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Fundamentos Teóricos da Política Industrial Europeia
Isabel Marques
Introdução
A noção de política industrial é hoje em dia francamente distinta da que existia na
Europa dos anos 60 e 70. À época, os responsáveis políticos estavam convencidos de que a
utilização de regras discriminatórias, o apoio a determinados sectores específicos e a
imposição de barreiras ao comércio para proteger as empresas da concorrência estrangeira
constituía a melhor forma de produzir riqueza e de controlar a economia. Actualmente, é
amplamente reconhecido que essa perspectiva está ultrapassada.
Em virtude da mundialização das trocas, das mutações tecnológicas, da
liberalização do mercado de capitais, da concorrência exacerbada, das alianças entre
empresas e de outros factores, o ambiente em que se desenrola a actividade económica, e a
própria actividade económica, mudou. Esta mudança tornou inevitável o desabrochar de
uma nova perspectiva para a política industrial.
Estes novos desafios que se colocam à economia mundial (e à economia europeia
em particular), têm levado muitos economistas a repensar a oportunidade e o sentido do
intervencionismo estatal, nomeadamente sob a forma de política industrial.
Com efeito, quer as teses clássicas quer as keynesianas foram de alguma forma
desmentidas pela realidade, perdendo-se, por um lado, a confiança na mão invisível e, por
outro, a confiança na eficácia da regulação macroeconómica de inspiração keynesiana que,
porventura, perverteu exageradamente o funcionamento do mercado baseado na iniciativa
privada.
O que temos hoje, por todo o mundo industrializado, são economias mistas no seio
das quais existe uma cumplicidade entre poderes públicos e poderes privados, não havendo
lugar para a tradicional dicotomia que opõe o uso exclusivo dos mecanismos de mercado
ao controlo sistemático do desenvolvimento industrial.
Nestas modernas economias mistas parece mais ou menos evidente que todos os
agentes económicos estão de acordo quanto à necessidade de uma política industrial,
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embora formulem juízos diversos sobre o papel do Estado e a sua capacidade para definir e
executar com coerência essas políticas. Esta necessidade é sentida não apenas ao nível de
cada Estado soberano, em si mesmo, mas também ao nível de espaços económicos
integrados, como é o caso da União Europeia.
A União Europeia, para além de constituir um destes espaços integrados, e de
desempenhar um papel de primeiro plano nas relações económicas internacionais, dispõe
de enquadramentos próprios para a política industrial, nomeadamente no âmbito das regras
de concorrência, e adopta a nível mundial uma visão específica desta política.
O presente artigo visa, face ao contexto descrito e às particularidades da economia
europeia, tentar compreender em que medida a política industrial que se pratica (ou
pretende praticar) neste espaço regional se inscreve nos desenvolvimentos da teoria
económica à luz dos quais é possível analisar e fundamentar a política industrial em geral,
de que destacamos as falhas de mercado e as visões institucionalista e evolucionista.
Vamos aqui debruçar-nos sobre duas perspectivas a partir das quais se pode encarar
a política industrial que se desenvolve no espaço europeu. A primeira respeita à política
industrial subjacente às regras que presidem aos auxílios de Estado, designadamente aos
enquadramentos relativos aos auxílios privilegiados pela Comissão Europeia (auxílios à
I&D, às PME, à formação, à protecção do ambiente e auxílios regionais). A segunda tem a
ver com um conjunto de orientações em matéria de política industrial, formulado pela
Comissão em documentos que publicou ao longo da década de 90, de que destacamos a
comunicação “A política industrial num ambiente aberto e concorrencial" de 1990; a
comunicação “Uma política de competitividade industrial para a União Europeia” de 1994;
e a comunicação “Como encorajar a competitividade das empresas europeias face à
mundialização” de 1999.
1. A política industrial subjacente às regras que presidem aos auxílios de Estado
1.1. Auxílios à I&D
Decorre do respectivo enquadramento que a concessão deste tipo de auxílios se
justifica pelo importante papel que a I&D desempenha na melhoria do crescimento, da
competitividade e do emprego. Todavia, e embora isso não seja explicitamente referido no
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texto do enquadramento, a I&D corresponde a um domínio tipicamente caracterizado por
fortes externalidades (positivas). Com efeito, a menos que uma empresa esteja em
condições de proteger totalmente os resultados dos trabalhos de I&D que realiza, é muito
provável que estes resultados beneficiem outras empresas. Mas acontece que quando a
empresa procede à avaliação dos custos e das vantagens de um projecto de investigação,
ela não tem em conta estes efeitos de contaminação sobre outras empresas. Nestas
circunstâncias a empresa inibe-se, pelo que o esforço total em I&D será assim inferior ao
que socialmente seria desejável. Nestes casos, as subvenções às actividades de I&D
parecem justificar-se para estimular as empresas a fazerem (ou a fazerem mais) I&D.
Ora, as externalidades são precisamente um dos argumentos avançados pela teoria
económica em favor da política industrial. As externalidades surgem sempre que
determinados agentes impõem custos ou geram benefícios para outros agentes sem que
estes recebam qualquer indemnização ou efectuem qualquer pagamento, e podem
manifestar-se em diferentes domínios como, por exemplo, a I&D, a formação ou o
ambiente.
Segundo a literatura económica, os países industrializados são especialmente
afectados pelas externalidades de origem tecnológica.
As indústrias de alta tecnologia (informática, electrónica, aeronáutica, etc.)
consagram grande parte dos seus recursos à I&D, pois trata-se de um investimento
indispensável para que conquistem vantagens comparativas. Desta I&D resultam novas
tecnologias, que geralmente são patenteadas. A patente não garante, contudo, uma
protecção total. É sempre possível, em maior ou menor grau, imitar essa tecnologia
designadamente através da desmontagem dos novos produtos lançados no mercado. Isto
acontece frequentemente em actividades, como por exemplo, a electrónica. Assim,
determinadas empresas pertencentes a uma indústria podem gerar conhecimentos e
introduzir técnicas de que outras empresas, que não investiram na inovação, vão beneficiar
sem ter qualquer custo. Ainda que a empresa inovadora se consiga apropriar de uma parte
dos benefícios do seu próprio investimento (de outro modo não investiria), ela não
consegue apropriar-se da sua totalidade. Há uma parte dos resultados das técnicas e dos
conhecimentos produzidos pela empresa inovadora que é apropriada pelas concorrentes
que não fizeram inovação. É justamente a este benefício externo gerado pela empresa
inovadora, de que ela não se apropria individualmente, que se dá o nome de externalidade.
Trata-se neste caso de uma externalidade positiva, uma vez que o efeito externo de que as
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empresas não inovadoras se vão apropriar é um efeito positivo. Assim, como o mercado
não é suficientemente eficiente para garantir que a empresa que produz a inovação se
aproprie da totalidade dos resultados gerados por essa mesma inovação, estamos em face
de uma imperfeição de mercado. Justifica-se, então, a intervenção do Estado no sentido de
corrigir esta falha de mercado designadamente através da subsidiação da empresa
inovadora.
Há portanto aqui uma perfeita harmonia entre a teoria económica e a concessão de
auxílios estatais à I&D.
Porém, a afinidade deste tipo de auxílios com a teoria económica pode, para além
da via das externalidades, também ser estabelecida pela via da política comercial
estratégica.
As políticas comerciais estratégicas inspiram-se particularmente na nova teoria do
comércio internacional que desabrochou nos anos 80, e que fundamenta teoricamente
novas formas de intervencionismo estatal. Esta nova teoria repousa em grande parte na
hipótese de imperfeição dos mercados e é justamente esta hipótese que, para os teóricos
desta nova óptica, justifica plenamente a intervenção do Estado, no sentido de ajudar as
indústrias a singrarem nos mercados internacionais. Com efeito, no âmbito de mercados
perfeitamente concorrenciais a intervenção directa do Estado nas decisões das indústrias é
considerada como sendo um elemento perturbador, na medida em que impede o sistema de
mercado de atingir uma situação de primeiro óptimo correspondente ao máximo de bem-
estar possível para cada indivíduo. Mas no âmbito de mercados já de si mesmos
imperfeitos, a intervenção dos poderes públicos pode ser vista como uma forma de explorar
esta imperfeição em beneficio das indústrias nacionais. Por outras palavras, há certos
mercados, designadamente a nível internacional, que são caracterizados por estruturas
concorrenciais oligopolísticas em virtude do reduzido número de indústrias que dele fazem
parte (como por exemplo a aeronáutica), e constata-se que este número reduzido de
indústrias beneficia de sobrelucros. Nestas circunstâncias, o governo de um determinado
país pode alterar as regras do jogo do mercado e fazer com que as indústrias nacionais
beneficiem desses sobrelucros. Isto pode acontecer através da concessão de subsídios à
indústria nacional que opera nesse sector. O objectivo é que esses subsídios tenham um
efeito dissuasor sobre a concorrência estrangeira, levando-a a abster-se seja de entrar no
sector em questão, seja de fazer novos investimentos.
