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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
CLAUDIA FERREIRA DA PAIXÃO
EM FAVOR DOS POBRES: CONCEPÇÕES DE OPRESSÃO-LIBERTAÇÃO NA PEDAGOGIA
FREIRIANA EM ARTICULAÇÃO COM O CRISTIANISMO DE LIBERTAÇÃO
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2013
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CLAUDIA FERREIRA DA PAIXÃO
EM FAVOR DOS POBRES: CONCEPÇÕES DE OPRESSÃO-LIBERTAÇÃO NA PEDAGOGIA
FREIRIANA EM ARTICULAÇÃO COM O CRISTIANISMO DE LIBERTAÇÃO
Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, da Universidade Metodista de São Paulo, para obtenção do grau de Mestre. Orientador: Etienne Alfred Higuet
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2013
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FICHA CATALOGRÁFICA
P167f
Paixão, Claudia Ferreira da Em favor dos pobres: concepções de opressão-libertação na pedagogia freiriana em articulação com o cristianismo de libertação /-- São Bernardo do Campo, 2013. 123fl. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Faculdade de Humanidades e Direito, Programa de Pós Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo Bibliografia Orientação de: Etienne Alfred Higuet 1. Teologia da libertação 2. Freire, Paulo, 1921-1997 – Crítica e interpretação 3. Cristianismo 4. Educação I. Título CDD 261.8
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A dissertação de mestrado sob o título “Em favor dos pobres: concepções de
opressão-libertação na pedagogia freiriana em articulação com o cristianismo
de libertação”, elaborada por Claudia Ferreira da Paixão foi apresentada e
aprovada em 11 de setembro de 2013, perante banca examinadora composta pelos
Professores Doutores Etienne Alfred Higuet (Presidente/Umesp), Claudio de
Oliveira Ribeiro (Titular/Umesp), Rodrigo Franklin de Sousa
(Titular/Mackenzie).
____________________________________
Prof. Dr. Etienne Alfred Higuet – Presidente UMESP
______________________________________
Prof. Dr. Helmut Renders
Coordenador do Programa de Pós-Graduação
Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião
Eixo de Concentração: Linguagens da Religião
Linha de Pesquisa: Teologia das Religiões e Cultura
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Aos que participam do constante processo de libertação social.
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AGRADECIMENTOS
Ao Cristo que não oprime, mas liberta.
Ao Ariovaldo Ramos, modelo de agente libertador.
À super-secretária Regiane da UMESP.
Ao Instituto Paulo Freire, pelo acesso ao material bibliográfico.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES – pela
concessão da bolsa de estudos.
Ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da UMESP,
especificamente na pessoa do Prof. Dr. Jung Mo Sung e ao Orientador.
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O medo foi afinal o mestre que mais me fez desaprender. (MIA COUTO, 2001)
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PAIXÃO, Claudia. Em favor dos pobres: concepções de opressão-libertação na
pedagogia freiriana em articulação com o cristianismo de libertação. Mestrado em
Ciências da Religião. 2013.
RESUMO
O ‘cristianismo de libertação’ pode ser considerado uma terminologia para designar como as ações de libertação surgem na religião de matriz cristã-católica. Nele, está implícito o conceito de que Deus encontra-se no meio do povo para proporcionar experiências de libertação do sujeito consigo e do sujeito na sociedade. Libertação processual que desencadeie ações libertadoras. Aqui, interessa mais a ação do que a fé. Pensar o cristianismo traduz-se por pensar em ações salvíficas em situações opressoras. A fé que salva a alma, mas aprisiona o corpo não salvou. As experiências espirituais devocionais, deslocadas das atitudes de justiça e de amor em favor dos pobres, passaram por um difícil crivo de senso e valor social, em período histórico concomitante ao surgimento da Teologia da Libertação na América Latina. A igreja, por sua vez, condenou seus melhores pensadores acusando-os de profanos, pois estes preocupavam-se demais com a questão social dos sujeitos-fiéis. Entretanto, o próprio Cristo priorizou salvar as condições sociais dos seus seguidores. Cristo, assim, deu destaque ao corpo do sujeito. Seu contato pessoal com os seus seguidores materializam a verdade de suas palavras libertadores. Nesse sentido, pode-se dizer que Paulo Freire promoveu uma educação cristã. Uma espécie de libertação dos pobres mediada pelo recurso da ‘palavra’. Palavras-Chave: Cristianismo; Teologia da Libertação; Educação; Paulo Freire.
9
PAIXÃO, Claudia. Para los pobres: los conceptos de opresión-liberación em
lapedagogía de Freire enrelaciónconel cristianismo delliberación. Mestrado em
Ciências da Religião. 2013.
RESUMEN
El ‘cristianismo de liberación’ puede ser considerado como una categoría para designar la forma como acciones de liberación surgieron en la religión de matriz cristiana-católica. En esta categoría está implícito el concepto de que Dios se encuentra en medio del pueblo para proporcionar experiencias de liberación del sujeto consigo y del sujeto en la sociedad, una liberación procesual que desencadene acciones libertadoras. Aquí interesa más la acción que la fe. Pensar el cristianismo se traduce por pensar en acciones salvíficas en situaciones opresoras. La fe que salva el alma, pero aprisiona el cuerpo no salvó. Las experiencias espirituales devocionales, que hacen a un lado las actitudes de justicia y de amor a favor de los pobres pasaron por un difícil tamiz de sentido y valor social, de forma concomitante al período histórico en que surgió la Teología de la Liberación en América Latina. La iglesia, a su vez, condenó a sus mejores pensadores acusándolos de profanos, pues estos se preocupaban demasiado con la cuestión social de los sujetos fieles. Sin embargo, el propio Cristo priorizó salvar las condiciones sociales de sus seguidores. De esta forma, Cristo dio destaque al cuerpo del sujeto. Su contacto personal con sus seguidores materializan la verdad de sus palabras libertadoras. En este sentido, puede decirse que Pablo Freire promovió una educación cristiana, una especie de liberación de los pobres mediada por el recurso de la ‘palabra’.
Palabras Clave: Cristianismo; Teología de la Liberación; Educación; Pablo Freire.
10
PAIXÃO, Claudia. For the poor: concepts of oppression-liberation in Freire’s
pedagogy in articulation with the christianity of liberation. MestradoemCiências da
Religião. 2013.
ABSTRACT
The ‘christianity of liberation’ can be considered a terminology to designate how actions of deliverance begins in matrix of christian religion catholic. In it, is implicit the concept of God is between people to provide experiences of deliverance of subject itself and in society. Procedural liberation that initiate liberating actions. Here, is more interesting action than faith. Think about christianity translate itself to think in salvific actions in oppressive situations. The faith that saves soul, but traps body, don't saved. The experiences spiritual devotionals, displaced of attitude of justice and love for the benefit of poor, passed through a difficult riddle of sense and social value in a concomitant historical period to emergence of theology of deliverance in Latina America. The church, in turn, condemned their best thinkers accusing them of unholy, because they cared too much about the social issue of subject-faithful. However, Christ himself prioritized save the social conditions of his followers. Christ thus gave emphasis to the subject's body. Your personal contact with his followers embody the truth of his words liberating. In that sense, one can say that Paulo Freire promoted a Christian education. A kind of liberation of poor mediated resource of 'word'.
Keywords: Christianity; Liberation Theology; Education; Paulo Freire.
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LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Tabela de Siglas ................................................................................10
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TABELA DE SIGLAS
CEBs
CMI
IPF
MPF
PPGE-
PUCSP
PUCSP
SECPE
SESI
TdL
UFPE
Comunidades Eclesiais de Base;
Conselho Mundial de Igrejas;
Instituto Paulo Freire;
Método Paulo Freire;
Programa de Pós-Graduação em Educação da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;
Secretaria de Educação do Estado do Pernambuco;
Serviço Social da Indústria
Teologia da Libertação;
Universidade Federal do Estado do Pernambuco
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SUMÁRIO
RESUMO ..............................................................................................................8
RESUMÉN ............................................................................................................9
ABSTRACT .........................................................................................................10
TABELA DE SIGLAS ..........................................................................................11
INTRODUÇÃO ....................................................................................................16
CAPÍTULO 1: UMA PEDAGOGIA PELA EDUCAÇÃO DOS POBRES-OPRIMIDOS
1.1 TEMAS SUSCITADOS A PARTIR DA PEDAGOGIA DO OPRIMIDO ...........20
1.1.1 O sujeito inacabado .................................................................................. 23
1.1.2 O sujeito autônomo .................................................................................. 24
1.1.3 Educação bancária ................................................................................... 25
1.1.4 Desejo por liberdade ................................................................................. 27
1.1.5 O opressor hospedado no oprimido ............................................................29
1.2 A EDUCAÇÃO NO BRASIL E OS PRESSUPOSTOS FREIRIANOS ............32
1.2.1 A possibilidade de superação da pobreza ..................................................33
1.2.2 Desemprego e fome: onde cabe à educação? ...........................................35
14
1.2.3 O medo como obstáculo pedagógico ..........................................................38
1.2.4 Padrões de biofilia, necrofilia e a perspectiva da falsa generosidade .........40
CAPÍTULO 2: CONCEPÇÕES FREIRIANAS EM CONFLUÊNCIAS COM A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO
2.1 PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES ENTRE O PENSAMENTO DE FREIRE E O
CRISTIANISMO DE LIBERTAÇÃO ................................................................... 44
2.2 FREIRE, O MARXISMO E A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO . ..................... 51
2.2.1 Materialidade educacional do sujeito na sociedade capitalista ...................61
2.3 CONCEPÇÕES PRESENTES NA DIALÉTICA OPRESSÃO-LIBERTAÇÃO
..............................................................................................................................62
2.3.1 Concepção de agir político .........................................................................64
2.3.2 Concepção de pobreza ...............................................................................67
CAPÍTULO 3: CRISTIANISMO DE LIBERTAÇÃO: RELEITURAS E POSSÍVEIS CAMINHOS PARA A CONTEMPORANEIDADE
3.1 RELEITURA DA TDL PELO VIÉS DA ECONOMIA ......................................70
3.2 RELEITURA DA TDL PELO VIÉS DA INCLUSÃO ........................................76
3.3 RELEITURA DA TDL PELO VIÉS MISSIONÁRIO TRANSCULTURAL ........83
3.4 SUJEITO-HISTÓRICO, HISTÓRIA ABERTA E NEGAÇÃO DA HISTÓRIA
..............................................................................................................................89
3.5 RELEITURA DA TDL PELO VIÉS DA ESPERANÇA: ENSAIOS
REVOLUCIONÁRIOS CONTEMPORÂNEOS .....................................................91
3.5.1 Olhares de esperança .................................................................................93
3.5.2 Revolucionar para além da questão social .................................................96
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CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................102
ANEXO 01 -10 ......................................................................................................105
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ ..115
LINKS CONSULTADOS .................................................................................. ..123
16
INTRODUÇÃO
O contexto social de onde partimos para escrever esta pesquisa tem
sua delimitação temporal, mais especificamente, nos anos de 1960-1980,
podendo utilizar outros períodos aproximados para explicar por onde nos situamos
ao tratar dos assuntos correlacionados com o momento em que os sujeitos
despertaram-se para transformar realidades de pobreza no continente latino
americano. Esse momento teve sua notação definida pelas lutas sociais, e, no bojo
deste contexto, o Educador brasileiro Paulo Freire desenvolveu teorias que
desdobraram-se em sua práxis educacional libertadora.
Em várias partes do mundo, movimentos de reivindicações por autonomia e
políticas mais democráticas foram presenciados na década de 60. Na América
Latina, solicitações por respeito à questão social do trabalho e dos trabalhadores, e
maior atenção à realidade opressora de pobreza. No Brasil, primeiramente: a
luta por terras e pão; depois, pelas condições de trabalho; e, posteriormente,
pela liberdade de expressão ideológica e cultural. Ou seja, o tema da liberdade
efervescia pelo mundo. O tema da liberdade mudava a agenda da igreja cristã latina.
O tema da liberdade inquietava o âmago do pensamento do Educador Paulo
Freire. De acordo com Assmann, a consciência cristã estava sob o impacto da
experiência histórica (ASSMANN, 1971). Assim, tornava-se impossível que a
religião cristã ignorasse a militância sócio-econômica global.
Paulo Reglus Neves Freire (1921-1997) nasceu em Recife, em 19 de
setembro de 1921. Filho do oficial de polícia Joaquim Temístocles Freire e da dona-
de-casa Edeltrudes Neves Freire. Seu pai era adepto da religião Espírita, enquanto
sua mãe era Católica. Pode-se inferir que, desde cedo, Paulo Freire tenha
experimentado o ecumenismo religioso por ser filho de pais com religiões distintas. A
17
família era da classe econômica considerada mediana – classe C – porém, a crise
econômica de 1929 conduziu-os ao contato com situações de pobreza. No início da
crise ele só tinha oito anos de idade. Seus pais migraram para a cidade de Jaboatão
dos Guararapes, no interior pernambucano - cidade esta, com índice de
pobreza bem maior do que a cidade de Recife, onde a família residia anteriormente.
Freire, seus pais e seus irmãos, conviveram com situações de restrição
econômica por anos.
A experiência de pobreza pode ter provocado em Freire um olhar dedicado às
questões de opressão econômico-social, a partir das realidades múltiplas e
dispáricas encontradas no país. Nessa trajetória, Freire desenvolve uma consciência
crítica acerca do conceito de ‘povo’. Em seguida, inicia trabalho como Docente no
ensino médio e atividades educacionais com trabalhadores rurais, urbanos e
pesqueiros do Estado de Pernambuco (FREIRE, 2001).Graduou-se em Direito
pela Universidade Federal de Pernambuco -UFPE -em 1946 - e, após um
concurso, obteve o título de Doutor em Filosofia da Educação1, já em 1959.
Lecionou Língua Portuguesa e Filosofia da Educação. Obteve contato com os
segmentos educacionais populares de Pernambuco, em meio às pressões do estado
brasileiro sobre a educação nacional, no período que antecedeu ao golpe militar de
1964. Freire desenvolveu um método de alfabetização de adultos, além de trabalhos
com o Serviço Social da Indústria SESI e com a Secretaria de Educação do Estado
de Pernambuco SECPE. Quando de sua passagem pela cidade de Anginos –
Rio Grande do Norte, Paulo Freire ganhou destaque nacional ao conseguir
alfabetizar 300 trabalhadores pobres em apenas 45 dias. Seu método foi
consagrado como ‘Método Paulo Freire – MPF’. Alguns pesquisadores gostam
de chamar o seu método de: ‘educação dialógica’2 porque se fundamenta no
diálogo para libertação da opressão social.Com o golpe militar, Freire foi
considerado educador subversivo e, portanto, exilado do Brasil. Passa pela
1GADOTTI, Moacir. Paulo Freire: uma biobibliografia. São Paulo: Cortez. 1996. p.34 2Para entender o conceito de ‘educação dialógica’, ver: SILVA, Noêmia dos Santos. Amor e revelação
na pedagogia dialógica: diálogo entre Paulo Freire e Juan Luis Segundo. Dissertação de
Mestrado. São Bernardo do Campo, SP: UMESP. 2009.
18
Bolívia, Chile, países da Europa e da África, dando prosseguimento à sua
experiência ‘religiosa’ - se é que assim podemos denominar as confluências do seu
pensamento com a religião cristã. Na cidade de Genebra –Suíça, Freire participou
do Conselho Mundial de Igrejas - CMI, uma organização cristã do segmento
protestante. Retornou ao Brasil somente no ano de 1980. No ano seguinte, foi criado
o Instituto Paulo Freire - IPF, na cidade de São Paulo. Freire atuou como
Professor-Titular no Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo – PUCSP3. Publicou 24 livros e participou de
40 publicações em outros livros organizados com vários autores, entre os anos
de 1959 a 1995. Recebeu 41 títulos Doutor Honoris Causa em universidades como:
Cambridge, Harvard e Oxford. Faleceu em 1997.
A consciência política acerca do conceito de povo provocou temas como o da
‘liberdade’. Mas, de que liberdade estamos falando? Libertar-se do que, ou de
quem? Como libertar-se? Libertar-se de todo reflexo da opressão social que
condicionava milhares de brasileiros à marginalidade. Havia uma extensão das
formas de opressão social que afetou, inclusive, o desenvolvimento
educacional brasileiro. Carlos Rodrigues Brandão (1994) afirma que o sistema
educacional recebia interferências coercitivas do poder militar federal. Os
educadores eram visados como potenciais revolucionários. Entretanto, a força
da opressão jamais amedrontaria e nem seria capaz de conter um pensador como
Paulo Freire. O jeito foi aceitar o exílio para o Chile, após ser liberto do cárcere
temporário no Brasil das ditaduras. O seu pensamento tornou-se sua missão. Não
havia mais fronteiras que pudessem impedir Freire de compartilhar suas concepções
de educação em vários países.
Opressão social e moral direcionada aos mecanismos de educação.
Condição esta que, hostilmente, perdeu a chance da possibilidade do maior
desenvolvimento do Brasil em 460 anos de história. Que tipo de hostilidade
podemos perceber nesse período? Dentre outras situações, a hostilidade da
ausência de educação. A dinâmica da opressão, todavia, não está fechada ao
determinismo social. Os oprimidos, por sua vez, organizados em movimentos
sociais, poderão desestabilizar o topo piramidal de poder econômico a partir do 3www.paulofreire.org.br
19
movimento infra-estrutural da base da pirâmide. Somente eles poderão libertar os
seus opressores, disse Freire (2010).
A concepção refere-se àquele que sofre a violência como sujeito
detentor dos mecanismos de percepção da estrutura desumana de opressão que
ocorre contra si, e, por isso, poderá organizar-se para mudar esta realidade. Quem
está no topo da pirâmide opressora não percebe - ou não quer perceber - a
realidade de violência que exerce na ação da base de dominação sócio-econômica.
A violência que oprime a identidade e exclui socialmente é tanto violência quanto
aquela que desfigura o corpo. Em níveis diferentes, todas são ações de
violência. Algumas ações de violência sutis podem ser denominadas como
‘violência simbólica’ (BOURDIEU, 1989). Outras, como violência materializada. A
violência simbólica é a que flagela a identidade dos sujeitos, agindo como elemento
de opressão por meio das dinâmicas sociais, com efeitos possivelmente mais
danosos para os sujeitos e para as sociedades.
Diante da realidade das relações de violência, perguntamos: quem
possui condições de iniciar o ‘diálogo’ libertador com maiores chances de êxito
- os opressores-regenerados ou os oprimidos? O Método Paulo Freire para
alfabetização de adultos – MPF - consiste em educar a partir do ‘diálogo’. E
que este diálogo construa-se de palavras geradas no cotidiano dos sujeitos.
As palavras que emergem da realidade cotidiana contêm os meios para gerar
transformação. Significa que dialogar com pautas previamente prontas pelos
opressores regenerados em nada vai mudar a dura realidade dos pobres. A pauta
do diálogo só poderá ser tecida com as palavras trazidas pela vivência dos
oprimidos. Estas são as palavras-geradoras que Freire propôs como aptas para
gerar transformação social (FREIRE, 2010). O Deus que queremos é aquele que
tem cheiro de gente. É aquele que Paulo Freire pedagogizou. O Deus dos
pobres. Daqueles que reconhecem que nada sabem.
20
CAPÍTULO 1 UMA PEDAGOGIA PELA EDUCAÇÃO DOS POBRES OPRIMIDOS 1.1 TEMAS SUSCITADOS A PARTIR DA PEDAGOGIA DO
OPRIMIDO
A obra ‘Pedagogia do Oprimido’ - PO – foi pensada e gestada por Paulo
Freire durante a década de 1960. A primeira edição saiu somente em 1968,
em Santiago – Chile, já em seu período exílico. Esta obra é ao mesmo tempo
filosófica, sociológica, educacional e um tratado epistemológico. Sua
epistemologia faz repensar a prática pedagógica e indica que os processos
pedagógicos necessitam da atitude de ‘conscientização’ da realidade de opressão.
Assim, a questão principal dos pobres-oprimidos reside na competência de
saber-se enquanto oprimido, ou seja, conscientizar-se de sua condição –
provisória - de opressão. Por estes caminhos, foi gestada a obra Pedagogia do
Oprimido – PO.
Seu trabalho tem como tripé científico três espécies de conhecimento: o
conhecimento do povo, o conhecimento do mundo e o conhecimento do educador.
Todos os três tipos de conhecimento em dialogicidade, ou seja, em interação
constante. Por trabalhar com o fundamento da ‘palavra’ ou do ‘diálogo’, esses
conhecimentos se apresentam dentro da perspectiva da educação dialógica (SILVA,
2009). Proclamar a educação e a libertação dos pobres pode parecer incursão na
dimensão utópica que pretende redimir o mundo dos seus males. Embora
‘utopia’ possa parecer um messianismo apaixonado, Freire utiliza este termo para
navegar num oceano tão maculado por desesperanças e conformismos lógicos.
Para ele, o sentido moral e ético da práxis4libertadora se apresenta no individual
no coletivo, onde o conceito de ‘utopia’ serve de parâmetro para a humanização da
4práxis – a definição (1), em Aristóteles, é a de atos desempenhados como um fim em si mesmos, no interesse deles próprios; distingue-se de poiesis, que significa a atividade produtiva dedicada à realização de fins, bem como de theoria ou contemplação. São essas as três atividades ou ocupações básicas dos seres humanos (Lobkowicz, 1967). O significado (2), em Marx e nos escritos de numerosos filósofos no âmbito do marxismo ocidental é: (a) um tipo de atividade prática criativa peculiar dos seres humanos, por meio da qual eles constroem seu mundo, uma ideia
21
ciência em práxis (MORGAGNI apud GADOTTI). Na direção da educação
libertadora, Freire começou sua pesquisa com a proposta da alfabetização de
adultos. Mas, como alfabetizar adultos? E, por que seria tão fundamental
alfabetizar pessoas que já estavam longe dos espaços escolares, trabalhando
nos mais diversos contextos sociais brasileiros? A viabilização da sua teoria
somente poderia ocorrer na emancipação dos sujeitos, onde a mediação lógica da
utopia se transporta para a adesão concreta da prática. Morgagni afirma que
Freire constitui-se num extraordinário exemplo de equilíbrio e de síntese entre utopia e adesão ao concreto, entre rigor intelectual e humanidade, entre especialista, homem de cultura e educador: homem sempre empenhado, mas jamais ligado a algum esquema ou dogma ideológico e atravessado pela paixão permanente em conjugar a teoria com ação, individual e coletiva. Paulo Freire representa seguramente um dos fenômenos educativos mais importantes, originais e fecundos do nosso século. A sua obra científica, tão intimamente unida à sua personalidade e humanidade não é apenas um capítulo fundamental e ainda aberto da história da pedagogia e das ciências da educação contemporânea, mas se constitui também um imprescindível ponto de referência prático operativo para a ação educativa (...) em meio a processos democráticos e igualitários de liberação social (MORGAGNI apud GADOTTI, 1989, p.334).
Em 2008, a Pedagogia do Oprimido - PO completou 40 anos de existência,
desde a primeira edição. José Eustáquio Romão afirmou estar impressionado com a
atualidade do livro após todos estes anos de produção, sinalizando as
características de universalidade que o livro alcançou: “E isto se deve, certamente,
às suas características de universalidade, como é próprio das grandes obras-primas
básica no modelo de Marx de natureza humana; (b) uma categoria epistemológica que descreve a atividade prática, constitutiva do objeto, dos indivíduos humanos em seu confronto com a natureza, que Marx denominou a “atividade prática do senso humano” (Marx, 1845, p.83); e (c) como práxis revolucionária (Marx, ibid.), o suposto ponto de transição social fundamental de acordo com o qual se diz que, na prática, as circunstâncias sociais objetivas do proletariado coincidem com o completo entendimento delas. Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora. 1996. 600pp.
22
da humanidade” (ROMÃO, 2008, p.11). O livro propõe uma espécie de opção
radical pelo oprimido, onde a pedagogia de Freire delineia-se em uma
pedagogia ‘do’ oprimido, em vez de ‘para ele’. Ela surge a partir do oprimido.
A opção pelo oprimido gera outra epistemologia na leitura da questão social da
pobreza, ao elevar os pobres ao patamar de atores e debatedores no centro
da discussão sócioeconômica. São estes pobres que, agora, se apresentam
radicalmente capazes de provocar outras reflexões sobre a conjuntura da opressão
social presente - em todos os pontos do planeta – onde quer que estes se
encontrem. Os opressores, enquanto classe que oprime, não libertam e também
não se libertam, ainda que promovam reflexões para a minimização da
pobreza (FREIRE apud ROMÃO, 2008). Com a extensão do princípio
paradigmático de que os oprimidos são potenciais libertadores podemos conduzir
estas ideias a outros setores da produção humana e científica, com o fim de
compreender que somente os pobres são capazes de renovar o seu processo
civilizatório.
Ana Maria Araújo Freire, segunda esposa de Paulo Freire, defende que a PO
é a produção literária de maior prestígio que seu marido compôs. De acordo com
ela, o livro revela um compromisso com a educação-política (A. FREIRE, 2001). O
livro não se restringe a uma proposta pedagógica revolucionária para o sertão
pernambucano, de onde emergiu sua concepção libertária. Ele extrapolou as
fronteiras nacionais e latinas, oferecendo uma contribuição para a Pedagogia
universal do século XX. E, não ficou restrito ao século passado, sendo
atualizado pelas releituras de diversos educadores. Nesta direção, Ana Mae
Barbosa (2001) comunica que a teoria da PO foi incorporada e adaptada em
universidades da África e da Europa, inclusive, com mais abrangência nas
universidades dos Estados Unidos e da Inglaterra.
O conteúdo científico da PO não permaneceu enclausurado no tempo e
no espaço em que foi produzido, mas derrubou fronteiras geográficas, culturais
e cronológicas, atualizando-se a todo instante. Seu idealizador e autor buscou novas
teorias educacionais para expandir suas primeiras percepções registradas na
PO. Seu texto pode ser adaptado em qualquer contexto sem a necessidade
de adulteração das características nativas de cada grupo a ser educado. A tônica
do livro é a implantação de mecanismos políticos para ‘ler o mundo’ – para
23
que os pobres sejam educados a ‘ler o mundo’. Mas o que se encontra implícito na
atitude de ‘ler o mundo’? A resposta pode ser encontrada no despertar da
consciência crítica que a tudo vê e a tudo questiona. Aquele que questiona o que vê,
não aceita a realidade de forma passiva. Portanto, terá meios de assumir posturas
pro-ativas, com esforços de transformação de cada realidade desfavorável.
