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FAMÍLIA E TRABALHO: CONSTRUINDO A LIBERDADE.
MARIANA, 1871-1920.
Marileide Lázara Cassoli (UFMG)
Resumo:
As trajetórias familiares de libertos constituem-se, no contexto de transição da mão de obra
escrava para a mão de obra livre, como ricos objetos de análise, prestando-se para desvelar a
complexa teia de rupturas e continuidades que marcaram a passagem do século XIX para o
século XX. Nosso objetivo, neste artigo, é discutir as implicações desse processo em
Mariana/Minas Gerais. Por meio da investigação da família liberta, buscamos perceber se os
laços familiares configurar-se-iam como elemento de fixação desses ex-escravos na região,
conservando essa mão de obra no município de Mariana nos anos finais do Brasil Império e
início da República. A análise de elementos sobre os rumos dessa mão de obra no pós 1888 e
os possíveis impactos dessa liberdade, nas relações sociais que se estabeleceram desde então,
visam contribuir para o enriquecimento dos debates relacionados à região Metalúrgica-
Mantiqueira e para os estudos sobre o pós-abolição em Minas Gerais.
Palavras-chave: Escravidão; Família Liberta; Pós-Abolição.
Abstract:
The family trajectories of freedmen are in the context of transition from slave labor for free
labor rich analysis objects, lending itself to unveiling the complex web of ruptures and
continuities that marked the passage from the XIX century to the XX century. Our goal, in this
article, is to discuss the implications of this process in Mariana/Minas Gerais. We seek to
realize if family ties would configure as an element of fixing these ex-slaves in the region,
maintaining that labor in the municipality of Mariana in the final years of Brazil Empire and
early Republic. The analysis of elements about the direction of this former slaves after 1888
and possible impacts of this freedom in social relations that were established since then will
contribute to the enrichment of the discussions related to Metalúrgica-Mantiqueira region and
the studies on the after-abolition in Minas Gerais.
Key Words: Slavery; Freed Family; Post-abolition.
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Considerações iniciais
Em 5 de junho, pouco após a promulgação da Áurea Lei, o Curador Geral,
encarregado do inventário de Antônio Pedro Cotta solicitou que fossem retirados das listas de
bens a serem partilhados os nomes dos libertos Vicente, Manoel, Innocencio, Andreza e sua
filha Izabel. Este pequeno grupo de pessoas compunha a mão de obra a serviço do
proprietário antes da abolição em 1888: os homens ocupavam-se do trabalho na lavoura,
enquanto as mulheres encontravam-se encarregadas dos serviços domésticos.
Por meio de sua solicitação, o Curador Geral acreditava que excluir os nomes destes
libertos e de outros dos registros cartoriais apagaria a “mancha negra da escravidão” do
recente passado escravista do país. Contudo, para aqueles que vivenciaram as experiências do
cativeiro, a construção da liberdade no pós-abolição perpassou pelas marcas, pelas condutas e
pelas hierarquias sociais e raciais forjadas ainda no vigor da instituição escravista.
A opção do Império Brasileiro pela abolição gradual da instituição escravista não
garantiu o término das tensões sociais e das diferentes compreensões de liberdade elaboradas
pelos diversos atores sociais envolvidos nesse processo. Se para os ex-escravos e seus
descendentes a liberdade se identificava com autonomia e movimento, para o Estado e para os
ex-senhores, o fim da escravidão, vinculava-se aos princípios de controle e de fixação da mão
de obra. Para estes últimos, o exercício da autonomia pelos libertos, era a evidência de uma
clara tendência à vadiagem e de rejeição ao trabalho.
As distintas e conflituosas “visões da liberdade” foram apontadas por vários autores
nos estudos sobre o pós-abolição no Brasil. De acordo com Sidney Chalhoub, para os ex-
cativos, a liberdade perpassaria pela maior segurança na constituição das relações afetivas e
pela autonomia. Para além da liberdade de ir e vir e de se movimentar em função de empregos
e salários, a força da autonomia residia na possibilidade de se escolher a quem servir, ou, nas
palavras do autor: “de não servir a ninguém” (CHALHOUB, 2003, p. 80).
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Na concepção dos antigos senhores do Recôncavo baiano, segundo Fraga Filho, a
liberdade incondicional, propiciada pela Lei Áurea de 1888, havia possibilitado aos libertos a
prerrogativa de negociação sobre as condições de trabalho. Tal prerrogativa foi compreendida,
por estes antigos proprietários, como sinônimo de insubordinação e quebra da autoridade
senhorial. A abolição imediata, somada aos próprios anseios de liberdade dos escravos,
colocou por terra os mecanismos tradicionais de controle sobre esta mão de obra liberta.
Contudo, para os libertos, a expectativa era de obtenção de novos espaços de independência e
melhoria nas condições de trabalho e de vida.
As experiências do cativeiro prestaram-se como parâmetro para que estes homens e
mulheres estabelecessem o que seria aceitável nas novas relações de trabalho. A rejeição às
práticas ligadas ao passado escravista, sobretudo a recusa às longas jornadas de trabalho,
indício de vadiagem para os ex-senhores, na verdade, abria um espaço para outras
possibilidades de subsistência “dentro e fora do mundo dos engenhos” (FRAGA FILHO,
2006, p. 214).
Elione Guimarães Silva, em seus estudos sobre o pós-emancipação em Juiz de
Fora/Minas Gerais, aponta para a associação entre a mobilidade e o trabalho sazonal.
Alternando a lida nas áreas rurais e nas áreas urbanas, em função dos ciclos da agricultura,
viver “de fazenda em fazenda”, para os libertos, era resultado do trabalho ocasional em
períodos em que o trabalho rural era oferecido em maior quantidade como nas colheitas e nas
semeaduras.1
Ainda para a região de Juiz de Fora, Sônia Maria de Souza, ao inserir os estudos sobre
o campesinato local “no período de transição” da escravidão para o mercado de trabalho livre,
aponta para a tendência de Minas Gerais e do Rio de Janeiro em utilizar o braço nacional
como mão de obra. As dificuldades em atrair uma força de trabalho estrangeira acabaram por
propiciar a ampliação das margens de negociação entre proprietários e escravos. Ainda nos
1 Ver: FRAGA FILHO, Walter Encruzilhadas da liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia (1870-
1910). Campinas, São Paulo: Editora da Unicamp, 2006. pp. 213-244. GUIMARÃES, Elione Silva. Múltiplos
viveres de afrodescendentes na escravidão e no pós-emancipação: família, trabalho, terra e conflito (Juiz de Fora
– MG, 1828-1898). São Paulo: Annablume, 2009.
