ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 1
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 2
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 1
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 2
ENTRE CRISE E EUFORIA: Prticas e polticas educativas no Brasil e em Portugal Organizadores: Benedita Portugal e Melo (IE-UL) Ana Matias Diogo (UAc) Manuela Ferreira (CIIE/FPCEUP) Joo Teixeira Lopes (DS- FLUP e IS-UP) Elias Evangelista Gomes (USP) Comisso Cientfica Portuguesa: Maria Manuel Vieira (ICS-UL) Jos Resende (UENF) Teresa Seabra (CIES-ISCTE-IUL) Leonor Lima Torres (UM) Sofia Marques da Silva (FPCE-UP) Comisso Cientfica Brasileira: Maria Alice Nogueira (UFMG) Juarez Tarcsio Dayrell (UFMG) Mrcio da Costa (UFRJ) Paulo Csar Carrano (UFF) Lea Pinheiro Paixo (UFF)
Capa e Contracapa: Maria Teresa Verdier a partir de logomarca de Elias Evangelista Gomes Composio: Maria Teresa Verdier 2014, Faculdade de Letras da Universidade do Porto Porto, Dezembro de 2014 ISBN: 978-989-8648-40-2
Reservados todos os direitos de acordo com a legislao em vigor
Com o apoio de:
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NDICE
APRESENTAO
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUES DA PROFISSO DOCENTE
A ESCOLHA DOS CURSOS DE FORMAO DE PROFESSORES E DA PROFISSO
DOCENTE NUM CENRIO DE DESVALORIZAO DO MAGISTRIO:
OS ESTUDANTES DE LICENCIATURA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Cludio Martins Marques Nogueira; Sandra Regina Dantas Flontino
RELAO ENTRE RELIGIO, GOSTO POR CRIANA E MUDANA SOCIAL:
A ESCOLHA POR PEDAGOGIA
Adriane Knoblauch
LEITURA E ESCRITA DE PROFESSORES: SOCIALIZAO E PRTICAS PROFISSIONAIS Eliana Scaravelli Arnoldi; Belmira Oliveira Bueno
ENTRE A REAFIRMAO DA SUA MISSO SOCIAL E PBLICA E A DEFESA DE UM ESTATUTO
PROFISSIONAL CORPORATIVO? IMPACTOS DO GERENCIALISMO
NO PROFISSIONALISMO DOS PROFESSORES
Alan Stoleroff; Patrcia Santos
O MANDATO E A LICENA PROFISSIONAL PROVA DAS MUTAES NO ESTATUTO DA
CARREIRA DOCENTE: CONTROVRSIAS EM TORNO DO TRABALHO PROFESSORAL
Jos Manuel Resende; Lus Gouveia; David Beirante
VOZES DISSONANTES PRESENTES: PERCEPES DE PROFESSORES E GESTORES DA REDE
PBLICA DO MUNICPIO DO RIO DE JANEIRO ACERCA DAS POLTICAS DE AVALIAO E
RESPONSABILIZAO
Diana Gomes da Silva Cerdeira; Aline Danielle Batista Borges; Andrea Baptista de Almeida
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 2
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PROFISSIONALIZAO DOS PROFESSORES EM PORTUGAL:
TENDNCIAS E ESPECIFICIDADES
Joana Campos
(RE)COMPOSIO DO TRABALHO DO PROFESSOR DO ENSINO SUPERIOR:
O CONTEXTO PORTUGUS EM DESAFIO
Carolina Santos; Ftima Pereira; Amlia Lopes
ENTRE O VIRTUAL E O PRESENCIAL. A FORMAO E A PROFISSIONALIZAO
DOS PROFESSORES
Belmira Oliveira Bueno
INFNCIA E JUVENTUDE:
CULTURAS, EXPERINCIAS E TRANSIES
PELAS BRECHAS: A CIRCULAO DE CRIANAS NUMA FRONTEIRA
EM BELO HORIZONTE, BRASIL
Samy Lansky
ENTRE AS CULTURAS ESCOLARES E AS CULTURAS INFANTIS:
PEQUENA INFNCIA E PESQUISA
Maria Letcia Barros Pedroso Nascimento
OS SENTIDOS DA EXPERINCIA ESCOLAR PARA JOVENS DO ENSINO MDIO:
UM ESTUDO EM TRS ESCOLAS NA CIDADE DE CAXIAS DO SUL/RS
Vitor Schlickmann; Elizete Medianeira Tomazetti
O ALUNO, ATOR PLURAL:
DA ALIENAO ESCOLAR E DO CLIMA DE ESCOLAR
Conceio Alves-Pinto; Maria Manuela Teixeira
A COMPOSIO DA FIGURA DOCENTE:
ENTRE MEMRIAS E NARRATIVAS POR OUTROS OLHARES
Thiago Freires; Ftima Pereira; Carolina Santos
JOVENS ESTUDANTES UNIVERSITRIOS E SEUS PROFESSORES:
ASPECTOS DA INTERAO SOCIAL
Ivar Cesar Oliveira Vasconcelos; Candido Alberto da Costa Gomes
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A MEIO CAMINHO DA UNIVERSIDADE...
A INCLINAO AO ENSINO SUPERIOR SEM OS SEUS MEIOS ADEQUADOS
Eduardo Vilar Bonaldi
A FORMAO SUPERIOR EM PIANO EM DUAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS:
UMA ANLISE SOCIOLGICA
Carla Silva Reis
PORQUE ALGUNS ESTUDANTES SE TORNAM BOLSISTAS DE INICIAO CIENTFICA?
Mariana Gadoni Canaan
MAIS EDUCAO MAS MENOS TRABALHO!:
OS JOVENS E A FRAGILIZAO DAS RELAES LABORAIS
Ana Cristina Palos
RELAES ENTRE POLTICAS DE ENSINO MDIO E SUSTENTABILIDADE
RURAL NO SERTO SERGIPANO
Isabela Gonalves de Menezes
JUVENTUDE RURAL E TRANSNACIONALISMO NO BRASIL:
UMA ANLISE A PARTIR DO LOCAL DE ORIGEM DAS MIGRAES INTERNACIONAIS
Maria Zenaide Alves
IDENTIDADE JUVENIL, TRANSIO PARA VIDA ADULTA E PROJETOS DE VIDA
Mariane Brito da Costa; Bruno da C. Ramos; Viviane Netto M. de Oliveira
FAMLIAS, USOS DAS TIC E PAPEL
DOS MEDIA NA EDUCAO
TIPOS DE PARTICIPAO PARENTAL NAS ESCOLAS
UM OLHAR SOBRE AS ASSOCIAES E REPRESENTANTES DE PAIS
Eva Gonalves; Susana Batista
MOVIMENTO ASSOCIATIVO DE PAIS
A PARTICIPAO NAS ASSOCIAES E AS SUAS DIMENSES EDUCATIVAS
Isabel Maria Gomes de Oliveira; Maria Teresa Guimares Medina
REUNIES E ENCONTROS DE PAIS E PROFESSORES:
INTERAES DESEJADAS E ALCANADAS?
Maria Luiza Canedo
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A FAMLIA E O FENMENO DO ABSENTESMO DISCENTE NO ENSINO FUNDAMENTAL
EM UMA ESCOLA PBLICA DE BELO HORIZONTE
Roberta Andrade e Barros
O TRABALHO E A POLTICA NO PROCESSO DE SOCIALIZAO:
O CASO DE FAMLIAS DE TRABALHADORES
Maria Gilvania Valdivino Silva
RELIGIO E EDUCAO EM DISPOSITIVOS EDUCATIVOS NO ESCOLARES: O ENSINO DOMSTICO EM PORTUGAL
lvaro Manuel Chaves Ribeiro
CRIANAS E TIC: UMA RELAO DESIGUALMENTE CONSTRUDA NA FAMLIA
Pedro Silva; Ana Matias Diogo
NOVAS TECNOLOGIAS DE INFORMAO E EFEITOS NAS DINMICAS
DE ATENO NA SALA DE AULA
Nuno Miguel da Silva Melo Ferreira
ENTRE O MERCADO E O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL:
OPINIES DE JORNALISTAS SOBRE CONTROVRSIAS EM EDUCAO
Rodrigo Pelegrini Ratier
A MEMRIA NA EDUCAO POLTICA BRASILEIRA
Elias Evangelista Gomes
DESIGUALDADES EDUCACIONAIS: ESCOLAS, CONSTRUO DAS (IN)JUSTIAS
E PROCURA DA QUALIDADE
O QUE NOS DIZEM AS DESIGUALDADES EDUCACIONAIS SOBRE AS OUTRAS
DESIGUALDADES? UMA PERSPETIVA COMPARADA ESCALA EUROPEIA
Susana da Cruz Martins; Nuno Nunes; Rosrio Mauritti; Antnio Firmino da Costa
PRTICA DOCENTE E SOCIALIZAO ESCOLAR PARA AS DIFERENAS: ESTRATGIAS DE
TRANSFORMAO DA ORDEM DE GNERO E SEXUALIDADE
Ana Paula Sefton
GESTO ESCOLAR E GNERO:
O FENMENO DO GLASS CEILING NA EDUCAO BRASILEIRA
Vanisse Simone Alves Corra
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695
721
743
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793
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5
O DESEMPENHO ESCOLAR DE JOVENS PORTUGUESES: UM ESTUDO COMPARATIVO ENTRE
ESCOLAS PBLICAS E PRIVADAS, EM CONTEXTO RURAL E URBANO
Carla Malafaia; Isabel Menezes; Tiago Neves
A DIFERENA QUE A ESCOLA PODE FAZER: ESTUDOS DE CASO EM ESCOLAS DO
ENSINO BSICO DA REA METROPOLITANA DE LISBOA
Teresa Seabra; Maria Manuel Vieira; Ins Baptista; Leonor Castro
EFEITO DAS ESCOLAS, CONTEXTO SOCIOECONMICO E A
COMPOSIO POR GNERO E RAA
Flvia Pereira Xavier; Maria Teresa Gonzaga Alves
DISTRIBUIO DE OPORTUNIDADES EDUCACIONAIS: O PROGRAMA DE ESCOLHA DA
ESCOLA PELA FAMLIA NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DO RIO DE JANEIRO
Ana Lorena de Oliveira Bruel
INFLUNCIA DAS REDES RELIGIOSAS NO ACESSO E PERMANNCIA EM ESCOLAS PBLICAS
COM BONS RESULTADOS ESCOLARES
Maria Elizabete Neves Ramos; Cynthia Paes de Carvalho
DESIGUALDADES, DIFERENA: O QUE POSSVEL DIZER SOBRE A ESCOLA JUSTA?
