Ministrio da Educao Secretaria de Educao Bsica
Formao deProfessores do Ensino
Mdio
REAS DE CONHECIMENTO E INTEGRAO CURRICULAR
Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Mdio
Etapa I Caderno IV Curitiba
Setor de Educao da UFPR2013
MINISTRIO DA EDUCAO SECRETARIA DE EDUCAO BSICA (SEB)
MINISTRIO DA EDUCAO SECRETARIA DE EDUCAO BSICA Esplanada dos Ministrios, Bloco L, Sala 500 CEP: 70047-900 Tel: (61)20228318 - 20228320
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COORDENAO DE PROCESSOS TCNICOS
Brasil. Secretaria de Educao Bsica. Formao de professores do ensino mdio, etapa I - caderno IV : reas de conhecimento e integrao curricular / Ministrio da Educao, Secretaria de Educao Bsica; [autores : Marise Nogueira Ramos, Denise de Freitas, Alice Helena Campos Pierson]. Curitiba : UFPR/Setor de Educao, 2013. 47p. : il. ISBN 9788589799843 Inclui referncias Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Mdio 1. Ensino mdio - Currculos. 2. Cincias (Segundo grau). 3. Currculos - Planejamento. I. Ramos, Marise Nogueira. II. Freitas, Denise de. III. Pierson, Alice Helena Campos. IV. Universidade Federal do Paran. Setor de Educao. V. reas de conhecimento e integrao curricular. VI. Ttulo. CDD 373.19
Andrea Carolina Grohs CRB 9/1384
REAS DE CONHECIMENTO E INTEGRAO CURRICULAREtapa I Caderno IV AUTORES Marise Nogueira RamosDenise de FreitasAlice Helena Campos Pierson
LEITORES CRTICOS Ana Carolina CaldasClec KrbesMaria Madselva Ferreira FeigesSandra Regina de Oliveira GarciaObservao: Todos os autores da primeira etapa da formao realizaram leitura crtica e contriburam com sugestes para o aperfeioamento dos cadernos.
REVISOReinaldo Cezar Lima Ana Carolina CaldasJuliana Cristina ReinhardtVictor Augustus Graciotto SilvaMarcela Renata Ramos
PROJETO GRFICO E EDITORAO Reinaldo Cezar Lima Victor Augustus Graciotto SilvaRafael Ferrer Kloss
CAPA Yasmin Fabris
ARTE FINALRafael Ferrer Kloss
SUMRIO
Introduo / 5
1. O que so as reas de conhecimentoe qual sua relao com o currculo / 12
2. O ensino integrado: trabalho, cincia, tecnologia e cultura / 20
2.1. Trabalho, cultura, cincia e tecnologia / 20
3. Caminhos para a aproximao do conhecimento das diferentes reas: o trabalho como princpio educativo e a pesquisa como princpio pedaggico / 28
4 . O projeto curricular e a relao entre os sujeitos e desses com suas prticas / 38
Referncias / 48
5Formao de Professores do Ensino Mdio
Introduo
Caras Professoras e caros professores,
julgamos que facilmente reconhecvel por vo-
cs o discurso apresentado na charge abaixo.
Extrada de: .
Comumente encontramos nas crticas di-
rigidas escola a responsabilizao pelo despre-
paro dos alunos para atuarem no mundo real. Pos-
sivelmente, alguns de vocs conheam o livro Na
vida dez, na escola zero, que j na dcada de
1980 alertava para essa questo apontando que a
matemtica que crianas e adultos trabalhadores
aprendem na escola no suficiente para resolver
os problemas da vida diria e, no entanto, muitos
trabalhadores, no seu dia a dia, usam muito mais
matemtica do que aprenderam na escola. Nesta
NUNES, Terezinha, CAR-RAHER, David, SCHLI, Ana Lcia. Na vida dez, na esco-la zero. 16. ed. So Paulo: Cortez Editora, 2011.
.
6reas de conhecimento e integrao curricular
crtica, dois aspectos so apontados como causa
da descontextualizao cultural e social dos co-
nhecimentos escolares e, consequentemente, do
insucesso e fracasso da aprendizagem: a seleo e
a forma de organizao dos contedos por reas
de conhecimentos e por disciplinas e os proces-
sos de avaliao no ensino.
A questo que nos propomos discutir
neste tpico diz respeito ao direito, reconheci-
do pelas Diretrizes Curriculares do Ensino M-
dio (DCNEM), que o estudante de Ensino Mdio
tem de se inserir no mundo formal dos conheci-
mentos culturalmente produzidos e sistemati-
zados pelas cincias, e difundidos, aplicados e so-
cialmente valorados para que possa participar
de maneira inclusiva na dinmica da sociedade.
Queremos refletir com vocs como po-
demos viabilizar as metas colocadas pelas DC-
NEM de: preparar o educando para o trabalho
e a cidadania, de modo que ele possa continuar
aprendendo e ser capaz de se adaptar a novas
condies de ocupao ou aperfeioamento
posteriores; promover o aprimoramento do
educando como pessoa humana, incluindo a for-
mao tica e o desenvolvimento da autonomia
intelectual, alm do pensamento crtico; possibi-
litar a compreenso dos fundamentos cientfico-
tecnolgicos e dos processos produtivos, rela-
cionando a teoria com a prtica.
Nos cadernos anteriores, vocs tiveram
oportunidade de estudar e compreender o Ensi-
no Mdio atual a partir de uma reviso histrica
das suas polticas e configuraes. Compreen-
deram que um currculo integrado no ensi-
no mdio, em suas diferentes modalidades e
enquanto formao humana integral, um
7Formao de Professores do Ensino Mdio
direito de todo brasileiro, uma conquista hist-
rica e uma construo tardia na qual no deve-
mos aceitar retrocessos. Considerando a meta
de universalizao do Ensino Mdio, puderam
analisar os desafios colocados para a prtica do-
cente de realizar a incluso das juventudes que
fazem parte das escolas de hoje em suas diferen-
tes modalidades e formatos organizativos. Refle-
tiram, tambm, sobre os sentidos e as relaes
entre o conhecimento escolar e esses sujeitos
do ensino mdio, tendo em vista as dimenses
da formao humana integral a cincia, a cul-
tura, o trabalho e a tecnologia presentes nas
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Mdio (DCNEM).
Neste momento do curso, vamos aden-
trar um pouco mais no estudo dessas dimenses
da formao, buscando caracterizar o que rea
de conhecimento e as estratgias para um ensino
integrado.
A charge no incio deste texto traz em
questo a diferena entre os conhecimentos
sistematizados da cincia e das letras, mais
a experincia de vida do aprendiz. Assim,
bastante comum entre ns professores inda-
garmos: seriam as estruturas lgicas das disci-
plinas a melhor forma de promover uma for-
mao que leve ao desenvolvimento humano
integral dos nossos estudantes?
Uma tendncia para interpretar o pro-
cesso de disciplinarizao com vistas superao
da fragmentao e da compartimentao dos co-
nhecimentos consiste em considerar que a disci-
plina cientfica, a disciplina acadmica e a disciplina
escolar tm constituies diferentes e cumprem
finalidades sociais distintas. possvel interpretar
Para saber mais sobre a histria das disciplinas es-colares: CHERVEL, Andre. Histria das disciplinas es-colares: reflexes sobre um campo de pesquisa. Teoria e Educao, Porto Alegre, n. 2, p. 177-229, 1990.
8reas de conhecimento e integrao curricular
que, no modelo tradicional de escola que visa a
uma formao propedutica, as disciplinas esco-
lares adotam como referncia os conhecimentos
produzidos pela cincia que, muitas vezes, bus-
cam a verdade em si e para si e, neste universo
conceitual autocentrado, os conhecimentos es-
colares resultam desconectados das realidades
que a prpria cincia ajuda a construir. Outras
perspectivas apontam que o conhecimento esco-
lar no deveria ter apenas o conhecimento cien-
tfico como saber de referncia, incluindo nesse
contexto fontes de conhecimentos de diversas
prticas sociais e culturais. No entanto, nenhuma
dessas perspectivas pode deixar de considerar a
importncia dos saberes advindos das disciplinas
cientficas, uma vez que nosso modelo de socie-
dade est organizado fundamentalmente pelas
referncias dos conhecimentos cientficos e tec-
nolgicos. Negar o direito do educando a esses
conhecimentos significaria, portanto, negar-lhe o
direito vida socialmente organizada.
Na histria da educao, quando se bus-
cam melhorias dos processos de ensino e apren-
dizagem tendo em vista uma melhor compre-
enso da realidade e dos contedos culturais, a
questo da integrao curricular tem se colocado
como uma possibilidade pensada a partir de di-
ferentes pressupostos educativos e pedaggicos.
isso que queremos discutir com vocs neste
curso. Para tal, propomos quatro momentos de
estudo assim organizados: 1) O que so as reas
de conhecimento e qual sua relao com o cur-
rculo; 2) O ensino integrado: trabalho, cincia,
tecnologia e cultura; 3) Caminhos para a apro-
ximao do conhecimento das diferentes reas:
o trabalho como princpio educativo e a pesquisa
9Formao de Professores do Ensino Mdio
como princpio pedaggico; 4) O projeto curri-
cular e a relao entre os sujeitos, alm da rela-
o destes com as prticas daquele.
Porm, antes de entrarmos na discusso
sobre o que so reas de conhecimento, gosta-
ramos de tecer consideraes sobre como ao
longo do tempo os conhecimentos foram per-
dendo a dimenso de totalidade, se fragmentan-
do e se compartimentalizando em disciplinas e
reas disciplinares.
Se fizermos uma reviso histrica1 para
compreendermos a diferenciao dos conheci-
mentos em reas especficas, veremos que a sua
origem esteve pautada em critrios educativos
que no pressupunham conduzir ao isolamento
em disciplinas. Ao contrrio, a unidade do conhe-
cimento, desde os primeiros filsofos at mea-
dos do sculo XIX, foi o princpio organizador
dos diferentes currculos cuja educao deveria
garantir o desenvolvimento da pessoa com uma
formao integral ou global fsica, intelectual
e espiritual.
