Carnaval do Recife 2015: a experiência da folia no Pólo Descentralizado Ibura de Baixo.
Rafael Moura de Andrade1
RESUMO: A categoria de “espaço” está presente nos principais estudos sobre os carnavais brasileiros. Para ficarmos apenas em dois exemplos de autores que abordaram a festa a nível nacional e local, podemos citar a obra de Roberto Da Matta e de Rita de Cássia Araújo, respectivamente, como enfatizando em dado momento o espaço da festa. Ainda que sob perspectivas teóricas diversas, a abordagem de ambos quanto ao local da folia converge, situando-a na dualidade da casa e da rua, ou do espaço privado e do espaço público. É, portanto, a partir da categoria de espaço e com foco especial tanto no discurso e prática da diversidade cultural presente na festa quanto na problematização entre as teorias sobre o carnaval, este visto, por um lado, como rito de inversão, conforme proposto por Roberto DaMatta (1997), e, por outro, como um fenômeno circunscrito ao contexto sócio-histórico local, segundo leitura de Rita de Cássia Araújo (1996), que será interpretada a festa recifense. A experiência vivida na festa será balizadora da leitura empreendida, e para tanto, propõe-se aqui um relato sobre a folia num bairro periférico da capital pernambucana. As reflexões presentes neste artigo fundamentam-se nas observações de campo realizadas no Carnaval do Recife 2015 em seu Polo Descentralizado do Ibura de Baixo. Diversidade, ordem, hierarquia e espaço são as categoria utilizadas no artigo para uma leitura inicial de um dos processos mais relevantes da política pública implementada na festa: a descentralização dos pólos de animação.
Palavras-chave: Carnaval do Recife; Descentralização; Diversidade.
INTRODUÇÃO
O carnaval é talvez a mais tradicional das festas populares do Recife. Acontece,
como em grande parte do país, desde os tempos coloniais e desenvolveu algumas
formas bastante particulares de manifestação cultural, dentre as quais está o frevo,
gênero musical e de dança fundamentalmente urbana. Tendo surgido no início do século
XX, teve seu desenvolvimento estreitamente ligado ao desenvolvimento da folia
momesca, sendo hoje considerado quase exclusivamente um gênero carnavalesco. Se é
apenas no carnaval que se escuta o frevo, não é apenas o frevo que se escuta durante o
carnaval do Recife. Conhecido por sua diversidade de manifestações e brincadeiras, tem
no maracatu de baque solto e de baque virado, no caboclinho, nos bois e na la ursa,
algumas das mais conhecidas.
1 Mestrando em Antropologia pela UFPE. Bolsista CNPq. E-mail: [email protected]
É fato que o carnaval do Recife desde muito tempo é conhecido por seu caráter
democrático e plural, mas tal discurso começa a ser utilizado como marca oficial da
festa a partir de 2001 quando é criado o Carnaval Multicultural do Recife, modelo de
organização criado pelo Partido dos Trabalhadores e que se tornou hegemônico na
cidade. Com o Multicultural, que duraria até 2012, graças a mudança na gestão
municipal2, o discurso da diversidade cultural foi inserido no repertório sobre políticas
culturais na cidade, impregnando todas as ações e projetos da gestão pública para a área.
Aceito e apropriado como foi pela população, tal modelo para a festa conseguiu
quebrar a barreira da descontinuidade, característica das políticas culturais no Brasil
(RUBIM, 2008), tendo apenas o seu nome alterado com a mudança de gestão. O que
antes era o Carnaval Multicultural do Recife passou a ser apenas Carnaval do Recife,
vindo acompanhado do subtítulo “Nada é igual”. Os pilares da política multicultural se
mantiveram. A descentralização da festa foi ampliada e a diversidade – tanto na
formatação da grade de programação quanto no discurso oficial sobre a folia –
continuou sendo o norte para a organização do carnaval local.
