Área Temática: Análise de Política Externa
A IMPORTÂNCIA DA GEOPOLÍTICA ECONÔMICA NA RELAÇÃO ENTRE O BRASIL E A ÁFRICA – UM ESTUDO COMPARATIVO DE POLÍTICA EXTERNA DESDE OS
GOVERNOS MILITARES ATÉ O GOVERNO TEMER
Alexandre Ramos Coelho Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas
Núcleo de Direito Global e Desenvolvimento
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RESUMO A geopolítica econômica se caracteriza como o uso de instrumentos econômicos para
promover e defender interesses nacionais, de forma que um Estado pode empregar meios
econômicos para projetar poder além de suas próprias fronteiras sobre outro Estado, visando
obter desse último, benefícios econômicos e políticos. Nesse aspecto, as relações entre Brasil
e Angola, desde o regime militar, passando pelos governos Sarney, Fernando Henrique e com
destaque para o governo Lula têm se caracterizado pelos constantes investimentos em
Angola por meio de suas multinacionais brasileiras (VISENTINI, 2014). Esses investimentos
têm resultado em benefícios políticos e econômicos para o Brasil na medida em que o país
obteve alinhamentos de votos junto à ONU e à OMC e as suas multinacionais conseguiram
novos negócios e mercados em Angola. Diante desse cenário, o presente artigo tem por
objetivo avaliar e demonstrar - sob o ponto de vista da geopolítica econômica – que
independentemente do viés ideológico do governo que esteve, que está ou que estiver no
comando do país, a projeção de poder, por meio de suas multinacionais, sobre a África, em
especial sobre Angola, é estratégica para o Brasil. Para tanto, o autor faz um estudo
comparativo entre as políticas externas dos governos desde o regime militar até o governo
Dilma com base em estudos já elaborados (RODRIGUES e GONÇALVES, 2016) com a atual
política externa do governo Temer. Para avaliar a política do governo atual, o autor utiliza o
método de análise de discurso com o apoio da ferramenta de pesquisa o software Atlas.ti. O
objetivo é verificar se o governo atual mantém ou não a mesma estratégia geopolítica com
relação à África, encontrada em relação aos governos anteriores. Afinal, se o Brasil quer
assegurar um mínimo de poder econômico nas suas relações internacionais, deve ele persistir
na relação sul-sul com a África.
Palavras-chave: Geopolítica – Brasil – África.
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Introdução Notamos que a utilização de instrumentos de cooperação políticos e econômicos
(exemplos: comércio; investimentos diretos e, especialmente, a presença de multinacionais
brasileiras em território angolano) têm sido parte de uma política externa exitosa nas relações
entre Brasil e África desde a década de 70. Ainda, entendemos que o Brasil emprega
elementos de geopolítica econômica nas suas relações com a África, visando minimizar
constrangimentos políticos e econômicos de Estados centrais com quem mantém relações
assimétricas de poder, tais como os Estados Unidos e a União Europeia (uma confederação).
Com essa perspectiva, independentemente da ideologia política prevalecente no
Planalto, os vários condutores da política externa brasileira têm se dedicado a aperfeiçoar o
vínculo com a África subsaariana e em especial com Angola, seja por meio de apoio e
participação na criação de entidades multilaterais, tais como a Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa (CPLP), seja por meio de constantes investimentos em Angola por meio
de multinacionais brasileiras (VISENTINI, 2014).
Assim, o objetivo do autor é, sob a ótica da geopolítica econômica, apresentar a
política externa do Brasil em relação à África subsaariana e, consequentemente, Angola,
desde o regime militar, passando pelos governos Sarney, Fernando Henrique e com destaque
para o governo Lula até o governo Temer. Para tanto, depois desta introdução, no item 1
fazemos um breve estudo sobre geopolítica, geoeconomia e soft power e como eles se
aplicam à política externa brasileira. No item 2, as políticas externas dos governos Geisel e
Figueiredo em relação à Angola são estudadas. No item 3, abordarmos as políticas externas
dos governos Sarney; Collor; Itamar e Fernando Henrique. Após, no item 4 será exposta a
política externa do governo Lula e de Dilma. No item 5, o governo Temer será estudado. No
item 6 e último, seguirão nossas considerações finais.
1. Geoeconomia1 e Política Externa Brasileira Temos diversas definições sobre o que é geopolítica, sendo impossível achar um
conceito considerado mais adequado ou completo. Não há sequer uma concordância entre
diversos estudiosos do tema sobre a definição do que seja geopolítica (BLACKWILL e
HARRIS, 2016), de forma que o conceito aqui adotado pode não refletir o entendimento de
outros estudiosos que consideram a geopolítica de acordo com uma lógica militar e
geográfica. Assim, diferentemente das definições de Y. Lacoste e F. Ratzel, em que a
geopolítica pode ser estabelecida como o “estudo da influência dos fatores geográficos sobre
a política” (HUGON, 2009, p.9), Vesentini (2016) concebe a geopolítica como um campo de
estudos multidisciplinar, não se resumindo ela a uma única disciplina, seja a geografia e/ou a
1 As expressões geopolítica econômica e geoeconomia são utilizadas de forma similar neste artigo.
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estratégia militar. Para ele, a geopolítica contemporânea pode ser compreendida como um
espaço de estudos interdisciplinar (exemplos: ciência política; economia; história; geografia
e/ou sociologia) relacionada à “correlação de forças no plano espacial, com ênfase na escala
global. Baracuhy (2015) explica que a geopolítica trata do estudo da configuração de poder
no sistema global e suas consequências para a competição política internacional. Esse autor
complementa, esclarecendo que a geopolítica e a geoeconomia estão essencialmente
relacionadas à competição geoestratégica por hegemonia e poder internacional no mapa
político global. A diferença, prossegue ele, é que na geoeconomia é ressaltada a dimensão
do poder econômico contido na lógica geopolítica. De acordo com Luttwak (1990), a lógica da
guerra com instrumentos militares, mesmo que ainda presente, passa a dar lugar cada vez
mais à lógica do comércio ou da guerra com instrumentos econômicos. Continua ele,
afirmando também que a competição não se dará mais no campo da ideologia ou da corrida
armamentista e sim com a conquista de mercados, com ou sem déficits na balança comercial
e com a corrida por ganhos monetários. Grevi (2012) indica que a geoeconomia compreende
tanto a conversão de ativos econômicos em projeção política, quanto a promoção do poder
político para atingir objetivos econômicos, seja por meios competitivos ou cooperativos.