Quando Freire desenvolve a necessidade de se ‘ler o mundo’ é porque ele
sabia que os sujeitos transitam por um mundo ‘já lido’ por opressores e
transmitido como realidade imutável aos mais pobres. Estes, por sua vez, sequer
são educados a ler a realidade onde estão mergulhados.
1.1.1 O sujeito inacabado Ao visualizar os pobres na sua inteireza, caminha-se para a visão integral do
ser humano que, apesar da condição de pobreza, possuem outras situações
que devem ser trabalhadas pedagogicamente para sua emancipação social. O
ser integral é o ser inteligente, apesar de pobre. O ser integral é o ser que
aprende, apesar de pobre. O ser integral é o ser político e transformador, apesar de
pobre. Aquele que olha para si mesmo como integral, vê o coletivo e o individual
dentro de si, simultaneamente (ALVES, 2008). Freire defende a ‘inconclusão’ do ser
humano no sentido de que somos seres em constante aprendizado, ou seja,
inacabados5. Contudo, o ser inacabado proposto por Freire não é visto pela
metade ou desintegrado do conjunto das relações sociais. Ele possui a gênese da
integralidade, mas em estado transitório de inconclusão. O ser inacabado busca
completar-se no outro, no coletivo. Dessa forma, não há como o sujeito ser completo
enquanto outros estão sofrendo opressão social. Alguns matizes de ‘inteireza’ são
sugeridos por Maria Leila Alves (2008), como: inteireza de trajetória - que se
traduz na postura do educador que não titubeia nos seus princípios ou idéias
durante sua trajetória profissional. Consciente da provisoriedade das certezas,
ele as defende porque nelas faz sua filosofia. E nelas, constrói sua práxis. Daí,
5Inacabado - Streck, D; Redin, E; Zitkoski, J. (Org.) Dicionário Paulo Freire. 2ed. Belo Horizonte: Autentica. 2009.
24
seria incoerente abandonar seus princípios educacionais por circunstâncias
adversas. Nasce, então, o educador integral que faz-se reconhecer pela
inteireza que alia sua ideologia com sua prática, autenticado pelo tempo de
permanência nos seus objetivos. Integralidade pedagógica. Outro aspecto da
inteireza proposto por Alves (2008) é a inteireza da resposta. O que seria
isto? Qual o lugar das ‘respostas’ nos procedimentos educacionais? Com base
na análise da PO, ela defende que todos merecem uma resposta. Ainda que os
sujeitos educacionais nos apresentem questões complexas, o educador deve atuar
para buscar caminhos de respostas possíveis. O importante é sinalizar que estas
respostas são provisórias, uma vez que, o sujeito é ser inconcluso, incompleto
e inacabado. E, na dinâmica da incompletude da existência humana, as respostas
estarão à mercê de mutações e atualizações existenciais, temporais, casuais.
1.1.2 O sujeito autônomo
A ‘confessionalidade’ do ser integral no pensamento freiriano pode ser
percebida pela insistência nos ideais de humanismo. Por defender a ‘autonomia’ do
ser humano, mas sem apoiar seu pensamento nas teorias marxistas-leninistas,
Freire foi criticado como incoerente. Contudo, Freire encontrou sinais de autonomia
nos sujeitos que experimentam o processo da metodologia educacional
libertária.
Metodologia esta que se concretiza na dialética da libertação individual e
coletiva. O individual encontra-se integralmente ligado ao coletivo dentro desta
dialética. O indivíduo só pode considerar-se livre ao libertar os demais sujeitos
oprimidos que com ele interagem. Alves (2008) denuncia sua insatisfação em
constatar que a PO não é aplicada no cotidiano de muitos sistemas educacionais e
afirma que o motivo é que alguns educadores escolhem posturas mais
confortáveis de trabalho. Há ausência de mais educadores comprometidos com as
lutas sociais assim como foi Paulo Freire. Educadores que lutem pelos mais pobres,
sem medo de perder seus empregos pela dissonância de suas vozes dentro dos
sistemas educacionais mais conservadores. Sobre Freire e a ‘Pedagogia do
25
Oprimido’, Alves (2008, p.25) afirma: “Quando muitos dos companheiros de luta
desertaram para posições mais cômodas, sua voz sempre se fez ouvir em favor dos
oprimidos e contra a opressão.”
O processo de busca da liberdade será mediado pela autonomia, pela
responsabilidade e também pelo exercício da criatividade (FREIRE, 2011). Ao
desenvolver sua autonomia, os sujeitos adquirem liberdade acoplada de conquista
pessoal responsável. Contudo, a liberdade precisa ser buscada. A liberdade não é
um dado espontâneo em situações do desenvolvimento humano, mas necessita de
estímulo para desenvolver-se. A liberdade é percebida no texto freiriano como um
movimento a partir de si mesmo, em vez de algo externo aos sujeitos. Sem o
movimento, há ocultamento e negação da liberdade latente em todo ser humano. A
problemática decorrente do ocultamento da liberdade é a geração de alienação da
‘palavra’. Para Freire, as palavras possuem a função de transformar realidades. Por
isso, sua proposta educacional centra-se no diálogo, ou seja, na palavra. São
as palavras que dão significado à história humana. Quando as palavras são
castradas perdem a função de transformar histórias ou de criar novas histórias
diante daquelas prescritas. A pedagogia da palavra é a pedagogia dialógica, ou seja,
a pedagogia que se faz nas bases do diálogo (FREIRE, 2010).
1.1.3 Educação bancária
Há profissionais que consideram-se educadores, porém não conseguem
trocar de lugar com seus alunos para entender suas percepções de mundo e seus
acúmulos intelectuais (BETTO, 2008). Na teoria, muitos professores apregoam
a educação libertadora e ousam ensinar sobre Paulo Freire, quando nem mesmo
têm a coragem de abandonar seus planos de ensino cartesianos6. Insistem na
6Cartesiano – O termo ‘cartesiano’ refere-se a René Descartes. As regras de Descartes, inspiradas na geometria, são simples, mas devem ser efetivamente postas em prática, seguidas à risca: “Assim, em lugar desse grande número de preceitos de que se compõe a lógica, julguei que me bastariam os quatro a seguir, desde que eu tomasse a firme resolução de jamais deixar de observá-los.” A primeira é a regra da evidência: “jamais aceitar uma coisa como verdadeira que eu não soubesse ser evidentemente como tal”; a segunda, a regra da análise: “dividir cada uma das
26
‘educação bancária’ viciada e viciante, que mascara o processo de ensino-
aprendizagem e coloca o professor no topo da discussão. Ao passo que, o correto
seria o professor se posicionar como mediador de cada discussão em sala de
aula. ‘Educação bancária’ é um termo cunhado por Freire que pode ser interpretado
como o processo de ensino em que o professor ‘deposita’ seus conhecimentos e
suas ideias de modo arbitrário na cabeça de seus alunos, tal como um
depósito feito em um caixa eletrônico do banco. O caixa eletrônico está ali para
receber ‘depósitos’ dos usuários e não discute sobre o conteúdo nele
depositado; apenas recebe. Na educação bancária, o professor deposita o que
ele quer, não importando se o aluno está aprendendo ou não. Este
procedimento constitui-se uma máscara educacional, na qual o professor finge
que ensina e o aluno finge que aprende. Para Frei Betto (2008) esse problema
só seria resolvido com uma ‘revolução copernicana’, onde a Pedagogia do
Oprimido fosse lida, refletida e praticada.
A mensagem de Freire ganha caráter permanente de inovação por sua
linguagem intuitiva e aberta à experiência. Sua pedagogia permite a interconexão de
fases, de tempos e espaços educacionais. Quaisquer novas metodologias de
ensino, em qualquer cultura, permitem a veiculação das ideias libertadoras que
saltam da Pedagogia do Oprimido, visto que ela se fundamenta no ensino-
aprendizagem pautado na realidade dos alunos (JOSAPHAT, 2001). Nesse aspecto,
torna-se difícil fragmentar o conjunto da obra freiriana ou mesmo tentar alocá-la no
século passado. As tentativas de desqualificação do Método Paulo Freire – MPF –
acabam sempre por caracterizar modismos educacionais que logo desaparecem.
dificuldades que eu examinasse em tantas partes quantas possíveis e quantas necessárias para melhor resolvê-las”; a terceira, a regra da síntese: “conduzir por ordem meus pensamentos, a começar pelos objetos mais simples e mais fáceis de serem conhecidos, para galgar, pouco a pouco, como que por graus, até o conhecimento dos mais complexos”; e, finalmente a quarta: “fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais que eu tivesse a certeza de nada ter omitido.” MARCONDES, Danilo. Descartes e a filosofia do cogito. In: MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos à Wittgeinstein. 10ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2006. 159-175pp.
27
1.1.4 Desejo por liberdade
A violência contra a liberdade educacional é violência contra liberdade
do sujeito educável. O sujeito precisa da atividade educacional para
desenvolver-se, porque não aprende de forma inata. Pode-se dizer que a educação
é latente no ser humano, mas que só emergirá do período de latência em
interação com outros sujeitos. O ser humano permanece toda sua vida como
sujeito educando, aprendente7 ou educável (KANT, 2006). Educação é um
direito: o direito à educação. Para Freire, além da educação, os sujeitos têm o
direito à educação para a liberdade. Os sujeitos necessitam de libertação e anseiam
por liberdade, como que uma característica da condição humana frente à
‘prisão’ imposta pela sua própria natureza finita. A finitude da matéria humana
induz à ansiedade de sua própria superação enquanto existência. Assim, ele
propõe o conceito do ser humano inacabado, na perspectiva de sujeitos em
processo de aprendizagem, que anseiam transcender-se na espiritualidade das
relações sociais, ou seja, em elementos que não estariam disponíveis pela
matéria inata humana. Porém, a constatação de sua finitude material e o
desejo por liberdade de transcendência não ocorrem sem choque, contra-ditos
e conflitos.
A sociedade, desse modo, está imersa em contradições entre a
realidade existencial do ser e a possibilidade do vir-a-ser. Tudo o que não é, poderá
vir-a-ser. As possibilidades de mutações nas relações humanas são plurais,
são muitas. Conotações de pluralidade nas relações humanas provocam o
desejo de transcendência nos sujeitos que passam a se perceber como
heterogêneos em várias dimensões. A matriz unicista e homogênea fica instável
pelas emergências do ser que se deparou com a possibilidade de transcender a si
nas relações humanas e na relação com seu Criador-Deus (FREIRE, 1967).
7 Para Hugo Assmann (2011), os sujeitos tornam-se aprendentes quando percebem a utilidade do aprendizado, pois:“No processo educativo não pode haver lugar para a insensibilidade. Estou convencido de que as diferentes formas do conhecimento devem ser dinâmicas e prazerosas para dar lugar a uma educação comprometida com o social e centrada no prazer de aprender a aprender.”
28
O sujeito integral, porém inacabado, em processo de transcendência de
si, não é aquele analisado somente da perspectiva filosófica metafísica, mas é o
sujeito que precisa aprender a ser gente no processo de convivência social
cotidiana. E, nesse processo, comungar com seus companheiros na luta pela
minimização das relações de dominação e de opressão social (STRECK, 1994).
Será possível a superação da polaridade: opressão-libertação? O paradoxo dos
opressores desumanizados os coloca na condição existencial de “ser menos”.
Condição de existência inconclusa, e distorcida. Ainda que a ordem social se
apresente como ordem invertidamente injusta, ela provoca reações de equilibração
ou de harmonização. A equilibração é o que vai promover o retorno à humanização.
Todo sujeito oprimido e feito em algo “menos” do que tenderia vir a ser, certamente,
em algum momento, poderá reagir contra quem ou o que o constituiu abaixo de sua
humanidade. A reação está condicionada a conscientização. Se o sujeito tem
consciência de sua pobreza, provavelmente reagirá contra ela. O poder
transformador não está nem na mão dos oprimidos e também não está nas mãos
dos opressores regenerados, mas está na linguagem que advém do diálogo entre
opressores e oprimidos (FREIRE, 2010).
Daniel Schipani denuncia que, apesar da globalização, os efeitos
neocoloniais seguem reproduzindo políticas dominadoras no continente latino.
O imperialismo tem se expandido (SCHIPANI, 2002). Não basta tentarmos nos
proteger da globalização com atitudes como, por exemplo: abandonar o uso
de termos do idioma inglês. A saída para a libertação das nações neo-
coloniais é o reforço da cultura local. Não será mais possível abortar o uso
do inglês como ferramenta indispensável nos setores de comunicação das
empresas do nosso século. Mas há a possibilidade de reduzir a força invasiva das
culturas relacionadas com o idioma inglês em nossa cultura. Ao valorizar-se a
cultura local com incentivos educacionais para a re-alocação do nosso idioma
estaremos contribuindo de modo objetivo para reforçar nossa identidade cultural.
Re-alocar a língua portuguesa é trazer de volta para o palco nossa literatura
e nosso jeito de pensar as coisas. É deixar o pobre escrever sua poesia e ajudá-
lo a discutir a política internacional. Não é suficiente assumir uma posição
revolucionária ou socialista, mas conviver com a globalização de modo proativo e
não apenas receptivo. Dar espaço para o diálogo com os setores menos
29
desenvolvidos numa perspectiva mais humanizadora de seus conflitos
(GUTIÉRREZ, 1971).
Uma pedagogia libertadora confronta o sistema socioeconômico
dominante para lhe propor outros olhares mais contextualizados com a vida dos
excluídos. Não podemos nos iludir com o desenvolvimento tecnológico e nele
projetar a expectativa messiânica de crescimento social igualitário (SCHIPANI,
2002). Não dá para esperar que a constante atualização da era digital venha
contribuir para a distribuição equitativa. A tarefa de diminuir a agressividade do
capital é nossa – dos que possuem condições para refletir, e trazer outros à reflexão.
Reflexão sem ação não produzirá frutos, ao passo que ações assistencialistas
desprovidas de reflexão são igualmente estéreis.E foi exatamente a questão da
opressão social que motivou Paulo Freire a planejar um método de educação que
pudesse emancipar os famintos e pobres do mundo, a partir do sertão
pernambucano. Um método em que os educandos assumissem consciência
crítica de sua opressão social e elaborassem meios de romper com esta
situação desumana visando à libertação social deles e de toda a pirâmide
econômica. Os analfabetos adultos são pessoas de baixa renda e também
formam um grupo social que conhece a fome bem de perto. Para emancipá-los, o
processo de alfabetização deveria acontecer na ação cultural para a libertação
da pobreza (FREIRE, 1981). Para Freire, a ação cultural pedagógica precisa ser
uma ação para a liberdade criativa, que atua por meio do estímulo à
autonomia dos sujeitos aprendentes.
1.1.5 O opressor hospedado no oprimido
O aspecto da libertação nos processos humanos está ligado à ideia de que os
sujeitos são seres inconclusos e que estão constantemente em busca de sua
liberdade. Sua consciência pode estar oprimida ou alienada, mas a chama da
liberdade continua a pulsar em cada sujeito. O que aliena suas consciências
é o sentido da prescrição que recebem arbitrariamente. Os sujeitos opressores
30
atuam por meio de palavras e ações que prescrevem a realidade para os
sujeitos oprimidos. Estes, por sua vez, aceitam esta realidade que lhes é
imposta e internalizam a figura do opressor dentro de si. Freire (2010) afirma que os
oprimidos hospedam a consciência do opressor e a legitimam. A situação de
legitimar a opressão dentro de suas subjetividades constitui forte impasse para a
libertação dos sujeitos. Contudo, na maioria das vezes, os sujeitos não se dão conta
de que estão aprisionados por uma estrutura sócio-econômica capitalista e
dominadora. Eles continuarão desejando ser livres, mas ainda sem a
consciência da realidade opressora em que estão inseridos. O canal para
transcender na busca de liberdade e objetivar a libertação da opressão necessita
da instrumentalidade de uma pedagogia problematizadora que motive os sujeitos a
fazerem uma leitura crítica do mundo e, passarem a se reconhecer como
sujeitos livres na constituição da natureza humana. A libertação para ‘ser
verdadeiramente livre’ é vista como algo processual, onde os sujeitos atuam como
agentes libertando-se, isto é, em processo constante de vir-a-ser livres (FREIRE,
2010). O processo é interativo8, agindo por estímulos e respostas nas situações
de conflito e de opressão. A resposta do sujeito no mundo deve estar alicerçada
sobre o princípio da liberdade. Responder não é reagir. A reação se distingue
do ato da resposta consciente. Sujeitos que reagem são sujeitos condicionados e
dominados pelo medo. Ao passo que: responder é ter autonomia para desejar ser
livre e agir para sua libertação e libertação de sua comunidade (ALVES, 2012).
8Interativo – Interação é o processo que ocorre quando pessoas agem em relação recíproca em um contexto social. Embora esse fato possa parecer óbvio, o conceito de interação repousa sobre uma distinção importante entre ação e comportamento. ‘Comportamento’ inclui tudo que o indivíduo faz, de se coçar a escrever um romance ou jogar futebol. “Ação”, contudo, é um comportamento intencional baseado na ideia de como outras pessoas o interpretarão e a ele reagirão. Na interação social, percebemos outras pessoas e situações sociais e, baseando-nos nelas, elaboramos ideias sobre o que é esperado, e os valores, crenças e atitudes que a ela se aplicam. Nessa base, resolvemos agir de maneiras que terão os significados que queremos transmitir. O método geral para compreender o que fazemos em termos do significado que atribuímos ao nosso comportamento e ao do nosso semelhante é conhecido como ‘teoria da ação’. O desenvolvimento dessa teoria está ligado principalmente a Max Weber e ao conceito que propôs de verstehen (compreensão, em alemão). Argumentava Weber que não podemos compreender o que pessoas fazem sem ter alguma ideia de como elas, de forma subjetiva, interpretam seu próprio comportamento. Este ‘insight’ básico pede aos sociólogos que incluam a empatia no método que usam para compreender a vida social, juntamente com outros métodos científicos mais objetivos. JOHNSON, Allan G. Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Trad. Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora. 1997. 131pp.
31
A problematização deste tema ocorre exatamente quando o sujeito questiona sua
existência e inicia o processo de buscas por respostas porque sabe pouco
acerca de si mesmo (FREIRE, 2010). A humanização e existência sempre
foram percebidas do ponto de vista axiológico. Hoje, porém, adquire caráter de
exercício. Os movimentos revolucionários em todo o mundo, liderados por
jovens em sua maioria, conduzia à crítica do deslocamento das questões centrais
de sobrevivência humana para ascensão do mercado de consumo. Para isso,
urgia combater os sistemas burocráticos que engessam a tomada de decisões que
favoreciam o bem-estar geral das sociedades. Obviamente, este movimento
possui caráter mais antropológico do que antropocêntrico. A desumanização dos
sujeitos tem natureza ontológica e histórica.
A partir da análise epistemológica dos elementos constituintes da
posição de “desumanização”, torna-se possível passar à compreensão da tríade:
Humanização-Desumanização-Humanização. O que significa esta tríade? Para
onde ela deseja levar-nos? Os humanos podem desumanizar-se durante sua
experiência histórico-existencial, uma vez que são seres inconclusos. A
inconclusão dos sujeitos os direciona para a progressão existencial ou para a
regressão existencial. Conscientes de sua inconclusão devem buscar experiências
de re-humanização (FREIRE, 2010). As sociedades inconclusas desenvolvem a
tríade humanização-desumanização-humanização. Os sujeitos da humanização são
aqueles que nascem humanos, ou seja, todos nós. Durante os processos sociais
de convivência e também nas intempéries da vida humana, os sujeitos podem
desumanizar-se, posição esta que constitui o segundo aspecto da tríade. Nesse
local da desumanização estão as realidades opressoras-dominadoras. O ponto
privilegiado deste discurso é que, como sujeitos inconclusos, imersos na posição
social de desumanização, poderão transcender sua existência e retomar a
humanização. Finalmente, chegamos ao equilíbrio de nossa tríade: o retorno à
humanização. É neste sentido que Alves (2012) afirma que a história é aberta e
nunca fechada. A história só se fecha quando aceitamos os fatos lineares como
realidade dada. A realidade de opressão não é realidade dada, mas história
aberta às insurgências da libertação. Na retomada da humanização está a chave
para ações libertadoras. O sujeito-histórico nega o fechamento da história
linear e a transgride para a mediação da esperança de libertação.
32
1.2 A EDUCAÇÃO NO BRASIL E OS PRESSUPOSTOS FREIRIANOS
A legislação da educação brasileira estabelece graus e modalidades
pedagógicas acerca dos sujeitos aprendentes e seus facilitadores, os professores.
De certa forma, exemplifica-se numa ideologia do pensamento educacional
brasileiro. A educação nega no cotidiano o que afirma na lei, dizem os educadores
brasileiros que convivem com as contradições da educação nacional. Há na
legislação brasileira o pressuposto da educação pela liberdade e pela solidariedade.
Seguiremos destacando alguns itens da Lei de Diretrizes e Bases – LDB/
9.394, atualizada em 2010, 5ª edição9
Art. 1º - A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na
vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e
pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais.
Art. 2º - A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
Art. 3º - Parágrafo II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a
cultura, o pensamento, a arte e o saber.
Parágrafo IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância.
9 LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO – LDB n.9394/96 – 5ªed. Atualizada. 2010. Disponível em: <http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/2762/ldb_5ed.pdf> Acesso: 12.11.2012.
33
Com base no exposto da legislação educacional, fica esclarecido que a
questão da liberdade faz parte da agenda. Contudo, a liberdade nem sempre
faz parte do cotidiano da educação. Dizer que a educação possui o elemento
da liberdade refere-se a alguns pré-requisitos, como: respeito ao
educando,conhecimento da sua realidade, veiculação do afeto na prática
pedagógica, dentre outros parâmetros fundamentais. Um desses outros
parâmetros diz respeito a concepção de subjetividade no processo de ensino-
aprendizagem. A subjetividade não apenas como elemento psíquico, mas enquanto
elemento dialético e dialógico,que extrapola a dicotomia do individual-coletivo e
compreende a integração de ambos na sua dialogicidade (BENACHIO, 2011).
Talvez o que mais impeça a livre fluência das subjetividades sejam os sistemas
sociais de controle que se constituem em padrões de comportamento social
estabelecidos pelos grupos de acordo com seu conjunto de normas, valores e
diretrizes éticas. A troca de bens, saberes e favores está mediada pelo poder.
O poder é fruto das relações políticas de cada sociedade. As relações
políticas por sua vez não ocorrem somente na educação, mas também na
medicina, na filosofia, na ciência do Direito e em todas as demais aglomerações de
profissionais especialistas de cada campo do saber ou do fazer (BRANDÃO,
1981).
1.2.1 A possibilidade de superação da pobreza
Boa parte da produção de Paulo Freire possui um núcleo comum
assentado sobre a missão de educar os pobres para que estes possam
libertar-se a si e a outros da opressão social instalada. Nesse sentido, os
processos educacionais são vistos como elementos mediadores para o
desenvolvimento das virtudes que conduzam ao lugar social da libertação
histórica. Virtudes, como: autonomia e esperança são destacadas na obra de
Paulo Freire como busca de transcendência. A transcendência, neste aspecto, dá-se
por uma ação específica de cada sujeito em cada existência sócio-cultural. Talvez,
34
possamos dizer que a proposta educacional de Freire tenha o suporte de
virtudes que transcendem a atividade formal da educação (FREIRE, 2011).
Virtudes que conduzem a uma espiritualidade dos valores humanos, que são,
potencialmente, valores de liberdade.
A pedagogia freiriana defende a dialogicidade na educação com o fim
de libertar pobres de sua condição de alienação. O diálogo deve conter
linguagem particular à vivência dos pobres. O foco desta pedagogia não está
na educação como objeto de transferência de conteúdos técnicos, mas no
desenvolvimento das virtudes humanas. Virtudes conectadas com o processo
formativo e valorativo do vira-ser (FREIRE, 2011). Na educação libertadora o
comportamento humano diante de situações de conflito configura a disciplina de
base. Já na educação formal da racionalidade instrumental preconizam-se
disciplinas científicas, tecnológicas, computacionais e filosóficas. Questões
direcionadas ao cotidiano não são prioridade na educação formal da racionalidade
instrumental. Freire sugere o despontar de virtudes para ocupar lugar de
prioridade nos sistemas educacionais que provocaria uma mudança na escala
valorativa do currículo. Para ele, a educação não existe sem princípios éticos como
o respeito à liberdade, a autonomia e a esperança. Educar, assim, é formar o ser
com elementos da ética social que nos faz reconhecer e admitir a questão da
opressão social. E, ao reconhecermos a presença desta condição desumana,
nos indignarmos com a presença dela. A ética indicará que, existindo
opressão, deverá existir o exercício para a libertação desta condição. Na perspectiva
da ética, os sujeitos se dispõem a praticar liberdade para libertar outros (FREIRE,
2001).
Assmann (2010) afirmou que precisamos de uma revolução pedagógica.
Em vez de louvar ou temer a ascensão da era digital, as atenções dos
educadores devem retornar para os processos. Um fato importante é que as novas
tecnologias não conseguiram minimizar a problemática da fome. Pelo contrário,
os famintos prosseguem inflando os índices mundiais com suas misérias
particulares. Daí a urgência dos educadores ensinarem os educandos a viver em
solidariedade com os menos favorecidos. Afinal, educar para o aprendizado de
35
novas tecnologias configura apenas uma das facetas do aprendizado social. Educar
engloba o saber teórico e a aplicação prática dos saberes na melhoria da qualidade
de vida de toda a sociedade.
1.2.2 Desemprego e fome: onde cabe à educação?
Nas mãos e nas mentes dos pobres está o poder libertador das situações de
opressão, uma vez que somente estes entendem as perspectivas de suas misérias.
