EMIGRAÇÃO PORTUGUESA NA DÉCADA DE TRINTA: O caso da Ilha de São MiguelPor: Luiz Nilton Corrêa
Artigo produzido no âmbito das investigações para o Mestrado em História Insular e Atlântica, pela Universidade dos Açores entre 2006 e 2008, sob orientação do Professor Doutora Carlos Cordeiro.
Para o presente trabalho, pretendo abordar a emigração portuguesa na primeira
metade do século XX, sobretudo do Arquipélago dos Açores, com ênfase na Ilha de São
Miguel. Demonstrando como o Estado Novo encarava a emigração e as comunidades
portuguesas que se formavam em países como EUA e Brasil.
Para isto pretendo expor alguns pontos fundamentais deste tema iniciando pela
legislação portuguesa para a emigração no período entre guerras. Seguindo a emigração
no século XX, sobretudo na primeira metade. Aprofundarei o tema da emigração na
primeira metade do século XX, com ênfase na Ilha de São Miguel do Arquipélago dos
Açores. E por fim irei dar um panorama geral sobre o desemprego e a situação
económica nesta ilha na década de trinta.
Pretendo assim demonstrar a conjuntura que envolvia o trabalhador que optava por
deixar seu território para outros destinos. Suas condições económicas, suas leis e seu
entorno, no que diz respeito aos destinos que muitos escolhiam como novo lar.
Legislação Portuguesa sobre a Emigração: visão geral
Na constituição de 1933, afirmava que constituíam a nação “todos os cidadãos
portugueses residentes dentro ou fora do seu território”, os quais eram “considerados
dependentes do Estado e das leis portuguesas, salvas as regras aplicáveis de direito
internacional”.1 Sendo assim, tanto os emigrantes como os seus filhos, eram, em
princípio, considerados portugueses e sujeitos à autoridade do regime, e a assistência
aos emigrantes fazia-se servir no estrangeiro. Era assim o emigrante a imagem da nação
1 Artigo 3º da Constituição de 1933, in MIRANDA, Jorge, As constituições portuguesas de 1822 ao texto actual da Constituição, 4.ª edição, Lisboa, Livraria Petrony, 1997, p. 268.
2
fora de Portugal, e tinha de ter os mínimos requisitos, como a alfabetização, por
exemplo2.
De acordo com a legislação portuguesa vigente no período entre guerras, eram
considerados emigrantes todos os nacionais, que embarcassem em 3º classe para portos
estrangeiro, ou em 2º classe ou na intermediária com o propósito de estabelecerem
residência fixa no estrangeiro, ou ainda, as mulheres casadas, desacompanhadas dos
maridos e as viúvas que saíssem do país3.
No jornal Diário dos Açores de Ponta Delgada, em 20 de Junho de 1940 era
publicado um conjunto de legislação que regulamentava a emigração. O jornal
mencionava que o Artigo 1.º estabelecia, como documentos suficientes para a obtenção
de passaportes passados pelos governos civis do continente e das ilhas adjacentes, o
certificado de registo criminal, o bilhete de identidade ou caderneta militar, a licença
militar e um contrato de trabalho visado pela Polícia de Vigilância e de Defesa do
Estado. O artigo 2º declarava que os interessados poderiam adquirir os passaportes por
intermédio das autoridades administrativas ou comandos distritais da Polícia de
Segurança Pública, que por sua ver os requisitariam aos respectivos governos civis, ou
ainda pelas agências de passagens e passaportes legalmente autorizadas, desde que
apresentassem os documentos mencionados no artigo 1.º.
O artigo 3º mencionava que quando os passaportes fossem requeridos por agentes de
passagens e passaportes habilitados, estes não poderiam receber como remuneração,
incluídas as deslocações, quantia superior a 50$00, dos quais passariam sempre recibo
aos interessados. Em parágrafo único, constava que a infracção ao disposto no artigo 3.º
seria punida com multa de 1.000$00 e apreensão do alvará, nos termos do parágrafo
único do artigo 5.º. O artigo 4º mencionava que as importâncias a cobrar pelos governos
civil pela emissão de passaportes a trabalhadores emigrantes seria a de 20$00 para
passaporte singular, 30$00 para passaporte colectivo para marido e mulher e 1$00 por
cada filho menor de catorze anos incluído no passaporte.4
2 Artigo 3º da Constituição de 1933, in MIRANDA, Jorge, As constituições portuguesas de 1822 ao texto actual da Constituição, 4.ª edição, Lisboa, Livraria Petrony, 1997, p. 42.