A ideia de um saber unitrio que pu-
desse dar conta de explicar o mundo natural e
a existncia humana sempre existiu. Para o ho-
mem pr-histrico, era o mito que proporciona-
va o entendimento das coisas do mundo pela
presena dos deuses em sua origem. A mitolo-
gia como saber e tecnologia proporcionava ao
mundo humano uma explicao ontolgica, e
o cumprimento de liturgias e rituais conferia a
segurana e a harmonia necessrias para o seu
equilbrio. O nascimento da Matemtica e da As-
1 Esta reviso histrica tomou como referncia a obra: JAPIASSU, H. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
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reas de conhecimento e integrao curricular
tronomia permitiu que a conscincia mtica fosse
substituda pela conscincia racional, mas o saber
ainda conserva a viso global. A ideia de cosmos
no mundo grego e a aceitao de Deus criador
e protetor do cosmo na Idade Mdia inscrevem
o saber num mesmo horizonte epistemolgico e
permanecem, assim, a mesma viso unitria do
real. As cincias continuam vinculadas filosofia,
portanto, o sbio ao mesmo tempo filsofo e
telogo e sua funo procurar e colocar ordem
nas coisas. Assim, o saber s poderia exercer-
se no mbito da totalidade e os conhecimentos
das partes s faziam sentido na medida em que
se relacionavam ao todo. A Pedagogia Unitria,
criada pelos mestres gregos, decorre dessa epis-
temologia e o programa de ensino denominado
enkklios paidia (que significa educao em cr-
culo) consistia no ensino de gramtica, dialtica
e retrica (trivium), bem como de aritmtica,
geometria, msica e astronomia (quadrivium)
por meio das quais se transmitia a cultura ge-
ral, permitindo a formao da personalidade
integral. Como o ideal de educao era um sa-
ber unitrio, as disciplinas no eram hermticas e
distantes umas das outras, mas articuladas entre
si e complementavam-se em busca de um todo
harmnico e unitrio.
Pode-se dizer que a presena de um cur-
rculo fixo preestabelecido e organizado em dis-
ciplinas j existia desde a tradio grega e depois
medieval. Contudo, na Idade Moderna, com o
movimento cultural do Renascimento e o adven-
to da cincia moderna, a revoluo galileana do
mecanicismo provocada pela juno da matem-
tica com a fsica experimental desmorona o ho-
rizonte protetor que envolvia a morada do ho-
Epistemologia. Tem origem com Plato que, se opondo viso de crena ou opinio como ponto de vista subje-tivo, considera o conheci-mento como o conjunto de todas as informaes que descrevem e explicam o mundo natural e social que nos rodeia. A Epistemolo-gia, conhecida como teoria do conhecimento, estuda a origem, a estrutura, os m-todos e a validade do co-nhecimento e se relaciona com a metafsica, a lgica e a filosofia da cincia.
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Formao de Professores do Ensino Mdio
mem e aparece outra evidncia epistemolgica.
Orientado pelo pensamento cientfico, o cosmo
dissolvido e projetado para um espao indefi-
nido, onde matria, energia e partcula se repe-
lem e se atraem seguindo leis rigorosas. Auxilia-
da pela matemtica e pela estatstica, a existncia
humana reduzida a um estatuto de perfeita ob-
jetividade. Pouco a pouco, a anlise cientfica da
realidade destri a unidade e se desintegra em
saberes cada vez mais especializados, que explo-
dem cada vez mais em disciplinas particulares. E
quanto mais as disciplinas se diversificam, mais
elas se distanciam da realidade humana. Nas ci-
ncias, o espao da vida se converte num territ-
rio neutro e universalizado o qual faz com que o
indivduo se dissocie de sua essncia humana.
Atualmente, vivemos em meio a uma
enorme quantidade de conhecimentos especia-
lizados (que sabem de quase tudo sobre quase
nada), facilmente disponveis (meios de comu-
nicao, internet, Google, Wikipdia, biblioteca
etc.); no entanto, encontramo-nos totalmente
alienados e inseguros diante das questes funda-
mentais das nossas vidas pessoal e coletiva.
Neste debate sobre a reduo que a vi-
so especializada dos conhecimentos impe na
formao humana, no se pode ignorar os efei-
tos da especializao sobre o desenvolvimento
das cincias, mas o que se quer mesmo focalizar
a importncia de se obter pela integrao dos
conhecimentos (das especialidades) a viso da
totalidade da realidade.
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reas de conhecimento e integrao curricular
1. O que so as reas de conhecimento e qual sua relao com o currculo
O desenvolvimento da cincia no scu-
lo XX dependeu substancialmente de um fato:
quanto mais a cincia se especializou e se dife-
renciou, maior o nmero de novos campos que
ela descobriu e descreveu. Tambm tanto mais
definida se tornou a unidade material interna a
esses campos uma unidade epistemolgica
que significa a definio clara de seu objeto de
estudo e dos mtodos para se abord-lo. Por
exemplo, a biologia se desenvolveu tendo a vida
orgnica como objeto; a qumica, a constituio
das matrias orgnica e inorgnica e suas trans-
formaes; a fsica, os fenmenos da natureza
mais gerais e suas propriedades de movimen-
to, de energia, etc. O fato de o objeto desses
campos ser da natureza permite-nos, ao mesmo
tempo em que reconhecemos a especificidade
de seus respectivos objetos, identificar uma rela-
o de identidade: cada um desses campos abor-
da a natureza que, em si, se constitui como uma
unidade vida, matria e transformao sob
algum enfoque especfico. Ou seja, h uma rela-
o entre particularidades e totalidade que for-
ma uma unidade.
Esta unidade , antes, mais da prpria re-
alidade do que da cincia. A cincia tratou, exa-
tamente, de cindir essa realidade para analis-la e
captar suas determinaes mais especficas. Tais
determinaes, quando elaboradas e ordenadas
no plano geral do conhecimento a realidade
concreta elevada ao plano do pensamento ,
conformaram os conceitos e as teorias cientfi-
cas. Na cadeia da produo do conhecimento
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Formao de Professores do Ensino Mdio
inseriu-se o ensino, pois para que as pessoas
possam compreender o mundo e produzir novos
conhecimentos, preciso que elas se apropriem
do conhecimento j produzido socialmente ao
longo da histria. Assim, faz-se uma transposio
dos campos cientficos para as disciplinas escola-
res. Porm, as disciplinas escolares, quando con-
sideradas apenas como acervos de contedos de
ensino, isoladas e desprendidas da realidade con-
creta da qual esses conceitos se originaram, no
permitem que o processo de ensino e aprendiza-
gem redunde efetivamente na compreenso da
realidade pelo educando.
Vimos que aqueles campos cientficos, ao
mesmo tempo que so especficos, podem ser
reagrupados em torno de uma unidade. A se
pode ter, ento, o que chamamos de reas cien-
tficas um recorte da realidade ainda espec-
fico, porm maior do que as disciplinas, posto
que esta expressa um objeto de conhecimento
ainda no cindido naquelas especificidades. No
caso da rea das Cincias da Natureza, vemos a
natureza como objeto de estudo, mas ao ser cin-
dida para ser estudada na especificidade da vida
orgnica tem-se um campo disciplinar, a biologia;
o estudo da natureza em termos da constituio
e da transformao da matria funda a qumica,
e assim por diante. Esta mesma anlise pode ser
transportada para as demais reas.
Por exemplo, as Cincias Humanas tra-
tam da vida social e psquica do ser humano, em
termos de acontecimentos, problemas, desafios,
hbitos, normas, etc. enfrentados e construdos
pela humanidade ao longo do tempo e em da-
dos espaos. Mas essa unidade que caracteriza
a rea pode se desdobrar em recortes e abor-
Para ilustrar o que estamos dizendo, podemos tomar como exemplo um profes-sor de qumica que costu-ma ter em seu programa de ensino o balanceamen-to de equaes qumicas. Normalmente este assunto traz algumas dificuldades para os alunos e, conse-quentemente, eles tendem a desenvolver um clima de insatisfao com ele. O que significa para o aluno balan-cear uma equao qumica em seu caderno? Prova-velmente significa muito pouco, a no ser tratar-se de teorias que compem o programa de formao ge-ral no ensino mdio.
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reas de conhecimento e integrao curricular
dagens mais especficos, dos quais identificamos,
por exemplo, a histria, a geografia, a sociologia,
a psicologia, a filosofia, dentre outros possveis.
O desenvolvimento desses campos a
ciso da unidade que a realidade humana ma-
terial e social em objetos especficos, criando as
respectivas reas e disciplinas cientficas e, por
homologia, as escolares , conduziu a cincia e,
atualmente, a prpria escola, problemtica da
organizao, da estrutura e da interao dinmi-
ca entre essas dimenses da vida real e, conse-
quentemente, constatao de que o estudo das
partes e dos processos isolados no suficien-
te. Assim, o problema essencial da cincia, para
que seja socialmente necessria, consiste em re-
construir relaes organizadas entre os conheci-
mentos resultantes da interao dinmica desses
campos, pois a compreenso que se pode ter da
particularidade do real estudado pode ser diver-
sa quando examinada isoladamente ou no inte-
rior de um todo.
No por acaso, ento, que as novas
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensi-
no Mdio (DCNEM) orientam a organizao
do currculo em reas de Conhecimento, cor-
respondentes aos propsitos do Ensino Mdio:
Linguagens, Matemtica, Cincias da Natureza,
Cincias Humanas. Face ao que explicamos e
enfocando o problema da relao entre particu-
laridade e totalidade na perspectiva do ensino,
as reas de conhecimento devem ser compre-
endidas como conjunto de conhecimentos cuja
afinidade entre si pode se expressar pela refe-
rncia a um objeto comum no equivalente aos
especficos de cada componente curricular, mas
a partir do qual essas especificidades se produ-
Ns, professores das diver-sas reas do ensino mdio, por sermos formados sob a hegemonia do positivis-mo e do mecanicismo das cincias, que fragmentam as cincias nos seus respec-tivos campos, tendemos a mant-las no s como fragmentos isolados no currculo, mas, tambm, a hierarquiz-las.
Processos digestivos e h-bitos alimentares em nos-so cotidiano, a degradao ambiental e o aquecimento global, a crise do petrleo e o problema da energia nu-clear podem parecer ques-tes sem qualquer vnculo entre elas. Porm, pode-mos ver que no s esses fenmenos contam com al-guns conceitos comuns para explicar seus fundamentos conceitos elaborados no mbito de uma mesma rea de conhecimento como tambm que se trata de fe-nmenos da nossa prpria vida social.