Segundo Freire, apenas os oprimidos possuem o antídoto para neutralizar o poder
da indiferença que gera desigualdade social. São eles que detêm a epistemologia
especial para a verdadeira leitura do que ocorre nas relações de poder que
exacerbam privilégios de uns poucos para expandir a miséria de outros tantos. No
contexto sócio-histórico de aprisionamento emerge a pedagogia fundamentada
na pedagogia libertadora. Provavelmente, a libertação pode acontecer através
da pedagogia adequada a cada contexto. A pedagogia libertadora trabalha
com parâmetros conceituais precisos na direção da significação dos processos
históricos humanos (MARTINS, 2011). Ver tabela
TABELA 01
10 coisas que você precisa saber sobre a fome em 2013
1. O mundo tem cerca de 870 milhões de pessoas que não têm o necessário para comer,
para levar uma vida saudável. Isto significa que uma em cada oito habitantes do globo vai
para a cama, todos os dias, passando fome (Fonte: FAO, 2012).
2. O número de pessoas vivendo com fome crônica baixou para 130 milhões nas últimas
décadas. Nos países em desenvolvimento, a prevalência da má nutrição caiu de 23,2% para
14,9% no período de 1990-2010 (Fonte: FAO, 2012).
36
3. A maioria do progresso contra a fome foi alcançado antes de 2007/2008, quando ocorreu
a crise econômica global. Desde então, os avanços na redução do problema foram
desacelerados e estagnados (Fonte: FAO, 2012).
4. A fome é o problema número 1 na lista dos 10 maiores riscos de saúde. Ela mata mais
pessoas todos os anos que doenças com Aids, malária e tuberculose combinadas (Fonte:
Unaids, 2010, OMS, 2011).
5. A má nutrição está ligada a um terço da morte de crianças com menos de cinco anos nos
países em desenvolvimento (Fonte: IGME, 2011).
6. Os primeiros mil dias da vida de um criança, da gravidez aos dois anos de idade, são
fundamentais para o combate à má nutrição. Uma dieta apropriada, nesta época da vida,
protege os menores de nanismos físico e mental, que podem resultar da má nutrição (Fonte:
IGME, 2011).
7. Custa apenas 25 centavos de dólar americano, por dia, para garantir que uma criança
tenha acesso a todos os nutrientes e vitaminas necessários ao crescimento saudável
(Fonte: IGME, 2011).
8. Se mulheres nas áreas rurais, tiverem o mesmo acesso à terra, à tecnologia, à educação,
ao mercado e aos serviços financeiros que os homens têm, o número de pessoas com fome
poderia diminuir entre 100 e 150 milhões (Fonte: FAO, 2011).
9. Até 2050, as mudanças climáticas e os padrões irregulares da temperatura terão
colocado mais 24 milhões de pessoas em situação de fome. Quase metade destas crianças
estarão vivendo na África Subsaariana (Fonte: PMA, 2009).
10. A fome é o maior problema solucionável do mundo.
http://www.ecodebate.com.br/2013/01/09/10-coisas-que-voce-precisa-saber-sobre-a-fome-em-2013/
37
O primeiro passo do processo é definir o contexto onde a educação
libertadora irá desenvolver-se. A educação será o objeto, mas a pedagogia
constituir-se-á na forma de fazer a libertação, isto é, no método libertador. O objeto
da educação que se pretende libertadora é a questão da busca da liberdade.
A busca desta caracteriza o próprio objeto. Entretanto, uma educação não
busca liberdade de forma espontânea, mas por meio dos estímulos sociais e
culturais que lhe chegam. De forma prática, os estímulos sociais são as demandas
temporais e históricas de cada grupo social. Os grupos podem selecionar suas
demandas, eventualmente. Outras são demandas arbitrárias advindas das
contingências da vida e não passíveis de seleção. Tanto as demandas
selecionadas quanto as arbitrárias passarão pelo crivo pedagógico que fará
daquela sociedade uma sociedade aprendente ou não-aprendente. Uma das
situações de caráter essencialmente pedagógico encontra-se na questão
econômica. As desigualdades econômicas produzem um aprendizado afirmando
e reafirmando o que se encontra na agenda de determinada sociedade.
As relações econômicas produzem crenças nos sujeitos. Crenças acerca
do que precisa ser aprendido para ser vivido, e também o que precisa ser aprendido
para ser abortado. Situações econômicas são situações pedagógicas, portanto,
situações aprendentes. A sociedade aprendente é aquela que interage de modo pro-
ativo com seus sistemas econômicos. Assmann (2007) defende que não é
possível negar o lugar da educação na questão econômica, especificamente
no potencial de empregabilidade de uma sociedade. Novas formas
pedagógicas farão brotar experiências de aprendizagem para a empregabilidade
social. A questão do desemprego gera muita opressão. Sujeitos oprimidos, por sua
vez, podem englobar os sujeitos em situação de desemprego ou não. Pois, a
empregabilidade não determina a liberdade de poder ser. O que delineia a liberdade
de ser é a prática da educação para a liberdade. Certamente, sujeitos em
situação de desemprego elevam maiores graus de opressão social, em
escalas ainda mais distantes da possibilidade de existir em liberdade.
38
1.2.3 O medo como obstáculo pedagógico
Questões econômicas estão presentes na lista que contém itens, como:
desemprego, desigualdade, dominação, opressão, pobreza, fome e ‘medo’.
Destas situações, o ‘medo’ é quase que a pior de todas as condições, pelo efeito
paralisador que gera acomodação nos sujeitos. Estes sujeitos amedrontados
consideram impossível mudar a realidade de opressão. Acreditam que a culpa
é dos governantes ou do sistema, e que eles nada podem fazer. De forma
messiânica, projetam sua libertação nas mãos de governos totalitários e
brigam com formas comunistas ou socialistas de governo. Os que assim procedem
não foram ensinados a pensar sobre suas próprias condições de ação pela
liberdade. Em vez de se perceberem como vítimas do sistema, deveriam vencer o
medo de ser. E, ao ser em liberdade, promover ações comunitárias que rejeitem
todo o determinismo que as relações sócio-econômicas lhe sobrepuseram.
Sobre o medo de ser, Mia Couto, escritor moçambicano afirma em vídeo-
conferência
O medo foi afinal o mestre que mais me fez desaprender. Quando deixei a minha casa natal, uma invisível mão roubava-me a coragem de viver e a audácia de ser eu mesmo. No horizonte vislumbravam-se mais muros do que estradas. Nessa altura algo me sugeria o seguinte: que há mais medo de coisas más do que coisas más propriamente ditas (...). O preço dessa construção de terror foi, no entanto, trágico para o continente africano. Em nome da luta contra o comunismo cometeram-se as mais indizíveis barbaridades. Em nome da segurança mundial foram colocados e conservados no poder alguns dos ditadores mais sanguinários de toda a história e, a mais grave dessa longa herança de intervenção externa, é a facilidade com que as elites africanas continuam a culpar os outros pelos seus próprios fracassos (COUTO, 2001, s/n).
39
Os que se encontram em situação de opressão identitária aceitam esta
realidade porque introjetam a figura do opressor dentro de si. Freire (1994) afirma
que os oprimidos hospedam a consciência do opressor e o legitimam socialmente. O
que aliena suas consciências é o sentido da prescrição que recebem
‘arbitrariamente’. Os sujeitos opressores atuam por meio de palavras e ações que
prescrevem uma suposta realidade para sujeitos oprimidos. Sua consciência pode
estar oprimida ou alienada, mas a chama da liberdade continua a pulsar em cada
sujeito. O aspecto de busca incessante por liberdade está ligado à ideia de que os
seres humanos são seres inconclusos, e de que estão constantemente em busca de
sua liberdade. O canal para o transcendente, por meio da educação, estará aberto
quando os sujeitos pedagógicos passarem a se reconhecer como sujeitos
potencialmente livres. Toda invisibilidade é originada a partir de uma ordem
social normatizada pelos grupos. Os sujeitos se conformam a esta ordem e a
defendem como natural e imutável. Dentro desta ordem, há os que se beneficiam da
invisibilidade dos sujeitos desfavorecidos no plano sócio-econômico. Estes são os
sujeitos que Freire (2010) vai denominar de ‘opressores’. Se estes são
opressores, os demais são os ‘oprimidos’. A ordem injusta provoca a violência no
processo de desumanização em que sujeitos são desapropriados do pleno
desenvolvimento de sua condição existencial. Assim, a desumanização ontológica
não é realidade dada, mas resultado desse desequilíbrio social nas relações
humanas. Para que o equilíbrio seja restaurado será necessária a atuação
emancipatória dos ‘oprimidos’, pois apenas estes possuem a força mobilizadora
para que seja feita uma releitura da realidade social instalada e mantida sob
opressão.
Os opressores, diversas vezes, também tendem a mobilizarem-se para
que os oprimidos adquiram ‘melhores condições sociais’ no exercício de sua
existência. Contudo, as iniciativas dos opressores terminam for reforçar as
desigualdades porque são ações de paternalismo que não ensinam os
oprimidos a se desenvolverem para alcançar a liberdade. Segundo Freire
(2010) a ajuda dos opressores constitui uma falsa generosidade em direção
as mãos freqüentes dos ‘demitidos da vida’, os quais são fragilizados não apenas
pela condição social em que nasceram, mas, sobretudo, pelas insistentes ajudas
dos opressores das quais eles nunca conseguem se libertar. Os oprimidos adquirem
40
personalidade insegura. Na complexidade das questões econômicas brasileiras,
há espaço para uma educação para a liberdade dos sujeitos? Quais os meios de
transformar a realidade circundante por intermédio da pedagogia libertadora?
De acordo com Freire, os oprimidos têm diante de si um grande muro que os
impede de visualizar o horizonte de oportunidades que se desenha à frente deles.
Em parte esse impasse pode resultar da imagem de progresso que os
oprimidos introjetaram dentro de si – a imagem dos opressores. Sobre isso Freire,
discorre. O grande problema está em como poderão os oprimidos, que ‘hospedam’
o opressor em si, participar da elaboração, como seres duplos, inautênticos,
da pedagogia de sua libertação (FREIRE, 2010, p.34).
1.2.4 Padrões de biofilia, necrofilia e a perspectiva da falsa generosidade
O fato dos oprimidos introjetarem em si mesmos a imagem do opressor, lhes
causa dependência deste modelo. A idealização do sonho de consumo os faz
imaginar que o modelo correto de gente é o modelo de progresso econômico dos
seus opressores. Isto não significa que eles não saibam que estão sendo
subjugados e humilhados. Até sabem, mas não têm uma consciência clara do
processo que os conduziu ao lugar de ser menos (FREIRE, 1979). E, por
isso silenciam. A incursão do silêncio faz parte da ideia de que não há meios
de transformar a situação. O silêncio e submissão fazem parte da cultura
latina que incorpora modelos europeus e mantém arraigado na cultura o mito do
‘american way life’ – do sonho estadunidense de sociedade. O silêncio latino
nos conduz à repetição de padrões doentios de dependência. Isso quer dizer que o
muro continua à nossa frente. Para que encontremos os caminhos de
libertação procedamos à derrubada dos muros que fecham nossos horizontes. Ao
derrubar os muros de falsa segurança econômica, iniciar a construção de pontes
que nos levem ao relacionamento saudável com outras formas econômicas
presentes de outras culturas e outras nacionalidades. Como são construídas
as pontes pedagógicas? Por meio de palavras de ação. Não meras palavras cheias
41
de teorias estéreis, mas palavras vivas que motivem a ação. A prática pedagógica
emancipadora é aliada da reflexão crítica.
Na relação teoria e prática a dinâmica é a mesma, porque a prática sem a
teoria também não emancipa ninguém. Teoria sem prática é falatório. A partir da
visão de que as teorias necessitam da reflexividade dos alunos, o educador
entende que não está ensinando para pessoas vazias de conteúdo (FREIRE,
2011). O ensino é sempre direcionado à sujeitos pensantes, e reagentes.
Sujeitos capazes de aprender por meio do conhecimento elaborado
concomitantemente a experiência vivida. Educador é o sujeito que facilita o acesso
ao conhecimento como um mediador que ensina o caminho aos seus educandos
numa relação ganha-ganha. Em vez de ficar competindo com seus alunos para
deles ‘ganhar’ em termos de saber acumulado, o educador promove o saber que
advém das falas dos alunos. A relação educador educando é relação de
construção conjunta, no respeito aos alunos como seres autônomos e capazes
de produção de conhecimento. Nesse aspecto, o saber não é transmitido, mas
construído a quatro mãos, no mínimo. Na relação ganha-ganha todos saem
ganhando: aluno, educador, instituição e sociedade.
O ato formador tem ‘biofilia’, isto é, gera vida e é amigo da vida. Como amigo
da vida, não está fechado em si mesmo, porém abre-se para outros atos de
formação e outras áreas de conhecimento. A insegurança na atividade docente
desencadeia ‘necrofilia’, que é o oposto da ‘biofilia’. Na necrofilia, o educador gera
morte e é amigo da morte. A atividade docente motivada pela necrofilia está repleta
de atitudes que ‘matam’ o educando, em sua capacidade formativa e
vivacidade (FREIRE, 2011). O saber enrijecido pelo acúmulo de conhecimentos
poderá tornar-se um ‘falso saber’, pois se pretende absoluto e filosoficamente
acima de outras formas de saber. Sujeitos-históricos são inacabados, portanto,
nenhum saber é absoluto. Pode ser categórico e organizado em categorias, mas
nunca absoluto. Os sujeitos-históricos acompanham as mudanças sócio-culturais
constantes e abrem-se às demandas dos alunos de outras gerações, com outras
cosmovisões. Alunos com outras vivências são sujeitos-históricos capazes de
releituras sociais. A práxis pedagógica no sentido freiriano envolve a percepção
crítica das realidades sócio-econômicas (SCHIPANI, 2002). Os educadores que
pretendem aprender com as reflexões de Freire podem seguir os pressupostos
42
da prática da justiça e da paz. Na práxis freiriana, a reflexão dialética
opressão-libertação está mergulhada no transfundo de justiça e de paz. Não
naquela justiça vingativa e paralisadora, mas na justiça pela paz entre as classes
econômicas. Contudo, o ideal de paz não amortecerá o desejo pela igualdade entre
as classes. O diálogo entre as classes os fará entender as perspectivas do
sofrimento dos pobres. A opção epistemológica seguirá para contornos de
opção praxiológica. Da práxis que desenvolve a co-responsabilidade nos
processos de aprendizagem entre docentes e alunos (SCHIPANI, 2002). Kant
entendia que a espécie humana extrai paulatinamente do ambiente as forças para
sua educação. Assim, um ambiente educa o próximo ambiente. Desta forma as
gerações aprendem umas com as outras. Ele diferencia disciplina de instrução.
Sobre disciplina reside o aspecto negativo que é moldar a natureza
humana. Ora, é negativo porque o ser contém seu instinto selvagem de liberdade e
não aceita a disciplina sem resistência. Entretanto, a disciplina é fundamental
o desenvolvimento humano sadio e para a sobrevivência das comunidades.
Nas disciplinas encontram-se os limites de atuação e o exercício da razão. Kant
afirma que a disciplina conduz à instrução. E instrução é a condição humana
de poder discernir o que é bom do que é mau e poder escolher com
responsabilidade por um deles. A instrução tem mais a ver com educação, com
as atividades pedagógicas que proporcionam a um sujeito adquirir instrução
para o seu próprio bem (KANT, 2006).
Para Rousseau, o sujeito tem forte inclinação à liberdade, porém sem a
instrução da razão a liberdade tende a provocar atos de selvageria entre as
sociedades. É preciso acostumar a criança desde cedo a exercer sua
liberdade mediada pelos preceitos da razão e da lógica. Isso não significa que os
educadores devam adotar uma hermenêutica fechada e cartesiana sob o
pretexto de que as crianças são potencialmente selvagens e sem a disciplina
rígida da razão não poderão desenvolver-se socialmente. A disciplina faz parte
da educação, obviamente. Mas, a disciplina da razão deve ser ensinada com
elementos afetivos da emoção. Os sujeitos são compostos de razão, emoção,
afetividade e empatia. A categoria empírica da empatia é o que possibilita ao
aluno aprender porque anteriormente se identificou com o professor e com seu
método de ensino. Não há alunos-problemas, mas sim métodos equivocados de
43
ensino. Segundo Freire, se o aluno não aprende é porque não houve ensino. O
aluno mais reflexivo será mais resistente aos saberes rígidos, e poderá ser rotulado
de incapaz, o que não caracteriza a verdade da situação educacional. Uma
avaliação correta não estará restrita na medição dos conteúdos absorvidos pelos
alunos, mas se ele foi capaz de criar e recriar outros saberes sobre os
fundamentos propostos pelos estudos em aula. Para Freire, reprodução de saberes
não é conhecimento (FREIRE, 2011).
A prática de ensinar-aprender autêntica se relaciona com a experiência
política, ideológica, gnoseológica, estética e ética. Todas estas áreas em
parceria com duas disciplinas indispensáveis a caminhada social: decência e
seriedade. O processo de aprender promove uma hermenêutica aberta, onde os
conteúdos são dinâmicos e vivos, podendo despertar no aprendiz a mesma
dinâmica do Deus-criador, que cria para aprender com sua criação. Aqui reside a
importância do papel do Pedagogo. Este deve criar metodologias de ensino
para aprender juntamente com seus alunos (FREIRE, 2011). A capacidade de
aprender como curiosidade epistemológica. Sem isso, não dá para conhecer um
objeto. O ensino que provoca a curiosidade dos alunos é crítico e problematizador,
conectado com o concreto.
44
CAPÍTULO 2 CONCEPÇÕES FREIRIANAS EM CONFLUÊNCIAS COM A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO 2.1 PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES ENTRE O PENSAMENTO DE FREIRE E O CRISTIANISAMO DE LIBERTAÇÃO
A teologia da libertação – TdL – só toma corpo enquanto movimento em
1969, caracterizando a ação de Deus na história como fonte de libertação social
(COSTA; FIGUEIREDO). Pode-se dizer que a TdL surge como movimento
político e social dentro dos segmentos cristãos latino americanos. Do Brasil,
destacou-se o trabalho de Hugo Assmann, em 1973; e também Leonardo Boff, em
1971 (BOFF). Assmann e Boff partem do pressuposto social para o pressuposto
histórico na teologia cristã. Assim, a teologia só faria sentido em sua pregação
se pudesse transformar a realidade social opressão em realidade libertadora.
Assmann (1971) entende que a libertação social não necessita que a classe
desfavorecida proceda à tomada do poder político, substituindo o fetiche pelo
poder para a ação organizada dos pobres. Pensar a liberdade dos sujeitos
caracteriza ponto de partida para a Teologia da Libertação – TdL. Falar em ponto
de partida não quer dizer assumir posição partidária, porém ter um ponto de
onde caminhar. O pobre configura ponto teológico privilegiado, uma vez que a
teologia se constrói por ele e para ele. Partindo da realidade de como os
oprimidos experienciam a Deus é que se faz teologia (TAMEZ, 1995). O que formula
as bases conceituais da TdL é o ‘cristianismo de libertação’.
De acordo com a teoria de Löwy (apud SUNG, 2008, p.16): “O
cristianismo de libertação latino-americano é um movimento social-religioso de luta
pela libertação dos pobres.” As práticas libertárias foram anteriores à TdL; que foi
uma resposta aos movimentos sociais que lutavam por liberdade. No início dos
anos 70, Juan Luis Segundo, jesuíta, uruguaio e teólogo da libertação,
denunciou a absolutização dos sistemas sociais e de instituições que se aliavam as
ideologias do mercado neoliberal. A linguagem das instituições religiosas com seus
45
fiéis está marcada pelo neoliberalismo e pelo cinismo. Fazer perguntas
teológicas dissociadas da realidade oprimida é como fazer perguntas teológicas com
cinismo. Por isso, um participante de um encontro teológico, em Buenos
Aires, afirmava que ‘era preciso salvar a teologia do seu cinismo’ (SUNG, 2008).
O processo de globalização provocou relativas mudanças nas condições
de acesso ao sistema econômico dos países, porém não diminuiu a pobreza
ou a desnutrição. O cristianismo de libertação trabalha com prazos estimados,
porque sabe que aquele que tem fome não pode esperar. Esta noção de urgência
precisa acompanhar o desenvolvimento da teologia. Há problemas graves
obscurecidos porque tendemos a desviar o foco para outros temas menos
incômodos (SUNG, 2008). Dessa forma, o discurso religioso precisa de crítica
quanto ao que ficou ‘esquecido’, não apenas na fala audível. O desvio do
foco pode ser inconsciente, mas conseqüencial. Ainda que a agenda de prioridades
da teologia não descarte os temas de pobreza de forma consciente, as
conseqüências serão claras. Ao darmos atenção exagerada aos temas de
‘adoração’ e ‘batalha espiritual’ nos espaços eclesiásticos de fato não sobrará
tempo nem lugar para pensar questões econômicas conjunturais que permeiam
todas as sociedades.
A questão da exclusão social atinge em cheio a credibilidade do discurso
religioso. Há um método de legitimar a exclusão social através da lógica do
capital, em que cada sujeito é o responsável direto pelo seu sucesso ou fracasso.
Sung (2008, p.8) denomina este impasse de: “uma visão do mundo e da vida
baseada na cobiça e no desejo sem fim de consumo”. Ele defende a ideia de
que o egoísmo do capital é ‘pecado’ para aqueles que professam a fé cristã. O
caminho de superação desse pecado está em assumir nossa tendência natural ao
egoísmo e depois rejeitá-la. Para isso, temos que proporcionar espaço para a
prática do amor-solidariedade. O sinal do reino visibiliza-se naqueles que
praticam a missão em favor dos oprimidos. Esse é o modelo de antecipação
do reino de Deus. Contudo, dentro dessa discussão será importante considerar
que a igreja não é o reino, mas ela está a serviço do reino. Nesse sentido, a
igreja não precisa ser expandida e sim o compromisso com a vocação do
reino. Em termos mais concretos, a vocação do reino é fazer missão em
favor das minorias excluídas. O risco de se fazer proselitismo religioso na
46
prática da missão se amplia quando lembramos que em nome do evangelho,
surgiram várias formas de dominação. Não podemos nos esquecer de que, no
mundo moderno, todas as colonizações e dominações foram feitas ou em nome
do evangelho ou da missão de levar a civilização e o progresso aos povos
considerados pelos dominadores como incivilizados e pobres (SUNG, 2008,
p.19).
Quem fala em favor dos pobres, fala como? Abre-se o local para questionar
as ‘falas’ em favor dos pobres, com o intuito de averiguar em quais perspectivas o
discurso constrói-se. O conteúdo do discurso pode reforçar a situação de exclusão e
dominação ou provocar a libertação. Na teoria libertária, o sujeito histórico precisa
ser encarado como re-agente para transformações sociais, em vez de agente
passivo de um pretenso determinismo histórico ou divino (SUNG, 2008). A TdL tem
seu fundamento na revelação da história para a justificação da fé no Cristo, o qual
será compreendido pela vida de um povo. Na revelação, os sinais dos
tempos reafirmam o compromisso da igreja com o contexto social e cultural de cada
grupo.
Dessa forma, o contexto de pobreza poderá vestir-se de provisoriedade, pois
o Deus dessa teologia é aquele que traz novidade de vida (GUTIÉRREZ, 1996).
Segundo, Gustavo Gutiérrez (1996), a teologia precisa passar pela
desmistificação epistemológica, assim como a filosofia. Acredita-se
ingenuamente que a filosofia apenas se constitui quando há rigidez de categoria
teórica. Entretanto, Antonio Gramsci defende a filosofia com caráter de
espontaneidade, inteligível por leigos (GRAMSCI apud GUTIÉRREZ, 2008). São
Tomás de Aquino, no séc. XII, afirmou que a teologia não se reduz a ciência, mas
deve incluir a sabedoria em que a fonte encontra-se na espiritualidade que une o
sujeito com seu Deus. A filosofia moderna entrou no debate com as críticas de
Feuerbach10 acerca do pensamento de Hegel11 na análise do cristianismo. Para
10Feuerbach – Ludwig Feuerbach criticou o hegelianismo de direita, que defendia a religião institucional porque fundamentada na racionalidade teórica e a incorporação da fé como consciência. Contrariamente à Hegel, acreditava ser o cristianismo uma dialética do amor relacional entre os sujeitos. MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos à Wittgeinstein. 10ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2006. 11Hegel – Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), filósofo alemão do séc.XIX, cuja obra incluiu a temática da lógica, da estética, da ética, do direito e da metafísica. Segundo ele, “ao retirar o véu que cobre o real, procurando penetrar do espírito humano fundamenta-se no progresso da
47
Feuerbach, Hegel apoiou equivocadamente sua teoria na ideia de fé, pois ele
preconizava que o cristianismo é a religião do amor.
