EDUCAÇÃO NO/DO CAMPO: ESTUDO DE CASO ACERCA DA REALIDADE DE
UM ASSENTAMENTO NA SERRA CATARINENSE1
Suzane Faita2
Gustavo Cezar Waltrick3
Rossana Malheiros Astarita Sangoi4
Geraldo Augusto Locks5
Josilaine Antunes Pereira6
A discussão sobre a Educação no/do campo7 está presente no Brasil desde século XX,
porém foi a partir de dois eventos, o primeiro em 1997 com o I Encontro Nacional de
Educadores e Educadoras da Reforma Agrária e depois, em 2004, com a realização da II
Conferência Nacional de Educação do Campo que ocorrem mudanças mais concretas.
Relevante frisar que as principais conquistas junto ao Estado, resultam da construção da
sociedade civil organizada no campo. Apesar das suas contradições, a educação do campo no
Brasil se faz de diferentes maneiras, enquanto política pública e movimento social. O objetivo
deste estudo é descrever a realidade da educação no Assentamento de Reforma Agrária Pátria
Livre, situado no município de Correia Pinto, SC. Identificar, se o projeto pedagógico da escola
se orienta, ou não, pelo Marco Regulatório da Educação do Campo.
A pesquisa se caracteriza por ser qualitativa, pautar-se pelo estudo de caso e a coleta
de dados realizada por meio da observação participante e de entrevistas com os estudantes e
professores da Escola Multisseriada Municipal Gonçalves Ledo, seguido da realização da
análise dos dados. Parte-se do pressuposto de que as escolas situadas em assentamentos rurais
1 Pesquisa vinculada ao Grupo de Estudo em Educação e Desenvolvimento Territorial: Políticas E Práticas (GEDETER). 2 Graduanda do Curso de Licenciatura em História da Universidade do Planalto Catarinense – UNIPLAC – Lages/SC – e-mail:
[email protected]. 3 Graduando do Curso de Licenciatura em História da Universidade do Planalto Catarinense – UNIPLAC – Lages/SC – e-mail:
[email protected]. 4 Graduanda do Curso de Licenciatura em História da Universidade do Planalto Catarinense – UNIPLAC – Lages/SC – e-mail:
[email protected]. 5 Professor Doutor e Docente Pesquisador do Programa de Pós-Graduação Mestrado Acadêmico em Educação da Universidade
do Planalto Catarinense – UNIPLAC – Lages/SC e Professor dos Cursos de Graduação também da Universidade do Planalto
Catarinense – UNIPLAC – Lages/SC – e-mail: [email protected]. 6 Professora Mestre em Educação Docente dos Curso de Graduação da Universidade do Planalto Catarinense – UNIPLAC –
Lages/SC – e-mail: [email protected]. 7 Optamos por utilizar o termo no/do campo, partindo do entendimento que as políticas públicas que pretendem garantir o
direito à educação referem-se a educação no campo e do campo. “Conforme a compreensão desse Movimento, diz-se 'no
campo’, porque, o povo tem direito de ser educado preferentemente onde vive; (...) ‘do campo’ porque o povo tem direito a
uma educação pensada desde o seu lugar e com a sua participação, vinculada a sua cultura e as suas necessidades humanas e
sociais (...)” (MUNARIM, 2010).
tem seus projetos políticos pedagógicos orientados pelos princípios da educação no/do campo,
uma concepção e prática educacional defendida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra junto ao Movimento Nacional da Educação do Campo e enquanto política pública no
Ministério da Educação. Dos resultados esperados neste estudo, a expectativa é de que se
evidencie desafios e avanços no contexto do desenvolvimento da política nacional assumido
pelos entes federados e pelo movimento nacional da educação no/do campo.
O CAMPO
Importante destacarmos que o conceito ‘campo’, a partir do Movimento Nacional de
Educação do Campo foi resignificado, conforme publicação do Fórum Catarinense de
Educação do Campo, é um lugar com identidade cultural singular. É um conceito histórico-
político em que sujeitos sociais interagem entre si e com o espaço rural e com o urbano.
