Expedicao Rio do Coco (07-2006)
Alvaro R. De Pierro
O rio do Coco nasce perto de Paraıso de Tocantins e corre quase
paralelo ao Javaes, o braco direito do Araguaia quando forma a Ilha do Ba-
nanal. No ultimo trecho, antes de encontrar o Araguaia, entra numa regiao
ainda preservada, onde esta o Parque Estadual do Cantao. Eramos o numero
mınimo para uma expedicao: dois. Linilson, Professor da Escola Politecnica da
USP e eu, Matematico (muito) aplicado da Unicamp. Saimos no 15 de julho e
enfrentamos a Br 153 com toda aquela buracada. Chegamos a Ceres, a 1050kms
de Campinas e descobrimos uma cidade grande e bonita que nao imaginavamos
depois de cruzar o rio das Almas. Era a fronteira norte de Goias faz uns 30 anos.
Pernoitamos num hotel tres estrelas (!!!), algo pouco comum nestas viagens.
F1: A praca de Ceres
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F2: Cartaz de bemvinda
Chegamos a Paraıso de Tocantins as duas horas da tarde do dia seguinte.
F3: Entrando no Paraıso .... de Tocantins
Paramos num posto de gasolina e o frentista, Abreu, muito simpatico, se
ofereceu para cuidar o carro na casa dele durante a remada. Fomos entao direto
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a tentar encontrar o ponto de entrada no rio, que tinhamos marcado na carta
de Pium. Nao conseguimos encontrar a entrada do mapa e entramos numa na
direcao da Fazenda Ouro Verde. Depois de muitas voltas tentando encontrar o
rio, entramos na Ouro Verde, e, o fazendeiro, Pedro Teixeira, muito simpatico,
nos convidou a tomar um cafe, convite que declinamos, e nos indicou o caminho
a fazenda da beira do rio, a do Jalis. No caminho do Jalis, Linilson, que talvez
ia algo rapido para esse tipo de caminho, pegou um mataburro emfrente de
uma casa e os kayaks voaram, o meu Neko trincou em dois pontos e o teto da
Mitsubishi afundou. Depois do susto e de reacomodar os barcos, continuamos
ate a fazenda do Jalis.
F4: Esperando o Jalis
So tinha umas criancas, e ficamos esperando o Jalis que chegou mais tarde
com o gado. Barrigao, o Jalis nao teve problema em dar a permissao para
chegar na beira do rio a uns 1000ms. Jalis me deixou a ideia de que barriga
pode ser ate uma vantagem para cavalgar. Deixamos os kayaks e o equipamento
e voltamos a Paraıso. Passamos a noite no hotel Tangara, cujo propietario,
segundo Abreu, e algo bandidao. Fomos na casa do Abreu e foi uma surpresa
ver como era grande e bonita, com palmeiras na calcada. Abreu e mineiro e
chegou em Paraıso (quando ainda nao era de Tocantins), vindo de Goias faz uns
30 anos.
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F5:O Abreu na casa
Primeiro dia
No dia seguinte, deixamos a Mitsubishi na casa do Abreu e saimos para o
ponto de entrada no taxi do Anestor (nao esta errado, o nome era Anestor, nao
Nestor!!!). Uns 35 kms da estrada para Caseara, pasando por Monte Santo,
antigo povoado do garimpo, depois, um ‘currutelo’ (aprendi o que e: um grupo
de casas), e depois entrando a esquerda, uns 25 kms ate a beira do rio. O ponto
de entrada estava um pouco depois do que eu tinha marcado na carta, depois
de uma suposta cachoeira (cruce da curva de nıvel pelo rio) que nunca vimos.
Consertamos meu kayak com Durepox (elemento essencial nas expedicoes com
kayaks de fibra) e partimos.
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F6: A dupla no ponto de entrada
O rio no ponto de entrada nao tinha mais do que 15 metros de largo. Tin-
hamos bons motivos para estar alerta e aquele primeiro dia foi fogo. O rio
continuava estreito e cheio de curvas. Foram tantas curvas nesses dois primeiros
dias, que errei o numero de kms do percurso calculados na carta topogrfica em
mais de 50 %. Fechava permanentemente: troncos e galhadas cruzando o rio.
Passamos por cima dos troncos com os kayaks em alguns pontos, os kayaks por
baixo e nos por cima em outros, fizemos portagens abrindo o caminho a facao,
pela esquerda, por cima, pelo meio, .... Foi um terror, e aquele primeiro dia
ficamos exaustos.
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F7: Equilıbrio para continuar
Eu, com meu Neko estreito inventado para os mares abertos, virei duas vezes.
