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THAIS BAPTISTA CARVALHO DE OLIVEIRA
EDUCACAo, ESCOLA e PARTICIPACAo
Dissertação apresentada ao Instituto de Estudos Avançados em Educação (IESAE) Fundação Getúlio Vargas (FGV) , como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Educação, àrea de concentração - Filosofia da Educação.
Orientador: PROFESSOR OSMAR FÁVERO
Co-orientador: PROFESSOR JOSÉ AMÉRICO MOTTA PESSANHA (in memoriam)
Rio de Janeiro 1993
AGRADECIMENTOS
Ao professor OSMAR FivERO pelo incentivo éonstante, pelos
s6lidos ensinamentos e pelos causos que s6 ele
sabe contar.
As professoras NILDA TEVES e LÉA SHOLL, do Laboratório do
Imaginário Social e Educação (LI SE), Faculdade
de Educação - UFRJ, pelo valioso aprendizado que
me proporcionaram.
A professora BETiNIA MARIANI, da Universidade Federal Fluminense.
Amiga que me guiou pelos caminhos da Análise do
Discurso.
E aos demais, que de alguma forma contribulram na elaboração
desta dissertação.
SAUDADES •••
••• de José Américo Motta Pessanha,
mestre insubstitufvel.
... Do IESAE, ativo, produtivo.
Muitos alunos, muitos mestres de
verdade, funcionários gentis.
Qualidade interrompida pela
irracionalidade dos números.
SUMARIO
Resumo
Abstract
Parte 1: A palavra dos teóricos
Capo I O quadro teórico da análise do discurso •..•..... p. 01
Capo 11 Paráfrase, autoria e o contexto histórico da educação ..•................................ p. 18
Parte 2: A palavra dos educandos
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 43
Capo 111 Os contratos de fala . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 49
Capo IV Educação, escola e ensino . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 56
Capo V Os professores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 73
Capo VI A escola ideal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 99
Parte 3: Conclusão
Educar para a participação .•..•....••..•..•••.••••..• p. 116
Bibliografia
RESUMO
O objetivo da pesquisa é fazer um levantamento dos sentidos
de educação e escola dentre os alunos do 20. Grau, Formacão
Geral, do municipio do Rio de Janeiro.
O corpus do trabalho constitui-se de entrevistas com alunos
do Colégio Estadual José Accioli em Marechal Hermes, zona oeste
do municlpio.
A metodologia de análise dos depoimentos é aquela fornecida
pela escola francesa de Análise de Discurso na linha de Michel
Pêcheux. Nessa perspectiva, o que se busca não é º sentido que
estes jovens dão à educacão e escola, mas os vários sentidos que
convivem sob estes temas. A pesquisa, entretanto, não se esgota
nessa abordagem e procura elucidar as condições históricas e
ideol6gicas de produção dos sentidos apontados.
Paralelamente à investigação dos sentidos de escola e
educação, a pesquisa propõe-se, também, a examinar os sentidos
atribuldos à noção de participação. A inclusão deste terceiro
elemento não é gratuita e procura inserir a discussão acerca da
educacão no contexto mais geral da questão democrática.( A
participação, então, não é entendida como o engajamento episódico
e localizado à uma associação ou agremiação qualquer, mas como o
principio (utópico, por certo) organizador de toda e qualquer
relação social. Assim, apesar de não se adotar uma postura
te6rica que "julga" os sentidos apreendidos a partir de uma
concepção de educação e participação estabelecidas a prlorl,
também não se pode negar que a simples inclusão do terceiro
elemento jã pressupõe , pelo menos, uma filiação a um determinado
sentido. De fato, esta pesquisa alinha-se com o pensamento de
Dumerval Trigueiro, que em seus trabalhos sempre ressaltou a
Intima relação entre os conceitos de educação e participação. O
educador atribui ao pensamento liberal, principalmente à
tecnocracia, a responsabilidade do alijamento do povo (pelo
poder e pelo saber) da construção da polis. Entretanto, é essa
mesma população desestimulada a participar ativamente da vida
polltica que será convocada a fazê-lo com a inclusão do principio
de gestão democrática do ensino na nova Lei de Diretrizes e
Bases. Por isso, a questão da participação ganhou relevo neste
trabalho e ampliou-se no sentido de investigar como os sujeitos
situam-se frente às relacões de poder na nossa sociedade e como a
educação e a escola afetam e são afetadas por essas relações.
ABSTRACT
The aim of this dissertation is to investigate how secondary
school students in Rio signify eãucation, school anã teaching,
the historical matrices that mould their significations, the
forms of subjection they bring forth and the possibilities of re
signification, either for education or the subject, they
disclose.
The tracking out of the significations above was guided by a
concern wi th the matter of participation, here understood
(utopianly, for sure) as the organizing principIe of every and
any social relation. If in Brazil the people were excluded (by
power and knowledge) from the polis, public education, then,
conformed to a role that made it more disciplinary and less
engaging, more repetitive and less creative. The recently-passed
Law of Education (LOB) , however, in accordance with the
Consti tution, has determined the management of school affairs
through councils where teachers, students and parents take part
together. Education, thus, must ponder about its social function
in order to avoid falling prisioner to democratic formalism and
so, once more, doom the "excluded" to subjection and silence.
PARTE I
A Fala dos Te6ricos
RIOS SEM DISCURSO
Quando um rio corta, corta-se de vez o discurso-rio de água que ele fazia; cortado, a água se quebra em pedaços, em poços de água, em água paralltica. Em situação de poço, a água equivale a uma palavra em situação dicionária: isolada, estanque no poço dela mesma, e porque assim estanque, estancada; e mais: porque assim estancada, muda e muda porque com nenhuma comunica, porque cortou-se a sintaxe desse rio, o fio de água por que ele discorria.
* O curso de um rio, seu discurso-rio, chega raramente a se reatar de vez; um rio precisa de muito fio de água pra refazer o fio antigo que o fez. Salvo a grandiloqüência de uma cheia lhe impondo interina outra linguagem, um rio precisa de muita água em fios para que todos os poços se enfrasem: se reatando, de um para outro poço, em frases curtas, então frase a frase, até a sentença-rio de discurso único em que se tem voz a seca ele combate.
João Cabral de Melo Neto
capitulo I: A Anilis8 do Discurso.
Os instrumentos cientificos não são fei tos para dar respostas, mas para colocar questões. Paul Henry
A metodologia escolhida para trabalhar os depoimentos que
constituem o corpus da dissertação é aquela proposta pela escola
francesa de Análise de Discurso na linha de Michel Pêcheux.
A Análise de Discurso (de ora em diante AD) surgiu nos anos
60 a partir do tr1plice cruzamento do marxismo, da psicanálise e
da lingu1stica. Antes de fornecer respostas, a teoria emergente
veio para instaurar uma polêmica e confrontar-se com dois
adversários teóricos. Por um lado, opõe-se às interpretações
mecanicistas do racionalismo procedidas pela Análise de Conteúdo
nas Ciências Humanas e Sociais. Por outro lado, opõe-se ao a-
historicismo e ao subjetivismo predominantes na Lingu1stica
tradicional. Ambiciona, sim, ser uma teoria com um objeto
próprio, um objeto linguagem que procura tratar dos processos de
constituição do fenômeno lingu1stico e não meramente do seu
produto. Apesar das diferenças que reivindica, a AD pressupõe a
Lingu1stica e com isso pretende criticar o tratamento dado ã
linguagem nas Ciências Humanas e Sociais. Desta forma, procura
trazer para este dom1nio reflexões próprias do campo lingu1stico.
Màs, ao criticar o a-historicismo da Lingu1stica tradicional, a
AD recorre a argumentos externos ao campo da Lingu1stica ,
principalmente ã ciência das formações sociais.
1
Podemos resumir os problemas trazidos pela AO da seguinte
forma:
a) apresenta o conceito de discurso em oposição A distinção
língua/fala.
b) com relação ao conceito de enunciação, propõe a
decentração da noção de sujeito.
c) quanto aos processos de significação, visa o caráter
material dos sentidos, sua historicidade.
(Orlandi, 1986, p. 111)
Discurso e Linguagem
o conceito de discurso pressupõe o de linguagem, entendida
aqui como ação transformadora - ação concentrada do homem sobre a
naturezaj daí a relação constitutiva entre linguagem e sociedade.
Nessa perspectiva, a linguagem é concebida como um trabalho, como
mediação necessária entre o homem e a realidade natural e social,
mediação entendida não como instrumento mas como relação
consti tuti va. Assim, o estudo da 1 inguagem não pode estar
apartado do estudo da sociedade pois no discurso está presente o
modo social de produção da linguagem. Ou seja, o discurso é um
objeto histórico-social, cuja especificidade está em sua
materialidade, que é linguistica. (Or1andi, 1988, p. 17)
Para a AO, se a língua não é um sistema aberto, também não é
produto da individualidade. A realidade da enunciação é
2
dial6gica. o seu centro organizador deve ser buscado no exterior,
no bojo da ideologia.
o conceito de discurso despossui o sujeito falante de sua
central idade para integrá-lo no funcionamento dos enunciados, dos
textos, cujas condições de possibilidade estão articuladas sobre
formações ideol6gicas. O discurso não é apenas transmissão de
informação, mas efeito de sentido entre os locutores. ~ o lugar
de argumentação, de constituição de identidade, de relações de
força e de poder.
Os sentidos são constituidos pelos interlocutores, pela
situação, pelo contexto histórico-social e linguistico. Esses não
são meros complementos e sim partes integrantes dos sentidos e
compõem as condições de produção do discurso, enquanto formações
imaginárias: a imagem que o locutor tem de seu lugar, do outro e
do referente do discurso; a imagem que o ouvinte tem de seu
lugar, do locutor etc.
Se o objeto teórico da AO é o discurso, seu objeto empirico
(analitico) é o texto. A unidade do texto não é medida
quantitativamente pela sua extensão (pode ser uma palavra ou um
conjunto de frases). Essa unidade é, então, garantida pela sua
significação em relação à situação. Desta forma, o texto não é
fechado em si mesmo e exige que se vá além do seu nivel
segmental. Assim, ao estabelecer o texto como unidade de análise,
a AO passa da operação de segmentação para a de recorte.
Passa da distribuição de segmentos para a
3
relação das partes com o todo, em que procura estabelecer, através dos recortes, unidades discursivas. A natureza do texto é de incompletude - o texto tem relação com o que o não é ele, uma vez que o espaço simbólico (os impllci toS) entre enunciados efetivamente realizados é constitutivo do texto, bem como sua relação com outros textos. A idéia de recorte remete, assim, 4 de polissemia.
(Orlandi, 1988. p. 22)
A relação do texto com o seu heterogêneo estabelece um
continuum que é a própria essência do processo discursivo: todo
discurso nasce em outro (sua matéria prima) e aponta para outro
(seu futuro discursivo). Esse continuum, no entanto, não tem um
percurso tranquilo e homogêneo. Afetado pela ideologia, seu
trajeto é ilógico, contraditório. t isso que, como veremos, as
diferentes posições do sujeito representam no texto.
o continuum do processo discursivo refere-se ao seu
funcionamento, conceito operacional fundamental para se proceder
à análise em AO. Esse funcionamento diz respeito à exterioridade
do discurso e é o que permite a sua sistematização, o encontro de
suas regularidades, a sua compreensão como parte de um mecanismo
em funcionamento, correspondendo a um certo lugar no interior de
uma formação social. O funcionamento é, então,
A estruturação de um discurso determinado, por um falante determinado, com finalidades especIficas. Esse determinado não é um, mas o circunscrito à nossa experiência social, de nossa época e grupo social.
(Orlandi, 1988, p. 23)
O conceito de funcionamento tem como contrapartida o de tipo.
Se o primeiro é atividade estruturante, o segundo cor responde à
cristalização dos seus resultados - são as fixações dos processos
discursivos definidos na própria relação de interlocução.
4
Do ponto de vista da operacionalização, a noção de tipo tem função metodológica fundamental: permite que se generalizem certas características, se agrupem certas propriedades e se distingam classes.
(Orlandi, idem, p. 25)
Os tipos se estabelecem como produto da institucionalização
da linguagem e se f ixam como padrões, como mode 1 os. Dependendo
das condições de produção do discurso, tanto podem ser
reproduzidos, confirmando o já estabelecido, como dar lugar ao
surgimento do novo. Eni P. Orlandi propõe uma tipologia de
discursos, de caráter exploratório, cuja elaboração apoiou-se nos
seguintes critérios:
i) a interação (a reversibilidade, a troca de papéis ou
status entre os locutores);
ii) a relação entre polissemia e paráfrase (a
possibilidade, ou não, de múltiplos sentidos).
Orlandi identificou, assim, três tipos de discursos:
1) autoritário: tende para a paráfrase, a reversibilidade é
praticamente zero, a pol issemia é controlada e o
referente (objeto do discurso) praticamente desaparece.
Seu exagero é a ordem militar;
2) polêmico: apre~enta um equil1brio tenso entre polissemia
e paráfrase, a reversibilidade se dá sob condições, o
referente é direcionado pelo dizer (perspectivas
particularizantes) e a polissemia é controlada. Seu
5
exagero é a inj6ria;
3) 16dico: polissemia total e aberta, reversibilidade total
e o referente se mantém como tal. Seu exagero ê o non
sense.
Em nossa sociedade, o discurso autoritário ê dominante, o
polêmico é posslvel e o 16dico é ruptura. Deve-se evitar, porém,
a aplicação mecânica desta tipologia pois ela representa
tendências discursivas e não há tipos "puros", a não ser
idealmente. (Orlandi, 1988, p. 24)
A polissemia e a paráfrase constituem-se em dois processos
que fundamentam a linguagem e a produção do discurso: o processo
parafrástico (matriz da linguagem) permite a produção do mesmo
sentido sob várias formas e o processo polissêmico (fonte da
linguagem) é responsável pelo fato de que são sempre posslveis
sentidos m6ltiplos, diferentes. Os dois processos relacionam-se
não por oposição, mas por tensão. A tensão entre o mesmo e o
diferente constitui as instãncias de linguagem e é a própria
natureza do social-histórico: a tensão entre a história feita e a
história se fazendo, entre a variação e a contenção, o instituIdo
e o instituinte.
Sendo assim, ao considerar a ambigüidade como inerente ã
linguagem, a AO abandona o conceito linguIstico de-literalidade.
Ou melhor, trata-o como um efeito discursivo resultante de um
processo histórico
garantindo-lhe o
que institucionalizou um sentido dominante
status de sentido oficial, literal. A
6
literalidade ê resultado do jogo de poder na/da linguagem.
A AO não estabelece um sentido literal a priori porque não
acredita na hip6tese de um sentido nuclear hierarquicamente
superior aos outros. Não bá um sentido e suas margens, bá só
margens (Orlandi, 1988, p. 27). Não existe, portanto, sentido
verdadeiro, mas sentidos com compromissos ideol6gicos diferentes.
Por ideológico entende-se o processo de produção de um
imaginário, de uma interpretação particular que apareceria, no
entanto, como a interpretação necessária, e que atribui sentidos
fixos às palavras em um contexto hist6rico dado. Assim, a
ideologia não é x, mas o mecanismo de produzir x. Pela ideologia,
há simulação (e não ocultação) em que são construidas
transparências, a interpretação de sentido em certa direção,
direção esta determinada pela história (Orlandi, 1988, 1992). A
ideologia não se constitui, portanto, como um discurso em
separado, mas é o próprio mecanismo de produção dos discursos.
Na perspectiva discursiva, então,
transparência efeito ideol6gico
a linguagem "perde" sua
e opacifica-se. Essa
opacidade, para a AO, exige que o analista de discurso relativize
seu olhar (também afetado pela história, pelo discurso) e
renuncie à pretensão de encontrar uma verdade única em meio ao
caos (mas não alogicidade ou desrazão) da linguagem natural, não
formalizada e jamais inteiramente formalizável. orlandi1 alerta
para o fato de EJue a AO deve aproximar-se do opjeto sem uma
teoria já construida. Isso não quer dizer que o pesquisador não
deva ter ao seu dispor um instrumental teórico o qual seja capaz
de manejar, mas significa, principalmente, que teoria e prática
7
devem ser concebidas conjuntamente. Nesse aspecto Pêcheux alinha
se com Bachelard, autor a quem se refere nos seus escritos acerca
da construção do instrumento cientifico. Assim, a teoria deve
guiar o olhar do pesquisador, mas não pode determinar o que deve
ser visto - o olhar deve permanecer livre. O contato com o
objeto, no entanto, exigirá um retorno à teoria num trajeto ao
mesmo tempo teórico e prático, racional e empirico e sempre
aberto à retificações. Em AO, o que está em jogo é a lógica da
descoberta e não da prova.
8
o sujeito
A separação temática entre sujeito, discurso e linguagem ê
um recurso meramente didático. De fato, sujeito e sentidos
constituem-se mutuamente.
A AO é uma metodologia que se liga a uma forma particular de
sociedade - a ocidental. Faz apelo constante à noções como
"instituição", "posição de classe", "formação ideológica", "lugar
social" dos locutores, etc. (Orlandi, 1990, p. 175). A AO se
interessa pelas condições de produção da linguagem em tal
sociedade - pelos interlocutores e pelo contexto de situação
(enunciativo e hist6rico). t assim que o sujeito faz sua entrada
no campo da reflexão da linguagem.
Pêcheux inicia sua elaboração teórica num momento em que
vários outros pensadores - Foucault, Oerrida, Lacan, Althusser -
propunham uma renovação do estatuto do sujeito. Os três primeiros
com relação à linguagem e ao signo, o último com relação à
ideologia. Essencialmente, pensavam a linguagem não como origem,
mas exterior ao falante. O sujeito, então, não é substância, mas
posição.
O sujeito como posição e a linguagem como opacidade são as
matrizes iniciais do conceito -de discurso. Pêch~ux prossegue
nesta linha que se choca com uma certa lingulstica
estruturalista de inspiração saussuriana que concebe a
linguagem como instrumento de comunicação. Acusa-a de empirista e
9
behaviorista.
Pêcheux rompe com esta tradição ao opor-se ao conceito de
llngua (langue) como objeto ideologicamente neutro, como um
c6digo, e ao de fala (parole) como um ato individual, a
codificação livre de uma mensagem - o individuo como senhor
absoluto da sua fala. Faz eco às indagações de Foucault, em A
Arqueologia do Saber acerca da liberdade do sujeito falante -
porque tal enunciado, e não outro, naquela circunstância?
Pêcheux propõe que hâ um processo anterior ao pr6pio ato da fala
que, sem ser explicito ou apresentar-se como urna ordem, localiza
("interpela") os sujeitos falantes em lugares determinados. Este
processo de localização, no entanto, é apagado - vê-se apenas as
aparências ou consequências.
A perspectiva discursiva propõe que se considere que a
relação do sujeito com a linguagem é contraditória e que há uma
dupla determinação: do enunciado pelo sujeito e deste pela sua
relação com a exterioridade. Para que o seu discurso tenha um
sentido, é preciso que ele II tenha sentido o sujeito se
inscreve (via o seu dizer) em urna formação discursiva que, por
sua vez, se relaciona com outras formações discursivas. Este
conceito, formulado por Foucault, diz respeito ao
conjunto de regras anônimas, históricas, determinadas no tempo e no espaço, que definem em uma época e para uma área social, econômica, geográfica ou linguistica dada, as condições de exercicio da função enunciativa.
(Foucault in Orlandi, 1986, p.117)
A heterogeneidade inscrita na noção de texto extende-se à de
sujeito. Assim sendo, não podemos falar do sujeito, mas das
10
posições que ele ocupa no texto. Mas a relação entre a situação
social do sujeito e a sua posição no discurso não é direta. Essas
posições não são sociologicamente ou antropologicamente marcadas.
São simb6licas, imaginárias. t, portanto, um jogo de imagens que
se projeta em todo o discurso - antecipo a expectativa, procuro
(ou não) ocupar o lugar esperado. Ou seja: a imagem que faço do
outro, a imagem que faço da imagem que o outro faz de mim.
Aceitar a afirmação de Pêcheux de que o discurso é menos
transmissão de informação e mais efeito de sentidos entre os
locutores significa aceitar que as palavras mudam de sentido ao
mudarem de formação discursiva (FO), e que cada FO corresponde a
uma posição do sujeito. Estar num sentido é estar numa FO e, por
conseguinte, constituir-se como sujeito naquele sentido, ocupar
um lugar social determinado.
Nessa ambigüidade da linguagem, na tensão entre a
multiplicidade possivel dos sentidos (a polissemia) e a
domesticação institucional da linguagem (a paráfrase) constitui
se o que é di scurso e se def ine o que é suj ei to. Para
Maingueneau, o conceito de discurso despossui o sujeito falante
de seu papel central para integrá-lo nos funcionamentos de
enunciados, de textos, cujas condições de possibilidade são
sistematicamente articuladas por formações ideológicas. (in
Orlandi, 1988, p. 19)
Para a AO, não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem
ideologia. O sujeito não é um sujeito-em-si, livre de toda
determinação. Ele é socialmente (culturalmente, historicamente)
constituido (determinado). As marcas (linguisticas) que atestam a
11
relação entre este sujeito-do-discurso e a linguagem, no texto,
não são, entretanto, mecânica e empiricamente detectáveis. Os
mecanismos enunciativos não são unlvocos nem auto-evidentes. As
marcas são pistas (Guinsburg, 1980, pp. 3-44) não são encontrados
diretamente. Para tal é preciso teorizar. Além disso, a relação
das marcas com e o que elas significam é tão indireta quanto a
relação do texto com as suas condições de produção (Orlandi,
1988, p. 54)
De qualquer forma, há processos históricos que produzem as
formas de subjetividade. Pêcheux prefere a designação forma-
sujeito ou efeito-sujeito. Já que ele se define por um processo
de inscrição numa ou noutra FD, há um modo (determinação)
histórico de nos sentirmos sujeitos. Se no passado o contexto
histórico deu forma a um sujeito-religioso, o que observamos hoje
é um sujeito-de-direito constitu1do por um jurisdismo que faz com
que ele interiorize a idéia de coerção ao mesmo tempo em que toma
consciência da sua autonomia - ele ê, ao mesmo tempo autônomo e
determinado: tem direitos e deveres. Segundo Haroche (in Orlandi,
1988, p.78) a relação sujeito-linguagem é de uma liberdade sem
limite e uma submissão sem falhas - ele pode criar qualquer
coisa, contanto que respeite rigorosamente as regras da
linguagem2 .
Pêcheux afirma que a forma-sujeito é um efeito ideológico
pelo qual o sujeito tem a impressão:
1) de ser a fonte do sentido do que diz, quando na verdade
retoma sentidos preexistentes);
12
2) da realidade de seu pensamento, já que, para ele, o que
diz s6 poderia ser dito do modo como diz.
Em suma, o efeito-sujeito coloca o sujeito como origem do
seu dizer e representa o sentido como transparente.
A ideologia, pois, é responsável por uma dupla ilusão: a da
transparência do sentido e da transparência do suj ei to. A
primeira corresponde a idéia de literal idade e à segunda
corresponde o princípio de autoria, mecanismo pelo qual apaga-se
a heterogeneidade, as "contradições", produzindo-se uma unidade.
A autoria é o que liga as diferentes posições do sujeito - é uma
função argumentativa que produz as "qualidades requeridas" : não
contradição, coerência, progressão e duração do seu discurso.
Tomando, então, o sujeito falante e as diversas maneiras com
que ele se apresenta, pode-se descrever três funções
enunciativas:
a) locutor- apresenta-se como o "eu" no discurso;
b) enunciador- a(s) perspectiva(s) que esse "eu" constr6i;
c) autor- a mais afetada pela exterioridade, pela forma social,
pelas instituições, a que mais sofre coerções sociais. É do
autor que mais se cobra a coesão, a não-contradição, a
responsabilidade. (Orlandi ,1988 r p~-'~l)
o falante é material empírico bruto, enquanto o enunciador é
o sujeito falante dividido em várias posições no texto. O autor,
enquanto tal, "apaga" as dispersões do sujeito produzindo uma
13
unidade que resulta de uma relação de determinação do sujeito
pelo discurso. Desse modo, vê-se a ação do discurso sobre o
sujeito. Na relação entre o sujeito e o discurso podemos
compreender o jogo entre a liberdade do sujeito e a
responsabilidade do autor. t nessa instância - a da autoria -
mais determinada pela representação social, que mais se exerce a
injunção a um modo padronizado e institucionalizado no qual se
inscreve a responsabilidade do sujeito por aquilo que diz. t da
representação do sujeito como autor que mais se cobra sua ilusão
de ser origem e fonte de seu discurso. t nessa função que a
linguagem está mais sujeita ao controle social. (Orlandi, 1988)
Entrar no funcionamento do discurso é entrar no movimento
que vai da dispersão à unidade. A AD, então trabalha também com
dicotomias: texto/discurso e sujeito/autor. As dispersões
contidas nas noções de texto e sujeito exigem um tratamento
particular para a noção de contradição como princIpio da FD. A
contradição não é algo de que se precise livrar o discurso para
que sua "verdade" apareça. A contradição é a própria lei de
existência do discurso, princIpio de sua historicidade. A relação
da função de autoria com as diferentes FDs não é necessariamente
a de harmonizar, excluir, etc. E isso pode ser observado pelo
modo de existência da polifonia no texto. Este conceito,
formulado a partir do conceito de dialogia de Bakhtine, é tratado
aqui a partir da semântica da enunciação. Ou seja: .0 sujeito- não
se inscreve sempre da mesma forma numa FD. Ele pode filiar-se a
elas assumindo papéis diferentes.
