UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS
INSTITUTO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO
EVOLUÇÃO, COMPROMETIMENTO E ESCOLHA
DE MERCADOS NA INTERNACIONALIZAÇÃO
DE EMPRESAS BRASILEIRAS: ESTUDO DE
CASOS
LUIZ FILIPE GONZAGA AGAPITO DA VEIGA
MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO
ORIENTADORA: PROFª. ANGELA DA ROCHA
RIO DE JANEIRO, RJ – BRASIL
2001
ii
iii
AGRADECIMENTOS
Sou grato ao apoio e estímulo de meus colegas de turma, cujo entusiasmo e esforço final
pela conclusão da dissertação foi contagiante.
Gostaria também de agradecer aos funcionários do COPPEAD, pelas indicações e
informações quanto a referências teóricas na Biblioteca, dicas para uma convivência
mais tranqüila com o COPPEAD dadas pela secretaria acadêmica, e a paciência de
todos com os pedidos de mais prazo.
Aos membros da banca, sou grato pelo apoio e contribuições para a qualidade e
coerência do trabalho.
Agradeço especialmente à orientação da prof ª Angela, que com esforço pessoal e muita
dedicação tornou esta dissertação possível; e a sua equipe no Núcleo de
Internacionalização de Empresas financiado pelo Pronex, pelo apoio, e principalmente
Vanessa, pelo envolvimento pessoal e contribuição de qualidade nas entrevistas.
Finalmente, agradeço aos meus amigos Robson e Cecília pela paciência e pela ajuda,
aos meus colegas de trabalho por todo o incentivo, e especialmente a Gislaine, pela
compreensão, pelo carinho e incentivo para a conclusão deste trabalho.
iv
Veiga, Luiz Filipe Gonzaga Agapito da.
Evolução, comprometimento e escolha de mercados nainternacionalização de empresas brasileiras: estudo de casos /Luiz Filipe Gonzaga Agapito da Veiga. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2001.
viii; 118 p.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio deJaneiro, COPPEAD, 2001.
1. Internacionalização de Empresas – Tese. 2. Globalização– Tese. I. Título. II. Tese (Mestr. – UFRJ/COPPEAD).
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RESUMO DA DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO COPPEAD/UFRJ COMO
PARTE DOS REQUISITOS PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM
CIÊNCIAS (M. Sc.)
EVOLUÇÃO, COMPROMETIMENTO E ESCOLHA DE MERCADOS NA
INTERNACIONALIZAÇÃO DE EMPRESAS BRASILEIRAS: ESTUDO DE
CASOS
Luiz Filipe Gonzaga Agapito da Veiga
Março de 2001
Orientadora: Prof ª Angela da Rocha
Programa: Administração
O objetivo deste estudo foi, em um primeiro momento, investigar o processo de
internacionalização de empresas brasileiras, tendo sido utilizado como base o modelo
comportamental de internacionalização inicialmente proposto por Johanson e
Wiedersheim-Paul (1975) e Johanson e Vahlne (1977). Foram realizadas entrevistas em
profundidade com executivos de três empresas com longa tradição de
internacionalização, e a partir destas entrevistas os casos foram descritos e analisados
visando a compreensão das questões propostas.
Foram investigadas questões tais como: quais foram os estágios ou formas de entrada
em mercados no exterior; de que forma a seqüência da escolha dos mercados está
relacionada com o conceito de distância cultural; como se deu a evolução do
comprometimento com os mercados externos; e se ocorreu o desenvolvimento de
estruturas internas específicas e complexas para gerenciar o processo de
internacionalização. A análise dos casos resultou em novas proposições sobre a
evolução das estruturas internas de controle e sobre o papel das networks pessoais na
internacionalização de empresas brasileiras.
vi
ABSTRACT OF THE PRESENTED DISSERTATION TO COPPEAD/UFRJ AS
PART OF THE REQUIREMENTS FOR OBTAINING A MASTER'S DEGREE IN
SCIENCE (M. Sc.)
EVOLUTION, COMMITMENT AND CHOICE OF MARKETS IN THE
INTERNATIONALIZATION OF BRAZILIAN COMPANIES: CASE STUDIES
Luiz Filipe Gonzaga Agapito da Veiga
March, 2001
Advisor: Prof. Angela da Rocha
Program: Business Administration
The objective of this study was to investigate the internationalization process of
Brazilian firms, using initially as a framework the internationalization behavioral model
proposed by Johanson and Wiedersheim-Paul (1975) and Johanson and Vahlne (1977).
In depth-interviews were accomplished with executives of three companies with a long
history of internationalization, and from these interviews the cases were described and
analyzed.
The subjects investigated were: which were the stages and entry forms in foreign
markets chosen by firms; in which way the sequence of foreign markets was related to
the concept of cultural distance; how the evolution of the commitment with foreign
markets was established; and if the development of specific and complex internal
structures occurred in order to manage the internationalization process. The case
analysis provided new propositions on the evolution of internal structures of control and
the role of the executive’s personal networks in the internationalization of Brazilian
firms.
vii
SUMÁRIO
CAPÍTULO PRIMEIRO - INTRODUÇÃO ................................................................ 1
1. OBJETIVOS......................................................................................................... 1
2. RELEVÂNCIA DO ESTUDO ............................................................................. 3
3. ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO ......................................................................... 4
CAPÍTULO SEGUNDO - REVISÃO DA LITERATURA ........................................ 6
1. MODELOS DE INTERNACIONALIZAÇÃO POR ESTÁGIOS....................... 6
2. MODELOS ECONÔMICOS DE MULTINACIONALIZAÇÃO ..................... 14
3. OUTRAS PROPOSTAS .................................................................................... 17
4. A DISTÂNCIA CULTURAL NA INTERNACIONALIZAÇÃO DAS
EMPRESAS ............................................................................................................... 21
5. IMPACTO DA DISTÂNCIA CULTURAL SOBRE OS MODOS DE
ENTRADA EM MERCADOS EXTERNOS............................................................. 32
CAPÍTULO TERCEIRO - METODOLOGIA.......................................................... 36
1. MÉTODO DE PESQUISA................................................................................. 361.1. NATUREZA DO ESTUDO ......................................................................................................36
1.2. QUESTÕES DA PESQUISA ...................................................................................................37
1.3. MÉTODO DE PESQUISA: O ESTUDO DE CASOS ..............................................................37
1.4. COLETA DE DADOS..............................................................................................................38
1.5. ESCOLHA DOS INFORMANTES...........................................................................................39
1.6. ANÁLISE DOS DADOS...........................................................................................................39
1.7. LIMITAÇÕES DO MÉTODO..................................................................................................40
CAPÍTULO QUARTO - DESCRIÇÃO DOS CASOS.............................................. 42
1. CASO INDÚSTRIAS ROMI ............................................................................. 421.1. BREVE CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA ........................................................................42
1.2. O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA EMPRESA .............................................46
1.3. INVESTIMENTO DIRETO NO EXTERIOR............................................................................53
1.4. ESTRUTURA PARA A AÇÃO INTERNACIONAL ..................................................................59
2. CASO DURATEX ............................................................................................. 621.5. BREVE CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA .........................................................................62
1.6. O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA EMPRESA .............................................63
viii
1.7. O INVESTIMENTO DIRETO NO EXTERIOR........................................................................67
1.8. A ESTRUTURA PARA A AÇÃO INTERNACIONAL...............................................................73
3. CASO EUCATEX.............................................................................................. 753.1. BREVE CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA .........................................................................75
3.2. O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA EMPRESA .............................................76
3.3. O INVESTIMENTO DIRETO NO EXTERIOR........................................................................83
3.4. ESTRUTURA PARA A AÇÃO INTERNACIONAL ..................................................................91
CAPÍTULO QUINTO - ANÁLISE DOS CASOS ..................................................... 94
1. ANÁLISE DOS CASOS .................................................................................... 94
2. CONCLUSÕES................................................................................................ 106
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................ 111
ANEXO 1 - ROTEIRO DE ENTREVISTA............................................................. 116
1
CAPÍTULO PRIMEIRO - INTRODUÇÃO
1. OBJETIVOS
O Brasil assistiu, com maior intensidade a partir da década passada, a manifestações dos
efeitos de uma transformação que no mundo vem ocorrendo há pelo menos 50 anos: a
globalização dos mercados. Capitaneada pelo surgimento de uma extensa gama de
empresas que ultrapassaram as fronteiras nacionais, tendo como face mais evidente o
avanço de grandes corporações multinacionais, e levada ao extremo pelo progresso
tecnológico, principalmente em telecomunicações, informática e logística, a
globalização ampliou a circulação de mercadorias e permitiu a incorporação de novos
mercados e nações antes excluídas. Sua face benigna foi a rápida evolução de países que
conseguiram elevar a renda per capita e diversos indicadores de bem estar social através
de agressivas políticas industriais voltadas para a exportação, conhecidos como os
“Tigres Asiáticos”. Na outra ponta, vários países que promoveram uma abertura da
economia sem uma estratégia de inserção e competição no comércio mundial
experimentaram a fragilização de seu parque industrial, transferência de empregos para
países exportadores mais competitivos, e crises econômicas cíclicas.
O Brasil, até a década de 80, se encontrava isolado pelo fechamento comercial imposto
por barreiras alfandegárias, tônica de uma política protecionista voltada para a chamada
indústria nacional. Esta parceria entre estado e iniciativa privada, que distribuiu
incentivos com base em conceitos como “desenvolvimento de uma indústria
estratégica” no Brasil, fez crescer uma qualidade de empresas de rápido
2
desenvolvimento, com mercado interno cativo e dependente de regulamentação e verbas
governamentais.
Com a chegada da década de 90, o Brasil abriu-se para o comércio mundial em uma
repentina guinada política. Seguiu-se mais de uma década de exposição à forte
concorrência internacional - que comprou empresas e tomou de assalto mercados – em
que empresas nacionais se viram competindo com desvantagens, dentre elas falta de
escala, alto custo do capital e dificuldade de acesso à tecnologias de ponta, o que trouxe
a compreensão sobre a urgência da modernização.
Impulsionadas pela queda de alíquotas para importação de bens de capital e produtos
diversos, as empresas iniciaram um processo de modernização e compra de insumos no
mercado global que inverteu a longa tendência de superávites na balança comercial
brasileira na década anterior. Tendo como agravante a maciça entrada de produtos de
consumo estrangeiros, utilizada como forma de contenção dos níveis de preço no
mercado interno, o déficit na balança comercial reduziu a capacidade do país para pagar
seus compromissos financeiros internacionais, dificultando o direcionamento de
recursos para investimentos sociais, infra-estrutura e geração de crescimento.
No entanto, a competição no exterior encerrava desafios diversos dos enfrentados no
mercado doméstico, que não seriam ultrapassados sem que a empresa cumprisse uma
agenda de transformações internas, como pré-condição ou conseqüência da exposição
aos mercados externos. E estas transformações não eram indesejáveis. Muito pelo
contrário, traziam uma evolução tecnológica e consolidação da gestão estratégica,
preparando a empresa para a concorrência global e aliviando as pressões das crises
regionais cíclicas.
Timidamente, as empresas nacionais iniciaram seu processo de internacionalização.
Seja pressionadas por um ambiente interno desfavorável, ou como resultado do caráter
empreendedor de seus líderes, para aproveitar boas oportunidades, ou mesmo buscando
um crescimento que tornasse sua empresa mais sólida frente à concorrência, várias
foram as razões que levaram as empresas a se internacionalizarem (Barretto, 1998).
3
Neste momento, o mundo se descortinava frente aos olhos do executivo. Que mercados
escolher? Como servi-los? Como organizar as operações internacionais? Como obter
vantagens da operação em mercados estrangeiros? Muitas eram as variáveis que
influenciariam este processo decisório, que tem sido objeto de uma extensa linha de
pesquisa acadêmica, notadamente a partir da década de 70. Permeando os modelos
descritivos do processo de internacionalização das empresas, encontrava-se o conceito
de distância cultural (cultural distance ou psychic distance): “fatores que prejudicariam
o fluxo de informações entre a empresa e o mercado” (Johanson e Wiedersheim-Paul,
1975: 307).
Esta pesquisa busca, em um contexto mais amplo, conhecer o processo de
internacionalização de uma amostra de empresas brasileiras, utilizando para isso
entrevistas exploratórias feitas com executivos envolvidos nas decisões de
internacionalização; em um contexto mais específico, procura explorar o conceito de
distância cultural, investigando como a percepção da distância cultural afeta o executivo
em suas decisões.
O estudo faz parte da linha de pesquisa sobre Internacionalização de Empresas do
COPPEAD - Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, e conta com o apoio do PRONEX - Programa de Apoio a
Núcleos de Excelência ligado à FINEP/CAPES/CNPq.
2. RELEVÂNCIA DO ESTUDO
Os desafios da competição no mercado globalizado são complexos e multifacetados. Por
seu lado, o governo brasileiro tenta impulsionar as vendas externas através de uma
política cambial favorável e a diminuição do chamado custo Brasil envolvendo questões
ligadas a, por, exemplo, burocracia, corporativismo, infra-estrutura de transportes,
situação dos portos etc. Por outro lado, procurou o governo estimular o ingresso de
empresas na atividade exportadora, através de financiamento e outras iniciativas que
compõem o programa de incentivo às exportações – PROEX. Estas iniciativas procuram
criar um ambiente macroeconômico que favoreça o fortalecimento e a ampliação da
atividade exportadora. No entanto, essas iniciativas nem sempre foram bem sucedidas,
4
já que as atividades de exportação, muitas vezes, surgem aqui e ali, sem corresponder ao
ritmo de crescimento previsto pelo governo e desejado pela sociedade.
Exportar é preciso. E para isso deve-se enfrentar o desafio de modificar uma
mentalidade empresarial forjada por décadas de atuação exclusiva no mercado nacional,
protegido da concorrência estrangeira, e uma infra-estrutura de apoio à exportação
emperrada por décadas de desuso. No entanto, outros desafios se colocam no âmbito
microeconômico. Em seu estudo, Dichtl et al. (1990) estudaram a propensão à
exportação através de duas variáveis: ambiente da indústria e atitude gerencial, sendo
que ambas variáveis poderiam ser favoráveis ou desfavoráveis à exportação.
Concluíram que existiam dois clusters que apresentavam alto potencial para a
exportação, com ambiente favorável e atitude gerencial desfavorável ou com ambiente
desfavorável e atitude gerencial favorável, com uma percepção de desvantagem
competitiva em relação ao mercado internacional.
Este estudo se insere em uma linha de pesquisa que procura investigar o pensamento do
empresariado brasileiro quanto ao tema internacionalização, como se dá este processo,
suas variáveis e barreiras relevantes. São raros os estudos realizados no Brasil que
tratem do tema, contrastando com a literatura internacional. Em especial, o estudo da
percepção dos executivos acerca da distância cultural entre os mercados de atuação
pode trazer contribuição relevante quanto ao entendimento do comportamento e atitude
do executivo brasileiro quando confrontado com a perspectiva de internacionalizar sua
empresa, fornecendo subsídios para programas de suporte e incentivo à exportação.
3. ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO
Este trabalho está organizado em seis capítulos.
O primeiro capítulo apresenta a introdução ao estudo, destacando seus objetivos e
relevância.
O segundo capítulo apresenta uma revisão da literatura sobre o tema, enfatizando duas
áreas principais: o processo de internacionalização das empresas e a influência da
distância cultural nesse processo.
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O terceiro capítulo discute a metodologia adotada no estudo. Apresenta-se o método de
pesquisa utilizado, o estudo de casos, e o método de coleta de dados aplicado, a
entrevista em profundidade. Em seguida são descritos os procedimentos de coleta e
análise de dados e indicadas as limitações do estudo.
O quarto capítulo apresenta os três casos de empresas internacionalizadas em que se
baseou o estudo. Cada caso se inicia com uma breve caracterização da empresa,
seguindo-se uma descrição de seu processo de internacionalização, com ênfase no
investimento direto no exterior e de sua estrutura para a ação internacional.
O quinto capítulo apresenta uma análise dos casos, a partir das perguntas que orientaram
a pesquisa e as conclusões e campos para futuras pesquisas.
6
CAPÍTULO SEGUNDO - REVISÃO DA LITERATURA
A literatura sobre o processo de internacionalização se ocupa de vários temas, sendo o
mais recorrente a proposição de um modelo que seja descritivo e prescritivo em relação
aos passos que as empresas seguem durante o processo. Modos de entrada, esquemas de
decisão quanto a iniciar o processo, estratégias e desenvolvimento de estruturas
organizacionais, instrumentos de controle e escolha de pessoal durante o processo são
assuntos também estudados. A distância cultural surge como importante aspecto do
processo, uma variável a que muitos estudos se referem como determinante de escolhas
relacionadas a todos os outros temas.
1. MODELOS DE INTERNACIONALIZAÇÃO POR ESTÁGIOS
Os estudos iniciais do processo de internacionalização das empresas produziram teorias
(Johanson e Wiedersheim-Paul, 1975; Johanson e Vahlne, 1977) cuja base se assentava
em uma idéia de estágios, um processo gradual que dependia de diversas variáveis. Este
modelo de internacionalização ficou conhecido como o Modelo de Uppsala (em alusão
à Universidade de Uppsala, na Suécia, onde foi primeiramente proposto). Segundo
Johanson e Wiedersheim-Paul (1975), o desenvolvimento incremental do processo de
internacionalização das empresas se devia ao nível de risco percebido com relação aos
mercados estrangeiros resultante do desconhecimento de sua dinâmica,
desconhecimento este que seria gradualmente reduzido pelo fator experiência.
O modelo propõe quatro diferentes estágios de internacionalização: (1) atividades de
exportação não regulares, (2) exportação via representantes independentes ou agentes,
(3) o estabelecimento de uma ou mais subsidiárias de vendas, e (4) a implantação de
7
unidade(s) de produção/montagem no país estrangeiro. Estes quatro estágios significam
diferentes graus de comprometimento de recursos com o mercado externo, desde o
passo inicial, sem envolvimento significativo de recursos, passando pelo
estabelecimento de um canal regular para o fluxo de informações via agentes, busca de
maior controle sobre os fatores de mercado com a subsidiária de vendas, até o
comprometimento maior de recursos com o estabelecimento de uma unidade de
produção.
Em pesquisa empírica, Johanson e Wiedersheim-Paul (1975) compararam os processos
de internacionalização de quatro empresas suecas, ao longo do tempo, com o modelo
proposto de quatro estágios. O estudo, além de buscar um padrão seqüencial de estágios
na entrada em diversos mercados, procurou estabelecer correlações entre a ordem dos
mercados escolhidos e o tamanho do mercado, e com o conceito de distância cultural. O
tamanho dos mercados estaria relacionado tanto ao potencial de negócios
(oportunidades) que este poderia proporcionar, quanto a comparações com o mercado
doméstico da empresa, no sentido de buscar semelhanças que atenuassem a percepção
de riscos.
A distância cultural entre o mercados doméstico e o de atuação da empresa influenciaria
a dificuldade de obtenção de conhecimento sobre o mercado, aumentando incertezas e
riscos percebidos. Assim, o padrão de estabelecimento de relações com os mercados
seria compatível com uma escala que classificasse os mercados quanto à sua distância
cultural do mercado doméstico.
A venda por agentes em um mercado levaria à escolha de agentes em todos os outros
mercados antes do estabelecimento de uma subsidiária em outros mercados, o que
precederia a implantação da primeira unidade produtiva, indicando que a passagem para
um estágio de internacionalização resultaria no desenvolvimento de estruturas internas
(inteligência, recursos humanos, canais de comunicação, estruturas organizacionais)
cada vez mais complexas para o controle das operações internacionais. Como resultado
da pesquisa, o modelo de estágios proporcionou uma correta descrição do padrão de
internacionalização das empresas, observando-se apenas comportamentos diferentes
quanto às relações entre tamanho de mercado e distância cultural.
8
Em estudo posterior, Johanson e Vahlne (1977) propuseram um modelo teórico que
conceitualizou a dinâmica do processo de internacionalização das empresas a partir da
relação entre risco e conhecimento de mercado, grau de atividade no mercado
(comprometimento e operações) e decisões de comprometimento de recursos. O nível
de risco e incertezas percebido nas operações em um mercado estrangeiro seria
inversamente proporcional ao nível de conhecimento que a empresa detivesse sobre este
mercado. Assim, o acúmulo de conhecimento e um maior comprometimento com o
mercado levariam a novas decisões de comprometimento e modificações nas atividades
atuais neste mercado, proporcionando um novo nível de conhecimento sobre o mercado.
O conhecimento sobre o mercado poderia ser adquirido de duas formas: como
conhecimento objetivo, poderia ser ensinado, transferido, registrado; como
conhecimento prático ou experimental, adquirido através da experiência dos recursos
humanos da empresa com o mercado, seria mais crítico, por ser mais difícil de obter.
Comprometimento com o mercado foi entendido como a quantidade de recursos
atribuída a determinado mercado, principalmente recursos dedicados ou especializados
que seriam mais difíceis de reaproveitar para outros fins. As decisões de
comprometimento estariam relacionadas às atividades atuais neste mercado, motivadas
por problemas ou oportunidades que surgissem nas operações no mercado. O
reconhecimento de problemas e oportunidades no mercado seria função de exposição e
experiência. As soluções encontradas levariam a um novo nível de comprometimento
com o mercado, e a um novo nível de atividades, que seria a principal fonte de
experiência e aprendizado.
Hedlund e Kverneland (1983) analisaram a teoria de processo gradual de
internacionalização a partir de um estudo realizado entre empresas suecas atuantes no
mercado japonês. Segundo os autores, vários fatores iriam de encontro às teorias de
estágios, dentre eles: a experiência internacional levaria as empresas a queimarem
etapas no processo, descaracterizando um processo gradual; o ambiente de negócios nos
diversos países estaria ficando cada vez mais homogêneo, reduzindo o risco percebido e
possibilitando o surgimento de novas estruturas empresariais, mais descentralizadas e
preocupadas em integrar os mercados em uma estratégia global; a combinação desses
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fatores estaria gerando um novo tipo de empresa, multinacional em essência, que não
apresentaria distinções entre mercado doméstico e internacional.
Os autores criticaram as conclusões dos teóricos do processo em estágios em função de
deficiências metodológicas em seus estudos, principalmente no tamanho não
significativo da amostra, ou em amostras contendo um tipo muito particular de empresa;
a influência das estratégias das empresas sobre o processo, o que não teria sido levado
em conta pelos estudos anteriores; e a eliminação das amostras de empresas que
abandonaram o processo antes do estágio de investimento direto em unidades de
produção.
Definindo “caminho longo” como o caminho proposto pela teoria de estágios (venda via
agentes, em seguida via subsidiária de vendas e posteriormente estabelecimento de
unidade produtiva) e “caminho curto” como a passagem direta de agentes para unidade
produtiva, os autores obtiveram resultados favorecendo o caminho curto em detrimento
do longo. Alguns fatores foram apontados pelos autores como responsáveis por este
novo comportamento:
! Conhecimento do mercado - empresas que adotaram o caminho curto tenderiam a se
utilizar de joint ventures ou subcontratação de fabricação, em contraposição ao
caminho longo, em que as empresas preferiam filiais próprias. Isto poderia sinalizar
uma busca por um contato mais estreito com a cultura estrangeira pelas empresas
que adotassem o caminho curto, no sentido de agilizar o processo de aprendizagem;
! Experiência internacional - empresas que seguiam o caminho curto tinham
relativamente mais experiência internacional anterior do que as outras;
! Outros fatores - o tamanho das empresas que adotaram o caminho curto era maior
do que as restantes; a necessidade de adaptação de produtos e serviços ao mercado
japonês poderia ser um fator que levaria as empresas a rapidamente estabelecer
unidades produtivas no Japão. Segundo os autores, não foi possível estabelecer uma
relação consistente entre a escolha do caminho curto ou longo e desempenho da
empresa.
10
Turnbull (1987) também criticou o modelo de estágios de internacionalização,
primeiramente por sua pequena evidenciação empírica, e posteriormente pela existência
de indícios em outros estudos de que as empresas realmente não seguiriam nenhuma
ordem que fosse consistente com estes modelos. O autor mencionou, em suas
considerações, a existência de problemas de metodologia e interpretação, notadamente
os relacionados à compreensão de empresas multinacionais de grande porte, sua
organização estrutural em divisões complexas e dinâmicas por produtos ou mercados, o
que tornaria difícil definir seu grau de internacionalização. Outro problema estaria na
dificuldade para estabelecer critérios para o julgamento do grau de internacionalização
de uma empresa.
A partir de pesquisa empírica realizada por Turnbull (1987), diversas evidências
contrapunham-se aos modelos de estágios. Em alguns casos, apesar de uma grande
dependência dos mercados externos, a estrutura de vendas mais utilizada pelas empresas
era a de agentes, com venda direta entre as empresas. Os agentes eram responsáveis pela
busca de oportunidades, negociações e contratos com clientes, e a manutenção e
serviços pós-vendas. Com a vantagem de não agregarem custos aos fornecedores, a
escolha de agentes era mais vantajosa para o mercado, sem relação com uma evolução
seqüencial de internacionalização. Os desafios da evolução tecnológica forçaram as
empresas a um processo mais acelerado de internacionalização. Empresas de grande
porte mostraram baixo grau de orientação internacional, enquanto outras se utilizaram
de estruturas semelhantes para mercados onde já tinham presença substancial e outros
onde estavam entrando, demonstrando pouca relação entre tamanho e grau de
internacionalização, experiência e estrutura de vendas. Algumas empresas empregavam
subsidiárias de vendas, agentes e distribuidores para atender ao mesmo mercado.
Em geral, não foi encontrado suporte empírico para uma relação entre tamanho da
empresa e sua estrutura de vendas. Também não havia evidências quanto à relação entre
comprometimento com o mercado (medido pela proporção de vendas para o exterior no
faturamento) e estrutura organizacional adotada. Existiam mesmo empresas com
pequeno volume de exportação que montavam subsidiárias de vendas e fábricas em
outros mercados. A pesquisa mostrou que as escolhas de estruturas eram semelhantes
nos mercados. O estudo não apresentou suporte à teoria de estágios de
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internacionalização, sugerindo que o grau de orientação internacional seria determinado
pelo ambiente, a estrutura do setor e pela estratégia de marketing. Afirmou ainda o autor
que a teoria de estágios teria sido útil nos anos 60, quando foi concebida, mas havia
perdido o sentido nos anos 80 em mercados mutáveis e competitivos. Por fim, observou
que a teoria de estágios seria melhor usada para fins de classificação da indústria, mas
não como explicação de como e por quê ocorreria a internacionalização. Os estudos
deveriam ser realizados em segmentos e a busca por uma teoria mais generalizada
deveria ser descartada, devido às diferenças entre os setores e suas estratégias.
Outros autores modificaram a teoria de internacionalização por estágios proposta pelos
teóricos de Uppsalla, observando o processo sob pontos de vista diferentes ou mais
abrangentes. Cavusgil (1984) procurou relacionar em seu estudo diversas características
mensuráveis das empresas com uma classificação por ele proposta relativa ao grau de
envolvimento com mercados internacionais, a saber: “envolvimento experimental”,
onde a empresa trataria o mercado externo como marginal, com objetivos de curto
prazo, poucos clientes e pouco comprometimento de recursos gerenciais; “envolvimento
ativo”, onde a exportação seria mais regular, o marketing mix já seria mais adaptado aos
mercados externos, a empresa procuraria mercados atraentes para servir, com uma base
mais estável de clientes; e “comprometimento”, onde a empresa buscaria oportunidades
de negócios globalmente, estabeleceria subsidiárias de vendas e produção em mercados
externos, se beneficiaria do global sourcing, tornando tênues os limites entre os
mercados doméstico e externo.
O tamanho da empresa, medido em volume de faturamento ou número de empregados
não apresentava relação forte com o grau de internacionalização, assim como o tempo
de experiência de exportação. Intensidade de exportação (razão entre volume de
exportação e vendas totais) também não apresentava correlação perfeita com o grau de
internacionalização. Apenas o percentual do lucro obtido em exportações teve boa
correlação com o grau de internacionalização.
Em geral, o grau de competição no mercado doméstico não seria importante para o grau
de internacionalização, mas a saturação do mercado ou uma posição na maturidade ou
declínio no ciclo de vida de seus produtos poderia levar as empresas a uma posição de
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maior comprometimento. A primeira forma de envolvimento das empresas com o
mercado externo seria a exportação, a partir de pedidos externos não previstos. Com o
tempo, as empresas mais comprometidas passariam a procurar mais por lucros. Para
empresas experimentais, o maior problema seria a formação de canais de distribuição.
Para as ativas e comprometidas as flutuações das moedas estrangeiras seriam sua maior
preocupação.
Independente do grau de internacionalização, as empresas não precisariam de um
produto excepcional, mas um produto de qualidade já seria fator de sucesso no mercado
externo. A escolha dos mercados a servir não acompanharia a teoria da distância
cultural, isto é, não seriam escolhidos primeiramente mercados culturalmente próximos
do doméstico, nem existiria diferença entre os três tipos de empresa em relação a este
quesito. A estrutura organizacional se tornaria mais complexa na medida em que a
empresa se internacionalizasse, ao mesmo tempo que decresceria o envolvimento do
principal executivo. Empresas em estágios mais avançados de internacionalização
dariam mais importância a pesquisas de marketing, procurando obter informações sobre
o mercado de todas as formas possíveis, ao contrário das experimentais, que se
contentariam com informações obtidas em publicações ou feiras comerciais. Quanto
mais experientes as empresas, melhor desenvolvido seria o canal de obtenção de
informações sobre o mercado.
