UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIacuteBA
CENTRO DE EDUCACcedilAtildeO
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM EDUCACcedilAtildeO
LUIZ GOMES DA SILVA FILHO
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO
FREIRE NA ATUALIDADE UM OLHAR SOBRE O
CURRIacuteCULO DO CURSO PEDAGOGIA DA TERRA DA
UFRN
Orientadora Professora Drordf Rita de Cassia Cavalcanti Porto
JOAtildeO PESSOA ndash PB
ABRIL-2014
LUIZ GOMES DA SILVA FILHO
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA
ATUALIDADE UM OLHAR SOBRE O CURRIacuteCULO DO CURSO
PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo da Universidade Federal da
Paraiacuteba como cumprimento de requisito para a
obtenccedilatildeo do tiacutetulo de MESTRE em Educaccedilatildeo na
linha de pesquisa em Poliacuteticas Educacionais
ORIENTADORA Professora Doutora
Rita de Cassia Cavalcanti Porto
JOAtildeO PESSOA ndash PB
ABRIL-2014
S586e Silva Filho Luiz Gomes da Educaccedilatildeo do campo e pedagogia Paulo Freire na atualidade
um olhar sobre o curriacuteculo do curso de Pedagogia da Terra da UFRN Luiz Gomes da Silva Filho-- Joatildeo Pessoa 2014
90f il Orientadora Rita de Cassia Cavalcanti Porto Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - UFPBCE 1 Educaccedilatildeo 3 Educaccedilatildeo do campo 4 Pedagogia Paulo
Freire 5 Pedagogia da Terra 5 Curriacuteculo UFPBBC CDU 37(043)
4
LUIZ GOMES DA SILVA FILHO
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA ATUALIDADE
UM OLHAR SOBRE O CURRIacuteCULO DO CURSO PEDAGOGIA DA TERRA DA
UFRN
Aprovado em ________2014
Banca examinadora
______________________________________________________
Professora Drordf Rita de Cassia Cavalcanti Porto ndash Orientadora (PPGEUFPB)
______________________________________________________
Professor Dr Severino Bezerra da Silva (PPGEUFPB)
______________________________________________________
Professora Drordf Gloacuteria das Neves Dutra Escariatildeo ndash Examinadora externa (PPG-CRUFPE)
5
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo a Deus pelo dom da vida por guiar meus passos e me conduzir pelo
caminho do certo ao lado dos oprimidos
Agrave minha matildee Francisca Maria Terto (Dona Tecirc) e ao meu pai Luiz Gomes da Silva
(Seu Lucas) pelo incentivo constante e ajuda frequente Aos meus irmatildeos e irmatildes pelo
simples fato de existirem e colorirem o mundo
Agrave minha companheira Linda Carter pela presenccedila constante ao meu lado e sua
famiacutelia por me fazerem sentir-se em casa mesmo longe dos meus parentes
Agrave minha orientadora Professora Doutora Rita de Cassia Cavalcanti Porto por ser
antes de tudo humana tatildeo raro hoje em dia por acreditar neste trabalho orientar de forma
profiacutecua eacutetica com rigorosidade mas sobretudo com amorosidade Serei sempre grato
Ao Grupo de Estudos da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) pelas conversas
orientaccedilotildees e sobretudo pelo humanismo
Ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo da Universidade Federal da Paraiacuteba e
aos professores que em muito contribuiacuteram com minha formaccedilatildeo em especial ao Professor
Doutor Severino Bezerra Silva que deteacutem meu respeito e grande admiraccedilatildeo
Agrave banca examinadora como um todo pelas contribuiccedilotildees ao trabalho e seriedade
Agrave Universidade Federal da Paraiacuteba pelo acolhimento em um momento tatildeo adverso e
pela oportunidade de realizaccedilatildeo do curso de Mestrado
Aos educandos e educandas do Curso de Pedagogia da UFRN com quem tive o prazer
de conviver dialogar e que de forma direta ou indireta contribuiacuteram com este trabalho
A todos os meus amigos e amigas que de forma sempre positiva me apoiaram
6
RESUMO
Esta dissertaccedilatildeo tem como objetivo geral compreender as contribuiccedilotildees da Pedagogia
Paulo Freire no atual debate da Educaccedilatildeo do Campo como recorte analiacutetico temos o
Curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte Analisa assim as aproximaccedilotildees que se tem hoje entre o Movimento Por Uma
Educaccedilatildeo do Campo e a Pedagogia Paulo Freire Entre as teacutecnicas de pesquisa optamos por
uma aprofundada revisatildeo bibliograacutefica e anaacutelise documental cujo objetivo reside na busca
pelo entendimento amplo de questotildees complexas e abrangentes de nossa eacutepoca Como
resultado alcanccedilado apresentamos algumas reflexotildees sobre a formulaccedilatildeo da Estrutura
curricular do curso supracitado e a presenccedila de princiacutepios da Pedagogia Paulo Freire nesse
curriacuteculo A temaacutetica pesquisada se insere nos objetivos do Grupo de Pesquisa da Pedagogia
Paulo Freire da Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPFUFPB) que busca dialogar sobre
as contribuiccedilotildees da pedagogia freireana em diversos espaccedilos
Palavras-chaves Educaccedilatildeo do Campo Pedagogia Paulo Freire Pedagogia da Terra
Curriacuteculo
4
RESUMEN
Esta disertacioacuten tiene como objetivo general comprender las contribuciones de la
Pedagogiacutea de Paulo Freire en el actual debate de la Educacioacuten del Campo Como guiacutea
analiacutetico tenemos el curriacuteculo del Curso de Pedagogiacutea de la Tierra de la Universidade
Federal do Rio Grande do Norte Se analiza asiacute los acercamientos que se tiene hoy entre el
Movimiento Por Una Educacioacuten del Campo y la pedagogiacutea Paulo Freire De las teacutecnicas de
pesquisa optamos por una profundizada revisioacuten bibliograacutefica y anaacutelisis documental cuyo
objetivo reside en la buacutesqueda por el amplio entendimiento de cuestiones complejas y
extensivas de nuestra eacutepoca Como resultado alcanzado presentamos algunas reflexiones
acerca de la formulacioacuten de la Estructura Curricular del curso anteriormente citado y la
presencia de principios de la Pedagogiacutea Paulo Freire en ese curriacuteculo La temaacutetica
pesquisada se inserta en los objetivos del Grupo de Pesquisa de la Pedagogiacutea Paulo Freire de
la Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPUFPB) que busca dialogar sobre las
contribuciones de la Pedagogiacutea freireana en diversos espacios
PALABRAS CLAVE Educacioacuten del Campo Pedagogiacutea Paulo Freire Pedagogiacutea de la
Tierra curriacuteculo
5
QUADRO DE ILUSTRACcedilOtildeES
Figura I Regiatildeo do SeridoacuteRN
8
Figura II Lagoa NovaRN
9
Figura III Entrelaccedilamento entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire
59
Figura IV Angicos nos dias de hoje (2014)
62
Figura V AngicosRN
64
Figura VI Experiecircncia de AngicosRN
65
Figura IIV Turma Florestan Fernandes ndash PedagogiaUFRN
85
LISTA DE SIGLAS
ANFOPE - Associaccedilatildeo Nacional pela Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo
COMPERVE ndash Comissatildeo Permanente de Vestibular
CONAE - Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo
CONSEPE ndash Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensatildeo
CNBB - Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil
CPT - Comissatildeo Pastoral da Terra
DCE - Diretoacuterio Central dos Estudantes
DCN ndash Diretrizes Curriculares Nacionais
ENERA - Encontro Nacional de Educadores e Educadoras na Reforma Agraacuteria
GEPPC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares
GEPPF - Grupo de Estudos e Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
INCRA - Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria
IPEA - Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada
MEPF - Ministeacuterio Extraordinaacuterio da Poliacutetica Fundiaacuteria
MSC ndash Movimentos Sociais do Campo
MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
PNE - Plano Nacional de Educaccedilatildeo
PROBAacuteSICA - Programa de Qualificaccedilatildeo Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica
PRONERA - Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria
PSDB - Partido da Social Democracia Brasileiro
PT - Partido dos Trabalhadores
SUDENE - Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste
SUPRA - Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria
TRAMSE - Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo
4
UFC ndash Universidade Federal do Cearaacute
UFG ndash Universidade Federal de Goiaacutes
UFMG ndash Universidade Federal de Minas Gerais
UFPB - Universidade Federal da Paraiacuteba
UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UNB - Universidade de Brasiacutelia
UNE - Uniatildeo Nacional dos Estudantes
UNESCO - Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo a Ciecircncia e a Cultura
UNICEF - Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia
SUMAacuteRIO
1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O
ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO 7
11 O LUGAR DE ONDE FALO 7
12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES 11
13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR 16
14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO COMO
SUPORTE PARA ESSE ESTUDO E A PRAacuteXIS FREIREANA 18
2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO PRA
PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER 24
21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO EDUCACIONAL 24
22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA 29
23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO 37
24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS
CONHECIMENTO 43
25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS DA
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO 47
3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO
51
31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA FREIREANA AO ATUAL DEBATE DA
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM 53
32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA
PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO
NORTE58
4
4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIEcircNCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO
CAMPO NA UFRN64
41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO CURSO
DE PEDAGOGIA DA TERRA DA
UFRN70
5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO81
6 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS85
7 ANEXOS 92
7
1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O
ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO
Eacute preciso por outro lado salientar a situaccedilatildeo incocircmoda em
que se encontram intelectuais do Terceiro Mundo que
contemporacircneos de seus colegas do Primeiro Mundo com
eles discutem a poacutes-modernidade ao mesmo tempo em que
convivem em seus paiacuteses com a espoliaccedilatildeo desenfreada de um
capitalismo dependente perverso e atrasado
(FREIRE 2012 p 68)
11 O LUGAR DE ONDE FALO
A vontade e a necessidade de transgredir eacute sem duacutevida um dos maiores motivos que
me leva a formular estes escritos A busca pela construccedilatildeo de um pensamento autecircntico ainda
que reconhecendo todos os riscos de o fazer eacute parte do que nos move Nesse sentido duas
questotildees fundamentais nos orientam quais sejam primeiro qual a contribuiccedilatildeo da
Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo Segundo eacute possiacutevel
evidenciar no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte ldquorecorte e retalhosrdquo da Pedagogia de Paulo Freire
Partindo desses pressupostos inquietadores e sabendo que a educaccedilatildeo deve ser tratada
com extrema seriedade nos debruccedilamos nesse artesanato intelectual (MILLS 2009) com o
objetivo de colaborar com o Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo sobretudo naquilo
que se refere agrave contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire a esse movimento Conseguindo
avanccedilar o pouco que seja nesse debate tatildeo salutar e tatildeo caro estaremos em boa medida
contemplados Nesse primeiro momento trago algumas experiecircncias que me foram tanto
singulares como significativas Por isso mesmo escrevo em primeira pessoa do singular
Nessas primeiras palavras busco a boniteza da expressatildeo de Paulo Freire (2012 p 25)
para iniciar a tessitura desta autobiografia ―de uma geraccedilatildeo que cresceu em quintais nasci
na cidade de Lagoa Nova Regiatildeo do Seridoacute no Estado do Rio Grande do Norte no mecircs de
outubro do ano de 1986
8
Figura I ndash Regiatildeo do SeridoacuteRN
Lagoa Nova eacute uma cidade com caracteriacutesticas tipicamente de interior onde as ―esferas
da existecircncia humana1 se inter-relacionam de forma mais segregada Com uma populaccedilatildeo de
13983 habitantes de acordo com o uacuteltimo censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatiacutesticas (IBGE 2010) essa populaccedilatildeo divide-se quase que simetricamente entre zona
rural e zona urbana Isso tanto tem influecircncia na identidade da Cidade como representa um
fenocircmeno social que por si jaacute merece uma reflexatildeo entretanto natildeo eacute nessa temaacutetica que
reside nosso foco
Figura II ndash Lagoa NovaRN
1 As esferas da existecircncia humana eacute um esquema pensado por Antocircnio Joaquim Severino (1994) em sua obra
―Filosofiardquo em que ele apresenta a Praacutetica Social a Praacutetica Simbolizadora e a Praacutetica Produtiva como uma
engrenagem que gira na frequumlecircncia diretamente proporcional a dinamicidade da sociedade ou grupo social
9
Com um clima extremamente agradaacutevel a cidade tem como base econocircmica a
Agricultura Familiar2 que por sua vez aquece um importante mercado interno sobretudo no
periacuteodo de novembro a marccedilo periacuteodo em que se evidencia a colheita do caju e da castanha
ou simplesmente ―safra do caju Aleacutem da agricultura e do comeacutercio o emprego puacuteblico
garante a complementaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da economia dessa cidade Embora haja outros
modos de complementaccedilatildeo agrave economia a agricultura desempenha papel iacutempar no que diz
respeito ao desenvolvimento da cidade O clima propiacutecio e a terra feacutertil satildeo propulsores de
uma agricultura baseada na pequena propriedade e na diversidade de culturas
Com o lema ―se plantando tudo daacute a regiatildeo serrana apresenta uma prova mais que
concreta de que o desenvolvimento de uma regiatildeo e o bem estar da populaccedilatildeo camponesa
passa diretamente por uma distribuiccedilatildeo de terras para os trabalhadores e trabalhadoras a
rotatividade de culturas e a preservaccedilatildeo do meio ambiente3 princiacutepios que claramente se
aproximam da economia solidaacuteria francamente enfatizada por Singer (2002) assim como
pelos movimentos sociais uma vez que esse caminho eacute uma alternativa para o atual modelo
predatoacuterio de produccedilatildeo agriacutecola tradicional
A possibilidade de cultivar vasta diversidade de sementes e frutos que o solo orgacircnico
rico em huacutemus permite eacute admiraacutevel feijatildeo fava milho encabeccedilam os cereais caju pinha
jaca maracujaacute manga fazem parte do grupo das frutas aleacutem da mandioca que eacute mateacuteria
prima na fabricaccedilatildeo da farinha e outros derivados Outra abrangecircncia de gecircneros alimentiacutecios
como as hortaliccedilas irrigadas e a pecuaacuteria complementam a economia de Lagoa Nova
Quanto agraves questotildees poliacuteticas essa cidade goza dos viacutecios e vicissitudes que a grande
maioria da populaccedilatildeo brasileira enfrenta Aqui natildeo tenho interesse em detalhar passa a passo
essa questatildeo pois isso seria uma tarefa demasiadamente enfadonha e desnecessaacuteria ao nosso
objetivo Ainda assim eacute salutar ressaltar a grande heranccedila oligaacuterquica que eacute flagrante quando
remeto aos nossos representantes poliacuteticos Pequenos grupos se revezam agrave frente da
2 De acordo com Neves (2012) no Dicionaacuterio da Educaccedilatildeo do Campo esse eacute um termo de muacuteltiplas
conotaccedilotildees aqui ficamos com a definiccedilatildeo de um forma de se fazer agricultura diferenciando-se da agricultura
patronal Ou seja uma forma mais poliacutetica e solidaacuteria de se trabalhar a terra
3 Nos uacuteltimos anos um fenocircmeno vem contrariando essa afirmativa a derrubada dos cajueiros tem ocasionado
preocupaccedilotildees quanto ao equiliacutebrio do ambiente
10
administraccedilatildeo puacuteblica como se aquela lhes fosse inerente Como se aquele fosse um direito
advindo do berccedilo Entretanto aos poucos grupos de pessoas ainda que de forma muito
incipiente comeccedilam a se organizar no sentido de propor uma alternativa que fuja agrave diacuteade
partidaacuteria dantesca a qual parece natildeo haver saiacuteda
Satildeo os sabores e dissabores de se gostar de um lugar esse lugar me compotildee eacute siacutentese
de muitas e complexas relaccedilotildees Quando penso na minha cidade resgato Paulo Freire (2012)
quando falava do Recife e sua relaccedilatildeo de saudade para com esta cidade quando estivera no
exiacutelio Faccedilo minhas tais palavras
Quando penso nela penso quanto ainda temos de caminhar lutando para
ultrapassar estruturas perversas de espoliaccedilatildeo Por isso quando longe dela
estive dela a minha saudade jamais se reduziu a um choro triste a uma
lamentaccedilatildeo desesperada Pensava nela e nela penso como um espaccedilo
histoacuterico contraditoacuterio que me exige como a qualquer outro ou outra
decisatildeo tomada de posiccedilatildeo ruptura opccedilatildeo (FREIRE 2012 p34)
Essa breve descriccedilatildeo acerca do meu lugar tem como propoacutesito trazer agrave pesquisa o
cenaacuterio que me foi familiar durante meus primeiros 20 anos (1986-2007) e como essa
vivecircncia implica na minha formaccedilatildeo enquanto pesquisador Como bem estudou Vygotsky ndash
durante sua curta poreacutem brilhante carreira como pesquisador dos processos de
desenvolvimento humano ndash o meio eacute um fator preponderante para a formaccedilatildeo do sujeito
Portanto eacute inegaacutevel que essa cidade eacute parte importante daquilo ―que me move algo que me
constituiu e ainda me constitui Muito do que hoje penso sou ou quero ser tem ligaccedilatildeo direta
com esse periacuteodo com as experiecircncias e vivecircncias que me foram comuns agravequela eacutepoca Isso
alude ao pensamento marxista ao qual nos filiamos em entender o sujeito como sendo ele o
resultado de muacuteltiplos e complexos processos histoacutericos e sociais
Paulo Freire ao trazer agrave tona a importacircncia do lugar das pessoas suas vivecircncias e
experiecircncias como parte integrante da formaccedilatildeo humana do sujeito assim como apontar para
o lugar como produtor de conhecimentos e conteuacutedos me eacute fulcro de compactuaccedilatildeo e
arcabouccedilo teoacuterico e metodoloacutegico Ao me referir ao termo lugar gostaria que o entendimento
fosse aquele trabalhado pelo movimento da Educaccedilatildeo do Campo na contemporaneidade ou
seja como postula (CALDART Et Al 2012) o lugar como sendo constituinte do sujeito e de
sua historicidade natildeo como lugar de moradia tatildeo somente
11
12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES
De uma famiacutelia composta por oito pessoas pai matildee trecircs filhos e trecircs filhas certa vez
li em uma dessas revistas que o filho mais novo chamado caccedilula tem mais probabilidade de
se destacar e vir a ser um grande sujeito socialmente falando e ainda trazia algumas provas de
grandes nomes sobretudo da ciecircncia que se tornaram pessoas conhecidas mundialmente pelas
suas faccedilanhas e descobertas Entretanto sigo outra linha de raciociacutenio coloco-me numa
posiccedilatildeo mais racional e frontalmente de encontro a uma visatildeo platocircnica determinista e
meritocraacutetica de sucesso ―A igualdade de oportunidadelsquo eacute ponto importante da ideologia
capitalista pois garantiria aos mais capazes aos mais esforccedilados aos que trabalham durolsquo o
acesso agraves melhores posiccedilotildees (ROSSI 1980 p 71) Ora no meu caso ser o mais novo me
eximiu de uma eacutepoca natildeo muito remota na qual a condiccedilatildeo social da populaccedilatildeo brasileira era
bastante precaacuteria e o Ensino Superior privileacutegio restrito agrave classe dominante
Depois do esgotamento da Ditadura Militar inicia o periacuteodo chamado Nova Repuacuteblica
ou Transiccedilatildeo democraacutetica poreacutem Saviani (2008) chamou ―transiccedilatildeo conservadorardquo pois o
periacuteodo resguardou a velha formaccedilatildeo social advinda da classe dominante do periacuteodo
ditatorial
A transiccedilatildeo que se operou no Brasil se iniciou com a ―distensatildeo lenta
gradual e segura formulada em 1974 no Governo Geisel e prosseguiu com
a ―abertura democraacutetica a partir de 1979 no Governo Figueiredo
desembocando na Nova Repuacuteblica em 1985 que guindou a posiccedilatildeo de
presidente da Repuacuteblica o ex-presidente do partido de sustentaccedilatildeo do regime
militar (SAVIANI 2008 p 414)
Assim o periacuteodo esperanccediloso que se desenhara com o fim da Ditadura acabou
mantendo grande parte de sua formaccedilatildeo anterior uma vez que continuou a relaccedilatildeo opressor e
oprimido e a interminaacutevel exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo dos trabalhadores ainda que numa
relaccedilatildeo mais decantada e disfarccedilada com outras formas de dominaccedilatildeo e violecircncia Esse
cenaacuterio explica em boa medida as grandes dificuldades econocircmicas perpassadas no cotidiano
da populaccedilatildeo brasileira no periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo
Voltando agraves minhas experiecircncias entendo que se durante minha infacircncia natildeo enfrentei
grandes dificuldades devo isso agrave batalha de um agricultor que ―trabalhava alugado ou ―de
meia e a uma ―dona de casa lavadeira que depois passa a funcionaacuteria puacuteblica ou seja meu
pai e minha matildee Se fui o primeiro da minha famiacutelia a adentrar os altos e quase impenetraacuteveis
12
muros da universidade puacuteblica brasileira natildeo eacute porque sou o melhor dos meus irmatildeos sou na
verdade parte de uma estatiacutestica que aponta para a sensibilidade de um governo cujo foco
principal foi a aacuterea social e a educaccedilatildeo Uma vez coadunada essas duas aacutereas eu fui um dos
muitos jovens negros advindo da classe trabalhadora que foi contemplado por uma
importante poliacutetica soacutecio-educacional do entatildeo Governo Luiacutes Inaacutecio Lula da Silva (2002-2006
e 2006-2010) que tem como uma de suas bases a abertura e expansatildeo das universidades
puacuteblicas
Obviamente que a forccedila de vontade e os esforccedilos pessoais foram reais mas nunca fui
partidaacuterio do discurso meritocraacutetico e do Estado democraacutetico de direito que prega a igualdade
de oportunidade para todos transferindo agraves pessoas o ocircnus pelo seu fracasso social como se a
ascensatildeo dependesse exclusivamente da vontade individual do sujeito O pensamento liberal
afirma que a escola eacute igual para todos e que portanto cada um chega onde suas capacidades e
seu trabalho pessoal lhes permite (SACRISTAacuteN GOacuteMEZ 1998)
Ainda com o objetivo de entender ―o que me move e ―o que me constitui gostaria de
voltar ao relato da minha infacircncia Ainda pequeno moramos no Siacutetio4 Humaitaacute proacuteximo agrave
zona urbana espaccedilo que foi tomado pelo raacutepido crescimento que a cidade adquiriu Na eacutepoca
em que moramos no Humaitaacute que remete aos idos de 1987 devido a fase de vida ainda muito
incipiente poucas satildeo as lembranccedilas desse periacuteodo salvo raras imagens esmaecidas pelos
anos que passaram Desse periacuteodo restou-me muito mais histoacuterias relatadas por meus pais e
irmatildeos mais velhos do que lembranccedilas propriamente minhas No entanto dois fatores fazem
com que essa estadia tenha curta duraccedilatildeo fazendo a famiacutelia retornar agrave cidade a saber os
terremotos5 que foram frequentes nesse periacuteodo e o medo de um bandido chamado Joatildeo
Barauna que oprimia a populaccedilatildeo local
4 O siacutetio eacute o lugar do trabalho por excelecircncia Mas ele eacute igualmente o resultado do trabalho pois eacute um espaccedilo
construiacutedo melhor dizendo um conjunto de espaccedilos articulados entre si que lhe permite organizar-se como um
sistema de insumos e produtos Esse espaccedilo eacute o resultado tambeacutem de um processo histoacuterico secular em que o
ambiente foi alterado com a gradativa eliminaccedilatildeo da cobertura vegetal original e de todo o ecossistema que lhe
era associado (WOORTMANN 1997 p 27)
5 No ano de 1986 grandes abalos siacutesmicos apavoraram moradores do Rio Grande do Norte o epicentro era Joatildeo
Cacircmara no entanto todo o Estado fora atingido com maior ou menor intensidade por falta de informaccedilotildees e
explicaccedilotildees muitas pessoas entraram em pacircnico e deixaram suas casas (Arquivo Tribuna do Norte)
13
Meu pai sempre repete que ―naquela eacutepoca tinha que votar e vir pra casa natildeo podia
ficar em turminhas na rua depois da votaccedilatildeo isso nos mostra que embora estiveacutessemos no
processo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes ainda havia a sombra dos ―anos de chumbo que por
mais de vinte anos garantiu a perpetuaccedilatildeo de um regime autoritaacuterio e ditatorial em nosso paiacutes
que causou feridas cujas cicatrizes ainda satildeo visiacuteveis
Em 1987 voltamos para a rua6 Minha matildee Francisca Maria (Dona Tecirc) dividia seu
tempo entre lavagens de roupa ―de ganho tarefas do lar aleacutem de assumir emprego de
funcionaacuteria puacuteblica do municiacutepio na funccedilatildeo de zeladora da igreja catoacutelica da cidade Meu pai
Luiz Gomes (Seu Lucas) trabalhava nas atividades da agricultura e desempenhava a arte da
caccedila como poucos Como natildeo detinha posses de terras ele ―alugava sua forccedila de trabalho em
sucessivas ―diaacuterias em terras alheias Quando natildeo era alugado ele trabalhava em terras de
outros natildeo por dinheiro mas numa relaccedilatildeo que em muito lembra as relaccedilotildees feudais do
periacuteodo Medieval na Europa ou seja a troca de trabalho por trabalho
Erik Wolf trabalha o termo ―aluguel como um processo no qual ―esse camponecircs
estava sujeito agrave relaccedilatildeo assimeacutetrica de poder o que lhe acarretava um ocircnus permanente em
sua produccedilatildeo (WOLF 1976 p 22) Assim em um modelo bastante parecido com o
desenhado por Wolf meu pai trabalhava a terra de um grande proprietaacuterio a troco de uma
porcentagem que girava em torno de 30 a 50 (terccedila e meia respectivamente) do que era
produzido isso acarreta uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo contiacutenua e demasiadamente nociva para o
trabalhador
Em meio a essa batalha que meus pais travavam diariamente para manter a famiacutelia
inicio minha trajetoacuteria escolar No meu percurso natildeo frequentei creches ou preacute-escolas
Ingressei na antiga 1ordf Seacuterie do Ensino Fundamental jaacute com algumas habilidades na leitura e na
escrita isso devido agrave dedicaccedilatildeo da minha irmatilde Ana de Faacutetima (Aninha) que sempre reservara
um tempo para ensinar aos irmatildeos mais novos Mesmo sendo reprovado na 2ordf Seacuterie do Ensino
Fundamental natildeo tive grandes dificuldades nas seacuteries seguintes Salvo uma ou outra aula de
reforccedilo que muito mais constrangia do que auxiliava no processo de aquisiccedilatildeo da liacutengua
escrita
6 Rua eacute termo francamente usado por populaccedilotildees do campo para designar cidade
14
Eacute importante refletirmos sobre o quatildeo marcante pode ser a escola na vida de uma
crianccedila Varela e Alvarez-Uria (1996) no texto ―a maquinaria escolar afirmam que embora
seja uma instituiccedilatildeo recente a escola deteacutem grande influecircncia sobre a sociedade Assim foi
comigo as marcas e as lembranccedilas do processo educacional escolar que ainda hoje satildeo
evidentes
Jaacute no Ensino Meacutedio o desempenho foi mais consciente comecei a desenvolver um
gosto muito grande pelas ciecircncias humanas e Histoacuteria Geografia e Portuguecircs eram as
disciplinas as quais eu dedicava grande parte do meu tempo Nesse momento estaacutevamos
morando no Siacutetio Figueira o ano eacute 2003 ano que passei a trabalhar tanto nas atividades da
roccedila com o meu pai ndash a condiccedilatildeo jaacute natildeo era mais de tamanha exploraccedilatildeo como outrora a
terra ainda era arrendada no entanto esse tratado agora se passava atraveacutes de laccedilos de
parentesco ndash como nas atividades da construccedilatildeo civil com meu irmatildeo mais velho Ary Gomes
Apesar da grande quantidade de pessoas que imigram do campo agrave cidade natildeo haacute nenhuma
profissatildeo segundo os estudos comparados nas quais maior porcentagem de filhos siga a
profissatildeo dos pais do que entre agricultores (MARTINS apud SOLARI 1986) Minha
caminhada mostra que fugi a regra entretanto hoje resguardo grande admiraccedilatildeo e respeito
agravequeles e aquelas que labutam e vivem nada terra
Mesmo em atividades bastante adversas sempre reservara um horaacuterio do dia agraves
atividades de leitura e redaccedilatildeo Em 2004 prestes a terminar o Ensino Meacutedio simplesmente
natildeo sabia o que significava fazer vestibular Hoje a situaccedilatildeo tem mudando mas isso era
recorrente nas classes mais pobres da populaccedilatildeo uma vez que a universidade natildeo eacute um desejo
almejado pela classe trabalhadora natildeo por desinteresse mas pela falta de informaccedilatildeo e
visualizaccedilatildeo dessa possibilidade que parece distante aos filhos das classes populares Pelo
contraacuterio se propaga o discurso que ao teacutermino do 3ordm ano do Ensino Meacutedio o sujeito
―terminou os estudos Aleacutem disso historicamente se praticou uma educaccedilatildeo cujo foco estaacute
diretamente relacionado agrave classe social a qual o sujeito pertence ou seja agraves classes
trabalhadoras uma educaccedilatildeo elementar uma vez que essa basta agravequeles que iratildeo desempenhar
funccedilotildees manuais ao passo que agraves classes ricas desenhou-se uma educaccedilatildeo para o Ensino
Superior Essa loacutegica eacute facilmente evidenciada no Governo de Fernando Henrique Cardoso
quando ―prioriza o Ensino Fundamental em detrimento do Meacutedio teacutecnico e superior
15
Entre 2005 e o iniacutecio de 2007 trabalhei incessantemente na construccedilatildeo civil ainda
assim continuei a reservar pequenos horaacuterios para me dedicar agraves leituras Ao realizar o
vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte ndash UFRN natildeo tive dificuldade em
ingressar no Curso de Pedagogia daquela instituiccedilatildeo o que atribuo principalmente agrave praacutetica
dessas leituras O motivo da escolha do curso ateacute hoje me eacute uma incoacutegnita poreacutem uma
hipoacutetese consideraacutevel pode ter ligaccedilatildeo com a baixa concorrecircncia
No mesmo ano 2007 fui morar em Natal para dar iniacutecio ao Curso Morador de
Residecircncia Universitaacuteria me dediquei logo na chegada agraves atividade de militacircncia estudantil
em prol dos estudantes de origem popular que moradores do interior do Estado necessitavam
da Residecircncia em Natal Assim durante toda a minha estadia na Residecircncia Universitaacuteria me
dediquei agrave organizaccedilatildeo dos estudantes na busca por mais vagas nas Residecircncias e melhorias
estruturais naquelas existentes
Devido a essa atuaccedilatildeo concorri agrave gestatildeo do Diretoacuterio Central dos Estudantes (DCE)
da UFRN e logramos ecircxito Uma responsabilidade que resolvi encarar enquanto possibilidade
de fazer algo mais A experiecircncia indubitavelmente me foi rica durante um ano estive a frente
do DCE buscando mais uma vez organizar os estudantes coletivamente
Os cinco anos de graduaccedilatildeo passados na Residecircncia me foram de grande importacircncia
primeiramente do ponto de vista econocircmico jaacute que eu natildeo possuiacutea condiccedilotildees financeiras de
me manter fora dela Outro ponto importante foi a convivecircncia com a complexidade das
diversas aacutereas dos conhecimentos isso me garantiu uma formaccedilatildeo que em muito me ajudou
na vida apoacutes minha saiacuteda daquele recinto
Com a aproximaccedilatildeo do teacutermino da graduaccedilatildeo logo veio o desejo de continuar
galgando os degraus do conhecimento buscando aprofundar-me atraveacutes do Mestrado Tal
propoacutesito confirmou-se com a abertura do processo seletivo da Universidade Federal da
Paraiacuteba No mestrado da UFPB encontrei na figura da Professora Doutora Rita de Cassia
Cavalcanti Porto incentivo e orientaccedilatildeo pra continuar os estudos na aacuterea da Educaccedilatildeo do
Campo poreacutem enfatizando nessa reflexatildeo o pensamento e a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire
Ainda eacute de grande importacircncia destacar a atuaccedilatildeo no estaacutegio docente junto a turma de
Pedagogia da UFPB participaccedilatildeo no Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares
16
(GEPPC) desta mesma universidade e a vitoacuteria de vivenciar a criaccedilatildeo do Grupo de Estudos e
Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF)7
13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR
Imbuiacutedo de relativa consciecircncia poliacutetico-social no ano de 2008 me aproximei da
militacircncia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Rio Grande do
Norte
Segundo Miguel Carter (2010) o surgimento do MST pode ser dividido em diferentes
momentos para ele
O primeiro periacuteodo eacute a gestaccedilatildeo do MST (1979-1984) Esse periacuteodo que
precede a fundaccedilatildeo oficial do Movimento eacute fundamental para compreender
as bases de seu processo de formaccedilatildeo O segundo periacuteodo eacute o de
consolidaccedilatildeo (1985-1989) que se caracteriza pela ampliaccedilatildeo das accedilotildees do
movimento em escala nacional por meio de seu estabelecimento em todas as
regiotildees do paiacutes e a configuraccedilatildeo de sua estrutura organizativa O terceiro
periacuteodo eacute de institucionalizaccedilatildeo (1990 ateacute o presente) Nesse tempo o MST
se torna o principal interlocutor do governo federal a respeito da reforma
agraacuteria e eacute reconhecido internacionalmente (CARTER 2010 p 163)
Quando conheci o Movimento no RN fiquei muito animado Conhecer o Centro de
Capacitaccedilatildeo Patativa do Assareacute em Cearaacute - MirimRN e contribuir em algumas atividades
teve significativa importacircncia para minha formaccedilatildeo Entre 2010-2011 ingressei no Grupo de
Estudo Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo (TRAMSE)
Esse grupo coordenado pelo Professor Alessandro Augusto de Azevedo desenvolveu a
organizaccedilatildeo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte em parceria com o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (PRONERA
DECRETO Nordm 7352 de 2010) O curso se destina a formaccedilatildeo de assentados da Reforma
7 O Grupo de Estudos e Pesquisas Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) Coordenado pela Professora Drordf Rita de
Cassia Cavalcanti Porto procura identificar e analisar a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire na
perspectiva da reinvenccedilatildeo nas poliacuteticas e praacuteticas emancipadoras curriculares de formaccedilatildeo de professores nos
sistemas puacuteblicos de ensino bem como socializar com gestores pesquisadores e educadores o legado freireano
para a educaccedilatildeo
17
Agraacuteria Minha atuaccedilatildeo no grupo compreendia a monitoria da turma durante as aulas e
estudos teoacutericos nos intervalos do curso
O MST surge no Rio Grande do Norte em decorrecircncia do 5ordm Encontro Nacional do
Movimento realizado em 1989 que definiu a continuidade de sua expansatildeo pelo Brasil em
pressionar o governo pela realizaccedilatildeo da reforma agraacuteria A primeira ocupaccedilatildeo do MST no Rio
Grande do Norte ocorreu no Vale do Assu com 20 famiacutelias na Fazenda Bom Futuro que fica
localizada no Municiacutepio de JanduiacutesRN (RIBEIRO 2002) Desde aquela eacutepoca ateacute hoje
muita coisa aconteceu e muita coisa mudou O Movimento se tornou fundamental no
enfrentamento das grandes questotildees acerca da terra no Rio Grande do Norte
O interesse pela temaacutetica da Educaccedilatildeo do Campo tornou-se evidente devido a
aproximaccedilatildeo com o MST e com a monitoria do curso de Pedagogia da Terra No MST
percebi que muitos dos termos da educaccedilatildeo e das praacuteticas educativas eram ressignificadas
pelo Movimento e que este tinha forte influecircncia da Pedagogia Freireana o que
indubitavelmente tornou-se porta de entrada para aprofundar meus estudos e interesses sobre
a temaacutetica a Educaccedilatildeo do Campo
Investigar a relaccedilatildeo entre os sujeitos do campo e a universidade passou a ser meu
principal interesse e por conseguinte tema da minha monografia ―Veredas da Pedagogia da
Terra anaacutelise reflexiva de um percurso (SILVA FILHO 2011) Nesse trabalho procurei
refletir sobre o Curso de Pedagogia da Terra enquanto uma educaccedilatildeo voltada agraves populaccedilotildees
do campo e sua relaccedilatildeo com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Esses relatos de experiecircncias e autobiografia como entende Antocircnio Chizzotti (2006)
representam em boa medida um caminho trilhado as relaccedilotildees afetivas os desejos a histoacuteria
satildeo partes que nos atravessam e que nos constitui tambeacutem A academia costuma nos dissecar
tornar o pesquisador mais pesquisador do que gente quando a relaccedilatildeo eacute justamente o
contraacuterio Os sujeitos aparecem como a-histoacutericos natildeo tecircm famiacutelia natildeo tecircm amores natildeo tecircm
lugares Esses escritos iniciais tecircm justamente essa finalidade situar o pesquisador antes de
tudo como gente como sujeito que como escrevera Freire (2012) estaacute no mundo mas
tambeacutem com o mundo e com os outros
18
14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO A
PRAacuteXIS FREIREANA COMO SUPORTE PARA ESSE ESTUDO
Para garantirmos a consubstancialidade deste estudo a contextualizaccedilatildeo dos fatos
tanto no tempo histoacuterico como no espaccedilo foi ponto de constante atenccedilatildeo Natildeo queremos
jamais cair no equiacutevoco de excluir essas categorias da nossa pesquisa sobretudo preocupamo-
nos em natildeo perder o homem como inventor da histoacuteria como produto e produtor dessa
narrativa
Nesse mesmo sentido Ball (2011 p38) critica a pesquisa cujo sentido esteja
desvinculado dos fenocircmenos sociais e histoacutericos de que eacute resultado ―Haacute eacute claro aspectos
temporais adicionais nos processos poliacuteticos e nas anaacutelises desses processos mas na praacutetica
muitas pesquisas sobre poliacuteticas educacionais natildeo tem nenhum sentido de tempo O aspecto
negligenciado mais oacutebvio eacute um extravagante a-historicismo
Gatti (2007 p11) afirma que a pesquisa em educaccedilatildeo no Brasil vem se configurando
como um campo em consolidaccedilatildeo ―Nos uacuteltimos anos pode-se observar um aumento
significativo de pesquisas publicaccedilotildees grupos de pesquisa linhas de pesquisa em programas
de poacutes-graduaccedilatildeo e eventos especiacuteficos sobre poliacuteticas sociais e educacionais
No seacuteculo XIV Agriacutecola havia aconselhado aos seus contemporacircneos que
―Considerem suspeito tudo o que lhes havia sido ensinado ateacute entatildeo e o
mesmo aconselhava jaacute no seacuteculo XVI Bacon Descartes e Pascal ―O
primeiro afirmara que a verdade muda com o tempo o segundo que soacute a
evidecircncia poderia convencer algueacutem ao passo que o terceiro insistia em que
a experimentaccedilatildeo era o uacutenico criteacuterio seguro no campo cientiacutefico (PONCE
2010 p126 grifo do autor)
As pesquisas e suas configuraccedilotildees variaram muito ateacute os tempos de hoje alguns
pesquisadores se filiam agraves novas tendecircncias outros permanecem crentes da consistecircncia da
corrente teoacuterica a qual satildeo simpaacuteticos e acreditam que essa linha de pensamento ainda daacute
conta de forma satisfatoacuteria do entendimento e da criacutetica necessaacuteria agraves questotildees que a realidade
enseja
19
Desse modo continuamos nos filiando agrave corrente histoacuterico-criacutetico de analisar a
realidade com base no materialismo histoacuterico-dialeacutetico e na praacutexis educativa de Paulo Freire
uma vez que nessa perspectiva ―o estudo ontoloacutegico do ser social natildeo prescinde o estudo da
gecircnese histoacuterica da especificidade da sociedade (SAVIANI DUARTE 2012 p 37) ―A
pesquisa natildeo eacute de modo algum na praacutetica uma reproduccedilatildeo fria das regras que vemos em
alguns manuais O proacuteprio comportamento do pesquisador em seu trabalho eacute-lhe peculiar e
caracteriacutestico (GATTI 2007 p 11) Isso se deve indubitavelmente a um complexo de
muacuteltiplos condicionamentos que constituem o pesquisador enquanto ser histoacuterico Enquanto
gente
Este conhecimento como objeto de dado alheio a qualquer traccedilo de
subjetividade elimina qualquer perspectiva de colocar a busca cientiacutefica ao
serviccedilo das necessidades humanas para resolver problemas praacuteticos O
investigador estuda os fatos pela proacutepria ciecircncia pelo propoacutesito superior da
alma humana de saber Natildeo estaacute interessando em conhecer as consequumlecircncias
de seus achados Este propoacutesito de espiacuterito positivo engendrou uma
dimensatildeo que foi defendida com muito entusiasmo e ainda hoje em alguns
meios se levanta como bandeira verdadeira a da neutralidade da ciecircncia
(TRIVINtildeOS 1987 p 37)
Para noacutes a busca pelo conhecimento eacute ponto nevraacutelgico para contribuir com o atual
debate da Educaccedilatildeo do Campo e com a Pedagogia Paulo Freire Nessa perspectiva estudar
esse fenocircmeno sem fim nem finalidade seria ignomiacutenia da nossa parte
Pensando numa perspectiva teoacuterica que atenda aos interesses almejados e tendo em
vista a realidade social e concreta na qual estamos imersos assim como as disputas inerentes
ao tecircnue e conflitante tecido social temos como metodologia o materialismo histoacuterico
dialeacutetico e a praacutexis educativa de Paulo Freire pois esta perspectiva vincula de forma
satisfatoacuteria as questotildees abordadas nesse estudo agrave dinacircmica da realidade material dos sujeitos
envolvidos e reflete a construccedilatildeo histoacuterica dos fenocircmenos com destaque para as
transformaccedilotildees sociais que esta construccedilatildeo enseja
A compreensatildeo da praacutexis educativa em Paulo Freire se encontra diluiacuteda em toda a sua
pedagogia como essa pedagogia eacute bastante ampla abordaremos os principais elementos que
se encontram ligados ao materialismo histoacuterico dialeacutetico procurando dialogar as interfaces
dessas teorias e como elas contribuem para o entendimento da realidade Na praacutexis educativa
de Freire assim como no materialismo histoacuterico dialeacutetico a mera especulaccedilatildeo filosoacutefica natildeo
20
garante subsiacutedio natildeo basta apenas interpretar o mundo eacute preciso tratar de transformaacute-lo
(FREIRE 1983)
A histoacuteria da dialeacutetica eacute demasiadamente longa por isso natildeo pretendemos aprofundar
essa temaacutetica esclarecemos apenas que nesse trabalho adotamos aquela cujo vieacutes eacute marxista
em que pese haver uma vasta gama de outras possiacuteveis compreensotildees da dialeacutetica A
concepccedilatildeo marxista encontra suporte no materialismo e na histoacuteria para a explicaccedilatildeo dos
fenocircmenos
Na produccedilatildeo social da sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees
determinadas necessaacuterias independente da sua vontade relaccedilotildees de
produccedilatildeo que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das
forccedilas produtivas materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui
a estrutura econocircmica da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva
uma superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas
formas de consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida material
condiciona o desenvolvimento da vida social poliacutetica e intelectual em geral
Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o seu ser eacute o seu ser social
que inversamente determina a sua consciecircncia (MARX 1973 p 28-28)
Esforccedilamo-nos em compreender como a histoacuteria da Educaccedilatildeo do Campo bebe da
Pedagogia Paulo Freire onde se intercalam e como dialeticamente se aproximam Cheptulin
(1982) aponta para dialeacutetica como sendo formas gerais de estudar o ser os aspectos e os laccedilos
gerais da realidade as leis do reflexo desta uacuteltima na consciecircncia dos homens pensamento
fortemente presente na pedagogia freireana em que o ponto de partida da histoacuteria e da
realidade satildeo os sujeitos reais (FREIRE 2011)
Gadotti (1983) nos ajuda a situar a dialeacutetica materialista dentro de uma concepccedilatildeo
metodoloacutegica
Natildeo se trata de pensar toda a histoacuteria da educaccedilatildeo pois o que teriacuteamos seria
o ponto de vista da dialeacutetica ou melhor uma leitura dialeacutetica do que foi a
educaccedilatildeo ateacute hoje Eacute o que jaacute fez por exemplo o grande filoacutesofo e
historiador argentino Anibal Ponce mostrando como a educaccedilatildeo enquanto
fenocircmeno social ligado a superestrutura soacute pode ser compreendida atraveacutes
da anaacutelise soacutecio-econocircmica da sociedade que a matem [] O meacuterito de
Anibal Ponce estaacute justamente em colocar em evidecircncia o princiacutepio da
dialeacutetica da relaccedilatildeo entre a consciecircncia e a estrutura econocircmica mostrando
como a luta pelo direito a educaccedilatildeo e agrave cultura acompanhou a luta pelos
demais direitos enfim a educaccedilatildeo natildeo estaacute separada da luta de classe
(GADOTTI 1983 p 39-40)
21
O Materialismo histoacuterico-dialeacutetico eacute a ciecircncia filosoacutefica do marxismo que estuda as
leis socioloacutegicas que caracterizam a vida da sociedade de sua evoluccedilatildeo histoacuterica e da praacutetica
social dos homens no desenvolvimento da humanidade O Materialismo histoacuterico significou
uma mudanccedila fundamental na interpretaccedilatildeo dos fenocircmenos sociais que ateacute o nascimento do
marxismo se apoiava na concepccedilatildeo idealista de sociedade humana (TRIVINtildeOS 1987)
Quando eacute adotada a perspectiva materialista histoacuterico-dialeacutetica o
desenvolvimento da humanidade eacute analisado como um processo histoacuterico
contraditoacuterio heterogecircneo que se realiza por meio das concretas relaccedilotildees
sociais de dominaccedilatildeo que tem caracterizado a histoacuteria da humanidade ateacute
aqui (SAVIANI DUARTE 2012 p 39)
Karel Kosik autor da ―Dialeacutetica do concreto publicado em 1963 um dos mais
eminentes expoentes do marxismo trabalha a realidade em sua totalidade natildeo se limita as
anaacutelises das partes mas procura estabelecer o caraacuteter dialeacutetico entre as partes e o todo Ele
analisa a ―realidade como um todo estruturado dialeacutetico no qual ou do qual um fator
qualquer (classes de fatos conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido
(KOSIK 2010 p 44) o que configura uma compreensatildeo bastante satisfatoacuteria para nossa
anaacutelise cujo objetivo eacute entender como as diferentes partes de uma realidade formam o
fenocircmeno abordado
Na pedagogia freireana cujo assento eacute a praacutexis educativa a compreensatildeo da realidade
eacute ponto chave para a tomada de conscientizaccedilatildeo dos sujeitos Para Freire (1987) a realidade eacute
construiacuteda historicamente sendo passiva de mudanccedila nega-se assim o determinismo de uma
realidade estaacutetica pronta imutaacutevel Para ele a superaccedilatildeo do estado de opressatildeo eacute uma tarefa
ontoloacutegica do homem
Esta superaccedilatildeo natildeo pode dar-se poreacutem em termos puramente idealistas Se
