FACULDADE DE PARÁ DE MINAS
Curso de Pedagogia
Patrícia de Cássia Pinto Pongelupe
PAULO FREIRE E A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: UMA MODALIDADE
DE ENSINO PARA A TRANSFORMAÇÃO DA REALIDADE
Pará de Minas
2015
Patrícia de Cássia Pinto Pongelupe
PAULO FREIRE E A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: UMA MODALIDADE
DE ENSINO PARA A TRANSFORMAÇÃO DA REALIDADE
Monografia apresentada á coordenação de
Pedagogia da Faculdade de Pará de Minas
como requisito parcial para a conclusão do
curso de Pedagogia.
Orientadora: Profª. Ms. Juliane Gomes de
Oliveira.
Pará de Minas
2015
Patrícia de Cássia Pinto Pongelupe
PAULO FREIRE E A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: UMA MODALIDADE
DE ENSINO PARA A TRANSFORMAÇÃO DA REALIDADE
Monografia apresentada á coordenação de
Pedagogia da Faculdade de Pará de Minas
como requisito parcial para a conclusão do
curso de Pedagogia.
Orientadora: Profª. Ms. Juliane Gomes de
Oliveira.
Aprovada em _____ / _____ / _____
_____________________________________________
Orientadora: Profª. Ms. Juliane Gomes de Oliveira
_____________________________________________
(Examinador)
Dedico esse trabalho a todos aqueles que não
mediram esforços e de alguma maneira me
ajudaram a concretizá-lo.
Neste momento de eterna felicidade agradeço
a Deus por me dar forças diante de cada
obstáculo que tive que vencer. Com isso posso
dizer orgulhosamente: “eu venci”! Venci com
ajuda e compreensão da minha familia e
principalmente com com o apoio das minhas
amigas de sala. Que a partir de agora eu possa
criar caminhos novos para minha nova
jornada.
“A educação é um ato de amor, por isso, um
ato de coragem. Não pode temer o debate. A
análise da realidade. Não pode fugir à
discussão criadora, sob pena de ser uma farsa”.
(Paulo Freire)
RESUMO
Constituem interesse neste trabalho ressaltar a vida e as obras de Paulo Freire e suas
contribuições para o processo prático educativo, bem como sua importância no ensino-
aprendizagem de educandos que cursam a Educação de Jovens e Adultos – EJA.
Compreender a história dessa modalidade de ensino, o pensamento, as propostas
metodológicas e recursos didáticos propostos por Paulo Freire com o objetivo de atender e
adequar à realidade cultural e subjetiva dos educandos. Abordaremos também, sob a ótica das
políticas públicas, os processos educacionais da EJA no Brasil, oferecendo uma visão
panorâmica do tema ao longo de sua história, dedicando especial atenção ao pensamento
pedagógico e as políticas de educação escolar de jovens e adultos, segundo Paulo Freire.
Conforme a perspectiva educacional de Freire pode se perceber na escolarização o sentido
político que a ditadura militar conferiu à alfabetização de adultos e as diversas configurações
assumidas pelas políticas públicas de educação escolar de jovens e adultos ao longo do
processo de redemocratização do ensino. O objetivo principal consiste em refletir sobre a
Educação de Jovens e Adultos (EJA) capaz de oferecer àqueles que foram privados de
escolarização básica oportunidades de acesso à cultura e às informações as quais têm direito,
enquanto sujeitos ativos do processo, dentro de uma visão crítica, reflexiva e transformadora,
conforme a proposta por Paulo Freire. O presente estudo tem como referenciais
metodológicos a pesquisa bibliográfica que consiste principalmente no estudo das teorias de
Freire e as contribuições de Gadotti, Haddad, Neves, entre outros.
Palavras-chave: Educação de jovens e adultos. Alfabetização para a libertação. Ensino-
aprendizagem.
ABSTRACT
Are interest in this work highlight the life and the works of Paulo Freire and his contributions to the practical educational process as well as its importance in the teaching-learning students who attend the Youth and Adult Education - EJA. Understanding the history of this type of education, thought, methodological proposals and teaching resources proposed by Paulo Freire in order to meet and suit the cultural and subjective reality of the students. We discuss also from the perspective of public policies, educational processes of adult education in Brazil, offering an overview of the topic vision throughout its history, with special attention to pedagogical thought and education policies for youth and adults, according to Paulo Freire As the educational perspective of Freire can see in schooling the political sense that the military dictatorship given to adult literacy and the different configurations assumed by the public policies of education of young people and adults throughout the education democratization process. The main objective is to reflect on the Youth and Adult Education (EJA) able to offer those who were deprived of basic education opportunities for access to culture and information which they are entitled, as subjects process assets within a critical view, reflective and transformative, as proposed by Paulo Freire. This study is methodological references to literature which mainly consists in the study of theories of Freire and contributions of Gadotti, Haddad, Snow, among others. Keywords: adult and youth education. Literacy for liberation. Teaching and learning.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................ 10
1 PAULO FREIRE: CRÍTICA CONSTRUTIVA À EDUCAÇÃO ...................................................................... 14
1.1 Sobre Paulo Freire .......................................................................................................................... 14
1.2 Paulo Freire: Politicidade do ato educativo .................................................................................... 16
1.3 Paulo Freire: Pensamento e Obras - uma Proposta para a Transformação ................................... 17
1.3.1 Pedagogia do Oprimido ................................................................................................................ 17
1.3.2 Educação como Prática da Liberdade .......................................................................................... 25
1.3.3 Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa ........................................... 28
2. ALFABETIZAÇÃO BRASILEIRA DE ADULTOS: UM BREVE HISTÓRICO ................................................ 34
2.1 A Política Educacional no Brasil ..................................................................................................... 35
2. 2 Educação de Jovens e Adultos - uma Modalidade de Ensino ......................................................... 36
3 PAULO FREIRE: A DIALOGICIDADE DO ATO EDUCATIVO - UM MÉTODO QUE REVOLUCIONOU A EJA
............................................................................................................................................................... 41
CONCLUSÃO .......................................................................................................................................... 46
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................................. 50
10
INTRODUÇÃO
A escolarização de jovens e adultos no Brasil não é nova. No período colonial os
religiosos exerciam sua ação educativa missionária em Escolarização de jovens e adultos
sendo que grande parte com adultos. Além de proclamar o evangelho, tais educadores
ensinavam normas de comportamento e os ofícios necessários ao funcionamento da economia
colonial. Inicialmente ensinaram aos indígenas, posteriormente, aos escravos negros e mais
tarde, se encarregaram das escolas de humanidades para os colonizadores e seus filhos.
O meu interesse pela investigação sobre a história e a metodologia de ensino da
Educação de Jovens e Adultos (EJA) surgiu inicialmente, pelo interesse em saber mais sobre
Paulo Freire, uma pessoa muito importante na história dessa modalidade de ensino. Paulo
Freire marcou uma ruptura educacional tanto no âmbito nacional como também no
internacional. Demonstrou ser um homem comprometido com a sociedade desfavorecida.
Quando se fala de Paulo Freire, se diz sobre um homem que tinha a visão de liberdade em
busca de um conhecimento muito além da prática. Paulo Freire criou uma metodologia muito
além de uma concepção de alfabetização, uma metodologia que favorecia a todos o acesso à
educação como prática da liberdade. O contato com a turma de Educação de Jovens e Adultos
durante o estágio também contribuiu para a investigação do tema, pois despertou minha
curiosidade em saber quais os caminhos percorridos pela EJA na história da Educação e
principalmente pelo interesse em conhecer mais sobre essa modalidade de ensino, após a
apresentação em sala de aula de trabalhos sobre o tema.
Tanto no passado como atualmente a educação de jovens e adultos sempre esteve
relacionada à aquisição ou ampliação de conhecimentos básicos, de competências técnicas e
profissionais ou de habilidades socioculturais que compreendem um conjunto muito diverso
de processos e práticas formais e informais que às vezes ocorrem fora das escolas como nas
famílias, nos espaços de convívio sociocultural e lazer, nas instituições de trabalho e
religiosas e através dos meios de informação e comunicação à distância.
Refletir sobre a Educação de Jovens e Adultos (EJA) capaz de oferecer àqueles que
foram privados de escolarização básica oportunidades de acesso à cultura e às informações às
quais têm direito, enquanto sujeitos ativos do processo, dentro de uma visão crítica, reflexiva
e transformadora, conforme a proposta por Paulo Freire, é o objetivo proposto nesta pesquisa.
Assim, é importante analisar as questões educacionais na perspectiva de uma educação para a
compreensão mútua e libertadora, propostas na coletânea deixada por Paulo Freire e repensar
11
as práticas metodológicas trabalhadas na EJA, como recursos capazes de proporcionar uma
educação transformadora além de preparar os educandos para o trabalho. Não é objetivo aqui
no texto historiar a pluralidade de práticas formativas, pois, a educação de jovens e adultos
compreende quase todos os domínios da vida social.
Diante da complexidade educacional são muitos os desafios e conflitos que estão
inerentes ao ato de educar, alfabetizar e letrar e isso permite ao homem ver o mundo e
compreendê-lo nas suas múltiplas dimensões. É nas situações vividas pelos homens que torna
possível perceber, analisar, examinar, compreender as formas históricas que se manifestam
nesse contexto educacional para adultos.
Por isso, ao longo dessa pesquisa, foi de suma importância conhecer os caminhos
percorridos pela educação dos jovens e adultos, analisar as tendências que embasaram essa
história, os pensamentos e a abordagem desse ensino segundo Paulo Freire e os métodos e
práticas aplicadas na EJA, segundo alguns autores pesquisados que trabalham nessa linha de
estudo.
O presente estudo tem como referenciais metodológicos, a pesquisa bibliográfica que
consiste no estudo das teorias de Paulo Freire, Moacir Gadotti, Sérgio Haddad entre outros,
possibilitando, assim, um conhecimento teórico que servirá como alicerce para entender a
história e a fundamentação de conceitos que envolvam a educação de jovens e adultos.
A pesquisa está estruturada em base qualitativa e em caráter exploratório, tendo como
referência a análise teórica. O desenvolvimento da pesquisa consiste na leitura dos autores
acima citados e outros, se necessário, para a compreensão da temática e embasamento teórico
do trabalho. A pesquisa bibliográfica analisa ainda a regularização e as reformas legais que
ocorreram ao longo da história da Educação de Jovens e Adultos, ressaltando que este tipo de
pesquisa permite analisar documentos que se constituem de dados ricos e estáveis, podendo
ser obtidos sem um contato direto com o sujeito da pesquisa.
O texto que segue oferece uma reflexão sobre a vida e obra de Paulo Freire, educador
brasileiro que se interessou pela educação das pessoas oprimidas de sua região e desenvolveu
uma metodologia para ensiná-las, no contexto em que a sociedade era marcada pela
desigualdade e pela opressão da época. Detém também um olhar sobre o processo social da
aprendizagem da educação de jovens e adultos no Brasil e a proposta de Paulo Freire para
esse fazer educacional, ressaltando que o mesmo deve ser diferente das propostas trabalhadas
nas turmas do Ensino Fundamental, considerando que os jovens e adultos têm uma realidade
cultural e um nível de subjetividade diferente em relação às crianças.
12
O aspecto social da aprendizagem está relacionado às aspirações coletivas e aos
valores construidos, sendo que a intervenção pedagógica terá um amplo alcance, quando os
educadores têm responsabilidade e compromisso com o fazer educacional. Para Paulo Freire é
impossível falar em educação neutra, pois, educar é um ato político, é um ato de criação e
recriação e o diálogo é fundamental para a contrução do sujeito, é como um mecanismo de
compreesão da estrutura social, de conscientização e de transformação. A educação também é
considerada ccomo um ato coletivo e solidário que nunca se acontece isoladamente.
"Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si,
mediatizados pelo mundo" (FREIRE, 1987, p. 13).
Segundo Vygotsky (1988), a aprendizagem é o resultado da interação entre as
estruturas do pensamento e o contexto social o qual a pessoa vive, num processo de
construção e reconstrução pela ação do sujeito sobre o objeto a ser conhecido. Para que a
aprendizagem ocorra é necessário o enfrentamento de situações desafiadoras que propiciem à
pessoa alcançar patamares mais elaborados de conhecimento, necessitando da intervenção de
outros sujeitos. Nesse sentido, a construção do conhecimento não acontece de maneira linear,
pois constituem etapas importantes deste processo os momentos de dúvidas e os erros
cometidos, que devem ser utilizados para sistematizar os estágios superiores de
desenvolvimento. O conhecimento adquirido através da interação social considera as
experiências de vida, ou seja, a cultura do alfabetizando. Concordando com Freire (1987),
uma aprendizagem significativa para a pessoa quando ela acontece a partir de um processo
que priorize uma análise crítica da prática social dos homens e a estimule para uma reflexão
sobre a forma de atuar no mundo.
