maria Eduarda Ferreira Coquet (UNIVERSIDADE DO MINHOPORTUGAL)
Andrea Hofstaeter (UFRGSRS)
Flavia Pilla do Valle (UFRGSRS)
Federico Gariglio (UNLSANTA FE)
Ana Maria Haddad Baptista (UNINOVESP)
Gilberto Icle (UFRGSRS)
Maria Cecilia de Araujo Rodrigues Torres (IPARS)
Comissatildeo Cientiacutefica
Capa Estevatildeo Dornelles Concepccedilatildeo Estevatildeo Dornelles Priscila Mathias
Rosa Deacutebora Brandt Alencastro Rodrigo Kochemborger e Janaiacutena Kremer
Direccedilatildeo Estevatildeo Dornelles Fotografia Ursula Jahn
Elenco Patrick Aozani Moraes Composiccedilatildeo Graacutefica Estevatildeo Dornelles
Vanessa Longarai Rodrigues
Editoraccedilatildeo Eletrocircnica
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Revista da FUNDARTE
Montenegro Ano 16 N 32 JulhoDezembro2016
Periodicidade Semestral
Eacute permitida a reproduccedilatildeo dos artigos desde que citada a fonte Os conceitos emitidos satildeo de
responsabilidade de quem os assina Para os artigos em liacutengua estrangeira seraacute respeitada a
formataccedilatildeo do paiacutes de origem Excepcionalmente nesta ediccedilatildeo da Revista da
Fundarte seratildeo mantidas as formataccedilotildees de texto e referecircncias conforme encaminhadas pelos autores
Revista da FUNDARTE ndash ano 1 v1 n 1 (jan-jun 2001) ndash Montenegro Ed da Fundarte 2001 ndash Semestral ISSN 2319-0868
1 Artes 2 Educaccedilatildeo 3 Muacutesica 4 Gravura 5Perfomance I Fundaccedilatildeo Municipal de Artes de Montenegro
Sumaacuterio
Editorial
Editorial
LER EDITORIAL
Maria Isabel Petry Kehrwald P04 - P06
Artigos
A polifonia tonal na cifra alfanumeacuterica da muacutesica popular uma proposta analiacutetica fundamentada em trecircs estudos de caso
LER ARTIGO
Marcio Guedes Correa P07 - P14
Fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo Paul Valeacutery Espiritografias
LER ARTIGO
Idalina Krause de Campos P15 - P35
Gravura procedimentos alternativos em litografia contemporacircnea
L
Ana Paula Schoninger van Grol Lurdi Blauth P36 - P51
Pluralia Tantum reflexotildees sobre a muacutesica contemporacircnea
LER ARTIGO
Fernando Lewis de Mattos P52 - P94
Provocaccedilotildees (des)continuidades desfechos potecircncia edu(vo)cativa das imagens fiacutelmicas na formaccedilatildeo docente
LER ARTIGO
Lutiere Dalla Valle P95 - P108
PerformanceS
LER ARTIGO
Fernando Pinheiro Villar P109 - P119
Estudo sobre a Participaccedilatildeo de Estudantes em um Grupo Instrumental
LER ARTIGO
Dutra Goumlethel Pacircmela Cristina Rolim Wolffenbuumlttel Accorsi Bueno Ana Maria
P120 - P141
Teatro para quem A arte de teatrar para todos - Um estudo sobre acessibilidade cultural em espetaacuteculos teatrais no RS
LER ARTIGO
Izabel Cristina da Silveira P142 - P162
4 | P aacute g i n a
EDITORIAL
Nesta 32ordf ediccedilatildeo da Revista da FUNDARTE oferecemos aos nossos leitores
oito artigos centrados nas aacutereas das artes visuais muacutesica teatro educaccedilatildeo criadora
e cinema Eles estatildeo perpassados por enfoques educativos teoacutericos e artiacutesticos e
ancorados no tema ldquoArte e Educaccedilatildeo poeacutetica pesquisa e docecircnciardquo As
abordagens dos autores contemplam diferentes pontos de vista ora apresentando
processos artiacutesticos e performances ora refletindo sobre a pedagogia e a accedilatildeo
docente Eacute um panorama diversificado com propostas que enriquecem as discussotildees
em torno do tema
O primeiro artigo denominado ldquoA polifonia tonal na cifra alfanumeacuterica da
muacutesica popular uma proposta analiacutetica fundamentada em trecircs estudos de casordquo
de Marcio Guedes Correa do Instituto de Artes da Unesp apresenta estudos de caso
na aacuterea da muacutesica que reforccedilam a importacircncia do contraponto tanto para a
organizaccedilatildeo do ensino da muacutesica popular quanto para a compreensatildeo do saber
musical Almada e Lima satildeo alguns dos autores que datildeo suporte agrave investigaccedilatildeo
Idalina Krause de Campos da UFRGS discorre em seu artigo ldquoFazer
tradutoacuterio em educaccedilatildeo com Paul Valeacutery espiritografiasrdquo sobre conceitos de
leitura e escrita (escrileitura) e Filosofia da Diferenccedila entre outros que buscam
desenvolver uma consciecircncia da importacircncia do processo de pensar A pesquisa da
autora trata de uma praacutetica de ensino criadora centrada na obra de Valeacutery com
aportes teoacutericos tambeacutem de Deleuze e Corazza
As experiecircncia realizadas com diferentes meios e modos de produzir imagens
satildeo o foco do artigo ldquoGravura procedimentos alternativos em litografia
contemporacircneardquo de Ana Paula Schoninger van Grol da FeevaleNH
Procedimentos tradicionais satildeo inter-relacionados com processos de tecnologias
digitais propondo novas possibilidades de criaccedilatildeo de matrizes e aproveitamento de
materiais alternativos Blauth e Veneroso contribuem para o estudo da autora
5 | P aacute g i n a
Fernando Lewis de Mattos da UFRGS em seu ensaio ldquoPluralia Tantum
reflexotildees sobre a muacutesica contemporacircneardquo apresenta elementos histoacutericos da
esfera musical e discorre sobre caracteriacutesticas da muacutesica contemporacircnea Aponta
paralelamente aspectos do conservadorismo da muacutesica atual presentes em nosso
cotidiano Suas argumentaccedilotildees apoiam-se em extensa bibliografia da qual citamos
Buckinx e Koellreutter
ldquoProvocaccedilotildees (des)continuidades desfechos potecircncia edu(vo)cativa
das imagens fiacutelmicas na formaccedilatildeo docenterdquo aborda o cinema como dispositivo
provocador de formaccedilatildeo docente que conforme o autor Lutiere Dalla Valle da
UFSM ldquoproduz formas de ver e ser vistordquo O texto estabelece relaccedilotildees entre arte e
subjetividade presentes na cinematografia e explora o conceito de edu(vo)cativo
identificado nas aprendizagens mediadas pelas visualidades Contribuem para as
reflexotildees Dias Fresquet e Hernaacutendes
Fernando Pinheiro Villar aborda a pluraridade do conceito de performances
artiacutesticas relacionadas ao desempenho no seu artigo PerfomanceS Para o autor o
significado de desempenho afirma a observaccedilatildeo analiacutetica de comportamentos
humanos podendo significar comportamentos que se repetem ou accedilotildees cotidianas
que satildeo ensaiadas ou preparadas e observadas Segundo o autor ldquouma performance
sem consciecircncia do fato de estar sendo vista como tal pode significar uma
performance cotidiana cultural ou socialrdquo
Cristina Rolim Wolffenbuumlttel Pacircmela Goumlethel Dutra e Ana Maria Bueno
Accorsi no artigo Estudo sobre a participaccedilatildeo de estudantes em um Grupo
Instrumental apresenta a pesquisa realizada em uma escola Municipal de TaquariR
que teve como objetivo compreender a importacircncia da participaccedilatildeo dos alunos em
grupos instrumentais diante das diversas possiblidades da inserccedilatildeo da muacutesica a partir
da nova legislaccedilatildeo
Como promover a inclusatildeo social da pessoa com deficiecircncia no acircmbito cultural
eacute a preocupaccedilatildeo de Izabel Cristina da Silveira da FUNDARCRS expressa no artigo
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ldquoTeatro para quem A arte de teatrar para todos um estudo sobre
acessibilidade cultural em espetaacuteculos teatrais no RSrdquo que fecha esta Revista O
estudo praacutetico-teoacuterico desvela discussotildees questionamentos e legislaccedilatildeo em torno do
tema na tentativa de buscar alternativas para a acessibilidade Barba Tojal e
Werneck satildeo alguns dos teoacutericos consultados
Agradecemos imensamente aos que enviaram seus artigos para compor a 32ordf
Revista da FUNDARTE Desejamos uma boa leitura e que as reflexotildees oferecidas
pelos autores contribuam para a busca de novos e inquietantes saberes
Maria Isabel Petry Kehrwald Conselho Editorial da Revista
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CORREA Marcio Guedes A polifonia tonal na cifra alfanumeacuterica da muacutesica popular uma proposta analiacutetica
fundamentada em trecircs estudos de caso Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 7-14 juldez 2016
Disponiacutevel em lthttpseerfundartersgovbrindexphpRevistadaFundarteindexgt
A polifonia tonal na cifra alfanumeacuterica da muacutesica popular uma proposta
analiacutetica fundamentada em trecircs estudos de caso
Marcio Guedes Correa1
Instituto de Artes da Unesp
Resumo O repertoacuterio estudado nos cursos formais de muacutesica popular eacute em grande parte tonal de textura homofocircnica estruturado como melodia acompanhada No entanto eacute possiacutevel reconhecer estruturas polifocircnicas subordinadas agrave homofonia dos acompanhamentos instrumentais frequentemente realizados para acompanhar canccedilotildees Pode-se conjecturar que tais estruturas estejam presentes no repertoacuterio como um eco da polifonia vocal do renascimento e do barroco jaacute que muitas escolhas de acordes se datildeo ldquode ouvidordquo e natildeo necessariamente por uma opccedilatildeo teacutecnica e funcional em relaccedilatildeo agrave harmonia Portanto a harmonia informalmente chamada de funcional da muacutesica popular pode carregar em si diversas expectativas de direccedilatildeo ou resoluccedilatildeo que satildeo mais de ordem meloacutedica do que harmocircnica Este estudo espera contribuir para a revalorizaccedilatildeo do estudo de contraponto dentro das matrizes curriculares de muacutesica popular jaacute que eacute notoacuterio que tal disciplina vem sendo extinta do ambiente formal de educaccedilatildeo musical Palavras-chave ensino da muacutesica popular cifra alfanumeacuterica polifonia em muacutesica popular contraponto em muacutesica popular Abstract The repertoire studied in formal courses of popular music is largely tonal It has homophonic texture and itrsquos structured as na accompanied melody However it is possible to recognize polyphonic structures under the homophone of instrumental accompaniments often performed to accompany songs One can conjecture that such structures are present in the repertoire as an echo of the vocal polyphony of the Renaissance and the Baroque as many chord choices are given by ear and not necessarily by a technical and functional option with regard to harmony Therefore the functional harmony informally called popular music can load itself diverse expectations of management or resolution that are more melodic than harmonic order This study hopes to contribute to the upgrading of counterpoint study within the curriculum matrices of popular music as it is clear that this discipline is being extinguished of the formal setting of music education Keywords teaching of popular music alphanumeric cipher polyphony in popular music counterpoint in popular music
Primeiro estudo de caso o movimento meloacutedico do baixo impliacutecito na cifra do
choro em Um a Zero de Pixinguinha
No ensino do repertoacuterio popular eacute muito comum a utilizaccedilatildeo de partituras que
contecircm melodias cifradas Esta forma de registro musical oferece a melodia principal
(anaacuteloga ao cantus firmus) grafada em partitura o que garante uma certa precisatildeo
na compreensatildeo dessa camada mas todos os outros elementos componentes da
1 Graduado em Licenciatura em Muacutesica pela FAAM mestre em muacutesica pelo Instituto de Artes da Unesp Doutorando em muacutesica da Unesp ndash Instituto de Artes sob orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Sonia R Albano de Lima Contato correamarcioguedesgmailcom
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CORREA Marcio Guedes A polifonia tonal na cifra alfanumeacuterica da muacutesica popular uma proposta analiacutetica
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elaboraccedilatildeo musical ficam representados unicamente pela cifra alfanumeacuterica A cifra
confere ao interprete um grau de liberdade desejaacutevel na muacutesica popular mas essa
mesma liberdade pode ser em alguma medida prejudicial no ensino de muacutesica
popular quando se trata da compreensatildeo total do discurso a praacutetica aliada a
compreensatildeo racional do fazer musical
A cifra alfanumeacuterica da muacutesica popular eacute em primeira instacircncia uma
representaccedilatildeo de simultaneidades mais especificamente dos acordes da muacutesica
tonal Mas da informaccedilatildeo harmocircnica que a cifra oferece eacute possiacutevel depreender
tambeacutem procedimentos meloacutedicos complementares agrave melodia principal ou seja do
contraponto impliacutecito e subordinado agrave estrutura homofocircnica Pode-se considerar que
o caso mais audiacutevel estaacute nas melodias empregadas no baixo Em cifras em que haacute
fartura de acordes com inversatildeo percebe-se uma clara intenccedilatildeo de movimentar o
baixo melodicamente ou seja de conferir a essa camada estrutural contornos
meloacutedicos associados ao seu papel de delinear as fundamentais das funccedilotildees
harmocircnicas No repertoacuterio relacionado ao choro o violatildeo de sete cordas desenvolve
a funccedilatildeo de baixo que aleacutem de reforccedilar a estrutura harmocircnica tonal estaacute em
contraponto constante com a melodia principal
A composiccedilatildeo ldquoUm a Zerordquo de Pixinguinha eacute um exemplo disso
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CORREA Marcio Guedes A polifonia tonal na cifra alfanumeacuterica da muacutesica popular uma proposta analiacutetica
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Figura 1 ldquoUm a Zerordquo (Pixinguinha) Irmatildeos Vitale 1997
O exemplo da figura 1 traz a primeira parte da composiccedilatildeo A quantidade de
inversotildees de acordes presente procura dar pistas da realizaccedilatildeo do baixo comumente
tocado no violatildeo de sete cordas Isso retira do baixo o papel monoacutetono de garantir a
fundamental de cada funccedilatildeo harmocircnica Com base nesta cifra o muacutesico popular de
modo anaacutelogo ao muacutesico barroco realiza o baixo Na figura dois encontra-se uma
sugestatildeo de realizaccedilatildeo do baixo com base nas cifras
Figura 2 Realizaccedilatildeo do baixo em ldquoUm a Zerordquo de Pixinguinha Imagem concebida e editada pelo autor
Segundo estudo de caso a polifonia tonal no acompanhamento da canccedilatildeo
ldquoQuando o carnaval chegarrdquo de Chico Buarque
O ensino de harmonia da muacutesica popular ldquomais especificamente aquela que
eacute informalmente denominada harmonia funcionalrdquo (ALMADA 2013 p 12) se
preocupa em primeiro lugar em determinar a funccedilatildeo de cada um dos acordes
encontrados no discurso musical Este tipo de ensino tem objetivos diversos
compreender estruturas harmocircnicas orientar a praacutetica da improvisaccedilatildeo meloacutedica
guiar estudos de rearmonizaccedilatildeo e substituiccedilatildeo de acordes entre outros Poreacutem em
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alguns casos acordes podem ser simultaneidades geradas por direccedilotildees meloacutedicas
distintas na conduccedilatildeo de cada voz ldquoNo estudo da harmonia tonal acordes podem
surgir a partir de combinaccedilotildees de linhas meloacutedicas relativamente independentesrdquo
(LIMA 2008 p 63) Ainda que tais procedimentos meloacutedicos possam natildeo ser
conscientes pelo muacutesico que desenvolve a funccedilatildeo de acompanhamento pode-se
conjecturar que sua percepccedilatildeo auditiva esteja imbuiacuteda de sonoridades
caracteriacutesticas da muacutesica vocal polifocircnica e isso em algum momento pode
transparecer em acompanhamentos instrumentais
No presente estudo de caso eacute possiacutevel observar procedimentos polifocircnicos
na conduccedilatildeo dos acordes da primeira parte da canccedilatildeo ldquoQuando o Carnaval Chegarrdquo
de Chico Buarque Em diversas entrevistas o compositor carioca revela que
aprendeu a tocar violatildeo sozinho tentando imitar o violatildeo de Joatildeo Gilberto e
portanto natildeo conhece harmonia e suas regras As escolhas de acordes feitas por
compositores autodidatas se datildeo quase unicamente por sonoridade Ou seja um
acorde eacute seguido por outro porque o som eacute satisfatoacuterio para os objetivos do
compositor Disso pode-se compreender que tais escolhas harmocircnicas estatildeo
carregadas de expectativas meloacutedicas ou seja cada acorde eacute ouvido como um
conjunto simultacircneo de notas potencialmente meloacutedicas como o satildeo no estudo da
harmonia tradicional Portanto este estudo pretende apontar para a possibilidade de
anaacutelise harmocircnica em que alguns acordes sejam considerados simultaneidades de
expectativas meloacutedicas e estes tecircm menor concordacircncia com a anaacutelise harmocircnica
ou funcional
O estudo da harmonia natildeo pressupotildee obrigatoriamente apenas simultaneidade () eacute importante que seja considerado o movimento meloacutedico de cada linha (voz) A inter-relaccedilatildeo entre melodia harmonia ritmo dinacircmica textura etc satildeo fatores que devem ser levados em conta na anaacutelise e na composiccedilatildeo de uma peccedila (LIMA 2008 p 117)
Eacute necessaacuterio estudar certas passagens harmocircnicas agrave luz da polifonia e
portanto do contraponto
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Figura 4 anaacutelise do contraponto presente na harmonia de ldquoQuando o Carnaval Chegarrdquo de Chico Buarque Imagem concebida e editada pelo autor
O exemplo da Figura 4 oferece uma opccedilatildeo de compreensatildeo harmocircnica
diferente da sugerida na partitura O primeiro acorde eacute visto como faacute meio diminuto
na primeira inversatildeo em vez de laacute menor com sexta maior como sugerido na cifra
original O acorde seguinte o primeiro grau eacute um sol maior com seacutetima maior
portanto sua sensiacutevel faacute fundamental do acorde anterior ainda estaacute presente
como um retardo O terceiro acorde embora estruturalmente se iguale ao acorde de
laacute bemol diminuto de seacutetima diminuta nessa proposta de anaacutelise se daacute pela
consequecircncia de quatro figuraccedilotildees meloacutedicas bordadura no baixo nota de
passagem no tenor retardo no contralto e antecipaccedilatildeo no soprano Portanto ele natildeo
tem menos funccedilatildeo harmocircnica e mais implicaccedilotildees meloacutedicas
Quando se prolonga todas as notas que satildeo rearticuladas nos acordes do
exemplo da figura 4 depara-se com um contraponto a quatro vozes
predominantemente de segunda espeacutecie
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Figura 5 conclusatildeo contrapontiacutestica da primeira parte da canccedilatildeo ldquoquando o carnaval chegarrdquo Imagem concebida e editada pelo autor
Portanto nesta proposta de anaacutelise harmocircnica natildeo eacute possiacutevel desconsiderar
o contraponto e implicaccedilotildees polifocircnicas
Terceiro estudo de caso contraponto cromaacutetico nas dissonacircncias acima da
seacutetima no acompanhamento da canccedilatildeo ldquosamba do aviatildeordquo de Tom Jobim
A harmonia da muacutesica popular poacutes bossa-nova conferiu ldquoemancipaccedilatildeo agrave
dissonacircnciardquo emprestando a expressatildeo de Schoenberg Portanto a dissonacircncia natildeo
mais direciona os acordes no sentido de suas resoluccedilotildees mas emprestam a eles
sonoridades instaacuteveis e de alguma maneira ao mesmo tempo resolutas As
dissonacircncias conferem certa impressatildeo a cada um dos acordes mas natildeo
apresentam funccedilatildeo de interligaccedilatildeo dos fenocircmenos harmocircnicos atraveacutes da resoluccedilatildeo
delas Esta interligaccedilatildeo novamente se daacute muito mais por expectativas meloacutedicas
embutidas como vozes simultacircneas formadoras dos acordes
Embora a emancipaccedilatildeo da dissonacircncia seja plenamente presente no
repertoacuterio popular poacutes bossa-nova em alguns casos natildeo se pode desconsiderar
estruturas contrapontiacutesticas presentes nestas composiccedilotildees Eacute claro que neste caso
especiacutefico as dissonacircncias natildeo satildeo resolvidas mas suas irresoluccedilotildees natildeo raro
recaem sobre construccedilotildees meloacutedicas em vozes internas dos acordes subordinadas
agrave melodia principal ao baixo e claro agrave harmonia
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Figura 6 contraponto cromaacutetico na canccedilatildeo ldquosamba do aviatildeordquo de Tom Jobim Imagem concebida e editada pelo autor
No fragmento musical da figura 6 eacute possiacutevel identificar uma melodia cromaacutetica
embutida nas dissonacircncias acima da seacutetima A partir do compasso 5 as notas doacute
doacute si e laacute satildeo respectivamente deacutecima terceira maior deacutecima terceira menor
deacutecima segunda e deacutecima primeira aumentada do acorde de mi maior com seacutetima
menor Essas dissonacircncias constroem uma melodia cromaacutetica um contraponto
cromaacutetico
Essa melodia eacute imitada a partir do compasso 7 uma seacutetima maior abaixo nas
notas reacute do do e si respectivamente deacutecima primeira justa deacutecima maior deacutecima
menor e nona maior dos acordes laacute maior com seacutetima maior e laacute menor com seacutetima
menor A melodia cromaacutetica original e sua imitaccedilatildeo uma seacutetima menor abaixo
comeccedilam e terminam em dissonacircncia
Consideraccedilotildees Finais
As propostas aqui apresentadas pretendem apontar para uma contribuiccedilatildeo
dos gecircneros de muacutesica erudita na estruturaccedilatildeo do ensino da muacutesica popular mais
especificamente buscam valorizar o estudo da disciplina contraponto Talvez as
estruturaccedilotildees dos curriacuteculos de cursos de muacutesica possam ser de certo modo
exclusivamente populares apenas na escolha do repertoacuterio a ser aprendido e ainda
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CORREA Marcio Guedes A polifonia tonal na cifra alfanumeacuterica da muacutesica popular uma proposta analiacutetica
fundamentada em trecircs estudos de caso Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 7-14 juldez 2016
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assim persiste a discussatildeo do que vem a ser muacutesica popular e muacutesica erudita e se
essa fronteira existe com tanta clareza No acircmbito da estruturaccedilatildeo teacutecnica e teoacuterica
a hibridez dos conhecimentos historicamente categorizados como de muacutesica erudita
e popular parece ser inevitaacutevel O estudo do contraponto parece ainda ser
indispensaacutevel para fomentar uma compreensatildeo mais ampla do saber musical em
diversos acircmbitos em diferentes gecircneros e estilos
Referecircncias
ALMADA Carlos Contraponto em muacutesica popular fundamentaccedilatildeo teoacuterica e aplicaccedilotildees Rio de Janeiro Editora UFRJ 2013
BORTZ Graziela Direccedilatildeo e Movimento em Solfejos Tonais Percepta ndash revista de cogniccedilatildeo musical Curitiba 1 (1) 95-107 novembro de 2013 CARRASQUEIRA Maria Joseacute O melhor de Pixinguinha Songbook Satildeo Paulo Irmatildeo Vitale 1997 LIMA Marisa Ramirez Rosa de Harmonia Satildeo Paulo Embraform 2008 LIMA Sonia Regina Albano de Performance e interpretaccedilatildeo musical uma praacutetica interdisciplinar Satildeo Paulo Musa Editora 2006 NOGUEIRA Marcos Fernandes Pupo Agrupamentos Sonoros Plenos na Muacutesica de Simultaneidades Acuacutesticas e Estruturais Revista Muacutesica Hodie Goiacircnia v12 nordm 2 p87-972012 Disponiacutevel em lthttpwwwmusicahodiemusbr122artigo_7pdfgt Acesso em 07 de dezembro de 2016 SCHOENBERG Arnold Exerciacutecios Preliminares em Contraponto Traduccedilatildeo de Eduardo Seincman Satildeo Paulo Via Lettera 2001
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CAMPOS Idalina Krause de Fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo com Paul Valeacutery esperitografias Revista da
Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 15-35 juldez 2016 Disponiacutevel em
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Fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo com Paul Valeacutery espiritografias
Idalina Krause de Campos1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Resumo Este artigo analisa as possibilidades de um fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo tendo como foco o poeta e pensador francecircs Paul Valeacutery e seus procedimentos muacuteltiplos de escrita uma escrita que opera com a leitura ― escrileitura ― e eacute considerada uma operaccedilatildeo ativa de consciecircncia que possibilita ampliar o uso das faculdades intelectivas de um espiacuterito que lecirc e escreve Propotildee atuar e operar com o meacutetodo do informe em atravessamentos imaginativos da filosofia com a literatura e a educaccedilatildeo da diferenccedila aleacutem de utilizar o conhecimento como invenccedilatildeo por meio de procedimentos tradutoacuterios que possibilitem accedilotildees criadoras em educaccedilatildeo Palavras-chave Valeacutery educaccedilatildeo escrileituras traduccedilatildeo Abstract This paper analyzes the possibilities of a translating action in education by focusing on the French poet and thinker Paul Valeacutery and his multiple writing procedures a kind of writing that operates with reading ― reading-writing ― and is considered as an active operation of awareness that favors the use of intellective faculties of a spirit that reads and writes It proposes to act and operate with the inform method in imaginative intersections between philosophy literature and education of difference besides using knowledge as invention by means of translating procedures that enable creation actions in education Keywords Valeacutery education reading-writings translation
Introduccedilatildeo
O escritor Paul Valeacutery nasceu em Segravete (1871) Comuna francesa no periacuteodo
da Guerra Franco-Prussiana A porta para o mar do Mediterracircneo eacute um porto de
encantos incomparaacuteveis de um horizonte vasto banhado pelas aacuteguas de bacias e
canais que desaacuteguam no mar O pensador eacute autor de uma obra vasta
profundamente original que possui uma intensidade uacutenica e merece ser analisada
em funccedilatildeo de seu movimento de escrita e leitura (escrileitura) pois ele pesquisou
1 Possui graduaccedilatildeo em Licenciatura e Bacharelado em Filosofia pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio
Grande do Sul (1986) Especializaccedilatildeo em Filosofia Cliacutenica pela Faculdade Joatildeo Bagozzi e Instituto Packter
(2008) Mestrado em Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo (PPGEDU) pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (2013) na Linha Filosofias da Diferenccedila e Educaccedilatildeo Atualmente eacute Doutoranda bolsista CAPES
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo na Linha
Filosofias da Diferenccedila e Educaccedilatildeo Participa como pesquisadora dos projetos Dramatizaccedilatildeo do infantil na
comeacutedia intelectual do curriacuteculo meacutetodo Valeacutery-Deleuze Escrileituras um modo de ler-escrever em meio agrave
vida e Didaacutetica da Traduccedilatildeo transcriaccedilotildees do curriacuteculo escrileituras da Diferenccedila Membro integrante do BOP
ndash Bando de Orientaccedilatildeo e Pesquisa da Linha de Pesquisa 09 Filosofias da Diferenccedila e Educaccedilatildeo e do Grupo de
Pesquisa DIF ndash artistagens fabulaccedilotildees variaccedilotildees
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CAMPOS Idalina Krause de Fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo com Paul Valeacutery esperitografias Revista da
Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 15-35 juldez 2016 Disponiacutevel em
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estudou e escreveu sobre conteuacutedos integrantes das mais diversas aacutereas do
conhecimento e que satildeo repletos de nuances e de viva poesia
Tal perspectiva oriunda de seus escritos propicia utilizar o conhecimento
como invenccedilatildeo para criar um compoacutesito de escrita e leitura e com ele produzir
meios que possibilitem accedilotildees criadoras em educaccedilatildeo o que propicia ao espiacuterito
construir a sua proacutepria realidade no campo ambiental da linguagem
Ainda em seus primeiros anos de vida o Mediterracircneo que banha a cidade
torna-se uma festa aos olhos curiosos do infante Valeacutery que considera tudo das
cores aos cheiros das formas agraves imagens de uma natureza exuberante ldquouma
verdadeira loucura de luz combinada com a loucura da aacuteguardquo (VALEacuteRY 2011 p
127) Satildeo seus primeiros passos de pensador e que trazem em germe um pensar
em estado nascente pois se deixa seduzir pela liberdade pelos estados poeacuteticos
com um olhar voltado para o mar o que eacute tambeacutem um olhar para o possiacutevel
Os olhos de Valeacutery abraccedilam o que haacute de humano e de inumano em uma
paisagem de natureza primitiva quase intocada mesclada com as atividades dos
homens que ali habitam Um grande cenaacuterio de teatro cujo personagem principal eacute
a luz que ilumina o mar Ali onde Afrodite passeia e que ao cair da tarde
crepuscular com o mar jaacute escuro deixa ver na rebentaccedilatildeo brilhos extraordinaacuterios
Onde a luz de fogo rosa insistente do sol daacute seu adeus ao dia deixando que entre
em cena a escuridatildeo da jaacute noite onde se entreveem os fantasmas que danccedilam
sobre as torres e muros de Aiguesmortes Sombras que festejam os cadaacuteveres
pesados dos atuns animais quase do tamanho de um homem trazidos pelos barcos
de pesca que adentram a costa em seu ldquoretorno da cruzadardquo (VALEacuteRY 2011 p
130)
Ao amanhecer a peccedila teatral do viviacutevel segue e a luz dos raios solares
derrama-se pelos molhes Eacute quando o pequeno Valeacutery tenciona banhar-se na
imensidatildeo cristalina do mar Poreacutem baixa os olhos e estremece diante de uma cena
singular que mistura carnificina e beleza Jazem sobre a ldquoaacutegua maravilhosamente
lisa e transparenterdquo restos de ldquoviacutesceras e entranhas de todo o bando de Netunordquo
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(VALEacuteRY 2011 p 130) Satildeo muacuteltiplas tonalidades de cores roacuteseo-puacuterpuras coral
sanguinolenta vermelhidatildeo de uma mortandade repulsivamente sinistra embalada
pelas ondas letaacutergicas
O espanto eacute inevitaacutevel e o faz esquecer o banho matinal Mas apesar do
susto que invade sua alma os olhos guardam alguma admiraccedilatildeo pelo
acontecimento fazendo vagar pensamentos relacionando o morticiacutenio repleto de
cores com imagens espectrais Misturas de tonalidades imersas na aquosidade de
um liacutempido e cristalino mar que poderiam bem servir para um fazer artiacutestico aos
homens de talento afeitos agraves curiosidades e agraves capturas de um olhar artistador
Natildeo perdura nessa imagem repentina o conteuacutedo pobre mas como pondera
Deleuze em O Esgotado (2010 p 85) vale nessa visatildeo a energia condensada ldquoa
prodigiosa energia captada prestes a explodir fazendo com que as imagens nunca
durem muito tempo [] A imagem dura o tempo furtivo de nosso prazer de nosso
olharrdquo Assim aparece a forccedila de sentimento de Valeacutery influenciado e estimulado
pelas deidades poeacuteticas do mar do ceacuteu e do sol
E o que decorre disso tudo eacute uma produccedilatildeo intelectual que foca em muacuteltiplas
temaacuteticas tendo como pano de fundo o funcionamento do intelecto atraveacutes de
accedilotildees de pensar o proacuteprio pensamento para verificar o que estes pensamentos
implicam Uma produccedilatildeo que abarca o viviacutevel e que merece ser investigada como
um meio possiacutevel para ser apropriado no acircmbito do ensino contemporacircneo em
funccedilatildeo de sua diversidade e de sua potecircncia textual
Pelo que foi possiacutevel observar em nossas pesquisas Valeacutery configura-se num
misto de poeta de pensador e de criacutetico da cultura tendo sido traduzido por
escritores e tambeacutem por poetas em vaacuterios idiomas No entanto apesar de possuir
um reconhecimento internacional pelo conjunto de suas obras produzidas eacute ainda
pouco explorado no Brasil especialmente no que tange ao uso teoacuterico e praacutetico do
seu pensamento no campo da educaccedilatildeo
Em suma como afirma Gonccedilalves (2011 p 238) Valeacutery eacute O Alquimista do
Espiacuterito ldquodevido ao seu sistema plural de linguagensrdquo em que ocorrem
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transmutaccedilotildees de montagem e desmontagem de escrita Uma verdadeira alquimia
contraacuteria agrave anestesia do gesto para que uma segunda natureza possa se apresentar
ao texto atraveacutes de um operar espiritual em constante variaccedilatildeo e que neste fazer
operativo produz uma escrita visceral e mutante cuja mateacuteria eacute a vida que se
experimenta no campo do saber como um processo aberto muacuteltiplo e desafiador
para assim buscar fazer com ele uma educaccedilatildeo disposta a disseminar as aventuras
do pensamento
Espiacuterito
Valeacutery utiliza-se da palavra francesa esprit para aludir ao Eu embora haja em
seu pensamento a distinccedilatildeo entre dois tipos de espiacuterito Moi que seria o Eu
empiacuterico (self-variance) e Moi que seria o Eu puro (Idolle de lrsquoIntelect) a ser
cultuado e buscado Este uacuteltimo conceito de Eu puro necessita ser entendido com
uma significaccedilatildeo peculiar qual seja o Eu como intelecto como inteligecircncia
Nessa perspectiva o presente artigo aborda um possiacutevel fazer tradutoacuterio em
educaccedilatildeo conjuntamente com o pensador Paul Valeacutery de modo a buscar atraveacutes
do movimento de leitura e escrita exercitar conscientemente os pensamentos que
possibilitam transitar no campo diverso do saber
O espiacuterito ndash ou Eu-empiacuterico ndash desenvolve-se conscientemente exercitando os
processos do pensar com a finalidade de conhecer Pensamento ativado via
processos de criaccedilatildeo oriundos de uma self-variance (autovariaccedilatildeo do espiacuterito)
disciplinada e rigorosa passando a verificar o que esses pensamentos implicam
procurando vecirc-los com precisatildeo e pesquisar seus labirintos sua mecacircnica psiacutequica
iacutentima e seu meacutetodo operativo
Valeacutery (2011 p179) conceitualiza as accedilotildees do pensar as invenccedilotildees
produzidas pela inteligecircncia onde o Eu-empiacuterico que se utiliza da leitura e da
escrita e consequentemente pensa define-se ldquoatraveacutes da relaccedilatildeo entre um 2010 p
85) certo lsquoespiacuteritorsquo e a linguagemrdquo Ou seja pondo em movimento um Eu-funcional
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pode-se desenvolver uma consciecircncia do processo do pensar para fins de
conhecimento expressos por intermeacutedio da linguagem
Espiacuterito este visto como um sujeito que natildeo se assujeita mas aspira agrave
criaccedilatildeo e a realiza sem divindade reguladora sem idealismo (Eu absoluto do
Idealismo Alematildeo) e distante da metafiacutesica da alma imortal (Eu substancial do
racionalismo de Descartes) Portanto o Eu puro valeacuteryano natildeo guarda uma
moralidade consistindo na invariabilidade naquilo que natildeo muda no espiacuterito O
espiacuterito eacute abordado como um signo de pura possibilidade de uma virtualidade ao
qual o Eu empiacuterico aspira e tende Eu que passa por uma ascese e encontra-se ―
purificado de paixotildees de outros iacutedolos e idolatrias ― de forma a se tornar liberto
para agir e pensar
A nossa pesquisa da escrita valeacuteryana gera e explora meios de afirmar e de
proporcionar possibilidades criadoras em educaccedilatildeo justamente porque ndash como
salienta Corazza (2010 p 2) ndash o espiacuterito humano enfrenta dificuldades para pensar
o informe de maneira que necessitamos ldquode uma Educaccedilatildeo ou pedagogia dos
sentidos associando a vivecircncia dos limites formais com a criaccedilatildeo artistadorardquo
A pesquisa trata portanto de um fazer compositivo de escrita de uma praacutetica
de ensino numa construccedilatildeo conjunta com a obra de Valeacutery que busca o valor do
pensar humano observa seu funcionamento e sua accedilatildeo fecunda de pensar Por seu
intermeacutedio construiacutemos operaccedilotildees escrileitoras tradutoacuterias (escrita-leitura e leitura
escrita) capturando as forccedilas que aproximam percepccedilatildeo e criaccedilatildeo
Pensamos que a Filosofia da Diferenccedila pode servir-se das pesquisas deste
poeta-pensador como um disparador de escrita que busca um novo modo de ver e
de pensar o pensamento no qual a linguagem a verdade a consciecircncia de si satildeo
inseparaacuteveis e inter-relacionadas Pensar que possibilita o alargamento das
fronteiras da linguagem educacional na medida em que quebra concepccedilotildees
filosoacuteficas e cientiacuteficas consideradas verdadeiras e incontestaacuteveis
Inter-relaccedilatildeo na qual o espiacuterito Estudante-Escritor- Educador (EEE) estaacute
sempre se autoproduzindo por via de uma self-variance num processo contiacutenuo de
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geraccedilatildeo de sentidos imanentes singulares e particulares os quais reivindicam
novas possibilidades de invenccedilatildeo de emissatildeo de signos que se inscrevem para
escriturar sentidos oriundos das sensaccedilotildees num empirismo de pensar constante
cujos procedimentos implicam necessariamente o campo do vivido Pesquisamos
nesse processo variante o ambiente humano por entre dramas e comeacutedias do
vivido no campo educacional ou ainda uma dracomeacutedia humana repleta de
potenciais vicissitudes que servem como disparadores para uma invenccedilatildeo
produtora de escrita texto-manifesto exposto por via da linguagem e suas
convenccedilotildees
Meacutetodo
O meacutetodo utilizado na pesquisa eacute o do informe que desenvolve um tipo de
pesquisa que possibilita enfrentar a dificuldade de pensar o informe Meacutetodo este
que se interroga e que varia durante todo o processo de sua execuccedilatildeo natildeo
possuindo um regramento estanque ou dogmaacutetico o que baniria o prazer do
inusitado
Esse meacutetodo age atraveacutes de capturas das forccedilas dos textos das imagens
das musicalidades das vozes e dos conhecimentos isto eacute de tudo que deveacutem em
vida potente e que possa ser adequado agraves praacuteticas de ensino pois conforme Valeacutery
(1997 p 59) ldquoeacute o que contenho de desconhecido a mim mesmo que me faz ser eu
mesmordquo
Na praacutetica o que observamos eacute um desejo que ronda ldquocomo uma mina a ceacuteu
abertordquo (BARTHES 2013 p12) que propicia criar uma fantasia de exploraccedilatildeo e por
intermeacutedio dela construir um ritmo proacuteprio de accedilatildeo exploratoacuteria um como para viver
junto com vida e obra de determinado pensador saboreando cotidianamente
ldquobocados de saber = pesquisardquo Assim por entre bocados de pesquisa esse meacutetodo
produz ficccedilatildeo de modo que ldquoos pesquisadores capturam forccedilas imaginaacuterias
fantasiacutesticas e intelectuais que os conduzem ao trabalho criadorrdquo (CORAZZA 2012
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p19) levando o espiacuterito a experimentar um novo fazer ou seja uma pesquisa gaia
na educaccedilatildeo contemporacircnea
Por este vieacutes tal meacutetodo busca dar adeus agraves metanarrativas de ambiccedilatildeo
universal insistente nos entremeios do territoacuterio educacional Sua ambiccedilatildeo universal
eacute hermeacutetica e portanto falha pois impede uma discussatildeo que se quer aberta e natildeo
reprodutora de conhecimento Esta abertura pode trazer ao proacuteprio curriacuteculo e agrave
didaacutetica um entoar de novas vozes capazes de compor narrativas novas fazendo
na accedilatildeo de ensinar um espaccedilo criacutetico um lugar puacuteblico para discussotildees diversas
Ou seja capturar o que ateacute entatildeo foi excluiacutedo ou natildeo contemplado nas
metanarrativas em funccedilatildeo de sua supressatildeo por natildeo pertencerem aos dogmas
ditos universais Busca-se assim o vatildeo o desvio o detalhe tendo a linguagem
como movimento isto eacute em fluxo constante no movimento de criaccedilatildeo
Desse modo aquilo que sabemos que nos pertence natildeo conta pois
procuramos o que natildeo foi ainda construiacutedo o que resta para ser adquirido
transformado e que se anuncia nos entremeios dos textos Sendo assim a literatura
a filosofia e a educaccedilatildeo entrecruzam-se visto que seus conhecimentos e saberes
satildeo investigados por via das proacuteprias escrileituras que interrogam as tramas
compositivas do intelecto
Pode-se tambeacutem afirmar que o referido meacutetodo tem apreccedilo pelo espiacuterito
crianccedila ― que jamais deveria morrer em noacutes ― pois que ele traz em si a forccedila da
curiosidade da persistecircncia da descoberta haacute neste espiacuterito pagatildeo e poeta um
infinito de possibilidades Como elucida Eduardo Galeano em entrevista chamada eacute
Tempo de viver sem medo2 ldquoeacute preciso olhar o que natildeo se olha o que merece ser
olhado tanto o micro mundo e ao mesmo tempo sermos capazes de contemplar o
universordquo E para tanto eacute preciso se ter uma visatildeo microscoacutepica e outra telescoacutepica
para assim tentar desvendar o que haacute de misterioso na existecircncia
2 Entrevista de Eduardo Galeano disponiacutevel em canal moritz Ptnet acesso em 05 de julho de
2016
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As escrileituras produzidas em uma praacutexis do informe portanto satildeo criadas
em conjunto com os meandros labiriacutenticos e espirituais dos quais nos ocupamos
escolhidos pela apaixonada necessidade de escrever Natildeo se verifica uma doutrina
mas um meacutetodo para operaccedilotildees espirituais tracircnsitos pelos macros e micros
mundos ofertados pelo existir Os espiacuteritos operam em variaccedilatildeo e lanccedilam um novo
olhar para o que ainda natildeo foi visto ou seja o que ainda ignoramos e com estes
novos elementos do que se detecta surgem vatildeos e frestas que propiciam uma
composiccedilatildeo de escrita viva
Sendo assim o meacutetodo do informe nada mais eacute do que um fazer mutante
avesso ao sedentarismo intelectual um ato fiacutesico corporal posto em movimento
atraveacutes de estudos e pesquisas abrindo possibilidades para que o espiacuterito trabalhe
e medite sobre a produccedilatildeo de uma obra ― de um espiacuterito criador ― numa atitude
interrogativa transformada em problema que questiona pelo vieacutes de Valeacutery (2011 p
200) O que a obra produz em noacutes
Todo corpo posto em atividade eacute energia despendida e tambeacutem adquirida a
todo instante um organismo em constante mutaccedilatildeo Uma forma fluente ― referida
por Duns Scot como um onde ou (ubi) ― e capaz de uma determinaccedilatildeo qualitativa
anaacuteloga ao calor adquirido pelo corpo que se aquece atraveacutes do contato e do
contaacutegio com outros corpos que os circundam E nesta metamorfose contiacutenua e
energeacutetica o espiacuterito se propotildee a buscar maior lucidez para o intelecto e conhecer a
fundo a problemaacutetica a que se propotildee num exerciacutecio que se realiza atraveacutes de um
nomadismo de pensamento ativo sempre em deslocamento que busca o novo
De fato com o espiacuterito entendido desde a perspectiva valeacuteryana atraveacutes dos
movimentos de escrileituras da pesquisa com o artifiacutecio da literatura movimentamos
uma malha intelectiva que possibilita a construccedilatildeo de espiritografias Ou seja vamos
ao mundo de um espiacuterito e com ele escrevemos a partir de um estudo de vida e de
obra ou de uma Vidarbo Trata-se do interesse ldquopor Vida (Biografia) e por Obra
(Bibliografia) Soacute que em vez de Vida e Obra tomadas em separado ou uma
derivada e mesmo causa da outra trata de Vidarbordquo (CORAZZA 2010) tomada
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conjuntamente Essas operaccedilotildees das faculdades intelectivas repletas de afecccedilotildees
permitem e compotildeem o meacutetodo do informe como um mecanismo que exige um tipo
de construccedilatildeo no qual o inesperado eacute condiccedilatildeo processual
Projetos
Essas operaccedilotildees de meacutetodo do informe tiveram suas experimentaccedilotildees e
pesquisas empiacutericas cultivadas em trecircs projetos desenvolvidos pela pesquisadora e
professora doutora Sandra Mara Corazza e seus orientandos de iniciaccedilatildeo cientiacutefica
mestrado e doutorado na Linha de Pesquisa 09 Filosofias da Diferenccedila em
Educaccedilatildeo integrante do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo (PPGEdu) da
Faculdade de Educaccedilatildeo (FACED) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS) quais sejam Dramatizaccedilatildeo do infantil na comeacutedia intelectual do curriacuteculo
meacutetodo Valeacutery-Deleuze (2010) Escrileituras um modo de ler-escrever em meio agrave
vida e Didaacutetica da Traduccedilatildeo transcriaccedilotildees do curriacuteculo escrileituras da Diferenccedila
(2014 ndash 2019)
O projeto atual almeja complementar correlacionar e consolidar a formaccedilatildeo
de professores-pesquisadores atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos resultados e
impactos das produccedilotildees oriundas das trecircs pesquisas investigando um curriacuteculo e
uma didaacutetica da diferenccedila visando criar e fortalecer a ampliaccedilatildeo e a consolidaccedilatildeo
da qualidade de uma pesquisa-docecircncia
Desde o iniacutecio o meacutetodo do informe apontava para um tipo de pesquisa
construcionista enquanto um convite para estudos e praacuteticas de escrita as quais
atraveacutes das aventuras do intelecto facultam ao espiacuterito construir a sua proacutepria
realidade no campo ambiental da linguagem pensando o informe com Valeacutery e sua
Comeacutedia Intelectual e com Deleuze e o seu Meacutetodo de Dramatizaccedilatildeo aleacutem de
recorrer tambeacutem a Roland Barthes e ao seu conceito de Biografemaacutetica (CORAZZA
e OLIVEIRA 2015)
O Projeto Escrileituras (2011-2015) apoiado pelo Programa Observatoacuterio da
Educaccedilatildeo (CAPESINEP) teve como proposiccedilatildeo um fazer-educaccedilatildeo por meio de
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Oficinas abrindo assim possibilidades de criaccedilatildeo de escrileituras em educaccedilatildeo
Oficinas que tinham em sua percepccedilatildeo criaccedilatildeo e desenvolvimento dois meios
possiacuteveis para movimentos experimentais de escrita a formaccedilatildeo que acompanhava
os bolsistas e pesquisadores participantes e cursos e accedilotildees de extensatildeo oferecidos
a professores da Educaccedilatildeo Baacutesica
Totalizando um registro de 570 oficinas desenvolvidas pelo projeto foi
desenvolvida a Oficina espiritograacutefica de co-criaccedilatildeo dialoacutegica propondo aos
participantes um exerciacutecio de pensamento valeacuteryano que explorasse a forma de
escrita ldquodiaacutelogordquo atraveacutes de textos filosoacuteficos e literaacuterios que tratavam do tema
A oficina buscava pensar de forma luacutecida condiccedilotildees de criar personagens
que pensam o proacuteprio pensamento afirmando o espiacuterito que opera e escreve com
prazer ciente ldquoque cada um eacute a medida das coisasrdquo (VALEacuteRY 2011) E atraveacutes
desta empiria de escrita proposta na oficina proporcionou um aporte teoacuterico e
praacutetico para composiccedilatildeo da dissertaccedilatildeo de mestrado Alfabeto espiritograacutefico
escrileituras em educaccedilatildeo (CAMPOS 2013)
Espiritografia
Dessa accedilatildeo empiacuterica a palavra espiritografia comeccedila a tomar forccedila nas
pesquisas possibilitando ao espiacuterito escrileitor investigar outros Espiacuteritos e suas
vidarbos e com eles passar a criar procedimentos capazes de promover uma
produccedilatildeo de escrita espiritograacutefica experimental que se ocupa de erracircncias acasos
e o inusitado e que se configura em uma tese intitulada A Educaccedilatildeo da Diferenccedila
com Paul Valeacutery Meacutetodo Espiritograacutefico (CAMPOS 2015) com proposta jaacute
qualificada em 2015 e com defesa final prevista para 2017
Deste modo o espaccedilo curricular afirmava-se de maneira transversal com a
filosofia com as artes e com as ciecircncias tomando para si a tarefa de compor um
curriacuteculo como uma construccedilatildeo aberta fazendo dos conhecimentos que se colocam
em movimento um compoacutesito multidimensional de leitura e de escrita potenciais
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Assim o Projeto Escrileituras optou por afirmar um curriacuteculo mutante
provocando com isso que sua didaacutetica tambeacutem o fosse Ou seja didaacutetica e
curriacuteculo possibilitaram atraveacutes das Oficinas a ampliaccedilatildeo da visatildeo de mundo por
via do conhecimento que serve como um disparador para a edificaccedilatildeo de outros
mundos possiacuteveis isto eacute um modo de viver e de ldquomaquinar a educaccedilatildeo com prazer
aventureiro e espiacuterito aventurosordquo (CORAZZA 2014)
Abrindo dobras na pesquisa foi possiacutevel falar e escrever sobre Autor
Infacircncia Curriacuteculo e Educador ndash unidades analiacuteticas referidas como AICE e
integrantes de procedimentos didaacuteticos Jaacute o curriacuteculo foi composto pelas seguintes
unidades analiacuteticas Espaccedilos Imagens e Signos (EIS) os quais satildeo postos em
movimento por meio de um nomadismo intelectual experimentado no proacuteprio
territoacuterio da educaccedilatildeo valendo-se dos procedimentos muacuteltiplos de escrita de Valeacutery
para um fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo
Atraveacutes de um Meacutetodo do Informe utilizando o conhecimento como invenccedilatildeo
que por via de transbordamentos de pesquisa esses elementos possibilitaram criar
um novo meacutetodo chamado espiritograacutefico ndash defendido na tese A Educaccedilatildeo da
Diferenccedila com Paul Valeacutery Meacutetodo Espiritograacutefico (CAMPOS 2015) ndash pelo qual foi
possiacutevel a criaccedilatildeo de alguns tipos de espiritografias tradutoacuterias como Plagiotroacutepica
Imageacutetica Mise en Scegravene Desviante Extra-Ordinaacuteria Jogada Aula-Empiacuterica
Poeacutetica
Escrever eacute traduzir conforme afirma Valeacutery na eacutepoca em que traduzia as
Bucoacutelicas de Virgiacutelio (1944) destacado no livro de Haroldo de Campos (2013)
Transcriaccedilatildeo
Escrever o que quer que seja desde o momento em que o ato de escrever exige reflexatildeo e natildeo eacute uma inscriccedilatildeo maquinal e sem detenccedilas de uma palavra interior toda espontacircnea eacute um trabalho de traduccedilatildeo exatamente comparaacutevel agravequele que opera a transmutaccedilatildeo de um texto de uma liacutengua em outra (VALEacuteRY apud CAMPOS 2013 paacuteg61-62)
Essas forccedilas operativas da escrita (e da leitura) servem como impulso para
uma trajetoacuteria autoconsciente do espiacuterito que se aventura entre rasuras em busca
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do novo Produzindo uma escrita tradutoacuteria aberta sujeita a interaccedilotildees e oscilaccedilotildees
oriundas daquele espiacuterito que age sobre o texto criamos uma didactique da
novidade da erracircncia de AICE que pode gerar intranquilidade pois caccedila em meios
muacuteltiplos de escrita ― rigorosa e complexa ― seus desdobramentos enigmaacuteticos
perseguindo a exatidatildeo dos sentidos por entre Espaccedilos Imagens e Signos (EIS) do
Curriacuteculo
Sendo assim AICE (Didaacutetica) e EIS (Curriacuteculo) tomam para si uma poeacutetica de
pesquisa que se quer empiacuterica num processo de releitura e de reescrita do viviacutevel
no campo educacional e que acabam produzindo um diferencial curricular e didaacutetico
da diferenccedila visto que criam novas epistemes possibilitando ldquopensar uma didaacutetica e
um curriacuteculo tradutoacuteriosrdquo (CORAZZA 2014 p5)
Em seu texto A Tentaccedilatildeo de (Satildeo) Flaubert Valeacutery (2011) escreve sobre a
diaboacutelica tentaccedilatildeo humana e poeacutetica de provocar uma escrita amebiana como meio
para um jogo escritural do viviacutevel pois viver eacute a todo instante sentir falta de alguma
coisa e modificar-se para atingi-la para desse modo tender a substituir-se no
estado de sentir falta de alguma coisa Trata-se de um movimento corpoacutereo como o
feito pela ameba ou seja de transubstanciaccedilatildeo com o objeto amado pois ldquovivemos
do instaacutevel pelo instaacutevel no instaacutevel essa eacute a funccedilatildeo completa da Sensibilidade
que eacute a mola diaboacutelica da vida dos seres organizadosrdquo (VALEacuteRY 2011 p 83)
Essas perspectivas poeacuteticas sobre escrita leitura curriacuteculo e didaacutetica
possibilitam no espaccedilo da aulaoficina a emergecircncia de procedimentos
interpretativos das mateacuterias curriculares que funcionam como meio de invenccedilatildeo
recriando assim culturas e discursos atraveacutes de exerciacutecios rigorosos cocircmicos e
dramaacuteticos do pensamento Nesse sentido como um espaccedilo de ficccedilatildeo a aula eacute
planejada para que de algum modo funcione como um laboratoacuterio coletivo em que
se examina e promove-se a educaccedilatildeo do espiacuterito
Assim satildeo promovidos encontros imanentes que fornecem coordenadas
para o pensamento criacutetico que eacute experimentado num empirismo transcendental no
qual ldquoa Ideia natildeo eacute o elemento do saber mas de um lsquoaprenderrsquo infinitordquo (DELEUZE
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2006 p310) Nesse tipo de empirismo o que vale eacute o valor agregado ao espiacuterito
das forccedilas que do pensamento se apossa e que satildeo capazes de produzir novas
imagens que enunciam e novamente atualizam o pensar Com textos literaacuterios os
espiacuteritos escrileitores em movimentos de self-variance passam a acompanhar
essas danccedilas dramaacuteticas em meio agrave vida in-formada
Trata-se de um pensar vivo capaz de escriturar novos sentidos e de inscrever
signos que satildeo vitalmente transcriados pois operam para ldquoatravessar a ortodoxia
dos textosrdquo (CORAZZA 2014) e com eles criar uma escrita indomesticada criacutetica e
vivificadora Damos assim vida a uma nova praacutexis de ensino capaz de construir
espiritografias na qual o espiacuterito age por si enquanto move-se entre leituras e
escritas Espiacuterito que se interroga observa o proacuteprio fazer da escrita literaacuteria que
tem como tarefa anotar borrar fazer muacuteltiplas reflexotildees combinaccedilotildees tentativas e
falhas
Notemos que o espiacuterito ocupa trecircs lugares funcionais em seu laboratoacuterio
proacuteprio quais sejam EEE ndash o de Estudante (espiacuterito em curso tradutoacuterio de escrita)
o de Escritor (espiacuterito autor tradutor e transcriador) e o de Educador (espiacuterito em
exerciacutecio de traduccedilatildeo no exerciacutecio do magisteacuterio) Eacute esse atravessamento entre
lugares que movimenta EIS (Curriacuteculo) e AICE (Didaacutetica) os quais pela via da
traduccedilatildeo satildeo reimaginados Vislumbramos de acordo com Corazza (2013 p 219)
um fazer tradutoacuterio ldquopara aleacutem do literalismo rudimentar e da banalidade explicativardquo
que daacute nova vida ao educador-artista e cujas traduccedilotildees ldquopoderatildeo por vezes tornar-
se mais importantes que os originaisrdquo pois se configuram como uma ldquoestrateacutegia de
renovaccedilatildeo dos sistemas educacionais e culturais contemporacircneosrdquo
Experimentaccedilotildees
A partir do desenvolvimento de algumas Oficinas de Transcriaccedilatildeo durante o
Projeto Escrileituras continuamos estudando e pesquisando o pensamento de
Valeacutery na direccedilatildeo de construir tipos de espiritografias como uma praacutetica que
promove novos movimentos que tomam as unidades analiacuteticas de EIS AICE na qual
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buscamos combinar e correlacionar EIS com AICE (Espaccedilos Imagens e Signos a
Autor Infantil Curriacuteculo Educador) e nesse processo combinatoacuterio e correlacional
operacionalizar escrileituras tradutoacuterias que se articulassem com a praacutexis do ensinar
escrever orientar pesquisar colocando esses verbos em foco por meio de um fazer
espiritograacutefico Tal procedimento exploratoacuterio-experimental de pesquisa tem como
intuito criar meios para a produccedilatildeo de accedilotildees de pensamento na pesquisa
Nessa direccedilatildeo detalharemos um dos tipos de espiritografia aludida no texto
a Espiritografia Plagiotroacutepica Lembrando o que salienta o proacuteprio Valeacutery (2011 p
110) ldquoeu sei apenas o que sei fazerrdquo expomos os movimentos empiacutericos de escrita
feitos para criar essa espiritografia atraveacutes de movimentos de EIS AICE
apresentados a seguir por meio de um resumo do seu Glossaacuterio
EIS AICE
Espaccedilos - que se habitam e produzem
condiccedilotildees para novamente serem
habitados ao esvaziar-se na
constituiccedilatildeo de novas margens que a
sua vez lhes doam novas instacircncias
habitaacuteveis
Imagens - ausentes que presentificam
presenccedilas e Imagens presentes que
presentificam ausecircncias
Signos - satildeo dotados das forccedilas dos
encontros que podem exercer uma
violecircncia sobre o pensamento
violecircncia que implica na criaccedilatildeo do
pensar no proacuteprio pensamento
Autor-Tradutor - escreve lecirc interpreta aprende
compotildee apenas para desencadear devires
Infantil - como forccedila ativa e vontade de potecircncia
afirmativa
Curriacuteculo - cria a alegria afirmativa de educar
Educador - exercita se interrogar se tudo o que disse
ateacute entatildeo eacute tudo o que pode dizer se tudo o que viu
ateacute agora eacute de fato tudo o que pode ver se tudo o
que pensa eacute tudo o que pode pensar se tudo o que
sente eacute tudo o que pode sentir se tudo o que traduziu
eacute tudo que pode traduzir
O texto inspirador para a produccedilatildeo dessa espiritografia eacute o livro de Gonccedilalo
Tavares (2011) intitulado O senhor Valeacutery e a loacutegica tomado como um disparador
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como um meio potente para a produccedilatildeo de escrita Esse meio textual produz um
outro para falar e escrever sobre a Vidarbo (vida-obra) de Paul Valeacutery criando-se
assim um personagem O Monsieur Valeacutery
Esse texto eacute produzido por intermeacutedio de escrileituras que contemplam o
ainda natildeo visto ou ainda natildeo atribuiacutedo de valor para a criaccedilatildeo do personagem na
medida em que pesquisamos sobre a vida e a obra de Valeacutery de modo a escrever
sobre este personagem peculiarmente
Por via de um olhar outro que natildeo o de Tavares mas do olhar do espiacuterito
escrileitor que pesquisa vida e obra de outro espiacuterito no caso Valeacutery almejamos
compor uma espiritografia com e sobre este personagem do pensamento o que
pressupotildee ir ao mundo deste espiacuterito do qual se escreve observando como se daacute o
seu pensar Desta maneira foram produzidos quatro minicontos O Atum O
Ostinato O Sonho e Sem Destino (CAMPOS 2015) Abaixo seguem os dois
primeiros dessa seacuterie
O Atum
MONSIEUR VALEacuteRY era pequenino mas adorava nadar
Ele explicava
Sou igual a um atum soacute que em tamanho menor
Mas isto constitui para ele um problema
Mais tarde o monsieur Valeacutery pocircs-se a pensar que os pescadores podiam
confundi-lo com um atum e pescaacute-lo Sabia por suas leituras ser o Atum o mais
antigo deus criador do mundo Mediterracircneo e observou em seu livro a grande
Serpente Atum pai de Eneacuteade e Helioacutepolis E tal pensamento o animou um pouco
Dias depois saiu para passear agrave beira-mar e desenhou serpentes na areia E
pensava sobre a evoluccedilatildeo das espeacutecies e murmurava ldquose o homem estaacute situado ao
final de um longo esforccedilo geneacutetico tambeacutem seraacute preciso situar esta criatura fria sem
pata sem pelos sem plumas no iniacutecio deste mesmo esforccedilordquo E concluiu Haacute algo
de serpente no homem assim deve tambeacutem haver em mim
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Monsieur Valeacutery costumava fazer caacutelculos enquanto caminhava e riscava
atraacutes de si com uma varinha uma linha e ia medindo Caminhou caminhou de
suacutebito olhou para traacutes e viu a linha e pocircs-se a imaginar a Serpente como uma linha
viva E pensava que a linha eacute uma abstraccedilatildeo encarnada soacute enxergamos a sua parte
proacutexima manifesta Mas ele sabia que a linha seguia pelo invisiacutevel infinito de um
lado e de outro
O Ostinato
MONSIEUR VALEacuteRY cresceu assim como tambeacutem cresceu sua curiosidade
sobre as serpentes que seguia a rabiscar
Monsieur Valeacutery ainda costumava nadar poreacutem agora com maior
desenvoltura
Jogava-se ao mar e nadava de costas cachorrinho borboleta
Enquanto dava suas braccediladas e mergulhos no mar sem fim sentia-se
acompanhado
Entatildeo o monsieur Valeacutery pensava
― Seraacute Afrodite Ou seraacute Netuno
E enquanto caminhava para casa apoacutes seus nados volta e meia olhava para
traacutes observando a linha pintalgada pelos pingos que escorriam de seu corpo
Entatildeo Monsieur Valeacutery exclamava
― Que bela geometria
E logo se aborrecia
Monsieur Valeacutery era um perfeccionista e para se distrair durante o percurso
de volta para casa ia compondo versos Ostinatos que o enterneciam e lhe traziam
aromas de um pensamento Ele costumava declamaacute-los assim
Fonte minha fonte aacutegua friamente presente
Suave com os animais com os humanos clemente
Que tentados por si seguem ao fundo a morte
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Tudo te eacute sonho Irmatilde impaacutevida da Sorte3
Importa salientar que natildeo haacute um plaacutegio porque natildeo eacute coacutepia ou mera
reproduccedilatildeo textual mas de uma plagiotropia no sentido de Haroldo de Campos
(1997 p249) qual seja uma ldquoapropriaccedilatildeo seletiva natildeo histoacuterica para utilidade
imediata de um fazer poeacutetico situado na lsquoagoridadersquo o momento de ruptura em que
determinado presente (o nosso) se reinventa ao se reconhecer na eleiccedilatildeo de um
determinado passadordquo
Em outras palavras estabelecemos um diaacutelogo entre os espiacuteritos de Valeacutery
de Tavares e de um escrileitor que quer compor uma espiritografia O espiacuterito que
escreve lecirc repensa e mastiga o que chega dos textos de Tavares e de Valeacutery Essa
relaccedilatildeo estabelecida entre os espiacuteritos que leem e escrevem adquire potecircncia pelas
afecccedilotildees de forccedilas oriundas da accedilatildeo de leitura-escrita e gera novas relaccedilotildees com
os textos que satildeo entatildeo renovados e reinventados pelo meacutetodo espiritograacutefico
O EIS AICE do Curriacuteculo e da Didaacutetica com suas unidades analiacuteticas eacute posto
como bloco em movimento atraveacutes de um nomadismo intelectual que opera como
conhecimento e como invenccedilatildeo no territoacuterio da educaccedilatildeo de uma maneira
espiritograacutefica valeacuteryana Podemos descrever da seguinte maneira os movimentos
tradutoacuterios que ocorrem nessas unidades analiacuteticas de EIS AICE
EIS
Espaccedilos - satildeo criados entre e com Tavares e Valeacutery espaccedilos de escrita
novas margens que o espiacuterito escrileitor passa a habitar
Imagem - ausentes de Tavares e Valeacutery que se presentificam na agoridade
com novas imagens de pensamentos criadas que se ldquoreinventa ao se reconhecer na
eleiccedilatildeo de um determinado passadordquo (Campos 1997 p249) e que lhe serviu de
disparador como um rastro de escrita
3 Do poema Fragmentos de Narciso e outros poemas (VALEacuteRY 2013 p 61)
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Signos ndash encontro de forccedilas de um espiacuterito que escreve em Self-variance
com Valeacutery e com Tavares E desta violecircncia levantam-se problemas e com eles se
cria pois criaccedilatildeo pressupotildee pensar no proacuteprio pensamento e como eles se datildeo
entre leitura e escrita
AICE
Autor-tradutor ndash ler e escrever na educaccedilatildeo como operaccedilatildeo literaacuteria valer-se
da literatura que desencadeia movimentos de pensar interpretar aprender
compor devires tradutoacuterio
Infantil ndash do infante da crianccedila que descobre pois tem a forccedila ativa ativada
por uma vontade de potecircncia que quer afirmar-se com alegria
Curriacuteculo ndash Alegria que transborda pois se afirmam novos meios de educar
que natildeo o ldquoeu professotu escutasrdquo pois na teimosia que nos impele a educar eacute
necessaacuterio ir aleacutem da mera reproduccedilatildeo de textos
Educador ndash EEE (estudante escritor educador) trecircs papeacuteis intercambiaacuteveis
propiacutecios a interrogar-se levantar questotildees na busca de novos olhares ldquovatildeosrdquo
sobre o ainda natildeo visto que possibilita novas composiccedilotildees de escrita
Consideraccedilotildees Finais
Ao pensar sobre o processo de pesquisa exposto no presente artigo
sinalizamos a relevacircncia do pensamento de Paul Valeacutery e de sua apropriaccedilatildeo efetiva
no campo da educaccedilatildeo por considerar que os seus procedimentos de escrita
concedem ao espiacuterito que busca se educar agir com maior lucidez de pensamento
ou seja cultivar o Eu-empiacuterico que lecirc e escreve importando-se mais com o meio de
ocorrecircncia textual do que com um fim ou com uma meta
Tratamos em siacutentese de um fazer conjunto com Paul Valeacutery atraveacutes dos
seguintes aportes a) o Meacutetodo do Informe utilizado como processo experimental
para falar ler e escrever sobre a educaccedilatildeo com Valeacutery b) atraveacutes de uma Self-
variance do espiacuterito colocar-se em movimento funcional construcionista onde
autoeduca-se no entre-lugar variante de EEE c) a escrileitura conceitualizada como
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um campo aberto agrave formaccedilatildeo e ao fazer docente que mescla linguagem e
conhecimento
A vidarbo de Valeacutery engendra na didaacutetica e no curriacuteculo uma vontade de
expressatildeo unida agraves sensaccedilotildees experimentadas no viviacutevel em novos traccedilados
compositivos de escrita Para pensar e operar uma didaacutetica (AICE) e um curriacuteculo
(EIS) tradutoacuterios o estudo tambeacutem aponta que a pesquisa eacute mutante e aberta a
novas interferecircncias visto que o Meacutetodo do Informe transmuta-se no proacuteprio
percurso investigativo em um Meacutetodo Espiritograacutefico
Pelo que podemos observar acerca dos resultados e impactos das produccedilotildees
oriundas das trecircs pesquisas anteriormente citadas que pesquisam e produzem um
curriacuteculo e uma didaacutetica da diferenccedila eles vecircm proporcionando encontros
produtivos que ampliam e qualificam as pesquisas educacionais
Cabe enfatizar que no cotidiano educacional o que se traduz aleacutem de textos
eacute a proacutepria vida como potecircncia ou movimento de criaccedilatildeo almejando que a
existecircncia possa ser concebida como arte pois de acordo com Valeacutery (1977
p217) ldquoa arte natildeo eacute nada mais do que um pedagogo poreacutem mais importante ―
pois ela pode me ensinar a dispor do meu espiacuterito para aleacutem de suas aplicaccedilotildees
praacuteticasrdquo Trata-se entatildeo de um escrever vivendo espreitar a realidade e sobre ela
levantar novos problemas que promovem no espiacuterito dobras sobre si mesmo num
fazer poeacutetico-criador em elaboraccedilatildeo constante um modo de existir intensivo de arte-
vida que toma o viviacutevel como mateacuteria para assim transmutaacute-la no campo da
educaccedilatildeo contemporacircnea
Referecircncias CAMPOS Haroldo de Transcriaccedilatildeo Satildeo Paulo perspectiva 2013
_______ Haroldo de O Arco-Iacuteris Branco Rios de Janeiro Imago 1997 CAMPOS Maria Idalina Krause de Alfabeto Espiritograacutefico Escrileituras em Educaccedilatildeo Porto Alegre 2013 Projeto de dissertaccedilatildeo (Dissertaccedilatildeo em Educaccedilatildeo)
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lthttpseerfundartersgovbrindexphpRevistadaFundarteindexgt
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Faculdade de Educaccedilatildeo Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2013 Disponiacutevel em lthttphdlhandlenet1018370246gt _______ Maria Idalina Krause de A Educaccedilatildeo da Diferenccedila com Paul Valeacutery Meacutetodo Espiritograacutefico Porto Alegre 2014-2017 Projeto de tese (Tese qualificada em Educaccedilatildeo) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Faculdade de Educaccedilatildeo Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2014 CORAZZA Sandra Mara OLIVEIRA Marcos da Rocha ADOacute Maacuteximo Daniel Lamela (Orgs) Biografemaacutetica na educaccedilatildeo Vidarbos (Caderno de Notas 7) Porto Alegre UFRGS Doisa 2015 _______ Sandra Mara Ensaio sobre EIS AICE proposiccedilatildeo e estrateacutegia para pesquisar em educaccedilatildeo Porto Alegre Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo CNPq 2014 30 p (No prelo) _______ Sandra Mara O que se transcria em educaccedilatildeo Porto Alegre ndash RS UFRGS Doisa 2013 _______ Sandra Mara Introduccedilatildeo ao meacutetodo biografemaacutetico In COSTA Luciano Bedin da FONSECA Tania Mara Galli (Org) Vidas do Fora habitantes do silecircncio Porto Alegre Editora da UFRGS 2010 _______ Sandra Mara Dramatizaccedilatildeo do infantil na comeacutedia intelectual do curriacuteculo meacutetodo Valeacutery-Deleuze Projeto de Pesquisa ndash Bolsa de produtividade CNPq 2010 _______ Sandra Mara Meacutetodo Valeacutery-Deleuze um drama na comeacutedia intelectual da educaccedilatildeo Educaccedilatildeo amp Realidade Porto Alegre v 37 n 3 Dec 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S2175-62362012000300016amplng=enampnrm=isogt Acessado em 13 de Julho de 2016 _______ Sandra Mara Didaacutetica da Traduccedilatildeo transcriaccedilotildees do curriacuteculo escrileituras da Diferenccedila (2014-2019) Projeto de Pesquisa de Produtividade (CNPq) _______ Gilles Diferenccedila e repeticcedilatildeo Trad Luiz Orlandi e Roberto Machado Rio de Janeiro Graal 2006 _______ Gilles A ilha deserta e outros textos Textos e entrevistas (1953-1974) Satildeo Paulo Iluminuras 2006 (Org Luiz B L Orlandi) DELEUZE Sobre o teatro Um manifesto de menos O esgotado Rio de Janeiro Editora Zahar 2010
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CAMPOS Idalina Krause de Fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo com Paul Valeacutery esperitografias Revista da
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TAVARES Gonccedilalo M O senhor Valeacutery e a Loacutegica 1 ed Rio de Janeiro Casa da Palavra 2011 VALEacuteRY Paul Variedades Trad Maiza Martins de Siqueira Satildeo Paulo Iluminuras 2011 _______ Paul Fragmentos de Narciso e outros poemas Trad Juacutelio Castantildeon Guimaratildees Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial 2013 _______ Cahiers Paris Gallimard 1977
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GROL Ana Paula Schoninger Van BLAUTH Lurdi Gravura procedimentos alternativos em litografia
contemporacircnea Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 36-51 juldez 2016 Disponiacutevel em
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Gravura procedimentos alternativos em litografia contemporacircnea
Ana Paula Schoninger van Grol1 Universidade Feevale
Lurdi Blauth2
Universidade Feevale
Resumo O estudo aborda a inter-relaccedilatildeo da arte com distintos meios de produccedilatildeo de imagens mediando procedimentos tradicionais com processos de tecnologias digitais As experiecircncias satildeo realizadas no campo da gravura contemporacircnea com o intuito de propor outras possibilidades de criaccedilatildeo de matrizes pela utilizaccedilatildeo e o aproveitamento de materiais alternativos e o uso de produtos menos toacutexicos Consideramos que eacute importante estimular o uso destes outros meios principalmente em ateliecircs de gravura xilogravura gravura em metal litografia e serigrafia Neste momento apresentamos alguns resultados parciais no acircmbito da litografia cujas pesquisas foram desenvolvidas no ateliecirc de gravura da Universidade Feevale Palavras-chave Arte tecnologia gravura litografia Abstract The research takes into consideration the relation among the different ways of producing images associating traditional methods with digital technology processes The experiences are taken in the field of contemporary printing intenting propouse other possibilities in creating printing matrices from use and exploitation of alternative material and non-toxic products It is considered that it is important to stimulate the use of alternative means particularly in art labs such as xylography metal engraving lithography and silkscreen To the present moment will be presented some partial results related to lithograph all researches were accomplished at the art laboratory in Universidade Feevale Keywords Art technology printing lithography
Introduccedilatildeo
Os movimentos artiacutesticos no iniacutecio de seacuteculo XX transgridem as formas
tradicionais da arte como podemos observar no surrealismo futurismo e dadaiacutesmo e
nas publicaccedilotildees em manifestos que confrontam questotildees sociais e culturais A
invenccedilatildeo da fotografia intensifica a aproximaccedilatildeo entre a arte e a tecnologia liberando
os artistas da questatildeo da representaccedilatildeo tradicional de espaccedilo para realizarem novas
1 Graduada em Artes Visuais trabalha como professora de liacutengua inglesa Eacute diretora do grupo de teatro de rua DRIME e tambeacutem atua como artista plaacutestica 2 Doutora em Artes Visuais pela UFRGS (2005) e Doctorat sandwich en Art Plastique - Universiteacute Paris 1 (Pantheacuteon-Sorbonne) (2003) Artista visual pesquisadora e professora nos cursos de Artes Visuais Design Graacutefico e no PPG em Processos e Manifestaccedilotildees Culturais Universidade Feevale
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GROL Ana Paula Schoninger Van BLAUTH Lurdi Gravura procedimentos alternativos em litografia
contemporacircnea Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 36-51 juldez 2016 Disponiacutevel em
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experiecircncias Em 1910 quando Pablo Picasso e Georges Braque inserem em suas
pinturas outros materiais como fragmentos de jornais elementos da tipografia entre
outros impressos fazem uma alusatildeo direta ao cotidiano e ao progresso dos novos
meios tecnoloacutegicos da eacutepoca Tais fragmentos colados sobre a superfiacutecie da tela aleacutem
de redimensionarem a relaccedilatildeo da representaccedilatildeo do espaccedilo ilusionista da perspectiva
introduzem uma nova forma de tempo e espaccedilo Os limites tradicionais e a
representaccedilatildeo objetiva da arte comeccedilam a ser questionados sobretudo com a
utilizaccedilatildeo e a experimentaccedilatildeo de novos materiais bem como tambeacutem a expressatildeo
pessoal do artista
No acircmbito do desenvolvimento da gravura percebemos a coexistecircncia com
inovaccedilotildees teacutecnicas as quais satildeo constantemente renovadas e incorporadas aos
procedimentos tradicionais de criaccedilatildeo de imagens sobre distintas matrizes e processos
de reproduccedilatildeo sobre diferentes suportes Atualmente o conceito inicial da gravura se
transforma junto com a evoluccedilatildeo da cultura e dos novos meios tecnoloacutegicos Ela natildeo
envolve necessariamente gravaccedilatildeo isto eacute subtraircortar mateacuteria de uma superfiacutecie
como eacute feito nos meios mais tradicionais como a xilogravura e a calcografia Utiliza-se a
adiccedilatildeo de pigmentos os quais modificam a superfiacutecie de uma matriz atraveacutes de
processos quiacutemicos confronta-se tambeacutem com a gravaccedilatildeo fotograacutefica a eletrografia e
a computaccedilatildeo graacutefica buscando assim a inter-relaccedilatildeo com outras linguagens
Tais desdobramentos tencionam as suas especificidades teacutecnicas propondo
uma maior flexibilidade e autonomia em relaccedilatildeo aos seus meios convencionais de
gravaccedilatildeo e impressatildeo Contudo as linguagens tradicionais natildeo satildeo descartadas uma
vez que eacute fundamental termos conhecimento das caracteriacutesticas dos seus
procedimentos originais que continuam sendo desenvolvidos por inuacutemeros artistas Ou
seja satildeo produzidas gravuras com meios teacutecnicos da xilogravura calcografia serigrafia
e litografia e de acordo com as singularidades criativas de cada artista satildeo
incorporados desenhos pinturas colagens transferecircncia de fotografias digitais coacutepia
uacutenica em contraponto com a reproduccedilatildeo de imagens
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contemporacircnea Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 36-51 juldez 2016 Disponiacutevel em
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Neste estudo investigamos a criaccedilatildeo de imagens por meio de experimentaccedilotildees
praacuteticas com procedimentos analoacutegicos (gravura) incluindo a utilizaccedilatildeo de recursos
provenientes de tecnologias digitais (fotografia) e a transferecircncia de imagens sobre
matrizes alternativas
O enfoque das nossas experimentaccedilotildees eacute buscar materiais que possam suprir
os procedimentos tradicionais da litografia devido a dois fatores primeiro satildeo poucos
ateliecircs que possuem as pedras litograacuteficas o que impede o seu faacutecil acesso segundo
aliada aos constantes desdobramentos e potencialidades da linguagem graacutefica eacute
fundamental a experimentaccedilatildeo de outros materiais mais acessiacuteveis e menos toacutexicos
Cabe mencionar que tais experimentaccedilotildees partem de informaccedilotildees obtidas por
pesquisas apresentadas em sites da internet artigos e estudos oriundos de testagens
realizadas em outros paiacuteses No entanto percebemos que os procedimentos natildeo
resultam em apenas transcrever teacutecnicas implicam em tentar adotar materiais similares
em nosso contexto aleacutem de indicarem outras possibilidades de criaccedilatildeo artiacutestica
Os experimentos e pesquisas relatados aqui satildeo vinculados ao projeto de
pesquisa Arte e Tecnologia Interfaces Hiacutebridas da Imagem entre Mediaccedilotildees e
Remediaccedilotildees que acontece sob orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Lurdi Blauth nos ateliecircs de arte
da Universidade Feevale O objeto de estudo investiga possibilidades hiacutebridas que
inter-relacionam meios analoacutegicos e digitais de diferentes linguagens esteacuteticas como a
gravura fotografia videoarte e tecnologias digitais
Litografia princiacutepios baacutesicos
A litografia descoberta por Alois Senefelder em 1796 comeccedilou a ser utilizada
de forma utilitaacuteria para impressatildeo de documentos roacutetulos cartazes mapas jornais
aleacutem de apresentar uma nova possibilidade expressiva para os artistas A teacutecnica da
litografia tem como princiacutepio baacutesico o fenocircmeno quiacutemico de repulsatildeo entre gordura e
aacutegua tornando-se um meio de reproduccedilatildeo de imagens Antes da invenccedilatildeo da litografia
toda a gravura pressupunha gravaccedilatildeo isto eacute a incisatildeo sobre uma superfiacutecie resultando
numa imagem que podia ser transferida pelo seu relevo Isto quer dizer que a gravura
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estava associada agrave incisatildeo agrave subtraccedilatildeo o oposto de adiccedilatildeo De acordo com George
Kornis3 (2015)
O advento da litografia no seacuteculo XIX ndash um processo fundado apenas em uma accedilatildeo quiacutemica sobre uma matriz em pedra ndash possibilitou um grau de liberdade diante da incisatildeo e ampliou a escala de reprodutibilidade da imagem graacutefica Na litografia a linguagem graacutefica aproxima-se ainda mais do desenho Essa nova teacutecnica prescinde da incisatildeo o que amplia o acesso a novos artistas que optam por incorporar tambeacutem a expressatildeo graacutefica ao seu trabalho
Importantes artistas comeccedilam a utilizar a teacutecnica como meio de expressatildeo
Goya como podemos observar na obra Touradas de 1825 (fig 1) Gustave Doreacute
Renoir Ceacutezanne Toulouse-Lautrec Bonnard entre outros realizam novas
experimentaccedilotildees introduzindo inclusive a cor nos meios litograacuteficos
Figura 1 Francisco Joseacute de Goya Touradas 1825 Fonte Disponiacutevel em httpwwwpatrimoniodehuescaesmuseo-de-huesca-francisco-de-goya-y-
lucientes-grabados-de-tauromaquia-y-lienzo-del-sr-de-veian-s-xviii
A linguagem graacutefica aliada agraves transformaccedilotildees do seacuteculo XXI continua a sua
constante atualizaccedilatildeo teacutecnica pela convergecircncia de meios digitais e de teacutecnicas
seculares da gravura configurando-se pela exploraccedilatildeo de uma diversidade de novas
proposiccedilotildees esteacuteticas Nesse aspecto igualmente eacute colocado em discussatildeo o seu
caraacuteter original relacionado com a produccedilatildeo de uma matriz uacutenica e a reproduccedilatildeo de
3 KORNIS George Gravura passado presente e futuro Publicado em 13 de maio de 2015 Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomwatchv=mCmY_Oj3x64gt Acesso em 29 de julho de 2016
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estampas idecircnticas Para Nicole Malenfant (2012 p73) ldquoeacute na abertura para praacuteticas de
natureza interdisciplinar que a gravura transgrediu ainda mais o quadro de sua
especificidade para integrar a abordagem de criaccedilatildeo agrave perspectiva de uma
lsquopermeabilidade de fronteirasrsquo Em outras palavras estas novas abordagens inter-
relacionam procedimentos materialidades e conceitos ampliando inclusive o caraacuteter
mais intimista da gravura bem como as estruturas de suas praacuteticas teacutecnicas
convencionais que se desdobram no contato com as tecnologias digitais
Atualmente falamos em gravuras digitais que se distinguem das praacuteticas
tradicionais da gravura que ldquoeacute feita com base na construccedilatildeo pictoacuterica e utiliza
ferramentas proacuteprias aos softwares da imagem para elaborar uma proposta visual que
pode incluir elementos fotograacuteficos que se relacionem com outros elementos do todo da
imagemrdquo (MALENFANT 2012 p72) Embora as especificidades de cada procedimento
empregado estejam em sintonia eacute preciso levar em conta as peculiaridades e
denominaccedilotildees dos meios de reproduccedilatildeo e impressatildeo e suas diferentes granulaccedilotildees na
imagem A incorporaccedilatildeo da imagem fotograacutefica por meio de transferecircncia para outros
suportes e matrizes que permitem a sua reproduccedilatildeo se distingue da materialidade das
impressotildees manuais
Ainda de acordo com Malenfant
As pesquisas para transferir imagens fotograacuteficas ou digitais para matrizes que permitem se servir da impressatildeo artesanal tambeacutem enriqueceram essas imagens com uma materialidade diferente advindas da siacutentese de suas disciplinas implicadas Esses novos avanccedilos no plano teacutecnico permitem associar as ferramentas digitais ao processo de criaccedilatildeo da imagem e ampliam o campo da exploraccedilatildeo esteacuteticardquo (2012 p73)
Nessa perspectiva haacute uma liberdade muito maior em elaborar proposiccedilotildees
esteacuteticas que dialogam com uma diversidade de materiais e materialidades e de certa
maneira transgridem as delimitaccedilotildees para integrar novas formas de criaccedilatildeo no campo
ampliado da arte
Desse modo as investigaccedilotildees praacuteticas desta pesquisa se desdobram com a
exploraccedilatildeo de procedimentos alternativos para a gravura litograacutefica A partir do
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conhecimento de alguns princiacutepios baacutesicos da litografia procuramos trabalhar com
alguns meacutetodos que natildeo necessitam da utilizaccedilatildeo da pedra calcaacuteria cujo material eacute
escasso e limitado a poucos ateliecircs no Rio Grande do Sul
Contexto inicial
Para o desenvolvimento dos meios tradicionais da litografia eacute necessaacuterio uma
seacuterie de procedimentos que implicam no uso de diversos materiais como pedra
litograacutefica (calcaacuteria) materiais para desenho (Tousche laacutepis crayon) solvente
(removedor aacutegua-raz ou varsol) goma araacutebica breu aacutecido aceacutetico aacutecido niacutetrico entre
outros O processo eacute relativamente complexo pois depende da repulsatildeo entre gordura
e aacutegua A imagem eacute produzida sobre a superfiacutecie da pedra calcaacuteria com materiais
oleosos e depois de concluiacuteda satildeo aplicados diferentes componentes quiacutemicos que
iratildeo fixaacute-la Ou seja eacute necessaacuterio que todas as etapas sejam consideradas em sua
sequecircncia e geralmente requer o auxiacutelio de profissionais capacitados para a impressatildeo
aleacutem de outros cuidados teacutecnicos para que haja um bom resultado na obra final
Visando atender aos objetivos da pesquisa buscamos desenvolver a teacutecnica
com meacutetodos diversos realizando experimentaccedilotildees com diferentes suportes para a
produccedilatildeo de matrizes que se aproximem aos meios litograacuteficos Aleacutem disso buscamos
relacionar a pesquisa agraves tecnologias digitais seja no processo de criaccedilatildeo eou na
elaboraccedilatildeo das imagens graacuteficas
Experimentaccedilotildees praacuteticas
Inicialmente foram testados vaacuterios procedimentos e materiais tendo como
proposiccedilatildeo na medida do possiacutevel utilizar materiais menos nocivos ao ambiente
Nessas experimentaccedilotildees vaacuterios testes natildeo apresentaram os resultados esperados ou
adequados agrave proposta da investigaccedilatildeo contudo possibilitaram outras descobertas
Os estudos em ateliecirc tecircm como referecircncia o artigo ldquoLa siligrafiacutea Un proceso
alternativo en la graacutefica muacuteltiple contemporaacuteneardquo de Hortensia Miacutenguez Garciacutea e
Carles Meacutendez Llopis (2014) que sugere o uso de silicone e solvente sobre chapa
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offset Apoacutes algumas tentativas foi possiacutevel reproduzir a imagem contudo os
resultados deste experimento natildeo foram totalmente satisfatoacuterios em qualidade de
impressatildeo aleacutem do mais natildeo se enquadravam com os objetivos da pesquisa na
aplicaccedilatildeo dos materiais ndash que ainda apresentavam certa toxicidade (figura 2)
Figura 2 Ana van Grol - Detalhes do processo com litografia alternativa Fonte Arquivo pessoal
A partir destas experiecircncias realizadas em ateliecirc concluiacutemos que seratildeo
necessaacuterios mais estudos e praacuteticas para se obter melhores resultados para a
reproduccedilatildeo das imagens
Litografia natildeo toacutexica com refrigerante de cola e produtos caseiros
Nesta segunda etapa novos estudos bibliograacuteficos propiciaram outras testagens
com materiais e processos de litografia alternativa Percebemos que em muitos paiacuteses
jaacute estatildeo sendo pesquisados outros meacutetodos mais acessiacuteveis e de faacutecil manuseio
Nesse aspecto eacute interessante observar que encontramos pouco material em portuguecircs
inclusive os materiais sugeridos satildeo similares aos produzidos aqui no Brasil poreacutem
existe uma diferenccedila na qualidade dos mesmos
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Foram pesquisados em diversos viacutedeos disponiacuteveis na internet que tratam de
processos semelhantes ao de litografia alternativa Mencionamos alguns exemplos
como o ateliecirc francecircs Art Emilion4 (o qual tambeacutem produziu um manual para execuccedilatildeo
do processo) e o viacutedeo Kitchen Lithography Demo por Felicia Digiovanni5 ambos
demonstrando a teacutecnica com refrigerante de cola O processo utilizando somente
vinagre para substituir o refrigerante apresentado por ldquojjewelartrdquo tambeacutem fez parte do
experimento poreacutem natildeo apresentou os resultados esperados
De acordo com as demonstraccedilotildees do ateliecirc de arte Art Eacutemilion o procedimento
faz uso dos seguintes materiais oacuteleo de cozinha vinagre branco refrigerante de cola
papel alumiacutenio esponja litograacutefica tinta para talho doce rolo para entintagem laacutepis
para desenho litograacutefico (e outros materiais gordurosos para o mesmo fim como sabatildeo
de glicerina) papel para impressatildeo e aacutegua
O desenvolvimento da teacutecnica envolve as seguintes etapas
1 O papel alumiacutenio deve ser posto sobre uma chapa acriacutelica ou algo semelhante
para facilitar o trabalho o lado a ser usado eacute o fosco
2 Apoacutes limpar o papel alumiacutenio com aacutelcool pode-se fazer o desenho com giz
gorduroso ou sabatildeo de glicerina
3 O banho de refrigerante de cola eacute o passo seguinte mas deve-se ter a certeza
de que o desenho estaacute totalmente seco para isso Este processo toma alguns
segundos e eacute necessaacuterio assegurar-se de passar por toda a superfiacutecie
4 Depois disso deve-se lavar com aacutegua e secar levemente com papel toalha
5 O oacuteleo de canola deve ser espalhado por toda a superfiacutecie com uma gaze para
retirar o desenho do alumiacutenio
6 Eacute necessaacuterio passar a esponja de litografia sobre o desenho devendo estar
umedecida com aacutegua e ser aplicada entre as etapas de entintagem com tinta
4 EMILLION Aizier Lithography Maison ndash Kitchen lithography Disponiacutevel em lt httpwwwatelier-kitchen-printorgproducts-pagemanuelsproduitshandbook-of-kitchen-lithogt Acesso em 09 de junho de 2016 5DIGIOVANI Felicia Kitchen Lithography Demo Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomwatchv=UuBUlEt6vWwgt Acesso em 09 de junho de 2016
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para talho doce ou tipograacutefica com um rolo de borracha Na primeira passada eacute
possiacutevel que a tinta se fixe a todas as partes poreacutem a esponja molhada deve
ser aplicada vaacuterias vezes assim como a tinta ateacute que ao final a tinta aderiraacute
somente na imagem (figura 3)
Figura 3 Ana van Grol - testes de litografia alternativa com coca cola do atelier Art Eacutemilion Fonte Arquivo pessoal
Nos primeiros resultados apenas era possiacutevel reconhecer vestiacutegios das
imagens e teacutecnica entretanto ao repetir o processo algumas vezes e analisar os
procedimentos realizados era notaacutevel a melhora das impressotildees (figura 4)
Figura 4 Ana van Grol ndash detalhe da impressatildeo com maior fidelidade entre o desenho inicial e sua impressatildeo final
Fonte Arquivo pessoal
Eacute curioso salientar um aspecto em que diferem nossos estudos dos
experimentos realizados nos viacutedeos observados enquanto que em nossas praacuteticas a
tinta eacute fixada no plano de fundo da imagem nos viacutedeos ela adere nos desenhos sendo
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assim o sistema que repele a tinta acontece invertido e por esse motivo continuamos
as testagens para obter resultados mais proacuteximos aos dos viacutedeos
Nestas experimentaccedilotildees os resultados foram satisfatoacuterios tecnicamente poreacutem
ainda natildeo foram consideradas questotildees esteacuteticas e conceituais enquanto linguagem
artiacutestica Na etapa seguinte buscamos aliar a transferecircncia de imagens para a criaccedilatildeo
de matrizes com papel alumiacutenio utilizando outros procedimentos e materiais
A transferecircncia de imagem sobre matriz de alumiacutenio
A articulaccedilatildeo da gravura tem seus antecedentes histoacutericos que remetem aos
primoacuterdios da fotografia relacionados agrave gravaccedilatildeo de sombra luz e impressatildeo O uso de
recursos tecnoloacutegicos pela facilidade de acesso propicia a ampla reproduccedilatildeo de
imagens assim como a fotografia digital contribui para a renovaccedilatildeo e a interaccedilatildeo com
outras linguagens artiacutesticas No entanto diante das inuacutemeras possibilidades de
reproduzir coacutepias por tecnologias digitais a questatildeo da reproduccedilatildeo atraveacutes da gravura
jaacute natildeo eacute tatildeo relevante Com o avanccedilo dessas tecnologias digitais abrem-se novos
caminhos para a gravura Maria do Carmo Veneroso6 coloca que
Eacute pois a qualidade graacutefica e a possibilidade do uso da imagem fotograacutefica entre outras coisas que vai caracterizar a praacutetica dos gravadores atualmente A reprodutibilidade deixa portanto de ser um valor em si jaacute que com o desenvolvimento da induacutestria graacutefica muitas outras formas de impressatildeo mais raacutepidas e mais eficientes se impotildeem deixando que a gravura se realize plenamente em meio e tangenciando outras linguagens plaacutesticas Essa mudanccedila de paradigma faz com que a gravura se desenvolva como linguagem lanccedilando matildeo dos recursos teacutecnicos disponiacuteveis (2007 p1512)
A autonomia das linguagens graacuteficas propicia que sejam articulados distintos
meios e procedimentos borrando as fronteiras e delimitaccedilotildees teacutecnicas para originar
outras praacuteticas e confrontos esteacuteticos O caminho da gravura artiacutestica comeccedila a se
modificar significativamente quando a tecnologia e os meios de reproduccedilatildeo fotograacutefica
6 Blog Litografia 2010 ndash CAPECAUSP Disponiacutevel em lthttpcap-lito-2010blogspotcombr201003litografias-de-artistas-cezannehtmlgt Acesso em 09 de junho de 2016
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satildeo incluiacutedos aos procedimentos tradicionais ldquoRobert Rauschenberg por exemplo
desafiou os meios convencionais da gravura introduzindo elementos jaacute impressos
atraveacutes da transferecircncia de imagens Tambeacutem ampliou as escalas fiacutesicas misturando
diversas teacutecnicas graacuteficas que satildeo impressas sobre tela para substituir o papelrdquo
(BLAUTH 2011 p27) (Figura 5)
Figura 5 Robert Rauschenberg Shades 1964 Seis litografias impressas sobre acriacutelico 15 x 1438 x 11 58 p Ediccedilatildeo 24
Fonte MOMA Disponiacutevel em httpswwwmomaorgcollectionworks14718
Neste estudo apresentamos resultados parciais de procedimentos e meacutetodos
com o intuito de transferir a fotografia digital para criaccedilatildeo de matrizes com papel
alumiacutenio Inicialmente satildeo realizadas algumas testagens com outros tipos de matrizes
(acetato lata de refrigerante) e meios de transferecircncia (tela de serigrafia calor e
salicilato de metila)
Um dos materiais testados foi o acetato com imagem impressa em toner preto
aacutegua e esponja para molhar o acetato antes de entintar tinta para talho doce rolo de
borracha papel proacuteprio para a impressatildeo e prensa
Fazendo uso das impressotildees a laser e conhecendo suas propriedades o acetato
foi entintado e impresso Apoacutes alguns testes o resultado foi satisfatoacuterio (figura 6)
poreacutem natildeo com total controle sobre as impressotildees Encontramos neste meacutetodo a
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possibilidade de unir a tecnologia com a reproduccedilatildeo de imagem aos materiais
alternativos na produccedilatildeo de gravura
Figura 6 Ana van Grol Processo e resultado acetato impresso a laser gravura direta com tinta para talho doce
Fonte Arquivo pessoal
Em outra experiecircncia eacute feita a transferecircncia de impressatildeo a laser com calor e
pressatildeo e a tinta para talho doce acaba por fazer a interaccedilatildeo necessaacuteria utilizando-se
do meacutetodo de limpar a placa com oacuteleo antes de entintaacute-la A tinta de talho doce eacute
aplicada com rolo de borracha vaacuterias vezes e entre os intervalos de cada entintagem eacute
necessaacuterio limpar a tinta com esponja litograacutefica embebida em aacutegua (figura 7)
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Figura 7 Ana van Grol Processo e resultado de trabalho com transferecircncia de coacutepia a laser e
impressatildeo direta com tinta para talho doce Fonte Arquivo pessoal
Outro procedimento de transferecircncia de imagem impressa a laser eacute o produto
denominado de salicilato de metila associado ao processo de impressatildeo com a prensa
Com este material obtemos resultados mais satisfatoacuterios quando a imagem eacute impressa
sobre papel couchet ressaltando um certo contraste na imagem Neste caso (figura 8)
apoacutes a transferecircncia satildeo realizadas grafias aleatoacuterias com laacutepis litograacutefico gorduroso e
depois satildeo empregados os procedimentos de fixaccedilatildeo da imagem sobre o alumiacutenio uso
de polvilho melado ou mel imersatildeo em refrigerante cola oacuteleo de cozinha (para retirar a
imagem) esponja embebida em aacutegua e tinta para impressatildeo (para talho doce) Nesse
processo a imagem transferida natildeo desaparece apenas o desenho feito com material
gorduroso
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Figura 8 Lurdi Blauth Teste de transferecircncia de imagem com salicilato de metila Fonte Arquivo pessoal
A serigrafia tambeacutem serve de aporte ao desejo de transferir uma imagem e
reproduzi-la em impressotildees Em si o processo de serigrafia consiste em sensibilizar a
tela de nylon com uma imagem que poderaacute ser reproduzida sobre outras superfiacutecies
com uso de tinta proacutepria No caso da litografia alternativa utilizamos o sabatildeo de
glicerina como ldquotintardquo ou seja na funccedilatildeo de base protetora para o banho de
refrigerante Para isso foi necessaacuterio criar uma pasta (na textura de tinta) para
reproduzir a imagem da tela para o papel alumiacutenio Mais tarde com a mistura de sabatildeo
jaacute seca foram aplicadas as etapas posteriores o resultado pode ser observado na
impressatildeo (figura 9)
Figura 9 Ana van Grol - impressatildeo com uso de serigrafia como forma de transferecircncia de imagem
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Fonte Arquivo pessoal
A impressatildeo apresentou resultados bem satisfatoacuterios quanto agrave qualidade de
imagem contudo outras misturas semelhantes agrave de sabatildeo de glicerina neutro devem
ser testadas e podem apresentar melhor aderecircncia eou resistecircncia ao banho de
refrigerante
Algumas consideraccedilotildees
Diante da pluralidade de meios e possibilidades artiacutesticas testadas procuramos
utilizar materiais alternativos e produtos atoacutexicos buscando aproveitar materiais
disponiacuteveis na tentativa de abrir outros meios de reproduccedilatildeo de imagens O caminho
continua em aberto e o que nos motiva eacute a nossa convicccedilatildeo na continuidade da
exploraccedilatildeo de novas perspectivas para o campo da arte e em especial agrave litografia
testada com diferentes procedimentos Entendemos que diversos fatores interferem
devido agraves caracteriacutesticas e qualidade dos materiais empregados os quais muitas
vezes apresentam resultados inesperados
As experimentaccedilotildees realizadas ateacute o momento nos indicam a continuidade da
pesquisa buscando meios variados para o campo da gravura que possam ser
socializados principalmente nos ateliecircs que ainda utilizam materiais prejudiciais Dessa
forma pretendemos tambeacutem contribuir com a conscientizaccedilatildeo dos cuidados
relacionados agrave sauacutede dos artistas e do meio ambiente Em nossas conclusotildees parciais
percebemos que as possibilidades satildeo inuacutemeras para a criaccedilatildeo e reproduccedilatildeo de
imagens com materiais ldquocaseirosrdquo e com o seguimento de nossas investigaccedilotildees e
testagens temos a convicccedilatildeo de que podemos estimular a adesatildeo e a interaccedilatildeo com
outros artistas e assim obtermos melhores resultados
Portanto o campo das linguagens graacuteficas e os seus meios de reproduccedilatildeo direta
ou indireta da imagem tem suas qualidades intriacutensecas em cada processo contudo se
natildeo suscitarem transformaccedilotildees tornam-se vazias e desnecessaacuterias Podemos dizer
que natildeo importam os meios empregados pois os ldquoproblemasrdquo artiacutesticos devem ser
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confrontados com novos questionamentos esteacuteticos seja pelo uso do computador na
imagem digital na fotografia ou mesmo os meios considerados tradicionais como
gravura a pintura a escultura podendo ter (ou natildeo) qualidade contemporacircnea
Referecircncias BLAUTH Lurdi Marcas Passagens e Condensaccedilotildees ndash investigaccedilotildees de um processo de gravura contemporacircnea Porto Alegre Editora da UFRGS 2011 GARCIacuteA Hortensia Miacutenguez e LLOPIS Carles Meacutendez La siligrafiacutea Un proceso alternativo en la graacutefica muacuteltiple contemporacircnea In Revista El Artista n 11 Pamplona Colombia Universidad Distrital Francisco Joseacute de Caldas 2014 MALENFANT Nicole A gravura entre a identidade disciplinar e suas manifestaccedilotildees em um quadro interdisciplinar In Revista Porto Arte v 1 n1 (jun 1990) Porto Alegre Universidade Federal do Rio Grande do Sul Instituto de Artes Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Artes Visuais 1990 VENEROSO Maria do Carmo Gravura e Fotografia - Um estudo das possibilidades da gravura como uma linguagem artiacutestica autocircnoma na contemporaneidade e sua associaccedilatildeo com a fotografia In 16deg Encontro Nacional da Associaccedilatildeo Nacional de Pesquisadores de Artes Plaacutesticas Dinacircmicas Epistemoloacutegicas em Artes Visuais ndash 24 a 28 de setembro de 2007 ndash Florianoacutepolis SC
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Pluralia Tantum reflexotildees sobre a muacutesica contemporacircnea
Fernando Lewis de Mattos1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
1 Consideraccedilotildees preliminares sobre o conservadorismo em muacutesica Antes de iniciar esta explanaccedilatildeo sobre algumas caracteriacutesticas da muacutesica
contemporacircnea gostaria de apontar aspectos do conservadorismo existente na
muacutesica atual
Mesmo atraveacutes de um vislumbre raacutepido sobre a Histoacuteria da Muacutesica percebe-
se que em todas as eacutepocas houve aqueles artistas que se esforccedilaram para expandir
a sensibilidade de seu tempo e aqueles (artistas teoacutericos criacuteticos pensadores e
parte do puacuteblico) que natildeo foram capazes de compreender o significado das
transformaccedilotildees ou natildeo estavam dispostos a abrir matildeo de seus valores
aparentemente bem fundamentados para escutar com a devida atenccedilatildeo as
realizaccedilotildees de seus contemporacircneos
Nem mesmo grandes pensadores estiveram livres de juiacutezos preconcebidos
ou natildeo foram capazes de apreciar a abrangecircncia de certas inovaccedilotildees no campo
artiacutestico de sua eacutepoca Platatildeo por exemplo revoltou-se contra a nova muacutesica de
seu tempo com seus trecircs gecircneros (diatocircnico cromaacutetico e enarmocircnico) e a
ampliaccedilatildeo vertiginosa das possibilidades de expressatildeo considerada perigosa pelo
filoacutesofo por romper com os fundamentos numeacutericos e com as normas pitagoacutericas da
muacutesica tradicional Rousseau e Diderot percebiam em Rameau somente o muacutesico
da corte chegando a ridicularizar suas oacuteperas por haver um grande contingente de
1 Possui Graduaccedilatildeo em Muacutesica - Habilitaccedilatildeo Violatildeo (1988) Mestrado em Muacutesica - Ecircnfase Educaccedilatildeo Musical
(1997) e Doutorado em Muacutesica - ecircnfase em Composiccedilatildeo (2005) pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul Atualmente eacute Professor Associado do Departamento de Muacutesica no Instituto de Artes da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul onde atua nas disciplinas Anaacutelise Musical Harmonia Esteacutetica da Muacutesica no
curso de Muacutesica e as disciplinas Praacuteticas Artiacutesticas e Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Muacutesica no curso de Histoacuteria da
Arte Soacutecio-fundador da Arena - Associaccedilatildeo Cultural Socioambiental onde ministra cursos regularmente
Instrumentista (cordas dedilhadas) dedicado agrave pesquisa e interpretaccedilatildeo de muacutesica antiga europeia (alauacutedes e
guitarras) muacutesica tradicional brasileira (viola caipira e guitarra romacircntica) e muacutesica contemporacircnea (violatildeo e
decacorde) compositor com obras para diferentes formaccedilotildees vocais e instrumentais muacutesica incidental para
teatro viacutedeo e cinema e produccedilatildeo de material sonoro para exposiccedilotildees Dedica-se tambeacutem agrave pesquisa e
interpretaccedilatildeo de muacutesica brasileira moderna e contemporacircnea
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instrumentos de percussatildeo tratando-as como natildeo sendo muacutesica mas somente um
amontoado de sons que produziam um barulho infernal Para Diderot Rameau era
[] aquele muacutesico ceacutelebre que nos livrou do canto chatildeo de Lully o qual recitamos haacute mais de cem anos que escreveu tantas visotildees ininteligiacuteveis e verdades apocaliacutepticas sobre a teoria da muacutesica sobre as quais nem ele nem ningueacutem jamais entendeu nada2 e de quem temos um certo nuacutemero de oacuteperas onde haacute harmonias fragmentos de cantos ideias desconexas ruiacutedos estrondosos voos triunfos lances gloacuterias murmuacuterios vitoacuterias de perder o focirclego aacuterias de danccedila que duraratildeo eternamente e que depois de ter enterrado o Florentino seraacute enterrado pelos virtuoses italianos (DIDEROT 1983 p 47-48)
Nietzsche que assim como Platatildeo e Rousseau tambeacutem era muacutesico viu no
Parsifal de Wagner apenas a capitulaccedilatildeo aos valores de uma arte germacircnica
redentora e consolatoacuteria que abdicava do ideal da muacutesica como retorno agrave inocecircncia
da arte atraveacutes do espiacuterito dionisiacuteaco Se houve este aspecto conservador na muacutesica
de Wagner havia muito mais pois foi a partir de suas inovaccedilotildees que compositores
como Mahler Debussy e Schoenberg conduziram suas proacuteprias experiecircncias
Mesmo que nem sempre tenha sido por razotildees especificamente musicais3 as
sucessivas reaccedilotildees agraves novas sonoridades levam a crer que a abertura para praacuteticas
musicais inusuais pode ser algo difiacutecil de ser alcanccedilado
No meio musical atual podem-se distinguir duas espeacutecies de
conservadorismo o conservadorismo preacute-moderno e o conservadorismo modernista
O conservadorismo preacute-moderno eacute aquele mais generalizado e hegemocircnico
predominante entre os programadores culturais administradores de teatro diretores
artiacutesticos de orquestras e afins Essa espeacutecie de conservadorismo se opotildee a toda e
qualquer criaccedilatildeo musical natildeo coincidente com os procedimentos e valores da
muacutesica do Periacuteodo Tonal situado entre as produccedilotildees de Johann Sebastian Bach
(1685-1750) e Johannes Brahms (1833-1897) Para aqueles que defendem ainda
hoje esses valores a muacutesica tonal eacute tida como sendo lsquouniversalrsquo mesmo que seja o
2 Jean-Philippe Rameau (1683-1764) foi um dos maiores muacutesicos e teoacutericos de sua eacutepoca foi o primeiro a sistematizar mais de duzentos anos de praacutetica musical em seu Tratado de Harmonia (1722) que eacute ainda hoje considerado como um dos escritos mais importantes sobre o assunto 3 Platatildeo estava preocupado com a educaccedilatildeo dos jovens os enciclopedistas viam em Rameau um representante do Ancien Reacutegime e Nietzsche sentiu-se traiacutedo por Wagner em seu ideal de superar o predomiacutenio do espiacuterito apoliacuteneo no campo musical
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fruto do trabalho de muacutesicos de uma regiatildeo restrita do planeta que corresponde a
aproximadamente trecircs paiacuteses da Europa Ocidental (Itaacutelia Franccedila e principalmente
Alemanha) e produzida em um curto periacuteodo de tempo entre os seacuteculos XVIII e
XIX
Um bom exemplo desse tipo de conservadorismo estaacute naquela afirmaccedilatildeo
comum em certos meios musicais onde prevalecem valores convencionais ldquonatildeo
toco muacutesica contemporacircnea porque as pessoas natildeo tecircm como saber se estou
tocando as notas certas ou erradas e quando escuto uma muacutesica dessas natildeo sei se
o muacutesico estaacute tocando bem ou natildeo Por isso considero essa muacutesica como sendo
de menor importacircnciardquo Nota-se aqui um pensamento tautoloacutegico centrado apenas
na proacutepria experiecircncia pessoal e sem qualquer interesse pela produccedilatildeo que estaacute agrave
sua volta Tautoloacutegico no sentido em que o sujeito natildeo tem como avaliar aquela
interpretaccedilatildeo porque natildeo conhece a muacutesica e natildeo conhece aquela muacutesica porque
natildeo se permite avaliar a interpretaccedilatildeo O raciociacutenio artificioso estaacute em que como o
indiviacuteduo natildeo conhece a muacutesica natildeo se esforccedila para escutar sua interpretaccedilatildeo
portanto natildeo pode julgaacute-la e se natildeo eacute possiacutevel emitir juiacutezo a muacutesica natildeo tem valor ndash
como se fosse necessaacuterio conhecer a muacutesica para saber se algueacutem a estaacute
interpretando adequadamente como se a capacidade de anaacutelise natildeo estivesse no
conhecimento que o sujeito tem do objeto analisado Trata-se de uma atitude
autocentrada porque esses muacutesicos
[] soacute conhecem a arte que consomem e soacute consomem a que reconhecem portanto sua consciecircncia eacute leve e parcial Como sustentar o pacto se eacute tatildeo menos sofrido dormir com a consciecircncia leve sem a pretensatildeo de uma arte feita tambeacutem para arte sem a sombra do domiacutenio gigantesco Talvez arte feita somente para o mundo para o plano da distraccedilatildeo substacircncia que dissolve instantaneamente o artista Arte distraiacuteda quase arte quase atenccedilatildeo quase conteuacutedo insuficiecircncia (BERNARDES 1998 p 7)
Quem crecirc que julga a arte a partir dessa espeacutecie de raciociacutenio apenas se
limita a reconhecer aquilo que jaacute conhece ou seja nesse ponto natildeo haacute
conhecimento apenas reconhecimento Ouvem-se tambeacutem alguns muacutesicos que se
negam a tocar novos repertoacuterios argumentando que natildeo se dedicam a estudar a
muacutesica atual porque ela natildeo acrescenta muito agrave teacutecnica do seu instrumento Esse
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ponto de vista parece ainda mais esvaziado pois fica confinado nos limites da
teacutecnica onde natildeo se alcanccedila jamais a condiccedilatildeo de arte
O conservadorismo moderno eacute atualmente defendido por aqueles que foram
os protagonistas de grandes transformaccedilotildees teacutecnicas e esteacuteticas da muacutesica de
meados do seacuteculo XX (do poacutes-guerra agrave deacutecada de 1970) e seus disciacutepulos esses
muacutesicos opotildeem-se a qualquer mudanccedila de direcionamento que natildeo corresponda agraves
novidades introduzidas pelas vanguardas tardias e confundem novos processos
narrativos e novos significados musicais com a arte de um passado ao qual sempre
se opuseram Natildeo tecircm a capacidade de compreender que as novas geraccedilotildees
percebem o mundo de outra maneira tecircm outros anseios e consequentemente
outras necessidades Portanto produzem outra arte O musicoacutelogo Paul Bekker
afirmava que os muacutesicos de sua eacutepoca natildeo escreviam da mesma maneira que os
grandes gecircnios do passado ldquopelo simples fato de serem pessoas diferentesrdquo
(BEKKER 1928 p 217) Parece que os protagonistas das vanguardas (a quem
Bekker estava se referindo) natildeo se deram conta de que o tempo continua a passar e
que os mais jovens que vieram depois deles tambeacutem tecircm outras necessidades ndash o
que obviamente leva agrave criaccedilatildeo de outra muacutesica diferente da sua
Haacute tambeacutem aqueles que pretendem que a arte se limite agrave aplicaccedilatildeo de novos
processos tecnoloacutegicos esquecendo que a arte eacute antes de tudo expansatildeo da
sensibilidade e do pensamento e que a teacutecnica natildeo eacute condiccedilatildeo para a arte A
tecnologia pode ser mais um recurso para a realizaccedilatildeo artiacutestica natildeo seu fim
Quando a muacutesica eacute valorizada somente pelos procedimentos tecnoloacutegicos
empregados na sua produccedilatildeo tambeacutem fica confinada nos limites da teacutecnica e natildeo
alcanccedila sua condiccedilatildeo esteacutetica O emprego de recursos tecnoloacutegicos vem a partir de
necessidades mais amplas do que a simples aplicaccedilatildeo de teacutecnicas recentes Se o
emprego de novas tecnologias fosse criteacuterio para a avaliaccedilatildeo da arte as primeiras
experiecircncias com muacutesica eletrocircnica seriam atualmente obsoletas (e seria no
miacutenimo enganoso considerar ultrapassadas as peccedilas eletrocircnicas de Schaeffer
Henry ou Stockhausen dos anos rsquo50) Por sua vez a novidade tecnoloacutegica natildeo
implica necessariamente na produccedilatildeo de arte nova
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Como o tempo eacute inexoraacutevel os indiviacuteduos humanos de hoje satildeo outros do
que em outros tempos as sociedades satildeo outras haacute outras maneiras de perceber o
mundo e refletir sobre ele tambeacutem o resultado da produccedilatildeo desses indiviacuteduos eacute
necessariamente outro Natildeo tem como ser diferente Isso indica que toda espeacutecie de
conservadorismo estaacute fadada ao fracasso o movimento se manifesta em todos os
aspectos e em todos os lugares Natildeo tem como negar a transformaccedilatildeo ela
simplesmente estaacute aiacute Haacute que aceitaacute-la ou trabalhar com ela para a criaccedilatildeo de
processos que possam conduzir a novos significados e novos meios de fazer e
perceber muacutesica Isso natildeo eacute dito de um ponto de vista apenas teacutecnico ou
pragmaacutetico mas acima de tudo conceitual pois a muacutesica como diria Platatildeo
alcanccedila seu mais alto niacutevel quando ultrapassa as pretensotildees praacuteticas mais
imediatistas e eacute nesse sentido que Soacutecrates no diaacutelogo Feacutedon compara o ato de
criar muacutesica ao haacutebito de filosofar
Negar que o tempo se prolonga incessantemente e perdura sem interrupccedilatildeo
levando consigo toda a sorte de transformaccedilotildees em todos os aspectos da realidade
significa dar as costas ao devir em seu fluxo ininterrupto de ir e vir em muacuteltiplas
direccedilotildees O que eacute uacutetil intrigante e considerado como atual para determinado grupo
humano pode natildeo o ser para outros grupos e eacute necessaacuterio aceitar isso para
compreender algo da diversidade da produccedilatildeo artiacutestica hodierna Eacute necessaacuterio sair
do proacuteprio centro para apreender algo da realidade circundante
2 Caracteriacutesticas da muacutesica atual
Haacute vaacuterias maneiras de distribuir as diferentes correntes de composiccedilatildeo da
muacutesica contemporacircnea Podem-se diferenciar as tendecircncias atuais de acordo com
procedimentos teacutecnicos como muacutesica serial muacutesica neotonal muacutesica minimalista
muacutesica eletrocircnica e outras conforme a ecircnfase em um ou outro elemento da
composiccedilatildeo como por exemplo os muacutesicos que valorizam o timbre as tendecircncias
em que o mais importante eacute o ritmo os movimentos de retorno agrave melodia agrave
harmonia ou ao contraponto aquelas linhas em que o importante estaacute no tipo de
escrita musical como a muacutesica com escrita precisa a escrita em forma de roteiro a
muacutesica aleatoacuteria e a improvisaccedilatildeo espontacircnea (que prescinde da escrita) poderiam
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tambeacutem ser consideradas as relaccedilotildees da muacutesica com outras aacutereas em que se
levariam em consideraccedilatildeo subdivisotildees como o teatro musical as instalaccedilotildees
sonoras ou as tendecircncias de multimiacutedia aleacutem de muacutesica para danccedila e a muacutesica
para cinema entre outras o ambiente musical atual poderia ainda ser dividido
entre os grupos derivados das vanguardas como a muacutesica atonal a muacutesica serial a
muacutesica estocaacutestica e a muacutesica espectral
Haveria ainda outras tantas possibilidades de demarcaccedilatildeo das tendecircncias
da muacutesica contemporacircnea Optou-se poreacutem neste ensaio por uma organizaccedilatildeo
mais ou menos extriacutenseca agrave proacutepria muacutesica e que poderia se adequar a outras
manifestaccedilotildees culturais atuais O que importa no esboccedilo a seguir satildeo os valores
que movem os muacutesicos em direccedilotildees que se entrecruzam em algumas de suas
caracteriacutesticas em alguns muacutesicos ou grupos de compositores Com base nas
referecircncias tomadas a partir de tradiccedilotildees imediatas ou remotas isto eacute nas tradiccedilotildees
do modernismo ou em tradiccedilotildees anteriores que tecircm sido resgatadas nos uacuteltimos
anos podem ser demarcadas trecircs linhas gerais na esteacutetica musical
contemporacircnea4
1 Continuidade da Modernidade
2 Retorno agrave Tradiccedilatildeo e
3 Superaccedilatildeo do Modernismo
A intenccedilatildeo com essa divisatildeo natildeo eacute enquadrar toda e qualquer manifestaccedilatildeo
musical contemporacircnea em alguma dessas trecircs tendecircncias gerais mas ao
contraacuterio procurar entender essas manifestaccedilotildees no sentido dos valores que podem
estar impliacutecitos ou expliacutecitos latentes ou manifestos conscientes ou inconscientes
nas diferentes produccedilotildees da muacutesica atual
Antes de iniciar a elaboraccedilatildeo sobre cada uma dessas tendecircncias eacute
necessaacuterio esclarecer algo da terminologia que seraacute empregada ao longo deste
ensaio
4 A organizaccedilatildeo adotada aqui leva em consideraccedilatildeo alguns princiacutepios elaborados por Ramaut-Chevassus (1998) o que natildeo significa poreacutem que se permanece no escopo de suas proposiccedilotildees
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Em primeiro lugar quando se fala de lsquomuacutesica contemporacircnearsquo neste texto se
estaacute abordando uma parcela da totalidade da muacutesica produzida atualmente que eacute a
assim chamada lsquomuacutesica eruditarsquo aquela produzida por muacutesicos que se dedicam ao
estudo da Teoria Musical agrave Histoacuteria da Muacutesica e agrave colocaccedilatildeo e soluccedilatildeo de
problemas teacutecnicos esteacuteticos ou relativos aos vaacuterios niacuteveis de significaccedilatildeo que
podem estar engendrados no fazer musical Isso significa que este ensaio se dedica
agravequelas manifestaccedilotildees musicais em que o foco principal estaacute na reflexatildeo sobre
problemas relativos agrave muacutesica como arte portadora de significados e suas
implicaccedilotildees culturais e natildeo se apresentam apenas como reaccedilatildeo imediata ao meio
circundante5
Uma diferenciaccedilatildeo importante para as discussotildees que se seguem diz
respeito aos termos lsquoModernidadersquo e lsquoModernismorsquo
No contexto deste ensaio entende-se por Modernidade o grande periacuteodo
histoacuterico da cultura ocidental que sobreveio apoacutes a quebra da hegemonia da Igreja
Catoacutelica Romana em meados do seacuteculo XV isto eacute a partir do Renascimento Este eacute
um periacuteodo marcado por transformaccedilotildees em todos os campos e atividades
humanas que influenciaram profundamente o fazer musical em todos os seus
aspectos No acircmbito da sistematizaccedilatildeo da muacutesica europeia o antigo Sistema Modal
medieval com sua diversidade de modos foi cedendo lugar agraves novas organizaccedilotildees
com base na dualidade de modos do Sistema Tonal Os princiacutepios do contraponto
vatildeo-se tornando menos importantes ateacute que em meados do seacuteculo XVIII a
harmonia passa a ser o principal meacutetodo de organizaccedilatildeo musical Nessa eacutepoca a
Teoria dos Afetos jaacute estava plenamente elaborada para sua aplicabilidade na muacutesica
de cena na oacutepera e no oratoacuterio
Na segunda metade do seacuteculo XVIII o Sistema Tonal estaacute completamente
organizado com possibilidade de modulaccedilatildeo para todas as tonalidades e o emprego
de cromatismo em qualquer segmento independente da escala de base atraveacutes do
temperamento igual Nos seacuteculos XVIII e XIX as diversas teorias de explicaccedilatildeo da
5 Isso natildeo significa qualquer preferecircncia do ponto de vista valorativo por esta ou aquela manifestaccedilatildeo musical mas apenas que as consideraccedilotildees sobre a muacutesica contemporacircnea apresentadas neste ensaio satildeo relativas agrave parcela da muacutesica atual comumente denominada lsquomuacutesica eruditarsquo
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realidade satildeo aproveitadas pelos muacutesicos com a intenccedilatildeo de compreender e
justificar suas escolhas Essa reflexatildeo sobre a proacutepria produccedilatildeo leva os
compositores agrave procura de originalidade na busca da lsquofantasia criadorarsquo e de novos
significados emocionais que se desenvolvem no Romantismo e desembocam nas
vaacuterias correntes modernistas do seacuteculo XX
O Modernismo equivale a todos aqueles movimentos de ruptura com a
tradiccedilatildeo6 oitocentista que se desenvolveram ao longo da primeira metade do seacuteculo
XX tendo seu marco inicial geralmente fixado no Impressionismo francecircs das
uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX No campo musical esse Modernismo eacute marcado
pela negaccedilatildeo do Sistema Tonal Negaccedilatildeo essa que se manifestou em vaacuterias
direccedilotildees pois se na muacutesica de Debussy e Ravel que estatildeo entre os primeiros a
romper com a tonalidade tradicional foram incorporados processos percebidos na
escuta de muacutesica do Extremo Oriente em especial a orquestra de gamelatildeo balinesa
Stravinsky e Bartoacutek entre outros aproveitaram elementos folcloacutericos do Leste
Europeu e juntamente com Milhaud desenvolveram a politonalidade em que vaacuterias
escalas satildeo sobrepostas com a intenccedilatildeo de obscurecer a funcionalidade tonal7
Se os compositores latinos e eslavos (como diria Schoenberg) buscavam a
superaccedilatildeo do Tonalismo oitocentista atraveacutes da incorporaccedilatildeo de processos e
materiais sonoros aproveitados de culturas extraeuropeias no meio musical
germacircnico e mais especificamente no acircmbito da Segunda Escola de Viena sob a
lideranccedila de Arnold Schoenberg (1874-1951) os jovens muacutesicos estavam
conduzindo as possibilidades cromaacuteticas ao extremo atraveacutes do Atonalismo desde
os primeiros anos do seacuteculo XX e do Dodecafonismo a partir da deacutecada de 1920
Esta muacutesica mais densa psicologicamente e considerada como sendo mais
6 Note-se que a noccedilatildeo de lsquoruptura com a tradiccedilatildeorsquo atraveacutes da lsquonova artersquo (Philippe de Vitry 1322) com a criaccedilatildeo de lsquonovas muacutesicasrsquo (Giulio Caccini 1601) com a concepccedilatildeo de um lsquoestilo modernorsquo que aporta em uma lsquosegunda praacuteticarsquo (Monteverdi 1605) natildeo eacute caracteriacutestica apenas do Modernismo mas da Modernidade como um todo 7 Eacute interessante notar que Darius Milhaud (1892-1974) considerado como um dos primeiros a empregar teacutecnicas politonais nas duas suiacutetes para piano intituladas Saudades do Brasil (com o tiacutetulo original em portuguecircs) de 1920 e 1921 certamente aproveitou esse recurso a partir da sua experiecircncia com o compositor cearense Alberto Nepomuceno (1864-1920) com quem conviveu no Rio de Janeiro na eacutepoca em que este foi diretor da Escola Nacional de Muacutesica Nepomuceno jaacute havia escrito em 1902 suas Variations sur un thegraveme original Op 29 (com o tiacutetulo em francecircs) onde empregou explicitamente sobreposiccedilatildeo de tonalidades inclusive com diferentes armaduras de clave
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complexa e de difiacutecil assimilaccedilatildeo foi o ponto de partida para grande parte das
experiecircncias das vanguardas tardias (1950-1970) em que se elaboraram e
aprofundaram inuacutemeras teacutecnicas e processos de organizaccedilatildeo musical com base em
seacuteries de alturas seacuteries de duraccedilotildees seacuteries de timbres etc chegando ao que se
chamou de Serialismo Integral no qual todos os paracircmetros da composiccedilatildeo seriam
serializados Ateacute mesmo Stravinsky principal antiacutepoda de Schoenberg chegou a
praticar teacutecnicas seriais Entre os principais compositores dessa geraccedilatildeo que
comeccedilou a aparecer apoacutes a Segunda Guerra nos festivais de muacutesica nova de
Darmstadt estatildeo Pierre Boulez (1925) Luciano Berio (1925-2003) e Karlheinz
Stockhausen (1928)
No final da deacutecada de 1950 houve entre os compositores que participavam
dos movimentos de vanguarda diversas reaccedilotildees agrave extrema racionalizaccedilatildeo dos
processos de composiccedilatildeo empregados pelos serialistas do grupo de Darmstadt As
mais difundidas foram as diferentes espeacutecies de muacutesica aleatoacuteria certamente
influenciadas por John Cage (1912-1992) Tambeacutem entre os compositores mais
jovens se desenvolveram novas praacuteticas com base nas relaccedilotildees mais rudimentares
entre os sons ou a partir da organizaccedilatildeo espectral da seacuterie harmocircnica Muacutesicos do
Leste Europeu como o polonecircs Krzysztof Penderecki (1933) ou o huacutengaro Gyorgy
Ligeti (1923) seguiram caminhos completamente independentes com relaccedilatildeo agrave
corrente dominante da Europa Ocidental Tambeacutem nos Estados Unidos houve
reaccedilatildeo agraves praacuteticas dos serialistas atraveacutes do Minimalismo de compositores como
Terry Riley (1935) Steve Reich (1936) e Philip Glass (1937) Pode-se considerar o
Minimalismo puro como o uacuteltimo dos movimentos modernistas no sentido de buscar
a ruptura com a tradiccedilatildeo ou com as praacuteticas das geraccedilotildees anteriores
O que caracteriza esses movimentos modernos apesar de sua diversidade eacute
a busca de hegemonia de cada um deles Por essa razatildeo o Modernismo se
caracteriza pelo lsquomanifestorsquo em que satildeo apresentados os valores da nova arte e se
explicitam em que sentido essa arte eacute nova de que maneira ela se diferencia das
outras e como pode ultrapassaacute-las Assim cada novo trabalho produzido pelo artista
moderno tem o caraacuteter de um programa com a exposiccedilatildeo de suas intenccedilotildees e
projetos em que satildeo apresentados os novos recursos descobertos por ele e seus
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colegas Haacute dessa maneira a crenccedila em uma progressividade determinada da
cultura em que se percebe a Histoacuteria de forma diacrocircnica como um processo
evolutivo contiacutenuo em que cada nova geraccedilatildeo deve acrescentar algo agraves conquistas
das geraccedilotildees anteriores para estar agrave sua altura e se diferenciar delas
Como o que pode ser quantificado na arte satildeo os materiais empregados e as
teacutecnicas com que esses materiais satildeo manipulados desenvolveram-se em grande
parte valores tecnicistas predominantes entre os movimentos de vanguarda em que
o importante seria a descoberta ou a criaccedilatildeo de novas teacutecnicas e o emprego de
novos recursos acuacutesticos Nesse sentido a lsquoexpressatildeo de conteuacutedosrsquo foi relegada a
um segundo plano quando natildeo passou a ser tomada como um resiacuteduo indesejaacutevel
de valores do Romantismo oitocentista Esse preceito pode ser exemplificado com a
conhecida afirmaccedilatildeo de Stravinsky ldquoinspiraccedilatildeo arte artista satildeo termos no miacutenimo
obscuros que nos impedem de ver claramente um campo onde tudo eacute equiliacutebrio
caacutelculo onde o que se passa eacute o sopro do espiacuterito especulativordquo
(STRAVINSKY 1986 p 54)
Cada grupo ou movimento artiacutestico buscava desenvolver seu proacuteprio sistema
de organizaccedilatildeo sonora seus proacuteprios meacutetodos de elaboraccedilatildeo musical e se
esforccedilava por descobrir novos materiais e recursos acuacutesticos que o posicionassem agrave
frente de seus concorrentes Havia por exemplo grande rivalidade entre a Escola
de Viena e os muacutesicos atuantes em Paris Schoenberg chegou a afirmar em seu
ensaio Muacutesica Nacional de 1931 que ldquoningueacutem ainda se deu conta que minha
muacutesica nascida em solo germacircnico livre de influecircncias estrangeiras eacute o exemplo
vivo de uma arte efetivamente capaz de se opor agraves esperanccedilas latinas e eslavas de
hegemonia porque se trata de uma arte essencialmente derivada das tradiccedilotildees da
muacutesica germacircnicardquo (SCHOENBERG 1975 p 173)
A noccedilatildeo da rivalidade entre franceses e germacircnicos no periacuteodo entre
guerras pode ser apreendida com a citaccedilatildeo do texto mais influente no meio musical
francecircs da deacutecada de 1920 O Galo e o Arlequim escrito por Jean Cocteau em
1918
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Schoenberg eacute um mestre todos os nossos muacutesicos e Stravinsky lhe devem algo mas Schoenberg eacute sobretudo um muacutesico de quadro negro Soacutecrates dizia lsquoQuem eacute este homem que come patildeo como se fosse a boa carne e a boa carne como se fosse patildeorsquo Resposta o melocircmano alematildeo (COCTEAU 1995 p 433-434)
Essas citaccedilotildees podem dar alguma noccedilatildeo do que eram os confrontos entre os
grupos modernistas na primeira metade do seacuteculo XX Os principais representantes
desses debates podem ser facilmente agrupados entre os partidaacuterios do
Neoclassicismo franco-russo que tinham em Stravinsky e no Grupo dos Seis seus
expoentes mais destacados e o Expressionismo germacircnico do qual os participantes
da Segunda Escola de Viena eram os principais portadores de conceitos e valores
Naturalmente houve grande nuacutemero de muacutesicos independentes poreacutem estes
geralmente se localizavam fora da Europa Ocidental Entre eles podem-se citar Bela
Bartoacutek (1881-1945) na Hungria Charles Ives (1874-1954) nos Estados Unidos
Carlos Chaacutevez (1899-1978) no Meacutexico Heitor Villa-Lobos (1887-1959) no Brasil e
Alberto Ginastera (1916-1983) na Argentina
21 Continuidade da Modernidade
As tendecircncias da muacutesica contemporacircnea em que a principal caracteriacutestica se
pode encontrar na busca de afirmaccedilatildeo dos pressupostos da Modernidade isto eacute em
que o artista percebe o fluxo histoacuterico de maneira contiacutenua e procura acrescentar
algo de original a ele satildeo aquelas que se desenvolveram a partir das vanguardas
tardias das deacutecadas de 1950 e 1960
Esses compositores que se alinham aos valores da poacutes-vanguarda podem
ser identificados entre aqueles que empregam processos derivados da muacutesica
atonal e serial que organizam suas estruturas sonoras com base em referecircncias
matemaacuteticas (com o emprego de algoritmos ou com base em estruturas
estocaacutesticas entre outras) e que desenvolveram suas investigaccedilotildees a partir da
muacutesica espectral do dececircnio de 1970 Haacute tambeacutem aqueles muacutesicos que se
dedicam agrave pesquisa na aacuterea de muacutesica e tecnologia a partir das experiecircncias da
muacutesica concreta da muacutesica eletrocircnica e eletroacuacutestica e podem ser alinhados no
escopo das tendecircncias de poacutes-vanguarda da muacutesica contemporacircnea O compositor
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Michel Chion (1947) tem empregado a expressatildeo lsquomuacutesica acusmaacuteticarsquo para designar
certos experimentos que se desdobraram a partir da muacutesica concreta
Com o intuito de ultrapassar cada fase histoacuterica com base em descobertas
originais esses compositores tecircm em geral como sua principal referecircncia a
superaccedilatildeo dos sistemas totalizantes que definiram os caminhos da Modernidade
Isso significa que mesmo aqueles que se dedicam agrave organizaccedilatildeo do material
acuacutestico com base em estruturas sistemaacuteticas natildeo se definem por uma via uacutenica de
estruturaccedilatildeo sonora ou seja natildeo seguem um princiacutepio sistecircmico uacutenico mas se
abrem para outras possibilidades conforme os elementos musicais se apresentam agrave
sua percepccedilatildeo pois muitos desses muacutesicos estatildeo abertos agrave casualidade mesmo
quando organizam seu trabalho a partir de processos racionais intriacutensecos ou com
base em caacutelculos predeterminados Nesse sentido a poacutes-vanguarda se diferencia
das vanguardas do poacutes-guerra para as quais qualquer intromissatildeo da percepccedilatildeo
imediata no processo compositivo significava ceder espaccedilo agrave subjetividade e
consequentemente aos valores liacutericos do Romantismo oitocentista
Muitos compositores atuais assumem uma atitude renovada com relaccedilatildeo ao
material sonoro pois mesmo aqueles que mais se esforccedilam em manter criteacuterios
quantitativos com preferecircncia por estruturas abstratas distanciadas das
experiecircncias cotidianas demonstram interesse pela pluralidade que qualquer
estrutura sonora traz em si Entendem com isso que os criteacuterios de valoraccedilatildeo de
qualquer produccedilatildeo dependem dos contextos especiacuteficos em que ocorrem e que natildeo
se podem definir antecipadamente quais os caminhos por que deve seguir
determinado conteuacutedo musical Esse entendimento conduz a outro terreno de
ordem mais esteacutetica do que teacutecnica que eacute a abertura para manifestaccedilotildees culturais
diferenciadas Enquanto um muacutesico de vanguarda da geraccedilatildeo de Boulez por
exemplo somente encontra valor em realizaccedilotildees que se assemelham agraves suas ou se
encontram no mesmo campo de atuaccedilatildeo um muacutesico de geraccedilatildeo posterior tem a
capacidade de reconhecer valor em algo que ele proacuteprio natildeo faria porque percebe
que satildeo impulsos criteacuterios e o gosto pessoal que estatildeo em causa entende que os
valores satildeo relativos ao contexto em que ocorrem e fora desse contexto podem
perder seu significado
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Haacute outros muacutesicos que seguem a tendecircncia de se mover no acircmbito dos
valores modernos poreacutem se diferenciam daqueles comentados acima por
desdenharem da lsquohierarquia de gostosrsquo do meio musical isto eacute fazem a leitura das
muacutesicas atuais sem hierarquizar os diversos tipos de manifestaccedilatildeo cultural Esses
muacutesicos percebem como sendo equivalentes do ponto de vista valorativo as
abordagens loacutegicas ou abstratas em comparaccedilatildeo agravequelas centradas na absorccedilatildeo do
mundo cotidiano eles procuram estreitar os elos que ligam as diferentes formas de
manifestaccedilatildeo musical atuais Entre as teacutecnicas de estruturaccedilatildeo musical mais usuais
nesta linha de atuaccedilatildeo do campo musical estatildeo a apropriaccedilatildeo a citaccedilatildeo a alusatildeo e
a colagem
Com base no princiacutepio da apropriaccedilatildeo de elementos oriundos de qualquer
muacutesica para a conformaccedilatildeo de uma nova estrutura sonora os materiais podem ser
apropriados de seu contexto original sob diferentes aspectos O compositor russo
Alfred Schnittke (1934-1998) um dos fundadores dessa tendecircncia de assimilaccedilatildeo de
diversos tipos de manifestaccedilatildeo cultural diferencia citaccedilatildeo e alusatildeo da seguinte
maneira a citaccedilatildeo consiste na apropriaccedilatildeo direta de um fragmento musical para a
composiccedilatildeo de uma nova muacutesica isto eacute se cita literalmente uma linha meloacutedica
uma sequecircncia riacutetmica ou um encadeamento harmocircnico de modo a tornaacute-lo
reconheciacutevel ao passo que a alusatildeo consiste em somente sugerir a lsquomaneirarsquo de
outro muacutesico ou escola atraveacutes de um fragmento musical escrito pelo proacuteprio
compositor ldquoO princiacutepio de alusatildeo se manifesta por evocaccedilotildees sutis e natildeo por
anuacutencios expliacutecitos proacuteximos de citaccedilotildees sem realmente o serem Esse princiacutepio se
opotildee agrave classificaccedilatildeordquo (SCHNITTKE 1998 p 29) Assim faz-se alusatildeo sem citar
literalmente o modelo original
A teacutecnica da colagem que surgiu na pintura cubista e foi amplamente
utilizada pelos escritores surrealistas pelos dadaiacutestas e pelos muacutesicos franceses do
Grupo dos Seis eacute uma das principais teacutecnicas de elaboraccedilatildeo musical empregadas a
partir da apropriaccedilatildeo de materiais heterogecircneos esparsos ao longo de determinada
obra A colagem consiste na justaposiccedilatildeo ou na sobreposiccedilatildeo de elementos com
origens distintas e produz um resultado almejado por vaacuterios muacutesicos nos uacuteltimos
anos que eacute a produccedilatildeo de texturas sonoras heterofocircnicas nas quais se tem a niacutetida
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sensaccedilatildeo de estar escutando diversas muacutesicas simultaneamente Eacute interessante
notar que essa teacutecnica jaacute era empregada por Charles Ives desde o iniacutecio do seacuteculo
XX Sua Unanswered Question (1906) jaacute opunha trecircs ideias musicais distintas sem
que se produzisse qualquer tipo de interaccedilatildeo entre elas
Esses procedimentos e teacutecnicas de apropriaccedilatildeo citaccedilatildeo alusatildeo e colagem
podem ser agrupados em um conceito geral denominado por Schnittke de
lsquopoliestiliacutesticarsquo Para este compositor
[] apesar de todas as dificuldades e todos os perigos que encerram a poliestiliacutestica seus benefiacutecios indiscutiacuteveis jaacute satildeo evidentes Estes residem no alargamento da expressatildeo musical em uma maior facilidade para integrar os estilos lsquonobresrsquo e os estilos lsquocomunsrsquo os estilos lsquobanaisrsquo e os estilos lsquorefinadosrsquo ou em uma palavra em um universo alargado e em uma democratizaccedilatildeo de estilos A realidade musical pode ser objetivada de forma documental pois natildeo aparece unicamente como o reflexo do indiviacuteduo mas tambeacutem atraveacutes das citaccedilotildees [] Na realidade seria difiacutecil encontrar outra teacutecnica musical que fosse tatildeo bem adaptada quanto a poliestiliacutestica agrave expressatildeo da ideacuteia filosoacutefica de continuidade (SCHNITTKE 1989 p 134)
Com essas reflexotildees Schnittke aponta para a pluralidade como criteacuterio de
valoraccedilatildeo da arte e elimina a busca de hegemonia de uma tendecircncia sobre as
outras como sendo um princiacutepio esteacutetico vaacutelido Nota-se inclusive a ironia de
Schnittke com relaccedilatildeo aos conceitos tradicionais de lsquoestilos nobresrsquo ou lsquoestilos
banaisrsquo Essa espeacutecie de hierarquizaccedilatildeo vem de longa data pois jaacute na eacutepoca de
Mozart se diferenciavam o lsquoestilo elevadorsquo de caraacuteter afirmativo e enfaacutetico digno de
representar a nobreza e os sentimentos nobres o lsquoestilo meacutediorsquo mais ingecircnuo e
leve sobre o qual se dizia que ldquodeve agradar ao ouvinte sem excitaacute-lo ou levaacute-lo agrave
reflexatildeordquo e o lsquoestilo baixorsquo considerado ruacutestico e simples poderia aparecer na forma
de danccedilas populares e era proacuteprio para a representaccedilatildeo de camponeses e das
classes sociais inferiores (cf RATNER 1980 p 9) O que Schnittke estaacute fazendo eacute
uma criacutetica agraves categorizaccedilotildees riacutegidas dos estilos musicais com base em
preconceitos sociais No uacuteltimo movimento de sua Sonata para Violino e Orquestra
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de Cacircmara Op 508 (1968) um longo segmento eacute elaborado com base na citaccedilatildeo de
trechos de Vivaldi combinados com a melodia da canccedilatildeo La Cucaracha9
O resultado dessas teacutecnicas de apropriaccedilatildeo e colagem eacute uma espeacutecie de
hibridismo estiliacutestico em que eacute abolido o preceito da unidade de estilo conforme foi
preconizado pelo teoacuterico tcheco Eduard Hanslick em meados do seacuteculo XIX e se
manteve como valor intocaacutevel ateacute a deacutecada de 1970 Hanslick chegou ao ponto de
afirmar que se deveria ldquodizer lsquotal compositor tem estilorsquo com o mesmo sentido que
quando se diz de algueacutem lsquoele tem caraacuteterrsquordquo (HANSLICK 1989 p 96) Naturalmente
essa definiccedilatildeo quase moralizante do conceito de estilo natildeo se sustenta atualmente
ateacute porque apoacutes o decliacutenio dos metadiscursos e dos grandes sistemas de
explicaccedilatildeo da realidade natildeo se justifica a aplicaccedilatildeo de um criteacuterio uacutenico de caraacuteter
universal para a avaliaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural Cada nova peccedila musical cada
nova criaccedilatildeo no campo da arte traz em si a chave para a sua compreensatildeo e com
isso carrega tambeacutem os criteacuterios para sua avaliaccedilatildeo Eacute faacutecil demonstrar o equiacutevoco
de um criacutetico de muacutesica quando ao escutar uma peccedila atonal reclama da falta de
um centro tonal definido no qual possa apoiar sua audiccedilatildeo poder-se-ia responder a
outro criacutetico que considerasse aborrecida a estrutura da arte minimalista da mesma
forma que John Walker ldquoo aborrecimento eacute presumivelmente apenas uma emoccedilatildeo
tatildeo legiacutetima para a arte como qualquer outrardquo (WALKER 1977 p 27) Parece ser
igualmente simples perceber que procurar unidade de estilo na obra de um
compositor que como Schnittke professa a diversidade estiliacutestica estaacute fora de
cogitaccedilatildeo
Em um sentido geral nessa linha da produccedilatildeo contemporacircnea em que os
valores esteacuteticos seguem com base na continuidade das caracteriacutesticas inerentes da
Modernidade permanece importando em primeiro plano o processo criativo O que
significa que o resultado segue sendo uma arte centrada no fazer fundamentada na
poiacuteēsis acima de qualquer outro criteacuterio valorativo Isso significa que seus
fundamentos permanecem focalizados no indiviacuteduo criador que se coloca
8 Esta peccedila eacute uma transcriccedilatildeo da Sonata nordm 1 Op 30 (1963) para violino e piano 9 Eacute interessante notar que o proacuteprio Mozart jaacute fazia colagens com alusotildees ao estilo elevado e ao estilo baixo em suas oacuteperas Don Giovanni e Bodas de Fiacutegaro que causaram polecircmica em algumas cidades europeias devido ao seu conteuacutedo que subvertia os valores sociais da eacutepoca
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livremente como um inventor de novas sonoridades novas combinaccedilotildees acuacutesticas
novas teacutecnicas novos materiais e novos processos de elaboraccedilatildeo musical
22 Retorno agrave Tradiccedilatildeo
Ao contraacuterio da acepccedilatildeo anterior os muacutesicos que se colocam de maneira
favoraacutevel com relaccedilatildeo agrave tradiccedilatildeo tecircm sua fundamentaccedilatildeo na criacutetica ao Historicismo
Assim questionam a crenccedila de que as transformaccedilotildees histoacutericas satildeo o resultado de
princiacutepios universais tatildeo objetivos quanto as leis da Fiacutesica ou das Ciecircncias Naturais
e que eacute necessaacuterio descobrir quais satildeo esses princiacutepios para operar sobre eles10 Os
muacutesicos que se alinham agraves tendecircncias de retorno agrave tradiccedilatildeo fazem criacutetica a essa
concepccedilatildeo unidirecional da Histoacuteria e creem na possibilidade de sobreposiccedilatildeo das
diversas produccedilotildees musicais do passado e do presente o que significa que esses
muacutesicos estatildeo dispostos a retomar experiecircncias anteriores de qualquer eacutepoca ou
lugar ou evocar essas experiecircncias a partir de novos pontos de vista com o intuito
de atualizaacute-las em um momento especiacutefico da contemporaneidade
(Com relaccedilatildeo a essa discussatildeo os muacutesicos que se aplicam agrave continuidade da
Modernidade operam em grande parte com aquele princiacutepio historicista poreacutem jaacute
compreendido em contextos especiacuteficos e natildeo mais universais Nesta acepccedilatildeo da
muacutesica contemporacircnea ainda se tem a Histoacuteria como a dimensatildeo mais abrangente
para a explicaccedilatildeo da realidade e das transformaccedilotildees sociais e culturais A diferenccedila
com relaccedilatildeo agraves explicaccedilotildees modernas estaacute em que a dimensatildeo histoacuterica eacute
compreendida a partir de um ou outro ponto de vista isto eacute busca-se contextualizar
e relativizar os princiacutepios histoacutericos mesmo que esses princiacutepios ainda sejam
considerados como a melhor via de explicaccedilatildeo das transformaccedilotildees sociais poliacuteticas
econocircmicas ou culturais)
Entendido dessa maneira percebe-se que com relaccedilatildeo agrave ldquoideia filosoacutefica de
continuidaderdquo (para retomar agrave expressatildeo de Schnittke citada anteriormente)
aqueles muacutesicos que se colocam na posiccedilatildeo de lsquoretorno agrave tradiccedilatildeorsquo assumem uma
10 No acircmbito especiacutefico da muacutesica isso significaria a existecircncia de um direcionamento uniacutevoco dos fatos musicais atraveacutes da Histoacuteria e que a tarefa do muacutesico seria encontrar os princiacutepios que regem esse fluir contiacutenuo para criar a partir deles e transcendecirc-los
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postura necessariamente antagocircnica a qualquer espeacutecie de Historicismo mesmo
contextual ou relativo Com isso tem-se uma antinomia existente entre os dois
pontos de vista pois se para aqueles que pretendem dar continuidade aos valores
da Modernidade a tradiccedilatildeo deve ser investigada para ser ultrapassada no sentido
de que o artista deve dar continuidade agraves transformaccedilotildees histoacutericas para estar agrave
altura de seu tempo para aqueles que defendem o retorno ao passado a tradiccedilatildeo
deve ser compreendida para servir de suporte agrave criaccedilatildeo da nova muacutesica que natildeo
tem necessariamente que ultrapassaacute-la mas operar com ela
A atitude mais saliente na acepccedilatildeo da muacutesica atual de lsquoretorno agrave tradiccedilatildeorsquo eacute
a busca de valores e elementos estiliacutesticos do passado com o sentido de aproveitaacute-
los em estruturas musicais homogecircneas Essa caracteriacutestica distingue esse grupo
de valores de retorno ao passado dos outros dois grupos (lsquocontinuidade da
Modernidadersquo e lsquosuperaccedilatildeo do Modernismorsquo) para os quais as possibilidades de
aproveitamento de elementos diacutespares se daacute atraveacutes da fragmentaccedilatildeo e da colagem
heterofocircnica Com isso tem-se outro aspecto diferencial na relaccedilatildeo entre as
acepccedilotildees da muacutesica atual pois se por um lado aqueles que pretendem ultrapassar
a tradiccedilatildeo operam sobre um princiacutepio de continuidade histoacuterica que deve ser
reconhecido e ampliado por outro lado esses mesmos muacutesicos propotildeem a
descontinuidade e a fragmentaccedilatildeo da estrutura musical per se quando se trata de
cada peccedila de muacutesica em particular pois compreendem que estruturas sonoras
contiacutenuas jaacute estariam ultrapassadas por fazerem recuar agraves caracteriacutesticas mais
proeminentes da muacutesica tonal ou seja agraves praacuteticas musicais do seacuteculo XVIII e XIX
cujas possibilidades de discursividade e narratividade jaacute estariam esgotadas
Ao contraacuterio os muacutesicos que professam o retorno agrave tradiccedilatildeo por serem
criacuteticos com relaccedilatildeo agrave concepccedilatildeo diacrocircnica da Histoacuteria geralmente argumentam
em favor da retomada de estruturas musicais contiacutenuas por entenderem que os
processos de fragmentaccedilatildeo operados pelas vanguardas jaacute foram exauridos ao
extremo e portanto esvaziados Assim ao defenderem concepccedilotildees sincrocircnicas dos
fatos histoacutericos segundo as quais se pode ter uma percepccedilatildeo de ldquotudo ao mesmo
tempo agorardquo se sentem agrave vontade para sobrepor os meacutetodos de elaboraccedilatildeo
musical do Classicismo ou do Romantismo aos seus anseios de iacutendole
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eminentemente contemporacircnea Tem-se assim outra constataccedilatildeo que
complementa aquela do paraacutegrafo anterior os muacutesicos que se alinham aos
princiacutepios de retorno agrave tradiccedilatildeo propotildeem uma leitura sincrocircnica e portanto
descontiacutenua da Histoacuteria poreacutem a estrutura musical resultante da elaboraccedilatildeo de cada
peccedila particular se torna contiacutenua pelo resgate de processos discursivos e narrativos
em suas composiccedilotildees
Essas praacuteticas de retorno ao passado muitas vezes satildeo professadas sem a
definiccedilatildeo de eacutepoca ou regiatildeo especiacutefica mas se abrem agrave possibilidade de passar
por diferentes pontos geograacuteficos mais ou menos remotos e por diferentes periacuteodos
da Histoacuteria sem que isso signifique a perda da coesatildeo estiliacutestica (a identidade
estiliacutestica se torna novamente importante apesar de natildeo ser mais um princiacutepio
esteacutetico inflexiacutevel) De qualquer forma mesmo com uma concepccedilatildeo sincrocircnica da
Histoacuteria eacute comum que muitos desses muacutesicos se fixem em algum ponto do tempo
ou do espaccedilo para a criaccedilatildeo de uma peccedila ou de um conjunto de obras Outra
caracteriacutestica bastante comum entre os muacutesicos que se esforccedilam em retomar
aspectos da tradiccedilatildeo eacute o fato de centrarem seus esforccedilos na investigaccedilatildeo da muacutesica
europeia Isso natildeo significa que natildeo existem estudos sobre a muacutesica de outras
culturas sendo que os processos musicais extraeuropeus mais estudados satildeo o
sistema de ragas da muacutesica indiana e a estrutura riacutetmica aditiva da muacutesica africana
e oriental Um bom exemplo nesse sentido eacute a temporada que Steve Reich passou
em Gana em 1970 periacuteodo em que estudou sob a orientaccedilatildeo de um percussionista
jeje no Instituto de Estudos Africanos experiecircncia que lhe permitiu acrescentar
processos riacutetmicos aditivos e subtrativos agrave sua muacutesica ampliando as possibilidades
das suas primeiras experiecircncias minimalistas
Devido agrave inclinaccedilatildeo para aproveitar caracteriacutesticas da muacutesica do passado
vaacuterios muacutesicos tecircm sido criticados como portadores de uma postura conservadora
Michel Faure um criacutetico severo do Neoclassicismo francecircs do entre guerras por
consideraacute-lo um estilo ldquosocialmente concordataacuteriordquo e de ldquoafirmaccedilatildeo nacionalistardquo
considera ser essa atitude de retorno ao passado existente na muacutesica
contemporacircnea uma espeacutecie de reediccedilatildeo do Neoclassicismo histoacuterico Para o autor
ldquoos neoclaacutessicos natildeo satildeo jamais considerados como reacionaacuterios ndash assim como os
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poacutes-modernos natildeo aceitam a pecha de passadistas [] Os empreacutestimos que eles
fazem frequentemente lsquodescontextualizamrsquo os fragmentos aos quais fazem
referecircnciardquo (FAURE 1998 p 78) Bem ressurge aqui o mesmo problema da criacutetica
mal direcionada jaacute mencionado anteriormente Se a intenccedilatildeo desses muacutesicos eacute
recuperar processos tradicionais se buscam criar uma espeacutecie de representaccedilatildeo da
multiplicidade cultural da contemporaneidade atraveacutes da apropriaccedilatildeo do legado
histoacuterico nada mais adequado do que a descontextualizaccedilatildeo dos materiais
empregados de sua lsquohistoricidadersquo original e sua adequaccedilatildeo agrave nova situaccedilatildeo em que
esses elementos se encontram Percebe-se na criacutetica de Faure preceitos de
continuidade e pureza histoacuterica que natildeo se adeacutequam aos neoclaacutessicos nem aos poacutes-
modernos pois ambos subvertem os coacutedigos que servem de premissa agrave sua criacutetica
Um dos arautos da nova muacutesica Boudewijn Buckinx apresenta um exemplo
muito comum de retomada da tradiccedilatildeo ao afirmar que o compositor atual ldquonatildeo
escreve tatildeo-somente um concerto grosso Ele escolhe uma possibilidade ndash o
concerto grosso ndash entre diversas Portanto natildeo eacute propriamente um concerto grosso
mas uma peccedila que toma o concerto grosso por sujeitordquo (BUCKINX 1998 p 60-61)
Poder-se-ia dizer tomando de empreacutestimo as palavras de Wolfgang Rihm que se
trata de uma ldquomuacutesica sobre a muacutesicardquo ou em alguns casos de muacutesica sobre
muacutesicas Se assim for a criacutetica de Faure se esvazia pois existe uma tecircnue diferenccedila
entre permanecer em determinado estado de coisas sem se aventurar a outros e
voltar a esse estado quando se tem interesse em recorrer a ele Esta eacute a divergecircncia
existente entre o conservadorismo preacute-moderno mencionado anteriormente e a
tendecircncia contemporacircnea de retorno agrave tradiccedilatildeo (distinccedilatildeo que o conservadorismo
modernista parece natildeo ser capaz de perceber) natildeo se estaacute no passado volta-se a
ele quando se o considera adequado
Em vista disso torna-se importante entender como os processos e materiais
tradicionais satildeo reutilizados sob a perspectiva da nova muacutesica para diferenciar a
atitude de retorno agrave tradiccedilatildeo com base em um ponto de vista criacutetico da mera
permanecircncia conservadora de valores convencionais de forma subserviente e sem
nem mesmo compreender o que esses valores podem ter significado em sua
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eacutepoca11 Diferenciar aquilo que foi denominado no iniacutecio deste ensaio como
conservadorismo preacute-moderno da atitude criacutetica com relaccedilatildeo aos pontos de vista
historicistas e evolucionistas da cultura tambeacutem significa distinguir o conhecimento
extensivo da tradiccedilatildeo da simples sujeiccedilatildeo a valores passadistas Um artista que
pesquisa profundamente em sua aacuterea de atuaccedilatildeo natildeo se preocupa em primeiro
plano com a feiccedilatildeo externa dos resultados de suas investigaccedilotildees o que lhe
importam satildeo as possibilidades que suas descobertas podem trazer no plano da
criaccedilatildeo Ao contraacuterio um muacutesico que se apresenta com uma aparecircncia novidadeira
pode estar extremamente apegado agraves convenccedilotildees de determinada linha de
produccedilatildeo e mesmo que essa linha seja muito recente a falta de abertura para
outras aacutereas de investigaccedilatildeo pode mantecirc-lo submisso a convenccedilotildees jaacute assimiladas
por geraccedilotildees passadas mesmo que ele proacuteprio natildeo se aperceba disso Muitas
vezes a aparecircncia de novidade mascara uma seacuterie de valores apegados a
convenccedilotildees riacutegidas que natildeo se sustentariam sob o crivo da criacutetica
A sutil diferenccedila entre o Neotonalismo de um compositor como George
Rochberg (1918) e a imitaccedilatildeo trivial do estilo dos primeiros romacircnticos (sem ir aleacutem
dos procedimentos teacutecnicos) estaacute na atitude com relaccedilatildeo agrave lsquovivecircncia da
simultaneidadersquo Para Rochberg ldquoa esperanccedila da muacutesica contemporacircnea reside em
aprender como reconciliar todas as maneiras de opostos contradiccedilotildees paradoxos o
passado com o presente tonalidade com atonalidade Eacute por isso que em minha
muacutesica mais recente tenho tentado utilizar essas combinaccedilotildees que reafirmam os
valores primordiais da muacutesicardquo (ROCHBERG 2003 p 3) Essa noccedilatildeo da diferenccedila
entre o passado e o presente essa busca de conciliaccedilatildeo dos opostos diverge de um
ponto de vista conservador ou de uma postura epigocircnica pois o epiacutegono apenas
reproduz o passado agrave maneira deste ou daquele mestre ao passo que o artista
criador se apoia em aspectos do passado para produzir um trabalho artiacutestico que
11 Muitas vezes a simplificaccedilatildeo dos meios significa a criaccedilatildeo de algo que pode impulsionar grandes transformaccedilotildees Quando Giulio Caccini (1551-1618) defendia o uso de triacuteades maiores e menores para a elaboraccedilatildeo das nuove musiche de sua eacutepoca estava propalando uma simplificaccedilatildeo da textura musical uma homofonia mundana que se opunha agrave complexidade polifocircnica da muacutesica sacra Essa simplificaccedilatildeo trazia o germe para algumas das grandes conquistas da muacutesica europeia dos trezentos anos seguintes inclusive a criaccedilatildeo de um novo gecircnero musical a oacutepera
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traz algum frescor agrave educaccedilatildeo dos sentidos alguma maneira peculiar de descobrir
ou perceber o mundo
Com a retomada de processos de organizaccedilatildeo modal ou tonal haacute
necessariamente o retorno de melodias claramente definidas a renovaccedilatildeo das
teacutecnicas de contraponto e a ampliaccedilatildeo de estruturas harmocircnicas de caraacuteter
diatocircnico Um dos compositores mais importantes da vanguarda das deacutecadas de
1950 e 1960 Krzysztof Penderecki soube atualizar seu estilo em meados da
deacutecada de 1970 quando passou a combinar estruturas diatocircnicas ampliadas com
base na produccedilatildeo dos grandes sinfonistas da passagem do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX
(Gustav Mahler e Richard Strauss entre outros) com os resultados de suas
pesquisas acuacutesticas do periacuteodo vanguardista A consequecircncia eacute uma muacutesica
fortemente dramaacutetica com aspectos que lembram o Romantismo tardio e elementos
da vanguarda da deacutecada de 1960 elaborados de maneira que o resultado se
apresenta como uma muacutesica inusitada que jamais poderia ter sido concebida em
outra eacutepoca ou por outro artista
O legado histoacuterico natildeo eacute mais desprezado ou entendido apenas como um
passado a ser ultrapassado mas ao contraacuterio eacute tambeacutem identificado como uma
fonte inesgotaacutevel de possibilidades teacutecnicas e expressivas que podem ser
reaproveitadas de muitas formas possiacuteveis sem que isso incorra necessariamente
em postura conservadora ou em atitude epigonal Outro compositor que tambeacutem
soube atualizar seus processos compositivos eacute o huacutengaro Gyorgy Ligeti que tem
combinado seus experimentos microtonais e estruturas micropolifocircnicas levados a
cabo nas deacutecadas de 1960 e 1970 com outros meacutetodos de organizaccedilatildeo harmocircnica
engendrados a partir das relaccedilotildees acuacutesticas baacutesicas existentes em seus
conglomerados sonoros Esses processos datildeo vazatildeo agrave existecircncia de linhas
meloacutedicas claramente definidas com caraacuteter modal vigoroso e algumas vezes
fazem alusotildees agrave muacutesica popular e folcloacuterica de sua regiatildeo
Essa atitude com relaccedilatildeo ao passado traz novos modos de entendimento das
culturas tradicionais aleacutem da acomodaccedilatildeo de valores muitas vezes tomados como
contraditoacuterios em estruturas coesas Evidenciam-se natildeo apenas as tradiccedilotildees locais
com relaccedilatildeo agrave proacutepria formaccedilatildeo do indiviacuteduo como tambeacutem outras tradiccedilotildees que se
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buscam atraveacutes de meios natildeo-convencionais Compreende-se que natildeo eacute necessaacuterio
viver as experiecircncias de determinada sociedade para absorver parte de seus valores
ou de sua produccedilatildeo cultural ateacute porque os habitantes das grandes cidades estatildeo
expostos cotidianamente a tantos estiacutemulos advindos de origens distintas que se
criam identidades multiculturais mesmo quando natildeo se tem conhecimento intriacutenseco
de suas propriedades Qualquer cidadatildeo meacutedio atual tem noccedilotildees fundamentais
sobre os haacutebitos de vaacuterios povos originaacuterios de localidades onde nunca esteve A
tecnologia permite ao artista contemporacircneo ter acesso agrave produccedilatildeo de seus pares
de qualquer outra regiatildeo do planeta quase simultaneamente agrave sua criaccedilatildeo e
divulgaccedilatildeo Tambeacutem eacute possiacutevel conhecer aspectos de culturas remotas no tempo
atraveacutes de pesquisas arqueoloacutegicas e sua divulgaccedilatildeo em grande escala nos meios
de comunicaccedilatildeo Isso permite sermos contemporacircneos de outras eacutepocas e
conterracircneos dos povos de outros lugares
23 Superaccedilatildeo do Modernismo
As linhas de atuaccedilatildeo que se opotildeem agrave mentalidade das vanguardas tardias o
fazem por razotildees diversas daquelas que motivam as tendecircncias de retorno agrave
tradiccedilatildeo pois este retorno ao passado geralmente significa um passado visto pela
oacutetica da Modernidade (em geral satildeo leituras atualizadas das tradiccedilotildees do Ocidente
isto eacute das praacuteticas musicais do Renascimento ao Romantismo) Nesse sentido
especiacutefico haacute pontos em comum entre as duas acepccedilotildees abordadas anteriormente
(lsquocontinuidade da Modernidadersquo e lsquoretorno agrave Tradiccedilatildeorsquo) pois seja por dar
continuidade agraves praacuteticas da era moderna atraveacutes de sua ampliaccedilatildeo seja por
resgatar essas praacuteticas com base em novos meios de elaboraccedilatildeo musical a
Modernidade permanece como sendo forte ponto de referecircncia em ambos os casos
Diferentemente aqueles que se colocam com uma postura de lsquosuperaccedilatildeo do
Modernismorsquo geralmente focam seus interesses na ruptura com as tradiccedilotildees
modernistas mais recentes e natildeo na Modernidade como um todo
Aleacutem disso natildeo satildeo apenas as culturas tradicionais que interessam a esta
terceira linhagem mas tambeacutem outros aspectos da cultura contemporacircnea inclusive
a cultura pop e os meios de comunicaccedilatildeo de massa Esses muacutesicos acreditam
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estarem produzindo uma fissura na Modernidade ao se abrirem para toda e qualquer
espeacutecie de produccedilatildeo cultural sem hierarquizaacute-las12 Acreditam portanto que
estamos no iniacutecio de uma nova eacutepoca e natildeo em um periacuteodo de continuidade da
Modernidade ou de retomada dos valores de sua tradiccedilatildeo13
Podem-se esboccedilar algumas imagens geomeacutetricas para representar essas trecircs
formas de pensamento para a primeira acepccedilatildeo da muacutesica contemporacircnea que
professa a lsquocontinuidade da Modernidadersquo o tempo teria a imagem de uma linha reta
que se movimenta em determinado sentido (mesmo que alguns desses artistas
faccedilam criacutetica agrave mentalidade linear a linha parece bem representar o ponto de vista
evolucionista da cultura) para a segunda acepccedilatildeo aquela em que se pratica o
lsquoretorno agrave Tradiccedilatildeorsquo poder-se-ia formular a imagem do tempo em forma circular pois
o ciacuterculo eacute uma figura em que natildeo haacute sentido predeterminado pois se pode iniciar
ou terminar em qualquer ponto da circunferecircncia e se movimentar em sentido
horaacuterio ou anti-horaacuterio para a terceira acepccedilatildeo que propotildee a lsquosuperaccedilatildeo do
Modernismorsquo a imagem de uma esfera parece ser a mais adequada pois natildeo se
estaacute focando o tempo em apenas uma dimensatildeo mas abre-se o leque para toda e
qualquer manifestaccedilatildeo perceptiacutevel atualmente no tempo e no espaccedilo Com isso
tem-se a possibilidade de produzir movimentos de qualquer ponto para qualquer
outro ponto seguindo em qualquer sentido ou direccedilatildeo (para baixopara cima para a
esquerdapara a direita para traacutespara frente) ndash por isso a imagem tridimensional14
12 Note-se que neste aspecto haacute pontos de interseccedilatildeo entre certas tendecircncias de lsquocontinuidade da Modernidadersquo e aquelas que professam a lsquosuperaccedilatildeo do Modernismorsquo pois o princiacutepio da poliestiliacutestica defendido por Schnittke e outros tambeacutem rompe com a hierarquizaccedilatildeo dos estilos O que diferencia ambos os grupos eacute o enfoque com que cada qual se apropria das diferentes formas de manifestaccedilatildeo cultural 13 Tambeacutem nesse sentido haacute interseccedilatildeo entre as duas acepccedilotildees pois se as tendecircncias de lsquocontinuidade da Modernidadersquo professam a ruptura com a tradiccedilatildeo musical oitocentista as tendecircncias de lsquosuperaccedilatildeo do Modernismorsquo professam outra ruptura com as tradiccedilotildees novecentistas Em ambos os casos haacute valores centrados no princiacutepio da ruptura mesmo que na primeira acepccedilatildeo esta ruptura faccedila parte de um processo contiacutenuo de superaccedilatildeo da tradiccedilatildeo e no segundo caso seja entendida como uma fissura nesse processo 14 Este recurso de traccedilar analogias entre a estrutura das mentalidades e figuras geomeacutetricas jaacute foi delineado por Koellreutter (cf KOELLREUTTER 1987 p 29-32) compositor que confeccionou a partitura de sua peccedila Acronon em formato de esfera para representar sua concepccedilatildeo da mentalidade contemporacircnea Para Koellreutter poreacutem essas analogias aparecem com sentido diverso daquele apresentado aqui
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Para aqueles que se posicionam pela superaccedilatildeo do Modernismo as
vanguardas satildeo tidas como sendo formalistas ao extremo por se apoiarem
especificamente em criteacuterios teacutecnicos e formais para efetuarem seus julgamentos
Para entender o alcance dessa criacutetica eacute necessaacuterio adentrar um pouco em
algumas acepccedilotildees do termo lsquoformalismorsquo
Em seu Vocabulaacuterio de Esteacutetica Souriau informa que
[] eacute formalista aquele que daacute grande importacircncia agrave forma ou agraves formas poreacutem o termo forma pode ser tomado em diversos sentidos pode-se dar importacircncia a algo por razotildees de ordens bastante diferentes e enfim o termo formalismo foi frequentemente utilizado de maneira polecircmica mas em conflitos que natildeo eram sempre os mesmos de sorte que a palavra formalismo tem diversos sentidos que natildeo coincidem e cuja confusatildeo pode conduzir a erros graves (SOURIAU 1999 p 758)
Podem-se estabelecer a partir das classificaccedilotildees de Souriau trecircs sentidos
principais aplicados ao formalismo esteacutetico e empregados na criacutetica agraves tendecircncias
vanguardistas O primeiro sentido coincide com a censura a Hanslick criacutetico musical
de orientaccedilatildeo kantiana para quem a beleza esteacutetica seria inerente agrave existecircncia de
uma forma equilibrada e bem proporcionada o segundo sentido tem a ver com a
oposiccedilatildeo entre forma e conteuacutedo e se dirige principalmente agraves tendecircncias
modernistas de caraacuteter anticonteudista para as quais a estrutura eacute mais importante
do que o conteuacutedo representado ndash o que significa que para os criacuteticos atuais do
Modernismo o conteuacutedo ganha nova forccedila no terceiro sentido o termo lsquoformalistarsquo eacute
empregado para censurar as tendecircncias vanguardistas por centrarem suas
investigaccedilotildees em estruturas musicais abstratas criadas aprioristicamente sem levar
em consideraccedilatildeo a observaccedilatildeo do meio social ou cultural o que muitas vezes eacute
entendido como desprezo pela realidade
Em geral essas criacuteticas ao lsquoformalismorsquo das vanguardas surgem como
reaccedilotildees ao posicionamento antagocircnico dos muacutesicos de vanguarda das deacutecadas de
1950 e 1960 com relaccedilatildeo agrave muacutesica com sentido narrativo que necessariamente
traz o conteuacutedo ao primeiro plano e por conseguinte desvia a percepccedilatildeo dos
recursos teacutecnicos dos materiais sonoros e dos processos acuacutesticos envolvidos na
apreciaccedilatildeo musical Essa criacutetica modernista ao conteuacutedo vinha embutida em uma
criacutetica geral ao Romantismo e agrave muacutesica descritiva representada no seacuteculo XIX pelo
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lsquopoema sinfocircnicorsquo e pelas lsquopeccedilas caracteriacutesticasrsquo Ainda hoje em certos meios
musicais eacute comum a restriccedilatildeo agrave muacutesica descritiva em geral
Os muacutesicos vinculados agravequela via que pretende a superaccedilatildeo do Modernismo
ndash que agraves vezes chamam pejorativamente os movimentos de poacutes-vanguarda de
lsquoultramodernosrsquo ou lsquohipermodernosrsquo entendendo-os como o fruto de uma atitude
conservadora (cf BUCKINX 1998 p 22) ndash consideram que o lsquoformalismorsquo
vanguardista afastou o puacuteblico das salas de concerto e buscam novos processos de
comunicabilidade atraveacutes da investigaccedilatildeo mais ou menos sistemaacutetica de processos
narrativos e pela incorporaccedilatildeo da significaccedilatildeo musical direta
Eacute interessante notar a afericcedilatildeo de valor aos termos mencionados acima
lsquoUltramodernismorsquo e lsquoHipermodernismorsquo se essas expressotildees satildeo consideradas
negativamente pelos muacutesicos que professam a superaccedilatildeo do Modernismo satildeo
entendidas com sentido favoraacutevel pelos partidaacuterios da poacutes-vanguarda que
empregam essa terminologia para demonstrar que consideram determinada parcela
da produccedilatildeo atual como sendo extremamente significativa pois se apoiam nos
valores vanguardistas e os ultrapassam
Tem-se tambeacutem outra diferenccedila terminoloacutegica operada por alguns autores
que se faz apenas mudando a ordem dos termos lsquonova muacutesicarsquo e lsquomuacutesica novarsquo
Esta expressatildeo que foi amplamente empregada ao longo das deacutecadas de 1950 e
1960 estaacute ligada agraves tendecircncias vanguardistas e poacutes-vanguardistas No Brasil
houve inclusive um movimento de vanguarda autodenominado lsquoGrupo Muacutesica
Novarsquo que lanccedilou seu manifesto em 1963 com base nos princiacutepios do
Construtivismo e do Concretismo e terminou por influenciar o movimento
tropicalista na muacutesica popular O termo lsquonova muacutesicarsquo surgiu na deacutecada de 1990 na
Europa como contraposiccedilatildeo ao conceito de lsquomuacutesica novarsquo trata-se de muacutesicos que
absorvem diversas influecircncias e atuam em vaacuterias direccedilotildees natildeo pressupondo
qualquer identidade teoacuterica ou estiliacutestica entre si
Mesmo se eles satildeo muito diferentes e se tecircm personalidades e escrituras proacuteprias todos esses compositores se afastaram voluntariamente da corrente atonal da muacutesica contemporacircnea Eles sofreram diferentes influecircncias indo de muacutesicas natildeo-ocidentais ao jazz ao rock agrave muacutesica de variedades internacional passando pelo disco pelo funk ateacute a muacutesica techno e inclusive pelas generalidades de programas televisivos O que eles
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tecircm em comum eacute o fato de escutar o mundo sonoro que os envolve e que eacute o fundo musical de todos noacutes Eles tambeacutem tecircm uma filiaccedilatildeo direta a Stravinsky Eacute por isso que se pode separar a muacutesica lsquoeruditarsquo de hoje em duas grandes correntes A corrente lsquotonalrsquo consonante por opccedilatildeo pulsante e meloacutedica se situando em uma linha mais expressiva geralmente chamada de lsquoNova Muacutesicarsquo A corrente lsquoatonalrsquo caracterizada pela utilizaccedilatildeo quase sistemaacutetica de saltos de registro de assimetria riacutetmica e de dissonacircncias chamada tambeacutem de lsquomuacutesica contemporacircnearsquo (LELONG 1996 p 11)
Um dos movimentos de superaccedilatildeo do Modernismo que se pode colocar
como precursor dessa noccedilatildeo de lsquonova muacutesicarsquo eacute a lsquoNova Simplicidadersquo que teve
seu iniacutecio na deacutecada de 1970 com um grupo de compositores alematildees encabeccedilados
por Walter Zimmermann (1949) e Wolfgang Rihm (1952) Esses muacutesicos defendiam
a liberdade de escrita e a dissoluccedilatildeo do peso da Histoacuteria ndash que na sua opiniatildeo
engessava as praacuteticas vanguardistas ndash e preconizavam a absorccedilatildeo de experiecircncias
subjetivas de toda e qualquer natureza (vivecircncias impulsos emoccedilotildees preferecircncias
etc) que pudessem conduzir agrave produccedilatildeo de novos processos narrativos e agrave
depuraccedilatildeo dos meios empregados para a criaccedilatildeo musical Com essas intenccedilotildees
movimentaram-se na direccedilatildeo de estruturas mais elementares com gestos musicais
breves e texturas transparentes Entretanto os praticantes da Nova Simplicidade
natildeo se desviaram de configuraccedilotildees atonais apenas acrescentaram elementos de
caraacuteter tonal e deram vazatildeo a uma certa expressividade liacuterica em sua produccedilatildeo
Rihm em entrevista a Noreen e Cody comenta suas experiecircncias dos anos rsquo70 e
rsquo80
Eu sou um compositor intuitivo Mesmo se natildeo o fosse somente poderia escrever a minha proacutepria muacutesica Natildeo se pode criar arte com tabus Naturalmente somente quebrando tabus tambeacutem natildeo se faz arte Em ambos os casos o que surge satildeo objetos que [apenas] se parecem com arte [] De volta agraves triacuteades eu natildeo era de nenhuma maneira o uacutenico a empregaacute-las Talvez em minha muacutesica elas chocassem de forma mais provocativa provavelmente porque natildeo serviam ao propoacutesito de garantir lsquobelezarsquo mas eram empregadas no mesmo niacutevel que (quase) qualquer outra manifestaccedilatildeo sonora governadas por fluxos expressivos que natildeo poderiam ser inteiramente analisados de modo racional Isso era equivalente agrave alta traiccedilatildeo aos olhos dos modernistas (RIHM 2006 p 2)
Compositores que parecem seguir nessa mesma direccedilatildeo poreacutem com
interesses distintos satildeo os franceses Pascal Dusapin (1955) que trabalha com
misturas de elementos tonais e atonais carregados de forte lirismo e Reacutegis Campo
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(1968) cuja peccedila Commedia (1995) de escritura amplamente stravinskyana estaacute
organizada agrave base de muacuteltiplas linhas contrapontiacutesticas que se movimentam em
torno de uma melodia que se estende por quase quinze minutos
Outros grupos que tecircm sido bastante difundidos nos uacuteltimos anos satildeo
aqueles derivados do Minimalismo e que portanto empregam teacutecnicas de
organizaccedilatildeo repetitiva com base em um miacutenimo de elementos formadores de
processos sonoros Esses elementos baacutesicos ndash constituiacutedos de poucas notas
estrutura harmocircnica simples e riacutetmica perioacutedica ndash geralmente satildeo elaborados de
forma extremamente gradativa com a intenccedilatildeo de dar tempo agrave escuta Com isso
pretende-se dar ecircnfase aos processos perceptivos acima de qualquer princiacutepio
compositivo
O Minimalismo ortodoxo aquele dos anos 60 estava centrado em estruturas
ininterruptas fixas regulares e contiacutenuas no tempo Steve Reich partiu para suas
realizaccedilotildees mais peculiares da eacutepoca da experiecircncia de ouvir a mesma gravaccedilatildeo
reproduzida em dois aparelhos diferentes com rotaccedilotildees distintas o que gerou uma
defasagem gradual de tempo entre uma reproduccedilatildeo e outra O compositor declarou
[] enquanto eu ouvia esse processo gradual de mudanccedila de fase comecei a imaginar que esta seria uma forma extraordinaacuteria de estruturaccedilatildeo musical Esse processo afetou-me como um meio de alcanccedilar determinado nuacutemero de relaccedilotildees entre duas identidades sem nenhuma transiccedilatildeo Era um processo musical sem emenda ininterrupto (REICH apud SCHWARZ 1996 p 61)
Eacute interessante notar como esses princiacutepios de Reich e seus colegas
minimalistas da deacutecada de 1960 satildeo bastante lsquoformalistasrsquo para os muacutesicos mais
jovens e nesse sentido se assemelham aos valores vanguardistas da mesma
eacutepoca pois as preocupaccedilotildees com o processo com a estrutura ou com as teacutecnicas
de composiccedilatildeo estatildeo acima de qualquer outro aspecto envolvido na atividade
compositiva Por essa razatildeo essa fase do Minimalismo pode ser considerada como
sendo a uacuteltima manifestaccedilatildeo modernista pois mesmo que os processos de escuta
jaacute estivessem em evidecircncia o interesse principal estaacute na construccedilatildeo de estruturas
musicais abstratas Ao comparar a mentalidade de Reich da deacutecada de 1960 com
alguns comentaacuterios de John Adams (1947) um dos compositores mais destacados
da corrente atual a que alguns chamam de Poacutes-Minimalismo percebe-se que o
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ponto de vista deste estaacute descentrado do fazer e mais voltado para a absorccedilatildeo do
meio sonoro circundante
Eu sempre fui profundamente influenciado pelo rock pelo jazz e pela muacutesica pop Creio que eacute uma parte importante da experiecircncia de um norte-americano e penso que eacute a linha de demarcaccedilatildeo entre a velha geraccedilatildeo de compositores eruditos aqueles que nasceram antes da guerra e minha geraccedilatildeo ou a dos meus alunos Eacute por isso que natildeo tento me afastar dessa muacutesica nem tapar os ouvidos para ela Entretanto ao ler John Cage a gente nota que ele natildeo era sensiacutevel a essa muacutesica e ateacute mesmo a execrava Por minha parte eu gosto e ela influenciou bastante a minha proacutepria muacutesica (ADAMS 1996 p 20)
Ao contraacuterio do purismo muitas vezes pretendido pelos muacutesicos das deacutecadas
de 1950 e 1960 (que geralmente buscavam um estilo original sem admitir
ascendecircncias externas expliacutecitas pois essas influecircncias15 eram transformadas ateacute o
ponto em que se tornavam imperceptiacuteveis ou eram incorporadas em estruturas que
natildeo poderiam ser remetidas a outras realidades que a da proacutepria muacutesica em
questatildeo) vaacuterios compositores atuais estatildeo buscando a assimilaccedilatildeo expliacutecita de
diferentes fontes desde a muacutesica claacutessica europeia e a muacutesica tradicional de outras
culturas ateacute as diferentes manifestaccedilotildees populares e dos meios de comunicaccedilatildeo de
massa Adams eacute preciso a esse respeito
O que distingue minha muacutesica das outras eacute o fato de que ela eacute tatildeo lsquomiscigenadarsquo Se eu comparo minha muacutesica com a de Morton Feldman que eacute tatildeo pura a minha eacute uma espeacutecie de lsquogrande lixeirarsquo ali se encontra de tudo como em um grande lsquoensopadorsquo [] Cresci ao longo de um periacuteodo em que se podia escutar de tudo pois tudo estava registrado e isso vai continuar no proacuteximo milecircnio Eu costumo surfar na Internet todo o tempo e posso andar por tudo (ADAMS 1996 p 21)
Natildeo apenas Adams e os poacutes-minimalistas (que se diferenciam do
Minimalismo histoacuterico pela assimilaccedilatildeo expliacutecita de elementos exoacutegenos) como
tambeacutem outros muacutesicos das novas geraccedilotildees aproveitam influecircncias atraveacutes da
incorporaccedilatildeo de estilemas16 apropriados de diferentes tradiccedilotildees o que tambeacutem pode
15 O termo lsquoinfluecircnciarsquo foi tomado durante algum tempo como sendo depreciativo por indicar a ascendecircncia de determinado artista ou escola sobre outros Atualmente para os compositores das novas geraccedilotildees a ideia de ascendecircncia parece natildeo gerar constrangimento sendo inclusive um valor a ser aproveitado 16 lsquoEstilemarsquo eacute um termo apropriado da linguiacutestica empregado para designar traccedilos estiliacutesticos caracteriacutesticos de determinada obra escritor ou escola literaacuteria o que em muacutesica pode ser indicado
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incluir teacutecnicas de vanguarda Com isso esta muacutesica se torna mais corpoacuterea estaacute
vinculada agrave realidade circundante ou em outras palavras se faz mais mundana
Isso tambeacutem se deve agrave introduccedilatildeo de elementos de linguagens musicais
vernaculares consideradas como sendo parte da lsquofalarsquo cotidiana seja a muacutesica
autoacutectone ou a muacutesica tocada nos meios de comunicaccedilatildeo e que se torna com o
passar do tempo tatildeo absorvida pelas mentalidades que passa a ser entendida como
lsquolinguagem comumrsquo
Os chilenos Eduardo Caacuteceres (1954) e Aliosha Solovera (1963) tecircm
incorporado elementos de tradiccedilotildees locais em suas criaccedilotildees de caraacuteter
experimental Caacuteceres em sua peccedila Canciones ceremoniales para aprendiz de
machi para grupo vocal feminino aproveita textos em liacutengua mapudungum para
combinar diferentes ritmos apropriados dos iacutendios mapuches Na peccedila Ressonandes
(2002) para dez flautas cujo tiacutetulo alude agrave lsquoressonacircncia dos Andesrsquo Solovera busca
ldquoestabelecer um viacutenculo com a muacutesica das culturas preacute-colombianasrdquo atraveacutes da
experimentaccedilatildeo de sonoridades incomuns no instrumento Para o compositor ldquoa
flauta transversa se desliga de sua raiz cultural e eacute assumida em sua condiccedilatildeo mais
elementar como instrumento de soprordquo Eacute interessante notar nesse sentido o
paralelismo entre Ressonandes e a peccedila Nola (1994) para vaacuterias flautas e orquestra
de cordas do tajiquistanecircs Benjamin Yusupov (1962) que se refere agrave sua muacutesica da
seguinte maneira ldquoesta peccedila eacute uma busca de efeitos sonoros gerados pelas flautas
como se fossem instrumentos de cordas A combinaccedilatildeo com a muacutesica eacutetnica estaacute
associada a um certo esteticismo da muacutesica orientalrdquo Ambos aproveitam valores de
suas tradiccedilotildees locais para experimentar sonoridades inusuais em conjuntos de
flautas Solovera busca restituir o som elementar do sopro Yusupov tem o intuito de
fazer um instrumento de sopro soar como corda Apesar da similaridade conceptual
o resultado sonoro eacute bastante distinto
Em uma direccedilatildeo similar e com base em vivecircncias pessoais o colombiano
Angel Alfonso Rivera (1983) escreveu Quya-Killa (2013) para voz flauta percussatildeo
por padrotildees escalares contornos meloacutedicos figuraccedilotildees riacutetmicas encadeamentos harmocircnicos combinaccedilotildees instrumentais ou algum outro aspecto de qualquer natureza que identifique lsquoestilosrsquo ou lsquomaneirasrsquo
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(dois tom-tons maracas temple blocks prato suspenso) e piano A peccedila foi escrita a
partir da participaccedilatildeo em rituais e celebraccedilotildees indiacutegenas na Boliacutevia e no Peru dos
quais se destacam Pachamama (Ritual da Matildee Terra) Inti Raymi (Festa do Sol) e
Quya Raymi (Festa da Lua e da Fertilidade) A peccedila que eacute o resultado de
lembranccedilas afetivas desses rituais isto eacute os traccedilos que permanecem na memoacuteria
de forma pulsante e transformam a percepccedilatildeo do mundo estaacute organizada em trecircs
seccedilotildees derivadas das fases ritualpisticas Preparaccedilatildeo Oraccedilatildeo e Celebraccedilatildeo
Para o compositor
[] a muacutesica de culturas tribais gira em torno de um mundo proacuteprio com sonoridades que derivam do contorno da natureza dos animais e do proacuteprio homem As manifestaccedilotildees foneacuteticas os gestos e a miacutemica satildeo meios de comunicaccedilatildeo e neste contexto a muacutesica e a danccedila manifestam estreita relaccedilatildeo com os rituais e cerimocircnias [] Por se tratar de algo maacutegico e que possui caracteriacutesticas que podem ser aproveitadas na composiccedilatildeo considero que a imagem do ritual tem forte funccedilatildeo orientadora e organizacional sendo uma imagem que fundamenta e orienta os elementos do percurso criativo (RIVERA p 39-40)
Natildeo eacute necessaacuterio que o muacutesico esteja estreitamente vinculado a esta ou
agravequela tradiccedilatildeo para se sentir compelido a empregaacute-la em alguma obra O
compositor inglecircs Thomas Adegraves (1971) escreveu sua America a prophecy (1999)
para meio-soprano coro opcional e orquestra sinfocircnica para um projeto chamado
lsquoMensagens para o Milecircniorsquo promovido pela Orquestra Filarmocircnica de Nova Iorque
Interessante nesta peccedila eacute o fato de que o uacutenico texto em inglecircs eacute a traduccedilatildeo de um
fragmento da profecia maia que prenuncia o fim dos tempos os outros trechos
cantados na peccedila de Adegraves foram aproveitados de textos hispano-americanos Com
isso o compositor pretendia criar um mapa da Ameacuterica localizado ao Sul dos
Estados Unidos com o intuito de mostrar aos norte-americanos que eles natildeo foram
os primeiros americanos (escrito maia) como tambeacutem natildeo satildeo os uacutenicos
(fragmentos latino-americanos) Interessado pelas culturas preacute-colombianas e pelo
sincretismo cultural da Ameacuterica Latina atual o compositor disse em entrevista a
Tom Service que essa sua noccedilatildeo da Ameacuterica ldquocomeccedilou quando tive uma enorme
vista da piracircmide de Belize Havia aacutervores em todas as direccedilotildees Entretanto havia
estas pequenas saliecircncias que tambeacutem eram verdes e eram as antigas piracircmides
maiasrdquo (ADEgraveS apud FOX 2006 p 1) Outra representaccedilatildeo da Ameacuterica ocorreu-lhe a
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partir de um mapa surrealista publicado na revista belga Parietein em 1929 Essas
imagens aliadas aos textos escolhidos se tornaram o ponto de partida para a
estruturaccedilatildeo de America a prophecy
Outro exemplo agora no sentido da assimilaccedilatildeo dos meios de comunicaccedilatildeo
de massa em uma muacutesica de caraacuteter experimental eacute a peccedila de Michael Daugherty
(1954) intitulada Elvis Everywhere (1993) em que satildeo combinados cantores um
quarteto de cordas processos de manipulaccedilatildeo eletrocircnica dos sons e a voz de Elvis
Presley que funciona como uma espeacutecie de material unificador de todas as
sonoridades que acontecem ao longo da muacutesica
Natildeo posso escrever a miacutenima nota se natildeo tenho antes uma ideia Eacute geralmente um elemento visual um iacutedolo americano como Elvis um flamingo de plaacutestico cor-de-rosa ou ainda Jackie Kennedy que me evocam os sons [] Antes de compor Elvis Everywhere para o Quarteto Kronos assisti ao Congresso Internacional de Imitadores de Elvis onde ouvi cantar mais de duzentos Elvis Somente posso escrever muacutesica quando estou proacuteximo dela Seria difiacutecil transcrever musicalmente a poesia de Safo por exemplo Por outro lado assisti a todos os episoacutedios de Star Trek17 (DAUGHERTY 1996 p 105)
O que interessa para muitos artistas contemporacircneos eacute essa ruptura dos
limites daquilo que era tradicionalmente considerado como sendo lsquobom gostorsquo e lsquomau
gostorsquo lsquoarte e lsquoinduacutestria do entretenimentorsquo enfim todas as formas de dicotomia que
caracterizaram as correntes modernistas A intenccedilatildeo de superar essas dualidades
com uma atitude inclusiva em que as diferentes formas de manifestaccedilatildeo cultural
tecircm seu lugar na cultura contemporacircnea natildeo significa necessariamente aquela
postura ciacutenica do blaseacute que caracterizou o final do seacuteculo XX nas deacutecadas de 1980
e 1990 Ao contraacuterio estar aberto aos diferentes pontos de vista tambeacutem pode
significar assumir uma postura de caraacuteter pessoal poreacutem com o entendimento de
que esta eacute mais uma entre tantas possibilidades de conhecer a realidade e de se
relacionar com o mundo
Na busca de autonomia um grupo de compositores nova-iorquinos
encabeccedilados por Michael Gordon (1956) David Lang (1957) e Julia Wolfe (1958)
17 Essas consideraccedilotildees seriam impossiacuteveis se vindas de um compositor como Pierre Boulez por exemplo que consideraria essa assimilaccedilatildeo de elementos da cultura de massa como vulgarizaccedilatildeo da criaccedilatildeo musical
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criou o festival Bang on a Can e formou um grupo de cacircmara para divulgar sua
muacutesica e a de outros compositores de sua geraccedilatildeo18 Wolfe conta a origem do
festival em entrevista a Lelong
