Execução do Canal de Navegação a Jusante da Barragem do Carrapatelo
Por
José Pinto Eng.º Geotécnico
[email protected] www.blastpeople.blogspot.pt
Abril 2013
1. INTRODUÇÃO
Em 29 de Novembro de 1990, a empresa Irmãos Cavaco, Lda. assinava com o Gabinete de
Navegabilidade do Douro a consignação da empreitada de “Execução do canal de navegação a
jusante da barragem de Carrapatelo – 1ª fase”. Os trabalhos decorreram durante 11 meses
consistindo no desmonte da rocha submersa, dragagem e remoção dos materiais para locais
pré-definidos. O presente artigo descreve de forma sucinta a realização dos trabalhos
contratados, as suas características, o processo de execução e as incidências mais
significativas.
2. BREVE DESCRIÇÃO DO PROJECTO
A execução desta obra inseria-se no plano de navegabilidade do rio Douro, seguindo a mesma
linha de outras empreitadas do género anteriormente realizadas: Valeira e Régua.
A obra teve por objetivo atingir a cota 7,20, demolindo cerca de 28.000 m3 de afloramentos
rochosos graníticos existentes no leito e margens do rio a jusante da eclusa da barragem de
Carrapatelo (fig. 1).
Fig. 1 – Localização da intervenção. Foto anterior à realização dos trabalhos.
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3. PROCESSO CONSTRUTIVO
3.1 Zonamento da obra
Este tipo de trabalho apresenta uma singularidade que o distingue de todas as restantes
vertentes do desmonte rocha com recurso a explosivos: o maciço rochoso está oculto por uma
coluna de água de altura variável. Para proceder ao planeamento dos trabalhos foi necessário
efetuar um levantamento topo hidrográfico da zona de intervenção. Os 69 perfis traçados,
espaçados de cerca de 10 metros, permitiram materializar no papel a topografia do fundo do
rio. Em termos de alturas a escavar foi possível diferenciar três zonas (fig. 2):
Zona A – Formada por pequenas áreas, mais ou menos isoladas, que pela sua situação exigiam
a demolição através de meios flutuantes. Estes afloramentos exigiram perfurações na ordem
de 1 a 3 metros representando cerca de 5% do volume total a movimentar.
Zona B – Traduzindo cerca de 60% do volume total, era a zona compreendida entre os perfis 9
e 34 com alturas de escavação de 4,0 metros. Tendo uma altura de água de menos de 2,0
metros impediu a utilização de meios flutuantes.
Zona C – Esta zona era a mais extensa em termos de área representando 25 % do volume total
com uma altura de rocha de cerca de 0,5 metros.
Fig. 2 - Zonas de escavação.
3.2 Metodologia do trabalho
Em função das características das três zonas referidas anteriormente, planeou-se a execução
da zona A e C com meios flutuantes e a zona B por desmonte da rocha “a seco”. Como
consequência da decisão tomada, ficou estabelecido a execução da obra com duas frentes de
trabalho e dois turnos.
ECLUSA
Margem Direita
Margem Esquerda
Jusante
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3.2.1 Desmonte de rocha “a seco”
Entre os perfis 9 e 34 (zona B) foi criado um terrapleno com materiais provenientes da encosta
da margem direita. Este aterro serviu de suporte ao equipamento de perfuração e remoção. A
furação foi realizada por uma máquina de perfuração pneumática Atlas Copco Roc 606 (fig. 3)
dotado de um martelo de fundo de furo COP32 e recorrendo ao sistema ODEX. A frente com
cerca de 30 metros de comprimento desenvolveu-se, numa primeira fase, paralelamente ao
leito do rio e numa segunda fase perpendicularmente, com o objetivo de se conseguir um
maior rendimento na demolição sem aumentar as velocidades de vibração na zona da
barragem.
Fig. 3 – Margem Direita. Furação, remoção carga e transporte.
3.2.1.1 Furação
A carência de materiais convenientes e abundantes para a preparação da plataforma de
trabalho, levou a que se utilizasse para aterro solos com uma granulometria indiferenciada e
pouco apropriada à utilização de processos tradicionais de furação. Assim, constatou-se a
necessidade de redefinir os equipamentos de perfuração hidráulicos que acabaram por ser
preteridos relativamente aos pneumáticos. Para o efeito, foram utilizados martelos de fundo
de furo e tubos de revestimento para possibilitar o processo de furação e carregamento das
cargas explosivas. Também foram criadas e desenvolvidas ferramentas próprias para a
consecução do trabalho pretendido.