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últimos anos da escravidão ou no imediato pós-abolição as negociações entre proprietários e
libertos, visavam à permanência destes últimos nas fazendas.2
A preocupação dos proprietários de terras em fixar os ex-escravos nas fazendas de
Juiz de Fora, perpassava por uma outra questão: o quanto poder-se-ia contar efetivamente
com o trabalho de todos os membros da família. A não participação de mulheres e crianças
nas lavouras de café da região é apontada pela autora como uma prática comum entre os
libertos. Para estes, destinar o trabalho feminino e infantil para o cultivo das roças de
alimentos e criação de animais significava a preservação de certo grau de autonomia e de
liberdade de escolha para quem trabalhar.
Havia ainda uma questão de ordem moral entre estes, onde “a tentativa de preservar
as mulheres do trabalho no eito pode ter sido também uma estratégia dos maridos e pais para
evitar que elas fossem vítimas de assédio sexual”.3 Essa atitude não denotava qualquer sinal
de inadequação à vida em liberdade como quiseram entender os antigos senhores.
Os impactos da mobilidade dos libertos foram enfatizados por Hebe Maria Mattos e
Ana Maria Rios, para a região do antigo Vale do Paraíba. Exercer a autonomia de
movimentação significava obter as condições de sobrevivência necessárias à concretização de
aspectos importantes da vida em liberdade. A vida em família, a obtenção de moradia, a
produção doméstica e um maior controle sobre as condições dos contratos de trabalho
tornaram-se questões fundamentais mediante os obstáculos colocados para o uso da terra
pelos libertos no decorrer do século XIX.4
2 LANNA, Ana Lúcia Duarte. A transformação do trabalho. Campinas: Editora da Unicamp, 1988. 3 SOUZA, 2007, p. 157. Ver entre outros: MATTOS, 1995; FONER,1988; WOORTMANN & WOORTMAN,
1997; MATA, 2007. pp. 163-198. Ainda sobre a questão da participação feminina e infantil no trabalho coletivo
de “turmas” ver: MATTOS & RIOS, 2004, p. 174. 4 Ver: MATTOS & RIOS, 2004, pp. 170-198. Os obstáculos ao acesso à terra dizem respeito à Lei nº 6.012, de
18/9/1850, conhecida como Lei de Terras. Posteriormente, Rui Barbosa, Manoel Ferraz de Campos Salles e
Francisco Salles, apresentaram uma nova proposta de regularização fundiária. Por meio do Decreto 31/5/1890,
na nascente República brasileira, foi estabelecido o Registro Torrens o qual teve suas funções definidas pelo
Decreto nº 955, de 5/11/1890, o qual transferiu para os Estados a responsabilidade do controle sobre as terras
devolutas. Ambas as legislações tratavam da regulação e do controle sobre as terras devolutas e estabeleceram os
critérios para caracterizá-las e discriminar as terras públicas das privadas. Visaram ainda definir os limites das
propriedades rurais no intuito de eliminar as disputas por terras e consolidar um mercado de terras no Brasil.
Ver: MOTTA, 2010. pp. 279-280; 393-398.
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A autonomia e a mobilidade, no imediato pós-abolição, podem ser apontadas como
fator em comum aos projetos de liberdade dos libertos do 13 de Maio. Contudo, a superação
dos entraves a serem enfrentados para a sua concretização encontrou-se, muitas vezes,
conectada com as experiências particulares da escravidão e com as redes de sociabilidade e de
parentesco definidas ainda na vida em cativeiro.
Temos por objetivo, neste artigo, discutir o processo de transição de mão de obra em
Mariana/Minas Gerais5, privilegiando as trajetórias de libertos e suas famílias no pós-
abolição. Voltar os olhares para Mariana, neste contexto histórico, significa acrescentar uma
nova peça aos debates sobre as transformações socioeconômicas que ocorreram nos palcos da
região Metalúrgica-Mantiqueira, no final do século XIX e início do século XX.
A partir da investigação dos laços familiares e das redes de solidariedade,
estabelecidas ainda durante o período da escravidão, nos propomos a avaliar o quanto tais
ligações ter-se-iam configurado como um elemento que viabilizou a fixação dos libertos na
região após a abolição em 1888.
O recorte temporal adotado por este estudo, compreende os anos de 1871 a 1920. Em
28 de setembro, de 1871, a Lei do Ventre Livre, concedeu a liberdade para os filhos de
escravas nascidos a partir desta data. Após 1871, o nascimento de um filho livre, e a maior ou
menor proximidade da liberdade por um ou outro membro de uma mesma família, reforçaria a
percepção, de senhores e governantes da “família do escravo como um componente dos
mecanismos de controle, de disciplina e de indução ao trabalho.”6
5 Estamos trabalhando aqui, em termos do recorte geográfico, com o município de Mariana. Apesar das
variações territoriais sofridas pelo município entre 1850-1888, em função da criação ou da transferência de
Freguesias que a ele pertenciam originalmente para outras municipalidades, no decorrer do período, algumas
localidades permaneceram vinculadas à sede municipal ao longo dos anos referidos, a saber: Nossa Senhora da
Assunção de Mariana, sede do município, Nossa Senhora da Conceição de Camargos, Nossa Senhora de
Nazareth do Inficionado, Nossa Senhora do Rosário do Sumidouro, Nossa Senhora da Conceição da Cachoeira
do Brumado, São Caetano do Ribeirão Abaixo, Senhor Bom Jesus do Monte do Furquim, Nossa Senhora da
Saúde, Nossa Senhora do Rosário de Paulo Moreira, São José da Barra Longa e o distrito de Passagem de
Mariana. Em 1911, o Município compreendia: Mariana, São Sebastião, Sumidouro, Cachoeira do Brumado, São
Caetano, Cláudio (São Domingos), Furquim, Barra Longa, Boa Vista (Acaiaca), Santa Rita Durão, Camargos,
Passagem, São Gonçalo do Ubá. 6 GEBARA, 1986.