Noacutes queriacuteamos abalar as estruturas em Nova Iorque e ter um pretexto para tomarmos cafeacute da manhatilde juntos todos os dias Bang on a Can quase comeccedilou como uma brincadeira Noacutes chamamos assim ao primeiro festival porque pensamos que natildeo haveria outros mas terminou sendo um rastro de poacutelvora Muitas e muitas pessoas vieram no primeiro ano entre eles John Cage e Steve Reich Noacutes trabalhamos duramente para ampliar nosso puacuteblico para aleacutem do ciacuterculo dos amantes da Nova Muacutesica Fizemos nossa divulgaccedilatildeo bastante numerosa entre o puacuteblico de baleacute de teatro e de cinema Mesmo que o festival tenha se desenvolvido ainda se manteacutem a serviccedilo dos compositores com ideias novas com espiacuterito aventureiro O puacuteblico vem numeroso e entusiasmado a apresentaccedilatildeo eacute formidaacutevel descontraiacuteda o que tem o efeito de natildeo espantar a audiecircncia (WOLFE 1996 p 369-370)
O festival que existe desde 1987 se tornou um evento anual que conta com
um conjunto de cacircmara formado por solistas virtuoses o grupo Bang on a Can All-
Stars uma orquestra a Spit Orchestra gravaccedilotildees que satildeo lanccediladas em CD e
transmissotildees radiofocircnicas O grupo Bang on a Can All-Stars tem uma constituiccedilatildeo
heterogecircnea tanto do ponto de vista dos instrumentos que fazem parte do grupo
quanto da linha de atuaccedilatildeo de seus muacutesicos Formado por instrumentos como
piano saxofone clarinete violoncelo guitarra eleacutetrica baixo eleacutetrico e percussatildeo19 o
grupo se caracteriza pela mistura de sonoridades de muacutesica erudita muacutesica pop e
jazz A formaccedilatildeo e a praacutetica dos muacutesicos ndash que tocam em orquestras sinfocircnicas
tradicionais participam de shows ou concertos gravam discos de muacutesica pop e
tocam em bandas de jazz ndash possibilita trabalhar com repertoacuterios diversificados
Assim o grupo se propotildee a divulgar diferentes tipos de manifestaccedilatildeo musical da
contemporaneidade o que o difere de outros grupos ndash como por exemplo lsquoSteve
Reich and Musiciansrsquo lsquoMichael Nyman Bandrsquo ou lsquoPhilip Glass Ensemblersquo ndash que tecircm
em seu repertoacuterio somente a produccedilatildeo do proacuteprio compositor que daacute nome ao grupo
ou daqueles que estatildeo diretamente associados a ele
18 Essa praacutetica de criar o proacuteprio grupo musical jaacute havia sido praticada por muacutesicos como Steve Reich Philip Glass Louis Andriessen (1939) e Michael Nyman (1944) entre outros 19 Os muacutesicos do Bang on a Can All-Stars satildeo atualmente Vicky Chow teclados Ken Thomson sopros Ashley Bathgate violoncelo Mark Stewart guitarra eleacutetrica Robert Black contrabaixos David Cossin percussatildeo
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Percebe-se nessa postura comum a muitos muacutesicos atuais a busca pela
diferenccedila se tornando mais importante do que a pretensatildeo de identidade estiliacutestica
Esse aspecto resulta em outra caracteriacutestica difundida entre os compositores
contemporacircneos que se dedicam agrave investigaccedilatildeo de novos meacutetodos narrativos
Muitos compositores atuais tecircm formaccedilatildeo acadecircmica em aacutereas como linguiacutestica
letras comunicaccedilatildeo ou filosofia campos do conhecimento considerados como
sendo profiacutecuos para a criaccedilatildeo musical Vaacuterios compositores atuam como
professores universitaacuterios nessas aacutereas e desenvolvem seu trabalho criativo com
base nesse conhecimento mais do que em teacutecnicas tradicionais de composiccedilatildeo
Conhecem essas teacutecnicas mas preferem deixaacute-las em segundo plano no processo
criativo ndash o que difere de certas linhas vanguardistas das deacutecadas de 1950 e 1960
em que a invenccedilatildeo de novos processos de estruturaccedilatildeo e meacutetodos compositivos
estavam em primeiro plano
O compositor brasileiro Eduardo Seincman (1958) escreveu uma seacuterie
intitulada A Danccedila dos Duplos20 em que cada uma das cinco peccedilas que compotildeem o
ciclo destinada a uma formaccedilatildeo instrumental diferente foi concebida a partir de uma
experiecircncia extramusical A Danccedila de Dorian21 para piano a quatro matildeos foi escrita
a partir da leitura do romance O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde Esta peccedila
conteacutem diversos elementos que caracterizam a investigaccedilatildeo de novos processos
narrativos Excertos do texto de Wilde foram apostos agrave partitura para orientar os
muacutesicos sobre qual segmento do romance corresponde a cada uma das passagens
musicais O compositor chama a atenccedilatildeo no entanto para o fato de que natildeo se
trata de muacutesica programaacutetica pois sua intenccedilatildeo natildeo eacute produzir uma descriccedilatildeo
musical ipsis litteris da narrativa de Wilde mas criar uma narrativa paralela
estritamente musical e que natildeo se vincula diretamente agrave sequecircncia de episoacutedios do
20 A Danccedila dos Duplos eacute formada pelas seguintes peccedilas A Danccedila Misteriosa (1986 ldquopara um anjo que nasceraacuterdquo) para piano solo A Danccedila Luacutegubre (1987) para flauta contralto marimba e piano A Danccedila de Dorian (1988 ldquobaseada no romance O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilderdquo) para piano a quatro matildeos A Danccedila do Dibuk (1988 ldquobaseada na peccedila de teatro O Dibuk de Sch An-Skirdquo) para marimba vibrafone e glockenspiel A Uacuteltima Danccedila (1989 ldquoinspirada na leitura de O Cisne de Leonardo da Vincirdquo) para flauta contralto e dois vibrafones 21 Esta que foi a muacutesica tocada na Abertura do Simpoacutesio Agora Arte e Pensamento no dia 24 de outubro de 2006 pelas pianistas Carolina Avellar e Elaine Foltran
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romance Neste sentido tornam-se importantes as citaccedilotildees das obras musicais
apresentadas no texto nas cenas em que Dorian Gray toca piano ou assiste a um
concerto
Cria-se uma nova narratividade musical atraveacutes de uma sinestesia muacuteltipla
na audiccedilatildeo da obra A estrutura musical se desdobra como uma sequecircncia de
imagens (visuais taacuteteis auditivas e mesmo olfativas) que satildeo justapostas umas agraves
outras agraves vezes por meio de transiccedilotildees gradativas agraves vezes por meio de
interrupccedilotildees abruptas como cortes cinematograacuteficos Conforme a muacutesica se
aproxima do final vai-se tornando mais tensa e agitada criando a atmosfera para o
desfecho extraordinaacuterio (Dorian Gray natildeo envelhece porque eacute a figura pintada em
seu retrato que se torna mais velha) atraveacutes da precipitaccedilatildeo de uma cena na outra
com o propoacutesito de alterar o rumo dos acontecimentos de modo inesperado
Percebe-se nesse sentido uma espeacutecie de anaacutelogo musical daquilo a que
Aristoacuteteles chamaria de resoluccedilatildeo cataacutertica atraveacutes da lsquoperipeacuteteiarsquo (peripeacutecia) isto eacute
a incorporaccedilatildeo de encadeamentos imprevistos no decorrer da accedilatildeo com o sentido
de produzir alteraccedilotildees suacutebitas dos estados de humor Entre os tipos de narrativa
destacados por Aristoacuteteles (narrativa episoacutedica narrativa simples e narrativa
complexa) o filoacutesofo dava preferecircncia agrave narrativa complexa que produz expectativa
por meio do acuacutemulo de accedilotildees e pelo emprego de princiacutepios como a
verossimilhanccedila dessas accedilotildees a necessidade dos acontecimentos no curso da
histoacuteria o reconhecimento (descoberta) de uma situaccedilatildeo vivida poreacutem natildeo
compreendida anteriormente e o imprevisto produzido por novas situaccedilotildees
Peripeacutecia eacute uma viravolta das accedilotildees em sentido contraacuterio [] segundo a verossimilhanccedila ou necessidade [] O reconhecimento como a palavra mesma indica eacute a mudanccedila do desconhecimento ao conhecimento ou agrave amizade ou ao oacutedio das pessoas marcadas para a ventura ou desdita O mais belo reconhecimento eacute o que se daacute ao mesmo tempo em que uma peripeacutecia como aconteceu no Eacutedipo [] Nesse passo se verificam duas partes da faacutebula a peripeacutecia e o reconhecimento mas haacute uma terceira o pateacutetico [] O pateacutetico consiste numa accedilatildeo que produz destruiccedilatildeo ou sofrimento como mortes em cena dores cruciantes ferimentos e ocorrecircncias desse gecircnero (ARISTOacuteTELES 1997 p 30-31)
Naturalmente Aristoacuteteles natildeo exigia a concomitacircncia de todas essas linhas
narrativas para a produccedilatildeo de estados cataacuterticos que na trageacutedia antiga vinham
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geralmente associados agrave muacutesica Quando se escuta A Danccedila de Dorian de
Seincman poreacutem a impressatildeo que se tem eacute que todos esses processos se
acumulam nos trechos finais da peccedila produzindo vaacuterias camadas de expressatildeo que
extrapolam a significaccedilatildeo especificamente musical na direccedilatildeo de uma espeacutecie de
experiecircncia esteacutetica multissensorial geralmente possibilitada pela combinaccedilatildeo de
diferentes linguagens artiacutesticas (poesia teatro muacutesica artes visuais etc) Alguns
processos narrativos ou semacircnticos empregados se assemelham a formulaccedilotildees de
compositores romacircnticos como Robert Schumann (1810-1856) poreacutem a totalidade
do resultado seria algo impensaacutevel antes da concepccedilatildeo da muacutesica de Seincman
Outro compositor que se interessa pela criaccedilatildeo de sensaccedilotildees sinesteacutesicas eacute o
uzbequistanecircs Dimitri Yanov-Yanovski (1963) Segundo depoimento do compositor
sua muacutesica estaacute centrada na intenccedilatildeo de criar diferentes processos de estruturaccedilatildeo
do tempo musical atraveacutes da oposiccedilatildeo de duraccedilotildees heterogecircneas apresentadas
simultaneamente Esses meacutetodos produzem dois resultados distintos que se
complementam o efeito psicoloacutegico de contraccedilatildeo e distensatildeo do tempo e o
processo linguiacutestico de polifonia narrativa que eacute obtida pelo entrecruzamento de
muacuteltiplos significados (que podem ser musicais textuais dramaacuteticos ou plaacutesticos) A
investigaccedilatildeo de novos princiacutepios de comunicabilidade e a valorizaccedilatildeo do processo
musical por meio de meacutetodos repetitivos colocam Yanovski entre os compositores
atuais cujos trabalhos apresentam processos multidirecionais que resultam em
novas formas de produccedilatildeo e recepccedilatildeo musicais Tambeacutem nesse sentido vaacuterios
muacutesicos atuais se diferenciam das geraccedilotildees anteriores pois valorizam o ato de
recepccedilatildeo como sendo tatildeo ou mais importante do que as teacutecnicas de composiccedilatildeo
visto que entendem que estas devem estar a serviccedilo daqueles ndash o que conduz a
uma arte centrada nos processos esteacutesicos e nas possibilidades de interaccedilatildeo
comunicativa entre o compositor o inteacuterprete e o puacuteblico22
22 A avaliaccedilatildeo das relaccedilotildees entre o compositor e o inteacuterprete eacute outro aspecto extremamente relevante nas discussotildees sobre a muacutesica contemporacircnea Nas tendecircncias vanguardistas em geral o compositor muitas vezes busca escrever uma ldquomuacutesica contra o instrumentordquo o que gera grandes dificuldades de execuccedilatildeo Brian Ferneyhough (1943) um dos mais importantes compositores da poacutes-vanguarda e partiacutecipe da Nova Complexidade (note-se o antagonismo com relaccedilatildeo agrave lsquoNova Simplicidadersquo) costuma dizer com intenccedilatildeo motivadora e polecircmica que escreve mais notas do que o muacutesico consegue tocar para que ele tenha que escolher entre as notas escritas e interferir no
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3 Traccedilos Gerais
Percebe-se com as reflexotildees apresentadas acima sobre aspectos da muacutesica
atual (e sempre lembrando que este ensaio aborda uma parcela da totalidade da
produccedilatildeo contemporacircnea) que vivemos em um periacuteodo em que haacute muacutesicos e
musicoacutelogos23 dedicados agrave investigaccedilatildeo de toda e qualquer produccedilatildeo musical seja
ela proacutexima ou distante geograficamente seja recente ou remota no tempo
Pesquisadores atuais dedicam-se inclusive agrave descoberta de processos e materiais
que natildeo satildeo condizentes com seu gosto pessoal pois o que importa eacute que toda e
qualquer parcela da produccedilatildeo humana estaacute aiacute para ser conhecida
independentemente agradar ou natildeo ao estudioso24
Assim quebram-se hierarquias seculares em que se considerava
determinada parcela da produccedilatildeo de alguma eacutepoca superior agraves outras ou se
entendia que determinada regiatildeo do planeta produz algo de maior importacircncia
cultural ou histoacuterica do que outras Essas posiccedilotildees etnocecircntricas ainda hoje
defendidas por alguns como o criacutetico literaacuterio Harold Bloom por exemplo satildeo
questionadas por natildeo serem condizentes com as infinitas possibilidades atuais de
acesso agrave informaccedilatildeo pois satildeo restritivas do ponto de vista do gosto no sentido em
que elevam opiniotildees meramente pessoais de seus autores agrave categoria de valor
universal
A postura abrangente de pensadores contemporacircneos como Michel Meyer
vem de encontro agravequeles pontos de vista exclusivistas em que se confunde lsquoopiniatildeorsquo
com lsquoconhecimentorsquo Para Meyer
[] cada um tem o direito de ser diferente de realizar sua diferenccedila contanto que a igualdade de direitos da [outra] pessoa seja respeitada
processo de criaccedilatildeo da obra de forma que cada nova interpretaccedilatildeo soaraacute diferente das demais Ferneyhough parece buscar resultados semelhantes aos de John Cage poreacutem pelo caminho inverso Essa discussatildeo poreacutem extrapola os limites deste ensaio 23 Vale esclarecer que se entende por musicoacutelogo aqui todo aquele profissional que se dedica agrave pesquisa em muacutesica seja atraveacutes da musicologia histoacuterica musicologia sistemaacutetica ou etnomusicologia da anaacutelise musical psicologia da muacutesica criacutetica musical ou da esteacutetica musical entre outras Sendo assim musicologia eacute entendida como sendo a aacuterea que engloba todos os campos teoacutericos do saber musical 24 Um bom exemplo neste sentido eacute a incansaacutevel pesquisa sobre o Neoclassicismo francecircs realizada
por Michel Faure musicoacutelogo que se posiciona antagonicamente com relaccedilatildeo agravequela tendecircncia esteacutetico-musical
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Inversamente a universalidade eacute imperativa mas natildeo pode secirc-lo em detrimento das diferenccedilas que constituiacutemos e que nos faz ser [aquilo que somos] Cada um tem o direito agrave sua histoacuteria e o dever de cada um eacute respeitar esse direito nos outros A universalidade sem diferenccedila eacute tatildeo totalitaacuteria quanto a diferenccedila sem universalidade (MEYER 2000 p 148)
Tem-se assim uma nova postura criacutetica (que tambeacutem pode ser denominada
metacriacutetica) a qual propotildee que ao exercitar a criacutetica se inicie fazendo criacutetica aos
proacuteprios valores pessoais e inclusive agraves possibilidades de exerciacutecio da criacutetica no
domiacutenio de determinados contextos Isso aplicado ao campo da muacutesica que eacute uma
arte e natildeo uma ciecircncia exata leva agrave abertura de novas perspectivas e ao
entendimento de que os pontos de vista dos outros tecircm tanto direito agrave existecircncia
quanto os nossos Isso natildeo significa igualdade de criteacuterios mas igualdade de direito
pois pode haver diferenccedilas na qualidade dos valores sendo que alguns princiacutepios
podem estar mais fundamentados do que outros O que faz levar em consideraccedilatildeo
que em qualquer sistema de valores os criteacuterios apropriados para sua avaliaccedilatildeo
estatildeo no exame de sua estrutura loacutegica interna entrecruzada com sua adequaccedilatildeo agrave
realidade Entretanto nem mesmo a argumentaccedilatildeo mais sistematizada e bem
fundamentada eacute garantia de excelecircncia em se tratando de arte pois esta eacute uma
aacuterea onde os criteacuterios satildeo qualitativos e portanto natildeo podem ser quantizados ndash e jaacute
houve quem (como Max Bense) se esforccedilou em mensurar matematicamente a arte
poreacutem em nenhum caso se alcanccedilou um resultado considerado minimamente
satisfatoacuterio junto agrave comunidade artiacutestica
Quando o muacutesico se torna mais receptivo agraves diferentes opiniotildees que circulam
no campo da esteacutetica musical percebe tambeacutem que diferentes processos musicais
podem ser combinados em uma uacutenica peccedila de muacutesica natildeo importando onde ou
quando esses processos se originaram Essas fontes podem ser justapostas uma
apoacutes a outra na sequecircncia de eventos sonoros assim como podem ser sobrepostas
em um uacutenico momento do tempo musical Isso depende de vaacuterios fatores muitos
deles ligados aos anseios do proacuteprio artista Tambeacutem se abrem novas possibilidades
de significaccedilatildeo atraveacutes da muacutesica que natildeo permanece restrita a valores
exclusivamente teacutecnicos ou formais Por outro lado a teacutecnica e a forma sempre
poderatildeo ser incorporadas em situaccedilotildees musicais de iacutendole mais ampla do que a
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mera oposiccedilatildeo dicotocircmica entre lsquomodernorsquo e lsquopoacutes-modernorsquo lsquomuacutesica novarsquo e lsquonova
muacutesicarsquo ou entre lsquopreferecircncia pela forma e pela teacutecnicarsquo e lsquopreferecircncia pelo conteuacutedo
e pelas estruturas narrativasrsquo Para o compositor italiano Luca Lombardi (1945)
ldquouma filosofia da nova muacutesica escrita hoje natildeo poderia dividir de maneira
maniqueiacutesta o mundo em [] progressistas e reacionaacuterios mas deveria dar conta da
multipolaridade da situaccedilatildeo atual A realidade ndash e natildeo somente a realidade musical ndash
eacute complexa contraditoacuteria e consequentemente ndash para exprimir em termos positivos ndash
ricardquo (Lombardi apud MICHEL 1998 p 104)
A tradiccedilatildeo natildeo eacute mais entendida como sistema fechado em que determinada
interpretaccedilatildeo se torna lsquoa explicaccedilatildeorsquo dos fatos mas tambeacutem satildeo valorizadas as
reaccedilotildees pessoais particularizadas e mesmo idiossincraacuteticas Tambeacutem se torna
problemaacutetico asseverar algo sobre lsquoa tradiccedilatildeorsquo sendo que se reconhece a
simultaneidade de inuacutemeras lsquotradiccedilotildeesrsquo algumas complementares entre si outras
antagocircnicas mas todas com igual direito agrave existecircncia A identidade passa pela
diferenccedila entre um e outro e essa diferenccedila passa pela universalidade dos valores
que podem reconhecer a diferenccedila de um no outro assim como a identidade de
cada um somente pode ser reconhecida quando se tem conhecimento da
universalidade relativa (ou contextual) de cada uma das partes constituintes do todo
identitaacuterio25 A valorizaccedilatildeo da diferenccedila pode conduzir agrave aceitaccedilatildeo da multiplicidade
das praacuteticas musicais seus materiais acuacutesticos suas teacutecnicas seus processos de
elaboraccedilatildeo seus significados intriacutensecos e extriacutensecos suas praacuteticas e seus
valores pois ldquoo conteuacutedo eacute em suma a teoria que daacute significado agrave muacutesicardquo
(BUCKINX 1998 p 91)
Como resultado tecircm-se alcanccedilado novas funcionalidades no campo musical
isto eacute descobrem-se novas possibilidades de uso ou aplicaccedilatildeo da muacutesica que
correspondem agraves necessidades das novas geraccedilotildees A diversidade de funccedilotildees
musicais que se disseminaram desde a Antiguidade foi-se tornando cada vez mais
restrita nos uacuteltimos anos do seacuteculo XX periacuteodo em que alguns dividiam as funccedilotildees
em apenas lsquomuacutesica de concertorsquo e lsquomuacutesica de entretenimentorsquo reforccedilando outra
25 Pluralia tantum mesmo o singular eacute plural
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dicotomia com caraacuteter de preconceito social Nos uacuteltimos anos outras funccedilotildees tecircm
sido observadas como a funccedilatildeo de aglutinaccedilatildeo social comum nas tribos indiacutegenas
que necessitavam da uniatildeo grupal para garantir a sobrevivecircncia Quando se pratica
muacutesica como interferecircncia urbana se traz um grande contingente de pessoas para
uma praccedila puacuteblica e se as oferece experiecircncias que se diferenciam do lugar-comum
estaacute-se recuperando aquela praacutetica de aglutinaccedilatildeo social
Quando o compositor estoniano Arvo Paumlrt (1935) busca sonoridades
medievais e orientais em combinaccedilatildeo com as siacutenteses operadas pelo Minimalismo
para expressar seus valores miacutesticos de caraacuteter ecumecircnico em uma peccedila como
Summa (1977) estaacute retomando a funccedilatildeo congregacional da muacutesica anteriormente
mantida somente no acircmbito dos templos religiosos A muacutesica de Paumlrt eacute tocada tanto
em rituais religiosos como em salas de concerto e em manifestaccedilotildees puacuteblicas ao ar
livre
Outra funccedilatildeo que estaacute sendo redescoberta por muacutesicos eruditos
contemporacircneos eacute a muacutesica de diversatildeo Cabe uma distinccedilatildeo importante entre os
termos lsquodivertirrsquo e lsquodistrairrsquo Divertir na acepccedilatildeo empregada aqui significa lsquoseparar-
se ser diferente divergirrsquo Assim a funccedilatildeo de divertir pode ser compreendida em
um sentido metacriacutetico como divergecircncia em relaccedilatildeo ao estado de coisas
dominante Distrair significa lsquorasgar vender a retalhorsquo tambeacutem pode ser entendido
como lsquodesviar ardilosamente a atenccedilatildeo do adversaacuterio para fazecirc-lo cometer errosrsquo e
nesse sentido o termo pode se adequar agravequelas experiecircncias que conduzem ao
alheamento da proacutepria condiccedilatildeo da condiccedilatildeo do outro e da realidade circundante
Depreendido desse modo surge outra noccedilatildeo do conceito de lsquomuacutesica de diversatildeorsquo
que pode ser tomada como uma nova funcionalidade da muacutesica que se apotildee ao
estado de distraccedilatildeo
Exemplo recente nesse sentido eacute a Revoluccedilatildeo Laranja na Ucracircnia em
2005 em que a populaccedilatildeo das grandes cidades foi agraves ruas vestindo laranja a cor
da oposiccedilatildeo para protestar contra as fraudes eleitorais que mantinham o primeiro-
ministro Viktor Yanukovich no poder Vaacuterios grupos musicais tocando jazz muacutesica
pop muacutesica folcloacuterica ou muacutesica claacutessica se revezavam para manter a praccedila de Kiev
repleta de muacutesica vinte e quatro horas por dia No Brasil atual em novembro de
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2016 um grupo de estudantes permaneceu danccedilando em frente agrave universidade em
Curitiba por um dia inteiro em protesto agrave PEC 24155 Como estavam em uma zona
residencial para natildeo fazer barulho em respeito aos moradores cada um deles
portava seus proacuteprios fones de ouvido e danccedilavam embalados pelas muacutesicas que
lhes agradavam Vaacuterias muacutesicas ao mesmo tempo Cada um na sua Seu slogan
ldquo20 horas em movimento contra 20 anos de congelamentordquo
Post-Scriptum Presumir que os compositores das novas geraccedilotildees
permaneccedilam escrevendo muacutesica da mesma maneira que os muacutesicos de geraccedilotildees
anteriores seria o mesmo que esperar que estes continuassem fazendo muacutesica
como seus antepassados Se forem tomados intervalos de aproximadamente meio
seacuteculo pode-se considerar que pretender que Thomas Adegraves (1971) continue a
escrever muacutesica como Pierre Boulez (1925) seria o mesmo que supor que Boulez
continuaria a pensar muacutesica da mesma forma que Arnold Schoenberg (1874-1951)
que Schoenberg ter-se-ia mantido na mesma linha de investigaccedilatildeo que Anton
Bruckner (1824-1896) que Bruckner natildeo poderia ter concebido muacutesica diferente de
Ludwig van Beethoven (1770-1827) que teria seguido na linha de Niccolograve Piccinini
(1728-1800) o qual permaneceria pensando como Antonio Vivaldi (1678-1741)
Segundo esse raciociacutenio Adegraves apenas escreveria autecircnticos concertos barrocos (o
que eacute uma hipoacutetese no miacutenimo intrigante)
O quadro abaixo sintetiza as principais caracteriacutesticas da muacutesica
contemporacircnea de acordo com as acepccedilotildees discutidas neste ensaio
ACEPCcedilOtildeES REFERENCIAIS ATITUDES PROCEDIMENTOS VALORES RESULTADOS 1 Continuidade da Modernidade
1 Liquidaccedilatildeo dos Sistemas Totalizantes (Modal Tonal Serial)
1 Experimentalismo (expansatildeo das possibilidades teacutecnicas compositivas e instrumentais)
1 Poacutes-Vanguarda 2 Espectralismo 3 Nova Complexidade
1 Arte Especulativa 2 Diversidade Contextual (cada momento no tempo dirige-se a vaacuterios pontos do espaccedilo)
1 Criaccedilatildeo de estruturas inovadoras 2 Espacializaccedilatildeo do tempo 3 Arte poeacutetico-centrada (importa a criaccedilatildeo)
2 Retorno agrave Tradiccedilatildeo
2 Criacutetica ao Historicismo e ao Determinismo
2 Retorno ao passado (alguma eacutepoca em algum
4 Tendecircncias restauradoras (reutilizaccedilatildeo de
3 Apropriaccedilatildeo do Legado
4 Permanecircncia do passado em um presente
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Histoacuterico lugar) processos tradicionais Neomodalismo Neotonalismo etc) 5 Retorno agrave melodia ao contraponto e agrave harmonia
Histoacuterico transformado 5 Evidecircncia de procedimentos eou estilemas oriundos de tradiccedilotildees culturais variadas
3 Superaccedilatildeo do Modernismo
3 Questionamento das vanguardas do Estruturalismo e das tendecircncias formalistas (importam todos os aspectos da produccedilatildeo e recepccedilatildeo artiacutesticas e natildeo apenas seu niacutevel imanente)
3 Novos processos de comunicabilidade
6 Meacutetodos repetitivos (Poacutes-Minimalismo) 7 Nova Simplicidade 8 Apropriaccedilatildeo de Linguagens (folclore popular urbana pop etc)
4Valorizaccedilatildeo do Processo 5 Pluralidade e identidade pulverizada (quebra de conceitos como a unidade estiliacutestica e a distinccedilatildeo de gecircneros)
6 Nova Narratividade 7 Hibridismo Estiliacutestico 8 Arte esteacutesico-centrada (importa a recepccedilatildeo)
4 Traccedilos Gerais
4 Investigaccedilatildeo de toda e qualquer produccedilatildeo musical independente de eacutepoca ou lugar
4 Metacriacutetica como criacutetica ao Criticismo convencional
9 Poliestiliacutestica (citaccedilatildeo alusatildeo colagem) 10 Multiculturalismo (justaposiccedilatildeo e sobreposiccedilatildeo de processos musicais oriundos de diferentes fontes)
6 Valorizaccedilatildeo da Diferenccedila (importam reaccedilotildees peculiares a aspectos especiacuteficos da tradiccedilatildeo e natildeo a lsquoTradiccedilatildeorsquo como lsquoSistemarsquo)
9 Multidirecionalidade na produccedilatildeo e na recepccedilatildeo musicais 10 Novas funcionalidades do fazer musical
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VALLE Lutiere Dalla Provocaccedilotildees (des)continuidades desfechos potecircncia edu(vo)cativa das imagens
fiacutelmicas na formaccedilatildeo docente Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 95-108 juldez 2016
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Provocaccedilotildees (des)continuidades desfechos potecircncia edu(vo)cativa das
imagens fiacutelmicas na formaccedilatildeo docente
Lutiere Dalla Valle1
Universidade Federal de Santa Maria - UFSM
Resumo O objetivo neste texto eacute abordar o cinema enquanto dispositivodisparador para a formaccedilatildeo docente compreendendo-o como artefato produzido pela cultura que produz formas de ver e ser visto Neste iacutenterim subsidiado por experiecircncias de aprendizagem no contexto da formaccedilatildeo docente respaldado pela abordagem narrativa e perspectiva da cultura visual busca-se estabelecer relaccedilotildees entre arte e subjetividade no que tange agraves construccedilotildees sociais histoacutericasculturais e ideoloacutegicas presentes nas visualidades veiculadas pela cinematografia Para tanto explora-se o conceito edu(vo)cativo atribuiacutedo ao cinema que compreende os aspectos educativo evocativo e cativo que envolvem a aprendizagem mediada pelas visualidades Palavras-chave Potecircncia Edu(vo)cativa cinema formaccedilatildeo docente Abstract The objective of this text is to approach the film as device for teacher training understanding it as an artifact produced by the culture that produces ways of seeing and being seen In the interim subsidized by learning experiences in the context of teacher training supported by the narrative approach and perspective of visual culture we seek to establish relationships between art and subjectivity in relation to social historical cultural and ideological constructions present in visualities conveyed by cinematography So it explores the concept edu(vo)cational attributed to the film comprising the educational evocative and captive aspects involving learning mediated visualities Key-words Edu(vo)cational power movies images teacher training
1 Doutor em Artes Visuais e Educaccedilatildeo (Universidad de BarcelonaES 2012) Mestre em Educacioacuten y Artes Visuales un Enfoque Construccionista (Universitat de Barcelona EspanhaUB 2009) Mestre em Educaccedilatildeo pela Universidade Federal de Santa Maria (CEPPGEUFSM2008) Linha de Pesquisa Educaccedilatildeo e Artes Possui Especializaccedilatildeo em Arte e Visualidade pela Universidade Federal de Santa Maria (2005) Licenciatura Plena em Desenho e Plaacutestica (Universidade Federal de Santa Maria2003) Bacharelado em Desenho e Plaacutestica (Universidade Federal de Santa Maria2002) Atualmente atua como Coordenador do Curso de Artes Visuais - Licenciatura e Bacharelado DAVCALUFSM professor adjunto no Departamento de Artes Visuais CALUFSM tambeacutem no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Artes VisuaisPPGART - Linha de Pesquisa Arte e Cultura e nos Cursos de Graduaccedilatildeo Bacharelado e Licenciatura em Artes Visuais Co-orienta no Doutorado em Educaccedilatildeo Linha de Educaccedilatildeo e Artes do CEUFSM Investiga as relaccedilotildees entre Artes Visuais e Cultura Visual relacionado agrave formaccedilatildeo de artistas e professores de artes visuais Tem experiecircncia na aacuterea de artes visuais com ecircnfase em entornos educativos LiacutederCoordenador dos seguintes Grupos de Pesquisa e Extensatildeo Grupo de Estudos e Pesquisas Artes Visuais e IMediaccedilotildees (AVICALUFSM) Nuacutecleo Educativo Claacuteudio Carriconde (NECCA CALUFSM) Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte e Medicina (GEPAMCALUFSM) Grupo de Estudos Cinema e Educaccedilatildeo (GECED) Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte Contemporacircnea e Educaccedilatildeo da Cultura Visual Pegadogias Culturais na alfabetizaccedilatildeo infantil Rota das Esculturas e Pintura Mural no Campus (DAVUFSM) Membro pesquisador do GEPAEC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte Educaccedilatildeo e Cultura UFSM Linhas de Interesse e Investigaccedilatildeo Formaccedilatildeo de Professores Estudos da Cultura Visual Estudos sobre Cinema e Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo de Artistas Agentes Culturais e Processos de Mediaccedilatildeo em Espaccedilos Expositivos Formais e Natildeo-Formais Contato lutieredallavallenetbr
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VALLE Lutiere Dalla Provocaccedilotildees (des)continuidades desfechos potecircncia edu(vo)cativa das imagens
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Introduccedilatildeo
Os seres humanos natildeo terminam em sua proacutepria pele satildeo expressatildeo da cultura Considerar o mundo como um fluxo indiferente da informaccedilatildeo que eacute processada pelos indiviacuteduos cada um atuando agrave sua maneira supotildee perder
de vista como se formam os indiviacuteduos e como funcionam Ou para citar novamente Geertz lsquonatildeo existe uma natureza humana independente da
culturarsquo (BRUNER 1991 28)
Diaacutelogos entre cinema e educaccedilatildeo tecircm sido recorrentes em nossos contextos
educativos O uso do cinema como um ponto de partida para desenvolver projetos
educativos - sobretudo nos uacuteltimos dez anos no contexto nacional - tem assinalado
variadas experimentaccedilotildees publicaccedilotildees a partir de agrupamentos de textos
produzidos em grupos de pesquisa ensaios atravessamentos diversos em que o
cinema constitui-se fio condutor eou mote reflexivo para desencadear escritas
narrativas dissertaccedilotildees e teses de doutorado em Educaccedilatildeo e aacutereas afins Talvez
resultado do vasto processo de contaminaccedilatildeo eou proliferaccedilatildeo de imagens oriundas
das mais diversas fontes que suscitam possibilidades educativas e favorecem
experiecircncias de aprendizagens significativas mediadas por pedagogias culturais
articulando desta maneira tentativas curiosas em abordar a cinematografia a partir
de acircngulos e enquadramentos diversos em que satildeo apresentadas distintas formas
de ver e ser visto pelas visualidades
Haacute experimentaccedilotildees que apostam em praacuteticas educativas embasadas pela
criacutetica pela produccedilatildeo criativa e emancipatoacuteria transitando entre campos que
articulam conceitos e contextos plurais de produccedilatildeo de significados Por outro lado
eacute recorrente tambeacutem a tentativa de pedagogizar o cinema seguindo um receituaacuterio
de como fazer como ver e o que ver nos filmes
Diante destas consideraccedilotildees adianto que neste texto proponho pensar e
articular o cinema de modo relacional afetivo muacuteltiplo em devir algo que natildeo estaacute
pronto onde existem infinitas probabilidades de aproximaccedilatildeo e diaacutelogo
configurando-se tambeacutem como dispositivo edu(vo)cativo ponto de partida um
comeccedilo isento da intenccedilatildeo de prescrever um meacutetodo a ser implementado
Igualmente refletir sobre o que podemos aprender coma partir das imagens
produzidas pelo cinema e como as experiecircncias de aprender podem ser
potencializadas a partir dos filmes isto eacute investigar como o cinema pode configurar-
se edu(vo)cativo na formaccedilatildeo docente
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A Potecircncia Edu(vo)cativa das imagens fiacutelmicas
Toda voz individual como nos mostra Bajtin estaacute abstraiacuteda de um diaacutelogo
(BRUNER 1991 14)
Edu(vo)cativo origina-se da junccedilatildeo de trecircs palavras educativo evocativo
cativo2 eacute desta forma que nos aproximamos do cinema na busca por propor uma
justaposiccedilatildeo com a imagem fiacutelmica em que sejam articuladas as relaccedilotildees de
aprendizagem potencializadas a partir de sua visualizaccedilatildeo Igualmente tendo em
vista que as imagens em movimento carregam particularidades especiacuteficas de sua
natureza visualafetiva a ideia eacute pensar que o cinema natildeo poderia ser conjecturado
dentro de uma uacutenica estrutura linguiacutestica agrave qual nos vinculamos em nossos
contextos culturais geograacuteficos e temporais pois amplia os campos da percepccedilatildeo
abrindo-se mais para a experimentaccedilatildeo subjetiva do que a uma compreensatildeo
formal de significaccedilatildeo previamente apreendida Da mesma forma discursivamente
constitui-se potecircncia simboacutelica recheada de elementos oriundos de imaginaacuterios
coletivos nos quais ancoramos nossas percepccedilotildees mais iacutentimas assim como os
imaginaacuterios produzidos pelas culturas
Neste contexto entendemos o cinema como artefato educativo pois nos
ensina modos de ver e sermos vistos de ser e estar envolvendo tudo o que
potencializa visotildees de mundo de construccedilatildeo e legitimaccedilatildeo de concepccedilotildees de
mundo eacute tambeacutem evocativo pois diz respeito agraves percepccedilotildees que envolvem a
memoacuteria agravequilo que permanece como referencial anterior e que em relaccedilatildeo com as
novas conexotildees pode reconfigurar-se estabelecer novasoutras conexotildees
2 O Conceito Edu(vo)cativo vem sendo pensado no Grupo de Estudos e Pesquisas Cinema e Educaccedilatildeo (GECEDCNPq) O GECED configura-se a partir do cinema como mobilizador de aprendizagens em variados acircmbitos e contextos educativos formais e natildeo formais de ensino onde cada membro propotildee um enfoque particular em relaccedilatildeo ao cinema e um enfoque de pesquisa Desta forma haacute pesquisas que relacionam diferentes abordagens tais como cinema e gecircnero cinema e subjetividade cinema e infacircncia cinema e educaccedilatildeo cinema e formaccedilatildeo docente O marco teoacuterico-metodoloacutegico respalda-se pela perspectiva educativa da cultura visual e pedagogias culturais amparado por autores como Fernando Hernaacutendez Nicholas Mirzoef David Darts Raimundo Martins Irene Tourinho acerca dos Modos de Endereccedilamento com a obra de Elizabeth Ellsworth acerca do cinema e educaccedilatildeo Adriana Fresquet dentre outros No que diz respeito agraves construccedilotildees sociaisculturais e ideoloacutegicas bem como satildeo produzidos os significados Jerome Bruner e Kenneth Gergen consistem nas principais referecircncias
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produzindo outras vias traz agrave tona movimenta do interno para o externo emerge
faz surgir E por fim o termo cativo busca estabelecer relaccedilotildees com aquilo que
seduz que aprisiona que deteacutem atenccedilatildeo que afeta que domina um filme natildeo
apenas mobiliza mas evoca potencializa educa constroacutei legitima instrui
Pensando o cinema a partir da conjunccedilatildeo leacutexica proposta agrave luz da
perspectiva educativa dos estudos da cultura visual podemos dizer que este
mobiliza formas de compreensatildeo que talvez natildeo sejam possiacuteveis de outra ordem
Os atravessamentos que o cinema estabelece com espectadores envolve
conhecimento da linguagem mobilizaccedilatildeo de conceitos e imagens previamente
apreendidas configurando-se no plano sensorial sonoro visual da accedilatildeo que
materializa-se em seu tempo de visualizaccedilatildeo a partir de um entre e sucessivos
momentos Nas palavras de Adriana Fresquet
[] de fato o cinema nos oferece uma janela pela qual podemos nos assomar ao mundo para ver o que estaacute laacute fora distante no espaccedilo ou no tempo para ver o que natildeo conseguimos ver com nossos proacuteprios olhos de modo direto Ao mesmo tempo essa janela vira espelho e nos permite fazer longas viagens para o interior tatildeo ou mais distante de nosso conhecimento imediato e possiacutevel (2013 p 19)
Para Fresquet ldquoa tela de cinema (ou do visor da cacircmera) se instaura como
uma nova forma de membrana para permear um outro modo de comunicaccedilatildeo com o
outrordquo (2013 p 19) Ou seja os sistemas de representaccedilatildeo criados e veiculados
pelas produccedilotildees cinematograacuteficas ativam e potencializam imaginaacuterios ao dar forma
agravequilo que antes de se tornar visualmente comumcotidiano era apenas mundo das
ideias A partir do cinema o imaginaacuterio visual ganhou forma ritmo movimento e voz
As visualidades adquiriram o status de imagempensamento tendo em vista que
articulam em noacutes uma multiplicidade de relaccedilotildees construccedilotildees definiccedilotildees e
conceitos que soacute satildeo possiacuteveis atraveacutes daquilo que os olhos captam e formulam
mentalmente
Quando vemos uma imagem objeto ou artefato recorremos agraves informaccedilotildees gerais eou ao conhecimento especiacutefico que possuiacutemos Recorremos a haacutebitos valores referecircncias e contexto para dar sentidosignificado ao que vemos Cada indiviacuteduo utiliza suas informaccedilotildees conhecimento haacutebitos e referecircncias para estruturar e dar sentido agraves coisas que visualiza valorizando-as diferentemente negociando seus significados de acordo com o contexto sua trajetoacuteria cultural e seus interesses (MARTINS TOURINHO 2011 p 54-55)
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No contexto educativo torna-se edu(vo)cativo uma vez que haacute uma
multiplicidade de caminhos de natureza relacional os quais mobilizamos durante um
processo interpretativo ndash seja ele no campo da arte ou da educaccedilatildeo da ciecircncia ou
da sociologia Portanto aprender com a partir do cinema implica abandonar a ideia
de um uacutenico caminho a ser seguido de forma riacutegida pois sugere estabelecer
relaccedilotildees Diante de infinitas possibilidades de abordagem ndash principalmente tendo em
vista a presenccedila constante de representaccedilotildees visuais oriundas de diversas fontes ndash
o desafio de fugir das concepccedilotildees estereotipadas de uso do cinema em sala de aula
propunha reinventaacute-las atraveacutes de praacuteticas investigativas experimentais movediccedilas
questionadoras comeccedilando pelo exerciacutecio de reconhecer a potencialidade
narrativaevocativa dos filmes O que pode um filme Como abordaacute-lo enquanto
potecircncia agrave aprendizagem
Neste iacutenterim noccedilotildees de identidade e subjetividade examinadas (re)vistas
compreendidas e articuladas a partir da perspectiva educativa da cultura visual nos
oferecem pistas e tambeacutem evidecircncias para interrogarmos a sua construccedilatildeo e
tambeacutem os estereoacutetipos que contribuem para definir condutas delinear posiccedilotildees
hieraacuterquicas e legitimar papeacuteis sociais sobretudo no que tange agrave construccedilatildeo da
docecircncia O olhar produzido pela cinematografia hollywoodiana ndash de maior difusatildeo
em nossa cultura ndash que se constitui forte veiacuteculo de construccedilatildeo e produccedilatildeo de
identidades (natildeo apenas as identidades docentes) revisitado pode desencadear
processos de questionamento e reelaboraccedilatildeo pois como argumenta Fernando
Hernaacutendez
Os estudos da Cultura Visual nos permitem a aproximaccedilatildeo com essas novas realidades a partir de uma perspectiva de reconstruccedilatildeo das proacuteprias referecircncias culturais e das maneiras de as crianccedilas jovens famiacutelias e educadores olharem (-se) e serem olhados Reconstruccedilatildeo natildeo somente de caraacuteter histoacuterico mas a partir do momento presente mediante o trabalho de campo ou a anaacutelise e a criaccedilatildeo de textos e imagens Reconstruccedilatildeo que daacute ecircnfase agrave funccedilatildeo mediadora das subjetividades e das relaccedilotildees agraves formas de representaccedilatildeo e agrave produccedilatildeo de novos saberes acerca destas realidades (HERNAacuteNDEZ 2007 37)
Tomando como ponto de partida o argumento do autor em favor da
perspectiva educativa da cultura visual as produccedilotildees fiacutelmicas nos conferem uacutenicas
ou infinitas visotildees de mundo de ser de estar e atuar nas mais variadas situaccedilotildees
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cotidianas Natildeo apenas aprendemos a olhar e compreender as narrativas visuais
desde a infacircncia mas tambeacutem nossas formas de ver passam a ser articuladas a
partir do lugar que ocupamos ndash social cultural histoacuterico Natildeo apenas visualizamos
uma narrativa decodificando a sequecircncia de imagens mas reconstruiacutemos e
recontamos internamente a partir daquilo que compreendemos da visualidade
daquilo que apreendemos Portanto enquanto dispositivo do olhar o cinema pode
contribuir para desvelar imagens assim como pensar sobre quequais lugares
ocupam dentro dos imaginaacuterios coletivos e quais satildeo as possibilidades de
transgredi-los em favor de articulaccedilotildees mais subjetivas autorais e inclusivas
Problematizar o cinema (no sentido de pensar o que evocaprovocamobiliza)
sugere praacuteticas de desnaturalizaccedilatildeo do olhar e especial atenccedilatildeo agraves contingecircncias
que delineiam nossas relaccedilotildees com o mundo nossas experiecircncias cotidianas Em
decorrecircncia podemos nutrir-nos de estrateacutegias criacuteticas para questionar padrotildees
desmontar estruturas hegemocircnicas discursos riacutegidos e propor fissuras brechas em
que nossa subjetividade seja potencializada Partindo da concepccedilatildeo de que noccedilotildees
de verdade e realidade igualmente correspondem a construccedilotildees sociais culturais e
histoacutericas podemos permitir-nos distanciarmo-nos desprendermo-nos de
concepccedilotildees alicerccediladas em padrotildees e posicionamentos fechados e inflexiacuteveis Esse
distanciamento nos permite repensar o que eacute normativo a fim de examinar de onde
surgiu e como a essa normatividade natildeo corresponde uma uacutenica verdade mas uma
referecircncia datada localizada e impregnada de ideologias
Examinar a docecircncia agrave luz do que dizem suas representaccedilotildees no cinema
colocam frente a frente as distintas versotildees que nos satildeo oferecidas enquanto papeacuteis
sociais eacute recorrente a figura docente caricaturada atraveacutes de modelos messiacircnicos
assistencialistas e transformadores dispostos a abrir matildeo de suas expectativas de
vida para solucionar os mais variados problemas de seus alunos Poucas satildeo as
narrativas que evidenciam uma docecircncia fragilizada hostil e afetiva ou ainda como
profissatildeo3
3 No livro Pedagogias Culturais organizado por Raimundo Martins e Irene Tourinho (Editora da UFSM 2014)
discuto esta questatildeo no texto ldquoAprendendo a ser docente atraveacutes de filmes possiacuteveis tracircnsitos entre cinema e educaccedilatildeordquo (p 141-164) Neste faccedilo referecircncia a uma seacuterie de tiacutetulos de filmes que tecircm como tema
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O cinema como ponto de partida na formaccedilatildeo docente
Tomar a perspectiva educativa da cultura visual como ancoradouro nos
favorece interrogar as elaboraccedilotildees discursivas que envolvem a construccedilatildeo do olhar
e tambeacutem os estereoacutetipos que contribuem para definir condutas delinear posiccedilotildees
hieraacuterquicas e legitimar papeacuteis sociais Sobretudo o olhar produzido pela
cinematografia hollywoodiana ndash de maior difusatildeo em nossa cultura ndash que se constitui
forte veiacuteculo de construccedilatildeo e produccedilatildeo de identidades
Acredita-se que cada espectador aporte sua proacutepria experiecircncia histoacuteria e
identidade agrave compreensatildeo de um texto fiacutelmico Contudo eacute possiacutevel que as
narrativas visuais privilegiem certas posiccedilotildees - mesmo que haja certa autonomia
para colocar interpretaccedilotildees personalizadas - pois estas interpretaccedilotildees se
encontraratildeo afetadas pelos limites impostos pelo enquadramento pela delimitaccedilatildeo
de algueacutem sobre o que tornar visiacutevel e o que deixar fora
As interpelaccedilotildees entre narrativas visuais textos discursivos e processos
cognitivos satildeo aspectos importantes que merecem ser discutidos sob a luz da
ideologia presente nos roteiros uma vez que problematizaacute-los pode configurar-se
como ferramenta pedagoacutegica para pensar a complexidade das concepccedilotildees que
elaboramos a partir do que visualizamos
Quando as imagens fiacutelmicas se convertem em aparatos de propulsatildeo para
desencadear aspectos problematizadores no campo social a respeito de questotildees
de gecircnero credo liberdade respeito cidadania e educaccedilatildeo as narrativas fiacutelmicas
funcionam como dispositivos possibilitando que os estudantes exercitem a
experiecircncia da indagaccedilatildeo
Ao examinar as relaccedilotildees dos sujeitos envolvidos com experiecircncias de
visualizaccedilatildeo de filmes durante o desenvolvimento de disciplinas na universidade no
curso de Licenciatura em Artes Visuais - seus diaacutelogos interpretaccedilotildees e
reconstruccedilotildees - percebeu-se que a negociaccedilatildeo eacute fundamental para desenvolver e
estimular a construccedilatildeo do conhecimento a partir de uma abordagem educativa
poliacutetica criacutetica que potencialize o caraacuteter subjetivo e colaborativo comentre os
professores com maior difusatildeo em contextos educativos formais tencionando a partir de algumas experiecircncias durante a formaccedilatildeo inicial e continuada de professores
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sujeitos Diante da experiecircncia de aprender coma partir do cinema estamos lidando
com imprevisibilidades incongruecircncias insatisfaccedilatildeo e a constante possibilidade de
revermos nossas concepccedilotildees e demais processos constitutivos O ambiente
educativo pode configurar-se como lugar de tensionamentos de imagens que
afetam e reverberam conexotildees inventivas que articulam distintos saberes
A partir das consideraccedilotildees elaboradas juntamente com os sujeitos em
formaccedilatildeo podemos pensar o cinema como dispositivo que produz e faz circular
modos de ver ser relacionar e pensar os diversos coacutedigos culturais com os quais
dialogamos diariamente Contribui tambeacutem para refletirmos sobre a construccedilatildeo de
imaginaacuterios e do mesmo modo para advertir-nos sugerir eou alertar-nos frente agraves
incertezas que configuram nossos dilemas existenciais que encontram sua potecircncia
nas relaccedilotildees que estabelecemos diariamente
Neste iacutenterim as produccedilotildees cinematograacuteficas -- enquanto artefatos
produzidos pelas distintas culturas inseridos e veiculados por determinados
discursos e ideaacuterios de acordo com as contingecircncias vigentes de seu tempo --
possibilitam noccedilotildees de realidade pois refletem questotildees sociais que permeiam seu
tempo Sob este aspecto Raimundo Martins argumenta
A ilusatildeo de realidade de que se valem as obras fotograacuteficas e sobretudo as cinematograacuteficas brinca com a percepccedilatildeo da plateacuteia Assim raramente eacute levado em consideraccedilatildeo o fato de que em uacuteltima instacircncia toda imagem constitui um conjunto de pontos de vista que decorrem de certos modos de interpretaccedilatildeo da realidade recortes que enfatizam determinadas informaccedilotildees em detrimento de outras o que vemos ao contemplar as imagens teacutecnicas natildeo eacute o mundo mas determinados conceitos relativos ao mundo a despeito da automaticidade da impressatildeo do mundo sobre a superfiacutecie da imagem (MARTINS 2007 115-116)
Ao mobilizar o campo da afetividade por meio da narrativa que nos eacute contada
bem como a proximidade com os personagens envolvidos haacute quase sempre uma
conexatildeo imediata (em maior ou menor grau) o que coloca os espectadores em
situaccedilatildeo de igualdade de relaccedilatildeo iacutentima Inscrevemos nossas proacuteprias relaccedilotildees com
a vida plasmada na tela e estabelecemos algumas relaccedilotildees ao reviver nossas
proacuteprias experiecircncias ou ainda projetarmos sonhos desejos medos aventuras
imaginaacuterias
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Neste vieacutes afetivo haacute ilimitadas interlocuccedilotildees com o cinema o que talvez
configure nossa questatildeo principal Como pensarpropor o cinema edu(vo)cativo no
contexto da formaccedilatildeo docente E aleacutem desta Qual a relevacircncia desta articulaccedilatildeo
durante a formaccedilatildeo docente
De modo geral como jaacute foi mencionado experiecircncias de aprender com o
cinema na escola privilegiam a vontade do professorprofessora em dar continuidade
a um determinado conteuacutedo e o filme parece ser uma opccedilatildeo ilustrativa de
determinado fenocircmeno eou fato a ser apreendido Natildeo que esta abordagem natildeo
seja relevante ao contraacuterio pode ser um bom argumento O problema eacute quando
restringe-se apenas agrave ilustraccedilatildeo natildeo abrindo espaccedilos ao que reverbera a
visualizaccedilatildeo de um filme Ou ainda quando natildeo se problematizam as visotildees de
realidade representadas na tela ndash no que diz respeito aos enquadramentos
discursos e demais significados que satildeo relacionados muitas vezes de maneira
impliacutecita
Nessa direccedilatildeo a educaccedilatildeo da cultura visual eacute aberta a novas e diversas formas de conhecimentos promove o entendimento de meios de opressatildeo dissimulada rejeita a cultura do Positivismo aceita a ideia de que os fatos e os valores satildeo indivisiacuteveis e sobretudo admite que o conhecimento eacute socialmente construiacutedo e relacionado intrinsecamente ao poder (DIAS 2011 62)
Talvez o questionamento pontuado por Belidson Dias adquira maior potecircncia
ao trazer para a discussatildeo a recente lei que torna obrigatoacuteria a exibiccedilatildeo de pelo
menos duas horas de filmes produzidos nacionalmente nas escolas de Educaccedilatildeo
Baacutesica Aiacute reside uma de nossas grandes preocupaccedilotildees
Que filmes Que formas de exibiccedilatildeo Que engajamento dos professores e da comunidade Que formas de acesso agraves obras Como regulamentar a Lei Haacute filmes com tecnologias assistivas que permitam sua aces- sibilidade a professores e estudantes cegos e surdos Como engajar outros atores ndash Ancine Secretaria do Audiovisual secretarias de educaccedilatildeo MEC Quem custearaacute as accedilotildees E sobretudo o que esperar dessa relaccedilatildeo do cinema com a educaccedilatildeo (FRESQUET MIGLIORIN 2015 4)
Aleacutem disso quais aacutereas Quais docentes Que preparaccedilatildeo preacutevia O que
precisa saberconhecer o docente que iraacute abordar o cinema enquanto dispositivo
Haacute que ensinar coacutedigos da linguagem E no que tange agrave visualidade o que propor
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Seria da competecircncia da aacuterea das artes visuais Propor pensar sobre os elementos
esteacuteticos Etc
Neste cenaacuterio abrem-se muitos debates em torno desta obrigatoriedade por
um lado esta regulamentaccedilatildeo faz com que o cinema deixe de participar apenas
como complemento ilustraccedilatildeo como decorativorecreativo tornando-se objeto
principal ponto de partida agrave reflexatildeo em torno dos coacutedigos culturais que o formulam
legitimam e distribuem noccedilotildees de realidade Por outro proposiccedilotildees prescritivas
destituiacutedas de negociaccedilatildeo coletiva -- que desconsidera o cinema enquanto obra
aberta -- podem desencadear versotildees estereotipadas que devido agrave obrigatoriedade
venham a ser desenvolvidas por profissionais despreparados dispostos a cumprir
tarefas apenas
Ao discutir a lei Adriana Fresquet e Cezar Migliorin sugerem alguns princiacutepios
que poderiam ser levados em consideraccedilatildeo diante das aproximaccedilotildees com a
educaccedilatildeo Para os autores ao tomar a lei como ponto de partida deveriacuteamos ter em
mente estas dez consideraccedilotildees
1 Democratizar o acesso 2 Acesso diversidade e capilaridade de decisotildees 3 Valorizar as accedilotildees existentes e locais 4 O cinema deve ser arriscado 5 Cinema eacute conhecimento e invenccedilatildeo de mundo 6 A escola natildeo forma consumidores 7 Tensatildeo na estrutura das escolas 8 Por que cinema brasileiro 9 Promover a criaccedilatildeo com imagens 10 A experiecircncia com o cinema (FRESQUET MIGLIORIN 2015 6-17)
Diante destes aspectos expostos talvez fosse interessante retomarmos o
conceito de ldquodesaprenderreaprenderrdquo proposto por Adriana Fresquet (2007) no livro
ldquoImagens do Desaprender uma experiecircncia de aprender com o cinemardquo em que
narra a seguinte relaccedilatildeo
Desaprender eacute algo mais que aprender coisas opostas sobre um mesmo tema assunto valor questatildeo da vida Desaprender pode ateacute indicar erradamente a ideacuteia de esquecer o aprendido Poreacutem o seu significado e intenccedilatildeo eacute exatamente o contraacuterio Tal eacute a forccedila da irreversibilidade da aprendizagem que desaprender significa fundamentalmente lsquolembrarrsquo as coisas aprendidas que querem ser desaprendidas Desaprender eacute aprender a natildeo querecirc-las mais para si a natildeo outorgar mais o estatuto de verdade de sentido ou de interesse Verdade aprendida com outros desde sempre adquire valor de inquestionaacutevel Desaprender eacute animar-se a questionar tais verdades Desaprender eacute tambeacutem fazer o esforccedilo de conscientizar todo o vivido na contramatildeo evocando o impacto histoacuterico e emocional que teve aquela aprendizagem que hoje deseja ser modificada (FRESQUET 2007 49)
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Portanto as muacuteltiplas relaccedilotildees promovidas pelas narrativas fiacutelmicas nos
fazem pensar em diversas maneiras de abordar a visualidade comeccedilando pelo
acircmbito da sensibilidade da emoccedilatildeo do afeto ateacute avanccedilarmos pelo terreno da
pedagogia onde nos encontramos com a relaccedilatildeo ensinaraprender Partimos do
princiacutepio de que o cinema se inscreve em uma temporalidade compreensiacutevel a
praticamente todos os puacuteblicos ao representar as diversas etapas do
desenvolvimento humano as descobertas infantis a adolescecircncia e a juventude a
maturidade e a velhice nas suas mais variadas manifestaccedilotildees e a utilizarmos como
ponto de partida para comeccedilar nossa viagem Durante o percurso eacute possiacutevel
visualizar terrenos feacuterteis e tambeacutem arenosos lugares remotos de nossa memoacuteria e
outros recocircncavos repletos de figuras miacuteticas fantasmagorias e possibilidades
Estes dispositivos desestabilizam e mobilizam outras aprendizagens
promovem crises que geram avanccedilos instigam a pensar alternativas Satildeo forccedilas
que produzem o deslocamento e a descoberta de outras dimensotildees de outras
linhas de pensamento Incitam tambeacutem a adotar uma postura criacutetica impulsionada
pelo desejo de criar espaccedilos e alternativas para aprender sobre o mundo a partir do
diaacutelogo com o outro a reconhecer-se pelas diferenccedilas a pensar o ambiente de
formaccedilatildeo inicial e continuada da docecircncia como exerciacutecio do olhar criacutetico e
mobilizador
Sobre o cinema e suas provocaccedilotildees um desfecho provisoacuterio
Referecircncia na moda no comportamento na muacutesica e nos mais variados
acircmbitos das experiecircncias humanas o cinema configura-se como fenocircmeno cultural
de grande impacto na configuraccedilatildeo de imaginaacuterios desde a infacircncia Desde muito
cedo somos introduzidos agrave loacutegica narrativa sequencial que apresenta muitas
realidades Eacute recorrente em nossa contemporaneidade nos depararmos com
personagens criados pelo cinema em acessoacuterios utensiacutelios domeacutesticos adereccedilos
materiais pedagoacutegicos brinquedos etc propagando uma legiatildeo de muitos heroacuteis (e
rariacutessimas heroiacutenas) que inevitavelmente invadem a escola reproduzindo-se nas
canccedilotildees brincadeiras corporeidades comportamentos Diante destes contextos
Como a docecircncia articula estas experiecircncias visuais enquanto mote inicial a ser
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VALLE Lutiere Dalla Provocaccedilotildees (des)continuidades desfechos potecircncia edu(vo)cativa das imagens
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esmiuccedilado Que relaccedilotildees com as imagens fiacutelmicas osas docentes tecircm
apreendidas Como satildeo seus enfrentamentos relaccedilotildees com o cinema
Talvez seja relevante pensarmos alternativas nas quais estudos sobre cinema
e educaccedilatildeo possam estar presentes durante a formaccedilatildeo inicial e continuada da
docecircncia para propor relaccedilotildees de aprendizagem a partir da imprevisibilidade seu
papel e sua utilizaccedilatildeo dentro dos ambientes de aprendizagem tendo como premissa
natildeo cairmos na tentativa de pedagogizaacute-lo ou tornaacute-lo mais um instrumento fechado
ou previsiacutevel mas de tomaacute-lo como obra aberta ndash a partir da concepccedilatildeo do rizoma ndash
para tomar vias distintas Bricolar propor conexotildees com outras narrativas abordaacute-lo
sem tentar traduzir o que eacute essencialmente percepccedilatildeo visualsensorialemocional e
que obviamente requer outro tipo de relaccedilatildeo outros coacutedigos outras loacutegicas
Para finalizar estaacute escrita retomo os vocaacutebulos que a iniciam provocaccedilotildees
descontinuidades desfechos com o intuito de sinalizar como poderiam operar no
campo educativo ndash ao menos como pretendo que sejam pensados aqui
O cinema enquanto provocador que desafia incita o questionamento retira
da calmaria e lanccedila na tempestade desacomoda instiga o pensamento retira do
lugar comum causa desconforto Neste contexto por significados que possam ser
revistosrevisados reconceituados Imaginaacuterios produzidos pela cinematografia
dominante (em nossos contextos) possam ser repensados ou em alguns casos
como argumenta Adriana Fresquet desaprendidos e reaprendidos a partir de outras
loacutegicasrelaccedilotildees
(Des)continuidade tem duplo sentido no cinema a ideia de movimento se daacute
pela sequecircncia contiacutenua de imagens trabalha-se com a continuidade de um roteiro
Uma descontinuidade seria uma ruptura da continuidade da linearidade Poderia ir
na contramatildeo a contrapelo Caracteriza-se como uma interrupccedilatildeo A continuidade
no cinema busca uma coerecircncia loacutegica que envolve sonoridade e fluxo visual na
sucessatildeo de imagens o que pode envolver cortes durante uma montagem pois
cabe ao continuiacutesta manter a conexatildeo desejada pelo roteiro entre as cenas
concedendo entendimento agrave narrativa que estaacute sendo contada Juntamente com o
diretor ou diretora de um filme colabora com todas as demais especificidades
teacutecnicas que participam da histoacuteria a ser contada dos enquadramentos aos
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cenaacuterios objetos de cena etc Entatildeo O que seria umuma (Des)Continuiacutesta em
educaccedilatildeo
Talvez aqueleaquela que ocupa-se da provocaccedilatildeo que incita o jogo que
lanccedila convites que desafia Sabemos que a escola nos moldes atuais natildeo
configura-se uacutenica fonte de saberes mas espaccedilo de diaacutelogo de negociaccedilatildeo
formulaccedilatildeo
Desfecho do ponto de vista literaacuterio diz respeito agrave finalizaccedilatildeo ao desenlace
de uma tramanarrativa Pode ser entendido tambeacutem como local de chegada depois
de alguns trechos percorridos Neste texto desfecho pode ser concebido tambeacutem
como siacutentese do processo desenvolvido poreacutem aberto ainda no ato de acontecer
Entendo desfechos como provisoacuterios embora pareccedila relevante percebermos
processos de soluccedilotildees de problemas pontos que podem ser destacados ao teacutermino
de uma jornada de uma investida uma aposta Acredito que desfechos satildeo
importantes pois impelem a retomar a jornada examinar o percurso movimentar-se
em temporalidades diversas para compreender como se articula o momento
presente Transformando-o em verbo desfecho - desfechar - poderia ser des-fechar
tornaacute-lo em aberto apesar de haver jaacute percorrido uma trajetoacuteria examina-se o
recorrido poreacutem servindo como propulsor a dar segmento a tomar novas
experiecircncias seguir aprendendo des-fechando processos educativos
Referecircncias
BRUNER Jerome Actos de significado maacutes allaacute de la revolucioacuten cognitiva Madrid Alianza Editorial 1991 DIAS Belidson O imundo da cultura visual Brasiacutelia Editora da poacutes-graduaccedilatildeo em arte da Universidade de Brasiacutelia 2011 ELLSWORTH Elizabeth Posiciones en la ensentildeanza diferencia pedagogiacutea y el poder de la direccionalidad Madrid Akal 2005 FRESQUET Adriana Cinema e educaccedilatildeo reflexotildees e experiecircncias com professores e estudantes de educaccedilatildeo baacutesica dentro e ldquoforardquo da escola Belo Horizonte Autecircntica 2013
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FRESQUET Adriana Imagens do desaprender uma experiecircncia de aprender com o cinema Rio de Janeiro UFRJ 2007 FRESQUET Adriana MIGLIORIN Cezar Da obrigatoriedade do cinema na escola notas para uma reflexatildeo sobre a lei 1300614 In FRESQUET Adriana (Org) Cinema e Educaccedilatildeo a lei 13006 Reflexotildees perspectivas e propostas Belo Horizonte Universo Produccedilatildeo 2015 HERNAacuteNDEZ Fernando Catadores da Cultura Visual uma proposta para uma nova narrativa educacional Porto Alegre Mediaccedilatildeo 2007 MARTINS Alice Faacutetima Imagens do cinema cultura contemporacircnea e o ensino de artes visuais In OLIVEIRA M O de (Ed) Arte educaccedilatildeo e cultura Santa Maria Ed da UFSM 111-130 2007 MARTINS Raimundo TOURINHO Irene (Org) Circunstacircncias e ingerecircncias da cultura visual In MARTINS R y TOURINHO I (Eds) Educaccedilatildeo da cultura visual conceitos e contextos Santa Maria Ed da UFSM (paacuteg 51-68) 2011
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PerformanceS1
Fernando Pinheiro Villar 2 Universidade de Brasiacutelia - UnB
Aproximando-se do primeiro ano apoacutes 11 de setembro continuamos sem saber
o que sabemos e o que natildeo sabemos sobre a destruiccedilatildeo dos preacutedios do World Trade
Center em Nova York O que podemos ter certeza eacute que antes da queda das torres
gecircmeas jaacute viviacuteamos crises aceleradas empor nossa supermodernidade crise de
certezas crise social crise de conceitos crise de significados Realidades que se
transformam continuamente demandam novos conceitos e revisatildeo constante de
conceitos existentes para negociar com as novas praacuteticas artiacutesticas teorias famiacutelias
trabalho sexualidades etnias ensino e meacutetodos
Performance eacute apontada como um conceito chave em estudos culturais
contemporacircneos Este artigo aborda performances artiacutesticas Enfatizo o lsquoartiacutesticasrsquo
como necessaacuterio recorte e por minha experiecircncia praacutetica Mas este recorte natildeo evita a
interferecircncia de outros significados nem indica um terreno mais tranquilo para
taxonomias
No meio de uma semana de debates sobre lsquoperformancersquo na Universidade de
Brasiacutelia em maio de 2002 um estudante disse que parecia lsquohaver uma certa
glamourizaccedilatildeo da duacutevida ou da dificuldade de definir performancersquo3 Mais preocupante eacute
a banalizaccedilatildeo da duacutevida em torno da amplitude do conceito gecircnero artiacutestico objeto de
estudo eou metodologia de criacutetica e pesquisa que performance pode significar Este
1 Publicado em CARREIRA Andreacute VILLAR Fernando Pinheiro GRAMMONT Guiomar de RAVETTI Graciela e ROJO Sara (orgs) Mediaccedilotildees performaacuteticas latino-americanas (Belo Horizonte FALEUFMG 2003) p 71 - p80 2 Autor encenador e diretor Professor da graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo do Departamento de Artes Cecircnicas do Instituto de Artes da Universidade de Brasiacutelia Graduado na UnB em Artes Plaacutesticas poacutes-graduado em Direccedilatildeo no Drama Studio London e PhD no Queen Mary CollegeUniversity of London Fundador dos grupos Vidas Erradas (83-89) TUCAN (92-08) e CHIA LIIAA (2007) tem trabalhado com diversos grupos artistas e instituiccedilotildees de ensino do Brasil e Europa Professor visitante na University of Manchester e na UNICAMP com vaacuterios artigos publicados e alguns livros organizados sobre teatro performance e hibridismos artiacutesticos contemporacircneos 3 Seminaacuterio preparatoacuterio para o evento performaacutetico artiacutestico Gecircnesis de performances (28 29072002) organizados pelo ex-aluno de Artes Cecircnicas e funcionaacuterio da UnB Magno de Assis
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artigo natildeo elimina duacutevidas sobre performance mas busca discordar de ambas
banalizaccedilatildeo e glamourizaccedilatildeo destas duacutevidas
O tiacutetulo lsquoperformanceSrsquo inicia esta empreitada afirmando a pluralidade do
conceito performance Assumir-se a multiplicidade de significados atrelados ao
significante lsquoperformancersquo eacute condiccedilatildeo inicial para seu entendimento Sabemos que
lsquoperformancersquo tem orientado inspirado eou desobstruiacutedo teorias e praacuteticas de
sociologia antropologia linguiacutestica psicologia filosofia neurologia artes cecircnicas artes
plaacutesticas muacutesica e danccedila entre outros campos de conhecimento Essa amplitude
conceitual pode provocar um desconforto com a abrangecircncia desconcertante e
escorregadia de performance como conceito como objeto de estudo como gecircnero
artiacutestico ou como metodologia de criacutetica e pesquisa
Um dos principais significados aliados ao significante performance eacute o de
desempenho O significado de desempenho afirma a observaccedilatildeo analiacutetica de
comportamentos humanos produtos eletrocircnicos e mecacircnicos ou de atores xampus
transeuntes oacuteleos atletas sapatos de corrida animais fios condutores ou de minerais
Na observaccedilatildeo do desempenho humano performance pode tambeacutem significar
comportamentos que se repetem Ou accedilotildees cotidianas que satildeo ensaiadas ou
preparadas - e observadas Assim sendo uma performance sem consciecircncia do fato de
estar sendo vista como tal pode significar uma performance cotidiana cultural ou social
Para Richard Schechner ldquotudo no comportamento humano indica que performamos
nossa existecircncia especialmente nossa existecircncia socialrdquo (1982 14) Steven Connor
considera que ldquose tornou difiacutecil estarmos seguros onde que uma accedilatildeo termina e uma
performance comeccedilardquo (108) Schechner e Connor datildeo uma ideia do possiacutevel alcance de
performance Este alcance detona diferentes linhas de pesquisa e teorias sobre
performance em campos distintos Pelo recorte optado por esta comunicaccedilatildeo estou me
atendo mais agraves performances artiacutesticas exibiccedilotildees ou accedilotildees declaradas publicamente
como tais accedilotildees conscientes mesmo que liminais construiacutedas e organizadas por
agentes que as mostraratildeo como opccedilatildeo profissional ou amadora entrada franca
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cobrando um ingresso ou distribuindo convite em espaccedilos ao ar livre semi-abertos ou
cobertos
A performance artiacutestica se caracteriza(va) muito pela fuga de qualquer
possibilidade de categorizaccedilatildeo Esta evasatildeo de escaninhos esteacuteticos caracteriza(ria)
aquilo que artistas objetivam(vam) natildeo ser caracterizado Com a heranccedila forte das
Vanguardas Histoacutericas das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX e das trecircs primeiras
deacutecadas do seacuteculo XX vanguardas do periacuteodo poacutes-Segunda Guerra Mundial
continua(ra)m indo contra restriccedilotildees das possibilidades expressivas das artes e
rechaccedilando definiccedilotildees que se pretendiam definitivas
As Vanguardas Histoacutericas satildeo compostas pelo Simbolismo Expressionismo
Futurismo Construtivismo Dada Surrealismo Bauhaus ou Adolphe Appia Gordon
Craig Isadora Duncan Vsevolod Meyerhold Vladimir Mayakovsky Marcel Duchamp
Antonin Artaud entre tantos outros Darwin Nietzsche Marx Wagner Freud Einstein
Edison nos lembram que a virada do seacuteculo XIX para o XX tambeacutem testemunha uma
crise de conceitos e certezas consideraacutevel Aliados agrave revoluccedilatildeo no pensamento humano
provocada por estes pensadores artistas e cientistas o motor a lacircmpada eleacutetrica
locomotivas teleacutegrafos e o cinema transformam comportamentos e sociedades Ainda
com ecos do idealismo do Romantismo em buscar o intercacircmbio entre diferentes artes
artistas de vaacuterias correntes e tendecircncias deixam um legado de accedilotildees textos e
manifestos que transitam e querem transitar aleacutem das fronteiras convencionais de cada
linguagem Durante todo o seacuteculo XX o impacto das duas guerras mundiais no mesmo
seacuteculo foi refletido diretamente numa arte que promovia a primazia da accedilatildeo
testemunhada de interferecircncia puacuteblica como paliativo passageiro para a impotecircncia do
ser humano diante da destruiccedilatildeo inoacutecua Artistas das Vanguardas Histoacutericas da
primeira e segunda metades do seacuteculo XX questionam entatildeo de forma radical a
convencionalidade de suas linguagens e de seus puacuteblicos no bojo de intensas
transformaccedilotildees econocircmicas sociais e poliacuteticas As fronteiras entre arte e vida se
misturam
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Na entatildeo nova ediccedilatildeo do Oxford Dictionary em 1971 lsquoperformance artrsquo eacute incluiacuteda
no verbete lsquoperformancersquo como uma suposta arte de accedilotildees realizada por artistas
plaacutesticos para plateias presentes Depois da Segunda Guerra Mundial outros termos e
conceitos jaacute tentam acompanhar uma intensa atividade de artistas em torno do eixo
tempo-espaccedilo com testemunhas Estas atividades manipulam nexos com accedilatildeo corporal
e a presenccedila do autor realizando seu processo sua obra ou sua obra em processo para
espectadores visitantes puacuteblico ou testemunhas Uma das tentativas de conceituaccedilatildeo
para estas obras foi lsquointermiacutediarsquo [(intermedia ou interlinguagem)] cunhado em 1967
por Dick Higgins do Fluxus (Higgins 1978) Um ano depois Richard Kostelanetz
defendeu o termo lsquoteatro dos meios misturadosrsquo (Kostelanetz 1970) Mas eacute
lsquoperformance artrsquo nos paiacuteses anglo-saxocircnicos e lsquoperformancersquo em paiacuteses de liacutengua
latina que consegue abarcar uma praacutetica artiacutestica interdisciplinar Sem desconhecer a
heranccedila das Vanguardas Histoacutericas performance art ou performance conteria action
paintings John Cage arte conceitual minimalismo espacialismo Happenings action
art arte corporal aktionism vienense arte feminista art povera parangoleacutes de Oiticica
bichos de Ligia Clark teatro instrumental environments viacutedeo arte colaboraccedilotildees
decollage assemblage arte cineacutetica o neo-dada do Gutai endurance art Flaacutevio
Impeacuterio Artur Barrio ou Laurie Anderson entre tantos outros grupos e artistas
Em 1981 Douglas Davis jaacute propotildee o termo lsquopost-performancismrsquo para defender
uma arte aleacutem do teatro performance ou artes plaacutesticas Em 1992 Josette Feraacutel coloca
performance como o nascimento de um gecircnero com a morte de sua funccedilatildeo anaacuterquica
anti-categorizaccedilotildees Em 1999 Paul Schimmel anuncia a morte de performance art por
volta de 1979 No entanto as referecircncias cruzadas e trocas entre gecircneros hiacutebridos e
mo(vi)mentos foram se acelerando durante as deacutecadas de 1980 e 1990
simultaneamente dificultando e promovendo novos termos e roacutetulos Autores como
Gregory Battcock (1984) RoseLee Goldberg (1984) ou Herbert Blau (1992)
reconhecem que lsquoperformancersquo seria o termo para a contiacutenua expansatildeo do terreno
ampliado que performance art conquistou Utilizando um artigo anterior performance no
final do seacuteculo XX
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[] parece ser um conceito guarda-chuva que abriga uma livre pluralidade de expressotildees cecircnicas socircnicas e visuais Atraveacutes de performance inuacutemeros estudos de diferentes artes revelam um comportamento cuidadoso para evitar novas definiccedilotildees que natildeo respeitem as diferenccedilas e o caraacuteter anaacuterquico das artes em desordenar e escapar de novas categorizaccedilotildees Performance inclui entre outros campos de estudo rituais festas populares comportamento cotidiano linguumliacutestica ciecircncias sociais cultura psicologia [performing self criacutetica em performance] o evento teatral a encenaccedilatildeo de peccedilas drama ou dramaturgia escrita dramaturgia de imagens e outras produccedilotildees multi pluri anti ou interdiscliplinares em frente de plateacuteias em diversos tipos de espaccedilo cecircnico aleacutem do teatro O termo e conceito performance vai contra uma visatildeo logocecircntrica e exclusiva de teatro como lsquoa representaccedilatildeo de dramas eurocecircntricosrsquo (Schechner 1992 9) Para os estudos de teatro a metodologia e sistema de criticismo proposto por performance resgata o irrepetiacutevel efecircmero transitoacuterio momento de exposiccedilatildeo da linguagem cecircnica com a presenccedila de atores e espectadores privilegia-se a performance como um dos principais focos de significados do teatro (Villar de Queiroz 1999 249)
Para os estudos e praacutetica de teatro o texto performaacutetico ou o performance text eacute
um derivado do significante performance fundamental Batendo de frente com a visatildeo
antagocircnica quando exclusivista de teatro como domiacutenio da literatura dramaacutetica o texto
performaacutetico seria o texto da encenaccedilatildeo em curso a mise-en-scegravene fluindo ante e entre
os sentidos dos presentes la puesta en escena acontecendo uma rede intertextual
Ainda haacute uma defasagem da jovem academia de teatro em reconhecer o texto
performaacutetico artiacutestico na linguagem cecircnica Isso pode dever-se em parte agrave
supervalorizaccedilatildeo persistente e descontextualizada historicamente da visatildeo aristoteacutelica
de teatro em Poeacutetica Mais forte razatildeo eacute a impossibilidade do registro da performance
uacutenica irrepetiacutevel efecircmera transitoacuteria Essa impossibilidade caracteriza um choque
frontal com abordagens materialistas de cultura que tem em textos de peccedilas
documentos partituras quadros esculturas monumentos e edifiacutecios suas evidecircncias
para descrever o comportamento humano O viacutedeo o DVD e novas tecnologias alteram
um pouco a impossibilidade de registros do evento aacuteudio-cineacutetico-temporal e visual que
uma performance teatral coreograacutefica musical ou artiacutestica pode ser Novas tecnologias
natildeo podem entretanto cortar a impossibilidade de reproduccedilatildeo de um evento
caracterizado pela junccedilatildeo de pessoas durante sua vida uacutenica que morre para renascer
diferente no proacuteximo dia Como Dyonisus
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A maioria do teatro convencional claacutessico familiar eou teatratildeo e muito do teatro
de pesquisa de artistas com visibilidade internacional e respaldo criacutetico estaria
caracterizado pela representaccedilatildeo de um laacute-entatildeo Este laacute-entatildeo eacute reproduzido em um
palco ou espaccedilo eleito com atores ou atrizes vivendo personagens escritos por um
autor ou autora seguindo marcaccedilotildees de um diretor ou diretora Performance
privilegiaria o aqui-agora do durante da apresentaccedilatildeo seja onde for de uma accedilatildeo
desenrolada e apresentada por seu autor-ator-diretor-encenador-produtor o
performador tenta ser o proacuteprio meio esteacutetico ndash ele ou ela se colocam como linguagem
processo e obra Mas esta diferenciaccedilatildeo pode natildeo resistir ao fato de que o uso atual
quase omnipresente do termo performance abala certezas linguiacutesticas e esteacuteticas
anglo-saxocircnicas e latinas Na liacutengua inglesa por exemplo performance sempre foi
associada agrave apresentaccedilatildeo representaccedilatildeo ou exposiccedilatildeo cecircnica ou musical em frente a
uma plateia e [agrave] interpretaccedilatildeo de artistas Em 1990 o Diccionario Actual de la Lengua
Espantildeola apresenta performance como entre outros significados lsquorepresentacioacuten de
cine y teatrorsquo e lsquoactuacioacuten de un artistarsquo (1219) Estudantes no Brasil me convidam para
assistir a suas performances mesmo que sejam representaccedilotildees naturalistas de
personagens de Calderoacuten de la Barca Shakespeare ou Nelson Rodrigues dirigidos por
um diretor ou uma professora
As aacuteguas de performance e de teatro se confundem e confundem Em 1987 o
diretor e acadecircmico Michael Kirby lembrava que ldquotodo teatro eacute performance mas nem
toda performance eacute teatrordquo (xi) Em 1992 Herbert Blau reconhece sua saudade ldquode um
tempo em que se algueacutem falasse de performance estaria falando de teatrordquo (2) Em
1996 Elin Diamond recorda que ldquose performance eacute o reverso do teatro convencional
teatro tambeacutem eacute o reverso de performancerdquo (4) Em 1997 a artista e professora da New
York University Deb Magolin por exemplo celebra que ldquoperformance eacute um teatro de
inclusatildeo Qualquer um pode fazerrdquo (69) Para vaacuterios criacuteticos acadecircmicos e artistas no
mundo performance seria o teatro poacutes-moderno ou teatro contemporacircneo de
vanguarda
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Ainda persiste uma tendecircncia que considera performance art e performance
como variaccedilotildees da arte teatral Esta tendecircncia convive com uma perspectiva oposta
que exclui teatro da histoacuteria de performance e de performance art Ambas
perspectivas parecem reafirmar concepccedilotildees binaacuterias que natildeo reconhecem um campo
artiacutestico ampliado interdisciplinar aleacutem das disciplinas que se juntaram chocaram-se
ou digladiaram-se ateacute o nascimento de uma outra disciplina linguagem ou objeto que
se independe das matrizes anteriores e continua um caminho proacuteprio Disciplinas
liacutenguas paiacuteses e pessoas satildeo universos em construccedilatildeo e negociaccedilatildeo com seus meios
ambientes A dialeacutetica cultural promove novas disciplinas liacutenguas territoacuterios e
fronteiras mudanccedilas e se o mundo performa o teatro continuaraacute sendo um siacutetio de
performances sobre performances do mundo
Em 1980 Timothy J Wiles lanccedilava o termo lsquoteatro performancersquo para descrever
uma diversidade cecircnica revelada por uma dramaturgia e estilos de interpretaccedilatildeo
distintos do realismo naturalista ou do teatro eacutepico Essa diversidade tambeacutem era
revelada por inovaccedilotildees formais que segundo Wiles haviam criado ldquouma situaccedilatildeo
desconfortaacutevel para todos os historiadores de esteacuteticardquo (112) Com lsquoperformance teatrorsquo
a primazia dada ao texto performaacutetico questiona encapsulamentos da linguagem cecircnica
em limites da literatura dramaacutetica e questiona tambeacutem hierarquias fixas de criaccedilatildeo
direccedilatildeo e autoria Teatro performance transita por diferentes linguagens artiacutesticas
resultando em outra Teatro performance assume um espaccedilo intermediaacuterio
interdisciplinar entre performance art e teatro
Nuances interdisciplinares nas artes e ciecircncias ou obras interdisciplinares
artiacutesticas natildeo podem ser mais ignoradas em sua notoacuteria presenccedila em nossa
contemporaneidade Praacuteticas artisticamente interdisciplinares tecircm uma histoacuteria que
remonta [a] seacuteculos antes de Cristo na praacutetica oriental e ocidental se focarmos o
manual para artiacutesticos cecircnicos indiano Natya-Sastra ou os festivais gregos Artistas
renascentistas italianos e a oacutepera barroca apresentam impulsos interdisciplinares
claros Estes impulsos se aceleram de forma radical nas sucessivas transformaccedilotildees
esteacuteticas promovidas pelas vanguardas do seacuteculo XX Poacutes 1968 e poacutes performance art
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tanto o omnipresente conceito metodologia de pesquisa e criacutetica de performance
quanto as performances artiacutesticas desenvolvidas nas duas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo
XX reforccedilam a necessidade de abordar-se interdisciplinaridade entre as artes
Esta breviacutessima perspectiva histoacuterica objetiva apontar uma presenccedila e uma
necessidade de estudos de um fenocircmeno interdisciplinar entre as artes Entretanto
assim como performance interdisciplinaridade tambeacutem pode ter uso indevido ou
diletante dentro dos muacuteltiplos acircngulos e mundos simultacircneos e paradoxais da
supermodernidade Tambeacutem como performance lsquointerdisciplinaridadersquo tem desafiado
certezas epistemoloacutegicas
Na uacuteltima deacutecada podemos encontrar novas propostas em torno de
disciplinaridades Judith Butler (1990) e Baz Englers (1996) propotildeem a discussatildeo de
lsquopoacutes-disciplinaridadesrsquo Dwight Conquergood e Joseph Roach definem performance
para Marvin Carlson como uma lsquoanti-disciplinarsquo (189) Fechando a deacutecada Roy Ascott
usa o termo lsquoumiacutediarsquo (moistmedia) para descrever um lsquointerespaccedilo entre o mundo seco
da virtualidade e o mundo molhado da naturezarsquo (9)
Transdisciplinaridade poacutes-disciplinaridades anti-disciplinas e umiacutedias atestam
todas processos interdisciplinares Como interdisciplinas artiacutesticas poacutes-disciplinas anti-
disciplinas e umiacutedias satildeo lsquointermiacutediasrsquo satildeo resultantes de disciplinas que dialogaram ou
digladiaram-se atraveacutes de encontro troca negociaccedilotildees eou choque gerando uma
nova disciplina Assim sendo meu entendimento de interdisciplinaridade natildeo confere
com o simples juntar de disciplinas diferentes ou muito menos com o improdutivo de
realidades pseudo interdisciplinares que natildeo se tocam nem se trocam Investigo
interdisciplinaridade artiacutestica para estudar ensinar e praticar negociaccedilotildees e
intercacircmbios entre diferentes linguagens ou disciplinas artiacutesticas que resultaram em
novos campos de accedilatildeo em outros territoacuterios de mutaccedilatildeo artiacutestica e de possibilidades
expressivas Interdisciplinas artiacutesticas seriam entatildeo outras disciplinas ou intermiacutedias
tais como as jaacute citadas performance art e teatro performance danccedila teatro butoh
muacutesica teatro arte computacional teatro acuacutestico teatro digital instalaccedilatildeo roboacutetica
criacutetica em performance ou viacutedeo poesia
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Terroristas oficiais e disfarccedilados continuam a defender fronteiras imutaacuteveis e a
dividir pessoas quando soacute existe uma raccedila a humana Enquanto a natureza se delicia
com a diversidade interesses econocircmicos impotildeem modelos hegemocircnicos injustos e
uniformizantes que querem evitar a particularidade a convivecircncia ou a diferenccedila Os
mercados globalizados nos orgasmos muacuteltiplos do capitalismo selvagem conquistam
novas trilhas para o livre fluir de capitais mas natildeo de pessoas
A paz o livre exerciacutecio de sexualidades igualdade novas fronteiras e o
assentamento de pessoas em condiccedilotildees mais justas satildeo evitados no Brasil e no mundo
por problemas pessoais mal resolvidos interesses escusos e paranoias
governamentais Como lembrou Lucia Sander em palestra-performance em Maceioacute
neste ano Einstein dizia que ldquoeacute mais faacutecil dividir um aacutetomo que destruir um
preconceitordquo E Susan Sontag afirmou anos depois que a histoacuteria do preconceito eacute tatildeo
antiga quanto a histoacuteria das questotildees pessoais mal resolvidas As artes incluindo
performance e outras interdisciplinas artiacutesticas vazam esses escudos anti-
transformaccedilotildees e tentam exemplificar outras possibilidades de outros mundos
simultacircneos e distintos que se trocam e produzem outros mundos inclusivos e
questionadores de absolutismos restringentes A batalha continua sintomaacutetica
enigmaacutetica e performaacutetica
Referecircncias ASCOTT Roy lsquoArte emergente interativa tecnoeacutetica e uacutemidarsquo Trad Cleacuteria Maria Costa Anais do 1 Encontro Internacional de Arte e Tecnologia Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 1999 p19 - p29 BARTHES Roland Image-Music-Text Trad Stephen Heath Nova York Hill and Wang 1977 BATTCOCK Gregory e NICKAS Robert eds The Art of Performance Nova York E P Duncan amp Co 1984 BLAU Herbert lsquoThe Prospect Before Usrsquo Discourse 142 1992 p 1- p 25
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participaccedilatildeo de estudantes em um grupo instrumental Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 120-
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Estudo sobre a participaccedilatildeo de estudantes em um grupo instrumental
Pacircmela Goumlethel Dutra1 Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS
Cristina Rolim Wolffenbuumlttel2
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS
Ana Maria Bueno Accorsi3 Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS
Resumo O artigo apresenta a pesquisa com um grupo instrumental em uma escola puacuteblica municipal em TaquariRS Partiu dos questionamentos Qual o significado da participaccedilatildeo dos estudantes em um grupo instrumental Quais as expectativas dos estudantes que participam desses grupos Qual a influecircncia da muacutesica para estes participantes Quais as expectativas de estudantes familiares e comunidade escolar em relaccedilatildeo ao grupo Como ocorre o envolvimento dos familiares dos estudantes O objetivo foi compreender a importacircncia da participaccedilatildeo em um grupo instrumental escolar Constatou-se a importacircncia da participaccedilatildeo no grupo instrumental apontado por todos investigados Entende-se que esta pesquisa contribua para a construccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para a educaccedilatildeo musical nas escolas bem como para a implementaccedilatildeo da legislaccedilatildeo que dispotildee sobre a inserccedilatildeo da muacutesica no Brasil Palavras-chave Educaccedilatildeo musical grupos instrumentais muacutesica na Educaccedilatildeo Baacutesica
1 Estudante do curso de Especializaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Musical na Universidade Estadual pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul Licenciada em Pedagogia pelo Centro Universitaacuterio Leonardo da Vinci Cursando o 9ordm semestre de licenciatura em Muacutesica pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul Participou do grupo de pesquisa na Uergs intitulado Educaccedilatildeo Musical diferentes tempos e espaccedilos com linhas de pesquisas sobre processos de ensino e aprendizado em muacutesica e poliacuteticas em Educaccedilatildeo Musical Professora de muacutesica do municiacutepio de Taquari- RS desde 2013 no qual atua em atividades de Educaccedilatildeo Musical no curriacuteculo do ensino baacutesico nos anos iniciais e finais do ensino fundamental e em atividades escolares no extracurricular com aulas de instrumentos e na formaccedilatildeo de grupos instrumentais bandas marciais e coro infanto-juvenil 2 Doutora e Mestre em Educaccedilatildeo Musical pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Especialista em Informaacutetica na Educaccedilatildeo Ecircnfase em Instrumentaccedilatildeo pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul Licenciada em Muacutesica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Coordena o curso de Especializaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Musical na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul Unidade de Montenegro Eacute coordenadora da Aacuterea Muacutesica do Programa de Iniciaccedilatildeo agrave Docecircncia em Montenegro da CAPESUERGS Coordena a Comissatildeo de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo da Uergs-Montenegro orientando bolsistas de iniciaccedilatildeo cientiacutefica em muacutesica e artes da FAPERGS CNPq e UERGS Eacute coordenadora dos grupos de pesquisa registrados no CNPq Arte criaccedilatildeo interdisciplinaridade e educaccedilatildeo e Educaccedilatildeo Musical diferentes tempos e espaccedilos Coordena o Programa de Extensatildeo Universitaacuteria do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo pela Uergs Eacute Diretora Cientiacutefica da Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo Musical da Editora Prismas de Curitiba Faz parte da Comissatildeo Gauacutecha de Folclore e da Fundaccedilatildeo Santos Herrmann Eacute integrante da Academia Montenegrina de Letras ocupando a Cadeira nordm5 Faz parte da Associaccedilatildeo Montenegrina de Escritores 3 Possui graduaccedilatildeo em Letras pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul (1976) mestrado em Linguumliacutestica e Letras pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul (1999) e doutorado em Linguumliacutestica e Letras pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul (2005) Atualmente eacute professor adjunto da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul e Consultora Terapecircutica em Dependecircncia Quiacutemica Coordena o Curso de Licenciatura em Letras Portuguecircs e Literaturas de Liacutengua Portuguesa e o Curso de Especializaccedilatildeo Teoria e Praacutetica da Formaccedilatildeo do Leitor
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Abstract The article presents the research with an instrumental group at a municipal public school in TaquariRS The research started from the questions What is the meaning of student participation in an instrumental group What are the expectations of the students participating in these groups What is the influence of music on these participants What are the expectations of students families and the school community in relation to the group How does the involvement of the students family members occur The objective was to understand the importance of participation in a school instrumental group It was verified the importance of the participation in the instrumental group indicated by all investigated It is understood that this research contributes to the construction of public policies for music education in schools as well as for the implementation of the legislation that regulates the insertion of music in Brazil Keywords Musical education instrumental musical groups music in Basic Education
Introduccedilatildeo
As diversas possibilidades de inserccedilatildeo da muacutesica na escola conquistaram
legitimidade com a Lei nordm 11769 de 18 de agosto de 2008 Mais recentemente em
3 de maio de 2016 foi publicada a Lei nordm 13278 que incluiu artes visuais danccedila
muacutesica e teatro nos curriacuteculos dos diversos niacuteveis da Educaccedilatildeo Baacutesica A nova
legislaccedilatildeo altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional nordm 9394 de
1996 (LDB 93941996) estabelecendo um prazo de cinco anos para que os
sistemas de ensino promovam a formaccedilatildeo de professores para implantar esses
componentes curriculares nas escolas A partir dessas leis tem-se a obrigatoriedade
da inclusatildeo da muacutesica no curriacuteculo das escolas Neste sentido pode-se pensar na
diversidade dos modos de a muacutesica se configurar na escola inclusive como
atividade extracurricular Nesse sentido Wolffenbuumlttel (2014) aponta
Muitas vezes as escolas optam pelo desenvolvimento de determinadas atividades - dentre essas as musicais - em outras dimensotildees que natildeo as tradicionais relacionadas com tempos e espaccedilos curriculares Surgem assim as atividades extracurriculares como alternativas para o ensino
escolar (WOLFFENBUumlTTEL 2014 p 56)
Percebe-se portanto que as atividades musicais extracurriculares
possibilitam a inserccedilatildeo da muacutesica se assim for a opccedilatildeo da escola Poreacutem natildeo
inviabilizam a implementaccedilatildeo da muacutesica no ensino regular da mesma instituiccedilatildeo
podendo a escola oferecer tanto atividades musicais no ensino regular quanto
extracurricular
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Sobre as funccedilotildees sociais envolvidas nas praacuteticas instrumentais de grupos
musicais Bozzetto (2012) aponta a importacircncia da participaccedilatildeo de crianccedilas e jovens
em projetos que envolvam atividades musicais Em sua anaacutelise a autora afirma
A importacircncia de que projetos que satildeo erguidos com a funccedilatildeo de inserccedilatildeo social atraveacutes da muacutesica mantenham viva e coerente essa afirmativa cientes de que dar a oportunidade a uma crianccedila e jovem notadamente de camadas de baixa renda eacute abrir um mundo de possibilidades que com o tempo de convivecircncia podem se tornar uma referecircncia de mundo social para toda uma vida (BOZZETTO 2012 p 266)
Bozzetto (2012) finaliza essa discussatildeo refletindo sobre a necessidade de os
projetos sociais entenderem seu papel de inclusatildeo social destacando que a tarefa
do educador musical eacute a de ldquocontribuir para uma educaccedilatildeo musical mais justa e
humana e da importacircncia de sua inserccedilatildeo em projetos que reconheccedilam a praacutetica
musical como oportunidade de inclusatildeo socialrdquo (p 266)
Joly e Joly (2011) investigaram as praacuteticas sociais e os processos educativos
que acontecem em ambiente de orquestra No sentido das praacuteticas sociais as
autoras refletem sobre as ldquorelaccedilotildees que se estabelecem entre pessoas pessoas e
comunidade na qual se inserem pessoas e grupos grupos entre si grupos e
sociedade mais amplardquo (p 80)
De acordo com Bastiatildeo (2012) nosso paiacutes eacute multicultural possuindo vaacuterias
culturas diferentes e cada regiatildeo possui uma manifestaccedilatildeo folcloacuterica musical
proacutepria Nesse sentido o educador musical poderaacute atraveacutes da praacutetica de conjunto
trabalhar esse contexto ldquodadas a riqueza e a diversidade da muacutesica popular
brasileira ndash observam-se a valorizaccedilatildeo e a inserccedilatildeo das muacutesicas e manifestaccedilotildees da
cultura oral nos contextos acadecircmico e regular de ensinordquo (p 60)
Entende-se que atividades que envolvem grupos instrumentais nos quais a
praacutetica de conjunto estaacute inserida no seu cotidiano contemplam o que os Paracircmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) tratam sobre os objetivos de expressatildeo e
comunicaccedilatildeo em muacutesica tais como
Improvisaccedilatildeo composiccedilatildeo e interpretaccedilatildeo com instrumentos musicais tais como flauta percussatildeo etc eou vozes (observando tessitura e questatildeo de muda vocal) fazendo uso de teacutecnicas instrumental e vocal baacutesicas participando de conjuntos instrumentais eou vocais desenvolvendo autoconfianccedila senso criacutetico e atitude de cooperaccedilatildeo (BRASIL 1998 p 83)
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Ainda no que tange aos PCNs satildeo relacionados objetivos de interpretaccedilatildeo
acompanhamento recriaccedilatildeo e realizaccedilatildeo de arranjos
Arranjos de muacutesica do meio sociocultural e do patrimocircnio musical construiacutedo pela humanidade nos diferentes espaccedilos geograacuteficos eacutepocas povos culturas e etnias tocando eou cantando individualmente eou em grupo (banda canto coral e outros) construindo relaccedilotildees de respeito e diaacutelogo (BRASIL 1998 p 83)
Considerando-se a potencialidade da muacutesica na escola bem como a
existecircncia de atividades extracurriculares caracterizadas como organizaccedilotildees de
grupos instrumentais em diversas escolas alguns questionamentos surgiram Qual o
significado da participaccedilatildeo dos estudantes em um grupo instrumental Quais as
expectativas dos estudantes que participam destes grupos Qual a influecircncia da
muacutesica para esses participantes Quais as expectativas de estudantes familiares e
comunidade escolar em relaccedilatildeo ao grupo Como ocorre o envolvimento dos
familiares dos estudantes Esta pesquisa portanto objetivou compreender a
importacircncia de fazer parte de um grupo instrumental escolar
O Grupo Instrumental Investigado
A investigaccedilatildeo sobre a importacircncia da participaccedilatildeo em um grupo instrumental
escolar originou-se a partir da inserccedilatildeo de uma das autoras deste artigo como
professora de muacutesica em uma escola puacuteblica municipal em TaquariRS O foco da
pesquisa deu-se a partir dessa atuaccedilatildeo considerando-se as atividades no
contraturno escolar
Os ensaios do grupo ocorrem uma vez por semana no uacuteltimo periacuteodo do
turno da tarde apoacutes as aulas coletivas de instrumentos de sopro Contando com
catorze estudantes de 10 a 18 anos de idade a atividade oportuniza a
experimentaccedilatildeo e o manuseio de diversos instrumentos musicais permitindo muitos
aprendizados importantes para o desenvolvimento musical dos estudantes
Atraveacutes da aquisiccedilatildeo de variados instrumentos musicais o grupo tem tido a
possibilidade de fazer apresentaccedilotildees em variadas configuraccedilotildees grupais incluindo
o formato de banda marcial possibilitando aos estudantes experimentar e manusear
uma diversidade musical
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Esta praacutetica extrapola os tempos e espaccedilos escolares agregando pessoas da
comunidade bem como egressos que continuam participando das atividades
musicais O grupo instrumental faz apresentaccedilotildees locais incluindo o comeacutercio local
as instituiccedilotildees beneficentes aleacutem das demais regiotildees do municiacutepio e de fora dele
Metodologia
A proposta metodoloacutegica desta investigaccedilatildeo incluiu a abordagem qualitativa o
meacutetodo estudo de caso e entrevistas e observaccedilotildees como teacutecnicas para a coleta dos
dados A anaacutelise dos dados consistiu na anaacutelise de conteuacutedo
A Abordagem Qualitativa
Para a pesquisa foi utilizada a abordagem qualitativa Martins (2004) explica
que a ldquometodologia qualitativa mais do que qualquer outra levanta questotildees eacuteticas
principalmente devido agrave proximidade entre pesquisador e pesquisadosrdquo (p 295)
Aleacutem disso eacute a partir de cada dado coletado conforme suas caracteriacutesticas que se
faz uma interaccedilatildeo entre os conteuacutedos atraveacutes dessa interaccedilatildeo a pesquisa traz suas
impressotildees e percepccedilotildees
A razatildeo para a escolha da abordagem qualitativa para realizaccedilatildeo deste
trabalho relacionou-se ao fato de a mesma possibilitar a reflexatildeo sobre a
participaccedilatildeo dos estudantes em um grupo instrumental no contexto escolar e na
sociedade em que estatildeo inseridos
O Estudo de Caso
O estudo de caso caracteriza-se por atender a determinado objetivo atraveacutes
da investigaccedilatildeo de um caso especiacutefico Eacute muito utilizado quando se pretende
compreender explorar ou descrever acontecimentos e contextos complexos nos
quais estatildeo simultaneamente envolvidos diversos fatores Para Yin (2001) o estudo
de caso ldquocontribui de forma inigualaacutevel para a compreensatildeo que temos dos
fenocircmenos individuais organizacionais sociais e poliacuteticosrdquo (p 21)
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As Entrevistas Semiestruturadas
As entrevistas semiestruturadas permitiram aprofundar as questotildees
especiacuteficas desta pesquisa A entrevista semiestruturada eacute uma ldquoseacuterie de perguntas
abertas feitas verbalmente em uma ordem prevista mas na qual o entrevistador
pode acrescentar perguntas de esclarecimentordquo (LAVILLE DIONE p 188) Todas
as entrevistas foram realizadas na escola na qual existe o grupo instrumental em
horaacuterios previamente combinados
Ao todo foram feitas cinco entrevistas sendo as mesmas realizadas com dois
estudantes integrantes do grupo instrumental com a matildee de um dos estudantes
com a diretora da escola e com uma professora Como acontece nas entrevistas do
tipo semiestruturada seguiu-se um roteiro mas com a possibilidade de serem
acrescidas outras perguntas conforme necessaacuterio
Considerando-se a escolha dos entrevistados foram seguidos alguns
criteacuterios Selecionou-se um estudante (denominado Estudante J) que participa do
grupo desde o iniacutecio das atividades Neste caso suas informaccedilotildees poderiam
fornecer uma visatildeo geral sobre a importacircncia de participar do grupo haacute mais tempo
O outro estudante (denominado Estudante W) foi escolhido por ter ingressado
recentemente no grupo instrumental e poderia fornecer outra visatildeo a respeito desta
participaccedilatildeo Deste modo aleacutem de ambos os estudantes terem concordado com a
participaccedilatildeo na pesquisa e de terem tempo disponiacutevel para serem entrevistados
eles poderiam contribuir com as informaccedilotildees sobre sua participaccedilatildeo mas tendo
tempos de participaccedilatildeo diferentes no grupo Foi entrevistada tambeacutem a matildee do
Estudante J que participa desde o iniacutecio das atividades do grupo instrumental A
professora que participou da pesquisa foi selecionada por ser docente na escola em
que o grupo instrumental tem suas atividades aleacutem de ter lecionado para os
estudantes investigados Adicionalmente esclarece-se que a professora concordou
em fornecer a entrevista e teve tempo para a mesma Por fim a diretora foi
entrevistada por ter importantes contribuiccedilotildees para a pesquisa considerando-se sua
visatildeo como gestora da escola
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A Anaacutelise dos Dados
Para a realizaccedilatildeo da anaacutelise dos dados coletados nesta investigaccedilatildeo utilizou-
se a anaacutelise de conteuacutedo a partir da proposta de Moraes (1999) Para Moraes
(1999) a anaacutelise de conteuacutedo ldquoconstitui uma metodologia de pesquisa usada para
descrever e interpretar o conteuacutedo de toda classe de documentos e textosrdquo (p 2) A
anaacutelise de conteuacutedo viabilizou a anaacutelise dos dados transcritos tendo contato com
diversos textos corroborando a conclusatildeo da anaacutelise sobre o assunto da pesquisa
atingindo assim os objetivos
Para a realizaccedilatildeo desta anaacutelise alguns procedimentos foram necessaacuterios
como as etapas que Moraes (1999) propotildee tais como a ldquopreparaccedilatildeo das
informaccedilotildeesrdquo a qual foi feita por meio de entrevistas semiestruturadas Deve-se
salientar que as entrevistas foram gravadas no gravador de aacuteudio do celular Apoacutes a
realizaccedilatildeo das entrevistas as mesmas foram integralmente transcritas Efetuadas as
transcriccedilotildees das cinco entrevistas todas passaram pelo processo de revisatildeo e
textualizaccedilatildeo a fim de ajustar possiacuteveis inconsistecircncias de dados ou mesmo
correccedilotildees ortograacuteficas e gramaticais necessaacuterias
Para Moraes (1999) este procedimento eacute importante para iniciar o processo
de codificaccedilatildeo dos materiais estabelecendo um coacutedigo que possibilite identificar
rapidamente cada elemento da amostra de depoimentos ou documentos a serem
analisados
Todo este processo resultou na constituiccedilatildeo de um caderno denominado
Caderno de Entrevistas 2015 (C E 2015) contendo as entrevistas dos estudantes
J e W da matildee do Estudante J da professora e da diretora da escola
Posteriormente este Caderno de Entrevistas 2015 passou por uma leitura
minuciosa considerando-se o processo de ldquounitarizaccedilatildeordquo proposto por Moraes
(1999) servindo de base para as etapas subsequentes quais sejam a
categorizaccedilatildeo e a anaacutelise dos dados Aleacutem do Caderno de Entrevistas tambeacutem foi
constituiacutedo outro caderno denominado Caderno de Categorizaccedilatildeo 2015 (C C
2015) A categorizaccedilatildeo consiste em um procedimento de ldquoagrupar dados
considerando a parte comum existente entre eles Classifica-se por semelhanccedila ou
analogia segundo criteacuterios previamente estabelecidos ou definidos no processordquo
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participaccedilatildeo de estudantes em um grupo instrumental Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 120-
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(MORAES 1999 p 6) Neste caderno os dados coletados foram separados por
categorias sendo que posteriormente depois de rigorosa anaacutelise das categorias
criadas compuseram os Resultados e a Anaacutelise dos Dados juntamente com a
realizaccedilatildeo da anaacutelise fundamentada no referencial teoacuterico desta pesquisa Salienta-
se que estas atividades foram precedidas de uma cuidadosa e ampla leitura do texto
final
Aleacutem dos cadernos mencionados foi constituiacutedo um Caderno de Fotografias
2015 (C F 2015) no qual se encontram as imagens dos eventos dos quais o grupo
instrumental participou servindo como complemento para a anaacutelise dos dados
Desse modo considerando-se o material coletado e organizado resultaram
as seguintes categorias de anaacutelise Os Entrevistados A Importacircncia da Participaccedilatildeo
dos Estudantes nas Atividades do Grupo Instrumental Influecircncias de Participar em
um Grupo Instrumental para a vida dos Estudantes Participantes e Familiares
Envolvidos Expectativas em Relaccedilatildeo agraves Atividades Instrumentais Estas categorias
foram analisadas a partir de um referencial teoacuterico da educaccedilatildeo musical o qual eacute
apresentado a seguir
Referencial Teoacuterico
O referencial teoacuterico selecionado para a anaacutelise dos dados desta investigaccedilatildeo
sobre a importacircncia da participaccedilatildeo de estudantes em um grupo instrumental
escolar foi constituiacutedo por conceitos de educaccedilatildeo musical e do desenvolvimento
musical de crianccedilas e adolescentes
A Educaccedilatildeo Musical
Kraemer (2000) trata da questatildeo epistemoloacutegica da educaccedilatildeo musical dentre
outros assuntos pertinentes ao tema Define como pedagogia da muacutesica o campo da
educaccedilatildeo musical explicando que a pedagogia da muacutesica ldquodivide seu objeto com as
disciplinas chamadas ciecircncias humanas filosofia antropologia sociologia ciecircncias
poliacuteticas histoacuteriardquo Para Kraemer (2000) ldquoeacute dada a relaccedilatildeo com a musicologia
(assim como com a praacutetica da muacutesica e a vida musical)rdquo (p 52) A psicologia da
muacutesica ldquoinvestiga o comportamento musical e as vivecircncias musicaisrdquo (p 55) e a
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sociologia da muacutesica ldquoas condiccedilotildees sociais e os efeitos da muacutesica assim como
relaccedilotildees sociais que estejam relacionadas agrave muacutesicardquo (p 57)
A partir desses fatores trazidos pelo autor eacute possiacutevel constatar o quanto eacute
vasto o campo da educaccedilatildeo musical agregando a muacutesica a vaacuterias aacutereas do
conhecimento e podendo ser trabalhada dentro dessas linguagens Assim cada
aspecto tem importantes contribuiccedilotildees para o conhecimento musical num todo
Assim como a pedagogia acrescenta em sua didaacutetica e se complementa com
as outras aacutereas do conhecimento para ter mais ecircxito no ensino-aprendizagem e na
relaccedilatildeo estudante-professor podemos fazer o mesmo com a muacutesica agregando
essas aacutereas no fazer didaacutetico-musical Satildeo aacutereas que se complementam em
diversas situaccedilotildees Desse modo a muacutesica tem um papel integrador e
transdisciplinar assim como o papel da pedagogia que considera ldquoa vida humana
sob aspectos da educaccedilatildeo formaccedilatildeo instruccedilatildeo e didaacuteticardquo (KRAEMER 2000 p
60)
Eacute necessaacuterio que na muacutesica assim como na pedagogia existam esses
olhares num contexto amplo da educaccedilatildeo observando todos os aspectos relevantes
no desenvolvimento integral do estudante independente de como a disciplina estaacute
inserida na escola seja de forma curricular ou extracurricular Eacute importante que os
professores de muacutesica considerem a educaccedilatildeo musical como um todo objetivando a
formaccedilatildeo do cidadatildeo Natildeo se desconsidera a teacutecnica da execuccedilatildeo musical
igualmente importante Todavia outros conceitos que fazem parte da educaccedilatildeo
musical satildeo igualmente necessaacuterios
Englobando aspectos socioloacutegicos nos quais eacute observado o comportamento
de uma determinada sociedade e a forma com que se organizam no tempo livre e
trabalho Kraemer (2000) relaciona a muacutesica agrave sociologia explicando
A sociologia da muacutesica examina as condiccedilotildees sociais e os efeitos da muacutesica assim como relaccedilotildees sociais que estejam relacionadas com a muacutesica Ela considera o manuseio com a muacutesica como um processo social e analisa o comportamento do homem relacionado com a muacutesica em direccedilatildeo agraves influecircncias sociais instituiccedilotildees e grupos (KRAEMER 2000 p 57)
Para Swanwick (2003) eacute fundamental unir atividades de execuccedilatildeo
apreciaccedilatildeo e criaccedilatildeo para que os estudantes se desenvolvam artisticamente O foco
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reside especialmente no que acontece quando a pessoa se relaciona com muacutesica
no fazer musical
Swanwick (2003) propotildee trecircs atividades principais na muacutesica compor ouvir
muacutesica e tocaacute-la Ele reuacutene estas atividades em sua proposta conhecida no Brasil
como TECLA constituiacuteda pelo estudo da histoacuteria da muacutesica (literatura) e pela
aquisiccedilatildeo de habilidades (em inglecircs skill aquisition) denominado de teacutecnica Tem-
se assim T de teacutecnica E de execuccedilatildeo C de composiccedilatildeo L de literatura e A de
apreciaccedilatildeo E atraveacutes de sua proposta o autor aborda diversos fatores que
envolvem esse contexto Conceitos a se considerar em qualquer lugar em que o
educador musical possa estar atuando assim como os de Kraemer (2000) seja em
sala de aula anos iniciais e finais ou em um coro um grupo instrumental ou banda
escolar ou marcial com crianccedilas jovens ou adultos Onde haacute pessoas que de
alguma forma estatildeo se relacionando com muacutesica essas concepccedilotildees podem ser
utilizadas
O Desenvolvimento Musical de Crianccedilas e Adolescentes
O estudante ao se identificar com o que estaacute sendo proposto nas atividades
de ensino e aprendizagem no caso de atividades instrumentais em que o estudante
eacute considerado como um propositor e natildeo apenas plateia sentir-se-aacute responsaacutevel
pelas atividades e pelo sucesso das mesmas O estudante se sente valorizado o
que aumenta sua autoestima colabora para seu desenvolvimento pessoal no
sentido intelectual resultando familiarizaccedilatildeo e encantamento com o fazer musical
Nesse sentido Swanwick (2003) discorre sobre a importacircncia de ldquoconsiderar
o discurso musical dos alunosrdquo A partir daiacute o discurso ldquoconversaccedilatildeo musical natildeo
pode ser nunca um monoacutelogo Cada estudante traz consigo um domiacutenio de
compreensatildeo musical quando chega a nossas instituiccedilotildees educacionaisrdquo
(SWANWICK 2003 p 66)
Considerando a muacutesica como discurso ldquoprocederemos baseados na ideia de
que ela pode fazer uma diferenccedila na maneira como vivemos e como podemos
refletir sobre nossa vidardquo (SWANWICK 2003 p 78) Despertar no estudante o
encantamento com o fazer musical oportunizando a compreensatildeo dos aspectos
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musicais Swanwick (2003) explica que as ldquoteacutecnicas e manuseio de materiais
sonoros satildeo importantes mas sabemos que eles natildeo satildeo a soma total da
compreensatildeo musicalrdquo (p 67) Mesmo em grupos musicais que tecircm por base as
atividades instrumentais de aprendizagem de instrumento e praacutetica de conjunto
existem diversas possibilidades para alcanccedilar os objetivos musicais propostos
sensibilizando para a aprendizagem musical
Conforme Wolffenbuumlttel (2014) as atividades extracurriculares servem como
ldquoperspectiva de ampliaccedilatildeo das possibilidades das escolas Estudos realizados em
diferentes paiacuteses sugerem que as atividades extracurriculares satildeo capazes de
contribuir para o desenvolvimento dos alunosrdquo (p 56)
Em relaccedilatildeo agraves possibilidades musicais para desenvolver a compreensatildeo
musical Swanwick (2003) aponta a importacircncia de os estudantes terem ldquoa
oportunidade de produzir e responder agrave muacutesica em todas as camadas do discurso
musical qualquer que seja a atividaderdquo (SWANWICK 2003 p 97) As atividades
musicais em grupos instrumentais contemplam o que os PCNs sugerem para as
atividades musicais no que se refere agrave ldquoCriaccedilatildeo a partir do aprendizado de
instrumentos do canto de materiais sonoros diversos e da utilizaccedilatildeo do corpo como
instrumento procurando o domiacutenio de conteuacutedos da linguagem musicalrdquo (BRASIL
1998 p 83)
Resultados e Anaacutelise dos Dados
A partir da anaacutelise dos dados resultaram quatro categorias Os Entrevistados
A Importacircncia da Participaccedilatildeo dos Estudantes nas Atividades do Grupo
Instrumental Influecircncias de Participar em um Grupo Instrumental para a vida dos
Estudantes Participantes e Familiares Envolvidos Expectativas em Relaccedilatildeo agraves
Atividades Instrumentais
Os Entrevistados
Foram entrevistadas cinco pessoas dois estudantes a matildee de um dos
estudantes uma professora e a diretora da escola
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Um dos estudantes do grupo instrumental o Estudante J participa das
atividades musicais extracurriculares desde abril de 2013 ele iniciou com aulas de
flauta doce e apoacutes a criaccedilatildeo do grupo instrumental teve a oportunidade de
experimentar e manusear outros instrumentos musicais iniciando seus estudos no
saxofone alto o qual toca no grupo ateacute os dias de hoje Seu pai e seu avocirc tambeacutem
tocam instrumentos musicais sendo que desde crianccedila o Estudante J disse
conviver com essas audiccedilotildees tendo aprendido muacutesica e em especial as noccedilotildees de
ritmo atraveacutes do ensinamento de seus familiares (C E 2015 p 11) O Estudante J
salientou que gosta muito de escutar muacutesica sertaneja muacutesica gauacutecha e vaacuterios
outros gecircneros musicais (C E 2015 p 12)
O Estudante W que tem 18 anos de idade participa das atividades do grupo
instrumental desde junho de 2014 tendo comeccedilado a tocar o instrumento musical
metalofone apoacutes a flauta doce este estudante iniciou seus estudos no saxofone alto
desde o iniacutecio de 2015 O Estudante W continuou no grupo instrumental mesmo
apoacutes sua saiacuteda da escola devido ao teacutermino de seus estudos no Ensino
Fundamental Este estudante explicou que nunca foi reprovado mas devido a
problemas familiares parou de estudar por um determinado tempo Diferentemente
do Estudante J o Estudante W natildeo tem familiares com conhecimentos musicais
sendo o primeiro a ter contato com a muacutesica na escola (C E 2015 p 7) O
Estudante W explicou que costuma escutar muacutesica em casa todos os dias
raramente assiste agrave televisatildeo e gosta muito de ouvir muacutesica sertaneja (C E 2015
p 9) Ele relatou que quase todo o dia pratica estudos no saxofone alto ou tem
contato com o instrumento mesmo que seja somente para fazer os procedimentos
de limpeza (C E 2015 p 8)
Eacute possiacutevel apoacutes caracterizar os estudantes organizar e categorizar suas
falas apontar aspectos relativos aos seus gostos e preferecircncias musicais Nesse
sentido Swanwick (2003) postula a necessidade dessa praacutetica de ldquoconsiderar o
discurso musical dos alunosrdquo (p 66) pois estes ao se apresentarem trazem suas
identidades musicais E nesse sentido considerar o discurso musical nos ensaios
do grupo instrumental foi um dos importantes procedimentos realizados
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Em relaccedilatildeo agrave famiacutelia foi entrevistada a matildee do Estudante J o qual eacute
participante do grupo instrumental desde 2013 tambeacutem entrevistado nessa
pesquisa
Representando os professores de sala de aula dos estudantes participantes
do grupo instrumental foi entrevistada a professora do componente curricular de
matemaacutetica Ela leciona para as turmas do 5ordm ao 9ordm ano fazendo parte do processo
de ensino e aprendizagem de estudantes de diferentes faixas etaacuterias que satildeo
participantes do grupo
Por fim da equipe diretiva da escola foi entrevistada a diretora a qual ocupa
este cargo de gestatildeo desde abril de 2014 Anteriormente era vice-diretora da
escola
A Importacircncia da Participaccedilatildeo de Estudantes nas Atividades do Grupo Instrumental
A partir da realizaccedilatildeo desta pesquisa constatou-se a importacircncia que o grupo
instrumental tem na vida de todos os envolvidos com este tipo de trabalho Quer
sejam os estudantes que participam do grupo quer sejam as famiacutelias ndash nesta
pesquisa caracterizadas pela entrevista com uma matildee ndash quer sejam os professores
que trabalham com esses estudantes que estatildeo participando do grupo e com
certeza a equipe diretiva caracterizada pela diretora todos percebem esta
importacircncia Cada um do seu modo demonstrou a intensidade da importacircncia desta
participaccedilatildeo
Os estudantes percebem que ao participarem do grupo instrumental aleacutem de
gostarem eles constatam diversos aprendizados tanto musicais quanto
extramusicais A este respeito o Estudante W relatou ldquoPercebo que para mim
ajudou bastante e eu acho que as pessoas gostam do que a gente faz bem dizer
assimrdquo (C E 2015 p 7)
Em outro momento da entrevista o Estudante W explicou sobre sua
socializaccedilatildeo no grupo e em relaccedilatildeo ao rendimento escolar De acordo com seu
depoimento ldquoAcho bom fiz vaacuterias amizades tambeacutem e gosto das apresentaccedilotildees
Sinto-me bem agrave vontade E melhorei meu rendimento bastante e a aprendizagemrdquo
(C E 2015 p 7)
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Quanto agrave oportunidade que lhe foi dada em relaccedilatildeo agrave muacutesica de participar do
grupo musical o Estudante W salientou este aspecto explicando ldquoSempre gostei de
muacutesica e nunca tinha tido a oportunidade de entrar e acabei gostando muitordquo (C E
2015 p 7)
O Estudante J outro entrevistado nesta pesquisa a respeito de seu apreccedilo
pelas aulas de instrumento explicou ldquoEu gosto muito das aulas eacute bom estar aqui
[na escola] estudando muacutesica e aprendendo outros instrumentos novos isso eacute bem
legalrdquo (C E 2015 p 11)
A matildee do Estudante J explicou sobre como percebe a participaccedilatildeo de seu
filho bem como sobre o que esta participaccedilatildeo resulta na famiacutelia modificando-a
inclusive
Ele gosta muito chega a hora de vir natildeo interessa se estaacute chovendo ou se natildeo estaacute ele [seu filho] se arruma e vem [agrave escola] de qualquer jeito Ele gosta muito isso foi uma coisa que vocecircs [da escola] fizeram que foi oacutetimo neacute [] Porque ele fica faceiro chega na hora ele guarda aquele instrumento com muito carinho muito bem guardado Ele gosta muito mesmo (C E 2015 p 3)
A professora dos estudantes que participam do grupo instrumental tambeacutem
observou o reflexo desta participaccedilatildeo no seu trabalho pedagoacutegico no cotidiano da
escola Para a professora ldquoAquele comprometimento que eles tecircm com o horaacuterio da
muacutesica de aprender e tudo mais causa neles um compromisso com o resto das
disciplinas em sala de aula tambeacutemrdquo (C E 2015 p 16) A diretora da escola
tambeacutem contribuiu com a anaacutelise fornecendo importantes dados sobre a participaccedilatildeo
dos estudantes da escola no grupo instrumental De acordo com a diretora
A participaccedilatildeo dos estudantes no grupo para mim eacute acima de tudo muita emoccedilatildeo porque eu sempre acreditei no projeto tentei da melhor maneira possiacutevel focar e conseguir mecanismos para que ele pudesse existir E eu vejo que estar no grupo eacute um grande investimento para essas crianccedilas e adolescentes na construccedilatildeo integral da sua personalidade da sua maneira de pensar e de ver o mundo (C E 2015 p 14)
A diretora ainda acrescentou um comentaacuterio sobre a repercussatildeo do grupo
instrumental na comunidade ressaltando a importacircncia desse fator ao explicar
O grupo instrumental traz a questatildeo da comunidade pois natildeo ficou apenas na escola Ele foi para a comunidade local no bairro ele foi para o centro da cidade as pessoas conhecem o grupo as pessoas convidam para participar de eventos Entatildeo eu acho que para a professora de muacutesica eacute
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profissionalismo para mim eacute emoccedilatildeo e para eles eu acho que eacute um trabalho de autoestima de grande valor porque satildeo crianccedilas de uma localidade rural que nunca se imaginaria de seguir um caminho de estrada de chatildeo com um saxofone (C E 2015 p 15)
As atividades musicais existentes no grupo instrumental da escola repercutem
junto agrave comunidade escolar no seu entorno demais regiotildees do municiacutepio e fora
dele E essa repercussatildeo eacute devida ao incentivo por parte da escola aos estudos
musicais dos estudantes do grupo instrumental e aos demais estudantes da escola e
de fora da escola Isso ocorre no caso do Estudante W que jaacute concluiu seus
estudos mas permanece na escola o que incentiva os demais estudantes a
optarem pela muacutesica como profissatildeo
Observou-se uma concordacircncia entre os entrevistados quando enfatizaram a
extrema importacircncia de os estudantes participarem do grupo instrumental (C E
2015) principalmente no que diz respeito agraves funccedilotildees da muacutesica Esta anaacutelise remete
a Kraemer (2000) considerando-se as funccedilotildees da muacutesica Do mesmo modo os
aspectos socioloacutegicos e psicoloacutegicos apresentaram-se relevantes para esta anaacutelise
O relacionamento entre as pessoas desenvolvido atraveacutes das atividades musicais
no grupo instrumental apresentou-se fortemente Kraemer (2000) ao analisar as
relaccedilotildees entre as pessoas e a importacircncia que a muacutesica pode ter em suas vidas
explica que a pedagogia da muacutesica ocupa-se com ldquoas relaccedilotildees entre a(s) pessoa(s)
e a(s) muacutesica(s) sob os aspectos de apropriaccedilatildeo e de transmissatildeordquo (KRAEMER
2000 p 51) Isto foi encontrado nesse grupo bem como nas falas dos
entrevistados
Nesse sentido a partir das entrevistas realizadas que oportunizaram analisar
e correlacionar os conteuacutedos das falas ao referencial teoacuterico principalmente neste
caso como aponta Kraemer (2000) observa-se a importacircncia da muacutesica para as
pessoas bem como a potecircncia de estar em um grupo instrumental em espaccedilos
escolares
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Influecircncias de Participar de um Grupo Instrumental para a Vida dos Estudantes
Participantes e Familiares Envolvidos
Atraveacutes das entrevistas com os estudantes J e W observou-se a influecircncia
que a muacutesica exerce em suas vidas desde a entrada no grupo instrumental Neste
sentido o Estudante W explicou ldquoMinha famiacutelia apoia bastante eles gostam Em
casa eles pedem para tocar agraves vezes A voacute adora e apoia bastante sempre me
perguntando se eu tirei muacutesica nova alguma coisardquo (C E 2015 p 8)
Aleacutem disso ao comentar sobre o impacto em sua vida o Estudante W
explicou ldquoMelhorou bastante minha vida musical e familiar com isso eu me sinto
muito melhorrdquo (C E 2015 p 9) O Estudante W foi convidado a entrar no grupo
instrumental poreacutem natildeo tinha grandes expectativas musicais E foi se envolvendo
com o fazer musical despertando o interesse de aprender diversos instrumentos
musicais O Estudante W levou esse encantamento para seus familiares seus
ensaios musicais promovem satisfaccedilatildeo em sua famiacutelia promovendo uniatildeo e
interaccedilatildeo dos mesmos durante esse processo
O Estudante J externou em sua fala que ao entrar no grupo ocorreram
muitas mudanccedilas em seu modo de ser Em seu depoimento ele destacou
mudanccedilas quanto ao comprometimento e agrave pontualidade Ele observa que consegue
cumprir o que eacute solicitado pela professora estaacute estudando mais Assim ldquome ajudou
bastante ateacute na aula normal estou mais comportado fazendo todos os trabalhos
melhorrdquo (C E 2015 p 12)
Em relaccedilatildeo agrave famiacutelia a matildee do Estudante J enfatizou a grande socializaccedilatildeo e
o clima de harmonia que a famiacutelia experienciou por meio do contato de seu filho com
o instrumento musical em casa (C E 2015)
Observa-se nos depoimentos a funccedilatildeo da muacutesica no campo socioloacutegico que
vai ao encontro do que Kraemer (2000) acredita jaacute que ldquoconsidera o manuseio com
a muacutesica como um processo socialrdquo e analisa o ldquocomportamento do homem
relacionado com a muacutesica em direccedilatildeo agraves influecircncias sociais institucionais e gruposrdquo
(p 57) Eacute possiacutevel atraveacutes dos dados coletados observar a influecircncia social e
comportamental que a muacutesica exerce entre os agentes envolvidos seja no acircmbito
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familiar ou no processo de desenvolvimento intelectual dos estudantes participantes
do grupo
Nas falas da escola caracterizadas pela entrevista com a diretora e com a
professora foi possiacutevel verificar que ambas tambeacutem trataram da influecircncia que
resulta da participaccedilatildeo no grupo instrumental A professora explicou suas
observaccedilotildees quanto aos estudantes participantes do grupo instrumental feitas na
sua aula Ela leciona haacute muitos anos na escola e por isso tem um grande
conhecimento dos estudantes os tem acompanhado antes mesmo de ingressarem
no grupo instrumental Ao conhecer os estudantes ela pode analisar mais
amplamente De acordo com a professora
A gente nota uma diferenccedila bastante elevada neles Que eles se concentram mais em sala de aula e isso ajuda para o futuro deles e isso eacute muito bom Pois a gente sabe que tudo na vida precisa de concentraccedilatildeo precisa de carinho para fazer as coisas precisa de dedicaccedilatildeo E isso eu vejo enquanto eles aprendem muacutesica Eacute claro que isso reflete em sala de aula tambeacutem (C E 2015 p 17)
Foi possiacutevel constatar ao analisar a entrevista da professora no que se
relaciona agrave psicologia da muacutesica o que Kraemer (2000) explica sobre as
ldquosemelhanccedilas e diferenccedilas observaacuteveis de comportamento e da vivecircncia musicalrdquo (p
55) Assim pode-se analisar as funccedilotildees da educaccedilatildeo musical que envolvem ldquotarefas
da pedagogia da muacutesica [que] devem ser definidas juntamente com a aquisiccedilatildeo de
conhecimento compreender e interpretar descrever e esclarecer conscientizar e
transformarrdquo (KRAEMER 2000 p 66)
Os dados obtidos nas entrevistas no que diz respeito agrave participaccedilatildeo dos
estudantes no grupo instrumental tambeacutem remetem agrave importacircncia da oferta de
atividades no turno inverso escolar Nesse sentido Wolffenbuumlttel (2014) explica que
as atividades extracurriculares tecircm uma perspectiva de ampliaccedilatildeo das possibilidades
das escolas Segundo a autora as ldquoatividades extracurriculares satildeo capazes de
contribuir para o desenvolvimento dos alunosrdquo (p 56)
Expectativas em Relaccedilatildeo agraves Atividades Instrumentais
Ao longo das entrevistas os estudantes participantes do grupo instrumental
externaram suas expectativas musicais em relaccedilatildeo a esta participaccedilatildeo O Estudante
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W foi aleacutem acrescentando sua expectativa profissional De acordo com seu
depoimento ldquoEu pretendo evoluir de repente fazer uma faculdade de muacutesica que
me interessa bastante esse caminhordquo (C E 2015 p 8)
O Estudante J em sua entrevista afirmou sobre as expectativas em relaccedilatildeo agrave
participaccedilatildeo no grupo pretendendo aperfeiccediloar-se para uma melhor representaccedilatildeo
de sua escola De acordo com ele esta participaccedilatildeo se daacute no sentido de ldquofazer o
que tem que fazer natildeo deixar de ensaiar em casa e fazer o melhor Espero que
cada vez melhore para representar melhor a escola e aprender tambeacutemrdquo (C E
2015 p 12) Em suas expectativas profissionais apontou a vontade de seguir
profissionalmente na muacutesica Para ele ldquoAh se surgir alguma oportunidade eu quero
fazer uma faculdade de muacutesica neacute Quero me formarrdquo (C E 2015 p 12) Nesta
fala externada pelo Estudante J observa-se o que os PCNs sugerem em relaccedilatildeo a
um dos objetivos gerais para a muacutesica na escola qual seja adquirir ldquoconhecimento
sobre profissotildees e profissionais da aacuterea musical considerando diferentes aacutereas de
atuaccedilatildeo e caracteriacutesticas do trabalhordquo (BRASIL 1998 p 82)
A participaccedilatildeo dos estudantes no grupo instrumental eacute de suma importacircncia
o que se evidenciou em suas falas em relaccedilatildeo agraves expectativas profissionais
remetendo agraves funccedilotildees da muacutesica e da educaccedilatildeo musical nos acircmbitos psicoloacutegico e
social estando em sintonia com as anaacutelises de Kraemer (2000) apresentadas
anteriormente
Observou-se que todos os entrevistados tecircm expectativas musicais
estudantes que inclusive mencionaram pretender seguir nas atividades musicais
como profissatildeo demonstrando encantamento com o fazer musical e indicando
pretensotildees profissionais A diretora por sua vez mencionou em sua fala esperar
que o grupo instrumental cada vez se estruture mais para assim atender mais
estudantes Ela se preocupa portanto em atender agraves demandas escolares e da
comunidade
Salienta-se que todo esse envolvimento teve como ponto de partida uma
atividade extracurricular (WOLFFENBUumlTTEL 2014) E o bom desempenho do grupo
eacute advindo de vaacuterios esforccedilos sendo que a muacutesica e seu ensino atraveacutes da
educaccedilatildeo musical estaacute desempenhando suas funccedilotildees na vida dos estudantes e dos
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familiares (KRAEMER 2000) Observou-se tambeacutem a valorizaccedilatildeo dos estudantes
participantes como sujeitos propositores no trabalho pedagoacutegico-musical
(SWANWICK 2003) resultando no encantamento do fazer musical colaborando
para o desenvolvimento integral dos sujeitos envolvidos considerando-se as
atividades musicais do grupo instrumental
Consideraccedilotildees Finais
Apoacutes a realizaccedilatildeo desta pesquisa foi possiacutevel responder aos
questionamentos apresentados na introduccedilatildeo deste artigo e que nortearam esta
investigaccedilatildeo quais sejam Qual o significado da participaccedilatildeo dos estudantes em um
grupo instrumental Quais as expectativas dos estudantes que participam destes
grupos Qual a influecircncia da muacutesica para estes participantes Quais as expectativas
de estudantes familiares e comunidade escolar em relaccedilatildeo ao grupo Como ocorre
o envolvimento dos familiares dos estudantes
Quanto ao significado da participaccedilatildeo dos estudantes no grupo instrumental
observou-se que a mesma reflete diversos aspectos positivos nas vidas de todos os
envolvidos o que segundo os estudantes do grupo instrumental possui vaacuterios
significados e representaccedilotildees em seus cotidianos Para eles significa ter melhoria
no comportamento na socializaccedilatildeo no processo de ensino e aprendizagem no
comprometimento na pontualidade na concentraccedilatildeo e no conviacutevio familiar
Agregam o significado de ldquofelicidaderdquo na convivecircncia que o grupo instrumental
proporciona e ainda destacam a importacircncia de representar a escola e a
abrangecircncia desta participaccedilatildeo junto agrave comunidade Todos os entrevistados
relacionaram significados com a importacircncia de o grupo existir na escola
apontando-o como desencadeador desses diversos contextos significativos para
eles
As expectativas dos participantes deste grupo foram tambeacutem
questionamentos desta pesquisa Constatou-se que os estudantes possuem
expectativas profissionais em relaccedilatildeo agrave muacutesica quando acrescentaram o interesse
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em continuar seus estudos musicais para culminar com o ingresso em um curso
superior em muacutesica
Outro questionamento foi a influecircncia da muacutesica para os participantes deste
grupo De acordo com os dados coletados e analisados observa-se que o grupo
instrumental influencia de forma positiva suas vidas visto que foram observadas
mudanccedilas positivas pela matildee pela professora e pela diretora aleacutem dos estudantes
principalmente nas suas condutas e atuaccedilotildees no acircmbito familiar e escolar
resultando em melhorias nas relaccedilotildees sociais e no ensino e aprendizagem
As expectativas dos estudantes familiares e comunidade escolar quanto ao
grupo instrumental foi um dos questionamentos que oportunizou inuacutemeros
aprendizados no que diz respeito agrave pesquisa Observou-se que todos os
entrevistados esperam que o grupo se estruture cada vez mais para que os
benefiacutecios de participar de um grupo instrumental sejam ampliados para mais
estudantes ressaltando expectativas em relaccedilatildeo agrave evoluccedilatildeo como instrumentistas
para continuar contribuindo na qualidade e no crescimento do grupo
Por fim o envolvimento dos familiares dos participantes deste grupo foi um
questionamento que se apresentou de forma bastante marcante nesta pesquisa De
acordo com as entrevistas pocircde-se compreender o envolvimento significativo da
famiacutelia no processo de desenvolvimento musical do estudante identificou-se que a
famiacutelia participa da rotina de estudos e que proporciona momentos de integraccedilatildeo
nos ensaios de repertoacuterio dos estudantes com os demais familiares Isso
desencadeia reflexotildees sobre a importacircncia de seu filho ter contato com um
instrumento musical e de conviver em um grupo instrumental motivando-o para a
permanecircncia no mesmo
Alguns fatos surpreenderam no decorrer desta pesquisa como momentos de
emoccedilatildeo na entrevista com a diretora na fala fervorosa da matildee do Estudante J em
relaccedilatildeo agrave rotina de ensaios musicais do filho e a integraccedilatildeo familiar que promove As
entrevistadas ao responderem aos questionamentos da entrevista emocionaram-se
muito demonstrando a forte relaccedilatildeo advinda da existecircncia do grupo instrumental na
escola
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Deve-se salientar tambeacutem que a pesquisa possibilitou a reflexatildeo sobre os
fazeres pedagoacutegico-musicais da professora de muacutesica atuante na escola a qual
coordena o grupo instrumental investigado Foi possiacutevel neste processo
investigativo constatar a dimensatildeo e a importacircncia desse trabalho na vida dos
estudantes identificando atraveacutes dos depoimentos analisados a responsabilidade
que os profissionais da aacuterea da educaccedilatildeo musical tecircm Eacute importante portanto que
sempre se esteja atento agraves atitudes procedimentos e metodologias utilizados pois
somos importantes neste processo para aleacutem do encantamento do fazer musical
para uma aprendizagem que contribua com a formaccedilatildeo de um ser humano integral
Ao longo da pesquisa outros dados relevantes foram coletados apontando
futuras investigaccedilotildees Desse modo resultaram novos questionamentos como O
que levou outros estudantes a desistirem de participar do grupo instrumental ao
longo de sua trajetoacuteria Qual a importacircncia de os estudantes que participam de um
grupo instrumental terem a oportunidade de manusear diversos instrumentos
musicais
Ao finalizar a investigaccedilatildeo prospecta-se que a mesma possa contribuir para a
construccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para a educaccedilatildeo musical no contexto escolar
Entende-se tambeacutem que este trabalho possa contribuir com a implementaccedilatildeo da
legislaccedilatildeo que dispotildee sobre a inserccedilatildeo da muacutesica nas escolas brasileiras e assim
somar de maneira significativa na vida dos estudantes participantes como no caso
do grupo instrumental pesquisado
Referecircncias BASTIAtildeO Zuraida Abud Praacutetica de conjunto instrumental na educaccedilatildeo baacutesica Muacutesica na Educaccedilatildeo Baacutesica Londrina v4 n4 p 58-69 novembro de 2012
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DUTRA Pacircmela Goumlethel WOLFFENBUumlTTEL Cristina Rolim ACCORSI Ana Maria Bueno Estudo sobre a
participaccedilatildeo de estudantes em um grupo instrumental Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 120-
141 juldez 2016 Disponiacutevel em lthttpseerfundartersgovbrindexphpRevistadaFundarteindexgt
BRASIL Lei nordm 11769 de 16 de agosto de 2008 Altera a Lei ndeg 9394 de 20 dezembro de 1990 para dispor sobre a obrigatoriedade do ensino de muacutesica na educaccedilatildeo baacutesica Brasiacutelia 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03LEISL9394htmgt Acesso em 15 set 2015 JOLY Maria Carolina Leme JOLY Ilza Zenker Leme Praacuteticas musicais coletivas um olhar para a convivecircncia em uma orquestra comunitaacuteria Revista da ABEM Londrina v19 n26 p 79-91 jul Dez 2011 KRAEMER Rudolf Dimensotildees e funccedilotildees do conhecimento pedagoacutegico musical Em Pauta Porto Alegre v11 n 1617 p 50-73 abrnov 2000 LAVILLE Christian DIONNE Jean A construccedilatildeo do Saber manual de metodologia da pesquisa em ciecircncias humanas Porto Alegre Artmed 1999 MARTINS Heloiacutesa Helena Tde Souza Metodologia qualitativa de pesquisa Educaccedilatildeo e Pesquisa Satildeo Paulo V 30 n2 p 289-300 maioago 2004 Disponiacutevel em lt httpwwwscielobrpdfepv30n2v30n2a07pdfgt Acesso em 25 ago 2015 MORAES Roque Anaacutelise de conteuacutedo Revista Educaccedilatildeo Porto Alegre v 22 n 37 p 7-32 1999 SWANWICK Keith Ensinando muacutesica musicalmente Satildeo Paulo Moderna 2003 VENTURA Magda Maria O estudo de caso como modalidade de pesquisa Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro v 20 n 5 p 383-386 setout 2007 Disponiacutevel em lthttpsociedadescardiolbrsocerjrevista2007_05a2007_v20_n05_art10pdfgt Acesso em 15 ago 2015 WOLFFENBUumlTTEL Cristina Rolim A inserccedilatildeo da muacutesica nos projetos poliacutetico-pedagoacutegicos da educaccedilatildeo baacutesica 1ordf ed Curitiba Editora Prismas 2014 YIN Robert K Estudo de caso planejamento e meacutetodos 2ordf ed Porto Alegre Bookman 2001
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TEATRO PARA QUEM A ARTE DE TEATRAR PARA TODOS Um estudo
sobre acessibilidade cultural em espetaacuteculos teatrais no RS
Izabel Cristina da Silveira1
Fundaccedilatildeo de Arte e Cultura de Gravataiacute - FUNDARC
Resumo Este trabalho busca investigar analisar e viabilizar diaacutelogos reflexotildees e percepccedilotildees em torno do tema da acessibilidade cultural sob a oacuteptica do contexto teatral no estado do Rio Grande do Sul com um recorte pontual no municiacutepio de Porto Alegre capital do estado a fim de promover a inclusatildeo social da pessoa com deficiecircncia no acircmbito cultural Para tanto servem como suporte para anaacutelise registros pesquisa e observaccedilotildees de seis grupos de teatro do municiacutepio supracitado e suas relaccedilotildees com o assunto em pauta aleacutem de discussotildees das noccedilotildees de deficiecircncia acessibilidade e Legislaccedilatildeo vigente Palavras-chave Acessibilidade teatro inclusatildeo Abstract This work aims to investigate analyze and facilitate dialogues reflections and insights on the theme of cultural accessibility from the perspective of the theatrical context in the state of Rio Grande do Sul with a point cut in the city of Porto Alegre the state capital to promote social inclusion of persons with disabilities in the cultural sphere To serve both as support for analysis records research and observations six theater groups of the aforementioned municipality and its relations with the subject at hand in addition to discussing the shortcomings notions of accessibility and current legislation Keywords Accessibility theater inclusion
Introduccedilatildeo
[] temos o direito a ser iguais quando a nossa diferenccedila nos inferioriza e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza Daiacute a necessidade de uma igualdade que reconheccedila as diferenccedilas e de uma diferenccedila que natildeo produza alimente ou reproduza as desigualdades (Boaventura de Souza Santos 2003 p56)
A pauta da acessibilidade nos meios de comunicaccedilatildeo e equipamentos
culturais tem se configurado como um importante tema de discussatildeo e luta entre
grupos e sociedade em decorrecircncia dos direitos da pessoa com deficiecircncia Os
esforccedilos neste sentido visam natildeo apenas proporcionar o acesso a produtos
culturais a uma parcela da populaccedilatildeo que se encontra excluiacuteda como tambeacutem
estabelecer um novo patamar de igualdade baseado na valorizaccedilatildeo da diversidade
1 Coordenadora do Departamento de Artes Cecircnicas da Fundarc em Gravataiacute Diretora e professora de teatro na
Cia Teatral Tem Gente no Palco Poacutes Graduada em Acessibilidade Cultural pela UFRJ Graduada em
Licenciatura em Teatro pela UFRGS
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Ao longo dos anos essas reivindicaccedilotildees tecircm provocado diversas mudanccedilas
no comportamento social que passa a identificar a pessoa com deficiecircncia como um
sujeito pertencente agrave sociedade que possui representatividade cidadatilde e econocircmica
Esse reconhecimento gera a necessidade de mudanccedilas e adaptaccedilotildees tambeacutem nas
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas
Sendo assim o presente artigo busca trazer agrave tona tais questionamentos e
fomentar a discussatildeo do assunto problematizando e dialogando a fim de colaborar
efetivamente para a pauta da acessibilidade para todos e buscar alternativas
possiacuteveis para acessibilizar espetaacuteculos teatrais em suas apresentaccedilotildees
Para tanto realizou-se estudo praacutetico-teoacuterico junto a grupos teatrais do estado
do Rio Grande do Sul atuantes na capital Porto Alegre Optou-se por um recorte
pontual no maior centro urbano e cultural do estado com cenaacuterio teatral fortemente
constituiacutedo e onde se localiza o Curso de Graduaccedilatildeo em Teatro em uma das mais
conceituadas Universidades do Brasil ndash a Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS)
Levando-se em conta o grande nuacutemero de grupos teatrais existentes em
Porto Alegre e a impossibilidade de uma pesquisa que abranja todas as demandas
a metodologia deste trabalho teve como base uma amostragem de dados com
pesquisa e acompanhamento de 06 (seis) grupos teatrais profissionais com
empresa constituiacuteda e atuaccedilatildeo no mercado artiacutestico haacute mais de 05 (cinco) anos A
escolha se deu por conhecimento dos grupos e do trabalho que desenvolvem
levando-se em conta tambeacutem a disponibilidade dos mesmos e o contato que
possuem ou natildeo com o tema Para tanto foram selecionados entre os 06 (seis)
grupos pesquisados 02 (dois) que jaacute desenvolvem ou desenvolveram trabalhos em
acessibilidade cultural e outros 04 (quatro) que natildeo tecircm contato direto
A pesquisa caracteriza-se por seu caraacuteter qualitativo e quantitativo visando
compreender e interpretar este grupo determinado comportamento opiniotildees e
expectativas destes indiviacuteduos criando uma base de conhecimentos para depois
quantificaacute-los a partir de entrevista estruturada Este trabalho natildeo tem como intuito
apontar procedimentos certos ou errados mas levantar a problematizaratildeo da
acessibilidade no meio teatral tanto fiacutesico quanto de concepccedilatildeo instigando a
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comunidade artiacutestica e demais a refletir e perceber a necessidade de uma cultura
acessiacutevel a todos propondo ideias e atitudes que de fato promovam a inclusatildeo
social
Com um vieacutes de poliacutetica cultural o estudo levanta dados referentes agraves
poliacuteticas puacuteblicas que estatildeo sendo desenvolvidas no acircmbito da acessibilidade
cultural tendo como base a Lei Federal de Incentivo agrave Cultura (Lei Rouanet) a Lei
de Incentivo agrave Cultura do Estado do Rio Grande do Sul (LIC) e o Fundo Municipal de
Apoio agrave Produccedilatildeo Artiacutestica e Cultural do municiacutepio de Porto Alegre (Fumproarte)
procurando transitar pelas trecircs instacircncias governamentais de fomento agrave cultura no
Brasil
Para melhor fundamentaccedilatildeo alguns referenciais teoacutericos satildeo utilizados e
discutidos ao longo deste trabalho como embasamento para discussotildees acerca da
deficiecircncia e seu processo de inclusatildeo do teatro sob vieacutes acessiacutevel e da legislaccedilatildeo
vigente referente ao tema Em um segundo momento satildeo pontuados assuntos
referentes agrave acessibilidade cultural em espetaacuteculos teatrais tendo como objeto de
estudo os grupos de teatro referidos a partir de entrevistas e aplicaccedilatildeo de
questionaacuterio com perguntas objetivas e abertas sobre a temaacutetica com amostra
teacutecnica dos resultados e anaacutelise discursiva sobre os dados coletados
Entre seus objetivos especiacuteficos alguns jaacute mencionados no corpo deste texto
que serviram de norteadores para o desenvolvimento deste trabalho estatildeo traccedilar
um panoramadiagnoacutestico da inclusatildeo social e cultural da pessoa com deficiecircncia a
partir do enfoque do teatro e seus espetaacuteculos qualificar accedilotildees desenvolvidas ao
encontro das demandas de acessibilidade discutir poliacuteticas puacuteblicas e culturais a
partir da interface com mecanismos de incentivo agrave cultura como Leis e Editais
analisar as dificuldades encontradas pelos grupos pesquisados no processo de
inclusatildeo relacionar o teatro e seu caraacuteter contestador e democraacutetico com a luta por
direitos das pessoas com deficiecircncia ampliar o diaacutelogo e reconhecimento da
importacircncia da igualdade baseada na valorizaccedilatildeo da diversidade
Todos esses objetivos e questionamentos vecircm ao encontro do propoacutesito
maior desta pesquisa que se fundamenta em viabilizar a discussatildeo reflexatildeo e
percepccedilatildeo em torno da acessibilidade cultural dentro do contexto teatral no estado
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do Rio Grande do Sul promovendo assim a inclusatildeo social da pessoa com
deficiecircncia
Contextualizaccedilatildeo histoacuterica social e legal
O teatro surge antes mesmo da Greacutecia Antiga Acredita-se que jaacute na Preacute-
Histoacuteria o Homem para se comunicar representavaencenava suas accedilotildees
principalmente as caccediladas para seus familiares e amigos Era uma maneira luacutedica e
de faacutecil compreensatildeo de contar e preservar sua histoacuteria Natildeo se tinha ainda o
espetaacuteculo teatral que de fato tem sua origem na Civilizaccedilatildeo Grega mas as
primeiras manifestaccedilotildees artiacutesticas comeccedilam a surgir e mais importante que isso o
ato de se comunicar
O espetaacuteculo teatral precisa ser entendido sentido internalizado para
somente entatildeo desempenhar seu papel significador de instrumento social e cultural
Para tanto o seu ato de comunicar deve ser abrangente natildeo seletivo ou excludente
Como arte democraacutetica que eacute deve ou deveria ser para todos
Todos Como Claudia Werneck ndash jornalista escritora e militante em inclusatildeo
social ndash intitula em um dos seus livros ldquoQuem cabe no seu todosrdquo E ao usar a
palavra TODOS a autora convida o leitor a acompanhar suas certezas e anguacutestias
sobre as diretrizes e encaminhamentos da inclusatildeo no Brasil Claudia questiona
instiga potildee agrave prova o que se costuma entender e chamar de Todos A sociedade eacute
constituiacuteda por diferentes Todos totalmente distintos entre si que segundo
Werneck precisam ser ampliados e reconhecidos para entatildeo tornarem-se um
TODOS somente Um TODOS social humano ldquo[] defendo que o direito agrave
igualdade social soacute seraacute garantido com o reconhecimento e a legitimaccedilatildeo de TODAS
as diferenccedilasrdquo (WERNECK 2012 p 29)
A psicoacuteloga e professora Virgiacutenia Kastrup em seu artigo ldquoCegos e videntes se
encontram no museu da dicotomia agrave partilha do sensiacutevelrdquo (p3) reafirma a
importacircncia das diferenccedilas para a construccedilatildeo de uma sociedade mais inclusiva
Eacute preciso atentar para o fato que o mundo comum natildeo eacute feito de igualdades e identidades [] Para o mundo ser comum no sentido amplo e inclusivo ele deve comportar a heterogeneidade Natildeo apenas toleraacute-la mas honrar-se com as muacuteltiplas diferenccedilas que nele habitam (KASTRUP p3)
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O Brasil apresenta segundo uacuteltimo censo do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatiacutestica (IBGE) de 2010 cerca de 456 milhotildees de pessoas com deficiecircncia
239 da populaccedilatildeo que declara ter algum tipo de deficiecircncia Destas a deficiecircncia
visual aparece em maior nuacutemero (188) -- tendo a regiatildeo Sul do paiacutes com maior
abrangecircncia de casos -- seguida pela deficiecircncia fiacutesica (7) e depois auditiva (51)
e intelectual (14) segundo publicaccedilatildeo do Jornal Estadatildeo de 290620122
Com nuacutemeros tatildeo significativos natildeo se pode pensar que a inclusatildeo de
pessoas com deficiecircncia seja um assunto remoto ou longiacutenquo que a sociedade natildeo
esteja ciente e integrada a tal fato Mas o que acontece no campo da praacutetica eacute bem
diverso da teoria
Muito do que se pode constatar eacute que a falta de inclusatildeo da pessoa com
deficiecircncia se reafirma a partir de barreiras atitudinais fundamentadas em uma
cultura histoacuterico-social que construiu um estereoacutetipo de separaccedilatildeo entre pessoas
saudaacuteveis e pessoas ldquodoentesrdquo com problemas leia-se deficiecircncia Quebrar
tais barreiras se torna muito mais difiacutecil do que solucionar barreiras fiacutesicas palpaacuteveis
e concretas
Sob o vieacutes filosoacutefico-social
O homem em sua busca incessante por descobrir-se por encontrar seu lugar
no mundo anseia por elementos que o faccedilam sentir-se ldquovivordquo uacutetil sujeito ativo de
sua histoacuteria Os viacutenculos sociais natildeo fazem parte apenas da necessidade cataacutertica
do ser humano da sua busca por encontrar-se por pertencer a um lugar mas satildeo
tambeacutem laccedilos culturalmente construiacutedos O Homem quer e precisa se sentir parte
integrante da sociedade que o cerca Pessoas agrupam-se em torno de
pensamentos objetivos eou ideais em comum Encontrar semelhantes eacute a
certificaccedilatildeo de sua identidade eacute o natildeo se estar soacute Eacute protegerem-se em seus nichos
sociais de um mundo tantas vezes opressor desigual e competitivo
Diante de uma realidade calcada em valores descartaacuteveis natildeo eacute de se
admirar que atos de solidariedade sejam cada vez mais raros Sendo assim os
sup1 Fonte Agecircncia Brasil de 21082015 via site wwwebccombr
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viacutenculos humanos natildeo se constituem em laccedilos radicados em accedilotildees para o outro
mas sim em benefiacutecio proacuteprio O socioacutelogo Zygmunt Bauman sabiamente destaca
Os viacutenculos humanos satildeo confortavelmente frouxos mas por isso mesmo terrivelmente precaacuterios e eacute tatildeo difiacutecil praticar a solidariedade quanto compreender seus benefiacutecios e mais ainda suas virtudes morais (BAUMAN 2007 P30)
Para tanto ao se pensar em inclusatildeo se faz tambeacutem necessaacuterio aleacutem do
social e histoacuterico voltar o olhar para o intriacutenseco filosoacutefico O que leva as pessoas a
natildeo quererem enxergar o outro em suas especificidades e diversidades Alfredo
Bosi em seu livro Fenomenologia do Olhar nos apresenta este fenocircmeno e como
ele se manifesta ldquo[] o ato de olhar significa um dirigir a mente para um ato de
intencionalidade Eacute ter sua intenccedilatildeo voltada para o objeto de interesserdquo (BOSI
1988 p65) O olhar de cada um possui diferenccedilas e estas estatildeo ligadas agraves suas
vivecircncias o que se consegue captar e lhe eacute significativo O olhar para Bosi como
forma de expressatildeo que reconhece e percebe o outro em sua plenitude
Em um estudo mais intimista da fenomenologia da percepccedilatildeo atraveacutes dos
pensamentos do filoacutesofo e fenomenoacutelogo francecircs Maurice Merleau-Ponty (1908 -
1961) podemos constatar que haacute uma universalidade do sentir e sobre ela que
repousa nossa identificaccedilatildeo a constituiccedilatildeo do eu a generalizaccedilatildeo do corpo e a
percepccedilatildeo do outro onde para Ponty (1994 p 260) ldquotodo o saber se instala no
horizonte da percepccedilatildeordquo e reafirma que ldquose a percepccedilatildeo interpreta ela soacute o faz a
partir do mundo de forma sensiacutevelrdquo Pensar natildeo eacute somente razatildeo mas um refletir
sobre o mundo sensiacutevel A fenomenologia eacute uma atitude de reflexatildeo do fenocircmeno
que se mostra para noacutes na relaccedilatildeo que estabelecemos com os outros no mundo
Os fenocircmenos constituem o mundo como noacutes o experimentamos segundo nossas
experiecircncias e pensamentos Toda nossa relaccedilatildeo com o mundo natildeo teria razatildeo se
natildeo comeccedilasse pela percepccedilatildeo ou seja pelos sentidos Noacutes eacute que buscamos o
sentido daquilo que se mostra
No momento em que se deixa de perceber de olhar o outro e de fato
enxergaacute-lo em suas diferenccedilas e igualdades estes deixam de serem vistos como
possiacuteveis sujeitos de suas histoacuterias Sua autonomia eacute podada por assistencialismos
ou segregaccedilatildeo social A humanizaccedilatildeo dilui-se com a mesma intensidade com que o
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individualismo se enraiacuteza O Homem corre contra o tempo As relaccedilotildees passam a
adquirir um caraacuteter efecircmero e superficial e tudo se torna banal Natildeo basta mais
pertencer a uma sociedade eacute preciso ser o melhor aquele que corre na frente
ldquoCom mais frequecircncia ainda a exclusatildeo tende hoje a ser uma rua de matildeo uacutenicardquo
(BAUMAM 2007 p 75) Vivemos em ldquotempos liacutequidosrdquo
O cerceamento seja fiacutesico intelectual ou cultural se daacute de tal forma que o
indiviacuteduo perde sua autonomia transformando-se mecanicamente em apenas um
produto do meio O teatro surge neste contexto como um desses caminhos
possiacuteveis de serem trilhados como desmistificador de conceitos preestabelecidos
Quem faz essa pergunta ldquoqual eacute a sua utilidaderdquo deve estar atento a si mesmo a essa atitude que leva a negar o valor das aacutervores que natildeo datildeo frutos A aacutervore que natildeo daacute fruto ndash proverbialmente inuacutetil ndash se converte em algo essencial nas cidades sem oxigecircnio (BARBA 1991 p 145)
Quando o teatro entra em cena
Haacute uma diferenccedila fundamental entre a ciecircncia e a arte [] A ciecircncia atua diretamente sobre a realidade modificando-a Pelo contraacuterio a arte modifica os modificadores da sociedade transforma os transformadores (BOAL 1983)
A arte e sua estreita relaccedilatildeo com o homem e a sociedade a qual este
pertence torna-se um importante instrumento de discussatildeo e transformaccedilatildeo social
que natildeo pode ser esquecido nem perdido no emaranhado de modismos que
tendem a surgir Ao pensarmos a arte como elemento transformador capaz de
estabelecer diferentes relaccedilotildees de contextos e olhares somos remetidos agraves
possiacuteveis conexotildees e diaacutelogos que surgem a partir de sua experimentaccedilatildeo Sendo
assim o espectador deixa sua posiccedilatildeo de receptor passivo para ir ao encontro de
relaccedilotildees interativas que lhe permitam conceber seu proacuteprio conhecimento em
relaccedilatildeo agrave arte agrave obra ao espetaacuteculo
Amanda Tojal (2014 p15) a partir da anaacutelise dos processos de comunicaccedilatildeo
museoloacutegica que comeccedilam a se afirmar na sociedade contemporacircnea chama a
atenccedilatildeo para a forma de participaccedilatildeo do sujeito receptor ndash ldquo[] de uma condiccedilatildeo
anteriormente mais passiva como simples assimilador de uma mensagem ndash para
uma condiccedilatildeo mais dialoacutegica isto eacute a de um participante mais ativo no processo de
apreensatildeo e de ressignificaccedilatildeo do objeto cultural []rdquo
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Um equipamento cultural independentemente do segmento ndash museu galeria
teatro biblioteca ndash deve a priori comunicar Estabelecer essa via de comunicaccedilatildeo de
forma efetiva diante do heterogecircneo e oportunizar a qualquer pessoa o acesso e o
contato com a arte e suas manifestaccedilotildees A acessibilidade passa ou deveria passar
mais fortemente para aleacutem da acessibilidade fiacutesica e concreta gerando uma
reflexatildeo sobre como acessibilizar a comunicaccedilatildeo e a interaccedilatildeo A pessoa com
deficiecircncia deve ter atendido seu desejo de se sentir parte integrante do todo de
entender e reconhecer seu direito de pertencimento de ser ouvido de olhar para o
mundo de sentir se relacionar e acima de tudo de ter autonomia e liberdade
A acessibilidade natildeo eacute um favor que estaacute sendo feito eacute um direito de toda
pessoa com deficiecircncia Eacute garantir o direito maior e universal de toda e qualquer
pessoa de ir e vir de sua liberdade Conforme o Glossaacuterio de Acessibilidade
fornecido pelo Curso de Extensatildeo em EAD Acessibilidade em Ambientes Culturais
da UFRGS ndash Universidade Federal do Rio Grande do Sul o termo Acessibilidade
designa
Condiccedilatildeo para utilizaccedilatildeo com seguranccedila e autonomia total ou assistida dos espaccedilos mobiliaacuterios e equipamentos urbanos das edificaccedilotildees dos serviccedilos de transporte e dos dispositivos sistemas e meios de comunicaccedilatildeo e informaccedilatildeo por pessoa com deficiecircncia ou mobilidade reduzida
Sendo assim a acessibilidade cultural discussatildeo geral deste artigo eacute uma
das condiccedilotildees baacutesicas para que pessoas com algum tipo de deficiecircncia possam ter
acesso aos instrumentos e mecanismos de cultura usufruindo de suas
manifestaccedilotildees artiacutesticas
O teatro ensina contesta mostra sugere questiona natildeo se acomoda diante
do passivo do irremediaacutevel E como ainda pessoas ficam fora de suas salas
Como ainda muitas pessoas com deficiecircncia natildeo podem natildeo tecircm como assistir
usufruir de uma peccedila de teatro ir a um teatro consumir cultura viva Porque satildeo
diferentes O que deveria ser comum normal se torna o a mais o plus o
diferencial Ver espetaacuteculos teatrais acessiacuteveis eacute com dia e hora marcada
A arte teatral por si soacute jaacute apresenta uma gama de problemaacuteticas a serem
transpostas Natildeo eacute faacutecil fazer teatro como natildeo eacute faacutecil fazer cultura no Brasil Grupos
normalmente possuem orccedilamentos e recursos reduzidos para montagem de seus
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trabalhos a formaccedilatildeo de plateia eacute uma luta constante a valorizaccedilatildeo e entendimento
da profissionalizaccedilatildeo do artista tem sido uma conquista em pequenas doses Diante
desse quadro parece surgir quase como um ldquoincocircmodordquo a questatildeo da acessibilidade
cultural no meio teatral Proporcionar espetaacuteculos teatrais acessiacuteveis quando natildeo haacute
nem Casas de Teatro acessiacuteveis Quando as instacircncias governamentais acreditam
que os menores orccedilamentos e cortes devem comeccedilar pelas manifestaccedilotildees
artiacutesticas Com uma arbitrariedade latente tais questionamentos corroboram para a
divergecircncia selada entre praacutetica e teoria No entanto assim como nos lembra
Claudia Werneck em seu livro Ningueacutem mais vai ser bonzinho na sociedade
inclusiva ldquosomos cidadatildeos responsaacuteveis pela qualidade de vida do nosso
semelhante por mais diferente que ele seja ou nos pareccedila serrdquo
Tornar espetaacuteculos teatrais acessiacuteveis natildeo eacute uma tarefa faacutecil e comumente
realizada Eacute necessaacuterio um entendimento conhecimento de causa recursos e
profissionais disponiacuteveis para que natildeo se caia na vala comum do ldquofazer por fazerrdquo
Quando se estaacute interferindo tatildeo diretamente na vida de outras pessoas todo o
cuidado eacute pouco e um estudo detalhado de todas as possibilidades viaacuteveis faz a
diferenccedila no resultado final
Atualmente alguns recursos satildeo vistos como fundamentais para serem
aplicados quando a proposta eacute acessibilizar um espetaacuteculo teatral Audiodescriccedilatildeo
Libras (Liacutengua Brasileira de Sinais) Estenotipia (legenda em tempo real) Braile QR
Code (coacutedigo bidimensional) Caixa alta texto simples e contraste Reconhecimento
de palco Rampas de acesso
O Teatro Acessiacutevel passa pela aplicabilidade dessas tecnologias mas
principalmente e fundamentalmente pela quebra das barreiras atitudinais frente agrave
percepccedilatildeo destas questotildees A ldquoEscola de Genterdquo Organizaccedilatildeo Natildeo Governamental
fundada em 2002 por Claacuteudia Werneck no Rio de Janeiro trabalha haacute bastante
tempo o tema da inclusatildeo e tem no teatro na representaccedilatildeo teatral um grande
propagador de luta e difusor dos direitos da pessoa com deficiecircncia no Brasil Tem
como objetivo transformar poliacuteticas puacuteblicas em poliacuteticas inclusivas para que
pessoas com e sem deficiecircncia exerccedilam seus direitos humanos desde a infacircncia
Em 2003 O Grupo Teatro Acessiacutevel ldquoOs Inclusos e os Sisosrdquo da ldquoEscola de
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Genterdquo foi criado como meio de mobilizaccedilatildeo pela diversidade inclusatildeo e
acessibilidade Em 2011 a ldquoEscola de Genterdquo idealizou a campanha ldquoTeatro
Acessiacutevel Arte Prazer e Direitosrdquo e produziu o primeiro espetaacuteculo infantojuvenil
com total acessibilidade no paiacutes o musical rock Um Amigo Diferente que se
tornou o siacutembolo da Campanha Teatro Acessiacutevel Arte Prazer e Direitos
Em 2013 entrou em vigor o Projeto de Lei 61292013 de autoria dos
deputados federais Jean Wyllys Jandira Feghali Mara Gabrilli e Rosinha Adefal
que institui o dia 19 de setembro como o ldquoDia Nacional do Teatro Acessiacutevelrdquo Para os
autores do Projeto ldquoa data ajudaraacute a divulgar a cultura por meio de atividades
cecircnicas que utilizem praacuteticas de acessibilidade fiacutesica e comunicativa a pessoas com
deficiecircnciardquo3
Accedilotildees concretas sendo pensadas e realizadas para o desenvolvimento de
poliacuteticas puacuteblicas que estejam ao encontro de praacuteticas acessiacuteveis no contexto teatral
e cultural
Leis e poliacuteticas puacuteblicas
Por muito tempo as pessoas com deficiecircncia foram vistas como um problema
familiar social e cliacutenico Consideradas ldquoaberraccedilotildeesrdquo de puniccedilotildees divinas ou doentes
incapazes essas pessoas tecircm lutado por seus direitos e conquistas de cidadania
principalmente por ocuparem seu lugar de sujeitos ativos na sociedade a que
pertencem
Por ainda muito se pensar ser um problema familiar e natildeo social a sociedade
vem deixando de dar o suporte necessaacuterio agraves pessoas com deficiecircncia quando o
que se tem eacute uma ldquodiacutevida humana e socialrdquo para com as mesmas
Simplesmente fechar os olhos e fingir natildeo estar vendo tapar os ouvidos e se
isentar de qualquer responsabilidade natildeo resolve o problema Ter acesso aos
instrumentos culturais agrave cultura eacute um direito universal e constitucional de todo e
qualquer cidadatildeo ldquoA Constituiccedilatildeo Brasileira eacute inclusiva [] natildeo eacute integradora
porque natildeo admite que apenas em determinadas condiccedilotildees o exerciacutecio dos direitos
3 Disponiacutevel em ltwwwcamaralegbrgt Acesso em 03 de julho de 2014
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humanos seja observado exercido exigidordquo (WERNECK 2012 P 62) Conforme
afirmaccedilatildeo do Artigo 215 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
Art 215 O Estado garantiraacute a todos o pleno exerciacutecio dos direitos culturais e acesso agraves fontes da cultura nacional e apoiaraacute e incentivaraacute a valorizaccedilatildeo
e a difusatildeo das manifestaccedilotildees culturais
A inclusatildeo da pessoa com deficiecircncia e mais especificamente o tema da
Acessibilidade Cultural tem conquistado seu espaccedilo diante do poder puacuteblico e
poliacutetico Leis de direitos satildeo aprovadas discussotildees traccediladas e reivindicaccedilotildees
formuladas A Lei Brasileira de Inclusatildeo da Pessoa com Deficiecircncia Lei 131462015
foi uma das grandes conquistas na luta pela inclusatildeo onde especifica em seu
capiacutetulo IX e artigo 42 que
A pessoa com deficiecircncia tem direito agrave cultura ao esporte ao turismo e ao lazer em igualdade de oportunidades com as demais pessoas sendo-lhe garantido o acesso I - a bens culturais em formato acessiacutevel II - a programas de televisatildeo cinema teatro e outras atividades culturais e desportivas em formato acessiacutevel
Sendo assim na legislaccedilatildeo mais recente que temos de defesa dos direitos da
pessoa com deficiecircncia em nosso paiacutes haacute a garantia por parte destes ao acesso
agraves atividades culturais entre elas o teatro Lei esta que origina o Estatuto da
Pessoa com Deficiecircncia ldquoum dos mais importantes instrumentos de emancipaccedilatildeo
civil e social dessa parcela da sociedaderdquo segundo o Senador Paulo Paim (autor da
Lei) que entrou em vigor no dia 02 de janeiro de 2016 O Estatuto da Pessoa com
Deficiecircncia traz regras e orientaccedilotildees para que os direitos dessa parcela da
populaccedilatildeo sejam garantidos e estabelece puniccedilotildees para atitudes discriminatoacuterias ldquoO
documento consolida as leis existentes e avanccedila nos princiacutepios da Cidadaniardquo
reitera Paim
Em seu Capiacutetulo IX ndash Do Direito agrave Cultura ao Esporte ao Turismo e ao Lazer
Art 43 prevecirc ldquoO poder puacuteblico deve promover a participaccedilatildeo da pessoa com
deficiecircncia em atividades artiacutesticas intelectuais culturais esportivas e recreativas
com vistas ao seu protagonismordquo
Outro importante marco legislatoacuterio no referente agrave acessibilidade cultural eacute o
Plano Nacional de Cultura (PNC) ldquoinstituiacutedo pela Lei 12343 de 02 de dezembro de
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2010 tem por finalidade o planejamento e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
longo prazo (ateacute 2020) voltadas agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da diversidade cultural
brasileirardquo (Ministeacuterio da Cultura)
Em especial a Meta 29 do Ministeacuterio da Cultura que se refere agrave
acessibilidade de espaccedilos e instrumentos culturais afirmando que
100 de bibliotecas puacuteblicas museus cinemas teatros arquivos puacuteblicos e centros culturais devem atender aos requisitos legais de acessibilidade e desenvolver accedilotildees de promoccedilatildeo da fruiccedilatildeo cultural por parte das pessoas com deficiecircncia
Seguindo a linha de referenciais norteadores no tema da acessibilidade
temos como leitura obrigatoacuteria a publicaccedilatildeo do livro Nada sobre noacutes sem Noacutes
relatoacuterio final da Oficina Nacional de Indicaccedilatildeo de Poliacuteticas Puacuteblicas Culturais para
Inclusatildeo de Pessoas com Deficiecircncia que se realizou na cidade do Rio de Janeiro
no periacuteodo de 16 a 18 de outubro de 2008 numa parceria da Secretaria da
Identidade e da Diversidade Cultural do Ministeacuterio da Cultura (SIDMinC) com a
Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Ministeacuterio da Sauacutede e com apoio da Caixa
Econocircmica Federal (CEF) Esta Oficina foi destinada a artistas gestores puacuteblicos
pesquisadores e agentes culturais da sociedade civil representativos do campo da
produccedilatildeo cultural das pessoas com deficiecircncia Conforme consta na introduccedilatildeo
desta publicaccedilatildeo o objetivo dessa oficina foi
Indicar diretrizes e accedilotildees no sentido de contribuir para a construccedilatildeo de poliacuteticas culturais de patrimocircnio difusatildeo fomento e acessibilidade para pessoas com deficiecircncia A oficina foi constituiacuteda a partir de um processo participativo e por isso adotamos o lema lsquoNada sobre Noacutes sem Noacutesrsquo
Por fim um dos documentos mais significativos de orientaccedilatildeo para poliacuteticas
puacuteblicas direcionadas agraves pessoas com deficiecircncia eacute a Convenccedilatildeo dos Direitos das
Pessoas com Deficiecircncia da ONU de 2008 em que o Brasil eacute um dos paiacuteses
signataacuterios ou seja aceitou estar juridicamente vinculado agrave obrigaccedilatildeo de tratar as
pessoas com deficiecircncia como sujeitos de direito com direitos bem definidos tal
como qualquer outra pessoa A Convenccedilatildeo eacute um Tratado Internacional de Direitos
Humanos aprovado na Assembleia Geral da ONU em 13 de dezembro de 2006 e
assinado pelo Brasil em 30 de marccedilo de 2007 Entrou em vigor em 03 de maio de
2008 apoacutes ter sido ratificado por 20 (vinte) paiacuteses membros das Naccedilotildees Unidas Eacute
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um instrumento que reafirma os princiacutepios universais (dignidade integralidade
igualdade acessibilidade e natildeo discriminaccedilatildeo) a todos os cidadatildeos em particular agraves
pessoas com deficiecircncia Tem como objetivo promover proteger e assegurar o
exerciacutecio pleno de todos os direitos humanos e fundamentais por parte de todas as
pessoas com deficiecircncia e promover o respeito pela sua dignidade
Metodologia A partir de uma pesquisa praacutetica teoacuterica 06 (seis) grupos de teatro do
municiacutepio de Porto Alegre no estado do Rio Grande do Sul foram entrevistados
respondendo um questionaacuterio com perguntas objetivas e abertas e instigados a
dialogar sobre a pauta da acessibilidade cultural no meio teatral Para uma base
analiacutetica e de avaliaccedilatildeo com os referidos grupos o estudo daraacute conta
primeiramente de discutir as Leis de Incentivo agrave Cultura uma federal ndash Lei Rouanet
uma estadual ndash LIC e um Fundo Municipal de Apoio agrave Produccedilatildeo Artiacutestica e Cultural
do municiacutepio de Porto Alegre ndash FUMPROARTE transitando assim pelas trecircs
esferas governamentais
A Lei Federal de Incentivo agrave Cultura (Lei nordm 8313 de 23 de dezembro de
1991) eacute a lei que institui poliacuteticas puacuteblicas para a cultura nacional atraveacutes do
Programa Nacional de Apoio agrave Cultura (Pronac) O grande diferencial da Lei
Rouanet eacute o mecanismo de incentivos fiscais em deduccedilotildees do Imposto de Renda
(IR) fornecidos agraves empresas (pessoas juriacutedicas) e cidadatildeos (pessoas fiacutesicas) que
invistam em accedilotildees culturais em um percentual de 4 e 6 respectivamente
A Lei surgiu com o intuito de fomentar e estimular as empresas e cidadatildeos a
investirem em cultura aleacutem de efetivamente promover poliacutetica cultural em
acessibilidade Conforme sua Instruccedilatildeo Normativa Nordm 1 de 24 de junho de 2013
para propostas e projetos culturais define em seu Art 3ordm as medidas de
acessibilidade que devem ser observadas
XI ndash medidas de acessibilidade intervenccedilotildees que objetivem priorizar ou facilitar o livre acesso de idosos e pessoas com deficiecircncia ou mobilidade reduzida assim definidos em legislaccedilatildeo especiacutefica de modo a possibilitar-lhes o pleno exerciacutecio de seus direitos culturais por meio da disponibilizaccedilatildeo ou adaptaccedilatildeo de espaccedilos equipamentos transporte comunicaccedilatildeo e quaisquer bens ou serviccedilos agraves suas limitaccedilotildees fiacutesicas
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sensoriais ou cognitivas de forma segura de forma autocircnoma ou acompanhada []
Jaacute na Lei de Incentivo agrave Cultura do Estado do Rio Grande do Sul (LIC) natildeo haacute
referecircncias ao campo da acessibilidade Em sua Instruccedilatildeo Normativa Nordm 01 de 29
de fevereiro de 2016 da Secretaria da Cultura do Estado (SEDAC) natildeo haacute qualquer
menccedilatildeo ao tema A LIC assim como o FAC ndash Fundo de Apoio agrave Cultura fazem
parte do Sistema Unificado PROacute-CULTURA do RS programa que consiste no apoio
e fomento agraves atividades culturais do estado
Poderatildeo ser beneficiados pela LIC projetos culturais nas aacutereas de artes
plaacutesticas e grafismos artes cecircnicas e carnaval de rua cinema e viacutedeo literatura
muacutesica artesanato e folclore acervo e patrimocircnio histoacuterico e cultural
Aprovada e sancionada em 19 de agosto de 1996 a Lei Nordm 10846 (LIC)
institui a deduccedilatildeo fiscal de ICMS em ateacute 75 do valor aplicado pela empresa em
projetos culturais sendo os outros 25 repassados pelo patrocinador ao FAC
instituiacutedo pela Lei Nordm 11706 de 18 de dezembro de 2001 que tem por finalidade
financiar projetos culturais em 100 do seu valor e fomentar a produccedilatildeo artiacutestico-
cultural do Rio Grande do Sul mas tambeacutem natildeo apresenta criteacuterios referentes agrave
acessibilidade de forma obrigatoacuteria em seus editais destinados agraves Artes Cecircnicas
mais especificamente agrave aacuterea do teatro
O Fundo Municipal de Apoio agrave Produccedilatildeo Artiacutestica e Cultural do municiacutepio de
Porto Alegre (FUMPROARTE) que eacute gerido pela Secretaria Municipal da Cultura
deste municiacutepio foi criado como forma de apoio agrave produccedilatildeo artiacutestica local com a
finalidade de financiar projetos de bolsas de pesquisa e de produccedilatildeo artiacutestico-
cultural Criado pela Lei Nordm 7328 de 04 de outubro de 1993 o FUMPROARTE abre
normalmente dois concursos anuais que satildeo divulgados atraveacutes de editais puacuteblicos
Podem concorrer ao Edital de Projetos apresentados pessoas fiacutesicas ou juriacutedicas
que proponham accedilotildees em qualquer aacuterea cultural
Analisando seu uacuteltimo edital de 2015 eacute possiacutevel observar que no capiacutetulo 4
Inscriccedilatildeo no item 43 Retorno de Interesse Puacuteblico no subitem 434 consta que ldquoos
projetos poderatildeo contemplar ainda accedilotildees de promoccedilatildeo de acessibilidade para
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pessoas com deficiecircncia []rdquo O que evidencia a sua natildeo obrigatoriedade
(ldquopoderatildeordquo) do criteacuterio ldquoacessibilidaderdquo para avaliaccedilatildeo dos projetos
Propondo um melhor entendimento e relaccedilatildeo com os resultados obtidos na
pesquisa os grupos entrevistados seratildeo aqui brevemente contextualizados
Grupo Las Brujas Cia de Teatro e Feiticcedilos
Tempo de atuaccedilatildeo 05 anos Integrantes 07 pessoas
O grupo surge em 2011 e em 2012 criou o espetaacuteculo infantil ldquoA Menina do
Cabelo Vermelhordquo que atraveacutes de sua personagem ldquoFiloacuterdquo busca trabalhar a
diversidade e inclusatildeo Em 2013 o grupo firmou uma parceria com a OVNI
Acessibilidade Universal ndash empresa com sede em Porto AlegreRS que produz
audiodescriccedilatildeo (AD) e legendas para surdos e ensurdecidos (LSE) ndash e consolidou-
se como o primeiro trabalho de teatro infantil da Regiatildeo Sul a proporcionar recurso
de audiodescriccedilatildeo aberta (onde natildeo satildeo utilizados aparelhos individuais para a
recepccedilatildeo) em suas sessotildees Aleacutem de audiodescriccedilatildeo em 2014 o espetaacuteculo teve
sessotildees com traduccedilatildeo simultacircnea em Libras ndash Liacutengua Brasileira de Sinais -- para
pessoas com deficiecircncia auditiva e distribuiacuteram livros e aacuteudios-livro ao puacuteblico
presente
Teatro Sarcaustico
Tempo de atuaccedilatildeo 12 anos Integrantes 13 pessoas
Com uma formaccedilatildeo de 12 (doze) anos o grupo que surgiu dentro do
Departamento de Arte Dramaacutetica da UFRGS jaacute tem um longo caminho de trabalhos
e espetaacuteculos montados notoriamente reconhecidos pelo puacuteblico e criacutetica Sua linha
de trabalho estaacute embasada no corpo e suas manifestaccedilotildees improvisaccedilotildees intensas
textos e criaccedilotildees proacuteprias
Uma das coordenadoras do grupo comenta que ele esteve sempre tatildeo
preocupado em trabalhar se autossustentar por tratar-se de um grupo
independente que a questatildeo da acessibilidade lhes passou ldquobatidordquo Algo novo para
se pensar mas que nunca realizaram nenhuma accedilatildeo contemplando a temaacutetica e a
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falta de recursos e orccedilamentos por si soacute jaacute eacute um grande complicador para
acessibilizar espetaacuteculos
Apesar de natildeo trabalharem direto com a questatildeo da acessibilidade o grupo
estaacute preocupado em discutir e dialogar sobre a diversidade a exclusatildeo Um dos
seus uacuteltimos espetaacuteculos uma montagem infantil ndash ldquoFranky Frankenstein um
Divertido conto de Terror sobre Amizaderdquo - aborda a ldquodiferenccedilardquo a diversidade no
mundo atual
Rococoacute Produccedilotildees Artiacutesticas e Culturais
Tempo de atuaccedilatildeo 05 anos Integrantes 02 coordenadores + 10 colaboradores
diretos
A empresa e grupo de teatro Rococoacute surgem a partir de dois atores e
bailarinos que trabalham em uma linha de investigaccedilatildeo da cultura tradicionalista
gauacutecha pluralidades de linguagens e formaccedilatildeo de plateia atraveacutes de editais
prefeituras SESC educaccedilatildeo escolas oficinas e assessoria em projetos culturais
Seu uacuteltimo espetaacuteculo ldquoEra uma vezContos Lendas e Cantigasrdquo do Projeto
ldquoA Visita da Fantasiardquo eacute bastante narrativo o que acredita Henrique ajuda que
pessoas com deficiecircncia visual possam entendecirc-lo melhor Fazem tambeacutem
reconhecimento de palco cenaacuterio figurinos quando haacute alguma deficiecircncia visual
Mas Henrique expressa a dificuldade de conhecimento que se tem sobre
acessibilidade no meio artiacutestico de entendimento ldquoNatildeo se pensa no assunto natildeo
enxergamosrdquo Disse que chegaram a pensar somente quando o espetaacuteculo jaacute estava
circulando
Grupo Trilho de Teatro Popular
Tempo de atuaccedilatildeo 10 anos Integrantes 05 pessoas
O Grupo Trilho trabalha essencialmente na linha social e didaacutetica de Bertolt
Brecht e do clown nas oficinas e montagens de seus espetaacuteculos Satildeo um grupo
independente que participa de editais mas seus orccedilamentos partem mais da venda
de espetaacuteculos e oficinas
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Um dos coordenadores e fundadores do grupo fala de nunca terem
trabalhado a questatildeo da acessibilidade e nem pensarem em aplicaacute-la por
desconhecimento do assunto pela falta de recursos financeiros e por serem outras
as demandas tratadas pelo grupo mesmo que de minorias como preconceito
racismo sexualidade gecircnero a pauta da deficiecircncia nunca esteve presente
Apesar de natildeo trabalharem diretamente com acessibilidade Daniel frisa que o
teatro de rua muito presente nos espetaacuteculos do grupo por sua democratizaccedilatildeo eacute
em partes mais acessiacutevel
Associaccedilatildeo Cultural Depoacutesito de Teatro
Tempo de atuaccedilatildeo 20 anos Integrantes 06 pessoas
O Grupo Depoacutesito do Teatro eacute uma entidade cultural sem fins
lucrativos fundada em 1996 Durante todos seus anos de atuaccedilatildeo produziu e
montou mais de 25 espetaacuteculos profissionais reconhecidos pela criacutetica e puacuteblico
conquistando inuacutemeras indicaccedilotildees e precircmios do Trofeacuteu Accedilorianos e Tibicuera da
Prefeitura de Porto Alegre
O grupo tem como um de seus principais objetivos a ldquotroca humana a
constituiccedilatildeo de sujeitos criativos autecircnticos e profundamente sensiacuteveisrdquo relata o
diretor e fundador da Associaccedilatildeo Cultural Depoacutesito de Teatro Poreacutem afirma
tambeacutem nunca terem trabalho acessibilidade ou com recursos acessiacuteveis em seus
espetaacuteculos ou oficinas
Grupo Signatores (Teatro com Surdos)
Tempo de atuaccedilatildeo 06 anos Integrantes 14 pessoas
O Signatores eacute um grupo de teatro biliacutengue sendo a primeira liacutengua a Liacutengua
Brasileira de Sinais (LIBRAS) e a segunda o Portuguecircs E os membros do grupo
satildeo pesquisadores e professores especialistas na aacuterea de Educaccedilatildeo e Artes da
Comunidade Surda
Todos os seus espetaacuteculos satildeo representados por atores surdos em LIBRAS
e acompanhados por personagens narradores aacuteudio em Portuguecircs Os espetaacuteculos
apresentados pelo grupo foram ldquoAventuras no Reino Surdordquo ldquoMemoacuteria na Ponta dos
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Dedosrdquo ldquoO ensaio de Alicerdquo e ldquoAlice no Paiacutes das Maravilhasrdquo O grupo jaacute foi
contemplado com vaacuterios Editais a niacutevel municipal e estadual e financiamento
atraveacutes da Lei Rouanet
Em entrevista com a diretora ela pontua as diretrizes de trabalho do
Signatores Este que tem se mostrado um grupo bastante atuante no Estado quando
o assunto eacute inclusatildeo social acessibilidade e diversidade ldquoA proposta do Grupo
Signatores eacute incentivar a formaccedilatildeo de docentes e pesquisadores na aacuterea teatral e
aproximar jovens e adultos surdos dos palcos investigando as possibilidades de
criaccedilatildeo artiacutestica dos surdos [] invertendo a loacutegica vigenterdquo
Resultados de dados
Com base no questionaacuterio aplicado no acompanhamento e entrevistas aos
grupos surgem os diferentes questionamentos quanto ao entendimento e
conhecimento sobre questotildees referentes agrave acessibilidade e suas legislaccedilotildees assim
como aplicabilidade dos recursos acessiacuteveis O Graacutefico 1 denota que a maioria dos
grupos entrevistados jaacute teve contato com tema sobre acessibilidade cultural
(pergunta 1) e em uma quase equivalecircncia jaacute trabalhou com pessoas com
deficiecircncia ou teve acesso a recursos acessiacuteveis (perguntas 2 e 3) Em sua maioria
jaacute participou de algum edital de Lei de Incentivo agrave cultura (pergunta 4)
GRAacuteFICO 1
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Jaacute no Graacutefico 2 evidencia-se o desconhecimento de Poliacuteticas Puacuteblicas e
Legislaccedilatildeo sobre o tema da acessibilidade cultural (perguntas 5 e 8) As perguntas 6
e 7 referem-se respectivamente agrave existecircncia de grupos de teatro que trabalham
com recursos acessiacuteveis em seus projetos e se haacute Casas de Teatro acessiacuteveis em
Porto Alegre Todos os grupos pontuaram a falta de um conhecimento maior e
percepccedilatildeo em relaccedilatildeo ao assunto pautado e natildeo se consideram ldquoacessiacuteveisrdquo de
forma plena e eficaz Evidenciou-se o interesse de todos em pensar discutir e
aprender mais sobre acessibilidade
GRAacuteFICO 2
Conclusotildees
Com base nos resultados obtidos com as pesquisas e discussotildees pode-se
avaliar que poliacuteticas puacuteblicas que garantam os direitos culturais das pessoas com
deficiecircncia devem transitar por todas as esferas governamentais e natildeo ficarem
restritas ao acircmbito burocraacutetico que muitas vezes as consolidam O diaacutelogo entre
poder puacuteblico Instituiccedilotildees e gestores culturais eacute de cunho fundamental para a
articulaccedilatildeo de propostas e medidas inclusivas que de fato consolidem-se no cenaacuterio
cultural
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O que temos visto ainda eacute uma consciecircncia social muito enraizada e que
precisa ser constantemente trabalhada em barreiras atitudinais que natildeo permitem
ampliar a visatildeo quando o que estaacute em pauta satildeo as deficiecircncias Sabemos que
atraveacutes da cultura e educaccedilatildeo caminharemos para um futuro mais promissor com
menos desigualdades sociais menos violecircncia mais possibilidades ldquoO teatro
permite a construccedilatildeo de mentes mais livres e de cidadatildeos mais esclarecidos e
ativosrdquo (VIGANOacute 2006 p 36)
O olhar sentir o outro satildeo premissas baacutesicas para o comunicar Natildeo haacute
construccedilatildeo de relaccedilotildees sociais e humanas se natildeo houver o reconhecimento do outro
como parte integrante de nossas vidas
Natildeo basta um pouco de eacutetica uma pitada de cidadania toques de cumplicidade um quecirc de direitos fundamentais Sempre que discutirmos estes assuntos agraves uacuteltimas consequecircncias estaremos colaborando para resolver a principal questatildeo incluir pessoas com deficiecircncia [] no TODOS social incondicionalmente (WERNECK 2012 p 27)
