BIOGRAFIA
EUGÉNIO DE ANDRADE EUGÉNIO DE ANDRADE Pseudônimo de José Fontinhas Rato.Poeta português nascido na freguesia de Póvoa de Atalaia (Fundão) em 19 de Janeiro de 1923. Faleceu a 13 de Junho de 2005, no Porto, após uma doença neurológica prolongada.
“Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.”
MadrigaMadrigall
Tu já tinhas um nome, e eu não sei se eras fonte ou brisa ou mar ou flor.
Nos meus versos chamar-te-ei amor...
FRENTE A FRENTE A FRENTEFRENTE
Nada podeis contra o amor,
Contra a cor da folhagem,
contra a carícia da espuma,
contra a luz, nada podeis.
Podeis dar-nos a morte,a mais vil, isso podeis
- e é tão pouco!
As palavrasSão como um
cristal,as palavras.Algumas, um
punhal,um incêndio.Outras,
orvalho apenas.Secretas vêm, cheias de
memória.Inseguras navegam:
barcos ou beijos,as águas
estremecem.Desamparadas, inocentes, leves.
Tecidas são de luz e são a noite.
E mesmo pálidasverdes paraísos lembram
ainda.
Quem as escuta? Quem as recolhe,
assim,cruéis, desfeitas,nas suas conchas
puras?
DEVIAS ESTAR AQUIDEVIAS ESTAR AQUIDevias estar aqui rente aos
meus lábiospara dividir contigo esta
amargurados meus dias partidos um a um- Eu vi a terra limpa no teu rosto,
Só no teu rosto e nunca em mais nenhum...
A arrancar a raizao mais diminuto dos rios.
A inundar-te de facas,
de saliva esperma lume.Estou a rodear de
agulhasa boca mais vulnerável.A marcar sobre os teus
flancositinerários da espuma.
Assim é o amor: mortal e navegável...
O AMORO AMOR
Estou a amar-te como o friocorta os lábios.
É urgente o amor.É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,alguns lamentos,muitas espadas.
É urgente inventar alegria,multiplicar os beijos, as
searas,é urgente descobrir rosas e
riose manhãs claras. Cai o silêncio nos ombros e a
luzimpura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
Permanecer.
URGÊNCIAURGÊNCIA
Respiro o teu Respiro o teu corpo:corpo: sabe a lua-de-água
ao amanhecer,
sabe a cal molhada, sabe a luz
mordida,sabe a brisa nua,
ao sangue dos rios,sabe a rosa louca,ao cair da noite
sabe a pedra amarga,sabe à minha boca...
Sem TiSem Ti
E de súbito desaba o silêncio.É um silêncio sem ti,sem álamos,sem luas.
Só nas minhas mãosouço a música das tuas...
Que música escutas tão atentamente?
Que música escutas tão atentamenteque não dás por mim?Que bosque, ou rio, ou mar?Ou é dentro de tique tudo canta ainda?Queria falar contigo,dizer-te apenas que estou aqui,mas tenho medo,medo que toda a música cessee tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fiocom que teces os dias sem memória.Com que palavras ou beijos ou lágrimasse acordam os mortos sem os ferir,sem os trazer a esta espuma negraonde corpos e corpos se repetem,parcimoniosamente, no meio de sombras?
Deixa-te estar assim,ó cheia de doçura,sentada, olhando as rosas,e tão alheiaque nem dás por mim...
Sobre Flancos e BarcosSobre Flancos e Barcos
Havia ainda outro jardim o da minha vida
exíguo é certo mas o do meu olhar
são talvez dois pássaros que se amam
um sobre o outro ou dois cães de pé
é sempre a mesma inquietação
este delírio branco ou o rumor da chuva sobre flancos e barcos
o inverno vai chegar sobre a palha ainda quente a mão uma doçura de abelha muito jovem
era o sopro distante das manhãs sobre o mar e eu disse sentindo os seus passos nos pátios do coração é o silêncio é por fim o silêncio vai desabar...
ADEUSADEUSJá gastamos as palavras pela rua,
meu amor,e o que nos ficou não chegapara afastar o frio de quatro
paredes.Gastamos tudo menos o silêncio.Gastamos os olhos com o sal das
lágrimas,gastamos as mãos à força de as
apertarmos,gastamos o relógio e as pedras das
esquinasem esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar
um ao outro;era como se todas as coisas
fossem minhas:quanto mais te dava mais tinha
para te dar.
Continua >
Mas isso era no tempo dos segredos,era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhoseram realmente peixes verdes.Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,uns olhos como todos os outros.
Já gastamos as palavras.Quando agora digo: meu amorjá se não passa absolutamente
nada.E no entanto, antes das palavras
gastas,tenho a certeza
que todas as coisas estremeciamsó de murmurar o teu nomeno silêncio do meu coração.Não temos já nada para dar.
Dentro de tinão há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus...
Quase NadaQuase Nada
O amoré uma ave a tremernas mãos de uma
criança.Serve-se de palavras
por ignorarque as manhãs mais
limpasnão têm voz...
Minha singela homenagemao meu amado poeta de
Portugal
Pinturas: João Barcelos
By Eliane/2007
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