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Resumidamente, o que a política comercial estratégica pretende é produzir efeitos
de dissuasão sobre o comportamento dos concorrentes, e com isso aumentar os lucros das
indústrias nacionais e consequentemente, abstraindo-nos do efeito do subsídio sobre os
consumidores, aumentar o rendimento nacional em detrimento do dos outros países
concorrentes.
Ora, não obstante o principal objectivo das orientações relativas aos auxílios à I&D
ser o de disciplinar as ajudas concedidas às actividades no interior da Comunidade,
verifica-se que estas orientações prestam grande importância à posição da Comunidade no
contexto mundial. A ilustrá-lo está nomeadamente a cláusula da "matching aid" prevista no
âmbito das orientações relativamente a este tipo de auxílios. Esta cláusula prevê que as
empresas europeias possam beneficiar do montante máximo de auxílios aceite pela OMC
(50% para as actividades de desenvolvimento pré-concorrenciais e 75% para a investigação
industrial) no caso, entre outros, de projectos ou programas em relação aos quais são
realizadas idênticas actividades por empresas localizadas no exterior da União Europeia
que tenham beneficiado (durante os 3 últimos anos) ou irão beneficiar de um auxílio de
intensidade equivalente ao nível aceite pela OMC para os mesmos 2 tipos de investigação.
Pode assim haver um auxílio adicional em relação ao previsto no enquadramento1 com o
objectivo específico de igualar o nível de auxílio praticado nos países concorrentes.
É possível, assim, descortinar a este nível alguma correspondência com a política
comercial estratégica. Para percebermos em que medida isso pode acontecer pensemos no
modo como se aplica a "matching aid". Em conformidade com a filosofia subjacente a esta
cláusula, sempre que um qualquer país comunitário vai subsidiar determinada empresa
nacional num dado montante, o país comunitário pode, automaticamente, como se disse,
subsidiar as suas empresas em igual montante. Acontece, porém, que a aplicação desta
cláusula encerra um problema, que reside no facto de frequentemente não se dispor de
informação (ou de não se dispor de informação suficiente) sobre os subsídios recebidos
pelos concorrentes nos seus próprios países. Embora muitas vezes se saiba que esses
subsídios existem, é muito difícil saber exactamente qual o seu montante. Entra-se então
num jogo estratégico.
1 O enquadramento comunitário dos auxílios estatais à I&D prevê um nível admissível de auxílio de 25%para as actividades de desenvolvimento pré-concorrenciais, mais próximas do mercado, e de 50% para osprojectos de investigação industrial de base.
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A política comercial estratégica pode, assim, ser uma maneira de aplicar a cláusula
da "matching aid" num ambiente de incerteza face à atitude dos poderes públicos dos
outros países. Isto é, a política comercial estratégica mostra-nos qual deve ser o
comportamento estratégico das empresas num contexto de incerteza e expectativa
relativamente à concessão de subsídios a nível mundial.
1.2. Auxílios às PME
Podemos igualmente questionar-nos se a concessão de ajudas públicas em favor das
PME é de algum modo sustentada pela teoria económica. O próprio texto do
enquadramento deste tipo de ajudas nos ajuda a responder a esta questão. Nele é não só
reconhecido que o crescimento, a competitividade e o emprego na Europa assentam
fundamentalmente no dinamismo das PME, como é igualmente reconhecido que as PME
são afectadas por um certo número de condicionalismos que dificultam o seu
desenvolvimento. A dificuldade de acesso ao capital e ao crédito é talvez o maior desses
condicionalismos. De facto, a falta de financiamento de longo prazo constitui a principal
restrição à expansão das PME com potencialidades de desenvolvimento. Este problema é
particularmente grave para as empresas que intervêm no desenvolvimento de produtos
baseados em novas tecnologias, já que a I&D exige uma utilização intensiva de capital.
Mas porque é que as PME não conseguem aceder em condições favoráveis ao capital de
que necessitam? A resposta está na informação deficiente, na renitência dos mercados
financeiros em assumir riscos e no carácter limitado das garantias que as PME podem
oferecer. Nestas circunstâncias, as PME não conseguem adquirir (ou não conseguem
adquirir a custos aceitáveis) no mercado de capitais os fundos de que necessitam para o
desenrolar da sua actividade, isto é, o funcionamento normal e espontâneo do mercado de
capitais não satisfaz as exigências das PME. Há obviamente aqui uma falha de mercado.
Mas outras falhas de mercado podem afectar as PME, por exemplo no domínio da
transferência de tecnologias. É sabido que em face da sua escassez de recursos, as PME
não têm capacidade para desenvolver, por si próprias, determinadas tecnologias avançadas,
daí a necessidade de transferir tecnologias dos laboratórios de investigação ou de outras
empresas para as PME. Acontece, todavia, que há a este nível uma grande assimetria de
informação. As PME geralmente têm dificuldade de aceder à informação sobre as novas
tecnologias.
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Assim, temos por um lado um objectivo socialmente desejado, que é o de promover
o desenvolvimento das PME, devido ao seu impacto na dinâmica do crescimento e do
emprego e temos, por outro lado, um conjunto de deficiências de mercado (reconhecidas no
próprio texto do enquadramento) que entravam esse desenvolvimento. A solução para
remediar esta situação passa obviamente pela concessão de auxílios de Estado às PME.
Ora, a existência de falhas de mercado relativas ao mercado de capitais constitui
uma das fundamentações da política industrial designadamente no que respeita ao apoio
das indústrias nascentes.
O argumento das indústrias nascentes foi inicialmente utilizado para defender o
proteccionismo por via da imposição de direitos aduaneiros e de quotas de importação. A
ideia base deste argumento é de que "uma indústria, ou a indústria em geral, pode vir a
revelar-se capaz de competir com as indústrias estrangeiras dentro de um espaço de tempo
previsível, no mercado doméstico ou mesmo no mercado internacional, mas não ser capaz
de suportar um período inicial de desenvolvimento. Havendo necessidade da sua criação ou
dinamização justificar-se-á o estabelecimento de restrições ao comércio que a protejam até
ao momento em que possa singrar por si própria" (Porto, 1979: 18).
O problema que subjaz às indústrias nascentes continua, hoje em dia, a ser um
problema real. Todavia, o instrumento que actualmente se pode utilizar é o da política
industrial, uma vez que esta beneficia, relativamente à política proteccionista, de uma
maior tolerância ao nível das instâncias internacionais.
Este argumento, embora possa ser adoptado em países e regiões que sofrem
situações de declínio industrial e que por isso são confrontadas com a reconversão das suas
actividades e com o consequente arranque de actividades novas, aplica-se
preferencialmente aos países em desenvolvimento. Assim, o surgimento de uma nova
indústria num país em desenvolvimento pode enfrentar algumas falhas de mercado
susceptíveis de dificultar ou mesmo bloquear o seu desenvolvimento e por isso justificar o
apoio por parte das entidades públicas.
Uma dessas falhas diz justamente respeito à imperfeição do mercado de capitais. Se
as instituições bancárias, as sociedades de investimento e outras instituições que
geralmente operam no mercado financeiro não são suficientemente eficientes para
drenarem, quer em quantidade quer em condições adequadas, a poupança dos particulares e
de outros sectores industriais para a indústria nascente, então, o desenvolvimento desta
pode tornar-se inviável. Neste contexto, mesmo que o país em questão tenha nesta indústria
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uma vantagem comparativa potencial, o investimento necessário ao seu arranque pode não
se realizar não obstante as boas perspectivas de obter rendimentos de longo prazo deste
investimento. Assim, uma vantagem comparativa potencial pode nunca traduzir-se numa
vantagem comparativa real ou efectiva em resultado da ineficiência do mercado de capitais.
Este argumento pode então também ser aplicado às PME. Mas estas podem,
enfrentar, como vimos, outras falhas de mercado, que são, por analogia, susceptíveis de
justificar a política industrial. Verifica-se, assim, que há correspondência entre a teoria
económica e a abordagem tradicionalmente favorável aos auxílios de Estado concedidos às
PME.
1.3. Auxílios à formação
Desde 1993, aquando da elaboração do Livro Branco sobre o crescimento, a
competitividade e o emprego, que é reconhecido que para o relançamento do crescimento,
a renovação da competitividade e o restabelecimento de um nível de emprego socialmente
aceitável na Comunidade, a educação e a formação são incontestavelmente chamadas a
desempenhar um papel determinante.