Diante dessas características, questionamos se é possível integrar política externa e
geoeconomia, visando entender sob essa lente as ações tomadas pelos governos brasileiros
desde a década de 70 em relação à Angola? Pessoa (2012) apresenta um modelo brasileiro
de geoeconomia que associa as características da política externa. Nesse modelo, destacam-
se: (i) a construção de confiança e a valorização do multilateralismo. Essas características
são derivadas da autodeterminação; da resolução pacífica de conflitos e do “multilateralismo
normativo”2 na arena internacional. Um dos exemplos mais clássicos é a forma como o Brasil
emprega os instrumentos de política externa em relação aos países africanos, ora
reconhecendo a independência de Angola (governo Geisel), ora criando e aprimorando
instituições multilaterais com esses países (exemplo: CPLP – governo Fernando Henrique);
(ii) cooperação sul-sul. Essa forma de cooperação, derivada de uma ação externa
cooperativa, tem sido empregada desde a década de 70 como parte da política externa
brasileira para a África, especialmente com Angola e Moçambique, inclusive em razão de uma
língua e de um passado comuns, em que tanto o Brasil como esses países foram ex-colônias
de Portugal; (iii) desenvolvimento como objetivo. Trata-se de um elemento chave do modelo
geoeconômico brasileiro. Todas as articulações da diplomacia brasileira são, em boa parte,
dirigidas para alcançar acordos e condições que possam ser favoráveis ao desenvolvimento
2Definido por Cervo (2008) como estratégia aplicada pelos condutores da política externa brasileira após a independência do Brasil. A celebração de acordos e a participação em diversas organizações internacionais foi uma das formas que o Brasil encontrou para interagir com a comunidade internacional.
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brasileiro; e (iv) inserção internacional independente. Proveniente da busca por autonomia em
política externa3, o modelo geoeconômico brasileiro é particular e não segue modelos de
outros países. Como exemplo, Pessoa (2012) cita a inserção internacional do Brasil por meio
de investimentos na África.
Quanto ao soft power, no que se refere ao Brasil, o exercício da política externa sempre
foi marcado por persuasão e construção de consenso em claro exemplo de soft power
(BURGES, 2008). Valença e Carvalho (2014) esclarecem também que os financiamentos do
BNDES às empresas multinacionais brasileiras com vistas a atuarem em Angola podem ser
vistos como uma modalidade de emprego de soft power. Pessoa (2012) finalmente pontua
que esse poder brando faz parte do modelo geoeconômico brasileiro em razão da forma com
que o Brasil se relaciona com os demais Estados, isto é, dando ênfase à negociação, à
cooperação e aos investimentos realizados.
2. Geoeconomia e as Políticas Externas de Geisel e de Figueiredo (1974-1985) A conjuntura econômica internacional era incerta na década de 70, especialmente em
razão de dois choques do petróleo (1973-1979), da crise do padrão-ouro do sistema de
Bretton-Woods e com relativo declínio das economias dos Estados centrais em estagflação,
principalmente os Estados Unidos (ALMEIDA, 2001). Sob a ótica política, a guerra fria
envolvendo a URSS dominava o ambiente político internacional com o jogo de narrativas no
campo geopolítico (BARACUHY, 2015). Em Portugal, ocorre a Revolução dos Cravos,
derrubando o governo herdado de Salazar, provocando a saída dos portugueses das colônias
africanas. No Brasil, ao mesmo tempo em que começava a enfrentar problemas com relação
à escassez de petróleo, a indústria brasileira começava a competir com os países centrais.
Assim, com essa combinação dos quadros econômico e político internacional, em que
o país se encontrava muito mais exposto ao jogo da geopolítica econômica do que em
governos anteriores, toma posse no Planalto em março de 1974, o General Ernesto Geisel.
Em decorrência dos fatos descritos, Geisel teria de enfrentar os impactos do choque do
petróleo no fornecimento dessa commodity ao Brasil e a desvinculação automática com a
política colonialista de Portugal. Ele então adota um discurso realçando o caráter pragmático
da política externa brasileira com o “Pragmatismo Responsável” (SOUTO MAIOR, 2006). Há
uma inflexão na política internacional do Brasil em que os interesses nacionais ganham
relevância e há uma clara rejeição ao alinhamento automático e “apriorístico com o Mundo
3Quanto à autonomia, é interessante esclarecer também que a soberania westfaliana, tal como concebida pelos Estados centrais não se concilia com a realidade dos países em desenvolvimento ou países da periferia, pois poucos Estados possuem de fato total autonomia, de forma que alguns Estados são mais autônomos que outros (KRASNER 1999; NEUMAN, 1998) – exemplo: Estados Unidos em relação ao Brasil. Dessa forma, a noção de autonomia é ainda mais importante para Estados como o Brasil que possuem escassos recursos de poder (VIGEVANI e CEPALUNI, 2009).
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Ocidental”, cujos valores o Brasil ainda se identificava nos dizeres de Geisel (SOUTO MAIOR,
2006). Dessa forma, com o objetivo de defender e garantir o suprimento de petróleo ao Brasil,
minimizar as quedas nas exportações brasileiras e melhorar a posição econômica e política
do país na arena internacional, Geisel e a diplomacia brasileira aceitaram um período de
fricção com os Estados Unidos e fizeram uma política de aproximação com os países
africanos. Como consequência, em novembro de 1975, o Brasil reconhece a independência
de Angola. Tratava-se de um movimento tático e não ideológico, cujo objetivo maior não era
atingir a liderança do mundo em desenvolvimento, mas de aprimorar laços com as nações
africanas, visando um status econômico e político maior, tal qual os países desenvolvidos
(ROETT e PERRY, 1977).