A Educação no/do campo deve ter como objetivos valorizar as pessoas que vivem e
sobrevivem da terra e a partir delas fortalecer a filosofia de vida e desenvolver uma concepção
econômica além de ser inclusiva, dar oportunidade de acesso à educação aos alunos do meio
rural de maneira integrada ao campo. Incentiva a resistência ao agronegócio e trabalha na
perspectiva da economia solidária. Ou seja, uma atividade que busca o bem coletivo e não
somente individual, integrando ainda o ser humano e a natureza.
As discussões sobre o tema têm mostrado que há uma série de ações que precisam ser
realizadas na escola para que esteja de acordo com o Movimento Nacional de Educação do
Campo. Torna-se necessário levar em conta a diversidade e a complexidade dos sujeitos que
vivem no campo, por isso a necessidade de uma escola que atenda essas demandas. É
necessário, reconhecer o modo próprio de vida social, a utilização do espaço do campo em sua
diversidade, onde vivem cidadãos que tem uma identidade específica, que e que não deve ser
generalizada. (MUNARIN & LOCKS, 2012, p.85).
O conceito de Educação do Campo se contrapõe à Educação Rural, ao modelo de
desenvolvimento calcado no agronegócio, ao modo de conceber antagonicamente a
relação campo-cidade; em suma, se contrapõe ao projeto hegemônico do modo de
produção capitalista da existência. Seus princípios pedagógicos são claros. Veem em
defesa de uma educação como um direito universal, acompanhada de um corolário de
exigências éticas, políticas e pedagógicas. (LOCKS, GRAUPE, PERREIRA, 2015,
p.14 )
Entretanto, é consenso entre educadores de uma filosofia inclusiva entender que não se
aprende apenas com o currículo, “[...] Mais ainda, acreditamos que o próprio movimento social
é educativo, forma novos valores, nova cultura, provoca processos em que desde a criança ao
adulto novos seres humanos vão se construindo” (ARROYO, 2004, p. 69), desta forma, é nos
saberes do campo, como também o contato com a realidade que se aprende.
A BANDEIRA DO MOVIMENTO
A educação no/do campo é uma bandeira de luta do MST, que vê na educação a
libertação da opressão das populações do campo. Grande parte das conquistas neste segmento,
que começam a serem consolidadas a partir de 1997 com o primeiro o I Encontro Nacional de
Educadores e Educadoras da Reforma Agrária, partem da sociedade organizada e não do poder
público. É a pressão das organizações não governamentais que proporcionam as principais
conquistas nesta área.
Os movimentos sociais carregam bandeiras de luta popular pela escola pública como
direito social e humano e como dever do Estado. Nas últimas décadas os movimentos
sociais vêm pressionando o Estado e as diversas esferas administrativas a assumir sua
responsabilidade no dever de garantir escolas, profissionais, recursos e políticas
educativas capazes de configurar a especificidade da Educação do Campo. No vazio
e na ausência dos governos os próprios movimentos tentam ocupar esses espaços, mas
cada vez mais cresce a consciência do direito e a luta pela Educação no Campo como
política pública. (ARROYO, CALDART, MOLINA, 2011, p.14 )
Faz-se relevante contextualizar a caminhada histórica de luta da educação no campo,
em 1998 aconteceu a I Conferência Nacional “Por uma Educação do Campo”, e a partir de
então uma série de lutas foram travadas até as conquistas atuais. Aqueles educadores e
educadoras do campo, juntos com líderes de movimentos sociais engajaram-se na luta por uma
educação voltada para as realidades do meio rural. O objetivo era colocar a educação no/do
campo na agenda política do país. Quando em 2004 é realizada a II Conferência Nacional “Por
uma Educação do Campo”, era um momento político distinto, pois o Governo Federal era
presidido por um grupo de pessoas dispostas a dialogar com os movimentos sociais. Tanto que
em 2002 foi realizado um Seminário Nacional “Por uma Educação no Campo” e uma
Declaração foi escrita reafirmando a identidade da Educação no/do Campo que foi entregue ao
Governo recém eleito.
O ponto principal foi o Marco Regulatório da Educação no Campo, que normatiza a
educação no/do campo como política pública, a partir do decreto 7.352 de novembro de 2010
assinado pelo presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva. Torna-se importante destacar
que pelo decreto são consideradas populações do campo:
[...] os agricultores familiares, os extrativistas, os pescadores artesanais, os
ribeirinhos, os assentados e acampados da reforma agrária, os trabalhadores
assalariados rurais, os quilombolas, os caiçaras, os povos da floresta, os caboclos e
outros que produzam suas condições materiais de existência a partir do trabalho no
meio rural (BRASIL, 2010).
