Universidade Católica de Pernambuco
Centro de Ciências Jurídicas
EQUITY CROWDFUNDING
A democratização do investimento e sua regulação no Brasil
Paulo Christiano Tenório Sobral
Orientador: Roney Souza
Recife, 2018
Dedico esta monografia à minha esposa, Alice Sobral, e aos meus filhos Júlia Sobral e Filipe Sobral, por toda paciência e por suportarem minha ausência frequente durante a realização do Curso de Direito e a feitura deste documento.
RESUMO
A economia, por meio da livre iniciativa, busca atender a lógica de crescimento e geração de riqueza para a população, com as empresas, fruto da iniciativa privada, funcionando como os dínamos responsável por este desenvolvimento. Entretanto, produzir exige que exista capital disponível para ser aplicado nestes empreendimentos, funcionando como uma retroalimentação da própria economia; pois ela gera a riqueza que remunera aqueles que são capazes de produzir poupança e aplicar no setor produtivo.
No Brasil, por cultura, capacidade de gerar poupança e atratividade da divida pública como meio de remuneração do capital, não existe grande apelo para que recursos sejam transferidos para o meio produtivo; em especial por a lógica exigir que pouco da capacidade total de investir seja dirigido a aplicações de risco.
Nesta esteira, como consequência do surgimento da economia da confiança, surgiu, nos países mais desenvolvidos, o Equity Crowdfunding; um meio democrático de investir em empresas onde, pequenos investidores, por meio de um site facilitador, tornam-se detentores de quotas de empresas de menores portes. Uma forma de gerar o efeito semelhante ao viabilizado pela bolsa de valores, porém acessível para empresas de diferentes portes e tipos.
Com este documento buscamos introduzir a ideia de como funciona a ferramenta, seu potencial e regularização recente, tanto no Brasil como em outras partes do mundo. Analisando de forma mais crítica os dispositivos específicos da Instrução Normativa 588 da CVM. Palavras chave Instrução Normativa 588 da CVM, Equity Crowdfunding, Economia da Confiança
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 5 1 A LIVRE INICIATIVA E A IMPORTÂNCIA DO INVESTIDOR ............................ 7
1.1 LIVRE INICIATIVA .................................................................................................... 7 1.2 CRESCIMENTO DA ECONOMIA ............................................................................ 8 1.3 A ECONOMIA DA CONFIANÇA NO ESTRANHO .................................................... 9
2 EQUITY CROWDFUNDING: O QUE É E COMO FUNCIONA ............................ 13 2.1 TIPO DE EMPRESA QUE COMPORTA ................................................................. 18
3 EQUITY CROWDFUNDING: A REALIDADE BRASILEIRA .............................. 21 3.1 PROJEÇÃO MUNDIAL .......................................................................................... 21 3.2 VALORES NO BRASIL .......................................................................................... 21
4 REGULAÇÃO DO EQUITY CROWDFUNDING NO BRASIL ............................. 24 4.1 INSTRUÇÃO NORMATIVA 588 DA CVM .............................................................. 26 4.2 VISÃO GERAL DE OUTROS AUTORES ................................................................ 34 4.3 REGULAÇÃO NO MUNDO ................................................................................... 35 4.4 REGULAÇÃO NA ARGENTINA ............................................................................. 37
5 CONCLUSÃO .................................................................................................... 38 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................... 40
INTRODUÇÃO
Crowdfunding e Equity Crowdfunding ainda são novidades em nosso país, tendo
pouco publicado sobre a ferramenta até agora e, fino onde alcançou este estudo, sendo
pouco utilizado no Brasil. Um meio de financiamento de operações ou empresas que faz
uso da lógica da multidão e abundância, onde a soma do capital de poucos possibilita o
desenvolvimento de um projeto que, em outras opções, exigiria portes e complexidades
que não são próprios dos pequenos negócios no Brasil.
Com este foco, o trabalho aqui desenvolvido voltou-se a apresentar a ferramenta,
em suas especificidades próprias do Equity Crowdfunding, seu desenvolvimento no
Brasil e projeções mundiais de utilização, e chegando a análise da recente regularização
da atividade por meio de normativo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Analisando um pouco do que foi publicado por outros autores sobre a regulação e
comparando com o que existe de normatização conhecida para a matéria em outros
países.
A metodologia da pesquisa adotada foi a exploratória, com busca de bibliografia
existente e análise dos registros de experiências atuais. Dada a novidade do objeto de
estudo, também foi utilizada análise do que havia publicado em outros países.
O trabalho teve seu primeiro capítulo focado na análise das características
constitucionais da livre iniciativa, análise do efeito do crescimento econômico e
introdução da novidade chamada de Economia da Confiança. Partindo em seu segundo
capítulo para apresentar o Equity Crowdfunding, seus participantes e as relações
existentes.
As empresas, a luz do Código Civil, que se adequam ao modelo também foram
abordados neste capítulo; identificando as vantagens e desvantagens de cada uma. Na
sequência bordamos o foco, tanto dos sites intermediários, quanto da Comissão de
Valores Mobiliários, na proteção ao minoritário.
O terceiro capítulo foi reservado a realidade desta modalidade no Brasil.
Apresentando o que se tem noticiado sobre o assunto e, no quarto capítulo, a Instrução
Normativa 588 da Comissão de Valores Mobiários, é apresentada ao leitor.
O caráter de oferta pública, as características e os limites impostos pela instrução,
bem como a abordagem sobre os esforços normativos em outros países, também são
abordados neste capítulo. Fechando com o capítulo de conclusão, que aborda a
importância da normatização e as possíveis repercussões.
1 A LIVRE INICIATIVA E A IMPORTÂNCIA DO INVESTIDOR
1.1 LIVRE INICIATIVA
O Brasil, como referenda a nossa Constituição Federal, colocou a Livre Iniciativa
como um dos seus princípios constitucionais; ou seja, um dos lastros sobre o qual nosso
ordenamento deveria se pautar. Segundo José Afonso da Silva, um dos “mandamento
nuclear do sistema” (2015, p.91).
