MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO
Promotoria de Justiça Cível de Vila Velha
7º e 14º Promotor de Justiça Rua Antônio Ataíde, 515, Centro, Vila Velha-ES. CEP 29100-296 – tel: 3149-4650. www.mpes.mp.br
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ____VARA DA FAZENDA PÚBLICA
MUNICIPAL DE VILA VELHA – COMARCA DA CAPITAL – ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, neste ato
presentado pelos Promotores de Justiça signatários, no uso de suas atribuições constitucionais e
legais, com fundamento nos arts. 127, "caput", e 129, III, ambos da Constituição Federal e arts.
1º, I e IV, 19, e 21 da Lei 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública); bem como nos arts. 282 e ss., do
Código de Processo Civil, com sustentáculo na função instrumental – Procedimento
Administrativo nº. 38549/2013 – GAMPES nº. 035.13.13.103469-1, incluso, vem ajuizar
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
(COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA)
em face do:
MUNICÍPIO DE VILA VELHA, pessoa jurídica de direito público, representado pelo
Excelentíssimo Senhor Prefeito Municipal Rodney Rocha Miranda ou Procurador Geral do
Município, podendo ser localizado à Av. Santa Leopoldina, nº 840, Coqueiral de Itaparica, Vila
Velha, CEP. : 29102-040, ES.
1. DOS FATOS
1.1. PROLEGÔMEROS
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Conforme estudos, as enchentes e inundações ou cheias dos cursos d’água, na maioria das vezes,
não constituem fatos oriundos da força maior. São previsíveis e evitáveis, desde que se afastem as
causas.1
Com efeito, as causas são conhecidas, como por exemplo: ausência de vegetação protetora dos
cursos de água, assoreamento dos leitos, ocupação das margens, retificação, aterro das áreas de
inundação, ausência de atuação preventiva construída com fundamento nos planos,
impermeabilização do solo, fatores climáticos, ocupação desordenada do solo, crescente
urbanização.
Dessa forma, as causas podem ser afastadas de forma antecipada, evitando a tomada de medidas
com resultado incerto. Portanto, ainda que ocorram fortes chuvas, fora da normalidade, como as de
dezembro de 2013 no município de Vila Velha, caso fossem adotadas as medidas preventivas
acima mencionadas certamente seriam minimizados os graves danos causados pelo fenômeno
natural, que literalmente inundou parte do município.
Não obstante, o caos urbano existente no município de Vila Velha, decorrente da histórica
ocupação irregular e a falta de uma gestão administrativa ambiental eficiente, somando-se aos
fatores climáticos, acabou por contribuir para a degradação do meio ambiente por parte justamente
daquele que deveria ser um dos seus principais protetores: o poder público municipal, conforme se
verá adiante.
1.2. HISTÓRICO DOS FATOS
Como é notório e conforme amplamente divulgado pela mídia local e nacional, no final do mês de
dezembro do ano de 2013 o município de Vila Velha foi atingido por fortes chuvas, além da
normalidade, inundando vários bairros, desalojando e desabrigando diversas famílias, o que
acabou gerando uma situação de caos.
Diante disso, o prefeito de Vila Velha, RODNEY ROCHA MIRANDA, conforme apurado nos
autos do Inquérito Civil (IC) nº. 064/2015 (GAMPES nº. 2014.0003.1677-07), que serve de
suporte para a presente ação coletiva, alegando situação de utilidade pública - uma vez que cerca
de 12 (doze) bairros estavam inundados pelas chuvas - determinou a realização de intervenções na
região do Parque Natural Municipal de Jacarenema, próximo ao Rio Jucu, inclusive
1 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 19ª edição. Malheiros Editores.2011.p.481.
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desconsiderando a advertência de técnicos e ambientalistas a respeito da efetividade das medidas e
dos danos que seriam causados ao meio ambiente.
Segundo apurado, as intervenções consistiram na abertura de duas valas (pontos A e B, conforme
o documento de fls. 73-85 dos autos do IC nº. 064/2015), com o objetivo de obter pontos de vazão
das águas do Rio Jucu para o mar.
Contudo, referidas intervenções não tiveram efetividade, conforme comprova os autos e segundo
reconhecem os próprios agentes públicos em depoimentos prestados nesta Promotoria de Justiça
(vide depoimentos dos Secretários Municipais de Obras e de Meio Ambiente – respectivamente às
fls. 67-69 e 70-72 dos autos do IC nº. 064/2015), o que revela a existência de indícios de, no
mínimo, conduta imprudente por parte da gestão pública municipal.
Além de não ter a efetividade pretendida, as intervenções causaram danos ao meio ambiente, como
se pode notar pelas imagens abaixo, necessárias para melhor visualização dos impactos. Danos
que, em vista da não recuperação das áreas, está se agravando a cada dia.
Figura 01 – Localização do dreno feito pela Prefeitura Municipal de Vila Velha no Parque Natural Municipal de
Jacarenema. Imagem Google Earth 27/02/2015, acesso em 02/07/2015.
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Figura 02 -Imagem de satélite da área suprimida do Parque Natural Municipal de Jacarenema. Imagem Google Earth
22/01/2014, acesso em 03/07/2015.
Figura 03 - Área com vegetação suprimida para construção de dreno e deposito de areia.
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Figura 04 - Área suprimida de 1,08 Ha no Parque Natural Municipal de Jacarenema.
