7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
1/107
"Dark Night Dawning"
Stacy Absalom1984
Os beijos de Keir eram doces, deliciosos, traioeiros...Com o corao batendo forte de ansiedade e paixo, Abigail desceu do carro e
foi ao encontro de Keir, seu ex-noivo. No queria esperar nem mais um segundopara cair nos braos de!e, beij-lo, pedir-lhe que esquecesse as mgoas e aaceitasse de volta.
Nesse instante, porm, viu o Porsche negro de Keir correndo em sua direo,como um anjo vingador que a quisesse destruir sem piedade. Depois tudo querestou foi a escurido...
Disponibilizao do livro :Valeria O.Digitalizao: Joyce
Reviso : Jaque Argentin
1
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
2/107
CAPTULO I
Abigail estremeceu quando o txi parou diante de Dornfield House. Fora
tomada de um estranho pressentimento desde que Serge aparecera de surpresa
e a convidara para assistirem a um concerto oferecido por lady Elizabeth
Dornfield, a infatigvel mecenas dos msicos. Mas Serge parecia to feliz ao
ajud-la a descer do txi, que ela preferiu no dizer nada.
Ouerido Serge. . . Olhou-o, cheia de ternura. O que teria feito sem o seu apoio,
afeio, incentivo e confiana na capacidade dela de se recobrar do duro golpe
que sofrera? Abigail no queria mago-lo, por nada neste mundo.
Serge no deveria saber que aquele lugar era capaz de despertar lembranas queela preferia esquecer. Ele achava que Abigail estava apenas pisando em um
terreno familiar, retornando a um mundo ao qual um dia pertencera. Um dia...
Ela j frequentara aquela casa, s vezes na qualidade de concertista e outras,
como convidada especial. Mas isso parecia ter ocorrido h tanto tempo, que
dava a impresso de ter sido em outra vida. Era ento uma jovem pianista de
muito sucesso, que acreditava ser amada. . .
Abigail julgava que a ferida se encontrasse cicatrizada, mas no era bemverdade. Nessa noite percebia que ainda estava sensvel demais para ser tocada.
Pensara j estar acostumada ideia de nunca mais poder tocar as msicas dos
grandes compositores do passado, de nunca mais sentir o silncio expectante
antes de seus dedos tocarem no teclado de um piano, nem ouvir mais os
aplausos ao final das execues.
Mas agora, ao subir relutante os degraus da entrada de Dornfield House, na
companhia de Serge, compreendia que era muito mais fcil aceitar essa verdade
na tranquilidade de seu lar.
Foi uma surpresa ver o hall de entrada quase deserto, pois esperava encontr-lo
repleto. Havia apenas um pequeno grupo de pessoas, conversando num canto
distante. Serge parou para tirar-lhe a capa dos ombros e entregou-a a uma
criada.
Uma senhora de idade indefinvel e de propores enormes separou-se do grupo
e aproximou-se deles com os braos estendidos.
- Abigail, querida, que bom v-la de novo!
2
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
3/107
- Lady Elizabeth. murmurou Abigail, surpresa com "a recepo Calorosa de
sua anfitri.
Muito obrigada por ter vindo. Lady Elizabeth beijou-a de leve na face.
Obrigada por ter me convidado respondeu Abigail, polidamente.
Lady Elizabeth deu uma risada sonora.
Minha cara menina, venho amolando Serge h sculos para traz-la. Mas
durante muito tempo ele nem quis ouvir falar nisso. S admitiu transmitir o
meu convite quando achou que voc j tinha condies para aceit-lo. Mesmo
assim, eu estava receosa de que no viesse. Ao ver os olhos de Abigail arre-
galados de espanto, lady Elizabeth olhou para Serge. Ento voc no explicou
a ela do que se trata, no Serge?
Ele tomou a mo de Abigail.
Minha cara Elizabeth, se eu tivesse feito isso, voc nunca teria visto o seu
desejo concretizado. S espero que esta jovem me perdoe por engan-la desse
jeito e que no me castigue deixando de ser minha amiga.
Serge no havia perdido completamente o sotaque russo, apesar de ter vivido a
maior parte de sua vida em Londres.
Enganar-me como, Serge? disse Abigail, apreensiva. Antes que ele pudesse
responder, lady Elizabeth segurou-a pelo brao e conduziu-a com firmeza emdireo ao pequeno grupo do qual se havia separado.
Voc logo entender tudo, querida. Venha conhecer o comit de recepo.
Ao aproximar-se do grupo, Abigail reconheceu perplexa seus componentes. O
primeiro a apertar-lhe a mo e murmurar uma saudao foi Raphael Andr, o
famoso regente de orquestra. Cumprimentou a seguir Ling Tan, o jovem
pianista chins cujo talento sempre havia admirado e cuja timidez e dificuldade
com a lngua inglesa sempre despertaram sua simpatia. Em seguida, foi a vez deDorinda Clay abra-la. Havia sido sua melhor amiga no conservatrio musical
e agora se destacava muito como solista de violoncelo.
James Stevens, que tambm fora seu colega no conservatrio, sorria, radiante, e
falou:
Ficamos todos muito abalados quando soubemos de seu acidente, Abby, e
achamos que esta seria a melhor maneira de ajudar.
Abigail olhava de um para o outro sem compreender nada. - No tenho a menor
ideia do que esto falando! Posso saber do que se trata?
3
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
4/107
Dorinda abriu a boca para explicar, mas lady Elizabeth se interps.
Agora no h tempo. Todos esto esperando.
Ela foi at as portas duplas, que davam para o salo de recepes, e abriu-as
diante de Abigail. No salo estavam dispostas fileiras e mais fileiras de cadeiras,
todas ocupadas. Todos se voltaram para Abigail e levantaram-se para aplaudi-la.
Abigail deu-se conta de que seu vestido preto de chiffon estava fora de moda.
Era uma relquia do tempo em que ela precisava desse tipo de traje para se
apresentar em pblico. Aqueles olhares fixos em sua pessoa deixavam-na ciente
de como havia emagrecido, de como a magreza de seus braos transparecia
atravs do tecido difano das mangas compridas.
Levou involuntariamente a mo aos cabelos dourados, presos num coque alto.
Surpreendeu-se ao constatar que era a mo esquerda, enluvada, que se havia
levantado. Constrangida, baixou-a e escondeu-a entre as dobras da saia.
"Como Serge pde fazer uma coisa dessas? Exibir-me como uma aberrao
qualquer, num parque de diverses?", ela pensou.
Mas a plateia, sorridente, no via aberrao alguma. Viam apenas uma moa
frgii, muito magra e cujo pescoo delgado dava a impresso de no ser
suficientemente forte, nem mesmo para sustentar o peso dos cabelos lustrosos.
Uma moa bonita, cujos olhos escuros e assustados faziam-na parecer maisjovem que seus vinte e cinco anos.
Ela se virou para o seu acompanhante, em pnico.
Serge. . .
Ele lhe deu uns tapinhas na mo, o rosto sereno e bem-feito cheio de
compreenso.
Acalme-se, querida. Todos aqui so seus amigos e gostam muito de voc.
Todos na plateia, que estavam suficientemente perto para testemunhar o modocomo ela buscava proteo em seu velho mestre, ficaram comovidos. Vendo que
Abigail ainda parecia paralisada, Serge pediu:
Querida, no prive os seus amigos desta oportunidade de mostrar o quanto
voc significa para eles.
Lady Elizabeth j estava andando por entre as fileiras de cadeiras, e Abigail
compreendeu que faria papel de tola se seguisse seu impulso e sasse correndo
dali. Reunindo toda a coragem, permitiu que Serge a conduzisse por entre a
plateia. Sentou-se no lugar que lhe foi indicado e pegou, sem olhar, o programa
4
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
5/107
que Serge lhe ofereceu.
Depois que os espectadores voltaram a sentar-se e a orquestra comeou a tocar
os primeiros acordes da abertura de Don Gio-vanni, de Mozart, Abigail olhou de
relance para o programa e viu: Concerto em Homenagem a Abigail-Paston.
Ento, comeou a entender o motivo dos comentrios feitos por lady Elizabeth e
pelos ex-colegas. Virou-se com uma expresso reprovadora para Serge.
Desculpe, talvez eu devesse ter lhe contado. . . ele sussurrou.
Abigail reconheceu que no teria vindo, por nada no mundo, se ele tivesse
contado. As intenes de seus amigos e colegas eram boas, comoventes, mas ela
no podia deixar de sentir-se um pouco humilhada por achar que estava sendo
alvo de caridade.
Abigail tinha vindo a Londres para uma consulta com o mdico que estava
tratando de sua mo. E teria voltado ao seu chal no mesmo dia, se no tivesse
dado ouvidos s palavras lisonjeiras de Serge.
"Faamos disso uma ocasio. . .", escrevera ele em uma de suas cartas, que eram
alis o nico contato dela com o mundo da msica desde o acidente.
"Faa feliz um homem velho, vindo ficar comigo durante pelo menos alguns
dias. Marcarei uma entrevista com seu editor musical. O sr. Bowers ficou en-
cantado com aquela primeira coleo de estudos que voc escreveu e estansioso por receber o segundo volume. Voc poderia entreg-lo pessoalmente.
Tambm comprarei ingressos para um concerto, por isso traga um vestido de
noite bem bonito." Por causa da velha amizade entre eles, Abigail aceitara o
convite.
Serge Markovitch fora um de seus professores no conservatrio musical, talvez o
mais rigoroso, e Abigail sempre se esforara para para satisfaz-lo. Desde o
incio da relao, uma grande afinidade se estabelecera entre os dois. Elereconhecia o talento a sensibilidade dela; ela absorvia prontamente os
ensinamentos do experiente mestre, reagindo a eles como uma esponja seca a
presena de gua.
Ao final desse primeiro ano no conservatrio, ele se aposen-tara, mas
continuara a lhe dar aulas particulares. Mesmo quando a carreira musical de
Abigail estava no auge, eles continuaram a manter contato. Ela lhe enviava
ingressos para todos os seus concertos em Londres e lhe escrevia, sempre que
estava em excurses. Visitava-o frequentemente em sua casa em Chelsea, as
5
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
6/107
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
7/107
quem entrou em cena para cuidar de tudo. Providenciou o funeral e tentou
convencer Abigail a voltar para Londres. Na poca ele argumentava que, como a
velha senhora havia gastado todas as economias com os estudos da neta que no
dispunha de renda prpria, ela no poderia continuar morando em Mill House.
Mas este segundo golpe teve o efeito de arrancar Abigail de seu torpor. A ideia
de voltar para Londres, onde "ele" talvez, estivesse, encheu-a de pnico. O bom
senso fazia lembrar que Londres era uma cidade grande e havia poucas chances
de se encontrarem. Mas depois daquela coisa inacreditvel que ele tentara lhe
fazer, o simples pensamento de estar num raio de poucos quilmetros dele
arrepiava-a at a alma. S em Great Wiston ela estava comeando a sentir-se
segura, principalmente porque Marmion tinha agora um novo proprietrio.