Referecircncias BARBA Eugenio Aleacutem das ilhas flutuantes Campinas SP Hucitec 1991 BAUMAN Zygmunt Tempos Liacutequidos Rio de Janeiro Jorge Zahar 2007 BOAL Augusto 200 exerciacutecios e jogos para o ator e o natildeo-ator com vontade de dizer algo atraveacutes do teatro 5ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo SA 1983 BOSSI Alfredo Fenomenologia do olhar In BOSSI A O Olhar Satildeo Paulo Companhia das Letras 1988 BRASIL Ministeacuterio da Cultura As metas do Plano Nacional de Cultura Brasiacutelia Ministeacuterio da Cultura 2012 Disponiacutevel em lt httpswwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102010leil12343htmgt Acesso em 21 de dezembro de 2016 BRASIL Constituiccedilatildeo Federal 1988 BRASIL Convenccedilatildeo dos Direitos das Pessoas com Deficiecircncia da ONU 2008 Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2007-20102009DecretoD6949htmgt Acesso em 21 de dezembro de 2016
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KASTRUP Virinia Vergara Luiz Guilherme Cegos e videntes se encontram no museu da dicotomia agrave partilha do sensiacutevel Ineacutedito MERLEAU-PONTY Maurice Fenomenologia da Percepccedilatildeo Martins Fontes 1994 Oficina Nacional de Indicaccedilatildeo de Poliacuteticas Puacuteblicas Culturais para Inclusatildeo de Pessoas com Deficiecircncia Nada sobre noacutes sem noacutes Relatoacuterio final 16 a 18 de outubro de 2008 Rio de janeiro Rj ENSPFIOCRUZ 2009 SANTOS Boaventura de Sousa Reconhecer para libertar os caminhos do cosmopolitanismo multicultural Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 TOJAL Amanda Pinto da Fonseca Comunicaccedilatildeo museoloacutegica e accedilatildeo educativa inclusiva mudanccedila de paradigmas In CARDOSO Eduardo CUTY Jeniffer (Org) Acessibilidade em ambientes culturais relatos de experiecircncias Porto Alegre Marcavisual 2014 VIGANOacute Suzana Schmidt As regras do jogo a accedilatildeo sociocultural em teatro e o ideal democraacutetico Satildeo Paulo Hucitec 2006 WERNECK Claudia Ningueacutem mais vai ser bonzinho na sociedade inclusiva Rio de Janeiro Editora WVA 2009 WERNECK Claudia Quem cabe no seu todos Rio de Janeiro Editora WVA 2006
Sumaacuterio
Editorial
Editorial
LER EDITORIAL
Maria Isabel Petry Kehrwald P04 - P06
Artigos
A polifonia tonal na cifra alfanumeacuterica da muacutesica popular uma proposta analiacutetica fundamentada em trecircs estudos de caso
LER ARTIGO
Marcio Guedes Correa P07 - P14
Fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo Paul Valeacutery Espiritografias
LER ARTIGO
Idalina Krause de Campos P15 - P35
Gravura procedimentos alternativos em litografia contemporacircnea
L
Ana Paula Schoninger van Grol Lurdi Blauth P36 - P51
Pluralia Tantum reflexotildees sobre a muacutesica contemporacircnea
LER ARTIGO
Fernando Lewis de Mattos P52 - P94
Provocaccedilotildees (des)continuidades desfechos potecircncia edu(vo)cativa das imagens fiacutelmicas na formaccedilatildeo docente
LER ARTIGO
Lutiere Dalla Valle P95 - P108
PerformanceS
LER ARTIGO
Fernando Pinheiro Villar P109 - P119
Estudo sobre a Participaccedilatildeo de Estudantes em um Grupo Instrumental
LER ARTIGO
Dutra Goumlethel Pacircmela Cristina Rolim Wolffenbuumlttel Accorsi Bueno Ana Maria
P120 - P141
Teatro para quem A arte de teatrar para todos - Um estudo sobre acessibilidade cultural em espetaacuteculos teatrais no RS
LER ARTIGO
Izabel Cristina da Silveira P142 - P162
4 | P aacute g i n a
EDITORIAL
Nesta 32ordf ediccedilatildeo da Revista da FUNDARTE oferecemos aos nossos leitores
oito artigos centrados nas aacutereas das artes visuais muacutesica teatro educaccedilatildeo criadora
e cinema Eles estatildeo perpassados por enfoques educativos teoacutericos e artiacutesticos e
ancorados no tema ldquoArte e Educaccedilatildeo poeacutetica pesquisa e docecircnciardquo As
abordagens dos autores contemplam diferentes pontos de vista ora apresentando
processos artiacutesticos e performances ora refletindo sobre a pedagogia e a accedilatildeo
docente Eacute um panorama diversificado com propostas que enriquecem as discussotildees
em torno do tema
O primeiro artigo denominado ldquoA polifonia tonal na cifra alfanumeacuterica da
muacutesica popular uma proposta analiacutetica fundamentada em trecircs estudos de casordquo
de Marcio Guedes Correa do Instituto de Artes da Unesp apresenta estudos de caso
na aacuterea da muacutesica que reforccedilam a importacircncia do contraponto tanto para a
organizaccedilatildeo do ensino da muacutesica popular quanto para a compreensatildeo do saber
musical Almada e Lima satildeo alguns dos autores que datildeo suporte agrave investigaccedilatildeo
Idalina Krause de Campos da UFRGS discorre em seu artigo ldquoFazer
tradutoacuterio em educaccedilatildeo com Paul Valeacutery espiritografiasrdquo sobre conceitos de
leitura e escrita (escrileitura) e Filosofia da Diferenccedila entre outros que buscam
desenvolver uma consciecircncia da importacircncia do processo de pensar A pesquisa da
autora trata de uma praacutetica de ensino criadora centrada na obra de Valeacutery com
aportes teoacutericos tambeacutem de Deleuze e Corazza
As experiecircncia realizadas com diferentes meios e modos de produzir imagens
satildeo o foco do artigo ldquoGravura procedimentos alternativos em litografia
contemporacircneardquo de Ana Paula Schoninger van Grol da FeevaleNH
Procedimentos tradicionais satildeo inter-relacionados com processos de tecnologias
digitais propondo novas possibilidades de criaccedilatildeo de matrizes e aproveitamento de
materiais alternativos Blauth e Veneroso contribuem para o estudo da autora
5 | P aacute g i n a
Fernando Lewis de Mattos da UFRGS em seu ensaio ldquoPluralia Tantum
reflexotildees sobre a muacutesica contemporacircneardquo apresenta elementos histoacutericos da
esfera musical e discorre sobre caracteriacutesticas da muacutesica contemporacircnea Aponta
paralelamente aspectos do conservadorismo da muacutesica atual presentes em nosso
cotidiano Suas argumentaccedilotildees apoiam-se em extensa bibliografia da qual citamos
Buckinx e Koellreutter
ldquoProvocaccedilotildees (des)continuidades desfechos potecircncia edu(vo)cativa
das imagens fiacutelmicas na formaccedilatildeo docenterdquo aborda o cinema como dispositivo
provocador de formaccedilatildeo docente que conforme o autor Lutiere Dalla Valle da
UFSM ldquoproduz formas de ver e ser vistordquo O texto estabelece relaccedilotildees entre arte e
subjetividade presentes na cinematografia e explora o conceito de edu(vo)cativo
identificado nas aprendizagens mediadas pelas visualidades Contribuem para as
reflexotildees Dias Fresquet e Hernaacutendes
Fernando Pinheiro Villar aborda a pluraridade do conceito de performances
artiacutesticas relacionadas ao desempenho no seu artigo PerfomanceS Para o autor o
significado de desempenho afirma a observaccedilatildeo analiacutetica de comportamentos
humanos podendo significar comportamentos que se repetem ou accedilotildees cotidianas
que satildeo ensaiadas ou preparadas e observadas Segundo o autor ldquouma performance
sem consciecircncia do fato de estar sendo vista como tal pode significar uma
performance cotidiana cultural ou socialrdquo
Cristina Rolim Wolffenbuumlttel Pacircmela Goumlethel Dutra e Ana Maria Bueno
Accorsi no artigo Estudo sobre a participaccedilatildeo de estudantes em um Grupo
Instrumental apresenta a pesquisa realizada em uma escola Municipal de TaquariR
que teve como objetivo compreender a importacircncia da participaccedilatildeo dos alunos em
grupos instrumentais diante das diversas possiblidades da inserccedilatildeo da muacutesica a partir
da nova legislaccedilatildeo
Como promover a inclusatildeo social da pessoa com deficiecircncia no acircmbito cultural
eacute a preocupaccedilatildeo de Izabel Cristina da Silveira da FUNDARCRS expressa no artigo
6 | P aacute g i n a
ldquoTeatro para quem A arte de teatrar para todos um estudo sobre
acessibilidade cultural em espetaacuteculos teatrais no RSrdquo que fecha esta Revista O
estudo praacutetico-teoacuterico desvela discussotildees questionamentos e legislaccedilatildeo em torno do
tema na tentativa de buscar alternativas para a acessibilidade Barba Tojal e
Werneck satildeo alguns dos teoacutericos consultados
Agradecemos imensamente aos que enviaram seus artigos para compor a 32ordf
Revista da FUNDARTE Desejamos uma boa leitura e que as reflexotildees oferecidas
pelos autores contribuam para a busca de novos e inquietantes saberes
Maria Isabel Petry Kehrwald Conselho Editorial da Revista
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CORREA Marcio Guedes A polifonia tonal na cifra alfanumeacuterica da muacutesica popular uma proposta analiacutetica
fundamentada em trecircs estudos de caso Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 7-14 juldez 2016
Disponiacutevel em lthttpseerfundartersgovbrindexphpRevistadaFundarteindexgt
A polifonia tonal na cifra alfanumeacuterica da muacutesica popular uma proposta
analiacutetica fundamentada em trecircs estudos de caso
Marcio Guedes Correa1
Instituto de Artes da Unesp
Resumo O repertoacuterio estudado nos cursos formais de muacutesica popular eacute em grande parte tonal de textura homofocircnica estruturado como melodia acompanhada No entanto eacute possiacutevel reconhecer estruturas polifocircnicas subordinadas agrave homofonia dos acompanhamentos instrumentais frequentemente realizados para acompanhar canccedilotildees Pode-se conjecturar que tais estruturas estejam presentes no repertoacuterio como um eco da polifonia vocal do renascimento e do barroco jaacute que muitas escolhas de acordes se datildeo ldquode ouvidordquo e natildeo necessariamente por uma opccedilatildeo teacutecnica e funcional em relaccedilatildeo agrave harmonia Portanto a harmonia informalmente chamada de funcional da muacutesica popular pode carregar em si diversas expectativas de direccedilatildeo ou resoluccedilatildeo que satildeo mais de ordem meloacutedica do que harmocircnica Este estudo espera contribuir para a revalorizaccedilatildeo do estudo de contraponto dentro das matrizes curriculares de muacutesica popular jaacute que eacute notoacuterio que tal disciplina vem sendo extinta do ambiente formal de educaccedilatildeo musical Palavras-chave ensino da muacutesica popular cifra alfanumeacuterica polifonia em muacutesica popular contraponto em muacutesica popular Abstract The repertoire studied in formal courses of popular music is largely tonal It has homophonic texture and itrsquos structured as na accompanied melody However it is possible to recognize polyphonic structures under the homophone of instrumental accompaniments often performed to accompany songs One can conjecture that such structures are present in the repertoire as an echo of the vocal polyphony of the Renaissance and the Baroque as many chord choices are given by ear and not necessarily by a technical and functional option with regard to harmony Therefore the functional harmony informally called popular music can load itself diverse expectations of management or resolution that are more melodic than harmonic order This study hopes to contribute to the upgrading of counterpoint study within the curriculum matrices of popular music as it is clear that this discipline is being extinguished of the formal setting of music education Keywords teaching of popular music alphanumeric cipher polyphony in popular music counterpoint in popular music
Primeiro estudo de caso o movimento meloacutedico do baixo impliacutecito na cifra do
choro em Um a Zero de Pixinguinha
No ensino do repertoacuterio popular eacute muito comum a utilizaccedilatildeo de partituras que
contecircm melodias cifradas Esta forma de registro musical oferece a melodia principal
(anaacuteloga ao cantus firmus) grafada em partitura o que garante uma certa precisatildeo
na compreensatildeo dessa camada mas todos os outros elementos componentes da
1 Graduado em Licenciatura em Muacutesica pela FAAM mestre em muacutesica pelo Instituto de Artes da Unesp Doutorando em muacutesica da Unesp ndash Instituto de Artes sob orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Sonia R Albano de Lima Contato correamarcioguedesgmailcom
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elaboraccedilatildeo musical ficam representados unicamente pela cifra alfanumeacuterica A cifra
confere ao interprete um grau de liberdade desejaacutevel na muacutesica popular mas essa
mesma liberdade pode ser em alguma medida prejudicial no ensino de muacutesica
popular quando se trata da compreensatildeo total do discurso a praacutetica aliada a
compreensatildeo racional do fazer musical
A cifra alfanumeacuterica da muacutesica popular eacute em primeira instacircncia uma
representaccedilatildeo de simultaneidades mais especificamente dos acordes da muacutesica
tonal Mas da informaccedilatildeo harmocircnica que a cifra oferece eacute possiacutevel depreender
tambeacutem procedimentos meloacutedicos complementares agrave melodia principal ou seja do
contraponto impliacutecito e subordinado agrave estrutura homofocircnica Pode-se considerar que
o caso mais audiacutevel estaacute nas melodias empregadas no baixo Em cifras em que haacute
fartura de acordes com inversatildeo percebe-se uma clara intenccedilatildeo de movimentar o
baixo melodicamente ou seja de conferir a essa camada estrutural contornos
meloacutedicos associados ao seu papel de delinear as fundamentais das funccedilotildees
harmocircnicas No repertoacuterio relacionado ao choro o violatildeo de sete cordas desenvolve
a funccedilatildeo de baixo que aleacutem de reforccedilar a estrutura harmocircnica tonal estaacute em
contraponto constante com a melodia principal
A composiccedilatildeo ldquoUm a Zerordquo de Pixinguinha eacute um exemplo disso
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Figura 1 ldquoUm a Zerordquo (Pixinguinha) Irmatildeos Vitale 1997
O exemplo da figura 1 traz a primeira parte da composiccedilatildeo A quantidade de
inversotildees de acordes presente procura dar pistas da realizaccedilatildeo do baixo comumente
tocado no violatildeo de sete cordas Isso retira do baixo o papel monoacutetono de garantir a
fundamental de cada funccedilatildeo harmocircnica Com base nesta cifra o muacutesico popular de
modo anaacutelogo ao muacutesico barroco realiza o baixo Na figura dois encontra-se uma
sugestatildeo de realizaccedilatildeo do baixo com base nas cifras
Figura 2 Realizaccedilatildeo do baixo em ldquoUm a Zerordquo de Pixinguinha Imagem concebida e editada pelo autor
Segundo estudo de caso a polifonia tonal no acompanhamento da canccedilatildeo
ldquoQuando o carnaval chegarrdquo de Chico Buarque
O ensino de harmonia da muacutesica popular ldquomais especificamente aquela que
eacute informalmente denominada harmonia funcionalrdquo (ALMADA 2013 p 12) se
preocupa em primeiro lugar em determinar a funccedilatildeo de cada um dos acordes
encontrados no discurso musical Este tipo de ensino tem objetivos diversos
compreender estruturas harmocircnicas orientar a praacutetica da improvisaccedilatildeo meloacutedica
guiar estudos de rearmonizaccedilatildeo e substituiccedilatildeo de acordes entre outros Poreacutem em
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alguns casos acordes podem ser simultaneidades geradas por direccedilotildees meloacutedicas
distintas na conduccedilatildeo de cada voz ldquoNo estudo da harmonia tonal acordes podem
surgir a partir de combinaccedilotildees de linhas meloacutedicas relativamente independentesrdquo
(LIMA 2008 p 63) Ainda que tais procedimentos meloacutedicos possam natildeo ser
conscientes pelo muacutesico que desenvolve a funccedilatildeo de acompanhamento pode-se
conjecturar que sua percepccedilatildeo auditiva esteja imbuiacuteda de sonoridades
caracteriacutesticas da muacutesica vocal polifocircnica e isso em algum momento pode
transparecer em acompanhamentos instrumentais
No presente estudo de caso eacute possiacutevel observar procedimentos polifocircnicos
na conduccedilatildeo dos acordes da primeira parte da canccedilatildeo ldquoQuando o Carnaval Chegarrdquo
de Chico Buarque Em diversas entrevistas o compositor carioca revela que
aprendeu a tocar violatildeo sozinho tentando imitar o violatildeo de Joatildeo Gilberto e
portanto natildeo conhece harmonia e suas regras As escolhas de acordes feitas por
compositores autodidatas se datildeo quase unicamente por sonoridade Ou seja um
acorde eacute seguido por outro porque o som eacute satisfatoacuterio para os objetivos do
compositor Disso pode-se compreender que tais escolhas harmocircnicas estatildeo
carregadas de expectativas meloacutedicas ou seja cada acorde eacute ouvido como um
conjunto simultacircneo de notas potencialmente meloacutedicas como o satildeo no estudo da
harmonia tradicional Portanto este estudo pretende apontar para a possibilidade de
anaacutelise harmocircnica em que alguns acordes sejam considerados simultaneidades de
expectativas meloacutedicas e estes tecircm menor concordacircncia com a anaacutelise harmocircnica
ou funcional
O estudo da harmonia natildeo pressupotildee obrigatoriamente apenas simultaneidade () eacute importante que seja considerado o movimento meloacutedico de cada linha (voz) A inter-relaccedilatildeo entre melodia harmonia ritmo dinacircmica textura etc satildeo fatores que devem ser levados em conta na anaacutelise e na composiccedilatildeo de uma peccedila (LIMA 2008 p 117)
Eacute necessaacuterio estudar certas passagens harmocircnicas agrave luz da polifonia e
portanto do contraponto
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Figura 4 anaacutelise do contraponto presente na harmonia de ldquoQuando o Carnaval Chegarrdquo de Chico Buarque Imagem concebida e editada pelo autor
O exemplo da Figura 4 oferece uma opccedilatildeo de compreensatildeo harmocircnica
diferente da sugerida na partitura O primeiro acorde eacute visto como faacute meio diminuto
na primeira inversatildeo em vez de laacute menor com sexta maior como sugerido na cifra
original O acorde seguinte o primeiro grau eacute um sol maior com seacutetima maior
portanto sua sensiacutevel faacute fundamental do acorde anterior ainda estaacute presente
como um retardo O terceiro acorde embora estruturalmente se iguale ao acorde de
laacute bemol diminuto de seacutetima diminuta nessa proposta de anaacutelise se daacute pela
consequecircncia de quatro figuraccedilotildees meloacutedicas bordadura no baixo nota de
passagem no tenor retardo no contralto e antecipaccedilatildeo no soprano Portanto ele natildeo
tem menos funccedilatildeo harmocircnica e mais implicaccedilotildees meloacutedicas
Quando se prolonga todas as notas que satildeo rearticuladas nos acordes do
exemplo da figura 4 depara-se com um contraponto a quatro vozes
predominantemente de segunda espeacutecie
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Figura 5 conclusatildeo contrapontiacutestica da primeira parte da canccedilatildeo ldquoquando o carnaval chegarrdquo Imagem concebida e editada pelo autor
Portanto nesta proposta de anaacutelise harmocircnica natildeo eacute possiacutevel desconsiderar
o contraponto e implicaccedilotildees polifocircnicas
Terceiro estudo de caso contraponto cromaacutetico nas dissonacircncias acima da
seacutetima no acompanhamento da canccedilatildeo ldquosamba do aviatildeordquo de Tom Jobim
A harmonia da muacutesica popular poacutes bossa-nova conferiu ldquoemancipaccedilatildeo agrave
dissonacircnciardquo emprestando a expressatildeo de Schoenberg Portanto a dissonacircncia natildeo
mais direciona os acordes no sentido de suas resoluccedilotildees mas emprestam a eles
sonoridades instaacuteveis e de alguma maneira ao mesmo tempo resolutas As
dissonacircncias conferem certa impressatildeo a cada um dos acordes mas natildeo
apresentam funccedilatildeo de interligaccedilatildeo dos fenocircmenos harmocircnicos atraveacutes da resoluccedilatildeo
delas Esta interligaccedilatildeo novamente se daacute muito mais por expectativas meloacutedicas
embutidas como vozes simultacircneas formadoras dos acordes
Embora a emancipaccedilatildeo da dissonacircncia seja plenamente presente no
repertoacuterio popular poacutes bossa-nova em alguns casos natildeo se pode desconsiderar
estruturas contrapontiacutesticas presentes nestas composiccedilotildees Eacute claro que neste caso
especiacutefico as dissonacircncias natildeo satildeo resolvidas mas suas irresoluccedilotildees natildeo raro
recaem sobre construccedilotildees meloacutedicas em vozes internas dos acordes subordinadas
agrave melodia principal ao baixo e claro agrave harmonia
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Figura 6 contraponto cromaacutetico na canccedilatildeo ldquosamba do aviatildeordquo de Tom Jobim Imagem concebida e editada pelo autor
No fragmento musical da figura 6 eacute possiacutevel identificar uma melodia cromaacutetica
embutida nas dissonacircncias acima da seacutetima A partir do compasso 5 as notas doacute
doacute si e laacute satildeo respectivamente deacutecima terceira maior deacutecima terceira menor
deacutecima segunda e deacutecima primeira aumentada do acorde de mi maior com seacutetima
menor Essas dissonacircncias constroem uma melodia cromaacutetica um contraponto
cromaacutetico
Essa melodia eacute imitada a partir do compasso 7 uma seacutetima maior abaixo nas
notas reacute do do e si respectivamente deacutecima primeira justa deacutecima maior deacutecima
menor e nona maior dos acordes laacute maior com seacutetima maior e laacute menor com seacutetima
menor A melodia cromaacutetica original e sua imitaccedilatildeo uma seacutetima menor abaixo
comeccedilam e terminam em dissonacircncia
Consideraccedilotildees Finais
As propostas aqui apresentadas pretendem apontar para uma contribuiccedilatildeo
dos gecircneros de muacutesica erudita na estruturaccedilatildeo do ensino da muacutesica popular mais
especificamente buscam valorizar o estudo da disciplina contraponto Talvez as
estruturaccedilotildees dos curriacuteculos de cursos de muacutesica possam ser de certo modo
exclusivamente populares apenas na escolha do repertoacuterio a ser aprendido e ainda
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assim persiste a discussatildeo do que vem a ser muacutesica popular e muacutesica erudita e se
essa fronteira existe com tanta clareza No acircmbito da estruturaccedilatildeo teacutecnica e teoacuterica
a hibridez dos conhecimentos historicamente categorizados como de muacutesica erudita
e popular parece ser inevitaacutevel O estudo do contraponto parece ainda ser
indispensaacutevel para fomentar uma compreensatildeo mais ampla do saber musical em
diversos acircmbitos em diferentes gecircneros e estilos
Referecircncias
ALMADA Carlos Contraponto em muacutesica popular fundamentaccedilatildeo teoacuterica e aplicaccedilotildees Rio de Janeiro Editora UFRJ 2013
BORTZ Graziela Direccedilatildeo e Movimento em Solfejos Tonais Percepta ndash revista de cogniccedilatildeo musical Curitiba 1 (1) 95-107 novembro de 2013 CARRASQUEIRA Maria Joseacute O melhor de Pixinguinha Songbook Satildeo Paulo Irmatildeo Vitale 1997 LIMA Marisa Ramirez Rosa de Harmonia Satildeo Paulo Embraform 2008 LIMA Sonia Regina Albano de Performance e interpretaccedilatildeo musical uma praacutetica interdisciplinar Satildeo Paulo Musa Editora 2006 NOGUEIRA Marcos Fernandes Pupo Agrupamentos Sonoros Plenos na Muacutesica de Simultaneidades Acuacutesticas e Estruturais Revista Muacutesica Hodie Goiacircnia v12 nordm 2 p87-972012 Disponiacutevel em lthttpwwwmusicahodiemusbr122artigo_7pdfgt Acesso em 07 de dezembro de 2016 SCHOENBERG Arnold Exerciacutecios Preliminares em Contraponto Traduccedilatildeo de Eduardo Seincman Satildeo Paulo Via Lettera 2001
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CAMPOS Idalina Krause de Fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo com Paul Valeacutery esperitografias Revista da
Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 15-35 juldez 2016 Disponiacutevel em
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Fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo com Paul Valeacutery espiritografias
Idalina Krause de Campos1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Resumo Este artigo analisa as possibilidades de um fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo tendo como foco o poeta e pensador francecircs Paul Valeacutery e seus procedimentos muacuteltiplos de escrita uma escrita que opera com a leitura ― escrileitura ― e eacute considerada uma operaccedilatildeo ativa de consciecircncia que possibilita ampliar o uso das faculdades intelectivas de um espiacuterito que lecirc e escreve Propotildee atuar e operar com o meacutetodo do informe em atravessamentos imaginativos da filosofia com a literatura e a educaccedilatildeo da diferenccedila aleacutem de utilizar o conhecimento como invenccedilatildeo por meio de procedimentos tradutoacuterios que possibilitem accedilotildees criadoras em educaccedilatildeo Palavras-chave Valeacutery educaccedilatildeo escrileituras traduccedilatildeo Abstract This paper analyzes the possibilities of a translating action in education by focusing on the French poet and thinker Paul Valeacutery and his multiple writing procedures a kind of writing that operates with reading ― reading-writing ― and is considered as an active operation of awareness that favors the use of intellective faculties of a spirit that reads and writes It proposes to act and operate with the inform method in imaginative intersections between philosophy literature and education of difference besides using knowledge as invention by means of translating procedures that enable creation actions in education Keywords Valeacutery education reading-writings translation
Introduccedilatildeo
O escritor Paul Valeacutery nasceu em Segravete (1871) Comuna francesa no periacuteodo
da Guerra Franco-Prussiana A porta para o mar do Mediterracircneo eacute um porto de
encantos incomparaacuteveis de um horizonte vasto banhado pelas aacuteguas de bacias e
canais que desaacuteguam no mar O pensador eacute autor de uma obra vasta
profundamente original que possui uma intensidade uacutenica e merece ser analisada
em funccedilatildeo de seu movimento de escrita e leitura (escrileitura) pois ele pesquisou
1 Possui graduaccedilatildeo em Licenciatura e Bacharelado em Filosofia pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio
Grande do Sul (1986) Especializaccedilatildeo em Filosofia Cliacutenica pela Faculdade Joatildeo Bagozzi e Instituto Packter
(2008) Mestrado em Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo (PPGEDU) pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (2013) na Linha Filosofias da Diferenccedila e Educaccedilatildeo Atualmente eacute Doutoranda bolsista CAPES
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo na Linha
Filosofias da Diferenccedila e Educaccedilatildeo Participa como pesquisadora dos projetos Dramatizaccedilatildeo do infantil na
comeacutedia intelectual do curriacuteculo meacutetodo Valeacutery-Deleuze Escrileituras um modo de ler-escrever em meio agrave
vida e Didaacutetica da Traduccedilatildeo transcriaccedilotildees do curriacuteculo escrileituras da Diferenccedila Membro integrante do BOP
ndash Bando de Orientaccedilatildeo e Pesquisa da Linha de Pesquisa 09 Filosofias da Diferenccedila e Educaccedilatildeo e do Grupo de
Pesquisa DIF ndash artistagens fabulaccedilotildees variaccedilotildees
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CAMPOS Idalina Krause de Fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo com Paul Valeacutery esperitografias Revista da
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estudou e escreveu sobre conteuacutedos integrantes das mais diversas aacutereas do
conhecimento e que satildeo repletos de nuances e de viva poesia
Tal perspectiva oriunda de seus escritos propicia utilizar o conhecimento
como invenccedilatildeo para criar um compoacutesito de escrita e leitura e com ele produzir
meios que possibilitem accedilotildees criadoras em educaccedilatildeo o que propicia ao espiacuterito
construir a sua proacutepria realidade no campo ambiental da linguagem
Ainda em seus primeiros anos de vida o Mediterracircneo que banha a cidade
torna-se uma festa aos olhos curiosos do infante Valeacutery que considera tudo das
cores aos cheiros das formas agraves imagens de uma natureza exuberante ldquouma
verdadeira loucura de luz combinada com a loucura da aacuteguardquo (VALEacuteRY 2011 p
127) Satildeo seus primeiros passos de pensador e que trazem em germe um pensar
em estado nascente pois se deixa seduzir pela liberdade pelos estados poeacuteticos
com um olhar voltado para o mar o que eacute tambeacutem um olhar para o possiacutevel
Os olhos de Valeacutery abraccedilam o que haacute de humano e de inumano em uma
paisagem de natureza primitiva quase intocada mesclada com as atividades dos
homens que ali habitam Um grande cenaacuterio de teatro cujo personagem principal eacute
a luz que ilumina o mar Ali onde Afrodite passeia e que ao cair da tarde
crepuscular com o mar jaacute escuro deixa ver na rebentaccedilatildeo brilhos extraordinaacuterios
Onde a luz de fogo rosa insistente do sol daacute seu adeus ao dia deixando que entre
em cena a escuridatildeo da jaacute noite onde se entreveem os fantasmas que danccedilam
sobre as torres e muros de Aiguesmortes Sombras que festejam os cadaacuteveres
pesados dos atuns animais quase do tamanho de um homem trazidos pelos barcos
de pesca que adentram a costa em seu ldquoretorno da cruzadardquo (VALEacuteRY 2011 p
130)
Ao amanhecer a peccedila teatral do viviacutevel segue e a luz dos raios solares
derrama-se pelos molhes Eacute quando o pequeno Valeacutery tenciona banhar-se na
imensidatildeo cristalina do mar Poreacutem baixa os olhos e estremece diante de uma cena
singular que mistura carnificina e beleza Jazem sobre a ldquoaacutegua maravilhosamente
lisa e transparenterdquo restos de ldquoviacutesceras e entranhas de todo o bando de Netunordquo
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(VALEacuteRY 2011 p 130) Satildeo muacuteltiplas tonalidades de cores roacuteseo-puacuterpuras coral
sanguinolenta vermelhidatildeo de uma mortandade repulsivamente sinistra embalada
pelas ondas letaacutergicas
O espanto eacute inevitaacutevel e o faz esquecer o banho matinal Mas apesar do
susto que invade sua alma os olhos guardam alguma admiraccedilatildeo pelo
acontecimento fazendo vagar pensamentos relacionando o morticiacutenio repleto de
cores com imagens espectrais Misturas de tonalidades imersas na aquosidade de
um liacutempido e cristalino mar que poderiam bem servir para um fazer artiacutestico aos
homens de talento afeitos agraves curiosidades e agraves capturas de um olhar artistador
Natildeo perdura nessa imagem repentina o conteuacutedo pobre mas como pondera
Deleuze em O Esgotado (2010 p 85) vale nessa visatildeo a energia condensada ldquoa
prodigiosa energia captada prestes a explodir fazendo com que as imagens nunca
durem muito tempo [] A imagem dura o tempo furtivo de nosso prazer de nosso
olharrdquo Assim aparece a forccedila de sentimento de Valeacutery influenciado e estimulado
pelas deidades poeacuteticas do mar do ceacuteu e do sol
E o que decorre disso tudo eacute uma produccedilatildeo intelectual que foca em muacuteltiplas
temaacuteticas tendo como pano de fundo o funcionamento do intelecto atraveacutes de
accedilotildees de pensar o proacuteprio pensamento para verificar o que estes pensamentos
implicam Uma produccedilatildeo que abarca o viviacutevel e que merece ser investigada como
um meio possiacutevel para ser apropriado no acircmbito do ensino contemporacircneo em
funccedilatildeo de sua diversidade e de sua potecircncia textual
Pelo que foi possiacutevel observar em nossas pesquisas Valeacutery configura-se num
misto de poeta de pensador e de criacutetico da cultura tendo sido traduzido por
escritores e tambeacutem por poetas em vaacuterios idiomas No entanto apesar de possuir
um reconhecimento internacional pelo conjunto de suas obras produzidas eacute ainda
pouco explorado no Brasil especialmente no que tange ao uso teoacuterico e praacutetico do
seu pensamento no campo da educaccedilatildeo
Em suma como afirma Gonccedilalves (2011 p 238) Valeacutery eacute O Alquimista do
Espiacuterito ldquodevido ao seu sistema plural de linguagensrdquo em que ocorrem
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transmutaccedilotildees de montagem e desmontagem de escrita Uma verdadeira alquimia
contraacuteria agrave anestesia do gesto para que uma segunda natureza possa se apresentar
ao texto atraveacutes de um operar espiritual em constante variaccedilatildeo e que neste fazer
operativo produz uma escrita visceral e mutante cuja mateacuteria eacute a vida que se
experimenta no campo do saber como um processo aberto muacuteltiplo e desafiador
para assim buscar fazer com ele uma educaccedilatildeo disposta a disseminar as aventuras
do pensamento
Espiacuterito
Valeacutery utiliza-se da palavra francesa esprit para aludir ao Eu embora haja em
seu pensamento a distinccedilatildeo entre dois tipos de espiacuterito Moi que seria o Eu
empiacuterico (self-variance) e Moi que seria o Eu puro (Idolle de lrsquoIntelect) a ser
cultuado e buscado Este uacuteltimo conceito de Eu puro necessita ser entendido com
uma significaccedilatildeo peculiar qual seja o Eu como intelecto como inteligecircncia
Nessa perspectiva o presente artigo aborda um possiacutevel fazer tradutoacuterio em
educaccedilatildeo conjuntamente com o pensador Paul Valeacutery de modo a buscar atraveacutes
do movimento de leitura e escrita exercitar conscientemente os pensamentos que
possibilitam transitar no campo diverso do saber
O espiacuterito ndash ou Eu-empiacuterico ndash desenvolve-se conscientemente exercitando os
processos do pensar com a finalidade de conhecer Pensamento ativado via
processos de criaccedilatildeo oriundos de uma self-variance (autovariaccedilatildeo do espiacuterito)
disciplinada e rigorosa passando a verificar o que esses pensamentos implicam
procurando vecirc-los com precisatildeo e pesquisar seus labirintos sua mecacircnica psiacutequica
iacutentima e seu meacutetodo operativo
Valeacutery (2011 p179) conceitualiza as accedilotildees do pensar as invenccedilotildees
produzidas pela inteligecircncia onde o Eu-empiacuterico que se utiliza da leitura e da
escrita e consequentemente pensa define-se ldquoatraveacutes da relaccedilatildeo entre um 2010 p
85) certo lsquoespiacuteritorsquo e a linguagemrdquo Ou seja pondo em movimento um Eu-funcional
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pode-se desenvolver uma consciecircncia do processo do pensar para fins de
conhecimento expressos por intermeacutedio da linguagem
Espiacuterito este visto como um sujeito que natildeo se assujeita mas aspira agrave
criaccedilatildeo e a realiza sem divindade reguladora sem idealismo (Eu absoluto do
Idealismo Alematildeo) e distante da metafiacutesica da alma imortal (Eu substancial do
racionalismo de Descartes) Portanto o Eu puro valeacuteryano natildeo guarda uma
moralidade consistindo na invariabilidade naquilo que natildeo muda no espiacuterito O
espiacuterito eacute abordado como um signo de pura possibilidade de uma virtualidade ao
qual o Eu empiacuterico aspira e tende Eu que passa por uma ascese e encontra-se ―
purificado de paixotildees de outros iacutedolos e idolatrias ― de forma a se tornar liberto
para agir e pensar
A nossa pesquisa da escrita valeacuteryana gera e explora meios de afirmar e de
proporcionar possibilidades criadoras em educaccedilatildeo justamente porque ndash como
salienta Corazza (2010 p 2) ndash o espiacuterito humano enfrenta dificuldades para pensar
o informe de maneira que necessitamos ldquode uma Educaccedilatildeo ou pedagogia dos
sentidos associando a vivecircncia dos limites formais com a criaccedilatildeo artistadorardquo
A pesquisa trata portanto de um fazer compositivo de escrita de uma praacutetica
de ensino numa construccedilatildeo conjunta com a obra de Valeacutery que busca o valor do
pensar humano observa seu funcionamento e sua accedilatildeo fecunda de pensar Por seu
intermeacutedio construiacutemos operaccedilotildees escrileitoras tradutoacuterias (escrita-leitura e leitura
escrita) capturando as forccedilas que aproximam percepccedilatildeo e criaccedilatildeo
Pensamos que a Filosofia da Diferenccedila pode servir-se das pesquisas deste
poeta-pensador como um disparador de escrita que busca um novo modo de ver e
de pensar o pensamento no qual a linguagem a verdade a consciecircncia de si satildeo
inseparaacuteveis e inter-relacionadas Pensar que possibilita o alargamento das
fronteiras da linguagem educacional na medida em que quebra concepccedilotildees
filosoacuteficas e cientiacuteficas consideradas verdadeiras e incontestaacuteveis
Inter-relaccedilatildeo na qual o espiacuterito Estudante-Escritor- Educador (EEE) estaacute
sempre se autoproduzindo por via de uma self-variance num processo contiacutenuo de
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geraccedilatildeo de sentidos imanentes singulares e particulares os quais reivindicam
novas possibilidades de invenccedilatildeo de emissatildeo de signos que se inscrevem para
escriturar sentidos oriundos das sensaccedilotildees num empirismo de pensar constante
cujos procedimentos implicam necessariamente o campo do vivido Pesquisamos
nesse processo variante o ambiente humano por entre dramas e comeacutedias do
vivido no campo educacional ou ainda uma dracomeacutedia humana repleta de
potenciais vicissitudes que servem como disparadores para uma invenccedilatildeo
produtora de escrita texto-manifesto exposto por via da linguagem e suas
convenccedilotildees
Meacutetodo
O meacutetodo utilizado na pesquisa eacute o do informe que desenvolve um tipo de
pesquisa que possibilita enfrentar a dificuldade de pensar o informe Meacutetodo este
que se interroga e que varia durante todo o processo de sua execuccedilatildeo natildeo
possuindo um regramento estanque ou dogmaacutetico o que baniria o prazer do
inusitado
Esse meacutetodo age atraveacutes de capturas das forccedilas dos textos das imagens
das musicalidades das vozes e dos conhecimentos isto eacute de tudo que deveacutem em
vida potente e que possa ser adequado agraves praacuteticas de ensino pois conforme Valeacutery
(1997 p 59) ldquoeacute o que contenho de desconhecido a mim mesmo que me faz ser eu
mesmordquo
Na praacutetica o que observamos eacute um desejo que ronda ldquocomo uma mina a ceacuteu
abertordquo (BARTHES 2013 p12) que propicia criar uma fantasia de exploraccedilatildeo e por
intermeacutedio dela construir um ritmo proacuteprio de accedilatildeo exploratoacuteria um como para viver
junto com vida e obra de determinado pensador saboreando cotidianamente
ldquobocados de saber = pesquisardquo Assim por entre bocados de pesquisa esse meacutetodo
produz ficccedilatildeo de modo que ldquoos pesquisadores capturam forccedilas imaginaacuterias
fantasiacutesticas e intelectuais que os conduzem ao trabalho criadorrdquo (CORAZZA 2012
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p19) levando o espiacuterito a experimentar um novo fazer ou seja uma pesquisa gaia
na educaccedilatildeo contemporacircnea
Por este vieacutes tal meacutetodo busca dar adeus agraves metanarrativas de ambiccedilatildeo
universal insistente nos entremeios do territoacuterio educacional Sua ambiccedilatildeo universal
eacute hermeacutetica e portanto falha pois impede uma discussatildeo que se quer aberta e natildeo
reprodutora de conhecimento Esta abertura pode trazer ao proacuteprio curriacuteculo e agrave
didaacutetica um entoar de novas vozes capazes de compor narrativas novas fazendo
na accedilatildeo de ensinar um espaccedilo criacutetico um lugar puacuteblico para discussotildees diversas
Ou seja capturar o que ateacute entatildeo foi excluiacutedo ou natildeo contemplado nas
metanarrativas em funccedilatildeo de sua supressatildeo por natildeo pertencerem aos dogmas
ditos universais Busca-se assim o vatildeo o desvio o detalhe tendo a linguagem
como movimento isto eacute em fluxo constante no movimento de criaccedilatildeo
Desse modo aquilo que sabemos que nos pertence natildeo conta pois
procuramos o que natildeo foi ainda construiacutedo o que resta para ser adquirido
transformado e que se anuncia nos entremeios dos textos Sendo assim a literatura
a filosofia e a educaccedilatildeo entrecruzam-se visto que seus conhecimentos e saberes
satildeo investigados por via das proacuteprias escrileituras que interrogam as tramas
compositivas do intelecto
Pode-se tambeacutem afirmar que o referido meacutetodo tem apreccedilo pelo espiacuterito
crianccedila ― que jamais deveria morrer em noacutes ― pois que ele traz em si a forccedila da
curiosidade da persistecircncia da descoberta haacute neste espiacuterito pagatildeo e poeta um
infinito de possibilidades Como elucida Eduardo Galeano em entrevista chamada eacute
Tempo de viver sem medo2 ldquoeacute preciso olhar o que natildeo se olha o que merece ser
olhado tanto o micro mundo e ao mesmo tempo sermos capazes de contemplar o
universordquo E para tanto eacute preciso se ter uma visatildeo microscoacutepica e outra telescoacutepica
para assim tentar desvendar o que haacute de misterioso na existecircncia
2 Entrevista de Eduardo Galeano disponiacutevel em canal moritz Ptnet acesso em 05 de julho de
2016
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As escrileituras produzidas em uma praacutexis do informe portanto satildeo criadas
em conjunto com os meandros labiriacutenticos e espirituais dos quais nos ocupamos
escolhidos pela apaixonada necessidade de escrever Natildeo se verifica uma doutrina
mas um meacutetodo para operaccedilotildees espirituais tracircnsitos pelos macros e micros
mundos ofertados pelo existir Os espiacuteritos operam em variaccedilatildeo e lanccedilam um novo
olhar para o que ainda natildeo foi visto ou seja o que ainda ignoramos e com estes
novos elementos do que se detecta surgem vatildeos e frestas que propiciam uma
composiccedilatildeo de escrita viva
Sendo assim o meacutetodo do informe nada mais eacute do que um fazer mutante
avesso ao sedentarismo intelectual um ato fiacutesico corporal posto em movimento
atraveacutes de estudos e pesquisas abrindo possibilidades para que o espiacuterito trabalhe
e medite sobre a produccedilatildeo de uma obra ― de um espiacuterito criador ― numa atitude
interrogativa transformada em problema que questiona pelo vieacutes de Valeacutery (2011 p
200) O que a obra produz em noacutes
Todo corpo posto em atividade eacute energia despendida e tambeacutem adquirida a
todo instante um organismo em constante mutaccedilatildeo Uma forma fluente ― referida
por Duns Scot como um onde ou (ubi) ― e capaz de uma determinaccedilatildeo qualitativa
anaacuteloga ao calor adquirido pelo corpo que se aquece atraveacutes do contato e do
contaacutegio com outros corpos que os circundam E nesta metamorfose contiacutenua e
energeacutetica o espiacuterito se propotildee a buscar maior lucidez para o intelecto e conhecer a
fundo a problemaacutetica a que se propotildee num exerciacutecio que se realiza atraveacutes de um
nomadismo de pensamento ativo sempre em deslocamento que busca o novo
De fato com o espiacuterito entendido desde a perspectiva valeacuteryana atraveacutes dos
movimentos de escrileituras da pesquisa com o artifiacutecio da literatura movimentamos
uma malha intelectiva que possibilita a construccedilatildeo de espiritografias Ou seja vamos
ao mundo de um espiacuterito e com ele escrevemos a partir de um estudo de vida e de
obra ou de uma Vidarbo Trata-se do interesse ldquopor Vida (Biografia) e por Obra
(Bibliografia) Soacute que em vez de Vida e Obra tomadas em separado ou uma
derivada e mesmo causa da outra trata de Vidarbordquo (CORAZZA 2010) tomada
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conjuntamente Essas operaccedilotildees das faculdades intelectivas repletas de afecccedilotildees
permitem e compotildeem o meacutetodo do informe como um mecanismo que exige um tipo
de construccedilatildeo no qual o inesperado eacute condiccedilatildeo processual
Projetos
Essas operaccedilotildees de meacutetodo do informe tiveram suas experimentaccedilotildees e
pesquisas empiacutericas cultivadas em trecircs projetos desenvolvidos pela pesquisadora e
professora doutora Sandra Mara Corazza e seus orientandos de iniciaccedilatildeo cientiacutefica
mestrado e doutorado na Linha de Pesquisa 09 Filosofias da Diferenccedila em
Educaccedilatildeo integrante do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo (PPGEdu) da
Faculdade de Educaccedilatildeo (FACED) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS) quais sejam Dramatizaccedilatildeo do infantil na comeacutedia intelectual do curriacuteculo
meacutetodo Valeacutery-Deleuze (2010) Escrileituras um modo de ler-escrever em meio agrave
vida e Didaacutetica da Traduccedilatildeo transcriaccedilotildees do curriacuteculo escrileituras da Diferenccedila
(2014 ndash 2019)
O projeto atual almeja complementar correlacionar e consolidar a formaccedilatildeo
de professores-pesquisadores atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos resultados e
impactos das produccedilotildees oriundas das trecircs pesquisas investigando um curriacuteculo e
uma didaacutetica da diferenccedila visando criar e fortalecer a ampliaccedilatildeo e a consolidaccedilatildeo
da qualidade de uma pesquisa-docecircncia
Desde o iniacutecio o meacutetodo do informe apontava para um tipo de pesquisa
construcionista enquanto um convite para estudos e praacuteticas de escrita as quais
atraveacutes das aventuras do intelecto facultam ao espiacuterito construir a sua proacutepria
realidade no campo ambiental da linguagem pensando o informe com Valeacutery e sua
Comeacutedia Intelectual e com Deleuze e o seu Meacutetodo de Dramatizaccedilatildeo aleacutem de
recorrer tambeacutem a Roland Barthes e ao seu conceito de Biografemaacutetica (CORAZZA
e OLIVEIRA 2015)
O Projeto Escrileituras (2011-2015) apoiado pelo Programa Observatoacuterio da
Educaccedilatildeo (CAPESINEP) teve como proposiccedilatildeo um fazer-educaccedilatildeo por meio de
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Oficinas abrindo assim possibilidades de criaccedilatildeo de escrileituras em educaccedilatildeo
Oficinas que tinham em sua percepccedilatildeo criaccedilatildeo e desenvolvimento dois meios
possiacuteveis para movimentos experimentais de escrita a formaccedilatildeo que acompanhava
os bolsistas e pesquisadores participantes e cursos e accedilotildees de extensatildeo oferecidos
a professores da Educaccedilatildeo Baacutesica
Totalizando um registro de 570 oficinas desenvolvidas pelo projeto foi
desenvolvida a Oficina espiritograacutefica de co-criaccedilatildeo dialoacutegica propondo aos
participantes um exerciacutecio de pensamento valeacuteryano que explorasse a forma de
escrita ldquodiaacutelogordquo atraveacutes de textos filosoacuteficos e literaacuterios que tratavam do tema
A oficina buscava pensar de forma luacutecida condiccedilotildees de criar personagens
que pensam o proacuteprio pensamento afirmando o espiacuterito que opera e escreve com
prazer ciente ldquoque cada um eacute a medida das coisasrdquo (VALEacuteRY 2011) E atraveacutes
desta empiria de escrita proposta na oficina proporcionou um aporte teoacuterico e
praacutetico para composiccedilatildeo da dissertaccedilatildeo de mestrado Alfabeto espiritograacutefico
escrileituras em educaccedilatildeo (CAMPOS 2013)
Espiritografia
Dessa accedilatildeo empiacuterica a palavra espiritografia comeccedila a tomar forccedila nas
pesquisas possibilitando ao espiacuterito escrileitor investigar outros Espiacuteritos e suas
vidarbos e com eles passar a criar procedimentos capazes de promover uma
produccedilatildeo de escrita espiritograacutefica experimental que se ocupa de erracircncias acasos
e o inusitado e que se configura em uma tese intitulada A Educaccedilatildeo da Diferenccedila
com Paul Valeacutery Meacutetodo Espiritograacutefico (CAMPOS 2015) com proposta jaacute
qualificada em 2015 e com defesa final prevista para 2017
Deste modo o espaccedilo curricular afirmava-se de maneira transversal com a
filosofia com as artes e com as ciecircncias tomando para si a tarefa de compor um
curriacuteculo como uma construccedilatildeo aberta fazendo dos conhecimentos que se colocam
em movimento um compoacutesito multidimensional de leitura e de escrita potenciais
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Assim o Projeto Escrileituras optou por afirmar um curriacuteculo mutante
provocando com isso que sua didaacutetica tambeacutem o fosse Ou seja didaacutetica e
curriacuteculo possibilitaram atraveacutes das Oficinas a ampliaccedilatildeo da visatildeo de mundo por
via do conhecimento que serve como um disparador para a edificaccedilatildeo de outros
mundos possiacuteveis isto eacute um modo de viver e de ldquomaquinar a educaccedilatildeo com prazer
aventureiro e espiacuterito aventurosordquo (CORAZZA 2014)
Abrindo dobras na pesquisa foi possiacutevel falar e escrever sobre Autor
Infacircncia Curriacuteculo e Educador ndash unidades analiacuteticas referidas como AICE e
integrantes de procedimentos didaacuteticos Jaacute o curriacuteculo foi composto pelas seguintes
unidades analiacuteticas Espaccedilos Imagens e Signos (EIS) os quais satildeo postos em
movimento por meio de um nomadismo intelectual experimentado no proacuteprio
territoacuterio da educaccedilatildeo valendo-se dos procedimentos muacuteltiplos de escrita de Valeacutery
para um fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo
Atraveacutes de um Meacutetodo do Informe utilizando o conhecimento como invenccedilatildeo
que por via de transbordamentos de pesquisa esses elementos possibilitaram criar
um novo meacutetodo chamado espiritograacutefico ndash defendido na tese A Educaccedilatildeo da
Diferenccedila com Paul Valeacutery Meacutetodo Espiritograacutefico (CAMPOS 2015) ndash pelo qual foi
possiacutevel a criaccedilatildeo de alguns tipos de espiritografias tradutoacuterias como Plagiotroacutepica
Imageacutetica Mise en Scegravene Desviante Extra-Ordinaacuteria Jogada Aula-Empiacuterica
Poeacutetica
Escrever eacute traduzir conforme afirma Valeacutery na eacutepoca em que traduzia as
Bucoacutelicas de Virgiacutelio (1944) destacado no livro de Haroldo de Campos (2013)
Transcriaccedilatildeo
Escrever o que quer que seja desde o momento em que o ato de escrever exige reflexatildeo e natildeo eacute uma inscriccedilatildeo maquinal e sem detenccedilas de uma palavra interior toda espontacircnea eacute um trabalho de traduccedilatildeo exatamente comparaacutevel agravequele que opera a transmutaccedilatildeo de um texto de uma liacutengua em outra (VALEacuteRY apud CAMPOS 2013 paacuteg61-62)
Essas forccedilas operativas da escrita (e da leitura) servem como impulso para
uma trajetoacuteria autoconsciente do espiacuterito que se aventura entre rasuras em busca
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do novo Produzindo uma escrita tradutoacuteria aberta sujeita a interaccedilotildees e oscilaccedilotildees
oriundas daquele espiacuterito que age sobre o texto criamos uma didactique da
novidade da erracircncia de AICE que pode gerar intranquilidade pois caccedila em meios
muacuteltiplos de escrita ― rigorosa e complexa ― seus desdobramentos enigmaacuteticos
perseguindo a exatidatildeo dos sentidos por entre Espaccedilos Imagens e Signos (EIS) do
Curriacuteculo
Sendo assim AICE (Didaacutetica) e EIS (Curriacuteculo) tomam para si uma poeacutetica de
pesquisa que se quer empiacuterica num processo de releitura e de reescrita do viviacutevel
no campo educacional e que acabam produzindo um diferencial curricular e didaacutetico
da diferenccedila visto que criam novas epistemes possibilitando ldquopensar uma didaacutetica e
um curriacuteculo tradutoacuteriosrdquo (CORAZZA 2014 p5)
Em seu texto A Tentaccedilatildeo de (Satildeo) Flaubert Valeacutery (2011) escreve sobre a
diaboacutelica tentaccedilatildeo humana e poeacutetica de provocar uma escrita amebiana como meio
para um jogo escritural do viviacutevel pois viver eacute a todo instante sentir falta de alguma
coisa e modificar-se para atingi-la para desse modo tender a substituir-se no
estado de sentir falta de alguma coisa Trata-se de um movimento corpoacutereo como o
feito pela ameba ou seja de transubstanciaccedilatildeo com o objeto amado pois ldquovivemos
do instaacutevel pelo instaacutevel no instaacutevel essa eacute a funccedilatildeo completa da Sensibilidade
que eacute a mola diaboacutelica da vida dos seres organizadosrdquo (VALEacuteRY 2011 p 83)
Essas perspectivas poeacuteticas sobre escrita leitura curriacuteculo e didaacutetica
possibilitam no espaccedilo da aulaoficina a emergecircncia de procedimentos
interpretativos das mateacuterias curriculares que funcionam como meio de invenccedilatildeo
recriando assim culturas e discursos atraveacutes de exerciacutecios rigorosos cocircmicos e
dramaacuteticos do pensamento Nesse sentido como um espaccedilo de ficccedilatildeo a aula eacute
planejada para que de algum modo funcione como um laboratoacuterio coletivo em que
se examina e promove-se a educaccedilatildeo do espiacuterito
Assim satildeo promovidos encontros imanentes que fornecem coordenadas
para o pensamento criacutetico que eacute experimentado num empirismo transcendental no
qual ldquoa Ideia natildeo eacute o elemento do saber mas de um lsquoaprenderrsquo infinitordquo (DELEUZE
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2006 p310) Nesse tipo de empirismo o que vale eacute o valor agregado ao espiacuterito
das forccedilas que do pensamento se apossa e que satildeo capazes de produzir novas
imagens que enunciam e novamente atualizam o pensar Com textos literaacuterios os
espiacuteritos escrileitores em movimentos de self-variance passam a acompanhar
essas danccedilas dramaacuteticas em meio agrave vida in-formada
Trata-se de um pensar vivo capaz de escriturar novos sentidos e de inscrever
signos que satildeo vitalmente transcriados pois operam para ldquoatravessar a ortodoxia
dos textosrdquo (CORAZZA 2014) e com eles criar uma escrita indomesticada criacutetica e
vivificadora Damos assim vida a uma nova praacutexis de ensino capaz de construir
espiritografias na qual o espiacuterito age por si enquanto move-se entre leituras e
escritas Espiacuterito que se interroga observa o proacuteprio fazer da escrita literaacuteria que
tem como tarefa anotar borrar fazer muacuteltiplas reflexotildees combinaccedilotildees tentativas e
falhas
Notemos que o espiacuterito ocupa trecircs lugares funcionais em seu laboratoacuterio
proacuteprio quais sejam EEE ndash o de Estudante (espiacuterito em curso tradutoacuterio de escrita)
o de Escritor (espiacuterito autor tradutor e transcriador) e o de Educador (espiacuterito em
exerciacutecio de traduccedilatildeo no exerciacutecio do magisteacuterio) Eacute esse atravessamento entre
lugares que movimenta EIS (Curriacuteculo) e AICE (Didaacutetica) os quais pela via da
traduccedilatildeo satildeo reimaginados Vislumbramos de acordo com Corazza (2013 p 219)
um fazer tradutoacuterio ldquopara aleacutem do literalismo rudimentar e da banalidade explicativardquo
que daacute nova vida ao educador-artista e cujas traduccedilotildees ldquopoderatildeo por vezes tornar-
se mais importantes que os originaisrdquo pois se configuram como uma ldquoestrateacutegia de
renovaccedilatildeo dos sistemas educacionais e culturais contemporacircneosrdquo
Experimentaccedilotildees
A partir do desenvolvimento de algumas Oficinas de Transcriaccedilatildeo durante o
Projeto Escrileituras continuamos estudando e pesquisando o pensamento de
Valeacutery na direccedilatildeo de construir tipos de espiritografias como uma praacutetica que
promove novos movimentos que tomam as unidades analiacuteticas de EIS AICE na qual
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buscamos combinar e correlacionar EIS com AICE (Espaccedilos Imagens e Signos a
Autor Infantil Curriacuteculo Educador) e nesse processo combinatoacuterio e correlacional
operacionalizar escrileituras tradutoacuterias que se articulassem com a praacutexis do ensinar
escrever orientar pesquisar colocando esses verbos em foco por meio de um fazer
espiritograacutefico Tal procedimento exploratoacuterio-experimental de pesquisa tem como
intuito criar meios para a produccedilatildeo de accedilotildees de pensamento na pesquisa
Nessa direccedilatildeo detalharemos um dos tipos de espiritografia aludida no texto
a Espiritografia Plagiotroacutepica Lembrando o que salienta o proacuteprio Valeacutery (2011 p
110) ldquoeu sei apenas o que sei fazerrdquo expomos os movimentos empiacutericos de escrita
feitos para criar essa espiritografia atraveacutes de movimentos de EIS AICE
apresentados a seguir por meio de um resumo do seu Glossaacuterio
EIS AICE
Espaccedilos - que se habitam e produzem
condiccedilotildees para novamente serem
habitados ao esvaziar-se na
constituiccedilatildeo de novas margens que a
sua vez lhes doam novas instacircncias
habitaacuteveis
Imagens - ausentes que presentificam
presenccedilas e Imagens presentes que
presentificam ausecircncias
Signos - satildeo dotados das forccedilas dos
encontros que podem exercer uma
violecircncia sobre o pensamento
violecircncia que implica na criaccedilatildeo do
pensar no proacuteprio pensamento
Autor-Tradutor - escreve lecirc interpreta aprende
compotildee apenas para desencadear devires
Infantil - como forccedila ativa e vontade de potecircncia
afirmativa
Curriacuteculo - cria a alegria afirmativa de educar
Educador - exercita se interrogar se tudo o que disse
ateacute entatildeo eacute tudo o que pode dizer se tudo o que viu
ateacute agora eacute de fato tudo o que pode ver se tudo o
que pensa eacute tudo o que pode pensar se tudo o que
sente eacute tudo o que pode sentir se tudo o que traduziu
eacute tudo que pode traduzir
O texto inspirador para a produccedilatildeo dessa espiritografia eacute o livro de Gonccedilalo
Tavares (2011) intitulado O senhor Valeacutery e a loacutegica tomado como um disparador
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como um meio potente para a produccedilatildeo de escrita Esse meio textual produz um
outro para falar e escrever sobre a Vidarbo (vida-obra) de Paul Valeacutery criando-se
assim um personagem O Monsieur Valeacutery
Esse texto eacute produzido por intermeacutedio de escrileituras que contemplam o
ainda natildeo visto ou ainda natildeo atribuiacutedo de valor para a criaccedilatildeo do personagem na
medida em que pesquisamos sobre a vida e a obra de Valeacutery de modo a escrever
sobre este personagem peculiarmente
Por via de um olhar outro que natildeo o de Tavares mas do olhar do espiacuterito
escrileitor que pesquisa vida e obra de outro espiacuterito no caso Valeacutery almejamos
compor uma espiritografia com e sobre este personagem do pensamento o que
pressupotildee ir ao mundo deste espiacuterito do qual se escreve observando como se daacute o
seu pensar Desta maneira foram produzidos quatro minicontos O Atum O
Ostinato O Sonho e Sem Destino (CAMPOS 2015) Abaixo seguem os dois
primeiros dessa seacuterie
O Atum
MONSIEUR VALEacuteRY era pequenino mas adorava nadar
Ele explicava
Sou igual a um atum soacute que em tamanho menor
Mas isto constitui para ele um problema
Mais tarde o monsieur Valeacutery pocircs-se a pensar que os pescadores podiam
confundi-lo com um atum e pescaacute-lo Sabia por suas leituras ser o Atum o mais
antigo deus criador do mundo Mediterracircneo e observou em seu livro a grande
Serpente Atum pai de Eneacuteade e Helioacutepolis E tal pensamento o animou um pouco
Dias depois saiu para passear agrave beira-mar e desenhou serpentes na areia E
pensava sobre a evoluccedilatildeo das espeacutecies e murmurava ldquose o homem estaacute situado ao
final de um longo esforccedilo geneacutetico tambeacutem seraacute preciso situar esta criatura fria sem
pata sem pelos sem plumas no iniacutecio deste mesmo esforccedilordquo E concluiu Haacute algo
de serpente no homem assim deve tambeacutem haver em mim
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Monsieur Valeacutery costumava fazer caacutelculos enquanto caminhava e riscava
atraacutes de si com uma varinha uma linha e ia medindo Caminhou caminhou de
suacutebito olhou para traacutes e viu a linha e pocircs-se a imaginar a Serpente como uma linha
viva E pensava que a linha eacute uma abstraccedilatildeo encarnada soacute enxergamos a sua parte
proacutexima manifesta Mas ele sabia que a linha seguia pelo invisiacutevel infinito de um
lado e de outro
O Ostinato
MONSIEUR VALEacuteRY cresceu assim como tambeacutem cresceu sua curiosidade
sobre as serpentes que seguia a rabiscar
Monsieur Valeacutery ainda costumava nadar poreacutem agora com maior
desenvoltura
Jogava-se ao mar e nadava de costas cachorrinho borboleta
Enquanto dava suas braccediladas e mergulhos no mar sem fim sentia-se
acompanhado
Entatildeo o monsieur Valeacutery pensava
― Seraacute Afrodite Ou seraacute Netuno
E enquanto caminhava para casa apoacutes seus nados volta e meia olhava para
traacutes observando a linha pintalgada pelos pingos que escorriam de seu corpo
Entatildeo Monsieur Valeacutery exclamava
― Que bela geometria
E logo se aborrecia
Monsieur Valeacutery era um perfeccionista e para se distrair durante o percurso
de volta para casa ia compondo versos Ostinatos que o enterneciam e lhe traziam
aromas de um pensamento Ele costumava declamaacute-los assim
Fonte minha fonte aacutegua friamente presente
Suave com os animais com os humanos clemente
Que tentados por si seguem ao fundo a morte
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Tudo te eacute sonho Irmatilde impaacutevida da Sorte3
Importa salientar que natildeo haacute um plaacutegio porque natildeo eacute coacutepia ou mera
reproduccedilatildeo textual mas de uma plagiotropia no sentido de Haroldo de Campos
(1997 p249) qual seja uma ldquoapropriaccedilatildeo seletiva natildeo histoacuterica para utilidade
imediata de um fazer poeacutetico situado na lsquoagoridadersquo o momento de ruptura em que
determinado presente (o nosso) se reinventa ao se reconhecer na eleiccedilatildeo de um
determinado passadordquo
Em outras palavras estabelecemos um diaacutelogo entre os espiacuteritos de Valeacutery
de Tavares e de um escrileitor que quer compor uma espiritografia O espiacuterito que
escreve lecirc repensa e mastiga o que chega dos textos de Tavares e de Valeacutery Essa
relaccedilatildeo estabelecida entre os espiacuteritos que leem e escrevem adquire potecircncia pelas
afecccedilotildees de forccedilas oriundas da accedilatildeo de leitura-escrita e gera novas relaccedilotildees com
os textos que satildeo entatildeo renovados e reinventados pelo meacutetodo espiritograacutefico
O EIS AICE do Curriacuteculo e da Didaacutetica com suas unidades analiacuteticas eacute posto
como bloco em movimento atraveacutes de um nomadismo intelectual que opera como
conhecimento e como invenccedilatildeo no territoacuterio da educaccedilatildeo de uma maneira
espiritograacutefica valeacuteryana Podemos descrever da seguinte maneira os movimentos
tradutoacuterios que ocorrem nessas unidades analiacuteticas de EIS AICE
EIS
Espaccedilos - satildeo criados entre e com Tavares e Valeacutery espaccedilos de escrita
novas margens que o espiacuterito escrileitor passa a habitar
Imagem - ausentes de Tavares e Valeacutery que se presentificam na agoridade
com novas imagens de pensamentos criadas que se ldquoreinventa ao se reconhecer na
eleiccedilatildeo de um determinado passadordquo (Campos 1997 p249) e que lhe serviu de
disparador como um rastro de escrita
3 Do poema Fragmentos de Narciso e outros poemas (VALEacuteRY 2013 p 61)
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Signos ndash encontro de forccedilas de um espiacuterito que escreve em Self-variance
com Valeacutery e com Tavares E desta violecircncia levantam-se problemas e com eles se
cria pois criaccedilatildeo pressupotildee pensar no proacuteprio pensamento e como eles se datildeo
entre leitura e escrita
AICE
Autor-tradutor ndash ler e escrever na educaccedilatildeo como operaccedilatildeo literaacuteria valer-se
da literatura que desencadeia movimentos de pensar interpretar aprender
compor devires tradutoacuterio
Infantil ndash do infante da crianccedila que descobre pois tem a forccedila ativa ativada
por uma vontade de potecircncia que quer afirmar-se com alegria
Curriacuteculo ndash Alegria que transborda pois se afirmam novos meios de educar
que natildeo o ldquoeu professotu escutasrdquo pois na teimosia que nos impele a educar eacute
necessaacuterio ir aleacutem da mera reproduccedilatildeo de textos
Educador ndash EEE (estudante escritor educador) trecircs papeacuteis intercambiaacuteveis
propiacutecios a interrogar-se levantar questotildees na busca de novos olhares ldquovatildeosrdquo
sobre o ainda natildeo visto que possibilita novas composiccedilotildees de escrita
Consideraccedilotildees Finais
Ao pensar sobre o processo de pesquisa exposto no presente artigo
sinalizamos a relevacircncia do pensamento de Paul Valeacutery e de sua apropriaccedilatildeo efetiva
no campo da educaccedilatildeo por considerar que os seus procedimentos de escrita
concedem ao espiacuterito que busca se educar agir com maior lucidez de pensamento
ou seja cultivar o Eu-empiacuterico que lecirc e escreve importando-se mais com o meio de
ocorrecircncia textual do que com um fim ou com uma meta
Tratamos em siacutentese de um fazer conjunto com Paul Valeacutery atraveacutes dos
seguintes aportes a) o Meacutetodo do Informe utilizado como processo experimental
para falar ler e escrever sobre a educaccedilatildeo com Valeacutery b) atraveacutes de uma Self-
variance do espiacuterito colocar-se em movimento funcional construcionista onde
autoeduca-se no entre-lugar variante de EEE c) a escrileitura conceitualizada como
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um campo aberto agrave formaccedilatildeo e ao fazer docente que mescla linguagem e
conhecimento
A vidarbo de Valeacutery engendra na didaacutetica e no curriacuteculo uma vontade de
expressatildeo unida agraves sensaccedilotildees experimentadas no viviacutevel em novos traccedilados
compositivos de escrita Para pensar e operar uma didaacutetica (AICE) e um curriacuteculo
(EIS) tradutoacuterios o estudo tambeacutem aponta que a pesquisa eacute mutante e aberta a
novas interferecircncias visto que o Meacutetodo do Informe transmuta-se no proacuteprio
percurso investigativo em um Meacutetodo Espiritograacutefico
Pelo que podemos observar acerca dos resultados e impactos das produccedilotildees
oriundas das trecircs pesquisas anteriormente citadas que pesquisam e produzem um
curriacuteculo e uma didaacutetica da diferenccedila eles vecircm proporcionando encontros
produtivos que ampliam e qualificam as pesquisas educacionais
Cabe enfatizar que no cotidiano educacional o que se traduz aleacutem de textos
eacute a proacutepria vida como potecircncia ou movimento de criaccedilatildeo almejando que a
existecircncia possa ser concebida como arte pois de acordo com Valeacutery (1977
p217) ldquoa arte natildeo eacute nada mais do que um pedagogo poreacutem mais importante ―
pois ela pode me ensinar a dispor do meu espiacuterito para aleacutem de suas aplicaccedilotildees
praacuteticasrdquo Trata-se entatildeo de um escrever vivendo espreitar a realidade e sobre ela
levantar novos problemas que promovem no espiacuterito dobras sobre si mesmo num
fazer poeacutetico-criador em elaboraccedilatildeo constante um modo de existir intensivo de arte-
vida que toma o viviacutevel como mateacuteria para assim transmutaacute-la no campo da
educaccedilatildeo contemporacircnea
Referecircncias CAMPOS Haroldo de Transcriaccedilatildeo Satildeo Paulo perspectiva 2013
_______ Haroldo de O Arco-Iacuteris Branco Rios de Janeiro Imago 1997 CAMPOS Maria Idalina Krause de Alfabeto Espiritograacutefico Escrileituras em Educaccedilatildeo Porto Alegre 2013 Projeto de dissertaccedilatildeo (Dissertaccedilatildeo em Educaccedilatildeo)
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Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Faculdade de Educaccedilatildeo Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2013 Disponiacutevel em lthttphdlhandlenet1018370246gt _______ Maria Idalina Krause de A Educaccedilatildeo da Diferenccedila com Paul Valeacutery Meacutetodo Espiritograacutefico Porto Alegre 2014-2017 Projeto de tese (Tese qualificada em Educaccedilatildeo) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Faculdade de Educaccedilatildeo Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2014 CORAZZA Sandra Mara OLIVEIRA Marcos da Rocha ADOacute Maacuteximo Daniel Lamela (Orgs) Biografemaacutetica na educaccedilatildeo Vidarbos (Caderno de Notas 7) Porto Alegre UFRGS Doisa 2015 _______ Sandra Mara Ensaio sobre EIS AICE proposiccedilatildeo e estrateacutegia para pesquisar em educaccedilatildeo Porto Alegre Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo CNPq 2014 30 p (No prelo) _______ Sandra Mara O que se transcria em educaccedilatildeo Porto Alegre ndash RS UFRGS Doisa 2013 _______ Sandra Mara Introduccedilatildeo ao meacutetodo biografemaacutetico In COSTA Luciano Bedin da FONSECA Tania Mara Galli (Org) Vidas do Fora habitantes do silecircncio Porto Alegre Editora da UFRGS 2010 _______ Sandra Mara Dramatizaccedilatildeo do infantil na comeacutedia intelectual do curriacuteculo meacutetodo Valeacutery-Deleuze Projeto de Pesquisa ndash Bolsa de produtividade CNPq 2010 _______ Sandra Mara Meacutetodo Valeacutery-Deleuze um drama na comeacutedia intelectual da educaccedilatildeo Educaccedilatildeo amp Realidade Porto Alegre v 37 n 3 Dec 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S2175-62362012000300016amplng=enampnrm=isogt Acessado em 13 de Julho de 2016 _______ Sandra Mara Didaacutetica da Traduccedilatildeo transcriaccedilotildees do curriacuteculo escrileituras da Diferenccedila (2014-2019) Projeto de Pesquisa de Produtividade (CNPq) _______ Gilles Diferenccedila e repeticcedilatildeo Trad Luiz Orlandi e Roberto Machado Rio de Janeiro Graal 2006 _______ Gilles A ilha deserta e outros textos Textos e entrevistas (1953-1974) Satildeo Paulo Iluminuras 2006 (Org Luiz B L Orlandi) DELEUZE Sobre o teatro Um manifesto de menos O esgotado Rio de Janeiro Editora Zahar 2010
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TAVARES Gonccedilalo M O senhor Valeacutery e a Loacutegica 1 ed Rio de Janeiro Casa da Palavra 2011 VALEacuteRY Paul Variedades Trad Maiza Martins de Siqueira Satildeo Paulo Iluminuras 2011 _______ Paul Fragmentos de Narciso e outros poemas Trad Juacutelio Castantildeon Guimaratildees Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial 2013 _______ Cahiers Paris Gallimard 1977
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GROL Ana Paula Schoninger Van BLAUTH Lurdi Gravura procedimentos alternativos em litografia
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Gravura procedimentos alternativos em litografia contemporacircnea
Ana Paula Schoninger van Grol1 Universidade Feevale
Lurdi Blauth2
Universidade Feevale
Resumo O estudo aborda a inter-relaccedilatildeo da arte com distintos meios de produccedilatildeo de imagens mediando procedimentos tradicionais com processos de tecnologias digitais As experiecircncias satildeo realizadas no campo da gravura contemporacircnea com o intuito de propor outras possibilidades de criaccedilatildeo de matrizes pela utilizaccedilatildeo e o aproveitamento de materiais alternativos e o uso de produtos menos toacutexicos Consideramos que eacute importante estimular o uso destes outros meios principalmente em ateliecircs de gravura xilogravura gravura em metal litografia e serigrafia Neste momento apresentamos alguns resultados parciais no acircmbito da litografia cujas pesquisas foram desenvolvidas no ateliecirc de gravura da Universidade Feevale Palavras-chave Arte tecnologia gravura litografia Abstract The research takes into consideration the relation among the different ways of producing images associating traditional methods with digital technology processes The experiences are taken in the field of contemporary printing intenting propouse other possibilities in creating printing matrices from use and exploitation of alternative material and non-toxic products It is considered that it is important to stimulate the use of alternative means particularly in art labs such as xylography metal engraving lithography and silkscreen To the present moment will be presented some partial results related to lithograph all researches were accomplished at the art laboratory in Universidade Feevale Keywords Art technology printing lithography
Introduccedilatildeo
Os movimentos artiacutesticos no iniacutecio de seacuteculo XX transgridem as formas
tradicionais da arte como podemos observar no surrealismo futurismo e dadaiacutesmo e
nas publicaccedilotildees em manifestos que confrontam questotildees sociais e culturais A
invenccedilatildeo da fotografia intensifica a aproximaccedilatildeo entre a arte e a tecnologia liberando
os artistas da questatildeo da representaccedilatildeo tradicional de espaccedilo para realizarem novas
1 Graduada em Artes Visuais trabalha como professora de liacutengua inglesa Eacute diretora do grupo de teatro de rua DRIME e tambeacutem atua como artista plaacutestica 2 Doutora em Artes Visuais pela UFRGS (2005) e Doctorat sandwich en Art Plastique - Universiteacute Paris 1 (Pantheacuteon-Sorbonne) (2003) Artista visual pesquisadora e professora nos cursos de Artes Visuais Design Graacutefico e no PPG em Processos e Manifestaccedilotildees Culturais Universidade Feevale
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experiecircncias Em 1910 quando Pablo Picasso e Georges Braque inserem em suas
pinturas outros materiais como fragmentos de jornais elementos da tipografia entre
outros impressos fazem uma alusatildeo direta ao cotidiano e ao progresso dos novos
meios tecnoloacutegicos da eacutepoca Tais fragmentos colados sobre a superfiacutecie da tela aleacutem
de redimensionarem a relaccedilatildeo da representaccedilatildeo do espaccedilo ilusionista da perspectiva
introduzem uma nova forma de tempo e espaccedilo Os limites tradicionais e a
representaccedilatildeo objetiva da arte comeccedilam a ser questionados sobretudo com a
utilizaccedilatildeo e a experimentaccedilatildeo de novos materiais bem como tambeacutem a expressatildeo
pessoal do artista
No acircmbito do desenvolvimento da gravura percebemos a coexistecircncia com
inovaccedilotildees teacutecnicas as quais satildeo constantemente renovadas e incorporadas aos
procedimentos tradicionais de criaccedilatildeo de imagens sobre distintas matrizes e processos
de reproduccedilatildeo sobre diferentes suportes Atualmente o conceito inicial da gravura se
transforma junto com a evoluccedilatildeo da cultura e dos novos meios tecnoloacutegicos Ela natildeo
envolve necessariamente gravaccedilatildeo isto eacute subtraircortar mateacuteria de uma superfiacutecie
como eacute feito nos meios mais tradicionais como a xilogravura e a calcografia Utiliza-se a
adiccedilatildeo de pigmentos os quais modificam a superfiacutecie de uma matriz atraveacutes de
processos quiacutemicos confronta-se tambeacutem com a gravaccedilatildeo fotograacutefica a eletrografia e
a computaccedilatildeo graacutefica buscando assim a inter-relaccedilatildeo com outras linguagens
Tais desdobramentos tencionam as suas especificidades teacutecnicas propondo
uma maior flexibilidade e autonomia em relaccedilatildeo aos seus meios convencionais de
gravaccedilatildeo e impressatildeo Contudo as linguagens tradicionais natildeo satildeo descartadas uma
vez que eacute fundamental termos conhecimento das caracteriacutesticas dos seus
procedimentos originais que continuam sendo desenvolvidos por inuacutemeros artistas Ou
seja satildeo produzidas gravuras com meios teacutecnicos da xilogravura calcografia serigrafia
e litografia e de acordo com as singularidades criativas de cada artista satildeo
incorporados desenhos pinturas colagens transferecircncia de fotografias digitais coacutepia
uacutenica em contraponto com a reproduccedilatildeo de imagens
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Neste estudo investigamos a criaccedilatildeo de imagens por meio de experimentaccedilotildees
praacuteticas com procedimentos analoacutegicos (gravura) incluindo a utilizaccedilatildeo de recursos
provenientes de tecnologias digitais (fotografia) e a transferecircncia de imagens sobre
matrizes alternativas
O enfoque das nossas experimentaccedilotildees eacute buscar materiais que possam suprir
os procedimentos tradicionais da litografia devido a dois fatores primeiro satildeo poucos
ateliecircs que possuem as pedras litograacuteficas o que impede o seu faacutecil acesso segundo
aliada aos constantes desdobramentos e potencialidades da linguagem graacutefica eacute
fundamental a experimentaccedilatildeo de outros materiais mais acessiacuteveis e menos toacutexicos
Cabe mencionar que tais experimentaccedilotildees partem de informaccedilotildees obtidas por
pesquisas apresentadas em sites da internet artigos e estudos oriundos de testagens
realizadas em outros paiacuteses No entanto percebemos que os procedimentos natildeo
resultam em apenas transcrever teacutecnicas implicam em tentar adotar materiais similares
em nosso contexto aleacutem de indicarem outras possibilidades de criaccedilatildeo artiacutestica
Os experimentos e pesquisas relatados aqui satildeo vinculados ao projeto de
pesquisa Arte e Tecnologia Interfaces Hiacutebridas da Imagem entre Mediaccedilotildees e
Remediaccedilotildees que acontece sob orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Lurdi Blauth nos ateliecircs de arte
da Universidade Feevale O objeto de estudo investiga possibilidades hiacutebridas que
inter-relacionam meios analoacutegicos e digitais de diferentes linguagens esteacuteticas como a
gravura fotografia videoarte e tecnologias digitais
Litografia princiacutepios baacutesicos
A litografia descoberta por Alois Senefelder em 1796 comeccedilou a ser utilizada
de forma utilitaacuteria para impressatildeo de documentos roacutetulos cartazes mapas jornais
aleacutem de apresentar uma nova possibilidade expressiva para os artistas A teacutecnica da
litografia tem como princiacutepio baacutesico o fenocircmeno quiacutemico de repulsatildeo entre gordura e
aacutegua tornando-se um meio de reproduccedilatildeo de imagens Antes da invenccedilatildeo da litografia
toda a gravura pressupunha gravaccedilatildeo isto eacute a incisatildeo sobre uma superfiacutecie resultando
numa imagem que podia ser transferida pelo seu relevo Isto quer dizer que a gravura
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estava associada agrave incisatildeo agrave subtraccedilatildeo o oposto de adiccedilatildeo De acordo com George
Kornis3 (2015)
O advento da litografia no seacuteculo XIX ndash um processo fundado apenas em uma accedilatildeo quiacutemica sobre uma matriz em pedra ndash possibilitou um grau de liberdade diante da incisatildeo e ampliou a escala de reprodutibilidade da imagem graacutefica Na litografia a linguagem graacutefica aproxima-se ainda mais do desenho Essa nova teacutecnica prescinde da incisatildeo o que amplia o acesso a novos artistas que optam por incorporar tambeacutem a expressatildeo graacutefica ao seu trabalho
Importantes artistas comeccedilam a utilizar a teacutecnica como meio de expressatildeo
Goya como podemos observar na obra Touradas de 1825 (fig 1) Gustave Doreacute
Renoir Ceacutezanne Toulouse-Lautrec Bonnard entre outros realizam novas
experimentaccedilotildees introduzindo inclusive a cor nos meios litograacuteficos
Figura 1 Francisco Joseacute de Goya Touradas 1825 Fonte Disponiacutevel em httpwwwpatrimoniodehuescaesmuseo-de-huesca-francisco-de-goya-y-
lucientes-grabados-de-tauromaquia-y-lienzo-del-sr-de-veian-s-xviii
A linguagem graacutefica aliada agraves transformaccedilotildees do seacuteculo XXI continua a sua
constante atualizaccedilatildeo teacutecnica pela convergecircncia de meios digitais e de teacutecnicas
seculares da gravura configurando-se pela exploraccedilatildeo de uma diversidade de novas
proposiccedilotildees esteacuteticas Nesse aspecto igualmente eacute colocado em discussatildeo o seu
caraacuteter original relacionado com a produccedilatildeo de uma matriz uacutenica e a reproduccedilatildeo de
3 KORNIS George Gravura passado presente e futuro Publicado em 13 de maio de 2015 Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomwatchv=mCmY_Oj3x64gt Acesso em 29 de julho de 2016
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estampas idecircnticas Para Nicole Malenfant (2012 p73) ldquoeacute na abertura para praacuteticas de
natureza interdisciplinar que a gravura transgrediu ainda mais o quadro de sua
especificidade para integrar a abordagem de criaccedilatildeo agrave perspectiva de uma
lsquopermeabilidade de fronteirasrsquo Em outras palavras estas novas abordagens inter-
relacionam procedimentos materialidades e conceitos ampliando inclusive o caraacuteter
mais intimista da gravura bem como as estruturas de suas praacuteticas teacutecnicas
convencionais que se desdobram no contato com as tecnologias digitais
Atualmente falamos em gravuras digitais que se distinguem das praacuteticas
tradicionais da gravura que ldquoeacute feita com base na construccedilatildeo pictoacuterica e utiliza
ferramentas proacuteprias aos softwares da imagem para elaborar uma proposta visual que
pode incluir elementos fotograacuteficos que se relacionem com outros elementos do todo da
imagemrdquo (MALENFANT 2012 p72) Embora as especificidades de cada procedimento
empregado estejam em sintonia eacute preciso levar em conta as peculiaridades e
denominaccedilotildees dos meios de reproduccedilatildeo e impressatildeo e suas diferentes granulaccedilotildees na
imagem A incorporaccedilatildeo da imagem fotograacutefica por meio de transferecircncia para outros
suportes e matrizes que permitem a sua reproduccedilatildeo se distingue da materialidade das
impressotildees manuais
Ainda de acordo com Malenfant
As pesquisas para transferir imagens fotograacuteficas ou digitais para matrizes que permitem se servir da impressatildeo artesanal tambeacutem enriqueceram essas imagens com uma materialidade diferente advindas da siacutentese de suas disciplinas implicadas Esses novos avanccedilos no plano teacutecnico permitem associar as ferramentas digitais ao processo de criaccedilatildeo da imagem e ampliam o campo da exploraccedilatildeo esteacuteticardquo (2012 p73)
Nessa perspectiva haacute uma liberdade muito maior em elaborar proposiccedilotildees
esteacuteticas que dialogam com uma diversidade de materiais e materialidades e de certa
maneira transgridem as delimitaccedilotildees para integrar novas formas de criaccedilatildeo no campo
ampliado da arte
Desse modo as investigaccedilotildees praacuteticas desta pesquisa se desdobram com a
exploraccedilatildeo de procedimentos alternativos para a gravura litograacutefica A partir do
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conhecimento de alguns princiacutepios baacutesicos da litografia procuramos trabalhar com
alguns meacutetodos que natildeo necessitam da utilizaccedilatildeo da pedra calcaacuteria cujo material eacute
escasso e limitado a poucos ateliecircs no Rio Grande do Sul
Contexto inicial
Para o desenvolvimento dos meios tradicionais da litografia eacute necessaacuterio uma
seacuterie de procedimentos que implicam no uso de diversos materiais como pedra
litograacutefica (calcaacuteria) materiais para desenho (Tousche laacutepis crayon) solvente
(removedor aacutegua-raz ou varsol) goma araacutebica breu aacutecido aceacutetico aacutecido niacutetrico entre
outros O processo eacute relativamente complexo pois depende da repulsatildeo entre gordura
e aacutegua A imagem eacute produzida sobre a superfiacutecie da pedra calcaacuteria com materiais
oleosos e depois de concluiacuteda satildeo aplicados diferentes componentes quiacutemicos que
iratildeo fixaacute-la Ou seja eacute necessaacuterio que todas as etapas sejam consideradas em sua
sequecircncia e geralmente requer o auxiacutelio de profissionais capacitados para a impressatildeo
aleacutem de outros cuidados teacutecnicos para que haja um bom resultado na obra final
Visando atender aos objetivos da pesquisa buscamos desenvolver a teacutecnica
com meacutetodos diversos realizando experimentaccedilotildees com diferentes suportes para a
produccedilatildeo de matrizes que se aproximem aos meios litograacuteficos Aleacutem disso buscamos
relacionar a pesquisa agraves tecnologias digitais seja no processo de criaccedilatildeo eou na
elaboraccedilatildeo das imagens graacuteficas
Experimentaccedilotildees praacuteticas
Inicialmente foram testados vaacuterios procedimentos e materiais tendo como
proposiccedilatildeo na medida do possiacutevel utilizar materiais menos nocivos ao ambiente
Nessas experimentaccedilotildees vaacuterios testes natildeo apresentaram os resultados esperados ou
adequados agrave proposta da investigaccedilatildeo contudo possibilitaram outras descobertas
Os estudos em ateliecirc tecircm como referecircncia o artigo ldquoLa siligrafiacutea Un proceso
alternativo en la graacutefica muacuteltiple contemporaacuteneardquo de Hortensia Miacutenguez Garciacutea e
Carles Meacutendez Llopis (2014) que sugere o uso de silicone e solvente sobre chapa
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offset Apoacutes algumas tentativas foi possiacutevel reproduzir a imagem contudo os
resultados deste experimento natildeo foram totalmente satisfatoacuterios em qualidade de
impressatildeo aleacutem do mais natildeo se enquadravam com os objetivos da pesquisa na
aplicaccedilatildeo dos materiais ndash que ainda apresentavam certa toxicidade (figura 2)
Figura 2 Ana van Grol - Detalhes do processo com litografia alternativa Fonte Arquivo pessoal
A partir destas experiecircncias realizadas em ateliecirc concluiacutemos que seratildeo
necessaacuterios mais estudos e praacuteticas para se obter melhores resultados para a
reproduccedilatildeo das imagens
Litografia natildeo toacutexica com refrigerante de cola e produtos caseiros
Nesta segunda etapa novos estudos bibliograacuteficos propiciaram outras testagens
com materiais e processos de litografia alternativa Percebemos que em muitos paiacuteses
jaacute estatildeo sendo pesquisados outros meacutetodos mais acessiacuteveis e de faacutecil manuseio
Nesse aspecto eacute interessante observar que encontramos pouco material em portuguecircs
inclusive os materiais sugeridos satildeo similares aos produzidos aqui no Brasil poreacutem
existe uma diferenccedila na qualidade dos mesmos
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Foram pesquisados em diversos viacutedeos disponiacuteveis na internet que tratam de
processos semelhantes ao de litografia alternativa Mencionamos alguns exemplos
como o ateliecirc francecircs Art Emilion4 (o qual tambeacutem produziu um manual para execuccedilatildeo
do processo) e o viacutedeo Kitchen Lithography Demo por Felicia Digiovanni5 ambos
demonstrando a teacutecnica com refrigerante de cola O processo utilizando somente
vinagre para substituir o refrigerante apresentado por ldquojjewelartrdquo tambeacutem fez parte do
experimento poreacutem natildeo apresentou os resultados esperados
De acordo com as demonstraccedilotildees do ateliecirc de arte Art Eacutemilion o procedimento
faz uso dos seguintes materiais oacuteleo de cozinha vinagre branco refrigerante de cola
papel alumiacutenio esponja litograacutefica tinta para talho doce rolo para entintagem laacutepis
para desenho litograacutefico (e outros materiais gordurosos para o mesmo fim como sabatildeo
de glicerina) papel para impressatildeo e aacutegua
O desenvolvimento da teacutecnica envolve as seguintes etapas
1 O papel alumiacutenio deve ser posto sobre uma chapa acriacutelica ou algo semelhante
para facilitar o trabalho o lado a ser usado eacute o fosco
2 Apoacutes limpar o papel alumiacutenio com aacutelcool pode-se fazer o desenho com giz
gorduroso ou sabatildeo de glicerina
3 O banho de refrigerante de cola eacute o passo seguinte mas deve-se ter a certeza
de que o desenho estaacute totalmente seco para isso Este processo toma alguns
segundos e eacute necessaacuterio assegurar-se de passar por toda a superfiacutecie
4 Depois disso deve-se lavar com aacutegua e secar levemente com papel toalha
5 O oacuteleo de canola deve ser espalhado por toda a superfiacutecie com uma gaze para
retirar o desenho do alumiacutenio
6 Eacute necessaacuterio passar a esponja de litografia sobre o desenho devendo estar
umedecida com aacutegua e ser aplicada entre as etapas de entintagem com tinta
4 EMILLION Aizier Lithography Maison ndash Kitchen lithography Disponiacutevel em lt httpwwwatelier-kitchen-printorgproducts-pagemanuelsproduitshandbook-of-kitchen-lithogt Acesso em 09 de junho de 2016 5DIGIOVANI Felicia Kitchen Lithography Demo Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomwatchv=UuBUlEt6vWwgt Acesso em 09 de junho de 2016
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para talho doce ou tipograacutefica com um rolo de borracha Na primeira passada eacute
possiacutevel que a tinta se fixe a todas as partes poreacutem a esponja molhada deve
ser aplicada vaacuterias vezes assim como a tinta ateacute que ao final a tinta aderiraacute
somente na imagem (figura 3)
Figura 3 Ana van Grol - testes de litografia alternativa com coca cola do atelier Art Eacutemilion Fonte Arquivo pessoal
Nos primeiros resultados apenas era possiacutevel reconhecer vestiacutegios das
imagens e teacutecnica entretanto ao repetir o processo algumas vezes e analisar os
procedimentos realizados era notaacutevel a melhora das impressotildees (figura 4)
Figura 4 Ana van Grol ndash detalhe da impressatildeo com maior fidelidade entre o desenho inicial e sua impressatildeo final
Fonte Arquivo pessoal
Eacute curioso salientar um aspecto em que diferem nossos estudos dos
experimentos realizados nos viacutedeos observados enquanto que em nossas praacuteticas a
tinta eacute fixada no plano de fundo da imagem nos viacutedeos ela adere nos desenhos sendo
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assim o sistema que repele a tinta acontece invertido e por esse motivo continuamos
as testagens para obter resultados mais proacuteximos aos dos viacutedeos
Nestas experimentaccedilotildees os resultados foram satisfatoacuterios tecnicamente poreacutem
ainda natildeo foram consideradas questotildees esteacuteticas e conceituais enquanto linguagem
artiacutestica Na etapa seguinte buscamos aliar a transferecircncia de imagens para a criaccedilatildeo
de matrizes com papel alumiacutenio utilizando outros procedimentos e materiais
A transferecircncia de imagem sobre matriz de alumiacutenio
A articulaccedilatildeo da gravura tem seus antecedentes histoacutericos que remetem aos
primoacuterdios da fotografia relacionados agrave gravaccedilatildeo de sombra luz e impressatildeo O uso de
recursos tecnoloacutegicos pela facilidade de acesso propicia a ampla reproduccedilatildeo de
imagens assim como a fotografia digital contribui para a renovaccedilatildeo e a interaccedilatildeo com
outras linguagens artiacutesticas No entanto diante das inuacutemeras possibilidades de
reproduzir coacutepias por tecnologias digitais a questatildeo da reproduccedilatildeo atraveacutes da gravura
jaacute natildeo eacute tatildeo relevante Com o avanccedilo dessas tecnologias digitais abrem-se novos
caminhos para a gravura Maria do Carmo Veneroso6 coloca que
Eacute pois a qualidade graacutefica e a possibilidade do uso da imagem fotograacutefica entre outras coisas que vai caracterizar a praacutetica dos gravadores atualmente A reprodutibilidade deixa portanto de ser um valor em si jaacute que com o desenvolvimento da induacutestria graacutefica muitas outras formas de impressatildeo mais raacutepidas e mais eficientes se impotildeem deixando que a gravura se realize plenamente em meio e tangenciando outras linguagens plaacutesticas Essa mudanccedila de paradigma faz com que a gravura se desenvolva como linguagem lanccedilando matildeo dos recursos teacutecnicos disponiacuteveis (2007 p1512)
A autonomia das linguagens graacuteficas propicia que sejam articulados distintos
meios e procedimentos borrando as fronteiras e delimitaccedilotildees teacutecnicas para originar
outras praacuteticas e confrontos esteacuteticos O caminho da gravura artiacutestica comeccedila a se
modificar significativamente quando a tecnologia e os meios de reproduccedilatildeo fotograacutefica
6 Blog Litografia 2010 ndash CAPECAUSP Disponiacutevel em lthttpcap-lito-2010blogspotcombr201003litografias-de-artistas-cezannehtmlgt Acesso em 09 de junho de 2016
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satildeo incluiacutedos aos procedimentos tradicionais ldquoRobert Rauschenberg por exemplo
desafiou os meios convencionais da gravura introduzindo elementos jaacute impressos
atraveacutes da transferecircncia de imagens Tambeacutem ampliou as escalas fiacutesicas misturando
diversas teacutecnicas graacuteficas que satildeo impressas sobre tela para substituir o papelrdquo
(BLAUTH 2011 p27) (Figura 5)
Figura 5 Robert Rauschenberg Shades 1964 Seis litografias impressas sobre acriacutelico 15 x 1438 x 11 58 p Ediccedilatildeo 24
Fonte MOMA Disponiacutevel em httpswwwmomaorgcollectionworks14718
Neste estudo apresentamos resultados parciais de procedimentos e meacutetodos
com o intuito de transferir a fotografia digital para criaccedilatildeo de matrizes com papel
alumiacutenio Inicialmente satildeo realizadas algumas testagens com outros tipos de matrizes
(acetato lata de refrigerante) e meios de transferecircncia (tela de serigrafia calor e
salicilato de metila)
Um dos materiais testados foi o acetato com imagem impressa em toner preto
aacutegua e esponja para molhar o acetato antes de entintar tinta para talho doce rolo de
borracha papel proacuteprio para a impressatildeo e prensa
Fazendo uso das impressotildees a laser e conhecendo suas propriedades o acetato
foi entintado e impresso Apoacutes alguns testes o resultado foi satisfatoacuterio (figura 6)
poreacutem natildeo com total controle sobre as impressotildees Encontramos neste meacutetodo a
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possibilidade de unir a tecnologia com a reproduccedilatildeo de imagem aos materiais
alternativos na produccedilatildeo de gravura
Figura 6 Ana van Grol Processo e resultado acetato impresso a laser gravura direta com tinta para talho doce
Fonte Arquivo pessoal
Em outra experiecircncia eacute feita a transferecircncia de impressatildeo a laser com calor e
pressatildeo e a tinta para talho doce acaba por fazer a interaccedilatildeo necessaacuteria utilizando-se
do meacutetodo de limpar a placa com oacuteleo antes de entintaacute-la A tinta de talho doce eacute
aplicada com rolo de borracha vaacuterias vezes e entre os intervalos de cada entintagem eacute
necessaacuterio limpar a tinta com esponja litograacutefica embebida em aacutegua (figura 7)
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Figura 7 Ana van Grol Processo e resultado de trabalho com transferecircncia de coacutepia a laser e
impressatildeo direta com tinta para talho doce Fonte Arquivo pessoal
Outro procedimento de transferecircncia de imagem impressa a laser eacute o produto
denominado de salicilato de metila associado ao processo de impressatildeo com a prensa
Com este material obtemos resultados mais satisfatoacuterios quando a imagem eacute impressa
sobre papel couchet ressaltando um certo contraste na imagem Neste caso (figura 8)
apoacutes a transferecircncia satildeo realizadas grafias aleatoacuterias com laacutepis litograacutefico gorduroso e
depois satildeo empregados os procedimentos de fixaccedilatildeo da imagem sobre o alumiacutenio uso
de polvilho melado ou mel imersatildeo em refrigerante cola oacuteleo de cozinha (para retirar a
imagem) esponja embebida em aacutegua e tinta para impressatildeo (para talho doce) Nesse
processo a imagem transferida natildeo desaparece apenas o desenho feito com material
gorduroso
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Figura 8 Lurdi Blauth Teste de transferecircncia de imagem com salicilato de metila Fonte Arquivo pessoal
A serigrafia tambeacutem serve de aporte ao desejo de transferir uma imagem e
reproduzi-la em impressotildees Em si o processo de serigrafia consiste em sensibilizar a
tela de nylon com uma imagem que poderaacute ser reproduzida sobre outras superfiacutecies
com uso de tinta proacutepria No caso da litografia alternativa utilizamos o sabatildeo de
glicerina como ldquotintardquo ou seja na funccedilatildeo de base protetora para o banho de
refrigerante Para isso foi necessaacuterio criar uma pasta (na textura de tinta) para
reproduzir a imagem da tela para o papel alumiacutenio Mais tarde com a mistura de sabatildeo
jaacute seca foram aplicadas as etapas posteriores o resultado pode ser observado na
impressatildeo (figura 9)
Figura 9 Ana van Grol - impressatildeo com uso de serigrafia como forma de transferecircncia de imagem
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Fonte Arquivo pessoal
A impressatildeo apresentou resultados bem satisfatoacuterios quanto agrave qualidade de
imagem contudo outras misturas semelhantes agrave de sabatildeo de glicerina neutro devem
ser testadas e podem apresentar melhor aderecircncia eou resistecircncia ao banho de
refrigerante
Algumas consideraccedilotildees
Diante da pluralidade de meios e possibilidades artiacutesticas testadas procuramos
utilizar materiais alternativos e produtos atoacutexicos buscando aproveitar materiais
disponiacuteveis na tentativa de abrir outros meios de reproduccedilatildeo de imagens O caminho
continua em aberto e o que nos motiva eacute a nossa convicccedilatildeo na continuidade da
exploraccedilatildeo de novas perspectivas para o campo da arte e em especial agrave litografia
testada com diferentes procedimentos Entendemos que diversos fatores interferem
devido agraves caracteriacutesticas e qualidade dos materiais empregados os quais muitas
vezes apresentam resultados inesperados
As experimentaccedilotildees realizadas ateacute o momento nos indicam a continuidade da
pesquisa buscando meios variados para o campo da gravura que possam ser
socializados principalmente nos ateliecircs que ainda utilizam materiais prejudiciais Dessa
forma pretendemos tambeacutem contribuir com a conscientizaccedilatildeo dos cuidados
relacionados agrave sauacutede dos artistas e do meio ambiente Em nossas conclusotildees parciais
percebemos que as possibilidades satildeo inuacutemeras para a criaccedilatildeo e reproduccedilatildeo de
imagens com materiais ldquocaseirosrdquo e com o seguimento de nossas investigaccedilotildees e
testagens temos a convicccedilatildeo de que podemos estimular a adesatildeo e a interaccedilatildeo com
outros artistas e assim obtermos melhores resultados
Portanto o campo das linguagens graacuteficas e os seus meios de reproduccedilatildeo direta
ou indireta da imagem tem suas qualidades intriacutensecas em cada processo contudo se
natildeo suscitarem transformaccedilotildees tornam-se vazias e desnecessaacuterias Podemos dizer
que natildeo importam os meios empregados pois os ldquoproblemasrdquo artiacutesticos devem ser
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confrontados com novos questionamentos esteacuteticos seja pelo uso do computador na
imagem digital na fotografia ou mesmo os meios considerados tradicionais como
gravura a pintura a escultura podendo ter (ou natildeo) qualidade contemporacircnea
Referecircncias BLAUTH Lurdi Marcas Passagens e Condensaccedilotildees ndash investigaccedilotildees de um processo de gravura contemporacircnea Porto Alegre Editora da UFRGS 2011 GARCIacuteA Hortensia Miacutenguez e LLOPIS Carles Meacutendez La siligrafiacutea Un proceso alternativo en la graacutefica muacuteltiple contemporacircnea In Revista El Artista n 11 Pamplona Colombia Universidad Distrital Francisco Joseacute de Caldas 2014 MALENFANT Nicole A gravura entre a identidade disciplinar e suas manifestaccedilotildees em um quadro interdisciplinar In Revista Porto Arte v 1 n1 (jun 1990) Porto Alegre Universidade Federal do Rio Grande do Sul Instituto de Artes Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Artes Visuais 1990 VENEROSO Maria do Carmo Gravura e Fotografia - Um estudo das possibilidades da gravura como uma linguagem artiacutestica autocircnoma na contemporaneidade e sua associaccedilatildeo com a fotografia In 16deg Encontro Nacional da Associaccedilatildeo Nacional de Pesquisadores de Artes Plaacutesticas Dinacircmicas Epistemoloacutegicas em Artes Visuais ndash 24 a 28 de setembro de 2007 ndash Florianoacutepolis SC
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Pluralia Tantum reflexotildees sobre a muacutesica contemporacircnea
Fernando Lewis de Mattos1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
1 Consideraccedilotildees preliminares sobre o conservadorismo em muacutesica Antes de iniciar esta explanaccedilatildeo sobre algumas caracteriacutesticas da muacutesica
contemporacircnea gostaria de apontar aspectos do conservadorismo existente na
muacutesica atual
Mesmo atraveacutes de um vislumbre raacutepido sobre a Histoacuteria da Muacutesica percebe-
se que em todas as eacutepocas houve aqueles artistas que se esforccedilaram para expandir
a sensibilidade de seu tempo e aqueles (artistas teoacutericos criacuteticos pensadores e
parte do puacuteblico) que natildeo foram capazes de compreender o significado das
transformaccedilotildees ou natildeo estavam dispostos a abrir matildeo de seus valores
aparentemente bem fundamentados para escutar com a devida atenccedilatildeo as
realizaccedilotildees de seus contemporacircneos
Nem mesmo grandes pensadores estiveram livres de juiacutezos preconcebidos
ou natildeo foram capazes de apreciar a abrangecircncia de certas inovaccedilotildees no campo
artiacutestico de sua eacutepoca Platatildeo por exemplo revoltou-se contra a nova muacutesica de
seu tempo com seus trecircs gecircneros (diatocircnico cromaacutetico e enarmocircnico) e a
ampliaccedilatildeo vertiginosa das possibilidades de expressatildeo considerada perigosa pelo
filoacutesofo por romper com os fundamentos numeacutericos e com as normas pitagoacutericas da
muacutesica tradicional Rousseau e Diderot percebiam em Rameau somente o muacutesico
da corte chegando a ridicularizar suas oacuteperas por haver um grande contingente de
1 Possui Graduaccedilatildeo em Muacutesica - Habilitaccedilatildeo Violatildeo (1988) Mestrado em Muacutesica - Ecircnfase Educaccedilatildeo Musical
(1997) e Doutorado em Muacutesica - ecircnfase em Composiccedilatildeo (2005) pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul Atualmente eacute Professor Associado do Departamento de Muacutesica no Instituto de Artes da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul onde atua nas disciplinas Anaacutelise Musical Harmonia Esteacutetica da Muacutesica no
curso de Muacutesica e as disciplinas Praacuteticas Artiacutesticas e Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Muacutesica no curso de Histoacuteria da
Arte Soacutecio-fundador da Arena - Associaccedilatildeo Cultural Socioambiental onde ministra cursos regularmente
Instrumentista (cordas dedilhadas) dedicado agrave pesquisa e interpretaccedilatildeo de muacutesica antiga europeia (alauacutedes e
guitarras) muacutesica tradicional brasileira (viola caipira e guitarra romacircntica) e muacutesica contemporacircnea (violatildeo e
decacorde) compositor com obras para diferentes formaccedilotildees vocais e instrumentais muacutesica incidental para
teatro viacutedeo e cinema e produccedilatildeo de material sonoro para exposiccedilotildees Dedica-se tambeacutem agrave pesquisa e
interpretaccedilatildeo de muacutesica brasileira moderna e contemporacircnea
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instrumentos de percussatildeo tratando-as como natildeo sendo muacutesica mas somente um
amontoado de sons que produziam um barulho infernal Para Diderot Rameau era
[] aquele muacutesico ceacutelebre que nos livrou do canto chatildeo de Lully o qual recitamos haacute mais de cem anos que escreveu tantas visotildees ininteligiacuteveis e verdades apocaliacutepticas sobre a teoria da muacutesica sobre as quais nem ele nem ningueacutem jamais entendeu nada2 e de quem temos um certo nuacutemero de oacuteperas onde haacute harmonias fragmentos de cantos ideias desconexas ruiacutedos estrondosos voos triunfos lances gloacuterias murmuacuterios vitoacuterias de perder o focirclego aacuterias de danccedila que duraratildeo eternamente e que depois de ter enterrado o Florentino seraacute enterrado pelos virtuoses italianos (DIDEROT 1983 p 47-48)
Nietzsche que assim como Platatildeo e Rousseau tambeacutem era muacutesico viu no
Parsifal de Wagner apenas a capitulaccedilatildeo aos valores de uma arte germacircnica
redentora e consolatoacuteria que abdicava do ideal da muacutesica como retorno agrave inocecircncia
da arte atraveacutes do espiacuterito dionisiacuteaco Se houve este aspecto conservador na muacutesica
de Wagner havia muito mais pois foi a partir de suas inovaccedilotildees que compositores
como Mahler Debussy e Schoenberg conduziram suas proacuteprias experiecircncias
Mesmo que nem sempre tenha sido por razotildees especificamente musicais3 as
sucessivas reaccedilotildees agraves novas sonoridades levam a crer que a abertura para praacuteticas
musicais inusuais pode ser algo difiacutecil de ser alcanccedilado
No meio musical atual podem-se distinguir duas espeacutecies de
conservadorismo o conservadorismo preacute-moderno e o conservadorismo modernista
O conservadorismo preacute-moderno eacute aquele mais generalizado e hegemocircnico
predominante entre os programadores culturais administradores de teatro diretores
artiacutesticos de orquestras e afins Essa espeacutecie de conservadorismo se opotildee a toda e
qualquer criaccedilatildeo musical natildeo coincidente com os procedimentos e valores da
muacutesica do Periacuteodo Tonal situado entre as produccedilotildees de Johann Sebastian Bach
(1685-1750) e Johannes Brahms (1833-1897) Para aqueles que defendem ainda
hoje esses valores a muacutesica tonal eacute tida como sendo lsquouniversalrsquo mesmo que seja o
2 Jean-Philippe Rameau (1683-1764) foi um dos maiores muacutesicos e teoacutericos de sua eacutepoca foi o primeiro a sistematizar mais de duzentos anos de praacutetica musical em seu Tratado de Harmonia (1722) que eacute ainda hoje considerado como um dos escritos mais importantes sobre o assunto 3 Platatildeo estava preocupado com a educaccedilatildeo dos jovens os enciclopedistas viam em Rameau um representante do Ancien Reacutegime e Nietzsche sentiu-se traiacutedo por Wagner em seu ideal de superar o predomiacutenio do espiacuterito apoliacuteneo no campo musical
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fruto do trabalho de muacutesicos de uma regiatildeo restrita do planeta que corresponde a
aproximadamente trecircs paiacuteses da Europa Ocidental (Itaacutelia Franccedila e principalmente
Alemanha) e produzida em um curto periacuteodo de tempo entre os seacuteculos XVIII e
XIX
Um bom exemplo desse tipo de conservadorismo estaacute naquela afirmaccedilatildeo
comum em certos meios musicais onde prevalecem valores convencionais ldquonatildeo
toco muacutesica contemporacircnea porque as pessoas natildeo tecircm como saber se estou
tocando as notas certas ou erradas e quando escuto uma muacutesica dessas natildeo sei se
o muacutesico estaacute tocando bem ou natildeo Por isso considero essa muacutesica como sendo
de menor importacircnciardquo Nota-se aqui um pensamento tautoloacutegico centrado apenas
na proacutepria experiecircncia pessoal e sem qualquer interesse pela produccedilatildeo que estaacute agrave
sua volta Tautoloacutegico no sentido em que o sujeito natildeo tem como avaliar aquela
interpretaccedilatildeo porque natildeo conhece a muacutesica e natildeo conhece aquela muacutesica porque
natildeo se permite avaliar a interpretaccedilatildeo O raciociacutenio artificioso estaacute em que como o
indiviacuteduo natildeo conhece a muacutesica natildeo se esforccedila para escutar sua interpretaccedilatildeo
portanto natildeo pode julgaacute-la e se natildeo eacute possiacutevel emitir juiacutezo a muacutesica natildeo tem valor ndash
como se fosse necessaacuterio conhecer a muacutesica para saber se algueacutem a estaacute
interpretando adequadamente como se a capacidade de anaacutelise natildeo estivesse no
conhecimento que o sujeito tem do objeto analisado Trata-se de uma atitude
autocentrada porque esses muacutesicos
[] soacute conhecem a arte que consomem e soacute consomem a que reconhecem portanto sua consciecircncia eacute leve e parcial Como sustentar o pacto se eacute tatildeo menos sofrido dormir com a consciecircncia leve sem a pretensatildeo de uma arte feita tambeacutem para arte sem a sombra do domiacutenio gigantesco Talvez arte feita somente para o mundo para o plano da distraccedilatildeo substacircncia que dissolve instantaneamente o artista Arte distraiacuteda quase arte quase atenccedilatildeo quase conteuacutedo insuficiecircncia (BERNARDES 1998 p 7)
Quem crecirc que julga a arte a partir dessa espeacutecie de raciociacutenio apenas se
limita a reconhecer aquilo que jaacute conhece ou seja nesse ponto natildeo haacute
conhecimento apenas reconhecimento Ouvem-se tambeacutem alguns muacutesicos que se
negam a tocar novos repertoacuterios argumentando que natildeo se dedicam a estudar a
muacutesica atual porque ela natildeo acrescenta muito agrave teacutecnica do seu instrumento Esse
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ponto de vista parece ainda mais esvaziado pois fica confinado nos limites da
teacutecnica onde natildeo se alcanccedila jamais a condiccedilatildeo de arte
O conservadorismo moderno eacute atualmente defendido por aqueles que foram
os protagonistas de grandes transformaccedilotildees teacutecnicas e esteacuteticas da muacutesica de
meados do seacuteculo XX (do poacutes-guerra agrave deacutecada de 1970) e seus disciacutepulos esses
muacutesicos opotildeem-se a qualquer mudanccedila de direcionamento que natildeo corresponda agraves
novidades introduzidas pelas vanguardas tardias e confundem novos processos
narrativos e novos significados musicais com a arte de um passado ao qual sempre
se opuseram Natildeo tecircm a capacidade de compreender que as novas geraccedilotildees
percebem o mundo de outra maneira tecircm outros anseios e consequentemente
outras necessidades Portanto produzem outra arte O musicoacutelogo Paul Bekker
afirmava que os muacutesicos de sua eacutepoca natildeo escreviam da mesma maneira que os
grandes gecircnios do passado ldquopelo simples fato de serem pessoas diferentesrdquo
(BEKKER 1928 p 217) Parece que os protagonistas das vanguardas (a quem
Bekker estava se referindo) natildeo se deram conta de que o tempo continua a passar e
que os mais jovens que vieram depois deles tambeacutem tecircm outras necessidades ndash o
que obviamente leva agrave criaccedilatildeo de outra muacutesica diferente da sua
Haacute tambeacutem aqueles que pretendem que a arte se limite agrave aplicaccedilatildeo de novos
processos tecnoloacutegicos esquecendo que a arte eacute antes de tudo expansatildeo da
sensibilidade e do pensamento e que a teacutecnica natildeo eacute condiccedilatildeo para a arte A
tecnologia pode ser mais um recurso para a realizaccedilatildeo artiacutestica natildeo seu fim
Quando a muacutesica eacute valorizada somente pelos procedimentos tecnoloacutegicos
empregados na sua produccedilatildeo tambeacutem fica confinada nos limites da teacutecnica e natildeo
alcanccedila sua condiccedilatildeo esteacutetica O emprego de recursos tecnoloacutegicos vem a partir de
necessidades mais amplas do que a simples aplicaccedilatildeo de teacutecnicas recentes Se o
emprego de novas tecnologias fosse criteacuterio para a avaliaccedilatildeo da arte as primeiras
experiecircncias com muacutesica eletrocircnica seriam atualmente obsoletas (e seria no
miacutenimo enganoso considerar ultrapassadas as peccedilas eletrocircnicas de Schaeffer
Henry ou Stockhausen dos anos rsquo50) Por sua vez a novidade tecnoloacutegica natildeo
implica necessariamente na produccedilatildeo de arte nova
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Como o tempo eacute inexoraacutevel os indiviacuteduos humanos de hoje satildeo outros do
que em outros tempos as sociedades satildeo outras haacute outras maneiras de perceber o
mundo e refletir sobre ele tambeacutem o resultado da produccedilatildeo desses indiviacuteduos eacute
necessariamente outro Natildeo tem como ser diferente Isso indica que toda espeacutecie de
conservadorismo estaacute fadada ao fracasso o movimento se manifesta em todos os
aspectos e em todos os lugares Natildeo tem como negar a transformaccedilatildeo ela
simplesmente estaacute aiacute Haacute que aceitaacute-la ou trabalhar com ela para a criaccedilatildeo de
processos que possam conduzir a novos significados e novos meios de fazer e
perceber muacutesica Isso natildeo eacute dito de um ponto de vista apenas teacutecnico ou
pragmaacutetico mas acima de tudo conceitual pois a muacutesica como diria Platatildeo
alcanccedila seu mais alto niacutevel quando ultrapassa as pretensotildees praacuteticas mais
imediatistas e eacute nesse sentido que Soacutecrates no diaacutelogo Feacutedon compara o ato de
criar muacutesica ao haacutebito de filosofar
Negar que o tempo se prolonga incessantemente e perdura sem interrupccedilatildeo
levando consigo toda a sorte de transformaccedilotildees em todos os aspectos da realidade
significa dar as costas ao devir em seu fluxo ininterrupto de ir e vir em muacuteltiplas
direccedilotildees O que eacute uacutetil intrigante e considerado como atual para determinado grupo
humano pode natildeo o ser para outros grupos e eacute necessaacuterio aceitar isso para
compreender algo da diversidade da produccedilatildeo artiacutestica hodierna Eacute necessaacuterio sair
do proacuteprio centro para apreender algo da realidade circundante
2 Caracteriacutesticas da muacutesica atual
Haacute vaacuterias maneiras de distribuir as diferentes correntes de composiccedilatildeo da
muacutesica contemporacircnea Podem-se diferenciar as tendecircncias atuais de acordo com
procedimentos teacutecnicos como muacutesica serial muacutesica neotonal muacutesica minimalista
muacutesica eletrocircnica e outras conforme a ecircnfase em um ou outro elemento da
composiccedilatildeo como por exemplo os muacutesicos que valorizam o timbre as tendecircncias
em que o mais importante eacute o ritmo os movimentos de retorno agrave melodia agrave
harmonia ou ao contraponto aquelas linhas em que o importante estaacute no tipo de
escrita musical como a muacutesica com escrita precisa a escrita em forma de roteiro a
muacutesica aleatoacuteria e a improvisaccedilatildeo espontacircnea (que prescinde da escrita) poderiam
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tambeacutem ser consideradas as relaccedilotildees da muacutesica com outras aacutereas em que se
levariam em consideraccedilatildeo subdivisotildees como o teatro musical as instalaccedilotildees
sonoras ou as tendecircncias de multimiacutedia aleacutem de muacutesica para danccedila e a muacutesica
para cinema entre outras o ambiente musical atual poderia ainda ser dividido
entre os grupos derivados das vanguardas como a muacutesica atonal a muacutesica serial a
muacutesica estocaacutestica e a muacutesica espectral
Haveria ainda outras tantas possibilidades de demarcaccedilatildeo das tendecircncias
da muacutesica contemporacircnea Optou-se poreacutem neste ensaio por uma organizaccedilatildeo
mais ou menos extriacutenseca agrave proacutepria muacutesica e que poderia se adequar a outras
manifestaccedilotildees culturais atuais O que importa no esboccedilo a seguir satildeo os valores
que movem os muacutesicos em direccedilotildees que se entrecruzam em algumas de suas
caracteriacutesticas em alguns muacutesicos ou grupos de compositores Com base nas
referecircncias tomadas a partir de tradiccedilotildees imediatas ou remotas isto eacute nas tradiccedilotildees
do modernismo ou em tradiccedilotildees anteriores que tecircm sido resgatadas nos uacuteltimos
anos podem ser demarcadas trecircs linhas gerais na esteacutetica musical
contemporacircnea4
1 Continuidade da Modernidade
2 Retorno agrave Tradiccedilatildeo e
3 Superaccedilatildeo do Modernismo
A intenccedilatildeo com essa divisatildeo natildeo eacute enquadrar toda e qualquer manifestaccedilatildeo
musical contemporacircnea em alguma dessas trecircs tendecircncias gerais mas ao
contraacuterio procurar entender essas manifestaccedilotildees no sentido dos valores que podem
estar impliacutecitos ou expliacutecitos latentes ou manifestos conscientes ou inconscientes
nas diferentes produccedilotildees da muacutesica atual
Antes de iniciar a elaboraccedilatildeo sobre cada uma dessas tendecircncias eacute
necessaacuterio esclarecer algo da terminologia que seraacute empregada ao longo deste
ensaio
4 A organizaccedilatildeo adotada aqui leva em consideraccedilatildeo alguns princiacutepios elaborados por Ramaut-Chevassus (1998) o que natildeo significa poreacutem que se permanece no escopo de suas proposiccedilotildees
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Em primeiro lugar quando se fala de lsquomuacutesica contemporacircnearsquo neste texto se
estaacute abordando uma parcela da totalidade da muacutesica produzida atualmente que eacute a
assim chamada lsquomuacutesica eruditarsquo aquela produzida por muacutesicos que se dedicam ao
estudo da Teoria Musical agrave Histoacuteria da Muacutesica e agrave colocaccedilatildeo e soluccedilatildeo de
problemas teacutecnicos esteacuteticos ou relativos aos vaacuterios niacuteveis de significaccedilatildeo que
podem estar engendrados no fazer musical Isso significa que este ensaio se dedica
agravequelas manifestaccedilotildees musicais em que o foco principal estaacute na reflexatildeo sobre
problemas relativos agrave muacutesica como arte portadora de significados e suas
implicaccedilotildees culturais e natildeo se apresentam apenas como reaccedilatildeo imediata ao meio
circundante5
Uma diferenciaccedilatildeo importante para as discussotildees que se seguem diz
respeito aos termos lsquoModernidadersquo e lsquoModernismorsquo
No contexto deste ensaio entende-se por Modernidade o grande periacuteodo
histoacuterico da cultura ocidental que sobreveio apoacutes a quebra da hegemonia da Igreja
Catoacutelica Romana em meados do seacuteculo XV isto eacute a partir do Renascimento Este eacute
um periacuteodo marcado por transformaccedilotildees em todos os campos e atividades
humanas que influenciaram profundamente o fazer musical em todos os seus
aspectos No acircmbito da sistematizaccedilatildeo da muacutesica europeia o antigo Sistema Modal
medieval com sua diversidade de modos foi cedendo lugar agraves novas organizaccedilotildees
com base na dualidade de modos do Sistema Tonal Os princiacutepios do contraponto
vatildeo-se tornando menos importantes ateacute que em meados do seacuteculo XVIII a
harmonia passa a ser o principal meacutetodo de organizaccedilatildeo musical Nessa eacutepoca a
Teoria dos Afetos jaacute estava plenamente elaborada para sua aplicabilidade na muacutesica
de cena na oacutepera e no oratoacuterio
Na segunda metade do seacuteculo XVIII o Sistema Tonal estaacute completamente
organizado com possibilidade de modulaccedilatildeo para todas as tonalidades e o emprego
de cromatismo em qualquer segmento independente da escala de base atraveacutes do
temperamento igual Nos seacuteculos XVIII e XIX as diversas teorias de explicaccedilatildeo da
5 Isso natildeo significa qualquer preferecircncia do ponto de vista valorativo por esta ou aquela manifestaccedilatildeo musical mas apenas que as consideraccedilotildees sobre a muacutesica contemporacircnea apresentadas neste ensaio satildeo relativas agrave parcela da muacutesica atual comumente denominada lsquomuacutesica eruditarsquo
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realidade satildeo aproveitadas pelos muacutesicos com a intenccedilatildeo de compreender e
justificar suas escolhas Essa reflexatildeo sobre a proacutepria produccedilatildeo leva os
compositores agrave procura de originalidade na busca da lsquofantasia criadorarsquo e de novos
significados emocionais que se desenvolvem no Romantismo e desembocam nas
vaacuterias correntes modernistas do seacuteculo XX
O Modernismo equivale a todos aqueles movimentos de ruptura com a
tradiccedilatildeo6 oitocentista que se desenvolveram ao longo da primeira metade do seacuteculo
XX tendo seu marco inicial geralmente fixado no Impressionismo francecircs das
uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX No campo musical esse Modernismo eacute marcado
pela negaccedilatildeo do Sistema Tonal Negaccedilatildeo essa que se manifestou em vaacuterias
direccedilotildees pois se na muacutesica de Debussy e Ravel que estatildeo entre os primeiros a
romper com a tonalidade tradicional foram incorporados processos percebidos na
escuta de muacutesica do Extremo Oriente em especial a orquestra de gamelatildeo balinesa
Stravinsky e Bartoacutek entre outros aproveitaram elementos folcloacutericos do Leste
Europeu e juntamente com Milhaud desenvolveram a politonalidade em que vaacuterias
escalas satildeo sobrepostas com a intenccedilatildeo de obscurecer a funcionalidade tonal7
Se os compositores latinos e eslavos (como diria Schoenberg) buscavam a
superaccedilatildeo do Tonalismo oitocentista atraveacutes da incorporaccedilatildeo de processos e
materiais sonoros aproveitados de culturas extraeuropeias no meio musical
germacircnico e mais especificamente no acircmbito da Segunda Escola de Viena sob a
lideranccedila de Arnold Schoenberg (1874-1951) os jovens muacutesicos estavam
conduzindo as possibilidades cromaacuteticas ao extremo atraveacutes do Atonalismo desde
os primeiros anos do seacuteculo XX e do Dodecafonismo a partir da deacutecada de 1920
Esta muacutesica mais densa psicologicamente e considerada como sendo mais
6 Note-se que a noccedilatildeo de lsquoruptura com a tradiccedilatildeorsquo atraveacutes da lsquonova artersquo (Philippe de Vitry 1322) com a criaccedilatildeo de lsquonovas muacutesicasrsquo (Giulio Caccini 1601) com a concepccedilatildeo de um lsquoestilo modernorsquo que aporta em uma lsquosegunda praacuteticarsquo (Monteverdi 1605) natildeo eacute caracteriacutestica apenas do Modernismo mas da Modernidade como um todo 7 Eacute interessante notar que Darius Milhaud (1892-1974) considerado como um dos primeiros a empregar teacutecnicas politonais nas duas suiacutetes para piano intituladas Saudades do Brasil (com o tiacutetulo original em portuguecircs) de 1920 e 1921 certamente aproveitou esse recurso a partir da sua experiecircncia com o compositor cearense Alberto Nepomuceno (1864-1920) com quem conviveu no Rio de Janeiro na eacutepoca em que este foi diretor da Escola Nacional de Muacutesica Nepomuceno jaacute havia escrito em 1902 suas Variations sur un thegraveme original Op 29 (com o tiacutetulo em francecircs) onde empregou explicitamente sobreposiccedilatildeo de tonalidades inclusive com diferentes armaduras de clave
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complexa e de difiacutecil assimilaccedilatildeo foi o ponto de partida para grande parte das
experiecircncias das vanguardas tardias (1950-1970) em que se elaboraram e
aprofundaram inuacutemeras teacutecnicas e processos de organizaccedilatildeo musical com base em
seacuteries de alturas seacuteries de duraccedilotildees seacuteries de timbres etc chegando ao que se
chamou de Serialismo Integral no qual todos os paracircmetros da composiccedilatildeo seriam
serializados Ateacute mesmo Stravinsky principal antiacutepoda de Schoenberg chegou a
praticar teacutecnicas seriais Entre os principais compositores dessa geraccedilatildeo que
comeccedilou a aparecer apoacutes a Segunda Guerra nos festivais de muacutesica nova de
Darmstadt estatildeo Pierre Boulez (1925) Luciano Berio (1925-2003) e Karlheinz
Stockhausen (1928)
No final da deacutecada de 1950 houve entre os compositores que participavam
dos movimentos de vanguarda diversas reaccedilotildees agrave extrema racionalizaccedilatildeo dos
processos de composiccedilatildeo empregados pelos serialistas do grupo de Darmstadt As
mais difundidas foram as diferentes espeacutecies de muacutesica aleatoacuteria certamente
influenciadas por John Cage (1912-1992) Tambeacutem entre os compositores mais
jovens se desenvolveram novas praacuteticas com base nas relaccedilotildees mais rudimentares
entre os sons ou a partir da organizaccedilatildeo espectral da seacuterie harmocircnica Muacutesicos do
Leste Europeu como o polonecircs Krzysztof Penderecki (1933) ou o huacutengaro Gyorgy
Ligeti (1923) seguiram caminhos completamente independentes com relaccedilatildeo agrave
corrente dominante da Europa Ocidental Tambeacutem nos Estados Unidos houve
reaccedilatildeo agraves praacuteticas dos serialistas atraveacutes do Minimalismo de compositores como
Terry Riley (1935) Steve Reich (1936) e Philip Glass (1937) Pode-se considerar o
Minimalismo puro como o uacuteltimo dos movimentos modernistas no sentido de buscar
a ruptura com a tradiccedilatildeo ou com as praacuteticas das geraccedilotildees anteriores
O que caracteriza esses movimentos modernos apesar de sua diversidade eacute
a busca de hegemonia de cada um deles Por essa razatildeo o Modernismo se
caracteriza pelo lsquomanifestorsquo em que satildeo apresentados os valores da nova arte e se
explicitam em que sentido essa arte eacute nova de que maneira ela se diferencia das
outras e como pode ultrapassaacute-las Assim cada novo trabalho produzido pelo artista
moderno tem o caraacuteter de um programa com a exposiccedilatildeo de suas intenccedilotildees e
projetos em que satildeo apresentados os novos recursos descobertos por ele e seus
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colegas Haacute dessa maneira a crenccedila em uma progressividade determinada da
cultura em que se percebe a Histoacuteria de forma diacrocircnica como um processo
evolutivo contiacutenuo em que cada nova geraccedilatildeo deve acrescentar algo agraves conquistas
das geraccedilotildees anteriores para estar agrave sua altura e se diferenciar delas
Como o que pode ser quantificado na arte satildeo os materiais empregados e as
teacutecnicas com que esses materiais satildeo manipulados desenvolveram-se em grande
parte valores tecnicistas predominantes entre os movimentos de vanguarda em que
o importante seria a descoberta ou a criaccedilatildeo de novas teacutecnicas e o emprego de
novos recursos acuacutesticos Nesse sentido a lsquoexpressatildeo de conteuacutedosrsquo foi relegada a
um segundo plano quando natildeo passou a ser tomada como um resiacuteduo indesejaacutevel
de valores do Romantismo oitocentista Esse preceito pode ser exemplificado com a
conhecida afirmaccedilatildeo de Stravinsky ldquoinspiraccedilatildeo arte artista satildeo termos no miacutenimo
obscuros que nos impedem de ver claramente um campo onde tudo eacute equiliacutebrio
caacutelculo onde o que se passa eacute o sopro do espiacuterito especulativordquo
(STRAVINSKY 1986 p 54)
Cada grupo ou movimento artiacutestico buscava desenvolver seu proacuteprio sistema
de organizaccedilatildeo sonora seus proacuteprios meacutetodos de elaboraccedilatildeo musical e se
esforccedilava por descobrir novos materiais e recursos acuacutesticos que o posicionassem agrave
frente de seus concorrentes Havia por exemplo grande rivalidade entre a Escola
de Viena e os muacutesicos atuantes em Paris Schoenberg chegou a afirmar em seu
ensaio Muacutesica Nacional de 1931 que ldquoningueacutem ainda se deu conta que minha
muacutesica nascida em solo germacircnico livre de influecircncias estrangeiras eacute o exemplo
vivo de uma arte efetivamente capaz de se opor agraves esperanccedilas latinas e eslavas de
hegemonia porque se trata de uma arte essencialmente derivada das tradiccedilotildees da
muacutesica germacircnicardquo (SCHOENBERG 1975 p 173)
A noccedilatildeo da rivalidade entre franceses e germacircnicos no periacuteodo entre
guerras pode ser apreendida com a citaccedilatildeo do texto mais influente no meio musical
francecircs da deacutecada de 1920 O Galo e o Arlequim escrito por Jean Cocteau em
1918
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Schoenberg eacute um mestre todos os nossos muacutesicos e Stravinsky lhe devem algo mas Schoenberg eacute sobretudo um muacutesico de quadro negro Soacutecrates dizia lsquoQuem eacute este homem que come patildeo como se fosse a boa carne e a boa carne como se fosse patildeorsquo Resposta o melocircmano alematildeo (COCTEAU 1995 p 433-434)
Essas citaccedilotildees podem dar alguma noccedilatildeo do que eram os confrontos entre os
grupos modernistas na primeira metade do seacuteculo XX Os principais representantes
desses debates podem ser facilmente agrupados entre os partidaacuterios do
Neoclassicismo franco-russo que tinham em Stravinsky e no Grupo dos Seis seus
expoentes mais destacados e o Expressionismo germacircnico do qual os participantes
da Segunda Escola de Viena eram os principais portadores de conceitos e valores
Naturalmente houve grande nuacutemero de muacutesicos independentes poreacutem estes
geralmente se localizavam fora da Europa Ocidental Entre eles podem-se citar Bela
Bartoacutek (1881-1945) na Hungria Charles Ives (1874-1954) nos Estados Unidos
Carlos Chaacutevez (1899-1978) no Meacutexico Heitor Villa-Lobos (1887-1959) no Brasil e
Alberto Ginastera (1916-1983) na Argentina
21 Continuidade da Modernidade
As tendecircncias da muacutesica contemporacircnea em que a principal caracteriacutestica se
pode encontrar na busca de afirmaccedilatildeo dos pressupostos da Modernidade isto eacute em
que o artista percebe o fluxo histoacuterico de maneira contiacutenua e procura acrescentar
algo de original a ele satildeo aquelas que se desenvolveram a partir das vanguardas
tardias das deacutecadas de 1950 e 1960
Esses compositores que se alinham aos valores da poacutes-vanguarda podem
ser identificados entre aqueles que empregam processos derivados da muacutesica
atonal e serial que organizam suas estruturas sonoras com base em referecircncias
matemaacuteticas (com o emprego de algoritmos ou com base em estruturas
estocaacutesticas entre outras) e que desenvolveram suas investigaccedilotildees a partir da
muacutesica espectral do dececircnio de 1970 Haacute tambeacutem aqueles muacutesicos que se
dedicam agrave pesquisa na aacuterea de muacutesica e tecnologia a partir das experiecircncias da
muacutesica concreta da muacutesica eletrocircnica e eletroacuacutestica e podem ser alinhados no
escopo das tendecircncias de poacutes-vanguarda da muacutesica contemporacircnea O compositor
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Michel Chion (1947) tem empregado a expressatildeo lsquomuacutesica acusmaacuteticarsquo para designar
certos experimentos que se desdobraram a partir da muacutesica concreta
Com o intuito de ultrapassar cada fase histoacuterica com base em descobertas
originais esses compositores tecircm em geral como sua principal referecircncia a
superaccedilatildeo dos sistemas totalizantes que definiram os caminhos da Modernidade
Isso significa que mesmo aqueles que se dedicam agrave organizaccedilatildeo do material
acuacutestico com base em estruturas sistemaacuteticas natildeo se definem por uma via uacutenica de
estruturaccedilatildeo sonora ou seja natildeo seguem um princiacutepio sistecircmico uacutenico mas se
abrem para outras possibilidades conforme os elementos musicais se apresentam agrave
sua percepccedilatildeo pois muitos desses muacutesicos estatildeo abertos agrave casualidade mesmo
quando organizam seu trabalho a partir de processos racionais intriacutensecos ou com
base em caacutelculos predeterminados Nesse sentido a poacutes-vanguarda se diferencia
das vanguardas do poacutes-guerra para as quais qualquer intromissatildeo da percepccedilatildeo
imediata no processo compositivo significava ceder espaccedilo agrave subjetividade e
consequentemente aos valores liacutericos do Romantismo oitocentista
Muitos compositores atuais assumem uma atitude renovada com relaccedilatildeo ao
material sonoro pois mesmo aqueles que mais se esforccedilam em manter criteacuterios
quantitativos com preferecircncia por estruturas abstratas distanciadas das
experiecircncias cotidianas demonstram interesse pela pluralidade que qualquer
estrutura sonora traz em si Entendem com isso que os criteacuterios de valoraccedilatildeo de
qualquer produccedilatildeo dependem dos contextos especiacuteficos em que ocorrem e que natildeo
se podem definir antecipadamente quais os caminhos por que deve seguir
determinado conteuacutedo musical Esse entendimento conduz a outro terreno de
ordem mais esteacutetica do que teacutecnica que eacute a abertura para manifestaccedilotildees culturais
diferenciadas Enquanto um muacutesico de vanguarda da geraccedilatildeo de Boulez por
exemplo somente encontra valor em realizaccedilotildees que se assemelham agraves suas ou se
encontram no mesmo campo de atuaccedilatildeo um muacutesico de geraccedilatildeo posterior tem a
capacidade de reconhecer valor em algo que ele proacuteprio natildeo faria porque percebe
que satildeo impulsos criteacuterios e o gosto pessoal que estatildeo em causa entende que os
valores satildeo relativos ao contexto em que ocorrem e fora desse contexto podem
perder seu significado
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Haacute outros muacutesicos que seguem a tendecircncia de se mover no acircmbito dos
valores modernos poreacutem se diferenciam daqueles comentados acima por
desdenharem da lsquohierarquia de gostosrsquo do meio musical isto eacute fazem a leitura das
muacutesicas atuais sem hierarquizar os diversos tipos de manifestaccedilatildeo cultural Esses
muacutesicos percebem como sendo equivalentes do ponto de vista valorativo as
abordagens loacutegicas ou abstratas em comparaccedilatildeo agravequelas centradas na absorccedilatildeo do
mundo cotidiano eles procuram estreitar os elos que ligam as diferentes formas de
manifestaccedilatildeo musical atuais Entre as teacutecnicas de estruturaccedilatildeo musical mais usuais
nesta linha de atuaccedilatildeo do campo musical estatildeo a apropriaccedilatildeo a citaccedilatildeo a alusatildeo e
a colagem
Com base no princiacutepio da apropriaccedilatildeo de elementos oriundos de qualquer
muacutesica para a conformaccedilatildeo de uma nova estrutura sonora os materiais podem ser
apropriados de seu contexto original sob diferentes aspectos O compositor russo
Alfred Schnittke (1934-1998) um dos fundadores dessa tendecircncia de assimilaccedilatildeo de
diversos tipos de manifestaccedilatildeo cultural diferencia citaccedilatildeo e alusatildeo da seguinte
maneira a citaccedilatildeo consiste na apropriaccedilatildeo direta de um fragmento musical para a
composiccedilatildeo de uma nova muacutesica isto eacute se cita literalmente uma linha meloacutedica
uma sequecircncia riacutetmica ou um encadeamento harmocircnico de modo a tornaacute-lo
reconheciacutevel ao passo que a alusatildeo consiste em somente sugerir a lsquomaneirarsquo de
outro muacutesico ou escola atraveacutes de um fragmento musical escrito pelo proacuteprio
compositor ldquoO princiacutepio de alusatildeo se manifesta por evocaccedilotildees sutis e natildeo por
anuacutencios expliacutecitos proacuteximos de citaccedilotildees sem realmente o serem Esse princiacutepio se
opotildee agrave classificaccedilatildeordquo (SCHNITTKE 1998 p 29) Assim faz-se alusatildeo sem citar
literalmente o modelo original
A teacutecnica da colagem que surgiu na pintura cubista e foi amplamente
utilizada pelos escritores surrealistas pelos dadaiacutestas e pelos muacutesicos franceses do
Grupo dos Seis eacute uma das principais teacutecnicas de elaboraccedilatildeo musical empregadas a
partir da apropriaccedilatildeo de materiais heterogecircneos esparsos ao longo de determinada
obra A colagem consiste na justaposiccedilatildeo ou na sobreposiccedilatildeo de elementos com
origens distintas e produz um resultado almejado por vaacuterios muacutesicos nos uacuteltimos
anos que eacute a produccedilatildeo de texturas sonoras heterofocircnicas nas quais se tem a niacutetida
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sensaccedilatildeo de estar escutando diversas muacutesicas simultaneamente Eacute interessante
notar que essa teacutecnica jaacute era empregada por Charles Ives desde o iniacutecio do seacuteculo
XX Sua Unanswered Question (1906) jaacute opunha trecircs ideias musicais distintas sem
que se produzisse qualquer tipo de interaccedilatildeo entre elas
Esses procedimentos e teacutecnicas de apropriaccedilatildeo citaccedilatildeo alusatildeo e colagem
podem ser agrupados em um conceito geral denominado por Schnittke de
lsquopoliestiliacutesticarsquo Para este compositor
[] apesar de todas as dificuldades e todos os perigos que encerram a poliestiliacutestica seus benefiacutecios indiscutiacuteveis jaacute satildeo evidentes Estes residem no alargamento da expressatildeo musical em uma maior facilidade para integrar os estilos lsquonobresrsquo e os estilos lsquocomunsrsquo os estilos lsquobanaisrsquo e os estilos lsquorefinadosrsquo ou em uma palavra em um universo alargado e em uma democratizaccedilatildeo de estilos A realidade musical pode ser objetivada de forma documental pois natildeo aparece unicamente como o reflexo do indiviacuteduo mas tambeacutem atraveacutes das citaccedilotildees [] Na realidade seria difiacutecil encontrar outra teacutecnica musical que fosse tatildeo bem adaptada quanto a poliestiliacutestica agrave expressatildeo da ideacuteia filosoacutefica de continuidade (SCHNITTKE 1989 p 134)
Com essas reflexotildees Schnittke aponta para a pluralidade como criteacuterio de
valoraccedilatildeo da arte e elimina a busca de hegemonia de uma tendecircncia sobre as
outras como sendo um princiacutepio esteacutetico vaacutelido Nota-se inclusive a ironia de
Schnittke com relaccedilatildeo aos conceitos tradicionais de lsquoestilos nobresrsquo ou lsquoestilos
banaisrsquo Essa espeacutecie de hierarquizaccedilatildeo vem de longa data pois jaacute na eacutepoca de
Mozart se diferenciavam o lsquoestilo elevadorsquo de caraacuteter afirmativo e enfaacutetico digno de
representar a nobreza e os sentimentos nobres o lsquoestilo meacutediorsquo mais ingecircnuo e
leve sobre o qual se dizia que ldquodeve agradar ao ouvinte sem excitaacute-lo ou levaacute-lo agrave
reflexatildeordquo e o lsquoestilo baixorsquo considerado ruacutestico e simples poderia aparecer na forma
de danccedilas populares e era proacuteprio para a representaccedilatildeo de camponeses e das
classes sociais inferiores (cf RATNER 1980 p 9) O que Schnittke estaacute fazendo eacute
uma criacutetica agraves categorizaccedilotildees riacutegidas dos estilos musicais com base em
preconceitos sociais No uacuteltimo movimento de sua Sonata para Violino e Orquestra
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de Cacircmara Op 508 (1968) um longo segmento eacute elaborado com base na citaccedilatildeo de
trechos de Vivaldi combinados com a melodia da canccedilatildeo La Cucaracha9
O resultado dessas teacutecnicas de apropriaccedilatildeo e colagem eacute uma espeacutecie de
hibridismo estiliacutestico em que eacute abolido o preceito da unidade de estilo conforme foi
preconizado pelo teoacuterico tcheco Eduard Hanslick em meados do seacuteculo XIX e se
manteve como valor intocaacutevel ateacute a deacutecada de 1970 Hanslick chegou ao ponto de
afirmar que se deveria ldquodizer lsquotal compositor tem estilorsquo com o mesmo sentido que
quando se diz de algueacutem lsquoele tem caraacuteterrsquordquo (HANSLICK 1989 p 96) Naturalmente
essa definiccedilatildeo quase moralizante do conceito de estilo natildeo se sustenta atualmente
ateacute porque apoacutes o decliacutenio dos metadiscursos e dos grandes sistemas de
explicaccedilatildeo da realidade natildeo se justifica a aplicaccedilatildeo de um criteacuterio uacutenico de caraacuteter
universal para a avaliaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural Cada nova peccedila musical cada
nova criaccedilatildeo no campo da arte traz em si a chave para a sua compreensatildeo e com
isso carrega tambeacutem os criteacuterios para sua avaliaccedilatildeo Eacute faacutecil demonstrar o equiacutevoco
de um criacutetico de muacutesica quando ao escutar uma peccedila atonal reclama da falta de
um centro tonal definido no qual possa apoiar sua audiccedilatildeo poder-se-ia responder a
outro criacutetico que considerasse aborrecida a estrutura da arte minimalista da mesma
forma que John Walker ldquoo aborrecimento eacute presumivelmente apenas uma emoccedilatildeo
tatildeo legiacutetima para a arte como qualquer outrardquo (WALKER 1977 p 27) Parece ser
igualmente simples perceber que procurar unidade de estilo na obra de um
compositor que como Schnittke professa a diversidade estiliacutestica estaacute fora de
cogitaccedilatildeo
Em um sentido geral nessa linha da produccedilatildeo contemporacircnea em que os
valores esteacuteticos seguem com base na continuidade das caracteriacutesticas inerentes da
Modernidade permanece importando em primeiro plano o processo criativo O que
significa que o resultado segue sendo uma arte centrada no fazer fundamentada na
poiacuteēsis acima de qualquer outro criteacuterio valorativo Isso significa que seus
fundamentos permanecem focalizados no indiviacuteduo criador que se coloca
8 Esta peccedila eacute uma transcriccedilatildeo da Sonata nordm 1 Op 30 (1963) para violino e piano 9 Eacute interessante notar que o proacuteprio Mozart jaacute fazia colagens com alusotildees ao estilo elevado e ao estilo baixo em suas oacuteperas Don Giovanni e Bodas de Fiacutegaro que causaram polecircmica em algumas cidades europeias devido ao seu conteuacutedo que subvertia os valores sociais da eacutepoca
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livremente como um inventor de novas sonoridades novas combinaccedilotildees acuacutesticas
novas teacutecnicas novos materiais e novos processos de elaboraccedilatildeo musical
22 Retorno agrave Tradiccedilatildeo
Ao contraacuterio da acepccedilatildeo anterior os muacutesicos que se colocam de maneira
favoraacutevel com relaccedilatildeo agrave tradiccedilatildeo tecircm sua fundamentaccedilatildeo na criacutetica ao Historicismo
Assim questionam a crenccedila de que as transformaccedilotildees histoacutericas satildeo o resultado de
princiacutepios universais tatildeo objetivos quanto as leis da Fiacutesica ou das Ciecircncias Naturais
e que eacute necessaacuterio descobrir quais satildeo esses princiacutepios para operar sobre eles10 Os
muacutesicos que se alinham agraves tendecircncias de retorno agrave tradiccedilatildeo fazem criacutetica a essa
concepccedilatildeo unidirecional da Histoacuteria e creem na possibilidade de sobreposiccedilatildeo das
diversas produccedilotildees musicais do passado e do presente o que significa que esses
muacutesicos estatildeo dispostos a retomar experiecircncias anteriores de qualquer eacutepoca ou
lugar ou evocar essas experiecircncias a partir de novos pontos de vista com o intuito
de atualizaacute-las em um momento especiacutefico da contemporaneidade
(Com relaccedilatildeo a essa discussatildeo os muacutesicos que se aplicam agrave continuidade da
Modernidade operam em grande parte com aquele princiacutepio historicista poreacutem jaacute
compreendido em contextos especiacuteficos e natildeo mais universais Nesta acepccedilatildeo da
muacutesica contemporacircnea ainda se tem a Histoacuteria como a dimensatildeo mais abrangente
para a explicaccedilatildeo da realidade e das transformaccedilotildees sociais e culturais A diferenccedila
com relaccedilatildeo agraves explicaccedilotildees modernas estaacute em que a dimensatildeo histoacuterica eacute
compreendida a partir de um ou outro ponto de vista isto eacute busca-se contextualizar
e relativizar os princiacutepios histoacutericos mesmo que esses princiacutepios ainda sejam
considerados como a melhor via de explicaccedilatildeo das transformaccedilotildees sociais poliacuteticas
econocircmicas ou culturais)
Entendido dessa maneira percebe-se que com relaccedilatildeo agrave ldquoideia filosoacutefica de
continuidaderdquo (para retomar agrave expressatildeo de Schnittke citada anteriormente)
aqueles muacutesicos que se colocam na posiccedilatildeo de lsquoretorno agrave tradiccedilatildeorsquo assumem uma
10 No acircmbito especiacutefico da muacutesica isso significaria a existecircncia de um direcionamento uniacutevoco dos fatos musicais atraveacutes da Histoacuteria e que a tarefa do muacutesico seria encontrar os princiacutepios que regem esse fluir contiacutenuo para criar a partir deles e transcendecirc-los
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postura necessariamente antagocircnica a qualquer espeacutecie de Historicismo mesmo
contextual ou relativo Com isso tem-se uma antinomia existente entre os dois
pontos de vista pois se para aqueles que pretendem dar continuidade aos valores
da Modernidade a tradiccedilatildeo deve ser investigada para ser ultrapassada no sentido
de que o artista deve dar continuidade agraves transformaccedilotildees histoacutericas para estar agrave
altura de seu tempo para aqueles que defendem o retorno ao passado a tradiccedilatildeo
deve ser compreendida para servir de suporte agrave criaccedilatildeo da nova muacutesica que natildeo
tem necessariamente que ultrapassaacute-la mas operar com ela
A atitude mais saliente na acepccedilatildeo da muacutesica atual de lsquoretorno agrave tradiccedilatildeorsquo eacute
a busca de valores e elementos estiliacutesticos do passado com o sentido de aproveitaacute-
los em estruturas musicais homogecircneas Essa caracteriacutestica distingue esse grupo
de valores de retorno ao passado dos outros dois grupos (lsquocontinuidade da
Modernidadersquo e lsquosuperaccedilatildeo do Modernismorsquo) para os quais as possibilidades de
aproveitamento de elementos diacutespares se daacute atraveacutes da fragmentaccedilatildeo e da colagem
heterofocircnica Com isso tem-se outro aspecto diferencial na relaccedilatildeo entre as
acepccedilotildees da muacutesica atual pois se por um lado aqueles que pretendem ultrapassar
a tradiccedilatildeo operam sobre um princiacutepio de continuidade histoacuterica que deve ser
reconhecido e ampliado por outro lado esses mesmos muacutesicos propotildeem a
descontinuidade e a fragmentaccedilatildeo da estrutura musical per se quando se trata de
cada peccedila de muacutesica em particular pois compreendem que estruturas sonoras
contiacutenuas jaacute estariam ultrapassadas por fazerem recuar agraves caracteriacutesticas mais
proeminentes da muacutesica tonal ou seja agraves praacuteticas musicais do seacuteculo XVIII e XIX
cujas possibilidades de discursividade e narratividade jaacute estariam esgotadas
Ao contraacuterio os muacutesicos que professam o retorno agrave tradiccedilatildeo por serem
criacuteticos com relaccedilatildeo agrave concepccedilatildeo diacrocircnica da Histoacuteria geralmente argumentam
em favor da retomada de estruturas musicais contiacutenuas por entenderem que os
processos de fragmentaccedilatildeo operados pelas vanguardas jaacute foram exauridos ao
extremo e portanto esvaziados Assim ao defenderem concepccedilotildees sincrocircnicas dos
fatos histoacutericos segundo as quais se pode ter uma percepccedilatildeo de ldquotudo ao mesmo
tempo agorardquo se sentem agrave vontade para sobrepor os meacutetodos de elaboraccedilatildeo
musical do Classicismo ou do Romantismo aos seus anseios de iacutendole
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eminentemente contemporacircnea Tem-se assim outra constataccedilatildeo que
complementa aquela do paraacutegrafo anterior os muacutesicos que se alinham aos
princiacutepios de retorno agrave tradiccedilatildeo propotildeem uma leitura sincrocircnica e portanto
descontiacutenua da Histoacuteria poreacutem a estrutura musical resultante da elaboraccedilatildeo de cada
peccedila particular se torna contiacutenua pelo resgate de processos discursivos e narrativos
em suas composiccedilotildees
Essas praacuteticas de retorno ao passado muitas vezes satildeo professadas sem a
definiccedilatildeo de eacutepoca ou regiatildeo especiacutefica mas se abrem agrave possibilidade de passar
por diferentes pontos geograacuteficos mais ou menos remotos e por diferentes periacuteodos
da Histoacuteria sem que isso signifique a perda da coesatildeo estiliacutestica (a identidade
estiliacutestica se torna novamente importante apesar de natildeo ser mais um princiacutepio
esteacutetico inflexiacutevel) De qualquer forma mesmo com uma concepccedilatildeo sincrocircnica da
Histoacuteria eacute comum que muitos desses muacutesicos se fixem em algum ponto do tempo
ou do espaccedilo para a criaccedilatildeo de uma peccedila ou de um conjunto de obras Outra
caracteriacutestica bastante comum entre os muacutesicos que se esforccedilam em retomar
aspectos da tradiccedilatildeo eacute o fato de centrarem seus esforccedilos na investigaccedilatildeo da muacutesica
europeia Isso natildeo significa que natildeo existem estudos sobre a muacutesica de outras
culturas sendo que os processos musicais extraeuropeus mais estudados satildeo o
sistema de ragas da muacutesica indiana e a estrutura riacutetmica aditiva da muacutesica africana
e oriental Um bom exemplo nesse sentido eacute a temporada que Steve Reich passou
em Gana em 1970 periacuteodo em que estudou sob a orientaccedilatildeo de um percussionista
jeje no Instituto de Estudos Africanos experiecircncia que lhe permitiu acrescentar
processos riacutetmicos aditivos e subtrativos agrave sua muacutesica ampliando as possibilidades
das suas primeiras experiecircncias minimalistas
Devido agrave inclinaccedilatildeo para aproveitar caracteriacutesticas da muacutesica do passado
vaacuterios muacutesicos tecircm sido criticados como portadores de uma postura conservadora
Michel Faure um criacutetico severo do Neoclassicismo francecircs do entre guerras por
consideraacute-lo um estilo ldquosocialmente concordataacuteriordquo e de ldquoafirmaccedilatildeo nacionalistardquo
considera ser essa atitude de retorno ao passado existente na muacutesica
contemporacircnea uma espeacutecie de reediccedilatildeo do Neoclassicismo histoacuterico Para o autor
ldquoos neoclaacutessicos natildeo satildeo jamais considerados como reacionaacuterios ndash assim como os
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poacutes-modernos natildeo aceitam a pecha de passadistas [] Os empreacutestimos que eles
fazem frequentemente lsquodescontextualizamrsquo os fragmentos aos quais fazem
referecircnciardquo (FAURE 1998 p 78) Bem ressurge aqui o mesmo problema da criacutetica
mal direcionada jaacute mencionado anteriormente Se a intenccedilatildeo desses muacutesicos eacute
recuperar processos tradicionais se buscam criar uma espeacutecie de representaccedilatildeo da
multiplicidade cultural da contemporaneidade atraveacutes da apropriaccedilatildeo do legado
histoacuterico nada mais adequado do que a descontextualizaccedilatildeo dos materiais
empregados de sua lsquohistoricidadersquo original e sua adequaccedilatildeo agrave nova situaccedilatildeo em que
esses elementos se encontram Percebe-se na criacutetica de Faure preceitos de
continuidade e pureza histoacuterica que natildeo se adeacutequam aos neoclaacutessicos nem aos poacutes-
modernos pois ambos subvertem os coacutedigos que servem de premissa agrave sua criacutetica
Um dos arautos da nova muacutesica Boudewijn Buckinx apresenta um exemplo
muito comum de retomada da tradiccedilatildeo ao afirmar que o compositor atual ldquonatildeo
escreve tatildeo-somente um concerto grosso Ele escolhe uma possibilidade ndash o
concerto grosso ndash entre diversas Portanto natildeo eacute propriamente um concerto grosso
mas uma peccedila que toma o concerto grosso por sujeitordquo (BUCKINX 1998 p 60-61)
Poder-se-ia dizer tomando de empreacutestimo as palavras de Wolfgang Rihm que se
trata de uma ldquomuacutesica sobre a muacutesicardquo ou em alguns casos de muacutesica sobre
muacutesicas Se assim for a criacutetica de Faure se esvazia pois existe uma tecircnue diferenccedila
entre permanecer em determinado estado de coisas sem se aventurar a outros e
voltar a esse estado quando se tem interesse em recorrer a ele Esta eacute a divergecircncia
existente entre o conservadorismo preacute-moderno mencionado anteriormente e a
tendecircncia contemporacircnea de retorno agrave tradiccedilatildeo (distinccedilatildeo que o conservadorismo
modernista parece natildeo ser capaz de perceber) natildeo se estaacute no passado volta-se a
ele quando se o considera adequado
Em vista disso torna-se importante entender como os processos e materiais
tradicionais satildeo reutilizados sob a perspectiva da nova muacutesica para diferenciar a
atitude de retorno agrave tradiccedilatildeo com base em um ponto de vista criacutetico da mera
permanecircncia conservadora de valores convencionais de forma subserviente e sem
nem mesmo compreender o que esses valores podem ter significado em sua
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eacutepoca11 Diferenciar aquilo que foi denominado no iniacutecio deste ensaio como
conservadorismo preacute-moderno da atitude criacutetica com relaccedilatildeo aos pontos de vista
historicistas e evolucionistas da cultura tambeacutem significa distinguir o conhecimento
extensivo da tradiccedilatildeo da simples sujeiccedilatildeo a valores passadistas Um artista que
pesquisa profundamente em sua aacuterea de atuaccedilatildeo natildeo se preocupa em primeiro
plano com a feiccedilatildeo externa dos resultados de suas investigaccedilotildees o que lhe
importam satildeo as possibilidades que suas descobertas podem trazer no plano da
criaccedilatildeo Ao contraacuterio um muacutesico que se apresenta com uma aparecircncia novidadeira
pode estar extremamente apegado agraves convenccedilotildees de determinada linha de
produccedilatildeo e mesmo que essa linha seja muito recente a falta de abertura para
outras aacutereas de investigaccedilatildeo pode mantecirc-lo submisso a convenccedilotildees jaacute assimiladas
por geraccedilotildees passadas mesmo que ele proacuteprio natildeo se aperceba disso Muitas
vezes a aparecircncia de novidade mascara uma seacuterie de valores apegados a
convenccedilotildees riacutegidas que natildeo se sustentariam sob o crivo da criacutetica
A sutil diferenccedila entre o Neotonalismo de um compositor como George
Rochberg (1918) e a imitaccedilatildeo trivial do estilo dos primeiros romacircnticos (sem ir aleacutem
dos procedimentos teacutecnicos) estaacute na atitude com relaccedilatildeo agrave lsquovivecircncia da
simultaneidadersquo Para Rochberg ldquoa esperanccedila da muacutesica contemporacircnea reside em
aprender como reconciliar todas as maneiras de opostos contradiccedilotildees paradoxos o
passado com o presente tonalidade com atonalidade Eacute por isso que em minha
muacutesica mais recente tenho tentado utilizar essas combinaccedilotildees que reafirmam os
valores primordiais da muacutesicardquo (ROCHBERG 2003 p 3) Essa noccedilatildeo da diferenccedila
entre o passado e o presente essa busca de conciliaccedilatildeo dos opostos diverge de um
ponto de vista conservador ou de uma postura epigocircnica pois o epiacutegono apenas
reproduz o passado agrave maneira deste ou daquele mestre ao passo que o artista
criador se apoia em aspectos do passado para produzir um trabalho artiacutestico que
11 Muitas vezes a simplificaccedilatildeo dos meios significa a criaccedilatildeo de algo que pode impulsionar grandes transformaccedilotildees Quando Giulio Caccini (1551-1618) defendia o uso de triacuteades maiores e menores para a elaboraccedilatildeo das nuove musiche de sua eacutepoca estava propalando uma simplificaccedilatildeo da textura musical uma homofonia mundana que se opunha agrave complexidade polifocircnica da muacutesica sacra Essa simplificaccedilatildeo trazia o germe para algumas das grandes conquistas da muacutesica europeia dos trezentos anos seguintes inclusive a criaccedilatildeo de um novo gecircnero musical a oacutepera
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traz algum frescor agrave educaccedilatildeo dos sentidos alguma maneira peculiar de descobrir
ou perceber o mundo
Com a retomada de processos de organizaccedilatildeo modal ou tonal haacute
necessariamente o retorno de melodias claramente definidas a renovaccedilatildeo das
teacutecnicas de contraponto e a ampliaccedilatildeo de estruturas harmocircnicas de caraacuteter
diatocircnico Um dos compositores mais importantes da vanguarda das deacutecadas de
1950 e 1960 Krzysztof Penderecki soube atualizar seu estilo em meados da
deacutecada de 1970 quando passou a combinar estruturas diatocircnicas ampliadas com
base na produccedilatildeo dos grandes sinfonistas da passagem do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX
(Gustav Mahler e Richard Strauss entre outros) com os resultados de suas
pesquisas acuacutesticas do periacuteodo vanguardista A consequecircncia eacute uma muacutesica
fortemente dramaacutetica com aspectos que lembram o Romantismo tardio e elementos
da vanguarda da deacutecada de 1960 elaborados de maneira que o resultado se
apresenta como uma muacutesica inusitada que jamais poderia ter sido concebida em
outra eacutepoca ou por outro artista
O legado histoacuterico natildeo eacute mais desprezado ou entendido apenas como um
passado a ser ultrapassado mas ao contraacuterio eacute tambeacutem identificado como uma
fonte inesgotaacutevel de possibilidades teacutecnicas e expressivas que podem ser
reaproveitadas de muitas formas possiacuteveis sem que isso incorra necessariamente
em postura conservadora ou em atitude epigonal Outro compositor que tambeacutem
soube atualizar seus processos compositivos eacute o huacutengaro Gyorgy Ligeti que tem
combinado seus experimentos microtonais e estruturas micropolifocircnicas levados a
cabo nas deacutecadas de 1960 e 1970 com outros meacutetodos de organizaccedilatildeo harmocircnica
engendrados a partir das relaccedilotildees acuacutesticas baacutesicas existentes em seus
conglomerados sonoros Esses processos datildeo vazatildeo agrave existecircncia de linhas
meloacutedicas claramente definidas com caraacuteter modal vigoroso e algumas vezes
fazem alusotildees agrave muacutesica popular e folcloacuterica de sua regiatildeo
Essa atitude com relaccedilatildeo ao passado traz novos modos de entendimento das
culturas tradicionais aleacutem da acomodaccedilatildeo de valores muitas vezes tomados como
contraditoacuterios em estruturas coesas Evidenciam-se natildeo apenas as tradiccedilotildees locais
com relaccedilatildeo agrave proacutepria formaccedilatildeo do indiviacuteduo como tambeacutem outras tradiccedilotildees que se
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buscam atraveacutes de meios natildeo-convencionais Compreende-se que natildeo eacute necessaacuterio
viver as experiecircncias de determinada sociedade para absorver parte de seus valores
ou de sua produccedilatildeo cultural ateacute porque os habitantes das grandes cidades estatildeo
expostos cotidianamente a tantos estiacutemulos advindos de origens distintas que se
criam identidades multiculturais mesmo quando natildeo se tem conhecimento intriacutenseco
de suas propriedades Qualquer cidadatildeo meacutedio atual tem noccedilotildees fundamentais
sobre os haacutebitos de vaacuterios povos originaacuterios de localidades onde nunca esteve A
tecnologia permite ao artista contemporacircneo ter acesso agrave produccedilatildeo de seus pares
de qualquer outra regiatildeo do planeta quase simultaneamente agrave sua criaccedilatildeo e
divulgaccedilatildeo Tambeacutem eacute possiacutevel conhecer aspectos de culturas remotas no tempo
atraveacutes de pesquisas arqueoloacutegicas e sua divulgaccedilatildeo em grande escala nos meios
de comunicaccedilatildeo Isso permite sermos contemporacircneos de outras eacutepocas e
conterracircneos dos povos de outros lugares
23 Superaccedilatildeo do Modernismo
As linhas de atuaccedilatildeo que se opotildeem agrave mentalidade das vanguardas tardias o
fazem por razotildees diversas daquelas que motivam as tendecircncias de retorno agrave
tradiccedilatildeo pois este retorno ao passado geralmente significa um passado visto pela
oacutetica da Modernidade (em geral satildeo leituras atualizadas das tradiccedilotildees do Ocidente
isto eacute das praacuteticas musicais do Renascimento ao Romantismo) Nesse sentido
especiacutefico haacute pontos em comum entre as duas acepccedilotildees abordadas anteriormente
(lsquocontinuidade da Modernidadersquo e lsquoretorno agrave Tradiccedilatildeorsquo) pois seja por dar
continuidade agraves praacuteticas da era moderna atraveacutes de sua ampliaccedilatildeo seja por
resgatar essas praacuteticas com base em novos meios de elaboraccedilatildeo musical a
Modernidade permanece como sendo forte ponto de referecircncia em ambos os casos
Diferentemente aqueles que se colocam com uma postura de lsquosuperaccedilatildeo do
Modernismorsquo geralmente focam seus interesses na ruptura com as tradiccedilotildees
modernistas mais recentes e natildeo na Modernidade como um todo
Aleacutem disso natildeo satildeo apenas as culturas tradicionais que interessam a esta
terceira linhagem mas tambeacutem outros aspectos da cultura contemporacircnea inclusive
a cultura pop e os meios de comunicaccedilatildeo de massa Esses muacutesicos acreditam
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estarem produzindo uma fissura na Modernidade ao se abrirem para toda e qualquer
espeacutecie de produccedilatildeo cultural sem hierarquizaacute-las12 Acreditam portanto que
estamos no iniacutecio de uma nova eacutepoca e natildeo em um periacuteodo de continuidade da
Modernidade ou de retomada dos valores de sua tradiccedilatildeo13
Podem-se esboccedilar algumas imagens geomeacutetricas para representar essas trecircs
formas de pensamento para a primeira acepccedilatildeo da muacutesica contemporacircnea que
professa a lsquocontinuidade da Modernidadersquo o tempo teria a imagem de uma linha reta
que se movimenta em determinado sentido (mesmo que alguns desses artistas
faccedilam criacutetica agrave mentalidade linear a linha parece bem representar o ponto de vista
evolucionista da cultura) para a segunda acepccedilatildeo aquela em que se pratica o
lsquoretorno agrave Tradiccedilatildeorsquo poder-se-ia formular a imagem do tempo em forma circular pois
o ciacuterculo eacute uma figura em que natildeo haacute sentido predeterminado pois se pode iniciar
ou terminar em qualquer ponto da circunferecircncia e se movimentar em sentido
horaacuterio ou anti-horaacuterio para a terceira acepccedilatildeo que propotildee a lsquosuperaccedilatildeo do
Modernismorsquo a imagem de uma esfera parece ser a mais adequada pois natildeo se
estaacute focando o tempo em apenas uma dimensatildeo mas abre-se o leque para toda e
qualquer manifestaccedilatildeo perceptiacutevel atualmente no tempo e no espaccedilo Com isso
tem-se a possibilidade de produzir movimentos de qualquer ponto para qualquer
outro ponto seguindo em qualquer sentido ou direccedilatildeo (para baixopara cima para a
esquerdapara a direita para traacutespara frente) ndash por isso a imagem tridimensional14
12 Note-se que neste aspecto haacute pontos de interseccedilatildeo entre certas tendecircncias de lsquocontinuidade da Modernidadersquo e aquelas que professam a lsquosuperaccedilatildeo do Modernismorsquo pois o princiacutepio da poliestiliacutestica defendido por Schnittke e outros tambeacutem rompe com a hierarquizaccedilatildeo dos estilos O que diferencia ambos os grupos eacute o enfoque com que cada qual se apropria das diferentes formas de manifestaccedilatildeo cultural 13 Tambeacutem nesse sentido haacute interseccedilatildeo entre as duas acepccedilotildees pois se as tendecircncias de lsquocontinuidade da Modernidadersquo professam a ruptura com a tradiccedilatildeo musical oitocentista as tendecircncias de lsquosuperaccedilatildeo do Modernismorsquo professam outra ruptura com as tradiccedilotildees novecentistas Em ambos os casos haacute valores centrados no princiacutepio da ruptura mesmo que na primeira acepccedilatildeo esta ruptura faccedila parte de um processo contiacutenuo de superaccedilatildeo da tradiccedilatildeo e no segundo caso seja entendida como uma fissura nesse processo 14 Este recurso de traccedilar analogias entre a estrutura das mentalidades e figuras geomeacutetricas jaacute foi delineado por Koellreutter (cf KOELLREUTTER 1987 p 29-32) compositor que confeccionou a partitura de sua peccedila Acronon em formato de esfera para representar sua concepccedilatildeo da mentalidade contemporacircnea Para Koellreutter poreacutem essas analogias aparecem com sentido diverso daquele apresentado aqui
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Para aqueles que se posicionam pela superaccedilatildeo do Modernismo as
vanguardas satildeo tidas como sendo formalistas ao extremo por se apoiarem
especificamente em criteacuterios teacutecnicos e formais para efetuarem seus julgamentos
Para entender o alcance dessa criacutetica eacute necessaacuterio adentrar um pouco em
algumas acepccedilotildees do termo lsquoformalismorsquo
Em seu Vocabulaacuterio de Esteacutetica Souriau informa que
[] eacute formalista aquele que daacute grande importacircncia agrave forma ou agraves formas poreacutem o termo forma pode ser tomado em diversos sentidos pode-se dar importacircncia a algo por razotildees de ordens bastante diferentes e enfim o termo formalismo foi frequentemente utilizado de maneira polecircmica mas em conflitos que natildeo eram sempre os mesmos de sorte que a palavra formalismo tem diversos sentidos que natildeo coincidem e cuja confusatildeo pode conduzir a erros graves (SOURIAU 1999 p 758)
Podem-se estabelecer a partir das classificaccedilotildees de Souriau trecircs sentidos
principais aplicados ao formalismo esteacutetico e empregados na criacutetica agraves tendecircncias
vanguardistas O primeiro sentido coincide com a censura a Hanslick criacutetico musical
de orientaccedilatildeo kantiana para quem a beleza esteacutetica seria inerente agrave existecircncia de
uma forma equilibrada e bem proporcionada o segundo sentido tem a ver com a
oposiccedilatildeo entre forma e conteuacutedo e se dirige principalmente agraves tendecircncias
modernistas de caraacuteter anticonteudista para as quais a estrutura eacute mais importante
do que o conteuacutedo representado ndash o que significa que para os criacuteticos atuais do
Modernismo o conteuacutedo ganha nova forccedila no terceiro sentido o termo lsquoformalistarsquo eacute
empregado para censurar as tendecircncias vanguardistas por centrarem suas
investigaccedilotildees em estruturas musicais abstratas criadas aprioristicamente sem levar
em consideraccedilatildeo a observaccedilatildeo do meio social ou cultural o que muitas vezes eacute
entendido como desprezo pela realidade
Em geral essas criacuteticas ao lsquoformalismorsquo das vanguardas surgem como
reaccedilotildees ao posicionamento antagocircnico dos muacutesicos de vanguarda das deacutecadas de
1950 e 1960 com relaccedilatildeo agrave muacutesica com sentido narrativo que necessariamente
traz o conteuacutedo ao primeiro plano e por conseguinte desvia a percepccedilatildeo dos
recursos teacutecnicos dos materiais sonoros e dos processos acuacutesticos envolvidos na
apreciaccedilatildeo musical Essa criacutetica modernista ao conteuacutedo vinha embutida em uma
criacutetica geral ao Romantismo e agrave muacutesica descritiva representada no seacuteculo XIX pelo
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lsquopoema sinfocircnicorsquo e pelas lsquopeccedilas caracteriacutesticasrsquo Ainda hoje em certos meios
musicais eacute comum a restriccedilatildeo agrave muacutesica descritiva em geral
Os muacutesicos vinculados agravequela via que pretende a superaccedilatildeo do Modernismo
ndash que agraves vezes chamam pejorativamente os movimentos de poacutes-vanguarda de
lsquoultramodernosrsquo ou lsquohipermodernosrsquo entendendo-os como o fruto de uma atitude
conservadora (cf BUCKINX 1998 p 22) ndash consideram que o lsquoformalismorsquo
vanguardista afastou o puacuteblico das salas de concerto e buscam novos processos de
comunicabilidade atraveacutes da investigaccedilatildeo mais ou menos sistemaacutetica de processos
narrativos e pela incorporaccedilatildeo da significaccedilatildeo musical direta
Eacute interessante notar a afericcedilatildeo de valor aos termos mencionados acima
lsquoUltramodernismorsquo e lsquoHipermodernismorsquo se essas expressotildees satildeo consideradas
negativamente pelos muacutesicos que professam a superaccedilatildeo do Modernismo satildeo
entendidas com sentido favoraacutevel pelos partidaacuterios da poacutes-vanguarda que
empregam essa terminologia para demonstrar que consideram determinada parcela
da produccedilatildeo atual como sendo extremamente significativa pois se apoiam nos
valores vanguardistas e os ultrapassam
Tem-se tambeacutem outra diferenccedila terminoloacutegica operada por alguns autores
que se faz apenas mudando a ordem dos termos lsquonova muacutesicarsquo e lsquomuacutesica novarsquo
Esta expressatildeo que foi amplamente empregada ao longo das deacutecadas de 1950 e
1960 estaacute ligada agraves tendecircncias vanguardistas e poacutes-vanguardistas No Brasil
houve inclusive um movimento de vanguarda autodenominado lsquoGrupo Muacutesica
Novarsquo que lanccedilou seu manifesto em 1963 com base nos princiacutepios do
Construtivismo e do Concretismo e terminou por influenciar o movimento
tropicalista na muacutesica popular O termo lsquonova muacutesicarsquo surgiu na deacutecada de 1990 na
Europa como contraposiccedilatildeo ao conceito de lsquomuacutesica novarsquo trata-se de muacutesicos que
absorvem diversas influecircncias e atuam em vaacuterias direccedilotildees natildeo pressupondo
qualquer identidade teoacuterica ou estiliacutestica entre si
Mesmo se eles satildeo muito diferentes e se tecircm personalidades e escrituras proacuteprias todos esses compositores se afastaram voluntariamente da corrente atonal da muacutesica contemporacircnea Eles sofreram diferentes influecircncias indo de muacutesicas natildeo-ocidentais ao jazz ao rock agrave muacutesica de variedades internacional passando pelo disco pelo funk ateacute a muacutesica techno e inclusive pelas generalidades de programas televisivos O que eles
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tecircm em comum eacute o fato de escutar o mundo sonoro que os envolve e que eacute o fundo musical de todos noacutes Eles tambeacutem tecircm uma filiaccedilatildeo direta a Stravinsky Eacute por isso que se pode separar a muacutesica lsquoeruditarsquo de hoje em duas grandes correntes A corrente lsquotonalrsquo consonante por opccedilatildeo pulsante e meloacutedica se situando em uma linha mais expressiva geralmente chamada de lsquoNova Muacutesicarsquo A corrente lsquoatonalrsquo caracterizada pela utilizaccedilatildeo quase sistemaacutetica de saltos de registro de assimetria riacutetmica e de dissonacircncias chamada tambeacutem de lsquomuacutesica contemporacircnearsquo (LELONG 1996 p 11)
Um dos movimentos de superaccedilatildeo do Modernismo que se pode colocar
como precursor dessa noccedilatildeo de lsquonova muacutesicarsquo eacute a lsquoNova Simplicidadersquo que teve
seu iniacutecio na deacutecada de 1970 com um grupo de compositores alematildees encabeccedilados
por Walter Zimmermann (1949) e Wolfgang Rihm (1952) Esses muacutesicos defendiam
a liberdade de escrita e a dissoluccedilatildeo do peso da Histoacuteria ndash que na sua opiniatildeo
engessava as praacuteticas vanguardistas ndash e preconizavam a absorccedilatildeo de experiecircncias
subjetivas de toda e qualquer natureza (vivecircncias impulsos emoccedilotildees preferecircncias
etc) que pudessem conduzir agrave produccedilatildeo de novos processos narrativos e agrave
depuraccedilatildeo dos meios empregados para a criaccedilatildeo musical Com essas intenccedilotildees
movimentaram-se na direccedilatildeo de estruturas mais elementares com gestos musicais
breves e texturas transparentes Entretanto os praticantes da Nova Simplicidade
natildeo se desviaram de configuraccedilotildees atonais apenas acrescentaram elementos de
caraacuteter tonal e deram vazatildeo a uma certa expressividade liacuterica em sua produccedilatildeo
Rihm em entrevista a Noreen e Cody comenta suas experiecircncias dos anos rsquo70 e
rsquo80
Eu sou um compositor intuitivo Mesmo se natildeo o fosse somente poderia escrever a minha proacutepria muacutesica Natildeo se pode criar arte com tabus Naturalmente somente quebrando tabus tambeacutem natildeo se faz arte Em ambos os casos o que surge satildeo objetos que [apenas] se parecem com arte [] De volta agraves triacuteades eu natildeo era de nenhuma maneira o uacutenico a empregaacute-las Talvez em minha muacutesica elas chocassem de forma mais provocativa provavelmente porque natildeo serviam ao propoacutesito de garantir lsquobelezarsquo mas eram empregadas no mesmo niacutevel que (quase) qualquer outra manifestaccedilatildeo sonora governadas por fluxos expressivos que natildeo poderiam ser inteiramente analisados de modo racional Isso era equivalente agrave alta traiccedilatildeo aos olhos dos modernistas (RIHM 2006 p 2)
Compositores que parecem seguir nessa mesma direccedilatildeo poreacutem com
interesses distintos satildeo os franceses Pascal Dusapin (1955) que trabalha com
misturas de elementos tonais e atonais carregados de forte lirismo e Reacutegis Campo
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(1968) cuja peccedila Commedia (1995) de escritura amplamente stravinskyana estaacute
organizada agrave base de muacuteltiplas linhas contrapontiacutesticas que se movimentam em
torno de uma melodia que se estende por quase quinze minutos
Outros grupos que tecircm sido bastante difundidos nos uacuteltimos anos satildeo
aqueles derivados do Minimalismo e que portanto empregam teacutecnicas de
organizaccedilatildeo repetitiva com base em um miacutenimo de elementos formadores de
processos sonoros Esses elementos baacutesicos ndash constituiacutedos de poucas notas
estrutura harmocircnica simples e riacutetmica perioacutedica ndash geralmente satildeo elaborados de
forma extremamente gradativa com a intenccedilatildeo de dar tempo agrave escuta Com isso
pretende-se dar ecircnfase aos processos perceptivos acima de qualquer princiacutepio
compositivo
O Minimalismo ortodoxo aquele dos anos 60 estava centrado em estruturas
ininterruptas fixas regulares e contiacutenuas no tempo Steve Reich partiu para suas
realizaccedilotildees mais peculiares da eacutepoca da experiecircncia de ouvir a mesma gravaccedilatildeo
reproduzida em dois aparelhos diferentes com rotaccedilotildees distintas o que gerou uma
defasagem gradual de tempo entre uma reproduccedilatildeo e outra O compositor declarou
[] enquanto eu ouvia esse processo gradual de mudanccedila de fase comecei a imaginar que esta seria uma forma extraordinaacuteria de estruturaccedilatildeo musical Esse processo afetou-me como um meio de alcanccedilar determinado nuacutemero de relaccedilotildees entre duas identidades sem nenhuma transiccedilatildeo Era um processo musical sem emenda ininterrupto (REICH apud SCHWARZ 1996 p 61)
Eacute interessante notar como esses princiacutepios de Reich e seus colegas
minimalistas da deacutecada de 1960 satildeo bastante lsquoformalistasrsquo para os muacutesicos mais
jovens e nesse sentido se assemelham aos valores vanguardistas da mesma
eacutepoca pois as preocupaccedilotildees com o processo com a estrutura ou com as teacutecnicas
de composiccedilatildeo estatildeo acima de qualquer outro aspecto envolvido na atividade
compositiva Por essa razatildeo essa fase do Minimalismo pode ser considerada como
sendo a uacuteltima manifestaccedilatildeo modernista pois mesmo que os processos de escuta
jaacute estivessem em evidecircncia o interesse principal estaacute na construccedilatildeo de estruturas
musicais abstratas Ao comparar a mentalidade de Reich da deacutecada de 1960 com
alguns comentaacuterios de John Adams (1947) um dos compositores mais destacados
da corrente atual a que alguns chamam de Poacutes-Minimalismo percebe-se que o
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ponto de vista deste estaacute descentrado do fazer e mais voltado para a absorccedilatildeo do
meio sonoro circundante
Eu sempre fui profundamente influenciado pelo rock pelo jazz e pela muacutesica pop Creio que eacute uma parte importante da experiecircncia de um norte-americano e penso que eacute a linha de demarcaccedilatildeo entre a velha geraccedilatildeo de compositores eruditos aqueles que nasceram antes da guerra e minha geraccedilatildeo ou a dos meus alunos Eacute por isso que natildeo tento me afastar dessa muacutesica nem tapar os ouvidos para ela Entretanto ao ler John Cage a gente nota que ele natildeo era sensiacutevel a essa muacutesica e ateacute mesmo a execrava Por minha parte eu gosto e ela influenciou bastante a minha proacutepria muacutesica (ADAMS 1996 p 20)
Ao contraacuterio do purismo muitas vezes pretendido pelos muacutesicos das deacutecadas
de 1950 e 1960 (que geralmente buscavam um estilo original sem admitir
ascendecircncias externas expliacutecitas pois essas influecircncias15 eram transformadas ateacute o
ponto em que se tornavam imperceptiacuteveis ou eram incorporadas em estruturas que
natildeo poderiam ser remetidas a outras realidades que a da proacutepria muacutesica em
questatildeo) vaacuterios compositores atuais estatildeo buscando a assimilaccedilatildeo expliacutecita de
diferentes fontes desde a muacutesica claacutessica europeia e a muacutesica tradicional de outras
culturas ateacute as diferentes manifestaccedilotildees populares e dos meios de comunicaccedilatildeo de
massa Adams eacute preciso a esse respeito
O que distingue minha muacutesica das outras eacute o fato de que ela eacute tatildeo lsquomiscigenadarsquo Se eu comparo minha muacutesica com a de Morton Feldman que eacute tatildeo pura a minha eacute uma espeacutecie de lsquogrande lixeirarsquo ali se encontra de tudo como em um grande lsquoensopadorsquo [] Cresci ao longo de um periacuteodo em que se podia escutar de tudo pois tudo estava registrado e isso vai continuar no proacuteximo milecircnio Eu costumo surfar na Internet todo o tempo e posso andar por tudo (ADAMS 1996 p 21)
Natildeo apenas Adams e os poacutes-minimalistas (que se diferenciam do
Minimalismo histoacuterico pela assimilaccedilatildeo expliacutecita de elementos exoacutegenos) como
tambeacutem outros muacutesicos das novas geraccedilotildees aproveitam influecircncias atraveacutes da
incorporaccedilatildeo de estilemas16 apropriados de diferentes tradiccedilotildees o que tambeacutem pode
15 O termo lsquoinfluecircnciarsquo foi tomado durante algum tempo como sendo depreciativo por indicar a ascendecircncia de determinado artista ou escola sobre outros Atualmente para os compositores das novas geraccedilotildees a ideia de ascendecircncia parece natildeo gerar constrangimento sendo inclusive um valor a ser aproveitado 16 lsquoEstilemarsquo eacute um termo apropriado da linguiacutestica empregado para designar traccedilos estiliacutesticos caracteriacutesticos de determinada obra escritor ou escola literaacuteria o que em muacutesica pode ser indicado
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incluir teacutecnicas de vanguarda Com isso esta muacutesica se torna mais corpoacuterea estaacute
vinculada agrave realidade circundante ou em outras palavras se faz mais mundana
Isso tambeacutem se deve agrave introduccedilatildeo de elementos de linguagens musicais
vernaculares consideradas como sendo parte da lsquofalarsquo cotidiana seja a muacutesica
autoacutectone ou a muacutesica tocada nos meios de comunicaccedilatildeo e que se torna com o
passar do tempo tatildeo absorvida pelas mentalidades que passa a ser entendida como
lsquolinguagem comumrsquo
Os chilenos Eduardo Caacuteceres (1954) e Aliosha Solovera (1963) tecircm
incorporado elementos de tradiccedilotildees locais em suas criaccedilotildees de caraacuteter
experimental Caacuteceres em sua peccedila Canciones ceremoniales para aprendiz de
machi para grupo vocal feminino aproveita textos em liacutengua mapudungum para
combinar diferentes ritmos apropriados dos iacutendios mapuches Na peccedila Ressonandes
(2002) para dez flautas cujo tiacutetulo alude agrave lsquoressonacircncia dos Andesrsquo Solovera busca
ldquoestabelecer um viacutenculo com a muacutesica das culturas preacute-colombianasrdquo atraveacutes da
experimentaccedilatildeo de sonoridades incomuns no instrumento Para o compositor ldquoa
flauta transversa se desliga de sua raiz cultural e eacute assumida em sua condiccedilatildeo mais
elementar como instrumento de soprordquo Eacute interessante notar nesse sentido o
paralelismo entre Ressonandes e a peccedila Nola (1994) para vaacuterias flautas e orquestra
de cordas do tajiquistanecircs Benjamin Yusupov (1962) que se refere agrave sua muacutesica da
seguinte maneira ldquoesta peccedila eacute uma busca de efeitos sonoros gerados pelas flautas
como se fossem instrumentos de cordas A combinaccedilatildeo com a muacutesica eacutetnica estaacute
associada a um certo esteticismo da muacutesica orientalrdquo Ambos aproveitam valores de
suas tradiccedilotildees locais para experimentar sonoridades inusuais em conjuntos de
flautas Solovera busca restituir o som elementar do sopro Yusupov tem o intuito de
fazer um instrumento de sopro soar como corda Apesar da similaridade conceptual
o resultado sonoro eacute bastante distinto
Em uma direccedilatildeo similar e com base em vivecircncias pessoais o colombiano
Angel Alfonso Rivera (1983) escreveu Quya-Killa (2013) para voz flauta percussatildeo
por padrotildees escalares contornos meloacutedicos figuraccedilotildees riacutetmicas encadeamentos harmocircnicos combinaccedilotildees instrumentais ou algum outro aspecto de qualquer natureza que identifique lsquoestilosrsquo ou lsquomaneirasrsquo
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(dois tom-tons maracas temple blocks prato suspenso) e piano A peccedila foi escrita a
partir da participaccedilatildeo em rituais e celebraccedilotildees indiacutegenas na Boliacutevia e no Peru dos
quais se destacam Pachamama (Ritual da Matildee Terra) Inti Raymi (Festa do Sol) e
Quya Raymi (Festa da Lua e da Fertilidade) A peccedila que eacute o resultado de
lembranccedilas afetivas desses rituais isto eacute os traccedilos que permanecem na memoacuteria
de forma pulsante e transformam a percepccedilatildeo do mundo estaacute organizada em trecircs
seccedilotildees derivadas das fases ritualpisticas Preparaccedilatildeo Oraccedilatildeo e Celebraccedilatildeo
Para o compositor
[] a muacutesica de culturas tribais gira em torno de um mundo proacuteprio com sonoridades que derivam do contorno da natureza dos animais e do proacuteprio homem As manifestaccedilotildees foneacuteticas os gestos e a miacutemica satildeo meios de comunicaccedilatildeo e neste contexto a muacutesica e a danccedila manifestam estreita relaccedilatildeo com os rituais e cerimocircnias [] Por se tratar de algo maacutegico e que possui caracteriacutesticas que podem ser aproveitadas na composiccedilatildeo considero que a imagem do ritual tem forte funccedilatildeo orientadora e organizacional sendo uma imagem que fundamenta e orienta os elementos do percurso criativo (RIVERA p 39-40)
Natildeo eacute necessaacuterio que o muacutesico esteja estreitamente vinculado a esta ou
agravequela tradiccedilatildeo para se sentir compelido a empregaacute-la em alguma obra O
compositor inglecircs Thomas Adegraves (1971) escreveu sua America a prophecy (1999)
para meio-soprano coro opcional e orquestra sinfocircnica para um projeto chamado
lsquoMensagens para o Milecircniorsquo promovido pela Orquestra Filarmocircnica de Nova Iorque
Interessante nesta peccedila eacute o fato de que o uacutenico texto em inglecircs eacute a traduccedilatildeo de um
fragmento da profecia maia que prenuncia o fim dos tempos os outros trechos
cantados na peccedila de Adegraves foram aproveitados de textos hispano-americanos Com
isso o compositor pretendia criar um mapa da Ameacuterica localizado ao Sul dos
Estados Unidos com o intuito de mostrar aos norte-americanos que eles natildeo foram
os primeiros americanos (escrito maia) como tambeacutem natildeo satildeo os uacutenicos
(fragmentos latino-americanos) Interessado pelas culturas preacute-colombianas e pelo
sincretismo cultural da Ameacuterica Latina atual o compositor disse em entrevista a
Tom Service que essa sua noccedilatildeo da Ameacuterica ldquocomeccedilou quando tive uma enorme
vista da piracircmide de Belize Havia aacutervores em todas as direccedilotildees Entretanto havia
estas pequenas saliecircncias que tambeacutem eram verdes e eram as antigas piracircmides
maiasrdquo (ADEgraveS apud FOX 2006 p 1) Outra representaccedilatildeo da Ameacuterica ocorreu-lhe a
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partir de um mapa surrealista publicado na revista belga Parietein em 1929 Essas
imagens aliadas aos textos escolhidos se tornaram o ponto de partida para a
estruturaccedilatildeo de America a prophecy
Outro exemplo agora no sentido da assimilaccedilatildeo dos meios de comunicaccedilatildeo
de massa em uma muacutesica de caraacuteter experimental eacute a peccedila de Michael Daugherty
(1954) intitulada Elvis Everywhere (1993) em que satildeo combinados cantores um
quarteto de cordas processos de manipulaccedilatildeo eletrocircnica dos sons e a voz de Elvis
Presley que funciona como uma espeacutecie de material unificador de todas as
sonoridades que acontecem ao longo da muacutesica
Natildeo posso escrever a miacutenima nota se natildeo tenho antes uma ideia Eacute geralmente um elemento visual um iacutedolo americano como Elvis um flamingo de plaacutestico cor-de-rosa ou ainda Jackie Kennedy que me evocam os sons [] Antes de compor Elvis Everywhere para o Quarteto Kronos assisti ao Congresso Internacional de Imitadores de Elvis onde ouvi cantar mais de duzentos Elvis Somente posso escrever muacutesica quando estou proacuteximo dela Seria difiacutecil transcrever musicalmente a poesia de Safo por exemplo Por outro lado assisti a todos os episoacutedios de Star Trek17 (DAUGHERTY 1996 p 105)
O que interessa para muitos artistas contemporacircneos eacute essa ruptura dos
limites daquilo que era tradicionalmente considerado como sendo lsquobom gostorsquo e lsquomau
gostorsquo lsquoarte e lsquoinduacutestria do entretenimentorsquo enfim todas as formas de dicotomia que
caracterizaram as correntes modernistas A intenccedilatildeo de superar essas dualidades
com uma atitude inclusiva em que as diferentes formas de manifestaccedilatildeo cultural
tecircm seu lugar na cultura contemporacircnea natildeo significa necessariamente aquela
postura ciacutenica do blaseacute que caracterizou o final do seacuteculo XX nas deacutecadas de 1980
e 1990 Ao contraacuterio estar aberto aos diferentes pontos de vista tambeacutem pode
significar assumir uma postura de caraacuteter pessoal poreacutem com o entendimento de
que esta eacute mais uma entre tantas possibilidades de conhecer a realidade e de se
relacionar com o mundo
Na busca de autonomia um grupo de compositores nova-iorquinos
encabeccedilados por Michael Gordon (1956) David Lang (1957) e Julia Wolfe (1958)
17 Essas consideraccedilotildees seriam impossiacuteveis se vindas de um compositor como Pierre Boulez por exemplo que consideraria essa assimilaccedilatildeo de elementos da cultura de massa como vulgarizaccedilatildeo da criaccedilatildeo musical
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criou o festival Bang on a Can e formou um grupo de cacircmara para divulgar sua
muacutesica e a de outros compositores de sua geraccedilatildeo18 Wolfe conta a origem do
festival em entrevista a Lelong
Noacutes queriacuteamos abalar as estruturas em Nova Iorque e ter um pretexto para tomarmos cafeacute da manhatilde juntos todos os dias Bang on a Can quase comeccedilou como uma brincadeira Noacutes chamamos assim ao primeiro festival porque pensamos que natildeo haveria outros mas terminou sendo um rastro de poacutelvora Muitas e muitas pessoas vieram no primeiro ano entre eles John Cage e Steve Reich Noacutes trabalhamos duramente para ampliar nosso puacuteblico para aleacutem do ciacuterculo dos amantes da Nova Muacutesica Fizemos nossa divulgaccedilatildeo bastante numerosa entre o puacuteblico de baleacute de teatro e de cinema Mesmo que o festival tenha se desenvolvido ainda se manteacutem a serviccedilo dos compositores com ideias novas com espiacuterito aventureiro O puacuteblico vem numeroso e entusiasmado a apresentaccedilatildeo eacute formidaacutevel descontraiacuteda o que tem o efeito de natildeo espantar a audiecircncia (WOLFE 1996 p 369-370)
