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CAVALEIROS, DE ARISTÓFANES: ESTUDO DE UMA PROPOSTA DE
TRADUÇÃO
Stefania Sansone Bosco Giglio
Rio de Janeiro
Setembro de 2017
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CAVALEIROS, DE ARISTÓFANES: ESTUDO DE UMA PROPOSTA DE
TRADUÇÃO
Stefania Sansone Bosco Giglio
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Letras Clássicas da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em Letras
Clássicas.
Orientador: Prof. Dr. Ricardo de Souza Nogueira
Rio de Janeiro
Setembro de 2017
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CAVALEIROS, DE ARISTÓFANES: ESTUDO DE UMA PROPOSTA DE
TRADUÇÃO
Stefania Sansone Bosco Giglio
Orientador: Professor Doutor Ricardo de Souza Nogueira
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras
Clássicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos
necessários para obtenção do Título de Mestre em Letras Clássicas.
Examinada por:
______________________________________________________________________
Presidente, Prof. Doutor Ricardo de Souza Nogueira, PPGLC - UFRJ
______________________________________________________________________
Profa. Doutora Tania Martins Santos, PPGLC - UFRJ
______________________________________________________________________
Profa. Doutora Martha Alkimin de Araújo Vieira, PPGCL - UFRJ
______________________________________________________________________
Prof. Doutor Rainer Guggenberger, PPGLC – UFRJ (Suplente)
______________________________________________________________________
Profa. Doutora Dulcileide Virginio do Nascimento Braga, UERJ (Suplente)
Rio de Janeiro
Setembro de 2017
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GIGLIO, Stefania Sansone Bosco.
Cavaleiros, de Aristófanes: Estudo de uma proposta de tradução/ Stefania Sansone
Bosco Giglio – Rio de Janeiro: UFRJ/ Faculdade de Letras, 2017.
170 f.; 31cm
Orientador: Ricardo de Souza Nogueira.
Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de Pós-graduação
em Letras Clássicas, 2017.
Referências Bibliográficas: f. 167-170
1. Comédia Antiga 2. Cavaleiros de Aristófanes. 3.Tradução. 4. Cavaleiros, de
Aristófanes: Estudo de uma proposta de tradução. I Nogueira, Ricardo de Souza. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-
graduação em Letras Clássicas. III. Cavaleiros, de Aristófanes: Estudo de uma
proposta de tradução.
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CAVALEIROS, DE ARISTÓFANES: ESTUDO DE UMA PROPOSTA DE
TRADUÇÃO
Stefania Sansone Bosco Giglio
Orientador: Professor Doutor Ricardo de Souza Nogueira.
Resumo da Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação
em Letras Clássicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos necessários para obtenção do Título de Mestre em Letras Clássicas.
Nesta pesquisa, procura-se refletir acerca da problemática da tradução de textos literários,
em especial textos da Antiguidade Clássica, com base nas teorias de Berman (2007),
Ricoeur (2011) e Campos (2015). Pretende-se pensar a prática tradutória e desenvolver
uma proposta de tradução para a comédia Cavaleiros, de Aristófanes, representada nas
Leneias de 424 a.C., a fim de (re)construir a linguagem cômica proposta pelo autor, em
seu tempo, na língua portuguesa falada no Brasil. Além da tradução e das notas, serão
apresentados os procedimentos da tradução recategorizados por Barbosa (1989)
utilizados como suporte teórico para desenvolver a versão do texto do grego para o
português.
Palavras-chave: Comédia grega; Aristófanes; Cavaleiros; Estudos da tradução; Técnicas
de tradução
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CAVALEIROS, DE ARISTÓFANES: ESTUDO DE UMA PROPOSTA DE
TRADUÇÃO
Stefania Sansone Bosco Giglio
Orientador: Professor Doutor Ricardo de Souza Nogueira.
Abstract da Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação
em Letras Clássicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos necessários para obtenção do Título de Mestre em Letras Clássicas.
In this research, we try to reflect on the problematic of the translation of literary texts,
especially texts of Classical Antiquity, based on theories of Berman (2007), Ricoeur
(2011) and Campos (2015). The intention is to think the translation practice and develop
a translation proposal for the comedy Knights by Aristophanes, represented in the Leneias
of 424 BC, in order to (re)construct the comic language proposed by the author, in his
time, in the Portuguese language spoken in Brazil. In addition to the translation and notes,
the translation procedures recategorized by Barbosa (1989) will be presented as
theoretical support to develop the version of the text from Greek to Portuguese.
Keywords: Greek comedy; Aristophanes; Knights; Translation studies; Translation
techniques
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À família e amigos,
À tia e professora Rosalia Bosco Giglio Alvarenga (in memoriam).
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AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a Deus, por colocar pessoas tão iluminadas em meu caminho
e por guiar todos os meus passos.
Aos meus pais, Maria Francesca e Giuseppe, e ao meu irmão, Giuseppe, por acreditarem
em mim e por estarem sempre comigo nos bons e nos maus momentos, e à minha grande
família italiana, que muito incentiva minha formação humana e profissional.
Ao meu orientador, professor e amigo, Ricardo Nogueira, pelo acolhimento, carinho,
hospitalidade e leitura criteriosa, que tanto me auxiliaram nessa jornada. Sem sua
orientação precisa e segura, nada do que se encontra produzido nestas páginas seria
possível. Obrigada pelas correções e direcionamentos. Assumo as falhas contidas neste
trabalho como de minha inteira responsabilidade.
À Universidade Federal Fluminense, pela bagagem de conhecimento que me possibilitou
adquirir e trocar, principalmente com as professoras Rosane Monnerat, Dalva Calvão,
Flávia Amparo e Marisol Barenco, com quem vivi momentos inesquecíveis durante as
aulas da graduação. Aprendi com elas que, quando existe amor no que se faz, a vida se
torna mais bonita e as responsabilidades mais leves.
À professora e amiga Greice Drumond, para quem não existem palavras suficientes para
agradecer toda a experiência de vida e de troca profissional. Obrigada pelas maravilhosas
aulas de língua e de literatura grega, pelos anos de orientação, parceria, amizade e
incentivo.
À professora e amiga Glória Onelley, pelo carinho, pelo incentivo e pelas maravilhosas
aulas, que tanto me inspiraram a conhecer e aprofundar o estudo da língua grega.
Ao professor e amigo Beethoven Alvarez, que me orientou durante um ano da graduação,
com quem pude aprender a dar os primeiros passos na pesquisa acadêmica.
À amiga Beatriz de Paoli, quem também muito me incentivou a ingressar na pós-gradução
e me encorajou nos momentos mais difíceis.
Aos professores que muito bem me acolheram na UFRJ: Auto Lyra, Tania Martins,
Shirley Peçanha e Priscila Matsunaga, por proporcionarem reflexões que tanto me
auxiliaram na escrita desta dissertação.
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À professora Martha Alkimin, por aceitar generosamente compor a banca examinadora.
À professora e amiga Marta Mega e aos colegas dos grupos HHAG (História e
Historiografia da Antiguidade Grega) e Anexo, com quem pude olhar para a minha
pesquisa com olhos interdisciplinares. Obrigada pelas trocas, pela hospitalidade e por me
escolherem como professora de grego.
Aos amigos todos, representados por Alfredo Vivas, Amanda Amaro, André Luiz Vieira,
Bruna Almeida, Daniel Taveira, Fernanda Fernandes, Jack Rocha, João Pedro Andrade,
José Victor Gripp, Juliana Brand, Laura Bettini, Luana Schweizer, Ludmila Carvalho,
Marianne Cozzolino, Morena Santana, Nattália di Lanaro, Ricardo Borges, Thamires
Barcelos e Thayane Marins. Muitos me acompanham desde a infância, outros chegaram
depois, mas todos compartilham a vida, os sonhos e os anseios. Agradeço a amizade, o
afeto, o companheirismo e a paciência em ouvir minhas ansiedades durante a escrita desse
trabalho.
Aos meus alunos, que me fazem todos os dias acreditar na possibilidade de mudança e na
construção de um mundo melhor. Enxergar a realidade ao lado de vocês é uma dádiva!
Finalmente, agradeço à CAPES pelo auxílio financeiro que tanto me auxiliou na
realização desta pesquisa.
Muito obrigada!
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.............................................................................................. 11
2. A PROBLEMÁTICA DA TRADUÇÃO DE TEXTOS LITERÁRIOS........ 14
3. OS TIPOS E TÉCNICAS DE TRADUÇÃO.................................................. 32
4. ARISTÓFANES E O CONTEXO DE CAVALEIROS................................... 45
4.1. Aristófanes e seu tempo................................................................................. 45
4.2. Cavaleiros: conteúdo, crítica política e estrutura formal............................... 50
5. TRADUÇÃO.................................................................................................. 58
6. A TRADUÇÃO DOS NOMES DAS PERSONAGENS............................... 122
7. O PROCESSO DE TRADUÇÃO DE CAVALEIROS NAS PASSAGENS DO
TEXTO.......................................................................................................... 130
7.1.Prólogo.......................................................................................................... 132
7.2.Párodo........................................................................................................... 143
7.3. Primeiro Agón.............................................................................................. 146
7.4.Cena iâmbica de transição............................................................................ 148
7.5.Primeira Parábase......................................................................................... 148
7.6.Primeiro Episódio......................................................................................... 151
7.7. Segundo Episódio........................................................................................ 153
7.8. Segundo Agón............................................................................................. 155
7.9. Terceiro Episódio........................................................................................ 159
7.10. Quarto Episódio........................................................................................ 161
7.11. Segunda Parábase..................................................................................... 162
7.12. Êxodo........................................................................................................ 163
8. CONCLUSÃO.............................................................................................. 164
9. REFERÊNCIAS............................................................................................ 167
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1. INTRODUÇÃO
Traduzir Aristófanes na atualidade: essa foi a tarefa proposta para esta pesquisa
de mestrado, iniciada em 2015. Verdade é que, majoritariamente, a tradução dos Clássicos
tem sido o carro chefe das dissertações e teses de mestrado e doutorado. No entanto, será
que se pensa na prática tradutória, levando, de fato, em consideração mecanismos capazes
de auxiliar o processo, de acordo com o gênero a que pertence o texto e com a proposta
de tradução colocada pelo tradutor? Essa questão motivou o desenvolvimento deste
trabalho e permeou a tradução da peça Cavaleiros, do comediógrafo em questão.
