1
“Estado de Direito” e repressão em países latino americanos, na década de 19901
Vera Lucia Vieira2
Resumo: Esta reflexão tem como objetivo analisar a violência institucional que
criminaliza as mobilizações sociais, a partir da década de1990, em países latino-americanos. Analisamos como, ao término das ditaduras, a perseguição política, não mais
reconhecida pelo “Estado de Direito”, se mantém incursa nos Códigos Penais, resultando na criminalização das demandas sociais.
O retorno à constitucionalidade eliminou os preceitos legais que haviam respaldado a repressão política, embora não tenha abolido, da lógica dos Sistemas de Segurança Nacionais, a figura do inimigo interno. Assim os integrantes das mobilizações populares, que expressaram as lutas de classe em fins do século XX, passaram a ser incursos nos Códigos Penais e, nesta ótica, considerados contraventores comuns.
Concomitantemente, apesar dos processos democratizantes terem incorporado nas leis, uma dimensão mais ampla de Direitos Humanos, observa-se que tais preceitos raramente vigoraram, exatamente para os segmentos sociais aos quais se destinavam. Particularmente inexistiram para os incursos nos Códigos Penais, demonizados pelo aumento da violência social. Assim, demonstra-se a interligação, no interior do Estado, entre tais dimensões da esfera pública com apenas um resultado: a permanência da violência institucional e a criminalização das demandas sociais.
Para a análise do tema em tela em países latino-americanos, incluindo-se aí o Brasil, incorporamos também reflexões historiográficas sobre estudos de caso, advindos de Portugal e da Espanha. Estes dois países vivenciaram situações de ditaduras, cujas formas de ser violentas continuaram entranhadas no modus operandi das polícias, à semelhança do que ocorreu com os países latino-americanos. Além disto, possuem uma tradição de estudos sobre a violência estatal e de reflexões que tem lhes permitido elaborar abstrações razoáveis3 que em muito auxiliam o entendimento da cultura violenta do Estado na América Latina.4
Palavras chave: violência institucional, criminalização das demandas sociais, criminologia, Estado de Direito.
Abstract:
1Este artigo derivou de uma palestra proferida na Semana de Palestras de recepção aos calouros (estudantes recém-ingressos) do Curso de Direito da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, promovido pelo Centro Acadêmico XX de Agosto, no dia 20.20.2013. 2 Dr. Prof. na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Coordenadora do Centro de Estudos de História da América Latina (CEHAL-PUC-SP). E-mail:[email protected] 3 Ver: “Técnica, política e o dilema da ordem pública no Portugal contemporâneo (1851-1974)”, in TAVARES DE ALMEIDA, P. e PIRES MARQUES, T. (eds.), Lei e Ordem. Justiça Penal,
Criminalidade e Polícia. Séculos XIX-XX, Lisboa, Livros Horizonte, 2006. RIBEIRO, María da Conceição. A Polícia Política no Estado Novo (1926-1945), Lisboa, Estampa, 1995. M ADEIRA, João (coord.), FLUNSER, Irene Pimentel, FARINHA, Luís. Vítimas de Salazar. Estado Novo e Violência Política, Lisboa, Esfera dos Livros, 2007. BRODEUR, Jean-Paul, “Police et coercition”, in Revue
française de sociologie, XXXV, CNRS, 1994. http://www.rfs-revue.com/spip.php%3Frubrique2&lang=fr.html 4 Pesquisa sobre o tema da violência institucional realizada por mim na Espanha, a partir de uma bolsa da Fundación Carolina, e cujos resultados aparecem no site do Centro de Estudos da América Latina (CEHAL-PUC-SP) expressam bem tal justificativa de escolha destes dois países europeus.
2
“Estado de Direito” e repressão em países latino-americanos, na década de 1990.
A prática dos direitos humanos é considerada, na contemporaneidade, pelos liberais,
o indicador mais preciso do nível de democratização de um país. Muitos países têm uma
longa e rica história de luta por direitos civis e por liberdades democráticas e o final das
ditaduras militares em fins do século XX permitiu a retomada de tal trajetória, expressando
avanços. Existe hoje, na maioria dos países, uma visão e uma legislação que reconhece não
somente os direitos individuais, mas também os direitos humanos coletivos como a coluna
principal a reger o “Estado de Direito”, além do reconhecimento da multiculturalidade e
multietnicidade (BONILLA MALDONADO, 2006)5.
No entanto, as características internas de desenvolvimento do capitalismo na maior
parte dos países latino americanos, de configuração híper tardia, dependente e subordinada,
não sofreram mudanças estruturais significativas. Concomitantemente, a crise mundial do
capitalismo que se agrava a cada dia, particularmente a partir da Europa, continuou
ampliando as levas de marginalizados6 ou de pessoas submetidas a empregos precários,
informais e às vezes considerados ilegais e acirrando as contradições inerentes ao
capitalismo. Assim, voltou a se manifestar, nos idos da década de 1990, um quadro que
atingia também os países centrais do capitalismo: o das lutas por acesso7 dos direitos
prometidos constitucionalmente e pela garantia de possibilidades de consumo dos bens
produzidos socialmente.
Nos países latino-americanos recém-saídos das ditaduras que os assolaram na última
década do século XX, tais lutas se mesclaram às demandas pelo retorno da ordem
constitucional. Mas neste continente, o fortalecimento do capital financeiro oligopolista
5 BONILLA MALDONADO, Daniel La constitución multicultural. Bogotá: Siglo del Hombre Editores Universidad de los Andes- Facultad de Derecho; Pontificia Universidad Haveriana Instituto Pensar, 2006. 6 “Según la CEPAL, el desempleo en la región pasó de 5,7% en 1990 a 9,5% en 1999, pero lo que llama la atención no es tan sólo el incremento de los desocupados, sino la particularidad de los nuevos trabajos, pues de cada diez empleos que se crearon en la región entre 1990 y 1997, siete (6,9 exactamente) se originaron en el sector informal (CEPAL, 1999). Es decir, ocurre una doble exclusión laboral, pues hay menos empleos y aquellos que surgen tienen un carácter tan precario como su condición de informalidad lo sugiere.” Roberto (2002) La nueva violencia urbana en América Latina, Dossiê Sociologias, nº 8, Porto Alegre jul./dez., p. 7. 7 No caso Europeu, pela manutenção.
3
(KLEIN, 2008; GALEANO, v/ed)8 a partir dos anos de 1970 adquire supremacia nos idos de
1990 e nesta lógica, as demandas sociais transformaram-se em verdadeiras utopias, dada a
impossibilidade de seu atendimento, mesmo nos limites da ordem liberal. Além disso,
manifestou-se a permanência da face violenta do Estado, mesmo em se tratando de
resistências organizadas contra a diminuição dos gastos públicos em políticas sociais mais
abrangentes.
Assim, na prática, do ponto de vista dos direitos humanos prometidos
constitucionalmente, observa-se que, nas últimas décadas do século XX, o Estado Social
diminuiu concomitante ao crescimento do Estado Penal e (BATISTA, 2003)9 toda a
violência institucional foi justificada como reação legal à desordem, fundamentalmente
urbana, advinda da sociedade. Isto, conforme já afirmado, apesar do aparato legal ampliar o
escopo da legislação que trata dos direitos humanos, direitos de cidadania e do
reconhecimento constitucional do caráter multiétnico e cultural, em diversos países latino-
americanos.