Conseguimos avancar apenas 14 kms e nem deu para chegar no 3o ponto da
minha rota, que eu tinha marcado cada 10 kms (entramos entre o 0 e o 1). Vimos
ariranhas, alguns jacares pequenos, e varios lagartos grandes. Acampamos as
4.30pm, num local ruim com um barranco lamacento, com arvores, e dava para
ouvir gente e gado a distancia. Para compensar nao tinha quase pernilongos e
nem teve sereno.
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F8: Depois de outra galhada
Segundo dia
Levantamos cedo. Linilson observou, corretamente, que eu tinha deixado a
garrafa de tinto e mais um pouco de lixo (falta de saco). Fiz um ‘mea culpa’ e
carreguei tudo.
F9: Saıda com esperanca do barranco lamacento
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Parecia que no segundo dia ia melhorar e o rio ia abrir, mas nao foi assim.
Na metade da manha ouvi aquele barulho que nao conseguia acreditar, e nao
estava nos meus planos: o som maravilhoso da agua nas corredeiras.
F10: O comeco da corredeirinhas
Primeiro apareceu uma pequenıssima queda (50cms?), mas nao dava para
passar porque a agua deslizava sobre a pedra muito rasa e puxamos os barcos por
cima. Passamos pela margem esquerda, onde tinha um casal (um nissei) e mais
um cara pescando. O cara nos ajudou na pequena portagem. Depois seguiu uma
sequencia de mais ou menos um km de corredeiras leves onde tivemos apenas
uma portagem pela agua. Minha teoria sobre as corredeiras produto apenas de
desnıvel acentuado foi por agua abaixo; nos quase 300 kms que marquei de rio,
nao tinha mais do que 20 metros de desnıvel. Agora devo acrescentar o leito do
rio mais duro e com rocha, portanto, nao da para deduzir da carta topografica
apenas se tem ou nao tem corredeiras. E necessaria a carta geologica. Depois
das corredeiras o rio fechou de novo e foi bastante catastrofico. Novamente
arvores caıdas cruzando de uma margem a outra e fechando completamente a
passagem: um esforco enorme.
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F11: Fechou outra vez
Virei novamente num ponto de rio profundo. Vimos uma serpente grande (uns
3ms) de cor escura numa pequena prainha; quando tentei me aproximar para
uma foto, sumiu rapidamente. Ariranhas, mais jacares, lagartos. A noite dava
para ver alguns olhos de jacare brilhando na agua. Remamos 29 kms.
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F12: Na minha barraquinha
Terceiro dia
Para o otimismo o comeco foi pessimo. Pouco depois de sair as 7.30, 500 ms
e o rio ja estava fechado completamente; uma galhada enorme. Passamos pelo
meio no facao, submergidos na agua. Tinha uma piranha enorme morta entre
os galhos.
F13: No facao
E depois vieram outros pontos fechados. Tivemos sorte de nao pisar nen-
huma arraia, que dava para ver de vez em quando. Num ponto o rio ficou
mais estreito e com mais curvas ainda e a remada se transformou numa descida
de slalom. Depois alargou, mas continuavamos encontrando arvores enormes
caıdas sobre o rio, mas o facao nao foi mais necessario; em geral conseguiamos
passar por baixo. Num ponto Linilson arriscou e acelerou para passar por cima;
ouvi o ‘crack’ da fibra, mas deu sorte e nao quebrou; eu preferi nao arriscar e
arrastei o barco por fora. Finalmente o rio alargou de vez e corria rapido entre
arvores e arbustos. Os jacares aumentaram de tamanho. Vi um enorme acu
(3ms?) mergulhando com um salto na agua a uns 20 metros na minha direita;
depois um outro menor correndo para o mergulho desde uma prainha a minha
esquerda. Mais ariranhas e as malditas jacutingas, que e o que mais da para ver
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nesses rios. No final do dia, quando procuravamos um local para acampar, ja
tinhamos localizado uma boa praia, mas passou uma voadeira com pescadores
que nos convidaram para acampar e jantar com eles. Estavam na ponte em
construcao sobre o rio, do caminho que vai para Pium. O lıder do grupo, Jose
Manuel, mora em Palmas e trabalha com ar condicionado. Os outros eram
visitantes de Goias. Jantamos com eles e tomamos muita pinga e cerveja para
compensar. Foi muito bom. O Ze resultou ser amigo do Jesolino, que era dire-
tor do Parque do Araguaia quando a nossa descida do Javaes em julho do 2003.
Nesse dia remamos 46 kms.