O Brasil ingressa no século XXI integrado cultural, tecnológica e economicamente a
essas sociedades pós-industriais, com realidades tão desiguais que fazem com que as
possibilidades e os desafios da educação estejam colocados para extensas parcelas de nossa
população.
Contudo, o desafio maior, está centrado em encontrar os caminhos para a realização da
educação continuada em favor da superação de problemas do século XIX, principalmente a
universalização da alfabetização. A partir disso, é possível fazer um relato sobre a Educação
de Jovens e Adultos num contexto de modalidade de ensino.
Mediante essas questões, o problema referente a essa investigação está na seguinte
indagação: a Educação de Jovens e Adultos (EJA) enquanto modalidade de ensino adquiriram
identidade e feições próprias capazes de oferecer oportunidades de alfabetização e
escolarização básica na perspectiva de uma educação para a compreensão mútua e libertadora,
13
possibilitando a todos o acesso à cultura e às informações às quais foram privados, além de
prepará-los para o atual mercado de trabalho.
Para respondê-lo torna-se necessário ressaltar quais os aspectos que fundamentam o
processo de construção do conhecimento na EJA e se eles podem contribuir para a Educação
Popular, na perpectiva de uma educação libertadora como propôs Paulo Freire.
Entre muitos aspectos, a EJA é uma modalidade de ensino que concentra uma classe
de especificidades socioculturais muito importantes e para estabelecer relações entre as
questões teórico-filosóficas e a prática pedagógica, foi fundamental elencar alguns aspectos
que se julgam necessários nesse processo na perpectiva de uma educação libertadora segundo
Paulo Freire.
Desta forma, este trabalho foi estruturado em três capítulos, além de introdução,
considerações finais com algumas considerações a respeito do trabalho desenvolvido, além
das referências bibliográficas. O primeiro capítulo discorre sobre a história do principal
precursor dessa modalidade de ensino, Paulo Freire ressaltando sua vida, pensamento, política
e educação e sugere caminhos para pensar a Educação de Jovens e Adultos conforme a
Pedagogia Dialógica de Paulo Freire além de tecer comentários a algumas de suas obras e sua
importância para a educação brasileira. O segundo capítulo traz um breve histórico sobre a
Alfabetização Brasileira de Adultos, uma discussão sobre a Educação de Jovens e Adultos
como uma Modalidade de Ensino, trazendo uma fundamentação teórica que envolve as
explanações essenciais à compreensão dos elementos presentes no título do trabalho. Para
fechar a temática proposta, o terceiro capítulo traz uma reflexão sobre a metodologia de Paulo
Freire que revolucionou a EJA, como sendo um fator importante no processo ensino-
aprendizagem desses educandos, citando os princípios, momentos e fases do método. Esta
etapa, apesar de curta, trará o cumprimento da proposta temática que é mostrar como a EJA
pode contribuir para a Educação Popular.
Este trabalho tem como relevância acadêmica contribuir para o fortalecimento teórico
de trabalhos educativos que se orientam pela perspectiva dessa temática, devido ressaltar o
quanto a alfabetização proposta na EJA é importante e o quanto é necessário a união de todos
nesta causa para que o número de jovens e adultos ainda não alfabetizados possa diminuir.
14
1 PAULO FREIRE: CRÍTICA CONSTRUTIVA À EDUCAÇÃO
1.1 Sobre Paulo Freire
Paulo Régis Neves Freire nasceu no dia 19 de setembro de 1921, na cidade de Recife
em Pernambuco, uma das pobres áreas dessa grande nação latino-americana e morreu na
cidade de São Paulo, de infarto, em dois de maio de 1997.
Embora criado em uma família de classe média, foi alfabetizado pela mãe, que
utilizava pequenos galhos de árvores e o ensinava a escrever, no chão do quintal de sua
casa. Na adolescência já demonstrava um grande interesse pela língua portuguesa e aos 22
anos de idade, foi estudar Direito na Faculdade de Direito do Recife.
Paulo Freire iniciou sua vida profissional como advogado, mas, após a experiência
vivida enquanto advogado não concordou com as regras impostas à sociedade e decidiu seguir
outro caminho: o de educador. Freire buscava sempre as melhores maneiras de ensinar aos
educandos. Ele acreditava em uma educação que mostrava para o educando que por meio de
seu próprio universo ele encontrava várias formas de aprender. E sua maneira de educar
incomodava muita gente, principalmente, as forças conservadoras.
Paulo Freire demonstrou um grande interesse pela educação dos oprimidos de sua
região e se dedicou a ensinar aos mais pobres, integrantes de uma sociedade marcada pela
desigualdade e pela opressão da época. Educador comprometido com a vida, se tornou um
grande educador brasileiro e é considerado o mais conhecido educador de nosso tempo. Não
pensava ideias, pensava a existência e suas ideias retratavam a necessidade emergencial
política em relação às classes populares. Desenvolveu um "sistema" de ensino para todos os
níveis da educação e atualmente é um exemplo que inspira muitos professores no Brasil, na
América Latina e na África.
No ano de 1947, Paulo Freire dirigiu o departamento de educação e cultura do Sesi,
onde teve contato com a alfabetização de adultos. Sempre demonstrou seu interesse pela
educação e em 1958 participou do congresso educacional na cidade do Rio de Janeiro, onde
apresentou um importante trabalho sobre a educação e princípios de alfabetização. Suas
primeiras experiências ocorreram no Rio Grande do Norte, no ano de 1963, quando ensinou
300 adultos a ler e a escrever em 45 dias. A partir desta experiência, desenvolveu um método
inovador de alfabetização, que foi adotado a princípio no estado de Pernambuco. Defendia
que a alfabetização de adultos devia estar diretamente relacionada ao cotidiano do
15
trabalhador. Assim, o adulto precisa conhecer sua realidade para poder inserir-se de forma
crítica e atuante na vida social e política.
No começo de 1964, no governo de João Goulart, foi o coordenador do Programa
Nacional de Alfabetização, mas, sua carreira foi interrompida durante o golpe militar de 31 de
março de 1964 e seu método de alfabetização foi considerado pelos militares como uma
ameaça à ordem. Paulo Freire foi acusado de subversão e passou 72 dias na prisão sendo em
seguida, enviado para o exílio, onde trabalhou por cinco anos no Instituto Chileno para a
Reforma Agrária (ICIRA). Durante esse período, escreveu o seu principal livro “Pedagogia do
Oprimido”, lançado em 1969, onde detalha seu método de alfabetização de adultos. Viveu
também exilado na Suíça, mas, continuou produzindo conhecimento na área de educação.
Lecionou na Universidade de Harvard (Estados Unidos) e na década de 1970 prestou
consultoria educacional a vários governos de países pobres, principalmente da África.
Depois de 16 anos exilado, voltou ao Brasil no ano de 1979, após a Lei da Anistia e
escreveu dois livros considerados fundamentais em sua obra “Pedagogia da Esperança”
(1992) e “À Sombra desta Mangueira” (1995). Lecionou em Universidades Paulistas, em
1989 foi secretário de Educação no Município de São Paulo, sob a prefeitura de Luíza
Erundina onde realizou um belo trabalho e logo após passou a assessorar projetos culturais na
América Latina e África.
Paulo Freire recebeu os prêmios Educação para a Paz (das Nações Unidas, 1986) e
Educador dos Continentes (da Organização dos Estados Americanos, 1992). Foi reconhecido
mundialmente pela sua práxis educativa através de muitas homenagens. É cidadão honorário
de várias cidades no Brasil e no exterior, tem seu nome adotado por muitas instituições e a ele
foi outorgado o título de doutor Honoris Causa por vinte e sete universidades.
Recebeu, entre outros, os seguintes prêmios relacionados a seus trabalhos na área
educacional: "Prêmio Rei Balduíno para o Desenvolvimento" (Bélgica, 1980), "Prêmio
UNESCO da Educação para a Paz" (1986) e "Prêmio Andres Bello" da Organização dos
Estados Americanos, como Educador do Continente (1992).
Apresentou uma síntese inovadora das mais importantes correntes do pensamento
filosófico de sua época e aliada ao talento como escritor conquistou um amplo público de
pedagogos, cientistas sociais, teólogos e militantes políticos.
Conhecer esse autor e saber sobre sua influência na juventude e vida adulta dos
educandos da EJA, são fatores fundamentais para entender toda sua teoria seu reconhecimento
histórico na educação brasileira.
16
1.2 Paulo Freire: Politicidade do ato educativo
Paulo Freire decidiu organizar projetos educacionais que atendessem desde o jardim
de infância até à educação de adultos, juntamente com paróquias católicas, com o objetivo de
proporcionar o desenvolvimento do currículo e a formação de professores. O resultado desse
trabalho foi partilhado com outros grupos: que desenvolviam esse tipo de trabalho.
Assim, dava início a seus trabalhos, pois, a partir do desenvolvimento desse projeto
que passou a pensar em um sistema de técnicas de ensino, o "Sistema Paulo Freire", que podia
ser aplicado em todos os graus da educação.
Com a criação do Movimento de Cultura Popular (MCP), ao apoiá-lo, Paulo Freire
passou a ser um dos seus principais líderes. Como os "Projetos" do MCP, o Projeto de
Educação de Adultos desdobrava-se em outros programas ou projetos menores. O método
teve um grande sucesso em todo o Brasil, sendo possível tornar alfabetizado cerca de 40
milhões de pessoas naquela época, e estando alfabetizados eles podiam votar. A oposição
política investiram em Freire e em sua equipe, encarregando-os de implementar o Plano
Nacional de Alfabetização em 1963.
Dinheiro surgia de todas as fontes e, dentre elas, destacavam-se o escritório regional
da Aliança para o Progresso de Recife, os governos reformistas do Nordeste e o
Governo Federal populista de João Goulart (FREIRE, 2003, p. 35).
Freire começou a experimentar essa nova concepção na alfabetização, no círculo
cultural cujos membros ele conhecia pessoalmente e relata que na 21ª hora de alfabetização,
um participante era capaz de ler artigos simples de jornal e escrever sentenças curtas.
Conforme FREIRE (1996) o interesse e a motivação dos participantes eram devidos,
principalmente, aos slides. Depois de aproximadamente seis semanas (30 horas) a experiência
foi concluída. Três participantes aprenderam a ler e escrever e eram capazes de ler textos
curtos e escrever cartas. Assim nasceu o "Método Paulo Freire de Alfabetização”.
Devido à participação de Paulo Freire no Movimento de Cultura Popular (MCP), suas
tarefas educativas foram interpretadas pelos militantes católicos, protestantes e comunistas
diferentemente como eram propostas e então criaram uma cartilha de alfabetização de adultos,
com base em uma abordagem política. Paulo Freire se declarou contra essa prática ressaltando
que a mesma consistia no ensino de mensagens prontas aos analfabetos demonstrando o
intuito de manipulá-los.
17
Seu sistema de trabalho em alfabetização, durante as décadas dos anos 70 e 80, foi
interpretado como "Método Paulo Freire" e foi o fator fundamental para a revolução. A partir
daí, Paulo Freire passou a enfatizar na educação o caráter político e a necessidade da
reinvenção devido aos diferentes contextos históricos.
1.3 Paulo Freire: Pensamento e Obras - uma Proposta para a Transformação
Para fazer alguma crítica construtiva ao método de ensino da Educação de Jovens e
Adultos proposto por Paulo Freire, torna-se imprescindível tecer aqui alguns comentários
sobre as obras que trazem a expressão de seu pensamento e relatos fundamentais para que
ocorram as mudanças do pensamento crítico dos educandos e da educação brasileira.
A coletânea de Paulo Freire compõe-se de livros escritos por ele e também em parceria
com escritores brasileiros e de outros países.
1.3.1 Pedagogia do Oprimido
Em seu livro “Pedagogia do Oprimido” Paulo Freire relata sobre a realidade social,
afirmando que a educação é a base para a construção de uma sociedade mais justa.
Segundo Freire (1987) a sociedade se explica basicamente a partir do confronto entre
opressores e oprimidos, onde a educação tradicional ajudava a perpetuar as injustiças sociais,
pois, não dava voz aos oprimidos.
Em seus relatos nas páginas de “Pedagogia do Oprimido” Paulo Freire explica que ao
se fazer opressora, a realidade implica na existência dos que oprimem e dos que são
oprimidos. Paulo Freire ressalta que os oprimidos são os explorados, os que não são
reconhecidos pelos que os oprimem como outro e quando descobrem que pouco sabem de si
mesmos, então se inquietam para saber mais e uma das razões desta procura é devido ao
reconhecimento de saber pouco de si. Ao descobrirem que sabem tão pouco sobre si mesmos,
se fazem problemas a eles mesmos, fazem indagações, respondem e suas respostas sempre
levam as novas perguntas.
A desumanização é notória tanto nos que tem sua humanidade roubada, quanto na
diferença dos que a roubam, é distorção da vocação do ser mais. A luta pela humanização,
pela afirmação dos homens como seres para si não teria significação se a desumanização, que
18
é um fato concreto na história, não fosse considerada como um destino dado a alguém, mas o
resultado de uma ordem injusta que gera violência dos opressores sobre os oprimidos.