3 Decreto n.º 5.624, de 10 de Maio de 1919. Diário do Governo, nº 117, I Série, 1919, Junho, 19.
4 Diário dos Açores, Ponta Delgada, 1940, Junho, 20.
3
Como podemos ver, além de proteger os emigrantes, as leis portuguesas também o
obrigavam a provar que, uma vez chegados aos seus destinos, possuíam os meios
precisos para o seu sustento, ou pessoas que lhes garantissem a manutenção ou trabalho
no destino. Notamos também que as leis protegiam os familiares que ficavam,
obrigando os emigrantes a comprovarem que os seus dependentes ficavam com o
sustento garantido durante a sua ausência, além de também exigirem atestado médico e
comprovante de dispensa militar.
O jornal Diário de Notícias, de New Bedford, em 30 de Setembro de 1940, também
reclamava responsabilidades das autoridades portuguesas quanto à permissão de
embarque dos micaelenses para República Dominicana, e mencionava que as leis
portuguesas de protecção ao emigrante obrigavam estes a provarem que, uma vez
chegados aos seus destinos, possuíssem os meios precisos para o seu sustento, ou
pessoa que lhes garantisse a manutenção ou trabalho.5
Porém, para além estas reclamações, um olhar sobre a legislação vigente na época
poderá clarificar melhor a situação na qual as autoridades e os emigrantes se
encontravam. E assim, de acordo com o artigo 9º do decreto-lei 5.624,o governo, por
decisão tomada em conselho do ministros, poderia suspender a emigração para um
determinado país, por motivos de ordem pública, ou quando corressem perigo a vida, a
liberdade ou aos bens dos emigrados6
No Artigo 5º estava mencionado que os cidadãos maiores de catorze anos e menores
de quarenta e cinco só poderiam obter passaportes apresentando licença das autoridades
militares competentes7.
A proibição da emigração aos indivíduos maiores de sessenta anos que pretendessem
partir espontaneamente sem vínculo de trabalho, estava mencionado no parágrafo 1º do
Artigo 13, e no parágrafo 5º do mesmo artigo era proibida a emigração aos menores de
5 BPARPD. correspondência da Secretaria Geral da Policia de Vigilância e Defesa do Estado em 30 de Janeiro de 1940 ao Governo Civil do Distrito de Ponta Delgada a respeito da inscrição dos emigrados
6 Decreto n.º 5.624, de 10 de Maio de 1919, Capítulo II. Diário do Governo, I Série, n.º 98, 1919, Maio, 10.
7 Decreto n.º 5.624, de 10 de Maio de 1919, Capítulo II. Diário do Governo, I Série, n.º 117, 1919, Junho, 19.
4
14 anos desacompanhados dos pais, tutores ou pessoas respeitáveis a quem aqueles os
entregassem8.
No artigo 49º do decreto nº 5.624, a respeito da proibição preceituada no artigo 13º
do mesmo decreto, estipulava que estas cessavam quando os indivíduos maiores de 60
anos provassem, perante o governo civil em que solicitavam o passaporte, com
documentos suficientes, que tinham o seu sustento absolutamente garantido no local do
destino, e aos que no país deixavam filhos menores, demonstrassem, com documento
expedido pela autoridade competente, que aqueles ficavam com a assistência e
protecção precisas.9
Ainda, além destas leis, no decreto 13.213, o Ministério do Interior, no capítulo VI,
Artigo 29º, mencionava que os emigrantes eram obrigados a um exame médico para
verificar se estavam vacinados e em estado de saúde e robustez que lhes permitissem,
embarcar e angariar a vida no estrangeiro com probabilidades de êxito.10
Como vimos, os familiares que ficavam na ilha também tinham leis que tentavam
regulamentar e protegê-los, principalmente os mais vulneráveis, como, por exemplo, a
que obrigava os emigrantes com filhos menores a provar que deixavam garantido o seu
sustento11.
Uma vez embarcados, havia ainda leis que protegiam aqueles que, por razões
diversas, acabavam por cair em desgraça, e uma destas saídas era mencionada em
correspondência da Secretaria Geral da Polícia de Vigilância e de Defesa do Estado,
com data de 30 de Janeiro de 1940, ao Governo Civil do distrito de Ponta Delgada,
referindo que, para que os emigrados pudessem gozar de: “protecção consular e exigir
cumprimento integral das clausulas do seu contrato de trabalho, era necessário que se
apresentassem no consulado Português mais próximo da localidade para onde iam
trabalhar. A inscrição consular era gratuita se fosse feita dentro do prazo de 90 dias a
contar da data da chegada no país a que se destinassem”