Foi o vigrio quem resolveu seu problema. Dodie's Retreat era uma fileira de
chals construdos na virada do sculo, para abrigar teceles aposentados. Mas,
por ficarem muito distantes da aldeia, poucas pessoas idosas quiseram ir viver
l, apesar dos baixos aluguis. O vigrio, na qualidade de curador dos chals,
ofereceu-lhe um em condies facilitadas, e ela aceitou-o com prazer.
O chal era. ura tanto primitivo e oferecia muito pouco conforto, comparado
com a casa de sua av. O menor dos dois quartos de dormir havia sido
transformado num banheiro, mas o nico lavatrio da casa ficava no quintal. Ofogo antigo da cozinha, alm de dispor de um prtico forno lateral, funcionava
tambm como aquecedor, pois fornecia gua aquecida em sua caldeira traseira.
Entretanto, aparelhado com alguns objetos de sua av, o chal at que se
tornara confortvel. E com o rendimento do aluguel de Mill House, ela possua o
suficiente para viver, embora de forma modesta.
Alis, muito modesta. . .", Abigail pensou quando terminou a abertura de
Mozart e o pblico ps-se a aplaudir.A seguir vieram ao palco James Stevens, Dorinda Clay e Ling Tan, para a
interpretao do Concerto Triplo de Beethoven para piano, violino e violoncelo.
Serge tinha ficado muito transtornado com a deciso dela de morar no chal e
voltara irritado para Londres. Abigail at pensou que fosse perder sua amizade.
Mas ele passara a escrever-lhe duas vezes por semana, cartas longas, afetuosas,
que a faziam sentir-se menos s e menos esquecida do mundo. s vezes essas
cartas continham crticas construtivas e elogios sobre as msicas que ela passou
a enviar-lhe.
7
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
8/107
No comeo Abigail achou que os elogios se devessem a uma vontade de
encoraj-la e de elevar seu moral. Mas quando seu primeiro livro de ensaios
para piano ficou pronto e foi aceito para publicao, ela foi forada a acreditar
que os elogios eram inceros e sentiu-se incentivada a tentar composies mais
am-biciosas. Foi ento que aprendeu que as crticas dele podiam ter to severas
quanto as de seu tempo de estudante. No esperava ouvir seu preldio
executado, a menos que conseguisse persuadir Serge a toc-lo enquanto
estivesse em Londres. . .
Uma nova onda de aplausos se elevou sua volta, e Abigail deu-se conta de que
o Concerto Triplo havia chegado ao final sem que ela tivesse ouvido uma nota
sequer. Sentindo-se culpada, ergueu-se e aplaudiu os trs solistas com
entusiasmo.
Dorinda e James deixaram o palco enquanto Ling Tan retornava ao piano.
Quando ele tocou os primeiros acordes com seus dedos geis, repentinamente
Abigail sentou-se, ao reconhecer a msica.
Serge apertou-lhe de leve a mo, e ela fitou-o sorridente com os olhos
arregalados. Sem dizer nada, ele abriu o programa em seu colo e indicou o
ltimo item: Preldio, de Abigail Paston.
Seu Preldio! Ling Tan o executava diante de um salo cheio de algumas dasfiguras mais respeitadas e influentes do mundo da msica.
Abigail conhecia cada nota, pois vivera durante meses com a msica na cabea,
mas ouvi-la sendo tocada era uma experincia indescritvel. A msica lhe
parecia maravilhosa, mas ela sabia que no tinha objetividade suficiente para
saber se era realmente boa.
Quando os acordes finais se dissiparam, houve um momento de silncio e
depois os aplausos irromperam. Transbordante de gratido por Ling Tan ter-lheprestado uma homenagem ao tocar o preldio, Abigail aplaudiu muito
entusiasmada enquanto ele fazia suas mesuras de agradecimento. Mas, em vez
de sair para os bastidores, Ling Tan desceu do palco e estendeu a mo para ela.
Serge empurrou-a e, antes que se desse conta do que estava acontecendo, ela
tambm estava em p no palco, participando da aclamao feita ao solista.
Ling Tan ergueu-lhe a mo e fez uma mesura antes de recuar com um largo
sorriso no rosto. Depois, percebendo sua emoo deu novamente um passo
frente para abra-la. Os primeiros gritos de aprovao se elevaram em coro.
8
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
9/107
Comovida e exultante por essa evidncia de que ainda tinha um lugar no mundo
da msica, Abigail lutou contra o n que sentia na garganta e contra as lgrimas
que lhe assomavam aos olhos.
Quando parecia que o auditrio no ia mais parar de aplaudir, lady Elizabeth
subiu ao palco e ergueu imperiosamente a mo.
Senhoras e senhores! Eu no quero tornar esta ocasio emocionante demais
para a nossa convidada de honra. Como vem, Abigail j est em estado de
choque, e vocs vo compreender o motivo quando eu lhes contar que ela no
tinha a menor ideia de que este concerto lhe seria dedicado e que uma de suas
obras seria executada.
Lady Elizabeth voltou-se para ela, sua voz suavizando-se perceptivelmente, e
continuou:
Abigail, querida. . . Esperamos que voc nos perdoe por esta surpresa. Mas
todos nesta sala. . . e muitos outros que no puderam ser acomodados. . .
queremos expressar nossa solidariedade a voc por seu infortnio. Sentimos
muito a sua falta, querida, e doloroso pensar que voc nunca mais poder
tocar para ns. Mas esperamos que isto facilite um pouco a sua entrada numa
nova carreira. . . compondo msicas ao invs de execut-las. Ela entregou a
Abigail um papel.Abigail olhou estupefata para o cheque em sua mo, ainda confusa com os
aplausos e os flashes das cmaras da imprensa. Era muito dinheiro! Mordeu o
lbio, sentindo um n na garganta.
Ainda estava se recompondo, quando os aplausos foram finalmente morrendo
at se transformarem em murmrios. Compreendeu que todos esperavam que
dissesse alguma coisa. Olhou assustada para Serge, na primeira fila, e o sorriso
dele fez muito para tranquiliz-la. No podia desapont-lo fraquejando. . . Eu... realmente no sei o que dizer... comeou com voz tremula.
Obrigada, Ling Tan. . . por ter tocado a minha msica! a primeira vez que a
ouo, e no existem palavras que possam explicar o que isso significa para mim.
E obrigada a vocs todos. . . por sua grande generosidade. Eu. . . jamais pensei
que tivesse tantos amigos maravilhosos! concluiu, dirigindo-se plateia, e a
emoo finalmente tomou conta dela, que no pde conter um soluo.
Urna onda de palmas fez novamente os pingentes dos candelabios tremerem.
Ling Tan ajudou-a a descer plateia, onde Serge esperava por ela, e os dois
9
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
10/107
seguiram lady Elizabeth at as grandes portas duplas.
Uma vez chegando ao espaoso hall, Abigail suspirou de al-vio, mas logo
compreendeu que as surpresas no haviam terminado quando a anfitri falou:
Agora vamos jantar, querida. H tantas pessoas que querem"conversar com
voc.
Ela olhou para seu acompanhante com uma expresso de splica.
Serge. . . ser que preciso ir mesmo?
O olhar de Serge era complacente, mas ele segurou com firmeza seu brao e os
dois seguiram a anfitri.
Sim, precisa. Minha cara menina, voc deu um passo gigantesco esta noite.
Provou que, embora a concertista Abigail Paston esteja morta, em seu lugar
surgiu a compositora Abigail Paston. Muito poucas mulheres alcanaram
sucesso neste campo, mas esta noite voc fez uma iniciao. Se quiser
prosseguir, ter que enfrentar o julgamento de seus colegas, aprender atravs
das crticas de pessoas cujas opinies voc respeita. Voc disse, agora h pouco,
que no sabia que tinha tantos amigos. No os deixe fora de sua vida, querida
concluiu ele, com um sorriso encorajador.
Abigail corou um pouco diante da suave reprimenda, que sabia ser merecida.
Todos esses meses trancada em seu chal, isolada, a haviam tornado egosta,envolvida demais em seus prprios problemas e sentindo uma necessidade de se
esconder do mundo a fim de que este no lhe pudesse infligir mais danos.
Respirou fundo para acalmar o nervosismo e seguiu lady Elizabeth at a sala de
visitas, onde aceitou uma taa de champanha. A sala de estar de Dornfield
House era quase to grande quanto a de recepes no andar trreo, mas ela logo
pareceu ficar pequena, medida que todos os que estavam presentes ao
concerto foram subindo. Todos queriam conversar com Abigail e mostrar seuencantamento por ela estar de volta, elogiando a estreia em sua nova carreira de
compositora.
Serge ficou ao seu rado enquanto se moviam de um grupo para outro, e Abigail
no percebeu o momento exato em que ele a deixou. Estava conversando com
Ling Tan quando se deu conta de que seu velho amigo j no se encontrava ao
seu lado. Sentiu uma ansiedade momentnea. No entanto, o champanhe que
estivera bebericando, o calor demonstrado por seus colegas, e a gentileza de
Ling Tan tinham servido para relaxar sua tenso.
10
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
11/107
Ficaram discutindo sobre o Preldio e a interpretao dele, at que a figura
austera de Raphael Andr, o regente conhecido por sua aspereza e por seu
perfeccionismo, se aproximou. Abigail j trabalhara com ele em diversas
ocasies e prezava muito sua opinio. Ele a olhou de maneira penetrante, e ela
esperou ansiosa por seu veredicto.
uma obra brilhante, Abigail ele disse.
Abigail suspirou de alvio e prazer, mas percebeu que isto foi prematuro quando
Raphael continuou:
Mas onde esto a emoo e o sentimento que voc costumava colocar em
suas apresentaes? Seu Preldio tinha o brilho de um diamante lapidado com
perfeio, mas estava destitudo de sua chama interior.
Antes que ela pudesse reagir ao julgamento, uma voz atrs dela disse:
Tambm penso da mesma forma.
O estranho pressentimento que a perseguira durante toda a noite cristalizou-se
ao som daquela voz, do leve sotaque canadense, outrora to familiar. Ela soube
ento que era disso que estava com medo, embora no tivesse visto mais aquele
homem desde a noite fatdica em que enxergara seu rosto atravs do pra-brisa
escuro do carro.
Plida, Abigail voltou-se para olh-lo. Ele continuava atraente como sempre; oscabelos escuros estavam um pouco mais compridos e ele ainda tinha a mesma
cicatriz no lado direito do lbio superior, adquirida numa briga em um
acampamento madeireiro. Seu terno, perfeitamente talhado, no escondia a
fora dos ombros largos; os pequenos vincos nos cantos de seus olhos no
suavizavam a frieza do olhar.
Keir Minto. . . O homem que transformara o amor e confiana em dor e
incerteza. O homem que planejara insensivelmente aquela cilada, que quase lheroubara a vida.
O choque de v-lo de novo transformou-se em terror. Abigail viu, com a
respirao suspensa, as sobrancelhas dele se juntarem numa expresso
indagadora, mas foi incapaz de desviar o olhar daquela fonte de perigo.
