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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE RIO BRANCO DO SUL/PR
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por seu
Promotor de Justiça que esta subscreve, no uso de suas atribuições legais e
constitucionais, com fulcro no artigo 129, inciso III, da Constituição Federal, art. 25,
inciso IV, letras "a" e "b", da Lei n. 8.625/93, e artigos 1º e 5º, da Lei n. 7.347/85 e
lastreado no Procedimento Preparatório n. MPPR-0123.13.000203-3,
respeitosamente, vem propor
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA em face do
MUNICÍPIO DE RIO BRANCO DO SUL, pessoa jurídica de
direito público interno, representado por seu Prefeito, Excelentíssimo Senhor Cezar
Gibran Johnsson, podendo ser citado na Rua Horacy Santos, 222, Centro, Rio
Branco do Sul -Pr.
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1. BREVE SÍNTESE DOS FATOS
Na data de 06/05/2010 a Presidente do Conselho Municipal de
Saúde de Rio Branco do Sul protocolizou, perante a 1ª Promotoria desta Comarca,
por meio do Ofício n. 012/2013, pedido de providências com relação ao Edital de
Concorrência Pública n. 01/2013, para contratação, através de licitação na
modalidade de concorrência por menor preço, de empresa prestadora de serviços
médicos pelo prazo de 01 (um) ano a qual, segundo especificação do edital, teria a
responsabilidade de gerir todo o sistema de saúde do Município, suprindo a
necessidade de médicos no Hospital Municipal de no Programa Saúde da Família.
Tal concorrência estava prevista, no edital, para às 08h30 do
dia 29 de julho de 2103, na sala da Prefeitura Municipal de Rio Branco do Sul e
envolve um contrato de R$ 6.136.946,71 (seis milhões cento e trinta e seis mil
novecentos e quarenta e seis reais), sendo que, por doze meses, médicos
contratados por uma empresa privada prestarão todo o serviço público de saúde do
Município, o que constitui uma irregularidade evidente, uma burla descarada à regra
constitucional que impõe a realização de concurso público para preenchimento dos
cargos públicos.
O Edital de Licitação não teve a publicidade devida e todo o
procedimento foi feito às pressas, já que esta situação chegou ao conhecimento do
Ministério Público apenas três dias antes da data marcada para a licitação. Além
disso, as cláusulas do edital são mal formuladas e permitem que uma série de
irregularidades sejam praticada, de modo que se mostra imperiosa a suspensão do
procedimento e, ao final, a procedência da presente ação civil pública para o fim de
declarar nulo o procedimento licitatório em exame.
Há que se mencionar, ainda, neste caso, outro fator importante
que revela a flagrante ilegalidade deste procedimento licitatório: o próprio Prefeito
Municipal de Rio Branco do Sul firmou um Termo de Ajustamento de Conduta com o
Ministério Público comprometendo-se a realizar concurso público para contratação
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de servidores, pondo fim a um permanente estado de inconstitucionalidade que
assola o Município, já que são inúmeras as contratações por vias transversas, que
criam um ralo para o dinheiro público.
Agora, ainda antes de dar efetivo cumprimento ao Termo de
Ajustamento de Conduta, inicia um procedimento licitatório para terceirizar toda
assistência médica do Município, num contrato de mais de R$ 6 milhões de reais,
que consistirá, em termos claros, na contratação informal, sob o caro regime de
plantão, de vários médicos particulares para atender no Hospital Municipal e no
Programa Saúde da Família, por meio de empresa interposta.
Assim, considerando:
(1) a inconstitucionalidade da delegação, no sentido vulgar da
palavra, da prestação do serviço público de saúde para médicos contratados por
empresa privada sem concurso público;
(2) a impossibilidade do Estado abrir mão de seu dever
constitucional de prestar o serviço público de saúde, transferindo-o integralmente
para particulares, já que a Constituição Federal determina exatamente o contrário,
sendo o particular quem atuará de forma complementar;
(3) as irregularidades do Edital de Licitação;
(4) a estranha celeridade com que o processo tramitou, sendo
impossível encontrar tal Edital na página inicial do sítio da Prefeitura e em qualquer
outro veículo oficial de comunicação; e
(5) e o alto valor envolvido, que certamente vulnerará o cofre
público, o Ministério Público, na defesa irrestrita do patrimônio público, vem a Juízo,
pleitear, em caráter liminar, a suspensão imediata do procedimento licitatório ou dos
efeitos dos atos por ventura até aqui praticados, e, ao final, a anulação do Edital n.
01/2013 e de todo o processo administrativo desencadeado.
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2. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
A Magna Carta em vigor, ampliando o campo de atuação
do Ministério Público, atribuiu-lhe a incumbência da defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 127).
Também previu como função institucional do Ministério Público promover o inquérito
civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio
ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Assim o fez em seu art. 129,
inciso III.
A Lei n. 7.347/85 regulamentou a ação civil pública, e
conferiu ao Ministério Público legitimidade para o ajuizamento de ação civil (art. 5º, I)
cuja aplicação do referido Diploma Legal ocorre em conjugação com a legislação
processual civil, notadamente com o Código de Processo Civil.
Diante do contexto constitucional e infraconstitucional, extrai-se
que o Parquet, pode e deve promover todas as medidas necessárias –
administrativas e/ou jurídicas – para a defesa do patrimônio público.
