17/11/2015 Especialistas acreditam que músicas banalizam violência contra a mulher Jornal O Globo
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Especialistasacreditam que
músicas banalizamviolência contra a
mulherPara diretora do Instituto Patrícia Galvão, artistas
devem ter responsabilidade com letras
POR MARINA COHEN
17/11/2015 6:00 / atualizado 17/11/2015 8:50
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Francisco Alves, Wilson Batista, Mario Lago e Gabriel O Pensador compuseram ouinterpretaram canções cansideradas machistas pela militância feminista Arte O GLOBO
RIO — “Se ele te bate/ É porque gosta de ti/ Pois baterse em
quem/ Não se gosta/ Eu nunca vi”. A canção “Amor de malandro”,
gravada por Francisco Alves em 1929, deixa evidente: bater em
mulher era tão trivial algumas décadas atrás que, sem cerimônia
alguma, virava letra de samba. Mais de 80 anos depois da canção e
nove anos depois da aprovação da Lei Maria da Penha, que protege a
mulher contra a violência doméstica, o Brasil ainda mostra resquícios
da herança misógina. O levantamento “Mapa da violência 2015:
homicídio de mulheres no Brasil”, lançado semana passada pela
Faculdade LatinoAmericana de Ciências Sociais (Flacso), mostrou
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que 4.762 mulheres foram assassinadas no país em 2013, índice 12,5%
maior do que em 2006. A taxa de homicídios de mulheres — a quinta
maior do mundo — foi revelada na mesma semana em que o
secretário de Governo do Rio, Pedro Paulo Carvalho, précandidato do
PMDB à prefeitura em 2016, foi acusado de agredir a exmulher,
Alexandra Marcondes Teixeira, pelo menos duas vezes. “Quem não
tem um momento de descontrole?”, argumentou Pedro Paulo em
entrevista coletiva. Especialistas acreditam que as músicas não são
apenas um retrato de uma sociedade que naturaliza a violência
doméstica, mas também têm um papel ativo em estimular, em certa
medida, o feminicídio. O machismo está tão presente na cultura
popular que, muitas vezes, dificulta que a própria mulher perceba que
é vítima de relacionamentos abusivos.
LINHA DO TEMPO: O MACHISMO ATRAVÉS DA MÚSICA
BRASILEIRA
— Quando se coloca na letra de uma música popular um
comportamento violento, sem uma reflexão por trás, é uma forma de
banalizar a opressão. De certa forma, isso estimula as agressões —
comenta Marisa Sanematsu, diretora de conteúdos do Instituto
Patrícia Galvão, que zela pelos direitos das brasileiras. — Quando você
diz numa canção “Se te pego com outro, te mato”, isso passa a ser
esperado socialmente.
De “Dá nela!”, de 1930, a “Lôraburra”, de 1993, passando pelo clássico
“Amélia”, os exemplos de músicas que criam estereótipos femininos
são muitos. A historiadora Carla Bassanezi Pinsky, autora do livro
“Mulheres dos Anos Dourados” e especialista na pesquisa de revistas
femininas dos anos 1940, 1950 e 1960, ressalta que a produção
cultural do país é o maior reflexo da disseminação dessa cultura
hegemônica.
— As revistas são verdadeiros documentos da época e mostram
claramente que as tarefas no lar eram obrigação das mulheres e que
trabalhar fora de casa não era bem visto entre a classe média. Ditados
populares como “em briga de marido e mulher ninguém mete a
colher” e outros que afirmam que a esposa que sai dos eixos merece
“corretivo” perpassam essa sociedade. Dar uma surra na mulher
porque ela fala demais, por exemplo, era motivo de risada — comenta
Carla. — As revistas e músicas reforçam e divulgam os valores.