A partir de uma definição mais genérica de internacionalização das empresas - o
processo de envolvimento incremental em operações internacionais - Welch e
Luostarinen (1988) situaram internacionalização em um contexto amplo, que englobaria
tanto as exportações ou vendas de produtos manufaturados, e até mesmo a utilização de
fornecedores externos (de outros países).
Foram examinadas algumas dimensões do processo de internacionalização das
empresas, como a seguir:
! método operacional - na medida em que aumentava o grau de comprometimento das
empresas com um mercado internacional qualquer, modificar-se-ia o método
utilizado para servir este mercado, como indicado em vários estudos (Johanson e
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Wiedersheim-Paul, 1975; Johanson e Vahlne, 1977), motivados por ganhos em
experiência e conhecimento sobre o mercado, ameaças ou regulações
governamentais protecionistas contra exportações bem sucedidas. O sucesso no
processo de internacionalização dependeria da habilidade para empregar vários
métodos de aproximação em operações internacionais;
! objeto da venda - o aumento do envolvimento com um mercado internacional
implicaria normalmente em aprofundar e diversificar a oferta, utilizando um novo
produto, ou reformulando totalmente e expandindo um produto existente, com
inclusão de componentes como serviços, tecnologia, etc.;
! mercados alvo - empresas iniciando processo de internacionalização procurariam
mercados semelhantes, em termos de distância cultural, aos mercados onde já
atuavam, e quanto mais maduro este processo, mais distantes seriam os mercados
procurados;
! recursos humanos - o pessoal envolvido no processo de internacionalização seria
fator de sucesso para estas operações, isto é, a escolha dos responsáveis pelas
decisões entre pessoal com experiência internacional, domínio da língua e da
cultura, além de políticas de treinamento que levariam em conta as necessidades de
uma firma neste processo diminuiriam a incidência de baixo desempenho e falhas;
! estrutura organizacional - o crescente compromisso com mercados internacionais
seria seguido pelo estabelecimento de cada vez mais complexas estruturas na
organização, responsáveis pela coordenação do processo de internacionalização;
! finanças - o grau de internacionalização das empresas estaria relacionado com o
desenvolvimento de mecanismos diversos para o financiamento destas operações.
Os estudos realizados por vários autores confirmariam a chamado processo
evolucionário de internacionalização, não só quanto ao método operacional como nos
estudos ligados às indústrias suecas, como quanto às ofertas de produtos, isto é,
seguindo a idéia de produtos estendidos, ampliados, etc. Somente as empresas de
serviços escapariam a este processo, mais pela natureza de sua oferta. Apesar deste
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processo ser reconhecível na maioria dos casos estudados, ele seria irregular, sendo que
várias empresas optariam por seguir caminhos diferentes, às vezes saltando etapas. Isto
se daria tanto por particularidades dos mercados e países em que a empresa atuava,
quanto pelo próprio conhecimento acumulado na empresa, que lhe permitiria diminuir o
risco na entrada em mercados distantes. Vários seriam os fatores determinantes do
processo de internacionalização, dentre os quais: disponibilidade de recursos, ou a
relação entre recursos (e o tamanho das empresas) e a rapidez de seu processo de
internacionalização (pequenas firmas, com menos recursos, tenderiam a agir mais
lentamente); o conhecimento (know-how) seria um fator crítico, não só sobre o mercado,
mas sobre técnicas de operação no exterior, sobre fornecedores, pessoal, etc.; o contato
pessoal e interação social seriam importantes no estabelecimento de networks (redes de
comunicação), principalmente aquelas entre fornecedores e distribuidores, cuja distância
tenderia a ser acentuada pelas barreiras físicas e culturais, consumindo tempo no
estabelecimento de contatos e experiência; risco e incertezas existiriam tanto do lado da
empresa que entra em um novo mercado quanto de consumidores e empresas que
realizassem negócios com empresas estrangeiras, sendo por isso que as empresas
costumariam iniciar a internacionalização por mercados semelhantes aos seus mercados
domésticos; na medida em que as operações internacionais crescem, a empresa a
buscaria maior controle, normalmente por insatisfação com a relação entre potencial do
mercado e desempenho real, criada pelo acúmulo de experiência naquele mercado, o
que lhe daria uma visão mais profunda sobre suas características; e o compromisso com
o mercado internacional, que cresceria na medida em que maior quantidade de recursos
fossem destinados a ele, particularmente face ao desenvolvimento de uma estratégia de
internacionalização.
2. MODELOS ECONÔMICOS DE MULTINACIONALIZAÇÃO
O estudo do processo de internacionalização das empresas passa pelo estudo de como as
empresas se estruturariam e se organizariam, em função de que variáveis elas tomariam
suas decisões, quais vantagens competitivas a empresa poderia obter com este processo
e como estas decisões, organização e estruturas iriam afetar seu desempenho no
mercado alvo e como organização.
15
Buckley e Casson (1979) procuraram elaborar um modelo de atuação em (atendimento
de) um dado mercado a partir do que chamaram de “efeito da localização” e “efeito da
propriedade”. Afirmaram que um mercado nacional poderia ser atendido de 4 formas
principais: (1) por firmas nacionais; (2) por subsidiárias de multinacionais; (3) via
exportações de empresas instaladas no exterior; e (4) via exportações de unidades de
produção localizadas no exterior mas de propriedade de empresas multinacionais com
sede no mercado.
Os dois primeiros casos difeririam dos demais pelo efeito localização, isto é, uns
atenderiam ao mercado de dentro, outros via exportações (de fora). Empresas buscariam
uma localização otimizada de suas subsidiárias, onde os custos gerais de produção
seriam minimizados. Entretanto, existiriam alguns fatores complicadores: o fator escala
determinaria que a estratégia de localização deveria mudar em função do tamanho do
mercado, quando fosse um único mercado a ser atendido, ou em função de custos de
distribuição, quando fossem múltiplos mercados; outras atividades além da produção,
tais como marketing e pesquisa e desenvolvimento, influenciariam a estratégia de
localização, pois consumiriam recursos diversos da produção; a estrutura competitiva do
mercado, assim como o grau de intervenção do governo no mercado e o efeito da
propriedade (comentado a seguir) influenciariam a estratégia de localização.
O efeito da propriedade, como mostrado nas alternativas (1) e (3) de um lado e (2) e (4)
do outro, passaria pelo conceito de “internalização” de um mercado, isto é, quando um
mercado externo fosse atendido por uma subsidiária de uma empresa, tornando o
mercado “interno” à empresa (criando uma multinacional). A internalização de outros
mercados seria importante em indústrias que dependem de fontes externas de matérias-
primas vitais ou de um fluxo ótimo de informação técnica e conhecimento de marketing.
Subsidiárias de empresas multinacionais teriam vantagens competitivas graças ao
acesso privilegiado ao conhecimento e tecnologia gerado internamente pela empresa nos
outros mercados em que atuasse, e acesso mais barato a recursos e produtos em razão do
preço de transferência.
Fatores ao nível da indústria em questão (natureza do produto, estrutura do mercado
externo), ao nível regional (distância regional e social, disponibilidade de matéria-
16
prima), ao nível nacional (estrutura política e fiscal) e ao nível da empresa (facilidade de
comunicação e controle) deveriam ser levados em consideração ao se buscar um
prognóstico sobre a divisão dos mercados entre os quatro grupos de empresas descritos
acima.
Pequenas e médias empresas enfrentariam problemas diferentes das grandes empresas
quando escolhessem como caminho para o crescimento a ocupação de mercados
internacionais. Buckley (1989) afirmou que as dificuldades se deveriam principalmente
a dois fatores: pouca disponibilidade de recursos financeiros e escassez de recursos
humanos habilitados ou de tempo da gerência para lidar com os problemas da
internacionalização.
A falta de recursos financeiros seria enfrentada por três tipos de estratégia: pequenas e
médias empresas geralmente seriam empresas de um único mercado ou produto,
procurando se estabelecer em nichos nos mercados estrangeiros, reduzindo assim seu
investimento inicial; ao invés de espalhar investimento por vários mercados,
escolheriam um e procuram reinvestir os resultados nesta mesma subsidiária,
estabelecendo um prazo para que ela chegasse a um certo nível de resultados que
financiasse investimentos em novos mercados; as empresas escolheriam um processo
gradual de comprometimento com os mercados internacionais, com exportação seguida
de vendas via agentes, estabelecimento de subsidiárias e então o investimento em
unidades produtivas. Desta forma, em caso de insucesso, as empresas poderiam voltar
atrás antes que um investimento mais vultoso fosse feito.
Escassez de recursos humanos habilitados seria um fator crítico, dado que a gerência
seria responsável pelo processo decisório envolvido na internacionalização. Em muitos
casos, pequenas e médias empresas com estrutura familiar viveriam o conflito entre a
manutenção do controle da família sobre a empresa e a aquisição de inteligência
gerencial no mercado. Para lidar com a falta de tempo para se dedicarem ao processo,
gerentes deixariam de lado algumas etapas do processo, evitando análises mais
demoradas ou reduzindo o processo de coleta de informações. Normalmente este
comportamento levaria a um alto grau de insucesso, mas este fator seria atenuado tendo
em vista o caráter quase sempre empreendedor e visionário destas empresas. Por fim,
17
pequenas e médias empresas seriam mais vulneráveis a mudanças no ambiente
tecnológico, político, de mercado ou institucional. Assim, a flexibilidade seria uma
vantagem competitiva importante se conquistada.
3. OUTRAS PROPOSTAS
O modelo de estágios elaborado pela escola de Uppsala não foi a única tentativa de
elaboração de um modelo para a compreensão do processo de internacionalização das
empresas. Outros autores abordaram o assunto, seja tentando ocupar lacunas deixadas
pela teoria de estágios, seja formulando novas teorias a partir de uma visão crítica.
Strandskov (1986) classificou as teorias relativas ao processo de internacionalização das
empresas segundo dois modelos: um processo unilinear, onde a empresa seguiria um
caminho preestabelecido, com fases ou estágios que corresponderiam a um arranjo entre
diversas variáveis internas ou externas à empresa; ou um processo cíclico, caracterizado
por momentos de estabilidade que se alternariam com momentos de mudança ou
revolução.
O autor afirmou que o modelo unilinear implicaria em uma visão determinística do
processo, na medida em que todas as empresas teriam que passar necessariamente por
todas as fases, sem possibilidade de saltos ou reversões na direção do movimento.
Segundo o autor, esta visão seria um ideal científico, no qual comportamentos passados
de uma empresa serviriam para prever movimentos futuros de outras. No entanto, o
próprio estudo dos comportamentos passados das empresas seria contaminado pela
visão do pesquisador, já que este olharia para a história da empresa tendo suas hipóteses
como padrão de interpretação e organização dos dados. Além disso, as empresas
apresentariam comportamentos diversos entre si, fruto de decisões tomadas por seres
humanos imprevisíveis, e em respostas a condições ambientais diversas, que não
repetiriam as condições onde decisões passadas foram tomadas.
Organizações viveriam períodos onde, em geral, não seria preciso mais do que pequenas
alterações em sua direção para dar conta da evolução dos fatores ambientais, tanto
externos quanto internos. Contudo, o ambiente poderia vir a se tornar de tal forma
18
adverso que, para sobreviver, seriam necessárias mudanças mais profundas em sua
estrutura e organização. Estas modificações do ambiente não seriam controláveis ou
previsíveis em uma análise do processo de internacionalização, o que levaria as
empresas a caminhos diversos de crescimento no mercado internacional. Porém, o autor
reconheceu que algumas variáveis teriam relação com este processo, o que indicaria
uma maior utilidade do modelo cíclico para o estudo da internacionalização das
empresas.
Outro fator importante que tem sido negligenciado seria o tempo, já que a maioria dos
estudos já realizados foi do tipo cross-sectional, o que impediu que uma visão mais
clara sobre o processo de adaptação das empresas às condições do mercado
internacional ao longo do tempo fosse alcançada. Strandskov (1986) afirmou que um
estudo mais longitudinal poderia revelar fatores que teriam relações causais diretas com
o início de comportamentos na internacionalização.
Kutschker e Bäurle (1997) propuseram um modelo para o entendimento do processo de
internacionalização, a partir da redução das diversas variáveis envolvidas no processo a
quatro dimensões principais: a distância geográfica e cultural em relação aos mercados
estrangeiros servidos; o valor agregado pela operação nestes mercados à empresa; o
grau de integração existente entre estas operações; e o tempo, como forma de
acompanhamento da dinâmica deste processo.
Os autores reconheceram a existência de dois modelos para a compreensão do processo
de internacionalização. O primeiro o caracterizaria como um processo evolucionário,
caracterizado por um modo de entrada em estágios nos mercados, que seria função de
um processo incremental de aprendizado sobre os novos mercados. O segundo seria um
processo revolucionário, no qual as decisões seriam tomadas como correção em função
de uma inadequação das estratégias utilizadas às variáveis encontradas no ambiente, o
que tornaria a operação ineficiente. Ambos os modelos seriam determinísticos e
incompletos. Os autores acreditavam na possibilidade de um controle sobre o processo,
que chamaram de “evolução planejada”, isto é, a formulação por parte da alta gerência
de uma estratégia de internacionalização que direcionaria o processo. Reconheceram, no
19
entanto, que havia momentos em que o processo passaria por grandes transformações, o
que chamaram de “episódios de internacionalização”.
Tendo como base o frame estabelecido pelas quatro dimensões da internacionalização,
os autores classificaram as estratégias utilizadas no processo. À primeira dimensão,
distância geográfica e cultural, corresponderiam as estratégias de presença, que dariam
conta da escolha de mercados alvo e da forma de entrar e servir a estes mercados. As
estratégias de alocação se refeririam à segunda dimensão, o valor agregado. Estas
estratégias cuidariam das vantagens de uma boa localização e de padronização e
melhoria em custos decorrentes da globalização das operações, bem como da
configuração da empresa, como subsidiárias independentes sob o controle de uma
holding ou uma rede de empresas interdependentes. A terceira dimensão, integração,
estaria relacionada às estratégias de coordenação, fossem elas de flexibilidade
operacional, que cuidam da estrutura superficial (infra-estrutura, sistemas de informação
e tecnologia, sistemas gerenciais); ou as que cuidam da estrutura mais profundamente,
de orientação internacional, referentes à cultura interna, valores e estruturas de poder,
por exemplo. Finalmente, a dinâmica da internacionalização geraria estratégias que se
refeririam à quarta dimensão, o tempo. Estas estratégias lidariam com a velocidade,
timing, duração, e seqüência cronológica dos passos no processo de internacionalização.
Os autores observaram que com estas estratégias não pretenderiam abarcar todo o tema
da internacionalização, mas o modelo proposto funcionaria como uma simplificação. As
estratégias formuladas também não pertenceriam exclusivamente a uma dimensão, mas
afetariam outras dimensões e seriam interdependentes. Afirmaram também que
empresas poderiam, em seu processo de internacionalização, favorecer algumas
dimensões e estratégias em detrimento de outras, e que ambas, dimensões e estratégias,
seriam verificadas tanto no nível de corporação quanto de unidades de negócios.
Barretto (1998), estudando o caso de dez empresas brasileiras que fizeram investimento
direto no exterior, identificou cinco padrões dominantes de motivação para a
internacionalização. Indo além dos motivos iniciais da ação exportadora - tais como
canalização de excedentes de produção, redução de oscilação de demanda no mercado
doméstico, desejo de aumentar a competitividade da empresa, etc. – os padrões
20
dominantes de motivação estão relacionados à persistência do processo de
internacionalização no tempo:
“...a continuidade e o aprofundamento da ação internacional dependem de outras
motivações bem mais fortes, particularmente quando se trata da passagem de uma
atividade exportadora para investimentos deliberados no exterior”. (Barretto,
1996: 191)
O primeiro padrão seria a ‘Internacionalização para o Crescimento’, geralmente
associado a empresas cuja participação no mercado doméstico é dominante e cujo custo
de expansão desta participação torna atrativa a opção pelo crescimento para o exterior.
A ‘Internacionalização para Consolidação’ se relaciona a empresas que sentem a
necessidade de ampliar sua presença no mercado externo no sentido de consolidar sua
participação, imagem, melhorar o acompanhamento conjuntural do mercado e oferecer
melhor estrutura de atendimento aos clientes.
A ‘Internacionalização para Sobrevivência’ ocorre no contexto de empresas
fornecedoras de networks internacionais, onde a decisão de internacionalização se dá
para acompanhar os movimentos da network e se relaciona à continuidade de um papel
primário na cadeia de suprimento. ‘Internacionalização por Oportunidade’ é
determinada por uma abertura da empresa para a exploração de oportunidades, que
seriam avaliadas segundo algum critério estabelecido internamente.
Finalmente, a ‘Internacionalização por Visão Estratégica’ se daria como função de uma
estratégia formulada pela alta gerência, em resposta a variáveis e fatores reais ou
percebidos, como atualização tecnológica, reconhecimento de potenciais futuros
concorrentes no mercado doméstico, risco de atuar em um único mercado, etc.
Em geral, o autor encontrou em seu estudo evidências que suportam os modelos de
internacionalização baseados nos ciclos de conhecimento e comprometimento Johanson
e Vahlne (1990), a noção de movimentação gradual para mercados culturalmente mais
distantes e a relação entre distância cultural e modos de entrada. O autor também
descreveu o papel das networks como agentes facilitadores da internacionalização, seja
reduzindo a distância cultural através da experiência coletiva da network, seja
21
motivando a internacionalização pela movimentação de alguns de seus membros, ou
como estímulo através de networks pessoais dos executivos da empresa.
4. A DISTÂNCIA CULTURAL NA INTERNACIONALIZAÇÃO DAS
EMPRESAS
O conceito de distância cultural pontuou a discussão acadêmica sobre o processo de
internacionalização de empresas. A percepção da distância cultural pelos diverso atores
dentro das empresas influenciaria suas ações e relações com mercados, estando presente
nas suas mais importantes decisões. Distância cultural foi inicialmente definida como:
“... fatores que impeçam ou perturbem os fluxos de informação entre empresas e
mercado. Exemplos destes fatores são diferenças em linguagem, cultura, sistemas
políticos, nível de educação, nível de desenvolvimento industrial, etc.” (Johanson
e Wiedersheim-Paul, 1975: 307)
Posteriormente, O’Grady e Lane (1996) propuseram uma expansão do conceito de
distância cultural para abranger diferenças regionais dentro de um país e por tipo de
indústria, diferenças decorrentes de culturas corporativas, e a inexistência, em vários
casos, de simetria na percepção da distância cultural entre dois países.
No contexto definido pela expressão “distância cultural”, cultura seria utilizada para
designar um conjunto de fatores, tais como língua, sistemas políticos e legais, nível
educacional, práticas do comércio e da indústria, e distância cultural seria uma escala de
dificuldade, dados estes elementos, para a compreensão e interpretação de informações
sobre este mercado. Desta forma, criou-se o elo entre aprendizado e redução da
distância cultural, acúmulo de experiências que tornariam o mercado culturalmente mais
próximo e seriam base para o entendimento de culturas mais distantes.
De outra forma, a distância cultural foi descrita como uma percepção subjetiva do
indivíduo (exportador) das diferenças entre seu mercado doméstico e o mercado externo
(Lee, 1998). Distância cultural seria percebida, sendo esta percepção associada ao
indivíduo que percebe, interpreta:
22
“O conceito semiótico de cultura permite uma visão do ser humano inserido em
redes de significação que orientam seus movimentos, sua capacidade concreta de
atuação e sua possibilidade de interpretar a matéria significante que o envolve. A
cultura, portanto, assume o lugar de um codificador das experiências ou
mensagens que podemos ler, em vários estilos, construindo padrões expressivos
para nós e para os demais.” (Rocha, 1996: 33)
Assim, a cultura entende-se como sendo um conjunto de símbolos que construímos para
auxiliar a nossa percepção da realidade que nos envolve. Esta simbologia criada para a
interpretação da nossa realidade explica o estranhamento frente a realidades que não
obedecem aos nossos conceitos. Rocha (1996) afirma que “a percepção quer dizer
também escolha, seleção, leitura de alguma coisa” (p. 33). Isto é, a partir do momento
em que a realidade é ordenada, passamos a interpretar e perceber tudo sob este viés, que
somente será relativizado com a proximidade, a vivência, a comunicação.
Vários autores teceram considerações sobre a distância cultural na literatura sobre
internacionalização de empresas. Dentre os anteriormente mencionados, Johanson e
Wiedersheim-Paul (1975) relacionaram distância cultural à escolha dos mercados a
servir, afirmando que as empresas procurariam entrar em mercados do menos distante
para o mais distante culturalmente, de forma a gradativamente fazer contato com
culturas com maior grau de diferença da sua própria; Johanson e Vahlne (1977)
consideraram a distância cultural como parte de um modelo, onde o aprendizado sobre o
país-alvo, como forma de obter maior familiaridade com suas particularidades e cultura,
demandaria um maior comprometimento de recursos, e por conseguinte um maior
compromisso com o mercado; Hedlund e Kverneland (1983) concluíram que a
experiência anterior em mercados internacionais reduziria a influência da distância
cultural na escolha dos modos de entrada (comprometimento de recursos), levando as
empresas a “queimarem etapas”; Cavusgil (1984) não encontrou evidências empíricas
quanto à relação entre escolha de mercados a servir e distância cultural, relatando, no
entanto, que empresas mais comprometidas com mercados internacionais procurariam
desenvolver canais mais elaborados para a obtenção de informações; Welch e
Luostarinen (1988) propuseram que o sucesso do processo de internacionalização
dependeria tanto da posse e uso de métodos e estratégias diversos para servir os
23
mercados e da escolha de recursos humanos com experiência internacional prévia,
domínio da língua e cultura para cargos envolvidos em processos decisórios; Johanson e
Valhne (1990) descreveram a distância cultural como uma manifestação, ou um possível
indicador da operação do modelo descrito anteriormente (Johanson e Vahlne, 1977),
que relaciona comprometimento e conhecimento do mercado, nível de atividades e
decisões de comprometimento; Kutschker e Bäurle (1997) reconheceram correlação
entre a distância cultural e geográfica e a escolha de mercados e forma de entrada nestes
mercados. O tema foi abordado também de outras formas, como a seguir.
Kobrin (1994) procurou identificar relações entre as estratégias das empresas
multinacionais e uma atitude gerencial geocêntrica, principalmente em relação ao
gerenciamento de recursos humanos no âmbito internacional. Atitude gerencial
geocêntrica deveria ser entendida segundo o modelo EPRG (Perlmutter, 1969 e Wind,
Douglas e Perlmutter, 1973: apud Kobrin, 1994) que classificou a forma de atuar de
uma empresa em relação aos mercados que servia em: Etnocentrismo, quando a
empresa estaria voltada para seu mercado doméstico; Policentrismo, quando procuraria
se adaptar totalmente às características do mercado externo; Regiocentrismo, quando
elaboraria estratégias de ação regional, com certa adaptação local; e Geocentrismo, o
mesmo que a anterior, mas com uma visão global da estratégia.
Empresas com uma orientação geocêntrica tenderiam a se perceber como uma entidade
orgânica internacional, onde desapareceria a noção de país de origem e todas as
unidades contribuiriam em igualdade para o sucesso da empresa. Em termos de
gerenciamento de recursos humanos, a empresa buscaria talentos em todos os lugares, e
profissionais de qualquer nacionalidade teriam oportunidades iguais de carreira ou de
ocupar qualquer cargo dentro da organização, desde que fossem os melhores habilitados
para a vaga.
Na literatura, a orientação geocêntrica tende a ser encarada como um estágio avançado
para o qual as empresas evoluiriam ao se tornarem empresas transnacionais integradas e
globalizadas. O autor, contudo, afirmou não haver relação entre estratégia, estrutura e
uma atitude geocêntrica. Uma estrutura globalizada e uma estratégia de integração desta
estrutura dentro de uma organização transnacional não levaria necessariamente a uma
24
orientação geocêntrica, conforme demonstrou sua pesquisa conduzida entre
multinacionais norte-americanas. O autor sugeriu que o surgimento de uma orientação
gerencial geocêntrica se daria dentro de organizações onde houvesse grande necessidade
de intercâmbio de informações. Para facilitar este intercâmbio, diminuindo a
possibilidade de falhas de comunicação por problemas referentes à diferenças culturais,
seria incentivado a circulação de profissionais pelas diversas unidades da empresa,
criando vínculos informais, unificando e disseminando valores e a cultura da empresa,
preparando os profissionais para o contato e a comunicação entre culturas diferentes,
incentivando a comunicação e uma percepção mais global da organização.
Shoham et al. (1995) correlacionaram o modelo EPRG de internacionalização de
empresas com outros fatores, tais como distância cultural, transferência de estratégias de
marketing e motivação para exportação. O modelo EPRG foi entendido como
correspondente aos estágios percorridos por uma empresa em seu processo de
internacionalização. Os autores propuseram que a atuação em mercados distantes
culturalmente do mercado doméstico levariam a empresa a adotar uma orientação
policêntrica, regiocêntrica ou geocêntrica; empresas etnocêntrica ou geocêntrica
tenderiam a transferir suas estratégias, enquanto policêntricas ou regiocêntricas
tenderiam a adaptar suas estratégias; empresas reativas tenderiam a ser etnocêntricas,
enquanto as proativas seriam policêntricas, regiocêntricas ou geocêntricas. Por reativos
ou proativos entender-se-ia a empresa que reagisse ao estímulo à exportação, isto é,
reativas apenas responderiam a solicitações feitas por clientes externos, enquanto os
proativos procurariam ativamente por oportunidades nos mercados estrangeiros.
Os estudos realizados pelos autores reforçariam a idéia de um caminho evolucionário
que, dentro do processo de internacionalização, levaria as empresas de um estágio de
orientação etnocêntrica (reativo, transferindo rigidamente suas estratégias de marketing
e atuando em países próximos culturalmente) a um estágio de orientação geocêntrica
(proativo, criando uma estratégia macro a servir como orientação da atuação da empresa
e atuando em mercados culturalmente distantes), e que o modelo proporcionava tanto
uma descrição do estágio em que a empresa se encontrava no momento quanto uma
prescrição do caminho que ela deveria seguir.
25
Em seu processo de decisão sobre internacionalizar ou não a empresa, a gerência se
utilizaria de referencial cognitivo que levaria em conta sua percepção sobre o ambiente
que a empresa fosse encontrar. Dichtl et al. (1986, 1990) sugeriram que distância
cultural; nível de educação, domínio da língua e experiência no estrangeiro; nível de
tolerância ao risco e resistência à mudanças; e atitude em relação à expansão para o
exterior, seriam fatores que influenciariam gerentes, sendo que uma combinação destes
fatores resultaria em baixa orientação para o mercado externo.
Em seu estudo, os autores compararam características e orientação para o exterior entre
empresas da Alemanha e do Japão (Dichtl et al., 1986), dois países que obtêm boa parte
de seu PIB a partir da exportação, e expandiram o estudo para outros países (Dichtl et
al., 1990), relacionando as características psicológicas, educacionais e culturais dos
gerentes responsáveis pela decisão de exportar com o nível de importância dado à
exportação em suas empresas. Os autores classificaram as empresas em uma matriz 2x2
cujas variáveis eram as condições do ambiente para a exportação (condutoras ou não-
condutoras) e atitude da gerência em relação à exportação (favoráveis ou não-
favoráveis). Dentro desta classificação, feita exclusivamente com empresas alemãs, dois
grupos - empresas que enfrentavam ambiente condutor com gerência não-favorável ou
ambiente não-condutor com gerência favorável - considerados com grande potencial de
exportação apresentaram número expressivo com baixo nível de exportação. Estes
grupos de empresas se consideravam não competitivas no mercado internacional,
principalmente no tocante a preços e em sua percepção sobre os custos de
desenvolvimento de mercado. Tinham como preocupação também problemas quanto à
linguagem e desenvolvimento de pessoal capacitado, sintomas de falta de experiência
em mercados externos e de uma percepção exagerada das dificuldades geradas pela
distância cultural.
Ao estabelecerem um ranking dos fatores considerados por empresas potencialmente
exportadoras como maiores impedimentos às exportações, os autores chegaram à
conclusão que as maiores barreiras percebidas seriam dificuldades para conseguir mão-
de-obra qualificada (know-how), dificuldades na obtenção de informações, custos de
marketing, preço e níveis de serviços pós-vendas.
26
Gripsrud (1990) estudou as empresas que se tornaram exportadoras ativas, isto é, que
apresentavam diversas formas de atuar em mercados estrangeiros e buscavam novos
mercados em países cada vez mais distantes culturalmente. Baseado na definição da
internacionalização como um processo, formulou as seguintes hipóteses: a experiência
prévia em mercados internacionais implicaria em uma atitude positiva em relação à
exploração de novos mercados; o tipo de produto exportado influenciaria a experiência
do exportador em um mercado e sua atitude em relação a futuras exportações para
aquele mercado; quanto maior a empresa, maior seria a possibilidade de ela ter
experiência prévia em exportação, e conseqüentemente uma melhor atitude em relação à
exportações.