Assentada a legitimidade do Ministério Público para o
desencadeamento da ação civil pública no caso em tela, imperativo é o exercício de
tal mister pela 1ª Promotoria de Justiça de Rio Branco do Sul, a qual dentre outras
funções, também exerce a de velar pelo patrimônio público, neste instante violado
em virtude dos atos em discussão.
3. DO DIREITO
A presente ação civil pública se assenta em três fundamentos
jurídicos: (1) violação da regra constitucional do concurso público; (2) violação da estrutura do Sistema Único de Saúde que exige protagonismo do setor público e complementariedade pelo setor privado; e (3) irregularidade do Edital
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de Concorrência Pública n. 01/2013, que torna nulo o procedimento licitatório por ele desencadeado, por não atender às exigências da Lei n. 8666/93.
3.1. Da violação à regra constitucional do concurso
público pela contratação de médicos particulares por empresa interposta
Servidor público ou agente público é toda pessoa física
que desempenha uma função vinculada a alguma atividade do Poder Público.
A Constituição da República de 05 de outubro de 1988
estabelece no artigo 37, II, de maneira cristalina e precisa, a exigência de
concurso para o ingresso no serviço público, nos seguintes termos:
“II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou provas e títulos, ressalvadas as
nomeações para cargo em comissão, declarado em lei de livre nomeação e
exoneração. (grifado).”
No mesmo artigo, em seu inciso V, a Carta Magna
prescreve:
“V- os cargos em comissão e as funções de confiança serão exercidos,
preferencialmente, por servidores ocupantes de cargos de carreira técnica
ou profissional, nos casos e condições previstas em lei. (grifado)”.
Já o inciso IX, do mesmo dispositivo constitucional,
reza: “IX- a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para
atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. (sem
grifos no original).”
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Todos esses dispositivos estão a evidenciar que, após a promulgação do Texto Constitucional de 1988, salvo as exceções que enumera, a investidura no serviço público só é permitida através de aprovação em concurso público de provas, ou provas e títulos.
Assim, é ilegal a contratação de servidor para prestar serviços médicos aos munícipes mediante contrato derivado de procedimento licitatório, quando o exigido é concurso público.
Embora a Lei n. 8.666/93, no seu artigo 6º, fale que é objeto de
licitação a contratação de obras ou serviços, no segundo caso só são admitidos
serviços temporários da Administração, ou seja, aqueles desenvolvidos por exceção
e que não fazem parte das atividades rotineiras da administração. Veja-se o artigo 6º
da Lei de Licitações:
Art. 6o - Para os fins desta Lei, considera-se:
I - Obra - toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação,
realizada por execução direta ou indireta;
II - Serviço - toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais; III - Compra - toda aquisição remunerada de bens para fornecimento de
uma só vez ou parceladamente;
IV - Alienação - toda transferência de domínio de bens a terceiros;
V - Obras, serviços e compras de grande vulto - aquelas cujo valor estimado
seja superior a 25 (vinte e cinco) vezes o limite estabelecido na alínea "c" do
inciso I do art. 23 desta Lei; (destacado).
A respeito, ensina Marçal Justen Filho:
5) A Natureza dos “serviços”
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Não cabe, ao contrário do que o texto literal induz, a aplicação da Lei n.º 8.666/93 à contratação de todos os “serviços” de terceiros. Somente quando se tratar de serviços esporádicos ou temporários, desenvolvidos por exceção, incidirá tal regime. Quando o serviço corresponder a cargo ou emprego público, aplicam-se os dispositivos constitucionais acerca dos servidores públicos, empregados públicos ou prestadores de serviço temporário (CF, art. 37 e seus incisos). Em tais hipóteses, não caberá licitação, mas concurso público (ressalvada a hipótese de cargos em comissão). (destacado)
O objeto do contrato derivado do procedimento licitatório é
diverso do objeto do contrato derivado do concurso público.
No primeiro caso, segundo o art. 6º da Lei 8.666/93 é a obra, o
serviço, a compra, a alienação, a concessão, a permissão e a locação que, a final,
será contratada com o particular , enquanto o objeto da relação de emprego entre a
administração pública e o servidor é a prestação do trabalho humano em caráter
permanente e com subordinação.
A relação de emprego entre o servidor público e o ente para o
qual ele serve guarda similitude com a do empregado e empregador na relação de
emprego na iniciativa privada, como ensina José dos Santos Carvalho Filho:
Servidores públicos são todos os agentes que, exercendo com caráter de
permanência uma função pública em decorrência de relação de trabalho,
integram o quadro funcional das pessoas federativas, das autarquias e das
fundações públicas de natureza autárquica.
Como foi dito acima, os servidores públicos fazem do serviço
público uma profissão, como regra de caráter definitivo, e se distinguem dos demais
agentes públicos pelo fato de estarem ligados ao Estado por uma efetiva relação de
trabalho. Na verdade, guardam em muitos pontos semelhança com os empregados
das empresas privadas: tanto estes como os servidores públicos emprestam sua
força de trabalho em troca de uma retribuição pecuniária, comumente por períodos
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mensais. Ambos são trabalhadores em sentido lato: executam suas tarefas em prol
do empregador (público ou privado) e percebem, ao final do mês, sua remuneração
(vencimentos, para os servidores, e salário, para aos trabalhadores privados).