Ante tais evidências, tomamos como objetivo demonstrar como o término das
ditaduras eliminou e o retorno à ordem Constitucional, também denominado “Estado de
Direitos”, eliminou a figura da perseguição política, mas manteve os mecanismos que
cumpriam tal função, resultando aí, em uma nova face da criminalização das demandas
sociais. Deixa-se de perseguir o movimento enquanto tal, mas os indivíduos passam a ser
enquadrados, para fins de julgamento e penalização, nos Códigos Penais, resultando no
imbricamento oficial entre esta nova face da perseguição política e o combate à
criminalidade. Estas reflexões integram o projeto de pesquisa da autora e vamos evidenciar
aqui apenas a articulação entre tais dimensões da esfera pública, com apenas um resultado: a
permanente violência institucional e a criminalização das demandas sociais.
Para a análise do tema em tela em países latino-americanos, incluindo-se aí o Brasil,
incorporamos também reflexões historiográficas que analisam situações de violência
institucional vivenciadas por Portugal e da Espanha. Estes dois países vivenciaram situações
de ditaduras cujas formas de ser violentas continuaram entranhadas no modus operandi das
8 Nesse sentido ver: KLEIN, Naomi, La doctrina del shock. El auge del capitalismo del desastre. Paidós, 1ra. Ed. Argentina. 2008. Tb. a entrevista de Orlando Letelier, à revista norteamericana The Nation. New York City, de 26 de agosto de 1976, citado por GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América
Latina, várias edições. 9 BATISTA, Nilo. “Todo crime é político”, entrevista à revista Caros Amigos, nº 77, agosto, 2003.
4
polícias, à semelhança do que ocorreu com os países latino-americanos. Além disto,
possuem uma tradição de estudos sobre a violência estatal e de reflexões que tem lhes
permitido elaborar abstrações razoáveis (ALMEIDA, 2006; RIBEIRO, 1995; MADEIRA,
2007, BRODEUR, 1994)10 que em muito auxiliam o entendimento da cultura violenta do
Estado na América Latina.11
Com o término das ditaduras que abalaram diversos países latinos e mesmo nos
que vivenciaram situações autoritárias, o retorno à constitucionalidade que aventa a garantia
dos direitos humanos abole os preceitos relativos à perseguição política. A partir daí, as
mobilizações sociais, expressão contemporânea das lutas de classes, passaram a ser tratadas
como contravenções ou crimes comuns, portanto, incursas nos Códigos Penais. O Estado
Social diminui enquanto cresce o Estado Penal e12 tudo aparece como reação do Estado à
desordem, fundamentalmente urbana, advinda dos sujeitos sociais.
Outrossim, deu-se continuidade aos ditames das Doutrinas de Segurança Nacional no
concernente ao inimigo interno, alterando-se apenas a justificativa: se antes eram os
comunistas, agora eram as mobilizações sociais, manifestando-se isto na reação cada vez
mais violenta dos agentes do Estado no trato com a coisa pública interna. Não apenas esta
função cumpriu o Estado, mas também manteve os estatutos impeditivos de punição aos
crimes cometidos por seus agentes, ou seja, garantiu-lhes impunidade quando não, em nome
da paz social, tentou relegar ao esquecimento as barbáries cometidas no passado recente.
Conforme constatou o analista português,
nas antípodas, situam-se os casos em que a justiça é intersectada por um dever de amnésia, geralmente vindo do exterior (v.g. dos decisores políticos). Fundado nas mais variadas razões — designadamente, de pacificação social — este mandado de esquecimento interrompe a acção da justiça com base no entendimento de que outros valores podem ser tão ou mais importantes do que a punição de culpados ou a satisfação de expectativas de vindicta por parte das vítimas. Esta é, entre outras, a justificação clássica de institutos como a amnistia. Indagar da sua eficácia em
10 Ver: “Técnica, política e o dilema da ordem pública no Portugal contemporâneo (1851-1974)”, in ALMEIDA, P. Tavares de e MARQUES, T. Pires (eds.), Lei e Ordem. Justiça Penal, Criminalidade e
Polícia. Séculos XIX-XX, Lisboa, Livros Horizonte, 2006. RIBEIRO, María da Conceição. A Polícia
Política no Estado Novo (1926-1945), Lisboa, Estampa, 1995. MADEIRA, João (coord.), FLUNSER, Irene Pimentel, FARINHA, Luís. Vítimas de Salazar. Estado Novo e Violência Política, Lisboa, Esfera dos Livros, 2007. BRODEUR, Jean-Paul, “Police et coercition”, in Revue française de sociologie, XXXV, CNRS, 1994. http://www.rfs-revue.com/spip.php%3Frubrique2&lang=fr.html 11 Pesquisa sobre o tema da violência institucional realizada por mim na Espanha, a partir de uma bolsa da Fundación Carolina, e cujos resultados aparecem no site do Centro de Estudos da América Latina (CEHAL-PUC-SP) expressam bem tal justificativa de escolha destes dois países europeus. 12 BATISTA, Nilo (2003). “Todo crime é político”, entrevista à revista Caros Amigos, nº 77, agosto.
5
relação aos objectivos que se propõe varia, obviamente, de caso para caso. (ARAÚJO, 2007)13
As múltiplas denúncias sobre violações cometidas por agentes do Estado, (MIGUEL
CRUZ, 2003)14 nos mais diversos países mostram que ainda há muito que percorrer. Os
continuísmos na violência institucional contra a população demandatária, em geral, negra,
indígena e pobre, abre brechas para que emerjam novas ditaduras no futuro ou determinem
no presente situações em que, mesmo a democracia liberal deixa de ser praticada no que
concerne aos direitos humanos. (CARDIA, in NEVE, 1999)15
Tais evidências colocam na ordem do dia o tema da violência institucional, ou seja,
as violações à lei que continuam sendo cometidas por agentes do Estado, ou aquelas que
afrontam os direitos humanos, seja pela omissão do Estado, seja pela negação da garantia do
acesso de todos aos direitos previstos nas legislações. (BRICEÑO-LÉON,2002)16
No interior das polêmicas contemporâneas que analisam tais evidências, observa-se a
recorrência aos clássicos, tanto aos que argumentam ser a violência uma função do Estado
ou uma manifestação da racionalidade que ordenaria a polis (FRAZER, 2008),17 quanto aos
críticos do capitalismo, em cujo cerne situam a gênese de tal violência.
Neste sentido, esta expressa um dos mecanismos que põe em movimento a força dos
segmentos de classes dominantes em defesa da manutenção da apropriação privada, dos
privilégios, das regras de mercado, apesar dos discursos e das leis humanitárias. (MARX.
1848;1850;1852)18 Uma ordenação que permite que, ao longo da história, tenham se
13 ARAÚJO, António de e AZEVEDO, Luís Eloy (Apresentação) Revista Sub Judice 25 - Justiça e
Memória, abril de 2007. DocJuris - Centro de Documentação e Informação Jurídica CRL, Lisboa. 14 MIGUEL CRUZ, JOSÉ. Violencia y democratización en Centroamérica: el impacto del crimen en la legitimidad de los regímenes de posguerra. América Latina Hoy, 35, Ediciones Universidad de Salamanca, 2003, pp. 19-59. 15 CARDIA, Nancy. Transições democráticas: continuidades e rupturas; autoritarismo e democracia: desafios para a consolidação democrática, In: PINHEIRO, Paulo Sergio (et ali) Continuidade autoritária
e construção da democracia. Relatório final da pesquisa. Fapes/CNPq/Fundação Ford USP: NEVE, 1999, pp. 11 a 37. 16 BRICEÑO-LÉON, Roberto, La nueva violencia urbana de América Latina. DOSSIÊ-
Sociologias. n.8. Porto Alegre. jul./dez. 2002. (http://www.scielo.br/scielo. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-45222002000200003&lng=pt&nrm=iso 17 FRAZER, Elizabeth and HUTCHINGS, Kimberly. On politics and Violence: Arendt against Fanon. Contemporary Political Theory. Feature Article: Political Theory Revisited, 7, Doi:10.1057/palgrave.cpt.9300328, 2008, pp. 90-108. 18 MARX, Karl. A burguesia e a contrarrevolução (1848), As lutas de classe em França de 1848 a 1850 (1850) e O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte (1852).