A formação é encarada não só como um instrumento capaz de conferir maior
flexibilidade ao mercado de trabalho, na medida em que permite adaptar as qualificações
profissionais às necessidades do mercado, mas também como um elemento fundamental na
luta contra o desemprego e a exclusão social, uma vez que facilita a integração dos jovens
no mercado de trabalho e a reinserção dos desempregados de longa duração. Espera-se
assim que a educação e a formação contribuam para a resolução dos problemas de
competitividade das empresas, para a resolução da crise do emprego e para a resolução do
problema da marginalidade social.
Mas para que tudo isto seja possível é indispensável a participação activa e conjunta
de várias entidades, designadamente dos indivíduos, das empresas, dos parceiros sociais,
dos Estados membros e da própria Comunidade. Esta última tem, com efeito, desenvolvido
diversas iniciativas, por vezes em parceria com os Estados membros, no domínio da
formação.
Quanto aos Estados membros, estes devem não só promover a melhoria dos
sistemas de formação inicial, de formação profissional e de formação dos desempregados,
mas também desenvolver políticas preventivas que incentivem os trabalhadores a
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melhorarem as suas qualificações e a sua capacidade de adaptação e as empresas a
investirem na formação dos seus trabalhadores.
O texto do enquadramento comunitário dos auxílios à formação é bastante claro na
justificação que dá para a concessão de auxílios deste tipo. Ele reconhece, explicitamente,
que da formação resultam efeitos externos (positivos) para o conjunto das empresas.
Assim, quando uma empresa despende recursos financeiros na formação dos seus
trabalhadores está simultaneamente a melhorar a qualificação desses trabalhadores e a
incrementar o leque de trabalhadores qualificados de que as outras empresas podem
beneficiar. Nestas condições, o enquadramento considera que a nível global os
investimentos na formação reforçam a competitividade da indústria comunitária e a sua
atractividade enquanto local de investimento. Mas o enquadramento também reconhece
que quando as empresas decidem investir na formação não ponderam os efeitos externos
referidos, pelo que é provável que se inibam, sobretudo se pensarmos que elas correm o
risco de depois de terem concedido formação aos seus trabalhadores serem por eles
preteridas em favor de outras empresas. Nestas circunstâncias, é provável que o esforço
total das empresas neste domínio seja inferior ao que seria necessário em termos sociais.
Este risco é tanto maior quanto mais pequena for a empresa e quanto maior for o
grau de transferibilidade da formação obtida. Relativamente a este último aspecto convém
referir, como também o faz o enquadramento respectivo, que a importância das
externalidades da formação está relacionada principalmente com a transferibilidade das
competências e das qualificações que assegura. É justamente por isso que a Comunidade
privilegia os projectos de formação que não correspondem apenas às necessidades das
empresas, mas que beneficiam os trabalhadores para além do que é estritamente necessário
no seu posto de trabalho.
Nestas circunstâncias, os auxílios à formação não são meros auxílios ao
funcionamento mas, pelo contrário, são uma forma de alcançar objectivos que as forças de
mercado por si só não permitem atingir.
Temos uma vez mais as externalidades, que constituem um dos argumentos da teoria
económica em favor da política industrial, a justificar os auxílios à formação. Conclui-se,
portanto, que também a este nível há correspondência entre a concessão de auxílios à
formação e a teoria económica.
1.4. Auxílios a favor do ambiente
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Durante a década de 70 e o início dos anos 80, a política comunitária no domínio do
ambiente centrava-se sobretudo no estabelecimento e na execução de normas relativas aos
principais parâmetros ambientais. Os auxílios eram concedidos principalmente para
permitir às empresas realizarem investimentos destinados a atingir níveis mínimos
obrigatórios. O recurso aos auxílios estatais era considerado uma etapa transitória, com
vista a facilitar a introdução progressiva do princípio do poluidor-pagador, princípio
segundo o qual os agentes económicos devem suportar o custo integral da poluição
decorrente das actividades por eles empreendidas.
O Acto Único veio consagrar novas disposições que para além de configurarem o
princípio do poluidor-pagador, prevêem que as exigências em matéria de protecção do
ambiente sejam tomadas em consideração na definição e na execução das outras políticas
comunitárias. A integração das preocupações ambientais nas outras políticas comunitárias
insere-se no conceito de «desenvolvimento sustentável», e significa igualmente que se deve
ter em consideração os objectivos de coesão económica e social na Comunidade, bem
como as exigências de manutenção da integridade do Mercado Único e os compromissos
internacionais no domínio ambiental.
As empresas estão, assim, sujeitas a um conjunto de normas legais obrigatórias, que
tanto podem resultar da transposição para o direito interno de acordos internacionais ou da
legislação comunitária, como podem ainda ser estabelecidas em função de objectivos
nacionais, regionais ou locais. Contudo, isto não é suficiente, sobretudo nas zonas de maior
concentração industrial, para assegurar uma boa qualidade do ambiente; daí a necessidade
de estimular as empresas a irem para além das suas obrigações legais.
Com efeito, é hoje indiscutível que o crescimento económico implica custos
ambientais. Por um lado, a actividade económica explora os recursos naturais e, por outro,
cria desperdícios aos quais o planeta tem de dar destino.
Há mais de 100 anos que os economistas reconhecem que a realidade é
caracterizada por produzir simultaneamente bens e "males". De acordo com Muller-
Furstenberger e Stephan (1997: 101), já em 1871 Jevons referia que os agentes económicos
não interagem apenas trocando bens mas também transferindo males. Os mesmos autores
referem, ainda, que em 1920 Pigou sublinhava que na ausência de mercado para os
"males", os custos privados e sociais das actividades económicas podem divergir e podem
levar a uma ineficiente afectação de recursos. Desde aí, do ponto de vista económico, as
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falhas de mercado constituem uma importante (talvez a mais importante) justificação
teórica para a intervenção governamental e têm sustentado o desenvolvimento de uma
política ambiental.
De facto, e apesar dos avanços decorrentes do desenvolvimento tecnológico
permitirem não só um melhor aproveitamento das matérias primas mas também minimizar
o problema da poluição, se não houver intervenção do poder público o ambiente não será
protegido, precisamente porque a mão invisível do mercado falha ao querer aliar os
interesses dos indivíduos e das empresas individuais com os da sociedade no seu conjunto.
Assim, os economistas geralmente argumentam que a aplicação do chamado
princípio do poluidor-pagador é o melhor instrumento para controlar externalidades
negativas como são as poluições. É justamente este princípio que subjaz ao enquadramento
comunitário dos auxílios estatais a favor do ambiente. Com este enquadramento, a
Comissão Europeia pretende estender consideravelmente a aplicação do princípio do
poluidor-pagador, segundo o qual o responsável pelos prejuízos ambientais deve suportar o
custo da sua reparação que, de outro modo, seria suportado pelo resto da sociedade. O
objectivo é fazer com que estes custos externos sejam internalizados pelos seus
responsáveis de modo a que estes reduzam a poluição.
Pegando nas próprias palavras do texto do enquadramento "os incentivos
financeiros positivos, tais como as subvenções, e as medidas dissuasivas, nomeadamente
os impostos, as taxas, etc., constituem meios de acção que têm o seu papel a desempenhar
neste contexto (...)" (CCE, 1994a: 3). As subvenções não devem, todavia, ser consideradas
senão como "uma solução de segundo grau em situações em que o princípio do poluidor-
pagador – que exige que todos os custos ambientais sejam internalizados, ou seja
abrangidos nos custos de produção da empresa – não seja ainda plenamente aplicado"
(CCE, 1994a: 3).
As ajudas públicas são assim uma forma de incentivar as empresas a investir na
adaptação das suas instalações, dos seus equipamentos e dos seus processos de fabrico às
exigências em matéria de protecção do ambiente, internalizando progressivamente os
custos ambientais externos.
Do que ficou dito podemos assim concluir que os auxílios estatais a favor do
ambiente são perfeitamente sustentados pela teoria económica. Efectivamente, as
externalidades constituem justamente um dos fundamentos económicos da política
industrial.
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Podemos, no entanto, perguntar-nos porque é que beneficiando de uma
argumentação teórica válida os auxílios estatais a favor do ambiente apenas representam
1% do total dos auxílios estatais concedidos à indústria transformadora. A resposta poderá
residir, pelo menos em parte, no facto de ser difícil isolar num projecto de investimento a
sua componente ambiental e assim distinguir claramente o auxílio que incide sobre a
componente ambiental do auxílio que incide sobre o resto do investimento.
1.5. Auxílios regionais
O Tratado CE reconhece explicitamente a necessidade de uma intervenção pública
em favor das regiões desfavorecidas. Segundo o artigo 158º (ex-artigo 130ºA) do Tratado,
a Comunidade procurará reduzir a disparidade entre os níveis de desenvolvimento das
diversas regiões e o atraso das regiões menos favorecidas, incluindo as zonas rurais.
