Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro
NATUREZA JURÍDICA E CONSTITUCIONALIDADE DA INTERVENÇÃO DE
TERCEIROS PREVISTA NA LEI N. 9.469 DE 1997
Carlos Fernando Albuquerque de Almeida
Rio de Janeiro 2017
CARLOS FERNANDO ALBUQUERQUE DE ALMEIDA
NATUREZA JURÍDICA E CONSTITUCIONALIDADE DA INTERVENÇÃO DE
TERCEIROS PREVISTA NA LEI N. 9.469 DE 1997
Artigo Científico apresentado à Escola de
Magistratura do Estado do Rio de Janeiro,
como exigência para obtenção do título de Pós-
Graduação Lato Sensu da Escola de
Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.
Orientador: Prof. Ubirajara da Fonseca Neto
Rio de Janeiro
2017
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NATUREZA JURÍDICA E CONSTITUCIONALIDADE DA INTERVENÇÃO
DE TERCEIROS PREVISTA NA LEI N. 9.469 DE 1997
Carlos Fernando Albuquerque de Almeida
Graduado pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro. Advogado. Pós-graduando
Lato Sensu em Direito Processual Civil
pela Escola de Magistratura do Estado do
Rio de Janeiro.
Resumo – A possibilidade de intervenção de terceiros, disciplinada no art. 5º da Lei n. 9.469/97,
é amplamente utilizada pelas pessoas jurídicas de direito público interno, motivo pelo qual se
torna relevante compreender seu funcionamento e as principais discussões que a cercam. Nesse
sentido, merece especial atenção a identificação de sua natureza jurídica e a análise de sua
constitucionalidade, os quais são os elementos centrais do presente estudo. Em função das
conclusões adotadas em cada uma dessas esferas, importantes consequências processuais
podem ser geradas.
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Palavras-chave – Direito processual civil. Intervenção de terceiros. Intervenção prevista na Lei
n. 9.469 de 1997. Natureza jurídica e constitucionalidade.
Sumário – Introdução. 1. A disciplina da intervenção de terceiros no Código de Processo Civil
de 2015. 2. A natureza jurídica da intervenção de terceiros prevista na Lei n. 9.469 de 1997. 3.
A constitucionalidade da intervenção de terceiros prevista na Lei n. 9.469 de 1997. Conclusão.
Referências.
INTRODUÇÃO
O presente artigo objetiva analisar a natureza jurídica e a constitucionalidade da
intervenção de terceiros prevista no art. 5º da Lei n. 9.469 de 1997. Desde sua edição, doutrina
e jurisprudência divergem acerca do posicionamento do referido instituto no ordenamento
jurídico nacional. Ademais, determinados autores, ainda, sustentam a inconstitucionalidade do
dispositivo acima citado de modo a que é, igualmente, relevante enfrentar tal questão.
Para realizar tal pesquisa, buscar-se-á analisar a doutrina específica sobre o tema, bem
como, a posição dos tribunais superiores de modo a definir-se a natureza jurídica do instituto
analisado. A problemática da inconstitucionalidade será, de igual modo, esmiuçada,
objetivando-se, ao final, chegar-se a uma conclusão acerca da questão.
Em 12 de junho de 1997, o Congresso Nacional editou a medida provisória 1.561-6 a
qual foi, posteriormente, convertida na Lei n. 9.469 de 1997, objeto do presente estudo. O
referido diploma legal introduziu, no direito brasileiro, por meio de seu art. 5º, uma nova
possibilidade de intervenção de terceiros. Ressalte-se que sua utilização é restrita às pessoas
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jurídicas de direito público, podendo ocorrer, inclusive, independentemente da demonstração
de interesse jurídico.
Desde a inserção do dispositivo legal acima citado no ordenamento jurídico brasileiro,
doutrina e jurisprudência divergem acerca da natureza jurídica do novel instituto. Uma parcela
dos autores nacionais tenta inserir a previsão da Lei n. 9.469/97 entre as modalidades de
intervenção previstas no Código de Processo Civil. Outros doutrinadores optam por considerar
o dispositivo, em análise, uma nova categoria de intervenção, diferente das modalidades típicas
do Código Processual.
A edição da Lei n. 9.469 de 1997, pelo Congresso Nacional, deveu-se, em larga
medida, à significativa importância do Estado e suas entidades no cenário econômico nacional.
Objetivou-se, com a referida lei, evitar prejuízos indiretos, decorrentes de ações judiciais, às
pessoas jurídicas de direito público. Desse modo, as mesmas poderiam intervir em processos
judiciais alheios, apesar da inexistência de interesse jurídico, evitando, assim, uma eventual
perda financeira com o desfecho do processo.