O pensamento dos bispos latino-americanos, registrado na introdução da
Conferência Episcopal de Medellín12, Colômbia, em 1968, afirma que: “A
América latina está evidentemente sob o signo da transformação e do
desenvolvimento”. Esta afirmação contém as realidades nas quais o continente
latino estava inserido neste período. Dentre as situações podemos destacar: a
emancipação do continente; os processos acelerados de desenvolvimento
econômico; e os movimentos das comunidades por libertação. Esses
acontecimentos moviam o âmago da igreja cristã à acreditar que havia um
sinal evidente da presença do espírito que conduz a história dos povos à sua
vocação. A realidade latina foi conduzida por um potente dinamismo que pode
ser traduzido como vestígios da imagem divina (GUTIÉRREZ, 1996). O texto
de João 1.14 confere legitimação ao comportamento da igreja pela emancipação
social, pois: o Cristo ergueu sua tenda no meio dos humanos, e por eles. Agora,
a fé insere-se nas fases históricas de transformação social. Onde se situa a TdL
dentro deste contexto continental apresentado? A TdL localiza-se na perspectiva de
interpretação de um momento único para o continente latino, onde o desejo de
emancipar-se dos domínios estadunidenses e europeus estava presente. O
consciência. Ter fé seria como compreender o processo racional do espírito. nas coisas, encontramos apenas a nós mesmos.” Desse modo, a consciência de si torna-se imprescindível em cada processo de conhecimento do mundo. MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos à Wittgeinstein. 10ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2006. 12Conferência Episcopal de Medellín – Colômbia (1968) - El Consejo Episcopal Latino Americano —que ha tenido a su cargo la preparación de la Segunda Conferencia General del Episcopado Latino americano em su parte organizativa y técnica— recibe ahora la delicada misión de presentar la edición oficial del Documento Final de Medellín. Dicho documento — que contiene el fruto de los trabajos de las diez y seis Comisiones y Sub-Comisiones en que se dividió la Conferencia— ha sido definitivamente aprobado por S.S. el Papa Pablo VI como consta en carta del Emmo. Sr. Card. Secretario de Estado, a su Emma. Revma. el Card. AntonioSamoré, Presidente de La Pontificia Comisión para América Latina, con fecha 24 de octubre de 1968. En lamisma carta se encarga al CELAM la publicación oficial del Documento. El Documento final que hoy presentamos es fruto de um trabajo intenso realizado em la fecunda intimidad Del Señor Jesús. Maduró em las jornadas fraternas de Medellín, donde el espíritu de Dios hizo patente suacción iluminadora y congregó a los O bispos en profunda comunión de Iglesia. Creemos que verdaderamente allí se vivió, em unión con María, la Madre de Jesús, um auténtico Pentecostés para la Iglesia de América Latina. Ahora toca asimilar el espíritu, profundizar las conclusiones, aplicar lore suelto. Comienza para La Iglesia de América Latina "um nuevo período de su vida eclesiástica”; conforme al deseo de S.S. el Papa Pablo VI. Disponível em: http://www.cenacat.org/uploads/documento_de_medelln.pdf Acesso: 01.09.2013.
48
termo ‘teologia da libertação’ ganha força pouco antes da Conferência de
Medellín – Colômbia. O momento histórico anunciava que Deus havia dado um
chamamento aos leigos, aos religiosos e aos sacerdotes para que proclamassem
devidamente o evangelho. Na TdL, os sujeitos necessitam de liberdade para
aprender a ser com Deus e ser com os outros. Por esse motivo, é que a TdL não
aceita a linguagem teológica que focaliza o céu em detrimento da desqualificação
do lugar fundamental das relações humanas. A Teologia da Libertação
representa um esforço de reflexão crítica numa outra linguagem cristã.
Por intermédio de variados grupos latino-americanos, a TdL dedicou-se a
pensar o binômio opressão-libertação (ASSMANN, 1973). A questão da opressão
social foi o que motivou Paulo Freire a planejar um método de educação que
emancipasse os pobres e famintos do mundo, a partir de sua vivência com o
sertão pernambucano. Um método em que os educandos desenvolvessem
consciência crítica de sua condição social e elaborassem meios de romper com a
opressão, visando à libertação deles e de toda a pirâmide econômica. Genival
Rabelo explica que a formação perniciosa da pirâmide econômica no Brasil deveu-
se à migração dos camponeses e escravos abolidos para os setores urbanos de
produção. Atento à gravidade do problema ainda desde o ano de 1972, quando
escreveu o livro “A nova sociedade”. Sim, há as favelas no Rio de Janeiro e os
mocambos no Recife. Por outro lado, as casas de lata numa cidade progressista
como São Paulo, batizada anos atrás pela revista norte-americana TIME como “o
maior centro industrial diversificado do mundo”, não podem deixar de constituir
um aspecto sombrio do sistema capitalista, com a indefectível formação da
pirâmide social e com o seu cortejo de injustiças (RABELO, 1972, p.16).
Dentro da pirâmide social, Freire percebeu que os analfabetos eram pessoas
de baixa renda e que formavam um grupo que conhecia a fome bem de
perto. Iletrados e famintos. Ele concebeu que o processo de alfabetização de adultos
se dá na ação cultural para a libertação da pobreza (FREIRE, 1981). Para Freire, a
ação cultural pedagógica precisa ser uma ação para a liberdade criativa, que
atua por meio do estímulo à autonomia dos sujeitos aprendentes. A população
de 60 era formada de trabalhadores quase servis pela remuneração irrisória que
recebiam pelo seu excessivo trabalho na expansão da exportação do café. Com
muito trabalho e baixíssimos salários estes não podiam investir na educação deles
49
próprios e de seus filhos. A prioridade das famílias pobres era trabalhar, e não
estudar. Com isso alcançamos na década de 60 a marca de: 90% de
analfabetos; raras escolas primárias e secundárias; quase nenhuma
universidade e índices altos de mortalidade infantil (RABELO, 1972).
Vinte anos adiante, nos idos de 1990, dá-se início uma forma de
espetacularização da miséria, onde a economia mercantilista burguesa confere
falsos benefícios trabalhistas aos pobres por meio da instituição destes em
indústrias multinacionais e nacionais, que expandiam-se de modo acelerado em
todo o país (DEBORD, 1997). A procura por pobres passou a ser disputada
pelas indústrias que necessitavam de muita mão-de-obra que trabalhassem feito
máquinas por um salário-hora bem inferior a proporção dos lucros que davam aos
seus patrões. “A origem do espetáculo é a perda da unidade do mundo, e a
expansão gigantesca do espetáculo moderno revela a totalidade dessa perda: a
abstração de todo trabalho particular e a abstração geral da produção como um todo
se traduzem perfeitamente no espetáculo, cujo modo de ser concreto é justamente a
abstração” (DEBORD, 1997, p.23). “Como fazer para que os pobres trabalhem
quando a ilusão é desenganada e a força se desagrega?” (id., p.11). O desejo de ter
para ser. A consciência do desejo e o desejo da consciência são o mesmo projeto
que, sob a forma negativa, quer a abolição das classes, isto é, que os
trabalhadores tenham a posse direta do todos os momentos de sua atividade.
Seu contrario é a sociedade do espetáculo, na qual a mercadoria contempla a
si mesma que ela criou. Realidade da aparência no “momento da abundancia
econômica” – o produto é a aparência social. “Toda extensão da sociedade é o
seu retrato”, inclusive reflete-se na periferia (id., p.35).
Em José Comblin, a questão da liberdade é complexificada por outra questão:
o mito da igualdade econômica. A prática da liberdade sem critérios impulsiona os
sujeitos a acumularem seu capital pela instrumentalidade do trabalho. Entretanto, as
técnicas do capital são cada vez mais complexas no universo do trabalho, e fazem
com que os sujeitos de baixa renda sejam encalacrados em uma falsa
liberdade. Eles possuem a liberdade para ter, mas não podem ter (COMBLIN, 1998).
A força do seu trabalho é ridicularizada e inferiorizada. Livre, porém
desvalorizado. O trabalho dos pobres não lhes permite ter livremente o que
desejaram. São ‘liberdades’ sem direitos iguais. Um dos objetos mais constantes
50
em quase toda a produção freiriana é a tensão opressão-libertação. Esta tensão se
faz característica nos estudos de religião quando analisa a proposta do
cristianismo em sinalizar liberdade para sujeitos que se encontram em diversas
situações de opressão. A opressão econômica talvez seja a que reflete maior
intensidade sobre os sujeitos. A luta social por sobrevivência econômica precisa de
uma justa distribuição de renda e de alimentação produzida. Quando não há renda e
nem alimentação, há a realidade de pobreza e fome. A questão sócio-econômica
despertou a produção científica de Paulo Freire e também motivou a elaboração
teórica da Teologia da Libertação –TdL.
Identificou-se na década de 70, no mínimo, quatro ‘brasis’ distintos dentro do
território chamado de Brasil. Dentre eles, podemos destacar: ‘o Brasil Amazônico’ –
dos seringueiros e garimpeiros amedrontados pela devastação da natureza
pelas indústrias; o ‘Brasil Mini latifundiário do Nordeste’ - da miscigenação
étnica de três povos descaracterizados em sua identidade: os negros, os
indígenas e os portugueses; ‘o Brasil Industrial’ com tripé político e econômico-
cultural em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro; ‘o Brasil Agrícola’ – que produzia
soja, café, trigo e uva por meio do sul do país (RABELO, 1972). Atualmente,
mais de 40 anos depois, talvez seja possível afirmar que há ainda outras
configurações de blocos de pessoas dentro do gigante território geográfico brasileiro.
A pluralidade pós-moderna destacou os grupos que pensávamos ser minoritários,
mas que lotam as ruas de toda a nação com suas marchas diversificadas. O ‘Brasil
Homoafetivo’, o ‘Brasil Feminista’, o ‘Brasil Negro’, ou seja, o Brasil de todas as
vozes: o ‘Brasil Inclusivo’. Já dizia Karl Marx (1985), no discurso sobre a dialética
materialista, que sempre se pagou metade do salário às mulheres pelo
mesmo tipo de ofício realizado por homens. Isso em nada beneficiou uma nação que
sob os ideais franceses pregava a ‘igualdade, liberdade e fraternidade’, mas achatou
nossa educação e nosso desenvolvimento como um todo. O Brasil Inclusivo
deve ser, primeiramente, aquele onde os trabalhadores possuem condições
iguais de trabalho e de remuneração independentemente do sexo, cor, idade, etnia
ou classe social. O estudo da filosofia marxista despertou em Freire uma
admiração pela fé cristã. Ele se afirma como marxista e diz que o fato de ser
51
adepto do marxismo lhe tornara mais camarada do Cristo13. O caráter social e a
questão da luta de classes no marxismo, na concepção freiriana, são aproximados
com a tônica da luta social do Cristo. A simpatia pelas lutas sociais é fruto da
consciência de povo desenvolvida em momento histórico do continente latino-
americano – décadas de 1960 e 1970 (FREIRE, 1967). Este foi o cenário
cultural de desenvolvimento da Teologia da Libertação no continente e, no Brasil.
A TdL completou, na América latina, quarenta anos de formulação do seu
pensamento e do exercício de sua práxis transformadora. De acordo com Boff
(2011, s/n), a TdL teve seu marco inicial em Gustavo Gutiérrez por intermédio da
produção de sua obra “Teologia da Libertação – Perspectivas”, lançada em 1971, no
Peru.
2.2 FREIRE, O MARXISMO E A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO
A relação entre dinheiro e mercadoria corrobora associações diretas com
o processo educacional na dialética freiriana da opressão-libertação. No momento
em que o veículo de transformação da mercadoria em dinheiro oferece leituras
sociais da realidade estamos imersos num processo pedagógico freiriano. De acordo
com Freire, o trabalhador que não entende corretamente o destino do seu trabalho
está mediado por uma falsa pedagogia que emergiu da sociedade até o sujeito.
Podemos afirmar que o sujeito contribui para a perpetuação das ideações sociais da
mesma maneira em que a sociedade influencia a formação ideológica dos sujeitos.
Ideações sociais fazem parte dos micro-sentidos nucleares constituintes das
ideologias dominantes. A concepção freiriana de pedagogia encontra seu berço
na esteira marxista quando reconhece que a sociedade fragmentada em classes
correlaciona-se diretamente com a ideologia política das classes (POULANTZAS,
1977, p.203). 13Vídeo: ‘Ultima Entrevista com Paulo Freire – Parte I – 17 abr 1997’. Paraíba: Universidade Federal da Paraíba – UFPB, 2013. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=DO75Pa6dXcg> Acesso: 21.03.2013.
52
Assim, cada ideologia possui sua intenção ou seu papel político. Em Marx
(1985, p.144) – livro I da composição quaternária de “O Capital”, a questão do
dinheiro possui imbricações com o valor da mercadoria. Ocorre que, o valor que a
mercadoria apresenta não considera, na maioria das vezes, o esforço de trabalho
daquele que a produz. Produções em série, por períodos de oito a doze
horas diárias, abdicando de sua saúde e de outras prioridades pessoais. Para Marx,
a materialidade do capital divide-se em materialidade sólida ou materialidade
metálica. Quando o produto não valoriza a materialidade metálica daquele
sujeito que lhe serviu de meio de produção, perde um grande percentual do sentido
de ser ‘produto’. O valor do produto inclui todos os processos e meios de
produção, sobretudo, todos os sujeitos envolvidos nesta engrenagem capitalista.
A possibilidade aceitável da valoração do produto condiz com o conceito de valor-
de-troca, em vez do conceito de valor-de-uso. O utilitarismo da demanda do
capital, com o alto índice de desemprego, a baixa escolaridade, a falta de
transporte e a necessidade da produção ignoram o valor-de-troca existencial do
produto. Quando atentamos para a perspectiva da troca, estamos afirmando
que ambos possuem valor igual no processo de produção: trabalhador e
empregador. O que vai diferenciá-los é uma questão de acúmulo do capital. Ou
seja, nenhum empregador deve perder seu capital acumulado, todavia, precisa
empoderar seus empregados com remuneração justa e redução da carga-
horária de trabalho de modo a impulsionar o crescimento do capital dos
sujeitos trabalhadores. Se cada geração procedesse dessa forma, as gerações
seguintes exibiriam índices bem menores de miséria social que as gerações que
lhes antecederam (MARX, 1985). De acordo com o marxismo, o trabalhador é
tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais cresce sua
produção em potência e em volume. O trabalhador converte-se numa
mercadoria tanto mais barato quanto mais mercadorias produz. A
desvalorização do mundo humano cresce na razão direta da valorização do
mundo das coisas. O trabalho não apenas produz mercadorias, produz também
a si mesmo e ao operário como mercadoria, e justamente na proporção em que
produz mercadorias em geral (MARX apud QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA,
2002).
53
A TdL, em sua luta pelas classes economicamente empobrecidas,
retoma pontos do marxismo, os quais Freire reconhece e interessa-se por
praticar na direção de libertar os pobres pelo exercício da palavra. O
cristianismo, na TdL, liberta o pobre pela palavra do Cristo, com foco na
situação econômica do pobre oprimido. E, a educação em Freire entende que a
libertação pode ocorrer à medida que o pobre é alfabetizado nas letras e nas
questões sociais, para adquirir consciência da realidade e vir a mudá-la para um
mundo mais igualitário. Sung (2008) demonstra a veiculação de ideias equivocadas
acerca do sujeito histórico. Este sujeito não deve ser visto como parte do
capitalismo, sob a evolução dos burgos. Nem tampouco, como parte do socialismo,
sob a pretensa “evolução” marxista dos operários. Os sistemas econômicos
desenham, mas não definem a interação social. Estudar e entender os
processos econômicos nos direciona para entender os sujeitos inseridos nestes
processos e amarrados a eles por meio dos seus próprios desejos. A evolução
social dos sujeitos não está nas mãos nem do socialismo, nem do capitalismo.
Há que se buscar uma harmonia entre os seres humanos e os
processos econômicos. Os sujeitos não estão descolados dos processos
econômicos. A libertação destes sujeitos passa pela complexidade da própria
existência, que deve ser percebida dentro dos processos sociais, econômicos,
culturais, políticos e ecológicos, além de religiosos. Ao citar o processo ecológico,
Sung afirma que os sujeitos necessitam harmonizar-se com todas as demais
formas de vida, com tudo o que interage no meio. A desarmonia com o meio
ambiente – sociedade – e com a natureza provoca desumanização. Da perspectiva
religiosa, mais especificamente da teologia cristã, há um ingrediente importante para
a composição da harmonia nas relações humanas que se traduz em considerar a
dimensão da graça divina em cada luta por libertação social.
De acordo com Gutiérrez (1996), o momento histórico na teologia latina que
originou a Teologia da Libertação – TdL anuncia que Deus estava dando um
chamamento aos leigos, religiosos e sacerdotes para que proclamassem o
seu Evangelho de forma correta, ao incluir a questão da pobreza no discurso. Com
essa nova visão do Evangelho desenvolveram-se quatro posturas fundamentais na
igreja cristã latina: 1. Os bispos latinos entenderam que o Senhor os estava
convocando para uma releitura do Evangelho de acordo com a questão dos pobres-
54
oprimidos; 2. Os bispos conceberam que anunciar um Evangelho formatado
pelos padrões dos EUA e Europa seria um contra-senso ou contra-evangelho para
a situação e povo latinos; 3. Não era mais aceitável separar processo histórico-
libertador e discurso sobre Deus, e 4. Emergiram ações de renovação da fidelidade
à igreja em que se crê. Estes quatro pontos fizeram com que a crença no
Evangelho fosse avaliada pela vivência das comunidades cristãs dentro de
cada contexto social (GUTIÉRREZ, 1996).
Era necessário realocar a missão. Os pobres passam a ser percebidos como
sujeitos privilegiados no reino. E, a partir disso, a missão da igreja deveria
ser direcionada primeiramente a eles. Aos que sofrem. Aos que estão sob
jugos de dominação. Antes mesmo de criar uma esfera de influência teológica, o
cristianismo de libertação nasce na consciência cristã que não coaduna com
nenhuma forma de opressão. Quem é o pobre? “O trabalhador que não desfruta o
dom do seu próprio trabalho”, afirma Gutiérrez (1996, p.225). Não desfrutar
adequadamente dos lucros do trabalho que se produz é estar alienado da força do
trabalho. Além disso, estar alienado da sua própria subjetividade, pois dela
ainda não se tem consciência no processo de alienação.
Para a superação da condição de alienação dos pobres, as comunidades na
década de 1970-1980 formulavam uma expectativa de que a igreja assumisse
um caráter revolucionário e profético, sob o lema de: a igreja dos pobres
(SUNG, 2008). Contudo, o anúncio do reino só terá eficácia se trabalhar em
conjunto com as políticas públicas. Não basta a religião cristã produzir uma
igreja para os pobres, sem que esta igreja esteja envolvida nos mecanismos
políticos estatais. A revisão das políticas públicas e das leis que foram
direcionadas aos mais pobres requer agentes de transformação social movidos
pela honestidade de sua práxis. O movimento dessa práxis é o movimento da
reflexão motivada pelo desejo de emancipação dos pobres. As reflexões,
porém vão exigir novas linguagens ou revisão das linguagens já usais. Freire
(2010) afirma que somente possuem condições de atuar nessa práxis aqueles
saibam dialogar com elementos da realidade dos sujeitos oprimidos.
A práxis é de tal modo importante na execução de uma teologia que a
linguagem falada deve estar conectada com a linguagem vivida, pois, de acordo com
Assmann
55
La carga humana de los pasos reales es lo que más nos ensenã. Las verbalizaciones y los escritos solo adquieren relevância em la medida em que se enraízan em la práxis (ASSMANN, 1971, p.28).
A situação de dependência econômica da América Latina em relação
aos Estados Unidos e países europeus despertou nos movimentos sociais a
urgência de uma transformação na forma de pensar e lidar com a questão dos
pobres. Havia a necessidade de se fazer uma teologia originalmente latina, ou
própria ao povo latino.
O conceito de povo é referente às ideias de liberdade e libertação. O povo
tem o direito de caminhar livremente, buscando os melhores resultados para cada
contexto sócio-cultural. A presença da liderança de um povo não significa que cada
sujeito humano tenha que estar sob forças de dominação, considerando que
liderar é indicar o caminho ou ser facilitador deste caminho. Liderar não pode ser
dominar. A ideia de um povo liderado pelos preceitos de Deus é a de um
povo livre. A esperança motiva os que servem a Deus a buscar a liberdade de si e
do outro. O que constrói um povo é a liberdade dos seus membros (COMBLIN,
2007). O termo ‘povo de Deus’ foi praticamente eliminado do Concílio Vaticano
II, na reunião do sínodo para correção dos textos romanos, em 1985. O motivo
do afastamento do termo ‘povo de Deus’ do Concílio pode ter relação com a
perspectiva de ampliar a obra salvífica para além dos limites prescritos do
Catolicismo. Ou, talvez, a exclusão do termo tenha ligação com o uso freqüente do
mesmo pelos teólogos da libertação, acusados de marxistas. Todavia, o conceito de
‘povo de Deus’ não é nem marxista e nem católico, mas abrange cada sujeito.
Comblin afirma que todos os sujeitos são convidados a fazer parte do povo de Deus.
E que, a compor este povo, as nações promoveriam a paz em vez de guerras,
porque todos estariam inseridos no mesmo povo global – o povo de Deus
(COMBLIN, 2007).
Cada sujeito que forma o povo de Deus é chamado a viver em liberdade. A
liberdade de um não vai interferir na liberdade do outro quando se pratica a
liberdade com responsabilidade. A vida é liberdade. A vida é a palavra. A
56
vida humana é a palavra que chama para a liberdade. A palavra vem do
interesse no diálogo. Porém, o diálogo só terá efeito emancipador se
opressores e pobres se colocarem nas posições de agentes de desconstrução das
linguagens históricas que legitimaram a opressão. Sobre quais parâmetros este
diálogo entre opressores e pobres deverá constituir-se? Primeiramente, os
interlocutores precisam querer falar do mesmo assunto. Ora, será mesmo que os
opressores estão dispostos a dialogar sobre os mecanismos sócio-culturais que os
alocam na posição de opressores? O poder dos opressores minimizados por
discursos fúteis e vazios de paternalismo mascara a complexidade e extensão da
opressão. Quando os opressores agem em favor dos pobres sem passar pela
concepção do diálogo a ação destes traduz-se em falsa generosidade. O
obscurantismo da generosidade jamais emancipará os oprimidos. Aquilo que
proporcionará aos pobres o abandono da condição de ‘ser menos’ estará
veiculado com a concepção da práxis dialogal libertadora. Segundo Paulo Freire, o
poder que explora não possui a competência de transformar-se em poder que liberta
(FREIRE, 2010).
Os pobres vistos como dependentes econômicos pela conceituação da TdL
não reduzem a teologia a uma questão periférica, mas amplia as convicções
teológicas para outros territórios regidos pelas análises sócio-econômicas. A
libertação possibilita uma visão teológica mais ampla porque historiciza a
vivência humana. A teoria da dependência econômica era a que melhor traduzia a
realidade dos países latinos nas décadas de 60 e 70 (SUNG, 2008). A TdL se
propõe a ser uma reflexão da práxis ao preconizar uma nova realidade de não-
dependência do capitalismo dominante. Para a viabilização de um projeto social
que promova a superação da dependência econômica vale pensar nas categorias
de ‘relevância’ e ‘pertinência’. Estas duas categorias epistemológicas impulsionam
a teologia a repensar sua práxis para que suas ações tenham relevância na
conjuntura das sociedades que anseiam por libertação. A TdL surge a partir de
novas práticas que sugerem pontos de partida para a atenção ao clamor do
pobre, do vitimizado, do excluído, de todo que está dentro do sistema social
sem poder desfrutar dos benefícios do sistema (SUNG, 2008). A ortodoxia
teológica é validada pela ortopraxia das relações sociais. A TdL inova ao
inserir as Ciências Sociais como ponto de partida para o discurso da práxis.
57
Ela afirma que a ortopraxia está na mediação da práxis em relação dialética
com a teologia.
Essa dialética que caracteriza o discurso religioso e a ortopraxia libertadora
não pode desconsiderar as nuances de opressões sutis e invisibilizadas. Enrique
Dussel faz referência aos sinais de opressão ‘invisíveis’ no rosto humano. Na
epifania de um rosto no outro a teologia poderá encontrar o caminho da
libertação. Ao olhar nos olhos e procurar entender a dor do outro e tudo o
que empobrece as relações humanas. Aparentemente, algumas violências estão
invisíveis, mas o rosto que se coloca no outro poderá visualizar a dor alheia de
modo epifânico. A visualização da dor do outro deve provocar atitudes de
solidariedade e de buscas de libertação. Dussel (1995) vai chamar esta atitude
de ética da libertação. A ética da libertação somente será possível quando nos
incomodarmos com a opressão ao ponto de lutar contra ela, mesmo que seja a
opressão do outro.
Trazendo nosso discurso para o cenário bíblico-judaico nos remetemos
ao conceito de fé do povo. A fé do povo judeu tem como centro o ‘fato histórico’. Isto
significa que devemos ler a Bíblia como um conjunto de narrativas distintas, em vez
de um livro místico (GUTIÉRREZ, 1981). Esse Deus do povo judeu é o Deus que se
revela na história das sociedades. Os fatos complexos que o povo judeu enfrentou
foram encharcados de matizes de profunda expressão da dialética opressão-
libertação. A partir disso, Deus se faz conhecido pelo seu diálogo com os oprimidos.
O Deus-judeu é aquele cuja característica principal é dialogar com atitudes
pedagógicas no relacionamento com os que o seguem. Entretanto, mesmo os seus
seguidores estão vulneráveis à opressão. Os seguidores podem estar na condição
de oprimidos. Contudo, a narrativa bíblica propõe a interação com a esperança de
libertação. Gutiérrez expressa: Mas o rompimento com essa situação de
opressão não é real senão graças ao cumprimento da promessa: o povo se
estabelece em uma terra ‘em que mana leite e mel’. A terra prometida (GUTIÉRREZ,
1981, p.18).
Uma análise atenta à capa do livro ‘Teologia e Economia’, do teólogo católico
Jung Mo Sung mostra a ironia da promessa de leite e mel - referida na citação acima
– com a presença de mãos escravizadas na imagem do livro. Bem, seria a promessa
de uma terra boa apenas para alguns poucos? Apenas para aqueles que
58
fazem parte da elite econômica das sociedades capitalistas? Franz Hinkelammert
explica que podemos considerar como sociedades tradicionais aquelas que não
sofreram o impacto do capitalismo. Certamente, a falta de eficiência técnica
atrapalhava o desenvolvimento social, cultural e econômico destas primeiras
sociedades tradicionais (HINKELAMMERT, apud SUNG, 2008). Obviamente, a
tecnologia aplicada ao capital promove o crescimento das sociedades, gera
emprego e renda para milhares. Entretanto, mesmo com todo o progresso da
tecnologia não foi possível reduzir a morte anual de milhões de desnutridos
no mundo. Assmann (2010) indica o período de urgências contemporâneo e o
associa à ascensão da era digital. O autor alerta que não se deve confundir era
tecnológica com era digital, pois esta é bem mais recente que aquela. A era da
digitalização e da informática nos envolve com a sensação de que estamos
atrasados o tempo todo. Como se a história estivesse correndo na nossa frente.
