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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
Créditos: Fábio Marques
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
CADERNOS DE ESTUDOS
LINGUÍSTICOS DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO CEARÁ
Funcionalismo em perspectiva
Edição nº 3 – 2011.1
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
Coordenação e supervisão
Claudete Lima
Revisão
Adriana Campos Sisnando de Lima
Amanda Jozy Paiva Leite
Emílio Araújo da Silva Lídia Barroso Gomes
Mikaelly Paiva Damasceno Mônica de Souza Rocha
Tito de Andréa Machado
Tuyra Maria da Cruz Andrade
Vanessa Silva Almeida
Formatação
Camille Feitosa de Araújo Gabriela Roberto do Vale Alves
Maria de Fátima Lima Portela
Mayara de Souza Ferreira
Raquel Alves da Silva
Tarcianny Cavalcante Brito
Produção
Francisco Fábio Marques da Silva
Madjer Raniery de Souza Pontes
Samuel Freitas Holanda
Ilustração
Francisco Fábio Marques da Silva
Capa
Samuel Freitas Holanda
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................... 6
SEÇÃO 1: ESTRUTURA ARGUMENTAL PREFERIDA .......................................................................... 7
A Estrutura Argumental Preferida (EAP) em editoriais e notícias dos séculos XIX e XX ......... 8
SEÇÃO 2: FUNÇÃO INTERPESSOAL .................................................................................................. 19
A função interpessoal em textos de opinião .............................................................................. 20
SEÇÃO 3: GRAMATICALIZAÇÃO DO VERBO PEGAR ...................................................................... 32
Um estudo sincrônico do verbo pegar ........................................................................................ 33
SEÇÃO 4: INDETERMINAÇÃO DO AGENTE ..................................................................................... 47
A indeterminação do agente no português oral do Brasil ........................................................ 48
Indeterminação do agente em português: estratégias e motivações discursivas ................. 60
SEÇÃO 5: MODALIDADE DEÔNTICA ................................................................................................ 70
A modalidade deôntica nos anúncios publicitários ................................................................... 71
SEÇÃO 6: PLANOS DISCURSIVOS FIGURA E FUNDO EM CORPUS LITERÁRIO ........................... 80
Hilda Hilst: autora de fundos ......................................................................................................... 81
Os planos discursivos figura e fundo no conto “Um Roubo”, de Miguel Torga ..................... 90
Planos discursivos nos contos de Clarice Lispector: uma análise funcional ......................... 101
Transitividade e os planos discursivos figura e fundo, nos contos “A máscara da morte rubra” e “O gato preto” de Edgar Allan Poe ............................................................................. 114
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
APRESENTAÇÃO
Como resultado das pesquisas realizadas na disciplina de
Linguística: funcionalismo, do Curso de Letras da UFC, no semestre
2011.1, apresentamos a 3ª edição dos Cadernos de Estudos Linguísticos
da Universidade Federal do Ceará.
Realizados ao longo quatro meses, o material em questão aborda
os principais conceitos ligados ao Funcionalismo, associados aos seus
principais teóricos, entre eles Halliday, Dik, Hengeveld e Givón.
Vale ressaltar que os artigos apresentados nessa revista vão muito
além do estudo executado em sala de aula, pois é o reflexo de inúmeras
leituras e releituras, longos debates, valiosos erros e satisfatórios acertos.
Deixamos aqui os devidos agradecimentos à professora Claudete
Lima pelo esforço e dedicação com que nos orientou nesse proveitoso
semestre. E esperamos que os resultados obtidos se façam úteis para os
demais estudantes, professores e todos que se dedicam à pesquisa
científica.
Editores
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
SEÇÃO 1
ESTRUTURA ARGUMENTAL PREFERIDA
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
A ESTRUTURA ARGUMENTAL PREFERIDA (EAP) EM
EDITORIAIS E NOTÍCIAS DOS SÉCULOS XIX E XX
Maria de Fátima Lima PORTELA
Mikaelly Paiva DAMASCENO
Resumo: Este artigo tem por finalidade o estudo das preferências de uso dos vários
argumentos dos verbos na linguagem escrita, tanto do século XIX quanto do século XX,
em notícias e em editoriais. Para tanto, nos apoiaremos nas pesquisas de Antônio
(1998), Nepomuceno, Meira, Correia (2005), Ortega (2010) e Cunha (2007). Desse
modo, pretende-se demonstrar que a Estrutura Argumental Preferida (EAP) – sistema de
escolhas utilizadas pelo falante/escritor em determinada situação comunicativa - está
diretamente ligada ao gênero textual, por isso colocaremos em oposição os gêneros
―editorial‖ e ―notícia‖, com a pretensão de confirmar essa informação dada por Kumpf
(no prelo). Observamos, com esta pesquisa, que os verbos transitivos são mais
frequentes que os intransitivos, assim como os lexicais são mais frequentes que os não
lexicais, o que se evidenciou nos editoriais dos séculos XIX e XX, tanto com relação aos
argumentos A quanto O, enquanto os verbos com argumentos S lexicais são mais
frequentes em notícias dos séculos XIX e XX.
Palavras-chave: estrutura argumental; preferida; notícia; editorial.
INTRODUÇÃO
Para a Gramática Tradicional, transitividade é algo que está
intrínseco ao verbo, fazendo parecer que cada verbo teria uma
transitividade específica e fixa. Em uma situação comunicativa real,
porém, percebe-se que isso se torna falho na medida em que um mesmo
verbo pode apresentar diferentes transitividades nos mais diversos
contextos, a depender de determinados fatores. Dessa forma, para a
Gramática Funcional, o conceito de transitividade é algo bem mais
intricado, que pode ser influenciado por fatores sintáticos, semânticos e
até pragmáticos, ou mesmo pelos três concomitantemente.
A transitividade verbal pode fazer com que, numa oração, haja a
presença de um ou mais participantes, também chamados de argumentos
do verbo. Há, comprovadamente, uma estruturação preferida desses
argumentos por parte dos falantes de várias línguas. A esse fenômeno
linguístico dá-se o nome de Estrutura Argumental Preferida (EAP).
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
Pode-se dizer que EAP (Estrutura Argumental Preferida) seja um
sistema de escolhas realizadas pelos falantes em uma situação discursiva,
em outras palavras, é uma preferência por determinada configuração
sintática dos elementos linguísticos no discurso.
Conforme uma pesquisa feita por Du Bois (2003), há, nas diversas
posições sintáticas, uma tendência sistemática na distribuição das formas
referenciais nominais que são utilizadas pelos falantes. Esses usam,
geralmente, sintagmas nominais plenos na posição de sujeito de verbo
intransitivo ou de objeto direto de verbo transitivo.
Assim, pode-se dizer que é tradicional analisar a estrutura da
oração como contendo um verbo, cuja estrutura argumental especifica,
gramaticalmente, quantos nomes vão acompanhá-lo e que funções vão
desempenhar na oração.
Já do ponto de vista cognitivo, a estrutura gramatical é ―a
configuração de predicação do verbo‖, ―a configuração de papéis nominais
em relação significativa com o verbo‖, em outras palavras, é ―uma
estrutura de expectativas desencadeada, acionada pelo verbo‖. Um
sintagma nominal pode ser realizado como um sintagma nominal pleno,
um pronome e outros; a escolha entre essas possibilidades é realizada por
fatores extragramaticais. Numa perspectiva formal, essas escolhas são
realizadas de forma livre pelos falantes. Mas, levando em consideração os
aspectos pragmático-discursivos, essa escolha não é exatamente livre,
pois a primeira menção a um referente no discurso é realizada,
geralmente, por um sintagma nominal pleno e as menções seguintes, por
um pronome ou anáfora zero.
Assim, segundo Du Bois (2003), essas alternâncias não podem ser
vistas sem consequências para o discurso.
Dutra utiliza a EAP com o mesmo caráter universal que Du Bois,
pois, para analisar dados do português, partiu de noções propostas por
ele. Uma dessas noções é a visão de que a EAP é um padrão recorrente do
uso da língua, uma generalização sobre o discurso que envolve a
gramática, mas que não pode ser reduzida a ela.
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
Apesar desse caráter universal, a estrutura argumental não
apresenta limites, pois, dependendo do gênero analisado, podemos
encontrar diferentes resultados, já que os gêneros podem influenciar nos
tipos de ocorrência de sujeito intransitivo, sujeito transitivo e objetos.
Nesse contexto, temos como hipótese que os verbos que são mais
recorrentes na linguagem escrita são aqueles que apresentam dois ou
mais argumentos, ou seja, os transitivos, e quando o sujeito ou o objeto é
lexical, mas tudo pode variar de acordo com o gênero e com a época em
que o texto foi escrito. A partir da análise feita com base em nosso
corpus, tal hipótese será confirmada ou negada.
1. METODOLOGIA
Coletamos, a fim de alcançarmos nosso objetivo principal, -
analisar os padrões dos argumentos verbais em situações reais de
linguagem escrita -, do Projeto VARPORT (Variação do Português), alguns
editoriais na primeira fase do século XIX (1822) e outros na quarta fase
do século XX (1975). Também foram coletadas algumas notícias da
primeira fase do século XIX (1808) e da quarta fase do século XX (1981).
Coletamos um total de cem ocorrências, sendo vinte de notícias do século
XIX, 27 de notícias do século XX, 23 de editoriais do século XIX e 30 de
editoriais do século XX.
A partir dessa coleta, fizemos o cruzamento de alguns dados e
os dispusemos em tabelas, de acordo com as categorias que nos eram
convenientes, no que se refere ao aproveitamento para a pesquisa:
ocorrência (frase analisada), número de argumentos, número de
argumentos novos, codificação do sujeito (sujeito transitivo ou
intransitivo, lexical ou não lexical) e codificação do objeto (objeto
transitivo ou intransitivo, lexical ou não lexical).
A Tabela 1 representa a quantidade de verbos utilizados de
acordo com o número de argumentos exigidos por ele. Assim, dividimos
em zero, um dois e três argumentos e colocamos a porcentagem de
acordo com a recorrência em cada texto.
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A segunda tabela simula a quantidade de verbos que trazem
sujeito intransitivo, lexical ou não lexical. Igualmente a esta é a Tabela 3,
diferenciando apenas quanto à transitividade, já que esta representa os
verbos transitivos.
A Tabela é utilizada para demonstrar a ocorrência dos objetos, que
aparecem ora lexicais, ora não lexicais.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A Estrutura Argumental Preferida (EAP), segundo Du Bois (1985),
―não é uma estrutura do discurso, mas uma preferência por uma estrutura
sintática‖ e o desenvolvimento das estruturas gramaticais dá-se,
eficazmente, à medida que elas são mais usadas pelos falantes.
A Gramática Funcional designa argumentos como os termos
obrigatórios, exigidos pelo verbo, e satélites, os que são complementos.
Para esses argumentos, Dixon (1979, apud ANTONIO, 1998) usa os
símbolos S, A (sujeito de verbo transitivo) e O (objeto de verbo
transitivo). Tais símbolos serão aproveitados em nossa pesquisa.
A transitividade dos verbos, para a Gramática Funcional,
diferentemente da Gramática Tradicional, é entendida como uma
propriedade não categórica, contínua e escalar, ou seja, é apresentada em
graus. É um fenômeno que envolve componentes sintáticos e semânticos.
Assim Hopper e Thompson (1980, apud Furtado da Cunha, 2007)
propõem dez parâmetros sintático-semânticos para a classificação do grau
de transitividade de uma oração: participante, cinese, aspecto,
pontualidade, intencionalidade, polaridade, modalidade, agentividade,
afetamento e individuação.
Nessa pesquisa, não nos deteremos à abordagem detalhada dos
graus de transitividade dos verbos, da diferença entre os componentes
sintáticos e semânticos e nem da oposição entre Gramática Funcional
(G.F) e Gramática Tradicional (G.T), pois esse não é nosso objetivo e sim
analisar a preferência das estruturas sintáticas por parte do emissor em
determinado textos. Para tanto, faz-se interessante apenas que
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
apreendamos e discutamos os conceitos e as definições imprescindíveis, a
fim de se seguir uma linha de raciocínio coerente necessária para uma
compreensão satisfatória das teorias que serviram de apoio ao nosso
trabalho.
Na EAP, podem-se observar duas perspectivas, que, por sua vez,
se subdividem em outras duas tendências, no que se refere ao uso dos
argumentos dos verbos: a primeira é a dimensão gramatical, como se
pode constatar com o que diz Ortega (2010):
As duas tendências pelas quais a dimensão gramatical pode ser
expressa se relacionam a presença ou a ausência de Sintagmas
Nominais plenos e lexicais na sentença. Uma delas e a ―Restrição
de um único argumento lexical‖, ou seja, a maioria das orações
apresenta apenas um argumento nuclear lexical. A outra tendência
e a ―Restrição de sujeitos transitivos lexicais‖, segundo a qual o
sujeito transitivo (A) geralmente e expresso por pronomes ou por
anáfora zero. Em outras palavras, e mais comum que o argumento
lexical não seja o (A); possa ser o (O), em uma oração transitiva,
ou o S, em uma oração intransitiva. O exemplo citado também
demonstra isso: no segundo período, usa-se ―Ele‖ no lugar de um
sujeito transitivo (A) lexical. (ORTEGA, 2010, p. 32)
E a segunda é a dimensão pragmática:
Na dimensão pragmática, uma das tendências e a ―Restrição de
um único argumento novo‖, de modo a evitar a inserção de mais
de uma informação nova por sentença. A outra tendência e a
―Restrição de sujeito transitivo dado‖, que diz respeito ao uso do
argumento novo na função de objeto ou sujeito intransitivo; nesse
caso, e difícil encontra-lo como sujeito transitivo. Dessa forma, fica
claro que a hipótese da EAP tem a distribuição sintática
determinada pragmaticamente pelo fluxo de informação
discursivo.
A estrutura argumental preferida é, conforme Pezatti (2002, apud
Ortega, 2010), ―um efeito do grau de pressão informacional‖, podemos
assim dizer que a manifestação de menções novas e lexicais nos papéis de
S e O, e não no de A, está relacionada à função de continuidade tópica.
Desse modo, torna-se satisfatório que haja uma referência em que se
utilize um pronome, algo que retome e substitua o sintagma nominal
pleno da forma pretendida.
Os argumentos na G.F são analisados com fundamento na teoria
de que o verbo corresponde à área central da oração e o nome à área
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periférica, de modo que é a partir do verbo que se podem averiguar os
traços preferenciais que determinam a EAP, ―uma vez que é a semântica
do verbo que seleciona o número de seus argumentos e determina os
papéis que eles desempenham.‖ (ARAUJO e CUNHA, 2007, p. 29, apud
Ortega, 2010).
A respeito da função semântica do verbo, Cavalcante (n/d) diz que:
O argumento do verbo corresponde sempre a uma função
semântica, embora nada assegure exatamente a qual, de vez que
não há correspondência um a um. A diferenciação sintática é,
assim, mantida e reconstruída no nível semântico, sem que, com
isso, os dois ―módulos‖ de análise se misturem ou percam sua
identidade.
Pezatti, levando em consideração a valência dos verbos, os divide
em: verbos de dois argumentos (V2) e verbos de um argumento apenas
(V1), sendo que esta pode subdividir-se em duas outras categorias: de
verbos intransitivos não existenciais (V1~2), de estado, ação e processo;
e a outra dos verbos existenciais (V1e), ser, ter, existir, surgir (existência
positiva) e pifar, falhar, faltar (existência negativa).
3. ANÁLISE DO CORPUS
Ao analisarmos as orações que foram coletadas para o nosso
corpus, percebemos que há uma presença significativa de verbos com dois
argumentos, principalmente nos editoriais do século XX, conforme nos
mostra a Tabela1.
REFERÊNCIA
NÚMERO DE
ARGUMENTOS
NÚMERO DE
ARGUMENTOS NOVOS
0 1 2 3 0 1 2 3
NOTÍCIA
SÉCULO XIX
(20 ocorrências)
0%
25%
70%
5%
20%
60%
20%
0%
NOTÍCIA
SÉCULO XX
(27 ocorrências)
0%
19%
74%
7%
15%
67%
15%
4%
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EDITORIAL
SÉCULO XIX
(23 ocorrências)
0%
9%
70%
22%
4%
74%
22%
0%
EDITORIAL
SÉCULO XX
(30 ocorrências)
0%
10%
90%
0%
23%
57%
26%
0%
Tabela 1: Porcentagem da quantidade de argumentos mencionados e novos
coletados no corpus
A partir dessa tabela, podemos notar que não há ocorrência de
verbos que não têm argumento, ou seja, todos trazem consigo sujeito e
objeto, ou apenas um dos dois. Temos também poucos verbos com um ou
três argumentos. Em contra partida, os verbos com dois argumentos e os
com um argumento utilizados pela primeira vez são os de maior número,
principalmente nos editoriais do século XIX (74%).
Nesse contexto, a EAP, segundo uma teoria proposta por Du Bois
(1985, apud Ortega, 2010), apresenta as seguintes restrições: ―evite mais
de um argumento nuclear lexical e sujeito transitivo lexical‖ e ―evite mais
de um argumento nuclear novo e sujeito transitivo como informação
nova‖.
Essa tabela confirma a seguinte restrição: ―evite mais de um
argumento nuclear novo‖, pois a menor recorrência de verbos com
argumentos novos foi a que os verbos têm mais dois de argumentos, de
modo que os de três argumentos só aparecem em notícias do século XX.
Enquanto os de zero e dois argumentos estão com valores aproximados,
apresentando uma variação de 15 a 26 %. A maioria dos verbos como
dois argumentos têm pelo menos um argumento novo, que é, geralmente,
um sujeito que se repete mudando apenas o objeto para dar continuidade
ao texto. Conforme Pezatti (2010, apud Ortega, 2010):
A estrutura argumental preferida é um efeito do grau de pressão
informacional, de modo que o aparecimento de menções novas e
lexicais nos papéis de sujeito intransitivo (Si) e objeto (O), e não
no de sujeito transitivo (St), está relacionado à função de
continuidade tópica, já que protagonistas humanos são
participantes centrais na maioria dos discursos. Sendo assim, é
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suficiente uma menção mediante o uso de pronome, um afixo de
referência, dispensando a presença de um SN pleno.
A Tabela 2 representa os sujeitos intransitivos tanto lexicais quanto
não lexicais. Podemos perceber que há uma ocorrência muito maior na
utilização de sujeito intransitivo lexical do que não lexical, principalmente
em notícias do século XX, num total de 22% de 27 verbos coletados. E,
praticamente, não se verifica o uso de sujeito intransitivo não lexical,
apenas em editoriais do século XIX. Nesse caso, podemos perceber a
influência do gênero, pois os editoriais trazem menos verbos intransitivos
que as notícias.
REFERÊNCIA
SUJEITO INTRANSITIVO (S)
LEXICAL
SUJEITO INTRANSITIVO (S)
NÃO LEXICAL
NOTÍCIA
SÉCULO XIX (20 ocorrências)
20%
0%
NOTÍCIA SÉCULO XX
(27 ocorrências)
22%
0%
EDITORIAL
SÉCULO XIX (23 ocorrências)
4,3%
4,3%
EDITORIAL SÉCULO XX
(30 ocorrências)
6,7%
0%
Tabela 2: Porcentagem da quantidade de sujeito intransitivo (S) lexical e não
lexical coletados no corpus
A terceira tabela expõe o uso de sujeitos transitivos tanto lexicais
quanto não lexicais. Assim, como na tabela anterior, podemos observar
que há uma maior quantidade de ocorrência de sujeitos transitivos lexicais
que não lexicais, mas, desta vez, em editoriais do século XX. Os não
lexicais são pouco utilizados e não se verifica nenhuma ocorrência em
notícias do século XX, apenas nas do século XIX.
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REFERÊNCIA SUJEITO TRANSITIVO
(A) LEXICAL
SUJEITO TRANSITIVO (A)
NÃO LEXICAL
NOTÍCIA
SÉCULO XIX (20 ocorrências)
75% 5%
NOTÍCIA SÉCULO XX
(27 ocorrências) 77,8% 0%
EDITORIAL SÉCULO XIX
(23 ocorrências)
78,3% 13%
EDITORIAL SÉCULO XX
(30 ocorrências)
83,3% 10%
Tabela 3: Porcentagem da quantidade de sujeito transitivo (A) lexical e não
lexical coletados no corpus
Por fim, a Tabela 4, esta representa os objetos tanto lexicais como
não lexicais. Novamente, podemos observar que elementos lexicais XIX
são mais utilizados do que os não lexicais, principalmente em editoriais do
século XIX com 91 %. No caso do objeto, os não lexicais só foram
utilizados em notícias do século XIX.
REFERÊNCIA OBJETO LEXICAL OBJETO NÃO
LEXICAL
NOTÍCIA
SÉCULO XIX
(20 ocorrências)
70%
5%
NOTÍCIA
SÉCULO XX
(27 ocorrências)
70,4%
0%
EDITORIAL
SÉCULO XIX
(23 ocorrências)
91%
0%
EDITORIAL
SÉCULO XX
(30 ocorrências)
90%
0%
Tabela 4: Porcentagem da quantidade de objeto lexical e não lexical coletados
no corpus
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dessa pesquisa, considerando que nossa análise foi
executada a partir de um corpus em que se utiliza a linguagem escrita,
conseguimos comprovar que é mais comum a utilização de verbos com
dois argumentos, de modo que um deles seja novo, e é bastante rara a
utilização de verbos sem argumento. Nesse caso, não interessou o gênero
ou época.
Quanto ao fator lexical, pudemos confirmar que se utiliza mais os
verbos com argumentos lexicais, seja ele sujeito ou verbo. Nas orações
coletadas, os verbos lexicais são, em sua maioria, transitivos, já que,
conforme a pesquisa, estes se apresentam em maior número.
Algumas restrições que compõem a EAP puderam ser confirmadas:
―evite mais de um argumento novo por oração, A lexical e A como
informação nova‖. As orações com apenas um argumento novo
predominam no corpus. As orações com mais de um argumento novo, por
sua vez, têm um percentual muito baixo de ocorrências (abaixo de 30%).
O argumento A apresenta menor freqüência de ocorrências lexicais (83%
no máximo) que o argumento O, com 91% das ocorrências. Na introdução
de informação nova, o argumento A apresenta uma frequência mais baixa
de ocorrências do que os outros argumentos O.
Todavia, nem todas as restrições que compõem a EAP puderam ser
confirmadas. A restrição ―evite mais de um argumento lexical por oração‖
não foi confirmada, pois as orações com dois argumentos são as de maior
número, como está representado no esquema abaixo:
Notícia do século XIX: 13 ocorrências com verbo de dois
argumentos;
Notícia do século XX: 19 ocorrências com verbo de dois
argumentos;
Editorial do século XIX: 13 ocorrências com verbo de dois
argumentos;
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Editorial do século XX: 24 ocorrências com verbo de dois
argumentos.
Conclui-se, sem levar em consideração textos falados, visto que
não são de nosso interesse para esta pesquisa, que os verbos transitivos e
com dois argumentos são mais frequentes que os intransitivos, assim
como os lexicais são mais frequentes que os não lexicais, principalmente
nos editoriais dos séculos XIX e XX, tanto com relação aos argumentos A
quanto aos O. Já os verbos com argumentos S lexicais são mais
frequentes em notícias dos séculos XIX e XX.
REFERÊNCIAS
ANTÔNIO, J. D. A estrutura argumental preferida em narrativas orais e em narrativas
escritas. Juiz de Fora: Veredas: Revista de estudos linguísticos., v.3. p. 59-66, 1998.
FURTADO DA CUNHA, M.A.; SOUZA, M.M. de. Transitividade e seus contextos de uso.
Rio de Janeiro: Lucerna, 2007. Capítulo 2. p. 29-52.
NEPOMUCENO, Arlete; MEIRA, Ana Clara G. A. de; CORREIA, Maria Risolina de F. R.
Um Breve Resumo da Estrutura Argumental Preferida. Belo Horizonte: Arlatorium,
2005.
ORTEGA, Érica Fernanda. Fluxo de Informação e Estrutura Argumental Preferida. In: A
Estrutura Argumental Preferida (EAP) em diversas sincronias do português: um
exercício de análise do verbo-suporte tomar em português arcaico (dissertação de Mestrado).
UEM, 2010.
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
SEÇÃO 2
FUNÇÃO INTERPESSOAL
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A FUNÇÃO INTERPESSOAL EM TEXTOS DE OPINIÃO
Tarcianny Cavalcante BRITO
Resumo: Esse artigo baseia-se na Teoria da Valoração, de Martin e White, e busca
verificar através da linguagem como se dá o processo avaliativo em textos de opinião,
para assim, visualizar a função interpessoal nesses textos. As bases desse estudo são: as
funções Atitudinais: de afeto, de julgamento e apreciação; o Engajamento; e a Gradação,
que são propostas na teoria acima citada. Essas funções estão relacionadas a um
afastamento ou aproximação do leitor/autor na avaliação das coisas, pessoas, fatos e
também do próprio diálogo estabelecido com o seu ouvinte/leitor. Para a aplicação da
Teoria da Valoração, será analisada uma coluna da revista Época que se intitula: O mito
e o Troféu, publicado no dia 07 de maio de 2011, de Ruth de Aquino, jornalista, que
comenta sobre a morte do fundador e líder da associação terrorista, AL-Qaeda, Osama
Bin Laden.