6
configurado relações societárias marcadas pelo preconceito (MARTINO, 2009)19 e pela
exclusão sócio econômica, aprofundados pela mundialização paulatina do capital.(CELS,
2004)20
Comumente, na América Latina se alternaram Estados autocráticos burgueses e
bonapartismos, impulsionados pela forma tardia do desenvolvimento do capitalismo e pela
extrema fragilidade das instituições oficiais frente os ditames internacionais, dada a
dependência e a subordinação ao capital internacional. Nesta configuração, foi inexequível
aplicar as regras do Estado burguês republicano (VIEIRA, 2005)21. Ou seja, a partir das
Independências, a configuração assumida pelos Estados não conseguiu garantir que este
fosse, conforme os conceitos clássicos propalados pela lei,
produto do consentimento espontâneo dos cidadãos, que os magistrados governassem sem sempre submetidos à lei e nunca acima ou separado dela, que houvesse alternância no poder, e que todo cidadão pudesse não apenas ser governado, mas ainda ser governante, que os magistrados fossem escolhidos livremente entre a massa dos cidadãos, que todo poder acumulado pelos magistrados fosse investido na promoção do bem público e nunca na promoção de seus caprichos e interesses pessoais, que a soberania da lei fosse propriedade dos cidadãos – independentemente da classe social a que pertence-, reunidos em Assembleia e nunca do magistrado superior. (ANTUNES:2011:3)22
Ao longo do século XX, a maior parte dos países latino-americanos vivenciou
bonapartismos ditatoriais ou constitucionais. Estes últimos aqui entendidos como situações
de intensa concentração do poder político nas mãos de civis, mas respaldados nas forças
armadas que usam de extrema violência para controlar demandas e protestos sociais.
Nesta lógica, a criminalização das lutas sociais ocorre com o uso das forças policial e
militar que integram os sistemas de segurança nacional, também denominados sistemas de
inteligência. Na América Latina, tais aparatos surgiram desde o início da organização dos
Estados, após as independências e foram sendo aperfeiçoados ao longo do século XX sem
que se verifiquem hiatos durante os períodos não ditatoriais.
19 MARTINO, Paolo di. Criminologia. Analisi interdisciplinare dellla complessità del crimine. Studi Superiori. Universitá e Specializzazioni. Prefazione di Pier Luigi Vigna. Napoli, Edizioni Giuridiche Simne, 2009. 20 CELS. Políticas de seguridad ciudadana y justicia social. Buenos Aires, Siglo XXI, 2004, p. 7. 21 VIEIRA, Vera Lucia. As constituições burguesas e seus limites contrarrevolucionários, in: Projeto
História – Revista do Programa de Pós-graduação em História da PUC-SP – Vol. Guerras, n° 30, junho/2005. 22 ANTUNES, Jadir. Marx e a noção de Bonapartismo, Revista de Filosofia, Fortaleza, CE, vol. 8, nº 15, 2011, pg. 3.
7
Mesmo nos períodos de distensão, em que vigoraram, em tese, os preceitos
constitucionais e as regras do “Estado de Direito”, tais organismos não cessaram de atuar,
vigiando, produzindo boletins diários sobre a vida de centenas de pessoas consideradas
suspeitas, elaborando dossiês, perseguindo, usando da tortura como mecanismo de obtenção
de informações. Tal situação é bem visível no transcorrer do último ciclo ditatorial
vivenciado pelos países latinos e as transições democratizantes. Por exemplo, a Argentina,
entre 1916 a 1930, experimentou seu primeiro ciclo ditatorial, seguido do bonapartismo
peronista de 1946 a 1955, quando então se instaura um novo golpe de Estado, em 1958. Na
segunda metade do século XX, entre 1964 a 1985, nova ditadura e recrudescimento das lutas
sociais organizadas partidariamente ou como protestos sociais, estas desde 1970. Já o
Uruguai que vivenciara uma situação de tranquilidade social até 1968, foi abatido, a partir de
1972, por um período de suspensão dos direitos civis, seguida por uma das ditaduras mais
violentas da América latina que durou até 1985, justificada pelo receio da organização
denominada Tupamaros, repressão que se abateu também sobre o povo paraguaio que ficou
subordinado ao bonapartismo strosseriano entre 1954 até 1989. No Chile, presidentes com
uma perspectiva mais democrática foram substituídos em 1973 por ditadores que aí
permaneceram até 1990. Na Bolívia, governos militares intermitentes entre 1963 a 1982,
dominaram o cenário. Também o Peru foi dominado por governos militares intermitentes,
até a ditadura de Fujimori entre os anos de 1990 a 2000. Os equatorianos viveram
bonapartismos institucionais, de forma intermitente até 1978, enquanto a Colômbia
vivenciou uma ditadura entre 1953 a 1957 e a Venezuela experimentou longos períodos
ditatoriais com Juan Vicente Gómez (1908-1935) e Marcos Perez Gimenez (1952 – 1958).
Podemos tomar aqui as abstrações desenvolvidas por José Chasin para o caso brasileiro, e
aventarmos, ante as similaridades com outros países da região, que em tais transições
(...), não só a estrutura econômico-societária foi preservada como também a essência da sua correlata dominação política proprietária que caracteriza o país: o autocratismo burguês. É suficiente ilustrar o fenômeno com os estupros perpetrados contra a novíssima Constituição tanto pelo executivo federal como pelo Congresso. O primeiro na forma ativa das medidas provisórias, reinstituindo informalmente o decreto lei, e o segundo na forma passiva como as acolhia, até mesmo sob a versão aviltante de suas reedições.”23
23 CHASIN. José. A Sucessão na Crise e a Crise na esquerda: O Caso Brasileiro na encruzilhada da sucessão. A Miséria Brasileira: 1964-1994 do Golpe Militar à Crise Social. Santo André: Ad Hominem. 2000. p. 222.
8
Nesta perspectiva, a partir da década de 80, nos anos em que o último ciclo ditatorial
do século XX, vigente nos países citados se exauriu, as demandas no sentido de eliminar,
transformar ou coibir a ação repressora dos órgãos repressivos foram várias.(WEEKS,
2004)24 Mas não se cogitou a eliminação da lógica de seus funcionamentos, pelo contrário,
esta se fortaleceu, dado que vinculada à noção de sua intrínseca necessidade para garantir a
segurança, a ordem, e a recém vigência dos preceitos constitucionais.
Por outro lado, as sucessivas crises vivenciadas em cada país, atingiu violentamente
a maior parte da população, resultando no aumento das lutas sociais e no recrudescimento da
violência do Estado contra a população organizada.
Assim, ocorre uma situação aparentemente paradoxal no fim do século XX: ao
mesmo tempo em que esteve em curso um “processo democratizador”, (SIEDER, 2003)25
ampliou-se a criminalização das lutas sociais.
Porque podemos fazer tal afirmação? Particularmente a partir da segunda metade do
citado século, vários países incorporaram direitos trabalhistas com garantias constitucionais
(veja-se a Constituição de 1945 do Equador, por exemplo), legislou-se sobre o caráter
pluricultural e multiétnico como ocorreu na Colômbia, com a Constituição de 1991 que
garantiu direitos de cidadania a comunidades camponesas descendentes dos povos
originários; ou mesmo no Equador, cuja Constituição de 1993 assumiu tal postura, sendo
isto objeto de muitas disputas e contendas internas entre os segmentos sociais dominantes e
conservadores e os novos protagonistas reconhecidos constitucionalmente. Na Venezuela,
embora tais democratizações já estivessem previstas no acordo social denominado Punto
Fijo, passou a ser aplicado apenas a partir de 2002, após a tentativa de golpe contra o
presidente eleito, Hugo Chavez.