Considerando-se, atualmente, a espraiada utilização desse instituto, pelas pessoas
jurídicas de direito público interno, torna-se relevante compreender seu funcionamento e as
principais discussões que o cercam. Nesse sentido, merece especial destaque a identificação de
sua natureza jurídica e a análise de sua constitucionalidade os quais são os aspectos centrais do
presente estudo.
No primeiro capítulo do presente trabalho, almeja-se estabelecer a nova configuração
das intervenções de terceiros no Código de Processo Civil de 2015. Nesse sentido, analisa-se
de que modo as reformas ocorridas no novo Código de Processo impactam o estudo do tema
principal abordado no presente artigo.
O segundo capítulo destina-se, especificamente, a buscar identificar as principais
correntes doutrinárias e jurisprudenciais que divergem acerca da natureza jurídica da
intervenção fundada na Lei n. 9.469 de 1997.
Em seguida, o terceiro capítulo aborda a problemática da inconstitucionalidade do
referido diploma legislativo. Nesse momento, as diversas correntes doutrinárias que se debatem
acerca desse tema serão identificadas e comentadas.
A pesquisa utilizará a metodologia do tipo bibliográfica, parcialmente exploratória e
qualitativa na medida em que possuirá como fontes principais a legislação, a doutrina e a
jurisprudência dos tribunais superiores.
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1. A DISCIPLINA DA INTERVENÇÃO DE TERCEIROS NO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL DE 2015
Em relação ao tema tratado neste capítulo, entende-se relevante traçar breves
considerações, primeiramente, sobre o conceito de terceiro. Segundo a doutrina de Athos
Gusmão Carneiro1, terceiro é todo aquele personagem que não é parte ou coadjuvante de parte
em um processo pendente. Nesse sentido, a intervenção de terceiros seria, de acordo com
Alberto dos Reis2, “o instituto que propõe transformar o terceiro em parte”.
Ressalte-se, acerca das definições apresentadas acima, que o terceiro, mesmo não
adquirindo a qualidade de parte principal, ou seja, demandante e demandado, será considerado
parte secundária. Pode-se, ainda, utilizar outra terminologia, afirmando que o terceiro irá
sempre adquirir, ao ingressar na relação processual, a qualidade de parte no processo, contudo,
nem sempre, poderá ser considerado parte na demanda. Alexandre Freitas Câmara3 explícita tal
distinção da seguinte forma:
[...]o terceiro, pois, ao intervir, torna-se parte do processo. Nem, sempre, porém, será
ele parte da demanda. É que em algumas modalidades de intervenção de terceiro o
interveniente não assume a posição nem de demandante nem a de demandado (como
se dá, por exemplo, nas assistências). Em outros casos, porém, o terceiro interveniente
se torna parte na demanda, como acontece no chamamento ao processo, em que o
chamado vira réu, assumindo uma posição passiva na demanda que deu origem ao
processo (e, assim, se litisconsorciando ao demandado original) [...].
Ainda, no que concerne à definição de intervenção de terceiros, é fundamental
destacar, de acordo com Alberto dos Reis4, que nem todas as situações que geram uma alteração
subjetiva do processo podem ser classificadas como uma intervenção. Desse modo, como
exemplos, uma determinação judicial para a citação de litisconsorte necessário, bem como, uma
sucessão processual, não constituiriam casos de intervenção de terceiros.
Entre os aspectos essenciais da intervenção de terceiros, encontra-se o fato de que a
mesma busca otimizar a prestação jurisdicional. Tal instituto, segundo Adolf Wach5, evita a
prolação de decisões conflitantes entre pessoas juridicamente interessadas na demanda, bem
como, sugere uma diminuição do número de processos acerca de uma mesma relação jurídica
material.
1 CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de terceiros. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 69. 2 REIS apud CARNEIRO, ibid., p. 74. 3 CÂMARA, Alexandre de Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 86. 4 REIS apud CARNEIRO, op. cit., p. 73. 5 WACH apud CARNEIRO, ibid., p. 72.
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O instituto da intervenção de terceiros, em análise, sofreu modificações substanciais
em razão da revogação da codificação de 1973 pelo Código de Processo Civil de 2015. A
legislação anterior regulava o tema em capítulo próprio (Capítulo VI, Título II, Livro I) do
diploma processual, entre os artigos 56 e 806. As modalidades de intervenção abrangidas em
tal capítulo compreendiam: oposição, nomeação à autoria, denunciação da lide e chamamento
ao processo. Deve-se ressaltar, ainda, que a assistência, típica modalidade de intervenção,
encontrava-se regulada em capítulo anterior, juntamente com o litisconsórcio, entre os artigos
50 e 55 do referido diploma.
O Código de Processo Civil de 2015 regulou o tema de forma distinta. O Título III,
Livro III, da Parte Geral do novo diploma é, inteiramente, dedicado ao instituto da intervenção.