Flvia Schilling
SOCIALIZAO E INDIVIDUAO: A BUSCA PELO RECONHECIMENTO
E A ESCOLHA PELA EDUCAO
Maria da Graa Jacintho Setton
CONFIGURAES DA DISTINO ESCOLAR NOS PLANOS NACIONAL E INTERNACIONAL
Leonor Lima Torres; Maria Lusa Quaresma
POLTICAS DE ESCOLARIZAO, COMPENSAO
E AVALIAO
ATUAO EMPRESARIAL E RECONFIGURAO DO ESPAO DE PRODUO DE POLTICAS
EDUCACIONAIS NO BRASIL
Erika Moreira Martins
EDUCAO - OU DE COMO ELA VEM SENDO TRANSFORMADA
NUMA VENDA DE BENS FUTUROS
Joaquim Antnio Almeida Martins dos Santos
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PERCEPES SOBRE O CENRIO DE OFERTA DO ENSINO MDIO NO MUNICPIO DO RIO DE
JANEIRO: O QUE DIZEM OS DIRETORES ESCOLARES?
Luiz Carlos de Souza
FORMAO E ESCOLARIZAO DE TRABALHADORES BRASILEIROS
SOB OS INVARIANTES DO ESPAO SOCIAL:
ANLISE DA IMPLEMENTAO DO PROEJA NO BRASIL
Culi Mariano Jorge; Jessika Matos Paes de Barros
FORA DO LUGAR! ANLISES SOBRE AS PERCEPES DA JUVENTUDE NEGRA EM
PROCESSOS DE ESCOLARIZAO NA EJA
Natalino Neves da Silva
EDUCAO PRIORITRIA EM PORTUGAL E NO BRASIL: A DIFCIL TAREFA DE PRIORIZAR EM
CONTEXTOS DE VULNERABILIDADE EDUCACIONAL
Ana Carolina Christovo; Rodrigo Castello Branco
O IMPACTO DO PROGRAMA TEIP NOS RESULTADOS DOS EXAMES
NACIONAIS AO LONGO DE 12 ANOS
Hlder Nuno Ricardo Ferraz; Damiana Alexandra Pereira Enes; Tiago Guedes Barbosa do Nascimento Neves; Gil Andr da Silva Costa Nata
POLTICAS DE RESPONSABILIZAO ESCOLAR DE ALTA CONSEQUNCIA E PRTICAS
ESCOLARES: ESTUDO EXPLORATRIO DA REDE MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO
Mariane C. Koslinski; Karina Carrasqueira; Felipe Andrade; Carolina Portela; Andr Regis
NOTAS BIOGRFICAS SOBRE OS
ORGANIZADORES DO LIVRO
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1309
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ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 11
APRESENTAO
Corria o ano de 2008 quando um grupo de socilogos da
educao brasileiros e portugueses reunidos em Belo
Horizonte, no Brasil, deu corpo, atravs da realizao do I
Colquio Luso-Brasileiro de Sociologia da Educao, a um
profcuo intercmbio cientfico que perduraria seis anos
depois. O debate ento realizado a propsito dos resultados
de pesquisas centradas em algumas das principais questes
que nos ajudam a compreender a complexidade dos
fenmenos educativos e o papel da escolarizao na
contemporaneidade revelou-se to rico que, em 2010,
promoveu-se o II Colquio Luso-Brasileiro de Sociologia da
Educao, desta vez em Portalegre, Portugal e, em 2012,
novamente no Brasil, mas no Rio de Janeiro, sucedeu a sua
terceira edio.
Em 2014, , assim, j do IV Colquio Luso-Brasileiro de
Sociologia da Educao que possvel falar1. Mantendo um dos
principais objectivos que presidiram organizao dos
1 Organizado por Joo Teixeira Lopes (DS-FLUP), Benedita Portugal e Melo (IE-UL), Manuela
Ferreira (CIIE/FPCEUP) e Ana Diogo (UAc), da parte de Portugal; Marlia Pinto de Carvalho
(USP), Maria da Graa Jacintho Setton (USP), Wnia Maria Guimares Lacerda (UFV) e Elias
Evangelista Gomes (USP), da parte do Brasil.
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 12
anteriores colquios possibilitar o dilogo aprofundado entre
investigadores que partilham afinidades cientficas em torno
do complexo objecto de estudo que constitui actualmente a
educao -, este ltimo colquio, agora organizado em
Portugal, no Porto, teve a novidade de ser bastante mais
abrangente no nmero de participantes, o que permitiu a
muitos socilogos mais jovens apresentarem publicamente o
produto do seu trabalho, a par de reputados socilogos
seniores.
O formato aberto deste encontro e a adeso da
comunidade cientfica brasileira e portuguesa sua call
(traduzida na recepo de 142 propostas, das quais foram
seleccionadas cerca de metade), abriram portas a um colquio
de dimenses significativas. Ao longo de trs dias (19, 20 e 21
de Junho de 2014), na Faculdade de Letras e na Faculdade de
Psicologia e Cincias da Educao da Universidade do Porto,
em sesses plenrias e em mesas simultneas foram
apresentadas 72 comunicaes.
Este livro rene, justamente, a grande maioria destas
contribuies. A sua estrutura, organizada em cinco grandes
seces temticas, revela bem como a investigao produzida
aqui e alm-mar, na rea da sociologia da educao, se tem
desenvolvido em torno de temas comuns, ainda que Brasil e
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 13
Portugal paream viver em contraciclo, quando atentamos na
configurao do Estado-Providncia e no desenvolvimento das
suas polticas educativas.
Com efeito, apesar de partilharem certos itens de uma
agenda transnacional (nfase na performance educativa
centrada nos resultados de escolas, professores e alunos;
flexibilizao e territorializao curricular; escolarizao de
amplas esferas da vida e de aprendizagens outrora
extraescolares; ampliao das mediaes educativas;
elaborao de rankings e competio entre escolas num
domnio de quase-mercado; importncia do gerencialismo e da
prestao de contas dos estabelecimentos escolares), o papel
do Estado est em clara expanso no Brasil, encontrando-se
em ntida retrao em Portugal. No primeiro caso, realam-se
orientaes gerais de cariz Keynesiano, ainda com
impregnaes liberais; no segundo caso passa-se em brusca
transio de um Estado-Providncia inacabado para um Estado
mnimo. A anlise de montantes de investimento pblico, da
rede escolar, do nmero de professores e de alunos inseridos
no sistema e dos montantes disponveis para a monitorizao e
reflexividade das prprias polticas pblicas (patentes nos
incentivos I&D), aponta para uma divergncia intensa entre
estes dois pases. Os prprios discursos (quer da opinio
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 14
pblica, quer dos atores polticos) surgem contaminados por
estas diferentes atmosferas. No Brasil, questiona-se a
qualidade do progresso em curso, bem como as desigualdades
inerentes a um processo rpido e volumoso; em Portugal,
acentua-se a quebra da crena na escolaridade como motor de
mobilidade social, questiona-se a drenagem de crebros, a
emigrao qualificada e a precarizao da profisso docente.
E as agendas de investigao dos autores portugueses e
brasileiros cujos trabalhos so apresentados nesta colectnea,
apesar de fabricadas com as preocupaes cientficas de se
ultrapassarem as evidncias do senso-comum, tambm
parecem traduzir estes contextos distintos. Seno vejamos.
Na seco Entre escolhas, formaes e mandatos:
(re)construes da profisso docente, os investigadores
brasileiros apresentam resultados de pesquisas que do conta
das motivaes que esto na base da escolha dos estudantes
que frequentam os cursos de formao de professores (texto
de Cludio Nogueira e Sandra Flontino e texto de Adriane
Knoblauch); das repercusses dos programas de formao
contnua de nvel superior nas prticas de ensino de leitura e
escrita de docentes da educao bsica (texto de Eliana
Arnoldi e Belmira Bueno); do surgimento de novos agentes
pedaggicos e das suas implicaes na organizao e
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 15
funcionamento do ensino distncia (texto de Belmira Bueno)
e, por fim, dos efeitos dos sistemas de avaliao externa nas
prticas quotidianas de directores e professores de uma rede
municipal de ensino (texto de Diana Cerdeira, Aline Borges e
Andrea Almeida).
Os temas dos textos dos autores mencionados
desvendam como no Brasil se continua a investir na
universalizao do acesso aos vrios nveis de ensino por parte
da populao brasileira jovem e adulta e na qualificao dos
profissionais da educao, apesar de se fazer sentir o mandato
educacional supranacional que obriga prestao de contas.
J os investigadores portugueses inseridos nesta seco
apresentam-se sobretudo atentos s polticas educativas de
teor gerencialista implementadas no actual contexto de
conteno econmica, procurando avaliar, a partir de pontos
de vista complementares, o seu impacto no modelo do
profissionalismo dos professores (texto de Alan Stoleroff e
Patrcia Santos; texto de Jos Manuel Resende, Lus Gouveia
e David Beirante) e as suas implicaes nos processos de
(re)composio do trabalho dos docentes do ensino secundrio
(texto de Joana Campos) e universitrio (texto de Carolina
Santos, Ftima Pereira e Amlia Lopes).