A justificativa primeira em se traduzir Cavaleiros foi o desejo de contribuir com
uma tradução da peça voltada para o falante brasileiro de língua portuguesa, uma vez que,
até o momento, há apenas uma tradução para o português dessa peça, realizada pela
professora Maria de Fátima de Sousa e Silva, que é uma excelente tradução reeditada em
2000, pela Editora UnB. Sua versão está voltada para os leitores lusitanos, leitores e
falantes de uma variante da Língua Portuguesa. As soluções dadas pela tradutora, muitas
vezes, não são inteligíveis para o público brasileiro que, embora seja falante da língua
portuguesa, em determinados momentos apresenta dificuldades para ler e compreender
sua versão. Acredita-se que, por se tratar de uma comédia, o tradutor de um texto cômico
deve utilizar os dispositivos cômicos ao alcance dos leitores que o receberão, a fim de
construir um texto claro, engraçado e capaz de transmitir o efeito proposto pelo gênero e
pelo autor. A tradução lusitana, no entanto, adapta as piadas criadas por Aristófanes para
o seu público leitor, apresenta uma sintaxe truncada e típica do falar, além de utilizar um
vocabulário um tanto específico do português de Portugal.
Dessa forma, o objetivo primeiro desta dissertação é traduzir a peça Cavaleiros
para a língua portuguesa falada no Brasil, permeada de coloquialidade, com uma estrutura
mais próxima à sintaxe dos brasileiros e com um significado que seja capaz de alcançar
esses leitores, principalmente no que diz respeito à construção do sentido da linguagem
cômica. Além disso, faz-se necessário pensar nessa prática tradutória e nas questões que
foram fomentadas por ela acerca da metodologia de tradução utilizada, das escolhas
lexicais e da construção do cômico como um todo.
A tradução de um texto de sua língua original para outra língua está permeada por
questões que podem nortear o desenvolvimento desta prática e, consequentemente,
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determinar o seu resultado. A figura do tradutor é de suma relevância no processo, pois
ele precisa optar por escolhas que não são tão simples, mas que devem ser pertinentes ao
tipo de tradução que pretende fazer e ao público que deseja atingir.
Há muito tempo se pensa a tradução como traição e se julga tal tarefa como
impossível, pelo fato de não dar conta nem da forma nem do conteúdo que o texto original
produz, transmitindo, certas vezes, uma interpretação do texto original por parte do
tradutor. Este trabalho pretende refletir como traduzir uma obra literária sem romper, de
certa forma, em conteúdo, com a obra original, utilizando-se de técnicas de tradução que
auxiliem no processo e deem o suporte teórico necessário. Nesse sentido, essa dissertação
divide-se em cinco capítulos, sendo um deles a própria tradução do corpus selecionado.
No capítulo 2, intitulado “A PROBLEMÁTICA DA TRADUÇÃO DE TEXTOS
LITERÁRIOS”, faz-se um estudo acerca da história da teoria da tradução, enquanto
disciplina autônoma, não mais vinculada aos campos da linguística e teoria da literatura.
Além disso, questões como traduzibilidade versus intraduzibilidade são discutidas com
base nas seguintes teorias: em Berman, que condena a tradução domesticadora, elencando
treze mecanismos que “deformam” a letra; na teoria de Ricoeur, que, menos radical,
defende a ideia da possibilidade de se efetuar uma tradução, ainda que não se opte por
uma perfeição e fidelidade à letra; e, finalmente, na teoria de Haroldo de Campos, que
defende a possibilidade de recriação de um texto literário.
O capítulo 3, intitulado “OS TIPOS E TÉCNICAS DE TRADUÇÃO”, consiste
na sistematização dos tipos de tradução fixados por Bassnet (interlingual, intralingual e
intersemiótica). Além disso, as técnicas de tradução recategorizadas por Barbosa, de
extrema importância na realização da versão de Cavaleiros, foram apresentadas, definidas
e explicadas.
O capítulo 4, “ARISTÓFANES E O CONTEXTO DE CAVALEIROS”, apresenta
o contexto histórico e ficcional da obra. Esse capítulo busca oferecer subsídios para que
o leitor da tradução compreenda a obra, o contexto histórico e, principalmente, seja capaz
de relacioná-los na composição da comédia, do gênero.
O capítulo 5 traz consigo a tradução da peça, pautada na edição de Sommerstein
(1997), cotejada, também, com as edições de Neil (1901) e Henderson (1998), e nos
mecanismos de tradução elencados no capítulo sobre os tipos e técnicas de tradução.
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Além da tradução, há, também, notas explicativas que esclarecem construções, escolhas
lexicais e piadas, muitas vezes, adaptadas, mas cujo sentido original é explicado nas notas
de rodapé, como uma técnica de tradução eficaz na compreensão da obra.
No capítulo 6, “A TRADUÇÃO DO NOME DAS PERSONAGENS” inicia-se a
proposta de estudo da tradução, com base nas leituras e interpretações realizadas pela
crítica aos nomes das personagens que fazem parte da ação dramática. Da mesma
maneira, utilizou-se das técnicas de tradução para auxiliar o processo e apresentar
soluções que fossem capazes de trazer o texto grego para o público brasileiro.
Finalmente, no capítulo 7, intitulado “O PROCESSO DE TRADUÇÃO DE
CAVALEIROS”, desenvolve-se o estudo e aplicação das técnicas de tradução propostas
por Barbosa em trechos de cada seção da peça, cuja divisão estrutural em prólogo, párodo,
agón etc, se baseia na tradução para o francês de Navarre (1956). Esse capítulo
exemplifica e justifica as escolhas lexicais, as adaptações e outros procedimentos
escolhidos para traduzir o texto em questão e torná-lo mais compreensível para seu
público leitor que, infelizmente, só possui o texto teatral escrito. Tal capítulo possui a
forma de alguns comentários feitos às tomadas de posição no ato de traduzir a peça.
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2. A PROBLEMÁTICA DA TRADUÇÃO DE TEXTOS LITERÁRIOS
Diante das supérstites obras da Antiguidade Clássica, a tarefa delegada aos
estudiosos da área, majoritariamente, volta-se para os estudos da tradução. Grande parte
das obras estudadas precisam ser traduzidas para atingir um público acadêmico extenso,
abrangendo não só a área das Letras Clássicas, mas também as áreas de conhecimento
que necessitam desses textos como fontes. Cabe aos estudiosos da área de letras não só a
tradução de tais obras, mas também as análises mais aprofundadas sobre o autor, da
linguagem e, principalmente, da construção de sentidos proposta no texto original, em
seu contexto de elaboração.
O questionamento recorrente instaurado no âmbito dos estudos linguísticos acerca
da tradução de textos literários direciona-se para as possibilidades e impossibilidades de
traduzir uma obra literária. Essa indagação motivou a discussão de muitos autores sobre
as questões de traduzibilidade e intraduzibilidade a respeito daquilo que é construído
artisticamente por meio de uma escrita que reflete o sistema de uma língua em evolução
em um determinado tempo, espaço e cultura. Será que a tradução poderia se concretizar
através de uma linguagem não simplesmente informativa1, mas por uma linguagem
poética e diferindo, de certa forma, da empregada originalmente pelo autor, com fins a se
aproximar ao máximo, pelo menos em sentido, do discurso literário original construído?
As distâncias temporais, espaciais e culturais são longas e complexas, mas seria possível
diminuí-las por meio do ato tradutório? De acordo com Berman2 (2007, p. 32), existe um
potencial de traduzibilidade, uma vez que “a tradução é, por assim dizer, a demonstração
da unidade das línguas”.
Em 1976, começou-se a pensar a tradução como uma disciplina autônoma, sem
relacioná-la somente a uma parte dos campos da linguística ou da ciência da literatura.
Surgia, portanto, neste momento, um campo de estudos vasto e complexo, para suprir a
1 Utiliza-se a nomenclatura informativa aqui para qualificar textos de cunho técnico, como afirma Berman
(2007, p. 64), ou seja, são mensagens visando a transmitir de forma (relativamente) unívoca uma certa
quantidade de informações. Pensa-se aqui, portanto, que essas informações não são escritas com base em
uma literariedade, como por exemplo, um artigo científico. A linguagem utilizada em textos informativos
pode ser considerada diferente e simples, se comparada à linguagem de uma obra literária.
2 Teórico e tradutor francês, considerado como um dos principais nomes nos estudos de tradução
contemporâneo.