Quem, melhor do que os oprimidos para compreender a necessidade da libertação?
Libertação que alcançarão pela constante prática da busca, pelo conhecimento e
reconhecimento da necessidade de lutar por ela. Luta que, pela qual tem a finalidade de se
opor ao desamor contido na violência dos opressores. Esta finalidade é alcançada quando o
gesto do opressor deixa de ser um gesto sentimental, de caráter individual, e passa a ser um
ato de amor aos oprimidos, ou seja, quando deixam de ser uma designação abstrata e passam a
ser os homens concretos, injustiçados e roubados na sua palavra, por isto no seu trabalho
comprado, que significa a sua pessoa vendida.
Em “Pedagogia do Oprimido” Paulo Freire remete que, no fundo, é a pedagogia dos
homens se empenhando na luta por sua libertação, e que os próprios oprimidos têm que saber
ou começar, a saber, que são oprimidos. Nenhuma pedagogia libertadora deve ficar distante
dos oprimidos, isto é, fazer deles objetos de um “tratamento” humanitarista, para promoção
dos opressores, pois, os oprimidos devem ser exemplos para si mesmos, na luta por sua
libertação.
Como pedagogia humanista e libertadora, a Pedagogia do Oprimido, traz dois
momentos distintos sendo que no primeiro, observa-se que os oprimidos vão se dando a
conhecer o mundo da opressão e vão se comprometendo praticamente com a sua
transformação e em segundo, que transformada essa realidade opressora, esta pedagogia deixa
de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente
libertação. Contudo essa libertação não está na pura troca de lugar, não está em que os
oprimidos de hoje, em nome de sua libertação, passem a ter novos opressores. É certo que em
um momento da experiência existencial dos oprimidos, eles sintam uma atração pelos padrões
de vida do opressor, desejam se parecer com o opressor, imitá-lo e segui-lo, pois, anseiam ser
iguais aos homens da chamada classe superior. De tanto ouvirem de si mesmos que são
incapazes e que não sabem nada, se convencem de sua incapacidade e acham que não sabem e
acreditam que o “doutor” é quem sabe e é a ele que devem escutar.
Mas, quando os oprimidos tomam consciência das razões de seu estado de opressão
passam a assumir posições favoráveis em relação à necessidade de sua própria luta pela
conquista da liberdade e de sua afirmação no mundo. Segundo Paulo Freire, “Ninguém liberta
ninguém, ninguém liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”.
Segundo Freire (1987), quando o oprimido se liberta é que começam a acreditar em si
mesmo, em seu potencial.
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Somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se engajam na
luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos, superando, assim,
sua “convivência” com o regime opressor. Se esta descoberta não pode ser feita em
nível puramente intelectual, mas da ação, o que nos parece fundamental, é que esta
não se cinja a mero ativismo, mas esteja associada a sério empenho de reflexão, para
que seja práxis (FREIRE, 1987, p. 29).
A ação política junto aos oprimidos precisa ser uma ação cultural para a liberdade,
ação com eles. A ação libertadora deve reconhecer a dependência dos oprimidos como um
ponto vulnerável e deve, através da reflexão e da ação, transformá-la em independência, sem
se esquecer de que a libertação dos oprimidos é libertação de homens e não de “coisas”.
Assim, não se pode considerar autolibertação, pois, ninguém se liberta sozinho e também não
é libertação de uns, feita por outros, pois ninguém liberta o outro. A liberdade dos homens
acontece em comunhão.
Freire (1987) enfatiza que não há outro caminho para a libertação senão o da prática de
uma pedagogia humanizadora, pois, em lugar de se sobrepor aos oprimidos e continuar
considerando-os como quase “coisas”, devem estabelecer uma relação dialógica permanente
com eles. Nessa prática pedagógica o método deixa de ser um instrumento do educador
(opressor) com o qual manipula os educandos (oprimidos) porque é já a própria consciência.
Ressalta que as relações entre educador e educandos, na escola, em qualquer de seus
níveis, (ou fora dela), são relações fundamentalmente narradoras, dissertadoras. Destaca a
narração de conteúdos como algo que não tem valores ou dimensões concretas da realidade,
como escreve:
Narração de conteúdos que, por isto mesmo, tendem a petrificar-se ou a fazer-se
algo quase morto, sejam valores ou dimensões concretas da realidade. Narração ou
dissertação que implica num sujeito – o narrador – e em objetos pacientes, ouvintes
– os educandos. Narração ou dissertação que implica num sujeito – o narrador – e
em objetos pacientes, ouvintes – os educandos. Há uma quase enfermidade da
narração. A tônica da educação é preponderantemente esta – narrar, sempre narrar
(FREIRE, 1987, p. 33).
O educador fala de uma realidade como algo estático, compartimentado e
completamente alheio à experiência dos educandos, e não dissertam sobre algo que realmente
faz sentido para os educandos. Nela, o educador aparece como agente narrador cuja tarefa é
"encher” os educandos dos conteúdos de sua narração. Conteúdos totalmente desconectados
da realidade e da totalidade. A palavra, nestas dissertações é como palavra oca, pois, perde
sua dimensão concreta e se transforma em verbosidade alienada e alienante, passando a ser
considerada mais como som do que como significação. Devido a isto, é que uma das
20
características marcantes desta educação narradora e dissertadora é a “sonoridade” da palavra
e não sua força transformadora.
A educação como prática da dominação, que é o objeto da crítica de Paulo Freire, é
uma educação que meramente reflete o ato de depositar, onde os educandos são os
depositários e o educador é aquele que deposita. Paulo Freire deixa claro que a concepção
“bancária” da educação é como instrumento da opressão e critica o ensino tradicional ao
escrever "Eis aí a concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que se
oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los" (FREIRE,
1987, p. 33).
Logo adiante, acrescenta: Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação
dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber (FREIRE, 1987, p. 33).
A narração ressalta que o educador é o sujeito e que este conduz os educandos à
memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os transforma em
“vasilhas”, em recipientes a serem cheios pelo educador. Quanto mais vai se enchendo os
recipientes, com seus “depósitos”, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem
docilmente encher, tanto melhores educandos serão.
Em lugar de comunicar-se, o educador faz depósitos que os educandos recebem
pacientemente, memorizam e repetem.
A concepção problematizadora e libertadora da educação bancária, segundo Freire
(1987):
A educação “bancária”, em cuja prática se dá a inconciliação educador-educandos,
rechaça este companheirismo. E é lógico que seja assim. No momento em que o
educador “bancário” vivesse a superação da contradição já não seria “bancário”. Já
não faria depósitos. Já não tentaria domesticar. Já não prescreveria. Saber com os
educandos, enquanto estes soubessem com ele, seria sua tarefa. Já não estaria a
serviço da desumanização. A serviço da opressão, mas a serviço da libertação”
(FREIRE, 1987, p. 36).
A concepção “bancária” e a “contradição educador-educando”, na visão de Freire
(1987), ressalta que a ação educativa é uma educação de depósitos de conteúdos:
Se para a concepção “bancária” a consciência é, em sua relação com o mundo, esta
“peça” passivamente escancarada a ele, à espera que entre nela, coerentemente
concluirá que ao educador não cabe nenhum outro papel que não o de disciplinar a
entrada do mundo nos educandos. Seu trabalho será, também, o de imitar o mundo.
O de ordenar o que já se faz espontaneamente. O de encher os educandos de
conteúdos. É o de fazer depósitos de comunicados – falso saber – que ele considera
como verdadeiro saber (FREIRE, 1987, p. 36).
21
Na perspectiva da concepção “bancária” da Educação, a mesma pode ser considerada
como instrumento da opressão, tendo como denominador o processo do depositante do saber
(educador) e depositário do mesmo (educandos passivos). Assim o âmbito da concepção
bancaria é o de controlar pensamentos e ações. A relação professor-aluno é baseada nos falsos
valores de que um sabe tudo e o outro nada sabe, cultivando-se assim o silencio e tolhendo-se
a criatividade, estimulando assim o interesse dos opressores.
Enquanto a concepção “bancária” dá ênfase à permanência, implicando no
imobilismo, a concepção problematizadora reforça a mudança, não aceitando um presente
“bem comportado”, não aceita igualmente um futuro “pré-dado”, enraizando e se fazendo
revolucionária.
Neste caso o pensar do educador só ganha autenticidade na autenticidade do pensar
dos educandos, mediatizados ambos pela realidade. Por isso, o pensar daquele não pode ser
um pensar para estes nem a estes impostos. Mas, não deve ser um pensar isoladamente, mas
um pensar na e pela comunicação, em torno de uma realidade. Contudo, não seria possível à
educação problematizadora romper com as características da educação bancária e se realizar
como prática da liberdade, sem superar a contradição entre o educador e os educandos, e isso
não seria possível fazê-lo fora do diálogo. Desta maneira, o educador já não é só quem apenas
educa, mas aquele que enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser
educado, também está educando e ambos se tornam sujeitos do processo.
Freire (1987) descreve o homem como um ser inconcluso, consciente de sua
inconclusão e em permanente movimento de busca do ser mais:
A concepção e a prática “bancárias”, imobilistas, “fixistas”, terminam por
desconhecer os homens como seres históricos, enquanto a problematizadora parte
exatamente do caráter histórico e da historicidade dos homens. Por isto mesmo é que
os reconhece como seres que estão sendo, como seres inacabados, inconclusos, em e
com uma realidade que, sendo histórica também, é igualmente inacabada. (Freire
1987, p. 42).
Na verdade os outros animais são seres inacabados, mas não são históricos, os homens
se acham inacabados, têm a consciência de sua inconclusão vivendo em uma realidade
histórica e inacabada. Aí se encontram as raízes da educação problematizadora e como
manifestação exclusivamente humana, ou seja, na inconclusão dos homens e na consciência
que dela têm, a educação é um fazer permanente. Porém em busca do ser mais, não pode se
realizar isoladamente, no individualismo, mas na comunhão, na solidariedade entre os seres. E
22
para a efetivação da humanização como um processo, é necessária a prática da reflexão dos
homens sobre o mundo para transformá-lo.
A propósito da educação problematizadora, a prática reflexiva deve ser proporcionada
pela dialogicidade, e esta deve ser a essência da educação como prática da liberdade.
Esta busca nos leva a surpreender, nela, duas dimensões; ação e reflexão, de tal
forma solidárias, em uma interação tão radical que, sacrificada, ainda que em parte,
uma delas, se ressente, imediatamente, a outra. Não há palavra verdadeira que não
seja práxis. Daí, que dizer a palavra verdadeira seja transformar o mundo (FREIRE,
1987, p. 44).
Esta é a razão porque é preciso primeiro que, os que têm seu direito primordial de
dizer a palavra, negado, reconquistem esse direito, proibindo que este assalto desumano se
estabeleça. Qualquer forma inautêntica de existir gera formas inautênticas de pensar, que
reforçam a matriz a qual está inserida. A existência humana não pode ser muda, silenciosa,
nem pode se encher de falsas palavras, sobretudo deve ter acesso às palavras verdadeiras, com
as quais os homens transformam o mundo.
Não há diálogo, porém, se não há amor ao mundo e aos homens. O amor como
fundamento do diálogo, é, também, diálogo. Somente com a supressão da situação opressora é
possível restaurar o amor que nela estava proibido. Se eu amo o mundo, se eu amo a vida, se
eu amo os homens, então me é possível o diálogo.
Segundo Freire (1987) o diálogo começa na busca do conteúdo programático que é a
inquietação em torno do conteúdo do diálogo:
Para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da
educação não é uma doação ou uma imposição – um conjunto de informes a ser
depositado nos educandos, mas a devolução organizada, sistematizada e
acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma
desestruturada.
Contudo, não é possível esperar resultados positivos de um programa que desrespeita a
particular visão do mundo que o povo tem ou está tendo, seja ele educativo num sentido mais
técnico ou de ação política, pois, este acaba se constituindo numa espécie de invasão cultural,
ainda que feita com a melhor das intenções, mesmo assim, ainda é uma “invasão cultural”
sempre.
Nesses termos o papel do educador não é falar ao povo a sua visão do mundo, ou
tentar impô-la a ele, mas dialogar com ele sobre a visão que ambos têm. O que precisa ser
feito, na verdade, é propor ao povo, através de sua situação existencial, concreta, presente,
23
como problema que possa desafiá-lo e exigir dele uma resposta, não só no nível intelectual,
mas também no nível da ação.
Como conteúdo programático desta educação, Freire (1987) enfatiza que é na
realidade mediatizadora, na consciência que dela têm, tanto os educadores quanto o povo, que
se deve buscar o conteúdo programático para propor o fazer educacional.