Figura 05- Infestantes exóticas Leucena e Braquiária invadindo área degradada do parque do parque.
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Figura 06 - No local ocorreu derrubada de arvores e o aterramento de vegetação nativa com areia.
Diante dos danos provocados, da demonstração da inutilidade das intervenções e considerando a
superação da situação emergencial, o que se esperava do Município de Vila Velha era que
providenciasse o imediato fechamento da vala inutilmente aberta e a recuperação das duas áreas
degradas na Unidade de Conservação.
Não obstante, a municipalidade limitou-se a fechar uma das valas (denominada de Ponto A), sem,
contudo, recuperar a área, deixando a segunda vala (denominada de Ponto B) aberta, revelando
omissão injustificada em relação ao meio ambiente.
Tal conduta motivou por parte do Ministério Público a expedição de da Notificação
Recomendatória nº. 004/2014 (fls. 138-142 do IC nº. 064/2015), na qual notificou o Município de
Vila Velha, na pessoa do prefeito municipal, Rodney Rocha Miranda, a Secretaria Municipal de
meio Ambiente, na pessoa de seu secretário, Jader Mutzig, e a Secretaria Municipal de Obras, na
pessoa de seu secretário, Daltacir Ferreira dos Santos para:
fechar a abertura apontada como Ponto B no relatório, determinando-se as
providências necessárias para o retorno do status quo ante, monitorando-se a área e
também a recuperação da vegetação nas ruas indevidamente existentes dentro da
área do Parque Natural Municipal de Jacarenema e, caso seja necessária qualquer
interferência na unidade de conservação, seja observado o regular processo de
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autorização ambiental pelo órgão competente nos moldes da Lei nº 12.651/2012 e
Lei nº 9.985/2000.
Em Resposta à referida notificação recomendatória, a Secretaria de Governo do Município de Vila
Velha, no dia 26/05/2014, afirmou que “está prevista ação a ser iniciada nos últimos 60 (sessenta)
dias, com vistas ao retorno da areia deslocada, quando da ocorrência dos alagamentos do mês de
dezembro último, ao seu local natural” (fl. 199 do IC nº. 064/2015).
Porém, novamente, de forma injustificável, nada foi efetivamente feito pela municipalidade, o que
gerou novo ofício do Ministério Público cobrando informações a respeito do atendimento da
notificação. Em face disso, em fevereiro de 2015, a PMVV encaminhou manifestação da
Coordenação de Recursos Naturais – CRN, na qual é informado que a regularização topográfica
(retorno da areia deslocada no alagamento do mês de dezembro de 2013) será feito em duas etapas
consecutivas, quais sejam:
Primeira – com início logo após a finalização das obras da estação de bombeamento no
Canal de Guaranhuns, ou seja, em março de 2015, e consiste no seguinte: a)
regularização da topografia local; b) identificação do tamanho da área atingida; c)
identificação da capacidade de resiliência da área.
Segunda – será analisa a real necessidade de intensificação do processo de regeneração
da vegetação nativa, com as seguintes providências: a) identificação das espécies a
serem utilizadas na recuperação; b) identificação da quantidade de mudas necessárias
para a recuperação; c) identificação e quantificação dos insumos a serem utilizados; d)
plantio de mudas; e) irrigação da área que recebeu plantio; f) monitoramento da área
que ocorreu.
Porém, o que se observou novamente na postura da municipalidade foi uma total ineficiência no
que se refere à gestão administrativa ambiental, não passando suas respostas, com a vênia devida,
de uma maquiagem, pois não conseguiu encobrir o fato de que efetivamente nada foi feito visando
o fechamento da vala relativa ao Ponto B e a recuperação das áreas degradas (inclusive do Ponto
A), sendo inequívoco o dano causado ao meio ambiente, como, aliás, comprova o Relatório
Técnico do Centro de Apoio de Defesa do Meio Ambiente (CAOA) do MPES de fls. 241-244 do
IC nº. 064/2015, dano esse que vem se agravando com o passar do tempo.
Nessa senda, é oportuno destacar as conclusões dos técnicos do CAOA:
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No período em que ocorreu a supressão o Município estava em Estado de
Emergência de acordo Decreto Municipal Nº 255/2013. Entretanto, cabe ressaltar
que a obra não teve efetividade no sentido de amenizar os efeitos provocados pela
enchente de janeiro de 2013.
Conclusão
A Prefeitura Municipal de Vila Velha agiu em desacordo com as legislações
ambientais existentes, devendo a área de vegetação suprimida no Parque Natural
Municipal de Jacarenema ser recuperada.
Para recuperação da área, deve haver elaboração e execução de um Projeto de
Recuperação de Área Degradada (PRAD), aprovado pelo Conselho Gestor de
Unidade de Conservação, elaborado por profissional devidamente habilitado e
cronograma de execução definido.
Assim, depois de passados 2 (dois) anos, o Município de Vila Velha, em total descaso com o meio
ambiente, não tomou as medidas administrativas necessárias para recuperação dos locais em que
foram feitas as duas intervenções na unidade de conservação do Parque Natural Municipal de
Jacarenema.
Referido descaso, que revela no mínimo uma grave incompetência na gestão pública ambiental,
vem gerando sérios danos ao meio ambiente, que podem se agravar ainda mais, trazendo impactos
que podem ser irreversíveis para a fauna e flora, pois, dentre outros fatores, induz o crescimento de
espécies exóticas no local, sem contar o risco para o Rio Jucu, uma vez que acaba configurando
fator que gera desproteção de suas margens.