O festival que existe desde 1987 se tornou um evento anual que conta com
um conjunto de cacircmara formado por solistas virtuoses o grupo Bang on a Can All-
Stars uma orquestra a Spit Orchestra gravaccedilotildees que satildeo lanccediladas em CD e
transmissotildees radiofocircnicas O grupo Bang on a Can All-Stars tem uma constituiccedilatildeo
heterogecircnea tanto do ponto de vista dos instrumentos que fazem parte do grupo
quanto da linha de atuaccedilatildeo de seus muacutesicos Formado por instrumentos como
piano saxofone clarinete violoncelo guitarra eleacutetrica baixo eleacutetrico e percussatildeo19 o
grupo se caracteriza pela mistura de sonoridades de muacutesica erudita muacutesica pop e
jazz A formaccedilatildeo e a praacutetica dos muacutesicos ndash que tocam em orquestras sinfocircnicas
tradicionais participam de shows ou concertos gravam discos de muacutesica pop e
tocam em bandas de jazz ndash possibilita trabalhar com repertoacuterios diversificados
Assim o grupo se propotildee a divulgar diferentes tipos de manifestaccedilatildeo musical da
contemporaneidade o que o difere de outros grupos ndash como por exemplo lsquoSteve
Reich and Musiciansrsquo lsquoMichael Nyman Bandrsquo ou lsquoPhilip Glass Ensemblersquo ndash que tecircm
em seu repertoacuterio somente a produccedilatildeo do proacuteprio compositor que daacute nome ao grupo
ou daqueles que estatildeo diretamente associados a ele
18 Essa praacutetica de criar o proacuteprio grupo musical jaacute havia sido praticada por muacutesicos como Steve Reich Philip Glass Louis Andriessen (1939) e Michael Nyman (1944) entre outros 19 Os muacutesicos do Bang on a Can All-Stars satildeo atualmente Vicky Chow teclados Ken Thomson sopros Ashley Bathgate violoncelo Mark Stewart guitarra eleacutetrica Robert Black contrabaixos David Cossin percussatildeo
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Percebe-se nessa postura comum a muitos muacutesicos atuais a busca pela
diferenccedila se tornando mais importante do que a pretensatildeo de identidade estiliacutestica
Esse aspecto resulta em outra caracteriacutestica difundida entre os compositores
contemporacircneos que se dedicam agrave investigaccedilatildeo de novos meacutetodos narrativos
Muitos compositores atuais tecircm formaccedilatildeo acadecircmica em aacutereas como linguiacutestica
letras comunicaccedilatildeo ou filosofia campos do conhecimento considerados como
sendo profiacutecuos para a criaccedilatildeo musical Vaacuterios compositores atuam como
professores universitaacuterios nessas aacutereas e desenvolvem seu trabalho criativo com
base nesse conhecimento mais do que em teacutecnicas tradicionais de composiccedilatildeo
Conhecem essas teacutecnicas mas preferem deixaacute-las em segundo plano no processo
criativo ndash o que difere de certas linhas vanguardistas das deacutecadas de 1950 e 1960
em que a invenccedilatildeo de novos processos de estruturaccedilatildeo e meacutetodos compositivos
estavam em primeiro plano
O compositor brasileiro Eduardo Seincman (1958) escreveu uma seacuterie
intitulada A Danccedila dos Duplos20 em que cada uma das cinco peccedilas que compotildeem o
ciclo destinada a uma formaccedilatildeo instrumental diferente foi concebida a partir de uma
experiecircncia extramusical A Danccedila de Dorian21 para piano a quatro matildeos foi escrita
a partir da leitura do romance O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde Esta peccedila
conteacutem diversos elementos que caracterizam a investigaccedilatildeo de novos processos
narrativos Excertos do texto de Wilde foram apostos agrave partitura para orientar os
muacutesicos sobre qual segmento do romance corresponde a cada uma das passagens
musicais O compositor chama a atenccedilatildeo no entanto para o fato de que natildeo se
trata de muacutesica programaacutetica pois sua intenccedilatildeo natildeo eacute produzir uma descriccedilatildeo
musical ipsis litteris da narrativa de Wilde mas criar uma narrativa paralela
estritamente musical e que natildeo se vincula diretamente agrave sequecircncia de episoacutedios do
20 A Danccedila dos Duplos eacute formada pelas seguintes peccedilas A Danccedila Misteriosa (1986 ldquopara um anjo que nasceraacuterdquo) para piano solo A Danccedila Luacutegubre (1987) para flauta contralto marimba e piano A Danccedila de Dorian (1988 ldquobaseada no romance O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilderdquo) para piano a quatro matildeos A Danccedila do Dibuk (1988 ldquobaseada na peccedila de teatro O Dibuk de Sch An-Skirdquo) para marimba vibrafone e glockenspiel A Uacuteltima Danccedila (1989 ldquoinspirada na leitura de O Cisne de Leonardo da Vincirdquo) para flauta contralto e dois vibrafones 21 Esta que foi a muacutesica tocada na Abertura do Simpoacutesio Agora Arte e Pensamento no dia 24 de outubro de 2006 pelas pianistas Carolina Avellar e Elaine Foltran
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romance Neste sentido tornam-se importantes as citaccedilotildees das obras musicais
apresentadas no texto nas cenas em que Dorian Gray toca piano ou assiste a um
concerto
Cria-se uma nova narratividade musical atraveacutes de uma sinestesia muacuteltipla
na audiccedilatildeo da obra A estrutura musical se desdobra como uma sequecircncia de
imagens (visuais taacuteteis auditivas e mesmo olfativas) que satildeo justapostas umas agraves
outras agraves vezes por meio de transiccedilotildees gradativas agraves vezes por meio de
interrupccedilotildees abruptas como cortes cinematograacuteficos Conforme a muacutesica se
aproxima do final vai-se tornando mais tensa e agitada criando a atmosfera para o
desfecho extraordinaacuterio (Dorian Gray natildeo envelhece porque eacute a figura pintada em
seu retrato que se torna mais velha) atraveacutes da precipitaccedilatildeo de uma cena na outra
com o propoacutesito de alterar o rumo dos acontecimentos de modo inesperado
Percebe-se nesse sentido uma espeacutecie de anaacutelogo musical daquilo a que
Aristoacuteteles chamaria de resoluccedilatildeo cataacutertica atraveacutes da lsquoperipeacuteteiarsquo (peripeacutecia) isto eacute
a incorporaccedilatildeo de encadeamentos imprevistos no decorrer da accedilatildeo com o sentido
de produzir alteraccedilotildees suacutebitas dos estados de humor Entre os tipos de narrativa
destacados por Aristoacuteteles (narrativa episoacutedica narrativa simples e narrativa
complexa) o filoacutesofo dava preferecircncia agrave narrativa complexa que produz expectativa
por meio do acuacutemulo de accedilotildees e pelo emprego de princiacutepios como a
verossimilhanccedila dessas accedilotildees a necessidade dos acontecimentos no curso da
histoacuteria o reconhecimento (descoberta) de uma situaccedilatildeo vivida poreacutem natildeo
compreendida anteriormente e o imprevisto produzido por novas situaccedilotildees
Peripeacutecia eacute uma viravolta das accedilotildees em sentido contraacuterio [] segundo a verossimilhanccedila ou necessidade [] O reconhecimento como a palavra mesma indica eacute a mudanccedila do desconhecimento ao conhecimento ou agrave amizade ou ao oacutedio das pessoas marcadas para a ventura ou desdita O mais belo reconhecimento eacute o que se daacute ao mesmo tempo em que uma peripeacutecia como aconteceu no Eacutedipo [] Nesse passo se verificam duas partes da faacutebula a peripeacutecia e o reconhecimento mas haacute uma terceira o pateacutetico [] O pateacutetico consiste numa accedilatildeo que produz destruiccedilatildeo ou sofrimento como mortes em cena dores cruciantes ferimentos e ocorrecircncias desse gecircnero (ARISTOacuteTELES 1997 p 30-31)
Naturalmente Aristoacuteteles natildeo exigia a concomitacircncia de todas essas linhas
narrativas para a produccedilatildeo de estados cataacuterticos que na trageacutedia antiga vinham
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geralmente associados agrave muacutesica Quando se escuta A Danccedila de Dorian de
Seincman poreacutem a impressatildeo que se tem eacute que todos esses processos se
acumulam nos trechos finais da peccedila produzindo vaacuterias camadas de expressatildeo que
extrapolam a significaccedilatildeo especificamente musical na direccedilatildeo de uma espeacutecie de
experiecircncia esteacutetica multissensorial geralmente possibilitada pela combinaccedilatildeo de
diferentes linguagens artiacutesticas (poesia teatro muacutesica artes visuais etc) Alguns
processos narrativos ou semacircnticos empregados se assemelham a formulaccedilotildees de
compositores romacircnticos como Robert Schumann (1810-1856) poreacutem a totalidade
do resultado seria algo impensaacutevel antes da concepccedilatildeo da muacutesica de Seincman
Outro compositor que se interessa pela criaccedilatildeo de sensaccedilotildees sinesteacutesicas eacute o
uzbequistanecircs Dimitri Yanov-Yanovski (1963) Segundo depoimento do compositor
sua muacutesica estaacute centrada na intenccedilatildeo de criar diferentes processos de estruturaccedilatildeo
do tempo musical atraveacutes da oposiccedilatildeo de duraccedilotildees heterogecircneas apresentadas
simultaneamente Esses meacutetodos produzem dois resultados distintos que se
complementam o efeito psicoloacutegico de contraccedilatildeo e distensatildeo do tempo e o
processo linguiacutestico de polifonia narrativa que eacute obtida pelo entrecruzamento de
muacuteltiplos significados (que podem ser musicais textuais dramaacuteticos ou plaacutesticos) A
investigaccedilatildeo de novos princiacutepios de comunicabilidade e a valorizaccedilatildeo do processo
musical por meio de meacutetodos repetitivos colocam Yanovski entre os compositores
atuais cujos trabalhos apresentam processos multidirecionais que resultam em
novas formas de produccedilatildeo e recepccedilatildeo musicais Tambeacutem nesse sentido vaacuterios
muacutesicos atuais se diferenciam das geraccedilotildees anteriores pois valorizam o ato de
recepccedilatildeo como sendo tatildeo ou mais importante do que as teacutecnicas de composiccedilatildeo
visto que entendem que estas devem estar a serviccedilo daqueles ndash o que conduz a
uma arte centrada nos processos esteacutesicos e nas possibilidades de interaccedilatildeo
comunicativa entre o compositor o inteacuterprete e o puacuteblico22
22 A avaliaccedilatildeo das relaccedilotildees entre o compositor e o inteacuterprete eacute outro aspecto extremamente relevante nas discussotildees sobre a muacutesica contemporacircnea Nas tendecircncias vanguardistas em geral o compositor muitas vezes busca escrever uma ldquomuacutesica contra o instrumentordquo o que gera grandes dificuldades de execuccedilatildeo Brian Ferneyhough (1943) um dos mais importantes compositores da poacutes-vanguarda e partiacutecipe da Nova Complexidade (note-se o antagonismo com relaccedilatildeo agrave lsquoNova Simplicidadersquo) costuma dizer com intenccedilatildeo motivadora e polecircmica que escreve mais notas do que o muacutesico consegue tocar para que ele tenha que escolher entre as notas escritas e interferir no
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3 Traccedilos Gerais
Percebe-se com as reflexotildees apresentadas acima sobre aspectos da muacutesica
atual (e sempre lembrando que este ensaio aborda uma parcela da totalidade da
produccedilatildeo contemporacircnea) que vivemos em um periacuteodo em que haacute muacutesicos e
musicoacutelogos23 dedicados agrave investigaccedilatildeo de toda e qualquer produccedilatildeo musical seja
ela proacutexima ou distante geograficamente seja recente ou remota no tempo
Pesquisadores atuais dedicam-se inclusive agrave descoberta de processos e materiais
que natildeo satildeo condizentes com seu gosto pessoal pois o que importa eacute que toda e
qualquer parcela da produccedilatildeo humana estaacute aiacute para ser conhecida
independentemente agradar ou natildeo ao estudioso24
Assim quebram-se hierarquias seculares em que se considerava
determinada parcela da produccedilatildeo de alguma eacutepoca superior agraves outras ou se
entendia que determinada regiatildeo do planeta produz algo de maior importacircncia
cultural ou histoacuterica do que outras Essas posiccedilotildees etnocecircntricas ainda hoje
defendidas por alguns como o criacutetico literaacuterio Harold Bloom por exemplo satildeo
questionadas por natildeo serem condizentes com as infinitas possibilidades atuais de
acesso agrave informaccedilatildeo pois satildeo restritivas do ponto de vista do gosto no sentido em
que elevam opiniotildees meramente pessoais de seus autores agrave categoria de valor
universal
A postura abrangente de pensadores contemporacircneos como Michel Meyer
vem de encontro agravequeles pontos de vista exclusivistas em que se confunde lsquoopiniatildeorsquo
com lsquoconhecimentorsquo Para Meyer
[] cada um tem o direito de ser diferente de realizar sua diferenccedila contanto que a igualdade de direitos da [outra] pessoa seja respeitada
processo de criaccedilatildeo da obra de forma que cada nova interpretaccedilatildeo soaraacute diferente das demais Ferneyhough parece buscar resultados semelhantes aos de John Cage poreacutem pelo caminho inverso Essa discussatildeo poreacutem extrapola os limites deste ensaio 23 Vale esclarecer que se entende por musicoacutelogo aqui todo aquele profissional que se dedica agrave pesquisa em muacutesica seja atraveacutes da musicologia histoacuterica musicologia sistemaacutetica ou etnomusicologia da anaacutelise musical psicologia da muacutesica criacutetica musical ou da esteacutetica musical entre outras Sendo assim musicologia eacute entendida como sendo a aacuterea que engloba todos os campos teoacutericos do saber musical 24 Um bom exemplo neste sentido eacute a incansaacutevel pesquisa sobre o Neoclassicismo francecircs realizada
por Michel Faure musicoacutelogo que se posiciona antagonicamente com relaccedilatildeo agravequela tendecircncia esteacutetico-musical
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Inversamente a universalidade eacute imperativa mas natildeo pode secirc-lo em detrimento das diferenccedilas que constituiacutemos e que nos faz ser [aquilo que somos] Cada um tem o direito agrave sua histoacuteria e o dever de cada um eacute respeitar esse direito nos outros A universalidade sem diferenccedila eacute tatildeo totalitaacuteria quanto a diferenccedila sem universalidade (MEYER 2000 p 148)
Tem-se assim uma nova postura criacutetica (que tambeacutem pode ser denominada
metacriacutetica) a qual propotildee que ao exercitar a criacutetica se inicie fazendo criacutetica aos
proacuteprios valores pessoais e inclusive agraves possibilidades de exerciacutecio da criacutetica no
domiacutenio de determinados contextos Isso aplicado ao campo da muacutesica que eacute uma
arte e natildeo uma ciecircncia exata leva agrave abertura de novas perspectivas e ao
entendimento de que os pontos de vista dos outros tecircm tanto direito agrave existecircncia
quanto os nossos Isso natildeo significa igualdade de criteacuterios mas igualdade de direito
pois pode haver diferenccedilas na qualidade dos valores sendo que alguns princiacutepios
podem estar mais fundamentados do que outros O que faz levar em consideraccedilatildeo
que em qualquer sistema de valores os criteacuterios apropriados para sua avaliaccedilatildeo
estatildeo no exame de sua estrutura loacutegica interna entrecruzada com sua adequaccedilatildeo agrave
realidade Entretanto nem mesmo a argumentaccedilatildeo mais sistematizada e bem
fundamentada eacute garantia de excelecircncia em se tratando de arte pois esta eacute uma
aacuterea onde os criteacuterios satildeo qualitativos e portanto natildeo podem ser quantizados ndash e jaacute
houve quem (como Max Bense) se esforccedilou em mensurar matematicamente a arte
poreacutem em nenhum caso se alcanccedilou um resultado considerado minimamente
satisfatoacuterio junto agrave comunidade artiacutestica
Quando o muacutesico se torna mais receptivo agraves diferentes opiniotildees que circulam
no campo da esteacutetica musical percebe tambeacutem que diferentes processos musicais
podem ser combinados em uma uacutenica peccedila de muacutesica natildeo importando onde ou
quando esses processos se originaram Essas fontes podem ser justapostas uma
apoacutes a outra na sequecircncia de eventos sonoros assim como podem ser sobrepostas
em um uacutenico momento do tempo musical Isso depende de vaacuterios fatores muitos
deles ligados aos anseios do proacuteprio artista Tambeacutem se abrem novas possibilidades
de significaccedilatildeo atraveacutes da muacutesica que natildeo permanece restrita a valores
exclusivamente teacutecnicos ou formais Por outro lado a teacutecnica e a forma sempre
poderatildeo ser incorporadas em situaccedilotildees musicais de iacutendole mais ampla do que a
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mera oposiccedilatildeo dicotocircmica entre lsquomodernorsquo e lsquopoacutes-modernorsquo lsquomuacutesica novarsquo e lsquonova
muacutesicarsquo ou entre lsquopreferecircncia pela forma e pela teacutecnicarsquo e lsquopreferecircncia pelo conteuacutedo
e pelas estruturas narrativasrsquo Para o compositor italiano Luca Lombardi (1945)
ldquouma filosofia da nova muacutesica escrita hoje natildeo poderia dividir de maneira
maniqueiacutesta o mundo em [] progressistas e reacionaacuterios mas deveria dar conta da
multipolaridade da situaccedilatildeo atual A realidade ndash e natildeo somente a realidade musical ndash
eacute complexa contraditoacuteria e consequentemente ndash para exprimir em termos positivos ndash
ricardquo (Lombardi apud MICHEL 1998 p 104)
A tradiccedilatildeo natildeo eacute mais entendida como sistema fechado em que determinada
interpretaccedilatildeo se torna lsquoa explicaccedilatildeorsquo dos fatos mas tambeacutem satildeo valorizadas as
reaccedilotildees pessoais particularizadas e mesmo idiossincraacuteticas Tambeacutem se torna
problemaacutetico asseverar algo sobre lsquoa tradiccedilatildeorsquo sendo que se reconhece a
simultaneidade de inuacutemeras lsquotradiccedilotildeesrsquo algumas complementares entre si outras
antagocircnicas mas todas com igual direito agrave existecircncia A identidade passa pela
diferenccedila entre um e outro e essa diferenccedila passa pela universalidade dos valores
que podem reconhecer a diferenccedila de um no outro assim como a identidade de
cada um somente pode ser reconhecida quando se tem conhecimento da
universalidade relativa (ou contextual) de cada uma das partes constituintes do todo
identitaacuterio25 A valorizaccedilatildeo da diferenccedila pode conduzir agrave aceitaccedilatildeo da multiplicidade
das praacuteticas musicais seus materiais acuacutesticos suas teacutecnicas seus processos de
elaboraccedilatildeo seus significados intriacutensecos e extriacutensecos suas praacuteticas e seus
valores pois ldquoo conteuacutedo eacute em suma a teoria que daacute significado agrave muacutesicardquo
(BUCKINX 1998 p 91)
Como resultado tecircm-se alcanccedilado novas funcionalidades no campo musical
isto eacute descobrem-se novas possibilidades de uso ou aplicaccedilatildeo da muacutesica que
correspondem agraves necessidades das novas geraccedilotildees A diversidade de funccedilotildees
musicais que se disseminaram desde a Antiguidade foi-se tornando cada vez mais
restrita nos uacuteltimos anos do seacuteculo XX periacuteodo em que alguns dividiam as funccedilotildees
em apenas lsquomuacutesica de concertorsquo e lsquomuacutesica de entretenimentorsquo reforccedilando outra
25 Pluralia tantum mesmo o singular eacute plural
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dicotomia com caraacuteter de preconceito social Nos uacuteltimos anos outras funccedilotildees tecircm
sido observadas como a funccedilatildeo de aglutinaccedilatildeo social comum nas tribos indiacutegenas
que necessitavam da uniatildeo grupal para garantir a sobrevivecircncia Quando se pratica
muacutesica como interferecircncia urbana se traz um grande contingente de pessoas para
uma praccedila puacuteblica e se as oferece experiecircncias que se diferenciam do lugar-comum
estaacute-se recuperando aquela praacutetica de aglutinaccedilatildeo social
Quando o compositor estoniano Arvo Paumlrt (1935) busca sonoridades
medievais e orientais em combinaccedilatildeo com as siacutenteses operadas pelo Minimalismo
para expressar seus valores miacutesticos de caraacuteter ecumecircnico em uma peccedila como
Summa (1977) estaacute retomando a funccedilatildeo congregacional da muacutesica anteriormente
mantida somente no acircmbito dos templos religiosos A muacutesica de Paumlrt eacute tocada tanto
em rituais religiosos como em salas de concerto e em manifestaccedilotildees puacuteblicas ao ar
livre
Outra funccedilatildeo que estaacute sendo redescoberta por muacutesicos eruditos
contemporacircneos eacute a muacutesica de diversatildeo Cabe uma distinccedilatildeo importante entre os
termos lsquodivertirrsquo e lsquodistrairrsquo Divertir na acepccedilatildeo empregada aqui significa lsquoseparar-
se ser diferente divergirrsquo Assim a funccedilatildeo de divertir pode ser compreendida em
um sentido metacriacutetico como divergecircncia em relaccedilatildeo ao estado de coisas
dominante Distrair significa lsquorasgar vender a retalhorsquo tambeacutem pode ser entendido
como lsquodesviar ardilosamente a atenccedilatildeo do adversaacuterio para fazecirc-lo cometer errosrsquo e
nesse sentido o termo pode se adequar agravequelas experiecircncias que conduzem ao
alheamento da proacutepria condiccedilatildeo da condiccedilatildeo do outro e da realidade circundante
Depreendido desse modo surge outra noccedilatildeo do conceito de lsquomuacutesica de diversatildeorsquo
que pode ser tomada como uma nova funcionalidade da muacutesica que se apotildee ao
estado de distraccedilatildeo
Exemplo recente nesse sentido eacute a Revoluccedilatildeo Laranja na Ucracircnia em
2005 em que a populaccedilatildeo das grandes cidades foi agraves ruas vestindo laranja a cor
da oposiccedilatildeo para protestar contra as fraudes eleitorais que mantinham o primeiro-
ministro Viktor Yanukovich no poder Vaacuterios grupos musicais tocando jazz muacutesica
pop muacutesica folcloacuterica ou muacutesica claacutessica se revezavam para manter a praccedila de Kiev
repleta de muacutesica vinte e quatro horas por dia No Brasil atual em novembro de
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2016 um grupo de estudantes permaneceu danccedilando em frente agrave universidade em
Curitiba por um dia inteiro em protesto agrave PEC 24155 Como estavam em uma zona
residencial para natildeo fazer barulho em respeito aos moradores cada um deles
portava seus proacuteprios fones de ouvido e danccedilavam embalados pelas muacutesicas que
lhes agradavam Vaacuterias muacutesicas ao mesmo tempo Cada um na sua Seu slogan
ldquo20 horas em movimento contra 20 anos de congelamentordquo
Post-Scriptum Presumir que os compositores das novas geraccedilotildees
permaneccedilam escrevendo muacutesica da mesma maneira que os muacutesicos de geraccedilotildees
anteriores seria o mesmo que esperar que estes continuassem fazendo muacutesica
como seus antepassados Se forem tomados intervalos de aproximadamente meio
seacuteculo pode-se considerar que pretender que Thomas Adegraves (1971) continue a
escrever muacutesica como Pierre Boulez (1925) seria o mesmo que supor que Boulez
continuaria a pensar muacutesica da mesma forma que Arnold Schoenberg (1874-1951)
que Schoenberg ter-se-ia mantido na mesma linha de investigaccedilatildeo que Anton
Bruckner (1824-1896) que Bruckner natildeo poderia ter concebido muacutesica diferente de
Ludwig van Beethoven (1770-1827) que teria seguido na linha de Niccolograve Piccinini
(1728-1800) o qual permaneceria pensando como Antonio Vivaldi (1678-1741)
Segundo esse raciociacutenio Adegraves apenas escreveria autecircnticos concertos barrocos (o
que eacute uma hipoacutetese no miacutenimo intrigante)
O quadro abaixo sintetiza as principais caracteriacutesticas da muacutesica
contemporacircnea de acordo com as acepccedilotildees discutidas neste ensaio
ACEPCcedilOtildeES REFERENCIAIS ATITUDES PROCEDIMENTOS VALORES RESULTADOS 1 Continuidade da Modernidade
1 Liquidaccedilatildeo dos Sistemas Totalizantes (Modal Tonal Serial)
1 Experimentalismo (expansatildeo das possibilidades teacutecnicas compositivas e instrumentais)
1 Poacutes-Vanguarda 2 Espectralismo 3 Nova Complexidade
1 Arte Especulativa 2 Diversidade Contextual (cada momento no tempo dirige-se a vaacuterios pontos do espaccedilo)
1 Criaccedilatildeo de estruturas inovadoras 2 Espacializaccedilatildeo do tempo 3 Arte poeacutetico-centrada (importa a criaccedilatildeo)
2 Retorno agrave Tradiccedilatildeo
2 Criacutetica ao Historicismo e ao Determinismo
2 Retorno ao passado (alguma eacutepoca em algum
4 Tendecircncias restauradoras (reutilizaccedilatildeo de
3 Apropriaccedilatildeo do Legado
4 Permanecircncia do passado em um presente
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Histoacuterico lugar) processos tradicionais Neomodalismo Neotonalismo etc) 5 Retorno agrave melodia ao contraponto e agrave harmonia
Histoacuterico transformado 5 Evidecircncia de procedimentos eou estilemas oriundos de tradiccedilotildees culturais variadas
3 Superaccedilatildeo do Modernismo
3 Questionamento das vanguardas do Estruturalismo e das tendecircncias formalistas (importam todos os aspectos da produccedilatildeo e recepccedilatildeo artiacutesticas e natildeo apenas seu niacutevel imanente)
3 Novos processos de comunicabilidade
6 Meacutetodos repetitivos (Poacutes-Minimalismo) 7 Nova Simplicidade 8 Apropriaccedilatildeo de Linguagens (folclore popular urbana pop etc)
4Valorizaccedilatildeo do Processo 5 Pluralidade e identidade pulverizada (quebra de conceitos como a unidade estiliacutestica e a distinccedilatildeo de gecircneros)
6 Nova Narratividade 7 Hibridismo Estiliacutestico 8 Arte esteacutesico-centrada (importa a recepccedilatildeo)
4 Traccedilos Gerais
4 Investigaccedilatildeo de toda e qualquer produccedilatildeo musical independente de eacutepoca ou lugar
4 Metacriacutetica como criacutetica ao Criticismo convencional
9 Poliestiliacutestica (citaccedilatildeo alusatildeo colagem) 10 Multiculturalismo (justaposiccedilatildeo e sobreposiccedilatildeo de processos musicais oriundos de diferentes fontes)
6 Valorizaccedilatildeo da Diferenccedila (importam reaccedilotildees peculiares a aspectos especiacuteficos da tradiccedilatildeo e natildeo a lsquoTradiccedilatildeorsquo como lsquoSistemarsquo)
9 Multidirecionalidade na produccedilatildeo e na recepccedilatildeo musicais 10 Novas funcionalidades do fazer musical
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RAMAUT-CHEVASSUS Beatrice Musique et postmoderniteacute Paris PUF 1998 RATNER Leonard Classic music ndash expression form and style New York Schirmer 1980 RIHM Wolfgang Wolfgang Rihm in conversation with Kirk Noreen and Joshua Cody Disponiacutevel emlthttpwwwsospesocomcontentsarticlesrihm_p2htmlgt Acessado em 24 de janeiro de 2006 RIVERA BAQUERO Angel Alfonso Imagem um ponto de partida para a organizaccedilatildeo estrutural e formal no processo composicional Memorial de Mestrado Porto Alegre UFRGS 2014 ROCHBERG George THE key that will open CD George Rochberg Symphony Nordm 5 Black Sounds Transcendental Variations Saarbruumlcken Radio Symphony Orchestra Christopher Lyndon-Gee Naxos 2003 1 disco compacto (6103 min) digital esteacutereo 8559115 SCHNITTKE Alfred Les tendances polyestilistiques dans la musique moderne Analyse Musicale Paris n 33 nov 1998 p 132-134 SCHOENBERG Arnold Style and Idea Berkeley University of California 1975 SCHWARZ Robert Minimalists London Phaidon 1996 SOURIAU Eacutetienne Vocabulaire drsquoestheacutetique Paris PUF 1999 STRAVINSKY Igor Poeacutetica musical Madrid Taurus 1986 WALKER John A A arte desde o pop Rio de Janeiro Labor 1977 WOLFE Julia Interview In LELONG Steacutephane (Org) Nouvelle musique Paris Balland 1996
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VALLE Lutiere Dalla Provocaccedilotildees (des)continuidades desfechos potecircncia edu(vo)cativa das imagens
fiacutelmicas na formaccedilatildeo docente Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 95-108 juldez 2016
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Provocaccedilotildees (des)continuidades desfechos potecircncia edu(vo)cativa das
imagens fiacutelmicas na formaccedilatildeo docente
Lutiere Dalla Valle1
Universidade Federal de Santa Maria - UFSM
Resumo O objetivo neste texto eacute abordar o cinema enquanto dispositivodisparador para a formaccedilatildeo docente compreendendo-o como artefato produzido pela cultura que produz formas de ver e ser visto Neste iacutenterim subsidiado por experiecircncias de aprendizagem no contexto da formaccedilatildeo docente respaldado pela abordagem narrativa e perspectiva da cultura visual busca-se estabelecer relaccedilotildees entre arte e subjetividade no que tange agraves construccedilotildees sociais histoacutericasculturais e ideoloacutegicas presentes nas visualidades veiculadas pela cinematografia Para tanto explora-se o conceito edu(vo)cativo atribuiacutedo ao cinema que compreende os aspectos educativo evocativo e cativo que envolvem a aprendizagem mediada pelas visualidades Palavras-chave Potecircncia Edu(vo)cativa cinema formaccedilatildeo docente Abstract The objective of this text is to approach the film as device for teacher training understanding it as an artifact produced by the culture that produces ways of seeing and being seen In the interim subsidized by learning experiences in the context of teacher training supported by the narrative approach and perspective of visual culture we seek to establish relationships between art and subjectivity in relation to social historical cultural and ideological constructions present in visualities conveyed by cinematography So it explores the concept edu(vo)cational attributed to the film comprising the educational evocative and captive aspects involving learning mediated visualities Key-words Edu(vo)cational power movies images teacher training
1 Doutor em Artes Visuais e Educaccedilatildeo (Universidad de BarcelonaES 2012) Mestre em Educacioacuten y Artes Visuales un Enfoque Construccionista (Universitat de Barcelona EspanhaUB 2009) Mestre em Educaccedilatildeo pela Universidade Federal de Santa Maria (CEPPGEUFSM2008) Linha de Pesquisa Educaccedilatildeo e Artes Possui Especializaccedilatildeo em Arte e Visualidade pela Universidade Federal de Santa Maria (2005) Licenciatura Plena em Desenho e Plaacutestica (Universidade Federal de Santa Maria2003) Bacharelado em Desenho e Plaacutestica (Universidade Federal de Santa Maria2002) Atualmente atua como Coordenador do Curso de Artes Visuais - Licenciatura e Bacharelado DAVCALUFSM professor adjunto no Departamento de Artes Visuais CALUFSM tambeacutem no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Artes VisuaisPPGART - Linha de Pesquisa Arte e Cultura e nos Cursos de Graduaccedilatildeo Bacharelado e Licenciatura em Artes Visuais Co-orienta no Doutorado em Educaccedilatildeo Linha de Educaccedilatildeo e Artes do CEUFSM Investiga as relaccedilotildees entre Artes Visuais e Cultura Visual relacionado agrave formaccedilatildeo de artistas e professores de artes visuais Tem experiecircncia na aacuterea de artes visuais com ecircnfase em entornos educativos LiacutederCoordenador dos seguintes Grupos de Pesquisa e Extensatildeo Grupo de Estudos e Pesquisas Artes Visuais e IMediaccedilotildees (AVICALUFSM) Nuacutecleo Educativo Claacuteudio Carriconde (NECCA CALUFSM) Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte e Medicina (GEPAMCALUFSM) Grupo de Estudos Cinema e Educaccedilatildeo (GECED) Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte Contemporacircnea e Educaccedilatildeo da Cultura Visual Pegadogias Culturais na alfabetizaccedilatildeo infantil Rota das Esculturas e Pintura Mural no Campus (DAVUFSM) Membro pesquisador do GEPAEC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte Educaccedilatildeo e Cultura UFSM Linhas de Interesse e Investigaccedilatildeo Formaccedilatildeo de Professores Estudos da Cultura Visual Estudos sobre Cinema e Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo de Artistas Agentes Culturais e Processos de Mediaccedilatildeo em Espaccedilos Expositivos Formais e Natildeo-Formais Contato lutieredallavallenetbr
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fiacutelmicas na formaccedilatildeo docente Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 95-108 juldez 2016
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Introduccedilatildeo
Os seres humanos natildeo terminam em sua proacutepria pele satildeo expressatildeo da cultura Considerar o mundo como um fluxo indiferente da informaccedilatildeo que eacute processada pelos indiviacuteduos cada um atuando agrave sua maneira supotildee perder
de vista como se formam os indiviacuteduos e como funcionam Ou para citar novamente Geertz lsquonatildeo existe uma natureza humana independente da
culturarsquo (BRUNER 1991 28)
Diaacutelogos entre cinema e educaccedilatildeo tecircm sido recorrentes em nossos contextos
educativos O uso do cinema como um ponto de partida para desenvolver projetos
educativos - sobretudo nos uacuteltimos dez anos no contexto nacional - tem assinalado
variadas experimentaccedilotildees publicaccedilotildees a partir de agrupamentos de textos
produzidos em grupos de pesquisa ensaios atravessamentos diversos em que o
cinema constitui-se fio condutor eou mote reflexivo para desencadear escritas
narrativas dissertaccedilotildees e teses de doutorado em Educaccedilatildeo e aacutereas afins Talvez
resultado do vasto processo de contaminaccedilatildeo eou proliferaccedilatildeo de imagens oriundas
das mais diversas fontes que suscitam possibilidades educativas e favorecem
experiecircncias de aprendizagens significativas mediadas por pedagogias culturais
articulando desta maneira tentativas curiosas em abordar a cinematografia a partir
de acircngulos e enquadramentos diversos em que satildeo apresentadas distintas formas
de ver e ser visto pelas visualidades
Haacute experimentaccedilotildees que apostam em praacuteticas educativas embasadas pela
criacutetica pela produccedilatildeo criativa e emancipatoacuteria transitando entre campos que
articulam conceitos e contextos plurais de produccedilatildeo de significados Por outro lado
eacute recorrente tambeacutem a tentativa de pedagogizar o cinema seguindo um receituaacuterio
de como fazer como ver e o que ver nos filmes
Diante destas consideraccedilotildees adianto que neste texto proponho pensar e
articular o cinema de modo relacional afetivo muacuteltiplo em devir algo que natildeo estaacute
pronto onde existem infinitas probabilidades de aproximaccedilatildeo e diaacutelogo
configurando-se tambeacutem como dispositivo edu(vo)cativo ponto de partida um
comeccedilo isento da intenccedilatildeo de prescrever um meacutetodo a ser implementado
Igualmente refletir sobre o que podemos aprender coma partir das imagens
produzidas pelo cinema e como as experiecircncias de aprender podem ser
potencializadas a partir dos filmes isto eacute investigar como o cinema pode configurar-
se edu(vo)cativo na formaccedilatildeo docente
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VALLE Lutiere Dalla Provocaccedilotildees (des)continuidades desfechos potecircncia edu(vo)cativa das imagens
fiacutelmicas na formaccedilatildeo docente Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 95-108 juldez 2016
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A Potecircncia Edu(vo)cativa das imagens fiacutelmicas
Toda voz individual como nos mostra Bajtin estaacute abstraiacuteda de um diaacutelogo
(BRUNER 1991 14)
Edu(vo)cativo origina-se da junccedilatildeo de trecircs palavras educativo evocativo
cativo2 eacute desta forma que nos aproximamos do cinema na busca por propor uma
justaposiccedilatildeo com a imagem fiacutelmica em que sejam articuladas as relaccedilotildees de
aprendizagem potencializadas a partir de sua visualizaccedilatildeo Igualmente tendo em
vista que as imagens em movimento carregam particularidades especiacuteficas de sua
natureza visualafetiva a ideia eacute pensar que o cinema natildeo poderia ser conjecturado
dentro de uma uacutenica estrutura linguiacutestica agrave qual nos vinculamos em nossos
contextos culturais geograacuteficos e temporais pois amplia os campos da percepccedilatildeo
abrindo-se mais para a experimentaccedilatildeo subjetiva do que a uma compreensatildeo
formal de significaccedilatildeo previamente apreendida Da mesma forma discursivamente
constitui-se potecircncia simboacutelica recheada de elementos oriundos de imaginaacuterios
coletivos nos quais ancoramos nossas percepccedilotildees mais iacutentimas assim como os
imaginaacuterios produzidos pelas culturas
Neste contexto entendemos o cinema como artefato educativo pois nos
ensina modos de ver e sermos vistos de ser e estar envolvendo tudo o que
potencializa visotildees de mundo de construccedilatildeo e legitimaccedilatildeo de concepccedilotildees de
mundo eacute tambeacutem evocativo pois diz respeito agraves percepccedilotildees que envolvem a
memoacuteria agravequilo que permanece como referencial anterior e que em relaccedilatildeo com as
novas conexotildees pode reconfigurar-se estabelecer novasoutras conexotildees
2 O Conceito Edu(vo)cativo vem sendo pensado no Grupo de Estudos e Pesquisas Cinema e Educaccedilatildeo (GECEDCNPq) O GECED configura-se a partir do cinema como mobilizador de aprendizagens em variados acircmbitos e contextos educativos formais e natildeo formais de ensino onde cada membro propotildee um enfoque particular em relaccedilatildeo ao cinema e um enfoque de pesquisa Desta forma haacute pesquisas que relacionam diferentes abordagens tais como cinema e gecircnero cinema e subjetividade cinema e infacircncia cinema e educaccedilatildeo cinema e formaccedilatildeo docente O marco teoacuterico-metodoloacutegico respalda-se pela perspectiva educativa da cultura visual e pedagogias culturais amparado por autores como Fernando Hernaacutendez Nicholas Mirzoef David Darts Raimundo Martins Irene Tourinho acerca dos Modos de Endereccedilamento com a obra de Elizabeth Ellsworth acerca do cinema e educaccedilatildeo Adriana Fresquet dentre outros No que diz respeito agraves construccedilotildees sociaisculturais e ideoloacutegicas bem como satildeo produzidos os significados Jerome Bruner e Kenneth Gergen consistem nas principais referecircncias
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produzindo outras vias traz agrave tona movimenta do interno para o externo emerge
faz surgir E por fim o termo cativo busca estabelecer relaccedilotildees com aquilo que
seduz que aprisiona que deteacutem atenccedilatildeo que afeta que domina um filme natildeo
apenas mobiliza mas evoca potencializa educa constroacutei legitima instrui
Pensando o cinema a partir da conjunccedilatildeo leacutexica proposta agrave luz da
perspectiva educativa dos estudos da cultura visual podemos dizer que este
mobiliza formas de compreensatildeo que talvez natildeo sejam possiacuteveis de outra ordem
Os atravessamentos que o cinema estabelece com espectadores envolve
conhecimento da linguagem mobilizaccedilatildeo de conceitos e imagens previamente
apreendidas configurando-se no plano sensorial sonoro visual da accedilatildeo que
materializa-se em seu tempo de visualizaccedilatildeo a partir de um entre e sucessivos
momentos Nas palavras de Adriana Fresquet
[] de fato o cinema nos oferece uma janela pela qual podemos nos assomar ao mundo para ver o que estaacute laacute fora distante no espaccedilo ou no tempo para ver o que natildeo conseguimos ver com nossos proacuteprios olhos de modo direto Ao mesmo tempo essa janela vira espelho e nos permite fazer longas viagens para o interior tatildeo ou mais distante de nosso conhecimento imediato e possiacutevel (2013 p 19)
Para Fresquet ldquoa tela de cinema (ou do visor da cacircmera) se instaura como
uma nova forma de membrana para permear um outro modo de comunicaccedilatildeo com o
outrordquo (2013 p 19) Ou seja os sistemas de representaccedilatildeo criados e veiculados
pelas produccedilotildees cinematograacuteficas ativam e potencializam imaginaacuterios ao dar forma
agravequilo que antes de se tornar visualmente comumcotidiano era apenas mundo das
ideias A partir do cinema o imaginaacuterio visual ganhou forma ritmo movimento e voz
As visualidades adquiriram o status de imagempensamento tendo em vista que
articulam em noacutes uma multiplicidade de relaccedilotildees construccedilotildees definiccedilotildees e
conceitos que soacute satildeo possiacuteveis atraveacutes daquilo que os olhos captam e formulam
mentalmente
Quando vemos uma imagem objeto ou artefato recorremos agraves informaccedilotildees gerais eou ao conhecimento especiacutefico que possuiacutemos Recorremos a haacutebitos valores referecircncias e contexto para dar sentidosignificado ao que vemos Cada indiviacuteduo utiliza suas informaccedilotildees conhecimento haacutebitos e referecircncias para estruturar e dar sentido agraves coisas que visualiza valorizando-as diferentemente negociando seus significados de acordo com o contexto sua trajetoacuteria cultural e seus interesses (MARTINS TOURINHO 2011 p 54-55)
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No contexto educativo torna-se edu(vo)cativo uma vez que haacute uma
multiplicidade de caminhos de natureza relacional os quais mobilizamos durante um
processo interpretativo ndash seja ele no campo da arte ou da educaccedilatildeo da ciecircncia ou
da sociologia Portanto aprender com a partir do cinema implica abandonar a ideia
de um uacutenico caminho a ser seguido de forma riacutegida pois sugere estabelecer
relaccedilotildees Diante de infinitas possibilidades de abordagem ndash principalmente tendo em
vista a presenccedila constante de representaccedilotildees visuais oriundas de diversas fontes ndash
o desafio de fugir das concepccedilotildees estereotipadas de uso do cinema em sala de aula
propunha reinventaacute-las atraveacutes de praacuteticas investigativas experimentais movediccedilas
questionadoras comeccedilando pelo exerciacutecio de reconhecer a potencialidade
narrativaevocativa dos filmes O que pode um filme Como abordaacute-lo enquanto
potecircncia agrave aprendizagem
Neste iacutenterim noccedilotildees de identidade e subjetividade examinadas (re)vistas
compreendidas e articuladas a partir da perspectiva educativa da cultura visual nos
oferecem pistas e tambeacutem evidecircncias para interrogarmos a sua construccedilatildeo e
tambeacutem os estereoacutetipos que contribuem para definir condutas delinear posiccedilotildees
hieraacuterquicas e legitimar papeacuteis sociais sobretudo no que tange agrave construccedilatildeo da
docecircncia O olhar produzido pela cinematografia hollywoodiana ndash de maior difusatildeo
em nossa cultura ndash que se constitui forte veiacuteculo de construccedilatildeo e produccedilatildeo de
identidades (natildeo apenas as identidades docentes) revisitado pode desencadear
processos de questionamento e reelaboraccedilatildeo pois como argumenta Fernando
Hernaacutendez
Os estudos da Cultura Visual nos permitem a aproximaccedilatildeo com essas novas realidades a partir de uma perspectiva de reconstruccedilatildeo das proacuteprias referecircncias culturais e das maneiras de as crianccedilas jovens famiacutelias e educadores olharem (-se) e serem olhados Reconstruccedilatildeo natildeo somente de caraacuteter histoacuterico mas a partir do momento presente mediante o trabalho de campo ou a anaacutelise e a criaccedilatildeo de textos e imagens Reconstruccedilatildeo que daacute ecircnfase agrave funccedilatildeo mediadora das subjetividades e das relaccedilotildees agraves formas de representaccedilatildeo e agrave produccedilatildeo de novos saberes acerca destas realidades (HERNAacuteNDEZ 2007 37)
Tomando como ponto de partida o argumento do autor em favor da
perspectiva educativa da cultura visual as produccedilotildees fiacutelmicas nos conferem uacutenicas
ou infinitas visotildees de mundo de ser de estar e atuar nas mais variadas situaccedilotildees
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cotidianas Natildeo apenas aprendemos a olhar e compreender as narrativas visuais
desde a infacircncia mas tambeacutem nossas formas de ver passam a ser articuladas a
partir do lugar que ocupamos ndash social cultural histoacuterico Natildeo apenas visualizamos
uma narrativa decodificando a sequecircncia de imagens mas reconstruiacutemos e
recontamos internamente a partir daquilo que compreendemos da visualidade
daquilo que apreendemos Portanto enquanto dispositivo do olhar o cinema pode
contribuir para desvelar imagens assim como pensar sobre quequais lugares
ocupam dentro dos imaginaacuterios coletivos e quais satildeo as possibilidades de
transgredi-los em favor de articulaccedilotildees mais subjetivas autorais e inclusivas
Problematizar o cinema (no sentido de pensar o que evocaprovocamobiliza)
sugere praacuteticas de desnaturalizaccedilatildeo do olhar e especial atenccedilatildeo agraves contingecircncias
que delineiam nossas relaccedilotildees com o mundo nossas experiecircncias cotidianas Em
decorrecircncia podemos nutrir-nos de estrateacutegias criacuteticas para questionar padrotildees
desmontar estruturas hegemocircnicas discursos riacutegidos e propor fissuras brechas em
que nossa subjetividade seja potencializada Partindo da concepccedilatildeo de que noccedilotildees
de verdade e realidade igualmente correspondem a construccedilotildees sociais culturais e
histoacutericas podemos permitir-nos distanciarmo-nos desprendermo-nos de
concepccedilotildees alicerccediladas em padrotildees e posicionamentos fechados e inflexiacuteveis Esse
distanciamento nos permite repensar o que eacute normativo a fim de examinar de onde
surgiu e como a essa normatividade natildeo corresponde uma uacutenica verdade mas uma
referecircncia datada localizada e impregnada de ideologias
Examinar a docecircncia agrave luz do que dizem suas representaccedilotildees no cinema
colocam frente a frente as distintas versotildees que nos satildeo oferecidas enquanto papeacuteis
sociais eacute recorrente a figura docente caricaturada atraveacutes de modelos messiacircnicos
assistencialistas e transformadores dispostos a abrir matildeo de suas expectativas de
vida para solucionar os mais variados problemas de seus alunos Poucas satildeo as
narrativas que evidenciam uma docecircncia fragilizada hostil e afetiva ou ainda como
profissatildeo3
3 No livro Pedagogias Culturais organizado por Raimundo Martins e Irene Tourinho (Editora da UFSM 2014)
discuto esta questatildeo no texto ldquoAprendendo a ser docente atraveacutes de filmes possiacuteveis tracircnsitos entre cinema e educaccedilatildeordquo (p 141-164) Neste faccedilo referecircncia a uma seacuterie de tiacutetulos de filmes que tecircm como tema
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O cinema como ponto de partida na formaccedilatildeo docente
Tomar a perspectiva educativa da cultura visual como ancoradouro nos
favorece interrogar as elaboraccedilotildees discursivas que envolvem a construccedilatildeo do olhar
e tambeacutem os estereoacutetipos que contribuem para definir condutas delinear posiccedilotildees
hieraacuterquicas e legitimar papeacuteis sociais Sobretudo o olhar produzido pela
cinematografia hollywoodiana ndash de maior difusatildeo em nossa cultura ndash que se constitui
forte veiacuteculo de construccedilatildeo e produccedilatildeo de identidades
Acredita-se que cada espectador aporte sua proacutepria experiecircncia histoacuteria e
identidade agrave compreensatildeo de um texto fiacutelmico Contudo eacute possiacutevel que as
narrativas visuais privilegiem certas posiccedilotildees - mesmo que haja certa autonomia
para colocar interpretaccedilotildees personalizadas - pois estas interpretaccedilotildees se
encontraratildeo afetadas pelos limites impostos pelo enquadramento pela delimitaccedilatildeo
de algueacutem sobre o que tornar visiacutevel e o que deixar fora
As interpelaccedilotildees entre narrativas visuais textos discursivos e processos
cognitivos satildeo aspectos importantes que merecem ser discutidos sob a luz da
ideologia presente nos roteiros uma vez que problematizaacute-los pode configurar-se
como ferramenta pedagoacutegica para pensar a complexidade das concepccedilotildees que
elaboramos a partir do que visualizamos
Quando as imagens fiacutelmicas se convertem em aparatos de propulsatildeo para
desencadear aspectos problematizadores no campo social a respeito de questotildees
de gecircnero credo liberdade respeito cidadania e educaccedilatildeo as narrativas fiacutelmicas
funcionam como dispositivos possibilitando que os estudantes exercitem a
experiecircncia da indagaccedilatildeo
Ao examinar as relaccedilotildees dos sujeitos envolvidos com experiecircncias de
visualizaccedilatildeo de filmes durante o desenvolvimento de disciplinas na universidade no
curso de Licenciatura em Artes Visuais - seus diaacutelogos interpretaccedilotildees e
reconstruccedilotildees - percebeu-se que a negociaccedilatildeo eacute fundamental para desenvolver e
estimular a construccedilatildeo do conhecimento a partir de uma abordagem educativa
poliacutetica criacutetica que potencialize o caraacuteter subjetivo e colaborativo comentre os
professores com maior difusatildeo em contextos educativos formais tencionando a partir de algumas experiecircncias durante a formaccedilatildeo inicial e continuada de professores
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sujeitos Diante da experiecircncia de aprender coma partir do cinema estamos lidando
com imprevisibilidades incongruecircncias insatisfaccedilatildeo e a constante possibilidade de
revermos nossas concepccedilotildees e demais processos constitutivos O ambiente
educativo pode configurar-se como lugar de tensionamentos de imagens que
afetam e reverberam conexotildees inventivas que articulam distintos saberes
A partir das consideraccedilotildees elaboradas juntamente com os sujeitos em
formaccedilatildeo podemos pensar o cinema como dispositivo que produz e faz circular
modos de ver ser relacionar e pensar os diversos coacutedigos culturais com os quais
dialogamos diariamente Contribui tambeacutem para refletirmos sobre a construccedilatildeo de
imaginaacuterios e do mesmo modo para advertir-nos sugerir eou alertar-nos frente agraves
incertezas que configuram nossos dilemas existenciais que encontram sua potecircncia
nas relaccedilotildees que estabelecemos diariamente
Neste iacutenterim as produccedilotildees cinematograacuteficas -- enquanto artefatos
produzidos pelas distintas culturas inseridos e veiculados por determinados
discursos e ideaacuterios de acordo com as contingecircncias vigentes de seu tempo --
possibilitam noccedilotildees de realidade pois refletem questotildees sociais que permeiam seu
tempo Sob este aspecto Raimundo Martins argumenta
A ilusatildeo de realidade de que se valem as obras fotograacuteficas e sobretudo as cinematograacuteficas brinca com a percepccedilatildeo da plateacuteia Assim raramente eacute levado em consideraccedilatildeo o fato de que em uacuteltima instacircncia toda imagem constitui um conjunto de pontos de vista que decorrem de certos modos de interpretaccedilatildeo da realidade recortes que enfatizam determinadas informaccedilotildees em detrimento de outras o que vemos ao contemplar as imagens teacutecnicas natildeo eacute o mundo mas determinados conceitos relativos ao mundo a despeito da automaticidade da impressatildeo do mundo sobre a superfiacutecie da imagem (MARTINS 2007 115-116)
Ao mobilizar o campo da afetividade por meio da narrativa que nos eacute contada
bem como a proximidade com os personagens envolvidos haacute quase sempre uma
conexatildeo imediata (em maior ou menor grau) o que coloca os espectadores em
situaccedilatildeo de igualdade de relaccedilatildeo iacutentima Inscrevemos nossas proacuteprias relaccedilotildees com
a vida plasmada na tela e estabelecemos algumas relaccedilotildees ao reviver nossas
proacuteprias experiecircncias ou ainda projetarmos sonhos desejos medos aventuras
imaginaacuterias
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Neste vieacutes afetivo haacute ilimitadas interlocuccedilotildees com o cinema o que talvez
configure nossa questatildeo principal Como pensarpropor o cinema edu(vo)cativo no
contexto da formaccedilatildeo docente E aleacutem desta Qual a relevacircncia desta articulaccedilatildeo
durante a formaccedilatildeo docente
De modo geral como jaacute foi mencionado experiecircncias de aprender com o
cinema na escola privilegiam a vontade do professorprofessora em dar continuidade
a um determinado conteuacutedo e o filme parece ser uma opccedilatildeo ilustrativa de
determinado fenocircmeno eou fato a ser apreendido Natildeo que esta abordagem natildeo
seja relevante ao contraacuterio pode ser um bom argumento O problema eacute quando
restringe-se apenas agrave ilustraccedilatildeo natildeo abrindo espaccedilos ao que reverbera a
visualizaccedilatildeo de um filme Ou ainda quando natildeo se problematizam as visotildees de
realidade representadas na tela ndash no que diz respeito aos enquadramentos
discursos e demais significados que satildeo relacionados muitas vezes de maneira
impliacutecita
Nessa direccedilatildeo a educaccedilatildeo da cultura visual eacute aberta a novas e diversas formas de conhecimentos promove o entendimento de meios de opressatildeo dissimulada rejeita a cultura do Positivismo aceita a ideia de que os fatos e os valores satildeo indivisiacuteveis e sobretudo admite que o conhecimento eacute socialmente construiacutedo e relacionado intrinsecamente ao poder (DIAS 2011 62)
Talvez o questionamento pontuado por Belidson Dias adquira maior potecircncia
ao trazer para a discussatildeo a recente lei que torna obrigatoacuteria a exibiccedilatildeo de pelo
menos duas horas de filmes produzidos nacionalmente nas escolas de Educaccedilatildeo
Baacutesica Aiacute reside uma de nossas grandes preocupaccedilotildees
Que filmes Que formas de exibiccedilatildeo Que engajamento dos professores e da comunidade Que formas de acesso agraves obras Como regulamentar a Lei Haacute filmes com tecnologias assistivas que permitam sua aces- sibilidade a professores e estudantes cegos e surdos Como engajar outros atores ndash Ancine Secretaria do Audiovisual secretarias de educaccedilatildeo MEC Quem custearaacute as accedilotildees E sobretudo o que esperar dessa relaccedilatildeo do cinema com a educaccedilatildeo (FRESQUET MIGLIORIN 2015 4)
Aleacutem disso quais aacutereas Quais docentes Que preparaccedilatildeo preacutevia O que
precisa saberconhecer o docente que iraacute abordar o cinema enquanto dispositivo
Haacute que ensinar coacutedigos da linguagem E no que tange agrave visualidade o que propor
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Seria da competecircncia da aacuterea das artes visuais Propor pensar sobre os elementos
esteacuteticos Etc
Neste cenaacuterio abrem-se muitos debates em torno desta obrigatoriedade por
um lado esta regulamentaccedilatildeo faz com que o cinema deixe de participar apenas
como complemento ilustraccedilatildeo como decorativorecreativo tornando-se objeto
principal ponto de partida agrave reflexatildeo em torno dos coacutedigos culturais que o formulam
legitimam e distribuem noccedilotildees de realidade Por outro proposiccedilotildees prescritivas
destituiacutedas de negociaccedilatildeo coletiva -- que desconsidera o cinema enquanto obra
aberta -- podem desencadear versotildees estereotipadas que devido agrave obrigatoriedade
venham a ser desenvolvidas por profissionais despreparados dispostos a cumprir
tarefas apenas
Ao discutir a lei Adriana Fresquet e Cezar Migliorin sugerem alguns princiacutepios
que poderiam ser levados em consideraccedilatildeo diante das aproximaccedilotildees com a
educaccedilatildeo Para os autores ao tomar a lei como ponto de partida deveriacuteamos ter em
mente estas dez consideraccedilotildees
1 Democratizar o acesso 2 Acesso diversidade e capilaridade de decisotildees 3 Valorizar as accedilotildees existentes e locais 4 O cinema deve ser arriscado 5 Cinema eacute conhecimento e invenccedilatildeo de mundo 6 A escola natildeo forma consumidores 7 Tensatildeo na estrutura das escolas 8 Por que cinema brasileiro 9 Promover a criaccedilatildeo com imagens 10 A experiecircncia com o cinema (FRESQUET MIGLIORIN 2015 6-17)
Diante destes aspectos expostos talvez fosse interessante retomarmos o
conceito de ldquodesaprenderreaprenderrdquo proposto por Adriana Fresquet (2007) no livro
ldquoImagens do Desaprender uma experiecircncia de aprender com o cinemardquo em que
narra a seguinte relaccedilatildeo
Desaprender eacute algo mais que aprender coisas opostas sobre um mesmo tema assunto valor questatildeo da vida Desaprender pode ateacute indicar erradamente a ideacuteia de esquecer o aprendido Poreacutem o seu significado e intenccedilatildeo eacute exatamente o contraacuterio Tal eacute a forccedila da irreversibilidade da aprendizagem que desaprender significa fundamentalmente lsquolembrarrsquo as coisas aprendidas que querem ser desaprendidas Desaprender eacute aprender a natildeo querecirc-las mais para si a natildeo outorgar mais o estatuto de verdade de sentido ou de interesse Verdade aprendida com outros desde sempre adquire valor de inquestionaacutevel Desaprender eacute animar-se a questionar tais verdades Desaprender eacute tambeacutem fazer o esforccedilo de conscientizar todo o vivido na contramatildeo evocando o impacto histoacuterico e emocional que teve aquela aprendizagem que hoje deseja ser modificada (FRESQUET 2007 49)
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Portanto as muacuteltiplas relaccedilotildees promovidas pelas narrativas fiacutelmicas nos
fazem pensar em diversas maneiras de abordar a visualidade comeccedilando pelo
acircmbito da sensibilidade da emoccedilatildeo do afeto ateacute avanccedilarmos pelo terreno da
pedagogia onde nos encontramos com a relaccedilatildeo ensinaraprender Partimos do
princiacutepio de que o cinema se inscreve em uma temporalidade compreensiacutevel a
praticamente todos os puacuteblicos ao representar as diversas etapas do
desenvolvimento humano as descobertas infantis a adolescecircncia e a juventude a
maturidade e a velhice nas suas mais variadas manifestaccedilotildees e a utilizarmos como
ponto de partida para comeccedilar nossa viagem Durante o percurso eacute possiacutevel
visualizar terrenos feacuterteis e tambeacutem arenosos lugares remotos de nossa memoacuteria e
outros recocircncavos repletos de figuras miacuteticas fantasmagorias e possibilidades
Estes dispositivos desestabilizam e mobilizam outras aprendizagens
promovem crises que geram avanccedilos instigam a pensar alternativas Satildeo forccedilas
que produzem o deslocamento e a descoberta de outras dimensotildees de outras
linhas de pensamento Incitam tambeacutem a adotar uma postura criacutetica impulsionada
pelo desejo de criar espaccedilos e alternativas para aprender sobre o mundo a partir do
diaacutelogo com o outro a reconhecer-se pelas diferenccedilas a pensar o ambiente de
formaccedilatildeo inicial e continuada da docecircncia como exerciacutecio do olhar criacutetico e
mobilizador
Sobre o cinema e suas provocaccedilotildees um desfecho provisoacuterio
Referecircncia na moda no comportamento na muacutesica e nos mais variados
acircmbitos das experiecircncias humanas o cinema configura-se como fenocircmeno cultural
de grande impacto na configuraccedilatildeo de imaginaacuterios desde a infacircncia Desde muito
cedo somos introduzidos agrave loacutegica narrativa sequencial que apresenta muitas
realidades Eacute recorrente em nossa contemporaneidade nos depararmos com
personagens criados pelo cinema em acessoacuterios utensiacutelios domeacutesticos adereccedilos
materiais pedagoacutegicos brinquedos etc propagando uma legiatildeo de muitos heroacuteis (e
rariacutessimas heroiacutenas) que inevitavelmente invadem a escola reproduzindo-se nas
canccedilotildees brincadeiras corporeidades comportamentos Diante destes contextos
Como a docecircncia articula estas experiecircncias visuais enquanto mote inicial a ser
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esmiuccedilado Que relaccedilotildees com as imagens fiacutelmicas osas docentes tecircm
apreendidas Como satildeo seus enfrentamentos relaccedilotildees com o cinema
Talvez seja relevante pensarmos alternativas nas quais estudos sobre cinema
e educaccedilatildeo possam estar presentes durante a formaccedilatildeo inicial e continuada da
docecircncia para propor relaccedilotildees de aprendizagem a partir da imprevisibilidade seu
papel e sua utilizaccedilatildeo dentro dos ambientes de aprendizagem tendo como premissa
natildeo cairmos na tentativa de pedagogizaacute-lo ou tornaacute-lo mais um instrumento fechado
ou previsiacutevel mas de tomaacute-lo como obra aberta ndash a partir da concepccedilatildeo do rizoma ndash
para tomar vias distintas Bricolar propor conexotildees com outras narrativas abordaacute-lo
sem tentar traduzir o que eacute essencialmente percepccedilatildeo visualsensorialemocional e
que obviamente requer outro tipo de relaccedilatildeo outros coacutedigos outras loacutegicas
Para finalizar estaacute escrita retomo os vocaacutebulos que a iniciam provocaccedilotildees
descontinuidades desfechos com o intuito de sinalizar como poderiam operar no
campo educativo ndash ao menos como pretendo que sejam pensados aqui
O cinema enquanto provocador que desafia incita o questionamento retira
da calmaria e lanccedila na tempestade desacomoda instiga o pensamento retira do
lugar comum causa desconforto Neste contexto por significados que possam ser
revistosrevisados reconceituados Imaginaacuterios produzidos pela cinematografia
dominante (em nossos contextos) possam ser repensados ou em alguns casos
como argumenta Adriana Fresquet desaprendidos e reaprendidos a partir de outras
loacutegicasrelaccedilotildees
(Des)continuidade tem duplo sentido no cinema a ideia de movimento se daacute
pela sequecircncia contiacutenua de imagens trabalha-se com a continuidade de um roteiro
Uma descontinuidade seria uma ruptura da continuidade da linearidade Poderia ir
na contramatildeo a contrapelo Caracteriza-se como uma interrupccedilatildeo A continuidade
no cinema busca uma coerecircncia loacutegica que envolve sonoridade e fluxo visual na
sucessatildeo de imagens o que pode envolver cortes durante uma montagem pois
cabe ao continuiacutesta manter a conexatildeo desejada pelo roteiro entre as cenas
concedendo entendimento agrave narrativa que estaacute sendo contada Juntamente com o
diretor ou diretora de um filme colabora com todas as demais especificidades
teacutecnicas que participam da histoacuteria a ser contada dos enquadramentos aos
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cenaacuterios objetos de cena etc Entatildeo O que seria umuma (Des)Continuiacutesta em
educaccedilatildeo
Talvez aqueleaquela que ocupa-se da provocaccedilatildeo que incita o jogo que
lanccedila convites que desafia Sabemos que a escola nos moldes atuais natildeo
configura-se uacutenica fonte de saberes mas espaccedilo de diaacutelogo de negociaccedilatildeo
formulaccedilatildeo
Desfecho do ponto de vista literaacuterio diz respeito agrave finalizaccedilatildeo ao desenlace
de uma tramanarrativa Pode ser entendido tambeacutem como local de chegada depois
de alguns trechos percorridos Neste texto desfecho pode ser concebido tambeacutem
como siacutentese do processo desenvolvido poreacutem aberto ainda no ato de acontecer
Entendo desfechos como provisoacuterios embora pareccedila relevante percebermos
processos de soluccedilotildees de problemas pontos que podem ser destacados ao teacutermino
de uma jornada de uma investida uma aposta Acredito que desfechos satildeo
importantes pois impelem a retomar a jornada examinar o percurso movimentar-se
em temporalidades diversas para compreender como se articula o momento
presente Transformando-o em verbo desfecho - desfechar - poderia ser des-fechar
tornaacute-lo em aberto apesar de haver jaacute percorrido uma trajetoacuteria examina-se o
recorrido poreacutem servindo como propulsor a dar segmento a tomar novas
experiecircncias seguir aprendendo des-fechando processos educativos
Referecircncias
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VALLE Lutiere Dalla Provocaccedilotildees (des)continuidades desfechos potecircncia edu(vo)cativa das imagens
fiacutelmicas na formaccedilatildeo docente Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 95-108 juldez 2016
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PerformanceS1
Fernando Pinheiro Villar 2 Universidade de Brasiacutelia - UnB
Aproximando-se do primeiro ano apoacutes 11 de setembro continuamos sem saber
o que sabemos e o que natildeo sabemos sobre a destruiccedilatildeo dos preacutedios do World Trade
Center em Nova York O que podemos ter certeza eacute que antes da queda das torres
gecircmeas jaacute viviacuteamos crises aceleradas empor nossa supermodernidade crise de
certezas crise social crise de conceitos crise de significados Realidades que se
transformam continuamente demandam novos conceitos e revisatildeo constante de
conceitos existentes para negociar com as novas praacuteticas artiacutesticas teorias famiacutelias
trabalho sexualidades etnias ensino e meacutetodos
Performance eacute apontada como um conceito chave em estudos culturais
contemporacircneos Este artigo aborda performances artiacutesticas Enfatizo o lsquoartiacutesticasrsquo
como necessaacuterio recorte e por minha experiecircncia praacutetica Mas este recorte natildeo evita a
interferecircncia de outros significados nem indica um terreno mais tranquilo para
taxonomias
No meio de uma semana de debates sobre lsquoperformancersquo na Universidade de
Brasiacutelia em maio de 2002 um estudante disse que parecia lsquohaver uma certa
glamourizaccedilatildeo da duacutevida ou da dificuldade de definir performancersquo3 Mais preocupante eacute
a banalizaccedilatildeo da duacutevida em torno da amplitude do conceito gecircnero artiacutestico objeto de
estudo eou metodologia de criacutetica e pesquisa que performance pode significar Este
1 Publicado em CARREIRA Andreacute VILLAR Fernando Pinheiro GRAMMONT Guiomar de RAVETTI Graciela e ROJO Sara (orgs) Mediaccedilotildees performaacuteticas latino-americanas (Belo Horizonte FALEUFMG 2003) p 71 - p80 2 Autor encenador e diretor Professor da graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo do Departamento de Artes Cecircnicas do Instituto de Artes da Universidade de Brasiacutelia Graduado na UnB em Artes Plaacutesticas poacutes-graduado em Direccedilatildeo no Drama Studio London e PhD no Queen Mary CollegeUniversity of London Fundador dos grupos Vidas Erradas (83-89) TUCAN (92-08) e CHIA LIIAA (2007) tem trabalhado com diversos grupos artistas e instituiccedilotildees de ensino do Brasil e Europa Professor visitante na University of Manchester e na UNICAMP com vaacuterios artigos publicados e alguns livros organizados sobre teatro performance e hibridismos artiacutesticos contemporacircneos 3 Seminaacuterio preparatoacuterio para o evento performaacutetico artiacutestico Gecircnesis de performances (28 29072002) organizados pelo ex-aluno de Artes Cecircnicas e funcionaacuterio da UnB Magno de Assis
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artigo natildeo elimina duacutevidas sobre performance mas busca discordar de ambas
banalizaccedilatildeo e glamourizaccedilatildeo destas duacutevidas
O tiacutetulo lsquoperformanceSrsquo inicia esta empreitada afirmando a pluralidade do
conceito performance Assumir-se a multiplicidade de significados atrelados ao
significante lsquoperformancersquo eacute condiccedilatildeo inicial para seu entendimento Sabemos que
lsquoperformancersquo tem orientado inspirado eou desobstruiacutedo teorias e praacuteticas de
sociologia antropologia linguiacutestica psicologia filosofia neurologia artes cecircnicas artes
plaacutesticas muacutesica e danccedila entre outros campos de conhecimento Essa amplitude
conceitual pode provocar um desconforto com a abrangecircncia desconcertante e
escorregadia de performance como conceito como objeto de estudo como gecircnero
artiacutestico ou como metodologia de criacutetica e pesquisa
Um dos principais significados aliados ao significante performance eacute o de
desempenho O significado de desempenho afirma a observaccedilatildeo analiacutetica de
comportamentos humanos produtos eletrocircnicos e mecacircnicos ou de atores xampus
transeuntes oacuteleos atletas sapatos de corrida animais fios condutores ou de minerais
Na observaccedilatildeo do desempenho humano performance pode tambeacutem significar
comportamentos que se repetem Ou accedilotildees cotidianas que satildeo ensaiadas ou
preparadas - e observadas Assim sendo uma performance sem consciecircncia do fato de
estar sendo vista como tal pode significar uma performance cotidiana cultural ou social
Para Richard Schechner ldquotudo no comportamento humano indica que performamos
nossa existecircncia especialmente nossa existecircncia socialrdquo (1982 14) Steven Connor
considera que ldquose tornou difiacutecil estarmos seguros onde que uma accedilatildeo termina e uma
performance comeccedilardquo (108) Schechner e Connor datildeo uma ideia do possiacutevel alcance de
performance Este alcance detona diferentes linhas de pesquisa e teorias sobre
performance em campos distintos Pelo recorte optado por esta comunicaccedilatildeo estou me
atendo mais agraves performances artiacutesticas exibiccedilotildees ou accedilotildees declaradas publicamente
como tais accedilotildees conscientes mesmo que liminais construiacutedas e organizadas por
agentes que as mostraratildeo como opccedilatildeo profissional ou amadora entrada franca
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cobrando um ingresso ou distribuindo convite em espaccedilos ao ar livre semi-abertos ou
cobertos
A performance artiacutestica se caracteriza(va) muito pela fuga de qualquer
possibilidade de categorizaccedilatildeo Esta evasatildeo de escaninhos esteacuteticos caracteriza(ria)
aquilo que artistas objetivam(vam) natildeo ser caracterizado Com a heranccedila forte das
Vanguardas Histoacutericas das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX e das trecircs primeiras
deacutecadas do seacuteculo XX vanguardas do periacuteodo poacutes-Segunda Guerra Mundial
continua(ra)m indo contra restriccedilotildees das possibilidades expressivas das artes e
rechaccedilando definiccedilotildees que se pretendiam definitivas
As Vanguardas Histoacutericas satildeo compostas pelo Simbolismo Expressionismo
Futurismo Construtivismo Dada Surrealismo Bauhaus ou Adolphe Appia Gordon
Craig Isadora Duncan Vsevolod Meyerhold Vladimir Mayakovsky Marcel Duchamp
Antonin Artaud entre tantos outros Darwin Nietzsche Marx Wagner Freud Einstein
Edison nos lembram que a virada do seacuteculo XIX para o XX tambeacutem testemunha uma
crise de conceitos e certezas consideraacutevel Aliados agrave revoluccedilatildeo no pensamento humano
provocada por estes pensadores artistas e cientistas o motor a lacircmpada eleacutetrica
locomotivas teleacutegrafos e o cinema transformam comportamentos e sociedades Ainda
com ecos do idealismo do Romantismo em buscar o intercacircmbio entre diferentes artes
artistas de vaacuterias correntes e tendecircncias deixam um legado de accedilotildees textos e
manifestos que transitam e querem transitar aleacutem das fronteiras convencionais de cada
linguagem Durante todo o seacuteculo XX o impacto das duas guerras mundiais no mesmo
seacuteculo foi refletido diretamente numa arte que promovia a primazia da accedilatildeo
testemunhada de interferecircncia puacuteblica como paliativo passageiro para a impotecircncia do
ser humano diante da destruiccedilatildeo inoacutecua Artistas das Vanguardas Histoacutericas da
primeira e segunda metades do seacuteculo XX questionam entatildeo de forma radical a
convencionalidade de suas linguagens e de seus puacuteblicos no bojo de intensas
transformaccedilotildees econocircmicas sociais e poliacuteticas As fronteiras entre arte e vida se
misturam
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Na entatildeo nova ediccedilatildeo do Oxford Dictionary em 1971 lsquoperformance artrsquo eacute incluiacuteda
no verbete lsquoperformancersquo como uma suposta arte de accedilotildees realizada por artistas
plaacutesticos para plateias presentes Depois da Segunda Guerra Mundial outros termos e
conceitos jaacute tentam acompanhar uma intensa atividade de artistas em torno do eixo
tempo-espaccedilo com testemunhas Estas atividades manipulam nexos com accedilatildeo corporal
e a presenccedila do autor realizando seu processo sua obra ou sua obra em processo para
espectadores visitantes puacuteblico ou testemunhas Uma das tentativas de conceituaccedilatildeo
para estas obras foi lsquointermiacutediarsquo [(intermedia ou interlinguagem)] cunhado em 1967
por Dick Higgins do Fluxus (Higgins 1978) Um ano depois Richard Kostelanetz
defendeu o termo lsquoteatro dos meios misturadosrsquo (Kostelanetz 1970) Mas eacute
lsquoperformance artrsquo nos paiacuteses anglo-saxocircnicos e lsquoperformancersquo em paiacuteses de liacutengua
latina que consegue abarcar uma praacutetica artiacutestica interdisciplinar Sem desconhecer a
heranccedila das Vanguardas Histoacutericas performance art ou performance conteria action
paintings John Cage arte conceitual minimalismo espacialismo Happenings action
art arte corporal aktionism vienense arte feminista art povera parangoleacutes de Oiticica
bichos de Ligia Clark teatro instrumental environments viacutedeo arte colaboraccedilotildees
decollage assemblage arte cineacutetica o neo-dada do Gutai endurance art Flaacutevio
Impeacuterio Artur Barrio ou Laurie Anderson entre tantos outros grupos e artistas
Em 1981 Douglas Davis jaacute propotildee o termo lsquopost-performancismrsquo para defender
uma arte aleacutem do teatro performance ou artes plaacutesticas Em 1992 Josette Feraacutel coloca
performance como o nascimento de um gecircnero com a morte de sua funccedilatildeo anaacuterquica
anti-categorizaccedilotildees Em 1999 Paul Schimmel anuncia a morte de performance art por
volta de 1979 No entanto as referecircncias cruzadas e trocas entre gecircneros hiacutebridos e
mo(vi)mentos foram se acelerando durante as deacutecadas de 1980 e 1990
simultaneamente dificultando e promovendo novos termos e roacutetulos Autores como
Gregory Battcock (1984) RoseLee Goldberg (1984) ou Herbert Blau (1992)
reconhecem que lsquoperformancersquo seria o termo para a contiacutenua expansatildeo do terreno
ampliado que performance art conquistou Utilizando um artigo anterior performance no
final do seacuteculo XX
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[] parece ser um conceito guarda-chuva que abriga uma livre pluralidade de expressotildees cecircnicas socircnicas e visuais Atraveacutes de performance inuacutemeros estudos de diferentes artes revelam um comportamento cuidadoso para evitar novas definiccedilotildees que natildeo respeitem as diferenccedilas e o caraacuteter anaacuterquico das artes em desordenar e escapar de novas categorizaccedilotildees Performance inclui entre outros campos de estudo rituais festas populares comportamento cotidiano linguumliacutestica ciecircncias sociais cultura psicologia [performing self criacutetica em performance] o evento teatral a encenaccedilatildeo de peccedilas drama ou dramaturgia escrita dramaturgia de imagens e outras produccedilotildees multi pluri anti ou interdiscliplinares em frente de plateacuteias em diversos tipos de espaccedilo cecircnico aleacutem do teatro O termo e conceito performance vai contra uma visatildeo logocecircntrica e exclusiva de teatro como lsquoa representaccedilatildeo de dramas eurocecircntricosrsquo (Schechner 1992 9) Para os estudos de teatro a metodologia e sistema de criticismo proposto por performance resgata o irrepetiacutevel efecircmero transitoacuterio momento de exposiccedilatildeo da linguagem cecircnica com a presenccedila de atores e espectadores privilegia-se a performance como um dos principais focos de significados do teatro (Villar de Queiroz 1999 249)
Para os estudos e praacutetica de teatro o texto performaacutetico ou o performance text eacute
um derivado do significante performance fundamental Batendo de frente com a visatildeo
antagocircnica quando exclusivista de teatro como domiacutenio da literatura dramaacutetica o texto
performaacutetico seria o texto da encenaccedilatildeo em curso a mise-en-scegravene fluindo ante e entre
os sentidos dos presentes la puesta en escena acontecendo uma rede intertextual
Ainda haacute uma defasagem da jovem academia de teatro em reconhecer o texto
performaacutetico artiacutestico na linguagem cecircnica Isso pode dever-se em parte agrave
supervalorizaccedilatildeo persistente e descontextualizada historicamente da visatildeo aristoteacutelica
de teatro em Poeacutetica Mais forte razatildeo eacute a impossibilidade do registro da performance
uacutenica irrepetiacutevel efecircmera transitoacuteria Essa impossibilidade caracteriza um choque
frontal com abordagens materialistas de cultura que tem em textos de peccedilas
documentos partituras quadros esculturas monumentos e edifiacutecios suas evidecircncias
para descrever o comportamento humano O viacutedeo o DVD e novas tecnologias alteram
um pouco a impossibilidade de registros do evento aacuteudio-cineacutetico-temporal e visual que
uma performance teatral coreograacutefica musical ou artiacutestica pode ser Novas tecnologias
natildeo podem entretanto cortar a impossibilidade de reproduccedilatildeo de um evento
caracterizado pela junccedilatildeo de pessoas durante sua vida uacutenica que morre para renascer
diferente no proacuteximo dia Como Dyonisus
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A maioria do teatro convencional claacutessico familiar eou teatratildeo e muito do teatro
de pesquisa de artistas com visibilidade internacional e respaldo criacutetico estaria
caracterizado pela representaccedilatildeo de um laacute-entatildeo Este laacute-entatildeo eacute reproduzido em um
palco ou espaccedilo eleito com atores ou atrizes vivendo personagens escritos por um
autor ou autora seguindo marcaccedilotildees de um diretor ou diretora Performance
privilegiaria o aqui-agora do durante da apresentaccedilatildeo seja onde for de uma accedilatildeo
desenrolada e apresentada por seu autor-ator-diretor-encenador-produtor o
performador tenta ser o proacuteprio meio esteacutetico ndash ele ou ela se colocam como linguagem
processo e obra Mas esta diferenciaccedilatildeo pode natildeo resistir ao fato de que o uso atual
quase omnipresente do termo performance abala certezas linguiacutesticas e esteacuteticas
anglo-saxocircnicas e latinas Na liacutengua inglesa por exemplo performance sempre foi
associada agrave apresentaccedilatildeo representaccedilatildeo ou exposiccedilatildeo cecircnica ou musical em frente a
uma plateia e [agrave] interpretaccedilatildeo de artistas Em 1990 o Diccionario Actual de la Lengua
Espantildeola apresenta performance como entre outros significados lsquorepresentacioacuten de
cine y teatrorsquo e lsquoactuacioacuten de un artistarsquo (1219) Estudantes no Brasil me convidam para
assistir a suas performances mesmo que sejam representaccedilotildees naturalistas de
personagens de Calderoacuten de la Barca Shakespeare ou Nelson Rodrigues dirigidos por
um diretor ou uma professora
As aacuteguas de performance e de teatro se confundem e confundem Em 1987 o
diretor e acadecircmico Michael Kirby lembrava que ldquotodo teatro eacute performance mas nem
toda performance eacute teatrordquo (xi) Em 1992 Herbert Blau reconhece sua saudade ldquode um
tempo em que se algueacutem falasse de performance estaria falando de teatrordquo (2) Em
1996 Elin Diamond recorda que ldquose performance eacute o reverso do teatro convencional
teatro tambeacutem eacute o reverso de performancerdquo (4) Em 1997 a artista e professora da New
York University Deb Magolin por exemplo celebra que ldquoperformance eacute um teatro de
inclusatildeo Qualquer um pode fazerrdquo (69) Para vaacuterios criacuteticos acadecircmicos e artistas no
mundo performance seria o teatro poacutes-moderno ou teatro contemporacircneo de
vanguarda
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Ainda persiste uma tendecircncia que considera performance art e performance
como variaccedilotildees da arte teatral Esta tendecircncia convive com uma perspectiva oposta
que exclui teatro da histoacuteria de performance e de performance art Ambas
perspectivas parecem reafirmar concepccedilotildees binaacuterias que natildeo reconhecem um campo
artiacutestico ampliado interdisciplinar aleacutem das disciplinas que se juntaram chocaram-se
ou digladiaram-se ateacute o nascimento de uma outra disciplina linguagem ou objeto que
se independe das matrizes anteriores e continua um caminho proacuteprio Disciplinas
liacutenguas paiacuteses e pessoas satildeo universos em construccedilatildeo e negociaccedilatildeo com seus meios
ambientes A dialeacutetica cultural promove novas disciplinas liacutenguas territoacuterios e
fronteiras mudanccedilas e se o mundo performa o teatro continuaraacute sendo um siacutetio de
performances sobre performances do mundo
Em 1980 Timothy J Wiles lanccedilava o termo lsquoteatro performancersquo para descrever
uma diversidade cecircnica revelada por uma dramaturgia e estilos de interpretaccedilatildeo
distintos do realismo naturalista ou do teatro eacutepico Essa diversidade tambeacutem era
revelada por inovaccedilotildees formais que segundo Wiles haviam criado ldquouma situaccedilatildeo
desconfortaacutevel para todos os historiadores de esteacuteticardquo (112) Com lsquoperformance teatrorsquo
a primazia dada ao texto performaacutetico questiona encapsulamentos da linguagem cecircnica
em limites da literatura dramaacutetica e questiona tambeacutem hierarquias fixas de criaccedilatildeo
direccedilatildeo e autoria Teatro performance transita por diferentes linguagens artiacutesticas
resultando em outra Teatro performance assume um espaccedilo intermediaacuterio
interdisciplinar entre performance art e teatro
Nuances interdisciplinares nas artes e ciecircncias ou obras interdisciplinares
artiacutesticas natildeo podem ser mais ignoradas em sua notoacuteria presenccedila em nossa
contemporaneidade Praacuteticas artisticamente interdisciplinares tecircm uma histoacuteria que
remonta [a] seacuteculos antes de Cristo na praacutetica oriental e ocidental se focarmos o
manual para artiacutesticos cecircnicos indiano Natya-Sastra ou os festivais gregos Artistas
renascentistas italianos e a oacutepera barroca apresentam impulsos interdisciplinares
claros Estes impulsos se aceleram de forma radical nas sucessivas transformaccedilotildees
esteacuteticas promovidas pelas vanguardas do seacuteculo XX Poacutes 1968 e poacutes performance art
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tanto o omnipresente conceito metodologia de pesquisa e criacutetica de performance
quanto as performances artiacutesticas desenvolvidas nas duas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo
XX reforccedilam a necessidade de abordar-se interdisciplinaridade entre as artes
Esta breviacutessima perspectiva histoacuterica objetiva apontar uma presenccedila e uma
necessidade de estudos de um fenocircmeno interdisciplinar entre as artes Entretanto
assim como performance interdisciplinaridade tambeacutem pode ter uso indevido ou
diletante dentro dos muacuteltiplos acircngulos e mundos simultacircneos e paradoxais da
supermodernidade Tambeacutem como performance lsquointerdisciplinaridadersquo tem desafiado
certezas epistemoloacutegicas
Na uacuteltima deacutecada podemos encontrar novas propostas em torno de
disciplinaridades Judith Butler (1990) e Baz Englers (1996) propotildeem a discussatildeo de
lsquopoacutes-disciplinaridadesrsquo Dwight Conquergood e Joseph Roach definem performance
para Marvin Carlson como uma lsquoanti-disciplinarsquo (189) Fechando a deacutecada Roy Ascott
usa o termo lsquoumiacutediarsquo (moistmedia) para descrever um lsquointerespaccedilo entre o mundo seco
da virtualidade e o mundo molhado da naturezarsquo (9)
Transdisciplinaridade poacutes-disciplinaridades anti-disciplinas e umiacutedias atestam
todas processos interdisciplinares Como interdisciplinas artiacutesticas poacutes-disciplinas anti-
disciplinas e umiacutedias satildeo lsquointermiacutediasrsquo satildeo resultantes de disciplinas que dialogaram ou
digladiaram-se atraveacutes de encontro troca negociaccedilotildees eou choque gerando uma
nova disciplina Assim sendo meu entendimento de interdisciplinaridade natildeo confere
com o simples juntar de disciplinas diferentes ou muito menos com o improdutivo de
realidades pseudo interdisciplinares que natildeo se tocam nem se trocam Investigo
interdisciplinaridade artiacutestica para estudar ensinar e praticar negociaccedilotildees e
intercacircmbios entre diferentes linguagens ou disciplinas artiacutesticas que resultaram em
novos campos de accedilatildeo em outros territoacuterios de mutaccedilatildeo artiacutestica e de possibilidades
expressivas Interdisciplinas artiacutesticas seriam entatildeo outras disciplinas ou intermiacutedias
tais como as jaacute citadas performance art e teatro performance danccedila teatro butoh
muacutesica teatro arte computacional teatro acuacutestico teatro digital instalaccedilatildeo roboacutetica
criacutetica em performance ou viacutedeo poesia
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Terroristas oficiais e disfarccedilados continuam a defender fronteiras imutaacuteveis e a
dividir pessoas quando soacute existe uma raccedila a humana Enquanto a natureza se delicia
com a diversidade interesses econocircmicos impotildeem modelos hegemocircnicos injustos e
uniformizantes que querem evitar a particularidade a convivecircncia ou a diferenccedila Os
mercados globalizados nos orgasmos muacuteltiplos do capitalismo selvagem conquistam
novas trilhas para o livre fluir de capitais mas natildeo de pessoas
A paz o livre exerciacutecio de sexualidades igualdade novas fronteiras e o
assentamento de pessoas em condiccedilotildees mais justas satildeo evitados no Brasil e no mundo
por problemas pessoais mal resolvidos interesses escusos e paranoias
governamentais Como lembrou Lucia Sander em palestra-performance em Maceioacute
neste ano Einstein dizia que ldquoeacute mais faacutecil dividir um aacutetomo que destruir um
preconceitordquo E Susan Sontag afirmou anos depois que a histoacuteria do preconceito eacute tatildeo
antiga quanto a histoacuteria das questotildees pessoais mal resolvidas As artes incluindo
performance e outras interdisciplinas artiacutesticas vazam esses escudos anti-
transformaccedilotildees e tentam exemplificar outras possibilidades de outros mundos
simultacircneos e distintos que se trocam e produzem outros mundos inclusivos e
questionadores de absolutismos restringentes A batalha continua sintomaacutetica
enigmaacutetica e performaacutetica
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DUTRA Pacircmela Goumlethel WOLFFENBUumlTTEL Cristina Rolim ACCORSI Ana Maria Bueno Estudo sobre a
participaccedilatildeo de estudantes em um grupo instrumental Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 120-
141 juldez 2016 Disponiacutevel em lthttpseerfundartersgovbrindexphpRevistadaFundarteindexgt
Estudo sobre a participaccedilatildeo de estudantes em um grupo instrumental
Pacircmela Goumlethel Dutra1 Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS
Cristina Rolim Wolffenbuumlttel2
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS
Ana Maria Bueno Accorsi3 Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS
Resumo O artigo apresenta a pesquisa com um grupo instrumental em uma escola puacuteblica municipal em TaquariRS Partiu dos questionamentos Qual o significado da participaccedilatildeo dos estudantes em um grupo instrumental Quais as expectativas dos estudantes que participam desses grupos Qual a influecircncia da muacutesica para estes participantes Quais as expectativas de estudantes familiares e comunidade escolar em relaccedilatildeo ao grupo Como ocorre o envolvimento dos familiares dos estudantes O objetivo foi compreender a importacircncia da participaccedilatildeo em um grupo instrumental escolar Constatou-se a importacircncia da participaccedilatildeo no grupo instrumental apontado por todos investigados Entende-se que esta pesquisa contribua para a construccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para a educaccedilatildeo musical nas escolas bem como para a implementaccedilatildeo da legislaccedilatildeo que dispotildee sobre a inserccedilatildeo da muacutesica no Brasil Palavras-chave Educaccedilatildeo musical grupos instrumentais muacutesica na Educaccedilatildeo Baacutesica
1 Estudante do curso de Especializaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Musical na Universidade Estadual pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul Licenciada em Pedagogia pelo Centro Universitaacuterio Leonardo da Vinci Cursando o 9ordm semestre de licenciatura em Muacutesica pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul Participou do grupo de pesquisa na Uergs intitulado Educaccedilatildeo Musical diferentes tempos e espaccedilos com linhas de pesquisas sobre processos de ensino e aprendizado em muacutesica e poliacuteticas em Educaccedilatildeo Musical Professora de muacutesica do municiacutepio de Taquari- RS desde 2013 no qual atua em atividades de Educaccedilatildeo Musical no curriacuteculo do ensino baacutesico nos anos iniciais e finais do ensino fundamental e em atividades escolares no extracurricular com aulas de instrumentos e na formaccedilatildeo de grupos instrumentais bandas marciais e coro infanto-juvenil 2 Doutora e Mestre em Educaccedilatildeo Musical pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Especialista em Informaacutetica na Educaccedilatildeo Ecircnfase em Instrumentaccedilatildeo pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul Licenciada em Muacutesica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Coordena o curso de Especializaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Musical na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul Unidade de Montenegro Eacute coordenadora da Aacuterea Muacutesica do Programa de Iniciaccedilatildeo agrave Docecircncia em Montenegro da CAPESUERGS Coordena a Comissatildeo de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo da Uergs-Montenegro orientando bolsistas de iniciaccedilatildeo cientiacutefica em muacutesica e artes da FAPERGS CNPq e UERGS Eacute coordenadora dos grupos de pesquisa registrados no CNPq Arte criaccedilatildeo interdisciplinaridade e educaccedilatildeo e Educaccedilatildeo Musical diferentes tempos e espaccedilos Coordena o Programa de Extensatildeo Universitaacuteria do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo pela Uergs Eacute Diretora Cientiacutefica da Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo Musical da Editora Prismas de Curitiba Faz parte da Comissatildeo Gauacutecha de Folclore e da Fundaccedilatildeo Santos Herrmann Eacute integrante da Academia Montenegrina de Letras ocupando a Cadeira nordm5 Faz parte da Associaccedilatildeo Montenegrina de Escritores 3 Possui graduaccedilatildeo em Letras pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul (1976) mestrado em Linguumliacutestica e Letras pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul (1999) e doutorado em Linguumliacutestica e Letras pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul (2005) Atualmente eacute professor adjunto da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul e Consultora Terapecircutica em Dependecircncia Quiacutemica Coordena o Curso de Licenciatura em Letras Portuguecircs e Literaturas de Liacutengua Portuguesa e o Curso de Especializaccedilatildeo Teoria e Praacutetica da Formaccedilatildeo do Leitor
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Abstract The article presents the research with an instrumental group at a municipal public school in TaquariRS The research started from the questions What is the meaning of student participation in an instrumental group What are the expectations of the students participating in these groups What is the influence of music on these participants What are the expectations of students families and the school community in relation to the group How does the involvement of the students family members occur The objective was to understand the importance of participation in a school instrumental group It was verified the importance of the participation in the instrumental group indicated by all investigated It is understood that this research contributes to the construction of public policies for music education in schools as well as for the implementation of the legislation that regulates the insertion of music in Brazil Keywords Musical education instrumental musical groups music in Basic Education
Introduccedilatildeo
As diversas possibilidades de inserccedilatildeo da muacutesica na escola conquistaram
legitimidade com a Lei nordm 11769 de 18 de agosto de 2008 Mais recentemente em
3 de maio de 2016 foi publicada a Lei nordm 13278 que incluiu artes visuais danccedila
muacutesica e teatro nos curriacuteculos dos diversos niacuteveis da Educaccedilatildeo Baacutesica A nova
legislaccedilatildeo altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional nordm 9394 de
1996 (LDB 93941996) estabelecendo um prazo de cinco anos para que os
sistemas de ensino promovam a formaccedilatildeo de professores para implantar esses
componentes curriculares nas escolas A partir dessas leis tem-se a obrigatoriedade
da inclusatildeo da muacutesica no curriacuteculo das escolas Neste sentido pode-se pensar na
diversidade dos modos de a muacutesica se configurar na escola inclusive como
atividade extracurricular Nesse sentido Wolffenbuumlttel (2014) aponta
Muitas vezes as escolas optam pelo desenvolvimento de determinadas atividades - dentre essas as musicais - em outras dimensotildees que natildeo as tradicionais relacionadas com tempos e espaccedilos curriculares Surgem assim as atividades extracurriculares como alternativas para o ensino
escolar (WOLFFENBUumlTTEL 2014 p 56)
Percebe-se portanto que as atividades musicais extracurriculares
possibilitam a inserccedilatildeo da muacutesica se assim for a opccedilatildeo da escola Poreacutem natildeo
inviabilizam a implementaccedilatildeo da muacutesica no ensino regular da mesma instituiccedilatildeo
podendo a escola oferecer tanto atividades musicais no ensino regular quanto
extracurricular
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Sobre as funccedilotildees sociais envolvidas nas praacuteticas instrumentais de grupos
musicais Bozzetto (2012) aponta a importacircncia da participaccedilatildeo de crianccedilas e jovens
em projetos que envolvam atividades musicais Em sua anaacutelise a autora afirma
A importacircncia de que projetos que satildeo erguidos com a funccedilatildeo de inserccedilatildeo social atraveacutes da muacutesica mantenham viva e coerente essa afirmativa cientes de que dar a oportunidade a uma crianccedila e jovem notadamente de camadas de baixa renda eacute abrir um mundo de possibilidades que com o tempo de convivecircncia podem se tornar uma referecircncia de mundo social para toda uma vida (BOZZETTO 2012 p 266)
Bozzetto (2012) finaliza essa discussatildeo refletindo sobre a necessidade de os
projetos sociais entenderem seu papel de inclusatildeo social destacando que a tarefa
do educador musical eacute a de ldquocontribuir para uma educaccedilatildeo musical mais justa e
humana e da importacircncia de sua inserccedilatildeo em projetos que reconheccedilam a praacutetica
musical como oportunidade de inclusatildeo socialrdquo (p 266)
Joly e Joly (2011) investigaram as praacuteticas sociais e os processos educativos
que acontecem em ambiente de orquestra No sentido das praacuteticas sociais as
autoras refletem sobre as ldquorelaccedilotildees que se estabelecem entre pessoas pessoas e
comunidade na qual se inserem pessoas e grupos grupos entre si grupos e
sociedade mais amplardquo (p 80)
De acordo com Bastiatildeo (2012) nosso paiacutes eacute multicultural possuindo vaacuterias
culturas diferentes e cada regiatildeo possui uma manifestaccedilatildeo folcloacuterica musical
proacutepria Nesse sentido o educador musical poderaacute atraveacutes da praacutetica de conjunto
trabalhar esse contexto ldquodadas a riqueza e a diversidade da muacutesica popular
brasileira ndash observam-se a valorizaccedilatildeo e a inserccedilatildeo das muacutesicas e manifestaccedilotildees da
cultura oral nos contextos acadecircmico e regular de ensinordquo (p 60)
Entende-se que atividades que envolvem grupos instrumentais nos quais a
praacutetica de conjunto estaacute inserida no seu cotidiano contemplam o que os Paracircmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) tratam sobre os objetivos de expressatildeo e
comunicaccedilatildeo em muacutesica tais como
Improvisaccedilatildeo composiccedilatildeo e interpretaccedilatildeo com instrumentos musicais tais como flauta percussatildeo etc eou vozes (observando tessitura e questatildeo de muda vocal) fazendo uso de teacutecnicas instrumental e vocal baacutesicas participando de conjuntos instrumentais eou vocais desenvolvendo autoconfianccedila senso criacutetico e atitude de cooperaccedilatildeo (BRASIL 1998 p 83)
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Ainda no que tange aos PCNs satildeo relacionados objetivos de interpretaccedilatildeo
acompanhamento recriaccedilatildeo e realizaccedilatildeo de arranjos
Arranjos de muacutesica do meio sociocultural e do patrimocircnio musical construiacutedo pela humanidade nos diferentes espaccedilos geograacuteficos eacutepocas povos culturas e etnias tocando eou cantando individualmente eou em grupo (banda canto coral e outros) construindo relaccedilotildees de respeito e diaacutelogo (BRASIL 1998 p 83)
Considerando-se a potencialidade da muacutesica na escola bem como a
existecircncia de atividades extracurriculares caracterizadas como organizaccedilotildees de
grupos instrumentais em diversas escolas alguns questionamentos surgiram Qual o
significado da participaccedilatildeo dos estudantes em um grupo instrumental Quais as
expectativas dos estudantes que participam destes grupos Qual a influecircncia da
muacutesica para esses participantes Quais as expectativas de estudantes familiares e
comunidade escolar em relaccedilatildeo ao grupo Como ocorre o envolvimento dos
familiares dos estudantes Esta pesquisa portanto objetivou compreender a
importacircncia de fazer parte de um grupo instrumental escolar
O Grupo Instrumental Investigado
A investigaccedilatildeo sobre a importacircncia da participaccedilatildeo em um grupo instrumental
escolar originou-se a partir da inserccedilatildeo de uma das autoras deste artigo como
professora de muacutesica em uma escola puacuteblica municipal em TaquariRS O foco da
pesquisa deu-se a partir dessa atuaccedilatildeo considerando-se as atividades no
contraturno escolar
Os ensaios do grupo ocorrem uma vez por semana no uacuteltimo periacuteodo do
turno da tarde apoacutes as aulas coletivas de instrumentos de sopro Contando com
catorze estudantes de 10 a 18 anos de idade a atividade oportuniza a
experimentaccedilatildeo e o manuseio de diversos instrumentos musicais permitindo muitos
aprendizados importantes para o desenvolvimento musical dos estudantes
Atraveacutes da aquisiccedilatildeo de variados instrumentos musicais o grupo tem tido a
possibilidade de fazer apresentaccedilotildees em variadas configuraccedilotildees grupais incluindo
o formato de banda marcial possibilitando aos estudantes experimentar e manusear
uma diversidade musical
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Esta praacutetica extrapola os tempos e espaccedilos escolares agregando pessoas da
comunidade bem como egressos que continuam participando das atividades
musicais O grupo instrumental faz apresentaccedilotildees locais incluindo o comeacutercio local
as instituiccedilotildees beneficentes aleacutem das demais regiotildees do municiacutepio e de fora dele
Metodologia
A proposta metodoloacutegica desta investigaccedilatildeo incluiu a abordagem qualitativa o
meacutetodo estudo de caso e entrevistas e observaccedilotildees como teacutecnicas para a coleta dos
dados A anaacutelise dos dados consistiu na anaacutelise de conteuacutedo
A Abordagem Qualitativa
Para a pesquisa foi utilizada a abordagem qualitativa Martins (2004) explica
que a ldquometodologia qualitativa mais do que qualquer outra levanta questotildees eacuteticas
principalmente devido agrave proximidade entre pesquisador e pesquisadosrdquo (p 295)
Aleacutem disso eacute a partir de cada dado coletado conforme suas caracteriacutesticas que se
faz uma interaccedilatildeo entre os conteuacutedos atraveacutes dessa interaccedilatildeo a pesquisa traz suas
impressotildees e percepccedilotildees
A razatildeo para a escolha da abordagem qualitativa para realizaccedilatildeo deste
trabalho relacionou-se ao fato de a mesma possibilitar a reflexatildeo sobre a
participaccedilatildeo dos estudantes em um grupo instrumental no contexto escolar e na
sociedade em que estatildeo inseridos
O Estudo de Caso
O estudo de caso caracteriza-se por atender a determinado objetivo atraveacutes
da investigaccedilatildeo de um caso especiacutefico Eacute muito utilizado quando se pretende
compreender explorar ou descrever acontecimentos e contextos complexos nos
quais estatildeo simultaneamente envolvidos diversos fatores Para Yin (2001) o estudo
de caso ldquocontribui de forma inigualaacutevel para a compreensatildeo que temos dos
fenocircmenos individuais organizacionais sociais e poliacuteticosrdquo (p 21)
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As Entrevistas Semiestruturadas
As entrevistas semiestruturadas permitiram aprofundar as questotildees
especiacuteficas desta pesquisa A entrevista semiestruturada eacute uma ldquoseacuterie de perguntas
abertas feitas verbalmente em uma ordem prevista mas na qual o entrevistador
pode acrescentar perguntas de esclarecimentordquo (LAVILLE DIONE p 188) Todas
as entrevistas foram realizadas na escola na qual existe o grupo instrumental em
horaacuterios previamente combinados
Ao todo foram feitas cinco entrevistas sendo as mesmas realizadas com dois
estudantes integrantes do grupo instrumental com a matildee de um dos estudantes
com a diretora da escola e com uma professora Como acontece nas entrevistas do
tipo semiestruturada seguiu-se um roteiro mas com a possibilidade de serem
acrescidas outras perguntas conforme necessaacuterio
Considerando-se a escolha dos entrevistados foram seguidos alguns
criteacuterios Selecionou-se um estudante (denominado Estudante J) que participa do
grupo desde o iniacutecio das atividades Neste caso suas informaccedilotildees poderiam
fornecer uma visatildeo geral sobre a importacircncia de participar do grupo haacute mais tempo
O outro estudante (denominado Estudante W) foi escolhido por ter ingressado
recentemente no grupo instrumental e poderia fornecer outra visatildeo a respeito desta
participaccedilatildeo Deste modo aleacutem de ambos os estudantes terem concordado com a
participaccedilatildeo na pesquisa e de terem tempo disponiacutevel para serem entrevistados
eles poderiam contribuir com as informaccedilotildees sobre sua participaccedilatildeo mas tendo
tempos de participaccedilatildeo diferentes no grupo Foi entrevistada tambeacutem a matildee do
Estudante J que participa desde o iniacutecio das atividades do grupo instrumental A
professora que participou da pesquisa foi selecionada por ser docente na escola em
que o grupo instrumental tem suas atividades aleacutem de ter lecionado para os
estudantes investigados Adicionalmente esclarece-se que a professora concordou
em fornecer a entrevista e teve tempo para a mesma Por fim a diretora foi
entrevistada por ter importantes contribuiccedilotildees para a pesquisa considerando-se sua
visatildeo como gestora da escola
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A Anaacutelise dos Dados
Para a realizaccedilatildeo da anaacutelise dos dados coletados nesta investigaccedilatildeo utilizou-
se a anaacutelise de conteuacutedo a partir da proposta de Moraes (1999) Para Moraes
(1999) a anaacutelise de conteuacutedo ldquoconstitui uma metodologia de pesquisa usada para
descrever e interpretar o conteuacutedo de toda classe de documentos e textosrdquo (p 2) A
anaacutelise de conteuacutedo viabilizou a anaacutelise dos dados transcritos tendo contato com
diversos textos corroborando a conclusatildeo da anaacutelise sobre o assunto da pesquisa
atingindo assim os objetivos
Para a realizaccedilatildeo desta anaacutelise alguns procedimentos foram necessaacuterios
como as etapas que Moraes (1999) propotildee tais como a ldquopreparaccedilatildeo das
informaccedilotildeesrdquo a qual foi feita por meio de entrevistas semiestruturadas Deve-se
salientar que as entrevistas foram gravadas no gravador de aacuteudio do celular Apoacutes a
realizaccedilatildeo das entrevistas as mesmas foram integralmente transcritas Efetuadas as
transcriccedilotildees das cinco entrevistas todas passaram pelo processo de revisatildeo e
textualizaccedilatildeo a fim de ajustar possiacuteveis inconsistecircncias de dados ou mesmo
correccedilotildees ortograacuteficas e gramaticais necessaacuterias
Para Moraes (1999) este procedimento eacute importante para iniciar o processo
de codificaccedilatildeo dos materiais estabelecendo um coacutedigo que possibilite identificar
rapidamente cada elemento da amostra de depoimentos ou documentos a serem
analisados
Todo este processo resultou na constituiccedilatildeo de um caderno denominado
Caderno de Entrevistas 2015 (C E 2015) contendo as entrevistas dos estudantes
J e W da matildee do Estudante J da professora e da diretora da escola
Posteriormente este Caderno de Entrevistas 2015 passou por uma leitura
minuciosa considerando-se o processo de ldquounitarizaccedilatildeordquo proposto por Moraes
(1999) servindo de base para as etapas subsequentes quais sejam a
categorizaccedilatildeo e a anaacutelise dos dados Aleacutem do Caderno de Entrevistas tambeacutem foi
constituiacutedo outro caderno denominado Caderno de Categorizaccedilatildeo 2015 (C C
2015) A categorizaccedilatildeo consiste em um procedimento de ldquoagrupar dados
considerando a parte comum existente entre eles Classifica-se por semelhanccedila ou
analogia segundo criteacuterios previamente estabelecidos ou definidos no processordquo
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(MORAES 1999 p 6) Neste caderno os dados coletados foram separados por
categorias sendo que posteriormente depois de rigorosa anaacutelise das categorias
criadas compuseram os Resultados e a Anaacutelise dos Dados juntamente com a
realizaccedilatildeo da anaacutelise fundamentada no referencial teoacuterico desta pesquisa Salienta-
se que estas atividades foram precedidas de uma cuidadosa e ampla leitura do texto
final
Aleacutem dos cadernos mencionados foi constituiacutedo um Caderno de Fotografias
2015 (C F 2015) no qual se encontram as imagens dos eventos dos quais o grupo
instrumental participou servindo como complemento para a anaacutelise dos dados
Desse modo considerando-se o material coletado e organizado resultaram
as seguintes categorias de anaacutelise Os Entrevistados A Importacircncia da Participaccedilatildeo
dos Estudantes nas Atividades do Grupo Instrumental Influecircncias de Participar em
um Grupo Instrumental para a vida dos Estudantes Participantes e Familiares
Envolvidos Expectativas em Relaccedilatildeo agraves Atividades Instrumentais Estas categorias
foram analisadas a partir de um referencial teoacuterico da educaccedilatildeo musical o qual eacute
apresentado a seguir
Referencial Teoacuterico
O referencial teoacuterico selecionado para a anaacutelise dos dados desta investigaccedilatildeo
sobre a importacircncia da participaccedilatildeo de estudantes em um grupo instrumental
escolar foi constituiacutedo por conceitos de educaccedilatildeo musical e do desenvolvimento
musical de crianccedilas e adolescentes
A Educaccedilatildeo Musical
Kraemer (2000) trata da questatildeo epistemoloacutegica da educaccedilatildeo musical dentre
outros assuntos pertinentes ao tema Define como pedagogia da muacutesica o campo da
educaccedilatildeo musical explicando que a pedagogia da muacutesica ldquodivide seu objeto com as
disciplinas chamadas ciecircncias humanas filosofia antropologia sociologia ciecircncias
poliacuteticas histoacuteriardquo Para Kraemer (2000) ldquoeacute dada a relaccedilatildeo com a musicologia
(assim como com a praacutetica da muacutesica e a vida musical)rdquo (p 52) A psicologia da
muacutesica ldquoinvestiga o comportamento musical e as vivecircncias musicaisrdquo (p 55) e a
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sociologia da muacutesica ldquoas condiccedilotildees sociais e os efeitos da muacutesica assim como
relaccedilotildees sociais que estejam relacionadas agrave muacutesicardquo (p 57)
A partir desses fatores trazidos pelo autor eacute possiacutevel constatar o quanto eacute
vasto o campo da educaccedilatildeo musical agregando a muacutesica a vaacuterias aacutereas do
conhecimento e podendo ser trabalhada dentro dessas linguagens Assim cada
aspecto tem importantes contribuiccedilotildees para o conhecimento musical num todo
Assim como a pedagogia acrescenta em sua didaacutetica e se complementa com
as outras aacutereas do conhecimento para ter mais ecircxito no ensino-aprendizagem e na
relaccedilatildeo estudante-professor podemos fazer o mesmo com a muacutesica agregando
essas aacutereas no fazer didaacutetico-musical Satildeo aacutereas que se complementam em
diversas situaccedilotildees Desse modo a muacutesica tem um papel integrador e
transdisciplinar assim como o papel da pedagogia que considera ldquoa vida humana
sob aspectos da educaccedilatildeo formaccedilatildeo instruccedilatildeo e didaacuteticardquo (KRAEMER 2000 p
60)
Eacute necessaacuterio que na muacutesica assim como na pedagogia existam esses
olhares num contexto amplo da educaccedilatildeo observando todos os aspectos relevantes
no desenvolvimento integral do estudante independente de como a disciplina estaacute
inserida na escola seja de forma curricular ou extracurricular Eacute importante que os
professores de muacutesica considerem a educaccedilatildeo musical como um todo objetivando a
formaccedilatildeo do cidadatildeo Natildeo se desconsidera a teacutecnica da execuccedilatildeo musical
igualmente importante Todavia outros conceitos que fazem parte da educaccedilatildeo
musical satildeo igualmente necessaacuterios
Englobando aspectos socioloacutegicos nos quais eacute observado o comportamento
de uma determinada sociedade e a forma com que se organizam no tempo livre e
trabalho Kraemer (2000) relaciona a muacutesica agrave sociologia explicando
A sociologia da muacutesica examina as condiccedilotildees sociais e os efeitos da muacutesica assim como relaccedilotildees sociais que estejam relacionadas com a muacutesica Ela considera o manuseio com a muacutesica como um processo social e analisa o comportamento do homem relacionado com a muacutesica em direccedilatildeo agraves influecircncias sociais instituiccedilotildees e grupos (KRAEMER 2000 p 57)
Para Swanwick (2003) eacute fundamental unir atividades de execuccedilatildeo
apreciaccedilatildeo e criaccedilatildeo para que os estudantes se desenvolvam artisticamente O foco
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reside especialmente no que acontece quando a pessoa se relaciona com muacutesica
no fazer musical
Swanwick (2003) propotildee trecircs atividades principais na muacutesica compor ouvir
muacutesica e tocaacute-la Ele reuacutene estas atividades em sua proposta conhecida no Brasil
como TECLA constituiacuteda pelo estudo da histoacuteria da muacutesica (literatura) e pela
aquisiccedilatildeo de habilidades (em inglecircs skill aquisition) denominado de teacutecnica Tem-
se assim T de teacutecnica E de execuccedilatildeo C de composiccedilatildeo L de literatura e A de
apreciaccedilatildeo E atraveacutes de sua proposta o autor aborda diversos fatores que
envolvem esse contexto Conceitos a se considerar em qualquer lugar em que o
educador musical possa estar atuando assim como os de Kraemer (2000) seja em
sala de aula anos iniciais e finais ou em um coro um grupo instrumental ou banda
escolar ou marcial com crianccedilas jovens ou adultos Onde haacute pessoas que de
alguma forma estatildeo se relacionando com muacutesica essas concepccedilotildees podem ser
utilizadas
O Desenvolvimento Musical de Crianccedilas e Adolescentes
O estudante ao se identificar com o que estaacute sendo proposto nas atividades
de ensino e aprendizagem no caso de atividades instrumentais em que o estudante
eacute considerado como um propositor e natildeo apenas plateia sentir-se-aacute responsaacutevel
pelas atividades e pelo sucesso das mesmas O estudante se sente valorizado o
que aumenta sua autoestima colabora para seu desenvolvimento pessoal no
sentido intelectual resultando familiarizaccedilatildeo e encantamento com o fazer musical
Nesse sentido Swanwick (2003) discorre sobre a importacircncia de ldquoconsiderar
o discurso musical dos alunosrdquo A partir daiacute o discurso ldquoconversaccedilatildeo musical natildeo
pode ser nunca um monoacutelogo Cada estudante traz consigo um domiacutenio de
compreensatildeo musical quando chega a nossas instituiccedilotildees educacionaisrdquo
(SWANWICK 2003 p 66)
Considerando a muacutesica como discurso ldquoprocederemos baseados na ideia de
que ela pode fazer uma diferenccedila na maneira como vivemos e como podemos
refletir sobre nossa vidardquo (SWANWICK 2003 p 78) Despertar no estudante o
encantamento com o fazer musical oportunizando a compreensatildeo dos aspectos
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musicais Swanwick (2003) explica que as ldquoteacutecnicas e manuseio de materiais
sonoros satildeo importantes mas sabemos que eles natildeo satildeo a soma total da
compreensatildeo musicalrdquo (p 67) Mesmo em grupos musicais que tecircm por base as
atividades instrumentais de aprendizagem de instrumento e praacutetica de conjunto
existem diversas possibilidades para alcanccedilar os objetivos musicais propostos
sensibilizando para a aprendizagem musical
Conforme Wolffenbuumlttel (2014) as atividades extracurriculares servem como
ldquoperspectiva de ampliaccedilatildeo das possibilidades das escolas Estudos realizados em
diferentes paiacuteses sugerem que as atividades extracurriculares satildeo capazes de
contribuir para o desenvolvimento dos alunosrdquo (p 56)
Em relaccedilatildeo agraves possibilidades musicais para desenvolver a compreensatildeo
musical Swanwick (2003) aponta a importacircncia de os estudantes terem ldquoa
oportunidade de produzir e responder agrave muacutesica em todas as camadas do discurso
musical qualquer que seja a atividaderdquo (SWANWICK 2003 p 97) As atividades
musicais em grupos instrumentais contemplam o que os PCNs sugerem para as
atividades musicais no que se refere agrave ldquoCriaccedilatildeo a partir do aprendizado de
instrumentos do canto de materiais sonoros diversos e da utilizaccedilatildeo do corpo como
instrumento procurando o domiacutenio de conteuacutedos da linguagem musicalrdquo (BRASIL
1998 p 83)
Resultados e Anaacutelise dos Dados
A partir da anaacutelise dos dados resultaram quatro categorias Os Entrevistados
A Importacircncia da Participaccedilatildeo dos Estudantes nas Atividades do Grupo
Instrumental Influecircncias de Participar em um Grupo Instrumental para a vida dos
Estudantes Participantes e Familiares Envolvidos Expectativas em Relaccedilatildeo agraves
Atividades Instrumentais
Os Entrevistados
Foram entrevistadas cinco pessoas dois estudantes a matildee de um dos
estudantes uma professora e a diretora da escola
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Um dos estudantes do grupo instrumental o Estudante J participa das
atividades musicais extracurriculares desde abril de 2013 ele iniciou com aulas de
flauta doce e apoacutes a criaccedilatildeo do grupo instrumental teve a oportunidade de
experimentar e manusear outros instrumentos musicais iniciando seus estudos no
saxofone alto o qual toca no grupo ateacute os dias de hoje Seu pai e seu avocirc tambeacutem
tocam instrumentos musicais sendo que desde crianccedila o Estudante J disse
conviver com essas audiccedilotildees tendo aprendido muacutesica e em especial as noccedilotildees de
ritmo atraveacutes do ensinamento de seus familiares (C E 2015 p 11) O Estudante J
salientou que gosta muito de escutar muacutesica sertaneja muacutesica gauacutecha e vaacuterios
outros gecircneros musicais (C E 2015 p 12)
O Estudante W que tem 18 anos de idade participa das atividades do grupo
instrumental desde junho de 2014 tendo comeccedilado a tocar o instrumento musical
metalofone apoacutes a flauta doce este estudante iniciou seus estudos no saxofone alto
desde o iniacutecio de 2015 O Estudante W continuou no grupo instrumental mesmo
apoacutes sua saiacuteda da escola devido ao teacutermino de seus estudos no Ensino
Fundamental Este estudante explicou que nunca foi reprovado mas devido a
problemas familiares parou de estudar por um determinado tempo Diferentemente
do Estudante J o Estudante W natildeo tem familiares com conhecimentos musicais
sendo o primeiro a ter contato com a muacutesica na escola (C E 2015 p 7) O
Estudante W explicou que costuma escutar muacutesica em casa todos os dias
raramente assiste agrave televisatildeo e gosta muito de ouvir muacutesica sertaneja (C E 2015
p 9) Ele relatou que quase todo o dia pratica estudos no saxofone alto ou tem
contato com o instrumento mesmo que seja somente para fazer os procedimentos
de limpeza (C E 2015 p 8)
Eacute possiacutevel apoacutes caracterizar os estudantes organizar e categorizar suas
falas apontar aspectos relativos aos seus gostos e preferecircncias musicais Nesse
sentido Swanwick (2003) postula a necessidade dessa praacutetica de ldquoconsiderar o
discurso musical dos alunosrdquo (p 66) pois estes ao se apresentarem trazem suas
identidades musicais E nesse sentido considerar o discurso musical nos ensaios
do grupo instrumental foi um dos importantes procedimentos realizados
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Em relaccedilatildeo agrave famiacutelia foi entrevistada a matildee do Estudante J o qual eacute
participante do grupo instrumental desde 2013 tambeacutem entrevistado nessa
pesquisa
Representando os professores de sala de aula dos estudantes participantes
do grupo instrumental foi entrevistada a professora do componente curricular de
matemaacutetica Ela leciona para as turmas do 5ordm ao 9ordm ano fazendo parte do processo
de ensino e aprendizagem de estudantes de diferentes faixas etaacuterias que satildeo
participantes do grupo
Por fim da equipe diretiva da escola foi entrevistada a diretora a qual ocupa
este cargo de gestatildeo desde abril de 2014 Anteriormente era vice-diretora da
escola
A Importacircncia da Participaccedilatildeo de Estudantes nas Atividades do Grupo Instrumental
A partir da realizaccedilatildeo desta pesquisa constatou-se a importacircncia que o grupo
instrumental tem na vida de todos os envolvidos com este tipo de trabalho Quer
sejam os estudantes que participam do grupo quer sejam as famiacutelias ndash nesta
pesquisa caracterizadas pela entrevista com uma matildee ndash quer sejam os professores
que trabalham com esses estudantes que estatildeo participando do grupo e com
certeza a equipe diretiva caracterizada pela diretora todos percebem esta
importacircncia Cada um do seu modo demonstrou a intensidade da importacircncia desta
participaccedilatildeo
Os estudantes percebem que ao participarem do grupo instrumental aleacutem de
gostarem eles constatam diversos aprendizados tanto musicais quanto
extramusicais A este respeito o Estudante W relatou ldquoPercebo que para mim
ajudou bastante e eu acho que as pessoas gostam do que a gente faz bem dizer
assimrdquo (C E 2015 p 7)
Em outro momento da entrevista o Estudante W explicou sobre sua
socializaccedilatildeo no grupo e em relaccedilatildeo ao rendimento escolar De acordo com seu
depoimento ldquoAcho bom fiz vaacuterias amizades tambeacutem e gosto das apresentaccedilotildees
Sinto-me bem agrave vontade E melhorei meu rendimento bastante e a aprendizagemrdquo
(C E 2015 p 7)
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Quanto agrave oportunidade que lhe foi dada em relaccedilatildeo agrave muacutesica de participar do
grupo musical o Estudante W salientou este aspecto explicando ldquoSempre gostei de
muacutesica e nunca tinha tido a oportunidade de entrar e acabei gostando muitordquo (C E
2015 p 7)
O Estudante J outro entrevistado nesta pesquisa a respeito de seu apreccedilo
pelas aulas de instrumento explicou ldquoEu gosto muito das aulas eacute bom estar aqui
[na escola] estudando muacutesica e aprendendo outros instrumentos novos isso eacute bem
legalrdquo (C E 2015 p 11)
A matildee do Estudante J explicou sobre como percebe a participaccedilatildeo de seu
filho bem como sobre o que esta participaccedilatildeo resulta na famiacutelia modificando-a
inclusive
Ele gosta muito chega a hora de vir natildeo interessa se estaacute chovendo ou se natildeo estaacute ele [seu filho] se arruma e vem [agrave escola] de qualquer jeito Ele gosta muito isso foi uma coisa que vocecircs [da escola] fizeram que foi oacutetimo neacute [] Porque ele fica faceiro chega na hora ele guarda aquele instrumento com muito carinho muito bem guardado Ele gosta muito mesmo (C E 2015 p 3)
A professora dos estudantes que participam do grupo instrumental tambeacutem
observou o reflexo desta participaccedilatildeo no seu trabalho pedagoacutegico no cotidiano da
escola Para a professora ldquoAquele comprometimento que eles tecircm com o horaacuterio da
muacutesica de aprender e tudo mais causa neles um compromisso com o resto das
disciplinas em sala de aula tambeacutemrdquo (C E 2015 p 16) A diretora da escola
tambeacutem contribuiu com a anaacutelise fornecendo importantes dados sobre a participaccedilatildeo
dos estudantes da escola no grupo instrumental De acordo com a diretora
A participaccedilatildeo dos estudantes no grupo para mim eacute acima de tudo muita emoccedilatildeo porque eu sempre acreditei no projeto tentei da melhor maneira possiacutevel focar e conseguir mecanismos para que ele pudesse existir E eu vejo que estar no grupo eacute um grande investimento para essas crianccedilas e adolescentes na construccedilatildeo integral da sua personalidade da sua maneira de pensar e de ver o mundo (C E 2015 p 14)
A diretora ainda acrescentou um comentaacuterio sobre a repercussatildeo do grupo
instrumental na comunidade ressaltando a importacircncia desse fator ao explicar
O grupo instrumental traz a questatildeo da comunidade pois natildeo ficou apenas na escola Ele foi para a comunidade local no bairro ele foi para o centro da cidade as pessoas conhecem o grupo as pessoas convidam para participar de eventos Entatildeo eu acho que para a professora de muacutesica eacute
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profissionalismo para mim eacute emoccedilatildeo e para eles eu acho que eacute um trabalho de autoestima de grande valor porque satildeo crianccedilas de uma localidade rural que nunca se imaginaria de seguir um caminho de estrada de chatildeo com um saxofone (C E 2015 p 15)
As atividades musicais existentes no grupo instrumental da escola repercutem
junto agrave comunidade escolar no seu entorno demais regiotildees do municiacutepio e fora
dele E essa repercussatildeo eacute devida ao incentivo por parte da escola aos estudos
musicais dos estudantes do grupo instrumental e aos demais estudantes da escola e
de fora da escola Isso ocorre no caso do Estudante W que jaacute concluiu seus
estudos mas permanece na escola o que incentiva os demais estudantes a
optarem pela muacutesica como profissatildeo
Observou-se uma concordacircncia entre os entrevistados quando enfatizaram a
extrema importacircncia de os estudantes participarem do grupo instrumental (C E
2015) principalmente no que diz respeito agraves funccedilotildees da muacutesica Esta anaacutelise remete
a Kraemer (2000) considerando-se as funccedilotildees da muacutesica Do mesmo modo os
aspectos socioloacutegicos e psicoloacutegicos apresentaram-se relevantes para esta anaacutelise
O relacionamento entre as pessoas desenvolvido atraveacutes das atividades musicais
no grupo instrumental apresentou-se fortemente Kraemer (2000) ao analisar as
relaccedilotildees entre as pessoas e a importacircncia que a muacutesica pode ter em suas vidas
explica que a pedagogia da muacutesica ocupa-se com ldquoas relaccedilotildees entre a(s) pessoa(s)
e a(s) muacutesica(s) sob os aspectos de apropriaccedilatildeo e de transmissatildeordquo (KRAEMER
2000 p 51) Isto foi encontrado nesse grupo bem como nas falas dos
entrevistados
Nesse sentido a partir das entrevistas realizadas que oportunizaram analisar
e correlacionar os conteuacutedos das falas ao referencial teoacuterico principalmente neste
caso como aponta Kraemer (2000) observa-se a importacircncia da muacutesica para as
pessoas bem como a potecircncia de estar em um grupo instrumental em espaccedilos
escolares
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Influecircncias de Participar de um Grupo Instrumental para a Vida dos Estudantes
Participantes e Familiares Envolvidos
Atraveacutes das entrevistas com os estudantes J e W observou-se a influecircncia
que a muacutesica exerce em suas vidas desde a entrada no grupo instrumental Neste
sentido o Estudante W explicou ldquoMinha famiacutelia apoia bastante eles gostam Em
casa eles pedem para tocar agraves vezes A voacute adora e apoia bastante sempre me
perguntando se eu tirei muacutesica nova alguma coisardquo (C E 2015 p 8)
Aleacutem disso ao comentar sobre o impacto em sua vida o Estudante W
explicou ldquoMelhorou bastante minha vida musical e familiar com isso eu me sinto
muito melhorrdquo (C E 2015 p 9) O Estudante W foi convidado a entrar no grupo
instrumental poreacutem natildeo tinha grandes expectativas musicais E foi se envolvendo
com o fazer musical despertando o interesse de aprender diversos instrumentos
musicais O Estudante W levou esse encantamento para seus familiares seus
ensaios musicais promovem satisfaccedilatildeo em sua famiacutelia promovendo uniatildeo e
interaccedilatildeo dos mesmos durante esse processo
O Estudante J externou em sua fala que ao entrar no grupo ocorreram
muitas mudanccedilas em seu modo de ser Em seu depoimento ele destacou
mudanccedilas quanto ao comprometimento e agrave pontualidade Ele observa que consegue
cumprir o que eacute solicitado pela professora estaacute estudando mais Assim ldquome ajudou
bastante ateacute na aula normal estou mais comportado fazendo todos os trabalhos
melhorrdquo (C E 2015 p 12)
Em relaccedilatildeo agrave famiacutelia a matildee do Estudante J enfatizou a grande socializaccedilatildeo e
o clima de harmonia que a famiacutelia experienciou por meio do contato de seu filho com
o instrumento musical em casa (C E 2015)
Observa-se nos depoimentos a funccedilatildeo da muacutesica no campo socioloacutegico que
vai ao encontro do que Kraemer (2000) acredita jaacute que ldquoconsidera o manuseio com
a muacutesica como um processo socialrdquo e analisa o ldquocomportamento do homem
relacionado com a muacutesica em direccedilatildeo agraves influecircncias sociais institucionais e gruposrdquo
(p 57) Eacute possiacutevel atraveacutes dos dados coletados observar a influecircncia social e
comportamental que a muacutesica exerce entre os agentes envolvidos seja no acircmbito
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familiar ou no processo de desenvolvimento intelectual dos estudantes participantes
do grupo
Nas falas da escola caracterizadas pela entrevista com a diretora e com a
professora foi possiacutevel verificar que ambas tambeacutem trataram da influecircncia que
resulta da participaccedilatildeo no grupo instrumental A professora explicou suas
observaccedilotildees quanto aos estudantes participantes do grupo instrumental feitas na
sua aula Ela leciona haacute muitos anos na escola e por isso tem um grande
conhecimento dos estudantes os tem acompanhado antes mesmo de ingressarem
no grupo instrumental Ao conhecer os estudantes ela pode analisar mais
amplamente De acordo com a professora
A gente nota uma diferenccedila bastante elevada neles Que eles se concentram mais em sala de aula e isso ajuda para o futuro deles e isso eacute muito bom Pois a gente sabe que tudo na vida precisa de concentraccedilatildeo precisa de carinho para fazer as coisas precisa de dedicaccedilatildeo E isso eu vejo enquanto eles aprendem muacutesica Eacute claro que isso reflete em sala de aula tambeacutem (C E 2015 p 17)
Foi possiacutevel constatar ao analisar a entrevista da professora no que se
relaciona agrave psicologia da muacutesica o que Kraemer (2000) explica sobre as
ldquosemelhanccedilas e diferenccedilas observaacuteveis de comportamento e da vivecircncia musicalrdquo (p
55) Assim pode-se analisar as funccedilotildees da educaccedilatildeo musical que envolvem ldquotarefas
da pedagogia da muacutesica [que] devem ser definidas juntamente com a aquisiccedilatildeo de
conhecimento compreender e interpretar descrever e esclarecer conscientizar e
transformarrdquo (KRAEMER 2000 p 66)
Os dados obtidos nas entrevistas no que diz respeito agrave participaccedilatildeo dos
estudantes no grupo instrumental tambeacutem remetem agrave importacircncia da oferta de
atividades no turno inverso escolar Nesse sentido Wolffenbuumlttel (2014) explica que
as atividades extracurriculares tecircm uma perspectiva de ampliaccedilatildeo das possibilidades
das escolas Segundo a autora as ldquoatividades extracurriculares satildeo capazes de
contribuir para o desenvolvimento dos alunosrdquo (p 56)
Expectativas em Relaccedilatildeo agraves Atividades Instrumentais
Ao longo das entrevistas os estudantes participantes do grupo instrumental
externaram suas expectativas musicais em relaccedilatildeo a esta participaccedilatildeo O Estudante
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W foi aleacutem acrescentando sua expectativa profissional De acordo com seu
depoimento ldquoEu pretendo evoluir de repente fazer uma faculdade de muacutesica que
me interessa bastante esse caminhordquo (C E 2015 p 8)
O Estudante J em sua entrevista afirmou sobre as expectativas em relaccedilatildeo agrave
participaccedilatildeo no grupo pretendendo aperfeiccediloar-se para uma melhor representaccedilatildeo
de sua escola De acordo com ele esta participaccedilatildeo se daacute no sentido de ldquofazer o
que tem que fazer natildeo deixar de ensaiar em casa e fazer o melhor Espero que
cada vez melhore para representar melhor a escola e aprender tambeacutemrdquo (C E
2015 p 12) Em suas expectativas profissionais apontou a vontade de seguir
profissionalmente na muacutesica Para ele ldquoAh se surgir alguma oportunidade eu quero
fazer uma faculdade de muacutesica neacute Quero me formarrdquo (C E 2015 p 12) Nesta
fala externada pelo Estudante J observa-se o que os PCNs sugerem em relaccedilatildeo a
um dos objetivos gerais para a muacutesica na escola qual seja adquirir ldquoconhecimento
sobre profissotildees e profissionais da aacuterea musical considerando diferentes aacutereas de
atuaccedilatildeo e caracteriacutesticas do trabalhordquo (BRASIL 1998 p 82)
A participaccedilatildeo dos estudantes no grupo instrumental eacute de suma importacircncia
o que se evidenciou em suas falas em relaccedilatildeo agraves expectativas profissionais
remetendo agraves funccedilotildees da muacutesica e da educaccedilatildeo musical nos acircmbitos psicoloacutegico e
social estando em sintonia com as anaacutelises de Kraemer (2000) apresentadas
anteriormente
Observou-se que todos os entrevistados tecircm expectativas musicais
estudantes que inclusive mencionaram pretender seguir nas atividades musicais
como profissatildeo demonstrando encantamento com o fazer musical e indicando
pretensotildees profissionais A diretora por sua vez mencionou em sua fala esperar
que o grupo instrumental cada vez se estruture mais para assim atender mais
estudantes Ela se preocupa portanto em atender agraves demandas escolares e da
comunidade
Salienta-se que todo esse envolvimento teve como ponto de partida uma
atividade extracurricular (WOLFFENBUumlTTEL 2014) E o bom desempenho do grupo
eacute advindo de vaacuterios esforccedilos sendo que a muacutesica e seu ensino atraveacutes da
educaccedilatildeo musical estaacute desempenhando suas funccedilotildees na vida dos estudantes e dos
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familiares (KRAEMER 2000) Observou-se tambeacutem a valorizaccedilatildeo dos estudantes
participantes como sujeitos propositores no trabalho pedagoacutegico-musical
(SWANWICK 2003) resultando no encantamento do fazer musical colaborando
para o desenvolvimento integral dos sujeitos envolvidos considerando-se as
atividades musicais do grupo instrumental
Consideraccedilotildees Finais
Apoacutes a realizaccedilatildeo desta pesquisa foi possiacutevel responder aos
questionamentos apresentados na introduccedilatildeo deste artigo e que nortearam esta
investigaccedilatildeo quais sejam Qual o significado da participaccedilatildeo dos estudantes em um
grupo instrumental Quais as expectativas dos estudantes que participam destes
grupos Qual a influecircncia da muacutesica para estes participantes Quais as expectativas
de estudantes familiares e comunidade escolar em relaccedilatildeo ao grupo Como ocorre
o envolvimento dos familiares dos estudantes
Quanto ao significado da participaccedilatildeo dos estudantes no grupo instrumental
observou-se que a mesma reflete diversos aspectos positivos nas vidas de todos os
envolvidos o que segundo os estudantes do grupo instrumental possui vaacuterios
significados e representaccedilotildees em seus cotidianos Para eles significa ter melhoria
no comportamento na socializaccedilatildeo no processo de ensino e aprendizagem no
comprometimento na pontualidade na concentraccedilatildeo e no conviacutevio familiar
Agregam o significado de ldquofelicidaderdquo na convivecircncia que o grupo instrumental
proporciona e ainda destacam a importacircncia de representar a escola e a
abrangecircncia desta participaccedilatildeo junto agrave comunidade Todos os entrevistados
relacionaram significados com a importacircncia de o grupo existir na escola
apontando-o como desencadeador desses diversos contextos significativos para
eles
As expectativas dos participantes deste grupo foram tambeacutem
questionamentos desta pesquisa Constatou-se que os estudantes possuem
expectativas profissionais em relaccedilatildeo agrave muacutesica quando acrescentaram o interesse
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em continuar seus estudos musicais para culminar com o ingresso em um curso
superior em muacutesica
Outro questionamento foi a influecircncia da muacutesica para os participantes deste
grupo De acordo com os dados coletados e analisados observa-se que o grupo
instrumental influencia de forma positiva suas vidas visto que foram observadas
mudanccedilas positivas pela matildee pela professora e pela diretora aleacutem dos estudantes
principalmente nas suas condutas e atuaccedilotildees no acircmbito familiar e escolar
resultando em melhorias nas relaccedilotildees sociais e no ensino e aprendizagem
As expectativas dos estudantes familiares e comunidade escolar quanto ao
grupo instrumental foi um dos questionamentos que oportunizou inuacutemeros
aprendizados no que diz respeito agrave pesquisa Observou-se que todos os
entrevistados esperam que o grupo se estruture cada vez mais para que os
benefiacutecios de participar de um grupo instrumental sejam ampliados para mais
estudantes ressaltando expectativas em relaccedilatildeo agrave evoluccedilatildeo como instrumentistas
para continuar contribuindo na qualidade e no crescimento do grupo
Por fim o envolvimento dos familiares dos participantes deste grupo foi um
questionamento que se apresentou de forma bastante marcante nesta pesquisa De
acordo com as entrevistas pocircde-se compreender o envolvimento significativo da
famiacutelia no processo de desenvolvimento musical do estudante identificou-se que a
famiacutelia participa da rotina de estudos e que proporciona momentos de integraccedilatildeo
nos ensaios de repertoacuterio dos estudantes com os demais familiares Isso
desencadeia reflexotildees sobre a importacircncia de seu filho ter contato com um
instrumento musical e de conviver em um grupo instrumental motivando-o para a
permanecircncia no mesmo
Alguns fatos surpreenderam no decorrer desta pesquisa como momentos de
emoccedilatildeo na entrevista com a diretora na fala fervorosa da matildee do Estudante J em
relaccedilatildeo agrave rotina de ensaios musicais do filho e a integraccedilatildeo familiar que promove As
entrevistadas ao responderem aos questionamentos da entrevista emocionaram-se
muito demonstrando a forte relaccedilatildeo advinda da existecircncia do grupo instrumental na
escola
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Deve-se salientar tambeacutem que a pesquisa possibilitou a reflexatildeo sobre os
fazeres pedagoacutegico-musicais da professora de muacutesica atuante na escola a qual
coordena o grupo instrumental investigado Foi possiacutevel neste processo
investigativo constatar a dimensatildeo e a importacircncia desse trabalho na vida dos
estudantes identificando atraveacutes dos depoimentos analisados a responsabilidade
que os profissionais da aacuterea da educaccedilatildeo musical tecircm Eacute importante portanto que
sempre se esteja atento agraves atitudes procedimentos e metodologias utilizados pois
somos importantes neste processo para aleacutem do encantamento do fazer musical
para uma aprendizagem que contribua com a formaccedilatildeo de um ser humano integral
Ao longo da pesquisa outros dados relevantes foram coletados apontando
futuras investigaccedilotildees Desse modo resultaram novos questionamentos como O
que levou outros estudantes a desistirem de participar do grupo instrumental ao
longo de sua trajetoacuteria Qual a importacircncia de os estudantes que participam de um
grupo instrumental terem a oportunidade de manusear diversos instrumentos
musicais
Ao finalizar a investigaccedilatildeo prospecta-se que a mesma possa contribuir para a
construccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para a educaccedilatildeo musical no contexto escolar
Entende-se tambeacutem que este trabalho possa contribuir com a implementaccedilatildeo da
legislaccedilatildeo que dispotildee sobre a inserccedilatildeo da muacutesica nas escolas brasileiras e assim
somar de maneira significativa na vida dos estudantes participantes como no caso
do grupo instrumental pesquisado
Referecircncias BASTIAtildeO Zuraida Abud Praacutetica de conjunto instrumental na educaccedilatildeo baacutesica Muacutesica na Educaccedilatildeo Baacutesica Londrina v4 n4 p 58-69 novembro de 2012
BOZZETTO Adriana Projetos educativos de famiacutelias e formaccedilatildeo musical de crianccedilas e jovens em uma orquestra Porto Alegre 2012 295 f Tese (Doutorado) ndash Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2012 BRASIL Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Paracircmetros curriculares nacionais arte Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia DF 1998116 p
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BRASIL Lei nordm 11769 de 16 de agosto de 2008 Altera a Lei ndeg 9394 de 20 dezembro de 1990 para dispor sobre a obrigatoriedade do ensino de muacutesica na educaccedilatildeo baacutesica Brasiacutelia 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03LEISL9394htmgt Acesso em 15 set 2015 JOLY Maria Carolina Leme JOLY Ilza Zenker Leme Praacuteticas musicais coletivas um olhar para a convivecircncia em uma orquestra comunitaacuteria Revista da ABEM Londrina v19 n26 p 79-91 jul Dez 2011 KRAEMER Rudolf Dimensotildees e funccedilotildees do conhecimento pedagoacutegico musical Em Pauta Porto Alegre v11 n 1617 p 50-73 abrnov 2000 LAVILLE Christian DIONNE Jean A construccedilatildeo do Saber manual de metodologia da pesquisa em ciecircncias humanas Porto Alegre Artmed 1999 MARTINS Heloiacutesa Helena Tde Souza Metodologia qualitativa de pesquisa Educaccedilatildeo e Pesquisa Satildeo Paulo V 30 n2 p 289-300 maioago 2004 Disponiacutevel em lt httpwwwscielobrpdfepv30n2v30n2a07pdfgt Acesso em 25 ago 2015 MORAES Roque Anaacutelise de conteuacutedo Revista Educaccedilatildeo Porto Alegre v 22 n 37 p 7-32 1999 SWANWICK Keith Ensinando muacutesica musicalmente Satildeo Paulo Moderna 2003 VENTURA Magda Maria O estudo de caso como modalidade de pesquisa Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro v 20 n 5 p 383-386 setout 2007 Disponiacutevel em lthttpsociedadescardiolbrsocerjrevista2007_05a2007_v20_n05_art10pdfgt Acesso em 15 ago 2015 WOLFFENBUumlTTEL Cristina Rolim A inserccedilatildeo da muacutesica nos projetos poliacutetico-pedagoacutegicos da educaccedilatildeo baacutesica 1ordf ed Curitiba Editora Prismas 2014 YIN Robert K Estudo de caso planejamento e meacutetodos 2ordf ed Porto Alegre Bookman 2001
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SILVEIRA Izabel Cristina da Teatro para quem A arte de teatrar para todos Revista da Fundarte
Montenegro ano 16 n 32 p 142-162 juldez 2016 Disponiacutevel em
lthttpseerfundartersgovbrindexphpRevistadaFundarteindexgt
TEATRO PARA QUEM A ARTE DE TEATRAR PARA TODOS Um estudo
sobre acessibilidade cultural em espetaacuteculos teatrais no RS
Izabel Cristina da Silveira1
Fundaccedilatildeo de Arte e Cultura de Gravataiacute - FUNDARC
Resumo Este trabalho busca investigar analisar e viabilizar diaacutelogos reflexotildees e percepccedilotildees em torno do tema da acessibilidade cultural sob a oacuteptica do contexto teatral no estado do Rio Grande do Sul com um recorte pontual no municiacutepio de Porto Alegre capital do estado a fim de promover a inclusatildeo social da pessoa com deficiecircncia no acircmbito cultural Para tanto servem como suporte para anaacutelise registros pesquisa e observaccedilotildees de seis grupos de teatro do municiacutepio supracitado e suas relaccedilotildees com o assunto em pauta aleacutem de discussotildees das noccedilotildees de deficiecircncia acessibilidade e Legislaccedilatildeo vigente Palavras-chave Acessibilidade teatro inclusatildeo Abstract This work aims to investigate analyze and facilitate dialogues reflections and insights on the theme of cultural accessibility from the perspective of the theatrical context in the state of Rio Grande do Sul with a point cut in the city of Porto Alegre the state capital to promote social inclusion of persons with disabilities in the cultural sphere To serve both as support for analysis records research and observations six theater groups of the aforementioned municipality and its relations with the subject at hand in addition to discussing the shortcomings notions of accessibility and current legislation Keywords Accessibility theater inclusion
Introduccedilatildeo
[] temos o direito a ser iguais quando a nossa diferenccedila nos inferioriza e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza Daiacute a necessidade de uma igualdade que reconheccedila as diferenccedilas e de uma diferenccedila que natildeo produza alimente ou reproduza as desigualdades (Boaventura de Souza Santos 2003 p56)
A pauta da acessibilidade nos meios de comunicaccedilatildeo e equipamentos
culturais tem se configurado como um importante tema de discussatildeo e luta entre
grupos e sociedade em decorrecircncia dos direitos da pessoa com deficiecircncia Os
esforccedilos neste sentido visam natildeo apenas proporcionar o acesso a produtos
culturais a uma parcela da populaccedilatildeo que se encontra excluiacuteda como tambeacutem
estabelecer um novo patamar de igualdade baseado na valorizaccedilatildeo da diversidade
1 Coordenadora do Departamento de Artes Cecircnicas da Fundarc em Gravataiacute Diretora e professora de teatro na
Cia Teatral Tem Gente no Palco Poacutes Graduada em Acessibilidade Cultural pela UFRJ Graduada em
Licenciatura em Teatro pela UFRGS
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Ao longo dos anos essas reivindicaccedilotildees tecircm provocado diversas mudanccedilas
no comportamento social que passa a identificar a pessoa com deficiecircncia como um
sujeito pertencente agrave sociedade que possui representatividade cidadatilde e econocircmica
Esse reconhecimento gera a necessidade de mudanccedilas e adaptaccedilotildees tambeacutem nas
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas
Sendo assim o presente artigo busca trazer agrave tona tais questionamentos e
fomentar a discussatildeo do assunto problematizando e dialogando a fim de colaborar
efetivamente para a pauta da acessibilidade para todos e buscar alternativas
possiacuteveis para acessibilizar espetaacuteculos teatrais em suas apresentaccedilotildees
Para tanto realizou-se estudo praacutetico-teoacuterico junto a grupos teatrais do estado
do Rio Grande do Sul atuantes na capital Porto Alegre Optou-se por um recorte
pontual no maior centro urbano e cultural do estado com cenaacuterio teatral fortemente
constituiacutedo e onde se localiza o Curso de Graduaccedilatildeo em Teatro em uma das mais
conceituadas Universidades do Brasil ndash a Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS)
Levando-se em conta o grande nuacutemero de grupos teatrais existentes em
Porto Alegre e a impossibilidade de uma pesquisa que abranja todas as demandas
a metodologia deste trabalho teve como base uma amostragem de dados com
pesquisa e acompanhamento de 06 (seis) grupos teatrais profissionais com
empresa constituiacuteda e atuaccedilatildeo no mercado artiacutestico haacute mais de 05 (cinco) anos A
escolha se deu por conhecimento dos grupos e do trabalho que desenvolvem
levando-se em conta tambeacutem a disponibilidade dos mesmos e o contato que
possuem ou natildeo com o tema Para tanto foram selecionados entre os 06 (seis)
grupos pesquisados 02 (dois) que jaacute desenvolvem ou desenvolveram trabalhos em
acessibilidade cultural e outros 04 (quatro) que natildeo tecircm contato direto
A pesquisa caracteriza-se por seu caraacuteter qualitativo e quantitativo visando
compreender e interpretar este grupo determinado comportamento opiniotildees e
expectativas destes indiviacuteduos criando uma base de conhecimentos para depois
quantificaacute-los a partir de entrevista estruturada Este trabalho natildeo tem como intuito
apontar procedimentos certos ou errados mas levantar a problematizaratildeo da
acessibilidade no meio teatral tanto fiacutesico quanto de concepccedilatildeo instigando a
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comunidade artiacutestica e demais a refletir e perceber a necessidade de uma cultura
acessiacutevel a todos propondo ideias e atitudes que de fato promovam a inclusatildeo
social
Com um vieacutes de poliacutetica cultural o estudo levanta dados referentes agraves
poliacuteticas puacuteblicas que estatildeo sendo desenvolvidas no acircmbito da acessibilidade
cultural tendo como base a Lei Federal de Incentivo agrave Cultura (Lei Rouanet) a Lei
de Incentivo agrave Cultura do Estado do Rio Grande do Sul (LIC) e o Fundo Municipal de
Apoio agrave Produccedilatildeo Artiacutestica e Cultural do municiacutepio de Porto Alegre (Fumproarte)
procurando transitar pelas trecircs instacircncias governamentais de fomento agrave cultura no
Brasil
Para melhor fundamentaccedilatildeo alguns referenciais teoacutericos satildeo utilizados e
discutidos ao longo deste trabalho como embasamento para discussotildees acerca da
deficiecircncia e seu processo de inclusatildeo do teatro sob vieacutes acessiacutevel e da legislaccedilatildeo
vigente referente ao tema Em um segundo momento satildeo pontuados assuntos
referentes agrave acessibilidade cultural em espetaacuteculos teatrais tendo como objeto de
estudo os grupos de teatro referidos a partir de entrevistas e aplicaccedilatildeo de
questionaacuterio com perguntas objetivas e abertas sobre a temaacutetica com amostra
teacutecnica dos resultados e anaacutelise discursiva sobre os dados coletados
Entre seus objetivos especiacuteficos alguns jaacute mencionados no corpo deste texto
que serviram de norteadores para o desenvolvimento deste trabalho estatildeo traccedilar
um panoramadiagnoacutestico da inclusatildeo social e cultural da pessoa com deficiecircncia a
partir do enfoque do teatro e seus espetaacuteculos qualificar accedilotildees desenvolvidas ao
encontro das demandas de acessibilidade discutir poliacuteticas puacuteblicas e culturais a
partir da interface com mecanismos de incentivo agrave cultura como Leis e Editais
analisar as dificuldades encontradas pelos grupos pesquisados no processo de
inclusatildeo relacionar o teatro e seu caraacuteter contestador e democraacutetico com a luta por
direitos das pessoas com deficiecircncia ampliar o diaacutelogo e reconhecimento da
importacircncia da igualdade baseada na valorizaccedilatildeo da diversidade
Todos esses objetivos e questionamentos vecircm ao encontro do propoacutesito
maior desta pesquisa que se fundamenta em viabilizar a discussatildeo reflexatildeo e
percepccedilatildeo em torno da acessibilidade cultural dentro do contexto teatral no estado
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do Rio Grande do Sul promovendo assim a inclusatildeo social da pessoa com
deficiecircncia
Contextualizaccedilatildeo histoacuterica social e legal
O teatro surge antes mesmo da Greacutecia Antiga Acredita-se que jaacute na Preacute-
Histoacuteria o Homem para se comunicar representavaencenava suas accedilotildees
principalmente as caccediladas para seus familiares e amigos Era uma maneira luacutedica e
de faacutecil compreensatildeo de contar e preservar sua histoacuteria Natildeo se tinha ainda o
espetaacuteculo teatral que de fato tem sua origem na Civilizaccedilatildeo Grega mas as
primeiras manifestaccedilotildees artiacutesticas comeccedilam a surgir e mais importante que isso o
ato de se comunicar
O espetaacuteculo teatral precisa ser entendido sentido internalizado para
somente entatildeo desempenhar seu papel significador de instrumento social e cultural
Para tanto o seu ato de comunicar deve ser abrangente natildeo seletivo ou excludente
Como arte democraacutetica que eacute deve ou deveria ser para todos
Todos Como Claudia Werneck ndash jornalista escritora e militante em inclusatildeo
social ndash intitula em um dos seus livros ldquoQuem cabe no seu todosrdquo E ao usar a
palavra TODOS a autora convida o leitor a acompanhar suas certezas e anguacutestias
sobre as diretrizes e encaminhamentos da inclusatildeo no Brasil Claudia questiona
instiga potildee agrave prova o que se costuma entender e chamar de Todos A sociedade eacute
constituiacuteda por diferentes Todos totalmente distintos entre si que segundo
Werneck precisam ser ampliados e reconhecidos para entatildeo tornarem-se um
TODOS somente Um TODOS social humano ldquo[] defendo que o direito agrave
igualdade social soacute seraacute garantido com o reconhecimento e a legitimaccedilatildeo de TODAS
as diferenccedilasrdquo (WERNECK 2012 p 29)
A psicoacuteloga e professora Virgiacutenia Kastrup em seu artigo ldquoCegos e videntes se
encontram no museu da dicotomia agrave partilha do sensiacutevelrdquo (p3) reafirma a
importacircncia das diferenccedilas para a construccedilatildeo de uma sociedade mais inclusiva
Eacute preciso atentar para o fato que o mundo comum natildeo eacute feito de igualdades e identidades [] Para o mundo ser comum no sentido amplo e inclusivo ele deve comportar a heterogeneidade Natildeo apenas toleraacute-la mas honrar-se com as muacuteltiplas diferenccedilas que nele habitam (KASTRUP p3)
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O Brasil apresenta segundo uacuteltimo censo do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatiacutestica (IBGE) de 2010 cerca de 456 milhotildees de pessoas com deficiecircncia
239 da populaccedilatildeo que declara ter algum tipo de deficiecircncia Destas a deficiecircncia
visual aparece em maior nuacutemero (188) -- tendo a regiatildeo Sul do paiacutes com maior
abrangecircncia de casos -- seguida pela deficiecircncia fiacutesica (7) e depois auditiva (51)
e intelectual (14) segundo publicaccedilatildeo do Jornal Estadatildeo de 290620122
Com nuacutemeros tatildeo significativos natildeo se pode pensar que a inclusatildeo de
pessoas com deficiecircncia seja um assunto remoto ou longiacutenquo que a sociedade natildeo
esteja ciente e integrada a tal fato Mas o que acontece no campo da praacutetica eacute bem
diverso da teoria
Muito do que se pode constatar eacute que a falta de inclusatildeo da pessoa com
deficiecircncia se reafirma a partir de barreiras atitudinais fundamentadas em uma
cultura histoacuterico-social que construiu um estereoacutetipo de separaccedilatildeo entre pessoas
saudaacuteveis e pessoas ldquodoentesrdquo com problemas leia-se deficiecircncia Quebrar
tais barreiras se torna muito mais difiacutecil do que solucionar barreiras fiacutesicas palpaacuteveis
e concretas
Sob o vieacutes filosoacutefico-social
O homem em sua busca incessante por descobrir-se por encontrar seu lugar
no mundo anseia por elementos que o faccedilam sentir-se ldquovivordquo uacutetil sujeito ativo de
sua histoacuteria Os viacutenculos sociais natildeo fazem parte apenas da necessidade cataacutertica
do ser humano da sua busca por encontrar-se por pertencer a um lugar mas satildeo
tambeacutem laccedilos culturalmente construiacutedos O Homem quer e precisa se sentir parte
integrante da sociedade que o cerca Pessoas agrupam-se em torno de
pensamentos objetivos eou ideais em comum Encontrar semelhantes eacute a
certificaccedilatildeo de sua identidade eacute o natildeo se estar soacute Eacute protegerem-se em seus nichos
sociais de um mundo tantas vezes opressor desigual e competitivo
Diante de uma realidade calcada em valores descartaacuteveis natildeo eacute de se
admirar que atos de solidariedade sejam cada vez mais raros Sendo assim os
sup1 Fonte Agecircncia Brasil de 21082015 via site wwwebccombr
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viacutenculos humanos natildeo se constituem em laccedilos radicados em accedilotildees para o outro
mas sim em benefiacutecio proacuteprio O socioacutelogo Zygmunt Bauman sabiamente destaca
Os viacutenculos humanos satildeo confortavelmente frouxos mas por isso mesmo terrivelmente precaacuterios e eacute tatildeo difiacutecil praticar a solidariedade quanto compreender seus benefiacutecios e mais ainda suas virtudes morais (BAUMAN 2007 P30)
Para tanto ao se pensar em inclusatildeo se faz tambeacutem necessaacuterio aleacutem do
social e histoacuterico voltar o olhar para o intriacutenseco filosoacutefico O que leva as pessoas a
natildeo quererem enxergar o outro em suas especificidades e diversidades Alfredo
Bosi em seu livro Fenomenologia do Olhar nos apresenta este fenocircmeno e como
ele se manifesta ldquo[] o ato de olhar significa um dirigir a mente para um ato de
intencionalidade Eacute ter sua intenccedilatildeo voltada para o objeto de interesserdquo (BOSI
1988 p65) O olhar de cada um possui diferenccedilas e estas estatildeo ligadas agraves suas
vivecircncias o que se consegue captar e lhe eacute significativo O olhar para Bosi como
forma de expressatildeo que reconhece e percebe o outro em sua plenitude
Em um estudo mais intimista da fenomenologia da percepccedilatildeo atraveacutes dos
pensamentos do filoacutesofo e fenomenoacutelogo francecircs Maurice Merleau-Ponty (1908 -
1961) podemos constatar que haacute uma universalidade do sentir e sobre ela que
repousa nossa identificaccedilatildeo a constituiccedilatildeo do eu a generalizaccedilatildeo do corpo e a
percepccedilatildeo do outro onde para Ponty (1994 p 260) ldquotodo o saber se instala no
horizonte da percepccedilatildeordquo e reafirma que ldquose a percepccedilatildeo interpreta ela soacute o faz a
partir do mundo de forma sensiacutevelrdquo Pensar natildeo eacute somente razatildeo mas um refletir
sobre o mundo sensiacutevel A fenomenologia eacute uma atitude de reflexatildeo do fenocircmeno
que se mostra para noacutes na relaccedilatildeo que estabelecemos com os outros no mundo
Os fenocircmenos constituem o mundo como noacutes o experimentamos segundo nossas
experiecircncias e pensamentos Toda nossa relaccedilatildeo com o mundo natildeo teria razatildeo se
natildeo comeccedilasse pela percepccedilatildeo ou seja pelos sentidos Noacutes eacute que buscamos o
sentido daquilo que se mostra
No momento em que se deixa de perceber de olhar o outro e de fato
enxergaacute-lo em suas diferenccedilas e igualdades estes deixam de serem vistos como
possiacuteveis sujeitos de suas histoacuterias Sua autonomia eacute podada por assistencialismos
ou segregaccedilatildeo social A humanizaccedilatildeo dilui-se com a mesma intensidade com que o
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individualismo se enraiacuteza O Homem corre contra o tempo As relaccedilotildees passam a
adquirir um caraacuteter efecircmero e superficial e tudo se torna banal Natildeo basta mais
pertencer a uma sociedade eacute preciso ser o melhor aquele que corre na frente
ldquoCom mais frequecircncia ainda a exclusatildeo tende hoje a ser uma rua de matildeo uacutenicardquo
(BAUMAM 2007 p 75) Vivemos em ldquotempos liacutequidosrdquo
O cerceamento seja fiacutesico intelectual ou cultural se daacute de tal forma que o
indiviacuteduo perde sua autonomia transformando-se mecanicamente em apenas um
produto do meio O teatro surge neste contexto como um desses caminhos
possiacuteveis de serem trilhados como desmistificador de conceitos preestabelecidos
Quem faz essa pergunta ldquoqual eacute a sua utilidaderdquo deve estar atento a si mesmo a essa atitude que leva a negar o valor das aacutervores que natildeo datildeo frutos A aacutervore que natildeo daacute fruto ndash proverbialmente inuacutetil ndash se converte em algo essencial nas cidades sem oxigecircnio (BARBA 1991 p 145)
Quando o teatro entra em cena
Haacute uma diferenccedila fundamental entre a ciecircncia e a arte [] A ciecircncia atua diretamente sobre a realidade modificando-a Pelo contraacuterio a arte modifica os modificadores da sociedade transforma os transformadores (BOAL 1983)
A arte e sua estreita relaccedilatildeo com o homem e a sociedade a qual este
pertence torna-se um importante instrumento de discussatildeo e transformaccedilatildeo social
que natildeo pode ser esquecido nem perdido no emaranhado de modismos que
tendem a surgir Ao pensarmos a arte como elemento transformador capaz de
estabelecer diferentes relaccedilotildees de contextos e olhares somos remetidos agraves
possiacuteveis conexotildees e diaacutelogos que surgem a partir de sua experimentaccedilatildeo Sendo
assim o espectador deixa sua posiccedilatildeo de receptor passivo para ir ao encontro de
relaccedilotildees interativas que lhe permitam conceber seu proacuteprio conhecimento em
relaccedilatildeo agrave arte agrave obra ao espetaacuteculo
Amanda Tojal (2014 p15) a partir da anaacutelise dos processos de comunicaccedilatildeo
museoloacutegica que comeccedilam a se afirmar na sociedade contemporacircnea chama a
atenccedilatildeo para a forma de participaccedilatildeo do sujeito receptor ndash ldquo[] de uma condiccedilatildeo
anteriormente mais passiva como simples assimilador de uma mensagem ndash para
uma condiccedilatildeo mais dialoacutegica isto eacute a de um participante mais ativo no processo de
apreensatildeo e de ressignificaccedilatildeo do objeto cultural []rdquo
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Um equipamento cultural independentemente do segmento ndash museu galeria
teatro biblioteca ndash deve a priori comunicar Estabelecer essa via de comunicaccedilatildeo de
forma efetiva diante do heterogecircneo e oportunizar a qualquer pessoa o acesso e o
contato com a arte e suas manifestaccedilotildees A acessibilidade passa ou deveria passar
mais fortemente para aleacutem da acessibilidade fiacutesica e concreta gerando uma
reflexatildeo sobre como acessibilizar a comunicaccedilatildeo e a interaccedilatildeo A pessoa com
deficiecircncia deve ter atendido seu desejo de se sentir parte integrante do todo de
entender e reconhecer seu direito de pertencimento de ser ouvido de olhar para o
mundo de sentir se relacionar e acima de tudo de ter autonomia e liberdade
A acessibilidade natildeo eacute um favor que estaacute sendo feito eacute um direito de toda
pessoa com deficiecircncia Eacute garantir o direito maior e universal de toda e qualquer
pessoa de ir e vir de sua liberdade Conforme o Glossaacuterio de Acessibilidade
fornecido pelo Curso de Extensatildeo em EAD Acessibilidade em Ambientes Culturais
da UFRGS ndash Universidade Federal do Rio Grande do Sul o termo Acessibilidade
designa
Condiccedilatildeo para utilizaccedilatildeo com seguranccedila e autonomia total ou assistida dos espaccedilos mobiliaacuterios e equipamentos urbanos das edificaccedilotildees dos serviccedilos de transporte e dos dispositivos sistemas e meios de comunicaccedilatildeo e informaccedilatildeo por pessoa com deficiecircncia ou mobilidade reduzida
Sendo assim a acessibilidade cultural discussatildeo geral deste artigo eacute uma
das condiccedilotildees baacutesicas para que pessoas com algum tipo de deficiecircncia possam ter
acesso aos instrumentos e mecanismos de cultura usufruindo de suas
manifestaccedilotildees artiacutesticas
O teatro ensina contesta mostra sugere questiona natildeo se acomoda diante
do passivo do irremediaacutevel E como ainda pessoas ficam fora de suas salas
Como ainda muitas pessoas com deficiecircncia natildeo podem natildeo tecircm como assistir
usufruir de uma peccedila de teatro ir a um teatro consumir cultura viva Porque satildeo
diferentes O que deveria ser comum normal se torna o a mais o plus o
diferencial Ver espetaacuteculos teatrais acessiacuteveis eacute com dia e hora marcada
A arte teatral por si soacute jaacute apresenta uma gama de problemaacuteticas a serem
transpostas Natildeo eacute faacutecil fazer teatro como natildeo eacute faacutecil fazer cultura no Brasil Grupos
normalmente possuem orccedilamentos e recursos reduzidos para montagem de seus
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trabalhos a formaccedilatildeo de plateia eacute uma luta constante a valorizaccedilatildeo e entendimento
da profissionalizaccedilatildeo do artista tem sido uma conquista em pequenas doses Diante
desse quadro parece surgir quase como um ldquoincocircmodordquo a questatildeo da acessibilidade
cultural no meio teatral Proporcionar espetaacuteculos teatrais acessiacuteveis quando natildeo haacute
nem Casas de Teatro acessiacuteveis Quando as instacircncias governamentais acreditam
que os menores orccedilamentos e cortes devem comeccedilar pelas manifestaccedilotildees
artiacutesticas Com uma arbitrariedade latente tais questionamentos corroboram para a
divergecircncia selada entre praacutetica e teoria No entanto assim como nos lembra
Claudia Werneck em seu livro Ningueacutem mais vai ser bonzinho na sociedade
inclusiva ldquosomos cidadatildeos responsaacuteveis pela qualidade de vida do nosso
semelhante por mais diferente que ele seja ou nos pareccedila serrdquo
Tornar espetaacuteculos teatrais acessiacuteveis natildeo eacute uma tarefa faacutecil e comumente
realizada Eacute necessaacuterio um entendimento conhecimento de causa recursos e
profissionais disponiacuteveis para que natildeo se caia na vala comum do ldquofazer por fazerrdquo
Quando se estaacute interferindo tatildeo diretamente na vida de outras pessoas todo o
cuidado eacute pouco e um estudo detalhado de todas as possibilidades viaacuteveis faz a
diferenccedila no resultado final
Atualmente alguns recursos satildeo vistos como fundamentais para serem
aplicados quando a proposta eacute acessibilizar um espetaacuteculo teatral Audiodescriccedilatildeo
Libras (Liacutengua Brasileira de Sinais) Estenotipia (legenda em tempo real) Braile QR
Code (coacutedigo bidimensional) Caixa alta texto simples e contraste Reconhecimento
de palco Rampas de acesso
O Teatro Acessiacutevel passa pela aplicabilidade dessas tecnologias mas
principalmente e fundamentalmente pela quebra das barreiras atitudinais frente agrave
percepccedilatildeo destas questotildees A ldquoEscola de Genterdquo Organizaccedilatildeo Natildeo Governamental
fundada em 2002 por Claacuteudia Werneck no Rio de Janeiro trabalha haacute bastante
tempo o tema da inclusatildeo e tem no teatro na representaccedilatildeo teatral um grande
propagador de luta e difusor dos direitos da pessoa com deficiecircncia no Brasil Tem
como objetivo transformar poliacuteticas puacuteblicas em poliacuteticas inclusivas para que
pessoas com e sem deficiecircncia exerccedilam seus direitos humanos desde a infacircncia
Em 2003 O Grupo Teatro Acessiacutevel ldquoOs Inclusos e os Sisosrdquo da ldquoEscola de
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Genterdquo foi criado como meio de mobilizaccedilatildeo pela diversidade inclusatildeo e
acessibilidade Em 2011 a ldquoEscola de Genterdquo idealizou a campanha ldquoTeatro
Acessiacutevel Arte Prazer e Direitosrdquo e produziu o primeiro espetaacuteculo infantojuvenil
com total acessibilidade no paiacutes o musical rock Um Amigo Diferente que se
tornou o siacutembolo da Campanha Teatro Acessiacutevel Arte Prazer e Direitos
Em 2013 entrou em vigor o Projeto de Lei 61292013 de autoria dos
deputados federais Jean Wyllys Jandira Feghali Mara Gabrilli e Rosinha Adefal
que institui o dia 19 de setembro como o ldquoDia Nacional do Teatro Acessiacutevelrdquo Para os
autores do Projeto ldquoa data ajudaraacute a divulgar a cultura por meio de atividades
cecircnicas que utilizem praacuteticas de acessibilidade fiacutesica e comunicativa a pessoas com
deficiecircnciardquo3
Accedilotildees concretas sendo pensadas e realizadas para o desenvolvimento de
poliacuteticas puacuteblicas que estejam ao encontro de praacuteticas acessiacuteveis no contexto teatral
e cultural
Leis e poliacuteticas puacuteblicas
Por muito tempo as pessoas com deficiecircncia foram vistas como um problema
familiar social e cliacutenico Consideradas ldquoaberraccedilotildeesrdquo de puniccedilotildees divinas ou doentes
incapazes essas pessoas tecircm lutado por seus direitos e conquistas de cidadania
principalmente por ocuparem seu lugar de sujeitos ativos na sociedade a que
pertencem
Por ainda muito se pensar ser um problema familiar e natildeo social a sociedade
vem deixando de dar o suporte necessaacuterio agraves pessoas com deficiecircncia quando o
que se tem eacute uma ldquodiacutevida humana e socialrdquo para com as mesmas
Simplesmente fechar os olhos e fingir natildeo estar vendo tapar os ouvidos e se
isentar de qualquer responsabilidade natildeo resolve o problema Ter acesso aos
instrumentos culturais agrave cultura eacute um direito universal e constitucional de todo e
qualquer cidadatildeo ldquoA Constituiccedilatildeo Brasileira eacute inclusiva [] natildeo eacute integradora
porque natildeo admite que apenas em determinadas condiccedilotildees o exerciacutecio dos direitos
3 Disponiacutevel em ltwwwcamaralegbrgt Acesso em 03 de julho de 2014
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humanos seja observado exercido exigidordquo (WERNECK 2012 P 62) Conforme
afirmaccedilatildeo do Artigo 215 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
Art 215 O Estado garantiraacute a todos o pleno exerciacutecio dos direitos culturais e acesso agraves fontes da cultura nacional e apoiaraacute e incentivaraacute a valorizaccedilatildeo
e a difusatildeo das manifestaccedilotildees culturais
A inclusatildeo da pessoa com deficiecircncia e mais especificamente o tema da
Acessibilidade Cultural tem conquistado seu espaccedilo diante do poder puacuteblico e
poliacutetico Leis de direitos satildeo aprovadas discussotildees traccediladas e reivindicaccedilotildees
formuladas A Lei Brasileira de Inclusatildeo da Pessoa com Deficiecircncia Lei 131462015
foi uma das grandes conquistas na luta pela inclusatildeo onde especifica em seu
capiacutetulo IX e artigo 42 que
A pessoa com deficiecircncia tem direito agrave cultura ao esporte ao turismo e ao lazer em igualdade de oportunidades com as demais pessoas sendo-lhe garantido o acesso I - a bens culturais em formato acessiacutevel II - a programas de televisatildeo cinema teatro e outras atividades culturais e desportivas em formato acessiacutevel
Sendo assim na legislaccedilatildeo mais recente que temos de defesa dos direitos da
pessoa com deficiecircncia em nosso paiacutes haacute a garantia por parte destes ao acesso
agraves atividades culturais entre elas o teatro Lei esta que origina o Estatuto da
Pessoa com Deficiecircncia ldquoum dos mais importantes instrumentos de emancipaccedilatildeo
civil e social dessa parcela da sociedaderdquo segundo o Senador Paulo Paim (autor da
Lei) que entrou em vigor no dia 02 de janeiro de 2016 O Estatuto da Pessoa com
Deficiecircncia traz regras e orientaccedilotildees para que os direitos dessa parcela da
populaccedilatildeo sejam garantidos e estabelece puniccedilotildees para atitudes discriminatoacuterias ldquoO
documento consolida as leis existentes e avanccedila nos princiacutepios da Cidadaniardquo
reitera Paim
Em seu Capiacutetulo IX ndash Do Direito agrave Cultura ao Esporte ao Turismo e ao Lazer
Art 43 prevecirc ldquoO poder puacuteblico deve promover a participaccedilatildeo da pessoa com
deficiecircncia em atividades artiacutesticas intelectuais culturais esportivas e recreativas
com vistas ao seu protagonismordquo
Outro importante marco legislatoacuterio no referente agrave acessibilidade cultural eacute o
Plano Nacional de Cultura (PNC) ldquoinstituiacutedo pela Lei 12343 de 02 de dezembro de
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2010 tem por finalidade o planejamento e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
longo prazo (ateacute 2020) voltadas agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da diversidade cultural
brasileirardquo (Ministeacuterio da Cultura)
Em especial a Meta 29 do Ministeacuterio da Cultura que se refere agrave
acessibilidade de espaccedilos e instrumentos culturais afirmando que
100 de bibliotecas puacuteblicas museus cinemas teatros arquivos puacuteblicos e centros culturais devem atender aos requisitos legais de acessibilidade e desenvolver accedilotildees de promoccedilatildeo da fruiccedilatildeo cultural por parte das pessoas com deficiecircncia
Seguindo a linha de referenciais norteadores no tema da acessibilidade
temos como leitura obrigatoacuteria a publicaccedilatildeo do livro Nada sobre noacutes sem Noacutes
relatoacuterio final da Oficina Nacional de Indicaccedilatildeo de Poliacuteticas Puacuteblicas Culturais para
Inclusatildeo de Pessoas com Deficiecircncia que se realizou na cidade do Rio de Janeiro
no periacuteodo de 16 a 18 de outubro de 2008 numa parceria da Secretaria da
Identidade e da Diversidade Cultural do Ministeacuterio da Cultura (SIDMinC) com a
Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Ministeacuterio da Sauacutede e com apoio da Caixa
Econocircmica Federal (CEF) Esta Oficina foi destinada a artistas gestores puacuteblicos
pesquisadores e agentes culturais da sociedade civil representativos do campo da
produccedilatildeo cultural das pessoas com deficiecircncia Conforme consta na introduccedilatildeo
desta publicaccedilatildeo o objetivo dessa oficina foi
Indicar diretrizes e accedilotildees no sentido de contribuir para a construccedilatildeo de poliacuteticas culturais de patrimocircnio difusatildeo fomento e acessibilidade para pessoas com deficiecircncia A oficina foi constituiacuteda a partir de um processo participativo e por isso adotamos o lema lsquoNada sobre Noacutes sem Noacutesrsquo
Por fim um dos documentos mais significativos de orientaccedilatildeo para poliacuteticas
puacuteblicas direcionadas agraves pessoas com deficiecircncia eacute a Convenccedilatildeo dos Direitos das
Pessoas com Deficiecircncia da ONU de 2008 em que o Brasil eacute um dos paiacuteses
signataacuterios ou seja aceitou estar juridicamente vinculado agrave obrigaccedilatildeo de tratar as
pessoas com deficiecircncia como sujeitos de direito com direitos bem definidos tal
como qualquer outra pessoa A Convenccedilatildeo eacute um Tratado Internacional de Direitos
Humanos aprovado na Assembleia Geral da ONU em 13 de dezembro de 2006 e
assinado pelo Brasil em 30 de marccedilo de 2007 Entrou em vigor em 03 de maio de
2008 apoacutes ter sido ratificado por 20 (vinte) paiacuteses membros das Naccedilotildees Unidas Eacute
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um instrumento que reafirma os princiacutepios universais (dignidade integralidade
igualdade acessibilidade e natildeo discriminaccedilatildeo) a todos os cidadatildeos em particular agraves
pessoas com deficiecircncia Tem como objetivo promover proteger e assegurar o
exerciacutecio pleno de todos os direitos humanos e fundamentais por parte de todas as
pessoas com deficiecircncia e promover o respeito pela sua dignidade
Metodologia A partir de uma pesquisa praacutetica teoacuterica 06 (seis) grupos de teatro do
municiacutepio de Porto Alegre no estado do Rio Grande do Sul foram entrevistados
respondendo um questionaacuterio com perguntas objetivas e abertas e instigados a
dialogar sobre a pauta da acessibilidade cultural no meio teatral Para uma base
analiacutetica e de avaliaccedilatildeo com os referidos grupos o estudo daraacute conta
primeiramente de discutir as Leis de Incentivo agrave Cultura uma federal ndash Lei Rouanet
uma estadual ndash LIC e um Fundo Municipal de Apoio agrave Produccedilatildeo Artiacutestica e Cultural
do municiacutepio de Porto Alegre ndash FUMPROARTE transitando assim pelas trecircs
esferas governamentais
A Lei Federal de Incentivo agrave Cultura (Lei nordm 8313 de 23 de dezembro de
1991) eacute a lei que institui poliacuteticas puacuteblicas para a cultura nacional atraveacutes do
Programa Nacional de Apoio agrave Cultura (Pronac) O grande diferencial da Lei
Rouanet eacute o mecanismo de incentivos fiscais em deduccedilotildees do Imposto de Renda
(IR) fornecidos agraves empresas (pessoas juriacutedicas) e cidadatildeos (pessoas fiacutesicas) que
invistam em accedilotildees culturais em um percentual de 4 e 6 respectivamente
A Lei surgiu com o intuito de fomentar e estimular as empresas e cidadatildeos a
investirem em cultura aleacutem de efetivamente promover poliacutetica cultural em
acessibilidade Conforme sua Instruccedilatildeo Normativa Nordm 1 de 24 de junho de 2013
para propostas e projetos culturais define em seu Art 3ordm as medidas de
acessibilidade que devem ser observadas
XI ndash medidas de acessibilidade intervenccedilotildees que objetivem priorizar ou facilitar o livre acesso de idosos e pessoas com deficiecircncia ou mobilidade reduzida assim definidos em legislaccedilatildeo especiacutefica de modo a possibilitar-lhes o pleno exerciacutecio de seus direitos culturais por meio da disponibilizaccedilatildeo ou adaptaccedilatildeo de espaccedilos equipamentos transporte comunicaccedilatildeo e quaisquer bens ou serviccedilos agraves suas limitaccedilotildees fiacutesicas
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sensoriais ou cognitivas de forma segura de forma autocircnoma ou acompanhada []
Jaacute na Lei de Incentivo agrave Cultura do Estado do Rio Grande do Sul (LIC) natildeo haacute
referecircncias ao campo da acessibilidade Em sua Instruccedilatildeo Normativa Nordm 01 de 29
de fevereiro de 2016 da Secretaria da Cultura do Estado (SEDAC) natildeo haacute qualquer
menccedilatildeo ao tema A LIC assim como o FAC ndash Fundo de Apoio agrave Cultura fazem
parte do Sistema Unificado PROacute-CULTURA do RS programa que consiste no apoio
e fomento agraves atividades culturais do estado
Poderatildeo ser beneficiados pela LIC projetos culturais nas aacutereas de artes
plaacutesticas e grafismos artes cecircnicas e carnaval de rua cinema e viacutedeo literatura
muacutesica artesanato e folclore acervo e patrimocircnio histoacuterico e cultural
Aprovada e sancionada em 19 de agosto de 1996 a Lei Nordm 10846 (LIC)
institui a deduccedilatildeo fiscal de ICMS em ateacute 75 do valor aplicado pela empresa em
projetos culturais sendo os outros 25 repassados pelo patrocinador ao FAC
instituiacutedo pela Lei Nordm 11706 de 18 de dezembro de 2001 que tem por finalidade
financiar projetos culturais em 100 do seu valor e fomentar a produccedilatildeo artiacutestico-
cultural do Rio Grande do Sul mas tambeacutem natildeo apresenta criteacuterios referentes agrave
acessibilidade de forma obrigatoacuteria em seus editais destinados agraves Artes Cecircnicas
mais especificamente agrave aacuterea do teatro
O Fundo Municipal de Apoio agrave Produccedilatildeo Artiacutestica e Cultural do municiacutepio de
Porto Alegre (FUMPROARTE) que eacute gerido pela Secretaria Municipal da Cultura
deste municiacutepio foi criado como forma de apoio agrave produccedilatildeo artiacutestica local com a
finalidade de financiar projetos de bolsas de pesquisa e de produccedilatildeo artiacutestico-
cultural Criado pela Lei Nordm 7328 de 04 de outubro de 1993 o FUMPROARTE abre
normalmente dois concursos anuais que satildeo divulgados atraveacutes de editais puacuteblicos
Podem concorrer ao Edital de Projetos apresentados pessoas fiacutesicas ou juriacutedicas
que proponham accedilotildees em qualquer aacuterea cultural
Analisando seu uacuteltimo edital de 2015 eacute possiacutevel observar que no capiacutetulo 4
Inscriccedilatildeo no item 43 Retorno de Interesse Puacuteblico no subitem 434 consta que ldquoos
projetos poderatildeo contemplar ainda accedilotildees de promoccedilatildeo de acessibilidade para
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pessoas com deficiecircncia []rdquo O que evidencia a sua natildeo obrigatoriedade
(ldquopoderatildeordquo) do criteacuterio ldquoacessibilidaderdquo para avaliaccedilatildeo dos projetos
Propondo um melhor entendimento e relaccedilatildeo com os resultados obtidos na
pesquisa os grupos entrevistados seratildeo aqui brevemente contextualizados
Grupo Las Brujas Cia de Teatro e Feiticcedilos
Tempo de atuaccedilatildeo 05 anos Integrantes 07 pessoas
O grupo surge em 2011 e em 2012 criou o espetaacuteculo infantil ldquoA Menina do
Cabelo Vermelhordquo que atraveacutes de sua personagem ldquoFiloacuterdquo busca trabalhar a
diversidade e inclusatildeo Em 2013 o grupo firmou uma parceria com a OVNI
Acessibilidade Universal ndash empresa com sede em Porto AlegreRS que produz
audiodescriccedilatildeo (AD) e legendas para surdos e ensurdecidos (LSE) ndash e consolidou-
se como o primeiro trabalho de teatro infantil da Regiatildeo Sul a proporcionar recurso
de audiodescriccedilatildeo aberta (onde natildeo satildeo utilizados aparelhos individuais para a
recepccedilatildeo) em suas sessotildees Aleacutem de audiodescriccedilatildeo em 2014 o espetaacuteculo teve
sessotildees com traduccedilatildeo simultacircnea em Libras ndash Liacutengua Brasileira de Sinais -- para
pessoas com deficiecircncia auditiva e distribuiacuteram livros e aacuteudios-livro ao puacuteblico
presente
Teatro Sarcaustico
Tempo de atuaccedilatildeo 12 anos Integrantes 13 pessoas
Com uma formaccedilatildeo de 12 (doze) anos o grupo que surgiu dentro do
Departamento de Arte Dramaacutetica da UFRGS jaacute tem um longo caminho de trabalhos
e espetaacuteculos montados notoriamente reconhecidos pelo puacuteblico e criacutetica Sua linha
de trabalho estaacute embasada no corpo e suas manifestaccedilotildees improvisaccedilotildees intensas
textos e criaccedilotildees proacuteprias
Uma das coordenadoras do grupo comenta que ele esteve sempre tatildeo
preocupado em trabalhar se autossustentar por tratar-se de um grupo
independente que a questatildeo da acessibilidade lhes passou ldquobatidordquo Algo novo para
se pensar mas que nunca realizaram nenhuma accedilatildeo contemplando a temaacutetica e a
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falta de recursos e orccedilamentos por si soacute jaacute eacute um grande complicador para
acessibilizar espetaacuteculos
Apesar de natildeo trabalharem direto com a questatildeo da acessibilidade o grupo
estaacute preocupado em discutir e dialogar sobre a diversidade a exclusatildeo Um dos
seus uacuteltimos espetaacuteculos uma montagem infantil ndash ldquoFranky Frankenstein um
Divertido conto de Terror sobre Amizaderdquo - aborda a ldquodiferenccedilardquo a diversidade no
mundo atual
Rococoacute Produccedilotildees Artiacutesticas e Culturais
Tempo de atuaccedilatildeo 05 anos Integrantes 02 coordenadores + 10 colaboradores
diretos
A empresa e grupo de teatro Rococoacute surgem a partir de dois atores e
bailarinos que trabalham em uma linha de investigaccedilatildeo da cultura tradicionalista
gauacutecha pluralidades de linguagens e formaccedilatildeo de plateia atraveacutes de editais
prefeituras SESC educaccedilatildeo escolas oficinas e assessoria em projetos culturais
Seu uacuteltimo espetaacuteculo ldquoEra uma vezContos Lendas e Cantigasrdquo do Projeto
ldquoA Visita da Fantasiardquo eacute bastante narrativo o que acredita Henrique ajuda que
pessoas com deficiecircncia visual possam entendecirc-lo melhor Fazem tambeacutem
reconhecimento de palco cenaacuterio figurinos quando haacute alguma deficiecircncia visual
Mas Henrique expressa a dificuldade de conhecimento que se tem sobre
acessibilidade no meio artiacutestico de entendimento ldquoNatildeo se pensa no assunto natildeo
enxergamosrdquo Disse que chegaram a pensar somente quando o espetaacuteculo jaacute estava
circulando
Grupo Trilho de Teatro Popular
Tempo de atuaccedilatildeo 10 anos Integrantes 05 pessoas
O Grupo Trilho trabalha essencialmente na linha social e didaacutetica de Bertolt
Brecht e do clown nas oficinas e montagens de seus espetaacuteculos Satildeo um grupo
independente que participa de editais mas seus orccedilamentos partem mais da venda
de espetaacuteculos e oficinas
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Um dos coordenadores e fundadores do grupo fala de nunca terem
trabalhado a questatildeo da acessibilidade e nem pensarem em aplicaacute-la por
desconhecimento do assunto pela falta de recursos financeiros e por serem outras
as demandas tratadas pelo grupo mesmo que de minorias como preconceito
racismo sexualidade gecircnero a pauta da deficiecircncia nunca esteve presente
Apesar de natildeo trabalharem diretamente com acessibilidade Daniel frisa que o
teatro de rua muito presente nos espetaacuteculos do grupo por sua democratizaccedilatildeo eacute
em partes mais acessiacutevel
Associaccedilatildeo Cultural Depoacutesito de Teatro
Tempo de atuaccedilatildeo 20 anos Integrantes 06 pessoas
O Grupo Depoacutesito do Teatro eacute uma entidade cultural sem fins
lucrativos fundada em 1996 Durante todos seus anos de atuaccedilatildeo produziu e
montou mais de 25 espetaacuteculos profissionais reconhecidos pela criacutetica e puacuteblico
conquistando inuacutemeras indicaccedilotildees e precircmios do Trofeacuteu Accedilorianos e Tibicuera da
Prefeitura de Porto Alegre
O grupo tem como um de seus principais objetivos a ldquotroca humana a
constituiccedilatildeo de sujeitos criativos autecircnticos e profundamente sensiacuteveisrdquo relata o
diretor e fundador da Associaccedilatildeo Cultural Depoacutesito de Teatro Poreacutem afirma
tambeacutem nunca terem trabalho acessibilidade ou com recursos acessiacuteveis em seus
espetaacuteculos ou oficinas
Grupo Signatores (Teatro com Surdos)
Tempo de atuaccedilatildeo 06 anos Integrantes 14 pessoas
O Signatores eacute um grupo de teatro biliacutengue sendo a primeira liacutengua a Liacutengua
Brasileira de Sinais (LIBRAS) e a segunda o Portuguecircs E os membros do grupo
satildeo pesquisadores e professores especialistas na aacuterea de Educaccedilatildeo e Artes da
Comunidade Surda
Todos os seus espetaacuteculos satildeo representados por atores surdos em LIBRAS
e acompanhados por personagens narradores aacuteudio em Portuguecircs Os espetaacuteculos
apresentados pelo grupo foram ldquoAventuras no Reino Surdordquo ldquoMemoacuteria na Ponta dos
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Dedosrdquo ldquoO ensaio de Alicerdquo e ldquoAlice no Paiacutes das Maravilhasrdquo O grupo jaacute foi
contemplado com vaacuterios Editais a niacutevel municipal e estadual e financiamento
atraveacutes da Lei Rouanet
Em entrevista com a diretora ela pontua as diretrizes de trabalho do
Signatores Este que tem se mostrado um grupo bastante atuante no Estado quando
o assunto eacute inclusatildeo social acessibilidade e diversidade ldquoA proposta do Grupo
Signatores eacute incentivar a formaccedilatildeo de docentes e pesquisadores na aacuterea teatral e
aproximar jovens e adultos surdos dos palcos investigando as possibilidades de
criaccedilatildeo artiacutestica dos surdos [] invertendo a loacutegica vigenterdquo
Resultados de dados
Com base no questionaacuterio aplicado no acompanhamento e entrevistas aos
grupos surgem os diferentes questionamentos quanto ao entendimento e
conhecimento sobre questotildees referentes agrave acessibilidade e suas legislaccedilotildees assim
como aplicabilidade dos recursos acessiacuteveis O Graacutefico 1 denota que a maioria dos
grupos entrevistados jaacute teve contato com tema sobre acessibilidade cultural
(pergunta 1) e em uma quase equivalecircncia jaacute trabalhou com pessoas com
deficiecircncia ou teve acesso a recursos acessiacuteveis (perguntas 2 e 3) Em sua maioria
jaacute participou de algum edital de Lei de Incentivo agrave cultura (pergunta 4)
GRAacuteFICO 1
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Jaacute no Graacutefico 2 evidencia-se o desconhecimento de Poliacuteticas Puacuteblicas e
Legislaccedilatildeo sobre o tema da acessibilidade cultural (perguntas 5 e 8) As perguntas 6
e 7 referem-se respectivamente agrave existecircncia de grupos de teatro que trabalham
com recursos acessiacuteveis em seus projetos e se haacute Casas de Teatro acessiacuteveis em
Porto Alegre Todos os grupos pontuaram a falta de um conhecimento maior e
percepccedilatildeo em relaccedilatildeo ao assunto pautado e natildeo se consideram ldquoacessiacuteveisrdquo de
forma plena e eficaz Evidenciou-se o interesse de todos em pensar discutir e
aprender mais sobre acessibilidade
GRAacuteFICO 2
Conclusotildees
Com base nos resultados obtidos com as pesquisas e discussotildees pode-se
avaliar que poliacuteticas puacuteblicas que garantam os direitos culturais das pessoas com
deficiecircncia devem transitar por todas as esferas governamentais e natildeo ficarem
restritas ao acircmbito burocraacutetico que muitas vezes as consolidam O diaacutelogo entre
poder puacuteblico Instituiccedilotildees e gestores culturais eacute de cunho fundamental para a
articulaccedilatildeo de propostas e medidas inclusivas que de fato consolidem-se no cenaacuterio
cultural
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O que temos visto ainda eacute uma consciecircncia social muito enraizada e que
precisa ser constantemente trabalhada em barreiras atitudinais que natildeo permitem
ampliar a visatildeo quando o que estaacute em pauta satildeo as deficiecircncias Sabemos que
atraveacutes da cultura e educaccedilatildeo caminharemos para um futuro mais promissor com
menos desigualdades sociais menos violecircncia mais possibilidades ldquoO teatro
permite a construccedilatildeo de mentes mais livres e de cidadatildeos mais esclarecidos e
ativosrdquo (VIGANOacute 2006 p 36)
O olhar sentir o outro satildeo premissas baacutesicas para o comunicar Natildeo haacute
construccedilatildeo de relaccedilotildees sociais e humanas se natildeo houver o reconhecimento do outro
como parte integrante de nossas vidas
Natildeo basta um pouco de eacutetica uma pitada de cidadania toques de cumplicidade um quecirc de direitos fundamentais Sempre que discutirmos estes assuntos agraves uacuteltimas consequecircncias estaremos colaborando para resolver a principal questatildeo incluir pessoas com deficiecircncia [] no TODOS social incondicionalmente (WERNECK 2012 p 27)
Referecircncias BARBA Eugenio Aleacutem das ilhas flutuantes Campinas SP Hucitec 1991 BAUMAN Zygmunt Tempos Liacutequidos Rio de Janeiro Jorge Zahar 2007 BOAL Augusto 200 exerciacutecios e jogos para o ator e o natildeo-ator com vontade de dizer algo atraveacutes do teatro 5ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo SA 1983 BOSSI Alfredo Fenomenologia do olhar In BOSSI A O Olhar Satildeo Paulo Companhia das Letras 1988 BRASIL Ministeacuterio da Cultura As metas do Plano Nacional de Cultura Brasiacutelia Ministeacuterio da Cultura 2012 Disponiacutevel em lt httpswwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102010leil12343htmgt Acesso em 21 de dezembro de 2016 BRASIL Constituiccedilatildeo Federal 1988 BRASIL Convenccedilatildeo dos Direitos das Pessoas com Deficiecircncia da ONU 2008 Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2007-20102009DecretoD6949htmgt Acesso em 21 de dezembro de 2016