Palavras-chave: valoração; avaliação; atitude; engajamento.
INTRODUÇÃO
A Teoria da Valoração, de Martin e White (2005), tem sido
largamente utilizada como base para muitos trabalhos nos quais a
avaliação é pertinente para o entendimento das funções interpessoais em
textos de opinião. Isso, porque ela investiga o modo como as pessoas
utilizam a língua ao adotar posições pessoais, em que os sentimentos, os
gostos, os valores (pessoais e sociais) e as emoções estarão diretamente
relacionados às posições de crítica, de elogio, de julgamento, de
aprovação ou desaprovação de uma ideia.
As colunas jornalísticas, que são extremamente variadas em suas
manifestações, constituem um universo de grandes possibilidades para
uma análise sob a ótica da valoração, pois, nelas, há uma mistura de
informações e opiniões, que algumas vezes, nos são mais visíveis, e em
outras, requerem uma análise mais esmiuçada, para perceber o modo
como se dão essas manifestações, daí o porquê de tantos estudiosos
debruçarem-se nesse tipo de gênero. Elas são definidas, segundo Rystrom
21
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
(1993: 241) apud Cabral e Barros, como: ―artigo interpretativo ou
analítico, que pode revelar o ponto de vista do escritor, embora seu
primeiro propósito seja dar aos leitores informações e previsões, e talvez
levantar questões‖.
O presente trabalho tem por objetivo, ao lançar um olhar sobre a
coluna de opinião, verificar o modo como se dá a função interpessoal
nestas, ancorando a análise com base na Teoria da Valoração (MARTIN e
WHITE, 2005). Será analisada uma coluna da Revista Época, que foi
publicada online no dia 07 de maio de 2002, comentando o fato que tinha
ocorrido cinco dias antes: a morte do líder e fundador da organização
terrorista Al-Qaeda, Osama Bin Laden.
1. TEORIA DA VALORAÇÃO
A Teoria da valoração, proposta por Martin e White (2005) apud
White (2002), surgida a partir da linguística funcional, segundo os
autores, busca visualizar, através da observação da linguagem, como se
dá a valoração em textos.
Ela está dividida em três grandes domínios, de acordo com Martin e
White (2005) apud White (2002): Atitude, que por sua vez também se
subdivide em: afeto, julgamento e apreciação; Engajamento e Gradação.
1.1 ATITUDE
Positiva ou negativamente, as pessoas posicionam-se a fazer
avaliações sobre as coisas, as próprias pessoas, os lugares, os
acontecimentos etc. Esse tipo de posicionamento é denominado como
Atitude, que pode ser pessoal ou social e ainda ser afetado pelo grau de
aproximação ou afastamento de quem está avaliando com aquilo que está
sendo avaliado.
Segundo Martin e White (2005, p. 42) apud Pillon (2007): “atitude
é sistema de significados que mostra como sentimentos são expressos em
textos. Esse sistema trata de três regiões semânticas que se referem aos
sentimentos relacionados à emoção, ética e valores estéticos‖.
22
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
1.1.1 Afeto
O afeto é um tipo de atitude que está relacionado à maneira como
a pessoa que avalia se coloca afetivamente diante da pessoas e/ou coisas
avaliadas. É um posicionamento pessoal, que avalia positiva ou
negativamente as coisas segundo seus próprios sentimentos e sensações.
Martin e White, apud Cabral e Barros (2006), agrupam as emoções
em três conjuntos: segurança/insegurança, felicidade/infelicidade e
satisfação/insatisfação.
Linguisticamente, o afeto pode ser indicado, segundo Cabral e
Barros (2006), por: verbos da emoção (‗gostar‘, ‗odiar‘, ‗desanimar‘),
advérbios (‗infelizmente‘, ‗amavelmente‘), adjetivos (‗alegre‘, ‗aborrecido‘,
‗satisfeito‘) e nominalizações (‗satisfação ‗, ‗tristeza‘, ‗serenidade‘).
1.1.2 Julgamento
O julgamento é um tipo de avaliação social, em que, um conjunto
de valores, compartilhado por determinados grupos, será o norteador da
avaliação, visível na posição e/ou fala do falante/autor. Essa avaliação,
leva em consideração os conjuntos de normas sociais, os valores morais,
as crenças etc, em que está inserido o avaliador e a pessoa e/ou coisa
avaliada.
1.1.3 Apreciação
A Apreciação, assim como o Julgamento, também é um tipo de
avaliação em conjunto, mas aqui, o norteador será principalmente o valor
estético, pois a apreciação avalia as coisas, as composições, as estruturas,
os conteúdos, os trabalhos humanos. Também pode avaliar pessoas, mas
sob um olhar de objeto estético, de outra maneira seria confundido com o
julgamento.
1.2 Engajamento
O engajamento é uma espécie de diálogo existente entre o
autor/falante e ouvinte/leitor, que pressupõem conhecimentos de mundo
compartilhados e sugere, muitas vezes, a continuidade de temas já
23
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
tratados. Como há essa aproximação do autor/falante com o
leitor/ouvinte, o primeiro usa termos e construções linguísticas que serão
recuperados e completados pelo segundo. Nesse diálogo, é traçado o
perfil do ouvinte/leitor e, a partir desse perfil, é esperado um determinado
posicionamento dele diante dos temas abordados.
1.3 Gradação
A gradação refere-se às marcas avaliativas, apresentadas no texto,
através das escolhas em uma escala: a gradabilidade dos significados
atitudinais, segundo Martin e White (2005) apud Pillon (2002). Essa escala
apresenta um grau que varia de menor para maior envolvimento.
2. ENFOQUE METODOLÓGICO: PRINCÍPIO DE COLETA E ANÁLISE
DOS DADOS.
O primeiro passo foi procurar em colunas de jornais temas bem
atuais em que pudesse ser verificada a função interpessoal do colunista.
Em seguida, foi escolhida uma coluna que tratou, após cinco dias do
ocorrido, da morte de um dos maiores terroristas do mundo e responsável
pelos atentados às torres gêmeas nos EUA no dia 11 de setembro de
2001: O mito e o troféu, de Ruth Aquino. Nessa coluna foi coletado o
corpus, que são frases e/ou palavras que deixam transparecer a posição
do autor. As frases coletadas foram organizadas e separadas de acordo
com a Teoria da Valoração em: Atitudinais: afeto, julgamento e
apreciação; Engajamento e Gradação. Com a análise nos resultados, foi
verificado o modo interpessoal como a autora se mostra em seu texto.
3. GÊNEROS JORNALÍSTICOS
Albertos, apud Bertocchi, define os gêneros jornalísticos como:
as diferentes modalidades da criação linguística destinada a serem
canalizadas por qualquer meio de difusão coletiva e com ânimo de
atender a dois dos grandes objetivos da informação de atualidade: o
relato de acontecimentos e o juízo valorativo que provocam tais
acontecimentos (ALBERTOS, 1992:213,392).
24
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
São considerados gêneros jornalísticos: a notícia, a crônica, o
editorial, a coluna etc. Para esse trabalho será relevante apenas a coluna
jornalística.
3.1 COLUNAS JORNALÍSTICAS
É uma das diversas manifestações do gênero jornalístico, que por
sua vez é definida, segundo Melo (2002), como: ―sessão especializada de
jornal ou revista, publicada com regularidade, geralmente assinada, e
redigida em estilo mais livre e pessoal do que o noticiário comum‖.
4. ANÁLISES
A análise, baseada na Teoria da Valoração, será feita em uma
coluna da revista Época: O mito e o troféu, publicado on-line no dia 07 de
maio de 2011, da jornalista Ruth de Aquino.
4.1 ANÁLISE DA COLUNA: O MITO E O TROFÉU
O mito e o troféu foi escrita pela jornalista e editora da sucursal
ÉPOCA no Rio de Janeiro, Ruth de Aquino, que mantém uma coluna
semanalmente (aos sábados) nas páginas on-line da revista. O tema
tratado nessa coluna diz respeito à morte do fundador e líder da
organização terrorista Al-Qaeda e responsável pelos ataques de 11 de
setembro de 2001 nos EUA, Osama Bin Laden, morto no dia 02 de maio
de 2011, em consequência de uma ação de inteligência entre o Exército
norte-americano e o governo do Paquistão, segundo o presidente dos EUA
Barack Obama.
A avaliação desta coluna será feita através dos parágrafos.
4.1.1 Primeira Parte
07/05/11
O mito e o troféu.
Osama está morto. Viva Obama! O acerto de contas foi americano. O
mundo se sentiu vingado num primeiro momento. Todos lembramos o
25
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
O título ―O mito e o troféu‖, evidencia um julgamento negativo por
parte da autora em relação a Osama, uma vez que ele se tornou um mito,
ou uma lenda, ao praticar atos terroristas, como o do atentado de 11 de
setembro de 2011 aos EUA, onde morreram cerca de três mil pessoas. Ao
mesmo tempo, faz um julgamento positivo da morte dele ao compará-la a
um troféu (algo que merece ser ostentado como vitória).
Ao iniciar o texto afirmando a morte de Osama e logo após
louvando o presidente dos EUA, Barack Obama, tido como responsável por
essa morte, apresenta um julgamento explícito de contentamento por
essa morte, facilmente recuperado em: ‘viva Obama‘, ‘o mundo se sente
vingado‘, ‗não choramos agora pelo terrorista‘.
4.1.2 Segunda Parte
No segundo parágrafo, há, ainda mais fortemente, a presença do
julgamento explícito, e que parece ser geral, sobre a morte do líder da Al-
Qaeda. O julgamento é positivo em relação à morte do terrorista,
inclusive, é afirmado explicitamente com o fragmento de outro autor,
Ferreira Gullar, em que Ruth Aquino parece concordar: ‗acho ótimo matá-
lo‘. Para enfatizar que essa é uma opinião geral, a colunista, expõe as
frases: ‗essa foi a reação normal‘, ‗aliviados com o desaparecimento‘.
―Acho ótimo matá-lo. Quer prender para interrogar o quê? E os 3 mil
que ele mandou morrer?‖, disse nosso poeta Ferreira Gullar. Essa foi a
reação normal. Não só dos ocidentais. Muçulmanos, entrevistados no
mundo inteiro, se disseram aliviados com o ―desaparecimento‖ de
Osama bin Laden. Por um motivo simples: o terror e o fanatismo
distorcem o islã. Osama era o símbolo-mor de uma face cruel e
minoritária do islamismo, que prega o sacrifício de civis inocentes e o
suicídio de jovens mártires como tática de poder na guerra santa.
Carismático, filho de burgueses, Osama incomodava por comandar a
Al-Qaeda nas sombras.
que fazíamos quando, há quase dez anos, um atentado bárbaro matou
cerca de 3 mil inocentes nas Torres Gêmeas. Não choramos agora pelo
terrorista. Mas o que aconteceu na semana passada não enobrece a
democracia. A balbúrdia de contradições oficiais reforça o mito Osama e adia seu sepultamento no inconsciente coletivo.
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
4.1.3 Terceira parte
Na continuação da coluna, verificamos que a morte de Osama
gerou uma promoção na figura do presidente dos EUA, Obama. Há nesse
trecho, um julgamento positivo à atitude do líder americano e ao mesmo
tempo um engajamento (declaração) na frase: ‗deixou de ser um líder
tíbio‘.
4.1.4 Quarta parte
Nesse parágrafo, mais facilmente se percebe o diálogo presente na
relação de autor/falante com o leitor/ouvinte (engajamento), pois a autora
introduz o parágrafo com a pergunta: ‗podemos entrar em outro país para
capturar um terrorista sem autorização local?‘. Ao responder, ‗talvez sim‘,
a colunista apresenta uma posição de engajamento de considerar, pois a
proposição se mostra bastante plausível, já que ferir essa regra do Direito
Internacional, parece não ser tão ruim aplicada ao terrorista. Isso diz
respeito a um julgamento, pois carrega um pensamento moralizador e
social.
Barack Obama era candidato quando prometeu encontrar, prender ou
matar o inimigo que humilhava seu país. Cumpriu a promessa. Sua
popularidade deu um salto. Ele deixou de ser considerado um líder tíbio,
relutante. O povo americano é nacionalista, protecionista e imperialista.
Gosta de demonstrações de força, idolatra a bandeira. Pode ser uma
generalização – mas ela define a média da população nativa e dos
imigrantes naturalizados. Obama foi eleito por uma maré de decepção
econômica. Conquistou jovens e velhos, idealistas e desiludidos, de
ideologias diversas. Seu ótimo slogan ―Yes, we can‖ era vago o bastante
para ser completado da maneira mais conveniente a cada um. Sim, nós
podemos tudo?
Podemos entrar em outro país para capturar um terrorista sem
autorização local? Talvez sim, em raras exceções. Violar essa regra do
Direito Internacional parece mais aceitável do que abrigar um homicida do
porte de Osama bin Laden. Sua fortaleza murada ficava em Abbottabad,
uma cidade de classe média habitada por famílias de militares, a apenas
56 quilômetros da capital paquistanesa. Se um país – no caso o Paquistão
– posa de aliado, mas é suspeito de proteger um terrorista que prega
assassinatos em massa, seria crime ou cautela não alertar o governo de
Islamabad?
27
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
4.1.5 Quinta parte
Assim como no parágrafo anterior, a jornalística o inicia com o que
seria uma conversa com o seu ouvinte/leitor (engajamento) através de
perguntas, que ela mesma responde com base no julgamento moral. O
engajamento se mostra claro na voz textual de refutar: ‗moralmente,
não‘, ‗eticamente, não‘, ‗claro que não‘. Essas marcações não são em
função do terrorista e sim em função de uma moral social que não
permitiria isso.
Mas ao mesmo tempo em que nega um posicionamento que a
moral não permitiria, afirma outro: ‗ as imagens de Osama morto são de
interesse público‘.
4.1.6 Sexta parte
Podemos torturar presos para chegar ao terrorista? Podemos executar
o terrorista, mesmo que ele não ameace com uma arma? Podemos
jogar o corpo ao mar sem sepultá-lo? Moralmente, não. Podemos
censurar a divulgação da foto do morto? Eticamente, não. Podemos
confundir a opinião pública com uma mentira diferente a cada dia?
Claro que não. Podemos fingir que o mundo estará mais seguro e
melhor a partir de agora? Ninguém acredita nisso. Podemos dizer que
―a justiça foi feita‖? Sim, mas com desvios. As imagens de Osama
morto são de interesse público. A censura provoca mais danos que
benefícios. E a comunicação do Pentágono precisa ser disciplinada –
porque nem eles mesmos se entendem sobre o que realmente
aconteceu.
Entende-se a preocupação dos Estados Unidos em não acirrar a ira de
fanáticos ao exibir Osama morto. Não se entende por que os exímios
atiradores da tropa secreta da Marinha, conhecida como Seal Team 6,
precisaram desfigurar seu rosto a curta distância – ele poderia continuar um
cadáver apresentável, não? Entende-se que tenham preferido matá-lo a
prendê-lo para evitar que, detrás das grades, continuasse a exercer uma
liderança maligna. Entende-se que era melhor matar sem plateia do que
transformar em espetáculo a execução pública de um Osama condenado à
morte pela Justiça. Entende-se que era melhor não criar, com seu túmulo,
um local de culto, peregrinação e manifestações de ódio aos dois lados.
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
Inicia com um engajamento de declaração: ‘ entende-se a
preocupação‘, e depois afirma essa declaração com uma negação
(engajamento de refutar): ‘não acirrar a ira‘.
Carrega um julgamento (opinião social) ao longo do parágrafo ao
explicar que se entende o porquê te o terem matado ao invés de prendê-
lo, e de no terem feito sem plateia.
4.1.7 Sétima parte
Por fim a autora, Ruth de Aquino, se coloca contrária à opinião
(afeto) de Obama, quando esse diz que Osama não é troféu e nem
querem transformá-lo em mito, afirmando (engajamento de declarar) que
Osama Bin Laden já é um troféu e um mito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base na Teoria da Valoração, foi possível concluir que, em
todas as partes do texto, O mito e o troféu, há uma maior frequência dos
recursos da Atitude, principalmente o julgamento, e o Engajamento.
Há a presença de verbos de afetividade, na voz do autor Ferreira
Gullar: ‗acho ótimo‘, usado para reforçar um julgamento de que a morte
de Osama foi boa para todos.
As personas textuais construídas no texto envolvem a autora de
coluna, que avalia eticamente a situação e a julga de acordo com esse
senso comum, o leitor, que parece partilhar da mesma opinião da autora,
o autor Ferreira Gullar, que se posiciona afetivamente feliz com a morte
de Osama e o presidente dos EUA, Obama, que mesmo tendo sofrido uma
promoção com a morte do maior inimigo dos EUA, nega que se deve
ostentar essa morte como um troféu.
―Osama não é um troféu. Não queremos transformá-lo num mito‖, afirmou
Obama, ao justificar a morte sem corpo. Osama bin Laden é um mito e um
troféu, não importa o que se diga agora. E seu desaparecimento no mar,
sem fotos, cercado de sigilo e contradições, só reforça a dupla aura que
Obama deseja evitar.
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
REFERÊNCIAS
AQUINO, Ruth. O mito e o troféu. Época online. Fortaleza, 07 de maio de 2001.
Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/1,,EMI231344-
15230,00.html. Acesso em: maio e junho de 2011.
BERTOCCHI, Daniela. Gêneros Jornalísticos em espaços digitais. Universidade de
Minho. Portugal, 2002. Acessado em maio e junho de 2011 no endereço:
<http://www.bocc.ubi.pt/pag/bertocchi-daniela-generos-jornalisticos-espacos-
digitais.pdf>
MELO, J. M. Jornalismo Opinativo. Campos do Jordão: Editora Mantiqueira, 2002.
CABRAL, S.R.S;BARROS, N.C.A. Linguagem e Avaliação : uma análise de texto
opinativo.
Disponível em: <http://www.pucsp.br/isfc/proceedings/Artigos%20pdf/34ev_cabral_72
2a734.pdf.> Acesso em : maio e junho de 2011.
PILLON, Sameriene Lúcia Lopes. A formação de uma comunidade de leitores. 2007.
Dissertação (Mestrado em Letras-Área de Concentração de estudos linguísticos)
Universidade de Santa Maria, Santa Maria-RS, 2007.
WHITE, P. The handbook of pragmatics. Amsterdan; Filadephia: Jonh Benjamins
Publishing,2002.[ tradução de Débora de Carvalho Figueiredo].
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
Anexo
O quadro a seguir esquematiza a análise realizada:
Atitude Engajamento Gradação
O mito e o troféu.
Julgamento
negativo implícito
Osama está morto.
Viva Obama!
Afeto e Julgamento
explícito Afirmação
Não choramos pelo
terrorista. Mas o que
aconteceu semana
passada não enobrece
a democracia.
Afeto e Julgamento
explícito Afirmação
“Acho ótimo mata-
lo”.
Afeto não autoral
positivo
Maior
envolvimento
Essa foi a reação
normal.
Julgamento
positivo
Maior
envolvimento
...”aliviados com o
desaparecimento”.
Julgamento
explícito positivo
Maior
envolvimento.
Ele deixou de ser
considerado um líder
tíbio, relutante. Julgamento
Engajamento por
declaração
Gosta de
demontração de
força, idolatra a
bandeira.
Apreciação
Talvez sim
Engajamento de
consideração
Menor
envolvimento
Moralmente, não.
Eticamente, não
Julgamento de
negativo
Engajamento de
consideração
Maior
envolvimento
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
Claro que não.
Julgamento positivo
Osama não é um
troféu.
Afeto não autoral
negativo.
Maior
envolvimento
Osama é um mito e um
troféu.
Afeto autoral
positivo
Maior
envolvimento
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
SEÇÃO 3
GRAMATICALIZAÇÃO DO VERBO PEGAR
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UM ESTUDO SINCRÔNICO DO VERBO PEGAR
Amanda Jozy Paiva LEITE
Resumo: O verbo pegar tem sido muito utilizado no português brasileiro. Ele sofreu um
processo de gramaticalização, ou seja, perdeu seu sentido pleno e adquiriu aspectos
mais gramaticais, inserido também dentro do contexto da polissemia. O presente artigo
tratará de mostrar um estudo sincrônico do referido verbo, afim de verificar qual de suas
três construções (lexical, discursivo e aspectual) é mais recorrente nas escritas informais
do português brasileiro.
Palavras-chave: pegar, gramaticalização, ocorrências, polissemia, estudo sincrônico.
INTRODUÇÃO
Linguagem e sociedade estão ligadas entre si de modo
inquestionável. A história da humanidade é a história de seres
organizados em sociedade e detentores de um sistema de comunicação
oral, ou seja, de uma língua. Dentro dessa perspectiva, a língua é
concebida como entidade social. Variável, dinâmica e heterogênea, a qual
está em constante processo de variação e mudança linguística.
De acordo com essa concepção de língua e linguagem, nos
focaremos no estudo sincrônico dos usos do verbo pegar, com o fim de
verificar os valores e graus de gramaticalização. O tempo verbal analisado
é o pretérito perfeito: peguei (1° pessoa do singular) e pegou (3° pessoa
do singular).
O uso do verbo pegar tem sido muito frequente no português falado
e escrito brasileiro, sob o qual assume significados diferentes em
contextos diferentes. Assim, podemos afirmar que tal verbo apresenta
caráter polissêmico e está presente nos contextos concretos - geralmente,
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dão a ideia de movimento: a polícia pegou (agarrou) os bandidos - e
abstratos - ligados, geralmente, aos níveis cognitivos: não peguei
(entendi) bem o assunto da aula de hoje. O corpus deste trabalho se
adentrará na modalidade escrita informal em sites de relacionamento.
As construções com o verbo pegar podem ser realizadas de três
maneiras: pegar lexical, pegar discursivo e pegar aspectual.
1. PEGAR LEXICAL
Caracteriza-se estruturalmente por SN (compila um sujeito agente e
experienciador), V (verbo de ação) e SN (objeto e paciente). A construção
SN V SN assemelha-se à estrutura sintática e diverge dos valores
semânticos.
Observemos os exemplos (3), (4) e (5):
(3)- Imagine se eu colocasse mais... peguei o mesmo béquer...
(Diva, Corpus Discurso & Gramática- A língua falada e escrita na cidade
do Natal. pp.16)
(4)- Peguei a vassoura e taquei nas costas dele. (scrap de Orkut)
(5)- Quase que ele pega a vassoura e revida o ataque. (scrap de
Orkut).
Em (3) e (4), o sujeito está implícito (1° pessoa do singular do
pretérito perfeito) seguido de um objeto – béquer (3) e vassoura (4) e um
paciente ou objeto afetado dele (4).
Nestes dois casos, o peguei significa tomar para si, segurar o objeto
em questão dando uma ideia de movimento. Já no (5), o sujeito não é
mais oculto. O verbo coloca, na posição de sujeito, o pronome ele e o
objeto continua sendo vassoura.
35
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
Podemos afirmar claramente que os exemplos dados mostram uma
reunião do pegar lexical, que assume funções diferentes na sintaxe, mas
diferenciam-se na semântica e no contexto.
Um fator relevante a ser analisado é a ―ideia de movimento‖,
afirmado acima. Movimento significa o deslocamento de um corpo de um
lugar para outro. Sabemos também, que tal ação é comum a todos os
seres vivos. Porém, quando damos uma acepção e circunstância
linguísticas a esse nome, nos referimos aos seres humanos. Traugott e
Dasher (2005) referem-se à noção de movimento como algo que ajuda o
processo de gramaticalização. Heine (1993) vê o movimento como um
processo básico do homem.
A natureza e noção de movimento e pessoa perpassam as outras
construções do pegar.
2. PEGAR DISCURSIVO
Esse tipo de construção é concebido por dois verbos de ordem fixa:
V1 (verbo pegar) e V2 (verbo de ação ou dicendi).
Observemos os exemplos (6), (7) e (8):
(6)- Pegou e foi pênalti (fala de um jogador de futebol no twitter).
(7)- Eu peguei e falei que não queria mais nada com ele (scrap de
Orkut).
(8)- Acho na verdade, o amarelo já pegou faz tempo... (scrap de
Orkut).
Notemos que em (6) e (7), a conjunção e aparece entre V1 e V2,
embora as desinências modo-temporais sejam distintas entre os dois
casos e compartilham a mesma ocorrência e o mesmo sujeito, sendo uma
ordem fixa entre V1 e V2 em cada sentença. Nem sempre teremos a
preposição e entre V1 e V2, como é o caso do exemplo (8).