F14: Onde deveriamos ter comecado
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F15: A turma de Ze Manuel
Quarto dia
Deixamos a turma do Ze Manuel as 7 am e passamos embaixo da ponte para
comecar o 4o dia de remada.
F16: O rio de manha no quarto dia
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Ze afirmava que deveria ter um jacare amigao de 5 metros 4kms rio abaixo,
mas nao foi nesse dia, porque nao vimos sequer um de 10 cms. O dia foi
de paisagem variada. Retas interminaveis de rio largo e lentissimo, e trechos
muito bonitos com agua rapida e cheios de curvas e muitos troncos atravessados.
Tivemos que arrastar os barcos um par de vezes, mas nada assustador como no
comeco. Remamos ate as 4 pm com duas paradas cortas e uma mais longa
para almocar. Passamos varios acampamentos com bastante gente. Quando
pensamos em parar para acampar tinha umas boas praias, mas cheias de un
tipo de vespas que fazem ninhos em buracos de areia, e pensando no ferrao
continuamos. Finalmente chegamos numa que tinha um cara pescando, que nos
disse que as tais vespas eram inofensivas e ficamos ali mesmo. O pescador es-
tava com um bote e tinha aspecto de peao, mas disse que tinha uma fazendinha
perto; disse que estava cheio dos Sem Terra, e falou que tinhamos passado perto
de um assentamento do INCRA com 260 famılias, onde ate dava para ver um
caminhao perto da praia, e tinha outro com 40 famılias uns 4kms rio abaixo.
Jantamos grao de bico com Linilson e conversamos sobre constelacoes, um ceu
superestrelado sem lua. Linilson foi dormir a uns 50ms (para nao ouvir meu
concerto) e eu fiquei esperando esfriar para entrar na barraca. Comecei a ouvir
um ronco de onca do outro lado do rio, que nao tinha mais do 15ms de largo
nesse ponto; de longe deu para sentir o gado nervouso. Como eu tambem fiquei
um pouco nervouso (ja tinha ouvido o mesmo som no zoologico e nao tinha
duvidas sobre o tipo de garganta que o produzia), fui pegar o espeto que tinha
no meu barco e fiquei desfrutando da noite. Continuei ouvindo o rosnar do
bicho desde dentro da barraca pelo menos ate meia noite; depois dormi como
um anjo. Muito sereno e amanhecemos completamente molhados. Naquele dia
tinhamos remado 49 kms.
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F17: A onca estava emfrente
Quinto dia
Infernal. Remamos com um calor matador, o rio mais ou menos igual, e com
poucas novidades, apenas um par de botos, uma aguia.
F18: A aguia no galho do fundo
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Muitos acampamentos de pobres nas melhores praias e em pequenas ilhas.
Num momento, passei por baixo de uma arvore e um lagarto enorme mergulhou
apavorado e caiu como uma bomba a um metro do meu barco; pensei que estava
em Beirute. Acampamos 200ms rio abaixo de um dos acampamentos depois de
remar 41 kms. O local tinha um pequeno braco do rio com agua clara. Paramos
mais cedo para secar o equipamento, especialmente minha filmadora que fazia
3 dias que nao funcionava por causa dos mergulhos. Poucos pernilongos por
sorte, ja que nao dava para escrever dentro da barraca que estava um inferno de
calor. Quando entrei, muitos bichos entraram comigo. Voltei a sair para tomar
um pouco de ar.
Novamente o sereno foi demais.
Sexto dia
Levantei descansado e preparado para o sol infernal. Remamos 4 horas sem
parar desde as 8 da manha. Paramos 10 minutos e remamos mais duas horas
com aquele calor.
F19: Linilson na praia
Retas superlongas, insuportaveis, com correnteza quase nula. Continuamos
encontrando acampamentos e gente pescando. Na margem direita dava para
ouvir a motoserra do desmatamento. Em alguns pontos tinha sumido ate a
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mata ciliar. O mais espetacular eram as borboletas voando e se acumulando
nas praias: amarelas por cima e verdes por baixo. Voando pareciam amarelas e
quando falei para Linilson que achava que tinha algumas verdes, me perguntou
(com aquela simpatia) se era Daltonico, mas pouco demoramos em perceber que
eram verdes por baixo, o que viamos quando estavam no chao.
F20: As borboletas amarelas ....
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F21: Que eram tambem verdes.
Pouca fauna, salvo as aves. Paramos as 2.30pm sobre a margem esquerda,
ja em frente ao Cantao. Desci o rio caminhando e pesquei um bom tucunare,
de um kg talvez, que foi fritado no jantar acompanhado de vinho branco e bom
papo.