Houve substancial modificação, de modo que, atualmente, são modalidades de intervenção,
reguladas, entre os arts. 119 e 1387, as seguintes: assistência, denunciação da lide, chamamento
ao processo, incidente de desconsideração de personalidade jurídica e amicus curiae. Note-se
que, ocupando o espaço dedicado às antigas oposição e nomeação à autoria, foram introduzidas
duas novas modalidades de intervenção: incidente de desconsideração e amicus curiae.
Não obstante a relevância de todas as intervenções, para os fins do presente trabalho,
deve-se restringir a análise, especificamente, à assistência e à intervenção do amicus curiae.
Considere-se, primeiramente, a assistência. Trata-se, segundo Alexandre Freitas Câmara8, de
típica modalidade de intervenção voluntária, em que o terceiro passa a integrar o processo,
buscando auxiliar uma das partes a obter um resultado favorável. Ressalte-se, contudo, desde
já, que, em nenhuma de suas modalidades (simples ou litisconsorcial), a assistência assumirá a
forma de um litisconsórcio. Nesse sentido, pronunciou-se Cândido Rangel Dinamarco9:
[...]variam os poderes e faculdades do assistente no processo, conforme ele tenha ou
não alguma relação jurídica com o adversário do assistido (CPC, art. 54), mas ele
sempre será um assistente. Como dito, qualificá-lo de litisconsorcial não significa
erigi-lo em litisconsorte, pelo simples fato de que nada pede e em face dele nada se
pede: não é autor nem réu e, consequentemente, litisconsorte não é. Na locução
assistente litisconsorcial prevalece o substantivo (assistente) sobre o adjetivo que o
qualifica (litisconsorcial)[...].
Uma característica fundamental da assistência, a qual decorre da própria dicção legal,
é a necessidade de comprovação de interesse jurídico, na demanda original, por parte do terceiro
6 BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm>. Acesso em: 15 out. 2015. 7 BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. D isponível
em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 15 out. 2015. 8 CÂMARA, op. cit., 2016, p. 86. 9 DINAMARCO, Cândido Rangel. Intervenção de terceiros. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 37.
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que visa ingressar no processo como assistente. O art. 119, do CPC de 2015, impõe que:
“pendendo causa entre 2 (duas) ou mais pessoas, o terceiro juridicamente interessado em que a
sentença seja favorável a uma delas poderá intervir no processo para assisti-la”. Percebe-se,
claramente, portanto, a exigência legal de comprovação do interesse jurídico para a admissão
da assistência em qualquer de suas modalidades.
O interesse apto a ensejar a assistência, portanto, não pode ser, apenas, afetivo ou
econômico, conforme leciona Rodolfo Kronemberg Hartmann10. É necessário que haja o
atingimento de alguma relação jurídica material do interveniente ainda que de forma reflexa
para que a assistência seja admitida.
Em relação ao interesse jurídico, existem duas situações diversas em que o mesmo
pode ser reconhecido de acordo com Alexandre Freitas Câmara11. Tais situações representam,
justamente, as duas modalidades básicas de assistência, a simples e a litisconsorcial (ou
qualificada). Nesse sentido, em um caso, no qual o terceiro possui uma relação jurídica
vinculada à relação jurídica material discutida no processo, seja ela subordinada, dependente
ou conexa, a assistência será simples. Por outro lado, caso o terceiro interveniente seja o titular
da própria relação jurídica material discutida no processo, a assistência será litisconsorcial.
Abordados os aspectos essenciais da assistência, passa-se a uma breve análise da
intervenção do amicus curiae. Segundo Alexandre Freitas Câmara12, o amicus curiae “é um
terceiro que ingressa no processo para fornecer subsídios ao órgão jurisdicional para o
julgamento da causa”. De acordo com o autor acima citado13, trata-se de sujeito parcial do
processo, pois almeja ver seu interesse contemplado. Ressalte-se, ainda, que tal intervenção
pode ocorrer de forma voluntária ou forçada, o que se extrai da própria redação do art. 138 do
CPC de 2015.
Athos Gusmão Carneiro14 apresenta um outro aspecto fundamental da intervenção do
amicus curiae que é a desnecessidade da demonstração de interesse jurídico por parte do
terceiro interveniente. Desse modo, o requisito apto a ensejar a intervenção de um amicus
curiae não é o interesse jurídico, como na assistência, mas sim um interesse qualificado como
institucional, conforme sustentado por Alexandre Freitas Câmara15.
10 HARTMANN, Rodolfo Kronemberg. Curso completo do novo processo civil. 3. ed. Niterói: Impetus, 2016, p.
167. 11 CÂMARA, op. cit., 2016, p. 87. 12 Ibid., p.105. 13 Ibid., p.105. 14 CARNEIRO, op. cit., p. 211. 15 CÂMARA, op. cit., p. 105.