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 16
Na seco Infncia e Juventude: Culturas,
Experincias e Transies, reflecte-se um interesse comum a
investigadores brasileiros e portugueses em explorarem,
desenvolverem e aprofundarem outros conhecimentos acerca
da realidade socioeducativa, a partir dos questionamentos e
desafios que lhes so colocados pela infncia e pela
juventude, entendidas enquanto espaos socioestruturais
geracionais, e/ou pelas perspectivas que os actores sociais,
crianas e jovens, elaboram acerca de si, das suas
circunstncias de vida e do mundo social.
A tematizao da infncia problematiza os
constrangimentos que as crianas enfrentam na
contemporaneidade, seja por via da sua segregao
socioespacial e fortes limitaes sua independncia de
mobilidade urbanas (texto de Samy Lansky), seja por via da
sua cada vez mais precoce institucionalizao e crescente
alunizao, mesmo que pr-escolar (texto de Maria Letcia
Nascimento). Apesar das demarcaes impostas pelo mundo
adulto, ambos os autores sublinham a importncia das culturas
infantis no descortinar de condies heterogneas e desiguais
das crianas experienciarem as suas infncias, bem como os
diversos usos e sentidos da sua agncia. As brechas que as
crianas encontraram para se apropriarem significativamente
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 17
da cidade ou do quotidiano do Jardim de Infncia, tornadas
visveis nos textos daqueles dois autores brasileiros atravs da
anlise de mapas e de notas de terreno etnogrficas,
respectivamente, expressam ainda uma preocupao
epistemolgica e metodolgica comum que corrobora a
importncia de captar vozes mais directas e participadas das
crianas na produo de dados sociolgicos.
Uma mais ampla tematizao da juventude detm-se na
sua condio como jovens estudantes para a se debruar
sobre a anlise dos sentidos da sua experincia escolar no
ensino secundrio e no ensino superior, e para surpreender,
depois, algumas particularidades nos processos da sua
transio no mbito do ensino superior para o mundo laboral,
mas tambm de outras transies de carcter migratrio entre
o contexto rural e os contextos urbano e transaccional e
transies radicadas em projectos de vida e para vida adulta.
Os processos de apropriao significativa das condies
e oportunidades sociais, contextuais e relacionais, inerentes
s experincias escolares protagonizadas por jovens, e cujos
sentidos subjectivos se entendem como estando dependentes
dos modos como constroem os seus universos simblicos,
individuais e colectivos, e aqueles dos trnsitos, tenses e
negociaes gerados entre culturas escolares e culturas
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 18
juvenis, apresenta-se como um posicionamento terico-
metodolgico partilhado por investigadores portugueses e
brasileiros em quatro textos desta seco.
Em foco comeam por estar as experincias escolares
de jovens que frequentam o 3 ciclo do ensino bsico/Ensino
Mdio, traduzidas no interesse em apreender as lgicas de
aco que so mobilizadas e jogadas entre as suas aspiraes,
posies e disposies em relao escola e ao aqui e agora
mas tambm ao fora da escola e aos projectos futuros (texto
de Vitor Schlickmann e Elizete Medianeira Tomazetti); as
vivncias que fazem da escola, considerando a sua condio de
sujeitos plurais e a diversidade de redes de interaco em que
participam, de modo a elucidar as relaes entre clima de
escola e alienao escolar, particularmente dimenses
relacionais e emotivas que vivem e sentem quando se
envolvem com uma pluralidade de interlocutores/parceiros
como os seus colegas, professores e director de turma (texto de
Conceio Alves-Pinto e Maria Manuela Teixeira) e as
representaes que so feitas a propsito da figura e do
exerccio da carreira docente, referenciadas relao
educativa e dinmica que se constitui entre estudante e
professor (texto de Thiago Freires, Ftima Pereira e Carolina
Santos).
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 19
Tambm o ensino superior brasileiro perspectivado a
partir das experincias escolares juvenis. Conceptualizado
como um contexto que sofre processos de
desinstitucionalizao e de fortes choques e tenses
intergeracionais, o texto de Ivar Vasconcelos e de Candido
Alberto Gomes atenta aos modos como estudantes e
professores constroem experincias sociais capazes de um
dilogo intergeracional, entendido como imprescindvel para
estabelecer relaes dialgicas.
Por seu turno, e referenciadas ao contexto de polticas
pblicas de democratizao do ensino superior brasileiro,
desenham-se agora trajectrias juvenis reveladoras de
processos de construo social da juventude na
contemporaneidade que, assentes numa escolarizao longa
adiam a entrada das novas geraes no mercado de trabalho e
matrimonial. Este recente alongamento da juventude
derivado da extenso da dupla condio de jovem estudante
ao/no ensino superior, agora colocada como uma
oportunidade para os jovens oriundos das camadas populares
lograrem uma mobilidade social ascendente, aqui trazido em
dois textos. As relaes entre jovens, socializao familiar e
transies para ensino superior so problematizadas por
Eduardo Vilar Bonaldi a propsito da situao incerta e
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 20
ambgua de desarticulao entre o trabalho de socializao e
estratgias de inculcao familiares apostadas na projeo de
trajetrias mais longas no sistema escolar ao seus filhos,
incutindo-lhes motivaes e aspiraes, com a incorporao
de expectativas subjetivas para a realizao estudos longos
pelos jovens e, depois, o seu confronto com as possibilidades
objetivas da sua concretizao dado no se encontrarem
investidos dos meios adequados para superarem a competio
e seletividade no acesso universidade pblica. Tambm
Carla Silva Reis, a respeito do ensino do piano nas
universidades, investiga distintos tipos de trajetrias
acadmicas juvenis forjadas tanto na distncia e embates
entre as disposies e competncias possudas pelo novo
pblico de estudantes das classes populares como nos esforos
para corresponderem s expectativas e aprenderem o seu
ofcio de estudante, e aquelas que so requeridas pela
formao superior em msica em duas instituies com
posies desiguais no campo da formao musical - os seus
retratos sociolgicos revelam variadas maneiras dos jovens se
relacionarem com as expectativas e exigncias inscritas no
ethos da formao pianstica.
Outras expresses de processos de transio juvenis
prenderam a ateno de pesquisadores brasileiros e
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 21
portuguesas, somando um conjunto de cinco textos. Dois deles
abordam transies da escola para o mundo laboral. O texto
de Mariana Canaan, referenciado ao actual momento de
expanso do ensino superior brasileiro, interroga o interesse e
acesso de estudantes do 1 ciclo do ensino superior oriundos
de vrios grupos sociais s bolsas de iniciao cientfica,
ampliando a anlise dos factores socioeconmico-culturais e
institucionais que fazem delas um recurso favorecedor de
super preparao, do xito, do prolongamento das trajectrias
acadmicas e um objecto de disputa num campo acadmico
crescentemente competitivo e concorrencial, para as suas
relaes com o mercado de trabalho, desvelando estratgias
antecipatrias capazes de assegurar subtis transies para
nveis de escolaridade ainda mais elevados, como as Ps-
graduaes, e destas para o mundo laboral. No caso
portugus, e num panorama social e econmico pautado pelo
acrscimo progressivo de qualificaes escolares a que
correspondem forte precariedade e desemprego, em especial
juvenil, Ana Cristina Palos observa a transio da escola para
o mundo laboral procurando perceber as implicaes das
alteraes do volume de emprego, sua distribuio
subsectorial e especificidades da excluso selectiva, bem
como as do aumento de escolarizao em termos da estrutura
de qualificaes dos assalariados jovens e, de forma implcita,
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 22
o papel que podem desempenhar na regulao da sua entrada
no mercado de trabalho.
A heterogeneidade social que perpassa a condio de
jovem estudante e torna ainda visveis juventudes rurais
brasileiras nos seus trnsitos e transies entre mundos rurais
e urbanos, mais prximos ou mais longnquos, abordada em
dois textos que, convidando a um olhar atento s
transformaes em curso na sua socializao, as reflectem em
contextos rurais marcados por relaes influentes entre
migrao e escolarizao e efeitos do transnacionalismo na
vida dos jovens. No primeiro caso, a relao entre escolarizao
e migrao decorre do alargamento da escolaridade que,
obrigando frequncia de escolas do ensino mdio localizadas
em cidades no serto sergipano, gera efeitos perversos nos
trajectos juvenis rurais dadas as distanciaes
sociogeogrficas e culturais entre o mundo rural e o urbano, e
as do currculo escolar e as realidades destes jovens, nas suas
experincias, na reconfigurao das suas identidades e nas
perspectivas para um futuro que cada vez mais orientado
pela sua aspirao a um modo de vida urbano, tal como
discutido no texto de Isabela Gonalves de Menezes. No
segundo caso, o texto de Maria Zenaide Alves aponta as
influncias da migrao internacional na vida dos jovens,
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 23
analisando a condio juvenil e os projectos de vida de jovens
moradores de um contexto rural numa regio do estado de
Minas Gerais, problematizando as caractersticas do
transnacionalismo neste local de origem de migraes
internacionais bem como de que forma esses aspectos tm
afectado a condio juvenil e a transio para a vida adulta.
Por fim, e referindo-se a transies e projectos de vida,
esta seco encerra com o texto colectivo de Mariane Costa,
Bruno Ramos e Viviane Oliveira que retrata as mudanas
ocorridas na trajectria da jovem Isabela e nos diferentes
espaos de circulao do seu quotidiano na cidade de Niteri,
marcada por prazeres, rupturas, projectos e superaes,
configurando novos modos de viver a vida e apontando para
mltiplas identidades.