É uma sensação aflitiva. Mas, a história real é a que se vive na contradição das
intimidades e contextos sócio-culturais. A ideia do atraso digital nos leva à caça
desenfreada por novas mídias digitais. Porém, a busca da informação não quer
dizer, necessariamente, a busca do conhecimento.Sociedades extremamente
digitalizadas podem carecer de cidadãos reflexivos.
É exatamente aqui que reside uma das possíveis explicações para a
disparidade econômica entre sujeitos de um mesmo grupo. O abismo entre
eles é enorme, e tende a aumentar. A ilusão da tecnologia e também da
digitalização foi de que estas nos abririam as portas do conhecimento. Outro
aspecto também fantasioso é a crença de que a medida em que os sujeitos
possuíssem acesso aos mecanismos tecnológicos e digitais a pobreza
diminuiria. Equívoco. Segundo Alves (2012) a sociedade tecnológica torna o
futuro fechado à consciência e a consciência fechada ao futuro. Os sujeitos
pobres estão cada vez mais acessando diversas formas de tecnologia e se
emaranhando pelas redes digitais, porém ali estão para repetir padrões que
lhes chegam formatados.
Como estará o interesse pela agenda da libertação nos dias atuais?
Sung (2008) afirma que o interesse pela agenda de libertação diminuiu. Há
grupos que permanecem em sua práxis religiosa em favor dos pobres, porém
esta práxis assumiu novos contornos na contemporaneidade. A preocupação com
59
os pobres foi situada no plano dos dilemas existenciais, em vez de resultar em
posturas políticas e ações concretas. Provavelmente, as igrejas cristãs estejam mais
preocupadas com a imagem midiática para projetá-las e angariar fiéis. O papel
profético do cristianismo tem sido preterido. Não há interesse em se envolver com os
problemas dos pobres, pois o foco está em projetar a imagem de uma igreja
‘próspera’. Nesse caso, qual a credibilidade do discurso humanizador das
igrejas? O modelo de cristianismo participativo divulgado pelos movimentos da
Teologia da Libertação – 1980/1990 – e pelas Comunidades de Base não teve
sucesso (SUNG, 2008). Entretanto, a gênese desse cristianismo segue viva e
crescente com outras configurações e derivações, como nos movimentos em favor
da igualdade entre os gêneros, da igualdade racial, lutas libertárias indigenistas,
militâncias ecológicas e lutas pelas causas homoafetivas.
A pobreza que destacamos neste trabalho foi a pobreza da escassez
econômica gerada pela falta de equilíbrio na distribuição de renda. E não
apenas renda, mas os acessos aos mecanismos políticos que possibilitem a
melhoria dos estudos, das profissões e das qualificações pessoais. Contudo, o
conceito de pobreza deve ser ampliado para todo tipo de violência que empobrece
as relações humanas. Cristo é o libertador da condição humana caída. Cristo
anuncia o reino de Deus por meio da denúncia contra a opressão dos pobres. De
acordo com Gutiérrez (1981), o reino traduz-se pelo sentido global onde nada está
fora desse reino. A luta pela libertação das mulheres é a luta do reino, assim como a
luta pela preservação do ecossistema também o é. Isso para citar apenas alguns
aspectos da diversidade contida nos matizes de opressão social. O apelo da teologia
da libertação encontra relevância somente se considera os limites pré-fixados pelo
capital. A distribuição de renda esbarra nos limites da incoerência do discurso
democrático da sociedade que promulga leis de extensão beneficiária que não
consegue alcançar. Ou melhor, esbarra na ideologia dominante de opressão que
mantém o status quo favorável às classes que se alimentam da ignorância
política e da alienação educacional da maioria dos brasileiros.
Como retomar as concepções da teologia da libertação de modo que a
mesma faça sentido no cenário de sofrimento dos pobres contemporâneos?
Alienação pode descrever a ‘falsa consciência política’ (POULANTZAS, 1977,
p.201) que os pobres possuem acerca da realidade. O dinheiro caracteriza o valor
60
maior material do trabalho humano. E disto não se pode correr. Entretanto, o valor a
ele atribuído – ao dinheiro – concebe variáveis de graus complexos. Ainda que a
nota de 100 reais continue valendo seus cem reais quantitativos, isso não implica
que o trabalho equivalente ao dinheiro não tenha sofrido alterações. Dinheiro é
valor de entesouramento insaciável. Quanto mais se tem dinheiro, mas se necessita
dele. “Do ponto de vista da qualidade ou da forma, o dinheiro não concebe
fronteiras: é o representante universal da riqueza material, pois conversível em
qualquer mercadoria” (MARX, 1985, p.147). Ainda assim, o dinheiro possui
limitações no poder de compra ao restringir-se à oferta e demanda, além do trabalho
de veiculação. A tensão entre o valor qualitativo da demanda e o valor quantitativo
da oferta, emite ao capitalista o desejo de acúmulo de capital.
Ao despender força excessiva no trabalho e exigir o conserto freqüente
dos equipamentos de produção, o capital acumulado vê-se ameaçado pela
vulcanidade da relação de troca e de uso do dinheiro (MARX, 1983). Karl Marx
entende que o valor do trabalho é mensurável a cada nova semana. Dessa
forma, o salário deverá ser pago semanalmente. Tudo o que se quer no processo
de trabalho é receber a remuneração adequada que possua equivalência
aproximada – nunca poderá ser exata – da força de trabalho aplicada no processo
de produção. Aquilo que o trabalhador produziu gera uma equivalência monetária
que será consumida a cada semana. Ainda que o trabalhador não tenha concluído o
processo final de produção, seu trabalho está ali como valor agregado (MARX, 1983,
p.241). Sem demonizar o capital, assumimos que ele fornece os meios de valoração
do trabalho e do dinheiro. Somente com a presença de um capitalista será possível
iniciar as condições de equiparação entre o potencial do trabalhador, o valor do
produto e o resultado final da produção material.
61
2.2.1 Materialidade educacional do sujeito na sociedade capitalista A possibilidade de ingenuidade na interpretação da teoria marxista coloca-nos
diante da responsabilidade de não reduzir suas complexas asserções em uma ideia
apenas. Como alocar o pensamento marxista nas perspectivas da educação
libertadora? Manacorda (1979) aplica-se a reunir conceitos filosófico-educacionais a
partir das ideias de Marx. Dentre as quais, afirma que na conceituação de ‘capital’
Marx inicia crítica sobre a questão do poder político na tentativa de obter meios de
avaliar as variações do trabalho como uma escola para o futuro. Toda sociedade
constrói-se sobre as bases do ‘trabalho’ e, consequentemente, acerca das reflexões
educacionais sobre o ‘trabalho’. Não é o trabalho simplesmente uma força, mas uma
pedagogia que apreendeu-se a seu respeito. Nesse caso, trabalhar consiste em
estar educado para. Quando a sociedade estipula as leis de trabalho, também está
formatando a educação deste trabalho. Como todo trabalho relaciona-se com o
desejo pelo capital, somos educados pelo e para o capital.
Apenas elementos subversivos são capazes de reestruturar o capital, pelo
manejo prático daquilo que pais e filhos aprendem e ensinam sobre o capital. Desde
princípios primários de trabalho manual à engenhosas tecnologias das indústrias de
produção
Un elemento de este proceso de subversión, desarrollado de forma espontânea sobre la base de la gran industria, lo constituyem las escuelas politécnicas y agrônomas; otro elemento son las “écoles d’ enseignement professionnel”, en donde los hijos de los obreros reciben una determinada enseñanza en tecnologia y em el manejo práctico de los distintos instrumentos de producción. Si la legislación sobre las fábricas, que constituy el aprimera consesión arrancada com gran esfuerzo al capital, combina con el trabajo de fábrica únicamente la enseñanza elemental, no hay duda que la invitable conquista del poder político por parte de la classe obrera, conquistará también para la enseñanza tecnológica, teórica y práctica, su lugar en las escuelas de los obreiros (MARX apud MANACORDA, 1979).
62
Os sujeitos constituintes da classe trabalhadora são no ‘Capital de Marx’ os
sujeitos do ensino. Se alguma conquista política poderá alcançar-se neste modelo
econômico somente será possível educando o segmento operacional. Certamente
os latifundiários mapeados por Freire possuem interesse em equipar os ‘obreiros’
operacionais com ensinos técnicos para o crescimento da força de trabalho. Força
esta cada vez mais agregada de valores, que não são suficientes para servir às
subjetividades e objetividades dos seus atores. Estes não podem beneficiar-se do
capital que produz. Uma força fraca, pois desprovida de sentido. Em Freire, o
trabalhador precisa entender o real valor filosófico do seu trabalho para que esta
força proporcione poder político.
2.3 CONCEPÇÕES PRESENTES NA DIALÉTICA OPRESSÃO-LIBERTAÇÃO
O período moderno atribui o conceito de ‘liberdade’ aos gregos. Por
outro lado, a ortodoxia romana unia-se à Igreja para implantar ideias de
obediência ao império e obediência aos sacramentos rituais da Igreja. A
difusão dessas ideias resultou na formação de um espírito coletivo de luta contra o
princípio da liberdade. A concepção de liberdade abarca várias facetas da vida
humana, porém no quesito religião esta questão se tornou mais veementemente
sentida no seu lado oposto mais cruel. Um sem-número de teólogos foram
proibidos de pensar com liberdade. Comblin (2007) defende que a filosofia grega
não pode receber o mérito pela ‘concepção de liberdade’ ou pelo princípio de
liberdade na concepção de ser humano. Para ele, o cristianismo, por meio da
revelação gradual e progressiva de sua narrativa foi o responsável por impulsionar
os caminhos reflexivos da liberdade.
A Bíblia constrói as regras e depois as desfaz. O novo testamento é quase
uma antítese do velho testamento no que diz respeito à liberdade humana. Seja a
63
liberdade das escolhas ou a liberdade para acessar a graça de Deus, em
outra perspectiva. A teologia, por sua vez, concebe a instituição do conceito de
liberdade no discurso bíblico que evolui dos sacrifícios anuais para a aceitação do
Cristo como única fonte de sacrifício humano capaz de transformar outras vidas. De
acordo com Comblin (2007) é provável que a ideia de liberdade tenha sido
introduzida nas sociedades ocidentais por intermédio do cristianismo. Todavia,
outras ciências não-cristãs contestam esta possibilidade. A liberdade cristã
surge da responsabilidade dos sujeitos na administração de suas vidas e do meio
onde vivem – ecoteologia. O método de compartilhar a liberdade com a sociedade,
escolhido por Deus, foi a crucificação. Na cruz, a vida que estava aprisionada torna-
se livre para escolher seu destino e para agir no caminho escolhido. Cristo mostrou
que é possível viver com dignidade e pagar o preço pela liberdade. Como
conseqüência, Cristo conquistou a liberdade do corpo, da alma e do espírito em
plenitude – a ressurreição. A novidade da ressurreição é a novidade que nos
convida a viver em liberdade. Vós, irmãos, é para a liberdade que fostes chamados
(Gálatas, 5.13).
Algumas linhas teológicas podem optar por valores e discursos sutis de não-
liberdade. O que significa isso? Significa que, quando os cristãos preferem as leis
doutrinárias fundamentalistas em detrimento da liberdade de pensamento e de
comportamento, fica evidente que estes optaram pelo ‘conforto’ de conformar-se à
premissa de que Deus está controlando tudo, quando na verdade Deus não está no
controle das escolhas humanas. Estes sujeitos aceitam o pensamento de que Deus
controla o universo nas coisas boas e também nas ocorrências negativas, pois
recusam a responsabilidade de lidar com a sua liberdade. Aqui, podemos entender
que a concepção de ‘liberdade’ se delineia ao lado do conceito de
‘responsabilidade’. Sobretudo, na proposta do cristianismo, não há espaço para os
fatalismos decorrentes de um Deus-soberano arbitrário. Em vez disso, abre-se
o convite para encararmos as questões negativas da vida com olhares de esperança
para a superação das mesmas (COMBLIN, 2007).
Em Freire (2001), não há realidade fechada, nem tampouco pré-determinada.
Os sujeitos encontram-se inseridos numa realidade aberta a diversas possibilidades
de educação permanente. É a condição do ser em busca de. O ser que se
sabe político e responsável pela humanização, uma vez que sua vocação é esta e
64
não outra. Humanizar-se é uma condição de algo que não está humano ou que
deixou escapar as características de humanidade. O que constitui o ser humano é
aquilo que os pensadores mais conservadores que antecederam a Sociologia
chamavam de valores de moralidade e de solidariedade. Porém estes valores, nos
séc. XVIII e XIX, brotavam das ideias trazidas pela igreja cristã católica que
servia como uma forma de protecionismo social. Paralelamente à igreja, o
progresso científico e tecnológico alcançava lugar prioritário nas divisões de
Estado (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2002).
2.3.1 Concepção de agir político
Leonardo Boff (1998) teoriza sobre duas correntes da Teologia da Libertação,
denominadas de: corrente continuadora e corrente inovadora. A primeira,
corrente continuadora, sustenta que a fé não deve ser ideologizada para a
incorporação de temas políticos. Nesta linha de pensamento, o evangelho não
apresentou um Jesus envolvido com questões políticas. Acredita que a missão
da igreja é religiosa e direcionada para a salvação da alma, na relação entre
pecado e graça. A segunda corrente, chamada ‘inovadora’, entende e estende a
salvação para além das questões da alma. Defende a integralidade da proposta
do evangelho de Jesus. Aceita que a fé e a igreja estão inseridas na dimensão
da estrutura política social. Não há como tratar o espírito desconsiderando fatores da
psiqué, do corpo, da biologia humana em sua integralidade, inclusive, na interação
com o ambiente.
O diálogo entre a teologia e a concepção de ‘agir político’ indicam
ambigüidades na compreensão do papel do cristianismo dentro dos sistemas
políticos das sociedades. Para isso, faz-se necessária uma nova visão de processo
político abdicando da conotação política totalitarista. Não queremos com o
argumento de definição de visão, propor uma nova doutrina cristã para encaixar-se
sob o guarda-chuva das dimensões políticas (GUTIÉRREZ, 2000). Esta sondagem
65
de perspectivas suscita perguntas que precisam de respostas nesta etapa do
planejamento da práxis teológico-política. Devemos nos questionar sobre: o que de
política interessa ao cristianismo? E o oposto: o que de cristianismo melhora
a política adotada por um grupo? A crítica de Judith Butler (2008) direcionada aos
movimentos feministas pode servir-nos de parâmetro metodológico no debate
entre a teologia e a política. Ela encaminha sua análise científica sinalizando
para um despertamento político por parte dos movimentos feministas. Estes
movimentos devem observar que porção do cenário político eles realmente
conquistaram. Por vezes, somos ingênuos ao crer que uma simples abertura no
espaço público beneficia as causas sociais de modo duradouro. Nem mesmo a
concessão de lei pode trazer benefícios à sociedade caso seja concedida
isoladamente de multifatores que afetam a exequibilidade desta lei. Portanto, antes
de proceder à veiculação da teoria em práxis, surge a necessidade do planejamento
global. As estruturas sociais clamam por estudos profundos que antecipem o
‘levantar de bandeiras’ – quer seja a bandeira dos valores cristãos, das questões
étnicas, homoafetivas, feministas, de acessibilidade ou outras. O mapeamento
do estado destas questões constitui requisito prévio para um cristianismo que
se pretende ser de libertação. Somente no mapeamento encontraremos o
essencial na relação entre religião e política.
Faz-se importante ressaltar que não estamos defendendo a composição
de bancadas de políticos evangélicos no congresso nacional. Aliás, isso seria
prejudicial às confluências interreligiosas. O que queremos é relembrar o papel do
pensar político e do agir político no cristianismo (GUTIÉRREZ, 2000). Quando
a religião cristã ausentou-se do seu papel político, na história, agiu
covardemente. Além disso, a religião que se isola dos processos políticos sociais
tende a demonizar os atores políticos. Cria-se superioridade em torno da religião
cristã e demoniza-se os governos, o Estado, as leis, os movimentos sociais e
quaisquer tipos de interações políticas. Na perspectiva do evangelho integral e
político, Jesus estabelece que o reino de Deus ‘está em vosso meio’ – Lucas 17. 21.
Dessa forma,tudo o que diz respeito ao mundo terreno integra a
espiritualidade do reino.
O conceito de meio social compreende a criação em si: ecossistemas,
galáxias, continentes, demografias, pessoas e animais em sistemas de inter-
66
relação que compõem o reino de Deus (BOFF, 1998). A concepção de ‘agir
político’ não deve hibridizar política com religião. A hibridização não nos é
favorável, mas a dialética relacional é benéfica. Para que serve a noção de
dialética? Ela serve de instrumental para dar suporte às críticas que trocam de
posições nas diferentes perspectivas que interagem com o mesmo objeto. Ou seja,
se teologia e política ocupam lugar na sociedade faz-se imprescindível que este
espaço seja dialogal e dialético. O ‘agir político’ em Freire (2001) desperta nos
sujeitos a capacidade de intervir na realidade para transformá-la em favor de si e
dos outros. Os sujeitos são políticos por natureza ao nascerem na polis – cidade. No
entanto, o espaço citadino congrega a possibilidade da educação permanente, que
liberta ou interdita o agir dos cidadãos
Daí que se possa observar facilmente quão violenta é a política da cidade, como Estado, que interdita ou limita ou minimiza o direito das gentes, restringindo-lhes a cidadania ao negar educação para todos. Daí também, o equívoco em que tombam grupos populares, sobretudo no Terceiro Mundo quando, no uso de seu direito, mas, indo além dele, criando suas escolas, possibilitam às vezes que o Estado deixe de cumprir seu dever de oferecer educação de qualidade e em quantidade ao povo. Quer dizer, em face da omissão criminosa do Estado, as comunidades populares criam suas escolas, instalam-nas com um mínimo de material necessário, contratam suas professoras quase sempre pouco cientificamente formadas e conseguem que o Estado lhes repasse algumas verbas. A situação se torna cômoda para o Estado. Criando ou não suas escolas comunitárias, os Movimentos Populares teriam de continuar, de melhorar, de enfatizar sua luta política para pressionar o Estado no sentido de cumprir o seu dever. Jamais deixá-lo em sossego, jamais eximi-lo de sua tarefa pedagógica, jamais permitir que suas classes dominantes durmam em paz (FREIRE, 2001, p.13).
Agir politicamente consiste em agir em favor dos pobres. Cristo fez a opção
‘perigosa’ pelos excluídos. A opção de Jesus foi em favor daqueles que
sofrem todos os tipos de opressões, inclusive os pobres (BOFF, 1998). Da pobreza
deriva a fome no mundo. A problemática situa-se na dualidade que convive com a
67
opressão factual que mata milhões de crianças por desnutrição e consegue abstrair-
se dessa opressão para cuidar dos seus interesses pessoais, como o conforto
dos nossos ambientes de estudo. Sabemos que a pobreza mundial é um problema
subordinado à possibilidade de superação. Para superar, antes separar. Separar
e delimitar os campos dos saberes políticos para o diálogo produtivo em favor
da superação da pobreza. Relações híbridas perdem suas características e
capacidades de superação da contingência de erros. Ao perder sua gênese pela
hibridização ficam disfuncionais no jogo social. A hibridização da política com a
religião é prejudicial tanto para a política quanto para a religião. O que almejamos
é a reflexão política pautada por valores cristãos onde as teologias são tecidas
(GUTIÉRREZ, 2000).
2.3.2 Concepção de pobreza
A discussão em torno da concepção de pobreza emerge no seio das
comunidades religiosas latinas, no final da década de 70, e a partir daí expande-se
para a leitura do sentido de ‘pobreza’ em outras áreas do conhecimento. O conceito
de pobreza começa a ocupar lugar de destaque nas discussões sobre
espiritualidade por meio das reflexões que advém da Teologia da Libertação. O
Papa João XXIII (apud GUTIÉRREZ, 2000, p.346) profere, no Concílio Vaticano
II: “Para os países subdesenvolvidos a Igreja apresenta-se como é e como quer ser,
como a Igreja de todos, em particular como a Igreja dos pobres.” – registro via
radio-mensagem em 11 de setembro de 1962. Outros documentos da igreja
católica, como: Lumen Gentium, Gaudium et Spes ou Populorum Progressio – Luz
das Nações, Alegria e Esperança ou Programa dos Povos - emitiram alusões sobre
o lugar central da pobreza na reflexão cristã. O impasse para que a Igreja passasse
da reflexão às ações foi a própria contingência extensa de situações de pobreza por
todas as partes.
Em Arendt (2011), ‘pobreza’ ultrapassa a privação, pois consiste num estado
de ‘ignomínia’. Ao expor aqueles que poderiam passar pela privação sem a
68
espetacularização de sua desgraça, exalta-se a ignomínia da condição social
de ‘pobreza’. Surgem a vergonha, a afronta, a desonra e a redução do ser humano.
O sujeito envergonhado tende à paralisação pessoal e não terá condições de
seguir em frente na vida. A ignomínia gera uma falsa sensação de incompetência,
quando na realidade incompetentes são aqueles que não conseguiram sobreviver
diante de tantas adversidades e privações no contexto social de ignomínia. A
privação da água num planeta pode ser considerada uma privação de grave teor.
Contudo, há outras formas simbólicas de privação que causam prejuízos
sociais extensos e impossíveis de mensurar. A privação do pleno exercício da
identidade constitui-se numa grave privação estrutural submetida a desencadear
sistemas de anomia social, ignomínia e imobilidade.
Faz-se interessante pensar numa igreja para os pobres como propôs o
Concílio do Vaticano II. Entretanto, quais critérios estabelecem a reflexão acerca dos
desejos dos pobres? Afinal, o sujeito em situação de pobreza não apenas
possui necessidades não atendidas, mas tem desejos a serem atendidos. O ser
humano deseja. A sociedade tradicional modernizou-se, contudo não parou de
desejar. Seu desejo, por vezes está embutido na religião cristã, que propaga um
evangelho de prosperidade e sucessos. A promessa de um novo céu conquistado
pelo sacrifício crucial do Cristo substitui-se pelas benesses materiais
conquistada na terra pelos fiéis obedientes e prósperos (SUNG, 2008). Aqui está
uma utopia que precisamos considerar nos estudos de religião contemporâneos.
69
CAPÍTULO 03 CRISTIANISMO DE LIBERTAÇÃO: RELEITURAS E POSSÍVEIS CAMINHOS PARA A CONTEMPORANEIDADE
Discutir a Teologia da Libertação – TdL – fazendo uma releitura de suas
bases teóricas não significa modificar os paradigmas que sustentaram esta teologia
até o presente momento. O que nos importa é poder repensar as bases teóricas por
outros caminhos e outros significantes, quer sejam históricos ou
contemporâneos. Como seria escrita a TdL a partir dos olhares freirianos? Teria
Freire abordado os vieses da economia e da exclusão tão implícitos nos
discursos da TdL? Freire registrou em várias de suas obras sua preocupação com
os elementos: ‘trabalho e trabalhador’. Indiretamente, ele está tratando de economia
e exclusão ao referir-se às condições de trabalho a que são limitados boa parte dos
trabalhadores latinos. O trabalhador tem o papel social de transformação, uma
vez que seu trabalho movimenta toda a engrenagem da sociedade. Se o
trabalho movimenta, ele movimenta algo em direção de. O trabalho está ligado
a uma dimensão mais expandida que apenas o seu próprio fim, mas correlaciona-
se com toda a estrutura social. Aquilo que permanecer uma maior quantidade de
tempo em choque será o determinante do que terá condições de prevalecer de
modo preponderante sobre o outro. A provocação de mudança por uma ação
de trabalho corresponde diretamente à questão da permanência social, onde uma
terá condições de sobrepor à outra. Portanto, não basta que os trabalhadores
provoquem as mudanças sem que antes avaliem o grau de permanência destas
mudanças (FREIRE, 1981).
Em Marx, encontramos a relação da infra-estrutura com a super-estrutura
em contradição permanente. E assim deve ocorrer para o equilíbrio social. A
questão da exclusão social, apesar de constante, não é atual, mas histórica. Sempre
houve segmentos em situação de exclusão social. Ao passo que a releitura da TdL
pela face da economia pode ser considerada uma crítica contemporânea, uma
vez que na esteira de Marx a infra-estrutura só poderá mobilizar a
supraestrutura ideologizante com sua força coletiva se levar em conta os
interesses econômicos contemporâneos. Não dá para pensar nos pobres
apenas como um grupo de pessoas desfavorecidas ou sem acesso à
70
educação. De fato, não é apenas isso. A economia se desenha e redesenha para
que eles não entendam as manobras políticas que os mantém em situação de
pobreza. O olhar contemporâneo pode nos dar pistas sobre os atuais interesses da
economia dominante e os ditames sociais que aumentam os grupos de sujeitos
excluídos da vida plena divina e geradora de mais vida.
Em Niklas Luhmann, a leitura econômica perpassa pelo crivo dos sistemas de
teoria crítica para desembocar numa crítica emancipatória, onde a complexidade das
sociedades é analisada em termos de justiça e não de dogmatismo científico
padronizado. Apoiado no marxismo, Luhmann descreve o antinormativismo com
a finalidade de anunciar paradoxos e mapear as condições funcionais de cada
sistema econômico-cultural (LUHMANN apud FISCHER-LESCANO, 2010).
Francisco de Aquino Júnior (2011) concorda que há duas décadas são
levantadas discussões sobre a atualidade da teologia da libertação. Investigar
se uma teoria é atual ou não, nos leva a conduzir um estudo com
perspectivas históricas que datam do surgimento e do desenvolvimento desta teoria,
com análises contemporâneas que possibilitem a discussão por meio de outras
ramificações semânticas, epistêmicas e empíricas. Por este motivo, outro nome para
este capítulo poderia ser: ‘Teologia da Libertação: releitura em vieses históricos e
contemporâneos’.
3.1 RELEITURA DA TDL PELO VIÉS DA ECONOMIA
Como vimos anteriormente, no capítulo 02, a questão da pobreza pode ser
chamada de questão social ou vice-versa. Assim, Sung (2008) certifica que
ocorreram mudanças objetivas na sociedade moderna, as quais nos fazem perceber
que as análises filosóficas ou mitológicas não são capazes de dar conta dos
processos de estudo das culturas no que tange ao seu desenvolvimento social. A
modernidade trouxe o progresso tecnológico e industrial provocando grandes
transformações que impactaram as culturas mais diversas em todos os continentes.