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito
e tem como fundamentos:
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.” (CF, Artigo 1o., 1988)
O legislador originário transferiu ainda, para este princípio, o papel de garantia do
bem estar. Um pensamento pautado sobre a lógica do capitalismo, com alocação na
atividade econômica da responsabilidade em gerar meios para a transmissão de segurança
e proteção aos brasileiros.
A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social, (...)
(CF, artigo 170, 1988)
Não existe, no entanto, um entendimento unanime de que ganhos econômicos,
crescimentos de riqueza e maior empenho do empreendedor (característica aqui própria
da livre iniciativa), resulte necessariamente em maior Bem Estar Social. Jorge Abrahão,
presidente do instituto Ethos, por exemplo, com base em uma pesquisa do IPEA do
período de 2006 a 2011, confronta a fase de melhora dos indicadores de Bem Estar Social
com os do crescimento da economia (com base no PIB como referência) para sugerir que
um não necessariamente anda de mãos dadas com o outro; sugerindo claramente que os
processos adotados de distribuição de renda (como bolsa família) é que foram mais
relevantes para o Bem Estar Social.
Não se pode negar que programas que dão mais acesso a renda a população em
geral elevam o padrão de vida e retroalimenta a economia. Entretanto, não seria possível
ter renda a distribuir se, num momento anterior, a riqueza não tivesse sido gerada; o que
reforça a importância, no nosso modelo, da força da livre iniciativa como produtora de
riqueza.
1.2 CRESCIMENTO DA ECONOMIA
Mais riqueza numa nação tende a resultar em maior bem estar, mesmo exigindo
um mínimo de instrumentos - formais ou expontâneos - de distribuição de renda. Grandes
economistas, como Milton Friedman, já referenciavam como dever social da empresa a
maximização do lucro, por ser o meio pelo qual melhor se atende aos objetivos daqueles
que puseram o resultado do próprio trabalho na empresa: o capital. Pensamento resumido
por Guimarães em sua obra.
Milton Friedman é um expoente atual dessa corrente. Sua argumentação baseia-
se nos seguintes termos:
- o objetivo das empresas numa economia de mercado, onde a competição é
muito acirrada, é a maximização dos lucros;
- as ações dos executivos das empresas devem ser sempre voltadas para o
objetivo do lucro, de forma a melhor remunerar os acionistas;
- investimento por parte da empresa na área social, para qualquer tipo de público
(interno ou externo, empregados ou a sociedade) é uma forma de lesar os
acionistas, de diminuir seus ganhos;
- procedendo com responsabilidade social a empresa estará se autotributando e,
ao invés de ser elogiada, deveria ser processada.
(GUIMARÃES, 1984)
Não resta dúvida que a Livre Iniciativa necessita do capital para tornar-se
geradora de riqueza, o que talvez se tenda a acreditar é que o benefício do retorno sobre o
capital investido é para poucos; uma vez que excedente de renda suficiente para a
realização de investimentos é restrita a uma porção mais rica da população. Ou seja,
investir e obter ganhos sobre o próprio capital exige ter sobra de riqueza concentrado em
alguns, não sendo um meio acessível a todos; pelo menos não até agora.
1.3 A ECONOMIA DA CONFIANÇA NO ESTRANHO
Grandes economias possuem mercados de capitais mais avançados, com
ferramentas que transferem a poupança da população para a iniciativa privada, e não para
o financiamento de déficit público como ocorre em países menos desenvolvidos. A bolsa
de valores, por exemplo, é uma ferramenta de popularização do investimento no setor
produtivo, permitindo que um popular possa ser proprietário de uma fração de uma
empresa produtiva.
Entretanto, no Brasil, não é isso que ocorre. Por um lado estão fatores culturais e
históricos, por outro por modelos negociais, investir na bolsa de valores não é uma opção
para quem tem menos capital.
Nogueida da Costa indica a segurança como razão, ao afirmar que “(No Brasil) É
bobagem falar — como os pós-keynesianos — em “preferência por liquidez“, quando
predomina a “preferência por segurança” ou a aversão ao risco de perda.” (NOGUEIRA
DA COSTA, 2016)
Mas o permanente surgimento de novas empresas, muitas em áreas intensivas em
capital de giro, mantém elevada a necessidade de investimentos; e a grande maioria delas
não possuem histórico ou perfil para conseguir colocar seu capital disponível em bolsa.
Sendo assim, de onde tem vindo a fonte de recursos que as sustentam?
Segundo pesquisou Leonardo Campos Marinhos, o capital vem de um
ecossistema que conta inicialmente com a família, avança para o investidor anjo1, passa
pelo fundo semente2 e, numa fase de maior crescimento e atratividade, alcança os venture
capital3, private equity4 e, algumas, chegam ao IPO5. O lastro, entretanto; ou a aposta
inicial no projeto; origina-se da família que, para Leonardo, inclui também os amigos.
1 Investidor-anjo é uma pessoa física que faz investimentos com seu próprio capital em empresas nascentes com um alto potencial de crescimento, como as startups (Wikipedia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Investidor-anjo). 2 Capital semente é um modelo de financiamento dirigido a projetos empresariais em estágio inicial ou estágio zero, em fase de projeto e desenvolvimento, antes da instalação do negócio, onde um ou mais grupos interessados investem os fundos necessários para o início do negócio (Wikipedia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Capital_semente). 3 Venture capital (VC) é o nome usado para descrever todas as classes de investidores de risco. Mesmo assim, em geral, os fundos de venture capital investem em empresas de médio porte, que já tem um faturamento expressivo, mas que ainda precisam dar um salto de crescimento (Endeavor: https://endeavor.org.br/venture-capital/). 4 Private Equity é uma expressão em inglês que pode ser traduzida para "Ativo Privado", uma modalidade de fundo de investimento que consiste na compra de ações de empresas que possuam boas faturações
Esta fase tem por característica o seguinte: no fato que aqueles que investem na
ideia, estão investindo mais pela relação pessoal com o empreendedor do que
pelo negócio. É uma ajuda pessoal, também conhecido como Love Money; o
investimento é obtido quando o empreendedor tem apenas uma ideia e precisa de
recursos para passar a mesma para o papel. (CAMPOS MARINHOS, p. 19,
2017)
Observe aqui que a base não é atraída pela expetativa de retorno sobre o risco,
mas especificamente pela relação de confiança existente. Uma realidade que hoje já
lastrei grandes negócios mundiais; como a Airbnb e o UBER (maior rede hoteleira sem
hotéis e maior empresa mundial de táxi sem ter nenhum carro).