Os auxílios regionais visam, justamente, promover o desenvolvimento das regiões
desfavorecidas através do apoio aos investimentos e à criação de emprego no contexto do
desenvolvimento sustentável e promover a expansão, a modernização e a diversificação das
actividades económicas localizados nessas regiões, bem como a implantação de novas
empresas. Nestas condições os auxílios regionais podem justificar as distorções de
concorrência que lhes são inerentes, se respeitarem determinados princípios e observarem
certas regras.
Tendo em atenção as derrogações permitidas a título das alíneas a) e c) do n.º3 do
artigo 87º, podemos considerar que as orientações relativas aos auxílios estatais com
finalidade regional reflectem, embora de maneira implícita, o ponto de vista segundo o qual
as disparidades regionais são um caso de falha do mercado de natureza a justificar, em
certas circunstâncias, este tipo de auxílios estatais2. Com efeito, os fenómenos de
economias de aglomeração levam a que determinadas actividades se concentrem
preferencialmente em certas regiões em detrimento de outras. As economias de
aglomeração são economias externas de que as empresas beneficiam quando decidem
instalar-se em certos locais onde existem factores que lhes permitem minimizar os seus
custos. De facto, como sublinha Baumont (1998: 2), numa aglomeração constituída de
2 Há, todavia, certos economistas que afirmam que os problemas regionais não provam a existência de falhasdo mercado e que as derrogações em favor das ajudas regionais são simplesmente a expressão de umapreferência política.
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actividades diversas e numerosas surgem múltiplas economias externas que permitem
melhorar o bem estar dos agentes ou a produtividade das empresas. Desde logo, a
realização efectiva das transacções necessita sempre de transmissões de informação, de
inputs, de conhecimentos ou de mercadorias, e o afastamento físico ou organizacional entre
actividades económicas aumenta esses custos de transmissão. A concentração espacial das
actividades é, pois, um meio de minimizar os custos de transporte e os custos de
transacção.
Por outro lado, o fenómeno da concentração espacial é reforçado pelas economias
de escala. Na presença de economias de escala importantes as empresas são incitadas a
concentrar a sua produção num número reduzido de unidades. Atendendo às economias de
aglomeração, estas unidades tenderão a localizar-se onde já exista mais actividade
económica.
Por outro lado ainda, a envolvente cientifica e tecnológica constitui igualmente uma
fonte de economias externas que atrai as actividades para determinadas regiões. Isto
acontece porque estas infraestruturas potenciam os processos de inovação das empresas, de
dois modos distintos que podem ser complementares: por um lado, é mais fácil e mais
barato para as empresas utilizarem os serviços prestados por essas infraestruturas se
estiverem localizadas junto a elas; por outro lado, a própria actividade cientifica e
tecnológica tende a adaptar-se à procura das empresas locais. Deste modo, as
infraestruturas cientificas e tecnológicas são um dos principais factores responsáveis pela
competitividade de certas regiões.
Uma última fonte de economias externas diz respeito ao mercado de trabalho. A
existência de mão-de-obra abundante e de elevada qualificação constitui igualmente um
factor de atracção de novas actividades. As regiões onde já existe muita actividade
económica estão em vantagem relativamente às outras, na medida em que estão
permanentemente a atrair novos fluxos de mão-de-obra e dispõem permanentemente de um
stock de mão-de-obra com um certo nível de qualificação. Geralmente nestas regiões
existem boas infraestruturas de formação profissional.
As economias externas que apontámos constituem, deste modo, diferentes razões
pelas quais a actividade económica tende a concentrar-se em determinadas regiões em
detrimento de outras e estão, por conseguinte, na base do desenvolvimento regional
desigual.
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Os auxílios regionais visam, justamente, corrigir esta desigualdade, isto é, visam
compensar as deseconomias externas que as empresas encontram em determinadas regiões,
com o objectivo de atrair para essas regiões os factores de produção (que se tendem a
deslocar para as regiões que beneficiam de economias de aglomeração). Assim, temos uma
vez mais as falhas de mercado a justificar a concessão de auxílios estatais, pois a desigual
distribuição espacial dos factores de produção pode ser considerada um sinal da
incapacidade do mercado gerar espontaneamente equilíbrio nesta repartição ou, pelo
menos, um equilíbrio socialmente sustentável3.
Porém, apesar dos auxílios regionais poderem ser explicados a partir de uma base
teórica semelhante à que justifica, em parte, a política industrial, podemos questionar-nos
sobre o que têm afinal os auxílios regionais a ver com a política industrial? A resposta é
simples: os auxílios regionais funcionam, no âmbito comunitário, como um quadro
territorial privilegiado para se fazer política industrial. Estes auxílios vão obviamente ser
concedidos a determinadas empresas, e cabe aos Estados membros seleccionar essas
empresas beneficiárias dos auxílios concedidos a título regional. Assim, no âmbito desses
critérios há um vasto campo de acção para as políticas industriais nacionais. Este é, sem
margem de dúvida, o quadro em que as regras comunitárias de concorrência concedem
mais latitude de intervenção aos Estados membros em matéria de política industrial. Uma
vez respeitados os critérios comunitários para atribuição de auxílios a título regional, os
poderes públicos nacionais têm a faculdade de utilizar os critérios de política industrial da
sua preferência, em relação aos quais as regras comunitárias permanecem neutras. Os
dados estatísticos sobre o peso relativo dos diferentes tipos de auxílios à indústria
transformadora na Comunidade, ao mostrarem que os auxílios regionais representam 57%
do total (no período 1995-1997), dão uma clara ilustração da elevada margem de
intervenção dos poderes públicos nacionais no domínio industrial pela via da política
regional.
2. Orientações comunitárias em matéria de política industrial
3 A teoria do desenvolvimento regional mostra que o desigual desenvolvimento espacial constitui, por umlado, um problema de equidade e, por outro, um problema de eficiência.
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A importância do papel das empresas
Da análise dos documentos referidos na introdução resulta que o ambiente aberto e
fortemente concorrencial que caracteriza a UE exige a adopção de políticas industriais de
cariz horizontal, cujo objectivo não é apoiar discriminadamente este ou aquele sector, mas
sim actuar transversalmente sobre o conjunto de todas as empresas e assim promover a
competitividade global da economia. Este tipo de política preconiza uma clara repartição
das responsabilidades entre as empresas, que se encontram naturalmente na primeira linha,
e os poderes públicos cujo papel é antes de mais criar um ambiente favorável e previsível
para o desenvolvimento industrial. Repare-se, pois, que a ênfase é colocada nas empresas.
São elas próprias que devem assumir a responsabilidade principal da competitividade
industrial. Às autoridades públicas cabe propiciar a essas empresas ambientes e
perspectivas transparentes e previsíveis. Para tal necessitam de agir sobre diferentes
domínios (formação de recursos humanos, I&D, concorrência, ambiente, infraestruturas,...)
no âmbito dos quais existem diversas deficiências que afectam negativamente a capacidade
das empresas maximizarem as suas potencialidades. Ora, no âmbito do pensamento neo-
institucionalista desenvolveram-se estudos que atribuem grande relevância à empresa.
A corrente neo-institucionalista conta com contribuições de autores como Coase,
Williamson, North, Simon, entre outros.
De acordo com esta filosofia4 não se pode fundamentar as políticas industriais
sobre o individualismo metodológico estrito que vê o mercado como único mecanismo de
coordenação entre indivíduos, únicos actores no seio de uma economia. Há necessidade de
estabelecer um quadro teórico e metodológico relativamente à coordenação das actividades
que reconheça a existência não apenas dos mercados, mas também de instituições, e que
reconheça ainda o facto de que as próprias nações são «sistemas» institucionais diferentes e
rivais. Assim, se as nações rivalizam por uma melhor performance económica, não é
apenas pelas performances dos seus indivíduos, mas também pela performance das suas
instituições.
De facto, durante muito tempo, e com raras excepções, os economistas ortodoxos
encaravam conceitos como troca, mercado e empresa como adquiridos. Contudo, a análise
4 Cuja exposição será baseada em Coase (1937, 1995: 3-14), Williamson (1987: 43-67), Humbert (1995) eHodgson (1994), para além de outros autores referidos no texto.
16
relativa aos direitos de propriedade e às estruturas de produção e troca alterou esta situação
até um certo ponto e legitimou o estudo das instituições no âmbito da ciência económica.
Coase foi dos primeiros autores a mostrar a importância para o funcionamento do
sistema económico do que pode ser chamado de estrutura institucional da produção.