O momento deste buscar é o que inaugura o diálogo da educação como prática da
liberdade. É o momento em que se realiza a investigação do que chamamos de
universo temático do povo ou o conjunto de seus temas geradores. Esta investigação
implica, necessariamente, numa metodologia que não pode contradizer a
dialogicidade da educação libertadora. Daí que seja igualmente dialógica. Daí que,
conscientizadora também, proporcione, ao mesmo tempo, a apreensão dos “temas
geradores” e a tomada de consciência dos indivíduos em torno dos mesmos
(FREIRE, 1987, p. 50).
É importante ressaltar que o “tema gerador” não está nos homens isoladamente de sua
realidade, nem tampouco na realidade isolada dos homens, pois, o tema só pode ser
compreendido nas relações do homem com o mundo. Portanto ao investigar o “tema gerador”
é fundamental investigar o pensar dos homens em relação à realidade, ou seja, é investigar seu
atuar sobre a realidade, que é sua práxis. A metodologia a que se deve estar pautada, exige
que no fluxo da investigação, se façam ambos os sujeitos da mesma – os investigadores e os
homens do povo que, aparentemente, seriam seu objeto.
Quanto mais assumam os homens uma postura ativa na investigação de sua
temática, tanto mais aprofundam a sua tomada de consciência em torno da realidade
e, explicitando sua temática significativa, se apropriam dela (FREIRE, 1987, p. 56).
A investigação do tema gerador deve partir de um esforço comum de consciência da
realidade e de autoconsciência, que é o ponto de partida do processo educacional e da ação
cultural de caráter libertador.
Segundo Freire (1987) a significação conscientizadora da investigação dos temas
geradores passa por vários momentos de investigação. A escolha do material a ser trabalhado
depende não só da matéria a ser codificada como também dos indivíduos a quem irá se dirigir.
Elaborado o programa com a temática, confecciona-se o material didático, onde a equipe pode
escolher alguns temas, ou aspectos de alguns deles e, se possível, pode usar recursos como
gravadores ou propô-los a especialistas como uma entrevista a ser realizada com um dos
membros da equipe.
Contudo, a investigação do pensamento do povo não pode ser feita sem a participação
do povo, mas com ele, reconhecido como sujeito de seu pensar, na ação, que ele mesmo se
24
superará. E para chegar à superação é preciso produzir ideias e transformá-las na ação e na
comunicação. A superação não se faz no ato de consumir ideias, mas no ato da ação dialógica.
Durante o período de estágio na escola que oferece a Educação de Jovens e Adultos
em Pará de Minas, percebi que a realidade nessa modalidade de ensino, há muita evasão dos
educandos. Ciente cada vez mais da importância dedicada à EJA para a escolarização das
pessoas que não tiveram acesso aos estudos na idade certa e do enfrentamento das
dificuldades encontradas no ensino e aprendizagem na EJA, acredito também que, o educador
comprometido com seus alunos deve superar os desafios e mediar a aprendizagem dia após
dia partindo do diálogo e da realidade de seus alunos. Partindo desses princípios, o aluno
poderá construir um aprendizado que o possibilite se tornar um cidadão ativo, crítico e
consciente de seu papel na sociedade. É conveniente lembrar que os educandos da EJA fazem
parte de um grupo de pessoas amadurecidas que vivenciam vários problemas fora da escola.
Muitas vezes ela passa por dificuldades financeiras, falta de emprego, falta de tempo
disponível para estudar, problemas que precisam ser solucionados no dia a dia outros. Nessa
perspectiva, é preciso adotar estratégias diferenciadas de ensino que possam atender às
necessidades e interesses desses sujeitos em processo de formação.
Conforme Freire (1987) a teoria da ação dialógica e suas características se baseiam na
colaboração, na união, na organização e na síntese cultural, enquanto que a teoria da ação
antidialógica e suas características estão baseadas na conquista, na divisão para manter a
opressão, na manipulação e na invasão cultural. A primeira teoria de ação enuncia propostas
que promovem à organização e esta à libertação do indivíduo enquanto que a segunda teoria
defende uma ação de manipulação que, por sua vez, serve à conquista e esta à dominação.
Enfim, o livro “Pedagogia do Oprimido” traz como enfoque principal a situação do
oprimido e do opressor. Assim como o opressor precisa de uma teoria de ação opressora para
oprimir, os oprimidos necessitam de uma teoria de sua ação para se libertarem e somente a
educação é a base fundamental para a construção de uma sociedade mais humana e justa.
Na sociedade em que estamos inseridos, fica bem claro quem são os opressores e os
oprimidos, mas o que Paulo Freire ressalta é que estamos em tempo de mudar esta situação e
favorecer que cada indivíduo se liberte e busque a superação de seus problemas com
criatividade. E ao trabalhar com a educação de jovens e adultos, é preciso dar oportunidades a
ambos para que formem uma consciência de que é possível mudar, deixando assim, de ser
oprimidos e passando a serem agentes transformadores na sociedade.
O modelo de educação libertadora também está explicitado na obra “Educação como
Prática da Liberdade”, abordada a seguir.
25
1.3.2 Educação como Prática da Liberdade
O pensamento de Freire surge como produto das condições histórico-sociais em que
vivia o Brasil na década dos anos 60. A "Educação como prática da liberdade", um dos
primeiros ensaios de Freire, deve ser compreendida vinculando-a ao contexto brasileiro vivido
nos anos 1960-1964, mesmo que o seu pensamento foi sendo gerado desde o final da década
dos anos 40 e durante toda a década dos anos 50, e mais, ainda continua se enriquecendo até
os dias de hoje.
Na visão de Paulo Freire a educação deve ser realizada como prática da liberdade e os
caminhos desta libertação só se estabelecem com sujeitos livres e a prática da liberdade só se
concretiza quando o oprimido tem condições de se descobrir e se conquistar como sujeito de
sua própria história.
Paulo Freire dedicou durante toda a sua vida à questão do educar para a vida, através
de uma pedagogia educacional preocupada com a formação do indivíduo crítico, criativo e
participante na sociedade. Nesta perspectiva o ser humano é um sujeito que está no mundo e
também com o mundo, ou seja, não apenas vive, mas constrói com criticidade sua própria
identidade, melhorando suas condições enquanto cidadão e buscando o direito de construir
uma cidadania igualitária e justa.
Assim, educar para a vida remete à concepção de um currículo que considere a
participação efetiva do educando nesse processo:
A visão da liberdade tem nesta pedagogia uma posição de relevo. É a matriz que
atribui sentido a uma prática educativa que só pode alcançar efetividade e eficácia na
medida da participação livre e crítica dos educandos. É um dos princípios essenciais
para a estruturação do círculo de cultura, unidade de ensino que substitui a “escola”,
autoritária por estrutura e tradição (FREIRE, 1999, p. 4).
A melhor maneira de educar é defender com seriedade, uma posição, estimular e
respeitar o direito ao discurso contrário, o que produz um ensino que ressalta o dever de lutar
pelos ideais e, ao mesmo tempo, promova o respeito mútuo. Para isso, é necessário repensar
na estruturação do currículo e privilegiar no mesmo um a prática voltada para a cultura.
Segundo Freire (1999) “o ponto de partida para o trabalho no círculo de cultura está
em assumir a liberdade e a crítica como o modo de ser do homem”. Freire achava que o
problema central do homem não era o simples alfabetizar, mas fazer com que o homem
assumisse sua dignidade enquanto homem. E, desta forma, detentor de uma cultura própria,
capaz de fazer história.
26
Não se pretende apenas definir alguns atributos do homem em geral. O que
fundamentalmente importa é que estes homens particulares e concretos se
reconheçam a si próprios, no transcurso da discussão, como criadores de cultura
(FREIRE, 1999, p. 7).
Freire acredita que o homem que detém a crença em si mesmo é capaz de dominar os
instrumentos de ação à sua disposição, incluindo a leitura.
Paulo Freire apresenta uma linguagem político-pedagógica, completamente
progressista e renovadora para a época. Sua teoria traz um paradigma sociocultural na
perspectiva de uma Educação problematizadora ou conscientizadora, oferecendo uma
metodologia de alfabetização que permite aos educandos e educadores utilizarem elementos
que realizam um distanciamento do objeto cognoscível, superando assim, a relação entre
opressor e oprimido. Freire (1999) ressalta também o valor dos "conteúdos programáticos",
onde as partes interessadas no ato de alfabetizar deveriam escolhê-los de maneira
democrática, dentro de uma proposta mais ampla de educar.
Ao contrário da concepção tradicional de escola, que está apoiada em métodos
centrados na autoridade do professor, Paulo Freire comprovou que os métodos mais eficientes
são aqueles em que os educandos e educadores aprendem juntos.
O modelo pedagógico de Paulo Freire que aproxima a educação como ação cultural,
de conscientização apresenta uma educação com enfoque no diálogo entre educador e
educando, onde o educador não traz pronto do seu mundo e do seu saber, o seu modelo de
ensino e o material para as suas aulas baseados na sua cultura e valores. Dentro desta
percepção é que se fundamenta a ideia de que ninguém educa ninguém e ninguém se educa
sozinho. O diálogo consiste em uma relação horizontal entre as pessoas implicadas,
valorizando assim, o saber de todos. O diálogo tem como premissa o conhecimento sobre o
objeto em questão, pois, não é possível dialogar sobre o que não se conhece, o que se
configura em uma invasão cultural.
Na obra "Educação como prática da Liberdade", Paulo Freire aborda o "Método" de
Alfabetização de Adultos de maneira detalhada dentro de um contexto sócio-político no Brasil
na década de 1960, através de uma visão crítica e não apenas passiva dos educandos. Freire
concebia um processo pedagógico de educar o sujeito histórico e politizado dentro de uma
análise crítica da sociedade.
Daí a necessidade de uma educação corajosa, que enfrentasse a discussão com o
homem comum, de seu direito àquela participação. De uma educação que levasse o
27
homem a uma nova postura diante dos problemas de seu tempo e de seu espaço. A
da intimidade com eles (FREIRE, 1999, p. 93).
De acordo com essa necessidade educacional, Freire propõe um ensino na base do
diálogo, da liberdade da busca constante de um conhecimento participativo e transformador.
Uma educação que considere o ser humano como sujeito de sua própria aprendizagem, onde
sua vivência, sua realidade e essencialmente sua forma de enxergar e ler o mundo são
consideradas para que esta aprendizagem se efetive.
Freire coloca que a prática educativa não é como algo a ser "doado" por aqueles que
detêm o saber a quem não o detém, mas, como uma forma em que os seres humanos possam
se apropriar, conscientemente, de sua realidade e a partir daí, terem condições de transformá-
la. Nessa nova abordagem da prática educativa, Freire aponta os níveis de uma ação
libertadora, onde o educador precisa refletir sobre sua prática para a mudança, buscar soluções
para as crises, situações-limite e se abrir para o novo, substituindo o velho por um novo modo
de agir e atuar. Essa transformação começa a partir dele e se inicia no repasse ao educando a
transformação coletiva, surgindo assim, a necessidade de mostrar a eficácia e a universalidade
do método, a superação e libertação subsequente, isto é, a necessidade de internacionalizar a
resposta local e, acima de tudo o desejo de compartilhar o que deu certo. A isto, pode-se
chamar "ação cultural libertadora".
Fazer-se sujeito, libertar-se é o maior compromisso histórico que se tem para com o
homem, é participar de uma prática humanizadora, onde a liberdade é conquistada através da
busca permanente, e possa superar a situação opressora. A educação é o meio que conduz o
homem na conquista de sua individualidade para que possa comandar o destino de suas ações.
Ensinar é algo de profundo e dinâmico onde a questão de identidade cultural que
atinge a dimensão individual. Freire salienta, em toda sua obra, que educar não é a mera
transferência de conhecimentos, mas sim, a conscientização e testemunho de vida, pois, ao
contrário não terá eficácia.
Aprender é uma descoberta criadora, com abertura ao risco e a aventura do ser, pois
ensinando se aprende e aprendendo se ensina. Neste sentido, afirma que qualquer iniciativa de
alfabetização só é humanizada quando o sujeito "expulsa o opressor de dentro do oprimido",
como libertação de "seu fracasso no mundo".
Em "Educação como Prática da liberdade", ensinar não é uma simples transferência de
"conteúdo" ao educando passivo, pois, considera e não subestima os saberes de experiência, o
saber de senso comum, o saber popular, e, a aprendizagem parte desse saber - o que não
significa "ficar nele".
28
As ideias de Paulo Freire nesta obra estão baseadas a partir das diretrizes de mudanças
na experiência de homens e mulheres que puderam sentir a liberdade ao mesmo tempo em que
conquistaram o ato de leitura na escolaridade tardia.
Este processo, entre ler e libertar-se, encontra no diálogo o recurso que favorece aos
encontros de troca de saberes. Nesse sentido, a escola comum e tradicional transforma-se em
Círculos de Cultura, o educador em coordenador de debates e o educando em participante de
grupo que impulsiona toda a sistemática dos encontros e dá vida ao diálogo que sustenta o
paradigma proposto por Freire.