Ouviu a voz de Raphael Andr vinda de muito longe:
Se conseguisse recuperar aquela chama interior que j teve, voc produziria
obras de mrito duradouro.
Aquela voz interrompeu a sua paralisia. Uma espcie de armadura a envolveu,
11
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
12/107
privando seu rosto de qualquer expresso. Abigail virou-se para o regente a fim
de se desculpar pela desateno, mas ele j se afastava. E, de alguma forma, sem
que ela notasse, Keir havia se colocado entre ela e a multido, isolando-a.
Abigail entrou mais uma vez em pnico e ele exclamou segurando-lhe o brao:
Pelo amor de Deus, pare de me olhar como se eu fosse Frankenstein! S
quero conversar com voc. . . saber como tem estado desde. . . Interrompeu o
que estava dizendo quando ela agitou to violentamente a sua taa de
champanhe que derramou a bebida.
Keir tomou a taa de sua mo e colocou-a em cima de uma mesa, mas no
soltou-lhe o brao.
O que, diabos, andou fazendo? Seus nervos esto em frangalhos e voc est
mais magra que um prisioneiro de guerra. Keir soltou-a, mas vendo que ela
continuava calada, insistiu com aspereza: Perguntei o que voc tem feito para
ficar nesse estado.
Abigail tentou passar por ele, torcendo para que Serge viesse salva-la, mas o
corpo poderoso de Keir bloqueava-lhe a viso. Algum por perto riu e isto lhe
deu coragem. Embora no conseguisse ver as pessoas, sabia que havia muitas
por perto, e isto a tranquilizou um pouco.
O que ele quer de mim? Por que me procura depois de tanto tempo? Claro queno para perguntar sobre a minha sade!"
Ela respondeu num tom de voz inexpressivo, mantendo os olhos baixos:
No fiz nada.
No me venha com essa! Da ltima vez em que a vi voc estava perfeitamente
bem, e agora parece que est passando fome.
Abigail ficou tensa e ofegante com a lembrana daquela traio final: o carro
investindo sobre ela, com Keir ao volante. Da ltima vez em que me viu, no esperou para saber se eu estava viva ou
morta. Por isso no finja que est ligando agora disse, com os dentes
cerrados.
A amarga acusao foi recebida em silncio, mas ela no conseguiu olhar para o
rosto dele.
Sei que voc ficou descontrolada quando rompi o nosso noivado, mas nem
mesmo uma mulher possessiva como voc morre por causa de um corao
partido.
12
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
13/107
Possessiva. . . Mesmo agora a injustia dessa acusao era capaz de feri-la. O
que havia de possessivo no fato de ela fazer objees ligao dele com outra,
quando planejavam se casar?
No estou falando sobre o rompimento de nosso noivado, e voc sabe disso
afirmou, com um tremor na voz.
Sua mo esquerda doa e latejava, como no acontecia h tempos, como se os
ossos, nervos e tendes avariados estivessem revivendo as agonias passadas.
Ento, sobre o que est falando? perguntou ele, com impacincia.
Segurou-lhe os ombros de novo, e por um momento Abigail pensou que fosse
sacudi-la. Em todo caso, voc no levou muito tempo para se recobrar do
nosso rompimento, no mesmo? Voc logo encontrou um substituto. Oh, sim,
novas viagens. . .
Abigail pestanejou, tentando entender o que ele estava dizendo. Seu pnico e
sua confuso aumentaram.
Eu... no sei do que est falando. . .
Ficaria surpresa se soubesse que me preocupei com o modo como a deixei?
Claro que sim!
Se me conhecesse realmente, no ficaria surpresa. Mas acontece que voc
nunca me conheceu de verdade, no mesmo, Abigail? Fiz indagaes; pedi aalgum para ver como voce estava, o que andava fazendo.
Ela sentiu um arrepio ao longo da espinha ao saber que e havia mandado
algum espion-la.
Por qu? Por que queria saber de mim?
O que voc acha?
Seu corao comeou a bater com fora. Keir fizera com que algum a seguisse,
observasse, talvez para terminar aquilo que ele comeara. Por favor. . . no acha que j fez o bastante? Se estive" com medo de que eu o
denuncie, no precisa se preocupar. E no contei polcia quem estava
dirigindo o carro na ocasio e no pretendo contar nunca.
Carro? Que carro? Est falando por enigmas, menina. Abigail seria capaz de
jurar que o espanto dele era autntico, mas ha um ano ela tambm poderia jurar
que Keir Minto seria incapaz de fazer o que fez. Olhou-o estarrecida. Se no era
atras de uma garantia de silncio que ele estava, ento o que desejava? Por que
estava fazendo esse jogo cruel de gato e rato? Ele segurou-lhe os braos com
13
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
14/107
fora e continuou:
- Deixe de fazer rodeios, Abigail. Esta a primeira vez que ouo mencionar o seu
nome desde que voltei Inglaterra, fez seis meses. Por isso, agora que a
descobri, quero algumas respostas diretas. Que acidente foi esse sobre o qual
todo mundo esta falando? Foi realmente to grave, a ponto de voc ter desistido
de sua carreira bem-sucedida para comear a compor msicas? O que
aconteceu, Abigail?
Voc tem mesmo muito topete, no? Est bem, ento voc no esperou para
ver os danos que causou, mas deve ter lido nos jornais. Disseram que isto foi
publicado em todo o pas. Voc deve ter sabido que destruiu a minha carreira.
At mesmo os pianistas mais brilhantes precisam de duas mos.
Sua raiva e sua amargura lhe deram foras para empurr-lo. Os olhos dele
foram atrados prontamente para a luva preta, que ela vinha escondendo at
ento.
Sua mo! Voc feriu a mo? Nesse instante ela ouviu a voz de Serge.
A est voc, querida. Eu comeava a pensar que voc tinha ido embora sem
mim.
Suspirando de alvio, Abigail aproximou-se dele e segurou-lhe o brao.
No vai me apresentar ao seu... amigo, Abigail? Keir perguntou, irnico.Com o apoio de Serge, e agora vendo muito bem todos na sala, Abigail pde
ignorar a ameaa de Keir.
Este Serge Markovitch, meu ex-professor e um amigo muito querido.
Keir olhou-a de maneira penetrante e estendeu a mo.
Uma vez que Abigail no parece disposta a completar as apresentaes, eu
mesmo terei que fazer isso. Sou Keir Minto, ex-noivo de Abigail.
Serge apertou-lhe a mo e olhou surpreso para Keir. Ento voc o homem que uma vez iluminou a vida desta moa! No sei o
que aconteceu entre os dois para apagar essa luz, mas gostaria que voc ainda
estivesse por aqui na ocasio do acidente. Ela nunca precisou tanto de voc.
Abigail negou com veemncia:
No! Ele era o ltimo homem na Terra de quem eu precisava. Gostaria at de
me esquecer que ele havia nascido! Serge, podemos ir embora agora? Por favor!
Notando sua palidez, Serge deu-lhe uns tapinhas na mo e respondeu:
Claro, querida! Boa noite, sr. Minto.
14
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
15/107
Abigail... Ela ouviu Keir chamar, mas no se voltou para trs.
Abigail ainda estava tremendo quando Serge ajudou-a a descer do txi em frente
casa de Chelsea, que sempre fora quase um lar para ela, desde seus tempos de
estudante. Naquele momento, depois de todos os choques e tenses da noite, ela
lhe parecia mais do que nunca um refgio. Enquanto Serge procurava a chave
da porta, olhou por cima dos ombros dele como se receasse que Keir os tivesse
seguido.
A sala de estar do andar trreo estava quente, e pesadas cortinas vermelhas
deixavam para fora a noite, com todas as suas ameaas. Abajures vermelhos
lanavam uma luz rsea e as chamas da lareira a gs davam ao ambiente um
toque domstico, mas Abigail continuava a tremer.
Serge pegou solicitamente sua capa e a fez sentar-sc numa poltrona, perto do
fogo.
Conforme havia prometido, a sra. Price nos deixou um lanche preparado.
Ele destampou uma garrafa trmica e despejou chocolate quente em duas
xcaras, convencendo Abigail a comer um sanduche.
O chocolate aqueceu-a um pouco, mas ela ainda estava tensa, esperando que
Serge lhe perguntasse sobre Keir. Para seu alvio, ele no fez nenhum
comentrio sobre aquele encontro, em vez disso falou sobre o concerto. Voc ficou surpresa ao ouvi-lo? Abigail sorriu.
Surpresa?! Quase ca da cadeira! Eu nem sabia que o senhor havia mostrado
a partitura a outras pessoas. Nunca tinha falando nisso.
Os olhos de Serge brilharam.
-Voc no vai achar ruim por este velho aqui ser um pouco intrometido, vai?
Ling Tan ficou interessado quando contei que voc havia composto uma obra
que merecia ser includa no programa. E por acaso tambm mencionei ao seueditor que Ling Tan estava com a ideia de executar a msica diante de um
publico to ilustre, caso as cpias pudessem ser produzidas em tempo.
-Quer dizer que a partitura tambm foi publicada? Ele estendeu a mo e pegou
uma partitura em cima de uma mesinha, jogando-a sobre o colo dela. Sorrindo,
triunfante.
-Eu no podia perder oportunidade de deixar o mundo saber o que voc est
fazendo agora, Abigail!
Folheando a cpia de seu primeiro trabalho srio, Abigail sentiu uma emoo
15
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
16/107
profunda.
- Mas voc nunca disse nada, Serge. . . Satisfeito, ele recostou-se na poltrona.
- que acabei desenvolvendo um certo gosto pela intriga, Abigail. Alm disso,
eu temia lhe contar. Achava que voc no viria ao concerto se soubesse que a sua
msica ia ser tocada.
Voce me perdoa? No foi uma provao to grande assim, foi? Ele a olhou
afetuosamente, sensibilizando-a. Serge jamais sa-beria como havia sido duro.
No o concerto em si, mas o que aconteceu depois. . .
Para apagar a lembrana ameaadora de Keir Minto, falou da critica que havia
ouvido:
Raphael Andr achou que faltava fora interior na minha musica.
A expresso complacente de Serge desapareceu no mesmo instante.
A rudeza daquele homem chega a ser brutal!
Quer dizer ento que concorda com ele? Serge respondeu, com cautela:
E verdade que os seus infortnios ofuscaram um pouco o seu esprito forte, e
isto transparece em sua obra. Mas no se preocupe, querida, pois isso
passageiro. Voc jovem e acabar se recuperando, e a sua verdadeira natureza
voltar a se afirmar. Ele hesitou um pouco, depois perguntou: Aquele
jovem com quem voc estava conversando esta noite. . . No seria ele a pessoacapaz de fazer acender novamente aquela centelha interior que havia em voc?
Abigail estremeceu.
No, nunca!
Serge suspirou, com pesar.
Tem razo. Voc ainda est submersa nas cinzas de um velho amor. Mas ter
outros amores, Abigail. Isto to inevitvel quanto o nascer do sol.