A chamada Economia da Confiança é a formada pela interação de estranhos que
são intermediadas por um software. Como no caso do Airbnb que um estranho aluga
diretamente o apartamento de outro estranho, confiando apenas em informações e
Feedbacks registrados em um aplicativo; ou do UBER, onde um veículo particular,
pilotado por um desconhecido, serve de táxi para outro sem que exista nenhuma relação
ou garantia externa de confiança. Na visão de Vasconcelos, este é o “Tipo de ‘economia
da confiança’, que surgiu com o eBay, lá nos longínquos anos 90, e anda ganhando muita
força nos últimos anos, à medida que cresce nossa intimidade com os negócios via web,
reforçada pelas redes sociais.” (VASCONCELOS, 2014)
monetárias e que estejam em notável crescimento (Siginificados: https://www.significados.com.br/private-equity/). 5 IPO é a sigla em inglês para Initial Public Offering, ou Oferta Pública Inicial em português. Uma oferta pública inicial de ações é o momento em que a empresa abre seu capital e passa a ser listada na Bolsa de Valores (Bussola do Investidor: https://www.bussoladoinvestidor.com.br/abc_do_investidor/ipo/).
Está mesma lógica de confiança chegou ao mundo financeiro, seja por opções
inovadoras como as moedas virtuais, seja a possibilidade de formação de um conjunto de
pequenos investidores para viabilizarem um projeto. Lógica que não é necessariamente
nova, mas que ressurge como possibilidade para democratização do investimento de
risco: o equity crowdfunding.
Campos Marinho (2017) adota a seguinte definição de crowdfunding “(...)
financiamento de um projeto por um grupo independente de indivíduos, realizado por
meio da internet sem intermediários profissionais”. Seguindo um pouco a lógica do
investimento pela família e amigos, é o modelo de investimentos baseado na confiança.
Este modelo tem a peculiaridade de possibilitar que pessoas afastadas do mercado
próprio do investidor de risco possa, participar deste universo; viabilizando projetos que
poderiam nunca encontrar acolhimento por parte de entidades profissionais. Um passo
voltado a desregulamentação do mundo financeiro.
2 EQUITY CROWDFUNDING: O QUE É E COMO FUNCIONA
Resumindo a definição dada por Vasconcellos em sua participação no TED sobre
este assunto, Equity Crowdfunding é a democratização da possibilidade de investir
(2014). A explicação está na necessidade elevada de capital para que um investidor
tradicional, ou mesmo uma família, disponha de recursos para colocar em risco em um
negócio qualquer.
Vamos supor que, para não interferir no patrimônio total de uma pessoa o máximo
indicado para colocação em capital de risco seja 10% do total. Por esta lógica para
alguém investir 500 mil reais em uma empresa em seu início mas com potencial de
crescimento - uma startup - teria que dispor de, no mínimo, cinco milhões em recursos.
Um volume de capital que, no Brasil, é restrito a muitos poucos.
A lógica muda quando cem pessoas vão diluir a necessidade de investimento da
empresa, colocando cada um o valor equivalente a um centésimo do exemplo anterior; ou
seja, a necessidade de ter disponível um capital bem menor que no formato tradicional.
Conseguir alocar cinco mil reais em um projeto é muito mais factível para, por exemplo,
a classe média brasileira, que colocar 500 mil.
Na verdade, o formato proposto pelo Crowdfunding sempre existiu. Quem nunca
participou de uma campanha de doação especifica que buscava um propósito simples
como o de financiar a reforma de uma igreja? Ou adotou quotas de uma viagem de lua de
mel de um casal como presente de casamento?
Blanco indica alguns tipos básicos de Crowdfunding, à saber: doação, empréstimo,
recompensa e investimento (p. 63, 2015). Onde o primeiro caracteriza-se como simples
doação, a segunda prevê o retorno do valor empenhado na sequência, o terceiro envolve
uma forma de prêmio pela participação e o último é o que de fato caracteriza-se como
investimento.
Já Siqueira e Diniz (2017) remetem a existência das modalidades Tudo ou Nada e
Flexível. Na primeira os potenciais investidores realizam a promessa de participar do
financiamento caso o conjunto chegue ao valor total, na segunda há a alocação do capital
ainda que o conjunto não alcance o valor total desejado. Observe que, na primeira
hipótese, há a vantagem da menor percepção de risco; uma vez que só existindo o
quantitativo de pessoas com compromisso de investir na ideia é que o valor de fato será
devido pelos participantes.
A característica comum a todos eles é a existência de um intermediário que não é
uma instituição tradicional de financiamento, mas sim um serviço baseado em software
na internet, ou outro mediador não convencional. Sendo exemplos no Brasil os serviços:
Catarse, Queremos!, Benfeitoria e Sibite.
Inforgrafico exemplificativo
Gráfico 1 – Funcionamento e personagens do Equity Crowdfunding.
Para exemplificar o funcionamento, de uma modalidade que constitui Equity
Crowdfunding com a presença de um investidor que é também promotor, elaboramos o
infográfico acima. Ele consiste em um fluxo que se inicia com a elaboração de um
projeto de investimentos. Este documento pode ser a mera representação de uma ideia até
o levantamento concreto de itens imobilizáveis necessários à sequência ou melhoria da
produtividade de determinado negócio.
Como trata-se da modalidade Equity, o que a dona do projeto oferece em troca é
uma participação na sua estrutura de capital; ou seja, sociedade no negócio. Tal fator
torna imprescindível que o “dono do projeto” possua, primordialmente, credibilidade;
bem como a ideia que quer promover.
Um investidor só opta por colocar seus recursos em um negócio se observar a
possibilidade de retorno maior que o disponível no mercado financeiro e acima da sua
percepção de risco. Isso por, nas aplicações tradicionais disponíveis, já existir opção onde
a possibilidade de perda do principal não existe; ainda que a remuneração paga em troca
seja pequena. Soma-se a isso a lógica de quê, o capital próprio, por ter que ser
remunerado acima do capital disponível em bancos e órgãos de fomento, ser
necessariamente mais caro.