faz indispensaacutevel aos oprimidos para a luta por sua libertaccedilatildeo que a
realidade concreta de opressatildeo jaacute natildeo seja para eles uma espeacutecie de ―mundo
fechado (em que se gera o seu medo da liberdade) do qual natildeo pudessem
sair mas uma situaccedilatildeo que apenas os limita e que eles podem transformar eacute
fundamental entatildeo que ao reconhecerem o limite que a realidade opressora
lhes impotildee tenham neste reconhecimento o motor de sua accedilatildeo libertadora
(FREIRE 1987 p 19)
Nesse sentido nos aproximamos de um materialismo praacutetico cujo princiacutepio natildeo se
pretende a captar a realidade sob forma de objeto ou como mera contemplaccedilatildeo Isso rompe
com a oposiccedilatildeo estanque sujeitoobjeto e concebe alternativamente a atividade humana como
22
uma atividade objetiva e transformadora ao mesmo tempo Desse modo o homem eacute
simultaneamente fruto das circunstacircncias histoacutericas e agente de mudanccedila das mesmas
Na contribuiccedilatildeo deste estudo optamos por uma investigaccedilatildeo no campo da pesquisa
qualitativa realizando um levantamento bibliograacutefico e uma anaacutelise documental Segundo Gil
(2002 p46)
O desenvolvimento da pesquisa documental segue os mesmos passos da
pesquisa bibliograacutefica Apenas cabe considerar que enquanto na pesquisa
bibliograacutefica as fontes satildeo constituiacutedas sobretudo por material impresso
localizados nas bibliotecas na pesquisa documental as fontes satildeo muito
mais diversificadas e dispersas
A par disso realizamos uma busca em documentos da Universidade do Curso de
Pedagogia e tambeacutem da Comissatildeo Permanente de Vestibular (COMPERVE) e nos ocupamos
em analisar os documentos norteadores do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte uma vez que este constitui nosso recorte analiacutetico
Devido agrave dificuldade de realizarmos uma pesquisa com todos os estudantes do Curso
espalhados por todo o Estado do Rio Grande do Norte concordamos com Gil (2002 p46)
quando afirma que ―Outra vantagem da pesquisa documental eacute natildeo exigir contato com os
sujeitos da pesquisa Eacute sabido que em muitos casos o contato com os sujeitos eacute difiacutecil ou ateacute
mesmo impossiacutevel Em outros a informaccedilatildeo proporcionada pelos sujeitos eacute prejudicada pelas
circunstacircncias que envolvem o contato
Para dialogar com essa perspectiva metodoloacutegica trabalhamos com autores cujo
assento eacute tanto a resistecircncia como na transformaccedilatildeo do status quo social como a
organizaccedilatildeo coletiva na busca por direitos historicamente negados Nesse sentido Aroyo
(2011 2009) Caldart (2012 2010) Freire (1983 1991 2011 2012) Gadotti (1983 1996
2000) Ribeiro (2010) Saviani (2008) Apple (2012) Giroux (1986) entre outros Aleacutem disso
a anaacutelise dos marcos legais que norteiam a Educaccedilatildeo do Campo tambeacutem foi de grande
importacircncia para a formulaccedilatildeo da nossa base de sustentaccedilatildeo
Por fim entendemos que na pesquisa social haacute uma relaccedilatildeo definitiva entre o
pesquisador e o seu campo de estudo ―A visatildeo do mundo de ambos estaacute implicada em todo
23
processo de conhecimento desde a concepccedilatildeo do sujeito aos resultados do trabalho e agrave sua
aplicaccedilatildeo (DESLANDES et al 1994 p 14) Seguindo essa linha percebemos o quatildeo
proacuteximos estamos de todas essas questotildees trabalhadas e na verdade que nossas escolhas
nosso objetivo nossa metodologia natildeo eacute nem poderia ser obra do acaso eacute na verdade fruto
da nossa formaccedilatildeo social enquanto o sujeito mas sobretudo enquanto gente
24
2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO
PRA PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER
Natildeo quero dizer poreacutem que porque esperanccediloso
atribuo a minha esperanccedila o poder de transformar a
realidade e assim convencido parto para o embate sem
levar em consideraccedilatildeo os dados concretos materiais
afirmando que minha esperanccedila basta Minha esperanccedila
eacute necessaacuteria mas natildeo eacute suficiente Ela soacute natildeo ganha a
luta mas sem ela a luta fraqueja e titubeia Precisamos
da esperanccedila criacutetica como o peixe necessita da aacutegua
despoluiacuteda
Paulo Freire Pedagogia da Esperanccedila 1992
21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO
EDUCACIONAL
A Reforma do Estado e a reestruturaccedilatildeo produtiva das deacutecadas de 1980 e 1990 assim
como a consolidaccedilatildeo das poliacuteticas neoliberais no campo econocircmico e social representam um
divisor quando nos referimos agrave atuaccedilatildeo do Estado frente agrave garantia de poliacuteticas (SADER
GENTILI 1995) Essas transformaccedilotildees tecircm significativa influecircncia no campo educacional e
eacute disso que trataremos agora
Luiz Fernandes Dourado em palestra no X Encontro Estadual da ANFOPE-PB e IX
Encontro Regional - NE ANFOPE realizado em Campina Grande ndash PB em 2012 afirma que
natildeo se pode compreender as poliacuteticas educacionais se natildeo fizer isso de maneira
contextualizada quais sejam as condiccedilotildees objetivas em que elas satildeo produzidas Obviamente
a economia tem papel de destaque na determinaccedilatildeo dessas condiccedilotildees Silva (2011) tratando a
questatildeo agrave luz do pensamento de Michael Apple afirma que as caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo
da economia na sociedade capitalista afeta tudo aquilo que ocorre em outras esferas sociais
como a educaccedilatildeo e a cultura por exemplo
Para tanto antes de adentrarmos a reforma do estado e suas implicaccedilotildees na educaccedilatildeo eacute
salutar voltarmos ao entendimento do principal pilar de sustentaccedilatildeo dessa reforma o
25
neoliberalismo Sader e Gentili (1995) e Neves (2005) afirmam que o neoliberalismo nasceu
logo depois da II Guerra Mundial na regiatildeo da Europa e da Ameacuterica do Norte onde imperava
o capitalismo Foi uma reaccedilatildeo teoacuterica e poliacutetica veemente contra o Estado intervencionista de
bem-estar O pensamento neoliberal foi difundido inicialmente no Reino Unido no trabalho
do economista austriacuteaco Frederich Hayek (BALL 2011 SADER GENTILI 1995)
O surgimento do neoliberalismo apoacutes a Segunda Guerra e sua posterior
consolidaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1980 trazem consigo um formidaacutevel
ataque contra o igualitarismo e a solidariedade coletivistalsquo em quaisquer de
suas formas desde a aparentemente mais benigna o Ministeacuterio do Bem-
estarlsquo das sociais-democracias europeacuteias ateacute a mais virulenta (a juiacutezo dos
ideoacutelogos neoliberais) corporificada no modelo sovieacuteticolsquo vigente na Uniatildeo
Sovieacutetica e nos paiacuteses do Leste Europeu Ambas as variantes nas palavras
de Hayek se movimentavam em prol de um mesmo objetivo a construccedilatildeo
de uma sociedade de iguais Eram por isso mesmo rotas alternativas que
desembocavam em um mesmo desastre civilizatoacuterio a servidatildeo moderna
(BORON 2000 p55)
Ainda para Sader e Gentili (na mesma obra) a chegada da grande crise do modelo
econocircmico do poacutes-guerra em 1973 quando todo o mundo capitalista avanccedilado caiu numa
longa e profunda recessatildeo combinando pela primeira vez baixas taxas de crescimento com
altas taxas de inflaccedilatildeo mudou tudo ―A rigidez do fordismo tornou-se um obstaacuteculo para o
crescimento do capitalismo A crise da deacutecada de 1970 foi a expressatildeo do esgotamento de um
modelo baseado na produccedilatildeo em massa de um lado e no chamado Estado de Bem-Estar
social de outro (DEL PINO 2011 p 67) A partir daiacute as ideias neoliberais passaram a
ganhar terreno
Expoente fundamental na difusatildeo do neoliberalismo Margaret Thatcher8 encontra-se
natildeo tanto na negativa da existecircncia de sociedade mas em sua radical e desoladora
reimaginaccedilatildeo da sociedade civil Ela se apoia em um renascimento do individualismo
competitivo e em um novo tipo de cidadatildeo-consumidor (BALL 2011)
As reformas econocircmicas de ―Ajuste estrutural implementadas na Ameacuterica Latina
estatildeo baseadas no que ficou conhecido como ―Consenso de Washington (NASCIMENTO
QUAIOTTI et al1997) Satildeo medidas que visam agrave abertura de economias nacionais
8 13 de outubro de 1925 mdash 8 de abril de 2013
26
desregulaccedilatildeo dos mercados cortes nos gastos sociais flexibilizaccedilatildeo dos direitos trabalhistas
privatizaccedilatildeo das empresas puacuteblicas e o controle do deacuteficit fiscal No Brasil apoacutes a
constituiccedilatildeo de 1988 vaacuterias emendas constitucionais vecircm sendo aprovadas com o objetivo de
desregulamentar a relaccedilatildeo capitaltrabalho (DEL PINO 2011)
Ball (2011p 23) explica que ―durante os uacuteltimos quinze anos temos testemunhado no
Reino Unido e tambeacutem na maioria das outras sociedades do mundo ocidental e das
sociedades desenvolvidas uma profunda transformaccedilatildeo nos princiacutepios de organizaccedilatildeo da
provisatildeo social especialmente no setor puacuteblico Del Pino (2011) citando Boroacuten e
Hobsbawm afirma que essas transformaccedilotildees tambeacutem chegaram a paiacuteses do hemisfeacuterio norte
e sul em especial na Ameacuterica Latina Afirma ainda que o seacuteculo XX que iniciou como o
seacuteculo das massas se despede ―como seacuteculo do desemprego em massa (DEL PINO 2011
p65)
Essa breve cronologia tem como objetivo mostrar de onde vem a discussatildeo A reforma
tem iniacutecio na deacutecada de 80 mas como vimos tem sua gecircnese bem antes ―Na verdade haacute uma
tendecircncia notaacutevel a um ―poacutes-1988 (BALL 2011 p 38) Isso significa que muitos
pesquisadores utilizam a reforma de 1988 como ponto zero excluindo em boa medida o que
a antecedeu
Essa introduccedilatildeo tambeacutem tem como objetivo mostrar as implicaccedilotildees da reestruturaccedilatildeo
produtiva no campo educacional Quais as consequecircncias da reforma pra noacutes pesquisadores
estudantes professores e trabalhadores na educaccedilatildeo em geral De iniacutecio vale salientar que a
reestruturaccedilatildeo tem como uma de suas finalidades a adequaccedilatildeo dos modelos produtivos ao
novo modelo econocircmico insurgente chamado por Ball (2011) ―poacutes-fordismo que
―caracteriza-se pelo aparecimento de setores produtivos inteiramente novos Isso jaacute nos
remete agrave implicaccedilatildeo de que a educaccedilatildeo passa a ser vislumbrada como um campo feacutertil e rico
em potencial a ser explorado pelo mercado capitalista em sua faceta neoliberal
Essas mudanccedilas natildeo se restringem ao campo produtivo mas de forma muito concisa
ao campo da individualidade dos sujeitos das subjetividades ―De este modo no soacutelo nos
encontramos en un momento de imposicioacuten de un determinado modelo de produccioacuten y
distribucioacuten de la riqueza sino ademaacutes en un proceso de resocializacioacuten de reorganizacioacuten
de los sentidos con los cuales conviviacuteamos (ALMANACID ARROYO 2011 p 264) Essa
27
posiccedilatildeo eacute ratificada por Ball (2011 p 32) quando afirma que ―outro aspecto da reestruturaccedilatildeo
eacute a formaccedilatildeo de novas subjetividades profissionaislsquo Natildeo simplesmente o que fazemos
mudou quem noacutes somos as possibilidades de quem deveriacuteamos nos tornar tambeacutem
mudaram
Nesse momento assistimos a educaccedilatildeo brasileira experimentar as consequecircncias
danosas dessa nova dinacircmica advinda do capitalismo em uma fase neoliberal como por
exemplo a ecircnfase na supervalorizaccedilatildeo de iacutendices de qualidade e eficiecircncia Essa construccedilatildeo
teve como assento o pensamento hegemocircnico de que esse seria natildeo somente o melhor
caminho mas tambeacutem o uacutenico para fugir da falecircncia estatal
Sob a ideologia da globalizaccedilatildeo os governos dos paiacuteses dependentes entre
eles o Brasil acenam com a necessidade de integraccedilatildeo agrave economia mundial
dentro dos padrotildees propostos por esta integraccedilatildeo como uacutenico meio de afastar
a degradaccedilatildeo social e o aprofundamento da condiccedilatildeo de pobreza destes paiacuteses
Todavia essa hipoacutetese eacute falsa A integraccedilatildeo atraveacutes do atual padratildeo de
desenvolvimento eacute impossiacutevel (DEL PINO 2011 p66)
A ideologia neoliberal ganha ecircnfase sobretudo com a derrocada dos governos
socialista principalmente com o fim da Uniatildeo Sovieacutetica e do comunismo na Europa Oriental
(SADER GENTILI 1995) Na contramatildeo desse processo emerge uma criacutetica tanta ao novo
modelo de sociedade como ao paradigma vigente de educaccedilatildeo
Com o esgotamento da Ditadura Civil Militar os movimentos sociais emergem e
desempenham papel fundamental na busca de uma pedagogia alternativa e de um modelo de
sociedade no qual o fatalismo ou o discurso poacutes-moderno de ―[] obstaacuteculos insuperaacuteveis
(FREIRE 2012 p 48) natildeo predomine A pedagogia histoacuterico-criacutetica e contra-hegemocircnica
fruto tanto de uma opccedilatildeo ideoloacutegica de sociedade como do periacuteodo de reabertura poliacutetica de
meados da deacutecada de 1980 desempenha papel central nesse momento histoacuterico
Eacute importante destacarmos a colocaccedilatildeo da expressatildeo ―contra-hegemocircnica pois ela
costura este texto por vaacuterios momentos Ainda que Gramsci natildeo tenha trabalhado o conceito
de contra-hegemonia sendo esse uma formulaccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho9 estamos
9 Carlos Nelson Coutinho eacute um dos maiores tradutores da obra de Gramsci no Brasil
28
amparados no inverso desse termo ou seja a hegemonia termo exaustivamente pensado por
Gramsci
A hegemonia seria a capacidade de um grupo social unificar em torno de seu projeto
poliacutetico um bloco mais amplo natildeo homogecircneo marcado por contradiccedilotildees de classe Desse
modo hegemonia eacute algo que se conquista por meio da direccedilatildeo poliacutetica e do consenso e natildeo
mediante a coerccedilatildeo Pressupotildee aleacutem da accedilatildeo poliacutetica a constituiccedilatildeo de uma determinada
moral de uma concepccedilatildeo de mundo numa accedilatildeo que envolve questotildees de ordem cultural na
intenccedilatildeo de que seja instaurado um ―acordo coletivo (GRAMSCI 1991) Para Coutinho
(1999) eacute a busca de uma classe particular para impor seus interesses comuns como interesse
geral da sociedade Nesse sentido a colocaccedilatildeo da expressatildeo contra-hegemonia estaacute
intrinsecamente ligada ao conceito de resistecircncia de luta
Dourado (2012) afirma que se a tradiccedilatildeo do estado brasileiro eacute ainda marcada por um
estado patrimonial em que pese ser este paiacutes a sexta economia do mundo para Fernandes
(1995) eacute um estado ―desigual e combinado Noacutes temos desde o maior avanccedilo tecnoloacutegico a
condiccedilotildees de miserabilidade eacute nesse tensionamento eacute nesse caldeiratildeo cultural social poliacutetico
e racial que vatildeo se traduzindo o horizonte das poliacuteticas puacuteblicas
Dourado (2011) nos mostra que a histoacuteria da educaccedilatildeo brasileira eacute marcada por
disputas entre diferentes projetos de educaccedilatildeo e sociedade O atual debate acerca do Plano
Nacional de Educaccedilatildeo (PNE) apesar de parecer recente data da deacutecada de 1930 quando os
Pioneiros elaboraram o primeiro esboccedilo de Plano arquivado logo em seguida pelo Estado
Novo e totalmente negligenciado pelo Regime Militar
Ainda conforme Dourado (2011 p 23) ―A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 resultante de
amplo processo constituinte avanccedila consideravelmente no campo dos direitos sociais A
Constituiccedilatildeo determina que o Senado crie planos e programas nacionais O primeiro PNE (Lei
nordm 10172 de 09 de janeiro de 2001) foi aprovado no governo Itamar Franco e teria duraccedilatildeo
no Governo Fernando Henrique Cardoso no entanto o Governo do PSDB natildeo considerou o
plano como referencial para suas accedilotildees
Em 2010 com o prazo de vigecircncia do PNE prestes a expirar a sociedade civil
organizada pelo Foacuterum Nacional de Educaccedilatildeo (FNE) realiza a I Conferecircncia Nacional de
29
Educaccedilatildeo (2010) com o objetivo de intervir propositivamente no novo Plano a ser lanccedilado
pelo Congresso Nacional em 2011 O novo Plano Nacional de Educaccedilatildeo (PL 8035) se
configura dentro de um complexo campo de disputas de forccedilas Nesse sentido a sociedade
civil estaacute mais uma vez realizando conferecircncias de educaccedilatildeo municipais intermunicipais
distrital e estadual que culminaratildeo na Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo de 2014 cuja
finalidade eacute garantir a aprovaccedilatildeo de um plano articulado nacionalmente democraacutetico e
popular (CONAE 2014)
Nesse contexto de efervescecircncia eacute de fundamental importacircncia a atuaccedilatildeo dos
movimentos de resistecircncia do campo na luta por educaccedilatildeo Esse movimento contra
hegemocircnico eacute importante para fazer frente agraves poliacuteticas neoliberais que avanccedilam na
contemporaneidade Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo passa a ser vista enquanto
propositiva de uma educaccedilatildeo que escapa tanto agrave pedagogia da hegemonia como ao modelo
rural de educaccedilatildeo que vem sendo destinado aos sujeitos do campo ao longo da histoacuteria
(ARROYO 2009) Mesmo com todas as contradiccedilotildees e ressalvas que satildeo necessaacuterias
estamos pois vendo emergir um contraponto fundamental uma pedagogia politizada
assentada em princiacutepios criacuteticos que tem como foco o sujeito
Feita essa breve retrospectiva histoacuterica iniciamos nesse momento o debate sobre a
Educaccedilatildeo Rural e como a superaccedilatildeo desse paradigma eacute essencial para alcanccedilar a Educaccedilatildeo do
Campo cujos princiacutepios tecircm forte afinidade com a Pedagogia Paulo Freire e questotildees que
reclamam mudanccedilas estruturais no seio da sociedade brasileira
22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA
Apesar de evidenciarmos avanccedilos importantes no campo educacional o analfabetismo
ainda eacute um empecilho para a construccedilatildeo de uma sociedade mais autocircnoma tanto do ponto de
vista do desenvolvimento econocircmico do paiacutes como da emancipaccedilatildeo humana dos seus
cidadatildeos Ainda haacute uma barreira demasiadamente alta que impede os sujeitos de construiacuterem
melhores condiccedilotildees sociais de vida Esse problema se intensifica quando tomamos como foco
de investigaccedilatildeo a zona rural brasileira Segundo dados do uacuteltimo estudo do Instituto de
Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA 2009) os iacutendices referentes ao analfabetismo das
populaccedilotildees do campo por exemplo satildeo sempre superiores quando comparados com as
populaccedilotildees residentes na zona urbana
30
Ainda segundo o estudo no meio rural haacute uma grande desigualdade de renda entre os
ricos e pobres uma vez que os primeiros satildeo os ―donos das terras e os segundos satildeo sempre
aqueles que trabalham nela Sabe-se que em sociedade como a nossa a posse da terra eacute
condiccedilatildeo primaacuteria para ascensatildeo social poliacutetica e econocircmica de um povo
Nas sociedades predominantemente agriacutecolas a propriedade da terra eacute a
principal fonte de poder econocircmico poliacutetico e social Como uma regra
simples podemos afirmar que quanto maior for a quantidade de terra
possuiacuteda maior seraacute o poder de seu proprietaacuterio (FEDER apud SHALIN
1976 p 73 traduccedilatildeo nossa)
A citaccedilatildeo acima nos ajuda a entender por um lado a posiccedilatildeo social privilegiada que as
classes detentoras de terras ocupam ateacute os dias de hoje A concentraccedilatildeo da terra tem causado
ao longo da histoacuteria grandes prejuiacutezos agraves populaccedilotildees do campo a falta de escolas e o
consequente analfabetismo eacute uma marca desse fenocircmeno de privaccedilatildeo Nesse momento eacute
necessaacuterio resgatar a urgecircncia de uma Reforma Agraacuteria popular no Brasil como forma de
atenuar esse grande deacuteficit histoacuterico Freire (2012 p 65) mostra que a natildeo realizaccedilatildeo de uma
reforma agraacuteria seacuteria eacute mais uma forma de manutenccedilatildeo de privileacutegios da classe dominante
[] Ao mesmo tempo contudo arquivam a realizaccedilatildeo de reforma agraacuteria
sem a qual se estrangula qualquer transformaccedilatildeo seacuteria nesse paiacutes Nenhuma
sociedade capitalista moderna deixou de fazer sua reforma agraacuteria
absolutamente indispensaacutevel agrave criaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de um mercado
interno Eacute por isso que jaacute natildeo falam em Reforma Agraacuteria e natildeo porque seja o
seu processo uma velharia e sua realizaccedilatildeo um desrespeito agrave propriedade
privada como afirmam os donos do mundo e das gentes ( FREIRE 2012 p
65)
O monopoacutelio da terra causou feridas profundas cujas cicatrizes ainda estatildeo abertas no
seio da sociedade brasileira e que portanto ainda satildeo condicionantes que a sociedade precisa
enfrentar para alcanccedilar a melhoria de vida das classes trabalhadoras da cidade e do campo
Tomando o analfabetismo como exemplo ―Para a categoria localizaccedilatildeo observa-se
que na populaccedilatildeo rural a taxa de analfabetismo eacute de quase 228 Jaacute para a populaccedilatildeo
urbanametropolitana esse iacutendice eacute de 44 (IPEA 2009 p 10) Esses dados nos auxiliam
na explicitaccedilatildeo de uma realidade extremamente desigual marcada por preconceitos e
esquecimento Natildeo eacute um dado estatiacutestico tatildeo somente mas antes de tudo eacute um flagrante uma
prova da exclusatildeo secular que os sujeitos do campo brasileiro vecircm passando Freire (2011)
31
aponta para esse processo como a negaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo negaccedilatildeo das vocaccedilotildees dos
homens vocaccedilatildeo negada na injusticcedila na exploraccedilatildeo na opressatildeo e na violecircncia dos
opressores
Desse modo o paradigma educacional no qual se assenta a Educaccedilatildeo Rural reside no
bojo do pensamento utilitarista e dominador de uma classe sobre a outra Ribeiro (2012 p
293) afirma que ―[] para definir educaccedilatildeo rural eacute preciso comeccedilar pela identificaccedilatildeo do
sujeito a que ela se destina Isso significa que as pessoas que estatildeo vinculadas a educaccedilatildeo
rural satildeo sujeitos cuja marca do trabalho nas atividades da agricultura lhes eacute fator
determinante Para Erick Wolf haacute uma relaccedilatildeo direta de exploraccedilatildeo que caracteriza o
camponecircs ―eacute somente quando um cultivador esta integrado em uma sociedade com um estado
ndash isto eacute somente quando o cultivador passa a estar sujeito a exigecircncias e sanccedilotildees de
detentores do poder exterior ao seu estrato social ndash que podemos falar propriamente em um
campesinato (WOLF 1976 p 26) Percebe-se assim uma aproximaccedilatildeo histoacuterica entre o
camponecircs e a exploraccedilatildeo do seu trabalho
Arroyo (2009) aponta para o descaso no qual a educaccedilatildeo das populaccedilotildees do campo
esteve submetida historicamente cuja finalidade natildeo ai aleacutem do ensino de teacutecnicas de plantio
e colheita no manuseio da terra Essa visatildeo utilitarista e preconceituosa legitimou os baixos
investimentos as escolas em condiccedilotildees precaacuterias e a pouca formaccedilatildeo dos profissionais
(ARAUacuteJO SILVA 2011) aleacutem disso acirrou a disparidade da escola rural em relaccedilatildeo agrave
escola urbana quando se pensa na qualidade O ensino dos sujeitos do campo foi marcado por
uma condiccedilatildeo humana assentada no pauperismo na exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo da matildeo-de-
obra de forma mais ampla na negaccedilatildeo dos direitos baacutesicos como eacute a educaccedilatildeo
Poreacutem Freire (2012 p 59) os convida a refletir sobre a problemaacutetica e expotildee que
Jaacute deixo claro que nenhuma sociedade se livraraacute desses horrores por decreto
nem tampouco porque um de seus sujeitos fundamentais os dominantes num
gesto amoroso regale uma nova forma de viver aos ―condenados da terra A
superaccedilatildeo desses horrores implica decisatildeo poliacutetica mobilizaccedilatildeo popular
organizaccedilatildeo intervenccedilatildeo poliacutetica lideranccedila luacutecida democraacutetica esperanccedilosa
coerente tolerante
Paulo Freire um dos mais assiacuteduos defensores da Educaccedilatildeo Como Praacutetica da
Liberdade deixa claro que a superaccedilatildeo desse modelo de educaccedilatildeo que aqui podemos associar
a ―educaccedilatildeo bancaacuteria tem como pressuposto intriacutenseco a organizaccedilatildeo da classe trabalhadora
32
dos oprimidos essa libertaccedilatildeo jamais decorreraacute da ―falsa generosidade dos dominadores
(FREIRE 2011)
Esse modelo de educaccedilatildeo representou para escolas rurais grande atraso em relaccedilatildeo ao
processo educativo dos filhos dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo ainda sendo
comum visualizarmos escolas na zona rural em extrema precarizaccedilatildeo O esvaziamento dos
conteuacutedos a distacircncia entre a vida cotidiana dos alunos e o curriacuteculo da escola contribuiu de
forma direta e indiretamente para o abandono da escola pelas crianccedilas seja para ajudarem
seus pais na lida da agricultura ou nas tarefas domeacutesticas Certamente um ―curriacuteculo oculto
(SILVA 2011) contribui para esse processo de pauperismo
A despreocupaccedilatildeo com o trabalho dos sujeitos do campo eacute parte central que
caracteriza a Educaccedilatildeo Rural Haacute uma disparidade uma incongruecircncia muito significativa
entre o dia-a-dia e o que a escola mostra O cotidiano do estudante da escola do campo eacute rico
em diversidades naturais animais relacionais trabalho e no entanto esse cenaacuterio desaparece
no momento em que ele adentra a escola
Destinadas a oferecer conhecimentos elementares de leitura escrita e
operaccedilotildees matemaacuteticas simples mesmo a escola rural multisseriada natildeo tem
cumprido esta funccedilatildeo o que explica as altas taxas de analfabetismo e os
baixos iacutendices de escolarizaccedilatildeo nas aacutereas rurais (RIBEIRO 2012 p 193
apud CALDART et al 2012)
Percebe-se portanto que a Educaccedilatildeo Rural eacute resultado de uma loacutegica opressora natildeo
podendo ser pensada como um acidente metodoloacutegico que por acaso foi de um jeito e que
poderia ter sido de outro modo Pelo contraacuterio esse modelo tinha um propoacutesito uma
finalidade natildeo era neutra assim como nenhuma outra forma de educaccedilatildeo eacute Sabidamente natildeo
era a emancipaccedilatildeo dos sujeitos do campo ou a preparaccedilatildeo para a educaccedilatildeo superior o seu
propoacutesito mas antes as tarefas manuais da agricultura cuja necessidade educacional se
resumia aos anos iniciais do Ensino Fundamental
Freire (2011 p 83) afirma que ―Natildeo eacute de se estranhar pois que nessa visatildeo bancaacuterialsquo
da educaccedilatildeo os homens sejam vistos como seres da adaptaccedilatildeo do ajustamento Essa
educaccedilatildeo que Freire chama bancaacuteria e que serve perfeitamente agrave Educaccedilatildeo Rural esteve
embrionariamente ligada aos interesses dos latifundiaacuterios brasileiros tanto como formaccedilatildeo de
matildeo-de-obra como forma de manter privileacutegios dos ruralistas ao passo que negara a vocaccedilatildeo
33
ontoloacutegica do homem ou seja a vocaccedilatildeo de ser mais ―A escola rural estaacute profundamente
distanciada da realidade do trabalho e da vida dos agricultores uma vez que a educaccedilatildeo tem
sido utilizada pelas classes dominantes para manter a classe trabalhadora rural subordinada
aos seus interesses (RIBEIRO 2010 p 176)
Nesse sentido podemos observar um ―problema no curriacuteculo da educaccedilatildeo rural Esse
problema eacute resultado de interesses a saber ao longo da histoacuteria natildeo vimos em nenhum
horizonte uma accedilatildeo governamental que tivesse a finalidade de proporcionar uma educaccedilatildeo
diferenciada positivamente para os sujeitos do campo Pelo contraacuterio as accedilotildees estiveram
sempre ligadas muito mais aos interesses dos grandes latifundiaacuterios e da classe poliacutetica do
que agraves reais necessidades das populaccedilotildees camponesas
Se olharmos por exemplo o periacuteodo que compreende a deacutecada de 1940 aos anos
1960 veremos que esse interstiacutecio eacute fortemente marcado pelas campanhas de alfabetizaccedilatildeo das
populaccedilotildees camponesas Esse fenocircmeno tem um imperativo como podemos observar na obra
de Saviani (2008 p 316)
O direito de voto contudo estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo o que levou
os governantes a organizar programas campanhas e movimentos de
alfabetizaccedilatildeo de jovens e adultos dirigidos natildeo apenas aos crescentes
contingentes urbanos mas tambeacutem a populaccedilatildeo rural Daiacute o surgimento de
campanhas ministeriais que se estenderam da deacutecada de 1940 ateacute 1963
Vale salientar que essas campanhas tinham como objetivo a educaccedilatildeo elementar nada
que ultrapassasse a fronteira do direito ao voto um exemplo eacute a Campanha Nacional de
Educaccedilatildeo Rural (CNER) Percebemos o quatildeo alarmante era o quadro em que estavam imersas
as populaccedilotildees do campo nesse periacuteodo Nessa mesma conjuntura mas com caraacuteter
eminentemente progressista surgem diversas organizaccedilotildees populares em vaacuterias partes do
paiacutes debatendo e organizando as populaccedilotildees pobres no sentido de conscientizar esses sujeitos
para intervirem conscientemente na poliacutetica e na sociedade brasileira Wanderley (2010 p
85) aponta que
No tempo decisivo citado sobre a emergecircncia dos processos educativos
populares irromperam os movimentos de cultura popular cujo viacutenculo com
os mesmos foram impactantes MCP do Recife de Natal do MEB Meacutetodo
Paulo Freire entre outros Jaacute naquela eacutepoca eles compareciam situados
como movimentos rurais e urbanos Sua influecircncia na poliacutetica da mesma
maneira foi exponencial na linha de pressionar por mudanccedilas de fundo por
34
isso mesmo no Brasil e em outros paiacuteses latino-americanos foram
duramente reprimidos nas ditaduras implantadas
Sobre o caraacuteter educativo dessa mobilizaccedilatildeo Saviani (2008 p 317) nos expotildee o
seguinte
A mobilizaccedilatildeo que toma vulto na primeira metade dos anos 1960 assume
outra significaccedilatildeo Em seu centro emerge a preocupaccedilatildeo com a participaccedilatildeo
poliacutetica das massas a partir da tomada de consciecircncia da realidade brasileira
E a educaccedilatildeo passa a ser vista como instrumento de conscientizaccedilatildeo A
expressatildeo ―educaccedilatildeo popular assume entatildeo o sentido de uma educaccedilatildeo do
povo pelo povo e para o povo pretendendo-se superar o sentido anterior
criticada como sendo uma educaccedilatildeo das elites dos grupos dirigentes e
dominantes pra o povo visando a controlaacute-lo manipulaacute-lo ajustaacute-lo agrave
ordem existente
Nesse panorama histoacuterico eacute salutar ressaltar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire como um
autecircntico representante desse momento histoacuterico Freire esteve preocupado antes de tudo em
inserir um caraacuteter poliacutetico agrave educaccedilatildeo em educar para a conscientizaccedilatildeo e a poliacutetica Daiacute sua
forte defesa da natildeo neutralidade da educaccedilatildeo pensamento oposto agravequele presente no ideaacuterio
da Educaccedilatildeo Rural ele opocircs-se veemente ao manuseio da formaccedilatildeo atrelada aos interesses
das classes opressora
Os espaccedilos populares forjaram grandes pensadores Paulo Freire eacute um desses que
comprova a experiecircncia e a realidade da cotidianidade como geradora de conteuacutedo de
curriacuteculo e como loacutecus para o desenvolvimento de uma praacutetica popular de educaccedilatildeo baseada
na necessidade do sujeito Esse vieacutes foi estrategicamente negligenciado pela Educaccedilatildeo Rural
Esse caraacuteter de uma educaccedilatildeo transformadora e libertaacuteria eacute usado na experiecircncia de
Angicos Estado do Rio Grande do Norte em 1963 onde Paulo Freire desenvolveu seu
―meacutetodo que alfabetizou trabalhadores rurais daquele municiacutepio em um curto intervalo de
tempo Ele e sua equipe ―[] Alfabetiza 300 trabalhadores Este trabalho obteacutem grande
repercussatildeo nacional e internacional Estende a experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN)
e Joatildeo Pessoa (PB) (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012
p146) Nessa experiecircncia o contexto do sujeito assume grande relevacircncia assim como o
trabalho
A concepccedilatildeo de campo na Educaccedilatildeo Rural tambeacutem apresentara um conceito
esvaziado colocado frequentemente como o lugar onde se produzem alimentos para manter a
35
cidade somente Um lugar sem vida anocircnimo anocircmico e anecircmico Essa era e ainda eacute para
muitos o ideaacuterio de campo que predomina em nossa sociedade
Em seu livro Gritti (2003) demonstra que a escola puacuteblica rural foi um
potente instrumento para a expansatildeo do capitalismo no campo brasileiro
trazendo como consequumlecircncia a desestruturaccedilatildeo do modo de vida dos
trabalhadores rurais principalmente seu trabalho os saberes e a cultura que
lhes satildeo proacuteprios (SAVIENI 2008 p 317)
Como jaacute afirmamos na Educaccedilatildeo Rural haacute uma distacircncia muito significativa entre os
conteuacutedos trabalhados em sala de aula e a realidade dos educandos isso eacute potencializado
ainda mais pelo livro didaacutetico e pela formaccedilatildeo do professor que em boa medida natildeo mora no
campo muitas vezes natildeo tem afinidade com aquela realidade e acaba reforccedilando estereoacutetipos
e preconceitos acerca do campo e dos sujeitos (ARAUacuteJO SILVA 2011) Como consequecircncia
desse distanciamento haacute um processo de urbanizaccedilatildeo das escolas do campo ou seja um
transplante da metodologia da escola urbana para a escola rural ou como eacute comum a
deslocaccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos do campo para as escolas da cidade
Segundo Ribeiro (2010) apesar de ter seu reconhecimento no final do Segundo
Impeacuterio a Educaccedilatildeo Rural tem seu desenvolvimento na primeira metade do seacuteculo XX Os
primeiros incentivos a esse modelo de educaccedilatildeo no Brasil se deram durante o Estado Novo
na deacutecada de 1930 Nesse momento essa educaccedilatildeo se dava em boa parte por campanhas de
alfabetizaccedilatildeo Tais campanhas estavam diretamente atreladas aos interesses da incipiente
industrializaccedilatildeo que chegara ao nosso Paiacutes e aos interesses eleitoreiros uma vez que o voto
estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo como exposto anteriormente Ainda segunda a autora a
Educaccedilatildeo Rural estava baseada numa concepccedilatildeo evolucionista que considerava os costumes
e a vida do homem do campo como atrasado e necessaacuterio de ser evoluiacutedo
A partir da deacutecada de 1950 alguns oacutergatildeos satildeo criados com o objetivo de desenvolver
as regiotildees brasileiras que apresentavam maiores iacutendices de pobreza assim surge a
Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) o Instituto Nacional de
Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) a Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria
(SUPRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agraacuterio (INDA) oacutergatildeos federais que
tratariam de questotildees relativas agrave reforma agraacuteria no Brasil (NETO 2007) Esperava-se com
isso a melhoria da vida da populaccedilatildeo do campo brasileiro entretanto muitas dessas agecircncias
36
se tornaram loacutecus de corrupccedilatildeo e manutenccedilatildeo de privileacutegios dos grupos dominantes do Norte
e Nordeste
Durante a Ditadura Civil Militar brasileira a educaccedilatildeo das populaccedilotildees camponesas
seguiu a reboque da modernizaccedilatildeo agriacutecola guinando ao sabor do vento da mecanizaccedilatildeo do
campo Essa educaccedilatildeo continuou a ser objeto de manutenccedilatildeo de privileacutegios da burguesia
agraacuteria e de negaccedilatildeo de direitos e emancipaccedilatildeo das populaccedilotildees rurais Na deacutecada de 1980
Carter (2010 p 38) afirma que
Um novo ciclo de mobilizaccedilatildeo por terra irrompeu com forccedila no iniacutecio da
deacutecada de 1980 de modo especial na Regiatildeo Sul Brasil Ele surgiu com o
apoio de uma rede progressista no meio religioso e a assistecircncia de vaacuterios
sindicatos de trabalhadores rurais em um contexto de intensa modernizaccedilatildeo
agriacutecola crescentes demandas na sociedade civil pela restauraccedilatildeo da
democracia e o decliacutenio gradual do regime militar O MST foi instituiacutedo
formalmente e em niacutevel nacional em janeiro de 1984 Um ano mais tarde o
Brasil testemunhou a inauguraccedilatildeo de um movo governo civil
Haacute um pensamento que advoga que durante a Ditadura Civil Militar houve uma
calmaria nos movimentos sociais como jaacute salientamos anteriormente entendemos que houve
na verdade uma censura um silenciamento dos atores sociais dos sujeitos Os movimentos
sociais estavam em luta estavam em formaccedilatildeo o MST por exemplo tem sua gestaccedilatildeo ainda
na deacutecada de 1970 assim como a Comissatildeo Pastoral da Terra ndash CPT que foi criada para
conter a onda de assassinatos de trabalhadores rurais e acabou tendo grande importacircncia na
proteccedilatildeo daqueles sem-terra que lutavam pela redemocratizaccedilatildeo do Brasil (SCOLESE 2008)
Esses movimentos embora natildeo tivessem em sua gecircnese a educaccedilatildeo como foco central jaacute
traziam uma denuacutencia importante e uma necessidade de reversatildeo da situaccedilatildeo negligente a qual
as populaccedilotildees rurais se encontravam
A Educaccedilatildeo Rural ainda eacute um fenocircmeno existente em nossa sociedade natildeo podemos
dizer que ela foi enterrada com o advento do paradigma10
da Educaccedilatildeo do Campo Sabe-se
que os desafios ainda satildeo muitos A educaccedilatildeo das comunidades rurais tem alcanccedilado avanccedilos
10 De acordo com Kuhn (2009) o conceito de paradigma eacute entendido como sendo o conjunto das realizaccedilotildees da
ciecircncia reconhecidas universalmente ou seja o paradigma refere-se a um conjunto de crenccedilas ou premissas
sobre o que se julga verdadeiro Satildeo processos de construccedilatildeo de conhecimentos capazes de elaborar teorias que
servem como ponto de partida para a resoluccedilatildeo de problemas da comunidade e satildeo o referencial para a
elaboraccedilatildeo de novos trabalhos cientiacuteficos
37
entretanto ainda haacute muito que avanccedilar A Educaccedilatildeo do Campo eacute uma utopia utopia
necessaacuteria que nas palavras de Paulo Freire citado por Moacir Gadotti (1996 p 732) ―eacute a
dialeacutetica entre o ato de denuacutencia do mundo que se desumaniza e o anuacutencio do mundo que se
humaniza
A Educaccedilatildeo do Campo forjada no bojo dos movimentos de resistecircncia tem sido uma
ferramenta para a classe trabalhadora fazendo o contraponto necessaacuterio ao modelo da nova
pedagogia da hegemonia (NEVES 2005) cujo fulcro tem sido o ideaacuterio privatista
desumanizador e mercantil Eacute nessa concepccedilatildeo que apontamos para a Educaccedilatildeo do Campo
como anunciante de outra possibilidade de educaccedilatildeo esse paradigma vem proporcionando
esperanccedila e ressignificando o sentida da luta pelo direito agrave educaccedilatildeo e agrave vida
23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO
Como externamos a pouco de forma breve a Educaccedilatildeo do Campo tem dado passos
importantes rumo agrave construccedilatildeo de um novo paradigma educacional para as populaccedilotildees do
campo brasileiro Tem feito um tensionamento necessaacuterio ao atual modelo da pedagogia que
tornou-se hegemocircnica que de acordo com Freire (2011) a pedagogia dominante eacute a pedagogia
da classe dominante No entanto muitos afirmam que na realidade as escolas do campo ainda
apresentam problemas estruturais e que mudar o nome dessa educaccedilatildeo natildeo resolveraacute a
questatildeo De fato as escolas do campo ainda apresentam desafios a serem superados
entretanto eacute salutar perceber que algo estaacute acontecendo
Trazer o debate da educaccedilatildeo agrave tona natildeo eacute uma tarefa faacutecil e falar em educaccedilatildeo de
populaccedilotildees historicamente excluiacutedas residentes de uma aacuterea tida como atrasada como eacute
colocado o campo eacute uma tarefa ainda mais complexa Falar de uma educaccedilatildeo ―Para aleacutem do
capital ainda mais nesse tempo eacute sem duacutevida uma tarefa das mais louvaacuteveis A educaccedilatildeo do
Campo tem conseguido essa faccedilanha tem posto em xeque a educaccedilatildeo rural e tem sobretudo
conquistado pela luta sua institucionalidade e seu reconhecimento enquanto um direito da
classe camponesa Nesse sentido a mudanccedila natildeo tem se restringido somente agrave nomenclatura
mas principalmente as conquistas reais
38
Trazemos uma indagaccedilatildeo que nos diz muito sobre a questatildeo da educaccedilatildeo das
populaccedilotildees do campo Arroyo Caldart e Molina na 4ordf ediccedilatildeo da obra ―Por uma Educaccedilatildeo do
Campo de 2009 questionam
Interroga-nos porque nem sequer os governos democraacuteticos nem sequer o
movimento educacional progressista conseguiram colocar em seus
horizontes o direito dos camponeses agrave educaccedilatildeo O olhar negativo
preconceituoso do campo e seu lugar no modelo de desenvolvimento seriam
responsaacuteveis A agricultura camponesa vista como sinal de atraso
inferioridade como um modelo de produccedilatildeo de vida e cultura em extinccedilatildeo
Como quebrar o fetiche que coloca o povo do campo como algo agrave parte
(ARROYO CALDART MOLINA 2009 p 11)
Essas questotildees nos ajudam a entender o terreno em que estamos pisando Ele eacute repleto
de contradiccedilotildees eacute delicado por isso mesmo eacute preciso perspicaacutecia para mover-se nesse debate
em que pese os riscos de naturalizaccedilatildeo de fenocircmenos que satildeo histoacutericos e sociais
Para tomarmos como momento histoacuterico a Ditadura Civil Militar Fernandes (2010 p
163) afirma que
O Governo militar tentou minimizar os conflitos de terra com a implantaccedilatildeo
de projetos de colonizaccedilatildeo na Amazocircnia mas essa poliacutetica de fomentar a
migraccedilatildeo camponesa natildeo diminuiu os conflitos por terra na regiatildeo Sul
Sudeste e Nordeste do Paiacutes Desde o iniacutecio o regime militar reprimiu com
violecircncia as accedilotildees dos trabalhadores que reivindicaram seus direitos como o
acesso agrave terra e melhores condiccedilotildees de trabalho
Os conflitos no campo se tornaram uma constante A contraditoacuteria relaccedilatildeo entre
trabalho e capital tornou-se insustentaacutevel (RIBEIRO 2010) a reforma agraacuteria era uma
questatildeo premente Os movimentos sociais do campo retomam a bandeira da necessidade dessa
reforma como direito e sobretudo como paracircmetro de equidade social entre as populaccedilotildees
do campo e da cidade
Com o fim do regime militar nos anos 1980 sobretudo devido agraves pressotildees advindas da
sociedade civil11
os movimentos sociais assumem o protagonismo das lutas em defesa do
11 Para Gramsci diversamente ―sociedade civil designa o conjunto das organizaccedilotildees responsaacuteveis pela
elaboraccedilatildeo eou difusatildeo das ideologias compreendendo o sistema escolar os sindicatos os meios de
comunicaccedilatildeo as instituiccedilotildees de caraacuteter cientiacutefico e artiacutestico etc (COUTINHO 2011 p 25)
39
trabalho da terra da educaccedilatildeo Eacute nesse momento que irrompe como um dos principais
protagonistas da luta por uma Educaccedilatildeo do Campo o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) movimento social que para Fernandes (2012 p 496)
Reuacutene em sua base diferentes categorias de camponeses pobres ndash como
parceiros meeiros posseiros minifundiaacuterios e trabalhadores assalariados
chamados de sem terra e tambeacutem diversos lutadores sociais para desenvolver
as lutas pela terra pela Reforma Agraacuteria e por mudanccedilas na agricultura
brasileira
Esse cenaacuterio de exclusatildeo negaccedilatildeo de direitos e luta dos camponeses eacute propiacutecio ao
surgimento de praacuteticas educativas autecircnticas forjadas na proacutepria luta Como nos questiona
Freire (2011 p 42-43) ―Quem melhor que os oprimidos se encontraraacute preparado para
entender o significado terriacutevel de uma sociedade opressora Quem sentiraacute melhor que eles os
efeitos da opressatildeo Quem mais que eles para ir compreendendo a necessidade da
libertaccedilatildeo Nesse processo de luta emerge uma forma alternativa de educaccedilatildeo no campo do
campo e com o campo o que viria a tomar corpo e que hoje chamamos Educaccedilatildeo do Campo
Uma das principais diferenccedilas entre Educaccedilatildeo Rural e Educaccedilatildeo do Campo estaacute na
utilizaccedilatildeo e no propoacutesito dessas duas formas de educar A primeira como vimos estaacute
fortemente atrelada a utilizaccedilatildeo da matildeo-de-obra no trabalho dos latifuacutendios em condiccedilatildeo
humana precaacuteria A Educaccedilatildeo do Campo tem como objetivo a formaccedilatildeo para o trabalho e para
a vida pensa o sujeito em sua amplitude sua autonomia e sua capacidade de decidir Pensa
modelos de desenvolvimento para agricultura que natildeo resida no agronegoacutecio e na economia
de exportaccedilatildeo tatildeo somente mas uma economia solidaacuteria e a pequena propriedade como forma
de sustentabilidade ambiental e social para as populaccedilotildees tradicionais do campo
A pedagogia do oprimido dos excluiacutedos dos tempos de barbaacuterie natildeo estaacute
em encontrar meacutetodos novos para educar os baacuterbaros civilizar os oprimidos
ou incluir os excluiacutedos nos valores e saberes dos ―civilizados mas estaacute em
apreender com o conjunto de processos que os excluiacutedos e oprimidos
reinventam para continuar humanos manter seus valores e seus saberes sua
cultura e memoacuteria coletiva sua identidade e dignidade (ARROYO 2011 p
274)
Desse modo percebe-se uma niacutetida evidecircncia de que os movimentos sociais do campo
desenvolveram uma produccedilatildeo pedagoacutegica que tem como sustento suas proacuteprias necessidades
e seu espaccedilo de luta e trabalho
40
A mobilizaccedilatildeo do MST e outros segmentos da sociedade civil tiveram como resultado
a realizaccedilatildeo do I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agraacuteria ndash
ENERA ndash realizado em Brasiacutelia e promovido pelo Movimento em parceria com a UnB a
Unesco o Unicef e a CNBB em junho de 1997 (RIBEIRO 2010) Como fruto desse encontro
e do acuacutemulo dos movimentos sociais na defesa dos direitos agrave educaccedilatildeo vimos brotar de um
chatildeo ―aacuterido e seco o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) uma das
grandes conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo
O Pronera foi criado em 16 de abril de 1998 num contexto de organizaccedilatildeo e
mobilizaccedilatildeo dos Sem Terra em memoacuteria dos massacres de Corumbiara em Rondocircnia em
1995 e Eldorado dos Carajaacutes no Estado do Paraacute ocorrido em 1996 (SANTOS 2012)
Podemos dizer que a primeira conquista do Movimento de Educaccedilatildeo do Campo foi a
institucionalizaccedilatildeo desse Programa
O Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) eacute uma
poliacutetica puacuteblica do governo federal especiacutefica para a educaccedilatildeo formal de
jovens e adultos assentados da Reforma Agraacuteria e do creacutedito fundiaacuterio e para
a formaccedilatildeo de educadores que trabalham nas escolas dos assentamentos ou
do seu entorno e atendem a populaccedilatildeo assentada (SANTOS 2012 p 629)
Assim podemos afirmar que o Programa eacute na verdade uma conquista pela via da luta
e da organizaccedilatildeo da sociedade camponesa em prol de um direito que eacute a educaccedilatildeo e de uma
necessidade que eacute a formaccedilatildeo de professores para as escolas do campo Como objetivos
gerais o Pronera se pretende a
I ndash oferecer educaccedilatildeo formal aos jovens e adultos beneficiaacuterios do Programa
Nacional de Reforma Agraacuteria (PNRA) em todos os niacuteveis de ensino e aacutereas
do conhecimento
II ndash melhorar as condiccedilotildees de acesso agrave educaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e
III ndash proporcionar melhorias no desenvolvimento dos assentamentos rurais
por meio da formaccedilatildeo e qualificaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e dos
profissionais que desenvolvem atividades educacionais e teacutecnicas nos
assentamentos (BRASIL 2011 p 13)
De acordo com o Decreto Nordm 7352 que dispotildee sobre a poliacutetica de educaccedilatildeo do campo
e o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria ndash Pronera ndash Satildeo beneficiaacuterios do
programa
41
I - populaccedilatildeo jovem e adulta das famiacutelias beneficiaacuterias dos projetos de
assentamento criados ou reconhecidos pelo INCRA e do Programa Nacional
de Creacutedito Fundiaacuterio ndash PNFC
II - alunos de cursos de especializaccedilatildeo promovidos pelo INCRA
III - professores e educadores que exerccedilam atividades educacionais voltadas
agraves famiacutelias beneficiaacuterias e
IV - demais famiacutelias cadastradas pelo INCRA
Devido ao seu caraacuteter eminentemente popular o Pronera tem enfrentado barreiras
significativas tanto por parte dos oacutergatildeos de controle como o Tribunal de Contas da Uniatildeo por
exemplo como por setores conservadores da Cacircmara e no Senado Federal sendo a bancada
ruralista o maior expoente dessa oposiccedilatildeo Alem disso dentro das universidades tambeacutem tem
enfrentado desafios no que se refere a permanecircncia dos estudantes
No entanto como afirma Brandatildeo (2009) a Educaccedilatildeo Popular tem como essecircncia a
resistecircncia e a oposiccedilatildeo ao status quo social Como a Educaccedilatildeo do Campo herda demasiado
caraacuteter desse paradigma educacional assim como da pedagogia freireana essas tensotildees e
conflitos representam disputas inerentes ao tecido social
O resultado do I Enera aleacutem da criaccedilatildeo do Pronera teve ainda a inserccedilatildeo definitiva da
Educaccedilatildeo do Campo no cenaacuterio nacional como afirma Roseli Caldart (2012 p 257)
O surgimento da expressatildeo ―Educaccedilatildeo do Campo pode ser datada Nasceu
primeiro como Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo no contexto de preparaccedilatildeo da I
Conferecircncia Nacional por uma Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo realizada em
Luziacircnia Goiaacutes de 27 a 30 de julho de 1998 Passou a se chamar Educaccedilatildeo
do Campo a partir das discussotildees do Seminaacuterio Nacional realizado em
Brasiacutelia de 26 a 29 de novembro de 2002 decisatildeo posteriormente reafirmada
nos debates da II Conferecircncia Nacional realizada em julho de 2004
A Educaccedilatildeo do Campo estaacute embrionariamente ligada aos movimentos sociais eacute a
educaccedilatildeo pensada por esses movimentos e natildeo para eles Desse modo pensar essa educaccedilatildeo
dissociada das praacuteticas e das lutas desses movimentos eacute cair num grande equiacutevoco A
Educaccedilatildeo do Campo tem sido uma ferramenta de luta para a classe trabalhadora do campo
natildeo como pura e simplesmente uma modalidade de ensino mas como um fenocircmeno capaz de
devolver aos sujeitos do campo a sua integraccedilatildeo com seu lugar
A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com
ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento
42
proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica em
que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem absolutizar-se
fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-o a julgar o seu
mundo algo sobre que apenas se acha A sua integraccedilatildeo o enraiacuteza Faz dele na
feliz expressatildeo de Marcel ―um ser situado e datado (FREIRE 1983 p 42)
Desse modo a Educaccedilatildeo do Campo se propotildee a construir coletivamente um
contraponto a um paradigma educacional desumanizado que tem como fulcro os interesses do
mercado capitalista tatildeo somente A esse respeito Jesus (2006 p 51) afirma que
Essa educaccedilatildeo tem na sua origem a necessidade de reinventar as praacuteticas
sociais contra um processo perverso de uma forma hegemocircnica de
globalizaccedilatildeo econocircmica poliacutetica e cultural que impotildee aos diferentes paiacuteses
perifeacutericos e semi-perifeacutericos a reorganizaccedilatildeo das formas de poder de
produccedilatildeo do conhecimento e de desenvolvimento econocircmico e social que
aumenta assustadoramente a perda das autonomias e as desigualdades em
especial entre o povo brasileiro que vive no campo ou eacute excluiacutedo dele
Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo natildeo estaacute acabada eacute pensada a partir das
demandas e necessidades mutaacuteveis que a realidade concreta apresenta Coaduna trabalho e
formaccedilatildeo como partes indissociaacuteveis para a construccedilatildeo do sujeito autocircnomo (SANTOS
2012) Essa Educaccedilatildeo natildeo estaacute paralela aos movimentos sociais ela eacute a educaccedilatildeo desses
movimentos Foi gestada nas lutas por terra nas ocupaccedilotildees nos assentamentos no
enfrentamento das desigualdades sociais Custou vidas e sonhos portanto eacute uma produccedilatildeo
pedagoacutegica autecircntica do movimento de resistecircncia que estaacute muito aleacutem do conceito esvaziado
de educaccedilatildeo dos tempos de produccedilatildeo
Eacute importante destacar que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo natildeo minimiza a
importacircncia dos conteuacutedos e dos conhecimentos historicamente produzidos e acumulados pela
humanidade Natildeo minimiza o curriacuteculo a gestatildeo o planejamento Muito pelo contraacuterio a
Educaccedilatildeo do Campo procurar encher de sentido esses instrumentos que foram esvaziados pela
loacutegica capitalista Busca explicitar o curriacuteculo oculto almeja a gestatildeo democraacutetica e
participativa busca ainda um planejamento no qual os sujeitos e suas realidades e
necessidades tambeacutem sejam parte Nesse sentido a criacutetica feita a Paulo Freire de formular
uma pedagogia sem conteuacutedos eacute hoje dirigida ao paradigma educacional em questatildeo No
entanto essas criacuteticas tecircm partido muito mais de setores burocraacuteticos da sociedade em que
pese natildeo reconheceram a importacircncia e os reais avanccedilos e conquistas dos sujeitos do campo
na contemporaneidade
43
24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS
CONHECIMENTO
A necessidade de uma escola que respeite os saberes dos sujeitos forjados no trabalho
com a terra cujos direitos em boa medida o Estado lhes cerceou historicamente eacute
fundamental para o debate da Educaccedilatildeo do Campo Indubitavelmente a metodologia que
melhor compactua trabalho e formaccedilatildeo e cujo assento reside na relevacircncia das praacuteticas
culturais inerentes aos sujeitos do campo eacute a Pedagogia da Alternacircncia
Entendemos que a Pedagogia da Alternacircncia precisa ser situada dentro da perspectiva
do multiculturalismo12
do curriacuteculo Eacute uma proposta natildeo hegemocircnica utilizada pelos
movimentos sociais que se articulam na Via Campesina13
e que procura coadunar trabalho e
educaccedilatildeo o que sem duacutevida configura um dos maiores desafios da educaccedilatildeo na
contemporaneidade A inclusatildeo das praacuteticas dos trabalhadores nos conteuacutedos e metodologias
da escola eacute importante natildeo somente como forma de respeito mas como ferramenta de
equiparaccedilatildeo e permanecircncia desses sujeitos na escola
Segundo Ribeiro (2012) a Pedagogia da Alternacircncia tem origem com as Casas
Familiares Rurais (CFRlsquos) na Franccedila e com as Escolas Familiares Rurais (EFAlsquos) na Itaacutelia
―Pode-se dizer que eacute uma alternativa metodoloacutegica de formaccedilatildeo profissional agriacutecola para
jovens inicialmente do sexo masculino filhos de agricultores franceses (idem 2012 p 293)
Outra raiz histoacuterica ainda segundo a autora estaacute nas experiecircncias de trabalho e educaccedilatildeo
efetivadas na Ruacutessia poacutes-revolucionaacuteria de 1917 Expostas essas duas matrizes histoacutericas os
movimentos camponeses que pautam a educaccedilatildeo do campo no Brasil tendem a se filiarem
em sua maioria a essa segunda concepccedilatildeo histoacuterica
12 Multicultural eacute um termo qualificativo Descreve as caracteriacutesticas sociais e os problemas de governabilidade
apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma
vida em comum ao mesmo tempo em que reteacutem algo de sua identidade original Em contrapartida o termo
multiculturalismo e substantive Refere-se as estrateacutegias e politicas adotadas para governar ou administrar
problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais E usualmente utilizado no
singular significando a filosofia especifica ou a doutrina que sustenta as estrateacutegias multiculturais
Multicultural entretanto eacute por definiccedilatildeo plural (HALL 2009 p 52)
13 Criada em 1992 a Via Campesina eacute uma organizaccedilatildeo mundial que articula movimentos sociais que lutam pela
terra Entre seus objetivos a solidariedade eacute o mais presente A Via condena o modo predatoacuterio de produccedilatildeo
cujo objetivo se resume a exportaccedilatildeo condena a nomocultura o uso excessivo de agrotoacutexicos que satildeo
caracteriacutesticas do modelo de produccedilatildeo do agronegoacutecio (FERNANDES 2012)
44
Ela [a pedagogia da alternacircncia] brota do desejo de natildeo cortar raiacutezes Eacute uma
das pedagogias produzidas em experiecircncias de escolas do campo em que o
MST se inspirou Busca integrar a escola com a famiacutelia e a comunidade do
educando No nosso caso ela permite uma troca de conhecimento e o
fortalecimento dos laccedilos familiares e do viacutenculo dos educandos com o
assentamento ou acampamento o MST e a terra (CALDART 2009 p 104
Com grifos do autor)
Essa pedagogia natildeo foi gestada nas universidades ela natildeo envolve nem pesquisadores
nem docentes (RIBERIRO 2010) Eacute uma proposta que busca garantir interligaccedilatildeo entre dois
espaccedilos instituiccedilotildees de ensino e atividades de trabalho comum aos agricultores Esse meacutetodo
estaacute diretamente ligado agrave concepccedilatildeo de trabalho e educaccedilatildeo pautado pelos pensadores
marxistas que entendem que o trabalho tem em si um princiacutepio educativo capaz de garantir
uma formaccedilatildeo omnilateral pensamento esse tambeacutem advogado por Paulo Freire e educadores
criacuteticos do Brasil
A alternacircncia se divide em dois momentos o Tempo Escola (TE) em que os
educandos permanecem de duas semanas a dois meses dependendo do curso no espaccedilo da
escola em regime de internato e o Tempo Comunidade (TC) momento no qual os educandos
retornam agraves suas propriedades familiares ou agraves comunidades ou aos assentamentos ou ainda
aos acampamentos para colocarem em praacutetica os conhecimentos que foram objeto de estudo
no TE (RIBEIRO 2010)
Mais que uma caracteriacutestica de sucessotildees repetidas de sequumlecircncia a
alternacircncia enquanto princiacutepio pedagoacutegico visa desenvolver na formaccedilatildeo
dos jovens situaccedilotildees em que o mundo escolar se posiciona em interaccedilatildeo com
o mundo que o rodeia Buscando articular universos considerados opostos ou
insuficientemente interpenetrados ndash o mundo da escola e o mundo da vida a
teoria e a praacutetica o abstrato e o concreto ndash a alternacircncia coloca em relaccedilatildeo
diferentes parceiros com identidades preocupaccedilotildees e loacutegicas tambeacutem
diferentes (SILVA 2000 p 16)
Esse modelo de se fazer educaccedilatildeo pode ter um papel determinante no combate ao
processo nefasto que vem cerceando o direito dos povos do campo a terem acesso agrave educaccedilatildeo
de qualidade sem sair do campo em que pese agrave poliacutetica de nucleaccedilatildeo a qual temos
testemunhado na atualidade Esse processo tem a finalidade de diminuir custos com a
formaccedilatildeo dos filhos dos agricultores que satildeo deslocados para uma escola-nuacutecleo
normalmente localizada na cidade (Ribeiro 2010)
45
A Pedagogia da Alternacircncia compartilha saberes acadecircmico e aqueles advindos do
cotidiano do trabalho na agricultura na pesca nas florestas nos quilombos e em uma
infinidade de espaccedilos que o conceito de campo compreende na contemporaneidade Nesse
sentido a leitura de mundo dos sujeitos tem papel de destaque nessa pedagogia Para Freire
(1983) ―basta ser homem para ser capaz de captar os dados da realidade Para ser capaz de
saber ainda que seja este saber meramente opinativo daiacute que natildeo haja ignoracircncia absoluta
nem sabedoria absoluta (p105) Outro fator importante eacute entender a situaccedilatildeo concreta do
sujeito no mundo como determinante para sua accedilatildeo (FREIRE 2011)
Desse modo compreendemos o curriacuteculo da Educaccedilatildeo do Campo neste trabalho
baseado na Pedagogia da Alternacircncia que uma vez partilhada entre tempo escola e tempo
comunidade significa uma possibilidade de associaccedilatildeo entre trabalho e formaccedilatildeo Essa
metodologia proporciona ainda uma maior aproximaccedilatildeo entre escola e comunidade de modo
a estreitar a dicotomia estabelecida entre teoria e praacutetica No Tempo Escola aleacutem da
aquisiccedilatildeo dos conteuacutedos eacute tambeacutem o momento de pensar sobre a loacutegica o sentido e o valor
social desses conteuacutedos No Tempo Comunidade busca-se a continuidade atraveacutes da praacutexi
dos conhecimentos adquiridos na escola Para melhor esclarecer esse processo vejamos a
seguinte citaccedilatildeo
No Tempo Escola os educandos formam um coletivo muitas vezes oriundos
de diferentes comunidades que ao trazer questotildees reflexotildees
problematizaccedilotildees das suas localidades especiacuteficas ampliam o processo de
reflexatildeo sobre as realidades do campo confrontando as muacuteltiplas situaccedilotildees
que as compotildeem No Tempo Comunidade cada educando individualmente
ou em pequenos grupos deve reafirmar seu envolvimento com sua
comunidade desenvolvendo nela as atividades de pesquisa reflexatildeo
problematizaccedilatildeo e em alguns casos intervenccedilatildeo Dessa forma cria-se um
novo coletivo de accedilatildeo (educando ndash comunidade) que permite inclusive a
participaccedilatildeo indireta do conjunto da comunidade no processo educativo
reforccedilando a relaccedilatildeo escola ndash comunidade (ANTUNES-ROCHA MARTINS
2011 p 226)
Fica evidente que haacute uma aproximaccedilatildeo entre os dois momentos e que ambos satildeo
formativos Aleacutem disso se coloca de forma expliacutecita o trabalho com as experiecircncias e
multiplicidades de culturas que os povos do campo trazem consigo com o outro e com
mundo
46
As peculiaridades da Educaccedilatildeo do Campo natildeo podem ser entendidas como adaptaccedilotildees
ou como modelo da educaccedilatildeo hegemocircnica antes deve ser entendida com autenticidade Sua
organizaccedilatildeo portanto natildeo pode se pautar na educaccedilatildeo urbana adaptada ao campo mas sim
uma educaccedilatildeo proacutepria desse campo Suas conquistas foram arrancadas do seio da educaccedilatildeo
posta historicamente uma educaccedilatildeo que jamais destinou espaccedilo em seu curriacuteculo agraves
vivecircncias agrave leitura de mundo dos sujeitos ou ao trabalho agriacutecola desempenhado pelos povos
do campo14
Verificamos portanto o surgimento desse paradigma metodoloacutegico natildeo como uma
criaccedilatildeo academicista mas como uma necessidade de um modelo ou uma metodologia que
coadune formaccedilatildeo escolar e trabalho praacutetico A Pedagogia da Alternacircncia se confunde com a
proacutepria Educaccedilatildeo do Campo visto que ela natildeo foi uma formalidade acadecircmica pensada e
pesquisada para as populaccedilotildees campesinas ainda que tenha grandes contribuiccedilotildees de
pesquisadores das universidades ela surgiu da necessidade dos proacuteprios trabalhadores e
trabalhadoras do campo
Entendendo as dimensotildees poliacuteticas e ideoloacutegicas das quais o curriacuteculo estaacute permeado
os movimentos sociais do campo foram categoacutericos em apontar para a alternacircncia como
sustentaccedilatildeo da sua praacutetica educativa Assim como eacute salutar diferenciarmos Educaccedilatildeo do
Campo de Educaccedilatildeo Rural sempre que formos chamados a refletir sobre a educaccedilatildeo destinada
agraves populaccedilotildees camponesas tambeacutem eacute importante externar a diferenccedila que haacute de forma mais
decomposta entre o curriacuteculo desses dois paradigmas de se pensar o ensino Ribeiro (2010)
fazendo uma diferenciaccedilatildeo entre os dois modelos curricular aponta
[] 3ordm) Curriacuteculo objetivos e metodologia da escola rural estatildeo direcionados
para o sistema de produccedilatildeo de mercadorias no qual o proacuteprio ser humano eacute
uma mercadoria que pode ser descartaacutevel e flexiacutevel em tempos de desemprego
estrutural e tecnoloacutegico Para a escola baacutesica do campo a memoacuteria das lutas e
das experiecircncias produtivistas constitui-se na base curricular em que se
articulam a produccedilatildeo da vida dos alimentos da sociedade e da ciecircncia Em
14 Nesse momento eacute salutar esclarecer que ao nos referimos a sujeitos do campo estamos tratando de sujeitos
concretos de assentamentos aacutereas indiacutegenas quilombolas pescadores povos que tiram sua subsistecircncia das
florestas e toda a abrangecircncia que o termo campo engloba na contemporaneidade Os sujeitos do campo satildeo
antes de tudo cidadatildeo concretos que contribuem social econocircmico e culturalmente para com as melhorias e
avanccedilos que tivemos em nosso paiacutes
47
contraposiccedilatildeo ao conhecimento cientiacutefico que expulsa e subordina os
agricultores a proposta dos movimentos sociais populares ruraisdo campo
pensa a produccedilatildeo do conhecimento a partir das experiecircncias dos agricultores
articulando tais experiecircncias com o conhecimento cientiacutefico e tecnoloacutegico
socialmente produzido (RIBEIRO 2010 p 197)
Nesse sentido o curriacuteculo da escola do campo pretendido pelos movimentos sociais eacute o
que se adeacutequa agrave vida e ao trabalho das populaccedilotildees do campo e melhor intercala formaccedilatildeo
escolar cotidiano e cultura camponesa A proposta pedagoacutegica da alternacircncia tem sido o
caminho percorrido na busca da formulaccedilatildeo de um curriacuteculo democraacutetico e que atenda de
forma satisfatoacuteria as expectativas da Educaccedilatildeo do Campo
Ainda que tenhamos apontados os pontos positivos da Pedagogia da Alternacircncia
precisamos refletir sobre aspectos que tecircm se apresentado como preocupantes dialogaremos
melhor sobre as criacuteticas a essa proposta quando estivermos analisando o curriacuteculo do curso
Pedagogia da Terra pois seraacute mais faacutecil exemplificar essas preocupaccedilotildees Adiantamos que haacute
uma grande dificuldade em estabelecer a matildeo dupla entre escolauniversidade e comunidades
Tempo Escola e Tempo Comunidade tambeacutem tecircm ocorrido de forma bastante diferente do
que se pretende mas isso veremos mais adiante
25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS
DA EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO
Nesse momento eacute salutar externarmos alguns avanccedilos que o Movimento de Educaccedilatildeo
do Campo vem conseguindo nessa empreitada de lutas diaacuterias que tem travado contra o
Estado de classe que predomina em nossa sociedade Eacute importante destacar que as conquistas
ateacute aqui alcanccediladas satildeo de meacuterito da resistecircncia que os povos do campo tecircm empreendido ao
longo dos anos na busca pela garantia dos seus direitos os quais a historia nos mostra que
foram cerceados ou negados ao longo dos tempos
O trabalho precaacuterio a espoliaccedilatildeo sofrida pelos camponeses e pelas camponesas satildeo
marcas visiacuteveis de uma sociedade excludente e atrasada Sendo assim a organizaccedilatildeo dessas
populaccedilotildees tradicionais eacute antes de tudo um direito tendo em vista a legitimidade de lutar
contra a opressatildeo A sociedade tem uma diacutevida com esses grupos portanto
48
cronologicamente estaacute na hora de assumir essa responsabilidade no sentido de garantir os
direitos baacutesicos e fundamentais aos sujeitos do campo
A aprovaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da educaccedilatildeo nacional 40241961
fora norteada pela discussatildeo entre defensores da educaccedilatildeo puacuteblica e os da escola particular e
natildeo traz avanccedilos significativos agraves populaccedilotildees trabalhadoras do campo a Lei eacute uma ―meia
vitoacuteria na voz de Aniacutesio Teixeira ―mas vitoacuteria (SAVIANI 2008) A Lei 402461 ainda
apresentara em seu acircmago uma orientaccedilatildeo pela adaptaccedilatildeo do ao meio numa clara alusatildeo a
uma visatildeo civilizatoacuteria e evolucionista do sujeito do campo (MEC 2002)
A Lei nordm 4024 de dezembro de 1961 resultou de um debate que se prolongou
durante 13 anos gerando expectativas diversas a respeito do avanccedilo que o
novo texto viria a representar para a organizaccedilatildeo da educaccedilatildeo nacional O
primeiro anteprojeto e os demais substitutivos apresentados deram visibilidade
ao acirrado embate que se estabeleceu na sociedade em torno do tema O
anteprojeto elaborado pelo GT indicado sob a orientaccedilatildeo do Ministro
Clemente Marianne representou o primeiro esforccedilo de regulamentaccedilatildeo do
previsto na Carta Magna (1946) Este aleacutem de reforccedilar o dispositivo
constitucional expressa as mudanccedilas que perpassavam a sociedade em seu
conjunto Logo em seguida diversos substitutivos entre os quais os que foram
apresentados por Carlos Lacerda redirecionaram o foco da discussatildeo
Enquanto o primeiro anteprojeto se revelava afinado com as necessidades
educacionais do conjunto da sociedade dando ecircnfase ao ensino puacuteblico a
maior parte desses substitutivos em nome da liberdade representavam os
interesses das escolas privadas (MEC 2002 p 25-26)
Em 11 de agosto de 1971 eacute sancionada a Lei 5692 que fixara diretrizes e bases para
o ensino de 1ordm e 2ordm grau e de outras providecircncias (MEC 2002 p 27) Alguns entendem
como a segunda LDB e outros vecircm como a 402461 com algumas adequaccedilotildees A Lei
propotildee ajustamento agraves diferenccedilas culturais das diferentes regiotildees Tambeacutem prevecirc a
adequaccedilatildeo do periacuteodo de feacuterias agrave eacutepoca de plantio e colheita de safras No entendo em boa
medida reafirma o caraacuteter da LBD anterior apontando para a necessidade de adaptaccedilatildeo do
camponecircs agrave terra
Para Saviani (2008) e Porto (2007) a Lei nordm 569271 teve funccedilatildeo ideoloacutegica no
sentido de dar sustentaccedilatildeo ao periacuteodo de secessatildeo democraacutetica no qual o Brasil iniciara no
ano de 1964 Nesse periacuteodo o Governo autoritaacuterio buscava uma maior inserccedilatildeo nos estados
mais pobres do Brasil com ecircnfase no Norte e Nordeste Desse modo em muitos casos essa
lei teve um caraacuteter muito mais de instrumento poliacutetico do governo do que propriamente
49
educacional Segundo os autores a lei 569271 foi promulgada sob a eacutegide da estrateacutegia do
―autoritarismo triunfante
A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496 representou um avanccedilo
significativo para a educaccedilatildeo dos povos do campo sobretudo no que se refere agrave
especificidade desses sujeitos Em seu artigo 28 podemos observar que
Na oferta da Educaccedilatildeo Baacutesica para a populaccedilatildeo rural os sistemas de Ensino
promoveratildeo as adaptaccedilotildees necessaacuterias agrave sua adequaccedilatildeo agraves peculiaridades da
vida rural e de cada regiatildeo especialmente
I- conteuacutedos curriculares e metodologias apropriadas agraves reais necessidades e
interesses dos alunos na zona rural
II- organizaccedilatildeo escolar proacutepria incluindo adequaccedilatildeo do calendaacuterio escolar agraves
fases do ciclo agriacutecola e agraves condiccedilotildees climaacuteticas
III- adequaccedilatildeo agrave natureza do trabalho na zona rural
Os avanccedilos que temos observado sobretudo a partir da primeira deacutecada do seacuteculo
XXI do ponto de vista institucional se devem em grande medida agrave organizaccedilatildeo das
populaccedilotildees do campo e agrave resistecircncia histoacuterica que tem caracterizado essa populaccedilatildeo
Fruto de um novo cenaacuterio poliacutetico social e econocircmico a primeira deacutecada do Seacuteculo
XXI apresenta avanccedilos significativos sobretudo nas aacutereas sociais e educacionais ainda que
fortemente atrelados agraves poliacuteticas neoliberais da deacutecada de 1990
A Resoluccedilatildeo CNECEB 1 de 342002 portanto institui as Diretrizes
operacionais para a educaccedilatildeo baacutesica nas escolas do campo Nessa
resoluccedilatildeo percebe-se o reconhecimento de que a escola do campo tem uma
identidade vinculada agrave realidade na qual estaacute inserida [] Ao mesmo tempo
ressalta a importacircncia da educaccedilatildeo para o exerciacutecio pleno da cidadania e para
um desenvolvimento do paiacutes que consiste na solidariedade e a justiccedila social
envolvendo as populaccedilotildees rurais e urbanas (RIBEIRO 2010 p 191)
As Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo do Campo procura englobar o
entendimento de campo isto eacute o que entes era entendido como lugar de plantar passa por
uma ampliaccedilatildeo que vai de comunidades remanescente de quilombos comunidades indiacutegenas
pescadores assentados da reforma agraacuteria aacutereas ribeirinhas comunidades sem-terra e seus
sujeitos agregados caboclos meeiros entre outras (RIBEIRO 2010)
O campo nesse sentido mais do que um periacutemetro natildeo urbano eacute um campo de
possibilidades que dinamizam as ligaccedilotildees dos seres humanos e com a proacutepria produccedilatildeo das
condiccedilotildees da existecircncia social (MEC 2002) Nesse sentido as reivindicaccedilotildees por poliacuteticas
50
puacuteblicas para esses povos assim como a valorizaccedilatildeo e reconhecimento dos seus saberes e
praacuteticas passa a ser foco subjacente desse novo periacuteodo
A aprovaccedilatildeo das Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo Baacutesica nas Escolas do
Campo eacute o resultado das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que lutam por educaccedilatildeo de
qualidade e vida digna para os povos do campo com destaque para o MST A aprovaccedilatildeo das
Diretrizes tem a contribuiccedilatildeo de vaacuterias organizaccedilotildees sociais comprometidas com as
transformaccedilotildees que a contemporaneidade enseja Satildeo Movimentos Sociais Conselhos
Estaduais e Municipais de Educaccedilatildeo Uniatildeo Nacional dos Dirigentes Municipais de Educaccedilatildeo
(UNDIME) universidades e instituiccedilotildees de pesquisa o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel Organizaccedilotildees Natildeo Governamentais e diversos outros
setores engajados em projetos direcionados para o desenvolvimento socialmente justo no
espaccedilo diverso e multilateral do campo (MEC 2002)
Podemos observar que as Diretrizes Operacionais para as Escolas do Campo vieram
como subsiacutedio e reforccedilam agrave LDB 939496 que jaacute estabelecera normas especiacuteficas agrave Educaccedilatildeo
do campo como podemos ler no artigo 5ordm das Diretrizes Operacionais das Escolas do campo
As propostas pedagoacutegicas das escolas do campo respeitadas as diferenccedilas e o
direito agrave igualdade e cumprindo imediata e plenamente o estabelecido nos
artigos 23 26 e 28 da Lei 9394 de 1996 contemplaratildeo a diversidade do
campo em todos os seus aspectos sociais culturais poliacuteticos econocircmicos de
gecircnero geraccedilatildeo e etnia( LDB 1996 p 23)
O processo de normatizaccedilatildeo eacute sem duacutevida de suma importacircncia para a garantia do
direito No entanto sabe-se que esse direito eacute demasiado abstrato enquanto natildeo eacute usufruiacutedo
Sabemos ainda que como escreveu Freire (2012) natildeo seraacute por decreto que a sociedade se
livraraacute dos horrores e das grandes desigualdades que a afligem A Associaccedilatildeo Nacional pela
Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo (ANFOPE 2010 p 90) ratifica que ―natildeo seraacute a
implementaccedilatildeo de novas leis que asseguraraacute as mudanccedilas necessaacuterias na educaccedilatildeo poreacutem a
legislaccedilatildeo reflete o campo de forccedilas que contorna as disputas pela sua criaccedilatildeo implementaccedilatildeo
e controle Sabemos ainda que esse eacute um passo de suma importacircncia para a conquista dos
objetivos ensejados
51
3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO
CAMPO
ldquoOs socialistas estatildeo aqui para lembrar ao mundo que em
primeiro lugar devem vir as pessoas e natildeo a produccedilatildeo As pessoas
natildeo podem ser sacrificadas Nem tipos especiais de pessoas ndash os
espertos os fortes os ambiciosos os belos aqueles que podem um
dia vir a fazer grandes coisas ndash nem qualquer outra
Especialmente aquelas que satildeo apenas pessoas comunsrdquo
Eric Hobsbawm (1992)
Os avanccedilos no tocante a Educaccedilatildeo do Campo satildeo notoacuterios O movimento ganhou
corpo e a resistecircncia organizada obteve conquistas e melhorias significativas agraves populaccedilotildees
tradicionais do campo brasileiro em que pese reconhecermos o esquecimento ao qual boa
parte dos sujeitos do campo ainda estatildeo imersos Batista (2009 p 207) afirma que ―no Brasil
a educaccedilatildeo enquanto poliacutetica de estado tem sido instrumentalizada pelo projeto histoacuterico
capitalista e seus poderes hegemocircnicos para atender aos seus interesses
Em contraponto a esse modelo de desenvolvimento e de sociedade os movimentos
sociais tecircm se organizado no sentido de garantir uma agente propositiva para os setores
historicamente colonizados
No contexto atual do capitalismo mundializado em que apesar da crise
estrutural predomina a hegemonia do capital na produccedilatildeo econocircmica social
poliacutetica e nas poliacuteticas de educaccedilatildeo a educaccedilatildeo dos movimentos se afigura
como instituinte orgacircnica de um projeto de sociedade e que tem como fim a
formaccedilatildeo humana o sujeito histoacuterico que constroacutei pela luta e resistecircncia a
emancipaccedilatildeo social e dos seres humanos como um devir como uma
possibilidade de construir uma nova sociedade (BATISTA 2009 p 208)
A educaccedilatildeo pautada pelos movimentos sociais do campo tecircm se afinado em muito
com o projeto contra-hegemocircnico de sociedade Tem feito um enfretamento necessaacuterio ao
modelo neoliberal de educaccedilatildeo que tem propagado abertamente o fim das alternativas
afirmando deliberadamente que natildeo haacute opccedilatildeo fora do paradigma globalizado O papel dos
movimentos tecircm sido mostrar justamente o contraacuterio O Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do
52
Campo encontra eco no seio da Pedagogia Paulo Freire cujo sentido tem sido inventado e
reinventado nos muitos exemplos e na diversidade de experiecircncias pelo Brasil
Desse modo o paradigma contra-hegemocircnico natildeo eacute uma criaccedilatildeo do imaginaacuterio de
idealistas mas eacute antes uma possibilidade concreta que nos permeia como assinala Gadotti
(1999 p 268)
A educaccedilatildeo popular e socialista natildeo eacute uma ideacuteia abstrata nem uma utopia
pedagogista Ela se encontra em desenvolvimento entre noacutes por exemplo no
proacuteprio processo de resistecircncia e de luta pela superaccedilatildeo das desigualdades
Nesse momento histoacuterico no Brasil ela constitui-se um instrumento dessa
luta
A necessidade em uma educaccedilatildeo alternativa que assuma a classe oprimida como
resultado de um processo histoacuterico vai de encontro agrave educaccedilatildeo pretendida pelo Estado Uma
educaccedilatildeo libertadora que consiga enxergar a realidade do sujeito como geradora de conteuacutedo
que entenda a situaccedilatildeo de pobreza e miseacuteria fora do determinismo religioso e que sobretudo
aponte saiacutedas e possibilidades de liberdade para o ser eacute necessaacuteria e urgente A escola tornou-
se importante instrumento de difusatildeo da pedagogia da hegemonia ou pedagogia da
conservaccedilatildeo e concomitantemente em veiacuteculo que limita e emperra a construccedilatildeo e a
veiculaccedilatildeo de uma pedagogia da contra-hegemonia (NEVES 2005)
A contemporaneidade nos mostra que o discurso de negaccedilatildeo do acesso agrave educaccedilatildeo por
parte do Estado jaacute natildeo se sustenta com tanto vigor Eacute preciso nesse momento em que haacute um
forte discurso sobre acesso e permanecircncia sobretudo de estudantes da classe trabalhadora
pensar a quem interessa esse ensino e retomar a claacutessica questatildeo a serviccedilo de que e de quem
estaacute tal ensino Tendo em vista o atual estado de vigecircncia da pedagogia da hegemonia Rossi
(1980) afirma que quanto mais educaccedilatildeo nesse sentido [da hegemonia] tanto mais
conformidade isto eacute mais a sociedade permaneceraacute conforme o modelo vigente Ou ainda
mais claramente quanto mais conformaccedilatildeo e conformidade tanto mais educaccedilatildeo
Assim partindo do pressuposto que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo bebe da
heranccedila da Pedagogia Paulo Freire essa dialogicidade entre as concepccedilotildees tem feito um
tensionamento importante e necessaacuterio ao atual modelo que a sociedade adquiriu com o
advento do neoliberalismo A educaccedilatildeo criacutetica eacute cada vez mais urgente sobretudo em tempos
53
de massificaccedilatildeo em que se apregoa a universalizaccedilatildeo do ensino escolarizado como a meta do
seacuteculo
Por fim entendemos que a educaccedilatildeo seja pra todos e todas afinal eacute um direito
humano fundamental mas que ela natildeo cegue natildeo reduza a capacidade de pensar e agir mas
sim que tenha a capacidade de injetar acircnimo e esperanccedila no camponecircs na camponesa no
desempregado e na desempregada na crianccedila no jovem e no idoso O cerne dessa educaccedilatildeo
encontra-se na pedagogia freireana nas praacuteticas da Educaccedilatildeo do Campo no Movimento Sem
Terra e em vaacuterios outros espaccedilos que dialogam com a Educaccedilatildeo Popular
31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO ATUAL DEBATE DA
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM
Partindo do pressuposto inicial desta pesquisa em que pensaacutevamos qual a
contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo
Chegamos a alguns pontos centrais desta reflexatildeo A contemporaneidade do debate da
Educaccedilatildeo do Campo nos aponta para uma perspectiva dialoacutegica entre a Pedagogia Paulo
Freire e os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo Haacute uma indissociabilidade entre ambas Sendo
a primeira portadora da essecircncia que alimenta a segunda satildeo por conseguinte pedagogias
que se complementam (SILVA FILHO PORTO 2012)
Em um tempo em que a educaccedilatildeo criacutetica libertadora e preocupada com questotildees
poliacuteticas sociais e histoacutericas tornou-se ―alieniacutegena caduca e ―comunista de postura
antiquada ou idealista cabe um questionamento faz sentido insistir na divulgaccedilatildeo de ideias
contra-hegemocircnicas da Educaccedilatildeo do Campo e de Paulo Freire no atual mercado da poacutes-
modernidade Essa eacute uma pergunta que Nosela (2010) faz acerca de Gramsci na atualidade e
que nos serve de paracircmetro para o debate
Eacute importante situar a pedagogia freireana dentro de uma loacutegica de contraponto a todo
o modelo neoliberal que se tornou hegemocircnico na educaccedilatildeo de fins do seacuteculo XX e iniacutecio do
seacuteculo XXI O pensamento de Paulo Freire assim como de outros pedagogos de matriz
socialista como Pistrak e Makarenko tem contribuiacutedo grandemente com o atual Movimento
de Educaccedilatildeo do Campo
54
Tanto a pedagogia freireana como a Educaccedilatildeo do Campo se coadunam como meios
de resistecircncia a um ―capitalismo lean and mean que nas palavras de Dowbor15
estaacute impelido
pelas proacuteprias regras de eficiecircncia e que portanto deixa pouco espaccedilo para refletir sobre
valores
Uma economia que natildeo se torna capaz de programar-se em funccedilatildeo das
necessidades do ser humano e que ―convive fria e indiferentemente com a
miseacuteria e a fome de milhotildees a quem tudo eacute negado natildeo merece meu respeito
de educador mas sobretudo meu respeito de gente (FREIRE 2012 p 36)
Eacute exatamente sobre a necessidade de revitalizar palavras como valor eacutetica
solidariedade felicidade e humanizaccedilatildeo que estamos discorrendo O monopoacutelio capitalista
ressignificou todas essas palavras e lhes esvaziou seus sentidos resumindo-as basicamente ao
poder de compra o que Ball (2011) denominou de democracia do consumo Entretanto uma
pedagogia que faccedila o caminho oposto a esse que impregne sentido e identidade aos homens e
mulheres que lhes devolva o direito de optar e decidir (FREIRE 2012) e que forme o sujeito
em sua plenitude eacute o assento dessa pedagogia que estamos pautando eacute o assento portanto da
Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do campo
Natildeo cabe o fatalismo e o determinismo como norteadores do pensamento dos sujeitos
O poder de natildeo se resignar perante situaccedilotildees concretas de opressatildeo eacute uma das maiores
contribuiccedilotildees de Freire ao atual debate da Educaccedilatildeo do Campo
Como vimos a historiografia mostra que no Brasil o periacuteodo que compreende os anos
1950 e 1960 eacute identificado como populismo periacuteodo que esteve voltado agrave construccedilatildeo de um
projeto de desenvolvimento econocircmico nacional (RIBEIRO 2010) A economia brasileira
ainda apresentava-se essencialmente agraacuteria e produtora de mateacuterias-primas Politicamente o
suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 a posse de Juscelino Kubitschek em 1956 a renuacutencia de
Jacircnio Quadros em 1961 e o Golpe Militar de 1964 proporcionaram um cenaacuterio de mudanccedilas
que caracterizam uma ―sociedade em tracircnsito (FREIRE 1983) e rica em organizaccedilotildees
populares
15 Prefaacutecio ao livro ―Agrave sombra desta mangueira (Paacuteg 18)
55
Eacute nessa complexidade que a gecircnese do pensamento de Paulo Freire emerge Surge das
contradiccedilotildees da sociedade brasileira sociedade essa governada por uma elite conservadora e
detentora de privileacutegios na qual o homem simples domesticado e alienado eacute forccedilado a viver
como objeto esmagado e oprimido pela sombra da marginalizaccedilatildeo e da dependecircncia
(FREIRE 2011)
Nesse momento histoacuterico Paulo Freire identificou um modelo de ensino que servia
justamente para a manutenccedilatildeo do estado de miseacuteria e analfabetismo em que grande parte da
populaccedilatildeo do campo e da cidade se encontrava A esse ensino Freire chamou de educaccedilatildeo
bancaacuteria abordado na obra de sua autoria Pedagogia do Oprimido Esse modelo de ensino
estaacute muito aqueacutem da realidade dos sujeitos Eacute um paradigma desinteressado com as questotildees
referentes ao dia-a-dia dos sujeitos do seu trabalho dos seus sonhos da vida praacutetica
No sentido oposto a concepccedilatildeo bancaacuteria de educaccedilatildeo a Pedagogia Paulo Freire se
realiza e materializa respeitando os sujeitos simples o ―saber de experiecircncia feito desses
sujeitos Aleacutem disso busca entender a realidade como geradora de conteuacutedos de curriacuteculo A
relaccedilatildeo eacute dialeacutetica e dialoacutegica eacute uma relaccedilatildeo entre educador educando e o mundo (FREIRE
2011) Esse paradigma se assemelha de forma demasiada com a concepccedilatildeo atual da Educaccedilatildeo
do Campo que por sua vez estaacute diretamente ligada a realidade que lhe produziu ou seja a
necessidade e a luta por direitos historicamente negados e tem em sua gecircnese a resistecircncia
dos movimentos sociais camponeses (CARLDART et al 2012)
Os princiacutepios educacionais da Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do Campo
coadunam para o mesmo sentido e se cruzam por diversos momentos estando inter-
relacionados como procuramos mostrar na figura a baixo
Educaccedilatildeo do Campo
Pedagogia Paulo Freire
Figura III ndash Dialogicidade entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire
56
Os sentidos comungam portanto para uma mesma concepccedilatildeo de lugar sujeito
educaccedilatildeo e sociedade Eacute importante ressaltar nesse processo de compartilhamento a
anterioridade do pensamento de Paulo Freire visto que o que hoje discutimos jaacute era debatido
por ele na deacutecada de 1950 (GADOTTI 1997)
Nesse sentido o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo herdou muito do pensamento de
Paulo Freire e tem reinventado sua pedagogia Isso eacute de uma importacircncia iacutempar pois Freire
sempre afirmara que sua pedagogia devia ser reinventada (FREIRE 2012) jamais
transplantada de forma acriacutetica de uma realidade a outra A Educaccedilatildeo do Campo tem feito um
importante tensionamento e disputado opiniotildees na base da sociedade acerca do modelo
educacional que temos e a serviccedilo de quem ele estaacute
O modelo de educaccedilatildeo contra-hegemocircnico natildeo foi pensado por intelectuais
academicistas ateacute porque essa categoria pouco se envolve com as questotildees sociais
(RIBEIRO 2010) mas eacute justamente o movimento contraacuterio ela emerge das situaccedilotildees de
descaso e usura do Estado frente aos homens e mulheres do campo sem terra sem teto sem
trabalho sem perspectiva Eacute daiacute que surge a contra-hegemonia que jamais poderaacute ser criada
para indignados uma vez que jaacute foi criada por estes Eacute nesse sentido que estaacute posta a
Pedagogia Paulo Freire natildeo como uma receita a ser seguida mas como fruto como
artesanato construiacutedo paulatinamente por indignaccedilatildeo exclusatildeo e opressatildeo Essa concepccedilatildeo eacute
educativa natildeo pretende tornar-se opressora daqueles que hoje oprimem mas antes eacute a uacutenica
capaz de libertar o opressor tornando-o livre no mais autecircntico sentido que a palavra carrega
Eacute desse paradigma que a Educaccedilatildeo do Campo bebe e reinventa a pedagogia freireana a
pedagogia do oprimido a pedagogia do povo simples dos demitidos da terra
A educaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo assim como toda uma vasta produccedilatildeo
que coloca o ensino como tarefa humana e humanizadora que entende o sujeito como ator e
protagonista da sua histoacuteria que se indigna e que se revolta frente ao atual estado de coisa e
esvaziamento no qual a educaccedilatildeo mergulhou todas essas caracteriacutesticas formam pois o que
chamamos pedagogia contra-hegemocircnica e que estaacute no cerne da pedagogia freireana e na
Educaccedilatildeo do Campo
A ressignificaccedilatildeo do sujeito do campo assim como do lugar desse sujeito ou seja o
campo satildeo contribuiccedilotildees significativas do pensamento de Paulo Freire O sujeito o homem e
57
a mulher do campo eram vistos (em boa medida ainda satildeo) dentro da loacutegica produtivista como
matildeo-de-obra barata e passiva de exploraccedilatildeo e por outro lado invisibilizados dentro dos seus
direitos poliacutetico-sociais Essa circunstacircncia na qual os sujeitos do campo estavam envoltos
indubitavelmente eacute responsaacutevel pela negaccedilatildeo da condiccedilatildeo de vita activa16
A exclusatildeo da vida
participativa do paiacutes tem como heranccedila a perpetuaccedilatildeo da opressatildeo e da negaccedilatildeo fatores que
acompanham os sujeitos do campo ao longo da histoacuteria
Para Paulo Freire o sujeito eacute tanto histoacuterico quanto social resultante de um complexo
de vivecircncias reais Capaz de diferentemente do animal que apenas se adapta a realidade
integrar-se a sua realidade e nela interferir (FREIRE 2012)
Quando nos referimos ao campo eacute preciso ter o devido cuidado para natildeo cairmos no
conservadorismo de uma visatildeo homogecircnea de sujeito e lugares entendendo por exemplo o
campo como lugar passivo ao qual atribui-se um olhar negativo e preconceituoso (ARROYO
2009) Tanto Paulo Freire como o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo recusam esse
determinismo com forte veemecircncia pois sabe-se que as relaccedilotildees satildeo complexas e que a
calmaria tiacutepica da zona rural esconde um emaranhado de relaccedilotildees sociais de trabalho e de
famiacutelia cuja dinacircmica requer perspicaacutecia e sutileza para seu entendimento
Tendo em vista a importacircncia do legado de Paulo Freire natildeo somente para a Educaccedilatildeo
do Campo mas para toda a educaccedilatildeo popular para os espaccedilos natildeo escolares em que se
desenvolvem projetos educacionais e para outra infinidade de possibilidades de reinvenccedilatildeo da
pedagogia freireana eacute que dialogaremos a partir de agora com o exemplo da Experiecircncia de
Angicos - RN como exemplo de pioneirismo e autenticidade do pensamento de Paulo Freire
16 Hannah Arendt na obra ―A condiccedilatildeo Humana 10 ed Rio de Janeiro 2007 Pode ser entendido como a
condiccedilatildeo de participaccedilatildeo ativamente na vida poliacutetica da sociedade
58
32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA
PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO NORTE
Figura IV ndash Angicos nos dias de hoje (2014) Fonte o proacuteprio autor
(Em nenhum lugar do mundo onde estive fiquei mais tocado do que aqui e agora
Paulo Freire Angicos 28 de agosto de 1993)
Os fins da deacutecada de 1950 e iniacutecio de 1960 satildeo fortemente marcados por movimentos
de cunho popular e participativo Um periacuteodo particularmente rico em organizaccedilotildees sociais e
coletivas cujos objetivos giravam em torno de reformas estruturantes na sociedade brasileira
Direitos trabalhistas educacionais Reforma Agraacuteria satildeo exemplos de temaacuteticas que vinham
sendo abertamente discutidas pelo governo e as sociedade civil coletivamente organizada No
campo essa movimentaccedilatildeo se deu de forma particularmente rica
O Movimento de Cultura Popular (MCP) do Recife a partir de maio de
1960 a Campanha ―De peacute no chatildeo tambeacutem se aprende a ler em Natal a
partir de 1960 o Movimento de Educaccedilatildeo de Base (MEB) da Conferecircncia
Nacional dos Bispos Brasileiros os Centros Populares de Cultura (CPCs) da
Uniatildeo Nacional dos Estudantes e outros movimentos de menor amplitude
satildeo testemunhas da notaacutevel efervescecircncia desse periacuteodo (BEISIEGEL 2010
p 18)
59
Uma das primeiras iniciativas no tocante a criaccedilatildeo de uma poliacutetica para atender aos
jovens e adultos analfabetos diz respeito agrave criaccedilatildeo do Serviccedilo de Educaccedilatildeo de Adultos (SEA)