Na terceira seco, Famlias, Usos das TIC e Papel dos
Media na Educao, vrios textos do conta de modalidades
de activismo familiar e parental junto das organizaes
escolares, forjando, pela prtica, comunidades educativas
territorializadas. Eva Gonalves e Susana Batista debatem
tipos de participao de pais em escolas, a partir de uma
anlise da legislao desde a revoluo de Abril e da recolha
de dados empricos provenientes de entrevistas semi diretivas
aos presidentes das Associaes e da observao no
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 24
participante em rgos de gesto. Por seu lado, Isabel
Oliveira e Maria Teresa Medina estudam o movimento
associativo de pais, bem como o sentido e os modos de
participao nas associaes e as suas dimenses educativas,
mobilizando informao a partir de entrevistas realizadas a
pais e encarregados de educao, membros de Associaes de
Pais. Dentro deste subtema, Maria Luiza Canedo escreve
ainda sobre os resultados de uma pesquisa brasileira, de cariz
qualitativo, que se baseia na observao de reunies
realizadas ao longo de um ano, em duas unidades de ensino
fundamental uma pblica e outra privada, na cidade do Rio
de Janeiro.
Um outro domnio de anlise centra-se no estudo dos
processos de socializao familiar. Roberta Barros escreve
sobre o modo como a famlia influencia o fenmeno do
absentismo discente no ensino fundamental numa escola
pblica de Belo Horizonte, convocando resultados de
entrevistas semiestruturadas a estudantes e seus pais. Por seu
lado, Maria Gilvania Silva reflete sobre as relaes entre
trabalho e poltica no processo de socializao em famlias de
classes trabalhadoras residentes em bairros pobres do ABC
Paulista, atravs do cruzamento da anlise de entrevistas e de
pesquisa de campo com observaes diretas e por vezes
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 25
participativas, enquanto lvaro Ribeiro questiona a
interrelao entre religio e educao em dispositivos
educativos no ensino domstico em Portugal, com particular
foco no Protestantismo Conservador. Finalmente, Pedro Silva
e Ana Diogo, por seu turno, estudam desiguais usos das TIC
por parte de crianas em meio familiar, utilizando informao
recolhida em dois estudos de caso, realizados em regies
diferentes de Portugal, que incidiram nos usos e efeitos do
computador Magalhes.
Um outro subcampo liga-se precisamente s novas
tecnologias, desta feita em contexto de sala de aula,
estudando Nuno Ferreira os seus potenciais efeitos sobre a
ateno, cruzando dados de entrevista com resultados de um
inqurito por questionrio. Por fim, dois artigos estabelecem
uma relao com as questes societais em contexto brasileiro.
Rodrigo Pelegrini Ratier relaciona mercado e Estado de bem-
estar social atravs da anlise de opinies de jornalistas sobre
controvrsias em educao e Elias Evangelista Gomes escreve
sobre processos de mediatizao da memria na educao
poltica brasileira, ativando uma etnografia multissituada que
questiona os processos de construo dessa memria poltica e
cultural.
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 26
A seco Desigualdades Educacionais: Escolas,
Construo das (In)Justias e Procura da Qualidade abre
com um texto de investigadores portugueses (Susana da Cruz
Martins, Nuno Nunes, Rosrio Mauritti e Antnio Firmino da
Costa) que procuram fazer um mapeamento das desigualdades
educacionais na Europa, no ltimo meio sculo. Comparando a
Europa com outras regies do Mundo e os diferentes pases
europeus entre si, e, por outro lado, relacionando
desigualdades educacionais com outras formas de
desigualdades, deixam-nos, ainda, pistas para se compreender
as singularidades de Portugal face Europa e face a pases
como o Brasil. Podemos, assim, perceber que a crise que se
vive no sistema educativo portugus traduz, no apenas um
abrandamento do seu crescimento, mas principalmente um
dfice de desenvolvimento que continua a persistir. Partindo,
precisamente, da ideia de crise e incerteza relativamente ao
contributo da escola na definio dos percursos futuros dos
indivduos (agravadas pela conjuntura actual em Portugal),
bem como da ideia de um novo mandato da instituio
escolar, referente preparao das novas geraes para
lidarem com essa incerteza, atravs de um papel activo na
construo das prprias aprendizagens, o texto de Carla
Malafaia, Isabel Menezes e Tiago Neves analisa o desenvolvimento de capacidades como a metacognio e a
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 27
auto-eficcia acadmica pelos estudantes. Com base na
comparao de estabelecimentos escolares com
caractersticas diferenciadas procura-se encontrar fontes de
injustia na construo do desempenho escolar. A fabricao
das desigualdades de desempenho acadmico, a partir dos
contextos escolares, e especificamente a procura de efeitos
de escola, surge de forma mais evidente em dois outros
trabalhos, um de origem brasileira e outro de origem
portuguesa, revelando uma preocupao comum nos dois lados
do Atlntico com a eficcia da escola. O texto de Flvia
Pereira Xavier e Maria Teresa Gonzaga Alves salienta o
efeito da composio racial e por gnero da populao
discente das escolas nas desigualdades de desempenho
acadmico. Enquadrando-se igualmente na corrente de
estudos sobre efeitos de escola, o texto de Teresa Seabra,
Maria Manuel Vieira, Leonor Castro e Ins Baptista apresenta
uma abordagem diferente, ao analisar estabelecimentos
escolares com composies sociais semelhantes, para
investigar as dinmicas de funcionamento dessas escolas,
procurando identificar as prticas que concorrem para fazer
diferena nos resultados escolares dos alunos.
A preocupao com as desigualdades de oportunidades
decorrentes do estabelecimento escolar frequentado est
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 28
presente em dois outros textos focalizados na escolha da
escola pelas famlias no Brasil. Ana Lorena Bruel analisa a
implementao de um procedimento informatizado de escolha
da escola na rede municipal do Rio de Janeiro, desenhado
para introduzir a aleatorizao da alocao dos candidatos,
verificando, no entanto, que os estabelecimentos com maior
prestgio so alvo de uma procura estruturada pela
desigualdade de capitais possudos pelas famlias. Maria
Elizabete Ramos e Cynthia Carvalho estudam a participao
em redes religiosas como estratgia de acesso, por parte dos
pais, a escolas pblicas com bons resultados, de modo a
favorecer a escolarizao bem sucedida dos filhos. Ambos os
textos salientam, assim, as estratgias desenvolvidas pelas
famlias na procura de escolas que garantam a qualidade e
reconhecimento. As escolhas que se realizam na busca de
reconhecimento so, ainda, conceptualizadas no texto de
Maria da Graa Setton, a partir da noo de disposies
hbridas de habitus, procurando-se evidenciar a
interdependncia entre os processos da socializao e da
individuao. Mas a ateno dada busca da qualidade e da
excelncia no exclusiva dos investigadores brasileiros,
encontrando-se tambm presente no texto de Leonor Lima
Torres e Maria Lusa Quaresma que analisa as prticas de
distino dos melhores alunos implementados nas escolas de
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 29
Portugal, Frana, EUA e Brasil. Aprofundando o caso
portugus, as autoras revelam que os mecanismos de distino
ou de reconhecimento pblico do mrito se encontram
bastante generalizados, embora a sua operacionalizao se
apresente diversificada.
Se so comuns, aos dois pases, as preocupaes com
temas que decorrem de uma reconfigurao dos mandatos
atribudos educao escolar nas sociedades contemporneas,
no mbito da qual a meritocracia e a competitividade se tm
vindo a sobrepor s funes de democratizao e coeso
social, j os temas que se centram neste segundo plo, menos
valorizado pelas polticas educativas transnacionais, parecem,
no entanto, marcar lugar na agenda de investigao brasileira
e ser sintomticos do ciclo expansionista que se vive neste
pas. Assim, esta seco conta com o contributo de trs textos
de autores brasileiros que contemplam as desigualdades na
escola, sob o prisma da incluso/discriminao e da
justia/injustia. Ana Paula Sefton lana o seu olhar sobre as
estratgias de produo, transmisso e legitimao de
disposies culturais relativas equidade de gnero e
diversidade sexual, atravs da anlise das prticas docentes
no ensino fundamental. Vanisse Corra investiga as relaes
de poder e gnero presentes no acesso gesto escolar, no
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 30
quadro de uma preocupao com a discriminao contra as
mulheres. Por fim, o texto de Flvia Schilling aborda as
percepes/sentidos de escola justa, a partir da tenso entre
igualdade/diferena.
Na ltima seco, Polticas de escolarizao,
compensao e avaliao, do lado do Brasil, o olhar dos
investigadores volta a ser colocado nas medidas educativas
que tm sido desenvolvidas com vista expanso da
escolarizao, para serem criticamente pensados os
fenmenos que inviabilizam a sua plena concretizao. Erika
Martins analisa as propostas para a reorganizao da educao
bsica brasileira apresentadas pelo movimento Todos Pela
Educao; Luiz Carlos de Souza problematiza as
caractersticas da oferta da rede estadual de Ensino Mdio na
capital do estado do Rio de Janeiro; Culi Mariano Jorge e
Jessika Barros avanam pistas para se compreender as
elevadas taxas de abandono escolar registadas no Programa
PROEJA (programa de formao de ensino mdio e profissional
destinado a jovens e adultos com mais de 18 anos); Natalino
Neves da Silva demonstra como os(as) jovens negros(as)
vivenciam negativamente o seu processo de escolarizao no
mbito do programa EJA (Educao de Jovens e Adultos).
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 31
Em Portugal, as atenes dos investigadores continuam
centradas nos efeitos de recentes medidas educativas
portuguesas, nomeadamente das polticas de descriminao
positiva, mas desta vez o sucesso escolar, passvel (?) de ser
mensurado atravs das classificaes obtidas pelos estudantes
que est em causa: texto de Hlder Ferraz, Damiana Enes,
Tiago Neves e Gil Nata e texto de Joaquim Santos.