Aliás, para reforçar a prova quanto aos danos causados ao meio ambiente, cabe destacar a
manifestação de fls. 73-85 do IC nº. 064/2015 da Secretária Municipal de Meio Ambiente, no qual
relata “Que as intervenções em questão irão gerar impacto visual, na vegetação e na geografia do
local. Esses impactos gerados deverão ser revertidos em poucos meses, considerando que as
áreas em questão fazem parte de Unidade de Conservação e que o próprio ambiente tem
capacidade de regeneração”.
Mesmo invocando, para justificar as intervenções, o art. 8º da Lei 12.651/2012, o próprio
Município, na citada manifestação, conclui destacando o seguinte: “Ressalta-se que tais
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intervenções devem ser acompanhadas por equipe desta SEMMA, bem como, depois de atingido o
objetivo, qual seja, o escoamento definitivo da água dos bairros alagados, sejam adotadas
medidas para, se for o caso, recuperação ou minimização de impactos gerados ao ecossistema”.
Por fim, em recente matéria divulgada no mês de janeiro do corrente ano, no ESTV 2ª Edição,
novamente foi denunciada a postura irresponsável do Poder Público Municipal2, que parece
desconsiderar que o meio ambiente não é propriedade da Administração Pública, pois esta é
somente a sua guardiã.
Portanto, diante da grave omissão da Prefeitura Municipal de Vila Velha, e em vista do patente
dano causado ao meio ambiente, velando pelos princípios que regem a boa gestão pública
ambiental – os quais a Requerida, por meio de seus representantes, olvida totalmente no caso em
questão -, não resta outra alternativa ao Ministério Público, na defesa dos interesses difusos da
coletividade, senão buscar a tutela jurisdicional.
2. DO DIREITO
Diversos são os fundamentos da ilegalidade da conduta da Prefeitura Municipal de Vila Velha que,
sistematicamente, vem protegendo de forma deficiente o meio ambiente natural, talvez sendo essa
uma das razões para mudar o nome da então Secretaria Municipal de Meio Ambiente para
Secretaria Municipal de Desenvolvimento Sustentável.
Mais grave é quando o próprio poder público municipal age de forma a provocar danos ao meio
ambiente, como no caso presente, no qual causou e vem causando danos a um dos ecossistemas
mais importantes do município: o PARQUE MUNICIPAL DE JACARENEMA.
2.1. DOS PRINCIPIOS DO DIREITO AMBIENTAL
O meio ambiente, no qual se inclui o ambiente urbano e artificial, constitui bem jurídico que deve
receber especial atenção do nosso direito positivo.
2 http://g1.globo.com/espirito-santo/estv-2edicao/videos/v/vala-construida-no-rio-jucu-vira-risco-
ambiental-em-vila-velha-es/4728380/.
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A importância que se dá ao ambiente, considerado em termos amplos, como o conjunto de
elementos que envolvem o homem, é perceptível pelo tratamento constitucional dado à matéria,
quando a Carta Magna define em seu art. 225 que: "Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações”.
É evidente, pois, que há interesse do Estado na manutenção de um padrão ambiental que permita o
desenvolvimento saudável da vida humana, lembrando-se que segundo a Declaração de
Estocolmo de 1972, “os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com
o desenvolvimento sustentável, tendo direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia
com o meio ambiente”.
No mesmo vértice, o ordenamento jurídico, em nível infra-constitucional, através da Lei 6.938, de
31 de agosto de 1981, estabelece os parâmetros que devem ser observados na proteção ambiental.
Os objetivos da citada norma são encontrados em seu artigo 2º:
Art. 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e
recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições
ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e a proteção da
dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:
I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio
ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo
em vista o uso coletivo;
II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;
(...)
V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras.
No artigo 3º da mesma Lei encontramos uma série de definições que trazem luz à matéria:
Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
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I - meio ambiente: o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física,
química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;
II - degradação da qualidade ambiental: a alteração adversa das características do meio
ambiente;
III - poluição: a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou
indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
(...)
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.
IV - poluidor: a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou
indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.
Tais definições, como se percebe dos fatos retro narrados, se aplicam com perfeição ao caso
concreto, onde se constatou, de forma inequívoca, o risco irreversível de dano ao meio ambiente
em face de equivocada postura do poder público municipal numa área de inequívoca proteção
ambiental.
2.2. DOS FUNDAMENTOS LEGAIS PARA PROTEÇÃO DO PARQUE MUNICIPAL DE
JACARENEMA
O “Parque Natural Municipal de Jacarenema está situado na região costeira do Município de
Vila Velha e inserido no Bioma Mata Atlântica e seus ecossistemas associados, apresentando uma
longa faixa de restinga na interface entre o oceano e o continente. Devido à fragilidade dos
ecossistemas de restinga, a vegetação exerce papel fundamental na estabilização dos sedimentos e
na manutenção da drenagem natural, bem como na preservação da fauna residente e migratória
associada à restinga e que encontra neste ambiente disponibilidade de alimentos e locais seguros
para nidificar e proteger-se dos predadores” (Plano de Manejo3 do Parque Natural Municipal de
Jacarenema).
3 Que, segundo o art. 2º. Inc. XVII, da Lei nº. 9.985/2000 (Lei do SNUC – Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza), é o “documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma
unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo
dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade”.