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falta de autonomia que o processo tradutório possuía. Além disso, a tradução era
reconhecida somente por estar relacionada ao resultado do progresso do ensino de línguas,
já que não existia uma preocupação com o processo tradutório em si, apenas com o seu
resultado. O foco da tradução direcionava-se para a compreensão de um aluno-tradutor
no que tange às estruturas sintáticas e semânticas da língua de origem, sem levar em conta
o processo criativo e o estilo da obra traduzida. Por conseguinte, estudar o ato tradutório
confundia-se, como muitas vezes ainda hoje se confunde, como parte do aprendizado de
línguas estrangeiras, desvalorizando e não reconhecendo o papel do tradutor e o fruto do
seu trabalho. Dessa forma, neste período a tradução encontrou um espaço próprio para
ser estudada e tratar de si mesma. Fez-se necessário superar tal problema em prol do
estabelecimento de uma verdadeira ciência para o ato tradutório.
André Lefevere3 (apud Bassnet, 2002, p. 12), em 1978, pensou, a partir da
problemática levantada acerca da produção e descrição de traduções, em artigos
apresentados no colóquio sobre literatura e tradução (Louvain Colloquium on Literature
and Translation), em uma ciência que abordasse essas questões e fosse capaz de refletir
seus procedimentos, técnicas e mecanismos. Com base nesses questionamentos, surgiram
vários estudos e indagações acerca do que se entendia como tradução e de quais
mecanismos um tradutor deveria valer-se para realizar tal tarefa.
A tradução, antes de ser considerada uma disciplina autônoma, definia-se, de
acordo com Bassnet (2002, p. 12), como:
[...] a interpretação de um texto em sua língua original (SL) para uma língua
de destino (TL), de modo a assegurar que (1) o significado de superfície dos
dois será aproximadamente semelhante e (2) as estruturas da língua de origem
serão preservadas tanto quanto possível, mas não tanto que as estruturas da
língua de destino sejam seriamente distorcidas.4
3 Teórico da tradução e professor da Universidade do Texas em Austin. Entre os pressupostos de suas ideias
está a ideia de tradução como reescrita, a fim de garantir a sobrevivência das obras literárias e contribuir
para a sobrevivência das obras de autores em qualquer tempo e espaço.
4“[...] the rendering of a source language (SL) into the target language (TL) so as to ensure that (1) the
surface meaning of the two will be approximately similar and (2) the structures of the SL will be preserved
as closely as possible but not so closely that the TL structures will be seriously distorted.”As traduções das
citações de textos em outras línguas, assim como as traduções de textos gregos, são de nossa inteira
responsabilidade.
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Pensando dessa forma, o interesse pelo ato tradutório preocupava-se em medir a
competência linguística daqueles que tinham como objetivo ler, compreender e traduzir,
de uma língua para outra, determinados textos. A tradução era meramente utilizada como
um meio para demonstrar o entendimento sobre aquilo que fora lido e a competência dos
alunos na sintaxe e na semântica. Essa prática proporcionava, de certa forma, a
desvalorização do tradutor, pois, assim como ele, qualquer indivíduo que tivesse
conhecimento de uma língua, tanto no nível estrutural como no nível lexical, seria capaz
de produzir uma tradução.
Mesmo sendo comum na área, tal procedimento não vigorou posteriormente com
a evolução dos estudos sobre a tradução, pelo menos não no âmbito da tradução de obras
literárias. Traduzir arte, se assim se puder reconhecer a produção literária da humanidade,
somente a partir de um conhecimento estrutural e lexicográfico de uma língua, não daria
conta da complexidade artística e cultural que emana do texto original. O texto literário
possui em si a inventividade de seus autores, e, por isso, cabe ao tradutor refletir os
mecanismos necessários para (re)construir o texto na língua desejada.
Berman (2007, p. 17), em sua obra A tradução e a letra ou o albergue do
longínquo, propõe, inicialmente, um estudo da tradução como “uma experiência que pode
se abrir e se (re)encontrar na reflexão”, e, assim, cria uma possibilidade de meditação e
experiência acerca do processo de tradução, em vez de levar em consideração
simplesmente uma teoria e sua aplicação na prática. A ideia de tradução se constrói na
relação entre uma obra e a “formação cultural de um povo” (PETRY, 2008, p.10), fato
que contribui com a recepção do texto traduzido, ou seja, uma relação de troca, de
alteridade entre o texto original e seu receptor.
Para Berman (2007, p. 18), “tradução é experiência” a partir do momento em que
o tradutor vive o processo de interpretar a obra, a língua, a cultura do objeto traduzido, e,
sendo, de certa forma, alterado por isso tudo, “sofre” o processo do início até o fim. Assim
como Petry (2008, p. 6), reconhece-se aqui que a tradução, segundo Berman, é relação
entre o que vem da cultura de origem e se instaura na cultura de chegada, com base na
relação entre obra e tradutor.
O mesmo autor defende uma ideia do estudo da tradução como tradutologia, uma
tentativa teórica de não elaborar uma metodologia que orientasse os tradutores durante a
construção da tradução. Sua proposta não era de normatizar ou analisar o processo
17
tradutório em si, mas entender esse processo enquanto experiência, vivência, que precisa
ser sentida do início ao fim do processo (2007, p. 19): “A tradutologia: a reflexão da
tradução sobre si mesma a partir da sua natureza de experiência.”
Para, então, pensar nas questões de tradutologia, encontram-se, na análise de
Berman, dois traços marcantes e estilos de tradução: a tradução etnocêntrica e a tradução
hipertextual. A tradução etnocêntrica é apresentada pelo autor nos seguintes termos:
que traz tudo à sua própria cultura, as suas normas e valores, e considera o que
se encontra fora dela – o estrangeiro – como negativo, ou, no máximo, bom
para ser anexado, adaptado, para aumentar a riqueza desta cultura. (BERMAN,
2007, p. 28)
Esse estilo de tradução que altera o original de acordo com as exigências de valor
do tradutor (e consequentemente dos leitores que o recebem) é historicamente
compreensível, uma vez que São Jerônimo, no contexto da Roma cristã, foi o precursor
da tradução etnocêntrica, no período em que os textos gregos eram traduzidos para o
latim, adaptando o texto grego às normas do latim e à própria cultura latina, latinizando,
portanto, a cultura grega que chegava a Roma. Tradução, nesse contexto, nada mais era
do que uma “anexação de sentido”5, como demonstra Berman (2007, p. 33):
Para que haja anexação, o sentido da obra estrangeira deve submeter-se à
língua dita de chegada. Pois a captação não libera o sentido numa linguagem
mais absoluta, mais ideal ou mais "racional": ela o encerra simplesmente numa
outra língua, considerada, é verdade, como mais absoluta, mais ideal e mais
racional. E esta é a essência da tradução etnocêntrica; fundada sobre a primazia
do sentido, ela considera implicitamente ou não sua língua como um ser
intocável e superior, que o ato de traduzir não poderia perturbar. Trata-se de
introduzir o sentido estrangeiro de tal maneira que seja aclimatado, que a obra
estrangeira apareça como um "fruto" da língua própria.
Existem, portanto, dois princípios que norteiam essa tradução etnocêntrica
(BERMAN, 2007, p. 33). É preciso, primeiramente, que a obra seja traduzida de forma
que não se perceba a realização, de fato, de uma tradução, mas um texto criado na própria
língua para a qual se está sendo traduzido. Em segundo lugar, a obra traduzida deve causar
ao seu leitor de chegada a mesma impressão que o texto original causou para o seu leitor
de origem. O tradutor, partindo dessa perspectiva de Berman, privilegia um modo de
5 BERMAN, 2007, p. 30.
18
traduzir que preserva as características da língua de origem, “domesticando” o texto
original em benefício da cultura da língua de chegada.
Berman critica esse tipo de tradução etnocêntrica por apresentar um certo
sentimento de superioridade a outras línguas, aproximando de sua cultura o outro, sob
ótica da língua de chegada. Ele delimita, define e exemplifica treze “tendências
deformadoras da letra”, que se apresentam resumidas abaixo:
a) Racionalização: “A racionalização recompõe as frases e sequências de frases de
maneira a arrumá-las conforme uma certa ideia da ordem de um discurso.” (Berman,
2007, p. 48). Consiste na organização sintática das frases na língua de chegada, com
fins a uma linearidade sequencial. Ignora-se, portanto, a sintaxe do original em prol
da organização da ordem do discurso na língua de tradução.
b) Clarificação: Tradução explicativa, impondo algo que outrora não estava definido;
torna a tradução mais clara que o original. “A explicação visa a tornar "claro" o que
não é e não quer ser no original. A passagem da polissemia à monossemia é um modo
de clarificação. A tradução parafrásica ou explicativa.” (Berman, 2007, p.51)
c) Alongamento: “A racionalização e clarificação exigem um alongamento, um
desdobramento do que está, no original, "dobrado".” (Berman, 2007, p.51). Essa
tendência é responsável por tornar a tradução mais longa do que o texto original, como
resultado da racionalização e da clarificação.
d) Enobrecimento: Consiste em “traduções "mais belas" (formalmente) do que o
original” (Berman, 2007, p. 52), ou seja, “em poesia, isto produz a "poetização"; na
prosa, uma "retoricização".”
e) Empobrecimento qualitativo: Essa tendência “remete à substituição dos termos,
expressões, modos de dizer do original por termos, expressões, modos de dizer, que
não têm nem sua riqueza sonora, nem sua riqueza significante” (Berman, 2007, p. 53).
Nota-se, portanto, uma substituição de termos do original por outros que não têm a
mesma riqueza significante e sonora.
f) Empobrecimento quantitativo: Quando há um desperdício lexical (Berman, 2007,
p.54), em que, na tradução, há a opção em utilizar um termo de significado restrito
para designar uma palavra cujo significado é amplo.
g) Homogeinização: Resultado de todas as tendências já citadas (Berman, 2007, p. 55).
h) Destruição dos ritmos: Alteração do ritmo original, como através da pontuação
(Berman, 2007, p. 56).