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Formao de Professores do Ensino Mdio
zem. Trata-se de uma unidade epistemolgica e
metodolgica no mbito da cincia que, sob o
prisma da organizao curricular, permite uma
integrao mtua de conceitos, da terminologia,
da metodologia e dos procedimentos de anlise.
As reas de conhecimento na organizao
curricular, portanto, devem expressar o poten-
cial de aglutinao, integrao e interlocuo
de campos de saber, ampliando o dilogo entre
os componentes curriculares e seus respectivos
professores, com consequncias perceptveis
pelos educandos e transformadoras da cultura
escolar rgida e fragmentada. Trata-se de um
tipo de organizao que tem a interdisciplinari-
dade como princpio. Esta, por sua vez, no um
processo interno somente s respectivas reas,
mas tambm entre os componentes curriculares
de outras reas. Para isto, o princpio da histo-
ricidade do conhecimento que pode contribuir,
pois o trabalho pedaggico fecundo ocupa-se
em evidenciar, junto aos conceitos, as razes,
os problemas, as necessidades e as dvidas que
constituem o contexto de produo de um co-
nhecimento. Sendo assim, a interdisciplinaridade
torna-se mais do que um mtodo, e sim uma ne-
cessidade.
As possibilidades de interao no apenas
entre os componentes curriculares nucleados
em uma rea, como tambm entre as prprias
reas, tm a contextualizao como um recur-
so, posto que elas evocam mbitos e dimenses
presentes na vida pessoal e social, da produo
material e cultural da vida. Porm, contextualizar
os contedos escolares no liber-los do plano
abstrato da transposio didtica para aprision-
los na espontaneidade e na cotidianidade. Para
Os fenmenos que comenta-mos acima podem ser analisa-dos no s do ponto de vista das Cincias da Natureza, como tambm, e necessa-riamente devem s-lo, sob a tica das Cincias Humanas, pois, por exemplo, os proble-mas da segurana alimentar, do meio ambiente, da crise energtica tm determinaes de ordem histrica, geofsica, geopoltica, sociolgica e filo-sfica. Afinal, tais problemas no existem por razes na-turais, mas foram produzidos pelos prprios seres humanos nas suas relaes histricas, sociais e culturais da produo da existncia.
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reas de conhecimento e integrao curricular
que fique claro o papel da contextualizao,
necessrio aport-la, como no caso da interdis-
ciplinaridade, num fundamento epistemolgico e
este , para ns, a relao entre parte e totalida-
de. Assim, contextualizar o conhecimento no
exemplificar em que ele se aplica ou que situa-
es ele explica, mas sim mostrar que qualquer
conhecimento existe como resposta a necessi-
dades sociais. Estas, por sua vez, so histricas e
tambm produto de disputas econmicas, sociais
e culturais.
A organizao do currculo em reas de
conhecimento no deve substituir a especifici-
dade de cada componente curricular. Em outras
palavras, a compreenso do objeto mais geral da
rea no prescinde o estudo das particularida-
des desse objeto, e a relao entre elas deve ser
construda como um todo orgnico, sntese
das diversas dimenses que o compem. Nesse
sentido, oportuno dizer que, ao ressaltarmos a
necessidade da manuteno da especificidade
de cada campo do saber, expressa nos e pelos
componentes curriculares, no estamos defen-
dendo a compartimentalizao e o isolamento
dos saberes. Muito pelo contrrio, as reas po-
dem expressar uma interessante unidade com-
posta por uma diversidade que se articula e se
comunica entre si.
Reflexo e ao
Filme Ponto de mutao Original:
Mindwalk (1990) roteiro de Floyd Byars e Fri-
tjof Capra, dirigido por Bernt Amadeus Capra.
Adaptao cinematogrfica do livro Ponto de
A corrente eltrica, por exemplo, para um fsico, corresponde a um concei-to do seu campo cientfi-co, mas, no nosso cotidia-no, sua concretude est na luz eltrica que ilumina uma sala, num dispositivo eletrnico que transmite imagens, num microfone que possibilita a ampliao de vozes; isto , est no potencial que tem de pro-porcionar solues para as necessidades sociais.
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Formao de Professores do Ensino Mdio
Mutao, do fsico Fritjof Capra, que reflete
sobre as problemticas da sociedade contempo-
rnea colocando em questo o paradigma redu-
cionista/cartesiano que orienta uma viso de
mundo mecanicista e fragmentada a ser ven-
cido por novos paradigmas que possibilitem uma
viso mais sistmica da realidade humana. Na
Ilha de Monte Saint Michel, na Frana, uma fsi-
ca, afastada do trabalho devido a conflitos ticos,
um senador, candidato derrotado nas eleies
presidncia dos EUA e um poeta que sofreu uma
decepo amorosa e est em busca do sentido
da vida se afastando de todo discurso poltico se
encontram e, em um nico dia, conversam sobre
cincias, ecologia, guerra, poltica, filosofia. O fil-
me um convite para repensar no s as cincias
e suas formas de produo, como tambm a vi-
so fragmentada do conhecimento, praticada no
cotidiano escolar. Disponvel em:
http://www.youtube.com/watch?v=7tVsIZSpOdI
Aps assistirem ao filme , estimulados
para pensar formas de promover uma viso mais
integrada sobre os temas no contexto escolar,
convidamos vocs para refletirem e esboarem
uma forma de trabalhar o tema Educao Ali-
mentar e Nutricional de forma articulada entre
os componentes curriculares.
Para provocar o dilogo e dar incio ati-
vidade, leiam o texto abaixo e procurem outras
fontes de informao.
Alguns elementos para se pensar a Edu-
cao Alimentar numa perspectiva Integradora
No Brasil, a Poltica Nacional de Seguran-
a Alimentar e Nutricional foi regulamentada em
agosto de 2010, por meio do Decreto n 7.272. A
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reas de conhecimento e integrao curricular
referida legislao institui uma srie de diretrizes
e objetivos, que podem ser resumidos nos seguin-
tes princpios: (i) promover o acesso universal
alimentao adequada; (ii) estruturar sistemas jus-
tos, de base agroecolgica e sustentveis de pro-
duo, extrao, processamento e distribuio de
alimentos; (iii) instituir processos permanentes de
educao e capacitao em segurana alimentar e
direito humano alimentao adequada; (iv) am-
pliar e coordenar as aes de segurana alimentar
e nutricional voltadas para povos indgenas e co-
munidades tradicionais; (v) fortalecer as aes de
alimentao e nutrio em todos os nveis da aten-
o sade, de modo articulado s demais polticas
de segurana alimentar e nutricional; (vi) promover
a soberania e segurana alimentar e nutricional
em mbito internacional; (vii) promover o acesso
gua para consumo humano e para a produo
de alimentos (p. 15-16). A segurana alimentar
engloba desde aspectos relativos s normas de pro-
duo, o transporte e o armazenamento dos ali-
mentos at o acesso fsico e econmico a alimentos
bsicos para a existncia. O emprego, a educao,
a sade e a informao caracterizam a importncia
da temtica e se apresentam, tambm, nos direi-
tos alimentao adequada (direito de estar livre
da fome e da m nutrio) e soberania alimentar
(direito dos povos de definir suas prprias polticas
e estratgias de produo, distribuio e consumo
dos alimentos).
O costume alimentar de um povo deter-
minado no s pelas caractersticas do ambiente
como tambm pela tradio cultural e pela pro-
duo de tcnicas e organizao de trabalho de
um povo. Contudo, esse processo dinmico e o
contato entre culturas promove a modificao de
Vejam o filme A Vila, de M. Night Shyamalan (2004). Para complementar o estudo, su-gerimos que alugue o filme em uma locadora e o assista em casa, levando para a sala de aula as reflexes propostas abaixo.
A histria se passa em uma comunidade rural am-bientada no sculo XIX, autossustentvel,administrada por um conselho de ancios. Alm da vila, h outros dois ambientes no filme, o bosque e a cidade. O primeiro ha-bitado por criaturas perigosas, j o segundo apresentado como lugar do crime, da vio-lncia, do mal.
O bosque cercado por um grande muro com cerca el-trica e cmeras de monito-ramento, com a presena de vigias motorizados. Ultrapas-sar essas fronteiras traz um enorme risco. Uma medida de segurana adotar o princpio do acautelamento, da pre-servao elaborar e fixar formas para coibir ou inibir as possibilidades de conexo en-tre esses mundos.
Teramos aqui uma metfora para pensarmos sobre nosso isolamento no interior de nos-sas disciplinas: quais os riscos que parecem existir ao tentar-mos interconectar esses nos-sos pequenos mundos ?
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Formao de Professores do Ensino Mdio
hbitos alimentares nas sociedades, como o caso
da alimentao fast-food difundida pelo mundo. A
alimentao uma prtica vital para os indivdu-
os, mas a compreenso em torno dela implica no
entendimento de um sistema de significaes e
sentidos socioculturais a ela associada. O signifi-
cado e os sentidos de um prato de insetos, por
exemplo, diferente para povos ocidentais, pois a
cultura influencia na sensao de prazer ou repul-
sa dos alimentos. Alguns pratos funcionam como
demarcadores identitrios regionais (po de queijo
mineiro, vatap baiano, etc.). A religio tambm
se constitui um importante fator de influncia na
constituio da cultura alimentar de um povo im-
pondo tabus alimentares. O conhecimento e o do-
mnio sobre as formas de produo do alimento,
a sua forma de preparo, de ingesto e de apre-
sentao e os momentos em que so apreciados
tambm sofrem influncia da cultura. Portanto,
uma perspectiva integradora da educao alimen-
tar no currculo escolar implica necessariamente
abordar, alm de conhecimentos sobre os valores
nutricionais dos alimentos, que se encontram sis-
tematizados nos conhecimentos das reas de ci-
ncias da natureza, aspectos advindos de anlises
histricas e socioculturais da rea de cincias hu-
manas, dentre outros.
Para complementar o estu-do:
ALMEIDA, Milton. Jos. O corpo, a aula, a disciplina, a cincia. Educao e Socieda-de, n. 21, 1985.
RAMOS, Marise; ROLO, Mrcio. Conhecimento (verbete). In: CALDART, Roseli. Dicionrio da Edu-cao do Campo. Rio de Janeiro; So Paulo: Escola Politcnica de Sade Joa-quim Venncio, Expresso Popular, 2012. Disponvel em: .