Segundo este autor, desde a publicação da "riqueza das nações" de Adam Smith assistiu-se
a uma concentração do pensamento dos economistas no sistema de preços5, de que
resultou o esquecimento de outros aspectos, bastante importantes, do sistema económico
(Coase, 1995: 4). A empresa e os arranjos institucionais que governam o processo de troca
foram ignorados. Apesar de considerar que a concepção do sistema de preços como um
mecanismo de coordenação estava certa, Coase percebeu que havia custos na utilização dos
mecanismo de preços - os chamados custos de transacção. A sua existência implica que
métodos de coordenação alternativos podem ser preferidos ao mecanismo de preços, o
único método de coordenação normalmente analisado pelos economistas. A empresa é um
desses métodos.
Com efeito, num dos seus primeiros trabalhos, Ronald Coase (1937) levanta a
seguinte questão: porque existem empresas? Segundo ele, o traço característico chave da
empresa é, a nível interno, a sua "preterição dos mecanismos de preços" (Coase, 1937:
389). Como sublinha Alain Bienaymé, "a questão da razão de ser das empresas transforma-
se então na de saber o que é que leva os indivíduos a suspender o mecanismo de afectação
dos recursos pelos preços em benefício de um outro modo de afectação dos recursos
realizado sob a autoridade do dirigente da empresa" (Bienaymé, 1998: 95).
Coase coloca a questão do seguinte modo: "Fora da empresa, a evolução dos preços
orienta a produção, que é coordenada através de uma série de transacções no mercado.
Dentro da empresa, estas transacções de mercado são eliminadas, e à complicada estrutura
das relações de troca de mercado substitui-se o empresário – coordenador, que dirige a
produção" (Coase, 1937: 388). É objectivo do autor explicar por que é que isso acontece. A
sua resposta é a seguinte: A razão principal pela qual parece ser vantajoso criar uma
empresa será a existência de um custo resultante do uso do mecanismo de preços, isto é, o
recurso ao mercado não é gratuito. O custo mais óbvio da "organização" da produção
através do mecanismo de preços é o de descobrir quais os preços relevantes no mercado.
Os custos de negociar e concluir um contrato separado para cada transacção que ocorre no
5 Cujo bom funcionamento garantiria a eficiência do sistema económico.
17
mercado também têm de ser tidos em conta. É verdade que os contratos não são eliminados
quando há uma empresa, mas sofrem uma redução substâncial. Um factor de produção (ou
proprietário) não tem de celebrar uma série de contratos com os factores com quem
coopera dentro da empresa, como com certeza seria necessário se esta cooperação
resultasse directamente do funcionamento do mecanismo de preços (Coase, 1937: 390-91).
Em suma, e de acordo com Guimarães (1998: 155), Coase conclui que as empresas
existem quando os custos de organizar transacções no seio da empresa (custos de
contratualização interna) são inferiores aos de levar a efeito a mesma transacção através do
mercado. E, numa aproximação ao marginalismo marshaliano, o equilíbrio entre as duas
vias de coordenação (empresa e mercado) é atingido quando os custos de cada via são
idênticos (em termos da respectiva evolução marginal).
A partir desta abordagem, Williamson desenvolveu a sua tese central segundo a
qual instituições económicas como a empresa "têm como objectivo e efeito principal
economizar nos custos de transacção" (Williamson, 1987: 1). Assim, a existência de
instituições exteriores ao mercado justificar-se-ia pelo facto de serem menos onerosas que
o recurso contínuo ao mercado.
De acordo com Hodgson (1994: 201), num artigo publicado em 1960, os custos de
transacção eram classificados por Coase nos seguintes termos: para efectuar uma
transacção de mercado, torna-se necessário descobrir com quem se quer negociar, informar
as pessoas de que se quer negociar, em que condições e em que termos, conduzir
negociações que levem a um acordo, celebrar um contrato, promover a necessária
inspecção para garantir que os termos estão a ser cumpridos, etc. Dahlman (1979),
defendeu estarem aqui envolvidos três tipos de custos, que correspondem a três fases na
sequência do processo de troca, nomeadamente "custos de pesquisa e de informação, custos
de negociação e de decisão, custos de acompanhamento e cumprimento"6.
Estes custos de transacção dependem do comportamento dos agentes (racionalidade
limitada e oportunismo) e das condições de troca (especificidade dos activos, incerteza e
frequência da transacção).
Os trabalhos de Coase permitiram deste modo recentrar a teoria económica na
"empresa". Assim, em termos de preocupações de política pública, o principal aspecto a
6 Citado por Hodgson (1994: 201).
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destacar é a importância que vai ser atribuída à empresa, ao seu processo de formação, às
condições do seu funcionamento e à sua capacidade de adaptação (Guimarães, 1998: 156).
Estudos como os levados a cabo por Williamson (sobretudo nas décadas de 70 e 80)
influenciaram a gradual emergência de uma dimensão estratégica e empresarial no âmbito
da política industrial, que vai para além da simples correcção de "falhas de mercado". A
preocupação primordial deixa, nesta perspectiva, de recair sobre as falhas de mercado ou os
objectivos estratégicos prosseguidos a nível nacional, para passar a recair sobre a empresa
em si mesma. Parte-se, assim, do princípio de que cabe às empresas e não ao Estado a
escolha das actividades, dos factores e dos mercados que devem fazer parte da sua
actividade. A política industrial não visa fundamentalmente fixar objectivos de carácter
geral e incentivar as empresas a prossegui-los, mas procura, sobretudo, atender à realidade
da própria empresa, olhando-a como um todo.
Outros estudos como os de Herbert Simon, desenvolvidos no âmbito do que ficou
conhecido como "organizational economy", abrem as portas para um novo campo de acção
para a política industrial: a importância do enquadramento e do "meio-ambiente"
económico e social da empresa. Segundo estes estudos, e nas palavras de Guimarães (1998:
156), "uma organização (e a empresa é uma organização) é uma plataforma em que é
possível definir e fazer cumprir um conjunto de regras de funcionamento e um processo
hierárquico de decisão. Isto permite organizar formas de cooperação e a iniciativa dos
diversos intervenientes, o que reduz a incerteza e cria elementos (uma cultura...) de
aproximação (comunidade) entre os indivíduos".
Podemos, assim, reencontrar esta nova dimensão da política industrial nas
orientações da Comissão, pelo que há a este nível uma correspondência entre o que dita a
teoria económica e as propostas da Comissão.
Todavia, a filosofia neo-institucionalista vai mais longe, como veremos já de
seguida.
A perspectiva de conjunto da economia
O facto de autores neo-institucionalistas sublinharem o papel das instituições na
performance económica de uma sociedade levou à procura de uma política de performance
industrial nacional que tivesse em consideração a perspectiva de «conjunto» da economia.
É justamente esta ideia de «conjunto» que está presente quando se defende que a noção de
19
competitividade se funda na noção de «performance global». Esta só se pode obter com a
participação de todos os actores, pelo que respeita tanto às empresas como à nação, na
medida em que os objectivos a realizar solicitam o conjunto de todos os intervenientes a
todos os níveis: chefes de empresas e assalariados, Estado, colectividades locais, parceiros
sociais, sociedade civil, etc.
Conforme salienta Marc Humbert (1995: 157-8), esta filosofia está implícita
quando alguns autores propõem sob o termo - ou não - de política industrial todo um lote
de medidas «horizontais». Por exemplo Gonenç apresenta uma definição de política
industrial segundo a qual a política industrial deve melhorar as condições envolventes
necessárias para o desenvolvimento da actividade industrial, através de medidas destinadas
a modificar as condições de funcionamento do mercado dos factores, do mercado dos
produtos e das relações da empresa com o seu ambiente.
Esta ideia de «conjunto» também está presente nas recomendações da Comissão,
uma vez que estas remetem para uma política de competitividade global que visa actuar em
diferentes níveis e exige a interacção de todos os agentes (políticos, económicos e sociais)
presentes na sociedade, de modo a promover a criação do conjunto de "instituições"
necessárias ao bom desempenho das empresas.
O reforço da inovação e do espírito empreendedor
As orientações de política industrial presentes nos documentos analisados dão uma
relevância especial à inovação e ao espírito empreendedor. Com efeito, elas reconhecem
que, em mercados onde prevalece a livre incitava, a inovação desempenha um papel
fundamental na relação entre agentes económicos que tendem a distinguir-se dos seus
concorrentes gerindo criteriosamente os factores que determinam ou influenciam a
preferência dos respectivos produtos nesses mercados. A inovação é assim, nas economias
desenvolvidas, o processo mais avançado da concorrência, uma vez que se traduz por uma
concorrência permanente por novos produtos e processos de fabrico. Para atingir estas
situações preferenciais nos mercados é necessário que os empresários tomem iniciativas
tendentes à criação de novos produtos e à concepção de novos processos tecnológicos. Mas
para que isto aconteça, a Comissão considera que se impõe criar um ambiente favorável à
inovação, o que passa, entre outros aspectos, por promover a I&D, promover o acesso aos
conhecimentos científicos e tecnológicos, valorizar os recursos humanos, facilitar as
20
transferências de experiências e de know how, promover a cultura empresarial, desenvolver
redes que associem a indústria e as universidades, melhorar a protecção da propriedade
industrial, melhorar o financiamento da inovação e instaurar uma fiscalidade favorável à
inovação. Ora, o pensamento evolucionista dá uma especial importância à inovação, ao
conhecimento tecnológico e ao empresário.