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
Já sabemos da relação de movimento existente entre o pegar e a
pessoa (referente). O exemplo (7) denota exatamente essa ―ideia de
movimento‖. O que é movimentado é o discurso, como se existisse um
outro falante.
Em contrapartida, os verbos de ação indicam a ruptura com o
movimento, originando uma mudança situacional.
Afirma-se, com isso, apesar de abstrata, a noção de movimento é
presente, causando aproximação entre o referente e a situação em foco
através do verbo pegar.
3. PEGAR ASPECTUAL
Essas construções são alinhadas pela junção de V1 pegar (exerce
forma finita) e V2 (forma não finita). Essa construção também é
conhecida tradicionalmente de locução verbal com pegar em que o sujeito
sempre precede V1 (Sigiliano, 2008). Na referida construção, V1 pegar V2
é possível ou não haver as preposições a e para entre V1 e V2.
É importante destacar que a perífrase revela o começo inesperado
(movimento repentino) de uma ação que será realizada pelo verbo
principal – V2.
Vejamos os exemplos (9), (10), (11) e (12).
(9)- Não sabíamos o que fazer... a galera pegou a gritar de tanto
medo do assalto (scrap de Orkut).
(10)- Ele pegou para falar do assunto de que tinha me visto
entrando num motel... num carro preto. (scrap de Orkut).
(11)- Não porque Luís pegou e vendeu a casa... e ainda tão barata!
(scrap de Orkut).
(12)- Aí... eu peguei dançar a festa todinha. (scrap de Orkut)
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
Nos quatro casos, é nítida a noção temporal, uma vez em que se
grita, se fala e se dança durante algum tempo. Uma pequena diferença é
encontrada em (11), pois o verbo principal vender expressa uma ação
acabada, a priori. Porém, ao analisarmos que antes de vender
concretamente a casa, houve todo o processo burocrático da venda. Com
essa visão, enxergamos a modalidade de tempo, expressa implicitamente
na sentença.
No pegar aspectual, o pegar pode assumir função gramaticalizada
do verbo auxiliar.
Sabemos que, no português brasileiro, se conjuga os verbos
auxiliares e os principais, geralmente vem no particípio, no gerúndio e no
infinitivo. Os verbos auxiliares completam os verbos principais e juntos,
formam locuções verbais.
No tocante à polissemia dessa construção, a ―ideia de movimento‖
pode ser a indicadora da marcação inceptiva presente no verbo, a qual
está intrisicamente ligada ao significado do verbo pegar.
Segundo Bybee (1985), a distinção mais comum encontrada nas
línguas é entre perfectivo (pontual ou momentâneo) e imperfectivo
(durativo ou contínuo). A autora afirma que os sentidos expressos pelas
construções com verbos auxiliares são mais comuns ligados à diferença
habitual/contínuo que a diferença perfectivo/imperfectivo. Outra afirmação
relevante da autora é em relação à observação, pois algumas vezes, a
fonte de um inceptivo é um verbo de movimento, o que confirma as
hipóteses sobre a polissemia da construção com pegar em Sigiliano
(2008) e Araújo (2011). Tal afirmação se faz válida, uma vez que o pegar
pode funcionar como marcados aspectual inceptivo.
Antes de nos adentrarmos no desenvolvimento do pegar lexical,
discursivo e aspectual, façamos um breve estudo sobre a
gramaticalização.
38
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
Em se tratando de língua, existem pelo menos quatro tipos de
variações. São elas: diacrônica, diastrática, diamésica e diatópica. Um
caso muito particular da variação diacrônica é a gramaticalização,
processo em que uma palavra de sentido pleno assume funções mais
gramaticais. Portanto, gramaticalização é uma reivindicação do aspecto
instável da gramática que tende a se processar em aspectos abstratos,
conversacionais e à organização interna do texto.
(Martelotta, Voltre e Cezario, 1996) afirmam que a gramaticalização
envolve os níveis: cognitivos (tendem a passar elementos concretos para
elementos abstratos); pragmáticos (o objeto é fazer com que o ouvinte
entenda o novo sentido de uma determinada palavra na interação face a
face); semânticos (torna-se necessário o conhecimento dos interlocutores
no processo de mudança dos significados de origem) e sintáticos (o
processo de gramaticalização não ocorre somente por conta dos
contextos, mas também, pelos aspectos sintáticos).
O termo gramática passou a designar o conjunto de regularidades
decorrentes de pressões cognitivas e acima de tudo, pressões de uso. As
pressões cognitivas constituem o fato de a gramática apresentar um
aspecto mais regular, pois ela é consequência do modo como os humanos
interpretam o mundo e organizam mentalmente as informações
decorrentes dessa interpretação. Daí o motivo pelo qual a
gramaticalização ser uma reivindicação instável da gramática, ilustrada
acima.
Como vimos, a gramaticalização de uma palavra é feita
sincronicamente em relação às necessidades discursivas e /ou gramaticais
do sintagma nominal.
Nesta perspectiva, faremos um sincrônico do desenvolvimento dos
verbos pegar lexicais, discursivos e aspectuais.
Pode-se analisar diversos meios de pegar, que passa de uma
construção mais lexical a uma mais aspectual.
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
Kuteva (2001) revela que os auxiliares se desenvolvem a partir de
itens lexicais, sob os quais se originam num processo de gramaticalização.
Heine (1993) defende que ―o desenvolvimento de auxiliares envolve
construções inteiras e não somente uma palavra‖. É o que notamos nas
ocorrências com o pegar. O verbo pleno (pegar lexical, que significa
segurar, tomar para si) seguido por um objeto (complemento nominal),
passa a assumir marcação gramatical seguida de um verbo principal na
estrutura auxiliar resultante (pegar aspectual). Dessa maneira, o
desenvolvimento de auxiliares abrange uma mudança em que uma
construção verbo-nominal passa a ilustrar-se em uma construção
marcadora gramatical seguida de um verbo principal (Kuteva, 2001). É
exatamente essa representação do pegar que estamos abordando nesse
trabalho.
Heine (1993) cita dois processos importantes sofridos pelos verbos
lexicais ao se gramaticalizarem: a dessemantização (processo em que um
item lexical perde seu significado próprio e adquire funções gramaticais
ligadas ao uso) e decategorização (consiste em algumas propriedades
―perdidas‖ pelo verbo com a mudança de regulamento do mesmo). Dentre
essas propriedades, pode-se citar: o complemento verbal deixa de ser um
nome e se compõe na presença de um verbo não finito; o verbo adquire
posição fixa na sentença e não pode ser mais negado separadamente; o
complemento do verbo adquire morfossintaxe do verbo principal, etc.
Todos esses aspectos caracteriza o pegar aspectual. Como pôde ser
observado, essa construção provém da construção pegar discursivo, sob a
qual esporadicamente se assemelha às mais lexicais, embora contenha
características semelhantes com pegar aspectual, como a presença de V1
e V2 compartilhando um mesmo evento e sujeito.
Os aspectos e conceitos de gramaticalização acarretam na diferença
semântica do sintagma nominal. As construções discursivas e aspectuais
atribuímos às diferenças semânticas não só pelo uso, mas também, pela
40
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
maneira de como as sentenças estão relacionadas entre si. Desse modo,
os verbos lexicais passam a ser discursivos e depois, lexicais.
Observemos os exemplos que se seguem:
(13)- Ele pegou o brinquedo do garoto... (scrap de Orkut)
(14)- Ela pegou e começou a falar rápido... (scrap de Orkut)
(15)- João pegou a falar e foi embora... (scrap de Orkut)
No pegar lexical (13), temos uma sentença simples, em que o pegar
denota uma ação concreta e toma para si o objeto, o brinquedo. O pegar
discursivo (14) compartilha o mesmo sujeito e complemento, porém nem
sempre isso acontece, como é o caso de (16) – Na verdade não sei o que
fazer... mandei ela calar a boca, eu peguei, eu bati e eu sai. (scrap de
Orkut)
Além disso, como se pôde observar neste artigo e na rápida
explicação sobre polissemia verbal, os verbos dessa construção se ligam a
outros (V2) que também apropriam-se de naturezas intrínsecas de
movimento entre referentes, caracterizando assim, um maior grau de
relacionamento semântico entre os verbos dessa construção. Já o pegar
aspectual (15) percebe-se que o grau de gramaticalização já se faz mais
presente e as sentenças não podem ser diferentes e nem tampouco,
separadas. Tal fato, forma a locução verbal e marca a auxiliaridade no
português brasileiro. Essa construção apresenta uma relação máxima
entre V1 e V2, cujo sujeito é o mesmo (V1 e V2) e a delineação temporal
de V2 é determinada pelo V1, indicando o aspecto inceptivo.
O corpus deste artigo foi coletado em sites de relacionamento, como
Orkut e Twitter. No geral, foram analisadas 75 ocorrências (25 de cada
construção) do verbo pegar, sob as quais correspondem às construções
lexicais, discursivas e aspectuais.
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Das 25 ocorrências do pegar lexical, constatamos 14 situações de
fala, em que o pegar sofreu alteração em seu significado pleno. Isso
mostra a produtividade e a importância de pegar que se faz presente em
diversos contextos semânticos e situações comunicativas de fala.
Ocorrências:
1-Você pegou alguma coisa do meu quarto?
2-Não peguei nas coisas dela pq ela naum gosta.
3-Eu peguei catapora.
4-O A polícia pegou os bandidos.
5-Essas sandálias pegou por aqui.
6- Peguei na mão dela.
7-Vc sabia que o Luis pegou a Alana?
8-Não peguei bem o assunto de hj da aula. Vc me ajuda?
9-Peguei a fita!
10-Ela não pegou o dinheiro q tava na sua carteira.
11-Peguei todas hj... kkkkk...
12-Eu peguei minha mulher com outro!!!!
13- Rafael não pegou seu texto.
14-Allan pegou a comida e jogou fora.
15-Eu peguei o gosto por ela.
16-Não peguei suas peças intimas.
17-Peguei uma gripe!!!
19-Na festa, ele naum pegou ninguem.
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20-Essa moda pegou por aqui!
21-Não peguei nada do seminário de hj...
22-Renata não pegou uma micose por pouco!
23-Ela pegou AIDS.
24-Não peguei no seu celular!
25-Ela não pegou nos documentos.
Foram analisadas 25 ocorrências do pegar discursivo e encontramos
18 situações em que o pegar apontou para um grau maior de integração e
dependência semântica entre V1 e V2, sob os quais representam, juntos
um mesmo evento.
Ocorrências:
1- Peguei e falei q naum queria mais nada com ele.
2- Ela pegou e disse q estava tudo certo!
3- Allan pegou e cortou o mal pela raiz.
4-Amandine pegou e saiu de uma vez!
5-Ela pegou e foi pra casa.
6-Eu peguei e disse q amava ele.
7-Juliene pegou e aconselhou a garota.
8-Sabe o q ela fez? Pegou e traiu!!!!
9-Eu peguei e fui muito grossa com ele.
10- Fiquei com tanta raiva q peguei e dei na cara dela.
11-Aí ela pegou e disse que nunca mais falaria comigo.
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12-O amor mi pegou e fez da minha vida uma loucura.
13-Pegou e mi tirou do wink tu e muito corno manco mermu.!
Kkkkkk...
14-Aí Luís pegou e saiu na maior cara de pau.
15-Eu peguei e disse que não tinha mais volta.
16-Peguei e chorei muito com a decisão dele.
17-Ela pegou e vacilou feio comigo!
18-Ela pegou e atirou na pobe da cobra.
19-Eu peguei e eu falei eu vou ta certo?
20-Não peguei e não falei mais nada.
21-O amor me pegou e eu não descanso enquanto não pegar aquela
criatura.
22-A gripe me pegou e...selinho!!!
23- Pegou e foi pênaulti.
24-Peguei e nada haver com aquilo q tu tinha mi dito.
25-O bicho já pegou e você já se apaixonou!
Já as 25 ocorrências do pegar aspectual, 08 demonstraram que há
uma hipótese de que essa construção do pegar ainda se encontra em
processo de mudança à auxiliarização, pois apresenta as características
relatadas neste artigo com as construções auxiliares.
Ocorrências:
1-Ele pegou a falar mal dela.
2-Ela pegou para dançar.
3-Pegou e não falou comigo há mais de 3 anos.
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4-Peguei a passar perfume e gastei quasi todo.
5-Peguei a sair da sala.
6-Ela pegou a corta o cabelo da menina. Ela ficou p... de raiva.
7-Joaquim pegou a cochilar e acabou dormindo.
8-Lucas pegou a beijar a dona na festa... q loucura!!!!
9-Amanda pegou e foi dormir na casa de sua mãe.
10- qual o número da fila que vc pegou de mais alto?
11-Ana Cristina pegou e saiu do projeto.
12-A tinta não pegou e meu cabelo ta caindo cada veiz mais.
13-Ela pegou e ta criando um gatinho.
14-Eu peguei o estágio do colégio.
15-Peguei o vírus da colheita feliz!
16-Deu briga... só pq eu peguei o controle primeiro.
17-Ela pegou noijo dele depois da traição.
18-Peguei e fui dormir...
19-A mão dela ficou com tanta raiva que pegou e expulsou a própria
filha de casa.
20-Ela pegou e se apaixonou por outro.
21-Não peguei mais ninguém.
22-O médico disse que eu peguei um tipo de ameba intestinal por
isso que eu fui internada.
23-Peguei uma substancia de porção e pensei vou mi matar...
24-Eu peguei o taxi de madrugada!!
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25-Hj eu peguei vc ajoelhada posso saber o motivo?
Tabela (1): Comparativo do pegar lexical, discursivo e aspectual:
Ocorrências
analisadas
Ocorrências
encontradas
Porcentagem
Lexical 25 14 56%
Discursivo 25 18 72%
Aspectual 25 08 32%
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que, o verbo pegar, em nosso estudo sincrônico,
apresenta características das mais lexicais às mais aspectuais. Dentro
dessa perspectiva, a construção discursiva é a mais frequente, dentre as
outras. Isso deve-se ao fato de os verbos dessa construção se ligarem a
outros (V2) que também apresentam, categorias intrísecas de movimento
entre referentes. Desse modo, nas situações de escritas informais se
sobressai o pegar discursivo. O trabalho abordou, de maneira satisfatória,
todas as ocorrências, características e os resultados das três construções.
Se colocarmos tais resultados em uma escala de recorrência, teremos o
pegar discursivo em 1° lugar, o pegar lexical em 2° e o pegar aspectual
em 3°, dentro do contexto de escrita informal, vale ressaltar. No tocante
ao pegar aspectual, supõe-se que ele ainda está num processo de
auxiliarização, devido ao fato da baixa porcentagem de ocorrências
encontradas.
Este artigo desenvolveu apenas um pequeno estudo sincrônico que
relaciona a mudança semântica do pegar e seus aspectos de
gramaticalização. É necessária uma análise mais profunda a respeito
desse assunto para que seja confirmada a prosposta de auxiliarização do
pegar aspectual e de maior freqüência do pegar discursivo em situaçõe de
falas informais.
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REFERÊNCIAS
BYBEE, Morphology: a study of the relation meaning and form. John Benjamins
publishing company: Amsterdan/Filadélfia, 1985.
HOPPER, P. & TRAUGOTT, E. Grammaticalization. Cambridge: Cambridge Iniversity
Press, 1993.
KUTEVA, T. Auxiliation. An enquiry into the nature of grammaticalization. Oxford
Univesity Press: New York, 2001.
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SEÇÃO 4
INDETERMINAÇÃO DO AGENTE
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A INDETERMINAÇÃO DO AGENTE NO PORTUGUÊS ORAL
DO BRASIL
Camille Feitosa de ARAÚJO
Samuel Freitas HOLANDA
Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar as diversas formas de indeterminação
do agente no Português falado do Brasil, e as motivações discursivas que induzem à
realização desse fenômeno em nossa língua. Para tanto, nos baseamos na análise de
dados colhidos entre falantes brasileiros da década de 90. Inicialmente, expomos os
meios, permitidos pela nossa língua e utilizados pelos falantes, para essa indeterminação
e posteriormente, destacamos os casos de agente indeterminado no discurso dos falantes
do nosso corpus. Através da análise realizada, nossa pesquisa identificou um uso
frequente de pronomes e expressões indefinidos e de verbos na 3ª pessoa do plural para
essa indeterminação do agente na nossa língua.
Palavras-chave: indeterminação; agente; funcionalismo.
INTRODUÇÃO
Quando queremos identificar, em um enunciado, aquele que
pratica a ação verbal, normalmente perguntamos ao próprio verbo, pois
foi assim que aprendemos, nas gramáticas tradicionais, a identificar o
agente da ação expressa pelo verbo, ou seja, o sujeito. No entanto,
conforme vamos tendo mais contato com a língua Portuguesa,
percebemos que nem sempre aquele que pratica a ação expressa pelo
verbo é localizável na enunciação, e que também nem sempre coincide
com o sujeito da oração. Assim, observamos que não é apenas o aspecto
sintático que irá determinar o agente de uma oração, mas os aspectos
semânticos e discursivos também deverão ser levados em consideração.
A indeterminação do agente confere um caráter de imprecisão
quanto ao termo que seria aquele que praticaria a ação verbal. Ou seja, a
indeterminação do agente em um enunciado será o meio utilizado pelo
enunciador para não identificar o agente de uma ação verbal, ou por não
saber, ou por não querer identificá-lo. Muitas são as formas de
49
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indeterminação do agente encontradas em uma dada situação
comunicativa, e serão algumas dessas formas que pretendemos investigar
e analisar. Assim, o objetivo da nossa pesquisa será, através da análise de
dados, observarmos como o emissor se utiliza dessas possibilidades para
conseguir indeterminar o agente na Língua Portuguesa falada no Brasil.
Não pretendemos aqui exaurir todo o assunto, já que é apenas um
artigo e não abrangemos um número de informantes suficientes para isso.
Mas poderemos, através de artigo, trazer uma boa contribuição para o
estudo da indeterminação do agente na Língua Portuguesa.
1. METODOLOGIA
Para a concretização do presente trabalho, analisamos quatro
entrevistas dadas por falantes do sexo masculino e coletadas na década
de 90. Os informantes falavam uma variedade da língua situada entre o
culto e o informal, pois todos possuíam curso superior e eram de uma
classe social mais culta e erudita. A faixa etária dos entrevistados foi bem
variada, indo dos 31 anos até os 70, o que diversifica ainda mais o nosso
corpus.
Coletamos os depoimentos nos corpora do VARPORT e, em
seguida, selecionamos algumas ocorrências de indeterminação no discurso
dos falantes, para analisarmos quanto a algumas variáveis como o tipo de
indeterminação e a identidade do agente. Após a análise, examinamos
cada caso, tentando identificar suas motivações discursivas e o papel
desempenhado por cada um dentro do discurso.
Para a produção desse artigo, recorremos a autores como Gredson
dos Santos (2006), Tupiná (1984) e Claudete Lima (2005), além de Cunha
e Cintra (2008) e Duarte (2005).
2. A RESPEITO DA INDETERMINAÇÃO DO AGENTE
Iniciaremos, porém, com uma elucidativa explicação sobre a
indeterminação do agente, como o falante pode alcançar esse fenômeno
durante seu discurso e o porquê de usá-lo.
50
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O fenômeno da indeterminação do agente vem sendo tema de
investigação de diversos pesquisadores, principalmente aqueles ligados à
Linguística, como os Funcionalistas, por ser um campo de estudo ainda
não totalmente explorado ou explicado pela gramática tradicional. Ainda
há muitas divergências, inclusive de terminologia, como observamos ao
lermos o artigo Questões sobre a “indeterminação” do sujeito, de Gredson
dos Santos. O autor chega a seguinte conclusão:
A partir das considerações de Rollemberg et al e de Bechara, e
admitindo-se como plausível a hipótese de que o sujeito é uma
função sintática que responde às necessidades estruturais do
sistema do PB e que a agentividade está ligada ao aspecto
semântico do sistema, podendo ela ser um traço do sujeito ou de
outro termo sintático, adota-se neste trabalho a posição de que,
na verdade, não faz sentido falar em indeterminação do sujeito em
contextos como os que aqui são analisados, mas sim em
indeterminação do agente da ação indicada pelo verbo – é o que
acontece, por exemplo, num enunciado como eu fui assaltado, em
que a função de sujeito cabe ao pronome, mas o agente não está
especificado. (SANTOS, 2006, p.15)
Assim, reforçamos que o agente nem sempre corresponde ao
sujeito, ou seja, se você indeterminar o agente de uma oração, não
significa que o sujeito será indeterminado. Ainda há muitas outras
divergências, mas não nos deteremos a esse assunto, pois necessitaria de
um artigo inteiro.
Em seu trabalho intitulado Abrangência pessoal dos processos de
indeterminação do agente, Tupiná (1984), sintetiza bem o assunto
abordado:
A indeterminação corresponde ao caráter de indiferenciação, falta
de individualidade ou de especificidade de um termo, capaz de
conferir ao enunciado um teor de imprecisão e generalidade, em
decorrência do ponto de vista do emissor. (TUPINÁ, 1984, p. 63)
Como já ponderamos, o falante disponibiliza de várias formas para
conseguir esse teor de imprecisão em uma oração. Em nossa pesquisa
não conseguimos encontrar todas as maneiras de indeterminar o agente,
ou pela ausência destas, ou por desatenção dos pesquisadores. Evitamos
também considerar casos polêmicos, que precisariam de mais explicações
e exigiriam um trabalho mais extenso e complexo, o que fugiria da nossa
51
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
proposta, que é analisar e refletir sobre o uso desse fenômeno na
oralidade.
3. PROCESSOS DE INDETERMINAÇÃO DO AGENTE E ANÁLISE DO
CORPUS
Veremos agora os principais processos de indeterminação do
agente e alguns exemplos, que quando não encontrados no corpus, foram
retirados de falas e textos do nosso cotidiano. São eles, a nominalização,
o uso de pronomes ou expressões indefinidos, verbo impessoal não-
pronominal, voz passiva analítica, voz passiva sintética, voz média
(pronominal, não-pronominal e perifrástica) e infinitivo.
3.1. Nominalização
A nominalização é quando substantivamos um verbo, o utilizando
na função de sujeito de uma oração.
(1) A saída do jogador abalou a equipe.
3.2. Pronome Indefinido
Alguns autores dividem essa categoria em duas: pronomes
indefinidos (alguém, você) e expressões indefinidas (todo mundo, a gente,
as pessoas). Para esse trabalho, consideraremos todos esses pronomes e
expressões como parte de um mesmo processo, já que possuem
propriedades de uso bem semelhantes. Veja por exemplo esse trecho:
(2) normalmente eu dou preferência pelas praias... apesar de ser
um acampamento pouco mais desgastante... cansa mais... você não
tem... acomodação boa... sal... você fica salgado... você quer tomar
banho e já é mais difícil pra tirar o sal... e... normalmente quando você
está na montanha... você sempre tem um rio... a água é limpa... você
pode tomar banho e ficar sempre... se sentindo melhor... né? com a
água... o acampamento normalmente não é com um grande número de
pessoas... (VARPORT – Oc-B-9c-1m-001, linhas 47-52)
52
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
A forma de tratamento você é bastante usada para a
indeterminação porque desperta o interesse e envolve o interlocutor,
tornando o discurso mais presente e mais vivo (Tupiná, 1984, p.66). É
evidente que o falante não está se referindo somente ao interlocutor
quando usa o você, mas generaliza o agente, na tentativa de indicar que
qualquer pessoa pode ser colocada como agente da ação. Isso acontece
principalmente quando o falante está tentando convencer seu interlocutor,
utilizando a função apelativa da linguagem. Note que, nesse trecho,
poderíamos trocar a forma você pela expressão a gente sem grande
prejuízo de sentido, pois estaria trazendo o interlocutor para participar da
ação juntamente com o emissor. Mais uma vez, temos o uso da função
apelativa. Observe agora esse exemplo:
(3) todo mundo procura conversar com todo mundo... é até uma
data assim... que as pessoas vêem pessoas que não se vêem há muito
tempo...às vezes até se conversam pelo telefone mas não... não se vê... e
realmente nos aniversários a gente encontra várias pessoas e coloca as
conversas em dia...né? (VARPORT – Oc-B-9c-1m-001, linhas 20-23)
Observe o uso de mais três expressões genéricas que o falante
utiliza para indeterminar o agente da oração. Genéricas porque não se
referem a ninguém, de modo específico, mas estende seu significado para
além de qualquer agente.
3.3. Impessoal não-pronominal
Esse processo é caracterizado pelo uso do verbo na 3ª pessoa do
plural, sem designar o pronome, e deixando o agente da oração
indeterminado. Vejamos um exemplo:
(4) e não tem biblioteca mais... tem biblioteca... mas no
computador... eu não sei pra quê... deram os livros todos... jogaram
(aquilo) fora... mandaram (rasgar... desaparecer) puseram uma pilha
de livros no corredor mandaram os alunos apanhar e escolher...