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Ainda, a “Reserva Estadual Ecológica de Jacarenema situa-se na faixa litorânea do Estado do
Espírito Santo, Região Sudeste do Brasil, ‘com área total de 307,00 ha, compreendendo o Morro
da Concha, o Estuário do rio Jucu, áreas de Restinga em forma de mosaico adjacentes à Rodovia
do Sol’ ... ( Termo de Referência para contratação de serviços para elaboração do Zoneamento
Ecológico Econômico da Reserva Ecológica de Jacarenema), nas imediações verifica-se grande
pressão por ocupação, ocorrendo nas porções sul, esta com ocupações já consolidadas, e norte
em expansão, além da proximidade de bairros como Santa Paula, na porção oeste, que avança em
direção a reserva”4.
Referida área tem proteção legal nas três esferas de governo, senão vejamos:
1) Lei Federal nº. 12.651/20125 (Código Florestal), no que diz respeito às Áreas de Preservação
Permanente – APP;
2) Lei Estadual nº. 5.427/1997, a qual instituiu a Reserva Ecológica Estadual de Jacarenema, que
embora não seja uma categoria de Unidade de Conservação, consiste em espaço territorial
especialmente protegido, de conformidade com o inc. VI, do art. 9º, da Lei nº. 6.938/1981
(Política Nacional de Meio Ambiente);
3) Resolução nº. 12/1986 do Conselho Estadual de Cultura, referente ao tombamento do bem
natural denominado “Jacarenema”;
4) Decretos Municipais nº. 033/2003 e 026/2008, que criou o Parque Natural Municipal –
PNM de Jacarenema, sendo então considerada uma categoria de Proteção Integral, onde apenas
é possível o uso indireto da Unidade de Conservação.
Logo, o PNM de Jacarenema é considerado uma Unidade de Conservação de Proteção Integral,
que tem por objetivo básico preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto de seus
recursos naturais, tendo, ainda, em mira, “basicamente, a preservação e ecossistemas naturais de
grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e
o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato
com a natureza e de turismo ecológico (art. 11, § § 1º, 2º, 3º e 4º, da Lei n. 9.985/2000)”.
4 Fonte: http://www.avidepa.org.br/areas%20naturais/jacarenema/ambiente/Antrópico/Antrópico.pdf. Acesso em
13/03/2012. 5 Anterior Lei nº. 4.771/1965.
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No que se refere ao caso em tela, é fundamental que seja observado o Plano de Manejo do Parque
Natural Municipal de Jacarenema.
Aliás, a referência ao citado plano está em perfeita consonância com o art. 28 da Lei nº.
9.985/2000 (Lei do SNUC), que dispõe: “São proibidas, nas unidades de conservação, quaisquer
alterações, atividades ou modalidades de utilização em desacordo com os seus objetivos, o seu
Plano de Manejo e seus regulamentos”, sendo que “Até que seja elaborado o Plano de Manejo,
todas as atividades e obras desenvolvidas nas unidades de conservação de proteção integral
devem se limitar àquelas destinadas a garantir a integridade dos recursos que a unidade objetiva
proteger, assegurando-se às populações tradicionais porventura residentes na área as condições
e os meios necessários para a satisfação de suas necessidades materiais, sociais e culturais”
(parágrafo único);
Destarte, não resta dúvida que o Parque Natural Municipal de Jacarenema é uma área de grande
relevância ambiental, que merece efetiva proteção, o que depende, fundamentalmente, de uma
administração pública ambiental eficiente.
2.3. DO DEVER DO MUNICÍPIO DE VILA VELHA DE PROTEÇÃO EFICIENTE DO
MEIO AMBIENTE
Conforme ensina Juarez Freitas, “O direito fundamental à boa administração pública
(compreendido, para recapitular, como direito fundamental à administração eficiente e eficaz,
proporcional cumpridora de seus deveres, com transparência, motivação, imparcialidade e
respeito à moralidade, à participação social e à plena responsabilidade por suas condutas
omissivas e comissivas) acarreta o dever de observar, nas relações administrativas, a totalidade
dos princípios constitucionais, entre os quais cumpre incluir, com ênfase, os princípios da
prevenção e da precaução”6.
Sendo assim, o poder público é um dos responsáveis pela efetividade das ações voltadas para
assegurar a observância da Política Nacional de Meio Ambiente, não sendo, dessa forma, admitida
6 FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 4 ed. São Paulo: Malheiros,
2009, p. 138.
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uma postura omissiva ou ineficiente dos gestores públicos, sob pena de violação aos princípios que
regem a Administração Pública (CF, art. 37, caput).
Com efeito, é fundamental observar o direito fundamental à boa gestão pública ambiental, uma
vez que em tal seara o aspecto temporal ganha contornos de maior importância, pois, como se
sabe, a potencialidade das condutas lesivas aumenta com a submissão do meio ambiente aos
agentes degradadores, bem como diante de posturas omissivas e ineficientes dos gestores público
que, com tal tipo de comportamento, acabam negando a execução de leis federais.
Para assegurar a efetividade desse direito de proteção eficiente ao meio ambiente, incumbe ao
Poder Público, dentre outras atividades, definir espaços territoriais e seus componentes a serem
especialmente protegidos, bem como proteger a fauna e a flora, conforme § 1o, incisos III e VII do
dispositivo constitucional mencionado, não se admitindo uma proteção deficiente em relação a tal
direito, em especial dos administradores, que possuem o dever jurídico da boa gestão ambiental.