8 Decreto n.º 5.624, de 10 de Maio de 1919, Capítulo II. Diário do Governo, I Série, n.º 98, 1919, Maio, 10.
9 Decreto n.º 5.624, de 10 de Maio de 1919, Capítulo I. Diário do Governo, I Série, n.º 117, 1919, Junho, 19.
10 Decreto n.º 13.213, Capítulo VI. Diário do Governo, I Série, n.º 44, 1927, Março, 4.
11 Decreto n.º 5.624, de 10 de Maio de 1919, Capítulo III. Diário do Governo, I Série, n.º 117, 1919, Junho, 19.
5
A respeito deste direito, em carta de 1 de Agosto de 1940, o vice-cônsul de Portugal
em Puerto Plata informava ao cônsul-geral de Portugal em Havana, Manuel C. de Sousa
Pinto, que havia sido chamado no dia 23 de Julho por 24 açorianos que tinham
desembarcado no dia 21 de Julho no vapor Cherockee, sem poderem ir à povoação, para
se inscreverem no consulado português, facto que não pôde ser realizado pela falta do
livro adequado. Pediam a protecção do governo português pois o contrato pelo qual
haviam emigrado não estava sendo cumprido, segundo ele os imigrantes estavam a
cortar cana a 16 centavos a tonelada, porém ainda lembrava que não podiam mostrar o
contrato por se tratar de um contrato colectivo, como anteriormente referimos.
A emigração em inícios do século XX Nos inícios do século XX, após um intenso fluxo emigratório que seguia desde antes
do século XIX com destino ao Brasil e a partir de finais de século XIX para os Estados
Unidos da América e Havai, encontramos um continuar de tendências que só vêm a
terminar com o início da I Grande Guerra. Este fluxo, que chegou às dezenas de
milhares nas ilhas, fomentado principalmente por um desenvolvimento agrícola
brasileiro e por uma “Revolução Industrial” americana, quase cessou com o início da
Grande Guerra, quando surge um período em que a emigração de açorianos quase
simplesmente desaparece. E não só pelo despontar de crises económicas periódicas que
acabaram por culminar na conhecida crise de 1929, e que deram as bases de um outro
flagelo conhecido como a Grande Depressão, sendo finalmente completada com a II
Grande Guerra.
Neste período, os principais destinos dos açorianos encontravam-se constantemente
com as portas fechadas, e apesar de ter sido ainda um período de profunda escassez nas
ilhas, o fluxo destes emigrantes continuou sempre beirando as poucas centenas, número
muito inferior as dezenas de milhares que seguiam nas décadas anteriores e que
ressurgiam nos anos sequentes ao final da II Grande Guerra.12
Apesar da sua grande distância em relação aos importantes centros mundiais, no
período entre guerras, a economia açoriana foi atingida fortemente pela conjuntura
internacional que, além de fechar as portas da única fuga possível para os ilhéus, a
emigração, reduziu de forma considerável o fluxo de remessas enviadas pelos
12 MENDONÇA, Luís, Aspectos da Vida Quotidiana nos Açores: perspectiva histórica, Ponta Delgada, 1998, pp. 166167, 225 e 243244
6
emigrados, fazendo com que muitos desafortunados regressassem às suas ilhas de
origem, quer por restrições políticas, quer económicas. Eram repatriados que se viam
obrigados a recomeçarem as suas vidas em meio a terrível crise, na maioria das vezes
A emigração micaelense no período entre guerras De acordo com a legislação, podemos ter uma base para contabilizar o provável
número de emigrantes através das solicitações de passaportes no período entre guerras,
num período estudado que vai do início da década de vinte, até fins da II Guerra
Mundial.
Gráfico 01: Solicitação de passaportes para emigrantes entre 1923 e 193913
E neste sentido, podemos usar como base o gráfico 01: “Solicitação de passaportes
para emigrantes entre 1923 e 1939”. Notamos que o distrito de Ponta Delgada, que
engloba a Ilha de São Miguel e a de Santa Maria, encontravam-se, neste período, em
forte depressão, uma vez que antes da I Guerra Mundial o número de emigrantes
ascendia anualmente aos milhares, facto que só voltaria a repetir-se depois do segundo
grande conflito. No entanto, como notamos no gráfico 01, há um declínio acentuado no
número de solicitações de passaportes durante todo período entre guerras, e que se
acentua mais justamente no momento de maior crise económica na ilha, no início da
década de trinta, coincidindo com o ano de menor fluxo de embarcações a aportarem
Ponta Delgada, e com o menor preço médio do ananás, fruto base da economia
micaelense, nas exportações14. Este números coincidem com as maiores crises nas
13 BPARPD/GCPDL, Livros de Solicitação de Passaporte. 1922 a 1950.
14 Os preços médios por frutos serão mencionados a seguir, quando for abordada a crise do ananás.
7
principais potências económicas do mundo, justamente nos anos de 1931, 1932, 1933 e
1935 que encontrámos a maior quebra de produção nos países atingidos pela Grande
Depressão, respectivamente Inglaterra, Alemanha, EUA e França15.