6
A opção pelo marco final no ano de 1920 deu-se, em primeiro lugar, pelo fato de que
os anos iniciais do século XX foram um período de adaptação à nova ordem social e política,
estabelecidas no Brasil após a abolição da escravidão em 1888 e a proclamação da República
em 1889. Em segundo lugar, os quase cinquenta anos transcorridos entre a Lei do Ventre
Livre de 1871 e o ano de 1920, possibilitam o acompanhamento de pelo menos duas gerações
das famílias cativas beneficiadas pela Lei do Ventre Livre.
Em busca dos atores sociais
Descortinar as vivências cotidianas de escravos e libertos não consiste em tarefa
simples. Ao discutir o desdobramento do uso de biografias e de trajetórias de vida pela
historiografia, Beatriz Mamigonian, afirma que trilhar os caminhos traçados pelos indivíduos
presta-se como importante recurso metodológico aos historiadores. As conexões entre os
registros individuais e os processos históricos são indiscutíveis e possibilitam vislumbrar o
leque de opções possíveis com o qual estes se deparam em um dado momento histórico. Mais
que isso, as escolhas feitas pelos atores sociais “e em última instância, seu impacto na
história”.7
Ainda segundo a autora, esse recurso metodológico, aproxima os historiadores dos
“indivíduos pertencentes a grupos silenciados pela história, ou anônimos, frequentemente, a
maioria”.8 A ligação nominativa das fontes possibilita delinear as trajetórias individuais e
familiares em diferentes corpos documentais e em distintas etapas de vida dos sujeitos
históricos. As trajetórias, sejam individuais, sejam familiares ou de grupos sociais
específicos, conduzem o historiador a uma viagem por caminhos muitas vezes inesperados.
Traçar trajetórias implica percorrer caminhos obscurecidos pelo tempo e pelo
desconhecimento daqueles, que, por meio de agências simples, não sabiam estar “fazendo a
história”. Redimensionar tais agências e articulá-las aos múltiplos pertencimentos dos
indivíduos ou grupos, assim como às questões de seu tempo, estabelecem nuances que
enriquecem a compreensão da história social. Mesmo diante do “silêncio das fontes” – tão
7 Ver: MAMIGONIAN, 2010, pp. 75-76. 8 Ver: MAMIGONIAN, op cit, pp. 75-76
7
significativo quanto o registro explícito de relatos, testemunhos ou discursos – os indícios
legados por estas agências simples podem trazer à tona a forma como os atores sociais se
posicionaram e atuaram em situações historicamente dadas.
A história familiar dos Pinto Nery nos permite vislumbrar o intricado caminho a ser
percorrido pelos libertos no processo de construção da liberdade no pós 1888. Em 1920,
Firmino Pinto Nery, encontrava-se inscrito no Livro de Produção Econômica da Câmara
Municipal de Mariana. Ele deveria pagar um imposto para o município, de 15.000 réis,
correspondente à produção de rapadura em um engenho na localidade de Bento
Rodrigues/Camargos. Vinte um anos antes, em 1899, “às três horas da tarde nesta Matriz de
Nossa Senhora da Conceição do Camargos Bispado de Mariana”, o mesmo Firmino, contraiu
matrimônio com Roza Cândida de Jesus. Segundo o pároco, teve por testemunhas: José
Amarante Neves e o Coronel Francisco Neves, “além de outros muitos”.9
Assim como seus pais, sua irmã, seus tios e seus primos, ele nasceu na Fazenda do
Gualaxo pertencente a Antônio José Lopes Camello. Ao cruzarmos os dados dos registros de
batismos e matrimônios desta família de cativos aos dados do inventário de Antônio José
Lopes Camello, falecido em 1876, constatamos que a partilha dos cativos e das terras não
desestruturou os grupos familiares constituídos por aqueles. A distribuição dos quinhões entre
os herdeiros preservou a unidade familiar dos escravos, legitimamente reconhecida ou não.
Na maior parte dos casos, os casais e as mães solteiras com os seus filhos pequenos foram
destinados para um mesmo herdeiro.
As terras, por sua vez, foram partilhadas entre os referidos herdeiros sem que houvesse
um esfacelamento da propriedade. Esta condição possibilitou desvelar a evolução das relações
familiares e comunitárias destes cativos. Pelo menos cinco das herdeiras dos Lopes Camello
eram solteiras e permaneceram, após o falecimento dos pais, na propriedade rural paterna.
Desta forma, os cativos destinados para herdeiros distintos, permaneceram na mesma fazenda.
Aqueles destinados ao quinhão das irmãs casadas, por sua vez, não se afastaram da área do
Distrito de Camargos já que as terras pertencentes aos respectivos maridos encontravam-se
neste mesmo Distrito.
9 Livro de Matrimônio 1792, Outubro-1922, Julho. Imagem 83. https://familysearch.org/. Ver: Livro 013,
Produção Econômica, 1920, Imagem 13, ACMM.
8
Podemos apontar ainda a prática do “empréstimo” de escravos entre proprietários com
laços de parentesco e de herança de terras entre si. Tais “empréstimos” de mão de obra
visavam manter ou incrementar a produção em uma propriedade rural de grande porte.10 O
histórico de proprietários da Fazenda do Gualaxo põe às claras essa questão da não divisão da
terra e do controle de toda propriedade, ou da maior parte dela, por um único herdeiro.
As terras da Gualaxo começaram a ser incorporadas às terras dos Lopes Camello em
1826. Neste ano, Lino Lopes Muniz, vendeu por 72.000,00 réis, “umas terras sitas no Gualaxo
de Antônio Pereira (...) as quais vendo ao Sr. Tenente José Antônio Lopes Camello (...) com a
condição porém de serem conservados no rancho que se acha nas mesmas terras Matheus
Lopes e Antônio Mina.” 11 O último registro de compra da Gualaxo refere-se à parcela que foi
adquirida de Antônio Januário de Magalhães (Filho), em 1890, por Torquatro José Lopes
Camello.
A residência compartilhada pelos herdeiros fica comprovada no documento de venda
da Chácara Vamos-Vamos: “a saber como vendedoras D. Albina Pulcheria Clementina da
Silva, D. Maria Augusta Carolina da Silva, D. Blaudina Generosa de Abreu e Silva, D.
Ismênia Mathildes da Silva e D. Elisa Fausta da Silva [todas elas filhas e herdeiras de Antônio
Camello] e como comprador o cidadão Torquatro José Lopes Camello, todos moradores na
Fazenda do Gualaxo no Distrito de Camargos”.12
Outro aspecto, que contribuiu para preservar os laços familiares e comunitários, foram
as características do grupo de cativos pertencentes a esta Fazenda. Somente três africanos
faziam parte deste contingente de escravos. Todos os demais cativos eram nascidos nos
Distritos de Camargos ou do Furquim, em terras dos Camello Lopes.