19
i) Destruição das redes de significados subjacentes: Destruição da estrutura do texto
quanto à escolha vocabular, que também faz parte dos significantes que formam
“redes sob a superfície do texto” (Berman, 2007, pp. 56).
j) Destruição dos sistematismos: Alteração da construção sintática e dos tempos verbais
empregados (Berman, 2007, p. 57).
k) Destruição ou exotização das redes de linguagens vernaculares: Supressão do
vernacular do texto (diminutivos, substituição dos verbos ativos por verbos com
substantivos) ou exotização (Berman, 2007, p.59).
l) Destruição das locuções: Substituição de provérbios e expressões por construções
equivalentes de sentido (Berman, 2007, p.60).
m) Apagamento das superposições das línguas: As variedades linguísticas do texto
original são substituídas pela variedade padrão da língua de tradução (Berman, 2007,
p. 61).
Nota-se que a tradução etnocêntrica não apresenta grande preocupação em manter
o que, de certa forma, pertence a uma cultura específica, que está em processo de versão
para uma outra língua. A todo instante o original é “adaptado” para o público que o
receberá. Vale questionar se esse tipo de tradução acontece por querer reafirmar sua
cultura e/ou, ao mesmo tempo, distanciar aquilo que é diferente de si.
Diante de sua experiência enquanto tradutor, é fato compreensível tal análise de
Berman, pois, dentro do seu tempo, o tradutor e crítico encontrava-se diante de uma
polaridade tradutória: de um lado, a postura francesa de receber os textos e adaptá-los à
sua maneira – as chamadas belas infiéis –, de outro a proposta de tradução alemã, cujo
principal interesse era manter em sua língua aquilo que chegava de novo, enxergando, de
certa forma, esse processo como uma forma de expandir, adicionar e enriquecer a cultura
local (BERMAN, 2007, p. 29).
Essa concepção abordada por Berman ainda se mostra pertinente e discutível na
atualidade, no que tange à postura do tradutor enquanto o primeiro leitor da obra e o
responsável por torná-la legível ao seu público. O diferente, o estrangeiro, muitas vezes,
é capaz de assustar e não poder trazer consigo os seus valores, a sua cultura para
transformar, construir e até mesmo ser capaz de se identificar com aquele que o recebe.
Pelo fato de adaptar o texto à realidade que o receberá, Berman (2007, p. 36)
também trata de um estilo de tradução chamado hipertextual, que consiste na criação de
20
textos por imitação, paródia, adaptação, plágio ou qualquer outra espécie de
transformação formal a partir de um outro texto já existente.
Segundo Petry (2009, p. 3), Berman condena esses tipos de tradução como
portadoras de uma ética negativa e são responsáveis pelo que ele chama de sistema de
deformação, muitas vezes, inerente à tarefa do tradutor, quando este apaga o Outro, o
Estrangeiro, no momento em que visa um texto mais acessível ao seu leitor, adaptando-o
à cultura de chegada. Contudo, Berman afirma que, se há uma ética negativa, há,
consequentemente, uma ética positiva, cujo ato ético da tradução “consiste em reconhecer
e receber o Outro enquanto Outro.” (2007, p.68).
Trazer o diferente para um possível (re)conhecimento é uma tarefa importante
para se abordar as relações entre texto, tradutor e, principalmente, público de chegada.
Reconhecer o outro enquanto outro é fundamental e faz parte da leitura. Contudo, esse
outro também precisa imergir no mundo daquele que o recebe, para que este também
possa compreender a outra cultura com seus próprios olhos. Não com os olhos de quem
condena uma cultura estranha da sua, mas daquele que a recebe, a reconhece e é capaz de
reconhecê-la dentro de sua própria língua.
Nota-se uma pequena contradição na proposta inicial de Berman, segundo Battisti
(2000, p. 22), voltada para a reflexão do ato tradutório, ao definir como certa e coerente
apenas uma postura a seguir durante o processo tradutório, o que ele considerava
infrutífero e capaz de apenas categorizar o processo em si. O teórico defendia a tarefa do
tradutor enquanto parte fundamental do processo, no entanto, na maioria das vezes, não
leva em consideração sua tarefa, permeada por uma experiência extremamente subjetiva
com fins específicos, como outrora argumentava. O texto original não deveria, desta
forma, passar por alterações vivenciadas pelo tradutor na prática, visto que chegaria sem
grandes alterações e estaria “fiel” à forma, à letra e, segundo o autor, consequentemente
ao conteúdo. A tradução ora seria portadora de uma ética positiva se chegasse ao seu
leitor como fiel à letra, ao conteúdo, ora seria portadora de uma ética negativa se realizada
se apropriando da língua e da cultura de seu leitor.
Enquanto Berman aborda a tradução de uma forma mais filosófica e, de certa
forma, mantendo apenas uma vertente de ideia a ser seguida, Ricoeur em sua obra Sobre
a Tradução (2011) pensa a tradução de maneira muito “prática” (2011, p. 7) em três
ensaios. Ele deixa a reflexão filosófica acerca das possibilidades e impossibilidades da
tradução um pouco para trás e traz à tona as questões envolvendo fidelidade versus
21
traição. Traduzir, para ele, também é algo difícil, e sempre se deve ter em mente um
sentimento de perda ao se traduzir uma obra (RICOEUR, 2011, p. 22).
Para legitimar sua teoria que defende a dicotomia fidelidade versus traição,
Ricoeur (2011, p. 22) afirma que traduzir é “servir a dois mestres”, nesse caso ao
estrangeiro, ou seja, ao autor de uma obra, e ao leitor, aquele que quer se apropriar desta
obra. Dessa forma, ele acaba chegando ao que propõe Schleiermacher (apud Ricoeur,
2011, p. 22) quando reflete sobre a prática tradutória nos termos a “levar o leitor ao autor”
ou “levar o autor ao leitor”. É possível se deparar, então, com a problemática proposta
por Ricoeur.
Quando se pensa em levar um determinado autor para um leitor, logo se tenta
facilitar a leitura, colocando no texto já traduzido as interpretações do tradutor com vistas
a estabelecer uma ponte de significância entre o conteúdo traduzido e aquilo que é
necessário ao receptor para compreender a obra, ou seja, faz-se uso de técnicas, como a
adaptação de expressões do texto original para o seu futuro leitor. Por outro lado, na
medida em que se leva um leitor para o autor, entende-se que, por mais que exista certa
adaptação linguística, o leitor seria levado principalmente para a cultura desse autor, sem
adaptações, sem alteração no conteúdo e na forma da mensagem.
Diferentemente de Berman, Ricoeur mostra-se neutro no que se refere à prática
tradutória e afirma que, embora o tradutor queira permanecer fiel ao texto original, deve
“renunciar ao ideal da tradução perfeita” (2011, p. 27). No caso da poesia, por exemplo,
por esta ser construída com base em uma linguagem inventiva e passível de desconstrução
no nível do conteúdo, esse ideal encaixa-se perfeitamente. Ricoeur, portanto, propõe um
equilíbrio de forças por meio da dicotomia exemplificada pela imagem de servidão a dois
mestres, o autor e o leitor.
A poesia, segundo Ricoeur oferece mais dificuldade para a tradução, pois trabalha
tanto no nível do sentido, como no nível da sonoridade (significado e significante).
Laranjeiras (2003, p. 11) compartilha da mesma opinião. As obras filosóficas, embora
não apresentando, muitas vezes, construções significantes no nível da sonoridade,
segundo Ricoeur (2011, p. 25), possuem conceitos que não se mostram superposáveis6 de
uma língua a outra e, como ele mesmo diz, “são elas mesmas condensações de
6 Esse termo é do próprio autor quando compreende que conceitos filosóficos de tempos diferentes e
contextos diferentes não podem ser substituídos ou compreendidos a partir de outra visão de mundo.
22
textualidade longa, na qual contextos inteiros se refletem”. Essas condensações podem
ser compreendidas como o significado de termos específicos de uma língua dentro de
uma obra filosófica, e até mesmo literária em meio ao seu contexto de elaboração.
Berman (apud Battisti, 2000, pp. 39-40) ainda, diferencia dois termos que muitas
vezes podem parecer sinônimos, mas que resumem bem a ideia de Ricoeur: a diferença
entre “obra” e “texto”. Ainda que não seja o foco deste trabalho diferenciar tais conceitos,
torna-se interessante para se perceber como são compreendidos por tal autor,
relacionando-o com a diferenciação proposta por Ricoeur nas diversas experiências de
tradução, visando o tipo de texto traduzido. A tradução de uma obra deve ser o mais fiel
quanto possível do original para manter a infinidade de sentidos que possui pelo seu
caráter literário. Já a tradução de um texto poderia sofrer alterações ou passar por
adaptações ou qualquer outro processo contido em seu sistema de deformação por
meramente ser um texto informativo, cuja função é simplesmente informar a respeito de
um determinado conteúdo.
Como já tratado anteriormente, Berman está interessado em um tipo de tradução
em detrimento de outra, discordando com o que de fato defende Ricoeur em propor uma
tradução baseada na “situação”, se assim se puder afirmar. No entanto, a diferença entre
obra e texto é capaz também de revelar pontos em comum entre a teoria de tais autores,
que entendem uma obra literária como portadora de uma poeticidade infindável, que
precisa ser ora mantida, ora adaptada.