Bakhtine considera a dialogia como condição de existência de
14
todo discurso, princIpio segundo o qual falamos sempre com as
palavras dos outros. Podemos falar de um duplo dialogismo:
a) Nenhuma palavra ê virgem, mas sim carregada, habitada
pelo discurso e a lei de todo discurso ê a de se fazer
em meio ao já- dito dos outros discursos. t o que a AO
diz do discurso ser produzido no e pelo interdiscurs03 •
b) O discurso não existe independentemente daquele a quem é
dirigido. A perspectiva do destinatário é incorporada e
determina os processos de produção do discurso. A AO
trata desta questão pelo conceito de polifonia, pela
relação locutor lalocutário e enunciador/destinatário.
(Authier-Revuz, 1985)
O locutor é o "eu" da enunciação, fi-gura constitulda
internamente pelo paradigma do eu. O alocutário é o "tu" do
discurso, é o correlato do locutor. O "eu" e o "tu" constituem-se
mutuamente, na situação de interlocução. A posição que esse "eu"
assume, o seu papel, é que estabelece a perspectiva da
enunciação. Essa perspectiva pode ser, por exemplo, a do próprio
locutor; a do alocutário; uma voz genérica do senso comum; uma
voz universal.
A partir destas categorias, caracteriza-se uma enunciação
como polifônica sob dois aspectos:
a) se o recorte apresenta mais de um locutor para o
enunciado. É preciso levar em conta como o locutor
representa-se: marcando-se como "eu" no texto;
15
ocultando-se na impessoalidade; representando-se como
pessoa, origem do discurso ao qual o discurso se refere;
b) se o recorte apresenta mais de um enunciador, mais de
uma perspectiva de onde se realizam as enunciações. Pode
haver um enunciador que corresponde ao locutor e um
enunciador genérico, por exemplo. (Orlandi, 1988, p. 63)
Estes são os conceitos fundamentais em AnAlise do Discurso
que compõem o quadro teórico deste trabalho. A tarefa aqui
proposta, então, é a de compreender (e não interpretar) o modo
como são produzidos os sentido~ para educação e escola enunciados
por alunos de 20. Grau no municIpio do Rio de Janeiro. As
unidades de anAlise (textos) serão as entrevistas.
16
Notas:
1- Nota de aula do curso Análise do Discurso, Laboratório do Imaginário Social e Educação (LISE)/UFRJ, novo 1991.
2- Aqui, entretanto, ê preciso ter cuidado. Uma coisa ê dizer que não podemos escolher um sentido em uma liberdade absoluta e que cada enunciado, texto ou discurso se apodera do que "deve ser dito". Outra coisa ê acreditar que somos fatalmente dominados pela linguagem, pelo discurso, e que só podemos dizer o que ele nos leva a dizer. Não podemos jamais sair da linguagem, mas nossa mobilidade na linguagem nos permite tudo questionar, inclusive a própria linguagem e nossa relação com ela. (Castoriadis, 1982, p.153)
3- Pelo conceito de interdiscurso Pêcheux mostra que sempre já há o discurso, que o dizlvel ê exterior ao sujeito enunciador (Orlandi, 1992, p. 89). O interdiscurso, por exemplo, não ê o sentido de educação para A ou B, mas o sentido de educação.
17
capitulo 11: ParAfrase e Autoria - categorias para uma anAlise
em educação.
1) Porque recorrer a conceitos da lingu1stica
Esses dois conceitos fundamentais em Análise do Discurso,
pela estreita relação que mantêm com as instituições sociais, vêm
a ser importantes aliados em um estudo sobre educação.
t preciso não esquecer, porém, que a abordagem discursiva do
fenõmeno educacional está impregnada pela sua historicidade. O
contexto histórico conta tanto quanto o lingu1stico na
compreensão dos enunciados. A necessidade de uma abordagem
histórica da linguagem em estudos na área educacional já havia
sido constatada por Dumerval Trigueiro Mendes. Ele criticava
mesmo as dissertações de mestrado que utilizam técnicas como
análise de sistema ou modelos estatísticos, ou adotam a pesquisa
de campo sem penetrar, salvo raras exceções, o conteúdo dos
fenômenos sócio-linguísticos. (Trigueiro Mendes:1987,p. 78)
Trigueiro Mendes chega a afirmar que na verdade torna-se
indispensável a análise do discurso social e político, rente à
cultura brasileira através da linguagem (Trigueiro Mendes, 1987,
p. 77 - grifo meu). O autor não está se referindo à análise do
discurso na perspectiva de Pêcheux, mas seu interesse pela
linguagem não está em desacordo com a teoria do linguista
francês. A utilização dos conceitos de paráfrase e autoria
aplicados ao fenômeno educacional tem como objetivo justamente a
18
compreensão deste fenOmeno na sua dimensão social, polltica e
hist6rica.
2) O contexto hist6rico da educação
Não é posslvel proceder à Análise de Discurso sem conhecer
os fatos mais significativos da hist6ria da educação.
Principalmente se levarmos em conta que
Substancialmente, pouca coisa mudou na forma de encarar a educação que nos foi legada pelos jesultas ( ..• ) Essa educação atravessou todo o perlodo colonial e imperial, sobrevivendo â expulsão dos jesultas em 1759 e atingiu o perlodo republicano sem ter sofrido, em suas bases, qualquer modificação estrutural, mesmo quando a demanda social de educação começou a aumentar, atingindo as camadas mais baixas da população e obrigando a sociedade a ampliar a oferta escolar. (Romanelli, 1978, p. 13 e 35)
A educação oferecida pela Companhia de Jesus era voltada
principalmente para a elite latifundiária e escravocata. Apenas
os filhos homens das classes dominantes tinham acesso ao ensino
médio. Aos brancos pobres e aos indios era destinado o ensino
elementar. Os padres ofereciam uma cultura geral básica sem a
preocupação de qualificar para o trabalho, o que não era um
"defeito do sistema" - o trabalho na colônia era manual e
executado por escravos e empregava técnicas agricolas
rudimentares. Não havia, portanto a necessidade de um treinamento
especifico. Dessa forma, a educação praticada pelos jesuitas
visava "cul ti var as coisas do espiri to" , "ilustrar", mesmo que
rudimentarmente, o jovem aristocrata para que ele assumisse os
19
negócios da famIlia.
A ação da Igreja tinha como objetivo primordial a catequese
dos Indios, a manutenção da fé entre os colonos e o recrutamento
de servidores entre a elite. Com o tempo, a ação religiosa cedeu
lugar, em importância, â educação das elites - a educação
religiosa tornou-se educação de classe.
Os padres seguiam uma orientação cujos traços principais
eram: reação ao pensamento crItico; apego ao dogma e à autoridade
(da Igreja, dos antigos); revalorização da Escolástica; desprezo
pelas atividades técnicas, artIsticas e cientIficas. Dessa
maneira, a educação na colônia se manteve fechada e irredutível
ao espírito crítico e de análise, à pesquisa e à experimentação
(Romanelli, 1978, p. 34).
Até 1930, com o fim da República velha, o paIs vivia um
capitalismo incipiente, onde predominavam os interesses do setor
agrário-exportador. O Estado brasileiro, ao instituir com a
Constituição de 1891 o federalismo, o presidencialismo e o regime
representativo, afinou-se com o liberalismo vigente nas relações
internacionais. Do ponto de vista do seu funcionamento efetivo,
porém, caracterizava-se pelo seu perfil oligárquico. O regime
representativo incorporou apenas formalmente os grupo
eleitoralmente marginalizados já que a elite proprie~ária agia de
modo que a participação polltica se restringisse a seus próprios ,
representantes.
A Constituição de 1891 também determinou, pelo seu artigo
20
72, parágrafo 6, que seria leigo o ensino ministrado pelos
estabelecimentos públicos. A instituição da laicidade do ensino
resul tou de um mov imento renovador da educação. As normas
liberais que atuavam no quadro econômico e polltico brasileiro
levaram as classe médias em ascensão a reivindicarem o ensino
médio, e as camadas populares, o ensino primário. Até então, na
ordem oligárquico-aristocrática, a educação escolar se constitula
em privilégio das elites. A Igreja detinha um quase monopólio do
ensino e lutou ferozmente para mantê-lo. Os reformadores,
todavia, entendiam que o Estado deveria assumir o controle da
educação, expandindo o ensino público, gratuito e universal.
Justificavam a demanda pelo ensino leigo como forma de evitar que
a escola se transformasse em instrumento de doutrinação
religiosa. O embate entre cat6licos e reformadores,
tradicionalistas e reformadores, representou, em termos
filosóficos, um embate no interior da tendência predominante que
inspirava os educadores da época: o humanismo tradicional nas
suas vertentes religiosa e leiga, ambas marcadas por uma visão
essencialista do homem. A primeira tem suas origens na Idade
Média e manifesta-se nas correntes do tomismo e do neotomismo. A
segunda é elaborada pelos pensadores modernos já como expressão
da ascensão da burguesia e instrumento da consolidação da sua
hegemonia (saviani:1897,p. 27). A vit6ria constitucional da
segunda vertente elevou a escola à condição de grande instrumento
de realização dos ideais liberais. Assim,desenvolveu-se a idéia
da "escola redentora da humanidade". ~ a época do "entusiasmo
pela educação", do surgimento dos sistemas nacionais de ensino,
das campanhas pela escola pública, universal e gratuita. A
21
educação era entendida em termos estritamente pol1ticos e seu
objetivo era o de incentivar a participação e implantar a
democracia efetiva. Não se pode esquecer porém o caráter amb1guo
da sociedade brasileira, que combinava liberalismo e oligarquia,
sendo que a última não se mostrava disposta a compartilhar o
poder com os grupos emergentes, pr inc ipa lmente com as camadas
populares. Mesmo assim, os ventos liberais que agitavam os pa1ses
desenvolvidos da Europa também sopraram por aqui. As preocupações
éticas dos teóricos liberais levaram-nos a acreditar que
[A sociedade] podia e devia ser uma comunidade de pessoas que exercem e desenvolvem suas capacidades humanas ( .•. ) As razões em favor da democracia eram que ela dava a todos os cidadãos um interesse direto no governo, e um incentivo para participar ativamente, pelo menos ao ponto de votar a favor ou contra o governo, e, como se esperava, também de informar-se e de construir seus modos de ver em discussões uns com os outros. ( •.. ) A democracia tornaria assim o povo mais atuante, mais dinâmico; faria o povo progredir em intelecto, virtude, atividade prática e influência. (Macpherson, 1977, p. 57)
A educação, assim, ganhou sua importância "redentora" e
tornou-se uma tarefa do Estado, cabendo à escola a missão de
libertar o homem da ignorância e da opressão polltica. Na sua
concepção filosófica "moderna", a educação humanista deixava de
privilegiar o adulto e centrar-se no educador, no intelecto, no
conhecimento. Ao contrário, interessava-se pela criança, pela
vida, pela atividade. Mas, no Brasil, a Igreja Católica
continuava firme na suã hegemonia e opunha-se intransigentemente
à' escola pública e universal. A oposição se dava não só pelo
risco de se esvaziarem as escolas privadas mas também pelo receio
de que a escolarização das massas ameaçasse os privilégios até
22
então assegurados às elites. Esse receio, pelo menos no que diz
respeito aos privilégios, não era infundado. Ainda em 1848, a
prop6sito das revoluções burguesas da Europa e do movimento
cartista da Inglaterra, escrevia John stuart Mill em Poli tical
Economy:
As classes trabalhadoras assumiram seus interesses nas pr6prias mãos, e estão sempre mostrando pensar que os interesses de seus empregadores não são idênticos aos seus, mas antagônicos. Alguns dentre as classes superiores gabam-se de que essas tendências podem ser contidas por educação moral e religiosa: mas deixaram passar o tempo para dar uma educação que possa atender a seus objetivos. Os princípio da Reforma atingiram as camadas mais baixas da sociedade como o ler e escrever, e os pobres não acei tarão por muito tempo a moral e a religião como prescritas por outros ••. os pobres escaparam dos cordéis e não mais podem ser governados ou tratados como criança. (In Macpherson, 1977, p. 50)
o Brasil da década de 20, com sua população majoritariamente
analfabeta e dedicada ao trabalho agricola, ainda não gerara, a
despeito da greve de 17, um movimento sindical capaz de
confrontar-se com as oligarquias. Mas nos centros urbanos, os
ideais socialistas, aqui aportados com os imigrantes, não eram
estranhos e causavam inquietações. A vitória de Peron, eleito
pelo povo "ilustrado" que deu as costas aos velhos lideres, a
fundação do Partido Comunista em 22, reforçaram as desconfianças
das elites com relação à democratização. Mas, apesar da oposição,
o movimento renovador conseguiu implantar reformas educacionais
em alguns estados. A polêmica em torno do ensino leigo e da
escola pública, no entanto, tornara-se tão acirrada que a IV
Conferência Nacional de Educação (1931) não teve condições para
atender ao pedido do Governo para elaborar diretrizes para uma
23
polltica nacional de educação. Se até então o movimento renovador
carecia de uma definição objetiva de seus princIpios, esses foram
definidos, em 1932, no "Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova", por Fernando de Azevedo e assinado por 26 educadores,
lideres do movimento de "renovação educacional". O Manifesto
definiu a relação entre educação e desenvolvimento, e exprimiu a
nova fase na qual ingressava a educação brasileira.
A implantação dos pré-requisitos do capitalismo no Brasil - principalmente os sinais de desenvolvimento urbano-industrial -estimulou, por antecipação, o aparecimento de um clima social cuja nota característica consistia num desejo de prosperidade nacional. No campo da escolarização, isto se traduziu sob a forma de preocupação com o ensino técnico-profissional, capaz de formar mão-deobra nacional e fazer, da civilização brasileira, uma civilização eminentemente "prática", como "práticas" eram as mais modernas e avançadas civiIizações do mundo contemporâneo. [Ganhou forma, assim] uma concepção do processo educativo - neste caso, o ensino técnico-profissional - em que a educação do povo aparece como um instrumento de promoção do tipo de sociedade que se pretende realizar no país. (Beisiegue1, 1974, p. 33)
Os pioneiros desejavam que a educação refletisse e
preparasse as mudanças sociais - passagem da economia agrico1a ao
capitalismo industrial. O Manifesto trata a educação como um
problema social, centrando sua ação pedagógica no educando e
buscando desenvolver suas aptidões à invenção e à iniciativa. O
Manifesto reivindica ainda uma ação objetiva por parte do Estado
no sentido de garantir escola para todos, laica e gratuita, sem a
exclusão de nenhuma classe social.
No plano internacional, os teóricos argumentavam que a antiga
24
concepção de educação não havia sido capaz de dotar o indivíduo
de uma "racionalidade" que o capacitasse a fazer escolhas .que
estivessem acima dos interesses particulares. Que não havia sido,
em suma, capaz de imputar-lhe uma vontade geral racional como
cidadão em detrimento da sua vontade particular decorrente da sua
condição de traba lhador , comerc iante, etc. Os teóricos do
liberalismo não viam o defeito no sistema em si. John Dewey,
teórico pragmático que exerceu grande influência no movimento
reformador da Escola Nova através de seus protagonistas -
Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, dentre outros - acreditava
que o problema estava no "püblico democrático" em si. Para
Dewey,este era ainda amplamente rudimentar e desorganizado. [A
prioridade era] descobrir os meios pelos quais um público
disperso, móvel e multifacetado pudesse reconhecer-se de tal modo
a definir e exprimir seus interesses. (In Macpherson:opus cit.,
p. 76)
Dewey via na "domesticação" da tecnologia este meio. A idéia
não era dar "mais" educação, mas fazer o "püblico" compreender as
forças tecnológicas e científicas que o atingiam através de um
maior e mais generalizado conhecimento social, da melhoria dos
métodos e condições de debate, de discussão e persuasão ( •.. ) da
libertação e aperfeiçoamento dos processos de pesquisa e
disseminação de suas conclusões (In Macpherson, 1977 ,p.77)
Dewey abriu a porta que mais tarde seria aOrrombada pelo
tecnicismo e sua ênfase numa política de meios. Este, inclusive,
é o teor da crítica formulada por Trigueiro Mendes ao Manifesto
dos Pioneiros. Para ele, a Escola Nova, no Brasil, apoiou-se mais
25
nos métodos do que nos conteúdos tal como eram propostos na
Europa e nos Estados Unidos. Saviani (1987, p.35) aponta o papel
desmobilizador das forças populares protagonizado pela Escola
Nova ao deslocar as preocupações educacionais do âmbito po11tico
para o técnico-pedagógico. O governo Vargas utilizou o Manifesto
dos Pioneiros enquanto meio e não como fim, manipulando o
incentivo à experiência, pesquisa, invenção e descoberta a fim de
adequá-las à organização autoritária do Estado.
A aceleração do processo de industrialização, o crescimento
demográfico e a intensificação da industrialização elevaram, a
partir de 30, a demanda social de educação e exigiram do Estado a
expansão do sistema escolar. Essa expansão, embora grande, foi
deficiente tanto do ponto de vista quantitativo como qualitativo.
Em primeiro lugar, o número de escolas foi -insuficiente para
atender a toda a população. A demanda, embora crescente, estava
restrita às zonas onde se intensificaram as relações capitalistas
de produção (ligadas ao comércio e à exportação). O paIs ainda
exibia uma economia incipiente, uma agricultura arcaica, de
subsistência ou cafeeira. Dessa forma, a maioria da população
encontrava-se ainda à léguas de distância de uma escola. Em
segundo lugar, o sistema em expansão demonstrou um baixo
rendimento devido à falta de recursos materiais, de equipamento
escolar adequado e ao grande número de mestres leigos e mal
preparados. AtF~vés dessas escolas, improvisad~s e de baixó
padrão, o Estado satisfez a demanda sem contudo modificá-la
estruturalmente. As escolas públicas, a exemplo das católicas,
continuavam oferecendo o mesmo tipo de educação aristocrática e
26
acadêmica, eminentemente livresca. Sem os ingredientes de
pesquisa, criatividade, descoberta, etc. do escolanovismo, essas
escolas estavam muito mais pr6ximas do modelo tradicional do que
daquele proposto pelos renovadores. Esse fato, contudo, não
representou uma contradição em relação à demanda já que esta, de
fato, não postulava a substituição dos modelos tradicionais por
modelos novos. Ao contrário, a população identificava a educação
tradicionalmente oferecida como a ünica capaz de dar status, de
garantir o acesso a posições sociais de maior relevo. A escola,
assim, desenvolveu sua vocação para tornar-se uma instituição
ritualista, onde o cumprimento de certas formalidades legais têm
valor em si mesmo (Romanelli, 1978,p. 58). Essa escola não só
ajudou a manter os privilégios como apresentou-se ela mesma como
uma forma de privilégio. Fornecia um ensino voltado para as
carreiras liberais, para a "ilustração" e atingia apenas uma
minoria. O grosso da população ou ficava de fora da escola ou
recebia uma educação precária e insuficiente. Isso significa que,
apesar de os renovadores terem exercido uma grande influência na
Constituição de 1934, a estrutura das escolas continuou
tradicional. Mesmo porque dali a três anos, com o Estado Novo,
elaborou-se uma nova constituição (1937) onde as conquistas
obtidas em 34 sofreram um retrocesso: é menos enfática quanto a
tarefa do Estado como educador e mais moderada quanto ao ensino
religioso. Seu principal problema, porém, está no fato que esta
define o ensino pré-vocacional--e- prôfissional como 'destinados às
ciasses menos favorecidas. Desta forma, o Estado, contrariando os
principios da escola ünica defendidos pelos Pioneiros, oficializa
a existência de uma escola para pobres e outra para ricos.
27
Com o fim do Estado Novo, abriram-se maiores perspectivas
para os renovadores. Os pioneiros ocuparam vários postos na
burocracia educacional e com isso foram capazes de implementar
uma série de medidas - reforma do ensino pl1blico no então
Distrito Federal, implantação de escolas experimentais, criação
do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP).
A Constituição de 1946 foi muito mais liberal e democrática do
que a precedente e, como em 34, o capItulo referente à educação
inspirou-se nas idéias dos Pioneiros. Baseando-se no texto
Constitucional, o Ministério da Educação constituiu uma comissão
de educadores com o fim de estudar e propor um projeto de reforma
geral da educação nacional. O projeto deu entrada na Câmara
Federal em 1948, onde tramitou durante 13 anos. Ao final dos anos
50, retornou-se a polêmica iniciada na década de 30 entre os
humanistas tradicionais, representados por católicos e
pri vatistas e os humanistas modernos, defensores da escola
püblica. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
finalmente aprovada em 1961, ao buscar conciliar as posições da
corrente liberal-democrata com aquelas dos setores
antidemocráticos, apresentou aspectos contraditórios. Por um
lado, conteve a expansão do ensino em limites mais estreitos do
que aqueles reivindicados pela demanda social de educação ( ... )
graças à presença de dispositivos legais que criavam a rigidez, a
inelasticidade, a seletividade e a discriminação ( ... ) --
(Romanelli, 1978, p. 191). Por- outro lado, atendeU às pressões ,
populares no sentido de eliminar os diferentes tipos de escola
média (secundária e profissionalizantes) abolindo, pelo menos no
plano legal, as caracterIsticas de "educação de classes" expresso
28
pela antiga organização dualista do ensino. A partir de 1961, a
escola secundária, de seletiva, passou, com o fim do exame de
admissão e com a garantia oficial de vaga, a escola comum aberta
a todos. Consolidou-se um nücleo comum de disciplinas
obrigatórias e incentivou-se a criação de projetos experimentais
visando a integração do ensino primário e do 10. ciclo da escola
de nível médio. Em que pesem todas as limitações sociais da
democratização de oportunidades, as barreiras seletivas foram
gradualmente empurradas para os degraus mais elevados da
pirâmide, abrindo possibilidades legais de acesso aos níveis
médios de escolarização e com isso beneficiando grandes
contingentes das populações urbanas (Beisieguel, 1974 e 1984).
o período que vai da década de 50 até meados da década de 60
foi bastante expressivo não só em termos políticos mas também
especificamente educacionais, principalmente no que diz respeito
à educação de adultos. Havia um empenho governamental por
democratizar o ensino, expresso inclusive pela destinação de
recursos para a educação supletiva de adultos analfabetos.
Beisiguel (1984) observa a preocupação dos educadores de então em
extender a atuação do processo educativo ã própria origem social
dos problemas que afetavam a educação. O autor identifica essa
preocupação já em 1947 na justificativa de Lourenço Filho ã
Campanha Nacional de Alfabetização de Adultos do antigo
Ministério da Educação e Saúde. __ A~ampanh~ visava, através da~-
cz:.iação de Missões Rurais de Educação de Adultos, integradas por
professores, médicos, sanitaristas, veterinários, agrônomos,
etc., empreender programas integrados de educação para o
29
desenvolvimento comunitário (p. 413).
o esplrito de combate, através do processo educativo, às
origens sociais das desigualdades permeia os programas de
educação empreendidos nos primeiros anos da década de 60.
Os anos 1960-64 foram particularmente crlticos e criativos em quase tudo. Questionaram-se todos os modos de ser brasileiro, de viver um momento da história desse paIs, de participar de sua cultura. Pretendeu-se um projeto polI tico que possibili tasse superar a dominação do capital sobre o trabalho e, em decorrência, reformular tudo o que dessa dominação decorre. Tudo isso - e muito mais -foi repensado e discutido em clrculos cada vez mais amplos, das ligas camponesas às universidades. (Fávero, 1983, p.8)
Esses programas e movimentos de educação de adultos
identificavam-se com o esforço orientado para a formação da
consciência critica do povo (Beisieguel, 1979, p. 40). Fávero
(1984, p. 287) destaca os aspectos inovadores, tanto com relação
ao método como quanto ao conteúdo sócio-polltico presente nos
livros de leitura e cartilhas destinados à educação de adultos.
Apesar da identidade apontada pelos autores, os movimentos e
programas tinham origens diversas e diversas eram também as suas
relações com o Estado. Havia aqueles oriundos do movimento
estudantil, ligados ou não à Igreja Católica e ao Partido
Comunista, havia aqueles oriundos do próprio movimento católico
progressista, havia as iniciativas de algumas Secretarias de
Governo, etc. Cito, dentre todos, apenas os mais importantes: os
CPCs (Centros Populares de Cultura) da UNE (União Nacional dos
Estudantes) i o MCP (Movimento de Cultura Popular) de Recife,
depois Pernambuco i De Pé no Chão Também se Aprende a Ler, da
30
Secretaria de Educação, cultura e SaOde da Prefeitura de Natal;
CEPLAR (Campanha de Educação Popular da Paraiba), MEB (Movimento
de Educação de Base) da Igreja Católica e o PNA (Programa
Nacional de Alfabetização), liderado por Paulo Freire.