10 Sobre a questão das separações e permanências familiares com desfechos readaptados pelos herdeiros ver:
MOTTA, & VALENTIM, op cit, pp. 161-192. 11 Ver: ACSM, Processo de demarcação das fazendas Gualaxo, Mirandinha, Cruz das Almas e São José. 1911.
Documentação do Fórum de Mariana. Fora de catálogo. 12 Sobre o processo de compra da Fazenda Gualaxo por Torquatro José Lopes Camello, ver: ACSM, Processo de
demarcação das fazendas Gualaxo, Mirandinha, Cruz das Almas e São José. 1911. Documentação do Fórum de
Mariana. Fora de catálogo. As transações de compra e venda e empréstimos de escravos entre herdeiros não
eram incomuns. Este foi o caso da Fazenda do Tesoureiro, pertencente ao Barão de Camargos. Ver: ACPOP,
Fundo Barão de Camargos, Livro de relação dos escravos, gado, ferramentas, roupas, louças e gêneros
alimentícios pertencentes à Fazenda do Tesoureiro, 1848-1859. Ao analisar a propriedade da terra e dos
escravos de Rio Claro, Sandra Lauderdale Graham aponta para esta mesma situação de associação entre
proprietários de terras e escravos. Ver: GRAHAM, 2005, pp. 30-31.
9
Entre os africanos, Luiz, casou-se com Antônia, filha de Roza e nascida no
Inficcionado, distrito de Mariana. Dessa união nasceram Secunda [sic], Luiza, Lucas e
Esperança. Esta última casou-se com Elias, filho de Raquel, irmão de Serafina, e deu à luz
dois ingênuos: Luiz e Tibúrcio. A segunda filha do casal, Luiza, foi casada com Tirço, filho
de Felicidade, e aparece registrada como mãe de três filhos: Eufrosina, Egeno [sic] e Thereza.
Faleceu depois do nascimento de sua última filha, Joanna, de um ano.
A criança foi encaminhada para as herdeiras solteiras, Albina, Maria Augusta,
Blaudina, Esmenia e Eliza, “assim ficará em companhia de seu pai, e os seus futuros serviços
serão uma fraca recompensa às referidas herdeiras pelo trabalho de criação da mesma”. Os
demais filhos de Luiza e Tirço foram para o quinhão de Eulália Emilianna casada com
Antônio Januário de Magalhães.13 Antônio Carneiro, africano, casou-se com Generoza, filha
de Joanna. Não foi possível definir se geraram filhos. Finalmente, Manoel Africano
permaneceu solteiro, ou pelo menos, não se casou legitimamente.
Por ser um grupo de cativos antigo na Fazenda, tudo indica que a reposição de mão de
obra deu-se prioritariamente pela reprodução natural. Dessa forma, além dos laços de
parentesco, houve um fortalecimento das relações horizontais e verticais, nesta comunidade
de escravos, como indicam as relações de apadrinhamento. Fabrício, livre, e Umbelina,
escrava de Maria Augusta foram padrinhos de Herculano, ingênuo, filho de Lucas e
Philomena, cativos de Torquatro José Lopes Camello.
Nicolau, irmão de Tude, e Secunda [sic], batizaram os gêmeos José e Estulano. Aleixo
e Rita, escravos de Antônio Januário de Magalhães, em 1883, escolheram Antônio, escravo de
Torquatro Camello, e Maria, escrava de Felisardo Coelho, para apadrinharem a Thomaz. A
cativa Valentina, ao lado de seu proprietário, Antônio Januário de Magalhães e de seu filho,
foi madrinha de seis dos ingênuos nascidos na Fazenda do Gualaxo.14 Finalmente, Secunda e
13 ACSM, Iº Ofício, Códice 45, Auto 1034, 1876. 14 Infelizmente, não encontramos informação sobre outras possíveis funções desempenhadas por Valentina que
permitissem explicitar sua indiscutível importância para seus senhores e para os demais cativos. Ana Lugão
Rios, estudando as famílias escravas, em Paraíba do Sul, entre 1872 e 1888, afirmou que a opção por padrinhos
livres e madrinhas cativas explicava-se pela tentativa em conciliar-se o interesse no status social do padrinho
com os cuidados e a solidariedade que a madrinha escrava poderia prestar à criança. Embora o argumento da
autora explicite o trânsito e as conexões entre o universo dos cativos e dos livres, no caso de Mariana, o
apadrinhamento por livres entre as madrinhas foi predominante. Mais do que o cuidado que poderia ser prestado
10
Tude, encontraram seus respectivos cônjuges ao serem incorporados ao grupo de escravos dos
Magalhães após a partilha da herança.
As propriedades maiores e com uma razão entre os sexos equilibrada ampliavam as
possibilidades de formação de famílias para os cativos e favoreciam o fortalecimento dos
laços de comunidade e sociabilidade entre os mesmos. No caso das comunidades aqui
analisadas outro fator contribuiu para que isto ocorresse. A fazenda em questão era antiga e
as gerações de cativos foram se sucedendo a partir da reprodução natural. Até quatro gerações
de cativos tiveram sua origens na Fazenda do Gualaxo o que indica a estabilidade das
famílias de escravos e a consolidação das parentelas.
Os dados sobre a comunidade de escravos da Gualaxo tornam-se mais ricos ao serem
analisados paralelamente aos indicados por Camila Flausino, para o tráfico de escravos intra-
termo, existente em Mariana após 1850. Ao analisar as transações de compra e venda de
escravos registradas em Mariana, entre 1850 e 1886, a autora aponta para as especificidades
que esse comércio adquire no Município.
O declínio da população cativa do município, nas últimas décadas da escravidão, não
resultou de sua transferência para outras regiões da província e do Império. Pelo contrário,
das 353 escrituras anotadas nos livros de registro de compra e venda de escravos, 256, ou seja,
72,5% tiveram como vendedores indivíduos que residiam dentro dos limites do município
marianense. Este mesmo predomínio prevaleceu quando foi observado o local de residência
dos compradores dos escravos negociados, já que 216, ou 61,2%, destes também viviam no
próprio município.