Nesse sentido, houve um esforço prático de consolidar as relações com Angola com
a abertura de Embaixada e agências bancárias, com o fomento do comércio e com esforços
de cooperação técnica (SOUTO MAIOR, 2006). Essas medidas foram traduzidas em apoio
político do país africano junto ao Conselho Econômico e Social da ONU, onde a Argentina
pleiteava a aprovação de projeto que era contrário aos interesses energéticos brasileiros4.
Finalmente, como decorrência e após processos de negociações diplomáticas entre os
governos brasileiro e angolano, em 1979, a Petrobrás inicia a sua atuação em Angola com
contratos de exploração e produção celebrados com o governo angolano (PETROBRAS,
2009).
Iniciado em 1979, a política externa do governo Figueiredo em relação à África,
especialmente em relação à Angola, caracteriza-se pela continuidade da política empregada
por Geisel. No entanto, piora o quadro econômico e político internacional, que já se mostrava
adverso durante o governo anterior. Entre as razões econômicas destacam-se a forte
elevação da taxa de juros por parte do governo Reagan nos Estados Unidos, cujo resultado
foi o aumento da dívida externa dos países em desenvolvimento, entre eles o Brasil5. Do lado
político, ocorre o fim da détente em 1979 e uma nova fase de atritos geopolíticos entre Estados
Unidos e URSS com a renovação da Guerra Fria. Com a política externa denominada de
“Universalismo”, o governo Figueiredo esforça-se por manter a autonomia do Brasil em
relação às potências centrais, mesmo em um ambiente crescentemente desfavorável
4 Cf. O Estado de São Paulo, 16 de maio de 1974, “Brasil muda posição na África”. 5 “O aumento dos juros americanos contribuiu para aumentar seus déficits em conta corrente de duas formas: (1) através da retração das importações dos países industrializados (entre eles os Estados Unidos, historicamente, grande comprador de produtos brasileiros); e (2) através do aumento das despesas com a dívida externa, já que grande parte dela fora contratada a taxas flutuantes (revistas a cada seis meses), indexadas à prime rate. Ao mesmo tempo, os juros mais altos dificultavam a captação de novos empréstimos pelos países já endividados: além de atrair recursos para os países industrializados, aumentavam o risco atribuído (pelos investidores estrangeiros) aos países devedores, porque implicavam maiores despesas com a dívida já contratada e maiores custos de “rolagem” da dívida vincenda. Nessas condições, a compensação dos déficits em conta-corrente por superávits na conta de capital, como se fez no Brasil durante o “milagre”, não era mais possível” (HERMANN, 2011).
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(VISENTINI, 2013). A continuidade da política externa e o emprego do modelo geoeconômico
brasileiro mostrou-se positivo comercial e politicamente. Comercialmente, houve aumento nas
exportações para a África, atingindo em 1984 1,7 bilhões de dólares, com destaque para
Angola, Nigéria, Argélia, entre outros países africanos (OLIVEIRA, 1987). Em 1980 é
celebrado o primeiro acordo bilateral formal entre Angola e Brasil, em que os princípios
presentes nesse documento foram subsequentemente incorporados nos atos bilaterais
posteriores assinados entre 1980 e 2015, entre eles destaca-se o objetivo de cooperação
(BADIN et al, 2017). Quanto à participação das multinacionais brasileiras, a ação política do
governo Figueiredo, envolvendo o Ministério das Relações Exteriores, resulta em 1984 na
assinatura do contrato entre a Odebrecht e o governo angolano para a construção – em
Angola – da Hidrelétrica de Capanda, proporcionando não só o desenvolvimento econômico
nesse país, mas também a capacitação de mão-de-obra angolana (BADIN et al, 2017).
Observamos o emprego do modelo geoeconômico brasileiro durante esses governos
com resultados políticos e econômicos favoráveis ao Brasil. Com vistas a uma inserção
internacional independente, especialmente dos Estados Unidos, o Estado brasileiro constrói
uma relação de confiança e credibilidade junto à Angola, o que pode ser examinada na
abordagem política do Brasil junto ao governo daquele país ao reconhecer a sua
independência e a atenção especial dada pelo governo Figueiredo aos países de língua
portuguesa, entre eles Angola.
3. Geoeconomia e as Políticas Externas de Sarney à Fernando Henrique (1985-2002) Em março de 1985, com o governo Sarney tem início o processo de redemocratização
do país. A política externa em relação à África é mantida, mas sofre revezes nos fluxos
comerciais devido à crise da dívida externa e outros impactos negativos oriundos do sistema
econômico e financeiro internacional (CORRÊA, 2006). Do lado da América Latina,
Wallerstein (1996) descreve de forma mais apropriada essa fase: “Os vivas para a
democratização parcial (incluídas as anistias para os condenados) vinham com os ajustes ao
FMI e a necessidade para os pobres de apertar os cintos ainda mais”.
Como exemplo, temos o “crash” da Bolsa de Nova York em 1987. Sarney busca dar
continuidade às políticas externas anteriores em relação à África, pois precisava fortalecer as
relações sul-sul ou pelo menos mantê-las politicamente, sob pena de se tornar cada vez mais
isolado sob o aspecto econômico, sobretudo porque os fluxos financeiros e o comércio
internacional estavam sendo cada vez mais ditados pela competição entre multinacionais
(CORRÊA, 2006). Assim, em 1986 é criada, especialmente em razão da atuação política do
Brasil, a Zona de Paz e Cooperação no Atlântico Sul (ZOPACAS) (MOURÃO e OLIVEIRA,
2005). E, por fim, o governo Sarney estabelece uma comissão de urgência em 1989 para
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estimular a cooperação entre Brasil e Angola com votação de medidas provisórias (BADIN et
al, 2017).