A atuação do Governo Federal nesse per iodo, segundo
Beisieguel (1974) ê ambigua. Necessitando do apoio das esquerdas
e das "massas" para seu projeto de "mudança-não-negadora do
capitalismo", apoiava programas educacionais que seriam
conduzidos, em grande parte, por lideranças estudantis de
esquerda ao menos virtualmente contestadoras do sistema
capitalista (p. 161). Vale ressaltar que foi Jânio Quadros quem
firmou o convênio com a Conferência dos Bispos do Brasil para
financiamento do MEB e que João Goulart ampliou sua área de
atuação para além da região nordeste.
A atuação da Igreja Católica, pela sua importância naquele
momento, merece destaque. Durante os anos de discussão e
aprovação da LDB de 1961, as forças católicas se mantiveram
aliadas aos empresários do ensino, beneficiando-se, inclusive,
das brechas abertas pela legislação para o financiamento público
do ensino privado. Mas a evolução interna da Igreja, o clima que
precedeu a realização do Concilio Vaticano 11 e o conflito
Estado-Igreja nos anos seguintes contribuiram para a evolução da
Ação Católica Brasileira a partir dos anos 50. No começo dos anos
60, considerável parcela das forças católicas vol t.ou-se para a
educação de adultos com financiamento pOblico, reduzindo a
importância da disputa escola pOblica x escola privada. O
desenvolvimento do trabalho no MEB acabou por fazer uma
31
aproximação impensável nas décadas anteriores - aquela com os
principios pedag6gicos da Escola Nova (a obra de Paulo Freire ê
um exemplo dessa aproximação). Um expressivo número de militantes
cat6licos participou do MEB e de diversos outros movimentos
organizados pela sociedade civil, inclusive em associação com o
Estado, o que acabou por levar os cat6licos a apoiarem muitos dos
programas e projetos de reforma e também a difusão, por parte do
governo, do ensino através da escola pública (Paiva, 1984, p.
28).
A parcela de militantes cat6licos que assumiu o trabalho do
MEB, a ala "radical" da Igreja, foi aquela que efetivamente levou
a cabo o programa de aproximação e conquista das massas definido
pelo Concilio. Dessa forma, e ainda devido à crescente oposição
da Igreja ao Estado após 64, o trabalho pastoral das CEBs
(Comunidades Eclesiais de Base) cada vez mais se confundiu com o
trabalho politico-pedagógico. Esses fatores atingiram as escolas
cat6licas como um todo. Mesmo considerando que muitas se
mantiveram fiéis à orientação tradicional, outras sofreram as
influências exercidas pelos educadores ligados à ala
progressista. E as escolas tomadas em seu conjunto se
beneficiaram menos do processo de privatização do ensino do que
se poderia esperar, caso a Igreja não tivesse ( ••• ) atravessado
um período de conflito com o Estado (paiva, 1984, p. 31).
~
A politização crescente dos programas e movimentos de ,
educação de adultos não passou desapercebida entre os segmentos
conservadores da sociedade. Logo após 31 de março de 1964 o
Programa Nacional de Alfabetização de Adultos (PNA) foi encerrado
32
e os demais ou tiveram o mesmo destino ou foram duramente
perseguidos. O periodo p6s-64, apesar do acionamento de
mecanismos que possibilitaram elevar significativamente os
1ndices de retenção escolar (como a promoção automática e a
merenda escolar), não coibiu a ampliação das desigualdades
regionais já que o governo central deu menor atenção ao problema
do ensino elementar. A municipalização do ensino de 10. Grau se
ressentiu do fato que a União retinha a maioria dos impostos
arrecadados pelos municipios. Finalmente,
o conjunto do sistema sofreu um processo de privatização sem precedentes na história deste país ( ... ) A luta pela escola pública pré-64 fez parte não apenas da luta pela democratização do ensino em termos de possibilidade de acesso, mas de combate à segmentação, à escola de classe. Nas duas últimas décadas, com a crescente privatização do ensino a todos os níveis~ podemos afirmar que a segmentação só fez se aprofundar. (Paiva, 1984, p. 27)
As correntes humanistas que mediam força no plano nacional
estavam prestes a defrontar-se com uma terceira corrente, o
tecnicismo. Este vinha já desde a década de 30 mas só instalou-se
efetivamente no poder a partir de 1964, quando passou a
organizar-se como uma tecnocracia. Essa corrente surgiu durante a
depressão econômica na década de 30. Segundo Macpherson,
A necessidade de intervenção do Estado na economia de acordo com orientações keynesianas, a fim de manter a ordem capitalista, signifivava uma-necessidade cada vez maior de afastar decisões . polí ticas de qualquer conformidade democrática: só os especialistas, cuja argumentação se acreditava além da compreensão dos votantes, poderia salvar o sistema. (1977, p.95)
33
o regime militar levou ao exagero do arbItrio e da violência
a separação entre as esferas técnica e polltica. A intensa
agitação polltica que sacudia o paIs nos anos que precederam o
golpe, quando o setor estudantil alcançou um certo protagonismo
na sua luta pela expansão do ensino, representava as aspirações
de setores nacionalistas, pró-esquerda, quanto aos rumos do
desenvolvimento. O golpe de 64 representou a vitória dos setores
ligados ao capitalismo internacional, que optaram por uma via de
desenvolvimento segundo um modelo concentrador de renda capaz de
elevar os padrões de consumo de uma camada restrita da população
e assim fortalecer o mercado interno. Essa opção implicou no
alijamento da população das esferas de decisão o que, por sua
vez, redefiniu as funções do Estado no sentido de torná-lo
centralizador e autoritário, capaz de coibir o protesto social.
Os
o Estado criou o que se poderia chamar o desvio tecnocrático. Pretende-se esvaziar o desenvolvimento (consciência e processo) da sua substância política, substituindo a "ratio" política pela "ratio" técnica. O desvio, no plano metodológico, consiste em opor a idéia de eficiência (conceito ambíguo) à de participação. O pretexto é a complexidade das estruturas na qual a tecnocracia corta fácil, e o lucro é a neutralidade que afasta a controvérsia. (Trigueiro Mendes, opus cito p. 51)
protestos estudantis, contudo, não cessaram
imediatamente, principalmente aqueles liderados pelos candidatos
"excedentes" ao ensino superior. A pressão resultou numa expansão
do ensino que embora grande, teve de ser contida 'a fim de não
comprometer a política econômica adotada (Romanelli, 1978,
p.196). A crise da educação, agravada pela aceleração do ritmo de
desenvolvimento e pelo crescimento da demanda, provaram a
34
urgência da necessidade de reorganização do sistema educacional
brasileiro a fim de adequA-lo ao modelo de desenvolvimento
econômico. ~ nesse contexto que surgem as Leis no. 5540/68
(reforma do ensino superior) e 5692/71 (reforma do ensino de 10.
e 20. Graus). Essas reformas se deram sob a orientação de
técnicos norte-americanos trazidos ao Brasil com a assinatura de
uma série de convênios entre o MEC e seus órgãos e a Agency for
International Oevelopment (AIO) - os "acordos MEC-USAIO". Esses
convênios, em linhas gerais, abordavam o problema educacional em
termos quantitativos, baseados numa visão economicista. Ou seja:
maximizar a rentabilidade do sistema e minimizar a aplicação de
recursos. Nessa perspectiva, as necessidades educacionais foram
definidas em termos de qualificação de "recursos humanos"
destinados a fornecer quadros para as empresas em expansão. Esses
quadros eram oriundos das classes médias e altas, com formação
superior, sendo que as reformas de ensino tornaram os mecanismos
de ingresso na universidade ainda mais seletivos. A introdução da
profissionalização nos níveis de 10. e 20. Graus visou não s6
qualificar a mão de obra reivindicada pela expansão econômica mas
também desviar a demanda de ensino superior. Esses dois objetivos
acabaram por não se concretizar inclusive porque a exiguidade de
recursos não capacitou as escolas a implementarem um ensino
profissionalizante de bom nível. O ensino que visava a preparação
para o vestibular e portanto dava acesso a posições sociais de
maior destaque continuou a ser o centro da demanda. A rede
particular beneficiou-se desta política educacional não só porque
foi contemplada com recursos públicos diretos (como as
universidades cat6licas) como indiretos (salário-educação, bolsas
35
de estudo). Além do mais, o Conselho Federal de Educação foi
benevolente no reconhecimento de uma série de cursos superiores
privados, de baixa qualidade, o que abalou o prestIgio conferido
pelo diploma universitário e transferiu seu papel na aquisição ou
manutenção de status para os cursos de põs-graduação.
Se se aliena parte do povo da possessão plena dos instrumentos de sua inserção na polis, é claro que os próprios instrumentos se debilitam e são relegados a uma situação de inferioridade. Isso vale dizer que se a maioria não conta para a construção da cidade, não há por que refinar os instrumentos com os quais ela deveria contribuir para tal construção. (Trigueiro Mendes, 1987 , p. 52)
Dessa forma, a rede püblica de ensino viu agravarem-se as
suas deficiências até padecer, como hoje em dia, de uma inanidade
terminal. Previlegiando a formação de uma "inteligentsia"
polltica, técnica e burocrática destinada a exercer um papel
diretorial o Estado confinou a maioria da população à
marginalidade polItica, econômica e cultural • A estratificação
social embutida nesta polItica não é novidade na história do
Brasil. No entanto, com a passagem do pensamento liberal clássico
(humanista) para a sua forma atual (tecnocrática), a desigualdade
social, amparada por um discurso "racional" e "cientIfico",
tornou-se uma verdade "natural", enunciada por uma voz genérica
do senso comum. Naturalizou-se. A "neutralidade" e a
"objetividade" proclamadas pelos tecnocratas é uma falácia que
mascara a face mais ardilosa do poder - é mais -fácil responder à ,
autoridade vis1.vel que à autoridade que não diz seu nome
(Orlandi, 1992, p.101). Se antes, na sua forma clássica, o
discurso liberal nomeava seus porta-vozes (o pai, o professor, o
36
padre, o patrão, o governante, etc), agora oculta-os, aparecendo
para o grande p'Ciblico como o discurso neutro da ciência e do
conhecimento. Legitimou-se como um saber impessoal e universal.
Na educação, a mOdernização efetuada pela tecnocracia, em
conformidade com essa racionalidade, centrou-se numa polltica de
meios desligada de uma polltica de fins, onde a negação da
dimensão polltica da educação apenas reforçou o status quo
fortalecendo os grupos dominantes.
A eliminação de qualquer problemática relacionada com os fins, pela absolutização dos meios, e a negação da dimensão política, pela submissão do processo decisório aos critérios da racionalidade técnica, constituem os elementos comuns presentes em qualquer definição de tecnocracia.
(Horta, 1987,p.224)
Considera-se, assim, natural o que é fabricado pela
hist6ria. A tradição autoritária da sociedade brasileira, o
caráter subalterno tradicionalmente reservado ao povo e os breves
perIodos em que este pôde exercer seu direi to à participação
livre do jugo de coronéis e lideres populistas, facilitaram a
entrada do pensamento tecnicista no paIs. A escola tradicional,
apegada ao dogma e à autoridade e fechada ao espIrito crItico não
estava em contradição com a escola "moderna". A tecnocracia
conferiru a uma certa concepção de ciência e técnica um caráter
dogmático, como uma saber que, tudo sabendo, não obstante ignora
suas próprias condições de produção (Martins In Horta, 1987 , p.
228). Por ser de natureza autoritária, a tecnocràcia não pode
também prescindir de uma estrutura hierárquica rigida. A
diferença é que esta não se organizou mais no plano humano das
idéias e valores mas no plano "neutro" da competência técnica,
37
baseada na suposta realidade dos fatos e na suposta eficácia dos
meios de ação (Chaui, 1989, p. 11). O seu fechamento ao espIrito
crItico é decorrência do dogmatismo e do autoritarismo
cientificista e se mostra, na educação, na preocupação exclusiva
com os problemas da administração escolar e com o aperfeiçoamento
dos currIculos e métodos de ensino.
A permanência desses três elementos ao longo da história
confirma a suspeita de que tudo é feito, na educação, dentro do
status quo disfarçado por uma política aumentativa que muda os
números mas não as coisas numeradas (Trigueiro Mendes, 1987, P
60). A educação pública, então, nesse quadro polltico e social
extremamente elitizante, deteriorou-se até chegar, como hoje, à
beira da indigência.
A adoção de um modelo de desenvolvimento estr i tamente
econômico, ao empurrar a maioria da população para a
marginalidade, destinou-lhe o que D. Trigueiro Mendes chama de
meia educação, paradoxalmente destinada a não qualificar,
produtora de incompetentes do ponto de vista da eficiência
polltica, econômica e social. Meia educação para a meia
responsabilidade que se transforma em justificativa, novamente,
para a meia educação (Trigueiro Mendes, 1987,p.67). Se a educação
na década de 30 podia ser acusada de ritualista, a de hoje também
pode sê-lo - educação ritualista-simbólica, atendendo aos anseios
da massa e sem que suas deficiências impedissem o desenvolvimento
A escola particular, que cresceu beneficiada pelos motivos
já apontados, tornou-se, para a população que freqüenta a escola
38
pGblica, uma referência de qualidade, um exemplo de instituição
que desempenha a contento as funções dela esperadas: preparar
para o mercado de trabalho e educacional e dessa forma permitir a
mobilidade social. Isso não quer dizer que as escolas
particulares sejam, na sua totalidade, centros de excelência.
Hoje em dia não se pode nem mesmo dizer que são exclusivamente
destinadas às elites uma vez que atendem a uma larga parcela da
classe média, e mesmo da classe média baixa, espantadas dos
estabelecimentos pGblicos pela baixa qualidade do ensino. Há
escolas particulares de todos os tipos - religiosas e leigas,
tradicionais e "modernas", grandes redes com filiais em vários
bairros e pequenas escolas de fundo de quintal. A qualidade não é
homogênea, e mesmo dentro da rede particular se pode observar a
existência de verdadeiras escolas de elite (São Bento, Escola
Su1ça, etc.), não só por conta do custo das mensalidades, como
também pelos r1gidos e seletivos critérios de admissão e
avaliação. Mesmo considerando todas estas discrepâncias, e a
pressão econômica que ameaça empurrar a classe média de volta
para os estabelecimentos públicos, a escola particular ainda se
mantém como uma referência de qualidade. É em função desta
referência que a demanda se realiza, e não a partir de um
questionamento do dualismo que ela acarreta e das condições
históricas que propiciaram a sua existência.
Seria contudo presunçoso afir.mar que a$~-ca~acte.rlsti,caa
apontadas cristalizaram-se a ponto de não permitir fissuras. As
influências exercidas pelo escolanovismo, pelas teorias cr1tico
reproduti vistas de Bourdieu e Passeron, etc não podem ser
39
descartadas. Apesar de não terem afetado diretamente a estrutura
da escola ptíblica, não se pode esquecer que os professores são
oriundos de cursos e universidades onde estas teorias são, bem ou
mal, discutidas e isso certamente tem alguma influência nas suas
atividades pedag6gicas. Ademais, a tecnocracia não varreu o velho
espirito humanista, quer seja ele "moderno" ou "tradicional".
Seria de um mecanicismo simpl6rio supor que estas correntes
sucederam-se sem que as anteriores deixassem qualquer vestigio.
Na verdade, elas se cruzam, interpenetram e se combinam, às vezes
de modo contradit6rio, no discurso de educadores e educandos e
também nas ações do Estado.
3) Algumas hip6teses:
A partir dessa breve contextualização hist6rica é possivel
formular algumas hipõteses.
a) São duas as formações discursivas predominantes (não
exclusivas) na fala dos educandos: liberal-humanista e
liberal-tecnicista.
b) O autoritarismo "atravessa" essas formações discursivas,
organizando-se como um pré-construido, uma· mém6ria do
dizer que organiza e re-organiza os elementos dos
discursos, provocando a repetição de alguns destes
elementos e o apagamento, esquecimento ou mesmo negação
40
de outros (Maingueneau, 1987, p.113).
c) Essa memória (domlnio do inconsciente social) produz um
discurso da/sobre educação que sedimenta o sentido do
ensino como naturalmente
i) diferenciado no que diz respeito aos setores
privado e público.
ii) apelando mais ã memória do que ã imaginação,
apegando-se mais ao dogma do que ã polêmica,
apostando mais na produtividade dos meios do que na
criatividade dos fins.
d) A educação pública produz formas de assujeitamento
especIficas que não aquelas tradicionais nos paIses
desenvolvidos. O sujeito-da-educação pública é mais
enunciador e menos autor, sente-se menos como "fonte e
origem" do discurso, menos autônomo e mais dependente de
uma autoridade, mais submetido ao "contrato de fala"
estipulado pela escola (Maingueneau, 1987 ,p 30).
As hipóteses acima são de caráter exploratório e partiram,
fundamentalmente, de um trabalho de pré-análise dos depoimentos
dos educandos.
As hipóteses a) , b) e c) relacionam-se com o conceitcide ,
pari frase e a hipótese c) com o de autoria. O primeiro, no
entanto, não deve ser entendido como a repetição inalterada de um
mesmo enunciado e sim como uma ressonância, um sentido que vem
41
.,
"rolando" e produzindo desdobramentos familiares A nossa
"mem6ria" , a qual reconhecemos e na qual nos reconhecemos.
42
PARTE 11
A Fala dos Educandos
COMIDA
bebida é água. comida é pasto. você tem sede de que ? você tem fome de que ? a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte. a gente não quer só comida, a gente quer saída para qualquer parte. a gente não quer só comida, a gente quer bebida, diversão, balé. a gente não quer só comida, a gente quer a vida como a vida quer.
bebida é água. comida é pasto. você tem sede de que ? você tem fome de que ? a gente não quer só comer, a gente quer comer e fazer amor. a gente não quer só comer, a gente quer prazer pra aliviar a dor. a gente não quer só dinheiro, a gente quer dinheiro e felicidade. a gente não quer só dinheiro, a gente quer inteiro e não pela metade. bebida é água. comida é pasto. você tem sede de que ? você tem fome de que ?
Arnaldo Antunes/Marcelo Fromer/Sérgio Brito
Introduçio
1. Q Estrangeiro
t impossível não notar os aviões militares sobrevoando o
bairro de Marechal Hermes, zona oeste do Rio de Janeiro. Ora
despejando paraquedistas, ora simplesmente fazendo evoluções
sobre a ãrea, eles estão sempre lã. Para o estrangeiro que visita
a localidade pela primeira vez é difícil ignorã-Ios.
1.1. A Escola e o Bairro
O Colégio Estadual José Accioli situa-se no bairro de
Marechal Hermes e atende também à população dos bairros vizinhos
Bento Ribeiro, Deodoro,
Guadalupe, etc. O colégio1
Honõrio Gurgeli Campo Grande,
tem 1560 alunos distribuidos em 36
turmas e 3 turnos. Os turnos da manhã e noite oferecem turmas de
Formação Geral e o turno da tarde é exclusivo do Curso Normal.
O bairro de Marechal Hermes, assim como os seus vizinhos,
não chama a nossa atenção por um contraste agudo entre pobreza e
riqueza. As favelas e conjuntos habitacionais existem mas não se
nota a miséria que caracteriza estes tipos de habitações nas
zonas mais centrais da cidade. A classe média também não exibe
sinais de opulência - mora em casas confortãveis,tem carro do ano
mas não aparenta luxo.
O colégio situa-se, geografica e simbolicamente, entre estes
dois mundos. O seu prédio está bem no meio, entre as casas e o
43
conjunto habitacional. No lado mais rico, como se para confirmar
o simbolismo, hA casas de civis e de militares. AliAs, os
mi 1 i tares estão em toda parte - nas bases aéreas, na vi la
Militar, na farda dos soldados nas ruas e nos desejos dos meninos
de ingressarem na carreira militar.
o bairro, assim como toda a zona oeste em geral, oferece
poucas opções culturais e de lazer. Os jovens queixam-se da
ausência de cinemas, teatros e de locais públicos para a prática
de esportes. Muitos jamais viram um espetáculo teatral e atribuem
esse fato à distância até a zona sul da cidade. A deficiência do
transporte e o preço das passagens contribuem para o isolamento
desses jovens na região em que vivem. Dessa forma, os
adolescentes da zona oeste, conforme eles mesmo disseram, dedicam
seu tempo livre principalmente à televisão e. aos esportes (os
meninos). Poucos frequentam os concorridos bailões funk de fim de
semana, por eles considerados muito violentos De fato, a
imprensa frequentemente noticia brigas, arrastões e até
homic1dios praticados pelos grupos que frequentam esses bailes.
Por outro lado, as ruas da zona oeste não são tão perigosas
quanto as do centro não se percebe pedintes, cr ianças
abandonadas e nem mesmo f 1 anel inhas. As fa las dos jovens
entrevistados sobre violência são muito mais genéricas do que as
dos jovens , por exemplo, da zona su12 que se referem sempre a um
perigo imediato, ao assalto recém sofrido ou ainda por_sofrer. __ . - --~
O COlégio Estadual José Accioli é um colégio tradicional na
área, isto é, é reconhecido pela população local como uma
instituição que oferece um ensino de boa qualidade. Orgulha-se de
44
ter um corpo docente estãvel, sendo que muitos dos professores lã
estão desde o inIcio de suas carreiras - contam até o caso de uma
professora que dedicou os 25 anos de magistério ao José Accioli,
sem nunca ter lecionado em nenhum outro estabelecimento de
ensino. Encontrei 4 ou 5 professores com mestrado ou doutorado
(turno da manhã e noite) e vãrios outros (inclusive uma das
diretoras adjuntas) em vias de prestar exames de qualificação
para cursos de pós-graduação. O preparo acadêmico dos professores
é um dos orgulhos da escola e me foi constantemente lembrado
pelas equipes técnica e pedagógica.
As caracteristicas expostas acima foram as que me levaram a
escolher o Colégio Estadual José Accioli como o campo onde os
depoimentos seriam tomados. Apesar da formação de seus
professores ser considerada, por eles mesmos, acima da média, a
escola enfrenta os mesmos problemas das demais: carência de
equipamentos, faltas constantes de professores e escassez de
recursos para a preservação do prédio. Sendo assim, apesar da
vantagem na ãrea docente, o José Accioli não pode ser considerado
superior às outras escolas da rede estadual porque com elas
compartilha das mesmas deficiências estruturais. Também não se
sobressai (por ausência ou excesso) em indices de violência,
nivel de carência dos alunos ou evasão. A vantagem que se tem em
trabalhar com uma escola deste tipo é que os depoimentos não
estão afetados por questões-l.a.cais que dariam aos sentidos
colhidos uma perspectiva particularizante.
45
2. As Entrevistas
Os depoimentos foram tomados em entrevistas individuais ou
em grupos e tiveram um caráter eminentemente explorat6rio. Não
havia um questionário estabelecido a priori e nem mesmo um
roteiro rIgido. O suporte teórico da pesquisa permitia, e mesmo
incentivava, um passeio por diferentes assuntos, temas de
conversa que muitas vezes revelavam novas possibilidades para
sentidos aparentemente já cristalizados.
Os depoimentos foram colhidos ao longo de 3 meses -
setembro a novembro de 1991. Não houve, a princIpio, preocupação
em selecionar alunos representativos do seu grupo, até porque
esse grupo era ainda desconhecido. Dessa forma, a minha
estratégia inicial foi a de fazer ponto na cantina, no baleiro ou
no pátio. Por ser estrangeira, despertava curiosidade e assim
tive muita facilidade para iniciar as conversas. Além do mais,
devido às constantes faltas dos professores, havia sempre alguma
turma em tempo vago.
Conversei com 43 alunos, sendo que 12 depoimentos foram
gravados. Esse número reduzido de gravações se deve ao fato de
que as condições técnicas para sua realização eram precárias. A
algazarra dos alunos em tempo vago interferia a ponto de tornar
as fitas quase ininteliglveis, mesmo quando realizadas em
ambientes fechados. Além do mais, como a maioria dàs entrevistas ,
foi feita em grupo, a transcrição tornava-se difIcil já que
muitas vezes era praticamente impossível distinguir as vozes e
identificar seus donos.
46
A seleção dos alunos que tiveram seus depoimentos gravados
foi menos aleat6ria do que aquela feita para os não gravados.
Contei, nesse caso, com a colaboração da Coordenadora da escola,
profa • 1sis, e da Orientadora Educacional, profa Luci. Tanto uma
quanto a outra, hâ anos atuando na escola, conheciam muito bem os
alunos e me ajudaram a encontrar os tipos que procurava: o
estudioso (E2), o trabalhador (E12), a bagunceira (Ell), a
noivinha (E3), etc.
