ISSN 2176-1396
EDUCAÇÃO PARA O TRÂNSITO EM LIBRAS: RELATO DE UMA
EXPERIÊNCIA NO ATENDIMENTO EDUCACIONAL
ESPECIALIZADO
Érica Alves Fernandes de Andrade1 - SEED/PR
Eixo – Psicopedagogia, Educação Especial e Inclusão.
Agência Financiadora: Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Resumo
Desde a aprovação do Código de Trânsito Brasileiro em 1997, o tema “Educação para o
trânsito” merece atenção nas escolas, devendo ser abordado transversalmente no currículo da
educação básica e superior, conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Básica. Este trabalho tem por finalidade relatar uma experiência didático-pedagógica
desenvolvida em sala de recursos multifuncionais na área da surdez, em uma escola situada em
Jacarezinho/ PR, cujo tema foi “Educação para o trânsito”. A metodologia empregada foi a
pesquisa de abordagem qualitativa, sendo do tipo exploratória e estudo de campo, mediante a
análise do registro escrito das atividades didático-pedagógica ofertadas a estudantes surdos. Os
dados foram coletados durante cinco aulas, ministradas a três estudantes surdos com idade entre
6 a 10 anos, utilizando como língua de instrução a Libras (Língua Brasileira de Sinais). A
pesquisa se arrola em quatro atividades, intituladas como: (I) O semáforo; (II) A
representatividade das cores do semáforo; (III) Simulação do trânsito na sala de aula; (VI)
Simulação do trânsito no pátio da escola; nas quais foram utilizados materiais didáticos
diversificados. Houve a necessidade de adequação de material, bem como de variação na
abordagem metodológica, na medida em que um dos estudantes rejeitou participar de uma das
atividades. A experiência revelou que: o uso de imagens e materiais diferenciados na realização
de atividades favorece a aprendizagem de estudantes surdos; o ensino de Libras; a realização
das atividades III e VI contribuíram para que os alunos pudessem vivenciar os conceitos
apreendidos de forma prática e lúdica; a fluência em língua de sinais por professores
responsáveis pelas salas de recursos multifuncionais na área da surdez constitui-se em condição
imperativa para o sucesso acadêmico dos estudantes surdos.
Palavras-chave: Educação Especial. Surdos. Libras. Recursos diferenciados.
1 Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista
(UNESP), Faculdade Estadual Júlio de Mesquita Filho, Campus de Marília. Professora efetiva da Secretaria de
Estado da Educação do Paraná – área da Educação Especial, atuando em Jacarezinho. E-mail:
22264
Introdução
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva reconhece que
a educação inclusiva deve se manifestar à luz dos direitos humanos e do conceito de cidadania
alicerçados “no reconhecimento das diferenças e na participação dos sujeitos”. O documento
ratifica que as práticas escolares para os estudantes com deficiência são definidas baseadas em
diagnósticos que verifiquem as necessidades educacionais especiais do alunado em questão –
alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/
superdotação, denominado público beneficiário da educação especial (MEC/SEESP, 2008).
Ações como conhecer o caminho percorrido pelas pessoas com deficiências, sob a ótica das
teorias de formação de professores, poderão contribuir de sobremaneira para a identificação da
individualidade e subjetividade destes sujeitos com vistas à promoção de um sistema
educacional inclusivo (BRASIL, 2005b).
Neste contexto, o professor da educação especial2 deve estar preparado para perceber as
especificidades de cada aluno, e a partir delas, organizar seu fazer pedagógico. O processo de
observação dos alunos se refina na medida em que o professor se volta para a sua formação,
alargando o seu olhar e se fazendo valer de arcabouço teórico consistente. Apoiada na análise
do Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso sobre Alteridade, numa perspectiva bakhtiniana
é possível perceber que, “a partir do momento em que o indivíduo se constitui, ele também se
altera, constantemente.” (GEGE, 2009, p. 13). Ao passo em que o professor se modifica,
modifica também o seu lócus.