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KASTRUP Virinia Vergara Luiz Guilherme Cegos e videntes se encontram no museu da dicotomia agrave partilha do sensiacutevel Ineacutedito MERLEAU-PONTY Maurice Fenomenologia da Percepccedilatildeo Martins Fontes 1994 Oficina Nacional de Indicaccedilatildeo de Poliacuteticas Puacuteblicas Culturais para Inclusatildeo de Pessoas com Deficiecircncia Nada sobre noacutes sem noacutes Relatoacuterio final 16 a 18 de outubro de 2008 Rio de janeiro Rj ENSPFIOCRUZ 2009 SANTOS Boaventura de Sousa Reconhecer para libertar os caminhos do cosmopolitanismo multicultural Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 TOJAL Amanda Pinto da Fonseca Comunicaccedilatildeo museoloacutegica e accedilatildeo educativa inclusiva mudanccedila de paradigmas In CARDOSO Eduardo CUTY Jeniffer (Org) Acessibilidade em ambientes culturais relatos de experiecircncias Porto Alegre Marcavisual 2014 VIGANOacute Suzana Schmidt As regras do jogo a accedilatildeo sociocultural em teatro e o ideal democraacutetico Satildeo Paulo Hucitec 2006 WERNECK Claudia Ningueacutem mais vai ser bonzinho na sociedade inclusiva Rio de Janeiro Editora WVA 2009 WERNECK Claudia Quem cabe no seu todos Rio de Janeiro Editora WVA 2006
4 | P aacute g i n a
EDITORIAL
Nesta 32ordf ediccedilatildeo da Revista da FUNDARTE oferecemos aos nossos leitores
oito artigos centrados nas aacutereas das artes visuais muacutesica teatro educaccedilatildeo criadora
e cinema Eles estatildeo perpassados por enfoques educativos teoacutericos e artiacutesticos e
ancorados no tema ldquoArte e Educaccedilatildeo poeacutetica pesquisa e docecircnciardquo As
abordagens dos autores contemplam diferentes pontos de vista ora apresentando
processos artiacutesticos e performances ora refletindo sobre a pedagogia e a accedilatildeo
docente Eacute um panorama diversificado com propostas que enriquecem as discussotildees
em torno do tema
O primeiro artigo denominado ldquoA polifonia tonal na cifra alfanumeacuterica da
muacutesica popular uma proposta analiacutetica fundamentada em trecircs estudos de casordquo
de Marcio Guedes Correa do Instituto de Artes da Unesp apresenta estudos de caso
na aacuterea da muacutesica que reforccedilam a importacircncia do contraponto tanto para a
organizaccedilatildeo do ensino da muacutesica popular quanto para a compreensatildeo do saber
musical Almada e Lima satildeo alguns dos autores que datildeo suporte agrave investigaccedilatildeo
Idalina Krause de Campos da UFRGS discorre em seu artigo ldquoFazer
tradutoacuterio em educaccedilatildeo com Paul Valeacutery espiritografiasrdquo sobre conceitos de
leitura e escrita (escrileitura) e Filosofia da Diferenccedila entre outros que buscam
desenvolver uma consciecircncia da importacircncia do processo de pensar A pesquisa da
autora trata de uma praacutetica de ensino criadora centrada na obra de Valeacutery com
aportes teoacutericos tambeacutem de Deleuze e Corazza
As experiecircncia realizadas com diferentes meios e modos de produzir imagens
satildeo o foco do artigo ldquoGravura procedimentos alternativos em litografia
contemporacircneardquo de Ana Paula Schoninger van Grol da FeevaleNH
Procedimentos tradicionais satildeo inter-relacionados com processos de tecnologias
digitais propondo novas possibilidades de criaccedilatildeo de matrizes e aproveitamento de
materiais alternativos Blauth e Veneroso contribuem para o estudo da autora
5 | P aacute g i n a
Fernando Lewis de Mattos da UFRGS em seu ensaio ldquoPluralia Tantum
reflexotildees sobre a muacutesica contemporacircneardquo apresenta elementos histoacutericos da
esfera musical e discorre sobre caracteriacutesticas da muacutesica contemporacircnea Aponta
paralelamente aspectos do conservadorismo da muacutesica atual presentes em nosso
cotidiano Suas argumentaccedilotildees apoiam-se em extensa bibliografia da qual citamos
Buckinx e Koellreutter
ldquoProvocaccedilotildees (des)continuidades desfechos potecircncia edu(vo)cativa
das imagens fiacutelmicas na formaccedilatildeo docenterdquo aborda o cinema como dispositivo
provocador de formaccedilatildeo docente que conforme o autor Lutiere Dalla Valle da
UFSM ldquoproduz formas de ver e ser vistordquo O texto estabelece relaccedilotildees entre arte e
subjetividade presentes na cinematografia e explora o conceito de edu(vo)cativo
identificado nas aprendizagens mediadas pelas visualidades Contribuem para as
reflexotildees Dias Fresquet e Hernaacutendes
Fernando Pinheiro Villar aborda a pluraridade do conceito de performances
artiacutesticas relacionadas ao desempenho no seu artigo PerfomanceS Para o autor o
significado de desempenho afirma a observaccedilatildeo analiacutetica de comportamentos
humanos podendo significar comportamentos que se repetem ou accedilotildees cotidianas
que satildeo ensaiadas ou preparadas e observadas Segundo o autor ldquouma performance
sem consciecircncia do fato de estar sendo vista como tal pode significar uma
performance cotidiana cultural ou socialrdquo
Cristina Rolim Wolffenbuumlttel Pacircmela Goumlethel Dutra e Ana Maria Bueno
Accorsi no artigo Estudo sobre a participaccedilatildeo de estudantes em um Grupo
Instrumental apresenta a pesquisa realizada em uma escola Municipal de TaquariR
que teve como objetivo compreender a importacircncia da participaccedilatildeo dos alunos em
grupos instrumentais diante das diversas possiblidades da inserccedilatildeo da muacutesica a partir
da nova legislaccedilatildeo
Como promover a inclusatildeo social da pessoa com deficiecircncia no acircmbito cultural
eacute a preocupaccedilatildeo de Izabel Cristina da Silveira da FUNDARCRS expressa no artigo
6 | P aacute g i n a
ldquoTeatro para quem A arte de teatrar para todos um estudo sobre
acessibilidade cultural em espetaacuteculos teatrais no RSrdquo que fecha esta Revista O
estudo praacutetico-teoacuterico desvela discussotildees questionamentos e legislaccedilatildeo em torno do
tema na tentativa de buscar alternativas para a acessibilidade Barba Tojal e
Werneck satildeo alguns dos teoacutericos consultados
Agradecemos imensamente aos que enviaram seus artigos para compor a 32ordf
Revista da FUNDARTE Desejamos uma boa leitura e que as reflexotildees oferecidas
pelos autores contribuam para a busca de novos e inquietantes saberes
Maria Isabel Petry Kehrwald Conselho Editorial da Revista
7 | P aacute g i n a
CORREA Marcio Guedes A polifonia tonal na cifra alfanumeacuterica da muacutesica popular uma proposta analiacutetica
fundamentada em trecircs estudos de caso Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 7-14 juldez 2016
Disponiacutevel em lthttpseerfundartersgovbrindexphpRevistadaFundarteindexgt
A polifonia tonal na cifra alfanumeacuterica da muacutesica popular uma proposta
analiacutetica fundamentada em trecircs estudos de caso
Marcio Guedes Correa1
Instituto de Artes da Unesp
Resumo O repertoacuterio estudado nos cursos formais de muacutesica popular eacute em grande parte tonal de textura homofocircnica estruturado como melodia acompanhada No entanto eacute possiacutevel reconhecer estruturas polifocircnicas subordinadas agrave homofonia dos acompanhamentos instrumentais frequentemente realizados para acompanhar canccedilotildees Pode-se conjecturar que tais estruturas estejam presentes no repertoacuterio como um eco da polifonia vocal do renascimento e do barroco jaacute que muitas escolhas de acordes se datildeo ldquode ouvidordquo e natildeo necessariamente por uma opccedilatildeo teacutecnica e funcional em relaccedilatildeo agrave harmonia Portanto a harmonia informalmente chamada de funcional da muacutesica popular pode carregar em si diversas expectativas de direccedilatildeo ou resoluccedilatildeo que satildeo mais de ordem meloacutedica do que harmocircnica Este estudo espera contribuir para a revalorizaccedilatildeo do estudo de contraponto dentro das matrizes curriculares de muacutesica popular jaacute que eacute notoacuterio que tal disciplina vem sendo extinta do ambiente formal de educaccedilatildeo musical Palavras-chave ensino da muacutesica popular cifra alfanumeacuterica polifonia em muacutesica popular contraponto em muacutesica popular Abstract The repertoire studied in formal courses of popular music is largely tonal It has homophonic texture and itrsquos structured as na accompanied melody However it is possible to recognize polyphonic structures under the homophone of instrumental accompaniments often performed to accompany songs One can conjecture that such structures are present in the repertoire as an echo of the vocal polyphony of the Renaissance and the Baroque as many chord choices are given by ear and not necessarily by a technical and functional option with regard to harmony Therefore the functional harmony informally called popular music can load itself diverse expectations of management or resolution that are more melodic than harmonic order This study hopes to contribute to the upgrading of counterpoint study within the curriculum matrices of popular music as it is clear that this discipline is being extinguished of the formal setting of music education Keywords teaching of popular music alphanumeric cipher polyphony in popular music counterpoint in popular music
Primeiro estudo de caso o movimento meloacutedico do baixo impliacutecito na cifra do
choro em Um a Zero de Pixinguinha
No ensino do repertoacuterio popular eacute muito comum a utilizaccedilatildeo de partituras que
contecircm melodias cifradas Esta forma de registro musical oferece a melodia principal
(anaacuteloga ao cantus firmus) grafada em partitura o que garante uma certa precisatildeo
na compreensatildeo dessa camada mas todos os outros elementos componentes da
1 Graduado em Licenciatura em Muacutesica pela FAAM mestre em muacutesica pelo Instituto de Artes da Unesp Doutorando em muacutesica da Unesp ndash Instituto de Artes sob orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Sonia R Albano de Lima Contato correamarcioguedesgmailcom
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elaboraccedilatildeo musical ficam representados unicamente pela cifra alfanumeacuterica A cifra
confere ao interprete um grau de liberdade desejaacutevel na muacutesica popular mas essa
mesma liberdade pode ser em alguma medida prejudicial no ensino de muacutesica
popular quando se trata da compreensatildeo total do discurso a praacutetica aliada a
compreensatildeo racional do fazer musical
A cifra alfanumeacuterica da muacutesica popular eacute em primeira instacircncia uma
representaccedilatildeo de simultaneidades mais especificamente dos acordes da muacutesica
tonal Mas da informaccedilatildeo harmocircnica que a cifra oferece eacute possiacutevel depreender
tambeacutem procedimentos meloacutedicos complementares agrave melodia principal ou seja do
contraponto impliacutecito e subordinado agrave estrutura homofocircnica Pode-se considerar que
o caso mais audiacutevel estaacute nas melodias empregadas no baixo Em cifras em que haacute
fartura de acordes com inversatildeo percebe-se uma clara intenccedilatildeo de movimentar o
baixo melodicamente ou seja de conferir a essa camada estrutural contornos
meloacutedicos associados ao seu papel de delinear as fundamentais das funccedilotildees
harmocircnicas No repertoacuterio relacionado ao choro o violatildeo de sete cordas desenvolve
a funccedilatildeo de baixo que aleacutem de reforccedilar a estrutura harmocircnica tonal estaacute em
contraponto constante com a melodia principal
A composiccedilatildeo ldquoUm a Zerordquo de Pixinguinha eacute um exemplo disso
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Figura 1 ldquoUm a Zerordquo (Pixinguinha) Irmatildeos Vitale 1997
O exemplo da figura 1 traz a primeira parte da composiccedilatildeo A quantidade de
inversotildees de acordes presente procura dar pistas da realizaccedilatildeo do baixo comumente
tocado no violatildeo de sete cordas Isso retira do baixo o papel monoacutetono de garantir a
fundamental de cada funccedilatildeo harmocircnica Com base nesta cifra o muacutesico popular de
modo anaacutelogo ao muacutesico barroco realiza o baixo Na figura dois encontra-se uma
sugestatildeo de realizaccedilatildeo do baixo com base nas cifras
Figura 2 Realizaccedilatildeo do baixo em ldquoUm a Zerordquo de Pixinguinha Imagem concebida e editada pelo autor
Segundo estudo de caso a polifonia tonal no acompanhamento da canccedilatildeo
ldquoQuando o carnaval chegarrdquo de Chico Buarque
O ensino de harmonia da muacutesica popular ldquomais especificamente aquela que
eacute informalmente denominada harmonia funcionalrdquo (ALMADA 2013 p 12) se
preocupa em primeiro lugar em determinar a funccedilatildeo de cada um dos acordes
encontrados no discurso musical Este tipo de ensino tem objetivos diversos
compreender estruturas harmocircnicas orientar a praacutetica da improvisaccedilatildeo meloacutedica
guiar estudos de rearmonizaccedilatildeo e substituiccedilatildeo de acordes entre outros Poreacutem em
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alguns casos acordes podem ser simultaneidades geradas por direccedilotildees meloacutedicas
distintas na conduccedilatildeo de cada voz ldquoNo estudo da harmonia tonal acordes podem
surgir a partir de combinaccedilotildees de linhas meloacutedicas relativamente independentesrdquo
(LIMA 2008 p 63) Ainda que tais procedimentos meloacutedicos possam natildeo ser
conscientes pelo muacutesico que desenvolve a funccedilatildeo de acompanhamento pode-se
conjecturar que sua percepccedilatildeo auditiva esteja imbuiacuteda de sonoridades
caracteriacutesticas da muacutesica vocal polifocircnica e isso em algum momento pode
transparecer em acompanhamentos instrumentais
No presente estudo de caso eacute possiacutevel observar procedimentos polifocircnicos
na conduccedilatildeo dos acordes da primeira parte da canccedilatildeo ldquoQuando o Carnaval Chegarrdquo
de Chico Buarque Em diversas entrevistas o compositor carioca revela que
aprendeu a tocar violatildeo sozinho tentando imitar o violatildeo de Joatildeo Gilberto e
portanto natildeo conhece harmonia e suas regras As escolhas de acordes feitas por
compositores autodidatas se datildeo quase unicamente por sonoridade Ou seja um
acorde eacute seguido por outro porque o som eacute satisfatoacuterio para os objetivos do
compositor Disso pode-se compreender que tais escolhas harmocircnicas estatildeo
carregadas de expectativas meloacutedicas ou seja cada acorde eacute ouvido como um
conjunto simultacircneo de notas potencialmente meloacutedicas como o satildeo no estudo da
harmonia tradicional Portanto este estudo pretende apontar para a possibilidade de
anaacutelise harmocircnica em que alguns acordes sejam considerados simultaneidades de
expectativas meloacutedicas e estes tecircm menor concordacircncia com a anaacutelise harmocircnica
ou funcional
O estudo da harmonia natildeo pressupotildee obrigatoriamente apenas simultaneidade () eacute importante que seja considerado o movimento meloacutedico de cada linha (voz) A inter-relaccedilatildeo entre melodia harmonia ritmo dinacircmica textura etc satildeo fatores que devem ser levados em conta na anaacutelise e na composiccedilatildeo de uma peccedila (LIMA 2008 p 117)
Eacute necessaacuterio estudar certas passagens harmocircnicas agrave luz da polifonia e
portanto do contraponto
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Figura 4 anaacutelise do contraponto presente na harmonia de ldquoQuando o Carnaval Chegarrdquo de Chico Buarque Imagem concebida e editada pelo autor
O exemplo da Figura 4 oferece uma opccedilatildeo de compreensatildeo harmocircnica
diferente da sugerida na partitura O primeiro acorde eacute visto como faacute meio diminuto
na primeira inversatildeo em vez de laacute menor com sexta maior como sugerido na cifra
original O acorde seguinte o primeiro grau eacute um sol maior com seacutetima maior
portanto sua sensiacutevel faacute fundamental do acorde anterior ainda estaacute presente
como um retardo O terceiro acorde embora estruturalmente se iguale ao acorde de
laacute bemol diminuto de seacutetima diminuta nessa proposta de anaacutelise se daacute pela
consequecircncia de quatro figuraccedilotildees meloacutedicas bordadura no baixo nota de
passagem no tenor retardo no contralto e antecipaccedilatildeo no soprano Portanto ele natildeo
tem menos funccedilatildeo harmocircnica e mais implicaccedilotildees meloacutedicas
Quando se prolonga todas as notas que satildeo rearticuladas nos acordes do
exemplo da figura 4 depara-se com um contraponto a quatro vozes
predominantemente de segunda espeacutecie
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Figura 5 conclusatildeo contrapontiacutestica da primeira parte da canccedilatildeo ldquoquando o carnaval chegarrdquo Imagem concebida e editada pelo autor
Portanto nesta proposta de anaacutelise harmocircnica natildeo eacute possiacutevel desconsiderar
o contraponto e implicaccedilotildees polifocircnicas
Terceiro estudo de caso contraponto cromaacutetico nas dissonacircncias acima da
seacutetima no acompanhamento da canccedilatildeo ldquosamba do aviatildeordquo de Tom Jobim
A harmonia da muacutesica popular poacutes bossa-nova conferiu ldquoemancipaccedilatildeo agrave
dissonacircnciardquo emprestando a expressatildeo de Schoenberg Portanto a dissonacircncia natildeo
mais direciona os acordes no sentido de suas resoluccedilotildees mas emprestam a eles
sonoridades instaacuteveis e de alguma maneira ao mesmo tempo resolutas As
dissonacircncias conferem certa impressatildeo a cada um dos acordes mas natildeo
apresentam funccedilatildeo de interligaccedilatildeo dos fenocircmenos harmocircnicos atraveacutes da resoluccedilatildeo
delas Esta interligaccedilatildeo novamente se daacute muito mais por expectativas meloacutedicas
embutidas como vozes simultacircneas formadoras dos acordes
Embora a emancipaccedilatildeo da dissonacircncia seja plenamente presente no
repertoacuterio popular poacutes bossa-nova em alguns casos natildeo se pode desconsiderar
estruturas contrapontiacutesticas presentes nestas composiccedilotildees Eacute claro que neste caso
especiacutefico as dissonacircncias natildeo satildeo resolvidas mas suas irresoluccedilotildees natildeo raro
recaem sobre construccedilotildees meloacutedicas em vozes internas dos acordes subordinadas
agrave melodia principal ao baixo e claro agrave harmonia
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Figura 6 contraponto cromaacutetico na canccedilatildeo ldquosamba do aviatildeordquo de Tom Jobim Imagem concebida e editada pelo autor
No fragmento musical da figura 6 eacute possiacutevel identificar uma melodia cromaacutetica
embutida nas dissonacircncias acima da seacutetima A partir do compasso 5 as notas doacute
doacute si e laacute satildeo respectivamente deacutecima terceira maior deacutecima terceira menor
deacutecima segunda e deacutecima primeira aumentada do acorde de mi maior com seacutetima
menor Essas dissonacircncias constroem uma melodia cromaacutetica um contraponto
cromaacutetico
Essa melodia eacute imitada a partir do compasso 7 uma seacutetima maior abaixo nas
notas reacute do do e si respectivamente deacutecima primeira justa deacutecima maior deacutecima
menor e nona maior dos acordes laacute maior com seacutetima maior e laacute menor com seacutetima
menor A melodia cromaacutetica original e sua imitaccedilatildeo uma seacutetima menor abaixo
comeccedilam e terminam em dissonacircncia
Consideraccedilotildees Finais
As propostas aqui apresentadas pretendem apontar para uma contribuiccedilatildeo
dos gecircneros de muacutesica erudita na estruturaccedilatildeo do ensino da muacutesica popular mais
especificamente buscam valorizar o estudo da disciplina contraponto Talvez as
estruturaccedilotildees dos curriacuteculos de cursos de muacutesica possam ser de certo modo
exclusivamente populares apenas na escolha do repertoacuterio a ser aprendido e ainda
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assim persiste a discussatildeo do que vem a ser muacutesica popular e muacutesica erudita e se
essa fronteira existe com tanta clareza No acircmbito da estruturaccedilatildeo teacutecnica e teoacuterica
a hibridez dos conhecimentos historicamente categorizados como de muacutesica erudita
e popular parece ser inevitaacutevel O estudo do contraponto parece ainda ser
indispensaacutevel para fomentar uma compreensatildeo mais ampla do saber musical em
diversos acircmbitos em diferentes gecircneros e estilos
Referecircncias
ALMADA Carlos Contraponto em muacutesica popular fundamentaccedilatildeo teoacuterica e aplicaccedilotildees Rio de Janeiro Editora UFRJ 2013
BORTZ Graziela Direccedilatildeo e Movimento em Solfejos Tonais Percepta ndash revista de cogniccedilatildeo musical Curitiba 1 (1) 95-107 novembro de 2013 CARRASQUEIRA Maria Joseacute O melhor de Pixinguinha Songbook Satildeo Paulo Irmatildeo Vitale 1997 LIMA Marisa Ramirez Rosa de Harmonia Satildeo Paulo Embraform 2008 LIMA Sonia Regina Albano de Performance e interpretaccedilatildeo musical uma praacutetica interdisciplinar Satildeo Paulo Musa Editora 2006 NOGUEIRA Marcos Fernandes Pupo Agrupamentos Sonoros Plenos na Muacutesica de Simultaneidades Acuacutesticas e Estruturais Revista Muacutesica Hodie Goiacircnia v12 nordm 2 p87-972012 Disponiacutevel em lthttpwwwmusicahodiemusbr122artigo_7pdfgt Acesso em 07 de dezembro de 2016 SCHOENBERG Arnold Exerciacutecios Preliminares em Contraponto Traduccedilatildeo de Eduardo Seincman Satildeo Paulo Via Lettera 2001
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CAMPOS Idalina Krause de Fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo com Paul Valeacutery esperitografias Revista da
Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 15-35 juldez 2016 Disponiacutevel em
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Fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo com Paul Valeacutery espiritografias
Idalina Krause de Campos1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Resumo Este artigo analisa as possibilidades de um fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo tendo como foco o poeta e pensador francecircs Paul Valeacutery e seus procedimentos muacuteltiplos de escrita uma escrita que opera com a leitura ― escrileitura ― e eacute considerada uma operaccedilatildeo ativa de consciecircncia que possibilita ampliar o uso das faculdades intelectivas de um espiacuterito que lecirc e escreve Propotildee atuar e operar com o meacutetodo do informe em atravessamentos imaginativos da filosofia com a literatura e a educaccedilatildeo da diferenccedila aleacutem de utilizar o conhecimento como invenccedilatildeo por meio de procedimentos tradutoacuterios que possibilitem accedilotildees criadoras em educaccedilatildeo Palavras-chave Valeacutery educaccedilatildeo escrileituras traduccedilatildeo Abstract This paper analyzes the possibilities of a translating action in education by focusing on the French poet and thinker Paul Valeacutery and his multiple writing procedures a kind of writing that operates with reading ― reading-writing ― and is considered as an active operation of awareness that favors the use of intellective faculties of a spirit that reads and writes It proposes to act and operate with the inform method in imaginative intersections between philosophy literature and education of difference besides using knowledge as invention by means of translating procedures that enable creation actions in education Keywords Valeacutery education reading-writings translation
Introduccedilatildeo
O escritor Paul Valeacutery nasceu em Segravete (1871) Comuna francesa no periacuteodo
da Guerra Franco-Prussiana A porta para o mar do Mediterracircneo eacute um porto de
encantos incomparaacuteveis de um horizonte vasto banhado pelas aacuteguas de bacias e
canais que desaacuteguam no mar O pensador eacute autor de uma obra vasta
profundamente original que possui uma intensidade uacutenica e merece ser analisada
em funccedilatildeo de seu movimento de escrita e leitura (escrileitura) pois ele pesquisou
1 Possui graduaccedilatildeo em Licenciatura e Bacharelado em Filosofia pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio
Grande do Sul (1986) Especializaccedilatildeo em Filosofia Cliacutenica pela Faculdade Joatildeo Bagozzi e Instituto Packter
(2008) Mestrado em Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo (PPGEDU) pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (2013) na Linha Filosofias da Diferenccedila e Educaccedilatildeo Atualmente eacute Doutoranda bolsista CAPES
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo na Linha
Filosofias da Diferenccedila e Educaccedilatildeo Participa como pesquisadora dos projetos Dramatizaccedilatildeo do infantil na
comeacutedia intelectual do curriacuteculo meacutetodo Valeacutery-Deleuze Escrileituras um modo de ler-escrever em meio agrave
vida e Didaacutetica da Traduccedilatildeo transcriaccedilotildees do curriacuteculo escrileituras da Diferenccedila Membro integrante do BOP
ndash Bando de Orientaccedilatildeo e Pesquisa da Linha de Pesquisa 09 Filosofias da Diferenccedila e Educaccedilatildeo e do Grupo de
Pesquisa DIF ndash artistagens fabulaccedilotildees variaccedilotildees
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estudou e escreveu sobre conteuacutedos integrantes das mais diversas aacutereas do
conhecimento e que satildeo repletos de nuances e de viva poesia
Tal perspectiva oriunda de seus escritos propicia utilizar o conhecimento
como invenccedilatildeo para criar um compoacutesito de escrita e leitura e com ele produzir
meios que possibilitem accedilotildees criadoras em educaccedilatildeo o que propicia ao espiacuterito
construir a sua proacutepria realidade no campo ambiental da linguagem
Ainda em seus primeiros anos de vida o Mediterracircneo que banha a cidade
torna-se uma festa aos olhos curiosos do infante Valeacutery que considera tudo das
cores aos cheiros das formas agraves imagens de uma natureza exuberante ldquouma
verdadeira loucura de luz combinada com a loucura da aacuteguardquo (VALEacuteRY 2011 p
127) Satildeo seus primeiros passos de pensador e que trazem em germe um pensar
em estado nascente pois se deixa seduzir pela liberdade pelos estados poeacuteticos
com um olhar voltado para o mar o que eacute tambeacutem um olhar para o possiacutevel
Os olhos de Valeacutery abraccedilam o que haacute de humano e de inumano em uma
paisagem de natureza primitiva quase intocada mesclada com as atividades dos
homens que ali habitam Um grande cenaacuterio de teatro cujo personagem principal eacute
a luz que ilumina o mar Ali onde Afrodite passeia e que ao cair da tarde
crepuscular com o mar jaacute escuro deixa ver na rebentaccedilatildeo brilhos extraordinaacuterios
Onde a luz de fogo rosa insistente do sol daacute seu adeus ao dia deixando que entre
em cena a escuridatildeo da jaacute noite onde se entreveem os fantasmas que danccedilam
sobre as torres e muros de Aiguesmortes Sombras que festejam os cadaacuteveres
pesados dos atuns animais quase do tamanho de um homem trazidos pelos barcos
de pesca que adentram a costa em seu ldquoretorno da cruzadardquo (VALEacuteRY 2011 p
130)
Ao amanhecer a peccedila teatral do viviacutevel segue e a luz dos raios solares
derrama-se pelos molhes Eacute quando o pequeno Valeacutery tenciona banhar-se na
imensidatildeo cristalina do mar Poreacutem baixa os olhos e estremece diante de uma cena
singular que mistura carnificina e beleza Jazem sobre a ldquoaacutegua maravilhosamente
lisa e transparenterdquo restos de ldquoviacutesceras e entranhas de todo o bando de Netunordquo
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(VALEacuteRY 2011 p 130) Satildeo muacuteltiplas tonalidades de cores roacuteseo-puacuterpuras coral
sanguinolenta vermelhidatildeo de uma mortandade repulsivamente sinistra embalada
pelas ondas letaacutergicas
O espanto eacute inevitaacutevel e o faz esquecer o banho matinal Mas apesar do
susto que invade sua alma os olhos guardam alguma admiraccedilatildeo pelo
acontecimento fazendo vagar pensamentos relacionando o morticiacutenio repleto de
cores com imagens espectrais Misturas de tonalidades imersas na aquosidade de
um liacutempido e cristalino mar que poderiam bem servir para um fazer artiacutestico aos
homens de talento afeitos agraves curiosidades e agraves capturas de um olhar artistador
Natildeo perdura nessa imagem repentina o conteuacutedo pobre mas como pondera
Deleuze em O Esgotado (2010 p 85) vale nessa visatildeo a energia condensada ldquoa
prodigiosa energia captada prestes a explodir fazendo com que as imagens nunca
durem muito tempo [] A imagem dura o tempo furtivo de nosso prazer de nosso
olharrdquo Assim aparece a forccedila de sentimento de Valeacutery influenciado e estimulado
pelas deidades poeacuteticas do mar do ceacuteu e do sol
E o que decorre disso tudo eacute uma produccedilatildeo intelectual que foca em muacuteltiplas
temaacuteticas tendo como pano de fundo o funcionamento do intelecto atraveacutes de
accedilotildees de pensar o proacuteprio pensamento para verificar o que estes pensamentos
implicam Uma produccedilatildeo que abarca o viviacutevel e que merece ser investigada como
um meio possiacutevel para ser apropriado no acircmbito do ensino contemporacircneo em
funccedilatildeo de sua diversidade e de sua potecircncia textual
Pelo que foi possiacutevel observar em nossas pesquisas Valeacutery configura-se num
misto de poeta de pensador e de criacutetico da cultura tendo sido traduzido por
escritores e tambeacutem por poetas em vaacuterios idiomas No entanto apesar de possuir
um reconhecimento internacional pelo conjunto de suas obras produzidas eacute ainda
pouco explorado no Brasil especialmente no que tange ao uso teoacuterico e praacutetico do
seu pensamento no campo da educaccedilatildeo
Em suma como afirma Gonccedilalves (2011 p 238) Valeacutery eacute O Alquimista do
Espiacuterito ldquodevido ao seu sistema plural de linguagensrdquo em que ocorrem
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transmutaccedilotildees de montagem e desmontagem de escrita Uma verdadeira alquimia
contraacuteria agrave anestesia do gesto para que uma segunda natureza possa se apresentar
ao texto atraveacutes de um operar espiritual em constante variaccedilatildeo e que neste fazer
operativo produz uma escrita visceral e mutante cuja mateacuteria eacute a vida que se
experimenta no campo do saber como um processo aberto muacuteltiplo e desafiador
para assim buscar fazer com ele uma educaccedilatildeo disposta a disseminar as aventuras
do pensamento
Espiacuterito
Valeacutery utiliza-se da palavra francesa esprit para aludir ao Eu embora haja em
seu pensamento a distinccedilatildeo entre dois tipos de espiacuterito Moi que seria o Eu
empiacuterico (self-variance) e Moi que seria o Eu puro (Idolle de lrsquoIntelect) a ser
cultuado e buscado Este uacuteltimo conceito de Eu puro necessita ser entendido com
uma significaccedilatildeo peculiar qual seja o Eu como intelecto como inteligecircncia
Nessa perspectiva o presente artigo aborda um possiacutevel fazer tradutoacuterio em
educaccedilatildeo conjuntamente com o pensador Paul Valeacutery de modo a buscar atraveacutes
do movimento de leitura e escrita exercitar conscientemente os pensamentos que
possibilitam transitar no campo diverso do saber
O espiacuterito ndash ou Eu-empiacuterico ndash desenvolve-se conscientemente exercitando os
processos do pensar com a finalidade de conhecer Pensamento ativado via
processos de criaccedilatildeo oriundos de uma self-variance (autovariaccedilatildeo do espiacuterito)
disciplinada e rigorosa passando a verificar o que esses pensamentos implicam
procurando vecirc-los com precisatildeo e pesquisar seus labirintos sua mecacircnica psiacutequica
iacutentima e seu meacutetodo operativo
Valeacutery (2011 p179) conceitualiza as accedilotildees do pensar as invenccedilotildees
produzidas pela inteligecircncia onde o Eu-empiacuterico que se utiliza da leitura e da
escrita e consequentemente pensa define-se ldquoatraveacutes da relaccedilatildeo entre um 2010 p
85) certo lsquoespiacuteritorsquo e a linguagemrdquo Ou seja pondo em movimento um Eu-funcional
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pode-se desenvolver uma consciecircncia do processo do pensar para fins de
conhecimento expressos por intermeacutedio da linguagem
Espiacuterito este visto como um sujeito que natildeo se assujeita mas aspira agrave
criaccedilatildeo e a realiza sem divindade reguladora sem idealismo (Eu absoluto do
Idealismo Alematildeo) e distante da metafiacutesica da alma imortal (Eu substancial do
racionalismo de Descartes) Portanto o Eu puro valeacuteryano natildeo guarda uma
moralidade consistindo na invariabilidade naquilo que natildeo muda no espiacuterito O
espiacuterito eacute abordado como um signo de pura possibilidade de uma virtualidade ao
qual o Eu empiacuterico aspira e tende Eu que passa por uma ascese e encontra-se ―
purificado de paixotildees de outros iacutedolos e idolatrias ― de forma a se tornar liberto
para agir e pensar
A nossa pesquisa da escrita valeacuteryana gera e explora meios de afirmar e de
proporcionar possibilidades criadoras em educaccedilatildeo justamente porque ndash como
salienta Corazza (2010 p 2) ndash o espiacuterito humano enfrenta dificuldades para pensar
o informe de maneira que necessitamos ldquode uma Educaccedilatildeo ou pedagogia dos
sentidos associando a vivecircncia dos limites formais com a criaccedilatildeo artistadorardquo
A pesquisa trata portanto de um fazer compositivo de escrita de uma praacutetica
de ensino numa construccedilatildeo conjunta com a obra de Valeacutery que busca o valor do
pensar humano observa seu funcionamento e sua accedilatildeo fecunda de pensar Por seu
intermeacutedio construiacutemos operaccedilotildees escrileitoras tradutoacuterias (escrita-leitura e leitura
escrita) capturando as forccedilas que aproximam percepccedilatildeo e criaccedilatildeo
Pensamos que a Filosofia da Diferenccedila pode servir-se das pesquisas deste
poeta-pensador como um disparador de escrita que busca um novo modo de ver e
de pensar o pensamento no qual a linguagem a verdade a consciecircncia de si satildeo
inseparaacuteveis e inter-relacionadas Pensar que possibilita o alargamento das
fronteiras da linguagem educacional na medida em que quebra concepccedilotildees
filosoacuteficas e cientiacuteficas consideradas verdadeiras e incontestaacuteveis
Inter-relaccedilatildeo na qual o espiacuterito Estudante-Escritor- Educador (EEE) estaacute
sempre se autoproduzindo por via de uma self-variance num processo contiacutenuo de
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geraccedilatildeo de sentidos imanentes singulares e particulares os quais reivindicam
novas possibilidades de invenccedilatildeo de emissatildeo de signos que se inscrevem para
escriturar sentidos oriundos das sensaccedilotildees num empirismo de pensar constante
cujos procedimentos implicam necessariamente o campo do vivido Pesquisamos
nesse processo variante o ambiente humano por entre dramas e comeacutedias do
vivido no campo educacional ou ainda uma dracomeacutedia humana repleta de
potenciais vicissitudes que servem como disparadores para uma invenccedilatildeo
produtora de escrita texto-manifesto exposto por via da linguagem e suas
convenccedilotildees
Meacutetodo
O meacutetodo utilizado na pesquisa eacute o do informe que desenvolve um tipo de
pesquisa que possibilita enfrentar a dificuldade de pensar o informe Meacutetodo este
que se interroga e que varia durante todo o processo de sua execuccedilatildeo natildeo
possuindo um regramento estanque ou dogmaacutetico o que baniria o prazer do
inusitado
Esse meacutetodo age atraveacutes de capturas das forccedilas dos textos das imagens
das musicalidades das vozes e dos conhecimentos isto eacute de tudo que deveacutem em
vida potente e que possa ser adequado agraves praacuteticas de ensino pois conforme Valeacutery
(1997 p 59) ldquoeacute o que contenho de desconhecido a mim mesmo que me faz ser eu
mesmordquo
Na praacutetica o que observamos eacute um desejo que ronda ldquocomo uma mina a ceacuteu
abertordquo (BARTHES 2013 p12) que propicia criar uma fantasia de exploraccedilatildeo e por
intermeacutedio dela construir um ritmo proacuteprio de accedilatildeo exploratoacuteria um como para viver
junto com vida e obra de determinado pensador saboreando cotidianamente
ldquobocados de saber = pesquisardquo Assim por entre bocados de pesquisa esse meacutetodo
produz ficccedilatildeo de modo que ldquoos pesquisadores capturam forccedilas imaginaacuterias
fantasiacutesticas e intelectuais que os conduzem ao trabalho criadorrdquo (CORAZZA 2012
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p19) levando o espiacuterito a experimentar um novo fazer ou seja uma pesquisa gaia
na educaccedilatildeo contemporacircnea
Por este vieacutes tal meacutetodo busca dar adeus agraves metanarrativas de ambiccedilatildeo
universal insistente nos entremeios do territoacuterio educacional Sua ambiccedilatildeo universal
eacute hermeacutetica e portanto falha pois impede uma discussatildeo que se quer aberta e natildeo
reprodutora de conhecimento Esta abertura pode trazer ao proacuteprio curriacuteculo e agrave
didaacutetica um entoar de novas vozes capazes de compor narrativas novas fazendo
na accedilatildeo de ensinar um espaccedilo criacutetico um lugar puacuteblico para discussotildees diversas
Ou seja capturar o que ateacute entatildeo foi excluiacutedo ou natildeo contemplado nas
metanarrativas em funccedilatildeo de sua supressatildeo por natildeo pertencerem aos dogmas
ditos universais Busca-se assim o vatildeo o desvio o detalhe tendo a linguagem
como movimento isto eacute em fluxo constante no movimento de criaccedilatildeo
Desse modo aquilo que sabemos que nos pertence natildeo conta pois
procuramos o que natildeo foi ainda construiacutedo o que resta para ser adquirido
transformado e que se anuncia nos entremeios dos textos Sendo assim a literatura
a filosofia e a educaccedilatildeo entrecruzam-se visto que seus conhecimentos e saberes
satildeo investigados por via das proacuteprias escrileituras que interrogam as tramas
compositivas do intelecto
Pode-se tambeacutem afirmar que o referido meacutetodo tem apreccedilo pelo espiacuterito
crianccedila ― que jamais deveria morrer em noacutes ― pois que ele traz em si a forccedila da
curiosidade da persistecircncia da descoberta haacute neste espiacuterito pagatildeo e poeta um
infinito de possibilidades Como elucida Eduardo Galeano em entrevista chamada eacute
Tempo de viver sem medo2 ldquoeacute preciso olhar o que natildeo se olha o que merece ser
olhado tanto o micro mundo e ao mesmo tempo sermos capazes de contemplar o
universordquo E para tanto eacute preciso se ter uma visatildeo microscoacutepica e outra telescoacutepica
para assim tentar desvendar o que haacute de misterioso na existecircncia
2 Entrevista de Eduardo Galeano disponiacutevel em canal moritz Ptnet acesso em 05 de julho de
2016
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As escrileituras produzidas em uma praacutexis do informe portanto satildeo criadas
em conjunto com os meandros labiriacutenticos e espirituais dos quais nos ocupamos
escolhidos pela apaixonada necessidade de escrever Natildeo se verifica uma doutrina
mas um meacutetodo para operaccedilotildees espirituais tracircnsitos pelos macros e micros
mundos ofertados pelo existir Os espiacuteritos operam em variaccedilatildeo e lanccedilam um novo
olhar para o que ainda natildeo foi visto ou seja o que ainda ignoramos e com estes
novos elementos do que se detecta surgem vatildeos e frestas que propiciam uma
composiccedilatildeo de escrita viva
Sendo assim o meacutetodo do informe nada mais eacute do que um fazer mutante
avesso ao sedentarismo intelectual um ato fiacutesico corporal posto em movimento
atraveacutes de estudos e pesquisas abrindo possibilidades para que o espiacuterito trabalhe
e medite sobre a produccedilatildeo de uma obra ― de um espiacuterito criador ― numa atitude
interrogativa transformada em problema que questiona pelo vieacutes de Valeacutery (2011 p
200) O que a obra produz em noacutes
Todo corpo posto em atividade eacute energia despendida e tambeacutem adquirida a
todo instante um organismo em constante mutaccedilatildeo Uma forma fluente ― referida
por Duns Scot como um onde ou (ubi) ― e capaz de uma determinaccedilatildeo qualitativa
anaacuteloga ao calor adquirido pelo corpo que se aquece atraveacutes do contato e do
contaacutegio com outros corpos que os circundam E nesta metamorfose contiacutenua e
energeacutetica o espiacuterito se propotildee a buscar maior lucidez para o intelecto e conhecer a
fundo a problemaacutetica a que se propotildee num exerciacutecio que se realiza atraveacutes de um
nomadismo de pensamento ativo sempre em deslocamento que busca o novo
De fato com o espiacuterito entendido desde a perspectiva valeacuteryana atraveacutes dos
movimentos de escrileituras da pesquisa com o artifiacutecio da literatura movimentamos
uma malha intelectiva que possibilita a construccedilatildeo de espiritografias Ou seja vamos
ao mundo de um espiacuterito e com ele escrevemos a partir de um estudo de vida e de
obra ou de uma Vidarbo Trata-se do interesse ldquopor Vida (Biografia) e por Obra
(Bibliografia) Soacute que em vez de Vida e Obra tomadas em separado ou uma
derivada e mesmo causa da outra trata de Vidarbordquo (CORAZZA 2010) tomada
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conjuntamente Essas operaccedilotildees das faculdades intelectivas repletas de afecccedilotildees
permitem e compotildeem o meacutetodo do informe como um mecanismo que exige um tipo
de construccedilatildeo no qual o inesperado eacute condiccedilatildeo processual
Projetos
Essas operaccedilotildees de meacutetodo do informe tiveram suas experimentaccedilotildees e
pesquisas empiacutericas cultivadas em trecircs projetos desenvolvidos pela pesquisadora e
professora doutora Sandra Mara Corazza e seus orientandos de iniciaccedilatildeo cientiacutefica
mestrado e doutorado na Linha de Pesquisa 09 Filosofias da Diferenccedila em
Educaccedilatildeo integrante do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo (PPGEdu) da
Faculdade de Educaccedilatildeo (FACED) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS) quais sejam Dramatizaccedilatildeo do infantil na comeacutedia intelectual do curriacuteculo
meacutetodo Valeacutery-Deleuze (2010) Escrileituras um modo de ler-escrever em meio agrave
vida e Didaacutetica da Traduccedilatildeo transcriaccedilotildees do curriacuteculo escrileituras da Diferenccedila
(2014 ndash 2019)
O projeto atual almeja complementar correlacionar e consolidar a formaccedilatildeo
de professores-pesquisadores atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos resultados e
impactos das produccedilotildees oriundas das trecircs pesquisas investigando um curriacuteculo e
uma didaacutetica da diferenccedila visando criar e fortalecer a ampliaccedilatildeo e a consolidaccedilatildeo
da qualidade de uma pesquisa-docecircncia
Desde o iniacutecio o meacutetodo do informe apontava para um tipo de pesquisa
construcionista enquanto um convite para estudos e praacuteticas de escrita as quais
atraveacutes das aventuras do intelecto facultam ao espiacuterito construir a sua proacutepria
realidade no campo ambiental da linguagem pensando o informe com Valeacutery e sua
Comeacutedia Intelectual e com Deleuze e o seu Meacutetodo de Dramatizaccedilatildeo aleacutem de
recorrer tambeacutem a Roland Barthes e ao seu conceito de Biografemaacutetica (CORAZZA
e OLIVEIRA 2015)
O Projeto Escrileituras (2011-2015) apoiado pelo Programa Observatoacuterio da
Educaccedilatildeo (CAPESINEP) teve como proposiccedilatildeo um fazer-educaccedilatildeo por meio de
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Oficinas abrindo assim possibilidades de criaccedilatildeo de escrileituras em educaccedilatildeo
Oficinas que tinham em sua percepccedilatildeo criaccedilatildeo e desenvolvimento dois meios
possiacuteveis para movimentos experimentais de escrita a formaccedilatildeo que acompanhava
os bolsistas e pesquisadores participantes e cursos e accedilotildees de extensatildeo oferecidos
a professores da Educaccedilatildeo Baacutesica
Totalizando um registro de 570 oficinas desenvolvidas pelo projeto foi
desenvolvida a Oficina espiritograacutefica de co-criaccedilatildeo dialoacutegica propondo aos
participantes um exerciacutecio de pensamento valeacuteryano que explorasse a forma de
escrita ldquodiaacutelogordquo atraveacutes de textos filosoacuteficos e literaacuterios que tratavam do tema
A oficina buscava pensar de forma luacutecida condiccedilotildees de criar personagens
que pensam o proacuteprio pensamento afirmando o espiacuterito que opera e escreve com
prazer ciente ldquoque cada um eacute a medida das coisasrdquo (VALEacuteRY 2011) E atraveacutes
desta empiria de escrita proposta na oficina proporcionou um aporte teoacuterico e
praacutetico para composiccedilatildeo da dissertaccedilatildeo de mestrado Alfabeto espiritograacutefico
escrileituras em educaccedilatildeo (CAMPOS 2013)
Espiritografia
Dessa accedilatildeo empiacuterica a palavra espiritografia comeccedila a tomar forccedila nas
pesquisas possibilitando ao espiacuterito escrileitor investigar outros Espiacuteritos e suas
vidarbos e com eles passar a criar procedimentos capazes de promover uma
produccedilatildeo de escrita espiritograacutefica experimental que se ocupa de erracircncias acasos
e o inusitado e que se configura em uma tese intitulada A Educaccedilatildeo da Diferenccedila
com Paul Valeacutery Meacutetodo Espiritograacutefico (CAMPOS 2015) com proposta jaacute
qualificada em 2015 e com defesa final prevista para 2017
Deste modo o espaccedilo curricular afirmava-se de maneira transversal com a
filosofia com as artes e com as ciecircncias tomando para si a tarefa de compor um
curriacuteculo como uma construccedilatildeo aberta fazendo dos conhecimentos que se colocam
em movimento um compoacutesito multidimensional de leitura e de escrita potenciais
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Assim o Projeto Escrileituras optou por afirmar um curriacuteculo mutante
provocando com isso que sua didaacutetica tambeacutem o fosse Ou seja didaacutetica e
curriacuteculo possibilitaram atraveacutes das Oficinas a ampliaccedilatildeo da visatildeo de mundo por
via do conhecimento que serve como um disparador para a edificaccedilatildeo de outros
mundos possiacuteveis isto eacute um modo de viver e de ldquomaquinar a educaccedilatildeo com prazer
aventureiro e espiacuterito aventurosordquo (CORAZZA 2014)
Abrindo dobras na pesquisa foi possiacutevel falar e escrever sobre Autor
Infacircncia Curriacuteculo e Educador ndash unidades analiacuteticas referidas como AICE e
integrantes de procedimentos didaacuteticos Jaacute o curriacuteculo foi composto pelas seguintes
unidades analiacuteticas Espaccedilos Imagens e Signos (EIS) os quais satildeo postos em
movimento por meio de um nomadismo intelectual experimentado no proacuteprio
territoacuterio da educaccedilatildeo valendo-se dos procedimentos muacuteltiplos de escrita de Valeacutery
para um fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo
Atraveacutes de um Meacutetodo do Informe utilizando o conhecimento como invenccedilatildeo
que por via de transbordamentos de pesquisa esses elementos possibilitaram criar
um novo meacutetodo chamado espiritograacutefico ndash defendido na tese A Educaccedilatildeo da
Diferenccedila com Paul Valeacutery Meacutetodo Espiritograacutefico (CAMPOS 2015) ndash pelo qual foi
possiacutevel a criaccedilatildeo de alguns tipos de espiritografias tradutoacuterias como Plagiotroacutepica
Imageacutetica Mise en Scegravene Desviante Extra-Ordinaacuteria Jogada Aula-Empiacuterica
Poeacutetica
Escrever eacute traduzir conforme afirma Valeacutery na eacutepoca em que traduzia as
Bucoacutelicas de Virgiacutelio (1944) destacado no livro de Haroldo de Campos (2013)
Transcriaccedilatildeo
Escrever o que quer que seja desde o momento em que o ato de escrever exige reflexatildeo e natildeo eacute uma inscriccedilatildeo maquinal e sem detenccedilas de uma palavra interior toda espontacircnea eacute um trabalho de traduccedilatildeo exatamente comparaacutevel agravequele que opera a transmutaccedilatildeo de um texto de uma liacutengua em outra (VALEacuteRY apud CAMPOS 2013 paacuteg61-62)
Essas forccedilas operativas da escrita (e da leitura) servem como impulso para
uma trajetoacuteria autoconsciente do espiacuterito que se aventura entre rasuras em busca
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do novo Produzindo uma escrita tradutoacuteria aberta sujeita a interaccedilotildees e oscilaccedilotildees
oriundas daquele espiacuterito que age sobre o texto criamos uma didactique da
novidade da erracircncia de AICE que pode gerar intranquilidade pois caccedila em meios
muacuteltiplos de escrita ― rigorosa e complexa ― seus desdobramentos enigmaacuteticos
perseguindo a exatidatildeo dos sentidos por entre Espaccedilos Imagens e Signos (EIS) do
Curriacuteculo
Sendo assim AICE (Didaacutetica) e EIS (Curriacuteculo) tomam para si uma poeacutetica de
pesquisa que se quer empiacuterica num processo de releitura e de reescrita do viviacutevel
no campo educacional e que acabam produzindo um diferencial curricular e didaacutetico
da diferenccedila visto que criam novas epistemes possibilitando ldquopensar uma didaacutetica e
um curriacuteculo tradutoacuteriosrdquo (CORAZZA 2014 p5)
Em seu texto A Tentaccedilatildeo de (Satildeo) Flaubert Valeacutery (2011) escreve sobre a
diaboacutelica tentaccedilatildeo humana e poeacutetica de provocar uma escrita amebiana como meio
para um jogo escritural do viviacutevel pois viver eacute a todo instante sentir falta de alguma
coisa e modificar-se para atingi-la para desse modo tender a substituir-se no
estado de sentir falta de alguma coisa Trata-se de um movimento corpoacutereo como o
feito pela ameba ou seja de transubstanciaccedilatildeo com o objeto amado pois ldquovivemos
do instaacutevel pelo instaacutevel no instaacutevel essa eacute a funccedilatildeo completa da Sensibilidade
que eacute a mola diaboacutelica da vida dos seres organizadosrdquo (VALEacuteRY 2011 p 83)
Essas perspectivas poeacuteticas sobre escrita leitura curriacuteculo e didaacutetica
possibilitam no espaccedilo da aulaoficina a emergecircncia de procedimentos
interpretativos das mateacuterias curriculares que funcionam como meio de invenccedilatildeo
recriando assim culturas e discursos atraveacutes de exerciacutecios rigorosos cocircmicos e
dramaacuteticos do pensamento Nesse sentido como um espaccedilo de ficccedilatildeo a aula eacute
planejada para que de algum modo funcione como um laboratoacuterio coletivo em que
se examina e promove-se a educaccedilatildeo do espiacuterito
Assim satildeo promovidos encontros imanentes que fornecem coordenadas
para o pensamento criacutetico que eacute experimentado num empirismo transcendental no
qual ldquoa Ideia natildeo eacute o elemento do saber mas de um lsquoaprenderrsquo infinitordquo (DELEUZE
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2006 p310) Nesse tipo de empirismo o que vale eacute o valor agregado ao espiacuterito
das forccedilas que do pensamento se apossa e que satildeo capazes de produzir novas
imagens que enunciam e novamente atualizam o pensar Com textos literaacuterios os
espiacuteritos escrileitores em movimentos de self-variance passam a acompanhar
essas danccedilas dramaacuteticas em meio agrave vida in-formada
Trata-se de um pensar vivo capaz de escriturar novos sentidos e de inscrever
signos que satildeo vitalmente transcriados pois operam para ldquoatravessar a ortodoxia
dos textosrdquo (CORAZZA 2014) e com eles criar uma escrita indomesticada criacutetica e
vivificadora Damos assim vida a uma nova praacutexis de ensino capaz de construir
espiritografias na qual o espiacuterito age por si enquanto move-se entre leituras e
escritas Espiacuterito que se interroga observa o proacuteprio fazer da escrita literaacuteria que
tem como tarefa anotar borrar fazer muacuteltiplas reflexotildees combinaccedilotildees tentativas e
falhas
Notemos que o espiacuterito ocupa trecircs lugares funcionais em seu laboratoacuterio
proacuteprio quais sejam EEE ndash o de Estudante (espiacuterito em curso tradutoacuterio de escrita)
o de Escritor (espiacuterito autor tradutor e transcriador) e o de Educador (espiacuterito em
exerciacutecio de traduccedilatildeo no exerciacutecio do magisteacuterio) Eacute esse atravessamento entre
lugares que movimenta EIS (Curriacuteculo) e AICE (Didaacutetica) os quais pela via da
traduccedilatildeo satildeo reimaginados Vislumbramos de acordo com Corazza (2013 p 219)
um fazer tradutoacuterio ldquopara aleacutem do literalismo rudimentar e da banalidade explicativardquo
que daacute nova vida ao educador-artista e cujas traduccedilotildees ldquopoderatildeo por vezes tornar-
se mais importantes que os originaisrdquo pois se configuram como uma ldquoestrateacutegia de
renovaccedilatildeo dos sistemas educacionais e culturais contemporacircneosrdquo
Experimentaccedilotildees
A partir do desenvolvimento de algumas Oficinas de Transcriaccedilatildeo durante o
Projeto Escrileituras continuamos estudando e pesquisando o pensamento de
Valeacutery na direccedilatildeo de construir tipos de espiritografias como uma praacutetica que
promove novos movimentos que tomam as unidades analiacuteticas de EIS AICE na qual
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buscamos combinar e correlacionar EIS com AICE (Espaccedilos Imagens e Signos a
Autor Infantil Curriacuteculo Educador) e nesse processo combinatoacuterio e correlacional
operacionalizar escrileituras tradutoacuterias que se articulassem com a praacutexis do ensinar
escrever orientar pesquisar colocando esses verbos em foco por meio de um fazer
espiritograacutefico Tal procedimento exploratoacuterio-experimental de pesquisa tem como
intuito criar meios para a produccedilatildeo de accedilotildees de pensamento na pesquisa
Nessa direccedilatildeo detalharemos um dos tipos de espiritografia aludida no texto
a Espiritografia Plagiotroacutepica Lembrando o que salienta o proacuteprio Valeacutery (2011 p
110) ldquoeu sei apenas o que sei fazerrdquo expomos os movimentos empiacutericos de escrita
feitos para criar essa espiritografia atraveacutes de movimentos de EIS AICE
apresentados a seguir por meio de um resumo do seu Glossaacuterio
EIS AICE
Espaccedilos - que se habitam e produzem
condiccedilotildees para novamente serem
habitados ao esvaziar-se na
constituiccedilatildeo de novas margens que a
sua vez lhes doam novas instacircncias
habitaacuteveis
Imagens - ausentes que presentificam
presenccedilas e Imagens presentes que
presentificam ausecircncias
Signos - satildeo dotados das forccedilas dos
encontros que podem exercer uma
violecircncia sobre o pensamento
violecircncia que implica na criaccedilatildeo do
pensar no proacuteprio pensamento
Autor-Tradutor - escreve lecirc interpreta aprende
compotildee apenas para desencadear devires
Infantil - como forccedila ativa e vontade de potecircncia
afirmativa
Curriacuteculo - cria a alegria afirmativa de educar
Educador - exercita se interrogar se tudo o que disse
ateacute entatildeo eacute tudo o que pode dizer se tudo o que viu
ateacute agora eacute de fato tudo o que pode ver se tudo o
que pensa eacute tudo o que pode pensar se tudo o que
sente eacute tudo o que pode sentir se tudo o que traduziu
eacute tudo que pode traduzir
O texto inspirador para a produccedilatildeo dessa espiritografia eacute o livro de Gonccedilalo
Tavares (2011) intitulado O senhor Valeacutery e a loacutegica tomado como um disparador
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como um meio potente para a produccedilatildeo de escrita Esse meio textual produz um
outro para falar e escrever sobre a Vidarbo (vida-obra) de Paul Valeacutery criando-se
assim um personagem O Monsieur Valeacutery
Esse texto eacute produzido por intermeacutedio de escrileituras que contemplam o
ainda natildeo visto ou ainda natildeo atribuiacutedo de valor para a criaccedilatildeo do personagem na
medida em que pesquisamos sobre a vida e a obra de Valeacutery de modo a escrever
sobre este personagem peculiarmente
Por via de um olhar outro que natildeo o de Tavares mas do olhar do espiacuterito
escrileitor que pesquisa vida e obra de outro espiacuterito no caso Valeacutery almejamos
compor uma espiritografia com e sobre este personagem do pensamento o que
pressupotildee ir ao mundo deste espiacuterito do qual se escreve observando como se daacute o
seu pensar Desta maneira foram produzidos quatro minicontos O Atum O
Ostinato O Sonho e Sem Destino (CAMPOS 2015) Abaixo seguem os dois
primeiros dessa seacuterie
O Atum
MONSIEUR VALEacuteRY era pequenino mas adorava nadar
Ele explicava
Sou igual a um atum soacute que em tamanho menor
Mas isto constitui para ele um problema
Mais tarde o monsieur Valeacutery pocircs-se a pensar que os pescadores podiam
confundi-lo com um atum e pescaacute-lo Sabia por suas leituras ser o Atum o mais
antigo deus criador do mundo Mediterracircneo e observou em seu livro a grande
Serpente Atum pai de Eneacuteade e Helioacutepolis E tal pensamento o animou um pouco
Dias depois saiu para passear agrave beira-mar e desenhou serpentes na areia E
pensava sobre a evoluccedilatildeo das espeacutecies e murmurava ldquose o homem estaacute situado ao
final de um longo esforccedilo geneacutetico tambeacutem seraacute preciso situar esta criatura fria sem
pata sem pelos sem plumas no iniacutecio deste mesmo esforccedilordquo E concluiu Haacute algo
de serpente no homem assim deve tambeacutem haver em mim
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Monsieur Valeacutery costumava fazer caacutelculos enquanto caminhava e riscava
atraacutes de si com uma varinha uma linha e ia medindo Caminhou caminhou de
suacutebito olhou para traacutes e viu a linha e pocircs-se a imaginar a Serpente como uma linha
viva E pensava que a linha eacute uma abstraccedilatildeo encarnada soacute enxergamos a sua parte
proacutexima manifesta Mas ele sabia que a linha seguia pelo invisiacutevel infinito de um
lado e de outro
O Ostinato
MONSIEUR VALEacuteRY cresceu assim como tambeacutem cresceu sua curiosidade
sobre as serpentes que seguia a rabiscar
Monsieur Valeacutery ainda costumava nadar poreacutem agora com maior
desenvoltura
Jogava-se ao mar e nadava de costas cachorrinho borboleta
Enquanto dava suas braccediladas e mergulhos no mar sem fim sentia-se
acompanhado
Entatildeo o monsieur Valeacutery pensava
― Seraacute Afrodite Ou seraacute Netuno
E enquanto caminhava para casa apoacutes seus nados volta e meia olhava para
traacutes observando a linha pintalgada pelos pingos que escorriam de seu corpo
Entatildeo Monsieur Valeacutery exclamava
― Que bela geometria
E logo se aborrecia
Monsieur Valeacutery era um perfeccionista e para se distrair durante o percurso
de volta para casa ia compondo versos Ostinatos que o enterneciam e lhe traziam
aromas de um pensamento Ele costumava declamaacute-los assim
Fonte minha fonte aacutegua friamente presente
Suave com os animais com os humanos clemente
Que tentados por si seguem ao fundo a morte
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Tudo te eacute sonho Irmatilde impaacutevida da Sorte3
Importa salientar que natildeo haacute um plaacutegio porque natildeo eacute coacutepia ou mera
reproduccedilatildeo textual mas de uma plagiotropia no sentido de Haroldo de Campos
(1997 p249) qual seja uma ldquoapropriaccedilatildeo seletiva natildeo histoacuterica para utilidade
imediata de um fazer poeacutetico situado na lsquoagoridadersquo o momento de ruptura em que
determinado presente (o nosso) se reinventa ao se reconhecer na eleiccedilatildeo de um
determinado passadordquo
Em outras palavras estabelecemos um diaacutelogo entre os espiacuteritos de Valeacutery
de Tavares e de um escrileitor que quer compor uma espiritografia O espiacuterito que
escreve lecirc repensa e mastiga o que chega dos textos de Tavares e de Valeacutery Essa
relaccedilatildeo estabelecida entre os espiacuteritos que leem e escrevem adquire potecircncia pelas
afecccedilotildees de forccedilas oriundas da accedilatildeo de leitura-escrita e gera novas relaccedilotildees com
os textos que satildeo entatildeo renovados e reinventados pelo meacutetodo espiritograacutefico
O EIS AICE do Curriacuteculo e da Didaacutetica com suas unidades analiacuteticas eacute posto
como bloco em movimento atraveacutes de um nomadismo intelectual que opera como
conhecimento e como invenccedilatildeo no territoacuterio da educaccedilatildeo de uma maneira
espiritograacutefica valeacuteryana Podemos descrever da seguinte maneira os movimentos
tradutoacuterios que ocorrem nessas unidades analiacuteticas de EIS AICE
EIS
Espaccedilos - satildeo criados entre e com Tavares e Valeacutery espaccedilos de escrita
novas margens que o espiacuterito escrileitor passa a habitar
Imagem - ausentes de Tavares e Valeacutery que se presentificam na agoridade
com novas imagens de pensamentos criadas que se ldquoreinventa ao se reconhecer na
eleiccedilatildeo de um determinado passadordquo (Campos 1997 p249) e que lhe serviu de
disparador como um rastro de escrita
3 Do poema Fragmentos de Narciso e outros poemas (VALEacuteRY 2013 p 61)
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Signos ndash encontro de forccedilas de um espiacuterito que escreve em Self-variance
com Valeacutery e com Tavares E desta violecircncia levantam-se problemas e com eles se
cria pois criaccedilatildeo pressupotildee pensar no proacuteprio pensamento e como eles se datildeo
entre leitura e escrita
AICE
Autor-tradutor ndash ler e escrever na educaccedilatildeo como operaccedilatildeo literaacuteria valer-se
da literatura que desencadeia movimentos de pensar interpretar aprender
compor devires tradutoacuterio
Infantil ndash do infante da crianccedila que descobre pois tem a forccedila ativa ativada
por uma vontade de potecircncia que quer afirmar-se com alegria
Curriacuteculo ndash Alegria que transborda pois se afirmam novos meios de educar
que natildeo o ldquoeu professotu escutasrdquo pois na teimosia que nos impele a educar eacute
necessaacuterio ir aleacutem da mera reproduccedilatildeo de textos
Educador ndash EEE (estudante escritor educador) trecircs papeacuteis intercambiaacuteveis
propiacutecios a interrogar-se levantar questotildees na busca de novos olhares ldquovatildeosrdquo
sobre o ainda natildeo visto que possibilita novas composiccedilotildees de escrita
Consideraccedilotildees Finais
Ao pensar sobre o processo de pesquisa exposto no presente artigo
sinalizamos a relevacircncia do pensamento de Paul Valeacutery e de sua apropriaccedilatildeo efetiva
no campo da educaccedilatildeo por considerar que os seus procedimentos de escrita
concedem ao espiacuterito que busca se educar agir com maior lucidez de pensamento
ou seja cultivar o Eu-empiacuterico que lecirc e escreve importando-se mais com o meio de
ocorrecircncia textual do que com um fim ou com uma meta
Tratamos em siacutentese de um fazer conjunto com Paul Valeacutery atraveacutes dos
seguintes aportes a) o Meacutetodo do Informe utilizado como processo experimental
para falar ler e escrever sobre a educaccedilatildeo com Valeacutery b) atraveacutes de uma Self-
variance do espiacuterito colocar-se em movimento funcional construcionista onde
autoeduca-se no entre-lugar variante de EEE c) a escrileitura conceitualizada como
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um campo aberto agrave formaccedilatildeo e ao fazer docente que mescla linguagem e
conhecimento
A vidarbo de Valeacutery engendra na didaacutetica e no curriacuteculo uma vontade de
expressatildeo unida agraves sensaccedilotildees experimentadas no viviacutevel em novos traccedilados
compositivos de escrita Para pensar e operar uma didaacutetica (AICE) e um curriacuteculo
(EIS) tradutoacuterios o estudo tambeacutem aponta que a pesquisa eacute mutante e aberta a
novas interferecircncias visto que o Meacutetodo do Informe transmuta-se no proacuteprio
percurso investigativo em um Meacutetodo Espiritograacutefico
Pelo que podemos observar acerca dos resultados e impactos das produccedilotildees
oriundas das trecircs pesquisas anteriormente citadas que pesquisam e produzem um
curriacuteculo e uma didaacutetica da diferenccedila eles vecircm proporcionando encontros
produtivos que ampliam e qualificam as pesquisas educacionais
Cabe enfatizar que no cotidiano educacional o que se traduz aleacutem de textos
eacute a proacutepria vida como potecircncia ou movimento de criaccedilatildeo almejando que a
existecircncia possa ser concebida como arte pois de acordo com Valeacutery (1977
p217) ldquoa arte natildeo eacute nada mais do que um pedagogo poreacutem mais importante ―
pois ela pode me ensinar a dispor do meu espiacuterito para aleacutem de suas aplicaccedilotildees
praacuteticasrdquo Trata-se entatildeo de um escrever vivendo espreitar a realidade e sobre ela
levantar novos problemas que promovem no espiacuterito dobras sobre si mesmo num
fazer poeacutetico-criador em elaboraccedilatildeo constante um modo de existir intensivo de arte-
vida que toma o viviacutevel como mateacuteria para assim transmutaacute-la no campo da
educaccedilatildeo contemporacircnea
Referecircncias CAMPOS Haroldo de Transcriaccedilatildeo Satildeo Paulo perspectiva 2013
_______ Haroldo de O Arco-Iacuteris Branco Rios de Janeiro Imago 1997 CAMPOS Maria Idalina Krause de Alfabeto Espiritograacutefico Escrileituras em Educaccedilatildeo Porto Alegre 2013 Projeto de dissertaccedilatildeo (Dissertaccedilatildeo em Educaccedilatildeo)
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Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Faculdade de Educaccedilatildeo Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2013 Disponiacutevel em lthttphdlhandlenet1018370246gt _______ Maria Idalina Krause de A Educaccedilatildeo da Diferenccedila com Paul Valeacutery Meacutetodo Espiritograacutefico Porto Alegre 2014-2017 Projeto de tese (Tese qualificada em Educaccedilatildeo) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Faculdade de Educaccedilatildeo Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2014 CORAZZA Sandra Mara OLIVEIRA Marcos da Rocha ADOacute Maacuteximo Daniel Lamela (Orgs) Biografemaacutetica na educaccedilatildeo Vidarbos (Caderno de Notas 7) Porto Alegre UFRGS Doisa 2015 _______ Sandra Mara Ensaio sobre EIS AICE proposiccedilatildeo e estrateacutegia para pesquisar em educaccedilatildeo Porto Alegre Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo CNPq 2014 30 p (No prelo) _______ Sandra Mara O que se transcria em educaccedilatildeo Porto Alegre ndash RS UFRGS Doisa 2013 _______ Sandra Mara Introduccedilatildeo ao meacutetodo biografemaacutetico In COSTA Luciano Bedin da FONSECA Tania Mara Galli (Org) Vidas do Fora habitantes do silecircncio Porto Alegre Editora da UFRGS 2010 _______ Sandra Mara Dramatizaccedilatildeo do infantil na comeacutedia intelectual do curriacuteculo meacutetodo Valeacutery-Deleuze Projeto de Pesquisa ndash Bolsa de produtividade CNPq 2010 _______ Sandra Mara Meacutetodo Valeacutery-Deleuze um drama na comeacutedia intelectual da educaccedilatildeo Educaccedilatildeo amp Realidade Porto Alegre v 37 n 3 Dec 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S2175-62362012000300016amplng=enampnrm=isogt Acessado em 13 de Julho de 2016 _______ Sandra Mara Didaacutetica da Traduccedilatildeo transcriaccedilotildees do curriacuteculo escrileituras da Diferenccedila (2014-2019) Projeto de Pesquisa de Produtividade (CNPq) _______ Gilles Diferenccedila e repeticcedilatildeo Trad Luiz Orlandi e Roberto Machado Rio de Janeiro Graal 2006 _______ Gilles A ilha deserta e outros textos Textos e entrevistas (1953-1974) Satildeo Paulo Iluminuras 2006 (Org Luiz B L Orlandi) DELEUZE Sobre o teatro Um manifesto de menos O esgotado Rio de Janeiro Editora Zahar 2010
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TAVARES Gonccedilalo M O senhor Valeacutery e a Loacutegica 1 ed Rio de Janeiro Casa da Palavra 2011 VALEacuteRY Paul Variedades Trad Maiza Martins de Siqueira Satildeo Paulo Iluminuras 2011 _______ Paul Fragmentos de Narciso e outros poemas Trad Juacutelio Castantildeon Guimaratildees Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial 2013 _______ Cahiers Paris Gallimard 1977
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Gravura procedimentos alternativos em litografia contemporacircnea
Ana Paula Schoninger van Grol1 Universidade Feevale
Lurdi Blauth2
Universidade Feevale
Resumo O estudo aborda a inter-relaccedilatildeo da arte com distintos meios de produccedilatildeo de imagens mediando procedimentos tradicionais com processos de tecnologias digitais As experiecircncias satildeo realizadas no campo da gravura contemporacircnea com o intuito de propor outras possibilidades de criaccedilatildeo de matrizes pela utilizaccedilatildeo e o aproveitamento de materiais alternativos e o uso de produtos menos toacutexicos Consideramos que eacute importante estimular o uso destes outros meios principalmente em ateliecircs de gravura xilogravura gravura em metal litografia e serigrafia Neste momento apresentamos alguns resultados parciais no acircmbito da litografia cujas pesquisas foram desenvolvidas no ateliecirc de gravura da Universidade Feevale Palavras-chave Arte tecnologia gravura litografia Abstract The research takes into consideration the relation among the different ways of producing images associating traditional methods with digital technology processes The experiences are taken in the field of contemporary printing intenting propouse other possibilities in creating printing matrices from use and exploitation of alternative material and non-toxic products It is considered that it is important to stimulate the use of alternative means particularly in art labs such as xylography metal engraving lithography and silkscreen To the present moment will be presented some partial results related to lithograph all researches were accomplished at the art laboratory in Universidade Feevale Keywords Art technology printing lithography
Introduccedilatildeo
Os movimentos artiacutesticos no iniacutecio de seacuteculo XX transgridem as formas
tradicionais da arte como podemos observar no surrealismo futurismo e dadaiacutesmo e
nas publicaccedilotildees em manifestos que confrontam questotildees sociais e culturais A
invenccedilatildeo da fotografia intensifica a aproximaccedilatildeo entre a arte e a tecnologia liberando
os artistas da questatildeo da representaccedilatildeo tradicional de espaccedilo para realizarem novas
1 Graduada em Artes Visuais trabalha como professora de liacutengua inglesa Eacute diretora do grupo de teatro de rua DRIME e tambeacutem atua como artista plaacutestica 2 Doutora em Artes Visuais pela UFRGS (2005) e Doctorat sandwich en Art Plastique - Universiteacute Paris 1 (Pantheacuteon-Sorbonne) (2003) Artista visual pesquisadora e professora nos cursos de Artes Visuais Design Graacutefico e no PPG em Processos e Manifestaccedilotildees Culturais Universidade Feevale
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experiecircncias Em 1910 quando Pablo Picasso e Georges Braque inserem em suas
pinturas outros materiais como fragmentos de jornais elementos da tipografia entre
outros impressos fazem uma alusatildeo direta ao cotidiano e ao progresso dos novos
meios tecnoloacutegicos da eacutepoca Tais fragmentos colados sobre a superfiacutecie da tela aleacutem
de redimensionarem a relaccedilatildeo da representaccedilatildeo do espaccedilo ilusionista da perspectiva
introduzem uma nova forma de tempo e espaccedilo Os limites tradicionais e a
representaccedilatildeo objetiva da arte comeccedilam a ser questionados sobretudo com a
utilizaccedilatildeo e a experimentaccedilatildeo de novos materiais bem como tambeacutem a expressatildeo
pessoal do artista
No acircmbito do desenvolvimento da gravura percebemos a coexistecircncia com
inovaccedilotildees teacutecnicas as quais satildeo constantemente renovadas e incorporadas aos
procedimentos tradicionais de criaccedilatildeo de imagens sobre distintas matrizes e processos
de reproduccedilatildeo sobre diferentes suportes Atualmente o conceito inicial da gravura se
transforma junto com a evoluccedilatildeo da cultura e dos novos meios tecnoloacutegicos Ela natildeo
envolve necessariamente gravaccedilatildeo isto eacute subtraircortar mateacuteria de uma superfiacutecie
como eacute feito nos meios mais tradicionais como a xilogravura e a calcografia Utiliza-se a
adiccedilatildeo de pigmentos os quais modificam a superfiacutecie de uma matriz atraveacutes de
processos quiacutemicos confronta-se tambeacutem com a gravaccedilatildeo fotograacutefica a eletrografia e
a computaccedilatildeo graacutefica buscando assim a inter-relaccedilatildeo com outras linguagens
Tais desdobramentos tencionam as suas especificidades teacutecnicas propondo
uma maior flexibilidade e autonomia em relaccedilatildeo aos seus meios convencionais de
gravaccedilatildeo e impressatildeo Contudo as linguagens tradicionais natildeo satildeo descartadas uma
vez que eacute fundamental termos conhecimento das caracteriacutesticas dos seus
procedimentos originais que continuam sendo desenvolvidos por inuacutemeros artistas Ou
seja satildeo produzidas gravuras com meios teacutecnicos da xilogravura calcografia serigrafia
e litografia e de acordo com as singularidades criativas de cada artista satildeo
incorporados desenhos pinturas colagens transferecircncia de fotografias digitais coacutepia
uacutenica em contraponto com a reproduccedilatildeo de imagens
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Neste estudo investigamos a criaccedilatildeo de imagens por meio de experimentaccedilotildees
praacuteticas com procedimentos analoacutegicos (gravura) incluindo a utilizaccedilatildeo de recursos
provenientes de tecnologias digitais (fotografia) e a transferecircncia de imagens sobre
matrizes alternativas
O enfoque das nossas experimentaccedilotildees eacute buscar materiais que possam suprir
os procedimentos tradicionais da litografia devido a dois fatores primeiro satildeo poucos
ateliecircs que possuem as pedras litograacuteficas o que impede o seu faacutecil acesso segundo
aliada aos constantes desdobramentos e potencialidades da linguagem graacutefica eacute
fundamental a experimentaccedilatildeo de outros materiais mais acessiacuteveis e menos toacutexicos
Cabe mencionar que tais experimentaccedilotildees partem de informaccedilotildees obtidas por
pesquisas apresentadas em sites da internet artigos e estudos oriundos de testagens
realizadas em outros paiacuteses No entanto percebemos que os procedimentos natildeo
resultam em apenas transcrever teacutecnicas implicam em tentar adotar materiais similares
em nosso contexto aleacutem de indicarem outras possibilidades de criaccedilatildeo artiacutestica
Os experimentos e pesquisas relatados aqui satildeo vinculados ao projeto de
pesquisa Arte e Tecnologia Interfaces Hiacutebridas da Imagem entre Mediaccedilotildees e
Remediaccedilotildees que acontece sob orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Lurdi Blauth nos ateliecircs de arte
da Universidade Feevale O objeto de estudo investiga possibilidades hiacutebridas que
inter-relacionam meios analoacutegicos e digitais de diferentes linguagens esteacuteticas como a
gravura fotografia videoarte e tecnologias digitais
Litografia princiacutepios baacutesicos
A litografia descoberta por Alois Senefelder em 1796 comeccedilou a ser utilizada
de forma utilitaacuteria para impressatildeo de documentos roacutetulos cartazes mapas jornais
aleacutem de apresentar uma nova possibilidade expressiva para os artistas A teacutecnica da
litografia tem como princiacutepio baacutesico o fenocircmeno quiacutemico de repulsatildeo entre gordura e
aacutegua tornando-se um meio de reproduccedilatildeo de imagens Antes da invenccedilatildeo da litografia
toda a gravura pressupunha gravaccedilatildeo isto eacute a incisatildeo sobre uma superfiacutecie resultando
numa imagem que podia ser transferida pelo seu relevo Isto quer dizer que a gravura
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estava associada agrave incisatildeo agrave subtraccedilatildeo o oposto de adiccedilatildeo De acordo com George
Kornis3 (2015)
O advento da litografia no seacuteculo XIX ndash um processo fundado apenas em uma accedilatildeo quiacutemica sobre uma matriz em pedra ndash possibilitou um grau de liberdade diante da incisatildeo e ampliou a escala de reprodutibilidade da imagem graacutefica Na litografia a linguagem graacutefica aproxima-se ainda mais do desenho Essa nova teacutecnica prescinde da incisatildeo o que amplia o acesso a novos artistas que optam por incorporar tambeacutem a expressatildeo graacutefica ao seu trabalho
Importantes artistas comeccedilam a utilizar a teacutecnica como meio de expressatildeo
Goya como podemos observar na obra Touradas de 1825 (fig 1) Gustave Doreacute
Renoir Ceacutezanne Toulouse-Lautrec Bonnard entre outros realizam novas
experimentaccedilotildees introduzindo inclusive a cor nos meios litograacuteficos
Figura 1 Francisco Joseacute de Goya Touradas 1825 Fonte Disponiacutevel em httpwwwpatrimoniodehuescaesmuseo-de-huesca-francisco-de-goya-y-
lucientes-grabados-de-tauromaquia-y-lienzo-del-sr-de-veian-s-xviii
A linguagem graacutefica aliada agraves transformaccedilotildees do seacuteculo XXI continua a sua
constante atualizaccedilatildeo teacutecnica pela convergecircncia de meios digitais e de teacutecnicas
seculares da gravura configurando-se pela exploraccedilatildeo de uma diversidade de novas
proposiccedilotildees esteacuteticas Nesse aspecto igualmente eacute colocado em discussatildeo o seu
caraacuteter original relacionado com a produccedilatildeo de uma matriz uacutenica e a reproduccedilatildeo de
3 KORNIS George Gravura passado presente e futuro Publicado em 13 de maio de 2015 Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomwatchv=mCmY_Oj3x64gt Acesso em 29 de julho de 2016
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estampas idecircnticas Para Nicole Malenfant (2012 p73) ldquoeacute na abertura para praacuteticas de
natureza interdisciplinar que a gravura transgrediu ainda mais o quadro de sua
especificidade para integrar a abordagem de criaccedilatildeo agrave perspectiva de uma
lsquopermeabilidade de fronteirasrsquo Em outras palavras estas novas abordagens inter-
relacionam procedimentos materialidades e conceitos ampliando inclusive o caraacuteter
mais intimista da gravura bem como as estruturas de suas praacuteticas teacutecnicas
convencionais que se desdobram no contato com as tecnologias digitais
Atualmente falamos em gravuras digitais que se distinguem das praacuteticas
tradicionais da gravura que ldquoeacute feita com base na construccedilatildeo pictoacuterica e utiliza
ferramentas proacuteprias aos softwares da imagem para elaborar uma proposta visual que
pode incluir elementos fotograacuteficos que se relacionem com outros elementos do todo da
imagemrdquo (MALENFANT 2012 p72) Embora as especificidades de cada procedimento
empregado estejam em sintonia eacute preciso levar em conta as peculiaridades e
denominaccedilotildees dos meios de reproduccedilatildeo e impressatildeo e suas diferentes granulaccedilotildees na
imagem A incorporaccedilatildeo da imagem fotograacutefica por meio de transferecircncia para outros
suportes e matrizes que permitem a sua reproduccedilatildeo se distingue da materialidade das
impressotildees manuais
Ainda de acordo com Malenfant
As pesquisas para transferir imagens fotograacuteficas ou digitais para matrizes que permitem se servir da impressatildeo artesanal tambeacutem enriqueceram essas imagens com uma materialidade diferente advindas da siacutentese de suas disciplinas implicadas Esses novos avanccedilos no plano teacutecnico permitem associar as ferramentas digitais ao processo de criaccedilatildeo da imagem e ampliam o campo da exploraccedilatildeo esteacuteticardquo (2012 p73)
Nessa perspectiva haacute uma liberdade muito maior em elaborar proposiccedilotildees
esteacuteticas que dialogam com uma diversidade de materiais e materialidades e de certa
maneira transgridem as delimitaccedilotildees para integrar novas formas de criaccedilatildeo no campo
ampliado da arte
Desse modo as investigaccedilotildees praacuteticas desta pesquisa se desdobram com a
exploraccedilatildeo de procedimentos alternativos para a gravura litograacutefica A partir do
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conhecimento de alguns princiacutepios baacutesicos da litografia procuramos trabalhar com
alguns meacutetodos que natildeo necessitam da utilizaccedilatildeo da pedra calcaacuteria cujo material eacute
escasso e limitado a poucos ateliecircs no Rio Grande do Sul
Contexto inicial
Para o desenvolvimento dos meios tradicionais da litografia eacute necessaacuterio uma
seacuterie de procedimentos que implicam no uso de diversos materiais como pedra
litograacutefica (calcaacuteria) materiais para desenho (Tousche laacutepis crayon) solvente
(removedor aacutegua-raz ou varsol) goma araacutebica breu aacutecido aceacutetico aacutecido niacutetrico entre
outros O processo eacute relativamente complexo pois depende da repulsatildeo entre gordura
e aacutegua A imagem eacute produzida sobre a superfiacutecie da pedra calcaacuteria com materiais
oleosos e depois de concluiacuteda satildeo aplicados diferentes componentes quiacutemicos que
iratildeo fixaacute-la Ou seja eacute necessaacuterio que todas as etapas sejam consideradas em sua
sequecircncia e geralmente requer o auxiacutelio de profissionais capacitados para a impressatildeo
aleacutem de outros cuidados teacutecnicos para que haja um bom resultado na obra final
Visando atender aos objetivos da pesquisa buscamos desenvolver a teacutecnica
com meacutetodos diversos realizando experimentaccedilotildees com diferentes suportes para a
produccedilatildeo de matrizes que se aproximem aos meios litograacuteficos Aleacutem disso buscamos
relacionar a pesquisa agraves tecnologias digitais seja no processo de criaccedilatildeo eou na
elaboraccedilatildeo das imagens graacuteficas
Experimentaccedilotildees praacuteticas
Inicialmente foram testados vaacuterios procedimentos e materiais tendo como
proposiccedilatildeo na medida do possiacutevel utilizar materiais menos nocivos ao ambiente
Nessas experimentaccedilotildees vaacuterios testes natildeo apresentaram os resultados esperados ou
adequados agrave proposta da investigaccedilatildeo contudo possibilitaram outras descobertas
Os estudos em ateliecirc tecircm como referecircncia o artigo ldquoLa siligrafiacutea Un proceso
alternativo en la graacutefica muacuteltiple contemporaacuteneardquo de Hortensia Miacutenguez Garciacutea e
Carles Meacutendez Llopis (2014) que sugere o uso de silicone e solvente sobre chapa
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offset Apoacutes algumas tentativas foi possiacutevel reproduzir a imagem contudo os
resultados deste experimento natildeo foram totalmente satisfatoacuterios em qualidade de
impressatildeo aleacutem do mais natildeo se enquadravam com os objetivos da pesquisa na
aplicaccedilatildeo dos materiais ndash que ainda apresentavam certa toxicidade (figura 2)
Figura 2 Ana van Grol - Detalhes do processo com litografia alternativa Fonte Arquivo pessoal
A partir destas experiecircncias realizadas em ateliecirc concluiacutemos que seratildeo
necessaacuterios mais estudos e praacuteticas para se obter melhores resultados para a
reproduccedilatildeo das imagens
Litografia natildeo toacutexica com refrigerante de cola e produtos caseiros
Nesta segunda etapa novos estudos bibliograacuteficos propiciaram outras testagens
com materiais e processos de litografia alternativa Percebemos que em muitos paiacuteses
jaacute estatildeo sendo pesquisados outros meacutetodos mais acessiacuteveis e de faacutecil manuseio
Nesse aspecto eacute interessante observar que encontramos pouco material em portuguecircs
inclusive os materiais sugeridos satildeo similares aos produzidos aqui no Brasil poreacutem
existe uma diferenccedila na qualidade dos mesmos
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Foram pesquisados em diversos viacutedeos disponiacuteveis na internet que tratam de
processos semelhantes ao de litografia alternativa Mencionamos alguns exemplos
como o ateliecirc francecircs Art Emilion4 (o qual tambeacutem produziu um manual para execuccedilatildeo
do processo) e o viacutedeo Kitchen Lithography Demo por Felicia Digiovanni5 ambos
demonstrando a teacutecnica com refrigerante de cola O processo utilizando somente
vinagre para substituir o refrigerante apresentado por ldquojjewelartrdquo tambeacutem fez parte do
experimento poreacutem natildeo apresentou os resultados esperados
De acordo com as demonstraccedilotildees do ateliecirc de arte Art Eacutemilion o procedimento
faz uso dos seguintes materiais oacuteleo de cozinha vinagre branco refrigerante de cola
papel alumiacutenio esponja litograacutefica tinta para talho doce rolo para entintagem laacutepis
para desenho litograacutefico (e outros materiais gordurosos para o mesmo fim como sabatildeo
de glicerina) papel para impressatildeo e aacutegua
O desenvolvimento da teacutecnica envolve as seguintes etapas
1 O papel alumiacutenio deve ser posto sobre uma chapa acriacutelica ou algo semelhante
para facilitar o trabalho o lado a ser usado eacute o fosco
2 Apoacutes limpar o papel alumiacutenio com aacutelcool pode-se fazer o desenho com giz
gorduroso ou sabatildeo de glicerina
3 O banho de refrigerante de cola eacute o passo seguinte mas deve-se ter a certeza
de que o desenho estaacute totalmente seco para isso Este processo toma alguns
segundos e eacute necessaacuterio assegurar-se de passar por toda a superfiacutecie
4 Depois disso deve-se lavar com aacutegua e secar levemente com papel toalha
5 O oacuteleo de canola deve ser espalhado por toda a superfiacutecie com uma gaze para
retirar o desenho do alumiacutenio
6 Eacute necessaacuterio passar a esponja de litografia sobre o desenho devendo estar
umedecida com aacutegua e ser aplicada entre as etapas de entintagem com tinta
4 EMILLION Aizier Lithography Maison ndash Kitchen lithography Disponiacutevel em lt httpwwwatelier-kitchen-printorgproducts-pagemanuelsproduitshandbook-of-kitchen-lithogt Acesso em 09 de junho de 2016 5DIGIOVANI Felicia Kitchen Lithography Demo Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomwatchv=UuBUlEt6vWwgt Acesso em 09 de junho de 2016
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para talho doce ou tipograacutefica com um rolo de borracha Na primeira passada eacute
possiacutevel que a tinta se fixe a todas as partes poreacutem a esponja molhada deve
ser aplicada vaacuterias vezes assim como a tinta ateacute que ao final a tinta aderiraacute
somente na imagem (figura 3)
Figura 3 Ana van Grol - testes de litografia alternativa com coca cola do atelier Art Eacutemilion Fonte Arquivo pessoal
Nos primeiros resultados apenas era possiacutevel reconhecer vestiacutegios das
imagens e teacutecnica entretanto ao repetir o processo algumas vezes e analisar os
procedimentos realizados era notaacutevel a melhora das impressotildees (figura 4)
Figura 4 Ana van Grol ndash detalhe da impressatildeo com maior fidelidade entre o desenho inicial e sua impressatildeo final
Fonte Arquivo pessoal
Eacute curioso salientar um aspecto em que diferem nossos estudos dos
experimentos realizados nos viacutedeos observados enquanto que em nossas praacuteticas a
tinta eacute fixada no plano de fundo da imagem nos viacutedeos ela adere nos desenhos sendo
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assim o sistema que repele a tinta acontece invertido e por esse motivo continuamos
as testagens para obter resultados mais proacuteximos aos dos viacutedeos
Nestas experimentaccedilotildees os resultados foram satisfatoacuterios tecnicamente poreacutem
ainda natildeo foram consideradas questotildees esteacuteticas e conceituais enquanto linguagem
artiacutestica Na etapa seguinte buscamos aliar a transferecircncia de imagens para a criaccedilatildeo
de matrizes com papel alumiacutenio utilizando outros procedimentos e materiais
A transferecircncia de imagem sobre matriz de alumiacutenio
A articulaccedilatildeo da gravura tem seus antecedentes histoacutericos que remetem aos
primoacuterdios da fotografia relacionados agrave gravaccedilatildeo de sombra luz e impressatildeo O uso de
recursos tecnoloacutegicos pela facilidade de acesso propicia a ampla reproduccedilatildeo de
imagens assim como a fotografia digital contribui para a renovaccedilatildeo e a interaccedilatildeo com
outras linguagens artiacutesticas No entanto diante das inuacutemeras possibilidades de
reproduzir coacutepias por tecnologias digitais a questatildeo da reproduccedilatildeo atraveacutes da gravura
jaacute natildeo eacute tatildeo relevante Com o avanccedilo dessas tecnologias digitais abrem-se novos
caminhos para a gravura Maria do Carmo Veneroso6 coloca que
Eacute pois a qualidade graacutefica e a possibilidade do uso da imagem fotograacutefica entre outras coisas que vai caracterizar a praacutetica dos gravadores atualmente A reprodutibilidade deixa portanto de ser um valor em si jaacute que com o desenvolvimento da induacutestria graacutefica muitas outras formas de impressatildeo mais raacutepidas e mais eficientes se impotildeem deixando que a gravura se realize plenamente em meio e tangenciando outras linguagens plaacutesticas Essa mudanccedila de paradigma faz com que a gravura se desenvolva como linguagem lanccedilando matildeo dos recursos teacutecnicos disponiacuteveis (2007 p1512)
A autonomia das linguagens graacuteficas propicia que sejam articulados distintos
meios e procedimentos borrando as fronteiras e delimitaccedilotildees teacutecnicas para originar
outras praacuteticas e confrontos esteacuteticos O caminho da gravura artiacutestica comeccedila a se
modificar significativamente quando a tecnologia e os meios de reproduccedilatildeo fotograacutefica
6 Blog Litografia 2010 ndash CAPECAUSP Disponiacutevel em lthttpcap-lito-2010blogspotcombr201003litografias-de-artistas-cezannehtmlgt Acesso em 09 de junho de 2016
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GROL Ana Paula Schoninger Van BLAUTH Lurdi Gravura procedimentos alternativos em litografia
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satildeo incluiacutedos aos procedimentos tradicionais ldquoRobert Rauschenberg por exemplo
desafiou os meios convencionais da gravura introduzindo elementos jaacute impressos
atraveacutes da transferecircncia de imagens Tambeacutem ampliou as escalas fiacutesicas misturando
diversas teacutecnicas graacuteficas que satildeo impressas sobre tela para substituir o papelrdquo
(BLAUTH 2011 p27) (Figura 5)
Figura 5 Robert Rauschenberg Shades 1964 Seis litografias impressas sobre acriacutelico 15 x 1438 x 11 58 p Ediccedilatildeo 24
Fonte MOMA Disponiacutevel em httpswwwmomaorgcollectionworks14718
Neste estudo apresentamos resultados parciais de procedimentos e meacutetodos
com o intuito de transferir a fotografia digital para criaccedilatildeo de matrizes com papel
alumiacutenio Inicialmente satildeo realizadas algumas testagens com outros tipos de matrizes
(acetato lata de refrigerante) e meios de transferecircncia (tela de serigrafia calor e
salicilato de metila)
Um dos materiais testados foi o acetato com imagem impressa em toner preto
aacutegua e esponja para molhar o acetato antes de entintar tinta para talho doce rolo de
borracha papel proacuteprio para a impressatildeo e prensa
Fazendo uso das impressotildees a laser e conhecendo suas propriedades o acetato
foi entintado e impresso Apoacutes alguns testes o resultado foi satisfatoacuterio (figura 6)
poreacutem natildeo com total controle sobre as impressotildees Encontramos neste meacutetodo a
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possibilidade de unir a tecnologia com a reproduccedilatildeo de imagem aos materiais
alternativos na produccedilatildeo de gravura
Figura 6 Ana van Grol Processo e resultado acetato impresso a laser gravura direta com tinta para talho doce
Fonte Arquivo pessoal
Em outra experiecircncia eacute feita a transferecircncia de impressatildeo a laser com calor e
pressatildeo e a tinta para talho doce acaba por fazer a interaccedilatildeo necessaacuteria utilizando-se
do meacutetodo de limpar a placa com oacuteleo antes de entintaacute-la A tinta de talho doce eacute
aplicada com rolo de borracha vaacuterias vezes e entre os intervalos de cada entintagem eacute
necessaacuterio limpar a tinta com esponja litograacutefica embebida em aacutegua (figura 7)
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Figura 7 Ana van Grol Processo e resultado de trabalho com transferecircncia de coacutepia a laser e
impressatildeo direta com tinta para talho doce Fonte Arquivo pessoal
Outro procedimento de transferecircncia de imagem impressa a laser eacute o produto
denominado de salicilato de metila associado ao processo de impressatildeo com a prensa
Com este material obtemos resultados mais satisfatoacuterios quando a imagem eacute impressa
sobre papel couchet ressaltando um certo contraste na imagem Neste caso (figura 8)
apoacutes a transferecircncia satildeo realizadas grafias aleatoacuterias com laacutepis litograacutefico gorduroso e
depois satildeo empregados os procedimentos de fixaccedilatildeo da imagem sobre o alumiacutenio uso
de polvilho melado ou mel imersatildeo em refrigerante cola oacuteleo de cozinha (para retirar a
imagem) esponja embebida em aacutegua e tinta para impressatildeo (para talho doce) Nesse
processo a imagem transferida natildeo desaparece apenas o desenho feito com material
gorduroso
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Figura 8 Lurdi Blauth Teste de transferecircncia de imagem com salicilato de metila Fonte Arquivo pessoal
A serigrafia tambeacutem serve de aporte ao desejo de transferir uma imagem e
reproduzi-la em impressotildees Em si o processo de serigrafia consiste em sensibilizar a
tela de nylon com uma imagem que poderaacute ser reproduzida sobre outras superfiacutecies
com uso de tinta proacutepria No caso da litografia alternativa utilizamos o sabatildeo de
glicerina como ldquotintardquo ou seja na funccedilatildeo de base protetora para o banho de
refrigerante Para isso foi necessaacuterio criar uma pasta (na textura de tinta) para
reproduzir a imagem da tela para o papel alumiacutenio Mais tarde com a mistura de sabatildeo
jaacute seca foram aplicadas as etapas posteriores o resultado pode ser observado na
impressatildeo (figura 9)
Figura 9 Ana van Grol - impressatildeo com uso de serigrafia como forma de transferecircncia de imagem
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Fonte Arquivo pessoal
A impressatildeo apresentou resultados bem satisfatoacuterios quanto agrave qualidade de
imagem contudo outras misturas semelhantes agrave de sabatildeo de glicerina neutro devem
ser testadas e podem apresentar melhor aderecircncia eou resistecircncia ao banho de
refrigerante
Algumas consideraccedilotildees
Diante da pluralidade de meios e possibilidades artiacutesticas testadas procuramos
utilizar materiais alternativos e produtos atoacutexicos buscando aproveitar materiais
disponiacuteveis na tentativa de abrir outros meios de reproduccedilatildeo de imagens O caminho
continua em aberto e o que nos motiva eacute a nossa convicccedilatildeo na continuidade da
exploraccedilatildeo de novas perspectivas para o campo da arte e em especial agrave litografia
testada com diferentes procedimentos Entendemos que diversos fatores interferem
devido agraves caracteriacutesticas e qualidade dos materiais empregados os quais muitas
vezes apresentam resultados inesperados
As experimentaccedilotildees realizadas ateacute o momento nos indicam a continuidade da
pesquisa buscando meios variados para o campo da gravura que possam ser
socializados principalmente nos ateliecircs que ainda utilizam materiais prejudiciais Dessa
forma pretendemos tambeacutem contribuir com a conscientizaccedilatildeo dos cuidados
relacionados agrave sauacutede dos artistas e do meio ambiente Em nossas conclusotildees parciais
percebemos que as possibilidades satildeo inuacutemeras para a criaccedilatildeo e reproduccedilatildeo de
imagens com materiais ldquocaseirosrdquo e com o seguimento de nossas investigaccedilotildees e
testagens temos a convicccedilatildeo de que podemos estimular a adesatildeo e a interaccedilatildeo com
outros artistas e assim obtermos melhores resultados
Portanto o campo das linguagens graacuteficas e os seus meios de reproduccedilatildeo direta
ou indireta da imagem tem suas qualidades intriacutensecas em cada processo contudo se
natildeo suscitarem transformaccedilotildees tornam-se vazias e desnecessaacuterias Podemos dizer
que natildeo importam os meios empregados pois os ldquoproblemasrdquo artiacutesticos devem ser
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confrontados com novos questionamentos esteacuteticos seja pelo uso do computador na
imagem digital na fotografia ou mesmo os meios considerados tradicionais como
gravura a pintura a escultura podendo ter (ou natildeo) qualidade contemporacircnea
Referecircncias BLAUTH Lurdi Marcas Passagens e Condensaccedilotildees ndash investigaccedilotildees de um processo de gravura contemporacircnea Porto Alegre Editora da UFRGS 2011 GARCIacuteA Hortensia Miacutenguez e LLOPIS Carles Meacutendez La siligrafiacutea Un proceso alternativo en la graacutefica muacuteltiple contemporacircnea In Revista El Artista n 11 Pamplona Colombia Universidad Distrital Francisco Joseacute de Caldas 2014 MALENFANT Nicole A gravura entre a identidade disciplinar e suas manifestaccedilotildees em um quadro interdisciplinar In Revista Porto Arte v 1 n1 (jun 1990) Porto Alegre Universidade Federal do Rio Grande do Sul Instituto de Artes Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Artes Visuais 1990 VENEROSO Maria do Carmo Gravura e Fotografia - Um estudo das possibilidades da gravura como uma linguagem artiacutestica autocircnoma na contemporaneidade e sua associaccedilatildeo com a fotografia In 16deg Encontro Nacional da Associaccedilatildeo Nacional de Pesquisadores de Artes Plaacutesticas Dinacircmicas Epistemoloacutegicas em Artes Visuais ndash 24 a 28 de setembro de 2007 ndash Florianoacutepolis SC
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Pluralia Tantum reflexotildees sobre a muacutesica contemporacircnea
Fernando Lewis de Mattos1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
1 Consideraccedilotildees preliminares sobre o conservadorismo em muacutesica Antes de iniciar esta explanaccedilatildeo sobre algumas caracteriacutesticas da muacutesica
contemporacircnea gostaria de apontar aspectos do conservadorismo existente na
muacutesica atual
Mesmo atraveacutes de um vislumbre raacutepido sobre a Histoacuteria da Muacutesica percebe-
se que em todas as eacutepocas houve aqueles artistas que se esforccedilaram para expandir
a sensibilidade de seu tempo e aqueles (artistas teoacutericos criacuteticos pensadores e
parte do puacuteblico) que natildeo foram capazes de compreender o significado das
transformaccedilotildees ou natildeo estavam dispostos a abrir matildeo de seus valores
aparentemente bem fundamentados para escutar com a devida atenccedilatildeo as
realizaccedilotildees de seus contemporacircneos
Nem mesmo grandes pensadores estiveram livres de juiacutezos preconcebidos
ou natildeo foram capazes de apreciar a abrangecircncia de certas inovaccedilotildees no campo
artiacutestico de sua eacutepoca Platatildeo por exemplo revoltou-se contra a nova muacutesica de
seu tempo com seus trecircs gecircneros (diatocircnico cromaacutetico e enarmocircnico) e a
ampliaccedilatildeo vertiginosa das possibilidades de expressatildeo considerada perigosa pelo
filoacutesofo por romper com os fundamentos numeacutericos e com as normas pitagoacutericas da
muacutesica tradicional Rousseau e Diderot percebiam em Rameau somente o muacutesico
da corte chegando a ridicularizar suas oacuteperas por haver um grande contingente de
1 Possui Graduaccedilatildeo em Muacutesica - Habilitaccedilatildeo Violatildeo (1988) Mestrado em Muacutesica - Ecircnfase Educaccedilatildeo Musical
(1997) e Doutorado em Muacutesica - ecircnfase em Composiccedilatildeo (2005) pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul Atualmente eacute Professor Associado do Departamento de Muacutesica no Instituto de Artes da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul onde atua nas disciplinas Anaacutelise Musical Harmonia Esteacutetica da Muacutesica no
curso de Muacutesica e as disciplinas Praacuteticas Artiacutesticas e Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Muacutesica no curso de Histoacuteria da
Arte Soacutecio-fundador da Arena - Associaccedilatildeo Cultural Socioambiental onde ministra cursos regularmente
Instrumentista (cordas dedilhadas) dedicado agrave pesquisa e interpretaccedilatildeo de muacutesica antiga europeia (alauacutedes e
guitarras) muacutesica tradicional brasileira (viola caipira e guitarra romacircntica) e muacutesica contemporacircnea (violatildeo e
decacorde) compositor com obras para diferentes formaccedilotildees vocais e instrumentais muacutesica incidental para
teatro viacutedeo e cinema e produccedilatildeo de material sonoro para exposiccedilotildees Dedica-se tambeacutem agrave pesquisa e
interpretaccedilatildeo de muacutesica brasileira moderna e contemporacircnea
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instrumentos de percussatildeo tratando-as como natildeo sendo muacutesica mas somente um
amontoado de sons que produziam um barulho infernal Para Diderot Rameau era
[] aquele muacutesico ceacutelebre que nos livrou do canto chatildeo de Lully o qual recitamos haacute mais de cem anos que escreveu tantas visotildees ininteligiacuteveis e verdades apocaliacutepticas sobre a teoria da muacutesica sobre as quais nem ele nem ningueacutem jamais entendeu nada2 e de quem temos um certo nuacutemero de oacuteperas onde haacute harmonias fragmentos de cantos ideias desconexas ruiacutedos estrondosos voos triunfos lances gloacuterias murmuacuterios vitoacuterias de perder o focirclego aacuterias de danccedila que duraratildeo eternamente e que depois de ter enterrado o Florentino seraacute enterrado pelos virtuoses italianos (DIDEROT 1983 p 47-48)
Nietzsche que assim como Platatildeo e Rousseau tambeacutem era muacutesico viu no
Parsifal de Wagner apenas a capitulaccedilatildeo aos valores de uma arte germacircnica
redentora e consolatoacuteria que abdicava do ideal da muacutesica como retorno agrave inocecircncia
da arte atraveacutes do espiacuterito dionisiacuteaco Se houve este aspecto conservador na muacutesica
de Wagner havia muito mais pois foi a partir de suas inovaccedilotildees que compositores
como Mahler Debussy e Schoenberg conduziram suas proacuteprias experiecircncias
Mesmo que nem sempre tenha sido por razotildees especificamente musicais3 as
sucessivas reaccedilotildees agraves novas sonoridades levam a crer que a abertura para praacuteticas
musicais inusuais pode ser algo difiacutecil de ser alcanccedilado
No meio musical atual podem-se distinguir duas espeacutecies de
conservadorismo o conservadorismo preacute-moderno e o conservadorismo modernista
O conservadorismo preacute-moderno eacute aquele mais generalizado e hegemocircnico
predominante entre os programadores culturais administradores de teatro diretores
artiacutesticos de orquestras e afins Essa espeacutecie de conservadorismo se opotildee a toda e
qualquer criaccedilatildeo musical natildeo coincidente com os procedimentos e valores da
muacutesica do Periacuteodo Tonal situado entre as produccedilotildees de Johann Sebastian Bach
(1685-1750) e Johannes Brahms (1833-1897) Para aqueles que defendem ainda
hoje esses valores a muacutesica tonal eacute tida como sendo lsquouniversalrsquo mesmo que seja o
2 Jean-Philippe Rameau (1683-1764) foi um dos maiores muacutesicos e teoacutericos de sua eacutepoca foi o primeiro a sistematizar mais de duzentos anos de praacutetica musical em seu Tratado de Harmonia (1722) que eacute ainda hoje considerado como um dos escritos mais importantes sobre o assunto 3 Platatildeo estava preocupado com a educaccedilatildeo dos jovens os enciclopedistas viam em Rameau um representante do Ancien Reacutegime e Nietzsche sentiu-se traiacutedo por Wagner em seu ideal de superar o predomiacutenio do espiacuterito apoliacuteneo no campo musical
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fruto do trabalho de muacutesicos de uma regiatildeo restrita do planeta que corresponde a
aproximadamente trecircs paiacuteses da Europa Ocidental (Itaacutelia Franccedila e principalmente
Alemanha) e produzida em um curto periacuteodo de tempo entre os seacuteculos XVIII e
XIX
Um bom exemplo desse tipo de conservadorismo estaacute naquela afirmaccedilatildeo
comum em certos meios musicais onde prevalecem valores convencionais ldquonatildeo
toco muacutesica contemporacircnea porque as pessoas natildeo tecircm como saber se estou
tocando as notas certas ou erradas e quando escuto uma muacutesica dessas natildeo sei se
o muacutesico estaacute tocando bem ou natildeo Por isso considero essa muacutesica como sendo
de menor importacircnciardquo Nota-se aqui um pensamento tautoloacutegico centrado apenas
na proacutepria experiecircncia pessoal e sem qualquer interesse pela produccedilatildeo que estaacute agrave
sua volta Tautoloacutegico no sentido em que o sujeito natildeo tem como avaliar aquela
interpretaccedilatildeo porque natildeo conhece a muacutesica e natildeo conhece aquela muacutesica porque
natildeo se permite avaliar a interpretaccedilatildeo O raciociacutenio artificioso estaacute em que como o
indiviacuteduo natildeo conhece a muacutesica natildeo se esforccedila para escutar sua interpretaccedilatildeo
portanto natildeo pode julgaacute-la e se natildeo eacute possiacutevel emitir juiacutezo a muacutesica natildeo tem valor ndash
como se fosse necessaacuterio conhecer a muacutesica para saber se algueacutem a estaacute
interpretando adequadamente como se a capacidade de anaacutelise natildeo estivesse no
conhecimento que o sujeito tem do objeto analisado Trata-se de uma atitude
autocentrada porque esses muacutesicos
[] soacute conhecem a arte que consomem e soacute consomem a que reconhecem portanto sua consciecircncia eacute leve e parcial Como sustentar o pacto se eacute tatildeo menos sofrido dormir com a consciecircncia leve sem a pretensatildeo de uma arte feita tambeacutem para arte sem a sombra do domiacutenio gigantesco Talvez arte feita somente para o mundo para o plano da distraccedilatildeo substacircncia que dissolve instantaneamente o artista Arte distraiacuteda quase arte quase atenccedilatildeo quase conteuacutedo insuficiecircncia (BERNARDES 1998 p 7)
Quem crecirc que julga a arte a partir dessa espeacutecie de raciociacutenio apenas se
limita a reconhecer aquilo que jaacute conhece ou seja nesse ponto natildeo haacute
conhecimento apenas reconhecimento Ouvem-se tambeacutem alguns muacutesicos que se
negam a tocar novos repertoacuterios argumentando que natildeo se dedicam a estudar a
muacutesica atual porque ela natildeo acrescenta muito agrave teacutecnica do seu instrumento Esse
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ponto de vista parece ainda mais esvaziado pois fica confinado nos limites da
teacutecnica onde natildeo se alcanccedila jamais a condiccedilatildeo de arte
O conservadorismo moderno eacute atualmente defendido por aqueles que foram
os protagonistas de grandes transformaccedilotildees teacutecnicas e esteacuteticas da muacutesica de
meados do seacuteculo XX (do poacutes-guerra agrave deacutecada de 1970) e seus disciacutepulos esses
muacutesicos opotildeem-se a qualquer mudanccedila de direcionamento que natildeo corresponda agraves
novidades introduzidas pelas vanguardas tardias e confundem novos processos
narrativos e novos significados musicais com a arte de um passado ao qual sempre
se opuseram Natildeo tecircm a capacidade de compreender que as novas geraccedilotildees
percebem o mundo de outra maneira tecircm outros anseios e consequentemente
outras necessidades Portanto produzem outra arte O musicoacutelogo Paul Bekker
afirmava que os muacutesicos de sua eacutepoca natildeo escreviam da mesma maneira que os
grandes gecircnios do passado ldquopelo simples fato de serem pessoas diferentesrdquo
(BEKKER 1928 p 217) Parece que os protagonistas das vanguardas (a quem
Bekker estava se referindo) natildeo se deram conta de que o tempo continua a passar e
que os mais jovens que vieram depois deles tambeacutem tecircm outras necessidades ndash o
que obviamente leva agrave criaccedilatildeo de outra muacutesica diferente da sua
Haacute tambeacutem aqueles que pretendem que a arte se limite agrave aplicaccedilatildeo de novos
processos tecnoloacutegicos esquecendo que a arte eacute antes de tudo expansatildeo da
sensibilidade e do pensamento e que a teacutecnica natildeo eacute condiccedilatildeo para a arte A
tecnologia pode ser mais um recurso para a realizaccedilatildeo artiacutestica natildeo seu fim
Quando a muacutesica eacute valorizada somente pelos procedimentos tecnoloacutegicos
empregados na sua produccedilatildeo tambeacutem fica confinada nos limites da teacutecnica e natildeo
alcanccedila sua condiccedilatildeo esteacutetica O emprego de recursos tecnoloacutegicos vem a partir de
necessidades mais amplas do que a simples aplicaccedilatildeo de teacutecnicas recentes Se o
emprego de novas tecnologias fosse criteacuterio para a avaliaccedilatildeo da arte as primeiras
experiecircncias com muacutesica eletrocircnica seriam atualmente obsoletas (e seria no
miacutenimo enganoso considerar ultrapassadas as peccedilas eletrocircnicas de Schaeffer
Henry ou Stockhausen dos anos rsquo50) Por sua vez a novidade tecnoloacutegica natildeo
implica necessariamente na produccedilatildeo de arte nova
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Como o tempo eacute inexoraacutevel os indiviacuteduos humanos de hoje satildeo outros do
que em outros tempos as sociedades satildeo outras haacute outras maneiras de perceber o
mundo e refletir sobre ele tambeacutem o resultado da produccedilatildeo desses indiviacuteduos eacute
necessariamente outro Natildeo tem como ser diferente Isso indica que toda espeacutecie de
conservadorismo estaacute fadada ao fracasso o movimento se manifesta em todos os
aspectos e em todos os lugares Natildeo tem como negar a transformaccedilatildeo ela
simplesmente estaacute aiacute Haacute que aceitaacute-la ou trabalhar com ela para a criaccedilatildeo de
processos que possam conduzir a novos significados e novos meios de fazer e
perceber muacutesica Isso natildeo eacute dito de um ponto de vista apenas teacutecnico ou
pragmaacutetico mas acima de tudo conceitual pois a muacutesica como diria Platatildeo
alcanccedila seu mais alto niacutevel quando ultrapassa as pretensotildees praacuteticas mais
imediatistas e eacute nesse sentido que Soacutecrates no diaacutelogo Feacutedon compara o ato de
criar muacutesica ao haacutebito de filosofar
Negar que o tempo se prolonga incessantemente e perdura sem interrupccedilatildeo
levando consigo toda a sorte de transformaccedilotildees em todos os aspectos da realidade
significa dar as costas ao devir em seu fluxo ininterrupto de ir e vir em muacuteltiplas
direccedilotildees O que eacute uacutetil intrigante e considerado como atual para determinado grupo
humano pode natildeo o ser para outros grupos e eacute necessaacuterio aceitar isso para
compreender algo da diversidade da produccedilatildeo artiacutestica hodierna Eacute necessaacuterio sair
do proacuteprio centro para apreender algo da realidade circundante
2 Caracteriacutesticas da muacutesica atual
Haacute vaacuterias maneiras de distribuir as diferentes correntes de composiccedilatildeo da
muacutesica contemporacircnea Podem-se diferenciar as tendecircncias atuais de acordo com
procedimentos teacutecnicos como muacutesica serial muacutesica neotonal muacutesica minimalista
muacutesica eletrocircnica e outras conforme a ecircnfase em um ou outro elemento da
composiccedilatildeo como por exemplo os muacutesicos que valorizam o timbre as tendecircncias
em que o mais importante eacute o ritmo os movimentos de retorno agrave melodia agrave
harmonia ou ao contraponto aquelas linhas em que o importante estaacute no tipo de
escrita musical como a muacutesica com escrita precisa a escrita em forma de roteiro a
muacutesica aleatoacuteria e a improvisaccedilatildeo espontacircnea (que prescinde da escrita) poderiam
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tambeacutem ser consideradas as relaccedilotildees da muacutesica com outras aacutereas em que se
levariam em consideraccedilatildeo subdivisotildees como o teatro musical as instalaccedilotildees
sonoras ou as tendecircncias de multimiacutedia aleacutem de muacutesica para danccedila e a muacutesica
para cinema entre outras o ambiente musical atual poderia ainda ser dividido
entre os grupos derivados das vanguardas como a muacutesica atonal a muacutesica serial a
muacutesica estocaacutestica e a muacutesica espectral
Haveria ainda outras tantas possibilidades de demarcaccedilatildeo das tendecircncias
da muacutesica contemporacircnea Optou-se poreacutem neste ensaio por uma organizaccedilatildeo
mais ou menos extriacutenseca agrave proacutepria muacutesica e que poderia se adequar a outras
manifestaccedilotildees culturais atuais O que importa no esboccedilo a seguir satildeo os valores
que movem os muacutesicos em direccedilotildees que se entrecruzam em algumas de suas
caracteriacutesticas em alguns muacutesicos ou grupos de compositores Com base nas
referecircncias tomadas a partir de tradiccedilotildees imediatas ou remotas isto eacute nas tradiccedilotildees
do modernismo ou em tradiccedilotildees anteriores que tecircm sido resgatadas nos uacuteltimos
anos podem ser demarcadas trecircs linhas gerais na esteacutetica musical
contemporacircnea4
1 Continuidade da Modernidade
2 Retorno agrave Tradiccedilatildeo e
3 Superaccedilatildeo do Modernismo
A intenccedilatildeo com essa divisatildeo natildeo eacute enquadrar toda e qualquer manifestaccedilatildeo
musical contemporacircnea em alguma dessas trecircs tendecircncias gerais mas ao
contraacuterio procurar entender essas manifestaccedilotildees no sentido dos valores que podem
estar impliacutecitos ou expliacutecitos latentes ou manifestos conscientes ou inconscientes
nas diferentes produccedilotildees da muacutesica atual
Antes de iniciar a elaboraccedilatildeo sobre cada uma dessas tendecircncias eacute
necessaacuterio esclarecer algo da terminologia que seraacute empregada ao longo deste
ensaio
4 A organizaccedilatildeo adotada aqui leva em consideraccedilatildeo alguns princiacutepios elaborados por Ramaut-Chevassus (1998) o que natildeo significa poreacutem que se permanece no escopo de suas proposiccedilotildees
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MATTOS Fernando Lewis de Pluralia Tantum Reflexotildees sobre a muacutesica contemporacircnea Revista da Fundarte
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Em primeiro lugar quando se fala de lsquomuacutesica contemporacircnearsquo neste texto se
estaacute abordando uma parcela da totalidade da muacutesica produzida atualmente que eacute a
assim chamada lsquomuacutesica eruditarsquo aquela produzida por muacutesicos que se dedicam ao
estudo da Teoria Musical agrave Histoacuteria da Muacutesica e agrave colocaccedilatildeo e soluccedilatildeo de
problemas teacutecnicos esteacuteticos ou relativos aos vaacuterios niacuteveis de significaccedilatildeo que
podem estar engendrados no fazer musical Isso significa que este ensaio se dedica
agravequelas manifestaccedilotildees musicais em que o foco principal estaacute na reflexatildeo sobre
problemas relativos agrave muacutesica como arte portadora de significados e suas
implicaccedilotildees culturais e natildeo se apresentam apenas como reaccedilatildeo imediata ao meio
circundante5
Uma diferenciaccedilatildeo importante para as discussotildees que se seguem diz
respeito aos termos lsquoModernidadersquo e lsquoModernismorsquo
No contexto deste ensaio entende-se por Modernidade o grande periacuteodo
histoacuterico da cultura ocidental que sobreveio apoacutes a quebra da hegemonia da Igreja
Catoacutelica Romana em meados do seacuteculo XV isto eacute a partir do Renascimento Este eacute
um periacuteodo marcado por transformaccedilotildees em todos os campos e atividades
humanas que influenciaram profundamente o fazer musical em todos os seus
aspectos No acircmbito da sistematizaccedilatildeo da muacutesica europeia o antigo Sistema Modal
medieval com sua diversidade de modos foi cedendo lugar agraves novas organizaccedilotildees
com base na dualidade de modos do Sistema Tonal Os princiacutepios do contraponto
vatildeo-se tornando menos importantes ateacute que em meados do seacuteculo XVIII a
harmonia passa a ser o principal meacutetodo de organizaccedilatildeo musical Nessa eacutepoca a
Teoria dos Afetos jaacute estava plenamente elaborada para sua aplicabilidade na muacutesica
de cena na oacutepera e no oratoacuterio
Na segunda metade do seacuteculo XVIII o Sistema Tonal estaacute completamente
organizado com possibilidade de modulaccedilatildeo para todas as tonalidades e o emprego
de cromatismo em qualquer segmento independente da escala de base atraveacutes do
temperamento igual Nos seacuteculos XVIII e XIX as diversas teorias de explicaccedilatildeo da
5 Isso natildeo significa qualquer preferecircncia do ponto de vista valorativo por esta ou aquela manifestaccedilatildeo musical mas apenas que as consideraccedilotildees sobre a muacutesica contemporacircnea apresentadas neste ensaio satildeo relativas agrave parcela da muacutesica atual comumente denominada lsquomuacutesica eruditarsquo
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MATTOS Fernando Lewis de Pluralia Tantum Reflexotildees sobre a muacutesica contemporacircnea Revista da Fundarte
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realidade satildeo aproveitadas pelos muacutesicos com a intenccedilatildeo de compreender e
justificar suas escolhas Essa reflexatildeo sobre a proacutepria produccedilatildeo leva os
compositores agrave procura de originalidade na busca da lsquofantasia criadorarsquo e de novos
significados emocionais que se desenvolvem no Romantismo e desembocam nas
vaacuterias correntes modernistas do seacuteculo XX
O Modernismo equivale a todos aqueles movimentos de ruptura com a
tradiccedilatildeo6 oitocentista que se desenvolveram ao longo da primeira metade do seacuteculo
XX tendo seu marco inicial geralmente fixado no Impressionismo francecircs das
uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX No campo musical esse Modernismo eacute marcado
pela negaccedilatildeo do Sistema Tonal Negaccedilatildeo essa que se manifestou em vaacuterias
direccedilotildees pois se na muacutesica de Debussy e Ravel que estatildeo entre os primeiros a
romper com a tonalidade tradicional foram incorporados processos percebidos na
escuta de muacutesica do Extremo Oriente em especial a orquestra de gamelatildeo balinesa
Stravinsky e Bartoacutek entre outros aproveitaram elementos folcloacutericos do Leste
Europeu e juntamente com Milhaud desenvolveram a politonalidade em que vaacuterias
escalas satildeo sobrepostas com a intenccedilatildeo de obscurecer a funcionalidade tonal7
Se os compositores latinos e eslavos (como diria Schoenberg) buscavam a
superaccedilatildeo do Tonalismo oitocentista atraveacutes da incorporaccedilatildeo de processos e
materiais sonoros aproveitados de culturas extraeuropeias no meio musical
germacircnico e mais especificamente no acircmbito da Segunda Escola de Viena sob a
lideranccedila de Arnold Schoenberg (1874-1951) os jovens muacutesicos estavam
conduzindo as possibilidades cromaacuteticas ao extremo atraveacutes do Atonalismo desde
os primeiros anos do seacuteculo XX e do Dodecafonismo a partir da deacutecada de 1920
Esta muacutesica mais densa psicologicamente e considerada como sendo mais
6 Note-se que a noccedilatildeo de lsquoruptura com a tradiccedilatildeorsquo atraveacutes da lsquonova artersquo (Philippe de Vitry 1322) com a criaccedilatildeo de lsquonovas muacutesicasrsquo (Giulio Caccini 1601) com a concepccedilatildeo de um lsquoestilo modernorsquo que aporta em uma lsquosegunda praacuteticarsquo (Monteverdi 1605) natildeo eacute caracteriacutestica apenas do Modernismo mas da Modernidade como um todo 7 Eacute interessante notar que Darius Milhaud (1892-1974) considerado como um dos primeiros a empregar teacutecnicas politonais nas duas suiacutetes para piano intituladas Saudades do Brasil (com o tiacutetulo original em portuguecircs) de 1920 e 1921 certamente aproveitou esse recurso a partir da sua experiecircncia com o compositor cearense Alberto Nepomuceno (1864-1920) com quem conviveu no Rio de Janeiro na eacutepoca em que este foi diretor da Escola Nacional de Muacutesica Nepomuceno jaacute havia escrito em 1902 suas Variations sur un thegraveme original Op 29 (com o tiacutetulo em francecircs) onde empregou explicitamente sobreposiccedilatildeo de tonalidades inclusive com diferentes armaduras de clave
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complexa e de difiacutecil assimilaccedilatildeo foi o ponto de partida para grande parte das
experiecircncias das vanguardas tardias (1950-1970) em que se elaboraram e
aprofundaram inuacutemeras teacutecnicas e processos de organizaccedilatildeo musical com base em
seacuteries de alturas seacuteries de duraccedilotildees seacuteries de timbres etc chegando ao que se
chamou de Serialismo Integral no qual todos os paracircmetros da composiccedilatildeo seriam
serializados Ateacute mesmo Stravinsky principal antiacutepoda de Schoenberg chegou a
praticar teacutecnicas seriais Entre os principais compositores dessa geraccedilatildeo que
comeccedilou a aparecer apoacutes a Segunda Guerra nos festivais de muacutesica nova de
Darmstadt estatildeo Pierre Boulez (1925) Luciano Berio (1925-2003) e Karlheinz
Stockhausen (1928)
No final da deacutecada de 1950 houve entre os compositores que participavam
dos movimentos de vanguarda diversas reaccedilotildees agrave extrema racionalizaccedilatildeo dos
processos de composiccedilatildeo empregados pelos serialistas do grupo de Darmstadt As
mais difundidas foram as diferentes espeacutecies de muacutesica aleatoacuteria certamente
influenciadas por John Cage (1912-1992) Tambeacutem entre os compositores mais
jovens se desenvolveram novas praacuteticas com base nas relaccedilotildees mais rudimentares
entre os sons ou a partir da organizaccedilatildeo espectral da seacuterie harmocircnica Muacutesicos do
Leste Europeu como o polonecircs Krzysztof Penderecki (1933) ou o huacutengaro Gyorgy
Ligeti (1923) seguiram caminhos completamente independentes com relaccedilatildeo agrave
corrente dominante da Europa Ocidental Tambeacutem nos Estados Unidos houve
reaccedilatildeo agraves praacuteticas dos serialistas atraveacutes do Minimalismo de compositores como
Terry Riley (1935) Steve Reich (1936) e Philip Glass (1937) Pode-se considerar o
Minimalismo puro como o uacuteltimo dos movimentos modernistas no sentido de buscar
a ruptura com a tradiccedilatildeo ou com as praacuteticas das geraccedilotildees anteriores
O que caracteriza esses movimentos modernos apesar de sua diversidade eacute
a busca de hegemonia de cada um deles Por essa razatildeo o Modernismo se
caracteriza pelo lsquomanifestorsquo em que satildeo apresentados os valores da nova arte e se
explicitam em que sentido essa arte eacute nova de que maneira ela se diferencia das
outras e como pode ultrapassaacute-las Assim cada novo trabalho produzido pelo artista
moderno tem o caraacuteter de um programa com a exposiccedilatildeo de suas intenccedilotildees e
projetos em que satildeo apresentados os novos recursos descobertos por ele e seus
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colegas Haacute dessa maneira a crenccedila em uma progressividade determinada da
cultura em que se percebe a Histoacuteria de forma diacrocircnica como um processo
evolutivo contiacutenuo em que cada nova geraccedilatildeo deve acrescentar algo agraves conquistas
das geraccedilotildees anteriores para estar agrave sua altura e se diferenciar delas
Como o que pode ser quantificado na arte satildeo os materiais empregados e as
teacutecnicas com que esses materiais satildeo manipulados desenvolveram-se em grande
parte valores tecnicistas predominantes entre os movimentos de vanguarda em que
o importante seria a descoberta ou a criaccedilatildeo de novas teacutecnicas e o emprego de
novos recursos acuacutesticos Nesse sentido a lsquoexpressatildeo de conteuacutedosrsquo foi relegada a
um segundo plano quando natildeo passou a ser tomada como um resiacuteduo indesejaacutevel
de valores do Romantismo oitocentista Esse preceito pode ser exemplificado com a
conhecida afirmaccedilatildeo de Stravinsky ldquoinspiraccedilatildeo arte artista satildeo termos no miacutenimo
obscuros que nos impedem de ver claramente um campo onde tudo eacute equiliacutebrio
caacutelculo onde o que se passa eacute o sopro do espiacuterito especulativordquo
(STRAVINSKY 1986 p 54)
Cada grupo ou movimento artiacutestico buscava desenvolver seu proacuteprio sistema
de organizaccedilatildeo sonora seus proacuteprios meacutetodos de elaboraccedilatildeo musical e se
esforccedilava por descobrir novos materiais e recursos acuacutesticos que o posicionassem agrave
frente de seus concorrentes Havia por exemplo grande rivalidade entre a Escola
de Viena e os muacutesicos atuantes em Paris Schoenberg chegou a afirmar em seu
ensaio Muacutesica Nacional de 1931 que ldquoningueacutem ainda se deu conta que minha
muacutesica nascida em solo germacircnico livre de influecircncias estrangeiras eacute o exemplo
vivo de uma arte efetivamente capaz de se opor agraves esperanccedilas latinas e eslavas de
hegemonia porque se trata de uma arte essencialmente derivada das tradiccedilotildees da
muacutesica germacircnicardquo (SCHOENBERG 1975 p 173)
A noccedilatildeo da rivalidade entre franceses e germacircnicos no periacuteodo entre
guerras pode ser apreendida com a citaccedilatildeo do texto mais influente no meio musical
francecircs da deacutecada de 1920 O Galo e o Arlequim escrito por Jean Cocteau em
1918
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Schoenberg eacute um mestre todos os nossos muacutesicos e Stravinsky lhe devem algo mas Schoenberg eacute sobretudo um muacutesico de quadro negro Soacutecrates dizia lsquoQuem eacute este homem que come patildeo como se fosse a boa carne e a boa carne como se fosse patildeorsquo Resposta o melocircmano alematildeo (COCTEAU 1995 p 433-434)
Essas citaccedilotildees podem dar alguma noccedilatildeo do que eram os confrontos entre os
grupos modernistas na primeira metade do seacuteculo XX Os principais representantes
desses debates podem ser facilmente agrupados entre os partidaacuterios do
Neoclassicismo franco-russo que tinham em Stravinsky e no Grupo dos Seis seus
expoentes mais destacados e o Expressionismo germacircnico do qual os participantes
da Segunda Escola de Viena eram os principais portadores de conceitos e valores
Naturalmente houve grande nuacutemero de muacutesicos independentes poreacutem estes
geralmente se localizavam fora da Europa Ocidental Entre eles podem-se citar Bela
Bartoacutek (1881-1945) na Hungria Charles Ives (1874-1954) nos Estados Unidos
Carlos Chaacutevez (1899-1978) no Meacutexico Heitor Villa-Lobos (1887-1959) no Brasil e
Alberto Ginastera (1916-1983) na Argentina
21 Continuidade da Modernidade
As tendecircncias da muacutesica contemporacircnea em que a principal caracteriacutestica se
pode encontrar na busca de afirmaccedilatildeo dos pressupostos da Modernidade isto eacute em
que o artista percebe o fluxo histoacuterico de maneira contiacutenua e procura acrescentar
algo de original a ele satildeo aquelas que se desenvolveram a partir das vanguardas
tardias das deacutecadas de 1950 e 1960
Esses compositores que se alinham aos valores da poacutes-vanguarda podem
ser identificados entre aqueles que empregam processos derivados da muacutesica
atonal e serial que organizam suas estruturas sonoras com base em referecircncias
matemaacuteticas (com o emprego de algoritmos ou com base em estruturas
estocaacutesticas entre outras) e que desenvolveram suas investigaccedilotildees a partir da
muacutesica espectral do dececircnio de 1970 Haacute tambeacutem aqueles muacutesicos que se
dedicam agrave pesquisa na aacuterea de muacutesica e tecnologia a partir das experiecircncias da
muacutesica concreta da muacutesica eletrocircnica e eletroacuacutestica e podem ser alinhados no
escopo das tendecircncias de poacutes-vanguarda da muacutesica contemporacircnea O compositor
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Michel Chion (1947) tem empregado a expressatildeo lsquomuacutesica acusmaacuteticarsquo para designar
certos experimentos que se desdobraram a partir da muacutesica concreta
Com o intuito de ultrapassar cada fase histoacuterica com base em descobertas
originais esses compositores tecircm em geral como sua principal referecircncia a
superaccedilatildeo dos sistemas totalizantes que definiram os caminhos da Modernidade
Isso significa que mesmo aqueles que se dedicam agrave organizaccedilatildeo do material
acuacutestico com base em estruturas sistemaacuteticas natildeo se definem por uma via uacutenica de
estruturaccedilatildeo sonora ou seja natildeo seguem um princiacutepio sistecircmico uacutenico mas se
abrem para outras possibilidades conforme os elementos musicais se apresentam agrave
sua percepccedilatildeo pois muitos desses muacutesicos estatildeo abertos agrave casualidade mesmo
quando organizam seu trabalho a partir de processos racionais intriacutensecos ou com
base em caacutelculos predeterminados Nesse sentido a poacutes-vanguarda se diferencia
das vanguardas do poacutes-guerra para as quais qualquer intromissatildeo da percepccedilatildeo
imediata no processo compositivo significava ceder espaccedilo agrave subjetividade e
consequentemente aos valores liacutericos do Romantismo oitocentista
Muitos compositores atuais assumem uma atitude renovada com relaccedilatildeo ao
material sonoro pois mesmo aqueles que mais se esforccedilam em manter criteacuterios
quantitativos com preferecircncia por estruturas abstratas distanciadas das
experiecircncias cotidianas demonstram interesse pela pluralidade que qualquer
estrutura sonora traz em si Entendem com isso que os criteacuterios de valoraccedilatildeo de
qualquer produccedilatildeo dependem dos contextos especiacuteficos em que ocorrem e que natildeo
se podem definir antecipadamente quais os caminhos por que deve seguir
determinado conteuacutedo musical Esse entendimento conduz a outro terreno de
ordem mais esteacutetica do que teacutecnica que eacute a abertura para manifestaccedilotildees culturais
diferenciadas Enquanto um muacutesico de vanguarda da geraccedilatildeo de Boulez por
exemplo somente encontra valor em realizaccedilotildees que se assemelham agraves suas ou se
encontram no mesmo campo de atuaccedilatildeo um muacutesico de geraccedilatildeo posterior tem a
capacidade de reconhecer valor em algo que ele proacuteprio natildeo faria porque percebe
que satildeo impulsos criteacuterios e o gosto pessoal que estatildeo em causa entende que os
valores satildeo relativos ao contexto em que ocorrem e fora desse contexto podem
perder seu significado
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Haacute outros muacutesicos que seguem a tendecircncia de se mover no acircmbito dos
valores modernos poreacutem se diferenciam daqueles comentados acima por
desdenharem da lsquohierarquia de gostosrsquo do meio musical isto eacute fazem a leitura das
muacutesicas atuais sem hierarquizar os diversos tipos de manifestaccedilatildeo cultural Esses
muacutesicos percebem como sendo equivalentes do ponto de vista valorativo as
abordagens loacutegicas ou abstratas em comparaccedilatildeo agravequelas centradas na absorccedilatildeo do
mundo cotidiano eles procuram estreitar os elos que ligam as diferentes formas de
manifestaccedilatildeo musical atuais Entre as teacutecnicas de estruturaccedilatildeo musical mais usuais
nesta linha de atuaccedilatildeo do campo musical estatildeo a apropriaccedilatildeo a citaccedilatildeo a alusatildeo e
a colagem
Com base no princiacutepio da apropriaccedilatildeo de elementos oriundos de qualquer
muacutesica para a conformaccedilatildeo de uma nova estrutura sonora os materiais podem ser
apropriados de seu contexto original sob diferentes aspectos O compositor russo
Alfred Schnittke (1934-1998) um dos fundadores dessa tendecircncia de assimilaccedilatildeo de
diversos tipos de manifestaccedilatildeo cultural diferencia citaccedilatildeo e alusatildeo da seguinte
maneira a citaccedilatildeo consiste na apropriaccedilatildeo direta de um fragmento musical para a
composiccedilatildeo de uma nova muacutesica isto eacute se cita literalmente uma linha meloacutedica
uma sequecircncia riacutetmica ou um encadeamento harmocircnico de modo a tornaacute-lo
reconheciacutevel ao passo que a alusatildeo consiste em somente sugerir a lsquomaneirarsquo de
outro muacutesico ou escola atraveacutes de um fragmento musical escrito pelo proacuteprio
compositor ldquoO princiacutepio de alusatildeo se manifesta por evocaccedilotildees sutis e natildeo por
anuacutencios expliacutecitos proacuteximos de citaccedilotildees sem realmente o serem Esse princiacutepio se
opotildee agrave classificaccedilatildeordquo (SCHNITTKE 1998 p 29) Assim faz-se alusatildeo sem citar
literalmente o modelo original
A teacutecnica da colagem que surgiu na pintura cubista e foi amplamente
utilizada pelos escritores surrealistas pelos dadaiacutestas e pelos muacutesicos franceses do
Grupo dos Seis eacute uma das principais teacutecnicas de elaboraccedilatildeo musical empregadas a
partir da apropriaccedilatildeo de materiais heterogecircneos esparsos ao longo de determinada
obra A colagem consiste na justaposiccedilatildeo ou na sobreposiccedilatildeo de elementos com
origens distintas e produz um resultado almejado por vaacuterios muacutesicos nos uacuteltimos
anos que eacute a produccedilatildeo de texturas sonoras heterofocircnicas nas quais se tem a niacutetida
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sensaccedilatildeo de estar escutando diversas muacutesicas simultaneamente Eacute interessante
notar que essa teacutecnica jaacute era empregada por Charles Ives desde o iniacutecio do seacuteculo
XX Sua Unanswered Question (1906) jaacute opunha trecircs ideias musicais distintas sem
que se produzisse qualquer tipo de interaccedilatildeo entre elas
Esses procedimentos e teacutecnicas de apropriaccedilatildeo citaccedilatildeo alusatildeo e colagem
podem ser agrupados em um conceito geral denominado por Schnittke de
lsquopoliestiliacutesticarsquo Para este compositor
[] apesar de todas as dificuldades e todos os perigos que encerram a poliestiliacutestica seus benefiacutecios indiscutiacuteveis jaacute satildeo evidentes Estes residem no alargamento da expressatildeo musical em uma maior facilidade para integrar os estilos lsquonobresrsquo e os estilos lsquocomunsrsquo os estilos lsquobanaisrsquo e os estilos lsquorefinadosrsquo ou em uma palavra em um universo alargado e em uma democratizaccedilatildeo de estilos A realidade musical pode ser objetivada de forma documental pois natildeo aparece unicamente como o reflexo do indiviacuteduo mas tambeacutem atraveacutes das citaccedilotildees [] Na realidade seria difiacutecil encontrar outra teacutecnica musical que fosse tatildeo bem adaptada quanto a poliestiliacutestica agrave expressatildeo da ideacuteia filosoacutefica de continuidade (SCHNITTKE 1989 p 134)
Com essas reflexotildees Schnittke aponta para a pluralidade como criteacuterio de
valoraccedilatildeo da arte e elimina a busca de hegemonia de uma tendecircncia sobre as
outras como sendo um princiacutepio esteacutetico vaacutelido Nota-se inclusive a ironia de
Schnittke com relaccedilatildeo aos conceitos tradicionais de lsquoestilos nobresrsquo ou lsquoestilos
banaisrsquo Essa espeacutecie de hierarquizaccedilatildeo vem de longa data pois jaacute na eacutepoca de
Mozart se diferenciavam o lsquoestilo elevadorsquo de caraacuteter afirmativo e enfaacutetico digno de
representar a nobreza e os sentimentos nobres o lsquoestilo meacutediorsquo mais ingecircnuo e
leve sobre o qual se dizia que ldquodeve agradar ao ouvinte sem excitaacute-lo ou levaacute-lo agrave
reflexatildeordquo e o lsquoestilo baixorsquo considerado ruacutestico e simples poderia aparecer na forma
de danccedilas populares e era proacuteprio para a representaccedilatildeo de camponeses e das
classes sociais inferiores (cf RATNER 1980 p 9) O que Schnittke estaacute fazendo eacute
uma criacutetica agraves categorizaccedilotildees riacutegidas dos estilos musicais com base em
preconceitos sociais No uacuteltimo movimento de sua Sonata para Violino e Orquestra
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de Cacircmara Op 508 (1968) um longo segmento eacute elaborado com base na citaccedilatildeo de
trechos de Vivaldi combinados com a melodia da canccedilatildeo La Cucaracha9
O resultado dessas teacutecnicas de apropriaccedilatildeo e colagem eacute uma espeacutecie de
hibridismo estiliacutestico em que eacute abolido o preceito da unidade de estilo conforme foi
preconizado pelo teoacuterico tcheco Eduard Hanslick em meados do seacuteculo XIX e se
manteve como valor intocaacutevel ateacute a deacutecada de 1970 Hanslick chegou ao ponto de
afirmar que se deveria ldquodizer lsquotal compositor tem estilorsquo com o mesmo sentido que
quando se diz de algueacutem lsquoele tem caraacuteterrsquordquo (HANSLICK 1989 p 96) Naturalmente
essa definiccedilatildeo quase moralizante do conceito de estilo natildeo se sustenta atualmente
ateacute porque apoacutes o decliacutenio dos metadiscursos e dos grandes sistemas de
explicaccedilatildeo da realidade natildeo se justifica a aplicaccedilatildeo de um criteacuterio uacutenico de caraacuteter
universal para a avaliaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural Cada nova peccedila musical cada
nova criaccedilatildeo no campo da arte traz em si a chave para a sua compreensatildeo e com
isso carrega tambeacutem os criteacuterios para sua avaliaccedilatildeo Eacute faacutecil demonstrar o equiacutevoco
de um criacutetico de muacutesica quando ao escutar uma peccedila atonal reclama da falta de
um centro tonal definido no qual possa apoiar sua audiccedilatildeo poder-se-ia responder a
outro criacutetico que considerasse aborrecida a estrutura da arte minimalista da mesma
forma que John Walker ldquoo aborrecimento eacute presumivelmente apenas uma emoccedilatildeo
tatildeo legiacutetima para a arte como qualquer outrardquo (WALKER 1977 p 27) Parece ser
igualmente simples perceber que procurar unidade de estilo na obra de um
compositor que como Schnittke professa a diversidade estiliacutestica estaacute fora de
cogitaccedilatildeo
Em um sentido geral nessa linha da produccedilatildeo contemporacircnea em que os
valores esteacuteticos seguem com base na continuidade das caracteriacutesticas inerentes da
Modernidade permanece importando em primeiro plano o processo criativo O que
significa que o resultado segue sendo uma arte centrada no fazer fundamentada na
poiacuteēsis acima de qualquer outro criteacuterio valorativo Isso significa que seus
fundamentos permanecem focalizados no indiviacuteduo criador que se coloca
8 Esta peccedila eacute uma transcriccedilatildeo da Sonata nordm 1 Op 30 (1963) para violino e piano 9 Eacute interessante notar que o proacuteprio Mozart jaacute fazia colagens com alusotildees ao estilo elevado e ao estilo baixo em suas oacuteperas Don Giovanni e Bodas de Fiacutegaro que causaram polecircmica em algumas cidades europeias devido ao seu conteuacutedo que subvertia os valores sociais da eacutepoca
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livremente como um inventor de novas sonoridades novas combinaccedilotildees acuacutesticas
novas teacutecnicas novos materiais e novos processos de elaboraccedilatildeo musical
22 Retorno agrave Tradiccedilatildeo
Ao contraacuterio da acepccedilatildeo anterior os muacutesicos que se colocam de maneira
favoraacutevel com relaccedilatildeo agrave tradiccedilatildeo tecircm sua fundamentaccedilatildeo na criacutetica ao Historicismo
Assim questionam a crenccedila de que as transformaccedilotildees histoacutericas satildeo o resultado de
princiacutepios universais tatildeo objetivos quanto as leis da Fiacutesica ou das Ciecircncias Naturais
e que eacute necessaacuterio descobrir quais satildeo esses princiacutepios para operar sobre eles10 Os
muacutesicos que se alinham agraves tendecircncias de retorno agrave tradiccedilatildeo fazem criacutetica a essa
concepccedilatildeo unidirecional da Histoacuteria e creem na possibilidade de sobreposiccedilatildeo das
diversas produccedilotildees musicais do passado e do presente o que significa que esses
muacutesicos estatildeo dispostos a retomar experiecircncias anteriores de qualquer eacutepoca ou
lugar ou evocar essas experiecircncias a partir de novos pontos de vista com o intuito
de atualizaacute-las em um momento especiacutefico da contemporaneidade
(Com relaccedilatildeo a essa discussatildeo os muacutesicos que se aplicam agrave continuidade da
Modernidade operam em grande parte com aquele princiacutepio historicista poreacutem jaacute
compreendido em contextos especiacuteficos e natildeo mais universais Nesta acepccedilatildeo da
muacutesica contemporacircnea ainda se tem a Histoacuteria como a dimensatildeo mais abrangente
para a explicaccedilatildeo da realidade e das transformaccedilotildees sociais e culturais A diferenccedila
com relaccedilatildeo agraves explicaccedilotildees modernas estaacute em que a dimensatildeo histoacuterica eacute
compreendida a partir de um ou outro ponto de vista isto eacute busca-se contextualizar
e relativizar os princiacutepios histoacutericos mesmo que esses princiacutepios ainda sejam
considerados como a melhor via de explicaccedilatildeo das transformaccedilotildees sociais poliacuteticas
econocircmicas ou culturais)
Entendido dessa maneira percebe-se que com relaccedilatildeo agrave ldquoideia filosoacutefica de
continuidaderdquo (para retomar agrave expressatildeo de Schnittke citada anteriormente)
aqueles muacutesicos que se colocam na posiccedilatildeo de lsquoretorno agrave tradiccedilatildeorsquo assumem uma
10 No acircmbito especiacutefico da muacutesica isso significaria a existecircncia de um direcionamento uniacutevoco dos fatos musicais atraveacutes da Histoacuteria e que a tarefa do muacutesico seria encontrar os princiacutepios que regem esse fluir contiacutenuo para criar a partir deles e transcendecirc-los
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postura necessariamente antagocircnica a qualquer espeacutecie de Historicismo mesmo
contextual ou relativo Com isso tem-se uma antinomia existente entre os dois
pontos de vista pois se para aqueles que pretendem dar continuidade aos valores
da Modernidade a tradiccedilatildeo deve ser investigada para ser ultrapassada no sentido
de que o artista deve dar continuidade agraves transformaccedilotildees histoacutericas para estar agrave
altura de seu tempo para aqueles que defendem o retorno ao passado a tradiccedilatildeo
deve ser compreendida para servir de suporte agrave criaccedilatildeo da nova muacutesica que natildeo
tem necessariamente que ultrapassaacute-la mas operar com ela
A atitude mais saliente na acepccedilatildeo da muacutesica atual de lsquoretorno agrave tradiccedilatildeorsquo eacute
a busca de valores e elementos estiliacutesticos do passado com o sentido de aproveitaacute-
los em estruturas musicais homogecircneas Essa caracteriacutestica distingue esse grupo
de valores de retorno ao passado dos outros dois grupos (lsquocontinuidade da
Modernidadersquo e lsquosuperaccedilatildeo do Modernismorsquo) para os quais as possibilidades de
aproveitamento de elementos diacutespares se daacute atraveacutes da fragmentaccedilatildeo e da colagem
heterofocircnica Com isso tem-se outro aspecto diferencial na relaccedilatildeo entre as
acepccedilotildees da muacutesica atual pois se por um lado aqueles que pretendem ultrapassar
a tradiccedilatildeo operam sobre um princiacutepio de continuidade histoacuterica que deve ser
reconhecido e ampliado por outro lado esses mesmos muacutesicos propotildeem a
descontinuidade e a fragmentaccedilatildeo da estrutura musical per se quando se trata de
cada peccedila de muacutesica em particular pois compreendem que estruturas sonoras
contiacutenuas jaacute estariam ultrapassadas por fazerem recuar agraves caracteriacutesticas mais
proeminentes da muacutesica tonal ou seja agraves praacuteticas musicais do seacuteculo XVIII e XIX
cujas possibilidades de discursividade e narratividade jaacute estariam esgotadas
Ao contraacuterio os muacutesicos que professam o retorno agrave tradiccedilatildeo por serem
criacuteticos com relaccedilatildeo agrave concepccedilatildeo diacrocircnica da Histoacuteria geralmente argumentam
em favor da retomada de estruturas musicais contiacutenuas por entenderem que os
processos de fragmentaccedilatildeo operados pelas vanguardas jaacute foram exauridos ao
extremo e portanto esvaziados Assim ao defenderem concepccedilotildees sincrocircnicas dos
fatos histoacutericos segundo as quais se pode ter uma percepccedilatildeo de ldquotudo ao mesmo
tempo agorardquo se sentem agrave vontade para sobrepor os meacutetodos de elaboraccedilatildeo
musical do Classicismo ou do Romantismo aos seus anseios de iacutendole
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eminentemente contemporacircnea Tem-se assim outra constataccedilatildeo que
complementa aquela do paraacutegrafo anterior os muacutesicos que se alinham aos
princiacutepios de retorno agrave tradiccedilatildeo propotildeem uma leitura sincrocircnica e portanto
descontiacutenua da Histoacuteria poreacutem a estrutura musical resultante da elaboraccedilatildeo de cada
peccedila particular se torna contiacutenua pelo resgate de processos discursivos e narrativos
em suas composiccedilotildees
Essas praacuteticas de retorno ao passado muitas vezes satildeo professadas sem a
definiccedilatildeo de eacutepoca ou regiatildeo especiacutefica mas se abrem agrave possibilidade de passar
por diferentes pontos geograacuteficos mais ou menos remotos e por diferentes periacuteodos
da Histoacuteria sem que isso signifique a perda da coesatildeo estiliacutestica (a identidade
estiliacutestica se torna novamente importante apesar de natildeo ser mais um princiacutepio
esteacutetico inflexiacutevel) De qualquer forma mesmo com uma concepccedilatildeo sincrocircnica da
Histoacuteria eacute comum que muitos desses muacutesicos se fixem em algum ponto do tempo
ou do espaccedilo para a criaccedilatildeo de uma peccedila ou de um conjunto de obras Outra
caracteriacutestica bastante comum entre os muacutesicos que se esforccedilam em retomar
aspectos da tradiccedilatildeo eacute o fato de centrarem seus esforccedilos na investigaccedilatildeo da muacutesica
europeia Isso natildeo significa que natildeo existem estudos sobre a muacutesica de outras
culturas sendo que os processos musicais extraeuropeus mais estudados satildeo o
sistema de ragas da muacutesica indiana e a estrutura riacutetmica aditiva da muacutesica africana
e oriental Um bom exemplo nesse sentido eacute a temporada que Steve Reich passou
em Gana em 1970 periacuteodo em que estudou sob a orientaccedilatildeo de um percussionista
jeje no Instituto de Estudos Africanos experiecircncia que lhe permitiu acrescentar
processos riacutetmicos aditivos e subtrativos agrave sua muacutesica ampliando as possibilidades
das suas primeiras experiecircncias minimalistas
Devido agrave inclinaccedilatildeo para aproveitar caracteriacutesticas da muacutesica do passado
vaacuterios muacutesicos tecircm sido criticados como portadores de uma postura conservadora
Michel Faure um criacutetico severo do Neoclassicismo francecircs do entre guerras por
consideraacute-lo um estilo ldquosocialmente concordataacuteriordquo e de ldquoafirmaccedilatildeo nacionalistardquo
considera ser essa atitude de retorno ao passado existente na muacutesica
contemporacircnea uma espeacutecie de reediccedilatildeo do Neoclassicismo histoacuterico Para o autor
ldquoos neoclaacutessicos natildeo satildeo jamais considerados como reacionaacuterios ndash assim como os
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poacutes-modernos natildeo aceitam a pecha de passadistas [] Os empreacutestimos que eles
fazem frequentemente lsquodescontextualizamrsquo os fragmentos aos quais fazem
referecircnciardquo (FAURE 1998 p 78) Bem ressurge aqui o mesmo problema da criacutetica
mal direcionada jaacute mencionado anteriormente Se a intenccedilatildeo desses muacutesicos eacute
recuperar processos tradicionais se buscam criar uma espeacutecie de representaccedilatildeo da
multiplicidade cultural da contemporaneidade atraveacutes da apropriaccedilatildeo do legado
histoacuterico nada mais adequado do que a descontextualizaccedilatildeo dos materiais
empregados de sua lsquohistoricidadersquo original e sua adequaccedilatildeo agrave nova situaccedilatildeo em que
esses elementos se encontram Percebe-se na criacutetica de Faure preceitos de
continuidade e pureza histoacuterica que natildeo se adeacutequam aos neoclaacutessicos nem aos poacutes-
modernos pois ambos subvertem os coacutedigos que servem de premissa agrave sua criacutetica
Um dos arautos da nova muacutesica Boudewijn Buckinx apresenta um exemplo
muito comum de retomada da tradiccedilatildeo ao afirmar que o compositor atual ldquonatildeo
escreve tatildeo-somente um concerto grosso Ele escolhe uma possibilidade ndash o
concerto grosso ndash entre diversas Portanto natildeo eacute propriamente um concerto grosso
mas uma peccedila que toma o concerto grosso por sujeitordquo (BUCKINX 1998 p 60-61)
Poder-se-ia dizer tomando de empreacutestimo as palavras de Wolfgang Rihm que se
trata de uma ldquomuacutesica sobre a muacutesicardquo ou em alguns casos de muacutesica sobre
muacutesicas Se assim for a criacutetica de Faure se esvazia pois existe uma tecircnue diferenccedila
entre permanecer em determinado estado de coisas sem se aventurar a outros e
voltar a esse estado quando se tem interesse em recorrer a ele Esta eacute a divergecircncia
existente entre o conservadorismo preacute-moderno mencionado anteriormente e a
tendecircncia contemporacircnea de retorno agrave tradiccedilatildeo (distinccedilatildeo que o conservadorismo
modernista parece natildeo ser capaz de perceber) natildeo se estaacute no passado volta-se a
ele quando se o considera adequado
Em vista disso torna-se importante entender como os processos e materiais
tradicionais satildeo reutilizados sob a perspectiva da nova muacutesica para diferenciar a
atitude de retorno agrave tradiccedilatildeo com base em um ponto de vista criacutetico da mera
permanecircncia conservadora de valores convencionais de forma subserviente e sem
nem mesmo compreender o que esses valores podem ter significado em sua
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eacutepoca11 Diferenciar aquilo que foi denominado no iniacutecio deste ensaio como
conservadorismo preacute-moderno da atitude criacutetica com relaccedilatildeo aos pontos de vista
historicistas e evolucionistas da cultura tambeacutem significa distinguir o conhecimento
extensivo da tradiccedilatildeo da simples sujeiccedilatildeo a valores passadistas Um artista que
pesquisa profundamente em sua aacuterea de atuaccedilatildeo natildeo se preocupa em primeiro
plano com a feiccedilatildeo externa dos resultados de suas investigaccedilotildees o que lhe
importam satildeo as possibilidades que suas descobertas podem trazer no plano da
criaccedilatildeo Ao contraacuterio um muacutesico que se apresenta com uma aparecircncia novidadeira
pode estar extremamente apegado agraves convenccedilotildees de determinada linha de
produccedilatildeo e mesmo que essa linha seja muito recente a falta de abertura para
outras aacutereas de investigaccedilatildeo pode mantecirc-lo submisso a convenccedilotildees jaacute assimiladas
por geraccedilotildees passadas mesmo que ele proacuteprio natildeo se aperceba disso Muitas
vezes a aparecircncia de novidade mascara uma seacuterie de valores apegados a
convenccedilotildees riacutegidas que natildeo se sustentariam sob o crivo da criacutetica
A sutil diferenccedila entre o Neotonalismo de um compositor como George
Rochberg (1918) e a imitaccedilatildeo trivial do estilo dos primeiros romacircnticos (sem ir aleacutem
dos procedimentos teacutecnicos) estaacute na atitude com relaccedilatildeo agrave lsquovivecircncia da
simultaneidadersquo Para Rochberg ldquoa esperanccedila da muacutesica contemporacircnea reside em
aprender como reconciliar todas as maneiras de opostos contradiccedilotildees paradoxos o
passado com o presente tonalidade com atonalidade Eacute por isso que em minha
muacutesica mais recente tenho tentado utilizar essas combinaccedilotildees que reafirmam os
valores primordiais da muacutesicardquo (ROCHBERG 2003 p 3) Essa noccedilatildeo da diferenccedila
entre o passado e o presente essa busca de conciliaccedilatildeo dos opostos diverge de um
ponto de vista conservador ou de uma postura epigocircnica pois o epiacutegono apenas
reproduz o passado agrave maneira deste ou daquele mestre ao passo que o artista
criador se apoia em aspectos do passado para produzir um trabalho artiacutestico que
11 Muitas vezes a simplificaccedilatildeo dos meios significa a criaccedilatildeo de algo que pode impulsionar grandes transformaccedilotildees Quando Giulio Caccini (1551-1618) defendia o uso de triacuteades maiores e menores para a elaboraccedilatildeo das nuove musiche de sua eacutepoca estava propalando uma simplificaccedilatildeo da textura musical uma homofonia mundana que se opunha agrave complexidade polifocircnica da muacutesica sacra Essa simplificaccedilatildeo trazia o germe para algumas das grandes conquistas da muacutesica europeia dos trezentos anos seguintes inclusive a criaccedilatildeo de um novo gecircnero musical a oacutepera
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traz algum frescor agrave educaccedilatildeo dos sentidos alguma maneira peculiar de descobrir
ou perceber o mundo
Com a retomada de processos de organizaccedilatildeo modal ou tonal haacute
necessariamente o retorno de melodias claramente definidas a renovaccedilatildeo das
teacutecnicas de contraponto e a ampliaccedilatildeo de estruturas harmocircnicas de caraacuteter
diatocircnico Um dos compositores mais importantes da vanguarda das deacutecadas de
1950 e 1960 Krzysztof Penderecki soube atualizar seu estilo em meados da
deacutecada de 1970 quando passou a combinar estruturas diatocircnicas ampliadas com
base na produccedilatildeo dos grandes sinfonistas da passagem do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX
(Gustav Mahler e Richard Strauss entre outros) com os resultados de suas
pesquisas acuacutesticas do periacuteodo vanguardista A consequecircncia eacute uma muacutesica
fortemente dramaacutetica com aspectos que lembram o Romantismo tardio e elementos
da vanguarda da deacutecada de 1960 elaborados de maneira que o resultado se
apresenta como uma muacutesica inusitada que jamais poderia ter sido concebida em
outra eacutepoca ou por outro artista
O legado histoacuterico natildeo eacute mais desprezado ou entendido apenas como um
passado a ser ultrapassado mas ao contraacuterio eacute tambeacutem identificado como uma
fonte inesgotaacutevel de possibilidades teacutecnicas e expressivas que podem ser
reaproveitadas de muitas formas possiacuteveis sem que isso incorra necessariamente
em postura conservadora ou em atitude epigonal Outro compositor que tambeacutem
soube atualizar seus processos compositivos eacute o huacutengaro Gyorgy Ligeti que tem
combinado seus experimentos microtonais e estruturas micropolifocircnicas levados a
cabo nas deacutecadas de 1960 e 1970 com outros meacutetodos de organizaccedilatildeo harmocircnica
engendrados a partir das relaccedilotildees acuacutesticas baacutesicas existentes em seus
conglomerados sonoros Esses processos datildeo vazatildeo agrave existecircncia de linhas
meloacutedicas claramente definidas com caraacuteter modal vigoroso e algumas vezes
fazem alusotildees agrave muacutesica popular e folcloacuterica de sua regiatildeo
Essa atitude com relaccedilatildeo ao passado traz novos modos de entendimento das
culturas tradicionais aleacutem da acomodaccedilatildeo de valores muitas vezes tomados como
contraditoacuterios em estruturas coesas Evidenciam-se natildeo apenas as tradiccedilotildees locais
com relaccedilatildeo agrave proacutepria formaccedilatildeo do indiviacuteduo como tambeacutem outras tradiccedilotildees que se
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buscam atraveacutes de meios natildeo-convencionais Compreende-se que natildeo eacute necessaacuterio
viver as experiecircncias de determinada sociedade para absorver parte de seus valores
ou de sua produccedilatildeo cultural ateacute porque os habitantes das grandes cidades estatildeo
expostos cotidianamente a tantos estiacutemulos advindos de origens distintas que se
criam identidades multiculturais mesmo quando natildeo se tem conhecimento intriacutenseco
de suas propriedades Qualquer cidadatildeo meacutedio atual tem noccedilotildees fundamentais
sobre os haacutebitos de vaacuterios povos originaacuterios de localidades onde nunca esteve A
tecnologia permite ao artista contemporacircneo ter acesso agrave produccedilatildeo de seus pares
de qualquer outra regiatildeo do planeta quase simultaneamente agrave sua criaccedilatildeo e
divulgaccedilatildeo Tambeacutem eacute possiacutevel conhecer aspectos de culturas remotas no tempo
atraveacutes de pesquisas arqueoloacutegicas e sua divulgaccedilatildeo em grande escala nos meios
de comunicaccedilatildeo Isso permite sermos contemporacircneos de outras eacutepocas e
conterracircneos dos povos de outros lugares
23 Superaccedilatildeo do Modernismo
As linhas de atuaccedilatildeo que se opotildeem agrave mentalidade das vanguardas tardias o
fazem por razotildees diversas daquelas que motivam as tendecircncias de retorno agrave
tradiccedilatildeo pois este retorno ao passado geralmente significa um passado visto pela
oacutetica da Modernidade (em geral satildeo leituras atualizadas das tradiccedilotildees do Ocidente
isto eacute das praacuteticas musicais do Renascimento ao Romantismo) Nesse sentido
especiacutefico haacute pontos em comum entre as duas acepccedilotildees abordadas anteriormente
(lsquocontinuidade da Modernidadersquo e lsquoretorno agrave Tradiccedilatildeorsquo) pois seja por dar
continuidade agraves praacuteticas da era moderna atraveacutes de sua ampliaccedilatildeo seja por
resgatar essas praacuteticas com base em novos meios de elaboraccedilatildeo musical a
Modernidade permanece como sendo forte ponto de referecircncia em ambos os casos
Diferentemente aqueles que se colocam com uma postura de lsquosuperaccedilatildeo do
Modernismorsquo geralmente focam seus interesses na ruptura com as tradiccedilotildees
modernistas mais recentes e natildeo na Modernidade como um todo
Aleacutem disso natildeo satildeo apenas as culturas tradicionais que interessam a esta
terceira linhagem mas tambeacutem outros aspectos da cultura contemporacircnea inclusive
a cultura pop e os meios de comunicaccedilatildeo de massa Esses muacutesicos acreditam
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estarem produzindo uma fissura na Modernidade ao se abrirem para toda e qualquer
espeacutecie de produccedilatildeo cultural sem hierarquizaacute-las12 Acreditam portanto que
estamos no iniacutecio de uma nova eacutepoca e natildeo em um periacuteodo de continuidade da
Modernidade ou de retomada dos valores de sua tradiccedilatildeo13
Podem-se esboccedilar algumas imagens geomeacutetricas para representar essas trecircs
formas de pensamento para a primeira acepccedilatildeo da muacutesica contemporacircnea que
professa a lsquocontinuidade da Modernidadersquo o tempo teria a imagem de uma linha reta
que se movimenta em determinado sentido (mesmo que alguns desses artistas
faccedilam criacutetica agrave mentalidade linear a linha parece bem representar o ponto de vista
evolucionista da cultura) para a segunda acepccedilatildeo aquela em que se pratica o
lsquoretorno agrave Tradiccedilatildeorsquo poder-se-ia formular a imagem do tempo em forma circular pois
o ciacuterculo eacute uma figura em que natildeo haacute sentido predeterminado pois se pode iniciar
ou terminar em qualquer ponto da circunferecircncia e se movimentar em sentido
horaacuterio ou anti-horaacuterio para a terceira acepccedilatildeo que propotildee a lsquosuperaccedilatildeo do
Modernismorsquo a imagem de uma esfera parece ser a mais adequada pois natildeo se
estaacute focando o tempo em apenas uma dimensatildeo mas abre-se o leque para toda e
qualquer manifestaccedilatildeo perceptiacutevel atualmente no tempo e no espaccedilo Com isso
tem-se a possibilidade de produzir movimentos de qualquer ponto para qualquer
outro ponto seguindo em qualquer sentido ou direccedilatildeo (para baixopara cima para a
esquerdapara a direita para traacutespara frente) ndash por isso a imagem tridimensional14
12 Note-se que neste aspecto haacute pontos de interseccedilatildeo entre certas tendecircncias de lsquocontinuidade da Modernidadersquo e aquelas que professam a lsquosuperaccedilatildeo do Modernismorsquo pois o princiacutepio da poliestiliacutestica defendido por Schnittke e outros tambeacutem rompe com a hierarquizaccedilatildeo dos estilos O que diferencia ambos os grupos eacute o enfoque com que cada qual se apropria das diferentes formas de manifestaccedilatildeo cultural 13 Tambeacutem nesse sentido haacute interseccedilatildeo entre as duas acepccedilotildees pois se as tendecircncias de lsquocontinuidade da Modernidadersquo professam a ruptura com a tradiccedilatildeo musical oitocentista as tendecircncias de lsquosuperaccedilatildeo do Modernismorsquo professam outra ruptura com as tradiccedilotildees novecentistas Em ambos os casos haacute valores centrados no princiacutepio da ruptura mesmo que na primeira acepccedilatildeo esta ruptura faccedila parte de um processo contiacutenuo de superaccedilatildeo da tradiccedilatildeo e no segundo caso seja entendida como uma fissura nesse processo 14 Este recurso de traccedilar analogias entre a estrutura das mentalidades e figuras geomeacutetricas jaacute foi delineado por Koellreutter (cf KOELLREUTTER 1987 p 29-32) compositor que confeccionou a partitura de sua peccedila Acronon em formato de esfera para representar sua concepccedilatildeo da mentalidade contemporacircnea Para Koellreutter poreacutem essas analogias aparecem com sentido diverso daquele apresentado aqui
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Para aqueles que se posicionam pela superaccedilatildeo do Modernismo as
vanguardas satildeo tidas como sendo formalistas ao extremo por se apoiarem
especificamente em criteacuterios teacutecnicos e formais para efetuarem seus julgamentos
Para entender o alcance dessa criacutetica eacute necessaacuterio adentrar um pouco em
algumas acepccedilotildees do termo lsquoformalismorsquo
Em seu Vocabulaacuterio de Esteacutetica Souriau informa que
[] eacute formalista aquele que daacute grande importacircncia agrave forma ou agraves formas poreacutem o termo forma pode ser tomado em diversos sentidos pode-se dar importacircncia a algo por razotildees de ordens bastante diferentes e enfim o termo formalismo foi frequentemente utilizado de maneira polecircmica mas em conflitos que natildeo eram sempre os mesmos de sorte que a palavra formalismo tem diversos sentidos que natildeo coincidem e cuja confusatildeo pode conduzir a erros graves (SOURIAU 1999 p 758)
Podem-se estabelecer a partir das classificaccedilotildees de Souriau trecircs sentidos
principais aplicados ao formalismo esteacutetico e empregados na criacutetica agraves tendecircncias
vanguardistas O primeiro sentido coincide com a censura a Hanslick criacutetico musical
de orientaccedilatildeo kantiana para quem a beleza esteacutetica seria inerente agrave existecircncia de
uma forma equilibrada e bem proporcionada o segundo sentido tem a ver com a
oposiccedilatildeo entre forma e conteuacutedo e se dirige principalmente agraves tendecircncias
modernistas de caraacuteter anticonteudista para as quais a estrutura eacute mais importante
do que o conteuacutedo representado ndash o que significa que para os criacuteticos atuais do
Modernismo o conteuacutedo ganha nova forccedila no terceiro sentido o termo lsquoformalistarsquo eacute
empregado para censurar as tendecircncias vanguardistas por centrarem suas
investigaccedilotildees em estruturas musicais abstratas criadas aprioristicamente sem levar
em consideraccedilatildeo a observaccedilatildeo do meio social ou cultural o que muitas vezes eacute
entendido como desprezo pela realidade
Em geral essas criacuteticas ao lsquoformalismorsquo das vanguardas surgem como
reaccedilotildees ao posicionamento antagocircnico dos muacutesicos de vanguarda das deacutecadas de
1950 e 1960 com relaccedilatildeo agrave muacutesica com sentido narrativo que necessariamente
traz o conteuacutedo ao primeiro plano e por conseguinte desvia a percepccedilatildeo dos
recursos teacutecnicos dos materiais sonoros e dos processos acuacutesticos envolvidos na
apreciaccedilatildeo musical Essa criacutetica modernista ao conteuacutedo vinha embutida em uma
criacutetica geral ao Romantismo e agrave muacutesica descritiva representada no seacuteculo XIX pelo
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lsquopoema sinfocircnicorsquo e pelas lsquopeccedilas caracteriacutesticasrsquo Ainda hoje em certos meios
musicais eacute comum a restriccedilatildeo agrave muacutesica descritiva em geral
Os muacutesicos vinculados agravequela via que pretende a superaccedilatildeo do Modernismo
ndash que agraves vezes chamam pejorativamente os movimentos de poacutes-vanguarda de
lsquoultramodernosrsquo ou lsquohipermodernosrsquo entendendo-os como o fruto de uma atitude
conservadora (cf BUCKINX 1998 p 22) ndash consideram que o lsquoformalismorsquo
vanguardista afastou o puacuteblico das salas de concerto e buscam novos processos de
comunicabilidade atraveacutes da investigaccedilatildeo mais ou menos sistemaacutetica de processos
narrativos e pela incorporaccedilatildeo da significaccedilatildeo musical direta
Eacute interessante notar a afericcedilatildeo de valor aos termos mencionados acima
lsquoUltramodernismorsquo e lsquoHipermodernismorsquo se essas expressotildees satildeo consideradas
negativamente pelos muacutesicos que professam a superaccedilatildeo do Modernismo satildeo
entendidas com sentido favoraacutevel pelos partidaacuterios da poacutes-vanguarda que
empregam essa terminologia para demonstrar que consideram determinada parcela
da produccedilatildeo atual como sendo extremamente significativa pois se apoiam nos
valores vanguardistas e os ultrapassam
Tem-se tambeacutem outra diferenccedila terminoloacutegica operada por alguns autores
que se faz apenas mudando a ordem dos termos lsquonova muacutesicarsquo e lsquomuacutesica novarsquo
Esta expressatildeo que foi amplamente empregada ao longo das deacutecadas de 1950 e
1960 estaacute ligada agraves tendecircncias vanguardistas e poacutes-vanguardistas No Brasil
houve inclusive um movimento de vanguarda autodenominado lsquoGrupo Muacutesica
Novarsquo que lanccedilou seu manifesto em 1963 com base nos princiacutepios do
Construtivismo e do Concretismo e terminou por influenciar o movimento
tropicalista na muacutesica popular O termo lsquonova muacutesicarsquo surgiu na deacutecada de 1990 na
Europa como contraposiccedilatildeo ao conceito de lsquomuacutesica novarsquo trata-se de muacutesicos que
absorvem diversas influecircncias e atuam em vaacuterias direccedilotildees natildeo pressupondo
qualquer identidade teoacuterica ou estiliacutestica entre si
Mesmo se eles satildeo muito diferentes e se tecircm personalidades e escrituras proacuteprias todos esses compositores se afastaram voluntariamente da corrente atonal da muacutesica contemporacircnea Eles sofreram diferentes influecircncias indo de muacutesicas natildeo-ocidentais ao jazz ao rock agrave muacutesica de variedades internacional passando pelo disco pelo funk ateacute a muacutesica techno e inclusive pelas generalidades de programas televisivos O que eles
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tecircm em comum eacute o fato de escutar o mundo sonoro que os envolve e que eacute o fundo musical de todos noacutes Eles tambeacutem tecircm uma filiaccedilatildeo direta a Stravinsky Eacute por isso que se pode separar a muacutesica lsquoeruditarsquo de hoje em duas grandes correntes A corrente lsquotonalrsquo consonante por opccedilatildeo pulsante e meloacutedica se situando em uma linha mais expressiva geralmente chamada de lsquoNova Muacutesicarsquo A corrente lsquoatonalrsquo caracterizada pela utilizaccedilatildeo quase sistemaacutetica de saltos de registro de assimetria riacutetmica e de dissonacircncias chamada tambeacutem de lsquomuacutesica contemporacircnearsquo (LELONG 1996 p 11)
Um dos movimentos de superaccedilatildeo do Modernismo que se pode colocar
como precursor dessa noccedilatildeo de lsquonova muacutesicarsquo eacute a lsquoNova Simplicidadersquo que teve
seu iniacutecio na deacutecada de 1970 com um grupo de compositores alematildees encabeccedilados
por Walter Zimmermann (1949) e Wolfgang Rihm (1952) Esses muacutesicos defendiam
a liberdade de escrita e a dissoluccedilatildeo do peso da Histoacuteria ndash que na sua opiniatildeo
engessava as praacuteticas vanguardistas ndash e preconizavam a absorccedilatildeo de experiecircncias
subjetivas de toda e qualquer natureza (vivecircncias impulsos emoccedilotildees preferecircncias
etc) que pudessem conduzir agrave produccedilatildeo de novos processos narrativos e agrave
depuraccedilatildeo dos meios empregados para a criaccedilatildeo musical Com essas intenccedilotildees
movimentaram-se na direccedilatildeo de estruturas mais elementares com gestos musicais
breves e texturas transparentes Entretanto os praticantes da Nova Simplicidade
natildeo se desviaram de configuraccedilotildees atonais apenas acrescentaram elementos de
caraacuteter tonal e deram vazatildeo a uma certa expressividade liacuterica em sua produccedilatildeo
Rihm em entrevista a Noreen e Cody comenta suas experiecircncias dos anos rsquo70 e
rsquo80
Eu sou um compositor intuitivo Mesmo se natildeo o fosse somente poderia escrever a minha proacutepria muacutesica Natildeo se pode criar arte com tabus Naturalmente somente quebrando tabus tambeacutem natildeo se faz arte Em ambos os casos o que surge satildeo objetos que [apenas] se parecem com arte [] De volta agraves triacuteades eu natildeo era de nenhuma maneira o uacutenico a empregaacute-las Talvez em minha muacutesica elas chocassem de forma mais provocativa provavelmente porque natildeo serviam ao propoacutesito de garantir lsquobelezarsquo mas eram empregadas no mesmo niacutevel que (quase) qualquer outra manifestaccedilatildeo sonora governadas por fluxos expressivos que natildeo poderiam ser inteiramente analisados de modo racional Isso era equivalente agrave alta traiccedilatildeo aos olhos dos modernistas (RIHM 2006 p 2)
Compositores que parecem seguir nessa mesma direccedilatildeo poreacutem com
interesses distintos satildeo os franceses Pascal Dusapin (1955) que trabalha com
misturas de elementos tonais e atonais carregados de forte lirismo e Reacutegis Campo
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(1968) cuja peccedila Commedia (1995) de escritura amplamente stravinskyana estaacute
organizada agrave base de muacuteltiplas linhas contrapontiacutesticas que se movimentam em
torno de uma melodia que se estende por quase quinze minutos
Outros grupos que tecircm sido bastante difundidos nos uacuteltimos anos satildeo
aqueles derivados do Minimalismo e que portanto empregam teacutecnicas de
organizaccedilatildeo repetitiva com base em um miacutenimo de elementos formadores de
processos sonoros Esses elementos baacutesicos ndash constituiacutedos de poucas notas
estrutura harmocircnica simples e riacutetmica perioacutedica ndash geralmente satildeo elaborados de
forma extremamente gradativa com a intenccedilatildeo de dar tempo agrave escuta Com isso
pretende-se dar ecircnfase aos processos perceptivos acima de qualquer princiacutepio
compositivo
O Minimalismo ortodoxo aquele dos anos 60 estava centrado em estruturas
ininterruptas fixas regulares e contiacutenuas no tempo Steve Reich partiu para suas
realizaccedilotildees mais peculiares da eacutepoca da experiecircncia de ouvir a mesma gravaccedilatildeo
reproduzida em dois aparelhos diferentes com rotaccedilotildees distintas o que gerou uma
defasagem gradual de tempo entre uma reproduccedilatildeo e outra O compositor declarou
[] enquanto eu ouvia esse processo gradual de mudanccedila de fase comecei a imaginar que esta seria uma forma extraordinaacuteria de estruturaccedilatildeo musical Esse processo afetou-me como um meio de alcanccedilar determinado nuacutemero de relaccedilotildees entre duas identidades sem nenhuma transiccedilatildeo Era um processo musical sem emenda ininterrupto (REICH apud SCHWARZ 1996 p 61)
Eacute interessante notar como esses princiacutepios de Reich e seus colegas
minimalistas da deacutecada de 1960 satildeo bastante lsquoformalistasrsquo para os muacutesicos mais
jovens e nesse sentido se assemelham aos valores vanguardistas da mesma
eacutepoca pois as preocupaccedilotildees com o processo com a estrutura ou com as teacutecnicas
de composiccedilatildeo estatildeo acima de qualquer outro aspecto envolvido na atividade
compositiva Por essa razatildeo essa fase do Minimalismo pode ser considerada como
sendo a uacuteltima manifestaccedilatildeo modernista pois mesmo que os processos de escuta
jaacute estivessem em evidecircncia o interesse principal estaacute na construccedilatildeo de estruturas
musicais abstratas Ao comparar a mentalidade de Reich da deacutecada de 1960 com
alguns comentaacuterios de John Adams (1947) um dos compositores mais destacados
da corrente atual a que alguns chamam de Poacutes-Minimalismo percebe-se que o
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ponto de vista deste estaacute descentrado do fazer e mais voltado para a absorccedilatildeo do
meio sonoro circundante
Eu sempre fui profundamente influenciado pelo rock pelo jazz e pela muacutesica pop Creio que eacute uma parte importante da experiecircncia de um norte-americano e penso que eacute a linha de demarcaccedilatildeo entre a velha geraccedilatildeo de compositores eruditos aqueles que nasceram antes da guerra e minha geraccedilatildeo ou a dos meus alunos Eacute por isso que natildeo tento me afastar dessa muacutesica nem tapar os ouvidos para ela Entretanto ao ler John Cage a gente nota que ele natildeo era sensiacutevel a essa muacutesica e ateacute mesmo a execrava Por minha parte eu gosto e ela influenciou bastante a minha proacutepria muacutesica (ADAMS 1996 p 20)
Ao contraacuterio do purismo muitas vezes pretendido pelos muacutesicos das deacutecadas
de 1950 e 1960 (que geralmente buscavam um estilo original sem admitir
ascendecircncias externas expliacutecitas pois essas influecircncias15 eram transformadas ateacute o
ponto em que se tornavam imperceptiacuteveis ou eram incorporadas em estruturas que
natildeo poderiam ser remetidas a outras realidades que a da proacutepria muacutesica em
questatildeo) vaacuterios compositores atuais estatildeo buscando a assimilaccedilatildeo expliacutecita de
diferentes fontes desde a muacutesica claacutessica europeia e a muacutesica tradicional de outras
culturas ateacute as diferentes manifestaccedilotildees populares e dos meios de comunicaccedilatildeo de
massa Adams eacute preciso a esse respeito
O que distingue minha muacutesica das outras eacute o fato de que ela eacute tatildeo lsquomiscigenadarsquo Se eu comparo minha muacutesica com a de Morton Feldman que eacute tatildeo pura a minha eacute uma espeacutecie de lsquogrande lixeirarsquo ali se encontra de tudo como em um grande lsquoensopadorsquo [] Cresci ao longo de um periacuteodo em que se podia escutar de tudo pois tudo estava registrado e isso vai continuar no proacuteximo milecircnio Eu costumo surfar na Internet todo o tempo e posso andar por tudo (ADAMS 1996 p 21)
Natildeo apenas Adams e os poacutes-minimalistas (que se diferenciam do
Minimalismo histoacuterico pela assimilaccedilatildeo expliacutecita de elementos exoacutegenos) como
tambeacutem outros muacutesicos das novas geraccedilotildees aproveitam influecircncias atraveacutes da
incorporaccedilatildeo de estilemas16 apropriados de diferentes tradiccedilotildees o que tambeacutem pode
15 O termo lsquoinfluecircnciarsquo foi tomado durante algum tempo como sendo depreciativo por indicar a ascendecircncia de determinado artista ou escola sobre outros Atualmente para os compositores das novas geraccedilotildees a ideia de ascendecircncia parece natildeo gerar constrangimento sendo inclusive um valor a ser aproveitado 16 lsquoEstilemarsquo eacute um termo apropriado da linguiacutestica empregado para designar traccedilos estiliacutesticos caracteriacutesticos de determinada obra escritor ou escola literaacuteria o que em muacutesica pode ser indicado
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incluir teacutecnicas de vanguarda Com isso esta muacutesica se torna mais corpoacuterea estaacute
vinculada agrave realidade circundante ou em outras palavras se faz mais mundana
Isso tambeacutem se deve agrave introduccedilatildeo de elementos de linguagens musicais
vernaculares consideradas como sendo parte da lsquofalarsquo cotidiana seja a muacutesica
autoacutectone ou a muacutesica tocada nos meios de comunicaccedilatildeo e que se torna com o
passar do tempo tatildeo absorvida pelas mentalidades que passa a ser entendida como
lsquolinguagem comumrsquo
Os chilenos Eduardo Caacuteceres (1954) e Aliosha Solovera (1963) tecircm
incorporado elementos de tradiccedilotildees locais em suas criaccedilotildees de caraacuteter
experimental Caacuteceres em sua peccedila Canciones ceremoniales para aprendiz de
machi para grupo vocal feminino aproveita textos em liacutengua mapudungum para
combinar diferentes ritmos apropriados dos iacutendios mapuches Na peccedila Ressonandes
(2002) para dez flautas cujo tiacutetulo alude agrave lsquoressonacircncia dos Andesrsquo Solovera busca
ldquoestabelecer um viacutenculo com a muacutesica das culturas preacute-colombianasrdquo atraveacutes da
experimentaccedilatildeo de sonoridades incomuns no instrumento Para o compositor ldquoa
flauta transversa se desliga de sua raiz cultural e eacute assumida em sua condiccedilatildeo mais
elementar como instrumento de soprordquo Eacute interessante notar nesse sentido o
paralelismo entre Ressonandes e a peccedila Nola (1994) para vaacuterias flautas e orquestra
de cordas do tajiquistanecircs Benjamin Yusupov (1962) que se refere agrave sua muacutesica da
seguinte maneira ldquoesta peccedila eacute uma busca de efeitos sonoros gerados pelas flautas
como se fossem instrumentos de cordas A combinaccedilatildeo com a muacutesica eacutetnica estaacute
associada a um certo esteticismo da muacutesica orientalrdquo Ambos aproveitam valores de
suas tradiccedilotildees locais para experimentar sonoridades inusuais em conjuntos de
flautas Solovera busca restituir o som elementar do sopro Yusupov tem o intuito de
fazer um instrumento de sopro soar como corda Apesar da similaridade conceptual
o resultado sonoro eacute bastante distinto
Em uma direccedilatildeo similar e com base em vivecircncias pessoais o colombiano
Angel Alfonso Rivera (1983) escreveu Quya-Killa (2013) para voz flauta percussatildeo
por padrotildees escalares contornos meloacutedicos figuraccedilotildees riacutetmicas encadeamentos harmocircnicos combinaccedilotildees instrumentais ou algum outro aspecto de qualquer natureza que identifique lsquoestilosrsquo ou lsquomaneirasrsquo
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(dois tom-tons maracas temple blocks prato suspenso) e piano A peccedila foi escrita a
partir da participaccedilatildeo em rituais e celebraccedilotildees indiacutegenas na Boliacutevia e no Peru dos
quais se destacam Pachamama (Ritual da Matildee Terra) Inti Raymi (Festa do Sol) e
Quya Raymi (Festa da Lua e da Fertilidade) A peccedila que eacute o resultado de
lembranccedilas afetivas desses rituais isto eacute os traccedilos que permanecem na memoacuteria
de forma pulsante e transformam a percepccedilatildeo do mundo estaacute organizada em trecircs
seccedilotildees derivadas das fases ritualpisticas Preparaccedilatildeo Oraccedilatildeo e Celebraccedilatildeo
Para o compositor
[] a muacutesica de culturas tribais gira em torno de um mundo proacuteprio com sonoridades que derivam do contorno da natureza dos animais e do proacuteprio homem As manifestaccedilotildees foneacuteticas os gestos e a miacutemica satildeo meios de comunicaccedilatildeo e neste contexto a muacutesica e a danccedila manifestam estreita relaccedilatildeo com os rituais e cerimocircnias [] Por se tratar de algo maacutegico e que possui caracteriacutesticas que podem ser aproveitadas na composiccedilatildeo considero que a imagem do ritual tem forte funccedilatildeo orientadora e organizacional sendo uma imagem que fundamenta e orienta os elementos do percurso criativo (RIVERA p 39-40)
Natildeo eacute necessaacuterio que o muacutesico esteja estreitamente vinculado a esta ou
agravequela tradiccedilatildeo para se sentir compelido a empregaacute-la em alguma obra O
compositor inglecircs Thomas Adegraves (1971) escreveu sua America a prophecy (1999)
para meio-soprano coro opcional e orquestra sinfocircnica para um projeto chamado
lsquoMensagens para o Milecircniorsquo promovido pela Orquestra Filarmocircnica de Nova Iorque
Interessante nesta peccedila eacute o fato de que o uacutenico texto em inglecircs eacute a traduccedilatildeo de um
fragmento da profecia maia que prenuncia o fim dos tempos os outros trechos
cantados na peccedila de Adegraves foram aproveitados de textos hispano-americanos Com
isso o compositor pretendia criar um mapa da Ameacuterica localizado ao Sul dos
Estados Unidos com o intuito de mostrar aos norte-americanos que eles natildeo foram
os primeiros americanos (escrito maia) como tambeacutem natildeo satildeo os uacutenicos
(fragmentos latino-americanos) Interessado pelas culturas preacute-colombianas e pelo
sincretismo cultural da Ameacuterica Latina atual o compositor disse em entrevista a
Tom Service que essa sua noccedilatildeo da Ameacuterica ldquocomeccedilou quando tive uma enorme
vista da piracircmide de Belize Havia aacutervores em todas as direccedilotildees Entretanto havia
estas pequenas saliecircncias que tambeacutem eram verdes e eram as antigas piracircmides
maiasrdquo (ADEgraveS apud FOX 2006 p 1) Outra representaccedilatildeo da Ameacuterica ocorreu-lhe a
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partir de um mapa surrealista publicado na revista belga Parietein em 1929 Essas
imagens aliadas aos textos escolhidos se tornaram o ponto de partida para a
estruturaccedilatildeo de America a prophecy
Outro exemplo agora no sentido da assimilaccedilatildeo dos meios de comunicaccedilatildeo
de massa em uma muacutesica de caraacuteter experimental eacute a peccedila de Michael Daugherty
(1954) intitulada Elvis Everywhere (1993) em que satildeo combinados cantores um
quarteto de cordas processos de manipulaccedilatildeo eletrocircnica dos sons e a voz de Elvis
Presley que funciona como uma espeacutecie de material unificador de todas as
sonoridades que acontecem ao longo da muacutesica
Natildeo posso escrever a miacutenima nota se natildeo tenho antes uma ideia Eacute geralmente um elemento visual um iacutedolo americano como Elvis um flamingo de plaacutestico cor-de-rosa ou ainda Jackie Kennedy que me evocam os sons [] Antes de compor Elvis Everywhere para o Quarteto Kronos assisti ao Congresso Internacional de Imitadores de Elvis onde ouvi cantar mais de duzentos Elvis Somente posso escrever muacutesica quando estou proacuteximo dela Seria difiacutecil transcrever musicalmente a poesia de Safo por exemplo Por outro lado assisti a todos os episoacutedios de Star Trek17 (DAUGHERTY 1996 p 105)
O que interessa para muitos artistas contemporacircneos eacute essa ruptura dos
limites daquilo que era tradicionalmente considerado como sendo lsquobom gostorsquo e lsquomau
gostorsquo lsquoarte e lsquoinduacutestria do entretenimentorsquo enfim todas as formas de dicotomia que
caracterizaram as correntes modernistas A intenccedilatildeo de superar essas dualidades
com uma atitude inclusiva em que as diferentes formas de manifestaccedilatildeo cultural
tecircm seu lugar na cultura contemporacircnea natildeo significa necessariamente aquela
postura ciacutenica do blaseacute que caracterizou o final do seacuteculo XX nas deacutecadas de 1980
e 1990 Ao contraacuterio estar aberto aos diferentes pontos de vista tambeacutem pode
significar assumir uma postura de caraacuteter pessoal poreacutem com o entendimento de
que esta eacute mais uma entre tantas possibilidades de conhecer a realidade e de se
relacionar com o mundo
Na busca de autonomia um grupo de compositores nova-iorquinos
encabeccedilados por Michael Gordon (1956) David Lang (1957) e Julia Wolfe (1958)
17 Essas consideraccedilotildees seriam impossiacuteveis se vindas de um compositor como Pierre Boulez por exemplo que consideraria essa assimilaccedilatildeo de elementos da cultura de massa como vulgarizaccedilatildeo da criaccedilatildeo musical
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criou o festival Bang on a Can e formou um grupo de cacircmara para divulgar sua
muacutesica e a de outros compositores de sua geraccedilatildeo18 Wolfe conta a origem do
festival em entrevista a Lelong
Noacutes queriacuteamos abalar as estruturas em Nova Iorque e ter um pretexto para tomarmos cafeacute da manhatilde juntos todos os dias Bang on a Can quase comeccedilou como uma brincadeira Noacutes chamamos assim ao primeiro festival porque pensamos que natildeo haveria outros mas terminou sendo um rastro de poacutelvora Muitas e muitas pessoas vieram no primeiro ano entre eles John Cage e Steve Reich Noacutes trabalhamos duramente para ampliar nosso puacuteblico para aleacutem do ciacuterculo dos amantes da Nova Muacutesica Fizemos nossa divulgaccedilatildeo bastante numerosa entre o puacuteblico de baleacute de teatro e de cinema Mesmo que o festival tenha se desenvolvido ainda se manteacutem a serviccedilo dos compositores com ideias novas com espiacuterito aventureiro O puacuteblico vem numeroso e entusiasmado a apresentaccedilatildeo eacute formidaacutevel descontraiacuteda o que tem o efeito de natildeo espantar a audiecircncia (WOLFE 1996 p 369-370)
O festival que existe desde 1987 se tornou um evento anual que conta com
um conjunto de cacircmara formado por solistas virtuoses o grupo Bang on a Can All-
Stars uma orquestra a Spit Orchestra gravaccedilotildees que satildeo lanccediladas em CD e
transmissotildees radiofocircnicas O grupo Bang on a Can All-Stars tem uma constituiccedilatildeo
heterogecircnea tanto do ponto de vista dos instrumentos que fazem parte do grupo
quanto da linha de atuaccedilatildeo de seus muacutesicos Formado por instrumentos como
piano saxofone clarinete violoncelo guitarra eleacutetrica baixo eleacutetrico e percussatildeo19 o
grupo se caracteriza pela mistura de sonoridades de muacutesica erudita muacutesica pop e
jazz A formaccedilatildeo e a praacutetica dos muacutesicos ndash que tocam em orquestras sinfocircnicas
tradicionais participam de shows ou concertos gravam discos de muacutesica pop e
tocam em bandas de jazz ndash possibilita trabalhar com repertoacuterios diversificados
Assim o grupo se propotildee a divulgar diferentes tipos de manifestaccedilatildeo musical da
contemporaneidade o que o difere de outros grupos ndash como por exemplo lsquoSteve
Reich and Musiciansrsquo lsquoMichael Nyman Bandrsquo ou lsquoPhilip Glass Ensemblersquo ndash que tecircm
em seu repertoacuterio somente a produccedilatildeo do proacuteprio compositor que daacute nome ao grupo
ou daqueles que estatildeo diretamente associados a ele
18 Essa praacutetica de criar o proacuteprio grupo musical jaacute havia sido praticada por muacutesicos como Steve Reich Philip Glass Louis Andriessen (1939) e Michael Nyman (1944) entre outros 19 Os muacutesicos do Bang on a Can All-Stars satildeo atualmente Vicky Chow teclados Ken Thomson sopros Ashley Bathgate violoncelo Mark Stewart guitarra eleacutetrica Robert Black contrabaixos David Cossin percussatildeo