As condições em que se desenrolaram essas transações comerciais permitem inferir
que o município estaria passando por um reajuste interno, no que se refere ao braço cativo, em
função da dinâmica de seu mercado interno. Contudo, mesmo predominando o tráfico intra e
intermunicipal, em que a maioria das transferências foi feita entre a cidade de Mariana e suas
freguesias e entre a Metalúrgica-Mantiqueira como um todo, o saldo negativo de escravos
predominou. Ou seja, o volume de vendas foi maior do que o volume de compras: 499 contra
à criança pela madrinha, tudo indica que Valentina tinha uma posição diferenciada entre os escravos e em sua
relação com os seus senhores, a qual não temos como definir. RIOS, 1990, pp. 58-59.
11
397, respectivamente. A afirmação é válida para outras regiões da província, com exceção da
Zona da Mata Mineira.
Apesar da constatação de que Mariana perdeu mais escravos do que adquiriu, não
ocorreram transferências tão vultosas para outras regiões consideradas mais dinâmicas, como
a Zona da Mata, onde o café já predominava. Ameniza-se, assim, a correlação direta entre a
perda de escravos registrada nas antigas áreas mineradoras e o correspondente crescimento do
número desta mão de obra nos municípios ligados à agro exportação. Os dados indicados
reforçam a percepção de que a região possuía um dinâmico mercado interno capaz de
absorver e de redirecionar os cativos anteriormente empregados na mineração de acordo com
a demanda local, por meio do tráfico interno.
Mesmo com a predominância da agropecuária e com certo “congelamento” do
desenvolvimento urbano para o período, 1850-1888, dados como os fornecidos por Camila
Flausino, acerca do tráfico intra e intermunicipal para o Termo de Mariana, permitem inferir a
ocorrência de um fortalecimento das redes de relações sociais e familiares estabelecidas entre
os cativos da região, que, mesmo separados, não necessariamente perdiam o contato entre si.
Ainda de acordo com os números apresentados pela autora, este mesmo comércio privilegiaria
a venda individual dos cativos em detrimento dos grupos familiares, 68,0% de um total de
700 escravos teriam sido vendidos sozinhos.15
O tráfico interno ao município permitiu a permanência dos cativos dentro de seus
limites geográficos. Dessa forma, os contatos, os laços familiares e com a sua comunidade de
origem não eram rompidos. Tal condição pode ter viabilizado a permanência dos libertos, nos
antigos locais de residência, após a abolição. Da mesma forma que as redes de sociabilidade
verticais e horizontais, traçadas ainda durante a vivência da escravidão ao serem acionadas
para o acesso aos meios de sobrevivência, como a terra por exemplo.
15 FLAUSINO, 2004-2005, p. 126.
12
Terra e liberdade
O processo de força nova turbativa de demarcação de divisas16, envolvendo as
fazendas do Gualaxo, a do Mirandinha e a de Cruz das Almas, traz à cena novamente as
famílias de ex-escravos da Fazenda do Gualaxo. Iniciada em 1902, esta demanda jurídica
estendeu-se por mais de vinte anos sem que encontrássemos a sentença final sobre as terras
demandadas. Neste auto, o proprietário da fazenda do Gualaxo, o Capitão Torquatro José
Lopes Camello demandou na justiça contra o Tenente Coronel José Francisco Neves. As
relações entre os Lopes Camello e os Neves vinham de longa data e, a princípio, foram
marcadas por laços de sociabilidade que se estenderam até os seus escravos.
Em 1870, no oratório da Fazenda do Gualaxo, por volta das duas horas da tarde,
casaram-se Laura e Levy. Ele, filho legítimo de Plácido e Bernarda. Ela, Laura, filha natural
de Felisbina. Ambos nasceram e viveram como escravos da mesma fazenda. Suas
testemunhas de matrimônio foram José Francisco das Neves e sua mulher, Dona Miquelina
Antônia da Costa.17 Vinte e nove anos depois, o mesmo José Francisco Neves, testemunhou o
casamento de Firmino e Cesária, conforme citamos anteriormente. Os registros de casamentos
dos Pinto Nery revelam muito mais do que apenas os laços de sociabilidade horizontais –
entre os Lopes Camello e os Neves – ou verticais – entre estes senhores e esta família de ex-
escravos. Revelam a imbricada rede de relações sociais e de dependência que perdurou entre
estes no pós-abolição, como veremos adiante.
O liberto Levy Pinto Nery foi o verdadeiro protagonista desta contenda sobre a terra
envolvendo os Lopes Camello e os Neves. Levy representa muitos outros homens e mulheres
que ficaram à mercê do controle sobre o campo pelos antigos proprietários de terras e de
gentes. De acordo com o testemunho de Appolinario Antônio da Silva, o Capitão Torquatro
José Lopes Camello, deu a sua roçada, e a começada por Neves, a ele e outros trabalhadores
16 “Na tecnologia dos atentados à posse, turbação ou esbulho, força nova quer exprimir a espoliação ou esbulho
que ocorreu em menos de ano e dia. É força, tomada no conceito de esbulho ou espoliação, de violência sofrida
pelo possuidor da coisa, determinada pelo prazo, em que o esbulho ou a violência se registrou. O caráter de
nova, pois, advém do transcurso do prazo em que a violência ocorreu. E legalmente atende-se como nova,
quando anotada dentro de ano e dia.” SILVA, 1984, p. 315. II vol. 17 Livro de Matrimônio 1792, Outubro-1922, Julho. Imagem 83. https://familysearch.org/.
13
para “queimarem-na, plantarem-na e colherem os frutos”.18 A oferta foi recusada pelo autor e
pelos seus outros companheiros em função da distância entre o local das roças e as suas casas
e pelo fato de que neste local, na fazenda do Gualaxo, os porcos do mato costumavam
estragar as roçadas.