Ele se levantou, e s ento Abigail notou como estava cansado e abatido. Elatambm se levantou e Serge a acompanhou at a porta do quarto, beijando-a
levemente na testa.
Boa noite, minha filha. Durma bem.
Abigail entrou e fechou a porta. No meio do quarto, cruzou os braos e ficou
ouvindo os passos dele pelo corredor.
Outros amores? Oh, no! Serge estava enganado. Nunca mais iria permitir que
algum se aproximasse dela para mago-la como Keir havia feito. Ele infligira
sofrimentos que bastariam para diversas existncias. Seria muito melhor fechar-
16
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
17/107
se no chal, junto com seu trabalho, a arriscar-se a sofrer tanto novamente. Era
prefervel viver a vida pela metade, resguardando-se na segurana do dia-a-dia,
a confiar de novo no amor de um homem.
Ela atravessou o aposento e mirou-se no espelho da parede. Amor! Keir nunca a
amara. Sem dvida ele fora muito convincente durante algum tempo, levando-a
a acreditar que estava apaixonado por ela. To profundamente que tinha uma
amante, enquanto insistiu para que Abigail promovesse as mudanas na casa
que seria deles. To profundamente que, ao primeiro protesto seu, Keir rompera
tudo, chamando-a de ciumenta e irracional.
Como pudera se iludir com um homem to frio e cruel, que tinha sido capaz de
armar aquela cilada diablica para destru-la?
Abigail sentou-se na banqueta da penteadeira e enterrou o rosto nas mos. Por
qu? Por que Keir tinha atentado contra a vida dela? Esta era a pergunta que a
perseguia h meses e que, provavelmente, continuaria a persegui-la para
sempre. S porque ela tentara v-lo mais uma vez?
Ela baixou as mos e viu seus olhos assustados no espelho. Agora havia uma
pergunta ainda mais inquietante ardendo em sua mente: por que Keir tinha
voltado depois de tanto tempo?
Por que tentava entrar de novo em sua vida, logo agora que ela estavacomeando a sair do abismo no qual ele a atirara?
CAPTULO II
Abigail despediu-se e deitou-se, mas no conseguiu dormir. Cada vez que
fechava os olhos, exergava bem ntido o rosto de Keir, trazendo-lhe lembranas
que h muito tempo ela supunha definitivamente sepultadas. Acendeu almpada da mesinha-de-cabeceira e tentou ler, porm em vo, pois no havia
como controlar os pensamentos que lhe povoavam a mente.
Lembrou-se de quando vira Keir pela primeira vez, vestido com um elegante
terno cinza-escuro. Foi em Toronto, no Canad, no primeiro de uma srie de
concertos de uma turn que ela fazia pelo pas. A platia, uma das maiores para
as quais j havia tocado, tinha reagido de forma especialmente calorosa.
A programao a que se propusera sem dvida exigiria muito dela, o que a fazia
sentir-se bastante nervosa. Concerto para Piano em Mi Bemol Maior, de Mozart,
17
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
18/107
e Concerto para o Imperador, de Beethoven.
Mas, to logo sentou-se ao piano e comeou a tocar, estabeleceu-se um fluxo de
energia positiva e de cumplicidade entre ela e a platia repleta; uma espcie de
magia teve lugar. Ao terminar os ltimos acordes, ouviu a maior e mais
entusistica ovao de sua vida at aquele momento.
Durante a recepo aps o concerto, todos os msicos, amantes da msica e a
nata da sociedade de Toronto a disputavam. O salo estava cheio e o burburinho
era ensurdecedor, mas o prazer de ser cortejada como uma celebridade era
inebriante.
Um homem baixo, calvo e um tanto pomposo, que se nomeara guia de Abigail,
apresentava-a de grupo em grupo quando de repente ela reparou num outro
homem.
Alto e moreno, ele se destacava de todos os demais. Tinha o aspecto de quem
vivia a maior parte do tempo ao ar livre, e o rosto de expresso forte mostrava
uma pequena cicatriz no canto da boca. Mas os olhos dele que mais lhe
atraram a ateno.
Cinzentos, emoldurados por sobrancelhas espessas e escuras, emanavam um
magnetismo que prendeu de imediato seu olhar.
Esquecendo-se de todas as outras pessoas sua volta, estendeuinvoluntariamente as mos na direo dele. Ele as segurou, virou-lhe as palmas
para cima e estudou seus dedos longos, sua aparencia frgil.
Parece incrvel que essas mos tenham tanto poder! -O senhor tambm
msico? ela perguntou, meio ofegante, sentindo as mos dele fechando-se
sobre as suas. Ele meneou a cabea e sorriu, melanclico.
Aprendi a tocar um pouquinho de piano, mas o instrumento que domino bem
uma serra eltrica. Abigail, voc est conversando com Keir Minto, um dos homens de negcios
mais bem sucedidos do pas. o anfitrio disse, pomposamente. Madeira,
agricultura, minerao, eletrnica. . . tudo.
Abigail pestanejou. Ele possua sem dvida um ar de muita segurana, mas no
devia ter mais que trinta e cinco anos.
Encantada em conhec-lo, sr. Minto. a primeira vez que falo com um
magnata.
Ele sorriu, irnico, ainda segurando as mos de Abigail.
18
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
19/107
Pode me chamar de Keir. Deve ter notado que somos menos formais aqui do
que na Inglaterra.
Conhece bem a Inglaterra?
Minha me inglesa, e costumo passar algum tempo por l.
O homem que fazia as vezes de anfitrio interveio:
Agora voc precisa conhecer. . .
Segurou-a pelo brao com firmeza, pretendendo conduzi-la dali e obrigando
Keir a solt-la. Ela sorriu pesarosa e deixou-o.
Durante a meia hora seguinte, enquanto recebia cumprimentos, Abigail
percebeu que Keir continuava olhando e sorrindo, fazendo com que de vez em
quando ela perdesse o fio da conversa.
A certa hora, olhou na direo em que esperava encontr-lo e decepcionou-se
por no o ver mais. Era como se uma fonte de luz e calor houvesse subitamente
sido apagada; como se a meia-noite de Cinderela tivesse chegado, dissipando
toda a magia.
"Claro que apenas cansao!", disse a si mesma.
At ento, o jbilo pelo sucesso a mantivera animada, mas agora essa exaltao
enfraquecia. Naquele momento desejou a tranquilidade e a intimidade de seu
quarto no hotel.Quando a multido finalmente comeou a rarear, para alvio de Abigail, o
anfitrio desfez seus planos de ficar sozinha:
Convidei algumas pessoas importantes para jantar em minha casa e,
naturalmente, espero que voc se junte a ns.
Enquanto Abigail pensava numa maneira de recusar o convite sem ofender o
homem, ouviu algum dizer:
Sinto muito, Edgar, mas j providenciei um jantar tranquilo para Abigail.No est vendo como ela est exausta?
Abigail olhou perplexa para os olhos cinzentos, que a desafiavam a negar sua
afirmativa. Sob os protestos do anfitrio, Keir passou o brao por sobre os
ombros dela e a-conduziu para a sada.
Voc parece uma cora assustada ele brincou.
Eu. . . pensei que tivesse ido embora. No acha que foi deselegante de nossa
parte deixar Edgar na mo, daquele jeito?
Voc por acaso tinha alguma vontade de jantar com ele e todas aquelas
19
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
20/107
pessoas sem graa, da alta sociedade?
Ela sorriu, travessa.
Bem. . . para dizer a verdade, no! E agora no estou to cansada quanto
pensava.
Ele a abraou com mais fora.
Meu bem, o que voc estava sentindo era muito mais tdio do que cansao.
Mas pode deixar que voc no vai se entendiar mais at o final da noite.
Keir abriu a porta para ela sair, e uma brisa fresca soprou em seus cabelos. Um
carro grande, de fabricao americana, estava estacionado junto ao meio-fio.
Abigail entrou, suspirando aliviada ao sentar-se. Logo em seguida ele tomou
assento.
Nunca vi nenhum carro to grande e luxuoso! O meu cabe no porta-malas
deste aqui e ainda sobra espao para a bagagem.
Keir colocou uma fita no aparelho de som e ela recostou-se em sua poltrona,
relaxando ao ouvir os primeiros acordes do Noturno, de Chopin.
Mas essa a minha gravao! exclamou, erguendo-se de repente.
Isso mesmo.
Mas. . mas como? Quer dizer, eu no sabia que algum daqui j tivesse me
ouvido. Pois eu j a ouvi. Ele sorriu. Tambm j a vi tocar no Purcell Room de
Londres. Mas as primeiras vezes foram no De Montfort Hall e no Leicester.
Leicester! O que voc estava fazendo l?
No faa pouco-caso daquele lugar. Tenho uma casa l. Na verdade, a uns
nove quilmetros da cidade, perto de uma pequena aldeia. um lugar
interessante ede fcil acesso, e ainda com a vantagem de ficar longe de Londres.
Quando quero fugir da agitao da capital, vou correndo para l. No estou fazendo pouco-caso de Leicester, que conheo bem a cidade, por
isso estou surpresa. Como o nome de sua aldeia?
Great Wiston. Conhece?
Se a conheo?! No imagina quanto! Fui criada l! Sempre que posso, vou at
l visitar minha av.
Ora, ora! Mas que coincidncia! Voc ento deve conhecer a minha casa. O
nome dela Marmion.
Oh, claro que conheo...
20
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
21/107
Abigail reviu mentalmente a graciosa casa do comeo do sculo, feita de tijolos
aparentes e cercada por gramados, rvores c arbustos, com um riacho ao lado
separando-a dos campos verdejantes.
uma casa linda. Vov me contou que ela foi vendida h algum tempo, mas
no sabia para quem. Que coisa extraordinria! Depois de viajar milhares de
quilmetros, encontro algum que tem casa na minha aldeia.
Keir parou o carro num estacionamento.
Bem, at agora no cheguei a passar muito tempo ali. Mas daqui para a
frente, farei o maior esforo neste sentido falou com suavidade, olhando-a de
uma maneira que a fez prender a respirao.
O restaurante ficava num prdio antigo de trs andares, a iluminao era suave.
Enquanto comiam deliciosos frutos do mar, Abigail se dava conta do quanto
estava faminta. Keir olhava-a, fascinado.
Voc tem bom apetite, no? A maioria das mulheres que conheo mal belisca
a comida.
Sem saber por que, Abigail sentiu-se contrariada ao ouvi-lo referir-se a outras
mulheres.
Elas talvez no dispendam tanta energia quanto eu. Alm disso, estou sem
comer direito desde ontem, quando viajei. No gosto da comida que servem noavio. E hoje. . . bem, no consigo comer nada antes de um concerto, a excitao
no deixa.
No deve ser muito fcil a vida de uma pianista, hein?
preciso ter muita resistncia fsica ela concordou, sorrindo.
Ele olhou para os ombros magros de Abigail e depois para seus seios firmes.
Bem, voc deve ser mais resistente do que aparenta. . .