em 1947 e dessa accedilatildeo a criaccedilatildeo da Campanha de Educaccedilatildeo de Adultos (BEISIEGEL 2010)
No entanto essa campanha ainda resguardava em sua metodologia a transferecircncia dos
conteuacutedos trabalhados com crianccedilas no primaacuterio aos jovens e adultos que estudavam a noite
O proacuteprio Lourenccedilo Filho que era um expoente dessa campanha escreveu textos cujo assento
residia na sua preocupaccedilatildeo com essa metodologia
Natildeo obstante as reiteradas manifestaccedilotildees de Lourenccedilo Filho sobre a
necessidade de atentar agraves particularidades e as exigecircncias especiacuteficas do
adulto pouco escolarizado na grande maioria das classes professores do
ensino infantil reproduziam agrave noite com seus alunos jovens e adultos os
trabalhos que realizavam no periacuteodo diurno com os seus alunos do ensino
primaacuterio fundamental comum (BEISIEGEL 2010 p 24)
Aos poucos percebe-se que o caraacuteter puramente de erradicar o analfabetismo fazendo
com que os sujeitos jovens e adultos lessem e escrevessem natildeo garantia uma cidadania plena
no gozo de direitos Desse modo inicia-se nesse acircmbito um paradigma que pensa a questatildeo
do analfabetismo como eminentemente de cunho social requerendo portanto uma visatildeo mais
ampla da questatildeo Em 1958 Freire escreve ―A educaccedilatildeo de adultos e as populaccedilotildees marginais
o problema dos mocambos que jaacute tratava a temaacutetica sob a oacutetica dos problemas sociais mais
abrangentes (BEISIEGEL 2010)
O trabalho que projetou Freire nacionalmente contraditoriamente foi o mesmo que o
levou agrave prisatildeo com o advento da Ditadura Militar Devido agrave experiecircncia de Angicos ele foi
considerado ―ignorante e subversivo pelo Regime Militar Segundo o livro organizado pelo
Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia (2012 p36) denominado ―Paulo Freire
anistiado poliacutetico brasileiro ―Alguns de seus alunos tambeacutem foram presos e passaram por
outras dificuldades depois da experiecircncia de Angicos (1963) considerada subversiva e mais
tarde cancelada
Vale salientar que o Regime Militar foi extremamente violento tambeacutem com os
camponeses As lutas natildeo se resumiam agrave cidade Haacute pouco a sindicalizaccedilatildeo rural havia sido
um fenocircmeno extensivo a quase todo o nordeste com ecircnfase na Paraiacuteba Rio Grande do Norte
e Pernambuco especialmente atraveacutes da Campanha de Educaccedilatildeo Popular juntamente com a
60
Juventude Universitaacuteria Catoacutelica - JUC - Juventude Agraacuteria Catoacutelica e o Movimento de
Educaccedilatildeo de Base ndash MEB (SILVA 2011 FREIRE 1983)
O caraacuteter da experiecircncia realizada em Angicos estaacute assentado nos princiacutepios da
Educaccedilatildeo Popular que para Carlos Rodrigues Brandatildeo (2009 p 09) tem um papel e um
sentido histoacuterico como resistecircncia e oposiccedilatildeo ao status quo
Figura V ndash AngicosRN
A experiecircncia de Angicos no Estado do Rio Grande do Norte em 1963 conteacutem o cerne
da pedagogia freirena ou seja Freire (1983 p 06) afirma que ―a alfabetizaccedilatildeo e a
conscientizaccedilatildeo jamais se separam Nesse momento histoacuterico o sujeito do campo imerso no
populismo por um lado e no analfabetismo por outro conforme Ribeiro (2010) enfrenta um
periacuteodo de grandes privaccedilotildees no campo social poliacutetico econocircmico e educacional Eacute nesse
ultimo principalmente que a experiecircncia de Angicos eacute significativa pois educaccedilatildeo era luxo
restrito agraves classes dominantes
Segundo documento organizado pelo Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia
(2012) Paulo Freire e seus colaboradores Alfabetizaram 300 trabalhadores rurais em poucos
dias accedilatildeo que significou um fenocircmeno revolucionaacuterio Eacute importante salientar o princiacutepio
dessa alfabetizaccedilatildeo Freire (1983 p 96) afirma que ―Toda separaccedilatildeo entre os que sabem e os
que natildeo sabem do mesmo modo que a separaccedilatildeo entre as elites e o povo eacute apenas fruto de
circunstacircncias histoacutericas que podem e devem ser transformadas Portanto muito mais do que
o simples ato de alfabetizar havia uma ideologia progressista cuja finalidade residia na
conscientizaccedilatildeo poliacutetica dos sujeitos frente a um mundo de privaccedilotildees
Esse trabalho obteacutem grande repercussatildeo nacional e internacional Estende a
experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN) e Joatildeo Pessoa (PB)
61
O trabalho da equipe do Recife foi o de ir a Natal capacitar a equipe de
Marcos que partiu depois para Angicos O primeiro trabalho dessa equipe
foi fazer o universo vocabular da regiatildeo Nunca me esqueccedilo que a primeira
palavra geradora de Angicos foi ―belota uma corruptela de borlota que eacute
exatamente esse negoacutecio de pocircr em rede em cortina Por que isso Nessa
regiatildeo se trabalhava muito com couro e eles usavam nos rebenques
exatamente uma borlota mas que o povo chama belota Essa foi a primeira
palavra geradora de uma riqueza extraordinaacuteria em ambos os aspectos
socioloacutegicos e linguiacutesticos porque ela introduzia trecircs famiacutelias silaacutebicas a do
ba-be-bi-bo-bu e do la-le-li-lo-lu e a do ta-te-ti-to-tu Ela em si abria a
possibilidade de criaccedilatildeo de novas palavras Depois dessa seleccedilatildeo feita os
meninos foram e passaram a morar laacute Um mecircs depois tinha trezentas
pessoas lendo e escrevendo (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO
DE ANISTIA 2012 p86)
As 40 horas de Angicos foi um espaccedilo de extrema riqueza Os participantes daquela
experiecircncia satildeo testemunhas da efetivaccedilatildeo de uma praacutexis Um momento em que teoria e
praacutetica dialogaram justamente como sempre defendeu Freire Eacute importante destacar que os
300 trabalhadores que se alfabetizaram eram em sua maioria trabalhadores rurais ―Silentes e
autodesvalidos os sem-terra e sem-palavra foram tocados pelo olhar predileto que Paulo lhes
dirigiu em Angicos Os jovens agricultores ainda sem terra mas que jaacute conquistaram a
palavra leem Paulo Freire para transformar seu projeto de vida (idem p 117)
Figura VI ndash Experiecircncia de AngicosRN
Nos anos 50 quando ainda se pensava na educaccedilatildeo de adultos como uma
pura reposiccedilatildeo dos conteuacutedos transmitido agraves crianccedilas e jovens Paulo Freire
propunha uma pedagogia especiacutefica associando estudos experiecircncias
vividas trabalho pedagogia e poliacutetica (GADOTTI 1996 p 70)
Desse modo percebemos um niacutetido respeito que o educador Paulo Freire tem para
com os educandos Ele desenvolve uma educaccedilatildeo totalmente contraacuteria agrave educaccedilatildeo
escolarizada cujas metodologias estatildeo intimamente ligadas por um conteuacutedo a-histoacuterico que
62
natildeo leva a uma reflexatildeo criacutetica do mundo Onde o maior objetivo eacute o depoacutesito de tudo o que
foi decorado ao longo de um periacuteodo
Essa focircrma (de formar) de educar eacute fortemente recusada por Freire (2011) Na
Pedagogia do Oprimido denominou de ―educaccedilatildeo bancaacuteria Os sujeitos envolvidos no
processo satildeo meros receptores Depoacutesitos de conteuacutedos que natildeo tecircm nenhuma relaccedilatildeo com a
realidade Freire caminha em direccedilatildeo oposta agrave educaccedilatildeo bancaacuteria entende que a realidade e a
vida concreta dos sujeitos eacute geradora de conteuacutedo e portanto a gecircnese da alfabetizaccedilatildeo
deveria comeccedilar pois daquela realidade partindo para o universalmente conhecido
(FREIRE 2011)
A leitura que Freire faz do sujeito do campo nordestino eacute sem duacutevida avanccedilada Um
momento em que o campo brasileiro padecia de grande estigma e preconceito Freire se utiliza
da realidade dos camponeses do modo de vida do trabalho das experiecircncias para partindo
desse ponto chegar agrave alfabetizaccedilatildeo e agrave conscientizaccedilatildeo desses sujeitos A educaccedilatildeo das
populaccedilotildees camponesas esteve longe de ser o ponto nevraacutelgico dos interesses das classes
dominantes afinal ―eacute mais difiacutecil explorar um camponecircs que sabe ler do que um analfabeto
17
Paulo Freire natildeo se separa da poliacutetica Paulo Freire deve ser considerado
tambeacutem como um poliacutetico Esta eacute a dimensatildeo mais importante de sua obra Ele
natildeo pensa a realidade como um socioacutelogo que procura apenas entendecirc-la []
Por isso ele pensa a educaccedilatildeo ao mesmo tempo como ato poliacutetico como ato de
conhecimento e como ato criador (GADOTTI 1996 p 70)
A intervenccedilatildeo que Freire realiza em Angicos eacute uma atividade eminentemente poliacutetica
tinha como objetivo aleacutem da alfabetizaccedilatildeo a politizaccedilatildeo dos trabalhadores rurais daquele
municiacutepio isso em um periacuteodo de predomiacutenio das oligarquias rurais do voto de cabresto e de
extrema espoliaccedilatildeo da matildeo-de-obra dos agricultores Pois eacute em meio a esse cenaacuterio que
Freire juntamente com seus colaboradores desenvolve um paradigma de alfabetizaccedilatildeo cujo
principio eacute a libertaccedilatildeo do povo da condiccedilatildeo de oprimido e ―demitido da vida
Sua concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e logicamente sua proposta educacional que
havia mostrado resultado altamente positivo na experiecircncia em Angicos
17 Resposta pela recusa da natildeo alfabetizaccedilatildeo dos camponeses proposta por Voltaire a Imperatriz Catarina da
Ruacutessia no Seacuteculo XVIII
63
(RN) consistia em afirmar que todo ato educativo eacute um ato poliacutetico assim
sendo a educaccedilatildeo conteacutem a potencialidade da transformaccedilatildeo da sociedade
por intermeacutedio de uma consciecircncia criacutetica da realidade tarefa que tanto o
educador como o educando devem assumir no ato educativo (INSTITUTO
PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012 p 43)
Segundo Germano (1997) o desafio e o objetivo da experiecircncia de Angicos era tanto
alfabetizar como conscientizar politicamente os trabalhadores em 40 horas A experiecircncia que
era patrocinada pelo ―Alianccedila para o Progresso um programa de origem estadunidense e do
Governo do Rio Grande do Norte que agrave eacutepoca estava sob mandato de Aluizio Alves
experiecircncia que ganhou conhecimento nacional e internacionalmente
O que queremos apontar como novidade nesse olhar que lanccedilamos sobre a experiecircncia
de Angicos amplamente conhecida eacute evidenciar que o puacuteblico participante era de forma
majoritaacuteria trabalhadores rurais em uma cidade cujo periacuteodo histoacuterico dificulta falar-se em
urbanidade puacuteblico esse objeto de nossa reflexatildeo nesta dissertaccedilatildeo de mestrado Nesse
sentido situamos o pensamento de Paulo Freire como de grande importacircncia ao atual debate
da Educaccedilatildeo do Campo O que estamos debatendo hoje como o respeito agraves vivecircncias e
experiecircncias a importacircncia do lugar e o famigerado modismo do ―conhecimento preacutevio
Freire tratou ainda em 1963 com responsabilidade e humanismo Assim eacute salutar
percebermos a experiecircncia de Angicos como uma importante fonte histoacuterica que pode (e
certamente haveraacute de) contribuir em muito com o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo
64
4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIENCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO
CAMPO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
Feito o debate teoacuterico-metodoloacutegico acerca da Educaccedilatildeo do Campo e de suas raiacutezes
histoacutericas no Brasil e tambeacutem sobre a atual posiccedilatildeo que esta modalidade de ensino ocupa
entendemos ser este o momento de estreitar e externar experiecircncias que ilustram de modo
singular a inserccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo na universidade brasileira Para tanto tomamos
como recorte analiacutetico o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte Procuramos refletir sobre a contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana ao ―Projeto
do curso entendendo que o aporte do pensamento de Paulo Freire na Educaccedilatildeo do Campo eacute
de extrema relevacircncia Entendemos que a formulaccedilatildeo da proposta curricular dessa natureza
ou seja pensada para cursos cujos sujeitos tecircm viacutenculo direto com o campo carece de certo
alinhamento ideoloacutegico com a pedagogia freireana uma vez que esta canaliza a resistecircncia
histoacuterica dos povos do campo
A tomada do curso como recorte se explica pela aproximaccedilatildeo e atuaccedilatildeo que tivemos
com a turma de Pedagogia da Terra no periacuteodo de 2010 a 2011 periacuteodo no qual atuamos
como monitor Jaacute a busca pela contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana agrave Proposta poliacutetico-
pedagoacutegica e Plano de Trabalho se faz necessaacuterio pelo foco central deste trabalho mas
tambeacutem pela singular experiecircncia de aprender e pesquisar sobre o pensamento de Paulo Freire
no Grupo de Estudo da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) na Universidade Federal da
Paraiacuteba Aleacutem do mais entendermos que Educaccedilatildeo do Campo eacute uma questatildeo de grande valor
natildeo pode estar simplesmente coadunando com os paradigmas educacionais fugazes que a
contemporaneidade tem nos mostrado em outras palavras a Educaccedilatildeo do Campo natildeo pode
ser moda mas antes oportunidade para os sujeitos do campo se posicionar frente ao mundo e
aos seus pares
Na atuaccedilatildeo como monitor tivemos a oportunidade de vivenciar e compartilhar das
dificuldades alegrias avanccedilos e limitaccedilotildees que os educandos e as educandas enfrentaram no
dia a dia Esse conviacutevio foi de grande importacircncia pois humanizou as relaccedilotildees que a
universidade por vezes esvazia Satildeo pessoas com sonhos frustraccedilotildees dificuldades
financeiras limitaccedilotildees cognitivas mas sobretudo satildeo pessoas que lutam que persistem que
natildeo se envergonham de ocupar com simplicidade o espaccedilo de ―glamour que ainda eacute a
universidade brasileira
65
Aleacutem do Curso de Pedagogia da Terra da UFRN os cursos de Jornalismo da Terra da
Universidade Federal do Cearaacute (UFC) Especializaccedilatildeo Lato Sensu em Direitos Sociais do
Campo promovida pelo IncraPronera e a Universidade Federal de Goiaacutes (UFG) Licenciatura
em Pedagogia pelo Programa Estudante - ConvecircnioMovimento Sociais do Campo ndash
PECMSC (UFPB) entre outros satildeo exemplos e frutos colhidos apoacutes anos afinco na luta
cerrada e disputas dentro da superestrutura poliacutetica Por isso mesmo entendemos que essas
experiecircncias representam a inserccedilatildeo concreta de sujeitos do campo na Universidade puacuteblica
brasileira sendo por esse motivo merecedora de anaacutelise detalhada e pesquisas futuras
Para entendermos melhor a atualidade da Educaccedilatildeo do Campo como poliacutetica puacuteblica
destinada a um puacuteblico especiacutefico (do campo) eacute preciso situar a temaacutetica na historiografia A
pesquisadora da Faculdade de Educaccedilatildeo da UFMG Antunes-Rocha (2011 p125) eacute enfaacutetica
ao afirmar que sobre cursos de formaccedilatildeo de professores para o campo ―natildeo encontrei nada
antes de 1997 Natildeo por acaso essa data coincide com a conquista do Pronera programa esse
que entendemos ser portador do cerne da questatildeo da Educaccedilatildeo do Campo no Brasil enquanto
poliacutetica puacuteblica
O curso de Pedagogia da Terra eacute fruto da luta histoacuterica dos movimentos sociais do
campo no Brasil ele representa em boa medida os anseios teoacutericos e praacuteticos de inclusatildeo
social Assim como todo e qualquer espaccedilo o curso natildeo eacute um todo homogecircneo sem conflitos
mas antes espaccedilo repleto de contradiccedilotildees e disputas tanto interna como externamente
O suporte para essa reflexatildeo reside sobretudo na anaacutelise de documentos do Curso
principalmente na ―Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho que eacute o documento
principal norteador das accedilotildees do curso mas tambeacutem buscamos subsidiar esta escrita em
resoluccedilotildees principalmente na Resoluccedilatildeo nordm 1032006 CONSEPEUFRN de 1909200618
que trata do Regulamento dos Cursos de Graduaccedilatildeo da UFRN aleacutem de outras fontes que
tivemos acesso atraveacutes de colaboradores e tambeacutem de paacuteginas eletrocircnicas
18 Atualmente a Resoluccedilatildeo Nordm 1712013-CONSEPEUFRN de 5 de novembro de 2013 eacute que rege o
Regulamento dos Cursos Regulares de Graduaccedilatildeo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
66
O Edital de abertura do processo seletivo para o curso de Pedagogia ndash Licenciatura
Plena foi orientado pela Resoluccedilatildeo nordm1032006-CONSEPEUFRN de 19092006 e seguiu
todos os procedimentos normativos dos demais vestibulares A Comissatildeo Permanente de
Vestibular (COMPERVE)19
foi responsaacutevel pela realizaccedilatildeo do certame Para se candidatar ao
vestibular o estudante precisava cumprir o seguinte preacute-requisito
a) ser portador de certificado ou diploma de conclusatildeo do Ensino Meacutedio (ou
curso equivalente)
b) ser assentado pelo Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e reforma Agraacuterio
(INCRA) e vinculado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra
(MST) do RN (COMPERVE 2007)
O pensamento da organizaccedilatildeo coletiva conscientizaccedilatildeo e luta tatildeo fortemente
imbuiacutedos na pedagogia freireana aqui se materializa Evidenciar um curso voltado para povos
do campo e ainda mais para membros de um movimento social tatildeo atuante quanto polecircmico
como eacute o MST eacute sem duacutevida um avanccedilo Essa conquista natildeo eacute do acaso ou natural eacute fruto de
uma conjuntura rara criada por muacuteltiplos condicionamentos sociais mas sobretudo pela
organizaccedilatildeo coletiva dos trabalhadores do campo
Poreacutem como reconhecemos que estamos imersos em um Estado de classes que horas
cede agraves reivindicaccedilotildees das massas hora cerceia essas conquistas natildeo demorou o iniacutecio dos
ataques dirigidos pela classe dominante agrave forma como o curso estava sendo gerido Em 2010
um desses ataques teve como consequecircncia a reformulaccedilatildeo dos projetos do curso A partir
desse momento os movimentos sociais foram suprimidos da parceria ateacute entatildeo existente
Sobre esse assunto detalharemos mais a diante
Retomando o processo seletivo para entrada no Curso os alunos interessados no
vestibular passaram 15 dias envolvidos numa preparaccedilatildeo para as provas Nesse momento
trabalharam mateacuterias escolares Portuguecircs Matemaacutetica Geografia Histoacuteria etc
(FERNANDES 2009) A elaboraccedilatildeo da prova ficou sob responsabilidade da Comperve e
19 Com do fim do vestibular como processo seletivo para ingressar na Universidade a Comperve passou a
chamar-se Nuacutecleo Permanente de Concursos UFRN
67
seguiu todos os procedimentos legais e normativo s dos demais vestibulares como jaacute
salientado anteriormente
Apoacutes o resultado do certame o curso teve iniacutecio no primeiro semestre de 2007
(20071) com as 60 vagas devidamente preenchidas Por deliberaccedilatildeo dos proacuteprios educandos
a turma passa a se chamar ―Florestan Fernandes em homenagem ao grande socioacutelogo
escritor e poliacutetico brasileiro
Eacute sempre importante lembrar que esse curso representou um grande avanccedilo para a
Educaccedilatildeo do Campo no Rio Grande do Norte representando tambeacutem um sinal de abertura
da Universidade Federal agraves questotildees sociais do campo Mesmo tendo havido outro curso de
pedagogia para assentados20
indubitavelmente o Pedagogia da Terra representa um marco nas
lutas tanto de oportunidade aos povos do campo como de abertura e diaacutelogo da universidade
com a sociedade potiguar
Os estudantes do Curso vieram das diferentes regiotildees do Estado do Rio Grande do
Norte desde aacutereas vizinhas de Natal como eacute o caso de Macaiacuteba e Cearaacute Mirim ateacute lugares
mais distantes da Capital como Satildeo Rafael e Triunfo Potiguar na regiatildeo Meacutedio Oeste Nesses
municiacutepios esses sujeitos residem majoritariamente em aacutereas rurais de assentamento
O Curso segue as orientaccedilotildees da Resoluccedilatildeo CNECP n1 de 15 de maio de 2006 que
institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia e confere habilitaccedilatildeo
em ―Licenciatura em Pedagogia21
conforme aponta a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano
de Trabalho
Habilitar professores por meio de curso superior para o exerciacutecio da
docecircncia em Educaccedilatildeo Infantil e nas seacuteries iniciais do Ensino Fundamental
regular para Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e para atividades de
20Entre 2002 e 2006 formaram-se em niacutevel de graduaccedilatildeo 63 alunos de nove estados nordestinos e um da
regiatildeo norte (AL BA CE MA PA PB PE PI RN e SE)
21 O diploma eacute gerado com uma observaccedilatildeo que faz alusatildeo ao Probaacutesica ndash Programa de Qualificaccedilatildeo
Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica ndash instituiacutedo pela Resoluccedilatildeo CONSEPEUFRN nordm1499 de 020299 que
estabelece os convecircnios entre a Universidade e seus parceiros apresentamos um exemplar em anexo
68
coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico em escolas instituiccedilotildees do
sistema educacional e projetos educativos existentes nas aacutereas de
assentamento (UFRN 2010 p 05)
Isso mostra que mesmo havendo particularidades o egresso do curso recebe o tiacutetulo de
licenciado em pedagogia apto a concorrer a qualquer vaga de concurso para pedagogo
Essa formaccedilatildeo visa combater o deacuteficit histoacuterico de profissionais da educaccedilatildeo
nas aacutereas rurais e segue uma diretriz do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do
Campo Aleacutem disso pretende gerar oportunidade de continuidade dos
estudos aos jovens que detinham o Ensino Meacutedio completo e que moravam
nos assentamentos e aacutereas de reforma agraacuteria Desse modo o objetivo eacute
colaborar com a constituiccedilatildeo de uma rede de educadores do campo em nosso
Estado com qualificaccedilotildees teacutecnicas e compromisso eacutetico que possibilite o
aprofundamento e ampliaccedilatildeo de experiecircncias de educaccedilatildeo do campo (UFRN
2010 p 04)
Silva Filho (2011) afirma que a entrada de um familiar na universidade eacute algo
significativo Afirma ainda que
O ensino superior ainda resguarda status de responsaacutevel pela ascensatildeo social
e garantia de melhores condiccedilotildees de vida Historicamente o assento
ideoloacutegico da universidade foi muito mais as concepccedilotildees da classe
dominante social e politicamente do que um lugar de inclusatildeo da classe
explorada (SILVA FILHO 2011 p 40)
Por esse motivo O curso tem um caraacuteter contra-hegemocircnico e diferente daquele que
nos habituamos a ver nas universidades
Poreacutem sabemos que os fatos natildeo se datildeo de forma linear ou sem disputas ocorre que o
modo de execuccedilatildeo dos anos de 2007 e 2008 cujo assento havia sido o Convecircnio
CRTRN390002006 (INCRAUFRNMST) teve seus componentes e formato questionados
por parte dos estratos juriacutedicos do INCRA (UFRN 2010) Na verdade esse momento eacute
histoacuterico para todos os cursos do Pronera que enfrentaram periacuteodo de grandes incertezas
Em que pese as mudanccedilas de formato da relaccedilatildeo institucional entre a UFRN e
o INCRA o projeto ora apresentado manteacutem a estrutura curricular original e
os seus fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos estatildeo incorporados aqui
assegurando a correspondente consonacircncia com a Resoluccedilatildeo CNECP no 1 de
15 de maio de 2006 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Curso de Pedagogia (UFRN 2010 p 04)
69
Mesmo natildeo tendo perdido do ponto de vista teoacuterico-metodoloacutegico as perdas poliacuteticas
satildeo evidentes principalmente com a exclusatildeo do MST da operacionalizaccedilatildeo do Curso Como
podemos observar o Acoacuterdatildeo n 26532008 eacute expliacutecito quanto as proibiccedilotildees
()
943 caso pretenda oferecer cursos a puacuteblico especiacutefico afeto a sua aacuterea de
atuaccedilatildeo a exemplo do que se verificou no acircmbito do Projeto Camosc
9431 com relaccedilatildeo ao instrumento a ser firmado com a entidade que se
encarregaraacute da execuccedilatildeo do objeto em vez de convecircnio valha-se de contrato
precedido de procedimento licitatoacuterio
9432 iniba por meio de normas claacuteusulas contratuais e fiscalizaccedilatildeo
qualquer possibilidade de que entes estranhos agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica
especialmente movimentos sociais ligados agrave reforma agraacuteria participem do
planejamento execuccedilatildeo acompanhamento avaliaccedilatildeo ou de outra fase do
curso promovido (TCU 2008)
Nesse periacuteodo professores-coordenadores representantes do INCRA reitores das
universidades puacuteblicas procuraram de forma engenhosa retomar as atividades acadecircmicas que
apoacutes um ano reiniciou Esse momento externou de forma expliacutecita o conservadorismo e o
desejo de segregaccedilatildeo social que ainda permeia a classe poliacutetica brasileira
Sendo o Estado Capitalista um Estado de classe tende a organizar a escola
em todos os niacuteveis e modalidade de ensino conforme a concepccedilatildeo de mundo
da classe dominante e dirigente embora contraditoriamente dependendo do
grau de difusatildeo da pedagogia da contra-hegemonia na sociedade civil a
mesma escola esteja permeaacutevel agrave influecircncia de outros projetos poliacutetico-
pedagoacutegicos (NEVES 2005 p 29)
Desse modo compreendemos os enfrentamentos deflagrados e as lutas pela
manutenccedilatildeo desse Curso como questotildees ideoloacutegicas como resistecircncia dos povos do campo
por um lado e ofensiva da classe dominante de outro Sabemos que essa disputa eacute histoacuterica e
tem altos e baixos concessotildees e restriccedilotildees Esse momento embora tenha acarretado
desconforto e prejuiacutezos para muitos foi o ponto central que evidenciou uma verdadeira luta
de correlaccedilotildees de forccedila
70
41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO
CURSO DE PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN
Pensar uma proposta curricular para um curso de Educaccedilatildeo do Campo como eacute o
Curso de Pedagogia da Terra e tantos outros jaacute exemplificados que gozam de um caraacuteter
popular certamente requer posicionamento e uma reflexatildeo sobre os princiacutepios basilares do
curriacuteculo Tomaz Tadeu da Silva (2011) expotildee que ―A questatildeo central que serve de pano de
fundo para qualquer teoria do curriacuteculo eacute a de saber qual conhecimento deve ser ensinado (p
14) O autor afirma que o curriacuteculo eacute sempre resultado de uma seleccedilatildeo Desse modo quando
determinamos que conhecimento ensinar estamos deixando de fora outros conhecimentos A
questatildeo fundamental passa a ser por que ―esse conhecimento e natildeo ―aquele
O curriacuteculo nunca eacute simplesmente uma montagem neutra de conhecimentos
que de alguma forma aparece nos livros e nas salas de aula de um paiacutes
Sempre parte de uma tradiccedilatildeo seletiva da seleccedilatildeo feita por algueacutem da visatildeo
que algum grupo tem do eu seja o conhecimento legiacutetimo Ele eacute produzido
pelos conflitos tensotildees e compromissos culturais poliacuteticos e econocircmicos
que organizam e desorganizam um povo (APPLE 2000 p 53)
Objetivamente essa relaccedilatildeo de escolhas nos leva diretamente a entender que o
curriacuteculo eacute antes de tudo ideoloacutegico sendo portanto uma disputa pela hegemonia Quando
escolhemos ―esse conteuacutedo e natildeo ―aquele estamos consciente ou inconscientemente
optando por um determinado projeto educativo
Eacute essa preocupaccedilatildeo que leva Apple a recorrer aos conceitos de hegemonia
tal como formulado por Antonio Gramsci e desenvolvido por Raymond
Williams Eacute o conceito de hegemonia que permite ver o campo social como
um campo contestado como um campo onde os grupos dominantes se veem
obrigados recorrer a um esforccedilo permanente de convencimento ideoloacutegico
para manter sua dominaccedilatildeo Eacute precisamente atraveacutes desse esforccedilo de
convencimento que a dominaccedilatildeo econocircmica se transforma em hegemonia
cultural Esse convencimento atinge sua maacutexima eficaacutecia quando se
transforma em senso comum quando se naturaliza (SILVA 2011 p 46)
Para Bourdieu e Passeron (2012) a problemaacutetica reside na reproduccedilatildeo social que
ocorre palas vias da cultura ou propriamente da cultura dominante Seus valores seus gostos
seus costumes seus haacutebitos seus modos de se comportar de agir satildeo reproduzidos como ideal
e desejado para toda a sociedade Entendemos portanto que eacute justamente no curriacuteculo onde
ocorre a condensaccedilatildeo de toda essa problemaacutetica
71
Compreendemos que o curriacuteculo eacute um espaccedilo para o confronto de conhecimentos
popular e erudito Nesse sentido o papel da universidade eacute primordialmente ressignificar os
conhecimentos jaacute elaborados pelos estudantes ou nas palavras de Freire (1993) ―saber de
experiecircncia feito que satildeo pilares fundantes para a construccedilatildeo curricular Curriacuteculo com foco
na vida pela vida e para a vida Saber que natildeo eacute transposto automaticamente pois se constitui
em aprendizagens colaterais e que ao precederem a escola alicerccedilam-na e lhe datildeo suporte
Produzir novos e melhores conhecimentos e garantir um espaccedilo educativo no qual co-
existam de forma permanente a circularidade entre saberes eacute tarefa responsaacutevel da
universidade assim o grande desafio eacute construir uma matriz pedagoacutegica que natildeo se feche
numa dimensatildeo de especialidades dentro das disciplinas O curriacuteculo precisa dar conta de
especificidades por outro lado natildeo pode perder com isso a visatildeo ampla natildeo pensar apenas o
especiacutefico sob pena de fragmentar o conhecimento nem somente o geral pois isso teria
consequecircncias danosas agrave dimensatildeo particular
A educaccedilatildeo do campo tem um viacutenculo com a matriz pedagoacutegica do trabalho e da cultura
Numa concepccedilatildeo freireana haacute uma inter-relaccedilatildeo fundamental entre essas duas categorias
visto que a primeira pode-se entender como a accedilatildeo do homem na natureza ao passo que a
segunda eacute o resultado dessa accedilatildeo accedilatildeo consciente e ativa do homem em sua
realidadenatureza (FREIRE 1983) Desse modo a tarefa primordial da Proposta poliacutetico-
pedagoacutegica e Plano de Trabalho do Curso de Pedagogia da Terra eacute dialogar com essas
matrizes
Assim observamos que a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho se
aproxima e dialoga bastante com esse pensamento logo aproximando-se tambeacutemdos
princiacutepios contidos na Pedagogia Paulo Freire
A proposta curricular para este curso teraacute como ponto de partida os saberes e
praacuteticas dos alunos e a realidade dos assentamentos Por conseguinte a
singularidade seraacute realccedilada sem perder de vista os elementos universais que
compotildeem a cultura do homem e da mulher do campo na perspectiva de
mobilizar um movimento pedagoacutegico pautado na accedilatildeo-reflexatildeo-accedilatildeo (UFRN
2010 p 8)
A proposta de formaccedilatildeo de Freire eacute permeada por uma postura criacutetica poliacutetica e
consciente diante de abordagens de formaccedilatildeo que se apresentam fragmentadas natildeo
envolventes e incapazes de captar as reais necessidades e preocupaccedilotildees dos sujeitos Nesse
72
sentido a categoria realidade sem duacutevida deteacutem uma centralidade na Pedagogia Paulo
Freire isso justamente porque eacute na concretude que a vida se passa Por isso mesmo a
importacircncia da indissociabilidade entre o curriacuteculo do curso e a vida praacutetica dos educandos e
educandas
Outro ponto de fundamental importacircncia se refere agrave necessidade de afinidade criacutetico-
ideoloacutegico dos docentes com a proposta do curso Eacute importante haver aproximaccedilatildeo suficiente
para compreender as particularidades proacuteprias da turma dos sujeitos e do campo
De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho a ―estrutura
curricular do curso de Pedagogia da Terra eacute concebida em trecircs nuacutecleos articulados quais
sejam estudos baacutesicos aprofundamento e diversificaccedilatildeo de estudos e estudos integradores
cujos componentes curriculares foram ofertados em atividades presenciais a serem realizadas
preferencialmente nos periacuteodos de janeirofevereiro e junhojulho de cada ano nas
dependecircncias da UFRN e de atividades vivenciais (grupos de estudo pesquisa e exerciacutecio
profissional) apoiadas por monitores de apoio pedagoacutegico ao longo dos semestres tendo
como referecircncia a praacutetica docente e a realidade do campo no contexto da Reforma Agraacuteria
(UFRN 2010)
O ―Nuacutecleo de Estudos Baacutesicos do curso compreende a seguinte ordem
a Histoacuterico e soacutecio-cultural compreendendo os fundamentos filosoacuteficos
histoacutericos poliacuteticos econocircmicos socioloacutegicos psicoloacutegicos e
antropoloacutegicos necessaacuterios para a reflexatildeo criacutetica nos diversos setores da
educaccedilatildeo na sociedade contemporacircnea
b Da educaccedilatildeo baacutesica compreendendo
i Estudo dos conteuacutedos curriculares da educaccedilatildeo baacutesica
escolar
ii Os conhecimentos didaacuteticos as teorias pedagoacutegicas
em articulaccedilatildeo agraves metodologias tecnologias de informaccedilatildeo e
comunicaccedilatildeo e suas linguagens especiacuteficas aplicadas ao ensino
iii Estudo os processos de organizaccedilatildeo do trabalho
pedagoacutegico gestatildeo e coordenaccedilatildeo educacional
iv Estudo das relaccedilotildees entre educaccedilatildeo e a realidade
social do campo os contextos de trabalho as especificidades da regiatildeo
do Semi-Aacuterido e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees
do campo (UFRN 2010 p 10)
73
No ponto ―IV do Nuacutecleo de estudos baacutesicos observa-se um eixo bem delimitado no
que concerne a formaccedilatildeo do sujeito em consonacircncia com sua realidade Jaacute dialogamos sobre a
importacircncia dessa associaccedilatildeo entre trabalho e cultura tatildeo significativa agrave Educaccedilatildeo do Campo
e agrave Pedagogia Paulo Freire
A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com
ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento
proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica
em que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem
absolutizar-se fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-
o a julgar o seu mundo algo que apenas se acha (FREIRE 1983 p42)
Desse modo a leitura dos processos produtivos e dos processos culturais formadores
dos sujeitos que vivem dono campo eacute entendida como tarefa fundamental no projeto poliacutetico
e pedagoacutegico da Educaccedilatildeo do Campo Esse eixo de estudos busca situar e datar os
componentes do curso na atualidade
Uma das dificuldades dos cursos que trabalham com a Pedagogia da Alternacircncia eacute a
ausecircncia em parte do corpo docente de uma maior afinidade poliacutetica ideoloacutegica com as
questotildees especiacuteficas do curso A ausecircncia dessa interaccedilatildeo acarreta comprometimentos quanto
agrave viabilizaccedilatildeo e operacionalizaccedilatildeo praacutetica da proposta pedagoacutegica escrita (RIBEIRO et al
2010) Eacute um ponto da Pedagogia da Alternacircncia que tem sido pensado e repensado uma vez
que as visitas dos professores agraves comunidades dos estudantestrabalhadores tem se
operacionalizado de forma bastante limitada Esse ponto externa uma preocupaccedilatildeo que
compromete os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo da Alternacircncia da Pedagogia Paulo Freire
e da Educaccedilatildeo Popular como um todo
A busca pelos professores e professoras para trabalhar no curso foi estrateacutegica Em
boa medida os docentes gozavam de boa experiecircncia com a extensatildeo universitaacuteria o que
significa certa capacidade de dialogar com o ementaacuterio das disciplinas
A indicaccedilatildeo dos professores seraacute assumida pela Coordenaccedilatildeo do Curso
considerando preferencialmente a vinculaccedilatildeo formal com o Departamento
de Educaccedilatildeo e demais departamentos das licenciaturas da UFRN e a atuaccedilatildeo
docente e investigativa nas aacutereas relacionadas com o ementaacuterio do referido
curso (UFRN 2010 p 26-27)
As disciplinas trabalhadas no Nuacutecleo de estudos baacutesicos podem ser vistas conforme a
tabela a baixo
74
Periacuteo
do Coacutedigo Disciplinas
C
R
C
H
CH
Presenc
ial
CH
Viven
cial
CH
Praacutet
ica
2007
1
EDU00
46 Introduccedilatildeo ao Trabalho Cientiacutefico 2 30 25 5 -
EDU00
47
Introduccedilatildeo agrave Leitura de textos
imagens e meios eletrocircnicos 8
12
0 100 20 -
2007
2
EDU00
37 Fundamentos de Filosofia do Conhecimento 4 60 45 15 -
EDU00
96
Dimensatildeo Soacutecio-Antropoloacutegica do Ser
Humano 4 60 45 15 -
EDU00
41 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -
EDU00
43 Histoacuteria na Escola 4 60 45 15 -
EDU00
59
Sociologia dos Movimentos Sociais e
Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -
2008
1
EDU00
42 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo no Brasil 4 60 45 15 -
EDU00
40 Gestatildeo democraacutetica na Escola 4 60 45 15 -
EDU00
51
Organizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo
Brasileira 4 60 45 15 --
EDU00
38 Geografia na Escola 4 60 45 15 -
2008
2
EDU00
23 Dimensatildeo Psicoloacutegica da Aprendizagem 4 60 45 15 -
EDU00
62
Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo Popular
(Paulo Freire) 4 60 45 15 -
EDU00
25 Dimensatildeo Psicoloacutegica do Homem 4 60 45 15
EDU00
81
Teacutecnicas de Elaboraccedilatildeo de
Projetos Educacionais 4 60 45 15
EDU00
60 Tecnologias do Campo na Escola 4 60 45 15
2010
2
EDU00
61
Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo (outros
pedagogos) 4 60 45 15
EDU00
53
Planejamento Escolar e Projeto
Pedagoacutegico 4 60 45 15
EDU00
19
Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da
linguagem ndash Portuguecircs 4 60 45 15
EDU00
18
Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da
linguagem ndash Matemaacutetica 4 60 45 15
2011
1
EDU00
39
Gerenciamento de Atividades
Educacionais 4 60 45 15
EDU00
48 Liacutengua Portuguesa na Escola 4 60 45 15
EDU00
49 Matemaacutetica na Escola 4 60 45 15
2011
2
EDU00
35
Elaboraccedilatildeo de Material Didaacutetico
(teoria + praacutetica) 4 90 45 15
EDU00
21 Ciecircncias Naturais na Escola 4 60 45 15
Fonte UFRN (2010)
75
No segundo eixo Nuacutecleo de Aprofundamento e Diversificaccedilatildeo de Estudos se
percebe um grande enfoque naquilo que podemos chamar de ―questatildeo de nossa eacutepoca
(FREIRE 1983) ou questotildees ―transversais Satildeo temaacuteticas que nos remetem a diversidade
cultural tatildeo em pauta hoje em dia
1 Educaccedilatildeo de jovens e adultos
2 Educaccedilatildeo infantil
3 Educaccedilatildeo e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees do
campo
4 Educaccedilatildeo ambiental
5 Educaccedilatildeo e pluralidade cultural
6 Educaccedilatildeo para sauacutede e educaccedilatildeo sexual
7 Educaccedilatildeo especial
8 Temas especiacuteficos alternativas educacionais para o campo questatildeo
agraacuteria cooperativismo e semi-aacuterido (UFRN 2010 p 10)
A par disso eacute vaacutelido salientar o pioneirismo da Pedagogia Paulo Freire no tocante a
essas questotildees Mesmo antes de todos esses temas virem agrave tona Freire jaacute formulava a
Pedagogia do Oprimido que de forma astuta pensou uma pedagogia cujo assento eacute o grupo de
oprimidos ou seja adultos natildeo alfabetizados pessoas com deficiecircncias povos tradicionais
direitos das mulheres Direitos Humanos e outros A pedagogia do oprimido apresenta ao
mundo todos os sujeitos que vivem agrave margem da cultura erudita e hegemocircnica Paulo Freire
chama a atenccedilatildeo para a riqueza da produccedilatildeo cultural desses sujeitos Em boa medida esses
conhecimentos estatildeo hoje sintetizados no multiculturalismo
Desse modo percebemos que haacute uma evidente contribuiccedilatildeo do pensamento freireano
no tocante a organizaccedilatildeo do Pano de Trabalho do Curso Pedagogia da Terra da UFRN A
seguir apresentamos o quadro de disciplinas que compotildeem o Nuacutecleo de Aprofundamento e
Diversificaccedilatildeo de Estudos
Periacuteo
do Coacutedigo Disciplinas
C
R
C
H
CH
Presenc
ial
CH
Viven
cial
CH
Praacutet
ica
2007
1
EDU00
56 Seminaacuterio I ndash A questatildeo Agraacuteria 4 60 40 20 -
EDU00
55
Seminaacuterio II ndash Alternativas Educacionais no
Campo 4 60 40 20 -
2008
1
EDU00
82 Seminaacuterio III ndash O Semi- Aacuterido 4 60 45 15 -
2010 EDU00 Seminaacuterio IV ndash Cooperativismo 4 60 45 15 -
76
2 57
2011
1
EDU00
29 Educaccedilatildeo Ambiental 4 60 45 15 -
2011
2
EDU00
27
Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e
Processo de Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -
EDU00
30 Educaccedilatildeo Especial 4 60 45 15 -
EDU00
20 Artes e Corporeidade na Escola 4 60 45 15 -
2012
1
EDU00
28
Educ de Jovens e Adultos e Processo de Poacutes-
Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -
EDU00
32 Educaccedilatildeo para Sauacutede e Orientaccedilatildeo Sexual 4 60 45 15 --
EDU00
31 Educaccedilatildeo Infantil 4 60 45 15 -
EDU00
33
Educaccedilatildeo Eacutetica e Pluralidade
Cultural 4 60 45 15 -
EDU00
87
Liacutengua Brasileira de Sinais ndash
LIBRAS 4 60 45 15 -
Fonte UFRN (2010)
A uacuteltima parte dos nuacutecleos de estudos refere-se aos Estudos Integradores que satildeo
a Realizaccedilatildeo de oficinas e participaccedilatildeo em eventos culturais artiacutesticos e
cientiacuteficos
b Exerciacutecio profissional em acircmbitos escolares e natildeo-escolares articulando saber
acadecircmico pesquisa e praacutetica educativa (UFRN 2010 p10)
Periacuteo
do Coacutedigo Disciplinas
C
R
C
H
CH
Presenc
ial
CH
Vivenci
al
CH
Praacutet
ica
2007
1
EDU00
45
Introduccedilatildeo ao Estudo da Realidade
Local (teoria+praacutetica) 4 60 15 45 45
EDU00
64 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural I - 15 - 15 15
EDU00
65 Oficina de Praacuteticas Formativas I - 15 15 - 15
2007
2
EDU00
58
Sistema Educacional e
Organizaccedilatildeo Escolar (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
66 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural II - 15 - 15 15
EDU00
67 Oficina de Praacuteticas Formativas II - 15 15 - 15
2008
1
EDU00
50
Observaccedilatildeo na escola ndash sala de
aula (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
68
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
III - 15 - 15 15
EDU00 Oficina de Praacuteticas Formativas III - 15 15 - 15
77
69
2008
2
EDU00
44 Introduccedilatildeo agrave Pesquisa (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
70
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
IV - 15 - 15 15
EDU00
71 Oficina de Praacuteticas Formativas IV - 15 15 - 15
2010
2
EDU00
52 Pesquisa I (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
72 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural V - 15 - 15 15
EDU00
73 Oficina de Praacuteticas Formativas V - 15 15 - 15
2011
1
EDU00
95 Estaacutegio Supervisionado I
10
0 15 85 85
EDU00
74
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
VI - 15 - 15 15
EDU00
75 Oficina de Praacuteticas Formativas VI - 15 15 - 15
2011
2
EDU00
97 Estaacutegio Supervisionado II
20
0 - 200 200
EDU00
98
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
VII - 10 - 10 10
EDU00
77 Oficina de Praacuteticas Formativas VII - 15 15 - 15
2012
1
EDU00
63
Trabalho de Conclusatildeo de Curso
(praacutetica) - 90 - 90 90
EDU00
79
Oficina de Praacuteticas Formativas
VIII - 15 15 - 15
EDU00
80 Congresso de Encerramento - 45 - 45 45
Fonte UFRN (2010)
Essa ultima parte pode-se considerar como a reta final do Curso Os estudantes
trabalharam atividades voltadas agrave culminacircncia como as Oficinas Formativas os Estaacutegios
supervisionados e o Trabalho de Conclusatildeo de Curso (UFRN 2010)
Os trecircs nuacutecleos centrais do curriacuteculo dialogam em grande parte com as necessidades
da formaccedilatildeo dos sujeitos do campo mas tambeacutem com os princiacutepios da Pedagogia Paulo
Freire sobretudo o diaacutelogo tatildeo caro no mundo dos ―pacotes prontos
Eacute preciso que a educaccedilatildeo esteja ndash em seu conteuacutedo em seus programas e em
seus meacutetodos ndash adaptada ao fim que se persegue permitir ao homem chegar a
ser sujeito construir-se como pessoa transformar o mundo estabelecer com
os outros homens relaccedilatildeo de reciprocidade fazer a cultura e a histoacuteria
(FREIRE 1980 p 39)
Aleacutem desses trecircs eixos norteadores destacamos a importacircncia de outras trecircs partes
fundamentais na organizaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica quais sejam (I) Instrumento de
78
integraccedilatildeo e conhecimento do aluno com a realidade social econocircmica e do trabalho de sua
aacutereacurso (II) Instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao ensino (III) Instrumento de praacutetica
profissional (UFRN 2010)
Instrumento de integraccedilatildeo do estudante com a realidade social e econocircmica (I)
―se organiza principalmente no acircmbito das praacuteticas de ensino e possibilita a interlocuccedilatildeo com
os referenciais teoacutericos do curriacuteculo Seraacute iniciada nos primeiros anos do curso e
acompanhada pela coordenaccedilatildeo (UFRN 2010 p 11)
Esse nuacutecleo de disciplinas eacute de fundamental importacircncia uma vez que pretende
aproximar e contextualizar oa estudante dentro da realidade social poliacutetica e econocircmica do
paiacutes Para Freire (2011) o ser humano precisa ―ser situado e datado ou seja o ser humano
precisa conhecer e reconhecer o lugar e o momento histoacuterico no qual se encontra para ser
capaz de agir conscientemente na transformaccedilatildeo da realidade
Menezes e Santiago (2010 p 398) falando sobre a contribuiccedilatildeo do pensamento de
Paulo Freire na construccedilatildeo do curriacuteculo criacutetico apontam que
Os estudantes compreendem suas relaccedilotildees com o mundo natildeo maiscomo real
idade estaacutetica mas como uma realidade em transformaccedilatildeo em processo e de
ssa forma satildeo estimulados a um enfrentamento da realidade como seres da p
raacutexis que sendo reflexatildeo e accedilatildeo eacute verdadeiramente transformadora da realid
ade
Natildeo podemos perder de vista a dimensatildeo criacutetica do processo nem tampouco esquecer
a complexidade da sociedade a qual estamos imersos ou seja uma sociedade de economia
capitalista cuja dinacircmica capitalista gira em torno da dominaccedilatildeo de classe (SILVA 2011)
A modalidade de Praacuteticas Pedagoacutegicas com instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao
ensino (II) pretende articular a teoria com a praacutetica Considera que a formaccedilatildeo profissional
natildeo se desvincula da praacutetica de exercitar a curiosidade que reflete e problematiza a realidade
gerando a partir daiacute projetos de pesquisa capazes de propiciar a iniciaccedilatildeo agrave pesquisa
educacional (id ibid p 11)
A necessidade da intersecccedilatildeo entre a teoria e a praacutetica eacute uma premissa singular a todo
processo educativo defendido exaustivamente tanto como caminho para formaccedilatildeo
permanente de educandos (FREIRE 1991) como para a transformaccedilatildeo do mundo Para
79