Alguns países foram mais longe, chegando a legislar contra a continuidade de tal
violência, prevendo formas de penalização contra tais atos. Conforme alerta o autor
24 WEEKS, Gregory B. Repensando Factores Históricos: Las Transiciones Políticas y Militares en América del Sur. Politics & Policy, vol. 32; nº 1, March, 2004. Univeristy of North Carolina, Charlotte.
http://class.georgiasouthern.edu/pap/March%2004PDFs/Sp%20Weeks.pdf#search='DICTADURAS%20LATINO%20AMERICANAS'. 25 Los estudiosos que “han abogado por el fortalecimiento del Estado de Derecho en América Latina se han concentrado en factores institucionales, recurriendo a una serie de medidas que persiguen tres finalidades: una mayor independencia judicial, un sistema de justicia eficaz y un mejor acceso de los menos privilegiados a la justicia”. SIEDER, Rachel. Renegociando «la ley y el orden»: reforma judicial y respuesta ciudadana en la Guatemala de Posguerra. América Latina Hoy – revista de Ciencias Sociales, nº 52. España: Ediciones Universidad de Salamanca, nº 35, 2003, pp. 61-86.
9
argentino Matias Arlete, (ARTESE, 2009)26 em estudo que analisa a penalização dos
movimentos piqueteros ocorridos na Argentina, na década de 1990, país no qual a
discriminação política e ideológica é proibida pela Ley Antidiscriminatoria (Ley 23.529)
sancionada em 3 de agosto de 1988.
El artículo 1.° de dicha ley reza: «Quien arbitrariamente impida, obstruya, restrinja o de algún modo menoscabe el pleno ejercicio sobre bases igualitarias de los derechos y garantías fundamentales reconocidos en la Constitución nacional, será obligado, a pedido del damnificado, a dejar sin efecto el acto discriminatorio o cesar en su realización y a reparar el daño moral y material ocasionados. A los efectos del presente artículo se considerarán particularmente los actos u omisiones discriminatorios determinados por motivos tales como raza, religión, nacionalidad, ideología, opinión política o gremial, sexo, posición económica, condición social o caracteres físicos».(Idem: 155)27
Seu estudo demonstra como as políticas econômicas adotadas na Argentina desde a
década de 1973, lideradas por setores economicamente dominantes, impuseram uma
valorização financeira –a expansão do capital oligopólico- resultando em uma profunda
contração no nível de atividade industrial. Neste contexto, na segunda metade de 1990,
centenas de manifestações, com uma enorme quantidade e heterogeneidade de demandas ao
Estado, compostas principalmente por setores assalariados ocupados e desocupados,
explodiram em todo o país. As unía “la desproletarización, la retirada del Estado, y la
descentralización de servicios de salud y educación (…)”. (AUYERO, 2002, Apud ARTESE,
op. cit.)28
Iniciadas como motins populares na Província de Santiago del Estero em 1993, o
autor demonstra como evoluíram, tornando-se mais organizadas, com ações coletivas mais
sistemáticas, até culminar no massivo levantamento popular de 2001, no governo de
Fernando de la Rúa. Calcado em ampla bibliografia e documentação, demonstra como o
poder executivo optou por utilizar as Forças de Segurança para controlar as manifestações,
resultando em pessoas presas, detidas, processadas, feridas e, inclusive mortas. Além disto,
atesta o autor, divulga-se nos meios de comunicação de massa discursos tendentes a
26 ARTESE, Matías. Criminalización de la protesta en Argentina: una construcción de lo delictivo más allá de la esfera jurídica. In Revista América Latina Hoy – revista de Ciencias Sociales, nº 52. España: Ediciones Universidad de Salamanca, 2009, pp. 149-169. 27 Idem, pg. 155. 28 AUYERO, 2002: 46, Apud. ARTESE, opus cit..
10
estigmatizar os manifestantes, fosse por desocupados, fosse por considerar os que
reclamavam, como pessoas perigosas.29
A criminalização que desqualifica e atribui intencionalidades subversivas a tais
demandas é um dos principais mecanismos utilizados, tanto pelo Estado, quanto pelos
segmentos sociais pouco afetados pelas crises e divulgados pela imprensa. (SALGADO,
2013)
Conforme aventamos, o processo democratizador significou também promover
reformas nos sistemas de segurança, assim como no judiciário e no sistema penal. Neste
último caso, tanto os códigos judiciais, quanto o civil e o penal passaram por revisões que
estuvieron motivadas por tres factores centrales, vinculados con el doble proceso de democratización y liberalización económica: i) la preocupación con la violación de derechos humanos que provenía de los pasados regímenes autoritarios; ii) el deseo de crear ambientes legales estables tanto para los derechos de propiedad como para la inversión extranjera; y iii) la preocupación pública en torno a tasas de criminalidad cada vez más altas. (SKAAR, Elin, 2003:pp. 19-59)30
De fato, além dos protestos populares, a década de 1990 assistiu ainda ao aumento da
violência social, com resultados semelhantes aos que o autor analisa, para o caso Argentino
que “experimentó un dramático incremento en las tasas de criminalidad y violencia, lo cual
puso una presión adicional sobre la justicia penal”. (Idem, pg. 155)31 Ou como atesta a
investigadora, deputada e ex ministra de Seguridad de Costa Rica
(..)Existen estudios que sientan premisas válidas para entender por qué en América Latina en los últimos años se ha dado un crecimiento de la violencia común. Hay causas de naturaleza social, algunas vinculadas a la forma en que algunas instituciones públicas se organizan y se relacionan. También disfuncionalidades en la forma en que algunas instituciones públicas operan. No hay una respuesta única, pero creo que la respuesta a la violencia debe venir desde distintos sectores: gubernamentales y de la sociedad civil.” (APIOLZA, Apud MAIHOLD, 2003:191)32
29 A criminalização que desqualifica e atribui intencionalidades subversivas a tais demandas é um dos principais mecanismos utilizados, tanto pelo Estado, quanto pelos segmentos sociais pouco afetados pelas crises. Ver, a título de exemplo, SALGADO, Tiago Santos, A Folha de São Paulo e o governo Hugo
Chaves (2002-2005), dissertação de mestrado, História- PUC-SP, 2013. 30 SKAAR, Elin. Un Análisis de las reformas judiciales de Argentina, Chiley Uruguay. In Revista América Latina Hoy, – revista de Ciencias Sociales, nº 34, España: Ediciones Universidad de Salamanca, 2003, pp. 147-186, p. 147. 31 Idem, pg. 155. O mesmo impacto, mas para a América Central, é analisado por CRUZ, José Miguel. Violencia y democratización en Centroamérica: el impacto del crimen en la legitimidad de los regímenes de posguerra. In América Latina Hoy, – revista de Ciencias Sociales, nº 35, España: Ediciones Universidad de Salamanca, 2003, pp. 19-59. 32 Entrevista en Internet, hecha por APIOLZA, Martín a CHINCHILLA, Laura, investigadora, diputada y ex ministra de Seguridad de Costa Rica. Apud MAIHOLD, Günther. La nueva Doctrina Bush y la
11
As reformas democratizantes advieram em um momento em que as medidas
neoliberais vigoravam na maior parte dos países, com intensidades distintas, aumentando a
pobreza e a desigualdade social, além de concentrar a dinâmica do desenvolvimento no
capital financeiro, estéril por natureza. (KRAWCZYK e VIEIRA, 2012)33
Apenas para citar alguns casos, no México, em 2007, o representante mexicano do
Consejo de Derechos Humanos, Rodolfo Stavenhagen, apresentou em Genebra informe no
qual relata que
México es un ejemplo de país con tendencia a la criminalización de la protesta social de los pueblos indígenas y a la represión por la fuerza pública, como se demuestra con los casos de Atenco, Oaxaca y Guerrero, informó el relator especial de la Organización de Naciones Unidas sobre los derechos humanos de los indígenas, Rodolfo Stavenhagen. En los casos de Atenco y Oaxaca, la violenta represión del gobierno mexicano sigue impune, pues a pesar de que algunas de las personas detenidas fueron transportadas a cárceles lejanas sin apego a la ley, no se han investigado los delitos imputados ni se ha procedido contra los responsables de las violaciones. En su sexto informe presentado hoy ante el Consejo de Derechos Humanos, Stavenhagen afirmó que ha recibido numerosas denuncias de ejecuciones extrajudiciales, desapariciones forzadas, torturas, detenciones arbitrarias, amenazas y hostigamientos, e indicó que la mayoría de estas violaciones ocurren cuando las comunidades y organizaciones indígenas intentan defender sus tierras, recursos naturales y territorios ancestrales. (Jornal La Jornada, 2007)34
Neste país a fragilidade das instituições democráticas ante as características do
capitalismo e repressivos aparecem de forma clara nas considerações de Coyote Millanes
(2002:376), que analisa os protestos sociais que eclodem nos anos 90.