F22: O matador de tucunares
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F23: Minha casinha Manaslu
Foram 39kms de remada. A noite dava para ouvir um bicho grande fazendo
barulho na agua, talvez brincando (anta?). O sereno novamente insuportavel.
Setimo dia
Levantada e saıda as 7:30 da manha. Ainda continuamos encontrando gente e
acampamentos sobre a margem direita. Muito calor e sem nuvens. Encontramos
a entrada do Furo de Cicino (canal dentro do Cantao) aoredor das 11 hs e
subimos alguns kms. A correnteza contra nao estava muito forte, mas eu andava
muito devagar, talvez uns 3 kms/hora, o que daria mais de 8 horas para os 25
kms calculados para chegar no Araguaia. Decidimos entao voltar e seguir pelo
outro Furo, com a correnteza a favor. Remada infernal e paramos as 3 da tarde.
Talvez o melhor lugar para acampar de toda a expedicao. Lindıssimo. Uma
praia enorme, sombra, tinha muitas pegadas, de veado, de jaguatirica. Fui
pescar no ponto extremo da praia, rio abaixo e era um mar de peixes, pulando
fora da agua, alguns tucunares de bom tamanho. Pesquei 7 em pouco tempo,
fiquei com um; tambem pesquei um aruana e outro que nao sei o que era.
Muitas piranhas entre eles. Apesar que me acostumei a ser cuidadoso com as
piranhas, quando estava tirando o anzol de uma delas, escorregou e me fez um
corte fundo no dedo ındice da mao direita. Nada demais. Comimos feijoada
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com tucunare e aruana; uma estranha combinacao. Aprendi que o aruana tem
um gosto horrıvel, pelo menos aquele. O sereno outra vez foi insuportavel.
F24: A reta infinita
Oitavo dia
Levantada e saıda as 7.30. Em pouco tempo saimos do Furo de Cicino. O calor,
para variar, infernal. Praias enormes, interminaveis, tres dias sem aparecer um
jacare. Alguma arraia e alguns botos. Linilson, desapareceu no horizonte. O rio
e agora largo e com uma sequencia de retas insuportaveis com o calor intenso.
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F25: O kayakista portenho (eu)
Remando sem parar, fico desprevindo e bato num bicho grande que quase
me faz perder a estabilidade. So podia ser um boto, porque jacare nao tinha
e para peixe era grande demais. Depois de um tempo encontrei o Li tomando
cerveja num bar montado numa praia. Bebimos uma cerveja e continuamos.
F26: O bar na agua
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Apareceram algumas duvidas sobre os bracos do rio para seguir, mas as
12.30 chegamos ao porto de Caseara, que fica a uns 4 kms da cidade. O porto,
bastante movimentado, de onde saem as balsas que cruzam o Araguaia para o
Para.
F27: O porto de Caseara
F28: Caroline
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F29: A dupla na chegada
Linilson ligou para o Anestor desde um orelhao e ficamos esperando num
dos dois restaurantes. Anestor se tomou seu tempinho e somente chegou as 4
da tarde junto com Abreu.
F30: Linilson aguardando no Por de Sol
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Linilson, nervouso, decidiu ir para Caseara a telefonar, porque o orelhao
nao estava funcionando mais, mas o Anestor chegou finalmente e saimos para
Paraıso. Como era um pouco tarde, decidimos ficar no mesmo hotel Tangara e
jantamos petiscos com o Abreu no Raızes da Terra, ponto tradicional de Paraıso.
O Abreu lembrou das epocas anteriores ao desmatamento desenfreado quando
no perıodo da chuva, a agua chegava mais uniforme que nos dias de hoje, quando
cai muito mais concentrada em poucos dias e com espacos de tempo maiores.
O sinal dos tempos.
A volta tambem teve algumas emocoes. A L200, com Linilson no volante,
voava a 140-50 pela Rodovia Coluna Prestes passando pela Chapada dos Vead-
eiros. Antes da Chapada, ainda em Tocantins, a estrada cruza alguns rios muito
bonitos de agua clara com boas corredeiras, o Palmas e o Parana; deu para pen-
sar no futuro.
F31: O rio Parana
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F32: A chapada
Na entradada da Chapada (Alto Paraıso de Goias), um espetaculo interes-
sante; um cara com sotaque chileno com uma canoa canadense da Brudden no
teto do carro, completamente deformada (apenas pelo sol?). Depois veio a trav-
essia de Brasılia, testando os nervos do Linilson (e os meus), que parecia com
vontade de continuar a 140. E finalmente, no dia seguinte, entramos na civi-
lizacao paulista, onde a floresta foi destruida ja faz muitos anos: as autopistas,
a cana, o suco de laranja..............
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