PÓVOA, chama a atenção para este fato ao abordar, na visão do investido, a lógica
para que o capital próprio tenha um custo mais elevado, comentando:
O sócio no capital próprio “é parceiro na alegria e na tristeza”. Em épocas de
bonança, aufere ganhos de capital e dividendos; nas crises, arrisca perder até o
principal investido. Já o credor exige receber recursos emprestados de volta com
juros e no prazo correto, seja em qual for a situação.
(PÓVOA, p. 257, 2012)
Observe que a percepção de risco é muito relevante. A propensão a colocar valor
em uma possibilidade é maior quanto menor o risco que eu percebo. Seguir alguém que
está apostando mais que eu, que demonstra acreditar e que é alguém reconhecido como
investidor perspicaz, reduz minha percepção de risco.
Está é a função do investidor líder: demonstrar que não haveria tanto risco
envolvido no projeto quanto um investidor convencional possa acreditar. Ter, no grupo
de Crowdfunding que vou participar um membro experiente em investimentos, que está
apostando seu capital no mesmo negócio que eu, me tranquiliza quanto a expectativa de
que eu tenha feito uma boa escolha.
O site, que é o gerenciador e repassador desta captação, também precisa ter
credibilidade. A confiança em todo o conjunto passa por ele, o que exige uma construção
de marca e uma facilidade de acesso e transação de valores de forma segura para que seja
reconhecido como seguro.
É no site que deverá estar o serviço de apresentação do projeto, contato com seus
promotores e investidor líder, e meios para captação e transferência de recursos. Com, é
claro, forma assegurada de repasse da propriedade de quotas para cada participante.
Os valores serão sempre transferidos dos investidores para o serviço do site, com
participação também do investidor líder, para dai seguir para o projeto. Cabendo também
a este o trâmite inverso, com fornecimento da garantia de participação no projeto para
seus financiadores.
Uma vez quotista do projeto, seguindo o disposto no código civil, passa a ter os
direitos e deveres de sócio do negócio, na proporção da sua participação. Podendo ser
distinta a forma de remuneração de sua parte no negócio se assim for posto no contrato
ou documento que reger a organização.
Art. 1.007. Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das
perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição
consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do
valor das quotas.
(Código de Direito Civil, 2002)
2.1 TIPO DE EMPRESA QUE COMPORTA
Segundo os modelos trazidos pelo código de direito civil, as empresas beneficiadas
pelo Equity Crowdfunding poderiam ser Sociedades Limitadas – regidas pelo Código
Civil – (artigo 1052) tendo quotas transferidas no processo, ou Sociedades Anônimas –
regidas pela lei 6.404/96 – (artigo 1088) com as ações como contrapartida da participação
dos investidores. Lembrando que, esta última, ainda que mais adequada, guarda um nível
maior de complexidade e custo de manutenção que nem sempre é desejável para um
negócio em seu início.
A vantagem de que o Equity Crowdfunding venha de uma sociedade anônima esta
facilidade de transmissão do título de posse e na maior limitação do risco para o
participante. Sendo regulamentado pelo próprio código o limite de responsabilidade
envolvido, o que protege, por exemplo contra hipótese de desconsideração da
personalidade jurídica em casos de problemas de viabilidade futuro.
Art. 1.088. Na sociedade anônima ou companhia, o capital divide-se em ações,
obrigando-se cada sócio ou acionista somente pelo preço de emissão das ações
que subscrever ou adquirir.
(Código De Direito Civil, 2002)
Atuação do Site
Imagem 1 – Página explicativa do EuSócio.
Pegando o exemplo do site EuSocio, fica explícito que uma das funções da
ferramenta é também instruir. A final, este modelo de financiamento é ainda muito novo
e pouco conhecido.
Observe que o passo a passo indicado pela ferramenta tenta proteger o minoritário,
sendo desenhada para empresas com perfil de Limitadas. Ele vincula a transferência do
valor ao correto registro dos novos sócios, pagamentos dos tributos envolvidos e, não
menos importante, adesão ao modelo de Governança imposto pelo serviço.
Por meio da estrutura de Governança Corporativa tenta-se definir regras que, dentre
outras coisas, dê voz ao minoritário. A mesma preocupação de proteção está no
normativo da CVM que será discutido mais adiante.
Especialmente em um país como o Brasil, sem cultura de investimentos em
empresas por conta do risco, proteger quem o faz torna-se imprescindível. Dúvida
primária e recorrente do pequeno investidor sempre será como terei acesso ao que me é
devido, por que meio confiar no que me é informado e quê dispositivos existem para me
proteger.
3 EQUITY CROWDFUNDING: A REALIDADE BRASILEIRA
3.1 PROJEÇÃO MUNDIAL
ISMAIL, em seu livro Organizações Exponenciais, trás uma previsão de que o
valor deste formato de investimento chegará a US$ 93 bilhões em 2025, partindo de uma
estimativa do Banco Mundial de que seria de 15 bilhões de dólares em 2015 e de um
dado da mesma fonte que indica ter sido de 2,8 bilhões em 2012 (ISMAIL, p. 158, 2014).
Ou seja, um ritmo exponencial de crescimento.
Certo que ninguém está apostando que este será o meio predominantemente de
financiamento de negócio no futuro, mas sim indicando a velocidade de democratização
do acesso a possibilidade de participar do sistema produtivo. Afinal, os valores que
entende-se que será repassados aos empreendimentos por meio de Equity Crowdfunding
hoje estão alocados em outros formatos de reserva, com possibilidade de não serem
opções que alavanquem a economia.
3.2 VALORES NO BRASIL
No Brasil há poucos estudos disponíveis indicando o volume neste tipo de
captação; sendo aqui adotado o realizado por PERONI para o SEBRAE do Rio Grande
do Sul como referência. Consistindo em uma análise de dados públicos que vai das
primeiras transações iniciais de 2014, passando pelas estruturadas de 2015 até às
registradas em maio de 2017. Um apanhado acumulado que fornece alguns insights
interessantes.