A fase de coleta de depoimentos foi encerrada quando percebi
que havia um padrão que se repetia, que apesar das diferenças
individuais havia sentidos compartilhados. Dessa forma, pude
constatar que havia encontrado a regularidade enunciativa que
buscava e que jâ era possivel proceder com a análise dos
discursos.
As pâginas seguintes são dedicadas à anâlise dos
depoimentos. Cada capitulo, com exceção do pr imeiro, reúne - -
enunciados produzidos a partir das perguntas por mim feitas e
também aqueles produzidos espontaneamente pelos alunos (sexo e
drogas, por exemplo). O primeiro capitulo já seguiu uma
orientação diferente. Foi organizado não a partir dos temas de
conversa mas em decorrência de uma reflexão acerca dos lugares
ocupados por entrevistadora e entrevistados durante as
entrevistas.
Espero sinceramente , na anâlise a-seguir, ter tratado os
depoimentos que me foram oferecidos de forma tão espontânea,
afetiva e ingênua com o respeito e o afeto que merecem.
47
NOTAS:
1- Dados fornecidos pela Coordenação da escola e referentes ao ano de 1991.
2- O exemplo refere-se aos depoimentos prestados por alunos do Centro Educacional Anisio Teixeira (CEAT), Santa Tereza, RJ.
48
capitulo 111: Os contratos de fala.
a) O Grupo 1
Uma das primeiras perguntas feitas - excetuando os "quebra-
gelo" iniciais - era sobre o que achavam da sua escola. As
respostas foram, quase sempre, elogiosas e alguns alunos chegaram
mesmo a compará-la favoravelmente à escola particular.
t legal, eu gosto, tO gostando daqui, os professores se empenham bem. [E 1]
Eu vim de um colégio particular .•. porque a minha cunhada ela disse que aqui tinha um ensino bem melhor do que onde eu estudava, que era no pio XII, que é particular. Ai disse que o ensino era quase a mesma coisa. [E 3]
Eu, pelo menos, vejo a escola muito muito ..• sei lá, ajuda muito, entendeu, eu gosto muito de estudar. [E 8]
Pra mim é super importante. [E 9]
Eu estou satisfeita com o colégio. [E 10]
Os mesmos alunos, com o prosseguimento da entrevista,
forneceram opiniões opostas. Antes, porém, de confrontar falas
contraditórias é preciso explorar este primeiro "lugar" ocupado
pelos educandos.
Maingueneau (1989, p.30) refere-se ao aspecto contratual da
fala. O contrato se estabelece por meio de uma proposicão que o
EU dirige ao TU e para a qual aguarda uma contrapartida de
conivência. A proposição que os alunos fazem, nesse caso, é a de
serem reconhecidos como e~diosos, comportados e~ sala e não
consumidores de drogas. Os jovens procuraram afirmar-se através
do estereótipo idealizado na escola recusando o estereótipo
imposto pela escola. Suas falas são marcadas pela oposição eu x
49
os outros.
Quando a professora tá explicando [email protected] presto atenção. [E 4 - grifo meu]
Geralmente os rapazes da minha idade gostam muito de brincar, como na minha turma mesmo tem muitos. Bom, 2Y pelo menos não sou assim, né? Sério é sério ••• [E 8 - grifo meu]
BY sou ligado na área de esportes assim, então a maioria dos meus amigos são também nessa parte de esporte e estudo, então nenhum deles se envolve com drogas nem bebida nem fumo também. [E 2 - grifo meu]
o fato desses enunciados (exceto o relativo à drogas) serem
posteriormente negados ou enfraquecidos não pode ser encarado
como uma oposição entre o falso e o verdadeiro. A identificação
com um estereótipo para rejeitar outro faz desconfiar de que aqui
o sujeito tem um problema em sua relação com o dizer-se.
Orlandi (1992, p.128) propõe uma abordagem do estereótipo
que extrapola seu aspecto de "solidificação", "sedimentação" do
discurso. A autora acredita que o estereótipo também é
O lugar em que o sujeito resiste, em que ele encontra um espaço para, paradoxalmente, trabalhar sua diferença e seus outros sentidos. É uma forma de proteger sua identidade no senso comum, pois o estereótipo cria condições para que o sujeito não apareça, diluindo-se na universalidade indistinta.
A afirmação deste eu "bonzinho", enquanto contratante de
fala, caracteriza o conjunto de depoimentos que será chamado de
Grupo 1.. Sua adoção de um estereótipo para significar-se e a
rejeição de outro para diferenciar-se indica c as-=of'ormas de
as~ujeitamento do discurso da escola. Os jovens que fazem parte
deste grupo pertencem a familias das classes média e média-baixa
e sonham com a ascensão social via educação. Fazem criticas à
50
sociedade e 6 escola que, por mais amargas que sejam, localizam
se no mau funcionamento de determinados serviços. Nessa
perspectiva, a critica mais séria que fazem ao ensino é
justamente não os preparar para prestar concursos que os
possibilitem seguir uma carreira ou ingressar na universidade. O
refúgio no estere6tipo "bem comportado", então aponta em duas
direções:
a) uma conformidade maior com o padrão ideal, institucional, de
sujeito-da-educação.
b) a possibilidade de, protegido por aquela imagem, criticar a
instituição sem romper o contrato de fala e por conseguinte
sofrer a exclusão imposta aos "maus".
A enorme diferença entre os dois lugares (imaginários)
disponíveis faz suspeitar da natureza rígida de um outro contrato
de fala - aquele firmado entre a escola e o aluno. Antes de
discutí-Io, porém, é preciso esclarecer a relação escola
discurso. Não se trata aqui de tomar a escola como "mediadora" de
discursos produzidos alhures. A escola não é um medium, ela é
produtora de linguagem, de enunciados pr6prios, de "lugares" de
fala específicos, de práticas sociais particulares. Isso não quer
dizer que ela não mantenha um estreito vínculo com as demais
instituições sociais e políticas. ~ Quer dizer apenas -quê ela - tem~
características pr6prias e que são estes aspectos que serão
tratados neste trabalho.
O contrato de fala que liga a escola ao aluno não lhe
51
permite ser "não-comportado", "não-estudioso", etc. Não há meio
termo, não há variação de sentidos. S6 contenção. Isso já permite
perceber como a "mem6ria" autoritária "conta", como os atos de
fala produzidos no interior da escola revelam-se como práticas
sociais de "localização" do sujeito. As representações dai
decorrentes fundamentam as práticas pedag6gicas, determinando os
comportamentos aceitáveis e não aceitáveis, os "bons" e os "maus"
sujeitos.
b) O Grupo 2
Três depoimentos fugiram ao padrão do Grupo 1. Eles
pertencem a jovens militantes da AMES (Associação dos Movimentos
Secundaristas) e do PT (Partido dos Trabalhadores). Apesar de
formarem um grupo muito reduzido, seus depoimentos, pelo
contraste que fazem com os do Grupo 1, não podem ser ignorados.
Além do mais, não seria democrático calar as minorias. Este grupo
será chamado de Grupo ~.
O contrato de fala que eles procuraram estabelecer parte de
uma proposição muito diferente daquela do Grupo 1. Os militantes,
como eles mesmos se auto-denominaram, logo afirmaram não gostar
da escola nem dos professores, mostraram-se ferozmente criticos e
reivindicaram transformações sociais. A pergunta inicial sobre o
que achavam da escola foi respondida assim:
Se educação é s6 passar o que passam hoje dentro das escolas, até das escolas particulares, é uma educação s6 de submissão, é vol tada s6 pra condensar o estudante, condensar o cidadão à sociedade. [E 5]
52
N40 d40 o direito de a gente contestar. [E 7]
Você vem pra cá, ent40 aqui dentro você n40 tem motivação nenhuma. Não tem nada que seja interessante dentro de um colégio. Acabou. [E6]
Ao contrário dos colegas do Grupo 1, os militantes assumiram
ter comportamentos "desviantes" expressos por uma postura
questionadora dos conteúdos ou pela recusa em participar das
aulas de Educação FIsica. Porém, como os jovens do Grupo 1,
rejeitaram os "bagunceiros" e os consumidores de drogas.
Os jovens do Grupo 2, apesar das novas bases contratuais,
não escaparam da polarização. Suas falas também são marcadas pela
oposição eu x os outros, só que "essa oposição se traduz como
consciência (eu) X alienação (os outros). Imaginam-se não-
alienados, portadores de uma "consciência crItica" que os
distingue do Grupo 1.
Esse lugar que reivindicaram para si é muito mais rIgido do
que aquele reivindicado pelo Grupo 1. De uma certa forma, ao
ocuparem o lugar da "fala consciente", tornaram-se reféns do seu
próprio dizer. Sair desse lugar, "pular a cerca", significa cair
em território inimigo. É por isso um lugar duplamente
autoritário. Produz formas de assujeitamento rIgidas (que
determina, por exemplo, as preferências musicais, as cores das
roupas) e controla com mão de ferro a ambigüidade dos enunciados.
Pressupõe uma realidade-em-si, a "verdadeira realidade". Dessa .-
forma, os jovens do Grupo 2 compreendem o mundà e a escola
através de dois conceitos extremos: alienação x consciência
critica. Ser consciente, contudo, não é uma tarefa fácil (daI o
controle, a rigidez). Pelo contrário, ela chega a beira de uma
53
tragédia shakespereana - ser ou nâo ser alienado ?
( ••. ) A alienação. A gente tava estudando isso em Filosofia outro dia. O que é um ser alienado ? Então você vê que você foge de ser um alienado mas acaba se alienando. Como ê isso ? Se você gosta muito de futebol, então você vai arrumar um grupo que s6 fale de futebol, e tudo s6 vai ser futebol. Então isso ê o quê ? Uma forma de estar alienado. Você não vai ligar pra assistir um esporte, um outro esporte, você não vai ligar pra ler outras revistas, você 11ão vai ligar pra outras coisas. Você vai acabar alienado porque você gosta muito. Então o quê que ê ? Se uma coisa te atrai mui to você acaba ficando •.. absorvido por aquilo. [E 6]
Até porque o conhecimento é muito amplo. Por mais que você tente várias v~soes, você aprenda muitas coisas, ainda vai faltar muita coisa. Você acaba se alienando até porque gosta de algumas coisas. [E 5]
Apesar da fatalidade embutida nesta concepção de alienação,
os três militantes sentem terem escapado dela. E 5 atribuiu o
desenvolvimento da sua "consciência" às dificuldades financeiras
vividas pela família e ao contato com alguns professores que
enxergavam a sua [deles] real condição. E 6 também atribuiu a
alguns professores a sua "mudança de consciência". E 7,
finalmente, viu a sua participação no movimento estudantil como
responsãvel pela sua "desalienação.
Os depoimentos destes alunos são bem mais "consistentes" e
"coerentes" do que aqueles do Grupo 1. Quase não hã "falas
contraditórias" # tudo se exp.li--e:a ·-e se arranja pela oposição··
consciência x alienação. Dessa forma, por conceberem a alienação
assim de uma forma tão ampla e apresentando-se como não-
alienados, os militantes tornaram a "fala consciente" em fala
54
onisciente e por isso foram extremamente duros no julgamento que
fizeram do outro - um idiota [E 5]. Curiosamente, os jovens do
Grupo 1 também não foram condescendentes - o jovem é uma besta
[E 4].
Os militantes procuraram o tempo todo rejeitar as formas de
assujeitamento impostas pelo discurso escolar e de certa forma
conseguiram fazê-lo. O que eles não conseguiram fazer foi fugir
do padrão autoritário. Também não encontraram, no âmbito da
escola, outra forma de significar-se que não fosse pelo
estere6tipo. Negaram o "bom" estere6tipo fornecido pela escola
mas apresentaram-se por meio de um terceiro, o da militância. A
adesão a este modelo, encontrado no "fora da escola", representou
uma forma expl1cita de resistência. Mais ainda, o modelo
adotado, em que pese sua vocação autoritária,- forneceu a seus
adeptos uma objetividade argumentativa muito mais acentuada - os
militantes conseguiram organizar suas "dispersões" de forma mais
eficiente do que os integrantes do Grupo 1.
55
Capitulo IV: Educaçio, Escola e Ensino
a) Grupo 1
1) Q primeiro NÃQ
A despe i to do "contrato de fala" que pressupunha uma
avaliação posi ti va da escola, um mInimo de provocação foi
suficiente para que as crIticas aparecessem, às vezes de forma
patética e comovente.
E 1, adolescente tImida, insegura diante do gravador e
ansiosa por dar "boas respostas", inicialmente disse:
(risinhos) O que eu acho da escola? Um pouco desorganizada, né ? Podia ser mais ... mas eu tO gostando daqui, os professores se empenham bem.
Mais adiante, reclamou:
( ..• ) Tem vezes que a gente vem pra escola e não tem aula ( ..• ) os professores não tem aquela preocupação de atender, entendeu, a todas as turmas ( •.• ) Olha, é uma desorganização tão grande porque a gente concluindo não acaba, não tem tempo de acabar o livro ( ... ) [grifos meus]
E 1 não é um caso isolado, nem a sua mudança de lugar de
enunciação acerca da escola difere dos demais. Os integrantes do
Grupo 1 organizaram seus enunciados sobre a escola em torno da
negação.
( ... ) Eu sei que se fosse seguir pela escola não dava de jeito nenhum pra eu poder entrar [para a Marinha - E 2 ; grifo meu].
Acho que a escola s6 não dá conta. Tenho que fazer um curso pra me preparar [para o vestibular - E 8 i grifo meu].
56
( ••• ) Tem matérias aqui, que eles pedem nesses jornalzinhos de vestibular que eu nunca nem imaginei que existisse. ( •.• ) O ensino é bom mas njQ dli aquela base assim que você possa terminar o 20. Grau e direto encarar um vestibular. [E 11 - grifo meu]
A negação põe em cena um "enunciador" que ê refutado.
Contesta, opõe-se a uma asserção anterior, explícita ou não
(Maingueneau, 1989, p. 82). O "enunciador" refutado, no caso, não
ê um individuo mas a pr6pria homogeneidade do ensino. O que se
afirma ê a superioridade do ensino particular e o que se nega são
enunciados que propõem a equivalência entre os ensinos privado e
público. Entre a negação e a afirmação insinua-se uma restrição
da educação ao seu sentido de ensino propedêutico.
Quando E 11 afirmou que o ensino é bom mas não dá aquela
base ( ••• ) introduziu sua negação por meio de uma ressalva (mas)
que enfraqueceu sua proposição inicial (o ensino é bom) sem
contudo negá-la completamente. A pergunta que se coloca, então,
ê: bom por quê? Para quê ?
Além tos termos propostos no "contrato de fala", há outros
elementos que ajudam no esclarecimento desta questão. Em primeiro
lugar, o conformismo dos jovens do Grupo 1.
[A escola pública] poderia tá melhor, né ? Poderia tá melhor mas ... a gente vê ... numa forma até ... vamos dizer ... a gente até se conforma, né, a gente tenta ajudar no máximo, às vezes tem limpeza a gente vem, ajuda, mas .•• tá de um jeito que a gente não-pode fazer-nada, né? [E 1] .-
Conformismo não s6 em relação à qualidade do ensino mas
também em relação ao papel subalterno em que a aluna se coloca/é
colocada na/pela escola - ajudar na limpeza. E 1 se solidariza
57
com os apelos da escola, porém conclui (mas •.• ) pela inutilidade
dos seus esforços.
E 10 tornou mais claros os motivos que levam a essa
solidariedade conformada.
Eu estou satisfeita com o colégio. Mas eu tenho uma amiga que ela é do colégio particular e ela discrimina o colégio p~blico. Eu acho que não tem nada a ver ( ... ) ª também mesmo se eu concordasse, eu tenho que ficar aqui mesmo que a minha mãe, né, não tem como pagar particular pra mim, então eu tenho que con tinuar aqui mesmo. E eu pretendo ser Nutricionista. [grifo meu]
Ao citar a colega, E 10 introduziu um outro locutor que lhe
permi tiu "duvidar" da sua afirmação inicial. No diálogo que se
estabeleceu no interior do enunciado, a aluna desenvolveu uma
argumentação em que o argumento em favor da escola pública se
enfraqueceu diante da sua impossibilidade de cursar uma escola
particular.
A sua última frase, aquela onde expressou sua aspiração
profissional, é iniciada pela conjunção e que, no caso, tem
valor adversativo. O contraste expresso se dá entre estudar numa
escola pública e seguir uma carreira universitária. A conjunção
e também pode, em posição inicial, indicar al ta intensidade
afetiva, com valor próximo ao de interjeição (Cunha, 1980,p.537).
A intensidade afetiva não está só no contraste entre sua
realidade econômica e seu dese4o. A -.Sua def€sa da escolapública-- -- --~-
t~m o mesmo tom emocional e este também está na fala de E 1
acima. A dimensão afetiva, então, sugere que a defesa que fazem e
a solidariedade que emprestam à escola resulta do fato que esta
58
representa um patrimOnio (simb6Iico) de valor especial. Esse
valor pode ser apreendido através, por exemplo, dos seguintes
enunciados:
A gente fica na escola, é melhor um pouquinho do que nada, né? [E 1)
( ..• ) Acho que a coisa mais importante é o estudo, a pessoa ser instruída, se formar em alguma coisa, ser alguma coisa na sociedade.
[E 4 - grifo meu)
E 1 estabelece uma identidade entre escola e "pouquinho" e
conclui a favor deste "pouquinho". E 4 esclarece as razões para
tal conclusão: esse pouquinho vale o sacrifício, mesmo que ele
"coisifique" o sujeito. Ser coisa, objeto inaninado, desprovido
de alma, espírito, mente (Cunha, 1982), e não alguém, pessoa, é
preferível do que ficar a margem da sociedade.
A batalha por esta identidade social, permeada pelo
conformismo, acarreta uma ênfase no esforço individual. E 1, por
exemplo, diz:
Eu acho que se a gente quer estudar numa escola particular, a gente quer ter o melhor pra gente, a gente procura mesmo que os pais não tenham. Se a gente quiser a gente consegue. Procura um trabalho, pô.
A vontade individual é enfatizada como condição para o
sucesso, e este passa pela escola particular, que é citada em
quase todos os depoimentos do Grupo 1 como exemplo de instituição
eficiente. Não se pode descartá~la como um enunciador cujos
enunciados em favor de sua qualidade são sempre tomados como
verdadeiros, a ponto de não ser preciso dar exemplos. "Todo
mundo" sabe que a escola particular é melhor e pronto. Já as
59
deficiências da escola pública não parecem ser tão 6bvias e por
isso precisam ser reveladas. Essas deficiências, para o Grupo 1,
centraram-se basicamente em três aspectos:
1) formação inadequada para o ingresso no mercado de trabalho
e/ou educacional;
2) carência de equipamentos (laborat6rio de ciências, material
esportivo, material didático, etc);
3) freqüência das greves1 •
Se tratarmos estes enunciados como demandas (implici tas) ,
podemos concluir que estas postulam um ensino exclusivamente
preparat6rio e que a educação é entendida apenas no seu aspecto
técnico. Não se percebe nenhuma critica ao' dualismo escola
pÚblica-escola particular e muito menos uma compreensão das
razões históricas que produziram as deficiências apontadas. O
capitulo 2 contextualizou estes "silêncios", e se pode perceber
nas falas o modo como o elitismo e o a-historicismo da educação
agem sobre os educandos no sentido de promover uma forma
particular de assujeitamento. Esse sujeito-da-educação que surge
dos depoimentos do Grupo 1 parece estar mesmo determinado pelo
tecnicismo e pelo autoritarismo, conformado em aceitar o lugar
subalterno que lhe é designado, preferindo reificar-se (ser
coisa) para integrar-se â sociedade do que "humanizar-se" ~
correr o risco de ficar de fora. Parece também estar penetrado
pela ideologia liberal de igual oportunidades para todos os
esforçados.
60
A interpretação acima não ê errada, mas contudo não dá conta
de outras possibilidades de significação, tanto para a educação e
a escola quanto para o sujeito. A sedimentação (hist6rica) de um
sentido não impediu que houvesse deslocamentos.
2) Q Segundo Não
A ênfase na demanda por um ensino preparat6rio centrou-se
basicamente numa associação entre os termos escola e conteúdo,
sendo o último geralmente qualificado como mínimo, básico. Essa
atribuição à escola da função de repasse de conteúdos, avaliados
em seu volume segundo os critérios impostos pelo mercado de
trabalho e/ou educacional, traz embutida uma expectativa
estritamente quantitativa com relação à educação e à escola.
Esses enunciados, produzidos a partir de uma perspectiva de
ascensão social via educação, contrastam com outros que deslocam
o sentido de conteúdo do eixo técnico, funcional, para o
humanista, dos valores e idéias.
E 1 acusa o conteudismo da escola de causar tensão:
A escola eles ficam muito preocupados em dar o essencial, em ensinar ( ... ) se prende mui to naquilo. Acho que .•. a gente devia ter uma horinha assim, entendeu, pra descontrair um pouco, pra .•. espairecer, pra ... acalmar um pouco que às vezes a gente vem até fazer uma prova e a gente fica nervosa, fica naquela ansiedade. Eu acho que tinha que ter algumas atividades pra relaxar a gente-. ~-.
Os mesmos alunos que se queixaram da insuficiência de
conteúdos, afirmaram sua incapacidade de apreender o "m1nimo" que
recebem. Alegaram, em seu favor, as greves que causam com que os
61
conteüdos sejam transmitidos de forma rãpida e superficial. Os
enunciados que colocam esta questão de uma certa forma quebram o
"contrato de fala" inicial. O jovem estudioso, esforçado, que
quer "mais ma tér ia" para poder "passar na prova", quando
diretamente questionado, admitiu seu baixo desempenho e seu
desinteresse pelas aulas. O contrato não foi totalmente rompido,
claro, pois isso significaria cair no "mau" estereótipo (lugar de \
distância). O que eles disseram foi que estavam temporariamente
atravessando uma fase ruim devido a problemas externos ao
ambiente escolar - doença, "nervoso", etç.
O primeiro posicionamento dos joven~ como "estudiosos" e
"esforçados" expressou seu desejo de corresponder ao tipo "ideal" ~
de sujeito-da-educação. O desejo de permanecer ~este lugar
produziu enunciados do tipo daqueles analisados em º primeiro
Não. Neles são mais evidentes os efeitos do tecnocratismo e do
autoritarismo no que diz respeito a uma demanda funcionalista por
conteüdos e a representação de si mesmo como um sujeito que
"conhece" o mundo e os mecanismos de insersão social.
O segundo posicionamento não nega mas enfraquece os sentidos
de "estudioso" e "esforçado". Dai derivam enunciados que se
opõem, na questão dos conteúdos, aos produzidos anteriormente.
Um tipo assim como se :fosse uma educação paralela, tivesse debates assim sei lá, conferências, reuniões na escola mesmo pra tratar esses tipo de assunto.
[sexo, drogas - E 2]
E você vem pro colégio você sabe que vai pra aprender português e só Português, Química e
62
s6 Química e isso daí já vem já de antepassados, né ? Parece aquilo ali um gravador. ( ... ) Acho que se conversasse mais sobre o mundo de hoje seria muito mais interessante. [E 3]
( ..• ) acho que deveria existir uma matéria assim .•• ou que dissesse sobre sociedade assim no sentido do mundo hoje, do jovem. Sobre drogas, sexo eee .•• política. [E 4]
[A escola deveria] falar sobre o que tá acontecendo hoje em dia e comparar com o passado. [E 9]
- Hoje em dia ninguém entende mais nada, né ? [E 10]
Desses enunciados depreende-se que o discurso da escola é
percebido como compartimentalizado (Português e só Português) e
a-histórico (deveria falar sobre o que tá acontecendo hoje em dia
e comparar com o passado). E 3, intuitivamente, constata: isso ai
já vem já de antepassados.
Os novos sentidos propostos para os conteúdos não foram
produzidos de forma tão enfática como aqueles que postulavam
"mais matéria". A maioria das falas é entrecortada por
reticências e por expressões de dúvida (sei lá). Poucos foram tão
decididos como E 3.
São estes sentidos, ainda timidos e imprecisos, que deram
origem ao subtitulo º Segundo Não. A negação, neste caso, não
está explicita como no anterior, mas implicita. º Segundo Não diz
respeito às coisas sobre as quais a escola não fala, aos
silêncios que marcam a prática pedagógica e às regiões do dizivel
sobre as quais ele incide intervindo na relação do individuo com
sua identidade social.