pensadores criacuteticos como Marx Gramsci Paulo Freire Apple e outros ―A questatildeo da
coerecircncia entre a opccedilatildeo proclamada e a praacutetica eacute uma das exigecircncias que educadores criacuteticos
fazem a si mesmo Eacute que sabem muito bem que natildeo eacute o discurso o que ajuiacuteza a praacutetica mas a
praacutetica que ajuiacuteza o discurso (FREIRE 2005 p 25)
Associamos a esse momento a praacutexis educativa de Paulo Freire que eacute o resultado da
accedilatildeo e da reflexatildeo porem a accedilatildeo-reflexatildeo sobre o mundo como afirma Freire (2011) natildeo eacute
simples teorizaccedilatildeo e nem simples ativismo eacute a capacidade de agir criticamente sobre esse
mundo A praacutexis eacute um processo dialoacutegico onde saberes satildeo trocados conjuntamente na busca
da construccedilatildeo de um novo saber O pensar jamais poderaacute se afastar da realidade em que se
materializa natildeo bastando interpretar o mundo mas sobretudo transformaacute-lo
Assim esse quadro de disciplinas cujo foco eacute no ensino e na pesquisa contribui de
forma profiacutecua com a busca dos educandos por melhor entenderem sua realidade e sua
eventual transformaccedilatildeo
No uacuteltimo eixo de disciplinas ldquoInstrumento de praacutetica profissionalrdquo (III) observa-
se a ocorrecircncia dos estaacutegios De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de
Trabalho essa atividade
Deve ocorrer junto agraves escolas e unidades educacionais nas atividades de
observaccedilatildeo regecircncia ou participaccedilatildeo em projetos como um ―saber fazer
que busca orientar-se por teorias pedagoacutegicas para responder agraves demandas
colocadas pela praacutetica pedagoacutegica Estaratildeo presentes desde os primeiros
anos do curso configurando a praacutetica pedagoacutegica necessaacuteria ao exerciacutecio
profissional O exerciacutecio efetivo das atividades como professor coordenador
ou gestor de programas educacionais seraacute considerado como parte dessa
modalidade Compreende 300 horas (Estaacutegio Supervisionado I e II) em
consonacircncia com artigo 7ordm aliacutenea II da Resoluccedilatildeo 012006 ndash CNECP
(UFRN 2010 p 11)
A busca pela praacutexis educativa eacute tambeacutem a busca pela aproximaccedilatildeo do outro
procurando articular os diferentes saberes O estaacutegio possibilita um dos momentos mais ricos
em experiecircncias e troca de saberes de todo o curso pois busca diminuir a distacircncia entre os
conteuacutedos trabalhados na Universidade e as vivecircncias do cotidiano escolar (UFRN 2010)
Por fim reafirmamos a importacircncia de um curriacuteculo pensado a partir da realidade das
necessidades sociais e das transformaccedilotildees ensejadas Como monitor que fomos podemos
afirmar que o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
80
natildeo eacute perfeito sobretudo do ponto de vista operacional muita coisa mudou no decorrer dos
anos mudanccedilas de espaccedilos mudanccedilas na coordenaccedilatildeo saiacuteda de estudantes mudanccedilas no
cronograma entre outros Os efeitos dessas ocorrecircncias apenas outras pesquisas nos diratildeo22
Tivemos como objetivo analisar a contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire ao curriacuteculo do
Curso justamente por entender que cursos dessa natureza necessitam de grande aproximaccedilatildeo
e afinidade com os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo e da Pedagogia Paulo Freire ambas as
concepccedilotildees amalgamadas nos princiacutepios da Educaccedilatildeo Popular progressista
Figur
a IIV Concluintes 2012 ndash Turma Florestan FernandesPedagogia da Terra UFRN
22 Sobre os horizontes dos educandos do Curso de Pedagogia da Terra ver Hilario e Azevedo (2011)
disponiacutevel em httpwwwieppecpb2011xpgcombrconteudoGTsGT20-200710pdf
81
5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO
O tema abordado nesta pesquisa emerge de um campo promissor e de grande debate
na contemporaneidade Embora seja um tema que ainda requer muita reflexatildeo e pesquisa
podemos dizer que a temaacutetica da educaccedilatildeo dos povos do campo eacute hoje uma questatildeo em pauta
nacionalmente
Reconhecendo a importacircncia da Educaccedilatildeo do Campo propusemo-nos a pensar e
refletir sobre ―qual a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo
do Campo e numa esfera mais ampla e de forma mais recortada se ―eacute possiacutevel evidenciar
no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte ―recorte e retalhos da Pedagogia de Paulo Freire Imersos nessa problemaacutetica
buscamos analisar o pensamento de Freire dentro dos documentos oficiais que norteiam o
curso
Pensar o sujeito enquanto humano que se transforma e transformando-se transforma o
mundo ao passo que por ele eacute transformado eacute uma contribuiccedilatildeo louvaacutevel natildeo somente ao
campo da Educaccedilatildeo do Campo mas ao paradigma da formaccedilatildeo humana como um todo Freire
desloca o homem do perifeacuterico para o centro das decisotildees natildeo num sentido egoiacutesta supremo
mas num sentido de comunhatildeo com o mundo e com o outro
Comecemos por afirmar que somente o homem como um ser que trabalha
que tem um pensamento-linguagem que atua e eacute capaz de refletir sobre si
mesmo e sobre a sua proacutepria atividade que dele se separa somente ele ao
alcanccedilar tais niacuteveis se faz um ser da praacutexis Somente ele vem sendo um ser
de relaccedilotildees num mundo de relaccedilotildees [] Desprendendo-se do seu contorno
veio tornando-se um ser natildeo da adaptaccedilatildeo mas da transformaccedilatildeo do
contorno um ser de decisatildeo [] (FREIRE 1992 p 39)
Baseado nessa concepccedilatildeo iniciamos este trabalho explicitando ―o lugar de onde
falo pois entendemos que cada ser humano precisa ser entendido em seus muacuteltiplos
condicionamentos precisa ser ―situado e datado desse modo uma compreensatildeo puramente
academicista seria demasiadamente reducionista Ainda que pareccedila pouco cientiacutefico
entendemos que as experiecircncias das pessoas estatildeo diretamente ligadas a psicologia social que
tem determinantes em toda a nossa vida Por isso achamos salutar dizer um pouco do que
somos mas sobretudo dialogar tambeacutem sobre o porquecirc de sermos o que somos
82
Nessa caminhada dialogamos acerca da necessidade de superaccedilatildeo do paradigma da
Educaccedilatildeo Rural e construccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo como alternativa viaacutevel aos povos do
campo Trabalhamos o entendimento da Educaccedilatildeo Rural como a histoacuteria nos apresentou ou
seja um modelo calcado na exploraccedilatildeo do trabalho humano o que configura uma visatildeo
utilitarista e preconceituosa da vida e dos sujeitos do campo Ao mesmo tempo tratamos de
apresentar a Educaccedilatildeo do Campo como uma vertente que melhor se aproxima das
experiecircncias do trabalho e da vida praacutetica dos agricultores e agricultoras Todo o diaacutelogo
sobre as diferentes formas de pensar a educaccedilatildeo dos povos do campo foi atravessado pelo
pensamento de Paulo Freire que teceu toda a construccedilatildeo dessa obra
Pensar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire para o atual debate em torno da Educaccedilatildeo do
Campo eacute uma tarefa instigante sobretudo porque evidenciamos um grande pioneirismo do
Patrono da educaccedilatildeo brasileira quanto a algumas temaacuteticas abordadas hoje pela Educaccedilatildeo do
Campo Debater a importacircncia da realidade ou seja do trabalho e da vida praacutetica como
motor capaz de gerar conhecimentos e mais gerar um curriacuteculo eacute sem duacutevida uma bandeira
do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo que tem origem no pensamento de Paulo Freire
Nessa mesma caminhada explicitamos algumas consideraccedilotildees acerca da Pedagogia da
Alternacircncia e seus propoacutesitos junto a Educaccedilatildeo do Campo Dentro de uma concepccedilatildeo
metodoloacutegica situamos a Alternacircncia dentro de uma vertente multicultural como uma
alternativa curricular que se aproxima das concepccedilotildees progressistas que reclamam uma
organizaccedilatildeo oacutetica mais humana e respeitosa
Continuamos nosso debate discorrendo sobre Educaccedilatildeo do Campo e buscando onde
ela se afina com a Pedagogia Paulo Freire Observamos que em muitos momentos haacute um
entrelaccedilamento entre as duas concepccedilotildees como procuramos exemplificar no desenho criado
por noacutes Nessa pesquisa encontramos uma luta histoacuterica dos povos oprimidos pela busca dos
seus direitos e no mesmo sentido encontramos tambeacutem classes dominantes que ao longo da
histoacuteria perpetuaram seus privileacutegios mantendo uma cultura elitista que estratificando a
sociedade engessa os avanccedilos necessaacuterios
Na quarta parte do trabalho buscamos refletir sobre a inserccedilatildeo do Curso de Pedagogia
da Terra da UFRN no espaccedilo acadecircmico como algo de singular importacircncia Dissertamos
sobre os momentos perpassados pelo curso durante sua realizaccedilatildeo Como se deu o dia a dia
83
dentro da universidade as dificuldades os esforccedilos os preconceitos tudo isso foi canalizado
como forma de entender essa inserccedilatildeo como um ato de ―rebeldia e uma conquista do povo do
campo do Rio Grande do Norte
Eacute nesse sentido de luta e rebeldia que situamos a Pedagogia Paulo Freire dentro da
discussatildeo da Educaccedilatildeo do Campo e do Curso de Pedagogia da Terra A contribuiccedilatildeo de Freire
costura esse trabalho do iniacutecio ao fim Aponta diretrizes e caminhos para a tessitura dessa
dissertaccedilatildeo que eacute tanto teoacuterica quanto praacutetica eacute tanto a segunda quanto a primeira eacute diaacutelogo
eacute pois praacutexis educativa
Por fim buscamos analisar o curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra agrave luz da
contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire Concluiacutemos que haacute uma forte influecircncia da
concepccedilatildeo freireana na Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho
A Pedagogia Paulo Freire e a Educaccedilatildeo do Campo que satildeo atravessadas pela
concepccedilatildeo de educaccedilatildeo dialoacutegica e libertadora satildeo colocadas nesse trabalho como a busca
pelo diaacutelogo constante com o outro Uma educaccedilatildeo ―que se predispusesse a constantes
revisotildees A anaacutelise criacutetica de seus ―achados A uma certa rebeldia no sentido mais humano
da expressatildeo (FREIRE 1983 p 90)
Por fim esta pesquisa nos permitiu refletir sobre o pensamento de Paulo Freire na
contemporaneidade Percebemos o quatildeo atual ele continua e como nos permite compreender
de forma ampla e completa questotildees sociais que permeiam a sociedade A praacutexis educativa de
Paulo Freire assim como o Materialismo Histoacuterico-dialeacutetico continua dando conta de forma
satisfatoacuteria das anaacutelises e mudanccedilas que as questotildees de nossa eacutepoca ensejam
Por uacuteltimo reconhecemos a importacircncia dos cursos de educaccedilatildeo do campo como de
importacircncia singular pois muito mais que a possibilidade de melhoria econocircmica significa
tambeacutem um reparo social e uma conquista do ponto de vista soacutecio-histoacuterico Tivemos a
oportunidade de refletirmos sobre o Curso de Pedagogia da Terra e como a Pedagogia Paulo
Freire pode contribuir com essa formulaccedilatildeo Sabemos que hoje haacute em todo o Brasil diversos
cursos que gozam desse mesmo caraacuteter reconhecemos que satildeo fundamentais poreacutem
reconhecemos que existe uma tendecircncia em tornar essas experiecircncias em ―moda Por
entender que Educaccedilatildeo do Campo eacute um movimento histoacuterico da classe trabalhadora eacute que
84
defendemos que esse paradigma precisa ter em seu acircmago os princiacutepios revolucionaacuterios da
Pedagogia Paulo Freire
85
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92
ANEXOS
93
94
LUIZ GOMES DA SILVA FILHO
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA
ATUALIDADE UM OLHAR SOBRE O CURRIacuteCULO DO CURSO
PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo da Universidade Federal da
Paraiacuteba como cumprimento de requisito para a
obtenccedilatildeo do tiacutetulo de MESTRE em Educaccedilatildeo na
linha de pesquisa em Poliacuteticas Educacionais
ORIENTADORA Professora Doutora
Rita de Cassia Cavalcanti Porto
JOAtildeO PESSOA ndash PB
ABRIL-2014
S586e Silva Filho Luiz Gomes da Educaccedilatildeo do campo e pedagogia Paulo Freire na atualidade
um olhar sobre o curriacuteculo do curso de Pedagogia da Terra da UFRN Luiz Gomes da Silva Filho-- Joatildeo Pessoa 2014
90f il Orientadora Rita de Cassia Cavalcanti Porto Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - UFPBCE 1 Educaccedilatildeo 3 Educaccedilatildeo do campo 4 Pedagogia Paulo
Freire 5 Pedagogia da Terra 5 Curriacuteculo UFPBBC CDU 37(043)
4
LUIZ GOMES DA SILVA FILHO
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA ATUALIDADE
UM OLHAR SOBRE O CURRIacuteCULO DO CURSO PEDAGOGIA DA TERRA DA
UFRN
Aprovado em ________2014
Banca examinadora
______________________________________________________
Professora Drordf Rita de Cassia Cavalcanti Porto ndash Orientadora (PPGEUFPB)
______________________________________________________
Professor Dr Severino Bezerra da Silva (PPGEUFPB)
______________________________________________________
Professora Drordf Gloacuteria das Neves Dutra Escariatildeo ndash Examinadora externa (PPG-CRUFPE)
5
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo a Deus pelo dom da vida por guiar meus passos e me conduzir pelo
caminho do certo ao lado dos oprimidos
Agrave minha matildee Francisca Maria Terto (Dona Tecirc) e ao meu pai Luiz Gomes da Silva
(Seu Lucas) pelo incentivo constante e ajuda frequente Aos meus irmatildeos e irmatildes pelo
simples fato de existirem e colorirem o mundo
Agrave minha companheira Linda Carter pela presenccedila constante ao meu lado e sua
famiacutelia por me fazerem sentir-se em casa mesmo longe dos meus parentes
Agrave minha orientadora Professora Doutora Rita de Cassia Cavalcanti Porto por ser
antes de tudo humana tatildeo raro hoje em dia por acreditar neste trabalho orientar de forma
profiacutecua eacutetica com rigorosidade mas sobretudo com amorosidade Serei sempre grato
Ao Grupo de Estudos da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) pelas conversas
orientaccedilotildees e sobretudo pelo humanismo
Ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo da Universidade Federal da Paraiacuteba e
aos professores que em muito contribuiacuteram com minha formaccedilatildeo em especial ao Professor
Doutor Severino Bezerra Silva que deteacutem meu respeito e grande admiraccedilatildeo
Agrave banca examinadora como um todo pelas contribuiccedilotildees ao trabalho e seriedade
Agrave Universidade Federal da Paraiacuteba pelo acolhimento em um momento tatildeo adverso e
pela oportunidade de realizaccedilatildeo do curso de Mestrado
Aos educandos e educandas do Curso de Pedagogia da UFRN com quem tive o prazer
de conviver dialogar e que de forma direta ou indireta contribuiacuteram com este trabalho
A todos os meus amigos e amigas que de forma sempre positiva me apoiaram
6
RESUMO
Esta dissertaccedilatildeo tem como objetivo geral compreender as contribuiccedilotildees da Pedagogia
Paulo Freire no atual debate da Educaccedilatildeo do Campo como recorte analiacutetico temos o
Curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte Analisa assim as aproximaccedilotildees que se tem hoje entre o Movimento Por Uma
Educaccedilatildeo do Campo e a Pedagogia Paulo Freire Entre as teacutecnicas de pesquisa optamos por
uma aprofundada revisatildeo bibliograacutefica e anaacutelise documental cujo objetivo reside na busca
pelo entendimento amplo de questotildees complexas e abrangentes de nossa eacutepoca Como
resultado alcanccedilado apresentamos algumas reflexotildees sobre a formulaccedilatildeo da Estrutura
curricular do curso supracitado e a presenccedila de princiacutepios da Pedagogia Paulo Freire nesse
curriacuteculo A temaacutetica pesquisada se insere nos objetivos do Grupo de Pesquisa da Pedagogia
Paulo Freire da Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPFUFPB) que busca dialogar sobre
as contribuiccedilotildees da pedagogia freireana em diversos espaccedilos
Palavras-chaves Educaccedilatildeo do Campo Pedagogia Paulo Freire Pedagogia da Terra
Curriacuteculo
4
RESUMEN
Esta disertacioacuten tiene como objetivo general comprender las contribuciones de la
Pedagogiacutea de Paulo Freire en el actual debate de la Educacioacuten del Campo Como guiacutea
analiacutetico tenemos el curriacuteculo del Curso de Pedagogiacutea de la Tierra de la Universidade
Federal do Rio Grande do Norte Se analiza asiacute los acercamientos que se tiene hoy entre el
Movimiento Por Una Educacioacuten del Campo y la pedagogiacutea Paulo Freire De las teacutecnicas de
pesquisa optamos por una profundizada revisioacuten bibliograacutefica y anaacutelisis documental cuyo
objetivo reside en la buacutesqueda por el amplio entendimiento de cuestiones complejas y
extensivas de nuestra eacutepoca Como resultado alcanzado presentamos algunas reflexiones
acerca de la formulacioacuten de la Estructura Curricular del curso anteriormente citado y la
presencia de principios de la Pedagogiacutea Paulo Freire en ese curriacuteculo La temaacutetica
pesquisada se inserta en los objetivos del Grupo de Pesquisa de la Pedagogiacutea Paulo Freire de
la Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPUFPB) que busca dialogar sobre las
contribuciones de la Pedagogiacutea freireana en diversos espacios
PALABRAS CLAVE Educacioacuten del Campo Pedagogiacutea Paulo Freire Pedagogiacutea de la
Tierra curriacuteculo
5
QUADRO DE ILUSTRACcedilOtildeES
Figura I Regiatildeo do SeridoacuteRN
8
Figura II Lagoa NovaRN
9
Figura III Entrelaccedilamento entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire
59
Figura IV Angicos nos dias de hoje (2014)
62
Figura V AngicosRN
64
Figura VI Experiecircncia de AngicosRN
65
Figura IIV Turma Florestan Fernandes ndash PedagogiaUFRN
85
LISTA DE SIGLAS
ANFOPE - Associaccedilatildeo Nacional pela Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo
COMPERVE ndash Comissatildeo Permanente de Vestibular
CONAE - Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo
CONSEPE ndash Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensatildeo
CNBB - Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil
CPT - Comissatildeo Pastoral da Terra
DCE - Diretoacuterio Central dos Estudantes
DCN ndash Diretrizes Curriculares Nacionais
ENERA - Encontro Nacional de Educadores e Educadoras na Reforma Agraacuteria
GEPPC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares
GEPPF - Grupo de Estudos e Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
INCRA - Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria
IPEA - Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada
MEPF - Ministeacuterio Extraordinaacuterio da Poliacutetica Fundiaacuteria
MSC ndash Movimentos Sociais do Campo
MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
PNE - Plano Nacional de Educaccedilatildeo
PROBAacuteSICA - Programa de Qualificaccedilatildeo Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica
PRONERA - Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria
PSDB - Partido da Social Democracia Brasileiro
PT - Partido dos Trabalhadores
SUDENE - Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste
SUPRA - Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria
TRAMSE - Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo
4
UFC ndash Universidade Federal do Cearaacute
UFG ndash Universidade Federal de Goiaacutes
UFMG ndash Universidade Federal de Minas Gerais
UFPB - Universidade Federal da Paraiacuteba
UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UNB - Universidade de Brasiacutelia
UNE - Uniatildeo Nacional dos Estudantes
UNESCO - Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo a Ciecircncia e a Cultura
UNICEF - Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia
SUMAacuteRIO
1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O
ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO 7
11 O LUGAR DE ONDE FALO 7
12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES 11
13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR 16
14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO COMO
SUPORTE PARA ESSE ESTUDO E A PRAacuteXIS FREIREANA 18
2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO PRA
PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER 24
21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO EDUCACIONAL 24
22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA 29
23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO 37
24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS
CONHECIMENTO 43
25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS DA
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO 47
3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO
51
31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA FREIREANA AO ATUAL DEBATE DA
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM 53
32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA
PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO
NORTE58
4
4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIEcircNCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO
CAMPO NA UFRN64
41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO CURSO
DE PEDAGOGIA DA TERRA DA
UFRN70
5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO81
6 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS85
7 ANEXOS 92
7
1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O
ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO
Eacute preciso por outro lado salientar a situaccedilatildeo incocircmoda em
que se encontram intelectuais do Terceiro Mundo que
contemporacircneos de seus colegas do Primeiro Mundo com
eles discutem a poacutes-modernidade ao mesmo tempo em que
convivem em seus paiacuteses com a espoliaccedilatildeo desenfreada de um
capitalismo dependente perverso e atrasado
(FREIRE 2012 p 68)
11 O LUGAR DE ONDE FALO
A vontade e a necessidade de transgredir eacute sem duacutevida um dos maiores motivos que
me leva a formular estes escritos A busca pela construccedilatildeo de um pensamento autecircntico ainda
que reconhecendo todos os riscos de o fazer eacute parte do que nos move Nesse sentido duas
questotildees fundamentais nos orientam quais sejam primeiro qual a contribuiccedilatildeo da
Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo Segundo eacute possiacutevel
evidenciar no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte ldquorecorte e retalhosrdquo da Pedagogia de Paulo Freire
Partindo desses pressupostos inquietadores e sabendo que a educaccedilatildeo deve ser tratada
com extrema seriedade nos debruccedilamos nesse artesanato intelectual (MILLS 2009) com o
objetivo de colaborar com o Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo sobretudo naquilo
que se refere agrave contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire a esse movimento Conseguindo
avanccedilar o pouco que seja nesse debate tatildeo salutar e tatildeo caro estaremos em boa medida
contemplados Nesse primeiro momento trago algumas experiecircncias que me foram tanto
singulares como significativas Por isso mesmo escrevo em primeira pessoa do singular
Nessas primeiras palavras busco a boniteza da expressatildeo de Paulo Freire (2012 p 25)
para iniciar a tessitura desta autobiografia ―de uma geraccedilatildeo que cresceu em quintais nasci
na cidade de Lagoa Nova Regiatildeo do Seridoacute no Estado do Rio Grande do Norte no mecircs de
outubro do ano de 1986
8
Figura I ndash Regiatildeo do SeridoacuteRN
Lagoa Nova eacute uma cidade com caracteriacutesticas tipicamente de interior onde as ―esferas
da existecircncia humana1 se inter-relacionam de forma mais segregada Com uma populaccedilatildeo de
13983 habitantes de acordo com o uacuteltimo censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatiacutesticas (IBGE 2010) essa populaccedilatildeo divide-se quase que simetricamente entre zona
rural e zona urbana Isso tanto tem influecircncia na identidade da Cidade como representa um
fenocircmeno social que por si jaacute merece uma reflexatildeo entretanto natildeo eacute nessa temaacutetica que
reside nosso foco
Figura II ndash Lagoa NovaRN
1 As esferas da existecircncia humana eacute um esquema pensado por Antocircnio Joaquim Severino (1994) em sua obra
―Filosofiardquo em que ele apresenta a Praacutetica Social a Praacutetica Simbolizadora e a Praacutetica Produtiva como uma
engrenagem que gira na frequumlecircncia diretamente proporcional a dinamicidade da sociedade ou grupo social
9
Com um clima extremamente agradaacutevel a cidade tem como base econocircmica a
Agricultura Familiar2 que por sua vez aquece um importante mercado interno sobretudo no
periacuteodo de novembro a marccedilo periacuteodo em que se evidencia a colheita do caju e da castanha
ou simplesmente ―safra do caju Aleacutem da agricultura e do comeacutercio o emprego puacuteblico
garante a complementaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da economia dessa cidade Embora haja outros
modos de complementaccedilatildeo agrave economia a agricultura desempenha papel iacutempar no que diz
respeito ao desenvolvimento da cidade O clima propiacutecio e a terra feacutertil satildeo propulsores de
uma agricultura baseada na pequena propriedade e na diversidade de culturas
Com o lema ―se plantando tudo daacute a regiatildeo serrana apresenta uma prova mais que
concreta de que o desenvolvimento de uma regiatildeo e o bem estar da populaccedilatildeo camponesa
passa diretamente por uma distribuiccedilatildeo de terras para os trabalhadores e trabalhadoras a
rotatividade de culturas e a preservaccedilatildeo do meio ambiente3 princiacutepios que claramente se
aproximam da economia solidaacuteria francamente enfatizada por Singer (2002) assim como
pelos movimentos sociais uma vez que esse caminho eacute uma alternativa para o atual modelo
predatoacuterio de produccedilatildeo agriacutecola tradicional
A possibilidade de cultivar vasta diversidade de sementes e frutos que o solo orgacircnico
rico em huacutemus permite eacute admiraacutevel feijatildeo fava milho encabeccedilam os cereais caju pinha
jaca maracujaacute manga fazem parte do grupo das frutas aleacutem da mandioca que eacute mateacuteria
prima na fabricaccedilatildeo da farinha e outros derivados Outra abrangecircncia de gecircneros alimentiacutecios
como as hortaliccedilas irrigadas e a pecuaacuteria complementam a economia de Lagoa Nova
Quanto agraves questotildees poliacuteticas essa cidade goza dos viacutecios e vicissitudes que a grande
maioria da populaccedilatildeo brasileira enfrenta Aqui natildeo tenho interesse em detalhar passa a passo
essa questatildeo pois isso seria uma tarefa demasiadamente enfadonha e desnecessaacuteria ao nosso
objetivo Ainda assim eacute salutar ressaltar a grande heranccedila oligaacuterquica que eacute flagrante quando
remeto aos nossos representantes poliacuteticos Pequenos grupos se revezam agrave frente da
2 De acordo com Neves (2012) no Dicionaacuterio da Educaccedilatildeo do Campo esse eacute um termo de muacuteltiplas
conotaccedilotildees aqui ficamos com a definiccedilatildeo de um forma de se fazer agricultura diferenciando-se da agricultura
patronal Ou seja uma forma mais poliacutetica e solidaacuteria de se trabalhar a terra
3 Nos uacuteltimos anos um fenocircmeno vem contrariando essa afirmativa a derrubada dos cajueiros tem ocasionado
preocupaccedilotildees quanto ao equiliacutebrio do ambiente
10
administraccedilatildeo puacuteblica como se aquela lhes fosse inerente Como se aquele fosse um direito
advindo do berccedilo Entretanto aos poucos grupos de pessoas ainda que de forma muito
incipiente comeccedilam a se organizar no sentido de propor uma alternativa que fuja agrave diacuteade
partidaacuteria dantesca a qual parece natildeo haver saiacuteda
Satildeo os sabores e dissabores de se gostar de um lugar esse lugar me compotildee eacute siacutentese
de muitas e complexas relaccedilotildees Quando penso na minha cidade resgato Paulo Freire (2012)
quando falava do Recife e sua relaccedilatildeo de saudade para com esta cidade quando estivera no
exiacutelio Faccedilo minhas tais palavras
Quando penso nela penso quanto ainda temos de caminhar lutando para
ultrapassar estruturas perversas de espoliaccedilatildeo Por isso quando longe dela
estive dela a minha saudade jamais se reduziu a um choro triste a uma
lamentaccedilatildeo desesperada Pensava nela e nela penso como um espaccedilo
histoacuterico contraditoacuterio que me exige como a qualquer outro ou outra
decisatildeo tomada de posiccedilatildeo ruptura opccedilatildeo (FREIRE 2012 p34)
Essa breve descriccedilatildeo acerca do meu lugar tem como propoacutesito trazer agrave pesquisa o
cenaacuterio que me foi familiar durante meus primeiros 20 anos (1986-2007) e como essa
vivecircncia implica na minha formaccedilatildeo enquanto pesquisador Como bem estudou Vygotsky ndash
durante sua curta poreacutem brilhante carreira como pesquisador dos processos de
desenvolvimento humano ndash o meio eacute um fator preponderante para a formaccedilatildeo do sujeito
Portanto eacute inegaacutevel que essa cidade eacute parte importante daquilo ―que me move algo que me
constituiu e ainda me constitui Muito do que hoje penso sou ou quero ser tem ligaccedilatildeo direta
com esse periacuteodo com as experiecircncias e vivecircncias que me foram comuns agravequela eacutepoca Isso
alude ao pensamento marxista ao qual nos filiamos em entender o sujeito como sendo ele o
resultado de muacuteltiplos e complexos processos histoacutericos e sociais
Paulo Freire ao trazer agrave tona a importacircncia do lugar das pessoas suas vivecircncias e
experiecircncias como parte integrante da formaccedilatildeo humana do sujeito assim como apontar para
o lugar como produtor de conhecimentos e conteuacutedos me eacute fulcro de compactuaccedilatildeo e
arcabouccedilo teoacuterico e metodoloacutegico Ao me referir ao termo lugar gostaria que o entendimento
fosse aquele trabalhado pelo movimento da Educaccedilatildeo do Campo na contemporaneidade ou
seja como postula (CALDART Et Al 2012) o lugar como sendo constituinte do sujeito e de
sua historicidade natildeo como lugar de moradia tatildeo somente
11
12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES
De uma famiacutelia composta por oito pessoas pai matildee trecircs filhos e trecircs filhas certa vez
li em uma dessas revistas que o filho mais novo chamado caccedilula tem mais probabilidade de
se destacar e vir a ser um grande sujeito socialmente falando e ainda trazia algumas provas de
grandes nomes sobretudo da ciecircncia que se tornaram pessoas conhecidas mundialmente pelas
suas faccedilanhas e descobertas Entretanto sigo outra linha de raciociacutenio coloco-me numa
posiccedilatildeo mais racional e frontalmente de encontro a uma visatildeo platocircnica determinista e
meritocraacutetica de sucesso ―A igualdade de oportunidadelsquo eacute ponto importante da ideologia
capitalista pois garantiria aos mais capazes aos mais esforccedilados aos que trabalham durolsquo o
acesso agraves melhores posiccedilotildees (ROSSI 1980 p 71) Ora no meu caso ser o mais novo me
eximiu de uma eacutepoca natildeo muito remota na qual a condiccedilatildeo social da populaccedilatildeo brasileira era
bastante precaacuteria e o Ensino Superior privileacutegio restrito agrave classe dominante
Depois do esgotamento da Ditadura Militar inicia o periacuteodo chamado Nova Repuacuteblica
ou Transiccedilatildeo democraacutetica poreacutem Saviani (2008) chamou ―transiccedilatildeo conservadorardquo pois o
periacuteodo resguardou a velha formaccedilatildeo social advinda da classe dominante do periacuteodo
ditatorial
A transiccedilatildeo que se operou no Brasil se iniciou com a ―distensatildeo lenta
gradual e segura formulada em 1974 no Governo Geisel e prosseguiu com
a ―abertura democraacutetica a partir de 1979 no Governo Figueiredo
desembocando na Nova Repuacuteblica em 1985 que guindou a posiccedilatildeo de
presidente da Repuacuteblica o ex-presidente do partido de sustentaccedilatildeo do regime
militar (SAVIANI 2008 p 414)
Assim o periacuteodo esperanccediloso que se desenhara com o fim da Ditadura acabou
mantendo grande parte de sua formaccedilatildeo anterior uma vez que continuou a relaccedilatildeo opressor e
oprimido e a interminaacutevel exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo dos trabalhadores ainda que numa
relaccedilatildeo mais decantada e disfarccedilada com outras formas de dominaccedilatildeo e violecircncia Esse
cenaacuterio explica em boa medida as grandes dificuldades econocircmicas perpassadas no cotidiano
da populaccedilatildeo brasileira no periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo
Voltando agraves minhas experiecircncias entendo que se durante minha infacircncia natildeo enfrentei
grandes dificuldades devo isso agrave batalha de um agricultor que ―trabalhava alugado ou ―de
meia e a uma ―dona de casa lavadeira que depois passa a funcionaacuteria puacuteblica ou seja meu
pai e minha matildee Se fui o primeiro da minha famiacutelia a adentrar os altos e quase impenetraacuteveis
12
muros da universidade puacuteblica brasileira natildeo eacute porque sou o melhor dos meus irmatildeos sou na
verdade parte de uma estatiacutestica que aponta para a sensibilidade de um governo cujo foco
principal foi a aacuterea social e a educaccedilatildeo Uma vez coadunada essas duas aacutereas eu fui um dos
muitos jovens negros advindo da classe trabalhadora que foi contemplado por uma
importante poliacutetica soacutecio-educacional do entatildeo Governo Luiacutes Inaacutecio Lula da Silva (2002-2006
e 2006-2010) que tem como uma de suas bases a abertura e expansatildeo das universidades
puacuteblicas
Obviamente que a forccedila de vontade e os esforccedilos pessoais foram reais mas nunca fui
partidaacuterio do discurso meritocraacutetico e do Estado democraacutetico de direito que prega a igualdade
de oportunidade para todos transferindo agraves pessoas o ocircnus pelo seu fracasso social como se a
ascensatildeo dependesse exclusivamente da vontade individual do sujeito O pensamento liberal
afirma que a escola eacute igual para todos e que portanto cada um chega onde suas capacidades e
seu trabalho pessoal lhes permite (SACRISTAacuteN GOacuteMEZ 1998)
Ainda com o objetivo de entender ―o que me move e ―o que me constitui gostaria de
voltar ao relato da minha infacircncia Ainda pequeno moramos no Siacutetio4 Humaitaacute proacuteximo agrave
zona urbana espaccedilo que foi tomado pelo raacutepido crescimento que a cidade adquiriu Na eacutepoca
em que moramos no Humaitaacute que remete aos idos de 1987 devido a fase de vida ainda muito
incipiente poucas satildeo as lembranccedilas desse periacuteodo salvo raras imagens esmaecidas pelos
anos que passaram Desse periacuteodo restou-me muito mais histoacuterias relatadas por meus pais e
irmatildeos mais velhos do que lembranccedilas propriamente minhas No entanto dois fatores fazem
com que essa estadia tenha curta duraccedilatildeo fazendo a famiacutelia retornar agrave cidade a saber os
terremotos5 que foram frequentes nesse periacuteodo e o medo de um bandido chamado Joatildeo
Barauna que oprimia a populaccedilatildeo local
4 O siacutetio eacute o lugar do trabalho por excelecircncia Mas ele eacute igualmente o resultado do trabalho pois eacute um espaccedilo
construiacutedo melhor dizendo um conjunto de espaccedilos articulados entre si que lhe permite organizar-se como um
sistema de insumos e produtos Esse espaccedilo eacute o resultado tambeacutem de um processo histoacuterico secular em que o
ambiente foi alterado com a gradativa eliminaccedilatildeo da cobertura vegetal original e de todo o ecossistema que lhe
era associado (WOORTMANN 1997 p 27)
5 No ano de 1986 grandes abalos siacutesmicos apavoraram moradores do Rio Grande do Norte o epicentro era Joatildeo
Cacircmara no entanto todo o Estado fora atingido com maior ou menor intensidade por falta de informaccedilotildees e
explicaccedilotildees muitas pessoas entraram em pacircnico e deixaram suas casas (Arquivo Tribuna do Norte)
13
Meu pai sempre repete que ―naquela eacutepoca tinha que votar e vir pra casa natildeo podia
ficar em turminhas na rua depois da votaccedilatildeo isso nos mostra que embora estiveacutessemos no
processo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes ainda havia a sombra dos ―anos de chumbo que por
mais de vinte anos garantiu a perpetuaccedilatildeo de um regime autoritaacuterio e ditatorial em nosso paiacutes
que causou feridas cujas cicatrizes ainda satildeo visiacuteveis
Em 1987 voltamos para a rua6 Minha matildee Francisca Maria (Dona Tecirc) dividia seu
tempo entre lavagens de roupa ―de ganho tarefas do lar aleacutem de assumir emprego de
funcionaacuteria puacuteblica do municiacutepio na funccedilatildeo de zeladora da igreja catoacutelica da cidade Meu pai
Luiz Gomes (Seu Lucas) trabalhava nas atividades da agricultura e desempenhava a arte da
caccedila como poucos Como natildeo detinha posses de terras ele ―alugava sua forccedila de trabalho em
sucessivas ―diaacuterias em terras alheias Quando natildeo era alugado ele trabalhava em terras de
outros natildeo por dinheiro mas numa relaccedilatildeo que em muito lembra as relaccedilotildees feudais do
periacuteodo Medieval na Europa ou seja a troca de trabalho por trabalho
Erik Wolf trabalha o termo ―aluguel como um processo no qual ―esse camponecircs
estava sujeito agrave relaccedilatildeo assimeacutetrica de poder o que lhe acarretava um ocircnus permanente em
sua produccedilatildeo (WOLF 1976 p 22) Assim em um modelo bastante parecido com o
desenhado por Wolf meu pai trabalhava a terra de um grande proprietaacuterio a troco de uma
porcentagem que girava em torno de 30 a 50 (terccedila e meia respectivamente) do que era
produzido isso acarreta uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo contiacutenua e demasiadamente nociva para o
trabalhador
Em meio a essa batalha que meus pais travavam diariamente para manter a famiacutelia
inicio minha trajetoacuteria escolar No meu percurso natildeo frequentei creches ou preacute-escolas
Ingressei na antiga 1ordf Seacuterie do Ensino Fundamental jaacute com algumas habilidades na leitura e na
escrita isso devido agrave dedicaccedilatildeo da minha irmatilde Ana de Faacutetima (Aninha) que sempre reservara
um tempo para ensinar aos irmatildeos mais novos Mesmo sendo reprovado na 2ordf Seacuterie do Ensino
Fundamental natildeo tive grandes dificuldades nas seacuteries seguintes Salvo uma ou outra aula de
reforccedilo que muito mais constrangia do que auxiliava no processo de aquisiccedilatildeo da liacutengua
escrita
6 Rua eacute termo francamente usado por populaccedilotildees do campo para designar cidade
14
Eacute importante refletirmos sobre o quatildeo marcante pode ser a escola na vida de uma
crianccedila Varela e Alvarez-Uria (1996) no texto ―a maquinaria escolar afirmam que embora
seja uma instituiccedilatildeo recente a escola deteacutem grande influecircncia sobre a sociedade Assim foi
comigo as marcas e as lembranccedilas do processo educacional escolar que ainda hoje satildeo
evidentes
Jaacute no Ensino Meacutedio o desempenho foi mais consciente comecei a desenvolver um
gosto muito grande pelas ciecircncias humanas e Histoacuteria Geografia e Portuguecircs eram as
disciplinas as quais eu dedicava grande parte do meu tempo Nesse momento estaacutevamos
morando no Siacutetio Figueira o ano eacute 2003 ano que passei a trabalhar tanto nas atividades da
roccedila com o meu pai ndash a condiccedilatildeo jaacute natildeo era mais de tamanha exploraccedilatildeo como outrora a
terra ainda era arrendada no entanto esse tratado agora se passava atraveacutes de laccedilos de
parentesco ndash como nas atividades da construccedilatildeo civil com meu irmatildeo mais velho Ary Gomes
Apesar da grande quantidade de pessoas que imigram do campo agrave cidade natildeo haacute nenhuma
profissatildeo segundo os estudos comparados nas quais maior porcentagem de filhos siga a
profissatildeo dos pais do que entre agricultores (MARTINS apud SOLARI 1986) Minha
caminhada mostra que fugi a regra entretanto hoje resguardo grande admiraccedilatildeo e respeito
agravequeles e aquelas que labutam e vivem nada terra
Mesmo em atividades bastante adversas sempre reservara um horaacuterio do dia agraves
atividades de leitura e redaccedilatildeo Em 2004 prestes a terminar o Ensino Meacutedio simplesmente
natildeo sabia o que significava fazer vestibular Hoje a situaccedilatildeo tem mudando mas isso era
recorrente nas classes mais pobres da populaccedilatildeo uma vez que a universidade natildeo eacute um desejo
almejado pela classe trabalhadora natildeo por desinteresse mas pela falta de informaccedilatildeo e
visualizaccedilatildeo dessa possibilidade que parece distante aos filhos das classes populares Pelo
contraacuterio se propaga o discurso que ao teacutermino do 3ordm ano do Ensino Meacutedio o sujeito
―terminou os estudos Aleacutem disso historicamente se praticou uma educaccedilatildeo cujo foco estaacute
diretamente relacionado agrave classe social a qual o sujeito pertence ou seja agraves classes
trabalhadoras uma educaccedilatildeo elementar uma vez que essa basta agravequeles que iratildeo desempenhar
funccedilotildees manuais ao passo que agraves classes ricas desenhou-se uma educaccedilatildeo para o Ensino
Superior Essa loacutegica eacute facilmente evidenciada no Governo de Fernando Henrique Cardoso
quando ―prioriza o Ensino Fundamental em detrimento do Meacutedio teacutecnico e superior
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Entre 2005 e o iniacutecio de 2007 trabalhei incessantemente na construccedilatildeo civil ainda
assim continuei a reservar pequenos horaacuterios para me dedicar agraves leituras Ao realizar o
vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte ndash UFRN natildeo tive dificuldade em
ingressar no Curso de Pedagogia daquela instituiccedilatildeo o que atribuo principalmente agrave praacutetica
dessas leituras O motivo da escolha do curso ateacute hoje me eacute uma incoacutegnita poreacutem uma
hipoacutetese consideraacutevel pode ter ligaccedilatildeo com a baixa concorrecircncia
No mesmo ano 2007 fui morar em Natal para dar iniacutecio ao Curso Morador de
Residecircncia Universitaacuteria me dediquei logo na chegada agraves atividade de militacircncia estudantil
em prol dos estudantes de origem popular que moradores do interior do Estado necessitavam
da Residecircncia em Natal Assim durante toda a minha estadia na Residecircncia Universitaacuteria me
dediquei agrave organizaccedilatildeo dos estudantes na busca por mais vagas nas Residecircncias e melhorias
estruturais naquelas existentes
Devido a essa atuaccedilatildeo concorri agrave gestatildeo do Diretoacuterio Central dos Estudantes (DCE)
da UFRN e logramos ecircxito Uma responsabilidade que resolvi encarar enquanto possibilidade
de fazer algo mais A experiecircncia indubitavelmente me foi rica durante um ano estive a frente
do DCE buscando mais uma vez organizar os estudantes coletivamente
Os cinco anos de graduaccedilatildeo passados na Residecircncia me foram de grande importacircncia
primeiramente do ponto de vista econocircmico jaacute que eu natildeo possuiacutea condiccedilotildees financeiras de
me manter fora dela Outro ponto importante foi a convivecircncia com a complexidade das
diversas aacutereas dos conhecimentos isso me garantiu uma formaccedilatildeo que em muito me ajudou
na vida apoacutes minha saiacuteda daquele recinto
Com a aproximaccedilatildeo do teacutermino da graduaccedilatildeo logo veio o desejo de continuar
galgando os degraus do conhecimento buscando aprofundar-me atraveacutes do Mestrado Tal
propoacutesito confirmou-se com a abertura do processo seletivo da Universidade Federal da
Paraiacuteba No mestrado da UFPB encontrei na figura da Professora Doutora Rita de Cassia
Cavalcanti Porto incentivo e orientaccedilatildeo pra continuar os estudos na aacuterea da Educaccedilatildeo do
Campo poreacutem enfatizando nessa reflexatildeo o pensamento e a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire
Ainda eacute de grande importacircncia destacar a atuaccedilatildeo no estaacutegio docente junto a turma de
Pedagogia da UFPB participaccedilatildeo no Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares
16
(GEPPC) desta mesma universidade e a vitoacuteria de vivenciar a criaccedilatildeo do Grupo de Estudos e
Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF)7
13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR
Imbuiacutedo de relativa consciecircncia poliacutetico-social no ano de 2008 me aproximei da
militacircncia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Rio Grande do
Norte
Segundo Miguel Carter (2010) o surgimento do MST pode ser dividido em diferentes
momentos para ele
O primeiro periacuteodo eacute a gestaccedilatildeo do MST (1979-1984) Esse periacuteodo que
precede a fundaccedilatildeo oficial do Movimento eacute fundamental para compreender
as bases de seu processo de formaccedilatildeo O segundo periacuteodo eacute o de
consolidaccedilatildeo (1985-1989) que se caracteriza pela ampliaccedilatildeo das accedilotildees do
movimento em escala nacional por meio de seu estabelecimento em todas as
regiotildees do paiacutes e a configuraccedilatildeo de sua estrutura organizativa O terceiro
periacuteodo eacute de institucionalizaccedilatildeo (1990 ateacute o presente) Nesse tempo o MST
se torna o principal interlocutor do governo federal a respeito da reforma
agraacuteria e eacute reconhecido internacionalmente (CARTER 2010 p 163)
Quando conheci o Movimento no RN fiquei muito animado Conhecer o Centro de
Capacitaccedilatildeo Patativa do Assareacute em Cearaacute - MirimRN e contribuir em algumas atividades
teve significativa importacircncia para minha formaccedilatildeo Entre 2010-2011 ingressei no Grupo de
Estudo Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo (TRAMSE)
Esse grupo coordenado pelo Professor Alessandro Augusto de Azevedo desenvolveu a
organizaccedilatildeo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte em parceria com o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (PRONERA
DECRETO Nordm 7352 de 2010) O curso se destina a formaccedilatildeo de assentados da Reforma
7 O Grupo de Estudos e Pesquisas Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) Coordenado pela Professora Drordf Rita de
Cassia Cavalcanti Porto procura identificar e analisar a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire na
perspectiva da reinvenccedilatildeo nas poliacuteticas e praacuteticas emancipadoras curriculares de formaccedilatildeo de professores nos
sistemas puacuteblicos de ensino bem como socializar com gestores pesquisadores e educadores o legado freireano
para a educaccedilatildeo
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Agraacuteria Minha atuaccedilatildeo no grupo compreendia a monitoria da turma durante as aulas e
estudos teoacutericos nos intervalos do curso
O MST surge no Rio Grande do Norte em decorrecircncia do 5ordm Encontro Nacional do
Movimento realizado em 1989 que definiu a continuidade de sua expansatildeo pelo Brasil em
pressionar o governo pela realizaccedilatildeo da reforma agraacuteria A primeira ocupaccedilatildeo do MST no Rio
Grande do Norte ocorreu no Vale do Assu com 20 famiacutelias na Fazenda Bom Futuro que fica
localizada no Municiacutepio de JanduiacutesRN (RIBEIRO 2002) Desde aquela eacutepoca ateacute hoje
muita coisa aconteceu e muita coisa mudou O Movimento se tornou fundamental no
enfrentamento das grandes questotildees acerca da terra no Rio Grande do Norte
O interesse pela temaacutetica da Educaccedilatildeo do Campo tornou-se evidente devido a
aproximaccedilatildeo com o MST e com a monitoria do curso de Pedagogia da Terra No MST
percebi que muitos dos termos da educaccedilatildeo e das praacuteticas educativas eram ressignificadas