Lo más productivo para la comprensión adecuada del movimiento sería demandar al gobierno que guarde o aleje de estas manifestaciones a sus “policías violentos”, pues su sola presencia molesta, irrita, incomoda e incita a la violencia. Pues “esa policía verde, era la que torturaba en tiempos de Pinochet”. Pedir también al Ministerio del Interior que no mande a sus “escuchas” (“sapos” popularmente dicho) a auscultar el ambiente. Solicitarle a los medios de comunicación, especialmente, a la televisión, no concentrar única y exclusivamente su atención en los hechos violentos, en las escaramuzas entre los policías y los manifestantes, sino también cubrir y reportear, o sea, comunicar a la ciudadanía las propuestas, las ideas, las razones, que tiene el
seguridad en América Latina. Foro de debate 191. Revista Iberoamericana, III, 9, 2003, pp. 189 a 193, pg. 191. 33 Vide neste sentido, estudo da autora, em parceria com Nora Krawczyk, sobre os fatores indutores das reformas educacionais na Argentina, Brasil, Chile e México, intitulado Uma perspectiva histórico-sociológica da Reforma Educacional na América Latina: Argentina, Brasil, Chile e México nos anos de 1990. Brasília: Liber Livro, 2012. 34 NUÑEZ, Kyra. Ejemplo de represión de la protesta social: Stavenhagen, Jornal La Jornada, 21 de marzo de 2007, México.
12
movimiento antiglobalización pues ningún canal de televisión registró ni emitió por sus noticiarios centrales, ni en cobertura especial los distintos foros de análisis que el Foro Social Chileno realizó los días sábado y domingo.35
Mesmo no Chile, conforme Leyton, os quatro governos concertacionistas, Aylwin,
1990-1994; Frei Ruiz-Tagle, 1994-2000; Lagos 2000-2006 e Bachelet 2006-2010, “de
distintas maneras y con distintos énfasis pero con igual propósito, fueron profundizando,
extendiendo y consolidando las transformaciones capitalistas realizadas e impulsadas
durante la dictadura militar”. (GÓMEZ LEYTON, 2010)36.
Na Colômbia, Velasco Jaramillo (2007) analisa porque “la reforma constitucional de
1991, ostensiblemente diseñada para reducir los efectos negativos del centralismo político en
la democracia, no sosegó la contestación social en Colombia (o las huelgas, protestas y
tomas llevadas a cabo por trabajadores, residentes urbanos, campesinos y estudiantes).37
Segundo a mesma autora, os fatores que debilitam as capacidades cidadãs são:
(1) las presiones internacionales para implementar medidas neoliberales recesivas, (2) la violencia centrífuga, (3) la influencia de intereses particulares y sobretodo empresariales (nacionales e internacionales) sobre las instituciones democráticas, (4) la democracia delegativa, (5) el mal desempeño económico, y (6) la debilidad de la sociedad civil. (Idem:128)
Se no caso da Colômbia se denuncia a continuidade dos protestos populares, a
subordinação do Estado aos interesses empresariais, no Brasil, os dados coletados pelos
analistas sobre a ação repressiva do Estado contra os protestos organizados são de
impressionar. Apenas para citar um exemplo, este relativo a massacres realizados contra
camponeses do Pará, os
registros da CPT (Comissão Pastoral da Terra), mostram que, de 1971 a 2005, foram assassinados 788 camponeses no Pará, sendo que a maioria dessas mortes – (574) - foi registrada na região sul e sudeste do Estado. Na primeira metade do período mencionado (1971-1985) foram registrados 340 assassinatos em conflitos fundiários. Na segunda metade do período (1986-2005) foram vitimados 447 camponeses, demonstrando assim a persistência no tempo do padrão de violência estatal existente no Pará. Comissão Pastoral da Terra – CPT Pará, Belém, 17 de abril de 2006. reporterbrasil.org.br/.../eldorado_a_dorothy)
35 COYOTE MILLANES, Nilbia. Conflictividad por la tierra en México, 1990-2002. Propuesta conceptual y explicativa para una mayor comprensión del fenómeno* Revista Estudios Agrarios, nº 27. México. http://www.pa.gob.mx/publica/rev_27/Nilbia%20Coyote%20M.pdf 36 GÓMEZ LEYTON, Juan Carlos. Política, Democracia y Ciudadanía en una Sociedad Neoliberal, Chile 1990-2010. 1ª edición, Santiago de Chile, Editorial ARCIS/ PROSPAL/ CLACSO, 2010. 37 VELASCO JARAMILLO, Marcela. Cambio constitucional y capacidades institucionales: un análisis de la protesta social en Colombia. Opinión Publica [online]. 2007, vol.13, n.1, pp. 124-147.
13
O mesmo relatório informa ainda que “ao longo do período 1995-2002, no país,
foram assassinados 271 trabalhadores rurais, em conflitos relacionados à posse da terra”.