Estes impactos geraram desequilíbrios entre as classes. Todavia, aquilo que
71
não queremos é deslocar o foco da análise social para discussões complexas
com as disciplinaridades mais distintas que abordam questões econômicas, pois
cada área conta com sua perspectiva analítica, entretanto, a aresta social torna-se
privilegiada quando tratamos dos temas que se referem à Teologia da
Libertação – TdL ‘nas sociedades tradicionais, na medida em que “não havia
necessidade de qualquer sociologia enquanto ciência social, para formular uma
teoria verdadeira sobre a sociedade”, pois a “filosofia realizava admiravelmente
esta tarefa” (HELLER apud SUNG, 2008). Assim, ao nominarmos os assuntos
econômicos estaremos implicitamente dialogando com os sujeitos que foram alvo
da condição econômica de ‘pobreza’, teorizados tanto por Paulo Freire quanto pela
Teologia da Libertação.
Em Arendt (2011), ‘pobreza’ ultrapassa o tom de privação, pois consiste num
estado humano de ignomínia. Ao expor aqueles que poderiam passar pela privação
econômica sem a espetacularização de sua desgraça, os dominadores
exaltam a ignomínia dos oprimidos. A partir disso, brotam a vergonha, a afronta, a
desonra, a violência e o reducionismo da condição humana. A produção da
pobreza pelo desenvolvimento da sociedade de consumo e da ascensão do
capital.
No capitalismo, quem produz algo para outro sujeito empobrece. Aqui temos
o sentido de empobrecer ampliado para a escassez e o esgotamento das energias
vitais, das metas que nos fazem sonhar e caminhar, e, o empobrecimento que nos
impede de acessar a qualidade de vida (RIVERA, 1996). A lei do capital
apresenta-se aparentemente justa, mas não o é. Ela é tão injusta quanto o seria a
ação de tratar da mesma maneira sujeitos que se encontram em condições de vida
diferenciadas. Não dá para julgar ou beneficiar todos os sujeitos da mesma forma,
porque o foco deve estar sempre naquele que tem menos. Menos acessos, menos
dinheiro, menos meios de transporte, menos condições de crédito, menos meios
de cuidar da sua saúde, menos elementos políticos para se posicionar em iguais
condições perante todos. Este pobre foi produzido pelos mecanismos de poder da
sociedade, pois de acordo com Rivera
72
É a grande aparição do pobre produzido pelo desenvolvimento capitalista. Junto a este está o trabalhador que vende sua força de trabalho e é despojado do produto de seu trabalho (RIVERA, 1996, p.53).
Viv Grigg, neo-zelandês, atuou como missionário protestante em favelas das
Filipinas, ao fim da década de 70, e assim produziu o livro ‘Companion to the poor’,
que em português fora publicado como ‘Servos entre os pobres’. O que nos levou a
destacar esta obra é o caráter de práxis teologal, de uma teoria que tem
dupla função: destacar a meditação em favor dos pobres e também de agir
em favor destes. Em Grigg (1988), Jesus desenvolveu uma economia sobre
os pilares da justiça, uma economia justa. Jesus viveu nas mesmas condições
sócio-econômicas do seu povo, no entanto, não era um pobre miserável,
apenas pobre. Não foi mendigo. Mas, sempre administrava os recursos de
modo a suprir as suas necessidades e de seus seguidores. Em Jesus, a pobreza
fez-se a graça de ter o suficiente, em cada circunstância. Teria sido Jesus um
homem pobre? Talvez.
A pobreza não é apenas a vida simples, e sim a vida em miséria e
necessidades não supridas. Assim, podemos dizer que Jesus fez-se pobre para
aproximar seu discurso de sua práxis. Quantos de nós, seus seguidores
contemporâneos, estaríamos dispostos a abdicar de nossos bens materiais ou
privilégios acadêmicos em favor dos necessitados? Paulo Freire afirma que os
necessitados – explorados – são tratados como coisas. São coisificados em objetos
que não podem pensar por si e nem agir por si.O processo de coisificação dos
necessitados os conduz a um lugar de silêncio, pois as vozes dominantes os calam.
As vozes que detém o poder econômico calam as vozes menores, despojadas dos
seus direitos. Os opressores, mesmo quando trocam de lugar, eventualmente,
para entender os oprimidos costumam desvalorizar as vozes dos oprimidos com
séria desconfiança de que estes saibam falar sobre eles mesmos. O
condicionamento cultural que invisibiliza os necessitados, também os cala e os
desqualifica como protagonistas de sua própria libertação. Com ‘seus preconceitos,
73
suas deformações, entre estas a desconfiança do povo. Desconfiança de que o
povo seja capaz de pensar certo. De querer. De saber’ (FREIRE, 2010, p.53). Por
outro lado, Jesus exemplifica com sua trajetória que a confiança no povo torna-se
indispensável para que estes tenham suas necessidades realmente atendidas.
Do contrário, seria como oferecer um copo d’água para quem está oprimido
com sede à beira mar. Em geral, os ex-opressores oferecem a ajuda do modo deles,
na concepção arbitrária deles, sem depositar sua crença no povo. Assim, o povo não
tem vez nem voz. O povo não tem o direito de selecionar qual ajuda quer receber.
As ajudas vagueiam por um universo em que os necessitados não
conseguem emancipar-se da condição de dependência econômica. Freire (2010)
defende que os oprimidos precisam de espaço para pronunciar ‘sua palavra’.
Teria mesmo o Deus dos cristãos feito ‘opção pelos pobres’, como propõe a
teologia da libertação? Bem, para além de todo romantismo que esta crença possa
nos induzir, ainda que o Deus dos cristãos não tenha feito opção pelos pobres, nós
os cristãos não podemos dialogar sobre amor, sem viver esse amor. E amor é dar
de si, é doar-se ao outro para que este outro chegue ao mesmo nível que
eu. Quando nos doamos sabemos que aquilo fará bem ao outro. Todavia, não
podemos dar pela metade com receio de que o outro tome nosso lugar social.
Isso seria egoísmo. O verdadeiro amor não tem medo de perder para o outro, pois
considera o outro superior a si mesmo. Se cada sujeito agisse assim eliminaríamos
os índices mundiais de pobreza, porque recursos financeiros e recursos naturais não
faltam no planeta terra. Temos tudo de que precisamos para erradicar a
pobreza em nosso planeta. E, por que não o fazemos? Por que temos medo de
amar. Não damos o que temos porque temos medo de empobrecer, não queremos
abrir mão do nosso conforto e nem trocamos uma viagem para a Europa para
emancipar um oprimido de sua condição de miséria. Infelizmente, é assim que
agimos. Anos após anos. Sabemos refletir, mas não conseguimos viabilizar nossa
reflexão em práxis teórica.
Nessa direção, seguramente, em termos de teologia latina, a teologia da
libertação foi a que mais aproximou-se da tradução viva de uma teoria que não
morre em si mesma, e sim ressuscita na prática do bem a quem nada tem. Sendo
educador, Freire agiu como um ‘pastor’ dos pobres, ao viver no meio destes e
ensinar-lhes as primeiras letras. Schipani (2002) denomina Freire como ‘um cristão’
74
pela sua práxis pedagógica emancipadora. Para Freire, “las iglesias
tradicionalistas alienam a las clases oprimidas em la medida en que las estimulan a
ver el mundo como algo malo. Las iglesias modernizantes las alienan (...) al
defender las reformas que mantienen el status quo” (FREIRE apud SCHIPANI, 2002,
p.65).
Nem atitudes conservadoras, nem reformistas provocarão a imprescindível
mudança social que resulte em libertação dos oprimidos. A mudança social apenas
efetivar-se-á no momento em que as igrejas cristãs, como comunidades de fé
e ação, desenvolvam atitudes transformadoras mediadas pela esperança
utópica de um mundo mais igualitário. Este mundo mais simétrico torna-se possível
quando nossas atitudes são para transformar as realidades injustas, em vez de
reformá-las. Ao reformar, mantêm-se os níveis desiguais. Ao transformar,
mudam-se as bases estruturais para igualar condições sociais. Reler a TdL com
os olhares freirianos, faz-nos rever a epistemologia da teologia que prioriza o
pobre para libertá-lo. O pensamento freiriano converge para a teologia da
libertação e a teologia da libertação converge para Freire. Em ambos temos
complementaridade, sequência, conjunto, composição e sintonia de sentidos e
intuições.
A ação freiriana no Brasil da década de 60 deu-se concomitantemente
às iniciativas populares das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs – e
outros movimentos de cunho religioso-social-político. Enquanto o governo militar
silenciava os intelectuais, atores, jornalistas e educadores a igreja cristã
católica mobilizava multidões para a libertação social e política, sob o pano de
fundo da teologia da libertação. O desenvolvimento da teologia da libertação
no Brasil e na América Latina ganhou legitimidade por conta do contexto do
regime ditatorial que o país experimentava, e, assim, obteve o apoio de
líderes religiosos de outras linhas teológicas, como o protestantismo brasileiro.
Apesar de a ditadura brasileira não ter deixado marcas tão cruéis como a
ditadura de outros países vizinhos, este período denominou-se de ‘anos de chumbo’,
onde a resistência contrária ao governo era sentida por meio de pesadas punições
até o sumiço de pessoas que até hoje não se sabe delas. Seus corpos jamais foram
encontrados por suas famílias que almejavam ao menos ofertar ao
75
desaparecido/morto uma lápide digna e um último adeus. Nesse cenário de conflito
e dor surgem as CEBs como estratégia de amparo para as famílias cristãs-católicas.
As reuniões das CEBs tiveram também como alvo agrupar as mães de
presos políticos e de militantes. Havia estudos bíblicos e segmentos pastorais
dentro das CEBs para acolher as comunidades e promover transformações que
favorecem ao povo trabalhador, sobretudo os agrupamentos rurais (CALDART
apud SANTOS; GOULART; FABER, 2009). Tanto Freire, quanto os teólogos da
libertação e as CEBs foram despertados para defender as lutas do povo brasileiro
neste contexto de repressão ditatorial que, consequentemente, produzia mais
intensidade de opressão para quem já encontrava-se oprimido – o pobre. Os
pronunciamentos freirianos denotam que seu foco era alcançar o pensamento
da igreja popular latina. Despertar esta igreja para a ação profética, da adoração a
Deus unida com a prática social e para o comprometimento com a causa dos
oprimidos. Uma igreja claramente subversiva. Igreja em que a ação profética
materializa-se em posturas críticas diante dos desdobramentos sociais e
desenvolvendo maior criatividade da práxis em favor dos pobres. A igreja
sofre e morre, mas ressuscita em novos formatos para ‘chegar a ser’
(FREIRE, 1986). A esperança utópica da libertação impulsiona a igreja para seu
objetivo final descrito na salvação dos pobres de sua condição social.
Entre uma reflexão e outra os teólogos latinos foram aderindo aos
termos opressão-libertação até que formulou-se a ideia de uma teologia da
libertação. Nos Estados Unidos, Rubem Alves, teólogo brasileiro, auto-exilado,
defende sua tese de doutorado intitulada: ‘A theology of human hope’ (1968),
publicada em 1969 também nos EUA; e que chega ao Brasil quase vinte anos
depois sob o título: ‘Da esperança’ (1986). Neste livro Rubem Alves propõe um
ensaio sobre variadas concepções em torno do binômio opressão-libertação. Mais
recentemente, em 2012, o livro ganha uma nova edição no Brasil, sob o
nome ‘Por uma teologia da libertação’. É esse caminho que os movimentos
sociais, as CEBs, os teólogos latinos e Paulo Freire percorrem para sinalizar
que precisamos refletir os temas de interesse nacional ‘por uma libertação’ possível
(ALVES, 2012). Na esteira de Alves (1968), Gustavo Gutiérrez (1971) lança o livro
‘Teologia da libertação – perspectivas’ e no mesmo ano, Leonardo Boff (1971)
publica ‘Jesus Cristo libertador – ensaio de cristologia crítica para nosso tempo’.
76
Freire (1963), por sua vez, desenvolvia seu método de alfabetização de adultos
com o intuito de ‘libertá-los’ da condição de anomia social em território
brasileiro. A aproximação entre Freire e o bojo da teologia da libertação foi
inevitável, pois Freire era filho de mãe católica e um bom religioso com
convicções cristãs arraigadas no seu comportamento, contanto não se afirmasse
titularmente como ‘um cristão’.
3.2 RELEITURA DA TDL PELO VIÉS DA INCLUSÃO
Chama-se de releitura aquilo que pode ser analisado em outra época,
de modo contemporâneo. Reler o social por meio das diversas opressões é reler a
vida em seus diversos matizes ocultos ou visíveis. Exemplo disso são as
ramificações das formas de opressões sociais que desdobram-se em questões de
etnia, gênero, geração e classes. A questão da fome torna-se ‘uma’ diante de
tantas outras violências e opressões imbricadas que se interrelacionam e agigantam
uma questão – fome - em tantas outras mais complexificadas. A (re)conciliação da
sociedade com seus sujeitos excluídos não pode ser a-histórica ou a-temporal,
mas necessita de tantas outras leituras sociais com o fim de conciliar
diversidades periféricas e conciliar-se com o núcleo mobilizador de todas as
demais exclusões e formas de dominação (ARAYA, 1991). Estudar a TdL, na
perspectiva da ‘exclusão’ constitui-se opção para alguns autores. Entretanto,
entendemos que existem inúmeras outras maneiras de construir nossa
argumentação em torno desta teologia que mobilizou leigos e teóricos latinos por
duas décadas e, agora, fazermos uma ‘reconstrução’ do que a TdL deixou de
significação para a sociedade latina de um modo geral. Qual o legado que a TdL terá
deixado para os excluídos reais? Chamamo-los de excluídos reais porque somente
cada sujeito conhece a perspectiva densa de sua particular exclusão. Não bastará
nominarmos a exclusão em grupos, e sim decodificarmos o quê dentro de
77
cada grupo de excluídos se faz ‘gritar’ na alma humana, na identidade humana, na
vida cotidiana de cada oprimido (TAMEZ, 1995).
Adentrando as categorias de análise possíveis nos vieses interpretativos da
Teologia da Libertação, Rivera (1996) acredita numa crise da TdL após os 20 anos
de inserção teórica latina. O autor trabalha o conceito de exclusão dos oprimidos ou,
em outras palavras, num meio de olhar os oprimidos pelo viés da exclusão nesse
período em que a TdL foi construída, divulgada e vivida. Provavelmente, podemos
inferir que em duas décadas a TdL teve seus momentos de reflexão, implantação,
auge, eficácia e declínio. Por que teria declinado, perguntamos? Obviamente, não
podemos arriscar uma resposta absoluta com nossa pesquisa, mas introduzirmos os
leitores nos possíveis caminhos e probabilidades interpretativas que teriam
conduzido a TdL ao seu atual declínio. Dentre as razões prováveis, consideramos
que a TdL supervalorizou a dicotomia ‘opressor-oprimido’. Ao passo que,
Paulo Freire, ao sugerir a dicotomia ‘opressor-oprimido’ a sugere como construção
de uma situação de opressão que contém dentro de si a própria negação dessa
construção. Isto significa que o oprimido não pode ser visualizado apenas como
oprimido, mas como um sujeito que também oprime, ainda que oprima a si
mesmo (FREIRE, 2010). Outra possível razão de distorção interpretativa da TdL
teria sido o foco em apenas um dos aspectos de todo um complexo conjunto
de opressão social – a questão econômica da pobreza. Focalizar a pobreza
material como único viés de todo um amplexo opressor, reduz a capacidade
epistemológica de entender-se os diversos matizes de opressão social visíveis ou
não-visíveis nas relações entre os sujeitos. Será que o conceito de “exclusão”
conseguirá dar conta de explicitar as dinâmicas e tensões originadas dentro da
dialética opressão-libertação? (RIVERA, 1996).
De acordo com Rivera, há uma tensão presente nos estudos das
Ciências Sociais de maneira geral no que diz respeito à conceituação de termos
específicos desta área do conhecimento que estejam aptos semanticamente a
decodificar a problemática em questão. Há uma verdadeira carência de
termos. Considerando que, a TdL desenvolveu suas reflexões e a veiculação
de sua práxis de forma progressiva por duas décadas, é natural que crises
conceituais surjam dentro da caminhada daqueles que a estudam e a praticam.
Por isso, mais do que nunca, estamos num momento de revisar e re-conceituar
78
alguns termos centrais utilizados pela TdL, a fim de abrir brechas para outras
análises e explicitação de sua teoria por meio de outras abordagens.
Elsa Tamez (1995) sustenta que o apóstolo São Paulo, na carta aos
Romanos, coloca os ‘excluídos’ como ponto de destaque em seu discurso,
pois, para estes o Espírito de Deus o havia enviado à pregar a liberdade. A carta de
Paulo aos Romanos entende que a identidade daquele que aceita a liberdade
concedida pelo Espírito de Deus espelha a identidade de um sujeito que se sabe um
possível vencedor. Mas, que tipo de vencedor? Este ‘vencer’ no discurso paulino, de
acordo com o pensamento de Tamez, é a atitude da fé-resposta que assume sua
liberdade no Cristo independente das circunstâncias sociais que os possam
envolver ou atingir. O texto de Romanos 8. 38 a 39, diz que: “nem a morte nem a
vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro (...)” nada
poderia separar o vencedor de sua vitória – a saber, a presença amorosa do
Cristo. Somos livres apenas para amar. Segundo Tamez, no amor do Cristo,
“tanto o homem como a mulher recobram forças e autoridade para criar
novamente o seu mundo, porque –tendo sido justificados – o espírito que os anima e
o Espírito Santo se unem para testemunhar que são filhos de Deus; em Romanos,
capítulo 08, verso 15” (TAMEZ, 1995, p.186). Justificação nos sugere a ideia de
justiça, de justiça social.
Continuando a reflexão proposta por Tamez e pelo apóstolo São Paulo,
temos a interpretação de que os oprimidos devem ser alcançados por aqueles
que já experimentaram a vitória de viver a liberdade nas questões sociais.
Liberdade esta que os envolve amorosamente numa atmosfera de justiça sócio-
econômica, colocando-os unidos com o núcleo mobilizador de vida na sociedade. A
partir deste ponto, todo sujeito consciente do seu papel social poderá praticar o
ensinamento de São Paulo ao não permitir que ‘nada’ separe outros sujeitos
da liberdade socioeconômica. A libertação virá pelos próprios sujeitos, movidos
pelo espírito justificador do Cristo. O espírito inclusivo do Cristo. Sim, o Cristo se faz
presente por meio dos sujeitos sociais que se posicionam contra a perpetuação da
gangorra da exclusão entrincheirada na dialética opressão-libertação.
A reflexão originada dentro da TdL acerca do sentido de ‘exclusão’,
provavelmente, derivou de outro termo de forte cunho hermenêutico dentro da TdL –
o termo ‘pobre’. Deste modo, podemos olhar a exclusão no viés econômico ou não.
79
Pobreza pode ser econômica e também não-ser. O pobre e sua pobreza,
assim, apresentar-se-ão em variadas dimensões e perspectivas, ou até mesmo:
origens sociais. Um sujeito pode estar ‘pobre’ porém com boa estabilidade
econômica e financeira. O que vai delinear a ideia de empobrecimento é aquilo que
o levou a ser considerado um pobre, ou escasso de algo. Esta escassez, entretanto,
poderá ser de origem material, inter-pessoal, emocional ou intelectual-educacional.
Ao nos referirmos à pobreza intelectual, recorremos aos estudos freirianos no que
tange à escassez de conhecimentos que habilitem os sujeitos ao domínio de
linguagens técnicas e funcionais, a serem adquiridas pela veiculação dos
mecanismos educacionais formais. A educação formal possibilita ao sujeito dominar
o seu ‘mundo’, em vez de ser dominado por ele. Dominar não ao outro, mas dominar
os meios de conhecimento, táticas e conteúdos fundamentais para sua
sobrevivência no meio. Pobres estão excluídos de situações sociais onde
outros conseguem acessar livremente. Estar pobre também se traduz por estar
excluído de.
A ciência e a tecnologia surgem como objeto de apropriação dos
opressores, que delas se utilizam para dominar os pobres, tratando-os como
‘coisas’. No mecanismo de coisificação dos sujeitos surge a necessidade de diminuir
os outros medindo-os pela quantidade de bens materiais tecnológicos que estes
possuem. Os que não possuem, não são. E nisso está a violência de um sujeito
contra outro. O conceito de ‘excluído’ foi muito utilizado na década de 1990 pela
Teologia da Libertação, porém não se tratava de um conceito novo neste período, e
sim de uma ramificação de outros termos sinonímicos que foram utilizados
concomitantemente a este conceito. Dentre os conceitos sinônimos para ‘excluído’ e
que surgiram na TdL um pouco antes deste, estão: exploração/
dependência/subdesenvolvimento e o mais conhecido – o conceito de opressão
(RIVERA, 1996).
Exclusão é opressão e ausência de liberdade. Se os sujeitos excluídos não
dispõem da capacidade de escolher participar das decisões políticas, logo não estão
livres. Nesse caso, os excluídos são escravos daqueles que se pretendem
livres acima destes. A modernidade trouxe consigo a falácia de ser livre
abdicando das religiões, principalmente as religiões do segmento cristão. A
majestade da ciência moderna, do Estado e da economia colocam diante de nós
80
um equivocado patamar de segurança nos progressos tecnológicos e científicos.
De acordo com Comblin (2005), em nome da liberdade aceitamos a
escravidão. Ou seja, a ditadura do progresso social nas sociedades modernas
e pós-modernas gerou blocos de excluídos. Desde a Escola de Frankfurt14-
Alemanha, o elogio à ciência já era percebido como busca pelo poder. Por
isso, o esforço de discussões entre os pensadores modernos, membros da
Escola de Frankfurt, para que novos métodos de estudo ganhassem espaço nas
teorias filosóficas e sociais.
Inicialmente, pensava-se que a ciência e a tecnologia constituíam
poderes salvíficos para a humanidade, que poderiam abrir-se em inúmeros
desdobramentos para acolher estes avanços do conhecimento. Todavia,
quando as sociedades acolhem o avanço do conhecimento como prioridade,
poderão incorrer em aceitação da ditadura do saber. A ditadura do saber está
intimamente ligada à ditadura do poder. Ambas, impõem para os sujeitos que
aqueles que não sabem estão automaticamente excluídos das decisões e
evoluções sociais. Quem quer ficar excluído? Ninguém. Um exemplo disso é que
as pessoas buscam incessantemente por aparelhos telefônicos móveis com
aplicativos e parafernálias que os tornam de alto custo. Os sujeitos não desejam
apenas um telefone para comunicar-se, mas algo para ostentar o poder de ter. O
poder de compra. Em contrapartida, os sujeitos seguem sofrendo com baixos
índices de saúde, de lazer, de segurança e de escolaridade. A mídia de
massa contribui para colocar na cabeça dos pobres que importa antes ter um
celular iphone do que pagar a consulta do dentista para prevenir os males das
doenças bucais. Fica uma dúvida: isso é liberdade? Isso é uma vida livre? A
vida que consome não consome para estar livre, mas para ser escrava daquilo
que consome, daquilo que compra. A vida livre é a vida que tem o dom da
vida. A vida estéril não é vida (COMBLIN, 2005). A vida é coletividade e inclusão
14Escola de Frankfurt – uma escola clássica de pensamento surgida na Alemanha, mais precisamente, no ano de 1931, sob a direção do filósofo Max Horkheimer. Seu objetivo encontrava-se em discutir as teorias sociais, sem reduzi-las ao pensamento sociológico formal. Buscava-se uma teoria crítica constante capaz de cortar visceralmente as clássicas teorias do desenvolvimento. Para isso, estimulavam-se intuições de caráter filosófico em perfil dialético com as teorias econômicas, sociológicas, educacionais, religiosas. SOARES, Jorge Coelho; EWALD, Ariane P. Escola de Frankfurt: o elogio da sombra. Revista Estudos e Pesquisas em Psicologia. n.1. v.11. Rio de Janeiro. 2011. 9-22pp.
81
dos sujeitos uns com outros. Ter o dom da vida traduz-se por gerar vida e acolher
outras vidas dentro do nosso meio social. Gerar, produzir e incluir. Deus é vida, pois
em Deus há o Filho – Jesus. Em pesquisa sem abdicar dos métodos clássicos.
Em Deus há geração de vida. Ele é o Pai e a Mãe. Ele é uma família. Ao
constituir-se Deus, o fez em Trindade, três. Isto significa que Deus não se percebe
sozinho, mas em família. Este é o Deus inclusivo que a todos acolhe em suas asas
carinhosas. Se Deus é vida, logo ele não participa da exclusão. A vida
perfeita de Deus não se contradiz na exclusão. A vida acolhe, resgata, ama,
ampara, empodera, direciona. A vida perfeita divina entende toda a humanidade
como fruto do dom perfeito. Dessa forma, toda imperfeição é gerada pela anti-
vida, anti-matéria, anti-Deus. E isso exemplifica porque criamos sociedades em
desequilíbrio e porque uns sujeitos possuem muita renda e outros renda
nenhuma. Tudo o que é contrário ao dom perfeito de Deus resulta em anti-vida.
Se a vida inclui, a anti-vida exclui. Pensar em anti-vida é entender que podemos
negar o dom perfeito de Deus seccionando a sociedade em grupos de
capazes e incapazes, prósperos e pobres, inclusos e exclusos. Viver não é
existir como um objeto qualquer, afirma Comblin (2005). Viver é
Agir, produzir, ser fecundo. Viver é poder dar. Na vida é que se realiza a liberdade. A humanidade é chamada à liberdade porque nasceu para a vida. Esta vida segue um curso biológico, ficando restrita aos limites do mundo em que está inserida. Por isso a liberdade realiza-se por etapas e no tempo, assim como a vida. Pois a vida humana está condicionada pela corporeidade (COMBLIN, 2005, p.64).
O efeito das políticas liberalistas dos séculos 18 ao 20, mas especificamente
a partir do ano 1789 com a ascensão das ideias de “liberdade, igualdade e
fraternidade” eclodindo da Europa para o globo. Por entre nós, latinos, os
efeitos desse idealismo resultaram na intensiva segmentação do trabalho humano.