Com o objetivo de vivenciar uma das principais características do Carnaval do
Recife, a da descentralização, me propus a vivenciar, em 2015, a experiência da folia
em um bairro da cidade. Escolhi, em comum acordo com o professor Carlos Sandroni –
meu orientador no mestrado e coordenador do grupo de pesquisa sobre festas populares
a partir da perspectiva dos músicos, do qual também faço parte –, o bairro do Ibura, na
zona sudoeste do Recife. Tentarei, a partir daqui, registrar minhas experiências e
observações após cinco dias de festa no bairro.
SOBRE O BAIRRO
Para começar, é preciso situar o bairro. O Ibura faz parte da RPA-63, está
localizado no sudoeste da Cidade do Recife e divide-se, de acordo com seus moradores,
entre o Ibura de Baixo e o Ibura de Cima. Este, conforme o próprio nome, está
localizado na parte alta do bairro, dividindo-se entre as Unidades Residenciais (UR’s) e
as comunidades que se formaram em seu entorno, e sendo denominado segundo IBGE
2 Nas eleições municipais de 2012, o Partido Socialista Brasileiro teve seu candidato eleito para o executive municipal, acabando com um sequência de três mandatos consecutivos sob comando do Partido dos Trabalhadores.3 A Cidade do Recife é subdividida em seis Regiões Político-Administrativas, RPA’s, que são, por sua vez, divididas em microrregiões.
como COHAB. Já o Ibura de Baixo, localizado próximo ao bairro do IPSEP e à
Avenida Recife, tendo seu limite definido pela subida da “Ladeira da UR” e pela BR-
101, que divide as duas regiões, é identificado pelo IBGE apenas como Ibura (SCOTT;
QUADROS, 2008).
MAPA 1: Divisão por Regiões Político-Administrativas (RPA’s)
Fonte: http://www.recife.pe.gov.br/pr/secplanejamento/pnud2005/mapa_rpas.jpg
Juntos, Ibura de Baixo e de Cima contabilizam aproximadamente 118.000
habitantes segundo censo do IBGE 2010, distribuídos numa área de cerca de 1.445 ha
(RECIFE, [2012?]). O bairro concentra uma população predominantemente de jovens,
mas cujo envelhecimento é crescente, seguindo o padrão em todo o país. Além disto, a
diversidade religiosa é observável, ainda que haja predominância das religiões cristãs
com rápido crescimento observado a partir dos anos 2000 das diferentes denominações
protestantes (SCOTT; QUADROS, 2008).
Quanto à infraestrutura urbana básica, o Ibura apresenta as dificuldades comuns
aos bairros periféricos. Insuficiência na rede de saneamento, escassez no abastecimento
de água encanada e falta ou precariedade na pavimentação das ruas são problemas
enfrentados pelos moradores. Além disto, há ausência de policiamento, visível
deficiência na iluminação pública e limitação nos espaços públicos de lazer – estes
reduzidos a campos de várzea, poucas praças, Academia da Cidade e uma academia
pública de ginástica. É interessante observar portanto que, a despeito de ser a cidade um
local cujo imaginário leva a crer que as oportunidades e condições de vida são melhores
que as encontradas no meio rural, “há uma distância que é percebida não apenas sob a
forma de carências, mas também de distribuição desigual dos recursos e equipamentos
entre ‘ricos e pobres’, ‘fortes e fracos’, ‘vilas pobres e bairros bacanas’” (MAGNANI,
1998, p.23-24).
Desta forma, por suas semelhanças e particularidades com relação aos demais
bairros do Recife, o bairro do Ibura apresenta-se como um interessante campo para
pesquisa e vivência do carnaval local. Inserido no contexto da descentralização da festa
desde o primeiro momento, resiste enquanto Polo Descentralizado até os dias atuais e
busca sempre novas experiências para dar cara própria à folia da comunidade.