Normalmente é árdua a luta do professor da área da educação especial, que precisa identificar
novos modos de conduzir sua prática pedagógica. Para isso, precisará contar com apoio dos
seus colegas de profissão, da família dos próprios alunos público beneficiário da política de
educação especial, matriculado no sistema comum de ensino.
A esse respeito, Rodrigues (2008, p. 11) acrescenta que a promoção da escola inclusiva se dá
ao passo em que ela repensa, de modo colaborativo, a práxis pedagógica sobre os recursos e
equipe que a própria escola já dispõe.
2 Entende-se que todo professor deve fazer sondagens de habilidades dos estudantes aos quais ministra aulas,
independendo do nível ou modalidade de ensino que atua.
22265
O surdo se insere neste contexto como um sujeito pertencente a uma comunidade que tem
cultura e língua próprias (SACKS, 1989, p. 66). Essa é uma peculiaridade que também deve ser
considerada na educação desses estudantes.
Quadros (2008, p. 46-47) destaca a importância das línguas de sinais, quando descreve que:
As línguas de sinais são sistemas linguísticos independentes dos sistemas das línguas
orais, desmistificando a concepção “e”. São línguas naturais que se desenvolvem no
meio em que vive a comunidade surda. [...] Tais línguas são naturais internamente e
externamente, pois refletem a capacidade psicobiológica humana para a linguagem e
porque surgiram da mesma forma que as línguas orais – da necessidade específica e
natural [...] de comunicação entre pessoas que não utilizam o canal auditivo-oral, mas
o canal espaço-visual como modalidade linguística.
A língua de sinais contempla a singularidade do surdo, privilegiando o campo visual. Na visão
de Honora (2014, p. 88), todo professor que recebe um aluno surdo deveria aprender Libras
(Língua Brasileira de Sinais) no intuito de realizar troca e interação com esse sujeito.
A Libras é reconhecida como língua oficial do Brasil através da aprovação da Lei n.º
10.436/2002, regulamentada pelo Decreto n.º 5626/2005 (BRASIL, 2005a), resultando em um
marco histórico de garantia de direitos, lutas, cultura e identidade reconhecidos.
Como no Brasil existem cada vez menos escolas bilíngues Libras/ Língua Portuguesa, os surdos
estão sendo encaminhados para as classes de apoio pedagógico nas escolas comuns,
denominado, a partir de 2008, de Atendimento Educacional Especializado (AEE)
(MEC/SEESP, 2008).
O AEE, explicitado através do Decreto nº 7.611/ 2011, é um serviço ofertado pelo Poder
Público, destinado à educação das pessoas público beneficiário da educação especial no período
contrário ao da escolarização. É “compreendido como o conjunto de atividades, recursos de
acessibilidade e pedagógicos organizados institucional e continuamente” que visa
complementar e/ou suplementar a formação dos estudantes conforme suas necessidades
individuais. (BRASIL, 2011).
A Resolução nº 4/ 2009 considera como recursos de acessibilidade na educação:
[...] aqueles que asseguram condições de acesso ao currículo dos alunos com
deficiência ou mobilidade reduzida, promovendo a utilização dos materiais didáticos
e pedagógicos, dos espaços, dos mobiliários e equipamentos, dos sistemas de
comunicação e informação, dos transportes e dos demais serviços. (BRASIL, 2009).
O trabalho do professor no AEE, na esfera da surdez, deve visar ao desenvolvimento de
atividades focadas na singularidade dos estudantes surdos, contribuindo para com o
22266
reconhecimento de mundo desse sujeito, já que se trata de uma minoria que por uma parcela
muito grande de tempo teve sua voz anulada e amordaçada pela maioria através de práticas
ouvintistas3. Diante do exposto, este trabalho tem por finalidade relatar uma experiência
didático-pedagógica, desenvolvida em sala de recursos multifuncionais (SRM) na área da
surdez.