ROSSI, Paolo. A cincia e a filosofia dos modernos: as-pectos da Revoluo Cien-tfica. So Paulo: UNESP, 1992.
SANTOS, Boaventura de Souza. Conhecimento pru-dente para uma vida decen-te: um discurso sobre as ci-ncias revisitado. 2. ed. So Paulo: Cortez, 2006.
JAPIASSU, Hilton. Interdis-ciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Ima-go, 1976
20
reas de conhecimento e integrao curricular
2. O ensino integrado: trabalho, cincia, tecnologia e cultura
No tpico anterior, vimos que a organiza-
o do currculo em disciplinas e reas de conhe-
cimento coloca-nos diferentes possibilidades de
analisar e definir quais contedos so relevantes
para o aluno do ensino mdio. Nessa etapa, ire-
mos discutir o ensino integrado. O que compre-
endemos por ensino integrado, o que se espera
integrar no currculo e no que essa integrao
contribuir para a formao do estudante? An-
tes de tudo, queremos a formao integral dos
educandos e, para isto, entendemos que o cur-
rculo deve integrar no seu desenvolvimento as
dimenses da prpria vida social, sintetizadas no
trabalho, na cincia, na tecnologia e na cultura.
As novas DCNEM nos do pistas nesse
sentido, ao apontarem as dimenses do tra-
balho, da cincia, da tecnologia e da cultura
como eixo integrador entre os conhecimen-
tos de distintas naturezas, contextualizan-
do-os em sua dimenso histrica e em rela-
o ao contexto social contemporneo.
Vamos iniciar, portanto, discutindo o sig-
nificado de cada um desses elementos para, pos-
teriormente, pensarmos em possveis estratgias
para esse ensino integrado.
2.1. Trabalho, cultura, cincia e tecnologia
Neste tpico nos aprofundaremos naque-
les que representam os conceitos estruturais do
ensino mdio na perspectiva de uma formao
21
Formao de Professores do Ensino Mdio
humana integral, os quais j foram apresentados
no curso anterior.
Apoiados em Cortella (2011), pensemos
na nossa condio humana. A vida humana um
processo constante de interferncia no mundo
que se d por intermdio de uma ao a qual,
diferentemente daquela realizada pelos demais
animais, altera de forma consciente o mundo
uma ao, portanto, transformadora consciente.
Diferenciamo-nos dos outros animais pela nossa
capacidade de agir, no apenas instintivamente
ou por reflexo, mas intencionalmente, em busca
de uma mudana no ambiente que nos favorea.
Nas palavras de Cortella (2011, p. 37, grifos do
autor):
Essa ao transformadora consciente exclusiva do ser humano e a chamamos de trabalho ou prxis, consequncia de um agir intencional que tem por fina-lidade a alterao da realidade de modo a mold-la s nossas carncias e inventar o ambiente humano. O trabalho , assim, o instrumento de interveno do huma-no sobre o mundo e de sua apropriao (ao de tornar prprio) por ns.
importante ressaltarmos que o termo
trabalho, nesse contexto, tem um significado
mais amplo do que aquele utilizado no nosso dia
a dia e, portanto, o fato de ser um dos elementos
propostos como eixo integrador no se confun-
de com um ensino voltado para um fazer profis-
sional especfico. Entendemos como trabalho o
modo pelo qual o ser humano produz para si o
mundo, os objetos e as condies de que precisa
para existir.
22
reas de conhecimento e integrao curricular
Nessa perspectiva, se identificamos o tra-
balho com essa ao transformadora consciente
do ser humano, chamaremos de cultura o con-
junto dos resultados dessa ao sobre o mundo.
No h, portanto, ser humano fora da cultura e,
nesse sentido, absurdo considerar a existncia
de algum que no tenha cultura. A cultura o
prprio ambiente do ser humano, socialmente
formada com valores, crenas, objetos, conhe-
cimentos, etc.
Reconhecer tanto a cincia quanto a tec-
nologia como produes humanas, resultados
de uma ao transformadora consciente do ser
humano, caracteriz-las como parte da cultura
e, consequentemente, como bens que so cons-
tantemente produzidos e reproduzidos.
Pautados em Vieira Pinto (1979), pode-
mos pensar a cincia como o produto do pro-
cesso de hominizao que s pode aparecer em
suas fases superiores. No um produto arbi-
trrio do pensamento, mas representa a forma
mais completa em que se realiza a adaptao do
homem realidade. Nas palavras de Vieira Pinto
(1979, p. 83, grifo do autor):
Constitui-se simultaneamente como pos-sibilidade de transposio do mundo para o interior do homem, pelo reflexo dos processos exteriores que determinam o pensamento, e pela imerso do homem no mundo, mediante a capacidade de ao sobre as coisas. A cincia a forma de resposta adaptativa de que somente o homem se revela capaz por ser o animal que vence as resistncias do meio ambien-te mediante o conhecimento dos fenme-nos, ou seja, mediante a produo da sua existncia, a individual e a da espcie.
23
Formao de Professores do Ensino Mdio
Sendo um conhecimento humano, no se
pode negar sua perspectiva histrica nem deixar
de reconhecer seu carter transitrio, de cons-
truo e reconstruo da realidade num processo
crescente de abstrao dessa mesma realidade.
Um processo que, se por um lado acumulativo,
por outro passvel de rupturas, reorganizaes,
redefinies de objetos e mtodos.
Importante, nesse nterim, percebermos
a cincia como cultura, como uma forma de co-
nhecimento que incorpora diferentes reas e que
de diferentes formas nos informa sobre a produ-
o histrica e social do mundo no qual vivemos.
Mas resta-nos ainda discutir nossa com-
preenso sobre tecnologia e faremos essa dis-
cusso apoiados na anlise de Bazzo, Linsingen e
Pereira (2003). A primeira ideia que nos ocorre
identificar tecnologia com cincia aplicada, com
o resultado da transformao do conhecimento
cientfico em produo industrial de natureza
material (automveis, telefones, computadores,
etc.). Essa viso traz dois problemas. Exclumos
como conhecimento tecnolgico a produo
de bens e processos no materiais igualmente
projetados para realizar alguma funo, como
as tecnologias de carter organizativo (sistemas
de educao e de sade, o urbanismo, as tera-
pias psicolgicas, dentre outros). Por outro lado,
segundo essa viso, caberia tecnologia o lado
no puro da cincia, dando a essa ltima um
carter neutro, segundo o qual no de respon-
sabilidade do cientista o que outros fazem com o
conhecimento produzido. Vemos, portanto, que
essa viso de tecnologia no apenas distorce sua
compreenso, como tambm leva a uma imagem
ingnua de cincia.
A historicidade dos fenme-nos e do conhecimento d vida aos contedos de ensino, pois foram cientistas e gru-pos sociais do passado que desenvolveram determinadas teorias, mas eles representam o movimento da humanidade em busca do saber. Portanto, expressam a nossa capacida-de, como seres humanos, de produzirmos conhecimentos e tomarmos decises quanto aos destinos de ns mesmos. A compreenso dessa lgi-ca permite que nos vejamos como sujeitos e no como ob-jetos de uma trama social que desconhecemos; permite que nos vejamos, portanto, como intelectuais e como potenciais dirigentes dos rumos que nos-sas vidas e a sociedade podem vir a tomar.
24
reas de conhecimento e integrao curricular
Hoje se entende que a tecnologia no
apenas utiliza o conhecimento da cincia, como
tambm o modifica, utiliza dados diferentes na
pesquisa que realiza, construindo um conheci-
mento prprio, menos idealizado. No quere-
mos com isso negar a existncia de relao entre
cincia e tecnologia, mas no podemos reduzi-la
aplicao de um conhecimento j produzido.
Mesmo no sendo simples definir tecno-
logia, podemos consider-la como uma coleo
de sistemas, incluindo a no apenas instrumentos
materiais, mas igualmente tecnologias de carter
de organizao (sistemas de sade, de educao),
projetadas para realizar alguma funo. Tecnol-
gico, portanto, no apenas o que transforma e
constri a realidade fsica, mas igualmente aquilo
que transforma e constri a realidade social.
Assim como a cincia, igualmente par-
te da cultura humana, tendo participado de sua
construo desde os primrdios, ainda que numa
forma mais prxima do uso de tcnicas do que
propriamente como tecnologia a qual compre-
endemos hoje. Em certo sentido, a existncia
humana um produto tcnico tanto como os
prprios artefatos que a fazem possvel (BA-
ZZO; LINSINGEN; PEREIRA, 2003, p. 38).
Face ao exposto, temos o desafio de en-
tender suas dimenses como eixo integrador
entre os conhecimentos de distintas naturezas,
contextualizando-os em sua dimenso histrica
e em relao ao contexto social contemporneo.
Para que isto ocorra, os contedos de ensino no
podem compor o currculo como teorias, con-
ceitos e procedimentos abstratos, sem historici-
dade e sem sentido social. Ao contrrio, no en-
sino integrado, os contedos so conhecimentos
Em nosso senso comum, os conhecimentos da ln-gua portuguesa, das lnguas estrangeiras, da matem-tica, da fsica, da qumica, da geografia, da histria, das artes, da educao f-sica, da sociologia, da fi-losofia exemplos de componentes curriculares do ensino mdio so reconhecidos como sendo de cultura geral, enquanto conhecimentos de eletr-nica, eltrica, anlise qu-mica, contabilidade, den-tre outras, normalmente encontrados em disciplinas de formao profissional, so ditos como conheci-mentos tecnolgicos. Mas isto no faz sentido social, pois o desenvolvimento da cincia , ao mesmo tem-po, um desenvolvimento tecnolgico e cultural. interessante notar que, por exemplo, um grande acon-tecimento que possibilitou o desenvolvimento das ci-ncias fsicas foi a inveno da mquina a vapor, o que demonstra que, por vezes, o processo tecnolgico que possibilita o salto cien-tfico. Ao mesmo tempo, essa inveno possibilitou o desenvolvimento da inds-tria, que mudou completa-mente os hbitos de vida e a cultura social.
25
Formao de Professores do Ensino Mdio
construdos historicamente que se constituem
como condio necessria para que os educan-
dos possam construir novos conhecimentos e
compreender o processo histrico e social pelo
qual os homens produziram e produzem sua
existncia, com conquistas e problemas. Esta re-
alidade tanto material a natureza e as coisas
produzidas pelos homens quanto social e cul-
tural, configurada pelas relaes que os homens
constroem entre si e, como vimos, conforma
uma totalidade.