Aliada ao fato da divisão do trabalho, surge a emancipação humana possibilitando a
cada cidadão ter o direito sobre suas propriedades adquiridas. Agora cada um
82
trabalharia de per si. Sociedade feudal passa a ser matizada pelas cores da
burguesia. Sociedade burguesa. Ricos e pobres. Contudo, pobres com ‘plenas’
liberdades individuais para possuir terras, bens e moeda. O indíviduo está livre, mas
está preso em si mesmo. Tem a liberdade política adquirida para acumular capital,
entretanto não tem educação para juntar capital. Não foi educado a trabalhar para si
mesmo e trabalhará para os novos senhores do momento – a burguesia.
Estaria o pobre fadado eternamente à sua condição de pobreza? A liberdade
adquirida pela política parlamentar do século XVIII não foi suficiente para distribuir
renda de modo igualitário? (HOP, 1995). Fatalmente as respostas possuirão o teor
da negatividade – não e não.
Sim, os pobres não conseguiram liberdade com a ascensão da
burguesia e o desfecho do período feudal na economia latina sobre bases
políticas do parlamentarismo. O que favoreceu ao pobre acessar as passarelas
iniciais de liberdade foi a decisão de unir-se em movimentos populares
promovidos pelas paróquias cristãs católicas. Nesse sentido, sim, o cristianismo
de libertação introduziu-se no pobre e por ele foi introduzido no caminho de
liberdade histórica que negou o determinismo do trabalho escravo para todos os
que anteriormente só teriam condições de arar terras de propriedades feudais.
Arariam algo que jamais lhes pertenceriam. Dessa maneira, pode-se dizer que
a burguesia capitalista contribuiu com flashes de liberdade para a libertação
dos menos favorecidos ao possibilitar aos empregados que acumulassem
pequenos capitais, adquirissem curtas extensões territoriais, construíssem casas
para que, finalmente, nelas pudesse morar.
Exilados dos feudos, os empregados da burguesia puderam repensar
sua forma de sobrevivência e ousar acumular capital. De acordo com o
pensamento freiriano, todo exílio está encharcado da probabilidade de transformar-
se em agentes culturais mais completos. O exílio nos empurra para re-inventar o
mundo. Todavia, sem consciência de sua palavra, o sujeito nada poderá re-inventar.
São as palavras do cotidiano experiencial que materializam-se em ações de
liberdade. Tanto o feudo-colonialismo, quanto o processo de descolonização
carregam problemas de ordem estrutural quando se quer emancipar os sujeitos
sociais. Na colônia, o sujeito tem pão, mas não tem terra; ao passo que, na não-
colônia, o sujeito tem a terra, porém não tem o dinheiro e nem as ferramentas para a
83
produção do trigo que lhe dará o pão. Freire ao exilar-se experimentou as
agruras que outros sujeitos de outras culturas já experimentavam antes dele. Ao
intercambiar a perspectiva do sofrimento nordestino com as realidades de outros
pobres produziu em si o diálogo intercultural. Dialogou com outras culturas e por
elas foi dialogo, interrogado, questionado, inquirido (ANDREOLA; RIBEIRO,
2005). A experiência intercultural freiriana produziu educabilidade para a ação de
educar e emancipar outros sujeitos, a partir da cosmovisão recifense-brasileira,
tal como Freire afirma em
Não, o que quero dizer é que sou, existencialmente, um bicho universal. Mas só sou porque sou profundamente recifense, profundamente brasileiro. E por isso comecei a ser profundamente latino-americano e depois mundial (FREIRE apud ANDREOLA; RIBEIRO, 2005).
3.3 RELEITURA DA TDL PELO VIÉS MISSIONÁRIO TRANSCULTURAL
Representantes do cristianismo de libertação atuaram em cenários
transculturais diversificados por momentos históricos não-lineares. Vez por outra, a
gênese que essencializa o pensamento que conduz às fontes da reflexão libertadora
deixa-se perceber na veia de um missionário, sobretudo, os missionários
transculturais. Para exemplificar, sugerimos alguns parágrafos sobre o trabalho
missionário transcultural do Frei Bartolomeu de Las Casas, teólogo espanhol
com atuação em favor dos pobres das Índias, em meados do século XVI. Para Las
Casas, a vida do índio colonizado, empobrecido e impelido à morte justificava o
evangelho de Jesus Cristo em favor dos pobres, excluídos, violentados,
anomizados. Invisíveis pobres. Presentes pobres. Contradição de um capitalismo
84
que depende do pobre para sua manutenção, todavia não reconhece a
identidade da coletividade gigantesca de pobres que o abastece em posição de
dominação. “Para ele – Las Casas – os desprezados deste mundo são os
primeiros” (GUTIERREZ, 1995, p.27). Ao pensar em que todos os sujeitos sociais
possuem o direito à liberdade, deve-se dissecar o termo ‘todos’ em pequenos
fragmentos de matriz holística integralizadora.
O ‘todo’ é genérico e generalista. Mas o ‘um’ é pontual e específico. O ‘dois’,
ou o ‘três’, até o ‘grupo’, que representa a parte do todo. Exceto o todo pelo todo,
que nada identifica. Por não identificar também não concebe semanticamente o
perfil de ‘todo’ e faceta de ‘um’. Acerca de que ‘todo’ se fala, o que, ao falar
invisibiliza o sujeito? Por isso, cuidar-se-á em delimitar, justificar, objetivar e
sinalizar especificamente o tipo de dor, o tipo de pobre, o tipo de escassez, o tipo de
exclusão e o tipo de opressão que encontram-se materializadas em cada sujeito ou
grupos de sujeitos sociais. O missionarismo lascasiano sedimenta-se na graça do
Cristo que compreende tempo presente e tempo existencial. O cristianismo que
liberta a alma e salva conjuntamente o corpo. Que não demoniza o terreno,
entretanto, o diviniza, pois sabe-se alvo do agir do Cristo. Num dos momentos
da conscientização da igreja em relação ao mal que fazia contra os pobres por
subjugar-lhes a pesados trabalhos, destacou-se o sermão do Frei Antón
Montesino a quem Las Casas referiu-se em citação textual direta, e Gutierrez
sinaliza
Todos estais em pecado mortal e nele viveis e morreis, por causa da crueldade e da tirania, que empregais com estas gentes inocentes. Dizei: com que direito e com que justiça conservais em tão cruel e horrível servidão a estes índios? Com que autoridade desencadeastes tão detestáveis guerras contra estes povos que estavam em suas terras mansos e pacíficos, acabando com um número tão grande de pessoas com mortes e estragos nunca ouvidos? Como os conservais tão oprimidos e cansados, sem darlhes de comer, nem curá-los em suas enfermidades, que morreram por causa dos excessivos trabalhos que lhes dais, quer dizer, os matais no trabalho de extrair e adquirir ouro cada dia? E qual é a vossa preocupação para que sejam doutrinados e conheçam a seu Deus e criador, sejam batizados, ouçam missa, guardem as festas e os domingos? Não são eles homens? Não têm almas racionais? Não sois obrigados a amá-los como a vós
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mesmos? Não entendeis isto? Não sentis isto? Como podeis permanecer adormecidos num sono letárgico tão profundo? Tende por certo, que no estado em que estais, não os podeis salvar mais do que os mouros ou os turcos que carecem e não querem a fé em Jesus Cristo (MONTESINO - H. III c.4; II, 176 apud GUTIÉRREZ, 1995).
História aberta em teologia da libertação é como uma mensagem
escatológica do prenúncio da educação libertadora freiriana. Carlos René
Padilla (2005) afirma que o evangelho vivo da presença material do Cristo entre os
sujeitos confirma a validade da história aberta vetero-testamentária, uma vez que a
vida do Cristo cumpre os ideais de esperança mapeados na antiguidade
bíblica. A contribuição de Freire para a religião cristã, seja de matriz protestante ou
de matriz católica, encontra-se nos fundamentos do seu ensino libertador, de
sua história sempre aberta às possibilidades de transformações humanas. O
sujeito liberto, somente o é quando se percebe liberto na consciência livre das
amarras do preconceito, da soberba, da inferioridade, da superioridade, da
marginalidade, do sectarismo deformador social. O missionarismo não está
reduzido aos projetos evangelísticos, e sim a toda e qualquer tentativa de levar a
outros uma mensagem libertadora. Neste sentido, Schipani (2002) entende que
o ‘missionário’ Freire propagou sua fé na utopia da educação, obtendo confluências
com as ideologias da Teologia da Libertação no entendimento aproximado de
ambos a respeito da salvação existencial dos sujeitos por meio da emancipação
social.
A igreja cristã oferece impulso para a ordem social dominante quando motiva
seus seguidores a alcançarem os favores divinos para o sucesso nas
relações sociais, sobretudo, o sucesso do capital acumulado. A defesa da
ideologia cristã está consonante aos interesses de classe. Lamentavelmente, não
são os interesses de classe desfavorecida, mas da classe dominante. Que
classe dominante? Obviamente aquela que divulga e impõe suas ideologias de
capital, alegando que os mais pobres são preguiçosos ou resistentes ao ensino
formal, o que não é verdade. Esse neoliberalismo descarado eleva os
dominadores ao lugar de heróis e os dominados ao lugar de fracassados.
Contradição e cinismo social desde os séculos dos séculos, até a
86
contemporaneidade, até o futuro dos tempos. Não apenas a igreja cristã serve aos
interesses políticos da elite opressora, mas também a educação formal
tecnicista o faz constantemente. A reciprocidade do pensamento freiriano com
as ideias da TdL revela o quanto a obra Pedagogia do Oprimido possui beleza
acadêmica e a magia de atualizar-se a cada novo momento sócio-econômico. Freire
teorizou a beleza que está na ação de emancipar o pobre pela libertação da
educação tornando a sua metodologia quase uma espiritualidade da educação. Não
necessariamente uma religião deformada pela estrutura engessada dos interesses
difusos do capital com a missão social, todavia, uma espiritualidade educacional que
extrapola os interesses pragmáticos da religião ritualística.
Em Freire, temos a noção de necrofilia que assassina o outro que já está para
morrer. É o mesmo que negar atendimento de saúde pública para quem
depende exclusivamente do serviço de saúde pública. Terminar de matar quem já
tem menos-vida, que já está para morrer. Sadismo. Os necrófilos – ou produtores de
morte, ou amigos da morte – estão em todos os lugares, como na teologia, na
Academia, na educação ou na economia. São amantes de si mesmos e dos seus
bolsos lotados de capital que os assegura. São fúteis, desumanos e
desumanizadores. Jamais sobreviveriam numa favela carioca, sem água, sem
esgoto, sem carro, sem plano de saúde. Seriam estes os reais mortos? Matam
outros porque só sabem gerar morte, e, assim expõe o quanto também encontram-
se desumanizados do ideal de vida igualitária. Seguindo os insights freirianos,
destacamos o trecho que segue
O sadismo aparece, assim, como uma das características da consciência opressora, na sua visão necrófila do mundo. Por isto, é que seu amor é um amor às avessas – um amor à morte e não à vida. Na medida em que, para dominar, se esforçam por deter a ânsia de busca, a inquietação, o poder de criar, que caracterizam a vida; os opressores matam a vida (FREIRE, 2010, p.52).
87
Por vezes, a igreja propõe-se a um comportamento neutro em questões
polêmicas e plenamente sociais. Sejam de matriz educacional, de gênero, política,
econômica, biomédica ou outras. Enfim, a igreja fica em cima do muro
quando a sociedade lhe traz temas que causam desconforto ao se chocarem
com os fundamentos radicais de sua fé e devoção. Entretanto, não é concebível a
ideia de neutralidade da igreja ou do cristianismo. Toda prática religiosa ocorre
dentro de um grupo social, portanto, jamais será neutra. O risco da postura de
neutralidade é o fato da igreja corroborar ações de violência por conta do
silêncio fantasioso que imprime nos seus cultos e nas pessoas que os praticam.
Um silêncio que passa a falsa ideia de que tudo está perfeito e confortável, quando
não está nem um pouco. Nessa linha, não há neutralidade nas diversas formas
de opressão, sendo todas intencionais.
O Cristo de Freire provavelmente foi o Cristo do povo, apresentado a ele pela
Teologia da Libertação. Quando Freire se declarava cristão, queria expressar
não uma ligação com uma forma dogmática de crença, mas com a prática
pela emancipação das classes sociais desfavorecidas. Ele creu na qualidade
de vida defendida pela teologia de seu tempo e com ela comprometeu-se
(SCHIPANI, 2002). A partir disso ele desenvolve sua práxis pedagógica por meio de
uma filosofia educacional onde a libertação presencia-se em reflexos de libertação
que os sujeitos acessam para sua salvação. Este viés de salvação está na
materialidade histórica da equiparação de classes. O único meio de
desenvolver isso, nesse tempo histórico, foi por meio da utopia da educação
das massas. Utopia não como algo distante, mas como algo totalmente acima
daquilo que aceitamos como condição naturalizante. E, por isso, deve ser
perseguido como alvo de melhoria e de transformação. Gostamos de pensar na
utopia como a linha do horizonte para o qual se caminha, ainda que ele se distancie
cada vez mais e mais. Contudo, o fato do horizonte distanciar-se não significa que
os sujeitos que caminharam em direção a ele, ficaram estagnados na miséria da
inércia social. Não, estes sujeitos caminharam. E, ao caminhar, movimentam
outras relações, outras possibilidades de transformação. E a transformação
acontece, pouco a pouco, num efeito dominó.
Mas, a transformação social e a emancipação são plenamente reais e
exeqüíveis. Freire provou que ambas são possíveis. O pensamento freiriano,
88
aparentemente, induz-nos a sensação de que tudo está repetindo-se na sequencia
dos seus livros: pedagogia do oprimido, pedagogia da esperança, pedagogia da
autonomia, dentre outros similares de sua autoria. Mas, nada está se
repetindo. A sua práxis educacional alcançou tal relevância e veracidade de
resultados entre aqueles que executaram sua metodologia que seria impossível
Freire escrever livros com teorias vazias e desconexas da gênese de seu
pensamento. A cada livro, sua teoria confirmava-se como válida, como
legítima. A Pedagogia do Oprimido tem características de um livro de cabeceira,
para ser lido, pensado, praticado, revisto, debatido, atualizado, desdobrado. Nunca
esquecido numa estante.
Dialeticamente, pode-se ver o Cristo através do povo ou o povo através do
Cristo. Parece-nos que o próprio Cristo escolheu ver o povo antes dos dogmas. E
Freire também escolheu ver o povo. Crer no povo. A pedagogia freiriana demonstra
que ele, ao olhar o povo, encontrou o Cristo. E isso lhe deu sentido para dialogar
com a teologia da libertação e, nela identificar elementos que reforçassem
sua crença no povo. Não apenas viu o povo, mas ouviu o povo. Procurou entender
as falas do povo, o porquê destas falas, as nuances destas, as sugestões de falas e
a ausência das falas. Na Pedagogia do Oprimido, Freire fala no ‘conforto’ que
os deterministas sociais encontram ao atribuir as opressões humanas aos desígnios
de um Deus: “Quase sempre este fatalismo está referido ao poder do destino ou da
sina ou do fado – potências irremovíveis – ou a uma distorcida visão de Deus.
Dentro do mundo mágico ou místico em que se encontra a consciência
oprimida, sobretudo camponesa, quase imersa na natureza, encontra no
sofrimento, produto da exploração em que está, a vontade de Deus, como se
Ele fosse o fazedor desta ‘desordem organizada’. Na imersão em que se
encontram não podem os oprimidos divisar, claramente, a ‘ordem’ que serve aos
opressores que, de certa forma, ‘vivem neles’ (FREIRE, 2010, p.55).
89
3.4 SUJEITO-HISTÓRICO, HISTÓRIA ABERTA E NEGAÇÃO DA HISTÓRIA
Os sujeitos-históricos são capazes de intervir no mundo. Historicizar é
se perceber enquanto sujeito-histórico, apto para ver o conhecimento como
produção histórica. Sendo produção, o conhecimento pode dispor do saber
acumulado existente. E também deve abrir-se ao saber em construção que não está
na posição de ‘existente’, mas de ‘em processo de existência’. O conhecer dá-se
pela busca. Todos os educandos e educadores encontram-se igualmente
envolvidos na busca do conhecer e na curiosidade epistemológica. Ensinar exige
pesquisa rigorosa sobre o contexto dos alunos, não apenas sobre os conteúdos
disciplinares do conhecimento (FREIRE, 2011). Ensinar na via do respeito ao
saber popular e comunitário do senso comum do educando. Educar as
massas não é tomada de poder, não é subversão, mas emancipação de toda
a sociedade. Na metodologia que se propõe a emancipar as classes C, D e E o
ensino está pautado na realidade concreta destas classes, nos desejos,
frustrações e expectativas. Às vezes, a proximidade com a dor e a morte é
muito mais freqüente do que as propostas educacionais românticas da
esperança que se distancia da realidade.
A curiosidade epistemológica é curiosidade criticizada, em vez de um
despertar ingênuo. Ela está sistematizada e mais aproximada do objeto cognoscível.
A atividade pedagógica é formadora. E formar é equipar com atributos para a
condição existencial de ‘vir-a-ser’. Formar é cooperar com os sujeitos no processo
de valoração. Dentro deste processo, abrir espaço para a possibilidade de
transgressão. Educar é substantivamente formar. Quando falamos de formação de
caráter para o desenvolvimento de atitudes por meio do processo pedagógico não
estamos excluindo a importância dos saberes técnicos. A tecnologia e a mídia digital
são imprescindíveis para o crescimento dos alunos, porém devem estar
sempre abertas às críticas, em vez de ser aceitas na totalidade dos seus
formatos propostos. Contudo, isso dependerá do uso ético que a educação faz
de cada recurso técnico a ela apresentado (FREIRE, 2011).
90
O pensar certo está no pensar ético. Todo pensar certo conduz à coerência.
Quem mudar assumirá que mudou. A mudança ficará visível no processo de
transformação dos sujeitos. De acordo com Freire, a rigorosidade do pensar certo
critica a fórmula farisaica e conteudista do: ‘faça o que eu ensino, mesmo que este
ensino não lhe sirva para nada’. Desta forma, para fugir do conteudismo e
do farisaísmo o exercício do pensar certo deve produzir um agir certo (FREIRE,
2011). Ele é crítico de si mesmo enquanto teórico. Ao descrever o que é
‘pensar certo’ avalia que esta teoria só é válida se o pensar estiver coerente com o
agir. Pensar certo, para ele, é validado com o testemunho da prática pautada neste
pensar. É um pensar dinâmico, dialético, dialógico.
O sentido da educação encontra-se na crença de que os humanos se fazem e
se refazem ao aprender. Educar é indignar-se. Indignar-se contra injustiças e contra
o desamor. Nesta direção, os educadores são politizadores. O ‘quefazer’
pedagógico-político não pode dicotomizar do quefazer político-pedagógico.
Pedagogia e política a partir das ações das comunidades, mesmo sem a tomada do
poder dominante (FREIRE, 2000). A pedagogia-política se depara com
obstáculos surgidos na caminhada, os quais tentam imobilizar os sujeitos e distorcer
a verdade de que as relações sociais são objeto de mutações na dialética
ensino-aprendizagem. Com o intuito de que a imobilidade não alcance os
processos politico-pedagógicos, Freire coloca a virtude da esperança como
disciplina interdisciplinar. As políticas públicas em geral se apóiam no mito do pré-
estabelecido incondicional. São absorvidas ideias de que a corrupção dos
sistemas governamentais jamais colocará a questão educacional como prioridade.
Ou na ideia de que aqueles que nasceram pobres jamais chegarão a ter condições
de libertação porque os sistemas econômicos não lhes permite tempo para
estudar. Estas são realidades com as quais convivemos, mas não precisam ser
realidades factuais ou imutáveis. Ter esperança é negar os condicionamentos
sociais, no sentido de recusá-los (FREIRE, 2000). A esperança problematiza a
sociedade na busca de outras respostas para as mesmas perguntas.
91
3.5 RELEITURA DA TDL PELO VIÉS DA ESPERANÇA: ENSAIOS REVOLUCIONÁRIOS CONTEMPORÂNEOS
A matriz da esperança é a mesma da educabilidade dos sujeitos. A
educabilidade que os torna conscientes de seu ser inacabado, porém não aceita as
respostas prontas. Inclusive, respostas formatadas para perguntas que os próprios
sujeitos não as fizeram. A indução midiática conduz às perguntas direcionadas por
ideologias de outros, numa espécie de saber viciado e tendencioso. Para fazer as
perguntas certas é preciso uma imersão no hoje, no agora. Molharmo-nos do tempo
em que vivemos para ter condições de pensar o amanhã. Pensar o amanhã
é profetizar ao anunciar novas realidades possíveis (FREIRE, 2000). Os seres
inanimados não podem reagir aos estímulos externos, sejam eles negativos
ou positivos. Ao passo que os seres humanos podem reagir, e não apenas reagir
mas questionar cada ação do seu meio. Assim, para a sobrevivência, precisamos
corrigir nossas histórias dando-lhes novos significados, com ações libertárias. Os
sujeitos em ação libertária possuem a capacidade de autopoiesis. O termo
“autopoiese” origina-se em uma combinação de vocábulos gregos: “autos” = próprio;
“poien”= fazer. Na autopoiese, nos fazemos e refazemos. Podemos reescrever
nossas histórias para que alcancem condições de uma vivência em liberdade e
longe da dominação social (SUNG, 2006). A virulência dos processos de dominação
social pode contaminar os sujeitos de tal maneira que estes não consigam mais se
libertar.
Dependendo do grau de nocividade ativa, os sistemas humanos de
autodesenvolvimento ficam comprometidos. Os sujeitos que se encontram nesse
estágio tendem a comportar-se como o “hospedeiro do dominador”, alertado
por Freire (2010). Ao hospedar seu próprio algoz dentro de sua subjetividade,
o sujeito não pode discernir a si mesmo e nem discernir o outro que o está
oprimindo. Poderá até mesmo vir a tornar-se um sujeito tão nocivo como
aquele que está “hospedado” dentro dele. Ou, como na maioria dos casos, se
autodestrói, aos poucos, pelo modelo de dependência identitária. Obviamente,
não desejamos aqui estimular o discurso pessimista do pragmatismo neoliberal
92
ao afirmarmos que os sujeitos dominados nem sempre chegarão ao estágio
de libertação. Nossa fala, porém, reside na lacuna da realidade possível mediada
pela capacidade da vida em criar novos sistemas de desenvolvimento. Tal como os
microorganismos celulares que se reorganizam nos sistemas da vida,
similarmente, os sujeitos envolvidos neste sistema também detêm os meios
para reorganizar suas vidas e suas sociedades quando necessário (SUNG,
2006). Sim, isto entendemos. Mas, fica a questão: Por que os sujeitos aptos ao
seu desenvolvimento e à sua reorganização não se desenvolvem e não se
reorganizam com regularidade? O que ocorre no meio do processo?
Desenvolver-se e organizar-se constituem atributos plenamente
complexos. Nem sempre os processos de desenvolvimento e organização sociais
acontecem de forma direita e justa. Para isso, os teólogos sugerem a
intervenção em favor dos pobres ou injustiçados. A questão do
desenvolvimento social pode induzir a uma falsa ideia de linearidade causal. Esta
é a lógica ocidental da causa-efeito, mas que não considerava os processos
estudados pelas teorias da complexidade e do caos. As relações humanas não
ocorrem de modo linear, mas dependem de fatores múltiplos. A partir destes
fatores de impedimento à libertação, perguntamos: Onde entra a questão da justiça?
A justiça torna-se necessária quando um dos sujeitos se atrapalha no meio do
desenvolvimento social e fica excluído do núcleo de benefícios do grupo. Isto é,
fica à margem da sociedade, periferizado. De acordo com Gutiérrez
Não é suficiente, porém, dizer que Deus revela-se na história e que, por conseguinte, a fé de Israel tem uma ossatura histórica. Também é necessário levar em conta que o Deus da Bíblia não é só um Deus que governa a história, mas também um Deus que a orienta no sentido do estabelecimento da justiça e do direito (GUTIÉRREZ, 1981, p.20).
Cada sujeito marginalizado está desprovido de justiça social e do
exercício pleno do seu direito enquanto cidadão. Para Gutiérrez (1981), Deus toma o
partido em favor dos excluídos.
93
3.5.1 Olhares de esperança
De acordo com Celso de Rui Beisiegel, Freire sofria a angústia de
meditar, constantemente, acerca daquilo que já tinha pensado e refletido nos seus
escritos anteriores. Nesse sentido, cada novo livro era um esforço para
averiguar se a pedagogia libertadora havia sido colocada em prática. Uma
forma de constatar a triste realidade de que muitos dos educadores e
pesquisadores até entendiam suas reflexões, entretanto, não procuravam
desenvolver os métodos para tornar a pedagogia libertadora uma pedagogia
exeqüível (BEISIEGEL apud ROMÃO, 1996). Quando pensamos em uma
pedagogia que trabalhe a realidade também consideramos uma pedagogia que
torne o aprendizado possível. Não basta falar na realidade, mas avaliar o que dessa
realidade é possível de ser transformada para o pleno desenvolvimento equilibrado
de todos os setores de uma sociedade. Os oprimidos vivem imersos numa
espécie de tráfico ideológico, onde tudo que é absorvido no seu pensamento
tem origem em ideologias bem distantes da realidade dolorosa de classes (ROMÃO,
1996). Quem conviveu com Paulo Freire afirma que ele transmitia para sua equipe
de trabalho a sua angústia reflexiva na direção de conduzir o discurso da
libertação para uma educação libertadora de fato, sobretudo, na educação
popular e alfabetização.