Fernando Collor em 1991, Itamar em 1992 e Fernando Henrique em 1995 assumem
os seus respectivos governos dentro de um contexto geopolítico econômico distinto dos
anteriores e que é predominante durante toda a década de 90 e início dos anos 2000. E qual
é esse contexto? Em 1991 havia uma conjuntura de pós-guerra fria, em que o sistema
internacional, antes baseado na lógica da bipolaridade ideológica desintegra-se, dando lugar
a uma nova ordem mundial, “em que as organizações internacionais ganham maior
importância, assim como as iniciativas de cooperação entre os países” (MARIANO, 2007).
Quanto às relações com Angola, Becard (2009) assinala que o governo Collor ficou marcado
pelo rápido declínio do fluxo comercial, não obstante tenha visitado Angola. Durante o governo
Itamar, o Brasil participou de missões de paz em Angola (BECARD, 2009). Por fim, Fernando
Henrique, na qualidade de chanceler no governo Itamar conseguiu convencer o governo dos
Estados Unidos a reconhecerem o MPLA em Angola como um governo legítimo (BARRETO,
2012), fortalecendo ainda mais a imagem positiva do Brasil junto a esse país africano.
Em 1995 assume Fernando Henrique. Em 1996, avançando nas propostas dos
governos anteriores, ocorre a oficialização da CPLP, a versão estruturada de um fórum de
diálogos – inclusive sobre questões econômicas – entre o Brasil e os países africanos. Em
viagens à África, Fernando Henrique visitou Angola e foi acompanhado com comitivas de
empresários interessados em investir na infraestrutura do país ainda em guerra civil
(WOLTERS, 2016). Entre 1997 e 2002 há um aumento do fluxo comercial com os países da
África, chegando a US$5,3 bilhões em 2001 (BRASIL, 2016).
O que se depreende do estudo das políticas externas concernentes à África/Angola
desde o governo Sarney, em menor escala durante os governos Collor-Itamar, é a frequente
utilização de expedientes característicos do modelo geoeconômico brasileiro com vistas a
projetar poder, não só político, mas especialmente econômico, sobre países africanos, entre
eles, Angola.
4. Geoeconomia e as Políticas Externas de Lula e Dilma (2003-2016) O período compreendido entre os anos de 2003 e 2008 foi caracterizado pela
ascensão dos países emergentes, particularmente da China, à categoria de novos polos de
poder econômico e político. Praticamente todas as regiões, inclusive América Latina e África,
vivenciaram a expansão da renda e melhoria na situação de solvência externa e fiscal (APEX,
2011). Na contramão desse ciclo positivo na economia internacional, em 2008 sobrevém a
crise financeira que impacta sensivelmente as economias centrais, sobretudo dos Estados
Unidos e da União Europeia. Diante desse panorama, os objetivos passam a ser, a partir de
2009, a busca, tanto pelas economias desenvolvidas, como aquelas em desenvolvimento, de
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um novo reequilíbrio “do poder econômico e geopolítico mundial com a consolidação da
notável ascensão econômica da China e o surgimento de outros polos de poder entre países
emergentes, como o Brasil e a Índia” (BARACUHY, 2015).
É diante desse contexto geoeconômico internacional que Lula assume o governo
brasileiro em 2003 e segue até o término de seu segundo mandato em 2011, caracterizando
a sua política externa pela busca da autonomia por meio da diversificação (VIGEVANI e
CEPALUNI, 2009). Durante o seu governo, Lula procura alavancar a projeção de poder do
Brasil, aperfeiçoando as relações internacionais do país com relação à África (VISENTINI,
2013). Para entender de forma sistêmica a política externa de Lula frente à África subsaariana,
Visentini (2013) disseca a estratégia internacional do governo em três dimensões. Trata-se
da diplomacia econômica, da política e de um programa social. O enfoque econômico é
realista, preservando os canais de contato com as economias desenvolvidas. A perspectiva
política é de resistência e afirmação dos interesses nacionais com protagonismo nas relações
internacionais. A terceira dimensão é propositiva com o patrocínio de programas sociais. A
presença dessas três vertentes pode ser vista no relacionamento com Angola mediante
alguns exemplos concretos.
Em conformidade com o ambiente econômico e político internacional e devido ao
caráter estratégico de Angola para o governo, o ex-presidente visita oficialmente esse país
três vezes (2003, 2007 e 2010), assinando 45 acordos bilaterais e se mostrando como um
interlocutor ativo entre a América do Sul e os países africanos (GONÇALVES e RODRIGUES,
2016). Além disso, entre 2001 e 2014 as exportações6 das empresas brasileiras para Angola
cresceram mais de 8 vezes, fazendo com que o Brasil se tornasse o segundo maior parceiro
comercial da África subsaariana (GONÇALVES e RODRIGUES, 2016). Sob a perspectiva da
cooperação técnica e dos programas sociais, outras empresas como a Embrapa (MORAIS,
2014) e a Fiocruz passaram a atuar fortemente em Angola com o objetivo de fornecer
tecnologia e fomentar pesquisas nas áreas agrícola e de saúde, promovendo também a
segurança alimentar e a capacitação dos sistemas de saúde de Angola (FEDATTO, 2013).
Marcopolo e Embraer também ampliam a sua rede de comércio, vendendo produtos para
Angola, sendo uma forma de inserção competitiva do Brasil em setores de ponta,
assegurando o acesso a mercados estratégicos nas áreas de transporte, segurança e defesa
(GONÇALVES e RODRIGUES, 2016).