Com efeito, de acordo com o pensamento evolucionista, os agentes económicos,
que com diferentes graus e incidências procuram o lucro, são submetidos a um mecanismo
de selecção que é o do mercado, que na visão evolucionista é caracterizado pela incerteza e
a instabilidade. É esta selecção pelo mercado que leva à inovação, uma vez que os
empresários para adquirirem situações preferenciais nos mercados têm que tomar
iniciativas tendentes à criação de novos produtos e à concepção de novos processos
tecnológicos através do investimento em I&D. As inovações são assim o ingrediente
principal na prossecução do desenvolvimento económico de longo prazo. E a informação é
uma das variáveis estratégicas dos empresários. Verifica-se, no entanto, que existe uma
tendência para a informação, o conhecimento e as capacidades gerarem efeitos
cumulativos, sintetizados na expressão de "dependência de percurso" que, por exemplo, ao
nível dos conhecimentos significa que o elemento mais recente do conhecimento pode ser
melhor compreendido por aqueles que dispõem dos conhecimentos precedentes do que por
aqueles que entram num estádio ulterior. Assim, a I&D pode servir não apenas para
descobrir novos fenómenos mas também para aumentar a capacidade de assimilação da
empresa.
O papel primordial atribuído por esta abordagem à inovação e ao consequente papel
que o empresário tem (quer-se um empresário dinâmico e inovador), leva assim a que as
políticas industriais se preocupem crescentemente com a figura do empresário. Estas
devem estimular o seu dinamismo e favorecer a sua capacidade de inovação.
Podemos, portanto, concluir que existe também aqui uma correspondência entre as
orientações da Comissão e o pensamento evolucionista. Destaque-se, a propósito do
progresso técnico, que desde há muitos anos se têm efectuado estudos teóricos e empíricos
que reforçam a ideia de que o progresso técnico representa uma das forças mais
importantes do desenvolvimento económico, social e político. Efectivamente, já na década
de 40 J.A. Schumpeter (uma das fontes inspiradoras do pensamento evolucionista)
constatara que o impulso fundamental que põe e mantém a máquina capitalista em
movimento vem de novos produtos de consumo, de novos processos de produção e de
21
transformação, de novos mercados e de novas formas de industrialização que a empresa
capitalista cria. Posteriormente, outros autores mostraram que a contribuição do progresso
técnico para o crescimento económico era muito importante7.
A valorização do capital humano
Intimamente relacionada com o progresso técnico está outra orientação bastante
forte da Comissão em matéria de política industrial (já atrás referida), que é a da
valorização do capital humano. Com efeito, as orientações da Comissão em matéria de
política industrial dão especial relevância ao capital humano.
A produção de conhecimentos é indubitavelmente uma condição indispensável de
competitividade, nomeadamente de competitividade a longo prazo, e reconhece-se que a
força da competitividade depende da rapidez da transformação dos novos conhecimentos
em actividade produtiva. Daí que essas orientações visem a promoção de um sistema de
educação e de ensino mais adequado e fomentem a colaboração mútua entre empresas e
organismos de ensino superior. Estas orientações vão beber, em termos de fundamentação
teórica, à teoria do crescimento endógeno, que se assume como alternativa à teoria de
crescimento neoclássica8.
“A teoria de crescimento neoclássica radica a sua ideia base na lei dos rendimentos
marginais decrescentes; segundo tal lei, ao acrescentar unidades sucessivas de capital à
produção, esta tende a crescer a uma taxa progressivamente inferior, de modo que a
economia converge para um ponto de saturação do investimento, a que corresponde, salvo
qualquer influência exógena, uma situação de crescimento nulo. Ainda com base na lei dos
rendimentos marginais decrescentes, a teoria neoclássica justifica um processo de
crescimento mais acelerado nos países menos dotados de capital, onde o investimento teria
um impacte superior na produção àquele que se observa em países com maior
disponibilidade de recursos. Assim, não só todos os países tenderiam, na óptica
neoclássica, para um equilíbrio de longo prazo caracterizado pela ausência de crescimento,
como também o fariam a velocidades diferentes, permitindo um processo de convergência
entre economias, ou seja, um processo de aproximação dos países pobres aos países ricos”
7 Ver Harabi (1997: 39).8 A explicação que aqui daremos relativamente à teoria do crescimento endógeno e à teoria de crescimentoneoclássica basear-se-á sobretudo em Gomes (1997: 137-140) e em Nézeys (1994: 62).
22
(Gomes, 1997: 137-8). Esta teoria é designadamente ilustrada pelo modelo de Solow
(1956).
Todavia, foram encontrados rumos alternativos para a teoria do crescimento
económico. Como refere Gomes (1997: 138), "É nomeadamente com Romer (1986) e
Lucas (1988) que o estudo do crescimento económico ganha novo fôlego. A ideia
fundamental é a de contrapor ao crescimento económico exógeno e limitado no tempo tal
como definido por Solow, um processo de crescimento que é simultaneamente endógeno e
sustentável (endógeno porque a evolução das variáveis que o condicionam, como a
tecnologia, é agora determinada no interior do modelo e sustentável porque as novas
variáveis endógenas, constituindo o prato da balança que se contrapõe à tendência
decrescente dos rendimentos marginais do capital físico, possibilitam uma taxa de
crescimento do produto não decrescente ao longo do tempo, à medida que cresce a dotação
de factores)."
Assim, a teoria de crescimento neoclássica e a teoria do crescimento endógeno
distinguem-se sobretudo pela diferente forma como encaram a possibilidade de
crescimento económico no longo prazo.
Nos modelos neoclássicos, o crescimento da produção não pode efectuar-se
indefinidamente apenas na base da acumulação do capital, na medida em que eles
repousam na hipótese da sua produtividade marginal decrescente. Isto leva a dizer que a
taxa de crescimento não pode senão decrescer à medida que se opera a acumulação. É por
isto que a manutenção da taxa de crescimento a um certo nível exige estímulos exógenos
ao sistema económico, a saber: o progresso técnico e o crescimento da população. Como
nos países desenvolvidos o crescimento da população é fraco, nulo ou negativo, podemos
então ter consciência do papel essencial do progresso técnico, e como este é aleatório
compreende-se o quanto é difícil prever o crescimento futuro.
Os novos modelos de crescimento endógeno por sua vez, esforçam-se, pelo
contrário, por considerar o progresso técnico como uma variável endógena. Para o fazer,
coloca-se a hipótese de que os rendimentos do capital são constantes. Então, a acumulação
do capital leva a um aumento da produção estritamente proporcional e isto para um estado
dado da tecnologia. Se houver progresso técnico traduzindo-se por um aumento da
produtividade do capital, a taxa de crescimento da produção será superior à taxa de
acumulação.
23
Para obter estes resultados favoráveis, os teóricos do crescimento endógeno
propõem que o Estado jogue um papel essencial no domínio do progresso técnico. Para
tornar o progresso técnico endógeno "endogeniza-se" o Estado e sublinha-se a importância
do seu papel na acumulação dos conhecimentos pela promoção de um sistema de educação
adequado, na construção de infraestruturas públicas e nas despesas de investigação
(Nézeys, 1994: 62). A teoria do crescimento endógeno permite deste modo encontrar uma
nova racionalidade para a intervenção do Estado na economia.
Refira-se, ainda, que o pensamento evolucionista é também muito favorável à
promoção dos conhecimentos, defendendo por isso que os poderes públicos fomentem um
sistema público ou semi-público de ciência e tecnologia, e fomentem a aquisição de novos
conhecimentos através de sistemas educativos e de formação adequados. Com efeito, o
facto de se assistir nas economias industrializadas a uma papel crescente dos
conhecimentos, e portanto dos recursos humanos relativamente ao capital físico, leva a
que, de acordo com esta filosofia, se defenda que as estratégias de investimento devem
assim ser mais orientadas para a formação de bases de conhecimentos que de bens de
capital.
A promoção da cooperação industrial
Outra ideia força das orientações da Comissão em matéria de política industrial
respeita à troca de informação e à cooperação industrial.