Porém, os reflexos da crise surgiam de várias formas. Em Março de 1932, os EUA,
principal destino dos emigrantes micaelenses, e de onde provinha grande quantidade de
remessas monetárias, possuía cerca de 23% da sua população activa no desemprego, um
total de 14 milhões de trabalhadores sem trabalho, e o rendimento real por habitante
naquele país era semelhante ao apresentado no de 190816.
No gráfico 01 ainda observamos que o volume mais alto nas solicitações de
passaportes encontra-se no ano de 1929, quando foram solicitados 929 passaportes, a
grande maioria deles com destino ao Brasil. Porém, logo no ano seguinte, com o
deflagrar da Crise de 1929 e a generalização da Grande Depressão, estes números
diminuíram para 616 solicitações, e depois para 164 no ano de 1931.
Nesta mesma observação e num breve olhar sobre a emigração segundo os números
oficiais,17 iremos notar que no período entre 1891 e 1900 saíram do distrito De Ponta
Delgada 18.794 emigrantes. No período seguinte, de 1901 a 1911 cerca de 36.251
emigrantes partiram do mesmo distrito o que nos dá uma média de 3.295 emigrantes
anuais.
Já entre os anos de 1912 a 1920, mesmo afectado pelo eclodir da I Grande Guerra, o
número de emigrantes chegou a atingir uma media de 2.257 por ano, num total de
23.018 durante este período. Esta situação iria alterar-se logo nos primeiros anos da
década de vinte. Neste intermédio que vai de 1921 a 1930, partiram de Ponta Delgada
como emigrantes apenas 6.713 indivíduos, e no período seguinte que vai de 1931 a
1940 somente 1.551 emigrantes, numa média anual de 671 e 155 emigrantes em cada
período respectivamente.
15 LEON, Pierre (Dir), História Económica e social do Mundo, guerras e crises 1914 – 1947, Vol. V, Tomo II, Sá da Costa Editora, p. 275
16 FLAMANT, Maurice; SINGER-KEREL, Jeanne, As Crises Económicas, Publicações Europa – América. 1983, p. 81.
17 Instituto Nacional de Estatísticas, VIII Recenseamento Geral da População: no continente e ilhas adjacentes, Imprensa Nacional, Lisboa, 1940.
8
Emigração Micaelenses na primeira metade do Século XX18
Se olharmos de uma forma mais abrangente, iremos encontrar a mesma tendência no
que diz respeito ao conjunto das ilhas e ao continente português. Enquanto os maiores
números de emigrantes são contabilizados nos anos de 1901 a 1911 para as ilhas, com
96.007 emigrantes, e para o continente entre os anos de 1912 e 1920, com 315.168
emigrantes, vamos ver que quando analisamos o período que vai entre 1891 a 1940, é
justamente na década de trinta que encontramos os menores números de emigrantes,
tanto para as ilhas quanto para o continente. Cerca de 93.674 para o continente e 14.237
para as ilhas. 19
O gráfico “Solicitação de passaportes para Brasil, EUA e Bermudas entre 1922 e
1950”, gráfico 02, por sua vez, permite-nos analisar os três principais destinos dos
emigrantes micaelenses no período estudado. E juntos, o Brasil, os Estados Unidos da
América do Norte e as Bermudas, acumularam cerca de 9.779 pedidos de passaportes,
que juntamente com os pedidos de passaportes para outros destinos somaram um total
de 11.753 solicitações existentes entre os anos de 1922 a 1950.
Estes três países juntos, como mostra, eram de longe o principal destino dos
emigrantes micaelenses neste período. E assim, com base no gráfico, podemos
identificar ainda algumas tendências interessantes, como o facto de a maior parte dos
emigrantes se dirigirem para o Brasil no início da década de 20, provavelmente devido
as restrições a entrada destes nos EUA. Assim notamos um fluxo com volume
semelhante ao que se dirigiu para as Bermudas. Depois, com despontar da Crise de
1929, há uma forte queda na solicitação de passaportes para emigrantes para os mesmos
18 Instituto Nacional de Estatísticas, VIII Recenseamento Geral da População: no continente e ilhas adjacentes, Imprensa Nacional, Lisboa, 1940
19 Instituto Nacional de Estatísticas, VIII Recenseamento Geral da População…. op. cit.
9
três destinos, o que mostra que a crise foi generalizada, uma vez que, mesmo sendo o
Brasil um país fortemente agrícola, tinha sua principal produção centrada no café, que
por sua vez era extremamente dependente do mercado internacional, factor que se
reflectiu também na diminuição da saída de emigrantes de São Miguel para aquele
destino.