Dois outros trabalhos apresentados nesta seco
evidenciam, por fim, como as questes da avaliao dos
resultados e da territorializao da educao atravessam o
oceano e se encontram na ordem do dia, tanto no Brasil como
em Portugal. Trata-se do trabalho de Mariane Koslinski,
Karina Carrasqueira, Felipe Andrade, Carolina Portela e
Andr Regis, e da pesquisa realizada por Ana Carolina
Christovo e Rodrigo Castello Branco. O primeiro d conta
das semelhanas e diferenas existentes entre as percepes e
estratgias adotadas pelas Coordenadorias Regionais de
Educao e pela Secretaria Municipal de Educao (SME) do
Rio de Janeiro, no que respeita s diretrizes gerais da poltica
de responsabilizao escolar; o ltimo compara a experincia
portuguesa dos Territrios Educativos de Interveno
Prioritria (TEIP) com trs iniciativas brasileiras recentes - o
programa federal Mais Educao, o programa da Secretaria
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 32
Municipal de Educao do Rio de Janeiro (SME-RJ), Escolas do
Amanh, e o seu programa articulado Bairro Educador -,
problematizando os sentidos atribudos a estas polticas e a
forma como estas podero ser associadas a um processo
politico-educativo global.
No obstante a diversidade de questionamentos tericos
e abordagens metodolgicas, este livro evidencia como a
ponte que se comeou a construir em 2008 entre Brasil e
Portugal possibilitou a criao de uma agenda de investigao
com pontos em comum. Que os seus alicerces se tornem cada
vez mais fortes e originem novas e produtivas incurses
sociolgicas na rea da educao o nosso desejo.
Benedita Portugal e Melo Ana Matias Diogo
Manuela Ferreira Joo Teixeira Lopes
Elias Evangelista Gomes
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 33
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 34
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 35
A ESCOLHA DOS CURSOS DE FORMAO DE
PROFESSORES E DA PROFISSO DOCENTE NUM
CENRIO DE DESVALORIZAO DO MAGISTRIO:
OS ESTUDANTES DE LICENCIATURA DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Cludio Martins Marques Nogueira2 Sandra Regina Dantas Flontino3
INTRODUO
O trabalho apresenta resultados de uma pesquisa recm
concluda sobre o processo de escolha dos cursos de
licenciatura e da profisso docente por alunos da Universidade
Federal de Minas Gerais - UFMG. Foram aplicados
questionrios a uma amostra de 520 alunos de sete cursos da
universidade, sendo um deles (Educao Fsica) apenas diurno
e os outros seis (Cincias Biolgicas, Geografia, Histria,
2Prof. Sociologia da Educao UFMG/ Brasil. Contacto: [email protected] 3 Mestranda em Educao UFMG/Brasil. Contacto: [email protected]
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 36
Letras, Matemtica e Pedagogia) oferecidos nas modalidades
diurna e noturna.
A pesquisa visou investigar no apenas os motivos pelos
quais os indivduos escolhem as licenciaturas e a profisso
docente, mas o modo como essa escolha feita (grau de
antecedncia e segurana durante o processo de tomada de
deciso; leque de opes considerado; interferncias
relacionadas ao momento da trajetria escolar e social do
indivduo que escolhe, ou seja, tempo transcorrido aps o fim
do Ensino Mdio, existncia de reprovaes prvias para
outros processos seletivos de ingresso no Ensino Superior,
etc.).
As pesquisas sociolgicas sobre a escolha dos estudos
superiores apontam duas concluses bsicas. Primeira, a de
que o perfil dos estudantes varia fortemente de acordo com o
curso frequentado. Os indivduos no se distribuem
aleatoriamente entre os diversos cursos em funo de supostas
preferncias ou interesses de natureza idiossincrtica. Ao
contrrio, essa distribuio est estatisticamente relacionada
s caractersticas sociais, perfil acadmico, etnia, sexo e
idade do estudante. Segunda, a de que existe um importante
e complexo processo de autosseleo (acadmica,
socioeconmica, por gnero e tnico-racial) na escolha do
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 37
curso superior. Os indivduos tenderiam a j se candidatar aos
cursos mais adequados ao seu perfil social e escolar4.
Essas duas concluses conduzem muitas vezes a uma
interpretao, at certo ponto, simplista e dicotmica do
processo de escolha do curso superior. Os indivduos com um
perfil social e escolar mais favorvel teriam diante de si um
leque bastante amplo de possibilidades e poderiam, portanto,
efetivamente, escolher os cursos de que mais gostam, ou pelo
menos, que so considerados em seu meio social como mais
vantajosos do ponto de vista do retorno econmico e
simblico. Os indivduos com perfil social e escolar menos
favorvel teriam que optar, por sua vez, em funo de suas
limitaes econmicas e das fragilidades de sua formao
escolar, pelo que objetivamente acessvel para eles, ou
seja, pelos cursos menos seletivos e com menor retorno
econmico e simblico. Nos termos de Bourdieu (2014, 2007),
estes indivduos fariam uma "escolha forada" ou, mais
suavemente, uma "escolha pelo possvel".
Dentro dessa viso dicotmica, os alunos das
licenciaturas, e especialmente os de Pedagogia, so
normalmente identificados como pertencentes ao segundo
4 Para uma discusso geral sobre as pesquisas sociolgicas que tratam do processo de escolha do curso superior, ver: Nogueira (2004, 2013).
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 38
grupo. Sua escolha por um curso menos seletivo e de menor
prestgio social explicada como resultado de uma adequao
ou de um ajustamento de suas preferncias s suas condies
objetivas. Uma srie de pesquisas sobre o processo de escolha
dos cursos de licenciatura (Valle, 2006; Gatti et al., 2010;
Tartuce et al., 2010) nos levam, no entanto, a problematizar
essa explicao. Fundamentalmente, elas indicam que essa
opo no se reduz a uma adequao ao possvel, mas que em
alguma medida, envolve a realizao de preferncias
individuais. Mais especificamente, ressalta-se que a escolha
pela docncia est, em parte, orientada por valores altrustas,
pelo amor s crianas, pelo desejo de ensinar e pela
possibilidade de contribuir para a transformao social.
Tartuce et al. (2010) apontam ainda o interesse pela rea
especfica do curso de licenciatura e a admirao pela
profisso como alguns dos fatores que levariam os indivduos a
pensar em ser professores.
A deciso pelas licenciaturas e pela docncia no
parece ser, portanto, uma escolha puramente negativa ou, em
outras palavras, uma no escolha, mas algo que se define, de
maneira contraditria, entre satisfaes e frustraes, entre
opo e necessidade (Tartuce et al., 2010, p. 451). esse
jogo complexo que precisa ser melhor investigado. preciso
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 39
entender como se articulam no processo de escolha dos
indivduos seus valores e preferncias e suas condies
objetivas, que permitem ou restringem o acesso a cursos e
profisses de maior prestgio e retorno econmico. Por um
lado, ingnuo acreditar que a escolha dos cursos e profisses
seja orientada apenas pelos valores, gostos ou preferencias
individuais. Por outro lado, talvez seja simplista e
demasiadamente cnico supor que os indivduos fazem suas
escolhas orientados exclusivamente pela lgica do possvel.
Para entender a complexa relao entre preferncias
individuais e possibilidades de escolha temos investigado a
heterogeneidade do pblico que escolhe um mesmo curso
superior. Assim, pesquisamos em que medida o processo de
escolha do curso de Pedagogia da UFMG variava em funo de
diferenas internas nas trajetrias e nos perfis sociais e
escolares dos candidatos (Nogueira, 2007; Nogueira & Pereira,
2010). Foi analisado o efeito dessas diferenas no modo como
os indivduos escolhem o curso (com maior ou menor
antecedncia), nos motivos pelos quais escolhem (mais pelo
gosto ou por razes pragmticas), no grau de segurana
manifestado (mais ou menos em dvida sobre a escolha que
fizeram), na reao dos familiares (mais ou menos favorveis
deciso dos filhos).
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 40
Seguindo essa mesma linha de pesquisa, desenvolvemos
em 2009, como parte de uma pesquisa interinstitucional
coordenada pela Faculdade de Educao da Universidade
Federal de Juiz de Fora, uma investigao sobre a escolha da
profisso docente por professores do Ensino Fundamental da
rede pblica de Minas Gerais (Nogueira, Almeida & Queiroz,
2011). Nessa investigao, focalizamos trs dimenses: 1) a
experincia do vestibular; 2) a reao dos familiares escolha
dos professores; e 3) os motivos da escolha. Em todas as
partes da anlise, investigamos em que medida o
comportamento dos sujeitos da pesquisa ou de seus familiares
(no caso da segunda dimenso focalizada) variava segundo sua
trajetria escolar na educao bsica, a instituio em que
haviam feito ou faziam seu curso superior, o curso especfico
que haviam realizado ou ainda realizavam no Ensino Superior
(Pedagogia, Normal Superior ou outras licenciaturas), alm de
outros atributos sociais.
Dando continuidade a essa trajetria de pesquisas,
propusemo-nos, agora, investigar o processo de escolha dos
cursos de licenciatura e, indiretamente, da profisso docente
por parte dos alunos da UFMG. Em que medida a escolha pelas
licenciaturas seria motivada por um gosto efetivo pela rea de
formao especfica e pela profisso docente ou,
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 41
inversamente, resultaria de um ajustamento das preferncias
dos candidatos s suas condies objetivas? Com que
antecedncia os alunos comearam a pensar em fazer os
cursos em que esto matriculados; quais outras opes foram
consideradas e por que foram descartadas? Que grau de
segurana os alunos experimentaram em relao escolha que
fizeram e de que maneira essa escolha se relaciona com seus
projetos pessoais e profissionais futuros? Eles de fato
pretendem ser professores da Educao Bsica ou fazem o
curso apenas como uma forma de terem um ttulo de nvel
superior a ser utilizado no mercado de trabalho em geral, fora
do campo da docncia? Pretendem seguir a carreira
acadmica, fazendo mestrado e doutorado? Quais outras
alternativas profissionais vislumbram? Sinteticamente,
interessa-nos saber quem so esses estudantes, qual seu perfil
social e escolar, que lugar o Ensino Superior e a licenciatura
em particular ocupam em suas trajetrias de vida e em suas
estratgias de insero profissional e por que razes
escolheram o curso especfico em que esto inseridos.