Nessa senda, aliás, são oportunas as observações de Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer7:
O Estado Socioambiental de Direito, nesse cenário constitucional, tem por missão e dever
constitucional atender ao comando normativo emanado do art. 225 da CF88, considerando,
inclusive, o extenso rol exemplificativo de deveres de proteção ambiental elencado no seu § 1º,
sob pena de, não o fazendo, tanto sob a ótica da sua ação quanto da sua omissão, incorrer em
práticas inconstitucionais ou antijurídicas autorizadoras da sua responsabilização por danos
causados a terceiros – além do dano causado ao meio ambiente em si. Nesse contexto, a CF88
delineou a competência administrativa (art. 23), em sintonia com os deveres de proteção
ambiental, de todos os entes federativos (Municípios, Estados, distrito Federal e União) na
seara ambiental, de modo que incumbe a todos a tarefa – e responsabilidade solidária – de
“proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas (inciso VI)”. A
partir de tal entendimento, a não atuação (quando lhe é imposto juridicamente agir) ou a
atuação insuficiente (de modo a não proteger o direito fundamental de modo adequado e
suficiente), no tocante a medidas legislativas e administrativas voltadas ao combate às causas
geradoras do ambiente, pode ensejar, em alguns casos, até mesmo a intervenção e o controle
7 Direito Constitucional Ambiental. Estudos sobre a constituição, os direitos Fundamentais e a Proteção do Ambiente.
São Paulo: RT, 2011, p. 43/44.
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judicial, inclusive no tocante às políticas levadas a cabo pelos entes federativos em matéria
socioambiental.
2.4. DOS DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE E O DEVER LEGAL DO
MUNICÍPIO DE VILA VELHA DE RECUPERAÇÃO DAS AREAS DEGRADADAS -
POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS: MANDADO CONSTITUCIONAL
Toda abordagem anterior se fez necessária para demonstrar a patente ilegalidade praticada
pelo Município de Vila Velha em relação às intervenções que realizou no final de dezembro
de 2013 na referida unidade de conservação, como também as omissões posteriores, no
sentido de recuperar as áreas degradas, em absoluta afronta aos princípios e regras
ambientais protetivas do Parque Natural Municipal de Jacarenema.
Não resta dúvida, portanto, que o Município de Vila Velha, por meio de seus representantes legais,
violou – e vem violando - princípios básicos da administração pública, os quais todo gestor
público deve absoluta observância, fato que inclusive pode gerar para os agentes públicos ato
de improbidade administrativa.
Não se desconsidera que na época das intervenções havia uma situação emergencial causada pelas
fortes e anormais chuvas que assolaram o município de Vila Velha. Porém, mesmo diante do
estado de emergência vivenciado, a Administração Pública não pode – e não poderia - traçar suas
ações de forma amadora, na expectativa do acerto ou erro, vez que está lidando com o patrimônio
material e imaterial de toda uma coletividade.
Contudo, como visto, as intervenções realizadas pelo Município de Vila Velha revelaram uma
incrível falta de planejamento, pois realizadas sem estar fundamentadas em estudos técnicos
adequados que indicassem a viabilidade do ponto de vista ambiental. Tanto é verdade que,
conforme demonstrado amplamente na apuração do Ministério Público, as referidas intervenções
não tiveram nenhuma efetividade.
Assim, se a responsabilidade dos agentes públicos em relação aos fatos na época das intervenções
podem, em tese, ser justificadas em vista de uma situação de inexigibilidade de conduta diversa ou
por estado de necessidade, uma vez superado o momento emergencial, jamais a PMVV poderia
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permanecer na inércia diante do dano ambiental ocorrido, que se agrava a cada dia em virtude de
sua injustificável omissão em recompor e restaurar as áreas degradas.
Com efeito, além de violar a Constituição Federal, quem em seu artigo 225, obriga o poder público
municipal a velar, de forma eficiente, pelo meio ambiente, a conduta da Prefeitura de Vila Velha
está também em desacordo com sua legislação municipal. Realmente, o PDM de Vila Velha (Lei
nº 4.575, de 26 de novembro de 2007) expressa que, dentre as politicas do município, esta
preservar os bens e recursos naturais que integram patrimônio ambiental e a região do parque de
Jacarenema. Esta lei também define a região como Zonas de Especial Interesse Ambiental – ZEIA,
onde o objetivo é consolidar as Unidades de Conservação e proteger áreas de restinga. Assim, é
oportuno trazer à colação as seguintes regras:
Art. 15. É condicionante da Política Urbana de Vila Velha, a preservação dos bens e recursos
naturais que integram o seu patrimônio ambiental e cultural, principalmente:
I - as Unidades de Conservação instituídas e a instituir;
Art. 93 As Zonas de Especial Interesse compreendem as áreas do território que exigem
tratamento diferenciado para efeito da aplicação dos parâmetros e dos instrumentos da
política urbana e para indução do desenvolvimento urbano.
Art. 94 As Zonas de Especial Interesse classificam-se em:
II - Zonas de Especial Interesse Ambiental - ZEIA;
Art. 104 Os objetivos principais das ZEIA são:
I - consolidar as Unidades de Conservação Ambiental;
II - proteger as áreas de restinga;
XII - proteger a região de Jacarenema e Morro da Concha;
§ 1º O Município poderá criar mecanismos de incentivo à proteção, conservação e
recuperação das ZEIA.