pelo Movimento e que este tinha forte influecircncia da Pedagogia Freireana o que
indubitavelmente tornou-se porta de entrada para aprofundar meus estudos e interesses sobre
a temaacutetica a Educaccedilatildeo do Campo
Investigar a relaccedilatildeo entre os sujeitos do campo e a universidade passou a ser meu
principal interesse e por conseguinte tema da minha monografia ―Veredas da Pedagogia da
Terra anaacutelise reflexiva de um percurso (SILVA FILHO 2011) Nesse trabalho procurei
refletir sobre o Curso de Pedagogia da Terra enquanto uma educaccedilatildeo voltada agraves populaccedilotildees
do campo e sua relaccedilatildeo com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Esses relatos de experiecircncias e autobiografia como entende Antocircnio Chizzotti (2006)
representam em boa medida um caminho trilhado as relaccedilotildees afetivas os desejos a histoacuteria
satildeo partes que nos atravessam e que nos constitui tambeacutem A academia costuma nos dissecar
tornar o pesquisador mais pesquisador do que gente quando a relaccedilatildeo eacute justamente o
contraacuterio Os sujeitos aparecem como a-histoacutericos natildeo tecircm famiacutelia natildeo tecircm amores natildeo tecircm
lugares Esses escritos iniciais tecircm justamente essa finalidade situar o pesquisador antes de
tudo como gente como sujeito que como escrevera Freire (2012) estaacute no mundo mas
tambeacutem com o mundo e com os outros
18
14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO A
PRAacuteXIS FREIREANA COMO SUPORTE PARA ESSE ESTUDO
Para garantirmos a consubstancialidade deste estudo a contextualizaccedilatildeo dos fatos
tanto no tempo histoacuterico como no espaccedilo foi ponto de constante atenccedilatildeo Natildeo queremos
jamais cair no equiacutevoco de excluir essas categorias da nossa pesquisa sobretudo preocupamo-
nos em natildeo perder o homem como inventor da histoacuteria como produto e produtor dessa
narrativa
Nesse mesmo sentido Ball (2011 p38) critica a pesquisa cujo sentido esteja
desvinculado dos fenocircmenos sociais e histoacutericos de que eacute resultado ―Haacute eacute claro aspectos
temporais adicionais nos processos poliacuteticos e nas anaacutelises desses processos mas na praacutetica
muitas pesquisas sobre poliacuteticas educacionais natildeo tem nenhum sentido de tempo O aspecto
negligenciado mais oacutebvio eacute um extravagante a-historicismo
Gatti (2007 p11) afirma que a pesquisa em educaccedilatildeo no Brasil vem se configurando
como um campo em consolidaccedilatildeo ―Nos uacuteltimos anos pode-se observar um aumento
significativo de pesquisas publicaccedilotildees grupos de pesquisa linhas de pesquisa em programas
de poacutes-graduaccedilatildeo e eventos especiacuteficos sobre poliacuteticas sociais e educacionais
No seacuteculo XIV Agriacutecola havia aconselhado aos seus contemporacircneos que
―Considerem suspeito tudo o que lhes havia sido ensinado ateacute entatildeo e o
mesmo aconselhava jaacute no seacuteculo XVI Bacon Descartes e Pascal ―O
primeiro afirmara que a verdade muda com o tempo o segundo que soacute a
evidecircncia poderia convencer algueacutem ao passo que o terceiro insistia em que
a experimentaccedilatildeo era o uacutenico criteacuterio seguro no campo cientiacutefico (PONCE
2010 p126 grifo do autor)
As pesquisas e suas configuraccedilotildees variaram muito ateacute os tempos de hoje alguns
pesquisadores se filiam agraves novas tendecircncias outros permanecem crentes da consistecircncia da
corrente teoacuterica a qual satildeo simpaacuteticos e acreditam que essa linha de pensamento ainda daacute
conta de forma satisfatoacuteria do entendimento e da criacutetica necessaacuteria agraves questotildees que a realidade
enseja
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Desse modo continuamos nos filiando agrave corrente histoacuterico-criacutetico de analisar a
realidade com base no materialismo histoacuterico-dialeacutetico e na praacutexis educativa de Paulo Freire
uma vez que nessa perspectiva ―o estudo ontoloacutegico do ser social natildeo prescinde o estudo da
gecircnese histoacuterica da especificidade da sociedade (SAVIANI DUARTE 2012 p 37) ―A
pesquisa natildeo eacute de modo algum na praacutetica uma reproduccedilatildeo fria das regras que vemos em
alguns manuais O proacuteprio comportamento do pesquisador em seu trabalho eacute-lhe peculiar e
caracteriacutestico (GATTI 2007 p 11) Isso se deve indubitavelmente a um complexo de
muacuteltiplos condicionamentos que constituem o pesquisador enquanto ser histoacuterico Enquanto
gente
Este conhecimento como objeto de dado alheio a qualquer traccedilo de
subjetividade elimina qualquer perspectiva de colocar a busca cientiacutefica ao
serviccedilo das necessidades humanas para resolver problemas praacuteticos O
investigador estuda os fatos pela proacutepria ciecircncia pelo propoacutesito superior da
alma humana de saber Natildeo estaacute interessando em conhecer as consequumlecircncias
de seus achados Este propoacutesito de espiacuterito positivo engendrou uma
dimensatildeo que foi defendida com muito entusiasmo e ainda hoje em alguns
meios se levanta como bandeira verdadeira a da neutralidade da ciecircncia
(TRIVINtildeOS 1987 p 37)
Para noacutes a busca pelo conhecimento eacute ponto nevraacutelgico para contribuir com o atual
debate da Educaccedilatildeo do Campo e com a Pedagogia Paulo Freire Nessa perspectiva estudar
esse fenocircmeno sem fim nem finalidade seria ignomiacutenia da nossa parte
Pensando numa perspectiva teoacuterica que atenda aos interesses almejados e tendo em
vista a realidade social e concreta na qual estamos imersos assim como as disputas inerentes
ao tecircnue e conflitante tecido social temos como metodologia o materialismo histoacuterico
dialeacutetico e a praacutexis educativa de Paulo Freire pois esta perspectiva vincula de forma
satisfatoacuteria as questotildees abordadas nesse estudo agrave dinacircmica da realidade material dos sujeitos
envolvidos e reflete a construccedilatildeo histoacuterica dos fenocircmenos com destaque para as
transformaccedilotildees sociais que esta construccedilatildeo enseja
A compreensatildeo da praacutexis educativa em Paulo Freire se encontra diluiacuteda em toda a sua
pedagogia como essa pedagogia eacute bastante ampla abordaremos os principais elementos que
se encontram ligados ao materialismo histoacuterico dialeacutetico procurando dialogar as interfaces
dessas teorias e como elas contribuem para o entendimento da realidade Na praacutexis educativa
de Freire assim como no materialismo histoacuterico dialeacutetico a mera especulaccedilatildeo filosoacutefica natildeo
20
garante subsiacutedio natildeo basta apenas interpretar o mundo eacute preciso tratar de transformaacute-lo
(FREIRE 1983)
A histoacuteria da dialeacutetica eacute demasiadamente longa por isso natildeo pretendemos aprofundar
essa temaacutetica esclarecemos apenas que nesse trabalho adotamos aquela cujo vieacutes eacute marxista
em que pese haver uma vasta gama de outras possiacuteveis compreensotildees da dialeacutetica A
concepccedilatildeo marxista encontra suporte no materialismo e na histoacuteria para a explicaccedilatildeo dos
fenocircmenos
Na produccedilatildeo social da sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees
determinadas necessaacuterias independente da sua vontade relaccedilotildees de
produccedilatildeo que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das
forccedilas produtivas materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui
a estrutura econocircmica da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva
uma superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas
formas de consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida material
condiciona o desenvolvimento da vida social poliacutetica e intelectual em geral
Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o seu ser eacute o seu ser social
que inversamente determina a sua consciecircncia (MARX 1973 p 28-28)
Esforccedilamo-nos em compreender como a histoacuteria da Educaccedilatildeo do Campo bebe da
Pedagogia Paulo Freire onde se intercalam e como dialeticamente se aproximam Cheptulin
(1982) aponta para dialeacutetica como sendo formas gerais de estudar o ser os aspectos e os laccedilos
gerais da realidade as leis do reflexo desta uacuteltima na consciecircncia dos homens pensamento
fortemente presente na pedagogia freireana em que o ponto de partida da histoacuteria e da
realidade satildeo os sujeitos reais (FREIRE 2011)
Gadotti (1983) nos ajuda a situar a dialeacutetica materialista dentro de uma concepccedilatildeo
metodoloacutegica
Natildeo se trata de pensar toda a histoacuteria da educaccedilatildeo pois o que teriacuteamos seria
o ponto de vista da dialeacutetica ou melhor uma leitura dialeacutetica do que foi a
educaccedilatildeo ateacute hoje Eacute o que jaacute fez por exemplo o grande filoacutesofo e
historiador argentino Anibal Ponce mostrando como a educaccedilatildeo enquanto
fenocircmeno social ligado a superestrutura soacute pode ser compreendida atraveacutes
da anaacutelise soacutecio-econocircmica da sociedade que a matem [] O meacuterito de
Anibal Ponce estaacute justamente em colocar em evidecircncia o princiacutepio da
dialeacutetica da relaccedilatildeo entre a consciecircncia e a estrutura econocircmica mostrando
como a luta pelo direito a educaccedilatildeo e agrave cultura acompanhou a luta pelos
demais direitos enfim a educaccedilatildeo natildeo estaacute separada da luta de classe
(GADOTTI 1983 p 39-40)
21
O Materialismo histoacuterico-dialeacutetico eacute a ciecircncia filosoacutefica do marxismo que estuda as
leis socioloacutegicas que caracterizam a vida da sociedade de sua evoluccedilatildeo histoacuterica e da praacutetica
social dos homens no desenvolvimento da humanidade O Materialismo histoacuterico significou
uma mudanccedila fundamental na interpretaccedilatildeo dos fenocircmenos sociais que ateacute o nascimento do
marxismo se apoiava na concepccedilatildeo idealista de sociedade humana (TRIVINtildeOS 1987)
Quando eacute adotada a perspectiva materialista histoacuterico-dialeacutetica o
desenvolvimento da humanidade eacute analisado como um processo histoacuterico
contraditoacuterio heterogecircneo que se realiza por meio das concretas relaccedilotildees
sociais de dominaccedilatildeo que tem caracterizado a histoacuteria da humanidade ateacute
aqui (SAVIANI DUARTE 2012 p 39)
Karel Kosik autor da ―Dialeacutetica do concreto publicado em 1963 um dos mais
eminentes expoentes do marxismo trabalha a realidade em sua totalidade natildeo se limita as
anaacutelises das partes mas procura estabelecer o caraacuteter dialeacutetico entre as partes e o todo Ele
analisa a ―realidade como um todo estruturado dialeacutetico no qual ou do qual um fator
qualquer (classes de fatos conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido
(KOSIK 2010 p 44) o que configura uma compreensatildeo bastante satisfatoacuteria para nossa
anaacutelise cujo objetivo eacute entender como as diferentes partes de uma realidade formam o
fenocircmeno abordado
Na pedagogia freireana cujo assento eacute a praacutexis educativa a compreensatildeo da realidade
eacute ponto chave para a tomada de conscientizaccedilatildeo dos sujeitos Para Freire (1987) a realidade eacute
construiacuteda historicamente sendo passiva de mudanccedila nega-se assim o determinismo de uma
realidade estaacutetica pronta imutaacutevel Para ele a superaccedilatildeo do estado de opressatildeo eacute uma tarefa
ontoloacutegica do homem
Esta superaccedilatildeo natildeo pode dar-se poreacutem em termos puramente idealistas Se
faz indispensaacutevel aos oprimidos para a luta por sua libertaccedilatildeo que a
realidade concreta de opressatildeo jaacute natildeo seja para eles uma espeacutecie de ―mundo
fechado (em que se gera o seu medo da liberdade) do qual natildeo pudessem
sair mas uma situaccedilatildeo que apenas os limita e que eles podem transformar eacute
fundamental entatildeo que ao reconhecerem o limite que a realidade opressora
lhes impotildee tenham neste reconhecimento o motor de sua accedilatildeo libertadora
(FREIRE 1987 p 19)
Nesse sentido nos aproximamos de um materialismo praacutetico cujo princiacutepio natildeo se
pretende a captar a realidade sob forma de objeto ou como mera contemplaccedilatildeo Isso rompe
com a oposiccedilatildeo estanque sujeitoobjeto e concebe alternativamente a atividade humana como
22
uma atividade objetiva e transformadora ao mesmo tempo Desse modo o homem eacute
simultaneamente fruto das circunstacircncias histoacutericas e agente de mudanccedila das mesmas
Na contribuiccedilatildeo deste estudo optamos por uma investigaccedilatildeo no campo da pesquisa
qualitativa realizando um levantamento bibliograacutefico e uma anaacutelise documental Segundo Gil
(2002 p46)
O desenvolvimento da pesquisa documental segue os mesmos passos da
pesquisa bibliograacutefica Apenas cabe considerar que enquanto na pesquisa
bibliograacutefica as fontes satildeo constituiacutedas sobretudo por material impresso
localizados nas bibliotecas na pesquisa documental as fontes satildeo muito
mais diversificadas e dispersas
A par disso realizamos uma busca em documentos da Universidade do Curso de
Pedagogia e tambeacutem da Comissatildeo Permanente de Vestibular (COMPERVE) e nos ocupamos
em analisar os documentos norteadores do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte uma vez que este constitui nosso recorte analiacutetico
Devido agrave dificuldade de realizarmos uma pesquisa com todos os estudantes do Curso
espalhados por todo o Estado do Rio Grande do Norte concordamos com Gil (2002 p46)
quando afirma que ―Outra vantagem da pesquisa documental eacute natildeo exigir contato com os
sujeitos da pesquisa Eacute sabido que em muitos casos o contato com os sujeitos eacute difiacutecil ou ateacute
mesmo impossiacutevel Em outros a informaccedilatildeo proporcionada pelos sujeitos eacute prejudicada pelas
circunstacircncias que envolvem o contato
Para dialogar com essa perspectiva metodoloacutegica trabalhamos com autores cujo
assento eacute tanto a resistecircncia como na transformaccedilatildeo do status quo social como a
organizaccedilatildeo coletiva na busca por direitos historicamente negados Nesse sentido Aroyo
(2011 2009) Caldart (2012 2010) Freire (1983 1991 2011 2012) Gadotti (1983 1996
2000) Ribeiro (2010) Saviani (2008) Apple (2012) Giroux (1986) entre outros Aleacutem disso
a anaacutelise dos marcos legais que norteiam a Educaccedilatildeo do Campo tambeacutem foi de grande
importacircncia para a formulaccedilatildeo da nossa base de sustentaccedilatildeo
Por fim entendemos que na pesquisa social haacute uma relaccedilatildeo definitiva entre o
pesquisador e o seu campo de estudo ―A visatildeo do mundo de ambos estaacute implicada em todo
23
processo de conhecimento desde a concepccedilatildeo do sujeito aos resultados do trabalho e agrave sua
aplicaccedilatildeo (DESLANDES et al 1994 p 14) Seguindo essa linha percebemos o quatildeo
proacuteximos estamos de todas essas questotildees trabalhadas e na verdade que nossas escolhas
nosso objetivo nossa metodologia natildeo eacute nem poderia ser obra do acaso eacute na verdade fruto
da nossa formaccedilatildeo social enquanto o sujeito mas sobretudo enquanto gente
24
2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO
PRA PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER
Natildeo quero dizer poreacutem que porque esperanccediloso
atribuo a minha esperanccedila o poder de transformar a
realidade e assim convencido parto para o embate sem
levar em consideraccedilatildeo os dados concretos materiais
afirmando que minha esperanccedila basta Minha esperanccedila
eacute necessaacuteria mas natildeo eacute suficiente Ela soacute natildeo ganha a
luta mas sem ela a luta fraqueja e titubeia Precisamos
da esperanccedila criacutetica como o peixe necessita da aacutegua
despoluiacuteda
Paulo Freire Pedagogia da Esperanccedila 1992
21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO
EDUCACIONAL
A Reforma do Estado e a reestruturaccedilatildeo produtiva das deacutecadas de 1980 e 1990 assim
como a consolidaccedilatildeo das poliacuteticas neoliberais no campo econocircmico e social representam um
divisor quando nos referimos agrave atuaccedilatildeo do Estado frente agrave garantia de poliacuteticas (SADER
GENTILI 1995) Essas transformaccedilotildees tecircm significativa influecircncia no campo educacional e
eacute disso que trataremos agora
Luiz Fernandes Dourado em palestra no X Encontro Estadual da ANFOPE-PB e IX
Encontro Regional - NE ANFOPE realizado em Campina Grande ndash PB em 2012 afirma que
natildeo se pode compreender as poliacuteticas educacionais se natildeo fizer isso de maneira
contextualizada quais sejam as condiccedilotildees objetivas em que elas satildeo produzidas Obviamente
a economia tem papel de destaque na determinaccedilatildeo dessas condiccedilotildees Silva (2011) tratando a
questatildeo agrave luz do pensamento de Michael Apple afirma que as caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo
da economia na sociedade capitalista afeta tudo aquilo que ocorre em outras esferas sociais
como a educaccedilatildeo e a cultura por exemplo
Para tanto antes de adentrarmos a reforma do estado e suas implicaccedilotildees na educaccedilatildeo eacute
salutar voltarmos ao entendimento do principal pilar de sustentaccedilatildeo dessa reforma o
25
neoliberalismo Sader e Gentili (1995) e Neves (2005) afirmam que o neoliberalismo nasceu
logo depois da II Guerra Mundial na regiatildeo da Europa e da Ameacuterica do Norte onde imperava
o capitalismo Foi uma reaccedilatildeo teoacuterica e poliacutetica veemente contra o Estado intervencionista de
bem-estar O pensamento neoliberal foi difundido inicialmente no Reino Unido no trabalho
do economista austriacuteaco Frederich Hayek (BALL 2011 SADER GENTILI 1995)
O surgimento do neoliberalismo apoacutes a Segunda Guerra e sua posterior
consolidaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1980 trazem consigo um formidaacutevel
ataque contra o igualitarismo e a solidariedade coletivistalsquo em quaisquer de
suas formas desde a aparentemente mais benigna o Ministeacuterio do Bem-
estarlsquo das sociais-democracias europeacuteias ateacute a mais virulenta (a juiacutezo dos
ideoacutelogos neoliberais) corporificada no modelo sovieacuteticolsquo vigente na Uniatildeo
Sovieacutetica e nos paiacuteses do Leste Europeu Ambas as variantes nas palavras
de Hayek se movimentavam em prol de um mesmo objetivo a construccedilatildeo
de uma sociedade de iguais Eram por isso mesmo rotas alternativas que
desembocavam em um mesmo desastre civilizatoacuterio a servidatildeo moderna
(BORON 2000 p55)
Ainda para Sader e Gentili (na mesma obra) a chegada da grande crise do modelo
econocircmico do poacutes-guerra em 1973 quando todo o mundo capitalista avanccedilado caiu numa
longa e profunda recessatildeo combinando pela primeira vez baixas taxas de crescimento com
altas taxas de inflaccedilatildeo mudou tudo ―A rigidez do fordismo tornou-se um obstaacuteculo para o
crescimento do capitalismo A crise da deacutecada de 1970 foi a expressatildeo do esgotamento de um
modelo baseado na produccedilatildeo em massa de um lado e no chamado Estado de Bem-Estar
social de outro (DEL PINO 2011 p 67) A partir daiacute as ideias neoliberais passaram a
ganhar terreno
Expoente fundamental na difusatildeo do neoliberalismo Margaret Thatcher8 encontra-se
natildeo tanto na negativa da existecircncia de sociedade mas em sua radical e desoladora
reimaginaccedilatildeo da sociedade civil Ela se apoia em um renascimento do individualismo
competitivo e em um novo tipo de cidadatildeo-consumidor (BALL 2011)
As reformas econocircmicas de ―Ajuste estrutural implementadas na Ameacuterica Latina
estatildeo baseadas no que ficou conhecido como ―Consenso de Washington (NASCIMENTO
QUAIOTTI et al1997) Satildeo medidas que visam agrave abertura de economias nacionais
8 13 de outubro de 1925 mdash 8 de abril de 2013
26
desregulaccedilatildeo dos mercados cortes nos gastos sociais flexibilizaccedilatildeo dos direitos trabalhistas
privatizaccedilatildeo das empresas puacuteblicas e o controle do deacuteficit fiscal No Brasil apoacutes a
constituiccedilatildeo de 1988 vaacuterias emendas constitucionais vecircm sendo aprovadas com o objetivo de
desregulamentar a relaccedilatildeo capitaltrabalho (DEL PINO 2011)
Ball (2011p 23) explica que ―durante os uacuteltimos quinze anos temos testemunhado no
Reino Unido e tambeacutem na maioria das outras sociedades do mundo ocidental e das
sociedades desenvolvidas uma profunda transformaccedilatildeo nos princiacutepios de organizaccedilatildeo da
provisatildeo social especialmente no setor puacuteblico Del Pino (2011) citando Boroacuten e
Hobsbawm afirma que essas transformaccedilotildees tambeacutem chegaram a paiacuteses do hemisfeacuterio norte
e sul em especial na Ameacuterica Latina Afirma ainda que o seacuteculo XX que iniciou como o
seacuteculo das massas se despede ―como seacuteculo do desemprego em massa (DEL PINO 2011
p65)
Essa breve cronologia tem como objetivo mostrar de onde vem a discussatildeo A reforma
tem iniacutecio na deacutecada de 80 mas como vimos tem sua gecircnese bem antes ―Na verdade haacute uma
tendecircncia notaacutevel a um ―poacutes-1988 (BALL 2011 p 38) Isso significa que muitos
pesquisadores utilizam a reforma de 1988 como ponto zero excluindo em boa medida o que
a antecedeu
Essa introduccedilatildeo tambeacutem tem como objetivo mostrar as implicaccedilotildees da reestruturaccedilatildeo
produtiva no campo educacional Quais as consequecircncias da reforma pra noacutes pesquisadores
estudantes professores e trabalhadores na educaccedilatildeo em geral De iniacutecio vale salientar que a
reestruturaccedilatildeo tem como uma de suas finalidades a adequaccedilatildeo dos modelos produtivos ao
novo modelo econocircmico insurgente chamado por Ball (2011) ―poacutes-fordismo que
―caracteriza-se pelo aparecimento de setores produtivos inteiramente novos Isso jaacute nos
remete agrave implicaccedilatildeo de que a educaccedilatildeo passa a ser vislumbrada como um campo feacutertil e rico
em potencial a ser explorado pelo mercado capitalista em sua faceta neoliberal
Essas mudanccedilas natildeo se restringem ao campo produtivo mas de forma muito concisa
ao campo da individualidade dos sujeitos das subjetividades ―De este modo no soacutelo nos
encontramos en un momento de imposicioacuten de un determinado modelo de produccioacuten y
distribucioacuten de la riqueza sino ademaacutes en un proceso de resocializacioacuten de reorganizacioacuten
de los sentidos con los cuales conviviacuteamos (ALMANACID ARROYO 2011 p 264) Essa
27
posiccedilatildeo eacute ratificada por Ball (2011 p 32) quando afirma que ―outro aspecto da reestruturaccedilatildeo
eacute a formaccedilatildeo de novas subjetividades profissionaislsquo Natildeo simplesmente o que fazemos
mudou quem noacutes somos as possibilidades de quem deveriacuteamos nos tornar tambeacutem
mudaram
Nesse momento assistimos a educaccedilatildeo brasileira experimentar as consequecircncias
danosas dessa nova dinacircmica advinda do capitalismo em uma fase neoliberal como por
exemplo a ecircnfase na supervalorizaccedilatildeo de iacutendices de qualidade e eficiecircncia Essa construccedilatildeo
teve como assento o pensamento hegemocircnico de que esse seria natildeo somente o melhor
caminho mas tambeacutem o uacutenico para fugir da falecircncia estatal
Sob a ideologia da globalizaccedilatildeo os governos dos paiacuteses dependentes entre
eles o Brasil acenam com a necessidade de integraccedilatildeo agrave economia mundial
dentro dos padrotildees propostos por esta integraccedilatildeo como uacutenico meio de afastar
a degradaccedilatildeo social e o aprofundamento da condiccedilatildeo de pobreza destes paiacuteses
Todavia essa hipoacutetese eacute falsa A integraccedilatildeo atraveacutes do atual padratildeo de
desenvolvimento eacute impossiacutevel (DEL PINO 2011 p66)
A ideologia neoliberal ganha ecircnfase sobretudo com a derrocada dos governos
socialista principalmente com o fim da Uniatildeo Sovieacutetica e do comunismo na Europa Oriental
(SADER GENTILI 1995) Na contramatildeo desse processo emerge uma criacutetica tanta ao novo
modelo de sociedade como ao paradigma vigente de educaccedilatildeo
Com o esgotamento da Ditadura Civil Militar os movimentos sociais emergem e
desempenham papel fundamental na busca de uma pedagogia alternativa e de um modelo de
sociedade no qual o fatalismo ou o discurso poacutes-moderno de ―[] obstaacuteculos insuperaacuteveis
(FREIRE 2012 p 48) natildeo predomine A pedagogia histoacuterico-criacutetica e contra-hegemocircnica
fruto tanto de uma opccedilatildeo ideoloacutegica de sociedade como do periacuteodo de reabertura poliacutetica de
meados da deacutecada de 1980 desempenha papel central nesse momento histoacuterico
Eacute importante destacarmos a colocaccedilatildeo da expressatildeo ―contra-hegemocircnica pois ela
costura este texto por vaacuterios momentos Ainda que Gramsci natildeo tenha trabalhado o conceito
de contra-hegemonia sendo esse uma formulaccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho9 estamos
9 Carlos Nelson Coutinho eacute um dos maiores tradutores da obra de Gramsci no Brasil
28
amparados no inverso desse termo ou seja a hegemonia termo exaustivamente pensado por
Gramsci
A hegemonia seria a capacidade de um grupo social unificar em torno de seu projeto
poliacutetico um bloco mais amplo natildeo homogecircneo marcado por contradiccedilotildees de classe Desse
modo hegemonia eacute algo que se conquista por meio da direccedilatildeo poliacutetica e do consenso e natildeo
mediante a coerccedilatildeo Pressupotildee aleacutem da accedilatildeo poliacutetica a constituiccedilatildeo de uma determinada
moral de uma concepccedilatildeo de mundo numa accedilatildeo que envolve questotildees de ordem cultural na
intenccedilatildeo de que seja instaurado um ―acordo coletivo (GRAMSCI 1991) Para Coutinho
(1999) eacute a busca de uma classe particular para impor seus interesses comuns como interesse
geral da sociedade Nesse sentido a colocaccedilatildeo da expressatildeo contra-hegemonia estaacute
intrinsecamente ligada ao conceito de resistecircncia de luta
Dourado (2012) afirma que se a tradiccedilatildeo do estado brasileiro eacute ainda marcada por um
estado patrimonial em que pese ser este paiacutes a sexta economia do mundo para Fernandes
(1995) eacute um estado ―desigual e combinado Noacutes temos desde o maior avanccedilo tecnoloacutegico a
condiccedilotildees de miserabilidade eacute nesse tensionamento eacute nesse caldeiratildeo cultural social poliacutetico
e racial que vatildeo se traduzindo o horizonte das poliacuteticas puacuteblicas
Dourado (2011) nos mostra que a histoacuteria da educaccedilatildeo brasileira eacute marcada por
disputas entre diferentes projetos de educaccedilatildeo e sociedade O atual debate acerca do Plano
Nacional de Educaccedilatildeo (PNE) apesar de parecer recente data da deacutecada de 1930 quando os
Pioneiros elaboraram o primeiro esboccedilo de Plano arquivado logo em seguida pelo Estado
Novo e totalmente negligenciado pelo Regime Militar
Ainda conforme Dourado (2011 p 23) ―A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 resultante de
amplo processo constituinte avanccedila consideravelmente no campo dos direitos sociais A
Constituiccedilatildeo determina que o Senado crie planos e programas nacionais O primeiro PNE (Lei
nordm 10172 de 09 de janeiro de 2001) foi aprovado no governo Itamar Franco e teria duraccedilatildeo
no Governo Fernando Henrique Cardoso no entanto o Governo do PSDB natildeo considerou o
plano como referencial para suas accedilotildees
Em 2010 com o prazo de vigecircncia do PNE prestes a expirar a sociedade civil
organizada pelo Foacuterum Nacional de Educaccedilatildeo (FNE) realiza a I Conferecircncia Nacional de
29
Educaccedilatildeo (2010) com o objetivo de intervir propositivamente no novo Plano a ser lanccedilado
pelo Congresso Nacional em 2011 O novo Plano Nacional de Educaccedilatildeo (PL 8035) se
configura dentro de um complexo campo de disputas de forccedilas Nesse sentido a sociedade
civil estaacute mais uma vez realizando conferecircncias de educaccedilatildeo municipais intermunicipais
distrital e estadual que culminaratildeo na Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo de 2014 cuja
finalidade eacute garantir a aprovaccedilatildeo de um plano articulado nacionalmente democraacutetico e
popular (CONAE 2014)
Nesse contexto de efervescecircncia eacute de fundamental importacircncia a atuaccedilatildeo dos
movimentos de resistecircncia do campo na luta por educaccedilatildeo Esse movimento contra
hegemocircnico eacute importante para fazer frente agraves poliacuteticas neoliberais que avanccedilam na
contemporaneidade Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo passa a ser vista enquanto
propositiva de uma educaccedilatildeo que escapa tanto agrave pedagogia da hegemonia como ao modelo
rural de educaccedilatildeo que vem sendo destinado aos sujeitos do campo ao longo da histoacuteria
(ARROYO 2009) Mesmo com todas as contradiccedilotildees e ressalvas que satildeo necessaacuterias
estamos pois vendo emergir um contraponto fundamental uma pedagogia politizada
assentada em princiacutepios criacuteticos que tem como foco o sujeito
Feita essa breve retrospectiva histoacuterica iniciamos nesse momento o debate sobre a
Educaccedilatildeo Rural e como a superaccedilatildeo desse paradigma eacute essencial para alcanccedilar a Educaccedilatildeo do
Campo cujos princiacutepios tecircm forte afinidade com a Pedagogia Paulo Freire e questotildees que
reclamam mudanccedilas estruturais no seio da sociedade brasileira
22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA
Apesar de evidenciarmos avanccedilos importantes no campo educacional o analfabetismo
ainda eacute um empecilho para a construccedilatildeo de uma sociedade mais autocircnoma tanto do ponto de
vista do desenvolvimento econocircmico do paiacutes como da emancipaccedilatildeo humana dos seus
cidadatildeos Ainda haacute uma barreira demasiadamente alta que impede os sujeitos de construiacuterem
melhores condiccedilotildees sociais de vida Esse problema se intensifica quando tomamos como foco
de investigaccedilatildeo a zona rural brasileira Segundo dados do uacuteltimo estudo do Instituto de
Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA 2009) os iacutendices referentes ao analfabetismo das
populaccedilotildees do campo por exemplo satildeo sempre superiores quando comparados com as
populaccedilotildees residentes na zona urbana
30
Ainda segundo o estudo no meio rural haacute uma grande desigualdade de renda entre os
ricos e pobres uma vez que os primeiros satildeo os ―donos das terras e os segundos satildeo sempre
aqueles que trabalham nela Sabe-se que em sociedade como a nossa a posse da terra eacute
condiccedilatildeo primaacuteria para ascensatildeo social poliacutetica e econocircmica de um povo
Nas sociedades predominantemente agriacutecolas a propriedade da terra eacute a
principal fonte de poder econocircmico poliacutetico e social Como uma regra
simples podemos afirmar que quanto maior for a quantidade de terra
possuiacuteda maior seraacute o poder de seu proprietaacuterio (FEDER apud SHALIN
1976 p 73 traduccedilatildeo nossa)
A citaccedilatildeo acima nos ajuda a entender por um lado a posiccedilatildeo social privilegiada que as
classes detentoras de terras ocupam ateacute os dias de hoje A concentraccedilatildeo da terra tem causado
ao longo da histoacuteria grandes prejuiacutezos agraves populaccedilotildees do campo a falta de escolas e o
consequente analfabetismo eacute uma marca desse fenocircmeno de privaccedilatildeo Nesse momento eacute
necessaacuterio resgatar a urgecircncia de uma Reforma Agraacuteria popular no Brasil como forma de
atenuar esse grande deacuteficit histoacuterico Freire (2012 p 65) mostra que a natildeo realizaccedilatildeo de uma
reforma agraacuteria seacuteria eacute mais uma forma de manutenccedilatildeo de privileacutegios da classe dominante
[] Ao mesmo tempo contudo arquivam a realizaccedilatildeo de reforma agraacuteria
sem a qual se estrangula qualquer transformaccedilatildeo seacuteria nesse paiacutes Nenhuma
sociedade capitalista moderna deixou de fazer sua reforma agraacuteria
absolutamente indispensaacutevel agrave criaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de um mercado
interno Eacute por isso que jaacute natildeo falam em Reforma Agraacuteria e natildeo porque seja o
seu processo uma velharia e sua realizaccedilatildeo um desrespeito agrave propriedade
privada como afirmam os donos do mundo e das gentes ( FREIRE 2012 p
65)
O monopoacutelio da terra causou feridas profundas cujas cicatrizes ainda estatildeo abertas no
seio da sociedade brasileira e que portanto ainda satildeo condicionantes que a sociedade precisa
enfrentar para alcanccedilar a melhoria de vida das classes trabalhadoras da cidade e do campo
Tomando o analfabetismo como exemplo ―Para a categoria localizaccedilatildeo observa-se
que na populaccedilatildeo rural a taxa de analfabetismo eacute de quase 228 Jaacute para a populaccedilatildeo
urbanametropolitana esse iacutendice eacute de 44 (IPEA 2009 p 10) Esses dados nos auxiliam
na explicitaccedilatildeo de uma realidade extremamente desigual marcada por preconceitos e
esquecimento Natildeo eacute um dado estatiacutestico tatildeo somente mas antes de tudo eacute um flagrante uma
prova da exclusatildeo secular que os sujeitos do campo brasileiro vecircm passando Freire (2011)
31
aponta para esse processo como a negaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo negaccedilatildeo das vocaccedilotildees dos
homens vocaccedilatildeo negada na injusticcedila na exploraccedilatildeo na opressatildeo e na violecircncia dos
opressores
Desse modo o paradigma educacional no qual se assenta a Educaccedilatildeo Rural reside no
bojo do pensamento utilitarista e dominador de uma classe sobre a outra Ribeiro (2012 p
293) afirma que ―[] para definir educaccedilatildeo rural eacute preciso comeccedilar pela identificaccedilatildeo do
sujeito a que ela se destina Isso significa que as pessoas que estatildeo vinculadas a educaccedilatildeo
rural satildeo sujeitos cuja marca do trabalho nas atividades da agricultura lhes eacute fator
determinante Para Erick Wolf haacute uma relaccedilatildeo direta de exploraccedilatildeo que caracteriza o
camponecircs ―eacute somente quando um cultivador esta integrado em uma sociedade com um estado
ndash isto eacute somente quando o cultivador passa a estar sujeito a exigecircncias e sanccedilotildees de
detentores do poder exterior ao seu estrato social ndash que podemos falar propriamente em um
campesinato (WOLF 1976 p 26) Percebe-se assim uma aproximaccedilatildeo histoacuterica entre o
camponecircs e a exploraccedilatildeo do seu trabalho
Arroyo (2009) aponta para o descaso no qual a educaccedilatildeo das populaccedilotildees do campo
esteve submetida historicamente cuja finalidade natildeo ai aleacutem do ensino de teacutecnicas de plantio
e colheita no manuseio da terra Essa visatildeo utilitarista e preconceituosa legitimou os baixos
investimentos as escolas em condiccedilotildees precaacuterias e a pouca formaccedilatildeo dos profissionais
(ARAUacuteJO SILVA 2011) aleacutem disso acirrou a disparidade da escola rural em relaccedilatildeo agrave
escola urbana quando se pensa na qualidade O ensino dos sujeitos do campo foi marcado por
uma condiccedilatildeo humana assentada no pauperismo na exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo da matildeo-de-
obra de forma mais ampla na negaccedilatildeo dos direitos baacutesicos como eacute a educaccedilatildeo
Poreacutem Freire (2012 p 59) os convida a refletir sobre a problemaacutetica e expotildee que
Jaacute deixo claro que nenhuma sociedade se livraraacute desses horrores por decreto
nem tampouco porque um de seus sujeitos fundamentais os dominantes num
gesto amoroso regale uma nova forma de viver aos ―condenados da terra A
superaccedilatildeo desses horrores implica decisatildeo poliacutetica mobilizaccedilatildeo popular
organizaccedilatildeo intervenccedilatildeo poliacutetica lideranccedila luacutecida democraacutetica esperanccedilosa
coerente tolerante
Paulo Freire um dos mais assiacuteduos defensores da Educaccedilatildeo Como Praacutetica da
Liberdade deixa claro que a superaccedilatildeo desse modelo de educaccedilatildeo que aqui podemos associar
a ―educaccedilatildeo bancaacuteria tem como pressuposto intriacutenseco a organizaccedilatildeo da classe trabalhadora
32
dos oprimidos essa libertaccedilatildeo jamais decorreraacute da ―falsa generosidade dos dominadores
(FREIRE 2011)
Esse modelo de educaccedilatildeo representou para escolas rurais grande atraso em relaccedilatildeo ao
processo educativo dos filhos dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo ainda sendo
comum visualizarmos escolas na zona rural em extrema precarizaccedilatildeo O esvaziamento dos
conteuacutedos a distacircncia entre a vida cotidiana dos alunos e o curriacuteculo da escola contribuiu de
forma direta e indiretamente para o abandono da escola pelas crianccedilas seja para ajudarem
seus pais na lida da agricultura ou nas tarefas domeacutesticas Certamente um ―curriacuteculo oculto
(SILVA 2011) contribui para esse processo de pauperismo
A despreocupaccedilatildeo com o trabalho dos sujeitos do campo eacute parte central que
caracteriza a Educaccedilatildeo Rural Haacute uma disparidade uma incongruecircncia muito significativa
entre o dia-a-dia e o que a escola mostra O cotidiano do estudante da escola do campo eacute rico
em diversidades naturais animais relacionais trabalho e no entanto esse cenaacuterio desaparece
no momento em que ele adentra a escola
Destinadas a oferecer conhecimentos elementares de leitura escrita e
operaccedilotildees matemaacuteticas simples mesmo a escola rural multisseriada natildeo tem
cumprido esta funccedilatildeo o que explica as altas taxas de analfabetismo e os
baixos iacutendices de escolarizaccedilatildeo nas aacutereas rurais (RIBEIRO 2012 p 193
apud CALDART et al 2012)
Percebe-se portanto que a Educaccedilatildeo Rural eacute resultado de uma loacutegica opressora natildeo
podendo ser pensada como um acidente metodoloacutegico que por acaso foi de um jeito e que
poderia ter sido de outro modo Pelo contraacuterio esse modelo tinha um propoacutesito uma
finalidade natildeo era neutra assim como nenhuma outra forma de educaccedilatildeo eacute Sabidamente natildeo
era a emancipaccedilatildeo dos sujeitos do campo ou a preparaccedilatildeo para a educaccedilatildeo superior o seu
propoacutesito mas antes as tarefas manuais da agricultura cuja necessidade educacional se
resumia aos anos iniciais do Ensino Fundamental
Freire (2011 p 83) afirma que ―Natildeo eacute de se estranhar pois que nessa visatildeo bancaacuterialsquo
da educaccedilatildeo os homens sejam vistos como seres da adaptaccedilatildeo do ajustamento Essa
educaccedilatildeo que Freire chama bancaacuteria e que serve perfeitamente agrave Educaccedilatildeo Rural esteve
embrionariamente ligada aos interesses dos latifundiaacuterios brasileiros tanto como formaccedilatildeo de
matildeo-de-obra como forma de manter privileacutegios dos ruralistas ao passo que negara a vocaccedilatildeo
33
ontoloacutegica do homem ou seja a vocaccedilatildeo de ser mais ―A escola rural estaacute profundamente
distanciada da realidade do trabalho e da vida dos agricultores uma vez que a educaccedilatildeo tem
sido utilizada pelas classes dominantes para manter a classe trabalhadora rural subordinada
aos seus interesses (RIBEIRO 2010 p 176)
Nesse sentido podemos observar um ―problema no curriacuteculo da educaccedilatildeo rural Esse
problema eacute resultado de interesses a saber ao longo da histoacuteria natildeo vimos em nenhum
horizonte uma accedilatildeo governamental que tivesse a finalidade de proporcionar uma educaccedilatildeo
diferenciada positivamente para os sujeitos do campo Pelo contraacuterio as accedilotildees estiveram
sempre ligadas muito mais aos interesses dos grandes latifundiaacuterios e da classe poliacutetica do
que agraves reais necessidades das populaccedilotildees camponesas
Se olharmos por exemplo o periacuteodo que compreende a deacutecada de 1940 aos anos
1960 veremos que esse interstiacutecio eacute fortemente marcado pelas campanhas de alfabetizaccedilatildeo das
populaccedilotildees camponesas Esse fenocircmeno tem um imperativo como podemos observar na obra
de Saviani (2008 p 316)
O direito de voto contudo estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo o que levou
os governantes a organizar programas campanhas e movimentos de
alfabetizaccedilatildeo de jovens e adultos dirigidos natildeo apenas aos crescentes
contingentes urbanos mas tambeacutem a populaccedilatildeo rural Daiacute o surgimento de
campanhas ministeriais que se estenderam da deacutecada de 1940 ateacute 1963
Vale salientar que essas campanhas tinham como objetivo a educaccedilatildeo elementar nada
que ultrapassasse a fronteira do direito ao voto um exemplo eacute a Campanha Nacional de
Educaccedilatildeo Rural (CNER) Percebemos o quatildeo alarmante era o quadro em que estavam imersas
as populaccedilotildees do campo nesse periacuteodo Nessa mesma conjuntura mas com caraacuteter
eminentemente progressista surgem diversas organizaccedilotildees populares em vaacuterias partes do
paiacutes debatendo e organizando as populaccedilotildees pobres no sentido de conscientizar esses sujeitos
para intervirem conscientemente na poliacutetica e na sociedade brasileira Wanderley (2010 p
85) aponta que
No tempo decisivo citado sobre a emergecircncia dos processos educativos
populares irromperam os movimentos de cultura popular cujo viacutenculo com
os mesmos foram impactantes MCP do Recife de Natal do MEB Meacutetodo
Paulo Freire entre outros Jaacute naquela eacutepoca eles compareciam situados
como movimentos rurais e urbanos Sua influecircncia na poliacutetica da mesma
maneira foi exponencial na linha de pressionar por mudanccedilas de fundo por
34
isso mesmo no Brasil e em outros paiacuteses latino-americanos foram
duramente reprimidos nas ditaduras implantadas
Sobre o caraacuteter educativo dessa mobilizaccedilatildeo Saviani (2008 p 317) nos expotildee o
seguinte
A mobilizaccedilatildeo que toma vulto na primeira metade dos anos 1960 assume
outra significaccedilatildeo Em seu centro emerge a preocupaccedilatildeo com a participaccedilatildeo
poliacutetica das massas a partir da tomada de consciecircncia da realidade brasileira
E a educaccedilatildeo passa a ser vista como instrumento de conscientizaccedilatildeo A
expressatildeo ―educaccedilatildeo popular assume entatildeo o sentido de uma educaccedilatildeo do
povo pelo povo e para o povo pretendendo-se superar o sentido anterior
criticada como sendo uma educaccedilatildeo das elites dos grupos dirigentes e
dominantes pra o povo visando a controlaacute-lo manipulaacute-lo ajustaacute-lo agrave
ordem existente
Nesse panorama histoacuterico eacute salutar ressaltar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire como um
autecircntico representante desse momento histoacuterico Freire esteve preocupado antes de tudo em
inserir um caraacuteter poliacutetico agrave educaccedilatildeo em educar para a conscientizaccedilatildeo e a poliacutetica Daiacute sua
forte defesa da natildeo neutralidade da educaccedilatildeo pensamento oposto agravequele presente no ideaacuterio
da Educaccedilatildeo Rural ele opocircs-se veemente ao manuseio da formaccedilatildeo atrelada aos interesses
das classes opressora
Os espaccedilos populares forjaram grandes pensadores Paulo Freire eacute um desses que
comprova a experiecircncia e a realidade da cotidianidade como geradora de conteuacutedo de
curriacuteculo e como loacutecus para o desenvolvimento de uma praacutetica popular de educaccedilatildeo baseada
na necessidade do sujeito Esse vieacutes foi estrategicamente negligenciado pela Educaccedilatildeo Rural
Esse caraacuteter de uma educaccedilatildeo transformadora e libertaacuteria eacute usado na experiecircncia de
Angicos Estado do Rio Grande do Norte em 1963 onde Paulo Freire desenvolveu seu
―meacutetodo que alfabetizou trabalhadores rurais daquele municiacutepio em um curto intervalo de
tempo Ele e sua equipe ―[] Alfabetiza 300 trabalhadores Este trabalho obteacutem grande
repercussatildeo nacional e internacional Estende a experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN)
e Joatildeo Pessoa (PB) (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012
p146) Nessa experiecircncia o contexto do sujeito assume grande relevacircncia assim como o
trabalho
A concepccedilatildeo de campo na Educaccedilatildeo Rural tambeacutem apresentara um conceito
esvaziado colocado frequentemente como o lugar onde se produzem alimentos para manter a
35
cidade somente Um lugar sem vida anocircnimo anocircmico e anecircmico Essa era e ainda eacute para
muitos o ideaacuterio de campo que predomina em nossa sociedade
Em seu livro Gritti (2003) demonstra que a escola puacuteblica rural foi um
potente instrumento para a expansatildeo do capitalismo no campo brasileiro
trazendo como consequumlecircncia a desestruturaccedilatildeo do modo de vida dos
trabalhadores rurais principalmente seu trabalho os saberes e a cultura que
lhes satildeo proacuteprios (SAVIENI 2008 p 317)
Como jaacute afirmamos na Educaccedilatildeo Rural haacute uma distacircncia muito significativa entre os
conteuacutedos trabalhados em sala de aula e a realidade dos educandos isso eacute potencializado
ainda mais pelo livro didaacutetico e pela formaccedilatildeo do professor que em boa medida natildeo mora no
campo muitas vezes natildeo tem afinidade com aquela realidade e acaba reforccedilando estereoacutetipos
e preconceitos acerca do campo e dos sujeitos (ARAUacuteJO SILVA 2011) Como consequecircncia
desse distanciamento haacute um processo de urbanizaccedilatildeo das escolas do campo ou seja um
transplante da metodologia da escola urbana para a escola rural ou como eacute comum a
deslocaccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos do campo para as escolas da cidade
Segundo Ribeiro (2010) apesar de ter seu reconhecimento no final do Segundo
Impeacuterio a Educaccedilatildeo Rural tem seu desenvolvimento na primeira metade do seacuteculo XX Os
primeiros incentivos a esse modelo de educaccedilatildeo no Brasil se deram durante o Estado Novo
na deacutecada de 1930 Nesse momento essa educaccedilatildeo se dava em boa parte por campanhas de
alfabetizaccedilatildeo Tais campanhas estavam diretamente atreladas aos interesses da incipiente
industrializaccedilatildeo que chegara ao nosso Paiacutes e aos interesses eleitoreiros uma vez que o voto
estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo como exposto anteriormente Ainda segunda a autora a
Educaccedilatildeo Rural estava baseada numa concepccedilatildeo evolucionista que considerava os costumes
e a vida do homem do campo como atrasado e necessaacuterio de ser evoluiacutedo
A partir da deacutecada de 1950 alguns oacutergatildeos satildeo criados com o objetivo de desenvolver
as regiotildees brasileiras que apresentavam maiores iacutendices de pobreza assim surge a
Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) o Instituto Nacional de
Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) a Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria
(SUPRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agraacuterio (INDA) oacutergatildeos federais que
tratariam de questotildees relativas agrave reforma agraacuteria no Brasil (NETO 2007) Esperava-se com
isso a melhoria da vida da populaccedilatildeo do campo brasileiro entretanto muitas dessas agecircncias
36
se tornaram loacutecus de corrupccedilatildeo e manutenccedilatildeo de privileacutegios dos grupos dominantes do Norte
e Nordeste
Durante a Ditadura Civil Militar brasileira a educaccedilatildeo das populaccedilotildees camponesas