63
A educação püblica no Brasil, pelos motivos jA anteriormente
expostos, nunca foi um efetivo instrumento de promoção sócio
econômica, polltica e cultural em termos de classe social. Desse
modo, nunca se preocupou em adotar uma linha de ação, polltica e
pedagógica, de desenvolvimento de uma consciência ativa,
expllcita. Pelo contrArio, o Estado brasileiro, em quase toda a
sua história, serviu-se do ensino püblico para promover uma
consciência passiva, implicita, acompanhada pela percepção difusa
quanto aos fenômenos cul turais, econômicos e poli ticos. Nesse
tipo de consciência, o individuo absorve o social sem reflexão
critica (Trigueiro Mendes, 1987, p. 63)
Esse indivIduo passivo, confuso e perplexo, mais
controlável, não encontra na escola o ambiente que lhe permita
passar da consciência passiva para a ativa. ~ nesse ambiente que
os depoimentos acima circulam.
Os adolescentes do Grupo 1 demonstraram uma certa
perplexidade diante do mundo. Reclamaram dos professores que se
resumiam a dar aulas e não conversavam sobre a matéria ou mesmo
sobre assuntos "fora" dela, principalmente sexo e drogas, seus
temas favoritos. Aulas e conversas sobre o "mundo hoje" também
foram muito mencionadas, embora não tenham atribuldo a elas um
sentido polltico. A polltica, para eles, tem um significado
altamente negativo, sendo mesmo rejeitada.
A demanda impllci ta nestes enunciados é pela palavra
esclarecedora. Pode-se perceber aI uma certa permanência do
humanismo tradicional ou de uma tradição iluminista mas não me
64
parece que este seja um caminho que valha a pena ser refeito
agora. O que parece ser mais interessante, no momento, ê pensar
estes enunciados como uma demanda por linguagem, palavras (novas)
para dizer o mundo. E 3, tão bem-falante em outros momentos, não
tem palavras para "dizer" o mundo:
( .•. ) dizem que antigamente era bem melhor. Agora eu não sei o motivo.
"Ter palavras" é estar nos sentidos, na hist6ria. Mas os
jovens do Grupo 1 as pedem emprestadas para falar do passado
(dizem •.. ), embora não encontrem fiadores para falar do presente
(Hoje em dia ninguém entende mais nada - E 10 i grifo meu). Para
o futuro há muitas palavras, mas são palavras "más":
[O mundo] tá pior ainda . [para o jovem], principalmente no setor de emprego, né ? ( ••• ) só mesmo com conhecimento você arruma alguma coisa decente pra se trabalhar ( ... ) Dal pra frente a tendência é a coisa piorar mesmo. O mundo violento do jeito que tá, é cada minuto mil mortes, matando uns aos outros. Quer dizer, vai melhorar o quê ? Um querendo passar por cima de todo mundo. [E 11]
Para os jovens entrevistados, de média-baixa e baixa renda,
a escola acaba sendo praticamente o único canal de acesso ao tipo
de informação que o jovem de classe mais alta encontra mais
facilmente em seu meio.
Entrevistei também alunos do Centro Educacional Anisio
Teixeira (CEAT), colégio de classe média alta, e lá não encontrei
nem perplexidade nem carência de palavras, mesmo dentre as
"tribos" assumidamente "alienadas" - surfistas e "playboys". É
fato que os alunos do CEAT freqüentam teatros e cinemas, têm
65
hábitos de leitura , viajam pelo Brasil e pelo exterior e que
muitos s~o filhos de intelectuais e artistas. Mas é fato também
que a escola adota uma "pedagogia critica" e, de um modo geral,
n~o se furta à polêmica. Já no Colégio Estadual José Accioli ela
é muitas vezes evitada2 •
A polêmica, do ponto de vista da linguagem, faz brotar a
polissemia, liberta as palavras de seu sentido literal e "afia" a
argumentação na disputa pela posse dos sentidos. Produz novas
possibilidades de dizer e dizer-se. Quando a escola se esquiva de
polemizar, está preservando seu poder de determinar o dizlvel e
de impor uma verdadeira censura. Para Orlandi (1992, p. 81), a
censura produz uma asfixia,
ela é a interdição manifesta da circulação do sujei to pela decisão de um· poder de palavra fortemente regulado. No autoritarismo, não há reversibilidade possível no discurso, isto é, o sujeito não pode ocupar diferentes posições: ele só pode ocupar o "lugar" que lhe é destinado, - para produzir os sentidos que não lhe são proibidos. A censura afeta, de imediato, a identidade do sujeito.
o Segundo Não portanto se refere à escola que "não fala" nem
deixa falar, que parece aquilo ali um gravador, incapaz de
produzir e de deixar que se produzam novas palavras que
signifiquem o mundo e permitam que os educandos nele se
signifiquem para além dos estereótipos.
Chamei a demanda impllcita----AQ.Stes enunciados--de- uma---d-emanda
pela palavra esclarecedora porque neles não encontrei nenhum
sentido que apontasse um desejo de ruptura, de transformação e
sim de compreensão, de inserção. Por outro lado, é preciso levar
66
em conta que, embora timidamente, os jovens do Grupo 1 recusaram
o papel de meros receptores. O esclarecimento reivindicado não ê
associado ao mon6logo, mas ao diâlogo, à conversa.
b) O Grupo 2
Acho que os professores, assim, com os alunos, eles assim pudessem conversar assim, não s6 sobre o assunto da aula mas também sobre esse tipo de problema como ( •.. ) AIDS.
(E 2 - grifo meu]
Esse exemplo que eu citei da cesta básica e tudo foi até uma professora que ••• esclareceu, né, a turma .•. que esse tipo de conversa na minha turma o pessoal presta muita atenção. [E 4 - grifos meus]
Inclusive eles tavam falando que ia ter um debate sobre drogas, aborto, sexo, mas tendo em vista essa greve, né ? (E 11]
E seria bom esse tipo de debate? CP]
É bom, tem mui ta gente bloqueada. É legal conversar. (E 11]
De todas as entrevistas realizadas no colégio Estadual José
Accioli, as únicas "falas politizadas" foram as destes alunos.
Eles eram , mesmo, uma referência para os demais. Quando
perguntava sobre o grêmio ou sobre pol1tica, freqüentemente ouvia
a sugestão para procurâ-los. Isso não quer dizer que houvesse uma
estreita relação de amizade entre eles e os demais alunos. Pelo
contrârio, os militantes formavam um grupo a parte dentro da
escola.
Já havia decidido entrevistá-los por conta das referências
feitas. Contudo, pretendia deixá-los mais para o final com o
67
objetivo de tentar obter um depoimento menos disperso, talvez um
contraponto às entrevistas que ainda estava realizando. Isso,
todavia, não foi possível porque a Coordenação da escola me
procurou e pediu que conversasse com eles. O pedido incluía um
apelo para que eu tentasse convencê-los a freqüentar as aulas de
Educação Física. Esses alunos estavam se recusando a participar
daquelas aulas e corriam o risco de serem reprovados por faltas.
A Coordenação, ao me fazer este pedido, forneceu um perfil dos
jovens: militantes, sectários, que tentaram partidarizar o grêmio
e "se deram mal".
Os três adolescentes, por sua vez, vieram ao meu encontro
"doidos" para falar. E como falaram ! Foram mais de 3 horas de
gravação distribuídas ao longo de três dias. Os alunos do Grupo 1
também demonstraram mui ta vontade de falar, màs o Grupo 2 teve
uma característica extra:, o desejo de "denunciar". Fizeram um
verdadeiro comício
a) A Realidade Negada
A educação, para eles, também tem a marca da negação. O que
é negado, porém, é a "realidade".
A escola3 não trabalha em cima da realidade. [E 6 - grifo meu]
Essa afirmação refuta um enunciador (a "educação alienante")
no qual vêem um objetivo claro:
Eu perguntei como vocês viam a educação hoje. Deixa eu ver/ [P]
68
Alienante. [E 6]
[Visa] condensar o estudante, condensar o cidad§o â sociedade. [E 5]
A sua "consciência critica" não equivale A consciência ativa
já que a sua percepção do social ainda é difusa. O enunciador
refutado foi associado a diversos locutores - a sociedade,
educadores em geral e professores em particular4 •
Não é fazer como a professora de Português fez ainda há pouco: "vamos fugir da realidade". Não é por aí. [E 7]
Fugir da realidade em que sentido? Pra onde? CP]
A fuga da realidade, a fuga dos problemas. [E 7]
É esquecer os problemas dele, esquecer as contradições da vida dele, esquecer qual a realidade que ele vive. [E 5]
A citação feita por E 7 não deve ser entendida como uma
reprodução fiel de um enunciado. Ela implica antes de tudo um
julgamento pessoal fundado sobre uma experiência do ensino • E é
essa sua experiência que atribui sentido ao enunciado, igualando
ensino a fugir, esquecer e opondo-o à realidade (problemas e-
contradições).
Sua percepção da pasteurização imposta aos conteúdos pela
educação liberal e autoritária é mais aguda do que aquela do
Grupo 1. Eles se rebelam contra esse estado de coisas fazendo
questão de permanecer -na "realidade'!-j--1embr-ande- -<;> tempo todo,
qualquer que seja o tema da conversa. Mas essa lembrança é
exacerbada a ponto de produzir uma contenção dos sentidos
enunciados e interferir na sua seleção. Sexo, drogas e
69
rock'n'roll, assuntos que despertaram grande interesse nos jovens
do Grupo 1, não mobilizaram tanto o Grupo 2. Seus sentidos são
sempre produzidos a partir de uma perspectiva dicotômica:
esquecer/fugir da realidade (alienação) x lembrar (consciência).
( •.. ) se a educação é s6 passar o que se passam hoje dentro das escolas , até das escolas particulares, é uma educação s6 de SUbmissão, é voltada s6 pra condensar o cidadão â sociedade. Ai falam, né, que o individuo vai pra escola pra ele aprender a ser um bom cidadão. Mas na verdade, na nossa sociedade, um bom cidadão é aquele que é condensado â sociedade. Então essa é a educação que nós recebemos. [E 5]
Parece que a distância entre os dois campos é tão aguda que
não se pode tomar palavras em qualquer lugar sob o risco de cair
na ambigüidade, dai a freqüência do emprego de condensar,
condensação.
Os jovens do Grupo 2 não atribuiram nenhuma superioridade à
escola particular e E 5 a inclui no enunciado acima só para
reafirmar este sentido. Sua inclusão como enunciador refutado
confirma a sua permanência como referência inevitável.
2) O "Dentro" ª Q "Fora" da Escola
Olha só, o que ocorre, de fato, é que há uma diferença muito grande entre o ensino ..• não sei se eu vou saber expressar legal, mas ... ~ assim. Você vem pro colégio- étpreiider;-tá?Pelo menos tentar pôr na cabeça o conteúdo que tem nesse livro ai. Mas fazer uma associação entre o quê que esse livro tá te passando como informação e transpor pra realidade, sabe, levar aquilo ºª dentro de sala de aula, pegar, transformar aquelas informações que você pega no colégio e aplicar, isso não acontece no
70
colégio. [8 6 - grifo meu]
8 6, ao criticar a separação entre o ensino e a realidade se
referiu à sala de aula como um lugar "dentro". O emprego deste
advérbio para designar o espaço escolar é comum a ambos os grupos
de alunos. Esse emprego é consagrado e parece indicar que há uma
separação "natural" (flsica e simbólica) entre os espaços
pedagógico e histórico. 8 5 também reproduziu a separação:
Primeiro nós temos o mínimo [de conteüdos], né? ( •.. ) E na verdade lá fora a gente não aplica esse mínimo porque a gente não sabe nem pra que esse mínimo serve, né? Nunca dizem pra gente e acho que nem os professores sabem pra quê que a matéria deles serve.
A separação entre o "dentro" e o "fora" da escola é
conscientemente rejeitada pelos dois grupos, principalmente pelo
Grupo 2, mas é inconscientemente mantida na linguagem. Já faz
parte da "memória" do dizer a educação e se verifica mesmo em
enunciados que a rejeitam. Esse sentido, historicamente
sedimentado, é ideologicamente "naturalizado". Dessa forma,
intromete-se onde aparentemente não é chamado. Os jovens do Grupo
2 pretenderam construir um discurso "contra" a educação oficial
mas não deixaram de se sujeitar a sentidos pré-construidos que
suscitam o chamamento de seus próprios elementos para organizar
sua repetição (Maingueneau, 1989,p. 113). Essa repetição que
passa desapercebida chama a atenção para o modo como o discurso
age sobre o sujeito, fazendo com que ele automaticamente retome
sentidos que "já estavam lá".
71
3) llm li..2M:
Em que pese a postura autoritária e, As vezes, até mesmo
elitistaS do Grupo 2, o fato é que eles rejeitam de forma ativa
os papéis que lhe são impostos pela educação. Sua preocupação é
escapar da condensação, das
( .•• ) pres sões pra você anonimato, pra você continuar aquela coisa de cordeirinho, de - grifo meu)
continuar alienado, rebanho.
no né,
[E 6
Os jovens do Grupo 1 preferem ser "coisa" na sociedade a
ficar fora dela. Os do Grupo 2 recusam a reificação, querem um
nome, um outro modo de inserção social. Ambos têm a mesma origem
social e sempre freqüentaram escolas públicas, mas o segundo
grupo conta com a experiência da participação po11tica. Essa
experiência lhes possibilitou acesso a outras formas de
significação para si e para o mundo, uma postura muito mais
autoral frente ao próprio discurso.
NOTAS:
1- O item no. 1 ocupa disparado o primeiro lugar na parada de insucessos da escola pública e é apresentado como conseqüência de 2 e 3.
2- Cf. p. Sl
3~ Tanto a escola particular como a pública.
4- Cf. OS PROFESSORES (p. 45)
S- Ver, por exemplo, A ESCOLA IDEAL (p. 63)
72
capitulo V: Os Professores
o plural indicado no titulo diz respeito ao fato que os
professores desempenham papéis diferentes na sua prática
cotidiana. A esses papéis atribuidos ao professor correspondem
papéis assumidos pelo aluno. A relação professor-aluno é
assimétrica e heterogênea e muitas vezes ambigua - parece que não
está muito claro, afinal, qual é o "verdadeiro" papel do
professor e do aluno.
Saviani 1 [1989, p. 40-3], ao discutir as tendências
antagônicas que interferem na prática pedagógica, identifica urna
contradição básica na relação do professor com o seu trabalho. De
um lado, uma formação "progressista", escolanovista (humanismo
"tradicional"). A adequação da sua formação ã realidade das
condições de trabalho é feita sob uma dupla pressão: a da
pedagogia oficial (tecnicismo) e das análises sócio-estruturais
da educação ("critico-reprodutivismo"). A formação "progressista"
leva o professor a conceber
( ... ) o processo educativo como tendo o aluno por centro. O ato educativo se realiza na relação professor-aluno; relação interpessoal. Por isso ele está disposto a levar em conta, antes de tudo, os interesses do aluno ( ••. ) acredita que a sua classe será pouco numerosa para que ele possa se relacionar pessoalmente com seus al unos. E como o segredo da boa atividade é a atividade -dos--alunos,-elees~r-a também que irá contar com uma "biblioteca de classe, laboratório, material didático abundante e variado.
o próprio autor, porém, reconhece que a Escola Nova não
aboliu a escola convencional e influenciou apenas
73
superficialmente a rede püblica. Se a influência foi apenas
superficial, aquela concepção de educar sofre de um formalismo
que encontra na escola "tradicional" não a sua antagonista, mas a
sua parceira.
A educação vivenciada pelo professor, inclusive durante os
cursos de formação, ê diretiva e carente de recursos. Ele não
aprende fazendo - engajando-se em projetos, pesquisando em
bibliotecas ou experimentando em laborat6rios. Ele faz aprendendo
- arranja-se como pode para enfrentar o cotidiano da escola.
Trigueiro Mendes (1987, p. 502) considera r1gida a distinção
entre Escola Nova e Escola Tradicional justamente porque o
tecnicismo apagou, da primeira, a interrogação, a experiência, a
problematização, a criatividade, etc. Dessa forma, sobreviveram à
"modernização" os aspectos negativos da Escola Tradicional.
Na escola tradicional, o método de conservar não leva ao método de inovar, operativamente, de criar conteúdos novos, correspondendo aos valores emergentes na cultura e nas ciências, sobretudo nas ciências humanas.
[Trigueiro Mendes, 1987,p. 500]
Esse tradicionalismo marcante não poderia deixar de afetar o
comportamento do professor.
o professor se erige em instância do conhecimento e do saber, e o aluno, mesmo assimilando o saber fornecido pelo professor, não consegue criar o conhecimeItt--o-o---A, adaptação apenas do paradigma do -saber cons-t-i tlifdo do professor, e não constituinte, em relação ao professor, ao aluno e ao cidadão.
[Trigueiro Mendes, idem]
As pedagogias não-diretivas herdadas da Escola Nova e o
intersubjetivismo proposto por estas teorias não são estranhas ao
74
ensino püblico. O problema é que sua influência não serviu para
estabelecer um verdadeiro diâlogo entre professores e alunos. O
fato de os alunos significarem a educação, a escola e o ensino
pela negação caracteriza o ambiente predominantemente monológico
da escola. O fato, também, deles recorrerem a dois estereótipos
(de distância e de auto-reconhecimento) para significarem-se e
agirem ressalta o carâter conservador e autoritârio da educação.
O "diâlogo", então, quando acontece, muitas vezes mascara o
autoritarismo da relação professor-aluno.
Chaui [1980, p. 39] critica esre arremedo de diâlogo pela
forma como ele preserva o conservadorismo e o autoritarismo.
o trabalho pedagógico, por ser um trabalho, não é transmissão de informação (para isso existem outros instrumentos), mas também não é um diálogo, uma comunicação intersubjetiva entre o professor e seus alunos ( ••. ) porque existe o lugar do professor, mas existe como lugar vazio, todos podem desejá-lo e ninguém pode preenchê-lo senão sob o risco de destruI-10. A relação professor-aluno é assimétrica e sem diálogo: este se torna possIve1 quando o aluno desaparece e em seu lugar existe o novo professor. O diálogo é ponto de chegada e não ponto de partida, s6 se torna·· real quando o trabalho pedagógico termina e o professor encontra-se com o não-aluno, o outro professor, seu igual. É preciso aceitar a assimetria com rigor para nao forjar a caricatura do diálogo e exercer disfarçadamente a autoridade ( ... ) o diálogo do aluno é com o pensamento, com a cultura corporificada nas obras e nas práticas sociais e transmitidas pela linguagem e pelos gestos do professor, simples mediador.
Se pensarmos o trabalho pedag6gico idealizado por Chaui em
termos discursivos, podemos af irmar que a autora propõe a
educação como um discurso polêmico. Por outro lado, o que se
apreende pela fala dos alunos é que a educação é
75
predominantemente um discurso autoritári02 • O professor, tal como
ê percebido pelos alunos, notadamente os do Grupo 1, ocupa um
lugar referencial absoluto, pleno e irreversivel. O lugar do
aluno, por sua vez, ê vazio não em função de uma possivel
reversibilidade, mas porque nenhum aluno jamais consegue
preencher os requisitos para ele idealizados. Entre a plenitude e
o vazio circula a educação, um tipo de educação cuja inanidade
aparece quando os jovens articulam seus sentidos para educação,
escola e ensino em torno do não: não prepara para o mercado de
trabalho e educacional e não fala do "mundo hoje".
a) Mestre e Discipulo
Mestre e Discipulo correspondem aos lugares predominantes
ocupados por professores e alunos. Os termos foram escolhidos
para evitar confusão, mas a etimologia estimula esta utilização.
mestre sm. 'homem que ensina, professor, homem muito sabedor' I Do latim magister -tri I I Amestrado XVI II Amestrador XVII II Amestrar
XVII. [Cunha, 1982]
discípulo sm. '0 que recebe ensino de alguém, aluno' I Do latim discipulus, de discere.
[idem]
A palavra latina que deu origem a Discipulo discere,
aprender - também está na raiz de disciplina. Mestre, por sua
vez, deu origem a amestrado, amestrador-- e-amestrar; sentidõs -que
invocam um aprendizado apoiado na disciplina. É nessa perspectiva
que ambos, como formas simb6licas, se constroem.
E 11 produz enunciados contradit6rios cujo ponto em comum é
76
a referência ao Mestre. Inicialmente, diz:
Os professores s40 bons. t até melhor, as vezes, que o ensino em escola particular, QQmQ ~ º professor ~ OSPB 9J,l§! l!!1..A ~ Q ensinQ daqui §. mil. vezes melhor do 9J,l§! º QQ Santa MOnica. [grifo meu]
Mais adiante, porém, se queixa:
Tem matérias que eles pedem nesses jornalzinhos de vestibular que eu nunca nem imaginei que existisse. Quer dizer, Português, aqui, o professor s6 se reduz a funções do se e mais nada. Português, pra ele, é s6 isso. Quer dizer, eu sei que tem mais coisas ( •.• ) ~ mesmo os professores j! falaram Q1l.@ Q ensino daqui não dá base. [grifo meu]
A critica feita ao professor de Português é exatamente isso
- a critica ao professor e não ao Mestre. Este continua acima de
qualquer suspeita e sua palavra é citada para dar credibilidade
aos sentidos enunciados pelo aluno. Toda citação, para
Maingueneau [1989, p. 86], contém uma ambigüidade fundamental.
Ela tanto pode sugerir que o locutor não pode ou não quer
responsabilizar-se pela verdade contida na asserção ou mesmo que
ele a trata com um distanciamento que o permite negá-la. A escola
pública possui mesmo um sentido ambiguo (cf. Capo IV). Todavia, a
autoridade do Mestre permanece inconteste, qualquer que seja o
grau de adesão do locutor â verdade contida naquela citação. Essa
autoridade do Mestre (lugar ocupado não s6 pelo professor, mas
também por orientadores, supervisores, etc.) fornece inclusive um
paradigma segundo o qual o aluno __ se_ -r-e-presenta~--COJ\\o-sujeito"'da"" ___ --
educação. A adesão inicial ao estere6tipo "bonz inho", amestrado
(cf. p. 28) se enfraquece quando os alunos se avaliam como tais.
Raramente se consideram bons alunos e freqUentemente falam de sua
77
aprendizagem em "código de boletim": tirei Ci tiro Di repeti.
Além de se rejeitar como Disclpulo no que diz respeito A
aprendizagem, o jovem também o faz rejeitando o magistério como
profissão.
Não [gostaria de ser professora]. Tem que ter paciência. Tem hora que ª gente extrapola um pouco. [E 1 grifo meu]
Eu não ia suportar a idéia de pegar uma pessoa igual ª mim pra dar aula. [E 11 -grifo meu]
( ..• ) Eu não tenho paciência pra aturar coisas assim como o professor atura da gente. Se eu pegasse um aluno assim igual a ~ eu não teria paciência não. [E 12 - grifo meu]
o eu/nós "insuportável" se refere ao aluno que não consegue
ser Disclpulo. A atitude com relação à disciplina varia conforme
o grupo. Para o Grupo 1, mais desejoso de conformar-se ao lugar
de Disclpulo, ela é necessária.
[A disciplina] sempre tem algumas falhas, né, mas eles procuram fazer o melhor possível, por ordem no colégio. [E 12 ]
Para o Grupo 2, ela é repressiva.
[A escola] é muito repressiva e afasta o estudante até mesmo da própria escola. [ B 5 ]
Então a criança quando ela chega na escola ela encontra uma realidade muito mais ampla do que já é a família. Só que essa realidade mais ampla é mui to mais ainda repressiva, né, porque ela vai podar ainda mais o indivíduo, ela vai cortar mais ainda em nome da sociabilidade. [E 5 ]
A rejeição ao magistério pelo Grupo 1 isolou-se no sentido
disciplina. Os salários dos professores, para esse grupo social,
talvez não sejam tão baixos assim. O relevo dado à disciplina
78
remete aos aspectos simbólicos da educação. Aprendizagem
disciplinada e disciplinadora que requer duas abstrações para
efetuar-se: o Mestre e o Disc1pulo. Despidos de suas
especificidades e ambiguidades, "des-humanizados" nas suas formas
institu1das, constituem-se mutuamente na rigidez de seus lugares.
o Mestre, superior, fala "ciência" e se cala sobre assuntos
mundanos (o "mundo hoje"). Por isso, o Disc1pulo deve escutar
esta fala em silêncio reverente. A fala do Mestre é aquela que
impõe silêncio aos sentidos e ao sujeito. E 5 (Grupo 2),
ressentido, denuncia - é a denúncia do aluno:
Tem até uma professora de Geografia que ela coloca isso muito bem, muito bem claro. "Geografia: vamos falar de sistemas econômicos mas sem falar de política. Não vamos de forma alguma discutir política. Nessa aula a gente não discute política. Porque senão ia levar a uma discussão muito mais profunda, ia dar muito problema, as pessoas têm várias concepções". É o medo da própria democracia.
Já foi anteriormente discutido que este tipo de citação não
reproduz fielmente o diálogo, mas é permeado pela experiência do
locutor (cf. p. 42). Em que pese um certo exagero de E 5 ao
reproduzir as palavras da professora no sentido de reforçar sua
própria interpretação (á o medo da própria democracia), não há
como negar o fato (histórico) que a educação atua muito mais no
plano da contenção, do controle de sentidos. O lugar do Mestre,
então, se organiza como silencioso e silenciador e chega até às
raias da santidade devido~ ao umartl};'io" que--ihe é. imposto ~pelos-~
jovens. Para eles, o Mestre precisa "de uma paciência de santo"
para aturá-los.