Gráfico 02: Solicitação de Passaportes para o Brasil, EUA e Bermudas entre 1922 e 1950.20
Finalmente, após um período de cerca de quinze anos com a emigração quase que
totalmente paralisada, voltamos a encontrar nos anos de 1944 e 1945 um crescimento
nos pedidos de passaportes com destino aos EUA, tendência que iria permanecer
durante toda a segunda metade da década de quarenta se estendendo pelos anos
seguintes, juntamente com Brasil e Bermudas em menores números.
Ainda, no que diz respeito à emigração para os EUA, podemos observar através do
gráfico 02, que durante quase todo o período entre a grande depressão e o final de II
Grande Guerra, a emigração para este destino se encontrou basicamente estagnada, não
ultrapassando as 100 solicitações anuais entre os anos de 1930 e 1943, e mesmo entre os
anos de 1932 e 1943, não houve sequer um ano em que as solicitações de passaportes
ultrapassassem a meia centena. Situação que se alterou a partir do final da II Grande
Guerra, onde passamos a encontrar já no ano de 1944 números superiores às 230
solicitações e 593 no ano de 1949, volume que foram ultrapassados largamente já na
segunda metade da década de 50.
20 BPARPD/GCPDL, Livros de Solicitação de Passaporte. 1922 a 1950.
10
Quando tratamos de Brasil como destino para os emigrantes micaelenses, logo após
os anos 30, surgem as primeiras dificuldades à entrada de emigrantes não qualificados,
o que diminuiu o fluxo da entrada de estrangeiros naquele país21. A crise iniciada em
1929 em Nova Iorque, também teve seu contributo para este declínio. Como já vimos,
chegou ao Brasil atingindo o seu principal motor económico, a produção e exportação
de café. Considerado um produto supérfluo nos países consumidores, o café brasileiro
perdeu seu mercado na América do Norte e Europa assoladas pela crise. A situação
atingiu proporções tais que, no início da década de trinta, o Governo do Brasil viu-se
obrigado a comprar e queimar quase a totalidade da produção de café do país, a fim de
manter os preços e preservar a mais importante indústria da época.
Para esta conjuntura é preciso lembrar que havia barreiras que dificultavam os
embarques, e não só os embarques. Quando falamos de legislação, em edital de 7 de
Junho e 1922, por exemplo, o comissário geral de emigração, Filipe da Silva Mendes,
declarava que, como já havia ocorrido no ano anterior, o Governo dos Estados Unidos
da América do Norte determinava que, durante aquele ano fiscal22 , só poderiam
desembarcar nos portos daquele país 2.269 emigrantes portugueses. O edital dizia que
em cada um dos meses de Julho e Agosto poderiam embarcar apenas 450 emigrantes,
sendo que no porto de Ponta Delgada e de Angra poderiam embarcar apenas 50
emigrantes em cada um, e 100 no porto da Horta. E ainda que, em cada um dos meses
seguintes só poderiam embarcar 15 emigrantes no porto de Ponta Delgada e 15 no porto
de Angra. Na Horta era permitido o embarque de 25 emigrantes por mês23.
Porém, longe de parecer um problema isolado, o edital que estabelecia cotas de
entradas de emigrantes nos Estados Unidos da América, e que já havia sido editado
também no ano anterior, era apenas o iniciar de uma das mais graves crises emigratórias
vividas no arquipélago, especificamente na ilha de São Miguel, durante todo o século
XX, a que se somou mais tarde à crise do ananás e os reflexos da Grande Depressão.
21 ARROTEIA, Jorge Carvalho, Atlas da Emigração Portuguesa, Porto, Série Migrações, Secretaria de Estado da Emigração, Centro de Estudos, 1985.
22 O ano fiscal a que se refere, começava em 1 de Julho de 1922 terminando em 30 de Junho de 1923.
23 Não conseguimos encontrar resposta para este maior quantitativo permitido ao distrito da Horta, até por não existirem estudos socioeconómicos que nos pudessem esclarecer sobre a eventualidade de ali ser mais grave a crise económica e social ou qualquer desequilíbrio demográfico. O certo é que a ilha de São Miguel, só por si, correspondia a cerca de 50% da população e, como veremos, ser notória a crise socioeconómica.
11
A falta de emigração passou assim a ser temas de debates pela sociedade e era vista
pelas elites locais como a semente de todos os males, a par dos problemas económicos
que afectavam directamente mais da metade da população micaelense. Neste sentido,
era grande a necessidade e urgente o auxílio do governo através do fomento à
emigração para as colónias de África, a fim de minimizar os problemas.