As motivações da cooperação industrial podem ser várias, podendo dizer respeito a
transferências de tecnologia, complementaridade tecnológica, acordos de marketing,
exploração de economias de escala e de economias de gama, repartição do risco, aceleração
da realização de economias provenientes dos processos de aprendizagem ou diminuição do
tempo necessário para a concepção de um produto novo.
Em termos de fundamentação teórica existe um conjunto de contribuições
susceptível de explicar porque é que as empresas se aliam. Vamos aqui reflectir sobre
alguns (apenas alguns) desses contributos.
Assim, as determinantes das alianças podem ser apreendidas sob duas abordagens
distintas9.
9 Na exposição destas abordagem inspiramo-nos fundamentalmente em Combe (1998), sem prejuízo, todavia,de outras contribuições.
24
O primeiro tipo de abordagem assenta nas escolhas organizacionais das empresas: a
teoria dos custos de transacção justifica as alianças pelo custo da utilização do mercado e o
custo de integração; por seu lado, a perspectiva evolucionista insiste na natureza imanente
dos conhecimentos, que torna problemática a sua transferência pelo mercado e a sua
aquisição por desenvolvimento interno.
O segundo tipo de abordagem assenta nas interacções entre as empresas, através do
conceito de externalidade, de que destacamos o facto das alianças permitirem remediar o
défice de incentivo em matéria de inovação.
Vamos então analisar com algum pormenor estas duas abordagens.
A primeira abordagem coloca a seguinte questão: porque é que as empresas
estabelecem entre si uma relação de aliança em vez de procederem a uma transacção no
mercado ou em vez de procederem a uma operação de integração (por fusão-aquisição ou
crescimento interno)? A teoria dos custos de transacção e a teoria evolucionista constituem
aqui as duas vias principais de análise.
Já vimos que na óptica da teoria dos custos de transacção existem custos de
utilização do mercado – denominados, precisamente, custos de transacção – que dependem
do comportamento dos agentes (racionalidade limitada e oportunismo) e das condições de
troca (especificidade dos activos, incerteza e frequência da transacção). Na presença de
custos de transacção elevados resultantes do recurso ao mercado, o agente internaliza a
transacção e nasce a empresa caracterizada pela supressão do mecanismo dos preços
(recorde-se o que se disse acerca do pensamento de Coase). Acontece, porém, que a
empresa gera custos de integração (ou seja, custos de contratualização interna). Assim,
como refere Emmanuel Combe, recordando Jones e Hill, "a fronteira óptima entre «faire
faire» e «faire soi même» depende então do custo relativo dos dois modos de coordenação:
ela corresponde à situação em que o custo marginal de integração é igual ao benefício
marginal de uma redução dos custos de transacção" (Combe, 1998: 439).
Relembrados os traços gerais da teoria dos custos de transacção, impõe-se
responder à questão acima colocada.
De acordo com a abordagem de Lotter a especificidade dos activos é o factor chave
da organização industrial. Através do gráfico que se apresenta de seguida, Lotter mostra
qual a forma de organização económica escolhida em função da especificidade dos activos.
25
O gráfico anterior representa os custos de transacção associados a um mesmo grau
de especificidade dos activos, para cada uma das formas de organização económica.
Considera-se como «eficaz» do ponto de vista organizacional, a forma de
organização económica que corresponde aos custos de transacção mais baixos. Assim, a
forma híbrida (cooperação) é escolhida quando a especificidade dos activos k está
compreendida entre k1 e k2, uma vez que já há uma certa dependência bilateral (tanto maior
quanto maior for a especificidade dos activos), o que exige uma adaptação coordenada.
Quando os activos são muito específicos (k>k2) a integração é privilegiada, devido ao risco
de oportunismo e ao facto das cláusulas contratuais (os contratos relativamente aos activos
muito específicos são à partida de longo prazo) não poderem prever tudo e portanto haver
necessidade de renegociar contratos com base em informação nova. Isto implica que, se os
activos em questão forem muito específicos, então a única forma de internalisar todos estes
efeitos é a integração. Inversamente, no caso de activos pouco específicos (k<k1) o
mercado aparece como o modo de organização económica mais adequado.
Assim, como vimos na abordagem de Lotter, a cooperação é privilegiada quando a
especificidade dos activos é mediana. Mas, além disso, Williamson considera que a
frequência da transacção é igualmente um factor a ter em conta. Para este autor, a adopção
de uma forma híbrida (cooperação) é privilegiada quando o investimento é medianamente
específico e a frequência da transacção elevada. Efectivamente, como a especificidade do
investimento não é forte a integração não se justifica. Todavia, a recorrência da transacção
Custos detransacção
Fonte: Lotter (1995: 169).
FormaHíbrida
26
incita ao estabelecimento de uma "estrutura bilateral", tomando em conta a identidade das
partes e estabelecendo um laço a priori durável.
No que toca à perspectiva evolucionista, esta entende os processos de aliança como
sendo uma forma de responder às falhas conjugadas do mercado e da integração. Os
partidários desta perspectiva enfatizam a natureza imanente dos conhecimentos, que os
torna dificilmente transferíveis por contrato.
Segundo Combe (1998: 448), esta perspectiva evolucionista da cooperação encontra
o seu ponto de partida na contribuição de Richardson (1972). De acordo com este autor, a
aliança responde a uma lógica de colocação em comum de "actividades dissemelhantes
muito complementares"10 mais do que a uma lógica de minimização dos custos de
transacção e inscreve-se numa concepção dinâmica das formas óptimas de organização.
Assim, na óptica evolucionista, cada empresa dispõe de competências específicas,
que são elas mesmas o produto da aprendizagem. Então é difícil para uma empresa mudar
de domínio de competências, na medida em que a sua própria trajectória tecnológica
passada condiciona em parte as suas capacidades futuras de aprendizagem, tendo em conta,
nomeadamente, as rotinas organizacionais que lhe são próprias. As possibilidades de
criação de novos saberes depende igualmente da distância entre as competências principais
da empresa e as competências a adquirir, assim como da velocidade de aprendizagem.
Deste modo, se a empresa tem necessidade de competências complementares que
ela própria não pode produzir, tem obviamente de adquiri-las. Pode fazê-lo através de 3
vias alternativas: pela via do mercado, pela via de uma fusão-aquisição ou pela via de uma
aliança. De acordo com os autores evolucionistas a via preferível é a da cooperação, uma
vez que permite aceder a conhecimentos específicos, pela interacção repetida e
personalizada entre parceiros (ao passo que o mercado é fundado numa relação anónima e
de curto prazo), ao mesmo tempo que permite conservar uma certa flexibilidade dinâmica,
isto é, a sua capacidade de mudar de combinações de competências quando o ambiente se
modifica (o que a via da fusão-aquisição não permite) e permite evitar transferências de
rotinas organizacionais (o que a fusão- aquisição não evita).
No que respeita à segunda abordagem, isto é, ao ponto relativo às interacções entre
as empresas, algumas contribuições teóricas consideram que as alianças permitem remediar
um défice de incitação à inovação. Com efeito, tendo em conta a indivisibilidade e a
10 Citado por Combe (1998: 448).
27
inapropriabilidade, o esforço de inovação de uma empresa gera externalidades positivas
que se destinam a empresas concorrentes, o que conduz a um sub-investimento
relativamente ao óptimo social (recorde-se a este propósito o que ficou dito relativamente
às externalidades de origem tecnológica). Assim, a cooperação em termos de I&D é uma
forma de remediar esse défice de incentivo relativamente à inovação, uma vez que (como
também já vimos) as modalidades tradicionais de apropriação como por exemplo as
patentes nem sempre permitem restaurar eficazmente esse incentivo. Nestas circunstâncias,
uma aliança em matéria de I&D constitui uma nova forma de internalização das
externalidades tecnológicas e permite assegurar uma partilha mais eficiente das
informações. Isto é, internalizando parcialmente estes efeitos externos, através de uma
cooperação pré-concorrencial em I&D que envolve a partilha de informações, as empresas
estão melhor posicionadas para se apropriarem dos resultados que produzem e a tendência
para o sub-investimento é reduzida.
Jacquemin e d'Aspremont (1988)11 desenvolveram um modelo12 que estuda o
impacto da cooperação no esforço de I&D. Uma das conclusões a que chegaram foi a de
que, em presença de fortes externalidades, as empresas que cooperam em matéria de I&D,
mas não em matéria de produção, fazem mais I&D que as empresas que não cooperam, e
produzem mais, pelo que as suas actividades se situam assim mais próximo do nível
socialmente óptimo.
No que toca à partilha de informações no seio de empresas que cooperam entre si,
X. Vives (1990)13 sugere, na base de um modelo simples, que a reunião das informações
cria vantagens competitivas e que acções do Estado visando encorajar sistemas de recolha e
difusão de informação podem revestir-se de muito interesse.