(VARPORT – Oc-B-9c-3m-001, linhas 47-50)
53
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
Quando usamos a 3ª pessoa para alcançarmos a indeterminação,
protegemos a identificação do agente, ou por desconhecimento ou por não
interessar a especificação. Assim, o verbo pode se referir tanto a grupo de
pessoas, como a uma só pessoa.
3.4. Voz Passiva Analítica
A voz passiva analítica é caracterizada pelo verbo ser ou estar
acompanhado de um verbo principal no particípio. Na voz passiva o
sujeito é paciente. Notemos no trecho abaixo o seu uso:
(5) bom... eu acho que o Rio de Janeiro deve ser visto não só em
um de seus lugares belíssimos... como também nas suas... nos seus
lugares pobres e pelo menos a favela da Rocinha tem que ser visitada...
compreendeu? (VARPORT – Oc-B-9c-3m-001, linhas 2-4)
A voz passiva é usada quando o falante quer dar mais ênfase a
ação do que ao próprio agente. Por exemplo, no trecho acima, o falante
expressa que ―o Rio de Janeiro deve ser visto‖, mas não diz por quem ele
tem deve ser visto. Vemos aí que o mais importante é a ação, ou seja,
para o falante os lugares pobres do Rio de Janeiro devem ser visto por
todos, desde turistas, visitantes, a habitantes, enfim, qualquer pessoa que
quiser conhecer a cidade.
3.5. Voz Passiva Sintética
A passiva sintética, ou voz passiva pronominal, como designam
alguns autores1 se caracteriza pelo uso do verbo transitivo direto na 3ª
pessoa mais o se apassivador. Vejamos um exemplo:
(6) não se reúne muita gente... (VARPORT – Oc-B-9c-1m-001,
linha 16)
3.6 Voz Média
1 cf. TUPINÁ, 1984, p. 64
54
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
A voz média causa muita polêmica atualmente porque alguns
autores desconsideram sua existência, outros consideram como subtipo da
voz reflexiva e ainda há aqueles que defendem uma estreita ligação com a
voz passiva. Veja o que diz Claudete Lima sobre isso:
A voz média, por exemplo, mantém com a passiva e a reflexiva
relações tão estreitas em português que, muitas vezes, se
confunde com estas. A descrição que predomina nas gramáticas
tradicionais é reflexo dessa dificuldade, uma vez que os autores
mostram flutuações na classificação de determinadas formas como
exemplos de voz média, de passiva, ou reflexiva. Até mesmo na
lingüística há indícios dessa dificuldade, quando autores, como
Camara Jr. não definem bem a chamada voz médio-passiva,
ilustrada por casos como vendem-se casas, bastante discutidos na
lingüística tradicional e moderna, para as quais têm-se dado
interpretações diversas. (LIMA, 2005, p. 545)
Temos três tipos de voz média:
Média pronominal
(7) A porta se fechou.
(8) Se preparou lá pra fazer o seu vestibular, não é isso?
(VARPORT - Oc-B-9C-3m-001, linha 16)
Média não-pronominal
(9) A porta ficou fechada.
Média perifrástica
(10) A porta está fechada
3.7 Infinitivo
Tupiná define muito bem o papel exercido pelo infinitivo na
indeterminação do agente:
É o verbo no máximo de sua indeterminação e generalidade. A
impessoalidade é propriedade essencial do infinitivo. Não encerra
indicação da pessoa do sujeito, não corresponde a nenhum tempo,
nenhum modo, nem espécie de ação em particular. Apresenta o
55
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processo em potência, aproximando-se do substantivo (TUPINÁ,
1984, p.66)
Observe agora um exemplo:
(11) tinha um período específico... de soltar pipa... (VARPORT, Oc-
B-9C-1m-002, linha 13)
4. RESULTADOS DA ANÁLISE
Com base na pesquisa, chegamos a alguns gráficos, os quais
iremos expor e explicar nesse momento. Como se pode observar no
primeiro gráfico acima, dos 68 enunciados analisados por nós, 43
apresentavam indeterminação pelo uso de pronomes indefinidos; nenhum
caso de nominalização identificado; 12 casos de verbos impessoais não-
pronominais foram encontrados; 5 casos de verbos na voz passiva
analítica; 2 verbos na voz passiva sintética; um caso na voz média
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
0
43
12
5 2 1 0 0
5
Gráfico 1: Frequência dos Processos
56
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pronominal; nenhum caso na voz média não-pronominal foi encontrado,
assim como também na voz média perifrástica; e 5 casos de verbos no
infinitivo.
Podemos notar no Gráfico 1 o uso frequente de pronomes
indefinidos e, levando em consideração que englobamos pronomes e
expressões nessa categoria, uma grande recorrência da forma de
tratamento você, das expressões a gente, as pessoas, entre outros. Como
já explicamos, o uso dessas expressões causam distanciamento entre o
agente e a ação expressa pelo verbo, pois generaliza o termo utilizado. O
uso de verbos impessoais não-pronominais vem logo atrás e é um dos
meios mais simples de alcançar a indeterminação do agente. Isso porque
o falante só precisa colocar o verbo na 3ª pessoa do plural, se não quiser
ou não for possível identificar o que pratica a ação. Assim, a ação verbal
recai sobre um referente perdido, que não sabemos quem é ou quem são,
pois pode se referir tanto a um grupo de pessoas, como a uma só pessoa.
A voz passiva aparece em 3ª lugar, com a analítica e sintética.
Como vimos, a importância as voz passiva para o fenômeno estudado está
no fato de que ela dá ênfase a ação do verbo, colocando o sujeito apenas
como paciente, e indeterminando o agente. Quanto ao infinitivo, ele
também se apresenta como mais uma ferramenta recorrente na
indeterminação, já que foi encontrado em 5 casos.
Observe no Gráfico 2, construído a partir da análise dos resultados,
o número de vezes que as principais expressões indefinidas foram usadas
pelos entrevistados. Note que a forma de tratamento você e a expressão a
gente são bastante utilizadas, principalmente por causa da função
apelativa, como já explicamos.
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
Temos ainda um terceiro gráfico que mostra o cruzamento de
dados, entre os processos de indeterminação e a identidade do agente.
Observe:
0
5
10
15
20
você a gente as
pessoastodo
mundooutros
casos
17
10
6
2
8
Gráfico 2: Uso dos Pronomes Indefinidos
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Gráfico 3: Cruzamento de Dados
Vemos o comportamento dos processos e como se dá a
indeterminação do agente em cada um deles. Por exemplo, podemos
perceber que o uso de um verbo impessoal não-pronominal aumenta a
possibilidade de deixar a identidade de um agente desconhecida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse artigo, trabalhamos com as várias formas de indeterminar
um agente num enunciado e quais são suas motivações discursivas. Para
isso, analisamos um corpus composto por 68 orações e analisamos os
casos de indeterminação.
17
4
15 11 2
3
11 1
1
2 1
Inferível Desconhecida
Dada Situacionalmente Dada Anaforicamente
59
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Tentamos nos esquivar de questões polêmicas, como a voz média,
voz passiva e os pronomes indefinidos – quanto à nomenclatura. Isso por
questão de tempo e espaço, pois não teríamos como desenvolver esses
assuntos nesse artigo.
Finalmente, conseguimos detectar a grande recorrência de
pronomes como você, que generalizam o sujeito do verbo. Por isso,
destacamos aqui a uso cada vez mais frequente, pelas falantes, de
expressões e termos indefinidos para obter a indeterminação do agente na
linguagem oral. Além disso, identificamos também uma grande frequência
de verbos impessoais não-pronominais para se conseguir esse fenômeno.
É evidente que nosso trabalho não consegue explicar todo o
assunto, pois a língua é complexa e os linguistas muitas vezes se
divergem, dificultando a análise de alguns casos. Mesmo assim,
esperamos contribuir de alguma maneira para o estudo da indeterminação
do agente em português.
REFERÊNCIAS
CUNHA E CINTRA, Celso e Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo.
5ª edição. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008.
DUARTE, Paulo M. T. A voz média em português: seu estatuto. Estudos em
homenagem ao Professor Doutor Mário Vilela, vol. 2, 2005, pag. 783-794.
Disponível em: < http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/4606.pdf> Acesso em: 22 mai.
2011.
LIMA, Maria Claudete. Reflexões sobre a medialidade em português. Estudos em homenagem ao Professor Doutor Mário Vilela, vol. 2, 2005, pag.
545-556. Disponível em: <http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/4585.pdf.>
Acesso em: 22 mai. 2011.
SANTOS, Gredson dos. Questões sobre a “indeterminação” do sujeito. Disponível
em: <http://www.inventario.ufba.br/05/pdf/gsantos.pdf.> Acesso em: 22 mai. 2011.
TUPINÁ, Heloísa Marques. Abrangência Pessoal dos Processos de Indeterminação do
Agente: ALFA, Revista de Linguística. Vol. 28, p. 63-69, 1984, São Paulo.
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INDETERMINAÇÃO DO AGENTE EM PORTUGUÊS: ESTRATÉGIAS E MOTIVAÇÕES DISCURSIVAS
Emílio Araújo da SILVA
Tuyra Maria da Cruz ANDRADE
Resumo: Em língua portuguesa, há diversas formas de indeterminar o agente, seja na
fala ou na escrita. Este trabalho investigou as principais estratégias para marcá-las e
algumas motivações discursivas que podem explicar o seu uso, baseando-se em registros
de informantes do Discurso e Gramática da capital Natal. Analisou-se os gêneros
narrativa de experiência pessoal e relato de opinião, nas modalidades oral e escrita.
Buscamos não só as formas canônicas admitidas pela gramática tradicional, mas também
outras como você, a gente, o indivíduo, entre outras. De todas as estratégias de
indeterminação investigadas, os pronomes indefinidos foram constatados os mais
recorrentes tanto na modalidade oral quanto na escrita. Na fala, o você predominou
sobre os outros pronomes.
Palavras-chave: agente; indeterminação; sujeito.
INTRODUÇÃO
Os objetivos deste trabalho são estudar as várias formas de
indeterminar o agente em português e as motivações discursivas de cada
uma, baseado nos dados coletados do Discurso e Gramática, os da capital
Natal, e restritos aos informantes Carlos e Diva.
Quanto à metodologia, escolhemos os gêneros narrativa de
experiência pessoal e relato de opinião de cada informante. A escolha
desses gêneros textuais deve-se ao fato de ambos propiciarem estruturas
de indeterminação, ao contrário do que se verifica, por exemplo, nas
reportagens.
Para a análise estatística dos dados, foram coletadas 114
ocorrências, organizadas e categorizadas numa tabela, na qual se pudesse
relacionar os fatores entre si e, a partir de então, se chegar aos
resultados.
Alguns trabalhos e estudos linguísticos conduzirão a pesquisa: a
gramática tradicional, pela noção de sujeito indeterminado, os estudos
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sobre indeterminação de Faggion (2008), Menon (1994 e 2004), Santos
(2006), Marins e Duarte (2006), dentre outros, além de vários trabalhos
sobre indeterminação do agente em Língua Portuguesa, tais como Através
desses procedimentos, pudemos efetivar a análise, descrição e
interpretação dos usos de indeterminação pelos informantes. Inicialmente,
apresentaremos tanto a noção de sujeito indeterminado da gramática
tradicional como a de agente indeterminado por vários linguistas. A
seguir, analisaremos os resultados da pesquisa para chegar a um
resultado geral e considerações.
1. SUJEITO INDETERMINADO x AGENTE INDETERMINADO
Para a gramática tradicional (a partir daqui GT), a noção de sujeito
indeterminado é utilizada quando o falante não sabe ou não quer declarar
quem é o sujeito de alguma ação. Cunha e Cintra (1985, p. 125) explicam
que, para a GT, quando o sujeito não pode ser identificado, põe-se o
verbo na terceira pessoa do plural ou na terceira pessoa do singular, com
o pronome se. Contudo, só ocorre com verbos transitivos indiretos ou
intransitivos, pois com os transitivos diretos a frase estaria na passiva
sintética. Kury et alii (1976, p. 14) mencionam as duas maneiras de
indeterminar o sujeito. O trabalho de Santos (2006) aponta, ainda sobre a
terceira pessoa do singular, que também ocorre indeterminação quando o
se estiver ligado a um verbo de ligação, de acordo com a gramática
normativa. Os dois processos – terceira pessoa do plural e terceira pessoa
do singular mais se – são mencionados também por Bechara (1983),
Rocha Lima (1992) e Cegalla (1998). Este, ainda, aponta o verbo no
infinitivo como outro processo de indeterminação do sujeito. Para esses
gramáticos, a indeterminação é de ordem semântico-pragmática (quando
não se sabe ou não se quer declarar quem pratica a ação).
Mas, é importante frisar que o sujeito indeterminado está
relacionado ao agente indeterminado, mas que ambos são diferentes. O
alvo de nosso estudo é o agente indeterminado, o qual, para
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entendermos, precisaremos saber alguns conceitos antes de expormos as
análises e nossos resultados.
Yamamoto (2006) estuda a agentividade ligada aos elementos que
lhe dão suporte psicológico – intencionalidade, consciência da ação,
controle, causalidade e responsabilidade. Para ele, a agentividade está
relacionada intrinsecamente ao caráter animado do agente. Por exemplo,
se o agente for humano, ―ele tem consciência de suas ações, porque
possui mecanismos cognitivos e atitudes epistêmicas que lhe permitem
construir uma interpretação do universo cultural (e físico) de que fez
parte.‖ (p. 23) Uma visão do autor é que a agentividade não é
propriamente ―um ato humano e intencional: intencionalidade também
pode ser característica de certos animais – um gato pegando um rato.‖
(ibidem)
Menon (1994, p. 130 - 131) define indeterminação (e a distingue de
indefinição) como
―o caso em que não se pode ou não se quer nomear o sujeito, na
acepção de ‗referente extralinguístico‘. No entanto, o referente é
conhecido pelo locutor (e em alguns casos também pelo
interlocutor, o que torna possível a compreensão mútua) e se ele
quisesse e se isso fosse conveniente ou interessante para ele, ele
poderia nomeá-lo ou descrevê-lo. Um sujeito (ou referente)
indefinido seria então um entre muitos, um representante de uma classe de indivíduos, tendo todos características semelhantes.‖
Luft (1976, p. 25), aponta dois processos de indeterminação: verbo
na terceira pessoa do plural e infinitivo não-flexionado (É preciso lutar),
não registrando o processo com se. Mattoso Câmara, em seu Dicionário de
Linguística e Gramática (1978, p. 229), exclui de sua classificação o
critério semântico. Se tal critério estiver presente, também o sujeito dito
simples pode ser ―indeterminado‖, conforme assinala Kury (1985, p. 24).
Tal critério direciona o pensamento de Câmara (1978, p. 143) ao
considerar como ―sem sujeito‖, ou seja, impessoal, a oração como, por
exemplo, Vive-se bem no Rio, que os autores tradicionais mencionados
acima considerariam como indeterminado.
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2. AGENTES INDETERMINADOS NO DISCURSO E GRAMÁTICA: NATAL
Neste trabalho, procuramos coletar exemplos de, pelo menos, dez
formas através das quais se pode indeterminar o agente da ação verbal.
São elas: nominalização, pronomes de caráter indefinido, impessoal não-
pronominal (terceira pessoa do plural), passiva sintética, passiva analítica,
média pronominal, média não-pronominal, média perifrástica, primeira
pessoa do plural indefinida e termo genérico.
Vejamos o exemplo a seguir:
A privatização dos clubes, seria uma das soluções...
O informante poderia ter organizado essa ideia da seguinte maneira:
Privatizar os clubes seria uma das soluções.
Porém, ele optou pela nominalização do verbo privatizar. O exemplo
citado foi encontrado na escrita, num relato de opinião, e constitui o único
caso desse recurso de indeterminação no nosso corpus. Acreditamos que
a estratégia da nominalização é preferida quando o falante quer enfatizar
não o processo da ação (neste caso, privatizar), mas o ato ou o efeito
disso (a privatização).
Outra forma de indeterminação é a utilização de pronomes de
caráter indefinido, dentre os quais constatamos o ―você‖, ―a gente‖,
―quem‖, ―todo‖, ―algum‖, ―alguém‖, ―qualquer‖, ―ninguém‖ e ―cada‖.
Das 93 frases com pronomes indefinidos, em 73 aparece o ―você‖
genérico. Na amostra abaixo, pode-se perceber a alta frequência do uso
desse pronome, mesmo num trecho curto de um relato de opinião oral.
...pra mim importante é você ter Deus dentro de si... muita gente discute porque
acha errado... você não vai à igreja... você não faz isso... você... mas se você tá:: se
você conhecesse Deus como você quer conhecer... eu acho que isso que é importante...
não é você seguir uma linha...
Alguns fatores podem ajudar a entendermos porque o ―você‖ é tão
utilizado com o propósito da indeterminação. Como já dissemos no início
deste trabalho, no gênero relato de opinião, existe maior possibilidade de
ocorrência de frases com agente indeterminado. Outro motivo é o fato de
que a informante utiliza esse pronome para exemplificar situações. O
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―você‖ não é, necessariamente, o ouvinte, e sim, qualquer pessoa. Além
disso, essa palavra já é própria do uso coloquial, o que se torna mais
cômodo, para o falante, escolhê-la no momento das construções. Mesmo
sendo uma partícula própria da modalidade oral, ainda foi possível
encontrar uma ocorrência na escrita.
Podemos, assim, construir um gráfico só dos pronomes indefinidos,
para salientar a predominância do ―você‖.
A indeterminação também pode ser indicada pela terceira pessoa
do plural, sendo aceita inclusive pela própria tradição gramatical. Vejamos
os exemplos registrados da fala de um dos informantes:
... colocaram diretores nas escolas...
... então aconteceu que o Atheneu tava numa baderna tão grande que foram
buscar um diretor famoso que tinha lá no Salesiano...
Apenas essas duas frases do corpus apresentaram esse tipo de
recurso. Sabemos que a terceira pessoa do plural é usada indeterminando
o agente, quando o falante tem a ideia de que vários sujeitos praticaram
aquela ação, no entanto, ou ele não os conhece ou não deseja explicitá-
los para o ouvinte.
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Uma questão particular é a do pronome se. Um trabalho de Gredson
dos Santos, intitulado ―Questões sobre a ‗indeterminação‘ do sujeito‖ traz
uma discussão sobre o assunto. Santos discorre sobre a opinião de
gramáticos e linguistas em relação à classificação do se.
Em português, o se faz parte de construções como, por exemplo,
voz passiva sintética, voz média e voz reflexiva. Aqui, não temos a
pretensão de discutir a sua classificação. Apenas veremos, segundo o
nosso corpus, as construções onde o agente é indeterminado e tentar
justificar suas motivações discursivas.
A passiva sintética ocorreu mais na modalidade escrita que na oral.
Vejamos um exemplo a seguir.
(...) sabe-se muito bem que esse mal existe (...)
Uma hipótese para a maior manifestação da passiva sintética na
escrita e não na oralidade, talvez seja porque o autor do texto sabe que,
na norma culta, ocorre mais ênclise que próclise. E, por isso, quando
percebia que uma determinada construção podia se feita com a passiva
sintética, assim o fez.
Não podemos falar em passiva sintética, sem falar da passiva
analítica. Esta foi manifestada apenas uma vez na escrita do relato de
opinião, com o propósito de mostrar a extensão do processo verbal. Ei-la:
(...) em provar que está sendo bem remunerado e tem que jogar (...)
A média pronominal foi identificada apenas uma vez, tendo sido
usada na modalidade escrita, no relato de opinião. Observe-a abaixo:
O que se precisa é que a humanidade comece a crer em Deus por si só (...)
A média não-pronominal foi encontrada duas vezes, uma na
narrativa de experiência pessoal falada e outra no mesmo gênero, porém,
na modalidade escrita, conforme mostram os exemplos abaixo:
...aí o menino nasceu... nasceu aparentemente bom né... mas quando foi pro
hospital... morreu no hospital, devido o susto que tomou.
(...) A empregada que estava grávida mais tarde teve o menino lá em casa,
nasceu vivo e depois morreu no hospital, devido o susto que tomou.
Identificamos somente uma média perifrástica, transcrita abaixo:
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... ficou tão cheio de escoriações nas pernas principalmente... que eu pensava
que num ia andar mais...
Podemos perceber que as médias foram mais raras em nossa
pesquisa, e talvez sejam também em língua portuguesa, mas para sabê-
lo, teríamos que realizar outros estudos.
Os pronomes pessoais, muitas vezes, são destituídos de seu caráter
dêitico específico. O uso não-dêitico dos pronomes pessoais foi objeto de
estudo de Menon (1994), com exemplos variados, provenientes dos dados
do Projeto NURC (Norma Urbana Culta) São Paulo. Segundo a autora, a
imprecisão de alguns pronomes pessoais pode ser explicada pelo caráter
hipotético do discurso, ou seja, quando o falante os utiliza, talvez, por
economia linguística, em vez de uma expressão de indeterminação.
Registramos três ocorrências da 1ª pessoa do plural indefinida como
recurso de indeterminação, todas usadas na escrita, no relato de opinião.
Apresentamos, na sequência, o exemplo dessa estratégia.
Se não tomarmos conta de que terá que haver uma mudança, não vamos sair
do que somos.
Por fim, foi constatado o uso de termos genéricos para a
indeterminação do agente da ação verbal. Observemos as amostras a
seguir:
... uma coisa que marcou muito na minha vida...
... porque quando o homem descobre alguma coisa é porque Deus está ali na sua
inteligência...
Os termos genéricos, como o cara, o homem, o sujeito, nego,
neguinho, fulano, cicrano, beltrano, indivíduo, entre muitos outros, devido
seu constante emprego como indeterminadores de sujeitos agentes ou de
beneficiários, estão em processo acelerado de gramaticalização, embora
uns mais que os outros. Por exemplo, a expressão nego aparece na
função de sujeito geralmente sem artigo, enquanto isso não ocorre com o
cara. É possível que a justificativa seja de origem fonológica, como afirma
Faggion (2008):
... é o de um esmorecimento de intensidade na pronúncia das
vogais, em posição inicial (que, em palavras isoladas e em leitura
poética, configura o fenômeno chamado aférese). Só que ocorreria
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o mesmo com cara. Pode ser que a freqüência de uso maior cause
a elisão do artigo. (...) Poder-se-ia inferir, a partir disso, que (o)
nego está em processo de gramaticalização mais adiantado que o
cara, pois apresenta erosão fonética mais acentuada.
Para uma visualização geral das análises feitas até aqui, vejamos a
tabela abaixo, que inclui, nas modalidades oral e escrita, os gêneros
trabalhados e as estratégias de indeterminação.
Codificação Oral Total
Parcial
Escrita Total Parcial
Total Geral NEP RO NEP RO
Nominalização 0 0 0 0 1 1 2
Pronome
Indefinido 11 74 85 4 4 8 93
3ª pessoa do
plural 2 0 2 0 0 0 2
Passiva
Sintética 0 1 1 1 3 4 5
Passiva
Analítica 0 0 0 0 1 1 1
Média
Pronominal 0 0 0 0 1 1 1
Média Não-
pronominal 1 0 1 1 0 1 2
Média Perifrástica
1 0 1 0 0 0 1
1ª Pessoa do Plural
Indefinida 0 0 0 0 3 3 3
Termo Genérico 2 1 3 0 2 2 5
A partir da tabela acima, percebemos que, em língua portuguesa, o
uso de pronomes indefinidos constitui a principal estratégia de
indeterminação do agente, sendo predominantes na modalidade oral à
escrita. E nenhuma das formas selecionadas foi desprezada pelos falantes,
embora a maioria delas fosse usada menos de cinco vezes.
Enquanto que na fala não houveram ocorrências em algumas
estratégias, a modalidade escrita do gênero relato de opinião foi a mais
diversificada em estratégias (sete entre as dez elencadas).
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As médias foram as mais raras em nossa pesquisa, mas não prova
se são as mais raras em língua portuguesa, embora possamos imaginar
que sim. Junto às médias esteve a passiva analítica, que ocorreu uma vez.
Durante a análise, foram observadas outras conclusões, as quais
nos restringiremos até aqui, com a organização da tabela. O que mais foi
observado será comentado na próxima seção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A língua se serve de recursos lexicais e sintáticos para indicar a
indeterminação do agente, aquele que tem capacidades para realizar a
ação. Às vezes, o agente é realmente um ser indeterminado, outras
vezes, impreciso. Em alguns casos, ele pode ser inferido pela situação ou
pelo contexto. Ele pode já ter sido mencionado e, por economia, o falante
utilizou de alguma estratégia que o indeterminou. Também é fato que o
agente indeterminado geralmente aparece quando o falante não sabe ou
não quer declarar quem é o sujeito de alguma ação.