Quanto ao alinhamento político obtido pelo Brasil junto aos países africanos,
Gonçalves e Rodrigues (2016) apresentam um estudo em que Angola tem um comportamento
político internacional alinhado com o Brasil nas votações da Assembleia Geral da ONU entre
6Em 2014, as exportações para Angola representaram U$$1,2 bilhão de dólares (cf. GONÇALVES e RODRIGUES, 2016 – Ministério da Indústria e Comércio Exterior 2015).
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2001 e 2012. Eles indicam que há uma coincidência entre o período em que o alinhamento
de votos esteve no auge (2006-2011) com o período de crescimento: (i) do número de projetos
de cooperação entre Brasil e Angola; (ii) de desembolsos por parte do BNDES; e (iii) de
exportações brasileiras para o país. Ainda, foi nesse período em que ocorreram duas das três
visitas de Lula em Angola.
Trata-se de estudo que pode corroborar com o entendimento: (i) acerca da projeção
de poder político do Brasil junto à ONU também por meio de outros países; e (ii) de que essa
projeção de poder pode ter sido exitosa porque o Brasil utilizou o seu modelo geoeconômico
via política externa nas suas relações com Angola. Afinal, é possível perceber: (i) a
operacionalização da cooperação sul-sul por meio da atuação da Fiocruz e da Embrapa; (ii)
a construção de confiança com os desembolsos do BNDES e também por meio da presença
das multinacionais brasileiras em território angolano; e (iii) o desenvolvimento como objetivo
ao combinar diplomacia econômica (colaboração na criação de canais políticos, financeiros,
institucionais e logístico) com o aumento no número das exportações brasileiras para Angola.
Outra variação desse entendimento é que ao projetar poder por meio de suas multinacionais
(Fiocruz; Embrapa; Odebrecht; Petrobras; Embraer e Marcopolo, por exemplo), o Brasil
conseguiu colher frutos positivos, não só no âmbito econômico, mas também político junto às
organizações internacionais.
Em 2011 quando a ex-presidente Dilma assume o governo, o quadro internacional era
diferente daquele em que Lula assumira em 2003. De forma diversa, a economia
internacional, notadamente as economias centrais, encontrava-se retraída em função da crise
financeira de 2008. Diante desse contexto, a política externa de Dilma em relação à África,
embora não tenha perdido importância, deixou de ter prioridade e protagonismo (VISENTINI,
2014), tendo ela que se concentrar na administração da crise econômica doméstica.
5. África e a Política Externa de Temer (12.05.2016 – 12.05.2017) O panorama político internacional em que Temer toma posse é muito similar àquele
da saída da ex-presidente Dilma, isto é, com a elevação da dependência econômica do Brasil
em relação à China e a certeza de uma onda global de neopopulismo, que venceu o voto pela
saída da União Europeia no Reino Unido – o Brexit – e levou Donald Trump à presidência dos
Estados Unidos (SPEKTOR, 2016).
5.1. Análise de Discurso – Escolha das Teorias Interpretativas e Recortes Metodológicos
O autor realizará esse estudo com base numa associação de diferentes métodos
teóricos de interpretação com a finalidade de alcançar a melhor leitura possível dos objetivos
de política externa do governo Temer para a África. Assim sendo, relativamente às teorias
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interpretativas, Parker (1992), teórico da Análise Crítica do Discurso sugere alguns
indicadores que nos ajudam a iniciar uma análise. Dois são os indicadores adotados pelo
autor. O primeiro relacionado às instituições, devendo ser identificadas aquelas: (i) reforçadas
pelos discursos; e (ii) atacadas pelos discursos. O outro critério corresponde ao poder, isto é:
(i) que categorias de pessoas ganham; e (ii) que categorias de pessoas perdem. Outra teoria
interpretativa escolhida, que será combinada com os indicadores de Parker (1992), é aquela
desenvolvida por Van Dijk (2003; 2006) referente à análise ideológica do discurso.
Entendemos que essa teoria pode ser útil no ambiente político conflituoso em que se deu a
saída da ex-presidente Dilma e a entrada do atual presidente Temer. Van Dijk (2003) revela
que a polarização pode ser percebida na contraposição entre “nós” e os “outros”, sendo
indicada semanticamente por meio do contraste. Van Dijk (2006) complementa, expondo que
há uma estratégia geral em que, num mesmo discurso, convivem uma apresentação positiva
do ator político que discursa e outra negativa daquele que é considerado opositor. A última
teoria empregada é a descrita por Milliken (1999), em que as construções discursivas são
feitas de tal forma que existe apenas um ponto de vista a ser considerado como verdadeiro.
No que diz respeito aos recortes metodológicos, temos que: (i) as fontes de coleta dos
discursos foram as páginas eletrônicas do planalto e do Itamaraty, referente aos discursos
oficiais do presidente Temer, do ex-presidente Lula; e de posse do ex-ministro das relações
exteriores José Serra e do atual ministro Aloysio Nunes; e (ii) o recorte temporal relativo à
presidência de Michel Temer foi aquele compreendido entre 12.05.2016 e 12.05.2017. Foram
feitas leituras de todos os discursos do período e selecionados, com a exceção do discurso
de posse do presidente, aqueles que continham as palavras-chave “África/Países Africanos”
e que, cumulativamente, tratavam da política externa com relação à África. Ainda, nos
discursos de Temer, Serra ou Aloysio Nunes não foram encontradas quaisquer referências à
Angola.
5.2. Utilização do Software Atlas.ti7 como auxílio para análise de discurso – Redes de Conexões
O software Atlas.ti foi útil na sistematização das teorias de interpretação escolhidas
pelo autor. Além disso, o software possibilitou a visualização de conexões entre discursos,
teorias interpretativas e palavras-chave. O software permitiu ainda estabelecer comparações
simultâneas entre discursos de governos diferentes (Lula e Temer). Para tanto, o banco de
dados do software foi previamente “alimentado” com: (i) os discursos; (ii) os blocos
7 O software Atlas.ti consiste em uma ferramenta para a análise de dados qualitativos, podendo a sua utilização ser útil na pesquisa qualitativa. Para saber mais sobre a natureza e utilização desse software, indicamos a leitura do livro de Susane Friese, Qualitative Data Analysis with ATLAS.ti. SAGE Publications Ltd. 2012.