Katz e Ordover14 utilizam igualmente a abordagem em termos de externalidades
tecnológicas para dar conta da existência de grandes programas de cooperação ao nível da
investigação. O projecto Esprit desenvolvido na Europa é um exemplo desses programas.
Segundo aqueles autores, estes programas de investigação em comum apresentam
geralmente 3 características:
11 Ver Combe (1998: 454 - 457) e Jacquemin (1992: 175).12 Que não vamos aqui descrever por nos parecer desnecessário em face dos objectivos deste trabalho.13 Ver Jacquemin (1992: 175).14 Ver Combe (1998: 459-460).
28
− eles reúnem um número relativamente importante de empresas num
mesmo projecto, dando assim corpo à ideia de uma larga internalização das
externalidades entre as empresas de uma mesma indústria;
− eles centram-se não apenas em actividades de desenvolvimento de
produtos, mas também sobre a investigação denominada "pré-competitiva", a
qual é, por natureza, pouco pantenteável.
− eles são em parte lançados e apoiados pelos poderes públicos, deixando
assim supor que existe efectivamente um défice de incentivo ligado
precisamente à natureza genérica da investigação.
Ainda a propósito da cooperação industrial, parece-nos importante realçar que os
problemas do ambiente possuem por excelência uma dimensão internacional, e, por isso
mesmo, reúnem as condições necessárias para poderem ser resolvidos mediante projectos
de cooperação industrial. As questões ambientais, como vimos, constituem uma
preocupação no âmbito da estratégia industrial proposta pela Comissão Europeia. Pretende-
se que o crescimento das actividades industriais seja compatível com a utilização racional
de recursos, a economia de energia e os imperativos ambientais decorrentes da eliminação
de resíduos. Note-se, ainda, que o ambiente é, à semelhança do que acontece com a I&D,
um domínio gerador de externalidades (neste caso externalidades negativas).
A importância das PME
Não podemos deixar de salientar a importância que as orientações da Comissão em
matéria de política industrial dão a um particular segmento da economia, que é o segmento
das PME.
Uma vez mais é possível reencontrar aqui o pensamento evolucionista, uma vez que
este aconselha formas casuísticas de intervenção estatal (por exemplo políticas para PME)
no sentido de se actuar pela positiva nos mecanismos de selectividade. A seguinte citação
de Rui Guimarães (referente ao pensamento evolucionista) ilustra-o bastante bem: "o
reconhecimento de uma diversidade de mecanismos geradores de selecção e de adaptação
aconselha a formas casuísticas de intervenção estatal (políticas para grupos de empresas,
políticas sectoriais ou políticas para PME) no sentido de se jogar pela positiva nos
mecanismos de selectividade, impedindo, contudo, que estes destruam a dinâmica de
29
variedade que permite aos sistemas e aos agentes a afirmação de elevados níveis de
adaptabilidade".
Destaque-se, porém, que este apoio às PME também pode ser justificado, como
vimos, em virtude de algumas falhas de mercado que estas enfrentam, designadamente as
que resultam do facto destas terem, em comparação com as grandes empresas, maiores
dificuldades em obter empréstimos bancários a juros razoáveis e em obter recursos nos
mercados de capitais.
O reforço da concorrência
É, também, notória a relevância que as orientações da Comissão dão à concorrência
quer no interior da União Europeia quer nas suas relações com o exterior. Ora, também a
este nível é possível estabelecer um paralelo com a filosofia evolucionista, uma vez que
esta enfatiza o papel central da dinâmica de concorrência no processo de evolução e
transformação das actividades económicas.
A promoção do emprego
O conjunto de medidas proposto pela Comissão em matéria de política industrial
visa conciliar competitividade e emprego, considerando-se a melhoria da competitividade
um factor indispensável para promover o crescimento do emprego. Todavia, o objectivo
"emprego", em si mesmo, reflecte uma preocupação de carácter social, sem
correspondência aparente com as conclusões da teoria económica a propósito da política
industrial. De facto, o que se pretende é assegurar que todos os elementos da sociedade
europeia beneficiem do aumento do rendimento associado ao desenvolvimento económico,
o que introduz um elemento de equidade numa política que, pela sua própria natureza, visa
primordialmente a eficiência.
Conclusão
Do que ficou dito pode concluir-se que as regras dos auxílios estatais permitem aos
Estados membros levar a cabo políticas industriais selectivas (a própria comunidade co-
financia os auxílios de estado nacionais através de fundos estruturais, o que significa que
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também participa nestas políticas selectivas), mas apenas em circunstâncias muito
específicas. Estas circunstâncias são as que se relacionam com as falhas de mercado. Com
efeito, os principais domínios em que é possível conceder auxílios de Estado
correspondem, todos eles, a domínios em que é possível identificar importantes falhas de
mercado. Assim, a I&D e a formação são geradoras de externalidades positivas, a poluição
constitui um caso de externalidades negativas, as PME são afectadas por fenómenos de
informação imperfeita e assimétrica e por imperfeições ao nível do mercado de capitais
(pouco motivado para assumir riscos), e os desequilíbrios regionais podem também ser
considerados um caso de falha dos mercados.
Saliente-se, porém, que a argumentação em termos de falhas de mercado apresenta
diferentes graus de pertinência de acordo com os diferentes domínios. Assim, ela tem todo
o sentido no domínio da I&D e do ambiente. No que respeita ao dominio regional, embora
com uma fundamentação diferente, esta argumentação também tem cabimento, apesar de
outros objectivos como, por exemplo, a coesão social estarem sempre presentes. Mas, por
exemplo, no que toca às PME, esta argumentação é mais frágil. Com efeito as PME têm
alguns trunfos próprios, como por exemplo a criação de emprego, que nada têm a ver com
falhas de mercado e que fundamentam o seu apoio.
Saliente-se, ainda, que há auxílios de Estado concedidos no seio da União Europeia
para os quais é mais difícil encontrar fundamentação teórica, como, por exemplo, os
auxílios ao comércio, ao turismo, à reestruturação ou os auxílios sectoriais.
Como as falhas de mercado constituem justamente um dos principais argumentos a
partir dos quais a teoria económica tende a justificar a política industrial, pode concluir-se
que a teoria económica se poderá rever na política industrial subjacente aos
enquadramentos estudados.
Quanto às orientações que a Comissão tem adoptado em matéria de política
industrial, verifica-se que este conjunto de orientações vai no sentido de criar um ambiente
favorável à competitividade, o que remete, designadamente, para políticas industriais
horizontais. De acordo com estas orientações é à empresa que cabe a responsabilidade
principal para assegurar a sua competitividade. Às autoridades públicas cabe apoiar essa
competitividade através da criação das condições estruturais apropriadas em que as
empresas operam, o que passa por acções em domínios tão diversificados como: a
concorrência, a I&D, a inovação, a formação, o ambiente, a qualidade, a cultura
empresarial, etc. Estamos, portanto, em presença de uma política industrial marcadamente
31
direccionada para a competitividade global e que nada tem a ver com a política de cariz
sectorial que se praticou no passado. Note-se que esta política industrial, ao assumir-se
sobretudo como uma política de competitividade global, perde um pouco da sua
especificidade em relação a outras políticas (política cientifica e tecnológica, política de
educação e formação, política de concorrência, política fiscal, etc.), pelo que não pode ser
apreendida na base de um conceito estreito de política industrial.
Nesta política de dimensão horizontal e transversal encontram-se, designadamente,
reflexos do pensamento neo-institucionalista, do pensamento evolucionista e também do
pensamento subjacente às falhas de mercado. O primeiro dá uma grande relevância à
empresa, à visão de conjunto da economia e justifica também a cooperação. O segundo
enfatiza aspectos como a inovação, o conhecimento tecnológico, o espírito empresarial, a
concorrência, a importância das PME e também justifica a cooperação industrial. O
terceiro justifica, nomeadamente, acções a favor da I&D e das PME.
Assim, as políticas industriais horizontais propostas pela Comissão combinam-se,
no espaço europeu, com políticas de cariz selectivo levadas a cabo pelos Estados membros
através dos auxílios estatais. Tanto umas como outras apresentam importantes elementos
de correspondência com a teoria económica. Contudo, algumas componentes da política
industrial no espaço europeu, tais como as medidas para a criação de emprego e certos
tipos de auxílios de Estado, parecem justificar-se sobretudo à luz da preocupação de
salvaguarda do modelo social europeu. Há, assim, nesta política industrial um misto de
objectivos de eficiência e de objectivos sociais, o que, afinal, não faz mais do que reflectir
a natureza "mista" da economia capitalista no contexto da União Europeia.
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