Metodologia
No mês de maio, o Poder público e a sociedade civil voltam seus olhares para tentar mobilizar
a sociedade, colocando em pauta o tema segurança viária, através do movimento Maio Amarelo,
o qual busca chamar a atenção para o elevado índice de mortes e feridos no trânsito em todo o
mundo4. O trânsito é um espaço de regras onde a prudência e a paciência devem prevalecer e o
surdo não pode ser privado dessa conjuntura, já que o tema “Educação para o trânsito” é
destacado no Código de Trânsito Brasileiro, instituído pela Lei nº 9.503/1997 (BRASIL, 1997)
e se configura como um componente não disciplinar, o qual deve ser incluído no currículo da
educação básica, conforme ditado nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Básica (BRASIL, 2013, p. 33). Assim, este trabalho foi desenvolvido em SRM, área da surdez.
A temática surgiu de uma demanda do Núcleo Regional de Educação de Jacarezinho, vinculado
à Secretaria de Estado da Educação do Paraná. Tal medida oportunizou o desenvolvimento de
uma prática pedagógica dirigida aos estudantes surdos em uma escola do município
mencionado, sobre o tema “Educação para o trânsito”. Os alunos recebiam a escolarização,
cada qual em sua cidade, e duas vezes por semana, em período contrário, eram conduzidos na
companhia de suas famílias ao AEE, já que não havia a oferta desse serviço em seus municípios
de residência.
Participantes
Os participantes dessa atividade foram três alunos surdos da Educação Básica, com idade entre
6 a 10 anos. A narrativa versa sobre quatro atividades desenvolvidas no AEE – área da surdez,
em uma escola de Jacarezinho, interior do Paraná. Também se constitui participante do estudo
3 Skliar se refere ao ouvintismo como um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo é
obrigado a conceber-se como se fosse ouvinte e reproduzir suas práticas cultuais para ser aceito. (SKLIAR, 1998,
p. 15). 4 Disponível em: <http://maioamarelo.com/o-movimento/>.
22267
a atendente da escola, a pedagoga e a professora da SRM da escola mencionada, no caso
definida pela proponente principal deste estudo.
Para referir-se aos alunos, serão utilizadas as nomenclaturas A, B e C. O tema das atividades é
“Educação para o trânsito” e foi desenvolvido em 5 aulas de 50 minutos cada, no mês de maio
de 2016. As atividades foram intituladas como: (I) O semáforo; (II) A representatividade das
cores do semáforo; (III) Simulação do trânsito na sala de aula; (IV) Simulação do trânsito no
pátio da escola. O aluno A participou das atividades (I), (II) e (III) durante as aulas 1 e 4; o
aluno B teve participação na atividade (I) e (II) no decorrer da aula 1 e o aluno C realizou as
atividades (I), (II) e (IV) ao longo das aulas 2, 3 e 5. (Tabela 1).
Tabela 1: Sistematização das atividades, dos alunos participantes e da sequência de aulas ministradas.
Atividade Participantes Aula
I. O semáforo
Aluno A 1
Aluno B 1
Aluno C 2
II. A representatividade das cores do semáforo.
Aluno A 1
Aluno B 1
Aluno C 3
III. Simulação do trânsito na sala de aula. Aluno A 4
IV. Simulação do trânsito no pátio da escola. Aluno C 5
Fonte: Dados organizados pela autora.
Os três participantes são filhos de pais ouvintes, sendo que o aluno A tinha 6 anos de idade,
durante a coleta de dados, era usuário de implante coclear desde os 3 anos, recebendo o AEE a
datar da mesma época. Já sobre o aluno B, 7 anos na época, pouco se sabia devido ao seu
ingresso recente no AEE no período de coleta dos dados. O aluno C apresentava diagnóstico de
hidrocefalia, associada à surdez, estava com 10 anos e demonstrava comprometimento
intelectual, frequentando o AEE desde os 4 anos de idade. As famílias dos alunos A e C
demonstravam reconhecer as especificidades do mundo surdo, enquanto a família de B
aparentava estar em processo de descoberta.