Segundo PERONI, até maio de 2017 o valor acumulado de investimentos por
Equity Crowdfunding no Brasil foi de 12,8 milhões de reais. Indicando uma média de
292 mil, uma mediana de 260 mil, um valor mínimo de 75 mil e um valor máximo de 1,2
milhões de reais.
Numa análise gráfica estatística isso significa que 50% das captações foram abaixo
de 260 mil e que a grande maioria fico abaixo de 292 mil reais. Isso equivale a dizer que
a maior probabilidade de captação por um projeto estará entre 75 mil e 292 mil reais; o
que não são valores expressivos ainda, porém tem potencial de tornar-se a medida que
esta ferramenta for se tornando mais conhecida e utilizada.
Gráfico 2 - Análise gráfica da distribuição de probabilidade.
Até maio de 2017, sempre segundo a pesquisa de PERONI, partindo do início do
uso da ferramenta em 2014, o Brasil tinha acumulado 44 empresas participantes deste
modalidade de acesso ao capital (excetuando-se os Crowdfunding fechados privados por
não acesso aos dados). Tais empresas estavam dispostas em 13 diferentes setores com
predominância nas áreas de inovação e crescimento acelerado (como softwares, fintech,
hardware, e-comerce e biotecnologia), mas atingindo também setores tradicionais como
construção civil, alimentação, varejo e educação.
Tabela 1 - Setores que utilizaram a modalidade no Brasil. PERONI, 2017
4 REGULAÇÃO DO EQUITY CROWDFUNDING NO BRASIL
Edson Garcia, citado por D’ AMORIM (2011), sugere que nossa legislação
enfrentou problemas em decorrência da origem do modelo das empresas brasileiras. A
grande maioria de estrutura patriarcal, onde ainda que sócios fossem admitidos, o poder
da família de origem teria necessariamente que ser protegida.
A origem do nosso mercado é de companhias familiares que queriam ter um sócio
minoritário, mas não queriam dar explicação, pagar dividendos. Era uma
catástrofe. A partir de 2000, discutiu-se governança porque as companhias
estavam fechando capital. Mudou-se a lei, foram criadas regras, inclusive
dividendo mínimo, para atrair novos sócios.
Edson Garcia
(D’AMORIM, 2011)
A solução dada por países com mercados de capitais muito mais avançados que o
nosso foi apostar na publicidade. Garantindo acesso a informações e dando a proposital
negação deste acesso a características de crime.
As leis norte-americanas relativas a investimentos em títulos são bem
desenvolvidas, complexas e baseadas em uma filosofia de publicidade, que
protege a integridade dos mercados financeiros ao exigir dos emissores e dos
ofertantes de ações plena divulgação de todas as informações relevantes,
propiciando tomadas de decisões conscientes por parte dos investidores.
(ALMEIDA, 2013)
Mas só a publicidade não foi suficiente, e estas legislações também desenharam
opções duras de punição aos faltosos. Adotando “leis mais severas no que tange aos
investidores norte-americanos contra fraudes, declarações falsas e enganosas, e/ou a falta
de divulgação de informações relevantes” (ALMEIDA, 2013).
O objetivo foi proporcionar segurança jurídica, e com ela a maior propensão a
investir. Definindo como segurança jurídica “normas jurídicas estáveis, certas, previsíveis
e calculáveis” (PINHEIRO, 2016. p. 192).
Pinheiro considera que, a ausência de segurança jurídica, prejudica diretamente a
economia e seu crescimento.
Na economia, a segurança jurídica lava a “regras do jogo” claras e estáveis.
Quanto menos segurança houver, mais arriscada se tornam as relações jurídicas, e
em especial as transações econômicas, pois as bases em que estas se calcam ficam
mais instáveis, seus efeitos mais difíceis de prever, e seus custos e benefícios mais
complicados de calcular. Isso desestimula o investimento e o aumento da
produtividade e, consequentemente, o crescimento econômico.
(PINHEIRO, 2016. p. 192)
Nesta esteira a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) editou a instrução
normativa 588. Dispositivo voltado a regulação da atividade de Equity Crowdfunding.
Dispositivo normativo que passaremos a analisar a seguir.
4.1 INSTRUÇÃO NORMATIVA 588 DA CVM
A presente instrução caracteriza-se por deixar claro que classifica o Equity
Crowdfunding como uma ferramenta de oferta pública, reconhecendo-a como
concorrente aos meios atuais. Ou seja, com a vantagem de não exigir o registro das
transações, o que elimina intermediação, a ferramenta também existe como meio de
acesso a capital de risco disponível na economia.
Abrindo com a indicação do seu propósito, evidencia que foi criada para atender as
estruturas de Equity Crowdfunding. Tenta, entretanto, já no seu descritivo, limitar as
pequenas operações.
Dispõe sobre a oferta pública de distribuição de valores mobiliários de emissão de
sociedades empresárias de pequeno porte realizada com dispensa de registro por
meio de plataforma eletrônica de investimento participativo.
(CVM, 2017)
O limite dado, exigindo que sejam estruturas de pequeno porte, pode, em alguma
monta, refletir a proteção a estrutura já existente de acesso a capital de risco: as bolsas de
valores. Não por estas terem se provado eficientes, mas provavelmente por conta do víeis
do custo irrecuperável, que ISMAIL indica como sendo a percepção de maior valor em
manter-se na situação atual ao invés de reconhecer a falência do modelo e abraçar outras
possibilidades (ISMAIL, 2014. p. 171).
No capítulo sobre o Âmbito e Finalidade, sugere que a intenção é proteger o
investidor. Aqui entendido como o minoritário, ou o pequeno investidor. O que é um
propósito louvável, desde que não gere entraves, pois em tese favorece a segurança
jurídica, que já sinalizamos ser essencial para a economia.
O segundo parágrafo do artigo primeiro também limita a regulação aos processos
de captação de recursos que envolva fração da propriedade das empresas; ou seja Equity
Crowdfunding. As outras modalidades de captação participativa com uso de meios
eletrônicos não entram na cobertura deste normativo, sendo outras estratégias de
obtenção de recursos que as empresas não devem desprezar.