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interpretativos, criados pelo autor a partir das interpretações realizadas com base em Parker
(1992); Milliken (1999); e Van Dijk (2003) e com as palavras-chave destacadas nos discursos.
A partir daí foram separados determinados trechos, conforme as relações com a política
externa para a África e elaboradas pelo autor, com a ajuda do software, redes de conexões
com os dados mencionados. Como resultado, seguem as representações dessas análises em
forma de redes de conexões, logo abaixo das análises dos discursos no item 5.3.
5.3. Análise de Discursos – Governo Temer (A) Discurso de Michel Temer durante a cerimônia de posse dos novos ministros de
Estado no Palácio do Planalto – 12.05.20168:
Por isto eu insisto sempre em invocação do texto constitucional. Muito bem, nesta Constituição, a independência nacional, a defesa da paz e da solução pacífica de conflitos, o respeito à autodeterminação dos povos (...). São, meus amigos, esses elementos de consenso que nos permite estabelecer bases sólidas para a política externa que volte a representar os valores e interesses permanentes no nosso País. A recuperação do prestígiodo País e da confiança em seu futuro serão tarefas iniciais e decisivas para o fortalecimento da inserção internacional da nossa economia.
Temer fala em uma política externa que “volte a representar os valores e interesses
permanentes no nosso país”. Ao transpor para a política externa em relação à África, o texto
sugere que as políticas dos governos anteriores (Dilma e Lula) não representavam os “valores
e interesses do país”. Há um contraste entre “nós” (governo Temer e sua base política) e
“eles”, relativo aos governos antecedentes, conforme Van Dijk (2003). Por fim, ao pronunciar
“São, meus amigos, esses elementos de consenso”, o presidente parece estabelecer um
ponto de vista único e homogêneo compartilhado por toda a população (Milliken, 1999).
8Cf.<http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-planalto/discursos/discursos-do-presidente-da-republica/discurso-do-presidente-da-republica-michel-temer-durante-cerimonia-de-posse-dos-novos-ministros-de-estado-palacio-do-planalto>. Acesso em: 24.06.2017.
12
(B) Discursos de Temer e Lula nas Aberturas das Assembleias Gerais da ONU:
Quadro Comparativo dos Primeiros Discursos de Mandato na Assembleia Geral da ONU Temer - 71a Assembleia Geral da ONU – 20.09.20169
Lula I - 58a Assembleia Geral da ONU – 23.09.200310
Lula II – 62a Assembleia Geral da ONU – 25.09.200711
“A vizinhança brasileira também se estende a nossos irmãos africanos, ligados a nós pelo Oceano Atlântico e por uma longa história. Sediaremos, aliás, neste ano, a Cúpula da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Dos nove membros da Comunidade, seis são africanos. O Brasil olha para a África com amizade e respeito, com a determinação de empreender projetos que nos aproximem ainda mais”.
“Somos, com muito orgulho, o país com a segunda maior população negra do mundo. Em novembro, deverei visitar cinco países da África Austral, para dinamizar nossa cooperação econômica, política, social e cultural. (...) Com a Índia e a África do Sul estabelecemos um foro trilateral, orientado para a concertação política e projetos de interesse comum”.
“A Unitaid já conseguiu reduções de até 45% nos preços dos medicamentos contra a Aids, a malária e a tuberculose destinados aos países mais pobres da África”. (...). Temos atuado para aproximar povos e regiões, impulsionando o diálogo político e o intercâmbio econômico com os países árabes, africanos e asiáticos, sem abdicar de nossos parceiros tradicionais”.
Nesse discurso de Temer não há o contraste verificado no discurso anterior em relação
aos governos do PT. É provável que a falta de confrontação esteja vinculada à audiência para
o qual o discurso é dirigido. No discurso de posse, as afirmações eram feitas
preponderantemente para a base aliada do atual governo. No discurso da ONU, a audiência
é maior e, não necessariamente, concorda com as afirmações de Temer. Podemos
acrescentar ainda que o discurso não menciona políticas concretas em relação à África,
quando comparado com os discursos de Lula. Vale ressaltar que, embora Temer lembre que
o Brasil sediará o encontro da CPLP, trata-se de evento já agendado em outros governos,
sendo que a CPLP foi criada ainda no governo Fernando Henrique.
9 Cf. < http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-planalto/discursos/discursos-do-presidente-da-republica/discurso-do-senhor-presidente-da-republica-michel-temer-durante-abertura-do-debate-geral-da-71a-assembleia-geral-das-nacoes-unidas-nova-york-eua> . Acesso em: 24.06.2017. 10Cf.<http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI147302-EI306,00-Leia+o+discurso+de+Lula+na+Assembleia+Geral+da+ONU.html>. Acesso em: 24.06.2017. 11 Cf. <http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL109864-5602,00.html> . Acesso em: 24.06.2017.
13
Fig. 1: Rede de Conexão entre os primeiros discursos de Michel Temer (Posse-
12.05.2016 e na 71a AG da ONU – 20.09.2016), palavras-chave e os blocos interpretativos:
Legenda: à Palavras-Chave
à Blocos Interpretativos, baseados em Milliken (1999); Van Dijk
(2003) e Parker (1992).
à Discursos de Temer.
Fonte: Rede de Conexões elaborada pelo autor com base no banco de dados gerado pelo software Atlas.ti.