MAPA 2 – RPA-6: MICRORREGIÃO 6.2
Fonte: http://www.recife.pe.gov.br/pr/secplanejamento/pnud2005/micro%206_2.jpg
MAPA 3 – RPA-6: MICRORREGIÃO 6.3
Fonte: http://www.recife.pe.gov.br/pr/secplanejamento/pnud2005/micro%206_3.jpg
A FESTA NO IBURA
Entrando de carro no bairro do Ibura pela Avenida Dom Helder Câmara nem
parecia carnaval. Um bairro escuro, com iluminação pública deficiente e com pouca
movimentação nas ruas. Apenas quando nos aproximamos do terreno onde estava
montado o palco é que conseguimos perceber que havia festa. Para quem entra no bairro
saindo da Avenida Recife, o palco fica localizado à esquerda da avenida principal – que
mais a frente mudaria de nome e se transformaria em Avenida Dois Rios. À direita, um
parque de diversões estava montado e chamava a atenção de adultos e crianças que, de
maneira geral, faziam mais volume ali do que na frente do palco.
No final da tarde e início da noite, momento em que as agremiações de chão
começam as suas apresentações, o público ainda é muito pequeno, e só vai aumentar
significativamente próximo do horário do último show, que acontece aproximadamente
às 23:30. Há dois anos a Prefeitura tem organizado os carnavais no bairro de maneira a
terminar a festa o mais cedo possível, sob o argumento de que tal medida auxilia na
política de segurança pública. Segundo os moradores do bairro, no entanto, durante o
carnaval do Ibura não há brigas nem roubos. De fato, durante os cinco dias em que
estive lá não observei nenhuma confusão. Um fato curioso é que, num descuido
dobrado, perdi a chave do meu carro em dois dias seguidos. Nas duas ocasiões, no
entanto, a chave foi encontrada por moradores do bairro e entregues, no primeiro dia na
área de produção e no segundo para a dona de um dos bares montados no entorno do
Polo. O exemplo apenas serve para apontar um espírito de cooperação e solidariedade
que parece ser importante na comunidade. Algo reforçado pelo locutor do palco que, ao
agradecer pela devolução de minha chave no primeiro dia, lembrou à comunidade que
“no Ibura, quem faz o bairro seguro são os próprios moradores”.
O carnaval no bairro é um momento de festa, mas é também, e sem dúvida, um
momento de trabalho e ordem. Diferentemente de outros pólos descentralizados, como o
do Alto José do Pinho e o da Várzea, por exemplo, no Ibura é montada uma espécie de
praça de alimentação que circunda todo o polo e é ocupado por moradores locais que
vendem todo tipo de comida. A bebida é limitada aos produtos vendidos pela Ambev,
principal patrocinadora do Carnaval. A organização espacial do Polo é basicamente a
mesma da observada por Roberto DaMatta (1997) com relação aos carnavais de baile no
Rio de Janeiro. Segundo autor, nos clubes temos:
(...) (1) um palco onde fica a orquestra; (2) um salão onde as pessoas “brincam” individual ou coletivamente, podendo sair e entrar como bem entenderem e, finalmente, em volta do salão; (3) um conjunto de mesas e, acima das mesas (num outro plano, tipo varanda); (4) espaços fechados com mesas e cadeiras, os chamados “camarotes”, onde pessoas possuem obviamente um espaço muito mais fechado. (DAMATTA, 1997, p. 112).
Observe que, com exceção do aspecto (4), todos os demais são claramente
observáveis no Polo Descentralizado do Ibura, sugerindo uma aproximação, um
diálogo, entre as categorias da rua e da casa, conforme utilizadas pelo autor. Esse
diálogo pode ainda ser lido conforme a categoria de pedaço, apresentada por Magnani
(1998) com relação ao contexto do subúrbio paulista, onde a rua passa, de alguma
forma, a fazer também parte da casa, apontando uma mistura entre o público e o privado
na relação com o bairro.