A relação de emprego na iniciativa privada se aperfeiçoa
mediante um contrato de trabalho, formal ou informal. Na Administração Pública, onde os atos administrativos respeitam formas prescritas em lei, esse contrato
é sempre formal e deve ser precedido de concurso público, salvo nos casos excepcionados pela própria Constituição da República.
Os elementos que caracterizam a relação de emprego do
servidor público são os mesmos que caracterizam a relação de emprego na iniciativa
privada, ou seja, pessoalidade, onerosidade, continuidade, exclusividade e
subordinação jurídica.
A propósito, traz-se o ensinamento de Diógenes Gasparini:
2. Características
São caracterizados pela profissionalidade (prestam serviços à
Administração Pública direta ou indireta, como profissionais, pela
dependência do relacionamento (as entidades a que se vinculam
prescrevem seus comportamentos nos mínimos detalhes, não lhes
permitindo qualquer autonomia) e pela perenidade (não-eventualidade) da
relação de trabalho que ajustaram com as referidas entidades. Não importa,
então, o regime, estatutários ou celetistas, pelo qual se vinculam à
Administração Pública direta ou indireta se a relação de trabalho é marcada
por essas notas.
O já citado José dos Santos Carvalho Filho complementa:
2. Características
Podemos apontar algumas características que delineiam o perfil da
categoria dos servidores públicos.
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A primeira delas é a profissionalidade, significando que os servidores
públicos exercem efetiva profissão quando no desempenho de suas funções
públicas. Formam, por conseguinte, uma categoria própria de trabalhadores
–a de servidores públicos.
Outra característica é a definitividade. O sentido é o da permanência no
desempenho da função. Isso não quer dizer que não haja funções de
caráter temporário, mas todas estas vão representar sempre situações
excepcionais, que, por serem assim, refogem à regra geral da definitividade.
A regra geral é a de que o servidor desenvolverá seus misteres com cunho
de permanência.
Temos também a existência de uma relação jurídica de trabalho, e nela
pode verificar-se a todo mo tempo a presença de dois sujeitos: de um lado,
a pessoa beneficiária do exercício das funções, que em sentido amplo pode
qualificar-se como empregador (pessoas federativas, autarquias e
fundações autárquicas), e de outro, o servidor público, vale dizer, aquele a
quem incumbe o efetivo exercício das funções e que empresta sua força de
trabalho para ser compensado com uma retribuição pecuniária. Pode dizer-
se mesmo que a relação de trabalho corresponde à relação de emprego,
logicamente em sentido amplo, sem considerar apenas os empregos
regulados pela legislação trabalhista. Por isso, não é incomum ouvir-se de
um servidor exonerado a afirmação de que “perdeu o emprego”. Na prática,
emprego tanto serve para indicar a relação de trabalho das entidades
privadas em geral como para identificar a relação jurídica da qual faz parte o
servidor público.
No caso vertente, o requerido pretende contratar médicos,
das mais diversas especialidades, utilizando-se de uma manobra, consistente na
contratação de empresa interposta, que, por sua vez, os contratará, não obstante se
trate de serviço público que apenas permite a contratação por meio de concurso público, já que será não eventual e prestado com profissionalidade.
Ao se observar o Edital de Concorrência Pública n.
01/2013 constata-se que a Prefeitura Municipal de Rio Branco do Sul pretende
transferir a médicos particulares, contratados sob regime de plantão, que é muito
mais custoso ao Erário, e por uma empresa privada, a prestação integral do serviço
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público de saúde de toda a cidade, envolvendo o Hospital Público e Programa do
Médico da Família.
Veja-se que no Edital de Concorrência Pública n. 01/2013
consta como objeto de contratação “empresa de prestação de serviços médicos no
hospital municipal de Rio Branco do Sul e médicos para o programa Saúde da
Família – PSF, sob o regime de execução por preço global, tipo menor preço, pelo
período de 12 meses”.
Já no Anexo I do referido Edital estão especificados os
serviços, onde é possível verificar que as especialidades médicas que o Município
pretende contratar através do processo de licitação: 150 plantões mensais de clínico
geral, 04 plantões de cirurgia geral, 04 plantões de oftalmologia, 04 plantões de
pediatria e 24 plantões de ginecologia/obstetra, de modo que, em verdade, não
pretende a licitação contratar empresa, mas médicos, de especialidades definidas,
não sendo, assim, caso de atividade-meio do hospital, mas a própria atividade-fim, o
que é vedado pela Constituição Federal.
Portanto, esse serviço que o requerido busca selecionar
por meio de licitação é, na verdade, serviço que exige concurso público, sendo ilegal
a conduta do Administrador Público.
Neste sentido, reiteradamente tem se manifestado a
jurisprudência pátria:
TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS. DESCONFIGURAÇÃO. A TERCEIRIZAÇÃO
NO SERVIÇO PÚBLICO SÓ É POSSÍVEL NOS CASOS PREVISTOS EM LEI.