No trabalho pedaggico integrado, o m-
todo de ensino, ento, deve restabelecer as rela-
es dinmicas e dialticas entre os conceitos, re-
constituindo aquelas que configuram a totalidade
concreta da qual se originaram, de modo que o
objeto a ser conhecido revele-se gradativamen-
te em suas peculiaridades prprias (GADOTTI,
1995, p. 31). O currculo integrado organiza o
conhecimento e desenvolve o processo de en-
sino-aprendizagem de forma que os conceitos
sejam apreendidos como sistema de relaes de
uma totalidade concreta que se pretende expli-
car/compreender.
Esta concepo compreende que, na es-
cola, so os componentes curriculares os respon-
sveis por permitir apreender os conhecimentos
j construdos em sua especificidade conceitual e
histrica; ou seja, como as determinaes mais
particulares dos fenmenos, relacionadas entre
si, permitem compreend-los. A interdisciplina-
ridade, como prerrogativa para a produo e or-
ganizao do conhecimento escolar, a recons-
tituio da totalidade pela relao entre os con-
ceitos originados a partir de distintos recortes da
realidade, isto , dos diversos campos da cincia
Tomemos, por exemplo, o processo de produo do turismo em Natal, Rio Grande do Norte. H cerca de 20 anos no existiam os grandes hotis da Praia de Ponta Negra nem lnguas negras desembocando no mar. Isto uma questo ambiental do fenmeno. J na dimenso econmico-produtiva, poderamos perguntar o que significa o crescimento do turismo para a economia da regio. Do ponto de vista histrico-cultural, que relaes esto construdas nessa prtica, que valores so desenvol-vidos ou so negados? Por que a expanso hoteleira em Ponta Negra ocorreu to rapidamente? E do pon-to de vista tcnico-organi-zacional, o que faz o tcni-co em turismo? Quais so seus procedimentos e suas responsabilidades?
26
reas de conhecimento e integrao curricular
representados em disciplinas. Ela tem como ob-
jetivo possibilitar a compreenso do significado
dos conceitos, das razes e dos mtodos pelos
quais se pode conhecer o real e apropri-lo, em
seu potencial, para o ser humano.
Reflexo e ao
O trecho abaixo foi retirado do livro
Cartas a Tho, de Vincent Van Gogh. Nessa
obra, so compiladas cartas que o pintor holan-
ds enviou a seu irmo de 1875 at sua morte,
em 1890.
CARTA N 195
Haia, abril de 1882
Eis o que penso sobre o lpis de carpinteiro. Os ve-
lhos mestres, com o que teriam desenhado? Certamente no
com um Faber B, BB, BBB, etc., etc., mas com um pedao de
grafite bruto. O instrumento do qual Michelngelo e Drer se
serviram provavelmente era muito parecido com um lpis de
carpinteiro. Mas eu no estava l, e portanto no sei de nada.
Sei, no entanto, que com um lpis de carpinteiro podemos
obter intensidades distintas das destes finos Faber, etc.
O carvo o que h de melhor, mas quando se tra-
balha muito, o frescor se perde, e para conservar a preciso
preciso fixar sem demora. Para a paisagem a mesma coisa;
vejo que desenhistas com Ruysdal, Goyen, Calame, e tam-
bm Roelofs, por exemplo, entre os modernos, tiraram dele
timo partido. Mas se algum inventasse uma boa pena para
trabalhar ao ar livre, com tinteiro, o mundo talvez visse mais
desenhos pena.
A integrao de conhecimen-tos no currculo depende de uma postura nossa, cada qual de seu lugar; o professor de Qumica, de Matemtica, de Histria, de Lngua Portugue-sa, etc. podem tentar pensar em sua atuao no somente como professores da forma-o geral, mas sujeitos que se dispem a compreender e a agir no mundo, fazendo-o a partir da contribuio de seus conhecimentos especficos, mas sempre em dilogo com o outro.
Leiam o texto SAVIA-NI, Dermeval. Trabalho e educao: fundamentos ontolgicos e histricos. Revista Brasileira de Edu-cao, v. 12, n. 34, jan./abr. 2007. Disponvel em: h t tp : / /www.sc ie lo .b r /scielo.php?pid=S1413-24782007000100012-&script=sci_arttext e, se possvel, vejam o filme A guerra do fogo de Jean-Jacques Annaud (1981) (sugerimos, novamente, que tente obt-lo em uma locadora). Leve a reflexo que propomos abaixo para o debate em sala de aula. O texto aborda os funda-
27
Formao de Professores do Ensino Mdio
Com carvo mergulhado na gua pode-se fazer coi-
sas excelentes, pude ver isto com Weissenbruch; o leo serve
para a fixao e o preto torna-se mais quente e mais pro-
fundo. Mas prefervel que eu faa isto daqui a um ano e
no agora. o que digo a mim mesmo, pois no quero que a
beleza se deva a meu material, e sim a mim mesmo.
Cartas extradas do livro Cartas a Tho, L&PM
Pocket, 1997, com traduo de Pierre Ruprecht. As even-
tuais incoerncias lingusticas foram mantidas pela editora
para se aproximar ao mximo dos escritos do pintor.
Estamos diante de um texto publicado na
forma de livro, no qual o autor um pintor, se
referindo ao seu trabalho e aos instrumentos que
tinha disponveis na poca. Refere-se a diferen-
tes tcnicas de pintura, forma como a natureza
pode ser captada a partir de cada uma delas e,
ao mesmo tempo, j trazendo dvidas sobre o
papel do instrumento tecnolgico na autoria da
obra. Com base neste texto e no que discutimos
anteriormente:
1. Destaque as dimenses da cul-
tura, do trabalho, da cincia e da tecnolo-
gia presentes nesse trecho da obra.
2. De que forma ele poderia ser
incorporado como material para discus-
so em sala de aula? Em que contexto e
com qual objetivo?
Havendo interesse, voc poder acessar
todo o conjunto de obras de Van Gogh no site
.
mentos ontolgicos e his-tricos da relao trabalho e educao na perspectiva dos modos de produo da existncia humana (comu-nitarismo primitivo, antigui-dade clssica, feudalismo e capitalismo).
O filme, por sua vez, retra-ta um perodo na pr-his-tria e dois grupos de ho-mindeos. O primeiro, que quase no se diferencia dos macacos por no ter fala e se comunicar por meio de gestos e grunhidos, pou-co evoludo e acha que o fogo algo sobrenatural por no dominarem ainda a tcnica de produzi-lo; o outro grupo mais evolui-do e tem uma comunicao e hbitos mais complexos, como a habilidade de fazer o fogo.
Esses dois grupos entram em contato quando o fogo da primeira tribo apaga-do em uma guerra com uma tribo de homindeos mais primitivos, que dispu-tam a posse do fogo e do territrio. Levados por di-versas circunstncias a um encontro com a tribo de Ika, percebem que h uma maneira diferente de viver; observam as diferentes for-mas de linguagem, o sorri-so, as construes de caba-nas, pinturas corporais, o uso de novas ferramentas e
28
reas de conhecimento e integrao curricular
3. Caminhos para a aproximao do conhecimento das diferentes reas: o trabalho como princpio educativo e a pesquisa como princpio pedaggico
Discutimos at aqui o significado da re-
lao entre trabalho, cincia, tecnologia e cul-
tura como base da concepo de ensino mdio
integrado. Se h uma unidade nesta relao
trata-se de dimenses da vida social , ela tem
como ponto de partida a produo da existncia
humana que se d pelo trabalho, uma vez que o
trabalho mediao concreta entre o homem e
a sua realidade natural e social. Isto significa que
a formao humana coincide com a capacidade
nica de este ser transformar a realidade e, por
consequncia, a si prprio. Aqui est o significa-
do de o trabalho ser princpio educativo. Este
princpio, antes mesmo de se pensar aplicvel na
educao escolar, explica o processo histrico
pelo qual a humanidade se fez existir. Ao trans-
formar a realidade e a si mesmo pelo trabalho,
o ser humano produz tambm conhecimento,
tecnologia, cultura.
Um bom exerccio para se constatar que
o trabalho propriamente a atividade vital dos
seres humanos singulares e da prpria socieda-
de, alm do ato social de produzir conhecimento
e cultura, pensarmos nos fenmenos eltricos.
Estes, como fenmenos naturais, j existiam
mesmo antes de serem apropriados pelo homem
como fora produtiva capaz de iluminar ambien-
tes, colocar mquinas em funcionamento etc. Ou
seja, tratavam de fenmenos naturais, mas no
eram nem objeto da cincia nem um valor de uso
Sabemos o transtorno que a falta de energia eltrica causa hoje em nosso cotidiano. No sabemos mais viver sem ela, o que significa que ela faz parte da nossa cultura. A sua apro-priao respondeu a neces-sidades humanas que foram alm da simples adaptao natureza; um processo tpico dessa relao entre trabalho, cincia, tecnologia e cultura, isto , da ao humana vital.
mesmo um modo diferente de reproduo.
Que situaes concretas da prtica social no comunita-rismo primitivo abordadas pelo filme tm relao com os fundamentos histricos e ontolgicos da relao trabalho e educao, discu-tidas no texto? O que per-manece e o que se modifica na passagem para os modos de produo seguintes?
29
Formao de Professores do Ensino Mdio
para as pessoas; apesar de existirem, no inter-
feriam na vida social e cultural. Somente quando
se tornam produto do trabalho humano que se
constituem tambm em conhecimento que im-
pulsiona a vida social material e culturalmente.
A produo da existncia humana, por-
tanto, se faz mediada, em primeira ordem, pelo
trabalho (MSZROS, 2006). Primeiramente,
como caracterstica inerente ao ser humano de
agir sobre o real, apropriando-se de seus poten-
ciais e transformando-o. Por isso o trabalho
uma categoria ontolgica: inerente espcie
humana e primeira mediao na produo de
bens, conhecimentos e cultura (LUKCS, 1981).
Numa segunda dimenso est o trabalho nas
suas formas histricas, que na sociedade capita-
lista caracteriza-se como emprego assalariado.
Vendendo sua fora de trabalho a outrem, o tra-
balhador recebe um valor por meio do qual ele
pode satisfazer suas necessidades bsicas. Nesta
sociedade, a satisfao dessas necessidades ten-
de a se reduzir sua reproduo material. Mas
o direito plena existncia humana no permite
transgredir as condies necessrias para que o
ser humano viva inteiramente como ser social e,
por isto, cultural.