IMAGEM 01: Pólo Descentralizado Ibura de Baixo
Fonte: Pesquisa de Campo
IMAGEM 02: “O palco e o salão”
Fonte: Pesquisa de Campo
Neste momento vale uma ruptura na narrativa para colocar em relevo o debate
sobre a rua e a casa na leitura sobre o carnaval. Como citado acima, DaMatta trata do
carnaval do Rio de Janeiro dos anos 1960 e 1970. Ainda que em busca de uma
generalização, muitos aspectos de sua leitura estão claramente restritos ao contexto local
e temporal em que se situa. A dimensão espacial, no entanto, não é um deles. Conforme
abordado por Rita de Cássia Araújo (1996), desde os tempos do Brasil colônia era
possível observar as diferenças entre a festa privada e a pública. Àquela altura ainda
chamada de Entrudo, via-se dividida enquanto fenômeno social entre os espaço públicos
e os espaços privados. Nos primeiros, brincavam os negros, forros ou cativos,
profissionais liberais e classes dominadas. Nos últimos, representados pelos engenhos,
brincavam as famílias, a aristocracia local. Já nos fins do século XIX, com a
transformação burguesa da sociedade brasileira, e em especial da recifense, surgiram os
primeiros bailes de máscara, seguindo o modelo Italiano e Francês de folia. Estes bailes
realizavam-se ao mesmo tempo em que perduravam e se desenvolviam as brincadeiras
de rua. Enfatizando as diferenças da festa entre os dois espaços, o público e o privado, a
autora destaca:
Os indivíduos que a eles concorriam mantinham, necessariamente, algum tipo de relação entre si – fosse de parentesco, de amizade, de compadrio, de vizinhança, profissional, político ou de classe – que os unia, identificava-os e os recomendava uns aos outros, solidarizando-os. (ARAÚJO, 1996, p. 231)
Aqui retomamos o relato, pondo em relevo que tanto as descrições realizadas
por Roberto DaMatta quanto as feitas por Rita de Cassia Araújo, ainda que em tempos e
espaços diferentes, reforçam a ideia defendida acima. O carnaval nos Pólos
Descentralizados – e em especial no Polo Descentralizado do Ibura de Baixo –
apresenta-se como num diálogo entre o espaço público e o privado. A categoria de
pedaço, supracitada, talvez seja o que de mais próximo temos em mãos para
compreender tal aspecto da festa.
Além disto, a todo momento somos lembrados de que ali é um espaço de
cidadania (GARRABÉ, 2013), de presença do Governo e do Estado. Há divulgação de
campanhas educativas da Secretaria da Saúde e também contra a violência doméstica.
Os locutores do palco, a cada intervalo entre as apresentações, agradecem ao Prefeito do
Recife, embora ausente, pela organização da festa. Agradecem ao também ausente
Governador de Pernambuco pelo apoio institucional. O apoio e a realização estão
estampados na testeira do palco, assim como pode ser observado também na estrutura
montada para receber uma ação da Secretaria de Saúde para distribuição de
preservativos e realização de testes rápidos para HIV.
E há mais além das locuções referentes aos programas de Governo e
agradecimentos oficiais. A todo instante é lembrado ao público sobre a diversidade no
carnaval do Recife. Neste discurso, herança do Carnaval Multicultural do Recife, são
enfatizadas sempre as doze modalidade de cultura, como insiste o locutor, em referencia
às tradicionais manifestações culturais como o maracatu de baque solto e de baque
virado, o caboclinho, o boi. E sempre em comparação com o carnaval do Rio de Janeiro,
onde, segundo ele, só se pode escutar o samba. Esquece o locutor, porém, que a
diversidade do carnaval do Recife, que já se tornou também um discurso oficial, vai
além da cultura popular. Está também, e principalmente, na capacidade de incorporar ao
seu cardápio cultural manifestações como o rock da banda Mandagaroba, a swingueira
de Jurema Fox e as dublagens das mais diversas apresentadas por Drag Queens e outros
artistas performáticos durante toda festa e, em especial, na quarta feira de cinzas,
quando ocorre o evento denominado Cinzas da Diversidade, além da música gospel,
tocada durante a Sexta com Jesus, na abertura da festa.