Devido à variação linguística de Libras5, previamente foi feita uma consulta com a professora
(surda), a qual ministra Libras na mesma escola onde a coleta de dados foi realizada, para
confirmar com a profissional quais sinais ela utiliza junto aos alunos, sendo eles: cor vermelha:
pare (Figura 1); cor amarela: atenção (Figura 2); cor verde: siga (Figura 3).
Figura 1: Cor vermelha/ Pare.
5 Para discorrer sobre “variação linguística em Libras”, Oliveira e Marques (2014, p. 88) apontam a existência de
sinais que podem ser articulados de mais de uma forma, sendo empregados conforme a região.
22268
Fonte: Editada pela autora, baseada em Capovilla, F; Raphael, W. D; Mauricio, A. C. L (2012b, p. 2487; 1896).
Figura 2: Cor amarela/ Atenção.
Fonte: Editada pela autora, baseada em Capovilla, F; Raphael, W. D; Mauricio, A. C. L (2012a, p. 343; 441).
Figura 3: Cor verde/ (Ir): Siga.
Fonte: Editada pela autora, baseada em Capovilla, F; Raphael, W. D; Mauricio, A. C. L (2012b, p. 2483; 1484).
Vale destacar que todas as mediações foram feitas em língua de sinais, conforme preconiza o
bilinguismo, apresentado por Lacerda (2000, p. 53-54) como:
Tal proposta educacional [o bilinguismo] permite o desenvolvimento rico e pleno da
linguagem, possibilitando ao surdo um desenvolvimento integral. A proposta de
educação bilíngue defende, ainda, que também seja ensinada ao surdo a língua da
comunidade ouvinte na qual está inserido, em sua modalidade oral e/ou escrita, sendo
que está será ensinada com base nos conhecimentos adquiridos por meio da língua de
sinais.
Diante do exposto, entende-se que a partir do momento em que o professor reconhece e se alia
às práticas da educação bilíngue, o estudante surdo encontra aí uma perspectiva para ter sua
singularidade respeitada.
Destaca-se que todos os dados coletados nas práticas pedagógicas foram registrados por meio
de sistema de um relatório descritivo em um caderno de campo, visando ao registro das
atividades desenvolvidas no programa.
22269
Resultados
A atividade (I) foi intitulada como “O semáforo”, cujo conteúdo retratou o registro das aulas
em dias diferentes ministradas pela professora do AEE, obedecendo à participação dos alunos
(Tabela1). Esta atividade objetivava favorecer que os alunos identificassem o semáforo e a sua
funcionalidade no trânsito; reconhecer os sinais em Libras das cores do semáforo; entender a
representação de cada cor do semáforo; escrever o nome das cores e o que elas representam.
Primeiramente foi apresentado aos estudantes o desenho de um semáforo, a fim de obter
informações prévias sobre o seu significado para os mesmos, que logo se manifestaram,
demonstrando compreender que se tratava de um sinal luminoso de trânsito. Em seguida, os
alunos foram questionados sobre quais cores continham em um semáforo.
A criança A fez o sinal correto da “cor vermelha” e “amarela”, sendo copiada por B. Nem A
nem B se lembraram do sinal de “verde”, mesmo após a professora apresentar as corretas
configurações de mão6 do sinal, conforme descrito nas anotações. O aluno C lembrou-se dos
três sinais. Dessa forma, os 3 participantes cumpriram com os objetivos propostos.
Em seguida, rumou-se à atividade (II), a qual foi denominada de “A representatividade das
cores do semáforo” (Figura 4), cujos estudantes eram incentivados a contextualizar a cor do
semáforo, em concomitância à sinalização e a soletração manual de cada item. (Figura 1; Figura
2; Figura 3).
Figura 4: Modelo da atividade (II).
Fonte: Adaptada de Detran/PR, [s. d].
6 Configuração de mão: é um dos cinco parâmetros fonológicos da Libras e consiste na posição que a mão assume
na produção de um sinal. (QUADROS; KARNOPP, 2007, p. 51-53).