Assim, a educação torna-se um processo de formação mútua e permanente. No
pensamento de Freire, tanto os educandos quanto o professor são transformados em
pesquisadores críticos.
A liberdade é o ponto central de sua concepção de educação nesta obra. A libertação é
o fim da educação. A educação leva à libertação, à transformação da realidade com a
finalidade de melhorá-la, para torná-la mais humana e assim, permitir que os homens e as
mulheres sejam reconhecidos como sujeitos da sua história, portanto, o anúncio de outra
realidade.
Paulo Freire é, sem dúvida alguma, um educador humanista e militante e procura
mostrar, nessas sociedades, qual é o papel da educação, do ponto de vista do oprimido, na
construção de uma sociedade democrática ou "sociedade aberta".
Para Freire (1999), “essa sociedade só poderá se constituir como resultado da luta das
massas populares, as únicas capazes de operar tal mudança”.
O autor propõe uma metodologia de ação cultural e este modelo de educação e suas
técnicas para alfabetização têm sido adotadas e adaptadas em muitos projetos em que a
situação de aprendizagem é parte da situação de conflito social.
A seguir uma abordagem sobre os saberes necessários á pratica educativa propostos
na obra de Paulo Freire “Pedagogia da Autonomia” proporcionando uma discussão referente
ao dia a dia do professor na sala de aula e fora dela e que continuam instigando o conflito e o
debate entre os educadores da educação fundamental à pós-graduação.
1.3.3 Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa
Esse livro pode ser considerado como uma síntese de todo o pensamento de Paulo
Freire, um condensado de pensamentos defendidos em seus outros livros, que ressaltam a
29
integração do ser humano e a constante busca de novas técnicas que priorizam a curiosidade
ingênua e crítica, se transformando em epistemológica.
O autor lutou pela educação por toda sua vida, e foi durante todo esse tempo que ele
colheu grande parte do material usado nessa obra, que foi dividido em cinco partes, sendo que
essas partes consistem em três capítulos, um prefácio que foi escrito pela professora Edna
Castro de Oliveira e um espaço onde o próprio autor faz uma apresentação (como uma
introdução) e a obra foi publicada em 1996 com dedicatória à mulher do escritor, amigos,
intelectuais, colegas de trabalho, educadores e educandos.
Na parte intitulada “Primeiras Palavras”, o autor aborda a temática do texto, faz
críticas ao sistema neoliberal, fala de suas expectativas, justifica alguns de seus pensamentos e
termina por fazer uma convocação a todos àqueles envolvidos no processo de ensino, para se
comprometerem com uma ética universal do ser humano considerada de suma importância
para a prática pedagógica.
É que me acho absolutamente convencido da natureza ética da prática educativa,
enquanto prática especificamente humana. É que, por outro lado, nos achamos, ao
nível do mundo e não apenas do Brasil, de tal maneira submetidos ao comando da
malvadez da ética do mercado, que me parece ser pouco tudo o que façamos na
defesa e na prática da ética universal do ser humano (FREIRE, 1996, p. 10).
Além disso, ele ainda conforta o leitor dizendo que o seu livro é esperançoso e
otimista, mas não foi construído de otimismo falso e de esperança vã e procura envolver o
leitor de maneira que o mesmo se entregue de forma crítica e curiosa à discussão proposta por
ele.
No primeiro capítulo “Não há docência sem discência”, Paulo Freire apresenta como
ideia principal a conscientização de que se pode e se deve aprender enquanto se ensina,
abordando a importância desse aprendizado na construção do saber, que se desenvolve ao
longo do tempo. E afirma que é através desse processo de aprender do docente, que poderá
gerar nos educandos uma curiosidade crescente e essencial para sua formação e
transformação.
Freire (1996) coloca que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar
possibilidades para a sua produção ou construção e ensinar necessita sempre aprender e vice-
versa”.
Ainda, nesse capitulo, Freire menciona alguns saberes considerados essenciais para o
trabalho docente, como é o caso da reflexão que deve estar presente tanto na formação do
profissional, quanto na prática educativa, e essa reflexão é fundamental para que se faça um
30
paralelo entre a teoria e a prática, evitando assim, que o conteúdo passado na sala de aula não
se torne mero ativismo. Ressalta que quanto mais o educador reflete sobre suas práticas, mais
as reciclam, e estimulam os educandos para um pensamento crítico, passando a ter condição
de avaliar seus docentes, enquanto sua eficácia. Ao adquirir esse comportamento, os
educandos assumem um importante papel, ao lado do educador, na construção e reconstrução
do saber ensinado.
Outro saber imprescindível apontado por Freire é a mudança na atitude de
educadores e educandos que abre espaço para as pesquisas que o objetivam conhecer o
desconhecido e anunciar as descobertas, permitindo assim, que as inovações sejam feitas no
processo educativo, além da importância dessa ação pra transformar a curiosidade ingênua em
uma curiosidade epistemológica.
O respeito aos saberes que os educandos chegam às escolas, segundo Freire (1996)
promove o pensar certo e o ensinar certo e essa consideração com o saber popular favorece a
criação de um ambiente harmonioso, além de permitir que o educador faça associações com o
ensino dos conteúdos. Nesta perspectiva, a união do saber popular com o saber institucional
permite que os educandos insatisfeitos com o mundo em que vivem, possa acrescentar nele
sua contribuição, que deve ser feita de forma ética associada a um lado estético.
Paulo Freire fez uma analise para a eficácia da prática de ensino para concluir as
ideias apresentadas, neste primeiro capitulo. Segundo ele, o conhecimento deveria ser
produzido a partir da incorporação de exemplos aos assuntos dado em sala de aula, o que
favorece uma aproximação mais real dos conteúdos. Outro fator importante para o sucesso do
ensino é a rejeição de qualquer forma de discriminação, a fim de se disponibilizar às novas
ideias e aprender com todos que fazem parte do ambiente educacional, favorecendo a
construção de uma identidade cultural.
Ensinar não é transmitir conhecimento e Freire apresenta como ideia principal deste
segundo capítulo, a importância de saber o verdadeiro sentido de ensinar, que é o de criar as
possibilidades para a produção e a construção do conhecimento, ou seja, a importância do
pensar certo na criação dos meios necessários, visando o desenvolvimento do conhecimento e
o respeito à autonomia do educando.
Ao afirmar que o educador precisa respeitar a autonomia do educando, Freire ressalta
que essa questão é um dever do docente e que essa autonomia é fundamental para a formação
dos educandos, que passam a desenvolver mais satisfatoriamente seus conhecimentos.
É necessário deixar claro que a autonomia dos discentes é importante, mas cabe aos
mestres exercerem limites como o intuito de evitar excessos, pois, a ausência desse saber pode
31
ocasionar situações em que o educador assuma um papel autoritário. Portanto, o bom senso
intensifica a curiosidade e a criticidade com ressalta Freire (1996):
Nenhuma formação docente verdadeira pode fazer-se alheada, de um lado, do
exercício da criticidade que implica a promoção da curiosidade ingênua à
curiosidade epistemológica, e do outro, sem o reconhecimento do valor das
emoções, da sensibilidade, da afetividade, da intuição ou adivinhação. Conhecer não
é, de fato, adivinhar, mas tem algo que ver, de vez em quando, com adivinhar, com
intuir. O importante, não resta dúvida, é não pararmos satisfeitos ao nível das
intuições, mas submetê-las à análise metodicamente rigorosa de nossa curiosidade
epistemológica.
Neste capitulo o autor enfatiza toda sua preocupação com o exercício do ensino e o
espaço em que ele é feito, além disso, o autor ressalta a importância do ambiente escolar, ao
afirmar que desrespeitando esse espaço, era como ofender educadores, educandos e a própria
prática pedagógica.
No terceiro capítulo “Ensinar não é uma especificidade humana”, Paulo Freire faz
uma síntese de tudo o que já foi abordado e acrescenta dois pensamentos ao seu discurso. O
primeiro é a afirmação da autoridade do professor através da segurança que ele demonstra no
exercício de sua profissão. Já o segundo, seriam outros saberes que visam o comprometimento
e a humanização das pessoas envolvidas no processo educacional.
Sendo uma especificidade humana, o ato de educar exige segurança, o que afirma a
autoridade docente e está intimamente ligada à competência profissional, ao
comprometimento e à generosidade.
A segurança com que a autoridade docente se move implica uma outra, a que se
funda na sua competência profissional. Nenhuma autoridade docente se exerce
ausente desta competência...Outra qualidade indispensável à autoridade em suas
relações com as liberdades é a generosidade. Não há nada que mais inferiorize a
tarefa formadora da autoridade do que a mesquinhez com que se comporte.
(FREIRE, 1996, p. 36).
O mestre que não leva a sério sua formação, não estuda, não se aprimora e nem
procura estar se atualizando, vai ter sua autoridade ameaçada, pois, esse profissional perde
força moral para coordenar e cobrar dos alunos, as atividades de sua classe. Todavia, há
educadores bem preparados, mas autoritários e arrogantes, ou seja, a incompetência
profissional desqualifica sua autoridade. Ainda sobre a autoridade docente, Freire afirma que
a generosidade e a responsabilidade da liberdade que se assume precisam existir. Sendo
assim, ressalta o respeito nas relações escolares e a autenticidade do caráter formador das
32
escolas. Além disso, deixa claro que o essencial no aprendizado do conteúdo é formar nos
educandos o senso de responsabilidade que eles precisam desenvolver sobre suas ações.
O autor enfatiza como saber primordial, a questão do comprometimento e da
compreensão de que a educação é uma forma de intervir no mundo, que o educador precisa
ter. O ato de intervir no mundo exige tanto do profissional, como dos estudantes, a
conscientização necessária para tomar decisões aliada à coerência, o que desperta as pessoas
para uma busca do seu desenvolvimento enquanto ser e para o rompimento com o pensar ser
neutro.
De todos os saberes abordados nessa obra, o saber escutar e a disponibilidade para o
dialogo se mostram como essenciais, tanto para a relação professor-aluno, como para as
relações humanas em geral. Freire (1996) afirma que, quem não escuta o outro corre o risco
de impor suas verdades como absolutas e se fecham para novas ideias. No entanto, aquele que
sabe ouvir o outro, facilita a aproximação das pessoas e propicia o desenvolvimento do
respeito e da criticidade.
A disponibilidade para o diálogo começa no respeito pelas diferenças e na coerência
entre o dizer e o fazer. Quem dialoga se abre ao mundo e aos outros, confirmando através da
inquietação e da curiosidade, a inconclusão que está em permanente movimento, enquanto ser
atuante na história.
Para finalizar é importante ressaltar que o livro “Pedagogia da Autonomia” apresenta
ao leitor saberes importantes para a prática docente, necessários à educação como forma de
proporcionar a autonomia de ser dos educandos respeitando sua cultura, seu conhecimento
empírico e sua maneira de entender o mundo que o cerca. Condena a rigorosidade ética a que
se curva aos interesses capitalistas e neoliberalistas, que excluem do processo de socialização,
os esfarrapados do mundo. Enfatiza como aspecto principal de sua abordagem pedagógica que
“formar” é muito mais que treinar o educando no desempenho das tarefas.
Paulo Freire mostra em todas as obras citadas acima e em outras que não foram
refletidas aqui, sua preocupação com o ato de ensinar. Pode ser considerado o guia de todos
os que se envolvem, de alguma maneira, com a educação. Sendo assim, as obras de Freire
devem ser lidas por todas as pessoas comprometidas com a arte humana de educar, pessoas
que buscam a melhor forma de construir caminhos que aproximem educadores e educandos
em um processo dinâmico, reflexivo, participativo e transformador.
Além das importantes obras citadas anteriormente, Paulo Freire escreveu também:
A propósito de uma administração. Recife: Imprensa Universitária, 1961.
33
Conscientização e alfabetização: uma nova visão do processo. Estudos Universitários -
Revista de Cultura da Universidade do Recife. Número 4, 1963: 5-22.
Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1967.
Cartas a Cristina. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1974.
Educação e mudança. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1979.
A importância do ato de ler em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez
Editora, 1982.
A educação na cidade. São Paulo: Cortez Editora, 1991.
Política e educação. São Paulo: Cortez Editora, 1993.
Pedagogia da autonomia. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1997.
Mudar é difícil, mas é possível (Palestra proferida no SESI de Pernambuco). Recife:
CNI/SESI, 1997-b.