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 42
O DESENHO DA PESQUISA
Foram aplicados 520 questionrios a uma amostra de
alunos de sete cursos da universidade, sendo um deles
(Educao Fsica) apenas diurno e os outros seis (Cincias
Biolgicas, Geografia, Histria, Letras, Matemtica e
Pedagogia) oferecidos nas modalidades diurna e noturna.
Conforme indicado na tabela 1, parte desses cursos possui
entrada conjunta para o bacharelado e a licenciatura,
cabendo aos alunos fazerem a opo ao longo do percurso.
Outros, principalmente os noturnos, oferecem apenas a
habilitao em licenciatura.
Considerando os objetivos da pesquisa, no caso dos
cursos com entrada conjunta, o questionrio foi aplicado
apenas aos alunos que optaram pela licenciatura. Cabe
tambm ressaltar que como a opo por uma das habilitaes
feita em momentos diferentes conforme os cursos, no foi
possvel garantir que todos os alunos estivessem no mesmo
perodo ou ano de curso. De qualquer forma, como forma de
homogeneizar mais a amostra, evitou-se a aplicao dos
questionrios a alunos do primeiro ano e tambm daqueles
que estivessem alm do oitavo perodo, no caso dos cursos de
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 43
cinco anos de durao. Assim, a amostra foi constituda por
alunos que estavam entre o terceiro e o oitavo perodo.
O tamanho da amostra foi definido com base nos
seguintes procedimentos. A partir do nmero de vagas abertas
anualmente para as modalidades diurna e noturna dos cursos
selecionados calculamos inicialmente o nmero de alunos de
licenciatura que estariam cursando entre o 3 e o 8 perodo
no momento de aplicao do questionrio. Para os cursos
exclusivamente de licenciatura, esse clculo foi feito
considerando 90% dos alunos ingressantes e multiplicando por
trs, nmero correspondente ao segundo, terceiro e quarto
ano de curso, ou seja, 3 ao 8 perodo. O percentual de 90%
foi definido tendo em vista a existncia de algumas vagas
ociosas em todos os cursos, resultantes de trancamentos,
transferncias e abandonos. Para os cursos com entrada
conjunta para bacharelado e licenciatura, o clculo do total
de alunos foi feito considerando apenas 30% dos ingressantes
e, como no caso anterior, multiplicando por trs. Esse
percentual bem mais baixo foi definido, aps consultas ao
Colegiado de Licenciaturas da Universidade, em funo da
constatao de que a grande maioria dos alunos dos cursos de
entrada conjunta, predominantemente diurnos, opta pela
formao em bacharelado. Uma vez calculado o nmero de
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 44
licenciandos, definimos uma amostra correspondente a 20%
dos alunos de cada um dos cursos e turnos. Na maioria dos
cursos, por facilidades prticas no acesso aos alunos, foi
possvel ultrapassar essa meta. Nos cursos de diurnos de
Cincias Biolgicas e Geografia, por outro lado, a meta no foi
alcanada, o que inviabiliza certas anlises estatsticas
especficas sobre os mesmos. As principais informaes sobre
a composio da amostra encontram-se nas tabelas 1 e 2.
Tabela 1 - Estimativa de nmero de alunos entre 3 e 8 perodo, por turno e curso
Cursos Noturno Diurno
Processo seletivo conjunto ou separado
Alunos de licenciatura entre 3 e 8 perodo
Processo seletivo conjunto ou separado
Alunos licenciatura entre 3 e 8 perodo
Ed. Fsica - - Lic. 162
Histria Lic. 120 Bach/Lic. 42
Geografia Lic. 216 Bach./lic 72
Matemtica Lic. 108 Bach/Lic. 72
Pedagogia Lic. 180 Lic. 180
Cincias Biolgicas
Lic. 270 Bach/Lic. 90
Letras Bach/Lic. 234 Bach/Lic. 144
Totais 1128 762
Fonte: Dados coletados pela pesquisa
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 45
Tabela 2 - Nmero absoluto e percentual de alunos entrevistados em relao populao estimada, por turno e curso
Cursos Noturno Diurno
N % N %
Ed. Fsica - - 67 41,4
Histria 32 26,7 31 73,8
Geografia 49 22,7 8 11,1
Matemtica 26 24,1 40 55,6
Pedagogia 46 25,6 49 27,2
Cincias Biolgicas 64 23,7 15 16,7
Letras 56 23, 9 37 25,7
Totais 273 24,2 247 32,4
Fonte: Dados coletados pela pesquisa
Vale ressaltar que, no que se refere seleo dos
cursos a serem pesquisados, o principal critrio foi o peso das
disciplinas a que eles encontram-se vinculados nos currculos
da Educao Bsica. Buscou-se tambm garantir uma variao
significativa entre os cursos no que se refere a outros
aspectos: rea do conhecimento, grau de prestgio e nvel de
seletividade do vestibular, entrada conjunta ou separada para
bacharelado e licenciatura, perspectivas profissionais mais ou
menos promissoras etc. Na constituio da amostra, optou-se
ainda por garantir uma representatividade dos alunos dos dois
turnos. preciso investigar como e em que medida as razes
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 46
da escolha dos cursos e os projetos profissionais dos alunos,
particularmente suas predisposies para se dedicarem
docncia, variam segundo os turnos.
RESULTADOS
Cabe inicialmente apresentar alguns dados descritivos
gerais sobre a populao pesquisada. Participaram da pesquisa
340 estudantes do sexo feminino e 180 do sexo masculino, o
que representou, respectivamente, 65,4% e 34,6% da amostra.
Em termos de idade, a maioria (64,6%), concentra-se na faixa
etria considerada regular para o Ensino Superior, entre 18 e
24 anos. Cabe notar que 83,9% dos estudantes so solteiros e
89,8% no possuem filhos. No que se refere cor
(autodeclarada), tem-se que a maioria parda: 42,5%; 38,7%
se declararam brancos e 12,3%, pretos.
No que se refere s suas trajetrias escolares, 67,9%
cursaram o Ensino Mdio em escola pblica e 32,1% na escola
privada. A grande maioria (80,4%), frequentou o turno diurno
durante esse nvel de escolaridade e 86,1% dos estudantes
investigados concluram a Educao Bsica dentro da idade
esperada, 18 anos. Apesar dessa elevada percentagem de
alunos que concluram o Ensino Mdio em idade regular, os
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 47
dados demonstram que quase metade, 46,3%, demorou dois
anos ou mais para ingressar no Ensino Superior.
Considerando o desprestgio atual dos cursos de
licenciatura e a ampliao acelerada de sua oferta nas ltimas
dcadas, poderamos esperar um pblico mais velho (talvez,
com uma parcela maior de estudantes casados e com filhos),
oriundo em maior proporo do Ensino Mdio noturno e que
tivesse vivido situao de defasagem idade/srie durante a
Educao Bsica. preciso lembrar, no entanto, que a
pesquisa foi realizada em uma das universidades pblicas de
maior prestgio e seletividade do Brasil. Nesta instituio,
mesmo o acesso aos cursos de menor prestgio no to fcil
para os indivduos com perfil social e escolar mais
desfavorvel.
Pretenso de atuao como docente
Uma srie de estudos (Gatti et al., 2010; Tartuce et al.,
2010; Louzano et al., 2010) tm apontado a baixa atratividade
dos cursos de formao de professores e, sobretudo, a
dificuldade de garantir a escolha e a permanncia efetiva na
carreira docente por parte dos egressos desses cursos. Diante
desse cenrio, j se esperava que parte dos estudantes
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 48
estivesse fazendo seus cursos de licenciatura visando, antes de
tudo, alcanar uma formao de nvel superior, sem
assumirem a inteno clara de se dedicarem carreira
docente. Os dados coletados, em linhas gerais, apontam nessa
direo.
Os entrevistados foram perguntados sobre qual era a
atitude deles em relao docncia no momento em que
entraram nos seus cursos superiores. A maioria dos
estudantes, 51%, afirmaram que, na poca, tinham dvida se
queriam ser professores, 14,7% dizem que tinham certeza de
que no queriam ser professores e apenas um tero dos
estudantes, 34,4%, diz que entrou no curso com a certeza de
que queria ser docentes5.
As dvidas sobre a carreira docente parecem persistir
ao longo do curso. Mesmo entre os alunos que atualmente
manifestam a pretenso de serem professores da Educao
Bsica parece existir bastante cautela: 61,6% deles dizem que
no sabem por quanto tempo vo atuar como professores;
18,1% afirmam que vo atuar apenas por alguns anos aps a
5 Vale lembrar que, no caso dos cursos de entrada conjunta para bacharelado e licenciatura, foram entrevistados apenas os estudantes que durante o curso optaram pela licenciatura. Certamente, se a mesma pergunta tivesse sido feita a uma amostra geral dos ingressantes desses cursos, incluindo o grande contingente de alunos que posteriormente se decidem pelo bacharelado, o nvel de certeza sobre o desejo de atuar na docncia seria muito menor.
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 49
formatura e apenas 20,4% planejam trabalhar como docentes
da Educao Bsica durante toda a sua vida profissional6.
Vale ainda notar que a insegurana ou resistncia dos
alunos em relao docncia (tabela 3) no parece se
restringir atuao na Educao Bsica da rede pblica.
