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6/6/2010 17SALVADOR DOMINGO16 SALVADOR DOMINGO 6/6/2010

ABRE ASPAS ORLANDO SENNA CINEASTA

«O cinema da Bahiaestá vivendo o seumelhor momento»Texto VITOR PAMPLONA [email protected] IRACEMA CHEQUER [email protected]

Corriam os anos 1950, e Orlando Senna,

aos 14, estava atrasado para uma assem-

bleia estudantil no prédio da Secretaria

da Educação, hoje Museu de Arte da Ba-

hia. Ao entrar, um garoto discursava. Fi-

cou impressionado com duas coisas: 1) a

capa em gabardine, a Humphrey Bogart,

usada pelo orador em pleno calor da Ba-

hia; 2) no discurso, o menino dizia que a

política não daria conta de solucionar os

problemas do Brasil e só uma revolução

artística poderia levar à justiça e liberda-

de. A plateia bateu palmas, mas não deu

bola. O orador saiu e Orlando Senna foi

atrás, apresentou-se e disse que era ator.

“Muito prazer, Glauber Rocha. Também

sou ator”, ouviu (os dois faziam parte de

grupos teatrais escolares). Cineasta do

núcleo original do Cinema Novo, ex-se-

cretário nacional do Audiovisual e ex-di-

retor da TV Brasil – da qual pediu demis-

são após divergência de gestão –, Senna

vive o cinema brasileiro há meio século.

Sua geração fez a revolução artística que

desejava?

Édifícil terumavisãoexatadaminha

geração e sua revolução cultural,

mais do que artística. Se deu os re-

sultados esperados ou não, acho

que deu. Porque, quando falo da mi-

nha geração, não me refiro só aos

baianos, mas a toda uma geração

no Brasil e na América Latina. Acho

que, além da revolução artística, o

Cinema Novo, o teatro, a literatura

renovada, tem a revolução geral dos

anos 1960, a revolução sexual, de

costumes, de comportamento.

O último Panorama Coisa de Cinema ho-

menageou o senhor com três filmes seus

dos anos 1970, Iracema (codirigido por

Jorge Bodansky), Gitirana e Diamante

Bruto. O que lhe parecem hoje?

São uma trilogia, fazem parte de um

mesmo projeto estético. Vejo com

muito carinho. Essa nova geração de

cineastas nordestinos, como Marce-

lo Gomes e Karim Aïnouz, tem uma

relação forte com o Iracema, é uma

referência para eles. Isso me dá sa-

tisfação. É história. E permanência.

Sua visão sobre o cinema brasileiro mu-

dou depois da passagem pelo governo,

como servidor público?

Gostei do “servidor público” (risos).

Agregou conhecimentos, me deu

mais responsabilidade, talvez. Eu ti-

nha uma ideia mais selvagem: “Ah,

o governador não faz porque não

quer, o presidente vetou porque

quis”. Aprendi que não é só querer

ou não querer. É também querer,

mas há toda uma espiral de aconte-

cimentos, interesses, surpresas.

Aprendi que o poder muda de lugar.

ComosecretáriodoAudiovisual, tive

momentos em que o meu gabinete

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tinha uma importância decisória

enorme e, depois de duas horas,

não tinha mais.

O senhor é agora presidente da TAL (Te-

levisão América Latina). O que é a TAL?

É uma distribuidora, uma grande co-

operativa de emissoras públicas. Pa-

ra se associar, as emissoras colocam

programação e têm direito de tirar o

que quiserem. Temos 190 associa-

dos na América Latina, perto de 500

emissoras. E Espanha e Portugal es-

tão para entrar. Todo o conteúdo es-

tá na internet, no www.tal.tv.

O audiovisual é para os países um terri-

tório de afirmação. Como está o Brasil?

A comunicação, com o audiovisual

na ponta, será o maior motor eco-

nômico do século 21. Na América La-

tina, todos os países estão tratando

de fazer ou reformar suas leis de co-

municação. E os países industrializa-

dos estão reformando sua legisla-

ção. O Brasil também, mas de ma-

neira muito tímida. Digo tímida por-

que faço uma comparação com a Ar-

gentina, que acaba de fazer uma lei

de meios de comunicação muito

mais adiantada do que foi a propos-

ta da Ancinav. Acho que o próximo

governo terá que encarar essa ques-

tão. Corremos o risco de, sem uma

legislação adequada e contemporâ-

nea, a comunicação no Brasil virar

uma terra de ninguém.