Uma guinada aconteceu na segunda metade da década de 1960, com a
chegada do anticoncepcional e uma maior participação das mulheres
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no mercado de trabalho. O cinema americano deu um empurrão, ao
mostrar mocinhas ousadas que beijam rapazes no primeiro encontro e
dançam rock n’roll. Na MPB, o cenário muda a partir dos anos 1970,
segundo o pesquisador musical Rodrigo Faour, quando autores como
Chico Buarque, Gonzaguinha e Ivan Lins, e compositoras como
Vanusa e Rita Lee, começaram a defender os direitos das mulheres em
suas letras. Hoje, o funk carioca puxa a revolução feminina, com
Valesca e Tati Quebra Barraco cantando sobre sexo e o poder das
mulheres.
Elza Soares, Alcione, Vanusa e Tati Quebra Barraco revolucionaram a música brasileiraao abordarem temas femininos em canções Arte O GLOBO
— A mulher poder dizer o que quer e expressar as angústias femininas
nas letras foi uma conquista dos últimos 40 anos. Vanusa foi
precursora, ao ser uma das primeiras cantoras e compositoras a falar
abertamente sobre a violência doméstica, em “S.O.S. mulher”, de
1981. É muito interessante que artistas abracem essa causa, como
também fizeram Alcione e Elza Soares — analisa o especialista, sem
esquecer das funkeiras. — Elas quebraram o mito que mulher tem
menos desejo sexual que o homem.
No álbum de inéditas “A mulher do fim do mundo”, lançado mês
passado, Elza Soares fez questão de incluir uma música que é um
alerta contra a violência doméstica. “Eu vou ligar pro um oito zero /
Vou entregar teu nome”, avisa a cantora na letra, divulgando o
telefone da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher.
— Acho essencial defender as mulheres agredidas, que não conseguem
pedir socorro. Senti necessidade de abraçar a causa — afirma Elza,
orgulhosa da faixa “Maria da Vila Matilde”. — Mulher tem que gritar
mesmo, tem que reivindicar, fazer escândalo. Gemer, só de prazer.
Letras de gosto duvidoso não pararam de ser produzidas na década de
1960. A canção “Trepadeira”, de Emicida, lançada dois anos atrás,
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causou ira entre as feministas com os versos: “Dei todo amor, tratei
como flor / Mas no fim era uma trepadeira”. A letra de “Agora viu que
perdeu e chora” — “Mulher foi feita para o tanque / Homem para o
botequim” —, sucesso de Arlindo Cruz em 2012, e um semnúmero de
hits do sertanejo universitário sobre mulheres interesseiras são
apenas alguns exemplos.
TEMA ATUAL
Marisa Sanematsu, do Instituto Patrícia Galvão comemora, no
entanto, as pequenas vitórias, como a decisão do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região (TRF4), anunciada em outubro passado, que
concluiu que as músicas “Tapinha” e “Tapa na cara” incitam a
violência contra a mulher. O tribunal condenou, em segunda
instância, a produtora e a gravadora a pagarem multa de R$ 500 mil,
a ser revertida para o Fundo Federal de Defesa dos Direitos Difusos. A
ação tramitava na Justiça desde 2003.
— A patrulha e a pressão pública hoje são maiores. Vejo com otimismo
jovens mulheres e rapazes prestando mais atenção às manifestações
de discriminação e criticando esse tipo de apologia nas redes sociais.
Se a gente não reclama, a coisa banaliza. Tem que reclamar mesmo, e
fazer o artista se posicionar — cobra Marisa. — Dizer que a música
popular sempre foi assim não é desculpa. Naquela época, não tinha
Lei Maria da Penha, não tinha conscientização sobre a questão. Hoje
tem.
Para combater as estatísticas alarmantes de ataques ao sexo feminino,
a Rede Globo e a ONU Mulheres, liderança global na defesa dos
direitos humanos, lançaram, esta semana, na TV, uma campanha de
enfrentamento à violência de gênero, mostrando a importância da
denúncia das agressões pelo telefone 180.
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