Então vocês estão me falando, forma, que pra ser professor
79
de uma certa tem que ter
algumas qualidades. A primeira seria paciência e a segunda .• • também paciência, mas pra explicar. Quais seriam as outras qualidades ?
[ p ] t, mais paciência. [E 12]
Paciência. [E 11 ]
o aluno, barulhento, perturba o trabalho do Mestre.
( ••• ) O professor entra com o maior bomhumor, pô, o aluno tá fazendo a maior bagunça, ai ele já fica com raiva. [E 8 ]
o medo da reação do Mestre produz comportamentos apáticos em
sala de aula.
No fundo, a gente tem assim vergonha da gente perguntar as coisas, sabe, e receber um fora. [E 10 ]
Mas vocês já receberam um fora? [P]
Não . . . [ E 8 ]
A gente vê o exemplo em entendeu, que muitas pessoas,
sala de aula, né •.• [E 10 ]
Tem mui tos caras idiotas que fazem perguntas idiotas e recebem a resposta com ignorância, entendeu ? É mesmo, tem uns garotos lá na sala, eles, ele, é um (incompreensivel). AI, quando faz uma pergunta, já idiota, ai o professor vai com ignorância. [E 8 ]
Esses enunciados foram produzidos pelos aspirantes a
Disc1pulos que, todavia, deixaram transparecer no seu receio a
impossibilidade de ocuparem tal lugar. O distanciamento dos
"bagunceiros", expresso por muitas pessoas, uns garotos, eles
(depois reduzido para ele), não evita o medo de se ver inclu1do,
----mesmo que-involuntã-ríamente, no grupo rejeitado.
A injunção ao silêncio, quer calando sentidos, quer calando
a pr6pria voz dos alunos, domestica o "barulho" produzido pelos
jovens, disciplina e controla o processo que o transforma em
80
fala, sentido.
A relação Mestre-Discipulo-Aluno pode ser sintetizada no
seguinte esquema:
Mestre Discípulo Aluno
Sábio Ignorante Ignorante
Silencioso! silencioso Barulhento Silenciador
Disciplinador Disciplinado Indisciplinado
Na perspectiva do Mestre, a educação impõe-se como uma
instância de poder atuando coerci ti vamente contra a polissemia.
Esse papel da educação não é nenhuma novidade, nem o .Mestre é uma
figura moderna. A passagem do humanismo "tradicional" para o
"moderno" e, finalmente, para o tecnocratismo não alterou
profundamente o Mestre como lugar simbólico, imaginário, onde o
professor se reconhece e é reconhecido. t um lugar nostálgico que
remete ao discurso burguês na sua forma clássica, que designava o
professor, dentre outros, como legitimo detentor da autoridade
para nomear o real, distinguir o necessário e o contingente, a
natureza e a cultura, a civilização e a barbárie, o normal e o
patológico, o lícito e o proibido, o bem e o mal, o verdadeiro e
o falso [Chaui, 1989, P .10]. A tecnocracia não retirou do
professor o seu papel legislador, mas esvaziou seu trabalho de
conteüdo ético (humanista). Dessa forma, . sua autoridade não se
ap6ia mais somente na legitimidade de sua palavra, mas cada vez
mais na sua competência técnica. Gradativamente, o Mestre foi
perdendo seu status de 'muito sabedor' para se tornar
81
principalmente o 'amestrador'. Com isso, o Mestre moderno talvez
seja mais silenciador do que o seu antecessor, já que ao sentido
proibido (o "mal", o "falso") ele, por talvez conta da influência
das pedagogias n!o-diretivas, não contrapõe um sentido permitido
(o "bem", o "verdadeiro").
Um incidente ocorrido na escola onde a pesquisa foi efetuada
ilustra bem esta questão. Segundo a professora Marta (Filosofia),
o ano letivo de 1992 começou com um problema cada dia mais
visivel: adolescentes grávidas. Professores e Direção resolveram,
então, organizar um debate com os alunos. Os adolescentes queriam
informações sobre anticoncepcionais e aborto, mas os professores,
além de se sentirem inibidos diante do assunto, não concordaram
com o pedido dos alunos. optaram, então, por recorrer a um
mediador "neutro", um filme produzido pela' Igreja Católica
condenando o sexo antes do casamento, o aborto e os métodos
contraceptivos não-naturais. Um pequeno grupo de professores foi
contra a exibição do filme alegando que ele condenava justamente
o que os alunos faziam e isso poderia constranger o debate. A
maioria dos professores, porém, preferiu recorrer ao filme. Como
não foi possivel o consenso, o debate foi cancelado. Alguns
professores do grupo dissidente resolveram então tratar do
assunto com suas turmas e sob sua própria conta e risco.
A maioria dos professores atuou neste caso como Mestres
zelosos. Tentaram recorrer ao saber "cientifico" ~o filme para
conter e disciplinar os sentidos perigosos - o "barulho" dos
alunos. Sintomaticamente, convocaram um terceiro, justamente a
Igreja Católica, para imbui-lo do papel legislador-ético,
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reservando para si o papel "neutro" de coordenador dos debates.
Os Mestres modernos, herdeiros da tecnocracia, preocuparam-se
mais com os meios (o filme) do que com os fins (evitar a gravidez
precoce).
b) Professores e Alunos
O professor não é, na percepção dos jovens, somente o
silêncio do Mestre, nem o aluno é tão somente o aspirante a
Oiscipulo. Há momentos de diálogo, quando ambos "humanizam-se" e
tornam-se ora aliados, ora antagonistas.
1. Os Aliados
Como já foi discutido em Os Contratos de Fala (p. 28), os
jovens do Grupo 1 inicialmente eram só elogios para com os seus
professores. As criticas eram dirigidas à ausência de
equipamentos o que, para eles, interfere negativamente na prática
pedagógica.
Eu acho que numa escola particular a gente tem mais, vamos dizer assim, os professores têm mais ••. vamos dizer vontade, né, de ensinar, de ( ... ) por causa do desempenho [salário] e pela vamos dizer .•• oportunidade, pela v-amos~:4izer, .é . mais material, é uma coisa diferente,' você vê, tem aula de vídeo, você vê um filme, de repente uma aula que você vai dar em 3 dias você dá num vídeo. [E 1 ]
Você vem sabendo que o grau de ensino não á a mesma coisa não é por causa dos professores
83
que os professores s!o os mesmos. t pelo material. Você vem do municIpio sabendo que o estado n!o tem condições de dar melhores condições pros professores trabalhar. [2 4 ]
Ontem mesmo na aula de FIsica o professor chegou e falou assim, 6: "porque tem uma escola [particular] que ••• felizmente tenho um laboratório onde eu posso mostrar isso", sobre eletricidade. [ 2 3 ]
A professora de QuImica •.• os professores gostam de fazer aula prática, entendeu, mas não podem. Por que ? O professor, os professores, muitas das vezes eles ••. se tão numa escola que dá condições pra eles, acho que é do ser humano mesmo, isso motiva, motiva a pessoa a trabalhar mais, né ? Dar mais de si. Agora, aI vem o professor, vem pra escola do estado, pá ... acabou de se formar, vem no maior pique, aI vem pra uma escola que não dá condições pra ele tudo bem, ele vai trabalhar •.. vai dar o máximo de si que ele tá começando. Depois que •. . acho que depois que ele engrenar ele vê que .•. "pô, a escola não dá nada por mim, eu ta me acabando". Ai eles mesmos se desmotivam. Então eles não dão o máximo que eles podiam dar. Só a metade.
[ 24 ]
Os enunciados acima localizam na escola pública a
deficiência que desmotiva o professor. Porém, ao falarem da
desmotivação do professor, falaram também da sua própria. 2 1
começa dizendo a gente mas logo se exclui, protetoramente, e diz
os professores. Se a princípio sua fala é hesitante, em busca de
um sentido preciso, quando o encontra ela jorra de um fôlego só.
2 3 e E 4, ao contrário de E 1, não comparam a escola pública com
a particular, mas a escola municipal com a estadual (Você vem do
município sabendo que o estadQnão tem condições ~_ •. J ._l!Ias ÇOmO E
1 eles também generalizam a desmotivação do professor a ponto de "
se incluírem - acho que é do ser humano mesmo.
A relação direta entre a motivação do professor e a do aluno
84
foi mais claramente enunciada por E 3.
Tipo assim o professor de Educação Física. Ele geralmente diz que n!o dá uma aula melhor assim sobre ensinar jogar vÔlei, basquete, por que ? Porque a quadra não s!o uma das melhores, n!o tem o material certo. Aí, quer dizer, ele já sempre reclama disso. Como é que ele vai dar uma aula certa se tá faltando material ? Ai por isso que também desanima os alunos. Mui tos deles não fazem aula que diz: "M, não tem material, não tem isso". Por ter pouco material o pessoal tem que fazer as meninas junto com os rapazes. Aí fica aquela •.• um pouco de vergonha ... na minha turma já aconteceu muito disso, das meninas desistirem de fazer Educação Física por parte do material. Aí, quer dizer, o professor também desanima.
Aqui se percebe também que a falta de material aparece como
um álibi para esconder um sentido tabu: a sexualidade. Outros
meninos, e principalmente meninas, mencionaram a junção dos sexos
na aula de Educação Fisica como um problema. Não se pode esquecer
também que o Grupo 2 é aquele que se recusava a participar
daquelas aulas, embora sob a alegação de que não gostavam e por
isso não deviam ser obrigados a freqüentá-las.
A frase f inal do depoimento de E 3 é ambigua. Se no
principio parecia claro que o desânimo do professor era
conseqüência da falta de material, a última afirmação parece
indicar que ela é conseqüência da atitude dos alunos. Essa
ambigüidade decorre da própria ambigüidade do sujeito da
enunc:iaçãQ~_ Ele ora é aluno, _ora é .DisclpulD ~ra encontra
c~lpados, ora sente-se culpado pelo desânimo dos professores.
A ambigüidade presente no enuncidado de E 3 é quase desfeita
por E 4.
85
Apesar de que não, Flávio, que aqui nesse colégio eu vejo que é bem melhor do que os outros, que aqui .Q§: alunos M vezes .t.IQ QQ11l vontade ªª- estudar 1l Q professor não ••• por mui ta fal ta assim, quadro que não é aquela beleza, falta disso, daquilo ••• Na minha sala é terr.1vel, o pessoal tem que ficar ditando mesmo porque pra ir pro quadro .•• [grifo meu]
A aluna começou a esboçar uma critica aos professores, mesmo
tendo ainda destacado a infreqUência do interesse dos alunos
pelas aulas (às vezes). Mas ela interrompeu sua frase e retomou o
sentido anterior, isto é, a carência de equipamentos como causa
da desmotivação do professor pelo seu trabalho.
Esses enunciados se originaram dos termos propostos no
contrato de fala. Estão ainda impregnados pela relação Mestre
Discipulo e por isso nomeiam um terceiro como responsável pelo
desinteresse, tanto de uns como de outros, pelo ensino. Este
terceiro, neutralizado na sua forma objeto (equipamentos)
disfarça as tensões que permeiam a relação professor-aluno.
Essas, contudo, surgem em enunciados que atribuem ao professor
maior responsabilidade com relação ao interesse do aluno. t
nesses enunciados que eles se tornam antagonistas.
2. Os Antagonistas
A gente encontra em sala de aula professor que: "pôxa, mas você tinha que já vir acostumado do outro colégf-o, não~ sei o-quê,- àsvezes eu tenho que ditar, correr com a matéria e tenho que ficar esperando por você ou então perder meu tempo escrevendo no quadro." [E 3 ]
Eu me dou bem [com os professores] mas tem alguns que eu não gosto muito não. Eles têm uma maneira assim diferente de
86
ensinar, parece que tá com má-vontade. Sinceramente tem uns professores que eu nc!o gosto muito. [2 12]
Esses enunciados não oferecem nenhuma solidariedade ao
professor. Aqui não se atribui a má-vontade A perguntas idiotas,
bagunça ou falta de material. 2 12 não sabe precisar ou
exemplificar o seu descontentamento. Já E 3, apesar de n~o citar
nenhum professore especifico, "inventa" um enunciado genérico,
baseado na sua experiência, onde cria um professor que vê a
rotina de seu trabalho como uma perda de tempo.
Nos enunciados dos tipos acima surge um distanciamento tanto
em relação ao estereótipo "bonzinho" quanto ao "mau" já que os
alunos não se colocaram nem como Discipulos nem como bagunceiros.
Na sua critica, E 3 rejeita um certo autoritarismo que percebe na
relação professor-aluno. Esse autoritarismo, 'como não poderia
deixar de ser, está no centro das criticas do Grupo 2.
o professor batalha, tá, pra conseguir um salário melhor, mas ai, quando um aluno começa a questionar o trabalho dele, questionar as normas do colégio, ele grita al to, ele faz prevalescer aquela autoridade dele, tá, pra que você só acei te. Como um professor disse pra gente que nós somos obrigados a fazer Educação Fisica, tá? Então eu disse pra ela que dentro de um colégio, ou dentro de qualquer sistema, você não é obrigado a nada. Você faz se você quiser, se aquilo ... se te convencer. [2 6]
simplesmente ele [o aluno] entra na escola e o diretor diz: Olha, você tem que vir com tênis preto, com a roupa assim, sem. saber ax:eal condição dele, né ? É transmitindo regras que de repente as pessoas não concordam, né, e não se discute. Simplesmente você tem que cumprir porque um grupo de professores fizeram essas regras •.. ou então um grupo de iluminados que servem a uma causa e que transmitem pra gente, sem saber o que a gente pensa. [2 5]
87
E 6 e E 5 amplificam a rebeldia de E 3 e E 12 nas
suas recusas explicitas em ocupar o lugar designado para o
Discipulo.
Mas as criticas não giram somente em torno das relações de
autoridade. Elas se dirigem também à forma como os professores
tratam os conteúdos ensinados.
o est1mulo do aluno vai do professor. Você pega um professor que te estimule a estudar, você vai se dedicar àquela matéria e tal, mas agora, entra na sala, entra um professor: "ah, é isso, você tem que saber aquilo." Ele chega, bota a matéria no quadro, você tem que saber aquilo, não sabe o porquê daquela matéria, não torna a aula interessante. Então vai da1, quer dizer, agora mesmo eu acabei de fazer uma prova que é de uma matéria que eu detesto - Sociologia. Eu não entendo nada. Agora a professora, também, uma tristeza, tadinha. Até que ela tem boa vontade. A turma em si também'não deixa. Quando vê que a matéria não interessa não deixa o professor dar aula, perturba a aula toda.
[E 11]
o enunciado acima demonstra que a aliança e o antagonismo
aos professores não são atitudes de grupos distintos ou mesmo
posições claramente marcadas do sujeito. São,· antes de tudo,
sentidos conflitantes e perturbadores para o próprio sujeito.
Considerando, porém, apenas o aspecto "antagonista" da fala de E
11, percebe-se que aqui desapareceu um mediador importante da
relação interesse do aluno - estimulo do professor. A carência de
recursos já não é mais apontada como--respoJ1sável-p~'-desestimular
professores com relação ao seu trabalho e, consequentemente,
alunos com relação à aprendizagem3 • Aqui a queixa atinge
diretamente o modo como o professor manej a seus conteúdos e
88
aponta para o descolamento entre o trabalho escolar e o seu
macro-contexto social4 .
Esse descolamento atinge mais diretamente, como não poderia
deixar de ser, as matérias de cunho humanista. Consequentemente,
os professores destas disciplinas foram aqueles que sofreram um
maior antagonismo. Não encontrei nenhum aluno que acusasse o
professor de Matemática ou Fisica de não explicar o porquê
daquela matéria ou mesmo de botar a matéria no quadro sem maiores
explicações. Quando perguntava qual era a matéria de que gostavam
mais, as preferências recaiam sobre aquelas de conteúdo
cientifico não porque elas fôssem mais fáceis, mas porque eram
mais "compreens1veis".
[Não gosto de Hist6ria] porque .•• é dif1cil, entendeu ? Às vezes, olha; o racioc1nio é diferente. Cada professor tem uma maneira de dar aula, entende ? Eu, no lo. Grau, fui acostumada a gravar aquele questionário. Decoreba, né, que se fala ? Então, quer dizer, chega no 20. Grau você tem às vezes um trabalho mais de raciocinar, de relacionar uma coisa com a outra. Isso torna dif1cil porque você não tá acostumada com aquilo, entende? Ai, quer dizer, você estranha, você passa a não gostar, que você tem que ler uma coisa e dali você dar uma opinião. E eu não fui acostumada assim, meu estudo não foi assim. Quer dizer, a gente passa a não gostar da matéria, acha dif1cil, horrorosa, a aula um saco, entende ? Por isso eu não gosto de História. [E 1]
A lucidez de E 1 em diagnosticar as causas de suas
dificuldades sem contudô superá-las (não gosto ·deHIstóriar----- -
levanta a suspeita que um outro locutor se insinua neste momento
da entrevista o professor, ou pelo menos um certo professor
preocupado em refletir com seu grupo de alunos sobre o porquê de
89
suas dificuldades. Esse locutor se torna mais evidente no momento
em que E 1 substitui o pronome de la. pessoa (eu) pelo de 3a
(você). Quando o locutor-aluno retoma o enunciado (e eu não fui
acostumada assim ••• ) corrobora um feixe de sentidos já
detectados anteriormente, principalmente aqueles que desenham a
educação e o ensino como um apelo à mem6ria e não ao raciocinio.
E 2 gosta de Hist6ria, mas seus argumentos reforçam o que
foi dito acima.
Eu tenho facilidade pra gravar as coisas. Eu gravo assim com a maior facilidade. Eu leio alguma coisa assim, eu decoro. Agora, Matemática não dá pra decorar, né ?
Se o enunciado de E 1 é dial6gico na medida em que encena um
diálogo entre um locutor-professor-e um locutor-aluno, a relação
entre alunos e professores, principalmente das disciplinas
humanistas, não o é não por causa de uma vocação intrinsicamente
autoritária dos professores como individuos, mas devido ao fato
que o mediador deste diálogo,o.que--o-tornaria- efetivamente-
possivel, isto é, o conteúdo, perdeu seu valor como tal. A aula é
um saco e o professor é chato porque a matéria (História,
Sociologia ou Filosofia) perdeu, ao longo do processo histórico
descrito na Parte I, Capitulo 11, seu valor ético, filosófico e
principalmente politico, sendo que o último foi considerado como
"intromissão, invasão, perturbação" (Demo, 1987, p. 511) Sendo
assim, confiscou-se., às matérias humanas-~sua inserção social- em .
nome de uma neutralidade que, de fato, representou "apenas outra
forma de engajamento". Como conseqüência, essas matérias foram
despejadas para os últimos lugares de uma escala baseada na
90
"importância".
Quais são as matérias que o pessoal gosta mais, presta mais atenção, fica mais quieto ?
[ P ]11
Português ••. [E 9]
Português, não. Acho mais Matemática, Química e Física. [ E 8 ]
Por que ? [ P ]
Eu, pelo menos, não é julgar .•• é, eu· julgo mais importante. [E 8 ]
São mais difíceis e mais importantes também. [E 10 ]
E 8, E 9 e E 10 não gostam de Filosofia.
Eu também não gosto mui to não. Sei lá, tá assim no livro de Filosofia o questionário. A gente faz o questionário mas sei lá, eu não consigo entender o texto, resumir com as minhas palavras, falar sobre o que tá dando. Eu não consigo entender. Isso acontece com História também. [E 10]
É, compreender o texto. [E 10]
Eu entendo só que não gosto de Filosofia não. É, sei lá, é quase igual História. Eu também não gosto de História [risos), mas eu entendo.
[E 8]
E 8 e E 10, assim como outros alunos, encaram História e
Filosofia como matérias similares. Esta similaridade está, entre
outras coisas, no fato que ambas exigem que o aluno "dê a sua
opinião". A solicitação da fala do aluno por parte do professor
nos mostra o profissional atuando-como pro_fessor (e não-cDmC--
Mestre), mas nos mostra também um jovem inseguro diante desta
solicitação. Assim, mais uma vez, a ambigüidade se insinua por
entre os depoimentos. A reivindicação por "espaços de fala"
91
compartilha espaço e tempo com a rejeição de matérias onde este
espaço é oferecido. Parece-me simples demais (e injusto) atribuir
esta atitude dos alunos exclusivamente a uma postura autoritária
e/ou diretiva (de Mestre, enfim) por parte dos professores.
Ademais, o antagonismo que se percebe nos enunciados acima não
fornece pistas que estimulem esta linha de investigação. O
problema, aqui, não é o professor, mas a própria matéria. E, se
Filosofia e História, a despeito do incentivo dos professores,
não são reconhecidas como espaços onde ê possivel que cada um "dê
a sua opinião" e são até mesmo consideradas imcompreenslveis por
alunos de diferentes professores, é porque ai falta um
ingrediente básico: a reflexão. Já sublinhei ad nauseum o fio
histórico que conduziu a essa falta. Na contramão das facilidades
oferecidas pelos questionários e "decorebas" , principalmente no
lo. Grau 5 , trafega a dificuldade em lidar com o pr6prio
pensamento e com "as próprias palavras. A dificuldade não está
exclusivamente em compreender as palavras do professor6 , mas,
principalmente, em se apropriar delas, de reinventá-las e
interpretar seu pr6prio mundo.
c) As Greves
Os alunos apóiam, de uma maneira, geral, os movimentos
grevistas. ----- -
Eu acho que eles têm o direito, entendeu, de reivindicar por melhores salários. O professor mostrou o contra-cheque dele e na época tava trinta e um. Pô, não tem condições. [E 8]
O movimento popular em prol das liberdades democráticas que
92
-- -
dominou o pals a partir de meados da década de 70 teve na
reivindicação pelo direito de greve uma de suas principais
bandeiras. No boj o da luta pe la recuperação dos direi tos
pollticos os professores foram, no estado do Rio de Janeiro, uma
das primeiras categorias a enfrentar a legislação e a decretar
uma greve geral (1979). De lá para cá, sem que a categoria
conseguisse aumentos expressivos, a greve se tornou quase uma
tradição chegando mesmo a ser, informalmente, prevista no
calendário escolar.
Desde assim do município a gente não engana, né ? t greve, direto assim. [E 4]
E isso parece que já é de lei. Todo ano tem que ter pelo menos uma greve. [E 3]
t na iminência de uma greve que o professor mais expõe sua
condição "humana", fazendo-o até no gesto simbólico de exibir seu
contra-cheque. t interessante notar que o Mestre que se recusa a
discutir "política", não se recusa a fazê-lo quando se trata de
defender seus pr6prios direitos políticos e a sua sobrevivência.
Nesse caso, no entanto, não há o risco do choque de opiniões
temido pela professora de Geografia? A solidariedade à greve é
presumida e efetivamente oferecida. Não há, politicamente, como
dela discordar. t, pois, por um processo de filiação a um
discurso da democracia que os alunos se aliam aos professores
nesses momentos. Esse discurso da democracia, no entanto, se
erege basicªmente em torno--de.--um::-sent-ido-- -os---q-ireitos políticos.
De ' fato, as lutas pela democracia no Brasil, nas duas últimas
décadas, centraram-se, compreensivelmente, na recuperação e
ampliação daqueles direitos que foram sonegados ao povo
93
brasileiro durante os anos de ditadura. Num momento, porém, em o
pais goza de uma inédita liberdade neste campo e que as lutas
politicas deslocam-se para outras frentes (p. ex., o combate A
fome e à corrupção), o sentido democracia está ainda fortemente
calcado na idéia de direitos pollticos.
Talvez seja dentro de uma escola püblica, principalmente
estadual, mais do que em qualquer outro local de trabalho, onde
mais se fale e se faça greve. O recurso à greve como instrumento
democrático, como direito da cidadania, contudo, não deu à escola
um caráter de instituição democrática. O estreitamento do sentido
democracia na direção apontada acima não permitiu que as
discussões travadas entre alunos e professores ultrapassassem o
nlvel meramente informativo e alterasse as relações de
autoridade, modificando os lugares de Mestre e Disclpulo. O
"diálogo" que se estabelece entre alunos e professores por
ocasião das campanhas salariais não abala a assimetria destas
relações.
o professor batalha, tá, pra conseguir um salário melhor. Mas ai, quando um aluno começa a questionar o trabalho dele, questionar as normas do colégio, ele grita alto, ele faz prevalescer aquela autoridade dele, tá, pra que você não questione, fique calado, você s6 aceite. [E 6]
A queixa acima partiu de um dos integrantes do Grupo 2. Os
alunos do Grupo 1, por sua-vez, tambémteceram-crlticas-aos-seus-
professores com relação às greves. Contudo, por aceitarem mais ,
passivamente a hierarquia escolar, não atribulram ao professor
essa duplicidade - contestação da autoridade externa e afirmação
da autoridade interna. Como a sua maior preocupação é com uma
94
formação escolar que lhes possibilite ingressar no mercado de
trabalho ou educacional, suas queixas concentram-se no atraso do
curr1culo causado pelas paralizações.