Quanto ao processo de tradução pensado e efetuado nesta dissertação, pode-se
dizer que a experiência tradutória durante o ato de se verter um texto da língua grega para
o português foi capaz de ressaltar os pontos abordados por tais autores. Alguns vocábulos
do grego não apresentam equivalentes semânticos na cultura da língua de chegada e, para
tentar solucionar esse problema, não se pretendeu optar por uma adequação em
determinados casos, mas por manter a palavra estrangeira na tradução. No entanto, há
momentos em que a adequação precisa ser feita, pois é necessário construir a linguagem
cômica do texto grego na língua portuguesa.
O leitor perceberá que, ao longo da tradução da peça Cavaleiros, são mantidos, na
medida do possível, vocábulos com a mesma realidade sonora da língua original, pois
somente serão transliterados para o alfabeto latino, visto que, segundo Ricoeur (2011, p.
47) “uma boa tradução só pode visar uma equivalência presumida, não fundada numa
23
identidade de sentido demonstrável. Uma equivalência sem identidade”. Ver-se-á adiante
que essa também é uma técnica de tradução que consiste em trazer para a língua de
chegada um conceito que não existe em sua cultura e que, por isso, não teria possibilidade
de ser traduzido por uma palavra equivalente, sem perda do valor semântico e cognitivo.
Tomando por base a visão de Ricoeur, pode-se dizer que não só os campos
semânticos são colocados em questão, mas também a sintaxe, as formas de construção
das frases, que muitas vezes oferecem um risco de intraduzibilidade. Há vários exemplos
disso na versão do grego para o português, pois enquanto a primeira possui uma sintaxe
predominantemente sintética e, por isso mesmo livre, quanto à ordenação das palavras no
enunciado, a segunda língua apresenta uma sintaxe predominantemente analítica e presa,
portanto, à ordem das palavras na frase.7 Além disso, a poesia grega por excelência
usufruía muito da oralidade, do som, da presença de partículas que, muitas vezes,
encontravam na sonoridade um bom resultado para seu efeito, seja de ênfase, de
introdução de uma pergunta ou de uma dúvida.8 Como se deve, então, traduzir essas
estruturas para uma língua que não se serve tanto de partículas, como o português?
O maior problema concernente à tradução, portanto, é o próprio instrumento que
torna possível tal ação, ou seja, a língua representada em sua realidade escrita, que é
empregada em estreita relação com a língua original presente no texto do autor. Essas
línguas são diferentes, pois abarcam realidades linguísticas diferentes. Forma-se, assim,
7 Note o início do prólogo de Cavaleiros (vv. 2-3):
κακῶς Παφλαγόνα τὸν νεώνητον κακὸν
αὐταῖσι βουλαῖς ἀπολέσειαν οἱ θεοί.
Bem que os deuses podiam destruir Paflagônio,
a nova desgraça adquirida,e seus planos.
Nos versos acima, a ordem sintática apresentada não segue as mesmas regras do português: sujeito + verbo
+ complementos (tanto os objetos verbais, quando as circunstâncias. Percebe-se que os advérbios e o
complemento verbal vêm antes do verbo, que se encontra no final da frase, antes do sujeito. Em Português,
devido à sua sintaxe presa, o advérbio κακῶς deveria estar próximo ao verbo que constrói sua significação
dentro do texto.
8 É interessante mencionar aqui que na Grécia Arcaica e Clássica não havia espaçamento ou sinais de
pontuação, sinais esses introduzidos por gramáticos alexandrinos no momento em que a cultura grega se
espalhou pelo mundo após as conquistas de Alexandre. Eram as partículas gregas, portanto, e a sua inserção
no próprio contexto de elaboração da obra que concediam a pontuação nos textos gregos. Assim, o tradutor
desse tipo de texto coloca-se diante de um duplo problema: o foco sobre as partículas e a pontuação
estabelecida pelos editores que se debruçaram sobre um texto manuscrito já alterado no decorrer do tempo.
Esse problema será melhor vislumbrado quando houver o cotejamento entre as edições de texto pensadas
no ato tradutório de Cavaleiros.
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=kakw%3Ds&la=greek&can=kakw%3Ds0&prior=i)attatai=http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=*paflago%2Fna&la=greek&can=*paflago%2Fna0&prior=kakw=shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=to%5Cn&la=greek&can=to%5Cn0&prior=*paflago/nahttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=new%2Fnhton&la=greek&can=new%2Fnhton0&prior=to/nhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=kako%5Cn&la=greek&can=kako%5Cn0&prior=new/nhtonhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=au%29tai%3Dsi&la=greek&can=au%29tai%3Dsi0&prior=kako/nhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=boulai%3Ds&la=greek&can=boulai%3Ds0&prior=au)tai=sihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a%29pole%2Fseian&la=greek&can=a%29pole%2Fseian0&prior=boulai=shttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=oi%28&la=greek&can=oi%280&prior=a)pole/seianhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=qeoi%2F&la=greek&can=qeoi%2F0&prior=oi(http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=kakw%3Ds&la=greek&can=kakw%3Ds0&prior=i)attatai=
24
um paradoxo, uma vez que a própria língua necessária à tradução coloca-se como um
problema para a existência dessa mesma tradução, uma vez que se opõe à língua original
utilizada na obra por servir a uma sociedade completamente diversa em tempo, espaço e
cultura. A palavra “idioma” consegue refletir perfeitamente essa problemática subjacente
ao ato tradutório. Pensando basicamente na sua formação, a partir do acréscimo do sufixo
-μα, que significa produto ou resultado de uma ação, ao adjetivo ἴδιος (próprio,
particular), deriva-se o termo ἰδίωμα que, etimologicamente, possui o significado de
“produto particular” ou seja, o produto do instrumento pertencente exclusivamente ao
falante de certa comunidade, o instrumento linguístico por meio do qual tal falante pensa
e fala sua realidade circundante.
Como, então, esse produto que traz um significado particular de um tempo
específico poderia ter seu significado recriado em outro idioma? Como traduzir, portanto,
o texto de uma peça de teatro encenada no V século a.C. e que já chegou para a
posteridade via copistas que, se são responsáveis por sua permanência, o modificaram em
sua essência original? Como deixar que os “olhos” do leitor moderno, influenciados por
seu tempo, sua cultura, consigam olhar para as obras sem colocar nelas, muitas vezes,
preconceitos enraizados no presente? Como fazer com que esse mesmo leitor não
compreenda de forma diferente dos destinatários do passado ideias e pensamentos que se
encontravam em pleno processo de elaboração na antiguidade?
Ler os gregos antigos, mesmo sendo por meio de uma tradução, é uma tarefa
laboriosa, principalmente no que diz respeito ao espaço de tempo que separa os autores e
a época de composição de suas obras da atualidade. Além disso, há outro elemento
problemático: o fato de se tentar traduzir textos teatrais. Textos esses que foram sim
fixados por escrito, mas, para além da escrita, existia a representação das peças, os
elementos extraverbais que faziam parte da estrutura do gênero e possuíam um
significado em conjunto com o texto para formar a totalidade da obra.
Quando se reflete a respeito da tradução de um texto artístico de estrutura
elaborada, pensa-se, na maior parte nas vezes, na tentativa de manter a expressividade e
o conteúdo do texto original, ao mesmo tempo fazendo com que ele seja mais deleitável
e convidativo para os receptores que, logicamente, não possuem conhecimento da língua
a ser traduzida e talvez até mesmo dos conceitos que permeiam um texto. Seria preciso,
então, “limpar a vista” do leitor de conceitos pré-concebidos e de ideias do seu cotidiano,
25
mas isso só seria possível se fosse proposta uma tradução integralmente etnocêntrica, sem
levar em consideração seu contexto de produção e os mecanismos que fazem um texto
pertencer a um gênero específico. Porém, dar a ele condições para que seja capaz de ler
essa literatura, e até mesmo compreendê-la como um espetáculo pertencente a um tempo
específico repleto de questões políticas, sociais, morais e pedagógicas, é uma tarefa
possível, levando-se em conta determinados mecanismos de tradução, que vão além de
uma tradução unicamente etnocêntrica.
Berman e Ricoeur dialogam nesta pesquisa, pois não se pretende traduzir o texto
cômico apenas para ser mais uma fonte da Antiguidade, uma leitura completamente
voltada para o conteúdo de uma peça encenada no V século. Este projeto, ao traduzir uma
peça de Aristófanes, pretende fornecer ao público atual uma obra de arte do gênero
cômico no que tange a sua linguagem, com a criação de trocadilhos, piadas e referências
políticas. Contudo, quando Berman propõe que se reconheça o outro enquanto outro,
grandes questões podem ser solucionadas no impasse de se manter um vocábulo, um
significado, um sentido original. Muito do que se conhece do mundo grego precisa ser
mantido na tradução, pois são elementos fundamentais para caracterizar uma cultura, um
tempo passado de cujos conceitos e ideias em processo de elaboração são significativos
para essa cultura.
Não é inutilmente que, hoje em dia, no campo dos Estudos Clássicos, surge grande
interesse pela prática tradutória, suas teorias, técnicas e reflexões. Interesse válido, pois,
como já dito, a tarefa principal dos pesquisadores em Língua e Literatura Grega
concentra-se, majoritariamente, em traduzir e realizar estudos com base nessas traduções.
Em uma conferência apresentada recentemente na Universidade Federal
Fluminense, a professora Adriane Duarte expôs um panorama da tradução dos clássicos
realizada por figuras não relacionadas com os estudos clássicos e a importância do estudo
acadêmico tanto de grego, quanto de latim para a permanência e aumento das traduções
e estudos relacionados à área. A professora em questão é uma das principais tradutoras
de Aristófanes no mercado e destacou que (DUARTE, 2016, p. 26):
[...] as traduções, hoje o principal veículo de dar a conhecer o mundo grego e
latino, devem cumprir o papel de atualizar os clássicos para cada geração. O
tradutor, como o primeiro intérprete de um texto, é o elo inicial de uma rede
que visa a tornar o clássico vivo, presente, para a sociedade. Mas o tradutor
também é parte da rede que começa com o texto grego ou latino, seu contexto,
a história de sua recepção, sua tradução pregressa na língua materna de tradutor
e leitores [...]