DO CÉU AO INFERNO
Em conversa com Zé Cleto, ator performático e uma das lideranças do bairro,
fico sabendo que o carnaval do Ibura, diferentemente de outros pólos descentralizados,
começa sua programação musical na sexta-feira com o evento denominado Sexta com
Jesus. Organizado pelas igrejas evangélicas do bairro, é o momento em que se pode
escutar música gospel em plena folia de Momo. A realização do evento é de
responsabilidade dos moradores do bairro, que contam com o apoio da Prefeitura do
Recife. Já na Quarta-Feira de Cinzas, quando a maior parte dos demais pólos
descentralizados também já encerrou suas atividades, acontece o evento Cinzas da
Diversidade, sob responsabilidade da Rede Reação, da qual Zé Cleto é um dos
representantes, e também com patrocínio da PCR, onde se apresentam primordialmente
artistas LGBT4. Por este motivo, conforme nos foi informado, muitos moradores do
bairro costumam falar, em tom jocoso, mas sem esconder o caráter pejorativo da
expressão, que o “carnaval no Ibura começa no Céu e termina no Inferno”.
Paradoxalmente, num bairro em que a presença das diferentes denominações
evangélicas é muito forte, tendo várias igrejas localizadas na Avenida Dois Rios,
próximas ao Polo, o evento da Quarta de Cinzas é absolutamente mais representativo e
relevante em termos de público do que o da Sexta-Feira pré-carnavalesca.
Comparativamente, é possível dizer que no carnaval de 2015 o público presente no
Cinzas da Diversidade foi inferior apenas ao observado no domingo de carnaval, dia em
que se apresentou o cantor Jorge Aragão, único artista nacional na programação deste
ano no bairro. Nos demais dias, o público além de ser menor, concentrava-se sobretudo
na parte posterior do Polo, junto às mesas – o que, comparando com a definição de
DaMatta (1997) citada acima, seria o espaço (3) –, e também no parque de diversões.
4 Os dois eventos, apesar de serem apoiados pela Prefeitura, não constam na programação oficial divulgada pela Secretaria de Cultura.
IMAGEM 04: Parque de diversões ao lado do Pólo.
Fonte: Pesquisa de Campo
Por não ter tido conhecimento do evento Sexta com Jesus antecipadamente, não
compareci ao Ibura na sexta-feira e fui assistir à apresentação do Maestro Spok,
homenageado de 2015 do carnaval, no Marco Zero. Na ocasião, tive oportunidade de
entrar no camarim do Polo do Marco Zero, principal palco do Carnaval do Recife, e
observar a diferença de infraestrutura entre os Pólos. Em conversa, porém, com alguns
vendedores nos bares do Polo, tomei conhecimento do pouco público presente no
evento. Com frases que demonstravam um misto de desprezo pela festa e tristeza pelo
fraco movimento, alguns me informava que “sexta-feira foi o dia dos crentes... não deu
quase ninguém”. Já Zé Cleto, ao comentar o evento, disse que ele foi importante para
fazer com que as igrejas evangélicas se aproximassem um pouco mais da festa como
uma contrapartida pelos possíveis incômodos causados pelo polo carnavalesco tão
próximo. Segundo informaram, este foi o segundo ano de realização do evento, e o
primeiro com apoio da Prefeitura do Recife.