Na base da produo material da existn-
cia humana est o desenvolvimento econmico,
configurado por formas especficas de utilizar a
fora de trabalho das pessoas para produzir va-
lores de uso e de troca (mercadorias) e, a partir
dessas, a riqueza (e a pobreza) social. Portanto,
as pessoas, para serem socialmente produtivas,
tornam-se capazes de se inserir nos processos de
produo, desenvolvendo atividades especficas
que permitam a elas serem reconhecidas como
30
reas de conhecimento e integrao curricular
trabalhadoras. Para isto, devem apropriar-se de
conhecimentos necessrios ao desempenho des-
sas atividades. Se a educao bsica o processo
pelo qual as pessoas tm acesso aos conhecimen-
tos e cultura da sociedade em que vivem, por
meio de uma formao especfica, as pessoas se
apropriam de conhecimentos relacionados mais
imediatamente com o mundo da produo.
A educao que tem o trabalho como
princpio educativo, portanto, compreende que
o ser humano produtor de sua realidade e,
por isto, se apropria dela e pode transform-la.
Equivale a dizer, ainda, que ns somos sujeitos
de nossa histria e de nosso conhecimento. Ve-
mos que isto em nada tem a ver com a ideia do
aprender fazendo nem sinnimo de formar
para o mercado de trabalho. O trabalho como
princpio educativo , antes, uma concepo de
mundo, de homem e de sociedade e, portanto,
da prpria educao.
Mas isto traz implicaes pedaggicas
concretas. Poderamos nos perguntar sobre
como colocar esse princpio na prtica. Alm
de fundamentar a finalidade educativa, na ela-
borao curricular, este princpio orienta a sele-
o e o ordenamento dos contedos de ensino.
Nossa sugesto para caminhar nesse sentido
que os professores problematizem historica-
mente as dimenses do modo de produo da
existncia humana e social hoje o capitalismo
contemporneo e suas especificidades nacional
e regional ou mesmo processos produtivos
e/ou fenmenos que compem essa dinmica
mais ampla e, a partir de ento, cheguem aos
contedos de ensino e organizao dos com-
ponentes curriculares.
A possibilidade cientfico-tecnolgica de uma usina hidreltrica est na trans-formao de um tipo de energia em outra, visando sua utilizao pelas pes-soas. A transformao de energia um processo natural; a transformao da energia mecnica em eltrica uma apropriao humana. A apropriao do potencial da natureza pelos homens uma caractersti-ca ontolgica, enquanto as necessidades que os levam a faz-lo da forma e com as motivaes que o fazem e em benefcio de que grupos sociais uma questo histrica (por de-corrncia tambm poltica, sociolgica, econmica).
31
Formao de Professores do Ensino Mdio
Falamos, ento, de particularidades, pois,
como j vimos, a totalidade s pode ser apre-
endida pela mediao das partes. Karel Kosik
(1976), um filsofo hngaro, por exemplo, nos
diz que cada fato ou conjunto de fatos, na sua
essncia, reflete toda a realidade com maior ou
menor riqueza ou completude. Assim, a possi-
bilidade de se conhecer a totalidade a partir das
partes dada pela possibilidade de se identificar
os fatos ou conjunto de fatos que deponham
mais sobre o que se precisa saber. Por que fala-
mos, tambm, de se partir de questes atuais?
que estudar fatos ou fenmenos na sua historici-
dade com base na cincia no corresponde partir
do que j foi ultrapassado para chegar at hoje.
Ao contrrio, a partir do conhecimento na sua
forma mais contempornea que se pode com-
preender a realidade e a prpria cincia na sua
historicidade.
Os processos de trabalho e as tecnolo-
gias correspondem a momentos da evoluo
das foras materiais de produo e podem ser
tomados como um ponto de partida histrico e
dialtico para o processo pedaggico. Histrico
porque o trabalho pedaggico fecundo ocupa-
se em evidenciar, junto aos conceitos, as razes,
os problemas, as necessidades e as dvidas que
constituem o contexto de produo de um co-
nhecimento. A apreenso de conhecimentos na
sua forma mais elaborada permite compreender
os fundamentos prvios que levaram ao estgio
atual de compreenso do fenmeno estudado.
Dialtico porque a razo de se estudar um pro-
cesso de trabalho no est na sua estrutura for-
mal e procedimental aparente, mas na tentativa
de captar os conceitos que os fundamentam e as
muito comum que os pro-fessores elaborem seus pla-nos de estudo com base num desenrolar cronolgico, do passado para o presente, e na anlise de fatos, fenmenos, conceitos ou teorias. Lembre-mos, por exemplo, o ensino de histria partindo da antigui-dade. Muitas das vezes, esse tipo de sequenciamento acaba no nos permitindo discutir as questes mais contemporne-as pelas quais, inclusive, os estudantes podem at ter mais interesse porque, quando chega neste momento, o per-odo letivo j terminou.
32
reas de conhecimento e integrao curricular
relaes que os constituem. Estes podem estar
em conflito ou serem questionados por outros
conceitos.
Sob esse prisma, processos produtivos
que so, na verdade, particularidades da produ-
o social da existncia e, portanto, trabalho
podem ser referncias para a proposta curricular,
a fim de se estud-los em mltiplas dimenses,
tais como econmica, produtiva, social, poltica,
cultural e tcnica. Os conceitos que tais estudos
exigem so os prprios contedos de ensino sis-
tematizados e organizados nas diferentes reas
de conhecimento e nos componentes curricu-
lares. Por esse caminho, perceber-se- que co-
nhecimentos cientficos, tcnicos, tecnolgicos e
culturais gerais formam uma unidade histrica.
Obviamente, a organizao formal do
currculo exigir a organizao destes conheci-
mentos, seja em forma de componente discipli-
nar, projetos etc. Importa, entretanto, que no se
percam os referenciais das reas de conhecimen-
to, de modo que os conceitos possam ser rela-
cionados no s interdisciplinarmente, mas tam-
bm no interior de cada disciplina. O estudo das
Cincias Humanas e Sociais em articulao com
as Cincias da Natureza, das Linguagens, mais a
Matemtica, pode contribuir para a compreen-
so do processo histrico-social da produo de
conhecimento, mediante o questionamento dos
fenmenos naturais e sociais na sua obviedade
aparente.
Quanto aos estudos no interior de cada
disciplina, lembremos que os conhecimentos
cientficos, tcnicos e operacionais que esto na
base dos fenmenos naturais e das relaes so-
ciais, ao se constiturem em objetos de ensino,
33
Formao de Professores do Ensino Mdio
formam um corpo de conhecimentos que obe-
dece s suas prprias regras internas episte-
molgicas e metodolgicas de estruturao.
Isso confere dinmica escolar uma determinada
ordem mais ou menos condicionante dos discur-
sos em que se d a conhecer, alm de certa re-
lao de pr-requisitos que devem ser atendidos
com vistas sua aquisio, associada ao desen-
volvimento cognitivo dos estudantes.
Desse ponto de vista, a interdisciplinari-
dade no algo artificial, mas uma necessidade.
Como afirma Frigotto (1995, p. 33):
O trabalho interdisciplinar se apresenta como uma necessidade imperativa pela simples razo de que a parte que isola-mos ou arrancamos do contexto origi-nrio do real para poder ser explicada efetivamente, isto , revelar no plano do pensamento e do conhecimento as de-terminaes que assim a constituem, en-quanto parte, tem que ser explicitada na integridade das caractersticas e qualida-des da totalidade. justamente o exerc-cio de responder a esta necessidade que o trabalho interdisciplinar se apresenta como um problema crucial, tanto na produo do conhecimento quanto nos processos educativos e de ensino.
Aqui cabe retomar o que discutimos no
nosso primeiro momento, a saber: o fato de que,
para no se converterem em simples experimen-
taes, ou em exerccios artificiais de conexo
entre contedos, ou num currculo repleto de
atividades ou de exemplos, de forma descompro-
metida com a formao cientfica e cultural dos
educandos, tanto a interdisciplinaridade quanto
a contextualizao devem se aportar no funda-
mento epistemolgico da relao entre parte e
34
reas de conhecimento e integrao curricular
totalidade na produo da cincia e no processo
educativo.
A contextualizao , sem dvida, uma
orientao pertinente e til formao integrada,
mas aqui ela vai alm de situar o conhecimento
cientfico em prticas sociais vividas. Ela se torna,
na verdade, uma estratgia de anlise da realida-
de social pelos educandos com base no conheci-
mento sistematizado. Trata-se de um processo,
ento, que provoca a investigao coletiva, um
interrogar permanente sobre a cotidianidade
contraditria e, muitas vezes perversa, frente ao
prprio papel que deve cumprir a escola.
Nossa maior preocupao com esse as-
pecto o risco de simplificao dos processos de
aprendizagem, tornando-a uma pseudoaprendi-
zagem e contribuindo cada vez mais para o iso-
lamento entre as instncias produtoras de co-
nhecimento e a escola, condenando esta ltima a
simples instncia de reproduo ou transmisso
de saberes prontos e acabados. O contexto pode
ser o ponto concreto de partida que, mediante
a elaborao do pensamento e a capacidade de
abstrao, torna-se concreto pensado e, por-
tanto, com suas dimenses essenciais, comple-
xas e contraditrias.
Quando se parte do contexto de vivncia
do educando, por exemplo, deve-se saber da ne-
cessidade de se enfrentar as concepes prvias
que eles trazem que, mesmo consideradas como
conhecimento tcito, podem estar (e a tendn-
cia que estejam) no plano do senso comum,
constitudos de representaes distorcidas ou
equivocadas, ou, ainda, apresentando limites
como modelo de compreenso e de explicao
Por exemplo, a construo de uma usina hidreltrica numa determinada regio, proble-matizada na perspectiva tec-nolgica, evidenciaria teorias, conceitos e procedimentos tcnico-cientficos predomi-nantemente da Fsica. Mas, se problematizada na perspec-tiva ambiental, por exemplo, evidenciar-se-iam questes, teorias e conceitos da Biologia e da Geografia, dentre outros. Mas toda questo ambiental tambm econmica e pol-tica, portanto, ao ser tratada nessas perspectivas, sero evi-denciados conceitos das Cin-cias Sociais. Enfim, nenhuma perspectiva em si esgotaria a totalidade do fenmeno. Por isso, o currculo integrado re-quer a problematizao dos fenmenos em mltiplas pers-pectivas, mas tambm uma abordagem metodolgica que permita apreender suas deter-minaes fundamentais, orde-nando-as conceitualmente.