14
(C) Discursos dos ministros das relações exteriores José Serra e Aloysio Nunes em
relação à África:
Discursos de Serra e Aloysio Nunes em suas Respectivas Posses Discurso de Serra – 18.05.201612 Discurso de Aloysio Nunes – 07.03.201713
“A nossa política externa será regida pelos valores do Estado e da nação, não do governo e jamais de um partido. (...). Estaremos empenhados igualmente em atualizar o intercâmbio com a África, o grande vizinho do outro lado do Atlântico. Não pode esta relação restringir-se a laços fraternos do passado e às correspondências culturais, mas, sobretudo, forjar parcerias concretas no presente e para o futuro. Ao contrário do que se procurou difundir entre nós, a África moderna não pede compaixão, mas espera um efetivo intercâmbio econômico, tecnológico e de investimentos. Nesse sentido, a solidariedade estreita e pragmática para com os países do Sul do planeta terra continuará a ser uma diretriz essencial da diplomacia brasileira. Essa é a estratégia Sul-Sul correta, não a que chegou a ser praticada com finalidades publicitárias, escassos benefícios econômicos e grandes investimentos diplomáticos”.
“Não devemos esquecer o compromisso histórico e o interesse cada vez maior pelas relações com nossos parceiros no mundo em desenvolvimento. Sem descuidar das convergências que temos entre nós, é hora de concretizar as muitas oportunidades para um comércio ampliado, para investimentos recíprocos e para parcerias empresariais. O caso da África é uma ilustração deste fato. O continente africano cresceu nas últimas décadas quase o dobro do que a América Latina. As mais expressivas lideranças africanas têm deixado claro que não buscam compaixão assistencial, mas investimentos e parcerias empresariais e tecnológicas. Como potência agrícola, o Brasil está pronto a compartilhar sua tecnologia agrícola, por exemplo, com parceiros e amigos mediante arranjos inovadores, maior cooperação entre entidades de pesquisa, intercâmbio de especialistas, investimentos e parcerias empresariais. Pretendo visitar países da África ainda neste semestre”.
Os discursos de Serra são mais contundentes do que os discursos de Temer no que
diz respeito à política externa dos governos anteriores. Ele inicia o discurso articulando
(MILLIKEN, 1999) os seus dizeres com o objetivo de colocar um ponto de vista que, do ponto
de vista retórico, seria plenamente compartilhado por todos os brasileiros com relação à
política externa para a África e que seria contrário às políticas de Lula e Dilma. O contraste
entre “nós” e “eles” é colocado de forma explícita e didática com o objetivo de deixar claro que
a política externa para a África vai ser alterada (VAN DIJK, 2003). Quem perde, conforme
Parker (1992)? Os partidos de centro-esquerda e as políticas externas de Lula e Dilma para
a África. Complementa Mello (2017) que a política para a África já vinha numa escalada
decrescente durante o governo Dilma, Serra “apenas pôs a lápide no túmulo que já estava
pronto”, notadamente em razão do cunho economicista do discurso. Aloysio Nunes, por outro
12Cf.<http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/ministro-das-relacoes-exteriores-discursos/14038-discurso-do-ministro-jose-serra-por-ocasiao-da-cerimonia-de-transmissao-do-cargo-de-ministro-de-estado-das-relacoes-exteriores-brasilia-18-de-maio-de-2016>. Acesso em: 30.06.2017. 13Cf.<http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/ministro-das-relacoes-exteriores-discursos/15828-texto-base-para-o-discurso-de-posse-do-ministro-de-estado-das-relacoes-exteriores-aloysio-nunes-ferreira-palacio-itamaraty-7-de-marco-de-2017> Acesso em: 30.06.2017.
15
lado, adota um tom mais conciliador em relação à política externa para a África, ressaltando
que viajará para o continente, visando fortalecer os empreendimentos e parcerias em diversas
áreas, tais como agrícola, pesquisa em geral e no que concerne às relações das
multinacionais brasileiras com os países africanos (“parcerias empresariais”). Casarões
(2017) resume o motivo por trás da postura diferenciada de Aloysio Nunes em comparação à
Serra, pois sem as pressões eleitorais pelas quais esse último passava, o novo chanceler
“terá a chance de resgatar o ativismo da política externa sem necessariamente rechaçar o
acumulado institucional e diplomático deixado pelos governos do PT”.
Fig. 2: Rede de Conexões do primeiro discurso de Serra na posse em 18.05.2016,
contendo as palavras-chave e as associações feitas com os blocos interpretativos:
Legenda: à Palavras-Chave
à Blocos Interpretativos, baseados em Milliken (1999); Van Dijk
(2003) e Parker (1992).
à Discurso de Serra.
Fonte: Rede de Conexões elaborada pelo autor com base no banco de dados gerado pelo software Atlas.ti.
16
Fig. 3: Rede de Conexões do primeiro discurso de Aloysio Nunes na posse em
07.03.2017, contendo as palavras-chave e as associações feitas com os blocos
interpretativos:
Legenda: à Palavras-Chave
à Blocos Interpretativos, baseados em Milliken (1999); Van Dijk
(2003) e Parker (1992).
à Discurso de Aloysio Nunes.
Fonte: Rede de Conexões elaborada pelo autor com base no banco de dados gerado pelo software Atlas.ti.
17
5.4. Comparação de Discursos – Lula e Serra com base na Rede de Conexões produzida pelo software Atlas.ti
Fig. 4: Rede de Conexões entre o primeiro discurso de Lula na 62a Assembleia Geral
da ONU em 2007 e de José Serra em sua posse no Itamaraty em 18.05.2016:
Legenda: à Palavras-Chave
à Blocos Interpretativos, baseados em Milliken (1999); Van Dijk
(2003) e Parker (1992).
à Discursos de Lula e Serra.