Na língua portuguesa, o agente indeterminado é mais frequente na
fala, através de pronomes de caráter indefinido, e com a predominância
do você, que é um pronome tradicionalmente pessoal, em relação aos
verdadeiros indefinidos, como alguém ou ninguém.
O pronome se foi o que mais esteve associado à indeterminação,
embora nem sempre como índice de indeterminação do sujeito. Mas o
nosso estudo não apontou nenhuma correlação entre o se e a
indeterminação.
Expomos várias estratégias para indeterminar o agente na língua
portuguesa e diversas motivações discursivas. Esperamos que este
trabalho seja útil para quem deseja saber ou entender mais sobre
indeterminação. Recomendamos aprofundar as leituras na GT e nos
linguistas e estudiosos citados neste artigo.
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REFERÊNCIAS
CUNHA, Celso Ferreira da. Gramática da Língua Portuguesa. 10. ed. Rio de Janeiro:
FAE, 1984.
FAGGION, Carmen Maria. Variação histórica nos usos dos mecanismos de
indeterminação. Disponível em:
<http://www.filologia.org.br/ileel/artigos/artigo_483.pdf.> Acesso em: 4/05/2011, às
13:55.
______________________. A indeterminação em português: Uma perspectiva
diacrônico-funcional. Tese (Doutorado em Linguística). Universidade Federal dório
Grande do Sul, Bento Gonçalves, 2008.
MARINS, J. E. DUARTE, Maria Eugênia Lamoglia. Uma análise comparativa das
construções de indeterminação na fala e na escrita. Disponível em:
http://www.filologia.org.br/ixcnlf/15/19.htm. Acesso em: 4/05/2011, às 14:10.
SANTOS, G. Questões sobre a "indeterminação" do sujeito. Inventário (Universidade
Federal da Bahia. Online), www.inventario.ufba.br, v. 5, p. 1, 2006.
TUPINÁ, H. M. Abrangência pessoal dos processos de indeterminação do agente. Alfa,
São Paulo, v. 28, p. 63-69, 1984.
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SEÇÃO 5
MODALIDADE DEÔNTICA
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A MODALIDADE DEÔNTICA NOS ANÚNCIOS
PUBLICITÁRIOS
Adriana Campos Sisnando de Lima
Mônica de Souza Rocha
Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar o uso dos modalizadores deônticos no
discurso publicitário e os possíveis efeitos de sentido obtidos na construção da
persuasão. Dessa forma, procuramos estabelecer relações entre os valores instaurados
(obrigação; permissão sugestiva, permissão autorizada, permissão concessiva; proibição)
e a forma de expressão (verbo pleno, verbo auxiliar modal, adjetivo, substantivo e
advérbio), a fim de compreender qual a maior incidência de valor entre os instaurados e
qual a maior forma de expressão desse valor. Contudo, pretendemos encontrar o porquê
dos resultados obtidos, tendo em vista os propósitos comunicativos dos anúncios
publicitários (impressos e outdoors) e, por acreditar que tais comunicações carregam
consigo uma alta incidência de modalização. Para a análise e agrupamento dos dados,
adotamos o enfoque teórico funcionalista de Halliday (1978) e também a teoria de Lyons
(1977) e Pinto (1994) sobre a modalidade deôntica. A análise dos dados, nesta pesquisa,
é de cunho qualitativo.
Palavras-chave: modalidade deôntica; valores deônticos; discurso publicitário.
INTRODUÇÃO
Adotamos neste trabalho, uma análise sobre os modalizadores
deônticos no discurso publicitário. As modalidades deônticas abrangem
toda expressão que implica referência a uma norma ou a qualquer critério
de avaliação social, individual, ético ou estético, isto é, pertencente ao
registro do dever. Este estudo está ancorado em Lyons (1977) e Pinto
(1994). Para a realização desta análise utilizamos como corpus, textos
publicitários veiculados por anúncios impressos e anúncios de outdoors.
A princípio, exporemos os princípios funcionalistas de Halliday
(1978), mostrando as funções textual, ideacional e com destaque a
interpessoal, tendo em vista que esta é a marca da modalidade. Para
estabelecermos o contato com o nosso interlocutor, precisamos moldar o
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nosso discurso de acordo com nossa maneira de ver a realidade e nossas
intenções.
Essa pesquisa focalizou os verbos na forma plena de grande
ocorrência no corpus. Portanto uma investigação de cunho funcionalista
deve analisa-los. Pois, essa abordagem parece ser mais adequada pelo
fato de no modelo funcionalista a língua ser vista como um instrumento
de interação social e sua principal função ser a da comunicação.
1. MODALIDADE
Ao estudarmos a modalidade, podemos compreendê-la como o
meio pelo qual o enunciador usa o seu discurso em prol de suas intenções.
A expressão de atitude é a marca desse recurso, pois há uma
preocupação com a forma de se emitir um enunciado para que o locutor
transmita sua mensagem e o interlocutor reaja de maneira positiva ou
negativa em relação àquilo que está ouvindo.
Segundo Halliday (1978), há três tipos principais de funções sociais
envolvidas na comunicação: ideacional, textual e interpessoal. Essas
funções são manifestadas como um modo de transmitir o potencial
significativo das representações linguísticas. A função ideacional expressa
o conteúdo do texto para representar o mundo exterior e interior do
sujeito. A função textual envolve o texto nos seus aspectos estruturais e
de formato, deixando o sujeito demonstrar sua experiência por meio de
textos coesos e coerentes no sistema da língua. A função interpessoal
envolve a participação do sujeito na expressão das ações sobre os outros
no contexto social, desencadeando novas ações.
1.1. MODALIDADE DEÔNTICA
Lyons (1977), a modalidade deôntica não descreve um ato em si,
mas um estado-de-coisas que será obtido, caso o ato seja realizado, em
algum tempo futuro. Portanto, está intrinsecamente ligada com a noção
de futuridade. Também, necessariamente, tem que haver uma pessoa ou
instituição que instaura ou cria uma necessidade ou possibilidade que
recai sobre o alvo deôntico, pessoa ou instituição à qual está dirigido o
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valor deôntico instaurado. Categoria gramatical. Exprime diferentes tipos,
e em cada tipo diferentes graus, da atitude do locutor relativamente ao
conteúdo proposicional do seu enunciado e ao seu interlocutor. Os valores
modais podem ser subdivididos em deônticos, epistêmicos e apreciativos.
De acordo com Pinto (1994), a modalidade está inserida na função
interpessoal, pois tem como finalidade a expressão de nossas crenças ou
opiniões a respeito de um determinado assunto, como modo de interação
com as pessoas no mundo, mostrando nossos critérios de verdade e valor.
Há que evidenciar, retomando KOCH (2001), que quando
interagimos através da linguagem temos intenções, objetivos a serem
atingidos, pretendemos, quase sempre, causar reações, comportamentos
no interlocutor.
Neste trabalho nos deteremos no valor deôntico. Os enunciados
com valor deôntico exprimem juízos através dos quais o locutor procura
agir sobre o seu interlocutor impondo (ex.1), proibindo (ex.2) ou
autorizando (ex.3) a realização da situação representada pelo conteúdo
proposicional, num tempo necessariamente posterior ao tempo de
emissão do juízo deôntico. A modalidade deôntica é uma modalidade
intersujeito.
1.1.1. Valor de Obrigação
Um enunciado tem valor modal de obrigação quando o locutor
procura agir sobre o seu interlocutor ou, através do interlocutor, sobre
outro alvo deôntico, impondo a realização, ou proibindo a realização de
uma situação representada pelo conteúdo proposicional. Sendo uma
modalidade deôntica, a obrigação seleciona, em princípio, um conteúdo
proposicional [+Dinâmico]. Constata-se, que algumas situações estativas
que representam propriedades - por exemplo, ser cuidadoso, ser
antipático - podem combinar-se com um valor de obrigação: o sujeito
sintático sobre o qual se predica a propriedade é, nestes contextos,
construído como [+Agente] e o estado passa a ser [+Dinâmico],
adquirindo, características de atividade.
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1.1.2. Valor de permissão
O valor de permissão é um valor deôntico pelo qual o locutor
procura agir sobre o interlocutor, ou, através deste, sobre outro alvo
deôntico, eliminando quaisquer restrições à realização, pelo alvo deôntico,
da situação representada pelo conteúdo proposicional do enunciado, ou da
respectiva situação complementar. Ao contrário do valor de obrigação,
em que o locutor define e procura impor um único caminho, no valor de
permissão o locutor constrói a possibilidade de ser o interlocutor a
escolher, entre vários caminhos definidos pelo locutor. Tratando-se de um
valor deôntico, o conteúdo proposicional deve, em princípio, representar
uma situação [+Dinâmica], sendo o respectivo sujeito sintático
caracterizado como [+Agente].
2. ENFOQUE METODOLÓGICO: PRINCÍPIOS DE COLETA E ANÁLISE
DE DADOS
Primeiro, coletamos anúncios publicitários de revistas e por meio
da internet. Dividimos em duas categorias: anúncios impressos e anúncios
de outdoors. Em seguida, com base na apreciação dos números obtidos,
selecionamos recortes para a análise qualitativa da própria materialidade
discursiva do valor deôntico. Definido o corpus, atribuímos uma referência
a cada anúncio publicitário e organizamos os dados em uma tabela.
Categorizamos a ocorrência, o valor deôntico, a forma de expressão e o
gênero. Feito isso, fizemos os cruzamentos dos dados e analisamos os
resultados. Com análise dos resultados descobrimos qual o valor de
modalidade deôntica mais recorrente.
3. VARIÁVEIS DA MODALIDADE DEÔNTICA UTILIZADAS NA
PESQUISA
1. Valor deôntico
1.1. Proibição
1.2. Permissão sugestiva
1.3. Permissão autorizada
1.4. Permissão concessiva
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1.5. Obrigação
2. Forma de expressão
2.1. Verbo pleno
2.2. Verbo auxiliar Modal
2.3. Adjetivo
2.4. Substantivo
2.5. Advérbio
4. ESCALA DE FREQUÊNCIA DOS FATORES NOS ANÚNCIOS DE
OUTDOORS
1 – Valor deôntico Frequência
1.1 – Proibição 07
1.2 – Permissão sugestiva 48
1.3 – Permissão autorizada 01
1.4 – Permissão concessiva 01
1.5 - Obrigação 02
Resultado: o valor deôntico de permissão sugestiva é
preponderante sobre os demais.
2 – Forma de Expressão Frequência
2.1 – Verbo pleno 46
2.2 – Verbo auxiliar modal 04
2.3 - Adjetivo -
2.4 - Substantivo 07
2.5 - Advérbio 01
Resultado: a forma de expressão de verbo pleno é superior a todas
as outras formas de expressão.
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5. ESCALA DE FREQUÊNCIA CRUZADA NOS ANÚNCIOS DE OUTDOORS
Grupo Frequência
1.2. Permissão sugestiva no
2.1. Verbo pleno 39
1.2. Permissão sugestiva no
2.4. Substantivo 04
1.1. Proibição no 2.1. Verbo Pleno 04
1.2. Permissão sugestiva no
2.2. Verbo auxiliar Modal 03
1.5. Obrigação no 2.1. Verbo pleno 02
1.1. Proibição no 2.4. Substantivo 02
1.1. Proibição no 2.5. Advérbio 01
1.4. Permissão concessiva no 2.2. Verbo auxiliar Modal
01
1.3. Permissão autorizada no 2.1. Verbo pleno
01
Resultado: o valor deôntico de permissão sugestiva expresso na
forma de verbo pleno é de alta frequência nos anúncios de outdoors,
enquanto os demais grupos são de frequência rara (demais grupos da
tabela) ou inexistente (caso dos grupos que não aparecem na tabela por
não existir nenhum caso de ocorrência).
6. CONCLUSÃO ACERCA DO VALOR DEÔNTICO NOS OUTDOORS
A leitura das ocorrências de modalidade deôntica no corpus
apresentado junto às reflexões teóricas, evidencia que existe grande
incidência da modalidade deôntica no valor de permissão sugestiva
expressada no verbo pleno. Este resultado da pesquisa se deve ao fato de
que as marcas de modalidade deôntica na publicidade compreendem a
intenção do anunciante de promover a atitude da concretização do ato de
comprar pelo cliente. Portanto, para persuadir o cliente o anunciante
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sugere uma necessidade do cliente que deve ser contemplada com a
aquisição do produto ofertado. A melhor forma de expressar a satisfação
de uma necessidade é através do uso do verbo pleno, por isso ele é
predominante na ocorrência de modalidade deôntica na publicidade.
7. ESCALA DE FREQUÊNCIA DOS FATORES
1 – Valor deôntico Total de ocorrências Frequência
1.1 – Proibição 05 Rara
1.2 – Permissão sugestiva 14 Alta
1.3 – Permissão autorizada 08 Moderada
1.4 – Permissão concessiva 11 Média
1.5 - Obrigação 07 Baixa
Resultado: o valor deôntico de permissão sugestiva é
preponderante sobre os demais, porém se constata que o valor de
permissão concessiva é também relativamente expressivo. Enquanto que
o de proibição é relativamente baixo em comparação aos demais.
2 – Forma de Expressão Total de ocorrências Frequência
2.1 – Verbo Pleno 18 Alta
2.2– Verbo Auxiliar Modal 25 Alta
2.3 - Adjetivo - Rara
2.4 – Substantivo 02 Baixa
2.5 – Advérbio - Rara
Resultado: a forma de expressão do verbo auxiliar modal é
superior à todas as outras formas de expressão, porém a forma de
expressão que se caracteriza com o verbo pleno é também bastante
utilizada. Enquanto a forma de expressão caracterizada no substantivo é
usada de forma rara.
8. ESCALA DE FREQUÊNCIA CRUZADA NOS ANÚNCIOS IMPRESSOS
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Grupo Frequência
Permissão sugestiva com verbo pleno 32
Permissão sugestiva com substantivo 16
Proibição com Verbo Pleno 23
Permissão sugestiva com verbo auxiliar
modal 39
Obrigação com verbo pleno 25
Proibição com substantivo 07
Proibição com advérbio 05
Permissão concessiva com verbo auxiliar
modal 36
Permissão autorizada com verbo pleno 26
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A leitura das ocorrências de modalidade deôntica no corpus
outdoor apresentado junto às reflexões teóricas evidencia que existe
grande incidência da modalidade deôntica no valor de permissão sugestiva
expressada no verbo pleno. Este resultado da pesquisa se deve ao fato de
que as marcas de modalidade deôntica na publicidade compreendem a
intenção do anunciante de promover a atitude da concretização do ato de
comprar pelo cliente. Portanto, para persuadir o cliente, o anunciante
sugere uma necessidade do mesmo, que deve ser contemplada com a
aquisição do produto ofertado. A melhor forma de expressar a satisfação
de uma necessidade é através do uso do verbo pleno, por isso ele é
predominante na ocorrência de modalidade deôntica na publicidade.
Dessa forma, procuramos estabelecer relações entre o tipo de alvo
deôntico, o tipo de fonte deôntica, os valores instaurados (obrigação –
permissão - proibição), a posição do enunciador na incidência dos valores
deônticos, os tipos de modalizadores deônticos, bem como a Forma de
expressão no discurso publicitário. Para a análise dos dados, adotamos o
enfoque teórico funcionalista, na tentativa de integrar os componentes
sintáticos, semânticos e pragmático-discursivos.
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
Para o exame da manifestação da modalidade dêontica impressa,
utilizamos 20 anúncios publicitários impressos, veiculados em revistas
nacionais. A análise dos dados revelou-nos que a permissão sugestiva é o
valor deôntico mais instaurado nesse tipo de discurso, porém a permissão
concessiva também foi muito utilizada nos impressos. A forma de
expressão mais utilizada foi o verbo auxiliar modal, porém o verbo pleno
também apresentou alta frequência de uso. Quanto ao alvo deôntico,
constatamos que a maior parte dos valores instaurados incide sobre o
indivíduo. A opção por um posicionamento de exclusão do enunciador da
incidência dos valores instaurados foi a que adquiriu maior relevo, uma
vez que, em grande parte, os falantes instauram obrigações, permissões
ou proibições sobre os outros. Sendo assim, a modalidade deôntica se
presta à persuasão do leitor-consumidor como alvo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DIK. C. S. The Theory of Funcional Grammar. Vol. 1. Ed by Hengeveld (Kees) Berlin,
1997a.
HALLIDAY, M. A. K. An Introduction to Functional Grammar. Baltimore: 2004.
LYONS, John. Semantics. Vol. 2. Cambridge: Cambridge University Press, 1977.
PESSOA, Nadja Paulino. Modalidade deôntica e persuasão no discurso publicitário.
2007.
PINTO, Milton José. As marcas linguísticas da enunciação. Esboço de uma gramática
enunciativa do português. Rio de Janeiro, 1994.
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
SEÇÃO 6
PLANOS DISCURSIVOS FIGURA E FUNDO EM CORPUS
LITERÁRIO
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HILDA HILST: AUTORA DE FUNDOS
Tito de ANDRÉA MACHADO
Resumo: O artigo abaixo tem como objetivo discutir as relações entre figura e fundo na
Literatura contemporânea colocando em comparação os mesmos em relação com a
Literatura tradicional. A partir do romance A obscena senhora D de Hilda Hilst o texto se
constrói querendo demonstrar que o que era chamado fundo na Literatura tradicional,
agora, na contemporânea tornou-se figura: a linguagem, a elocução e o que era figura, o
enredo, a história, transmutou-se em fundo.
Palavras-chave: figura; fundo; Hilda Hilst; literatura; mudança.
INTRODUÇÃO
A arte contemporânea vem lançando novos paradigmas críticos. As
mudanças nas formas de pensar e realizar as obras vem pedindo dos
leitores e críticos que repensem as problemáticas levantadas por essa arte
que se reconstrói (BURRIAUD, 2009). Para a Literatura, é preciso observar
em quê e onde ela se diferencia do que foi.
Discutir a essência da diferenciação entre Literatura contemporânea
e Literatura tradicional, não é o objetivo de nosso artigo, mas tanger a
questão por alguns instantes permitirá solucionar alguns questionamentos
que possam vir a surgir. Contentar-nos-emos, então, em diferenciar
características básicas como as relações de enredo e de construção da
obra.
O enredo fragmentado não é uma invenção da, assim chamada,
pós-modernidade. Não. Machado de Assis (2010), por exemplo, é um
autor de textos fragmentados. Victor Hugo (1997), em seu romance O
último dia de um condenado à morte também constrói um romance
baseado em fragmentos. O que pode-se dizer é que a Literatura
contemporânea aprofundou as relações de fragmentação e nulidade dos
enredos. Essa nulidade é outra característica importante. Houve um
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
esvaziamento das narrativas, houve uma desconstrução dos gêneros
(BLANCHOT, 2011), esses prenúncios literários de fragmentação foram
aprofundados e exacerbados pela Literatura contemporânea.
Ainda sobre esse esvaziamento, é preciso falar das relações da
história que será contada. Literatura é uma forma de criar histórias e
mundos (DELEUZE, 2008, BLANCHOT, 2005). As formas como esse
mundo será criado mudarão bastante nessa transição entre esses períodos
formais e menos formais. O enredo, outrora, para o que estamos
chamando de Literatura tradicional, era o centro de importância, o ponto
de destaque. Lê-se para conhecer a história, saber o que ocorre, penetrar
num mundo de fatos ficcionais, mas fatos. O enredo era a figura e o fundo
para essa construção era a linguagem literária.
A nossa hipótese, aqui, é mostrar que, na vertente literária que está
instaurada em nossa contemporaneidade, a figura, a parte mais
importante do texto, o que se torna mais saliente ao olhar já não é, como
antes, o enredo, mas sim a linguagem. O ―como dizer‖, o ―o que é dito‖,
as estruturas de fala, os jogos linguísticos estabelecidos tornaram-se
ponto principal e figura das narrativas, sendo, finalmente, emolduradas
pela história narrada.
Aprofundemos a discussão:
1. FUNDAMENTOS TEÓRICOS
Como foi dito, acima, o objetivo deste trabalho é demonstrar a
diferença entre o que foi figura/fundo na Literatura e o que hoje é. Para
tanto, precisamos de um aparato teórico de duas áreas. Aqui, estaremos
trabalhando com a linguística funcionalista e com a crítica contemporânea.
No que permeia a Literatura, na nossa discussão, nos
fundamentamos na crítica contemporânea, em autores como Deleuze e
Blanchot, que falam sobre o apagamento e o esvaziamento dos enredos e
das novas formas de encarar a Literatura. Sobre essas relações já
discutimos na sessão anterior de nosso trabalho. Passemos para as
discussões linguísticas em si, pois, apesar de estarmos falando sobre
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
Literatura, é na Linguística que nossa discussão se aprofunda e é lá onde
travaremos nossa batalha mental.
Usaremos como base de nosso trabalho, os conceitos da Linguística
funcionalista estadunidense, principalmente os conceitos de Gívon,
abordados por Mariangela Rios de Oliveira e Maria Maura Cezario e por
Priscila Thaiss da Conceição, esta em sua dissertação de mestrado e
aquelas em artigo onde tomam essas bases teóricas. Partiremos da visão
das autoras sobre os conceitos teóricos que abordaremos.
Figura e fundo são termos emprestados da Gestalt, corrente da
psicologia que trabalha com a recepção e suas formas. Priscila Thaiss da
Conceição diz que para Koffka: ―figura, destaca alguns elementos em
relação à neutralidade de um outro plano, o Fundo, que serve de moldura
para a Figura, determinando-a.‖ ( 2010, p. 27). Essa citação é bem
oportuna, pois define bem o que pretendemos trabalhar.
A Linguística funcionalista toma esse conceito emprestado e o aplica
a seu objeto de análise, a língua. Figura, dentro dessa perspectiva, seria
então aquilo mais saliente, aquilo mais importante na fala ou no texto e
fundo aquilo que funciona como moldura para o que eu estou falando.
Outro conceito que nos será caro será o da iconicidade. O princípio
prega que o produtor da sentença a produz com o fim de tornar sua
construção mais próxima daquilo que ela decide representar. Por exemplo,
em uma narrativa cotidiana onde contamos como foi o nosso dia, uma
forma de começar a contar os ocorridos seria por sucessão cronológica:
contaríamos primeiro os acontecidos da manhã, depois da tarde, depois os
da noite. Assim, a forma obedece iconicamente ao modo como a coisa
narrada aconteceu.
Outro caminho escolhido seria o de contar por ordem de importância
aquilo que ocorreu. Assim, elegeríamos os itens mais importantes e os
colocaríamos em uma ordem icônica que iria do mais importante para o
menos importante, normalmente.
Essas possibilidades não são imposições, e sim, uma generalização
daquilo que ocorre na normalidade. A iconicidade prova que as
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
construções linguísticas não são caóticas, obedecem a uma lei mais ou
menos maleável que rege a construção do sentido. Dizer isso é dizer que
para fazer sentido nossa linguagem se torna icônica, tomando formas de
complexidade e ordem parecidas com aquilo que queremos dizer.
Essa lei não é eterna e não engessa a língua, podendo ser vertida e
pervertida de acordo com o falante, mas essa perversão da linguagem não
acarreta em caos, como seria com a desregração das leis físicas. Esses
―desvios‖ são conscientes e contribuem para a riqueza da língua.
Para encerrar essa etapa de nossa produção diremos que a
Literatura é a principal construtora dessa desregra. Ela é responsável por
fazer flutuar os significantes e fazer dançar os significados. Para Deleuze
(2008) a Literatura não representa um mundo, o apresenta. Essa
diferença é crucial, pois confere à linguagem um poder criador eterno que
pode fazer o que deseja. O escritor, para Blanchot (DATA), possui apenas
o infinito. Então leis físicas e lingüísticas estão ambas passíveis de delírio
e perversão, veremos.
2. METODOLOGIA
Através da leitura de textos e de sua comparação, pretendemos, no
artigo corrente, desenvolver uma análise qualitativa baseada em
diferentes períodos da Literatura.
Utilizando, como já foi mencionado a Linguística funcionalista, como
base teórica, associada a nossa leitura de diversos autores dos períodos
que pretendemos colocar em comparação, procuramos comprovar as
mudanças de figura e fundo ocorridas na contemporaneidade.
Tomamos aqui, para ser o centro de nosso olhar crítico a autora
brasileira Hilda Hilst – mais precisamente seu volume A obscena senhora
D (2001) –, mas não apenas ela. Tomamo-nos o direito de usar outros
autores para exemplificar a proposta quando nos for oportuno.
A proposta então se configura em – como já dissemos – uma análise
qualitativa das questões de figura e fundo partindo da Literatura,
principalmente de Hilda Hilst (2001), usando seu romance, para
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
demonstrar a mudança de perspectiva que a Literatura contemporânea
vem tomando ao colocar como parte mais saliente de sua produção a
própria linguagem e deixar, como moldura, a história em si.