EDUCAÇÃO, LIMPEZA E SAÚDE, FAZEM PARTE DA ATIVIDADE-FIM DO
MUNICÍPIO, NÃO SENDO PASSÍVEIS DE TERCEIZIRAÇÃO, COM O
AGRAVANTE DA AUSÊNCIA NOS AUTOS DE PROVA DA CONTRATAÇÃO DE
EMPRESA PRESTADORA DO SERVIÇO.
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Reclamante admitida após 05/10/88, sem concurso público. Contrato nulo. Não
atendido o requisito do concurso público, afigura-se como nulo o contrato
avençado, com efeitos ex tunc. Entretanto, havendo a prestação de serviços e
sendo impossível se restituir a força do trabalho despendida, faz jus o prestador à
indenização relativa ao salário stricto sensu.(TRT 21ª Região, RO 00168-2003-
022-21-00-9, Ac. 51.241, Relatora Maria de Lourdes Alves Leite, DJRN
27/08/2004). Destacado.
CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. IRREGULARIDADE NA CONTRATAÇÃO DE
MÃO-DE-OBRA. TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADES INERENTES ÀS
CATEGORIAS FUNCIONAIS DO QUADRO DE PESSOAL OU DE SERVIÇOS
QUE COMPÕEM A ATIVIDADE FINALÍSTICA DO ÓRGÃO. VIOLAÇÃO AO
ARTIGO 37, INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E AO DECRETO Nº
2.271/97. EXISTÊNCIA DE TERMO DE CONCILIAÇÃO JUDICIAL FIRMADO NOS
AUTOS DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA, AJUIZADA PERANTE A JUSTIÇA DO
TRABALHO, PARA SUPRESSÃO GRADUAL DA CONTRATAÇÃO IRREGULAR.
NÃO IMPEDIMENTO DO AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA (ART. 17, § 1º , DA LEI Nº 8.429/92). CARÊNCIA DE
PESSOAL EM VIRTUDE DE CESSÃO DE SERVIDORES EM QUANTIDADE QUE
COMPROMETE O FUNCIONAMENTO DA PRÓPRIA ENTIDADE CEDENTE,
COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 20 DA LEI Nº 8.270/91– CESSÃO DE
SERVIDORES NÃO ILIMITADA. PRESENÇA DOS REQUISITOS
AUTORIZADORES DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. SUSPENSÃO DA
CONTRATAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO.
I. Contratação irregular de mão-de-obra admitida pela própria agravante, em
afronta ao Decreto nº 2.271/97, que proíbe a execução indireta de atividades
inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos de órgão ou
entidade pública, salvo nos casos de expressa autorização legal, e ao art. 37,
inciso II, da Constituição Federal.
II. Caso em que a agravante, ancorada na existência de termo de conciliação
judicial, firmado nos autos da ação civil pública trabalhista 00751-2007-018-10-00-
4, que dá à f u n a s a prazo até 2012 para, gradativamente, regularizar as
contratações, sustenta falta de interesse do Ministério Público Federal para
manejar ação de improbidade administrativa fundada na irregularidade dessa
contratação. O termo de conciliação judicial, de fato, prevê a substituição gradual,
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em sua cláusula 3ª, de terceirizados por servidores concursados, até 2012, com o
seguinte cronograma, em percentuais mínimos: 20% até 30/06/2009, 20% até
30/06/2010, 20% até 30/06/2011, e, totalmente, até 30/06/2012 (fls. 55/56). E é,
ainda, mais flexível, pois permite, excepcionalmente, prorrogação desses prazos e
substituição pela via da contratação temporária.
III. A ação civil pública é regida pela Lei nº 7.347/85, que, em seu art. 5º, § 6º,
faculta aos órgãos públicos legitimados ‘tomar dos interessados compromisso de
ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá
eficácia de título executivo extrajudicial’. Essa mitigação ao princípio da
indisponibilidade do interesse público, no entanto, não existe na ação de
improbidade administrativa, regida pela Lei nº 8.429/92, que, expressamente, em
seu art. 17, § 1º, veda ‘a transação, acordo ou conciliação’. O objeto da ação de
improbidade administrativa é específico. Portanto, diverso da amplitude do da
genuína ação civil pública. Dita a lia (Lei nº 8.429/92) que ‘os agentes públicos de
qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos
assuntos que lhe são afetos’ (art. 4º) e que ‘os atos de improbidade praticados por
qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou
fundacional de qualquer dos poderes da união, dos estados, do Distrito Federal,
dos municípios, de território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de
entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com
mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na
forma desta Lei’ (art. 1º ). (destacou-se)
IV. Assim, o termo de conciliação judicial pode até barrar eventual ação civil
pública para o mesmo objeto de que cuidou a demanda presumivelmente extinta
com a possível homologação desse termo, pois, convertido em título executivo
judicial, faltaria interesse de agir ao Ministério Público para propor ação de
conhecimento. Contudo, esse título executivo não repercute na esfera do objeto
perseguido na ação de improbidade administrativa, que não admite transação,
acordo ou conciliação.
V. Mesmo em se tratando de ação civil pública, a doutrina não afasta a tese de
que, se o objeto de nova ação for mais amplo, de modo a buscar o mais
satisfatório e adequado atendimento ao interesse público, o interesse processual é
legítimo, tendo em conta que os colegitimados ativos não têm disponibilidade
sobre o bem jurídico ofendido, sobre seu conteúdo material, pela prevalência do
reitor princípio da indisponibilidade do interesse público, que, em essência, não
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admite transação, o que afastaria eventual alegação de ofensa ao princípio da
segurança jurídica.