Abordado no Congresso Açoriano, realizado em Lisboa em Maio de 1938, este tema
serviu de base à comunicação sobre a economia açoriana no período. José Furtado
Leite, nesta ocasião, referenciava o emigrante açoriano como aquele que partia “não por
desamor à terra natal, mas com o fim único de, no regresso, fazer a sua moradia,
comprar terrenos de cultivo e garantir o futuro”24. Furtado Leite lembrava que nos
períodos de emigração havia um desenvolvimento económico gerado pelas remessas
dos emigrados, pelo retorno destes e pelas ligações comerciais proporcionadas pela
corrente migratória. No entanto, segundo ele, com o surgir de crises na América do
Norte começaram a sentir-se os efeitos nos Açores. O fechar das portas foi desastroso,
impedindo o escoar do excedente populacional cada vez maior, e provocando a
diminuição das remessas. Assim o arquipélago passou a contar com seu próprio custo.25
A falta de emigração também era apontada como geradora da crise por alguns jornais
de meados da década de trinta. Eram comuns referências de que, depois da Grande
Guerra, a crise havia atingido todos os países do mundo, e eram poucos os que
permitiam a entrada de imigrantes. Isso gerava um acumulo de gente nas ilhas, que,
acrescido da falta de crescimento económico, resultava em graves problemas como o
desemprego e dificuldades que atingiam principalmente sector agrícola. Assim, tanto os
jornais quanto as elites locais aconselhavam o governo, neste caso, a fomentar a
emigração para as colónias de África26
De facto a situação não era grave apenas nos Açores. Nos Estados Unidos da
América, principal destino dos emigrantes micaelenses no período, a situação ainda era
pior. Em um artigo de 18 de Fevereiro de 1933, o jornal Açoriano Oriental falava da
difícil situação que muitos portugueses enfrentavam naquele país com o desemprego.
24 Livro do Primeiro Congresso Açoriano que se reuniu em Lisboa de 8 a 15 de Maio de 1938, Grémio dos Açores, Lisboa, Jornal de Cultura, 1940, p. 444.
25 Livro do Primeiro Congresso Açoriano,… ob. Cit., p. 445.
26 O Cultivador, Ponta Delgada, 1938, Setembro, 30.
12
Dizia o jornal que muitos portugueses viviam na miséria e à espera do repatriamento
pelo Governo de Lisboa, e nestes casos, eram enviados directamente para a África.27
Para as autoridades locais, a emigração continuava sendo essencial no desafogar do
número de desempregados. Com o fechar das portas dos EUA, o desemprego
aumentava de ano para ano28, como referenciava o governador do distrito de Ponta
Delgada, em 2 de Fevereiro de 1938. Ao solicitar facilidades para o embarque de
micaelenses para Curaçao, dizia que a emigração no distrito havia sido sempre muito
elevada, especialmente para América do Norte. Com a extinção quase total da
emigração, as populações rurais passaram a sentir dificuldades cada vez maiores. O
resultado, segundo ele, era um aumento anual da população em mais de duas mil
pessoas, acompanhado pela falta de trabalho29.
Quando a escolha de destino, como podemos ver no gráfico 03, de forma geral
notamos que os Estados Unidos da América, Brasil e Bermudas eram os principais
destinos escolhidos pelos emigrantes do Distrito de Ponta Delgada no período entre
guerras, e estes três juntos eram responsáveis por quase 10 mil dos cerca de 12 mil
emigrantes que solicitaram passaportes neste período. Para alem dos três, haviam outros
destinos pouco conhecidos, como Argentina para onde seguiam fluxos nomeadamente
de emigrantes italianos, Republica Dominicana, Curaçao e Venezuela, estes três,
destinos poucos conhecidos na emigração açoriana.
Gráfico 03: Solicitação de passaportes por destinos, de 1922 a 195030
27 Açoriano Oriental, Ponta Delgada, 1933, Fevereiro, 18.
28 Livro do Primeiro Congresso Açoriano,… ob. cit., p. 368.
29 BPARPD/ACD/GCPDL, Correspondências Governo Civil de Ponta Delgada, Recebidas e Enviadas 1938.
30 BPARPD/GCPDL, Livros de Solicitação de passaporte. 1922 a 1950.
13
A década de 30 e o desemprego na ilha de São Miguel Uma das consequências mais graves geradas pela quebra na emigração, diminuição
das remessas dos emigrados, falta de mercado para exportação e os vários outros
problemas já apontados foi a do desemprego, reflectido nos jornais locais, através de
diagnósticos que esclareciam as dificuldades em que viviam as várias camadas da
população na época. E ainda, as várias tentativas públicas e privadas para remediar os
problemas, tanto pelo Governo Civil do distrito quanto por parte das empresas privadas,
que buscavam soluções para o problema com a assistência aos desempregados.