No seu segundo artigo, regula o que considera como site responsável pela
transação, indicando como plataforma necessariamente registrada na CVM. Um meio
adicional de controle que também favorece, em tese, a maior segurança jurídica.
A definição de porte da empresa adotada é a relativa a valor de faturamento bruto
no ano anterior, limitando a dez milhões, desde que não tenham já o capital oferecido em
bolsa. Este não é o único meio de definição de tamanho, uma vez que existe, por
exemplo, a classificação por meio do volume de funcionários cadastrados, mas é uma
modalidade de relativa facilidade de controle e comprovação.
No parágrafo terceiro do artigo dois, a CVM resolveu que o limite de valor de
faturamento bruto, que define o tamanho para fins de legitimidade para uso do Equity
Crowdfunding, incluiu o faturamento também de controladora ou grupo econômico.
Decisão que prejudica o surgimento e financiamento de Spin offs por este meio;
considerando Spin offs as pequenas empresas resultantes de inovações surgidas dentro de
grandes empresas ou grupos econômicos, que possuem estrutura, capital e gerência
independente da original.
No capítulo dois o normativo regula valor máximo e prazo de captação, fixando em
cinco milhões por cento e oitenta dias. Ainda que acima do máximo histórico registrado
em pesquisa até o momento, o limitador também pode ser entendido como uma forma de
proteção ao formato hoje existente de oferta pública: a bolsa de valores.
No artigo terceiro, inciso quinto, letra “a”, é estabelecido que não poderá ser usado
o valor obtido para fins de fusão, incorporação, aquisição de ações dentre outros.
Particularmente pontos que considero uma ingerência e desvirtuação da lógica de Equity.
Afinal, apostar capital em um empreendimento é, em primeiro lugar, acreditar no retorno
da gestão independente realizada pela equipe que lá esta.
Olhando histórico de empresas inovadoras atuais, como o Google, fica claro que
ferramentas como a aquisição de outras empresas foram diferenciais para seu
desenvolvimento; basta lembrar do YouTube. Num mundo em acelerada mudança usar o
capital para adquirir outra empresa é um dos meios de obter velocidade na aquisição de
tecnologia ou de ganhar espaço no mercado de atuação.
Em minha opinião, ao impedir que o valor seja destinado para atividade gerencial A
ou B, a CVM considera que o valor levantado precisa ser “carimbado”, aos moldes de
financiamentos como o do BNDES, nos quais há posterior acompanhamento e
fiscalização e se destina a projetos específicos. Ainda que o motivador da captação possa
ser lastreado em um negócio específico, trata-se, como o próprio normativo indica, de
uma oferta pública de ações ou quotas, e não um financiamento por órgãos de fomento.
O parágrafo quarto, do mesmo artigo, impede que existam nova oferta pública por
meio de Equity Crowdfunding com menos de 120 dias da finalização da anterior. Talvez
um limitador que guarde coerência com o mundo industrial, mas não com o chamado
movimento de crescimento exponencial que vive, por exemplo, as empresas de
tecnologia.
Basta pensar: um dia empresas como a Amazon foram startup. O que teria ocorrido
a ela se não tivesse encontrado fonte elevada e continua de capital para bancar seu avanço
por todo o mercado inexplorado da internet?
Limitar o uso e acesso a ferramenta apenas serve para retardar seu desenvolvimento
e adoção pela sociedade. Erro que a CVM comete não só ao limitar o destino dos
recursos, mas também ao interferir na possibilidade individual de participação do
investidor.
Art. 4º O montante total aplicado por investidor em valores mobiliários ofertados
com dispensa de registro nos termos desta Instrução fica limitado a R$ 10.000,00
(dez mil reais) por ano-calendário, exceto no caso de investidor:
I – líder, nos termos do art. 2º, VI;
II – qualificado, nos termos de regulamentação específica que dispõe sobre o
dever de verificação da adequação dos produtos, serviços e operações ao perfil do
cliente; ou
III – cuja renda bruta anual ou o montante de investimentos financeiros seja
superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais), hipótese na qual o limite anual de
investimento mencionado no caput pode ser ampliado para até 10% (dez por
cento) do maior destes dois valores por ano-calendário.”
(CVM, 2017)
No caso dos limites impostos aos investidores, a fiscalização das condições passa a
ser obrigação do site intermediário (ou plataforma de crowdfunding da internet). O que é
realizado por meio da exigência de certidões e declarações dos participantes.
O normativo, em seu terceiro capítulo, prima pela publicidade, indicando pacote
mínimo de informações e responsabilidade pelas mesmas; incluindo necessidade de
manutenção disponível por mínimo de cinco anos. Porém, no parágrafo primeiro do
artigo 11, limita a possibilidade de que, por exemplo, o investidor líder ajude na
divulgação.
O interesse dos potenciais participantes do processo precisam ser estimulados; não
bastando apenas indicação da existência de informações disponíveis no site. Limitar as
possibilidades e forma de venda do projeto e seu meio de divulgação prejudica a
penetração e desenvolvimento deste ferramenta.
Ao tentar estabelecer maior controle, a CVM aplica ao meio de captação regras que
apenas encarece as possibilidades de uso e estímulo. Aja vista, por exemplo, a exigência
de que encontros de divulgação sejam gravados. Parecendo com a tentativa de aplicar
moldes de ferramental usada para opções de grandes empresas em soluções
desenvolvidas para pequenas e médias.
O capítulo quatro é dedicado a definir quem pode atuar como intermediário neste
processo. Estabelecendo que é pessoa jurídica, que obedece a limite de capital mínimo
integralizado, que os patrimônios envolvidos não se comunicam , dentre outros.
Sempre preocupada com o minoritário, o instrução normativa, em seu capitulo
cinco, inciso IV, alerta quanto a necessidade de comunicar os riscos aos quais o
investidor estará sujeito; sendo eles os mesmos que qualquer um que coloca seu capital
em uma atividade empresaria. O meio, documentado exigido pela CVM, por fim protege
também a empresa que fará o intermédio por meio da sua estrutura pela internet, uma vez
que da a esta uma prova de quê o investidor foi avisado quanto aos riscos que seu capital
enfrentaria.