Observamos que, há uma boa disposição dos professores8 da escola Gonçalves Ledo
de acolherem sem preconceitos os alunos do assentamento, e compreenderem o que o MST
representa. Duas professoras quando questionadas sobre o que pensava sobre o MTS, foram
sensíveis a causa, entretanto não demonstraram conhecimento teórico sobre o Movimento nem
sobre a Reforma Agrária.
Trata-se de alterar a postura dos educadores e o jeito de ser da escola como um todo;
trata-se de cultivar uma disposição e uma sensibilidade pedagógica de entrar em
movimento, abrir-se ao movimento social e ao movimento da história, porque é isto
que permite a uma escola acolher sujeitos como os Sem Terra, crianças como os Sem
Terrinha. E ao acolhe-los, eles aos poucos a vão transformando, a ela e a eles. [...] E
isto só pode fazer bem a todos inclusive aos educadores e às educadoras que assumem
esta postura. (ARROYO, CALDART, MOLINA, 2011, p. 94).
A professora efetiva da escola pesquisada se reconhece como uma educadora do
campo, trabalha em escolas no meio rural faz 15 anos, e enfatiza que: “O foco é extrair do aluno
do campo seu conhecimento histórico cultural e apropriar-se deste para ampliar seus
conhecimentos. Nós professores do campo devemos mostrar os valores e a importância que tem
o trabalho do campo. Incentivando-os a permanecerem aqui”. Porém na prática, não foi possível
identificar atividades que vão ao encontro com o Marco Regulatório da Educação no Campo.
Tanto que a professora confessa que: “Buscamos dinamizar nosso trabalho para que não haja
diferença no ensino-aprendizagem das escolas da cidade”.
Entretanto entre os princípios da educação no campo/do campo, percebemos o respeito
a diversidade, considerado os aspectos culturais, sociais e ambientais, entre outros; incentivos
a projetos políticos pedagógicos específicos para as escolas do campo; valorização da
identidade da escola com flexibilidade de organização escolar; formação de profissionais da
8 Usamos neste caso professores pelos profissionais não se enquadrarem como educadores do campo, termo também usado no decorrer do artigo.
educação a partir das especificidades do campo. No parágrafo V, o que consideramos
determinante para que haja de fato uma educação voltada para a terra: “controle social da
qualidade da educação escolar, mediante a efetiva participação da comunidade e dos
movimentos sociais do campo”. (BRASIL, 2010).
Não foi possível verificar projetos específicos para a educação no/do campo, nem uma
formação específica dos professores. No que se refere ao parágrafo V, do envolvimento dos
movimentos sociais do campo, apenas o professor que respondeu ao questionário citou o MST,
porém de forma superficial. Segundo ele, a diferença da escola pesquisa para as outras dos
municípios, se deve ao fato desta pertencer ao Assentamento, “um movimento social, chamado
MST que traz presente a luta e resistência. (...) procuro estar adaptado aos conteúdos que estão
sendo trabalhados em sala de aula, relacionando com a realidade do assentamento. No entanto,
pelas respostas dos alunos não foi possível comprovar que eles estejam de fato tento uma
educação que integre o currículo obrigatório, com educação voltada para a terra e os
movimentos sociais.
Na avaliação do MST, a escola tradicional desenvolve conteúdos e práticas urbanas
alheias à realidade do homem do campo, contribuindo, assim, para acelerar o êxodo
rural. O que o MST pretende, ao contrário, é preparar as crianças e os jovens dos
assentamentos para o trabalho no campo e para dar continuidade à luta pela conquista
e permanência na terra. (VENDRAMINI, 2000, p.171)
As conquistas, de pouco mais de uma década, concretizadas em 2010, foram bastante
significativas, porém não resolveram os problemas que a escola no meio rural enfrenta. Os
espaços educacionais que integram os movimentos sociais, como o MST, por exemplo, são os
que obtém maior sucesso, mas estão longe de terem a escola ideal, isto porque, apesar do
recurso para a educação ser federal, quem aplica na educação básica são estados e municípios.