Continuando seu testemunho, Appolinario afirmou que aceitaria a concessão ou o
arrendamento de terras em lugares próximos à sua casa e às dos demais trabalhadores que o
acompanhavam. Afirmou ainda, que eles aceitaram o convite do Capitão Torquatro para
trabalhar no lugar denominado Catita, por que eram de fato jornaleiros e não por represália a
pessoa alguma. Na mesma ocasião, a oferta da roça foi aceita por Dionisio de tal e por Levy
Pinto Nery:
(...) que aceitou essa oferta convencido de que o terreno Catita que desde
menino conhece como pertencente a fazenda do Gualaxo e nas mesmas terras os pais
dos autores [dos autos] tiveram plantações e tiraram varas para fazer cercas, sendo
que o mesmo Levy era quem ajudava a fazer todos estes serviços. Por ouvir dizer
sabe que depois da concessão feita pelo autor a Levy e Dionisio para plantarem e
colherem os frutos das ditas roçadas, o Tenente Coronel Neves obteve dos mesmos
uma declaração escrita de que continuavam na posse das ditas roçadas com o
consentimento propriamente dele Neves.19
Uma segunda testemunha, José Jorge Penna, afirmou conhecer outros depoentes que
havia jurado na causa: Francisco Paulino, Nicolau Fausto da Silva e Levy Nery. Afirmou
também, que Francisco Paulino era afilhado de um dos herdeiros da Fazenda do Gualaxo e
que aí foi criado. E mais, que como Levy Nery, ex-escravos da mesma fazenda: “moram hoje
em casas suas e separadas da dita fazenda, não sabendo ele testemunha se essas testemunhas
são dependentes ou Camaradas dos autores”.20
O depoimento do próprio Levy Nery, 62 anos, casado, lavrador, que não sabe ler ou
escrever, lança uma luz para que possamos compreender sua posição nesta demanda jurídica:
18 Ver: ACSM, Processo de demarcação das fazendas Gualaxo, Mirandinha, Cruz das Almas e São José. 1911.
Documentação do Fórum de Mariana. Fora de catálogo. 19 Ver: ACSM, Processo de demarcação das fazendas Gualaxo, Mirandinha, Cruz das Almas e São José. 1911.
Documentação do Fórum de Mariana. Fora de catálogo. 20 Ver: ACSM, Processo de demarcação das fazendas Gualaxo, Mirandinha, Cruz das Almas e São José. 1911.
Documentação do Fórum de Mariana. Fora de catálogo. Grifo nosso.
14
disse mais que tendo feito a cerca de oito anos uma roça no lugar
denominado Catita por autorização dos Autores, aí plantou e (IL*) a mesma roça e
nas vésperas da colheita o Coronel Neves exigiu dele depoente uma carta pedindo-
lhe consentimento para colher a mesma roça tendo ele depoente assinado uma carta
que lhe apresentada em casa do Tenente Miquelim Soares (...) carta essa que foi
assinada a seu rogo e que tudo fez por que sendo pobre não queria saber de dúvidas
embora sabendo que estes terrenos eram de propriedades dos autores21
O depoimento de seu filho, Firmino Pinto Nery, de 35 anos, casado, que sabe ler e
escrever, desvela uma outra faceta do caso:
Respondeu mais que tem trinta e cinco anos de idade tendo se retirado do Gualaxo
com treze anos de idade, declarou que é filho de Levy Pinto Nery; declarou que
trabalhou para o Coronel José das Neves tomando conta de seus carros cerca de doze
anos tendo deixado esse serviço a um ano.22
O valor de Firmino como testemunha foi contestado pelo procurador dos Autores da
ação judicial por ser “... a mesma [testemunha] suspeitíssima, comensal, capanga e empregado
do Réu a quem acompanha em política provocando atritos e conflitos em Bento Rodrigues
onde é conhecido por cão de fila do Coronel Neves...”.23 Além de Levy, vários outros antigos
escravos foram convocados a testemunhar pela parte dos Autores ou dos Réus envolvidos na
demanda jurídica. Nicolau Fausto da Silva, parceiro de Levy na roça que provocou o início da
demanda; Secunda Pulcheria de Souza, destinada em 1876 ao quinhão de herança de Albina
Pulcheria Clementina da Silva, irmã dos autores; Crescencio de tal, carpinteiro, parte do
quinhão de Clara Josephina da Silva em 1876, irmã dos autores; Dionisio de tal, Belizario,
antigo escravo do Dr. Francisco Carlos Pereira Macedo e Eloy Pinto Nery, irmão de Levy.24
21 Ver: ACSM, Processo de demarcação das fazendas Gualaxo, Mirandinha, Cruz das Almas e São José. 1911.
Documentação do Fórum de Mariana. Fora de catálogo. Grifo nosso. *Ilegível. 22 Ver: ACSM, Processo de demarcação das fazendas Gualaxo, Mirandinha, Cruz das Almas e São José. 1911.
Documentação do Fórum de Mariana. Fora de catálogo. 23 Ver: ACSM, Processo de demarcação das fazendas Gualaxo, Mirandinha, Cruz das Almas e São José. 1911.
Documentação do Fórum de Mariana. Fora de catálogo. Grifo nosso. 24 Além destes nomes podemos inferir que algumas outras testemunhas arroladas no processo de divisas de terras
entre as fazendas do Gualaxo, Mirandinha e Cruz das Almas, também foram antigos cativos de outros
proprietários. Este é o caso de Raymundo José de Moura, 70 anos, casado, carpinteiro, sabe ler e escrever, que
nasceu e foi criado na fazenda do Mirandinha; Donato Bonifácio de Sousa, 69 anos, casado, não sabe ler ou
escrever, e que teve um Engenho cuja guarda foi confiada ao seu avô, Pai Manoel. O próprio Appolinario
Antonio da Silva e seus companheiros de trabalho podem ter pertencido aos plantéis dos Lopes Camello ou dos
15
A descrição geográfica das divisas entre as fazendas envolvidas nesta causa jurídica
foi efetivamente confirmada a partir dos testemunhos daqueles que participaram ativamente
do cotidiano de trabalho nas lavouras, nos engenhos, na queimada das roçadas, nos plantios e
nas colheitas. Ou seja, pela antiga mão de obra escrava. A disputa pelas terras trouxe à tona as
conexões entre o passado escravo e a vida em liberdade. Mais que isto, nos permitiu
vislumbrar as permanências e/ou rupturas dos laços de parentesco, de comunidade e de
dependência entre estes atores sociais no tocante à questão do acesso à terra.
A concessão de terras para cultivo por ex-senhores para os libertos aparece de forma
recorrente nos depoimentos das diversas testemunhas desta demanda. Appolinario Antonio da
Silva, lança luzes sobre essa prática ao narrar sobre a recusa em manter a roça oferecida pelo
Capitão Torquatro. Ao falar em seu nome e no de seus companheiros, livres ou libertos, deixa
claro que, embora não pudessem manter aquelas “roçadas” oferecidas, esperavam que outras
terras pudessem ser-lhes concedidas em terrenos mais próximos de suas casas.