VI. A agravante admite a cessão de servidores, em demasia, a outros órgãos e
entes da federação, mas a fundamenta no art. 20 da Lei nº 8.270/91, que facultou
ao ministério da saúde colocar servidores seus, das autarquias e fundações
públicas a ele vinculadas a serviço da implementação do Sistema Único de Saúde.
Esse dispositivo, entretanto, não pretendeu. Nem poderia. Permitir a cessão de
servidores a ponto de desequilibrar ou comprometer o funcionamento dos órgãos
vinculados ao ministério da saúde. O excesso de servidores cedidos contraria o
dever jurídico de boa gestão administrativa. Equivale a uma absorção ou
cooptação de parte do quadro de pessoal da Funasa. Como pontifica Celso
Antônio bandeira de melo, ‘tomar uma Lei como suporte para a prática de ato
desconforme com sua finalidade não é aplicar a Lei; é desvirtuá-la; é burlar a Lei
sob pretexto de cumpri-la. Daí por que os atos incursos neste vício. Denominado
‘desvio de poder’ ou ‘desvio de finalidade’. São nulos. Quem desatende ao fim
legal desatende à própria Lei’.
VII. Presença dos requisitos do art. 273 do CPC. A verossimilhança da alegação
foi amplamente demonstrada. É a própria agravante, Funasa, que admite a
ilicitude da contratação e a existência de excessivo contingente de pessoal cedido
a outros órgãos e entes da federação. O fundado receio de dano irreparável ou de
difícil reparação está na possibilidade de que recursos públicos federais podem
estar sendo empregados, pela Funasa, desnecessariamente, em mão-de-obra
terceirizada, já que, incontroversamente, possui servidores cedidos em quantidade
suficiente para substituir os terceirizados. De outro lado, se evidenciada a
necessidade de contratação temporária, observados os pressupostos inscritos no
art. 37, inciso IX, na forma disciplinada na Lei nº 8.745/93, especialmente com as
alterações feitas pela Lei nº 11.784/2008, há um interesse difuso que não pode ser
desprezado, que é o direto de acesso à ocupação pública, como regra, pelo
mérito, por meio de processo seletivo simplificado, sujeito a ampla divulgação (art.
3º da 8.745/93). Não sendo o caso, a regra constitucionalmente assegurada é a do
concurso público. A burla ao concurso público ou ao processo seletivo simplificado
retira de um universo indefinido de cidadãos, em todo o país, o direito de ingresso
no serviço público pelo mérito, violação à Lei que se dá pela negativa irreparável
de oportunidade, pois cada dia pago ao ocupante irregular jamais será revertido
àquele que, por mérito, poderia estar no exercício do cargo público, e que,
justamente pelo descumprimento da regra do concurso, pode estar
desempregado.
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VIII. Mantida a decisão agravada que vedou a prorrogação do prazo de vigência
do contrato 66/2007. Agravo improvido. (TRF 1ª Região, AI 2008.01.00.052535-0,
3ª Turma, Relator Rosa de Jesus Oliveira, j. 18/8/2009, DJF1 28/8/2009, p. 307).
Destacado.
AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE. SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL.
TERCEIRIZAÇÃO PELO MUNICÍPIO. ILEGALIDADE. RESPONSABILIDADE
SUBSIDIÁRIA.
Serviços essenciais e necessários ao Município, que têm continuidade no tempo,
não podem ser terceirizados, devendo a Administração Pública promover a
contratação de empregados por meio de concurso público. O processo ‘licitatório’
do qual resultou ajuste entre os Reclamados, afronta a norma constitucional
inserta nos arts. 30, VII, e 198, I, na medida em que visou mascarar a ‘delegação’
pelo ente público da prestação de serviço de sua atribuição exclusiva, sem que se
verificassem as hipóteses legais de contratação sem concurso público, por prazo
determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse
público (art. 37, IV, da Constituição Federal). Evidenciada a hipótese de
‘terceirização ilícita’ pelo Município a um ente privado, para prestação de serviço
eminentemente público, em ofensa aos princípios que regem a Administração
Pública, reconhece-se sua responsabilidade subsidiária pelos créditos trabalhistas
do ‘agente comunitário de saúde’, consoante entendimento da Súmula nº 331, IV
do C. TST. (TRT 9ª Região, Proc. 01589-2007-242-09-00-7, Ac. 10887-2009; 1ª
Turma, Relatora Janete do Amarante, DJPR 17/4/2009). Destacado.
Não fosse apenas a ofensa aos princípios constitucionais,
ocorrerá também dano ao erário, pois o Município está contratando médicos sob
regime de plantão, o que é muito mais oneroso uma vez que contratado de forma
isolada. Não é compreensível o motivo pelo qual o requerido deixa de realizar
concurso público e, assim, contratar um médico com carga horária de servidor
público, para pagar mais de R$ 1.000,00 (mil reais) por plantão isolado. O plantão, exceção no regime de prestação de serviços, está sendo institucionalizado
como regra no Município, o que abre ainda mais o ralo para o dinheiro público.