Para melhor ilustrar, vejamos a figura abaixo.
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Indicação das Zonas de Especial Interesse Ambiental – ZEIA, localizada no parque Natural
Municipal de Jacarenema.
Outros fundamentos da ilegalidade produzida, e do dever de evitá-la por parte do Poder Público
Municipal (ou de contê-la ou repará-la), merecem ser apontados:
- art. 37, § 6º da Constituição Federal - responsabilidade objetiva estatal - pois
tanto o comportamento omissivo como o comissivo dos seus agentes causam
danos a terceiros, ficando, portanto os entes políticos obrigados a repará-los,
independentemente de culpa;
- art. 30, inc. VIII da Constituição Federal: obrigação do Município de promover o
adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do
parcelamento e da ocupação do solo urbano;
- art. 23, incs. II, V, VI e IX da Constituição Federal: obrigação do MUNICÍPIO
e do Estado de proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de
suas formas, preservar a fauna e flora e a melhoria das condições habitacionais e
de saneamento básico;
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- arts. 225, § 1º e seus incisos, 23, incs. II, V, VI e IX, ambos da Constituição
Federal: dever do MUNICÍPIO e do Estado de preservar, proteger e recuperar o
meio ambiente degradado, incluído, por óbvio, o meio ambiente urbano.
Não obstante, o que se nota é uma postura oposta por parte do Município de Vila Velha, pois,
conforme exaustivamente demonstrado, permanece omisso até o presente momento em relação ao
dano que causou na área de proteção integral, não restando, portanto, dúvida acerca da obrigação
da Prefeitura Municipal de Vila Velha em reparar ou indenizar o dano causado ao meio ambiente
(no caso, a área com vegetação suprimida do Parque Municipal de Jacarenema).
Tal responsabilidade, aliás, além da Constituição Federal (art. 225, § 3º), decorre também do § 1º
do art. 14 da Lei nº. 6.938/1981, ao consagrar a responsabilidade objetiva do poluidor face aos
danos ambientais, in verbis:
Art 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e
municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção
dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental
sujeitará os transgressores:
§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor
obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos
causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério
Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de
responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
Aliás, nesse ponto, é de se lembrar da incidência do princípio constitucional da reparação integral
do dano ambiental pelo poluidor, pelo qual “são vedadas todas as formas e fórmulas, legais ou
constitucionais de exclusão, modificação ou limitação da reparação ambiental, que deve ser
sempre integral, assegurando a proteção efetiva ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”8.
Logo, em vista do dano causado ao meio ambiente é plenamente possível manejar na ação coletiva
a cumulação de pedidos, visando a integral reparação do dano, ou seja, a obrigação de fazer ou não
8 SALVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006, p. 88.
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fazer, a indenização por danos patrimoniais e extrapatrimoniais, sendo que em relação aos últimos
são procedentes as colocações de Hortênsia Gomes Pinho9:
Os danos patrimoniais abarcam agressão inicial (danos emergentes), os lucros
cessantes ambientais e perda de uma chance ambiental. Os danos extrapatrimoniais
correspondem aos danos morais coletivos ou individuais. Segundo Mirra e Tessler, o
quantum da reparação pode ser acrescido de um valor-desestímulo, com i fito de
evitar vantagem para o poluidor, numa análise custo-benefício.
A mesma autora acima citada, ao discorrer sobre a reparação integral do dano ambiental, em lição
que vale a transcrição, pontifica:
Na seara do dano ambiental, labora-se com a “ressarcibilidade em face da
inestimabilidade”, porquanto o bem ambiental está fora do mercado. Em que pese
inexistir fórmula perfeita de valoração econômica do dano ambiental, o princípio da
reparação integral do dano impõe que, no ressarcimento dos danos ambientais,
esgotem-se todos os meios curativos e compensatórios, de forma a eliminar o prejuízo,
sob pena da impunidade do degradador, péssimo precedente.
O dano ambiental é multifário e a reparação só será integral se incorporar as
consequências patrimoniais presentes e futuras (danos ambientais em cascata, lucro
cessantes ambientais e perda de uma chance ambiental) e a extrapatrimonial ou moral
coletiva.
Com a cumulação entre os danos patrimonial ambiental e moral ambiental, chancelada
pela súmula 37 do Supremo Tribunal Federal, há uma majoração dos valores da
reparação do dano, pois os bens jurídicos atingidos são diversos. Ressalte-se que
diversamente, na conjugação das modalidades de reparação restaurativa,
compensatória e indenizatória do dano ambiental, não existe a majoração do quantum
debeatur.
A reparação do dano deve ainda englobar o ressarcimento, mediante indenização, dos
gastos da administração com a fiscalização, os custos do monitoramento e da auditoria
externa e de suam ampla divulgação.
(...)
9 Prevenção e Reparação de Danos Ambientais. As Medidas de Reposição Natural, Compensatórias e Preventivas e a
Indenização Pecuniária. Rio de Janeiro: GZ, 2010, p. 522.