Segundo Arroyo (2004), é o movimento social o principal gerador de uma educação libertadora.
“[...] acreditamos que a educação se tornará realidade no campo somente se ela ficar colada ao
movimento social [...]” (p. 69).
No caso da escola, objeto da nossa pesquisa, uma das dificuldades é que quando o
aluno chega ao ensino médio precisa sair do campo para estudar na cidade.
Não teria sentido o MST lutar pela escola da forma como ela está instituída. Temos
uma escola cujo conteúdo reflete certas relações humanas que não correspondem aos
objetivos do MST, que busca transformar a sociedade e as relações sociais que a
engendram. (VENDRAMINI, 2000, p.165)
Os organizadores do movimento do assentamento Pátria Livre incentivam os jovens
a buscarem seus direitos. São estimulados a se manifestarem e lutarem para que a lei seja
cumprida e que município ou estado ofereçam o serviço. Entretanto estudantes e pais querem
uma escola integrada a filosofia do MST, mas neste ponto encontram grande dificuldade, pois
os professores da cidade, muitas vezes, não compreendem as necessidades do campo e nem o
modo de vida dos assentados.
METODOLOGIA DA PESQUISA
A pesquisa na universidade auxilia aos acadêmicos a melhor compreensão do mundo
em que vivem e abre as portas a possibilidade da produção de um conhecimento científico. É
no trabalho de campo, utilizando de um método e de teoria, que o acadêmico ultrapassa o senso
comum. Minayo (1999) nos ajuda a refletir sobre isso:
A pesquisa científica ultrapassa o senso comum (que por si é uma reconstrução da
realidade) através do método cientifico. O método cientifico permite que a realidade
social seja reconstruída enquanto um objeto do conhecimento, através de um processo
de categorização (possuidor de características especificas) que une dialeticamente o
teórico e o empírico. (MINAYO, 1999, p. 35).
Este estudo de caso baseou-se em entrevistas e observação acerca da realidade do
objeto pesquisado, a Escola Multisseriada Gonçalves Ledo. Analisamos a partir do Marco
Regulatório da Educação do Campo e dialogamos com autores que discutem educação no/do
campo e movimentos sociais.
Entretanto torna-se relevante abordar, o que é estudo de caso. “O que é o Estudo de
Caso? É uma categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa
aprofundadamente. Esta definição determina suas características que são dadas por duas
circunstâncias, principalmente.” (TRIVIÑOS, 2013, p. 133-134).”. Esta modalidade de
pesquisa permite ao pesquisador analisar diversos tipos de fontes e se aprofundar no tema
pesquisado.
Esta pesquisa foi realizada a partir de entrevistas e questionários com o objetivo de
conhecer e compreender como a escola se organiza e a percepção de alunos e professores. Não
tivemos contatos com todos os alunos, conversamos com dois dos professores da escola e
recebemos o questionário de outro. Dos 46 alunos, nove responderam ao questionário que
possui perguntas fechadas e abertas.
Porém consideramos que conseguimos entender o processo educacional da escola.
“[...]. Na pesquisa qualitativa a preocupação do pesquisador não é com a representatividade
numérica do grupo pesquisado, mas com o aprofundamento da compreensão de um grupo
social, de uma organização, de uma instituição, de uma trajetória etc. [...].” (GOLDENBERG,
1998, p. 14). Pois, com as entrevistas realizadas conseguimos obter farto material para análise
dos dados e refletir a respeito da educação no/do campo a partir da escola Gonçalves Ledo.
A ESCOLA
A escola Escola Multisseriada Municipal Gonçalves Ledo localizada no Assentamento
Pátria Livre tem um papel social e de resistência que ultrapassa os limites do espaço físico e
conceitual do MST, isto porque agrega em seu espaço escolar alunos de comunidades rurais de
Correia Pinto. Os estudantes da escola ligados aos MTS são filhos de trabalhadores das famílias
assentadas, na maioria vindas do Meio Oeste e Oeste catarinense, de cidades como, Abelardo
Luz, Fraiburgo, Lebon Régis e Campo Erê.
Os alunos da escola têm a possibilidade de estudar no campo, ao invés de se
deslocarem até a cidade, uma bandeira defendida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST). Quando um filho de agricultor, seja assentado ou não, tem oportunidade de
estudar no meio em que vive, criam-se condições para a permanência no campo, pois a
educação nesta modalidade pretende formar uma identidade com a terra auxiliando na
diminuição do êxodo rural.