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Veja-se. Por 186 plantões o Município de Rio Branco do
Sul gastará R$ 4.621.200,00 (quatro milhões, seiscentos e vinte um mil reais e
duzentos reais) no período de um ano. Certamente quantia muito superior ao que
gastaria realizando concurso público e pagando determinada quantia mensal a um
médico de carreira, já que os plantões geralmente têm valor elevado.
Ademais, está evidente que com tal prática, o Município
de Rio Branco do Sul ficará impedido de contar em seus quadros com profissionais
de saúde qualificados, escolhidos pelo mérito, através de um concurso público
imparcial.
Outra questão preocupante neste Edital é que não há especificação quanto ao vínculo que deverá se estabelecer entre a empresa privada contratada pela Administração Pública e os médicos plantonistas.
Assim, nada impede que, na ânsia de aumentar os lucros, sejam desrespeitadas
cláusulas trabalhistas, o que poderá, futuramente, gerar o redirecionamento de
eventual reclamatória trabalhista ajuizada por estes médicos ao Município de Rio
Branco do Sul, que, por sua vez, pagará duas vezes, agora, na contratação do
serviço, e depois, quando chamado a integrar eventual ação de responsabilidade.
Também há que se lembrar que o Município firmou, com o
Ministério Público, Termo de Ajustamento de Conduta comprometendo-se a realizar
concurso público e, assim, resolver um problema crônico de muitas Administrações
Públicas, que constantemente violam a regra constitucional, lançando mão, de forma
até fraudulenta, de outros meios de contratação.
Não obstante este Termo de Ajustamento de Conduta,
vem, agora, o Município e pretende contratar médicos privados através de uma
licitação para contratação de empresa gestora de serviços de saúde, em clara
violação ao princípio e regra constitucional do serviço público, razão pela qual a
suspensão da licitação em comento é medida que se impõe.
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3.2. Da ilegalidade pela violação à estrutura constitucional do Sistema Único de Saúde, que exige protagonismo do setor público e atuação meramente complementar do setor privado.
O artigo 196 da Constituição Federal afirma que a saúde
pública é direito de todos e dever do Estado e que os serviços públicos de saúde
serão executados pelo Estado de forma direta ou indireta, hipótese em que
particulares poderão atuar nessa área.
Contudo, o art. 199 da Constituição Federal, é claro ao
afirmar que os particulares poderão participar apenas de forma complementar do Sistema Único de Saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferências as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.
No plano infraconstitucional não é diferente. O artigo 24
da Lei n. 8.080/90 também é expresso quanto a tal complementaridade: “Quando as
suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à
população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS) poderá
recorrer, mediante contrato ou convênio, aos serviços ofertados pela iniciativa
privada”.
No caso em tela, o que se pretende através do Edital
de Licitação n. 01/2013 é a completa substituição do Estado pelos particulares,
já que a Prefeitura, por meio de um contrato com prazo de vigência de um ano e de
mais de R$ 6 milhões de reais, irá transferir a uma empresa privada que contratará
médicos particulares que se encarregarão por todo o serviço de saúde do Município.
Tal procedimento licitatório se torna, sublinhe-se, ainda
mais estranho uma vez que a Prefeitura Municipal firmou Termo de Ajustamento de
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Conduta com o Ministério Público comprometendo-se a realizar concurso público
para contratação de servidores, alinhando-se, assim aos ditames constitucionais.
Considerando que, se formalizado, o contrato em tela terá
seu termo final em agosto de 2014, no máximo, resta evidente a má-fé da Prefeitura
Municipal, que, por certo, não tem a intenção de cumprir o Termo de Ajustamento de
Conduta.
É sabido e consabido que a Administração Pública é
regida pelo princípio da legalidade, devendo atuar nos exatos termos da lei e da
Constituição Federal. Nesse sentido, são claras as palavras de Celso Antonio
Bandeira de Mello:
"Este é o princípio capital para a configuração do regime jurídico-
administrativo. Justifica-se, pois, que seja tratado - como o será - com
alguma extensão e detença. Com efeito, enquanto o princípio da
supremacia do interesse público sobre o interesse privado é da essência de
qualquer Estado, de qualquer sociedade juridicamente organizada com fins
políticos, o da legalidade é específico do Estado de Direito, é justamente
aquele que o qualifica e que lhe dá a identidade própria. Por isso mesmo é
o princípio basilar do regime jurídico-administrativo, já que o Direito
Administrativo (pelo menos aquilo que com tal se concebe) nasce com o
Estado de Direito: é uma consequência dele. É o fruto da submissão do
Estado à lei. É, em suma: a consagração da ideia de que a Administração
Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte,
a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na
expedição de comandos complementares à lei."(Curso de Direito
Administrativo, Editora Malheiros, 22ª edição, p. 96/97).
Desse modo, não pode o Administrador Público criar um
regime próprio de gestão administrativa, já que sua atuação é vinculada à legalidade
estrita. Se a Constituição Federal diz que a atuação privada é complementar, não
pode o requerido decidir transferir toda a atuação, praticamente a uma empresa
privada que, por sua vez, terceirizará os serviços para médicos particulares.