Iniciemos:
3. ANÁLISE
A idéia que pretendemos desenvolver aqui parte, como já foi dito,
de que há uma diferença entre o que decidimos chamar de Literatura
tradicional, onde o enredo é o centro, a principal coisa observada, a
figura, daquilo que está sendo contado e a linguagem, a forma de contar é
a moldura, margem, fundo da narrativa.
Em autores tradicionais como Balzac (1995), por exemplo, em seu A
mulher de trinta anos, podemos perceber claramente o objetivo formal da
história que quer ser contada. O enredo complexo, os muitos dilemas dos
personagens, tudo é demonstrado a partir da rica escrita do autor, que
usa sua linguagem como fundo para sua escrita. O importante ali é,
também, como Balzac conta sua história, mas não é o central, a história
contada é o mais importante. O que ocorre? Como ocorre? Com quem
ocorre? As respostas dessas perguntas salientam a figura.
Na Literatura tradicional há, pois, um modelo tradicional de
romance, com começo, meio e fim, com personagens vivendo algo. O
modelo aristotélico de literatura, que a compreendia como mímesis, como
uma forma de mostrar o real – mesmo que inventado –, que propunha
uma peripécia, algo que devesse ser vivido.
Dentro dessa perspectiva de arte, podemos dar como exemplo a
pintura, as cores, numa perspectiva clássica, são o fundo para a imagem
que surge, obviamente a figura. O objetivo, dessa pintura que
imaginamos, é mostrar a imagem final, o produto: a pintura. Hoje, na
pintura – assim como na Literatura – há uma inversão, artistas como
Jackson Pollock dão às cores um espaço central, ao desconstruir a idéia
que a pintura precisa passar uma imagem.
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
Voltemos nosso olhar à Literatura e percebamos que essa inversão é
verdadeira, também aqui. O enredo se esvazia e perde sua importância,
questiona-se a idéia de que é preciso contar algo ou que a arte serve para
demonstrar ou espelhar a realidade. Deleuze (2008) diz que a Literatura é
uma forma de construir, a partir da linguagem, um mundo novo, mas não
para chegar ao ―mundo real‖ à ―memória‖ e sim para instituir e apresentar
esse novo mundo. Blanchot (2005) compara a linguagem literária ao
canto das sereias que leva o homem atento e apaixonado ao afogamento
e seu eventual devoramento pela sereia-linguagem-literatura, é preciso
abandonar o mundo e se envolver se deixar levar, esquecer.
O que ocorre, então, é uma destruição do padrão vigente, mas não
tomamos destruição aqui no sentido popular cotidiano do termo, tomamos
o conceito de Heidegger (2009) que diz que destruir algo não é deixá-lo
em ruínas, mas sim abri-lo para uma nova forma de observação, permitir
que fale de uma nova forma. Tomando esse olhar destruidor, colocamos
em foco a Literatura que não quer mais dizer uma coisa, não quer mais
ensinar nada, não se presta a construção de um saber, não pode mais ser
tangida por explicações (BARTHES, 2004).
Dizíamos que, em Literatura, o que a linguística funcionalista
chamou de figura e fundo, vinha sendo este a linguagem e aquele o
enredo. Mas, com as mudanças ocasionadas com as fragmentações que a
pós-modernidade causou como a perda de contornos e a incapacidade de
se situar como um ―eu‖ único e formado (BAUMAN, 2004) e a
possibilidade de ―não-lugares‖ (AUGÉ, 2004) locais de trânsito com os
quais não se estabelece vínculo, a Literatura destruiu os enredos e os
acontecimentos miméticos. O importante agora é mostrar o delírio,
construir um mundo da linguagem e não um com ela.
Os enredos então se tornam forma de justificar aquela linguagem,
aquela desconstrução. O enredo passa a ser moldura, ele é o que constrói
o mundo onde se espraia e se mostra a linguagem, agora em destaque,
agora figura. Tomemos, agora, o exemplo de Hilda Hilst (2001).
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Nele, a autora constrói uma história voltada para o delírio e para a
desconstrução. A história, por si só, é bastante simples, Hillé, a
personagem principal perde o contato com a realidade e passa a procurar
pela razão das coisas debaixo do vão de sua escada, lugar aleatório tão
bom quanto qualquer outro para iniciar uma busca, após a morte de seu
marido Ehud, seu quadro piora e ela passa a, definitivamente morar lá,
debaixo da escada que liga a porta de entrada à casa propriamente dita.
Hillé passa a morar então nesse espaço de transição, o vão da porta e da
escada, onde confecciona máscaras que usa para assustar vizinhos que a
incomodam.
O enredo vai-se mostrando aos poucos, mas é de fácil inferência e a
ele cabe a justificativa àquele discurso. O discurso de Hillé, sua fala louca,
sua perturbação, sua insanidade, seus devaneios são aquilo que se coloca
em foco.
O fundo serve para dar o contorno daquilo que é mais importante,
de essencial. Nesse caso, da narrativa da escritora, percebemos
nitidamente que o mais importante ali é o que está sendo dito, a forma
como a coisa está sendo dita, o devaneio poético, a linguagem sedutora, o
canto de sereia maligno que leva à loucura de Hillé e do leitor tragado
pela leitura.
A linguagem é a figura, é nela que nos deleitamos, é ela que nos
confunde, que nos prega peças, que nos faz pensar. É a linguagem de
Hillé, a personagem principal da trama, sendo Hillé apenas uma desculpa
para que aquele discurso poético se concretize, Hillé torna-se sua
linguagem, sua loucura, sua nudez poética demonstrada em discurso
destruído, derrelido.
Percebemos então uma mudança visível entre as duas formas de
conceber e de tratar o texto literário. Numa perspectiva tradicional a
linguagem se configura como o fundo, aquilo que sustenta o que é dito,
aquilo que permite uma saliência. Por sua vez, a Literatura
contemporânea – pós moderna – se mostra como esvaziadora dos
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sentidos, dos saberes, dos enredos quando os transfere para o fundo e dá
o local de destaque para a elocução e o delírio literário.
4. DISCUSSÃO
Retomando o que foi dito, esse trabalho tem o objetivo de abrir
portas para uma discussão a respeito da questão figura e fundo na
Literatura contemporânea, a partir da idéia de uma revolução no que se
convencionara perceber como fundo e figura na Literatura tradicional.
A idéia de que, nos textos tradicionais, Balzac (1995), por exemplo,
o centro é a história, a vida dos personagens, o que pensam e o que
fazem. Sendo aí, a elocução apenas a forma de transmitir isso, assim
como na pintura clássica, as cores eram apenas mecanismos para a
construção da imagem pictórica final. Hoje, podemos perceber, haver uma
mudança na questão da forma artística e a Literatura não fica de fora
desse sistema. A mudança operada é a da saliência. A base da Literatura,
a língua, as palavras, a construção, o discurso poético, torna-se o foco, a
figura. O enredo passa a ser aquilo que justifica o surgimento dessa
linguagem, dessa fala.
No texto de Hilda Hilst (2001) temos um plano de fundo bem
simples do ponto de vista aristotélico, há pouca ação, uma mulher louca
debaixo da escada assustando, esporadicamente, os vizinhos. O texto se
aprofunda e se mostra colorido, nas palavras da personagem, no seu
conflito com Deus e com a loucura, nos tratos com o marido morto, enfim,
na forma como se expressa.
Podemos então perceber, aí, esse câmbio entre figura e fundo e não
esperamos, aqui, encerrar a discussão, mas abri-la, expandi-la e construir
mais questionamentos para que possamos melhor elucidar o assunto.
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco; Poética. Volume 2. 4 ed. São Paulo: Nova Cultural,
1991.
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Abril, 2010.
89
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
AUGÉ, Marc. Não lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. 4ª ed.
Campinas, SP: 2004.
BALZAC, Honoré de. A mulher de trinta anos. São Paulo: Nova cultural, 1995
BARTHES, Roland. O prazer do texto. 4 ed. São Paulo: Perspectiva, 2008
BAUMAN, Zygmunt, Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de
Janeiro: Zahar, 2004.
BLANCHOT, Maurice. A parte do fogo. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
BLANCHOT, Maurice. O espaço literário. Rio de Janeiro: Rocco, 2011.
BLANCHOT, Maurrice. O livro por vir. São Paulo: Martin, 2005
BOURRIAUD, Nicolas. Estética relacional. São Paulo: Martins, 2009.
CONCEIÇÃO, Priscila Thaiss. Planos discursivos em diferentes níveis de
escolaridade: estudo de recontagem de Figura e Fundo. Dissertação de Mestrado em
Linguística apresentada à Coordenação dos Cursos de Pós-Graduação da Faculdade de
Letras da UFRJ, 2010,
DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. São Paulo: Ed. 34, 2008
HEIDEGGER, Martin. O que é isto – a filosofia; Identidade e diferença. 2 ed. –
Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
HILST, Hilda. A obscena senhora D. São Paulo: Globo, 2001.
HUGO, Victor. O último dia de um condenado à morte. Rio de Janeiro: Newton
Compton Brasil ltda, 1997.
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
OS PLANOS DISCURSIVOS FIGURA E FUNDO NO CONTO “UM ROUBO”, DE MIGUEL TORGA
Lídia Barroso GOMES
Madjer Raniery de Souza PONTES Vanessa Silva ALMEIDA
Resumo: Este trabalho tem como objetivo analisar os planos discursivos Figura e Fundo
no conto ―Um Roubo‖, contido no livro Contos da Montanha, do escritor português
regionalista Miguel Torga. Para isso, selecionamos um número de 105 orações dentro do
conto e analisamos segundo os conceitos de transitividade da gramática funcional
propostos por Hopper e Thompson (1980), Silveira (1990), Silva (2007) e Conceição
(2010). O motivo pelo qual nos apoiamos nestes autores é o fato de os planos
discursivos Figura e Fundo terem estreita relação com os conceitos de transitividade da
Linguística Funcional. Cinco variáveis foram consideradas na análise do corpus: estrutura
narrativa, plano discursivo, aspecto verbal, modalidade e tipo de predicado. Observamos
que em textos narrativos as cláusulas-fundo ocorrem mais frequentemente do que
cláusulas-figura, pois a Figura constitui a estrutura básica da narrativa contendo mais
verbos perfectivos na modalidade realis, enquanto que o Fundo é constituído por verbos
imperfectivos na modalidade irrealis e desenvolvem a Figura.
INTRODUÇÃO E OBJETIVOS
A comunicação humana, ao longo do século XX, especificamente a
partir do Circulo Linguístico de Praga, vem sendo um dos temas mais
discutidos no campo da Linguística. A língua, sob a perspectiva
funcionalista, passa a ser tratada com mais dinamicidade, por levar em
consideração não apenas o uso da norma culta no ato comunicativo, mas
também elementos que outrora não eram considerados como relevantes
em seu estudo, como por exemplo, o uso que os falantes fazem dela, a
intenção do emissor ao produzir uma mensagem dentre outros. Motivados
por estas questões é que nos propomos a tratar sobre os planos
discursivos Figura e Fundo.
Os planos discursivos Figura e Fundo têm sido amplamente
discutidos nos estudos de Linguística Funcional. Autores como Hopper e
Thompson (1980) e Silveira (1990) se dedicaram ao estudo desses fatores
como sendo recorrentes na língua considerando o seu uso real.
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
Hopper e Thompson (1980) relacionam os planos discursivos Figura
e Fundo com a transitividade (esta envolvendo todos os componentes da
oração, diferentemente da Gramática Tradicional, que concebe a
transitividade como uma característica somente do verbo). Silveira
(1990), por sua vez, amplia o conceito de Figura e Fundo concebido por
Hopper e Thompson (1980) e estabelece 5 níveis diferentes para o plano
Fundo, que vão do mais próximo da Figura ao mais distante.
Segundo Silveira (1990), a Figura é o plano mais saliente da
narrativa e Fundo é o que funciona como uma moldura para a Figura, ou
seja, o que está em volta dela apresentando circunstâncias, cenários,
personagens, falas, etc.
Esses planos discursivos são significativamente estudados em
narrativas tanto orais como escritas. Nesse sentido, nosso trabalho se
debruçará sobre a narrativa escrita e tem o objetivo de analisar a
configuração dos planos discursivos Figura e Fundo no conto ―Um Roubo‖
do escritor português Miguel Torga.
1. METODOLOGIA
Para realizar este trabalho, fizemos a leitura do conto ―Um Roubo‖,
de Miguel Torga e selecionamos um número de 106 orações para compor
o nosso corpus. De posse do corpus, elaboramos uma tabela com todas as
orações enumeradas a partir do número 1 ao 106 e estabelecemos as
variáveis sob as quais as orações foram analisadas. As variáveis foram:
estrutura narrativa (orientação, complicação, ação e resolução), plano
discursivo (Figura e Fundo), aspecto verbal (perfectivo e imperfectivo),
modalidade (realis e irrealis) e tipo de predicado (ação e não-ação).
Após classificarmos todas as orações dentro das variáveis
supracitadas, calculamos as frequências simples de cada grupo de fatores,
relacionamos esses fatores entre si e organizamos os resultados em
tabelas que serão gradativamente mostradas no decorrer deste trabalho.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
Este trabalho está fundamentado nos conceitos de Hopper e
Thompson (1980; apud SILVA, 2007; CONCEIÇÃO, 2010), Silveira (1990;
apud SILVA, 2007; CONCEIÇÃO, 2010).
3.1 Figura e Fundo
Hopper e Thompson (1979; apud CONCEIÇÃO, 2010) considera
Figura como sendo o plano mais saliente da narrativa, ou seja, o mais
simples morfossintaticamente e, consequentemente, mais simples para o
ouvinte/leitor identificar. O plano de Fundo, por sua vez é, ainda segundo
Conceição (2010), o mais periférico, que apresenta uma estrutura
morfossintática mais complexa.
Determinados aspectos caracterizam Figura e Fundo, como por
exemplo: a presença de verbos punctuais, afirmativos e no aspecto
perfectivo caracterizam Figura, enquanto verbos durativos e estativos,
que indicam ações incompletas (aspecto imperfectivo) caracterizam
Fundo.
Além desses aspectos, outros são considerados quando os planos
discursivos Figura e Fundo são discutidos. Hopper e Thompson (1980;
apud SILVA, 2007) associam esses planos com a transitividade das
orações. Segundo esses autores, quanto mais transitiva for a cláusula,
mais efetiva é a ação e sendo a ação mais efetiva, tende a funcionar no
plano da Figura. As cláusulas que funcionam no plano de Fundo são
menos transitivas.
É importante observar que Hopper e Thompson (1980; apud
SILVA, 2007) demonstram que uma oração inteira pode ser mais ou
menos transitiva, o que difere da abordagem tradicional, que considera
somente os verbos como sendo dotados de transitividade. Assim, para
estes autores, todos os componentes da oração são considerados dentro
da noção de transitividade.
A noção de transitividade em Hopper e Thompson (1980; apud
SILVA, 2007) envolve uma série de fatores que influenciam o conceito de
Figura e Fundo, tais como participantes, cinese, aspecto verbal,
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punctualidade, volitividade, agentividade, modalidade, polaridade,
afetamento do objeto e invidualização do objeto.
Segundo as definições de Hopper e Thompson (1980; apud SILVA
2007), Silva (2007: 53) organiza a tabela a seguir para demonstrar as
características de cada um desses fatores em relação à efetividade da
ação, e consequentemente, aos planos de Figura e Fundo.
COMPONENTES ALTA
TRANSITIVIDADE
BAIXA
TRANSITIVIDADE
Participantes Dois ou mais (Agente e
Objeto) Um
Cinese Ação Não-Ação
Aspecto Télico Atélico
Punctualidade Pontual Não-Pontual
Volitividade Proposital Não-Proposital
Polaridade Afirmativa Negativa
Modalidade Realis Irrealis
Agentividade Mais Agente Menos Agente
Afetamento do
Objeto
Objeto totalmente
afetado
Objeto parcialmente
afetado
Individualização do Objeto
Objeto muito individualizado
Objeto pouco individualizado
A alta transitividade está, portanto, associada ao plano da Figura e
a baixa transitividade, por sua vez, ao plano de Fundo.
Conceição (2010) formula diferenças entre Figura e Fundo. A
autora defende que ―os eventos de Figura se sucedem uns aos outros na
narrativa na mesma ordem em que os fatos se sucederam no mundo real
(...) [e] os eventos de Fundo concorrem com os de Figura, ampliando-os
ou comentando-os.‖ (CONCEIÇÃO, 2010: 29)
Esta diferença diz respeito à sequencialidade das ações. Porém,
Hopper e Thompson (1979; apud SILVA, 2007; CONCEIÇÃO, 2010)
destacam ainda que eventos de Figura são mais dinâmicos, sendo os
verbos pontuais e perfectivos mais predominantes. Eventos de Fundo, em
contrapartida, são menos dinâmicos e possuem verbos durativos ou
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estativos e imperfectivos. Além disso, propõem que eventos de Figura são
narrados, enquanto eventos de Fundo não os são.
Conceição (2010: 30) elabora uma tabela na qual diferencia os
planos de Figura e Fundo:
FIGURA FUNDO
Perfectivo Imperfectivo
Sequência cronológica Simultaneidade e superposição
cronológica de uma situação C com o
evento A e/ou B
Visão do evento como um todo, do qual a completude é um pré-
requisito necessário para o evento subseqüente.
Visão de uma situação ou acontecimento
do qual a completude não é um pré requisito necessário para os eventos
subsequentes
Identidade do sujeito com cada
episódio discreto. Frequentes mudanças de sujeito
Distribuição não-marcada do foco na oração, com pressuposição do
sujeito e asserção no sujeito e seus complementos imediatos
Distribuição do foco marcada, por
exemplo, foco no sujeito, foco na
sentença adverbial
Tópicos humanos Variedade de tópicos, incluindo
fenômenos naturais
Eventos dinâmicos, cinéticos Situações estáticas, descritivas
Realis Irrealis
Além de todos os fatores mencionados acima, Silveira (1990; apud
SILVA 2007; CONCEIÇÃO, 2010) amplia a noção de Fundo de Hopper e
Thompson (1979). Segundo a autora, nem todos os tipos de fundo podem
ser considerados em um mesmo nível. Há aqueles que se aproximam mais
do plano de Figura e outros que se aproximam menos. Sendo assim, a
autora estabelece cinco níveis diferentes para o plano de Fundo, que vai
do mais próximo da Figura ao mais distante.
Silva (2007) comenta os cinco níveis estabelecidos por Silveira
(1990), dizendo que o 1º nível está mais próximo da Figura, por conter
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
informações concretas sobre o evento, como a apresentação do evento,
do cenário, dos participantes e da fala dos participantes. O 2º nível é um
pouco mais abstrato do que o 1º e apresenta o âmbito em que os fatos
ocorreram através de circunstâncias (tempo, modo e finalidade). O 3º
nível é onde ocorre a especificação de referentes e de processos-ação.
Este nível é mais elaborado linguisticamente e é comum a presença de
orações subordinadas adjetivas e orações subordinadas substantivas. O 4º
nível engloba as inferências dos fatos que estão sendo narrados (causa,
consequência e adversidade). Afastam-se do evento pelo fato das
inferências de cada ouvinte/leitor serem diferentes. O 5º nível, por fim, é
o mais abstrato de todos e diz respeito às interferências do falante na
narrativa (expressão de opinião, resumo, dúvida, conclusão e canal2).
Conceição (2010: 32) organiza esses conceitos de Silveira (1990)
em uma tabela na qual especifica os cinco níveis de fundidade
estabelecidos por Silveira (2010):
Categoria
Grau de
Objetividade (do mais icônico
para o menos icônico)
Como são
Tipo de cláusula-Fundo (relação
funcional entre as cláusulas
Fundo 1
mais próximo do
real, mais
concreto
cláusulas-Fundo que apresentam
informações
concretas sobre o evento
Apresentação do evento;
Apresentação do cenário;
Apresentação dos
participantes; Apresentação da
fala dos participantes.
Fundo 2
ainda próximo do
real, mas mais abstrato.
cláusulas-Fundo que, através de
circunstâncias, especificam o
âmbito em que
Especificação de tempo;
Especificação de modo;
Especificação de 2 De acordo com Silva (2007) o falante/narrador tenta atrair a atenção do ouvinte para o que está sendo
narrado por meio de perguntas que inserem o ouvinte/leitor na narrativa.
96
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
os fatos se deram
finalidade.
Fundo 3
Próximo da
estrutura do texto (mais abstrato e
Elaborado linguisticamente)
cláusulas-Fundo que especificam
vocábulos da
cláusula anterior
Especificação de referente;
Especificação de
processo/ação
Fundo 4
Próximo da interpretação do
falante ao assistir ao evento
cláusulas-Fundo que especificam
relações inferidas dos fatos
narrados
Especificação de
causa; Especificação de
consequência; Especificação de
adversidade.
Fundo 5 próximo do ato de
narração
cláusulas-Fundo
que apresentam interferências do
falante no evento
que está narrando
Apresentação de
opinião; Apresentação de
resumo; Apresentação de
dúvida;
Apresentação de conclusão;
Apresentação de canal.
Todos esses aspectos e conceitos serão levados em consideração
no momento da análise do corpus da nossa pesquisa.
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Observamos no corpus analisado que os planos discursivos Figura e
Fundo se apresentam da seguinte maneira: Figura apresenta menor
predominância em todo o conto, das 105 ocorrências, apenas 27,62% são
Figuras, o que confirma nossa hipótese inicial em que supomos que por
ser a estrutura básica do texto, ocorreria com menos frequência. Com
relação ao plano discursivo Fundo vemos que este apresenta maior
predominância por ser aquilo que se desenvolve a partir da Figura, ou
seja, 72,38% do total de ocorrências representam Fundo.
Com relação a nossa primeira variável, que é a estrutura narrativa,
percebemos que a ação comporta o maior número de ocorrências dos
planos discursivos tanto Figura quanto Fundo. Os resultados podem ser
visualizados na tabela 1:
97
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
Tabela 1: Estrutura Narrativa
Ocorrên
cias
Orientação (Total/Perce
ntual)
Complicação (Total/Perce
ntual)
Ação (Total/Perce
ntual)
Resolução (Total/Perce
ntual)
Figura 3 (14,28%) 7 (43,75%) 15 (25,87%) 3 (30%)
Fundo 1 5 (23,80%) 1 (6,25%) 11 (18,96%) 3 (30%)
Fundo 2 3 (14,28%) 1 (6,25%) 8 (13,80%) 3 (30%)
Fundo 3 5 (23,80%) 3 (18,75%) 8 (13,80%) 0 (0%)
Fundo 4 1 (4,76%) 0 (0%) 2 (3,44%) 1 (10%)
Fundo 5 4 (19,04%) 4 (25%) 14 (24,13%) 0 (0%)
Total 21 (100%) 16 (100%) 58 (100%) 10 (100%)
Considerando que a orientação, a complicação e a resolução são as
partes mais curtas da estrutura narrativa podemos observar que os
resultados são proporcionais, enquanto a ação por ser a parte mais
central da narrativa, consequentemente mais longa, comporta mais
ocorrências.
Considerando a variável aspecto verbal percebemos que a presença
de verbos imperfectivos é muito mais recorrente devido ao número de
cláusulas-fundo ser maior, pois de acordo com Silveira (1990), nas
narrativas por serem apresentadas sequências de eventos o discurso
impõe uma interpretação perfectiva em eventos-figura.
Consequentemente, os verbos perfectivos aparecem com menos
frequência.
Porém, observamos que as cláusulas de Fundo 1 ou Fundo 2
podem aparecer com verbos perfectivos por estarem mais próximos da
Figura3, como no exemplo abaixo:
(1) “Foi numa noite medonha, cheia de água e gelada4 que o
Faustino assaltou a Senhora da Saúde.” (TORGA, 1996: 27)
A parte grifada representa Fundo 2. De acordo com Silveira (1990),
Fundo 2 ainda está próximo à Figura, porém, um pouco mais abstrato. No
3 Destacamos que ocorrências deste tipo são raras.
4 Grifo nosso.
98
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
exemplo acima vemos que apesar do verbo ―foi‖ está no pretérito perfeito,
e por isso perfectivo, a oração não é uma cláusula-figura, mas uma
cláusula-fundo. A cláusula-figura é a oração posterior.
Em relação à variável modalidade observamos que ela tem
intrínseca relação com o aspecto verbal, sendo que as ocorrências de
verbos imperfectivos equivalem as ocorrências de modalidade irrealis e as
ocorrências de verbos perfectivos equivalem as ocorrências de modalidade
realis.