Dois riscos adicionais são evidenciados pelo normativo, o da falta de liquidez dos
títulos de propriedade que estão sendo oferecido e o do não registro na CVM. O primeiro
indica a dificuldade que um investidor terá de sair do negócio caso o mesmo não logre o
êxito desejado, o segundo a não garantia de que informações continuas seja fornecidas e
acompanhadas pela própria autarquia.
O artigo 20 do normativo trata da relação contratual do intermediário e a empresa
captadora, indicando cláusulas necessárias e prestações de informações para a CVM
quanto ao andamento do processo e manutenção dos objetivos iniciais. Sendo
compreensivo que, para fins de proteção aos minoritários, exija certas informações, mas
insisto que não as pertinentes a mudanças que sejam ligadas a decisões inerentes a gestão
do negócio.
Na sequência é definida a forma como se dará a disponibilização das informações,
para os investidores e público em geral. Com exigência da CVM que tenha sempre
indicada a não participação da mesma na fiscalização de informações ou para fins de
garantia contra os risco.
Um rol de vedações é apresentada na seção II do documento, que se iniciar no
artigo 28. Sendo compreensivo que impeça que os sites intermediários do processo de
Equity Crowdfunding atuem com serviços próprios de instituições financeiras e que
tenham grande participação própria sobre a empresa captadora; porém não existe razão
para impedir que estes utilizem outros meio de divulgação das ofertas existentes.
Restringir apenas aos que fazem acesso ao site para que conheçam das ofertas lá
existentes limita a efetividade do meio para obtenção de recursos. Aquele que tem um
projeto para realizar possui necessidade de que os valores sejam obtidos rapidamente, sob
pena muitas vezes de perder a janela de oportunidade do seu produto. Ter os meio livres
para publicizar a oferta é um ponto que interessa ao captador, mas também ao
minoritário; uma vez que sem levantar o necessário um empreendimento pode estar
fadado a não se desenvolver, e o valor nele posto transformar-se em perda.
Tais limitações de comunicação e propaganda parece reforçar o temos da CVM de
que opções como o mercado de capitais venham a ser superadas por opções mais livres
originárias da economia da confiança. Um possível movimento de contenção que, caso
seja este serviço que vai suplantar como tecnologia disruptiva o predominante originário
de séculos anteriores, pouco conseguirá fazer.
O mundo viu o esforço de setores como os de música e de livros tentarem, via
regulamentação, evitar que fossem destruídos por ferramentas da nova economia; com
todos os esforços no fim mostrando-se vãos. Não deverá ser diferente caso o
Crowdfunding seja a bala de prata em questão.
Nas seções seguintes, o normativo indica a possibilidade de participação de
sindicatos de investidores e a existência e reconhecimento de investidores líderes. O
primeiro constitui um “grupo de investidores vinculados a um investidor líder e reunidos
com a finalidade de realizar investimentos” e o segundo “pessoa física ou jurídica com
comprovada experiência de investimento e autorizada a liderar sindicato de investimento
participativo” (BRASIL247, 2018).
No caso dos sindicatos a lógica apresentada pelo normativo é de que possam
utilizar a ferramenta como veículo para a própria atuação do grupo. Colocando como um
dos papéis do investidor líder o de auxiliar a empresa captadora com conhecimento e
intermediação frente aos demais investidores.
Por fim, ainda que reconheçamos que normatizar a atividade de forma mínima é
necessário, não podemos deixar perceber que o modelo trás referência de um velho
mundo e tenta aplicar a um novo mundo. O Equity Crowdfunding tem o condão de ser
revolucionário em acesso a possibilidade de participar no capital de risco para pessoas
que antes não vislumbrariam esta possibilidade, tendo um carater muito mais amplo e
democrático que as opções de investimento por meio do mercado financeiro ou através do
mercado de capitais.
Também friso a confusão feita em relação aos objetivos do meio, que é claramente
de viabilizar que investidores possam ter seu capital aplicado em operações que tenham
possibilidade de crescimento e de gerarem retorno para si. Com a limitação de destinação
dos valores, claramente a CVM confundiu investimento com utilização de fundos de
fomento mercantil convencional, como os do BNDES.
4.2 VISÃO GERAL DE OUTROS AUTORES Poucos profissionais analisaram o normativo, especialmente por ser recente (de
2017); porém encontram-se alguns posicionamentos na internet, especialmente de
revistas especializadas no mercado de capitais e blogs de assuntos relacionados.
RIZZO (2017), pela coluna de legislação da Carta Aberto, por exemplo, classificou
a instrução normativa como benéfica, vislumbrando o aumento da segurança jurídica.
Destacando a exigência de maior responsabilidade por parte da plataforma de
intermediação, o estabelecimento de um modelo de governança simplificado e a
publicidade ao evitar ofertas restritas e um determinado público.
Ele também destacou o fato de que, para realizar a chamada do capital, não precisar
alcançar mais a totalidade da proposta para ocorrer.
(…) no lugar da obrigatoriedade de atingirem 100% da meta de captação para
chamar capital, as empresas poderão receber os recursos assim que ultrapassarem
dois terços do volume pretendido. A expectativa era que o limite máximo e
mínimo da oferta fossem mais amplos, mas o mercado deve se adaptar sem
grandes dificuldades.
(RIZZO, 2017)
Felipe Matos, pelo jornal Estadão, aponta como destaque a não necessidade de que,
a cada nova oferta pública via Crowdfunding, o site tivesse que registra-lá na CVM. Com
o normativo esta obrigação deixa definitivamente de existir.
Chaves Silva, que escreve em um blogue ligado a inovação, indica que o mercado
vê com maus olhos a limitação do uso do dinheiro. Ponto que já indiquei como provável
ingerência da CVM sobre o tipo de captação que, em tese, visa não um investimento de
projeto, mas uma participação no risco da empresa.
Em linhas gerais, entretanto, o normativo foi bem acolhido a luz dos que primeiro
se pronunciaram sobre ele.
4.3 REGULAÇÃO NO MUNDO
Já em 2016, a SEC6 - Securities Exchager Commission - havia regulado a atividade
nos Estados Unidos. Segundo Halt (2017, p.17), como no Brasil, impôs limite mínimo de
investimento individual (em dois mil dólares) e limite máximo de capitação em um
milhão de dólares americanos. Caracterizando-se também por liberar a qualquer pessoa o
acesso a esta possibilidade de investimento de risco.