Destes massacres o mais conhecido e que obteve repercussão internacional foi o
denominado Massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará. Conforme relato da Revista Veja,
no dia 17 de abril de 1996
Dezenove sem-terra morrem em confronto com a política num estrada de Eldorado dos Carajás, no Pará. A política militar é acusada de massacrar os trabalhadores rurais, excutando os participante de um bolqueio na via. O caso ganha repercussão internacional e o presidente Fernando Henrique Cardoso lamenta o ocorrido, prometendo dedicar mais esforços á solução dos problemas do campo. (Revista Veja, 17 de abril de 1996)38
O confronto ocorreu quando 1.500 sem-terra que estavam acampados na região
decidiram fazer uma marcha em protesto contra a demora da desapropriação de terras,
principalmente as da Fazenda Macaxeira e, segundo informa a Radioagência NP. Movimento
dos trabalhadores rurais sem terra, 15 de abril de 2011,
Passados 15 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, nenhum responsável pelo crime cumpre a sentença de prisão, reparações para o caso ainda estão em aberto e sem previsão de término, tanto no processo penal, quanto nas violações de direitos humanos. STJ mantém condenações, mas culpados estão em liberdade até decisão do STF.39
As forças armadas que agregam policiais civis e militares continuam integrados neste
país e atuam em nome da segurança pública com a mesma lógica da Doutrina de Segurança
nacional com que atuavam durante a ditadura, ou seja, reprimindo à bala as manifestações,
mesmo que sejam apenas por ampliação dos direitos de cidadania ou trabalhistas e isto se
espelha bem no episódio abaixo, muito comum em todo o período analisado. Em 30 de
agosto de 1988, o Jornal Estadual da Rede Paranaense (atual RPC TV/Globo), noticiava um
horrível confronto entre policiais e professores em frente ao Palácio Iguaçú, em Curitiba. O protesto foi um marco para a classe dos professores, que até
38 http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/reforma_agraria/cronologia.html 39 FERNANDES, Vivian, Da Radioagência NP. http://www.mst.org.br/node/11585. Sobre o assunto ver artigo de BARREIRA, César. Eldorado dos Carajás. São Paulo em Perspectiva, 13(4), 1999. http://www.scielo.br/pdf/spp/v13n4/v13n4a14.pdf
14
hoje, paralisam suas atividades todo dia 30 de agosto, em homenagem às vítimas deste confronto, e para reivindicarem melhores condições de trabalho e renda! 40
Tal violência institucional não apenas criminaliza os protestos populares e as
organizações demandatárias de direitos, como continua estendendo à população pobre,
negra e marginalizada do acesso aos bens produzidos socialmente, a mesma lógica de
atirar antes de perguntar, conforme noticiavam quase que quotidianamente os jornais
sobre chacinas, outra modalidade de assassinatos em massa cometidos pelas polícias, a
título de garantir a ordem, acrescido da justificativa de combate do crime organizado ou
ao tráfico de drogas. Assim, por exemplo, aconteceram, entre outros, a chacina na favela
do Vigário Geral, no Rio de Janeiro, no dia 29 de August de 1993 na qual foram
assassinadas 21 pessoas, inclusive uma menina de 15 anos. “Segundo o Ministério
Público, o crime foi uma vingança pela morte de quatro policiais militares dois dias
antes, no mesmo bairro”. Em 2005 o mesmo jornal noticia que o “Tribunal de Justiça
(TJ) absolve PM acusado de envolvimento na chacina de Vigário Gera”, 28/02/2005 -
20h39. 41
O massacre na porta da Igreja da Candelária na noite de 23 de Julho de 1993,
quando mais de 40 crianças que ali dormiam, foram baleadas por policiais, das quais 8
entre 11 e 20 anos foram assassinadas.
O do Carandiru nos remete às mortes de pessoas sob custódia do Estado,
assassinadas no interior das prisões. No dia 2 de outubro de 1992, na penitenciária que
dá nome ao acontecimento, situada em São Paulo, a polícia assassina 111 prisioneiros
configurando a maior violação dos direitos humanos na história do Brasil.
Particularmente porque tais pessoas ali estavam aguardando a formalização de seus
processos judiciais, isto, é, eram pessoas sob suspeita e não com culpa configurada
juridicamente.
Adentrando ao século XXI tais violências não arrefecem, como, por exemplo, se
observa em outra favela, a do Complexo do Alemão, na qual os massacres são contínuos.
Em dois de maio de 2007, 44 pessoas são mortas pela polícia, em 27 de Junho de 2007, em
40 http://www.youtube.com/watch?v=zXlTb3hFo2A
41 http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u106215.shtml
15
outra operação policial, nove pessoas são assassinadas sob o mesmo pretexto de se tratar de
combate ao tráfico de drogas. Depois se comprovou que não tinham relação com tal tráfico.
Se no passado a violência institucional era praticada impunemente em nome do
combate ao comunismo, a partir da década de 1980, a continuidade desta se dará em nome
da preservação da ordem democrática, acompanhando as alterações na geopolítica
internacional. Assim têm continuidade, na década de 1980, os preceitos que nortearam a
ação dos sistemas de Segurança no passado, embora com outra roupagem e outras
justificativas. Daí que, assim como analisado para o Brasil, nos demais países da região em
que vigoram as mesmas condições de desenvolvimento do capitalismo,
“a transição, lerda, longa e limitada, foi o movimento pelo qual, assegurada a estrutura econômica vigente, a dominação política do capital atrófico transitou de seu perfil bonapartista para a sua forma de autocracia burguesa institucionalizada, figuras ambas do mesmo domínio antidemocrático que a tipifica. Em outras palavras, a transição consistiu na auto-reforma da dominação política discricionária, em razão e benefício de seu fundamento – a perversa sociedade civil do capital inconcluso e subordinado, arremetida ao sufoco de uma grave crise de acumulação”.42
Pois a partir desta década, a aplicação das receitas neoliberais com o abandono do
Estado benfeitor, a diminuição do protecionismo, a abertura dos mercados nacionais, a
flexibilização do trabalho, entre outros itens, aconteceu concomitante á alterações na
geopolítica que deixaram para trás as “fontes de tensão e segurança coletiva que haviam
dominado as políticas nas décadas anteriores”. É o que demonstra Veloso em sua análise
quando analisa que,
Formalmente, los esquemas de manejo de la economía y de la seguridad no estuvieron conectados en lo conceptual y tuvieron orígenes bien diferentes, pero en los distintos países ambos modelos, el manejo proteccionista de la economía y el Estado de seguridad fueron los pies en los que diferentes regímenes, con distinta intensidad y extensión, sostuvieron su estabilidad política y sus capacidad de gobernar (Pardo, 1999:7); una vez rotos estos esquemas, al Estado enfrenta una nueva dinámica que da paso a la expansión de vacíos en la gestión de la seguridad y la justicia social, que propician, entre otros fenómenos, el aumento de la protesta por parte de sectores marginados y un nivel creciente de violencia criminal. (VELOSO, 2012, p. 13)
42 CHASIN. José. A Sucessão na Crise e a Crise na esquerda: O Caso Brasileiro na encruzilhada da sucessão. A Miséria Brasileira: 1964-1994 do Golpe Militar à Crise Social. Santo André: Ad Hominem. 2000, p. 223.
16
Neste contexto, na década de noventa a importância política das Forças armadas
ainda se encontra determinada pela estabilidade dos governos e pela definição da ordem
desejada. E alerta:
En este contexto, es confusa la diferenciación entre los conceptos de seguridad nacional, de defensa y de subfunción de protección del ciudadano contra el delito común (seguridad ciudadana). La primera noción, en una definición amplia, hace referencia a la garantía del bienestar de la sociedad; la segunda, a la protección del cuerpo social de amenazas violentas; esta última requiere cabalmente el empleo de medios armados, en su caso militares, sin embargo, puesto que la defensa no engloba la seguridad sino a la inversa, no se debe aplicar el instrumento militar a la totalidad de casos de seguridad, ya que ello significaría: “...aplicar a la sociedad leyes y reglas de la guerra y... militarizar el poder político...” (Monsat: 1987). (Idem, idem)
Tal cenário resulta em que os sistemas de segurança autem da mesma forma e
subordinados aos mesmos preceitos legais, tanto na coerção às lutas sociais, quanto no
combate à violência criminal. Considerados os conceitos sobre discriminação política e
ideológica apontados por Matias Artese (2008)43, na prática, observa-se a continuidade da
aplicação de muitas das regras que norteiam o Direito de Exceção.
Vejamos mais detalhadamente cada um dos fatores apontados acima, no intuito de
demonstrar como se coloca o imbricamento entre estes universos, tradados comumente
como temas distintos, o da perseguição política e o do combate à violência criminal e o dos
fundamentos na aplicação da Lei.
Em primeiro lugar, nas Constituições retomadas ou promulgadas após os períodos
ditatoriais, conforme dissemos, não se reconhece o crime político, embora permaneçam,
como uma ameaça legal, os preceitos que norteiam o denominado Direito de Exceção, que,
contraditoriamente, prevê a suspenção das Constituições com a justificativa de sua
preservação, tão utilizado pelas ditaduras.