Moacir Gadotti, diretor-geral do Instituto Paulo Freire, é também um dos
biógrafos de Freire. Sobre seu primeiro encontro pessoal com Freire, em 1974,
anuncia que Freire tinha o hábito de ler para ele como que um pássaro
emitindo seus sons onde pudesse ser ouvido. Além de escrever, Freire queria
ser ouvido. Acredito que essa tenha sido uma das mais lindas experiências vividas
por Freire e Gadotti juntos. Imagina a sensação de expor suas idéias em
primeira-mão, ainda manuscritas, para alguém que delas tenha o interesse de
conhecer (GADOTTI, 1996). No ano de 1978, mesmo durante o período de
proibição de sua volta ao Brasil, Freire participou – à distância – de uma
conferência na Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, sob o tema: “I
Seminário de Educação Brasileira”. É claro que sua participação foi por telefone,
uma vez que ainda não dispunham dos recursos da internet nessa época.
94
Algum tempo depois, a reitoria desta universidade convidou Freire para
compor seu quadro de docentes. Contudo, Freire só pôde retornar ao Brasil em
1980, quando o regime militar o autorizou a regressar à sua terra natal. Ao tomar
conhecimento de que Freire estava por retornar ao Brasil, o Chanceller da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC SP – Dom Paulo Evaristo
Arns, tomou a iniciativa de oferecer uma cadeira para Freire ocupar na
docência, ao que Freire aceitou e lecionou até sua morte em 1997.
Segundo Carlos Alberto Torres (1996), Freire provavelmente foi o
educador latino de maior projeção internacional. Seu trabalho intelectual esteve
apoiado nas seguintes áreas: Conscientização/ Alfabetização/ Educação como Ação
Cultural. A legitimidade do trabalho de Freire se relaciona com o fato de que
a situação de aprendizagem, em muitos contextos sociais assimétricos, tem a ver
com situações de dor e conflitos sérios. Torres estudou o trabalho freiriano
desde seu início em terras brasileiras, ainda na década de 50. Em seguida,
acompanhou sua trajetória educacional pelo Chile e os esforços por viabilizar seu
método libertador pedagógico em diversos locais da África. Sua investigação se
estende à década de 90, quando Freire já havia retornado ao Brasil. A fala de Torres
nos interessa exatamente pela metodologia de acompanhar toda a trajetória de
Freire no que diz respeito à sua prática em ambientes culturais completamente
diversificados entre si. Ele afirma que Freire produziu sua primeira literatura ainda
em 1959, no Brasil, sob o título: “Educação e Atualidade Brasileira”. Esta obra foi
atualizada por Freire e passou a chamar-se “Educação Como Prática da
Liberdade”, impresso no Brasil no ano de 1967, quando Freire já estava sob
exílio político no Chile. Antes do golpe militar que o conduziu ao exílio, porém, o
Brasil contava com força e motivação educacional do então presidente João Goulart
– conhecido como Jango – que possibilitou a criação do ISEB – Instituto Superior
de Estudos Brasileiros, vinculado ao Ministério da Educação e da Cultura. O
ISEB promovia encontros para analisar o pensamento dos teóricos que mais lhes
influenciaram, como: Spengler, Weber, Scheller – ligados à antropologia alemã dos
anos 30. E os pensadores: Ortega, Sartre, Jaspers, Gasset e Heiddeger – estes da
filosofia existencialista. Acerca dos temas sociológicos, os autores de referência
foram: Weber, Toynbee e Pareto.
95
Os autores acima influenciavam os pensadores brasileiros deste
período. Contudo, a dialética freiriana se orquestra em torno de alguns parâmetros
teóricos que podemos chamar de fases freirianas. A primeira fase freiriana seria a
fase do “cristianismo pessoal”, amplamente criticada por adeptos do marxismo
ortordoxo. Autores como Emmanuel Mounier e Tristão de Ataíde exerceram
suas asserções cristãs sobre a formulação do pensamento freiriano. A
segunda fase pode ser definida como a fase teórico-crítica advinda das teorias de
John Dewey e Antonio Gramsci. Isso explica porque a construção do pensamento
freiriano teve um alcance muito grande em vários idiomas e culturas
diversificadas. Freire estava em consonância com fortes e eloquentes teorias
mundiais do seu tempo. Aliás, para o seu tempo uma síntese destes pensadores
era considerada arrojada novidade (TORRES, 1996). O ponto comum entre os
teóricos preferidos de Freire pode ser visualizado na luta pela humanização dos
oprimidos que estes pensadores demonstraram. Cujo objetivo maior era o de
reintegrar as classes sociais em camadas igualitárias. Gramsci criticou
ferozmente a burguesia no que diz respeito aos empecilhos que esta coloca para a
emancipação dos pobres, impedindo-lhes o acesso aos mecanismos de construção
ideológicos dominantes. Isto quer dizer que a burguesia dominadora se valia de
ideologias para promover sua cultura de dominação (GRAMSCI apud
HEIJMANS, 2006). Numa análise da perspectiva da distribuição de renda e da
simetria das camadas sociais posteriormente à revolução americana, Hannah Arendt
afirma que
O problema que colocavam não era social, e sim político; referia-se não à ordem da sociedade e sim a forma de governo (ARENDT, 2011, p.103)
96
3.5.2 Revolucionar para além da questão social
Para Arendt (2011) a revolução americana teve sucesso por estar
apoiada nos valores políticos que possibilitariam o crescimento de todas as classes
sociais juntas. Quando ela diz que o problema visto pelos EUA “não era
social”, significa que o problema da pobreza estadunidense era encarado pelas
tramas da política. E, ao mapear sua situação de calamidade financeira como
problema político, os estadunidenses não colocariam o foco nas revoluções sociais
em favor dos pobres, e sim nos mecanismos políticos que projetassem esses
pobres - a médio prazo -para condições igualitárias de vida em relação àqueles
que antes os dominavam economicamente. Concomitantemente, ela tece uma
crítica a forma como a revolução francesa foi projetada e desenvolvida. A
revolução francesa foi um insucesso porque não contou com a presença efetiva e
politizadora dos pobres. Os pobres foram representados por outras classes sociais
desenvolvidas, as quais não tinham elementos legítimos para representar a
realidade cotidiana dos mais pobres. ‘Representar’, segundo Arendt (2011), é enviar
a presença de alguém para anunciar um outro alguém. Representação também
pode ser autopreservação onde os trabalhadores se protegem da imtromissão/
intervenção do governo. Porém, para que a representação seja transformada
em autopreservação de uma classe será necessário que aqueles que
representam outros tenham legitimidade para tal. Representação é diferente de
presença. O que impede a representação de atuar com legitimidade é a
preocupação das classes dominadoras em evitar que as classes ex-dominadas –
os pobres de ontem – criem por si mesmos mecanismos de ‘empowerment’ -
empoderamento (2011). Uma vez empoderados os ex-dominados poderão criar seu
próprio código de conduta e o impor ao corpo político total.
Arendt (2011) entende a revolução francesa como noção de necessidade
histórica onde os atores revolucionários não eram ingênuos coadjuvantes. Podiam
até não possuir forças políticas para tal realização, mas tinham consciência de
que deveriam reagir às condições de alienação em que se encontravam. O
que atrapalhou o progresso da revolução francesa não foi a falta de
97
conscientização dos pobres que participaram da revolução. Estes foram
prejudicados por serem representados pelos próprios dominadores deles. A
temática da revolução francesa era ajudar aos pobres. Todavia, é certo que
nenhuma ajuda será efetiva quando há dominadores no controle de uma
situação privilegiada. A ajuda revolucionária só pode ser considerada ajuda
quando traduz-se em ajuda mútua. Quando todas as classes se comprometem com
os problemas que atingem todas elas, ao ponto de dispensar esforços
reflexivos e práticos para a reforma política desta ou daquela sociedade. Do
contrário, as revoluções em favor dos pobres reduzir-se-ão em ações subjetivas,
lacunares e estéreis.
De acordo com Freire (2010), a subjetividade da pretensa ‘ajuda aos pobres’
precisa ser substituída pela objetividade da inserção crítica na realidade. Quem olha
de fora, vê apenas a superfície. Provavelmente, prefere olhar de fora para não correr
o risco de sentir o desconforto do reconhecimento da realidade do outro.
Para reconhecer, será necessário assumir a contradição instalada e vivenciada por
quem está no poder. Por isso, é mais fácil racionalizar as complexas situações dos
pobres com ideologias simplistas ou políticas de espetáculo que oferecem
propostas mirabolantes de resolução da pobreza, as quais só servem para angariar
votos em períodos eleitorais. Freire chama esse comportamento cínico dos
mais ricos de comportamento neurótico, em
A tendência deste é, então, comportar-se “neuroticamente”. O fato existe, mas tanto ele quanto o que dele talvez resulte lhe podem ser adversos. Daí que seja necessário, numa indiscutível “racionalização”, não propriamente negá-lo, mas vê-lo de forma diferente. A “racionalização”, como mecanismo de defesa, termina por identificar-se com o subjetivismo. Ao não negar o fato, mas distorcer suas verdades, a racionalização retira as bases objetivas do mesmo. O fato deixa de ser ele concretamente e passa a ser um mito criado para a defesa da classe do que fez o reconhecimento, que, assim, se torna falso. Desta forma, mais uma vez é impossível a inserção crítica que só existe na dialeticidade objetividade-subjetividade (FREIRE, 2010, p. 43).
98
Ettore Gelpi, conheceu Freire em 1975, em Genebra. Ele atuou como
consultor da UNESCO, em Paris, por longo período. Segundo Gelpi (1996),
Freire seguia dotado de uma humanidade singular. A humanidade em Freire
se fazia coerente com aquilo que ele escrevia. Freire escrevia o que vivia e
vivia o que escrevia. Para aqueles que insistiam em seguir a Freire como um
‘doutor’ do pensamento ele avisava que: “A melhor maneira de me seguir é
não seguir-me” (FREIRE apud GELPI, 1996, p.238). Essa postura revela a
capacidade de desapegar-se se suas próprias certezas, sobretudo, porque para
Freire as certezas só teriam valor se fossem abertas a outras certezas de
outros sujeitos.
Principalmente, certezas abertas às certezas dos ‘analfabetos’, dos mais
pobres, do povo, da multidão desejosa de falar e aprender novas certezas. Em suas
palestras, ele procurava ouvir o que o público tinha a contribuir. Seu objetivo não era
receber suas idéias como um depósito bancário de um ‘doutor’ na cabeça de um
aprendiz receptivo. Em suas passagens pelos continentes, sobretudo em terras
africanas de língua portuguesa, ele procurou aprender-ensinar a partir do saber
cultural das tribos, das cidades, das matriarcas. O saber, para Freire, não se faz na
ortodoxia, mas na ortopraxia. Na ortodoxia¹, a teoria é priorizada de modo que o
conteúdo seja transmitido em sua máxima totalidade possível para que o
cronograma curricular de ensino seja cumprido. Entretanto, na ortodoxia, o conteúdo
pode ser absorvido sem ser aprendido. Ao passo que, na ‘ortopraxia’, o
conteúdo continuará sendo fundamental, mas a aplicação do conteúdo na vida
cotidiana do aluno ocupará um lugar essencial. Denis Fortin (1996) acredita na
eficácia da ortopraxia freiriana que mobiliza tanto intelectuais progressistas quanto
outros agentes sociais leigos, para a veiculação da justiça social, mediada pela
ética e praticada em ações de solidariedade. Ele ministrou durante quatorze anos
– 1980 a 1994 – um seminário sobre o método educacional de Paulo Freire na
Schoolof Social Work – Escola de Serviço Social, da Tunísia. Também atuou em
Quebec, Canadá, na crença de que as necessitam de atenção, tratamento,
recursos financeiros, solidariedade dos amigos e familiares e, idéias libertárias
da Pedagogia do Oprimido precisavam expandir-se para as reflexões acerca
dos mais variados tipos de opressão social, que não se reduz ao binômio
99
oprimido-pobre. Fortin (1996) nos alerta para a urgência de libertarmos outros
oprimidos, tais como os que encontram-se em situações de: violência sexual,
ausência de habitação e transtornos psicológicos. De fato, estas são opressões
sérias que principalmente educação libertadora para que os oprimidos consigam
libertar-se a si mesmos, cada dia mais um pouco. Libertação continuada. Neste
tópico estamos expondo a visão de diversos teóricos e pesquisadores que, de
alguma forma, tiveram contato com a obra de Freire ou mesmo conviveram
pessoalmente com ele. Para fechar esta seção ‘bio-bibliográfica freiriana’, trazemos
ao palco a voz da Ana Maria Araújo Freire, esposa de Freire, que já esteve presente
em outros momentos desta pesquisa. De maneira muito especial, registraremos as
falas amorosas e também a percepção da esposa-professora-pesquisadora do
pensamento de seu marido
Escrever uma biografia de Paulo Freire tem para mim um sentido muito especial. Justifico: primeiro, porque somos mulher e marido, unidos por laços de amor e paixão; segundo, porque venho pesquisando a história da educação brasileira há muitos anos, e, assim, falar sobre este educador é reviver também o processo de sua inserção nela, e isso é provocador e gratificante; (...) Assim, com a percepção de mulher-esposa, de mulher-historiadora, e, ao mesmo tempo, de mulher-amiga, pretendo registrar aqui algumas informações sobre a vida e a obra dele. Como seria impossível elencar todos os esforços de Paulo Freire, seja no Brasil, seja os espalhados pelos mais diversos países, mencionarei algumas de suas contribuições (FREIRE, Ana, 1996, p.27).
Algo por demais curioso na trajetória de Freire é sua lucidez teórica
que concedeu-lhe o título de doutor sem a necessidade de cursar os quatro
exaustivos anos de curso de doutoramento. Seu pensamento já despontava como
originalidade no final da década de 50. Assim, em 1959, ele prestou concurso
público e obteve o título de Doutor em Filosofia e História da Educação. Para isso,
precisou compilar e defender a tese de doutoramento sob o título: “Educação e
Atualidade Brasileira”. Consequentemente, agora como Professor-Doutor, Paulo
100
Freire, obteve autorização do Estado do Pernambuco, mediante a portaria n.30, de
30 de novembro de 1960, para lecionar na Universidade do Recife (A. FREIRE,
1996). Sobre o Método Educacional que Freire desenvolveu, ela adianta que o
método não pode reduzir-se à ideia de alfabetização de adultos, ainda que esta
tenha sido sua bandeira. Freire entendia que o método de educar um adulto se dá
na perspectiva de facilitá-lo a ver a si mesmo como mulher ou homem integral.
O grande desafio do método é contribuir para que os sujeitos consigam se
inserir novamente na sociedade de onde foram excluídos (A. FREIRE, 1996).
Filosoficamente, o sujeito liberto pela educação e pelo método alfabetizador de
Freire também será aquele que não mais olhará para si mesmo como alguém menor
ou menos que outro sujeito. O ser-menos existencial precisa ser combatido em
cada atitude educacional visando à emancipação e libertação integral do
sujeito. Após, o acesso aos mecanismos da educação libertadora, o sujeito
entenderá que é possível adentrar o caminho do ser-mais do que ele foi até o
momento presente. E, ao ser-mais, descobrir-se a si e descobrir ao outro para que
ambos cheguem ao consenso de que não precisam ostentar o ‘mais’ e nem
aceitar o ‘menos’, e, contudo, apenas viver em comunhão. Educação é algo onde
a teoria se testa na prática. Os que negam a pedagogicidade, na defesa de
não se envolverem com a política, são tão políticos quanto (FREIRE, 2000). Não há
sociedade e nem educação sem política, mesmo quando não se faz uma opção
partidária ou ideológica. Alguém vai decidir por nós, e, estaremos, dessa maneira,
de algum lado político. Como educador, Freire jamais aceitou que sua passagem no
mundo fosse preestabelecida por padrões fixados ou predeterminados por aqueles
que acreditam, equivocadamente, dominar o saber por meio de conteúdos
acumulados. A importância da atividade pedagógica se apresenta como
atividade profética que contém a relação: denúncia e anúncio. A denúncia da
realidade perversa e excludente social. E o anúncio esperançoso de uma
realidade diferente e possível. Se o mundo é complexo e os sujeitos
apresentam tantas complexidades, a imprevisibilidade da vida provoca contradições,
que por sua vez, podem resultar em superações. “Mudar o mundo é tão difícil quanto
possível” (FREIRE, 2000, p.20).
Se a educação não pode mais ser considerada como a mola
propulsora de transformação do mundo, tampouco sem ela o mundo poderá
101
melhorar. A tarefa político-pedagógica reforça que algo está errado, e que algo
precisa ser feito para mudar o que está errado. Mas a pedagogia conscientizada
sabe que não vai salvar todos os sujeitos. A pedagogia é a ciência do
despertar. Pedagogia se faz na superação de obstáculos, e do caminhar junto.
Inclusive, caminhar junto com outras ciências para lhes servir de instrumento
mediador nos processos de desenvolvimento humano. Todo desenvolvimento é
processual e vai se construindo nas diversas tomadas de decisão. A
responsabilidade do sujeito na condução das decisões que afetam sua vida gera
autonomia (FREIRE, 2011). E a autonomia do ser conduz a libertação das
opressões. O que inibe a autonomia dos sujeitos? As ideologias dominantes e as
decisões arbitrárias em nome de toda uma sociedade. A ideologia neoliberal, por
exemplo, insinua a neutralidade da educação.Mas isso é reacionarismo sutil e
violento (FREIRE, 2011). A eticidade na atividade pedagógica está no revelar de si
mesmo e acerca dos processos educacionais. Os alunos precisam conhecer ‘como’
as coisas acontecem, e não apenas o resultado delas.
102
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Libertar é ouvir. Libertar é ler. A libertação da opressão social instalada inicia
seu movimento quando estamos dispostos a ouvir a pauta trazida por aqueles que
sofrem. A partir disso, o nosso ouvir deve motivar a leitura. Mas que leitura? A leitura
da realidade social do outro. Paulo Freire chamou essa leitura social de ‘leitura de
mundo’. Ao ler o mundo, não estamos isentos da afetação que a situação do outro
nos provocará. Uma leitura de mundo sem a justa compreensão daquilo que
oprimidos tentam falar não passará de uma escuta parcial e tendenciosa. A
educação libertadora compromete-se com a transformação da opressão social
emmatizes graduais de libertação. Daquela libertação que se sabe parte de
uma negação histórica. Da negação do presente fatalista, determinista e
formatador de rótulos de fracasso. Educadores que sobrepõe-se aos alunos pela
inferiorização da competência destes alunos emitem seus próprios atestados de
educadores fracassados. Um fracasso educacional surge a partir de múltiplas
relações complexas sociais. O fracasso do sistema brasileiro educacional não
depende apenas da corrupção financeira e política na administração dos recursos
públicos, mas está ligado às nossas alianças educacionais que referem-se às
posturas filosóficas que adotamos ao nos tornar educadores.
Acreditamos que a maioria dos educadores brasileiros estão cansados e
desanimados dos projetos ousados que possuíam quando iniciaram seus cursos de
magistério, de pedagogia, de licenciatura, de mestrado ou doutorado. Excesso
de academia e escassez de comprometimento educacional. Na academia se teoriza
e na educação se realiza. Realizar para transformar histórias fechadas e
fadadas à pobreza. Foi exatamente para isso que Paulo Freire alimentou a pequena
chama de esperança que existia dentro dele. Decidiu não apenas teorizar, mas
testar a eficácia de suas filosofias educacionais por meio da práxis educacional
libertadora. Para ele, palavras que possuíam seus significados dispostos em
consensos gramaticais saltaram das páginas para adquirir novos significados
permeados de ações libertadoras. Foi assim que ele, criou um vocábulo
103
particular que re-significasse a essência de conceitos já desgastados e
esquecidos na educação brasileira. Seu contexto histórico-temporal dentro do
período ditatorial brasileiro contribuiu para impulsionar esta espécie de ‘filologia
neologística’ que rasgou as fronteiras da educação brasileira para alcançar a
Suíça, os Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, Chile, Angola, Guiné-Bissau,
Moçambique, Argentina, Peru, França, Portugal... Termos como: ‘esperança’,
‘inacabado’, ‘cognoscente’, ‘autonomia’ receberam novos sentidos na cartografia
intelectual freiriana. O conceito de ‘esperança’ passa a ser conjugado no neologismo
‘esperançar’. Em Freire, ‘esperança’ reduz-se a ação de ‘esperar,’ enquanto
‘esperançar’ diz respeito a mobilizar-se em favor de um bem maior. Como
percebem, Paulo Reglus Neves Freire pensou para atuar e atuou para pensar. Sua
práxis revelou uma dicotomia intrínseca possível de realizar-se sem polarizar-
se. Nele, a dicotomia faz parte de uma dialogicidade, em vez de confrontar-se. O
diálogo proposto pelo libertador Paulo Freire encontrou ressonância nos ideais
cristãos quando estes foram cutucados pela agenda social da década de 60.O
diálogo em favor da educação dos pobres não poderia transitar do lado de fora da
igreja cristã. Se isso acontecesse, melhor seria lacrar as portas das paróquias.
Dessa forma, os teólogos latinos desse período emitiram suas considerações
acerca do que Freire estava propondo como instrumento de emancipação do pobre.
Mais educação, mais leitores e mais leitura de mundo. Nada que a igreja já não
soubesse. Tudo o que a igreja não consegue fazer até hoje. Quando o faz
restringe-se aos debates acadêmicos educacionais. Esbarra na força política
opressora que intenciona paralisar aqueles que educam. Freire saiu do Brasil para o
mundo. Sua leitura censurada no país, não conteve-se em si mesma.
A repetição dos conceitos fundamentais do pensamento freiriano nos
seus próprios livros e nas obras que dele falam deve-se ao fato de que a
academia continua tornando o debate educacional utópico, romântico e
periférico, quando devia torná-lo visceral. A arrogância acadêmica de outras áreas
do conhecimento, sobretudo num país de injusta distribuição de renda como o
nosso, denota o quanto os ensaios educativos precisam percorrer trilhas extensas a
sua frente para realocar a posição e o espaço da educação e dos educadores
na demanda técnica das reformas políticas. A desqualificação dos pedagogos,
dos pobres, dos sem-casa, nos leva a desejar unir cada vez mais esforços para
104
permitir acesso dos oprimidospobres nas cadeiras de mestrado, doutorado e pós-
doutorado. A academia vai tentar calar a voz dos oprimidos. Vai pressionar e
intensificar a opressão contra aqueles que se movimentam visceralmente contra as
pesadas regras do sistema social. Um sistema que dignifica uns por meio da
demonização de outros. Um sistema que prega a libertação, mas pratica a
opressão. Culpa do sistema? Não. Responsabilidade nossa. A transformação só
pode ocorrer por meio da resistência interna, ainda que tenhamos que pagar alto
preço pessoal para isso. Ainda que venhamos a perder os bens, o status, a casa,
o emprego, a fama, o ‘tapinha-nas-costas’, o ‘quem-indica-dos-poderosos’, a
saúde. Será?! Talvez não precisemos chegar a tanto. Ainda há educadores
comprometidos com a libertação social e a libertação do sujeito dentro das
academia. Como afirmou o teólogo Leonardo Boff: “E todos suspiramos pela
situação ‘onde a morte não existirá mais’” – numa referência ao texto bíblico
do apocalipse (BOFF, 1988, p.99). A morte de quem sonha, a morte do sorriso,
a morte da pesquisa, a morte da educação e a morte das ‘topias’ em nome da
pretensa ‘utopia’. No conceito de ‘topia’, o aluno sempre aprende e sempre
cresce, enquanto na utopia um professor incompetente joga todas as suas
frutrações e ausência de produtividade sobre os seus alunos. Assim, um
fracasso tem como meta gerar outro fracasso. Sobretudo, nos alunos com
maior dificuldade de aprendizagem ou de adaptação. Para esses alunos, a
‘camisa-de-força’ dos rótulos pejorativos da desqualificação que se pode
operar contra um sujeito.
A pretensa legitimidade acadêmica da utopia filosófica anuncia que estamos
apegados aos eixos clássicos de pensamento oriundos daquela filosofia que
há muito parou de viver. A filosofia morta e que produz morte nos outros sujeitos.
Aqui, a ideia de filosofia não refere-se às escolas filosóficas de pensamento, mas
àquela filosofia que adotamos em nossas práticas educacionais. A filosofia
educacional do pessimismo, que faz um aluno piorar consideravelmente sua
produção ao avaliar seu aprendizado pelas categorias unilaterais autoritárias de
ensino. Se esta filosofia estivesse correta, os cerca de 300 trabalhadores de
Jaboatão dos Guararapesjamais chegariam ao domínio da faculdade de ler e
escrever. Pois, fora do sistemaformal de ensino, tiveram seus sonhos assassinados
pela educação do seu tempo.
105
ANEXO 01 – FREIRE
Paulo Freire, com o filho Lutgardes, em Nova Iorque, por conta do exílio (1969).
Fonte: http://www.paulofreire.org/
106
ANEXO 02 – FREIRE
Diário de Pernambuco
FONTE: http://www.onordeste.com/onordeste/enciclopediaNordeste/index.php?titulo=Paulo+
Freire<r=p&id_perso=265
107
ANEXO 03 – FREIRE
Imagem da publicação da Lei que Declara Paulo Freire como
“Patrono da Educação Brasileira”
Redação do Diário de Pernambuco http://www.onordeste.com/onordeste/enciclopediaNordeste/index.php?titulo=Paulo+Freire<r=p&id_perso=265
108
ANEXO 04 - GUSTAVO GUTIÉRREZ
Wikipedia: Gustavo Gutiérrez
http://es.wikipedia.org/wiki/Archivo:Gustavo_gutierrez.jpg
109
ANEXO 05 – LEONARDO BOFF
Leonardo Boff
http://www.leonardoboff.com/site/lboff.htm
110
ANEXO 06 – HUGO ASSMANN
Quem foi Hugo Assmann
http://www.folhadomate.com.br/redacao/?p=2528
111
ANEXO 07 – RUBEM ALVES
Rubem Alves – Quem sou eu
http://www.rubemalves.com.br/rubemalves.php
112
ANEXO 08 – JOSÉ COMBLIN
Morre Padre José Comblin
http://dac.ieab.org.br/2011/03/29/morre-padre-jose-comblin/
113
ANEXO 09 – FREI BETTO
Wikipedia: Frei Betto http://pt.wikipedia.org/wiki/Frei_Betto
114
ANEXO 10 – ENRIQUE DUSSEL
Wikipedia – Enrique Dussel http://pt.wikipedia.org/wiki/Enrique_Dussel
115
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