22270
Por ser uma atividade gráfica, objetivava-se tanto a pintura adequada do semáforo quanto a
caracterização de nomeação das cores e seus respectivos significados, além da produção de
cada sinal. Em princípio, os seguintes materiais foram pensados para cada aluno utilizar na
atividade: lápis nas cores vermelha, amarela e verde; lápis de escrever; atividade impressa;
borracha e apontador. Mediante determinadas dificuldades, recorreu-se a círculos de MDF
(placa de fibra de média densidade)7 e papel sulfite na cor verde.
Por intermédio da orientação inicial da professora, os alunos A e C conseguiram pintar
corretamente. Quanto à escrita das cores, ambos recorreram a um cartaz disponibilizado na sala
de aula, o qual continha essas informações. Foi necessário que a professora soletrasse seus
significados e fizesse cada sinal, que foram copiados por eles, na ordem prática e escrita. O
aluno B se recusou a realizar a atividade gráfica, amassando o papel, demonstrando
agressividade e desacordo. A professora procurou incentivar o uso de diferentes materiais para
que ele participasse da atividade, porém sem sucesso, recorrendo a recursos diferenciados.
Inseriu neste contexto a apresentação de círculos de MDF8 nas cores vermelha e amarela,
improvisando a cor verde, como parte do semáforo. Dessa forma, os alunos A, B e C
participaram da atividade, demonstrando compreender a funcionalidade do semáforo no
trânsito. A Figura 5 mostra os alunos A e B durante a atividade.
Figura 5: Realização da atividade (II).
Fonte: Acervo da autora.
A atividade (III), “Simulação do trânsito na sala de aula”, foi desenvolvida visando aos alunos
A e B. Já a atividade (IV), “Simulação do trânsito no pátio da escola”, foi preparada para o
aluno C. O objetivo de ambas era que os alunos pudessem colocar em prática os conceitos
7 MDF (Medium Density Fiberboard): tradução popular do original em inglês. 8 Os quais foram incorporados nas atividades posteriores.
22271
assimilados nas aulas anteriores e que, por meio de suas vivências, pudessem enriquecer o
momento.
Na realização da atividade (III), apenas o aluno A compareceu à escola. Foram utilizados
diferentes materiais: fita crepe, círculos em MDF, cadeira com rodinhas, bicho de pelúcia,
barbante. A aplicabilidade desses recursos era demarcar o chão com fita crepe, simulando uma
pista, para que fizessem o trajeto com a cadeira com rodinhas, representando um veículo
motorizado, que deveria ser conduzido por um motorista, levando um passageiro consigo. Em
seguida da explicação da tarefa, o aluno A fez o trajeto desenhado. Dessa maneira, todos
puderam vivenciar a função de dirigir, respeitando as regras do trânsito. Em dado momento da
experiência, o aluno A solicitou que a professora fosse a sua passageira, mas devido ao seu peso
leve, teve dificuldade de conduzir a cadeira. Para que a atividade fluísse, a professora substituiu
a passageira por um bicho de pelúcia, amarrando-o com barbante. O aluno A aparentou gostar
da ideia, mas na primeira volta se incomodou com o brinquedo, que não se firmava ao assento.
Foi então que a professora salientou a importância do uso do cinto de segurança, representando-
o com um pedaço de fita crepe. Cabe salientar que até então não tinha ocorrido à ideia de utilizar
esses recursos diferenciados: bicho de pelúcia, barbante, fita crepe como demonstração de cinto
de segurança. Após o problema sanado e o bichinho seguro na cadeira, a professora passou a
“operar o semáforo”, utilizando-se novamente dos três círculos, alternando as cores para que o
motorista o obedecesse à sinalização (Figura 6)9. O aluno A demonstrou claramente que havia
assimilado os conceitos ministrados nas aulas anteriores, sendo capaz de reproduzi-los de forma
prática, contribuindo com a aula e cumprindo os objetivos da atividade.
Figura 6: Realização da atividade (III).
Fonte: Acervo da autora.