Fonte: Rede de Conexões elaborada pelo autor com base no banco de dados gerado pelo software Atlas.ti. Após avaliar o discurso de Serra no item 5.3 (C), compará-lo com os discursos de Lula
na Assembleia Geral da ONU – item 5.3 (B) e inserir os blocos interpretativos, podemos
visualizar os contrastes em relação aos discursos de Lula e de Serra com base na fig. 4. Essa
figura reflete discursos polarizados entre os governos do PT e do atual governo Temer,
sobretudo com relação à política externa para a África, assunto objeto deste artigo. A
assertividade de Serra contra as estratégias geoeconômicas dos governos do PT em relação
à África pode ser observada, não só quando lemos o seu discurso no item 5.3 (C), mas
também quando comparamos quem perde poder em relação ao governo Lula e quais serão
Países em desenvolvimento Povos Africanos (2)
Parker Lula/Dilma quem ganha: partidos de centro-esquerda; acordos multilaterais; países pobres e países em desenvolvimento
Parker Lula/Dilma - Instituições Reforçadas: instituições multilaterais
Intercâmbio Econômico Van Dijk - contraste África e/ou
Países Africanos
Pragmática Milliken Articulação
Parker Temer - quem perde: multilateralismo; ideologias; partidos de centro-esquerda
Parker Temer - quem perde: política externa Lula/Dilma
Parker Temer - Instituições Atacadas: partidos
Parker Temer - quem ganha: bilateralismo; pragmatismo; discurso economicista
2 Primeiro discurso de Lula_62a. AG ONU_2o.
mandato 2007
9 Primeiro discurso de Serra_MRE_posse 18.05.2016
18
as instituições fortalecidas no Ministério das Relações Exteriores de Temer vis-à-vis quem
ganha poder e quais as instituições fortalecidas nos discursos de Lula.
Eles ficam mais evidentes quando colocamos esses blocos interpretativos juntos e os
comparamos. Como consequência, o contraste ideológico estudado por Van Dijk foi
implementado no centro dos discursos, valendo para ambos. Quanto ao uso das palavras-
chave, observamos que tanto Lula, quanto José Serra utilizam as mesmas palavras-chave
Intercâmbio Econômico e África/Países Africanos. No entanto, o futuro tratamento com
relação à política externa para África seguirá com o sinal trocado na gestão Temer, é o que
os discursos nos passam. O último discurso de Serra é revelador do que parece ser um
abandono das estratégias dos governos que o antecedeu. Por outro lado, o primeiro discurso
de Lula na ONU em seu segundo mandato é ilustrativo da política externa por ele adotada em
relação à África e que começou a perder força no mandato de Dilma. Ao avaliar a fig. 4, ainda
é possível observar que no governo Lula os países pobres (os países da África aí inclusos) e
os acordos multilaterais são fortalecidos. No discurso de Serra, a política externa dos
governos Lula e Dilma perde espaço. São posições diferentes. Em síntese, a comparação
contida na fig. 4 sugere que a política externa caminhará em sentido oposto ao de Lula e
Dilma. Resta saber se Aloysio Nunes, amparado por Temer, seguirá um caminho que se
equilibre entre aqueles propostos por Lula; Dilma e Serra em relação ao modelo
geoeconômico brasileiro para a África.
6. Considerações Finais
No que diz respeito à política externa brasileira, combinada com um modelo
geoeconômico específico, o que se observa de comum em relação à África, Angola incluída,
são os períodos de significativa transição do cenário político e econômico internacional. A
cooperação sul-sul, tendo a África como parceira, é sempre fortalecida nesses momentos de
transição. Por exemplo, durante os governos militares, Geisel, junto com Azeredo da Silveira,
foram responsáveis pelo reconhecimento da independência de Angola e por restabelecer os
canais de comércio e político com os países africanos num momento signifcativo de transição
econômica e política internacional. O poder econômico do Brasil nesse momento se via
atrelado às decisões de Washington. Assim, era necessário ampliar a capacidade de projeção
de poder político para alcançar mercados comerciais e obter também novos fornecedores de
petróleo para o Brasil que, na época, era muito dependente das importações dessa
commodity. E assim vamos notar esse padrão de importantes momentos de transição nos
quadros político e econômico internacional nos governos posteriores. Em todos os períodos
de turbulência e transições econômicas e políticas internacionais, a política externa brasileira
deu ênfase, em maior ou menor grau, ao fortalecimento comercial e político com a África.
Além de conquistar novos mercados e ampliar a sua capacidade política, reforçando a sua
19
projeção de poder, o Brasil parece ter minimizado sua dependência em relação aos Estados
Unidos. Todavia, desde de 2009, a China tornou-se o maior parceiro econômico do país e
vem aumentando a sua importância econômica nas relações comerciais com o Brasil14. Esse
é um aspecto importante a ser considerado na medida em que o país, entende o autor, não
pode minimizar o poder de ascensão de uma economia – os Estados Unidos – em troca de
outra – a China. É aí que os vínculos comerciais e políticos com a África se mostram
estratégicos. A projeção de poder do país depende das relações sul-sul, seja com foco na
África ou ainda com uma combinação de táticas geoeconômicas que abarquem, não só a
África, mas também a América do Sul (Mercosul) e outras regiões do sul geográfico e político.
Nesse sentido, os instrumentos utilizados para a projeção de poder pelos governos
anteriores foram aqueles do modelo geoeconômico brasileiro. Porém, nos dois últimos
governos (Dilma e Temer), que sofrem os impactos tardios da crise financeira internacional
de 2008 – agravados com as crises política e econômica doméstica – não se constatou o
emprego desses instrumentos para o aumento e a consolidação de parcerias políticas e
econômicas com os países da África, menos ainda com Angola.
Por fim, cabe mencionar que a geoeconomia parece ganhar relevância, especialmente
após a crise financeira de 2008, e uma pesquisa mais aprofundada e dedicada, sob o ponto
de vista dos países emergentes, pode ser interessante para fomentar a procura e a
manutenção de novos e tradicionais parceiros internacionais como os países da África.
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14 Cf. Ministério das Relações Exteriores -<http://www.itamaraty.gov.br/portal.itamaraty/index.php?option=com_content&view=article&id=4926&Itemid=478&cod_pais=CHN&tipo=ficha_pais&lang=pt-BR>.
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