Como atrás se disse, o sistema de furação eleito para atravessar o terrapleno e dar seguimento
à perfuração no maciço rochoso a demolir foi o ODEX. O processo é composto por cinco fases
(fig. 4):
Fase 1: O bit piloto, excêntrico, faz a furação alargando o furo para a descida gradual do tubo
de revestimento. Este tubo, designado por “casing”, evita que o material solto não ocupe o
espaço aberto provocando encravamentos e fecho das paredes do furo.
Fase 2: Atingida a rocha, a ferramenta de perfuração “ODEX” inverte o sentido de rotação e o
bit excêntrico toma uma posição que permite a sua saída pelo interior do “casing”.
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Fase 3: A ferramenta de perfuração “standart” é então descida pelo interior do “casing”
retomando a furação até atingir a cota desejada.
Fase 4: Terminado o furo, as ferramentas de perfuração são retiradas sendo posteriormente
introduzido um tubo de PVC.
Fase 5: Os tubos metálicos “casing” são retirados, a máquina de perfuração toma a posição
seguinte. Entretanto procede-se á colocação dos cartuchos de explosivo pelo interior do tubo
de plástico.
Fase 1 Fase 2 Fase 3 Fase 4 Fase 5
Fig. 4 – Processo de perfuração ODEX
3.2.1.2 Remoção, carga e transporte
A remoção foi realizada, numa primeira fase, por uma escavadora hidráulica de rotação total
Liebherr 942, até uma profundidade correspondente ao alcance do braço da máquina. Numa
segunda fase, o material remanescente foi removido por uma escavadora sobre uma
plataforma flutuante.
Os produtos da escavação removidos na primeira fase foram transportados por dois camiões
basculantes Volvo N10, para um dos dois depósitos possíveis: um situado na encosta
sobrejacente à zona de trabalhos, num local de onde haviam sido retirados os materiais de
empréstimo para a criação da plataforma de trabalho; o outro, um fundão próximo do
“pesqueiro” localizado a jusante da zona de trabalhos, onde a cota do fundo do rio permitia o
depósito de uma grande quantidade de material.
3.2.1.3 Diagrama de fogo tipo
O dimensionamento dos parâmetros do diagrama de fogo, para as condições esquematizadas
na figura 5, requereu uma cuidada análise dos fatores que mais pesavam para a base de
cálculo. Assim, tivemos que ter em conta os seguintes:
- A força resultante devida à ação da água;
- A altura e o peso próprio do aterro;
- O tipo de rocha a desmontar;
- A carga específica para demolições subaquáticas;
- O valor limite da velocidade de vibração.
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Fig. 5 – Perfil tipo para a furação com o método ODEX
Afastamento 1,40 m Espaçamento 1,40 m Subfuração 1,50 m Altura média de rocha 3,80 m Comprimento médio do furo em rocha 5,70 m Explosivo Gelamonite 33% NG Calibre do explosivo 50 x 550 mm Carga/furo 17,60 Kg Carga específica 1,60 Kg/m3
3.2.2 Desmonte de rocha submersa
Para o desmonte de rocha das zonas A e C, foi utilizado uma plataforma flutuante, chamada de
“Albufeira”, equipada com duas torres de perfuração e quatro estacas para fixação do
conjunto ao fundo do rio (fig. 6). As torres de perfuração estavam apetrechadas com martelos
Ingersoll-Rand VL120 de 17 m3/min, “casings”, varas, coroas e bites. O ar comprimido para o
funcionamento dos martelos provinha de dois compressores Atlas Copco PT 900 e XT 430,
estacionados na margem direita do rio.
Fig . 6 – Plataforma de perfuração
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3.2.2.1 Furação
O método usado na furação subaquática foi o sistema OD - Overburden Drilling. Sendo clara a
sua semelhança com o sistema ODEX, apresenta uma menor complexidade e supressão de
algumas fases no processo. Basicamente consiste em fazer descer um tubo de aço (casing) com
uma coroa de pastilhas de carboneto de tungsténio na extremidade, que se crava alguns
centímetros no “bed-rock” de forma a impedir a entrada de detritos (lodos e areias) para
dentro do furo a executar. Este tubo permite estabelecer o contacto físico da coluna de
perfuração com o “bed-rock” e assim permitir o emboquilhamento do furo. Em seguida
descem pelo interior do “casing” as varas e o bite, isto é, as ferramentas de perfuração
propriamente ditas (fig. 7). Contrariamente ao sistema ODEX, no sistema OD não há lugar à
utilização do bit excêntrico e o martelo é de superfície.