Como objeto de estudo, o autor escolheu a relação de exportadores noruegueses de
produtos derivados de peixes para o mercado japonês, considerado um país
culturalmente distante da Noruega. A partir de variáveis que poderiam ser agrupadas em
dimensões de preço/qualidade, culturais e competitivas, o autor testou a atitude das
firmas em relação a estas barreiras potenciais e seu nível de importância na decisão de
futuras exportações.
O’Grady e Lane (1996) investigaram a relação entre proximidade cultural, e
conseqüentemente maior facilidade para desenvolver negócios no mercado estrangeiro,
e sucesso na entrada neste mercados. A pesquisa visou verificar se, conforme indicavam
estudos anteriores (Johanson e Wiedersheim-Paul, 1975; Kogut e Singh 1988), iniciar o
processo de internacionalização por países mais próximos culturalmente seria um
indicativo de maior possibilidade de sucesso. Para isso, os autores estudaram a entrada
de empresas de varejo canadenses nos Estados Unidos, dois países tanto culturalmente
quanto geograficamente próximos (Hofstede, 1980 e Nordström e Vahlne, 1992 apud
O’Grady e Lane, 1996).
O resultado das empresas acompanhadas foi majoritariamente mal sucedido, o que
levou os autores a evidenciar um paradoxo em relação à distância cultural como
considerada na literatura atual:
27
“A similaridade percebida ao entrar em países culturalmente próximos não
necessariamente reduz o nível de incerteza enfrentado, ou mesmo torna mais fácil
aprender sobre o país, por causa de falhas no processo gerencial de tomada de
decisão.”(O’Grady e Lane, 1996: 315)
De certa forma, baseadas na premissa de que proximidade cultural indicaria que as
estratégias e modos de decisão do país de origem podem ser totalmente válidos no
mercado alvo, as empresas acabariam não percebendo sutis mas importantes diferenças
nos aspectos culturais do país e do mercado. As empresas mais bem sucedidas foram
aquelas que, reconhecendo estas diferenças previamente, formaram equipes gerenciais
com experiência no mercado alvo. Os autores notaram, então, outro paradoxo referente
ao conceito de distância cultural: um mercado que apresentasse grande distância cultural
em relação ao país sede de uma empresa, e se esta empresa possuísse uma equipe
gerencial que tivesse experiência neste mercado, este mercado seria percebido como
mais próximo culturalmente do que um mercado de um país próximo, mas onde a
empresa não tivesse nenhuma experiência. A habilidade de aprender e corretamente
interpretar as informações obtidas em um novo mercado afetariam demasiadamente o
desempenho da empresa em seu processo de internacionalização.
Os autores indicaram algumas ações que poderiam ser tomadas para assegurar uma
melhor escolha da estratégia de entrada: (1) encarar mesmo mercados culturalmente
próximos como mercados estrangeiros; (2) testar pressupostos e percepções antes de
aplicá-las ao mercado; (3) assegurar uma correta interpretação dos dados sobre o
mercado, só a posse destes dados não seria o bastante; e (4) desenvolver na equipe a
habilidade para aprender, tolerância ao erro e às diferenças.
Finalmente, os autores sugeriram alguns pontos onde o conceito de distância cultural
poderia ser melhorado. Primeiramente, a parte relativa à cultura empresarial ou
mercadológica deveria ser mais completa, visto que existem diversas variáveis que
poderiam contribuir para tornar países mais distantes culturalmente uns dos outros. Em
segundo lugar, pareceu aos autores que a distância cultural não era percebida como uma
relação simétrica, sendo possível haver uma distância percebida maior em uma direção
que em outra, quando tomados dois países. Em terceiro lugar, a medição da distância
28
cultural como feita poderia levar a idéias errôneas, porque ignoraria diferenças
existentes regionalmente dentro de um país, ou por tipo de indústria. Neste caso,
segundo os autores, a distância cultural a ser levada em conta seria a percebida pela
equipe encarregada da tomada de decisões dentro da empresa. Por fim, as relações
sugeridas entre distância cultural e desempenho empresarial deveriam ser melhor
estudadas e esclarecidas.
Barkema et al. (1996) sugeriram cinco hipóteses a partir do modelo de estágios: (1) a
distância cultural estaria relacionada negativamente com a longevidade das subsidiárias,
sendo a longevidade utilizada como medida de sucesso; (2) nos casos em que existisse
uma aculturação duplicada - em relação à cultura da empresa e à cultura nacional -
como acontece em aquisições e joint ventures, a influência da distância cultural seria
maior; (3) a longevidade seria maior quando existissem experiências anteriores de
internacionalização; (4) os efeitos da hipótese 3 seriam potencializados quando o caso
em questão fosse de aculturação duplicada; e (5) os benefícios do aprendizado no
processo de internacionalização seriam mais sentidos quando a experiência prévia fosse
no país-alvo, menos sentidos quando em países de cultura próxima ao mercado
doméstico, e intermediários quando em países de cultura semelhante ao do país-alvo.
Apesar de basearem-se em um segundo momento do processo de internacionalização - o
de investimento direto no país-alvo, diferentemente dos teóricos de Uppsala, que
estudaram os primeiros estágios do processo - os autores proporcionaram confirmação
empírica para o modelo de estágios, ao afirmarem que “...empresas aprendem de suas
experiências prévias em sua gradual expansão pelo espaço cultural, e uma expansão
centrifugal é mais propensa ao sucesso do que uma estratégia aleatória” (Barkema et al.
1996: 163). Os autores afirmaram que a pesquisa empírica suportava a tese de que a
distância cultural teria maior impacto sobre casos onde existisse dupla aculturação. Este
resultado, que a primeira vista pode ser considerado contraditório em relação aos
estudos de Kogut e Singh (1988) onde as joint ventures foram consideradas formas de
entrada mais comuns quando era maior a distância cultural percebida, seria entendido ao
se verificar uma atitude de aceitação do risco de conflitos iniciais em função de uma
estratégia de mais rápida aprendizagem sobre a cultura do mercado, com vista a
melhores resultados posteriores. Os benefícios de prévia experiência em mercados
29
internacionais seriam sentidos nos padrões de longevidade (sucesso) das empresas,
sendo estes benefícios tão maiores quanto maior fosse a proximidade cultural do país-
alvo com o da experiência anterior de internacionalização.
Lee (1998), estudando a relação entre firmas exportadoras australianas e importadoras
coreanas, propôs um modelo que relaciona distância cultural, desempenho na
exportação, oportunismo, estabelecimento de relacionamentos e duração do
relacionamento. O autor estruturou e testou estatisticamente 5 hipóteses sobre o modelo,
como a seguir:
! Distância cultural está negativamente relacionada à percepção do exportador sobre
seu desempenho: o autor concluiu que a distância cultural dificultaria o fluxo de
informações necessário ao estabelecimento de estratégias, reduziria a previsibilidade
das conseqüências de suas decisões, diminuiria a reduziria a capacidade de reação
frente a demandas do mercado e dificultaria o controle e medição de seu
desempenho, fazendo com que este mercado fosse percebido como menos atrativo
para o comprometimento de recursos;
! Distância cultural está positivamente relacionada com uma atitude oportunista do
exportador: dadas as dificuldades de comunicação, avaliação de desempenho,
compartilhamento de informações, o exportador se sentiria mais propenso a atuar
com oportunismo, devido às incertezas do mercado e ao reduzido temor de
retaliações;
• nível de desempenho dos exportadores estaria positivamente relacionado ao grau
de integração (relacionamento) com o importador: os resultados indicaram que o
estreitamento de laços de confiança e compartilhamento de valores levariam o
exportador a uma percepção mais positiva de desempenho;
! Um comportamento oportunista do exportador estaria negativamente relacionado
ao estabelecimento de relacionamento com o importador: como um relacionamento
mais sólido pressuporia confiança e boas intenções, um comportamento oportunista
normalmente teria impacto negativo em um relacionamento com o parceiro;
30
! A consolidação de um relacionamento entre exportador e importador levaria a uma
duração mais extensa deste relacionamento: apesar de propor que um
relacionamento mais estreito entre exportador e importador levaria ambos a um
esforço para a manutenção deste relacionamento, o autor concluiu que havia pouco
suporte estatístico para esta hipótese, provavelmente indicando que outras variáveis
(como contratos, reputação, credibilidade, etc.) determinariam a duração do
relacionamento.
O autor concluiu que as empresas exportadoras deveriam empreender esforços para
reduzir a percepção de distância cultural, seja através de visitas, participação em feiras e
adotando uma postura mais aberta em relação à comunicação e procurando diversificar
o padrão cultural de seus funcionários, e evitar atuação de maneira oportunista nos
mercados atendidos.
A literatura sobre o processo de internacionalização das empresas tem correlacionado a
distância cultural de um lado com características (experiência internacional, país de
origem, nível cultural, educação) dos executivos encarregados da tomada de decisões; e
do outro com as etapas da internacionalização e a forma de servir o mercado alvo.
Fletcher e Bohn (1998) formularam hipóteses relacionando distância cultural, perfil dos
decisores e processo de internacionalização (inward, ou a obtenção de insumos ou
tecnologia de mercados externos; outward, ou a venda ou distribuição de produtos ou
serviços em mercados externos; e linked, com atuação em mercados estrangeiros através
de alianças estratégicas) analisadas a partir de um estudo com empresas exportadoras
australianas.
Baseados na escala de distância cultural proposta por Hofstede (1980) e revisada por
Hofstede e Bond (1988) e no modelo de internacionalização em estágios de Johanson e
Vahlne (1977), os autores realizaram uma pesquisa com 2637 empresas exportadoras
australianas, obtendo 541 respostas válidas, com 62% de pequenas empresas (1-45
funcionários), 29% de médias empresas (50 a 499 funcionários) e 9% de grandes
empresas (+ 500 funcionários).
31
Os autores sugeriram que, em geral, gerentes com familiaridade com empresas
estrangeiras, significativa experiência internacional, ou que adotassem uma postura
estratégica de adaptação do marketing mix, tenderiam a não considerar a distância
cultural como barreira ao processo de internacionalização. Entretanto, não foi
encontrada correlação entre juventude, melhor nível cultural ou educacional e redução
da percepção de distância cultural. Isto implicaria na necessidade de buscar este perfil
de executivo para gerenciar o processo de internacionalização a fim de reduzir as
dificuldades relacionadas com a distância cultural.
Da mesma forma, como a internacionalização outward envolveria adaptação às normas
e legislação do mercado alvo, a distância cultural teria maior impacto no processo de
internacionalização do que nos casos de inward e linked. Assim, na hipótese de avaliar a
entrada em mercados distantes culturalmente, a empresa deveria procurar o
estabelecimento de parcerias ou alianças, ou escolher mercados onde já existisse uma
internacionalização inward, visto que o estudo demonstrou que experiência
internacional prévia no país alvo reduziria a percepção de distância cultural.
A percepção de distância cultural poderia ser moderada através do efeito de uma
network, dado que:
“... o ‘estranhamento’ cultural percebido pelos tomadores de decisão, quando
entrando em um mercado psicologicamente distante, é reduzido ou eliminado pelo
fato de a empresa já conhecer os parceiros a quem irá servir.” (Barretto, 1998:
208)
Este efeito da network, ainda segundo Barretto (1998), é percebido tanto se a network
existe ao nível empresarial quanto ao nível pessoal dos tomadores de decisão. Assim,
tanto a network pessoal quanto fatores ligados ao perfil dos tomadores de decisão
(exposição anterior ao mercado alvo, experiência internacional, motivação e
expectativas) seriam determinantes para a redução da percepção de distância cultural e o
engajamento na internacionalização da empresa.
32
5. IMPACTO DA DISTÂNCIA CULTURAL SOBRE OS MODOS DE
ENTRADA EM MERCADOS EXTERNOS
Freqüentemente na literatura sobre internacionalização, a distância cultural foi
relacionada com a escolha dos modos de entrada em determinado mercado, ou como
servi-lo. Nestes estudos, a distância cultural estaria associada ao aprendizado,
experiência internacional prévia, percepção de risco, cultura corporativa e escolha de
estratégias.
Maignan e Lukas (1997) afirmaram que a decisão de entrada em mercados
internacionais seria função de três parâmetros, cuja valoração influenciaria a escolha do
modo de entrada: os recursos que a empresa desejaria comprometer, o risco percebido
de disseminação de informações e tecnologia neste mercado, e o nível de controle
desejado sobre as operações externas. Potencial do mercado, risco, padrão de certeza da
demanda e cultura nacional da empresa como fatores externos, e tamanho,
disponibilidade de recursos financeiros, conhecimento do mercado externo e a estratégia
global de operações como fatores internos, seriam alguns dos fatores preexistentes que
influenciariam o modo de entrada. Ao contrário do que a literatura técnica indicava -
que uma avaliação minuciosa dos fatores internos e externos, e de seu impacto sobre os
três parâmetros acima citados precederia as decisões de modo de entrada - não existia
um processo sistemático de decisão e a maioria das decisões era tomada com base na
experiência doméstica e no acervo cognitivo dos gerentes, isto é, em representações
mentais do ambiente competitivo doméstico. Seriam quatro os modelos mentais de
representação sugeridos, a saber:
• Orientação para o cliente - considerando o conhecimento sobre as necessidades dos
clientes como sua principal vantagem competitiva, estas empresas procurariam
desenvolver conhecimento sobre os consumidores semelhante ao que teriam no
mercado doméstico, mantendo certo nível de controle sobre as operações a fim de
manter níveis de qualidade. O comprometimento de recursos seria moderado,
resultando na escolha de joint-ventures com participação equânime ou minoritária
como forma de entrada.
33
• Orientação para a concorrência - seriam empresas que atuariam em um ambiente
altamente competitivo, onde conhecimento sobre mercados e processos deveriam ser
protegidos da concorrência. Evitar o risco de disseminação seria uma preocupação,
operacionalizada através de controle estrito sobre as operações, favorecendo a
entrada por meio de subsidiárias próprias ou joint-ventures com participação
majoritária.
• Orientação auto-centrada - baixo grau de responsividade às condições do mercado
levariam a uma atitude de pouca inclinação ao comprometimento de recursos ou
necessidade de controle das operações externas. Franchising e exportação seriam os
modos usuais de entrada em mercados estrangeiros.
• Orientação para o mercado - estas organizações buscariam conhecimento dos
clientes e do ambiente competitivo, agindo de forma mais racional e estruturada
através de análises das condições envolvidas no processo de internacionalização.
Estas análises indicariam para cada caso a melhor forma de entrada nos mercados,
sendo que nenhuma é mais favorecida.
As decisões via modelos de representação mental normalmente levariam a problemas
quanto à realização dos objetivos na internacionalização. A obtenção de informações
sobre os fatores preexistentes internos e externos e o desenvolvimento de metodologia e
recursos humanos capazes de transformar estas informações em decisões de uma forma
mais sistemática melhoraria a qualidade das decisões.
Distância cultural seria um dos fatores determinantes da escolha do modo de entrada em
mercados externos pelas empresas. Kogut e Singh (1988) propuseram, a partir de uma
definição de três modos de entrada (aquisição de uma empresa, joint venture ou
investimento em uma nova planta) que (1) quanto maior a distância cultural entre o país
de origem e o país-alvo, maior a probabilidade de escolha de investimento ou joint
venture contra aquisição e (2) quanto mais a cultura do país de origem fosse avessa ao
risco, maior a probabilidade de escolha de investimento ou joint venture contra
aquisição. Isto se justificaria pelo maior risco percebido pela empresa de conflitos
34
administrativos ao se assumir o controle de uma empresa já estabelecida e com cultura
própria tanto administrativa quanto nacional.
Os autores confirmaram estatisticamente as duas hipóteses, tendo como base dados
sobre a entrada de empresas estrangeiras no mercado norte americano. Para isso tiveram
que neutralizar os efeitos de variáveis relacionadas à características das empresas em
questão (diversidade de produtos, experiência anterior no mercado alvo, experiência
multinacional, tamanho da empresa) e das indústrias à que elas pertencem
(características relacionadas ao padrão de atuação em P&D e Propaganda), que
afetariam o padrão de entrada no mercado das empresas.
As características culturais de um país influenciariam a cultura corporativa de uma
empresa que nele se desenvolvesse, moldando a empresa principalmente em seus
métodos, processos, tomada de decisão, estrutura e estratégias. Empresas de países
culturalmente distantes entre si tenderiam a apresentar grandes diferenças no que diz
respeito aos seus valores, atitudes e estratégias, função de seu desenvolvimento em
culturas diferentes. Dentro de um ambiente competitivo, vantagens decorrentes da
cultura corporativa de uma empresas seriam geralmente difíceis de imitar, visto que o
desenvolvimento deste tipo de valores e estratégias pressuporia a vivência do mesmo
ambiente e história que os formou. Singh et al. (1998) estudaram Fusões e Aquisições
(F&A) entre empresas de diferentes países, investigando qual o efeito da distância
cultural no desempenho da empresa resultante da F&A. Os autores propuseram que
F&A seriam um método mais rápido de se obter as vantagens decorrentes da posse de
uma variedade de métodos e estratégias que poderiam ser utilizadas em diferentes
ambientes competitivos.
Empresas que atuam em um mercado globalizado enfrentam ambientes diversos entre
si, fruto dos traços culturais de cada país. Para alcançar um desempenho ótimo nos
vários mercados, operando com vantagem sobre seus competidores, as empresas
necessitariam de ferramentas, valores, processos decisórios e estratégias que às vezes
não se encontram disponíveis ou não foram desenvolvidos pela empresa por não serem
condizentes com seus valores corporativos ou a cultura de seu país de origem. Os
autores descobriram que muitas vezes a busca por estes valores levava as empresas a
35
F&A com empresas de culturas diferentes onde o ambiente seja propício para o
desenvolvimento destes valores. Assim sendo, o processo de F&A seria utilizado para
adquirir um repertório de valores e atitudes, além de táticas e estratégias que
possibilitem à empresa operar com vantagens em ambientes diversos, completando-a e
tornando-a menos suscetível à mudanças no ambiente competitivo.
Os autores concluíram que F&A entre empresas de culturas diferentes seria benéfico
para o desempenho das empresas envolvidas e quanto maior fosse a distância cultural
entre os países de origem destas empresas, maiores tenderiam a ser os benefícios
obtidos neste processo, pois maior a chance de se incorporarem à empresa resultante
práticas diversas e complementares que enriquecem seu repertório. Deste modo, ao
contrário do que se poderia supor a partir das teorias de internacionalização gradual
(Johanson e Wiedersheim-Paul, 1975; Johanson e Vahlne, 1977), que sugeriram ser
mais recomendável buscar primeiramente mercados mais próximos do mercado original
da empresa, para favorecer um aprendizado gradual, as empresas seriam mais
beneficiadas, no caso das F&A, por uma opção pelos países mais distantes
culturalmente, visto que estes teriam acesso a um repertório de valores, práticas e
estratégias que de outro modo seria difícil de desenvolver internamente.
36
CAPÍTULO TERCEIRO - METODOLOGIA
1. MÉTODO DE PESQUISA
1.1. NATUREZA DO ESTUDO
O presente estudo é de natureza qualitativa e exploratória. Ao abordar os temas do
processo de internacionalização da empresa e da distância cultural, essencialmente
relacionados à percepção dos sujeitos envolvidos nesse processo, o uso de métodos
quantitativos limitaria a riqueza de informações que poderiam emergir da análise de
material, obtido de forma menos estruturada e rígida. Muitas das variáveis
comportamentais relacionadas à internacionalização são apenas sugeridas no referencial
teórico utilizado nesta pesquisa, sendo que muitas vezes as interpretações acerca do
comportamento das empresas é contraditório. Entretanto, os estudos anteriores foram
feitos em realidades históricas e culturais bastante diversas da encontrada no Brasil
atualmente. São escassos os textos que tratam sobre o processo de internacionalização
das empresas no Brasil, muito por ser este um processo recente.
Por este mesmo motivo se impõe o caráter exploratório da pesquisa. Ao enfocar um
tema raramente mencionado em estudos no Brasil, esta pesquisa pretende buscar
relações e variáveis novas e – sem querer desprezar os estudos realizados no exterior -
mais próximas da realidade brasileira e do momento histórico vivido pelo país em sua
recente abertura externa e estímulo às exportações.
37
1.2. QUESTÕES DA PESQUISA
A questão geral que a pesquisa procurou explorar foi a seguinte:
- Em que medida o modelo comportamental de internacionalização explica o
processo de internacionalização de empresas brasileiras?
Especificamente, a pesquisa procurou responder às seguintes questões:
- Ocorreu uma seqüência linear de estágios, da exportação indireta à exportação
direta e ao investimento direto no exterior?
- A escolha inicial de mercados privilegiou aqueles com menor distância cultural
para, posteriormente, chegar a outros de maior distância cultural?
- O processo de internacionalização da empresa apresentou um padrão de
comprometimento crescente com mercados externos?
- Ocorreu o desenvolvimento de estruturas internas cada vez mais complexas para
o controle das operações, à medida que essas se desenvolviam?
1.3. MÉTODO DE PESQUISA: O ESTUDO DE CASOS
O método de estudo de casos é o método por excelência quando se deseja obter uma
visão bastante abrangente de um processo, como é o caso do presente estudo. Segundo
Yin (1989), um estudo de casos é “uma pesquisa empírica que investiga um fenômeno
contemporâneo no seu contexto real, quando as fronteiras entre o fenômeno e o contexto
não se encontram nitidamente definidas e em que diversas informações são
utilizadas”(p.23). Esta descrição proporcionada pelo autor mostra a adequação do
método ao problema de pesquisa de que nos ocupamos nesse estudo: o processo de
internacionalização de empresas.
O método de estudo de casos na pesquisa em Ciências Sociais encontra suas origens na
Antropologia, através de Malinowski, e na Sociologia através de Frédéric Le Play
(Hamel, 1993). Na Administração de Empresas, o método foi adotado desde a primeira
metade do século XX, embora só tenha adquirido aceitação ampla nas últimas décadas.
38
Segundo Schnelle (1967), o método do caso seria particularmente adequado ao estudo
de problemas complexos. Goode e Hatt (1975:432), por sua vez, vêem o caso como
“modo de organizar os dados em termos de uma determinada unidade escolhida, como a
história de um indivíduo ou de um grupo, ou de um processo social delimitado” e Yin
(1989:22-23) observa que “a essência de um estudo de caso... é que ele tenta iluminar
uma decisão ou um conjunto de decisões, por que elas foram tomadas, como elas foram
implementadas e com que resultado”.
Um estudo de caso pode basear-se em um único caso ou em vários casos. No presente
estudo, foram analisados os casos de três empresas brasileiras de grande porte, sob a
perspectiva de seu processo de internacionalização.
1.4. COLETA DE DADOS
O método de coleta de dados escolhido para esta pesquisa é o de entrevista em
profundidade. Como método de coleta mais informal e semi-estruturado, a entrevista em
profundidade permite ao informante responder de forma mais livre e fluente às questões
colocadas, de forma que suas respostas conterão uma imagem mais detalhada de suas
idéias, sendo possível que ele manifeste suas opiniões e percepções sobre o tema
(Mann, 1979). A entrevista em profundidade é particularmente útil quando se realizam
estudos exploratórios, visto que é uma metodologia que encoraja o surgimento de novas
idéias, variáveis ou perspectivas.
O caráter de interação entre entrevistador e informante “...possibilita ao entrevistador
aprofundar-se muito mais nas complexidades de algumas situações e pode muito bem
introduzi-lo em fatores relevantes dos quais nem sequer tivera notícia” (Mann, 1979:
104). Por outro lado, o bom andamento da entrevista é certamente influenciado pela
habilidade do entrevistador em estabelecer uma relação de confiança que permita ao
informante discorrer com segurança sobre os temas tratados, e para contornar situações
e imprevistos que poderiam inibir o informante. A interação entre entrevistador e
informante, entretanto, torna a entrevista em profundidade uma experiência bastante
pessoal, difícil de ser reproduzida (Goode e Hatt, 1975), e com resultados que irão
39
depender de uma série de variáveis que compõem o ambiente social em que se dá a
entrevista.
As entrevistas se estenderam por cerca de duas horas e foram gravadas, pois seria difícil
registrar por escrito toda a riqueza de informações obtida.
O roteiro de entrevistas utilizado encontra-se no Anexo 1.
1.5. ESCOLHA DOS INFORMANTES
A seleção dos informantes se deu, em um primeiro passo, pela escolha das empresas. As
empresas foram definidas inicialmente como sendo: empresas brasileiras que tivessem
passado por algumas etapas do processo de internacionalização, isto é, operassem pelo
menos uma unidade em país estrangeiro, ou exportassem ativamente (Kobrin, 1994;
Shoham, Rose e Albaun, 1995) para pelo menos três mercados estrangeiros, por um
período mínimo de dois anos, período necessário para que se pudesse corretamente
avaliar o processo depois de eliminada a instabilidade inicial (Singh et al., 1998).
Dentro deste universo foram escolhidas três empresas, sendo realizada uma entrevista
por empresa.
Pela natureza das informações necessárias para este estudo, as entrevistas foram feitas
com executivos de topo, responsáveis pelas atividades internacionais, ou membros da
alta gerência da empresa que tivessem participado do processo, ou que estivessem
diretamente relacionados com as atividades em mercados externos. Em um caso, no
entanto, a entrevista só pôde ser realizada com um executivo de alto nível que não
atuava na área internacional, mas que dispunha das informações desejadas.
1.6. ANÁLISE DOS DADOS
Para proceder à análise dos dados, as entrevistas foram transcritas em sua totalidade.
Inicialmente, os casos foram relatados, utilizando-se, além do material coletado na
entrevista, informações que puderam ser obtidas de outras fontes, tais como catálogos
da empresa, sites e artigos em jornal ou revista. Esses materiais foram apenas utilizados
subsidiariamente.
40
Na descrição dos casos foram utilizados trechos dos discursos dos informantes como
material ilustrativo das idéias e conceitos pesquisados. Devido à grande riqueza desse
material, optou-se por apresentar, no texto, extratos um pouco mais longos, com vistas a
representar com maior fidelidade o pensamento do entrevistado.
Finalmente, procurou-se responder às perguntas que haviam sido formuladas
inicialmente e que orientaram o estudo, a partir dos três casos pesquisados. Nesta etapa
da análise, os resultados obtidos com os estudos de casos foram confrontados com a
teoria sobre o processo de internacionalização das empresas.
1.7. LIMITAÇÕES DO MÉTODO
As limitações do método podem ser vistas em dois níveis. Primeiramente, quanto ao
caráter qualitativo do estudo, suas conclusões não podem ser generalizáveis para a
população em geral. Os dados relacionados no estudo qualitativo só podem ser
entendidos dentro do contexto do qual foram extraídos.
Em segundo lugar, devem ser consideradas as limitações do método de coleta de dados,
isto é, a entrevista em profundidade. Como processo de interação social, a entrevista é
dependente dos dois atores, entrevistador e informante, e portanto sujeita ao viés
decorrente de idéias preconcebidas de ambos os lados. Mann (1979) afirmou que
“...uma entrevista é essencialmente uma situação de estímulo-reação, [e] isto quer dizer
que há muito pouca padronização, seja dos estímulos, seja do registro das reações” (p.
103). Se, por um lado, esta liberdade é fundamental para o surgimento de novos
conceitos e idéias, por outro permite que tanto entrevistador quanto informante exerçam
influência sobre a entrevista:
“... em situação de entrevista... o observador científico deve levar em conta os
constructos de senso-comum empregados pelo ator [informante] na vida cotidiana
se quiser compreender os significados atribuídos às suas perguntas pelo ator,
qualquer que seja a forma pela qual elas foram apresentadas ao ator.” (Cicourel,
1990: 110)
41
Desta forma, percebemos como o desenrolar da entrevista pode ser facilmente desviado
e até manipulado pelo informante, em função da forma como ele irá interpretar as
intenções do entrevistador e a influência de sua posição e papel no processo investigado,
e pelo próprio entrevistador, na medida em que este baseia sua pesquisa em uma série
de premissas iniciais, que podem ser usadas para “conduzir” o informante a conclusões
favoráveis aos resultados esperados.
42
CAPÍTULO QUARTO - DESCRIÇÃO DOS CASOS
Neste capítulo apresentamos os três casos analisados no estudo: indústrias Romi,
Duratex e Eucatex. Para cada um dos casos é apresentada uma breve caracterização
histórica e uma descrição do processo de internacionalização da empresa, enfocando-se,
a seguir, o investimento direto no exterior. Finalmente, cada caso se encerra com uma
análise da estrutura da empresa para a ação internacional.
1. CASO INDÚSTRIAS ROMI
1.1. BREVE CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA
A Romi foi fundada em 1930, na cidade de Santa Bárbara d’Oeste, estado de São Paulo,
por Américo Emílio Romi, a partir de um estabelecimento comercial para a manutenção
de automóveis, sob o nome Garage Santa Bárbara.
A nova empresa dedicou-se à fabricação de máquinas agrícolas, inicialmente com vistas
a atender o mercado regional, mudando seu nome, em 1938, para Máquinas Agrícolas
Romi Ltda. Enquanto as máquinas agrícolas produzidas no país, naquela época, eram
fabricadas por caldeamento, em longo processo artesanal, a Romi partiu para a produção
em série, utilizando um novo tipo de equipamento, a solda elétrica. A partir daí a
empresa se expandiu rapidamente, tornando-se a maior produtora de máquinas agrícolas
do país.