26
A ideia levantada por Duarte dialoga com o que Vasconcellos (2011, p. 69), em
seu artigo sobre a experiência da tradução poética nos Estudos Clássicos, procura discutir
quando fala das atitudes e práticas no âmbito da tradução, no que diz respeito à fidelidade
ao sentindo, ao “fetiche” pela tradução literal e à rejeição à tradução criativa, temas atuais
e muito recorrentes para a crítica da tradução de textos clássicos. A academia preza por
traduções ditas “fieis” ao texto original, baseadas basicamente tanto na tradução palavra
por palavra, como na literal, justamente por tentar manter a primazia do significado. Aqui
se esbarra, então, em uma questão importante: o significado superposto à forma, à
construção de sentido.
Vasconcellos, com base na leitura de Haroldo de Campos – difusor do conceito
de tradução poética –, defende que “toda tradução, de qualquer tipo de texto, qualquer
tradução, é uma recriação.” (2011, p. 71). A justificativa desta teoria é fundamentada no
fato de se utilizar um sistema linguístico diferente do texto original, com estruturas e
implicações diferentes nesse sistema, tais como o conjunto de significantes e significados
de uma língua para traduzir o que fora construído por um autor em um tempo e espaço
completamente diferentes do seu leitor.
Segundo o estudioso, pensar em uma tradução literal, a chamada “fiel ao original”,
principalmente ao conteúdo, é plena ilusão, pois um texto em uma língua jamais poderá
significar da mesma forma em outra língua. Além disso, não somente o conteúdo de um
texto pode ser expressivo, mas também a sua forma, já que os significantes de um texto
possuem sentido em uma obra literária.
Diante das questões levantadas por Vasconcellos, foi possível refletir acerca dos
objetivos de se traduzir uma comédia, em especial, em traduzir Cavaleiros. Para isso,
retornar-se-á a uma das fontes do autor na escrita de seu artigo: Haroldo de Campos. No
campo dos Estudos Clássicos, ele foi conhecido e reconhecido por suas traduções de
Homero, com soluções pouco usuais, se comparadas a outras versões.
Ao observar as teses sobre a impossibilidade da tradução de textos literários, o
poeta e tradutor Haroldo de Campos (2015, p.4) defende a possibilidade não só da
tradução, mas também da recriação de textos puramente criativos, verdadeiras obras de
arte. Há, segundo Campos, uma relação de isomorfia capaz de relacionar as línguas, ainda
que elas produzam uma informação estética diferente. Essa relação as aproxima pela
27
forma, mas as diferenciam enquanto linguagem, enquanto discurso, enquanto informação
estética dentro de um tempo, espaço e cultura.
Campos (2015, p.6) cita como exemplo máximo de tradutor recriador Ezra Pound,
que traduziu poemas chineses, peças japonesas, trovadores provençais, Guido Cavalcanti,
Propércio e, inclusive, Sófocles, com a peça Traquínias em um coloquial americano,
desviando-a de uma variante padrão da língua. Seu lema era make it new: “dar vida ao
passado literário válido via tradução” (CAMPOS, 2015, p. 6).
É possível, dessa forma, não só traduzir um texto, mas também recriá-lo dentro da
língua que agora o recebe. Como fazer, então, com a comédia? Como trazer uma peça de
Aristófanes, do V século a.C., para o Brasil, em pleno século XXI? Sim, segundo Campos,
é possível e importante realizar esta tarefa, devido ao foco do ensino de literatura, que se
utiliza das traduções dos textos para construir uma crítica via tradução:
Se a tradução é uma forma privilegiada de leitura crítica, será através dela que
se poderão conduzir outros poetas, amadores e estudantes de literatura à
penetração no âmago do texto artístico, nos seus mecanismos e engrenagens
mais íntimos (CAMPOS, 2015, p. 17).
A tradução, então, será responsável por, além de facilitar a leitura de quem não
domina a língua original, propiciar que os estudantes e interessados pela área tomem o
texto para o estudarem em uma nova construção de sentido, de discurso e de texto. Além
disso, Campos (2015, p. 17) enxerga o trabalho tradutório da recriação como um campo
especializado, reconhecida a importância do papel dos linguistas e poetas na construção
do texto.
[...] é necessário que o artista (poeta ou prosador) tenha da tradução uma ideia
correta, como labor altamente especializado, que requer uma dedicação
amorosa e pertinaz, e que, de sua parte, o professor de língua tenha aquilo que
Eliot chamou de “olho criativo”, isto é, não esteja bitolado por preconceitos
acadêmicos, mas sim encontre na colaboração para a recriação de uma obra de
arte verbal aquele júbilo particular que vem de uma beleza não para
contemplação, mas de uma beleza para a ação ou em ação (CAMPOS, 2015,
p.17).
Desta forma, o trabalho do tradutor estende-se ao de professor e pesquisador,
passando pelo da criação poética, pela possibilidade de pensar o texto na língua de
chegada, de dar vida ao passado no momento aqui e agora.
28
Da mesma maneira, para se consumar o ato tradutório, faz-se necessário o
conhecimento de características do tempo do autor, no caso de Aristófanes, da
constituição da pólis do período clássico e até mesmo dos problemas políticos que dela
surgiam. Nesse sentido, é preciso analisar o contexto histórico e político que vigorava no
momento da criação e representação da peça Cavaleiros. Assim será possível conduzir o
leitor para a proposta de tradução apresentada neste trabalho, de modo que ele possa
compreender as referências ao contexto político de seu tempo e o uso ficcional desses
mesmos referentes no texto construído pelo autor, mesmo em uma tradução que ora opta
por recriar a realidade do passado no presente.
Obviamente, a tradução de um texto de sua língua original para outra língua está
permeada por questões que podem nortear o desenvolvimento desta prática e,
consequentemente, determinar o seu resultado. O tradutor precisa optar por escolhas que
não são tão simples, mas que precisam ser pertinentes ao tipo de tradução que pretende
fazer e ao público que deseja atingir. Há muito tempo se pensa a tradução como traição e
se julga tal tarefa como impossível, pelo fato de ela não dar conta nem da forma nem do
conteúdo que o texto original produz, transmitindo, certas vezes, uma interpretação do
texto original por parte do tradutor. Pretende-se, portanto, refletir (e de fato concretizar)
como traduzir uma obra literária sem romper, de certa forma, em conteúdo, com a obra
original, utilizando-se de técnicas de tradução que auxiliem no processo e deem o suporte
teórico necessário, a fim de apresentar caminhos para possíveis soluções durante a
tradução, no intuito de empregar esse aparato na versão do texto grego de Cavaleiros para
o português coloquial9 falado no Brasil.
A primeira questão que envolve a tradução de Cavaleiros, de Aristófanes, faz-se
presente pelo fato de a obra possuir um discurso estético de estilo teatral característico de
um tempo, mais especificamente de 424 a.C. Já é possível perceber aqui dois obstáculos:
um cronológico, pois o texto pertence a Antiguidade helênica, e outro performático, uma
vez que não se possui sua representação cênica. A peça fora encenada em um tempo em
que não havia registro das representações, pois, nesse período, somente existiam
pequenas referências cênicas nas didascálias, que eram como notas de rodapés nos textos
dramáticos, e indicavam as direções e referências durante a peça.
9 Entende-se por linguagem coloquial aquela cujos falantes não se preocupam com a norma culta de sua
língua e enfatiza-se aqui que esse tipo de linguagem é mais uma teoria do que propriamente uma tentativa
de reproduzir o falar de determinadas regiões ou comunidades específicas.
29
Também relacionado com o problema temporal mencionado, encontra-se, ainda,
o obstáculo da distância cultural entre a Antiguidade e a atualidade, o que ocasiona uma
série de significados que precisam ser atualizados e esclarecidos para o receptor moderno.
Aristófanes foi um autor cômico que produziu suas peças teatrais entre os séculos V e IV
a. C. Sabe-se que, nesse período, o teatro grego possuía uma relevância política
importantíssima, pois nele se fazia o debate de questões que a sociedade vivia,
questionavam-se as guerras, os problemas sociais, políticos e até mesmo literários. As
peças cômicas do autor tratavam da realidade política do seu tempo, utilizando-se de
caricaturas políticas e da ironia, valendo-se de referências históricas satirizadas por meio
de piadas e gracejos. Para compreender as piadas, o leitor precisa conhecer o contexto em
que Aristófanes escrevia, os problemas sociais de Atenas, os políticos, principalmente os
demagogos de seu tempo, e os objetivos de sua comédia, que claramente iam além da
intenção de vencer uma competição dramática.
Ao se observar as teorias de todos os autores citados, percebe-se que as questões
são latentes e extremamente filosóficas. O fato é que não há uma única possibilidade de
tradução, assim como uma verdade absoluta acerca de como se traduzir, e que as inúmeras
traduções de uma mesma obra, por exemplo, podem apresentar para os leitores qual seria
a proposta do tradutor, pois traduzir é tomar uma posição, de acordo com os objetivos da
leitura, da produção de sentidos de um texto poético. O ideal ao ato tradutório seria, então,
a perfeita equivalência entre a obra original e a sua tradução. Contudo, como é impossível
traduzir todos os elementos literários de um texto, resta ao tradutor a função de aproximar
o máximo possível as duas instâncias, tanto do ponto de vista da forma, como do ponto
de vista do conteúdo. Essa seria uma atitude fundamental para se chegar a um bom
resultado na tradução de uma obra literária.