Se o campo está em movimento, também a educação a ser oferecida nesse espaço e
para os que o habitam, neste caso os sujeitos do campo, pretende ter as especificidades
necessárias para atender às prioridades dos alunos que frequentam as escolas inseridas
no espaço rural. (LOCKS & PACHECO, 2015,p. 82).
Na Escola Gonçalves Ledo, as crianças estudam até o quinto ano, sendo que uma
professora atende alunos do pré-escolar e um aluno do primeiro ano, e a outra atende o segundo
ano, ambas à tarde. Pela manhã o terceiro ano tem uma professora e o quarto ano e o quinto ano
têm um professor. Apesar das dificuldades estruturais, percebemos que pais e professores estão
comprometidos com uma educação de qualidade, como já é tradicional em escolas ligadas ao
MST. Segundo a professora9 entrevistada, a única efetiva na unidade escolar, entre as escolas
9 A escola não tem direção, possui três professores, dois contratados temporariamente, e uma merendeira.
multisseriadas do município, a Gonçalves Ledo é a melhor escola, tanto em estrutura quanto
em ensino. A professora acredita que parte do mérito pela qualidade da escola é dos pais. “A
comunidade é bem exigente, os pais participam das reuniões, acompanham os cadernos dos
filhos e cobram ensino de qualidade”, comenta a professora. Por outro lado, é a organização
do movimento e o entendimento do que é direito faz com que lutem pela melhoria tanto no que
se refere à didática, como a estrutura da escola. A professa diz ter nos pais aliados nas lutas por
melhorias. “Quando a escola precisa de algo, eu falo com os pais, eles se organizam e vão
juntos até a cidade, na Secretaria de Educação, e ‘brigam’ pelas melhorias e sempre
conseguem”.
Estes princípios deixam muito claro a perspectiva do Movimento Sem Terra com
relação à educação, que é uma perspectiva política de renovação moral e material da
vida social, no sentido de formação com base num projeto político. Isso passa pela
formação de uma consciência de classe, ou, como movimento diz, de uma
‘consciência organizativa’. Tal consciência é fruto também de um processo educativo,
que se dá em nível teórico e prático, na educação política, técnica e escolar.
(VENDRAMINI, 2000, p.172).
Dos 46 alunos da escola apenas dois não integram o Movimento, porém a escola é
mantida pelo município e aberta para a comunidade. Entretanto este fator não é determinante,
é o que os une e os aproxima, a relação com a terra, que é relevante neste contexto. O exemplo
da escola e a forma como a educação acontece no local mostra que há um esforço conjunto para
trabalhar a identidade de quem mora no meio rural e tira sua sobrevivência da terra. As crianças
têm espaço para falar do movimento, especialmente para contar dos encontros que participam,
como a Jornada Sem Terrinha10.
Entre os alunos da Escola Multisseriada Municipal Gonçalves Ledo entrevistados,
foram seis do sexo feminino e três do sexo masculino, a faixa etária concentrou-se nos
estudantes de 10 aos 12 anos de idade e todos são residentes na Assentamento Pátria Livre.
Quando questionados para descrever sobre as atividades que são desenvolvidas em sala de aula,
os alunos demonstram que as principais propostas apresentadas pelos professores são os
trabalhos em grupos, as atividades de pesquisa nas mais diversas fontes e também a
10 Esses encontros são organizados pelo MST e visam integrar as crianças a partir de estudos, ludicidade, troca de experiências
e refletem sobre o viver nos assentamentos e acampamentos da reforma Agrária. “A proposta de realização dos Encontros dos
Sem Terrinha nasce como um contraponto à visão mercadológica da data de comemoração do dia da criança no Brasil. No
Movimento, o mês da criança é comemorado misturando festa, brincadeiras, estudos e luta. Realizados desde 1994, inicialmente
foram chamados de Congresso Infanto-Juvenil. Em 1997, passam a ser chamados de Encontros dos Sem Terrinha. Estes
possuem caráter regional e/ou estadual e sempre procuram manter uma relação entre festividades e luta. Sempre massivos, por
vezes são realizados nas capitais dos estados ou nos municípios”. (RAMOS, Márcia Mara, 2013, p.79)
interpretação de textos e conteúdos disciplinares, nenhuma citação sobre educação voltada para
a terra. “As atividades são boas nós fazemos atividade nos livros, no caderno, nós fazemos texto
de português, continhas de matemática e fazemos desenhos, trabalho em grupo e trabalho
individual.” (Estudante 5).