Fig. 7 – Esquema do faseamento do sistema de furação OD
3.2.2.2 Remoção, carga e transporte
Na atividade de desmonte de rocha submersa, a remoção e carga dos materiais demolidos foi
efetuada por uma escavadora hidráulica de rotação total, Demag 40, estacionada numa
plataforma flutuante chamada de “Valeira” (fig.8). Esta plataforma não sendo
autopropulsionada movimentava-se e posicionava-se através da operação da escavadora. Para
permitir a estabilidade do conjunto na remoção e carga, a plataforma descia três sapatas
solidarizando-a ao fundo do rio (fig. 9).
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Fig. 8 – Conjunto de remoção e carga Fig. 9 – Estacionamento da plataforma
Os materiais removidos pela escavadora eram carregados num batelão de descarga pelo fundo
(fig. 10) com uma capacidade do porão de 400 m3. O tempo de ciclo de transporte e descarga
a vazadouro rondava os 30 minutos.
Fig. 10 – Batelão
3.2.2.3 Posicionamento da plataforma de perfuração
A plataforma não sendo autopropulsionada, ela movimentava-se pela manipulação de um
conjunto de válvulas que manobrava quatro guinchos hidráulicos posicionados formando os
vértices de um quadrado. Os cabos estendiam-se até ambas as margens onde era possível
amarrá-los a 15 pontos fixos (por margem), estrategicamente ancorados à rocha. Posicionada
a plataforma desciam as quatro sapatas para proporcionar uma estabilidade rígida. Para evitar
oscilações do flutuador e garantir a horizontalidade, este era elevado através de macacos
hidráulicos de maneira a não ficar em contacto com a água.
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3.2.2.4 Ciclo de trabalho
A sequência de tarefas para a execução do desmonte submerso era, genericamente, formada
pelo seguinte ciclo:
- Posicionamento da plataforma com apoio topográfico;
- Perfuração e carregamento dos furos;
- Ligação da pega de fogo;
- Deslocação da plataforma para local de segurança;
- Detonação da pega de fogo;
- Reposicionamento da plataforma.
- Remoção, carga e transporte após várias áreas de rocha demolida de maneira a preencher a
capacidade do porão do batelão.
3.2.2.5 Diagrama de fogo tipo
Vários fatores foram tidos em conta para o dimensionamento do diagrama de fogo, como
sejam:
- A altura da coluna de água;
- Tipo de rocha;
- A carga específica típica para desmonte submerso;
- A subfuração;
- O valor limite da velocidade de vibração.
Afastamento 1,80 m Espaçamento 1,80 m Subfuração 1,00 m Diâmetro do furo 64 mm Altura média de rocha 0,90 m Compri. médio do furo em rocha 1,90 m Explosivo Gelatina III Calibre do explosivo 50 x 450 mm Carga/furo 4,0 Kg Carga específica 0,65 Kg/m3
Foi utilizado como explosivo a Gelatina III com características de elevada potência, velocidade de detonação e muito boa resistência à água. Aplicaram-se detonadores de alta insensibilidade com fio FVD de dois condutores 0,75.
Fig. 11 – Esquema da furação
A plataforma tinha uma área útil de 315 m2 permitindo fazer 95 furos por pega com diâmetro
de 2” ½.
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4. CONTROLO DE VIBRAÇÕES
4.1 Procedimentos
Para proceder ao controlo contínuo da indução das vibrações na estrutura da eclusa da
barragem e da central de Carrapatelo, o LNEC instalou no local equipamentos para a
determinação de velocidades de vibração das partículas em diversos pontos, nomeadamente
um a jusante da estrutura de betão da barragem e um outro no corpo principal do edifício da
central.
Para o controle das vibrações foi pelo LNEC dada especial atenção aos seguintes elementos da
barragem:
- Estruturas de betão, sobretudo a formação de fendilhação nas zonas de contacto com águas
e minimizar fenómenos de amplificação em certas partes dessas estruturas;
- Grupos de potência hidráulica;
- Equipamentos eletromecânicos;
- Equipamentos hidromecânicos.