Já o evento Cinzas da Diversidade, consolidado no calendário festivo do bairro,
teve em 2015 a sua oitava edição. Organizado pela Rede Reação, tem em Zé Cleto seu
principal representante. Além de organizar do evento, ele também foi o locutor oficial
de todo o carnaval do polo e ainda fez uma performance que abriu a sequência de
dublagens da noite. Mas o evento teve início um pouco antes, com a apresentação do
Afoxé Omô Nilê Ogunjá, sediado no Ibura. Logo em seguida, foi a vez de subir ao
palco os Largados Djs que apresentaram um repertório de músicas eletrônicas. Após
aproximadamente 20 minutos de show, subiu ao palco o cantor Diego do Arrocha, mais
um artista do bairro e que, neste caso, não constava na programação. Segundo Zé Cleto,
o pedido para se apresentar partiu do próprio cantor que queria apenas participar da
festa. Cantou três músicas, sendo um frevo, uma música de Chico Science e, finalmente,
um arrocha.
No intervalo seguinte, como que para marcar de fato o início do Cinzas da
Diversidade, houve um momento de homenagens em que foram chamados ao palco o
Secretário de Saúde do Recife, Jaílson Correia, e a Gerente Geral de Políticas
Estratégicas, Zelma Pessoa. Ambos receberam a homenagem no palco e fizeram breve
discurso, onde destacaram as políticas realizadas pela Prefeitura. Ao final de sua fala,
Jaílson Correia chegou a dizer que iria sugerir ao Prefeito do Recife, Geraldo Júlia, que
decretasse o fim oficial do Carnaval do Recife apenas após encerrado o Cinzas da
Diversidade, buscando desta forma exaltar a importância do evento.
IMAGEM: 05: Kelly Venenosa
Fonte: Pesquisa de Campo
IMAGEM 06: Mikelly Top e Ballet
Fonte: Pesquisa de Campo
Reiniciada a festa, foi a vez das performances e dublagens. Após a abertura
realizada por Zé Cleto, que dublou a música Metamorfose Ambulante, cantada por Raul
Seixas, subiram ao palco, uma a uma, drag queens que, acompanhadas de dançarinhos
ou sozinhas, dublavam músicas de estilos os mais diversos, entre o Pop americado, a
swingueira e também a música popular brasileira. As apresentações duravam entre 3 e 5
mínutos, a depender da música escolhida, e foram todas recebidas com muito
entusiasmo por um público que lotava o polo.
Vale, por fim, ressaltar algumas questões relativas ao público. Durante todo o
carnaval, era marcante a pouca quantidade de pessoas aproveitando a festa no Polo
Descentralizado do Ibura de Baixo. A exceção durante a programação oficial foi no
domingo, dia 15 de fevereiro, quando o show de Jorge Aragão conseguiu atrair a
atenção dos moradores do bairro. Nos demais dias e shows, o público não parecia tão
animado. Do sábado até a terça feira de carnaval, de forma geral, havia sempre maior
concentração de pessoas no parque de diversões e nos bares do que na área
imediatamente em frente ao palco. Na Quarta Feira de Cinzas, no entanto, o cenário era
outro. Um público grande e concentrado na frente do palco acompanhava atentamente
as apresentações. Aparentemente, havia uma aproximação maior entre o público e os
artistas, uma vibração a cada show, a cada performance. Talvez o fato de praticamente
todos os artistas serem do próprio bairro ajude a criar um vínculo e uma apropriação do
polo. Em outros momentos do carnaval, apesar da qualidade dos artistas no palco –
numa programação que contou com apresentações de Beto do Bandolim e também da
Orquestra do Maestro Edson Rodrigues, por exemplo –, o público parecia apenas estar
na festa sem, no entanto, participar da festa.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
A experiência do carnaval no Polo Descentralizado do Ibura de Baixo pode ser
observado a partir de várias perspectivas. Algumas delas foram levantadas durante este
artigo, outras tantas ainda carecem uma observação mais apurada. A diversidade na
festa é uma dessas questões que salta aos olhos. E uma diversidade que, apesar do
discurso frequentemente proferido pelo locutor, vai além das doze modalidade. É uma
diversidade – talvez fosse melhor falar neste caso em pluralidade – que inclui o rock, o
pop, o samba, o arrocha e até mesmo a música gospel. Estes estilos musicais, a despeito
de não serem o foco das políticas públicas desenvolvidas para a área da cultura –
frequentemente presas à noção de diversidade vista sob a insígnia do mito das três raças
formadoras do povo brasileiro –, apresentam forte aceitação nos bairros periféricos e
formam parte do repertório cultural local.