Nos anos 40, a empresa diversificou-se, ingressando na produção de máquinas-
ferramenta. Em 1941, foi fabricado o primeiro torno mecânico e em 1948 produziu-se o
primeiro trator fabricado no Brasil. A empresa prosseguiu em seu processo de
43
diversificação nas décadas seguintes. Em 1956, através de uma associação com a fábrica
italiana Isetta, fabricou o primeiro automóvel brasileiro, o Romi-Isetta. Em 1971,
produziu o primeiro torno com comando numérico computadorizado no Brasil e, em
1973, iniciou a fabricação de máquinas injetoras de plástico. Na década de 90, a
empresa introduziu no mercado uma linha de centros de usinagem, a partir de tecnologia
própria (1992), uma nova linha de injetoras de plástico (1993) e um sistema de
usinagem de furos de precisão (1995).
Quanto à natureza jurídica da empresa, em 1954, a Romi tornou-se uma sociedade
anônima, alterando sua razão social, em 1962, para Indústrias Romi S.A. Em 1972
tornou-se uma sociedade anônima de capital aberto, com ações negociadas na Bolsa de
Valores de São Paulo.
As parcerias internacionais da empresa foram-se expandindo. Além do acordo com a
Isetta italiana, na década de 50, a empresa celebrou, em 1986, contrato de transferência
de tecnologia com a empresa Yamazaki Mazak Corporation, do Japão, para uma nova
linha de tornos a CNC e em 1998 assinou contrato de licença de patente com a empresa
EMAG Machinen Vertriebs-und Service GmbH, da Alemanha, para fabricação de
centros de torneamento verticais.
A transferência de tecnologia também ocorreu de dentro para fora. Em 1997, a empresa
celebrou um contrato de transferência de tecnologia, licenciando um de seus modelos de
tornos a CNC a uma grande empresa européia fabricante de máquinas-ferramenta. Esta
conquista se inseria em uma política de desenvolvimento de tecnologia própria, através
de vários centros de P&D associados a cada uma de suas unidades fabris, que
empregavam mais de 140 engenheiros e técnicos. Os resultados dessa atividade de P&D
haviam levado ao depósito e concessão de mais de 50 patentes de invenção e a 32
pedidos de patentes em andamento na América, Europa e Ásia. A empresa havia
investido, nos últimos anos, aproximadamente 6% de sua receita operacional líquida em
P&D.
Por ocasião do estudo, o presidente da empresa era o neto do fundador, que também
levava seu nome – Américo Emílio Romi Neto.
44
Ao final do ano 2000, a Romi era uma sociedade anônima de capital aberto, com ações
em bolsa. Aproximadamente 60% do controle do capital da empresa era da família
Romi e 40% estava em mãos de terceiros. No entanto, apesar do controle familiar, a
direção da empresa orgulhava-se de haver aprendido a separar as questões patrimoniais,
relativas à propriedade da empresa, das questões administrativas:
“A Romi não é uma empresa familiar, é uma empresa aberta, porém com controle
familiar. É uma característica de uma empresa totalmente aberta e
profissionalizada, mas mesmo assim em algumas funções ela conta com pessoas
membros da família. Entretanto, o critério para isso é a competência e, enfim,
entender que a empresa não trabalha para um acionista e sim o acionista é que
acaba trabalhando para a empresa. O que nós fizemos aqui alguns anos atrás ? Em
1994, houve a transferência das ações da Romi para uma holding. Então, os
acionistas da família Romi receberam ações dessa holding em troca das ações da
Romi. A família Romi é acionista dessa holding e não acionista da Romi. Por que
isso? Porque fortalece a empresa, porque você está dividindo com maior clareza o
que são questões patrimoniais e o que é questão administrativa da empresa. ...Por
exemplo, é natural que o acionista deva estar preocupado com o futuro do
negócio, com o retorno sobre o investimento, com a saúde da empresa, se a
empresa está sendo bem administrada... E cabe aos administradores otimizar os
recursos da empresa para você ter maior rentabilidade, melhor retorno, enfim,
uma melhor geração e uma melhor utilização de riquezas em geral da empresa.
Então, com essa divisão a gente separou bem as questões patrimoniais e as
questões administrativas. Então, nas assembléias da Romi não são discutidos
assuntos patrimoniais... O problema particular de cada um é discutido fora da
empresa... Na assembléia da Romi, então, quem participa desse grupo familiar é
apenas um representante apontado pela holding e não todos os acionistas que
poderiam estar participando. Quer dizer, 60% poderia estar presente na assembléia
da empresa, discutindo os mais variados assuntos. Esse representante participa da
assembléia da holding, não expondo dentro da empresa questões familiares,
porque isso é que é um problema nas empresas familiares, é trazer para dentro da
empresa uma coisa que não tem nada a ver com a empresa.”
45
O processo sucessório era uma grande preocupação da família Romi. Se aparentemente,
de um lado, pretendia-se manter o controle familiar do empreendimento, por outro
buscava-se determinar quais os membros da família com capacidades e habilidades
necessárias a participar de sua administração. Tentava-se, assim, conciliar a natureza
familiar do controle com as necessidades de uma gestão profissionalizada.
“Então, isso foi em 1994. Já em 1988 começou um processo de transição da
segunda para a terceira geração, transição do comando da empresa, porque existe
o interesse e o desejo do grupo majoritário de manter o controle da administração
familiar. Por uma série de motivos, mas um deles seria a competência e a
capacitação da terceira geração. As regras são claras, do tipo: ‘não existe lugar
para todo o mundo aqui, nem todo o mundo vai ser diretor e acabou’, sabe, não
tem espaço, a tolerância é bem reduzida para justamente preservar a própria
empresa, o ambiente interno. Existe um apoio muito grande do grupo gerencial
para a terceira geração. Então a terceira geração recebe um suporte muito grande
de todo o grupo gerencial, eles acreditam na terceira geração.”
Uma das características da filosofia de gestão da Romi parece ter sido a preocupação em
manter a empresa capitalizada e não distribuir dividendos acima de determinado nível.
Devido a características intrínsecas ao negócio da Romi, bens de capital sujeitos a
flutuações cíclicas das vendas, a empresa necessitava reter lucros, de modo a sobreviver
nos períodos recessivos. Então, a postura adotada na distribuição de dividendos era
considerada conservadora:
“...Nós temos que ter uma reserva dentro da empresa muito substancial. E aí que
eu digo para você que o acionista é penalizado, porque o acionista podia estar
ganhando dividendos, mas reter os lucros é uma política adotada pela própria
administração familiar, que se mantém dentro da empresa historicamente.
Inclusive, existe uma certa repercussão negativa para o mercado e para o próprio
grupo de acionistas, sejam familiares ou não. E que a empresa não remunera bem
seus acionista. Por que não ? Porque ela reinveste na própria empresa. Ela retém.
46
Você pode ver o balanço da Romi: lucros acumulados. É uma conta grande de
lucros acumulados. São valores que poderiam ter sido distribuídos, mas que são
mantidos dentro da empresa, para investimentos em novas plantas, investimentos
em novos negócios, investimentos em novos produtos, investimentos em recursos
humanos. A terceira geração da família Romi vai ampliar os negócios e, quem
sabe, virá uma quarta geração, e assim por diante. A Romi é uma empresa que tem
70 anos e essa idade é relevante. Poucas empresas conseguem chegar aos 70 anos,
fortes e bem desenvolvidas, graças ao acúmulo de riqueza que ela teve nos anos
em que os lucros foram sempre reinvestidos. Então é isso mais ou menos o que é a
Romi em termos de organização, da questão de ser uma empresa familiar ou
não...”
1.2. O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA EMPRESA
O fundador da empresa, Américo Emílio Romi, era filho de imigrantes italianos.
Embora nascido no Brasil, retornou à Itália, com sua família, antes da I Guerra Mundial,
prosseguindo seus estudos naquele país. Ao final da guerra, casou-se e retornou ao
Brasil. Segundo André Romi, um dos atuais diretores da empresa, a experiência
internacional, a estadia na Itália, já prenunciavam o processo de internacionalização da
empresa:
“Antes de internacionalizar a empresa, o próprio empreendedor já era
internacionalizado. Por quê? Porque o fundador da empresa era filho de
imigrantes italianos. Imagine só, essa própria imigração ela já era uma
internacionalização, você já está passando de um país para outro, enquanto família
e enquanto pessoa. O fundador da empresa nasceu no Brasil, mas a família do
fundador, junto com ele, retornaram à Itália antes da 1º Guerra Mundial. Lá, o
fundador da empresa, Américo Emílio Romi, teve a oportunidade de estudar na
escola técnica – no caso era a de Milão. Assim que terminou o colegial técnico,
ele prestou serviço militar na 1º Guerra, para o exército italiano. É muito
interessante a história, porque ele foi ferido em combate, foi para o hospital e a
enfermeira que o ajudou a se recuperar veio a ser sua esposa. Após o término da
47
guerra, eles retornaram ao Brasil. Então, já houve aí uma internacionalização da
própria pessoa do fundador.”
Em 1944, a Romi iniciou as exportações para a Argentina, seu primeiro mercado de
exportação. Antes, porém, já se podia falar da chamada internacionalização para dentro
(inward internationalization), já que boa parte dos insumos eram importados de outros
países, particularmente da Itália e da Alemanha A empresa via com bastante clareza o
fato de que a internacionalização era uma via dupla, de “duas mãos”:
“A empresa, concretamente, iniciou o processo de comercialização dos seus
produtos no exterior em 1944. Então isso foi o primeiro movimento... Aliás, antes
um pouco, porque a internacionalização da empresa significa duas mãos. Você
pode receber insumos importados – lembrar que em 1930, 30, 40 basicamente, a
gente tinha uma grande quantidade dos insumos importados aqui na indústria.
Esses insumos eram importados, o próprio aço laminado era importado. Com a 2º
Guerra, houve o bloqueio das importações, principalmente por retaliação a alguns
países que eram fornecedores desses materiais ao Brasil, no caso a Alemanha e a
própria Itália. Mas, basicamente, as importações da empresas se iniciaram em
1944.”
Apesar da rápida expansão das exportações, a internacionalização para dentro
continuava a ter um papel importante no desenvolvimento da empresa, como no caso da
parceria com a Isetta italiana:
“A empresa tem contratos de transferência de tecnologia, tanto para receber
tecnologia, quanto para exportar tecnologia. Então é uma gama muito grande...
Isso remonta à década de 50, não saberia precisar exatamente quando. Um
exemplo interessante é que em 1956 a empresa celebrou um contrato de licença de
fabricação para um automóvel aqui no Brasil, chamado Romisetta. Foi o primeiro
carro nacional, acho que ali tem uma foto, aquele carro que abre a porta na frente,
foi fruto de um contrato de licenciamento de uma empresa italiana para a Romi.
Então isso foi realizado mais ou menos em 1954 ou 1955 e em 1956 o carro
estava sendo lançado no mercado nacional.”
48
Essa experiência se completaria nos anos subseqüentes com outros contratos de
transferência de tecnologia, celebrados com empresas do Japão e da Alemanha.
A vivência internacional da empresa, que era uma combinação das diferentes formas de
internacionalização com que ela convivia – transferência de tecnologia para dentro e
para fora, acordos de licenciamento, exportações e investimento direto no exterior –
permitiu-lhe obter amplo conhecimento do mercado internacional, acumulando
experiência:
“Essa experiência, ela é um conhecimento acumulado. A Romi completa 70 anos
de vida e desde o começo praticamente, no berço da empresa, ela já se via em
contato com o mercado externo. Começou com as exportações em 1944. Então, é
um conhecimento, é uma capacitação acumulada, uma cultura acumulada, tratar
com um alemão, tratar com um americano, tratar com um japonês. Nós sentamos
à mesa e sentimos perfeitamente adequados à situação. Nossos profissionais
viajam constantemente para o exterior e vice-versa. Nós temos aqui uma
estatística, um volume de visitas muito grande ao exterior aqui na nossa empresa.
Então, esse convívio, ele é considerado normal para nossa empresa.”
No âmbito da exportação, a Romi exportava para mais de vinte países em quase todos
os continentes, utilizando 26 distribuidores.
“A Romi trabalha no mercado externo através de distribuidores. Esses
distribuidores estão localizados, tanto na Europa, América do Norte, México,
América do Sul, Ásia, nós temos quase 30 distribuidores no exterior. Na Europa,
por exemplo, temos na Espanha, temos na Itália, temos em Portugal, temos na
França, temos na própria Alemanha, temos na Inglaterra, temos na Holanda,
temos Leste Europeu também. E esses distribuidores, eles normalmente compram
máquinas para manter no estoque deles. Então eles importam as máquinas da
Romi, formam um estoque local e esse estoque depois é distribuído localmente”.
O uso de distribuidores era visto pela empresa como uma opção de menor risco,
principalmente no caso de mercados considerados marginais pela empresa, em que ela
tinha pequena participação:
49
“A opção por um distribuidor envolve menos risco, ou seja, normalmente as
condições comerciais de venda, você estabelece certas garantias. Por exemplo,
você pode ter cartas de crédito, você pode ter aval bancário, isso tudo garante a
operação em termos de recebimento. Com relação à questão cultural, o próprio
distribuidor entende o mercado. Ele é o interlocutor nosso para aquele mercado.
Então normalmente são pessoas que têm capacidade de conversar conosco e
também conversar com o mercado. Estão preparadas para fazer essa interlocução.
Se os distribuidores estão em países envolvidos em problemas políticos, religiosos
ou culturais, uma vez determinadas as condições de venda e cumpridas as
condições de venda, não há nenhum entendimento da nossa parte de fornecer os
nossos produtos para aqueles países.”
O que seria um bom mercado externo para a Romi, ou seja, como a empresa via seus
mercados de atuação internacional? Os mercados norte-americano e europeu eram
vistos como bastante similares, em termos tecnológicos, e com baixo risco comercial. Já
os mercados latino-americanos eram percebidos como de alto risco:
“Problema crônica na América Latina é a questão de risco comercial. Quer dizer,
você tem o maior índice de inadimplência. O maior índice de inadimplência é da
América Latina. Nos Estados Unidos é praticamente zero a inadimplência e na
Europa é zero. Então, você estava me perguntando qual é o melhor mercado.
Bom, você tem que entender o seguinte. Os mercados, eles flutuam de acordo com
o nível de atividade econômica de cada país, ou seja, o consumo de bens de
capital seriado, que é o nosso produto, flutua de acordo com o nível de atividade
de cada país. O que acontece nesse momento ? Nesse momento, nós estamos
passando pela seguinte característica: o mercado norte-americano, ele se encontra
em uma desaceleração, já se refletindo em uma pequena redução da venda dos
nossos produtos lá. Ao passo que a Europa, nesse momento, encontra-se numa
fase compradora, o mercado está comprador, está num momento de certo
aquecimento da economia. Então, não existe mercado melhor ou pior no nosso
caso, exceto a América Latina, que é um risco comercial, que é um caso à parte,
mas os dois principais mercados, Estados Unidos e Europa, eles basicamente são
50
equivalentes, tanto em termos de volume, quanto em termos de perfil
tecnológico.”
Por sua vez, os mercados asiáticos, do Oriente Médio e do Leste Europeu eram vistos
como mais distantes e mais difíceis de penetrar. Para esses mercados, o caminho natural
entrevisto pela empresa era o uso de distribuidores:
“Veja bem, a idéia nossa é de atender o maior número possível de mercados, seja
Leste Europeu, seja Ásia, seja Europa, seja Estados Unidos, enfim. O Oriente
Médio pode ser um bom mercado, porém ele é pouco trabalhado. Existem
pouquíssimas vendas já ocorridas. A Ásia também poderia ser um mercado,
porém lá o índice de competição é muito alto, principalmente no caso dos Tigres
Asiáticos. Além do Japão, Taiwan, Coréia, China são grandes produtores, como
nós, de bens de capital, máquinas-ferramenta, máquinas de injetores plásticos. Eu
diria que a estratégia para esse lado do mundo, digamos, Leste Europeu, Oriente
Médio e Ásia é exclusivamente através de distribuidores. A nossa área de
marketing internacional da Romi, ela tem contatos permanentes com os
distribuidores desses países, dessas regiões ainda não exploradas ou pouco
exploradas. Então, uma vez detectado um bom distribuidor, que atenda às nossas
expectativas, é celebrado um contrato de distribuição e ele passa a ser um
distribuidor exclusivo ou não exclusivo, isso depende de cada situação, de cada
distribuidor, de cada mercado. Para essa parte do mundo, eu digo para você que o
caminho é esse.”
Para fazer face à competição mundial em seus vários mercados de atuação, a empresa
havia desenvolvido produtos padronizados – produtos mundiais – que eram vendidos
em todos os mercados. Esta padronização permitia à empresa competir eficazmente
tanto em mercados desenvolvidos quanto em desenvolvimento:
“Você tem que estar preparado para cada mercado. É como se você fosse
participar de uma competição... Se você se preparou para uma competição, para
um vestibular, o que for, você tem que estar realmente preparado. Se você é um
atleta, tem que estar preparado para aquela corrida, ou, enfim, para aquela
51
atividade de que você vai participar. Usando essa analogia, para a empresa é a
mesma coisa. Se você vai participar do mercado norte-americano, você precisa
estar apto para competir com o seu produto. Nós aqui na empresa decidimos – isso
já é uma política da empresa – criar produtos que possam atender não só o
mercado nacional, mas o mercado global como um todo, sem muita diferença. É
lógico que você tem algumas diferenças, por exemplo: as máquinas hoje em dia
são computadorizadas, são máquinas com movimentações mecânicas, assistidas
por computadores, chamado comando numérico, ou controladores lógicos
programáveis. Esses computadores têm no seu painel, na sua tela de conversão,
diversos idiomas, ou seja, para o mercado norte-americano o idioma em inglês,
então aquele produto (...) é todo padronizado, com o idioma em inglês. Para a
Alemanha, o alemão, para a Espanha, o espanhol, para a França, o francês. Então,
a par dessa configuração que é feita no produto para atender uma característica
específica do mercado, todas as demais são consideradas padrão mundial. Esse
padrão mundial, que eu digo, é uma aceitação mundial de características. Então
nosso produto tem características européias e características americanas, são as
mesmas basicamente. É óbvio que o mercado latino-americano e o brasileiro vão
aceitar essas características porque são características normalmente bem
exigentes, as mais exigentes. Então há uma política interna da empresa, como eu
disse a você, e ela é chamada de produto mundial. Ou seja, repetindo mais uma
vez, qualquer produto que a gente desenvolva, fabrique e venda, são produtos
comercializados em qualquer parte do mundo. Na configuração a diferença é a
questão da língua. Porque essa é a única diferença quase que tem. Outra diferença
é a questão da característica do motor elétrico. Em determinados países, você tem
lá 220, 3 ciclos, no outro é 380, é 60 ciclos. É uma configuração específica, mas
muito superficial. É a mesma coisa que comprar um eletrodoméstico importado,
você vai ter duas soluções. Então são pequenos ajustes para cada mercado.”
Na mesma linha, a percepção do entrevistado era de que a empresa não só fabricava
produtos mundiais, como estava capacitada a atuar em todos os países onde operava
com certa familiaridade, que lhe permitia negociar, sem constrangimento, em diferentes
culturas:
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“Negociar com uma empresa alemã ou negociar com um cliente alemão ou um
cliente americano, no nosso caso, dada a bagagem que a nossa empresa tem de
experiência no comércio exterior, com empresas no mercado internacional, a
Romi se encontra completamente capacitada para lidar com essas questões. Não
vemos diferença entre um cliente alemão e um cliente brasileiro, hoje em dia.”
A empresa costumava participar de 10 a 15 feiras no exterior, a cada ano, tipicamente
setoriais. Em algumas dessas feiras, a Romi participa como visitante e, em outras, como
expositor. Na opinião do executivo entrevistado, essas feiras são de grande importância
para que a empresa mantenha contato com os seus mercados de atuação.
A atividade de exportação estava sujeita, em função da natureza dos produtos da
empresa, a oscilações cíclicas:
“Dificuldade é quando nós não vendemos. Isso acontece com o Brasil, isso
acontece com qualquer outro país, ou seja, você tem os ciclos econômicos que
interferem no nosso negócio. Basicamente é isso. Por exemplo, para você, desde
que você se prepare para colocar seus produtos nos mercados no exterior... Então,
você vai discutir questões comerciais, de preço e tal, queria dizer para você que,
às vezes, é difícil. Muitas vezes ,você deixa de ser competitivo no exterior por
uma questão de flutuação das moedas. Aí por exemplo: até antes de janeiro de
1999, o real estava supervalorizado, nós não tínhamos condição de competir no
exterior. A partir de janeiro de 1999, com a maxi- desvalorização, readquirimos a
nossa condição de competitividade em termos de preço. A mesma coisa acontece
com o Mercado Comum Europeu, no caso, o euro, ele se encontra agora
desvalorizado com relação ao dólar. Então, todas as exportações alemães passam a
ser mais competitivas, ao mesmo tempo que as importações para aquele país
passam a ser menos competitivas. Perdemos competitividade em termos de preço
para países da Europa, por conta da subvaloração do euro. Isso são coisas que
acontecem.”
53
1.3. INVESTIMENTO DIRETO NO EXTERIOR
A abertura de subsidiárias no exterior obedecia a uma lógica peculiar ao negócio. É que,
embora não produzisse no exterior, a Romi necessitava estar presente em seus principais
mercados, para prestar um serviço adequado a seus clientes, através de estoque de
máquinas e peças, assistência pré e pós-venda e para expor o produto. As subsidiárias
no exterior, então, eram basicamente para armazenagem, venda e assistência técnica:
“A Romi conta hoje com três empresas no exterior: Estados Unidos, Argentina e
Uruguai. E uma mais, que está sendo formada agora na Alemanha. São empresas
que basicamente têm um perfil mais ou menos parecido. São o que nós chamamos
de filiais de venda, distribuição. Mais que venda, porque distribuição envolve
tanto engenharia pré-venda – um estudo técnico que é feito, trata-se de uma venda
técnica, você tem que saber realmente qual é a necessidade específica de cada
cliente para poder fazer, então, todo esse trabalho de engenharia. Então, não é
simplesmente vender o produto. Você tem lá um staff, um corpo de funcionários,
composto por engenheiros, assistentes técnicos, vendedores e supervisão. Lá nós
temos estoques de peças, estoques de máquinas prontas para a venda, estoques de
peças para a reposição. Então isso aí é uma configuração típica de uma empresa
nossa no exterior. Não se trata de unidade de produção, mas sim de unidade de
distribuição de produto... Estados Unidos, Argentina, Uruguai e, na Alemanha, em
fase de criação.”
O processo decisório de investimento direto no exterior não estava associado a um
único indivíduo, mas a decisão final era tomada pelo próprio Conselho de
Administração da Romi, a quem cabiam as decisões de caráter estratégico. No entanto,
competia à diretoria executiva encaminhar tais questões à consideração do Conselho de
Administração.
O primeiro mercado considerado pela direção da empresa para investimento direto no
exterior foi o americano. As razões para tal decisão, conforme relatadas pelo
entrevistado, foram as seguintes:
54
“Por que é que foi decidido? Porque o mercado americano, ele sempre foi para a
Romi um bom mercado. A Romi historicamente tem cerca de 35% de seu
faturamento destinado à exportação e, desses 35 %, cerca de 70% são para os
Estados Unidos. É uma decisão natural que os Estados Unidos fossem o primeiro
mercado a receber um ponto de distribuição próprio da empresa.”
Quando foi tomada a decisão de internacionalização, portanto, estava claro para a
direção da empresa que o mercado americano deveria ser o primeiro onde se faria o
investimento direto. Era imprescindível criar uma presença mais forte no mercado
norte-americano, que levasse à consolidação da marca e permitisse prestar melhor
serviço pré e pós-venda aos clientes.
“No princípio houve um planejamento, que foi o seguinte: vamos primeiro
consolidar o mercado americano. Na verdade, 1985 não foi o início das
exportações para os Estados Unidos. Na década de 60 já começaram a ocorrer
exportações e em 1985, na verdade, nós tínhamos nos Estados Unidos cerca de
oito mil máquinas trabalhando, em funcionamento. Oito mil máquinas exportadas
em 20 anos, nas décadas de 60 e 70. Essas compras foram feitas através de
distribuidores locais e essa empresa, que foi criada em 1985, foi criada para
atender, para dar suporte aos distribuidores, visto que já tínhamos um mercado de
oito mil máquinas exportadas, apenas para o mercado americano. Então, a idéia de
criar uma empresa nos Estados Unidos, inicialmente, foi para consolidar aquele
mercado e começar a ter uma maior presença direta no mercado. Para mostrar:
‘olha, eu sou o Romi, aqui está o meu produto, aqui está a minha empresa, olha
quem eu sou...’. Precisávamos fortalecer a imagem da Romi naquele mercado,
coisa que não era tão bem feita ou minimamente feita pelos distribuidores...
Porque o distribuidor, na verdade, vai estar vendendo, porém é o nome do
distribuidor que está sendo colocado à frente do nome do produto ou do
fabricante. Com um ponto de venda de distribuição direta, você inverte essa
colocação. Você coloca o nome do fabricante, do produto e, depois, do
distribuidor. Você fortalece sua imagem no mercado.”
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Um problema com que a empresa se defrontou referia-se a onde colocar suas
instalações. Esta decisão envolvia questões como acesso a mercado, custos etc. Para
chegar a uma decisão de localização partiu-se para um estudo de mercado:
“Então, em 1985, nós elaboramos um estudo de mercado. A decisão nós já
tínhamos, justamente baseada nesse volume que o mercado já proporcionava à
empresa. O nosso estudo foi mais no sentido de onde, dentro do país, os Estados
Unidos, seria o local mais adequado para instalar a empresa. Então foi feito isso.
Foi destinado um dirigente aqui da empresa com formação em comércio exterior e
com competência para se estabelecer nos Estados Unidos, criar a empresa,
gerenciar a empresa.”
O estudo de localização, nos Estados Unidos, foi feito pelo profissional proveniente da
Romi Brasil, que já tinha experiência anterior no mercado americano, através de outros
negócios. Foram utilizados vários canais de informação:
“Então ele foi procurar esses canais de informação, as associações, os fabricantes
locais, as associações dos distribuidores, até imobiliárias, você tem que saber o
preço dos imóveis, quanto ficou um aluguel de um lugar para outro, onde é
concentrada a maior quantidade de empresas similares, e assim por diante. Então
isso é um trabalho que foi feito e em cima desse trabalho foi decidido o local”.
Inicialmente optou-se por Chicago, no estado de Illinois, mas a operação da Romi nos
Estados Unidos ainda era bastante limitada:
“Isso então durou de 1985 até 1998 mais ou menos, época em que a gente
trabalhou num nível mais restrito. Para você ter uma idéia, nesse período de 1985
a 1998, nós tivemos cerca de quatro pessoas apenas trabalhando na empresa e um
nível de atividade mais restrito.”
Posteriormente, transferiu-se a empresa para a cidade de Erlanger, no estado de
Kentucky, inaugurando em 1998 as novas instalações da Romi Machine Tools, Ltda.
Essas instalações ocupavam uma área construída de aproximadamente dois mil metros
quadrados, incluindo show-room, estoque de peças e serviços pré e pós-venda. Essas
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novas instalações significavam, efetivamente, um aumento do comprometimento da
empresa com aquele mercado.
“De 1998 em diante, nós ampliamos as atividades da empresa, passamos a ter 12
funcionários, passamos a ter área construída de dois mil metros quadrados. Aí
sim, com um grande nível de estoque de máquinas, peças sobressalentes, e assim
por diante. Então, de 1998 em diante, a Romi nos Estados Unidos passou a ser
uma nova empresa, inclusive a sede foi transferida para a cidade de Erlanger, no
estado de Kentucky. Essa mudança foi em função de que aquele mercado de
Kentucky, nesse espaço de tempo, aquela região de Kentucky, atraiu muitos
investimentos na área desse segmento em que nós trabalhamos e passou a contar
com uma grande concentração de fabricantes e de distribuidores de máquinas de
ferramenta. Então basicamente foi isso.”
Por ocasião da entrevista, a percepção dos dirigentes era de que a empresa já havia se
consolidado no mercado norte-americano e que as perspectivas de crescimento já não
eram tão grandes:
“Nesse momento, então, que nós estamos agora, enfim, percebemos que o
mercado norte-americano se consolidou, o nosso mercado lá, e a tendência é ter
uma continuidade dos negócios, porém não em níveis crescentes, como foi no
passado.”
Outros mercados onde a empresa realizou investimento direto foram a Argentina e o
Uruguai. Em ambos os casos, a proximidade desses mercados, as experiências
anteriores vividas pela empresa através de exportações, além do Mercosul, parecem ter
influenciado a decisão tomada:
“Argentina e Uruguai. No caso, a Argentina foi o primeiro país para onde a Romi
exportou os seus produtos, em 1944. Mas esses dois países, Argentina e Uruguai,
[também foram escolhidos] pela proximidade com o Brasil. Temos também a
questão do Mercosul, tem uma regionalização do mercado. E esses mercados
mostravam também que mereciam ter uma sede própria para a distribuição dos
produtos”.