Ainda tratando desta questão e das relações de trabalho estabelecidas com os antigos
senhores, o mesmo Appolinario, continua afirmando que ele e seus companheiros, aceitaram a
proposta para o uso da terra feita por Torquatro Camello, por serem de fato jornaleiros e não
por que queriam confrontar “a pessoa alguma”. No caso, por “pessoa alguma”, leia-se o
Tenente Coronel José Francisco Neves. Jornaleiros, camaradas ou dependentes, estes homens
equilibraram-se sobre a linha tênue que definia as alianças ou as desavenças políticas entre os
grandes proprietários de terras.
As definições dos termos camarada e dependente explicitam as diferentes condições
das relações de trabalho no campo, assim como, os diversos graus de autonomia e mobilidade
que o trabalhador rural poderia ter. O exercício da autonomia e da mobilidade era maior entre
aqueles que se autodenominavam e eram reconhecidos como “camaradas”. O testemunho de
Antônio Marçal de Campos aponta para essa maior mobilidade do camarada.
Em 1870 deixou de ser empregado, como camarada, na usina do Tenente Lopes
Camello, passou a ser empregado do genro do mesmo, Gervasio Pedro Cotta, para quem
trabalhou por três anos. Depois disso, foi para a fazenda do Coronel João Severiano, onde foi
Magalhães. ACSM, Processo de demarcação das fazendas Gualaxo, Mirandinha, Cruz das Almas e São José.
1911. Documentação do Fórum de Mariana. Fora de catálogo.
16
camarada até três anos antes de ter passado a residir em São Caetano, local em que
permaneceu na primeira década do século XX. 25
Optar abertamente pelo apoio a um ou outro proprietário em uma situação, seja de
disputa política, seja pelas divisas das terras, poderia significar a perda da possibilidade de
trabalho próximo ao local de moradia, ou até de qualquer outra oportunidade de garantir os
meios de sobrevivência naquela localidade. Dessa forma, o complexo exercício da autonomia
pelos libertos, e livres, se deparava com os obstáculos da impostos pela política latifundiária
e eleitoral do início da República.26
Nesse contexto, os registros de matrimônio de Levy e Firmino adquirem um novo
sentido. Ex-escravos dos Lopes Camello, tiveram ambos, pai e filho, José Francisco Neves
por testemunha em seus matrimônios. No caso de Levy, é impossível saber se a escolha
partiu do próprio escravo ou de seu senhor. Fato é que, independente de quem tenha sido a
escolha, ela foi aceita por ambos, senhor e escravo, o que indica as boas relações entre as duas
famílias senhoriais naquele momento.
O filho de Levy, o liberto Firmino, optou por ter o mesmo José Francisco Neves por
testemunha de seu matrimônio em 1889. Dessa forma, os registros matrimoniais indicam que
os laços de sociabilidade entre os Pinto Nery e José Francisco Neves, transcenderam as
relações escravistas. Os laços de sociabilidade com os Neves e a condição de dependência em
relação ao acesso à terra são elementos justificam a opção de Levy ao assinar a carta de
autorização para o cultivo da roça, conforme solicitou José Francisco Neves. Ao mesmo
tempo, reafirmou sua relação de fidelidade com o antigo senhor ao testemunhar que as terras
25 Jornal: a paga de cada dia que se dá ao jornaleiro. Dependência: a necessidade que uma coisa tem da outra
para ser e existir, subordinação, reconhecimento de superioridade. Camarada: vivenda e conversação de pessoas
do mesmo rancho, ou câmara, nos navios e quartéis; excitou outros de sua camarada, i. é., da sua cevadeira
(tratar com amizade, familiaridade e honestidade), convivência, partido, facção. Ver: SILVA, 1813. ACSM,
Processo de demarcação das fazendas Gualaxo, Mirandinha, Cruz das Almas e São José. 1911. Documentação
do Fórum de Mariana. Fora de catálogo. 26 A questão latifundiária e as leis de cerceamento ao acesso à terra já foram citadas anteriormente. Quanto à
questão política, nos referimos aqui ao sistema eleitoral e suas repercussões com o fortalecimento das relações
clientelistas. As desavenças partidárias envolvendo os proprietários de terras, no município de Mariana, vinham
de longa data. Em 30 de outubro de 1907, na localidade de São Domingos, o Dr. Gomes Freire solicita auxílio
das forças militares de Belo Horizonte em função da “luta partidária antiga, disputando o predomínio local a
família Carvalho Sampaio, de ricos proprietários agrícolas, de um lado, de outro, o Professor do Distrito,
Coronel Vicente Ferreira de Souza.” Ver: APM. POL 8; Cx 39; Pc 02; 1902-1908. Este é um exemplo do tipo de
disputa que pode ter ocorrido entre os Lopes Camello e os Neves.
17
pertenciam realmente a este, e “...que tudo fez por que sendo pobre não queria saber de
dúvidas...”27
Para Levy, construir a sua liberdade perpassou pela habilidade em transitar entre as
pontes da antiga escravidão e da vida como liberto. Ele conseguiu manter a sua família,
reunindo os recursos básicos para a sua sobrevivência e reprodução, ao acionar e reforçar as
teias de relações horizontais e verticais estabelecidas ainda em sua vida em cativeiro. Roçou
nas terras que lhe foram concedidas por seu antigo senhor. Terras que pertenciam à mesma
fazenda onde nasceu como escravo, cresceu e constituiu família. Compartilhava o trabalho na
roçada com um antigo companheiro de cativeiro, Nicolau Fausto da Silva. Foi hábil ao ver-se
envolvido nas desavenças entre as duas grandes famílias de proprietários rurais do distrito de
Camargos. Afinal, preservou seu acesso à terra e colheu os frutos de sua roçada.
Seu parceiro de roçada, Nicolau Fausto da Silva, era filho de Delfina e Luiz, africanos,
irmão de Tude, tio de José, de Estulano e de Hermelinda. Casou-se com Benedita, filha de
Lucinda e João Lourenço e teve um filho de nome Joaquim. Herdou o sobrenome de sua
antiga proprietária, Eliza Fausta da Silva. Foi padrinho de seus sobrinhos gêmeos José e
Estulano, ao lado da mesma Eliza Fausta. Manteve, assim como o seu sobrinho Estulano, no
pós-abolição, a antiga profissão de lavrador.