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O amicus curiae, nesse sentido, tem como objetivo primordial elucidar o órgão
jurisdicional acerca de temas de caráter social, econômico, político, religioso, científico, entre
outros, que contribuam para o julgamento da causa. Não está, portanto, o amicus curiae sujeito
ao requisito do interesse jurídico, necessário à assistência, o que confere a essa modalidade
interventiva uma amplitude maior.
No que tange aos poderes concedidos ao amicus curiae e ao assistente, Alexandre
Freitas Câmara16 expõe que o assistente “tem os mesmos poderes processuais do assistido,
enquanto o amicus curiae só tem os poderes que a decisão que admite sua intervenção lhe
outorgar”. Ademais, o assistente possui uma legitimidade recursal ampla, semelhante à do
assistido, ao passo que, o amicus curiae pode recorrer em poucas situações. Por fim, ressalte-
se que, em observância ao art. 138, § 1º, do CPC/2015, a intervenção do amicus curiae não
implica alteração de competência.
2. A NATUREZA JURÍDICA DA INTERVENÇÃO DE TERCEIROS PREVISTA NA LEI
N. 9.469 DE 1997
Em relação ao tema proposto, deve-se primeiramente traçar um breve histórico
legislativo da matéria. A Lei n. 5.010 de 196617, a qual organizou a Justiça Federal, criou, em
seu art. 70, uma hipótese de intervenção obrigatória da União em causas nas quais participassem
sociedades de economia mista, empresas públicas com participação majoritária federal, órgãos
autônomos especiais e fundações públicas federais.
Posteriormente, a Lei n. 6.825 de 198018 modificou tal disposição, estabelecendo, por
meio de seu art. 7º, que a União poderia intervir nas causas em que figurassem algumas
entidades da administração indireta federal. Segundo Athos Gusmão Carneiro19, os tribunais
superiores consideraram tal intervenção, desde esse momento, uma modalidade especialíssima
de assistência, que não exigia interesse estritamente jurídico para se concretizar. Por
consequência, a intervenção da União, nesses moldes, não ocasionaria deslocamento de
competência.
16 Ibid., p. 107. 17 BRASIL. Lei n. 5.010, de 30 de maio de 1966. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5010.htm>. Acesso em: 11 nov. 2016. 18 BRASIL. Lei n. 6.825, de 22 de setembro de 1980. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6825.htm>. Acesso em: 11 nov. 2016. 19 CARNEIRO, op. cit., p. 207.
8
Em sequência, o tema foi tratado pela Lei n. 8.197 de 199120, que, em seu art. 2º,
regulou o tema de modo semelhante à legislação anterior, mas utilizou termos mais precisos
em relação às entidades que ensejam tal intervenção conforme ressalta Cassio Scarpinella
Bueno21.
Por fim, a Lei n. 8.197 de 1991 foi revogada pela Medida Provisória n. 1561-622, a
qual foi, posteriormente, convertida na Lei n. 9.469 de 199723. O art. 5º, desse diploma
legislativo, regula uma modalidade específica de intervenção das pessoas jurídicas de direito
público, a qual constitui o objeto do presente estudo. O mencionado dispositivo legal apresenta
a seguinte redação:
Art. 5º A União poderá intervir nas causas em que figurarem, como autoras ou rés,
autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas
federais.
Parágrafo único. As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja
decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir,
independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões
de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame
da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de
competência, serão consideradas partes.
Ressalte-se que tal intervenção pode ocorrer em relação a qualquer pessoa jurídica de
direito público, bem como, é facultada sua requisição em qualquer tipo de demanda24. Passa-
se, neste momento, à análise do instituto.
Advirta-se, desde logo, que não há maiores controvérsias na situação em que a União
intervém como assistente simples ou litisconsorcial, nos moldes tradicionais do Código de
Processo Civil. Em tais casos, deve a União comprovar a existência de interesse jurídico no
feito. Caso o mesmo seja reconhecido, pelo órgão judicial, haverá o deslocamento de
competência para a justiça federal como impõe o art. 109, I, da Constituição da República25.
Em relação à hipótese acima aventada, destaque-se, de acordo com a jurisprudência
consolidada do STJ26 e o CPC de 2015, que compete à justiça federal decidir acerca da
20 BRASIL. Lei n. 8.197, de 27 de junho de 1991. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8197.htm>. Acesso em: 11 nov. 2016. 21 BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. 3. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012, p. 217. 22 BRASIL. Medida provisória 1.561-6, de 12 de junho de 1997. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/Antigas/1561-6.htm>. Acesso em: 11 nov. 2016. 23 BRASIL. Lei n. 9.469, de 10 de julho de 1997. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9469.htm>. Acesso em: 11 nov. 2016. 24 CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 146. 25 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 11 nov. 2016. 26 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmulas: 150, 224 e 254. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&livre=%40docn&b=SUMU&p=tru
e&l=10&i=560>. Acesso em 11 nov. 2016.