Os critérios estabelecidos pela Norma Portuguesa NP-2074 foram aplicados como orientadores
dos estudos efetuados, não só no início dos trabalhos de desmonte com explosivos, mas
também durante todo o tempo de realização dos desmontes de rocha submersa.
O valor de 5 mm/s considerado como limite da velocidade de vibração a induzir na barragem,
serviu como elemento orientador do plano de fogo.
4.2 Equipamentos
Para medição das vibrações, o LNEC instalou na barragem um aparelho marca Vibrapet (Atlas
Copco – ABEM) e outro marca Sinco S-5 (Slope Indicator Co.). Ambos os equipamentos
possuíam seis canais de registo, permitindo a medição de velocidades de vibração nas três
direções em pontos distintos.
Como captadores das vibrações foram utilizados em ambos os equipamentos geofones
eletrodinâmicos, com resposta proporcional à velocidade de vibração das partículas, e com
uma gama de frequências de resposta idêntica à dos equipamentos de registo.
4.3 Localização dos geofones
Para cada rebentamento foram registadas as vibrações em quatro pontos distintos: no muro
do anteporto, na eclusa e na central, através de conjuntos de três geofones particularmente
sensíveis à direção vertical, radial horizontal e transversal horizontal do fenómeno vibratório
em cada um dos pontos.
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Na planta da figura 12 estão indicados esquematicamente os pontos de observação,
designados por A e B na eclusa e por C e D na central. O ponto A situou-se no muro do
anteporto; o ponto B na viga de contenção da encosta da zona da eclusa; o ponto C no pilar
entre os Grupos 2 e 3 e o ponto D, na vertical do ponto C sobre a viga da ponte rolante.
Fig. 12 – Localização esquemática dos pontos de observação
4.4 Análise dos resultados
Pela análise do gráfico Velocidade Resultante da Partícula (Vr) versus Frequências (fig. 13),
pode-se afirmar que os níveis de vibração medidos nas diversas estruturas estiveram
praticamente abaixo do valor limite estabelecido de 5 mm/s. Efetivamente, este valor só foi
ultrapassado no ponto de medição A (o mais próximo das detonações) algumas vezes,
chegando à Central da barragem vibrações semelhantes, em valor, às induzidas pelo arranque
dos grupos geradores.
Fig. 13 – Velocidade resultante da partícula versus
Frequências das três componentes (L, V e T)
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como foi referido no item 3.1, o desmonte de rocha subaquático desenvolve-se sempre com a
frente de trabalho oculta pela coluna de água. A evolução dos trabalhos e o seu resultado final
não se veem. Para o visitante a obra está sempre na mesma. A progressão dos trabalhos só é
“visível” desde que seja materializada no desenho do planeamento, nos levantamentos topo
hidrográficos ou por processos expeditos. Por se tratar de uma atividade com elevado risco,
requer equipamentos específicos, robustos, funcionais e bem dimensionados. A tripulação da
plataforma de perfuração deverá ter experiência e reunir um conjunto de requisitos
necessários para o desempenho das várias funções. O mesmo se aplica para o operador da
escavadora cujo trabalho de remoção e carga, bem como da movimentação da plataforma,
exige uma grande competência técnica e poder intuitivo. É necessário recorrer, com alguma
periocidade, a um mergulhador polivalente para manutenção e reparação de componentes
submersos dos equipamentos flutuantes, demolição pontual de pequenos calos, detonação de
tiros falhados, etc. Elevada experiência também é exigida ao mestre e marinheiro do batelão
para manobrar a embarcação em espaços considerados apertados na arte de marear.
A qualidade necessária dos meios humanos e dos equipamentos referidos anteriormente,
aliados a um pormenorizado estudo prévio com um consequente plano de execução e um
acompanhamento topográfico exigente, são fatores fundamentais para efetuar uma obra de
desmonte subaquático recorrendo a explosivos, com elevado nível de segurança.
6. DOCUMENTOS DE REFERÊNCIA
• Controlo de vibrações originadas pelos trabalhos de escavação a Jusante da eclusa da
barragem de Carrapatelo. LNEC, 1992.
• Memória descritiva da execução dos trabalhos de execução do canal de navegação a jusante
da barragem de Carrapatelo. Irmãos Cavaco, Lda, 1991.
• Pinto, J. Apontamentos de obra. Carrapatelo, 1990-1991.
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