O sobrenome Silva tornou-se o sobrenome oficial dessa família como indicam os
registros civis de nascimento dos filhos de Estulano e Cesária: José Gregório da Silva e João
Eleuthério da Silva, respectivamente nascidos em 1908 e 1913. Os pais de Cesária da Silva,
assim como ela mesma, não constam dos registros da comunidade de cativos dos Lopes
Camello. Acreditamos que essa família tenha tido sua origem entre os escravos dos
Magalhães. O que não podemos comprovar em função da falta do inventário ou de outro
documento que liste os escravos que pertenceram exclusivamente a Antônio Januário de
Magalhães.
Quanto ao filho de Levy Pinto Nery, Firmino, trabalhou para o Coronel Neves por
doze anos tomando conta de seus carros de bois. Mais do que isso, teve seu depoimento
questionado no processo por ser testemunha “suspeitíssima” em função de suas conexões
27 ACSM, Processo de demarcação das fazendas Gualaxo, Mirandinha, Cruz das Almas e São José. 1911.
Documentação do Fórum de Mariana. Fora de catálogo.
18
como empregado e capanga político do réu. A trajetória de Firmino desvela construções de
liberdade em que a autonomia e a liberdade de movimento não necessariamente estavam
vinculadas à mobilidade espacial/geográfica, mas sim, à liberdade de escolher a quem
servir.28
Ao contrário de seu pai, Firmino não teve dúvidas quanto ao caminho a ser percorrido
em sua vida de liberdade. Ser “comensal” do Coronel José Francisco Neves garantiu os
recursos de sobrevivência necessários para que construísse a sua liberdade: aprendeu a ler e a
escrever, constituiu família, apadrinhou Marieta, filha de Pio Pinto Nery e de Albertina Alves
da Silva, em 1912. Finalmente, constou como um respeitável pagador de impostos à Câmara
Municipal de Mariana pela produção de rapadura de seu engenho, em 1920.29
Considerações finais
Outras tantas trajetórias foram traçadas pelos libertos do 13 de maio de 1888. Nem
todas possibilitaram que seus protagonistas atingissem o status de cidadãos aos olhos da
sociedade. Em 28 de janeiro de 1891, foi notificado, nos registros policiais da cidade de
Mariana, “o falecimento do preso Custodio Vicente, ex-escravo de Dona Anna Francisca dos
Passos, vindo da Capital [Ouro Preto] para a cadeia desta cidade [Mariana]”.30
Três anos depois, um outro Custodio, em 1894, provocou tumultos em uma procissão
após embriagar-se e após ser espancado, voltou, “no dia seguinte o preto [Custodio Carvalho]
retirando-se para a Fazenda da Conceição, pertencente a seus ex-senhores, José da Costa
Carvalho Sampaio e Manoel José da Costa Carvalho Sampaio, neste distrito [Ubá do
Furquim] onde mora e é empregado”. Acabou falecendo alguns dias depois em função dos
28 Ver: CHALHOUB, 2003, p. 80. 29 O referido livro de impostos não deixa claro se a propriedade do engenho incluía também a propriedade da
terra. Logo, Firmino Pinto Nery pode ter apenas arrendado o engenho ou obtido uma concessão para a
exploração do mesmo. Também não há registro referente à qual fazenda o engenho pertencia, somente a
localidade: Bento Rodrigues/Camargos. O que queremos ressaltar aqui, mais do que a propriedade em si, é o fato
de o engenho produziu o suficiente para que houvesse uma taxação por parte Câmara Municipal de Mariana,
indicando assim, a posição de Firmino Pinto Nery como produtor autônomo e não como empregado. Quanto a
Pio Pinto Nery, até o momento, não conseguimos identificar o grau de parentesco entre este e Firmino. 30 Ver: APM, POL 8, Cx 38, Pc 15.
19
tombos e dos espancamentos que sofreu. Foi enterrado na própria Fazenda da Conceição sem
que houvesse inquérito policial.31
Os irmãos, Miguel Ferreira Gomes e Thomaz de Aquino Ferreira, filhos de Thereza
Dias Ferreira, nasceram sob os auspícios da Lei de 1871, na Fazenda do Cybrão. Ambos
eram lavradores, eram solteiros e sabiam ler e escrever. Em 1895, envolveram-se em crime de
roubo de ouro na Companhia de Mineração de Passagem de Mariana pelo qual foram
processados e condenados à prisão.32
Os menores, Sebastião de 7 para 8 anos e Benedicto, de 6 anos, órfãos dos ex-escravos
Caetano e Izabel, tiveram a sua tutela disputada entre os antigos senhores e as famílias de seus
falecidos pais, no ano de 1888, logo após a abolição da escravidão. Segundo o representante
dos antigos proprietários: “ os menores foram criados no seio da família do Suplicante
[Manoel Malaquias Gomes de Queirós]. Os menores foram raptados por um tio e um irmão
menor e entregues à avó. A família do Suplicante é bem conhecida para dispensar prova de
capacidade para prover os meios de educação dos mesmos menores; a bem dos sentimentos
que o princípio da criação liga ao coração.”33
Se foram os sentimentos ou outros interesses menos nobres, fato é, que o Suplicante,
membro da família do ex-senhor, assinou o termo de compromisso de tutela dos menores no
mesmo ano. Os familiares de Sebastião e Benedicto tiveram o exercício da autonomia de
movimento e de preservação familiar cerceados antes que conseguissem reunir novamente a
família, na nova vida em liberdade.
Para aqueles que transitaram pelos caminhos da escravidão e da liberdade foi vã a
solicitação do representante da justiça referente à exclusão dos nomes dos antigos cativos dos
documentos cartoriais. As histórias vividas, sob o cativeiro, por estes protaganistas não foram
deles apartadas por meio das leis ou da memória pretensamente apagada dos documentos
oficiais. Pelo contrário, prestaram-se muitas vezes como um recurso fundamental para a
construção da vida em liberdade. Muitos Levys e Firminos foram hábeis em utilizar os
31 Ver: APM, POL 8, Cx 38, Pc 15. 32 Ver: APM, POL 8, Cx 38, Pc 16-37, 1895-1900. 33 Ver: ACSM. Termos de Tutela de Órfãos. Documentação do Fórum Municipal de Mariana. Fora do Catálogo.
20
caminhos tortuosos entre o passado em cativeiro e a vida em liberdade. Este talvez tenha sido
o maior desafio enfrentado pelos libertos do 13 de maio.
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