Entre os conteúdos e aprendizados desenvolvidos na Escola Multisseriada Municipal
Gonçalves Ledo aos quais os estudantes consideram de maior importância são as disciplinas do
Português e a Matemática entre as suas diversas possibilidades, como a interpretação de texto
e as quatro operações matemáticas. “Português e matemática que estão presente ao nosso dia
a dia.” (Estudante 1).
Em relação ao que os estudantes consideram como diferente na escola ao qual
frequentam das demais escolas do município de Correia Pinto, podemos perceber que está
relacionado as atividades desenvolvidas pelos professores, atividades coletivas como gincanas
e trabalhos em grupos ganharam destaque, além da questão do espaço escolar, como a falta de
um ginásio de esportes e de um refeitório. “Porque na nossa escola só tem 3 professores e não
tem um ginásio.” (Estudante 6). “O que os professores ensinam as qualidades das escolas por
exemplo umas tem ginásio e outras não e também que lá tem bastante professor e aqui não.”
(Estudante 7). “A gincana, leitura, pesquisa e trabalho individual.” (Estudante 3).
Apesar da escola estar no espaço do assentamento e ter a participação dos pais ainda é
restrita as disciplinas obrigatórias. A respeito da metodologia e a da organização das aulas
professora efetiva informou no questionário que:
“É feito um planejamento bimestral, onde desenvolvemos as atividades com os alunos
através do livro didático direcionada a educação no campo, mas que não foge da Grade
Curricular de Educação do município (Sede). Os conteúdos são aplicados de diferentes
maneiras adequando a série e a capacidade de cada aluno. Sã utilizados divers os recursos:
xerox, ludicidades, computador etc. (Professora 2).”
O que se percebe é que os professores procuram seguir as determinações da Secretaria
Municipal e incluindo algumas atividades e projetos voltados para a educação no/do campo.
Ao saírem da escola, após completarem o quinto ano do ensino fundamental, os alunos são
matriculados na escola Itinerante, que vai até o nono ano, mas continuam estudando no
Assentamento. A professora efetiva que nos concedeu entrevista disse, que é orientada a focar
o ensino de matemática e português, pois a escola que os recebe depois do quinto ano, espera
que eles saibam as contas básicas de matemática e tenham condições de ler e escrever bem. No
questionário quando perguntada sobre os aprendizados que considera mais importante a
professora respondeu: “oralidade, leitura, escrita, interpretação, quatro operações”.
Para fazer os alunos melhorarem nos assuntos que estão com dificuldade, a escola
desenvolve projetos, como a gincana que está sendo realizada este ano com o objetivo de
melhorar a gramática, a próxima atividade será uma competição de grupo, em que os alunos
terão de soletrar palavras. Esta atividade tem boa aceitação entre os alunos, dos alunos que
responderam o questionário a maioria citou a gincana como um diferencial na escola.
Entretanto, apesar da escola contar com duas salas, ser um ambiente acolhedor e ter
um computador em cada uma com acesso a internet, o prédio não tem a estrutura ideal, falta
espaço para as aulas de educação física, não há campo de grama, nem quadra esportiva,
tampouco há parque com brinquedos, como balaços e escorregadores. “Falta material para
atividades físicas e espaço”, conta a professora efetiva que relatou ainda que pediu à Secretaria
de Educação um educador nas disciplinas de educação física e inglês que pudessem ir uma vez
por semana na escola e atender todas as turmas, mas não foi atendida. “Nós (professores) não
temos condições de atender estas demandas”. As salas também não são suficientes, pois os
alunos da pré-escola ficam juntos com os alunos do primeiro ano, o que segundo a professora
entrevistada inviabiliza um bom aprendizado. Segundo ela, com as outras turmas não há
problemas estarem juntas. “As crianças do pré querem brincar, e atrapalham a concentração
dos outros, já tive experiência de ter todas as turmas, mais o pré, não tem como dar certo”.