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A questão da proximidade geográfica e cultural aparece fortemente em outro trecho da
entrevista:
“O Mercosul pode até ser considerado uma coisa à parte, porque foi um
investimento bem menor e, na verdade, o Mercosul tem uma porcentagem muito
grande no Brasil, no sentido de ser quase que uma extensão e vice-versa. Da
Argentina para o Brasil, e do Brasil para Argentina, Uruguai, Paraguai. Com o
Mercosul, houve um algo mais, que atraiu o interesse das empresas em se
posicionarem diretamente no mercado, criou-se uma tarifa comum dentro do
bloco, que permite uma proteção com relação a produtos de terceiros países. Não
somente isso. Também tinha chegado o momento e a empresa na Argentina... a
empresa do Uruguai foi um pouco antes, em 1992 e a Argentina em 1994, mais ou
menos por aí. Tinha chegado o momento de abrir uma empresa lá. Coisa que, na
verdade, não impactou em grandes investimentos. Saiu um pouco fora desse
contexto americano e alemão, da Alemanha, Europa. São coisas diferentes.”
Na ocasião da entrevista, a empresa estava ingressando na Alemanha através de
investimento direto. Como os investimentos no Mercosul eram vistos como uma
“extensão natural”, a abertura de uma subsidiária na Alemanha era percebida, na
verdade, como o segundo grande passo na decisão de localizar-se no exterior:
“E, ultimamente, na Alemanha. Porque a Alemanha é um país onde se concentra
um grande número de produtores, de produtos similares aos nossos e também de
consumo de produto. Talvez o consumo de produto per capita na Alemanha seja
um dos mais altos do mundo. Mesmo assim, não foram apenas esses critérios, mas
consideramos que a Alemanha, geograficamente, se encontra mais ou menos no
centro da Europa, permitindo que você faça um acompanhamento de todos os
demais países da Comunidade Européia. Então da Alemanha, por exemplo, você
tem condição de visitar clientes ou outros distribuidores em um dia de trabalho,
quer dizer, você sai de manhã e volta à tarde. Então isso permite economia com
despesas, etc. Então, essa é a razão da escolha da Alemanha.”
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Para ingresso no mercado alemão, foi contratado um profissional local, cerca de dois
anos antes, que trabalhava em um escritório doméstico, “com toda a infra-estrutura:
microcomputadores, notebook, linhas telefônicas etc.” No momento de decisão da
abertura da subsidiária da Romi na Alemanha, este profissional contratou contadores,
imobiliárias e empresas de recursos humanos para auxiliá-lo na tarefa.
Quanto à decisão específica de onde instalar-se, na Alemanha, relatou o entrevistado,
mais uma vez, tratar-se de um processo racional:
“Primeiro, é preciso que esse local tenha uma concentração industrial relevante,
que esse local tenha um custo-benefício, ou seja, às vezes você vai pensar: puxa
vida, mas você poderia ficar em determinado local, porém o custo em geral, as
despesas, a manutenção não se justificariam naquele local, porque você pode se
transportar facilmente de um local ao outro e ter aí uma redução dos seus
investimentos, das suas despesas de manutenção. Então basicamente a
concentração, a concentração de mercado, mais do que distrito industrial, ...é o
que define a localização.”
A Itália também foi considerada como possibilidade em algum momento do processo
decisório de investimento direto no exterior, mas considerações econômicas levaram a
empresa a localizar-se na Alemanha em detrimento da Itália:
“No caso das empresas Romi no exterior, elas, além de fazer venda direta, fazem
também o suporte aos distribuidores, dando assistência onde for preciso. Então
por que é a Alemanha e não é a Itália? Porque não comportaria ter na Europa duas
empresas Romi. Então, a escolha foi por uma questão estratégica, por isso a
Alemanha e não a Itália. E a Itália vai estar sendo atendida pelo distribuidor local,
da mesma forma que França, Espanha, Portugal e assim por diante.”
A presença na Europa era vista pela empresa de forma bastante distinta da presença nos
Estados Unidos. Isto porque, enquanto nos Estados Unidos buscou-se essencialmente
dar suporte aos negócios já existentes, ainda que prevendo crescimento, na Europa a
expectativa era de abertura de novos mercados:
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“Já a Europa é diferente. A Europa, ela passa agora a ter uma prioridade no
sentido de novos mercados a serem iniciados. E assim, com a empresa lá, nós
temos condição de ter uma concentração de nossos esforços apenas naquele
mercado. A partir do momento que o mercado dos Estados Unidos se consolidou,
nós passamos para o seguinte. Por quê isso? Porque envolve investimentos em
grande volume. Então, você tem que priorizar os investimentos. ...Não sei se [essa
seqüência de mercados] foi o ideal. Pelo menos foi aquilo que foi possível fazer.
Acho que qualquer empresa aqui no Brasil se ressente de recursos financeiros em
geral para qualquer tipo de investimento. Na verdade, somente nos últimos anos é
que tivemos um panorama mais ou menos claro da economia que permitisse
planejamento. Então esse panorama mais de longo prazo permite que você se
prepare para esse tipo de investimento.”
Assim, o processo seqüencial de abertura de subsidiárias em diferentes mercados era
percebido como estando associado à disponibilidade de recursos para investimentos.
1.4. ESTRUTURA PARA A AÇÃO INTERNACIONAL
A estrutura internacional da empresa, assim como os recursos humanos voltados para o
mercado externo, pode ser analisada sob dois ângulos: o da matriz no Brasil e o das
subsidiárias no exterior.
A estrutura organizacional voltada para as atividades internacionais, na matriz
brasileira, mostrou-se bastante dinâmica e flexível, acompanhando a expansão da Romi.
A empresa adaptou-se continuamente, sob o ponto de vista de sua estrutura, ao
crescimento de suas atividades internacionais. Indagado sobre a ocorrência de grandes
mudanças estruturais para atender à internacionalização, o entrevistado indicou que tais
mudanças foram mais de natureza incremental, ao longo do tempo, não se constituindo,
em qualquer ponto, em transformações radicais na estrutura da empresa:
“Ao longo do tempo é óbvio que, se você vai aumentando as suas exportações,
você precisa ter uma estrutura adequada para atender dentro da empresa. Por
exemplo, hoje nós temos um número interessante. As exportações normalmente,
via de regra, são por transporte marítimo e os produtos são armazenados em
60
containers. Nós movimentamos aqui na empresa cerca de 600 containers por ano,
entre entradas e saídas, ou seja, entre produtos importados e produtos exportados.
Produtos importados, eu me refiro a insumos. Nesses 600 containers, pode-se
dizer que 500 saem da nossa empresa com máquinas, ou seja, produtos, e 100 vêm
para nossa empresa com insumos para a fabricação dos nossos produtos. Então,
600 containers é um número representativo. Então, você precisa ter uma área de
exportação, de faturamento, integrados e tudo o mais com uma infra-estrutura
adequada. Mas isso não é nada que represente uma grande mudança
organizacional. Porque já em 1944 nós tivemos mudanças. E nas décadas de 50 e
de 60. Mas são adequações que a empresa incorporou. O processo administrativo
geral da empresa, tanto financeiro quanto econômico, já se encontra integrado de
longa data, um sistema que envolve faturamento para exportação, cobrança de
recebimentos de exportação, a própria importação de insumos, já era um sistema
normal da empresa...”
A estrutura de comercialização encontrava-se organizada por produtos e por mercados.
Havia duas diretorias de comercialização, uma para máquinas-ferramenta e outra para
máquinas de injetoras de plástico. Subordinadas a essas diretorias havia duas gerências,
uma para o mercado doméstico, outra para o mercado externo. As funções das diretorias
e das gerências encontravam-se claramente definidas:
“Então basicamente é isso, o dia a dia dos negócios do comércio exterior é
administrado por essas gerências. Assuntos que fogem ao dia a dia entram mais na
parte do planejamento, estratégia etc., são discutidos e acompanhados pelas
diretorias. Se houver uma discussão mais relevante, do tipo abrir uma nova
empresa no exterior, o Conselho de Administração é que tem a palavra final.”
Apenas a comercialização internacional era tratada de forma separada do mercado
doméstico. As gerências encarregadas do mercado externo, em cada uma das diretorias,
eram responsáveis especificamente por marketing, vendas, seleção de distribuidores,
planejamento de estoques de distribuidores etc. No mais, as funções administrativas
eram exercidas pelos mesmos departamentos, quer se referissem ao mercado doméstico
ou ao mercado externo. Por exemplo, as atividades de administração financeira, entre
61
as quais se incluíam garantias, emissão de títulos de cobrança, relacionamento com
bancos etc., eram realizadas pelo departamento financeiro. O envio de produtos para
mercados externos era feito pelo departamento de expedição, que coordenava
embarques, datas, fretes e outros aspectos da logística internacional com a subsidiária
no exterior.
Os gerentes de comercialização eram tipicamente engenheiros de formação, com
treinamento em marketing e vendas.
As subsidiárias da Romi no exterior tinham razoável grau de autonomia, sendo o
controle da matriz exercido através do envio de balancetes mensais e de auditoria
externa anual.
“[As subsidiárias] têm vida própria cada uma, ou seja, todas as obrigações de
venda, de cada uma dessas empresas em cada um dos seus países, em cada um dos
seus mercados, são assumidas pela própria empresa sob a administração do seu
responsável. Cada empresa no exterior contabiliza as suas contas e produz
balancetes mensais e os balancetes são encaminhados para a controladoria da
nossa empresa, da Romi matriz, onde é feita toda uma análise desses balancetes. É
feito um acompanhamento, por exemplo, anualmente é feita uma auditoria
externa, por uma empresa contratada em cada um desses países, a nossa
controladoria geralmente acompanha essa auditoria, no relatório final.”
Nos mercados onde dispunha de subsidiária, a Romi contratava profissionais locais,
para melhorar seu conhecimento daquele mercado, em particular de sua cultura e do
comportamento do comprador, além, naturalmente, do pleno domínio do idioma e dos
costumes locais.
“Apesar de ser o mesmo tratamento aos clientes de qualquer país, como eu disse
para você, é preciso conhecer um pouco da cultura alemã, um pouco da cultura
americana. Para isso nós temos profissionais contratados na Alemanha,
contratados nos Estados Unidos, contratados na Argentina, que são pessoas locais.
São profissionais – alemães, americanos, argentinos e assim por diante – que vão
entender melhor a configuração do mercado, a cultura daquele comprador,
62
daquele mercado... Você quer contratar um profissional, vai no mercado e diz: eu
preciso de um engenheiro, com cinco anos de experiência em vendas técnicas,
para máquina-ferramenta ou máquina de produtos plásticos. Vão aparecer alguns
candidatos, você escolhe aquele. Basicamente é isso. Não tem segredo.”
As subsidiárias dispunham, portanto, de pessoal contratado localmente. O pessoal
técnico tinha formação basicamente em mecânica e eletrônica, mas a empresa
considerava necessário que os técnicos também dispusessem de conhecimentos nas
áreas financeira e comercial. O treinamento dado referia-se fundamentalmente à
empresa. Os técnicos que deveriam ocupar posição-chave na subsidiária eram trazidos
ao Brasil “para conhecer toda a organização, como ela funciona, a política, a filosofia,
os meios, a manufatura, a parte comercial, a parte administrativa”. Nos Estados Unidos
a empresa dispunha de 12 funcionários de nível técnico, seis na Argentina, três no
Uruguai e um na Alemanha. Esperava-se aumentar o número de funcionários na
Alemanha, em breve, para quatro pessoas. Para facilitar a comunicação, utilizava-se o
inglês no relacionamento com americanos e alemães e o espanhol com os argentinos e
uruguaios.
2. CASO DURATEX
1.5. BREVE CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA
A Duratex foi fundada em 1954 na cidade de Jundiaí, SP, inicialmente para produzir
chapas de fibra de madeira a partir de eucalipto. Demonstrando vocação exportadora já
em seus primeiros anos, em 1956 a empresa iniciou a exportação para o mercado norte-
americano, e em 1969 abriu uma filial de vendas, iniciando o estabelecimento de uma
rede de distribuição que hoje conta com três armazéns.
A empresa expandiu seu mercado de atuação principalmente através de aquisições. A
partir de 1972, com a incorporação da Deca, a empresa entrou no mercado de metais e
louças sanitárias. Posteriormente, na década de 80, adquiriu unidades fabris de louças
sanitárias do Grupo Lafarge (1981), iniciou a produção de chapas de aglomerado com a
aquisição de duas fábricas do Grupo Peixoto de Castro (1984) e ampliou sua capacidade
63
em aglomerados com a aquisição da unidade de produção de aglomerados do Grupo
Freudenberg (1988).
Em 1995 a empresa adquiriu o controle integral da empresa argentina Piazza Hermanos,
fabricante de metais e louças sanitárias que passou a se denominar Deca Piazza. Em
1997 e 1998, a empresa entrou em dois novos mercados, o de MDF (Medium Density
Fiberboard) e de pisos laminados de alta resistência. A produção dos derivados de
madeira foi suportada pelo cultivo de cerca de 70 mil hectares de florestas de pinus e
eucaliptos em seis unidades florestais no Brasil.
Em 2000, a empresa fez um aumento de capital através da emissão e distribuição de
ações em bolsa, tornando-se uma empresa privada nacional de capital aberto, controlada
pelo grupo Itaúsa.
O presidente da empresa, por ocasião da entrevista, era Paulo Setúbal. Segundo
depoimento do executivo entrevistado, quando o presidente assumiu a empresa
produziu-se um turnaround, caracterizado por enxugamento dos quadros, redução de
custos, profissionalização.
1.6. O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA EMPRESA
A Duratex foi fundada para a produção de chapas de fibra de madeira, e desde o início
atuou como ativa exportadora para o mercado externo, a começar pelo mercado norte-
americano. Com matéria-prima abundante e mão-de-obra barata, a empresa tinha
posição competitiva privilegiada em um mercado praticamente de commodities, como
descreve o entrevistado:
“...porque os custos de produção no Brasil são muito baixos. Principalmente,
porque uma floresta, por exemplo... aqui no Brasil, uma floresta cresce em sete
anos, então, você está conseguindo tirar madeira para sua fábrica. Nos Estados
Unidos demora trinta anos, na Europa deve demorar setenta anos, é um
componente super importante para o custo de produção. Então, você não vai abrir
mão de uma vantagem enorme dessa que permite exportar para esses mercados
com preço competitivo...”
64
A opção por servir o mercado externo através de exportação foi natural e uma
oportunidade para expandir seus mercados além do mercado doméstico. Seria também
uma segurança contra flutuações econômicas no mercado interno que impactassem nos
níveis de vendas:
“É um mercado que você tem que estar lá fora. Você tem que ter essa válvula de
escape. Por exemplo, ano passado, teve a desvalorização do Real. A empresa não
tinha hedge, nós temos boa parte da dívida da empresa em dólar. Isso porque os
equipamentos da empresa são todos importados... A exportação foi muito
importante para nós, pois foi uma fonte de moeda forte para pagar o abacaxi.”
A demanda no mercado em que a empresa atua, de bens de consumo duráveis, encontra-
se relacionada ao nível de aquecimento da economia, o que em países instáveis como os
em desenvolvimento, implica na possibilidade de flutuações que podem por em risco a
saúde financeira da empresa:
“E esse mercado de louças e metais sanitários, ele é muito elástico ao PIB. Então,
quando o PIB cresce três por cento, esse mercado costuma crescer três, quatro por
cento, talvez um pouquinho a mais. Quando cresce mais do quê isso o PIB, esse
mercado tende a crescer seis, sete, às vezes oito, oito por cento. Mas, o outro lado
também é verdade, se o mercado é recessivo, esse mercado é mais recessivo
ainda.”
A partir desta visão, a conquista do mercado externo faria parte do plano estratégico da
empresa no longo prazo, com um forte compromisso de recursos, embora houvesse
momentos em que o mercado externo se mostrava menos rentável que o interno.
“A empresa atua no mercado internacional ao menos há trinta anos. Desde o
começo nós exportávamos chapas de madeira. Há quase cinqüenta anos nós
estamos presente no mercado externo através de exportações; há trinta anos tem
uma estrutura física, com uma equipe de vendas, com quatro armazéns espalhados
pelos Estados Unidos, armazéns estrategicamente posicionados para a
distribuição; e na Europa a empresa está presente há vinte anos.”
65
O relacionamento com o mercado externo foi cultivado mesmo em situações onde havia
desvantagem em servi-lo, indicando que a empresa havia descartado o modelo de
exportador oportunista para investir na criação de relacionamentos com os clientes
externos. Esta visão implicava constantes investimentos para a ampliação da capacidade
produtiva (estavam planejados novos investimentos na ampliação do parque fabril a
serem efetuados nos três anos seguintes) e o respeito aos contratos já firmados no
exterior:
“Hoje, nós estamos até diminuindo as exportações, a nossa presença lá fora,
porque o mercado interno é muito mais lucrativo, e está muito demandado. Então,
é tudo uma questão de oportunidade, quer dizer, a gente não reduz a nossa posição
lá porque também é interessante, é burrice fazer um negócio desses. Você mantém
seus clientes por trinta anos, depois você sai, não pode... Você continua
subsidiando aquele mercado, mas dando uma preferência para o mercado interno.
Por exemplo, a nossa fábrica de IPF, ela entrou em operação em 1997 ou 1998.
No começo, nós esperávamos exportar coisa de cinqüenta por cento da produção,
mas o mercado interno absorveu tudo, a fábrica está exportando muito pouco. É
muito complicado você falar de exportação quando o mercado interno tem muita
demanda e as margens são muito maiores.”
As decisões de investimento direto nos mercados externos, passando da venda através
de agentes para a criação de filiais de vendas e centros de distribuição, obedeciam a
necessidades logísticas, dado o crescimento da importância do mercado, mas levavam
também em conta aspectos culturais do mercado específico, como, por exemplo, a
desconfiança em relação a empresas oriundas de países em desenvolvimento (EUA) ou
a necessidade de um relacionamento mais estável e presença consolidada do fabricante
no país (Argentina).
Já em outros mercados o estabelecimento de parcerias com agentes locais foi suficiente
para o atendimento aos consumidores locais, tendo em vista as vantagens de custo e
qualidade alcançadas. Outro aspecto importante para a presença em mercados externos
foi o conhecimento de tendências de produtos que possibilitassem maior aproximação
66
com as preferências dos consumidores no mercado doméstico, diversificando a oferta de
produtos:
“É uma série de políticas que a empresa vem adotando, e vem fazendo para
acertar sempre, participando de feiras no exterior, buscando tendências lá fora,
buscando, enfim... saber o que seria interessante para trazer para o mercado
brasileiro, o quê seria do gosto brasileiro. E mais na Europa do que nos Estados
Unidos, eu não sei por que, talvez uma questão cultural: um gosto mais de acordo
com o do brasileiro, o brasileiro gosta mais de design, uma coisa mais européia do
que americana, principalmente na área da Deca.”
Finalmente, a atuação no mercado exterior expunha a empresa a requisitos de qualidade
e produtividade aos quais era preciso se adequar, elevando o padrão de competitividade
e lucratividade inclusive para o mercado interno, o que se somava ao contato com novas
tecnologias desenvolvidas no exterior. A adequação às normas internacionais e a
atualização tecnológica eram percebidas como trazendo benefícios para a empresa em
todos os mercados, impulsionando as vendas internas e externas, como afirmou o
entrevistado:
“O mercado europeu e o mercado americano são muito mais antigos no uso de
madeira industrializada. O que é madeira industrializada? Madeira industrializada
é aquela que você faz uma floresta, corta, usa aquela madeira para fazer
aglomerado. O que a gente usava era madeira de lenha, até bem pouco tempo
atrás. Lá não, a consciência ecológica é um pouco mais antiga do que no Brasil.
Eles desenvolveram essas tecnologias mais do que aqui, então todas as
tecnologias são importadas.”
“...a empresa tem dentro dela todos os conceitos de administração, todas aquelas
teorias de administração dos japoneses, tudo que é adotado lá fora é adotado aqui
dentro. É uma empresa que, quando o pessoal vem visitar – os gringos, os
estrangeiros que vêm para cá – ficam de queixo caído. É uma empresa super
automatizada, principalmente a área de metais, e mesmo a área de madeira, tem
equipamentos de última geração, as fábricas limpíssimas, organizadíssimas, por
67
isso é que o pessoal vem para cá e cai o queixo. Tem todos os certificados de
qualidade, todos os ISO, todos eles, certificado Green Label, de Manejo
Florestal... Em alguns mercados você tem que ter esse selo, se não você não
coloca o produto, se não vão achar que é madeira da Amazônia. Tem que ter uma
qualidade e um manejo para não agredir o meio-ambiente. E nós temos tudo isso.
Todos os selos de qualidade, tudo o que você pode imaginar nós temos. Então,
isso aí é também um cartão de visita para um mercado estrangeiro. Quando o
pessoal vem para cá e vê a qualidade do produto, eles compram. Exportamos para
o mundo inteiro...”
1.7. O INVESTIMENTO DIRETO NO EXTERIOR
A primeira experiência de investimento direto da empresa foi na Alemanha. Na década
de 70, a empresa adquiriu uma fábrica na Alemanha para a produção de chapas de fibra
de madeira.
“...nós compramos uma indústria na Alemanha, chegamos a produzir painéis de
madeira na Alemanha. ... Foi uma oportunidade... e o negócio tem que ser bom
para você dar um passo desses...”
No entanto, esta operação foi descontinuada na década de 90, uma vez que exigia muita
atenção da direção da empresa:
“Apesar dessa operação ter sido lucrativa, enfim, estar operando no azul, nós
vendemos essa unidade do meio para o final dos anos noventa porque tomava
muito tempo da administração. Porque uma operação na Alemanha, quer dizer o
diretor da área de madeira tinha que ir para lá, tinha que ver ... a área financeira,
tinha que ir lá ... Enfim, tomava muito tempo... não era o foco da empresa, estar
tão longe assim. Hoje, nós vendemos essa unidade, nós temos no exterior
unidades produzindo apenas na Argentina, uma fábrica de louças e uma fábrica de
metais sanitários.”
O segundo mercado em que a Duratex decidiu fazer investimento direto no exterior foi
o americano. A empresa já vinha exportando fortemente para aquele país e julgou
68
necessário estabelecer um escritório. O primeiro escritório foi estabelecido em Nova
Iorque, “no prédio da Panam”. No entanto, a empresa percebeu que “era muito caro
manter aquele escritório em Nova Iorque”, optando por uma localização mais barata. A
decisão final foi a de abrir uma subsidiária na Carolina do Norte, que operava armazém
de produtos acabados em Gulfport, no mesmo estado, e nos estados de Texas, Maryland
e Illinois. Essa subsidiária de distribuição nos Estados Unidos completou 30 anos em
1999, com um volume médio de 82 mil metros quadrados de chapa de fibra de madeira
ao ano. Como já observado, a direção da empresa percebeu uma necessidade de
estabelecer presença no mercado americano desde muito cedo:
“O americano acha que você precisa ter alguém lá. Você não pode esquecer que
você é brasileiro e isso tem uma série de implicações. Acho que você, tendo
escritório em lugar estabelecido, ganha credibilidade, além de você ter um produto
de qualidade, que nós temos. Nós vendemos para, por exemplo, a Mercedes Benz,
que é uma empresa que, se não tiver qualidade, você não vende. Então, além de
ter qualidade, você tem que ter um lugar fixo para dar credibilidade, você tem que
ter um endereço e um telefone para ligar e saber que vai ter uma assistência, senão
você não vende nesse lugar.”
O entrevistado justificou ainda o fato de a empresa ter entrado antes nos Estados Unidos
e depois na Europa pela distância geográfica, considerando o mercado americano mais
próximo do Brasil do que o europeu:
“A estrutura física [nos Estados Unidos] existe há mais de trinta anos. Na Europa
existe há vinte anos. Então, eu diria que os Estados Unidos foi o primeiro [porque]
é o mais próximo de nós. Você tem um custo muito grande de exportar –
principalmente chapa de madeira, o frete é muito caro – então você tem que
buscar primeiro, é lógico, os mercados mais próximos”.
O passo seguinte foi a entrada na Europa com subsidiária de distribuição, paralelamente
à fábrica na Alemanha, que, como se viu, só foi vendida na década de 90. A partir dos
anos 80, a Duratex estabeleceu na Europa uma estrutura para comercialização e
69
distribuição de chapas de fibra de madeira, que contava, em 2000, com um escritório em
Mechelen, na Bélgica, e mais dois armazéns, em Brake e Antuérpia.
A empresa vê o mercado europeu como sendo único, ou seja, para a Duratex, os países
europeus são vistos como um mercado integrado. Como observou o entrevistado, “o
porto de entrada é na Alemanha, o escritório fica na Bélgica e os armazéns estão
espalhados por toda a Europa”.
A mais recente experiência da empresa com investimento direto no exterior ocorreu na
Argentina, em meados da década de 90. A Duratex ingressou na Argentina em 1995,
através de aquisição de uma empresa local, a Piazza Hermanos. Essa empresa era a
vice-líder no mercado argentino de louças e metais sanitários, mercado esse dominado
por uma líder muito forte, com cerca de 40% de participação. A Piazza Hermanos
encontrava-se sediada nos arredores de Buenos Aires.
Em um primeiro movimento, a Duratex havia estabelecido uma joint-venture com a
Piazza Hermanos, mas, posteriormente, adquiriu a participação do sócio argentino. Até
1999, membros da família Piazza ocuparam posições executivas na empresa adquirida,
sendo posteriormente substituídos.
Na ocasião da entrevista, a Duratex dispunha de duas unidades fabris na Argentina, da
linha Deca Piazza, e exportava produtos de madeira para o mercado argentino. A
primeira fábrica era a que havia sido adquirida, voltada para a produção de metais
sanitários. Em seguida, a Duratex construiu uma fábrica para louças sanitárias,
utilizando tecnologia de ponta, de modo a dispor de linha completa no mercado
argentino.
A empresa percebeu, em determinado momento, a necessidade de estar presente na
Argentina, em função de exigências do próprio mercado:
“...o mercado argentino, quando eles eram abertos, todo mundo vendia para a
Argentina, a Argentina importava de tudo. Na hora em que eles fecharam o
mercado, todo mundo debandou. Quem tinha carro importado ficou com ‘mico’
na mão porque não tinha peça de reposição, não tinha nada, o pessoal sumiu,
70
fecharam o mercado e acabou. E lá ficou uma mágoa, vamos colocar assim, muito
grande contra os exportadores, o pessoal que exportava para a Argentina. Então,
você ter uma fábrica ou você estar lá dentro era muito importante, se não você não
vendia. Outro aspecto, além de você estar num mercado interessante, não bastava
você estar lá entendendo [o mercado], você tinha que estar presente fisicamente
lá, se não o argentino olhava para você com desconfiança. É verdade, tem que ter
uma base, um negócio para dar suporte para seu cliente.”
A decisão de investir no mercado argentino obedeceu também a outras considerações,
como observou o entrevistado:
“Se você quiser crescer, para onde você vai? Onde tem mais sinergia? Onde o
mercado é mais interessante? Você não vai para a Colômbia, onde tem traficante...
Lá você tem que andar de carro blindado o tempo todo, se não você é seqüestrado,
isso aí é uma realidade. Você tem que ir para um lugar que tenha dinheiro, que
tenha mercado consumidor. Para onde você vai [na América Latina]? Para a
Argentina, não na situação atual, mas na que era na época [da aquisição]... E
dentro da Argentina, para onde você vai? Você tem que estar próximo ao centro
consumidor. Onde está o dinheiro? O dinheiro está em Buenos Aires. Então, você
quer estar lá.”
A operação argentina foi fortemente afetada pela crise econômica argentina,
particularmente em função da própria natureza do negócio, de alta sensibilidade a crises
econômicas.
“Hoje a empresa está experimentando perdas, é a única operação deficitária, a
operação na Argentina, por causa do mercado em si. Então para reverter essa
situação, a empresa vem adotando uma série de medidas. Estamos readequando o
pessoal para a atual situação, adotando uma série de medidas administrativas, no
que diz respeito à cobrança, à reorganização de pessoal, para tornar a estrutura
mais dinâmica, mais de acordo com a situação e a realidade. Estamos nos
preparando para, quando a economia argentina retomar o crescimento, estarmos
com uma empresa enxuta e preparada.”
71
O entrevistado desenvolveu um pouco mais sua percepção sobre o impacto da operação
argentina e o potencial futura da subsidiária:
“A Argentina é um mercado meio esquisito... A fábrica de metais e louças talvez
faça muito sentido... porque nós compramos. Nós entramos no mercado argentino
por aquisição, e... foi um trampolim. É um país de língua espanhola, tudo mais...
É um mercado interessante, quando não está recessivo. Era um lugar onde o
pessoal imaginava ser interessante estar e não podíamos prever essa situação toda
que estamos vivendo hoje. Talvez mais por eles terem escolhido o dólar como
moeda deles, quer dizer, a moeda deles estar um para um com o dólar, isso não é
real. O custo de produção deles é muito alto. Então, o país não está competitivo e
uma série de outras razões, enfim, colocou eles onde estão hoje, numa situação
que a gente acredita que vai durar muito tempo. Uma hora o negócio vai ter que
mudar... Você precisava ter a fábrica lá, era estrategicamente interessante, e
continua sendo. Quanto ao tamanho deles... eles não são tão grandes, nem tão
importantes. Em termos de vendas, hoje, eles representam quatro por cento do
nosso trabalho, quer dizer, nós conseguimos absorver aquela operação, essa fase
que eles estão passando, está sendo fácil de absorver e de levar aquela operação.