A possibilidade de aplicar mais de dois mil dólares individualmente ainda existe,
mas precisa ser demonstrada a capacidade com base no patrimônio disponível do
investidor. Um formato que parece voltado a proteger a este contra uma elevada
exposição ao risco. 6 A Securities and Exchange Commission (Comissão de Valores Mobiliários), frequentemente abreviada SEC, é uma agência federal dos Estados Unidos que detém a responsabilidade primária pela aplicação das leis de títulos federais e a regulação do setor de valores mobiliários (Wikipedia)
Como no Brasil, a SEC também se preocupou em regular o que e como pode ser
divulgada a oferta deste tipo de quotas de participação ao mercado. Isso dentre outras
normas de conformidade que invejam penalidades as empresas que as descumprirem.
Na Europa, diferentes países possuem regulações distintas. Até onde pesquisei, a
Itália foi um dos primeiros a regular, classificando a atividade como mercado de risco,
porém aberta a qualquer cidadão. Já o Reino Unido o classificou como investimento de
risco, sendo acompanhado e monitorado pela Financial Conduct Authority que o
considera como aplicação de baixa liquidez (sendo a liquidez a facilidade como que um
investimento é reversível em moeda corrente).
Em geral, nos países europeus, este mercado é acessível apenas a alguns
investidores qualificados, cuja a riqueza ultrapasse um determinado patamar. De acordo
com legislação de 2014, os chamados investidores do varejo e os cidadãos comuns devem
comprovar que não estão comprometendo mais que 10% dos seus ativos neste tipo de
operação.
Segundo publicações, nos demais países da Europa (a parte Itália e o Reino Unido),
as legislações são mais frouxas. Já sendo legal na Alemanha a vários anos, porém limita-
se a participação dos investidores no lucro, não no acesso a gestão da empresa via voto; já
na França a regulação também existe, coincidindo com a brasileira ao exigir que a
empresa intermediadora possua um capital mínimo para mostra-se viável a gestão do
negócio (no caso de EUR 730.000).
4.4 REGULAÇÃO NA ARGENTINA
Na Argentina a normatização do Equity Crowdfunding também se deu em 2017,
por meio da CNV (Comisión Nacional de Valores). Divergindo do Brasil, lá a regulação
exige que a intermediadora seja uma sociedade anônima registrada na CNV, permitindo-
lhe realizar outras atividades a fins sob o acompanhamento do órgão.
Como na Europa, define um patrimônio mínimo (capital integralizado) de 250 mil
pesos. Valor este que, caso seja reduzido por qualquer motivo, como resultado ou saída
de sócio, deverá ser imediatamente reposto.
A exigência de publicidade e informação do funcionamento do serviço de forma
clara através do site é ponto comum da regulação argentina em relação a nossa. Havendo
proibições próprias, como a de realizar consultorias financeiras, ou obter recursos para
aplicar em empresas investidas dos próprios sócios destas; demonstrando uma
preocupação com a lisura do processo.
Na normatização do nosso vizinho também existe limitação de patrimônio que se
pode aplicar (20% do patrimônio pessoal) e limitação do máximo que se pode deter como
participação no negócio (5%). Ambos os limitadores, em minha opinião, funcionam mais
como desestimulo que estimulo para que os potenciais investidores se aventurem neste
formato de investimento de risco.
5 CONCLUSÃO O Brasil é um país sem cultura do investimento de risco. Sozinho este já é um fato
que nos prejudica, pois para uma economia ter crescimento real é necessário que as
empresas sejam capazes de crescer; e não há crescimento sem o necessário investimento
no setor produtivo.
A possibilidade aberta pelo Equity Crowdfunding poderá funcionar como uma
porta de acesso ao capital hoje destinado ao financiamento da dívida pública; transferindo
parte dos valores da poupança e dos certificados de depósito bancário para o capital de
risco. Afinal a solução trás uma alternativa semelhante a disputada por empresas com
capacidade de estar na bolsa de valores para estruturas menores e mais simples; além de
democratizar o acesso a este mercado ao possibilitar que, particulares com patrimônios
pessoais limitados, consigam destinar parte deste para o setor produtivo.
O modelo é uma consequência da economia da confiança, possibilitada pelas
ferramentas da internet, tendo surgido e sido primeiro regulamentada pelos Estados
Unidos em 2016. Na sequência os diversos outros países do mundo, incluindo o Brasil,
partiram para a regulamentação já no ano seguinte: 2017. Em nosso caso isso se deu pela
Instrução Normativa da CVM de número 588.
Apesar de importante, até por legitimar a ferramenta, a normatização da CVM
trouxe algumas limitações que vão ao encontro do potencial de elevação do volume de
investimento no setor produtivo pela população. O primeiro é mais referenciado deles foi
o da limitação do uso do capital pelas empresas; não permitindo, por exemplo, o uso para
fins de fusões e aquisições.
Independente do que esta sendo excluído do processo, “carimbar o destino do
dinheiro” retira dele parte das características próprias de uma operação de Equity. Afinal
quando coloco meu capital em risco com aquisição, por exemplo, de ações no mercado, o
faço por acreditar nos fundamentos econômicos do empreendimento e na capacidade dos
seus gestores, não limitando o destino a que se fará do valor lá investido.
Limitar as formas de divulgação da oportunidade ao mercado, restringindo os
meios, também considero uma falha. Menos divulgação é, no fim, restrição a publicidade
e uma afronta a um dos pontos que o próprio normativo defende.
Soluções como esta, para países como o nosso, deveriam ser foco, precisavam ser
estimuladas. Uma vez que somos relativamente atrasados, temos baixa taxa de poupança,
histórica aversão ao risco e difícil acesso a alternativas como a bolsa de valores.
Modelos de cunho mais democráticos, que privilegiam as pequenas propriedades e
empreendimentos em seu início, podem ser o meio pelo qual daremos ao nosso país
capacidade de construção de uma economia mais forte e pujante. Devendo ser foco e
política não limitar, mas sim incentivar opções de potencial penetração como o Equity
Crowdfunding.
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