A lei terá que ser mais protecionista?

Toda legislação é protecionista. O

«A comunicação, com o audiovisual naponta, será o motor econômico do século.O próximo governo terá que encarar isso»

Brasil está muito bem posicionado

no que se refere ao consumo de sua

TV no seu território e ao consumo do

seucinemanassalasdecinema.Nos

últimos oito anos, tivemos em mé-

dia 10% de ocupação de mercado de

filmes brasileiros e já chegamos a

21%. A Argentina teve 13% ano pas-

sado e foi uma festa. Mas o Brasil

não está bem no que diz respeito ao

controle da distribuição. Isso está,

praticamente, em mãos estrangei-

ras. E a divisão beneficia quase uma

fonte só, os EUA. Pela sua formação

étnica e cultural, o Brasil devia ser

exemplo de diversidade.

Quem é o inimigo da diversidade?

As hegemonias ou tentativas de he-

gemonia. Quem tem o monopólio

tenta impor uma linha de produtos.

É o que fazem Hollywood e Globo.

Mas a Globo é um monopólio?

Na realidade, não é mais monopo-

lista, pois só tem 49% da audiência.

Mas ainda se comporta com uma

atitude monopolista. Sua força po-

líticaaindaémaiordoqueadetodas

as outras redes comerciais juntas.

Aresistênciaànovaregulamentação,vis-

ta na época da Ancinav, permanece?

A mesma. Tem que resolver o emba-

tedastelefônicascomasdifusoras.E

sóaleipodefazer isso.Masfaltapar-

ticipação popular. Na ocasião da

aprovação da TV Brasil, a militância

foi enorme. Aprovou e acabou a mi-

litância, como se bastasse para ter

uma TV pública. Se a sociedade con-

tinuar calada, o governo não vai fa-

zer nada. Na minha opinião, tem

que criar uma fundação ou instituto

desligado do governo. É uma TV da

sociedade. Tem que convencer go-

verno e partidos. Duvido muito que

o José Serra, pelas coisas que já dis-

se, apoie qualquer ideia de TV públi-

ca. No governo de São Paulo, a coisa

dele com a TV Cultura foi um horror.

Foi preciso o Conselho da Cultura en-

frentá-lo.ElequeriausarcomoTVdo

governo, fazer até propaganda.

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«Qualquer comparaçãoé odiosa, dizer quepernambucano faz filme melhordo que baiano é uma tolice»

O senhor teme pelo audiovisual se Serra for eleito?

Baseando-me nas reações dele em relação à TV pública, eu

temo. O governo Lula pelo menos não era contra a TV pú-

blica, embora não tenha conseguido chegar lá.

O senhor tem dois livros recentes, Os Lençóis e os Sonhos e Um

Gosto de Eternidade. Qual o lugar da literatura em sua vida?

É o primeiro lugar. Mas não sei qual o meu prazer maior, se

escrever ou fazer um filme. A minha medida é o prazer, prin-

cipalmente nessa idade. Só sinto não saber tocar um ins-

trumento, acho que o futebol que me atrapalhou. Minha

mãe me colocou para estudar piano no mesmo horário do

baba (risos). Os Lençóis e os Sonhos é sobre o espaço. Tem

um mundo ali e o tempo passando sobre aquele lugar. Um

Gosto de Eternidade é feito sobre o tempo, como o cinema

e a música. O tempo que dá sustentação à narrativa.

Não tem escrito mais roteiros?

Retomei agora, acabo de fazer um. No governo, podia es-

crever livros, mas não fazer filmes nem roteiros porque, da-

qui a pouco, seria eu mesmo autorizando. Esse novo roteiro

é sobre Marighella. Produtores do Rio e São Paulo me pe-

diram uma ideia de filme, como deveríamos nos aproximar

do personagem. Mas não posso falar muito sobre isso.

Como vê o cinema baiano atualmente?

A Bahia está vivendo o melhor momento da sua história,

sob o ponto de vista da produção. Não vamos fazer com-

parações com a época de ouro do cinema baiano, fim dos

anos 1950 até meados dos anos 1960. Aquilo foi um mo-

mento especial. Eu estou muito entusiasmado. Tem uma

geração de cineastas muito talentosa, como desde o Cine-

ma Novo não existia. Qualquer comparação é odiosa, dizer

que pernambucano faz filme melhor do que baiano, por

exemplo, é uma tolice enorme. «