9 A pedagoga da escola foi convidada para fotografar a cena.
22272
A atividade (IV) envolveu a simulação de trânsito extraclasse, propriamente dita. Devido ao
aluno C ter mais idade que A e B, a professora buscou acrescentar elementos para essa etapa.
Além de objetivar que o aluno C colocasse em prática os conceitos assimilados anteriormente,
buscou-se que ele também compreendesse a funcionalidade das placas: “pare”, “proibido parar
e estacionar”, “estacionamento regulamentado”. Os seguintes materiais foram utilizados: giz,
imagens de placas de trânsito, imagem do semáforo, dois discos de isopor. No decorrer da
atividade foi necessário o auxilio da atendente da escola.
O planejado envolveu contornos no chão com giz, simulando vias públicas, seguida da posição
em pé e sem movimento da professora “nas esquinas”, fazendo às vezes, ora de um semáforo,
ora das placas de trânsito, para que o aluno C interpretasse a indicação. Já no pátio da escola, o
aluno C não compreendeu o exercício, a professora solicitou o auxílio da atendente da escola
para que a docente pudesse iniciar a prática e, posteriormente, pudesse ser acompanhada pelo
aluno C. A partir de reformulação do plano de aula proposto, percebeu-se a necessidade de
modificar a atividade envolvendo recursos diferenciados para representar o volante de carro,
podendo assim, indicar a sinalização do semáforo, para cumprir a tarefa proposta. O aluno C
participou da atividade, conforme indicado na Figura 7.
Figura 7: Realização da atividade (IV), tendo o aluno como segundo condutor.
Fonte: Acervo da autora.
Neste contexto, a professora procurou inserir outros elementos do trânsito, tais como: uso da
placa “pare” e de “estacionamento regulamentado”. O aluno C facilmente fez a relação com
seus respectivos significados. Quando lhe foi apresentado o “proibido parar e estacionar”, não
houve entendimento. Então, foi necessário destacar um “X” na placa, reforçando o “proibido”.
22273
Dessa forma, aluno C denotou entendimento de todos os conteúdos previamente trabalhados,
fato que foi comprovado na realização lúdica da atividade ao atuar como primeiro condutor.
(Figura 8).
Figura 8: Realização da atividade (IV), tendo o aluno como primeiro condutor.
Fonte: Acervo da autora.
Conclusões
Com o trabalho desenvolvido, notou-se que o uso de imagens e recursos diferenciados na
realização de atividades favoreceu a aprendizagem dos estudantes surdos. Os alunos puderam
vivenciar de forma prática e lúdica os conceitos apreendidos, demonstrando envolvimento na
realização das tarefas, em especial, na realização das atividades III e IV.
Os alunos A e C demonstraram maior participação nas atividades propostas. Esta observação
pode estar relacionada ao apoio demandado pelas famílias desses alunos, as quais estão em via
de reconhecem às singularidades do sujeito surdo. Em contrapartida o aluno B revelou maior
resistência em participar das atividades propostas, mostrou baixa assiduidade no AEE e
reduzido conhecimento da família quanto às especificidades do mesmo.
O professor que trabalha na educação de surdos deve conhecer profundamente a Língua
Portuguesa e a Libras para que, assim, consiga cumprir com os objetivos da educação bilíngue,
de modo a contemplar as especificidades desse público.
O ensino da Libras no contexto escolar se faz uma condição necessária ao desenvolvimento dos
participantes do estudo, na medida em que todos são filhos de pais ouvintes. Posto isso, garantir
que seu ensino seja uma prática recorrente na formação do professor na área da surdez, ganha
destaque nos programas formativos.
22274
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto Federal nº 5.626, de 22/12/2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de
24/04/2002, dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 22 dez. 2005a. Disponível em:
<http://goo.gl/lpkJst. >.Acesso em: 04 jun. 2017
BRASIL. Decreto Federal nº 7.611, de 17 de novembro de 2011. Dispõe sobre a educação
especial, o atendimento educacional especializado e dá outras providências. Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF. 17 nov. 2011. Disponível em <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7611.htm>. Acesso em:
04 jun. 2017.