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existência de interesse jurídico que justifique a intervenção, no processo, da União e suas
entidades. Ademais, excluído do feito o ente federal, deverá o juízo federal remeter os autos à
justiça estadual e não suscitar conflito de competência na forma do art. 45, § 3º, do CPC de
2015. Ressalte-se, ainda, que essa decisão não poderá ser reexaminada na justiça estadual.
Há um tratamento diverso, contudo, quando a União intervém alicerçada no art. 5º, da
Lei n. 9.469 de 1997. O primeiro aspecto que se destaca da intervenção, fundada na lei referida
anteriormente, é o fato de que a mesma prescinde da demonstração de interesse jurídico. Tal
constatação decorre da própria dicção legal e é corroborada pela doutrina. Nesse sentido,
Leonardo Carneiro da Cunha27 discorre que:
[...]não é preciso, como se vê, que haja interesse jurídico, nem que a esfera jurídica
da Fazenda Pública possa vir a ser atingida. Mesmo que a decisão não atinja a relação
jurídica que o poder público mantenha com uma das partes, será possível a
intervenção, bastando a simples alegação de que há interesse, além da constatação da
potencialidade de eventual lesão econômica[...].
Percebe-se, portanto, que tal intervenção pode ocorrer, por exemplo, em razão da
simples presença de interesse econômico do interveniente, ainda que indireto, no desfecho do
processo, independentemente da demonstração de interesse jurídico no feito.
Ressalte-se, ainda, que a pessoa jurídica de direito público, apenas, esclarece questões
de fato e de direito, podendo apresentar documentos e memoriais úteis ao desenlace da
controvérsia nos termos do dispositivo legal. Desse modo, não pode o interveniente apresentar
contestação ou “qualquer outro tipo de resposta, nem dispõe de todos os ônus e faculdades que
são conferidos às partes no processo” segundo Leonardo Carneiro da Cunha28.
Ademais, no que concerne à competência, deve-se mencionar que a intervenção, nos
moldes da Lei n. 9.469 de 1997, não gera o deslocamento de competência para o foro privativo,
mantendo-se o feito na justiça de origem29. Desse modo, Aluisio Gonçalves de Castro Mendes30
sustenta que:
[...]a leitura atenta da norma esclarece, no entanto, que não se está diante de uma
pretendida intervenção como assistente, nos moldes previstos no art. 109, I da
Constituição da República, ou dos arts. 50 a 55 do Código de Processo Civil, mas de
mera intervenção para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar
documentos e memoriais úteis ao exame da matéria, sem que haja, em razão desta
participação, desprovida de interesse jurídico, qualquer modificação no que diz
respeito às partes originárias e supervenientes do processo. Não haverá, assim,
27 CUNHA, op. cit., p. 147. 28 Ibid., p. 149. 29 CARNEIRO, op. cit., p. 211. 30 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Competência Cível da Justiça Federal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006,
p. 89.
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mudança nos elementos subjetivos da demanda e da relação processual. Por
conseguinte, não ocorrerá, também, alteração no que diz respeito à competência[...].
O posicionamento acima citado, acerca da impossibilidade de deslocamento de
competência, com base na intervenção de terceiros prevista na lei em análise, é respaldado pelo
Superior Tribunal de Justiça, o qual possui vários julgados nesse sentido31.
Em função da prescindibilidade de interesse jurídico, parcela da doutrina tende a
identificar a natureza jurídica da referida intervenção como uma modalidade de amicus
curiae32, e não como uma forma especial de assistência. Contudo, inexiste uniformidade em
relação ao tema, havendo aqueles que preferem tratar tal instituto como assistência simples,
inclusive, sustentando a necessidade de deslocamento de competência33.
De fato, não há, na referida intervenção, um interesse propriamente jurídico nos
moldes propostos pela doutrina processual civil. Conforme analisou-se, no capítulo anterior, o
interesse jurídico pressupõe, no mínimo, uma vinculação, entre relações jurídicas materiais, que
autoriza a intervenção a título de assistência, o que não se verifica na intervenção fundada na
Lei n. 9.469 de 1997. Nesse sentido, Cassio Scarpinella Bueno apresenta seu posicionamento:
[...]aqui, a exemplo de diversas figuras que, tradicionalmente, têm sido rotuladas pela
nossa doutrina e pela nossa jurisprudência de intervenções anômalas de terceiros,
parece ser a melhor proposta de sistematização a de estudar esse instituto como um
caso em que o sistema processual civil brasileiro admite a intervenção do terceiro a
título de amicus curiae. Justamente porque a hipótese, tal qual regulada pela lei,
dispensa a demonstração de um interesse jurídico no sentido “clássico”, “tradicional”
do tema, voltando-se muito mais – e expressamente – para a atuação esclarecedora,
quase que instrutória, do interveniente34[...].