Em Novembro de 1940, o jornal A Ilha, por exemplo, ao fazer referência à crise,
dizia que esta atingia proporções tais que as instituições de assistência já não davam
conta de socorrer a todos.31 E tudo isso porque num contexto insular, onde a procura e a
oferta de emprego deveriam permanecer basicamente equilibradas, sujeitas apenas a
pequenas variações. São Miguel, pela sua dependência externa, sua população
maioritariamente agrícola e o seu equilíbrio socioeconómico muito ligado à emigração,
via-se mergulhada numa problemática dificilmente contornável. Eram cerca de 98.856
trabalhadores dependentes directa ou indirectamente da agricultura no fim dos anos
trinta32, a maioria destes ligados à cultura do ananás, pois, nos primeiros anos da década
de trinta, somavam cerca de 50.914 trabalhadores33. Pode assim ter-se uma ideia das
dificuldades e do volume de mão-de-obra excedente na ilha, se nos lembrarmos da crise
que atingiu esta indústria nos primeiros anos da década de trinta, situação que se
agravou ainda mais, como já foi mencionada, com o deflagrar da II Grande Guerra e a
paralisação completa das exportações em finais dos anos trinta.
Não devemos, porém, cair no erro de imaginar que eram apenas os jornaleiros,
camponeses e os grandes produtores os atingidos pela crise. A indústria do ananás,
como já foi dito, abrangia vários sectores da sociedade. Os grandes produtores
mantinham o emprego de estufeiros, pedreiros, carpinteiros, carroceiros, vidreiros,
ferreiros e muitos outros. Os pequenos produtores por sua vez eram na maior parte dos
31 A Ilha, Ponta Delgada, 1938, Novembro, 21.
32 Livro do Primeiro Congresso Açoriano…, op. cit., p. 239.
33 Açoriano Oriental, Ponta Delgada, 1933, Abril, 8.
14
casos funcionários públicos, comerciantes, operários, donos de pequenas terras e
agentes bancários que, como muitos outros, dependiam da pequena produção para
fomentar seus ganhos. E havia ainda os que indirectamente dependiam desta indústria,
como o caso dos trabalhadores dos transportes, donos de matas, trabalhadores das
indústrias de ferragens e tintas, e até mesmo os escriturários e os funcionários que se
mantinham com a riqueza movimentada por esta economia. Todos estavam
profundamente dependentes da indústria do ananás.
Um panorama da situação do emprego na ilha pode ser visto através da
correspondência ao Comissário do Desemprego, em que o governador do distrito de
Ponta Delgada, em Abril de 1939, informava a respeito dos gastos com alimentação aos
desempregados do distrito, dizendo que desde Agosto de 1936 não era realizado um
levantamento oficial quanto ao número de desempregados no distrito, e os dados desta
época mostravam que no distrito, sem contar com o trabalhadores rurais que mais
sofriam com a crise, havia cerca 93734 desempregados. Número que, no entanto,
incluindo os trabalhadores rurais, poderia aumentar para alguns milhares, variando de
época para época, conforme os contratos conseguidos por cada um.
Estes 937 desempregados, como podemos ver no quadro 03 em anexo, eram na sua
maioria declarados como “sem ofícios” com 339 desempregados, os pedreiros eram
cerca de 290 desempregados, depois os carpinteiros somando 83 desempregados, os
Bancários, comerciais e escriturários que juntos somavam 67 desempregados e os
serralheiros 40 desempregados. Além destes havia ainda marceneiros, caiadores,
pintores e outras profissões que, por mais variadas que fossem, eram dependentes da
indústria do ananás. E, com a crise que o sector vivia, não poderíamos deixar de
relacionar estes números com o facto de ter sido em 1936 que se registaram os menores
número na produção do fruto em toda década de trinta, com 1.586.283 frutos, e que
também é o período onde se registava o melhor preço médio por fruto, 7$58.
Ao comparar os dados adquiridos em 1939 com os do censo de 1940, notamos à
primeira vista um excessivo incremento nos números de desempregado relativos ao
concelho de Ponta Delgada. De um total de 475 desempregados em 1939, surgem para o
ano seguinte 1.188, um aumento de mais de 150%. Porém, as diferenças nos números
34 BPARPD/ACD/GCPDL, Correspondências Governo Civil de Ponta Delgada, Recebidas e Enviadas 1939..
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não ficam por ai. No que diz respeito aos concelhos de Ribeira Grande, Vila Franca do
Campo e Povoação, o número de desempregados em 1940 teve uma diminuição
considerável em relação a 1939, embora a tendência devesse ser outra, tendo em vista o
agravar da crise.
Para a população desempregada neste período, qualquer oportunidade de amenizar a
crise deveria ser aproveitada ao máximo. Com as instituições assistenciais a actuarem
no seu ápice e a reconhecerem a sua deficiência diante do grande número de
desempregados, sempre que surgiam oportunidades de condições melhores em outros
países, muitos trabalhadores chegavam ao ponto de omitirem suas verdadeiras
profissões a fim de conseguirem mais facilidade no embarque.