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O Direito Ambiental Brasileiro não admite predeterminação de limites à reparabilidade
de danos ambientais, não sendo aplicado à responsabilidade civil ambiental o disposto
no art. 944, § 1º do Código Civil, que prevê na hipótese de excessiva desproporção entre
a gravidade da culpa e o dano, que o juiz pode reduzir a indenização. A
responsabilidade civil ambiental é um subsistema com fundamentação constitucional. E
na Carta Magna não há menção a causas de exclusão da reparação integral do dano
ambiental
Entender em sentido contrário configura clara violação ao princípio da vedação de proteção
insuficiente dos direitos fundamentais, que no caso é o meio ambiente, direito fundamental de
terceira dimensão.
E mais: acaba criando situação esdrúxula, pois sendo a cumulação possível, como se sabe, em sede
de proteção de direitos individuais disponíveis, como maior razão é o seu cabimento em sede de
interesses difusos, podendo aqui ser invocado ainda o princípio da máxima efetividade da tutela
coletiva.
Por oportuno, é importante destacar que o STJ vem reconhecendo a possibilidade de
cumulação de pedidos de prestação de fazer, de não fazer e de indenização pecuniária, na
ação civil pública, conforme se pode notar pela ementa de recurso especial a seguir
transcrita:
PROCESSO CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA
TUTELA DO MEIO AMBIENTE. OBRIGAÇÕES DE FAZER, DE NÃO FAZER E
DE PAGAR QUANTIA. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS. ART.
3º DA LEI 7.347/85. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. ART. 225, § 3º DA CF,
ARTS. 2º E 4º DA LEI 6.938/81, ART. 25, IV, DA LEI 8.625/93 E ART. 83 DO CDC.
PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO, DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO
INTEGRAL.
(...)
3. Deveras, decorrem para os destinatários (Estado e comunidade), deveres e
obrigações de variada natureza, comportando prestações pessoais, positivas e
negativas (fazer e não fazer), bem como de pagar quantia (indenização dos danos
insuscetíveis de recomposição in natura), prestações essas que não se excluem, mas,
pelo contrário, se cumulam, se for o caso.
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4. A ação civil pública é o instrumento processual destinado a propiciar a tutela ao
meio ambiente (CF, art. 129, III) e submete-se ao princípio da adequação, a significar
que deve ter aptidão suficiente para operacionalizar, no plano jurisdicional, a devida e
integral proteção do direito material, a fim de ser instrumento adequado e útil.
5. A exegese do art. 3º da Lei 7.347/85 (“A ação civil poderá ter por objeto a
condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”), a
conjunção “ou” deve ser considerada com o sentido de adição (permitindo, com a
cumulação dos pedidos, a tutela integral do meio ambiente) e não o de alternativa
excludente (o que tornaria a ação civil pública instrumento inadequado a seus fins).
(...)
7. A exigência para cada espécie de prestação, da propositura de uma ação civil
pública autônoma, além de atentar contra os princípios da instrumentalidade e da
economia processual, ensejaria a possibilidade de sentenças contraditórias para
demandas semelhantes, entre as mesmas partes, com a mesma causa de pedir e com
finalidade comum (medidas de tutela ambiental), cuja única variante seriam os pedidos
mediatos, consistentes em prestações de natureza diversa.
8. Ademais, a proibição de cumular pedidos dessa natureza não encontra sustentáculo
nas regras do procedimento comum, restando ilógico negar à ação civil pública, criada
especialmente como alternativa para melhor viabilizar a tutela dos direitos difusos, o
que se permite, pela via ordinária, para tutela de todo e qualquer direito”.
9. Recurso especial desprovido.10
DDOO PPEEDDIIDDOO LLIIMMIINNAARR
Requer-se a concessão de liminar, inaudita altera pars, com fulcro no artigo 12 da Lei nº
7.347/85, pois a ocorrência de ilegalidade apresentada nesta petição inicial deve ser contida de
imediato, para que não aumentem e não se tornem irreversíveis os danos causados aos ao meio
ambiente e aos interesses da coletividade.
Com esteio nos argumentos acima expendidos, insta obrigar, em caráter liminar,
providências imediatas por parte do Município de Vila Velha no sentido de recuperar as
10
STJ, Resp 625249/PR – 1ª Turma. Rel. Ministro Luiz Fux. Dj 31.08.2006. p. 203. Recorrente: Município de
Curitiba; Recorrido: Associação de Defesa do Meio Ambiente de Araucária – AMAR.
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áreas degradas, pois caso o Poder Público permaneça omisso e ineficiente, os danos poderão
se agravar ainda mais, com sérios prejuízos ao meio ambiente e aos interesses da
coletividade.
Estabelece o art. 12 da Lei da Ação Civil Pública (Lei Federal n.º 7.347/85) que: “Poderá o juiz
conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”.
A fumaça do bom direito (fumus boni iuris), como requisito para a tutela de urgência, resta
demonstrada pelo desrespeito por parte do MUNICÍPIO DE VILA VELHA às normas federais e
municipais, conforme extensamente demonstrado, bem como pela sua postura omissiva e
ineficiente.
Por seu turno, o perigo da demora vem estampado pelos danos ambientais já causados, que
poderão ser ainda maiores, caso não cesse de imediato as intervenções na área.
Portanto, é preciso ter-se em mente que estamos em sede de proteção de interesses difusos. Assim
sendo, o que interessa é o respeito ao cidadão que cumpre religiosamente seus compromissos
sociais, paga seus impostos, e pretende ver a ordem legal respeitada.