Em suas obras, Paulo Freire evidenciou sua preocupação com a educação de jovens e
adultos que não tiveram a oportunidade de ter acesso ao ensino na idade própria. Pensava a
educação com prática de liberdade e partiu do seu ensinamento vivido, um ensinamento que
foi ensinado por meio de um graveto no chão para enfatizar que a educação está muito além
de uma concepção de alfabetização e criou um método onde todos pudessem ter acesso a essa
educação. Ressalta que o processo de alfabetização das turmas da educação de Jovens e
Adultos (EJA), deve estar centrado em práticas indispensável de leitura e escrita e no uso de
metodologias apropriadas, favorecendo assim que os educandos da EJA aprendam a ler e
escrever. É preciso acionar algumas situações didáticas que incentive esse educando a buscar
o conhecimento no meio em que ele vive. A educação deve se efetivar numa proposta que
considere o diálogo entre educador e educando, sendo assim, não pode começar com o
educador trazendo pronto a sua fala, privilegiando o seu saber. O objetivo principal é que a
educação seja um ato coletivo e as relações educadores-educandos e educandos-educadores
estejam sempre presentes nesse processo. Por isso, métodos de alfabetização vão e vem,
surgem e desaparecem, mas, Paulo Freire permanece e permanecerá na educação brasileira.
34
2. ALFABETIZAÇÃO BRASILEIRA DE ADULTOS: UM BREVE HISTÓRICO
A preocupação com a escolarização de adultos não alfabetizados já vem de longa data,
desde os primórdios da colonização portuguesa no Brasil, quando os índios, os primeiros
habitantes desta terra eram doutrinados para uma educação relacionada à fé católica pela
catequese e pela instrução e não para outros conhecimentos.
Com a desorganização do sistema educacional devido à expulsão dos jesuítas do Brasil
em 1759, somente no período do Império voltou a realizar ações educacionais para adultos.
No campo dos direitos legais, a Constituição Brasileira de 1824, garantia a “instrução
primária e gratuita para todos os cidadãos”, o que inclui também os adultos, mas, quase nada
foi feito neste sentido durante esse período. Mas, essa inspiração pode ser percebida nas
Constituições Brasileiras posteriores, onde a garantia de uma escolarização básica para todos,
não passou da intenção legal e a implantação de uma escola de qualidade para todos avançou
lentamente ao longo da história.
Muitos fatores contribuiram para essa lentidão, como a exclusão de negros, indígenas
e grande parte das mulheres pela elite, a falta de recursos financeiros das instâncias
administrativas que tinham o papel de educar a população mais carente, entre outros,
ocasionando ao final do Império, 82% da população com idade superior a cinco anos, como
analfabeta.
A Constituição de 1891, primeiro marco legal da República brasileira, consagrou uma
responsabilidade pública pelo ensino básico, mas a União assumiu o ensino secundário e
superior, ficando a educação das camadas sociais marginalizadas, novamente dependentes da
fragilidade financeira das Províncias e dos interesses das oligarquias regionais. Durante esse
período uma grande quantidade de reformas educacionais aconteceu devido ao estado precário
do ensino básico, porém, pouco efeito prático produziu, devido ao pouco orçamento que não
garantia uma ação eficaz resultante dessas propostas legais. Nesse período não havia uma
preocupação com a educação de jovens e adultos e não se distinguia como fonte de um
pensamento pedagógico ou de políticas educacionais.
A partir da década de 1920, o movimento de educadores e da população em prol da
melhoria da qualidade da educação, que começou a estabelecer condições favoráveis à
implementação de políticas públicas para a educação de jovens e adultos e passaram a exigir
que o Estado se responsabilizasse definitivamente pela oferta da educação.
35
E esse panorama prevaleceu até após a 2ª Guerra Mundial, onde a UNESCO alertava
para o papel que deveria desempenhar a educação, em especial a educação de adultos, no
processo de desenvolvimento das nações.
Vários serviços de Educação de Adultos foram criados com o propósito de oferecer o
ensino supletivo para adolescentes e adultos analfabetos, porém tiveram vida curta e pouco
realizaram.
Todas essas questões proporcionaram uma nova visão sobre o problema do
analfabetismo e para a efetivação de um novo paradigma pedagógico para a educação de
adultos, cuja referência principal foi o educador Paulo Freire.
Assim, torna-se necessário discorrer sobre a política educacional no Brasil, partindo de
onde tudo começou, para assim entender a abrangência da exclusão de pessoas no processo
educacional.
2.1 A Política Educacional no Brasil
De acordo com Neves (2003), em 1827, no período imperial, foi promulgada a
primeira lei geral de educação do País e seu objetivo visava à construção de um sistema
nacional de educação escolar composto por escolas elementares, secundárias e superiores.
Ressalta ainda que em 1840 surgiu o ensino das primeiras letras ao adulto oferecido nos
cursos de ensino profissional do Arsenal de Guerra do Recife. Com o propósito de viabilizar
um processo de escolarização rápida e atender um grande número de analfabetos, em 1869,
criaram as escolas noturnas e as escolas temporárias e ambulantes que funcionavam aos
domingos e no período do verão.
A educação também não obteve melhorias durante o período republicano e continuou
estagnada aumentando assim o número de pessoas que não possuiam escolarização. As
iniciativas de ampliar as condições de educação e solicitar o aumento de escolas e melhorias
na qualidade do ensino brasileiro surgiram com vários educadores profissionais que
procuraram estruturar um sistema educacional. Ainda assim, a fragilidade dos problemas
sociais existentes no Brasil, era evidenciada pelas grandes diferenças entre as classes sociais.
Em 1945 e 1947 surgiram as campanhas de educação de jovens e adultos e com elas
surge Paulo Freire. Essas campanhas surgiram com o propósito de ampliar as bases eleitorais
para sustentar o governo central e incrementar a produção nacional. Em janeiro de 1947,
atendendo aos apelos da UNESCO foi aprovado o Plano de Campanha de Educação de
36
Adolescentes e Adultos, idealizada e concebida por Lourenço Filho que foi seu primeiro
coordenador. Essa campanha repercutiu como um movimento de mobilização nacional em
prol da educação de jovens e adultos analfabetos.
Ao mesmo tempo em que era lançada essa campanha, foi preparado pela Associação
dos Professores de Ensino Noturno e pelo Departamento Nacional de Educação, o primeiro
Congresso Nacional de Educação de Adultos reforçando o atendimento às exigências da
cidadania.
Segundo Lourenço Filho (1949), era preciso atentar para a marginalização da vida
humana para a consolidação de um país socialmente homogêneo:
A recuperação de grandes massas da população que vivia praticamente à margem da
vida nacional (...), era necessário educar o adulto, antes de tudo, para que esse
marginalismo desaparecesse e o país pudesse ser homogêneo, mais coeso e mais
solidário e para que cada homem ou mulher melhor pudesse ajustar-se à vida social
e às preocupações do bem-estar e do progresso social (1949, p. 49).
A preocupação com a escolarização das pessoas adultas evidenciava a construção de
uma sociedade mais homogênea, justa e solidária e essa conduta praticamente poderia
erradicar o marginalismo social que ainda perdurava no país.
Surgiram em 1960 movimentos educacionais que apontavam para a necessidade de se
obter uma maior comunicação entre o educador e o educando, além da adequação dos
conteúdos e métodos de ensino às características sócio-culturais das classes populares.
Em 1963, o Ministério da Educação encarregou Paulo Freire de se empenhar na
elaboração de um programa nacional de alfabetização, encerrando assim a Campanha
Nacional de Educação de Adultos iniciada em 1947.
Muitas críticas denunciavam o aprendizado que se efetivava em um curto período de
tempo de alfabetização, questionavam a inadequação do método para a população adulta,
visto a amplitude das diferentes regiões do país. Contudo, essas críticas proporcionaram um
novo olhar sobre a problemática do analfabetismo, abrindo possibilidades para um novo
paradigma pedagógico para a escolarização de adultos, com base nas propostas do educador
pernambucano Paulo Freire e a partir disso, a Educação de Jovens e Adultos, passou a ser
reconhecida como modalidade de ensino.
2. 2 Educação de Jovens e Adultos - uma Modalidade de Ensino
37
Apesar da denominação educação de jovens e adultos ser moderna, muitas vezes, essa
denominação é definida de maneira errônea. Por isso, antes de iniciar o estudo, é necessário
conhecer um pouco da história dessa modalidade de ensino.
Até a Segunda Guerra Mundial, a Educação Popular era para os menos privilegiados
que habitavam as áreas urbanas e rurais. Segundo Gadotti (1979) na década de 40 a Educação
de Adultos era entendida como uma extensão da escola formal, principalmente para a zona
rural.
Em 1949, a Educação Educação de Adultos passou a ser concebida como uma espécie
de Educação Moral, após a I Conferência Internacional de Educação de Adultos, realizada na
Dinamarca.
Em 1963, com a II Conferência Internacional de Educação de Adultos em Montreal, a
Educação de Adultos passou a ter dois enfoques sendo que no primeiro, a Educação de
Adultos é considerada como uma continuação da educação formal permanente e o segundo
como uma educação de base ou comunitária. Ainda concordando com Gadotti (1979), na
década de 50, a Educação de Adultos passou a ser entendida como uma educação de base,
com desenvolvimento comunitário. Devido a isso, no final dos anos 50, surgiram duas
tendências na Educação de Adultos, a saber, a Educação de Adultos considerada como uma
educação libertadora (conscientizadora) de Paulo Freire e a Educação de Adultos entendida
como educação funcional (profissional).
Depois da III Conferência Internacional de Educação de Adultos em Tóquio, no ano
de 1972, a Educação de Adultos volta a ter carater de suplência da Educação Fundamental e
jovens e adultos, principalmente analfabetos, passam a ser introduzidos no sistema formal de
educação. De acordo com Gadotti (1979), na década de 70, as duas tendências passaram a ser
entendidas como Educação não formal e como suplência da mesma. Com isso, surge no Brasil
o sistema MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização), que traziam princípios que se
opunham aos propostos por Paulo Freire.
A Lei de Reforma nº. 5.692/71 dedicou um capítulo para o ensino supletivo e
recomenda aos Estados atender jovens e adultos, foi aprovada em 11 de agosto de 1971 e veio
substituir a Lei nº 4.024/61, reformulando assim o ensino de 1º e 2º graus (BRASIL. MEC,
LDB, 1974). A Lei nº 5.692/71 foi elaborada em 60 dias, por nove membros indicados pelo
Ministro da Educação Coronel Jarbas Passarinho e o MEC instituiu um grupo de trabalho para
definir a política do Ensino Supletivo e propor as bases doutrinárias de Vanir Chagas. O
ensino supletivo foi considerado como a solução para ajustar a realidade escolar às mudanças
que aconteciam no Brasil e no mundo de forma crescente e acelerada.
38
Segundo Soares (2002), o Parecer nº 699/72, do conselheiro Valnir Chagas,
estabeleceu a doutrina para o ensino supletivo e foi elaborado com o propósito de
fundamentar e detalhar os principais aspectos da Lei nº 5.692, no que diz respeito ao ensino
supletivo, facilitando sua compreensão e orientando sua execução. A estrutura de Ensino
Supletivo, após a LDB de 1971, seguiu a orientação expressa na legislação de suprir a
escolarização regular daqueles que não tiveram essa oportunidade anteriormente, na idade
própria e as formas iniciais de atendimento foram os exames e os cursos. Ao passar ao
controle do Estado, foi redefinido se transformando em Exames Supletivos. O Parecer nº
699/72 trazia a implantação de cursos que atendiam à população que se encontrava fora da
escola, a partir da utilização de novas metodologias (BRASIL. CFE, 1972).
A Lei nº 5692/71 concedeu flexibilidade e autonomia aos Conselhos Estaduais de
Educação para normatizarem a oferta dos cursos supletivos em seus respectivos Estados e isso
ocasionou uma heterogeneidade nas modalidades implantadas nos Estados. A Secretaria
Estadual da Educação, em 1975, com o objetivo de implementar a legislação, criou o
departamento de Ensino Supletivo (DESU), devido à importância e ao reconhecimento
crescente que essa modalidade de ensino vinha assumindo no país (BRASIL. MEC, LDB,
1974).
Surgiu o conceito de Educação de Adultos na IV Conferência Intenacional de
Educação de Adultos, realizada em Paris, em 1985 e teve como característica principal a
pluralidade de conceitos.
Segundo Soares (1991), durante o período de 1964 e 1985, o Estado procurou
introduzir a utilização de tecnologias como meio de solução para os problemas da Educação,
o qual trás a seguinte afirmativa:
Esta idéia de tecnologia a serviço do econômico e do pedagógico perdurou por todo
o período estudado. O Estado se propunha a oferecer uma educação de massas, a
custos baixos, com perspectiva de democratizar oportunidades educacionais,
"elevando" o nível cultural da população, nível este que vinha perdendo qualidade
pelo crescimento do número de pessoas, segundo sua visão. Haddad (1991, p. 189).
Nesta perspectiva, percebe-se que todas as soluções oferecidas pelo Estado em prol da
democratização do ensino e elevação do nivel sócio-cultural da população, não obtinha
sucesso devido à decrescente qualidade que se instaurava em decorrência do crescente
número de pessoas que não tiveram escolarização na idade certa.