( ••. ) a gente fica sem aula, não tem um rendimento bom, os professores têm que dar a matéria correndo, entendeu, a gente tem que pegar, então isso dificul ta mui to porque a gente pode enfrentar um concurso aI e não passa, né? Isso é ruim â bessa. [E 1]
( ... ) boa vontade eles [os professores] têm, mas quando a gente tá ingressando já na matéria, aI vem greve, quer dizer, interrompe. Eles já não podem avançar mais naquilo, então eles têm que se restringir s6 naquilo. Então, quer dizer, não dá tempo deles se expandirem nessa área de curso e tal ( .•. ) Agora mesmo tá pra ter uma greve, sexta-feira. Final de ano, ter greve ..• quem vai fazer o vestibular •.• se tiver greve é por tempo indeterminado. Quem já se inscreveu pro vestibular, o vestibular é agora em janeiro, como é que vai ser, estudando aqui e fazendo prova ? Não dá, vai atrapalhar mui to. Por sinal, agora, não tô muito a favor dessa greve não, não queria que tivesse não ( •.. ) Mas eu não discordo deles não. Se houvesse assim, outra maneira deles reivindicar pelos seus direitos sem prejudicar a gente seria melhor,lIlas fica difIcil.LE 11]
E 3, acima, ao afirmar que a greve parece que já é de lei,
invoca sentidos de aceitação e obediência a uma situação que
parece já ter se naturalizado a ponto de não permitir
dissidências. E 4, enfaticamente, corrobora essa idéia. o
depoimento de E 11, por outro lado, é cindido. Pode-se observar
como dois enunciadores, um a favor e outro contra a greve,
esgrimam argumentos e como o primeiro é vitorioso. o simples
fato, porém, de o segundo enunciador,· apesar de derrotado pela
argumentação final, ter feito sua entrada e se apresentado como
tal indica problemas não s6 em relação à adesão incondicional à
greve como também em relação ao reconhecimento da legitimidade
95
dos direitos pollticos postulados pelos professores.
Os depoimentos do tipo produzidos por E 1 e E 11 foram os
mais numerosos. Houve, porém, alunos que se colocaram
integralmente contra as greves. Dentre estes, o depoimento de E12
é exemplar.
Vocês costumam discutir o assunto? [P]
Às vezes •.. pelo menos na minha turma a gente costuma discutir porque, veja bem, se eles tão ganhando pouco como é que eles chegam aqui na escola com um carrão do ano, com chofer. Pô, no outro dia mesmo, um Apolo lindíssimo estacionado aí, de um professor. Então, quer dizer, uns até que chegam aí de fusquinha chambreguinha, até que precisa mesmo, mas, pô, se eles têm condições de ter um carro daquele novinho em folha, fazer greve pra que ? Eles podem até reivindicar por melhores salários mas assim, trabalhando, sem greve. [E 12 ]
E 12 pinça o exemplo daquele que possui um carro novo com
chofer e generaliza-o para toda a categoria. Passa sem
dificuldades do singular (um Apolo lindíssimo estacionado ai, de
um professor) para o plural (se eles têm condições de ter um
carro daquele ... ). O que se percebe na generalização feita por
E 12 é que a estratégia do professorado de mostrar-se como uma
classe social de baixo poder aquisitivo e portanto sofrendo das
mesmas aflições que os alunos choca-se com o simplismo de um
contra-cheque. Tanto que, como já foi anteriormente discutidoS,
os jovens não rejeitaram o magistério como profissão por causa
dos baixos salários. Eles percebem,atéde forma intuitiva, que
as marcas de classe não se resumem à questão salarial. Um aluno,
de uma escola municipal onde trabalhei, uma vez me perguntou:
96
Professora, a senhora ê rica?
Eu n40 I
Ab, a senhora deve ser rica sim. A senhora ê a cara da patroa da minha m4e, e ela ê rica I
Existe, portanto, uma trama de significados que recorta as
classes no imaginârio social e que coloca o professor, malgrado
seu real empobrecimento, no lugar dos "ricos". A igualdade social
pretendida pelos professores perde, então, consistência e acaba
focalizando um novo aspecto da assimetria da relação professor
aluno. Sem oporem-se à greve em si como um direito polltico
legItimo, os alunos insinuam que um outro direito, o seu direito
à educação, estâ sendo secundarizado pela rotina das
paralizações.
De qualquer forma, por mais confl i tuosas que sejam as
relações entre professores e alunos, não se pode deixar de
observar a importância que o professor tem mesmo para aqueles,
como os integrantes do Grupo 2, que mais o criticam.
( .•. ) eu sinto que o professor é uma coisa muito importante, ele não sabe o quanto ou âs vezes sabe e não dá valor. Ele esquece que ele pode se tornar realmente inesquecível na vida de um aluno se ele deixar um pouquinho, um pouquinho só, fluir o papel de educador que propriamente de professor. [ E 6 ]
97
Notas
1- Aspas do autor.
2- Cf p. 4 (Tipologia do discurso)
3- Cfp. 52 (Os Aliados)
4- Cf p. 36 (O Segundo
5- Cf p. 56 [E 1]
6- Cf p. 58 [E 8]
7- Ver p. 46 [E 5]
8- Cf p. 49.
e p.
Não)
57 [E 10]
98
Capitulo VI: A escola ideal
a) A maioria silenciosa
Este tema foi introduzido nas entrevistas com o intuito de
provocar os alunos a produz irem enunciados sobre escola e
educação que não estivessem tão determinados pelas suas
experiências imediatas. A idéia era incentivá-los a até mesmo
"brincarem" com a idéia, -caâa um -"construindo" sua escola -ao
sabor de suas fantasias. Imaginava que me depararia com uma
torrente de propostas inéditas mas, ao contrário da minha
expectativa, a maioria dos alunos fêz apenas propostas
superficiais relativas a mudanças nos horários de aulas e provas.
Sendo assim, o primeiro sentido que se ofereceu para- análise foi
justamente a exigüidade de propostas. Cabia, então, pensar porque
o sentido proposto não havia "vingado".
Considerando o tema como um convite para que o aluno
assumisse um novo papel - o de criador - diante dos sentidos já
discutidos - educação e escola - chega-se a conclusão que estes
petrificaram-se de tal forma que nem mesmo hipoteticamente o
sujeito consegue neles estar como agente criador. Encurralado
pelos estereótipos impostos - o bonzinho, o amestrado l - o
sujeito-na-educação sofre assim de uma asfixia na sua identidade.
A ele é. vedado deslocar-se;· e-l-e--s-á-podeocupar o lu-gar -que 111e é
reservad02 . Nessa perspectiva, convém retornar à noção de
contrato de fala. Segundo Maingueneau (1989, p. 30), os atos de
fala acionam convenções que regulam insti tucionalmente as
99
relações entre sujei tos, atribuindo a cada um um estatuto na
atividade da linguagem. Percebe-se, então, que o contrato que
liga o aluno à escola o des-autoriza3 , antecipadamente, a falar
como sujeito-criador, pelo menos no que diz respeito aos temas
abordados. Esse lugar é exclusivo dos professores.
A sujeição a esse lugar afeta inclusive o Grupo 2 que, mesmo
repudiando-o, dele não conseguiu se libertar inteiramente. E 6,
ao comentar a "escola hoje", mostrou-se insegura.
o que ocorre, de fato, é que há uma diferença muito grande entre o ensino •.• não sei se vou saber expressar legal ( .•• ) [grifo meu)
E 5, o mais seguro e articulado dos integrantes do Grupo 2,
a principio rejeitou os critérios formais que regulam o lugar da
fala criadora.
o educador não precisa ser aquele formado em faculdade e com licença pra dar aula.
[grifo meu)
Entretanto, ao "compor a banca" que fixaria os critérios de
promoção na sua escola ideal, recorreu aos critérios acima
negados.
b) As propostas
Seriam ... educadores, pessoas preparadas pra isso, pessoas ~ fizeram faculdade gm relacão ª isso ( ... ) [grifo meu)
A análise a seguir trata apenas de seis enunciados cujo
conteúdo ultrapassou o nível da sugestão para mudanças nos ,
horários escolares. Esses enunciados foram produzidos por E 1,E 2,
E 5, E 6, E 8 e E 10.
100
"ll&LIOf'ECA
"" ..... cAO Gi1'OUG ,--
I. A ordem
1- A escola ~ Q desenvolvimento.
o enunciado abaixo foi produzido por E 2 (Grupo 1). Não foi
provocado pelo tema escola ideal e sim pela pergunta Você acha
que o Brasil pode mudar? O conteüdo da resposta, no entanto,
permite o deslocamento temático.
Acho que pode. O Brasil, comparado com o Japão, é um pais tão grande, cheio de riquezas, mas os japoneses sustentam a maior posição mundial de economia, porque o interesse da população também, eles estudam, trabalham. Acho que .•• tinha que ter um outro tipo de educação, a cultura do povo tinha que ser outra, todo mundo se interessar. Já que o pais tá ruim eles tinham que se esforçar pra que fosse pra frente ( •.. ) Acho que o governo devia mexer em educação e cultura. Acho que a longo prazo é isso que vai poder modificar o pais, dar mais nivel intelectual. Por exemplo, o Colégio Militar, o Colégio Naval, dá um nivel intelectual pra pessoa, mas nem todos conseguem entrar. Se esse nivel fosse assim . •. a nivel de escolas públicas, seria mais fácil, que todas as pessoas tivessem acesso.
o sentido que vai determinar a sua concepção de educação
emerge centralmente da sua concepção de povo. E 2 comparou o povo
brasileiro ao povo japonês.
Eles [os japoneses] estudam, trabalham.
Eles [ os brasileiros] tinham que se esforçar pra que [o.Brasil] fosse p-r~·-frente .-_: --~- -~ ~-'----_.~
E 2 se referiu ao povo brasileiro com o mesmo distanciamento
com que falou do povo japonês - eles e não eu, não-japonês,
brasileiro porém estudioso e interessado no futuro do Brasil.
Dessa forma, E 2, ao sugerir que o Estado aja no propósito de
101
mexer em educação e cultura deixou implícito que esta ação deve
incidir principalmente sobre aqueles que se mostraram
desinteressados pelos destinos do país. O aluno não os nomeia
porque generaliza, mas sua generalização não é tão ampla já que
dela ele se exclui. Não é difícil refazer o trajeto histórico
desta idéia que, como expõe Prado Júnior (1961: p. 340-77),
remonta à colônia, quando "a preguiça e o ócio" dos brasileiros,
principalmente dos negros e índios, eram proverbiais aos olhos
dos europeus. Essa crença em que o povo brasileiro, sobretudo das
classes mais baixas, é culpado pelas mazelas da nação chama a si
sentidos de autoridade e disciplina. O desajuste entre os
interesses do Estado e a indolência da população são resolvidos,
nesta perspectiva, por uma ação vertical por parte do governo.
Neste enunciado E 2 amplifica a noção de preparação. Esta
deixa de ter o caráter propedêutico à universidade ou ao mercado
de trabalho para engajar-se num projeto político-econômico. Não é
à tôa que seus modelos de escola são os Colégios Militar e Naval.
E 2 recorre, ao organizar seus sentidos, à crença positivista na
ordem e na disciplina como condições de um progresso que exige a
difusão de uma cul tura da ef iciência pautada pelo mercado
concorrencial, cujo modelo aqui enunciado é o Estado capitalista
japonês.
2- A escola disciplinadora
A "escola" que corresponde a este título é apenas
disciplina. Seu idealizador é E 8 (Grupo 1), com o apoio de E 10
102
(idem) .
com
( ... ) deveriam colocar [os bagunceiros] numa sala separada ou então dar uma suspensão, entendeu ? Uma sala s6 pra alunos bagunceiros ( ... ) Os bagunceiros entrariam numa turma e os alunos comportados não, na turma s6 de alunos comportados.
E 8, explica o porquê do rigor e da exclusão.
Eu acho que lá [na escola ideal] ia ser mais rIgido, entendeu? Por exemplo, o professor ia com mais rigidez. Eu acho que deveria ser assim. O professor entra com o maior bom humor, pó, o aluno tá fazendo a maior bagunça, aI ele já fica com raiva.
o subgrupo de entrevistas ao qual E 8 pertence (juntamente
E 9 e E 10) é o que mais demonstrou conformismo. E 8
freqüenta a Assembléia de Deus e talvez o discurso disciplinador
de sua religião tenha interferido na sua idealização de escola.
Mas pode ser também que a religião tenha apenas reforçado
sentidos que "já estavam ali". De qualquer forma, o aluno
recorreu à exclusão (uma sala s6 pra alunos bagunceiros) para
preservar principalmente a sua identidade de "bom" sujeito-na-
educação: o aluno enunciou sua escola do ponto de vista exclusivo
do Discípulo4 • E 10 também compartilhou da mesma perspectiva da
enunciação.
Vamos imaginar que vocês possam bolar a escola que vocês quiseram. A escola de desejo de vocês. [ P ]
Depende dos alunos, né ? [ E 10 ]
Esses dois alunos, na sua candura, revelaram de forma crua a
abrangência do caráter disciplinador da escola e a força
inibidora desta disciplina.
103
E 8 propôs uma divisão flsica entre os alunos, mas não
chegou a esclarecer se haveria diferença quanto ao ensino
destinado a cada um dos grupos. Essa diferença, contudo, aparece
explicitada nos enunciados de outro aluno que vai, inclusive,
propor uma divisão de alunos muito mais radical.
3- A escola teórica ~ ª escola profissionalizante
Os enunciados abaixo são de autoria de E 5 (Grupo 2).
Acho que a escola pública ela tem que se dividir em duas. Uma escola muito mais teórica, uma escola vol tada pras pessoas que querem pensar, que se destacam nesse processo, e uma escola pra aqueles que tão aqui. ( .•• ) Então, essa escola, a teórica, dos individuos que se destacam, queiram o conhecimento, um pouco até de Grécia antiga, aqueles que detêm o conhecimento, bem estrutura da Grécia antiga, e aquela escola só profissionalizante, que ensinasse o minimo da história do pais e a conversão do individuo pra que ele possa fazer algum trabalho. [grifo meu]
Não deixa de ser, a principio, surpreendente que um aluno
que teceu cri ticas tão severas à educação e à escola se
posicione, aqui, de forma tão elitista e conservadora. Mas a
surpresa não resiste a um confronto com a teoria da Análise do
Discurso. Para ela, o sujeito é posição e não substância e por
isso ele é heterogêne05 . Portanto, o que mais importa para a
compreensão dos enunciados produzidos por E 5 é que ele agora se
filia a uma concepção colonial de educação (a separação entre
trabalho manual e intelectual) e a uma concepção liberal de
sociedade (protagonismo da burguesia).
104
E 5 usou critérios absolutamente pessoais ao idealizar sua
escola. Criticou o individualismo dos outros, mas é através de
uma perspectiva individualista que fala da sua escola.
E 5, como
Se a gente tem uma escola do jeito que ela tá, Q individualismo do jeito ~ tá e as pessoas não acordarem, é que elas querem continuar dessa forma. Eu não quero continuar dessa forma, eu quero evoluir. Então eu não posso ficar junto com pessoas que querem continuar dessa forma. Então por isso a escola deveria ser dividida em duas: uma escola teórica, uma escola que faça com que parte da classe média ela produza intelectualmente e uma outra parte. Agora, tendo sempre o espiri to de competição. [grifos meus]
E 8, também idealiza uma escola onde ele pode
proteger a sua identidade (auto-imagem) de sujeito-na-educação.
Ambos excluem os seus não-eu que ameaçam a realização plena desta
identidade - os "alienados" para E 5 e os "bagunceiros" para E 8.
As "escolas" de E 5 parecem terem sido extraídas de algum
manual do liberalismo do século XIX. A idéia de competição entre
as classes sociais como meio de aperfeiçoamento da sociedade foi
claramente enunciada.
É
[A competição deve] fazer com que os estudantes que estejam dentro daquela escola [a profissionalizante] queiram passar pra outra escola. Pode-se, às vezes, pOde-se muito bem formar uma sociedade melhor.
interessante notar que a matrícula na escola
profissionalizante parece ter um sentido de castigo, €nquanto a
matrícula na teórica aparece como um prêmio. Aos "conscientes", o
"conhecimento" e aos "alienados" o trabalho. E 5, que
anteriormente havia criticado o caráter "alienante" da escola,
105
agora o institucionaliza na "sua" escola profissionalizante, que
apenas ensinaria o minimo da história do pais e a conversão do
individuo pra que ele possa fazer aquele trabalho.
Os critérios de promoção da escola profissionalizante para a
teórica são eminentemente ideológicos no sentido de idéia mesmo,
de conferir a visão de mundo do candidato.
Seria uma discussão, uma conversa com pessoas, por exemplo, pra saber Q que elas pensam, íiPQ como se tivesse um teste vocacional, né ? Mas não pra saber a vocação da pessoa e sim pra saber qual ª idéia que essas pessoas têm. [Esse teste seria aplicado por] educadores, pessoas que fizeram faculdade em relação a isso, principalmente professores de História e de Filosofia, educadores que tivessem essa visão. [grifos meus]
Este aluno propôs a gestão democrática da escola teórica.
Falta o primordial pra que se forme o individuo, a consciência do individuo. Porque não adianta ter uma escola teórica porque vai levar também à escola que nós temos hoje, né, que vai levar à fragmentação do poder. Então a escola tem que ter a democracia interna. Ela deve ser dirigida por um corpo de estudantes, voltada pros estudantes, professores, funcionários, todos junto decidindo.
[grifo meu]
E 5 atribuiu à participação um caráter pedagógico mas a
democracia que propôs é formal, restri ta às instâncias de
representação e extensiva apenas à classe média, clientela
preferencial da escola teórica. A questão central da distribuição
a priori dos saberes ficou de fora, concentrada na inteligentsia.
A entrada do candidato em uma ou outra escola foi mesmo tratada
como decorrente de uma predisposição inata, vocacional, associada
à classe social do aluno.
106
Os enunciados produzidos por E 5 sobre a escola ideal
radicalizaram brutalmente a oposição "consciência critica" x
"alienação" anteriormente apontada pelo alun06 • E 5, ao querer
escapar de um tipo de educação e escola que rej ei ta, retomou
sentidos atravessados de autoritarismo. Ao dividir os jovens em
"alienados" e "conscientes", incluindo-se no segundo grupo e
atribuindo um caráter de classe a essa divisão, E 5 não
conseguiu dar à educação um outro sentido que não fosse o
estratificador. O lugar de que fala, "consciente" da "verdadeira
realidade"7, confere à sua concepção de educação o sentido de
conversão.
converter vb. 'conduzir à religião que se julga ser a verdadeira' , fazer mudar de de partido, de parecer etc.' XIII. Do lat. convertere Ii conversão sf. 'ato de converter (-se)' I conuersom XV. (Cunha, 1982)
Por todos os sentidos invocados, a escola ideal de E 5 se
filia a um tipo de autoritarismo que, como alerta Perelman (In
Motta Pessanha, 1989, p. 237-8),leva à afirmação dos auditórios
de elite.
Esses auditórios comportam apenas os normais, os sábios, os competentes, os beneficiados pela graça, os eleitos, etc. - enfim, aqueles que, por algum motivo, se destacariam do restante dos homens, mostrando-se aptos a receber a verdade que escapa aos demais. Vistos do exterior, esses audi tórios são compostos pelos que "aderem a um conjunto de regras, conveEções ou crenças", mostra Perelman. Mas servem para-justificar--a--suposição de verdade absoluta: aquela que apenas alguns estariam habilitados a apreender. Permitem também repudiar o oponente como incapacitado, anormal ou recalcitrante, num tipo de intolerância autoritária que acompanha freqüentemente as concepções monistas - teológicas, filosóficas,
107
po11ticas, etc. - e a noção de verdade única.
11. A desordem
1. A escola-festa
E 11 (Grupo 1) se deixou levar pela imaginação.
A escola ideal pra mim seria dessas que aparecem nesses filmes de jovens que tem na televisão. Festa quase todo dia, ninguém ligando pra nada [risos], os professores não tão nem a1, mais ou menos assim, né, sem uniforme, tipo faculdade.
o que chama a atenção neste enunciado não é só o seu modelo
sessão da tarde, o fato de a televisão veicular um sentido
caricato de escola que aparece aqui idealizado, mas como essa
caricatura silencia sentidos anteriormente propostos. E 11 propôs
uma escola sem mencionar a questão do ensino apesar de haver
demonstrado sua preocupação com o estudo, chegando a criticar a
escola por não dar base e a reafirmar sua disposição de ingressar
num cursinho pré-vestibular. Mas no momento em que teve a chance
de "construir" essa escola preparatória, simplesmente "esqueceu".
o "esquecimento" de E 11 pode ser entendido como a negação
dos conteúdos na forma em que estes lhe são oferecidos e que em
nada lhe ajudam tanto no plano do trabalho/estudo quanto no da
sua compreensão do mundo. Como aparentemente nunca experimentou
ou mesmo concebeu de fato a possibilidade de uma escola
"diferente", recorreu ao modelo jâ pronto e embrulhado para -
viagem: o estereótipo cinematogrâfico da escola americana. O
recurso a esse estereótipo, antes de representar a rendição do
sujeito à ideologia, ponto de sedimentação e cristalização de
sentidos, organiza-se como um espaço onde os sentidos "errantes"
108
encontram refúgio e condição de significação. Assim, a escola-
festa surge corno desconstrução - ou mesmo negação - da escola
conteado, preparatória, anteriormente reivindicada8 . A festa,
corno diz a aluna, é um espaço-tempo onde ninguém liga pra nada,
os professores não tão nem ai ( ... ), sem uniforme. Dessa forma,
ao negar (calando) o conteado, E 11 atribuiu a ele um caráter
disciplinador que ela rejeita. Conteado e disciplina aliaram-se
na construção de um sentido para escola que encontrou o seu outro
nas possibilidades abertas pela festa.
2. A escola-conteúdo ª ª escola-festa
E 1 (Grupo 1) sofreu do mesmo "esquecimento" de E 11, mas de
urna certa forma ampliou o sentido de festa, aqui denominada
lazer.
Acho que o tempo ia ficar dividido em duas etapas: a escola-conteado e a escola-lazer, entende ? Sala de esporte pra gente se divertir, descontrair, que a gente tenha gosto de dormir cedo pra vir pra escola, pra tá aqui na porta cedinho, não chegar atrasada, não vir sem uniforme ( ... ) e os professores mais amigos dos alunos, né, se expressando ... que mais? Ah, não sei, tanta coisa ...
Se E 11 sequer mencionou o conteúdo, E 1 o faz apenas para
distingui-lo da f~sta. É a última que faz com que o contet;zdo e a.
disciplina se tornem suportáveis - que a gente tenha gosto ( ... )
pra tá aqui na porta cedinho, não chegar atrasada, não vir sem
uniforme ( ... )
109
Os enunciados de E 1 e E 11, apesar de breves, levantam
algumas questões interessantes. O conteúdo tão reivindicado pelos
alunos do Grupo 1 e ao qual dedicaram tanto tempo em seus
depoimentos desapareceu (ou quase) quando imaginaram sua escola.
Se num primeiro momento dois sentidos disputavam a hegemonia da
significação de educação e escola, ambos circulavam
principalmente em torno de conteúdo. Mas a vantagem (relativa,
considerada apenas no seu aspecto quantitativo) obtida então pelo
sentido preparatório aqui despencou atropelada pela escola-festa.
O conteúdo perdeu seu aspecto exclusivamente positivo de
passaporte de ingresso ao mundo adulto do trabalho e das
carreiras superiores e expôs seu aspecto negativo, disciplinador.
O que vejo refutado aqui não é a demanda em si por uma escola
preparatória, mas as injunções de assujeitamento que ela
acarreta. A escola-conteúdo fixa o sujeito no lugar da
continuidade, do uniforme, do cumprimento de regras e do tédio de
conteúdos sem inserção histórica que apenas reforçam a
perplexidade do jovem diante do mundo e confirmam suas suspeitas
de que suas possibilidades de ascensão social são limitadas. A
escola-festa, por outro lado, oferece ao sujeito um lugar lúdico
e imprevisível. Os sentidos que a ela se aliam são apenas
sugeridos e por isso mesmo prenhes de possibilidades. É o lugar
da polissemia, onde o sujeito pode tomar sentidos "proibidos"
para significar-se. Deste lugar não se sabe muito (que mais ? Ah,
não sei, tanta coisa ••. ), apenas que é prazeiroso.
3. A escola conteúdo-festa
Os enunciados abaixo foram produzidos por E 6 (Grupo 2).