Estou comeando a viajar. Sei que bom para a minha carreira, mas preferiano precisar disso. Viajar de avio no tem muita graa e viver num quarto de
hotel isola a pessoa de um convvio mais pessoal.
Sei o que voc quer dizer. Entretanto, viajar um mal necessrio hoje em dia.
por isso que gosto de ter uma base nos lugares que mais visito. Tenho meu
apartamento aqui em Toronto, uma cabana em Manitoba, um apartamento em
Londres e a casa em Leicester. E ainda um rancho em Alberta e uma fazenda em
Saskatchewan.
Ele encheu de novo o copo de vinho de Abigail.
21
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
22/107
Mas, para isso, s sendo magnata como voc.
A Minto Enterprises um negcio de famlia, cuja direo no est nas mos
de uma nica pessoa. Meu pai dirige a parte relativa ao cultivo de cereais, o
marido de minha irm cuida da fazenda de gado, meu irmo Andrew da
extrao de minrios e meu irmo mais novo assumiu os negcios madeireiros
de meu av. Quanto a mim, sou responsvel pelo setor de eletrnica, e por isto
que preciso de uma base na Inglaterra.
Dois irmos e uma irm. Sua famlia relativamente numerosa.
Dois irmos e duas irms a corrigiu Keir. A mais nova ainda est na
universidade. E voc? Tem famlia?
Abigail meneou a cabea.
Os meus pais. . . morreram quando eu era pequena. Meu pai tambm era
msico. . . Tenho s minha av Lucy.
A av que a criou? Ela deve sentir falta de voc durante essas suas viagens.
Sente, sim. por isso que vou sempre a Great Wiston. Se no estou em turn,
l que podem me encontrar.
Ento voc vem de uma famlia de msicos. Sua av tambm e musicista?
Ela cantora. Ou melhor, era, at que se casou.
E quanto a voc, Abigail? Tem um futuro marido em vista?Ele a olhou de modo penetrante e a fez corar. Ela forou um sorriso e deu de
ombros.
Bem, nunca fiquei num lugar por tempo suficiente para manter uma relao
que levasse ao casamento.
E namorados?
A resposta a mesma. As faces dela ardiam.
Mas agora voc me conheceu... Amanh tenho que ir para Ottawa disse ela, mudando de assunto.
Ele indagou sobre seu roteiro, e Abigail falou sobre os locais e datas.
Agora, se no se importa, eu gostaria de voltar ao hotel. Obrigada pelo
delicioso jantar., Era exatamente disto que eu estava precisando para me
descontrair.
Sem dizer nada, Keir acenou para o garom e pediu a conta. Depois conduziu
Abigail, segurando-a pelo brao, at o carro.
Durante o trajeto, ela fez alguns comentrios triviais para tentar quebrar o
22
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
23/107
silncio mas, vendo que ele s respondia por monosslabos, desistiu, achando
que talvez o tivesse ofendido. E se tivesse? No valia a pena o esforo para
desfazer algum possvel mal-entendido. Dentro de poucos minutos se despedi-
riam e tudo estaria terminado.
Ainda sem interromper seu enervante silncio, Keir parou na frente do hotel.
Abigail virou-se para agradecer, mas ele j tinha sado do carro para abrir-lhe a
porta. Ela esboou uma despedida, mas ele no lhe deu chance. Apenas fechou a
porta do carro, segurou-a pelo brao e caminhou com ela rapidamente para
dentro do hotel.
Boa noite, sr. Minto cumprimentou o recepcionista. Era bvio que Keir era
conhecido l, e Abigail notou o olhar curioso do homem quando ela lhe disse o
nmero de seu quarto. Mas, antes que pudesse pegar sua chave, Keir se
antecipou a ela.
Minha chave! Por favor, me d a chave ela sibilou, enquanto se
encaminhavam para os elevadores. Olhou de relance para o recepcionista. O
que ele vai pensar?
Que eu sou um perfeito cavalheiro e vou acompanh-la at o quarto. O que
mais? concluiu, irnico.
No preciso. Sou perfeitamente capaz. . . preciso sim. Mesmo num hotel como este, uma moa sozinha no est
imune a atenes inoportunas. Ele apertou o boto do andar dela e as portas
do elevador se fecharam.
"Atenes inoportunas de quem?", Abigail pensou, irritada.
Manteve a cabea abaixada, sentindo a mo dele em seu brao. Ser que ele
estava esperando um pagamento por t-la levado para jantar fora? Se ele
entrasse em seu quarto, ser que teria foras para impedi-lo de fazer o quequeria? Teria vontade de impedi-lo?
Abigail abriu a boca para protestar, mas desistiu a tempo. E se estivesse
enganada? E se ele estivesse mesmo sendo apenas cavalheiro, acompanhando-a
ao quarto? Na certa faria papel de tola se o acusasse de querer ir para cama com
ela, quando Keir nem ao menos a havia beijado.
O elevador parou e ele a conduziu pelo corredor silencioso. Alcanaram a porta
do apartamento e Keir a destrancou e estendeu a mo para acender a luz. Com o
corao batendo forte, Abigail viu-o retirar a chave da fechadura e devolv-la.
23
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
24/107
No vou entrar. A expresso divertida em seu olhar mostrava que ele havia
lido seus pensamentos.
Ela corou, embaraada, e aprumou os ombros. Tentando mostrar naturalidade,
estendeu a mo.
Foi um prazer conhec-lo, Keir, e obrigada pelo jantar. Ele tomou-lhe a mo,
mas, ao invs de apert-la, levou-a aos lbios e beijou-a.
Boa noite, Abigail. Durma bem.
Boa noite ela respondeu, vendo-o afastar-se pelo corredor.
Abigail fechou a porta do quarto e se recostou nela, lutando contra uma ridcula
sensao de desapontamento. Afinal, Keir s estivera flertando com ela. Em
todo caso, o que importava? Sua permanncia no Canad seria breve, pois
dentro de duas semanas teria que voltar para Londres a fim de atender a outro
compromisso. Entretanto, no conseguia deixar de sentir uma certa frustrao.
Em Ottawa, teve dificuldade para se concentrar durante os ensaios, e uma
perturbao a impediu de relaxar durante os horrios de descanso. Apenas
quando se sentou ao piano para executar o concerto conseguiu afastar Keir da
mente. Concen-trou-se na batuta do maestro, livrando-se daqueles anseios inex-
plicveis.
()s aplausos pela execuo foram to entusisticos quanto os de Toronto.Porm, desta vez, o entusiasmo dela no persistiu. Ao caminhar de volta ao
camarim, torceu para que no houvesse nenhuma recepo programada.
Sentou-se numa cadeira diante do espelho e olhou desanimada para si mesma,
antes de retocar a pintura e pentear os cabelos.
Era ridculo encontrar-se naquele estado. Estava se comportando como uma
colegial, apaixonada por um homem que talvez nunca mais visse. Ouviu uma
batida porta. Entre respondeu, irritada.
A porta se abriu e ela estremeceu. Os olhos que encontraram os seus pelo
espelho no eram os de um estranho.
Voc?! Virou-se para ,olh-lo. O que est fazendo aqui?
Keir sorriu, triunfante.
Est surpresa em me ver? Pois no devia. Era bvio que eu no ia deix-la
longe de minhas vistas.
Claro que estou surpresa! Voc. . . voc no disse que tambm viria a este
24
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
25/107
concerto. O corao de Abigail batia acelerado, e sua depresso se
transformara milagrosamente numa excitao inebriante.
Depois daquele formalssimo "Foi um prazer conhec-lo", no podia me
arriscar a dizer nada ele replicou, e ajudou-a a levantar-se. E alm disso,
no sabia se ia conseguir um ingresso to em cima da hora.
A proximidade de Keir e a declarao de que ele estava ali por sua causa faziam
Abigail sentir-se deslumbrada.
Voc acha que no iria conseguir um ingresso logo, Keir?
Pensa que assim to fcil? No se esquea de que uma celebridade. Alis,
para ter a honra de vir busc-la no camarim precisei me entender com a
vigilncia. Infelizmente voc precisa comparecer recepo programada. Ele
segurou seus braos, acariciando-os e deslizando as pontas dos dedos pelos
ombros.
Aquele contato a fez vibrar. De repente, ele ps-se a estudar-lhe o rosto, como se
estivesse decorando cada detalhe de seu semblante, como se estivesse
testemunhando a reao feminina sua atrao masculina. Abigail quis desviar
os olhos, esconder a emoo, mas o magnetismo dele impossibilitava qualquer
fuga.
Suas pernas tremiam. Ela levou as mos ao torso dele, pretendendo afast-lo,mas ele aproveitou a proximidade para beij-la, de maneira suave porm
devastadoramente sedutora. Tempo e espao pareceram deixar de existir, e ela
se perdeu num oceano de sensaes antes inimaginveis.
Srta. Paston? Sr. Minto?
Abigail sobressaltou-se com a batida porta. Keir soltou-a, relutante e
praguejou, baixinho!
Maldita recepo! s meia hora e nada mais. Depois quero ter voc s paramim.
Foi abrir a porta e ela procurou se recompor. Desta vez Keir ficou o tempo todo
ao lado dela. Eram muitas as apresentaes e felicitaes, porm, em meia hora
ele a retirou da reunio e a levou at o carro.
Abigail ficou surpresa quando ele a levou diretamente ao hotel. Olhou-o de
relance e logo desviou os olhos, com medo de que ele percebesse sua confuso.
Teria coragem de dizer-lhe que estava morta de fome? Mas ele no tinha falado
nada sobre lev-la para jantar, dissera apenas que a queria s para si. E uma vez
25
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
26/107
que estavam subindo diretamente para o quarto. . .
Seu corao comeou a martelar loucamente. Ser que lhe dera uma impresso
errada ao corresponder ao beijo? Mas era mesmo uma impresso errada? Ao
lembrar o beijo, ela admitiu que aquelas sensaes foram de desejo por Keir.
Abigail de repente ficou tomada de pnico. Como conseguira chegar virgem
idade de vinte e quatro anos, sem saber lidar com uma situao semelhante?
Keir no acreditaria se ela lhe contasse. Sabendo que ela havia viajado tanto
pelo mundo sozinha, naturalmente devia v-la como uma mulher experiente.
As portas do elevador se abriram e, com a mente ainda confusa, ela permitiu
que ele a conduzisse pelo corredor e a empurrasse delicadamente para dentro
do apartamento. De repente ela parou e arregalou os olhos.
Este no o meu quarto!
Claro que no ! Os lbios de Keir se curvaram, num sorriso. Voc no
pensou que eu fosse deix-la ir para a cama com fome, pensou? Eu disse que a
queria s para mim. J pedi para que servissem um jantar aqui em minha sute.
Oh! Por um momento, a ideia de ficar sozinha com ele tornou-se
desconcertante, mas ela se acalmou ao olhar em volta e ver uma espaosa sala
de estar. Eu... eu no sabia que voc estava hospedado neste hotel.
Deixe-me pegar o seu casaco. " Ele tirou-lhe a capa de peles dos ombros ependurou-a no encosto de uma cadeira. Foi at o bar, serviu-se de uma dose de
usque e preparou um martni para ela. Que tal sentar-se? Chega de ficar de
p. brincou ao lhe entregar o copo, apontando para uma poltrona confortvel.