Segundo Paiva (1995) até a 2ª Guerra Mundial, a Educação de Adultos no Brasil era
uma educação para o povo, uma difusão do ensino elementar. Somente após a 2ª Guerra
39
Mundial é que a Educação de Adultos foi concebida como independente do ensino elementar
e historicamente, pode ser dividida em três períodos:
de 1946 a 1958: erradicação do analfabetismo através das campanhas nacionais;
de 1958 a 1964: realização do 2º Congresso Nacional de Educação de Adultos (1958),
que abriu as portas para a problemática da alfabetização e favoreceu a organização do
Plano Nacional de Alfabetização de Adultos, coordenado por Paulo Freire e extinto
pelo Golpe Militar em 1964;
a partir de 1964: surge o MOBRAL, um sistema que visava o controle da alfabetização
da população, principalmente a rural, mas, em (1985), a "Nova República" extinguiu
o MOBRAL e criou a Fundação Educar e, assim, a "Nova República" enterra a
Educação de Adultos.
Conforme Durante (1998), a Comissão Nacional de Alfabetização que inicialmente foi
coordenada por Paulo Freire e depois por José Eustáquio Romão, surgiu em 1989, devido à
comemoração ao Ano Internacional da Alfabetização.
Em 1990, com a realização da Conferência Mundial sobre Educação para Todos,
realizado em Jomtien, na Tailândia, a alfabetização de Jovens e Adultos passou a ser
entendida como a 1ª etapa da Educação Básica, consagrando a ideia de que a alfabetização
não pode ser separada da pós-alfabetização.
Com o fechamento da Fundação Educar, em 1990, no cenário educacional, era notório
a ausência do Governo Federal e o esvaziamento devido a falta de um setor do Ministério da
Educação que se preocupasse e cuidasse desse tipo de modalidade de ensino. A escassa
produção de estudos e pesquisas sobre a Educação de Jovens e Adultos e a falta de recursos
financeiros contribuíram para que essa modalidade de educação fosse apenas uma reprodução
do ensino para jovens e adultos.
Em 1996, a LDB Nº 9394 prevê a Educação de Jovens e Adultos - EJA e a classifica
como parte integrante da Educação Básica, portanto deveria ser encarada com o mesmo
compromisso presente no ensino fundamental. De acordo com esta Lei, a EJA passa a ser uma
modalidade de educação básica nas etapas de Ensino Fundamental e Médio, que tem como
fundamento não só alfabetizar os jovens e adultos, mas sim dar oportunidades de
escolarização no ensino regular, proporcionando a eles uma educação que possa desenvolver
seu sistema crítico e inseri-los no contexto social atual.
Em 2006, com o Plano Nacional de Educação, um dos objetivos e prioridades era a
garantia de ensino fundamental a todas as pessoas que não o concluíram ou não tiveram
acesso a ele na idade própria. Considerando a alfabetização de jovens e adultos como ponto
40
de partida para a erradicação do analfabetismo, era prioridade nesse nível de ensino. A
alfabetização desse público era compreendida no sentido amplo de domínio dos instrumentos
básicos da cultura letrada, das operações matemáticas elementarres, da evolução histórica da
sociedade humana, da diversidade do espaço físico e político mundial da constituição
brasileira, envolvendo a formação do cidadão responsável e consciente de seus direitos
(BRASIL. PNE, out. 2006).
Conforme Gadotti (1979), a Educação de Jovens e Adultos precisa ser sempre uma
educação multicultural que desenvolva o conhecimento e a integração na diversidade cultural,
ou seja, uma educação para a compreensão mútua, contra a exclusão por motivos de raça,
sexo, cultura ou outras formas de discriminação e, para que isso ocorra, torna-se fundamental
que o educador conheça bem o próprio meio do educando, pois somente conhecendo a
realidade desses educandos é que haverá uma educação de qualidade. Nesta perspectiva, o
educador conseguirá promover a motivação necessária à aprendizagem, despertará os
interesses e entusiasmos por partes dos educandos, possibitando assim, um maior campo para
atinjam o conhecimento. É importante ressaltar que esses jovens e adultos são tão capazes
quanto uma criança, exigindo apenas técnica e metodologia eficientes para esse tipo de
modalidade.
Diante do exposto acima, é imprescindível falar também, sobre as práticas
metodológicas propostas por Paulo Freire que é considerado um dos principais precursores da
modalidade de ensino voltada para os jovens e adultos que estão fora da faixa etária, visto ser
a educação um fenômeno social que pode mudar a realidade de um país.
41
3 PAULO FREIRE: A DIALOGICIDADE DO ATO EDUCATIVO - UM MÉTODO
QUE REVOLUCIONOU A EJA
Uma das grandes metodologias utilizadas por Paulo Freire, com o objetivo de uma
educação democrática e libertadora, foi a proposta de trabalho em temas geradores extraídos
do cotidiano dos educandos da EJA.
Conforme Freire (1996), a concepção de alfabetização se transforma em relação à
sociedade que se deve alfabetizar, considerando o educando como um dos participantes do
grupo e sujeito do seu próprio processo de aprendizagem, ou seja, o método de alfabetização
deveria ser construído juntamente com o educando, depois de contextualizar a sua história de
vida. É um processo de prática da educação popular, pois, ele educa enquanto se constrói.
O método proposto por Paulo Freire na década de 60 é criado a cada vez que se usa.
Paulo Freire discutiu antes mesmo de propor o método, uma nova maneira de pensar a
educação e suas ideias propõem um repensar sobre o homem em todo seu contexto social e
cultural, e, a partir daí, analisar o ensinar-aprender a ler e escrever de um jeito mais humano.
Para Ferreiro (2000) a leitura e escrita são sistemas construídos paulatinamente e as
primeiras escritas feitas pelos educandos no início da aprendizagem, foram colocados nos
papeis por eles para representar algo, mesmo que com grandes esforços, e, devem ser
consideradas como produções de grande valor.
Paulo Freire acreditava que o sujeito deveria ser educado de dentro para fora e isto era
sinal da libertação do homem. A nova prática de aprendizagem da leitura dava ao sujeito
liberdade para ler e escrever, e para que a escrita fizesse mais sentido, deveria ter um caráter
crítico e socializador, deveria proporcionar uma análise do contexto político, social e
individual de cada um.
Ressaltava também que a escola deveria ter o compromisso de ensinar o educando a
“ler o mundo”, pois, somente sabendo a realidade do mundo e da cultura em que ele vive é
que se torna possível ir atrás de melhorias. Sendo assim, para obter transformações é preciso
que o educando esteja inserido na realidade em que se vive, só assim poderiam fazer a
educação como prática de liberdade.
Segundo Aranha (1996), as propostas de Paulo Freire visava superar a dicotomia entre
teoria e prática:
Ao longo das mais diversas experiências de Paulo Freire pelo mundo, o resultado
sempre foi gratificante e muitas vezes comovente. O homem iletrado chega humilde
e culpado, mas aos poucos descobre com orgulho que também é um “fazedor de
cultura” e, mais ainda, que a condição de inferioridade não se deve a uma
incompetência sua, mas resulta de lhe ter sido roubada a humanidade. O método
42
Paulo Freire pretende superar a dicotomia entre teoria e prática: no processo, quando
o homem descobre que sua prática supõe um saber, conclui que conhecer é interferir
na realidade, daqueles que até então detêm seu monopólio. Alfabetizar é, em última
instância, ensinar o uso da palavra. (ARANHA, 1996, p.209).
Freire acreditava em uma proposta de alfabetização de adultos conscientizadora, tendo
como princípio básico a leitura do mundo precedendo a leitura da palavra. Sua proposta
metodológica reflete a educação como uma ação cultural e de conscientização. É preciso
pensar o universo em que os educandos vivem, a cultura em que estão inseridos, o local de
trabalho, levantar dados juntamente com a comunidade a ser educada e construir a
alfabetização a partir do conhecimento de suas realidades para somente depois aprofundar
nessa formação e construir novos conhecimentos.
“o contato inicial e direto que estabelecemos com a comunidade é durante a pesquisa
do universo vocabular – etapa realizada no campo e que é a primeira do sistema
Paulo Freire de Educação de Adultos... Não é uma pesquisa de alto rigor científico,
não vamos testar nenhuma hipótese. Trata-se de uma pesquisa simples que tem
como objetivo imediato a obtenção dos vocábulos mais usados pela população a se
alfabetizar (FREIRE, apud BRANDÃO,1981, p.25).
O levantamento do universo vocabular dos grupos com quem se trabalharia era a
primeira fase para a execução da prática do método de Paulo Freire. Essa fase era um
importante momento de pesquisa, pois, favorecia o conhecimento do grupo, aproximando o
educador e educando numa relação mais informal, mais carregada de sentimentos e emoções.
Era muito importante para identificar a linguagem e os falares típicos do povo. As
informações adquiridas na pesquisa eram fundamentais, pois retratavam o cotidiano de cada
um e a cultura do lugar, e a partir desse conhecimento era possível saber que tipo de material
deveria ser usado para desenvolver o trabalho.
A partir da pesquisa e busca das palavras com os alfabetizandos, trabalhava a proposta
de busca de novas palavras, e a partir dai surgia o processo de conscientização e compreensão
do mundo. Devido à extensa relação de palavras obtidas na entrevista com os alfabetizandos,
poderia se conhecer as particularidades da linguagem usada naquela localidade e favorecia a
seleção das “palavras geradoras”, ou seja, as palavras que estão dentro do universo do
educando e que têm significados para ele, palavras que têm o costume de usar em suas vidas,
essas sim seriam as palavras que serviriam de base para serem trabalhadas facilitando assim, o
processo de aprendizagem.
O planejamento com base nas “palavras geradoras”, que não precisavam ser muitas
(de 16 a 23 era o bastante), era feito de maneira que pudessem ser desenvolvidas atividades de
alfabetização, em sílabas e, quando necessário, em vogais, e assim os educandos poderiam vir
43
a formar novas palavras. As dificuldades deveriam ser trabalhadas conforme o método fosse
sendo desenvolvido, e assim, no decorrer da aprendizagem, novas possibilidades dessas
“palavras geradoras” eram exploradas, ressaltando a possibilidade dessas palavras serem
vistas como situações existenciais típicas.
A escolha das palavras selecionadas do universo vocabular pesquisado, no conjunto,
as “palavras geradoras” deveriam atender a três critérios básicos de escolha:
a riqueza fonêmica da palavra geradora;
as dificuldades fonéticas da língua, numa seqüência gradativa dessas dificuldades;
o sentido pragmático dos exercícios, ou seja, a pluralidade de engajamento da palavra
em uma dada realidade social, cultural, política, etc..
O material deveria ser confeccionado utilizando slides e imagens de figuras das
“palavras geradoras” que seriam exploradas no momento. Deve-se trabalhar a primeira
“palavra geradora” apresentada na relação cultural. As imagens devem ser mostradas por
etapas, numa sequência, aonde os slides devem facilitar a aprendizagem, fazendo com que o
significado da palavra fosse entendido por todos. Depois deveria ser trabalhada somente a
palavra, e novamente em uma sequência essa palavra deveria ser trabalhada. Por exemplo:
primeiramente a palavra, em seguida, suas sílabas, depois a apresentação da “família” silábica
da palavra, e, por último, um slide com vogais. Desta forma, a palavra era bem trabalhada, o
que facilitava a aprendizagem dos alfabetizandos.
Portanto era fundamental criar situações existenciais típicas do grupo e desafiadoras,
codificadas e carregadas de elementos que seriam descodificados pelo grupo com a mediação
do educador. Essas situações locais ao serem discutidas abririam perspectivas para a análise
de problemas regionais e nacionais.
A elaboração de fichas-roteiro auxiliariam os coordenadores durante os debates. São
fichas que deveriam servir como subsídios, mas sem uma prescrição rígida a seguir.
Para favorecer o processo de leitura, deveria realizar um trabalho com fichas que
contém a “palavra geradora”, para que as sílabas pudessem ser identificadas, ajudando os
educandos a formar outras palavras com a “família” das sílabas. Assim, era preciso elaborar
fichas com a decomposição das famílias fonéticas das palavras correspondentes aos vocábulos
geradores. Esse material poderia ser confeccionado na forma de slides, fotograma ou cartazes.
Logo após todo esse processo de identificação e de conhecimento das palavras,
deveria dar início ao processo de escrita. Com certeza apareceriam muitas dificuldades, pois
eles não saberiam nem por onde começar.
Concordando com Ferreiro (2000):
44
A invenção da escrita foi um processo histórico de construção de um sistema de
representação, não um processo de codificação. Uma vez construído poder-se ia
pensar que o sistema de representação é aprendido pelos novos usuários, como um
sistema de codificação. Entretanto, não é assim, no caso dos dois sistemas
envolvidos no início da escolarização (o sistema de representação dos números e o
sistema de representação da linguagem) as dificuldades que as crianças enfrentam
são dificuldades conceituais semelhantes às da construção do sistema e por isso
pode-se dizer em ambos os casos que as crianças reinventam esses sistemas. Bem
entendido: não se trata de que as crianças reinventem as letras nem os números, mas
que, para poderem se servir desses elementos como elementos de um sistema, deve
compreender seu processo de construção e suas regras de produção, o que coloca o
problema epistemológico fundamental: Qual é a natureza da relação entre o real e a
sua representação? (FERREIRO, 2000, p.12)
Na medida em que vai se desenvolvendo o aprendizado, vai formando um “circuito de
cultura” entre educadores e educandos, o que favorece a colocação de temas geradores para a
discussão através do diálogo.