De modo semelhante, Athos Gusmão Carneiro35 sustenta que o melhor enquadramento
jurídico, para tal intervenção, seria considerar-se a mesma como uma modalidade de amicus
curiae. De fato, pode-se perceber que as semelhanças entre a intervenção disciplinada, na Lei
n. 9.469/97, e o amicus curiae são expressivas. Ressalte-se que ambos os institutos não
acarretam deslocamento de competência, bem como, tratam-se de sujeitos parciais do processo.
31 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ag. Resp. 200800730247. Marco Buzzi. Disponível em:
<http://www.cjf.jus.br/juris/unificada/Resposta>. Acesso em: 21 jan. 2017;
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp. 201101895770. Mauro Campbell Marques. Disponível em:
<http://www.cjf.jus.br/juris/unificada/Resposta>. Acesso em: 21 jan. 2017; e
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AEEAG 200901822164. Arnaldo Esteves Lima. Disponível em:
<http://www.cjf.jus.br/juris/unificada/Resposta>. Acesso em: 07 abr. 2017. 32 CUNHA, op. cit., p. 146. 33 OLIVEIRA, Marco Antonio Perez de. Assistência e intervenção da União segundo a Lei 9.469/1997. Revista
de processo. São Paulo: RT, v. 245, jul. 2015, p. 71-72. 34 BUENO, op. cit., p. 221. 35 CARNEIRO, op. cit., p. 208.
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Antonio do Passo Cabral36 acompanha o posicionamento acima mencionado,
considerando a intervenção da União, com base no art. 5º da Lei n. 9.469/97, como uma espécie
de amicus curiae tendo em vista, principalmente, a inexigibilidade de interesse jurídico para a
intervenção do mesmo. Desta forma, expressou-se o referido autor a respeito do tema:
[...]por outro lado, como afirma o art. 5°, parágrafo único, da Lei 9.469/97, a
intervenção da União Federal como amicus curiae poderá ocorrer independentemente
da demonstração de interesse jurídico, quando a decisão puder ter efeitos de natureza
econômica, ainda que reflexos, mediatos. Aqui a própria lei é clara e expressa em
denotar a intervenção do amigo da corte, separando-a frontalmente da assistência
juridicamente interessada do Código de Processo Civil[...].
Em resumo, a exigência de interesse jurídico para a configuração da assistência
constitui óbice a que se identifique a intervenção apoiada, na Lei n. 9.469/97, como uma espécie
dessa modalidade interventiva37. Simplesmente tratá-la como assistência sui generis não
resolve a problemática aqui proposta de forma satisfatória38.
Por fim, como salientado anteriormente, a intervenção prevista na Lei n. 9.469/97
possui, como objetivo principal, o esclarecimento de questões de fato e de direito úteis ao
desenlace da controvérsia. Tal característica primordial amolda-se ao instituto do amicus
curiae, que, além de dispensar a comprovação de interesse jurídico, tem como móvel,
justamente, a elucidação de temas e questões correlatos àqueles discutidos no processo como
forma de ampliação do contraditório.
3. A CONSTITUCIONALIDADE DA INTERVENÇÃO DE TERCEIROS PREVISTA NA
LEI N. 9.469/97
A constitucionalidade do mencionado dispositivo legal apresenta-se como um tema
controverso, de fundamental importância para o presente estudo. Com efeito, não há consenso
acerca da problemática da constitucionalidade do artigo em análise e seu alcance, não sendo
poucos os autores que questionam a adequação constitucional de certos aspectos da intervenção
albergada na Lei n. 9.469/9739.
36 CABRAL, Antonio do Passo. Pelas asas de Hermes: a intervenção do amicus curiae, um terceiro especial. Uma
análise dos institutos interventivos similares – o amicus e o Vertreter des Öffentlichen interesses. Revista de
Processo, São Paulo: RT, v. 117, set.-out., 2004, p. 24-25. 37 BUENO, op. cit., p. 222. 38 Ibid., p. 223. 39 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil:
tutela dos direitos mediante procedimento comum, v. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p.100.
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Não obstante a existência do debate, parcela da doutrina nacional sustenta a
constitucionalidade da referida intervenção. Nesse sentido, Araken de Assis40 considera que
“nada há de inconstitucional nessa regra”. Para esse autor, a intervenção de terceiros, ora
analisada, é uma intervenção baseada, ope legis, no mero interesse econômico. A Constituição
da República, segundo o mesmo, “não adota nenhuma configuração especial e particular de
assistência”, razão pela qual a norma do art. 5º da Lei n. 9.469/97, não estaria eivada de
inconstitucionalidade.