Perguntados sobre a pretenso de atuarem como professores
nessa rede, 24,7% do total de 520 entrevistados disseram que
no; 31,8% talvez e 43,0% sim. No que se refere rede
particular, a rejeio um pouco menor, mas no muito:
18,7% dos entrevistados disseram que no atuariam; 35,7%
responderam que talvez e 45,6% que sim. Mesmo em relao
pretenso de atuarem como professores do Ensino Superior os
dados no so muito discrepantes: 18,3% dizem que no;
40,0% talvez e 41,6% sim. Nos trs casos, a parcela que afirma
pretender atuar de pouco mais de 40%, os demais se
distribuindo entre no e talvez.
6 Foi solicitado que apenas os estudantes que pretendessem atuar como docentes da Educao Bsica respondessem a essa questo sobre por quanto tempo pretendem atuar na profisso. Do total, 76,7% (399 casos) responderam questo. Se os percentuais forem calculados para o total de 520 estudantes da amostra, possvel dizer que 13,8% dos pesquisados pretendem atuar apenas por alguns anos aps a formatura, 15,6% pretende atuar durante toda a sua vida profissional, 47,3% no sabe e os 23,3% que no responderam questo, em princpio, no pretendem atuar como docentes da Educao Bsica.
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 50
Tabela 3 Pretenso de atuar como professor
Educao bsica na rede pblica
Educao bsica na rede particular
Educao Superior
Sim 43,4% 45,4% 41,9%
No 24,9% 18,7% 18,5%
Talvez 31,8% 35,9% 39,6%
Total 100% 100% 100%
Fonte: Dados coletados pela pesquisa
Em relao s perspetivas profissionais (tabela 4)
interessante observar que o percentual dos que pretendem
atuar na rea de Educao, mas no como professores ainda
menor do que o dos que pretendem ser professores: 49,1%
respondem no quando indagados a respeito, 34,9% talvez e
apenas 16,0% afirmam ter essa pretenso profissional. Os
resultados so bem diferentes quando se pergunta aos
estudantes se os mesmos pretendem atuar na rea do seu
curso, mas no como professores. Aqui, o percentual de
respostas negativas baixa para 27,1%; os que respondem talvez
so 40,9%, e 32,1% dizem sim. Parece haver, portanto, por
parte de um nmero considervel de alunos, a pretenso de
atuar na rea especfica de seu curso, porm afastados da
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 51
docncia e mesmo da rea educacional em geral. Esse apego
rea especfica do curso ainda demonstrado quando se
pergunta sobre a pretenso de atuar em rea diferente da do
seu curso: mais da metade, 51,3%, diz que no, 29,5% talvez e
apenas 19,1% afirmam que sim.
Tabela 4 Pretenso de atuar em diferentes reas
Na rea de Educao, mas no como docentes
Na rea do seu curso, mas no como docentes
Em rea diferente da do seu curso
Sim 16,4% 32,1% 19,3%
No 49,1% 27,1% 51,3%
Talvez 34,5% 40,9% 29,3%
Total 100% 100% 100%
Fonte: Dados coletados pela pesquisa
Motivos para escolha da docncia
Foi pedido que apenas os estudantes que pretendessem
ser professores da Educao Bsica respondessem a uma
questo sobre a importncia de certos fatores na sua tomada
de deciso. A questo foi respondida por 75% da amostra, o
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 52
que certamente inclui estudantes que, em questes
anteriores, afirmaram ter certeza de sua deciso pela
docncia e aqueles que manifestaram dvida a respeito.
possvel perceber, por meio das respostas, um
contraste claro entre o peso relativamente pequeno atribudo
pelos estudantes a fatores de ordem prtica ou instrumental
(tabela 5) e sua afirmao contundente da importncia do seu
gosto pelo ensino e de sua crena no poder transformador da
Educao (tabela 6).
Tabela 5 - Importncia de fatores de ordem prtica ou instrumental
Facilidade de conseguir emprego como professor
Possibilidade de ter estabilidade por meio de um concurso pblico para o magistrio
Possibilidade de trabalhar apenas meio horrio, ou seja, um turno
Possibilidade de tirar frias duas vezes por ano
Extremamente/ Muito importante
24,9%
34,9%
31,9%
25,6%
Importante 40,7% 34,2% 29,0% 24,6%
Pouco/nada importante
34,4%
30,9%
39,1%
49,8%
Total 100% 100% 100% 100%
Fonte: Dados coletados pela pesquisa
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 53
Tabela 6 Importncia de fatores relacionados realizao de preferncias e valores individuais
Gosto pelas atividades de ensino
Papel da docncia na transformao da realidade social
Extremamente/ Muito importante
74,%
77,6%
Importante
20,1%
15,3%
Pouco/nada importante
5,9%
7,1%
Total 100% 100%
Fonte: Dados coletados pela pesquisa
Avaliao do indivduo e da famlia sobre o curso
escolhido e sobre a profisso docente
O baixo interesse em relao docncia demonstrado
pelos estudantes apresentados nos dados acima podem ser
relacionados opinio desses a respeito dos salrios e
condies de trabalho dos professores (tabela 7): 76,7%
consideram que as condies de trabalho dos professores so
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 54
ruins ou pssimas e 83,5% tm a mesma opinio para os
salrios em geral oferecidos para a profisso.
Tabela 7 - Avaliao sobre as condies de trabalho e salrios
O que voc pensa sobre as condies de trabalho dos professores da Educao Bsica?
O que voc pensa sobre os salrios dos professores da Educao Bsica?
So bons ou muito bons 2,1% 1,3%
So razoveis 20,8% 15,2%
So ruins ou pssimos 77,1% 83,5%
Total 100% 100%
Fonte: Dados coletados pela pesquisa
Segundo os alunos, no h tambm grande estmulo por
parte dos cursos para que eles se tornem professores da
Educao Bsica; assim como no seria dado um preparo
adequado para o exerccio da profisso. Ao avaliarem seus
cursos de licenciatura, 67,9% dos estudantes afirmaram que
esses os estimulam pouco ou no os estimulam a serem
professores; 28,5% que os estimulam e apenas 3,7% disseram
que seus cursos os estimulam muito. Alm disso, 50,2% dos
pesquisados consideram que seus cursos oferecem pouco ou
nenhum preparo para a docncia; 41,9% dizem que os cursos
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 55
os preparam para tal funo e somente 7,9% afirmam que seus
cursos os preparam muito.
Considerando o peso das presses familiares sobre as
decises escolares e profissionais individuais, perguntamos aos
entrevistados sobre as reaes de seus familiares frente sua
inteno de serem professores da Educao Bsica.
interessante observar (tabela 8) que um pouco mais da
metade incentiva a deciso dos filhos. Esse incentivo no se
justifica, no entanto, pelas oportunidades profissionais
oferecidas aos formandos, mas sim pelo reconhecimento
familiar do gosto do estudante pela profisso. A reao dos
familiares parece coerente com a avaliao dos prprios
alunos sobre os fatores que foram importantes na sua deciso
de quererem ser professores: o gosto pela profisso assume
preponderncia em relao s consideraes mais objetivas,
relacionadas s condies de trabalho e ao retorno financeiro
esperado.
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 56
Motivos para escolha do curso
As respostas dos estudantes s questes sobre a
docncia parecem coerentes com as que so dadas para as
perguntas relativas importncia de alguns fatores na escolha
de seu curso: o fato da licenciatura permitir ao graduado
trabalhar como professor foi considerado
Tabela 8 Reao dos familiares inteno de ser professor da Educao Bsica
Frequncia Porcentagem
No incentivam - profisso mal remunerada 121 30,7
No incentivam - profisso difcil e cansativa
21 5,3
Incentivam - boas oportunidades de emprego
51 12,9
Incentivam - gosto pela profisso 156 39,6
Outra 45 11,4
Total 394 100,0
No respondeu 126
Total 520
Fonte: Dados coletados pelos autores
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 57
extremamente/muito importante por menos da metade da
amostra, 41,3%. Por outro lado, ser um curso que oferece
outras perspetivas profissionais, alm de ser professor, foi
apontado como extremamente/muito importante por 60,6%
dos pesquisados. Vale ainda destacar que 83,8% apontam como
extremamente/muito importante como fator de escolha o
gosto que possuem pela rea especfica do curso (Biologia,
Histria, Letras etc.).
Os dados (tabela 9) parecem sugerir que o gosto pela
rea especfica do curso e o compromisso com a atuao
profissional nessa rea foram fatores mais importantes na
escolha do curso do que a possibilidade de exerccio da
docncia.
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 58
Tabela 9 Importncia de diversos fatores na escolha do curso atual
Ser um curso que permite ser professor
Ser um curso que oferece outras perspectivas profissionais, alm de ser professor
Gosto pela rea especfica do curso (Biologia, Histria, Letras etc)
Extremamente/ Muito importante
41,3% 60.6% 83,8%
Importante
31,6% 19,4% 11,6%
Pouco/nada importante
27,1% 20,0% 4,6%
Total 100% 100% 100%
Fonte: Dados coletados pela pesquisa
Outros fatores destacados pelos entrevistados so
relacionados instituio em que os cursos se situam (tabela
10). O fato de o curso pertencer a uma instituio de
prestgio, a UFMG, foi apontado como extremamente ou como
muito importante por 80,5% dos pesquisados. Um grande
contingente, 71,7% tambm aponta como extremamente ou
como muito importante o fato de ser um curso de uma
instituio pblica e, portanto, gratuita.
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 59
Tabela 10 Importncia de fatores diversos na escolha do curso atual
Ser um curso de uma instituio pblica e, portanto, ser gratuito
Ser um curso de uma instituio de prestgio, a UFMG
Extremamente/muito importante 71,7% 80,6%
Importante 16,5% 14,%
Pouco/nada importante 11,8% 5,2%
Total 100% 100%
Fonte: Dados coletados pela pesquisa
Em contraste com a gratuidade, outros fatores de
natureza mais pragmtica foram menos destacados pelos
entrevistados (tabela 11). O fato de o curso permitir conciliar
com o trabalho foi considerado extremamente/muito
importante por 32,6% dos entrevistados. Essa importncia
relativamente menor deste fator talvez se explique pelo fato
de que 48,7% dos entrevistados no trabalhavam no momento
do vestibular e um percentual considervel continua sem um
trabalho formal, vivendo de bolsas, estgios e ajuda da
famlia. Chama ainda mais a ateno a falta de importncia
atribuda pelos entrevistados ao fato do curso ser menos
concorrido no vestibular. Apenas 6,6% do total da amostra
consideraram esse fator extremamente/muito importante.