35
Formao de Professores do Ensino Mdio
da realidade restritos a determinados contextos.
Se no enfrentada essa questo, corre-se o risco
de considerar que a simples sistematizao desse
conhecimento suficiente para que o aluno esta-
belea relaes entre ideias, fatos e fenmenos
e esteja apto para enfrentar situaes concretas
que demandam problematizaes, elaboraes
conceituais e solues. Esse um falso conhe-
cimento. Outro risco que, em parte, pode ser
consequncia do primeiro, considerar a exis-
tncia de uma continuidade e de uma equivaln-
cia entre o conhecimento cotidiano e o conheci-
mento cientfico, e que possvel passar de um
para outro sem rupturas.
O processo de ensino-aprendizagem con-
textualizado um importante meio de estimular a
curiosidade e fortalecer a confiana do educando.
Por outro lado, sua importncia s pode valer se
for capaz de fazer com que este tenha conscincia
sobre seus modelos de explicao e compreenso
da realidade, reconhecendo-os como distorcidos
ou limitados a determinados contextos; enfrente
o questionamento, coloque-os em xeque num
processo de desconstruo de conceitos e re-
construo/apropriao de outros.
Suscitados pela reflexo que acabamos
de fazer, podemos trazer, agora, a proposta da
pesquisa como princpio pedaggico. Ele est in-
timamente relacionado ao trabalho como princ-
pio educativo, pois contribui para a construo da
autonomia intelectual do educando e para uma
formao orientada pela busca de compreenso
e solues para as questes tericas e prticas da
vida cotidiana dos sujeitos trabalhadores. Afinal,
formar integralmente os educandos implica no
s que estes aprendam o significado e o sentido
36
reas de conhecimento e integrao curricular
das cincias, das tecnologias, das prticas cultu-
rais etc., mas preciso fundamentalmente for-
mar as pessoas para produzirem novos conhe-
cimentos, compreender e transformar o mundo
em que se vive.
A pesquisa, ento, instiga o estudante
no sentido da curiosidade em direo ao mun-
do que o cerca, gera inquietude, para que no
sejam incorporados pacotes fechados de viso
de mundo, de informaes e de saberes, quer
sejam do senso comum, escolares ou cientficos.
Mas o princpio pedaggico da pesquisa est em
compreender a cincia no somente na dimenso
metodolgica, mas tambm, e fundamentalmen-
te, na perspectiva filosfica. Isto porque preci-
so apreender e discutir as diversas concepes
de cincia para que o educando possa se situar
nesse mundo e compreender o sentido que his-
toricamente vem tomando a produo cientfica
em nosso pas.
1 Propomos que assistam um dos seguintes filmes: a) Segunda-feira ao Sol Fernando Leo de Aranoa (2001). Uma cidade costeira no norte da Espanha sofre com seu isolamento quando seus estaleiros comeam a ser fechados, deixando v-rios trabalhadores desem-pregados merc de peque-nas ocupaes temporrias. Entre eles est Santa (Javier Bardem), um macho rebel-de e autossuficiente que se recusa a admitir o fracasso. Mas a verdade que ele e seus companheiros, dos quais ele se torna uma esp-cie de lder, so perdedores completos, mergulhados no alcoolismo e em crises fami-liares. b) O corte Costa Gavras (2005) Bruno Davert (Jos Garcia) um profissio-nal realizado e um pai de fa-mlia feliz. At o dia em que perde o emprego que tinha h 12 anos numa fbrica de papel. Depois de passar longos meses sem arrumar novo trabalho, ele comea a desenvolver um compor-tamento a cada dia mais lou-co. Investiga quem so seus maiores concorrentes e pas-sa a matar um por um. Com base no(s) filme(s), discutam os problemas contempor-neos do trabalho e como o ensino mdio pode contri-buir para que os educandos compreendam os funda-mentos desses problemas e se disponham a enfrenta-los na prtica social. Procure fazer relaes entre esta re-flexo e o texto: DEMO Pe-dro. Educar pela pesquisa. 8. ed. Campinas: Editores Associados, 1998.
37
Formao de Professores do Ensino Mdio
Elaborao coletiva da proposta curricular integrada
Momento da elaborao Resultado da elaborao
1. Problematizar o processo de produo, fato ou fenmeno em mltiplas perspecti-vas: tecnolgica, econmica, histrica, am-biental, social, cultural, etc.
Conjunto de questes que servem seleo de contedos; ou seja, seleo de conheci-mentos necessrios para resolver a proble-matizao.
2. Explicitar teorias e conceitos fundamen-tais para a compreenso do(s) objeto(s) estudado(s) nas mltiplas perspectivas em que foi problematizado.
Seleo integrada dos contedos de ensino. Teorias e conceitos aqui explicitados consti-tuem os conhecimentos necessrios para re-solver a problematizao e, assim, estruturar os contedos de ensino selecionados.
3. Localizar as teorias e os conceitos expli-citados nos respectivos campos da cincia (reas do conhecimento, disciplinas cient-ficas).
Identifica-se, assim, a raiz epistemolgi-ca desses conhecimentos, de modo que os componentes curriculares adquiram sentido e propsito no currculo em vez de repro-duzirem as orientaes de livros ou manuais didticos.
4. Identificar relaes dessas teorias e con-ceitos com outros do mesmo campo (disci-plinaridade).
Ampliao e complementao dos conte-dos de ensino selecionados a partir da pro-blematizao, considerando que a aprendiza-gem real de um conceito isto , de forma no pragmtica ou somente instrumental implica apreend-lo na relao com outros conceitos que do unidade epistemolgica a um campo cientfico.
5. Identificar relaes com outros conceitos de campos distintos (interdisciplinaridade).
Indicao de abordagens interdisciplinares necessrias explicao do problema na sua totalidade.
Reflexo e ao
Organizem-se em grupos multidisciplinares, definam um processo produtivo ou um
fato, ou um fenmeno e sigam as sugestes apresentadas no quadro abaixo como exerccio
de elaborao de uma proposta curricular. A finalidade deste exerccio que professores
cheguem seleo de contedos de ensino e organizao em componentes curriculares,
orientada pelo princpio da relao entre ensino e produo.
38
reas de conhecimento e integrao curricular
4. O projeto curricular e a relao entre os sujeitos e desses com suas prticas
Devias saber que estar de acordo nem sempre
significa compartilhar uma razo, o mais de costume
reunirem-se pessoas sombra de uma
opinio como se ela fosse um guarda-chuva.
Jos Saramago (1922-2010).
Compreendemos que os pressupostos
para construo da proposta curricular englo-
bam, alm do planejamento pedaggico propria-
mente dito, tambm as dimenses da organiza-
o do trabalho escolar, da gesto democrtica,
da eleio das lideranas, da autonomia da escola
e da participao da comunidade. Alm disso, o
currculo, por mais que seja institudo, ele tam-
bm est no campo do instituinte; ou seja, di-
nmico e permanentemente avaliado, devendo
ser modificado sempre que no atender mais
aos anseios da comunidade. A construo desse
projeto atravessa pelo menos trs momentos:
o da concepo, o da institucionalizao e o da
implementao, possuindo dimenses temporais
importantes, a saber: o tempo poltico, que diz
respeito oportunidade poltica de um projeto;
o tempo institucional, tempo em que a escola se
encontra em sua histria; tempo escolar, que diz
respeito ao calendrio da escola e ao perodo no
qual o projeto elaborado; tempo de amadureci-
mento das ideias, que, diferentemente dos proje-
tos burocrticos, precisa ser discutido com a co-
munidade, o que demanda tempo cronolgico.
39
Formao de Professores do Ensino Mdio
Alguns elementos facilitadores devem
ser utilizados para que o projeto realmente de-
monstre a identidade da escola. So eles: a co-
municao eficiente, que torne o projeto factvel
e facilmente compreendido; a adeso voluntria
e consciente da comunidade; a existncia de su-
porte institucional e financeiro; eficiente contro-
le, acompanhamento e avaliao do projeto; a
existncia de um ambiente favorvel s relaes
de trabalho; a credibilidade a ser conquistada
pelo prestgio, competncia e legitimidade de
quem defende as ideias; um referencial terico
que facilite encontrar os principais conceitos e a
estrutura do projeto.
Considera-se, por fim, que justamente
pelo fato de o currculo envolver mais do que a
dimenso ensino-aprendizagem, sua elaborao
deve se basear nos seguintes eixos tico-pol-
ticos: integrao trabalho, cincia, tecnologia e
cultura; integrao escola-comunidade; demo-
cratizao das relaes de poder; enfrentamen-
to das questes de repetncia e de evaso; viso
interdisciplinar ; formao permanente dos edu-
cadores.
Uma proposta estruturada em torno des-
ses eixos deve comprometer-se tambm com as
possibilidades de interveno e melhoria da reali-
dade social, econmica e cultural da regio. Para
isto, a escola pode se organizar para investigar
problemas e tendncias econmico-sociais e cul-
turais caractersticos da regio, de modo a tomar
questes que sejam relevantes para essa comu-
nidade e que possam tornar-se motivadoras de
projetos de trabalho com os estudantes. Esta di-
retriz, juntamente com outras, constitui-se numa
40
reas de conhecimento e integrao curricular
possvel forma de organizar o projeto escolar co-
erente com uma formao ampla e integral.
O desafio que apresentamos, ento, o
de ultrapassar a escola como espao curricular,
estendendo o planejamento e as prticas para
outros espaos, que possibilitem incluir manifes-
taes culturais, projetos e processos sociais na
experincia escolar, de interveno e de coope-
rao sistematizada em torno da construo do
conhecimento.
Assentados sobre uma base tico-poltica
e sobre o princpio da interdisciplinaridade, o
currculo, bem como suas dimenses especifi-
camente epistemolgica e metodolgica, pode
mobilizar intensamente os alunos, assim como
os diversos recursos didticos disponveis e/ou
construdos coletivamente. Pressupomos, com
isto, a possibilidade de se dinamizar o processo
de ensino-aprendizagem numa perspectiva dial-
tica, em que o conhecimento compreendido e
apreendido como construes histrico-sociais
e sua apreenso reconhecida pelos estudantes
como necessria para a compreenso e eventual
superao dos problemas identificados e reco-
nhecidos como relevantes pela comunidade.