De igual modo, Cassio Scarpinella Bueno41 sustenta a constitucionalidade do
dispositivo em análise. O autor mencionado discorre que, ao se aceitar a premissa da natureza
jurídica da referida intervenção como amicus curiae, estaria afastada a inconstitucionalidade
do dispositivo. Em seguida, o doutrinador citado continua sua argumentação aduzindo que não
há, na Constituição, nenhuma imposição de que a assistência da União ocorra,
obrigatoriamente, nos moldes tradicionais da assistência prevista no Código de Processo Civil.
No que concerne à inconstitucionalidade total do dispositivo analisado, pode-se
afirmar que a jurisprudência dos tribunais superiores42 vem admitindo a ocorrência dessa
intervenção no cotidiano forense. Assim sendo, pode-se afirmar que, apesar da forte
controvérsia doutrinária, predomina o entendimento que admite a possibilidade da intervenção
das pessoas jurídicas de direito público fundada na Lei n. 9.469/97.
Contudo, ainda no que concerne a temática da constitucionalidade do referido artigo,
deve-se analisar, neste momento, uma questão ainda mais complexa. Trata-se da possibilidade
de interposição de recurso, por parte da pessoa jurídica de direito público interveniente, e o
consequente deslocamento de competência previstos no art. 5º, parágrafo único, in fine, da Lei
n. 9.469/97.
Conforme sintetizou Araken de Assis43, o ingresso da pessoa jurídica de direito público
não altera a competência originária da causa. Nesse sentido, o art. 5º, parágrafo único da Lei n.
9.469/97, não enseja o deslocamento do feito para a justiça federal em razão do fato de que não
ocorre a assistência, mas sim a intervenção do amicus curiae. Há a incidência, portanto do art.
138, § 1º, e, não do art. 45, caput, ambos do CPC de 2015.
Apesar da relativa concordância, em sede doutrinária, acerca da ausência de
deslocamento de competência, no momento inicial da intervenção, o art. 5º, parágrafo único, in
40 ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro: parte geral, v.2, tomo I. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016, p. 684-685. 41 BUENO, op. cit., p. 226. 42 Vide referência n. 32. 43 ASSIS, op. cit., p. 685.
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fine, da lei, em análise, aparentemente, autorizou a interposição de recurso, por parte da
entidade, e um eventual deslocamento de competência em sede recursal.
Desse modo, tal previsão legal tornou difícil sua compatibilização com qualquer
instituto jurídico e levantou maiores dúvidas sobre sua constitucionalidade. Em relação ao tema,
Fredie Didier Jr.44 sustenta a impossibilidade de deslocar-se o feito para um Tribunal Regional
Federal em sede recursal, por força do que dispõe o art. 108, II, da CF. Segundo o mesmo, o
recurso, quando interposto, deve ser destinado a um Tribunal de Justiça Estadual.
Em posicionamento similar, Cassio Scarpinella Bueno45 defende que a aplicação do
art. 5º, parágrafo único, in fine, ofenderia o art. 108, II, da Constituição da República, pois
conferiria aos Tribunais Regionais Federais competência fora das hipóteses que a Constituição
lhes atribui taxativamente. Não poderia, segundo o mesmo, um Tribunal Regional Federal
julgar um recurso interposto contra uma decisão proferida pela justiça estadual fora das
situações constitucionalmente previstas.
A solução proposta, pelo autor acima, contudo, diferencia-se daquelas defendidas por
outros autores. Cassio Scarpinella Bueno46 sustenta que seria mais correto aplicar, desde logo,
à referida intervenção, o art. 109, I da CF/88, deslocando o feito para a justiça federal, assim
que o ente, vinculado à União, fosse admitido no processo. Analise-se o posicionamento desse
autor:
[...]a solução que nos parece a mais correta e a que melhor atende à ratio da
competência da Justiça Federal, de primeiro e segundo graus, constitucionalmente
traçadas, é aplicar à espécie, desde logo, o comando do art. 109, I, da Constituição
Federal, isto é, admitir, já com o pedido de intervenção da pessoa jurídica de direito
público, para os fins do parágrafo único do art. 5º da Lei n. 9.469/97, o deslocamento
de competência para a Justiça Federal. Mesmo que – e é esse o traço distintivo dessa
proposta de interpretação – a hipótese não seja de assistência, mas de figura diversa,
de amicus curiae, é dizer, mesmo que reconheçamos – no que, aliás, não há
divergência em doutrina – que a intervenção regulada pelo parágrafo único em
questão não se justifica por causa de interesse “jurídico” típico de um assistente[...].