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Percebe-se nessa postura comum a muitos muacutesicos atuais a busca pela
diferenccedila se tornando mais importante do que a pretensatildeo de identidade estiliacutestica
Esse aspecto resulta em outra caracteriacutestica difundida entre os compositores
contemporacircneos que se dedicam agrave investigaccedilatildeo de novos meacutetodos narrativos
Muitos compositores atuais tecircm formaccedilatildeo acadecircmica em aacutereas como linguiacutestica
letras comunicaccedilatildeo ou filosofia campos do conhecimento considerados como
sendo profiacutecuos para a criaccedilatildeo musical Vaacuterios compositores atuam como
professores universitaacuterios nessas aacutereas e desenvolvem seu trabalho criativo com
base nesse conhecimento mais do que em teacutecnicas tradicionais de composiccedilatildeo
Conhecem essas teacutecnicas mas preferem deixaacute-las em segundo plano no processo
criativo ndash o que difere de certas linhas vanguardistas das deacutecadas de 1950 e 1960
em que a invenccedilatildeo de novos processos de estruturaccedilatildeo e meacutetodos compositivos
estavam em primeiro plano
O compositor brasileiro Eduardo Seincman (1958) escreveu uma seacuterie
intitulada A Danccedila dos Duplos20 em que cada uma das cinco peccedilas que compotildeem o
ciclo destinada a uma formaccedilatildeo instrumental diferente foi concebida a partir de uma
experiecircncia extramusical A Danccedila de Dorian21 para piano a quatro matildeos foi escrita
a partir da leitura do romance O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde Esta peccedila
conteacutem diversos elementos que caracterizam a investigaccedilatildeo de novos processos
narrativos Excertos do texto de Wilde foram apostos agrave partitura para orientar os
muacutesicos sobre qual segmento do romance corresponde a cada uma das passagens
musicais O compositor chama a atenccedilatildeo no entanto para o fato de que natildeo se
trata de muacutesica programaacutetica pois sua intenccedilatildeo natildeo eacute produzir uma descriccedilatildeo
musical ipsis litteris da narrativa de Wilde mas criar uma narrativa paralela
estritamente musical e que natildeo se vincula diretamente agrave sequecircncia de episoacutedios do
20 A Danccedila dos Duplos eacute formada pelas seguintes peccedilas A Danccedila Misteriosa (1986 ldquopara um anjo que nasceraacuterdquo) para piano solo A Danccedila Luacutegubre (1987) para flauta contralto marimba e piano A Danccedila de Dorian (1988 ldquobaseada no romance O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilderdquo) para piano a quatro matildeos A Danccedila do Dibuk (1988 ldquobaseada na peccedila de teatro O Dibuk de Sch An-Skirdquo) para marimba vibrafone e glockenspiel A Uacuteltima Danccedila (1989 ldquoinspirada na leitura de O Cisne de Leonardo da Vincirdquo) para flauta contralto e dois vibrafones 21 Esta que foi a muacutesica tocada na Abertura do Simpoacutesio Agora Arte e Pensamento no dia 24 de outubro de 2006 pelas pianistas Carolina Avellar e Elaine Foltran
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romance Neste sentido tornam-se importantes as citaccedilotildees das obras musicais
apresentadas no texto nas cenas em que Dorian Gray toca piano ou assiste a um
concerto
Cria-se uma nova narratividade musical atraveacutes de uma sinestesia muacuteltipla
na audiccedilatildeo da obra A estrutura musical se desdobra como uma sequecircncia de
imagens (visuais taacuteteis auditivas e mesmo olfativas) que satildeo justapostas umas agraves
outras agraves vezes por meio de transiccedilotildees gradativas agraves vezes por meio de
interrupccedilotildees abruptas como cortes cinematograacuteficos Conforme a muacutesica se
aproxima do final vai-se tornando mais tensa e agitada criando a atmosfera para o
desfecho extraordinaacuterio (Dorian Gray natildeo envelhece porque eacute a figura pintada em
seu retrato que se torna mais velha) atraveacutes da precipitaccedilatildeo de uma cena na outra
com o propoacutesito de alterar o rumo dos acontecimentos de modo inesperado
Percebe-se nesse sentido uma espeacutecie de anaacutelogo musical daquilo a que
Aristoacuteteles chamaria de resoluccedilatildeo cataacutertica atraveacutes da lsquoperipeacuteteiarsquo (peripeacutecia) isto eacute
a incorporaccedilatildeo de encadeamentos imprevistos no decorrer da accedilatildeo com o sentido
de produzir alteraccedilotildees suacutebitas dos estados de humor Entre os tipos de narrativa
destacados por Aristoacuteteles (narrativa episoacutedica narrativa simples e narrativa
complexa) o filoacutesofo dava preferecircncia agrave narrativa complexa que produz expectativa
por meio do acuacutemulo de accedilotildees e pelo emprego de princiacutepios como a
verossimilhanccedila dessas accedilotildees a necessidade dos acontecimentos no curso da
histoacuteria o reconhecimento (descoberta) de uma situaccedilatildeo vivida poreacutem natildeo
compreendida anteriormente e o imprevisto produzido por novas situaccedilotildees
Peripeacutecia eacute uma viravolta das accedilotildees em sentido contraacuterio [] segundo a verossimilhanccedila ou necessidade [] O reconhecimento como a palavra mesma indica eacute a mudanccedila do desconhecimento ao conhecimento ou agrave amizade ou ao oacutedio das pessoas marcadas para a ventura ou desdita O mais belo reconhecimento eacute o que se daacute ao mesmo tempo em que uma peripeacutecia como aconteceu no Eacutedipo [] Nesse passo se verificam duas partes da faacutebula a peripeacutecia e o reconhecimento mas haacute uma terceira o pateacutetico [] O pateacutetico consiste numa accedilatildeo que produz destruiccedilatildeo ou sofrimento como mortes em cena dores cruciantes ferimentos e ocorrecircncias desse gecircnero (ARISTOacuteTELES 1997 p 30-31)
Naturalmente Aristoacuteteles natildeo exigia a concomitacircncia de todas essas linhas
narrativas para a produccedilatildeo de estados cataacuterticos que na trageacutedia antiga vinham
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geralmente associados agrave muacutesica Quando se escuta A Danccedila de Dorian de
Seincman poreacutem a impressatildeo que se tem eacute que todos esses processos se
acumulam nos trechos finais da peccedila produzindo vaacuterias camadas de expressatildeo que
extrapolam a significaccedilatildeo especificamente musical na direccedilatildeo de uma espeacutecie de
experiecircncia esteacutetica multissensorial geralmente possibilitada pela combinaccedilatildeo de
diferentes linguagens artiacutesticas (poesia teatro muacutesica artes visuais etc) Alguns
processos narrativos ou semacircnticos empregados se assemelham a formulaccedilotildees de
compositores romacircnticos como Robert Schumann (1810-1856) poreacutem a totalidade
do resultado seria algo impensaacutevel antes da concepccedilatildeo da muacutesica de Seincman
Outro compositor que se interessa pela criaccedilatildeo de sensaccedilotildees sinesteacutesicas eacute o
uzbequistanecircs Dimitri Yanov-Yanovski (1963) Segundo depoimento do compositor
sua muacutesica estaacute centrada na intenccedilatildeo de criar diferentes processos de estruturaccedilatildeo
do tempo musical atraveacutes da oposiccedilatildeo de duraccedilotildees heterogecircneas apresentadas
simultaneamente Esses meacutetodos produzem dois resultados distintos que se
complementam o efeito psicoloacutegico de contraccedilatildeo e distensatildeo do tempo e o
processo linguiacutestico de polifonia narrativa que eacute obtida pelo entrecruzamento de
muacuteltiplos significados (que podem ser musicais textuais dramaacuteticos ou plaacutesticos) A
investigaccedilatildeo de novos princiacutepios de comunicabilidade e a valorizaccedilatildeo do processo
musical por meio de meacutetodos repetitivos colocam Yanovski entre os compositores
atuais cujos trabalhos apresentam processos multidirecionais que resultam em
novas formas de produccedilatildeo e recepccedilatildeo musicais Tambeacutem nesse sentido vaacuterios
muacutesicos atuais se diferenciam das geraccedilotildees anteriores pois valorizam o ato de
recepccedilatildeo como sendo tatildeo ou mais importante do que as teacutecnicas de composiccedilatildeo
visto que entendem que estas devem estar a serviccedilo daqueles ndash o que conduz a
uma arte centrada nos processos esteacutesicos e nas possibilidades de interaccedilatildeo
comunicativa entre o compositor o inteacuterprete e o puacuteblico22
22 A avaliaccedilatildeo das relaccedilotildees entre o compositor e o inteacuterprete eacute outro aspecto extremamente relevante nas discussotildees sobre a muacutesica contemporacircnea Nas tendecircncias vanguardistas em geral o compositor muitas vezes busca escrever uma ldquomuacutesica contra o instrumentordquo o que gera grandes dificuldades de execuccedilatildeo Brian Ferneyhough (1943) um dos mais importantes compositores da poacutes-vanguarda e partiacutecipe da Nova Complexidade (note-se o antagonismo com relaccedilatildeo agrave lsquoNova Simplicidadersquo) costuma dizer com intenccedilatildeo motivadora e polecircmica que escreve mais notas do que o muacutesico consegue tocar para que ele tenha que escolher entre as notas escritas e interferir no
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3 Traccedilos Gerais
Percebe-se com as reflexotildees apresentadas acima sobre aspectos da muacutesica
atual (e sempre lembrando que este ensaio aborda uma parcela da totalidade da
produccedilatildeo contemporacircnea) que vivemos em um periacuteodo em que haacute muacutesicos e
musicoacutelogos23 dedicados agrave investigaccedilatildeo de toda e qualquer produccedilatildeo musical seja
ela proacutexima ou distante geograficamente seja recente ou remota no tempo
Pesquisadores atuais dedicam-se inclusive agrave descoberta de processos e materiais
que natildeo satildeo condizentes com seu gosto pessoal pois o que importa eacute que toda e
qualquer parcela da produccedilatildeo humana estaacute aiacute para ser conhecida
independentemente agradar ou natildeo ao estudioso24
Assim quebram-se hierarquias seculares em que se considerava
determinada parcela da produccedilatildeo de alguma eacutepoca superior agraves outras ou se
entendia que determinada regiatildeo do planeta produz algo de maior importacircncia
cultural ou histoacuterica do que outras Essas posiccedilotildees etnocecircntricas ainda hoje
defendidas por alguns como o criacutetico literaacuterio Harold Bloom por exemplo satildeo
questionadas por natildeo serem condizentes com as infinitas possibilidades atuais de
acesso agrave informaccedilatildeo pois satildeo restritivas do ponto de vista do gosto no sentido em
que elevam opiniotildees meramente pessoais de seus autores agrave categoria de valor
universal
A postura abrangente de pensadores contemporacircneos como Michel Meyer
vem de encontro agravequeles pontos de vista exclusivistas em que se confunde lsquoopiniatildeorsquo
com lsquoconhecimentorsquo Para Meyer
[] cada um tem o direito de ser diferente de realizar sua diferenccedila contanto que a igualdade de direitos da [outra] pessoa seja respeitada
processo de criaccedilatildeo da obra de forma que cada nova interpretaccedilatildeo soaraacute diferente das demais Ferneyhough parece buscar resultados semelhantes aos de John Cage poreacutem pelo caminho inverso Essa discussatildeo poreacutem extrapola os limites deste ensaio 23 Vale esclarecer que se entende por musicoacutelogo aqui todo aquele profissional que se dedica agrave pesquisa em muacutesica seja atraveacutes da musicologia histoacuterica musicologia sistemaacutetica ou etnomusicologia da anaacutelise musical psicologia da muacutesica criacutetica musical ou da esteacutetica musical entre outras Sendo assim musicologia eacute entendida como sendo a aacuterea que engloba todos os campos teoacutericos do saber musical 24 Um bom exemplo neste sentido eacute a incansaacutevel pesquisa sobre o Neoclassicismo francecircs realizada
por Michel Faure musicoacutelogo que se posiciona antagonicamente com relaccedilatildeo agravequela tendecircncia esteacutetico-musical
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Inversamente a universalidade eacute imperativa mas natildeo pode secirc-lo em detrimento das diferenccedilas que constituiacutemos e que nos faz ser [aquilo que somos] Cada um tem o direito agrave sua histoacuteria e o dever de cada um eacute respeitar esse direito nos outros A universalidade sem diferenccedila eacute tatildeo totalitaacuteria quanto a diferenccedila sem universalidade (MEYER 2000 p 148)
Tem-se assim uma nova postura criacutetica (que tambeacutem pode ser denominada
metacriacutetica) a qual propotildee que ao exercitar a criacutetica se inicie fazendo criacutetica aos
proacuteprios valores pessoais e inclusive agraves possibilidades de exerciacutecio da criacutetica no
domiacutenio de determinados contextos Isso aplicado ao campo da muacutesica que eacute uma
arte e natildeo uma ciecircncia exata leva agrave abertura de novas perspectivas e ao
entendimento de que os pontos de vista dos outros tecircm tanto direito agrave existecircncia
quanto os nossos Isso natildeo significa igualdade de criteacuterios mas igualdade de direito
pois pode haver diferenccedilas na qualidade dos valores sendo que alguns princiacutepios
podem estar mais fundamentados do que outros O que faz levar em consideraccedilatildeo
que em qualquer sistema de valores os criteacuterios apropriados para sua avaliaccedilatildeo
estatildeo no exame de sua estrutura loacutegica interna entrecruzada com sua adequaccedilatildeo agrave
realidade Entretanto nem mesmo a argumentaccedilatildeo mais sistematizada e bem
fundamentada eacute garantia de excelecircncia em se tratando de arte pois esta eacute uma
aacuterea onde os criteacuterios satildeo qualitativos e portanto natildeo podem ser quantizados ndash e jaacute
houve quem (como Max Bense) se esforccedilou em mensurar matematicamente a arte
poreacutem em nenhum caso se alcanccedilou um resultado considerado minimamente
satisfatoacuterio junto agrave comunidade artiacutestica
Quando o muacutesico se torna mais receptivo agraves diferentes opiniotildees que circulam
no campo da esteacutetica musical percebe tambeacutem que diferentes processos musicais
podem ser combinados em uma uacutenica peccedila de muacutesica natildeo importando onde ou
quando esses processos se originaram Essas fontes podem ser justapostas uma
apoacutes a outra na sequecircncia de eventos sonoros assim como podem ser sobrepostas
em um uacutenico momento do tempo musical Isso depende de vaacuterios fatores muitos
deles ligados aos anseios do proacuteprio artista Tambeacutem se abrem novas possibilidades
de significaccedilatildeo atraveacutes da muacutesica que natildeo permanece restrita a valores
exclusivamente teacutecnicos ou formais Por outro lado a teacutecnica e a forma sempre
poderatildeo ser incorporadas em situaccedilotildees musicais de iacutendole mais ampla do que a
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mera oposiccedilatildeo dicotocircmica entre lsquomodernorsquo e lsquopoacutes-modernorsquo lsquomuacutesica novarsquo e lsquonova
muacutesicarsquo ou entre lsquopreferecircncia pela forma e pela teacutecnicarsquo e lsquopreferecircncia pelo conteuacutedo
e pelas estruturas narrativasrsquo Para o compositor italiano Luca Lombardi (1945)
ldquouma filosofia da nova muacutesica escrita hoje natildeo poderia dividir de maneira
maniqueiacutesta o mundo em [] progressistas e reacionaacuterios mas deveria dar conta da
multipolaridade da situaccedilatildeo atual A realidade ndash e natildeo somente a realidade musical ndash
eacute complexa contraditoacuteria e consequentemente ndash para exprimir em termos positivos ndash
ricardquo (Lombardi apud MICHEL 1998 p 104)
A tradiccedilatildeo natildeo eacute mais entendida como sistema fechado em que determinada
interpretaccedilatildeo se torna lsquoa explicaccedilatildeorsquo dos fatos mas tambeacutem satildeo valorizadas as
reaccedilotildees pessoais particularizadas e mesmo idiossincraacuteticas Tambeacutem se torna
problemaacutetico asseverar algo sobre lsquoa tradiccedilatildeorsquo sendo que se reconhece a
simultaneidade de inuacutemeras lsquotradiccedilotildeesrsquo algumas complementares entre si outras
antagocircnicas mas todas com igual direito agrave existecircncia A identidade passa pela
diferenccedila entre um e outro e essa diferenccedila passa pela universalidade dos valores
que podem reconhecer a diferenccedila de um no outro assim como a identidade de
cada um somente pode ser reconhecida quando se tem conhecimento da
universalidade relativa (ou contextual) de cada uma das partes constituintes do todo
identitaacuterio25 A valorizaccedilatildeo da diferenccedila pode conduzir agrave aceitaccedilatildeo da multiplicidade
das praacuteticas musicais seus materiais acuacutesticos suas teacutecnicas seus processos de
elaboraccedilatildeo seus significados intriacutensecos e extriacutensecos suas praacuteticas e seus
valores pois ldquoo conteuacutedo eacute em suma a teoria que daacute significado agrave muacutesicardquo
(BUCKINX 1998 p 91)
Como resultado tecircm-se alcanccedilado novas funcionalidades no campo musical
isto eacute descobrem-se novas possibilidades de uso ou aplicaccedilatildeo da muacutesica que
correspondem agraves necessidades das novas geraccedilotildees A diversidade de funccedilotildees
musicais que se disseminaram desde a Antiguidade foi-se tornando cada vez mais
restrita nos uacuteltimos anos do seacuteculo XX periacuteodo em que alguns dividiam as funccedilotildees
em apenas lsquomuacutesica de concertorsquo e lsquomuacutesica de entretenimentorsquo reforccedilando outra
25 Pluralia tantum mesmo o singular eacute plural
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dicotomia com caraacuteter de preconceito social Nos uacuteltimos anos outras funccedilotildees tecircm
sido observadas como a funccedilatildeo de aglutinaccedilatildeo social comum nas tribos indiacutegenas
que necessitavam da uniatildeo grupal para garantir a sobrevivecircncia Quando se pratica
muacutesica como interferecircncia urbana se traz um grande contingente de pessoas para
uma praccedila puacuteblica e se as oferece experiecircncias que se diferenciam do lugar-comum
estaacute-se recuperando aquela praacutetica de aglutinaccedilatildeo social
Quando o compositor estoniano Arvo Paumlrt (1935) busca sonoridades
medievais e orientais em combinaccedilatildeo com as siacutenteses operadas pelo Minimalismo
para expressar seus valores miacutesticos de caraacuteter ecumecircnico em uma peccedila como
Summa (1977) estaacute retomando a funccedilatildeo congregacional da muacutesica anteriormente
mantida somente no acircmbito dos templos religiosos A muacutesica de Paumlrt eacute tocada tanto
em rituais religiosos como em salas de concerto e em manifestaccedilotildees puacuteblicas ao ar
livre
Outra funccedilatildeo que estaacute sendo redescoberta por muacutesicos eruditos
contemporacircneos eacute a muacutesica de diversatildeo Cabe uma distinccedilatildeo importante entre os
termos lsquodivertirrsquo e lsquodistrairrsquo Divertir na acepccedilatildeo empregada aqui significa lsquoseparar-
se ser diferente divergirrsquo Assim a funccedilatildeo de divertir pode ser compreendida em
um sentido metacriacutetico como divergecircncia em relaccedilatildeo ao estado de coisas
dominante Distrair significa lsquorasgar vender a retalhorsquo tambeacutem pode ser entendido
como lsquodesviar ardilosamente a atenccedilatildeo do adversaacuterio para fazecirc-lo cometer errosrsquo e
nesse sentido o termo pode se adequar agravequelas experiecircncias que conduzem ao
alheamento da proacutepria condiccedilatildeo da condiccedilatildeo do outro e da realidade circundante
Depreendido desse modo surge outra noccedilatildeo do conceito de lsquomuacutesica de diversatildeorsquo
que pode ser tomada como uma nova funcionalidade da muacutesica que se apotildee ao
estado de distraccedilatildeo
Exemplo recente nesse sentido eacute a Revoluccedilatildeo Laranja na Ucracircnia em
2005 em que a populaccedilatildeo das grandes cidades foi agraves ruas vestindo laranja a cor
da oposiccedilatildeo para protestar contra as fraudes eleitorais que mantinham o primeiro-
ministro Viktor Yanukovich no poder Vaacuterios grupos musicais tocando jazz muacutesica
pop muacutesica folcloacuterica ou muacutesica claacutessica se revezavam para manter a praccedila de Kiev
repleta de muacutesica vinte e quatro horas por dia No Brasil atual em novembro de
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2016 um grupo de estudantes permaneceu danccedilando em frente agrave universidade em
Curitiba por um dia inteiro em protesto agrave PEC 24155 Como estavam em uma zona
residencial para natildeo fazer barulho em respeito aos moradores cada um deles
portava seus proacuteprios fones de ouvido e danccedilavam embalados pelas muacutesicas que
lhes agradavam Vaacuterias muacutesicas ao mesmo tempo Cada um na sua Seu slogan
ldquo20 horas em movimento contra 20 anos de congelamentordquo
Post-Scriptum Presumir que os compositores das novas geraccedilotildees
permaneccedilam escrevendo muacutesica da mesma maneira que os muacutesicos de geraccedilotildees
anteriores seria o mesmo que esperar que estes continuassem fazendo muacutesica
como seus antepassados Se forem tomados intervalos de aproximadamente meio
seacuteculo pode-se considerar que pretender que Thomas Adegraves (1971) continue a
escrever muacutesica como Pierre Boulez (1925) seria o mesmo que supor que Boulez
continuaria a pensar muacutesica da mesma forma que Arnold Schoenberg (1874-1951)
que Schoenberg ter-se-ia mantido na mesma linha de investigaccedilatildeo que Anton
Bruckner (1824-1896) que Bruckner natildeo poderia ter concebido muacutesica diferente de
Ludwig van Beethoven (1770-1827) que teria seguido na linha de Niccolograve Piccinini
(1728-1800) o qual permaneceria pensando como Antonio Vivaldi (1678-1741)
Segundo esse raciociacutenio Adegraves apenas escreveria autecircnticos concertos barrocos (o
que eacute uma hipoacutetese no miacutenimo intrigante)
O quadro abaixo sintetiza as principais caracteriacutesticas da muacutesica
contemporacircnea de acordo com as acepccedilotildees discutidas neste ensaio
ACEPCcedilOtildeES REFERENCIAIS ATITUDES PROCEDIMENTOS VALORES RESULTADOS 1 Continuidade da Modernidade
1 Liquidaccedilatildeo dos Sistemas Totalizantes (Modal Tonal Serial)
1 Experimentalismo (expansatildeo das possibilidades teacutecnicas compositivas e instrumentais)
1 Poacutes-Vanguarda 2 Espectralismo 3 Nova Complexidade
1 Arte Especulativa 2 Diversidade Contextual (cada momento no tempo dirige-se a vaacuterios pontos do espaccedilo)
1 Criaccedilatildeo de estruturas inovadoras 2 Espacializaccedilatildeo do tempo 3 Arte poeacutetico-centrada (importa a criaccedilatildeo)
2 Retorno agrave Tradiccedilatildeo
2 Criacutetica ao Historicismo e ao Determinismo
2 Retorno ao passado (alguma eacutepoca em algum
4 Tendecircncias restauradoras (reutilizaccedilatildeo de
3 Apropriaccedilatildeo do Legado
4 Permanecircncia do passado em um presente
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Histoacuterico lugar) processos tradicionais Neomodalismo Neotonalismo etc) 5 Retorno agrave melodia ao contraponto e agrave harmonia
Histoacuterico transformado 5 Evidecircncia de procedimentos eou estilemas oriundos de tradiccedilotildees culturais variadas
3 Superaccedilatildeo do Modernismo
3 Questionamento das vanguardas do Estruturalismo e das tendecircncias formalistas (importam todos os aspectos da produccedilatildeo e recepccedilatildeo artiacutesticas e natildeo apenas seu niacutevel imanente)
3 Novos processos de comunicabilidade
6 Meacutetodos repetitivos (Poacutes-Minimalismo) 7 Nova Simplicidade 8 Apropriaccedilatildeo de Linguagens (folclore popular urbana pop etc)
4Valorizaccedilatildeo do Processo 5 Pluralidade e identidade pulverizada (quebra de conceitos como a unidade estiliacutestica e a distinccedilatildeo de gecircneros)
6 Nova Narratividade 7 Hibridismo Estiliacutestico 8 Arte esteacutesico-centrada (importa a recepccedilatildeo)
4 Traccedilos Gerais
4 Investigaccedilatildeo de toda e qualquer produccedilatildeo musical independente de eacutepoca ou lugar
4 Metacriacutetica como criacutetica ao Criticismo convencional
9 Poliestiliacutestica (citaccedilatildeo alusatildeo colagem) 10 Multiculturalismo (justaposiccedilatildeo e sobreposiccedilatildeo de processos musicais oriundos de diferentes fontes)
6 Valorizaccedilatildeo da Diferenccedila (importam reaccedilotildees peculiares a aspectos especiacuteficos da tradiccedilatildeo e natildeo a lsquoTradiccedilatildeorsquo como lsquoSistemarsquo)
9 Multidirecionalidade na produccedilatildeo e na recepccedilatildeo musicais 10 Novas funcionalidades do fazer musical
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VALLE Lutiere Dalla Provocaccedilotildees (des)continuidades desfechos potecircncia edu(vo)cativa das imagens
fiacutelmicas na formaccedilatildeo docente Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 95-108 juldez 2016
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Provocaccedilotildees (des)continuidades desfechos potecircncia edu(vo)cativa das
imagens fiacutelmicas na formaccedilatildeo docente
Lutiere Dalla Valle1
Universidade Federal de Santa Maria - UFSM
Resumo O objetivo neste texto eacute abordar o cinema enquanto dispositivodisparador para a formaccedilatildeo docente compreendendo-o como artefato produzido pela cultura que produz formas de ver e ser visto Neste iacutenterim subsidiado por experiecircncias de aprendizagem no contexto da formaccedilatildeo docente respaldado pela abordagem narrativa e perspectiva da cultura visual busca-se estabelecer relaccedilotildees entre arte e subjetividade no que tange agraves construccedilotildees sociais histoacutericasculturais e ideoloacutegicas presentes nas visualidades veiculadas pela cinematografia Para tanto explora-se o conceito edu(vo)cativo atribuiacutedo ao cinema que compreende os aspectos educativo evocativo e cativo que envolvem a aprendizagem mediada pelas visualidades Palavras-chave Potecircncia Edu(vo)cativa cinema formaccedilatildeo docente Abstract The objective of this text is to approach the film as device for teacher training understanding it as an artifact produced by the culture that produces ways of seeing and being seen In the interim subsidized by learning experiences in the context of teacher training supported by the narrative approach and perspective of visual culture we seek to establish relationships between art and subjectivity in relation to social historical cultural and ideological constructions present in visualities conveyed by cinematography So it explores the concept edu(vo)cational attributed to the film comprising the educational evocative and captive aspects involving learning mediated visualities Key-words Edu(vo)cational power movies images teacher training
1 Doutor em Artes Visuais e Educaccedilatildeo (Universidad de BarcelonaES 2012) Mestre em Educacioacuten y Artes Visuales un Enfoque Construccionista (Universitat de Barcelona EspanhaUB 2009) Mestre em Educaccedilatildeo pela Universidade Federal de Santa Maria (CEPPGEUFSM2008) Linha de Pesquisa Educaccedilatildeo e Artes Possui Especializaccedilatildeo em Arte e Visualidade pela Universidade Federal de Santa Maria (2005) Licenciatura Plena em Desenho e Plaacutestica (Universidade Federal de Santa Maria2003) Bacharelado em Desenho e Plaacutestica (Universidade Federal de Santa Maria2002) Atualmente atua como Coordenador do Curso de Artes Visuais - Licenciatura e Bacharelado DAVCALUFSM professor adjunto no Departamento de Artes Visuais CALUFSM tambeacutem no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Artes VisuaisPPGART - Linha de Pesquisa Arte e Cultura e nos Cursos de Graduaccedilatildeo Bacharelado e Licenciatura em Artes Visuais Co-orienta no Doutorado em Educaccedilatildeo Linha de Educaccedilatildeo e Artes do CEUFSM Investiga as relaccedilotildees entre Artes Visuais e Cultura Visual relacionado agrave formaccedilatildeo de artistas e professores de artes visuais Tem experiecircncia na aacuterea de artes visuais com ecircnfase em entornos educativos LiacutederCoordenador dos seguintes Grupos de Pesquisa e Extensatildeo Grupo de Estudos e Pesquisas Artes Visuais e IMediaccedilotildees (AVICALUFSM) Nuacutecleo Educativo Claacuteudio Carriconde (NECCA CALUFSM) Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte e Medicina (GEPAMCALUFSM) Grupo de Estudos Cinema e Educaccedilatildeo (GECED) Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte Contemporacircnea e Educaccedilatildeo da Cultura Visual Pegadogias Culturais na alfabetizaccedilatildeo infantil Rota das Esculturas e Pintura Mural no Campus (DAVUFSM) Membro pesquisador do GEPAEC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte Educaccedilatildeo e Cultura UFSM Linhas de Interesse e Investigaccedilatildeo Formaccedilatildeo de Professores Estudos da Cultura Visual Estudos sobre Cinema e Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo de Artistas Agentes Culturais e Processos de Mediaccedilatildeo em Espaccedilos Expositivos Formais e Natildeo-Formais Contato lutieredallavallenetbr
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Introduccedilatildeo
Os seres humanos natildeo terminam em sua proacutepria pele satildeo expressatildeo da cultura Considerar o mundo como um fluxo indiferente da informaccedilatildeo que eacute processada pelos indiviacuteduos cada um atuando agrave sua maneira supotildee perder
de vista como se formam os indiviacuteduos e como funcionam Ou para citar novamente Geertz lsquonatildeo existe uma natureza humana independente da
culturarsquo (BRUNER 1991 28)
Diaacutelogos entre cinema e educaccedilatildeo tecircm sido recorrentes em nossos contextos
educativos O uso do cinema como um ponto de partida para desenvolver projetos
educativos - sobretudo nos uacuteltimos dez anos no contexto nacional - tem assinalado
variadas experimentaccedilotildees publicaccedilotildees a partir de agrupamentos de textos
produzidos em grupos de pesquisa ensaios atravessamentos diversos em que o
cinema constitui-se fio condutor eou mote reflexivo para desencadear escritas
narrativas dissertaccedilotildees e teses de doutorado em Educaccedilatildeo e aacutereas afins Talvez
resultado do vasto processo de contaminaccedilatildeo eou proliferaccedilatildeo de imagens oriundas
das mais diversas fontes que suscitam possibilidades educativas e favorecem
experiecircncias de aprendizagens significativas mediadas por pedagogias culturais
articulando desta maneira tentativas curiosas em abordar a cinematografia a partir
de acircngulos e enquadramentos diversos em que satildeo apresentadas distintas formas
de ver e ser visto pelas visualidades
Haacute experimentaccedilotildees que apostam em praacuteticas educativas embasadas pela
criacutetica pela produccedilatildeo criativa e emancipatoacuteria transitando entre campos que
articulam conceitos e contextos plurais de produccedilatildeo de significados Por outro lado
eacute recorrente tambeacutem a tentativa de pedagogizar o cinema seguindo um receituaacuterio
de como fazer como ver e o que ver nos filmes
Diante destas consideraccedilotildees adianto que neste texto proponho pensar e
articular o cinema de modo relacional afetivo muacuteltiplo em devir algo que natildeo estaacute
pronto onde existem infinitas probabilidades de aproximaccedilatildeo e diaacutelogo
configurando-se tambeacutem como dispositivo edu(vo)cativo ponto de partida um
comeccedilo isento da intenccedilatildeo de prescrever um meacutetodo a ser implementado
Igualmente refletir sobre o que podemos aprender coma partir das imagens
produzidas pelo cinema e como as experiecircncias de aprender podem ser
potencializadas a partir dos filmes isto eacute investigar como o cinema pode configurar-
se edu(vo)cativo na formaccedilatildeo docente
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A Potecircncia Edu(vo)cativa das imagens fiacutelmicas
Toda voz individual como nos mostra Bajtin estaacute abstraiacuteda de um diaacutelogo
(BRUNER 1991 14)
Edu(vo)cativo origina-se da junccedilatildeo de trecircs palavras educativo evocativo
cativo2 eacute desta forma que nos aproximamos do cinema na busca por propor uma
justaposiccedilatildeo com a imagem fiacutelmica em que sejam articuladas as relaccedilotildees de
aprendizagem potencializadas a partir de sua visualizaccedilatildeo Igualmente tendo em
vista que as imagens em movimento carregam particularidades especiacuteficas de sua
natureza visualafetiva a ideia eacute pensar que o cinema natildeo poderia ser conjecturado
dentro de uma uacutenica estrutura linguiacutestica agrave qual nos vinculamos em nossos
contextos culturais geograacuteficos e temporais pois amplia os campos da percepccedilatildeo
abrindo-se mais para a experimentaccedilatildeo subjetiva do que a uma compreensatildeo
formal de significaccedilatildeo previamente apreendida Da mesma forma discursivamente
constitui-se potecircncia simboacutelica recheada de elementos oriundos de imaginaacuterios
coletivos nos quais ancoramos nossas percepccedilotildees mais iacutentimas assim como os
imaginaacuterios produzidos pelas culturas
Neste contexto entendemos o cinema como artefato educativo pois nos
ensina modos de ver e sermos vistos de ser e estar envolvendo tudo o que
potencializa visotildees de mundo de construccedilatildeo e legitimaccedilatildeo de concepccedilotildees de
mundo eacute tambeacutem evocativo pois diz respeito agraves percepccedilotildees que envolvem a
memoacuteria agravequilo que permanece como referencial anterior e que em relaccedilatildeo com as
novas conexotildees pode reconfigurar-se estabelecer novasoutras conexotildees
2 O Conceito Edu(vo)cativo vem sendo pensado no Grupo de Estudos e Pesquisas Cinema e Educaccedilatildeo (GECEDCNPq) O GECED configura-se a partir do cinema como mobilizador de aprendizagens em variados acircmbitos e contextos educativos formais e natildeo formais de ensino onde cada membro propotildee um enfoque particular em relaccedilatildeo ao cinema e um enfoque de pesquisa Desta forma haacute pesquisas que relacionam diferentes abordagens tais como cinema e gecircnero cinema e subjetividade cinema e infacircncia cinema e educaccedilatildeo cinema e formaccedilatildeo docente O marco teoacuterico-metodoloacutegico respalda-se pela perspectiva educativa da cultura visual e pedagogias culturais amparado por autores como Fernando Hernaacutendez Nicholas Mirzoef David Darts Raimundo Martins Irene Tourinho acerca dos Modos de Endereccedilamento com a obra de Elizabeth Ellsworth acerca do cinema e educaccedilatildeo Adriana Fresquet dentre outros No que diz respeito agraves construccedilotildees sociaisculturais e ideoloacutegicas bem como satildeo produzidos os significados Jerome Bruner e Kenneth Gergen consistem nas principais referecircncias
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produzindo outras vias traz agrave tona movimenta do interno para o externo emerge
faz surgir E por fim o termo cativo busca estabelecer relaccedilotildees com aquilo que
seduz que aprisiona que deteacutem atenccedilatildeo que afeta que domina um filme natildeo
apenas mobiliza mas evoca potencializa educa constroacutei legitima instrui
Pensando o cinema a partir da conjunccedilatildeo leacutexica proposta agrave luz da
perspectiva educativa dos estudos da cultura visual podemos dizer que este
mobiliza formas de compreensatildeo que talvez natildeo sejam possiacuteveis de outra ordem
Os atravessamentos que o cinema estabelece com espectadores envolve
conhecimento da linguagem mobilizaccedilatildeo de conceitos e imagens previamente
apreendidas configurando-se no plano sensorial sonoro visual da accedilatildeo que
materializa-se em seu tempo de visualizaccedilatildeo a partir de um entre e sucessivos
momentos Nas palavras de Adriana Fresquet
[] de fato o cinema nos oferece uma janela pela qual podemos nos assomar ao mundo para ver o que estaacute laacute fora distante no espaccedilo ou no tempo para ver o que natildeo conseguimos ver com nossos proacuteprios olhos de modo direto Ao mesmo tempo essa janela vira espelho e nos permite fazer longas viagens para o interior tatildeo ou mais distante de nosso conhecimento imediato e possiacutevel (2013 p 19)
Para Fresquet ldquoa tela de cinema (ou do visor da cacircmera) se instaura como
uma nova forma de membrana para permear um outro modo de comunicaccedilatildeo com o
outrordquo (2013 p 19) Ou seja os sistemas de representaccedilatildeo criados e veiculados
pelas produccedilotildees cinematograacuteficas ativam e potencializam imaginaacuterios ao dar forma
agravequilo que antes de se tornar visualmente comumcotidiano era apenas mundo das
ideias A partir do cinema o imaginaacuterio visual ganhou forma ritmo movimento e voz
As visualidades adquiriram o status de imagempensamento tendo em vista que
articulam em noacutes uma multiplicidade de relaccedilotildees construccedilotildees definiccedilotildees e
conceitos que soacute satildeo possiacuteveis atraveacutes daquilo que os olhos captam e formulam
mentalmente
Quando vemos uma imagem objeto ou artefato recorremos agraves informaccedilotildees gerais eou ao conhecimento especiacutefico que possuiacutemos Recorremos a haacutebitos valores referecircncias e contexto para dar sentidosignificado ao que vemos Cada indiviacuteduo utiliza suas informaccedilotildees conhecimento haacutebitos e referecircncias para estruturar e dar sentido agraves coisas que visualiza valorizando-as diferentemente negociando seus significados de acordo com o contexto sua trajetoacuteria cultural e seus interesses (MARTINS TOURINHO 2011 p 54-55)
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No contexto educativo torna-se edu(vo)cativo uma vez que haacute uma
multiplicidade de caminhos de natureza relacional os quais mobilizamos durante um
processo interpretativo ndash seja ele no campo da arte ou da educaccedilatildeo da ciecircncia ou
da sociologia Portanto aprender com a partir do cinema implica abandonar a ideia
de um uacutenico caminho a ser seguido de forma riacutegida pois sugere estabelecer
relaccedilotildees Diante de infinitas possibilidades de abordagem ndash principalmente tendo em
vista a presenccedila constante de representaccedilotildees visuais oriundas de diversas fontes ndash
o desafio de fugir das concepccedilotildees estereotipadas de uso do cinema em sala de aula
propunha reinventaacute-las atraveacutes de praacuteticas investigativas experimentais movediccedilas
questionadoras comeccedilando pelo exerciacutecio de reconhecer a potencialidade
narrativaevocativa dos filmes O que pode um filme Como abordaacute-lo enquanto
potecircncia agrave aprendizagem
Neste iacutenterim noccedilotildees de identidade e subjetividade examinadas (re)vistas
compreendidas e articuladas a partir da perspectiva educativa da cultura visual nos
oferecem pistas e tambeacutem evidecircncias para interrogarmos a sua construccedilatildeo e
tambeacutem os estereoacutetipos que contribuem para definir condutas delinear posiccedilotildees
hieraacuterquicas e legitimar papeacuteis sociais sobretudo no que tange agrave construccedilatildeo da
docecircncia O olhar produzido pela cinematografia hollywoodiana ndash de maior difusatildeo
em nossa cultura ndash que se constitui forte veiacuteculo de construccedilatildeo e produccedilatildeo de
identidades (natildeo apenas as identidades docentes) revisitado pode desencadear
processos de questionamento e reelaboraccedilatildeo pois como argumenta Fernando
Hernaacutendez
Os estudos da Cultura Visual nos permitem a aproximaccedilatildeo com essas novas realidades a partir de uma perspectiva de reconstruccedilatildeo das proacuteprias referecircncias culturais e das maneiras de as crianccedilas jovens famiacutelias e educadores olharem (-se) e serem olhados Reconstruccedilatildeo natildeo somente de caraacuteter histoacuterico mas a partir do momento presente mediante o trabalho de campo ou a anaacutelise e a criaccedilatildeo de textos e imagens Reconstruccedilatildeo que daacute ecircnfase agrave funccedilatildeo mediadora das subjetividades e das relaccedilotildees agraves formas de representaccedilatildeo e agrave produccedilatildeo de novos saberes acerca destas realidades (HERNAacuteNDEZ 2007 37)
Tomando como ponto de partida o argumento do autor em favor da
perspectiva educativa da cultura visual as produccedilotildees fiacutelmicas nos conferem uacutenicas
ou infinitas visotildees de mundo de ser de estar e atuar nas mais variadas situaccedilotildees
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cotidianas Natildeo apenas aprendemos a olhar e compreender as narrativas visuais
desde a infacircncia mas tambeacutem nossas formas de ver passam a ser articuladas a
partir do lugar que ocupamos ndash social cultural histoacuterico Natildeo apenas visualizamos
uma narrativa decodificando a sequecircncia de imagens mas reconstruiacutemos e
recontamos internamente a partir daquilo que compreendemos da visualidade
daquilo que apreendemos Portanto enquanto dispositivo do olhar o cinema pode
contribuir para desvelar imagens assim como pensar sobre quequais lugares
ocupam dentro dos imaginaacuterios coletivos e quais satildeo as possibilidades de
transgredi-los em favor de articulaccedilotildees mais subjetivas autorais e inclusivas
Problematizar o cinema (no sentido de pensar o que evocaprovocamobiliza)
sugere praacuteticas de desnaturalizaccedilatildeo do olhar e especial atenccedilatildeo agraves contingecircncias
que delineiam nossas relaccedilotildees com o mundo nossas experiecircncias cotidianas Em
decorrecircncia podemos nutrir-nos de estrateacutegias criacuteticas para questionar padrotildees
desmontar estruturas hegemocircnicas discursos riacutegidos e propor fissuras brechas em
que nossa subjetividade seja potencializada Partindo da concepccedilatildeo de que noccedilotildees
de verdade e realidade igualmente correspondem a construccedilotildees sociais culturais e
histoacutericas podemos permitir-nos distanciarmo-nos desprendermo-nos de
concepccedilotildees alicerccediladas em padrotildees e posicionamentos fechados e inflexiacuteveis Esse
distanciamento nos permite repensar o que eacute normativo a fim de examinar de onde
surgiu e como a essa normatividade natildeo corresponde uma uacutenica verdade mas uma
referecircncia datada localizada e impregnada de ideologias
Examinar a docecircncia agrave luz do que dizem suas representaccedilotildees no cinema
colocam frente a frente as distintas versotildees que nos satildeo oferecidas enquanto papeacuteis
sociais eacute recorrente a figura docente caricaturada atraveacutes de modelos messiacircnicos
assistencialistas e transformadores dispostos a abrir matildeo de suas expectativas de
vida para solucionar os mais variados problemas de seus alunos Poucas satildeo as
narrativas que evidenciam uma docecircncia fragilizada hostil e afetiva ou ainda como
profissatildeo3
3 No livro Pedagogias Culturais organizado por Raimundo Martins e Irene Tourinho (Editora da UFSM 2014)
discuto esta questatildeo no texto ldquoAprendendo a ser docente atraveacutes de filmes possiacuteveis tracircnsitos entre cinema e educaccedilatildeordquo (p 141-164) Neste faccedilo referecircncia a uma seacuterie de tiacutetulos de filmes que tecircm como tema
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O cinema como ponto de partida na formaccedilatildeo docente
Tomar a perspectiva educativa da cultura visual como ancoradouro nos
favorece interrogar as elaboraccedilotildees discursivas que envolvem a construccedilatildeo do olhar
e tambeacutem os estereoacutetipos que contribuem para definir condutas delinear posiccedilotildees
hieraacuterquicas e legitimar papeacuteis sociais Sobretudo o olhar produzido pela
cinematografia hollywoodiana ndash de maior difusatildeo em nossa cultura ndash que se constitui
forte veiacuteculo de construccedilatildeo e produccedilatildeo de identidades
Acredita-se que cada espectador aporte sua proacutepria experiecircncia histoacuteria e
identidade agrave compreensatildeo de um texto fiacutelmico Contudo eacute possiacutevel que as
narrativas visuais privilegiem certas posiccedilotildees - mesmo que haja certa autonomia
para colocar interpretaccedilotildees personalizadas - pois estas interpretaccedilotildees se
encontraratildeo afetadas pelos limites impostos pelo enquadramento pela delimitaccedilatildeo
de algueacutem sobre o que tornar visiacutevel e o que deixar fora
As interpelaccedilotildees entre narrativas visuais textos discursivos e processos
cognitivos satildeo aspectos importantes que merecem ser discutidos sob a luz da
ideologia presente nos roteiros uma vez que problematizaacute-los pode configurar-se
como ferramenta pedagoacutegica para pensar a complexidade das concepccedilotildees que
elaboramos a partir do que visualizamos
Quando as imagens fiacutelmicas se convertem em aparatos de propulsatildeo para
desencadear aspectos problematizadores no campo social a respeito de questotildees
de gecircnero credo liberdade respeito cidadania e educaccedilatildeo as narrativas fiacutelmicas
funcionam como dispositivos possibilitando que os estudantes exercitem a
experiecircncia da indagaccedilatildeo
Ao examinar as relaccedilotildees dos sujeitos envolvidos com experiecircncias de
visualizaccedilatildeo de filmes durante o desenvolvimento de disciplinas na universidade no
curso de Licenciatura em Artes Visuais - seus diaacutelogos interpretaccedilotildees e
reconstruccedilotildees - percebeu-se que a negociaccedilatildeo eacute fundamental para desenvolver e
estimular a construccedilatildeo do conhecimento a partir de uma abordagem educativa
poliacutetica criacutetica que potencialize o caraacuteter subjetivo e colaborativo comentre os
professores com maior difusatildeo em contextos educativos formais tencionando a partir de algumas experiecircncias durante a formaccedilatildeo inicial e continuada de professores
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sujeitos Diante da experiecircncia de aprender coma partir do cinema estamos lidando
com imprevisibilidades incongruecircncias insatisfaccedilatildeo e a constante possibilidade de
revermos nossas concepccedilotildees e demais processos constitutivos O ambiente
educativo pode configurar-se como lugar de tensionamentos de imagens que
afetam e reverberam conexotildees inventivas que articulam distintos saberes
A partir das consideraccedilotildees elaboradas juntamente com os sujeitos em
formaccedilatildeo podemos pensar o cinema como dispositivo que produz e faz circular
modos de ver ser relacionar e pensar os diversos coacutedigos culturais com os quais
dialogamos diariamente Contribui tambeacutem para refletirmos sobre a construccedilatildeo de
imaginaacuterios e do mesmo modo para advertir-nos sugerir eou alertar-nos frente agraves
incertezas que configuram nossos dilemas existenciais que encontram sua potecircncia
nas relaccedilotildees que estabelecemos diariamente
Neste iacutenterim as produccedilotildees cinematograacuteficas -- enquanto artefatos
produzidos pelas distintas culturas inseridos e veiculados por determinados
discursos e ideaacuterios de acordo com as contingecircncias vigentes de seu tempo --
possibilitam noccedilotildees de realidade pois refletem questotildees sociais que permeiam seu
tempo Sob este aspecto Raimundo Martins argumenta
A ilusatildeo de realidade de que se valem as obras fotograacuteficas e sobretudo as cinematograacuteficas brinca com a percepccedilatildeo da plateacuteia Assim raramente eacute levado em consideraccedilatildeo o fato de que em uacuteltima instacircncia toda imagem constitui um conjunto de pontos de vista que decorrem de certos modos de interpretaccedilatildeo da realidade recortes que enfatizam determinadas informaccedilotildees em detrimento de outras o que vemos ao contemplar as imagens teacutecnicas natildeo eacute o mundo mas determinados conceitos relativos ao mundo a despeito da automaticidade da impressatildeo do mundo sobre a superfiacutecie da imagem (MARTINS 2007 115-116)
Ao mobilizar o campo da afetividade por meio da narrativa que nos eacute contada
bem como a proximidade com os personagens envolvidos haacute quase sempre uma
conexatildeo imediata (em maior ou menor grau) o que coloca os espectadores em
situaccedilatildeo de igualdade de relaccedilatildeo iacutentima Inscrevemos nossas proacuteprias relaccedilotildees com
a vida plasmada na tela e estabelecemos algumas relaccedilotildees ao reviver nossas
proacuteprias experiecircncias ou ainda projetarmos sonhos desejos medos aventuras
imaginaacuterias
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Neste vieacutes afetivo haacute ilimitadas interlocuccedilotildees com o cinema o que talvez
configure nossa questatildeo principal Como pensarpropor o cinema edu(vo)cativo no
contexto da formaccedilatildeo docente E aleacutem desta Qual a relevacircncia desta articulaccedilatildeo
durante a formaccedilatildeo docente
De modo geral como jaacute foi mencionado experiecircncias de aprender com o
cinema na escola privilegiam a vontade do professorprofessora em dar continuidade
a um determinado conteuacutedo e o filme parece ser uma opccedilatildeo ilustrativa de
determinado fenocircmeno eou fato a ser apreendido Natildeo que esta abordagem natildeo
seja relevante ao contraacuterio pode ser um bom argumento O problema eacute quando
restringe-se apenas agrave ilustraccedilatildeo natildeo abrindo espaccedilos ao que reverbera a
visualizaccedilatildeo de um filme Ou ainda quando natildeo se problematizam as visotildees de
realidade representadas na tela ndash no que diz respeito aos enquadramentos
discursos e demais significados que satildeo relacionados muitas vezes de maneira
impliacutecita
Nessa direccedilatildeo a educaccedilatildeo da cultura visual eacute aberta a novas e diversas formas de conhecimentos promove o entendimento de meios de opressatildeo dissimulada rejeita a cultura do Positivismo aceita a ideia de que os fatos e os valores satildeo indivisiacuteveis e sobretudo admite que o conhecimento eacute socialmente construiacutedo e relacionado intrinsecamente ao poder (DIAS 2011 62)
Talvez o questionamento pontuado por Belidson Dias adquira maior potecircncia
ao trazer para a discussatildeo a recente lei que torna obrigatoacuteria a exibiccedilatildeo de pelo
menos duas horas de filmes produzidos nacionalmente nas escolas de Educaccedilatildeo
Baacutesica Aiacute reside uma de nossas grandes preocupaccedilotildees
Que filmes Que formas de exibiccedilatildeo Que engajamento dos professores e da comunidade Que formas de acesso agraves obras Como regulamentar a Lei Haacute filmes com tecnologias assistivas que permitam sua aces- sibilidade a professores e estudantes cegos e surdos Como engajar outros atores ndash Ancine Secretaria do Audiovisual secretarias de educaccedilatildeo MEC Quem custearaacute as accedilotildees E sobretudo o que esperar dessa relaccedilatildeo do cinema com a educaccedilatildeo (FRESQUET MIGLIORIN 2015 4)
Aleacutem disso quais aacutereas Quais docentes Que preparaccedilatildeo preacutevia O que
precisa saberconhecer o docente que iraacute abordar o cinema enquanto dispositivo
Haacute que ensinar coacutedigos da linguagem E no que tange agrave visualidade o que propor
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Seria da competecircncia da aacuterea das artes visuais Propor pensar sobre os elementos
esteacuteticos Etc
Neste cenaacuterio abrem-se muitos debates em torno desta obrigatoriedade por
um lado esta regulamentaccedilatildeo faz com que o cinema deixe de participar apenas
como complemento ilustraccedilatildeo como decorativorecreativo tornando-se objeto
principal ponto de partida agrave reflexatildeo em torno dos coacutedigos culturais que o formulam
legitimam e distribuem noccedilotildees de realidade Por outro proposiccedilotildees prescritivas
destituiacutedas de negociaccedilatildeo coletiva -- que desconsidera o cinema enquanto obra
aberta -- podem desencadear versotildees estereotipadas que devido agrave obrigatoriedade
venham a ser desenvolvidas por profissionais despreparados dispostos a cumprir
tarefas apenas
Ao discutir a lei Adriana Fresquet e Cezar Migliorin sugerem alguns princiacutepios
que poderiam ser levados em consideraccedilatildeo diante das aproximaccedilotildees com a
educaccedilatildeo Para os autores ao tomar a lei como ponto de partida deveriacuteamos ter em
mente estas dez consideraccedilotildees
1 Democratizar o acesso 2 Acesso diversidade e capilaridade de decisotildees 3 Valorizar as accedilotildees existentes e locais 4 O cinema deve ser arriscado 5 Cinema eacute conhecimento e invenccedilatildeo de mundo 6 A escola natildeo forma consumidores 7 Tensatildeo na estrutura das escolas 8 Por que cinema brasileiro 9 Promover a criaccedilatildeo com imagens 10 A experiecircncia com o cinema (FRESQUET MIGLIORIN 2015 6-17)
Diante destes aspectos expostos talvez fosse interessante retomarmos o
conceito de ldquodesaprenderreaprenderrdquo proposto por Adriana Fresquet (2007) no livro
ldquoImagens do Desaprender uma experiecircncia de aprender com o cinemardquo em que
narra a seguinte relaccedilatildeo
Desaprender eacute algo mais que aprender coisas opostas sobre um mesmo tema assunto valor questatildeo da vida Desaprender pode ateacute indicar erradamente a ideacuteia de esquecer o aprendido Poreacutem o seu significado e intenccedilatildeo eacute exatamente o contraacuterio Tal eacute a forccedila da irreversibilidade da aprendizagem que desaprender significa fundamentalmente lsquolembrarrsquo as coisas aprendidas que querem ser desaprendidas Desaprender eacute aprender a natildeo querecirc-las mais para si a natildeo outorgar mais o estatuto de verdade de sentido ou de interesse Verdade aprendida com outros desde sempre adquire valor de inquestionaacutevel Desaprender eacute animar-se a questionar tais verdades Desaprender eacute tambeacutem fazer o esforccedilo de conscientizar todo o vivido na contramatildeo evocando o impacto histoacuterico e emocional que teve aquela aprendizagem que hoje deseja ser modificada (FRESQUET 2007 49)
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Portanto as muacuteltiplas relaccedilotildees promovidas pelas narrativas fiacutelmicas nos
fazem pensar em diversas maneiras de abordar a visualidade comeccedilando pelo
acircmbito da sensibilidade da emoccedilatildeo do afeto ateacute avanccedilarmos pelo terreno da
pedagogia onde nos encontramos com a relaccedilatildeo ensinaraprender Partimos do
princiacutepio de que o cinema se inscreve em uma temporalidade compreensiacutevel a
praticamente todos os puacuteblicos ao representar as diversas etapas do
desenvolvimento humano as descobertas infantis a adolescecircncia e a juventude a
maturidade e a velhice nas suas mais variadas manifestaccedilotildees e a utilizarmos como
ponto de partida para comeccedilar nossa viagem Durante o percurso eacute possiacutevel
visualizar terrenos feacuterteis e tambeacutem arenosos lugares remotos de nossa memoacuteria e
outros recocircncavos repletos de figuras miacuteticas fantasmagorias e possibilidades
Estes dispositivos desestabilizam e mobilizam outras aprendizagens
promovem crises que geram avanccedilos instigam a pensar alternativas Satildeo forccedilas
que produzem o deslocamento e a descoberta de outras dimensotildees de outras
linhas de pensamento Incitam tambeacutem a adotar uma postura criacutetica impulsionada
pelo desejo de criar espaccedilos e alternativas para aprender sobre o mundo a partir do
diaacutelogo com o outro a reconhecer-se pelas diferenccedilas a pensar o ambiente de
formaccedilatildeo inicial e continuada da docecircncia como exerciacutecio do olhar criacutetico e
mobilizador
Sobre o cinema e suas provocaccedilotildees um desfecho provisoacuterio
Referecircncia na moda no comportamento na muacutesica e nos mais variados
acircmbitos das experiecircncias humanas o cinema configura-se como fenocircmeno cultural
de grande impacto na configuraccedilatildeo de imaginaacuterios desde a infacircncia Desde muito
cedo somos introduzidos agrave loacutegica narrativa sequencial que apresenta muitas
realidades Eacute recorrente em nossa contemporaneidade nos depararmos com
personagens criados pelo cinema em acessoacuterios utensiacutelios domeacutesticos adereccedilos
materiais pedagoacutegicos brinquedos etc propagando uma legiatildeo de muitos heroacuteis (e
rariacutessimas heroiacutenas) que inevitavelmente invadem a escola reproduzindo-se nas
canccedilotildees brincadeiras corporeidades comportamentos Diante destes contextos
Como a docecircncia articula estas experiecircncias visuais enquanto mote inicial a ser
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esmiuccedilado Que relaccedilotildees com as imagens fiacutelmicas osas docentes tecircm
apreendidas Como satildeo seus enfrentamentos relaccedilotildees com o cinema
Talvez seja relevante pensarmos alternativas nas quais estudos sobre cinema
e educaccedilatildeo possam estar presentes durante a formaccedilatildeo inicial e continuada da
docecircncia para propor relaccedilotildees de aprendizagem a partir da imprevisibilidade seu
papel e sua utilizaccedilatildeo dentro dos ambientes de aprendizagem tendo como premissa
natildeo cairmos na tentativa de pedagogizaacute-lo ou tornaacute-lo mais um instrumento fechado
ou previsiacutevel mas de tomaacute-lo como obra aberta ndash a partir da concepccedilatildeo do rizoma ndash
para tomar vias distintas Bricolar propor conexotildees com outras narrativas abordaacute-lo
sem tentar traduzir o que eacute essencialmente percepccedilatildeo visualsensorialemocional e
que obviamente requer outro tipo de relaccedilatildeo outros coacutedigos outras loacutegicas
Para finalizar estaacute escrita retomo os vocaacutebulos que a iniciam provocaccedilotildees
descontinuidades desfechos com o intuito de sinalizar como poderiam operar no
campo educativo ndash ao menos como pretendo que sejam pensados aqui
O cinema enquanto provocador que desafia incita o questionamento retira
da calmaria e lanccedila na tempestade desacomoda instiga o pensamento retira do
lugar comum causa desconforto Neste contexto por significados que possam ser
revistosrevisados reconceituados Imaginaacuterios produzidos pela cinematografia
dominante (em nossos contextos) possam ser repensados ou em alguns casos
como argumenta Adriana Fresquet desaprendidos e reaprendidos a partir de outras
loacutegicasrelaccedilotildees
(Des)continuidade tem duplo sentido no cinema a ideia de movimento se daacute
pela sequecircncia contiacutenua de imagens trabalha-se com a continuidade de um roteiro
Uma descontinuidade seria uma ruptura da continuidade da linearidade Poderia ir
na contramatildeo a contrapelo Caracteriza-se como uma interrupccedilatildeo A continuidade
no cinema busca uma coerecircncia loacutegica que envolve sonoridade e fluxo visual na
sucessatildeo de imagens o que pode envolver cortes durante uma montagem pois
cabe ao continuiacutesta manter a conexatildeo desejada pelo roteiro entre as cenas
concedendo entendimento agrave narrativa que estaacute sendo contada Juntamente com o
diretor ou diretora de um filme colabora com todas as demais especificidades
teacutecnicas que participam da histoacuteria a ser contada dos enquadramentos aos
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cenaacuterios objetos de cena etc Entatildeo O que seria umuma (Des)Continuiacutesta em
educaccedilatildeo
Talvez aqueleaquela que ocupa-se da provocaccedilatildeo que incita o jogo que
lanccedila convites que desafia Sabemos que a escola nos moldes atuais natildeo
configura-se uacutenica fonte de saberes mas espaccedilo de diaacutelogo de negociaccedilatildeo
formulaccedilatildeo
Desfecho do ponto de vista literaacuterio diz respeito agrave finalizaccedilatildeo ao desenlace
de uma tramanarrativa Pode ser entendido tambeacutem como local de chegada depois
de alguns trechos percorridos Neste texto desfecho pode ser concebido tambeacutem
como siacutentese do processo desenvolvido poreacutem aberto ainda no ato de acontecer
Entendo desfechos como provisoacuterios embora pareccedila relevante percebermos
processos de soluccedilotildees de problemas pontos que podem ser destacados ao teacutermino
de uma jornada de uma investida uma aposta Acredito que desfechos satildeo
importantes pois impelem a retomar a jornada examinar o percurso movimentar-se
em temporalidades diversas para compreender como se articula o momento
presente Transformando-o em verbo desfecho - desfechar - poderia ser des-fechar
tornaacute-lo em aberto apesar de haver jaacute percorrido uma trajetoacuteria examina-se o
recorrido poreacutem servindo como propulsor a dar segmento a tomar novas
experiecircncias seguir aprendendo des-fechando processos educativos
Referecircncias
BRUNER Jerome Actos de significado maacutes allaacute de la revolucioacuten cognitiva Madrid Alianza Editorial 1991 DIAS Belidson O imundo da cultura visual Brasiacutelia Editora da poacutes-graduaccedilatildeo em arte da Universidade de Brasiacutelia 2011 ELLSWORTH Elizabeth Posiciones en la ensentildeanza diferencia pedagogiacutea y el poder de la direccionalidad Madrid Akal 2005 FRESQUET Adriana Cinema e educaccedilatildeo reflexotildees e experiecircncias com professores e estudantes de educaccedilatildeo baacutesica dentro e ldquoforardquo da escola Belo Horizonte Autecircntica 2013
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FRESQUET Adriana Imagens do desaprender uma experiecircncia de aprender com o cinema Rio de Janeiro UFRJ 2007 FRESQUET Adriana MIGLIORIN Cezar Da obrigatoriedade do cinema na escola notas para uma reflexatildeo sobre a lei 1300614 In FRESQUET Adriana (Org) Cinema e Educaccedilatildeo a lei 13006 Reflexotildees perspectivas e propostas Belo Horizonte Universo Produccedilatildeo 2015 HERNAacuteNDEZ Fernando Catadores da Cultura Visual uma proposta para uma nova narrativa educacional Porto Alegre Mediaccedilatildeo 2007 MARTINS Alice Faacutetima Imagens do cinema cultura contemporacircnea e o ensino de artes visuais In OLIVEIRA M O de (Ed) Arte educaccedilatildeo e cultura Santa Maria Ed da UFSM 111-130 2007 MARTINS Raimundo TOURINHO Irene (Org) Circunstacircncias e ingerecircncias da cultura visual In MARTINS R y TOURINHO I (Eds) Educaccedilatildeo da cultura visual conceitos e contextos Santa Maria Ed da UFSM (paacuteg 51-68) 2011
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VILLAR Fernando Pinheiro PerformanceS Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 109-119 juldez
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PerformanceS1
Fernando Pinheiro Villar 2 Universidade de Brasiacutelia - UnB
Aproximando-se do primeiro ano apoacutes 11 de setembro continuamos sem saber
o que sabemos e o que natildeo sabemos sobre a destruiccedilatildeo dos preacutedios do World Trade
Center em Nova York O que podemos ter certeza eacute que antes da queda das torres
gecircmeas jaacute viviacuteamos crises aceleradas empor nossa supermodernidade crise de
certezas crise social crise de conceitos crise de significados Realidades que se
transformam continuamente demandam novos conceitos e revisatildeo constante de
conceitos existentes para negociar com as novas praacuteticas artiacutesticas teorias famiacutelias
trabalho sexualidades etnias ensino e meacutetodos
Performance eacute apontada como um conceito chave em estudos culturais
contemporacircneos Este artigo aborda performances artiacutesticas Enfatizo o lsquoartiacutesticasrsquo
como necessaacuterio recorte e por minha experiecircncia praacutetica Mas este recorte natildeo evita a
interferecircncia de outros significados nem indica um terreno mais tranquilo para
taxonomias
No meio de uma semana de debates sobre lsquoperformancersquo na Universidade de
Brasiacutelia em maio de 2002 um estudante disse que parecia lsquohaver uma certa
glamourizaccedilatildeo da duacutevida ou da dificuldade de definir performancersquo3 Mais preocupante eacute
a banalizaccedilatildeo da duacutevida em torno da amplitude do conceito gecircnero artiacutestico objeto de
estudo eou metodologia de criacutetica e pesquisa que performance pode significar Este
1 Publicado em CARREIRA Andreacute VILLAR Fernando Pinheiro GRAMMONT Guiomar de RAVETTI Graciela e ROJO Sara (orgs) Mediaccedilotildees performaacuteticas latino-americanas (Belo Horizonte FALEUFMG 2003) p 71 - p80 2 Autor encenador e diretor Professor da graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo do Departamento de Artes Cecircnicas do Instituto de Artes da Universidade de Brasiacutelia Graduado na UnB em Artes Plaacutesticas poacutes-graduado em Direccedilatildeo no Drama Studio London e PhD no Queen Mary CollegeUniversity of London Fundador dos grupos Vidas Erradas (83-89) TUCAN (92-08) e CHIA LIIAA (2007) tem trabalhado com diversos grupos artistas e instituiccedilotildees de ensino do Brasil e Europa Professor visitante na University of Manchester e na UNICAMP com vaacuterios artigos publicados e alguns livros organizados sobre teatro performance e hibridismos artiacutesticos contemporacircneos 3 Seminaacuterio preparatoacuterio para o evento performaacutetico artiacutestico Gecircnesis de performances (28 29072002) organizados pelo ex-aluno de Artes Cecircnicas e funcionaacuterio da UnB Magno de Assis
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VILLAR Fernando Pinheiro PerformanceS Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 109-119 juldez
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artigo natildeo elimina duacutevidas sobre performance mas busca discordar de ambas
banalizaccedilatildeo e glamourizaccedilatildeo destas duacutevidas
O tiacutetulo lsquoperformanceSrsquo inicia esta empreitada afirmando a pluralidade do
conceito performance Assumir-se a multiplicidade de significados atrelados ao
significante lsquoperformancersquo eacute condiccedilatildeo inicial para seu entendimento Sabemos que
lsquoperformancersquo tem orientado inspirado eou desobstruiacutedo teorias e praacuteticas de
sociologia antropologia linguiacutestica psicologia filosofia neurologia artes cecircnicas artes
plaacutesticas muacutesica e danccedila entre outros campos de conhecimento Essa amplitude
conceitual pode provocar um desconforto com a abrangecircncia desconcertante e
escorregadia de performance como conceito como objeto de estudo como gecircnero
artiacutestico ou como metodologia de criacutetica e pesquisa
Um dos principais significados aliados ao significante performance eacute o de
desempenho O significado de desempenho afirma a observaccedilatildeo analiacutetica de
comportamentos humanos produtos eletrocircnicos e mecacircnicos ou de atores xampus
transeuntes oacuteleos atletas sapatos de corrida animais fios condutores ou de minerais
Na observaccedilatildeo do desempenho humano performance pode tambeacutem significar
comportamentos que se repetem Ou accedilotildees cotidianas que satildeo ensaiadas ou
preparadas - e observadas Assim sendo uma performance sem consciecircncia do fato de
estar sendo vista como tal pode significar uma performance cotidiana cultural ou social
Para Richard Schechner ldquotudo no comportamento humano indica que performamos
nossa existecircncia especialmente nossa existecircncia socialrdquo (1982 14) Steven Connor
considera que ldquose tornou difiacutecil estarmos seguros onde que uma accedilatildeo termina e uma
performance comeccedilardquo (108) Schechner e Connor datildeo uma ideia do possiacutevel alcance de
performance Este alcance detona diferentes linhas de pesquisa e teorias sobre
performance em campos distintos Pelo recorte optado por esta comunicaccedilatildeo estou me
atendo mais agraves performances artiacutesticas exibiccedilotildees ou accedilotildees declaradas publicamente
como tais accedilotildees conscientes mesmo que liminais construiacutedas e organizadas por
agentes que as mostraratildeo como opccedilatildeo profissional ou amadora entrada franca
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cobrando um ingresso ou distribuindo convite em espaccedilos ao ar livre semi-abertos ou
cobertos
A performance artiacutestica se caracteriza(va) muito pela fuga de qualquer
possibilidade de categorizaccedilatildeo Esta evasatildeo de escaninhos esteacuteticos caracteriza(ria)
aquilo que artistas objetivam(vam) natildeo ser caracterizado Com a heranccedila forte das
Vanguardas Histoacutericas das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX e das trecircs primeiras
deacutecadas do seacuteculo XX vanguardas do periacuteodo poacutes-Segunda Guerra Mundial
continua(ra)m indo contra restriccedilotildees das possibilidades expressivas das artes e
rechaccedilando definiccedilotildees que se pretendiam definitivas
As Vanguardas Histoacutericas satildeo compostas pelo Simbolismo Expressionismo
Futurismo Construtivismo Dada Surrealismo Bauhaus ou Adolphe Appia Gordon
Craig Isadora Duncan Vsevolod Meyerhold Vladimir Mayakovsky Marcel Duchamp
Antonin Artaud entre tantos outros Darwin Nietzsche Marx Wagner Freud Einstein
Edison nos lembram que a virada do seacuteculo XIX para o XX tambeacutem testemunha uma
crise de conceitos e certezas consideraacutevel Aliados agrave revoluccedilatildeo no pensamento humano
provocada por estes pensadores artistas e cientistas o motor a lacircmpada eleacutetrica
locomotivas teleacutegrafos e o cinema transformam comportamentos e sociedades Ainda
com ecos do idealismo do Romantismo em buscar o intercacircmbio entre diferentes artes
artistas de vaacuterias correntes e tendecircncias deixam um legado de accedilotildees textos e
manifestos que transitam e querem transitar aleacutem das fronteiras convencionais de cada
linguagem Durante todo o seacuteculo XX o impacto das duas guerras mundiais no mesmo
seacuteculo foi refletido diretamente numa arte que promovia a primazia da accedilatildeo
testemunhada de interferecircncia puacuteblica como paliativo passageiro para a impotecircncia do
ser humano diante da destruiccedilatildeo inoacutecua Artistas das Vanguardas Histoacutericas da
primeira e segunda metades do seacuteculo XX questionam entatildeo de forma radical a
convencionalidade de suas linguagens e de seus puacuteblicos no bojo de intensas
transformaccedilotildees econocircmicas sociais e poliacuteticas As fronteiras entre arte e vida se
misturam
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Na entatildeo nova ediccedilatildeo do Oxford Dictionary em 1971 lsquoperformance artrsquo eacute incluiacuteda
no verbete lsquoperformancersquo como uma suposta arte de accedilotildees realizada por artistas
plaacutesticos para plateias presentes Depois da Segunda Guerra Mundial outros termos e
conceitos jaacute tentam acompanhar uma intensa atividade de artistas em torno do eixo
tempo-espaccedilo com testemunhas Estas atividades manipulam nexos com accedilatildeo corporal
e a presenccedila do autor realizando seu processo sua obra ou sua obra em processo para
espectadores visitantes puacuteblico ou testemunhas Uma das tentativas de conceituaccedilatildeo
para estas obras foi lsquointermiacutediarsquo [(intermedia ou interlinguagem)] cunhado em 1967
por Dick Higgins do Fluxus (Higgins 1978) Um ano depois Richard Kostelanetz
defendeu o termo lsquoteatro dos meios misturadosrsquo (Kostelanetz 1970) Mas eacute
lsquoperformance artrsquo nos paiacuteses anglo-saxocircnicos e lsquoperformancersquo em paiacuteses de liacutengua
latina que consegue abarcar uma praacutetica artiacutestica interdisciplinar Sem desconhecer a
heranccedila das Vanguardas Histoacutericas performance art ou performance conteria action
paintings John Cage arte conceitual minimalismo espacialismo Happenings action
art arte corporal aktionism vienense arte feminista art povera parangoleacutes de Oiticica
bichos de Ligia Clark teatro instrumental environments viacutedeo arte colaboraccedilotildees
decollage assemblage arte cineacutetica o neo-dada do Gutai endurance art Flaacutevio
Impeacuterio Artur Barrio ou Laurie Anderson entre tantos outros grupos e artistas
Em 1981 Douglas Davis jaacute propotildee o termo lsquopost-performancismrsquo para defender
uma arte aleacutem do teatro performance ou artes plaacutesticas Em 1992 Josette Feraacutel coloca
performance como o nascimento de um gecircnero com a morte de sua funccedilatildeo anaacuterquica
anti-categorizaccedilotildees Em 1999 Paul Schimmel anuncia a morte de performance art por
volta de 1979 No entanto as referecircncias cruzadas e trocas entre gecircneros hiacutebridos e
mo(vi)mentos foram se acelerando durante as deacutecadas de 1980 e 1990
simultaneamente dificultando e promovendo novos termos e roacutetulos Autores como
Gregory Battcock (1984) RoseLee Goldberg (1984) ou Herbert Blau (1992)
reconhecem que lsquoperformancersquo seria o termo para a contiacutenua expansatildeo do terreno
ampliado que performance art conquistou Utilizando um artigo anterior performance no
final do seacuteculo XX
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[] parece ser um conceito guarda-chuva que abriga uma livre pluralidade de expressotildees cecircnicas socircnicas e visuais Atraveacutes de performance inuacutemeros estudos de diferentes artes revelam um comportamento cuidadoso para evitar novas definiccedilotildees que natildeo respeitem as diferenccedilas e o caraacuteter anaacuterquico das artes em desordenar e escapar de novas categorizaccedilotildees Performance inclui entre outros campos de estudo rituais festas populares comportamento cotidiano linguumliacutestica ciecircncias sociais cultura psicologia [performing self criacutetica em performance] o evento teatral a encenaccedilatildeo de peccedilas drama ou dramaturgia escrita dramaturgia de imagens e outras produccedilotildees multi pluri anti ou interdiscliplinares em frente de plateacuteias em diversos tipos de espaccedilo cecircnico aleacutem do teatro O termo e conceito performance vai contra uma visatildeo logocecircntrica e exclusiva de teatro como lsquoa representaccedilatildeo de dramas eurocecircntricosrsquo (Schechner 1992 9) Para os estudos de teatro a metodologia e sistema de criticismo proposto por performance resgata o irrepetiacutevel efecircmero transitoacuterio momento de exposiccedilatildeo da linguagem cecircnica com a presenccedila de atores e espectadores privilegia-se a performance como um dos principais focos de significados do teatro (Villar de Queiroz 1999 249)
Para os estudos e praacutetica de teatro o texto performaacutetico ou o performance text eacute
um derivado do significante performance fundamental Batendo de frente com a visatildeo
antagocircnica quando exclusivista de teatro como domiacutenio da literatura dramaacutetica o texto
performaacutetico seria o texto da encenaccedilatildeo em curso a mise-en-scegravene fluindo ante e entre
os sentidos dos presentes la puesta en escena acontecendo uma rede intertextual
Ainda haacute uma defasagem da jovem academia de teatro em reconhecer o texto
performaacutetico artiacutestico na linguagem cecircnica Isso pode dever-se em parte agrave
supervalorizaccedilatildeo persistente e descontextualizada historicamente da visatildeo aristoteacutelica
de teatro em Poeacutetica Mais forte razatildeo eacute a impossibilidade do registro da performance
uacutenica irrepetiacutevel efecircmera transitoacuteria Essa impossibilidade caracteriza um choque
frontal com abordagens materialistas de cultura que tem em textos de peccedilas
documentos partituras quadros esculturas monumentos e edifiacutecios suas evidecircncias
para descrever o comportamento humano O viacutedeo o DVD e novas tecnologias alteram
um pouco a impossibilidade de registros do evento aacuteudio-cineacutetico-temporal e visual que
uma performance teatral coreograacutefica musical ou artiacutestica pode ser Novas tecnologias
natildeo podem entretanto cortar a impossibilidade de reproduccedilatildeo de um evento
caracterizado pela junccedilatildeo de pessoas durante sua vida uacutenica que morre para renascer
diferente no proacuteximo dia Como Dyonisus
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A maioria do teatro convencional claacutessico familiar eou teatratildeo e muito do teatro
de pesquisa de artistas com visibilidade internacional e respaldo criacutetico estaria
caracterizado pela representaccedilatildeo de um laacute-entatildeo Este laacute-entatildeo eacute reproduzido em um
palco ou espaccedilo eleito com atores ou atrizes vivendo personagens escritos por um
autor ou autora seguindo marcaccedilotildees de um diretor ou diretora Performance
privilegiaria o aqui-agora do durante da apresentaccedilatildeo seja onde for de uma accedilatildeo
desenrolada e apresentada por seu autor-ator-diretor-encenador-produtor o
performador tenta ser o proacuteprio meio esteacutetico ndash ele ou ela se colocam como linguagem
processo e obra Mas esta diferenciaccedilatildeo pode natildeo resistir ao fato de que o uso atual
quase omnipresente do termo performance abala certezas linguiacutesticas e esteacuteticas
anglo-saxocircnicas e latinas Na liacutengua inglesa por exemplo performance sempre foi
associada agrave apresentaccedilatildeo representaccedilatildeo ou exposiccedilatildeo cecircnica ou musical em frente a
uma plateia e [agrave] interpretaccedilatildeo de artistas Em 1990 o Diccionario Actual de la Lengua
Espantildeola apresenta performance como entre outros significados lsquorepresentacioacuten de
cine y teatrorsquo e lsquoactuacioacuten de un artistarsquo (1219) Estudantes no Brasil me convidam para
assistir a suas performances mesmo que sejam representaccedilotildees naturalistas de
personagens de Calderoacuten de la Barca Shakespeare ou Nelson Rodrigues dirigidos por
um diretor ou uma professora
As aacuteguas de performance e de teatro se confundem e confundem Em 1987 o
diretor e acadecircmico Michael Kirby lembrava que ldquotodo teatro eacute performance mas nem
toda performance eacute teatrordquo (xi) Em 1992 Herbert Blau reconhece sua saudade ldquode um
tempo em que se algueacutem falasse de performance estaria falando de teatrordquo (2) Em
1996 Elin Diamond recorda que ldquose performance eacute o reverso do teatro convencional
teatro tambeacutem eacute o reverso de performancerdquo (4) Em 1997 a artista e professora da New
York University Deb Magolin por exemplo celebra que ldquoperformance eacute um teatro de
inclusatildeo Qualquer um pode fazerrdquo (69) Para vaacuterios criacuteticos acadecircmicos e artistas no
mundo performance seria o teatro poacutes-moderno ou teatro contemporacircneo de
vanguarda
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Ainda persiste uma tendecircncia que considera performance art e performance
como variaccedilotildees da arte teatral Esta tendecircncia convive com uma perspectiva oposta
que exclui teatro da histoacuteria de performance e de performance art Ambas
perspectivas parecem reafirmar concepccedilotildees binaacuterias que natildeo reconhecem um campo
artiacutestico ampliado interdisciplinar aleacutem das disciplinas que se juntaram chocaram-se
ou digladiaram-se ateacute o nascimento de uma outra disciplina linguagem ou objeto que
se independe das matrizes anteriores e continua um caminho proacuteprio Disciplinas
liacutenguas paiacuteses e pessoas satildeo universos em construccedilatildeo e negociaccedilatildeo com seus meios
ambientes A dialeacutetica cultural promove novas disciplinas liacutenguas territoacuterios e
fronteiras mudanccedilas e se o mundo performa o teatro continuaraacute sendo um siacutetio de
performances sobre performances do mundo
Em 1980 Timothy J Wiles lanccedilava o termo lsquoteatro performancersquo para descrever
uma diversidade cecircnica revelada por uma dramaturgia e estilos de interpretaccedilatildeo
distintos do realismo naturalista ou do teatro eacutepico Essa diversidade tambeacutem era
revelada por inovaccedilotildees formais que segundo Wiles haviam criado ldquouma situaccedilatildeo
desconfortaacutevel para todos os historiadores de esteacuteticardquo (112) Com lsquoperformance teatrorsquo
a primazia dada ao texto performaacutetico questiona encapsulamentos da linguagem cecircnica
em limites da literatura dramaacutetica e questiona tambeacutem hierarquias fixas de criaccedilatildeo
direccedilatildeo e autoria Teatro performance transita por diferentes linguagens artiacutesticas
resultando em outra Teatro performance assume um espaccedilo intermediaacuterio
interdisciplinar entre performance art e teatro
Nuances interdisciplinares nas artes e ciecircncias ou obras interdisciplinares
artiacutesticas natildeo podem ser mais ignoradas em sua notoacuteria presenccedila em nossa
contemporaneidade Praacuteticas artisticamente interdisciplinares tecircm uma histoacuteria que
remonta [a] seacuteculos antes de Cristo na praacutetica oriental e ocidental se focarmos o
manual para artiacutesticos cecircnicos indiano Natya-Sastra ou os festivais gregos Artistas
renascentistas italianos e a oacutepera barroca apresentam impulsos interdisciplinares
claros Estes impulsos se aceleram de forma radical nas sucessivas transformaccedilotildees
esteacuteticas promovidas pelas vanguardas do seacuteculo XX Poacutes 1968 e poacutes performance art
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tanto o omnipresente conceito metodologia de pesquisa e criacutetica de performance
quanto as performances artiacutesticas desenvolvidas nas duas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo
XX reforccedilam a necessidade de abordar-se interdisciplinaridade entre as artes
Esta breviacutessima perspectiva histoacuterica objetiva apontar uma presenccedila e uma
necessidade de estudos de um fenocircmeno interdisciplinar entre as artes Entretanto
assim como performance interdisciplinaridade tambeacutem pode ter uso indevido ou
diletante dentro dos muacuteltiplos acircngulos e mundos simultacircneos e paradoxais da
supermodernidade Tambeacutem como performance lsquointerdisciplinaridadersquo tem desafiado
certezas epistemoloacutegicas
Na uacuteltima deacutecada podemos encontrar novas propostas em torno de
disciplinaridades Judith Butler (1990) e Baz Englers (1996) propotildeem a discussatildeo de
lsquopoacutes-disciplinaridadesrsquo Dwight Conquergood e Joseph Roach definem performance
para Marvin Carlson como uma lsquoanti-disciplinarsquo (189) Fechando a deacutecada Roy Ascott
usa o termo lsquoumiacutediarsquo (moistmedia) para descrever um lsquointerespaccedilo entre o mundo seco
da virtualidade e o mundo molhado da naturezarsquo (9)
Transdisciplinaridade poacutes-disciplinaridades anti-disciplinas e umiacutedias atestam
todas processos interdisciplinares Como interdisciplinas artiacutesticas poacutes-disciplinas anti-
disciplinas e umiacutedias satildeo lsquointermiacutediasrsquo satildeo resultantes de disciplinas que dialogaram ou
digladiaram-se atraveacutes de encontro troca negociaccedilotildees eou choque gerando uma
nova disciplina Assim sendo meu entendimento de interdisciplinaridade natildeo confere
com o simples juntar de disciplinas diferentes ou muito menos com o improdutivo de
realidades pseudo interdisciplinares que natildeo se tocam nem se trocam Investigo
interdisciplinaridade artiacutestica para estudar ensinar e praticar negociaccedilotildees e
intercacircmbios entre diferentes linguagens ou disciplinas artiacutesticas que resultaram em
novos campos de accedilatildeo em outros territoacuterios de mutaccedilatildeo artiacutestica e de possibilidades
expressivas Interdisciplinas artiacutesticas seriam entatildeo outras disciplinas ou intermiacutedias
tais como as jaacute citadas performance art e teatro performance danccedila teatro butoh
muacutesica teatro arte computacional teatro acuacutestico teatro digital instalaccedilatildeo roboacutetica
criacutetica em performance ou viacutedeo poesia
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Terroristas oficiais e disfarccedilados continuam a defender fronteiras imutaacuteveis e a
dividir pessoas quando soacute existe uma raccedila a humana Enquanto a natureza se delicia
com a diversidade interesses econocircmicos impotildeem modelos hegemocircnicos injustos e
uniformizantes que querem evitar a particularidade a convivecircncia ou a diferenccedila Os
mercados globalizados nos orgasmos muacuteltiplos do capitalismo selvagem conquistam
novas trilhas para o livre fluir de capitais mas natildeo de pessoas
A paz o livre exerciacutecio de sexualidades igualdade novas fronteiras e o
assentamento de pessoas em condiccedilotildees mais justas satildeo evitados no Brasil e no mundo
por problemas pessoais mal resolvidos interesses escusos e paranoias
governamentais Como lembrou Lucia Sander em palestra-performance em Maceioacute
neste ano Einstein dizia que ldquoeacute mais faacutecil dividir um aacutetomo que destruir um
preconceitordquo E Susan Sontag afirmou anos depois que a histoacuteria do preconceito eacute tatildeo
antiga quanto a histoacuteria das questotildees pessoais mal resolvidas As artes incluindo
performance e outras interdisciplinas artiacutesticas vazam esses escudos anti-
transformaccedilotildees e tentam exemplificar outras possibilidades de outros mundos
simultacircneos e distintos que se trocam e produzem outros mundos inclusivos e
questionadores de absolutismos restringentes A batalha continua sintomaacutetica
enigmaacutetica e performaacutetica
Referecircncias ASCOTT Roy lsquoArte emergente interativa tecnoeacutetica e uacutemidarsquo Trad Cleacuteria Maria Costa Anais do 1 Encontro Internacional de Arte e Tecnologia Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 1999 p19 - p29 BARTHES Roland Image-Music-Text Trad Stephen Heath Nova York Hill and Wang 1977 BATTCOCK Gregory e NICKAS Robert eds The Art of Performance Nova York E P Duncan amp Co 1984 BLAU Herbert lsquoThe Prospect Before Usrsquo Discourse 142 1992 p 1- p 25
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VILLAR Fernando Pinheiro PerformanceS Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 109-119 juldez
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DUTRA Pacircmela Goumlethel WOLFFENBUumlTTEL Cristina Rolim ACCORSI Ana Maria Bueno Estudo sobre a
participaccedilatildeo de estudantes em um grupo instrumental Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 120-
141 juldez 2016 Disponiacutevel em lthttpseerfundartersgovbrindexphpRevistadaFundarteindexgt
Estudo sobre a participaccedilatildeo de estudantes em um grupo instrumental
Pacircmela Goumlethel Dutra1 Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS
Cristina Rolim Wolffenbuumlttel2
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS
Ana Maria Bueno Accorsi3 Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS
Resumo O artigo apresenta a pesquisa com um grupo instrumental em uma escola puacuteblica municipal em TaquariRS Partiu dos questionamentos Qual o significado da participaccedilatildeo dos estudantes em um grupo instrumental Quais as expectativas dos estudantes que participam desses grupos Qual a influecircncia da muacutesica para estes participantes Quais as expectativas de estudantes familiares e comunidade escolar em relaccedilatildeo ao grupo Como ocorre o envolvimento dos familiares dos estudantes O objetivo foi compreender a importacircncia da participaccedilatildeo em um grupo instrumental escolar Constatou-se a importacircncia da participaccedilatildeo no grupo instrumental apontado por todos investigados Entende-se que esta pesquisa contribua para a construccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para a educaccedilatildeo musical nas escolas bem como para a implementaccedilatildeo da legislaccedilatildeo que dispotildee sobre a inserccedilatildeo da muacutesica no Brasil Palavras-chave Educaccedilatildeo musical grupos instrumentais muacutesica na Educaccedilatildeo Baacutesica
1 Estudante do curso de Especializaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Musical na Universidade Estadual pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul Licenciada em Pedagogia pelo Centro Universitaacuterio Leonardo da Vinci Cursando o 9ordm semestre de licenciatura em Muacutesica pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul Participou do grupo de pesquisa na Uergs intitulado Educaccedilatildeo Musical diferentes tempos e espaccedilos com linhas de pesquisas sobre processos de ensino e aprendizado em muacutesica e poliacuteticas em Educaccedilatildeo Musical Professora de muacutesica do municiacutepio de Taquari- RS desde 2013 no qual atua em atividades de Educaccedilatildeo Musical no curriacuteculo do ensino baacutesico nos anos iniciais e finais do ensino fundamental e em atividades escolares no extracurricular com aulas de instrumentos e na formaccedilatildeo de grupos instrumentais bandas marciais e coro infanto-juvenil 2 Doutora e Mestre em Educaccedilatildeo Musical pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Especialista em Informaacutetica na Educaccedilatildeo Ecircnfase em Instrumentaccedilatildeo pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul Licenciada em Muacutesica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Coordena o curso de Especializaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Musical na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul Unidade de Montenegro Eacute coordenadora da Aacuterea Muacutesica do Programa de Iniciaccedilatildeo agrave Docecircncia em Montenegro da CAPESUERGS Coordena a Comissatildeo de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo da Uergs-Montenegro orientando bolsistas de iniciaccedilatildeo cientiacutefica em muacutesica e artes da FAPERGS CNPq e UERGS Eacute coordenadora dos grupos de pesquisa registrados no CNPq Arte criaccedilatildeo interdisciplinaridade e educaccedilatildeo e Educaccedilatildeo Musical diferentes tempos e espaccedilos Coordena o Programa de Extensatildeo Universitaacuteria do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo pela Uergs Eacute Diretora Cientiacutefica da Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo Musical da Editora Prismas de Curitiba Faz parte da Comissatildeo Gauacutecha de Folclore e da Fundaccedilatildeo Santos Herrmann Eacute integrante da Academia Montenegrina de Letras ocupando a Cadeira nordm5 Faz parte da Associaccedilatildeo Montenegrina de Escritores 3 Possui graduaccedilatildeo em Letras pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul (1976) mestrado em Linguumliacutestica e Letras pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul (1999) e doutorado em Linguumliacutestica e Letras pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul (2005) Atualmente eacute professor adjunto da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul e Consultora Terapecircutica em Dependecircncia Quiacutemica Coordena o Curso de Licenciatura em Letras Portuguecircs e Literaturas de Liacutengua Portuguesa e o Curso de Especializaccedilatildeo Teoria e Praacutetica da Formaccedilatildeo do Leitor
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DUTRA Pacircmela Goumlethel WOLFFENBUumlTTEL Cristina Rolim ACCORSI Ana Maria Bueno Estudo sobre a
participaccedilatildeo de estudantes em um grupo instrumental Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 120-
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Abstract The article presents the research with an instrumental group at a municipal public school in TaquariRS The research started from the questions What is the meaning of student participation in an instrumental group What are the expectations of the students participating in these groups What is the influence of music on these participants What are the expectations of students families and the school community in relation to the group How does the involvement of the students family members occur The objective was to understand the importance of participation in a school instrumental group It was verified the importance of the participation in the instrumental group indicated by all investigated It is understood that this research contributes to the construction of public policies for music education in schools as well as for the implementation of the legislation that regulates the insertion of music in Brazil Keywords Musical education instrumental musical groups music in Basic Education
Introduccedilatildeo
As diversas possibilidades de inserccedilatildeo da muacutesica na escola conquistaram
legitimidade com a Lei nordm 11769 de 18 de agosto de 2008 Mais recentemente em
3 de maio de 2016 foi publicada a Lei nordm 13278 que incluiu artes visuais danccedila
muacutesica e teatro nos curriacuteculos dos diversos niacuteveis da Educaccedilatildeo Baacutesica A nova
legislaccedilatildeo altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional nordm 9394 de
1996 (LDB 93941996) estabelecendo um prazo de cinco anos para que os
sistemas de ensino promovam a formaccedilatildeo de professores para implantar esses
componentes curriculares nas escolas A partir dessas leis tem-se a obrigatoriedade
da inclusatildeo da muacutesica no curriacuteculo das escolas Neste sentido pode-se pensar na
diversidade dos modos de a muacutesica se configurar na escola inclusive como
atividade extracurricular Nesse sentido Wolffenbuumlttel (2014) aponta
Muitas vezes as escolas optam pelo desenvolvimento de determinadas atividades - dentre essas as musicais - em outras dimensotildees que natildeo as tradicionais relacionadas com tempos e espaccedilos curriculares Surgem assim as atividades extracurriculares como alternativas para o ensino
escolar (WOLFFENBUumlTTEL 2014 p 56)
Percebe-se portanto que as atividades musicais extracurriculares
possibilitam a inserccedilatildeo da muacutesica se assim for a opccedilatildeo da escola Poreacutem natildeo
inviabilizam a implementaccedilatildeo da muacutesica no ensino regular da mesma instituiccedilatildeo
podendo a escola oferecer tanto atividades musicais no ensino regular quanto
extracurricular
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DUTRA Pacircmela Goumlethel WOLFFENBUumlTTEL Cristina Rolim ACCORSI Ana Maria Bueno Estudo sobre a
participaccedilatildeo de estudantes em um grupo instrumental Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 120-
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Sobre as funccedilotildees sociais envolvidas nas praacuteticas instrumentais de grupos
musicais Bozzetto (2012) aponta a importacircncia da participaccedilatildeo de crianccedilas e jovens
em projetos que envolvam atividades musicais Em sua anaacutelise a autora afirma
A importacircncia de que projetos que satildeo erguidos com a funccedilatildeo de inserccedilatildeo social atraveacutes da muacutesica mantenham viva e coerente essa afirmativa cientes de que dar a oportunidade a uma crianccedila e jovem notadamente de camadas de baixa renda eacute abrir um mundo de possibilidades que com o tempo de convivecircncia podem se tornar uma referecircncia de mundo social para toda uma vida (BOZZETTO 2012 p 266)
Bozzetto (2012) finaliza essa discussatildeo refletindo sobre a necessidade de os
projetos sociais entenderem seu papel de inclusatildeo social destacando que a tarefa
do educador musical eacute a de ldquocontribuir para uma educaccedilatildeo musical mais justa e
humana e da importacircncia de sua inserccedilatildeo em projetos que reconheccedilam a praacutetica
musical como oportunidade de inclusatildeo socialrdquo (p 266)
Joly e Joly (2011) investigaram as praacuteticas sociais e os processos educativos
que acontecem em ambiente de orquestra No sentido das praacuteticas sociais as
autoras refletem sobre as ldquorelaccedilotildees que se estabelecem entre pessoas pessoas e
comunidade na qual se inserem pessoas e grupos grupos entre si grupos e
sociedade mais amplardquo (p 80)
De acordo com Bastiatildeo (2012) nosso paiacutes eacute multicultural possuindo vaacuterias
culturas diferentes e cada regiatildeo possui uma manifestaccedilatildeo folcloacuterica musical
proacutepria Nesse sentido o educador musical poderaacute atraveacutes da praacutetica de conjunto
trabalhar esse contexto ldquodadas a riqueza e a diversidade da muacutesica popular
brasileira ndash observam-se a valorizaccedilatildeo e a inserccedilatildeo das muacutesicas e manifestaccedilotildees da
cultura oral nos contextos acadecircmico e regular de ensinordquo (p 60)
Entende-se que atividades que envolvem grupos instrumentais nos quais a
praacutetica de conjunto estaacute inserida no seu cotidiano contemplam o que os Paracircmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) tratam sobre os objetivos de expressatildeo e
comunicaccedilatildeo em muacutesica tais como
Improvisaccedilatildeo composiccedilatildeo e interpretaccedilatildeo com instrumentos musicais tais como flauta percussatildeo etc eou vozes (observando tessitura e questatildeo de muda vocal) fazendo uso de teacutecnicas instrumental e vocal baacutesicas participando de conjuntos instrumentais eou vocais desenvolvendo autoconfianccedila senso criacutetico e atitude de cooperaccedilatildeo (BRASIL 1998 p 83)
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Ainda no que tange aos PCNs satildeo relacionados objetivos de interpretaccedilatildeo
acompanhamento recriaccedilatildeo e realizaccedilatildeo de arranjos
Arranjos de muacutesica do meio sociocultural e do patrimocircnio musical construiacutedo pela humanidade nos diferentes espaccedilos geograacuteficos eacutepocas povos culturas e etnias tocando eou cantando individualmente eou em grupo (banda canto coral e outros) construindo relaccedilotildees de respeito e diaacutelogo (BRASIL 1998 p 83)
Considerando-se a potencialidade da muacutesica na escola bem como a
existecircncia de atividades extracurriculares caracterizadas como organizaccedilotildees de
grupos instrumentais em diversas escolas alguns questionamentos surgiram Qual o
significado da participaccedilatildeo dos estudantes em um grupo instrumental Quais as
expectativas dos estudantes que participam destes grupos Qual a influecircncia da
muacutesica para esses participantes Quais as expectativas de estudantes familiares e
comunidade escolar em relaccedilatildeo ao grupo Como ocorre o envolvimento dos
familiares dos estudantes Esta pesquisa portanto objetivou compreender a
importacircncia de fazer parte de um grupo instrumental escolar
O Grupo Instrumental Investigado
A investigaccedilatildeo sobre a importacircncia da participaccedilatildeo em um grupo instrumental
escolar originou-se a partir da inserccedilatildeo de uma das autoras deste artigo como
professora de muacutesica em uma escola puacuteblica municipal em TaquariRS O foco da
pesquisa deu-se a partir dessa atuaccedilatildeo considerando-se as atividades no
contraturno escolar
Os ensaios do grupo ocorrem uma vez por semana no uacuteltimo periacuteodo do
turno da tarde apoacutes as aulas coletivas de instrumentos de sopro Contando com
catorze estudantes de 10 a 18 anos de idade a atividade oportuniza a
experimentaccedilatildeo e o manuseio de diversos instrumentos musicais permitindo muitos
aprendizados importantes para o desenvolvimento musical dos estudantes
Atraveacutes da aquisiccedilatildeo de variados instrumentos musicais o grupo tem tido a
possibilidade de fazer apresentaccedilotildees em variadas configuraccedilotildees grupais incluindo
o formato de banda marcial possibilitando aos estudantes experimentar e manusear
uma diversidade musical
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Esta praacutetica extrapola os tempos e espaccedilos escolares agregando pessoas da
comunidade bem como egressos que continuam participando das atividades
musicais O grupo instrumental faz apresentaccedilotildees locais incluindo o comeacutercio local
as instituiccedilotildees beneficentes aleacutem das demais regiotildees do municiacutepio e de fora dele
Metodologia
A proposta metodoloacutegica desta investigaccedilatildeo incluiu a abordagem qualitativa o
meacutetodo estudo de caso e entrevistas e observaccedilotildees como teacutecnicas para a coleta dos
dados A anaacutelise dos dados consistiu na anaacutelise de conteuacutedo
A Abordagem Qualitativa
Para a pesquisa foi utilizada a abordagem qualitativa Martins (2004) explica
que a ldquometodologia qualitativa mais do que qualquer outra levanta questotildees eacuteticas
principalmente devido agrave proximidade entre pesquisador e pesquisadosrdquo (p 295)
Aleacutem disso eacute a partir de cada dado coletado conforme suas caracteriacutesticas que se
faz uma interaccedilatildeo entre os conteuacutedos atraveacutes dessa interaccedilatildeo a pesquisa traz suas
impressotildees e percepccedilotildees
A razatildeo para a escolha da abordagem qualitativa para realizaccedilatildeo deste
trabalho relacionou-se ao fato de a mesma possibilitar a reflexatildeo sobre a
participaccedilatildeo dos estudantes em um grupo instrumental no contexto escolar e na
sociedade em que estatildeo inseridos
O Estudo de Caso
O estudo de caso caracteriza-se por atender a determinado objetivo atraveacutes
da investigaccedilatildeo de um caso especiacutefico Eacute muito utilizado quando se pretende
compreender explorar ou descrever acontecimentos e contextos complexos nos
quais estatildeo simultaneamente envolvidos diversos fatores Para Yin (2001) o estudo
de caso ldquocontribui de forma inigualaacutevel para a compreensatildeo que temos dos
fenocircmenos individuais organizacionais sociais e poliacuteticosrdquo (p 21)
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As Entrevistas Semiestruturadas
As entrevistas semiestruturadas permitiram aprofundar as questotildees
especiacuteficas desta pesquisa A entrevista semiestruturada eacute uma ldquoseacuterie de perguntas
abertas feitas verbalmente em uma ordem prevista mas na qual o entrevistador
pode acrescentar perguntas de esclarecimentordquo (LAVILLE DIONE p 188) Todas
as entrevistas foram realizadas na escola na qual existe o grupo instrumental em
horaacuterios previamente combinados
Ao todo foram feitas cinco entrevistas sendo as mesmas realizadas com dois
estudantes integrantes do grupo instrumental com a matildee de um dos estudantes
com a diretora da escola e com uma professora Como acontece nas entrevistas do
tipo semiestruturada seguiu-se um roteiro mas com a possibilidade de serem
acrescidas outras perguntas conforme necessaacuterio
Considerando-se a escolha dos entrevistados foram seguidos alguns
criteacuterios Selecionou-se um estudante (denominado Estudante J) que participa do
grupo desde o iniacutecio das atividades Neste caso suas informaccedilotildees poderiam
fornecer uma visatildeo geral sobre a importacircncia de participar do grupo haacute mais tempo
O outro estudante (denominado Estudante W) foi escolhido por ter ingressado
recentemente no grupo instrumental e poderia fornecer outra visatildeo a respeito desta
participaccedilatildeo Deste modo aleacutem de ambos os estudantes terem concordado com a
participaccedilatildeo na pesquisa e de terem tempo disponiacutevel para serem entrevistados
eles poderiam contribuir com as informaccedilotildees sobre sua participaccedilatildeo mas tendo
tempos de participaccedilatildeo diferentes no grupo Foi entrevistada tambeacutem a matildee do
Estudante J que participa desde o iniacutecio das atividades do grupo instrumental A
professora que participou da pesquisa foi selecionada por ser docente na escola em
que o grupo instrumental tem suas atividades aleacutem de ter lecionado para os
estudantes investigados Adicionalmente esclarece-se que a professora concordou
em fornecer a entrevista e teve tempo para a mesma Por fim a diretora foi
entrevistada por ter importantes contribuiccedilotildees para a pesquisa considerando-se sua
visatildeo como gestora da escola
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A Anaacutelise dos Dados
Para a realizaccedilatildeo da anaacutelise dos dados coletados nesta investigaccedilatildeo utilizou-
se a anaacutelise de conteuacutedo a partir da proposta de Moraes (1999) Para Moraes
(1999) a anaacutelise de conteuacutedo ldquoconstitui uma metodologia de pesquisa usada para
descrever e interpretar o conteuacutedo de toda classe de documentos e textosrdquo (p 2) A
anaacutelise de conteuacutedo viabilizou a anaacutelise dos dados transcritos tendo contato com
diversos textos corroborando a conclusatildeo da anaacutelise sobre o assunto da pesquisa
atingindo assim os objetivos
Para a realizaccedilatildeo desta anaacutelise alguns procedimentos foram necessaacuterios
como as etapas que Moraes (1999) propotildee tais como a ldquopreparaccedilatildeo das
informaccedilotildeesrdquo a qual foi feita por meio de entrevistas semiestruturadas Deve-se
salientar que as entrevistas foram gravadas no gravador de aacuteudio do celular Apoacutes a
realizaccedilatildeo das entrevistas as mesmas foram integralmente transcritas Efetuadas as
transcriccedilotildees das cinco entrevistas todas passaram pelo processo de revisatildeo e
textualizaccedilatildeo a fim de ajustar possiacuteveis inconsistecircncias de dados ou mesmo
correccedilotildees ortograacuteficas e gramaticais necessaacuterias
Para Moraes (1999) este procedimento eacute importante para iniciar o processo
de codificaccedilatildeo dos materiais estabelecendo um coacutedigo que possibilite identificar
rapidamente cada elemento da amostra de depoimentos ou documentos a serem
analisados
Todo este processo resultou na constituiccedilatildeo de um caderno denominado
Caderno de Entrevistas 2015 (C E 2015) contendo as entrevistas dos estudantes
J e W da matildee do Estudante J da professora e da diretora da escola
Posteriormente este Caderno de Entrevistas 2015 passou por uma leitura
minuciosa considerando-se o processo de ldquounitarizaccedilatildeordquo proposto por Moraes
(1999) servindo de base para as etapas subsequentes quais sejam a
categorizaccedilatildeo e a anaacutelise dos dados Aleacutem do Caderno de Entrevistas tambeacutem foi
constituiacutedo outro caderno denominado Caderno de Categorizaccedilatildeo 2015 (C C
2015) A categorizaccedilatildeo consiste em um procedimento de ldquoagrupar dados
considerando a parte comum existente entre eles Classifica-se por semelhanccedila ou
analogia segundo criteacuterios previamente estabelecidos ou definidos no processordquo
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(MORAES 1999 p 6) Neste caderno os dados coletados foram separados por
categorias sendo que posteriormente depois de rigorosa anaacutelise das categorias
criadas compuseram os Resultados e a Anaacutelise dos Dados juntamente com a
realizaccedilatildeo da anaacutelise fundamentada no referencial teoacuterico desta pesquisa Salienta-
se que estas atividades foram precedidas de uma cuidadosa e ampla leitura do texto
final
Aleacutem dos cadernos mencionados foi constituiacutedo um Caderno de Fotografias
2015 (C F 2015) no qual se encontram as imagens dos eventos dos quais o grupo
instrumental participou servindo como complemento para a anaacutelise dos dados
Desse modo considerando-se o material coletado e organizado resultaram
as seguintes categorias de anaacutelise Os Entrevistados A Importacircncia da Participaccedilatildeo
dos Estudantes nas Atividades do Grupo Instrumental Influecircncias de Participar em
um Grupo Instrumental para a vida dos Estudantes Participantes e Familiares
Envolvidos Expectativas em Relaccedilatildeo agraves Atividades Instrumentais Estas categorias
foram analisadas a partir de um referencial teoacuterico da educaccedilatildeo musical o qual eacute
apresentado a seguir
Referencial Teoacuterico
O referencial teoacuterico selecionado para a anaacutelise dos dados desta investigaccedilatildeo
sobre a importacircncia da participaccedilatildeo de estudantes em um grupo instrumental
escolar foi constituiacutedo por conceitos de educaccedilatildeo musical e do desenvolvimento
musical de crianccedilas e adolescentes
A Educaccedilatildeo Musical
Kraemer (2000) trata da questatildeo epistemoloacutegica da educaccedilatildeo musical dentre
outros assuntos pertinentes ao tema Define como pedagogia da muacutesica o campo da
educaccedilatildeo musical explicando que a pedagogia da muacutesica ldquodivide seu objeto com as
disciplinas chamadas ciecircncias humanas filosofia antropologia sociologia ciecircncias
poliacuteticas histoacuteriardquo Para Kraemer (2000) ldquoeacute dada a relaccedilatildeo com a musicologia
(assim como com a praacutetica da muacutesica e a vida musical)rdquo (p 52) A psicologia da
muacutesica ldquoinvestiga o comportamento musical e as vivecircncias musicaisrdquo (p 55) e a
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sociologia da muacutesica ldquoas condiccedilotildees sociais e os efeitos da muacutesica assim como
relaccedilotildees sociais que estejam relacionadas agrave muacutesicardquo (p 57)
A partir desses fatores trazidos pelo autor eacute possiacutevel constatar o quanto eacute
vasto o campo da educaccedilatildeo musical agregando a muacutesica a vaacuterias aacutereas do
conhecimento e podendo ser trabalhada dentro dessas linguagens Assim cada
aspecto tem importantes contribuiccedilotildees para o conhecimento musical num todo
Assim como a pedagogia acrescenta em sua didaacutetica e se complementa com
as outras aacutereas do conhecimento para ter mais ecircxito no ensino-aprendizagem e na
relaccedilatildeo estudante-professor podemos fazer o mesmo com a muacutesica agregando
essas aacutereas no fazer didaacutetico-musical Satildeo aacutereas que se complementam em
diversas situaccedilotildees Desse modo a muacutesica tem um papel integrador e
transdisciplinar assim como o papel da pedagogia que considera ldquoa vida humana
sob aspectos da educaccedilatildeo formaccedilatildeo instruccedilatildeo e didaacuteticardquo (KRAEMER 2000 p
60)
Eacute necessaacuterio que na muacutesica assim como na pedagogia existam esses
olhares num contexto amplo da educaccedilatildeo observando todos os aspectos relevantes
no desenvolvimento integral do estudante independente de como a disciplina estaacute
inserida na escola seja de forma curricular ou extracurricular Eacute importante que os
professores de muacutesica considerem a educaccedilatildeo musical como um todo objetivando a
formaccedilatildeo do cidadatildeo Natildeo se desconsidera a teacutecnica da execuccedilatildeo musical
igualmente importante Todavia outros conceitos que fazem parte da educaccedilatildeo
musical satildeo igualmente necessaacuterios
Englobando aspectos socioloacutegicos nos quais eacute observado o comportamento
de uma determinada sociedade e a forma com que se organizam no tempo livre e
trabalho Kraemer (2000) relaciona a muacutesica agrave sociologia explicando
A sociologia da muacutesica examina as condiccedilotildees sociais e os efeitos da muacutesica assim como relaccedilotildees sociais que estejam relacionadas com a muacutesica Ela considera o manuseio com a muacutesica como um processo social e analisa o comportamento do homem relacionado com a muacutesica em direccedilatildeo agraves influecircncias sociais instituiccedilotildees e grupos (KRAEMER 2000 p 57)
Para Swanwick (2003) eacute fundamental unir atividades de execuccedilatildeo
apreciaccedilatildeo e criaccedilatildeo para que os estudantes se desenvolvam artisticamente O foco
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reside especialmente no que acontece quando a pessoa se relaciona com muacutesica
no fazer musical
Swanwick (2003) propotildee trecircs atividades principais na muacutesica compor ouvir
muacutesica e tocaacute-la Ele reuacutene estas atividades em sua proposta conhecida no Brasil
como TECLA constituiacuteda pelo estudo da histoacuteria da muacutesica (literatura) e pela
aquisiccedilatildeo de habilidades (em inglecircs skill aquisition) denominado de teacutecnica Tem-
se assim T de teacutecnica E de execuccedilatildeo C de composiccedilatildeo L de literatura e A de
apreciaccedilatildeo E atraveacutes de sua proposta o autor aborda diversos fatores que
envolvem esse contexto Conceitos a se considerar em qualquer lugar em que o
educador musical possa estar atuando assim como os de Kraemer (2000) seja em
sala de aula anos iniciais e finais ou em um coro um grupo instrumental ou banda
escolar ou marcial com crianccedilas jovens ou adultos Onde haacute pessoas que de
alguma forma estatildeo se relacionando com muacutesica essas concepccedilotildees podem ser
utilizadas
O Desenvolvimento Musical de Crianccedilas e Adolescentes
O estudante ao se identificar com o que estaacute sendo proposto nas atividades
de ensino e aprendizagem no caso de atividades instrumentais em que o estudante
eacute considerado como um propositor e natildeo apenas plateia sentir-se-aacute responsaacutevel
pelas atividades e pelo sucesso das mesmas O estudante se sente valorizado o
que aumenta sua autoestima colabora para seu desenvolvimento pessoal no
sentido intelectual resultando familiarizaccedilatildeo e encantamento com o fazer musical
Nesse sentido Swanwick (2003) discorre sobre a importacircncia de ldquoconsiderar
o discurso musical dos alunosrdquo A partir daiacute o discurso ldquoconversaccedilatildeo musical natildeo
pode ser nunca um monoacutelogo Cada estudante traz consigo um domiacutenio de
compreensatildeo musical quando chega a nossas instituiccedilotildees educacionaisrdquo
(SWANWICK 2003 p 66)
Considerando a muacutesica como discurso ldquoprocederemos baseados na ideia de
que ela pode fazer uma diferenccedila na maneira como vivemos e como podemos
refletir sobre nossa vidardquo (SWANWICK 2003 p 78) Despertar no estudante o
encantamento com o fazer musical oportunizando a compreensatildeo dos aspectos
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musicais Swanwick (2003) explica que as ldquoteacutecnicas e manuseio de materiais
sonoros satildeo importantes mas sabemos que eles natildeo satildeo a soma total da
compreensatildeo musicalrdquo (p 67) Mesmo em grupos musicais que tecircm por base as
atividades instrumentais de aprendizagem de instrumento e praacutetica de conjunto
existem diversas possibilidades para alcanccedilar os objetivos musicais propostos
sensibilizando para a aprendizagem musical
Conforme Wolffenbuumlttel (2014) as atividades extracurriculares servem como
ldquoperspectiva de ampliaccedilatildeo das possibilidades das escolas Estudos realizados em
diferentes paiacuteses sugerem que as atividades extracurriculares satildeo capazes de
contribuir para o desenvolvimento dos alunosrdquo (p 56)
Em relaccedilatildeo agraves possibilidades musicais para desenvolver a compreensatildeo
musical Swanwick (2003) aponta a importacircncia de os estudantes terem ldquoa
oportunidade de produzir e responder agrave muacutesica em todas as camadas do discurso
musical qualquer que seja a atividaderdquo (SWANWICK 2003 p 97) As atividades
musicais em grupos instrumentais contemplam o que os PCNs sugerem para as
atividades musicais no que se refere agrave ldquoCriaccedilatildeo a partir do aprendizado de
instrumentos do canto de materiais sonoros diversos e da utilizaccedilatildeo do corpo como
instrumento procurando o domiacutenio de conteuacutedos da linguagem musicalrdquo (BRASIL
1998 p 83)
Resultados e Anaacutelise dos Dados
A partir da anaacutelise dos dados resultaram quatro categorias Os Entrevistados
A Importacircncia da Participaccedilatildeo dos Estudantes nas Atividades do Grupo
Instrumental Influecircncias de Participar em um Grupo Instrumental para a vida dos
Estudantes Participantes e Familiares Envolvidos Expectativas em Relaccedilatildeo agraves
Atividades Instrumentais
Os Entrevistados
Foram entrevistadas cinco pessoas dois estudantes a matildee de um dos
estudantes uma professora e a diretora da escola
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Um dos estudantes do grupo instrumental o Estudante J participa das
atividades musicais extracurriculares desde abril de 2013 ele iniciou com aulas de
flauta doce e apoacutes a criaccedilatildeo do grupo instrumental teve a oportunidade de
experimentar e manusear outros instrumentos musicais iniciando seus estudos no
saxofone alto o qual toca no grupo ateacute os dias de hoje Seu pai e seu avocirc tambeacutem
tocam instrumentos musicais sendo que desde crianccedila o Estudante J disse
conviver com essas audiccedilotildees tendo aprendido muacutesica e em especial as noccedilotildees de
ritmo atraveacutes do ensinamento de seus familiares (C E 2015 p 11) O Estudante J
salientou que gosta muito de escutar muacutesica sertaneja muacutesica gauacutecha e vaacuterios
outros gecircneros musicais (C E 2015 p 12)
O Estudante W que tem 18 anos de idade participa das atividades do grupo
instrumental desde junho de 2014 tendo comeccedilado a tocar o instrumento musical
metalofone apoacutes a flauta doce este estudante iniciou seus estudos no saxofone alto
desde o iniacutecio de 2015 O Estudante W continuou no grupo instrumental mesmo
apoacutes sua saiacuteda da escola devido ao teacutermino de seus estudos no Ensino
Fundamental Este estudante explicou que nunca foi reprovado mas devido a
problemas familiares parou de estudar por um determinado tempo Diferentemente
do Estudante J o Estudante W natildeo tem familiares com conhecimentos musicais
sendo o primeiro a ter contato com a muacutesica na escola (C E 2015 p 7) O
Estudante W explicou que costuma escutar muacutesica em casa todos os dias
raramente assiste agrave televisatildeo e gosta muito de ouvir muacutesica sertaneja (C E 2015
p 9) Ele relatou que quase todo o dia pratica estudos no saxofone alto ou tem
contato com o instrumento mesmo que seja somente para fazer os procedimentos
de limpeza (C E 2015 p 8)
Eacute possiacutevel apoacutes caracterizar os estudantes organizar e categorizar suas
falas apontar aspectos relativos aos seus gostos e preferecircncias musicais Nesse
sentido Swanwick (2003) postula a necessidade dessa praacutetica de ldquoconsiderar o
discurso musical dos alunosrdquo (p 66) pois estes ao se apresentarem trazem suas
identidades musicais E nesse sentido considerar o discurso musical nos ensaios
do grupo instrumental foi um dos importantes procedimentos realizados
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Em relaccedilatildeo agrave famiacutelia foi entrevistada a matildee do Estudante J o qual eacute
participante do grupo instrumental desde 2013 tambeacutem entrevistado nessa
pesquisa
Representando os professores de sala de aula dos estudantes participantes
do grupo instrumental foi entrevistada a professora do componente curricular de
matemaacutetica Ela leciona para as turmas do 5ordm ao 9ordm ano fazendo parte do processo
de ensino e aprendizagem de estudantes de diferentes faixas etaacuterias que satildeo
participantes do grupo
Por fim da equipe diretiva da escola foi entrevistada a diretora a qual ocupa
este cargo de gestatildeo desde abril de 2014 Anteriormente era vice-diretora da
escola
A Importacircncia da Participaccedilatildeo de Estudantes nas Atividades do Grupo Instrumental
A partir da realizaccedilatildeo desta pesquisa constatou-se a importacircncia que o grupo
instrumental tem na vida de todos os envolvidos com este tipo de trabalho Quer
sejam os estudantes que participam do grupo quer sejam as famiacutelias ndash nesta
pesquisa caracterizadas pela entrevista com uma matildee ndash quer sejam os professores
que trabalham com esses estudantes que estatildeo participando do grupo e com
certeza a equipe diretiva caracterizada pela diretora todos percebem esta
importacircncia Cada um do seu modo demonstrou a intensidade da importacircncia desta
participaccedilatildeo
Os estudantes percebem que ao participarem do grupo instrumental aleacutem de
gostarem eles constatam diversos aprendizados tanto musicais quanto
extramusicais A este respeito o Estudante W relatou ldquoPercebo que para mim
ajudou bastante e eu acho que as pessoas gostam do que a gente faz bem dizer
assimrdquo (C E 2015 p 7)
Em outro momento da entrevista o Estudante W explicou sobre sua
socializaccedilatildeo no grupo e em relaccedilatildeo ao rendimento escolar De acordo com seu
depoimento ldquoAcho bom fiz vaacuterias amizades tambeacutem e gosto das apresentaccedilotildees
Sinto-me bem agrave vontade E melhorei meu rendimento bastante e a aprendizagemrdquo
(C E 2015 p 7)
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Quanto agrave oportunidade que lhe foi dada em relaccedilatildeo agrave muacutesica de participar do
grupo musical o Estudante W salientou este aspecto explicando ldquoSempre gostei de
muacutesica e nunca tinha tido a oportunidade de entrar e acabei gostando muitordquo (C E
2015 p 7)
O Estudante J outro entrevistado nesta pesquisa a respeito de seu apreccedilo
pelas aulas de instrumento explicou ldquoEu gosto muito das aulas eacute bom estar aqui
[na escola] estudando muacutesica e aprendendo outros instrumentos novos isso eacute bem
legalrdquo (C E 2015 p 11)
A matildee do Estudante J explicou sobre como percebe a participaccedilatildeo de seu
filho bem como sobre o que esta participaccedilatildeo resulta na famiacutelia modificando-a
inclusive
Ele gosta muito chega a hora de vir natildeo interessa se estaacute chovendo ou se natildeo estaacute ele [seu filho] se arruma e vem [agrave escola] de qualquer jeito Ele gosta muito isso foi uma coisa que vocecircs [da escola] fizeram que foi oacutetimo neacute [] Porque ele fica faceiro chega na hora ele guarda aquele instrumento com muito carinho muito bem guardado Ele gosta muito mesmo (C E 2015 p 3)
A professora dos estudantes que participam do grupo instrumental tambeacutem
observou o reflexo desta participaccedilatildeo no seu trabalho pedagoacutegico no cotidiano da
escola Para a professora ldquoAquele comprometimento que eles tecircm com o horaacuterio da
muacutesica de aprender e tudo mais causa neles um compromisso com o resto das
disciplinas em sala de aula tambeacutemrdquo (C E 2015 p 16) A diretora da escola
tambeacutem contribuiu com a anaacutelise fornecendo importantes dados sobre a participaccedilatildeo
dos estudantes da escola no grupo instrumental De acordo com a diretora
A participaccedilatildeo dos estudantes no grupo para mim eacute acima de tudo muita emoccedilatildeo porque eu sempre acreditei no projeto tentei da melhor maneira possiacutevel focar e conseguir mecanismos para que ele pudesse existir E eu vejo que estar no grupo eacute um grande investimento para essas crianccedilas e adolescentes na construccedilatildeo integral da sua personalidade da sua maneira de pensar e de ver o mundo (C E 2015 p 14)
A diretora ainda acrescentou um comentaacuterio sobre a repercussatildeo do grupo
instrumental na comunidade ressaltando a importacircncia desse fator ao explicar
O grupo instrumental traz a questatildeo da comunidade pois natildeo ficou apenas na escola Ele foi para a comunidade local no bairro ele foi para o centro da cidade as pessoas conhecem o grupo as pessoas convidam para participar de eventos Entatildeo eu acho que para a professora de muacutesica eacute
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profissionalismo para mim eacute emoccedilatildeo e para eles eu acho que eacute um trabalho de autoestima de grande valor porque satildeo crianccedilas de uma localidade rural que nunca se imaginaria de seguir um caminho de estrada de chatildeo com um saxofone (C E 2015 p 15)
As atividades musicais existentes no grupo instrumental da escola repercutem
junto agrave comunidade escolar no seu entorno demais regiotildees do municiacutepio e fora
dele E essa repercussatildeo eacute devida ao incentivo por parte da escola aos estudos
musicais dos estudantes do grupo instrumental e aos demais estudantes da escola e
de fora da escola Isso ocorre no caso do Estudante W que jaacute concluiu seus
estudos mas permanece na escola o que incentiva os demais estudantes a
optarem pela muacutesica como profissatildeo
Observou-se uma concordacircncia entre os entrevistados quando enfatizaram a
extrema importacircncia de os estudantes participarem do grupo instrumental (C E
2015) principalmente no que diz respeito agraves funccedilotildees da muacutesica Esta anaacutelise remete
a Kraemer (2000) considerando-se as funccedilotildees da muacutesica Do mesmo modo os
aspectos socioloacutegicos e psicoloacutegicos apresentaram-se relevantes para esta anaacutelise
O relacionamento entre as pessoas desenvolvido atraveacutes das atividades musicais
no grupo instrumental apresentou-se fortemente Kraemer (2000) ao analisar as
relaccedilotildees entre as pessoas e a importacircncia que a muacutesica pode ter em suas vidas
explica que a pedagogia da muacutesica ocupa-se com ldquoas relaccedilotildees entre a(s) pessoa(s)
e a(s) muacutesica(s) sob os aspectos de apropriaccedilatildeo e de transmissatildeordquo (KRAEMER
2000 p 51) Isto foi encontrado nesse grupo bem como nas falas dos
entrevistados
Nesse sentido a partir das entrevistas realizadas que oportunizaram analisar
e correlacionar os conteuacutedos das falas ao referencial teoacuterico principalmente neste
caso como aponta Kraemer (2000) observa-se a importacircncia da muacutesica para as
pessoas bem como a potecircncia de estar em um grupo instrumental em espaccedilos
escolares
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Influecircncias de Participar de um Grupo Instrumental para a Vida dos Estudantes
Participantes e Familiares Envolvidos
Atraveacutes das entrevistas com os estudantes J e W observou-se a influecircncia
que a muacutesica exerce em suas vidas desde a entrada no grupo instrumental Neste
sentido o Estudante W explicou ldquoMinha famiacutelia apoia bastante eles gostam Em
casa eles pedem para tocar agraves vezes A voacute adora e apoia bastante sempre me
perguntando se eu tirei muacutesica nova alguma coisardquo (C E 2015 p 8)
Aleacutem disso ao comentar sobre o impacto em sua vida o Estudante W
explicou ldquoMelhorou bastante minha vida musical e familiar com isso eu me sinto
muito melhorrdquo (C E 2015 p 9) O Estudante W foi convidado a entrar no grupo
instrumental poreacutem natildeo tinha grandes expectativas musicais E foi se envolvendo
com o fazer musical despertando o interesse de aprender diversos instrumentos
musicais O Estudante W levou esse encantamento para seus familiares seus
ensaios musicais promovem satisfaccedilatildeo em sua famiacutelia promovendo uniatildeo e
interaccedilatildeo dos mesmos durante esse processo
O Estudante J externou em sua fala que ao entrar no grupo ocorreram
muitas mudanccedilas em seu modo de ser Em seu depoimento ele destacou
mudanccedilas quanto ao comprometimento e agrave pontualidade Ele observa que consegue
cumprir o que eacute solicitado pela professora estaacute estudando mais Assim ldquome ajudou
bastante ateacute na aula normal estou mais comportado fazendo todos os trabalhos
melhorrdquo (C E 2015 p 12)
Em relaccedilatildeo agrave famiacutelia a matildee do Estudante J enfatizou a grande socializaccedilatildeo e
o clima de harmonia que a famiacutelia experienciou por meio do contato de seu filho com
o instrumento musical em casa (C E 2015)
Observa-se nos depoimentos a funccedilatildeo da muacutesica no campo socioloacutegico que
vai ao encontro do que Kraemer (2000) acredita jaacute que ldquoconsidera o manuseio com
a muacutesica como um processo socialrdquo e analisa o ldquocomportamento do homem
relacionado com a muacutesica em direccedilatildeo agraves influecircncias sociais institucionais e gruposrdquo
(p 57) Eacute possiacutevel atraveacutes dos dados coletados observar a influecircncia social e
comportamental que a muacutesica exerce entre os agentes envolvidos seja no acircmbito
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familiar ou no processo de desenvolvimento intelectual dos estudantes participantes
do grupo
Nas falas da escola caracterizadas pela entrevista com a diretora e com a
professora foi possiacutevel verificar que ambas tambeacutem trataram da influecircncia que
resulta da participaccedilatildeo no grupo instrumental A professora explicou suas
observaccedilotildees quanto aos estudantes participantes do grupo instrumental feitas na
sua aula Ela leciona haacute muitos anos na escola e por isso tem um grande
conhecimento dos estudantes os tem acompanhado antes mesmo de ingressarem
no grupo instrumental Ao conhecer os estudantes ela pode analisar mais
amplamente De acordo com a professora
A gente nota uma diferenccedila bastante elevada neles Que eles se concentram mais em sala de aula e isso ajuda para o futuro deles e isso eacute muito bom Pois a gente sabe que tudo na vida precisa de concentraccedilatildeo precisa de carinho para fazer as coisas precisa de dedicaccedilatildeo E isso eu vejo enquanto eles aprendem muacutesica Eacute claro que isso reflete em sala de aula tambeacutem (C E 2015 p 17)
Foi possiacutevel constatar ao analisar a entrevista da professora no que se
relaciona agrave psicologia da muacutesica o que Kraemer (2000) explica sobre as
ldquosemelhanccedilas e diferenccedilas observaacuteveis de comportamento e da vivecircncia musicalrdquo (p
55) Assim pode-se analisar as funccedilotildees da educaccedilatildeo musical que envolvem ldquotarefas
da pedagogia da muacutesica [que] devem ser definidas juntamente com a aquisiccedilatildeo de
conhecimento compreender e interpretar descrever e esclarecer conscientizar e
transformarrdquo (KRAEMER 2000 p 66)
Os dados obtidos nas entrevistas no que diz respeito agrave participaccedilatildeo dos
estudantes no grupo instrumental tambeacutem remetem agrave importacircncia da oferta de
atividades no turno inverso escolar Nesse sentido Wolffenbuumlttel (2014) explica que
as atividades extracurriculares tecircm uma perspectiva de ampliaccedilatildeo das possibilidades
das escolas Segundo a autora as ldquoatividades extracurriculares satildeo capazes de
contribuir para o desenvolvimento dos alunosrdquo (p 56)
Expectativas em Relaccedilatildeo agraves Atividades Instrumentais
Ao longo das entrevistas os estudantes participantes do grupo instrumental
externaram suas expectativas musicais em relaccedilatildeo a esta participaccedilatildeo O Estudante
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W foi aleacutem acrescentando sua expectativa profissional De acordo com seu
depoimento ldquoEu pretendo evoluir de repente fazer uma faculdade de muacutesica que
me interessa bastante esse caminhordquo (C E 2015 p 8)
O Estudante J em sua entrevista afirmou sobre as expectativas em relaccedilatildeo agrave
participaccedilatildeo no grupo pretendendo aperfeiccediloar-se para uma melhor representaccedilatildeo
de sua escola De acordo com ele esta participaccedilatildeo se daacute no sentido de ldquofazer o
que tem que fazer natildeo deixar de ensaiar em casa e fazer o melhor Espero que
cada vez melhore para representar melhor a escola e aprender tambeacutemrdquo (C E
2015 p 12) Em suas expectativas profissionais apontou a vontade de seguir
profissionalmente na muacutesica Para ele ldquoAh se surgir alguma oportunidade eu quero
fazer uma faculdade de muacutesica neacute Quero me formarrdquo (C E 2015 p 12) Nesta
fala externada pelo Estudante J observa-se o que os PCNs sugerem em relaccedilatildeo a
um dos objetivos gerais para a muacutesica na escola qual seja adquirir ldquoconhecimento
sobre profissotildees e profissionais da aacuterea musical considerando diferentes aacutereas de
atuaccedilatildeo e caracteriacutesticas do trabalhordquo (BRASIL 1998 p 82)
A participaccedilatildeo dos estudantes no grupo instrumental eacute de suma importacircncia
o que se evidenciou em suas falas em relaccedilatildeo agraves expectativas profissionais
remetendo agraves funccedilotildees da muacutesica e da educaccedilatildeo musical nos acircmbitos psicoloacutegico e
social estando em sintonia com as anaacutelises de Kraemer (2000) apresentadas
anteriormente
Observou-se que todos os entrevistados tecircm expectativas musicais
estudantes que inclusive mencionaram pretender seguir nas atividades musicais
como profissatildeo demonstrando encantamento com o fazer musical e indicando
pretensotildees profissionais A diretora por sua vez mencionou em sua fala esperar
que o grupo instrumental cada vez se estruture mais para assim atender mais
estudantes Ela se preocupa portanto em atender agraves demandas escolares e da
comunidade
Salienta-se que todo esse envolvimento teve como ponto de partida uma
atividade extracurricular (WOLFFENBUumlTTEL 2014) E o bom desempenho do grupo
eacute advindo de vaacuterios esforccedilos sendo que a muacutesica e seu ensino atraveacutes da
educaccedilatildeo musical estaacute desempenhando suas funccedilotildees na vida dos estudantes e dos
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familiares (KRAEMER 2000) Observou-se tambeacutem a valorizaccedilatildeo dos estudantes
participantes como sujeitos propositores no trabalho pedagoacutegico-musical
(SWANWICK 2003) resultando no encantamento do fazer musical colaborando
para o desenvolvimento integral dos sujeitos envolvidos considerando-se as
atividades musicais do grupo instrumental
Consideraccedilotildees Finais
Apoacutes a realizaccedilatildeo desta pesquisa foi possiacutevel responder aos
questionamentos apresentados na introduccedilatildeo deste artigo e que nortearam esta
investigaccedilatildeo quais sejam Qual o significado da participaccedilatildeo dos estudantes em um
grupo instrumental Quais as expectativas dos estudantes que participam destes
grupos Qual a influecircncia da muacutesica para estes participantes Quais as expectativas
de estudantes familiares e comunidade escolar em relaccedilatildeo ao grupo Como ocorre
o envolvimento dos familiares dos estudantes
Quanto ao significado da participaccedilatildeo dos estudantes no grupo instrumental
observou-se que a mesma reflete diversos aspectos positivos nas vidas de todos os
envolvidos o que segundo os estudantes do grupo instrumental possui vaacuterios
significados e representaccedilotildees em seus cotidianos Para eles significa ter melhoria
no comportamento na socializaccedilatildeo no processo de ensino e aprendizagem no
comprometimento na pontualidade na concentraccedilatildeo e no conviacutevio familiar
Agregam o significado de ldquofelicidaderdquo na convivecircncia que o grupo instrumental
proporciona e ainda destacam a importacircncia de representar a escola e a
abrangecircncia desta participaccedilatildeo junto agrave comunidade Todos os entrevistados
relacionaram significados com a importacircncia de o grupo existir na escola
apontando-o como desencadeador desses diversos contextos significativos para
eles
As expectativas dos participantes deste grupo foram tambeacutem
questionamentos desta pesquisa Constatou-se que os estudantes possuem
expectativas profissionais em relaccedilatildeo agrave muacutesica quando acrescentaram o interesse
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em continuar seus estudos musicais para culminar com o ingresso em um curso
superior em muacutesica
Outro questionamento foi a influecircncia da muacutesica para os participantes deste
grupo De acordo com os dados coletados e analisados observa-se que o grupo
instrumental influencia de forma positiva suas vidas visto que foram observadas
mudanccedilas positivas pela matildee pela professora e pela diretora aleacutem dos estudantes
principalmente nas suas condutas e atuaccedilotildees no acircmbito familiar e escolar
resultando em melhorias nas relaccedilotildees sociais e no ensino e aprendizagem
As expectativas dos estudantes familiares e comunidade escolar quanto ao
grupo instrumental foi um dos questionamentos que oportunizou inuacutemeros
aprendizados no que diz respeito agrave pesquisa Observou-se que todos os
entrevistados esperam que o grupo se estruture cada vez mais para que os
benefiacutecios de participar de um grupo instrumental sejam ampliados para mais
estudantes ressaltando expectativas em relaccedilatildeo agrave evoluccedilatildeo como instrumentistas
para continuar contribuindo na qualidade e no crescimento do grupo
Por fim o envolvimento dos familiares dos participantes deste grupo foi um
questionamento que se apresentou de forma bastante marcante nesta pesquisa De
acordo com as entrevistas pocircde-se compreender o envolvimento significativo da
famiacutelia no processo de desenvolvimento musical do estudante identificou-se que a
famiacutelia participa da rotina de estudos e que proporciona momentos de integraccedilatildeo
nos ensaios de repertoacuterio dos estudantes com os demais familiares Isso
desencadeia reflexotildees sobre a importacircncia de seu filho ter contato com um
instrumento musical e de conviver em um grupo instrumental motivando-o para a
permanecircncia no mesmo
Alguns fatos surpreenderam no decorrer desta pesquisa como momentos de
emoccedilatildeo na entrevista com a diretora na fala fervorosa da matildee do Estudante J em
relaccedilatildeo agrave rotina de ensaios musicais do filho e a integraccedilatildeo familiar que promove As
entrevistadas ao responderem aos questionamentos da entrevista emocionaram-se
muito demonstrando a forte relaccedilatildeo advinda da existecircncia do grupo instrumental na
escola
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Deve-se salientar tambeacutem que a pesquisa possibilitou a reflexatildeo sobre os
fazeres pedagoacutegico-musicais da professora de muacutesica atuante na escola a qual
coordena o grupo instrumental investigado Foi possiacutevel neste processo
investigativo constatar a dimensatildeo e a importacircncia desse trabalho na vida dos
estudantes identificando atraveacutes dos depoimentos analisados a responsabilidade
que os profissionais da aacuterea da educaccedilatildeo musical tecircm Eacute importante portanto que
sempre se esteja atento agraves atitudes procedimentos e metodologias utilizados pois
somos importantes neste processo para aleacutem do encantamento do fazer musical
para uma aprendizagem que contribua com a formaccedilatildeo de um ser humano integral
Ao longo da pesquisa outros dados relevantes foram coletados apontando
futuras investigaccedilotildees Desse modo resultaram novos questionamentos como O
que levou outros estudantes a desistirem de participar do grupo instrumental ao
longo de sua trajetoacuteria Qual a importacircncia de os estudantes que participam de um
grupo instrumental terem a oportunidade de manusear diversos instrumentos
musicais
Ao finalizar a investigaccedilatildeo prospecta-se que a mesma possa contribuir para a
construccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para a educaccedilatildeo musical no contexto escolar
Entende-se tambeacutem que este trabalho possa contribuir com a implementaccedilatildeo da
legislaccedilatildeo que dispotildee sobre a inserccedilatildeo da muacutesica nas escolas brasileiras e assim
somar de maneira significativa na vida dos estudantes participantes como no caso
do grupo instrumental pesquisado
Referecircncias BASTIAtildeO Zuraida Abud Praacutetica de conjunto instrumental na educaccedilatildeo baacutesica Muacutesica na Educaccedilatildeo Baacutesica Londrina v4 n4 p 58-69 novembro de 2012
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BRASIL Lei nordm 11769 de 16 de agosto de 2008 Altera a Lei ndeg 9394 de 20 dezembro de 1990 para dispor sobre a obrigatoriedade do ensino de muacutesica na educaccedilatildeo baacutesica Brasiacutelia 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03LEISL9394htmgt Acesso em 15 set 2015 JOLY Maria Carolina Leme JOLY Ilza Zenker Leme Praacuteticas musicais coletivas um olhar para a convivecircncia em uma orquestra comunitaacuteria Revista da ABEM Londrina v19 n26 p 79-91 jul Dez 2011 KRAEMER Rudolf Dimensotildees e funccedilotildees do conhecimento pedagoacutegico musical Em Pauta Porto Alegre v11 n 1617 p 50-73 abrnov 2000 LAVILLE Christian DIONNE Jean A construccedilatildeo do Saber manual de metodologia da pesquisa em ciecircncias humanas Porto Alegre Artmed 1999 MARTINS Heloiacutesa Helena Tde Souza Metodologia qualitativa de pesquisa Educaccedilatildeo e Pesquisa Satildeo Paulo V 30 n2 p 289-300 maioago 2004 Disponiacutevel em lt httpwwwscielobrpdfepv30n2v30n2a07pdfgt Acesso em 25 ago 2015 MORAES Roque Anaacutelise de conteuacutedo Revista Educaccedilatildeo Porto Alegre v 22 n 37 p 7-32 1999 SWANWICK Keith Ensinando muacutesica musicalmente Satildeo Paulo Moderna 2003 VENTURA Magda Maria O estudo de caso como modalidade de pesquisa Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro v 20 n 5 p 383-386 setout 2007 Disponiacutevel em lthttpsociedadescardiolbrsocerjrevista2007_05a2007_v20_n05_art10pdfgt Acesso em 15 ago 2015 WOLFFENBUumlTTEL Cristina Rolim A inserccedilatildeo da muacutesica nos projetos poliacutetico-pedagoacutegicos da educaccedilatildeo baacutesica 1ordf ed Curitiba Editora Prismas 2014 YIN Robert K Estudo de caso planejamento e meacutetodos 2ordf ed Porto Alegre Bookman 2001
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SILVEIRA Izabel Cristina da Teatro para quem A arte de teatrar para todos Revista da Fundarte
Montenegro ano 16 n 32 p 142-162 juldez 2016 Disponiacutevel em
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TEATRO PARA QUEM A ARTE DE TEATRAR PARA TODOS Um estudo
sobre acessibilidade cultural em espetaacuteculos teatrais no RS
Izabel Cristina da Silveira1
Fundaccedilatildeo de Arte e Cultura de Gravataiacute - FUNDARC
Resumo Este trabalho busca investigar analisar e viabilizar diaacutelogos reflexotildees e percepccedilotildees em torno do tema da acessibilidade cultural sob a oacuteptica do contexto teatral no estado do Rio Grande do Sul com um recorte pontual no municiacutepio de Porto Alegre capital do estado a fim de promover a inclusatildeo social da pessoa com deficiecircncia no acircmbito cultural Para tanto servem como suporte para anaacutelise registros pesquisa e observaccedilotildees de seis grupos de teatro do municiacutepio supracitado e suas relaccedilotildees com o assunto em pauta aleacutem de discussotildees das noccedilotildees de deficiecircncia acessibilidade e Legislaccedilatildeo vigente Palavras-chave Acessibilidade teatro inclusatildeo Abstract This work aims to investigate analyze and facilitate dialogues reflections and insights on the theme of cultural accessibility from the perspective of the theatrical context in the state of Rio Grande do Sul with a point cut in the city of Porto Alegre the state capital to promote social inclusion of persons with disabilities in the cultural sphere To serve both as support for analysis records research and observations six theater groups of the aforementioned municipality and its relations with the subject at hand in addition to discussing the shortcomings notions of accessibility and current legislation Keywords Accessibility theater inclusion
Introduccedilatildeo
[] temos o direito a ser iguais quando a nossa diferenccedila nos inferioriza e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza Daiacute a necessidade de uma igualdade que reconheccedila as diferenccedilas e de uma diferenccedila que natildeo produza alimente ou reproduza as desigualdades (Boaventura de Souza Santos 2003 p56)
A pauta da acessibilidade nos meios de comunicaccedilatildeo e equipamentos
culturais tem se configurado como um importante tema de discussatildeo e luta entre
grupos e sociedade em decorrecircncia dos direitos da pessoa com deficiecircncia Os
esforccedilos neste sentido visam natildeo apenas proporcionar o acesso a produtos
culturais a uma parcela da populaccedilatildeo que se encontra excluiacuteda como tambeacutem
estabelecer um novo patamar de igualdade baseado na valorizaccedilatildeo da diversidade
1 Coordenadora do Departamento de Artes Cecircnicas da Fundarc em Gravataiacute Diretora e professora de teatro na
Cia Teatral Tem Gente no Palco Poacutes Graduada em Acessibilidade Cultural pela UFRJ Graduada em
Licenciatura em Teatro pela UFRGS
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Ao longo dos anos essas reivindicaccedilotildees tecircm provocado diversas mudanccedilas
no comportamento social que passa a identificar a pessoa com deficiecircncia como um
sujeito pertencente agrave sociedade que possui representatividade cidadatilde e econocircmica
Esse reconhecimento gera a necessidade de mudanccedilas e adaptaccedilotildees tambeacutem nas
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas
Sendo assim o presente artigo busca trazer agrave tona tais questionamentos e
fomentar a discussatildeo do assunto problematizando e dialogando a fim de colaborar
efetivamente para a pauta da acessibilidade para todos e buscar alternativas
possiacuteveis para acessibilizar espetaacuteculos teatrais em suas apresentaccedilotildees
Para tanto realizou-se estudo praacutetico-teoacuterico junto a grupos teatrais do estado
do Rio Grande do Sul atuantes na capital Porto Alegre Optou-se por um recorte
pontual no maior centro urbano e cultural do estado com cenaacuterio teatral fortemente
constituiacutedo e onde se localiza o Curso de Graduaccedilatildeo em Teatro em uma das mais
conceituadas Universidades do Brasil ndash a Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS)
Levando-se em conta o grande nuacutemero de grupos teatrais existentes em
Porto Alegre e a impossibilidade de uma pesquisa que abranja todas as demandas
a metodologia deste trabalho teve como base uma amostragem de dados com
pesquisa e acompanhamento de 06 (seis) grupos teatrais profissionais com
empresa constituiacuteda e atuaccedilatildeo no mercado artiacutestico haacute mais de 05 (cinco) anos A
escolha se deu por conhecimento dos grupos e do trabalho que desenvolvem
levando-se em conta tambeacutem a disponibilidade dos mesmos e o contato que
possuem ou natildeo com o tema Para tanto foram selecionados entre os 06 (seis)
grupos pesquisados 02 (dois) que jaacute desenvolvem ou desenvolveram trabalhos em
acessibilidade cultural e outros 04 (quatro) que natildeo tecircm contato direto
A pesquisa caracteriza-se por seu caraacuteter qualitativo e quantitativo visando
compreender e interpretar este grupo determinado comportamento opiniotildees e
expectativas destes indiviacuteduos criando uma base de conhecimentos para depois
quantificaacute-los a partir de entrevista estruturada Este trabalho natildeo tem como intuito
apontar procedimentos certos ou errados mas levantar a problematizaratildeo da
acessibilidade no meio teatral tanto fiacutesico quanto de concepccedilatildeo instigando a
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comunidade artiacutestica e demais a refletir e perceber a necessidade de uma cultura
acessiacutevel a todos propondo ideias e atitudes que de fato promovam a inclusatildeo
social
Com um vieacutes de poliacutetica cultural o estudo levanta dados referentes agraves
poliacuteticas puacuteblicas que estatildeo sendo desenvolvidas no acircmbito da acessibilidade
cultural tendo como base a Lei Federal de Incentivo agrave Cultura (Lei Rouanet) a Lei
de Incentivo agrave Cultura do Estado do Rio Grande do Sul (LIC) e o Fundo Municipal de
Apoio agrave Produccedilatildeo Artiacutestica e Cultural do municiacutepio de Porto Alegre (Fumproarte)
procurando transitar pelas trecircs instacircncias governamentais de fomento agrave cultura no
Brasil
Para melhor fundamentaccedilatildeo alguns referenciais teoacutericos satildeo utilizados e
discutidos ao longo deste trabalho como embasamento para discussotildees acerca da
deficiecircncia e seu processo de inclusatildeo do teatro sob vieacutes acessiacutevel e da legislaccedilatildeo
vigente referente ao tema Em um segundo momento satildeo pontuados assuntos
referentes agrave acessibilidade cultural em espetaacuteculos teatrais tendo como objeto de
estudo os grupos de teatro referidos a partir de entrevistas e aplicaccedilatildeo de
questionaacuterio com perguntas objetivas e abertas sobre a temaacutetica com amostra
teacutecnica dos resultados e anaacutelise discursiva sobre os dados coletados
Entre seus objetivos especiacuteficos alguns jaacute mencionados no corpo deste texto
que serviram de norteadores para o desenvolvimento deste trabalho estatildeo traccedilar
um panoramadiagnoacutestico da inclusatildeo social e cultural da pessoa com deficiecircncia a
partir do enfoque do teatro e seus espetaacuteculos qualificar accedilotildees desenvolvidas ao
encontro das demandas de acessibilidade discutir poliacuteticas puacuteblicas e culturais a
partir da interface com mecanismos de incentivo agrave cultura como Leis e Editais
analisar as dificuldades encontradas pelos grupos pesquisados no processo de
inclusatildeo relacionar o teatro e seu caraacuteter contestador e democraacutetico com a luta por
direitos das pessoas com deficiecircncia ampliar o diaacutelogo e reconhecimento da
importacircncia da igualdade baseada na valorizaccedilatildeo da diversidade
Todos esses objetivos e questionamentos vecircm ao encontro do propoacutesito
maior desta pesquisa que se fundamenta em viabilizar a discussatildeo reflexatildeo e
percepccedilatildeo em torno da acessibilidade cultural dentro do contexto teatral no estado
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do Rio Grande do Sul promovendo assim a inclusatildeo social da pessoa com
deficiecircncia
Contextualizaccedilatildeo histoacuterica social e legal
O teatro surge antes mesmo da Greacutecia Antiga Acredita-se que jaacute na Preacute-
Histoacuteria o Homem para se comunicar representavaencenava suas accedilotildees
principalmente as caccediladas para seus familiares e amigos Era uma maneira luacutedica e
de faacutecil compreensatildeo de contar e preservar sua histoacuteria Natildeo se tinha ainda o
espetaacuteculo teatral que de fato tem sua origem na Civilizaccedilatildeo Grega mas as
primeiras manifestaccedilotildees artiacutesticas comeccedilam a surgir e mais importante que isso o
ato de se comunicar
O espetaacuteculo teatral precisa ser entendido sentido internalizado para
somente entatildeo desempenhar seu papel significador de instrumento social e cultural
Para tanto o seu ato de comunicar deve ser abrangente natildeo seletivo ou excludente
Como arte democraacutetica que eacute deve ou deveria ser para todos
Todos Como Claudia Werneck ndash jornalista escritora e militante em inclusatildeo
social ndash intitula em um dos seus livros ldquoQuem cabe no seu todosrdquo E ao usar a
palavra TODOS a autora convida o leitor a acompanhar suas certezas e anguacutestias
sobre as diretrizes e encaminhamentos da inclusatildeo no Brasil Claudia questiona
instiga potildee agrave prova o que se costuma entender e chamar de Todos A sociedade eacute
constituiacuteda por diferentes Todos totalmente distintos entre si que segundo
Werneck precisam ser ampliados e reconhecidos para entatildeo tornarem-se um
TODOS somente Um TODOS social humano ldquo[] defendo que o direito agrave
igualdade social soacute seraacute garantido com o reconhecimento e a legitimaccedilatildeo de TODAS
as diferenccedilasrdquo (WERNECK 2012 p 29)
A psicoacuteloga e professora Virgiacutenia Kastrup em seu artigo ldquoCegos e videntes se
encontram no museu da dicotomia agrave partilha do sensiacutevelrdquo (p3) reafirma a
importacircncia das diferenccedilas para a construccedilatildeo de uma sociedade mais inclusiva
Eacute preciso atentar para o fato que o mundo comum natildeo eacute feito de igualdades e identidades [] Para o mundo ser comum no sentido amplo e inclusivo ele deve comportar a heterogeneidade Natildeo apenas toleraacute-la mas honrar-se com as muacuteltiplas diferenccedilas que nele habitam (KASTRUP p3)
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O Brasil apresenta segundo uacuteltimo censo do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatiacutestica (IBGE) de 2010 cerca de 456 milhotildees de pessoas com deficiecircncia
239 da populaccedilatildeo que declara ter algum tipo de deficiecircncia Destas a deficiecircncia
visual aparece em maior nuacutemero (188) -- tendo a regiatildeo Sul do paiacutes com maior
abrangecircncia de casos -- seguida pela deficiecircncia fiacutesica (7) e depois auditiva (51)
e intelectual (14) segundo publicaccedilatildeo do Jornal Estadatildeo de 290620122
Com nuacutemeros tatildeo significativos natildeo se pode pensar que a inclusatildeo de
pessoas com deficiecircncia seja um assunto remoto ou longiacutenquo que a sociedade natildeo
esteja ciente e integrada a tal fato Mas o que acontece no campo da praacutetica eacute bem
diverso da teoria
Muito do que se pode constatar eacute que a falta de inclusatildeo da pessoa com
deficiecircncia se reafirma a partir de barreiras atitudinais fundamentadas em uma
cultura histoacuterico-social que construiu um estereoacutetipo de separaccedilatildeo entre pessoas
saudaacuteveis e pessoas ldquodoentesrdquo com problemas leia-se deficiecircncia Quebrar
tais barreiras se torna muito mais difiacutecil do que solucionar barreiras fiacutesicas palpaacuteveis
e concretas
Sob o vieacutes filosoacutefico-social
O homem em sua busca incessante por descobrir-se por encontrar seu lugar
no mundo anseia por elementos que o faccedilam sentir-se ldquovivordquo uacutetil sujeito ativo de
sua histoacuteria Os viacutenculos sociais natildeo fazem parte apenas da necessidade cataacutertica
do ser humano da sua busca por encontrar-se por pertencer a um lugar mas satildeo
tambeacutem laccedilos culturalmente construiacutedos O Homem quer e precisa se sentir parte
integrante da sociedade que o cerca Pessoas agrupam-se em torno de
pensamentos objetivos eou ideais em comum Encontrar semelhantes eacute a
certificaccedilatildeo de sua identidade eacute o natildeo se estar soacute Eacute protegerem-se em seus nichos
sociais de um mundo tantas vezes opressor desigual e competitivo
Diante de uma realidade calcada em valores descartaacuteveis natildeo eacute de se
admirar que atos de solidariedade sejam cada vez mais raros Sendo assim os
sup1 Fonte Agecircncia Brasil de 21082015 via site wwwebccombr
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viacutenculos humanos natildeo se constituem em laccedilos radicados em accedilotildees para o outro
mas sim em benefiacutecio proacuteprio O socioacutelogo Zygmunt Bauman sabiamente destaca
Os viacutenculos humanos satildeo confortavelmente frouxos mas por isso mesmo terrivelmente precaacuterios e eacute tatildeo difiacutecil praticar a solidariedade quanto compreender seus benefiacutecios e mais ainda suas virtudes morais (BAUMAN 2007 P30)
Para tanto ao se pensar em inclusatildeo se faz tambeacutem necessaacuterio aleacutem do
social e histoacuterico voltar o olhar para o intriacutenseco filosoacutefico O que leva as pessoas a
natildeo quererem enxergar o outro em suas especificidades e diversidades Alfredo
Bosi em seu livro Fenomenologia do Olhar nos apresenta este fenocircmeno e como
ele se manifesta ldquo[] o ato de olhar significa um dirigir a mente para um ato de
intencionalidade Eacute ter sua intenccedilatildeo voltada para o objeto de interesserdquo (BOSI
1988 p65) O olhar de cada um possui diferenccedilas e estas estatildeo ligadas agraves suas
vivecircncias o que se consegue captar e lhe eacute significativo O olhar para Bosi como
forma de expressatildeo que reconhece e percebe o outro em sua plenitude
Em um estudo mais intimista da fenomenologia da percepccedilatildeo atraveacutes dos
pensamentos do filoacutesofo e fenomenoacutelogo francecircs Maurice Merleau-Ponty (1908 -
1961) podemos constatar que haacute uma universalidade do sentir e sobre ela que
repousa nossa identificaccedilatildeo a constituiccedilatildeo do eu a generalizaccedilatildeo do corpo e a
percepccedilatildeo do outro onde para Ponty (1994 p 260) ldquotodo o saber se instala no
horizonte da percepccedilatildeordquo e reafirma que ldquose a percepccedilatildeo interpreta ela soacute o faz a
partir do mundo de forma sensiacutevelrdquo Pensar natildeo eacute somente razatildeo mas um refletir
sobre o mundo sensiacutevel A fenomenologia eacute uma atitude de reflexatildeo do fenocircmeno
que se mostra para noacutes na relaccedilatildeo que estabelecemos com os outros no mundo
Os fenocircmenos constituem o mundo como noacutes o experimentamos segundo nossas
experiecircncias e pensamentos Toda nossa relaccedilatildeo com o mundo natildeo teria razatildeo se
natildeo comeccedilasse pela percepccedilatildeo ou seja pelos sentidos Noacutes eacute que buscamos o
sentido daquilo que se mostra
No momento em que se deixa de perceber de olhar o outro e de fato
enxergaacute-lo em suas diferenccedilas e igualdades estes deixam de serem vistos como
possiacuteveis sujeitos de suas histoacuterias Sua autonomia eacute podada por assistencialismos
ou segregaccedilatildeo social A humanizaccedilatildeo dilui-se com a mesma intensidade com que o
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individualismo se enraiacuteza O Homem corre contra o tempo As relaccedilotildees passam a
adquirir um caraacuteter efecircmero e superficial e tudo se torna banal Natildeo basta mais
pertencer a uma sociedade eacute preciso ser o melhor aquele que corre na frente
ldquoCom mais frequecircncia ainda a exclusatildeo tende hoje a ser uma rua de matildeo uacutenicardquo
(BAUMAM 2007 p 75) Vivemos em ldquotempos liacutequidosrdquo
O cerceamento seja fiacutesico intelectual ou cultural se daacute de tal forma que o
indiviacuteduo perde sua autonomia transformando-se mecanicamente em apenas um
produto do meio O teatro surge neste contexto como um desses caminhos
possiacuteveis de serem trilhados como desmistificador de conceitos preestabelecidos
Quem faz essa pergunta ldquoqual eacute a sua utilidaderdquo deve estar atento a si mesmo a essa atitude que leva a negar o valor das aacutervores que natildeo datildeo frutos A aacutervore que natildeo daacute fruto ndash proverbialmente inuacutetil ndash se converte em algo essencial nas cidades sem oxigecircnio (BARBA 1991 p 145)
Quando o teatro entra em cena
Haacute uma diferenccedila fundamental entre a ciecircncia e a arte [] A ciecircncia atua diretamente sobre a realidade modificando-a Pelo contraacuterio a arte modifica os modificadores da sociedade transforma os transformadores (BOAL 1983)
A arte e sua estreita relaccedilatildeo com o homem e a sociedade a qual este
pertence torna-se um importante instrumento de discussatildeo e transformaccedilatildeo social
que natildeo pode ser esquecido nem perdido no emaranhado de modismos que
tendem a surgir Ao pensarmos a arte como elemento transformador capaz de
estabelecer diferentes relaccedilotildees de contextos e olhares somos remetidos agraves
possiacuteveis conexotildees e diaacutelogos que surgem a partir de sua experimentaccedilatildeo Sendo
assim o espectador deixa sua posiccedilatildeo de receptor passivo para ir ao encontro de
relaccedilotildees interativas que lhe permitam conceber seu proacuteprio conhecimento em
relaccedilatildeo agrave arte agrave obra ao espetaacuteculo
Amanda Tojal (2014 p15) a partir da anaacutelise dos processos de comunicaccedilatildeo
museoloacutegica que comeccedilam a se afirmar na sociedade contemporacircnea chama a
atenccedilatildeo para a forma de participaccedilatildeo do sujeito receptor ndash ldquo[] de uma condiccedilatildeo
anteriormente mais passiva como simples assimilador de uma mensagem ndash para
uma condiccedilatildeo mais dialoacutegica isto eacute a de um participante mais ativo no processo de
apreensatildeo e de ressignificaccedilatildeo do objeto cultural []rdquo
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Um equipamento cultural independentemente do segmento ndash museu galeria
teatro biblioteca ndash deve a priori comunicar Estabelecer essa via de comunicaccedilatildeo de
forma efetiva diante do heterogecircneo e oportunizar a qualquer pessoa o acesso e o
contato com a arte e suas manifestaccedilotildees A acessibilidade passa ou deveria passar
mais fortemente para aleacutem da acessibilidade fiacutesica e concreta gerando uma
reflexatildeo sobre como acessibilizar a comunicaccedilatildeo e a interaccedilatildeo A pessoa com
deficiecircncia deve ter atendido seu desejo de se sentir parte integrante do todo de
entender e reconhecer seu direito de pertencimento de ser ouvido de olhar para o
mundo de sentir se relacionar e acima de tudo de ter autonomia e liberdade
A acessibilidade natildeo eacute um favor que estaacute sendo feito eacute um direito de toda
pessoa com deficiecircncia Eacute garantir o direito maior e universal de toda e qualquer
pessoa de ir e vir de sua liberdade Conforme o Glossaacuterio de Acessibilidade
fornecido pelo Curso de Extensatildeo em EAD Acessibilidade em Ambientes Culturais
da UFRGS ndash Universidade Federal do Rio Grande do Sul o termo Acessibilidade
designa
Condiccedilatildeo para utilizaccedilatildeo com seguranccedila e autonomia total ou assistida dos espaccedilos mobiliaacuterios e equipamentos urbanos das edificaccedilotildees dos serviccedilos de transporte e dos dispositivos sistemas e meios de comunicaccedilatildeo e informaccedilatildeo por pessoa com deficiecircncia ou mobilidade reduzida
Sendo assim a acessibilidade cultural discussatildeo geral deste artigo eacute uma
das condiccedilotildees baacutesicas para que pessoas com algum tipo de deficiecircncia possam ter
acesso aos instrumentos e mecanismos de cultura usufruindo de suas
manifestaccedilotildees artiacutesticas
O teatro ensina contesta mostra sugere questiona natildeo se acomoda diante
do passivo do irremediaacutevel E como ainda pessoas ficam fora de suas salas
Como ainda muitas pessoas com deficiecircncia natildeo podem natildeo tecircm como assistir
usufruir de uma peccedila de teatro ir a um teatro consumir cultura viva Porque satildeo
diferentes O que deveria ser comum normal se torna o a mais o plus o
diferencial Ver espetaacuteculos teatrais acessiacuteveis eacute com dia e hora marcada
A arte teatral por si soacute jaacute apresenta uma gama de problemaacuteticas a serem
transpostas Natildeo eacute faacutecil fazer teatro como natildeo eacute faacutecil fazer cultura no Brasil Grupos
normalmente possuem orccedilamentos e recursos reduzidos para montagem de seus
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trabalhos a formaccedilatildeo de plateia eacute uma luta constante a valorizaccedilatildeo e entendimento
da profissionalizaccedilatildeo do artista tem sido uma conquista em pequenas doses Diante
desse quadro parece surgir quase como um ldquoincocircmodordquo a questatildeo da acessibilidade
cultural no meio teatral Proporcionar espetaacuteculos teatrais acessiacuteveis quando natildeo haacute
nem Casas de Teatro acessiacuteveis Quando as instacircncias governamentais acreditam
que os menores orccedilamentos e cortes devem comeccedilar pelas manifestaccedilotildees
artiacutesticas Com uma arbitrariedade latente tais questionamentos corroboram para a
divergecircncia selada entre praacutetica e teoria No entanto assim como nos lembra
Claudia Werneck em seu livro Ningueacutem mais vai ser bonzinho na sociedade
inclusiva ldquosomos cidadatildeos responsaacuteveis pela qualidade de vida do nosso
semelhante por mais diferente que ele seja ou nos pareccedila serrdquo
Tornar espetaacuteculos teatrais acessiacuteveis natildeo eacute uma tarefa faacutecil e comumente
realizada Eacute necessaacuterio um entendimento conhecimento de causa recursos e
profissionais disponiacuteveis para que natildeo se caia na vala comum do ldquofazer por fazerrdquo
Quando se estaacute interferindo tatildeo diretamente na vida de outras pessoas todo o
cuidado eacute pouco e um estudo detalhado de todas as possibilidades viaacuteveis faz a
diferenccedila no resultado final
Atualmente alguns recursos satildeo vistos como fundamentais para serem
aplicados quando a proposta eacute acessibilizar um espetaacuteculo teatral Audiodescriccedilatildeo
Libras (Liacutengua Brasileira de Sinais) Estenotipia (legenda em tempo real) Braile QR
Code (coacutedigo bidimensional) Caixa alta texto simples e contraste Reconhecimento
de palco Rampas de acesso
O Teatro Acessiacutevel passa pela aplicabilidade dessas tecnologias mas
principalmente e fundamentalmente pela quebra das barreiras atitudinais frente agrave
percepccedilatildeo destas questotildees A ldquoEscola de Genterdquo Organizaccedilatildeo Natildeo Governamental
fundada em 2002 por Claacuteudia Werneck no Rio de Janeiro trabalha haacute bastante
tempo o tema da inclusatildeo e tem no teatro na representaccedilatildeo teatral um grande
propagador de luta e difusor dos direitos da pessoa com deficiecircncia no Brasil Tem
como objetivo transformar poliacuteticas puacuteblicas em poliacuteticas inclusivas para que
pessoas com e sem deficiecircncia exerccedilam seus direitos humanos desde a infacircncia
Em 2003 O Grupo Teatro Acessiacutevel ldquoOs Inclusos e os Sisosrdquo da ldquoEscola de
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Genterdquo foi criado como meio de mobilizaccedilatildeo pela diversidade inclusatildeo e
acessibilidade Em 2011 a ldquoEscola de Genterdquo idealizou a campanha ldquoTeatro
Acessiacutevel Arte Prazer e Direitosrdquo e produziu o primeiro espetaacuteculo infantojuvenil
com total acessibilidade no paiacutes o musical rock Um Amigo Diferente que se
tornou o siacutembolo da Campanha Teatro Acessiacutevel Arte Prazer e Direitos
Em 2013 entrou em vigor o Projeto de Lei 61292013 de autoria dos
deputados federais Jean Wyllys Jandira Feghali Mara Gabrilli e Rosinha Adefal
que institui o dia 19 de setembro como o ldquoDia Nacional do Teatro Acessiacutevelrdquo Para os
autores do Projeto ldquoa data ajudaraacute a divulgar a cultura por meio de atividades
cecircnicas que utilizem praacuteticas de acessibilidade fiacutesica e comunicativa a pessoas com
deficiecircnciardquo3
Accedilotildees concretas sendo pensadas e realizadas para o desenvolvimento de
poliacuteticas puacuteblicas que estejam ao encontro de praacuteticas acessiacuteveis no contexto teatral
e cultural
Leis e poliacuteticas puacuteblicas
Por muito tempo as pessoas com deficiecircncia foram vistas como um problema
familiar social e cliacutenico Consideradas ldquoaberraccedilotildeesrdquo de puniccedilotildees divinas ou doentes
incapazes essas pessoas tecircm lutado por seus direitos e conquistas de cidadania
principalmente por ocuparem seu lugar de sujeitos ativos na sociedade a que
pertencem
Por ainda muito se pensar ser um problema familiar e natildeo social a sociedade
vem deixando de dar o suporte necessaacuterio agraves pessoas com deficiecircncia quando o
que se tem eacute uma ldquodiacutevida humana e socialrdquo para com as mesmas
Simplesmente fechar os olhos e fingir natildeo estar vendo tapar os ouvidos e se
isentar de qualquer responsabilidade natildeo resolve o problema Ter acesso aos
instrumentos culturais agrave cultura eacute um direito universal e constitucional de todo e
qualquer cidadatildeo ldquoA Constituiccedilatildeo Brasileira eacute inclusiva [] natildeo eacute integradora
porque natildeo admite que apenas em determinadas condiccedilotildees o exerciacutecio dos direitos
3 Disponiacutevel em ltwwwcamaralegbrgt Acesso em 03 de julho de 2014
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humanos seja observado exercido exigidordquo (WERNECK 2012 P 62) Conforme
afirmaccedilatildeo do Artigo 215 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
Art 215 O Estado garantiraacute a todos o pleno exerciacutecio dos direitos culturais e acesso agraves fontes da cultura nacional e apoiaraacute e incentivaraacute a valorizaccedilatildeo
e a difusatildeo das manifestaccedilotildees culturais
A inclusatildeo da pessoa com deficiecircncia e mais especificamente o tema da
Acessibilidade Cultural tem conquistado seu espaccedilo diante do poder puacuteblico e
poliacutetico Leis de direitos satildeo aprovadas discussotildees traccediladas e reivindicaccedilotildees
formuladas A Lei Brasileira de Inclusatildeo da Pessoa com Deficiecircncia Lei 131462015
foi uma das grandes conquistas na luta pela inclusatildeo onde especifica em seu
capiacutetulo IX e artigo 42 que
A pessoa com deficiecircncia tem direito agrave cultura ao esporte ao turismo e ao lazer em igualdade de oportunidades com as demais pessoas sendo-lhe garantido o acesso I - a bens culturais em formato acessiacutevel II - a programas de televisatildeo cinema teatro e outras atividades culturais e desportivas em formato acessiacutevel
Sendo assim na legislaccedilatildeo mais recente que temos de defesa dos direitos da
pessoa com deficiecircncia em nosso paiacutes haacute a garantia por parte destes ao acesso
agraves atividades culturais entre elas o teatro Lei esta que origina o Estatuto da
Pessoa com Deficiecircncia ldquoum dos mais importantes instrumentos de emancipaccedilatildeo
civil e social dessa parcela da sociedaderdquo segundo o Senador Paulo Paim (autor da
Lei) que entrou em vigor no dia 02 de janeiro de 2016 O Estatuto da Pessoa com
Deficiecircncia traz regras e orientaccedilotildees para que os direitos dessa parcela da
populaccedilatildeo sejam garantidos e estabelece puniccedilotildees para atitudes discriminatoacuterias ldquoO
documento consolida as leis existentes e avanccedila nos princiacutepios da Cidadaniardquo
reitera Paim
Em seu Capiacutetulo IX ndash Do Direito agrave Cultura ao Esporte ao Turismo e ao Lazer
Art 43 prevecirc ldquoO poder puacuteblico deve promover a participaccedilatildeo da pessoa com
deficiecircncia em atividades artiacutesticas intelectuais culturais esportivas e recreativas
com vistas ao seu protagonismordquo
Outro importante marco legislatoacuterio no referente agrave acessibilidade cultural eacute o
Plano Nacional de Cultura (PNC) ldquoinstituiacutedo pela Lei 12343 de 02 de dezembro de
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2010 tem por finalidade o planejamento e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
longo prazo (ateacute 2020) voltadas agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da diversidade cultural
brasileirardquo (Ministeacuterio da Cultura)
Em especial a Meta 29 do Ministeacuterio da Cultura que se refere agrave
acessibilidade de espaccedilos e instrumentos culturais afirmando que
100 de bibliotecas puacuteblicas museus cinemas teatros arquivos puacuteblicos e centros culturais devem atender aos requisitos legais de acessibilidade e desenvolver accedilotildees de promoccedilatildeo da fruiccedilatildeo cultural por parte das pessoas com deficiecircncia
Seguindo a linha de referenciais norteadores no tema da acessibilidade
temos como leitura obrigatoacuteria a publicaccedilatildeo do livro Nada sobre noacutes sem Noacutes
relatoacuterio final da Oficina Nacional de Indicaccedilatildeo de Poliacuteticas Puacuteblicas Culturais para
Inclusatildeo de Pessoas com Deficiecircncia que se realizou na cidade do Rio de Janeiro
no periacuteodo de 16 a 18 de outubro de 2008 numa parceria da Secretaria da
Identidade e da Diversidade Cultural do Ministeacuterio da Cultura (SIDMinC) com a
Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Ministeacuterio da Sauacutede e com apoio da Caixa
Econocircmica Federal (CEF) Esta Oficina foi destinada a artistas gestores puacuteblicos
pesquisadores e agentes culturais da sociedade civil representativos do campo da
produccedilatildeo cultural das pessoas com deficiecircncia Conforme consta na introduccedilatildeo
desta publicaccedilatildeo o objetivo dessa oficina foi
Indicar diretrizes e accedilotildees no sentido de contribuir para a construccedilatildeo de poliacuteticas culturais de patrimocircnio difusatildeo fomento e acessibilidade para pessoas com deficiecircncia A oficina foi constituiacuteda a partir de um processo participativo e por isso adotamos o lema lsquoNada sobre Noacutes sem Noacutesrsquo
Por fim um dos documentos mais significativos de orientaccedilatildeo para poliacuteticas
puacuteblicas direcionadas agraves pessoas com deficiecircncia eacute a Convenccedilatildeo dos Direitos das
Pessoas com Deficiecircncia da ONU de 2008 em que o Brasil eacute um dos paiacuteses
signataacuterios ou seja aceitou estar juridicamente vinculado agrave obrigaccedilatildeo de tratar as
pessoas com deficiecircncia como sujeitos de direito com direitos bem definidos tal
como qualquer outra pessoa A Convenccedilatildeo eacute um Tratado Internacional de Direitos
Humanos aprovado na Assembleia Geral da ONU em 13 de dezembro de 2006 e
assinado pelo Brasil em 30 de marccedilo de 2007 Entrou em vigor em 03 de maio de
2008 apoacutes ter sido ratificado por 20 (vinte) paiacuteses membros das Naccedilotildees Unidas Eacute
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um instrumento que reafirma os princiacutepios universais (dignidade integralidade
igualdade acessibilidade e natildeo discriminaccedilatildeo) a todos os cidadatildeos em particular agraves
pessoas com deficiecircncia Tem como objetivo promover proteger e assegurar o
exerciacutecio pleno de todos os direitos humanos e fundamentais por parte de todas as
pessoas com deficiecircncia e promover o respeito pela sua dignidade
Metodologia A partir de uma pesquisa praacutetica teoacuterica 06 (seis) grupos de teatro do
municiacutepio de Porto Alegre no estado do Rio Grande do Sul foram entrevistados
respondendo um questionaacuterio com perguntas objetivas e abertas e instigados a
dialogar sobre a pauta da acessibilidade cultural no meio teatral Para uma base
analiacutetica e de avaliaccedilatildeo com os referidos grupos o estudo daraacute conta
primeiramente de discutir as Leis de Incentivo agrave Cultura uma federal ndash Lei Rouanet
uma estadual ndash LIC e um Fundo Municipal de Apoio agrave Produccedilatildeo Artiacutestica e Cultural
do municiacutepio de Porto Alegre ndash FUMPROARTE transitando assim pelas trecircs
esferas governamentais
A Lei Federal de Incentivo agrave Cultura (Lei nordm 8313 de 23 de dezembro de
1991) eacute a lei que institui poliacuteticas puacuteblicas para a cultura nacional atraveacutes do
Programa Nacional de Apoio agrave Cultura (Pronac) O grande diferencial da Lei
Rouanet eacute o mecanismo de incentivos fiscais em deduccedilotildees do Imposto de Renda
(IR) fornecidos agraves empresas (pessoas juriacutedicas) e cidadatildeos (pessoas fiacutesicas) que
invistam em accedilotildees culturais em um percentual de 4 e 6 respectivamente
A Lei surgiu com o intuito de fomentar e estimular as empresas e cidadatildeos a
investirem em cultura aleacutem de efetivamente promover poliacutetica cultural em
acessibilidade Conforme sua Instruccedilatildeo Normativa Nordm 1 de 24 de junho de 2013
para propostas e projetos culturais define em seu Art 3ordm as medidas de
acessibilidade que devem ser observadas
XI ndash medidas de acessibilidade intervenccedilotildees que objetivem priorizar ou facilitar o livre acesso de idosos e pessoas com deficiecircncia ou mobilidade reduzida assim definidos em legislaccedilatildeo especiacutefica de modo a possibilitar-lhes o pleno exerciacutecio de seus direitos culturais por meio da disponibilizaccedilatildeo ou adaptaccedilatildeo de espaccedilos equipamentos transporte comunicaccedilatildeo e quaisquer bens ou serviccedilos agraves suas limitaccedilotildees fiacutesicas
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sensoriais ou cognitivas de forma segura de forma autocircnoma ou acompanhada []
Jaacute na Lei de Incentivo agrave Cultura do Estado do Rio Grande do Sul (LIC) natildeo haacute
referecircncias ao campo da acessibilidade Em sua Instruccedilatildeo Normativa Nordm 01 de 29
de fevereiro de 2016 da Secretaria da Cultura do Estado (SEDAC) natildeo haacute qualquer
menccedilatildeo ao tema A LIC assim como o FAC ndash Fundo de Apoio agrave Cultura fazem
parte do Sistema Unificado PROacute-CULTURA do RS programa que consiste no apoio
e fomento agraves atividades culturais do estado
Poderatildeo ser beneficiados pela LIC projetos culturais nas aacutereas de artes
plaacutesticas e grafismos artes cecircnicas e carnaval de rua cinema e viacutedeo literatura
muacutesica artesanato e folclore acervo e patrimocircnio histoacuterico e cultural
Aprovada e sancionada em 19 de agosto de 1996 a Lei Nordm 10846 (LIC)
institui a deduccedilatildeo fiscal de ICMS em ateacute 75 do valor aplicado pela empresa em
projetos culturais sendo os outros 25 repassados pelo patrocinador ao FAC
instituiacutedo pela Lei Nordm 11706 de 18 de dezembro de 2001 que tem por finalidade
financiar projetos culturais em 100 do seu valor e fomentar a produccedilatildeo artiacutestico-
cultural do Rio Grande do Sul mas tambeacutem natildeo apresenta criteacuterios referentes agrave
acessibilidade de forma obrigatoacuteria em seus editais destinados agraves Artes Cecircnicas
mais especificamente agrave aacuterea do teatro
O Fundo Municipal de Apoio agrave Produccedilatildeo Artiacutestica e Cultural do municiacutepio de
Porto Alegre (FUMPROARTE) que eacute gerido pela Secretaria Municipal da Cultura
deste municiacutepio foi criado como forma de apoio agrave produccedilatildeo artiacutestica local com a
finalidade de financiar projetos de bolsas de pesquisa e de produccedilatildeo artiacutestico-
cultural Criado pela Lei Nordm 7328 de 04 de outubro de 1993 o FUMPROARTE abre
normalmente dois concursos anuais que satildeo divulgados atraveacutes de editais puacuteblicos
Podem concorrer ao Edital de Projetos apresentados pessoas fiacutesicas ou juriacutedicas
que proponham accedilotildees em qualquer aacuterea cultural
Analisando seu uacuteltimo edital de 2015 eacute possiacutevel observar que no capiacutetulo 4
Inscriccedilatildeo no item 43 Retorno de Interesse Puacuteblico no subitem 434 consta que ldquoos
projetos poderatildeo contemplar ainda accedilotildees de promoccedilatildeo de acessibilidade para
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pessoas com deficiecircncia []rdquo O que evidencia a sua natildeo obrigatoriedade
(ldquopoderatildeordquo) do criteacuterio ldquoacessibilidaderdquo para avaliaccedilatildeo dos projetos
Propondo um melhor entendimento e relaccedilatildeo com os resultados obtidos na
pesquisa os grupos entrevistados seratildeo aqui brevemente contextualizados
Grupo Las Brujas Cia de Teatro e Feiticcedilos
Tempo de atuaccedilatildeo 05 anos Integrantes 07 pessoas
O grupo surge em 2011 e em 2012 criou o espetaacuteculo infantil ldquoA Menina do
Cabelo Vermelhordquo que atraveacutes de sua personagem ldquoFiloacuterdquo busca trabalhar a
diversidade e inclusatildeo Em 2013 o grupo firmou uma parceria com a OVNI
Acessibilidade Universal ndash empresa com sede em Porto AlegreRS que produz
audiodescriccedilatildeo (AD) e legendas para surdos e ensurdecidos (LSE) ndash e consolidou-
se como o primeiro trabalho de teatro infantil da Regiatildeo Sul a proporcionar recurso
de audiodescriccedilatildeo aberta (onde natildeo satildeo utilizados aparelhos individuais para a
recepccedilatildeo) em suas sessotildees Aleacutem de audiodescriccedilatildeo em 2014 o espetaacuteculo teve
sessotildees com traduccedilatildeo simultacircnea em Libras ndash Liacutengua Brasileira de Sinais -- para
pessoas com deficiecircncia auditiva e distribuiacuteram livros e aacuteudios-livro ao puacuteblico
presente
Teatro Sarcaustico
Tempo de atuaccedilatildeo 12 anos Integrantes 13 pessoas
Com uma formaccedilatildeo de 12 (doze) anos o grupo que surgiu dentro do
Departamento de Arte Dramaacutetica da UFRGS jaacute tem um longo caminho de trabalhos
e espetaacuteculos montados notoriamente reconhecidos pelo puacuteblico e criacutetica Sua linha
de trabalho estaacute embasada no corpo e suas manifestaccedilotildees improvisaccedilotildees intensas
textos e criaccedilotildees proacuteprias
Uma das coordenadoras do grupo comenta que ele esteve sempre tatildeo
preocupado em trabalhar se autossustentar por tratar-se de um grupo
independente que a questatildeo da acessibilidade lhes passou ldquobatidordquo Algo novo para
se pensar mas que nunca realizaram nenhuma accedilatildeo contemplando a temaacutetica e a
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falta de recursos e orccedilamentos por si soacute jaacute eacute um grande complicador para
acessibilizar espetaacuteculos
Apesar de natildeo trabalharem direto com a questatildeo da acessibilidade o grupo
estaacute preocupado em discutir e dialogar sobre a diversidade a exclusatildeo Um dos
seus uacuteltimos espetaacuteculos uma montagem infantil ndash ldquoFranky Frankenstein um
Divertido conto de Terror sobre Amizaderdquo - aborda a ldquodiferenccedilardquo a diversidade no
mundo atual
Rococoacute Produccedilotildees Artiacutesticas e Culturais
Tempo de atuaccedilatildeo 05 anos Integrantes 02 coordenadores + 10 colaboradores
diretos
A empresa e grupo de teatro Rococoacute surgem a partir de dois atores e
bailarinos que trabalham em uma linha de investigaccedilatildeo da cultura tradicionalista
gauacutecha pluralidades de linguagens e formaccedilatildeo de plateia atraveacutes de editais
prefeituras SESC educaccedilatildeo escolas oficinas e assessoria em projetos culturais
Seu uacuteltimo espetaacuteculo ldquoEra uma vezContos Lendas e Cantigasrdquo do Projeto
ldquoA Visita da Fantasiardquo eacute bastante narrativo o que acredita Henrique ajuda que
pessoas com deficiecircncia visual possam entendecirc-lo melhor Fazem tambeacutem
reconhecimento de palco cenaacuterio figurinos quando haacute alguma deficiecircncia visual
Mas Henrique expressa a dificuldade de conhecimento que se tem sobre
acessibilidade no meio artiacutestico de entendimento ldquoNatildeo se pensa no assunto natildeo
enxergamosrdquo Disse que chegaram a pensar somente quando o espetaacuteculo jaacute estava
circulando
Grupo Trilho de Teatro Popular
Tempo de atuaccedilatildeo 10 anos Integrantes 05 pessoas
O Grupo Trilho trabalha essencialmente na linha social e didaacutetica de Bertolt
Brecht e do clown nas oficinas e montagens de seus espetaacuteculos Satildeo um grupo
independente que participa de editais mas seus orccedilamentos partem mais da venda
de espetaacuteculos e oficinas
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Um dos coordenadores e fundadores do grupo fala de nunca terem
trabalhado a questatildeo da acessibilidade e nem pensarem em aplicaacute-la por
desconhecimento do assunto pela falta de recursos financeiros e por serem outras
as demandas tratadas pelo grupo mesmo que de minorias como preconceito
racismo sexualidade gecircnero a pauta da deficiecircncia nunca esteve presente
Apesar de natildeo trabalharem diretamente com acessibilidade Daniel frisa que o
teatro de rua muito presente nos espetaacuteculos do grupo por sua democratizaccedilatildeo eacute
em partes mais acessiacutevel
Associaccedilatildeo Cultural Depoacutesito de Teatro
Tempo de atuaccedilatildeo 20 anos Integrantes 06 pessoas
O Grupo Depoacutesito do Teatro eacute uma entidade cultural sem fins
lucrativos fundada em 1996 Durante todos seus anos de atuaccedilatildeo produziu e
montou mais de 25 espetaacuteculos profissionais reconhecidos pela criacutetica e puacuteblico
conquistando inuacutemeras indicaccedilotildees e precircmios do Trofeacuteu Accedilorianos e Tibicuera da
Prefeitura de Porto Alegre
O grupo tem como um de seus principais objetivos a ldquotroca humana a
constituiccedilatildeo de sujeitos criativos autecircnticos e profundamente sensiacuteveisrdquo relata o
diretor e fundador da Associaccedilatildeo Cultural Depoacutesito de Teatro Poreacutem afirma
tambeacutem nunca terem trabalho acessibilidade ou com recursos acessiacuteveis em seus
espetaacuteculos ou oficinas
Grupo Signatores (Teatro com Surdos)
Tempo de atuaccedilatildeo 06 anos Integrantes 14 pessoas
O Signatores eacute um grupo de teatro biliacutengue sendo a primeira liacutengua a Liacutengua
Brasileira de Sinais (LIBRAS) e a segunda o Portuguecircs E os membros do grupo
satildeo pesquisadores e professores especialistas na aacuterea de Educaccedilatildeo e Artes da
Comunidade Surda
Todos os seus espetaacuteculos satildeo representados por atores surdos em LIBRAS
e acompanhados por personagens narradores aacuteudio em Portuguecircs Os espetaacuteculos
apresentados pelo grupo foram ldquoAventuras no Reino Surdordquo ldquoMemoacuteria na Ponta dos
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Dedosrdquo ldquoO ensaio de Alicerdquo e ldquoAlice no Paiacutes das Maravilhasrdquo O grupo jaacute foi
contemplado com vaacuterios Editais a niacutevel municipal e estadual e financiamento
atraveacutes da Lei Rouanet
Em entrevista com a diretora ela pontua as diretrizes de trabalho do
Signatores Este que tem se mostrado um grupo bastante atuante no Estado quando
o assunto eacute inclusatildeo social acessibilidade e diversidade ldquoA proposta do Grupo
Signatores eacute incentivar a formaccedilatildeo de docentes e pesquisadores na aacuterea teatral e
aproximar jovens e adultos surdos dos palcos investigando as possibilidades de
criaccedilatildeo artiacutestica dos surdos [] invertendo a loacutegica vigenterdquo
Resultados de dados
Com base no questionaacuterio aplicado no acompanhamento e entrevistas aos
grupos surgem os diferentes questionamentos quanto ao entendimento e
conhecimento sobre questotildees referentes agrave acessibilidade e suas legislaccedilotildees assim
como aplicabilidade dos recursos acessiacuteveis O Graacutefico 1 denota que a maioria dos
grupos entrevistados jaacute teve contato com tema sobre acessibilidade cultural
(pergunta 1) e em uma quase equivalecircncia jaacute trabalhou com pessoas com
deficiecircncia ou teve acesso a recursos acessiacuteveis (perguntas 2 e 3) Em sua maioria
jaacute participou de algum edital de Lei de Incentivo agrave cultura (pergunta 4)
GRAacuteFICO 1
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Jaacute no Graacutefico 2 evidencia-se o desconhecimento de Poliacuteticas Puacuteblicas e
Legislaccedilatildeo sobre o tema da acessibilidade cultural (perguntas 5 e 8) As perguntas 6
e 7 referem-se respectivamente agrave existecircncia de grupos de teatro que trabalham
com recursos acessiacuteveis em seus projetos e se haacute Casas de Teatro acessiacuteveis em
Porto Alegre Todos os grupos pontuaram a falta de um conhecimento maior e
percepccedilatildeo em relaccedilatildeo ao assunto pautado e natildeo se consideram ldquoacessiacuteveisrdquo de
forma plena e eficaz Evidenciou-se o interesse de todos em pensar discutir e
aprender mais sobre acessibilidade
GRAacuteFICO 2
Conclusotildees
Com base nos resultados obtidos com as pesquisas e discussotildees pode-se
avaliar que poliacuteticas puacuteblicas que garantam os direitos culturais das pessoas com
deficiecircncia devem transitar por todas as esferas governamentais e natildeo ficarem
restritas ao acircmbito burocraacutetico que muitas vezes as consolidam O diaacutelogo entre
poder puacuteblico Instituiccedilotildees e gestores culturais eacute de cunho fundamental para a
articulaccedilatildeo de propostas e medidas inclusivas que de fato consolidem-se no cenaacuterio
cultural
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O que temos visto ainda eacute uma consciecircncia social muito enraizada e que
precisa ser constantemente trabalhada em barreiras atitudinais que natildeo permitem
ampliar a visatildeo quando o que estaacute em pauta satildeo as deficiecircncias Sabemos que
atraveacutes da cultura e educaccedilatildeo caminharemos para um futuro mais promissor com
menos desigualdades sociais menos violecircncia mais possibilidades ldquoO teatro
permite a construccedilatildeo de mentes mais livres e de cidadatildeos mais esclarecidos e
ativosrdquo (VIGANOacute 2006 p 36)
O olhar sentir o outro satildeo premissas baacutesicas para o comunicar Natildeo haacute
construccedilatildeo de relaccedilotildees sociais e humanas se natildeo houver o reconhecimento do outro
como parte integrante de nossas vidas
Natildeo basta um pouco de eacutetica uma pitada de cidadania toques de cumplicidade um quecirc de direitos fundamentais Sempre que discutirmos estes assuntos agraves uacuteltimas consequecircncias estaremos colaborando para resolver a principal questatildeo incluir pessoas com deficiecircncia [] no TODOS social incondicionalmente (WERNECK 2012 p 27)
Referecircncias BARBA Eugenio Aleacutem das ilhas flutuantes Campinas SP Hucitec 1991 BAUMAN Zygmunt Tempos Liacutequidos Rio de Janeiro Jorge Zahar 2007 BOAL Augusto 200 exerciacutecios e jogos para o ator e o natildeo-ator com vontade de dizer algo atraveacutes do teatro 5ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo SA 1983 BOSSI Alfredo Fenomenologia do olhar In BOSSI A O Olhar Satildeo Paulo Companhia das Letras 1988 BRASIL Ministeacuterio da Cultura As metas do Plano Nacional de Cultura Brasiacutelia Ministeacuterio da Cultura 2012 Disponiacutevel em lt httpswwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102010leil12343htmgt Acesso em 21 de dezembro de 2016 BRASIL Constituiccedilatildeo Federal 1988 BRASIL Convenccedilatildeo dos Direitos das Pessoas com Deficiecircncia da ONU 2008 Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2007-20102009DecretoD6949htmgt Acesso em 21 de dezembro de 2016
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KASTRUP Virinia Vergara Luiz Guilherme Cegos e videntes se encontram no museu da dicotomia agrave partilha do sensiacutevel Ineacutedito MERLEAU-PONTY Maurice Fenomenologia da Percepccedilatildeo Martins Fontes 1994 Oficina Nacional de Indicaccedilatildeo de Poliacuteticas Puacuteblicas Culturais para Inclusatildeo de Pessoas com Deficiecircncia Nada sobre noacutes sem noacutes Relatoacuterio final 16 a 18 de outubro de 2008 Rio de janeiro Rj ENSPFIOCRUZ 2009 SANTOS Boaventura de Sousa Reconhecer para libertar os caminhos do cosmopolitanismo multicultural Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 TOJAL Amanda Pinto da Fonseca Comunicaccedilatildeo museoloacutegica e accedilatildeo educativa inclusiva mudanccedila de paradigmas In CARDOSO Eduardo CUTY Jeniffer (Org) Acessibilidade em ambientes culturais relatos de experiecircncias Porto Alegre Marcavisual 2014 VIGANOacute Suzana Schmidt As regras do jogo a accedilatildeo sociocultural em teatro e o ideal democraacutetico Satildeo Paulo Hucitec 2006 WERNECK Claudia Ningueacutem mais vai ser bonzinho na sociedade inclusiva Rio de Janeiro Editora WVA 2009 WERNECK Claudia Quem cabe no seu todos Rio de Janeiro Editora WVA 2006