Já entre as questões pouco explorada, é preciso observar mais atentamente as
tensões políticas existentes no processo de organização da festa. Claro está a presença
do Estado tanto como organizador da festa quanto em seu objetivo de utilizar a festa
como instrumento de cidadania, realizando ações das mais diversas. A questão que não
está clara é a relação entre o Estado e a população durante o processo de organização do
carnaval. Neste sentido, em conversa com algumas pessoas da produção do evento, ouvi
reclamações de que, com a mudança de gestão – do Partido dos Trabalhadores para o
Partido Socialista Brasileiro –, o diálogo e a participação social, marcante na gestão
anterior, teria sido reduzido.
É preciso, por fim, destacar que, em um carnaval cujo principal articulador da
festa é o poder público, está presente a ordem hierárquica de maneira muito clara. A
inversão, portanto, conforme proposta por DaMatta (1997), se coloca apenas na
dimensão da experiência individual do folião, visto que na organização e na experiência
da festa, há de fato o reforço das desigualdades. Se neste artigo dei prioridade à
experiência em um Polo Descentralizado, é preciso ter em mente que este é apenas um
entre os outros três patamares da festa: o Polo do Marco Zero; os Pólos Centrais e; os
Pólos Comunitários, também chamados de Polinhos. Entre os diferentes pólos, o
Descentralizado está situado acima dos Polinhos e abaixo dos Centrais. A diferença está
no orçamento envolvido em cada patamar, a visibilidade e a posição de destaque no
carnaval de forma mais ampla. Há ainda, talvez acima apenas dos Polinhos, os
concursos de escolas de samba, maracatus, caboclinhos e demais agremiações. Nestes
casos, além de divididas em séries que já denotam uma hierarquização, há ainda a
desigualdade de tratamento despendido entre os artistas que atuam nos palcos dos pólos
e os artistas que desfilam para os concursos – estes sequer tem direito à camarim. Este é
um assunto que requer mais cuidado ao ser abordado, mas que não se pode perder de
vista, posto que é parte crucial de uma das mais clássicas teorias sobre a festa, além de
ponto crucial para compreensão do Carnaval do Recife e seus conflitos.
BIBLIOGRAFIA:
ARAÚJO, Rita de Cássia. 1996. Festas: mascaras do tempo – entrudo, mascarada e frevo no carnaval do Recife. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife.
DAMATTA, Roberto. 1997. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6º ed. Rio de Janeiro: Editora Rocco.
GARRABÉ, Laure. 2012. O carnaval do Recife entre seus pólos: uma leitura de seus processos de uniformização e singularização. Repositório, n. 19, Salvador, p. 91-102, 2012.2.
MAGNANI, José Guilherme Cantor. 1998. Festa no Pedaço: cultura popular e lazer na cidade. São Paulo: Editora HUCITEC e Editora UNESP.
RECIFE. Prefeitura da Cidade. [2012?]. A Cidade. (http://www2.recife.pe.gov.br/a-cidade/perfil-dos-bairros/rpa-6. Acesso em 20/02/2015).
RUBIM, Antônio Albino. 2008. Políticas culturais do governo Lula/Gil: desafios e enfrentamentos. In: Intercom – Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, São Paulo, v.31, n.1, p. 183-203, jan./jun.
SCOTT, Parry; QUADROS, Marion Teodósio. 2008. A diversidade do bairro do Ibura: contextualizando diferenças demográficas, econômicas e sócio-culturais. In: ______ (Orgs). A diversidade no Ibura: gênero, geração e saúde num bairro popular do Recife. Recife: Editora Universitária da UFPE, p. 13-51.
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