Algumas abordagens metodolgicas que
reconhecem o processo de contextualizao do
conhecimento como de efetiva problematizao
das condies socioeconmicas da comunidade,
e o conhecimento escolar como meio para sua
efetiva compreenso e possibilidade de organi-
zar processos os quais levam a sua superao po-
dem conferir ao currculo uma maior perspectiva
de totalidade, respeitando-se as especificidades
epistemolgicas das reas de conhecimento e
dos componentes curriculares. Propomos a or-
41
Formao de Professores do Ensino Mdio
ganizao dos planos de estudo de forma inter-
disciplinar e contextualizada, sugerindo que o
processo pedaggico considere :
o trabalho sistematizado com leituras
de publicaes diversas, alm do livro didtico,
selecionando temas e construindo objetos de es-
tudo capazes de integrar os conhecimentos tra-
balhados nas respectivas reas de conhecimento
e, interdisciplinarmente, envolvendo os alunos
nesse processo de escolha, valorizando a cultu-
ra e o contexto local referenciados globalmente,
levando-se em conta os interesses, a realidade e
os projetos pessoais/sociais dos alunos;
a produo prpria e coletiva dos tex-
tos, de acordo com a identidade da escola, dos
alunos e da regio, de forma a ultrapassar a pers-
pectiva homogeneizante imposta pelo uso exclu-
sivo do livro didtico;
a utilizao intensa da biblioteca, como
meio de educar para a leitura e desenvolver a
criatividade, o esprito crtico, o interesse pela in-
vestigao e pelo desenvolvimento de projetos,
diluindo a fronteira da leitura como obrigao e
como prazer;
o uso de diversos recursos pedaggicos
disponveis na escola, como meio de levar o alu-
no a reconhecer as diversas formas e estruturas
da linguagem, bem como os processos histri-
cos e sociais que determinaram a construo do
conhecimento cientfico, utilizando filmes, livros,
documentos histricos e outros, que ajudem a
relacionar fatos e ideias;
a explorao de recursos externos es-
cola, como as bibliotecas, os cinemas, os teatros,
os museus, as exposies, etc., como meio de in-
centivar o gosto por atividades culturais e como
A prtica no fala por si mes-ma, e sua condio de funda-mento da teoria ou de critrio de sua verdade no se verifica de modo direto e imediato. Devemos rechaar essa con-cepo empirista da prtica, j que no se pode utiliz-la como critrio de verdade sem uma relao terica com a prpria atividade em ques-to. Ou seja, devemos fazer, mas tambm sempre pensar e discutir coletivamente sobre o que fazemos.
42
reas de conhecimento e integrao curricular
processo de integrao entre o conhecimento
do aluno e a realidade sociocultural de seu con-
texto de vivncia;
a investigao de problemas de ordem
socioeconmica, dos pontos de vista histrico,
geogrfico, sociolgico, filosfico e poltico;
a realizao de atividades prticas, como
aulas em laboratrios e visitas de campo, tais
como fbricas, estaes de tratamento de gua
e de esgoto, estaes de gerao eltrica, reas
de atividades agropecurias, reservas de preser-
vao ambiental, museus histricos-cientficos
etc., explorando os recursos externos escola
e aprofundando o conhecimento sobre as reali-
dades econmico-produtiva, social e cultural da
regio;
o uso de acervos e patrimnios hist-
rico-culturais da regio, propiciando o contato
direto do aluno com a preservao da mem-
ria, incentivando-o a se apropriar dessa memria
como cidado, valorizando-a e preservando-a.
Para isso a escola deve se abrir s possibi-
lidades educativas oferecidas no s por espaos
institucionalizados, como associaes, museus,
meios de comunicao, mas tambm por outros
atores ou grupos sociais que, a partir de suas ati-
vidades cotidianas, exeram um papel de produ-
tores e mediadores de conhecimentos e/ou pr-
ticas relacionadas compreenso do mundo e
esfera do trabalho, bem como perpetuao de
saberes locais/tradicionais, indispensveis for-
mao e manuteno da identidade comunitria.
Ou seja, a escola deve se assumir como parte de
um todo social, estabelecendo possibilidades para
a construo de um projeto educativo conjunto.
43
Formao de Professores do Ensino Mdio
Os tempos e os espaos curriculares po-
dem ser tambm revistos. A ideia de grade cur-
ricular nos leva a tomar os tempos curriculares
de forma muito rgida, como fraes de horas se-
manais que o professor dispor com a(s) turma(s)
expressas, em seguida, no horrio escolar. De
acordo com esse horrio, logo imaginamos que
o professor entrar em sala e iniciar sua aula
expositiva, quase sempre sendo concluda com
as tarefas para casa ou com aulas de aplicaes
descontextualizadas e artificiais a partir do co-
nhecimento exposto.
A formulao de situaes de aprendiza-
gem em torno de processos de produo gera,
necessariamente, o confronto entre o conhe-
cimento cientfico e os problemas enfrentados
pela sociedade. Nesta perspectiva, portanto,
impossvel pensar-se exclusivamente no traba-
lho isolado com os diferentes componentes cur-
riculares. Portanto, ao se estabelecer um pacto
sobre as situaes de aprendizagem que sero
trabalhadas num determinado perodo de for-
mao, os tempos e espaos curriculares devem
ser planejados em conjunto entre os professo-
res, tendo em vista o desenvolvimento de um
mtodo de ensino coerente com o princpio da
contnua vinculao entre educao e sociedade,
entre produo e ensino.
Vislumbramos, ento, o currculo integra-
do se desenvolvendo, por exemplo, de acordo
com o mtodo de ensino da pedagogia histrico-
crtica (SAVIANI, 2005) que compreende as se-
guintes etapas:
a) prtica social (comum a professores
e alunos): professores e alunos podem se posi-
cionar como agentes sociais diferenciados. Eles
44
reas de conhecimento e integrao curricular
tambm se encontram em nveis diferentes de
compreenso (conhecimento e experincia) da
prtica social;
b) problematizao (identificao dos
principais problemas da prtica social): trata-se
de detectar quais questes precisam ser resol-
vidas no mbito da prtica social e, em consequ-
ncia, quais conhecimentos so necessrios do-
minar. Nesta etapa de ensino, procurar-se-ia re-
construir com os estudantes a problematizao
feita pelos professores, em conjunto, no trabalho
de elaborao curricular, conforme propusemos
na atividade 3 do item anterior.
c) instrumentalizao (apropriao dos
instrumentos tericos e prticos indispensveis
ao equacionamento dos problemas detectados
na prtica social): tais instrumentos so produ-
zidos socialmente e preservados historicamente.
A sua apropriao pelos alunos est na depen-
dncia da transmisso direta ou indireta por par-
te do professor;
d) catarse (efetiva incorporao dos ins-
trumentos culturais, modificados para elementos
ativos de transformao social);
e) prtica social.
So possveis outras formas de organiza-
o e encaminhamento metodolgico de propos-
tas, organizadas na perspectiva interdisciplinar
apontada, entretanto, independente da dinmica
estabelecida, inegocivel o reconhecimento do
carter transformador que deve ter qualquer co-
nhecimento que se proponha a se transformar
em conhecimento escolar.
E o cotidiano, como construir? Espera-se
que educadores e educandos articulem experi-
ncias e conhecimentos cientficos; construam
45
Formao de Professores do Ensino Mdio
coletivamente novos conhecimentos; respeitem
mutuamente a diversidade de gnero, etnia, de
cultura, etc.
Tambm os materiais pedaggicos uti-
lizados podem contribuir para essas prticas.
Eles devem ser coerentes com as perspectivas
epistemolgica e pedaggica adotadas. Devem
oferecer referenciais e conceitos tericos, assim
como permitir mediaes com a realidade con-
creta. Esse cotidiano pode e deve ser formativo.
Espera-se que as relaes escolares entre edu-
cadores, educandos e seus familiares, mais os
demais trabalhadores da escola contribuam para
a reflexo crtica sobre as relaes sociais, eco-
nmicas, culturais e polticas, se constituindo em
espao permanente de troca, avaliao e produ-
o de conhecimentos.
Reflexo e ao
1 Assista ao vdeo Em busca de Jo-aquim Venncio de Evandro Filho e outros
(2009). O vdeo resultado de um trabalho de
integrao realizado por alunos da 1 srie da
Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio,
no ano de 2009. Contando com imagens de ar-
quivo e depoimentos, o filme narra a busca por
informaes sobre o trabalhador tcnico que d
nome escola, uma referncia importante entre
os trabalhadores da Fundao Oswaldo Cruz.
Disponvel em: http://www.epsjv.fiocruz.br/in-
dex.php?Area=Material&Tipo=4&Num=149
&Sub=1 e tambm http://www.youtube.com/
watch?v=SUkk5DLbUOQ
1.1 Analise criticamente este material luz da sua proposta e dos princpios e prti-
46
reas de conhecimento e integrao curricular
cas pedaggicas aqui integradas, posicionando-se
sobre possibilidades de realizar atividades como
esta em sua escola.
1. Retorne aos resultados da atividade 2 do momento anterior e d prosseguimento a
ela, chegando a um ensaio de proposta curricular
(certamente parcial e limitado, considerando ser
somente um exerccio) contendo:
a) proposta de componentes curriculares
(disciplinas e projetos interdisciplinares);
b) possvel sequncia curricular;
c) distribuio de atividades, tempos e es-
paos curriculares.
2. Para finalizar, leia a noticia abaixo publicada num jornal de So Paulo em fevereiro
de 2012.
Ligaes clandestinas causam risco
de incndios
Mais de 180 mil gatos podem explicar in-
cndios como o de domingo, que matou casal na
Vila Guilherme.
SILVRIO MORAIS - silverio.morais@dia-
riosp.com.br
A ligao irregular de energia a provvel
causa do incndio que deixou dois mortos e mais
de 200 desabrigados na Favela do Corujo, na Vila
Guilherme, Zona Norte, domingo. Os chamados
gatos esto presentes em pelo menos outras 400
favelas da Grande So Paulo no contempladas pelo
programa de regularizao da Eletropaulo. So 180
mil moradores em risco nesses lugares, devido ao
perigo das ligaes clandestinas.
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