Num dos períodos de menor emigração dos Açores, e também de crise profunda na
economia, com desemprego generalizado por todos os sectores, como já foi visto, São
Domingos surge como única e provável alternativa para a fuga às dificuldades. E muitos
micaelenses, inspirados ainda pelos emigrados de Curaçao, que dois anos antes tinham
partido para aquela ilha, até então por eles desconhecida, aliciados por contratos
atraentes com condições de trabalho e assistência dificilmente encontradas em outros
contratos da época, viam São Domingos como possível alternativa à sua situação de
miséria.
Sendo este o tema a ser desenvolvido neste trabalho, pretendo utilizar não só a
bibliografia relacionada com a emigração na década de trinta na ilha de São Miguel,
mas também bibliografia que aborde o panorama da República Dominicana durante a
Ditadura de Trujillo, além dos periódicos publicados nos Açores nos anos em que ocorre
este movimento migratório, além dos documentos relacionados com a correspondência
do Governo Civil do distrito de Ponta Delgada e a documentação existente no Arquivo
Histórico do Ministério dos Negócios Estrangeiros em Lisboa, para assim, e em
conjunto, elaborar um panorama geral dos acontecimentos que envolveram esta
emigração e todo o período.
Conclusão
Ao fim desta observação, podemos concluir que a emigração, geralmente motivada
pela falta de oportunidades, foi extremamente afectada pelo fechar das portas dos
principais destinos dos emigrantes micaelenses, estes sem outra saída, seguiram para
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destinos pouco conhecidos como República Dominicana ou Curaçao. Facto que mostra
que a necessidade de emigrar, muitas vezes gera o destino para onde os possíveis
emigrantes poderiam seguir.
Outro ponto em ter em atenção é que a depressão económica na década de trinta foi
geral, assim como mostramos sobre as crises na Ilha de São Miguel, em consonância
com as crises das principais potências mundiais. O desemprego nos Estado Unidos da
América, a baixa produção industrial da Inglaterra e Alemanha, o eclodir da Segunda
Grande Guerra. Todos foram motivadores de uma conjuntura que forçou os
trabalhadores de uma zona pretensamente de emigração a seguirem para diferentes dos
habituais.
Por último, não posso deixar de lembrar, o papel do Governo do Estado Novo na
emigração, uma vez que na sua visão o emigrantes era aquele que iria divulgar sua
cultura em outros países, deveria ser antes de mais, alguém capaz de exercer este papel
de representante, contendo neste caso, capacidades que só teriam se cumprissem os
requisitos exigidos pelo governo para as autorizações de passaporte. Também a
protecção que o governo, legalmente, prestaria ao emigrante, sendo este cidadão mesmo
fora da não, como auxilio e mesmo com o repatriamento, sem esquecer das
prerrogativas obrigatórias no transportes dos mesmos.
Fontes e Bibliografia
Fontes:
Açoriano Oriental, Ponta Delgada, 1933, Fevereiro, 18.
A Ilha, Ponta Delgada, 1938, Novembro, 21.
Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponte Delgada, Governo Civil de Ponta Delgada, Livros de Solicitação de Passaporte. 1922 a 1950.
Diário do Governo, I Série, n.º 98, 1919, Maio, 10.
Diário dos Açores, Ponta Delgada, 1940, Junho, 20
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Instituto Nacional de Estatísticas, VIII Recenseamento Geral da População: no continente e ilhas adjacentes, Imprensa Nacional, Lisboa, 1940.
O Cultivador, Ponta Delgada, 1938, Setembro, 30.
Bibliografia:
MIRANDA, Jorge, As constituições portuguesas de 1822 ao texto actual da Constituição, 4.ª edição, Lisboa, Livraria Petrony, 1997.
MENDONÇA, Luís, Aspectos da Vida Quotidiana nos Açores: perspectiva histórica, Ponta Delgada, 1998.
LEON, Pierre (Dir), História Económica e social do Mundo, guerras e crises 1914 – 1947, Vol. V, Tomo II, Sá da Costa Editora.
FLAMANT, Maurice; SINGER-KEREL, Jeanne, As Crises Económicas, Publicações Europa – América. 1983.
ARROTEIA, Jorge Carvalho, Atlas da Emigração Portuguesa, Porto, Série Migrações, Secretaria de Estado da Emigração, Centro de Estudos, 1985.
Livro do Primeiro Congresso Açoriano que se reuniu em Lisboa de 8 a 15 de Maio de 1938, Grémio dos Açores, Lisboa, Jornal de Cultura, 1940.
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