Nesse instante bateram de leve porta e um. garom entrou empurrando um
carrinho. Quando ele comeou a servi-los, ela j se sentia bem mais vontade.
Durante o jantar, Keir falou muito de si mesmo. Contou que costumava
trabalhar nas vrias empresas da famlia nas frias escolares e que, aps seformar em administrao de empresas, resolvera trabalhar em eletronica por
acreditar que aquela seria a indstria do futuro.
Quando se sentaram no sof para tomar caf, Abigail se queixou:
No sei bem por que, mas voc fez a minha vida parecer muito restrita,
concentrada unicamente na msica.
Voc deve mesmo se concentrar em sua msica, uma vez que ela d enorme
prazer a tanta gente. Olhou para seu corpo, envolto num vestido de seda
cor-de-rosa. Apesar de que, para mim, s de olhar para voc j sinto imenso
26
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
27/107
prazer.
Ele tomou a xcara de caf das mos de Abigail, depositando-a na mesa de
centro e puxou-a para junto de si.
Keir. . .
Temerosa dos efeitos do contato dele, Abigail tentou protestar, mas medida
que ele ia lhe beijando levemente as faces, o queixo, os olhos e o nariz, todo
protesto foi sendo esquecido. Seus lbios procuraram os dele excitando-o. Keir
recostou-se nas almofadas e puxou-a para si, segurando-lhe a nuca enquanto
acariciava-lhe a pele sedosa das costas e dos ombros.
Todas as dvidas e incertezas dela se extinguiram diante das sensaes que a
invadiram. O corpo msculo junto ao seu, o contato acariciante daquelas mos
sensuais, a presso dos lbios quentes sobre os seus no eram nenhuma
alucinao. Tudo era muito real, apesar da excitao que entorpecia os sentidos.
Quando ele passou a explorar com os lbios seu pescoo, descendo at os seios,
Abigail gemeu em voz alta.
Abigail, como te quero! ele murmurou, com voz rouca. Ao perceber que ele
estava abrindo o zper de seu vestido,
todas as suas dvidas e receios retornaram de supeto.
No... Ela estremeceu, tensa, e o empurrou. Ele soltou-a prontamente. Desculpe, mas pensei que tivesse recebido sinal verde disse, desapontado,
sentando-se ereto.
Segurando o decote do vestido contra os seios com uma das mos, e lutando
para fechar o zper com a outra, Abigail via-se como uma tola.
Ele a observava, impassvel.
Voc tem algum na Inglaterra, isso? perguntou secamente, esforando-
se por conter a ira.Abigail meneou a cabea. Com o vestido agora fechado, cruzou as mos sobre o
colo para disfarar o tremor.
No. Como j disse, nunca houve tempo para relacionamentos mais ntimos.
Ento por que no me quis? Eu no cometi um engano, cometi? Recebi
mesmo um sinal verde. Ento por que voltou atrs, de repente?
Eu. . . esta foi a primeira vez que encontrei um homem que me tirou do srio.
. . Keir. . . ns mal nos conhecemos.
E eu a estou apressando. Ele se levantou e comeou a andar pelo aposento.
27
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
28/107
Bem, no vou me desculpar por causa disso. Eu a desejei desde a primeira vez
que a vi, Abigail.
E aquilo que voc quer voc toma, no ? replicou ela com amargura.
Acho melhor acompanh-la ao seu quarto, Abigail. Sem dizer nada, ela pegou
a bolsa, o casaco e o seguiu para
fora da sute. Caminharam em silncio at o elevador, e depois pelo corredor
que levava ao seu quarto. Ao chegarem ele destrancou a porta e disse
secamente:
Boa noite.
Enquanto se despia, Abigail lutava para conter as lgrimas. Tentava se consolar
dizendo a si mesma que no havia nenhum futuro para ela junto com aquele
homem. Mas terem que se separar como inimigos era realmente doloroso.
Na manh seguinte esforou-se para afastar Keir Minto da mente, procurando
concentrar-se no restante da turn. Mas a perspectiva de uma viagem longa at
Vncouver e da permanncia em outro quarto solitrio de hotel deprimia. E
apesar do esforo, a imagem de Keir persistia forte nos seus pensamentos.
Depois de ter tomado o caf da manh no quarto, Abigail estava acabando de
fazer as malas quando ouviu algum bater porta. Com o corao aos pulos, foi
atender. Um rapaz com um uniforme do hotel viera buscar sua bagagem e dizerque um txi estava esperando.
Ela ficou surpresa, pois ainda no havia chamado nenhum txi para lev-la ao
aeroporto, mas atribuiu o fato eficincia do organizador da turn. Olhou em
volta para ver se no estava esquecendo nada e seguiu o rapas;, aliviada por no
ter que se avistar com Keir de novo, uma vez que era muito cedo.
Mas, ao atravessar o vestbulo do hotel para deixar sua chave na recepo, uma
figura alta e familiar se aprumou ao lado do balco. Bom dia, Abigail Keir cumprimentou-a.
B-bom dia. . . ela respondeu, sentindo a boca de repente seca. Eu. . . eu
no esperava que nos vssemos de novo.
Ele a olhou com ar divertido ao tomar-lhe a chave da mo e entreg-la ao
recepcionista. Ps o brao em seus ombros e afastou-se com ela do balco.
Infelizmente tenho que partir agora. Meu txi j est esperando disse,
relutante.
Sei disso. Fui eu quem o chamou.
28
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
29/107
Voc?!
Ela s no caiu porque ele a segurou com mais fora.
Tambm estou indo para o aeroporto, ento vamos juntos. Vou para
Vncouver.
Abigail ficou paralisada.
Vancouver?! repetiu, com os olhos arregalados.
Isso mesmo.
Com a maior familiaridade, como se no houvesse ningum mais naquele
vestbulo movimentado, Keir afastou uma mecha de cabelo do rosto dela e a
prendeu atrs da orelha.
Eu vou com voc... sussurrou-lhe ao ouvido.
CAPTULO III
Vancouver era muito mais agradvel do que Abigail imaginara. Da janela de seu
quarto de hotel ela via conjuntos de arranha-cus entremeados por prdios mais
baixos, porm as ruas pareciam todas arborizadas. Alm de uma faixa de gua
destacava-se uma encosta repleta de pinheiros, e a paisagem urbana contra umfundo de montanhas com picos cobertos de neve. Era ainda muito cedo, o sol
nem havia nascido. No azul-claro do cu sobressaam-se as nuvens que
circundavam o topo das montanhas.
quela mesma hora no dia anterior, Abigail lembrou-se, ela estava muito
deprimida. Porm agora um entusiasmo novo a dominava.
Quando Keir dissera que tambm ia viajar para Vancouver, ela no acreditara.
S depois que registraram as malas no aeroporto soube que ele havia falado asrio.
Keir no estou entendendo. . . Quer dizer. . . ontem noite pensei. . . Bem,
pensei que voc no queria mais saber de mim, uma vez que. . .
Uma vez que no consegui o que queria? Desculpe, Abigail, me comportei
como uma criana a quem tomaram o pirulito. Voc tinha todo o direito de me
rejeitar, e foi imperdovel de minha parte desforrar a minha frustrao em voc.
Isso nunca deve ter acontecido antes. . . Uma mulher rejeit-lo, quero dizer.
Ela sentiu um frio no estmago ao imaginar outras mulheres nos braos dele,
29
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
30/107
mulheres mais ousadas que ela, correspondendo aos beijos e carcias sem
inibies.
Um leve rubor lhe subiu s faces, e Abigail ficou admirada ao v-lo
desconcertado.
Eu nunca encontrei mesmo foi mulheres que dissessem exatamente o que
pensavam, sem acanhamento. Mas, quanto sua pergunta... no, isso nunca
aconteceu antes. E no precisa me olhar com esse ar de espanto. O que haveria
de errado no amor fsico de um homem e,uma mulher que se sentem atrados
um pelo outro?
Abigail desejou no ter iniciado essa conversa. Afinal, ela no podia dizer nada
por experincia prpria.
Ento deu de ombros e murmurou:
Se os dois querem no h nada de errado. Mas no acha que isso poderia
transformar um relacionamento especial numa coisa inexpressiva?
Keir olhou-a, muito srio.
No creio que o que existe entre ns possa tornar-se inexpressivo. Tomou-
lhe as mos e encostou-as no peito. Eu ainda quero voc, mais do que j quis
a qualquer outra mulher. Mas prometo que no vai haver mais exibies de mau
humor. Vou fazer todo o possvel para conter a minha impacincia, at voctambm me querer. E sei que isso logo ocorrer.
Abigail estremecera, excitada. A apreenso antes de um es-petculo era algo a
que j se acostumara, mas aquela excitao era uma coisa inteiramente nova,
que no conseguia entender.
Keir no fizera segredo de que a tinha acompanhado a Vancouver na esperana
de que ela sucumbisse sua atrao. Mas ser que ela se satisfaria com um
romance breve? Tinha quase certeza de que no. No queria ser apenas maisuma das conquistas de Keir!
No entanto, enchia-se de jbilo ao pensar que iria passar o dia na companhia
dele. Na vspera eles haviam feito uma longa viagem, seguida das providncias
relativas ao concerto, e no dia seguinte ela estaria totalmente ocupada com os
ensaios. Este era ento o dia em que juntos explorariam Vancouver.
Abigail reparou que nunca se sentira assim, to viva! Depois de tomar banho e
lavar os cabelos, enrolou-se numa toalha e sentou-se diante da penteadeira com
o secador nas mos. Seus cabelos loiros, compridos e grossos, levaram um
30
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
31/107
tempo razovel at ficarem secos.
Vestiu apressadamente uma cala de brim e uma camiseta, amarrou os cabelos
para trs com uma fita e pintou levemente o rosto. Estava pronta.
Entrou muito alegre no restaurante para o caf da manh. Keir esperava-a,
muito atraente, vestido com cala cinza e camisa esporte aberta no colarinho.
Ele se levantou para receb-la, os olhos claros brilhando de satisfao e
passeando por suas curvas.
Mas o que houve?
Estou atrasada? Oh, me desculpe.
Ele sentou-se novamente e olhou para o relgio.
Estou admirado com a sua pontualidade. Mas onde est aquela pianista
famosa de ontem? Esta manh voc parece ter uns quinze anos.
Abigail realmente sentia-se muito jovem, porm a atrao que aquele homem
to charmoso e bonito despertava nela era mais prpria de uma mulher madura.
Deve ser por causa da oportunidade de gazetear um pouco, como os
colegiais; de poder passar o dia todo fora, sem ensaios ou concertos para
atrapalhar a folga. Mas se no lhe agrado assim, posso vestir alguma roupa mais
apropriada depois do caf.
Ele segurou-lhe a mo. Oh, no pense que estava me queixando! Voc est to deliciosa que sinto at
vontade de com-la! Mas acho que vou ter que me contentar com este caf. . .