Abaixo, relacionamos o aspecto verbal e a modalidade na tabela 2,
por termos obtido os mesmos resultados para as ocorrências de ambos:
Tabela 2: Aspecto Verbal e Modalidade
Aspecto
Modalidade
Ocorrência Percentual
Perfectivo
Realis
36 34,28%
Imperfectivo
Irrealis
69 65,71%
Total 105 100%
Finalmente, temos a variável tipo de predicado. Observamos que
69,52% do total de ocorrências são predicados não-ação, o que
demonstra que por se tratar de uma narrativa os eventos acontecem em
sequência e as situações são apresentadas em progresso. Vejamos os
exemplos abaixo:
(2) ―Há tempos já que a ideia desse roubo o obcecava (...)‖
(TORGA,1996:27)
(3) ―Infelizmente, a Senhora da Saúde não ficava logo ali.‖
(TORGA,1996:30)
99
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
(4) ―A caixa das esmolas estava ao fundo, enterrada na parede
(...)‖ (TORGA, 1996:33)
(5) ―(...) caminhava5 pela capela abaixo com a indignada razão.‖
(TORGA, 1996:34)
Observamos que todos os verbos nos exemplos acima estão no
pretérito imperfeito o que indica um evento em progresso, caracterizando
um predicado não-ação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em suma pudemos concluir que nas narrativas as cláusulas-fundo
são mais recorrentes e, consequentemente, tudo que se relaciona com as
cláusulas-fundo. A Figura, por constituir a base da narrativa, ocorre com
menos frequência e é caracterizada por verbos de ação, sendo esses
verbos perfectivos na modalidade realis, enquanto que no plano discursivo
Fundo ocorre o inverso: é caracterizado por verbos de não-ação,
imperfectivos na modalidade irrealis. Porém, houve uma ocorrência em
nosso corpus de o verbo ser perfectivo na modalidade realis e funcionar
como Fundo, como no caso do exemplo 1.
Esperamos com este trabalho contribuir para futuras pesquisas a
respeito de planos discursivos em narrativas literárias, pois consideramos
a interdisciplinaridade entre Linguística e Literatura de fundamental
importância para o estudo do funcionamento da linguagem.
REFERÊNCIAS
CHEDIER, Carolina Moreira. Perfil de figura fundo em crianças com e sem queixas
escolares. 2007. Dissertação (Mestrado em Letras) - Centro de Humanidades,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007.
CONCEIÇÃO, Priscila Thaiss. Planos Discursivos em Diferentes Níveis de
Escolaridade: Estudo de Recontagem de Figura e Fundo. 2010. Dissertação
(Mestrado em Letras) – Centro de Humanidades, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
2010.
SILVA, Anderson Godinho. Orações modais: uma proposta de análise. Rio de Janeiro,
Faculdade de Letras/UFRJ, 2007. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa.
5 Grifos nossos.
100
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
________. A Transitividade e os Planos Discursivos Figura e Fundo nas Orações
Subordinadas Adverbiais Modais. Cadernos do CNLF, Série X, nº10, s/d.
SOARES, Paulo Monteiro. Planos Discursivos em Sambas de Enredos Numa Perspectiva
Histórica. Cadernos do CNLF, anais, nº 5, s/d.
TORGA, Miguel. ―Um Roubo‖. In: Contos da Montanha. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1996.
101
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
PLANOS DISCURSIVOS NOS CONTOS DE CLARICE LISPECTOR: UMA ANÁLISE FUNCIONAL
Gabriela Roberto do Vale ALVES
Mayara de Souza FERREIRA
Resumo: Esse artigo irá analisar planos discursivos a partir da oposição Figura e Fundo
nos contos ―Tentação‖ e ―A Solução‖, inclusos no livro A Legião Estrangeira (1980) de
Clarice Lispector. Valemo-nos de teóricos como Labov (1967) e Adam (1984) a fim de
obtermos os conceitos e definições de sequência narrativa numa perspectiva funcional.
Recorremos também a Hopper (1979), para fundamentar o conceito de Figura e Fundo.
Nosso objetivo é identificar que plano discursivo predomina na narrativa, em que
estruturas do conto (orientação, complicação, ação, resolução e moral), proposições
nomeadas por Labov (1967), são mais frequentes planos de Figura e/ou Fundo. Para
isso, realizamos uma análise qualitativa, classificando o conto em quatro variáveis:
estrutura, plano discursivo, aspecto verbal e modalidade. Partindo da análise dos dados,
percebemos os diferentes modos pelos quais a escritora Clarice Lispector utilizou os
planos discursivos para construção dos contos e que em proposições de ação e resolução
há mais presença de Figura. Concluímos que a Fundo, ocorre com mais frequência que a
Figura, pois as clausulas Fundo dão suporte ao elemento central e desenvolvem-se a
partir dele.
PALAVRAS-CHAVE: conto; clarice lispector; plano discursivo
INTRODUÇÃO
Quando contamos uma história, seja uma situação corriqueira ou
até mesmo narrativas retiradas de um livro, procuramos estabelecer a
ordem das informações de acordo com a nossa percepção acerca do fato.
Assim, buscamos colocar em evidência aquilo que consideramos como
ponto principal da história, ou seja, o que é mais acentuado, que segundo
Hopper, é classificado como Figura. Já o que avaliamos como ações
secundárias, isto é, ações menos salientes compõe o plano Fundo.
A narrativa, por sua vez, também passa por esse processo, o autor
pode utilizar diferentes formas para contar uma estória. Dessa forma o
escritor pode privilegiar uma leitura de fácil compreensão, utilizando o
plano Figura com mais frequência, que por ser mais saliente e pode
possuir codificação mais simples, ou Fundo para tornar mais difícil, pois as
102
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
clausulas Fundo apresentam uma compilação morfossintática mais
complexa, com eventos não necessariamente completos.
Segundo Givón (1979 e 1995) quanto mais planejado o discurso,
menos orações justapostas, menos repetições, menos construções tópico-
comentário há no discurso e vice-versa. Assim, textos escritos planejados
podem ser ainda mais difíceis para a compreensão do que textos orais no
que fere aos planos discursivos.
Desta forma, procuramos trabalhar com o conceito de Figura e Fundo,
segundo Hopper, dentro da narrativa. Utilizaremos também Silveira
(1997) com a Hierarquia de Funidade. Para isso, utilizaremos dois contos
de Clarice Lispector, ―A solução‖ e ―Tentação‖ retirados da obra A Legião
Estrangeira para verificar, se de fato, a autora segue alguma
normalização. Partindo da análise funcional, utilizaremos o conceito de
estrutura narrativa proposto por Labov (1967, p. 27), no qual ―a narrativa
possui uma dimensão cronológico-sequencial que ordena os elementos um
após o outro‖, como também de Adam (1984) que parte do princípio de
que o processo narrativo apresenta uma situação lógica na qual atuam
três papéis básicos: vítima, agressor e ajudante.
1. A PERSPECTIVA FUNCIONAL DA SEQUÊNCIA NARRATIVA NOS
CONTOS
Segundo Labov (1967) a narrativa é definida como um método de
recapitulação de experiências passadas comparando uma sequência verbal
de proposições com a sequência de eventos que de fato ocorreu. Segundo
Labov (1967), a narrativa vai ter duas funções fundamentais: de
referência e avaliação. A função de referência aparece na transmissão de
informações que encontramos na narrativa, sendo estas de lugar, de
tempo, de personagens, de eventos (o que, o onde e o como os fatos
ocorreram) e da sequência temporal das ações ou dos episódios. A função
de avaliação transmite ao ouvinte o motivo da narrativa ter sido contada,
tanto na forma da expressão explícita da importância da história para o
narrador, como na dos juízos de valor emitidos ao longo da narrativa.
103
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
Assim, Labov e Waletzky (1967) centram suas definições de núcleo
narrativo menos sobre a organização temporal e sobre o esqueleto dos
eventos objetivos do que sobre a dimensão avaliativa que precisa o ponto
central da narrativa, e colocando o acento sobre os eventos mais
importantes.
(...) uma narrativa mínima como é uma sequência de duas
proposições narrativas restritas, temporalmente ordenadas, de
maneira que uma mudança em sua ordem resultará na mudança
na sequência temporal da interpretação semântica original.
(LABOV E WALETZKY, 1967 p. 27).
Tal esquema divide a narrativa em cinco macro-proposições. Um
texto narrativo inicia a partir de uma Orientação na qual são definidas as
situações de espaço, tempo e características das personagens. Em
seguida, ocorre uma Complicação através de uma ação que visa modificar
o estado inicial e que dá início à narrativa propriamente dita. A narrativa,
então, culmina no momento em que uma Ação transforma a nova situação
provocada pela complicação ou em que uma Avaliação da nova situação
indica as reações do sujeito do enunciado. Desse modo, a narrativa chega
a um Resultado em que é estabelecido um novo estado, diferente do
estado inicial da estória. O final da narrativa se dá no momento em que é
elaborada uma Moral, a partir das consequências da estória. Todorov
(1971), a partir da crítica literária, proporá uma definição da narrativa que
também aponta para os 3 conceitos de macroestrutura narrativa e de
macro-proposição narrativa foram cunhados por Adam (1984 e 1985) e
aplicado às teorias do enunciado narrativo de diversos autores.
Para Adam, a sequência narrativa se caracteriza por apresentar:
sucessão de eventos, uma unidade temática, predicados transformados,
um processo, uma intriga e uma avaliação final.
Para que um grupo de proposições narrativas forme uma
seqüência é preciso não somente que um mesmo ator as unifique
atravessando-as, mas também que haja uma transformação
(ADAM, 1985, p. 54).
104
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
Dentro desse panorama, o esquema prototípico da sequência
narrativa pode ser descrito a partir de cinco macro-proposições que são:
situação inicial, complicação, (re)ações, situação final e moral.
2. LINGUÍSTICA FUNCIONAL NORTE AMERICANA
O Funcionalismo é uma corrente linguística que se preocupa em
estudar a relação entre a estrutura gramatical das línguas e os diferentes
contextos comunicativos em que elas são usadas. A língua não constitui
um conhecimento autônomo, independente do comportamento social, ou
seja, é uma estrutura maleável que está suscetível a pressões oriundas
das diferentes situações comunicativas em que está envolvida. O
funcionalismo, portanto, trabalha com a hipótese de que a forma deve
refletir, em alguma medida, a função que exerce.
A abordagem funcionalista procura explicar as regularidades
observadas no uso interativo da língua analisando as condições
discursivas em que se verifica esse uso. Os domínios da sintaxe,
da semântica e da pragmática são relacionados e independentes.
(FURTADO DA CUNHA, OLIVEIR; MARTELOTTA, 2003, p. 48)
A escola funcionalista possui mais de uma vertente, como a escola
de Londres, na qual se sobressai Halliday, como também o grupo
holandês representado por Simon Dik e a Norte Americana, na qual
destaca-se desta os linguistas Givón, Sandra Thompson e Paul Hopper.
A linguística funcional norte americana defende uma investigação
baseada no uso, observando a língua do ponto de vista do contexto
linguístico e da situação extralinguística. Dentre os princípios e as
categorias centrais do funcionalismo norte-americano estão:
informatividade, iconicidade, marcação, transitividade, planos discursivo e
gramaticalização.
O princípio da informatividade focaliza o conhecimento que os
interlocutores compartilham, ou julgam que compartilham, na interação
verbal. Já o princípio da iconicidade é definido como a correlação natural e
motivada entre forma e função, isto é, entre o código linguístico e o seu
significado. O fenômeno da marcação ocorre quando dois elementos que
105
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
se opõem, apresentam propriedades ausente em um dos elementos,
considerado não-marcado. Segundo Hopper (1995, p. 00), ―a
transitividade é uma propriedade escalar que focaliza diferentes ângulos
da transferência da ação de um agente para um paciente em diferentes
porções da situação‖.
Os planos discursivos distinguem as informações centrais das
periféricas, classificando-as em figura ou fundo. A gramaticalização é um
fenômeno relacionado à necessidade de se refazer que toda gramática
apresenta. Gramaticalização designa um processo unidirecional, segundo
o qual itens lexicais e construções sintáticas, em determinados contextos,
passam a assumir funções gramaticais e, uma vez gramaticalizados,
continuam a desenvolver novas funções gramaticais.
2.1 FIGURA E FUNDO
O modo como o falante organiza seu texto é determinado, em
parte, pelos seus objetivos comunicativos e, em parte, pela sua percepção
das necessidades do seu interlocutor Hopper (1979) percebe que há, nas
narrativas, uma distinção entre a linguagem utilizada para codificar os
fatos que se encontram na linha principal de eventos e a linguagem dos
fatos que servem de suporte para esses eventos principais.
Ao primeiro, ou seja, às partes que relatam os eventos seguindo
uma estrutura base do discurso (skeletal structure), Hopper denominou
como Figura (foreground). Ao segundo, ou seja, ao que dá suporte a essa
estrutura, designou de Fundo (background).
A figura corresponde por apresentar os pontos principais da narrativa,
caracterizado por mostrar uma sequencia cronológica; uma visão do
evento como um todo, do qual a completude é um pré- requisito
necessário para o evento subsequente.
Apresenta também eventos dinâmicos, cinéticos, realis; exibem
verbos perfectivos, sequência cronológica; sujeitos previsíveis (tópicos),
humanos e agentivos. Já o plano fundo expõe elementos periféricos da
106
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
narrativa, eventos simultâneos; eventos não necessariamente completos e
irrealis; situações estáticas, descritivas; situações necessárias para
compreensão de atitudes (subjetividade); frequentes trocas de sujeitos;
verbos imperfectivos.
Assim Figura (foregrounding) estabelece a parte principal da
narrativa, eventos dinâmicos e ativos, já o plano Fundo (backgrounding)
apresenta os comentários, as avaliações ou ações secundárias.
A tabela abaixo resume as diferenças e propriedades da Figura e do
Fundo.
Quadro (1) Propriedades de Figura e Fundo.
FIGURA FUNDO
Perfectivo Imperfectivo
Sequência cronológica
Simultaneidade e superposição
cronológica de uma situação C com o evento A e/ou B
Visão do evento como um
todo, do qual a completude é
um pré-requisito necessário para o evento subsequente.
Visão de uma situação ou acontecimento
do qual a completude não é
um pré-requisito necessário para os eventos
subsequentes.
Identidade do sujeito com cada
episódio discreto.
Frequentes mudanças de
sujeito.
Distribuição não-marcada do
foco na oração, com pressuposição do sujeito e
asserção no sujeito e seus complementos imediatos.
Distribuição do foco marcada, por exemplo, foco no sujeito,
foco na sentença adverbial.
Tópicos humanos Variedade de tópicos, incluindo
fenômenos naturais.
Eventos dinâmicos, cinéticos. Situações estáticas,
descritivas.
Realis Irrealis
Para Silveira (1997), o Fundo é dividido em categorias de
Fundidade, mediante a sua aproximação com o plano da Figura. Estes
107
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
fundos foram divididos em cinco: fundo um (mais próximo do real, mais
concreto), fundo dois (também próximo do real, só que mais abstrato),
fundo três (mais abstrato e elaborado linguisticamente), fundo quatro
(próximo da interpretação do falante ao assistir o evento) e fundo cinco
(próximo do ato da narração). Segundo Silveira (1997) essa hierarquia
está organizada em uma gradação que vai do nível mais relevante, ou
seja, a Figura, até um Fundo com menor grau de Relevância.
3. SOBRE CLARICE LISPECTOR
Clarice Lispector trabalha em seus romances temas de caráter
existencial, inovando a literatura, seja pelo estilo livre, elíptico e
fragmentário, tornando-se característica da escrita da autora. Outra
grande e importante técnica usada por Clarice em suas obras é a chamada
epifania, ou fluxo de consciência que é uma súbita sensação de
descoberta de algo ou alguém pelos protagonistas.
Como já dissemos, os contos trabalhados neste artigo: ―Tentação‖ e
―A solução‖ foram retirados do livro A Legião Estrangeira, cuja primeira
edição data de 1964, composto de 13 contos e crônicas, que tratam do
cotidiano familiar, da perversidade infantil e da solidão.
No conto ―Tentação‖ narra-se a estória de uma menina ruiva com
sua alma gêmea, um cachorro. Nesse conto, predomina o discurso
indireto livre, ou seja, o discurso em que a fala do personagem se mistura
com a do narrador, predominando a terceira pessoa. Já o conto ―A
Solução‖ fala sobre a amizade de duas jovens. Enquanto uma gostava
muito da amiga, a outra não sentia nada. O clímax se dá quando um das
amigas fere a outra com um garfo. Neste conto temos a presença de três
discursos: direto (fala dos personagens), indireto (resumo da fala dos
personagens) e indireto livre.
4. DA DESCRIÇÃO DO CORPUS
Utilizaremos as características acima elencadas para classificar as
orações dos contos ―Tentação‖ e ―A Solução‖ em Figura e Fundo. Para a
108
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
análise do corpus empregaremos as proposições narrativas de Labov
(1967), a estrutura de plano discursivo de Hopper e Thompson (1979) e a
Hierarquia de Fundidade alvitrado por Silveira (1997), a última servirá
apenas como suporte, pois não contará nos resultados.
Iniciamos a análise dividindo o conto em partes, qualificando as
estruturas da narrativa em orientação, complicação, ação, resolução e
moral. Em seguida, dividimos o conto em frases para a classificação dos
planos discursivos. Consideramos também o aspecto dos verbos das
frases em perfectivo e imperfectivo e, por fim, avaliamos a modalidade
das ocorrências em reallis e irrealis. Depois de formulado a tabela com a
divisão do conto em frases, calculamos as frequências simples de cada
grupo de fatores, relacionamo-los entre si e analisamos o contexto em
que aparecem.
4.1 DOS RESULTADOS
De acordo com a análise do corpus, coletamos no primeiro conto,
―Tentação‖, 50 ocorrências e, desse total, temos 14 Figuras (28%) e 36
Fundos (72%). Assim, podemos observar que há uma predominância do
plano discursivo Fundo, e de acordo com Hopper (1979), Fundo completa
o evento principal, ou seja, a Figura. Concluímos que o plano Fundo
apresenta-se em maior quantidade por desenvolver-se a partir da Figura,
pois o mesmo dá um suporte em relação a apresentação do evento, do
cenário, do tempo, da especificação de consequência, entre outros.
No segundo conto, ―A Solução‖, encontramos 62 ocorrências, as
quais correspondem a 16 Figuras (25,8%) e 46 Fundos (74,2%). Notamos
que esse conto também segue a regularidade de apresentar a maioria dos
planos com cláusulas Fundo, que como Hopper (1979) propõem Fundo
concorrem com os de Figura, ampliando-os ou comentando-os, motivo por
ser predominante.
Na análise avaliamos também a predominância dos planos
discursivos nas proposições da estrutura narrativa segundo Labov (1967).
Abaixo, seguem os resultados da análise:
109
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
Gráfico (1): Frequência de Plano Discursivo.
Quadro (2): Resultado da frequência de Figura e Fundo no conto ―A Tentação‖
Quadro (3): Resultado da frequência de Figura e Fundo no conto ―Solução‖
Estrutura Figur
a
Fund
o 1
Fund
o 2
Fun
do 3
Fund
o 4
Fund
o 5
Orientação
1/6,2%
10/80%
0/0% 2/50%
2/28,5%
13/59%
Complicação
4/25%
0/0% 1/100
% 1/25%
1/14,2%
1/4,5%
Ação 9/56,
2%
2/20
% 0/0%
1/25
% 0/0%
3/13,
6%
Resoluçã
o
2/16,
6% 0/0% 0/0%
0/0
%
4/57,
1%
5/22,
7%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
120%
ATentação
Solução
Fundo
Figura
Estrutura/
Plano Discursiv
o
Figu
ra
Fund
o1
Fund
o 2
Fundo
3
Fund
o 4
Fundo
5
Orientação
0 /0%
9/60%
0/0% 2/40% 0/0% 3/25%
Complicação
2/14,2%
2/13,3%
0/0% 1/20% 0/0% 1/8,3%
Ação 7/50
%
4/26,
6%
3/10
0% 1/20%
1/10
0%
8/66,6
%
Resoluçã
o
3/21,
4% 0/0% 0/% 1/20% 0/0% 0/0%
Moral 2/14,2%
0/0% 0/0% 0/% 0/0% 0/0%
Total 14 15 3 5 1 12
110
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Moral 0/0% 0/0% 0/0% 0/0%
0/0% 0/0%
Total 16 12 1 4 7 22
Observamos que as estruturas ação e resolução exibem maior
quantidade de plano discursivo Figura. Nas passagens destacadas de
Figura, notamos a presença de eventos dinâmicos e ativo, verbos pontuais
e perfectivos, características de Figura postulado por Hopper (1979).
Assim as proposições de Complicação temos uma ação que visa modificar
o estado inicial e que dá início à narrativa propriamente dita, Ação
transforma (mudança) a nova situação provocada pela complicação e
Resolução em que é estabelecido um novo estado, diferente do estado
inicial da estória. Notamos que todas essas proposições pedem verbos de
ação.
(1) A menina abriu os olhos pasmada.
(2) Suavemente avisado, o cachorro estacou diante dela.
(3) Um grande soluço sacudiu-a desafinado. Ele nem sequer
tremeu. Também ela passou por cima do soluço e continuou a fitá-lo.
(4) Na manhã do dia em que aconteceu, Almira saiu para o
trabalho correndo, ainda mastigando um pedaço de pão.
(5) Quando chegou ao escritório, olhou para a mesa de Alice e não
a viu.
(6) — Você é uma chata e uma intrometida, rebentou de novo
Alice. Quer saber o que houve, não é? Pois vou lhe contar, sua chata: é
que Zequinha foi embora para Porto Alegre e não vai mais voltar! Agora
está contente, sua gorda?
Nas orações, ―Um grande soluço sacudiu-a desafinado‖ , ―Ele nem
sequer tremeu”, ―Também ela passou por cima do soluço‖ e ―e
continuou a fitá-lo‖ possuem verbos perfectivos, sequência cronológica,
eventos completos, apresentam eventos dinâmicos e cinéticos, sujeitos
111
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tópicos, humanos, e são orações realis, configurando-se, portanto, como
orações Figura.
Já as cláusulas Fundo tem predominância nas proposições de
orientação. Segundo Labov (1967) e Adam (1967) a Orientação apresenta
situações de espaço, tempo e características dos personagens.
Destacamos algumas ocorrências para exemplificar:
(7) E como se não bastasse a claridade das duas horas, /ela era
ruiva.
(8) Na rua vazia as pedras vibravam de calor /- a cabeça da
menina flamejava.
(9) Sentada nos degraus de sua casa,/ ela suportava.
(10) Chamava-se Almira e engordara demais.
(11) Alice era a sua maior amiga.
(12) Alice era de rosto oval e aveludado.
(13) Alice era pensativa e sorria sem ouvi-la, continuando a bater
a máquina.
Relacionando os fatores da estrutura narrativa com Fundo,
observamos que as ocorrências possuem verbos imperfectivos;
apresentam indicações de lugar ―Na rua vazia‖, ―Sentada nos degraus‖;
caracterização de personagens ―ela era ruiva‖, ―Chamava-se Almira‖; não
são completas e a maioria não apresenta uma ação; apresentam situações
estáticas ―Alice era pensativa‖, ―ela suportava‖ e descritivas.
Outra variável observada é o aspecto verbal, devido às cláusulas
Fundo predominarem no conto, o imperfectivo também predomina. A
modalidade também segue a mesma regra, o fato de modalidade irrealis
caracterizar o plano discursivo Fundo, temos uma frequência maior de
eventos irrealis.
Quadro (4): Resultado da frequência do aspecto verbal no conto ―Tentação‖
Aspecto Total 61 Porcentagem
Perfectivo 17 27,8%
Imperfectivo 44 72,2%
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
Quadro (4): Resultado da frequência do aspecto verbal no conto ―A Solução‖
Aspecto Total 96 Porcentagem
Perfectivo 39 34,3%
Imperfectivo 57 65,7%
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O nosso artigo trabalhou com a distinção de Figura e Fundo nas
narrativas de Clarice Lispector. Os planos discursivos fazem parte da
percepção de mundo do falante, deixamos o evento principal, que conduz
a narrativa, mais perceptível e relevante. Já as informações que
complementam o evento principal são conduzidas de maneira mais
subjetiva. A Figura é mais saliente, o Fundo é o complemento da Figura.
Nosso objetivo foi calcular a frequência de cada plano discursivo.
Conforme as definições de Hopper (1979), o plano Fundo é mais
predominante nos contos por desenvolver e completar o evento principal.
Trabalhamos também com a estrutura narrativa de Labov (1967) e
reformulado por Adam (1984) do conto e observamos que em cada
proposição predomina um plano discursivo, concluímos, dessa forma, que
Clarice Lispector opta por uma escrita mais complexa e com informações
mais subjetivas, que conforme preconiza a linha funcionalista, o
falante/locutor vai organizar as informações linguisticamente de acordo
com sua percepção do fato ou sua intenção comunicativa. Percebemos
também que mesmo a escritora apresentar como característica da sua
escrita o fluxo de consciência, que escreve a partir das sensações, não
encontramos modificação da caracterização de Figura e Fundo. Desse
modo, esperamos abrir novos caminhos para pesquisas de planos
discursivos em obras literárias.