Este método orientado pelo educador dentro do “círculo de cultura” objetiva a
participação de todos em um diálogo sobre suas vivências culturais. Essa prática de estudo no
círculo, mais que ensinar a ler e escrever, muito mais irá produzir modos próprios de
coletividade, solidariedade e trabalho em equipe, além de favorecer o pensar sobre uma
educação para todos.
Paulo Freire relatava que o educador tem que ser um coordenador de debates, ou seja,
um educador do diálogo e não um educador só de aulas expositivas.
Em sua obra, Freire (1983), aponta matrizes necessárias para conquistar ou chegar à
práxis através do diálogo como:
amor ao mundo e aos homens como um ato de criação e recriação;
A humildade, qualidade compatível com o diálogo;
A fé que deve ser instaurada antes mesmo que o diálogo aconteça, pois o homem
precisa ter fé no próprio homem, pois deve crer no poder de criar e recriar, fazer e
refazer, através da ação e reflexão;
A esperança, que se caracteriza pela espera de algo que se luta;
A confiança, como consequência daquilo que se acredita enquanto se luta;
A criticidade, que percebe a realidade como conflituosa, e inserida num contexto
histórico e dinâmico.
Assim, Freire enfatiza o ato pedagógico, como uma ação que consiste em criar um
conhecimento do mundo através do diálogo, ao invés de apenas comunicar o mundo, ou seja,
45
através do diálogo o homem se comunica com a realidade e começa a perceber qual deve ser a
sua práxis na realidade opressora para transformá-la.
Para a efetivação do conhecimento do mundo mediado pelo diálogo é fundamental que
o educador viabilize uma discussão sobre a “palavra geradora” de maneira que promova uma
reflexão crítica, com questionamentos e a análises interessantes, despertando no grupo o
conhecimento sobre o tema discutido, para que assim ocorra a construção de novos
conhecimentos.
Dessa forma, os educandos vão se conscientizando dos problemas que o cercam,
compreendendo o mundo e tomando conhecimento da realidade social, o que evidencia então,
que a alfabetização é o início do programa de educação.
Nesses termos, na área de educação, Paulo Freire não criou apenas um método de
alfabetização e sim inaugurou uma concepção revolucionária no processo educacional do
Brasil. Tal metodologia, para alguns educadores, é considerada como a teoria do
conhecimento de ensinar.
Atualmente, os debates mundiais sobre as maneiras adequadas para desenvolver um
bom trabalho de inclusão social dos educandos da Educação de Jovens e Adultos, ressaltam
que nessa modalidade de ensino o que se espera é que os educandos se alfabetizem,
possibilitando a todos o acesso à cultura, não só escrita, mas também através das informações
às quais foram privados, além de prepará-los para o mercado de trabalho.
Essa perspectiva mostra que o papel do educador frente às questões sobre
alfabetização de jovens e adultos, consiste, principalmente, na utilização de metodologias
adequadas, articuladas aos fatores socioeconômicos e culturais dos educandos, contribuindo
assim, para que as mesmas tenham um sentido mais amplo no decorrer da escolarização, de
forma a possibilitar ao educando a abstração dos conhecimentos e transformá-los em ação.
Portanto há uma necessidade de se capacitar os professores que trabalham na EJA para
que tenham uma visão diferente, já que os educandos dessa modalidade de ensino possuem
especificidades diferentes dos educandos do ensino fundamental e médio, pois, mesmo a
escolaridade se referir a essas mesmas etapas, os jovens e adultos por estarem em outros
estágios de vida, têm experiências, expectativas, condições sociais e psicológicas que os
distanciam do mundo infantil e adolescente.
A formação continuada desses educadores passa a ser fator relevante na definição
política dos programas, pois, é indispensável o papel que exercem no desenvolvimento de
práticas pedagógicas que envolvem os processos de aprender a ler e a escrever,
principalmente a ler o mundo.
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CONCLUSÃO
O trabalho desenvolvido aqui trouxe importantes reflexões e aprendizagem sobre a
vida e obras do educador brasileiro Paulo Freire suas pesquisas sobre a Educação de Jovens e
Adultos e suas propostas para essa modalidade de ensino. Demonstra também que o ensino da
EJA além de ser politicamente correto, é imprescindível para o reconhecimento de um dos
papeis da educação, que é o de estimular o acesso e a permanência do trabalhador na escola,
mediante ações integradas e complementares, favorecendo a ele o prosseguimento aos estudos
de caráter regular.
Durante muitos anos a Educação de Jovens e Adultos vem sendo reestruturada se
dividindo em várias correntes e tendências que se verificam até hoje. De acordo com a
cronologia até a 2ª Guerra Mundial, a Educação de Adultos no Brasil era uma educação para o
povo e após a 2ª Guerra Mundial a Educação de Adultos passou a ser concebida sobre vários
enfoques, sempre pensando na erradicação do analfabetismo, sendo que o período de 1964 e
1985, o Estado introduziu a utilização de tecnologias como meio de solução para os
problemas da Educação.
Somente com a LDB Nº 9394/96 que a Educação de Jovens e Adultos passou a ser
classificada como parte integrante da Educação Básica, ou seja, passa a ser uma modalidade
de educação básica nas etapas de Ensino Fundamental e Médio, com o propósito de além de
alfabetizar os jovens e adultos, é preciso proporcionar a eles uma educação que favoreça o
desenvolvimento de sua criticidade e a inserção na sociedade.
As propostas e as capacidades a serem desenvolvidas nessa nova modalidade de
ensino pressupõe uma prática educativa que vise a formação do sujeito enquanto um cidadão
autônomo e participativo. Essa prática estabelece que os educandos sejam sujeitos ativos de
seu processo de aprendizagem e que construam significados para o que aprendem, através do
diálogo e das múltiplas interações com os objetos de conhecimento, tendo como mediador
desse processo o educador.
Pensar em um ambiente educacional em que se estabelece o diálogo é bastante
importante e necessita de uma constante aprendizagem para o saber ouvir e para o saber falar
com o outro. O educador deve procurar melhorar e aprofundar os seus conhecimentos teóricos
e desenvolver a prática de refletir sobre o trabalho desenvolvido no dia a dia, com o propósito
de mudar a visão que possui e procurar sempre novos métodos e teorias para que possa
verdadeiramente desenvolver junto aos educandos uma educação de qualidade.
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Para ir além do aspecto mecânico de uma aprendizagem sistematizada e revestí-la de
significado para o educando, é necessário que o educador se empenhe a ensinar o sujeito a
aprender, a construir conhecimentos a partir de informações presentes em seu cotidiano.
Nesse processo, encontra-se o diálogo como recurso que favorece aos encontros a
troca de saberes que se transforma em Círculos de Cultura proposto por Freire e a educação
passa a ser um processo de formação mútua e permanente em que os educandos e os
educadores são transformados em sujeitos críticos.
É importante proporcionar ao educando um ambiente que desafie o desenvolvimento e
a aprendizagem de novas habilidades, valorizando os conhecimentos adquiridos por eles no
dia a dia como perspectiva de formação crítica do cidadão, rejeitando assim, toda prática que
reforce as limitações dos educandos.
Segundo Freire (1987) a transmissão de conteúdos estruturados fora do contexto social
do educando é considerada "invasão cultural" ou "depósito de informações" porque não
emerge do saber popular. Assim, antes de desenvolver qualquer prática é preciso conhecer o
educando enquanto indivíduo inserido num contexto social. A partir daí, deverá sair o
"conteúdo" a ser trabalhado. Assim, não se deve ter uma prática metodológica estruturada em
programas previamente estruturados, como também não se deve priorizar os exercícios
mecânicos para verificação da aprendizagem, pois, são formas essas próprias da "educação
bancária", onde o saber do educador é depositado no educando, práticas essas condideradas
domesticadoras.
A proposta metodológica de Paulo Freire tem como fio condutor a alfabetização
visando à libertação. Essa libertação não acontece somente no campo cognitivo, mas,
essencialmente nos campos social e político. Aprender sugere um ato de conhecimento da
realidade concreta, ou seja, da situação real vivida pelo educando e só é significativa quando
faz sentido para o sujeito, isto é, se resultar de uma aproximação crítica com a realidade.
Essa relação pedagógica necessita ser uma relação dialógica, onde o impacto que o
diálogo igualitário causa na vida das pessoas desperta em cada um a curiosidade e a vontade
de buscar novos conhecimentos. Isto está evidente na teoria de Freire, quando relata que o
diálogo acontece sem a imposição pelo conteúdo programático, ou seja, não é considerado
como um conjunto de informações a ser depositado nos educandos, mas a devolução
organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de
forma desestruturada. (FREIRE, 2003, p. 84).
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Assim, a educação não acontece de um para o outro nem de um sobre o outro, mas de
um com o outro, ou seja, entre todas as pessoas envolvidas, mas é preciso que cada um
encontre seus próprios motivos para continuar lutando na vida.
Nesse sentido, para enriquecer o ensino, o educador precisa dinamizar assuntos
relacionados a esse fim e ter a certeza de que todos são capazes de aprender com as
contribuições de cada um como proposto nas obras de Paulo Freire.
Uma das grandes metodologias sugeridas nas obras de Paulo Freire é voltada para um
trabalho que se desenvolva em temas geradores extraídos do cotidiano dos educandos da EJA,
o que favorece uma educação democrática e libertadora. Essa concepção de alfabetização
considera o educando como sendo o sujeito do seu próprio processo de aprendizagem.
O que existe de mais atual e inovador na metodologia proposta por Paulo Freire é que
o alfabetizando é sempre desafiado a refletir sobre seu papel na sociedade, enquanto aprende a
escrever a palavra é desafiado a repensar o contexto da mesma enquanto aprende a
decodificar o valor sonoro de cada sílaba que compõe a palavra.
Para que as habilidades sejam alcançadas, é necessário o empenho e envolvimento de
todos, englobando a formação e trabalho do educador e hábitos de estudo e interesse dos
educandos.
É preciso fomentar novas metodologias e dinamizar estratégias de ação que promovam
a melhoria da qualidade de vida e favorecem o desenvolvimento da consciência cidadã dos
educandos da educação de jovens e adultos, para que se tornem agentes de transformação de
uma sociedade capitalista e injusta em uma sociedade mais humana e socialmente justa.
Em sua obra Educação como Prática da Liberdade, Freire detalhou mais sobre o
processo de alfabetização que visava a libertação dos oprimidos e dos opressores, ressaltando
que durante muito tempo no Brasil o método de educação utilizado se opunha ao da liberdade
das pessoas, relatado na obra como um método bancário da educação que alfabetizava e
alienava as pessoas de forma que não pudessem compreender a realidade em que estavam
inseridas e não eram capazes de raciocinar sobre o seu mundo. Diante desta concepção
tradicional da educação, Freire propôs uma educação libertadora, problematizadora,
necessária para a superação da contradição educador-educando, pautada no diálogo e no
reconhecimento de que todas as pessoas têm conhecimentos e que são capazes de aprender
juntas, ouvindo um ao outro de forma respeitosa. Freire se preocupava com uma educação na
qual os oprimidos desenvolvessem sua consciência crítica e que passassem a ser
transformadores de si próprios e do mundo em que estão inseridos.
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Assim, é fundamental que haja capacitação dos educadores que trabalham nessa
modalidade de ensino, pois, a formação adequada desse profissional propiciará que o processo
ensino aprendizagem dos educandos da EJA, que têm diversidades específicas, apesar da
escolaridade se referir às essas mesmas etapas dos jovens e adultos da escolarização do ensino
fundamental e médio, possuem outros interesses, têm outras expectativas e apresentam
condições sociais, culturais e psicológicas diferentes para fundamentar esse processo.
A LDB assegura um ensino gratuito e proporciona oportunidades educacionais
apropriadas, considerando as características do alunado da EJA, seus interesses, condições de
vida e de trabalho.
O método proposto por Paulo Freire continua vivo e em evolução entre aqueles que
trabalham com as suas ideias, mas, é preciso reafirmar que é necessária uma constante
recriação em toda e qualquer prática educativa, inclusive no método pesquisado.
A escola não pode fazer tudo, mas pode resolver muitas questões que estão ao seu
alcance, principalmente, quando se trata de educandos que muitas vezes são marginalizados e
excluídos pela sociedade, que trazem para escola as marcas das dificuldades de toda ordem,
que precisam do conhecimento e do apoio que a escola pode lhes oferecer e assim conquistar
uma melhor condição de trabalho e consequentemente, uma mudança de vida.
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