Em todos os encontros e congressos internacionais que reúnem os representantes de
tais sistemas, são reafirmados os preceitos sobre a preservação dos direitos humanos e das
regras do “Estado de Direito”, de que é um exemplo, as decisões tomadas I Congreso
Mundial de Seguridad Pública, Procuración y Administración de Justicia, ocorrido na cidade
43 ARTESE, Matías. Criminalización de la protesta en Argentina: una construcción de lo delictivo más allá de la esfera jurídica. América Latina hoy: revista de ciencias sociales. Universidad de Salamanca. Instituto de Estudios de Iberoamérica y Portugal. Editor: SEPLA; Instituto de Estudios de Iberoamérica y Portugal, nº 50, 2008, pp. 149-169.
17
de México em 2000. Como em todos, este parte de um diagnóstico preciso da situação que
leva ao aumento da violência e dos protestos populares. Nas palavras de um de seus
participantes:
Me acuerdo de haber señalado, a la sazón, que el crecimiento brasileño y mexicano no estaban siendo acompañados de una mejora generalizada de los indicadores sociales y que, en ambos países, la urbanización desgobernada, el envilecimiento progresivo de las condiciones de supervivencia, la miseria ominosa, el desempleo crónico, el bajo nivel de educación, el consumo y el tráfico de drogas, la lentitud en la impartición de la justicia, el colapso del sistema penitenciario y la impunidad dominante coadyuvaban en el incremento del crimen.(LEAL, 20005)44
Por tais evidências, o uso das excepcionalidades se torna corriqueiro nas
democratizações, afrontando não apenas os preceitos constitucionais, como aqueles
definidos pelos acordos internacionais. Ou seja, aplica-se o que é rigorosamente proibido por
tais pactos e, apenas para dar um exemplo, o Pacto Internacional de Derechos Civiles y
Políticos (PIDCyP-1976),
en su art. 4.2 no autoriza la suspensión del derecho a la vida; la prohibición de la tortura; la prohibición de la esclavitud y de la servidumbre; la prohibición del encarcelamiento por incumplimiento de obligaciones contractuales; el principio de legalidad e irretroactividad de la ley penal; el reconocimiento de la personalidad jurídica y la libertad de pensamiento, de conciencia y de religión.(GOIG MARTÍNEZ, 2009: 283)45
Ainda conforme observa o citado autor,
El Pacto de San José de Costa Rica46 contiene un catálogo de derechos que no pueden suspenderse, más extenso que los demás tratados de protección de derechos humanos, y constituye el primer instrumento internacional de derechos humanos que prohíbe expresamente la suspensión de las «garantías judiciales indispensables» para la protección de los derechos que no pueden ser suspendidos y para su efectiva exigibilidad en sede judicial.(Idem:290)47
44 LEAL, César Barros, “Alcances y Perspectivas de la prevención y del control social como instrumentos de política criminal”, in: Congreso Internacional de política criminal y prevención del
delito: retos y perspectivas de la seguridad pública, México, Guanajuato, 19-20 de mayo de 2005. Site: http://www.bahaidream.com/lapluma/derecho/revista004/prevencion.htm 45 GOIG MARTÍNEZ, Juan Manuel . La defensa política de la constitución. Constitución y Estados Excepcionales. Madrid: Revista de Derecho - UNED, nº. 4, 2009, pg. 263-296, pg. 283. 46 Definido pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos e assinado na Costa Rica em 22 de Novembro de 1969. 47 Idem, pg. 290.
18
Os relatórios elaborados pelos observadores indicados pelos Comitês nomeados
pelos organismos internacionais de proteção aos direitos humanos atestam que o
distanciamento entre os preceitos legais e sua aplicação prática, além da criminalização das
lutas políticas. Tais comitês expressaram sistematicamente sua preocupação em relação a
países que assinaram o Pacto, mas que suspenderam, na prática, os Direitos alí contidos.48
Os especialistas detectam ainda uma tendência à integração regional dos sistemas de
segurança, particularmente no Cone Sul. Neste sentido, aponta Daniel Flemes, pesquisador
do Instituto de Estudos Ibero-americanos em Hamburgo:
Especialmente durante os últimos dez anos, delineia-se no Brasil, na Argentina e no Chile (aqui designados como “países ABC” ou “Sul da América Latina”) uma clara tendência de cooperação na política de segurança, fazendo crer que esteja surgindo, no sul da América Latina, uma comunidade de segurança. Karl W. Deutsch e seus colegas argumentaram, já no fim dos anos 50, em sua obra clássica Political
Community and the North Atlantic Area – International Organization in the Light of
Historical Experience, que a evolução mais provável seria que as regras comuns para o jogo da política de segurança se estabelecessem a nível regional. (FLEMES, 2004:182)49
Justificativas para a rearticulação deste sistema não faltavam, tanto internos a cada
país, quanto externos, particularmente após o atentado de 11 de setembro de 2001, sofrido
pelos Estados Unidos, o que nos remete à conjuntura internacional apontada acima.
Até este momento, as relações interamericanas com o hegemônico país do norte,
eram norteadas pelo Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), firmado em
setembro de 1947 e conhecido como Pacto de Rio. Desde aí a articulação dos sistemas de
segurança já se fez presente, resultando, na década de 1950, em investimentos massivos em
suas reorganizações, visando torná-los mais eficientes, racionais e dotados de capilaridade
suficiente para abranger os territórios nacionais e cumprir os preceitos preventivos inerentes
à lógica da Guerra Fria. Conforme avança aquele final do século XX, tal capilaridade foi
externalizada, integrando os países latino-americanos.
48 Ver Documento – Relatório, intitulado Pacto Internacional dos Direitos Humanos, itens Pacto Internacional dos Direitos Humanos, itens República Dominicana (1993), CCPR/C/79/Add.18; párr. 4; Peru (1996), CCPR/C/79/Add. 67, párr. 11; Bolívia (1997), CCPR/C/79/Add.74; párr. 14; Colombia (1997), CCPR/C/79/Add. 76, párr. 25; Uruguay (1998), CCPR/C/79/Add. 90, párr. 8. 49 FLEMES, Daniel. Rumo à comunidade de segurança no Sul da América Latina – uma corrida de obstáculos. Revista Iberoamericana (on line), IV, nº 14, 2004, pg. 182-186, pg. 182. Site: revista-iberoamericana.pitt.edu/
19
O novo ciclo ditatorial que se abateu sobre a maior parte dos países a partir das
décadas de 1960, avançando até a década de 1980, assumiu tal integração como uma
condição necessária ao combate à subversão.
‘Los subversivos’. El término “subversión” englobaba a las organizaciones guerrilleras-prácticamente ya extinguidas en marzo de 1976- pero también a los activistas o simpatizantes de cualquier movimiento de protesta o crítica social: obreros, universitarios, comerciantes, profesionales, intelectuales, sacerdotes, empresarios y más … No hubo “errores”, ni “excesos”, sino un plan deliberado.(El Clarín,1976). (El Clarín:s/d)50
Dentre as integrações mais conhecidas, mais ainda pouco estudadas, sem dúvida
destaca-se a Operação Condor. (SILVA, 2010)51
O retorno às autocracias burguesas ao término dos bonapartismos52, os sistemas de
segurança interna incorporam as regras do “Estado de Direito”, mas mantêm a lógica da
atuação, alguns sofrendo reformulações em sua nomenclatura e, em alguns casos, em sua
estrutura, como, por exemplo, o do Chile, em que a Dirección de Inteligencia Nacional
(DINA) foi transformada na Central Nacional de Inteligência (CNI), no Brasil em que o
Sistema Nacional de Inteligência (SNI) foi transformado na Agencia Brasileira de
Inteligência (ABIN) em 1999; no Uruguai em que o Servicio de Información y Defensa
(SID) foi rebatizado em 1975 pela ditadura de Servicio de Información de las Fuerzas
Armadas (SIFFAA) com suas ramificações em cada divisão do Exército de um Organismo
Coordinador de Operaciones Antisubversivas (OCOA) e, posteriormente, findo este período,
em 1985, passou a se chamar Dirección General de Información para la Defensa (DGID).