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Fernando Lewis de Mattos da UFRGS em seu ensaio ldquoPluralia Tantum
reflexotildees sobre a muacutesica contemporacircneardquo apresenta elementos histoacutericos da
esfera musical e discorre sobre caracteriacutesticas da muacutesica contemporacircnea Aponta
paralelamente aspectos do conservadorismo da muacutesica atual presentes em nosso
cotidiano Suas argumentaccedilotildees apoiam-se em extensa bibliografia da qual citamos
Buckinx e Koellreutter
ldquoProvocaccedilotildees (des)continuidades desfechos potecircncia edu(vo)cativa
das imagens fiacutelmicas na formaccedilatildeo docenterdquo aborda o cinema como dispositivo
provocador de formaccedilatildeo docente que conforme o autor Lutiere Dalla Valle da
UFSM ldquoproduz formas de ver e ser vistordquo O texto estabelece relaccedilotildees entre arte e
subjetividade presentes na cinematografia e explora o conceito de edu(vo)cativo
identificado nas aprendizagens mediadas pelas visualidades Contribuem para as
reflexotildees Dias Fresquet e Hernaacutendes
Fernando Pinheiro Villar aborda a pluraridade do conceito de performances
artiacutesticas relacionadas ao desempenho no seu artigo PerfomanceS Para o autor o
significado de desempenho afirma a observaccedilatildeo analiacutetica de comportamentos
humanos podendo significar comportamentos que se repetem ou accedilotildees cotidianas
que satildeo ensaiadas ou preparadas e observadas Segundo o autor ldquouma performance
sem consciecircncia do fato de estar sendo vista como tal pode significar uma
performance cotidiana cultural ou socialrdquo
Cristina Rolim Wolffenbuumlttel Pacircmela Goumlethel Dutra e Ana Maria Bueno
Accorsi no artigo Estudo sobre a participaccedilatildeo de estudantes em um Grupo
Instrumental apresenta a pesquisa realizada em uma escola Municipal de TaquariR
que teve como objetivo compreender a importacircncia da participaccedilatildeo dos alunos em
grupos instrumentais diante das diversas possiblidades da inserccedilatildeo da muacutesica a partir
da nova legislaccedilatildeo
Como promover a inclusatildeo social da pessoa com deficiecircncia no acircmbito cultural
eacute a preocupaccedilatildeo de Izabel Cristina da Silveira da FUNDARCRS expressa no artigo
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ldquoTeatro para quem A arte de teatrar para todos um estudo sobre
acessibilidade cultural em espetaacuteculos teatrais no RSrdquo que fecha esta Revista O
estudo praacutetico-teoacuterico desvela discussotildees questionamentos e legislaccedilatildeo em torno do
tema na tentativa de buscar alternativas para a acessibilidade Barba Tojal e
Werneck satildeo alguns dos teoacutericos consultados
Agradecemos imensamente aos que enviaram seus artigos para compor a 32ordf
Revista da FUNDARTE Desejamos uma boa leitura e que as reflexotildees oferecidas
pelos autores contribuam para a busca de novos e inquietantes saberes
Maria Isabel Petry Kehrwald Conselho Editorial da Revista
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CORREA Marcio Guedes A polifonia tonal na cifra alfanumeacuterica da muacutesica popular uma proposta analiacutetica
fundamentada em trecircs estudos de caso Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 7-14 juldez 2016
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A polifonia tonal na cifra alfanumeacuterica da muacutesica popular uma proposta
analiacutetica fundamentada em trecircs estudos de caso
Marcio Guedes Correa1
Instituto de Artes da Unesp
Resumo O repertoacuterio estudado nos cursos formais de muacutesica popular eacute em grande parte tonal de textura homofocircnica estruturado como melodia acompanhada No entanto eacute possiacutevel reconhecer estruturas polifocircnicas subordinadas agrave homofonia dos acompanhamentos instrumentais frequentemente realizados para acompanhar canccedilotildees Pode-se conjecturar que tais estruturas estejam presentes no repertoacuterio como um eco da polifonia vocal do renascimento e do barroco jaacute que muitas escolhas de acordes se datildeo ldquode ouvidordquo e natildeo necessariamente por uma opccedilatildeo teacutecnica e funcional em relaccedilatildeo agrave harmonia Portanto a harmonia informalmente chamada de funcional da muacutesica popular pode carregar em si diversas expectativas de direccedilatildeo ou resoluccedilatildeo que satildeo mais de ordem meloacutedica do que harmocircnica Este estudo espera contribuir para a revalorizaccedilatildeo do estudo de contraponto dentro das matrizes curriculares de muacutesica popular jaacute que eacute notoacuterio que tal disciplina vem sendo extinta do ambiente formal de educaccedilatildeo musical Palavras-chave ensino da muacutesica popular cifra alfanumeacuterica polifonia em muacutesica popular contraponto em muacutesica popular Abstract The repertoire studied in formal courses of popular music is largely tonal It has homophonic texture and itrsquos structured as na accompanied melody However it is possible to recognize polyphonic structures under the homophone of instrumental accompaniments often performed to accompany songs One can conjecture that such structures are present in the repertoire as an echo of the vocal polyphony of the Renaissance and the Baroque as many chord choices are given by ear and not necessarily by a technical and functional option with regard to harmony Therefore the functional harmony informally called popular music can load itself diverse expectations of management or resolution that are more melodic than harmonic order This study hopes to contribute to the upgrading of counterpoint study within the curriculum matrices of popular music as it is clear that this discipline is being extinguished of the formal setting of music education Keywords teaching of popular music alphanumeric cipher polyphony in popular music counterpoint in popular music
Primeiro estudo de caso o movimento meloacutedico do baixo impliacutecito na cifra do
choro em Um a Zero de Pixinguinha
No ensino do repertoacuterio popular eacute muito comum a utilizaccedilatildeo de partituras que
contecircm melodias cifradas Esta forma de registro musical oferece a melodia principal
(anaacuteloga ao cantus firmus) grafada em partitura o que garante uma certa precisatildeo
na compreensatildeo dessa camada mas todos os outros elementos componentes da
1 Graduado em Licenciatura em Muacutesica pela FAAM mestre em muacutesica pelo Instituto de Artes da Unesp Doutorando em muacutesica da Unesp ndash Instituto de Artes sob orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Sonia R Albano de Lima Contato correamarcioguedesgmailcom
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elaboraccedilatildeo musical ficam representados unicamente pela cifra alfanumeacuterica A cifra
confere ao interprete um grau de liberdade desejaacutevel na muacutesica popular mas essa
mesma liberdade pode ser em alguma medida prejudicial no ensino de muacutesica
popular quando se trata da compreensatildeo total do discurso a praacutetica aliada a
compreensatildeo racional do fazer musical
A cifra alfanumeacuterica da muacutesica popular eacute em primeira instacircncia uma
representaccedilatildeo de simultaneidades mais especificamente dos acordes da muacutesica
tonal Mas da informaccedilatildeo harmocircnica que a cifra oferece eacute possiacutevel depreender
tambeacutem procedimentos meloacutedicos complementares agrave melodia principal ou seja do
contraponto impliacutecito e subordinado agrave estrutura homofocircnica Pode-se considerar que
o caso mais audiacutevel estaacute nas melodias empregadas no baixo Em cifras em que haacute
fartura de acordes com inversatildeo percebe-se uma clara intenccedilatildeo de movimentar o
baixo melodicamente ou seja de conferir a essa camada estrutural contornos
meloacutedicos associados ao seu papel de delinear as fundamentais das funccedilotildees
harmocircnicas No repertoacuterio relacionado ao choro o violatildeo de sete cordas desenvolve
a funccedilatildeo de baixo que aleacutem de reforccedilar a estrutura harmocircnica tonal estaacute em
contraponto constante com a melodia principal
A composiccedilatildeo ldquoUm a Zerordquo de Pixinguinha eacute um exemplo disso
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CORREA Marcio Guedes A polifonia tonal na cifra alfanumeacuterica da muacutesica popular uma proposta analiacutetica
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Figura 1 ldquoUm a Zerordquo (Pixinguinha) Irmatildeos Vitale 1997
O exemplo da figura 1 traz a primeira parte da composiccedilatildeo A quantidade de
inversotildees de acordes presente procura dar pistas da realizaccedilatildeo do baixo comumente
tocado no violatildeo de sete cordas Isso retira do baixo o papel monoacutetono de garantir a
fundamental de cada funccedilatildeo harmocircnica Com base nesta cifra o muacutesico popular de
modo anaacutelogo ao muacutesico barroco realiza o baixo Na figura dois encontra-se uma
sugestatildeo de realizaccedilatildeo do baixo com base nas cifras
Figura 2 Realizaccedilatildeo do baixo em ldquoUm a Zerordquo de Pixinguinha Imagem concebida e editada pelo autor
Segundo estudo de caso a polifonia tonal no acompanhamento da canccedilatildeo
ldquoQuando o carnaval chegarrdquo de Chico Buarque
O ensino de harmonia da muacutesica popular ldquomais especificamente aquela que
eacute informalmente denominada harmonia funcionalrdquo (ALMADA 2013 p 12) se
preocupa em primeiro lugar em determinar a funccedilatildeo de cada um dos acordes
encontrados no discurso musical Este tipo de ensino tem objetivos diversos
compreender estruturas harmocircnicas orientar a praacutetica da improvisaccedilatildeo meloacutedica
guiar estudos de rearmonizaccedilatildeo e substituiccedilatildeo de acordes entre outros Poreacutem em
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alguns casos acordes podem ser simultaneidades geradas por direccedilotildees meloacutedicas
distintas na conduccedilatildeo de cada voz ldquoNo estudo da harmonia tonal acordes podem
surgir a partir de combinaccedilotildees de linhas meloacutedicas relativamente independentesrdquo
(LIMA 2008 p 63) Ainda que tais procedimentos meloacutedicos possam natildeo ser
conscientes pelo muacutesico que desenvolve a funccedilatildeo de acompanhamento pode-se
conjecturar que sua percepccedilatildeo auditiva esteja imbuiacuteda de sonoridades
caracteriacutesticas da muacutesica vocal polifocircnica e isso em algum momento pode
transparecer em acompanhamentos instrumentais
No presente estudo de caso eacute possiacutevel observar procedimentos polifocircnicos
na conduccedilatildeo dos acordes da primeira parte da canccedilatildeo ldquoQuando o Carnaval Chegarrdquo
de Chico Buarque Em diversas entrevistas o compositor carioca revela que
aprendeu a tocar violatildeo sozinho tentando imitar o violatildeo de Joatildeo Gilberto e
portanto natildeo conhece harmonia e suas regras As escolhas de acordes feitas por
compositores autodidatas se datildeo quase unicamente por sonoridade Ou seja um
acorde eacute seguido por outro porque o som eacute satisfatoacuterio para os objetivos do
compositor Disso pode-se compreender que tais escolhas harmocircnicas estatildeo
carregadas de expectativas meloacutedicas ou seja cada acorde eacute ouvido como um
conjunto simultacircneo de notas potencialmente meloacutedicas como o satildeo no estudo da
harmonia tradicional Portanto este estudo pretende apontar para a possibilidade de
anaacutelise harmocircnica em que alguns acordes sejam considerados simultaneidades de
expectativas meloacutedicas e estes tecircm menor concordacircncia com a anaacutelise harmocircnica
ou funcional
O estudo da harmonia natildeo pressupotildee obrigatoriamente apenas simultaneidade () eacute importante que seja considerado o movimento meloacutedico de cada linha (voz) A inter-relaccedilatildeo entre melodia harmonia ritmo dinacircmica textura etc satildeo fatores que devem ser levados em conta na anaacutelise e na composiccedilatildeo de uma peccedila (LIMA 2008 p 117)
Eacute necessaacuterio estudar certas passagens harmocircnicas agrave luz da polifonia e
portanto do contraponto
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Figura 4 anaacutelise do contraponto presente na harmonia de ldquoQuando o Carnaval Chegarrdquo de Chico Buarque Imagem concebida e editada pelo autor
O exemplo da Figura 4 oferece uma opccedilatildeo de compreensatildeo harmocircnica
diferente da sugerida na partitura O primeiro acorde eacute visto como faacute meio diminuto
na primeira inversatildeo em vez de laacute menor com sexta maior como sugerido na cifra
original O acorde seguinte o primeiro grau eacute um sol maior com seacutetima maior
portanto sua sensiacutevel faacute fundamental do acorde anterior ainda estaacute presente
como um retardo O terceiro acorde embora estruturalmente se iguale ao acorde de
laacute bemol diminuto de seacutetima diminuta nessa proposta de anaacutelise se daacute pela
consequecircncia de quatro figuraccedilotildees meloacutedicas bordadura no baixo nota de
passagem no tenor retardo no contralto e antecipaccedilatildeo no soprano Portanto ele natildeo
tem menos funccedilatildeo harmocircnica e mais implicaccedilotildees meloacutedicas
Quando se prolonga todas as notas que satildeo rearticuladas nos acordes do
exemplo da figura 4 depara-se com um contraponto a quatro vozes
predominantemente de segunda espeacutecie
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CORREA Marcio Guedes A polifonia tonal na cifra alfanumeacuterica da muacutesica popular uma proposta analiacutetica
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Figura 5 conclusatildeo contrapontiacutestica da primeira parte da canccedilatildeo ldquoquando o carnaval chegarrdquo Imagem concebida e editada pelo autor
Portanto nesta proposta de anaacutelise harmocircnica natildeo eacute possiacutevel desconsiderar
o contraponto e implicaccedilotildees polifocircnicas
Terceiro estudo de caso contraponto cromaacutetico nas dissonacircncias acima da
seacutetima no acompanhamento da canccedilatildeo ldquosamba do aviatildeordquo de Tom Jobim
A harmonia da muacutesica popular poacutes bossa-nova conferiu ldquoemancipaccedilatildeo agrave
dissonacircnciardquo emprestando a expressatildeo de Schoenberg Portanto a dissonacircncia natildeo
mais direciona os acordes no sentido de suas resoluccedilotildees mas emprestam a eles
sonoridades instaacuteveis e de alguma maneira ao mesmo tempo resolutas As
dissonacircncias conferem certa impressatildeo a cada um dos acordes mas natildeo
apresentam funccedilatildeo de interligaccedilatildeo dos fenocircmenos harmocircnicos atraveacutes da resoluccedilatildeo
delas Esta interligaccedilatildeo novamente se daacute muito mais por expectativas meloacutedicas
embutidas como vozes simultacircneas formadoras dos acordes
Embora a emancipaccedilatildeo da dissonacircncia seja plenamente presente no
repertoacuterio popular poacutes bossa-nova em alguns casos natildeo se pode desconsiderar
estruturas contrapontiacutesticas presentes nestas composiccedilotildees Eacute claro que neste caso
especiacutefico as dissonacircncias natildeo satildeo resolvidas mas suas irresoluccedilotildees natildeo raro
recaem sobre construccedilotildees meloacutedicas em vozes internas dos acordes subordinadas
agrave melodia principal ao baixo e claro agrave harmonia
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fundamentada em trecircs estudos de caso Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 7-14 juldez 2016
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Figura 6 contraponto cromaacutetico na canccedilatildeo ldquosamba do aviatildeordquo de Tom Jobim Imagem concebida e editada pelo autor
No fragmento musical da figura 6 eacute possiacutevel identificar uma melodia cromaacutetica
embutida nas dissonacircncias acima da seacutetima A partir do compasso 5 as notas doacute
doacute si e laacute satildeo respectivamente deacutecima terceira maior deacutecima terceira menor
deacutecima segunda e deacutecima primeira aumentada do acorde de mi maior com seacutetima
menor Essas dissonacircncias constroem uma melodia cromaacutetica um contraponto
cromaacutetico
Essa melodia eacute imitada a partir do compasso 7 uma seacutetima maior abaixo nas
notas reacute do do e si respectivamente deacutecima primeira justa deacutecima maior deacutecima
menor e nona maior dos acordes laacute maior com seacutetima maior e laacute menor com seacutetima
menor A melodia cromaacutetica original e sua imitaccedilatildeo uma seacutetima menor abaixo
comeccedilam e terminam em dissonacircncia
Consideraccedilotildees Finais
As propostas aqui apresentadas pretendem apontar para uma contribuiccedilatildeo
dos gecircneros de muacutesica erudita na estruturaccedilatildeo do ensino da muacutesica popular mais
especificamente buscam valorizar o estudo da disciplina contraponto Talvez as
estruturaccedilotildees dos curriacuteculos de cursos de muacutesica possam ser de certo modo
exclusivamente populares apenas na escolha do repertoacuterio a ser aprendido e ainda
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CORREA Marcio Guedes A polifonia tonal na cifra alfanumeacuterica da muacutesica popular uma proposta analiacutetica
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assim persiste a discussatildeo do que vem a ser muacutesica popular e muacutesica erudita e se
essa fronteira existe com tanta clareza No acircmbito da estruturaccedilatildeo teacutecnica e teoacuterica
a hibridez dos conhecimentos historicamente categorizados como de muacutesica erudita
e popular parece ser inevitaacutevel O estudo do contraponto parece ainda ser
indispensaacutevel para fomentar uma compreensatildeo mais ampla do saber musical em
diversos acircmbitos em diferentes gecircneros e estilos
Referecircncias
ALMADA Carlos Contraponto em muacutesica popular fundamentaccedilatildeo teoacuterica e aplicaccedilotildees Rio de Janeiro Editora UFRJ 2013
BORTZ Graziela Direccedilatildeo e Movimento em Solfejos Tonais Percepta ndash revista de cogniccedilatildeo musical Curitiba 1 (1) 95-107 novembro de 2013 CARRASQUEIRA Maria Joseacute O melhor de Pixinguinha Songbook Satildeo Paulo Irmatildeo Vitale 1997 LIMA Marisa Ramirez Rosa de Harmonia Satildeo Paulo Embraform 2008 LIMA Sonia Regina Albano de Performance e interpretaccedilatildeo musical uma praacutetica interdisciplinar Satildeo Paulo Musa Editora 2006 NOGUEIRA Marcos Fernandes Pupo Agrupamentos Sonoros Plenos na Muacutesica de Simultaneidades Acuacutesticas e Estruturais Revista Muacutesica Hodie Goiacircnia v12 nordm 2 p87-972012 Disponiacutevel em lthttpwwwmusicahodiemusbr122artigo_7pdfgt Acesso em 07 de dezembro de 2016 SCHOENBERG Arnold Exerciacutecios Preliminares em Contraponto Traduccedilatildeo de Eduardo Seincman Satildeo Paulo Via Lettera 2001
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CAMPOS Idalina Krause de Fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo com Paul Valeacutery esperitografias Revista da
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Fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo com Paul Valeacutery espiritografias
Idalina Krause de Campos1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Resumo Este artigo analisa as possibilidades de um fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo tendo como foco o poeta e pensador francecircs Paul Valeacutery e seus procedimentos muacuteltiplos de escrita uma escrita que opera com a leitura ― escrileitura ― e eacute considerada uma operaccedilatildeo ativa de consciecircncia que possibilita ampliar o uso das faculdades intelectivas de um espiacuterito que lecirc e escreve Propotildee atuar e operar com o meacutetodo do informe em atravessamentos imaginativos da filosofia com a literatura e a educaccedilatildeo da diferenccedila aleacutem de utilizar o conhecimento como invenccedilatildeo por meio de procedimentos tradutoacuterios que possibilitem accedilotildees criadoras em educaccedilatildeo Palavras-chave Valeacutery educaccedilatildeo escrileituras traduccedilatildeo Abstract This paper analyzes the possibilities of a translating action in education by focusing on the French poet and thinker Paul Valeacutery and his multiple writing procedures a kind of writing that operates with reading ― reading-writing ― and is considered as an active operation of awareness that favors the use of intellective faculties of a spirit that reads and writes It proposes to act and operate with the inform method in imaginative intersections between philosophy literature and education of difference besides using knowledge as invention by means of translating procedures that enable creation actions in education Keywords Valeacutery education reading-writings translation
Introduccedilatildeo
O escritor Paul Valeacutery nasceu em Segravete (1871) Comuna francesa no periacuteodo
da Guerra Franco-Prussiana A porta para o mar do Mediterracircneo eacute um porto de
encantos incomparaacuteveis de um horizonte vasto banhado pelas aacuteguas de bacias e
canais que desaacuteguam no mar O pensador eacute autor de uma obra vasta
profundamente original que possui uma intensidade uacutenica e merece ser analisada
em funccedilatildeo de seu movimento de escrita e leitura (escrileitura) pois ele pesquisou
1 Possui graduaccedilatildeo em Licenciatura e Bacharelado em Filosofia pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio
Grande do Sul (1986) Especializaccedilatildeo em Filosofia Cliacutenica pela Faculdade Joatildeo Bagozzi e Instituto Packter
(2008) Mestrado em Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo (PPGEDU) pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (2013) na Linha Filosofias da Diferenccedila e Educaccedilatildeo Atualmente eacute Doutoranda bolsista CAPES
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo na Linha
Filosofias da Diferenccedila e Educaccedilatildeo Participa como pesquisadora dos projetos Dramatizaccedilatildeo do infantil na
comeacutedia intelectual do curriacuteculo meacutetodo Valeacutery-Deleuze Escrileituras um modo de ler-escrever em meio agrave
vida e Didaacutetica da Traduccedilatildeo transcriaccedilotildees do curriacuteculo escrileituras da Diferenccedila Membro integrante do BOP
ndash Bando de Orientaccedilatildeo e Pesquisa da Linha de Pesquisa 09 Filosofias da Diferenccedila e Educaccedilatildeo e do Grupo de
Pesquisa DIF ndash artistagens fabulaccedilotildees variaccedilotildees
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estudou e escreveu sobre conteuacutedos integrantes das mais diversas aacutereas do
conhecimento e que satildeo repletos de nuances e de viva poesia
Tal perspectiva oriunda de seus escritos propicia utilizar o conhecimento
como invenccedilatildeo para criar um compoacutesito de escrita e leitura e com ele produzir
meios que possibilitem accedilotildees criadoras em educaccedilatildeo o que propicia ao espiacuterito
construir a sua proacutepria realidade no campo ambiental da linguagem
Ainda em seus primeiros anos de vida o Mediterracircneo que banha a cidade
torna-se uma festa aos olhos curiosos do infante Valeacutery que considera tudo das
cores aos cheiros das formas agraves imagens de uma natureza exuberante ldquouma
verdadeira loucura de luz combinada com a loucura da aacuteguardquo (VALEacuteRY 2011 p
127) Satildeo seus primeiros passos de pensador e que trazem em germe um pensar
em estado nascente pois se deixa seduzir pela liberdade pelos estados poeacuteticos
com um olhar voltado para o mar o que eacute tambeacutem um olhar para o possiacutevel
Os olhos de Valeacutery abraccedilam o que haacute de humano e de inumano em uma
paisagem de natureza primitiva quase intocada mesclada com as atividades dos
homens que ali habitam Um grande cenaacuterio de teatro cujo personagem principal eacute
a luz que ilumina o mar Ali onde Afrodite passeia e que ao cair da tarde
crepuscular com o mar jaacute escuro deixa ver na rebentaccedilatildeo brilhos extraordinaacuterios
Onde a luz de fogo rosa insistente do sol daacute seu adeus ao dia deixando que entre
em cena a escuridatildeo da jaacute noite onde se entreveem os fantasmas que danccedilam
sobre as torres e muros de Aiguesmortes Sombras que festejam os cadaacuteveres
pesados dos atuns animais quase do tamanho de um homem trazidos pelos barcos
de pesca que adentram a costa em seu ldquoretorno da cruzadardquo (VALEacuteRY 2011 p
130)
Ao amanhecer a peccedila teatral do viviacutevel segue e a luz dos raios solares
derrama-se pelos molhes Eacute quando o pequeno Valeacutery tenciona banhar-se na
imensidatildeo cristalina do mar Poreacutem baixa os olhos e estremece diante de uma cena
singular que mistura carnificina e beleza Jazem sobre a ldquoaacutegua maravilhosamente
lisa e transparenterdquo restos de ldquoviacutesceras e entranhas de todo o bando de Netunordquo
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(VALEacuteRY 2011 p 130) Satildeo muacuteltiplas tonalidades de cores roacuteseo-puacuterpuras coral
sanguinolenta vermelhidatildeo de uma mortandade repulsivamente sinistra embalada
pelas ondas letaacutergicas
O espanto eacute inevitaacutevel e o faz esquecer o banho matinal Mas apesar do
susto que invade sua alma os olhos guardam alguma admiraccedilatildeo pelo
acontecimento fazendo vagar pensamentos relacionando o morticiacutenio repleto de
cores com imagens espectrais Misturas de tonalidades imersas na aquosidade de
um liacutempido e cristalino mar que poderiam bem servir para um fazer artiacutestico aos
homens de talento afeitos agraves curiosidades e agraves capturas de um olhar artistador
Natildeo perdura nessa imagem repentina o conteuacutedo pobre mas como pondera
Deleuze em O Esgotado (2010 p 85) vale nessa visatildeo a energia condensada ldquoa
prodigiosa energia captada prestes a explodir fazendo com que as imagens nunca
durem muito tempo [] A imagem dura o tempo furtivo de nosso prazer de nosso
olharrdquo Assim aparece a forccedila de sentimento de Valeacutery influenciado e estimulado
pelas deidades poeacuteticas do mar do ceacuteu e do sol
E o que decorre disso tudo eacute uma produccedilatildeo intelectual que foca em muacuteltiplas
temaacuteticas tendo como pano de fundo o funcionamento do intelecto atraveacutes de
accedilotildees de pensar o proacuteprio pensamento para verificar o que estes pensamentos
implicam Uma produccedilatildeo que abarca o viviacutevel e que merece ser investigada como
um meio possiacutevel para ser apropriado no acircmbito do ensino contemporacircneo em
funccedilatildeo de sua diversidade e de sua potecircncia textual
Pelo que foi possiacutevel observar em nossas pesquisas Valeacutery configura-se num
misto de poeta de pensador e de criacutetico da cultura tendo sido traduzido por
escritores e tambeacutem por poetas em vaacuterios idiomas No entanto apesar de possuir
um reconhecimento internacional pelo conjunto de suas obras produzidas eacute ainda
pouco explorado no Brasil especialmente no que tange ao uso teoacuterico e praacutetico do
seu pensamento no campo da educaccedilatildeo
Em suma como afirma Gonccedilalves (2011 p 238) Valeacutery eacute O Alquimista do
Espiacuterito ldquodevido ao seu sistema plural de linguagensrdquo em que ocorrem
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transmutaccedilotildees de montagem e desmontagem de escrita Uma verdadeira alquimia
contraacuteria agrave anestesia do gesto para que uma segunda natureza possa se apresentar
ao texto atraveacutes de um operar espiritual em constante variaccedilatildeo e que neste fazer
operativo produz uma escrita visceral e mutante cuja mateacuteria eacute a vida que se
experimenta no campo do saber como um processo aberto muacuteltiplo e desafiador
para assim buscar fazer com ele uma educaccedilatildeo disposta a disseminar as aventuras
do pensamento
Espiacuterito
Valeacutery utiliza-se da palavra francesa esprit para aludir ao Eu embora haja em
seu pensamento a distinccedilatildeo entre dois tipos de espiacuterito Moi que seria o Eu
empiacuterico (self-variance) e Moi que seria o Eu puro (Idolle de lrsquoIntelect) a ser
cultuado e buscado Este uacuteltimo conceito de Eu puro necessita ser entendido com
uma significaccedilatildeo peculiar qual seja o Eu como intelecto como inteligecircncia
Nessa perspectiva o presente artigo aborda um possiacutevel fazer tradutoacuterio em
educaccedilatildeo conjuntamente com o pensador Paul Valeacutery de modo a buscar atraveacutes
do movimento de leitura e escrita exercitar conscientemente os pensamentos que
possibilitam transitar no campo diverso do saber
O espiacuterito ndash ou Eu-empiacuterico ndash desenvolve-se conscientemente exercitando os
processos do pensar com a finalidade de conhecer Pensamento ativado via
processos de criaccedilatildeo oriundos de uma self-variance (autovariaccedilatildeo do espiacuterito)
disciplinada e rigorosa passando a verificar o que esses pensamentos implicam
procurando vecirc-los com precisatildeo e pesquisar seus labirintos sua mecacircnica psiacutequica
iacutentima e seu meacutetodo operativo
Valeacutery (2011 p179) conceitualiza as accedilotildees do pensar as invenccedilotildees
produzidas pela inteligecircncia onde o Eu-empiacuterico que se utiliza da leitura e da
escrita e consequentemente pensa define-se ldquoatraveacutes da relaccedilatildeo entre um 2010 p
85) certo lsquoespiacuteritorsquo e a linguagemrdquo Ou seja pondo em movimento um Eu-funcional
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pode-se desenvolver uma consciecircncia do processo do pensar para fins de
conhecimento expressos por intermeacutedio da linguagem
Espiacuterito este visto como um sujeito que natildeo se assujeita mas aspira agrave
criaccedilatildeo e a realiza sem divindade reguladora sem idealismo (Eu absoluto do
Idealismo Alematildeo) e distante da metafiacutesica da alma imortal (Eu substancial do
racionalismo de Descartes) Portanto o Eu puro valeacuteryano natildeo guarda uma
moralidade consistindo na invariabilidade naquilo que natildeo muda no espiacuterito O
espiacuterito eacute abordado como um signo de pura possibilidade de uma virtualidade ao
qual o Eu empiacuterico aspira e tende Eu que passa por uma ascese e encontra-se ―
purificado de paixotildees de outros iacutedolos e idolatrias ― de forma a se tornar liberto
para agir e pensar
A nossa pesquisa da escrita valeacuteryana gera e explora meios de afirmar e de
proporcionar possibilidades criadoras em educaccedilatildeo justamente porque ndash como
salienta Corazza (2010 p 2) ndash o espiacuterito humano enfrenta dificuldades para pensar
o informe de maneira que necessitamos ldquode uma Educaccedilatildeo ou pedagogia dos
sentidos associando a vivecircncia dos limites formais com a criaccedilatildeo artistadorardquo
A pesquisa trata portanto de um fazer compositivo de escrita de uma praacutetica
de ensino numa construccedilatildeo conjunta com a obra de Valeacutery que busca o valor do
pensar humano observa seu funcionamento e sua accedilatildeo fecunda de pensar Por seu
intermeacutedio construiacutemos operaccedilotildees escrileitoras tradutoacuterias (escrita-leitura e leitura
escrita) capturando as forccedilas que aproximam percepccedilatildeo e criaccedilatildeo
Pensamos que a Filosofia da Diferenccedila pode servir-se das pesquisas deste
poeta-pensador como um disparador de escrita que busca um novo modo de ver e
de pensar o pensamento no qual a linguagem a verdade a consciecircncia de si satildeo
inseparaacuteveis e inter-relacionadas Pensar que possibilita o alargamento das
fronteiras da linguagem educacional na medida em que quebra concepccedilotildees
filosoacuteficas e cientiacuteficas consideradas verdadeiras e incontestaacuteveis
Inter-relaccedilatildeo na qual o espiacuterito Estudante-Escritor- Educador (EEE) estaacute
sempre se autoproduzindo por via de uma self-variance num processo contiacutenuo de
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geraccedilatildeo de sentidos imanentes singulares e particulares os quais reivindicam
novas possibilidades de invenccedilatildeo de emissatildeo de signos que se inscrevem para
escriturar sentidos oriundos das sensaccedilotildees num empirismo de pensar constante
cujos procedimentos implicam necessariamente o campo do vivido Pesquisamos
nesse processo variante o ambiente humano por entre dramas e comeacutedias do
vivido no campo educacional ou ainda uma dracomeacutedia humana repleta de
potenciais vicissitudes que servem como disparadores para uma invenccedilatildeo
produtora de escrita texto-manifesto exposto por via da linguagem e suas
convenccedilotildees
Meacutetodo
O meacutetodo utilizado na pesquisa eacute o do informe que desenvolve um tipo de
pesquisa que possibilita enfrentar a dificuldade de pensar o informe Meacutetodo este
que se interroga e que varia durante todo o processo de sua execuccedilatildeo natildeo
possuindo um regramento estanque ou dogmaacutetico o que baniria o prazer do
inusitado
Esse meacutetodo age atraveacutes de capturas das forccedilas dos textos das imagens
das musicalidades das vozes e dos conhecimentos isto eacute de tudo que deveacutem em
vida potente e que possa ser adequado agraves praacuteticas de ensino pois conforme Valeacutery
(1997 p 59) ldquoeacute o que contenho de desconhecido a mim mesmo que me faz ser eu
mesmordquo
Na praacutetica o que observamos eacute um desejo que ronda ldquocomo uma mina a ceacuteu
abertordquo (BARTHES 2013 p12) que propicia criar uma fantasia de exploraccedilatildeo e por
intermeacutedio dela construir um ritmo proacuteprio de accedilatildeo exploratoacuteria um como para viver
junto com vida e obra de determinado pensador saboreando cotidianamente
ldquobocados de saber = pesquisardquo Assim por entre bocados de pesquisa esse meacutetodo
produz ficccedilatildeo de modo que ldquoos pesquisadores capturam forccedilas imaginaacuterias
fantasiacutesticas e intelectuais que os conduzem ao trabalho criadorrdquo (CORAZZA 2012
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p19) levando o espiacuterito a experimentar um novo fazer ou seja uma pesquisa gaia
na educaccedilatildeo contemporacircnea
Por este vieacutes tal meacutetodo busca dar adeus agraves metanarrativas de ambiccedilatildeo
universal insistente nos entremeios do territoacuterio educacional Sua ambiccedilatildeo universal
eacute hermeacutetica e portanto falha pois impede uma discussatildeo que se quer aberta e natildeo
reprodutora de conhecimento Esta abertura pode trazer ao proacuteprio curriacuteculo e agrave
didaacutetica um entoar de novas vozes capazes de compor narrativas novas fazendo
na accedilatildeo de ensinar um espaccedilo criacutetico um lugar puacuteblico para discussotildees diversas
Ou seja capturar o que ateacute entatildeo foi excluiacutedo ou natildeo contemplado nas
metanarrativas em funccedilatildeo de sua supressatildeo por natildeo pertencerem aos dogmas
ditos universais Busca-se assim o vatildeo o desvio o detalhe tendo a linguagem
como movimento isto eacute em fluxo constante no movimento de criaccedilatildeo
Desse modo aquilo que sabemos que nos pertence natildeo conta pois
procuramos o que natildeo foi ainda construiacutedo o que resta para ser adquirido
transformado e que se anuncia nos entremeios dos textos Sendo assim a literatura
a filosofia e a educaccedilatildeo entrecruzam-se visto que seus conhecimentos e saberes
satildeo investigados por via das proacuteprias escrileituras que interrogam as tramas
compositivas do intelecto
Pode-se tambeacutem afirmar que o referido meacutetodo tem apreccedilo pelo espiacuterito
crianccedila ― que jamais deveria morrer em noacutes ― pois que ele traz em si a forccedila da
curiosidade da persistecircncia da descoberta haacute neste espiacuterito pagatildeo e poeta um
infinito de possibilidades Como elucida Eduardo Galeano em entrevista chamada eacute
Tempo de viver sem medo2 ldquoeacute preciso olhar o que natildeo se olha o que merece ser
olhado tanto o micro mundo e ao mesmo tempo sermos capazes de contemplar o
universordquo E para tanto eacute preciso se ter uma visatildeo microscoacutepica e outra telescoacutepica
para assim tentar desvendar o que haacute de misterioso na existecircncia
2 Entrevista de Eduardo Galeano disponiacutevel em canal moritz Ptnet acesso em 05 de julho de
2016
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As escrileituras produzidas em uma praacutexis do informe portanto satildeo criadas
em conjunto com os meandros labiriacutenticos e espirituais dos quais nos ocupamos
escolhidos pela apaixonada necessidade de escrever Natildeo se verifica uma doutrina
mas um meacutetodo para operaccedilotildees espirituais tracircnsitos pelos macros e micros
mundos ofertados pelo existir Os espiacuteritos operam em variaccedilatildeo e lanccedilam um novo
olhar para o que ainda natildeo foi visto ou seja o que ainda ignoramos e com estes
novos elementos do que se detecta surgem vatildeos e frestas que propiciam uma
composiccedilatildeo de escrita viva
Sendo assim o meacutetodo do informe nada mais eacute do que um fazer mutante
avesso ao sedentarismo intelectual um ato fiacutesico corporal posto em movimento
atraveacutes de estudos e pesquisas abrindo possibilidades para que o espiacuterito trabalhe
e medite sobre a produccedilatildeo de uma obra ― de um espiacuterito criador ― numa atitude
interrogativa transformada em problema que questiona pelo vieacutes de Valeacutery (2011 p
200) O que a obra produz em noacutes
Todo corpo posto em atividade eacute energia despendida e tambeacutem adquirida a
todo instante um organismo em constante mutaccedilatildeo Uma forma fluente ― referida
por Duns Scot como um onde ou (ubi) ― e capaz de uma determinaccedilatildeo qualitativa
anaacuteloga ao calor adquirido pelo corpo que se aquece atraveacutes do contato e do
contaacutegio com outros corpos que os circundam E nesta metamorfose contiacutenua e
energeacutetica o espiacuterito se propotildee a buscar maior lucidez para o intelecto e conhecer a
fundo a problemaacutetica a que se propotildee num exerciacutecio que se realiza atraveacutes de um
nomadismo de pensamento ativo sempre em deslocamento que busca o novo
De fato com o espiacuterito entendido desde a perspectiva valeacuteryana atraveacutes dos
movimentos de escrileituras da pesquisa com o artifiacutecio da literatura movimentamos
uma malha intelectiva que possibilita a construccedilatildeo de espiritografias Ou seja vamos
ao mundo de um espiacuterito e com ele escrevemos a partir de um estudo de vida e de
obra ou de uma Vidarbo Trata-se do interesse ldquopor Vida (Biografia) e por Obra
(Bibliografia) Soacute que em vez de Vida e Obra tomadas em separado ou uma
derivada e mesmo causa da outra trata de Vidarbordquo (CORAZZA 2010) tomada
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conjuntamente Essas operaccedilotildees das faculdades intelectivas repletas de afecccedilotildees
permitem e compotildeem o meacutetodo do informe como um mecanismo que exige um tipo
de construccedilatildeo no qual o inesperado eacute condiccedilatildeo processual
Projetos
Essas operaccedilotildees de meacutetodo do informe tiveram suas experimentaccedilotildees e
pesquisas empiacutericas cultivadas em trecircs projetos desenvolvidos pela pesquisadora e
professora doutora Sandra Mara Corazza e seus orientandos de iniciaccedilatildeo cientiacutefica
mestrado e doutorado na Linha de Pesquisa 09 Filosofias da Diferenccedila em
Educaccedilatildeo integrante do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo (PPGEdu) da
Faculdade de Educaccedilatildeo (FACED) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS) quais sejam Dramatizaccedilatildeo do infantil na comeacutedia intelectual do curriacuteculo
meacutetodo Valeacutery-Deleuze (2010) Escrileituras um modo de ler-escrever em meio agrave
vida e Didaacutetica da Traduccedilatildeo transcriaccedilotildees do curriacuteculo escrileituras da Diferenccedila
(2014 ndash 2019)
O projeto atual almeja complementar correlacionar e consolidar a formaccedilatildeo
de professores-pesquisadores atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos resultados e
impactos das produccedilotildees oriundas das trecircs pesquisas investigando um curriacuteculo e
uma didaacutetica da diferenccedila visando criar e fortalecer a ampliaccedilatildeo e a consolidaccedilatildeo
da qualidade de uma pesquisa-docecircncia
Desde o iniacutecio o meacutetodo do informe apontava para um tipo de pesquisa
construcionista enquanto um convite para estudos e praacuteticas de escrita as quais
atraveacutes das aventuras do intelecto facultam ao espiacuterito construir a sua proacutepria
realidade no campo ambiental da linguagem pensando o informe com Valeacutery e sua
Comeacutedia Intelectual e com Deleuze e o seu Meacutetodo de Dramatizaccedilatildeo aleacutem de
recorrer tambeacutem a Roland Barthes e ao seu conceito de Biografemaacutetica (CORAZZA
e OLIVEIRA 2015)
O Projeto Escrileituras (2011-2015) apoiado pelo Programa Observatoacuterio da
Educaccedilatildeo (CAPESINEP) teve como proposiccedilatildeo um fazer-educaccedilatildeo por meio de
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Oficinas abrindo assim possibilidades de criaccedilatildeo de escrileituras em educaccedilatildeo
Oficinas que tinham em sua percepccedilatildeo criaccedilatildeo e desenvolvimento dois meios
possiacuteveis para movimentos experimentais de escrita a formaccedilatildeo que acompanhava
os bolsistas e pesquisadores participantes e cursos e accedilotildees de extensatildeo oferecidos
a professores da Educaccedilatildeo Baacutesica
Totalizando um registro de 570 oficinas desenvolvidas pelo projeto foi
desenvolvida a Oficina espiritograacutefica de co-criaccedilatildeo dialoacutegica propondo aos
participantes um exerciacutecio de pensamento valeacuteryano que explorasse a forma de
escrita ldquodiaacutelogordquo atraveacutes de textos filosoacuteficos e literaacuterios que tratavam do tema
A oficina buscava pensar de forma luacutecida condiccedilotildees de criar personagens
que pensam o proacuteprio pensamento afirmando o espiacuterito que opera e escreve com
prazer ciente ldquoque cada um eacute a medida das coisasrdquo (VALEacuteRY 2011) E atraveacutes
desta empiria de escrita proposta na oficina proporcionou um aporte teoacuterico e
praacutetico para composiccedilatildeo da dissertaccedilatildeo de mestrado Alfabeto espiritograacutefico
escrileituras em educaccedilatildeo (CAMPOS 2013)
Espiritografia
Dessa accedilatildeo empiacuterica a palavra espiritografia comeccedila a tomar forccedila nas
pesquisas possibilitando ao espiacuterito escrileitor investigar outros Espiacuteritos e suas
vidarbos e com eles passar a criar procedimentos capazes de promover uma
produccedilatildeo de escrita espiritograacutefica experimental que se ocupa de erracircncias acasos
e o inusitado e que se configura em uma tese intitulada A Educaccedilatildeo da Diferenccedila
com Paul Valeacutery Meacutetodo Espiritograacutefico (CAMPOS 2015) com proposta jaacute
qualificada em 2015 e com defesa final prevista para 2017
Deste modo o espaccedilo curricular afirmava-se de maneira transversal com a
filosofia com as artes e com as ciecircncias tomando para si a tarefa de compor um
curriacuteculo como uma construccedilatildeo aberta fazendo dos conhecimentos que se colocam
em movimento um compoacutesito multidimensional de leitura e de escrita potenciais
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Assim o Projeto Escrileituras optou por afirmar um curriacuteculo mutante
provocando com isso que sua didaacutetica tambeacutem o fosse Ou seja didaacutetica e
curriacuteculo possibilitaram atraveacutes das Oficinas a ampliaccedilatildeo da visatildeo de mundo por
via do conhecimento que serve como um disparador para a edificaccedilatildeo de outros
mundos possiacuteveis isto eacute um modo de viver e de ldquomaquinar a educaccedilatildeo com prazer
aventureiro e espiacuterito aventurosordquo (CORAZZA 2014)
Abrindo dobras na pesquisa foi possiacutevel falar e escrever sobre Autor
Infacircncia Curriacuteculo e Educador ndash unidades analiacuteticas referidas como AICE e
integrantes de procedimentos didaacuteticos Jaacute o curriacuteculo foi composto pelas seguintes
unidades analiacuteticas Espaccedilos Imagens e Signos (EIS) os quais satildeo postos em
movimento por meio de um nomadismo intelectual experimentado no proacuteprio
territoacuterio da educaccedilatildeo valendo-se dos procedimentos muacuteltiplos de escrita de Valeacutery
para um fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo
Atraveacutes de um Meacutetodo do Informe utilizando o conhecimento como invenccedilatildeo
que por via de transbordamentos de pesquisa esses elementos possibilitaram criar
um novo meacutetodo chamado espiritograacutefico ndash defendido na tese A Educaccedilatildeo da
Diferenccedila com Paul Valeacutery Meacutetodo Espiritograacutefico (CAMPOS 2015) ndash pelo qual foi
possiacutevel a criaccedilatildeo de alguns tipos de espiritografias tradutoacuterias como Plagiotroacutepica
Imageacutetica Mise en Scegravene Desviante Extra-Ordinaacuteria Jogada Aula-Empiacuterica
Poeacutetica
Escrever eacute traduzir conforme afirma Valeacutery na eacutepoca em que traduzia as
Bucoacutelicas de Virgiacutelio (1944) destacado no livro de Haroldo de Campos (2013)
Transcriaccedilatildeo
Escrever o que quer que seja desde o momento em que o ato de escrever exige reflexatildeo e natildeo eacute uma inscriccedilatildeo maquinal e sem detenccedilas de uma palavra interior toda espontacircnea eacute um trabalho de traduccedilatildeo exatamente comparaacutevel agravequele que opera a transmutaccedilatildeo de um texto de uma liacutengua em outra (VALEacuteRY apud CAMPOS 2013 paacuteg61-62)
Essas forccedilas operativas da escrita (e da leitura) servem como impulso para
uma trajetoacuteria autoconsciente do espiacuterito que se aventura entre rasuras em busca
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do novo Produzindo uma escrita tradutoacuteria aberta sujeita a interaccedilotildees e oscilaccedilotildees
oriundas daquele espiacuterito que age sobre o texto criamos uma didactique da
novidade da erracircncia de AICE que pode gerar intranquilidade pois caccedila em meios
muacuteltiplos de escrita ― rigorosa e complexa ― seus desdobramentos enigmaacuteticos
perseguindo a exatidatildeo dos sentidos por entre Espaccedilos Imagens e Signos (EIS) do
Curriacuteculo
Sendo assim AICE (Didaacutetica) e EIS (Curriacuteculo) tomam para si uma poeacutetica de
pesquisa que se quer empiacuterica num processo de releitura e de reescrita do viviacutevel
no campo educacional e que acabam produzindo um diferencial curricular e didaacutetico
da diferenccedila visto que criam novas epistemes possibilitando ldquopensar uma didaacutetica e
um curriacuteculo tradutoacuteriosrdquo (CORAZZA 2014 p5)
Em seu texto A Tentaccedilatildeo de (Satildeo) Flaubert Valeacutery (2011) escreve sobre a
diaboacutelica tentaccedilatildeo humana e poeacutetica de provocar uma escrita amebiana como meio
para um jogo escritural do viviacutevel pois viver eacute a todo instante sentir falta de alguma
coisa e modificar-se para atingi-la para desse modo tender a substituir-se no
estado de sentir falta de alguma coisa Trata-se de um movimento corpoacutereo como o
feito pela ameba ou seja de transubstanciaccedilatildeo com o objeto amado pois ldquovivemos
do instaacutevel pelo instaacutevel no instaacutevel essa eacute a funccedilatildeo completa da Sensibilidade
que eacute a mola diaboacutelica da vida dos seres organizadosrdquo (VALEacuteRY 2011 p 83)
Essas perspectivas poeacuteticas sobre escrita leitura curriacuteculo e didaacutetica
possibilitam no espaccedilo da aulaoficina a emergecircncia de procedimentos
interpretativos das mateacuterias curriculares que funcionam como meio de invenccedilatildeo
recriando assim culturas e discursos atraveacutes de exerciacutecios rigorosos cocircmicos e
dramaacuteticos do pensamento Nesse sentido como um espaccedilo de ficccedilatildeo a aula eacute
planejada para que de algum modo funcione como um laboratoacuterio coletivo em que
se examina e promove-se a educaccedilatildeo do espiacuterito
Assim satildeo promovidos encontros imanentes que fornecem coordenadas
para o pensamento criacutetico que eacute experimentado num empirismo transcendental no
qual ldquoa Ideia natildeo eacute o elemento do saber mas de um lsquoaprenderrsquo infinitordquo (DELEUZE
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2006 p310) Nesse tipo de empirismo o que vale eacute o valor agregado ao espiacuterito
das forccedilas que do pensamento se apossa e que satildeo capazes de produzir novas
imagens que enunciam e novamente atualizam o pensar Com textos literaacuterios os
espiacuteritos escrileitores em movimentos de self-variance passam a acompanhar
essas danccedilas dramaacuteticas em meio agrave vida in-formada
Trata-se de um pensar vivo capaz de escriturar novos sentidos e de inscrever
signos que satildeo vitalmente transcriados pois operam para ldquoatravessar a ortodoxia
dos textosrdquo (CORAZZA 2014) e com eles criar uma escrita indomesticada criacutetica e
vivificadora Damos assim vida a uma nova praacutexis de ensino capaz de construir
espiritografias na qual o espiacuterito age por si enquanto move-se entre leituras e
escritas Espiacuterito que se interroga observa o proacuteprio fazer da escrita literaacuteria que
tem como tarefa anotar borrar fazer muacuteltiplas reflexotildees combinaccedilotildees tentativas e
falhas
Notemos que o espiacuterito ocupa trecircs lugares funcionais em seu laboratoacuterio
proacuteprio quais sejam EEE ndash o de Estudante (espiacuterito em curso tradutoacuterio de escrita)
o de Escritor (espiacuterito autor tradutor e transcriador) e o de Educador (espiacuterito em
exerciacutecio de traduccedilatildeo no exerciacutecio do magisteacuterio) Eacute esse atravessamento entre
lugares que movimenta EIS (Curriacuteculo) e AICE (Didaacutetica) os quais pela via da
traduccedilatildeo satildeo reimaginados Vislumbramos de acordo com Corazza (2013 p 219)
um fazer tradutoacuterio ldquopara aleacutem do literalismo rudimentar e da banalidade explicativardquo
que daacute nova vida ao educador-artista e cujas traduccedilotildees ldquopoderatildeo por vezes tornar-
se mais importantes que os originaisrdquo pois se configuram como uma ldquoestrateacutegia de
renovaccedilatildeo dos sistemas educacionais e culturais contemporacircneosrdquo
Experimentaccedilotildees
A partir do desenvolvimento de algumas Oficinas de Transcriaccedilatildeo durante o
Projeto Escrileituras continuamos estudando e pesquisando o pensamento de
Valeacutery na direccedilatildeo de construir tipos de espiritografias como uma praacutetica que
promove novos movimentos que tomam as unidades analiacuteticas de EIS AICE na qual
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buscamos combinar e correlacionar EIS com AICE (Espaccedilos Imagens e Signos a
Autor Infantil Curriacuteculo Educador) e nesse processo combinatoacuterio e correlacional
operacionalizar escrileituras tradutoacuterias que se articulassem com a praacutexis do ensinar
escrever orientar pesquisar colocando esses verbos em foco por meio de um fazer
espiritograacutefico Tal procedimento exploratoacuterio-experimental de pesquisa tem como
intuito criar meios para a produccedilatildeo de accedilotildees de pensamento na pesquisa
Nessa direccedilatildeo detalharemos um dos tipos de espiritografia aludida no texto
a Espiritografia Plagiotroacutepica Lembrando o que salienta o proacuteprio Valeacutery (2011 p
110) ldquoeu sei apenas o que sei fazerrdquo expomos os movimentos empiacutericos de escrita
feitos para criar essa espiritografia atraveacutes de movimentos de EIS AICE
apresentados a seguir por meio de um resumo do seu Glossaacuterio
EIS AICE
Espaccedilos - que se habitam e produzem
condiccedilotildees para novamente serem
habitados ao esvaziar-se na
constituiccedilatildeo de novas margens que a
sua vez lhes doam novas instacircncias
habitaacuteveis
Imagens - ausentes que presentificam
presenccedilas e Imagens presentes que
presentificam ausecircncias
Signos - satildeo dotados das forccedilas dos
encontros que podem exercer uma
violecircncia sobre o pensamento
violecircncia que implica na criaccedilatildeo do
pensar no proacuteprio pensamento
Autor-Tradutor - escreve lecirc interpreta aprende
compotildee apenas para desencadear devires
Infantil - como forccedila ativa e vontade de potecircncia
afirmativa
Curriacuteculo - cria a alegria afirmativa de educar
Educador - exercita se interrogar se tudo o que disse
ateacute entatildeo eacute tudo o que pode dizer se tudo o que viu
ateacute agora eacute de fato tudo o que pode ver se tudo o
que pensa eacute tudo o que pode pensar se tudo o que
sente eacute tudo o que pode sentir se tudo o que traduziu
eacute tudo que pode traduzir
O texto inspirador para a produccedilatildeo dessa espiritografia eacute o livro de Gonccedilalo
Tavares (2011) intitulado O senhor Valeacutery e a loacutegica tomado como um disparador
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como um meio potente para a produccedilatildeo de escrita Esse meio textual produz um
outro para falar e escrever sobre a Vidarbo (vida-obra) de Paul Valeacutery criando-se
assim um personagem O Monsieur Valeacutery
Esse texto eacute produzido por intermeacutedio de escrileituras que contemplam o
ainda natildeo visto ou ainda natildeo atribuiacutedo de valor para a criaccedilatildeo do personagem na
medida em que pesquisamos sobre a vida e a obra de Valeacutery de modo a escrever
sobre este personagem peculiarmente
Por via de um olhar outro que natildeo o de Tavares mas do olhar do espiacuterito
escrileitor que pesquisa vida e obra de outro espiacuterito no caso Valeacutery almejamos
compor uma espiritografia com e sobre este personagem do pensamento o que
pressupotildee ir ao mundo deste espiacuterito do qual se escreve observando como se daacute o
seu pensar Desta maneira foram produzidos quatro minicontos O Atum O
Ostinato O Sonho e Sem Destino (CAMPOS 2015) Abaixo seguem os dois
primeiros dessa seacuterie
O Atum
MONSIEUR VALEacuteRY era pequenino mas adorava nadar
Ele explicava
Sou igual a um atum soacute que em tamanho menor
Mas isto constitui para ele um problema
Mais tarde o monsieur Valeacutery pocircs-se a pensar que os pescadores podiam
confundi-lo com um atum e pescaacute-lo Sabia por suas leituras ser o Atum o mais
antigo deus criador do mundo Mediterracircneo e observou em seu livro a grande
Serpente Atum pai de Eneacuteade e Helioacutepolis E tal pensamento o animou um pouco
Dias depois saiu para passear agrave beira-mar e desenhou serpentes na areia E
pensava sobre a evoluccedilatildeo das espeacutecies e murmurava ldquose o homem estaacute situado ao
final de um longo esforccedilo geneacutetico tambeacutem seraacute preciso situar esta criatura fria sem
pata sem pelos sem plumas no iniacutecio deste mesmo esforccedilordquo E concluiu Haacute algo
de serpente no homem assim deve tambeacutem haver em mim
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Monsieur Valeacutery costumava fazer caacutelculos enquanto caminhava e riscava
atraacutes de si com uma varinha uma linha e ia medindo Caminhou caminhou de
suacutebito olhou para traacutes e viu a linha e pocircs-se a imaginar a Serpente como uma linha
viva E pensava que a linha eacute uma abstraccedilatildeo encarnada soacute enxergamos a sua parte
proacutexima manifesta Mas ele sabia que a linha seguia pelo invisiacutevel infinito de um
lado e de outro
O Ostinato
MONSIEUR VALEacuteRY cresceu assim como tambeacutem cresceu sua curiosidade
sobre as serpentes que seguia a rabiscar
Monsieur Valeacutery ainda costumava nadar poreacutem agora com maior
desenvoltura
Jogava-se ao mar e nadava de costas cachorrinho borboleta
Enquanto dava suas braccediladas e mergulhos no mar sem fim sentia-se
acompanhado
Entatildeo o monsieur Valeacutery pensava
― Seraacute Afrodite Ou seraacute Netuno
E enquanto caminhava para casa apoacutes seus nados volta e meia olhava para
traacutes observando a linha pintalgada pelos pingos que escorriam de seu corpo
Entatildeo Monsieur Valeacutery exclamava
― Que bela geometria
E logo se aborrecia
Monsieur Valeacutery era um perfeccionista e para se distrair durante o percurso
de volta para casa ia compondo versos Ostinatos que o enterneciam e lhe traziam
aromas de um pensamento Ele costumava declamaacute-los assim
Fonte minha fonte aacutegua friamente presente
Suave com os animais com os humanos clemente
Que tentados por si seguem ao fundo a morte
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Tudo te eacute sonho Irmatilde impaacutevida da Sorte3
Importa salientar que natildeo haacute um plaacutegio porque natildeo eacute coacutepia ou mera
reproduccedilatildeo textual mas de uma plagiotropia no sentido de Haroldo de Campos
(1997 p249) qual seja uma ldquoapropriaccedilatildeo seletiva natildeo histoacuterica para utilidade
imediata de um fazer poeacutetico situado na lsquoagoridadersquo o momento de ruptura em que
determinado presente (o nosso) se reinventa ao se reconhecer na eleiccedilatildeo de um
determinado passadordquo
Em outras palavras estabelecemos um diaacutelogo entre os espiacuteritos de Valeacutery
de Tavares e de um escrileitor que quer compor uma espiritografia O espiacuterito que
escreve lecirc repensa e mastiga o que chega dos textos de Tavares e de Valeacutery Essa
relaccedilatildeo estabelecida entre os espiacuteritos que leem e escrevem adquire potecircncia pelas
afecccedilotildees de forccedilas oriundas da accedilatildeo de leitura-escrita e gera novas relaccedilotildees com
os textos que satildeo entatildeo renovados e reinventados pelo meacutetodo espiritograacutefico
O EIS AICE do Curriacuteculo e da Didaacutetica com suas unidades analiacuteticas eacute posto
como bloco em movimento atraveacutes de um nomadismo intelectual que opera como
conhecimento e como invenccedilatildeo no territoacuterio da educaccedilatildeo de uma maneira
espiritograacutefica valeacuteryana Podemos descrever da seguinte maneira os movimentos
tradutoacuterios que ocorrem nessas unidades analiacuteticas de EIS AICE
EIS
Espaccedilos - satildeo criados entre e com Tavares e Valeacutery espaccedilos de escrita
novas margens que o espiacuterito escrileitor passa a habitar
Imagem - ausentes de Tavares e Valeacutery que se presentificam na agoridade
com novas imagens de pensamentos criadas que se ldquoreinventa ao se reconhecer na
eleiccedilatildeo de um determinado passadordquo (Campos 1997 p249) e que lhe serviu de
disparador como um rastro de escrita
3 Do poema Fragmentos de Narciso e outros poemas (VALEacuteRY 2013 p 61)
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Signos ndash encontro de forccedilas de um espiacuterito que escreve em Self-variance
com Valeacutery e com Tavares E desta violecircncia levantam-se problemas e com eles se
cria pois criaccedilatildeo pressupotildee pensar no proacuteprio pensamento e como eles se datildeo
entre leitura e escrita
AICE
Autor-tradutor ndash ler e escrever na educaccedilatildeo como operaccedilatildeo literaacuteria valer-se
da literatura que desencadeia movimentos de pensar interpretar aprender
compor devires tradutoacuterio
Infantil ndash do infante da crianccedila que descobre pois tem a forccedila ativa ativada
por uma vontade de potecircncia que quer afirmar-se com alegria
Curriacuteculo ndash Alegria que transborda pois se afirmam novos meios de educar
que natildeo o ldquoeu professotu escutasrdquo pois na teimosia que nos impele a educar eacute
necessaacuterio ir aleacutem da mera reproduccedilatildeo de textos
Educador ndash EEE (estudante escritor educador) trecircs papeacuteis intercambiaacuteveis
propiacutecios a interrogar-se levantar questotildees na busca de novos olhares ldquovatildeosrdquo
sobre o ainda natildeo visto que possibilita novas composiccedilotildees de escrita
Consideraccedilotildees Finais
Ao pensar sobre o processo de pesquisa exposto no presente artigo
sinalizamos a relevacircncia do pensamento de Paul Valeacutery e de sua apropriaccedilatildeo efetiva
no campo da educaccedilatildeo por considerar que os seus procedimentos de escrita
concedem ao espiacuterito que busca se educar agir com maior lucidez de pensamento
ou seja cultivar o Eu-empiacuterico que lecirc e escreve importando-se mais com o meio de
ocorrecircncia textual do que com um fim ou com uma meta
Tratamos em siacutentese de um fazer conjunto com Paul Valeacutery atraveacutes dos
seguintes aportes a) o Meacutetodo do Informe utilizado como processo experimental
para falar ler e escrever sobre a educaccedilatildeo com Valeacutery b) atraveacutes de uma Self-
variance do espiacuterito colocar-se em movimento funcional construcionista onde
autoeduca-se no entre-lugar variante de EEE c) a escrileitura conceitualizada como
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um campo aberto agrave formaccedilatildeo e ao fazer docente que mescla linguagem e
conhecimento
A vidarbo de Valeacutery engendra na didaacutetica e no curriacuteculo uma vontade de
expressatildeo unida agraves sensaccedilotildees experimentadas no viviacutevel em novos traccedilados
compositivos de escrita Para pensar e operar uma didaacutetica (AICE) e um curriacuteculo
(EIS) tradutoacuterios o estudo tambeacutem aponta que a pesquisa eacute mutante e aberta a
novas interferecircncias visto que o Meacutetodo do Informe transmuta-se no proacuteprio
percurso investigativo em um Meacutetodo Espiritograacutefico
Pelo que podemos observar acerca dos resultados e impactos das produccedilotildees
oriundas das trecircs pesquisas anteriormente citadas que pesquisam e produzem um
curriacuteculo e uma didaacutetica da diferenccedila eles vecircm proporcionando encontros
produtivos que ampliam e qualificam as pesquisas educacionais
Cabe enfatizar que no cotidiano educacional o que se traduz aleacutem de textos
eacute a proacutepria vida como potecircncia ou movimento de criaccedilatildeo almejando que a
existecircncia possa ser concebida como arte pois de acordo com Valeacutery (1977
p217) ldquoa arte natildeo eacute nada mais do que um pedagogo poreacutem mais importante ―
pois ela pode me ensinar a dispor do meu espiacuterito para aleacutem de suas aplicaccedilotildees
praacuteticasrdquo Trata-se entatildeo de um escrever vivendo espreitar a realidade e sobre ela
levantar novos problemas que promovem no espiacuterito dobras sobre si mesmo num
fazer poeacutetico-criador em elaboraccedilatildeo constante um modo de existir intensivo de arte-
vida que toma o viviacutevel como mateacuteria para assim transmutaacute-la no campo da
educaccedilatildeo contemporacircnea
Referecircncias CAMPOS Haroldo de Transcriaccedilatildeo Satildeo Paulo perspectiva 2013
_______ Haroldo de O Arco-Iacuteris Branco Rios de Janeiro Imago 1997 CAMPOS Maria Idalina Krause de Alfabeto Espiritograacutefico Escrileituras em Educaccedilatildeo Porto Alegre 2013 Projeto de dissertaccedilatildeo (Dissertaccedilatildeo em Educaccedilatildeo)
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Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Faculdade de Educaccedilatildeo Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2013 Disponiacutevel em lthttphdlhandlenet1018370246gt _______ Maria Idalina Krause de A Educaccedilatildeo da Diferenccedila com Paul Valeacutery Meacutetodo Espiritograacutefico Porto Alegre 2014-2017 Projeto de tese (Tese qualificada em Educaccedilatildeo) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Faculdade de Educaccedilatildeo Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2014 CORAZZA Sandra Mara OLIVEIRA Marcos da Rocha ADOacute Maacuteximo Daniel Lamela (Orgs) Biografemaacutetica na educaccedilatildeo Vidarbos (Caderno de Notas 7) Porto Alegre UFRGS Doisa 2015 _______ Sandra Mara Ensaio sobre EIS AICE proposiccedilatildeo e estrateacutegia para pesquisar em educaccedilatildeo Porto Alegre Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo CNPq 2014 30 p (No prelo) _______ Sandra Mara O que se transcria em educaccedilatildeo Porto Alegre ndash RS UFRGS Doisa 2013 _______ Sandra Mara Introduccedilatildeo ao meacutetodo biografemaacutetico In COSTA Luciano Bedin da FONSECA Tania Mara Galli (Org) Vidas do Fora habitantes do silecircncio Porto Alegre Editora da UFRGS 2010 _______ Sandra Mara Dramatizaccedilatildeo do infantil na comeacutedia intelectual do curriacuteculo meacutetodo Valeacutery-Deleuze Projeto de Pesquisa ndash Bolsa de produtividade CNPq 2010 _______ Sandra Mara Meacutetodo Valeacutery-Deleuze um drama na comeacutedia intelectual da educaccedilatildeo Educaccedilatildeo amp Realidade Porto Alegre v 37 n 3 Dec 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S2175-62362012000300016amplng=enampnrm=isogt Acessado em 13 de Julho de 2016 _______ Sandra Mara Didaacutetica da Traduccedilatildeo transcriaccedilotildees do curriacuteculo escrileituras da Diferenccedila (2014-2019) Projeto de Pesquisa de Produtividade (CNPq) _______ Gilles Diferenccedila e repeticcedilatildeo Trad Luiz Orlandi e Roberto Machado Rio de Janeiro Graal 2006 _______ Gilles A ilha deserta e outros textos Textos e entrevistas (1953-1974) Satildeo Paulo Iluminuras 2006 (Org Luiz B L Orlandi) DELEUZE Sobre o teatro Um manifesto de menos O esgotado Rio de Janeiro Editora Zahar 2010
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CAMPOS Idalina Krause de Fazer tradutoacuterio em educaccedilatildeo com Paul Valeacutery esperitografias Revista da
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TAVARES Gonccedilalo M O senhor Valeacutery e a Loacutegica 1 ed Rio de Janeiro Casa da Palavra 2011 VALEacuteRY Paul Variedades Trad Maiza Martins de Siqueira Satildeo Paulo Iluminuras 2011 _______ Paul Fragmentos de Narciso e outros poemas Trad Juacutelio Castantildeon Guimaratildees Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial 2013 _______ Cahiers Paris Gallimard 1977
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GROL Ana Paula Schoninger Van BLAUTH Lurdi Gravura procedimentos alternativos em litografia
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Gravura procedimentos alternativos em litografia contemporacircnea
Ana Paula Schoninger van Grol1 Universidade Feevale
Lurdi Blauth2
Universidade Feevale
Resumo O estudo aborda a inter-relaccedilatildeo da arte com distintos meios de produccedilatildeo de imagens mediando procedimentos tradicionais com processos de tecnologias digitais As experiecircncias satildeo realizadas no campo da gravura contemporacircnea com o intuito de propor outras possibilidades de criaccedilatildeo de matrizes pela utilizaccedilatildeo e o aproveitamento de materiais alternativos e o uso de produtos menos toacutexicos Consideramos que eacute importante estimular o uso destes outros meios principalmente em ateliecircs de gravura xilogravura gravura em metal litografia e serigrafia Neste momento apresentamos alguns resultados parciais no acircmbito da litografia cujas pesquisas foram desenvolvidas no ateliecirc de gravura da Universidade Feevale Palavras-chave Arte tecnologia gravura litografia Abstract The research takes into consideration the relation among the different ways of producing images associating traditional methods with digital technology processes The experiences are taken in the field of contemporary printing intenting propouse other possibilities in creating printing matrices from use and exploitation of alternative material and non-toxic products It is considered that it is important to stimulate the use of alternative means particularly in art labs such as xylography metal engraving lithography and silkscreen To the present moment will be presented some partial results related to lithograph all researches were accomplished at the art laboratory in Universidade Feevale Keywords Art technology printing lithography
Introduccedilatildeo
Os movimentos artiacutesticos no iniacutecio de seacuteculo XX transgridem as formas
tradicionais da arte como podemos observar no surrealismo futurismo e dadaiacutesmo e
nas publicaccedilotildees em manifestos que confrontam questotildees sociais e culturais A
invenccedilatildeo da fotografia intensifica a aproximaccedilatildeo entre a arte e a tecnologia liberando
os artistas da questatildeo da representaccedilatildeo tradicional de espaccedilo para realizarem novas
1 Graduada em Artes Visuais trabalha como professora de liacutengua inglesa Eacute diretora do grupo de teatro de rua DRIME e tambeacutem atua como artista plaacutestica 2 Doutora em Artes Visuais pela UFRGS (2005) e Doctorat sandwich en Art Plastique - Universiteacute Paris 1 (Pantheacuteon-Sorbonne) (2003) Artista visual pesquisadora e professora nos cursos de Artes Visuais Design Graacutefico e no PPG em Processos e Manifestaccedilotildees Culturais Universidade Feevale
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GROL Ana Paula Schoninger Van BLAUTH Lurdi Gravura procedimentos alternativos em litografia
contemporacircnea Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 36-51 juldez 2016 Disponiacutevel em
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experiecircncias Em 1910 quando Pablo Picasso e Georges Braque inserem em suas
pinturas outros materiais como fragmentos de jornais elementos da tipografia entre
outros impressos fazem uma alusatildeo direta ao cotidiano e ao progresso dos novos
meios tecnoloacutegicos da eacutepoca Tais fragmentos colados sobre a superfiacutecie da tela aleacutem
de redimensionarem a relaccedilatildeo da representaccedilatildeo do espaccedilo ilusionista da perspectiva
introduzem uma nova forma de tempo e espaccedilo Os limites tradicionais e a
representaccedilatildeo objetiva da arte comeccedilam a ser questionados sobretudo com a
utilizaccedilatildeo e a experimentaccedilatildeo de novos materiais bem como tambeacutem a expressatildeo
pessoal do artista
No acircmbito do desenvolvimento da gravura percebemos a coexistecircncia com
inovaccedilotildees teacutecnicas as quais satildeo constantemente renovadas e incorporadas aos
procedimentos tradicionais de criaccedilatildeo de imagens sobre distintas matrizes e processos
de reproduccedilatildeo sobre diferentes suportes Atualmente o conceito inicial da gravura se
transforma junto com a evoluccedilatildeo da cultura e dos novos meios tecnoloacutegicos Ela natildeo
envolve necessariamente gravaccedilatildeo isto eacute subtraircortar mateacuteria de uma superfiacutecie
como eacute feito nos meios mais tradicionais como a xilogravura e a calcografia Utiliza-se a
adiccedilatildeo de pigmentos os quais modificam a superfiacutecie de uma matriz atraveacutes de
processos quiacutemicos confronta-se tambeacutem com a gravaccedilatildeo fotograacutefica a eletrografia e
a computaccedilatildeo graacutefica buscando assim a inter-relaccedilatildeo com outras linguagens
Tais desdobramentos tencionam as suas especificidades teacutecnicas propondo
uma maior flexibilidade e autonomia em relaccedilatildeo aos seus meios convencionais de
gravaccedilatildeo e impressatildeo Contudo as linguagens tradicionais natildeo satildeo descartadas uma
vez que eacute fundamental termos conhecimento das caracteriacutesticas dos seus
procedimentos originais que continuam sendo desenvolvidos por inuacutemeros artistas Ou
seja satildeo produzidas gravuras com meios teacutecnicos da xilogravura calcografia serigrafia
e litografia e de acordo com as singularidades criativas de cada artista satildeo
incorporados desenhos pinturas colagens transferecircncia de fotografias digitais coacutepia
uacutenica em contraponto com a reproduccedilatildeo de imagens
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Neste estudo investigamos a criaccedilatildeo de imagens por meio de experimentaccedilotildees
praacuteticas com procedimentos analoacutegicos (gravura) incluindo a utilizaccedilatildeo de recursos
provenientes de tecnologias digitais (fotografia) e a transferecircncia de imagens sobre
matrizes alternativas
O enfoque das nossas experimentaccedilotildees eacute buscar materiais que possam suprir
os procedimentos tradicionais da litografia devido a dois fatores primeiro satildeo poucos
ateliecircs que possuem as pedras litograacuteficas o que impede o seu faacutecil acesso segundo
aliada aos constantes desdobramentos e potencialidades da linguagem graacutefica eacute
fundamental a experimentaccedilatildeo de outros materiais mais acessiacuteveis e menos toacutexicos
Cabe mencionar que tais experimentaccedilotildees partem de informaccedilotildees obtidas por
pesquisas apresentadas em sites da internet artigos e estudos oriundos de testagens
realizadas em outros paiacuteses No entanto percebemos que os procedimentos natildeo
resultam em apenas transcrever teacutecnicas implicam em tentar adotar materiais similares
em nosso contexto aleacutem de indicarem outras possibilidades de criaccedilatildeo artiacutestica
Os experimentos e pesquisas relatados aqui satildeo vinculados ao projeto de
pesquisa Arte e Tecnologia Interfaces Hiacutebridas da Imagem entre Mediaccedilotildees e
Remediaccedilotildees que acontece sob orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Lurdi Blauth nos ateliecircs de arte
da Universidade Feevale O objeto de estudo investiga possibilidades hiacutebridas que
inter-relacionam meios analoacutegicos e digitais de diferentes linguagens esteacuteticas como a
gravura fotografia videoarte e tecnologias digitais
Litografia princiacutepios baacutesicos
A litografia descoberta por Alois Senefelder em 1796 comeccedilou a ser utilizada
de forma utilitaacuteria para impressatildeo de documentos roacutetulos cartazes mapas jornais
aleacutem de apresentar uma nova possibilidade expressiva para os artistas A teacutecnica da
litografia tem como princiacutepio baacutesico o fenocircmeno quiacutemico de repulsatildeo entre gordura e
aacutegua tornando-se um meio de reproduccedilatildeo de imagens Antes da invenccedilatildeo da litografia
toda a gravura pressupunha gravaccedilatildeo isto eacute a incisatildeo sobre uma superfiacutecie resultando
numa imagem que podia ser transferida pelo seu relevo Isto quer dizer que a gravura
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estava associada agrave incisatildeo agrave subtraccedilatildeo o oposto de adiccedilatildeo De acordo com George
Kornis3 (2015)
O advento da litografia no seacuteculo XIX ndash um processo fundado apenas em uma accedilatildeo quiacutemica sobre uma matriz em pedra ndash possibilitou um grau de liberdade diante da incisatildeo e ampliou a escala de reprodutibilidade da imagem graacutefica Na litografia a linguagem graacutefica aproxima-se ainda mais do desenho Essa nova teacutecnica prescinde da incisatildeo o que amplia o acesso a novos artistas que optam por incorporar tambeacutem a expressatildeo graacutefica ao seu trabalho
Importantes artistas comeccedilam a utilizar a teacutecnica como meio de expressatildeo
Goya como podemos observar na obra Touradas de 1825 (fig 1) Gustave Doreacute
Renoir Ceacutezanne Toulouse-Lautrec Bonnard entre outros realizam novas
experimentaccedilotildees introduzindo inclusive a cor nos meios litograacuteficos
Figura 1 Francisco Joseacute de Goya Touradas 1825 Fonte Disponiacutevel em httpwwwpatrimoniodehuescaesmuseo-de-huesca-francisco-de-goya-y-
lucientes-grabados-de-tauromaquia-y-lienzo-del-sr-de-veian-s-xviii
A linguagem graacutefica aliada agraves transformaccedilotildees do seacuteculo XXI continua a sua
constante atualizaccedilatildeo teacutecnica pela convergecircncia de meios digitais e de teacutecnicas
seculares da gravura configurando-se pela exploraccedilatildeo de uma diversidade de novas
proposiccedilotildees esteacuteticas Nesse aspecto igualmente eacute colocado em discussatildeo o seu
caraacuteter original relacionado com a produccedilatildeo de uma matriz uacutenica e a reproduccedilatildeo de
3 KORNIS George Gravura passado presente e futuro Publicado em 13 de maio de 2015 Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomwatchv=mCmY_Oj3x64gt Acesso em 29 de julho de 2016
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estampas idecircnticas Para Nicole Malenfant (2012 p73) ldquoeacute na abertura para praacuteticas de
natureza interdisciplinar que a gravura transgrediu ainda mais o quadro de sua
especificidade para integrar a abordagem de criaccedilatildeo agrave perspectiva de uma
lsquopermeabilidade de fronteirasrsquo Em outras palavras estas novas abordagens inter-
relacionam procedimentos materialidades e conceitos ampliando inclusive o caraacuteter
mais intimista da gravura bem como as estruturas de suas praacuteticas teacutecnicas
convencionais que se desdobram no contato com as tecnologias digitais
Atualmente falamos em gravuras digitais que se distinguem das praacuteticas
tradicionais da gravura que ldquoeacute feita com base na construccedilatildeo pictoacuterica e utiliza
ferramentas proacuteprias aos softwares da imagem para elaborar uma proposta visual que
pode incluir elementos fotograacuteficos que se relacionem com outros elementos do todo da
imagemrdquo (MALENFANT 2012 p72) Embora as especificidades de cada procedimento
empregado estejam em sintonia eacute preciso levar em conta as peculiaridades e
denominaccedilotildees dos meios de reproduccedilatildeo e impressatildeo e suas diferentes granulaccedilotildees na
imagem A incorporaccedilatildeo da imagem fotograacutefica por meio de transferecircncia para outros
suportes e matrizes que permitem a sua reproduccedilatildeo se distingue da materialidade das
impressotildees manuais
Ainda de acordo com Malenfant
As pesquisas para transferir imagens fotograacuteficas ou digitais para matrizes que permitem se servir da impressatildeo artesanal tambeacutem enriqueceram essas imagens com uma materialidade diferente advindas da siacutentese de suas disciplinas implicadas Esses novos avanccedilos no plano teacutecnico permitem associar as ferramentas digitais ao processo de criaccedilatildeo da imagem e ampliam o campo da exploraccedilatildeo esteacuteticardquo (2012 p73)
Nessa perspectiva haacute uma liberdade muito maior em elaborar proposiccedilotildees
esteacuteticas que dialogam com uma diversidade de materiais e materialidades e de certa
maneira transgridem as delimitaccedilotildees para integrar novas formas de criaccedilatildeo no campo
ampliado da arte
Desse modo as investigaccedilotildees praacuteticas desta pesquisa se desdobram com a
exploraccedilatildeo de procedimentos alternativos para a gravura litograacutefica A partir do
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conhecimento de alguns princiacutepios baacutesicos da litografia procuramos trabalhar com
alguns meacutetodos que natildeo necessitam da utilizaccedilatildeo da pedra calcaacuteria cujo material eacute
escasso e limitado a poucos ateliecircs no Rio Grande do Sul
Contexto inicial
Para o desenvolvimento dos meios tradicionais da litografia eacute necessaacuterio uma
seacuterie de procedimentos que implicam no uso de diversos materiais como pedra
litograacutefica (calcaacuteria) materiais para desenho (Tousche laacutepis crayon) solvente
(removedor aacutegua-raz ou varsol) goma araacutebica breu aacutecido aceacutetico aacutecido niacutetrico entre
outros O processo eacute relativamente complexo pois depende da repulsatildeo entre gordura
e aacutegua A imagem eacute produzida sobre a superfiacutecie da pedra calcaacuteria com materiais
oleosos e depois de concluiacuteda satildeo aplicados diferentes componentes quiacutemicos que
iratildeo fixaacute-la Ou seja eacute necessaacuterio que todas as etapas sejam consideradas em sua
sequecircncia e geralmente requer o auxiacutelio de profissionais capacitados para a impressatildeo
aleacutem de outros cuidados teacutecnicos para que haja um bom resultado na obra final
Visando atender aos objetivos da pesquisa buscamos desenvolver a teacutecnica
com meacutetodos diversos realizando experimentaccedilotildees com diferentes suportes para a
produccedilatildeo de matrizes que se aproximem aos meios litograacuteficos Aleacutem disso buscamos
relacionar a pesquisa agraves tecnologias digitais seja no processo de criaccedilatildeo eou na
elaboraccedilatildeo das imagens graacuteficas
Experimentaccedilotildees praacuteticas
Inicialmente foram testados vaacuterios procedimentos e materiais tendo como
proposiccedilatildeo na medida do possiacutevel utilizar materiais menos nocivos ao ambiente
Nessas experimentaccedilotildees vaacuterios testes natildeo apresentaram os resultados esperados ou
adequados agrave proposta da investigaccedilatildeo contudo possibilitaram outras descobertas
Os estudos em ateliecirc tecircm como referecircncia o artigo ldquoLa siligrafiacutea Un proceso
alternativo en la graacutefica muacuteltiple contemporaacuteneardquo de Hortensia Miacutenguez Garciacutea e
Carles Meacutendez Llopis (2014) que sugere o uso de silicone e solvente sobre chapa
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offset Apoacutes algumas tentativas foi possiacutevel reproduzir a imagem contudo os
resultados deste experimento natildeo foram totalmente satisfatoacuterios em qualidade de
impressatildeo aleacutem do mais natildeo se enquadravam com os objetivos da pesquisa na
aplicaccedilatildeo dos materiais ndash que ainda apresentavam certa toxicidade (figura 2)
Figura 2 Ana van Grol - Detalhes do processo com litografia alternativa Fonte Arquivo pessoal
A partir destas experiecircncias realizadas em ateliecirc concluiacutemos que seratildeo
necessaacuterios mais estudos e praacuteticas para se obter melhores resultados para a
reproduccedilatildeo das imagens
Litografia natildeo toacutexica com refrigerante de cola e produtos caseiros
Nesta segunda etapa novos estudos bibliograacuteficos propiciaram outras testagens
com materiais e processos de litografia alternativa Percebemos que em muitos paiacuteses
jaacute estatildeo sendo pesquisados outros meacutetodos mais acessiacuteveis e de faacutecil manuseio
Nesse aspecto eacute interessante observar que encontramos pouco material em portuguecircs
inclusive os materiais sugeridos satildeo similares aos produzidos aqui no Brasil poreacutem
existe uma diferenccedila na qualidade dos mesmos
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Foram pesquisados em diversos viacutedeos disponiacuteveis na internet que tratam de
processos semelhantes ao de litografia alternativa Mencionamos alguns exemplos
como o ateliecirc francecircs Art Emilion4 (o qual tambeacutem produziu um manual para execuccedilatildeo
do processo) e o viacutedeo Kitchen Lithography Demo por Felicia Digiovanni5 ambos
demonstrando a teacutecnica com refrigerante de cola O processo utilizando somente
vinagre para substituir o refrigerante apresentado por ldquojjewelartrdquo tambeacutem fez parte do
experimento poreacutem natildeo apresentou os resultados esperados
De acordo com as demonstraccedilotildees do ateliecirc de arte Art Eacutemilion o procedimento
faz uso dos seguintes materiais oacuteleo de cozinha vinagre branco refrigerante de cola
papel alumiacutenio esponja litograacutefica tinta para talho doce rolo para entintagem laacutepis
para desenho litograacutefico (e outros materiais gordurosos para o mesmo fim como sabatildeo
de glicerina) papel para impressatildeo e aacutegua
O desenvolvimento da teacutecnica envolve as seguintes etapas
1 O papel alumiacutenio deve ser posto sobre uma chapa acriacutelica ou algo semelhante
para facilitar o trabalho o lado a ser usado eacute o fosco
2 Apoacutes limpar o papel alumiacutenio com aacutelcool pode-se fazer o desenho com giz
gorduroso ou sabatildeo de glicerina
3 O banho de refrigerante de cola eacute o passo seguinte mas deve-se ter a certeza
de que o desenho estaacute totalmente seco para isso Este processo toma alguns
segundos e eacute necessaacuterio assegurar-se de passar por toda a superfiacutecie
4 Depois disso deve-se lavar com aacutegua e secar levemente com papel toalha
5 O oacuteleo de canola deve ser espalhado por toda a superfiacutecie com uma gaze para
retirar o desenho do alumiacutenio
6 Eacute necessaacuterio passar a esponja de litografia sobre o desenho devendo estar
umedecida com aacutegua e ser aplicada entre as etapas de entintagem com tinta
4 EMILLION Aizier Lithography Maison ndash Kitchen lithography Disponiacutevel em lt httpwwwatelier-kitchen-printorgproducts-pagemanuelsproduitshandbook-of-kitchen-lithogt Acesso em 09 de junho de 2016 5DIGIOVANI Felicia Kitchen Lithography Demo Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomwatchv=UuBUlEt6vWwgt Acesso em 09 de junho de 2016
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para talho doce ou tipograacutefica com um rolo de borracha Na primeira passada eacute
possiacutevel que a tinta se fixe a todas as partes poreacutem a esponja molhada deve
ser aplicada vaacuterias vezes assim como a tinta ateacute que ao final a tinta aderiraacute
somente na imagem (figura 3)
Figura 3 Ana van Grol - testes de litografia alternativa com coca cola do atelier Art Eacutemilion Fonte Arquivo pessoal
Nos primeiros resultados apenas era possiacutevel reconhecer vestiacutegios das
imagens e teacutecnica entretanto ao repetir o processo algumas vezes e analisar os
procedimentos realizados era notaacutevel a melhora das impressotildees (figura 4)
Figura 4 Ana van Grol ndash detalhe da impressatildeo com maior fidelidade entre o desenho inicial e sua impressatildeo final
Fonte Arquivo pessoal
Eacute curioso salientar um aspecto em que diferem nossos estudos dos
experimentos realizados nos viacutedeos observados enquanto que em nossas praacuteticas a
tinta eacute fixada no plano de fundo da imagem nos viacutedeos ela adere nos desenhos sendo
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assim o sistema que repele a tinta acontece invertido e por esse motivo continuamos
as testagens para obter resultados mais proacuteximos aos dos viacutedeos
Nestas experimentaccedilotildees os resultados foram satisfatoacuterios tecnicamente poreacutem
ainda natildeo foram consideradas questotildees esteacuteticas e conceituais enquanto linguagem
artiacutestica Na etapa seguinte buscamos aliar a transferecircncia de imagens para a criaccedilatildeo
de matrizes com papel alumiacutenio utilizando outros procedimentos e materiais
A transferecircncia de imagem sobre matriz de alumiacutenio
A articulaccedilatildeo da gravura tem seus antecedentes histoacutericos que remetem aos
primoacuterdios da fotografia relacionados agrave gravaccedilatildeo de sombra luz e impressatildeo O uso de
recursos tecnoloacutegicos pela facilidade de acesso propicia a ampla reproduccedilatildeo de
imagens assim como a fotografia digital contribui para a renovaccedilatildeo e a interaccedilatildeo com
outras linguagens artiacutesticas No entanto diante das inuacutemeras possibilidades de
reproduzir coacutepias por tecnologias digitais a questatildeo da reproduccedilatildeo atraveacutes da gravura
jaacute natildeo eacute tatildeo relevante Com o avanccedilo dessas tecnologias digitais abrem-se novos
caminhos para a gravura Maria do Carmo Veneroso6 coloca que
Eacute pois a qualidade graacutefica e a possibilidade do uso da imagem fotograacutefica entre outras coisas que vai caracterizar a praacutetica dos gravadores atualmente A reprodutibilidade deixa portanto de ser um valor em si jaacute que com o desenvolvimento da induacutestria graacutefica muitas outras formas de impressatildeo mais raacutepidas e mais eficientes se impotildeem deixando que a gravura se realize plenamente em meio e tangenciando outras linguagens plaacutesticas Essa mudanccedila de paradigma faz com que a gravura se desenvolva como linguagem lanccedilando matildeo dos recursos teacutecnicos disponiacuteveis (2007 p1512)
A autonomia das linguagens graacuteficas propicia que sejam articulados distintos
meios e procedimentos borrando as fronteiras e delimitaccedilotildees teacutecnicas para originar
outras praacuteticas e confrontos esteacuteticos O caminho da gravura artiacutestica comeccedila a se
modificar significativamente quando a tecnologia e os meios de reproduccedilatildeo fotograacutefica
6 Blog Litografia 2010 ndash CAPECAUSP Disponiacutevel em lthttpcap-lito-2010blogspotcombr201003litografias-de-artistas-cezannehtmlgt Acesso em 09 de junho de 2016
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satildeo incluiacutedos aos procedimentos tradicionais ldquoRobert Rauschenberg por exemplo
desafiou os meios convencionais da gravura introduzindo elementos jaacute impressos
atraveacutes da transferecircncia de imagens Tambeacutem ampliou as escalas fiacutesicas misturando
diversas teacutecnicas graacuteficas que satildeo impressas sobre tela para substituir o papelrdquo
(BLAUTH 2011 p27) (Figura 5)
Figura 5 Robert Rauschenberg Shades 1964 Seis litografias impressas sobre acriacutelico 15 x 1438 x 11 58 p Ediccedilatildeo 24
Fonte MOMA Disponiacutevel em httpswwwmomaorgcollectionworks14718
Neste estudo apresentamos resultados parciais de procedimentos e meacutetodos
com o intuito de transferir a fotografia digital para criaccedilatildeo de matrizes com papel
alumiacutenio Inicialmente satildeo realizadas algumas testagens com outros tipos de matrizes
(acetato lata de refrigerante) e meios de transferecircncia (tela de serigrafia calor e
salicilato de metila)
Um dos materiais testados foi o acetato com imagem impressa em toner preto
aacutegua e esponja para molhar o acetato antes de entintar tinta para talho doce rolo de
borracha papel proacuteprio para a impressatildeo e prensa
Fazendo uso das impressotildees a laser e conhecendo suas propriedades o acetato
foi entintado e impresso Apoacutes alguns testes o resultado foi satisfatoacuterio (figura 6)
poreacutem natildeo com total controle sobre as impressotildees Encontramos neste meacutetodo a
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possibilidade de unir a tecnologia com a reproduccedilatildeo de imagem aos materiais
alternativos na produccedilatildeo de gravura
Figura 6 Ana van Grol Processo e resultado acetato impresso a laser gravura direta com tinta para talho doce
Fonte Arquivo pessoal
Em outra experiecircncia eacute feita a transferecircncia de impressatildeo a laser com calor e
pressatildeo e a tinta para talho doce acaba por fazer a interaccedilatildeo necessaacuteria utilizando-se
do meacutetodo de limpar a placa com oacuteleo antes de entintaacute-la A tinta de talho doce eacute
aplicada com rolo de borracha vaacuterias vezes e entre os intervalos de cada entintagem eacute
necessaacuterio limpar a tinta com esponja litograacutefica embebida em aacutegua (figura 7)
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Figura 7 Ana van Grol Processo e resultado de trabalho com transferecircncia de coacutepia a laser e
impressatildeo direta com tinta para talho doce Fonte Arquivo pessoal
Outro procedimento de transferecircncia de imagem impressa a laser eacute o produto
denominado de salicilato de metila associado ao processo de impressatildeo com a prensa
Com este material obtemos resultados mais satisfatoacuterios quando a imagem eacute impressa
sobre papel couchet ressaltando um certo contraste na imagem Neste caso (figura 8)
apoacutes a transferecircncia satildeo realizadas grafias aleatoacuterias com laacutepis litograacutefico gorduroso e
depois satildeo empregados os procedimentos de fixaccedilatildeo da imagem sobre o alumiacutenio uso
de polvilho melado ou mel imersatildeo em refrigerante cola oacuteleo de cozinha (para retirar a
imagem) esponja embebida em aacutegua e tinta para impressatildeo (para talho doce) Nesse
processo a imagem transferida natildeo desaparece apenas o desenho feito com material
gorduroso
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Figura 8 Lurdi Blauth Teste de transferecircncia de imagem com salicilato de metila Fonte Arquivo pessoal
A serigrafia tambeacutem serve de aporte ao desejo de transferir uma imagem e
reproduzi-la em impressotildees Em si o processo de serigrafia consiste em sensibilizar a
tela de nylon com uma imagem que poderaacute ser reproduzida sobre outras superfiacutecies
com uso de tinta proacutepria No caso da litografia alternativa utilizamos o sabatildeo de
glicerina como ldquotintardquo ou seja na funccedilatildeo de base protetora para o banho de
refrigerante Para isso foi necessaacuterio criar uma pasta (na textura de tinta) para
reproduzir a imagem da tela para o papel alumiacutenio Mais tarde com a mistura de sabatildeo
jaacute seca foram aplicadas as etapas posteriores o resultado pode ser observado na
impressatildeo (figura 9)
Figura 9 Ana van Grol - impressatildeo com uso de serigrafia como forma de transferecircncia de imagem
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Fonte Arquivo pessoal
A impressatildeo apresentou resultados bem satisfatoacuterios quanto agrave qualidade de
imagem contudo outras misturas semelhantes agrave de sabatildeo de glicerina neutro devem
ser testadas e podem apresentar melhor aderecircncia eou resistecircncia ao banho de
refrigerante
Algumas consideraccedilotildees
Diante da pluralidade de meios e possibilidades artiacutesticas testadas procuramos
utilizar materiais alternativos e produtos atoacutexicos buscando aproveitar materiais
disponiacuteveis na tentativa de abrir outros meios de reproduccedilatildeo de imagens O caminho
continua em aberto e o que nos motiva eacute a nossa convicccedilatildeo na continuidade da
exploraccedilatildeo de novas perspectivas para o campo da arte e em especial agrave litografia
testada com diferentes procedimentos Entendemos que diversos fatores interferem
devido agraves caracteriacutesticas e qualidade dos materiais empregados os quais muitas
vezes apresentam resultados inesperados
As experimentaccedilotildees realizadas ateacute o momento nos indicam a continuidade da
pesquisa buscando meios variados para o campo da gravura que possam ser
socializados principalmente nos ateliecircs que ainda utilizam materiais prejudiciais Dessa
forma pretendemos tambeacutem contribuir com a conscientizaccedilatildeo dos cuidados
relacionados agrave sauacutede dos artistas e do meio ambiente Em nossas conclusotildees parciais
percebemos que as possibilidades satildeo inuacutemeras para a criaccedilatildeo e reproduccedilatildeo de
imagens com materiais ldquocaseirosrdquo e com o seguimento de nossas investigaccedilotildees e
testagens temos a convicccedilatildeo de que podemos estimular a adesatildeo e a interaccedilatildeo com
outros artistas e assim obtermos melhores resultados
Portanto o campo das linguagens graacuteficas e os seus meios de reproduccedilatildeo direta
ou indireta da imagem tem suas qualidades intriacutensecas em cada processo contudo se
natildeo suscitarem transformaccedilotildees tornam-se vazias e desnecessaacuterias Podemos dizer
que natildeo importam os meios empregados pois os ldquoproblemasrdquo artiacutesticos devem ser
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confrontados com novos questionamentos esteacuteticos seja pelo uso do computador na
imagem digital na fotografia ou mesmo os meios considerados tradicionais como
gravura a pintura a escultura podendo ter (ou natildeo) qualidade contemporacircnea
Referecircncias BLAUTH Lurdi Marcas Passagens e Condensaccedilotildees ndash investigaccedilotildees de um processo de gravura contemporacircnea Porto Alegre Editora da UFRGS 2011 GARCIacuteA Hortensia Miacutenguez e LLOPIS Carles Meacutendez La siligrafiacutea Un proceso alternativo en la graacutefica muacuteltiple contemporacircnea In Revista El Artista n 11 Pamplona Colombia Universidad Distrital Francisco Joseacute de Caldas 2014 MALENFANT Nicole A gravura entre a identidade disciplinar e suas manifestaccedilotildees em um quadro interdisciplinar In Revista Porto Arte v 1 n1 (jun 1990) Porto Alegre Universidade Federal do Rio Grande do Sul Instituto de Artes Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Artes Visuais 1990 VENEROSO Maria do Carmo Gravura e Fotografia - Um estudo das possibilidades da gravura como uma linguagem artiacutestica autocircnoma na contemporaneidade e sua associaccedilatildeo com a fotografia In 16deg Encontro Nacional da Associaccedilatildeo Nacional de Pesquisadores de Artes Plaacutesticas Dinacircmicas Epistemoloacutegicas em Artes Visuais ndash 24 a 28 de setembro de 2007 ndash Florianoacutepolis SC
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MATTOS Fernando Lewis de Pluralia Tantum Reflexotildees sobre a muacutesica contemporacircnea Revista da Fundarte
Montenegro ano 16 n 32 p 52-94 juldez 2016 Disponiacutevel em
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Pluralia Tantum reflexotildees sobre a muacutesica contemporacircnea
Fernando Lewis de Mattos1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
1 Consideraccedilotildees preliminares sobre o conservadorismo em muacutesica Antes de iniciar esta explanaccedilatildeo sobre algumas caracteriacutesticas da muacutesica
contemporacircnea gostaria de apontar aspectos do conservadorismo existente na
muacutesica atual
Mesmo atraveacutes de um vislumbre raacutepido sobre a Histoacuteria da Muacutesica percebe-
se que em todas as eacutepocas houve aqueles artistas que se esforccedilaram para expandir
a sensibilidade de seu tempo e aqueles (artistas teoacutericos criacuteticos pensadores e
parte do puacuteblico) que natildeo foram capazes de compreender o significado das
transformaccedilotildees ou natildeo estavam dispostos a abrir matildeo de seus valores
aparentemente bem fundamentados para escutar com a devida atenccedilatildeo as
realizaccedilotildees de seus contemporacircneos
Nem mesmo grandes pensadores estiveram livres de juiacutezos preconcebidos
ou natildeo foram capazes de apreciar a abrangecircncia de certas inovaccedilotildees no campo
artiacutestico de sua eacutepoca Platatildeo por exemplo revoltou-se contra a nova muacutesica de
seu tempo com seus trecircs gecircneros (diatocircnico cromaacutetico e enarmocircnico) e a
ampliaccedilatildeo vertiginosa das possibilidades de expressatildeo considerada perigosa pelo
filoacutesofo por romper com os fundamentos numeacutericos e com as normas pitagoacutericas da
muacutesica tradicional Rousseau e Diderot percebiam em Rameau somente o muacutesico
da corte chegando a ridicularizar suas oacuteperas por haver um grande contingente de
1 Possui Graduaccedilatildeo em Muacutesica - Habilitaccedilatildeo Violatildeo (1988) Mestrado em Muacutesica - Ecircnfase Educaccedilatildeo Musical
(1997) e Doutorado em Muacutesica - ecircnfase em Composiccedilatildeo (2005) pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul Atualmente eacute Professor Associado do Departamento de Muacutesica no Instituto de Artes da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul onde atua nas disciplinas Anaacutelise Musical Harmonia Esteacutetica da Muacutesica no
curso de Muacutesica e as disciplinas Praacuteticas Artiacutesticas e Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Muacutesica no curso de Histoacuteria da
Arte Soacutecio-fundador da Arena - Associaccedilatildeo Cultural Socioambiental onde ministra cursos regularmente
Instrumentista (cordas dedilhadas) dedicado agrave pesquisa e interpretaccedilatildeo de muacutesica antiga europeia (alauacutedes e
guitarras) muacutesica tradicional brasileira (viola caipira e guitarra romacircntica) e muacutesica contemporacircnea (violatildeo e
decacorde) compositor com obras para diferentes formaccedilotildees vocais e instrumentais muacutesica incidental para
teatro viacutedeo e cinema e produccedilatildeo de material sonoro para exposiccedilotildees Dedica-se tambeacutem agrave pesquisa e
interpretaccedilatildeo de muacutesica brasileira moderna e contemporacircnea
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instrumentos de percussatildeo tratando-as como natildeo sendo muacutesica mas somente um
amontoado de sons que produziam um barulho infernal Para Diderot Rameau era
[] aquele muacutesico ceacutelebre que nos livrou do canto chatildeo de Lully o qual recitamos haacute mais de cem anos que escreveu tantas visotildees ininteligiacuteveis e verdades apocaliacutepticas sobre a teoria da muacutesica sobre as quais nem ele nem ningueacutem jamais entendeu nada2 e de quem temos um certo nuacutemero de oacuteperas onde haacute harmonias fragmentos de cantos ideias desconexas ruiacutedos estrondosos voos triunfos lances gloacuterias murmuacuterios vitoacuterias de perder o focirclego aacuterias de danccedila que duraratildeo eternamente e que depois de ter enterrado o Florentino seraacute enterrado pelos virtuoses italianos (DIDEROT 1983 p 47-48)
Nietzsche que assim como Platatildeo e Rousseau tambeacutem era muacutesico viu no
Parsifal de Wagner apenas a capitulaccedilatildeo aos valores de uma arte germacircnica
redentora e consolatoacuteria que abdicava do ideal da muacutesica como retorno agrave inocecircncia
da arte atraveacutes do espiacuterito dionisiacuteaco Se houve este aspecto conservador na muacutesica
de Wagner havia muito mais pois foi a partir de suas inovaccedilotildees que compositores
como Mahler Debussy e Schoenberg conduziram suas proacuteprias experiecircncias
Mesmo que nem sempre tenha sido por razotildees especificamente musicais3 as
sucessivas reaccedilotildees agraves novas sonoridades levam a crer que a abertura para praacuteticas
musicais inusuais pode ser algo difiacutecil de ser alcanccedilado
No meio musical atual podem-se distinguir duas espeacutecies de
conservadorismo o conservadorismo preacute-moderno e o conservadorismo modernista
O conservadorismo preacute-moderno eacute aquele mais generalizado e hegemocircnico
predominante entre os programadores culturais administradores de teatro diretores
artiacutesticos de orquestras e afins Essa espeacutecie de conservadorismo se opotildee a toda e
qualquer criaccedilatildeo musical natildeo coincidente com os procedimentos e valores da
muacutesica do Periacuteodo Tonal situado entre as produccedilotildees de Johann Sebastian Bach
(1685-1750) e Johannes Brahms (1833-1897) Para aqueles que defendem ainda
hoje esses valores a muacutesica tonal eacute tida como sendo lsquouniversalrsquo mesmo que seja o
2 Jean-Philippe Rameau (1683-1764) foi um dos maiores muacutesicos e teoacutericos de sua eacutepoca foi o primeiro a sistematizar mais de duzentos anos de praacutetica musical em seu Tratado de Harmonia (1722) que eacute ainda hoje considerado como um dos escritos mais importantes sobre o assunto 3 Platatildeo estava preocupado com a educaccedilatildeo dos jovens os enciclopedistas viam em Rameau um representante do Ancien Reacutegime e Nietzsche sentiu-se traiacutedo por Wagner em seu ideal de superar o predomiacutenio do espiacuterito apoliacuteneo no campo musical
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fruto do trabalho de muacutesicos de uma regiatildeo restrita do planeta que corresponde a
aproximadamente trecircs paiacuteses da Europa Ocidental (Itaacutelia Franccedila e principalmente
Alemanha) e produzida em um curto periacuteodo de tempo entre os seacuteculos XVIII e
XIX
Um bom exemplo desse tipo de conservadorismo estaacute naquela afirmaccedilatildeo
comum em certos meios musicais onde prevalecem valores convencionais ldquonatildeo
toco muacutesica contemporacircnea porque as pessoas natildeo tecircm como saber se estou
tocando as notas certas ou erradas e quando escuto uma muacutesica dessas natildeo sei se
o muacutesico estaacute tocando bem ou natildeo Por isso considero essa muacutesica como sendo
de menor importacircnciardquo Nota-se aqui um pensamento tautoloacutegico centrado apenas
na proacutepria experiecircncia pessoal e sem qualquer interesse pela produccedilatildeo que estaacute agrave
sua volta Tautoloacutegico no sentido em que o sujeito natildeo tem como avaliar aquela
interpretaccedilatildeo porque natildeo conhece a muacutesica e natildeo conhece aquela muacutesica porque
natildeo se permite avaliar a interpretaccedilatildeo O raciociacutenio artificioso estaacute em que como o
indiviacuteduo natildeo conhece a muacutesica natildeo se esforccedila para escutar sua interpretaccedilatildeo
portanto natildeo pode julgaacute-la e se natildeo eacute possiacutevel emitir juiacutezo a muacutesica natildeo tem valor ndash
como se fosse necessaacuterio conhecer a muacutesica para saber se algueacutem a estaacute
interpretando adequadamente como se a capacidade de anaacutelise natildeo estivesse no
conhecimento que o sujeito tem do objeto analisado Trata-se de uma atitude
autocentrada porque esses muacutesicos
[] soacute conhecem a arte que consomem e soacute consomem a que reconhecem portanto sua consciecircncia eacute leve e parcial Como sustentar o pacto se eacute tatildeo menos sofrido dormir com a consciecircncia leve sem a pretensatildeo de uma arte feita tambeacutem para arte sem a sombra do domiacutenio gigantesco Talvez arte feita somente para o mundo para o plano da distraccedilatildeo substacircncia que dissolve instantaneamente o artista Arte distraiacuteda quase arte quase atenccedilatildeo quase conteuacutedo insuficiecircncia (BERNARDES 1998 p 7)
Quem crecirc que julga a arte a partir dessa espeacutecie de raciociacutenio apenas se
limita a reconhecer aquilo que jaacute conhece ou seja nesse ponto natildeo haacute
conhecimento apenas reconhecimento Ouvem-se tambeacutem alguns muacutesicos que se
negam a tocar novos repertoacuterios argumentando que natildeo se dedicam a estudar a
muacutesica atual porque ela natildeo acrescenta muito agrave teacutecnica do seu instrumento Esse
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ponto de vista parece ainda mais esvaziado pois fica confinado nos limites da
teacutecnica onde natildeo se alcanccedila jamais a condiccedilatildeo de arte
O conservadorismo moderno eacute atualmente defendido por aqueles que foram
os protagonistas de grandes transformaccedilotildees teacutecnicas e esteacuteticas da muacutesica de
meados do seacuteculo XX (do poacutes-guerra agrave deacutecada de 1970) e seus disciacutepulos esses
muacutesicos opotildeem-se a qualquer mudanccedila de direcionamento que natildeo corresponda agraves
novidades introduzidas pelas vanguardas tardias e confundem novos processos
narrativos e novos significados musicais com a arte de um passado ao qual sempre
se opuseram Natildeo tecircm a capacidade de compreender que as novas geraccedilotildees
percebem o mundo de outra maneira tecircm outros anseios e consequentemente
outras necessidades Portanto produzem outra arte O musicoacutelogo Paul Bekker
afirmava que os muacutesicos de sua eacutepoca natildeo escreviam da mesma maneira que os
grandes gecircnios do passado ldquopelo simples fato de serem pessoas diferentesrdquo
(BEKKER 1928 p 217) Parece que os protagonistas das vanguardas (a quem
Bekker estava se referindo) natildeo se deram conta de que o tempo continua a passar e
que os mais jovens que vieram depois deles tambeacutem tecircm outras necessidades ndash o
que obviamente leva agrave criaccedilatildeo de outra muacutesica diferente da sua
Haacute tambeacutem aqueles que pretendem que a arte se limite agrave aplicaccedilatildeo de novos
processos tecnoloacutegicos esquecendo que a arte eacute antes de tudo expansatildeo da
sensibilidade e do pensamento e que a teacutecnica natildeo eacute condiccedilatildeo para a arte A
tecnologia pode ser mais um recurso para a realizaccedilatildeo artiacutestica natildeo seu fim
Quando a muacutesica eacute valorizada somente pelos procedimentos tecnoloacutegicos
empregados na sua produccedilatildeo tambeacutem fica confinada nos limites da teacutecnica e natildeo
alcanccedila sua condiccedilatildeo esteacutetica O emprego de recursos tecnoloacutegicos vem a partir de
necessidades mais amplas do que a simples aplicaccedilatildeo de teacutecnicas recentes Se o
emprego de novas tecnologias fosse criteacuterio para a avaliaccedilatildeo da arte as primeiras
experiecircncias com muacutesica eletrocircnica seriam atualmente obsoletas (e seria no
miacutenimo enganoso considerar ultrapassadas as peccedilas eletrocircnicas de Schaeffer
Henry ou Stockhausen dos anos rsquo50) Por sua vez a novidade tecnoloacutegica natildeo
implica necessariamente na produccedilatildeo de arte nova
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Como o tempo eacute inexoraacutevel os indiviacuteduos humanos de hoje satildeo outros do
que em outros tempos as sociedades satildeo outras haacute outras maneiras de perceber o
mundo e refletir sobre ele tambeacutem o resultado da produccedilatildeo desses indiviacuteduos eacute
necessariamente outro Natildeo tem como ser diferente Isso indica que toda espeacutecie de
conservadorismo estaacute fadada ao fracasso o movimento se manifesta em todos os
aspectos e em todos os lugares Natildeo tem como negar a transformaccedilatildeo ela
simplesmente estaacute aiacute Haacute que aceitaacute-la ou trabalhar com ela para a criaccedilatildeo de
processos que possam conduzir a novos significados e novos meios de fazer e
perceber muacutesica Isso natildeo eacute dito de um ponto de vista apenas teacutecnico ou
pragmaacutetico mas acima de tudo conceitual pois a muacutesica como diria Platatildeo
alcanccedila seu mais alto niacutevel quando ultrapassa as pretensotildees praacuteticas mais
imediatistas e eacute nesse sentido que Soacutecrates no diaacutelogo Feacutedon compara o ato de
criar muacutesica ao haacutebito de filosofar
Negar que o tempo se prolonga incessantemente e perdura sem interrupccedilatildeo
levando consigo toda a sorte de transformaccedilotildees em todos os aspectos da realidade
significa dar as costas ao devir em seu fluxo ininterrupto de ir e vir em muacuteltiplas
direccedilotildees O que eacute uacutetil intrigante e considerado como atual para determinado grupo
humano pode natildeo o ser para outros grupos e eacute necessaacuterio aceitar isso para
compreender algo da diversidade da produccedilatildeo artiacutestica hodierna Eacute necessaacuterio sair
do proacuteprio centro para apreender algo da realidade circundante
2 Caracteriacutesticas da muacutesica atual
Haacute vaacuterias maneiras de distribuir as diferentes correntes de composiccedilatildeo da
muacutesica contemporacircnea Podem-se diferenciar as tendecircncias atuais de acordo com
procedimentos teacutecnicos como muacutesica serial muacutesica neotonal muacutesica minimalista
muacutesica eletrocircnica e outras conforme a ecircnfase em um ou outro elemento da
composiccedilatildeo como por exemplo os muacutesicos que valorizam o timbre as tendecircncias
em que o mais importante eacute o ritmo os movimentos de retorno agrave melodia agrave
harmonia ou ao contraponto aquelas linhas em que o importante estaacute no tipo de
escrita musical como a muacutesica com escrita precisa a escrita em forma de roteiro a
muacutesica aleatoacuteria e a improvisaccedilatildeo espontacircnea (que prescinde da escrita) poderiam
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tambeacutem ser consideradas as relaccedilotildees da muacutesica com outras aacutereas em que se
levariam em consideraccedilatildeo subdivisotildees como o teatro musical as instalaccedilotildees
sonoras ou as tendecircncias de multimiacutedia aleacutem de muacutesica para danccedila e a muacutesica
para cinema entre outras o ambiente musical atual poderia ainda ser dividido
entre os grupos derivados das vanguardas como a muacutesica atonal a muacutesica serial a
muacutesica estocaacutestica e a muacutesica espectral
Haveria ainda outras tantas possibilidades de demarcaccedilatildeo das tendecircncias
da muacutesica contemporacircnea Optou-se poreacutem neste ensaio por uma organizaccedilatildeo
mais ou menos extriacutenseca agrave proacutepria muacutesica e que poderia se adequar a outras
manifestaccedilotildees culturais atuais O que importa no esboccedilo a seguir satildeo os valores
que movem os muacutesicos em direccedilotildees que se entrecruzam em algumas de suas
caracteriacutesticas em alguns muacutesicos ou grupos de compositores Com base nas
referecircncias tomadas a partir de tradiccedilotildees imediatas ou remotas isto eacute nas tradiccedilotildees
do modernismo ou em tradiccedilotildees anteriores que tecircm sido resgatadas nos uacuteltimos
anos podem ser demarcadas trecircs linhas gerais na esteacutetica musical
contemporacircnea4
1 Continuidade da Modernidade
2 Retorno agrave Tradiccedilatildeo e
3 Superaccedilatildeo do Modernismo
A intenccedilatildeo com essa divisatildeo natildeo eacute enquadrar toda e qualquer manifestaccedilatildeo
musical contemporacircnea em alguma dessas trecircs tendecircncias gerais mas ao
contraacuterio procurar entender essas manifestaccedilotildees no sentido dos valores que podem
estar impliacutecitos ou expliacutecitos latentes ou manifestos conscientes ou inconscientes
nas diferentes produccedilotildees da muacutesica atual
Antes de iniciar a elaboraccedilatildeo sobre cada uma dessas tendecircncias eacute
necessaacuterio esclarecer algo da terminologia que seraacute empregada ao longo deste
ensaio
4 A organizaccedilatildeo adotada aqui leva em consideraccedilatildeo alguns princiacutepios elaborados por Ramaut-Chevassus (1998) o que natildeo significa poreacutem que se permanece no escopo de suas proposiccedilotildees
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Em primeiro lugar quando se fala de lsquomuacutesica contemporacircnearsquo neste texto se
estaacute abordando uma parcela da totalidade da muacutesica produzida atualmente que eacute a
assim chamada lsquomuacutesica eruditarsquo aquela produzida por muacutesicos que se dedicam ao
estudo da Teoria Musical agrave Histoacuteria da Muacutesica e agrave colocaccedilatildeo e soluccedilatildeo de
problemas teacutecnicos esteacuteticos ou relativos aos vaacuterios niacuteveis de significaccedilatildeo que
podem estar engendrados no fazer musical Isso significa que este ensaio se dedica
agravequelas manifestaccedilotildees musicais em que o foco principal estaacute na reflexatildeo sobre
problemas relativos agrave muacutesica como arte portadora de significados e suas
implicaccedilotildees culturais e natildeo se apresentam apenas como reaccedilatildeo imediata ao meio
circundante5
Uma diferenciaccedilatildeo importante para as discussotildees que se seguem diz
respeito aos termos lsquoModernidadersquo e lsquoModernismorsquo
No contexto deste ensaio entende-se por Modernidade o grande periacuteodo
histoacuterico da cultura ocidental que sobreveio apoacutes a quebra da hegemonia da Igreja
Catoacutelica Romana em meados do seacuteculo XV isto eacute a partir do Renascimento Este eacute
um periacuteodo marcado por transformaccedilotildees em todos os campos e atividades
humanas que influenciaram profundamente o fazer musical em todos os seus
aspectos No acircmbito da sistematizaccedilatildeo da muacutesica europeia o antigo Sistema Modal
medieval com sua diversidade de modos foi cedendo lugar agraves novas organizaccedilotildees
com base na dualidade de modos do Sistema Tonal Os princiacutepios do contraponto
vatildeo-se tornando menos importantes ateacute que em meados do seacuteculo XVIII a
harmonia passa a ser o principal meacutetodo de organizaccedilatildeo musical Nessa eacutepoca a
Teoria dos Afetos jaacute estava plenamente elaborada para sua aplicabilidade na muacutesica
de cena na oacutepera e no oratoacuterio
Na segunda metade do seacuteculo XVIII o Sistema Tonal estaacute completamente
organizado com possibilidade de modulaccedilatildeo para todas as tonalidades e o emprego
de cromatismo em qualquer segmento independente da escala de base atraveacutes do
temperamento igual Nos seacuteculos XVIII e XIX as diversas teorias de explicaccedilatildeo da
5 Isso natildeo significa qualquer preferecircncia do ponto de vista valorativo por esta ou aquela manifestaccedilatildeo musical mas apenas que as consideraccedilotildees sobre a muacutesica contemporacircnea apresentadas neste ensaio satildeo relativas agrave parcela da muacutesica atual comumente denominada lsquomuacutesica eruditarsquo
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realidade satildeo aproveitadas pelos muacutesicos com a intenccedilatildeo de compreender e
justificar suas escolhas Essa reflexatildeo sobre a proacutepria produccedilatildeo leva os
compositores agrave procura de originalidade na busca da lsquofantasia criadorarsquo e de novos
significados emocionais que se desenvolvem no Romantismo e desembocam nas
vaacuterias correntes modernistas do seacuteculo XX
O Modernismo equivale a todos aqueles movimentos de ruptura com a
tradiccedilatildeo6 oitocentista que se desenvolveram ao longo da primeira metade do seacuteculo
XX tendo seu marco inicial geralmente fixado no Impressionismo francecircs das
uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX No campo musical esse Modernismo eacute marcado
pela negaccedilatildeo do Sistema Tonal Negaccedilatildeo essa que se manifestou em vaacuterias
direccedilotildees pois se na muacutesica de Debussy e Ravel que estatildeo entre os primeiros a
romper com a tonalidade tradicional foram incorporados processos percebidos na
escuta de muacutesica do Extremo Oriente em especial a orquestra de gamelatildeo balinesa
Stravinsky e Bartoacutek entre outros aproveitaram elementos folcloacutericos do Leste
Europeu e juntamente com Milhaud desenvolveram a politonalidade em que vaacuterias
escalas satildeo sobrepostas com a intenccedilatildeo de obscurecer a funcionalidade tonal7
Se os compositores latinos e eslavos (como diria Schoenberg) buscavam a
superaccedilatildeo do Tonalismo oitocentista atraveacutes da incorporaccedilatildeo de processos e
materiais sonoros aproveitados de culturas extraeuropeias no meio musical
germacircnico e mais especificamente no acircmbito da Segunda Escola de Viena sob a
lideranccedila de Arnold Schoenberg (1874-1951) os jovens muacutesicos estavam
conduzindo as possibilidades cromaacuteticas ao extremo atraveacutes do Atonalismo desde
os primeiros anos do seacuteculo XX e do Dodecafonismo a partir da deacutecada de 1920
Esta muacutesica mais densa psicologicamente e considerada como sendo mais
6 Note-se que a noccedilatildeo de lsquoruptura com a tradiccedilatildeorsquo atraveacutes da lsquonova artersquo (Philippe de Vitry 1322) com a criaccedilatildeo de lsquonovas muacutesicasrsquo (Giulio Caccini 1601) com a concepccedilatildeo de um lsquoestilo modernorsquo que aporta em uma lsquosegunda praacuteticarsquo (Monteverdi 1605) natildeo eacute caracteriacutestica apenas do Modernismo mas da Modernidade como um todo 7 Eacute interessante notar que Darius Milhaud (1892-1974) considerado como um dos primeiros a empregar teacutecnicas politonais nas duas suiacutetes para piano intituladas Saudades do Brasil (com o tiacutetulo original em portuguecircs) de 1920 e 1921 certamente aproveitou esse recurso a partir da sua experiecircncia com o compositor cearense Alberto Nepomuceno (1864-1920) com quem conviveu no Rio de Janeiro na eacutepoca em que este foi diretor da Escola Nacional de Muacutesica Nepomuceno jaacute havia escrito em 1902 suas Variations sur un thegraveme original Op 29 (com o tiacutetulo em francecircs) onde empregou explicitamente sobreposiccedilatildeo de tonalidades inclusive com diferentes armaduras de clave
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complexa e de difiacutecil assimilaccedilatildeo foi o ponto de partida para grande parte das
experiecircncias das vanguardas tardias (1950-1970) em que se elaboraram e
aprofundaram inuacutemeras teacutecnicas e processos de organizaccedilatildeo musical com base em
seacuteries de alturas seacuteries de duraccedilotildees seacuteries de timbres etc chegando ao que se
chamou de Serialismo Integral no qual todos os paracircmetros da composiccedilatildeo seriam
serializados Ateacute mesmo Stravinsky principal antiacutepoda de Schoenberg chegou a
praticar teacutecnicas seriais Entre os principais compositores dessa geraccedilatildeo que
comeccedilou a aparecer apoacutes a Segunda Guerra nos festivais de muacutesica nova de
Darmstadt estatildeo Pierre Boulez (1925) Luciano Berio (1925-2003) e Karlheinz
Stockhausen (1928)
No final da deacutecada de 1950 houve entre os compositores que participavam
dos movimentos de vanguarda diversas reaccedilotildees agrave extrema racionalizaccedilatildeo dos
processos de composiccedilatildeo empregados pelos serialistas do grupo de Darmstadt As
mais difundidas foram as diferentes espeacutecies de muacutesica aleatoacuteria certamente
influenciadas por John Cage (1912-1992) Tambeacutem entre os compositores mais
jovens se desenvolveram novas praacuteticas com base nas relaccedilotildees mais rudimentares
entre os sons ou a partir da organizaccedilatildeo espectral da seacuterie harmocircnica Muacutesicos do
Leste Europeu como o polonecircs Krzysztof Penderecki (1933) ou o huacutengaro Gyorgy
Ligeti (1923) seguiram caminhos completamente independentes com relaccedilatildeo agrave
corrente dominante da Europa Ocidental Tambeacutem nos Estados Unidos houve
reaccedilatildeo agraves praacuteticas dos serialistas atraveacutes do Minimalismo de compositores como
Terry Riley (1935) Steve Reich (1936) e Philip Glass (1937) Pode-se considerar o
Minimalismo puro como o uacuteltimo dos movimentos modernistas no sentido de buscar
a ruptura com a tradiccedilatildeo ou com as praacuteticas das geraccedilotildees anteriores
O que caracteriza esses movimentos modernos apesar de sua diversidade eacute
a busca de hegemonia de cada um deles Por essa razatildeo o Modernismo se
caracteriza pelo lsquomanifestorsquo em que satildeo apresentados os valores da nova arte e se
explicitam em que sentido essa arte eacute nova de que maneira ela se diferencia das
outras e como pode ultrapassaacute-las Assim cada novo trabalho produzido pelo artista
moderno tem o caraacuteter de um programa com a exposiccedilatildeo de suas intenccedilotildees e
projetos em que satildeo apresentados os novos recursos descobertos por ele e seus
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colegas Haacute dessa maneira a crenccedila em uma progressividade determinada da
cultura em que se percebe a Histoacuteria de forma diacrocircnica como um processo
evolutivo contiacutenuo em que cada nova geraccedilatildeo deve acrescentar algo agraves conquistas
das geraccedilotildees anteriores para estar agrave sua altura e se diferenciar delas
Como o que pode ser quantificado na arte satildeo os materiais empregados e as
teacutecnicas com que esses materiais satildeo manipulados desenvolveram-se em grande
parte valores tecnicistas predominantes entre os movimentos de vanguarda em que
o importante seria a descoberta ou a criaccedilatildeo de novas teacutecnicas e o emprego de
novos recursos acuacutesticos Nesse sentido a lsquoexpressatildeo de conteuacutedosrsquo foi relegada a
um segundo plano quando natildeo passou a ser tomada como um resiacuteduo indesejaacutevel
de valores do Romantismo oitocentista Esse preceito pode ser exemplificado com a
conhecida afirmaccedilatildeo de Stravinsky ldquoinspiraccedilatildeo arte artista satildeo termos no miacutenimo
obscuros que nos impedem de ver claramente um campo onde tudo eacute equiliacutebrio
caacutelculo onde o que se passa eacute o sopro do espiacuterito especulativordquo
(STRAVINSKY 1986 p 54)
Cada grupo ou movimento artiacutestico buscava desenvolver seu proacuteprio sistema
de organizaccedilatildeo sonora seus proacuteprios meacutetodos de elaboraccedilatildeo musical e se
esforccedilava por descobrir novos materiais e recursos acuacutesticos que o posicionassem agrave
frente de seus concorrentes Havia por exemplo grande rivalidade entre a Escola
de Viena e os muacutesicos atuantes em Paris Schoenberg chegou a afirmar em seu
ensaio Muacutesica Nacional de 1931 que ldquoningueacutem ainda se deu conta que minha
muacutesica nascida em solo germacircnico livre de influecircncias estrangeiras eacute o exemplo
vivo de uma arte efetivamente capaz de se opor agraves esperanccedilas latinas e eslavas de
hegemonia porque se trata de uma arte essencialmente derivada das tradiccedilotildees da
muacutesica germacircnicardquo (SCHOENBERG 1975 p 173)
A noccedilatildeo da rivalidade entre franceses e germacircnicos no periacuteodo entre
guerras pode ser apreendida com a citaccedilatildeo do texto mais influente no meio musical
francecircs da deacutecada de 1920 O Galo e o Arlequim escrito por Jean Cocteau em
1918
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Schoenberg eacute um mestre todos os nossos muacutesicos e Stravinsky lhe devem algo mas Schoenberg eacute sobretudo um muacutesico de quadro negro Soacutecrates dizia lsquoQuem eacute este homem que come patildeo como se fosse a boa carne e a boa carne como se fosse patildeorsquo Resposta o melocircmano alematildeo (COCTEAU 1995 p 433-434)
Essas citaccedilotildees podem dar alguma noccedilatildeo do que eram os confrontos entre os
grupos modernistas na primeira metade do seacuteculo XX Os principais representantes
desses debates podem ser facilmente agrupados entre os partidaacuterios do
Neoclassicismo franco-russo que tinham em Stravinsky e no Grupo dos Seis seus
expoentes mais destacados e o Expressionismo germacircnico do qual os participantes
da Segunda Escola de Viena eram os principais portadores de conceitos e valores
Naturalmente houve grande nuacutemero de muacutesicos independentes poreacutem estes
geralmente se localizavam fora da Europa Ocidental Entre eles podem-se citar Bela
Bartoacutek (1881-1945) na Hungria Charles Ives (1874-1954) nos Estados Unidos
Carlos Chaacutevez (1899-1978) no Meacutexico Heitor Villa-Lobos (1887-1959) no Brasil e
Alberto Ginastera (1916-1983) na Argentina
21 Continuidade da Modernidade
As tendecircncias da muacutesica contemporacircnea em que a principal caracteriacutestica se
pode encontrar na busca de afirmaccedilatildeo dos pressupostos da Modernidade isto eacute em
que o artista percebe o fluxo histoacuterico de maneira contiacutenua e procura acrescentar
algo de original a ele satildeo aquelas que se desenvolveram a partir das vanguardas
tardias das deacutecadas de 1950 e 1960
Esses compositores que se alinham aos valores da poacutes-vanguarda podem
ser identificados entre aqueles que empregam processos derivados da muacutesica
atonal e serial que organizam suas estruturas sonoras com base em referecircncias
matemaacuteticas (com o emprego de algoritmos ou com base em estruturas
estocaacutesticas entre outras) e que desenvolveram suas investigaccedilotildees a partir da
muacutesica espectral do dececircnio de 1970 Haacute tambeacutem aqueles muacutesicos que se
dedicam agrave pesquisa na aacuterea de muacutesica e tecnologia a partir das experiecircncias da
muacutesica concreta da muacutesica eletrocircnica e eletroacuacutestica e podem ser alinhados no
escopo das tendecircncias de poacutes-vanguarda da muacutesica contemporacircnea O compositor
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Michel Chion (1947) tem empregado a expressatildeo lsquomuacutesica acusmaacuteticarsquo para designar
certos experimentos que se desdobraram a partir da muacutesica concreta
Com o intuito de ultrapassar cada fase histoacuterica com base em descobertas
originais esses compositores tecircm em geral como sua principal referecircncia a
superaccedilatildeo dos sistemas totalizantes que definiram os caminhos da Modernidade
Isso significa que mesmo aqueles que se dedicam agrave organizaccedilatildeo do material
acuacutestico com base em estruturas sistemaacuteticas natildeo se definem por uma via uacutenica de
estruturaccedilatildeo sonora ou seja natildeo seguem um princiacutepio sistecircmico uacutenico mas se
abrem para outras possibilidades conforme os elementos musicais se apresentam agrave
sua percepccedilatildeo pois muitos desses muacutesicos estatildeo abertos agrave casualidade mesmo
quando organizam seu trabalho a partir de processos racionais intriacutensecos ou com
base em caacutelculos predeterminados Nesse sentido a poacutes-vanguarda se diferencia
das vanguardas do poacutes-guerra para as quais qualquer intromissatildeo da percepccedilatildeo
imediata no processo compositivo significava ceder espaccedilo agrave subjetividade e
consequentemente aos valores liacutericos do Romantismo oitocentista
Muitos compositores atuais assumem uma atitude renovada com relaccedilatildeo ao
material sonoro pois mesmo aqueles que mais se esforccedilam em manter criteacuterios
quantitativos com preferecircncia por estruturas abstratas distanciadas das
experiecircncias cotidianas demonstram interesse pela pluralidade que qualquer
estrutura sonora traz em si Entendem com isso que os criteacuterios de valoraccedilatildeo de
qualquer produccedilatildeo dependem dos contextos especiacuteficos em que ocorrem e que natildeo
se podem definir antecipadamente quais os caminhos por que deve seguir
determinado conteuacutedo musical Esse entendimento conduz a outro terreno de
ordem mais esteacutetica do que teacutecnica que eacute a abertura para manifestaccedilotildees culturais
diferenciadas Enquanto um muacutesico de vanguarda da geraccedilatildeo de Boulez por
exemplo somente encontra valor em realizaccedilotildees que se assemelham agraves suas ou se
encontram no mesmo campo de atuaccedilatildeo um muacutesico de geraccedilatildeo posterior tem a
capacidade de reconhecer valor em algo que ele proacuteprio natildeo faria porque percebe
que satildeo impulsos criteacuterios e o gosto pessoal que estatildeo em causa entende que os
valores satildeo relativos ao contexto em que ocorrem e fora desse contexto podem
perder seu significado
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Haacute outros muacutesicos que seguem a tendecircncia de se mover no acircmbito dos
valores modernos poreacutem se diferenciam daqueles comentados acima por
desdenharem da lsquohierarquia de gostosrsquo do meio musical isto eacute fazem a leitura das
muacutesicas atuais sem hierarquizar os diversos tipos de manifestaccedilatildeo cultural Esses
muacutesicos percebem como sendo equivalentes do ponto de vista valorativo as
abordagens loacutegicas ou abstratas em comparaccedilatildeo agravequelas centradas na absorccedilatildeo do
mundo cotidiano eles procuram estreitar os elos que ligam as diferentes formas de
manifestaccedilatildeo musical atuais Entre as teacutecnicas de estruturaccedilatildeo musical mais usuais
nesta linha de atuaccedilatildeo do campo musical estatildeo a apropriaccedilatildeo a citaccedilatildeo a alusatildeo e
a colagem
Com base no princiacutepio da apropriaccedilatildeo de elementos oriundos de qualquer
muacutesica para a conformaccedilatildeo de uma nova estrutura sonora os materiais podem ser
apropriados de seu contexto original sob diferentes aspectos O compositor russo
Alfred Schnittke (1934-1998) um dos fundadores dessa tendecircncia de assimilaccedilatildeo de
diversos tipos de manifestaccedilatildeo cultural diferencia citaccedilatildeo e alusatildeo da seguinte
maneira a citaccedilatildeo consiste na apropriaccedilatildeo direta de um fragmento musical para a
composiccedilatildeo de uma nova muacutesica isto eacute se cita literalmente uma linha meloacutedica
uma sequecircncia riacutetmica ou um encadeamento harmocircnico de modo a tornaacute-lo
reconheciacutevel ao passo que a alusatildeo consiste em somente sugerir a lsquomaneirarsquo de
outro muacutesico ou escola atraveacutes de um fragmento musical escrito pelo proacuteprio
compositor ldquoO princiacutepio de alusatildeo se manifesta por evocaccedilotildees sutis e natildeo por
anuacutencios expliacutecitos proacuteximos de citaccedilotildees sem realmente o serem Esse princiacutepio se
opotildee agrave classificaccedilatildeordquo (SCHNITTKE 1998 p 29) Assim faz-se alusatildeo sem citar
literalmente o modelo original
A teacutecnica da colagem que surgiu na pintura cubista e foi amplamente
utilizada pelos escritores surrealistas pelos dadaiacutestas e pelos muacutesicos franceses do
Grupo dos Seis eacute uma das principais teacutecnicas de elaboraccedilatildeo musical empregadas a
partir da apropriaccedilatildeo de materiais heterogecircneos esparsos ao longo de determinada
obra A colagem consiste na justaposiccedilatildeo ou na sobreposiccedilatildeo de elementos com
origens distintas e produz um resultado almejado por vaacuterios muacutesicos nos uacuteltimos
anos que eacute a produccedilatildeo de texturas sonoras heterofocircnicas nas quais se tem a niacutetida
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sensaccedilatildeo de estar escutando diversas muacutesicas simultaneamente Eacute interessante
notar que essa teacutecnica jaacute era empregada por Charles Ives desde o iniacutecio do seacuteculo
XX Sua Unanswered Question (1906) jaacute opunha trecircs ideias musicais distintas sem
que se produzisse qualquer tipo de interaccedilatildeo entre elas
Esses procedimentos e teacutecnicas de apropriaccedilatildeo citaccedilatildeo alusatildeo e colagem
podem ser agrupados em um conceito geral denominado por Schnittke de
lsquopoliestiliacutesticarsquo Para este compositor
[] apesar de todas as dificuldades e todos os perigos que encerram a poliestiliacutestica seus benefiacutecios indiscutiacuteveis jaacute satildeo evidentes Estes residem no alargamento da expressatildeo musical em uma maior facilidade para integrar os estilos lsquonobresrsquo e os estilos lsquocomunsrsquo os estilos lsquobanaisrsquo e os estilos lsquorefinadosrsquo ou em uma palavra em um universo alargado e em uma democratizaccedilatildeo de estilos A realidade musical pode ser objetivada de forma documental pois natildeo aparece unicamente como o reflexo do indiviacuteduo mas tambeacutem atraveacutes das citaccedilotildees [] Na realidade seria difiacutecil encontrar outra teacutecnica musical que fosse tatildeo bem adaptada quanto a poliestiliacutestica agrave expressatildeo da ideacuteia filosoacutefica de continuidade (SCHNITTKE 1989 p 134)
Com essas reflexotildees Schnittke aponta para a pluralidade como criteacuterio de
valoraccedilatildeo da arte e elimina a busca de hegemonia de uma tendecircncia sobre as
outras como sendo um princiacutepio esteacutetico vaacutelido Nota-se inclusive a ironia de
Schnittke com relaccedilatildeo aos conceitos tradicionais de lsquoestilos nobresrsquo ou lsquoestilos
banaisrsquo Essa espeacutecie de hierarquizaccedilatildeo vem de longa data pois jaacute na eacutepoca de
Mozart se diferenciavam o lsquoestilo elevadorsquo de caraacuteter afirmativo e enfaacutetico digno de
representar a nobreza e os sentimentos nobres o lsquoestilo meacutediorsquo mais ingecircnuo e
leve sobre o qual se dizia que ldquodeve agradar ao ouvinte sem excitaacute-lo ou levaacute-lo agrave
reflexatildeordquo e o lsquoestilo baixorsquo considerado ruacutestico e simples poderia aparecer na forma
de danccedilas populares e era proacuteprio para a representaccedilatildeo de camponeses e das
classes sociais inferiores (cf RATNER 1980 p 9) O que Schnittke estaacute fazendo eacute
uma criacutetica agraves categorizaccedilotildees riacutegidas dos estilos musicais com base em
preconceitos sociais No uacuteltimo movimento de sua Sonata para Violino e Orquestra
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de Cacircmara Op 508 (1968) um longo segmento eacute elaborado com base na citaccedilatildeo de
trechos de Vivaldi combinados com a melodia da canccedilatildeo La Cucaracha9
O resultado dessas teacutecnicas de apropriaccedilatildeo e colagem eacute uma espeacutecie de
hibridismo estiliacutestico em que eacute abolido o preceito da unidade de estilo conforme foi
preconizado pelo teoacuterico tcheco Eduard Hanslick em meados do seacuteculo XIX e se
manteve como valor intocaacutevel ateacute a deacutecada de 1970 Hanslick chegou ao ponto de
afirmar que se deveria ldquodizer lsquotal compositor tem estilorsquo com o mesmo sentido que
quando se diz de algueacutem lsquoele tem caraacuteterrsquordquo (HANSLICK 1989 p 96) Naturalmente
essa definiccedilatildeo quase moralizante do conceito de estilo natildeo se sustenta atualmente
ateacute porque apoacutes o decliacutenio dos metadiscursos e dos grandes sistemas de
explicaccedilatildeo da realidade natildeo se justifica a aplicaccedilatildeo de um criteacuterio uacutenico de caraacuteter
universal para a avaliaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural Cada nova peccedila musical cada
nova criaccedilatildeo no campo da arte traz em si a chave para a sua compreensatildeo e com
isso carrega tambeacutem os criteacuterios para sua avaliaccedilatildeo Eacute faacutecil demonstrar o equiacutevoco
de um criacutetico de muacutesica quando ao escutar uma peccedila atonal reclama da falta de
um centro tonal definido no qual possa apoiar sua audiccedilatildeo poder-se-ia responder a
outro criacutetico que considerasse aborrecida a estrutura da arte minimalista da mesma
forma que John Walker ldquoo aborrecimento eacute presumivelmente apenas uma emoccedilatildeo
tatildeo legiacutetima para a arte como qualquer outrardquo (WALKER 1977 p 27) Parece ser
igualmente simples perceber que procurar unidade de estilo na obra de um
compositor que como Schnittke professa a diversidade estiliacutestica estaacute fora de
cogitaccedilatildeo
Em um sentido geral nessa linha da produccedilatildeo contemporacircnea em que os
valores esteacuteticos seguem com base na continuidade das caracteriacutesticas inerentes da
Modernidade permanece importando em primeiro plano o processo criativo O que
significa que o resultado segue sendo uma arte centrada no fazer fundamentada na
poiacuteēsis acima de qualquer outro criteacuterio valorativo Isso significa que seus
fundamentos permanecem focalizados no indiviacuteduo criador que se coloca
8 Esta peccedila eacute uma transcriccedilatildeo da Sonata nordm 1 Op 30 (1963) para violino e piano 9 Eacute interessante notar que o proacuteprio Mozart jaacute fazia colagens com alusotildees ao estilo elevado e ao estilo baixo em suas oacuteperas Don Giovanni e Bodas de Fiacutegaro que causaram polecircmica em algumas cidades europeias devido ao seu conteuacutedo que subvertia os valores sociais da eacutepoca
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livremente como um inventor de novas sonoridades novas combinaccedilotildees acuacutesticas
novas teacutecnicas novos materiais e novos processos de elaboraccedilatildeo musical
22 Retorno agrave Tradiccedilatildeo
Ao contraacuterio da acepccedilatildeo anterior os muacutesicos que se colocam de maneira
favoraacutevel com relaccedilatildeo agrave tradiccedilatildeo tecircm sua fundamentaccedilatildeo na criacutetica ao Historicismo
Assim questionam a crenccedila de que as transformaccedilotildees histoacutericas satildeo o resultado de
princiacutepios universais tatildeo objetivos quanto as leis da Fiacutesica ou das Ciecircncias Naturais
e que eacute necessaacuterio descobrir quais satildeo esses princiacutepios para operar sobre eles10 Os
muacutesicos que se alinham agraves tendecircncias de retorno agrave tradiccedilatildeo fazem criacutetica a essa
concepccedilatildeo unidirecional da Histoacuteria e creem na possibilidade de sobreposiccedilatildeo das
diversas produccedilotildees musicais do passado e do presente o que significa que esses
muacutesicos estatildeo dispostos a retomar experiecircncias anteriores de qualquer eacutepoca ou
lugar ou evocar essas experiecircncias a partir de novos pontos de vista com o intuito
de atualizaacute-las em um momento especiacutefico da contemporaneidade
(Com relaccedilatildeo a essa discussatildeo os muacutesicos que se aplicam agrave continuidade da
Modernidade operam em grande parte com aquele princiacutepio historicista poreacutem jaacute
compreendido em contextos especiacuteficos e natildeo mais universais Nesta acepccedilatildeo da
muacutesica contemporacircnea ainda se tem a Histoacuteria como a dimensatildeo mais abrangente
para a explicaccedilatildeo da realidade e das transformaccedilotildees sociais e culturais A diferenccedila
com relaccedilatildeo agraves explicaccedilotildees modernas estaacute em que a dimensatildeo histoacuterica eacute
compreendida a partir de um ou outro ponto de vista isto eacute busca-se contextualizar
e relativizar os princiacutepios histoacutericos mesmo que esses princiacutepios ainda sejam
considerados como a melhor via de explicaccedilatildeo das transformaccedilotildees sociais poliacuteticas
econocircmicas ou culturais)
Entendido dessa maneira percebe-se que com relaccedilatildeo agrave ldquoideia filosoacutefica de
continuidaderdquo (para retomar agrave expressatildeo de Schnittke citada anteriormente)
aqueles muacutesicos que se colocam na posiccedilatildeo de lsquoretorno agrave tradiccedilatildeorsquo assumem uma
10 No acircmbito especiacutefico da muacutesica isso significaria a existecircncia de um direcionamento uniacutevoco dos fatos musicais atraveacutes da Histoacuteria e que a tarefa do muacutesico seria encontrar os princiacutepios que regem esse fluir contiacutenuo para criar a partir deles e transcendecirc-los
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postura necessariamente antagocircnica a qualquer espeacutecie de Historicismo mesmo
contextual ou relativo Com isso tem-se uma antinomia existente entre os dois
pontos de vista pois se para aqueles que pretendem dar continuidade aos valores
da Modernidade a tradiccedilatildeo deve ser investigada para ser ultrapassada no sentido
de que o artista deve dar continuidade agraves transformaccedilotildees histoacutericas para estar agrave
altura de seu tempo para aqueles que defendem o retorno ao passado a tradiccedilatildeo
deve ser compreendida para servir de suporte agrave criaccedilatildeo da nova muacutesica que natildeo
tem necessariamente que ultrapassaacute-la mas operar com ela
A atitude mais saliente na acepccedilatildeo da muacutesica atual de lsquoretorno agrave tradiccedilatildeorsquo eacute
a busca de valores e elementos estiliacutesticos do passado com o sentido de aproveitaacute-
los em estruturas musicais homogecircneas Essa caracteriacutestica distingue esse grupo
de valores de retorno ao passado dos outros dois grupos (lsquocontinuidade da
Modernidadersquo e lsquosuperaccedilatildeo do Modernismorsquo) para os quais as possibilidades de
aproveitamento de elementos diacutespares se daacute atraveacutes da fragmentaccedilatildeo e da colagem
heterofocircnica Com isso tem-se outro aspecto diferencial na relaccedilatildeo entre as
acepccedilotildees da muacutesica atual pois se por um lado aqueles que pretendem ultrapassar
a tradiccedilatildeo operam sobre um princiacutepio de continuidade histoacuterica que deve ser
reconhecido e ampliado por outro lado esses mesmos muacutesicos propotildeem a
descontinuidade e a fragmentaccedilatildeo da estrutura musical per se quando se trata de
cada peccedila de muacutesica em particular pois compreendem que estruturas sonoras
contiacutenuas jaacute estariam ultrapassadas por fazerem recuar agraves caracteriacutesticas mais
proeminentes da muacutesica tonal ou seja agraves praacuteticas musicais do seacuteculo XVIII e XIX
cujas possibilidades de discursividade e narratividade jaacute estariam esgotadas
Ao contraacuterio os muacutesicos que professam o retorno agrave tradiccedilatildeo por serem
criacuteticos com relaccedilatildeo agrave concepccedilatildeo diacrocircnica da Histoacuteria geralmente argumentam
em favor da retomada de estruturas musicais contiacutenuas por entenderem que os
processos de fragmentaccedilatildeo operados pelas vanguardas jaacute foram exauridos ao
extremo e portanto esvaziados Assim ao defenderem concepccedilotildees sincrocircnicas dos
fatos histoacutericos segundo as quais se pode ter uma percepccedilatildeo de ldquotudo ao mesmo
tempo agorardquo se sentem agrave vontade para sobrepor os meacutetodos de elaboraccedilatildeo
musical do Classicismo ou do Romantismo aos seus anseios de iacutendole
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eminentemente contemporacircnea Tem-se assim outra constataccedilatildeo que
complementa aquela do paraacutegrafo anterior os muacutesicos que se alinham aos
princiacutepios de retorno agrave tradiccedilatildeo propotildeem uma leitura sincrocircnica e portanto
descontiacutenua da Histoacuteria poreacutem a estrutura musical resultante da elaboraccedilatildeo de cada
peccedila particular se torna contiacutenua pelo resgate de processos discursivos e narrativos
em suas composiccedilotildees
Essas praacuteticas de retorno ao passado muitas vezes satildeo professadas sem a
definiccedilatildeo de eacutepoca ou regiatildeo especiacutefica mas se abrem agrave possibilidade de passar
por diferentes pontos geograacuteficos mais ou menos remotos e por diferentes periacuteodos
da Histoacuteria sem que isso signifique a perda da coesatildeo estiliacutestica (a identidade
estiliacutestica se torna novamente importante apesar de natildeo ser mais um princiacutepio
esteacutetico inflexiacutevel) De qualquer forma mesmo com uma concepccedilatildeo sincrocircnica da
Histoacuteria eacute comum que muitos desses muacutesicos se fixem em algum ponto do tempo
ou do espaccedilo para a criaccedilatildeo de uma peccedila ou de um conjunto de obras Outra
caracteriacutestica bastante comum entre os muacutesicos que se esforccedilam em retomar
aspectos da tradiccedilatildeo eacute o fato de centrarem seus esforccedilos na investigaccedilatildeo da muacutesica
europeia Isso natildeo significa que natildeo existem estudos sobre a muacutesica de outras
culturas sendo que os processos musicais extraeuropeus mais estudados satildeo o
sistema de ragas da muacutesica indiana e a estrutura riacutetmica aditiva da muacutesica africana
e oriental Um bom exemplo nesse sentido eacute a temporada que Steve Reich passou
em Gana em 1970 periacuteodo em que estudou sob a orientaccedilatildeo de um percussionista
jeje no Instituto de Estudos Africanos experiecircncia que lhe permitiu acrescentar
processos riacutetmicos aditivos e subtrativos agrave sua muacutesica ampliando as possibilidades
das suas primeiras experiecircncias minimalistas
Devido agrave inclinaccedilatildeo para aproveitar caracteriacutesticas da muacutesica do passado
vaacuterios muacutesicos tecircm sido criticados como portadores de uma postura conservadora
Michel Faure um criacutetico severo do Neoclassicismo francecircs do entre guerras por
consideraacute-lo um estilo ldquosocialmente concordataacuteriordquo e de ldquoafirmaccedilatildeo nacionalistardquo
considera ser essa atitude de retorno ao passado existente na muacutesica
contemporacircnea uma espeacutecie de reediccedilatildeo do Neoclassicismo histoacuterico Para o autor
ldquoos neoclaacutessicos natildeo satildeo jamais considerados como reacionaacuterios ndash assim como os
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poacutes-modernos natildeo aceitam a pecha de passadistas [] Os empreacutestimos que eles
fazem frequentemente lsquodescontextualizamrsquo os fragmentos aos quais fazem
referecircnciardquo (FAURE 1998 p 78) Bem ressurge aqui o mesmo problema da criacutetica
mal direcionada jaacute mencionado anteriormente Se a intenccedilatildeo desses muacutesicos eacute
recuperar processos tradicionais se buscam criar uma espeacutecie de representaccedilatildeo da
multiplicidade cultural da contemporaneidade atraveacutes da apropriaccedilatildeo do legado
histoacuterico nada mais adequado do que a descontextualizaccedilatildeo dos materiais
empregados de sua lsquohistoricidadersquo original e sua adequaccedilatildeo agrave nova situaccedilatildeo em que
esses elementos se encontram Percebe-se na criacutetica de Faure preceitos de
continuidade e pureza histoacuterica que natildeo se adeacutequam aos neoclaacutessicos nem aos poacutes-
modernos pois ambos subvertem os coacutedigos que servem de premissa agrave sua criacutetica
Um dos arautos da nova muacutesica Boudewijn Buckinx apresenta um exemplo
muito comum de retomada da tradiccedilatildeo ao afirmar que o compositor atual ldquonatildeo
escreve tatildeo-somente um concerto grosso Ele escolhe uma possibilidade ndash o
concerto grosso ndash entre diversas Portanto natildeo eacute propriamente um concerto grosso
mas uma peccedila que toma o concerto grosso por sujeitordquo (BUCKINX 1998 p 60-61)
Poder-se-ia dizer tomando de empreacutestimo as palavras de Wolfgang Rihm que se
trata de uma ldquomuacutesica sobre a muacutesicardquo ou em alguns casos de muacutesica sobre
muacutesicas Se assim for a criacutetica de Faure se esvazia pois existe uma tecircnue diferenccedila
entre permanecer em determinado estado de coisas sem se aventurar a outros e
voltar a esse estado quando se tem interesse em recorrer a ele Esta eacute a divergecircncia
existente entre o conservadorismo preacute-moderno mencionado anteriormente e a
tendecircncia contemporacircnea de retorno agrave tradiccedilatildeo (distinccedilatildeo que o conservadorismo
modernista parece natildeo ser capaz de perceber) natildeo se estaacute no passado volta-se a
ele quando se o considera adequado
Em vista disso torna-se importante entender como os processos e materiais
tradicionais satildeo reutilizados sob a perspectiva da nova muacutesica para diferenciar a
atitude de retorno agrave tradiccedilatildeo com base em um ponto de vista criacutetico da mera
permanecircncia conservadora de valores convencionais de forma subserviente e sem
nem mesmo compreender o que esses valores podem ter significado em sua
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eacutepoca11 Diferenciar aquilo que foi denominado no iniacutecio deste ensaio como
conservadorismo preacute-moderno da atitude criacutetica com relaccedilatildeo aos pontos de vista
historicistas e evolucionistas da cultura tambeacutem significa distinguir o conhecimento
extensivo da tradiccedilatildeo da simples sujeiccedilatildeo a valores passadistas Um artista que
pesquisa profundamente em sua aacuterea de atuaccedilatildeo natildeo se preocupa em primeiro
plano com a feiccedilatildeo externa dos resultados de suas investigaccedilotildees o que lhe
importam satildeo as possibilidades que suas descobertas podem trazer no plano da
criaccedilatildeo Ao contraacuterio um muacutesico que se apresenta com uma aparecircncia novidadeira
pode estar extremamente apegado agraves convenccedilotildees de determinada linha de
produccedilatildeo e mesmo que essa linha seja muito recente a falta de abertura para
outras aacutereas de investigaccedilatildeo pode mantecirc-lo submisso a convenccedilotildees jaacute assimiladas
por geraccedilotildees passadas mesmo que ele proacuteprio natildeo se aperceba disso Muitas
vezes a aparecircncia de novidade mascara uma seacuterie de valores apegados a
convenccedilotildees riacutegidas que natildeo se sustentariam sob o crivo da criacutetica
A sutil diferenccedila entre o Neotonalismo de um compositor como George
Rochberg (1918) e a imitaccedilatildeo trivial do estilo dos primeiros romacircnticos (sem ir aleacutem
dos procedimentos teacutecnicos) estaacute na atitude com relaccedilatildeo agrave lsquovivecircncia da
simultaneidadersquo Para Rochberg ldquoa esperanccedila da muacutesica contemporacircnea reside em
aprender como reconciliar todas as maneiras de opostos contradiccedilotildees paradoxos o
passado com o presente tonalidade com atonalidade Eacute por isso que em minha
muacutesica mais recente tenho tentado utilizar essas combinaccedilotildees que reafirmam os
valores primordiais da muacutesicardquo (ROCHBERG 2003 p 3) Essa noccedilatildeo da diferenccedila
entre o passado e o presente essa busca de conciliaccedilatildeo dos opostos diverge de um
ponto de vista conservador ou de uma postura epigocircnica pois o epiacutegono apenas
reproduz o passado agrave maneira deste ou daquele mestre ao passo que o artista
criador se apoia em aspectos do passado para produzir um trabalho artiacutestico que
11 Muitas vezes a simplificaccedilatildeo dos meios significa a criaccedilatildeo de algo que pode impulsionar grandes transformaccedilotildees Quando Giulio Caccini (1551-1618) defendia o uso de triacuteades maiores e menores para a elaboraccedilatildeo das nuove musiche de sua eacutepoca estava propalando uma simplificaccedilatildeo da textura musical uma homofonia mundana que se opunha agrave complexidade polifocircnica da muacutesica sacra Essa simplificaccedilatildeo trazia o germe para algumas das grandes conquistas da muacutesica europeia dos trezentos anos seguintes inclusive a criaccedilatildeo de um novo gecircnero musical a oacutepera
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traz algum frescor agrave educaccedilatildeo dos sentidos alguma maneira peculiar de descobrir
ou perceber o mundo
Com a retomada de processos de organizaccedilatildeo modal ou tonal haacute
necessariamente o retorno de melodias claramente definidas a renovaccedilatildeo das
teacutecnicas de contraponto e a ampliaccedilatildeo de estruturas harmocircnicas de caraacuteter
diatocircnico Um dos compositores mais importantes da vanguarda das deacutecadas de
1950 e 1960 Krzysztof Penderecki soube atualizar seu estilo em meados da
deacutecada de 1970 quando passou a combinar estruturas diatocircnicas ampliadas com
base na produccedilatildeo dos grandes sinfonistas da passagem do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX
(Gustav Mahler e Richard Strauss entre outros) com os resultados de suas
pesquisas acuacutesticas do periacuteodo vanguardista A consequecircncia eacute uma muacutesica
fortemente dramaacutetica com aspectos que lembram o Romantismo tardio e elementos
da vanguarda da deacutecada de 1960 elaborados de maneira que o resultado se
apresenta como uma muacutesica inusitada que jamais poderia ter sido concebida em
outra eacutepoca ou por outro artista
O legado histoacuterico natildeo eacute mais desprezado ou entendido apenas como um
passado a ser ultrapassado mas ao contraacuterio eacute tambeacutem identificado como uma
fonte inesgotaacutevel de possibilidades teacutecnicas e expressivas que podem ser
reaproveitadas de muitas formas possiacuteveis sem que isso incorra necessariamente
em postura conservadora ou em atitude epigonal Outro compositor que tambeacutem
soube atualizar seus processos compositivos eacute o huacutengaro Gyorgy Ligeti que tem
combinado seus experimentos microtonais e estruturas micropolifocircnicas levados a
cabo nas deacutecadas de 1960 e 1970 com outros meacutetodos de organizaccedilatildeo harmocircnica
engendrados a partir das relaccedilotildees acuacutesticas baacutesicas existentes em seus
conglomerados sonoros Esses processos datildeo vazatildeo agrave existecircncia de linhas
meloacutedicas claramente definidas com caraacuteter modal vigoroso e algumas vezes
fazem alusotildees agrave muacutesica popular e folcloacuterica de sua regiatildeo
Essa atitude com relaccedilatildeo ao passado traz novos modos de entendimento das
culturas tradicionais aleacutem da acomodaccedilatildeo de valores muitas vezes tomados como
contraditoacuterios em estruturas coesas Evidenciam-se natildeo apenas as tradiccedilotildees locais
com relaccedilatildeo agrave proacutepria formaccedilatildeo do indiviacuteduo como tambeacutem outras tradiccedilotildees que se
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buscam atraveacutes de meios natildeo-convencionais Compreende-se que natildeo eacute necessaacuterio
viver as experiecircncias de determinada sociedade para absorver parte de seus valores
ou de sua produccedilatildeo cultural ateacute porque os habitantes das grandes cidades estatildeo
expostos cotidianamente a tantos estiacutemulos advindos de origens distintas que se
criam identidades multiculturais mesmo quando natildeo se tem conhecimento intriacutenseco
de suas propriedades Qualquer cidadatildeo meacutedio atual tem noccedilotildees fundamentais
sobre os haacutebitos de vaacuterios povos originaacuterios de localidades onde nunca esteve A
tecnologia permite ao artista contemporacircneo ter acesso agrave produccedilatildeo de seus pares
de qualquer outra regiatildeo do planeta quase simultaneamente agrave sua criaccedilatildeo e
divulgaccedilatildeo Tambeacutem eacute possiacutevel conhecer aspectos de culturas remotas no tempo
atraveacutes de pesquisas arqueoloacutegicas e sua divulgaccedilatildeo em grande escala nos meios
de comunicaccedilatildeo Isso permite sermos contemporacircneos de outras eacutepocas e
conterracircneos dos povos de outros lugares
23 Superaccedilatildeo do Modernismo
As linhas de atuaccedilatildeo que se opotildeem agrave mentalidade das vanguardas tardias o
fazem por razotildees diversas daquelas que motivam as tendecircncias de retorno agrave
tradiccedilatildeo pois este retorno ao passado geralmente significa um passado visto pela
oacutetica da Modernidade (em geral satildeo leituras atualizadas das tradiccedilotildees do Ocidente
isto eacute das praacuteticas musicais do Renascimento ao Romantismo) Nesse sentido
especiacutefico haacute pontos em comum entre as duas acepccedilotildees abordadas anteriormente
(lsquocontinuidade da Modernidadersquo e lsquoretorno agrave Tradiccedilatildeorsquo) pois seja por dar
continuidade agraves praacuteticas da era moderna atraveacutes de sua ampliaccedilatildeo seja por
resgatar essas praacuteticas com base em novos meios de elaboraccedilatildeo musical a
Modernidade permanece como sendo forte ponto de referecircncia em ambos os casos
Diferentemente aqueles que se colocam com uma postura de lsquosuperaccedilatildeo do
Modernismorsquo geralmente focam seus interesses na ruptura com as tradiccedilotildees
modernistas mais recentes e natildeo na Modernidade como um todo
Aleacutem disso natildeo satildeo apenas as culturas tradicionais que interessam a esta
terceira linhagem mas tambeacutem outros aspectos da cultura contemporacircnea inclusive
a cultura pop e os meios de comunicaccedilatildeo de massa Esses muacutesicos acreditam
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estarem produzindo uma fissura na Modernidade ao se abrirem para toda e qualquer
espeacutecie de produccedilatildeo cultural sem hierarquizaacute-las12 Acreditam portanto que
estamos no iniacutecio de uma nova eacutepoca e natildeo em um periacuteodo de continuidade da
Modernidade ou de retomada dos valores de sua tradiccedilatildeo13
Podem-se esboccedilar algumas imagens geomeacutetricas para representar essas trecircs
formas de pensamento para a primeira acepccedilatildeo da muacutesica contemporacircnea que
professa a lsquocontinuidade da Modernidadersquo o tempo teria a imagem de uma linha reta
que se movimenta em determinado sentido (mesmo que alguns desses artistas
faccedilam criacutetica agrave mentalidade linear a linha parece bem representar o ponto de vista
evolucionista da cultura) para a segunda acepccedilatildeo aquela em que se pratica o
lsquoretorno agrave Tradiccedilatildeorsquo poder-se-ia formular a imagem do tempo em forma circular pois
o ciacuterculo eacute uma figura em que natildeo haacute sentido predeterminado pois se pode iniciar
ou terminar em qualquer ponto da circunferecircncia e se movimentar em sentido
horaacuterio ou anti-horaacuterio para a terceira acepccedilatildeo que propotildee a lsquosuperaccedilatildeo do
Modernismorsquo a imagem de uma esfera parece ser a mais adequada pois natildeo se
estaacute focando o tempo em apenas uma dimensatildeo mas abre-se o leque para toda e
qualquer manifestaccedilatildeo perceptiacutevel atualmente no tempo e no espaccedilo Com isso
tem-se a possibilidade de produzir movimentos de qualquer ponto para qualquer
outro ponto seguindo em qualquer sentido ou direccedilatildeo (para baixopara cima para a
esquerdapara a direita para traacutespara frente) ndash por isso a imagem tridimensional14
12 Note-se que neste aspecto haacute pontos de interseccedilatildeo entre certas tendecircncias de lsquocontinuidade da Modernidadersquo e aquelas que professam a lsquosuperaccedilatildeo do Modernismorsquo pois o princiacutepio da poliestiliacutestica defendido por Schnittke e outros tambeacutem rompe com a hierarquizaccedilatildeo dos estilos O que diferencia ambos os grupos eacute o enfoque com que cada qual se apropria das diferentes formas de manifestaccedilatildeo cultural 13 Tambeacutem nesse sentido haacute interseccedilatildeo entre as duas acepccedilotildees pois se as tendecircncias de lsquocontinuidade da Modernidadersquo professam a ruptura com a tradiccedilatildeo musical oitocentista as tendecircncias de lsquosuperaccedilatildeo do Modernismorsquo professam outra ruptura com as tradiccedilotildees novecentistas Em ambos os casos haacute valores centrados no princiacutepio da ruptura mesmo que na primeira acepccedilatildeo esta ruptura faccedila parte de um processo contiacutenuo de superaccedilatildeo da tradiccedilatildeo e no segundo caso seja entendida como uma fissura nesse processo 14 Este recurso de traccedilar analogias entre a estrutura das mentalidades e figuras geomeacutetricas jaacute foi delineado por Koellreutter (cf KOELLREUTTER 1987 p 29-32) compositor que confeccionou a partitura de sua peccedila Acronon em formato de esfera para representar sua concepccedilatildeo da mentalidade contemporacircnea Para Koellreutter poreacutem essas analogias aparecem com sentido diverso daquele apresentado aqui
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Para aqueles que se posicionam pela superaccedilatildeo do Modernismo as
vanguardas satildeo tidas como sendo formalistas ao extremo por se apoiarem
especificamente em criteacuterios teacutecnicos e formais para efetuarem seus julgamentos
Para entender o alcance dessa criacutetica eacute necessaacuterio adentrar um pouco em
algumas acepccedilotildees do termo lsquoformalismorsquo
Em seu Vocabulaacuterio de Esteacutetica Souriau informa que
[] eacute formalista aquele que daacute grande importacircncia agrave forma ou agraves formas poreacutem o termo forma pode ser tomado em diversos sentidos pode-se dar importacircncia a algo por razotildees de ordens bastante diferentes e enfim o termo formalismo foi frequentemente utilizado de maneira polecircmica mas em conflitos que natildeo eram sempre os mesmos de sorte que a palavra formalismo tem diversos sentidos que natildeo coincidem e cuja confusatildeo pode conduzir a erros graves (SOURIAU 1999 p 758)
Podem-se estabelecer a partir das classificaccedilotildees de Souriau trecircs sentidos
principais aplicados ao formalismo esteacutetico e empregados na criacutetica agraves tendecircncias
vanguardistas O primeiro sentido coincide com a censura a Hanslick criacutetico musical
de orientaccedilatildeo kantiana para quem a beleza esteacutetica seria inerente agrave existecircncia de
uma forma equilibrada e bem proporcionada o segundo sentido tem a ver com a
oposiccedilatildeo entre forma e conteuacutedo e se dirige principalmente agraves tendecircncias
modernistas de caraacuteter anticonteudista para as quais a estrutura eacute mais importante
do que o conteuacutedo representado ndash o que significa que para os criacuteticos atuais do
Modernismo o conteuacutedo ganha nova forccedila no terceiro sentido o termo lsquoformalistarsquo eacute
empregado para censurar as tendecircncias vanguardistas por centrarem suas
investigaccedilotildees em estruturas musicais abstratas criadas aprioristicamente sem levar
em consideraccedilatildeo a observaccedilatildeo do meio social ou cultural o que muitas vezes eacute
entendido como desprezo pela realidade
Em geral essas criacuteticas ao lsquoformalismorsquo das vanguardas surgem como
reaccedilotildees ao posicionamento antagocircnico dos muacutesicos de vanguarda das deacutecadas de
1950 e 1960 com relaccedilatildeo agrave muacutesica com sentido narrativo que necessariamente
traz o conteuacutedo ao primeiro plano e por conseguinte desvia a percepccedilatildeo dos
recursos teacutecnicos dos materiais sonoros e dos processos acuacutesticos envolvidos na
apreciaccedilatildeo musical Essa criacutetica modernista ao conteuacutedo vinha embutida em uma
criacutetica geral ao Romantismo e agrave muacutesica descritiva representada no seacuteculo XIX pelo
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lsquopoema sinfocircnicorsquo e pelas lsquopeccedilas caracteriacutesticasrsquo Ainda hoje em certos meios
musicais eacute comum a restriccedilatildeo agrave muacutesica descritiva em geral
Os muacutesicos vinculados agravequela via que pretende a superaccedilatildeo do Modernismo
ndash que agraves vezes chamam pejorativamente os movimentos de poacutes-vanguarda de
lsquoultramodernosrsquo ou lsquohipermodernosrsquo entendendo-os como o fruto de uma atitude
conservadora (cf BUCKINX 1998 p 22) ndash consideram que o lsquoformalismorsquo
vanguardista afastou o puacuteblico das salas de concerto e buscam novos processos de
comunicabilidade atraveacutes da investigaccedilatildeo mais ou menos sistemaacutetica de processos
narrativos e pela incorporaccedilatildeo da significaccedilatildeo musical direta
Eacute interessante notar a afericcedilatildeo de valor aos termos mencionados acima
lsquoUltramodernismorsquo e lsquoHipermodernismorsquo se essas expressotildees satildeo consideradas
negativamente pelos muacutesicos que professam a superaccedilatildeo do Modernismo satildeo
entendidas com sentido favoraacutevel pelos partidaacuterios da poacutes-vanguarda que
empregam essa terminologia para demonstrar que consideram determinada parcela
da produccedilatildeo atual como sendo extremamente significativa pois se apoiam nos
valores vanguardistas e os ultrapassam
Tem-se tambeacutem outra diferenccedila terminoloacutegica operada por alguns autores
que se faz apenas mudando a ordem dos termos lsquonova muacutesicarsquo e lsquomuacutesica novarsquo
Esta expressatildeo que foi amplamente empregada ao longo das deacutecadas de 1950 e
1960 estaacute ligada agraves tendecircncias vanguardistas e poacutes-vanguardistas No Brasil
houve inclusive um movimento de vanguarda autodenominado lsquoGrupo Muacutesica
Novarsquo que lanccedilou seu manifesto em 1963 com base nos princiacutepios do
Construtivismo e do Concretismo e terminou por influenciar o movimento
tropicalista na muacutesica popular O termo lsquonova muacutesicarsquo surgiu na deacutecada de 1990 na
Europa como contraposiccedilatildeo ao conceito de lsquomuacutesica novarsquo trata-se de muacutesicos que
absorvem diversas influecircncias e atuam em vaacuterias direccedilotildees natildeo pressupondo
qualquer identidade teoacuterica ou estiliacutestica entre si
Mesmo se eles satildeo muito diferentes e se tecircm personalidades e escrituras proacuteprias todos esses compositores se afastaram voluntariamente da corrente atonal da muacutesica contemporacircnea Eles sofreram diferentes influecircncias indo de muacutesicas natildeo-ocidentais ao jazz ao rock agrave muacutesica de variedades internacional passando pelo disco pelo funk ateacute a muacutesica techno e inclusive pelas generalidades de programas televisivos O que eles
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tecircm em comum eacute o fato de escutar o mundo sonoro que os envolve e que eacute o fundo musical de todos noacutes Eles tambeacutem tecircm uma filiaccedilatildeo direta a Stravinsky Eacute por isso que se pode separar a muacutesica lsquoeruditarsquo de hoje em duas grandes correntes A corrente lsquotonalrsquo consonante por opccedilatildeo pulsante e meloacutedica se situando em uma linha mais expressiva geralmente chamada de lsquoNova Muacutesicarsquo A corrente lsquoatonalrsquo caracterizada pela utilizaccedilatildeo quase sistemaacutetica de saltos de registro de assimetria riacutetmica e de dissonacircncias chamada tambeacutem de lsquomuacutesica contemporacircnearsquo (LELONG 1996 p 11)
Um dos movimentos de superaccedilatildeo do Modernismo que se pode colocar
como precursor dessa noccedilatildeo de lsquonova muacutesicarsquo eacute a lsquoNova Simplicidadersquo que teve
seu iniacutecio na deacutecada de 1970 com um grupo de compositores alematildees encabeccedilados
por Walter Zimmermann (1949) e Wolfgang Rihm (1952) Esses muacutesicos defendiam
a liberdade de escrita e a dissoluccedilatildeo do peso da Histoacuteria ndash que na sua opiniatildeo
engessava as praacuteticas vanguardistas ndash e preconizavam a absorccedilatildeo de experiecircncias
subjetivas de toda e qualquer natureza (vivecircncias impulsos emoccedilotildees preferecircncias
etc) que pudessem conduzir agrave produccedilatildeo de novos processos narrativos e agrave
depuraccedilatildeo dos meios empregados para a criaccedilatildeo musical Com essas intenccedilotildees
movimentaram-se na direccedilatildeo de estruturas mais elementares com gestos musicais
breves e texturas transparentes Entretanto os praticantes da Nova Simplicidade
natildeo se desviaram de configuraccedilotildees atonais apenas acrescentaram elementos de
caraacuteter tonal e deram vazatildeo a uma certa expressividade liacuterica em sua produccedilatildeo
Rihm em entrevista a Noreen e Cody comenta suas experiecircncias dos anos rsquo70 e
rsquo80
Eu sou um compositor intuitivo Mesmo se natildeo o fosse somente poderia escrever a minha proacutepria muacutesica Natildeo se pode criar arte com tabus Naturalmente somente quebrando tabus tambeacutem natildeo se faz arte Em ambos os casos o que surge satildeo objetos que [apenas] se parecem com arte [] De volta agraves triacuteades eu natildeo era de nenhuma maneira o uacutenico a empregaacute-las Talvez em minha muacutesica elas chocassem de forma mais provocativa provavelmente porque natildeo serviam ao propoacutesito de garantir lsquobelezarsquo mas eram empregadas no mesmo niacutevel que (quase) qualquer outra manifestaccedilatildeo sonora governadas por fluxos expressivos que natildeo poderiam ser inteiramente analisados de modo racional Isso era equivalente agrave alta traiccedilatildeo aos olhos dos modernistas (RIHM 2006 p 2)
Compositores que parecem seguir nessa mesma direccedilatildeo poreacutem com
interesses distintos satildeo os franceses Pascal Dusapin (1955) que trabalha com
misturas de elementos tonais e atonais carregados de forte lirismo e Reacutegis Campo
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(1968) cuja peccedila Commedia (1995) de escritura amplamente stravinskyana estaacute
organizada agrave base de muacuteltiplas linhas contrapontiacutesticas que se movimentam em
torno de uma melodia que se estende por quase quinze minutos
Outros grupos que tecircm sido bastante difundidos nos uacuteltimos anos satildeo
aqueles derivados do Minimalismo e que portanto empregam teacutecnicas de
organizaccedilatildeo repetitiva com base em um miacutenimo de elementos formadores de
processos sonoros Esses elementos baacutesicos ndash constituiacutedos de poucas notas
estrutura harmocircnica simples e riacutetmica perioacutedica ndash geralmente satildeo elaborados de
forma extremamente gradativa com a intenccedilatildeo de dar tempo agrave escuta Com isso
pretende-se dar ecircnfase aos processos perceptivos acima de qualquer princiacutepio
compositivo
O Minimalismo ortodoxo aquele dos anos 60 estava centrado em estruturas
ininterruptas fixas regulares e contiacutenuas no tempo Steve Reich partiu para suas
realizaccedilotildees mais peculiares da eacutepoca da experiecircncia de ouvir a mesma gravaccedilatildeo
reproduzida em dois aparelhos diferentes com rotaccedilotildees distintas o que gerou uma
defasagem gradual de tempo entre uma reproduccedilatildeo e outra O compositor declarou
[] enquanto eu ouvia esse processo gradual de mudanccedila de fase comecei a imaginar que esta seria uma forma extraordinaacuteria de estruturaccedilatildeo musical Esse processo afetou-me como um meio de alcanccedilar determinado nuacutemero de relaccedilotildees entre duas identidades sem nenhuma transiccedilatildeo Era um processo musical sem emenda ininterrupto (REICH apud SCHWARZ 1996 p 61)
Eacute interessante notar como esses princiacutepios de Reich e seus colegas
minimalistas da deacutecada de 1960 satildeo bastante lsquoformalistasrsquo para os muacutesicos mais
jovens e nesse sentido se assemelham aos valores vanguardistas da mesma
eacutepoca pois as preocupaccedilotildees com o processo com a estrutura ou com as teacutecnicas
de composiccedilatildeo estatildeo acima de qualquer outro aspecto envolvido na atividade
compositiva Por essa razatildeo essa fase do Minimalismo pode ser considerada como
sendo a uacuteltima manifestaccedilatildeo modernista pois mesmo que os processos de escuta
jaacute estivessem em evidecircncia o interesse principal estaacute na construccedilatildeo de estruturas
musicais abstratas Ao comparar a mentalidade de Reich da deacutecada de 1960 com
alguns comentaacuterios de John Adams (1947) um dos compositores mais destacados
da corrente atual a que alguns chamam de Poacutes-Minimalismo percebe-se que o
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ponto de vista deste estaacute descentrado do fazer e mais voltado para a absorccedilatildeo do
meio sonoro circundante
Eu sempre fui profundamente influenciado pelo rock pelo jazz e pela muacutesica pop Creio que eacute uma parte importante da experiecircncia de um norte-americano e penso que eacute a linha de demarcaccedilatildeo entre a velha geraccedilatildeo de compositores eruditos aqueles que nasceram antes da guerra e minha geraccedilatildeo ou a dos meus alunos Eacute por isso que natildeo tento me afastar dessa muacutesica nem tapar os ouvidos para ela Entretanto ao ler John Cage a gente nota que ele natildeo era sensiacutevel a essa muacutesica e ateacute mesmo a execrava Por minha parte eu gosto e ela influenciou bastante a minha proacutepria muacutesica (ADAMS 1996 p 20)
Ao contraacuterio do purismo muitas vezes pretendido pelos muacutesicos das deacutecadas
de 1950 e 1960 (que geralmente buscavam um estilo original sem admitir
ascendecircncias externas expliacutecitas pois essas influecircncias15 eram transformadas ateacute o
ponto em que se tornavam imperceptiacuteveis ou eram incorporadas em estruturas que
natildeo poderiam ser remetidas a outras realidades que a da proacutepria muacutesica em
questatildeo) vaacuterios compositores atuais estatildeo buscando a assimilaccedilatildeo expliacutecita de
diferentes fontes desde a muacutesica claacutessica europeia e a muacutesica tradicional de outras
culturas ateacute as diferentes manifestaccedilotildees populares e dos meios de comunicaccedilatildeo de
massa Adams eacute preciso a esse respeito
O que distingue minha muacutesica das outras eacute o fato de que ela eacute tatildeo lsquomiscigenadarsquo Se eu comparo minha muacutesica com a de Morton Feldman que eacute tatildeo pura a minha eacute uma espeacutecie de lsquogrande lixeirarsquo ali se encontra de tudo como em um grande lsquoensopadorsquo [] Cresci ao longo de um periacuteodo em que se podia escutar de tudo pois tudo estava registrado e isso vai continuar no proacuteximo milecircnio Eu costumo surfar na Internet todo o tempo e posso andar por tudo (ADAMS 1996 p 21)
Natildeo apenas Adams e os poacutes-minimalistas (que se diferenciam do
Minimalismo histoacuterico pela assimilaccedilatildeo expliacutecita de elementos exoacutegenos) como
tambeacutem outros muacutesicos das novas geraccedilotildees aproveitam influecircncias atraveacutes da
incorporaccedilatildeo de estilemas16 apropriados de diferentes tradiccedilotildees o que tambeacutem pode
15 O termo lsquoinfluecircnciarsquo foi tomado durante algum tempo como sendo depreciativo por indicar a ascendecircncia de determinado artista ou escola sobre outros Atualmente para os compositores das novas geraccedilotildees a ideia de ascendecircncia parece natildeo gerar constrangimento sendo inclusive um valor a ser aproveitado 16 lsquoEstilemarsquo eacute um termo apropriado da linguiacutestica empregado para designar traccedilos estiliacutesticos caracteriacutesticos de determinada obra escritor ou escola literaacuteria o que em muacutesica pode ser indicado
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incluir teacutecnicas de vanguarda Com isso esta muacutesica se torna mais corpoacuterea estaacute
vinculada agrave realidade circundante ou em outras palavras se faz mais mundana
Isso tambeacutem se deve agrave introduccedilatildeo de elementos de linguagens musicais
vernaculares consideradas como sendo parte da lsquofalarsquo cotidiana seja a muacutesica
autoacutectone ou a muacutesica tocada nos meios de comunicaccedilatildeo e que se torna com o
passar do tempo tatildeo absorvida pelas mentalidades que passa a ser entendida como
lsquolinguagem comumrsquo
Os chilenos Eduardo Caacuteceres (1954) e Aliosha Solovera (1963) tecircm
incorporado elementos de tradiccedilotildees locais em suas criaccedilotildees de caraacuteter
experimental Caacuteceres em sua peccedila Canciones ceremoniales para aprendiz de
machi para grupo vocal feminino aproveita textos em liacutengua mapudungum para
combinar diferentes ritmos apropriados dos iacutendios mapuches Na peccedila Ressonandes
(2002) para dez flautas cujo tiacutetulo alude agrave lsquoressonacircncia dos Andesrsquo Solovera busca
ldquoestabelecer um viacutenculo com a muacutesica das culturas preacute-colombianasrdquo atraveacutes da
experimentaccedilatildeo de sonoridades incomuns no instrumento Para o compositor ldquoa
flauta transversa se desliga de sua raiz cultural e eacute assumida em sua condiccedilatildeo mais
elementar como instrumento de soprordquo Eacute interessante notar nesse sentido o
paralelismo entre Ressonandes e a peccedila Nola (1994) para vaacuterias flautas e orquestra
de cordas do tajiquistanecircs Benjamin Yusupov (1962) que se refere agrave sua muacutesica da
seguinte maneira ldquoesta peccedila eacute uma busca de efeitos sonoros gerados pelas flautas
como se fossem instrumentos de cordas A combinaccedilatildeo com a muacutesica eacutetnica estaacute
associada a um certo esteticismo da muacutesica orientalrdquo Ambos aproveitam valores de
suas tradiccedilotildees locais para experimentar sonoridades inusuais em conjuntos de
flautas Solovera busca restituir o som elementar do sopro Yusupov tem o intuito de
fazer um instrumento de sopro soar como corda Apesar da similaridade conceptual
o resultado sonoro eacute bastante distinto
Em uma direccedilatildeo similar e com base em vivecircncias pessoais o colombiano
Angel Alfonso Rivera (1983) escreveu Quya-Killa (2013) para voz flauta percussatildeo
por padrotildees escalares contornos meloacutedicos figuraccedilotildees riacutetmicas encadeamentos harmocircnicos combinaccedilotildees instrumentais ou algum outro aspecto de qualquer natureza que identifique lsquoestilosrsquo ou lsquomaneirasrsquo
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(dois tom-tons maracas temple blocks prato suspenso) e piano A peccedila foi escrita a
partir da participaccedilatildeo em rituais e celebraccedilotildees indiacutegenas na Boliacutevia e no Peru dos
quais se destacam Pachamama (Ritual da Matildee Terra) Inti Raymi (Festa do Sol) e
Quya Raymi (Festa da Lua e da Fertilidade) A peccedila que eacute o resultado de
lembranccedilas afetivas desses rituais isto eacute os traccedilos que permanecem na memoacuteria
de forma pulsante e transformam a percepccedilatildeo do mundo estaacute organizada em trecircs
seccedilotildees derivadas das fases ritualpisticas Preparaccedilatildeo Oraccedilatildeo e Celebraccedilatildeo
Para o compositor
[] a muacutesica de culturas tribais gira em torno de um mundo proacuteprio com sonoridades que derivam do contorno da natureza dos animais e do proacuteprio homem As manifestaccedilotildees foneacuteticas os gestos e a miacutemica satildeo meios de comunicaccedilatildeo e neste contexto a muacutesica e a danccedila manifestam estreita relaccedilatildeo com os rituais e cerimocircnias [] Por se tratar de algo maacutegico e que possui caracteriacutesticas que podem ser aproveitadas na composiccedilatildeo considero que a imagem do ritual tem forte funccedilatildeo orientadora e organizacional sendo uma imagem que fundamenta e orienta os elementos do percurso criativo (RIVERA p 39-40)
Natildeo eacute necessaacuterio que o muacutesico esteja estreitamente vinculado a esta ou
agravequela tradiccedilatildeo para se sentir compelido a empregaacute-la em alguma obra O
compositor inglecircs Thomas Adegraves (1971) escreveu sua America a prophecy (1999)
para meio-soprano coro opcional e orquestra sinfocircnica para um projeto chamado
lsquoMensagens para o Milecircniorsquo promovido pela Orquestra Filarmocircnica de Nova Iorque
Interessante nesta peccedila eacute o fato de que o uacutenico texto em inglecircs eacute a traduccedilatildeo de um
fragmento da profecia maia que prenuncia o fim dos tempos os outros trechos
cantados na peccedila de Adegraves foram aproveitados de textos hispano-americanos Com
isso o compositor pretendia criar um mapa da Ameacuterica localizado ao Sul dos
Estados Unidos com o intuito de mostrar aos norte-americanos que eles natildeo foram
os primeiros americanos (escrito maia) como tambeacutem natildeo satildeo os uacutenicos
(fragmentos latino-americanos) Interessado pelas culturas preacute-colombianas e pelo
sincretismo cultural da Ameacuterica Latina atual o compositor disse em entrevista a
Tom Service que essa sua noccedilatildeo da Ameacuterica ldquocomeccedilou quando tive uma enorme
vista da piracircmide de Belize Havia aacutervores em todas as direccedilotildees Entretanto havia
estas pequenas saliecircncias que tambeacutem eram verdes e eram as antigas piracircmides
maiasrdquo (ADEgraveS apud FOX 2006 p 1) Outra representaccedilatildeo da Ameacuterica ocorreu-lhe a
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partir de um mapa surrealista publicado na revista belga Parietein em 1929 Essas
imagens aliadas aos textos escolhidos se tornaram o ponto de partida para a
estruturaccedilatildeo de America a prophecy
Outro exemplo agora no sentido da assimilaccedilatildeo dos meios de comunicaccedilatildeo
de massa em uma muacutesica de caraacuteter experimental eacute a peccedila de Michael Daugherty
(1954) intitulada Elvis Everywhere (1993) em que satildeo combinados cantores um
quarteto de cordas processos de manipulaccedilatildeo eletrocircnica dos sons e a voz de Elvis
Presley que funciona como uma espeacutecie de material unificador de todas as
sonoridades que acontecem ao longo da muacutesica
Natildeo posso escrever a miacutenima nota se natildeo tenho antes uma ideia Eacute geralmente um elemento visual um iacutedolo americano como Elvis um flamingo de plaacutestico cor-de-rosa ou ainda Jackie Kennedy que me evocam os sons [] Antes de compor Elvis Everywhere para o Quarteto Kronos assisti ao Congresso Internacional de Imitadores de Elvis onde ouvi cantar mais de duzentos Elvis Somente posso escrever muacutesica quando estou proacuteximo dela Seria difiacutecil transcrever musicalmente a poesia de Safo por exemplo Por outro lado assisti a todos os episoacutedios de Star Trek17 (DAUGHERTY 1996 p 105)
O que interessa para muitos artistas contemporacircneos eacute essa ruptura dos
limites daquilo que era tradicionalmente considerado como sendo lsquobom gostorsquo e lsquomau
gostorsquo lsquoarte e lsquoinduacutestria do entretenimentorsquo enfim todas as formas de dicotomia que
caracterizaram as correntes modernistas A intenccedilatildeo de superar essas dualidades
com uma atitude inclusiva em que as diferentes formas de manifestaccedilatildeo cultural
tecircm seu lugar na cultura contemporacircnea natildeo significa necessariamente aquela
postura ciacutenica do blaseacute que caracterizou o final do seacuteculo XX nas deacutecadas de 1980
e 1990 Ao contraacuterio estar aberto aos diferentes pontos de vista tambeacutem pode
significar assumir uma postura de caraacuteter pessoal poreacutem com o entendimento de
que esta eacute mais uma entre tantas possibilidades de conhecer a realidade e de se
relacionar com o mundo
Na busca de autonomia um grupo de compositores nova-iorquinos
encabeccedilados por Michael Gordon (1956) David Lang (1957) e Julia Wolfe (1958)
17 Essas consideraccedilotildees seriam impossiacuteveis se vindas de um compositor como Pierre Boulez por exemplo que consideraria essa assimilaccedilatildeo de elementos da cultura de massa como vulgarizaccedilatildeo da criaccedilatildeo musical
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criou o festival Bang on a Can e formou um grupo de cacircmara para divulgar sua
muacutesica e a de outros compositores de sua geraccedilatildeo18 Wolfe conta a origem do
festival em entrevista a Lelong
Noacutes queriacuteamos abalar as estruturas em Nova Iorque e ter um pretexto para tomarmos cafeacute da manhatilde juntos todos os dias Bang on a Can quase comeccedilou como uma brincadeira Noacutes chamamos assim ao primeiro festival porque pensamos que natildeo haveria outros mas terminou sendo um rastro de poacutelvora Muitas e muitas pessoas vieram no primeiro ano entre eles John Cage e Steve Reich Noacutes trabalhamos duramente para ampliar nosso puacuteblico para aleacutem do ciacuterculo dos amantes da Nova Muacutesica Fizemos nossa divulgaccedilatildeo bastante numerosa entre o puacuteblico de baleacute de teatro e de cinema Mesmo que o festival tenha se desenvolvido ainda se manteacutem a serviccedilo dos compositores com ideias novas com espiacuterito aventureiro O puacuteblico vem numeroso e entusiasmado a apresentaccedilatildeo eacute formidaacutevel descontraiacuteda o que tem o efeito de natildeo espantar a audiecircncia (WOLFE 1996 p 369-370)
O festival que existe desde 1987 se tornou um evento anual que conta com
um conjunto de cacircmara formado por solistas virtuoses o grupo Bang on a Can All-
Stars uma orquestra a Spit Orchestra gravaccedilotildees que satildeo lanccediladas em CD e
transmissotildees radiofocircnicas O grupo Bang on a Can All-Stars tem uma constituiccedilatildeo
heterogecircnea tanto do ponto de vista dos instrumentos que fazem parte do grupo
quanto da linha de atuaccedilatildeo de seus muacutesicos Formado por instrumentos como
piano saxofone clarinete violoncelo guitarra eleacutetrica baixo eleacutetrico e percussatildeo19 o
grupo se caracteriza pela mistura de sonoridades de muacutesica erudita muacutesica pop e
jazz A formaccedilatildeo e a praacutetica dos muacutesicos ndash que tocam em orquestras sinfocircnicas
tradicionais participam de shows ou concertos gravam discos de muacutesica pop e
tocam em bandas de jazz ndash possibilita trabalhar com repertoacuterios diversificados
Assim o grupo se propotildee a divulgar diferentes tipos de manifestaccedilatildeo musical da
contemporaneidade o que o difere de outros grupos ndash como por exemplo lsquoSteve
Reich and Musiciansrsquo lsquoMichael Nyman Bandrsquo ou lsquoPhilip Glass Ensemblersquo ndash que tecircm
em seu repertoacuterio somente a produccedilatildeo do proacuteprio compositor que daacute nome ao grupo
ou daqueles que estatildeo diretamente associados a ele
18 Essa praacutetica de criar o proacuteprio grupo musical jaacute havia sido praticada por muacutesicos como Steve Reich Philip Glass Louis Andriessen (1939) e Michael Nyman (1944) entre outros 19 Os muacutesicos do Bang on a Can All-Stars satildeo atualmente Vicky Chow teclados Ken Thomson sopros Ashley Bathgate violoncelo Mark Stewart guitarra eleacutetrica Robert Black contrabaixos David Cossin percussatildeo
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Percebe-se nessa postura comum a muitos muacutesicos atuais a busca pela
diferenccedila se tornando mais importante do que a pretensatildeo de identidade estiliacutestica
Esse aspecto resulta em outra caracteriacutestica difundida entre os compositores
contemporacircneos que se dedicam agrave investigaccedilatildeo de novos meacutetodos narrativos
Muitos compositores atuais tecircm formaccedilatildeo acadecircmica em aacutereas como linguiacutestica
letras comunicaccedilatildeo ou filosofia campos do conhecimento considerados como
sendo profiacutecuos para a criaccedilatildeo musical Vaacuterios compositores atuam como
professores universitaacuterios nessas aacutereas e desenvolvem seu trabalho criativo com
base nesse conhecimento mais do que em teacutecnicas tradicionais de composiccedilatildeo
Conhecem essas teacutecnicas mas preferem deixaacute-las em segundo plano no processo
criativo ndash o que difere de certas linhas vanguardistas das deacutecadas de 1950 e 1960
em que a invenccedilatildeo de novos processos de estruturaccedilatildeo e meacutetodos compositivos
estavam em primeiro plano
O compositor brasileiro Eduardo Seincman (1958) escreveu uma seacuterie
intitulada A Danccedila dos Duplos20 em que cada uma das cinco peccedilas que compotildeem o
ciclo destinada a uma formaccedilatildeo instrumental diferente foi concebida a partir de uma
experiecircncia extramusical A Danccedila de Dorian21 para piano a quatro matildeos foi escrita
a partir da leitura do romance O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde Esta peccedila
conteacutem diversos elementos que caracterizam a investigaccedilatildeo de novos processos
narrativos Excertos do texto de Wilde foram apostos agrave partitura para orientar os
muacutesicos sobre qual segmento do romance corresponde a cada uma das passagens
musicais O compositor chama a atenccedilatildeo no entanto para o fato de que natildeo se
trata de muacutesica programaacutetica pois sua intenccedilatildeo natildeo eacute produzir uma descriccedilatildeo
musical ipsis litteris da narrativa de Wilde mas criar uma narrativa paralela
estritamente musical e que natildeo se vincula diretamente agrave sequecircncia de episoacutedios do