REFERÊNCIAS
ADAM, J-M. Le récit. Paris: Presses Universitaires de France, 1984.––––––. Le texte
narratif. Paris: Nathan, 1985.
BREMOND, C. La logique des possibles narratifs. Communications, 1966.
113
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
CONCEIÇÃO, Priscila Thaiss. Compreensão de Figura e Fundo em Textos
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LISPECTOR, Clarice. A legião estrangeira. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
HOPPER, Paul J. Aspect and Foregrounding in Discourse. In: Discourse and syntax.
Ed. By Talmy Givón. New York: Academic Press, 1979, p.213-41.
_____________ & THOMPSON. Transitivity in Grammar and discourse. Language,
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FURTADO DA CUNHA, M.; OLIVEIRA, M.R.; MARTELOTTA, M. (Org.). Linguística
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1983.
MARTELOTTA, M. E. Manual de Linguística. São Paulo: Editora Contexto, 2008.
MARTELOTTA, M; AREAS, E. A visão funcionalista da linguagem no século XX. In:
CUNHA et al. (orgs.). Linguística funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A,
2003.
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BYBEE, J. & HOPPER, P.(Org.) Frequency and the emergence of linguistic structure.
Amsterdan/Philadelphia: John Benjaming Company, 2001.
114
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
TRANSITIVIDADE E OS PLANOS DISCURSIVOS: FIGURA E FUNDO, NOS CONTOS “A MÁSCARA DA MORTE
RUBRA” E “O GATO PRETO” DE EDGAR ALLAN POE
Francisco Fábio Marques da SILVA
Raquel Alves da SILVA
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo analisar a transitividade e os planos
discursivos (figura e fundo) nos contos: A máscara da morte rubra e O gato preto de
Edgar Allan Poe. A pesquisa fundamenta-se na proposta de Hopper & Thompson,
Transitivity in grammar and discourse (1980), que utiliza 10 parâmetros sintático-
semânticos que indicam o grau de transitividade de orações e possibilitam a identificação
dos relevos discursivos figura e fundo. Neste trabalho foram selecionados trechos
correspondentes à estrutura da narrativa (exposição, complicação, clímax e desenlace)
de cada conto e avaliado o grau de transitividade (alta e baixa transitividade),
pretendendo assim, verificar a ocorrência de orações de alta transitividade (parte figura),
em trechos localizados na exposição, clímax e desenlace do conto, e orações de baixa
transitividade (parte fundo), na complicação da narrativa, de acordo com uma oração
escalar, mais transitivo e menos transitivo. Após analisar 40 orações, consideradas como
relevantes do ponto de vista do enredo e para a análise da transitividade, concluímos que
as mesmas apresentaram diversos graus de transitividade nas orações, desde 0, o que
caracteriza cláusulas-fundo com baixo nível de transitividade, até 10, cláusulas-figura
com alto nível de transitividade.
Palavras-chave: transitividade; planos discursivos; estrutura da narrativa.
INTRODUÇÃO
Apresenta-se neste trabalho uma análise dos contos A máscara da
morte rubra e O gato preto, de Edgar Allan Poe, a partir da concepção de
plano discursivo da teoria funcionalista norte-americana, calcada sobre os
princípios da transitividade de Hopper & Thompson (1980), que leva em
conta a transitividade não como propriedade intrínseca do verbo enquanto
item lexical, mas como um complexo de dez parâmetros sintático-
semânticos independentes, que focalizam diferentes ângulos da
transferência da ação em uma porção diferente da oração.
O escritor norte-americano, Edgar A. Poe, diferentemente da
maioria dos autores de contos de terror (que se concentravam no terror
externo, visual, valendo-se apenas dos aspectos ambientais), usa uma
115
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
espécie de terror psicológico em suas obras, vindo do interior dos
personagens, que oscilam entre a lucidez e a loucura, quase sempre
cometendo atos infames ou sofrendo de alguma doença. As obras mais
conhecidas de Poe são Góticas, entrando para a literatura sobrenatural
(Maravilhoso e Fantástico), e seus temas mais recorrentes lidam com
questões do fantasmagórico, da morte, incluindo sinais físicos dela, os
efeitos da decomposição, interesses por putrefação, a reanimação dos
mortos e o luto.
A máscara da morte rubra e O gato preto são os contos escolhidos
nesse estudo por apresentarem uma intriga linear e objetiva, resumindo-
se a um único núcleo narrativo, onde a grande força se concentra no
desenlace (desfecho). Edgar A. Poe atinge uma gradação, visando o ponto
culminante, inicialmente de maneira vaga, a seguir mais e mais
diretamente. Assim, tal característica contribui para o nosso objetivo aqui
proposto, que é comprovar a presença de cláusulas-figura com alto nível
de transitividade no clímax e desenlace dos contos.
1. FUNDAMENTAÇÃO
A transitividade de Hopper & Thompson (1980) difere da noção de
transitividade presente na gramática tradicional. Enquanto que esta
associa o termo apenas a verbos, os teóricos funcionalistas americanos
consideram não só o verbo presente em uma sentença, mas a todos os
termos que a compõe. Os verbos são agrupados em transitivos e são
tratados como se fossem iguais, ou seja, da mesma natureza, o que não
ocorre na gramática tradicional, onde se tem a ocorrência dos três
elementos, sujeito, verbo e objeto.
A transitividade é formulada como uma noção contínua, escalar,
não-categórica e escalar, expresso em um componente sintático e um
componente semântico ligado à efetividade com a qual uma ação ocorre.
O termo ―transitividade‖ é usado porque se trata de uma ação que
―transita‖ do agente para o paciente, por isso, quanto mais trânsito,
quanto mais efetiva e mais individual é a ação, mais transitiva é a
116
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
sentença.
O objetivo desses autores é mostrar que as propriedades que
definem a transitividade são determinadas discursivamente e que a
transitividade é uma relação crucial na língua, envolvendo um número de
consequências previsíveis universalmente na gramática.
A transitividade é expressa de acordo com dez parâmetros, estes
por sua vez são independentes (no entanto funcionam juntos e articulados
na língua), representam propriedades semânticas, focalizam diferentes
ângulos da transferência da ação em uma porção diferente da oração e
são divididos em alta transitividade e baixa transitividade, conforme
mostra o quadro 1 a seguir:
Quadro (1): Componentes considerados em relação à Transitividade
PARÂMETROS TRANSITIVIDADE
ALTA
BAIXA
TRANSITIVIDADE
1. Participantes Dois ou mais Um
2. Cinese Ação Não-ação
3. Aspecto do verbo Perfectivo Não-perfectivo
4. Pontualidade do verbo Pontual Não-pontual
5. Intencionalidade do
sujeito Intencional Não-intencional
6. Polaridade da oração Afirmativa Negativa
7. Modalidade da oração Modo realis Modo irrealis
8. Agentividade do sujeito Agentivo Não-agentivo
9. Afetamento do objeto Afetado Não-afetado
10. Individualização do
objeto Individuado Não-individuado
Acerca dos parâmetros acima podemos ter tais aspectos:
Participantes: não pode haver transferência a menos que dois
participantes estejam envolvidos.
Cinese: ações podem ser transferidas de um participante para outro,
enquanto que estados não.
Aspecto: uma ação é mais afetivamente transferida quando é vista como
completa do que quando está em progresso.
Pontualidade: ações que se dão sem uma fase de transição são mais
117
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
efetivas que as que envolvem uma duração maior. Dessa maneira, um
verbo como "chutar" é pontual e um verbo como "carregar" é não-
pontual.
Intencionalidade do sujeito: quando o agente tem o propósito de fazer
algo, a ação se dá mais efetivamente do que quando não há uma intenção
definida.
Polaridade da oração: sentenças afirmativas indicam que as ações de
fato ocorreram, enquanto que sentenças negativas indicam que as ações
não se efetivaram.
Modalidade da oração: uma ação que não ocorreu ou que é possível de
ocorrer é menos efetiva que uma que ocorreu ou que corresponde a um
evento real.
Agentividade do sujeito: um participante que é mais ativo pode
transferir uma ação mais efetivamente que um participante não tão ativo
assim.
Afetamento do objeto: uma ação é transferida num grau maior se o
objeto é afetado completamente do que se ele é parcialmente afetado.
A cerca da Individualização do objeto, Hopper & Thompson
(1980) consideram os fatores presentes no quadro 2 a seguir:
Quadro (2): Fatores considerados na Individuação do Objeto
Individuado Não-individuado
Próprio Comum
Humano, animado Inanimado
Concreto Abstrato
Singular Plural
Contável Incontável
Referencial, definido Não-referencial
Orações com objetos mais individuados são mais transitivas do que
aquelas com objetos mais gerais, ou seja, uma ação pode ser transferida
mais efetivamente para um paciente individuado do que para um não-
individuado, estando, portanto, relacionado ao penúltimo parâmetro,
afetamento do objeto.
118
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
Hopper & Thompson (1980) atribuem pontuação 1 para cada
componente que confere alta transitividade à cláusula e pontuação 0 para
cada componente que confere baixa transitividade à cláusula. É então a
partir da baixa ou alta transitividade que é possível enquadrá-los nos
planos discursivos figura e fundo.
Figura (foreground), segundo Hopper (1979), é tudo aquilo que é
mais importante para as metas do falante/escritor, podendo ser
comparada ao ―esqueleto‖ de um texto, ou seja, à sua estrutura base do
discurso, seu plano mais saliente. Têm-se ainda como principais
características uma sequência cronológica, com eventos reais, dinâmicos e
completos, assim como sujeitos previsíveis (tópicos), humanos e
agentivos. Sua codificação morfossintática caracteriza-se por apresentar
orações coordenadas, principais ou absolutas, além de formas verbais
perfectivas.
Ao contrário de fundo (background), que seria aquilo que serve de
cenário, ajudando, amplificando ou comentando o que é mais importante
em um texto, sendo um plano discursivo que dá suporte para o que está
sendo relatado pela figura, não representa a sequencialidade da narrativa
e, por isso mesmo, constitui as ações que ocorrem de modo concorrente
às ações de figura. O fundo tem também como principais características
os eventos simultâneos, não necessariamente completos e reais; com
situações estáticas e descritivas, igualmente como situações necessárias
para a compreensão de atitudes (subjetividade), além de frequentes
trocas de sujeitos. Sua codificação morfossintática caracteriza-se por,
frequentemente, conter orações subordinadas e verbos não-perfectivos,
sem deixar de ressaltar que, o fundo também pode ser codificado por
orações coordenadas, absolutas e principais.
Sobre a noção de figura e fundo Martelotta e Palo Mares (2009, p.
184) afirmam: ―alinhamento de figura e fundo diz respeito à maior
proeminência que nós atribuímos a um dos elementos de uma cena,
colocando-o em primeiro plano de nossa atenção, ou seja, em figura.‖. É
necessário salientarmos a importância da parte fundo (segundo plano,
119
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
secundário), que às vezes é confundido como menos importante, porém é
de grande utilidade para a fundamentação do texto, porque, como já
destacamos, é ela que define a noção de figura.
Assim como a transitividade, Hopper e Thompson (1980) faz um
ressalvo a respeito de ―figura‖ e ―fundo‖, estes também devem ser
analisados a partir de um conjunto de propriedades, e não de forma
separada, independente.
2. METODOLOGIA
Propondo-nos neste capítulo fazer a descrição dos métodos e
procedimentos da pesquisa adotada para a análise da transitividade e dos
planos discursivos nas orações dos já referidos contos de Edgar A. Poe.
Para melhor visualização, organização e compreensão do conteúdo
do corpus, oferecemos um modelo tradicional, no qual, antes de tudo, é
possível observar e conhecer o desenvolvimento do enredo e como este se
divide na estrutura narrativa.
―A máscara da morte rubra‖
1.Exposição - O problema apresentado, o da morte rubra, peste terrível e
fatal como jamais se vira. Os personagens são o príncipe Próspero e seus
súditos. O ambiente soturno se dá na abadia fortificada no príncipe, onde
os personagens tentam se proteger da morte rubra.
2.Complicação - O badalar do relógio que anuncia algo ruim. A chegada do
indivíduo estranho, vestido de morte rubra.
3.Clímax - Perseguição do príncipe Próspero por parte do estranho através
dos salões da abadia.
4.Desenlace - O príncipe morre, logo após todos os foliões caem atingidos
pela morte rubra, o fantasma esvanece no ar e a morte rubra pousa sobre
todas as coisas.
―O gato preto‖
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
1.Exposição - O problema apresentado, o narrador imaginando que iria
morrer no dia seguinte, e querendo deixar à posteridade os seus
pensamentos mais pesados, conta uma série de fatos ―estranhos‖ que lhe
aconteceram. O ambiente se passa na própria casa dos personagens, que
são o narrador, sua esposa e o gato Plutão.
2.Complicação - O olho de Plutão ter sido arrancado e logo depois sua
brutal morte a sangue-frio.
3.Clímax - A polícia vai à adega investigar a morte da esposa e quando
estão saindo ouvem gemidos e gritos da parede onde estava o corpo.
4.Desenlace - Os agentes desmantelam a parede e sobre a cabeça do
cadáver, já decomposto, veem o gato.
Dentro desse desenvolvimento e dessa estrutura narrativa, foram
selecionadas 40 orações e depois analisadas de acordo com a proposta
defendida por Hopper & Thompson (1980), na qual se utiliza de 10
parâmetros sintático-semânticos que indicam o grau de transitividade das
orações e possibilitam a identificação dos relevos discursivos figura e
fundo.
Ainda dentro da relação figura e fundo, Silveira (1990) propõe uma
revisão do conceito Fundo, proposto por Hopper & Thompson (1980).
Segundo a autora, as funções das cláusulas Fundo – ampliar e comentar
as afirmações feitas pela Figura – são muito amplas e poderiam ser mais
bem especificadas. Assim sendo, ela propõe uma Hierarquia de Fundidade.
Essa hierarquia está organizada em uma gradação que vai da
Figura (nível mais relevante) até um Fundo com menor grau de
Relevância. Em resumo, o Fundo é que estaria elencado em mais de um
nível, uns mais próximos da Figura, sendo mais objetivos, icônicos, e
outros mais distantes.
Ainda nesse tema a autora faz outra observação a respeito do
relacionamento funcional que se estabelece entre alguns tipos de fundo.
Sendo assim, Silveira (1990) postulou cinco níveis de Fundo:
121
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
Hierarquia de Fundidade
Categoria
Grau de
objetividade
(do mais para o
menos icônico)
Como são
Tipo de cláusulas-
Fundo (relação
funcional entre as
cláusulas)
Fundo 1
Mais próximo do
real, mais
concreto.
Cláusulas-Fundo que
apresentam
informações concretas
sobre o evento.
Apresentação do
evento;
Apresentação do
cenário;
Apresentação dos
participantes;
Apresentação da
fala dos participantes.
Fundo 2 Ainda mais
próximo do real.
Cláusulas-Fundo que
através de
circunstancias,
especificam o âmbito
em que os fatos se
deram.
Especificação do tempo;
Especificação de modo;
Especificação de
finalidade.
Fundo 3
Próximo da
estrutura do
texto (mais
abstrato e
elaborado
linguisticamente)
Cláusulas-Fundo que
especificam vocábulos
da cláusula anterior.
Especificação do
referente;
Especificação de
processo/ação.
Fundo 4
Próximo da
interpretação do
falante ao
assistir ao
evento
Cláusulas-Fundo que
especificam relações
inferidas dos fatos
narrados.
Especificação de causa;
Especificação de
consequência;
Especificação de
adversidade.
Fundo 5 Próximo do ato
de narração.
Cláusulas-Fundo que
apresentam
interferências do
falante no evento que
está narrando.
Apresentação de
opinião;
Apresentação de
resumo;
Apresentação de
duvida;
Apresentação de
conclusão;
Apresentação de canal.
A partir das cinco categorias que compõem a Hierarquia de
Fundidade, proposta por Silveira (1990), decidimos, para essa pesquisa,
reorganizá-las em três categorias, considerando níveis de fundidade.
Nessa reorganização tivemos como baseamento à maneira da
estrutura na qual Anderson Godinho Silva trabalha em Orações modais:
Uma proposta de análise (2007). No entanto em nossa pesquisa essa
estrutura vai sofrer mais uma mudança, pois no trabalho de Godinho foi
possível observar apenas modais com grau de transitividade 0 a 7, o que
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
não ocorreu em nossa análise, verificamos orações com grau de
transitividade 2 a 10.
Grupo 1 (Fundidade Máxima): são as orações que se afastam
mais do plano da figura. Elas recebem graus 0, 1, 2 e 3 de transitividade;
Grupo 2 (Fundidade Intermediária): são as orações que se
aproximam um pouco mais do plano da figura, mas ainda carregam um
grau intermediário de transitividade. Elas recebem graus 3, 4, 5 e 6 de
transitividade;
Grupo 3 (Fundidade Mínima): são as orações que se aproximam
mais do plano da figura. Elas recebem graus 7, 8, 9 e 10 de
transitividade.
Resolvemos fazer assim desse modo, pois desta forma facilitará a
análise de figura e fundo no âmbito da estrutura narrativa dos contos em
questão.
3. ANÁLISE E DISCURSÃO DOS RESULTADOS
Trataremos neste capítulo a apresentação dos resultados da
análise dos contos: A máscara da morte rubra e O gato preto, de Edgar
Allan Poe, análise essa pautada na teoria da transitividade dos
funcionalistas teóricos norte-americanos Hopper & Thompson (1980). E
para conclusão, a apresentação de uma tabela que mostra de forma clara
e sucinta o resultado final de toda nossa pesquisa.
Após termos analisados as 40 orações, verificamos na estrutura
narrativa a ocorrência de orações com grau de transitividade 2 até 10,
caracterizando-se como cláusulas-fundo com baixo nível de transitividade
e cláusulas-figura com alto nível de transitividade.
Ainda tomando como sequencia a estrutura narrativa, mostraremos
agora exemplos de orações com alta transitividade (figura) e baixa
transitividade (fundo), e enquadrando-os na hierarquia de fundidade.
I. Exposição –
Sequencia: 9-7-8-9-2-2-7-7-6-7.
Das dez orações analisadas, seis apresentaram alto nível de
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
transitividade, aproximando-se mais do plano da figura, e se esquadrando
na Hierarquia de Fundidade Mínima, grupo 3.
Exemplo 1 de oração com grau 9. (A máscara da morte rubra):
1. Ao perceber o despovoamento de seus estados [convocara um
milheiro de amigos alegres e sadios, cavalheiros e damas da corte]
(...).
Participantes (1): o sujeito pode ser resgatado em orações anteriores e
o verbo exige um agente, ―convocara‖;
Cinese (1): sendo o verbo ―convocara‖ de ação;
Aspecto (1): a ação é vista como completa, ―ele convocou‖;
Pontualidade (1): a ação é vista como pontual dentro da oração
―convocar os amigos‖; Intencionalidade (1): ―convocar‖ exige uma
intenção;
Polaridade (1): é uma sentença afirmativa;
Modalidade (1): a sentença é real, tendo efetivamente o ocorrido;
Agentividade (1): o agente é humano e tem condições de exercer a ação
de ―convocar‖; Afetamento do objeto (1): ―os amigos‖ são totalmente
afetados pela convocação;
Individuação do objeto (0): ―um milheiro de amigos‖ é comum, plural,
incontável e não determinado.
II. Complicação –
Sequencia: 3-3-4-5-9-4-4-3-5-3-6-5-10-9-9
Das quinze orações analisadas, dez apresentaram baixo nível de
transitividade, aproximando-se um pouco mais do plano da figura, mas
ainda carregam um grau intermediário de transitividade, se esquadrando
na Hierarquia de Fundidade Mínima, grupo 2.
Exemplo 2 de oração com grau 5. (O gato preto):
2. Uma fúria diabólica apossou-se instantaneamente de mim.
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Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
Participantes (0); Cinese (0); Aspecto (1); Pontualidade (1);
Intencionalidade (0); Polaridade (1); Modalidade (1); Agentividade
(0); Afetamento do objeto (1); Individuação do objeto (0).
III. Clímax –
Sequencia: 8-10-9-8-7-10-8-8-7-9
Das dez orações analisadas, todas se apresentaram no alto nível de
transitividade, aproximando-se mais do plano da figura, e se esquadrando
na Hierarquia de Fundidade Mínima, grupo 3.
Exemplo 3 de oração com grau 10. (A máscara da morte rubra):
3. Identificou-se então [a presença da Morte rubra, que ali entrava
como ladrão noctivago e fugitivo]
Participantes (1); Cinese (1); Aspecto (1); Pontualidade (1);
Intencionalidade (1); Polaridade (1); Modalidade (1); Agentividade
(1); Afetamento do objeto (1); Individuação do objeto (1).
IV. Desenlace –
Sequencia: 9-8-7-6-10
Das cinco orações analisadas, quatro apresentaram alto nível de
transitividade, aproximando-se mais do plano da figura, e se esquadrando
na Hierarquia de Fundidade Mínima, grupo 3.
Exemplo 4 de oração com grau 10. (O gato preto):
4. Eu havia emparedado o monstro no túmulo.
Participantes (1); Cinese (1); Aspecto (1); Pontualidade (1);
Intencionalidade (1); Polaridade (1); Modalidade (1); Agentividade
(1); Afetamento do objeto (1); Individuação do objeto (1).
A partir dos resultados obtidos, podemos afirmar a presença de
125
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
cláusulas-figura, com maior frequência na exposição, clímax e desenlace
do conto.
Ainda na estrutura narrativa dos contos, observamos no desfecho a
predominância da presença dos verbos de ação, agente e paciente,
sequencia cronológica, eventos reais, dinâmicos e completos Na
complicação vemos que as situações estáticas, descritivas, com longos
parágrafos, descrição do ambiente e comentários do escritor narrador tem
uma forte influencia.
E para a conclusão desse capítulo, tem-se apresentação de uma
tabela que mostra de forma clara e sistemática o resultado final de toda
nossa pesquisa.
Estrutura
Transitividade
Exposição Complicação Clímax Desenlace
0-3 02 04 - -
4-6 01 07 - 01
7-10 07 04 10 04
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo desse trabalho foi analisar a transitividade e os planos
discursivos (figura e fundo) nos contos: A máscara da morte rubra e O
gato preto de Edgar Allan Poe. A pesquisa fundamentou-se na proposta de
Hopper & Thompson, Transitivity in grammar and discourse (1980), que
em sua teoria utiliza 10 parâmetros sintático-semânticos que indicam o
grau de transitividade de orações e que possibilitam a identificação dos
relevos discursivos figura e fundo.
Selecionamos 40 orações correspondentes à estrutura da narrativa
(exposição, complicação, clímax e desenlace) de cada conto, avaliamos o
grau de transitividade (alta e baixa transitividade) e verificamos a
ocorrência de orações de alta transitividade (parte figura) em trechos
localizados na exposição, no clímax e no desenlace do conto, e orações de
baixa transitividade (parte fundo) na complicação da narrativa, de acordo
com uma oração escalar, mais transitivo e menos transitivo.
Devido à complexidade e a quantidade de orações que compõe o
126
Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará
corpus, salientamos que este estudo teve apenas o objetivo de contribuir
com a formação da análise do ponto de vista funcionalista por meio de um
conceito da Análise do Discurso, e não como um modelo infalível.
Variações podem ocorrer tanto quanto a um autor específico como a um
conto diferenciado, mesmo seguindo o gênero em questão, que é o
suspense.
A transitividade não é um fenômeno perfeito, mesmo porque
há muitas divergências de autores quanto à definição ou a importância da
pontuação transitiva e de um ou outro parâmetro. Por exemplo, Hopper &
Thompson (1980) consideram apenas as pontuações zero e um, já Silveira
(1990) determina escalas que vão de zero a cinco. Além disso, a autora
elimina o parâmetro polaridade e opta por unir os parâmetros
Agentividade e Individuação do objeto em um único parâmetro:
Individuação do Agente/Individuação do Objeto.
No entanto deixamos registrada a importância desse estudo por
acreditar que tal abordagem procura identificar questões a cerca da
competência linguística do escritor ao elaborar seu texto/discurso.
Resta-nos esperar que novas hipóteses semelhantes, bem ou mal
sucedidas, sejam lançadas, pois conforme Popper (apud, SIQUEIRA, 2004,
p.430):
A ciência não é um sistema de enunciados certos e bem-
estabelecidos... Nossa ciência não é conhecimento, nunca pode ter
afirmado ter alcançado a verdade, ou mesmo um substituto para
ela, tal como a probabilidade... Não conhecemos: somente
podemos conjecturar.
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TODOROV, Tzvetan. Introdução á Literatura Fantástica. Trad. Maria Clara Correa
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