Sabe-se que a comédia, no pouco tempo que durou, tinha uma estrutura e um
objetivo de existir, enquanto produto da democracia de seu tempo. De acordo com Jaeger
(1989, p. 421) tanto o crescimento como a decadência do gênero estavam relacionados
justamente aos períodos de apogeu e de crise de Atenas. A comédia antiga viveu enquanto
a democracia viveu, e esta era pensada, sobretudo, na parábase, lugar cênico onde o
comediógrafo dirigia suas questões aos cidadãos.10 Havia liberdade de expressão,
problemas políticos, sociais e culturais colocados na ágora, no espaço público, no teatro.
10 Conforme a democracia e o imperialismo se deterioravam, a parábase desaparecia das peças cômicas
aristofânicas.
30
Essa comédia significava em seu tempo com a utilização de uma linguagem coloquial,
próxima da fala11, com a construção de personagens grotescos, com as sátiras políticas e
com as ironias criadas por Aristófanes para construir no teatro uma imagem cômica da
sociedade.
Não se pretende, portanto, esgotar as possibilidades de tradução de Cavaleiros,
mas estabelecer uma tradução cuja leitura seja capaz de traduzir os efeitos de sentido para
o português, o que significa dizer que tentar-se-á priorizar a função primordial do gênero
cômico do Período Clássico, a saber, fazer rir por meio da representação risível do
contexto político ateniense, seja de maneira implícita, como, em Cavaleiros, o fato de se
fazer referência a políticos atenienses em voga no período de encenação da peça, ou
explícita, quando, por exemplo, nessa mesma comédia, Aristófanes utiliza termos que
claramente fazem referência ao tragediógrafo Eurípides, uma das figuras preferidas do
estilo mordaz do autor. Para tentar manter o tom cômico elaborado por Aristófanes,
utilizar-se-á uma linguagem mais própria à comédia e o texto será traduzido de acordo
com a ordem sintática do português, a fim de torná-lo mais acessível e convidativo ao
leitor.
Além disso, será preciso, como já dito, lançar mão de técnicas para a tradução do
texto e algumas delas serão uma grande ferramenta para que o efeito cômico seja
reproduzido na língua portuguesa. A técnica da adaptação, por exemplo, que consiste em
recriar o texto na língua de chegada, por este não ter um equivalente cômico que provoque
o riso e desperte o entendimento do leitor acerca da construção e do reconhecimento do
gênero, como afirma Chapman (1983, p. 42):
A fidelidade ao texto deve submeter-se à necessidade de se comunicar de
forma clara e imediata com a audiência, uma vez que essa comunicação é vital
para representar as qualidades cômicas da peça, e isso significa que devemos
adaptá-la frequentemente, compensar um trocadilho ou uma brincadeira
obscura, parafrasear, generalize e até mesmo excluir.12
Vale ressaltar aqui que, embora a forma do texto exerça um papel fundamental
para o seu significado, não se levará em consideração a métrica utilizada pelo poeta para
11 Daí a preferência por versos iâmbicos: o tipo de métrica mais próximo do falar humano, segundo
Aristóteles (Poet. 1449a 25-26).
12 “Faithfulness to the text must yield to the necessity to communicate clearly and immediately with the
audience, since such communication is vital in representing the play's comic qualities, and this means that
we must frequently adapt, compensate for a pun or an obscure joke, paraphrase, generalise and even delete.”
31
realizar a tradução. A proposta de tradução criativa aqui apresentada visa, na maioria das
vezes, apenas o significado. Contudo, em alguns momentos, o leitor perceberá que se
tenta reproduzir, na tradução, o ritmo, os fonemas e as estratégias sonoras que Aristófanes
utilizou para compor sua comédia.
32
3. OS TIPOS E TÉCNICAS DE TRADUÇÃO
No capítulo anterior, destacou-se a necessidade da tradução de textos literários,
bem como as possibilidades e impossibilidades que englobam tal prática, sob o ponto de
vista de três teóricos que dialogam em prol da realização da tarefa tradutória. No entanto,
faz-se necessário abordar a questão fundamental já colocada para o desenvolvimento
desta pesquisa: como traduzir uma obra literária? Quais mecanismos facilitam o processo
tradutório, viabilizando seu desenvolvimento e auxiliando na recriação de uma obra em
uma língua diferente, como propõe Campos?
Buscando responder tal indagação, com base na reflexão do ato tradutório a partir
da sua prática como tradutora e professora, Barbosa (1989) propõe, em sua dissertação de
mestrado, recaracterizar e recategorizar os procedimentos técnicos da tradução propostos,
inicialmente, por Vinay e Darbelnet. A descrição proposta por esses autores, embora
muito significativa para o campo em questão, era ainda insatisfatória e incompleta, pelo
fato de enumerar apenas sete procedimentos tradutórios de acordo com o nível de
dificuldade de realização do tradutor. Esses procedimentos direcionam a tarefa tradutória
e buscam oferecer saídas técnicas para o processo e facilitar a tarefa do tradutor. A autora
lança mão também da análise de outros autores que também tomaram por base os
procedimentos de Vinay e Darbelnet, entre eles Nida (1964), Catford (1965), Vázquez-
Ayora (1977) e Newmark (1981), pois incorporaram outras maneiras de traduzir e
eliminaram aquilo que não consideravam pertinentes no estudo dos autores que abriram
espaço para este campo (BARBOSA, 1989, p.24).
Vinay e Darbelnet publicaram, em 1958, o livro Stylistique comparée du français
et de l´anglais: Méthode de traduction, como parte da série Bibliothèque de Stylistique
Comparée, utilizando a estilística comparada para comparar a tradução de enunciados do
inglês para o francês e vice-versa, depois de uma viagem de Nova Iorque a Montreal. Ao
observarem as traduções das placas de sinalização do inglês para o francês, perceberam
que a versão fora feita de uma maneira da qual os franceses não o fariam, pelo fato de a
tradução ter sido produzida com base no modelo linguístico e extralinguístico inglês, ou
seja, não se levaram em consideração as estruturas linguísticas e a visão de mundo dos
falantes de francês. Para que esse tipo de problema fosse sanado, estes autores, tomando
por base a estilística comparada, procuraram levantar questões e soluções para traduções
do tipo “Paul kicked the bucket” - Paulo chutou o balde – para falantes da língua
33
portuguesa, por exemplo, pois o significado da expressão em inglês não se relaciona com
o significado literal dado pela tradução para o português. Essa expressão, em inglês,
encontra-se no campo semântico da morte, “Paulo morreu” (BARBOSA, 1989, p. 28).
Contudo, para os falantes do português, indica o fato de Paulo desistir de alguma situação
de forma violenta, sem pensar muito nas consequências de suas ações.
Os autores pretenderam, nessa obra, tratar da tradução interlinguística com base
nos estudos da estilística comparada, pois é preciso relacionar as duas línguas para que a
tradução seja efetivada, como ressalta Bastianetto (apud Barbosa, 1989, p. 15), ao
compreender a estilística comparada aplicada à tradução de acordo com Vinay e
Darbelnet:
A tradução, operação de transferência de uma língua A para uma língua B,
com o objetivo de expressar uma mesma realidade X, se baseia numa
disciplina particular, de natureza comparada, cujo objetivo é evidenciar as
características específicas de cada língua. Trata-se da estilística comparada,
disciplina que reside no conhecimento de duas estruturas linguísticas, dois
léxicos, duas morfologias e, sobretudo, duas visões de mundo particulares
que determinam a cultura, a literatura, a história, enfim, o “gênio” de cada
língua.
Percebe-se que, na tradução, a mensagem do texto original precisa ter uma
equivalência na língua de chegada, e isso só é possível se o responsável pela versão
conhecer as estruturas linguísticas da língua do texto original, bem como as da língua de
chegada. Somente desta maneira será possível encontrar um equivalente de mesmo valor
semântico entre elas, pois as línguas são a expressão da realidade de seus próprios falantes
e a tradução, sob este ponto de vista, ressalta as peculiaridades de cada língua.
De acordo com Barbosa (1989, p. 10), ao se pensar teoricamente nos
procedimentos técnicos, diferentes questões são fomentadas, como a dicotomia
possibilidade e impossibilidade da tradução; o emprego de uma tradução livre em
oposição a uma tradução literal e, finalmente, as diferenças entre uma tradução puramente
técnica e uma tradução literária.
Para a autora, as questões de traduzibilidade e intraduzibilidade provocam uma
discussão estéril, visto que tal prática já é comprovada e difundida, e discutir sobre tal
assunto não toca no foco do seu objetivo: analisar e estudar técnicas para que a tradução
seja de fato realizada. Contudo, no capítulo anterior, já se desenvolveu uma reflexão sobre
as possibilidades e impossibilidades de tradução, com base nas teorias de Berman,
Ricoeur e Campos. Compreende-se que refletir sobre as possibilidades e impossibilidades
34
da tradução, sobre as dificuldades de se estabelecer um objetivo na tradução e,
principalmente, como agir diante de um texto que precisa passar um conteúdo em outra
língua pode ajudar no processo tradutório, de acordo com o objetivo do tradutor, do
conteúdo do texto traduzido e da forma desse texto.
No que tange ao segundo tópico abordado pela autora, ou seja, a oposição entre
tradução livre e tradução literal, visa-se o modo como a tradução vai ser feita ou não, e
parte daqui a categorização de procedimentos técnicos para o ato tradutório.