110
[A escola deveria ser] uma coisa mais democrática. Se o ai uno não gosta de uma matéria, então ele vai se aplicar nas outras, sabe ? Ele vai poder escolher, desde que ele tenha uma noção básica, né ? E se de repente ele tiver um interesse, um súbito interesse pela matéria que ele deixou pra trás, ele tem condições de voltar. ( ..• ) Uma biblioteca, sabe, que você não tenha a obrigação de estar na sala a tal horário. Não. Se você viu na televisão uma coisa que te interessou, você vai buscar dentro de uma biblioteca, desde que você esteja praticando um esporte, lendo um livro ou mesmo indo pra sala de aula desfazendo suas dúvidas com um professor. Não o professor passando pra você o que você tem que aprender e sim você buscando no professor, tá, o ensino. Tá ai ! Ele tá buscando o professor. Agora essa escola essa consciência, então você vê, tem um pouquinho do que o La Paz [E 5] falou. Aquele colégio pra aquele que quer estudar. simples. Não tem obrigação.
A proposta de E 6 é muito diferente daquela feita por E 5 (a
escola teórica e a profissionalizante) e a aluna percebe essa
diferença. Ao final, procurou manter os laços de solidariedade
com o companheiro afirmando que essa escola ..• essa consciência
( ... ) tem um pouquinho do que o La Paz falou. Apesar de recorrer
à consciência como elo de ligação com E 5 e com seus próprios
enunciados anteriores, a escola ideal de E 6 está muito mais
próxima daquelas de E 1 e E 11. A coesão demonstrada pelos
"militantes" tanto no contrato de fala quanto na sua avaliação da
"escola hoje" se rompeu quando ingressaram no campo da utopia.
A aluna propôs que o conteúdo fosse a própria festa.
É chato, é tétrico ter que vir pro colégio e ter obrigação de entrar dentro de sala de aula. Se você tá enfadado não pode assistir aula de pé. Então ( ..• ) se você não tá a fim de assistir àquela aula, você tá preocupado com a de Quimica, se o professor tá passando uma coisa de Quimica que você tá mais
111
interessado em saber, você pode passar de uma pra outra. ( ... ) Se você fizer de um modo que o aluno busque o conhecimento, é diferente do professor ter que enfiar aquela coisa dentro de você de qualquer jeito. Eu, por exemplo, eu detesto Matemática. ( ... ) Eu preciso de Matemática e no entanto eu não me interesso nem um pouco. Não procuro, não busco. Por que? Porque el a é de forma errada. Não me agrada esse tipo de ensino, esse tipo de estudo.
Apesar de E 6 também ter feito urna avaliação subjetiva (eu
não me interesso por Matemática porque ela é errada), a aluna não
fêz urna proposta dualista, de exclusão, corno E 5 e E 8 fizeram.
Ela não atribuiu aos alunos (ou professores), à sua alienação,
"bagunça" ou desinteresse a culpa pela situação do ensino. Sua
idealização de escola postula um novo tratamento para os
conteúdos de forma a despertar o interesse de todos os alunos,
indistintamente (se você fizer de um modo que Q aluno [genérico]
busque o ensino ... ).
Tributária de urna concepção humanista de educação e
"contaminada" por um pensamento oriundo das pedagogias críticas,
E 6 deu relevo à literatura e à retórica corno instrumentos de
aperfeiçoamento e conhecimento. A autoridade que regulará as
relações no interior da "sua" escola não é a palavra do Mestre,
mas sim a pertinência dos conhecimentos transmitidos pelos
professores.
E 6 também vincula à mudança do ensino à uma transformação
geral da sociedade.
Porque tem que ensinar aos pais que não é obrigado a ir pro colégio não. pro colégio se quiser. Porque senão pra lá, além de não produzir
112
o filho Ele vai ele vai ele tá
constituindo pro sistema não mudar. ( ••. ) Não há como mudar um colégio, s6 em si o colégio. Isso é lento, esse processo é mui to lento. ( ... ) k como destilar, é uma destilação. ( •.. ) Você vai interferindo aos poucos. k preciso, sim, um estudo bem detalhado, bem grande, pra você atuar em várias formas. Se você tem aqui um cinema e um baile do lado, entre um e outro você procura botar ali uma entradinha, um bequinho com uma biblioteca bem grande no fundo. Bota de frente uma livraria bem chamativa, sabe ? Promove, no colégio, competições de você escrever um conto, de quem lê mais livros, quem palestra melhor.
No primeiro enunciado transcrito neste subi tem E 6 afirma
que a escola deveria ser uma coisa mais democrática. Ao contrário
de E 5, a aluna não propôs a participação coletiva nas instâncias
de poder local, mas foi capaz de ultrapassar o formalismo do
companheiro ao idealizar uma verdadeira "revolução cultural" para
além dos muros escolares.
c) A ordem e a desordem
Os enunciados agrupados sob o campo da ordem foram aqueles
que não sugeriram nenhuma ruptura no padrão histórico da educação
brasileira, quer seja na relação educação-Estado (E 2), quer seja
no seu aspecto disciplinador (E 8/10) ou estratificador (E 5).
Essa é a ordem da paráfrase.
A desordem subverteu este padrão quando apresentou, tanto
para a educação quanto para o sujeito, poS'Sibilidades de-se
manifestar de forma lúdica 10. A desordem não é o caos, mas a
polissemia.
Nessa perspectiva, os enunciados pertencentes à ordem se
113
associam àqueles relativos à demanda por uma escola preparatória,
enquanto os pertencentes à desordem se associam àqueles relativos
A demanda pela "palavra". As diferenças que haviam entre os
Grupos 1 e 2 por ocasião das avaliações acerca da "escola hoje"
se desfizeram totalmente no campo da utopia e do desejo, já que
ambos se mostraram igualmente mais ou menos afetados pelas
injunções do discurso. Ou seja, seus membros se mostraram
igualmente capazes de romper ou reproduzir os sentidos dominantes
para educação e escola discutidos nos capítulos anteriores.
Generalizando os sentidos aqui apreendidos para um universo
maior do que o de alunos efetivamente entrevistados, percebe-se o
quanto é necessário relativizar a "submissão" do Grupo 1 e a
"rebeldia" do Grupo 2. Se o primeiro é mais dócil e mais perplexo
do que o segundo, isso não quer dizer que ele não sejà tão ou
mais capaz de inovar quanto o Grupo 2. Por outro lado, a prática
política dos "militantes", se é capaz de lhes fornecer uma
eficiência argumentativa e alguma visão crítica, não garante que
ambas conjuguem novos sentidos. Isso leva a se pensar o quanto
deva ser delicado o trabalho de urna escola que se proponha a ser
"democrática" , ou sej a, que não só estabeleça canais de
participação para todos como encare a relação ensino aprendizagem
como um exercício crítico de leitura e releitura do mundo. O
perigo que se corre é o de tornar a dispersão mais acentuada dos
jovens do Grupo 1 como ausência de sentidos e incapacidade para a
criação, submetendo-os, mais uma vez, à tutela e ao silêncio •
114
NOTAS:
1- Cf. p. 28 (Contratos de fala) e p. 47 (Mestre e Disc1pulo).
2- Cf. p. 4 (Discurso autoritário).
3- A polissemia do termo é oportuna. Nem lhe credita autoridade nem estimula que ele se organize eficientemente como autor.
4- Cf. p. 47 (Mestre e Disc1pulo). 5- Cf. p. 6-10 (O sujeito) .
6- Cf. p. 30 (O Grupo 2) •
7- Idem.
8- Cf. p. 33 (O Primeiro Não).
9- Cf. p. 33-44 ( Educação, Escola e Ensino) .
10- Cf. p. 4 (Discurso lúdico) .
115
PARTE 111
Conclusão
Manifesto da Poesia Pau-Brasil
( ... )
Temos a base dupla e presente a floresta e a escola. A
raça crédula e dualista e a geometria, a álgebra e a química logo depois da mamadeira e do chá de ervadoce. Um misto de "dorme nenê que o bicho vem pegá" e de equações.
Uma visão que bata nos cil indros dos moinhos, nas turbinas elétricas, nas usinas' produtoras, nas questões cambiais, sem perder de vista o Museu Nacional. Pau-Brasil.
( ... ) Apenas brasileiros de nossa
época. O necessário de química, de mecânica, de economia, de balistica. Tudo digerido. Sem meeting cultural. Práticos. Experimentais • Poetas. Sem reminiscências livrescas. Sem comparações de apoio. Sem pesquisa etimológica. Sem ontologia.
Bárbaros, crédulos, pitorescos e meigos. Leitores de jornais. Pau-Brasil. O Museu Nacional. A cozinha, o mistério e a dança. A vegetação. Pau-Brasil.
Oswald de Andrade
Educar para a participaçio
A primeira questão que me coloco é o que realmente significa
uma educação para a participação dentro do contexto atual da
educação brasileira. Observa-se, pela imprensa, a preocupação do
poder público em aumentar o número de vagas, em construir prédios
de arquitetura arrojada, mas pouco se lê com relação à qualidade
do ensino oferecido. Naturalmente, é urgente que se aumente o
número de escolas a fim de atender aos milhares de excluídos,
assim como é urgente que se aumente o salário dos professores,
equipe as escolas adequadamente, etc. Entretanto, a indigência do
ensino público no Brasil não se resolve apenas com injeção de
recursos. Numa escola cuja marca é a negatividade, a sua
multiplicação por mil resultará numa matemática esquizofrênica.
Não é qualquer escola que serve para o povo brasi leiro, e
certamente não é esta que está aí que servirá.
A negati vidade como geradora de sentidos para a educação,
escola e ensino diz respeito a dois aspectos da inserção do
educando na sociedade: trabalho (O primeiro Não) e cidadania (O
Segundo Não). Essa distinção, um tanto ambígua e artificial,
talvez, tem como objetivo nomear os dois campos sobre os quais o
Não incidiu1 . E é a partir do segundo campo que eu desejo pensar
a participação na educação, mais especificamente a participação
como prática da liberdade de expressão.
Educação e participação são conceitos estreitamente
relacionados como bem expôs Dumerval Trigueiro Mendes (1975;
1987; 1989). Mas se a intimidade entre os conceitos foi
116
freqüentemente desfeita, a nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB) buscou refazê-la. porém, entre a letra fria da lei
e sua aplicação nos estabelecimentos de ensino há um enorme
intervalo de silêncio.
A nova LDB, consoante com o principio constitucional da gestão
democrática, diz no Capitulo 11, incisos 11 e IV:
. A educação nacional tem por fim a formação de cidadãos plenamente capazes de compreender criticamente a realidade social e conscientes dos seus direitos e responsabilidades frente aos outros individuos, ao Estado e ao conjunto da sociedade, desenvolvendo-lhes os valores éticos e o aprendizado da participação.
A preparação do cidadão para a efetiva participação poli tica, que lhes permita conscientemente escolher os governantes, controlá-los no exercicio do poder e almejar, igualmente, a posição de governante.
Essa lei evoca o perfil clássico da democracia ateniense,
concretizada em três dominios especificos: politico (isotimia) -
igualdade de participação em todos os atos da cidade; juridico
(isonomia) - igualdade ante a lei ou juiz; linguistico (isagoria)
- liberdade de expressão e opinião públicas. (Guerrero Sánchez,
1991, p. 42-3). Para o ateniense a conduta apolltica seria
inconcebivel, verdadeira renúncia àquilo que era a sua própria
essência - pertencer ao corpo polltico, à pólis. Dessa forma, o
ensino tinha por objetivo a formação do homem polltico, do
dirigente do Estado. A educação ateniense, retórica, tinha o
-- - --- Estado como medida ideal - e:.c-educador supremo fGuerrero - Sánchez ,-----:-. ~
1991).
Em Atenas havia uma identidade entre o cidadão e o Estado
diflcil de ser apreendida pelo homem moderno, filho de uma cidade
117
que é ma i s coerção e menos consenso, ma i s pr i vada e menos
püblica. A apatia politica, e a própria rejeição ao politico,
são, mesmo, uma exigência do Estado moderno (Chaui, 1989, p. 278;
Macpherson, 1978, p. 95). Os principios de isotimia, isonomia e
isagoria, embora garantidos pelo Direito, constituem-se em uma
abstração juridica que a estratificação social se encarrega de
restringir a uma elite econômica e intelectual. A democracia
brasileira vive hoje este drama: nunca antes na história do pais
se gozou de tantas liberdades politicas, mas o povo, miserável e
faminto, nunca esteve tão afastado da cidade. E aqui há o perigo
enorme de a liberdade tão duramente conquistada se tornar um
valor menor, descartável.
Essa liberdade pode ser restringida por ordens explicitas e
até mesmo pela força, mas mais freqUentemente seu cerceamento se
dá pelas formas sutis do discurso, pelos processos históricos de
"apagamento" de determinados sentidos e de localização do sujeito
em posições que aparecem como naturais e inevitáveis. A fala dos
educandos e a fala da escola e dos professores, tal como eles as
percebem, são assim, entrecortadas por silêncios. O silêncio do
Discipulo diante do Mestre, o silêncio da escola e do Mestre
diante da curiosidade acerca da sexualidade, das drogas e do
"mundo hoje". Esses silêncios, que aparecem muitas vêzes
maquiados de neutralidade2 , colocam o diálogo fora da pedagogia
escolar. Esse diálogo - vale a pena repetir~ - é entendido- aqui- -~
como o diálogo do aluno com o pensamento e a cultura transmitidos
pelo professor3 • Assim, a elaboração do conhecimento acumulado
deve ser considerado como um primeiro estágio de participação e
118
conseqüentemente de exercicio de liberdade. O mundo da escola,
mundo da memória e da repetição e não da imaginação e da
reflexão, ao privar o aluno do diálogo com o conhecimento, o
priva de participar da elaboração do seu próprio pensamento. O
sujeito-na-educação püblica "lembra" e repete seu lugar
subalterno, sua marginalidade politica, econômica e social e
acaba exilado de si mesmo. Significa-se na passividade. E a
"culpa" se é que é possivel dizer assim não recai
exclusivamente sobre o professor. Eu mesma, juntamente com alguns
colegas da rede püblica municipal, enfrentei a resistência de
alunos à metodologias de ensino que se baseavam no raciocinio,
onde não era possivel aprender decorando. Não é fácil romper com
a identificação aprendizagem-decoreba ! Alguns pais até cobravam
que não havia nada para estudar em casa, qu~ era impossivel
"tornar o ponto" dos filhos.
Essa significação preponderante agrega sentidos que
sedimentam a educação como preparação (Cap. IV), localiza
professores e alunos como Mestre e Discipulo (Cap. V) e domestica
o "pensamento selvagem" em silêncio e ordem (Cap. VI). A apatia,
a perplexidade, a submissão, o individualismo vêm acompanhados
por um desinteresse pela politica e por uma crença no valor
mágico da escola, que qualquer educação possibilita o acesso à
classe média (Feldens, 1985, p.39-41). A atitude dos alunos
diante do titulo de eleitor é pontual. Poucos demonstraram
interesse em obtê-lo aos 16 anos, e a maioria atribuiu ao
documento menos um valor simbólico de cidadania - escolher os
governantes e mais uma utilidade prática atender às
119
exigências legais dos empregadores . Talvez, ao desdenharem do
slmbolo, estivessem apenas sublinhando o fato que, como excluldos
da cidade, aquele assunto não lhes diz respeito, que sua real
condição é a de súdito e não a de cidadão. Um outro exemplo,
também retirado da escola onde a pesquisa foi desenvolvida,
ilustra, desta vez, o comportamento institucional. Em suas
Diretrizes para 1991, a escola previu a criação de um Conselho
comunitári04 . Esse conselho, segundo o então diretor, estava ali
mais para constar e nunca se reuniu, sem que nenhuma das partes
envolvidas tenha reivindicado sua convocação.
o desinteresse mútuo pela participação direta, votando ou
atuando junto a Conselhos, não quer dizer que ambos sejam
desnecessários. Assim como não se pensa em abolir eleições por
causa dos elevados indices de abstenção, não se deve descartar os
Conselhos como inúteis. O que deve mudar é o próprio eixo sobre o
qual gira o circulo vicioso da educação. É certo que a
participação do sujeito nos diversos espaços abertos na sociedade
civil partidos, movimentos estudantis, conselhos escolares,
etc. - cumpre uma decisiva função pedagógica. Neles, o sujeito é
forçado a defender, rejeitar ou aderir a teses e propostas, a
manifestar-se contra ou a favor, fazer escolhas, emitir
julgamentos e justificá-los para si mesmo e para a coletividade.
Isso tudo se dá no campo da linguagem e os sujeitos engajados
acabam por ter um maior domfnio -da argumentação, por filiar-se;--":~-- - -
mais conscientemente, a um "ponto de vista" que organiza seus
enunciados e aguça seu senso critico. Os alunos do Grupo 2
tiveram essa vantagem sobre os do Grupo 1, mas essa vantagem não
120
os livrou do autoritarismo. A rigida dicotomia
alienação/consciência critica produziu uma perigosa dupla
significação: de si mesmos como porta-vozes da Verdade e dos
demais com recalcitrantes que recusam a luz dessa Verdade. Esse
radicalismo conduziu um de seus membros à truculência implicita
na separação entre escola teórica e escola profissionalizante5 • O
engajamento, então, por si s6, não garante a mudança de eixo.
A demanda implici ta ao Segundo Nã0 6 , pelo vinculo que
estabelece entre a (nova) significação do mundo e a significação
do sujeito neste mundo (re-) significado, tocam a questão da
participação como dimensão individual e coletiva. t preciso,
pois, voltar à questão anteriormente esboçada - a participação do
sujeito-na-educação, na elaboração do seu próprio pensamento. A
participação é um ato de liberdade, e não se cria uma liberdade
externa a não ser que seja fundamentada num trabalho permanente
de libertação interior (Motta Pessanha, 1992). Esse trabalho é o
que livra o sujeito dos sentidos que lhe são propostos e impostos
como se fossem a sua verdade. Para a isso, a educação não pode se
basear na memória, na repetição e no silêncio. Não pode acomodar
se ao monótono recurso às certezas da memória, ao hábito de
enriquecer coleções e herbários (Bachelard, 1972, p. 1 e 4), ao
uso excl us i vo de métodos de observação e enumeração. Pe 10
contrário, deve der imaginativa, ousando polemizar sobre o
estabelecido, confrontando teses e antiteses-, - c1-ncemti vai1dó
descobertas. Uma educação de turbulência, polissêmica, que
possibilite aos sujeitos, mediados pelo conhecimento, inventarem
novas palavras para dizer o mundo. Que faria, com efeito, de uma
121
experiência que viria confirmar o que sei e, conseqüentemente, o
que sou ? (Idem, p. 4) Parece-me que é dessa forma que os
sujeitos-na-educação poderiam perceber em si o que castoriadis
(1982: p. 124-7) denomina o discurso do outro, conscientes de sua
origem (histórica, filosófica) e de seu sentido. Assim, poderiam
tanto negá-lo quanto af irmá-Io em seu conteúdo, sem que a
alteridade do discurso se transformasse em alienação do sujeito.
Creio que é dessa forma que o hoje abstrato principio de isagoria
poderia se tornar concreto. Porque não basta que haja espaços
públicos onde todos possam falar. É preciso também que a fala
(lúcida, consciente) seja um bem público.
É preciso cautela, porém, para não se adotar uma teoria
idealista da linguagem. Em primeiro lugar, esse discurso do outro
não é um puro produto de um emissor individualizado. O
tecnicismo, o autoritarismo, a a-historicidade, o dogma e a
estratificação não foram inventados pela escola ou pelos
professores. Pertencem à nossa cultura, mas ganham especificidade
no discurso de educadores e educandos. Por isso, a "desalienação"
do sujeito-na-educação é uma tarefa social. Em segundo lugar, o
discurso não é expressão de uma consciência individual, nem esta
é reflexo (distorcido) da realidade. Essa concepção só poderia
levar a uma pedagogia bancária de substituição de palavras
"equivocadas" por outras "politicamente corretas" que
"êxpressariam a verdade única e -a- -verdadeira -cónsC!iência.-Não~e
deve esquecer que a linguagem é um efeito de sentidos entre
locutores, que as palavras mudam de sentido ao mudarem de
Formação Discursiva e que o sujeito e o sentido constituem-se
122
mutuamente7 . Assim, não basta que um discurso apele a noções como
"consciência critica" ou "participação" para que seja
democrático. Por outro lado, há discursos (como o da arte) que
mesmo sem apelar ao "jargão democrático" são genuinamente
demolidores (e construtores I).
Se uma educação para a participação deve trabalhar o mundo
através dos saberes em sua pluralidade de sentidos, deve-se tomar
o cuidado para não praticar um ecletismo neutro onde ninguém tem
razão e onde não há razão, onde tanto faz como tanto fêz. A
neutralidade é quase sempre uma farsa e geralmente acoberta a
adesão às idéias dos grupos dominantes. O problema não é que se
adote um lugar de enunciação, mas que este lugar seja explicito e
apresentado, dentre outros, como um dos lugares possiveis. A
educação para a participação pressupõe, então, uma ética como
antldoto ao ecletismo. A própria LDB no Capitulo 11, inciso 11
afirma o desenvolvimento dos valores éticos como um fim para a
educação. Esse antldoto, porém, não se encontra facilmente
disponlvel. Se no passado esses valores remetiam ao divino, a que
nos remetem hoje os valores gerados numa sociedade cujos deuses
são a racionalidade do sistema, a competitividade e o lucro ? O
consumismo e o narcisismo ? Esse é um grande desafio, já que hoje
aparentemente vivemos tempos de esvaziamento dos valores éticos.
Liberdade, Justiça, Verdade, Solidariedade ou foram tragados pela
lógica ~o-mercado ou corroídos pelos totalitarismos, de direita e
esquerda. Mas ainda é nesses velhos valores que encontramos algum
alento para o futuro. Não como um retorno ao passado, nostálgico
de absolutos, mas apreendidos em sua historicidade, em sua
123
incompletude. Assim, esses valores se colocariam em permanente
construção e debate, abertos a retif icações e, quem sabe,
inventariam novas utopias.
Epílogo
Os meninos e meninas que comigo falaram ou já conclulram ou
estão cursando a última série do 20. Grau. Espero que nenhum
deles tenha desistido e torço, apesar de todos os pesares, que
tenham conseguido realizar seus sonhos. Com eles aprendi que a
sua perplexidade, apatia e até arrogância eram minhas também. Os
seus depoimentos me fizeram perceber o quão asfixiante é a
educação que recebem e o quão pesados são os silêncios que ela
impõe. Lembro, com aflição, do seu pessimismo diante do futuro,
da sua desesperança em dias melhores. Penso, com tristeza, na
perversidade de uma ideologia que os faz crer que o esforço
pessoal é capaz de superar os obstáculos estruturais da sociedade
brasileira. Vejo, com apreensão, Mestres e Disclpulos trocando
silêncios. Alegro-me, porém, com o alarido e a irreverência da
festaS. Sinto, finalmente, que a educação para a participação
pode democratizar o direito à fala, recuperando valores éticos,
reconstruindo nossa humanidade e defendendo-a dos absolutos todos
que a esmagam (Motta Pessanha, 1992).
* * * * *
124
NOTAS
1- Cf. Capítulo IV, p. 33-44.
2- Cf. p. 49 (E 5 citando a professora de Geografia) e p. 51
(debate sobre sexualidade).
3- Cf. p. 46 (citação de M. Chaui).
4- A composição era a seguinte: o diretor da unidade escolar
(presidente); 1 diretor adjunto; o secretário da unidade
escolar; 3 dirigentes de turnos (1 para cada turno); 1
orientador pedagóg ico; 1 or ientador educacional; 1
representante da comunidade; 1 representante de pais de
alunos; 1 representante da Associação de Assistência ao
Educando; 1 representante do empresariado local e 1
representante do corpo discente.
5- Cf. p. 66-9.
6- Cf. p. 36-40.
7- Cf. p. 1-10 (Análise do Discurso).
8- Cf. p. 69-73 (A Escola Ideal - A Desordem)
125
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,,~çAO GETULIO VARGAS
INSTITUTO DE ESTUDOS AVANCADOS EM EDUCACAO Praia de Botafogo, 184 e 186 - ZC -05
PARECER
A Comiss~o de EXillae, designaCa pela Resolução n9
14/1993, do Coordenador Geral do IESAE/FGV, para julgar a
dissertação intitulada: "EDUCAÇÃO, ESCOLA E PARTICIPAÇÃO~',
de autoria da aluna TRAIS BAPTISTA CARVALHO DE OLIVEIRP. e
composta pelos abaixo assinados, após a apresentação pÚbli-
ca da mesma pela candidata e de ter esta respondido as ar-
güições que por seus membros foram feitas, concorda em que
a referiea dissertação merece ser ~p~pvada qorn louvo+, sen
dO sugerida a sua pÚblidiiç ao, levarido em conta as su~estões -. . .
feitas por esta Comissão durante o exame.
A-I Formato Internacional
210z29'lmm
Rio de Janeiro i 19 de agosto.ce 1993
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