20 A Danccedila dos Duplos eacute formada pelas seguintes peccedilas A Danccedila Misteriosa (1986 ldquopara um anjo que nasceraacuterdquo) para piano solo A Danccedila Luacutegubre (1987) para flauta contralto marimba e piano A Danccedila de Dorian (1988 ldquobaseada no romance O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilderdquo) para piano a quatro matildeos A Danccedila do Dibuk (1988 ldquobaseada na peccedila de teatro O Dibuk de Sch An-Skirdquo) para marimba vibrafone e glockenspiel A Uacuteltima Danccedila (1989 ldquoinspirada na leitura de O Cisne de Leonardo da Vincirdquo) para flauta contralto e dois vibrafones 21 Esta que foi a muacutesica tocada na Abertura do Simpoacutesio Agora Arte e Pensamento no dia 24 de outubro de 2006 pelas pianistas Carolina Avellar e Elaine Foltran
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romance Neste sentido tornam-se importantes as citaccedilotildees das obras musicais
apresentadas no texto nas cenas em que Dorian Gray toca piano ou assiste a um
concerto
Cria-se uma nova narratividade musical atraveacutes de uma sinestesia muacuteltipla
na audiccedilatildeo da obra A estrutura musical se desdobra como uma sequecircncia de
imagens (visuais taacuteteis auditivas e mesmo olfativas) que satildeo justapostas umas agraves
outras agraves vezes por meio de transiccedilotildees gradativas agraves vezes por meio de
interrupccedilotildees abruptas como cortes cinematograacuteficos Conforme a muacutesica se
aproxima do final vai-se tornando mais tensa e agitada criando a atmosfera para o
desfecho extraordinaacuterio (Dorian Gray natildeo envelhece porque eacute a figura pintada em
seu retrato que se torna mais velha) atraveacutes da precipitaccedilatildeo de uma cena na outra
com o propoacutesito de alterar o rumo dos acontecimentos de modo inesperado
Percebe-se nesse sentido uma espeacutecie de anaacutelogo musical daquilo a que
Aristoacuteteles chamaria de resoluccedilatildeo cataacutertica atraveacutes da lsquoperipeacuteteiarsquo (peripeacutecia) isto eacute
a incorporaccedilatildeo de encadeamentos imprevistos no decorrer da accedilatildeo com o sentido
de produzir alteraccedilotildees suacutebitas dos estados de humor Entre os tipos de narrativa
destacados por Aristoacuteteles (narrativa episoacutedica narrativa simples e narrativa
complexa) o filoacutesofo dava preferecircncia agrave narrativa complexa que produz expectativa
por meio do acuacutemulo de accedilotildees e pelo emprego de princiacutepios como a
verossimilhanccedila dessas accedilotildees a necessidade dos acontecimentos no curso da
histoacuteria o reconhecimento (descoberta) de uma situaccedilatildeo vivida poreacutem natildeo
compreendida anteriormente e o imprevisto produzido por novas situaccedilotildees
Peripeacutecia eacute uma viravolta das accedilotildees em sentido contraacuterio [] segundo a verossimilhanccedila ou necessidade [] O reconhecimento como a palavra mesma indica eacute a mudanccedila do desconhecimento ao conhecimento ou agrave amizade ou ao oacutedio das pessoas marcadas para a ventura ou desdita O mais belo reconhecimento eacute o que se daacute ao mesmo tempo em que uma peripeacutecia como aconteceu no Eacutedipo [] Nesse passo se verificam duas partes da faacutebula a peripeacutecia e o reconhecimento mas haacute uma terceira o pateacutetico [] O pateacutetico consiste numa accedilatildeo que produz destruiccedilatildeo ou sofrimento como mortes em cena dores cruciantes ferimentos e ocorrecircncias desse gecircnero (ARISTOacuteTELES 1997 p 30-31)
Naturalmente Aristoacuteteles natildeo exigia a concomitacircncia de todas essas linhas
narrativas para a produccedilatildeo de estados cataacuterticos que na trageacutedia antiga vinham
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geralmente associados agrave muacutesica Quando se escuta A Danccedila de Dorian de
Seincman poreacutem a impressatildeo que se tem eacute que todos esses processos se
acumulam nos trechos finais da peccedila produzindo vaacuterias camadas de expressatildeo que
extrapolam a significaccedilatildeo especificamente musical na direccedilatildeo de uma espeacutecie de
experiecircncia esteacutetica multissensorial geralmente possibilitada pela combinaccedilatildeo de
diferentes linguagens artiacutesticas (poesia teatro muacutesica artes visuais etc) Alguns
processos narrativos ou semacircnticos empregados se assemelham a formulaccedilotildees de
compositores romacircnticos como Robert Schumann (1810-1856) poreacutem a totalidade
do resultado seria algo impensaacutevel antes da concepccedilatildeo da muacutesica de Seincman
Outro compositor que se interessa pela criaccedilatildeo de sensaccedilotildees sinesteacutesicas eacute o
uzbequistanecircs Dimitri Yanov-Yanovski (1963) Segundo depoimento do compositor
sua muacutesica estaacute centrada na intenccedilatildeo de criar diferentes processos de estruturaccedilatildeo
do tempo musical atraveacutes da oposiccedilatildeo de duraccedilotildees heterogecircneas apresentadas
simultaneamente Esses meacutetodos produzem dois resultados distintos que se
complementam o efeito psicoloacutegico de contraccedilatildeo e distensatildeo do tempo e o
processo linguiacutestico de polifonia narrativa que eacute obtida pelo entrecruzamento de
muacuteltiplos significados (que podem ser musicais textuais dramaacuteticos ou plaacutesticos) A
investigaccedilatildeo de novos princiacutepios de comunicabilidade e a valorizaccedilatildeo do processo
musical por meio de meacutetodos repetitivos colocam Yanovski entre os compositores
atuais cujos trabalhos apresentam processos multidirecionais que resultam em
novas formas de produccedilatildeo e recepccedilatildeo musicais Tambeacutem nesse sentido vaacuterios
muacutesicos atuais se diferenciam das geraccedilotildees anteriores pois valorizam o ato de
recepccedilatildeo como sendo tatildeo ou mais importante do que as teacutecnicas de composiccedilatildeo
visto que entendem que estas devem estar a serviccedilo daqueles ndash o que conduz a
uma arte centrada nos processos esteacutesicos e nas possibilidades de interaccedilatildeo
comunicativa entre o compositor o inteacuterprete e o puacuteblico22
22 A avaliaccedilatildeo das relaccedilotildees entre o compositor e o inteacuterprete eacute outro aspecto extremamente relevante nas discussotildees sobre a muacutesica contemporacircnea Nas tendecircncias vanguardistas em geral o compositor muitas vezes busca escrever uma ldquomuacutesica contra o instrumentordquo o que gera grandes dificuldades de execuccedilatildeo Brian Ferneyhough (1943) um dos mais importantes compositores da poacutes-vanguarda e partiacutecipe da Nova Complexidade (note-se o antagonismo com relaccedilatildeo agrave lsquoNova Simplicidadersquo) costuma dizer com intenccedilatildeo motivadora e polecircmica que escreve mais notas do que o muacutesico consegue tocar para que ele tenha que escolher entre as notas escritas e interferir no
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3 Traccedilos Gerais
Percebe-se com as reflexotildees apresentadas acima sobre aspectos da muacutesica
atual (e sempre lembrando que este ensaio aborda uma parcela da totalidade da
produccedilatildeo contemporacircnea) que vivemos em um periacuteodo em que haacute muacutesicos e
musicoacutelogos23 dedicados agrave investigaccedilatildeo de toda e qualquer produccedilatildeo musical seja
ela proacutexima ou distante geograficamente seja recente ou remota no tempo
Pesquisadores atuais dedicam-se inclusive agrave descoberta de processos e materiais
que natildeo satildeo condizentes com seu gosto pessoal pois o que importa eacute que toda e
qualquer parcela da produccedilatildeo humana estaacute aiacute para ser conhecida
independentemente agradar ou natildeo ao estudioso24
Assim quebram-se hierarquias seculares em que se considerava
determinada parcela da produccedilatildeo de alguma eacutepoca superior agraves outras ou se
entendia que determinada regiatildeo do planeta produz algo de maior importacircncia
cultural ou histoacuterica do que outras Essas posiccedilotildees etnocecircntricas ainda hoje
defendidas por alguns como o criacutetico literaacuterio Harold Bloom por exemplo satildeo
questionadas por natildeo serem condizentes com as infinitas possibilidades atuais de
acesso agrave informaccedilatildeo pois satildeo restritivas do ponto de vista do gosto no sentido em
que elevam opiniotildees meramente pessoais de seus autores agrave categoria de valor
universal
A postura abrangente de pensadores contemporacircneos como Michel Meyer
vem de encontro agravequeles pontos de vista exclusivistas em que se confunde lsquoopiniatildeorsquo
com lsquoconhecimentorsquo Para Meyer
[] cada um tem o direito de ser diferente de realizar sua diferenccedila contanto que a igualdade de direitos da [outra] pessoa seja respeitada
processo de criaccedilatildeo da obra de forma que cada nova interpretaccedilatildeo soaraacute diferente das demais Ferneyhough parece buscar resultados semelhantes aos de John Cage poreacutem pelo caminho inverso Essa discussatildeo poreacutem extrapola os limites deste ensaio 23 Vale esclarecer que se entende por musicoacutelogo aqui todo aquele profissional que se dedica agrave pesquisa em muacutesica seja atraveacutes da musicologia histoacuterica musicologia sistemaacutetica ou etnomusicologia da anaacutelise musical psicologia da muacutesica criacutetica musical ou da esteacutetica musical entre outras Sendo assim musicologia eacute entendida como sendo a aacuterea que engloba todos os campos teoacutericos do saber musical 24 Um bom exemplo neste sentido eacute a incansaacutevel pesquisa sobre o Neoclassicismo francecircs realizada
por Michel Faure musicoacutelogo que se posiciona antagonicamente com relaccedilatildeo agravequela tendecircncia esteacutetico-musical
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Inversamente a universalidade eacute imperativa mas natildeo pode secirc-lo em detrimento das diferenccedilas que constituiacutemos e que nos faz ser [aquilo que somos] Cada um tem o direito agrave sua histoacuteria e o dever de cada um eacute respeitar esse direito nos outros A universalidade sem diferenccedila eacute tatildeo totalitaacuteria quanto a diferenccedila sem universalidade (MEYER 2000 p 148)
Tem-se assim uma nova postura criacutetica (que tambeacutem pode ser denominada
metacriacutetica) a qual propotildee que ao exercitar a criacutetica se inicie fazendo criacutetica aos
proacuteprios valores pessoais e inclusive agraves possibilidades de exerciacutecio da criacutetica no
domiacutenio de determinados contextos Isso aplicado ao campo da muacutesica que eacute uma
arte e natildeo uma ciecircncia exata leva agrave abertura de novas perspectivas e ao
entendimento de que os pontos de vista dos outros tecircm tanto direito agrave existecircncia
quanto os nossos Isso natildeo significa igualdade de criteacuterios mas igualdade de direito
pois pode haver diferenccedilas na qualidade dos valores sendo que alguns princiacutepios
podem estar mais fundamentados do que outros O que faz levar em consideraccedilatildeo
que em qualquer sistema de valores os criteacuterios apropriados para sua avaliaccedilatildeo
estatildeo no exame de sua estrutura loacutegica interna entrecruzada com sua adequaccedilatildeo agrave
realidade Entretanto nem mesmo a argumentaccedilatildeo mais sistematizada e bem
fundamentada eacute garantia de excelecircncia em se tratando de arte pois esta eacute uma
aacuterea onde os criteacuterios satildeo qualitativos e portanto natildeo podem ser quantizados ndash e jaacute
houve quem (como Max Bense) se esforccedilou em mensurar matematicamente a arte
poreacutem em nenhum caso se alcanccedilou um resultado considerado minimamente
satisfatoacuterio junto agrave comunidade artiacutestica
Quando o muacutesico se torna mais receptivo agraves diferentes opiniotildees que circulam
no campo da esteacutetica musical percebe tambeacutem que diferentes processos musicais
podem ser combinados em uma uacutenica peccedila de muacutesica natildeo importando onde ou
quando esses processos se originaram Essas fontes podem ser justapostas uma
apoacutes a outra na sequecircncia de eventos sonoros assim como podem ser sobrepostas
em um uacutenico momento do tempo musical Isso depende de vaacuterios fatores muitos
deles ligados aos anseios do proacuteprio artista Tambeacutem se abrem novas possibilidades
de significaccedilatildeo atraveacutes da muacutesica que natildeo permanece restrita a valores
exclusivamente teacutecnicos ou formais Por outro lado a teacutecnica e a forma sempre
poderatildeo ser incorporadas em situaccedilotildees musicais de iacutendole mais ampla do que a
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mera oposiccedilatildeo dicotocircmica entre lsquomodernorsquo e lsquopoacutes-modernorsquo lsquomuacutesica novarsquo e lsquonova
muacutesicarsquo ou entre lsquopreferecircncia pela forma e pela teacutecnicarsquo e lsquopreferecircncia pelo conteuacutedo
e pelas estruturas narrativasrsquo Para o compositor italiano Luca Lombardi (1945)
ldquouma filosofia da nova muacutesica escrita hoje natildeo poderia dividir de maneira
maniqueiacutesta o mundo em [] progressistas e reacionaacuterios mas deveria dar conta da
multipolaridade da situaccedilatildeo atual A realidade ndash e natildeo somente a realidade musical ndash
eacute complexa contraditoacuteria e consequentemente ndash para exprimir em termos positivos ndash
ricardquo (Lombardi apud MICHEL 1998 p 104)
A tradiccedilatildeo natildeo eacute mais entendida como sistema fechado em que determinada
interpretaccedilatildeo se torna lsquoa explicaccedilatildeorsquo dos fatos mas tambeacutem satildeo valorizadas as
reaccedilotildees pessoais particularizadas e mesmo idiossincraacuteticas Tambeacutem se torna
problemaacutetico asseverar algo sobre lsquoa tradiccedilatildeorsquo sendo que se reconhece a
simultaneidade de inuacutemeras lsquotradiccedilotildeesrsquo algumas complementares entre si outras
antagocircnicas mas todas com igual direito agrave existecircncia A identidade passa pela
diferenccedila entre um e outro e essa diferenccedila passa pela universalidade dos valores
que podem reconhecer a diferenccedila de um no outro assim como a identidade de
cada um somente pode ser reconhecida quando se tem conhecimento da
universalidade relativa (ou contextual) de cada uma das partes constituintes do todo
identitaacuterio25 A valorizaccedilatildeo da diferenccedila pode conduzir agrave aceitaccedilatildeo da multiplicidade
das praacuteticas musicais seus materiais acuacutesticos suas teacutecnicas seus processos de
elaboraccedilatildeo seus significados intriacutensecos e extriacutensecos suas praacuteticas e seus
valores pois ldquoo conteuacutedo eacute em suma a teoria que daacute significado agrave muacutesicardquo
(BUCKINX 1998 p 91)
Como resultado tecircm-se alcanccedilado novas funcionalidades no campo musical
isto eacute descobrem-se novas possibilidades de uso ou aplicaccedilatildeo da muacutesica que
correspondem agraves necessidades das novas geraccedilotildees A diversidade de funccedilotildees
musicais que se disseminaram desde a Antiguidade foi-se tornando cada vez mais
restrita nos uacuteltimos anos do seacuteculo XX periacuteodo em que alguns dividiam as funccedilotildees
em apenas lsquomuacutesica de concertorsquo e lsquomuacutesica de entretenimentorsquo reforccedilando outra
25 Pluralia tantum mesmo o singular eacute plural
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dicotomia com caraacuteter de preconceito social Nos uacuteltimos anos outras funccedilotildees tecircm
sido observadas como a funccedilatildeo de aglutinaccedilatildeo social comum nas tribos indiacutegenas
que necessitavam da uniatildeo grupal para garantir a sobrevivecircncia Quando se pratica
muacutesica como interferecircncia urbana se traz um grande contingente de pessoas para
uma praccedila puacuteblica e se as oferece experiecircncias que se diferenciam do lugar-comum
estaacute-se recuperando aquela praacutetica de aglutinaccedilatildeo social
Quando o compositor estoniano Arvo Paumlrt (1935) busca sonoridades
medievais e orientais em combinaccedilatildeo com as siacutenteses operadas pelo Minimalismo
para expressar seus valores miacutesticos de caraacuteter ecumecircnico em uma peccedila como
Summa (1977) estaacute retomando a funccedilatildeo congregacional da muacutesica anteriormente
mantida somente no acircmbito dos templos religiosos A muacutesica de Paumlrt eacute tocada tanto
em rituais religiosos como em salas de concerto e em manifestaccedilotildees puacuteblicas ao ar
livre
Outra funccedilatildeo que estaacute sendo redescoberta por muacutesicos eruditos
contemporacircneos eacute a muacutesica de diversatildeo Cabe uma distinccedilatildeo importante entre os
termos lsquodivertirrsquo e lsquodistrairrsquo Divertir na acepccedilatildeo empregada aqui significa lsquoseparar-
se ser diferente divergirrsquo Assim a funccedilatildeo de divertir pode ser compreendida em
um sentido metacriacutetico como divergecircncia em relaccedilatildeo ao estado de coisas
dominante Distrair significa lsquorasgar vender a retalhorsquo tambeacutem pode ser entendido
como lsquodesviar ardilosamente a atenccedilatildeo do adversaacuterio para fazecirc-lo cometer errosrsquo e
nesse sentido o termo pode se adequar agravequelas experiecircncias que conduzem ao
alheamento da proacutepria condiccedilatildeo da condiccedilatildeo do outro e da realidade circundante
Depreendido desse modo surge outra noccedilatildeo do conceito de lsquomuacutesica de diversatildeorsquo
que pode ser tomada como uma nova funcionalidade da muacutesica que se apotildee ao
estado de distraccedilatildeo
Exemplo recente nesse sentido eacute a Revoluccedilatildeo Laranja na Ucracircnia em
2005 em que a populaccedilatildeo das grandes cidades foi agraves ruas vestindo laranja a cor
da oposiccedilatildeo para protestar contra as fraudes eleitorais que mantinham o primeiro-
ministro Viktor Yanukovich no poder Vaacuterios grupos musicais tocando jazz muacutesica
pop muacutesica folcloacuterica ou muacutesica claacutessica se revezavam para manter a praccedila de Kiev
repleta de muacutesica vinte e quatro horas por dia No Brasil atual em novembro de
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2016 um grupo de estudantes permaneceu danccedilando em frente agrave universidade em
Curitiba por um dia inteiro em protesto agrave PEC 24155 Como estavam em uma zona
residencial para natildeo fazer barulho em respeito aos moradores cada um deles
portava seus proacuteprios fones de ouvido e danccedilavam embalados pelas muacutesicas que
lhes agradavam Vaacuterias muacutesicas ao mesmo tempo Cada um na sua Seu slogan
ldquo20 horas em movimento contra 20 anos de congelamentordquo
Post-Scriptum Presumir que os compositores das novas geraccedilotildees
permaneccedilam escrevendo muacutesica da mesma maneira que os muacutesicos de geraccedilotildees
anteriores seria o mesmo que esperar que estes continuassem fazendo muacutesica
como seus antepassados Se forem tomados intervalos de aproximadamente meio
seacuteculo pode-se considerar que pretender que Thomas Adegraves (1971) continue a
escrever muacutesica como Pierre Boulez (1925) seria o mesmo que supor que Boulez
continuaria a pensar muacutesica da mesma forma que Arnold Schoenberg (1874-1951)
que Schoenberg ter-se-ia mantido na mesma linha de investigaccedilatildeo que Anton
Bruckner (1824-1896) que Bruckner natildeo poderia ter concebido muacutesica diferente de
Ludwig van Beethoven (1770-1827) que teria seguido na linha de Niccolograve Piccinini
(1728-1800) o qual permaneceria pensando como Antonio Vivaldi (1678-1741)
Segundo esse raciociacutenio Adegraves apenas escreveria autecircnticos concertos barrocos (o
que eacute uma hipoacutetese no miacutenimo intrigante)
O quadro abaixo sintetiza as principais caracteriacutesticas da muacutesica
contemporacircnea de acordo com as acepccedilotildees discutidas neste ensaio
ACEPCcedilOtildeES REFERENCIAIS ATITUDES PROCEDIMENTOS VALORES RESULTADOS 1 Continuidade da Modernidade
1 Liquidaccedilatildeo dos Sistemas Totalizantes (Modal Tonal Serial)
1 Experimentalismo (expansatildeo das possibilidades teacutecnicas compositivas e instrumentais)
1 Poacutes-Vanguarda 2 Espectralismo 3 Nova Complexidade
1 Arte Especulativa 2 Diversidade Contextual (cada momento no tempo dirige-se a vaacuterios pontos do espaccedilo)
1 Criaccedilatildeo de estruturas inovadoras 2 Espacializaccedilatildeo do tempo 3 Arte poeacutetico-centrada (importa a criaccedilatildeo)
2 Retorno agrave Tradiccedilatildeo
2 Criacutetica ao Historicismo e ao Determinismo
2 Retorno ao passado (alguma eacutepoca em algum
4 Tendecircncias restauradoras (reutilizaccedilatildeo de
3 Apropriaccedilatildeo do Legado
4 Permanecircncia do passado em um presente
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MATTOS Fernando Lewis de Pluralia Tantum Reflexotildees sobre a muacutesica contemporacircnea Revista da Fundarte
Montenegro ano 16 n 32 p 52-94 juldez 2016 Disponiacutevel em
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Histoacuterico lugar) processos tradicionais Neomodalismo Neotonalismo etc) 5 Retorno agrave melodia ao contraponto e agrave harmonia
Histoacuterico transformado 5 Evidecircncia de procedimentos eou estilemas oriundos de tradiccedilotildees culturais variadas
3 Superaccedilatildeo do Modernismo
3 Questionamento das vanguardas do Estruturalismo e das tendecircncias formalistas (importam todos os aspectos da produccedilatildeo e recepccedilatildeo artiacutesticas e natildeo apenas seu niacutevel imanente)
3 Novos processos de comunicabilidade
6 Meacutetodos repetitivos (Poacutes-Minimalismo) 7 Nova Simplicidade 8 Apropriaccedilatildeo de Linguagens (folclore popular urbana pop etc)
4Valorizaccedilatildeo do Processo 5 Pluralidade e identidade pulverizada (quebra de conceitos como a unidade estiliacutestica e a distinccedilatildeo de gecircneros)
6 Nova Narratividade 7 Hibridismo Estiliacutestico 8 Arte esteacutesico-centrada (importa a recepccedilatildeo)
4 Traccedilos Gerais
4 Investigaccedilatildeo de toda e qualquer produccedilatildeo musical independente de eacutepoca ou lugar
4 Metacriacutetica como criacutetica ao Criticismo convencional
9 Poliestiliacutestica (citaccedilatildeo alusatildeo colagem) 10 Multiculturalismo (justaposiccedilatildeo e sobreposiccedilatildeo de processos musicais oriundos de diferentes fontes)
6 Valorizaccedilatildeo da Diferenccedila (importam reaccedilotildees peculiares a aspectos especiacuteficos da tradiccedilatildeo e natildeo a lsquoTradiccedilatildeorsquo como lsquoSistemarsquo)
9 Multidirecionalidade na produccedilatildeo e na recepccedilatildeo musicais 10 Novas funcionalidades do fazer musical
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RAMAUT-CHEVASSUS Beatrice Musique et postmoderniteacute Paris PUF 1998 RATNER Leonard Classic music ndash expression form and style New York Schirmer 1980 RIHM Wolfgang Wolfgang Rihm in conversation with Kirk Noreen and Joshua Cody Disponiacutevel emlthttpwwwsospesocomcontentsarticlesrihm_p2htmlgt Acessado em 24 de janeiro de 2006 RIVERA BAQUERO Angel Alfonso Imagem um ponto de partida para a organizaccedilatildeo estrutural e formal no processo composicional Memorial de Mestrado Porto Alegre UFRGS 2014 ROCHBERG George THE key that will open CD George Rochberg Symphony Nordm 5 Black Sounds Transcendental Variations Saarbruumlcken Radio Symphony Orchestra Christopher Lyndon-Gee Naxos 2003 1 disco compacto (6103 min) digital esteacutereo 8559115 SCHNITTKE Alfred Les tendances polyestilistiques dans la musique moderne Analyse Musicale Paris n 33 nov 1998 p 132-134 SCHOENBERG Arnold Style and Idea Berkeley University of California 1975 SCHWARZ Robert Minimalists London Phaidon 1996 SOURIAU Eacutetienne Vocabulaire drsquoestheacutetique Paris PUF 1999 STRAVINSKY Igor Poeacutetica musical Madrid Taurus 1986 WALKER John A A arte desde o pop Rio de Janeiro Labor 1977 WOLFE Julia Interview In LELONG Steacutephane (Org) Nouvelle musique Paris Balland 1996
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VALLE Lutiere Dalla Provocaccedilotildees (des)continuidades desfechos potecircncia edu(vo)cativa das imagens
fiacutelmicas na formaccedilatildeo docente Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 95-108 juldez 2016
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Provocaccedilotildees (des)continuidades desfechos potecircncia edu(vo)cativa das
imagens fiacutelmicas na formaccedilatildeo docente
Lutiere Dalla Valle1
Universidade Federal de Santa Maria - UFSM
Resumo O objetivo neste texto eacute abordar o cinema enquanto dispositivodisparador para a formaccedilatildeo docente compreendendo-o como artefato produzido pela cultura que produz formas de ver e ser visto Neste iacutenterim subsidiado por experiecircncias de aprendizagem no contexto da formaccedilatildeo docente respaldado pela abordagem narrativa e perspectiva da cultura visual busca-se estabelecer relaccedilotildees entre arte e subjetividade no que tange agraves construccedilotildees sociais histoacutericasculturais e ideoloacutegicas presentes nas visualidades veiculadas pela cinematografia Para tanto explora-se o conceito edu(vo)cativo atribuiacutedo ao cinema que compreende os aspectos educativo evocativo e cativo que envolvem a aprendizagem mediada pelas visualidades Palavras-chave Potecircncia Edu(vo)cativa cinema formaccedilatildeo docente Abstract The objective of this text is to approach the film as device for teacher training understanding it as an artifact produced by the culture that produces ways of seeing and being seen In the interim subsidized by learning experiences in the context of teacher training supported by the narrative approach and perspective of visual culture we seek to establish relationships between art and subjectivity in relation to social historical cultural and ideological constructions present in visualities conveyed by cinematography So it explores the concept edu(vo)cational attributed to the film comprising the educational evocative and captive aspects involving learning mediated visualities Key-words Edu(vo)cational power movies images teacher training
1 Doutor em Artes Visuais e Educaccedilatildeo (Universidad de BarcelonaES 2012) Mestre em Educacioacuten y Artes Visuales un Enfoque Construccionista (Universitat de Barcelona EspanhaUB 2009) Mestre em Educaccedilatildeo pela Universidade Federal de Santa Maria (CEPPGEUFSM2008) Linha de Pesquisa Educaccedilatildeo e Artes Possui Especializaccedilatildeo em Arte e Visualidade pela Universidade Federal de Santa Maria (2005) Licenciatura Plena em Desenho e Plaacutestica (Universidade Federal de Santa Maria2003) Bacharelado em Desenho e Plaacutestica (Universidade Federal de Santa Maria2002) Atualmente atua como Coordenador do Curso de Artes Visuais - Licenciatura e Bacharelado DAVCALUFSM professor adjunto no Departamento de Artes Visuais CALUFSM tambeacutem no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Artes VisuaisPPGART - Linha de Pesquisa Arte e Cultura e nos Cursos de Graduaccedilatildeo Bacharelado e Licenciatura em Artes Visuais Co-orienta no Doutorado em Educaccedilatildeo Linha de Educaccedilatildeo e Artes do CEUFSM Investiga as relaccedilotildees entre Artes Visuais e Cultura Visual relacionado agrave formaccedilatildeo de artistas e professores de artes visuais Tem experiecircncia na aacuterea de artes visuais com ecircnfase em entornos educativos LiacutederCoordenador dos seguintes Grupos de Pesquisa e Extensatildeo Grupo de Estudos e Pesquisas Artes Visuais e IMediaccedilotildees (AVICALUFSM) Nuacutecleo Educativo Claacuteudio Carriconde (NECCA CALUFSM) Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte e Medicina (GEPAMCALUFSM) Grupo de Estudos Cinema e Educaccedilatildeo (GECED) Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte Contemporacircnea e Educaccedilatildeo da Cultura Visual Pegadogias Culturais na alfabetizaccedilatildeo infantil Rota das Esculturas e Pintura Mural no Campus (DAVUFSM) Membro pesquisador do GEPAEC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte Educaccedilatildeo e Cultura UFSM Linhas de Interesse e Investigaccedilatildeo Formaccedilatildeo de Professores Estudos da Cultura Visual Estudos sobre Cinema e Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo de Artistas Agentes Culturais e Processos de Mediaccedilatildeo em Espaccedilos Expositivos Formais e Natildeo-Formais Contato lutieredallavallenetbr
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Introduccedilatildeo
Os seres humanos natildeo terminam em sua proacutepria pele satildeo expressatildeo da cultura Considerar o mundo como um fluxo indiferente da informaccedilatildeo que eacute processada pelos indiviacuteduos cada um atuando agrave sua maneira supotildee perder
de vista como se formam os indiviacuteduos e como funcionam Ou para citar novamente Geertz lsquonatildeo existe uma natureza humana independente da
culturarsquo (BRUNER 1991 28)
Diaacutelogos entre cinema e educaccedilatildeo tecircm sido recorrentes em nossos contextos
educativos O uso do cinema como um ponto de partida para desenvolver projetos
educativos - sobretudo nos uacuteltimos dez anos no contexto nacional - tem assinalado
variadas experimentaccedilotildees publicaccedilotildees a partir de agrupamentos de textos
produzidos em grupos de pesquisa ensaios atravessamentos diversos em que o
cinema constitui-se fio condutor eou mote reflexivo para desencadear escritas
narrativas dissertaccedilotildees e teses de doutorado em Educaccedilatildeo e aacutereas afins Talvez
resultado do vasto processo de contaminaccedilatildeo eou proliferaccedilatildeo de imagens oriundas
das mais diversas fontes que suscitam possibilidades educativas e favorecem
experiecircncias de aprendizagens significativas mediadas por pedagogias culturais
articulando desta maneira tentativas curiosas em abordar a cinematografia a partir
de acircngulos e enquadramentos diversos em que satildeo apresentadas distintas formas
de ver e ser visto pelas visualidades
Haacute experimentaccedilotildees que apostam em praacuteticas educativas embasadas pela
criacutetica pela produccedilatildeo criativa e emancipatoacuteria transitando entre campos que
articulam conceitos e contextos plurais de produccedilatildeo de significados Por outro lado
eacute recorrente tambeacutem a tentativa de pedagogizar o cinema seguindo um receituaacuterio
de como fazer como ver e o que ver nos filmes
Diante destas consideraccedilotildees adianto que neste texto proponho pensar e
articular o cinema de modo relacional afetivo muacuteltiplo em devir algo que natildeo estaacute
pronto onde existem infinitas probabilidades de aproximaccedilatildeo e diaacutelogo
configurando-se tambeacutem como dispositivo edu(vo)cativo ponto de partida um
comeccedilo isento da intenccedilatildeo de prescrever um meacutetodo a ser implementado
Igualmente refletir sobre o que podemos aprender coma partir das imagens
produzidas pelo cinema e como as experiecircncias de aprender podem ser
potencializadas a partir dos filmes isto eacute investigar como o cinema pode configurar-
se edu(vo)cativo na formaccedilatildeo docente
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A Potecircncia Edu(vo)cativa das imagens fiacutelmicas
Toda voz individual como nos mostra Bajtin estaacute abstraiacuteda de um diaacutelogo
(BRUNER 1991 14)
Edu(vo)cativo origina-se da junccedilatildeo de trecircs palavras educativo evocativo
cativo2 eacute desta forma que nos aproximamos do cinema na busca por propor uma
justaposiccedilatildeo com a imagem fiacutelmica em que sejam articuladas as relaccedilotildees de
aprendizagem potencializadas a partir de sua visualizaccedilatildeo Igualmente tendo em
vista que as imagens em movimento carregam particularidades especiacuteficas de sua
natureza visualafetiva a ideia eacute pensar que o cinema natildeo poderia ser conjecturado
dentro de uma uacutenica estrutura linguiacutestica agrave qual nos vinculamos em nossos
contextos culturais geograacuteficos e temporais pois amplia os campos da percepccedilatildeo
abrindo-se mais para a experimentaccedilatildeo subjetiva do que a uma compreensatildeo
formal de significaccedilatildeo previamente apreendida Da mesma forma discursivamente
constitui-se potecircncia simboacutelica recheada de elementos oriundos de imaginaacuterios
coletivos nos quais ancoramos nossas percepccedilotildees mais iacutentimas assim como os
imaginaacuterios produzidos pelas culturas
Neste contexto entendemos o cinema como artefato educativo pois nos
ensina modos de ver e sermos vistos de ser e estar envolvendo tudo o que
potencializa visotildees de mundo de construccedilatildeo e legitimaccedilatildeo de concepccedilotildees de
mundo eacute tambeacutem evocativo pois diz respeito agraves percepccedilotildees que envolvem a
memoacuteria agravequilo que permanece como referencial anterior e que em relaccedilatildeo com as
novas conexotildees pode reconfigurar-se estabelecer novasoutras conexotildees
2 O Conceito Edu(vo)cativo vem sendo pensado no Grupo de Estudos e Pesquisas Cinema e Educaccedilatildeo (GECEDCNPq) O GECED configura-se a partir do cinema como mobilizador de aprendizagens em variados acircmbitos e contextos educativos formais e natildeo formais de ensino onde cada membro propotildee um enfoque particular em relaccedilatildeo ao cinema e um enfoque de pesquisa Desta forma haacute pesquisas que relacionam diferentes abordagens tais como cinema e gecircnero cinema e subjetividade cinema e infacircncia cinema e educaccedilatildeo cinema e formaccedilatildeo docente O marco teoacuterico-metodoloacutegico respalda-se pela perspectiva educativa da cultura visual e pedagogias culturais amparado por autores como Fernando Hernaacutendez Nicholas Mirzoef David Darts Raimundo Martins Irene Tourinho acerca dos Modos de Endereccedilamento com a obra de Elizabeth Ellsworth acerca do cinema e educaccedilatildeo Adriana Fresquet dentre outros No que diz respeito agraves construccedilotildees sociaisculturais e ideoloacutegicas bem como satildeo produzidos os significados Jerome Bruner e Kenneth Gergen consistem nas principais referecircncias
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produzindo outras vias traz agrave tona movimenta do interno para o externo emerge
faz surgir E por fim o termo cativo busca estabelecer relaccedilotildees com aquilo que
seduz que aprisiona que deteacutem atenccedilatildeo que afeta que domina um filme natildeo
apenas mobiliza mas evoca potencializa educa constroacutei legitima instrui
Pensando o cinema a partir da conjunccedilatildeo leacutexica proposta agrave luz da
perspectiva educativa dos estudos da cultura visual podemos dizer que este
mobiliza formas de compreensatildeo que talvez natildeo sejam possiacuteveis de outra ordem
Os atravessamentos que o cinema estabelece com espectadores envolve
conhecimento da linguagem mobilizaccedilatildeo de conceitos e imagens previamente
apreendidas configurando-se no plano sensorial sonoro visual da accedilatildeo que
materializa-se em seu tempo de visualizaccedilatildeo a partir de um entre e sucessivos
momentos Nas palavras de Adriana Fresquet
[] de fato o cinema nos oferece uma janela pela qual podemos nos assomar ao mundo para ver o que estaacute laacute fora distante no espaccedilo ou no tempo para ver o que natildeo conseguimos ver com nossos proacuteprios olhos de modo direto Ao mesmo tempo essa janela vira espelho e nos permite fazer longas viagens para o interior tatildeo ou mais distante de nosso conhecimento imediato e possiacutevel (2013 p 19)
Para Fresquet ldquoa tela de cinema (ou do visor da cacircmera) se instaura como
uma nova forma de membrana para permear um outro modo de comunicaccedilatildeo com o
outrordquo (2013 p 19) Ou seja os sistemas de representaccedilatildeo criados e veiculados
pelas produccedilotildees cinematograacuteficas ativam e potencializam imaginaacuterios ao dar forma
agravequilo que antes de se tornar visualmente comumcotidiano era apenas mundo das
ideias A partir do cinema o imaginaacuterio visual ganhou forma ritmo movimento e voz
As visualidades adquiriram o status de imagempensamento tendo em vista que
articulam em noacutes uma multiplicidade de relaccedilotildees construccedilotildees definiccedilotildees e
conceitos que soacute satildeo possiacuteveis atraveacutes daquilo que os olhos captam e formulam
mentalmente
Quando vemos uma imagem objeto ou artefato recorremos agraves informaccedilotildees gerais eou ao conhecimento especiacutefico que possuiacutemos Recorremos a haacutebitos valores referecircncias e contexto para dar sentidosignificado ao que vemos Cada indiviacuteduo utiliza suas informaccedilotildees conhecimento haacutebitos e referecircncias para estruturar e dar sentido agraves coisas que visualiza valorizando-as diferentemente negociando seus significados de acordo com o contexto sua trajetoacuteria cultural e seus interesses (MARTINS TOURINHO 2011 p 54-55)
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No contexto educativo torna-se edu(vo)cativo uma vez que haacute uma
multiplicidade de caminhos de natureza relacional os quais mobilizamos durante um
processo interpretativo ndash seja ele no campo da arte ou da educaccedilatildeo da ciecircncia ou
da sociologia Portanto aprender com a partir do cinema implica abandonar a ideia
de um uacutenico caminho a ser seguido de forma riacutegida pois sugere estabelecer
relaccedilotildees Diante de infinitas possibilidades de abordagem ndash principalmente tendo em
vista a presenccedila constante de representaccedilotildees visuais oriundas de diversas fontes ndash
o desafio de fugir das concepccedilotildees estereotipadas de uso do cinema em sala de aula
propunha reinventaacute-las atraveacutes de praacuteticas investigativas experimentais movediccedilas
questionadoras comeccedilando pelo exerciacutecio de reconhecer a potencialidade
narrativaevocativa dos filmes O que pode um filme Como abordaacute-lo enquanto
potecircncia agrave aprendizagem
Neste iacutenterim noccedilotildees de identidade e subjetividade examinadas (re)vistas
compreendidas e articuladas a partir da perspectiva educativa da cultura visual nos
oferecem pistas e tambeacutem evidecircncias para interrogarmos a sua construccedilatildeo e
tambeacutem os estereoacutetipos que contribuem para definir condutas delinear posiccedilotildees
hieraacuterquicas e legitimar papeacuteis sociais sobretudo no que tange agrave construccedilatildeo da
docecircncia O olhar produzido pela cinematografia hollywoodiana ndash de maior difusatildeo
em nossa cultura ndash que se constitui forte veiacuteculo de construccedilatildeo e produccedilatildeo de
identidades (natildeo apenas as identidades docentes) revisitado pode desencadear
processos de questionamento e reelaboraccedilatildeo pois como argumenta Fernando
Hernaacutendez
Os estudos da Cultura Visual nos permitem a aproximaccedilatildeo com essas novas realidades a partir de uma perspectiva de reconstruccedilatildeo das proacuteprias referecircncias culturais e das maneiras de as crianccedilas jovens famiacutelias e educadores olharem (-se) e serem olhados Reconstruccedilatildeo natildeo somente de caraacuteter histoacuterico mas a partir do momento presente mediante o trabalho de campo ou a anaacutelise e a criaccedilatildeo de textos e imagens Reconstruccedilatildeo que daacute ecircnfase agrave funccedilatildeo mediadora das subjetividades e das relaccedilotildees agraves formas de representaccedilatildeo e agrave produccedilatildeo de novos saberes acerca destas realidades (HERNAacuteNDEZ 2007 37)
Tomando como ponto de partida o argumento do autor em favor da
perspectiva educativa da cultura visual as produccedilotildees fiacutelmicas nos conferem uacutenicas
ou infinitas visotildees de mundo de ser de estar e atuar nas mais variadas situaccedilotildees
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cotidianas Natildeo apenas aprendemos a olhar e compreender as narrativas visuais
desde a infacircncia mas tambeacutem nossas formas de ver passam a ser articuladas a
partir do lugar que ocupamos ndash social cultural histoacuterico Natildeo apenas visualizamos
uma narrativa decodificando a sequecircncia de imagens mas reconstruiacutemos e
recontamos internamente a partir daquilo que compreendemos da visualidade
daquilo que apreendemos Portanto enquanto dispositivo do olhar o cinema pode
contribuir para desvelar imagens assim como pensar sobre quequais lugares
ocupam dentro dos imaginaacuterios coletivos e quais satildeo as possibilidades de
transgredi-los em favor de articulaccedilotildees mais subjetivas autorais e inclusivas
Problematizar o cinema (no sentido de pensar o que evocaprovocamobiliza)
sugere praacuteticas de desnaturalizaccedilatildeo do olhar e especial atenccedilatildeo agraves contingecircncias
que delineiam nossas relaccedilotildees com o mundo nossas experiecircncias cotidianas Em
decorrecircncia podemos nutrir-nos de estrateacutegias criacuteticas para questionar padrotildees
desmontar estruturas hegemocircnicas discursos riacutegidos e propor fissuras brechas em
que nossa subjetividade seja potencializada Partindo da concepccedilatildeo de que noccedilotildees
de verdade e realidade igualmente correspondem a construccedilotildees sociais culturais e
histoacutericas podemos permitir-nos distanciarmo-nos desprendermo-nos de
concepccedilotildees alicerccediladas em padrotildees e posicionamentos fechados e inflexiacuteveis Esse
distanciamento nos permite repensar o que eacute normativo a fim de examinar de onde
surgiu e como a essa normatividade natildeo corresponde uma uacutenica verdade mas uma
referecircncia datada localizada e impregnada de ideologias
Examinar a docecircncia agrave luz do que dizem suas representaccedilotildees no cinema
colocam frente a frente as distintas versotildees que nos satildeo oferecidas enquanto papeacuteis
sociais eacute recorrente a figura docente caricaturada atraveacutes de modelos messiacircnicos
assistencialistas e transformadores dispostos a abrir matildeo de suas expectativas de
vida para solucionar os mais variados problemas de seus alunos Poucas satildeo as
narrativas que evidenciam uma docecircncia fragilizada hostil e afetiva ou ainda como
profissatildeo3
3 No livro Pedagogias Culturais organizado por Raimundo Martins e Irene Tourinho (Editora da UFSM 2014)
discuto esta questatildeo no texto ldquoAprendendo a ser docente atraveacutes de filmes possiacuteveis tracircnsitos entre cinema e educaccedilatildeordquo (p 141-164) Neste faccedilo referecircncia a uma seacuterie de tiacutetulos de filmes que tecircm como tema
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O cinema como ponto de partida na formaccedilatildeo docente
Tomar a perspectiva educativa da cultura visual como ancoradouro nos
favorece interrogar as elaboraccedilotildees discursivas que envolvem a construccedilatildeo do olhar
e tambeacutem os estereoacutetipos que contribuem para definir condutas delinear posiccedilotildees
hieraacuterquicas e legitimar papeacuteis sociais Sobretudo o olhar produzido pela
cinematografia hollywoodiana ndash de maior difusatildeo em nossa cultura ndash que se constitui
forte veiacuteculo de construccedilatildeo e produccedilatildeo de identidades
Acredita-se que cada espectador aporte sua proacutepria experiecircncia histoacuteria e
identidade agrave compreensatildeo de um texto fiacutelmico Contudo eacute possiacutevel que as
narrativas visuais privilegiem certas posiccedilotildees - mesmo que haja certa autonomia
para colocar interpretaccedilotildees personalizadas - pois estas interpretaccedilotildees se
encontraratildeo afetadas pelos limites impostos pelo enquadramento pela delimitaccedilatildeo
de algueacutem sobre o que tornar visiacutevel e o que deixar fora
As interpelaccedilotildees entre narrativas visuais textos discursivos e processos
cognitivos satildeo aspectos importantes que merecem ser discutidos sob a luz da
ideologia presente nos roteiros uma vez que problematizaacute-los pode configurar-se
como ferramenta pedagoacutegica para pensar a complexidade das concepccedilotildees que
elaboramos a partir do que visualizamos
Quando as imagens fiacutelmicas se convertem em aparatos de propulsatildeo para
desencadear aspectos problematizadores no campo social a respeito de questotildees
de gecircnero credo liberdade respeito cidadania e educaccedilatildeo as narrativas fiacutelmicas
funcionam como dispositivos possibilitando que os estudantes exercitem a
experiecircncia da indagaccedilatildeo
Ao examinar as relaccedilotildees dos sujeitos envolvidos com experiecircncias de
visualizaccedilatildeo de filmes durante o desenvolvimento de disciplinas na universidade no
curso de Licenciatura em Artes Visuais - seus diaacutelogos interpretaccedilotildees e
reconstruccedilotildees - percebeu-se que a negociaccedilatildeo eacute fundamental para desenvolver e
estimular a construccedilatildeo do conhecimento a partir de uma abordagem educativa
poliacutetica criacutetica que potencialize o caraacuteter subjetivo e colaborativo comentre os
professores com maior difusatildeo em contextos educativos formais tencionando a partir de algumas experiecircncias durante a formaccedilatildeo inicial e continuada de professores
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sujeitos Diante da experiecircncia de aprender coma partir do cinema estamos lidando
com imprevisibilidades incongruecircncias insatisfaccedilatildeo e a constante possibilidade de
revermos nossas concepccedilotildees e demais processos constitutivos O ambiente
educativo pode configurar-se como lugar de tensionamentos de imagens que
afetam e reverberam conexotildees inventivas que articulam distintos saberes
A partir das consideraccedilotildees elaboradas juntamente com os sujeitos em
formaccedilatildeo podemos pensar o cinema como dispositivo que produz e faz circular
modos de ver ser relacionar e pensar os diversos coacutedigos culturais com os quais
dialogamos diariamente Contribui tambeacutem para refletirmos sobre a construccedilatildeo de
imaginaacuterios e do mesmo modo para advertir-nos sugerir eou alertar-nos frente agraves
incertezas que configuram nossos dilemas existenciais que encontram sua potecircncia
nas relaccedilotildees que estabelecemos diariamente
Neste iacutenterim as produccedilotildees cinematograacuteficas -- enquanto artefatos
produzidos pelas distintas culturas inseridos e veiculados por determinados
discursos e ideaacuterios de acordo com as contingecircncias vigentes de seu tempo --
possibilitam noccedilotildees de realidade pois refletem questotildees sociais que permeiam seu
tempo Sob este aspecto Raimundo Martins argumenta
A ilusatildeo de realidade de que se valem as obras fotograacuteficas e sobretudo as cinematograacuteficas brinca com a percepccedilatildeo da plateacuteia Assim raramente eacute levado em consideraccedilatildeo o fato de que em uacuteltima instacircncia toda imagem constitui um conjunto de pontos de vista que decorrem de certos modos de interpretaccedilatildeo da realidade recortes que enfatizam determinadas informaccedilotildees em detrimento de outras o que vemos ao contemplar as imagens teacutecnicas natildeo eacute o mundo mas determinados conceitos relativos ao mundo a despeito da automaticidade da impressatildeo do mundo sobre a superfiacutecie da imagem (MARTINS 2007 115-116)
Ao mobilizar o campo da afetividade por meio da narrativa que nos eacute contada
bem como a proximidade com os personagens envolvidos haacute quase sempre uma
conexatildeo imediata (em maior ou menor grau) o que coloca os espectadores em
situaccedilatildeo de igualdade de relaccedilatildeo iacutentima Inscrevemos nossas proacuteprias relaccedilotildees com
a vida plasmada na tela e estabelecemos algumas relaccedilotildees ao reviver nossas
proacuteprias experiecircncias ou ainda projetarmos sonhos desejos medos aventuras
imaginaacuterias
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Neste vieacutes afetivo haacute ilimitadas interlocuccedilotildees com o cinema o que talvez
configure nossa questatildeo principal Como pensarpropor o cinema edu(vo)cativo no
contexto da formaccedilatildeo docente E aleacutem desta Qual a relevacircncia desta articulaccedilatildeo
durante a formaccedilatildeo docente
De modo geral como jaacute foi mencionado experiecircncias de aprender com o
cinema na escola privilegiam a vontade do professorprofessora em dar continuidade
a um determinado conteuacutedo e o filme parece ser uma opccedilatildeo ilustrativa de
determinado fenocircmeno eou fato a ser apreendido Natildeo que esta abordagem natildeo
seja relevante ao contraacuterio pode ser um bom argumento O problema eacute quando
restringe-se apenas agrave ilustraccedilatildeo natildeo abrindo espaccedilos ao que reverbera a
visualizaccedilatildeo de um filme Ou ainda quando natildeo se problematizam as visotildees de
realidade representadas na tela ndash no que diz respeito aos enquadramentos
discursos e demais significados que satildeo relacionados muitas vezes de maneira
impliacutecita
Nessa direccedilatildeo a educaccedilatildeo da cultura visual eacute aberta a novas e diversas formas de conhecimentos promove o entendimento de meios de opressatildeo dissimulada rejeita a cultura do Positivismo aceita a ideia de que os fatos e os valores satildeo indivisiacuteveis e sobretudo admite que o conhecimento eacute socialmente construiacutedo e relacionado intrinsecamente ao poder (DIAS 2011 62)
Talvez o questionamento pontuado por Belidson Dias adquira maior potecircncia
ao trazer para a discussatildeo a recente lei que torna obrigatoacuteria a exibiccedilatildeo de pelo
menos duas horas de filmes produzidos nacionalmente nas escolas de Educaccedilatildeo
Baacutesica Aiacute reside uma de nossas grandes preocupaccedilotildees
Que filmes Que formas de exibiccedilatildeo Que engajamento dos professores e da comunidade Que formas de acesso agraves obras Como regulamentar a Lei Haacute filmes com tecnologias assistivas que permitam sua aces- sibilidade a professores e estudantes cegos e surdos Como engajar outros atores ndash Ancine Secretaria do Audiovisual secretarias de educaccedilatildeo MEC Quem custearaacute as accedilotildees E sobretudo o que esperar dessa relaccedilatildeo do cinema com a educaccedilatildeo (FRESQUET MIGLIORIN 2015 4)
Aleacutem disso quais aacutereas Quais docentes Que preparaccedilatildeo preacutevia O que
precisa saberconhecer o docente que iraacute abordar o cinema enquanto dispositivo
Haacute que ensinar coacutedigos da linguagem E no que tange agrave visualidade o que propor
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Seria da competecircncia da aacuterea das artes visuais Propor pensar sobre os elementos
esteacuteticos Etc
Neste cenaacuterio abrem-se muitos debates em torno desta obrigatoriedade por
um lado esta regulamentaccedilatildeo faz com que o cinema deixe de participar apenas
como complemento ilustraccedilatildeo como decorativorecreativo tornando-se objeto
principal ponto de partida agrave reflexatildeo em torno dos coacutedigos culturais que o formulam
legitimam e distribuem noccedilotildees de realidade Por outro proposiccedilotildees prescritivas
destituiacutedas de negociaccedilatildeo coletiva -- que desconsidera o cinema enquanto obra
aberta -- podem desencadear versotildees estereotipadas que devido agrave obrigatoriedade
venham a ser desenvolvidas por profissionais despreparados dispostos a cumprir
tarefas apenas
Ao discutir a lei Adriana Fresquet e Cezar Migliorin sugerem alguns princiacutepios
que poderiam ser levados em consideraccedilatildeo diante das aproximaccedilotildees com a
educaccedilatildeo Para os autores ao tomar a lei como ponto de partida deveriacuteamos ter em
mente estas dez consideraccedilotildees
1 Democratizar o acesso 2 Acesso diversidade e capilaridade de decisotildees 3 Valorizar as accedilotildees existentes e locais 4 O cinema deve ser arriscado 5 Cinema eacute conhecimento e invenccedilatildeo de mundo 6 A escola natildeo forma consumidores 7 Tensatildeo na estrutura das escolas 8 Por que cinema brasileiro 9 Promover a criaccedilatildeo com imagens 10 A experiecircncia com o cinema (FRESQUET MIGLIORIN 2015 6-17)
Diante destes aspectos expostos talvez fosse interessante retomarmos o
conceito de ldquodesaprenderreaprenderrdquo proposto por Adriana Fresquet (2007) no livro
ldquoImagens do Desaprender uma experiecircncia de aprender com o cinemardquo em que
narra a seguinte relaccedilatildeo
Desaprender eacute algo mais que aprender coisas opostas sobre um mesmo tema assunto valor questatildeo da vida Desaprender pode ateacute indicar erradamente a ideacuteia de esquecer o aprendido Poreacutem o seu significado e intenccedilatildeo eacute exatamente o contraacuterio Tal eacute a forccedila da irreversibilidade da aprendizagem que desaprender significa fundamentalmente lsquolembrarrsquo as coisas aprendidas que querem ser desaprendidas Desaprender eacute aprender a natildeo querecirc-las mais para si a natildeo outorgar mais o estatuto de verdade de sentido ou de interesse Verdade aprendida com outros desde sempre adquire valor de inquestionaacutevel Desaprender eacute animar-se a questionar tais verdades Desaprender eacute tambeacutem fazer o esforccedilo de conscientizar todo o vivido na contramatildeo evocando o impacto histoacuterico e emocional que teve aquela aprendizagem que hoje deseja ser modificada (FRESQUET 2007 49)
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Portanto as muacuteltiplas relaccedilotildees promovidas pelas narrativas fiacutelmicas nos
fazem pensar em diversas maneiras de abordar a visualidade comeccedilando pelo
acircmbito da sensibilidade da emoccedilatildeo do afeto ateacute avanccedilarmos pelo terreno da
pedagogia onde nos encontramos com a relaccedilatildeo ensinaraprender Partimos do
princiacutepio de que o cinema se inscreve em uma temporalidade compreensiacutevel a
praticamente todos os puacuteblicos ao representar as diversas etapas do
desenvolvimento humano as descobertas infantis a adolescecircncia e a juventude a
maturidade e a velhice nas suas mais variadas manifestaccedilotildees e a utilizarmos como
ponto de partida para comeccedilar nossa viagem Durante o percurso eacute possiacutevel
visualizar terrenos feacuterteis e tambeacutem arenosos lugares remotos de nossa memoacuteria e
outros recocircncavos repletos de figuras miacuteticas fantasmagorias e possibilidades
Estes dispositivos desestabilizam e mobilizam outras aprendizagens
promovem crises que geram avanccedilos instigam a pensar alternativas Satildeo forccedilas
que produzem o deslocamento e a descoberta de outras dimensotildees de outras
linhas de pensamento Incitam tambeacutem a adotar uma postura criacutetica impulsionada
pelo desejo de criar espaccedilos e alternativas para aprender sobre o mundo a partir do
diaacutelogo com o outro a reconhecer-se pelas diferenccedilas a pensar o ambiente de
formaccedilatildeo inicial e continuada da docecircncia como exerciacutecio do olhar criacutetico e
mobilizador
Sobre o cinema e suas provocaccedilotildees um desfecho provisoacuterio
Referecircncia na moda no comportamento na muacutesica e nos mais variados
acircmbitos das experiecircncias humanas o cinema configura-se como fenocircmeno cultural
de grande impacto na configuraccedilatildeo de imaginaacuterios desde a infacircncia Desde muito
cedo somos introduzidos agrave loacutegica narrativa sequencial que apresenta muitas
realidades Eacute recorrente em nossa contemporaneidade nos depararmos com
personagens criados pelo cinema em acessoacuterios utensiacutelios domeacutesticos adereccedilos
materiais pedagoacutegicos brinquedos etc propagando uma legiatildeo de muitos heroacuteis (e
rariacutessimas heroiacutenas) que inevitavelmente invadem a escola reproduzindo-se nas
canccedilotildees brincadeiras corporeidades comportamentos Diante destes contextos
Como a docecircncia articula estas experiecircncias visuais enquanto mote inicial a ser
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esmiuccedilado Que relaccedilotildees com as imagens fiacutelmicas osas docentes tecircm
apreendidas Como satildeo seus enfrentamentos relaccedilotildees com o cinema
Talvez seja relevante pensarmos alternativas nas quais estudos sobre cinema
e educaccedilatildeo possam estar presentes durante a formaccedilatildeo inicial e continuada da
docecircncia para propor relaccedilotildees de aprendizagem a partir da imprevisibilidade seu
papel e sua utilizaccedilatildeo dentro dos ambientes de aprendizagem tendo como premissa
natildeo cairmos na tentativa de pedagogizaacute-lo ou tornaacute-lo mais um instrumento fechado
ou previsiacutevel mas de tomaacute-lo como obra aberta ndash a partir da concepccedilatildeo do rizoma ndash
para tomar vias distintas Bricolar propor conexotildees com outras narrativas abordaacute-lo
sem tentar traduzir o que eacute essencialmente percepccedilatildeo visualsensorialemocional e
que obviamente requer outro tipo de relaccedilatildeo outros coacutedigos outras loacutegicas
Para finalizar estaacute escrita retomo os vocaacutebulos que a iniciam provocaccedilotildees
descontinuidades desfechos com o intuito de sinalizar como poderiam operar no
campo educativo ndash ao menos como pretendo que sejam pensados aqui
O cinema enquanto provocador que desafia incita o questionamento retira
da calmaria e lanccedila na tempestade desacomoda instiga o pensamento retira do
lugar comum causa desconforto Neste contexto por significados que possam ser
revistosrevisados reconceituados Imaginaacuterios produzidos pela cinematografia
dominante (em nossos contextos) possam ser repensados ou em alguns casos
como argumenta Adriana Fresquet desaprendidos e reaprendidos a partir de outras
loacutegicasrelaccedilotildees
(Des)continuidade tem duplo sentido no cinema a ideia de movimento se daacute
pela sequecircncia contiacutenua de imagens trabalha-se com a continuidade de um roteiro
Uma descontinuidade seria uma ruptura da continuidade da linearidade Poderia ir
na contramatildeo a contrapelo Caracteriza-se como uma interrupccedilatildeo A continuidade
no cinema busca uma coerecircncia loacutegica que envolve sonoridade e fluxo visual na
sucessatildeo de imagens o que pode envolver cortes durante uma montagem pois
cabe ao continuiacutesta manter a conexatildeo desejada pelo roteiro entre as cenas
concedendo entendimento agrave narrativa que estaacute sendo contada Juntamente com o
diretor ou diretora de um filme colabora com todas as demais especificidades
teacutecnicas que participam da histoacuteria a ser contada dos enquadramentos aos
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cenaacuterios objetos de cena etc Entatildeo O que seria umuma (Des)Continuiacutesta em
educaccedilatildeo
Talvez aqueleaquela que ocupa-se da provocaccedilatildeo que incita o jogo que
lanccedila convites que desafia Sabemos que a escola nos moldes atuais natildeo
configura-se uacutenica fonte de saberes mas espaccedilo de diaacutelogo de negociaccedilatildeo
formulaccedilatildeo
Desfecho do ponto de vista literaacuterio diz respeito agrave finalizaccedilatildeo ao desenlace
de uma tramanarrativa Pode ser entendido tambeacutem como local de chegada depois
de alguns trechos percorridos Neste texto desfecho pode ser concebido tambeacutem
como siacutentese do processo desenvolvido poreacutem aberto ainda no ato de acontecer
Entendo desfechos como provisoacuterios embora pareccedila relevante percebermos
processos de soluccedilotildees de problemas pontos que podem ser destacados ao teacutermino
de uma jornada de uma investida uma aposta Acredito que desfechos satildeo
importantes pois impelem a retomar a jornada examinar o percurso movimentar-se
em temporalidades diversas para compreender como se articula o momento
presente Transformando-o em verbo desfecho - desfechar - poderia ser des-fechar
tornaacute-lo em aberto apesar de haver jaacute percorrido uma trajetoacuteria examina-se o
recorrido poreacutem servindo como propulsor a dar segmento a tomar novas
experiecircncias seguir aprendendo des-fechando processos educativos
Referecircncias
BRUNER Jerome Actos de significado maacutes allaacute de la revolucioacuten cognitiva Madrid Alianza Editorial 1991 DIAS Belidson O imundo da cultura visual Brasiacutelia Editora da poacutes-graduaccedilatildeo em arte da Universidade de Brasiacutelia 2011 ELLSWORTH Elizabeth Posiciones en la ensentildeanza diferencia pedagogiacutea y el poder de la direccionalidad Madrid Akal 2005 FRESQUET Adriana Cinema e educaccedilatildeo reflexotildees e experiecircncias com professores e estudantes de educaccedilatildeo baacutesica dentro e ldquoforardquo da escola Belo Horizonte Autecircntica 2013
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FRESQUET Adriana Imagens do desaprender uma experiecircncia de aprender com o cinema Rio de Janeiro UFRJ 2007 FRESQUET Adriana MIGLIORIN Cezar Da obrigatoriedade do cinema na escola notas para uma reflexatildeo sobre a lei 1300614 In FRESQUET Adriana (Org) Cinema e Educaccedilatildeo a lei 13006 Reflexotildees perspectivas e propostas Belo Horizonte Universo Produccedilatildeo 2015 HERNAacuteNDEZ Fernando Catadores da Cultura Visual uma proposta para uma nova narrativa educacional Porto Alegre Mediaccedilatildeo 2007 MARTINS Alice Faacutetima Imagens do cinema cultura contemporacircnea e o ensino de artes visuais In OLIVEIRA M O de (Ed) Arte educaccedilatildeo e cultura Santa Maria Ed da UFSM 111-130 2007 MARTINS Raimundo TOURINHO Irene (Org) Circunstacircncias e ingerecircncias da cultura visual In MARTINS R y TOURINHO I (Eds) Educaccedilatildeo da cultura visual conceitos e contextos Santa Maria Ed da UFSM (paacuteg 51-68) 2011
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PerformanceS1
Fernando Pinheiro Villar 2 Universidade de Brasiacutelia - UnB
Aproximando-se do primeiro ano apoacutes 11 de setembro continuamos sem saber
o que sabemos e o que natildeo sabemos sobre a destruiccedilatildeo dos preacutedios do World Trade
Center em Nova York O que podemos ter certeza eacute que antes da queda das torres
gecircmeas jaacute viviacuteamos crises aceleradas empor nossa supermodernidade crise de
certezas crise social crise de conceitos crise de significados Realidades que se
transformam continuamente demandam novos conceitos e revisatildeo constante de
conceitos existentes para negociar com as novas praacuteticas artiacutesticas teorias famiacutelias
trabalho sexualidades etnias ensino e meacutetodos
Performance eacute apontada como um conceito chave em estudos culturais
contemporacircneos Este artigo aborda performances artiacutesticas Enfatizo o lsquoartiacutesticasrsquo
como necessaacuterio recorte e por minha experiecircncia praacutetica Mas este recorte natildeo evita a
interferecircncia de outros significados nem indica um terreno mais tranquilo para
taxonomias
No meio de uma semana de debates sobre lsquoperformancersquo na Universidade de
Brasiacutelia em maio de 2002 um estudante disse que parecia lsquohaver uma certa
glamourizaccedilatildeo da duacutevida ou da dificuldade de definir performancersquo3 Mais preocupante eacute
a banalizaccedilatildeo da duacutevida em torno da amplitude do conceito gecircnero artiacutestico objeto de
estudo eou metodologia de criacutetica e pesquisa que performance pode significar Este
1 Publicado em CARREIRA Andreacute VILLAR Fernando Pinheiro GRAMMONT Guiomar de RAVETTI Graciela e ROJO Sara (orgs) Mediaccedilotildees performaacuteticas latino-americanas (Belo Horizonte FALEUFMG 2003) p 71 - p80 2 Autor encenador e diretor Professor da graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo do Departamento de Artes Cecircnicas do Instituto de Artes da Universidade de Brasiacutelia Graduado na UnB em Artes Plaacutesticas poacutes-graduado em Direccedilatildeo no Drama Studio London e PhD no Queen Mary CollegeUniversity of London Fundador dos grupos Vidas Erradas (83-89) TUCAN (92-08) e CHIA LIIAA (2007) tem trabalhado com diversos grupos artistas e instituiccedilotildees de ensino do Brasil e Europa Professor visitante na University of Manchester e na UNICAMP com vaacuterios artigos publicados e alguns livros organizados sobre teatro performance e hibridismos artiacutesticos contemporacircneos 3 Seminaacuterio preparatoacuterio para o evento performaacutetico artiacutestico Gecircnesis de performances (28 29072002) organizados pelo ex-aluno de Artes Cecircnicas e funcionaacuterio da UnB Magno de Assis
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artigo natildeo elimina duacutevidas sobre performance mas busca discordar de ambas
banalizaccedilatildeo e glamourizaccedilatildeo destas duacutevidas
O tiacutetulo lsquoperformanceSrsquo inicia esta empreitada afirmando a pluralidade do
conceito performance Assumir-se a multiplicidade de significados atrelados ao
significante lsquoperformancersquo eacute condiccedilatildeo inicial para seu entendimento Sabemos que
lsquoperformancersquo tem orientado inspirado eou desobstruiacutedo teorias e praacuteticas de
sociologia antropologia linguiacutestica psicologia filosofia neurologia artes cecircnicas artes
plaacutesticas muacutesica e danccedila entre outros campos de conhecimento Essa amplitude
conceitual pode provocar um desconforto com a abrangecircncia desconcertante e
escorregadia de performance como conceito como objeto de estudo como gecircnero
artiacutestico ou como metodologia de criacutetica e pesquisa
Um dos principais significados aliados ao significante performance eacute o de
desempenho O significado de desempenho afirma a observaccedilatildeo analiacutetica de
comportamentos humanos produtos eletrocircnicos e mecacircnicos ou de atores xampus
transeuntes oacuteleos atletas sapatos de corrida animais fios condutores ou de minerais
Na observaccedilatildeo do desempenho humano performance pode tambeacutem significar
comportamentos que se repetem Ou accedilotildees cotidianas que satildeo ensaiadas ou
preparadas - e observadas Assim sendo uma performance sem consciecircncia do fato de
estar sendo vista como tal pode significar uma performance cotidiana cultural ou social
Para Richard Schechner ldquotudo no comportamento humano indica que performamos
nossa existecircncia especialmente nossa existecircncia socialrdquo (1982 14) Steven Connor
considera que ldquose tornou difiacutecil estarmos seguros onde que uma accedilatildeo termina e uma
performance comeccedilardquo (108) Schechner e Connor datildeo uma ideia do possiacutevel alcance de
performance Este alcance detona diferentes linhas de pesquisa e teorias sobre
performance em campos distintos Pelo recorte optado por esta comunicaccedilatildeo estou me
atendo mais agraves performances artiacutesticas exibiccedilotildees ou accedilotildees declaradas publicamente
como tais accedilotildees conscientes mesmo que liminais construiacutedas e organizadas por
agentes que as mostraratildeo como opccedilatildeo profissional ou amadora entrada franca
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cobrando um ingresso ou distribuindo convite em espaccedilos ao ar livre semi-abertos ou
cobertos
A performance artiacutestica se caracteriza(va) muito pela fuga de qualquer
possibilidade de categorizaccedilatildeo Esta evasatildeo de escaninhos esteacuteticos caracteriza(ria)
aquilo que artistas objetivam(vam) natildeo ser caracterizado Com a heranccedila forte das
Vanguardas Histoacutericas das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX e das trecircs primeiras
deacutecadas do seacuteculo XX vanguardas do periacuteodo poacutes-Segunda Guerra Mundial
continua(ra)m indo contra restriccedilotildees das possibilidades expressivas das artes e
rechaccedilando definiccedilotildees que se pretendiam definitivas
As Vanguardas Histoacutericas satildeo compostas pelo Simbolismo Expressionismo
Futurismo Construtivismo Dada Surrealismo Bauhaus ou Adolphe Appia Gordon
Craig Isadora Duncan Vsevolod Meyerhold Vladimir Mayakovsky Marcel Duchamp
Antonin Artaud entre tantos outros Darwin Nietzsche Marx Wagner Freud Einstein
Edison nos lembram que a virada do seacuteculo XIX para o XX tambeacutem testemunha uma
crise de conceitos e certezas consideraacutevel Aliados agrave revoluccedilatildeo no pensamento humano
provocada por estes pensadores artistas e cientistas o motor a lacircmpada eleacutetrica
locomotivas teleacutegrafos e o cinema transformam comportamentos e sociedades Ainda
com ecos do idealismo do Romantismo em buscar o intercacircmbio entre diferentes artes
artistas de vaacuterias correntes e tendecircncias deixam um legado de accedilotildees textos e
manifestos que transitam e querem transitar aleacutem das fronteiras convencionais de cada
linguagem Durante todo o seacuteculo XX o impacto das duas guerras mundiais no mesmo
seacuteculo foi refletido diretamente numa arte que promovia a primazia da accedilatildeo
testemunhada de interferecircncia puacuteblica como paliativo passageiro para a impotecircncia do
ser humano diante da destruiccedilatildeo inoacutecua Artistas das Vanguardas Histoacutericas da
primeira e segunda metades do seacuteculo XX questionam entatildeo de forma radical a
convencionalidade de suas linguagens e de seus puacuteblicos no bojo de intensas
transformaccedilotildees econocircmicas sociais e poliacuteticas As fronteiras entre arte e vida se
misturam
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Na entatildeo nova ediccedilatildeo do Oxford Dictionary em 1971 lsquoperformance artrsquo eacute incluiacuteda
no verbete lsquoperformancersquo como uma suposta arte de accedilotildees realizada por artistas
plaacutesticos para plateias presentes Depois da Segunda Guerra Mundial outros termos e
conceitos jaacute tentam acompanhar uma intensa atividade de artistas em torno do eixo
tempo-espaccedilo com testemunhas Estas atividades manipulam nexos com accedilatildeo corporal
e a presenccedila do autor realizando seu processo sua obra ou sua obra em processo para
espectadores visitantes puacuteblico ou testemunhas Uma das tentativas de conceituaccedilatildeo
para estas obras foi lsquointermiacutediarsquo [(intermedia ou interlinguagem)] cunhado em 1967
por Dick Higgins do Fluxus (Higgins 1978) Um ano depois Richard Kostelanetz
defendeu o termo lsquoteatro dos meios misturadosrsquo (Kostelanetz 1970) Mas eacute
lsquoperformance artrsquo nos paiacuteses anglo-saxocircnicos e lsquoperformancersquo em paiacuteses de liacutengua
latina que consegue abarcar uma praacutetica artiacutestica interdisciplinar Sem desconhecer a
heranccedila das Vanguardas Histoacutericas performance art ou performance conteria action
paintings John Cage arte conceitual minimalismo espacialismo Happenings action
art arte corporal aktionism vienense arte feminista art povera parangoleacutes de Oiticica
bichos de Ligia Clark teatro instrumental environments viacutedeo arte colaboraccedilotildees
decollage assemblage arte cineacutetica o neo-dada do Gutai endurance art Flaacutevio
Impeacuterio Artur Barrio ou Laurie Anderson entre tantos outros grupos e artistas
Em 1981 Douglas Davis jaacute propotildee o termo lsquopost-performancismrsquo para defender
uma arte aleacutem do teatro performance ou artes plaacutesticas Em 1992 Josette Feraacutel coloca
performance como o nascimento de um gecircnero com a morte de sua funccedilatildeo anaacuterquica
anti-categorizaccedilotildees Em 1999 Paul Schimmel anuncia a morte de performance art por
volta de 1979 No entanto as referecircncias cruzadas e trocas entre gecircneros hiacutebridos e
mo(vi)mentos foram se acelerando durante as deacutecadas de 1980 e 1990
simultaneamente dificultando e promovendo novos termos e roacutetulos Autores como
Gregory Battcock (1984) RoseLee Goldberg (1984) ou Herbert Blau (1992)
reconhecem que lsquoperformancersquo seria o termo para a contiacutenua expansatildeo do terreno
ampliado que performance art conquistou Utilizando um artigo anterior performance no
final do seacuteculo XX
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[] parece ser um conceito guarda-chuva que abriga uma livre pluralidade de expressotildees cecircnicas socircnicas e visuais Atraveacutes de performance inuacutemeros estudos de diferentes artes revelam um comportamento cuidadoso para evitar novas definiccedilotildees que natildeo respeitem as diferenccedilas e o caraacuteter anaacuterquico das artes em desordenar e escapar de novas categorizaccedilotildees Performance inclui entre outros campos de estudo rituais festas populares comportamento cotidiano linguumliacutestica ciecircncias sociais cultura psicologia [performing self criacutetica em performance] o evento teatral a encenaccedilatildeo de peccedilas drama ou dramaturgia escrita dramaturgia de imagens e outras produccedilotildees multi pluri anti ou interdiscliplinares em frente de plateacuteias em diversos tipos de espaccedilo cecircnico aleacutem do teatro O termo e conceito performance vai contra uma visatildeo logocecircntrica e exclusiva de teatro como lsquoa representaccedilatildeo de dramas eurocecircntricosrsquo (Schechner 1992 9) Para os estudos de teatro a metodologia e sistema de criticismo proposto por performance resgata o irrepetiacutevel efecircmero transitoacuterio momento de exposiccedilatildeo da linguagem cecircnica com a presenccedila de atores e espectadores privilegia-se a performance como um dos principais focos de significados do teatro (Villar de Queiroz 1999 249)
Para os estudos e praacutetica de teatro o texto performaacutetico ou o performance text eacute
um derivado do significante performance fundamental Batendo de frente com a visatildeo
antagocircnica quando exclusivista de teatro como domiacutenio da literatura dramaacutetica o texto
performaacutetico seria o texto da encenaccedilatildeo em curso a mise-en-scegravene fluindo ante e entre
os sentidos dos presentes la puesta en escena acontecendo uma rede intertextual
Ainda haacute uma defasagem da jovem academia de teatro em reconhecer o texto
performaacutetico artiacutestico na linguagem cecircnica Isso pode dever-se em parte agrave
supervalorizaccedilatildeo persistente e descontextualizada historicamente da visatildeo aristoteacutelica
de teatro em Poeacutetica Mais forte razatildeo eacute a impossibilidade do registro da performance
uacutenica irrepetiacutevel efecircmera transitoacuteria Essa impossibilidade caracteriza um choque
frontal com abordagens materialistas de cultura que tem em textos de peccedilas
documentos partituras quadros esculturas monumentos e edifiacutecios suas evidecircncias
para descrever o comportamento humano O viacutedeo o DVD e novas tecnologias alteram
um pouco a impossibilidade de registros do evento aacuteudio-cineacutetico-temporal e visual que
uma performance teatral coreograacutefica musical ou artiacutestica pode ser Novas tecnologias
natildeo podem entretanto cortar a impossibilidade de reproduccedilatildeo de um evento
caracterizado pela junccedilatildeo de pessoas durante sua vida uacutenica que morre para renascer
diferente no proacuteximo dia Como Dyonisus
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VILLAR Fernando Pinheiro PerformanceS Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 109-119 juldez
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A maioria do teatro convencional claacutessico familiar eou teatratildeo e muito do teatro
de pesquisa de artistas com visibilidade internacional e respaldo criacutetico estaria
caracterizado pela representaccedilatildeo de um laacute-entatildeo Este laacute-entatildeo eacute reproduzido em um
palco ou espaccedilo eleito com atores ou atrizes vivendo personagens escritos por um
autor ou autora seguindo marcaccedilotildees de um diretor ou diretora Performance
privilegiaria o aqui-agora do durante da apresentaccedilatildeo seja onde for de uma accedilatildeo
desenrolada e apresentada por seu autor-ator-diretor-encenador-produtor o
performador tenta ser o proacuteprio meio esteacutetico ndash ele ou ela se colocam como linguagem
processo e obra Mas esta diferenciaccedilatildeo pode natildeo resistir ao fato de que o uso atual
quase omnipresente do termo performance abala certezas linguiacutesticas e esteacuteticas
anglo-saxocircnicas e latinas Na liacutengua inglesa por exemplo performance sempre foi
associada agrave apresentaccedilatildeo representaccedilatildeo ou exposiccedilatildeo cecircnica ou musical em frente a
uma plateia e [agrave] interpretaccedilatildeo de artistas Em 1990 o Diccionario Actual de la Lengua
Espantildeola apresenta performance como entre outros significados lsquorepresentacioacuten de
cine y teatrorsquo e lsquoactuacioacuten de un artistarsquo (1219) Estudantes no Brasil me convidam para
assistir a suas performances mesmo que sejam representaccedilotildees naturalistas de
personagens de Calderoacuten de la Barca Shakespeare ou Nelson Rodrigues dirigidos por
um diretor ou uma professora
As aacuteguas de performance e de teatro se confundem e confundem Em 1987 o
diretor e acadecircmico Michael Kirby lembrava que ldquotodo teatro eacute performance mas nem
toda performance eacute teatrordquo (xi) Em 1992 Herbert Blau reconhece sua saudade ldquode um
tempo em que se algueacutem falasse de performance estaria falando de teatrordquo (2) Em
1996 Elin Diamond recorda que ldquose performance eacute o reverso do teatro convencional
teatro tambeacutem eacute o reverso de performancerdquo (4) Em 1997 a artista e professora da New
York University Deb Magolin por exemplo celebra que ldquoperformance eacute um teatro de
inclusatildeo Qualquer um pode fazerrdquo (69) Para vaacuterios criacuteticos acadecircmicos e artistas no
mundo performance seria o teatro poacutes-moderno ou teatro contemporacircneo de
vanguarda
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Ainda persiste uma tendecircncia que considera performance art e performance
como variaccedilotildees da arte teatral Esta tendecircncia convive com uma perspectiva oposta
que exclui teatro da histoacuteria de performance e de performance art Ambas
perspectivas parecem reafirmar concepccedilotildees binaacuterias que natildeo reconhecem um campo
artiacutestico ampliado interdisciplinar aleacutem das disciplinas que se juntaram chocaram-se
ou digladiaram-se ateacute o nascimento de uma outra disciplina linguagem ou objeto que
se independe das matrizes anteriores e continua um caminho proacuteprio Disciplinas
liacutenguas paiacuteses e pessoas satildeo universos em construccedilatildeo e negociaccedilatildeo com seus meios
ambientes A dialeacutetica cultural promove novas disciplinas liacutenguas territoacuterios e
fronteiras mudanccedilas e se o mundo performa o teatro continuaraacute sendo um siacutetio de
performances sobre performances do mundo
Em 1980 Timothy J Wiles lanccedilava o termo lsquoteatro performancersquo para descrever
uma diversidade cecircnica revelada por uma dramaturgia e estilos de interpretaccedilatildeo
distintos do realismo naturalista ou do teatro eacutepico Essa diversidade tambeacutem era
revelada por inovaccedilotildees formais que segundo Wiles haviam criado ldquouma situaccedilatildeo
desconfortaacutevel para todos os historiadores de esteacuteticardquo (112) Com lsquoperformance teatrorsquo
a primazia dada ao texto performaacutetico questiona encapsulamentos da linguagem cecircnica
em limites da literatura dramaacutetica e questiona tambeacutem hierarquias fixas de criaccedilatildeo
direccedilatildeo e autoria Teatro performance transita por diferentes linguagens artiacutesticas
resultando em outra Teatro performance assume um espaccedilo intermediaacuterio
interdisciplinar entre performance art e teatro
Nuances interdisciplinares nas artes e ciecircncias ou obras interdisciplinares
artiacutesticas natildeo podem ser mais ignoradas em sua notoacuteria presenccedila em nossa
contemporaneidade Praacuteticas artisticamente interdisciplinares tecircm uma histoacuteria que
remonta [a] seacuteculos antes de Cristo na praacutetica oriental e ocidental se focarmos o
manual para artiacutesticos cecircnicos indiano Natya-Sastra ou os festivais gregos Artistas
renascentistas italianos e a oacutepera barroca apresentam impulsos interdisciplinares
claros Estes impulsos se aceleram de forma radical nas sucessivas transformaccedilotildees
esteacuteticas promovidas pelas vanguardas do seacuteculo XX Poacutes 1968 e poacutes performance art
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tanto o omnipresente conceito metodologia de pesquisa e criacutetica de performance
quanto as performances artiacutesticas desenvolvidas nas duas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo
XX reforccedilam a necessidade de abordar-se interdisciplinaridade entre as artes
Esta breviacutessima perspectiva histoacuterica objetiva apontar uma presenccedila e uma
necessidade de estudos de um fenocircmeno interdisciplinar entre as artes Entretanto
assim como performance interdisciplinaridade tambeacutem pode ter uso indevido ou
diletante dentro dos muacuteltiplos acircngulos e mundos simultacircneos e paradoxais da
supermodernidade Tambeacutem como performance lsquointerdisciplinaridadersquo tem desafiado
certezas epistemoloacutegicas
Na uacuteltima deacutecada podemos encontrar novas propostas em torno de
disciplinaridades Judith Butler (1990) e Baz Englers (1996) propotildeem a discussatildeo de
lsquopoacutes-disciplinaridadesrsquo Dwight Conquergood e Joseph Roach definem performance
para Marvin Carlson como uma lsquoanti-disciplinarsquo (189) Fechando a deacutecada Roy Ascott
usa o termo lsquoumiacutediarsquo (moistmedia) para descrever um lsquointerespaccedilo entre o mundo seco
da virtualidade e o mundo molhado da naturezarsquo (9)
Transdisciplinaridade poacutes-disciplinaridades anti-disciplinas e umiacutedias atestam
todas processos interdisciplinares Como interdisciplinas artiacutesticas poacutes-disciplinas anti-
disciplinas e umiacutedias satildeo lsquointermiacutediasrsquo satildeo resultantes de disciplinas que dialogaram ou
digladiaram-se atraveacutes de encontro troca negociaccedilotildees eou choque gerando uma
nova disciplina Assim sendo meu entendimento de interdisciplinaridade natildeo confere
com o simples juntar de disciplinas diferentes ou muito menos com o improdutivo de
realidades pseudo interdisciplinares que natildeo se tocam nem se trocam Investigo
interdisciplinaridade artiacutestica para estudar ensinar e praticar negociaccedilotildees e
intercacircmbios entre diferentes linguagens ou disciplinas artiacutesticas que resultaram em
novos campos de accedilatildeo em outros territoacuterios de mutaccedilatildeo artiacutestica e de possibilidades
expressivas Interdisciplinas artiacutesticas seriam entatildeo outras disciplinas ou intermiacutedias
tais como as jaacute citadas performance art e teatro performance danccedila teatro butoh
muacutesica teatro arte computacional teatro acuacutestico teatro digital instalaccedilatildeo roboacutetica
criacutetica em performance ou viacutedeo poesia
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Terroristas oficiais e disfarccedilados continuam a defender fronteiras imutaacuteveis e a
dividir pessoas quando soacute existe uma raccedila a humana Enquanto a natureza se delicia
com a diversidade interesses econocircmicos impotildeem modelos hegemocircnicos injustos e
uniformizantes que querem evitar a particularidade a convivecircncia ou a diferenccedila Os
mercados globalizados nos orgasmos muacuteltiplos do capitalismo selvagem conquistam
novas trilhas para o livre fluir de capitais mas natildeo de pessoas
A paz o livre exerciacutecio de sexualidades igualdade novas fronteiras e o
assentamento de pessoas em condiccedilotildees mais justas satildeo evitados no Brasil e no mundo
por problemas pessoais mal resolvidos interesses escusos e paranoias
governamentais Como lembrou Lucia Sander em palestra-performance em Maceioacute
neste ano Einstein dizia que ldquoeacute mais faacutecil dividir um aacutetomo que destruir um
preconceitordquo E Susan Sontag afirmou anos depois que a histoacuteria do preconceito eacute tatildeo
antiga quanto a histoacuteria das questotildees pessoais mal resolvidas As artes incluindo
performance e outras interdisciplinas artiacutesticas vazam esses escudos anti-
transformaccedilotildees e tentam exemplificar outras possibilidades de outros mundos
simultacircneos e distintos que se trocam e produzem outros mundos inclusivos e
questionadores de absolutismos restringentes A batalha continua sintomaacutetica
enigmaacutetica e performaacutetica
Referecircncias ASCOTT Roy lsquoArte emergente interativa tecnoeacutetica e uacutemidarsquo Trad Cleacuteria Maria Costa Anais do 1 Encontro Internacional de Arte e Tecnologia Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 1999 p19 - p29 BARTHES Roland Image-Music-Text Trad Stephen Heath Nova York Hill and Wang 1977 BATTCOCK Gregory e NICKAS Robert eds The Art of Performance Nova York E P Duncan amp Co 1984 BLAU Herbert lsquoThe Prospect Before Usrsquo Discourse 142 1992 p 1- p 25
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BUTLER Judith Gender Trouble Londres e Nova York Routledge 1990 CAMPBELL Patrick ed Analysing Performance A Critical Reader Manchester e Nova York Manchester University Press 1996 CARLSON Marvin Performance A Critical Introduction Londres e Nova York Routledge 1996 CONNOR Steven lsquoPostmodern Performancersquo In Campbell 1996 p 107- p 24 DAVIS Douglas lsquoPost-Performancismrsquo Artforum 202 (1981) pp 31-9 DIAMOND Elin ed Performance amp Cultural Politics (Londres e Nova York Routledge 1996) ENGLER Balz lsquoPostdisciplinarityrsquo In Faria Neide (ed) Language and Literature Today Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 1996 p 852-9 FAZENDA Ivani Catarina Arantes Interdisciplinaridade um projeto em parceria Satildeo Paulo Loyola 1991 FEacuteRAL Josette lsquoWhat is Left from Performance Art Autopsy of a Function Birth of a Genrersquo Discourse 142 1992 pp 142-62 GOLDERG RoseLee lsquoPerformance The Golden Yearsrsquo in Battcock e Nickas (1984) pp 71-94 HIGGINS Dick A Dialectics of Centuries (Nova York e Barton Printed Editions 1978) JAPIASSU Hilton Interdisciplinaridade e patologia do saber (Rio de Janeiro Imago 1976) KIRBY Michael A Formalist Theatre Philadelphia University of Pennsylvania Press 1987 KOSTELANETZ Richard The Theatre of Mixed Means An Introduction to Happenings Kinetic Environments and Other Mixed-Media Performances (Londres Pitman 1970) MAGOLIN Deb lsquoA Perfect Theatre for One Teaching ldquoPerformance Compositionrdquorsquo TDR 412 (1997) pp 68-81
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participaccedilatildeo de estudantes em um grupo instrumental Revista da Fundarte Montenegro ano 16 n 32 p 120-
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Estudo sobre a participaccedilatildeo de estudantes em um grupo instrumental
Pacircmela Goumlethel Dutra1 Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS
Cristina Rolim Wolffenbuumlttel2
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS
Ana Maria Bueno Accorsi3 Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS
Resumo O artigo apresenta a pesquisa com um grupo instrumental em uma escola puacuteblica municipal em TaquariRS Partiu dos questionamentos Qual o significado da participaccedilatildeo dos estudantes em um grupo instrumental Quais as expectativas dos estudantes que participam desses grupos Qual a influecircncia da muacutesica para estes participantes Quais as expectativas de estudantes familiares e comunidade escolar em relaccedilatildeo ao grupo Como ocorre o envolvimento dos familiares dos estudantes O objetivo foi compreender a importacircncia da participaccedilatildeo em um grupo instrumental escolar Constatou-se a importacircncia da participaccedilatildeo no grupo instrumental apontado por todos investigados Entende-se que esta pesquisa contribua para a construccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para a educaccedilatildeo musical nas escolas bem como para a implementaccedilatildeo da legislaccedilatildeo que dispotildee sobre a inserccedilatildeo da muacutesica no Brasil Palavras-chave Educaccedilatildeo musical grupos instrumentais muacutesica na Educaccedilatildeo Baacutesica
1 Estudante do curso de Especializaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Musical na Universidade Estadual pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul Licenciada em Pedagogia pelo Centro Universitaacuterio Leonardo da Vinci Cursando o 9ordm semestre de licenciatura em Muacutesica pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul Participou do grupo de pesquisa na Uergs intitulado Educaccedilatildeo Musical diferentes tempos e espaccedilos com linhas de pesquisas sobre processos de ensino e aprendizado em muacutesica e poliacuteticas em Educaccedilatildeo Musical Professora de muacutesica do municiacutepio de Taquari- RS desde 2013 no qual atua em atividades de Educaccedilatildeo Musical no curriacuteculo do ensino baacutesico nos anos iniciais e finais do ensino fundamental e em atividades escolares no extracurricular com aulas de instrumentos e na formaccedilatildeo de grupos instrumentais bandas marciais e coro infanto-juvenil 2 Doutora e Mestre em Educaccedilatildeo Musical pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Especialista em Informaacutetica na Educaccedilatildeo Ecircnfase em Instrumentaccedilatildeo pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul Licenciada em Muacutesica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Coordena o curso de Especializaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Musical na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul Unidade de Montenegro Eacute coordenadora da Aacuterea Muacutesica do Programa de Iniciaccedilatildeo agrave Docecircncia em Montenegro da CAPESUERGS Coordena a Comissatildeo de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo da Uergs-Montenegro orientando bolsistas de iniciaccedilatildeo cientiacutefica em muacutesica e artes da FAPERGS CNPq e UERGS Eacute coordenadora dos grupos de pesquisa registrados no CNPq Arte criaccedilatildeo interdisciplinaridade e educaccedilatildeo e Educaccedilatildeo Musical diferentes tempos e espaccedilos Coordena o Programa de Extensatildeo Universitaacuteria do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo pela Uergs Eacute Diretora Cientiacutefica da Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo Musical da Editora Prismas de Curitiba Faz parte da Comissatildeo Gauacutecha de Folclore e da Fundaccedilatildeo Santos Herrmann Eacute integrante da Academia Montenegrina de Letras ocupando a Cadeira nordm5 Faz parte da Associaccedilatildeo Montenegrina de Escritores 3 Possui graduaccedilatildeo em Letras pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul (1976) mestrado em Linguumliacutestica e Letras pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul (1999) e doutorado em Linguumliacutestica e Letras pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul (2005) Atualmente eacute professor adjunto da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul e Consultora Terapecircutica em Dependecircncia Quiacutemica Coordena o Curso de Licenciatura em Letras Portuguecircs e Literaturas de Liacutengua Portuguesa e o Curso de Especializaccedilatildeo Teoria e Praacutetica da Formaccedilatildeo do Leitor
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Abstract The article presents the research with an instrumental group at a municipal public school in TaquariRS The research started from the questions What is the meaning of student participation in an instrumental group What are the expectations of the students participating in these groups What is the influence of music on these participants What are the expectations of students families and the school community in relation to the group How does the involvement of the students family members occur The objective was to understand the importance of participation in a school instrumental group It was verified the importance of the participation in the instrumental group indicated by all investigated It is understood that this research contributes to the construction of public policies for music education in schools as well as for the implementation of the legislation that regulates the insertion of music in Brazil Keywords Musical education instrumental musical groups music in Basic Education
Introduccedilatildeo
As diversas possibilidades de inserccedilatildeo da muacutesica na escola conquistaram
legitimidade com a Lei nordm 11769 de 18 de agosto de 2008 Mais recentemente em
3 de maio de 2016 foi publicada a Lei nordm 13278 que incluiu artes visuais danccedila
muacutesica e teatro nos curriacuteculos dos diversos niacuteveis da Educaccedilatildeo Baacutesica A nova
legislaccedilatildeo altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional nordm 9394 de
1996 (LDB 93941996) estabelecendo um prazo de cinco anos para que os
sistemas de ensino promovam a formaccedilatildeo de professores para implantar esses
componentes curriculares nas escolas A partir dessas leis tem-se a obrigatoriedade
da inclusatildeo da muacutesica no curriacuteculo das escolas Neste sentido pode-se pensar na
diversidade dos modos de a muacutesica se configurar na escola inclusive como
atividade extracurricular Nesse sentido Wolffenbuumlttel (2014) aponta
Muitas vezes as escolas optam pelo desenvolvimento de determinadas atividades - dentre essas as musicais - em outras dimensotildees que natildeo as tradicionais relacionadas com tempos e espaccedilos curriculares Surgem assim as atividades extracurriculares como alternativas para o ensino
escolar (WOLFFENBUumlTTEL 2014 p 56)
Percebe-se portanto que as atividades musicais extracurriculares
possibilitam a inserccedilatildeo da muacutesica se assim for a opccedilatildeo da escola Poreacutem natildeo
inviabilizam a implementaccedilatildeo da muacutesica no ensino regular da mesma instituiccedilatildeo
podendo a escola oferecer tanto atividades musicais no ensino regular quanto
extracurricular
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Sobre as funccedilotildees sociais envolvidas nas praacuteticas instrumentais de grupos
musicais Bozzetto (2012) aponta a importacircncia da participaccedilatildeo de crianccedilas e jovens
em projetos que envolvam atividades musicais Em sua anaacutelise a autora afirma
A importacircncia de que projetos que satildeo erguidos com a funccedilatildeo de inserccedilatildeo social atraveacutes da muacutesica mantenham viva e coerente essa afirmativa cientes de que dar a oportunidade a uma crianccedila e jovem notadamente de camadas de baixa renda eacute abrir um mundo de possibilidades que com o tempo de convivecircncia podem se tornar uma referecircncia de mundo social para toda uma vida (BOZZETTO 2012 p 266)
Bozzetto (2012) finaliza essa discussatildeo refletindo sobre a necessidade de os
projetos sociais entenderem seu papel de inclusatildeo social destacando que a tarefa
do educador musical eacute a de ldquocontribuir para uma educaccedilatildeo musical mais justa e
humana e da importacircncia de sua inserccedilatildeo em projetos que reconheccedilam a praacutetica
musical como oportunidade de inclusatildeo socialrdquo (p 266)
Joly e Joly (2011) investigaram as praacuteticas sociais e os processos educativos
que acontecem em ambiente de orquestra No sentido das praacuteticas sociais as
autoras refletem sobre as ldquorelaccedilotildees que se estabelecem entre pessoas pessoas e
comunidade na qual se inserem pessoas e grupos grupos entre si grupos e
sociedade mais amplardquo (p 80)
De acordo com Bastiatildeo (2012) nosso paiacutes eacute multicultural possuindo vaacuterias
culturas diferentes e cada regiatildeo possui uma manifestaccedilatildeo folcloacuterica musical
proacutepria Nesse sentido o educador musical poderaacute atraveacutes da praacutetica de conjunto
trabalhar esse contexto ldquodadas a riqueza e a diversidade da muacutesica popular
brasileira ndash observam-se a valorizaccedilatildeo e a inserccedilatildeo das muacutesicas e manifestaccedilotildees da
cultura oral nos contextos acadecircmico e regular de ensinordquo (p 60)
Entende-se que atividades que envolvem grupos instrumentais nos quais a
praacutetica de conjunto estaacute inserida no seu cotidiano contemplam o que os Paracircmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) tratam sobre os objetivos de expressatildeo e
comunicaccedilatildeo em muacutesica tais como
Improvisaccedilatildeo composiccedilatildeo e interpretaccedilatildeo com instrumentos musicais tais como flauta percussatildeo etc eou vozes (observando tessitura e questatildeo de muda vocal) fazendo uso de teacutecnicas instrumental e vocal baacutesicas participando de conjuntos instrumentais eou vocais desenvolvendo autoconfianccedila senso criacutetico e atitude de cooperaccedilatildeo (BRASIL 1998 p 83)
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Ainda no que tange aos PCNs satildeo relacionados objetivos de interpretaccedilatildeo
acompanhamento recriaccedilatildeo e realizaccedilatildeo de arranjos
Arranjos de muacutesica do meio sociocultural e do patrimocircnio musical construiacutedo pela humanidade nos diferentes espaccedilos geograacuteficos eacutepocas povos culturas e etnias tocando eou cantando individualmente eou em grupo (banda canto coral e outros) construindo relaccedilotildees de respeito e diaacutelogo (BRASIL 1998 p 83)
Considerando-se a potencialidade da muacutesica na escola bem como a
existecircncia de atividades extracurriculares caracterizadas como organizaccedilotildees de
grupos instrumentais em diversas escolas alguns questionamentos surgiram Qual o
significado da participaccedilatildeo dos estudantes em um grupo instrumental Quais as
expectativas dos estudantes que participam destes grupos Qual a influecircncia da
muacutesica para esses participantes Quais as expectativas de estudantes familiares e
comunidade escolar em relaccedilatildeo ao grupo Como ocorre o envolvimento dos
familiares dos estudantes Esta pesquisa portanto objetivou compreender a
importacircncia de fazer parte de um grupo instrumental escolar
O Grupo Instrumental Investigado
A investigaccedilatildeo sobre a importacircncia da participaccedilatildeo em um grupo instrumental
escolar originou-se a partir da inserccedilatildeo de uma das autoras deste artigo como
professora de muacutesica em uma escola puacuteblica municipal em TaquariRS O foco da
pesquisa deu-se a partir dessa atuaccedilatildeo considerando-se as atividades no
contraturno escolar
Os ensaios do grupo ocorrem uma vez por semana no uacuteltimo periacuteodo do
turno da tarde apoacutes as aulas coletivas de instrumentos de sopro Contando com
catorze estudantes de 10 a 18 anos de idade a atividade oportuniza a
experimentaccedilatildeo e o manuseio de diversos instrumentos musicais permitindo muitos
aprendizados importantes para o desenvolvimento musical dos estudantes
Atraveacutes da aquisiccedilatildeo de variados instrumentos musicais o grupo tem tido a
possibilidade de fazer apresentaccedilotildees em variadas configuraccedilotildees grupais incluindo
o formato de banda marcial possibilitando aos estudantes experimentar e manusear
uma diversidade musical
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Esta praacutetica extrapola os tempos e espaccedilos escolares agregando pessoas da
comunidade bem como egressos que continuam participando das atividades
musicais O grupo instrumental faz apresentaccedilotildees locais incluindo o comeacutercio local
as instituiccedilotildees beneficentes aleacutem das demais regiotildees do municiacutepio e de fora dele
Metodologia
A proposta metodoloacutegica desta investigaccedilatildeo incluiu a abordagem qualitativa o
meacutetodo estudo de caso e entrevistas e observaccedilotildees como teacutecnicas para a coleta dos
dados A anaacutelise dos dados consistiu na anaacutelise de conteuacutedo
A Abordagem Qualitativa
Para a pesquisa foi utilizada a abordagem qualitativa Martins (2004) explica
que a ldquometodologia qualitativa mais do que qualquer outra levanta questotildees eacuteticas
principalmente devido agrave proximidade entre pesquisador e pesquisadosrdquo (p 295)
Aleacutem disso eacute a partir de cada dado coletado conforme suas caracteriacutesticas que se
faz uma interaccedilatildeo entre os conteuacutedos atraveacutes dessa interaccedilatildeo a pesquisa traz suas
impressotildees e percepccedilotildees
A razatildeo para a escolha da abordagem qualitativa para realizaccedilatildeo deste
trabalho relacionou-se ao fato de a mesma possibilitar a reflexatildeo sobre a
participaccedilatildeo dos estudantes em um grupo instrumental no contexto escolar e na
sociedade em que estatildeo inseridos
O Estudo de Caso
O estudo de caso caracteriza-se por atender a determinado objetivo atraveacutes
da investigaccedilatildeo de um caso especiacutefico Eacute muito utilizado quando se pretende
compreender explorar ou descrever acontecimentos e contextos complexos nos
quais estatildeo simultaneamente envolvidos diversos fatores Para Yin (2001) o estudo
de caso ldquocontribui de forma inigualaacutevel para a compreensatildeo que temos dos
fenocircmenos individuais organizacionais sociais e poliacuteticosrdquo (p 21)
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As Entrevistas Semiestruturadas
As entrevistas semiestruturadas permitiram aprofundar as questotildees
especiacuteficas desta pesquisa A entrevista semiestruturada eacute uma ldquoseacuterie de perguntas
abertas feitas verbalmente em uma ordem prevista mas na qual o entrevistador
pode acrescentar perguntas de esclarecimentordquo (LAVILLE DIONE p 188) Todas
as entrevistas foram realizadas na escola na qual existe o grupo instrumental em
horaacuterios previamente combinados
Ao todo foram feitas cinco entrevistas sendo as mesmas realizadas com dois
estudantes integrantes do grupo instrumental com a matildee de um dos estudantes
com a diretora da escola e com uma professora Como acontece nas entrevistas do
tipo semiestruturada seguiu-se um roteiro mas com a possibilidade de serem
acrescidas outras perguntas conforme necessaacuterio
Considerando-se a escolha dos entrevistados foram seguidos alguns
criteacuterios Selecionou-se um estudante (denominado Estudante J) que participa do
grupo desde o iniacutecio das atividades Neste caso suas informaccedilotildees poderiam
fornecer uma visatildeo geral sobre a importacircncia de participar do grupo haacute mais tempo
O outro estudante (denominado Estudante W) foi escolhido por ter ingressado
recentemente no grupo instrumental e poderia fornecer outra visatildeo a respeito desta
participaccedilatildeo Deste modo aleacutem de ambos os estudantes terem concordado com a
participaccedilatildeo na pesquisa e de terem tempo disponiacutevel para serem entrevistados
eles poderiam contribuir com as informaccedilotildees sobre sua participaccedilatildeo mas tendo
tempos de participaccedilatildeo diferentes no grupo Foi entrevistada tambeacutem a matildee do
Estudante J que participa desde o iniacutecio das atividades do grupo instrumental A
professora que participou da pesquisa foi selecionada por ser docente na escola em
que o grupo instrumental tem suas atividades aleacutem de ter lecionado para os
estudantes investigados Adicionalmente esclarece-se que a professora concordou
em fornecer a entrevista e teve tempo para a mesma Por fim a diretora foi
entrevistada por ter importantes contribuiccedilotildees para a pesquisa considerando-se sua
visatildeo como gestora da escola
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A Anaacutelise dos Dados
Para a realizaccedilatildeo da anaacutelise dos dados coletados nesta investigaccedilatildeo utilizou-
se a anaacutelise de conteuacutedo a partir da proposta de Moraes (1999) Para Moraes
(1999) a anaacutelise de conteuacutedo ldquoconstitui uma metodologia de pesquisa usada para
descrever e interpretar o conteuacutedo de toda classe de documentos e textosrdquo (p 2) A
anaacutelise de conteuacutedo viabilizou a anaacutelise dos dados transcritos tendo contato com
diversos textos corroborando a conclusatildeo da anaacutelise sobre o assunto da pesquisa
atingindo assim os objetivos
Para a realizaccedilatildeo desta anaacutelise alguns procedimentos foram necessaacuterios
como as etapas que Moraes (1999) propotildee tais como a ldquopreparaccedilatildeo das
informaccedilotildeesrdquo a qual foi feita por meio de entrevistas semiestruturadas Deve-se
salientar que as entrevistas foram gravadas no gravador de aacuteudio do celular Apoacutes a
realizaccedilatildeo das entrevistas as mesmas foram integralmente transcritas Efetuadas as
transcriccedilotildees das cinco entrevistas todas passaram pelo processo de revisatildeo e
textualizaccedilatildeo a fim de ajustar possiacuteveis inconsistecircncias de dados ou mesmo
correccedilotildees ortograacuteficas e gramaticais necessaacuterias
Para Moraes (1999) este procedimento eacute importante para iniciar o processo
de codificaccedilatildeo dos materiais estabelecendo um coacutedigo que possibilite identificar
rapidamente cada elemento da amostra de depoimentos ou documentos a serem
analisados
Todo este processo resultou na constituiccedilatildeo de um caderno denominado
Caderno de Entrevistas 2015 (C E 2015) contendo as entrevistas dos estudantes
J e W da matildee do Estudante J da professora e da diretora da escola
Posteriormente este Caderno de Entrevistas 2015 passou por uma leitura
minuciosa considerando-se o processo de ldquounitarizaccedilatildeordquo proposto por Moraes
(1999) servindo de base para as etapas subsequentes quais sejam a
categorizaccedilatildeo e a anaacutelise dos dados Aleacutem do Caderno de Entrevistas tambeacutem foi
constituiacutedo outro caderno denominado Caderno de Categorizaccedilatildeo 2015 (C C
2015) A categorizaccedilatildeo consiste em um procedimento de ldquoagrupar dados
considerando a parte comum existente entre eles Classifica-se por semelhanccedila ou
analogia segundo criteacuterios previamente estabelecidos ou definidos no processordquo
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(MORAES 1999 p 6) Neste caderno os dados coletados foram separados por
categorias sendo que posteriormente depois de rigorosa anaacutelise das categorias
criadas compuseram os Resultados e a Anaacutelise dos Dados juntamente com a
realizaccedilatildeo da anaacutelise fundamentada no referencial teoacuterico desta pesquisa Salienta-
se que estas atividades foram precedidas de uma cuidadosa e ampla leitura do texto
final
Aleacutem dos cadernos mencionados foi constituiacutedo um Caderno de Fotografias
2015 (C F 2015) no qual se encontram as imagens dos eventos dos quais o grupo
instrumental participou servindo como complemento para a anaacutelise dos dados
Desse modo considerando-se o material coletado e organizado resultaram
as seguintes categorias de anaacutelise Os Entrevistados A Importacircncia da Participaccedilatildeo
dos Estudantes nas Atividades do Grupo Instrumental Influecircncias de Participar em
um Grupo Instrumental para a vida dos Estudantes Participantes e Familiares
Envolvidos Expectativas em Relaccedilatildeo agraves Atividades Instrumentais Estas categorias
foram analisadas a partir de um referencial teoacuterico da educaccedilatildeo musical o qual eacute
apresentado a seguir
Referencial Teoacuterico
O referencial teoacuterico selecionado para a anaacutelise dos dados desta investigaccedilatildeo
sobre a importacircncia da participaccedilatildeo de estudantes em um grupo instrumental
escolar foi constituiacutedo por conceitos de educaccedilatildeo musical e do desenvolvimento
musical de crianccedilas e adolescentes
A Educaccedilatildeo Musical
Kraemer (2000) trata da questatildeo epistemoloacutegica da educaccedilatildeo musical dentre
outros assuntos pertinentes ao tema Define como pedagogia da muacutesica o campo da
educaccedilatildeo musical explicando que a pedagogia da muacutesica ldquodivide seu objeto com as
disciplinas chamadas ciecircncias humanas filosofia antropologia sociologia ciecircncias
poliacuteticas histoacuteriardquo Para Kraemer (2000) ldquoeacute dada a relaccedilatildeo com a musicologia
(assim como com a praacutetica da muacutesica e a vida musical)rdquo (p 52) A psicologia da
muacutesica ldquoinvestiga o comportamento musical e as vivecircncias musicaisrdquo (p 55) e a
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sociologia da muacutesica ldquoas condiccedilotildees sociais e os efeitos da muacutesica assim como
relaccedilotildees sociais que estejam relacionadas agrave muacutesicardquo (p 57)
A partir desses fatores trazidos pelo autor eacute possiacutevel constatar o quanto eacute
vasto o campo da educaccedilatildeo musical agregando a muacutesica a vaacuterias aacutereas do
conhecimento e podendo ser trabalhada dentro dessas linguagens Assim cada
aspecto tem importantes contribuiccedilotildees para o conhecimento musical num todo
Assim como a pedagogia acrescenta em sua didaacutetica e se complementa com
as outras aacutereas do conhecimento para ter mais ecircxito no ensino-aprendizagem e na
relaccedilatildeo estudante-professor podemos fazer o mesmo com a muacutesica agregando
essas aacutereas no fazer didaacutetico-musical Satildeo aacutereas que se complementam em
diversas situaccedilotildees Desse modo a muacutesica tem um papel integrador e
transdisciplinar assim como o papel da pedagogia que considera ldquoa vida humana
sob aspectos da educaccedilatildeo formaccedilatildeo instruccedilatildeo e didaacuteticardquo (KRAEMER 2000 p
60)
Eacute necessaacuterio que na muacutesica assim como na pedagogia existam esses
olhares num contexto amplo da educaccedilatildeo observando todos os aspectos relevantes
no desenvolvimento integral do estudante independente de como a disciplina estaacute
inserida na escola seja de forma curricular ou extracurricular Eacute importante que os
professores de muacutesica considerem a educaccedilatildeo musical como um todo objetivando a
formaccedilatildeo do cidadatildeo Natildeo se desconsidera a teacutecnica da execuccedilatildeo musical
igualmente importante Todavia outros conceitos que fazem parte da educaccedilatildeo
musical satildeo igualmente necessaacuterios
Englobando aspectos socioloacutegicos nos quais eacute observado o comportamento
de uma determinada sociedade e a forma com que se organizam no tempo livre e
trabalho Kraemer (2000) relaciona a muacutesica agrave sociologia explicando
A sociologia da muacutesica examina as condiccedilotildees sociais e os efeitos da muacutesica assim como relaccedilotildees sociais que estejam relacionadas com a muacutesica Ela considera o manuseio com a muacutesica como um processo social e analisa o comportamento do homem relacionado com a muacutesica em direccedilatildeo agraves influecircncias sociais instituiccedilotildees e grupos (KRAEMER 2000 p 57)
Para Swanwick (2003) eacute fundamental unir atividades de execuccedilatildeo
apreciaccedilatildeo e criaccedilatildeo para que os estudantes se desenvolvam artisticamente O foco
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reside especialmente no que acontece quando a pessoa se relaciona com muacutesica
no fazer musical
Swanwick (2003) propotildee trecircs atividades principais na muacutesica compor ouvir
muacutesica e tocaacute-la Ele reuacutene estas atividades em sua proposta conhecida no Brasil
como TECLA constituiacuteda pelo estudo da histoacuteria da muacutesica (literatura) e pela
aquisiccedilatildeo de habilidades (em inglecircs skill aquisition) denominado de teacutecnica Tem-
se assim T de teacutecnica E de execuccedilatildeo C de composiccedilatildeo L de literatura e A de
apreciaccedilatildeo E atraveacutes de sua proposta o autor aborda diversos fatores que
envolvem esse contexto Conceitos a se considerar em qualquer lugar em que o
educador musical possa estar atuando assim como os de Kraemer (2000) seja em
sala de aula anos iniciais e finais ou em um coro um grupo instrumental ou banda
escolar ou marcial com crianccedilas jovens ou adultos Onde haacute pessoas que de
alguma forma estatildeo se relacionando com muacutesica essas concepccedilotildees podem ser
utilizadas
O Desenvolvimento Musical de Crianccedilas e Adolescentes
O estudante ao se identificar com o que estaacute sendo proposto nas atividades
de ensino e aprendizagem no caso de atividades instrumentais em que o estudante
eacute considerado como um propositor e natildeo apenas plateia sentir-se-aacute responsaacutevel
pelas atividades e pelo sucesso das mesmas O estudante se sente valorizado o
que aumenta sua autoestima colabora para seu desenvolvimento pessoal no
sentido intelectual resultando familiarizaccedilatildeo e encantamento com o fazer musical
Nesse sentido Swanwick (2003) discorre sobre a importacircncia de ldquoconsiderar
o discurso musical dos alunosrdquo A partir daiacute o discurso ldquoconversaccedilatildeo musical natildeo
pode ser nunca um monoacutelogo Cada estudante traz consigo um domiacutenio de
compreensatildeo musical quando chega a nossas instituiccedilotildees educacionaisrdquo
(SWANWICK 2003 p 66)
Considerando a muacutesica como discurso ldquoprocederemos baseados na ideia de
que ela pode fazer uma diferenccedila na maneira como vivemos e como podemos
refletir sobre nossa vidardquo (SWANWICK 2003 p 78) Despertar no estudante o
encantamento com o fazer musical oportunizando a compreensatildeo dos aspectos
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musicais Swanwick (2003) explica que as ldquoteacutecnicas e manuseio de materiais
sonoros satildeo importantes mas sabemos que eles natildeo satildeo a soma total da
compreensatildeo musicalrdquo (p 67) Mesmo em grupos musicais que tecircm por base as
atividades instrumentais de aprendizagem de instrumento e praacutetica de conjunto
existem diversas possibilidades para alcanccedilar os objetivos musicais propostos
sensibilizando para a aprendizagem musical
Conforme Wolffenbuumlttel (2014) as atividades extracurriculares servem como
ldquoperspectiva de ampliaccedilatildeo das possibilidades das escolas Estudos realizados em
diferentes paiacuteses sugerem que as atividades extracurriculares satildeo capazes de
contribuir para o desenvolvimento dos alunosrdquo (p 56)
Em relaccedilatildeo agraves possibilidades musicais para desenvolver a compreensatildeo
musical Swanwick (2003) aponta a importacircncia de os estudantes terem ldquoa
oportunidade de produzir e responder agrave muacutesica em todas as camadas do discurso
musical qualquer que seja a atividaderdquo (SWANWICK 2003 p 97) As atividades
musicais em grupos instrumentais contemplam o que os PCNs sugerem para as
atividades musicais no que se refere agrave ldquoCriaccedilatildeo a partir do aprendizado de
instrumentos do canto de materiais sonoros diversos e da utilizaccedilatildeo do corpo como
instrumento procurando o domiacutenio de conteuacutedos da linguagem musicalrdquo (BRASIL
1998 p 83)
Resultados e Anaacutelise dos Dados
A partir da anaacutelise dos dados resultaram quatro categorias Os Entrevistados
A Importacircncia da Participaccedilatildeo dos Estudantes nas Atividades do Grupo
Instrumental Influecircncias de Participar em um Grupo Instrumental para a vida dos
Estudantes Participantes e Familiares Envolvidos Expectativas em Relaccedilatildeo agraves
Atividades Instrumentais
Os Entrevistados
Foram entrevistadas cinco pessoas dois estudantes a matildee de um dos
estudantes uma professora e a diretora da escola
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Um dos estudantes do grupo instrumental o Estudante J participa das
atividades musicais extracurriculares desde abril de 2013 ele iniciou com aulas de
flauta doce e apoacutes a criaccedilatildeo do grupo instrumental teve a oportunidade de
experimentar e manusear outros instrumentos musicais iniciando seus estudos no
saxofone alto o qual toca no grupo ateacute os dias de hoje Seu pai e seu avocirc tambeacutem
tocam instrumentos musicais sendo que desde crianccedila o Estudante J disse
conviver com essas audiccedilotildees tendo aprendido muacutesica e em especial as noccedilotildees de
ritmo atraveacutes do ensinamento de seus familiares (C E 2015 p 11) O Estudante J
salientou que gosta muito de escutar muacutesica sertaneja muacutesica gauacutecha e vaacuterios
outros gecircneros musicais (C E 2015 p 12)
O Estudante W que tem 18 anos de idade participa das atividades do grupo
instrumental desde junho de 2014 tendo comeccedilado a tocar o instrumento musical
metalofone apoacutes a flauta doce este estudante iniciou seus estudos no saxofone alto
desde o iniacutecio de 2015 O Estudante W continuou no grupo instrumental mesmo
apoacutes sua saiacuteda da escola devido ao teacutermino de seus estudos no Ensino
Fundamental Este estudante explicou que nunca foi reprovado mas devido a
problemas familiares parou de estudar por um determinado tempo Diferentemente
do Estudante J o Estudante W natildeo tem familiares com conhecimentos musicais
sendo o primeiro a ter contato com a muacutesica na escola (C E 2015 p 7) O
Estudante W explicou que costuma escutar muacutesica em casa todos os dias
raramente assiste agrave televisatildeo e gosta muito de ouvir muacutesica sertaneja (C E 2015
p 9) Ele relatou que quase todo o dia pratica estudos no saxofone alto ou tem
contato com o instrumento mesmo que seja somente para fazer os procedimentos
de limpeza (C E 2015 p 8)
Eacute possiacutevel apoacutes caracterizar os estudantes organizar e categorizar suas
falas apontar aspectos relativos aos seus gostos e preferecircncias musicais Nesse
sentido Swanwick (2003) postula a necessidade dessa praacutetica de ldquoconsiderar o
discurso musical dos alunosrdquo (p 66) pois estes ao se apresentarem trazem suas
identidades musicais E nesse sentido considerar o discurso musical nos ensaios
do grupo instrumental foi um dos importantes procedimentos realizados
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Em relaccedilatildeo agrave famiacutelia foi entrevistada a matildee do Estudante J o qual eacute
participante do grupo instrumental desde 2013 tambeacutem entrevistado nessa
pesquisa
Representando os professores de sala de aula dos estudantes participantes
do grupo instrumental foi entrevistada a professora do componente curricular de
matemaacutetica Ela leciona para as turmas do 5ordm ao 9ordm ano fazendo parte do processo
de ensino e aprendizagem de estudantes de diferentes faixas etaacuterias que satildeo
participantes do grupo
Por fim da equipe diretiva da escola foi entrevistada a diretora a qual ocupa
este cargo de gestatildeo desde abril de 2014 Anteriormente era vice-diretora da
escola
A Importacircncia da Participaccedilatildeo de Estudantes nas Atividades do Grupo Instrumental
A partir da realizaccedilatildeo desta pesquisa constatou-se a importacircncia que o grupo
instrumental tem na vida de todos os envolvidos com este tipo de trabalho Quer
sejam os estudantes que participam do grupo quer sejam as famiacutelias ndash nesta
pesquisa caracterizadas pela entrevista com uma matildee ndash quer sejam os professores
que trabalham com esses estudantes que estatildeo participando do grupo e com
certeza a equipe diretiva caracterizada pela diretora todos percebem esta
importacircncia Cada um do seu modo demonstrou a intensidade da importacircncia desta
participaccedilatildeo
Os estudantes percebem que ao participarem do grupo instrumental aleacutem de
gostarem eles constatam diversos aprendizados tanto musicais quanto
extramusicais A este respeito o Estudante W relatou ldquoPercebo que para mim
ajudou bastante e eu acho que as pessoas gostam do que a gente faz bem dizer
assimrdquo (C E 2015 p 7)
Em outro momento da entrevista o Estudante W explicou sobre sua
socializaccedilatildeo no grupo e em relaccedilatildeo ao rendimento escolar De acordo com seu
depoimento ldquoAcho bom fiz vaacuterias amizades tambeacutem e gosto das apresentaccedilotildees
Sinto-me bem agrave vontade E melhorei meu rendimento bastante e a aprendizagemrdquo
(C E 2015 p 7)
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Quanto agrave oportunidade que lhe foi dada em relaccedilatildeo agrave muacutesica de participar do
grupo musical o Estudante W salientou este aspecto explicando ldquoSempre gostei de
muacutesica e nunca tinha tido a oportunidade de entrar e acabei gostando muitordquo (C E
2015 p 7)
O Estudante J outro entrevistado nesta pesquisa a respeito de seu apreccedilo
pelas aulas de instrumento explicou ldquoEu gosto muito das aulas eacute bom estar aqui
[na escola] estudando muacutesica e aprendendo outros instrumentos novos isso eacute bem
legalrdquo (C E 2015 p 11)
A matildee do Estudante J explicou sobre como percebe a participaccedilatildeo de seu
filho bem como sobre o que esta participaccedilatildeo resulta na famiacutelia modificando-a
inclusive
Ele gosta muito chega a hora de vir natildeo interessa se estaacute chovendo ou se natildeo estaacute ele [seu filho] se arruma e vem [agrave escola] de qualquer jeito Ele gosta muito isso foi uma coisa que vocecircs [da escola] fizeram que foi oacutetimo neacute [] Porque ele fica faceiro chega na hora ele guarda aquele instrumento com muito carinho muito bem guardado Ele gosta muito mesmo (C E 2015 p 3)
A professora dos estudantes que participam do grupo instrumental tambeacutem
observou o reflexo desta participaccedilatildeo no seu trabalho pedagoacutegico no cotidiano da
escola Para a professora ldquoAquele comprometimento que eles tecircm com o horaacuterio da
muacutesica de aprender e tudo mais causa neles um compromisso com o resto das
disciplinas em sala de aula tambeacutemrdquo (C E 2015 p 16) A diretora da escola
tambeacutem contribuiu com a anaacutelise fornecendo importantes dados sobre a participaccedilatildeo
dos estudantes da escola no grupo instrumental De acordo com a diretora
A participaccedilatildeo dos estudantes no grupo para mim eacute acima de tudo muita emoccedilatildeo porque eu sempre acreditei no projeto tentei da melhor maneira possiacutevel focar e conseguir mecanismos para que ele pudesse existir E eu vejo que estar no grupo eacute um grande investimento para essas crianccedilas e adolescentes na construccedilatildeo integral da sua personalidade da sua maneira de pensar e de ver o mundo (C E 2015 p 14)
A diretora ainda acrescentou um comentaacuterio sobre a repercussatildeo do grupo
instrumental na comunidade ressaltando a importacircncia desse fator ao explicar
O grupo instrumental traz a questatildeo da comunidade pois natildeo ficou apenas na escola Ele foi para a comunidade local no bairro ele foi para o centro da cidade as pessoas conhecem o grupo as pessoas convidam para participar de eventos Entatildeo eu acho que para a professora de muacutesica eacute
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profissionalismo para mim eacute emoccedilatildeo e para eles eu acho que eacute um trabalho de autoestima de grande valor porque satildeo crianccedilas de uma localidade rural que nunca se imaginaria de seguir um caminho de estrada de chatildeo com um saxofone (C E 2015 p 15)
As atividades musicais existentes no grupo instrumental da escola repercutem
junto agrave comunidade escolar no seu entorno demais regiotildees do municiacutepio e fora
dele E essa repercussatildeo eacute devida ao incentivo por parte da escola aos estudos
musicais dos estudantes do grupo instrumental e aos demais estudantes da escola e
de fora da escola Isso ocorre no caso do Estudante W que jaacute concluiu seus
estudos mas permanece na escola o que incentiva os demais estudantes a
optarem pela muacutesica como profissatildeo
Observou-se uma concordacircncia entre os entrevistados quando enfatizaram a
extrema importacircncia de os estudantes participarem do grupo instrumental (C E
2015) principalmente no que diz respeito agraves funccedilotildees da muacutesica Esta anaacutelise remete
a Kraemer (2000) considerando-se as funccedilotildees da muacutesica Do mesmo modo os
aspectos socioloacutegicos e psicoloacutegicos apresentaram-se relevantes para esta anaacutelise
O relacionamento entre as pessoas desenvolvido atraveacutes das atividades musicais
no grupo instrumental apresentou-se fortemente Kraemer (2000) ao analisar as
relaccedilotildees entre as pessoas e a importacircncia que a muacutesica pode ter em suas vidas
explica que a pedagogia da muacutesica ocupa-se com ldquoas relaccedilotildees entre a(s) pessoa(s)
e a(s) muacutesica(s) sob os aspectos de apropriaccedilatildeo e de transmissatildeordquo (KRAEMER
2000 p 51) Isto foi encontrado nesse grupo bem como nas falas dos
entrevistados
Nesse sentido a partir das entrevistas realizadas que oportunizaram analisar
e correlacionar os conteuacutedos das falas ao referencial teoacuterico principalmente neste
caso como aponta Kraemer (2000) observa-se a importacircncia da muacutesica para as
pessoas bem como a potecircncia de estar em um grupo instrumental em espaccedilos
escolares
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Influecircncias de Participar de um Grupo Instrumental para a Vida dos Estudantes
Participantes e Familiares Envolvidos
Atraveacutes das entrevistas com os estudantes J e W observou-se a influecircncia
que a muacutesica exerce em suas vidas desde a entrada no grupo instrumental Neste
sentido o Estudante W explicou ldquoMinha famiacutelia apoia bastante eles gostam Em
casa eles pedem para tocar agraves vezes A voacute adora e apoia bastante sempre me
perguntando se eu tirei muacutesica nova alguma coisardquo (C E 2015 p 8)
Aleacutem disso ao comentar sobre o impacto em sua vida o Estudante W
explicou ldquoMelhorou bastante minha vida musical e familiar com isso eu me sinto
muito melhorrdquo (C E 2015 p 9) O Estudante W foi convidado a entrar no grupo
instrumental poreacutem natildeo tinha grandes expectativas musicais E foi se envolvendo
com o fazer musical despertando o interesse de aprender diversos instrumentos
musicais O Estudante W levou esse encantamento para seus familiares seus
ensaios musicais promovem satisfaccedilatildeo em sua famiacutelia promovendo uniatildeo e
interaccedilatildeo dos mesmos durante esse processo
O Estudante J externou em sua fala que ao entrar no grupo ocorreram
muitas mudanccedilas em seu modo de ser Em seu depoimento ele destacou
mudanccedilas quanto ao comprometimento e agrave pontualidade Ele observa que consegue
cumprir o que eacute solicitado pela professora estaacute estudando mais Assim ldquome ajudou
bastante ateacute na aula normal estou mais comportado fazendo todos os trabalhos
melhorrdquo (C E 2015 p 12)
Em relaccedilatildeo agrave famiacutelia a matildee do Estudante J enfatizou a grande socializaccedilatildeo e
o clima de harmonia que a famiacutelia experienciou por meio do contato de seu filho com
o instrumento musical em casa (C E 2015)
Observa-se nos depoimentos a funccedilatildeo da muacutesica no campo socioloacutegico que
vai ao encontro do que Kraemer (2000) acredita jaacute que ldquoconsidera o manuseio com
a muacutesica como um processo socialrdquo e analisa o ldquocomportamento do homem
relacionado com a muacutesica em direccedilatildeo agraves influecircncias sociais institucionais e gruposrdquo
(p 57) Eacute possiacutevel atraveacutes dos dados coletados observar a influecircncia social e
comportamental que a muacutesica exerce entre os agentes envolvidos seja no acircmbito
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familiar ou no processo de desenvolvimento intelectual dos estudantes participantes
do grupo
Nas falas da escola caracterizadas pela entrevista com a diretora e com a
professora foi possiacutevel verificar que ambas tambeacutem trataram da influecircncia que
resulta da participaccedilatildeo no grupo instrumental A professora explicou suas
observaccedilotildees quanto aos estudantes participantes do grupo instrumental feitas na
sua aula Ela leciona haacute muitos anos na escola e por isso tem um grande
conhecimento dos estudantes os tem acompanhado antes mesmo de ingressarem
no grupo instrumental Ao conhecer os estudantes ela pode analisar mais
amplamente De acordo com a professora
A gente nota uma diferenccedila bastante elevada neles Que eles se concentram mais em sala de aula e isso ajuda para o futuro deles e isso eacute muito bom Pois a gente sabe que tudo na vida precisa de concentraccedilatildeo precisa de carinho para fazer as coisas precisa de dedicaccedilatildeo E isso eu vejo enquanto eles aprendem muacutesica Eacute claro que isso reflete em sala de aula tambeacutem (C E 2015 p 17)
Foi possiacutevel constatar ao analisar a entrevista da professora no que se
relaciona agrave psicologia da muacutesica o que Kraemer (2000) explica sobre as
ldquosemelhanccedilas e diferenccedilas observaacuteveis de comportamento e da vivecircncia musicalrdquo (p
55) Assim pode-se analisar as funccedilotildees da educaccedilatildeo musical que envolvem ldquotarefas
da pedagogia da muacutesica [que] devem ser definidas juntamente com a aquisiccedilatildeo de
conhecimento compreender e interpretar descrever e esclarecer conscientizar e
transformarrdquo (KRAEMER 2000 p 66)
Os dados obtidos nas entrevistas no que diz respeito agrave participaccedilatildeo dos
estudantes no grupo instrumental tambeacutem remetem agrave importacircncia da oferta de
atividades no turno inverso escolar Nesse sentido Wolffenbuumlttel (2014) explica que
as atividades extracurriculares tecircm uma perspectiva de ampliaccedilatildeo das possibilidades
das escolas Segundo a autora as ldquoatividades extracurriculares satildeo capazes de
contribuir para o desenvolvimento dos alunosrdquo (p 56)
Expectativas em Relaccedilatildeo agraves Atividades Instrumentais
Ao longo das entrevistas os estudantes participantes do grupo instrumental
externaram suas expectativas musicais em relaccedilatildeo a esta participaccedilatildeo O Estudante
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W foi aleacutem acrescentando sua expectativa profissional De acordo com seu
depoimento ldquoEu pretendo evoluir de repente fazer uma faculdade de muacutesica que
me interessa bastante esse caminhordquo (C E 2015 p 8)
O Estudante J em sua entrevista afirmou sobre as expectativas em relaccedilatildeo agrave
participaccedilatildeo no grupo pretendendo aperfeiccediloar-se para uma melhor representaccedilatildeo
de sua escola De acordo com ele esta participaccedilatildeo se daacute no sentido de ldquofazer o
que tem que fazer natildeo deixar de ensaiar em casa e fazer o melhor Espero que
cada vez melhore para representar melhor a escola e aprender tambeacutemrdquo (C E
2015 p 12) Em suas expectativas profissionais apontou a vontade de seguir
profissionalmente na muacutesica Para ele ldquoAh se surgir alguma oportunidade eu quero
fazer uma faculdade de muacutesica neacute Quero me formarrdquo (C E 2015 p 12) Nesta
fala externada pelo Estudante J observa-se o que os PCNs sugerem em relaccedilatildeo a
um dos objetivos gerais para a muacutesica na escola qual seja adquirir ldquoconhecimento
sobre profissotildees e profissionais da aacuterea musical considerando diferentes aacutereas de
atuaccedilatildeo e caracteriacutesticas do trabalhordquo (BRASIL 1998 p 82)
A participaccedilatildeo dos estudantes no grupo instrumental eacute de suma importacircncia
o que se evidenciou em suas falas em relaccedilatildeo agraves expectativas profissionais
remetendo agraves funccedilotildees da muacutesica e da educaccedilatildeo musical nos acircmbitos psicoloacutegico e
social estando em sintonia com as anaacutelises de Kraemer (2000) apresentadas
anteriormente
Observou-se que todos os entrevistados tecircm expectativas musicais
estudantes que inclusive mencionaram pretender seguir nas atividades musicais
como profissatildeo demonstrando encantamento com o fazer musical e indicando
pretensotildees profissionais A diretora por sua vez mencionou em sua fala esperar
que o grupo instrumental cada vez se estruture mais para assim atender mais
estudantes Ela se preocupa portanto em atender agraves demandas escolares e da
comunidade
Salienta-se que todo esse envolvimento teve como ponto de partida uma
atividade extracurricular (WOLFFENBUumlTTEL 2014) E o bom desempenho do grupo
eacute advindo de vaacuterios esforccedilos sendo que a muacutesica e seu ensino atraveacutes da
educaccedilatildeo musical estaacute desempenhando suas funccedilotildees na vida dos estudantes e dos
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familiares (KRAEMER 2000) Observou-se tambeacutem a valorizaccedilatildeo dos estudantes
participantes como sujeitos propositores no trabalho pedagoacutegico-musical
(SWANWICK 2003) resultando no encantamento do fazer musical colaborando
para o desenvolvimento integral dos sujeitos envolvidos considerando-se as
atividades musicais do grupo instrumental
Consideraccedilotildees Finais
Apoacutes a realizaccedilatildeo desta pesquisa foi possiacutevel responder aos
questionamentos apresentados na introduccedilatildeo deste artigo e que nortearam esta
investigaccedilatildeo quais sejam Qual o significado da participaccedilatildeo dos estudantes em um
grupo instrumental Quais as expectativas dos estudantes que participam destes
grupos Qual a influecircncia da muacutesica para estes participantes Quais as expectativas
de estudantes familiares e comunidade escolar em relaccedilatildeo ao grupo Como ocorre
o envolvimento dos familiares dos estudantes
Quanto ao significado da participaccedilatildeo dos estudantes no grupo instrumental
observou-se que a mesma reflete diversos aspectos positivos nas vidas de todos os
envolvidos o que segundo os estudantes do grupo instrumental possui vaacuterios
significados e representaccedilotildees em seus cotidianos Para eles significa ter melhoria
no comportamento na socializaccedilatildeo no processo de ensino e aprendizagem no
comprometimento na pontualidade na concentraccedilatildeo e no conviacutevio familiar
Agregam o significado de ldquofelicidaderdquo na convivecircncia que o grupo instrumental
proporciona e ainda destacam a importacircncia de representar a escola e a
abrangecircncia desta participaccedilatildeo junto agrave comunidade Todos os entrevistados
relacionaram significados com a importacircncia de o grupo existir na escola
apontando-o como desencadeador desses diversos contextos significativos para
eles
As expectativas dos participantes deste grupo foram tambeacutem
questionamentos desta pesquisa Constatou-se que os estudantes possuem
expectativas profissionais em relaccedilatildeo agrave muacutesica quando acrescentaram o interesse
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em continuar seus estudos musicais para culminar com o ingresso em um curso
superior em muacutesica
Outro questionamento foi a influecircncia da muacutesica para os participantes deste
grupo De acordo com os dados coletados e analisados observa-se que o grupo
instrumental influencia de forma positiva suas vidas visto que foram observadas
mudanccedilas positivas pela matildee pela professora e pela diretora aleacutem dos estudantes
principalmente nas suas condutas e atuaccedilotildees no acircmbito familiar e escolar
resultando em melhorias nas relaccedilotildees sociais e no ensino e aprendizagem
As expectativas dos estudantes familiares e comunidade escolar quanto ao
grupo instrumental foi um dos questionamentos que oportunizou inuacutemeros
aprendizados no que diz respeito agrave pesquisa Observou-se que todos os
entrevistados esperam que o grupo se estruture cada vez mais para que os
benefiacutecios de participar de um grupo instrumental sejam ampliados para mais
estudantes ressaltando expectativas em relaccedilatildeo agrave evoluccedilatildeo como instrumentistas
para continuar contribuindo na qualidade e no crescimento do grupo
Por fim o envolvimento dos familiares dos participantes deste grupo foi um
questionamento que se apresentou de forma bastante marcante nesta pesquisa De
acordo com as entrevistas pocircde-se compreender o envolvimento significativo da
famiacutelia no processo de desenvolvimento musical do estudante identificou-se que a
famiacutelia participa da rotina de estudos e que proporciona momentos de integraccedilatildeo
nos ensaios de repertoacuterio dos estudantes com os demais familiares Isso
desencadeia reflexotildees sobre a importacircncia de seu filho ter contato com um
instrumento musical e de conviver em um grupo instrumental motivando-o para a
permanecircncia no mesmo
Alguns fatos surpreenderam no decorrer desta pesquisa como momentos de
emoccedilatildeo na entrevista com a diretora na fala fervorosa da matildee do Estudante J em
relaccedilatildeo agrave rotina de ensaios musicais do filho e a integraccedilatildeo familiar que promove As
entrevistadas ao responderem aos questionamentos da entrevista emocionaram-se
muito demonstrando a forte relaccedilatildeo advinda da existecircncia do grupo instrumental na
escola
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Deve-se salientar tambeacutem que a pesquisa possibilitou a reflexatildeo sobre os
fazeres pedagoacutegico-musicais da professora de muacutesica atuante na escola a qual
coordena o grupo instrumental investigado Foi possiacutevel neste processo
investigativo constatar a dimensatildeo e a importacircncia desse trabalho na vida dos
estudantes identificando atraveacutes dos depoimentos analisados a responsabilidade
que os profissionais da aacuterea da educaccedilatildeo musical tecircm Eacute importante portanto que
sempre se esteja atento agraves atitudes procedimentos e metodologias utilizados pois
somos importantes neste processo para aleacutem do encantamento do fazer musical
para uma aprendizagem que contribua com a formaccedilatildeo de um ser humano integral
Ao longo da pesquisa outros dados relevantes foram coletados apontando
futuras investigaccedilotildees Desse modo resultaram novos questionamentos como O
que levou outros estudantes a desistirem de participar do grupo instrumental ao
longo de sua trajetoacuteria Qual a importacircncia de os estudantes que participam de um
grupo instrumental terem a oportunidade de manusear diversos instrumentos
musicais
Ao finalizar a investigaccedilatildeo prospecta-se que a mesma possa contribuir para a
construccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para a educaccedilatildeo musical no contexto escolar
Entende-se tambeacutem que este trabalho possa contribuir com a implementaccedilatildeo da
legislaccedilatildeo que dispotildee sobre a inserccedilatildeo da muacutesica nas escolas brasileiras e assim
somar de maneira significativa na vida dos estudantes participantes como no caso
do grupo instrumental pesquisado
Referecircncias BASTIAtildeO Zuraida Abud Praacutetica de conjunto instrumental na educaccedilatildeo baacutesica Muacutesica na Educaccedilatildeo Baacutesica Londrina v4 n4 p 58-69 novembro de 2012
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BRASIL Lei nordm 11769 de 16 de agosto de 2008 Altera a Lei ndeg 9394 de 20 dezembro de 1990 para dispor sobre a obrigatoriedade do ensino de muacutesica na educaccedilatildeo baacutesica Brasiacutelia 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03LEISL9394htmgt Acesso em 15 set 2015 JOLY Maria Carolina Leme JOLY Ilza Zenker Leme Praacuteticas musicais coletivas um olhar para a convivecircncia em uma orquestra comunitaacuteria Revista da ABEM Londrina v19 n26 p 79-91 jul Dez 2011 KRAEMER Rudolf Dimensotildees e funccedilotildees do conhecimento pedagoacutegico musical Em Pauta Porto Alegre v11 n 1617 p 50-73 abrnov 2000 LAVILLE Christian DIONNE Jean A construccedilatildeo do Saber manual de metodologia da pesquisa em ciecircncias humanas Porto Alegre Artmed 1999 MARTINS Heloiacutesa Helena Tde Souza Metodologia qualitativa de pesquisa Educaccedilatildeo e Pesquisa Satildeo Paulo V 30 n2 p 289-300 maioago 2004 Disponiacutevel em lt httpwwwscielobrpdfepv30n2v30n2a07pdfgt Acesso em 25 ago 2015 MORAES Roque Anaacutelise de conteuacutedo Revista Educaccedilatildeo Porto Alegre v 22 n 37 p 7-32 1999 SWANWICK Keith Ensinando muacutesica musicalmente Satildeo Paulo Moderna 2003 VENTURA Magda Maria O estudo de caso como modalidade de pesquisa Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro v 20 n 5 p 383-386 setout 2007 Disponiacutevel em lthttpsociedadescardiolbrsocerjrevista2007_05a2007_v20_n05_art10pdfgt Acesso em 15 ago 2015 WOLFFENBUumlTTEL Cristina Rolim A inserccedilatildeo da muacutesica nos projetos poliacutetico-pedagoacutegicos da educaccedilatildeo baacutesica 1ordf ed Curitiba Editora Prismas 2014 YIN Robert K Estudo de caso planejamento e meacutetodos 2ordf ed Porto Alegre Bookman 2001
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TEATRO PARA QUEM A ARTE DE TEATRAR PARA TODOS Um estudo
sobre acessibilidade cultural em espetaacuteculos teatrais no RS
Izabel Cristina da Silveira1
Fundaccedilatildeo de Arte e Cultura de Gravataiacute - FUNDARC
Resumo Este trabalho busca investigar analisar e viabilizar diaacutelogos reflexotildees e percepccedilotildees em torno do tema da acessibilidade cultural sob a oacuteptica do contexto teatral no estado do Rio Grande do Sul com um recorte pontual no municiacutepio de Porto Alegre capital do estado a fim de promover a inclusatildeo social da pessoa com deficiecircncia no acircmbito cultural Para tanto servem como suporte para anaacutelise registros pesquisa e observaccedilotildees de seis grupos de teatro do municiacutepio supracitado e suas relaccedilotildees com o assunto em pauta aleacutem de discussotildees das noccedilotildees de deficiecircncia acessibilidade e Legislaccedilatildeo vigente Palavras-chave Acessibilidade teatro inclusatildeo Abstract This work aims to investigate analyze and facilitate dialogues reflections and insights on the theme of cultural accessibility from the perspective of the theatrical context in the state of Rio Grande do Sul with a point cut in the city of Porto Alegre the state capital to promote social inclusion of persons with disabilities in the cultural sphere To serve both as support for analysis records research and observations six theater groups of the aforementioned municipality and its relations with the subject at hand in addition to discussing the shortcomings notions of accessibility and current legislation Keywords Accessibility theater inclusion
Introduccedilatildeo
[] temos o direito a ser iguais quando a nossa diferenccedila nos inferioriza e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza Daiacute a necessidade de uma igualdade que reconheccedila as diferenccedilas e de uma diferenccedila que natildeo produza alimente ou reproduza as desigualdades (Boaventura de Souza Santos 2003 p56)
A pauta da acessibilidade nos meios de comunicaccedilatildeo e equipamentos
culturais tem se configurado como um importante tema de discussatildeo e luta entre
grupos e sociedade em decorrecircncia dos direitos da pessoa com deficiecircncia Os
esforccedilos neste sentido visam natildeo apenas proporcionar o acesso a produtos
culturais a uma parcela da populaccedilatildeo que se encontra excluiacuteda como tambeacutem
estabelecer um novo patamar de igualdade baseado na valorizaccedilatildeo da diversidade
1 Coordenadora do Departamento de Artes Cecircnicas da Fundarc em Gravataiacute Diretora e professora de teatro na
Cia Teatral Tem Gente no Palco Poacutes Graduada em Acessibilidade Cultural pela UFRJ Graduada em
Licenciatura em Teatro pela UFRGS
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Ao longo dos anos essas reivindicaccedilotildees tecircm provocado diversas mudanccedilas
no comportamento social que passa a identificar a pessoa com deficiecircncia como um
sujeito pertencente agrave sociedade que possui representatividade cidadatilde e econocircmica
Esse reconhecimento gera a necessidade de mudanccedilas e adaptaccedilotildees tambeacutem nas
manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas
Sendo assim o presente artigo busca trazer agrave tona tais questionamentos e
fomentar a discussatildeo do assunto problematizando e dialogando a fim de colaborar
efetivamente para a pauta da acessibilidade para todos e buscar alternativas
possiacuteveis para acessibilizar espetaacuteculos teatrais em suas apresentaccedilotildees
Para tanto realizou-se estudo praacutetico-teoacuterico junto a grupos teatrais do estado
do Rio Grande do Sul atuantes na capital Porto Alegre Optou-se por um recorte
pontual no maior centro urbano e cultural do estado com cenaacuterio teatral fortemente
constituiacutedo e onde se localiza o Curso de Graduaccedilatildeo em Teatro em uma das mais
conceituadas Universidades do Brasil ndash a Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS)
Levando-se em conta o grande nuacutemero de grupos teatrais existentes em
Porto Alegre e a impossibilidade de uma pesquisa que abranja todas as demandas
a metodologia deste trabalho teve como base uma amostragem de dados com
pesquisa e acompanhamento de 06 (seis) grupos teatrais profissionais com
empresa constituiacuteda e atuaccedilatildeo no mercado artiacutestico haacute mais de 05 (cinco) anos A
escolha se deu por conhecimento dos grupos e do trabalho que desenvolvem
levando-se em conta tambeacutem a disponibilidade dos mesmos e o contato que
possuem ou natildeo com o tema Para tanto foram selecionados entre os 06 (seis)
grupos pesquisados 02 (dois) que jaacute desenvolvem ou desenvolveram trabalhos em
acessibilidade cultural e outros 04 (quatro) que natildeo tecircm contato direto
A pesquisa caracteriza-se por seu caraacuteter qualitativo e quantitativo visando
compreender e interpretar este grupo determinado comportamento opiniotildees e
expectativas destes indiviacuteduos criando uma base de conhecimentos para depois
quantificaacute-los a partir de entrevista estruturada Este trabalho natildeo tem como intuito
apontar procedimentos certos ou errados mas levantar a problematizaratildeo da
acessibilidade no meio teatral tanto fiacutesico quanto de concepccedilatildeo instigando a
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comunidade artiacutestica e demais a refletir e perceber a necessidade de uma cultura
acessiacutevel a todos propondo ideias e atitudes que de fato promovam a inclusatildeo
social
Com um vieacutes de poliacutetica cultural o estudo levanta dados referentes agraves
poliacuteticas puacuteblicas que estatildeo sendo desenvolvidas no acircmbito da acessibilidade
cultural tendo como base a Lei Federal de Incentivo agrave Cultura (Lei Rouanet) a Lei
de Incentivo agrave Cultura do Estado do Rio Grande do Sul (LIC) e o Fundo Municipal de
Apoio agrave Produccedilatildeo Artiacutestica e Cultural do municiacutepio de Porto Alegre (Fumproarte)
procurando transitar pelas trecircs instacircncias governamentais de fomento agrave cultura no
Brasil
Para melhor fundamentaccedilatildeo alguns referenciais teoacutericos satildeo utilizados e
discutidos ao longo deste trabalho como embasamento para discussotildees acerca da
deficiecircncia e seu processo de inclusatildeo do teatro sob vieacutes acessiacutevel e da legislaccedilatildeo
vigente referente ao tema Em um segundo momento satildeo pontuados assuntos
referentes agrave acessibilidade cultural em espetaacuteculos teatrais tendo como objeto de
estudo os grupos de teatro referidos a partir de entrevistas e aplicaccedilatildeo de
questionaacuterio com perguntas objetivas e abertas sobre a temaacutetica com amostra
teacutecnica dos resultados e anaacutelise discursiva sobre os dados coletados
Entre seus objetivos especiacuteficos alguns jaacute mencionados no corpo deste texto
que serviram de norteadores para o desenvolvimento deste trabalho estatildeo traccedilar
um panoramadiagnoacutestico da inclusatildeo social e cultural da pessoa com deficiecircncia a
partir do enfoque do teatro e seus espetaacuteculos qualificar accedilotildees desenvolvidas ao
encontro das demandas de acessibilidade discutir poliacuteticas puacuteblicas e culturais a
partir da interface com mecanismos de incentivo agrave cultura como Leis e Editais
analisar as dificuldades encontradas pelos grupos pesquisados no processo de
inclusatildeo relacionar o teatro e seu caraacuteter contestador e democraacutetico com a luta por
direitos das pessoas com deficiecircncia ampliar o diaacutelogo e reconhecimento da
importacircncia da igualdade baseada na valorizaccedilatildeo da diversidade
Todos esses objetivos e questionamentos vecircm ao encontro do propoacutesito
maior desta pesquisa que se fundamenta em viabilizar a discussatildeo reflexatildeo e
percepccedilatildeo em torno da acessibilidade cultural dentro do contexto teatral no estado
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do Rio Grande do Sul promovendo assim a inclusatildeo social da pessoa com
deficiecircncia
Contextualizaccedilatildeo histoacuterica social e legal
O teatro surge antes mesmo da Greacutecia Antiga Acredita-se que jaacute na Preacute-
Histoacuteria o Homem para se comunicar representavaencenava suas accedilotildees
principalmente as caccediladas para seus familiares e amigos Era uma maneira luacutedica e
de faacutecil compreensatildeo de contar e preservar sua histoacuteria Natildeo se tinha ainda o
espetaacuteculo teatral que de fato tem sua origem na Civilizaccedilatildeo Grega mas as
primeiras manifestaccedilotildees artiacutesticas comeccedilam a surgir e mais importante que isso o
ato de se comunicar
O espetaacuteculo teatral precisa ser entendido sentido internalizado para
somente entatildeo desempenhar seu papel significador de instrumento social e cultural
Para tanto o seu ato de comunicar deve ser abrangente natildeo seletivo ou excludente
Como arte democraacutetica que eacute deve ou deveria ser para todos
Todos Como Claudia Werneck ndash jornalista escritora e militante em inclusatildeo
social ndash intitula em um dos seus livros ldquoQuem cabe no seu todosrdquo E ao usar a
palavra TODOS a autora convida o leitor a acompanhar suas certezas e anguacutestias
sobre as diretrizes e encaminhamentos da inclusatildeo no Brasil Claudia questiona
instiga potildee agrave prova o que se costuma entender e chamar de Todos A sociedade eacute
constituiacuteda por diferentes Todos totalmente distintos entre si que segundo
Werneck precisam ser ampliados e reconhecidos para entatildeo tornarem-se um
TODOS somente Um TODOS social humano ldquo[] defendo que o direito agrave
igualdade social soacute seraacute garantido com o reconhecimento e a legitimaccedilatildeo de TODAS
as diferenccedilasrdquo (WERNECK 2012 p 29)
A psicoacuteloga e professora Virgiacutenia Kastrup em seu artigo ldquoCegos e videntes se
encontram no museu da dicotomia agrave partilha do sensiacutevelrdquo (p3) reafirma a
importacircncia das diferenccedilas para a construccedilatildeo de uma sociedade mais inclusiva
Eacute preciso atentar para o fato que o mundo comum natildeo eacute feito de igualdades e identidades [] Para o mundo ser comum no sentido amplo e inclusivo ele deve comportar a heterogeneidade Natildeo apenas toleraacute-la mas honrar-se com as muacuteltiplas diferenccedilas que nele habitam (KASTRUP p3)
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O Brasil apresenta segundo uacuteltimo censo do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatiacutestica (IBGE) de 2010 cerca de 456 milhotildees de pessoas com deficiecircncia
239 da populaccedilatildeo que declara ter algum tipo de deficiecircncia Destas a deficiecircncia
visual aparece em maior nuacutemero (188) -- tendo a regiatildeo Sul do paiacutes com maior
abrangecircncia de casos -- seguida pela deficiecircncia fiacutesica (7) e depois auditiva (51)
e intelectual (14) segundo publicaccedilatildeo do Jornal Estadatildeo de 290620122
Com nuacutemeros tatildeo significativos natildeo se pode pensar que a inclusatildeo de
pessoas com deficiecircncia seja um assunto remoto ou longiacutenquo que a sociedade natildeo
esteja ciente e integrada a tal fato Mas o que acontece no campo da praacutetica eacute bem
diverso da teoria
Muito do que se pode constatar eacute que a falta de inclusatildeo da pessoa com
deficiecircncia se reafirma a partir de barreiras atitudinais fundamentadas em uma
cultura histoacuterico-social que construiu um estereoacutetipo de separaccedilatildeo entre pessoas
saudaacuteveis e pessoas ldquodoentesrdquo com problemas leia-se deficiecircncia Quebrar
tais barreiras se torna muito mais difiacutecil do que solucionar barreiras fiacutesicas palpaacuteveis
e concretas
Sob o vieacutes filosoacutefico-social
O homem em sua busca incessante por descobrir-se por encontrar seu lugar
no mundo anseia por elementos que o faccedilam sentir-se ldquovivordquo uacutetil sujeito ativo de
sua histoacuteria Os viacutenculos sociais natildeo fazem parte apenas da necessidade cataacutertica
do ser humano da sua busca por encontrar-se por pertencer a um lugar mas satildeo
tambeacutem laccedilos culturalmente construiacutedos O Homem quer e precisa se sentir parte
integrante da sociedade que o cerca Pessoas agrupam-se em torno de
pensamentos objetivos eou ideais em comum Encontrar semelhantes eacute a
certificaccedilatildeo de sua identidade eacute o natildeo se estar soacute Eacute protegerem-se em seus nichos
sociais de um mundo tantas vezes opressor desigual e competitivo
Diante de uma realidade calcada em valores descartaacuteveis natildeo eacute de se
admirar que atos de solidariedade sejam cada vez mais raros Sendo assim os
sup1 Fonte Agecircncia Brasil de 21082015 via site wwwebccombr
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viacutenculos humanos natildeo se constituem em laccedilos radicados em accedilotildees para o outro
mas sim em benefiacutecio proacuteprio O socioacutelogo Zygmunt Bauman sabiamente destaca
Os viacutenculos humanos satildeo confortavelmente frouxos mas por isso mesmo terrivelmente precaacuterios e eacute tatildeo difiacutecil praticar a solidariedade quanto compreender seus benefiacutecios e mais ainda suas virtudes morais (BAUMAN 2007 P30)
Para tanto ao se pensar em inclusatildeo se faz tambeacutem necessaacuterio aleacutem do
social e histoacuterico voltar o olhar para o intriacutenseco filosoacutefico O que leva as pessoas a
natildeo quererem enxergar o outro em suas especificidades e diversidades Alfredo
Bosi em seu livro Fenomenologia do Olhar nos apresenta este fenocircmeno e como
ele se manifesta ldquo[] o ato de olhar significa um dirigir a mente para um ato de
intencionalidade Eacute ter sua intenccedilatildeo voltada para o objeto de interesserdquo (BOSI
1988 p65) O olhar de cada um possui diferenccedilas e estas estatildeo ligadas agraves suas
vivecircncias o que se consegue captar e lhe eacute significativo O olhar para Bosi como
forma de expressatildeo que reconhece e percebe o outro em sua plenitude
Em um estudo mais intimista da fenomenologia da percepccedilatildeo atraveacutes dos
pensamentos do filoacutesofo e fenomenoacutelogo francecircs Maurice Merleau-Ponty (1908 -
1961) podemos constatar que haacute uma universalidade do sentir e sobre ela que
repousa nossa identificaccedilatildeo a constituiccedilatildeo do eu a generalizaccedilatildeo do corpo e a
percepccedilatildeo do outro onde para Ponty (1994 p 260) ldquotodo o saber se instala no
horizonte da percepccedilatildeordquo e reafirma que ldquose a percepccedilatildeo interpreta ela soacute o faz a
partir do mundo de forma sensiacutevelrdquo Pensar natildeo eacute somente razatildeo mas um refletir
sobre o mundo sensiacutevel A fenomenologia eacute uma atitude de reflexatildeo do fenocircmeno
que se mostra para noacutes na relaccedilatildeo que estabelecemos com os outros no mundo
Os fenocircmenos constituem o mundo como noacutes o experimentamos segundo nossas
experiecircncias e pensamentos Toda nossa relaccedilatildeo com o mundo natildeo teria razatildeo se
natildeo comeccedilasse pela percepccedilatildeo ou seja pelos sentidos Noacutes eacute que buscamos o
sentido daquilo que se mostra
No momento em que se deixa de perceber de olhar o outro e de fato
enxergaacute-lo em suas diferenccedilas e igualdades estes deixam de serem vistos como
possiacuteveis sujeitos de suas histoacuterias Sua autonomia eacute podada por assistencialismos
ou segregaccedilatildeo social A humanizaccedilatildeo dilui-se com a mesma intensidade com que o
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individualismo se enraiacuteza O Homem corre contra o tempo As relaccedilotildees passam a
adquirir um caraacuteter efecircmero e superficial e tudo se torna banal Natildeo basta mais
pertencer a uma sociedade eacute preciso ser o melhor aquele que corre na frente
ldquoCom mais frequecircncia ainda a exclusatildeo tende hoje a ser uma rua de matildeo uacutenicardquo
(BAUMAM 2007 p 75) Vivemos em ldquotempos liacutequidosrdquo
O cerceamento seja fiacutesico intelectual ou cultural se daacute de tal forma que o
indiviacuteduo perde sua autonomia transformando-se mecanicamente em apenas um
produto do meio O teatro surge neste contexto como um desses caminhos
possiacuteveis de serem trilhados como desmistificador de conceitos preestabelecidos
Quem faz essa pergunta ldquoqual eacute a sua utilidaderdquo deve estar atento a si mesmo a essa atitude que leva a negar o valor das aacutervores que natildeo datildeo frutos A aacutervore que natildeo daacute fruto ndash proverbialmente inuacutetil ndash se converte em algo essencial nas cidades sem oxigecircnio (BARBA 1991 p 145)
Quando o teatro entra em cena
Haacute uma diferenccedila fundamental entre a ciecircncia e a arte [] A ciecircncia atua diretamente sobre a realidade modificando-a Pelo contraacuterio a arte modifica os modificadores da sociedade transforma os transformadores (BOAL 1983)
A arte e sua estreita relaccedilatildeo com o homem e a sociedade a qual este
pertence torna-se um importante instrumento de discussatildeo e transformaccedilatildeo social
que natildeo pode ser esquecido nem perdido no emaranhado de modismos que
tendem a surgir Ao pensarmos a arte como elemento transformador capaz de
estabelecer diferentes relaccedilotildees de contextos e olhares somos remetidos agraves
possiacuteveis conexotildees e diaacutelogos que surgem a partir de sua experimentaccedilatildeo Sendo
assim o espectador deixa sua posiccedilatildeo de receptor passivo para ir ao encontro de
relaccedilotildees interativas que lhe permitam conceber seu proacuteprio conhecimento em
relaccedilatildeo agrave arte agrave obra ao espetaacuteculo
Amanda Tojal (2014 p15) a partir da anaacutelise dos processos de comunicaccedilatildeo
museoloacutegica que comeccedilam a se afirmar na sociedade contemporacircnea chama a
atenccedilatildeo para a forma de participaccedilatildeo do sujeito receptor ndash ldquo[] de uma condiccedilatildeo
anteriormente mais passiva como simples assimilador de uma mensagem ndash para
uma condiccedilatildeo mais dialoacutegica isto eacute a de um participante mais ativo no processo de
apreensatildeo e de ressignificaccedilatildeo do objeto cultural []rdquo
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Um equipamento cultural independentemente do segmento ndash museu galeria
teatro biblioteca ndash deve a priori comunicar Estabelecer essa via de comunicaccedilatildeo de
forma efetiva diante do heterogecircneo e oportunizar a qualquer pessoa o acesso e o
contato com a arte e suas manifestaccedilotildees A acessibilidade passa ou deveria passar
mais fortemente para aleacutem da acessibilidade fiacutesica e concreta gerando uma
reflexatildeo sobre como acessibilizar a comunicaccedilatildeo e a interaccedilatildeo A pessoa com
deficiecircncia deve ter atendido seu desejo de se sentir parte integrante do todo de
entender e reconhecer seu direito de pertencimento de ser ouvido de olhar para o
mundo de sentir se relacionar e acima de tudo de ter autonomia e liberdade
A acessibilidade natildeo eacute um favor que estaacute sendo feito eacute um direito de toda
pessoa com deficiecircncia Eacute garantir o direito maior e universal de toda e qualquer
pessoa de ir e vir de sua liberdade Conforme o Glossaacuterio de Acessibilidade
fornecido pelo Curso de Extensatildeo em EAD Acessibilidade em Ambientes Culturais
da UFRGS ndash Universidade Federal do Rio Grande do Sul o termo Acessibilidade
designa
Condiccedilatildeo para utilizaccedilatildeo com seguranccedila e autonomia total ou assistida dos espaccedilos mobiliaacuterios e equipamentos urbanos das edificaccedilotildees dos serviccedilos de transporte e dos dispositivos sistemas e meios de comunicaccedilatildeo e informaccedilatildeo por pessoa com deficiecircncia ou mobilidade reduzida
Sendo assim a acessibilidade cultural discussatildeo geral deste artigo eacute uma
das condiccedilotildees baacutesicas para que pessoas com algum tipo de deficiecircncia possam ter
acesso aos instrumentos e mecanismos de cultura usufruindo de suas
manifestaccedilotildees artiacutesticas
O teatro ensina contesta mostra sugere questiona natildeo se acomoda diante
do passivo do irremediaacutevel E como ainda pessoas ficam fora de suas salas
Como ainda muitas pessoas com deficiecircncia natildeo podem natildeo tecircm como assistir
usufruir de uma peccedila de teatro ir a um teatro consumir cultura viva Porque satildeo
diferentes O que deveria ser comum normal se torna o a mais o plus o
diferencial Ver espetaacuteculos teatrais acessiacuteveis eacute com dia e hora marcada
A arte teatral por si soacute jaacute apresenta uma gama de problemaacuteticas a serem
transpostas Natildeo eacute faacutecil fazer teatro como natildeo eacute faacutecil fazer cultura no Brasil Grupos
normalmente possuem orccedilamentos e recursos reduzidos para montagem de seus
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trabalhos a formaccedilatildeo de plateia eacute uma luta constante a valorizaccedilatildeo e entendimento
da profissionalizaccedilatildeo do artista tem sido uma conquista em pequenas doses Diante
desse quadro parece surgir quase como um ldquoincocircmodordquo a questatildeo da acessibilidade
cultural no meio teatral Proporcionar espetaacuteculos teatrais acessiacuteveis quando natildeo haacute
nem Casas de Teatro acessiacuteveis Quando as instacircncias governamentais acreditam
que os menores orccedilamentos e cortes devem comeccedilar pelas manifestaccedilotildees
artiacutesticas Com uma arbitrariedade latente tais questionamentos corroboram para a
divergecircncia selada entre praacutetica e teoria No entanto assim como nos lembra
Claudia Werneck em seu livro Ningueacutem mais vai ser bonzinho na sociedade
inclusiva ldquosomos cidadatildeos responsaacuteveis pela qualidade de vida do nosso
semelhante por mais diferente que ele seja ou nos pareccedila serrdquo
Tornar espetaacuteculos teatrais acessiacuteveis natildeo eacute uma tarefa faacutecil e comumente
realizada Eacute necessaacuterio um entendimento conhecimento de causa recursos e
profissionais disponiacuteveis para que natildeo se caia na vala comum do ldquofazer por fazerrdquo
Quando se estaacute interferindo tatildeo diretamente na vida de outras pessoas todo o
cuidado eacute pouco e um estudo detalhado de todas as possibilidades viaacuteveis faz a
diferenccedila no resultado final
Atualmente alguns recursos satildeo vistos como fundamentais para serem
aplicados quando a proposta eacute acessibilizar um espetaacuteculo teatral Audiodescriccedilatildeo
Libras (Liacutengua Brasileira de Sinais) Estenotipia (legenda em tempo real) Braile QR
Code (coacutedigo bidimensional) Caixa alta texto simples e contraste Reconhecimento
de palco Rampas de acesso
O Teatro Acessiacutevel passa pela aplicabilidade dessas tecnologias mas
principalmente e fundamentalmente pela quebra das barreiras atitudinais frente agrave
percepccedilatildeo destas questotildees A ldquoEscola de Genterdquo Organizaccedilatildeo Natildeo Governamental
fundada em 2002 por Claacuteudia Werneck no Rio de Janeiro trabalha haacute bastante
tempo o tema da inclusatildeo e tem no teatro na representaccedilatildeo teatral um grande
propagador de luta e difusor dos direitos da pessoa com deficiecircncia no Brasil Tem
como objetivo transformar poliacuteticas puacuteblicas em poliacuteticas inclusivas para que
pessoas com e sem deficiecircncia exerccedilam seus direitos humanos desde a infacircncia
Em 2003 O Grupo Teatro Acessiacutevel ldquoOs Inclusos e os Sisosrdquo da ldquoEscola de
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Genterdquo foi criado como meio de mobilizaccedilatildeo pela diversidade inclusatildeo e
acessibilidade Em 2011 a ldquoEscola de Genterdquo idealizou a campanha ldquoTeatro
Acessiacutevel Arte Prazer e Direitosrdquo e produziu o primeiro espetaacuteculo infantojuvenil
com total acessibilidade no paiacutes o musical rock Um Amigo Diferente que se
tornou o siacutembolo da Campanha Teatro Acessiacutevel Arte Prazer e Direitos
Em 2013 entrou em vigor o Projeto de Lei 61292013 de autoria dos
deputados federais Jean Wyllys Jandira Feghali Mara Gabrilli e Rosinha Adefal
que institui o dia 19 de setembro como o ldquoDia Nacional do Teatro Acessiacutevelrdquo Para os
autores do Projeto ldquoa data ajudaraacute a divulgar a cultura por meio de atividades
cecircnicas que utilizem praacuteticas de acessibilidade fiacutesica e comunicativa a pessoas com
deficiecircnciardquo3
Accedilotildees concretas sendo pensadas e realizadas para o desenvolvimento de
poliacuteticas puacuteblicas que estejam ao encontro de praacuteticas acessiacuteveis no contexto teatral
e cultural
Leis e poliacuteticas puacuteblicas
Por muito tempo as pessoas com deficiecircncia foram vistas como um problema
familiar social e cliacutenico Consideradas ldquoaberraccedilotildeesrdquo de puniccedilotildees divinas ou doentes
incapazes essas pessoas tecircm lutado por seus direitos e conquistas de cidadania
principalmente por ocuparem seu lugar de sujeitos ativos na sociedade a que
pertencem
Por ainda muito se pensar ser um problema familiar e natildeo social a sociedade
vem deixando de dar o suporte necessaacuterio agraves pessoas com deficiecircncia quando o
que se tem eacute uma ldquodiacutevida humana e socialrdquo para com as mesmas
Simplesmente fechar os olhos e fingir natildeo estar vendo tapar os ouvidos e se
isentar de qualquer responsabilidade natildeo resolve o problema Ter acesso aos
instrumentos culturais agrave cultura eacute um direito universal e constitucional de todo e
qualquer cidadatildeo ldquoA Constituiccedilatildeo Brasileira eacute inclusiva [] natildeo eacute integradora
porque natildeo admite que apenas em determinadas condiccedilotildees o exerciacutecio dos direitos
3 Disponiacutevel em ltwwwcamaralegbrgt Acesso em 03 de julho de 2014
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humanos seja observado exercido exigidordquo (WERNECK 2012 P 62) Conforme
afirmaccedilatildeo do Artigo 215 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
Art 215 O Estado garantiraacute a todos o pleno exerciacutecio dos direitos culturais e acesso agraves fontes da cultura nacional e apoiaraacute e incentivaraacute a valorizaccedilatildeo
e a difusatildeo das manifestaccedilotildees culturais
A inclusatildeo da pessoa com deficiecircncia e mais especificamente o tema da
Acessibilidade Cultural tem conquistado seu espaccedilo diante do poder puacuteblico e
poliacutetico Leis de direitos satildeo aprovadas discussotildees traccediladas e reivindicaccedilotildees
formuladas A Lei Brasileira de Inclusatildeo da Pessoa com Deficiecircncia Lei 131462015
foi uma das grandes conquistas na luta pela inclusatildeo onde especifica em seu
capiacutetulo IX e artigo 42 que
A pessoa com deficiecircncia tem direito agrave cultura ao esporte ao turismo e ao lazer em igualdade de oportunidades com as demais pessoas sendo-lhe garantido o acesso I - a bens culturais em formato acessiacutevel II - a programas de televisatildeo cinema teatro e outras atividades culturais e desportivas em formato acessiacutevel
Sendo assim na legislaccedilatildeo mais recente que temos de defesa dos direitos da
pessoa com deficiecircncia em nosso paiacutes haacute a garantia por parte destes ao acesso
agraves atividades culturais entre elas o teatro Lei esta que origina o Estatuto da
Pessoa com Deficiecircncia ldquoum dos mais importantes instrumentos de emancipaccedilatildeo
civil e social dessa parcela da sociedaderdquo segundo o Senador Paulo Paim (autor da
Lei) que entrou em vigor no dia 02 de janeiro de 2016 O Estatuto da Pessoa com
Deficiecircncia traz regras e orientaccedilotildees para que os direitos dessa parcela da
populaccedilatildeo sejam garantidos e estabelece puniccedilotildees para atitudes discriminatoacuterias ldquoO
documento consolida as leis existentes e avanccedila nos princiacutepios da Cidadaniardquo
reitera Paim
Em seu Capiacutetulo IX ndash Do Direito agrave Cultura ao Esporte ao Turismo e ao Lazer
Art 43 prevecirc ldquoO poder puacuteblico deve promover a participaccedilatildeo da pessoa com
deficiecircncia em atividades artiacutesticas intelectuais culturais esportivas e recreativas
com vistas ao seu protagonismordquo
Outro importante marco legislatoacuterio no referente agrave acessibilidade cultural eacute o
Plano Nacional de Cultura (PNC) ldquoinstituiacutedo pela Lei 12343 de 02 de dezembro de
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2010 tem por finalidade o planejamento e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
longo prazo (ateacute 2020) voltadas agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da diversidade cultural
brasileirardquo (Ministeacuterio da Cultura)
Em especial a Meta 29 do Ministeacuterio da Cultura que se refere agrave
acessibilidade de espaccedilos e instrumentos culturais afirmando que
100 de bibliotecas puacuteblicas museus cinemas teatros arquivos puacuteblicos e centros culturais devem atender aos requisitos legais de acessibilidade e desenvolver accedilotildees de promoccedilatildeo da fruiccedilatildeo cultural por parte das pessoas com deficiecircncia
Seguindo a linha de referenciais norteadores no tema da acessibilidade
temos como leitura obrigatoacuteria a publicaccedilatildeo do livro Nada sobre noacutes sem Noacutes
relatoacuterio final da Oficina Nacional de Indicaccedilatildeo de Poliacuteticas Puacuteblicas Culturais para
Inclusatildeo de Pessoas com Deficiecircncia que se realizou na cidade do Rio de Janeiro
no periacuteodo de 16 a 18 de outubro de 2008 numa parceria da Secretaria da
Identidade e da Diversidade Cultural do Ministeacuterio da Cultura (SIDMinC) com a
Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Ministeacuterio da Sauacutede e com apoio da Caixa
Econocircmica Federal (CEF) Esta Oficina foi destinada a artistas gestores puacuteblicos
pesquisadores e agentes culturais da sociedade civil representativos do campo da
produccedilatildeo cultural das pessoas com deficiecircncia Conforme consta na introduccedilatildeo
desta publicaccedilatildeo o objetivo dessa oficina foi
Indicar diretrizes e accedilotildees no sentido de contribuir para a construccedilatildeo de poliacuteticas culturais de patrimocircnio difusatildeo fomento e acessibilidade para pessoas com deficiecircncia A oficina foi constituiacuteda a partir de um processo participativo e por isso adotamos o lema lsquoNada sobre Noacutes sem Noacutesrsquo
Por fim um dos documentos mais significativos de orientaccedilatildeo para poliacuteticas
puacuteblicas direcionadas agraves pessoas com deficiecircncia eacute a Convenccedilatildeo dos Direitos das
Pessoas com Deficiecircncia da ONU de 2008 em que o Brasil eacute um dos paiacuteses
signataacuterios ou seja aceitou estar juridicamente vinculado agrave obrigaccedilatildeo de tratar as
pessoas com deficiecircncia como sujeitos de direito com direitos bem definidos tal
como qualquer outra pessoa A Convenccedilatildeo eacute um Tratado Internacional de Direitos
Humanos aprovado na Assembleia Geral da ONU em 13 de dezembro de 2006 e
assinado pelo Brasil em 30 de marccedilo de 2007 Entrou em vigor em 03 de maio de
2008 apoacutes ter sido ratificado por 20 (vinte) paiacuteses membros das Naccedilotildees Unidas Eacute
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um instrumento que reafirma os princiacutepios universais (dignidade integralidade
igualdade acessibilidade e natildeo discriminaccedilatildeo) a todos os cidadatildeos em particular agraves
pessoas com deficiecircncia Tem como objetivo promover proteger e assegurar o
exerciacutecio pleno de todos os direitos humanos e fundamentais por parte de todas as
pessoas com deficiecircncia e promover o respeito pela sua dignidade
Metodologia A partir de uma pesquisa praacutetica teoacuterica 06 (seis) grupos de teatro do
municiacutepio de Porto Alegre no estado do Rio Grande do Sul foram entrevistados
respondendo um questionaacuterio com perguntas objetivas e abertas e instigados a
dialogar sobre a pauta da acessibilidade cultural no meio teatral Para uma base
analiacutetica e de avaliaccedilatildeo com os referidos grupos o estudo daraacute conta
primeiramente de discutir as Leis de Incentivo agrave Cultura uma federal ndash Lei Rouanet
uma estadual ndash LIC e um Fundo Municipal de Apoio agrave Produccedilatildeo Artiacutestica e Cultural
do municiacutepio de Porto Alegre ndash FUMPROARTE transitando assim pelas trecircs
esferas governamentais
A Lei Federal de Incentivo agrave Cultura (Lei nordm 8313 de 23 de dezembro de
1991) eacute a lei que institui poliacuteticas puacuteblicas para a cultura nacional atraveacutes do
Programa Nacional de Apoio agrave Cultura (Pronac) O grande diferencial da Lei
Rouanet eacute o mecanismo de incentivos fiscais em deduccedilotildees do Imposto de Renda
(IR) fornecidos agraves empresas (pessoas juriacutedicas) e cidadatildeos (pessoas fiacutesicas) que
invistam em accedilotildees culturais em um percentual de 4 e 6 respectivamente
A Lei surgiu com o intuito de fomentar e estimular as empresas e cidadatildeos a
investirem em cultura aleacutem de efetivamente promover poliacutetica cultural em
acessibilidade Conforme sua Instruccedilatildeo Normativa Nordm 1 de 24 de junho de 2013
para propostas e projetos culturais define em seu Art 3ordm as medidas de
acessibilidade que devem ser observadas
XI ndash medidas de acessibilidade intervenccedilotildees que objetivem priorizar ou facilitar o livre acesso de idosos e pessoas com deficiecircncia ou mobilidade reduzida assim definidos em legislaccedilatildeo especiacutefica de modo a possibilitar-lhes o pleno exerciacutecio de seus direitos culturais por meio da disponibilizaccedilatildeo ou adaptaccedilatildeo de espaccedilos equipamentos transporte comunicaccedilatildeo e quaisquer bens ou serviccedilos agraves suas limitaccedilotildees fiacutesicas
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sensoriais ou cognitivas de forma segura de forma autocircnoma ou acompanhada []
Jaacute na Lei de Incentivo agrave Cultura do Estado do Rio Grande do Sul (LIC) natildeo haacute
referecircncias ao campo da acessibilidade Em sua Instruccedilatildeo Normativa Nordm 01 de 29
de fevereiro de 2016 da Secretaria da Cultura do Estado (SEDAC) natildeo haacute qualquer
menccedilatildeo ao tema A LIC assim como o FAC ndash Fundo de Apoio agrave Cultura fazem
parte do Sistema Unificado PROacute-CULTURA do RS programa que consiste no apoio
e fomento agraves atividades culturais do estado
Poderatildeo ser beneficiados pela LIC projetos culturais nas aacutereas de artes
plaacutesticas e grafismos artes cecircnicas e carnaval de rua cinema e viacutedeo literatura
muacutesica artesanato e folclore acervo e patrimocircnio histoacuterico e cultural
Aprovada e sancionada em 19 de agosto de 1996 a Lei Nordm 10846 (LIC)
institui a deduccedilatildeo fiscal de ICMS em ateacute 75 do valor aplicado pela empresa em
projetos culturais sendo os outros 25 repassados pelo patrocinador ao FAC
instituiacutedo pela Lei Nordm 11706 de 18 de dezembro de 2001 que tem por finalidade
financiar projetos culturais em 100 do seu valor e fomentar a produccedilatildeo artiacutestico-
cultural do Rio Grande do Sul mas tambeacutem natildeo apresenta criteacuterios referentes agrave
acessibilidade de forma obrigatoacuteria em seus editais destinados agraves Artes Cecircnicas
mais especificamente agrave aacuterea do teatro
O Fundo Municipal de Apoio agrave Produccedilatildeo Artiacutestica e Cultural do municiacutepio de
Porto Alegre (FUMPROARTE) que eacute gerido pela Secretaria Municipal da Cultura
deste municiacutepio foi criado como forma de apoio agrave produccedilatildeo artiacutestica local com a
finalidade de financiar projetos de bolsas de pesquisa e de produccedilatildeo artiacutestico-
cultural Criado pela Lei Nordm 7328 de 04 de outubro de 1993 o FUMPROARTE abre
normalmente dois concursos anuais que satildeo divulgados atraveacutes de editais puacuteblicos
Podem concorrer ao Edital de Projetos apresentados pessoas fiacutesicas ou juriacutedicas
que proponham accedilotildees em qualquer aacuterea cultural
Analisando seu uacuteltimo edital de 2015 eacute possiacutevel observar que no capiacutetulo 4
Inscriccedilatildeo no item 43 Retorno de Interesse Puacuteblico no subitem 434 consta que ldquoos
projetos poderatildeo contemplar ainda accedilotildees de promoccedilatildeo de acessibilidade para
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pessoas com deficiecircncia []rdquo O que evidencia a sua natildeo obrigatoriedade
(ldquopoderatildeordquo) do criteacuterio ldquoacessibilidaderdquo para avaliaccedilatildeo dos projetos
Propondo um melhor entendimento e relaccedilatildeo com os resultados obtidos na
pesquisa os grupos entrevistados seratildeo aqui brevemente contextualizados
Grupo Las Brujas Cia de Teatro e Feiticcedilos
Tempo de atuaccedilatildeo 05 anos Integrantes 07 pessoas
O grupo surge em 2011 e em 2012 criou o espetaacuteculo infantil ldquoA Menina do
Cabelo Vermelhordquo que atraveacutes de sua personagem ldquoFiloacuterdquo busca trabalhar a
diversidade e inclusatildeo Em 2013 o grupo firmou uma parceria com a OVNI
Acessibilidade Universal ndash empresa com sede em Porto AlegreRS que produz
audiodescriccedilatildeo (AD) e legendas para surdos e ensurdecidos (LSE) ndash e consolidou-
se como o primeiro trabalho de teatro infantil da Regiatildeo Sul a proporcionar recurso
de audiodescriccedilatildeo aberta (onde natildeo satildeo utilizados aparelhos individuais para a
recepccedilatildeo) em suas sessotildees Aleacutem de audiodescriccedilatildeo em 2014 o espetaacuteculo teve
sessotildees com traduccedilatildeo simultacircnea em Libras ndash Liacutengua Brasileira de Sinais -- para
pessoas com deficiecircncia auditiva e distribuiacuteram livros e aacuteudios-livro ao puacuteblico
presente
Teatro Sarcaustico
Tempo de atuaccedilatildeo 12 anos Integrantes 13 pessoas
Com uma formaccedilatildeo de 12 (doze) anos o grupo que surgiu dentro do
Departamento de Arte Dramaacutetica da UFRGS jaacute tem um longo caminho de trabalhos
e espetaacuteculos montados notoriamente reconhecidos pelo puacuteblico e criacutetica Sua linha
de trabalho estaacute embasada no corpo e suas manifestaccedilotildees improvisaccedilotildees intensas
textos e criaccedilotildees proacuteprias
Uma das coordenadoras do grupo comenta que ele esteve sempre tatildeo
preocupado em trabalhar se autossustentar por tratar-se de um grupo
independente que a questatildeo da acessibilidade lhes passou ldquobatidordquo Algo novo para
se pensar mas que nunca realizaram nenhuma accedilatildeo contemplando a temaacutetica e a
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falta de recursos e orccedilamentos por si soacute jaacute eacute um grande complicador para
acessibilizar espetaacuteculos
Apesar de natildeo trabalharem direto com a questatildeo da acessibilidade o grupo
estaacute preocupado em discutir e dialogar sobre a diversidade a exclusatildeo Um dos
seus uacuteltimos espetaacuteculos uma montagem infantil ndash ldquoFranky Frankenstein um
Divertido conto de Terror sobre Amizaderdquo - aborda a ldquodiferenccedilardquo a diversidade no
mundo atual
Rococoacute Produccedilotildees Artiacutesticas e Culturais
Tempo de atuaccedilatildeo 05 anos Integrantes 02 coordenadores + 10 colaboradores
diretos
A empresa e grupo de teatro Rococoacute surgem a partir de dois atores e
bailarinos que trabalham em uma linha de investigaccedilatildeo da cultura tradicionalista
gauacutecha pluralidades de linguagens e formaccedilatildeo de plateia atraveacutes de editais
prefeituras SESC educaccedilatildeo escolas oficinas e assessoria em projetos culturais
Seu uacuteltimo espetaacuteculo ldquoEra uma vezContos Lendas e Cantigasrdquo do Projeto
ldquoA Visita da Fantasiardquo eacute bastante narrativo o que acredita Henrique ajuda que
pessoas com deficiecircncia visual possam entendecirc-lo melhor Fazem tambeacutem
reconhecimento de palco cenaacuterio figurinos quando haacute alguma deficiecircncia visual
Mas Henrique expressa a dificuldade de conhecimento que se tem sobre
acessibilidade no meio artiacutestico de entendimento ldquoNatildeo se pensa no assunto natildeo
enxergamosrdquo Disse que chegaram a pensar somente quando o espetaacuteculo jaacute estava
circulando
Grupo Trilho de Teatro Popular
Tempo de atuaccedilatildeo 10 anos Integrantes 05 pessoas
O Grupo Trilho trabalha essencialmente na linha social e didaacutetica de Bertolt
Brecht e do clown nas oficinas e montagens de seus espetaacuteculos Satildeo um grupo
independente que participa de editais mas seus orccedilamentos partem mais da venda
de espetaacuteculos e oficinas
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Um dos coordenadores e fundadores do grupo fala de nunca terem
trabalhado a questatildeo da acessibilidade e nem pensarem em aplicaacute-la por
desconhecimento do assunto pela falta de recursos financeiros e por serem outras
as demandas tratadas pelo grupo mesmo que de minorias como preconceito
racismo sexualidade gecircnero a pauta da deficiecircncia nunca esteve presente
Apesar de natildeo trabalharem diretamente com acessibilidade Daniel frisa que o
teatro de rua muito presente nos espetaacuteculos do grupo por sua democratizaccedilatildeo eacute
em partes mais acessiacutevel
Associaccedilatildeo Cultural Depoacutesito de Teatro
Tempo de atuaccedilatildeo 20 anos Integrantes 06 pessoas
O Grupo Depoacutesito do Teatro eacute uma entidade cultural sem fins
lucrativos fundada em 1996 Durante todos seus anos de atuaccedilatildeo produziu e
montou mais de 25 espetaacuteculos profissionais reconhecidos pela criacutetica e puacuteblico
conquistando inuacutemeras indicaccedilotildees e precircmios do Trofeacuteu Accedilorianos e Tibicuera da
Prefeitura de Porto Alegre
O grupo tem como um de seus principais objetivos a ldquotroca humana a
constituiccedilatildeo de sujeitos criativos autecircnticos e profundamente sensiacuteveisrdquo relata o
diretor e fundador da Associaccedilatildeo Cultural Depoacutesito de Teatro Poreacutem afirma
tambeacutem nunca terem trabalho acessibilidade ou com recursos acessiacuteveis em seus
espetaacuteculos ou oficinas
Grupo Signatores (Teatro com Surdos)
Tempo de atuaccedilatildeo 06 anos Integrantes 14 pessoas
O Signatores eacute um grupo de teatro biliacutengue sendo a primeira liacutengua a Liacutengua
Brasileira de Sinais (LIBRAS) e a segunda o Portuguecircs E os membros do grupo
satildeo pesquisadores e professores especialistas na aacuterea de Educaccedilatildeo e Artes da
Comunidade Surda
Todos os seus espetaacuteculos satildeo representados por atores surdos em LIBRAS
e acompanhados por personagens narradores aacuteudio em Portuguecircs Os espetaacuteculos
apresentados pelo grupo foram ldquoAventuras no Reino Surdordquo ldquoMemoacuteria na Ponta dos
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Dedosrdquo ldquoO ensaio de Alicerdquo e ldquoAlice no Paiacutes das Maravilhasrdquo O grupo jaacute foi
contemplado com vaacuterios Editais a niacutevel municipal e estadual e financiamento
atraveacutes da Lei Rouanet
Em entrevista com a diretora ela pontua as diretrizes de trabalho do
Signatores Este que tem se mostrado um grupo bastante atuante no Estado quando
o assunto eacute inclusatildeo social acessibilidade e diversidade ldquoA proposta do Grupo
Signatores eacute incentivar a formaccedilatildeo de docentes e pesquisadores na aacuterea teatral e
aproximar jovens e adultos surdos dos palcos investigando as possibilidades de
criaccedilatildeo artiacutestica dos surdos [] invertendo a loacutegica vigenterdquo
Resultados de dados
Com base no questionaacuterio aplicado no acompanhamento e entrevistas aos
grupos surgem os diferentes questionamentos quanto ao entendimento e
conhecimento sobre questotildees referentes agrave acessibilidade e suas legislaccedilotildees assim
como aplicabilidade dos recursos acessiacuteveis O Graacutefico 1 denota que a maioria dos
grupos entrevistados jaacute teve contato com tema sobre acessibilidade cultural
(pergunta 1) e em uma quase equivalecircncia jaacute trabalhou com pessoas com
deficiecircncia ou teve acesso a recursos acessiacuteveis (perguntas 2 e 3) Em sua maioria
jaacute participou de algum edital de Lei de Incentivo agrave cultura (pergunta 4)
GRAacuteFICO 1
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Jaacute no Graacutefico 2 evidencia-se o desconhecimento de Poliacuteticas Puacuteblicas e
Legislaccedilatildeo sobre o tema da acessibilidade cultural (perguntas 5 e 8) As perguntas 6
e 7 referem-se respectivamente agrave existecircncia de grupos de teatro que trabalham
com recursos acessiacuteveis em seus projetos e se haacute Casas de Teatro acessiacuteveis em
Porto Alegre Todos os grupos pontuaram a falta de um conhecimento maior e
percepccedilatildeo em relaccedilatildeo ao assunto pautado e natildeo se consideram ldquoacessiacuteveisrdquo de
forma plena e eficaz Evidenciou-se o interesse de todos em pensar discutir e
aprender mais sobre acessibilidade
GRAacuteFICO 2
Conclusotildees
Com base nos resultados obtidos com as pesquisas e discussotildees pode-se
avaliar que poliacuteticas puacuteblicas que garantam os direitos culturais das pessoas com
deficiecircncia devem transitar por todas as esferas governamentais e natildeo ficarem
restritas ao acircmbito burocraacutetico que muitas vezes as consolidam O diaacutelogo entre
poder puacuteblico Instituiccedilotildees e gestores culturais eacute de cunho fundamental para a
articulaccedilatildeo de propostas e medidas inclusivas que de fato consolidem-se no cenaacuterio
cultural
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O que temos visto ainda eacute uma consciecircncia social muito enraizada e que
precisa ser constantemente trabalhada em barreiras atitudinais que natildeo permitem
ampliar a visatildeo quando o que estaacute em pauta satildeo as deficiecircncias Sabemos que
atraveacutes da cultura e educaccedilatildeo caminharemos para um futuro mais promissor com
menos desigualdades sociais menos violecircncia mais possibilidades ldquoO teatro
permite a construccedilatildeo de mentes mais livres e de cidadatildeos mais esclarecidos e
ativosrdquo (VIGANOacute 2006 p 36)
O olhar sentir o outro satildeo premissas baacutesicas para o comunicar Natildeo haacute
construccedilatildeo de relaccedilotildees sociais e humanas se natildeo houver o reconhecimento do outro
como parte integrante de nossas vidas
Natildeo basta um pouco de eacutetica uma pitada de cidadania toques de cumplicidade um quecirc de direitos fundamentais Sempre que discutirmos estes assuntos agraves uacuteltimas consequecircncias estaremos colaborando para resolver a principal questatildeo incluir pessoas com deficiecircncia [] no TODOS social incondicionalmente (WERNECK 2012 p 27)
Referecircncias BARBA Eugenio Aleacutem das ilhas flutuantes Campinas SP Hucitec 1991 BAUMAN Zygmunt Tempos Liacutequidos Rio de Janeiro Jorge Zahar 2007 BOAL Augusto 200 exerciacutecios e jogos para o ator e o natildeo-ator com vontade de dizer algo atraveacutes do teatro 5ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo SA 1983 BOSSI Alfredo Fenomenologia do olhar In BOSSI A O Olhar Satildeo Paulo Companhia das Letras 1988 BRASIL Ministeacuterio da Cultura As metas do Plano Nacional de Cultura Brasiacutelia Ministeacuterio da Cultura 2012 Disponiacutevel em lt httpswwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102010leil12343htmgt Acesso em 21 de dezembro de 2016 BRASIL Constituiccedilatildeo Federal 1988 BRASIL Convenccedilatildeo dos Direitos das Pessoas com Deficiecircncia da ONU 2008 Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2007-20102009DecretoD6949htmgt Acesso em 21 de dezembro de 2016
162 | P aacute g i n a
SILVEIRA Izabel Cristina da Teatro para quem A arte de teatrar para todos Revista da Fundarte
Montenegro ano 16 n 32 p 142-162 juldez 2016 Disponiacutevel em
lthttpseerfundartersgovbrindexphpRevistadaFundarteindexgt
KASTRUP Virinia Vergara Luiz Guilherme Cegos e videntes se encontram no museu da dicotomia agrave partilha do sensiacutevel Ineacutedito MERLEAU-PONTY Maurice Fenomenologia da Percepccedilatildeo Martins Fontes 1994 Oficina Nacional de Indicaccedilatildeo de Poliacuteticas Puacuteblicas Culturais para Inclusatildeo de Pessoas com Deficiecircncia Nada sobre noacutes sem noacutes Relatoacuterio final 16 a 18 de outubro de 2008 Rio de janeiro Rj ENSPFIOCRUZ 2009 SANTOS Boaventura de Sousa Reconhecer para libertar os caminhos do cosmopolitanismo multicultural Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 TOJAL Amanda Pinto da Fonseca Comunicaccedilatildeo museoloacutegica e accedilatildeo educativa inclusiva mudanccedila de paradigmas In CARDOSO Eduardo CUTY Jeniffer (Org) Acessibilidade em ambientes culturais relatos de experiecircncias Porto Alegre Marcavisual 2014 VIGANOacute Suzana Schmidt As regras do jogo a accedilatildeo sociocultural em teatro e o ideal democraacutetico Satildeo Paulo Hucitec 2006 WERNECK Claudia Ningueacutem mais vai ser bonzinho na sociedade inclusiva Rio de Janeiro Editora WVA 2009 WERNECK Claudia Quem cabe no seu todos Rio de Janeiro Editora WVA 2006
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