Acho que é interessante manter aquilo até o momento, mas vamos ter que
aguardar o desenvolvimento da situação.”
Há diferenças entre os mercados do Brasil e da Argentina, segundo relatou o
entrevistado, mas essas diferenças são específicas, embora, em geral, “fazer negócio lá é
a mesma coisa”:
“Embora o produto seja para o consumidor final, a gente vende através de um
canal, um home center, uma loja de material de construção ou coisa do gênero.
Então lá, o canal é o mesmo [que no Brasil]. Ah... eu diria que a grande diferença
de como fazer negócio na Argentina e como fazer negócio no Brasil, eu diria que
lá, essa parte de cobrança, a parte do recebível, é mais complicado do que no
Brasil. Lá eles não têm cartório, quer dizer, você não pode contestar ticket, porque
não tem como contestar um ticket, não existe um mecanismo para você cobrar
legalmente de uma empresa, de alguém que fez uma compra, a não ser, talvez, na
72
Justiça. Morosa, com aquela situação que estão vivendo, parece que existe uma
conivência, mas isso não é problema da Justiça, é um problema do mercado em si.
Lá você não pode encerrar uma compra de um sujeito que passou cheque sem
fundo. Então, lá existe uma dificuldade muito grande e um risco muito grande,
talvez maior do que no Brasil, nessa parte de receber e de cobrar a uma venda,
enfim, de fazer a pessoa honrar seus compromissos. Então existe essa coisa
cultural, na Argentina, que é bastante diferente do Brasil. Hoje, aqui, o cara não
pagou, você vai no cartório, cobra, não sei o quê mais, de algum jeito você resolve
isso. Aqui é o sistema é mais duro do que na Argentina. Mas, enfim, eu diria que
fazer negócio lá é a mesma coisa, só o mercado é que está, enfim, recessivo e nós
teremos, talvez, no futuro, condições melhores.”
Apesar de a empresa argentina levar o nome Deca, as duas linhas não haviam sido
integradas, de tal forma que “eles fazem produtos que nós não fazemos aqui e nós
fazemos produtos que eles não fazem lá”. No entanto, identificando-se uma
oportunidade para os produtos da outra empresa no país, os mesmos eram exportados,
da subsidiária argentina para a matriz brasileira ou vice-versa.
O entrevistado não considerava que a empresa fizesse planos, em futuro previsível, para
expandir as unidades de fabricação fora do Brasil, pois havia a percepção de que isto
não seria compensador, já que a matéria-prima era mais barata no Brasil. No entanto, a
empresa pretendia manter sua presença internacional:
“O mercado externo é sempre uma oportunidade, mesmo porque a empresa está
presente há muitos anos lá fora... Nós nunca deixaremos de estar presentes lá fora,
mas não faz sentido implantar uma indústria lá pelo baixo custo de produzir aqui...
Eu vejo isso como inviável. ... Se você me perguntar, ‘Álvaro, aqui estão cem
milhões de dólares, onde você quer construir uma fábrica?’. Eu respondo: ‘Aqui
em São Paulo’. Porque em outro país eu vou replicar uma operação, vou entrar
num mercado onde a mão-de-obra é mais cara, onde eu não conheço o mercado
direito.... Se eu for para os Estados Unidos, a mão-de-obra é mais cara, se eu for
para a Europa, a mão-de-obra é mais cara. Eu não tenho porque sair de um lugar
tão bom quanto o Brasil, eu posso usar o Brasil como plataforma de exportação...
73
Eu tenho os canais, eu tenho os armazéns, todos estrategicamente localizados, eu
tenho equipe de venda, eu tenho toda esta estrutura já pronta, não tem porque eu
não utilizar ela mais. Hoje eu só não utilizo porque não tenho produto, a minha
capacidade está totalmente tomada.”
1.8. A ESTRUTURA PARA A AÇÃO INTERNACIONAL
A organização das filiais de vendas ou das fábricas estabelecidas no exterior fazia uma
distinção bem clara entre operacional e controle. Os níveis gerenciais que definiam
estratégias e controlavam a operação (chamados corpo executivo) era formado por
brasileiros, enquanto as gerências mais operacionais e o pessoal técnico era escolhido
entre os moradores do local. Isto se repetia nas filiais de vendas, onde os níveis de
controle (financeiro) estavam localizados na matriz no Brasil, enquanto a administração
da operação e a operação em si eram gerenciadas por pessoal local:
“...é um escritório de representação, não tem corpo executivo, não tem nada disso.
Eles têm um gerente, o pessoal que cuida de levar as chapas, ou seja, não é uma
mão-de-obra qualificada, a não ser o administrador do negócio, o gerente do
negócio. O resto, não é pessoal qualificado. Então o que acontece? Por não ser
uma operação industrial, a administração é mais fácil, entende? Todos os
executivos, os conselheiros, estão atentos, na Duratex Brasil. Tem um gerente lá
que toma conta do negócio e tem que fazer os contatos comerciais, cuidar da parte
logística. Mas o resto é tocado por aqui, o caixa da empresa é aqui, é tudo
administrado por São Paulo. A administração toda, vamos dizer assim, é aqui.”
O corpo executivo era escolhido com base na disponibilidade e habilidade para lidar
com desafios. Ele era responsável por reproduzir em escala menor – a da subsidiária –
as orientações estratégicas da matriz e manter um controle mais estreito sobre a
operação. Apesar da estratégia ser definida pela matriz, a filial tinha liberdade para
adaptar os produtos às necessidades do mercado local, havendo inclusive troca de
conceitos de produtos bem sucedidos entre matriz e filial. A pesquisa de mercado era
ativa, não só nos mercados locais, mas também no mundo todo:
74
“Uma parte da estratégia da empresa é estar perto dos formadores de opinião.
Formador de opinião, quem é? É o arquiteto, o decorador, enfim, o consumidor.
Então, a gente busca estar próximo desse povo, identificando as tendências, a
gente busca estar em feiras do mundo inteiro. Então, a gente tenta trazer para cá
aquele produto... Nós temos uma equipe de criação, uma equipe que desenvolve
produtos. Esse pessoal apresenta os produtos que eles acham que devem ser
lançados e o comitê vai aprovar ou não, vai modificar o desenho. Vai fazer aquilo
chegar numa forma que eles acham que o consumidor vai aceitar.”
Dentro da matriz, foi criada uma estrutura para o controle das operações no exterior não
muito dissociada da operação normal. Enquanto o Setor de Exportações era responsável
pelo controle das exportações via agentes e das filiais de vendas (EUA e Europa), o
corpo executivo da matriz dividia seu tempo entre as suas tarefas estratégicas e o
gerenciamento das unidades fabris do exterior.
No entanto, a própria exposição da empresa aos concorrentes no exterior trouxe a
necessidade de nova abordagem no gerenciamento dos recursos humanos, incorporando
técnicas de gestão e incentivo, de forma a aproximar o desempenho doméstico do da
concorrência internacional:
“Hoje em dia na parte da tecnologia é assim, nós trouxemos muitas práticas de
administração [do exterior]. Então hoje a empresa tem stock options, a empresa
tem bônus, a empresa tem incentivo de venda, de vendedores, a empresa tem um
sistema de incentivo aos trabalhadores das fábricas, tem um canal aberto direto
com o RH de reclamação, de ‘diga o que for’, de sugestão. Tem programas de
emprego, de 5S, de cuidar do ambiente de trabalho. Tem outro que se chama TPM
(Total Productive Management), que também foi implantado, onde você pega um
equipamento e uma força-tarefa, por exemplo, os usuários daquele equipamento, e
eles fazem auditoria nele e sugerem melhorias. Tem equipamento que melhorou
coisa de cinqüenta, sessenta por cento a rentabilidade por causa de sugestões que
foram dadas por esse pessoal. Então isso são teorias e técnicas trazidas de fora.”
75
3. CASO EUCATEX
3.1. BREVE CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA
A Eucatex foi fundada em 1951 a partir de uma serraria que vendia troncos de eucalipto
como combustível para trens, de propriedade da família Maluf. Com o advento das
locomotivas a diesel ou elétricas, a empresa optou por utilizar as máquinas e o eucalipto
para a fabricação de chapas de madeira para forros e isolantes acústicos. Como, no
entanto, não havia tecnologia a nível mundial para a fabricação destas chapas a partir do
eucalipto (o usual era a utilização do pinus), a empresa foi a pioneira no
desenvolvimento desta tecnologia.
Com a necessidade de agregar mais tecnologia ao seu produto, a Eucatex foi
incorporando novas áreas e tecnologias de produção, tais como: metalurgia, para
fabricação das ferragens para divisórias e telhas metálicas; agricultura, para o cultivo
das florestas de pinus e eucaliptos; mineração, para a extração de matéria-prima
(verniculita) para divisórias corta-fogo. Com a extração da verniculita, que também era
usada para a agricultura, a Eucatex passou a desenvolver pesquisa agrícola, passando a
vender terras enriquecidas com verniculita e posteriormente turfa, extraída de minas
próprias. Atualmente é um dos grandes fornecedores brasileiros, não somente para suas
florestas de eucalipto, como para outras agroindústrias, tais como a de tabaco.
Com uma orientação estratégica para a integração vertical dos processos, a Eucatex,
além de diversificar seus produtos para a área de materiais de construção (divisórias,
forros, portas, telhas, pisos laminados), iniciou a fabricação de tintas necessárias a seu
processo produtivo. Posteriormente iniciou a comercialização do seu excedente de
produção de tintas para o mercado interno. A empresa possui hoje cinco fábricas no
interior do estado de São Paulo, além de 52 mil hectares de florestas próprias de pinus e
eucaliptos.
Desde o seu início a empresa voltou-se para o mercado externo, começando com a
comercialização de forros. Abriu escritórios comerciais na Argentina e no México, nos
EUA e na Alemanha, sendo que os dois primeiros foram posteriormente fechados.
76
3.2. O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA EMPRESA
O início do processo de internacionalização da Eucatex decorreu do espírito
empreendedor do dono da empresa, Roberto Maluf, como descreveu o entrevistado,
Paulo Amanthéa:
“Quem viajava era o dono da empresa, o fundador da Eucatex, que era o Roberto
Maluf, o pioneiro. Foi ele que criou os escritórios do México, o escritório da
Argentina, que mais tarde foram fechados. E ele viajava sozinho, com mala,
carregado de amostras.”
Como testemunha e posteriormente agente do processo de internacionalização, o
entrevistado atestou a rápida expansão para mercados os mais diversos, já nos primeiros
anos de vida da empresa, e em uma época em que não havia as facilidades de
comunicação e movimentação que existem nos dias atuais:
“Eu estou há vinte e seis anos na Eucatex. Então, praticamente, eu vi tudo nascer.
Quando entrei aqui, só tinha alguns produtos. Praticamente fabricavam só forros e
isolantes, chapas isolantes... Mas a empresa já era uma pioneira em comércio
exterior. A empresa tinha, na ocasião, um escritório na Argentina e um escritório
no México, para distribuição dos produtos. Então, praticamente a venda era só de
forro, isolante. E a empresa já vendia para uma boa parte do mundo, por exemplo,
para o Oriente Médio...Em 1974, quando eu entrei, estava nessa situação. A gente
já vendia para o Oriente Médio, a gente vendia para praticamente quase toda a
América Latina, a gente já estava vendendo para os Estados Unidos. Acho que em
1975 nós começamos a vender para a Europa. Aí, com a entrada na Europa, com
os forros, entrou também pela primeira vez a chapa, a chapa de fibra. A gente
fazia lambri – uma chapa dura de 3 a 4 mm, que é sistema de encaixe, macho e
fêmea – e aí a gente começou a entrar na Europa. Mais ou menos em 1977,
começamos a entrar para valer no mercado americano com a chapa dura, que hoje
ainda é o principal sustento nosso, baluarte da exportação. Aí, uma das missões
que eu tinha era abrir o resto do mundo.”
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O caráter exploratório do esforço para abrir novos mercados, sem um preparo ou uma
pesquisa adequada para definição dos mercados-alvo, fica caracterizado pela forma
como se faziam os contatos comerciais neste período:
“A gente comprava o Directory, esses livros que têm endereços, nomes de
companhias. O que tinha, a gente comprava e soltava horrores de cartas. Mandava
carta para tudo quanto é canto do mundo. Separava alguns países do mundo onde
havia interesse em abrir o mercado, e começava enviando milhares de cartas. Com
o tempo, fomos ganhando experiência: de cada cem cartas, talvez dez fossem
aproveitadas, talvez dez virassem pedido. Com o tempo, com o telex, ou mesmo a
carta, passamos a entender qual era a psicologia do negócio, o que não ia dar e o
que ia realmente virar negócio. O modo pelo qual a pessoa abordava... Vinham
milhares de telex do mundo inteiro. Vinham cartas do mundo inteiro, aos montes.
E o pessoal até reclamava: ‘Estamos gastando mil dólares de cartas por mês, mil
dólares de correspondência’. Mas era justamente o que havia na época, era a
Internet da época. E funcionava. Abrimos assim o mercado em muitos lugares.”
As dificuldades para o atingimento dos mercados mais distantes tinham toda a sorte de
características, desde a movimentação de pessoas, a comunicação, até o estabelecimento
de uma rede logística para a distribuição dos produtos. Estas dificuldades implicaram na
busca de soluções para evitar a inviabilização dos negócios.
O trabalho de abertura de mercados era, essencialmente, um trabalho artesanal, de
contatos pessoais, inúmeras e cansativas visitas, que se faziam por todo o tempo,
particularmente quando a empresa lidava com os mercados do Oriente Médio e da
África:
“Eu viajava muito para esses lugares, tanto para a África quanto para o Oriente
Médio. Chegava às vezes a ficar sessenta dias no exterior. Um dia encontrei com
um alemão de uma multinacional, e ele me falou assim: ‘Você é louco! O pessoal
aqui da Europa, depois de quinze dias, começa a ficar irritado, começa a perder
produtividade, é estressante. Por que você não quebra essas viagens?’. Mas como
é que eu ia quebrar a viagem se eu tinha onze horas até Londres, depois mais
cinco horas até a Arábia Saudita, mais cinco horas até a África do Sul. ... Para ir
78
para a África você tinha que pegar avião na Europa e às vezes não tinha vôos
diretos para a África, ou mesmo para o Oriente Médio. Era complicado.”
No entanto, o pioneirismo no atendimento aos mercados externos e a opção por ter uma
cobertura geográfica extremamente dispersa colocaram a empresa frente a novos
desafios, em relação à logística e aos processos de comercialização. Um dos grandes
problemas vividos com a exportação era o transporte marítimo, uma área onde o Brasil
era muito deficiente.
“E o que é importante é o seguinte: nós fomos um dos pioneiros na exportação de
produtos manufaturados. Exportávamos o nosso produto e tínhamos problemas de
navio. O tipo de navio existente na época era para carregar café, para carregar
vigas de aço, vergalhões. Não tinha navio adequado. E a gente tinha também
problemas de embalagem. ... Tínhamos um cliente no Katar, um cliente fantástico
de forros, comprava um navio inteiro de forros. Mas tínhamos que suar para poder
embarcar produto para ele. Éramos obrigados a fazer algumas coisinhas assim, ir
lá no ..., dar um presente para uma pessoa: ‘olha, pelo amor de Deus, faz escala
naquele porto lá, porque é importante’. E o cliente, naquele mercado, comprava
mil metros cúbicos de forro, era uma monstruosidade de forro.”
“O nosso produto chegava nos mercados externos de navio. Nosso isolante
acústico era um inferno, porque era um produto que tinha muito volume e pouco
peso. ... Então, o que é que acontecia? Normalmente, a nossa chapa de fibra ocupa
mais ou menos 1,2 metros cúbicos por uma tonelada. O nosso isolante tinha quase
quatro metros cúbicos por uma tonelada. Então, muito volumoso e pouco peso.
Então, o que é que acontecia? Nós produzíamos o material, mandávamos para o
porto, tínhamos um compromisso com o cliente. Mas, na hora H, a companhia de
navegação largava, deixava você na mão. Deixava para trás. Você ficava com a
carga ali parada. E era um inferno para o pessoal poder carregar. Então, sofremos
horrores. Mas, tinha outra coisa, abrir portos. Eu queria vender para a África, ou
queria vender para Hong Kong. Como é que eu chegava lá? Precisava de navio.”
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A Eucatex, à época, foi forçada a assumir um papel de liderança entre os exportadores,
de modo a obter uma solução para os problemas de frete marítimo. Essa solução passou
por uma interferência direta do governo brasileiro junto à estatal Lloyd Brasileiro e à
Companhia Paulista de navegação, que se uniram para solucionar o problema e
viabilizar o transporte para esses mercados:
“Com a famosa crise do petróleo, na década de 70, o barril de petróleo ficou a
quarenta dólares. De dois pulou para quarenta. Só para você ter uma idéia do
impacto. Então, houve um boom de construção no Oriente Médio. Só que o
mundo inteiro estava indo lá e o Brasil não vendia nada. O Brasil não tinha navio.
Aí, a Eucatex se juntou com três outras empresas brasileiras. ...Pegamos os
catálogos de exportadores do Brasil inteiro – convocamos todo mundo para uma
reunião e dessa reunião nós mandamos um telex, para o então presidente Geisel,
pedindo para botar uma linha de navio para o Oriente Médio, porque quando se
tinha uma linha, era uma vez por ano. ... Bom, aí o que é que o Geisel fez? Ele
falou com o Lloyd, falou com a Paulista – Companhia Paulista de Navegação –
fizeram uma joint-venture, aí começou uma linha pioneira para o Oriente Médio.
Então, essa linha, ela passava pela África do Sul, subia a África Oriental, fazia uns
portos ali em Mombaça, no Quênia, depois ia para Geda e depois lá para cima,
pegando os outros países lá do Golfo Pérsico. Então, começamos a entrar numa
outra área. Começamos a pegar uma área da África Oriental, África do Sul e...
enfim, começamos a entrar naquela área. Aí nós tivemos temporariamente
durante, eu diria, dois anos, acho que foi de 1977 a 1979, tivemos uma consultoria
brasileira na capital da Arábia Saudita. Tivemos lá um escritório da Eucatex, para
vender para os árabes. Fomos tentando abrir mais a Ásia, abrir mais a África. Mas
sempre com esse problema de navios. Isso aí era uma encrenca! A África
Ocidental, por exemplo, tinha a Nigéria, que também tinha petróleo. Eles podiam
pagar bem. Mas... não tinha navios. Era uma dificuldade.”
A outra questão, no entanto, que reduzia a competitividade da empresa, referia-se ao
custo elevadíssimo dos fretes, o que, no caso da Eucatex, era ainda mais grave, pois
seus produtos tinham muito volume:
80
“E fretes horrorosos... trezentos, quatrocentos dólares a tonelada por isolante.
Hoje, eu pago quarenta. Para a Nigéria eu lembro da chapa dura, que a gente
chama de hard board. Era coisa assim de cento e cinqüenta dólares por tonelada.
Hoje, eu pago sessenta. Então, era um terror. As companhias de navegação tinham
conferências de fretes, ou seja, máfias de fretes. Ainda existem tais conferências.
Mas aí, como é que a gente podia quebrar isso? Então eu descobri que havia uns
famosos outsiders ou tramp ship companies, ou seja, seriam os não
conferenciados, que cobravam menos. Mas o cliente não queria: ‘tem que ser por
companhia conferenciada, porque se não eu não tenho segurança’. No Oriente
Médio, eu tive clientes meus que perderam milhões de dólares. É... a tal
companhia levou a mercadoria embora, quer dizer, pagaram a mercadoria e a
mercadoria sumiu. Então, até hoje, tem alguns clientes que querem antes aprovar
o navio. Então, você vai embarcar num navio, o cliente pede: ‘me dá os dados do
navio’. Certidão de nascimento do navio – tem uma série de organizações
internacionais que dão todos os detalhes do navio, quem é o dono, em que ano que
ele foi construído, qual é a tonelagem. E só aí o cliente autoriza. Essa autorização
tem que ser colocada na documentação que vai para a casa de crédito, porque se
não, ele não paga, e com razão. Então, nós fizemos miséria. Embarcamos em tudo
quanto é navio: navio frigorífico, que não é embarcação indicada, mas tinha às
vezes alguma areazinha de carga. Aí a gente ia junto. O Brasil exportava frango e
eu tive que carregar um monte de frangueiro.
As dificuldades se estendiam finalmente à própria situação das companhias de
navegação, cujos navios podiam ficar presos em portos se a empresa estivesse em
dificuldades:
“E havia alguns casos de companhias de navegação que faliam. Eu só peguei um
caso, teve uma ocasião que eu desconfiei, não deixei embarcar e a companhia
faliu. Mas teve uma outra situação que eu fui pego. Eu tinha uma pequena carga
que ia para Arábia Saudita e o navio ficou preso na Índia. Aí, foi uma briga para
resolver o problema. Mas eu consegui. Eu tive que conseguir tirar a carga do
navio. Aí eu tive que pagar um outro navio para levar até o meu cliente na Arábia
Saudita. Conseguimos acertar com o cliente, e ele é meu amigo até hoje.”
81
As dificuldades para servir os mercados externos tinham também importantes
componentes culturais. A distância cultural se expressavam, entre outras coisas, na falta
de conhecimento dos sistemas de leis e costumes de cada sociedade, e isto implicava a
escolha de terceiros com experiência em determinadas regiões, que pudessem ser
envolvidos no processo, de forma a intermediar e traduzir os requisitos para participar
deste mercado:
“Uma das coisas que, no passado, nós tivemos grande dificuldade... Houve um
caso de um intermediário nosso, ...ele vendia uns 80 mil dólares. E, de repente,
veio uma reclamação na Justiça, pedindo um milhão de dólares, indenização por
perdas de não sei o quê... O processo acabou caducando, porque teve uma guerra
lá... Mas, eles têm umas leis que só vêem o lado deles. Aí, como é que eu passo
por cima disso? Porque é preciso ter um agente multinacional, ou seja, que não
seja árabe, mas que possa rodar isso daí. Aí eu descobri um [agente] grego. Um
grego que vendia madeira, que rodava aquilo tudo, por sinal, vendia produtos do
meu concorrente. E, com muito tato, eu consegui que ele passasse a ser também
nosso agente, trabalhasse para o concorrente e trabalhasse para nós também. E deu
certo. Então, não é fácil lidar com os árabes, não é fácil!”
Às vezes, a distância cultural se expressa em resultados favoráveis advindos de
situações em que as expectativas não eram favoráveis, como no caso a seguir:
“Eu tenho um russo, que mora nos EUA, ficou muito meu amigo. Eu não
acreditava que um russo fosse comprar um produto meu. Pensei: ‘Não sei se ele
vai comprar, deve ser piada, vou dar corda’. Mas comprou. Comprou e compra.
Compra mais do que nos EUA, e era um produto para o mercado americano...”
À medida que se expandia, a empresa buscava equilibrar as situações de demanda do
mercado doméstico e dos mercados externos. No entanto, apesar de obter maior
lucratividade no mercado doméstico, e considerando todo o esforço investido no
desenvolvimento dos mercados externos, a empresa prosseguia reafirmando sua decisão
de internacionalização. As flutuações de demanda de um mercado doméstico mais
82
lucrativo exigiram da empresa a ratificação de sua opção pela internacionalização via
revisão de seu plano estratégico de investimentos:
“A empresa hoje tem um grande potencial de mercado para exportação, mas eu
digo para você o seguinte: somente 25% do que ela produz é exportado. Eu diria
que caiu um pouco esse número. Em algumas décadas, com as crises no mercado
interno, antes do Plano Real, 40% da produção era de exportações. Mas, no ano
passado, nós só chegamos a 13%, houve uma queda brutal das exportações. E nós
sabemos o por quê disso... Ou seja, nós temos que tentar correr atrás do prejuízo.
Nós estamos investindo pesadamente em tecnologia, estamos renovando nossos
parques industriais, estamos ... surgindo com produtos novos, para tentar ser mais
competitivo...”
O fato de atuar em mercados tão dispersos e geograficamente distantes servia a uma
estratégia para obter uma certa estabilidade do nível de vendas e uma válvula de escape
para eventuais crises regionais, o que tornaria a empresa imune às crises econômicas
mundiais:
“Então, a vantagem que você tem é que um país está em crise e o outro não está
em crise. Sempre tem algum país que está bem. Tem um que está mais ou menos,
tem um que está muito mal, mas sempre se vende. Então, a coisa mais importante
da exportação é que permite que a empresa não fique vítima de um mercado,
algemada num mercado só. Se ficar totalmente voltada para o mercado interno, a
empresa corre o risco de ser asfixiada, ao passo que a exportação dá o oxigênio de
que você precisa. Então, no caso da empresa concorrente nossa, ela consegue
servir basicamente a Europa e os EUA, o foco dela é a Europa e os EUA. A
Eucatex, não. Se a Europa e os EUA estiverem mal, nós temos outras partes do
mundo para onde vender. Sempre tem algum mercado que está bem. Então, se tem
crise na Ásia, nós temos a América do Sul, temos o Caribe, enfim, temos outras
partes do mundo, como a Europa Ocidental.”
83
3.3. O INVESTIMENTO DIRETO NO EXTERIOR
Com vistas a estruturar melhor o processo de comercialização no exterior, a empresa
sentiu a necessidade de estabelecer maior presença nos mercados mais promissores.
Assim, a partir da década de setenta, a Eucatex criou os primeiros escritórios próprios,
como ocorreu no caso do mercado americano:
“...nós tínhamos um pequeno escritório nos Estados Unidos, que era na casa de
um representante de vendas nosso, e aí passou, mudou para Nova Iorque. Quando
mudou para Nova Iorque? Em 1975 talvez. É. Em 1975 passou para o escritório
em Nova Iorque, e ficou até o ano passado em Nova Iorque. Na verdade, tinham
nomes diferentes os escritórios. ...Então, entrou com um nome diferente lá, que
não era nem Eucatex. Chamava-se Interboard. Então tinha o Interboard da
Holanda, e tinha o Interboard de Nova Iorque, que era um escritório próprio de
vendas. Um era para abrir o mercado da Europa, o outro para abrir o dos Estados
Unidos.”
A estruturação das operações no exterior tinha um caráter empreendedor muito forte,
com todo o trabalho dependendo de pessoas escolhidas para desempenhar uma missão,
que era a de abrir os mercados externos.
“A gente tinha um diretor que estruturou tudo, a estrutura de comércio exterior da
Eucatex lá fora, que mal falava português. Não falava nada de inglês. Foi ele que
achou o nosso funcionário lá nos Estados Unidos e colocou esses dois na Europa e
na Ásia e que me mandou também para Londres.”
A abertura do escritório em Londres foi feita pelo próprio entrevistado, a partir de uma
conversa com o diretor responsável pela área internacional:
“Bom, fomos acertando assim os negócios em várias partes do mundo. Mas
chegou uma hora em que ficou muito difícil prosseguir só com viagens, porque
tínhamos muitos clientes árabes, muitos clientes africanos. E eu tinha um
problema. Para trazer um desses clientes para cá, eu tinha que pagar a passagem,
pagar hotel, pagar tudo, porque, se não, ele não vinha para cá. ‘Não, eu vou para
84
Londres, eu vou para Paris, por que ir para o Brasil?’ Isso saía muito caro. Um
dia, o diretor me disse: ‘Estamos vendendo para a Nigéria um milhão de dólares
por mês, precisamos ter um escritório na Nigéria’. E eu respondi: ‘Não, você está
enganado. Quem vende para a Nigéria, vende para os outros lugares, são
multinacionais, que têm escritório na Europa, entre Londres e Paris’. E ele me
disse: ‘Então veja a possibilidade de colocar um escritório em Londres.’ Fui para
Londres em 1981 avaliar, mas achei que o pessoal aqui no Brasil não tinha
estrutura suficiente para me dar o apoio necessário. Pensei: ‘Eu vou me queimar
aqui. Deixa eu maturar isso’. Em 1985, senti que era a hora. Aí, fui para Londres
para tentar trabalhar a África e o Oriente Médio. Então eu fiquei cinco anos em
Londres para tentar ficar próximo dos clientes, fazendo viagens mais curtas.”
As pessoas que atuavam no exterior, funcionários da empresa ou agentes, não eram
escolhidas por terem bagagem internacional anterior, nível cultural ou proficiência em
língua estrangeira. O processo de escolha das pessoas e, em decorrência, dos locais e
mercados para estabelecer as representações era baseado na network pessoal do corpo
executivo da empresa.
Não existia uma pesquisa de mercado ou um procedimento formal por trás da escolha
do local, que não fosse a conveniência das relações pessoais com alguém considerado
de confiança pelo corpo executivo da empresa. As relações de amizade podiam
interferir em vários aspectos do processo, como a escolha da localização:
“Em 1976, nós abrimos um escritório em Hong Kong. Em Hong Kong, tínhamos
um alemão – ainda temos esse alemão – casado com uma tailandesa, ele conhecia
bem a região. Foi para lá. Mas a vida em Hong Kong era muito difícil. Aí, nós
mudamos para Singapura. Só que ali, naquela área da Ásia, só se vendia
praticamente isolante, alguma coisa assim de forro acústico. E estava difícil para a
gente sobreviver ali só com aquelas vendas, para pagar as despesas dele.”