BRASIL. Lei n.º 9.503, de 23 de setembro de 1997. Brasília, 1997. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503.htm> Acesso em: 08 jun. 2017.
BRASIL. MEC/SEESP. Projeto Escola Viva: Garantindo o acesso e permanência de todos
os alunos na escola – alunos com necessidades educacionais especiais. Brasília. 2005b, v 3.
Disponível em: http:<//goo.gl/F0xpO0>.Acesso em: 2 jun. 2017.
BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Básica. Brasília, 2013. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/docman/julho-2013-
pdf/13677-diretrizes-educacao-basica-2013-pdf/file>. Acesso em: 04 jun. 2017.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Resolução nº 4/2009.
Diário Oficial da União, Brasília. 5 out. 2009. Seção 1, p.17. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb004_09.pdf>. Acesso em: 04 jun. 2017.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Inclusão: revista da educação
especial, Brasília, v. 4, n. 1, p. 7-17, jan./jun. 2008. Disponível em: <
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/revinclusao5.pdf>.Acesso em: 02 jun. 2017.
CAPOVILLA. F. C.; RAPHAEL, W. D.; MAURICIO, A. C. L. Novo Deit-Libras:
dicionário enciclopédico ilustrado trilíngue da Língua de Sinais Brasileira (Libras) baseado
em linguística e neurociências cognitivas. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
2012a. v. 1. p. 1-1401.
CAPOVILLA. F. C.; RAPHAEL, W. D.; MAURICIO, A. C. L. Novo Deit-Libras:
dicionário enciclopédico ilustrado trilíngue da Língua de Sinais Brasileira (Libras) baseado
em linguística e neurociências cognitivas. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
2012b. v. 2. p. 1421-2759.
DETRAN/ PR. Detran na escola: materiais educativos. Disponível em: <
http://www.detran.pr.gov.br/arquivos/File/coordenadoria/coet/materiaisimpressos/apostila_EP
T_1_ano.pdf>. Acesso em 03 jun. 2017.
22275
GEGE. Palavras e contrapalavras: glossariando conceitos, categorias e noções de Bahktin.
São Carlos: Pedro & João Editores, 2009.
HONORA, M. Inclusão educacional de alunos com surdez: concepção e alfabetização. São
Paulo: Cortez, 2014.
LACERDA, C. B. F. de. O intérprete de língua de sinais no contexto de uma sala de alunos
ouvintes: problematizando a questão. In: LACERDA, C. B. F. de; GÓES, M. C. R. de (Orgs.).
Surdez: processos educativos e subjetividade. São Paulo: Lovise, 2000. p. 51-84.
MOVIMENTO Maio Amarelo: proposta para chamar a atenção da sociedade para o alto
índice de mortes e feridos no trânsito em todo o mundo. Disponível em:
<http://maioamarelo.com/o-movimento/>. Acesso em: 02 jun. 2017.
OLIVEIRA, R; C. A; MARQUES, R. R. Uso da variação linguística na língua brasileira de
sinais. Revista Diálogos: linguagens em movimento. Caderno Estudos Linguísticos e
Literários. Cuiabá, ano 2, n. 1, p. 85-91, 2014. Disponível em: <
periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/revdia/article/download/2765/1890>. Acesso em:
09 jun. 2017.
QUADROS, R. M. de. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre:
Artmed, 2008.
QUADROS, R. M. de; KARNOPP, L. B. Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos.
Porto Alegre: Artmed, 2007.
RODRIGUES, D. Desenvolver a Educação Inclusiva: dimensões do desenvolvimento
profissional. Inclusão: revista da educação especial, Brasília, v. 4, n. 2, p. 7-16, jul./out. 2008.
Disponível em: <http://goo.gl/UDk83M>.Acesso em: 02 jun. 2017.
SACKS, O. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo: Editora Schwarcz,
1989.
SKLIAR, C. A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998.
Top Related