Por enquanto... acrescentou, com um olhar que fez a pulsao dela aumentar.
Aonde voc gostaria de ir? Keir perguntou, quando estavam terminando
de tomar o caf. Penso que poderamos ir a Granville Street, pois l que se
encontram as grandes lojas.
Aceito a sugesto Abigail murmurou polidamente, mas sua expressorevelava desapontamento.
Keir recostou-se na cadeira, com os olhos semicerrados.
Parece que a ideia no a atrai muito, no? Ela corou.
No isso. Deve ser interessante conhecer as lojas de Vancouver, e, se voc
quiser aproveitar para fazer algumas compras, vou gostar de acompanh-lo.
Eu no preciso, nem pretendo comprar nada. Mas ainda estou para conhecer
uma mulher que consiga resistir ideia de um passeio de compras. . .
Principalmente quando a companhia masculina pode lhe comprar as coisas
31
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
32/107
mais extravagantes. . .
Abigail ficou indignada com o modo desdenhoso de Keir falar sobre as mulheres
e com o julgamento precipitado que ele estava fazendo a seu respeito.
por isso que pensa que concordei em passar o dia com voc? Para me
aproveitar de seu dinheiro? Nenhum homem me compra, sr. Minto. Alis,
mudei de ideia. Vou passar o dia como eu quiser. . . e sozinha!
Ela pegou a bolsa, levantou-se e saiu do restaurante sem olhar para trs. Seu
primeiro impulso foi o de retornar ao quarto, mas, ao avistar uma livraria que
fazia parte do complexo do hotel, resolveu entrar. Para que no perdesse aquele
dia que tanto tinha prometido, era melhor comprar um guia da cidade. Mas seus
olhos marejados de lgrimas dificultavam-lhe a viso, por isso ficou aliviada
quando uma balconista indicou-lhe uma prateleira.
Abigail limpou as lgrimas com o dorso da mo e esticou o brao para pegar um
livro. Logo que o alcanou, a mo de Keir pousou em seu ombro.
Abigail, me desculpe por t-la ofendido... disse Keir, em tom de
arrependimento.
Evitando virar-se para encar-lo, ela respondeu, secamente:
Devo lembr-lo de que no o convidei para vir a Vancouver comigo. Muito
menos pedi para ser humilhada!Ele segurou-lhe o ombro com mais fora.
No tive inteno alguma de humilh-la, acredite. Minhas experincias com
as mulheres at agora no foram das mais felizes, mas eu devia saber que voc
diferente. Virou-a para si, mas ela ainda se recusava a olh-lo de frente.
No sei por que deveria. . . Afinal, somos na verdade estranhos um para o
outro e muito provvel que continuemos assim.
Keir ergueu-lhe o queixo, forando-a a fit-lo. Estranhos?! Voc sabe que isso no verdade. Alguma coisa nos aproximou
desde o comeo, no tente negar isso. Ainda no sei o que , mas. . .
atrao fsica. O que no deve ser novidade alguma para voc. . . Mas para
mim .
E voc acha que foi por isso que a segui at Ottawa e depois at aqui? Porque
a cobiava?
Voc j no admitiu isso? No consigo imagin-lo me seguindo at
Vancouver se tivesse conseguido o que queria naquela noite em Ottawa.
32
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
33/107
No se subestime, minha querida. No seria muito fcil esquecer o seu corpo
delicioso. Ele desperta desejos que exigiriam ...
Keir! ela exclamou, olhando em volta, embaraada e fazendo-o rir:
Ento, j que o centro comercial da cidade no a atrai, aonde voc gostaria de
ir?
Estou procurando um bom guia para comprar. melhor saber antes onde se
encontram os pontos de interesse, os lugares que eu gostaria de ver.
Est bem, se voc quer visitar lugares interessantes, no vai precisar disso.
Ele tomou o guia de sua mo e o recolocou na prateleira. Conheo Vancouver
muito bem, por isso melhor deixar para l essa bobagem de sair sozinha. Va-
mos, h um carro alugado nos esperando.
Sem lhe dar tempo para protestar, Keir a conduziu para o estacionamento do
hotel.
Vamos comear por uma das vistas mais espetaculares ele disse, quando j
estavam no carro. A ponte pnsil Capilano e a lagoa Perdida agora uma
reserva de pssaros ele comeou, apontando o lago pontilhado de ilhotas.
H anos atrs a gua costumava escoar com a mar baixa, e foi da que veio esse
nome. Toda a pennsula, num total de cerca de quatrocentos hectares, dos quais
uns trezentos e vinte ainda se encontram em seu estado natural, faz parte doParque Stanley.
Que lindo! Abigail exclamou.
Logo depois ele parou no estacionamento prximo ponte pnsil Capilano,
estendia bem no alto da garganta do rio Capilano.
Quando passavam pela ponte, ela pareceu se mover sob seus ps, e Abigail
segurou a mo de Keir com fora. Embora a vista fosse fascinante, ela fechou os
olhos. O rio correndo l embaixo, a uns setenta metros, e a sensao de nohaver nada slido sob seus ps e fizeram sentir-se tonta.
Quer voltar? Keir brincou, puxando-a para junto de si. Encostada ao corpo
dele, Abigail sentiu-se segura para abrir os olhos de novo.
Estar aqui mais ou menos como voar sem estar num avio.
Ou como voar com asa-delta sem saltar ele rematou.
Abigail j se havia acostumado ao movimento da ponte quando eles a deixaram.
Enquanto caminhavam de volta ao carro, ela apontou para um grande prdio.
O que aquilo?
33
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
34/107
No deve lhe interessar. apenas uma loja especializada em produtos locais:
peles, totens, suteres feitos pelos ndios cowichan, jias de jade. . .
No, claro que no interessa. . .
Na verdade ela queria visitar a loja e talvez comprar uma lembrana da viagem,
e tinha uma incmoda suspeita de que Keir sabia disso muito bem.
Uma vez no carro, seguiram novamente para o norte. Depois de percorrerem
cerca de um quilmetro e meio, ele apontou para o viveiro de salmes do rio
Capilano. Mas eles no pararam at atingir o sop do monte Grouse e a represa
Cleveland, de onde o rio flua para o lago.
Este um grande centro de esqui durante o inverno, e s fica a meia hora da
cidade Keir informou. Mas tambm vale a pena visit-lo durante o vero.
Chegaram bem a tempo de apanhar o telefrico. Abigail, toda concentrada na
empolgante viagem ao topo da montanha, no notou que Keir a observava.
Ao descerem, ele a conduziu ao que disse ser seu ponto de observao predileto.
E Abigail entendeu facilmente o motivo da preferncia. A mil e duzentos metros
abaixo deles estava a cidade de Vancouver, incrustada entre guas azuis
pontilhadas de ilhas verdes e cercada por montanhas de picos envoltos em
nuvens.
Olhe, est vendo? Ele estava de p atrs dela e apontou por cima de seuombro. Hoje no est muito claro, mas aquele o monte Rainier, que fica do
lado dos Estados Unidos. uma pena no termos tempo para explorar algumas
das trilhas que levam ao alto. Mas, para cumprirmos o programa ambicioso que
voc estabeleceu, melhor irmos andando.
Desta vez ele dirigiu o carro para o sul, voltando por onde tinham vindo at
atravessarem Lion's Gate e entrarem no Parque Stanley.
Oh, olhe! Um zoolgico! Abigail falou, excitada. Voc quer ir ao zoolgico?! Keir espantou-se.
Oh, por favor, Keir, vamos. Gostaria muito.
Est bem!
O zoolgico no era grande, nem havia animais exticos. Abigail sentiu um
pouco de pena dos ursos polares, fora de seu ambiente natural, pois as peles
deles ficavam amareladas ao invs de brancas, e ficou encantada com os
pinguins e com as lontras do mar. Mas foram os trejeitos dos macacos que mais
chamaram sua ateno, especialmente o carinho de uma macaca que segurava
34
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
35/107
seu filhote nos braos como qualquer me.
Este um lado seu que eu nunca tinha imaginado Keir falou, observando
sua fascinao quase infantil. No sei por que, mas acho que voc no teve
uma infncia muito feliz.
Oh, at que tive, sim!
Sua infncia fora feliz, pois Vov Lucy cuidara para que isso acontecesse. Mas
ela estudara msica desde cedo, de modo que lhe restara muito pouco tempo
para participar dos passatempos das outras crianas de sua idade.
Bem. . . talvez, num certo sentido, sim ela admitiu. Minha av usou as
economias para me mandar para a escola de msica, por isso nunca sobrou
muito dinheiro para este tipo de excurso durante as frias. Mas eu nunca
pensei estar perdendo alguma coisa. Eu costumava brincar com as outras crian-
as. . . embora sempre tivesse que tomar cuidado com as minhas mos. . .
Voc no nadava em rios? No trepava em rvores, no montava em pneis?
No. Acho que nunca fui muito levada. Era isso que voc fazia?
E como. Eu, meus irmos e os filhos dos empregados da fazenda vivamos
fazendo traquinagens. Ei, sei de uma coisa que voc gostaria de fazer.
Ele tornou-lhe a mo, puxando-a at um guich onde comprou dois bilhetes
para um passeio no trenzinho. Parecia estar se divertindo tanto quanto ela.Mas o gosto sofisticado de Keir se reafirmou quando ele a levou para almoar.
Desprezando o pavilho do Parque Stanley, para onde a maioria das pessoas se
dirigia, ele a levou para a Beach Avenue, onde almoaram no terrao com vista
para as guas azuis da English Bay.
Depois do almoo fizeram uma excurso relmpago pela cidade. Circularam
pela zona oeste, onde ele lhe mostrou o Jardim Japons Nitobe e a Universidade
da Colmbia Britnica. Atravessaram a cidade para que ela pudesse pelo menosver as grandes lojas, e foram ao Museu Heritage Village, uma recriao histrica
que mostrava o modo de vida no baixo continente a partir de 1890, com os
funcionrios usando inclusive trajes da poca.
Est cansada ou quer ver mais coisas? Keir perguntou, depois que
percorreram todo o museu.
Abigail estava cansada e seus ps doam, mas mesmo assim se divertia
muitssimo.
Eu gostaria de ver mais coisas respondeu com convico, no querendo
35
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
36/107
que seu dia de folga terminasse.
Sei que prometi mant-la longe das lojas, mas voc precisa conhecer
Gastown disse ele, com um brilho zombeteiro nos olhos.
Ao chegarem l, Abigail entendeu o motivo. A regio, muito pitoresca, era um
vilarejo com praas bem cuidadas e ruas pavimentadas de pedras redondas.
Voc acreditaria se eu dissesse que esta j foi a zona perigosa da cidade?
Keir comentou, enquanto perambulavam pelos becos e ruas estreitas, olhando
as lojas de antiguidades, as butiques e as galerias de arte.
Voc tambm no acreditaria que Covent Garden j foi um mercado de frutas
e verduras barulhento e malcheiroso Abigail retrucou, rindo, lembrando-se de
sua terra. Apontou para uma vitrine. Olhe s que malhas bonitas!