No Paraguai mantem-se o Departamento do Estado Mayor General de las Fuerzas Armadas
de La Nación (ESMAGENFA). Na Argentina a Secretaría de Inteligencia del Estado
(SIDE) foi substituída pela Secretaría de Inteligencia (SI). Neste caso específico, tal
50 Jornal El Clarín. Site: http://www.me.gov.ar/efeme/24demarzo/dictadura.html 51 Ver CALLONI, Stella. Los Archivos del Horror del Operativo Cóndor. ttp://www.derechos.org/nizkor/doc/condor/calloni.html. Tb. dissertação de mestrado de Jussaramar da SILVA, intitulada A atuação da Usina de Itaipu na conexão repressiva entre o Brasil e o Paraguai: a
AESI e a ESMAGENFA - Operação Condor (1973 – 1988), PUC-SP, 2010. Prof. Orientador: Vera Lucia Vieira. 52 RAGO, Antonio Filho. “O ardil do politicismo: do bonapartismo à institucionalização da autocracia burguêsa”. In: Projeto História- revista do Programa de Pós-graduação em História da PUC-SP, vol. O Golpe de 64: 40 anos depois (2 tomos), PUC/SP, Ed. EDUC, n° 29, dezembro, 2004.
20
transformação ocorreu após a averiguação das inúmeras arbitrariedades em sua atuação
durante a ditadura e pela constatação de que em sua composição existiam centenas de
unidades denominadas Batalhões, integrados, ou por militares e policiais, ou por civis.
Com raras exceções, tais alterações não extinguiram, nem os vínculos internos, ou
seja, as relações entre as forças militares e as policiais e nem a cultura da repressão nas
ações internas em cada país. Extinto o estatuto da perseguição política e mantido o preceito
da necessidade de garantir a segurança interna e a ordem social, as demandas populares
passaram a ser incursas nos Códigos Penais, enquanto as organizações políticas armadas
passaram a ser denominadas de terroristas, termo este que associa as lutas latino-americanas
aos conflitos entre os Estados Unidos e a Alcaida.
Conforme aponta estudo sobre o impacto das novas regras internacionais, a partir dos
Estados Unidos, nos sistemas de segurança latino-americanos e na sua integração regional,
La búsqueda de un nuevo sistema interamericano de seguridad que logre compatibilizar la defensa por un lado y la seguridad en una visión multidimensional por el otro implicaría reconceptualizar las funciones de la Junta Interamericana de Defensa (JID), cuya tarea se había limitado a los intereses inmediatos de la defensa, no siempre reflejando la reflejando la subordinación militar a las autoridades civiles, elemento central del nuevo profesionalismo militar en condiciones de sociedades democráticas. (…). Por lo tanto, Estados Unidos plantea la necesidad de acciones preventivas para impedir cualquier ataque posible, lo cual –en última instancia– implicaría condiciones de un estado de alerta continua. Es en base al mejoramiento de sus sistemas de inteligencia internos y externos que la administración Bush espera poder reducir las posibles amenazas y calibrar mejor el uso de sus fuerzas militares. (MAIHOLD:191)53
Os resultados da integração dos sistemas nesta lógica são divulgados pela imprensa
na lógica da desqualificação dos perseguidos, ou seja, todos tomados como contraventores
comuns, conforme a ótica da legislação que os julga, a dos Códigos Penais.
Menos conhecidas ficam as ações que atingiram populações, como espelha o
exemplo abaixo, ocorrido na Nicarágua em 2012. Com o título Masacre en la Mosquitia o
historiador Ismael Moreno, em livro intitulado Porqué tanta violência em Honduras?,
fazendo uma recuperação histórica da situação de violência do Estado contra a sociedade
nicaraguense, relata, entre outros casos mais recentes, que
53 MAIHOLD, opus cit., pg. 191.
21
El 11 de mayo de 2012, un helicóptero militar que participaba en un operativo antidrogas cerca de la aldea de Ahuás, en La Mosquitia hondureña, abrió fuego contra un bote de pasajeros matando a dos mujeres embarazadas, un niño de 14 años, un joven de 21, e hiriendo gravemente a por lo menos cuatro personas. Las víctimas buceaban en el río Patuca en busca de langostas y mariscos cuando atacaron el bote. La agencia antidrogas estadounidense (DEA) confirmó que algunos de sus agentes viajaban en el helicóptero para apoyar a un equipo de respuesta táctica de la Policía Nacional. Autoridades hondureñas y estadounidenses dijeron que el equipo del helicóptero formaba parte de una misión antinarcóticos, y que los policías hondureños dispararon después de que la aeronave fue atacada.(ISMAEL MORENO, 2012)54
Isto para não citar os que ocorreram na Colômbia, país em que tais sistemas
adotaram plenamente os preceitos da nova Doutrina de Segurança da era Buch. Em carta ao
então presidente norte-americano, Jorge Buch, Gabriel García Márquez questiona, após o
atentado de 11 de Setembro e a adoção de tais medidas sobre Segurança Nacional:
Las republiquetas estaban en tu patio trasero y nunca te preocupaste mucho cuando tus marines salían a sangre y fuego a imponer sus puntos de vista. ¿Sabías que entre 1824 y 1994 tu país llevó a cabo 73 invasiones a países de América Latina? Las víctimas fueron Puerto Rico, México, Nicaragua, Panamá, Haití, Colombia, Cuba, Honduras, República Dominicana, Islas Vírgenes, El Salvador, Guatemala y Granada. Hace casi un siglo que tus gobernantes están en guerra. Desde el comienzo del siglo XX, casi no hubo una guerra en el mundo en que la gente de tu Pentágono no hubiera participado. (25 de diciembre del año 2004)55
Assim, a integração dos sistemas vai da perseguição política ao combate à
criminalidade a que se acresce, a partir da década de 1980, a imputação de terroristas às
organizações políticas que se mantém na clandestinidade, em uma associação aos conflitos
entre os Estados Unidos e a rede Al-Caeda. Apesar das divergências entre os integrantes das
cortes internacionais que deliberam sobre a legislação que oriente e defina o que pode ser
considerado um ato terrorista e, apesar da Corte Penal Internacional ter decidido omitir do
Estatuto de Roma o terrorismo, principalmente por não haver um consenso sobre sua
definição, comumente se imputa tal termo conforme os preceitos requeridos pelos Estados
Unidos, de uma “guerra contra o terror”.56
54 ISMAEL MORENO, SJ. ¿Por qué la violencia en Honduras? Revista Envío-Honduras, año 10, nº 34; Honduras, Junho de 2012. Tegucigalpa: Editorial Guayamuros. Edições E-book. 55 Circulação mundial iniciada pelo Prof. Dr. Juan-Alberto Kurz, Profesor Titular de la Universidad de Valencia, Salamanca, 49 -8 46005 Valencia (España). 56 Apesar das divergências entre os integrantes das cortes internacionais que deliberam sobre a legislação que oriente e defina o que pode ser considerado um ato terrorista e, apesar da Corte Penal Internacional ter decidido omitir do Estatuto de Roma o terrorismo, principalmente por não haver um consenso sobre
22
sua definição, comumente se imputa tal termo conforme os preceitos requeridos pelos Estados Unidos, de uma “guerra contra o terror”. Discusión sobre Terrorismo. Riesgos y Opciones para las Organizaciones de Derechos Humanos. Consejo Internacional para el Estudio de los Derechos Humanos. Suíça, 2008. Disponível em http://www.ichrp.org/files/summaries/34/129_summary_es.pdf. Consultado em dezembro de 2012.
Top Related