Registre-se, ainda, que Athos Gusmão Carneiro47, em sentido diverso de outros
autores, tenta compatibilizar a redação legal com a sistemática processual civil e a Constituição
da República. Esse autor argumenta a possibilidade de a pessoa jurídica de direito público
suscitar um interesse jurídico superveniente em sede recursal, o qual, ensejaria um
“reenquadramento processual como assistente ou como litisconsorte da entidade para cuja tutela
44 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil e processo de
conhecimento. 16. ed. v. 1. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 422. 45 BUENO, op. cit., p. 232. 46 Ibid., p. 233-234. 47 CARNEIRO, op. cit., p. 210.
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postulou sua intervenção”. Esse novo enquadramento, portanto, ocasionaria o deslocamento de
competência assim como descrito na lei.
CONCLUSÃO
Como restou demonstrado, ao longo do presente estudo, o art. 5º, da Lei n. 9.469/97,
gerou inúmeras dúvidas e dificuldades de sistematização no âmbito da disciplina processual
civil. Desde a natureza jurídica à sua constitucionalidade, não são poucos os posicionamentos
divergentes em sede doutrinária e jurisprudencial. Acrescente-se a isso, o fato de que os temas
controversos debatidos, neste trabalho, possuem relevância prática, influindo na dinâmica do
processo civil.
Nesse sentido, ressalte-se que a definição da natureza jurídica da intervenção de
terceiros, regulada pela referida lei, como assistência ou amicus curiae, por exemplo, importa
em consequências práticas no que tange à competência, escopo de atuação no processo,
legitimidade recursal, entre outros.
De igual modo, a análise da constitucionalidade do referido dispositivo, seja total, da
intervenção como um todo, ou parcial, de apenas alguns aspectos definidos pela lei, gera,
obviamente, repercussões práticas da maior importância. Primeiramente, no que tange a
possibilidade de se admitir ou não tal intervenção, e, num segundo plano, a viabilidade de
incidência de outros aspectos tais como, a título de exemplo, o deslocamento de competência
em sede recursal.
Em relação à temática da natureza jurídica da intervenção de terceiros, ora analisada,
sustenta-se, neste trabalho, com base nos argumentos expostos no segundo capítulo, a opinião
de que se trata de verdadeira hipótese de amicus curiae, ainda que com traços diferenciados em
relação à disciplina geral da matéria prevista no art. 138, do CPC de 2015. Em face do critério
da especialidade, o regramento geral do CPC de 2015, acerca do amicus curiae, deve ser
aplicado, supletivamente, às disposições do art. 5º da Lei n. 9.469/97, no que não conflitar com
a lei especial.
Considerando-se a natureza jurídica da intervenção, em análise, como uma modalidade
de amicus curiae, deve-se, portanto, conferir à mesma o tratamento próprio. Assim sendo, não
deve haver, de início, deslocamento de competência, em caso de intervenção de ente federal,
em obediência ao art. 138, § 1º, do CPC/2015, assim como, é necessário observar uma certa
limitação de seus poderes no processo, em consonância com o caráter mais restrito de uma
intervenção de amicus curiae.
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No que tange à problemática da constitucionalidade, em geral, do dispositivo, versada
no terceiro capítulo, adota-se a visão de que não há no texto constitucional qualquer
impedimento a que o legislador infraconstitucional discipline uma nova modalidade de
intervenção de terceiros sob a forma de amicus curiae. Considera-se, portanto, a mesma uma
figura interventiva constitucional.
Em um âmbito mais restrito, contudo, sustenta-se não ser possível o deslocamento de
competência, em sede recursal, autorizado pelo art. 5º, parágrafo único, in fine, da Lei n.
9.469/97. Acredita-se que tal disposição viola o art. 108, II da CF/88, ao gerar um alargamento
da competência taxativa dos Tribunais Regionais Federais. Por consequência, haveria uma
inconstitucionalidade parcial do parágrafo único do art. 5º, do diploma, em estudo.
Defende-se, aqui, que a entidade interveniente, com base na Lei n. 9.469/97, pode
eventualmente recorrer conforme autorizado pela lei especial, apesar do CPC de 2015
estabelecer severas limitações recursais ao amicus curiae. Contudo, tal recurso, no âmbito da
referida lei, deve sempre ser dirigido a um tribunal estadual, quando a demanda tramitar
originariamente na justiça estadual.
Em síntese, deve-se concluir que a hipótese de intervenção de terceiros, estabelecida
na Lei n. 9.469/97, é uma modalidade de amicus curiae, dotada de algumas peculiaridades, por
tratar-se de lei especial. Notadamente, entre outras diferenças, possui maiores poderes recursais,
em comparação, com o regramento geral disciplinado pelo CPC de 2015 em seu art. 138. No
entanto, a possibilidade de interposição de recursos, albergada na lei, não poderá gerar
deslocamento de competência em sede recursal em obediência à Constituição da República.
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