So os suteres feitos pelos ndios cowichan, sobre os quais j lhe falei.
Gostaria de experimentar um?
Abigail hesitou. Ela de fato queria um. Eles pareciam suficientemente quentes
para combater qualquer inverno ingls, pois eram grossos e feitos com l
natural.
Sim, mas eu mesma vou comprar avisou, erguendo o queixo.
Keir no protestou quando ela pagou pelo suter, e nem mais tarde, quando ela
comprou para sua av a estatueta de um urso polar esculpida em pedra-sabo.Ao pararem diante de uma vitrine na qual estavam expostas peas de jade, Keir
falou:
Voc no vai permitir que eu lhe compre um desses berloques, no mesmo?
No vou mesmo ela respondeu e se afastou da loja.
pena.
No entendo... Se... no sente prazer em dar presentes s suas amigas, ento
por que faz isso? Quem disse isso?
Bem, pelo que falou esta manh, tirei essa concluso. Voc obviamente
despreza as mulheres que aceitam os seus presentes. Ou ser que gosta de lhes
comprar coisas para ter uma desculpa para desprez-las?
O rosto dele ficou sombrio e Abigaii receou ter ido longe demais.
Acha que era isso que eu estava tentando fazer agora h pouco? Comprar-lhe
um berloque e ter uma desculpa para desprez-la?
Abigail corou.
36
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
37/107
Eu... eu no sei.
Ao contrrio do que a sua ingenuidade permite supor, existem mulheres que
se interessam muito mais pela conta bancria de um homem do que por ele.
Realmente, acho difcil acreditar nisso!
Oh, Abigail! Voc sincera at a morte! Agradeo-lhe ao menos por isso.
Ele caiu na risada e levou-a de volta para o carro. "Como entender um homem
como Keir?", Abigail se indagou, j em seu quarto de hotel antes de adormecer.
Ao descer para tomar o caf da manh, no dia seguinte, Abigail soube que Keir
j havia tomado o seu desjejum e sado. Ficou um pouco desapontada mas no
teve muito tempo para pensar nisso. s dez horas um carro chegou para lev-la
ao teatro, onde toda a sua ateno ficou concentrada no trabalho.
Foi s tarde, quando estava repousando, preparando-se para o concerto, que
ela se permitiu especular sobre onde Keir teria ido passar o dia. Imaginou que
ele talvez tivesse se desinteressado dela, ou ento voltado para Toronto, e
procurou se convencer de que era melhor assim. A ltima coisa de que precisava
naquele estgio de sua carreira era de um envolvimento emocional. Mesmo
assim sentiu-se magoada com a possibilidade de ele ter partido sem dizer nada.
Procurando apagar a mgoa, tratou de pensar nas sugestes que o regente da
orquestra havia feito durante os ensaios.Mas, ao vestir-se para o concerto, a imagem de Keir voltou sua mente. Estava
acabando de se preparar quando ouviu uma batida porta de seu quarto e viu-o
entrar. Era como se a fora de seus pensamentos o houvesse trazido de volta, e
ela sentiu o sangue fugir-lhe das faces.
Ele atravessou o aposento rapidamente, tomou-lhe as mos e olhou-a
preocupado.
Voc est bem?Ela umedeceu os lbios e esforou-se por falar:
Sim. . . Sim, estou muito bem. que voc me pegou de surpresa.
Desculpe, no pretendia assust-la. Mas a expectativa do concerto tambm
deve estar deixando-a nervosa, no ? J est pronta? Vou lev-la ao teatro.
O que voc fez durante o dia? Abigail perguntou, ao sentar-se ao lado dele
no carro.
Estive trabalhando. A Minto Enterprises tem um escritrio aqui, em
Vancouver. Havia muito trabalho acumulado depois destes ltimos dias.
37
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
38/107
Abigail sentiu-se um pouco culpada por ele ter negligenciado o trabalho por sua
causa. Afinal, Keir no regressara a Toronto, nem andara com alguma
namorada.
Durante o concerto, o pblico foi cmplice da imensa alegria que se refletiu em
sua msica. Enquanto durou a recepo e o jantar. Keir esteve todo o tempo ao
lado dela. Mas, quando mais tarde acompanhou-a at a porta de seu quarto, a
felicidade esfuziante de Abigail foi substituda por uma estranha incerteza.
Era sua ltima noite em Vancouver. No dia seguinte teria que seguir para
Calgary, a fim de cumprir outro compromisso. Esta noite Keir talvez quisesse. . .
Ela tremia incontrolavelmente. Queria os beijos e carcias dele, mas sabia que o
perderia para sempre se se entregasse inteiramente a ele.
Keir destrancou a porta e a abriu. Abigail ficou firme, embora cada centmetro
de seu corpo clamasse pelos braos dele.
Acho que desta vez teremos que nos despedir, Keir ela falou, num tom de
voz controlado. Vou deixar Vancouver amanh cedo.
Ele olhou para dentro do quarto e depois para o rosto tenso de Abigail.
Isso quer dizer que no est disposta a me deixar entrar? Ela meneou a
cabea.
No. Por favor, Keir, no. . . Havia agora desespero em sua voz, pois elano sabia ao certo se conseguiria resistir persuaso dele.
Mas ele simplesmente calou-a, colocando delicadamente dois dedos em seus
lbios.
Ento terei que segui-la a Calgary, no mesmo? disse calmamente.
Keir no estava brincando. Depois de Calgary, ele a seguiu tambm at
Edmonton. Era como se tivesse toda a certeza do mundo na sua capitulao
final, no se incomodando por isso de esperar. Abigail s vezes sentia medo,pois no estava nem um pouco confiante na prpria capacidade de mant-lo
afastado.
Imaginava que ele estivesse negligenciando seus negcios para segui-la por todo
o Canad.
Foi em Regina que essa inquietao se cristalizou. Quando se encontrou com
Keir para o caf da manh, encontrou-o lendo um jornal com o semblante
carregado. Ele estava to absorto que nem percebeu sua aproximao.
O que houve? Os preos de suas aes caram? ela brincou ao sentar-se.
38
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
39/107
Keir levantou os olhos, um tanto desgostoso, e fez um movimento, como se
pretendesse no dar explicao alguma. Ento pareceu mudar de ideia e lhe
entregou- o jornal.
Infelizmente chegamos s colunas de mexericos disse, com um sorriso
constrangido.
Os olhos de Abigail se arregalaram quando ela viu duas fotografias, uma sua e
outra dele, embaixo das quais uma legenda perguntava: "Um novo romance
para o empresrio Keir Minto?"
Perplexa, ela leu a notcia de que o famoso empresrio Keir Minto, um dos
melhores partidos do Canad, vinha seguindo devotadamente, por todo o pas,
Abigail Paston, jovem pianista inglesa em turn. O artigo continuava sugerindo
que, embora o sr. Minto fosse h muito um amante da msica, talvez houvesse
muito mais do que apenas amor msica nessa devoo.
"O sr. Minto tem comparecido a todos os concertos da presente turn da bela
srta. Paston e quase no sai do lado dela. Viajam juntos e hospedam-se nos
mesmos hotis."
O artigo relacionava ainda uma srie de mulheres que teriam desfrutado da
companhia de Keir anteriormente e insinuava que elas estavam relegadas ao
esquecimento desde o advento da "encantadora srta. Paston" na vida do playboyempresrio Abigail corou at a raiz dos cabelos. Havia se esquecido de que Keir
era uma figura famosa em seu pas, e que todos os seus atos certamente
despertavam interesse e comentrios. Keir disse, num tom de voz entediado,
mostrando descaso:
No fique assim to surpresa. Voc j devia estar acostumada a ver o seu
nome nos jornais.
Isso verdade. Mas nas colunas da crtica especializada, e no desse jeito.Eles fazem supor que... Ela engasgou e empurrou o jornal para o lado.
... Que estamos tendo um caso Keir concluiu por ela. Eles no
afirmaram isso textualmente.
No, mas o que todo mundo vai pensar. Abigail olhou em volta da sala.
Todos pareciam estar comendo despreocupadamente, mas ela sentia-se exposta,
objeto de especulaes e risinhos disfarados. Mesmo se essas insinuaes
fossem verdadeiras, eu no gostaria de ver a minha vida particular comentada
nas mesas durante o caf da manh.
39
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
40/107
Calma, at os leitores deste farrapo de papel sabem que esses difamadores
no tm o menor escrpulo em inventar coisas para vender jornais. No vale a
pena se irritar com isso.
Ele parecia realmente no estar incomodado, mas Abigail no estava disposta a
aceitar assim aquelas especulaes.
Voc no se importa que essa imprensa desonesta se meta em sua vida desse
jeito?
Ele deu de ombros.
H muito aprendi a conviver com isso. O que parece que no o seu caso.
Ser que ele a estava censurando? Estaria considerando-a pudica demais?
Realmente. Acho que jamais me acostumaria a isso. Na verdade esse tipo de
coisa s serve para melhorar a reputao de um homem.
Ele a olhou irritado.
Est bem, lamento ter contaminado sua reputao. Mas o que quer que eu
faa? Um estardalhao? Que mande publicar um desmentido que s serviria
para gerar mais fofocas?
Uma garonete se aproximou para anotar os pedidos, e Abigail teve tempo para
refletir. Keir tinha razo, claro. Um desmentido s serviria para tornar as
coisas ainda piores. H uma maneira sensata de desmentir esse boato ela disse, depois que a
garonete se afastou. Deixe de me acompanhar durante o resto da minha
turn.
No! ele respondeu com irritao. Abigail juntou as mos para conter o
tremor.
Keir, tenho estado preocupada, pois voc deve estar deixando de lado os seus
negcios para me seguir desse jeito. No est vendo que s isso j motivo defofocas?
No! Abigail, no vou permitir que um caluniador qualquer destrua sem
mais nem menos o que existe entre ns!
Mas o que haveria entre eles que pudesse ser destrudo? Talvez uma poderosa
atrao sexual. Ele deixara bem claro que a queria, assim como deixara tambm
claro que no lhe interessava qualquer tipo de compromisso.
Ela empurrou seu prato, sem toc-lo, e sentou-se ereta na cadeira, assumindo
um ar de dignidade.
40
7/31/2019 __setembro outra vez-stacy absolon
41/107
Keir, restam dois concertos para eu completar a minha turn. Um amanh
noite, em Winnipeg, e outro, o ltimo, em Toronto. Vou ter que subir ao palco e
enfrentar aquela plateia. No acha que j duro saber que a minha competncia
est sendo julgada a cada vez em que apareo em pblico? Para que somar a isso
julgamentos sobre a minha moral?
Keir olhou-a demoradamente.
E voc acha que suficientemente forte para enfrentar tudo sozinha.
Se voc no estiver l para confirmar os boatos, acho que sim.
Keir deu de ombros.
Bem, j que assim. . . Talvez seja bom eu ir ver como vo as coisas na
fazenda.
A sbita indiferena dele depois da veemente recusa em permitir que
cont
Top Related