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A única possibilidade de atuação livre está na iniciativa
privada, no empreendedorismo, aí sim o Administrador pode ser criativo e trabalhar
com infinitas e não previstas possibilidades de acordos no desempenho de suas
atividades. A coisa pública, exatamente porque não lhe pertence, não funciona
dessa maneira.
Assim, seja porque a saúde é serviço público que não
permite o protagonismo por particulares, seja porque o concurso público é regra
constitucional da qual o gestor público não pode fugir, salvo em exceções
devidamente fundamentadas, o que não se verifica nesse caso, a concessão da
liminar para suspender o procedimento administrativo e, caso já tenho ocorrido a
licitação, os efeitos dos atos jurídicos praticados, é medida que se impõe.
3.3. Da nulidade do procedimento licitatório pela
irregularidade de cláusulas do Edital de
Concorrência Pública n. 01/2013, que não atendem às disposições da Lei n. 8666/93.
Neste aspecto, torna-se necessário reiterar, consoante já
exposto cima, que o princípio da legalidade, na sua acepção moderna, envolvendo
princípios e regras, é o vetor de atuação da Administração Pública.
Cabe aqui uma clássica lição de Hely Lopes Meirelles: "A legalidade, como princípio da administração (CF, art. 37, caput), significa
que o administrador público, está, em toda a sua atividade funcional, sujeito
aos mandamentos da lei e às exigências do em comum, e dele não se pode
afastar ou desviar-se, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a
responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso." (Op. cit., p.
82)
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Como acima explanado, o objeto do Edital de Concorrência n.
01/2013 é flagrantemente inconstitucional. Não há como contratar serviço público
por meio de licitação que na verdade pretende terceirizar atividade-fim do Estado.
Mas, não obstante a flagrante e completa inconstitucionalidade
da contratação de médicos através de procedimento licitatório direcionado para
empresa, a presente demanda também deve ser julgada procedente ante às
inúmeras irregularidades do Edital de Concorrência Pública n. 01/2013, conforme se
passará a expor.
Inicialmente, cabe dizer que é no mínimo estranha a celeridade
com que o processo vem sendo conduzido, sobretudo num cenário em que foi
firmado um TAC para realização de concursos públicos que nunca aconteceram.
Com relação à celeridade, já na cláusula 1.2 verifica-se a
possibilidade de renúncia ao prazo de interposição de recurso, um direito de todo
administrado perante a Administração Pública.
A cláusula 2, especificando o objeto do Edital, está traçada
nos seguintes termos: “contratação de empresa de prestação de serviços médicos
no hospital municipal de Rio Branco do Sul e médicos para o programa Saúde da
Família – PSF, sob o regime de execução por preço global, tipo menor preço, pelo
período de 12 meses”. É latente a irregularidade da disposição editalícia, já que, em
verdade, não se busca a contratação de empresa de prestação de serviços médicos,
mas a contratação direta de médicos particulares pelo Estado através de empresa
interposta, constituindo verdadeira terceirização ilícita de atividade-fim.
Prosseguindo, a cláusula 4 é a que talvez revele mais
estranheza, já que traz as condições para participação na licitação, as quais, em
verdade, inexistem. Com efeito, segundo o Edital n. 01/2013, para participar da
concorrência que, relembre-se, concederia, no sentido comum da palavra, toda
prestação de serviço público de saúde do Município, bastaria que as empresas
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fossem “regularmente estabelecidas no País, cuja finalidade e ramo de atuação
principal estejam relacionados ao presente certame”. Ora, não trouxe, o Edital,
qualquer disposição a respeito do corpo técnico, dos responsáveis técnicos e legais
e da estrutura mínima para uma empresa assumir um contrato de mais de R$ 6
milhões de reais, envolvendo toda prestação de serviço de saúde na cidade.
Veja-se que a Lei de Licitações, n. 8666/93, é muito clara ao
dispor sobre os requisitos para licitação de obras e serviços. Como o Edital n.
01/2013 pretende ter como objeto a contratação de serviço, deveria obedecer à
seguinte sequencia: projeto básico, projeto executivo e, finalmente, a execução do
serviço. Nada disso é tratado de forma série no Edital em comento, já que, em
verdade, o que se busca é a contratação, por vias transversas, de um serviço público que sequer se encaixa no conceito de serviço referido na Lei n. 8666/93.
Assim, o art. 7º da Lei n. 8666/93 foi frontalmente
desrespeitado pelo Edital n. 01/2013, bem como todos os demais dispositivos que
versam sobre a contratação de serviços por licitação.
Assim, pela estranheza e rapidez com que o processo foi
conduzido, bem como pelas irregularidades nas cláusulas do Edital n. 01/2013, a
suspensão liminar do procedimento ou dos efeitos dos atos nele praticados, mostra-
se imprescindível, para, ao final da demanda, declarar-se a completa nulidade do
Edital de Concorrência n. 01/2013.
4. DA MEDIDA LIMINAR
Como leciona RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, a Lei n.
7.347/85 possibilita a tutela cautelar tanto através de ação cautelar própria (artigo
4º), quanto na própria ação civil pública (artigo 12).
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No presente caso, necessária a medida liminar para cessar, imediatamente, os efeitos nefastos de uma licitação que se anuncia prejudicial ao interesse público e ao patrimônio público, vedada pelo artigo 37 da Constituição Federal.