Não se pode impor à sociedade a obrigação de suportar transgressões a seus direitos, não havendo
como se admitir que uma pessoa jurídica de direito público aja de forma menosprezar ao meio
ambiente e, consequentemente, os interesses da coletividade, olvidando que os princípios que
regem toda a sociedade também lhe são aplicáveis.
Cabe ressaltar que o Ministério Público também se sensibilizou pela situação causada pelas
fortes chuvas que atingiram o município de Vila Velha em dezembro e 2013, reconhecendo a
situação emergencial vivenciada, tendo inclusive tomado providências para minimizar
eventos naturais futuros, inclusive no que se refere às políticas públicas adotadas pelo poder
público. Porém, não há como permanecer inerte diante da demonstração de grave omissão
do ponto de vista da gestão ambiental.
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Necessária, portanto, diante da aparência do bom direito e do ‘periculum in mora’, que seja
concedida MEDIDA CAUTELAR ‘inaudita altera pars’, determinando-se que a requerida se
abstenha de realizar quaisquer intervenções na área em questão.
Por estas razões, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO, em caráter liminar inaudita altera pars,
evitando-se a frustração das medidas:
1 – Que seja determinado ao MUNICÍPIO DE VILA VELHA a obrigação de
fazer, no sentido de, no prazo de 30 (trinta) dias, realizar as intervenções
necessárias visando ao fechamento da vala relativa ao Ponto B (abertura de canal
próximo ao trevo da Rodovia Darly Santos – extravador do Canal Garanhuns
transpondo a Rodosol), sob pena de aplicação de multa diária de R$10.000.00
(dez mil reais), a ser recolhida para o fundo a que se refere o artigo 13, da Lei nº
7.347/85, bem como de responsabilização de seus responsáveis por crime de
desobediência (art.330 do Código Penal).
2 – Que seja determinado ao MUNICÍPIO DE VILA VELHA a obrigação de
fazer, no sentido de, no prazo de 30 (trinta) dias, apresente em relação às áreas
degradadas pela abertura das valas (respectivamente: Pontos A – localizado a
160 metros da foz do Rio Jucu; Ponto B – localizado próximo ao trevo da
Rodovia Darly Santos), Projeto de Recuperação de Área Degrada (PRAD) a ser
elaborado por profissional habilitado, devidamente aprovado pelo Conselho
Gestor de Unidade de Conservação, com o respectivo cronograma de execução
definido, sob pena de aplicação de multa diária de R$10.000.00 (mil reais), a ser
recolhida para o fundo a que se refere o artigo 13, da Lei nº 7.347/85, bem como
de responsabilização de seus responsáveis por crime de desobediência (art. 330
do Código Penal).
DDOOSS PPEEDDIIDDOOSS FFIINNAAIISS
Pelo todo o exposto, requer o Ministério Público Estadual:
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1 – seja a presente autuada e processada na forma e no rito ordinário, consoante
se extrai do art. 19 da Lei nº 7.347/85;
2 – seja dispensado o pagamento de custas, emolumentos e outros encargos,
desde logo (STJ REsp 864.314/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/08/2010, DJe 10/09/2010), à
vista do disposto no artigo 18 da Lei nº 7.347/85, aplicado subsidiariamente;
3 - sejam as intimações do autor feitas pessoalmente, dado o disposto no artigo
236, § 2º, do CPC e no artigo 14 do Provimento nº 14/99, de 08/03/99, da
Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Espírito Santo, com a redação que
lhe foi dada pelo Provimento nº 15/99, de 14/04/99;
4 - que a multa aplicada em partes iguais deverá ser recolhida ao Fundo de que
trata o art. 13 da Lei nº 7.347/85 a partir do dia em que se configurar o
descumprimento do mandado judicial até sentença homologatória (§2º, do art.
12, da Lei nº 7347/85), sem prejuízo da responsabilidade penal, decorrente da
desobediência;
5 - seja determinada a citação do MUNICÍPIO DE VILA VELHA, por meio
de seu representante legal, já qualificado na petição inicial, para, querendo,
contestar o presente pedido, sob pena de confissão e revelia, permitindo-se ao
Oficial de Justiça utilizar-se da exceção prevista no art. 172, § 2º, do Código de
Processo Civil;
6 - seja julgado procedente a presente demanda, para deferir em caráter
definitivo, os pedidos liminares;
7 - Sejam ainda, na forma do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981, condenado o
MUNICÍPIO DE VILA VELHA à reparação do dano ambiental, consistente
em pagar indenização a título de danos extrapatrimoniais (sociais, morais
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coletivos e de danos ao valor intrínseco do ambiente), que pode ser convertida
em medidas compensatória por equivalente ecológico, ao invés de ser destinada
ao Fundo de que trata o art. 13 da Lei nº 7.347, por força do art. 84, caput do
Código de Defesa do Consumidor, em valor a ser arbitrado em fase de liquidação
de sentença.
8 - A condenação do MUNICÍPIO DE VILA VELHA ao pagamento das custas e
demais despesas processuais.
Protesta pela produção de todo tipo de prova admissível no ordenamento jurídico, especialmente
juntada de novos documentos, depoimento pessoal, oitiva de testemunhas e perícia, requerendo,
outrossim, se for necessário, a inversão do ônus da prova.
Dá-se a causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Nestes termos, pede deferimento.
Vila Velha, 25 de janeiro de 2016.
GUSTAVO SENNA MIRANA NÍCIA REGINA SAMPAIO
PROMOTOR DE JUSTIÇA PROMOTORA DE JUSTIÇA
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