Esta forma de estruturação das operações no exterior estava ligada à primeira etapa do
processo de abrir mercados, onde as relações pessoais foram muito importantes para o
estabelecimento da confiança necessária às relações comerciais:
85
“E já tinha uma parte da Europa que estava meio abandonada, não se vendia nada
na Alemanha e o nosso gerente aqui do escritório era holandês, e alemão não se dá
bem com holandês. Na Itália também não se vendia nada. Na Suíça e na Áustria
não se vendia nada. Então, o que fizemos? Colocamos o escritório em Singapura e
colocamos um agente nosso na Itália, cuidando da Suíça, da Áustria e da Itália. E
então, realmente, a coisa começou a crescer. Veja bem, nós tivemos grandes
dificuldades para abrir esses novos países. Mas para chegar lá! Como é que se
chegava lá, sem ter uma estratégia?”
O uso de network pessoal fica bem claro no caso das escolhas dos responsáveis pelo que
seriam posteriormente os dois principais escritórios de comercialização da empresa no
exterior:
“Como surgiram os escritórios que temos hoje? Eu diria o seguinte: de maneira
muito informal... Não teve nenhuma escolha técnica. Foi colocado ali por desafio.
Na Alemanha era um agente de compras de uma empresa chamada ..., que, pelo
nome, era uma empresa alemã, que vendia aço. Como ele vendia aço, surgiu
espaço para ele vender outras coisas. Então, ele se tornou um representante da
Eucatex. Um belo dia ficou desempregado. E, o meu antigo chefe – bem, o pai
dele era alemão, ele falava até um alemão antigo, um alemão arcaico – era ele
quem conhecia esse alemão. Aí ele disse para o alemão: ‘eu estou precisando de
uma pessoa, você não quer trabalhar para a Eucatex?’ Então ele chamou o alemão,
como depois chamou o holandês, que também estava desempregado. Ele era um
engenheiro agrônomo, estava desempregado, aí foi colocado no escritório da
Eucatex.”
“Agora, o rapaz de Atlanta ele era um conhecido meu..., aí um belo dia ele ficou
desempregado. Aí meu chefe falou assim: ‘vem trabalhar com a gente’. Nessa
época, eu cuidava da parte de vendas. Então nós dividimos em duas partes: eu
cuidava de uma parte, ele cuidava da outra. Ele cuidava do hemisfério norte, eu
cuidava do hemisfério sul. Depois mudei minha função para marketing, e ele ficou
com o mundo todo. Ficou mais ou menos um ano. Mas, depois de um tempo, ele
não estava mais satisfeito com o trabalho. Era um rapaz jovem, recém- casado,
86
não tinha filhos. Achamos que seria oportuno dar esse desafio para ele.
Mandamos ele para os Estados Unidos e transformamos nosso pessoal lá do
escritório em representantes para algumas áreas nos EUA e esse rapaz não se
ocuparia dessas áreas. Depois, em algum ponto no tempo, o pessoal resolveu
renunciar... Então, o escritório em Atlanta ficou com toda a América do Norte e o
Caribe e a América Central. Foi mais ou menos assim.”
O modo de atuação em um determinado mercado seria definido pelo conhecimento
adquirido, pela facilidade de compreensão do mercado e de obtenção de informações.
Quanto mais fácil fosse o fluxo de informações, menor teria de ser a presença física da
empresa, dada a facilidade de controle das operações. Deste modo, a empresa utilizava
como forma de conhecimento de um mercado a exposição direta através do
estabelecimento de uma filial ou subsidiária:
“...talvez naquelas áreas em que a gente não entrou, nas antigas repúblicas da
Rússia, na Europa Oriental, como a gente não conhece quase ninguém lá, talvez
fosse necessário instalar um escritório... Aí, sim. Mas nos países do mundo que a
gente já conhece bem, sabemos quem é quem, as pessoas, os nossos concorrentes,
nós sabemos quem são os distribuidores, tudo... Não sei, não sei por que precisaria
ter um escritório lá.”
Segundo o entrevistado, os motivos que exigiram que se estabelecessem escritórios ou
filiais para comercialização de produtos decorriam da necessidade de maior controle
sobre o que acontecia. À medida que as relações de confiança eram estabelecidas e se
criavam instrumentos de controle necessários ao gerenciamento à distância, a presença
física da empresa no local não era mais percebida como necessária. Este processo de
aprendizado, criação de vínculos e contatos iria culminar, posteriormente, no
desinvestimento, por parte da empresa, de diversos escritórios próprios, substituídos por
agentes comerciais, através de um processo ativo de seleção.
“Quando começaram os escritórios, praticamente não tínhamos agentes. Então,
tem que ter alguém nosso para olhar e verificar o que está acontecendo, porque...
vigaristas, bandidos e outras coisas, inclusive, tinha aos montões, gente dando
87
golpe... Coisas incríveis aconteceram no passado... O escritório de Londres fechou
por quê? Porque eu consegui montar uma infra-estrutura de distribuição que não
precisava de escritório, eu podia tocar daqui. Tanto é que eu saí de lá, o escritório
vendia 20 milhões de dólares por ano, eu voltei para cá e continuou vendendo 20
milhões de dólares por ano.”
A partir desta conclusão e da constatação do avanço dos modernos meios de
comunicação e controle das operações à distância, o entrevistado preconizou o fim
próximo da necessidade de filiais no exterior para o gerenciamento da rede de agentes e
a centralização das operações comerciais:
“Num futuro talvez não muito distante, talvez nem vai se ter mais [escritório],
com o advento de Internet, com o videofone, eu acredito que nem vai ser
necessário viajar tanto, excessivamente, nem você vai precisar ter escritório.
Então, o escritório dá para tocar, como eu sempre faço, mandando e-mail para lá e
para cá. Tudo ficou muito mais fácil.”
No entanto, o entrevistado não descartava a possibilidade de investimento direto no
exterior, com a criação ou aquisição de unidades produtivas, que deveriam ser
localizadas segundo um critério de risco de instabilidade política e econômica:
“Eu hoje pensaria num lugar estável. Eu diria ... um lugar da América do Norte,
poderia ser México ou Estados Unidos, poderia ser Canadá, países estáveis...
Poderia ser também na Europa.... Política e economia estáveis. Por exemplo,
nunca iria colocar na Nigéria, porque aquilo ali qualquer dia vai virar três países.
Ali é uma outra estória, são três tribos distintas e uma hora aquilo explode. Tem
uma população muito grande, tem mais de 150 milhões de habitantes. É uma
bomba-relógio. Então, eu nunca colocaria na Nigéria.”
A experiência acumulada durante o desenvolvimento dos mercados externos, aliada a
uma estrutura interna à empresa mais amadurecida, casavam com o surgimento de uma
nova geração de integrantes do corpo executivo, mais preparada para lidar com a
extensa gama de países atendidos pela Eucatex. Os executivos mais antigos eram
88
chamados, então, a transferir seu conhecimento dos mercados e das pessoas a essa nova
geração.
“Porque eu conheço a cultura, eu sei como eles pensam. Então, eu conheço a
etiqueta, tem uma série de coisas, por exemplo, lá você realmente não vê mulher.
Se por acaso, por um milagre, você vê a esposa dele, você nunca dá a mão, você
não olha para os olhos dela. Porque faz parte da cultura deles... você não dá
tapinhas nas costas, porque tapinhas nas costas (...). Então eu tenho que me
controlar porque eu sou latino, eu dou tapinha para tudo quanto é lado.”
O mesmo apoio era dado aos que conduziam os escritórios da empresa no exterior.
Procurava-se transferir os elos pessoais previamente estabelecidos a esse chefes de
escritório no exterior, para que pudessem mais facilmente realizar os seus negócios,
particularmente naqueles mercados onde as relações pessoais pudessem ter papel
importante na condução dos negócios:
“Se há alguma dificuldade, eu dou uma mãozinha, porque eu morei cinco anos lá,
conheço todo mundo. Esse ano era para irmos para o Oriente Médio, porque ele
não tem experiência com árabes. Eu falei para ele: ‘olha, nós temos que fazer uma
viagem, aí eu vou te apresentar o filho do dono, porque eu sou da geração que
conheci o dono e agora é o filho que está lá’. O dono falava um inglês todo
estropiado, e se você falasse muito correto, ele não entendia. Já o filho, não. O
filho era educado em Cambridge, educado em Harvard, tem um bom nível
cultural. Então é diferente.”
Este acúmulo de experiências externas se refletia em melhorias nos processos internos
da empresa, tornando-a mais competitiva no cenário internacional e melhor preparada
para lidar com a concorrência no mercado doméstico:
“Eu diria que a minha experiência na Inglaterra foi excelente, foi muito boa!
Porque eu procurava ouvir o que eles precisavam. Tentava transmitir para a
empresa, para a fábrica, o que eles necessitavam saber. Então, foi uma época, para
nós, de tentar analisar produtos. Hoje, é mais fácil e sai rápido. O pessoal se
empenha, faz rapidinho. Mas, no passado, a gente tinha grandes dificuldades de
89
fazer essas adaptações. [Eram lançados] quatro ou cinco produtos novos por ano.
Hoje saem 30, 40, ou mais por ano.”
A própria escolha das localizações para os escritórios começava a obedecer a critérios
mais racionais, como parte de uma intenção central para obtenção de melhores
resultados:
“Então, as coisas foram acontecendo e a gente foi por lógica. Fomos achando qual
seria o melhor ponto. Por que Atlanta? Porque, em Atlanta, você tem avião para
qualquer parte dos Estados Unidos ou para qualquer parte do mundo. Então, essa
foi uma razão pela qual escolhemos Atlanta e não Nova Iorque. Nova Iorque tinha
mais status. Mas, de resultado mesmo, era ruim! E Atlanta está perto dos grandes
pólos.”
Em 2000, a empresa tinha como seu principal mercado o americano, o que, inclusive,
explicava e era explicado pela presença do escritório naquele país:
“Hoje, o melhor mercado para nós é os EUA. Mas chegou a ser a Arábia Saudita.
A Arábia Saudita chegou a ser o mercado n.º 1, durante... eu diria... quase que
uma década, foi a Arábia Saudita. E com uma vantagem, a Arábia Saudita
comprava o produto acabado. Os americanos têm a tendência de só querer
comprar a matéria-prima. E os árabes compram de tudo. Inclusive acabados. Mas
a crise russa e a crise da Ásia fizeram praticamente desmoronar as vendas do
Oriente Médio. Então agora estamos tentando, eu e o alemão, estamos tentando
ver se conseguimos recuperar as vendas.”
O contato com o mercado e a competição internacionais trouxeram a necessidade de
adequação a normas internacionais e a exposição a formas de atuação e gerenciamento
da empresa que forçaram uma evolução. Esta evolução colocou a empresa em um
patamar de qualidade que lhe deu maior segurança para lidar com novos mercados e
uma percepção de domínio sobre a atuação no comércio exterior, como observado a
seguir:
90
“Hoje, o mercado mundial está mais ou menos domado. Temos ainda alguma
dificuldade na China, mas estamos entrando, porque nós temos um selo verde, nós
temos o selo verde mundial. Ou seja, as florestas da Eucatex são certificadas por
um organismo internacional independente, que é a ONG das florestas, a Forest
Courtship Control, o famoso FCC. Então, de repente, chegou um chinês, um belo
dia, e falou: ‘Você tem o selo verde?’. Eu disse: ‘Eu tenho’. ‘Ah, então eu
quero’.”
O entrevistado deplorou a ausência de uma mentalidade exportadora no país, atribuindo
essa carência, em parte, à atratividade do mercado doméstico. Para ele, enquanto outros
países viam oportunidades imensas no mercado externo, o Brasil ainda engatinhava na
atividade exportadora:
“Nem todo mundo enxerga isso. [O Brasil] está enxergando isso, eu diria que
tardiamente. Aliás, você vê o número de empresas que está no Brasil e você vai
ver que só tem uma elite de 300 empresas exportadoras. Agora, você vai em
Taiwan, tem 20 mil empresas exportadoras. É impressionante. Uma coisa que nós
estamos tentando fazer é ver se a gente consegue avançar no mercado de móveis,
a Eucatex andou exportando móveis... Mas não chega a 400 mil dólares por ano.
Taiwan há muito tempo exporta mais de dois bilhões de dólares de móveis.
Taiwan é do tamanho da Ilha de Marajó e não tem nem matéria-prima. Então, o
Brasil ainda está muito cru.”
A própria Eucatex teria sofrido, por muitos anos, desta falta de mentalidade exportadora
e abertura para os mercados externos:
“Fomos muito prejudicados porque o pessoal da nossa empresa olhava muito para
o próprio umbigo e só via estritamente o mercado interno. Exportação era, assim,
um hobby. Quando eu entrei na Eucatex, exportação era vista como um brinquedo
do presidente. Hoje é uma coisa séria. Hoje é importante, temos compromissos em
mais de 80 países do mundo. A exportação traz muita novidade, a gente traz muita
coisa nova para o mercado interno através da exportação. Mas só que no passado,
até a década de 90, a coisa era olhada assim... o mercado interno é mais
91
importante, o mercado interno paga mais. Mas hoje é diferente, a exportação é
importante, temos que estar presentes onde for possível e as exportações têm
trazido muita coisa nova para a empresa.”
3.4. ESTRUTURA PARA A AÇÃO INTERNACIONAL
A estrutura da empresa para a ação internacional, como indicado no decorrer da
entrevista, parece ter passado por duas etapas bastante distintas. Em uma primeira etapa,
a empresa parece ter-se estruturado através de escritórios próprios, com o intuito de
abrir mercados externos.
Progressivamente, à medida que a experiência se consolidava, a estrutura de
comercialização ia se profissionalizando e ganhando uma estratégia de gestão, com
áreas de atuação, papéis e responsabilidades melhor definidos:
“O escritório cuida das vendas, ou seja, o gerente, os assistentes, eles viajam para
todos esses países, vêem as necessidades dos clientes e procuram administrar
essas vendas. As outras áreas não cobertas pelo escritório, normalmente, têm uma
rede de agentes ou representantes. ... Enfim, cada área tem gente. Nós devemos ter
uns quarenta ou cinqüenta agentes.”
“O [chefe do escritório] alemão, uma vez por ano, ele vai para a Ásia. Viaja por
todas as cidades lá, junto com os agentes, para ver como está andando, se esse
agente está indo bem, e, se não estiver, ele vai trocar de agente. Na Europa, ele
está constantemente girando: uma hora ele está na França, outra hora, na Itália. O
outro [chefe de escritório] nos EUA é a mesma coisa: uma hora ele está na Costa
Leste, na outra ele está na Costa Oeste, outra hora está no México.”
“Então hoje o que existe é o seguinte: essa história da Alemanha... hoje esse
alemão cuida de toda a Europa, de toda a Ásia e Oriente Médio. O escritório
alemão fica perto de Hamburgo. Hoje, nós temos dois grandes escritórios lá fora:
temos os escritórios de Atlanta e o escritório de Glinde, que praticamente
controlam o mundo. E temos um escritório em São Paulo, que cuida da África e
92
da América do Sul... O escritório de Atlanta cuida de toda a América Central,
Caribe e América do Norte.”
Uma vez conquistados os mercados externos, passou-se a utilizar agentes em áreas
anteriormente de responsabilidade do escritório próprio, sendo em alguns casos
desativados os escritórios próprios e, em outros, mantidos os escritórios, porém mais
para coordenação de atividades.
“Foi o que aconteceu com o nosso antigo escritório em Nova Iorque, que virou
agente. Foi o que aconteceu com o nosso antigo escritório na Holanda, que virou
agente. Ele deixou de ser um escritório para ser um representante”.
A atuação se dá fundamentalmente através de pessoas locais. No escritório de Atlanta,
porém, a experiência relatada é um pouco diferente:
“No começo desse ano, nós criamos um escritório em Atlanta e fechamos o
escritório em Nova Iorque. Temos hoje um brasileiro em Atlanta. Não são mais
americanos. Porque os americanos ficaram quase trinta anos com a gente e, de
certo modo, bitolaram. Então, eles se ligaram a apenas sete clientes e isso era
ruim. Um funcionário nosso, que era ex-funcionário de um concorrente, que veio
trabalhar com a gente e falou assim: “Gozado, nos Estados Unidos, o concorrente
tem noventa clientes, a Eucatex só tem sete. Tem alguma coisa errada.’ Foi aí que
nós resolvemos criar um escritório Eucatex mesmo: Eucatex of North America
Inc., em Atlanta, que está funcionando desde o começo desse ano. E está indo às
mil maravilhas! Não dá conta do que tem. Nem procurar mais clientes, porque
não dá conta.”
Já o escritório da Alemanha é dirigido pelo executivo alemão, que toca o negócio
juntamente com seus dois filhos.
É curioso observar que, apesar da ampliação da atuação da empresa para novos
mercados, houve, efetivamente, na matriz, uma redução do pessoal ligado às atividades
internacionais. Isso se deveu, em grande parte, à racionalização e terceirização das
atividades:
93
“Em 1990, nós tínhamos 88 funcionários. Hoje nós exportamos muito mais. Até
1998, exportava-se muito mais, com uma estrutura pequena, uma estrutura bem
leve, só 7 pessoas. Por que ? Porque nós terceirizamos... O nosso business é
produto, não é papel, não é documento. Nosso pessoal analisa, fala para o
despachante o que tem que ser feito em termos de documentação e aí então,
preparada a documentação, entregam no banco. Então nós não temos custo fixo.
Nós pagamos por documento: exportou para os EUA 2 milhões de dólares? É um
documento.”
Por outro lado, devido à transferência eletrônica de fundos e de documentos, muitas das
atividades burocráticas que antes consumiam quantidade enorme de tempo dos
empregados na área internacional foram sendo simplificadas, acabando por serem
realizadas de forma totalmente eletrônica:
“Ele manda eletronicamente para nós, nós mandamos para o banco e o banco
manda para o outro banco, através da forma de um e-mail, autenticado, e depois
ele passa para um cartão de crédito. Agora, há países que não aceitam o envio
eletrônico: a China ou a Nigéria, por exemplo, não aceitam esse tipo de coisa.
Então, temos que mandar para o representante de comunicação de lá, que imprime
em papel.”
“Então, a idéia ...é 'eletronizar' tudo, desde a venda da exportação, ... até o
desembarque das mercadorias, tudo eletrônico. Em função disso, vamos precisar
de menos gente também. Então vamos colocar pessoas para tocar outros trabalhos
mais inteligentes.”
A formação dos dirigentes dos escritórios é basicamente em Administração de
Empresas. Para o entrevistado, o perfil desejado de um executivo na área de Comércio
Exterior, para ocupar um cargo de alta gerência, incluiria uma formação em Economia,
Administração de Empresas e Comércio exterior, e o domínio de dois ou três idiomas
estrangeiros.
94
CAPÍTULO QUINTO - ANÁLISE DOS CASOS
Este capítulo apresenta a análise dos resultados obtidos, através de uma comparação dos
casos estudados, confrontando-se os mesmos com as questões de pesquisa inicialmente
formuladas. Em seguida, são apresentadas as principais conclusões do estudo, que são
relacionadas com as teorias e conceitos existentes na literatura. Finalmente, são feitas
recomendações para futuras pesquisas.
1. ANÁLISE DOS CASOS
Para orientar a análise dos casos, após os comentários sobre a natureza e características
da empresa, foram retomadas as perguntas de pesquisa enunciadas no capítulo terceiro
desse estudo.
O grupo de empresas que fizeram parte deste estudo – Indústrias Romi, Eucatex e
Duratex – não é muito heterogêneo (Eucatex e Duratex são, inclusive, concorrentes em
seus mercados de origem). Podemos afirmar que as três empresas tiveram uma trajetória
marcada por diversas semelhanças. Para começar, são empresas fundadas a cerca de 50
anos ou mais, e portanto com um longo período de consolidação até os dias de hoje.
Nasceram como empresas familiares, de forte cunho empreendedor, característica que
iria marcar inclusive o seu processo de internacionalização. Todas fizeram algum
movimento de internacionalização nos seus primeiros anos de vida, atendendo às mais
diversas motivações.
Em duas delas, Romi e Eucatex, a origem familiar faz parte de um mesmo grupo, ou
seja, imigrantes ou descendentes de imigrantes que se estabeleceram no Brasil por
95
ocasião das fortes correntes migratórias da primeira metade do século passado, tendo
como pano de fundo as duas grandes guerras mundiais e as oportunidades do novo
mundo. Nestes dois momentos – as décadas de 30 e 50 – o cenário econômico mundial
era de crise, quer seja pela quebra da Bolsa de Nova Iorque, quer seja pela devastação
causada pela segunda guerra mundial. No Brasil, era necessária a criação de condições
de fornecimento de diversos bens antes importados, já que os principais países
exportadores mundiais estavam totalmente voltados para suas crises domésticas. Este
cenário gerava um ambiente pleno de oportunidades para empreendedores, e a chegada
de imigrantes vinha preencher a lacuna de mão-de-obra especializada.
Como empresas familiares, o grupo de empresas em questão estava sujeito a uma série
de limitações que afetavam sua gestão. A centralização das decisões e a dependência do
perfil de liderança do dono; a necessidade de controle pessoal (ou no máximo familiar)
da gestão, que evita a geração de quadros que possam administrar a expansão da firma;
as questões ligadas à sucessão, com forte impacto em empresas com 50 anos ou mais de
existência; dificuldades de financiamento ligadas à dificuldade para abrir mão do
patrimônio da família em prol do crescimento; limites confusos entre ativos da
companhia e da família; todos estes fatores seriam determinantes no desenvolvimento
da empresa.
A evolução das empresas se deu no sentido de busca de uma profissionalização da
gestão, característica enfatizada pelos entrevistados. Esta profissionalização se deu
principalmente pela necessidade de abertura do capital como forma de captação de
recursos que financiarem seu crescimento, tanto no mercado interno quanto no externo.
Neste sentido, o caso da Duratex é exemplar, com o crescimento sendo feito
basicamente por aquisições, suportadas primeiramente pelo grupo controlador (Itaúsa,
do qual faz parte o banco Itaú), e posteriormente pela abertura do capital. A
profissionalização da gestão seria, portanto, condição para a negociação de ações em
bolsa de valores.
Quanto ao processo de internacionalização, estas empresas viviam um ambiente já
consolidado e apresentavam uma atitude tranqüila quanto a seu relacionamento com
mercados internacionais e ao domínio do comércio internacional. Em todos os casos, a
96
internacionalização se desenvolveu até o estágio de investimento direto em outros
países, sendo este investimento direto no mínimo o estabelecimento de escritórios
próprios de comercialização no exterior. Seu repertório de modos de entrada incluiu
desde exportação direta, via agentes ou distribuidores até o estabelecimento de unidades
de fabricação no exterior.
Ocorreu uma seqüência linear de estágios, da exportação indireta à exportação direta
e ao investimento direto no exterior?
O processo de internacionalização da Romi mostra uma ligação muito forte entre a
internacionalização para dentro (inward internationalization) e a internacionalização
para fora (outward internationalization). No entanto, a seqüência de passos não sugere
uma característica linear, como postulam as teorias comportamentais de
internacionalização. Considere-se, a título de exemplo, os principais passos seqüenciais
da Romi em seu processo de internacionalização:
• antes de 1944, a empresa importava insumos para fabricação de seus produtos, tanto
da Alemanha quanto da Itália;
• em 1944, a empresa iniciou suas exportações para a Argentina;
• em 1956, através de parceria com uma empresa italiana, produziu o primeiro
automóvel no Brasil;
• na década de 60, iniciou exportações para os EUA;
• em 1985, abriu sua primeira filial de distribuição nos EUA;
• em 1986, adquiriu tecnologia de uma empresa japonesa;
• em 1992, abriu uma filial de distribuição na Argentina;
• em 1994, abriu uma filial de distribuição no Uruguai;
• em 1997, licenciou tecnologia a uma empresa européia;
97
• em 1998, adquiriu tecnologia de uma empresa alemã;
• em 2000, estava abrindo uma filial de distribuição na Alemanha.
Ao mesmo tempo em que abria filiais de distribuição em certos países, a empresa
prosseguia abrindo mercados para exportação, utilizando sua rede de distribuidores. Por
outro lado, a abertura de filiais de distribuição parecia estar mais associada a um certo
volume de transações nos mercados próximos do que, efetivamente, a uma seqüência
linear de passos.
No caso da Duratex, a experiência revelada pelo entrevistado tampouco sugere
aderência à idéia de uma seqüência linear de passos. Observem-se os principais passos
da empresa em sua internacionalização:
• em 1956, apenas dois anos após a sua fundação, a empresa iniciou as primeiras
atividades internacionais, exportando para os EUA.
• em 1969, abriu uma filial de vendas naquele mercado;
• na década de 70, adquiriu uma fábrica na Alemanha;
• na década de 80, abriu uma subsidiária de distribuição na Bélgica;
• na década de 90, vendeu a fábrica na Alemanha;
• em 1995, adquiriu o controle integral de uma fábrica argentina.
Ao mesmo tempo, a empresa se manteve exportando durante todo o período, utilizando,
em certos mercados, agentes locais e, em outros, filiais de distribuição próprias. A
seqüência de passos na internacionalização não segue, portanto, aquela prevista pelo
modelo comportamental de internacionalização: a empresa passa da exportação para a
abertura de escritório no exterior, e, em seguida, parte para o investimento direto,
através de aquisição de planta no exterior, prossegue com a abertura de filiais de
distribuição, fecha a fábrica no exterior, compra outra fábrica em outro país e continua a
exportar durante todo o tempo. Esse padrão, definitivamente, não se ajusta ao modelo
seqüencial estudado.
98
A Eucatex concorre diretamente com a Duratex, tanto no mercado brasileiro quanto no
internacional. No entanto, seu padrão de atuação internacional difere substancialmente
da concorrente. De fato, a Eucatex apresentou a seguinte seqüência de
internacionalização:
• na década de 60, a empresa já exportava para vários países, inclusive para o Oriente
Médio e tinha aberto escritórios comerciais na Argentina e no México;
• na década de 70, exportava para a África;
• na década de 70, abriu escritório nos EUA e em 1975, transferiu para Nova Iorque;
• em 1975, começou a exportar para a Europa;
• ainda na década de 70, abriu um escritório na Holanda;
• em 1976, abriu um escritório em Hong Kong;
• em 1977, intensificou as atividades de exportação para os EUA;
• a seguir, mudou o escritório de Hong Kong para Singapura;
• em 1985, abriu um escritório na Inglaterra;
• em 1990, fechou o escritório na Inglaterra e passou para representantes;
• em 2000, tinha apenas os escritórios dos EUA e Alemanha .
No caso da Eucatex, a empresa iniciou suas atividades com escritórios de venda
próprios e, posteriormente, começou a atuar através de agentes. O padrão seqüencial,
nesse caso, foi invertido: primeiro os escritórios, que normalmente são vistos como um
estágio mais avançado; depois os agentes, que substituíram os escritórios, quando a
empresa já havia adquirido uma boa experiência naqueles mercados e estabelecido sua
network de relacionamentos pessoais. Também neste caso, portanto, não se
identificaram os padrões seqüenciais defendidos pelas teorias comportamentais de
internacionalização.
99
A escolha inicial dos mercados privilegiou aqueles com menor distância cultural
para, posteriormente, chegar a outros de maior distância cultural?
O primeiro passo da internacionalização da Romi foi caracterizado como inward. A
seqüência de países com os quais realizou operações outward e inward são, em ordem
cronológica: importações da Alemanha e Itália, exportações para a Argentina, parceria
de produto com a Itália, exportação para os EUA, filial nos EUA, licenciamento de
tecnologia do Japão, filiais na Argentina e Uruguai, licenciamento de tecnologia para a
Europa, aquisição de tecnologia da Alemanha e filial na Alemanha.
A Romi tinha uma representação dos mercados servidos a partir de modelos de risco e
potencial de mercado. Para a empresa, a Argentina, assim como toda a América Latina,
representava um risco de não cumprimento de contratos. Já os EUA e a Europa eram
considerados mercados com risco zero e com grande potencial comprador, mais
exigente quanto às características do produto, conteúdo tecnológico e qualidade.
A escolha do mercado americano para investimento direto se dá para consolidação de
um mercado que fora o principal mercado exportador da empresa: “No princípio houve
um planejamento, que foi o seguinte: vamos consolidar o mercado americano”. No caso
da Argentina e Uruguai, a percepção era de que na verdade se tratava de uma extensão
do território nacional, um investimento pequeno e importante por causa do momento de
integração regional proporcionado pelo Mercosul. A criação de uma tarifa comum para
proteção dos mercados do Mercosul em relação à concorrência estrangeira e as
oportunidades existentes no novo bloco econômico levaram a empresa ao
estabelecimento de filiais de distribuição nestes dois países.
No caso do Alemanha, o país era caracterizado como um grande consumidor do produto
e um mercado com alto nível de concorrência, e sua escolha se devia também à
configuração geográfica da Europa: “[A Alemanha] se encontra mais ou menos no
centro da Europa, permitindo que você faça um acompanhamento de todos os demais
países da Comunidade Européia” . A decisão, tal qual nos EUA, era de ficar próximo a
centros consumidores relevantes. No entanto, a Alemanha era uma aposta na abertura de
um mercado de grande potencial e que se encontrava em fase de expansão.