seguiu a reboque da modernizaccedilatildeo agriacutecola guinando ao sabor do vento da mecanizaccedilatildeo do
campo Essa educaccedilatildeo continuou a ser objeto de manutenccedilatildeo de privileacutegios da burguesia
agraacuteria e de negaccedilatildeo de direitos e emancipaccedilatildeo das populaccedilotildees rurais Na deacutecada de 1980
Carter (2010 p 38) afirma que
Um novo ciclo de mobilizaccedilatildeo por terra irrompeu com forccedila no iniacutecio da
deacutecada de 1980 de modo especial na Regiatildeo Sul Brasil Ele surgiu com o
apoio de uma rede progressista no meio religioso e a assistecircncia de vaacuterios
sindicatos de trabalhadores rurais em um contexto de intensa modernizaccedilatildeo
agriacutecola crescentes demandas na sociedade civil pela restauraccedilatildeo da
democracia e o decliacutenio gradual do regime militar O MST foi instituiacutedo
formalmente e em niacutevel nacional em janeiro de 1984 Um ano mais tarde o
Brasil testemunhou a inauguraccedilatildeo de um movo governo civil
Haacute um pensamento que advoga que durante a Ditadura Civil Militar houve uma
calmaria nos movimentos sociais como jaacute salientamos anteriormente entendemos que houve
na verdade uma censura um silenciamento dos atores sociais dos sujeitos Os movimentos
sociais estavam em luta estavam em formaccedilatildeo o MST por exemplo tem sua gestaccedilatildeo ainda
na deacutecada de 1970 assim como a Comissatildeo Pastoral da Terra ndash CPT que foi criada para
conter a onda de assassinatos de trabalhadores rurais e acabou tendo grande importacircncia na
proteccedilatildeo daqueles sem-terra que lutavam pela redemocratizaccedilatildeo do Brasil (SCOLESE 2008)
Esses movimentos embora natildeo tivessem em sua gecircnese a educaccedilatildeo como foco central jaacute
traziam uma denuacutencia importante e uma necessidade de reversatildeo da situaccedilatildeo negligente a qual
as populaccedilotildees rurais se encontravam
A Educaccedilatildeo Rural ainda eacute um fenocircmeno existente em nossa sociedade natildeo podemos
dizer que ela foi enterrada com o advento do paradigma10
da Educaccedilatildeo do Campo Sabe-se
que os desafios ainda satildeo muitos A educaccedilatildeo das comunidades rurais tem alcanccedilado avanccedilos
10 De acordo com Kuhn (2009) o conceito de paradigma eacute entendido como sendo o conjunto das realizaccedilotildees da
ciecircncia reconhecidas universalmente ou seja o paradigma refere-se a um conjunto de crenccedilas ou premissas
sobre o que se julga verdadeiro Satildeo processos de construccedilatildeo de conhecimentos capazes de elaborar teorias que
servem como ponto de partida para a resoluccedilatildeo de problemas da comunidade e satildeo o referencial para a
elaboraccedilatildeo de novos trabalhos cientiacuteficos
37
entretanto ainda haacute muito que avanccedilar A Educaccedilatildeo do Campo eacute uma utopia utopia
necessaacuteria que nas palavras de Paulo Freire citado por Moacir Gadotti (1996 p 732) ―eacute a
dialeacutetica entre o ato de denuacutencia do mundo que se desumaniza e o anuacutencio do mundo que se
humaniza
A Educaccedilatildeo do Campo forjada no bojo dos movimentos de resistecircncia tem sido uma
ferramenta para a classe trabalhadora fazendo o contraponto necessaacuterio ao modelo da nova
pedagogia da hegemonia (NEVES 2005) cujo fulcro tem sido o ideaacuterio privatista
desumanizador e mercantil Eacute nessa concepccedilatildeo que apontamos para a Educaccedilatildeo do Campo
como anunciante de outra possibilidade de educaccedilatildeo esse paradigma vem proporcionando
esperanccedila e ressignificando o sentida da luta pelo direito agrave educaccedilatildeo e agrave vida
23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO
Como externamos a pouco de forma breve a Educaccedilatildeo do Campo tem dado passos
importantes rumo agrave construccedilatildeo de um novo paradigma educacional para as populaccedilotildees do
campo brasileiro Tem feito um tensionamento necessaacuterio ao atual modelo da pedagogia que
tornou-se hegemocircnica que de acordo com Freire (2011) a pedagogia dominante eacute a pedagogia
da classe dominante No entanto muitos afirmam que na realidade as escolas do campo ainda
apresentam problemas estruturais e que mudar o nome dessa educaccedilatildeo natildeo resolveraacute a
questatildeo De fato as escolas do campo ainda apresentam desafios a serem superados
entretanto eacute salutar perceber que algo estaacute acontecendo
Trazer o debate da educaccedilatildeo agrave tona natildeo eacute uma tarefa faacutecil e falar em educaccedilatildeo de
populaccedilotildees historicamente excluiacutedas residentes de uma aacuterea tida como atrasada como eacute
colocado o campo eacute uma tarefa ainda mais complexa Falar de uma educaccedilatildeo ―Para aleacutem do
capital ainda mais nesse tempo eacute sem duacutevida uma tarefa das mais louvaacuteveis A educaccedilatildeo do
Campo tem conseguido essa faccedilanha tem posto em xeque a educaccedilatildeo rural e tem sobretudo
conquistado pela luta sua institucionalidade e seu reconhecimento enquanto um direito da
classe camponesa Nesse sentido a mudanccedila natildeo tem se restringido somente agrave nomenclatura
mas principalmente as conquistas reais
38
Trazemos uma indagaccedilatildeo que nos diz muito sobre a questatildeo da educaccedilatildeo das
populaccedilotildees do campo Arroyo Caldart e Molina na 4ordf ediccedilatildeo da obra ―Por uma Educaccedilatildeo do
Campo de 2009 questionam
Interroga-nos porque nem sequer os governos democraacuteticos nem sequer o
movimento educacional progressista conseguiram colocar em seus
horizontes o direito dos camponeses agrave educaccedilatildeo O olhar negativo
preconceituoso do campo e seu lugar no modelo de desenvolvimento seriam
responsaacuteveis A agricultura camponesa vista como sinal de atraso
inferioridade como um modelo de produccedilatildeo de vida e cultura em extinccedilatildeo
Como quebrar o fetiche que coloca o povo do campo como algo agrave parte
(ARROYO CALDART MOLINA 2009 p 11)
Essas questotildees nos ajudam a entender o terreno em que estamos pisando Ele eacute repleto
de contradiccedilotildees eacute delicado por isso mesmo eacute preciso perspicaacutecia para mover-se nesse debate
em que pese os riscos de naturalizaccedilatildeo de fenocircmenos que satildeo histoacutericos e sociais
Para tomarmos como momento histoacuterico a Ditadura Civil Militar Fernandes (2010 p
163) afirma que
O Governo militar tentou minimizar os conflitos de terra com a implantaccedilatildeo
de projetos de colonizaccedilatildeo na Amazocircnia mas essa poliacutetica de fomentar a
migraccedilatildeo camponesa natildeo diminuiu os conflitos por terra na regiatildeo Sul
Sudeste e Nordeste do Paiacutes Desde o iniacutecio o regime militar reprimiu com
violecircncia as accedilotildees dos trabalhadores que reivindicaram seus direitos como o
acesso agrave terra e melhores condiccedilotildees de trabalho
Os conflitos no campo se tornaram uma constante A contraditoacuteria relaccedilatildeo entre
trabalho e capital tornou-se insustentaacutevel (RIBEIRO 2010) a reforma agraacuteria era uma
questatildeo premente Os movimentos sociais do campo retomam a bandeira da necessidade dessa
reforma como direito e sobretudo como paracircmetro de equidade social entre as populaccedilotildees
do campo e da cidade
Com o fim do regime militar nos anos 1980 sobretudo devido agraves pressotildees advindas da
sociedade civil11
os movimentos sociais assumem o protagonismo das lutas em defesa do
11 Para Gramsci diversamente ―sociedade civil designa o conjunto das organizaccedilotildees responsaacuteveis pela
elaboraccedilatildeo eou difusatildeo das ideologias compreendendo o sistema escolar os sindicatos os meios de
comunicaccedilatildeo as instituiccedilotildees de caraacuteter cientiacutefico e artiacutestico etc (COUTINHO 2011 p 25)
39
trabalho da terra da educaccedilatildeo Eacute nesse momento que irrompe como um dos principais
protagonistas da luta por uma Educaccedilatildeo do Campo o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) movimento social que para Fernandes (2012 p 496)
Reuacutene em sua base diferentes categorias de camponeses pobres ndash como
parceiros meeiros posseiros minifundiaacuterios e trabalhadores assalariados
chamados de sem terra e tambeacutem diversos lutadores sociais para desenvolver
as lutas pela terra pela Reforma Agraacuteria e por mudanccedilas na agricultura
brasileira
Esse cenaacuterio de exclusatildeo negaccedilatildeo de direitos e luta dos camponeses eacute propiacutecio ao
surgimento de praacuteticas educativas autecircnticas forjadas na proacutepria luta Como nos questiona
Freire (2011 p 42-43) ―Quem melhor que os oprimidos se encontraraacute preparado para
entender o significado terriacutevel de uma sociedade opressora Quem sentiraacute melhor que eles os
efeitos da opressatildeo Quem mais que eles para ir compreendendo a necessidade da
libertaccedilatildeo Nesse processo de luta emerge uma forma alternativa de educaccedilatildeo no campo do
campo e com o campo o que viria a tomar corpo e que hoje chamamos Educaccedilatildeo do Campo
Uma das principais diferenccedilas entre Educaccedilatildeo Rural e Educaccedilatildeo do Campo estaacute na
utilizaccedilatildeo e no propoacutesito dessas duas formas de educar A primeira como vimos estaacute
fortemente atrelada a utilizaccedilatildeo da matildeo-de-obra no trabalho dos latifuacutendios em condiccedilatildeo
humana precaacuteria A Educaccedilatildeo do Campo tem como objetivo a formaccedilatildeo para o trabalho e para
a vida pensa o sujeito em sua amplitude sua autonomia e sua capacidade de decidir Pensa
modelos de desenvolvimento para agricultura que natildeo resida no agronegoacutecio e na economia
de exportaccedilatildeo tatildeo somente mas uma economia solidaacuteria e a pequena propriedade como forma
de sustentabilidade ambiental e social para as populaccedilotildees tradicionais do campo
A pedagogia do oprimido dos excluiacutedos dos tempos de barbaacuterie natildeo estaacute
em encontrar meacutetodos novos para educar os baacuterbaros civilizar os oprimidos
ou incluir os excluiacutedos nos valores e saberes dos ―civilizados mas estaacute em
apreender com o conjunto de processos que os excluiacutedos e oprimidos
reinventam para continuar humanos manter seus valores e seus saberes sua
cultura e memoacuteria coletiva sua identidade e dignidade (ARROYO 2011 p
274)
Desse modo percebe-se uma niacutetida evidecircncia de que os movimentos sociais do campo
desenvolveram uma produccedilatildeo pedagoacutegica que tem como sustento suas proacuteprias necessidades
e seu espaccedilo de luta e trabalho
40
A mobilizaccedilatildeo do MST e outros segmentos da sociedade civil tiveram como resultado
a realizaccedilatildeo do I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agraacuteria ndash
ENERA ndash realizado em Brasiacutelia e promovido pelo Movimento em parceria com a UnB a
Unesco o Unicef e a CNBB em junho de 1997 (RIBEIRO 2010) Como fruto desse encontro
e do acuacutemulo dos movimentos sociais na defesa dos direitos agrave educaccedilatildeo vimos brotar de um
chatildeo ―aacuterido e seco o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) uma das
grandes conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo
O Pronera foi criado em 16 de abril de 1998 num contexto de organizaccedilatildeo e
mobilizaccedilatildeo dos Sem Terra em memoacuteria dos massacres de Corumbiara em Rondocircnia em
1995 e Eldorado dos Carajaacutes no Estado do Paraacute ocorrido em 1996 (SANTOS 2012)
Podemos dizer que a primeira conquista do Movimento de Educaccedilatildeo do Campo foi a
institucionalizaccedilatildeo desse Programa
O Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) eacute uma
poliacutetica puacuteblica do governo federal especiacutefica para a educaccedilatildeo formal de
jovens e adultos assentados da Reforma Agraacuteria e do creacutedito fundiaacuterio e para
a formaccedilatildeo de educadores que trabalham nas escolas dos assentamentos ou
do seu entorno e atendem a populaccedilatildeo assentada (SANTOS 2012 p 629)
Assim podemos afirmar que o Programa eacute na verdade uma conquista pela via da luta
e da organizaccedilatildeo da sociedade camponesa em prol de um direito que eacute a educaccedilatildeo e de uma
necessidade que eacute a formaccedilatildeo de professores para as escolas do campo Como objetivos
gerais o Pronera se pretende a
I ndash oferecer educaccedilatildeo formal aos jovens e adultos beneficiaacuterios do Programa
Nacional de Reforma Agraacuteria (PNRA) em todos os niacuteveis de ensino e aacutereas
do conhecimento
II ndash melhorar as condiccedilotildees de acesso agrave educaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e
III ndash proporcionar melhorias no desenvolvimento dos assentamentos rurais
por meio da formaccedilatildeo e qualificaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e dos
profissionais que desenvolvem atividades educacionais e teacutecnicas nos
assentamentos (BRASIL 2011 p 13)
De acordo com o Decreto Nordm 7352 que dispotildee sobre a poliacutetica de educaccedilatildeo do campo
e o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria ndash Pronera ndash Satildeo beneficiaacuterios do
programa
41
I - populaccedilatildeo jovem e adulta das famiacutelias beneficiaacuterias dos projetos de
assentamento criados ou reconhecidos pelo INCRA e do Programa Nacional
de Creacutedito Fundiaacuterio ndash PNFC
II - alunos de cursos de especializaccedilatildeo promovidos pelo INCRA
III - professores e educadores que exerccedilam atividades educacionais voltadas
agraves famiacutelias beneficiaacuterias e
IV - demais famiacutelias cadastradas pelo INCRA
Devido ao seu caraacuteter eminentemente popular o Pronera tem enfrentado barreiras
significativas tanto por parte dos oacutergatildeos de controle como o Tribunal de Contas da Uniatildeo por
exemplo como por setores conservadores da Cacircmara e no Senado Federal sendo a bancada
ruralista o maior expoente dessa oposiccedilatildeo Alem disso dentro das universidades tambeacutem tem
enfrentado desafios no que se refere a permanecircncia dos estudantes
No entanto como afirma Brandatildeo (2009) a Educaccedilatildeo Popular tem como essecircncia a
resistecircncia e a oposiccedilatildeo ao status quo social Como a Educaccedilatildeo do Campo herda demasiado
caraacuteter desse paradigma educacional assim como da pedagogia freireana essas tensotildees e
conflitos representam disputas inerentes ao tecido social
O resultado do I Enera aleacutem da criaccedilatildeo do Pronera teve ainda a inserccedilatildeo definitiva da
Educaccedilatildeo do Campo no cenaacuterio nacional como afirma Roseli Caldart (2012 p 257)
O surgimento da expressatildeo ―Educaccedilatildeo do Campo pode ser datada Nasceu
primeiro como Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo no contexto de preparaccedilatildeo da I
Conferecircncia Nacional por uma Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo realizada em
Luziacircnia Goiaacutes de 27 a 30 de julho de 1998 Passou a se chamar Educaccedilatildeo
do Campo a partir das discussotildees do Seminaacuterio Nacional realizado em
Brasiacutelia de 26 a 29 de novembro de 2002 decisatildeo posteriormente reafirmada
nos debates da II Conferecircncia Nacional realizada em julho de 2004
A Educaccedilatildeo do Campo estaacute embrionariamente ligada aos movimentos sociais eacute a
educaccedilatildeo pensada por esses movimentos e natildeo para eles Desse modo pensar essa educaccedilatildeo
dissociada das praacuteticas e das lutas desses movimentos eacute cair num grande equiacutevoco A
Educaccedilatildeo do Campo tem sido uma ferramenta de luta para a classe trabalhadora do campo
natildeo como pura e simplesmente uma modalidade de ensino mas como um fenocircmeno capaz de
devolver aos sujeitos do campo a sua integraccedilatildeo com seu lugar
A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com
ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento
42
proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica em
que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem absolutizar-se
fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-o a julgar o seu
mundo algo sobre que apenas se acha A sua integraccedilatildeo o enraiacuteza Faz dele na
feliz expressatildeo de Marcel ―um ser situado e datado (FREIRE 1983 p 42)
Desse modo a Educaccedilatildeo do Campo se propotildee a construir coletivamente um
contraponto a um paradigma educacional desumanizado que tem como fulcro os interesses do
mercado capitalista tatildeo somente A esse respeito Jesus (2006 p 51) afirma que
Essa educaccedilatildeo tem na sua origem a necessidade de reinventar as praacuteticas
sociais contra um processo perverso de uma forma hegemocircnica de
globalizaccedilatildeo econocircmica poliacutetica e cultural que impotildee aos diferentes paiacuteses
perifeacutericos e semi-perifeacutericos a reorganizaccedilatildeo das formas de poder de
produccedilatildeo do conhecimento e de desenvolvimento econocircmico e social que
aumenta assustadoramente a perda das autonomias e as desigualdades em
especial entre o povo brasileiro que vive no campo ou eacute excluiacutedo dele
Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo natildeo estaacute acabada eacute pensada a partir das
demandas e necessidades mutaacuteveis que a realidade concreta apresenta Coaduna trabalho e
formaccedilatildeo como partes indissociaacuteveis para a construccedilatildeo do sujeito autocircnomo (SANTOS
2012) Essa Educaccedilatildeo natildeo estaacute paralela aos movimentos sociais ela eacute a educaccedilatildeo desses
movimentos Foi gestada nas lutas por terra nas ocupaccedilotildees nos assentamentos no
enfrentamento das desigualdades sociais Custou vidas e sonhos portanto eacute uma produccedilatildeo
pedagoacutegica autecircntica do movimento de resistecircncia que estaacute muito aleacutem do conceito esvaziado
de educaccedilatildeo dos tempos de produccedilatildeo
Eacute importante destacar que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo natildeo minimiza a
importacircncia dos conteuacutedos e dos conhecimentos historicamente produzidos e acumulados pela
humanidade Natildeo minimiza o curriacuteculo a gestatildeo o planejamento Muito pelo contraacuterio a
Educaccedilatildeo do Campo procurar encher de sentido esses instrumentos que foram esvaziados pela
loacutegica capitalista Busca explicitar o curriacuteculo oculto almeja a gestatildeo democraacutetica e
participativa busca ainda um planejamento no qual os sujeitos e suas realidades e
necessidades tambeacutem sejam parte Nesse sentido a criacutetica feita a Paulo Freire de formular
uma pedagogia sem conteuacutedos eacute hoje dirigida ao paradigma educacional em questatildeo No
entanto essas criacuteticas tecircm partido muito mais de setores burocraacuteticos da sociedade em que
pese natildeo reconheceram a importacircncia e os reais avanccedilos e conquistas dos sujeitos do campo
na contemporaneidade
43
24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS
CONHECIMENTO
A necessidade de uma escola que respeite os saberes dos sujeitos forjados no trabalho
com a terra cujos direitos em boa medida o Estado lhes cerceou historicamente eacute
fundamental para o debate da Educaccedilatildeo do Campo Indubitavelmente a metodologia que
melhor compactua trabalho e formaccedilatildeo e cujo assento reside na relevacircncia das praacuteticas
culturais inerentes aos sujeitos do campo eacute a Pedagogia da Alternacircncia
Entendemos que a Pedagogia da Alternacircncia precisa ser situada dentro da perspectiva
do multiculturalismo12
do curriacuteculo Eacute uma proposta natildeo hegemocircnica utilizada pelos
movimentos sociais que se articulam na Via Campesina13
e que procura coadunar trabalho e
educaccedilatildeo o que sem duacutevida configura um dos maiores desafios da educaccedilatildeo na
contemporaneidade A inclusatildeo das praacuteticas dos trabalhadores nos conteuacutedos e metodologias
da escola eacute importante natildeo somente como forma de respeito mas como ferramenta de
equiparaccedilatildeo e permanecircncia desses sujeitos na escola
Segundo Ribeiro (2012) a Pedagogia da Alternacircncia tem origem com as Casas
Familiares Rurais (CFRlsquos) na Franccedila e com as Escolas Familiares Rurais (EFAlsquos) na Itaacutelia
―Pode-se dizer que eacute uma alternativa metodoloacutegica de formaccedilatildeo profissional agriacutecola para
jovens inicialmente do sexo masculino filhos de agricultores franceses (idem 2012 p 293)
Outra raiz histoacuterica ainda segundo a autora estaacute nas experiecircncias de trabalho e educaccedilatildeo
efetivadas na Ruacutessia poacutes-revolucionaacuteria de 1917 Expostas essas duas matrizes histoacutericas os
movimentos camponeses que pautam a educaccedilatildeo do campo no Brasil tendem a se filiarem
em sua maioria a essa segunda concepccedilatildeo histoacuterica
12 Multicultural eacute um termo qualificativo Descreve as caracteriacutesticas sociais e os problemas de governabilidade
apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma
vida em comum ao mesmo tempo em que reteacutem algo de sua identidade original Em contrapartida o termo
multiculturalismo e substantive Refere-se as estrateacutegias e politicas adotadas para governar ou administrar
problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais E usualmente utilizado no
singular significando a filosofia especifica ou a doutrina que sustenta as estrateacutegias multiculturais
Multicultural entretanto eacute por definiccedilatildeo plural (HALL 2009 p 52)
13 Criada em 1992 a Via Campesina eacute uma organizaccedilatildeo mundial que articula movimentos sociais que lutam pela
terra Entre seus objetivos a solidariedade eacute o mais presente A Via condena o modo predatoacuterio de produccedilatildeo
cujo objetivo se resume a exportaccedilatildeo condena a nomocultura o uso excessivo de agrotoacutexicos que satildeo
caracteriacutesticas do modelo de produccedilatildeo do agronegoacutecio (FERNANDES 2012)
44
Ela [a pedagogia da alternacircncia] brota do desejo de natildeo cortar raiacutezes Eacute uma
das pedagogias produzidas em experiecircncias de escolas do campo em que o
MST se inspirou Busca integrar a escola com a famiacutelia e a comunidade do
educando No nosso caso ela permite uma troca de conhecimento e o
fortalecimento dos laccedilos familiares e do viacutenculo dos educandos com o
assentamento ou acampamento o MST e a terra (CALDART 2009 p 104
Com grifos do autor)
Essa pedagogia natildeo foi gestada nas universidades ela natildeo envolve nem pesquisadores
nem docentes (RIBERIRO 2010) Eacute uma proposta que busca garantir interligaccedilatildeo entre dois
espaccedilos instituiccedilotildees de ensino e atividades de trabalho comum aos agricultores Esse meacutetodo
estaacute diretamente ligado agrave concepccedilatildeo de trabalho e educaccedilatildeo pautado pelos pensadores
marxistas que entendem que o trabalho tem em si um princiacutepio educativo capaz de garantir
uma formaccedilatildeo omnilateral pensamento esse tambeacutem advogado por Paulo Freire e educadores
criacuteticos do Brasil
A alternacircncia se divide em dois momentos o Tempo Escola (TE) em que os
educandos permanecem de duas semanas a dois meses dependendo do curso no espaccedilo da
escola em regime de internato e o Tempo Comunidade (TC) momento no qual os educandos
retornam agraves suas propriedades familiares ou agraves comunidades ou aos assentamentos ou ainda
aos acampamentos para colocarem em praacutetica os conhecimentos que foram objeto de estudo
no TE (RIBEIRO 2010)
Mais que uma caracteriacutestica de sucessotildees repetidas de sequumlecircncia a
alternacircncia enquanto princiacutepio pedagoacutegico visa desenvolver na formaccedilatildeo
dos jovens situaccedilotildees em que o mundo escolar se posiciona em interaccedilatildeo com
o mundo que o rodeia Buscando articular universos considerados opostos ou
insuficientemente interpenetrados ndash o mundo da escola e o mundo da vida a
teoria e a praacutetica o abstrato e o concreto ndash a alternacircncia coloca em relaccedilatildeo
diferentes parceiros com identidades preocupaccedilotildees e loacutegicas tambeacutem
diferentes (SILVA 2000 p 16)
Esse modelo de se fazer educaccedilatildeo pode ter um papel determinante no combate ao
processo nefasto que vem cerceando o direito dos povos do campo a terem acesso agrave educaccedilatildeo
de qualidade sem sair do campo em que pese agrave poliacutetica de nucleaccedilatildeo a qual temos
testemunhado na atualidade Esse processo tem a finalidade de diminuir custos com a
formaccedilatildeo dos filhos dos agricultores que satildeo deslocados para uma escola-nuacutecleo
normalmente localizada na cidade (Ribeiro 2010)
45
A Pedagogia da Alternacircncia compartilha saberes acadecircmico e aqueles advindos do
cotidiano do trabalho na agricultura na pesca nas florestas nos quilombos e em uma
infinidade de espaccedilos que o conceito de campo compreende na contemporaneidade Nesse
sentido a leitura de mundo dos sujeitos tem papel de destaque nessa pedagogia Para Freire
(1983) ―basta ser homem para ser capaz de captar os dados da realidade Para ser capaz de
saber ainda que seja este saber meramente opinativo daiacute que natildeo haja ignoracircncia absoluta
nem sabedoria absoluta (p105) Outro fator importante eacute entender a situaccedilatildeo concreta do
sujeito no mundo como determinante para sua accedilatildeo (FREIRE 2011)
Desse modo compreendemos o curriacuteculo da Educaccedilatildeo do Campo neste trabalho
baseado na Pedagogia da Alternacircncia que uma vez partilhada entre tempo escola e tempo
comunidade significa uma possibilidade de associaccedilatildeo entre trabalho e formaccedilatildeo Essa
metodologia proporciona ainda uma maior aproximaccedilatildeo entre escola e comunidade de modo
a estreitar a dicotomia estabelecida entre teoria e praacutetica No Tempo Escola aleacutem da
aquisiccedilatildeo dos conteuacutedos eacute tambeacutem o momento de pensar sobre a loacutegica o sentido e o valor
social desses conteuacutedos No Tempo Comunidade busca-se a continuidade atraveacutes da praacutexi
dos conhecimentos adquiridos na escola Para melhor esclarecer esse processo vejamos a
seguinte citaccedilatildeo
No Tempo Escola os educandos formam um coletivo muitas vezes oriundos
de diferentes comunidades que ao trazer questotildees reflexotildees
problematizaccedilotildees das suas localidades especiacuteficas ampliam o processo de
reflexatildeo sobre as realidades do campo confrontando as muacuteltiplas situaccedilotildees
que as compotildeem No Tempo Comunidade cada educando individualmente
ou em pequenos grupos deve reafirmar seu envolvimento com sua
comunidade desenvolvendo nela as atividades de pesquisa reflexatildeo
problematizaccedilatildeo e em alguns casos intervenccedilatildeo Dessa forma cria-se um
novo coletivo de accedilatildeo (educando ndash comunidade) que permite inclusive a
participaccedilatildeo indireta do conjunto da comunidade no processo educativo
reforccedilando a relaccedilatildeo escola ndash comunidade (ANTUNES-ROCHA MARTINS
2011 p 226)
Fica evidente que haacute uma aproximaccedilatildeo entre os dois momentos e que ambos satildeo
formativos Aleacutem disso se coloca de forma expliacutecita o trabalho com as experiecircncias e
multiplicidades de culturas que os povos do campo trazem consigo com o outro e com
mundo
46
As peculiaridades da Educaccedilatildeo do Campo natildeo podem ser entendidas como adaptaccedilotildees
ou como modelo da educaccedilatildeo hegemocircnica antes deve ser entendida com autenticidade Sua
organizaccedilatildeo portanto natildeo pode se pautar na educaccedilatildeo urbana adaptada ao campo mas sim
uma educaccedilatildeo proacutepria desse campo Suas conquistas foram arrancadas do seio da educaccedilatildeo
posta historicamente uma educaccedilatildeo que jamais destinou espaccedilo em seu curriacuteculo agraves
vivecircncias agrave leitura de mundo dos sujeitos ou ao trabalho agriacutecola desempenhado pelos povos
do campo14
Verificamos portanto o surgimento desse paradigma metodoloacutegico natildeo como uma
criaccedilatildeo academicista mas como uma necessidade de um modelo ou uma metodologia que
coadune formaccedilatildeo escolar e trabalho praacutetico A Pedagogia da Alternacircncia se confunde com a
proacutepria Educaccedilatildeo do Campo visto que ela natildeo foi uma formalidade acadecircmica pensada e
pesquisada para as populaccedilotildees campesinas ainda que tenha grandes contribuiccedilotildees de
pesquisadores das universidades ela surgiu da necessidade dos proacuteprios trabalhadores e
trabalhadoras do campo
Entendendo as dimensotildees poliacuteticas e ideoloacutegicas das quais o curriacuteculo estaacute permeado
os movimentos sociais do campo foram categoacutericos em apontar para a alternacircncia como
sustentaccedilatildeo da sua praacutetica educativa Assim como eacute salutar diferenciarmos Educaccedilatildeo do
Campo de Educaccedilatildeo Rural sempre que formos chamados a refletir sobre a educaccedilatildeo destinada
agraves populaccedilotildees camponesas tambeacutem eacute importante externar a diferenccedila que haacute de forma mais
decomposta entre o curriacuteculo desses dois paradigmas de se pensar o ensino Ribeiro (2010)
fazendo uma diferenciaccedilatildeo entre os dois modelos curricular aponta
[] 3ordm) Curriacuteculo objetivos e metodologia da escola rural estatildeo direcionados
para o sistema de produccedilatildeo de mercadorias no qual o proacuteprio ser humano eacute
uma mercadoria que pode ser descartaacutevel e flexiacutevel em tempos de desemprego
estrutural e tecnoloacutegico Para a escola baacutesica do campo a memoacuteria das lutas e
das experiecircncias produtivistas constitui-se na base curricular em que se
articulam a produccedilatildeo da vida dos alimentos da sociedade e da ciecircncia Em
14 Nesse momento eacute salutar esclarecer que ao nos referimos a sujeitos do campo estamos tratando de sujeitos
concretos de assentamentos aacutereas indiacutegenas quilombolas pescadores povos que tiram sua subsistecircncia das
florestas e toda a abrangecircncia que o termo campo engloba na contemporaneidade Os sujeitos do campo satildeo
antes de tudo cidadatildeo concretos que contribuem social econocircmico e culturalmente para com as melhorias e
avanccedilos que tivemos em nosso paiacutes
47
contraposiccedilatildeo ao conhecimento cientiacutefico que expulsa e subordina os
agricultores a proposta dos movimentos sociais populares ruraisdo campo
pensa a produccedilatildeo do conhecimento a partir das experiecircncias dos agricultores
articulando tais experiecircncias com o conhecimento cientiacutefico e tecnoloacutegico
socialmente produzido (RIBEIRO 2010 p 197)
Nesse sentido o curriacuteculo da escola do campo pretendido pelos movimentos sociais eacute o
que se adeacutequa agrave vida e ao trabalho das populaccedilotildees do campo e melhor intercala formaccedilatildeo
escolar cotidiano e cultura camponesa A proposta pedagoacutegica da alternacircncia tem sido o
caminho percorrido na busca da formulaccedilatildeo de um curriacuteculo democraacutetico e que atenda de
forma satisfatoacuteria as expectativas da Educaccedilatildeo do Campo
Ainda que tenhamos apontados os pontos positivos da Pedagogia da Alternacircncia
precisamos refletir sobre aspectos que tecircm se apresentado como preocupantes dialogaremos
melhor sobre as criacuteticas a essa proposta quando estivermos analisando o curriacuteculo do curso
Pedagogia da Terra pois seraacute mais faacutecil exemplificar essas preocupaccedilotildees Adiantamos que haacute
uma grande dificuldade em estabelecer a matildeo dupla entre escolauniversidade e comunidades
Tempo Escola e Tempo Comunidade tambeacutem tecircm ocorrido de forma bastante diferente do
que se pretende mas isso veremos mais adiante
25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS
DA EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO
Nesse momento eacute salutar externarmos alguns avanccedilos que o Movimento de Educaccedilatildeo
do Campo vem conseguindo nessa empreitada de lutas diaacuterias que tem travado contra o
Estado de classe que predomina em nossa sociedade Eacute importante destacar que as conquistas
ateacute aqui alcanccediladas satildeo de meacuterito da resistecircncia que os povos do campo tecircm empreendido ao
longo dos anos na busca pela garantia dos seus direitos os quais a historia nos mostra que
foram cerceados ou negados ao longo dos tempos
O trabalho precaacuterio a espoliaccedilatildeo sofrida pelos camponeses e pelas camponesas satildeo
marcas visiacuteveis de uma sociedade excludente e atrasada Sendo assim a organizaccedilatildeo dessas
populaccedilotildees tradicionais eacute antes de tudo um direito tendo em vista a legitimidade de lutar
contra a opressatildeo A sociedade tem uma diacutevida com esses grupos portanto
48
cronologicamente estaacute na hora de assumir essa responsabilidade no sentido de garantir os
direitos baacutesicos e fundamentais aos sujeitos do campo
A aprovaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da educaccedilatildeo nacional 40241961
fora norteada pela discussatildeo entre defensores da educaccedilatildeo puacuteblica e os da escola particular e
natildeo traz avanccedilos significativos agraves populaccedilotildees trabalhadoras do campo a Lei eacute uma ―meia
vitoacuteria na voz de Aniacutesio Teixeira ―mas vitoacuteria (SAVIANI 2008) A Lei 402461 ainda
apresentara em seu acircmago uma orientaccedilatildeo pela adaptaccedilatildeo do ao meio numa clara alusatildeo a
uma visatildeo civilizatoacuteria e evolucionista do sujeito do campo (MEC 2002)
A Lei nordm 4024 de dezembro de 1961 resultou de um debate que se prolongou
durante 13 anos gerando expectativas diversas a respeito do avanccedilo que o
novo texto viria a representar para a organizaccedilatildeo da educaccedilatildeo nacional O
primeiro anteprojeto e os demais substitutivos apresentados deram visibilidade
ao acirrado embate que se estabeleceu na sociedade em torno do tema O
anteprojeto elaborado pelo GT indicado sob a orientaccedilatildeo do Ministro
Clemente Marianne representou o primeiro esforccedilo de regulamentaccedilatildeo do
previsto na Carta Magna (1946) Este aleacutem de reforccedilar o dispositivo
constitucional expressa as mudanccedilas que perpassavam a sociedade em seu
conjunto Logo em seguida diversos substitutivos entre os quais os que foram
apresentados por Carlos Lacerda redirecionaram o foco da discussatildeo
Enquanto o primeiro anteprojeto se revelava afinado com as necessidades
educacionais do conjunto da sociedade dando ecircnfase ao ensino puacuteblico a
maior parte desses substitutivos em nome da liberdade representavam os
interesses das escolas privadas (MEC 2002 p 25-26)
Em 11 de agosto de 1971 eacute sancionada a Lei 5692 que fixara diretrizes e bases para
o ensino de 1ordm e 2ordm grau e de outras providecircncias (MEC 2002 p 27) Alguns entendem
como a segunda LDB e outros vecircm como a 402461 com algumas adequaccedilotildees A Lei
propotildee ajustamento agraves diferenccedilas culturais das diferentes regiotildees Tambeacutem prevecirc a
adequaccedilatildeo do periacuteodo de feacuterias agrave eacutepoca de plantio e colheita de safras No entendo em boa
medida reafirma o caraacuteter da LBD anterior apontando para a necessidade de adaptaccedilatildeo do
camponecircs agrave terra
Para Saviani (2008) e Porto (2007) a Lei nordm 569271 teve funccedilatildeo ideoloacutegica no
sentido de dar sustentaccedilatildeo ao periacuteodo de secessatildeo democraacutetica no qual o Brasil iniciara no
ano de 1964 Nesse periacuteodo o Governo autoritaacuterio buscava uma maior inserccedilatildeo nos estados
mais pobres do Brasil com ecircnfase no Norte e Nordeste Desse modo em muitos casos essa
lei teve um caraacuteter muito mais de instrumento poliacutetico do governo do que propriamente
49
educacional Segundo os autores a lei 569271 foi promulgada sob a eacutegide da estrateacutegia do
―autoritarismo triunfante
A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496 representou um avanccedilo
significativo para a educaccedilatildeo dos povos do campo sobretudo no que se refere agrave
especificidade desses sujeitos Em seu artigo 28 podemos observar que
Na oferta da Educaccedilatildeo Baacutesica para a populaccedilatildeo rural os sistemas de Ensino
promoveratildeo as adaptaccedilotildees necessaacuterias agrave sua adequaccedilatildeo agraves peculiaridades da
vida rural e de cada regiatildeo especialmente
I- conteuacutedos curriculares e metodologias apropriadas agraves reais necessidades e
interesses dos alunos na zona rural
II- organizaccedilatildeo escolar proacutepria incluindo adequaccedilatildeo do calendaacuterio escolar agraves
fases do ciclo agriacutecola e agraves condiccedilotildees climaacuteticas
III- adequaccedilatildeo agrave natureza do trabalho na zona rural
Os avanccedilos que temos observado sobretudo a partir da primeira deacutecada do seacuteculo
XXI do ponto de vista institucional se devem em grande medida agrave organizaccedilatildeo das
populaccedilotildees do campo e agrave resistecircncia histoacuterica que tem caracterizado essa populaccedilatildeo
Fruto de um novo cenaacuterio poliacutetico social e econocircmico a primeira deacutecada do Seacuteculo
XXI apresenta avanccedilos significativos sobretudo nas aacutereas sociais e educacionais ainda que
fortemente atrelados agraves poliacuteticas neoliberais da deacutecada de 1990
A Resoluccedilatildeo CNECEB 1 de 342002 portanto institui as Diretrizes
operacionais para a educaccedilatildeo baacutesica nas escolas do campo Nessa
resoluccedilatildeo percebe-se o reconhecimento de que a escola do campo tem uma
identidade vinculada agrave realidade na qual estaacute inserida [] Ao mesmo tempo
ressalta a importacircncia da educaccedilatildeo para o exerciacutecio pleno da cidadania e para
um desenvolvimento do paiacutes que consiste na solidariedade e a justiccedila social
envolvendo as populaccedilotildees rurais e urbanas (RIBEIRO 2010 p 191)
As Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo do Campo procura englobar o
entendimento de campo isto eacute o que entes era entendido como lugar de plantar passa por
uma ampliaccedilatildeo que vai de comunidades remanescente de quilombos comunidades indiacutegenas
pescadores assentados da reforma agraacuteria aacutereas ribeirinhas comunidades sem-terra e seus
sujeitos agregados caboclos meeiros entre outras (RIBEIRO 2010)
O campo nesse sentido mais do que um periacutemetro natildeo urbano eacute um campo de
possibilidades que dinamizam as ligaccedilotildees dos seres humanos e com a proacutepria produccedilatildeo das
condiccedilotildees da existecircncia social (MEC 2002) Nesse sentido as reivindicaccedilotildees por poliacuteticas
50
puacuteblicas para esses povos assim como a valorizaccedilatildeo e reconhecimento dos seus saberes e
praacuteticas passa a ser foco subjacente desse novo periacuteodo
A aprovaccedilatildeo das Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo Baacutesica nas Escolas do
Campo eacute o resultado das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que lutam por educaccedilatildeo de
qualidade e vida digna para os povos do campo com destaque para o MST A aprovaccedilatildeo das
Diretrizes tem a contribuiccedilatildeo de vaacuterias organizaccedilotildees sociais comprometidas com as
transformaccedilotildees que a contemporaneidade enseja Satildeo Movimentos Sociais Conselhos
Estaduais e Municipais de Educaccedilatildeo Uniatildeo Nacional dos Dirigentes Municipais de Educaccedilatildeo
(UNDIME) universidades e instituiccedilotildees de pesquisa o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel Organizaccedilotildees Natildeo Governamentais e diversos outros
setores engajados em projetos direcionados para o desenvolvimento socialmente justo no
espaccedilo diverso e multilateral do campo (MEC 2002)
Podemos observar que as Diretrizes Operacionais para as Escolas do Campo vieram
como subsiacutedio e reforccedilam agrave LDB 939496 que jaacute estabelecera normas especiacuteficas agrave Educaccedilatildeo
do campo como podemos ler no artigo 5ordm das Diretrizes Operacionais das Escolas do campo
As propostas pedagoacutegicas das escolas do campo respeitadas as diferenccedilas e o
direito agrave igualdade e cumprindo imediata e plenamente o estabelecido nos
artigos 23 26 e 28 da Lei 9394 de 1996 contemplaratildeo a diversidade do
campo em todos os seus aspectos sociais culturais poliacuteticos econocircmicos de
gecircnero geraccedilatildeo e etnia( LDB 1996 p 23)
O processo de normatizaccedilatildeo eacute sem duacutevida de suma importacircncia para a garantia do
direito No entanto sabe-se que esse direito eacute demasiado abstrato enquanto natildeo eacute usufruiacutedo
Sabemos ainda que como escreveu Freire (2012) natildeo seraacute por decreto que a sociedade se
livraraacute dos horrores e das grandes desigualdades que a afligem A Associaccedilatildeo Nacional pela
Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo (ANFOPE 2010 p 90) ratifica que ―natildeo seraacute a
implementaccedilatildeo de novas leis que asseguraraacute as mudanccedilas necessaacuterias na educaccedilatildeo poreacutem a
legislaccedilatildeo reflete o campo de forccedilas que contorna as disputas pela sua criaccedilatildeo implementaccedilatildeo
e controle Sabemos ainda que esse eacute um passo de suma importacircncia para a conquista dos
objetivos ensejados
51
3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO
CAMPO
ldquoOs socialistas estatildeo aqui para lembrar ao mundo que em
primeiro lugar devem vir as pessoas e natildeo a produccedilatildeo As pessoas
natildeo podem ser sacrificadas Nem tipos especiais de pessoas ndash os
espertos os fortes os ambiciosos os belos aqueles que podem um
dia vir a fazer grandes coisas ndash nem qualquer outra
Especialmente aquelas que satildeo apenas pessoas comunsrdquo
Eric Hobsbawm (1992)
Os avanccedilos no tocante a Educaccedilatildeo do Campo satildeo notoacuterios O movimento ganhou
corpo e a resistecircncia organizada obteve conquistas e melhorias significativas agraves populaccedilotildees
tradicionais do campo brasileiro em que pese reconhecermos o esquecimento ao qual boa
parte dos sujeitos do campo ainda estatildeo imersos Batista (2009 p 207) afirma que ―no Brasil
a educaccedilatildeo enquanto poliacutetica de estado tem sido instrumentalizada pelo projeto histoacuterico
capitalista e seus poderes hegemocircnicos para atender aos seus interesses
Em contraponto a esse modelo de desenvolvimento e de sociedade os movimentos
sociais tecircm se organizado no sentido de garantir uma agente propositiva para os setores
historicamente colonizados
No contexto atual do capitalismo mundializado em que apesar da crise
estrutural predomina a hegemonia do capital na produccedilatildeo econocircmica social
poliacutetica e nas poliacuteticas de educaccedilatildeo a educaccedilatildeo dos movimentos se afigura
como instituinte orgacircnica de um projeto de sociedade e que tem como fim a
formaccedilatildeo humana o sujeito histoacuterico que constroacutei pela luta e resistecircncia a
emancipaccedilatildeo social e dos seres humanos como um devir como uma
possibilidade de construir uma nova sociedade (BATISTA 2009 p 208)
A educaccedilatildeo pautada pelos movimentos sociais do campo tecircm se afinado em muito
com o projeto contra-hegemocircnico de sociedade Tem feito um enfretamento necessaacuterio ao
modelo neoliberal de educaccedilatildeo que tem propagado abertamente o fim das alternativas
afirmando deliberadamente que natildeo haacute opccedilatildeo fora do paradigma globalizado O papel dos
movimentos tecircm sido mostrar justamente o contraacuterio O Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do
52
Campo encontra eco no seio da Pedagogia Paulo Freire cujo sentido tem sido inventado e
reinventado nos muitos exemplos e na diversidade de experiecircncias pelo Brasil
Desse modo o paradigma contra-hegemocircnico natildeo eacute uma criaccedilatildeo do imaginaacuterio de
idealistas mas eacute antes uma possibilidade concreta que nos permeia como assinala Gadotti
(1999 p 268)
A educaccedilatildeo popular e socialista natildeo eacute uma ideacuteia abstrata nem uma utopia
pedagogista Ela se encontra em desenvolvimento entre noacutes por exemplo no
proacuteprio processo de resistecircncia e de luta pela superaccedilatildeo das desigualdades
Nesse momento histoacuterico no Brasil ela constitui-se um instrumento dessa
luta
A necessidade em uma educaccedilatildeo alternativa que assuma a classe oprimida como
resultado de um processo histoacuterico vai de encontro agrave educaccedilatildeo pretendida pelo Estado Uma
educaccedilatildeo libertadora que consiga enxergar a realidade do sujeito como geradora de conteuacutedo
que entenda a situaccedilatildeo de pobreza e miseacuteria fora do determinismo religioso e que sobretudo
aponte saiacutedas e possibilidades de liberdade para o ser eacute necessaacuteria e urgente A escola tornou-
se importante instrumento de difusatildeo da pedagogia da hegemonia ou pedagogia da
conservaccedilatildeo e concomitantemente em veiacuteculo que limita e emperra a construccedilatildeo e a
veiculaccedilatildeo de uma pedagogia da contra-hegemonia (NEVES 2005)
A contemporaneidade nos mostra que o discurso de negaccedilatildeo do acesso agrave educaccedilatildeo por
parte do Estado jaacute natildeo se sustenta com tanto vigor Eacute preciso nesse momento em que haacute um
forte discurso sobre acesso e permanecircncia sobretudo de estudantes da classe trabalhadora
pensar a quem interessa esse ensino e retomar a claacutessica questatildeo a serviccedilo de que e de quem
estaacute tal ensino Tendo em vista o atual estado de vigecircncia da pedagogia da hegemonia Rossi
(1980) afirma que quanto mais educaccedilatildeo nesse sentido [da hegemonia] tanto mais
conformidade isto eacute mais a sociedade permaneceraacute conforme o modelo vigente Ou ainda
mais claramente quanto mais conformaccedilatildeo e conformidade tanto mais educaccedilatildeo
Assim partindo do pressuposto que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo bebe da
heranccedila da Pedagogia Paulo Freire essa dialogicidade entre as concepccedilotildees tem feito um
tensionamento importante e necessaacuterio ao atual modelo que a sociedade adquiriu com o
advento do neoliberalismo A educaccedilatildeo criacutetica eacute cada vez mais urgente sobretudo em tempos
53
de massificaccedilatildeo em que se apregoa a universalizaccedilatildeo do ensino escolarizado como a meta do
seacuteculo
Por fim entendemos que a educaccedilatildeo seja pra todos e todas afinal eacute um direito
humano fundamental mas que ela natildeo cegue natildeo reduza a capacidade de pensar e agir mas
sim que tenha a capacidade de injetar acircnimo e esperanccedila no camponecircs na camponesa no
desempregado e na desempregada na crianccedila no jovem e no idoso O cerne dessa educaccedilatildeo
encontra-se na pedagogia freireana nas praacuteticas da Educaccedilatildeo do Campo no Movimento Sem
Terra e em vaacuterios outros espaccedilos que dialogam com a Educaccedilatildeo Popular
31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO ATUAL DEBATE DA
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM
Partindo do pressuposto inicial desta pesquisa em que pensaacutevamos qual a
contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo
Chegamos a alguns pontos centrais desta reflexatildeo A contemporaneidade do debate da
Educaccedilatildeo do Campo nos aponta para uma perspectiva dialoacutegica entre a Pedagogia Paulo
Freire e os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo Haacute uma indissociabilidade entre ambas Sendo
a primeira portadora da essecircncia que alimenta a segunda satildeo por conseguinte pedagogias
que se complementam (SILVA FILHO PORTO 2012)
Em um tempo em que a educaccedilatildeo criacutetica libertadora e preocupada com questotildees
poliacuteticas sociais e histoacutericas tornou-se ―alieniacutegena caduca e ―comunista de postura