De acordo com Barbosa (1989, p. 22), a descrição dos procedimentos técnicos
utilizados durante o ato tradutório é motivada pelo questionamento de “como traduzir?”,
colocando-se questão da literalidade versus liberdade (conteúdo), e, no caso desta
dissertação, da literariedade. Para ela, muitas vezes, manter a literalidade de um texto traz
dificuldades de compreensão para o seu receptor. Da mesma forma, privilegiar somente
o conteúdo pode tirar da mesma obra traduzida muito do seu valor legal, da sua
identidade. Uma reflexão e categorização de possíveis procedimentos técnicos seria capaz
de proporcionar, portanto, subsídios nos quais o tradutor poderia se basear e tomar como
parâmetros de desenvolvimento de uma tradução.
Finalmente, também relacionada com o modo como um texto será traduzido,
encontra-se a oposição entre uma tradução técnica e uma tradução literária, ou seja, a
tradução de termos técnicos voltados a um tema específico ou de textos literários, que
compõem a formação cultural e artística de um povo, de uma língua.
Dentro dessas questões, levantam-se as questões de fidelidade, já bem notadas por
Ricoeur (2011). Contudo, é de grande importância resgatar este conteúdo, pois, para
muitos, a fidelidade a um texto encontra-se em sua literalidade, ou seja, na tradução de
um texto palavra por palavra. Não seria este, porém, o procedimento adequado para a
tradução de um texto literário, no qual a construção de sentidos é desenvolvida,
majoritariamente, através de uma escrita elaborada, extrapolando a simples linguagem
denotativa, dando lugar à conotação, a uma linguagem poética.
Há três tipos de tradução que podem variar de acordo com o corpus, com a
finalidade do tradutor no que se refere a traduzir um texto ou uma obra literária. São eles,
de acordo com Bassnet (2002, p. 23): a tradução interlingual, intralingual e intersemiótica.
A tradução intralingual define-se como a interpretação de signos verbais de uma
língua por meio de outros signos dessa mesma língua, ou seja, quando há uma
reformulação da obra com base na mesma língua em que fora composta. Observam-se,
atualmente, muitas propostas de tradução desse tipo no que diz respeito a adaptações de
35
obras, muitas vezes antigas na história da literatura, para públicos pré-estabelecidos,
como a adaptação dos clássicos para adolescentes.
A tradução intersemiótica consiste na interpretação de signos verbais por meio de
um sistema de signos não verbais. Seria, portanto, uma transmutação, em que uma obra
literária poderia ser adaptada a fim de ser encenada no teatro moderno, ou até mesmo
transformada em filme, história em quadrinhos etc.
A tradução interlingual é aquela realizada entre códigos linguísticos diferentes, ou
seja, a tradução tal como se conhece, na qual há uma “interpretação” de signos verbais de
uma língua por meio de signos verbais de uma outra língua.
Neste sentido, traça-se aqui o objetivo desta dissertação: a tradução para o
português brasileiro contemporâneo de um texto grego editado modernamente, que em
sua origem fora composto no século V a.C., e que sobreviveu ao tempo por meio de cópias
manuscritas. O trabalho desses copistas permitiu que fossem estabelecidas as várias
edições utilizadas nesse trabalho, como as de Neil (1901), Henderson (1998) e,
principalmente, a de Sommerstein (1997), que foi a principal para a elaboração da
tradução apresentada neste trabalho, juntamente com suas notas explicativas.
O dialeto predominante no texto é o ático, mas deve-se levar em consideração
também que, no teatro grego, apesar de as partes dialogadas serem compostas nesse
dialeto, há ainda elementos arcaicos, principalmente no canto do coro, que prima pela
utilização do dialeto dórico. Como se sabe, no teatro grego antigo havia representação de
tragédias e comédias, poesias dramáticas que eram compostas para a encenação, tomando
como base uma métrica. Os atores e coreutas, além de se preocuparem com a
representação, com a parte performática, precisavam recitar suas falas de acordo com uma
métrica.
Com a finalidade de apresentar subsídios para a prática da tradução de poesia,
Bassnet (2002, p. 87), na mesma obra, propõe estratégias, como (1) a tradução fonêmica,
que visa a tentativa de reprodução do som da língua fonte na língua traduzida, produzindo
uma paráfrase de sentido, o que muitas vezes não ocorre devido ao resultado desajeitado
e desprovido completamente de sentido. Outro procedimento apontado por Bassnet é a
própria (2) tradução literal, na qual há uma ênfase na tradução palavra por palavra,
distorcendo, muitas vezes o sentido e a sintaxe do original. Além disso, a autora faz
referência à (3) tradução métrica, em que há uma reprodução da métrica na tradução,
concentrando-se apenas nisso, não levando em conta o conjunto do texto, bem como a
tradução de poesia em prosa, alterando o sentido, o valor comunicativo e a sintaxe do
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texto original. Por último, a autora aponta a (4) interpretação, na qual a substância do
texto é mantida, mas a sua forma é alterada.
As alternativas indicadas por Bassnet (2002) podem ser percebidas no estudo de
diversos autores e, inclusive, foram apontadas por Berman (2007), como já visto, como
tendências que não deveriam ser utilizadas por um tradutor comprometido com a “letra”
do texto, com seu sentido puramente original. Contudo, como a proposta de tradução
presente nesta dissertação apoia-se nos estudos de Ricoeur (2011), Bassnet (2002) e
Barbosa (1989), determinados procedimentos que priorizam a língua de chegada em
detrimento da língua do texto original serão escolhidos para melhor significar em
português.
Da mesma forma que Bassnet, ao tentar criar saídas para se traduzir um
determinado texto, Barbosa elenca quatorze técnicas de tradução que auxiliam na tarefa
da tradução de um texto, baseadas, conforme já dito anteriormente, na obra de Vinay e
Dalbernet (apud Barbosa, 1989). Tais autores trabalham com dois eixos de tradução:
tradução direta e tradução oblíqua, com base nos estudos de estilística comparada, ou seja,
quando a tarefa da tradução é produzir um texto com as estruturas e sentidos esperados
na língua e cultura na qual será realizada a tradução, sem alterar o conteúdo da mensagem,
ainda que mudanças morfossintáticas sejam necessárias.
A tradução direta consiste em uma tradução literal, palavra-por-palavra, que é
possível devido às semelhanças linguísticas e extralinguísticas entre as línguas. Contudo,
muitas vezes esse modelo não contempla o significado produzido pelo autor do texto
original, sendo necessário, frequentemente, realizar a tradução oblíqua, que apresenta
uma não literalidade, pelo fato de essa literalidade não dar contar de significados,
estruturas e cultura da língua original na língua de chegada. Vinay e Dalbernet, portanto,
pensaram a tradução oblíqua como um recurso para traduções que não encontram
equivalências em uma tradução literal. Nesse tipo de tradução, podem ser desfeitos mal-
entendidos, ausência de significado e a incompreensão instaurada no leitor.
A categorização proposta por tais autores subdivide-se nesses dois grupos (direta
e oblíqua), atendendo às necessidades do tradutor. A tradução direta incorpora três
procedimentos básicos: o empréstimo, o decalque e a tradução literal. Já a tradução
oblíqua reúne quatro procedimentos: a transposição, a modulação, a equivalência e a
adaptação.
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Tais procedimentos serão, primeiramente, descritos e, em seguida, aplicados ao
corpus desta dissertação.
a) Tradução palavra-por-palavra
De acordo com Barbosa (1989, p. 81), o uso desse procedimento é restrito, pelo
fato de não existir uma relação tão próxima entre as línguas e de um texto extenso não ser
passível a esta prática pela sua construção de sentido estar muito além da esfera da forma.
Neste tipo de tradução, mantêm-se as categorias gramaticais na mesma ordem sintática
na língua de tradução, além de se utilizar vocábulos com o mesmo valor semântico
daqueles presentes no texto da língua de origem, como a organização sintática dos versos
abaixo (Cav. vv 11-12):
Demoforte
τί κινυρόμεθ᾽ ἄλλως; οὐκ ἐχρῆν ζητεῖν τινα
σωτηρίαν νῷν, ἀλλὰ μὴ κλάειν ἔτι;
Por que estamos lamentando à toa? Não seria necessário buscar alguma
salvação pra gente, pra não chorarmos sem necessidade?
Como se pode perceber nos versos acima, realiza-se a tradução palavra-por-
palavra, visto que não há alteração na ordem dos vocábulos, sendo possível manter, no
português, a mesma organização, ou seja, a mesma estruturação sintática.
b) Tradução literal
Muitas vezes confundida e identificada com a tradução palavra-por-palavra, a
tradução literal possui apenas um traço distintivo: adequar a morfossintaxe às normas
gramaticais da língua de tradução, porém mantendo fidelidade semântica, como nos
versos proferidos pelo escravo no início do prólogo (vv. 2-3):
Demoforte
κακῶς Παφλαγόνα τὸν νεώνητον κακὸν
αὐταῖσι βουλαῖς ἀπολέσειαν οἱ θεοί.
Bem que os deuses podiam destruir Paflagônio,
a nova desgraça adquirida,e seus planos.
Nos versos acima, o sujeito (οἱ θεοί) encontra-se no final do último verso. No
entanto, em português, faz-se necessário, muitas vezes, optar pelo sujeito anteposto ao
verbo, desfazendo o hipérbato e possibilitando maior clareza na leitura. O verbo do
período (ἀπολέσειαν), anteposto ao sujeito no final dos versos, acompanhou seu sujeito
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