100
A questão cultural em relação à escolha de mercado perdia importância à medida que a
empresa acumulava experiência e era capaz de estabelecer vínculos satisfatórios com
cada mercado. O que talvez explicasse a falta de uma seqüência natural do menos
distante para o mais distante era a intermediação do distribuidor. “Ele [o distribuidor] é
o interlocutor nosso para aquele mercado... são pessoas que tem capacidade de
conversar conosco e também conversar com o mercado”. Para mercados considerados
mais distantes culturalmente, a empresa condicionava sua entrada à busca por um
agente ou distribuidor que atendesse às suas expectativas e pudesse desenvolver o
mercado.
Já o investimento direto, que ocorreu em um momento de maturidade no processo de
internacionalização, também obedecia a decisões mais de cunho racional e estratégico,
como demonstrado na seqüência EUA (1985), Uruguai (1992), Argentina (1994), EUA
(expansão em 1998) e Alemanha (2000).
A Duratex iniciou o seu processo de internacionalização ainda na década de 50, e
característica fortemente outward. Sua seqüência de mercados foi: exportações para os
EUA, filial nos EUA, fábrica na Alemanha, filial na Bélgica, venda da fábrica na
Alemanha, compra de fábrica na Argentina. Desde 1969 já mantinha uma estrutura
física própria para distribuição nos EUA e nos anos 80 estabeleceu estrutura semelhante
na Europa. O foco das exportações da empresa estava concentrado na América Latina,
EUA e Europa.
Aparentemente o comportamento da Duratex era pouco planejado, direcionado pelo
aparecimento de oportunidades de aquisição. A questão da distância cultural não era
determinante nas decisões de escolha de mercado. Os investimentos na Europa e nos
EUA eram guiados, por um lado pelo potencial do mercado e a necessidade de
consolidar uma posição: “Acho que você tendo escritório em lugar estabelecido, ganha
credibilidade...”. Por outro lado, estes mercados eram mais desenvolvidos em
tecnologias de manejo ecológico das matérias-primas, o que obrigava a empresa a se
desenvolver.
101
Entre os mercados americano e europeu, a escolha da seqüência se deu por uma
percepção de distância geográfica, sendo o mercado americano visto como mais
próximo do que o europeu. Esta percepção podia dever-se, ao menos em parte, ao custo
comparativo de frete, que não era somente função de distância, mas também de nível de
carga. Como os transportes para o mercado americano operavam com nível de carga
mais elevado (e portanto com frete mais barato), é possível que se tenha criado uma
percepção de menor distância geográfica.
Outros mercados latino-americanos eram encarados com reservas, fosse pela questão da
criminalidade (Colômbia), fosse pela questão da instabilidade econômica, como na
Argentina. No entanto, o cenário na Argentina em 1995 era bastante diferente, com
oportunidades em um mercado promissor. E para servi-lo, “...você tinha que estar lá
entendendo [o mercado], você tinha que estar presente fisicamente lá, se não o argentino
olha você com desconfiança”. O investimento na Argentina foi feito para consolidação
do mercado, aproveitando as oportunidades do bloco econômico do Mercosul.
No caso da Eucatex, temos descaracterizada uma aproximação do mercado pela ótica da
distância cultural, dado que a forma de acesso foi totalmente aberta, escolhendo
“...alguns países do mundo onde havia interesse em abrir o mercado, e começava
enviando milhares de cartas”. E que países eram estes? Oriente Médio, América Latina,
EUA, e posteriormente Europa e a expansão da exportação para os EUA.
A abertura de mercados dependia em grande parte da ação do dono da empresa em um
primeiro momento, e do grupo de executivos mais graduados em um segundo momento.
Estas pessoas se encarregavam pessoalmente de criar contatos com clientes e
posteriormente com agentes que iriam servir aos mercados. Os contatos quase sempre
partiam da network pessoal do corpo executivo da empresa e a existência de um bom
contato, ou de um bom agente, era o suficiente para passar a servir mercados em que o
agente atuava: “Eu tenho um russo, que mora nos EUA, ficou muito meu amigo. Eu não
acreditava que um russo fosse comprar um produto meu”.
102
O processo de internacionalização da empresa apresentou um padrão de
comprometimento crescente com mercados externos?
No caso da Romi, a vocação internacional da empresa, manifestada desde a sua
fundação e atribuída em grande parte à origem estrangeira de seu fundador, levou a que
a empresa, desde muito cedo, participasse de diversas formas de internacionalização
para dentro – importação de matéria-prima e componentes, licenciamento de
tecnologia, parcerias de produção – e internacionalização para fora, através,
inicialmente de exportações. Como observou o executivo entrevistado na Romi, a
experiência vivida pela Romi levou a “um conhecimento acumulado”, “uma capacitação
acumulada, uma cultura acumulada”, que permitiu à empresa e a seus executivos não se
sentirem estranhos em qualquer parte do mundo. A experiência, enfim, reduziu a
distância cultural e permitiu a acumulação de know-how gerencial.
Outro aspecto desse processo de aquisição de experiência internacional, na Romi,
refere-se ao fato de serem muitos os executivos envolvidos em viagens internacionais, o
que tornou maior a difusão dessa experiência na empresa: “Nossos profissionais viajam
constantemente para o exterior ...”, o que se refletiu em “um volume de visitas muito
grande ao exterior”.
A padronização dos produtos – a criação de produtos mundiais – também auxiliou o
avanço do processo de internacionalização da empresa, uma vez que permitiu o ingresso
em novos mercados com apenas pequenas adaptações. De certo modo, a opção por
produtos mundiais refletia a irreversibilidade do processo de multinacionalização da
Romi e seu profundo comprometimento com o mercado global.
Não só o produto era mundial, como o cliente, na opinião do entrevistado, era também
global: “Não vemos diferença entre um cliente alemão e um cliente brasileiro hoje em
dia”, significando com isso a fé da empresa em sua vocação multinacional e uma visão
integrada, possivelmente geocêntrica, de seus mercados de atuação.
No caso da Duratex, porém, não se pode falar de envolvimento crescente com o
mercado internacional. De um início fortemente marcado por uma vocação exportadora,
a empresa, de forma bastante pioneira, ingressou rapidamente em mercados externos,
103
encontrando-se há trinta anos no mercado americano e há vinte anos no europeu. Muito
cedo ela adquiriu e operou uma fábrica na Alemanha, mas essa operação nunca chegou
a se integrar realmente a seu negócio. A expansão dos negócios foi, em parte, cerceada
na década de 90, com o processo de abertura e estabilização da economia. Com o Plano
Real, a empresa progressivamente reduziu seu envolvimento com a exportação, já que
as vendas no mercado interno eram muito mais lucrativas do que nos mercados
internacionais e a sobrevalorização do Real reduzia a competitividade das exportações
brasileiras. Assim, a empresa, efetivamente, reduziu seu comprometimento com
mercados externos no decorrer da década de 90, o que foi acompanhado pela venda da
fábrica na Alemanha.
A redução do comprometimento com mercados externos, no entanto, era vista com
cautela, tanto pela vocação internacional da empresa desde sua fundação, como pelo
fato de a exportação ser percebida como uma oportunidade. A entrevista realizada
revelou, claramente, o conflito da direção da empresa ao se ver forçada a escolher entre
maiores lucros no mercado interno ou o conhecimento já obtido e as oportunidades no
mercado externo: “nós estamos diminuindo nossa presença lá fora, porque o mercado
interno é muito mais lucrativo...” e “o mercado externo é sempre uma oportunidade,
mesmo porque a empresa está presente há muitos anos lá fora...” E a opção doméstica,
refletindo talvez uma percepção etnocêntrica do mundo: “Eu não tenho porque sair de
um lugar tão bom quanto o Brasil...”
No caso da Eucatex, curiosamente, embora a empresa apresente um padrão seqüencial
invertido, como já comentado (de escritórios comerciais para agentes), a entrevista
deixou entrever um profundo comprometimento – e entusiasmo – com a atividade
internacional. Esse entusiasmo se originou, aparentemente, da atuação do próprio
presidente da empresa, na década de 70, de tal forma que, no início, o pessoal da
empresa chegou a considerar a exportação como uma espécie de “hobby”, ou
“brinquedo do presidente”. A atividade internacional da empresa, porém, cresceu e se
consolidou de tal forma, que passou a ser vista como “coisa séria”, significando
“compromissos em mais de 80 países do mundo”. Esse compromisso se expressou
através de uma mudança de mentalidade, de um tempo em que “o mercado interno é
104
mais importante, o mercado interno paga mais”, para um novo tempo em que “a
exportação é importante, temos que estar presentes onde for possível”.
Sobretudo, a atividade exportadora era vista como uma forma de reduzir os riscos de
flutuações cíclicas ou conjunturais em mercados externos. As metáforas utilizadas para
mostrar a dependência de um único mercado são em si mesmas bastante expressivas:
“se ficar totalmente voltada para o mercado interno, a empresa corre o risco de ser
asfixiada”; a empresa não deve ficar “vítima de um mercado”, “algemada em um
mercado só”.
Efetivamente, no caso da Eucatex, fica evidente um aprofundamento da atividade
internacional, assim como uma inserção da visão internacional na cultura da empresa.
Tal aprofundamento parece significar aumento de comprometimento, se se considera o
número de países em que a empresa opera. No entanto, se se leva em conta o
fechamento de escritórios e a redução da estrutura internacional da empresa como
indicadores, conclui-se, pelo contrário, que a empresa reduziu seu comprometimento. A
literatura existente não discute, na verdade, uma situação dessa natureza.
Ocorreu o desenvolvimento de estruturas internas cada vez mais complexas para o
controle das operações, à medida que essas se desenvolviam?
A Romi, ao longo de seu processo de internacionalização, foi fazendo mudanças
incrementais em sua estrutura, de forma a responder à demanda crescente por
determinadas tarefas, como a administração de containers, onde a empresa precisava de
“...uma área de exportação, de faturamento, integrados e tudo o mais, com uma infra-
estrutura adequada”. As estruturas internas responsáveis pelas operações externas foram
estabelecidas já a partir da década de 40, dada a necessidade de processos internos que
dessem conta das crescentes operações internacionais.
As esferas de decisão dentro da empresa estavam bem definidas, de forma que “... o dia
a dia dos negócios do comércio exterior é administrado por essas gerências
[operacionais]”, assuntos fora da operação eram decididos no âmbito das diretorias, e
“se houver uma discussão mais relevante, do tipo abrir uma empresa no exterior, o
Conselho de Administração é quem tem a palavra final”.
105
No caso das subsidiárias, existia um razoável grau de autonomia operacional, mas um
controle financeiro abrangente feito através da elaboração de balancetes que eram
analisados na matriz e anualmente por “...uma auditoria externa, por uma empresa
contratada em cada um desses países...”. A gerência comercial destas filiais era ocupada
por pessoal contratado nos próprios países, a fim de garantir um melhor entendimento
do mercado e da cultura local.
A Duratex fazia uma distinção em suas estruturas no exterior entre os níveis de decisão
e controle e os níveis operacionais. Como regra, os níveis de decisão e controle, ou o
chamado corpo executivo, era formado por brasileiros, enquanto o operacional era
formado por pessoal oriundo dos mercados locais. Nas unidades de produção, isto se
traduzia na alta gerência formada por executivos brasileiros, que elaboravam os planos
estratégicos e prestavam contas dos resultados financeiros da filial.
Já no caso das filiais de vendas, “... é um escritório de representação, não tem corpo
executivo... o caixa da empresa é aqui, é tudo administrado por São Paulo”. Os
chamados Gerentes Comerciais tinham autonomia para tratar de assuntos operacionais
da filial, enquanto os níveis de controle estavam centralizados na matriz em São Paulo.
Da mesma forma o corpo executivo das unidades de produção tinha liberdade para
traçar estratégias para servir ao mercado, indo até a adaptação do produto.
Em geral, os níveis de gestão das operações no exterior não eram dissociados das
operações domésticas, com o setor de exportação encarregado de lidar com agentes e o
nível executivo da empresa cuidando também do acompanhamento das unidades fabris
no exterior.
A Eucatex mostrou ao longo de seu desenvolvimento uma evolução e profissionalização
da estrutura interna encarregada de lidar com os negócios internacionais. Inicialmente, a
área internacional era formada exclusivamente pelo dono da empresa, que tal qual um
mascate “... viajava sozinho, com mala, carregado de amostras”. A partir do início
internacionalização, e num esforço para abrir mercados, escritórios foram abertos na
Argentina, México, EUA, Holanda, Hong Kong (depois transferido para Singapura). O
106
projeto de internacionalização era um projeto pessoal do dono da empresa, e portanto
somente ele viajava ao exterior.
Em um segundo momento, as atribuições relacionadas aos mercados externos foram
ampliadas para outros níveis de diretoria e gerência na empresa, com o início da
estrutura que viria a ser consolidada somente na última década. Assim, a empresa iria
estruturar sua área internacional através de um escritório nos EUA, que cuidava da
América do Norte e Central, um escritório na Europa (Alemanha) que cuidava da
Europa, Ásia e Oriente Médio, e o escritório de São Paulo, que cuidava da América
Latina e África. Cuidar, aqui, significa administrar os contatos com todos os agentes
desenvolvidos para intermediar o comércio com estes países, além de administrar a
parte logística da operação.
No entanto, no decorrer do tempo a estrutura interna responsável pelas atividades
internacionais foi sendo reduzida, mesmo com o aumento das operações. “Por que? Por
que nós terceirizamos... O nosso business não é papel, não é documento”. Com o
progresso das tecnologias de informação, o discurso da empresa é de que os níveis de
controle poderiam ser centralizados, reduzindo pessoal e custos. Mas isto dependia do
estabelecimento de relações de confiança com os responsáveis pelo atendimento aos
mercados, isto é, os agentes e distribuidores. Segundo o informante, a tendência seria
não ter mais escritórios e “... ‘eletronizar’ tudo, desde a venda da exportação... até o
desembarque das mercadorias, tudo eletrônico”.
2. CONCLUSÕES
A natureza peculiar desse estudo e o método de pesquisa utilizado não permitem
generalizações para o universo de empresas brasileiras internacionalizadas. As
conclusões aqui apresentadas, portanto, restringem-se aos casos estudados e devem ser
consideradas dentro desse âmbito.
A primeira conclusão, de caráter geral, que emerge do estudo é que as teorias
comportamentais de internacionalização (Johanson e Wiederscheim-Paul, 1975;
Johanson e Vahlne, 1977) não explicam adequadamente o processo de
107
internacionalização das três empresas brasileiras estudadas. Embora alguns aspectos
eventualmente se ajustem aos pressupostos e padrões indicados pela teoria, isso ocorre
apenas de forma tênue e esporádica.
As três empresas estudadas apresentaram, desde sua fundação, uma vocação
internacional. No caso da Romi, uma proposta de excelência permitiu que a empresa se
tornasse competitiva e pudesse levar seus produtos a mercados externos. Já no caso das
duas outras empresas, Duratex e Eucatex, as vantagens competitivas locacionais,
decorrentes da disponibilidade de matéria-prima abundante e barata, tornaram quase
inevitável sua internacionalização. Sob certos aspectos, na verdade, as teorias
econômicas parecem mais adequadas para explicar a internacionalização dessas
empresas do que as teorias comportamentais.
Os passos seqüenciais na internacionalização, previstos nas teorias comportamentais,
não se cumpriram, o que já se havia verificado em alguns estudos internacionais, como
os de Hedlund e Kverneland (1983) e Turnbull (1987). Nos três casos analisados, os
padrões são bastante diferentes do padrão clássico, de passagem de formas mais simples
para formas mais complexas de ação internacional. De fato, pode-se dizer que nos três
casos não se observou um padrão. No caso mais próximo do modelo teórico, o da Romi,
a interconexão entre internacionalização para dentro e para fora (Welch e Luostarinen,
1988) é o que chama a atenção, com a empresa ao mesmo tempo compradora e
vendedora de tecnologia, importadora e exportadora. No caso da Duratex, há idas e
voltas no processo de internacionalização, com a primeira filial de vendas e a primeira
fábrica sendo abertas quase simultaneamente, porém em mercados distintos. No caso da
Eucatex, sobretudo, há um padrão oportunista (Barretto, 1998), as oportunidades vão
surgindo e a direção da empresa delas faz uso para expandir sua atuação internacional.
Ainda neste último caso, o padrão seqüencial invertido, de maior para menor
comprometimento segundo o modelo comportamental, choca-se com um envolvimento
maior com a atividade de exportação, com a ampliação de mercados externos e com a
inserção da internacionalização na cultura da empresa.
Outra proposição do modelo comportamental, associada à anterior, é a que postula um
aumento do comprometimento da empresa com os mercados internacionais, resultante
108
de maior conhecimento desses mercados, conhecimento esse adquirido muito mais na
prática (Johanson e Vahlne, 1990). Isso parece verdadeiro no caso da Romi, onde se
assiste a um crescente comprometimento da empresa, a um caminhar seguro na estrada
da multinacionalização, através de um reconhecido processo de acumular experiências.
No caso da Duratex, no entanto, pode-se dizer que há uma redução clara do
comprometimento, o que, de certa forma, parece estar associado a uma orientação mais
etnocêntrica do que regiocêntrica ou geocêntrica (Kobrin, 1994) e não apenas ao fato de
as operações no mercado interno serem mais geradoras de lucro. Tal suposição parece
bastante razoável quando se confronta o caso da Duratex com o de sua concorrente
direta, a Eucatex. A Eucatex também se defronta com o mesmo mercado interno
atraente, mas prossegue deliberadamente na trilha da internacionalização, que parece
haver-se tornado um imperativo categórico.
O caso Eucatex é altamente sugestivo de novas interpretações para a hipótese
seqüencial, que ainda não se encontram na literatura. Haverá outros casos como esse, ou
trata-se de uma situação única, de uma experiência vivenciada apenas por essa empresa?
Em outras palavras, uma network pessoal poderá ser utilizada eficazmente para
substituir o investimento direto no exterior? Ao invés de comprar ativos, é possível
conquistar relacionamentos, e com isso aumentar o envolvimento internacional? Trata-
se, certamente, de uma questão a ser explorada em futuras pesquisas sobre o tema.
De qualquer forma, a comparação dos casos Eucatex e Duratex sugere que não
necessariamente a expansão da atividade internacional leva a maior comprometimento e
envolvimento. Outros fatores, como a cultura empresarial e a atratividade do mercado
externo podem prejudicar o ciclo de conhecimento-comprometimento previsto na teoria
comportamental.
A questão da distância cultural, cuja relevância para o processo de internacionalização
ficou claramente estabelecida nos primeiros estudos de internacionalização (Johanson e
Vahlne, 1977; Dichtl et al., 1990), e que vem sendo contestada em estudos mais
recentes (O’Grady e Lane, 1996), não se evidenciou nos três casos estudados. De fato,
as decisões de entrada em mercados externos não seguiram o padrão preconizado de
mercados com menor distância cultural para mercados com maior distância cultural,
109
tanto no que se refere a exportações quanto no que se refere a abertura de filiais no
exterior, ou mesmo à aquisição de plantas produtivas.
Assim, a Romi, desde cedo, importa da Alemanha insumos. E embora inicie suas
exportações pela vizinha Argentina, muito cedo ingressa no mercado americano, onde
irá abrir sua primeira filial de distribuição. A filial na Argentina só será aberta sete anos
depois. Antes disso, porém, a Romi importa tecnologia do Japão. E embora seja uma
empresa fundada por um descendente de italianos, que passou parte de sua juventude na
Itália, decide instalar uma filial na Alemanha e não na Itália. No caso da Duratex, o
primeiro mercado é o americano, para onde a empresa exporta inicialmente, abrindo
uma filial de vendas; depois virá a aquisição de planta produtiva na Alemanha, logo
seguida pela abertura de uma filial de distribuição na Bélgica e, enfim, pela aquisição de
outra planta na Argentina. Finalmente, a Eucatex se espalha por todo o mundo (mais de
80 países) mas o critério de seleção de mercados é totalmente oportunista e marcado
pelos relacionamentos pessoais.
Esses padrões, claramente, não são explicados pelo constructo da distância cultural.
Desta forma, sugere-se nesse estudo que o fenômeno da distância cultural poderá ser
mediado por fatores tais como o surgimento de oportunidades e o estabelecimento de
relacionamentos pessoais. Esses elementos moderadores da distância cultural já foram
detectados por Barretto (1998), embora a forma pela qual se apresentaram no presente
estudo tenha sido um pouco diferente. Outros estudos realizados no Brasil pela linha de
pesquisa em Internacionalização de Empresas do COPPEAD/UFRJ (por exemplo,
Pinto, 1998) trazem outras contribuições ao estudo do papel das networks pessoais que
permitirão eventualmente elaborar uma proposta teórica sobre o assunto. Nessa
proposta, questões como o estabelecimento de confiança entre as partes e as freqüentes
visitas ao exterior, necessárias ao estabelecimento de relações pessoais, deverão ter
papel importante na explicação desse fenômeno.
Finalmente, a questão da estruturação para a ação internacional traz ainda algumas
novas proposições teóricas. No caso da Romi, a empresa desde muito cedo desenvolveu
sua estrutura internacional e essa foi-se aprimorando de forma incremental, à medida
que se expandiam as atividades internacionais. No caso da Duratex, a empresa foi-se
110
estruturando ao longo do tempo, concentrando o nível estratégico e de controle na
estrutura central e o operacional no exterior, estrutura essa condizente com sua suposta
orientação etnocêntrica. No caso da Eucatex, porém, mais uma vez a realidade
surpreende, ao colocar questões até o momento não identificadas em estudos anteriores.
De fato, a Eucatex, à primeira vista, apresenta uma estrutura menos complexa, na fase
mais avançada de internacionalização (mais uma vez, o modelo revertido). No entanto,
essa maior simplicidade da estrutura internacional se justifica por dois grandes motivos:
de um lado, a terceirização de atividades, que lhe permite uma estrutura mais enxuta; de
outro, a adoção de tecnologias de comunicação mais modernas, que possibilitam, maior
controle das operações externas, reduzindo a necessidade de pessoal de escritório e do
constante ir e vir de executivos. Naturalmente, isso se alia às conexões pessoais já
estabelecidas, levando à hipótese de que, por detrás da simplificação das atividades
poderá haver efetivamente, um aprimoramento da estrutura internacional. Qual a
dimensão em que isso poderá ocorrer com maior freqüência no futuro? É essa mais uma
questão que o presente estudo encaminha para futuras pesquisas.
As questões propostas neste estudo se somam ao contexto de desafios que as empresas
brasileiras enfrentam e enfrentarão no atual esforço para internacionalizar seus
produtos, serviços e marcas, entrando em um jogo onde seus adversários fazem uso de
todas as armas possíveis (de tarifas alfandegárias a barreiras sanitárias) para dificultar o
desenvolvimento de um novo competidor.
111
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116
ANEXO 1 - ROTEIRO DE ENTREVISTA
Processo Decisório
• Quais foram as pessoas dentro da organização que decidiram, participaram do ou
influenciaram o processo de decisão de internacionalizar a empresa? Quem foi o
principal responsável pela decisão de internacionalizar?
• Estas pessoas apresentavam experiência internacional anterior, fluência em línguas,
conhecimento anterior ou descendência familiar de algum dos países em questão?
De que tipo?
• Que fatores de mercado ou estratégicos foram responsáveis pela decisão de
internacionalizar? Qual foi o primeiro fator a impulsionar este processo?
• Que tipo de informação e/ou fontes de informação foram usadas no processo
decisório?
Escolha dos Mercados
• Qual o primeiro mercado escolhido para internacionalizar? Que fatores
influenciaram a escolha deste mercado?
• A escolha deste mercado foi consenso ou uma decisão pessoal? Como se deu esta
decisão?
117
• Foi feita a coleta de informações sobre o mercado? Quem ficou responsável por esta
coleta de informações? Que tipo de informação a empresa buscou? Onde foi
procurada?
• Como eram percebidas as diferenças ou semelhanças entre este mercado e o
mercado brasileiro antes da empresa começar a servi-lo? Como estas diferenças ou
semelhanças são percebidas agora?
• Estas diferenças ou semelhanças foram notadas no nível nacional ou no nível
corporativo?
• Surgiram diferenças que não haviam sido notadas no estudo anterior sobre o
mercado? Alguma destas diferenças foi considerada pela empresa como barreira a
um melhor desempenho? Como foram contornadas?
• A seqüência de mercados que foi seguida no processo de internacionalização foi a
melhor possível? Qual seria a seqüência perfeita? Por que?
• Qual mercado foi mais “fácil” de servir? E o mais “difícil”? Qual seria o mercado
“ideal” para iniciar o processo de internacionalização? Por que?
• Considerando os principais mercados de atração da empresa, como descreverias
estes países e sua cultura? O que lhe ocorre à mente quando pensa sobre estes
países?
Modo de Entrada
• Qual foi o modo escolhido pela empresa para servir estes mercados? Que fatores
influenciaram esta escolha?
• Quais as vantagens e desvantagens de fusões, aquisições, investimentos e joint-
ventures para os mercados em que atua?
• Que tipo de estrutura foi a mais “fácil” de estabelecer? E a mais “difícil”? Qual
obteve melhor desempenho? Por que?
118
• Foi utilizado o mesmo tipo de estratégia em todos os mercados? Que mudanças
foram feitas ao longo do processo? Que fatores influenciaram estas mudanças?
Distância Cultural e Estratégia Empresarial
• Quem é responsável pelas operações internacionais no Brasil? Qual a nacionalidade,
formação e perfil profissional desejado para esta função? Que tipo de profissional é
desejado para o comando das unidades no exterior? Como é composta a equipe que
opera estas unidades? Por que?
• Como a empresa se estruturou para a coleta e análise das informações provenientes
dos mercados servidos?
• A empresa procura gerenciar as operações de acordo com as práticas seguidas no
Brasil ou existe espaço para novas estratégias nas filiais?
• Em que medida o aprendizado obtido nos mercados estrangeiros afetou a estratégia
da empresa?
• Que contribuições às práticas da empresa se originaram das operações
internacionais?
• Como evoluiu a estratégia da empresa em relação à internacionalização? Os
objetivos iniciais foram alcançados?
119
SUMÁRIO
CAPÍTULO PRIMEIRO - INTRODUÇÃO ................................................................ 1
1. OBJETIVOS......................................................................................................... 1
2. RELEVÂNCIA DO ESTUDO ............................................................................. 3
3. ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO ......................................................................... 4
CAPÍTULO SEGUNDO - REVISÃO DA LITERATURA ........................................ 6
1. MODELOS DE INTERNACIONALIZAÇÃO POR ESTÁGIOS....................... 6
2. MODELOS ECONÔMICOS DE MULTINACIONALIZAÇÃO ..................... 14
3. OUTRAS PROPOSTAS .................................................................................... 17
4. A DISTÂNCIA CULTURAL NA INTERNACIONALIZAÇÃO DAS
EMPRESAS ............................................................................................................... 21
5. IMPACTO DA DISTÂNCIA CULTURAL SOBRE OS MODOS DE
ENTRADA EM MERCADOS EXTERNOS............................................................. 32
CAPÍTULO TERCEIRO - METODOLOGIA.......................................................... 36
1. MÉTODO DE PESQUISA................................................................................. 361.1. NATUREZA DO ESTUDO ......................................................................................................36
1.2. QUESTÕES DA PESQUISA ...................................................................................................37
1.3. MÉTODO DE PESQUISA: O ESTUDO DE CASOS ..............................................................37
1.4. COLETA DE DADOS..............................................................................................................38
1.5. ESCOLHA DOS INFORMANTES...........................................................................................39
1.6. ANÁLISE DOS DADOS...........................................................................................................39
1.7. LIMITAÇÕES DO MÉTODO..................................................................................................40
CAPÍTULO QUARTO - DESCRIÇÃO DOS CASOS.............................................. 42
1. CASO INDÚSTRIAS ROMI ............................................................................. 421.1. BREVE CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA ........................................................................42
1.2. O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA EMPRESA .............................................46
1.3. INVESTIMENTO DIRETO NO EXTERIOR............................................................................53
1.4. ESTRUTURA PARA A AÇÃO INTERNACIONAL ..................................................................59
2. CASO DURATEX ............................................................................................. 621.5. BREVE CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA .........................................................................62
120
1.6. O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA EMPRESA .............................................63
1.7. O INVESTIMENTO DIRETO NO EXTERIOR........................................................................67
1.8. A ESTRUTURA PARA A AÇÃO INTERNACIONAL...............................................................73
3. CASO EUCATEX.............................................................................................. 753.1. BREVE CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA .........................................................................75
3.2. O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA EMPRESA .............................................76
3.3. O INVESTIMENTO DIRETO NO EXTERIOR........................................................................83
3.4. ESTRUTURA PARA A AÇÃO INTERNACIONAL ..................................................................91
CAPÍTULO QUINTO - ANÁLISE DOS CASOS ..................................................... 94
1. ANÁLISE DOS CASOS .................................................................................... 94
2. CONCLUSÕES................................................................................................ 106
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................ 111
ANEXO 1 - ROTEIRO DE ENTREVISTA............................................................. 116
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