Como se sabe, para concessão da medida liminar necessário
se faz a presença de dois requisitos essenciais: fumus boni iuris e periculum in
mora.
O fumus boni iuris consiste no dizer de WILARD DE CASTRO
VILAR:
"No juízo de probabilidade e verossimilhança do direito cautelar a ser
acertado e o provável perigo de dano possível ao direito pedido no processo
principal."
Sobre periculum in mora, escreve ORLANDO ASSIS CORRÊA:
"A atividade cautelar foi preordenada para evitar que o dano oriundo da
inobservância do direito fosse agravado pelo inevitável retardamento do
remédio jurisdicional."
No caso em tela, o relevante fundamento da demanda – fumus
boni juris – e o justificado receio de ineficácia do provimento final – periculum in
mora – estão devidamente demonstrados nos documentos que acompanham a
presente ação.
O requisito do fumus boni juris se constata facilmente no
embasamento constitucional e infraconstitucional que exsurge dos artigos 37 e 196
da Constituição Federal e dos demais dispositivos da Lei n. 8666/93, que estão
sendo flagrantemente violados nesta concorrência pública.
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Quanto à existência do periculum in mora, este se
caracteriza pela urgência da concessão da antecipação de tutela. Com efeito, o
Município, ao levar a cabo a concorrência agendada para o dia 29 de julho do ano
em curso, caminha para a finalização do procedimento e possibilidade de repasse, a
um particular de quantia superior a R$ 6.000.000,00 (SEIS MILHOES DE REAIS).
Além disso, a não concessão da tutela pretendida gerará
prejuízos irreparáveis aos cofres públicos, eis que caso o negócio jurídico não venha
a ser obstado ou anulado, a empresa privada dará início a contratação de médicos e
assumirá o controle dos serviços públicos de saúde, prejudicando toda a população,
já que o modo como esses médicos estão sendo contratados é muito mais oneroso
do que o concurso público – regime de plantão – e, ainda, não está sendo feita
qualquer tipo de avaliação desses profissionais, em desrespeito à meritocracia,
própria dos certames públicos, que buscam selecionar candidatos com melhor
preparo técnico e profissional para o exercício da atividade junto à coletividade.
Ressalte-se que, ainda, que, uma vez contratados os médicos, os vencimentos percebidos não poderão ser devolvidos ao Erário, de maneira que a não-concessão da liminar resultará numa situação juridicamente irreversível, dado que, uma vez prestado o serviço, não poderá a Fazenda Pública buscar seu ressarcimento, havendo evidente dano ao patrimônio público.
Deste modo, a concessão da liminar para determinar que a
suspensão do procedimento licitatório decorrente do Edital de Concorrência Pública
n. 01/2013 e de todos os efeitos jurídicos dos atos eventualmente praticados é
medida imprescindível para resguardar o direito à tutela coletiva.
5. DO PEDIDO
Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO
PARANÁ requer:
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I – seja a presente demanda registrada e autuada, juntamente com
os documentos que a acompanham (Procedimento Preparatório n. MPPR-0123.13.000203-3), e recebida como AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA, processando-se o
presente feito sob o rito ordinário;
II – a concessão de ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, com fundamento
no art. 273 do Código de Processo Civil, aplicável à Ação Civil
Pública por força do que dispõe o art. 19 da Lei 7.347/85, tendo em
vista a gravidade e urgência do caso (o contrato é de mais de R$ 6
milhões de reais), inaudita altera pars, para o fim de determinar ao Município de Rio Branco do Sul, na pessoa de seu gestor, que SUSPENDA o procedimento de licitação desencadeado pelo Edital de Concorrência Pública n. 01/2013 e os efeitos jurídicos
decorrentes dos atos eventualmente já praticados, ato que deverá ser publicado, sob pena de aplicação de multa diária e pessoal ao gestor municipal, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), bem como de instauração de persecução penal por crime de
desobediência, sem prejuízo dos eventuais delitos de
responsabilidade a serem apurados.
III – a citação pessoal do Município de Itaperuçu para, querendo,
oferecer resposta a presente ação, com as cautelas do art. 285 e
172, § 2°, do Código de Processo Civil, sob pena de revelia;
IV – a PROCEDÊNCIA DO PEDIDO da presente demanda, para o fim de ANULAR o procedimento decorrente do Edital de
Concorrência n. 01/2013 tornando, também, nulos e sem quaisquer efeitos os atos jurídicos já praticados diante das inconstitucionalidades e ilegalidades expostas;
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V – a produção, se necessárias, de todas as provas em direito
admitidas, inclusive perícias e, especialmente, a juntada INTEGRAL dos autos do procedimento licitatório desencadeado pelo Edital de Concorrência Pública n. 01/2013;
VI – a condenação da parte requerida nos consectários legais de
sucumbência.
Dá-se à causa o valor de R$ 6.136.946,74 (seis milhões cento
e trinta e seis mil novecentos e quarenta e seis reais), referente ao valor do objeto
da licitação desencadeada pelo Edital de Concorrência Pública n. 01/2013.
Rio Branco do Sul, 30 de julho de 2013.
ANDRÉ LUIZ DE ARAÚJO
Promotor Substituto
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