Uma escola nova, com seis salas de aula e espaço para diversas atividades começou a
ser construída no Assentamento em 2014. Com recursos do Governo Federal administrados
pela Prefeitura de Correia Pinto, segundo os professores a obra está parada, porém a assessoria
da Prefeitura informa que o ritmo dos trabalhos é lento, mas não estão interrompidos. No dia e
que tivemos no local, uma segunda-feira, não encontramos ninguém trabalhando. Quando o
prédio estiver finalizado será um polo educacional na região e atenderá alunos até o nono ano.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao analisarmos a escola Gonçalves Ledo, que está localizada no Assentamento Pátria
Livre percebemos que não está adequada ao Marco Regulatório da Educação do Campo, tanto
que no que diz respeito a estrutura física quanto ao projeto político pedagógico. A escola não
possui biblioteca, refeitório, espaço de lazer e para prática esportiva. O decreto n° 7.352 é claro
quando a isto, “A educação no campo concretizar-se-á mediante a oferta de formação inicial e
continuada de profissionais da educação, a garantia de condições de infraestrutura e transporte
escolar, bem como de materiais e livros didáticos, equipamentos, laboratórios, bibliotecas e
áreas de lazer e desporto adequados ao projeto político pedagógico e em conformidade com a
realidade local e a diversidade das populações do campo”. (Brasil, 2010).
A escola que pretende ser no/do campo precisa estar adequada as políticas públicas
voltadas para esta temática, não basta estar instalada no meio rural. O olhar de toda a escola
tem de estar voltado para a diversidade cultural do campo, não pode-se ser apenas uma extensão
da escola da cidade. E foi o que observamos em nossa pesquisa. Os professores não moram no
campo e não conseguem, ou por falta de formação com foco na educação no/do campo, ou por
imposição da Secretaria de Municipal de Educação, ter um projeto pedagógico voltado para a
realidade da comunidade da qual os alunos fazem parte. O fato de dois dos três professores
serem contratados temporariamente também dificulta a formação continuada.
REFERÊNCIAS
ARROYO, Miguel Gonzalez, CALDART, Roseli Salete, MOLLINA, Mônica Castagna (org).
Por uma educação do campo. 5° ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
BRASIL, Decreto Nº 7.352, de 4 de novembro de 2010. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/docman/marco-2012-pdf/10199-8-decreto-7352-de4-de-novembro-
de-2010/file. Acesso em: maio/2016.
GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em Ciências
Sociais. 2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1998.
LOCKS, Geraldo, PACHECO, Simone Rafaelli. A educação no campo e as escolas
multisseriadas em Lages, SC: uma conquista, muitos desafios. Curitiba, PR, CRV, 2015.
LOCKS, Geraldo Augusto; GRAUPE, Mareli Eliane; PEREIRA, Josilaine Antunes.
Educação do campo e direitos humanos: uma conquista, muitos desafios/Field of education
and human rights: a conquest, many challenges. CONJECTURA: filosofia e educação,
Caxias do Sul, RS, v. 20, n. especial, p. 131 – 154, ago. 2015. Disponível em:
http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/conjectura/article/view/3654/pdf_439. Acesso em:
maio/2016.
MYNAIO, Maria Cecília de Souza. (org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 12ª
ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
MUNARIM, Antonio; LOCKS, Geraldo Augusto. Educação do campo: contexto e desafios
desta política pública. Olhar de professor, v. 15, n. 1, p. 83 – 95, 2012. Disponível em:
http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=68423875007. Acesso em: maio/2016.
RAMOS, Márcia Mara. A Significação da Infância em Documentos do MST. Revista
Tamois, Rio de Janeiro, RS, v. 9, n. 2, p. 73 – 95, fev. 2014. Disponível em: http://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/tamoios/article/view/8163. Acesso em: maio/2016.
RAMPI, Ana Paula, LOCKS, Geraldo Augusto. Economia Solidária e educação do Campo
para o desenvolvimento rural sustentável da Serra Catarinense. Curitiba, PR, CRV, 2014.
TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa
qualitativa em Educação. São Paulo: Atlas, 2013.
VENDRAMINI, Célia Regina. Terra Trabalho e Educação: experiência sócio-educativas
em assentamentos do MST. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2000.
Top Related