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 60
Tabela 11 - Importncia de fatores na escolha do seu curso atual
Ser um curso que permite conciliar com o trabalho
Ser um curso menos concorrido no vestibular
Extremamente/muito importante 32,6% 6,6%
Importante 24,7% 17,1%
Pouco/nada importante 42,7% 76,3%
Total 100% 100%
Fonte: Dados coletados pela pesquisa
Modo como a escolha feita
No que concerne passagem para o Ensino Superior,
vale observar que 72,1% dos estudantes afirmaram que sempre
pensaram em fazer um curso superior. J em relao
escolha pelo curso atual, apenas 22,9% disseram que sempre
pensaram em faz-lo e ao serem questionados sobre quando
tomaram, efetivamente, a deciso de fazer seu curso, o grau
de antecedncia tem nova reduo: somente 13,9% declaram
que sempre pensaram em fazer o curso atual. Esses dados
parecem sugerir um grau limitado de segurana na escolha
pelos cursos de licenciatura. Para a grande maioria dos
estudantes, a deciso efetiva de fazer o curso recente:
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 61
44,3% dizem que tomaram essa deciso um ms ou menos
antes do vestibular; 19,7% um ano antes e apenas um tero,
36% haviam decidido h mais de um ano. Cabe ainda
considerar que 55,6% dos estudantes afirmam que estavam em
dvida sobre a escolha do curso nos meses que antecederam o
vestibular.
relevante notar, tambm, que 33,1% dos estudantes
afirmam que, antes do vestibular para o seu curso atual
tentaram processo seletivo para outro curso que preferiam e
no foram aprovados. Parte significativa dos estudantes pode,
portanto ter redefinido sua opo em funo da dificuldade
constatada de ingresso no curso de sua preferncia.
Do total da amostra, 54% afirmam que fizeram outros
vestibulares alm daquele por meio do qual ingressaram em
seu curso atual. Perguntados sobre o tipo de curso para o qual
prestaram vestibular, 31,7% dizem que a maioria dos seus
vestibulares foram para cursos que ofereciam formao de
professores como habilitao (licenciatura), 42,7% dizem que
a maioria dos cursos em que tentaram entrar no ofereciam a
formao de professores e 25,6% responderam que prestaram
vestibular tanto para cursos que ofereciam quanto para
aqueles que no ofereciam tal formao. Esses dados sugerem
que os estudantes que tentaram outros vestibulares no
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 62
estavam to seguros sobre sua preferncia por um curso de
licenciatura.
CRUZAMENTOS DOS DADOS
Alm desses dados descritivos, vale apresentar alguns
cruzamentos que esto sendo feitos a partir dos resultados
gerados pela pesquisa. Um dos objetivos da investigao
entender como e em que medida diferenas internas no perfil
social e escolar dos candidatos afetam o modo como a escolha
dos estudos superiores feita. Nesse sentido, apresentamos
nas tabelas a seguir alguns cruzamentos que parecem bastante
sugestivos. Fundamentalmente, eles apontam que o perfil
social dos candidatos afeta de forma expressiva a
antecedncia com que se pensa em ingressar no Ensino
Superior e a deciso pelo curso de licenciatura em questo,
bem como a idade em que efetivamente ocorre a entrada no
curso.
Utilizamos, nesta etapa da anlise, a escolaridade da
me como indicador da origem social. Alm de todo o
conhecimento acumulado pela Sociologia da Educao relativo
importncia da escolaridade materna como condicionante
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 63
dos destinos escolares, consideramos dados da nossa prpria
pesquisa que indicam a convergncia dessa varivel com
outras classicamente utilizadas para caracterizar o perfil
social e as prprias trajetrias escolares.
A tabela 12 mostra que a antecedncia com que se
pensa em fazer um curso superior est diretamente associada
ao grau de escolaridade da me. A tabela 13 indica, por sua
vez, que em relao deciso efetiva pelo curso de
licenciatura em questo a relao inversa, quanto maior a
escolaridade da me, menor a antecedncia. Esses resultados
so compatveis com nossas hipteses iniciais e mostram-se
confluentes com o que observados em pesquisas anteriores j
mencionadas. Se, por um lado, as expectativas familiares
relativas entrada dos filhos no Ensino Superior se
manifestam de forma mais precoce nos meios mais
escolarizados, por outro, a resistncia s licenciaturas e
profisso docente se apresenta de maneira mais intensa nesses
grupos. Cabe ainda salientar que o perfil social dos candidatos
parece interferir na importncia que eles atribuem a
diferentes fatores envolvidos no processo de escolha dos
cursos superiores. Como mostra a tabela 14, isso ocorre, por
exemplo, na avaliao que os candidatos fazem sobre a
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 64
importncia do curso apresentar um vestibular menos
concorrido.
Tabela 12 - Escolaridade da me X Quando comeou a pensar em fazer Ensino Superior
Ensino Superior
Total
Sempre pensei
Alguns anos antes da inscrio
Um ano ou menos antes da inscrio
Esco
lari
dade
da
me
No estudou; ensino fundamental incompleto/completo
105
38
25
168
62,5% 22,6% 14,9% 100,0%
Ensino mdio incompleto/completo
117 24 16 157
74,5% 15,3% 10,2% 100,0%
Ensino superior incompleto/completo; mestrado, doutorado
101 17 5 121
82,1% 13,8% 4,1% 100,0%
Total 323 79 46 448
72,1% 17,6% 10,3% 100,0%
Fonte: Dados coletados na prpria pesquisa
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 65
Tabela 13 - Escolaridade da me X Deciso efetiva de fazer o curso de licenciatura
Deciso curso superior
Total
Sempre tive certeza de que faria
Alguns anos antes da inscrio
Um ano ou menos antes da inscrio
No respondeu
Esco
lari
dade
da
me
No estudou; ensino fundamental incompleto/ completo
30 43 94 1 168
17,9% 25,6% 56% 0,6% 100,0%
Ensino mdio incompleto/ completo
15 37 103 2 157
9,6% 23,6% 65,6% 1,3% 100,0%
Ensino superior incompleto/completo; mestrado, doutorado
12 19 92 0 123
9,8% 15,4% 74,8% 0% 100,0%
Total 57 99 289 3 448
12,7% 22,1% 64,5% 0,7% 100,0%
Fonte: Dados coletados na prpria pesquisa
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 66
CONSIDERAES FINAIS
Os resultados apresentados nesse trabalho so uma
pequena amostra do que est sendo produzido por nossa
pesquisa. Esperamos contribuir para uma anlise mais
Tabela 14- Escolaridade da me X Ser um curso menos concorrido no vestibular
Importncia
Total Extremamente / muito importante
Importante Pouco ou nada importante
No respondeu
Esco
lari
dade
da
me
No estudou; ensino fundamental incompleto/completo
13 33 122 0 169
7,7% 19,6% 72,6% 0,0% 100,0%
Ensino mdio incompleto/completo
12 30 112 3 157
7,6% 19,1% 71,3% 1,9% 100,0%
Ensino superior incompleto/completo; mestrado, doutorado
4 12 106 1 121
3,3% 9,8% 86,2% 0,8% 100,0%
Total 29 75 340 4 457
6,5% 16,7% 75,9% 0,9% 100,0%
Fonte: Dados coletados na prpria pesquisa
ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 67
complexa do processo de escolha dos cursos de licenciatura e
da profisso docente. No nos parece adequado entender esse
processo decisrio apenas como resultado de uma adaptao
dos indivduos s suas possibilidades objetivas. preciso
entender os diversos fatores que interferem no processo de
tomada de deciso, e que fazem, inclusive, com que essa
escolha ocorra de formas variadas e tenha significados
diferentes para os diversos grupos de indivduos.
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ENTRE ESCOLHAS, FORMAES E MANDATOS: (RE)CONSTRUO DA PROFISSO DOCENTE I 69
RELAES ENTRE RELIGIO, GOSTO POR
CRIANA E MUDANA SOCIAL:
A ESCOLHA POR PEDAGOGIA
Adriane Knoblauch7
INTRODUO
Em pesquisa anterior (Knoblauch, 2008), analisei o
processo de socializao profissional de professoras em incio
de carreira. Naquele momento, o conceito de socializao, a
partir de Pierre Bourdieu, foi compreendido como o processo
pelo qual ocorre a incorporao de disposies de habitus de
um grupo profissional a partir de um sistema cultural de
origem.
Foi possvel constatar, de um modo geral, que as cinco
professoras observadas eram de fraes de classe com posse
7 Professora adjunta do Setor de Educao da Universidade Federal do Paran (UFPR) e ps-doutoranda da Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo (FEUSP). Brasil. Contato: [email protected]
ENTRE CRISE E EUFORIA PRTICAS E POLTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL I 70
restrita de capital econmico e cultural. Vieram de famlias
que viveram dificuldades econmicas, com pais ocupando
posies subalternas no mercado de trabalho e pouca
escolaridade. O casamento no trouxe alteraes significativas
para este modelo de vida, pois seus maridos, com escolaridade
inferior delas, tambm mantinham profisses de baixo
retorno financeiro e prestgio social.
Especificamente no que se refere socializao
profissional e ao processo de aprender a ser professora, a
anlise dos dados apontou para um processo em que trs
aspetos se complementaram na relao entre dimenses do
habitus de origem das professoras e as disposies para a
docncia instaladas no interior da escola: a) observou
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