antiquada ou idealista cabe um questionamento faz sentido insistir na divulgaccedilatildeo de ideias
contra-hegemocircnicas da Educaccedilatildeo do Campo e de Paulo Freire no atual mercado da poacutes-
modernidade Essa eacute uma pergunta que Nosela (2010) faz acerca de Gramsci na atualidade e
que nos serve de paracircmetro para o debate
Eacute importante situar a pedagogia freireana dentro de uma loacutegica de contraponto a todo
o modelo neoliberal que se tornou hegemocircnico na educaccedilatildeo de fins do seacuteculo XX e iniacutecio do
seacuteculo XXI O pensamento de Paulo Freire assim como de outros pedagogos de matriz
socialista como Pistrak e Makarenko tem contribuiacutedo grandemente com o atual Movimento
de Educaccedilatildeo do Campo
54
Tanto a pedagogia freireana como a Educaccedilatildeo do Campo se coadunam como meios
de resistecircncia a um ―capitalismo lean and mean que nas palavras de Dowbor15
estaacute impelido
pelas proacuteprias regras de eficiecircncia e que portanto deixa pouco espaccedilo para refletir sobre
valores
Uma economia que natildeo se torna capaz de programar-se em funccedilatildeo das
necessidades do ser humano e que ―convive fria e indiferentemente com a
miseacuteria e a fome de milhotildees a quem tudo eacute negado natildeo merece meu respeito
de educador mas sobretudo meu respeito de gente (FREIRE 2012 p 36)
Eacute exatamente sobre a necessidade de revitalizar palavras como valor eacutetica
solidariedade felicidade e humanizaccedilatildeo que estamos discorrendo O monopoacutelio capitalista
ressignificou todas essas palavras e lhes esvaziou seus sentidos resumindo-as basicamente ao
poder de compra o que Ball (2011) denominou de democracia do consumo Entretanto uma
pedagogia que faccedila o caminho oposto a esse que impregne sentido e identidade aos homens e
mulheres que lhes devolva o direito de optar e decidir (FREIRE 2012) e que forme o sujeito
em sua plenitude eacute o assento dessa pedagogia que estamos pautando eacute o assento portanto da
Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do campo
Natildeo cabe o fatalismo e o determinismo como norteadores do pensamento dos sujeitos
O poder de natildeo se resignar perante situaccedilotildees concretas de opressatildeo eacute uma das maiores
contribuiccedilotildees de Freire ao atual debate da Educaccedilatildeo do Campo
Como vimos a historiografia mostra que no Brasil o periacuteodo que compreende os anos
1950 e 1960 eacute identificado como populismo periacuteodo que esteve voltado agrave construccedilatildeo de um
projeto de desenvolvimento econocircmico nacional (RIBEIRO 2010) A economia brasileira
ainda apresentava-se essencialmente agraacuteria e produtora de mateacuterias-primas Politicamente o
suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 a posse de Juscelino Kubitschek em 1956 a renuacutencia de
Jacircnio Quadros em 1961 e o Golpe Militar de 1964 proporcionaram um cenaacuterio de mudanccedilas
que caracterizam uma ―sociedade em tracircnsito (FREIRE 1983) e rica em organizaccedilotildees
populares
15 Prefaacutecio ao livro ―Agrave sombra desta mangueira (Paacuteg 18)
55
Eacute nessa complexidade que a gecircnese do pensamento de Paulo Freire emerge Surge das
contradiccedilotildees da sociedade brasileira sociedade essa governada por uma elite conservadora e
detentora de privileacutegios na qual o homem simples domesticado e alienado eacute forccedilado a viver
como objeto esmagado e oprimido pela sombra da marginalizaccedilatildeo e da dependecircncia
(FREIRE 2011)
Nesse momento histoacuterico Paulo Freire identificou um modelo de ensino que servia
justamente para a manutenccedilatildeo do estado de miseacuteria e analfabetismo em que grande parte da
populaccedilatildeo do campo e da cidade se encontrava A esse ensino Freire chamou de educaccedilatildeo
bancaacuteria abordado na obra de sua autoria Pedagogia do Oprimido Esse modelo de ensino
estaacute muito aqueacutem da realidade dos sujeitos Eacute um paradigma desinteressado com as questotildees
referentes ao dia-a-dia dos sujeitos do seu trabalho dos seus sonhos da vida praacutetica
No sentido oposto a concepccedilatildeo bancaacuteria de educaccedilatildeo a Pedagogia Paulo Freire se
realiza e materializa respeitando os sujeitos simples o ―saber de experiecircncia feito desses
sujeitos Aleacutem disso busca entender a realidade como geradora de conteuacutedos de curriacuteculo A
relaccedilatildeo eacute dialeacutetica e dialoacutegica eacute uma relaccedilatildeo entre educador educando e o mundo (FREIRE
2011) Esse paradigma se assemelha de forma demasiada com a concepccedilatildeo atual da Educaccedilatildeo
do Campo que por sua vez estaacute diretamente ligada a realidade que lhe produziu ou seja a
necessidade e a luta por direitos historicamente negados e tem em sua gecircnese a resistecircncia
dos movimentos sociais camponeses (CARLDART et al 2012)
Os princiacutepios educacionais da Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do Campo
coadunam para o mesmo sentido e se cruzam por diversos momentos estando inter-
relacionados como procuramos mostrar na figura a baixo
Educaccedilatildeo do Campo
Pedagogia Paulo Freire
Figura III ndash Dialogicidade entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire
56
Os sentidos comungam portanto para uma mesma concepccedilatildeo de lugar sujeito
educaccedilatildeo e sociedade Eacute importante ressaltar nesse processo de compartilhamento a
anterioridade do pensamento de Paulo Freire visto que o que hoje discutimos jaacute era debatido
por ele na deacutecada de 1950 (GADOTTI 1997)
Nesse sentido o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo herdou muito do pensamento de
Paulo Freire e tem reinventado sua pedagogia Isso eacute de uma importacircncia iacutempar pois Freire
sempre afirmara que sua pedagogia devia ser reinventada (FREIRE 2012) jamais
transplantada de forma acriacutetica de uma realidade a outra A Educaccedilatildeo do Campo tem feito um
importante tensionamento e disputado opiniotildees na base da sociedade acerca do modelo
educacional que temos e a serviccedilo de quem ele estaacute
O modelo de educaccedilatildeo contra-hegemocircnico natildeo foi pensado por intelectuais
academicistas ateacute porque essa categoria pouco se envolve com as questotildees sociais
(RIBEIRO 2010) mas eacute justamente o movimento contraacuterio ela emerge das situaccedilotildees de
descaso e usura do Estado frente aos homens e mulheres do campo sem terra sem teto sem
trabalho sem perspectiva Eacute daiacute que surge a contra-hegemonia que jamais poderaacute ser criada
para indignados uma vez que jaacute foi criada por estes Eacute nesse sentido que estaacute posta a
Pedagogia Paulo Freire natildeo como uma receita a ser seguida mas como fruto como
artesanato construiacutedo paulatinamente por indignaccedilatildeo exclusatildeo e opressatildeo Essa concepccedilatildeo eacute
educativa natildeo pretende tornar-se opressora daqueles que hoje oprimem mas antes eacute a uacutenica
capaz de libertar o opressor tornando-o livre no mais autecircntico sentido que a palavra carrega
Eacute desse paradigma que a Educaccedilatildeo do Campo bebe e reinventa a pedagogia freireana a
pedagogia do oprimido a pedagogia do povo simples dos demitidos da terra
A educaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo assim como toda uma vasta produccedilatildeo
que coloca o ensino como tarefa humana e humanizadora que entende o sujeito como ator e
protagonista da sua histoacuteria que se indigna e que se revolta frente ao atual estado de coisa e
esvaziamento no qual a educaccedilatildeo mergulhou todas essas caracteriacutesticas formam pois o que
chamamos pedagogia contra-hegemocircnica e que estaacute no cerne da pedagogia freireana e na
Educaccedilatildeo do Campo
A ressignificaccedilatildeo do sujeito do campo assim como do lugar desse sujeito ou seja o
campo satildeo contribuiccedilotildees significativas do pensamento de Paulo Freire O sujeito o homem e
57
a mulher do campo eram vistos (em boa medida ainda satildeo) dentro da loacutegica produtivista como
matildeo-de-obra barata e passiva de exploraccedilatildeo e por outro lado invisibilizados dentro dos seus
direitos poliacutetico-sociais Essa circunstacircncia na qual os sujeitos do campo estavam envoltos
indubitavelmente eacute responsaacutevel pela negaccedilatildeo da condiccedilatildeo de vita activa16
A exclusatildeo da vida
participativa do paiacutes tem como heranccedila a perpetuaccedilatildeo da opressatildeo e da negaccedilatildeo fatores que
acompanham os sujeitos do campo ao longo da histoacuteria
Para Paulo Freire o sujeito eacute tanto histoacuterico quanto social resultante de um complexo
de vivecircncias reais Capaz de diferentemente do animal que apenas se adapta a realidade
integrar-se a sua realidade e nela interferir (FREIRE 2012)
Quando nos referimos ao campo eacute preciso ter o devido cuidado para natildeo cairmos no
conservadorismo de uma visatildeo homogecircnea de sujeito e lugares entendendo por exemplo o
campo como lugar passivo ao qual atribui-se um olhar negativo e preconceituoso (ARROYO
2009) Tanto Paulo Freire como o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo recusam esse
determinismo com forte veemecircncia pois sabe-se que as relaccedilotildees satildeo complexas e que a
calmaria tiacutepica da zona rural esconde um emaranhado de relaccedilotildees sociais de trabalho e de
famiacutelia cuja dinacircmica requer perspicaacutecia e sutileza para seu entendimento
Tendo em vista a importacircncia do legado de Paulo Freire natildeo somente para a Educaccedilatildeo
do Campo mas para toda a educaccedilatildeo popular para os espaccedilos natildeo escolares em que se
desenvolvem projetos educacionais e para outra infinidade de possibilidades de reinvenccedilatildeo da
pedagogia freireana eacute que dialogaremos a partir de agora com o exemplo da Experiecircncia de
Angicos - RN como exemplo de pioneirismo e autenticidade do pensamento de Paulo Freire
16 Hannah Arendt na obra ―A condiccedilatildeo Humana 10 ed Rio de Janeiro 2007 Pode ser entendido como a
condiccedilatildeo de participaccedilatildeo ativamente na vida poliacutetica da sociedade
58
32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA
PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO NORTE
Figura IV ndash Angicos nos dias de hoje (2014) Fonte o proacuteprio autor
(Em nenhum lugar do mundo onde estive fiquei mais tocado do que aqui e agora
Paulo Freire Angicos 28 de agosto de 1993)
Os fins da deacutecada de 1950 e iniacutecio de 1960 satildeo fortemente marcados por movimentos
de cunho popular e participativo Um periacuteodo particularmente rico em organizaccedilotildees sociais e
coletivas cujos objetivos giravam em torno de reformas estruturantes na sociedade brasileira
Direitos trabalhistas educacionais Reforma Agraacuteria satildeo exemplos de temaacuteticas que vinham
sendo abertamente discutidas pelo governo e as sociedade civil coletivamente organizada No
campo essa movimentaccedilatildeo se deu de forma particularmente rica
O Movimento de Cultura Popular (MCP) do Recife a partir de maio de
1960 a Campanha ―De peacute no chatildeo tambeacutem se aprende a ler em Natal a
partir de 1960 o Movimento de Educaccedilatildeo de Base (MEB) da Conferecircncia
Nacional dos Bispos Brasileiros os Centros Populares de Cultura (CPCs) da
Uniatildeo Nacional dos Estudantes e outros movimentos de menor amplitude
satildeo testemunhas da notaacutevel efervescecircncia desse periacuteodo (BEISIEGEL 2010
p 18)
59
Uma das primeiras iniciativas no tocante a criaccedilatildeo de uma poliacutetica para atender aos
jovens e adultos analfabetos diz respeito agrave criaccedilatildeo do Serviccedilo de Educaccedilatildeo de Adultos (SEA)
em 1947 e dessa accedilatildeo a criaccedilatildeo da Campanha de Educaccedilatildeo de Adultos (BEISIEGEL 2010)
No entanto essa campanha ainda resguardava em sua metodologia a transferecircncia dos
conteuacutedos trabalhados com crianccedilas no primaacuterio aos jovens e adultos que estudavam a noite
O proacuteprio Lourenccedilo Filho que era um expoente dessa campanha escreveu textos cujo assento
residia na sua preocupaccedilatildeo com essa metodologia
Natildeo obstante as reiteradas manifestaccedilotildees de Lourenccedilo Filho sobre a
necessidade de atentar agraves particularidades e as exigecircncias especiacuteficas do
adulto pouco escolarizado na grande maioria das classes professores do
ensino infantil reproduziam agrave noite com seus alunos jovens e adultos os
trabalhos que realizavam no periacuteodo diurno com os seus alunos do ensino
primaacuterio fundamental comum (BEISIEGEL 2010 p 24)
Aos poucos percebe-se que o caraacuteter puramente de erradicar o analfabetismo fazendo
com que os sujeitos jovens e adultos lessem e escrevessem natildeo garantia uma cidadania plena
no gozo de direitos Desse modo inicia-se nesse acircmbito um paradigma que pensa a questatildeo
do analfabetismo como eminentemente de cunho social requerendo portanto uma visatildeo mais
ampla da questatildeo Em 1958 Freire escreve ―A educaccedilatildeo de adultos e as populaccedilotildees marginais
o problema dos mocambos que jaacute tratava a temaacutetica sob a oacutetica dos problemas sociais mais
abrangentes (BEISIEGEL 2010)
O trabalho que projetou Freire nacionalmente contraditoriamente foi o mesmo que o
levou agrave prisatildeo com o advento da Ditadura Militar Devido agrave experiecircncia de Angicos ele foi
considerado ―ignorante e subversivo pelo Regime Militar Segundo o livro organizado pelo
Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia (2012 p36) denominado ―Paulo Freire
anistiado poliacutetico brasileiro ―Alguns de seus alunos tambeacutem foram presos e passaram por
outras dificuldades depois da experiecircncia de Angicos (1963) considerada subversiva e mais
tarde cancelada
Vale salientar que o Regime Militar foi extremamente violento tambeacutem com os
camponeses As lutas natildeo se resumiam agrave cidade Haacute pouco a sindicalizaccedilatildeo rural havia sido
um fenocircmeno extensivo a quase todo o nordeste com ecircnfase na Paraiacuteba Rio Grande do Norte
e Pernambuco especialmente atraveacutes da Campanha de Educaccedilatildeo Popular juntamente com a
60
Juventude Universitaacuteria Catoacutelica - JUC - Juventude Agraacuteria Catoacutelica e o Movimento de
Educaccedilatildeo de Base ndash MEB (SILVA 2011 FREIRE 1983)
O caraacuteter da experiecircncia realizada em Angicos estaacute assentado nos princiacutepios da
Educaccedilatildeo Popular que para Carlos Rodrigues Brandatildeo (2009 p 09) tem um papel e um
sentido histoacuterico como resistecircncia e oposiccedilatildeo ao status quo
Figura V ndash AngicosRN
A experiecircncia de Angicos no Estado do Rio Grande do Norte em 1963 conteacutem o cerne
da pedagogia freirena ou seja Freire (1983 p 06) afirma que ―a alfabetizaccedilatildeo e a
conscientizaccedilatildeo jamais se separam Nesse momento histoacuterico o sujeito do campo imerso no
populismo por um lado e no analfabetismo por outro conforme Ribeiro (2010) enfrenta um
periacuteodo de grandes privaccedilotildees no campo social poliacutetico econocircmico e educacional Eacute nesse
ultimo principalmente que a experiecircncia de Angicos eacute significativa pois educaccedilatildeo era luxo
restrito agraves classes dominantes
Segundo documento organizado pelo Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia
(2012) Paulo Freire e seus colaboradores Alfabetizaram 300 trabalhadores rurais em poucos
dias accedilatildeo que significou um fenocircmeno revolucionaacuterio Eacute importante salientar o princiacutepio
dessa alfabetizaccedilatildeo Freire (1983 p 96) afirma que ―Toda separaccedilatildeo entre os que sabem e os
que natildeo sabem do mesmo modo que a separaccedilatildeo entre as elites e o povo eacute apenas fruto de
circunstacircncias histoacutericas que podem e devem ser transformadas Portanto muito mais do que
o simples ato de alfabetizar havia uma ideologia progressista cuja finalidade residia na
conscientizaccedilatildeo poliacutetica dos sujeitos frente a um mundo de privaccedilotildees
Esse trabalho obteacutem grande repercussatildeo nacional e internacional Estende a
experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN) e Joatildeo Pessoa (PB)
61
O trabalho da equipe do Recife foi o de ir a Natal capacitar a equipe de
Marcos que partiu depois para Angicos O primeiro trabalho dessa equipe
foi fazer o universo vocabular da regiatildeo Nunca me esqueccedilo que a primeira
palavra geradora de Angicos foi ―belota uma corruptela de borlota que eacute
exatamente esse negoacutecio de pocircr em rede em cortina Por que isso Nessa
regiatildeo se trabalhava muito com couro e eles usavam nos rebenques
exatamente uma borlota mas que o povo chama belota Essa foi a primeira
palavra geradora de uma riqueza extraordinaacuteria em ambos os aspectos
socioloacutegicos e linguiacutesticos porque ela introduzia trecircs famiacutelias silaacutebicas a do
ba-be-bi-bo-bu e do la-le-li-lo-lu e a do ta-te-ti-to-tu Ela em si abria a
possibilidade de criaccedilatildeo de novas palavras Depois dessa seleccedilatildeo feita os
meninos foram e passaram a morar laacute Um mecircs depois tinha trezentas
pessoas lendo e escrevendo (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO
DE ANISTIA 2012 p86)
As 40 horas de Angicos foi um espaccedilo de extrema riqueza Os participantes daquela
experiecircncia satildeo testemunhas da efetivaccedilatildeo de uma praacutexis Um momento em que teoria e
praacutetica dialogaram justamente como sempre defendeu Freire Eacute importante destacar que os
300 trabalhadores que se alfabetizaram eram em sua maioria trabalhadores rurais ―Silentes e
autodesvalidos os sem-terra e sem-palavra foram tocados pelo olhar predileto que Paulo lhes
dirigiu em Angicos Os jovens agricultores ainda sem terra mas que jaacute conquistaram a
palavra leem Paulo Freire para transformar seu projeto de vida (idem p 117)
Figura VI ndash Experiecircncia de AngicosRN
Nos anos 50 quando ainda se pensava na educaccedilatildeo de adultos como uma
pura reposiccedilatildeo dos conteuacutedos transmitido agraves crianccedilas e jovens Paulo Freire
propunha uma pedagogia especiacutefica associando estudos experiecircncias
vividas trabalho pedagogia e poliacutetica (GADOTTI 1996 p 70)
Desse modo percebemos um niacutetido respeito que o educador Paulo Freire tem para
com os educandos Ele desenvolve uma educaccedilatildeo totalmente contraacuteria agrave educaccedilatildeo
escolarizada cujas metodologias estatildeo intimamente ligadas por um conteuacutedo a-histoacuterico que
62
natildeo leva a uma reflexatildeo criacutetica do mundo Onde o maior objetivo eacute o depoacutesito de tudo o que
foi decorado ao longo de um periacuteodo
Essa focircrma (de formar) de educar eacute fortemente recusada por Freire (2011) Na
Pedagogia do Oprimido denominou de ―educaccedilatildeo bancaacuteria Os sujeitos envolvidos no
processo satildeo meros receptores Depoacutesitos de conteuacutedos que natildeo tecircm nenhuma relaccedilatildeo com a
realidade Freire caminha em direccedilatildeo oposta agrave educaccedilatildeo bancaacuteria entende que a realidade e a
vida concreta dos sujeitos eacute geradora de conteuacutedo e portanto a gecircnese da alfabetizaccedilatildeo
deveria comeccedilar pois daquela realidade partindo para o universalmente conhecido
(FREIRE 2011)
A leitura que Freire faz do sujeito do campo nordestino eacute sem duacutevida avanccedilada Um
momento em que o campo brasileiro padecia de grande estigma e preconceito Freire se utiliza
da realidade dos camponeses do modo de vida do trabalho das experiecircncias para partindo
desse ponto chegar agrave alfabetizaccedilatildeo e agrave conscientizaccedilatildeo desses sujeitos A educaccedilatildeo das
populaccedilotildees camponesas esteve longe de ser o ponto nevraacutelgico dos interesses das classes
dominantes afinal ―eacute mais difiacutecil explorar um camponecircs que sabe ler do que um analfabeto
17
Paulo Freire natildeo se separa da poliacutetica Paulo Freire deve ser considerado
tambeacutem como um poliacutetico Esta eacute a dimensatildeo mais importante de sua obra Ele
natildeo pensa a realidade como um socioacutelogo que procura apenas entendecirc-la []
Por isso ele pensa a educaccedilatildeo ao mesmo tempo como ato poliacutetico como ato de
conhecimento e como ato criador (GADOTTI 1996 p 70)
A intervenccedilatildeo que Freire realiza em Angicos eacute uma atividade eminentemente poliacutetica
tinha como objetivo aleacutem da alfabetizaccedilatildeo a politizaccedilatildeo dos trabalhadores rurais daquele
municiacutepio isso em um periacuteodo de predomiacutenio das oligarquias rurais do voto de cabresto e de
extrema espoliaccedilatildeo da matildeo-de-obra dos agricultores Pois eacute em meio a esse cenaacuterio que
Freire juntamente com seus colaboradores desenvolve um paradigma de alfabetizaccedilatildeo cujo
principio eacute a libertaccedilatildeo do povo da condiccedilatildeo de oprimido e ―demitido da vida
Sua concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e logicamente sua proposta educacional que
havia mostrado resultado altamente positivo na experiecircncia em Angicos
17 Resposta pela recusa da natildeo alfabetizaccedilatildeo dos camponeses proposta por Voltaire a Imperatriz Catarina da
Ruacutessia no Seacuteculo XVIII
63
(RN) consistia em afirmar que todo ato educativo eacute um ato poliacutetico assim
sendo a educaccedilatildeo conteacutem a potencialidade da transformaccedilatildeo da sociedade
por intermeacutedio de uma consciecircncia criacutetica da realidade tarefa que tanto o
educador como o educando devem assumir no ato educativo (INSTITUTO
PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012 p 43)
Segundo Germano (1997) o desafio e o objetivo da experiecircncia de Angicos era tanto
alfabetizar como conscientizar politicamente os trabalhadores em 40 horas A experiecircncia que
era patrocinada pelo ―Alianccedila para o Progresso um programa de origem estadunidense e do
Governo do Rio Grande do Norte que agrave eacutepoca estava sob mandato de Aluizio Alves
experiecircncia que ganhou conhecimento nacional e internacionalmente
O que queremos apontar como novidade nesse olhar que lanccedilamos sobre a experiecircncia
de Angicos amplamente conhecida eacute evidenciar que o puacuteblico participante era de forma
majoritaacuteria trabalhadores rurais em uma cidade cujo periacuteodo histoacuterico dificulta falar-se em
urbanidade puacuteblico esse objeto de nossa reflexatildeo nesta dissertaccedilatildeo de mestrado Nesse
sentido situamos o pensamento de Paulo Freire como de grande importacircncia ao atual debate
da Educaccedilatildeo do Campo O que estamos debatendo hoje como o respeito agraves vivecircncias e
experiecircncias a importacircncia do lugar e o famigerado modismo do ―conhecimento preacutevio
Freire tratou ainda em 1963 com responsabilidade e humanismo Assim eacute salutar
percebermos a experiecircncia de Angicos como uma importante fonte histoacuterica que pode (e
certamente haveraacute de) contribuir em muito com o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo
64
4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIENCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO
CAMPO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
Feito o debate teoacuterico-metodoloacutegico acerca da Educaccedilatildeo do Campo e de suas raiacutezes
histoacutericas no Brasil e tambeacutem sobre a atual posiccedilatildeo que esta modalidade de ensino ocupa
entendemos ser este o momento de estreitar e externar experiecircncias que ilustram de modo
singular a inserccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo na universidade brasileira Para tanto tomamos
como recorte analiacutetico o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte Procuramos refletir sobre a contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana ao ―Projeto
do curso entendendo que o aporte do pensamento de Paulo Freire na Educaccedilatildeo do Campo eacute
de extrema relevacircncia Entendemos que a formulaccedilatildeo da proposta curricular dessa natureza
ou seja pensada para cursos cujos sujeitos tecircm viacutenculo direto com o campo carece de certo
alinhamento ideoloacutegico com a pedagogia freireana uma vez que esta canaliza a resistecircncia
histoacuterica dos povos do campo
A tomada do curso como recorte se explica pela aproximaccedilatildeo e atuaccedilatildeo que tivemos
com a turma de Pedagogia da Terra no periacuteodo de 2010 a 2011 periacuteodo no qual atuamos
como monitor Jaacute a busca pela contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana agrave Proposta poliacutetico-
pedagoacutegica e Plano de Trabalho se faz necessaacuterio pelo foco central deste trabalho mas
tambeacutem pela singular experiecircncia de aprender e pesquisar sobre o pensamento de Paulo Freire
no Grupo de Estudo da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) na Universidade Federal da
Paraiacuteba Aleacutem do mais entendermos que Educaccedilatildeo do Campo eacute uma questatildeo de grande valor
natildeo pode estar simplesmente coadunando com os paradigmas educacionais fugazes que a
contemporaneidade tem nos mostrado em outras palavras a Educaccedilatildeo do Campo natildeo pode
ser moda mas antes oportunidade para os sujeitos do campo se posicionar frente ao mundo e
aos seus pares
Na atuaccedilatildeo como monitor tivemos a oportunidade de vivenciar e compartilhar das
dificuldades alegrias avanccedilos e limitaccedilotildees que os educandos e as educandas enfrentaram no
dia a dia Esse conviacutevio foi de grande importacircncia pois humanizou as relaccedilotildees que a
universidade por vezes esvazia Satildeo pessoas com sonhos frustraccedilotildees dificuldades
financeiras limitaccedilotildees cognitivas mas sobretudo satildeo pessoas que lutam que persistem que
natildeo se envergonham de ocupar com simplicidade o espaccedilo de ―glamour que ainda eacute a
universidade brasileira
65
Aleacutem do Curso de Pedagogia da Terra da UFRN os cursos de Jornalismo da Terra da
Universidade Federal do Cearaacute (UFC) Especializaccedilatildeo Lato Sensu em Direitos Sociais do
Campo promovida pelo IncraPronera e a Universidade Federal de Goiaacutes (UFG) Licenciatura
em Pedagogia pelo Programa Estudante - ConvecircnioMovimento Sociais do Campo ndash
PECMSC (UFPB) entre outros satildeo exemplos e frutos colhidos apoacutes anos afinco na luta
cerrada e disputas dentro da superestrutura poliacutetica Por isso mesmo entendemos que essas
experiecircncias representam a inserccedilatildeo concreta de sujeitos do campo na Universidade puacuteblica
brasileira sendo por esse motivo merecedora de anaacutelise detalhada e pesquisas futuras
Para entendermos melhor a atualidade da Educaccedilatildeo do Campo como poliacutetica puacuteblica
destinada a um puacuteblico especiacutefico (do campo) eacute preciso situar a temaacutetica na historiografia A
pesquisadora da Faculdade de Educaccedilatildeo da UFMG Antunes-Rocha (2011 p125) eacute enfaacutetica
ao afirmar que sobre cursos de formaccedilatildeo de professores para o campo ―natildeo encontrei nada
antes de 1997 Natildeo por acaso essa data coincide com a conquista do Pronera programa esse
que entendemos ser portador do cerne da questatildeo da Educaccedilatildeo do Campo no Brasil enquanto
poliacutetica puacuteblica
O curso de Pedagogia da Terra eacute fruto da luta histoacuterica dos movimentos sociais do
campo no Brasil ele representa em boa medida os anseios teoacutericos e praacuteticos de inclusatildeo
social Assim como todo e qualquer espaccedilo o curso natildeo eacute um todo homogecircneo sem conflitos
mas antes espaccedilo repleto de contradiccedilotildees e disputas tanto interna como externamente
O suporte para essa reflexatildeo reside sobretudo na anaacutelise de documentos do Curso
principalmente na ―Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho que eacute o documento
principal norteador das accedilotildees do curso mas tambeacutem buscamos subsidiar esta escrita em
resoluccedilotildees principalmente na Resoluccedilatildeo nordm 1032006 CONSEPEUFRN de 1909200618
que trata do Regulamento dos Cursos de Graduaccedilatildeo da UFRN aleacutem de outras fontes que
tivemos acesso atraveacutes de colaboradores e tambeacutem de paacuteginas eletrocircnicas
18 Atualmente a Resoluccedilatildeo Nordm 1712013-CONSEPEUFRN de 5 de novembro de 2013 eacute que rege o
Regulamento dos Cursos Regulares de Graduaccedilatildeo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
66
O Edital de abertura do processo seletivo para o curso de Pedagogia ndash Licenciatura
Plena foi orientado pela Resoluccedilatildeo nordm1032006-CONSEPEUFRN de 19092006 e seguiu
todos os procedimentos normativos dos demais vestibulares A Comissatildeo Permanente de
Vestibular (COMPERVE)19
foi responsaacutevel pela realizaccedilatildeo do certame Para se candidatar ao
vestibular o estudante precisava cumprir o seguinte preacute-requisito
a) ser portador de certificado ou diploma de conclusatildeo do Ensino Meacutedio (ou
curso equivalente)
b) ser assentado pelo Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e reforma Agraacuterio
(INCRA) e vinculado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra
(MST) do RN (COMPERVE 2007)
O pensamento da organizaccedilatildeo coletiva conscientizaccedilatildeo e luta tatildeo fortemente
imbuiacutedos na pedagogia freireana aqui se materializa Evidenciar um curso voltado para povos
do campo e ainda mais para membros de um movimento social tatildeo atuante quanto polecircmico
como eacute o MST eacute sem duacutevida um avanccedilo Essa conquista natildeo eacute do acaso ou natural eacute fruto de
uma conjuntura rara criada por muacuteltiplos condicionamentos sociais mas sobretudo pela
organizaccedilatildeo coletiva dos trabalhadores do campo
Poreacutem como reconhecemos que estamos imersos em um Estado de classes que horas
cede agraves reivindicaccedilotildees das massas hora cerceia essas conquistas natildeo demorou o iniacutecio dos
ataques dirigidos pela classe dominante agrave forma como o curso estava sendo gerido Em 2010
um desses ataques teve como consequecircncia a reformulaccedilatildeo dos projetos do curso A partir
desse momento os movimentos sociais foram suprimidos da parceria ateacute entatildeo existente
Sobre esse assunto detalharemos mais a diante
Retomando o processo seletivo para entrada no Curso os alunos interessados no
vestibular passaram 15 dias envolvidos numa preparaccedilatildeo para as provas Nesse momento
trabalharam mateacuterias escolares Portuguecircs Matemaacutetica Geografia Histoacuteria etc
(FERNANDES 2009) A elaboraccedilatildeo da prova ficou sob responsabilidade da Comperve e
19 Com do fim do vestibular como processo seletivo para ingressar na Universidade a Comperve passou a
chamar-se Nuacutecleo Permanente de Concursos UFRN
67
seguiu todos os procedimentos legais e normativo s dos demais vestibulares como jaacute
salientado anteriormente
Apoacutes o resultado do certame o curso teve iniacutecio no primeiro semestre de 2007
(20071) com as 60 vagas devidamente preenchidas Por deliberaccedilatildeo dos proacuteprios educandos
a turma passa a se chamar ―Florestan Fernandes em homenagem ao grande socioacutelogo
escritor e poliacutetico brasileiro
Eacute sempre importante lembrar que esse curso representou um grande avanccedilo para a
Educaccedilatildeo do Campo no Rio Grande do Norte representando tambeacutem um sinal de abertura
da Universidade Federal agraves questotildees sociais do campo Mesmo tendo havido outro curso de
pedagogia para assentados20
indubitavelmente o Pedagogia da Terra representa um marco nas
lutas tanto de oportunidade aos povos do campo como de abertura e diaacutelogo da universidade
com a sociedade potiguar
Os estudantes do Curso vieram das diferentes regiotildees do Estado do Rio Grande do
Norte desde aacutereas vizinhas de Natal como eacute o caso de Macaiacuteba e Cearaacute Mirim ateacute lugares
mais distantes da Capital como Satildeo Rafael e Triunfo Potiguar na regiatildeo Meacutedio Oeste Nesses
municiacutepios esses sujeitos residem majoritariamente em aacutereas rurais de assentamento
O Curso segue as orientaccedilotildees da Resoluccedilatildeo CNECP n1 de 15 de maio de 2006 que
institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia e confere habilitaccedilatildeo
em ―Licenciatura em Pedagogia21
conforme aponta a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano
de Trabalho
Habilitar professores por meio de curso superior para o exerciacutecio da
docecircncia em Educaccedilatildeo Infantil e nas seacuteries iniciais do Ensino Fundamental
regular para Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e para atividades de
20Entre 2002 e 2006 formaram-se em niacutevel de graduaccedilatildeo 63 alunos de nove estados nordestinos e um da
regiatildeo norte (AL BA CE MA PA PB PE PI RN e SE)
21 O diploma eacute gerado com uma observaccedilatildeo que faz alusatildeo ao Probaacutesica ndash Programa de Qualificaccedilatildeo
Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica ndash instituiacutedo pela Resoluccedilatildeo CONSEPEUFRN nordm1499 de 020299 que
estabelece os convecircnios entre a Universidade e seus parceiros apresentamos um exemplar em anexo
68
coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico em escolas instituiccedilotildees do
sistema educacional e projetos educativos existentes nas aacutereas de
assentamento (UFRN 2010 p 05)
Isso mostra que mesmo havendo particularidades o egresso do curso recebe o tiacutetulo de
licenciado em pedagogia apto a concorrer a qualquer vaga de concurso para pedagogo
Essa formaccedilatildeo visa combater o deacuteficit histoacuterico de profissionais da educaccedilatildeo
nas aacutereas rurais e segue uma diretriz do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do
Campo Aleacutem disso pretende gerar oportunidade de continuidade dos
estudos aos jovens que detinham o Ensino Meacutedio completo e que moravam
nos assentamentos e aacutereas de reforma agraacuteria Desse modo o objetivo eacute
colaborar com a constituiccedilatildeo de uma rede de educadores do campo em nosso
Estado com qualificaccedilotildees teacutecnicas e compromisso eacutetico que possibilite o
aprofundamento e ampliaccedilatildeo de experiecircncias de educaccedilatildeo do campo (UFRN
2010 p 04)
Silva Filho (2011) afirma que a entrada de um familiar na universidade eacute algo
significativo Afirma ainda que
O ensino superior ainda resguarda status de responsaacutevel pela ascensatildeo social
e garantia de melhores condiccedilotildees de vida Historicamente o assento
ideoloacutegico da universidade foi muito mais as concepccedilotildees da classe
dominante social e politicamente do que um lugar de inclusatildeo da classe
explorada (SILVA FILHO 2011 p 40)
Por esse motivo O curso tem um caraacuteter contra-hegemocircnico e diferente daquele que
nos habituamos a ver nas universidades
Poreacutem sabemos que os fatos natildeo se datildeo de forma linear ou sem disputas ocorre que o
modo de execuccedilatildeo dos anos de 2007 e 2008 cujo assento havia sido o Convecircnio
CRTRN390002006 (INCRAUFRNMST) teve seus componentes e formato questionados
por parte dos estratos juriacutedicos do INCRA (UFRN 2010) Na verdade esse momento eacute
histoacuterico para todos os cursos do Pronera que enfrentaram periacuteodo de grandes incertezas
Em que pese as mudanccedilas de formato da relaccedilatildeo institucional entre a UFRN e
o INCRA o projeto ora apresentado manteacutem a estrutura curricular original e
os seus fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos estatildeo incorporados aqui
assegurando a correspondente consonacircncia com a Resoluccedilatildeo CNECP no 1 de
15 de maio de 2006 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Curso de Pedagogia (UFRN 2010 p 04)
69
Mesmo natildeo tendo perdido do ponto de vista teoacuterico-metodoloacutegico as perdas poliacuteticas
satildeo evidentes principalmente com a exclusatildeo do MST da operacionalizaccedilatildeo do Curso Como
podemos observar o Acoacuterdatildeo n 26532008 eacute expliacutecito quanto as proibiccedilotildees
()
943 caso pretenda oferecer cursos a puacuteblico especiacutefico afeto a sua aacuterea de
atuaccedilatildeo a exemplo do que se verificou no acircmbito do Projeto Camosc
9431 com relaccedilatildeo ao instrumento a ser firmado com a entidade que se
encarregaraacute da execuccedilatildeo do objeto em vez de convecircnio valha-se de contrato
precedido de procedimento licitatoacuterio
9432 iniba por meio de normas claacuteusulas contratuais e fiscalizaccedilatildeo
qualquer possibilidade de que entes estranhos agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica
especialmente movimentos sociais ligados agrave reforma agraacuteria participem do
planejamento execuccedilatildeo acompanhamento avaliaccedilatildeo ou de outra fase do
curso promovido (TCU 2008)
Nesse periacuteodo professores-coordenadores representantes do INCRA reitores das
universidades puacuteblicas procuraram de forma engenhosa retomar as atividades acadecircmicas que
apoacutes um ano reiniciou Esse momento externou de forma expliacutecita o conservadorismo e o
desejo de segregaccedilatildeo social que ainda permeia a classe poliacutetica brasileira
Sendo o Estado Capitalista um Estado de classe tende a organizar a escola
em todos os niacuteveis e modalidade de ensino conforme a concepccedilatildeo de mundo
da classe dominante e dirigente embora contraditoriamente dependendo do
grau de difusatildeo da pedagogia da contra-hegemonia na sociedade civil a
mesma escola esteja permeaacutevel agrave influecircncia de outros projetos poliacutetico-
pedagoacutegicos (NEVES 2005 p 29)
Desse modo compreendemos os enfrentamentos deflagrados e as lutas pela
manutenccedilatildeo desse Curso como questotildees ideoloacutegicas como resistecircncia dos povos do campo
por um lado e ofensiva da classe dominante de outro Sabemos que essa disputa eacute histoacuterica e
tem altos e baixos concessotildees e restriccedilotildees Esse momento embora tenha acarretado
desconforto e prejuiacutezos para muitos foi o ponto central que evidenciou uma verdadeira luta
de correlaccedilotildees de forccedila
70
41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO
CURSO DE PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN
Pensar uma proposta curricular para um curso de Educaccedilatildeo do Campo como eacute o
Curso de Pedagogia da Terra e tantos outros jaacute exemplificados que gozam de um caraacuteter
popular certamente requer posicionamento e uma reflexatildeo sobre os princiacutepios basilares do
curriacuteculo Tomaz Tadeu da Silva (2011) expotildee que ―A questatildeo central que serve de pano de
fundo para qualquer teoria do curriacuteculo eacute a de saber qual conhecimento deve ser ensinado (p
14) O autor afirma que o curriacuteculo eacute sempre resultado de uma seleccedilatildeo Desse modo quando
determinamos que conhecimento ensinar estamos deixando de fora outros conhecimentos A
questatildeo fundamental passa a ser por que ―esse conhecimento e natildeo ―aquele
O curriacuteculo nunca eacute simplesmente uma montagem neutra de conhecimentos
que de alguma forma aparece nos livros e nas salas de aula de um paiacutes
Sempre parte de uma tradiccedilatildeo seletiva da seleccedilatildeo feita por algueacutem da visatildeo
que algum grupo tem do eu seja o conhecimento legiacutetimo Ele eacute produzido
pelos conflitos tensotildees e compromissos culturais poliacuteticos e econocircmicos
que organizam e desorganizam um povo (APPLE 2000 p 53)
Objetivamente essa relaccedilatildeo de escolhas nos leva diretamente a entender que o
curriacuteculo eacute antes de tudo ideoloacutegico sendo portanto uma disputa pela hegemonia Quando
escolhemos ―esse conteuacutedo e natildeo ―aquele estamos consciente ou inconscientemente
optando por um determinado projeto educativo
Eacute essa preocupaccedilatildeo que leva Apple a recorrer aos conceitos de hegemonia
tal como formulado por Antonio Gramsci e desenvolvido por Raymond
Williams Eacute o conceito de hegemonia que permite ver o campo social como
um campo contestado como um campo onde os grupos dominantes se veem
obrigados recorrer a um esforccedilo permanente de convencimento ideoloacutegico
para manter sua dominaccedilatildeo Eacute precisamente atraveacutes desse esforccedilo de
convencimento que a dominaccedilatildeo econocircmica se transforma em hegemonia
cultural Esse convencimento atinge sua maacutexima eficaacutecia quando se
transforma em senso comum quando se naturaliza (SILVA 2011 p 46)
Para Bourdieu e Passeron (2012) a problemaacutetica reside na reproduccedilatildeo social que
ocorre palas vias da cultura ou propriamente da cultura dominante Seus valores seus gostos
seus costumes seus haacutebitos seus modos de se comportar de agir satildeo reproduzidos como ideal
e desejado para toda a sociedade Entendemos portanto que eacute justamente no curriacuteculo onde
ocorre a condensaccedilatildeo de toda essa problemaacutetica
71
Compreendemos que o curriacuteculo eacute um espaccedilo para o confronto de conhecimentos
popular e erudito Nesse sentido o papel da universidade eacute primordialmente ressignificar os
conhecimentos jaacute elaborados pelos estudantes ou nas palavras de Freire (1993) ―saber de
experiecircncia feito que satildeo pilares fundantes para a construccedilatildeo curricular Curriacuteculo com foco
na vida pela vida e para a vida Saber que natildeo eacute transposto automaticamente pois se constitui
em aprendizagens colaterais e que ao precederem a escola alicerccedilam-na e lhe datildeo suporte
Produzir novos e melhores conhecimentos e garantir um espaccedilo educativo no qual co-
existam de forma permanente a circularidade entre saberes eacute tarefa responsaacutevel da
universidade assim o grande desafio eacute construir uma matriz pedagoacutegica que natildeo se feche
numa dimensatildeo de especialidades dentro das disciplinas O curriacuteculo precisa dar conta de
especificidades por outro lado natildeo pode perder com isso a visatildeo ampla natildeo pensar apenas o
especiacutefico sob pena de fragmentar o conhecimento nem somente o geral pois isso teria
consequecircncias danosas agrave dimensatildeo particular
A educaccedilatildeo do campo tem um viacutenculo com a matriz pedagoacutegica do trabalho e da cultura
Numa concepccedilatildeo freireana haacute uma inter-relaccedilatildeo fundamental entre essas duas categorias
visto que a primeira pode-se entender como a accedilatildeo do homem na natureza ao passo que a
segunda eacute o resultado dessa accedilatildeo accedilatildeo consciente e ativa do homem em sua
realidadenatureza (FREIRE 1983) Desse modo a tarefa primordial da Proposta poliacutetico-
pedagoacutegica e Plano de Trabalho do Curso de Pedagogia da Terra eacute dialogar com essas
matrizes
Assim observamos que a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho se
aproxima e dialoga bastante com esse pensamento logo aproximando-se tambeacutemdos
princiacutepios contidos na Pedagogia Paulo Freire
A proposta curricular para este curso teraacute como ponto de partida os saberes e
praacuteticas dos alunos e a realidade dos assentamentos Por conseguinte a
singularidade seraacute realccedilada sem perder de vista os elementos universais que
compotildeem a cultura do homem e da mulher do campo na perspectiva de
mobilizar um movimento pedagoacutegico pautado na accedilatildeo-reflexatildeo-accedilatildeo (UFRN
2010 p 8)
A proposta de formaccedilatildeo de Freire eacute permeada por uma postura criacutetica poliacutetica e
consciente diante de abordagens de formaccedilatildeo que se apresentam fragmentadas natildeo
envolventes e incapazes de captar as reais necessidades e preocupaccedilotildees dos sujeitos Nesse
72
sentido a categoria realidade sem duacutevida deteacutem uma centralidade na Pedagogia Paulo
Freire isso justamente porque eacute na concretude que a vida se passa Por isso mesmo a
importacircncia da indissociabilidade entre o curriacuteculo do curso e a vida praacutetica dos educandos e
educandas
Outro ponto de fundamental importacircncia se refere agrave necessidade de afinidade criacutetico-
ideoloacutegico dos docentes com a proposta do curso Eacute importante haver aproximaccedilatildeo suficiente
para compreender as particularidades proacuteprias da turma dos sujeitos e do campo
De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho a ―estrutura
curricular do curso de Pedagogia da Terra eacute concebida em trecircs nuacutecleos articulados quais
sejam estudos baacutesicos aprofundamento e diversificaccedilatildeo de estudos e estudos integradores
cujos componentes curriculares foram ofertados em atividades presenciais a serem realizadas
preferencialmente nos periacuteodos de janeirofevereiro e junhojulho de cada ano nas
dependecircncias da UFRN e de atividades vivenciais (grupos de estudo pesquisa e exerciacutecio
profissional) apoiadas por monitores de apoio pedagoacutegico ao longo dos semestres tendo
como referecircncia a praacutetica docente e a realidade do campo no contexto da Reforma Agraacuteria
(UFRN 2010)
O ―Nuacutecleo de Estudos Baacutesicos do curso compreende a seguinte ordem
a Histoacuterico e soacutecio-cultural compreendendo os fundamentos filosoacuteficos
histoacutericos poliacuteticos econocircmicos socioloacutegicos psicoloacutegicos e
antropoloacutegicos necessaacuterios para a reflexatildeo criacutetica nos diversos setores da
educaccedilatildeo na sociedade contemporacircnea
b Da educaccedilatildeo baacutesica compreendendo
i Estudo dos conteuacutedos curriculares da educaccedilatildeo baacutesica
escolar
ii Os conhecimentos didaacuteticos as teorias pedagoacutegicas
em articulaccedilatildeo agraves metodologias tecnologias de informaccedilatildeo e
comunicaccedilatildeo e suas linguagens especiacuteficas aplicadas ao ensino
iii Estudo os processos de organizaccedilatildeo do trabalho
pedagoacutegico gestatildeo e coordenaccedilatildeo educacional
iv Estudo das relaccedilotildees entre educaccedilatildeo e a realidade
social do campo os contextos de trabalho as especificidades da regiatildeo
do Semi-Aacuterido e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees
do campo (UFRN 2010 p 10)
73
No ponto ―IV do Nuacutecleo de estudos baacutesicos observa-se um eixo bem delimitado no
que concerne a formaccedilatildeo do sujeito em consonacircncia com sua realidade Jaacute dialogamos sobre a
importacircncia dessa associaccedilatildeo entre trabalho e cultura tatildeo significativa agrave Educaccedilatildeo do Campo
e agrave Pedagogia Paulo Freire
A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com
ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento
proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica
em que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem
absolutizar-se fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-
o a julgar o seu mundo algo que apenas se acha (FREIRE 1983 p42)
Desse modo a leitura dos processos produtivos e dos processos culturais formadores
dos sujeitos que vivem dono campo eacute entendida como tarefa fundamental no projeto poliacutetico
e pedagoacutegico da Educaccedilatildeo do Campo Esse eixo de estudos busca situar e datar os
componentes do curso na atualidade
Uma das dificuldades dos cursos que trabalham com a Pedagogia da Alternacircncia eacute a
ausecircncia em parte do corpo docente de uma maior afinidade poliacutetica ideoloacutegica com as
questotildees especiacuteficas do curso A ausecircncia dessa interaccedilatildeo acarreta comprometimentos quanto
agrave viabilizaccedilatildeo e operacionalizaccedilatildeo praacutetica da proposta pedagoacutegica escrita (RIBEIRO et al
2010) Eacute um ponto da Pedagogia da Alternacircncia que tem sido pensado e repensado uma vez
que as visitas dos professores agraves comunidades dos estudantestrabalhadores tem se
operacionalizado de forma bastante limitada Esse ponto externa uma preocupaccedilatildeo que
compromete os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo da Alternacircncia da Pedagogia Paulo Freire
e da Educaccedilatildeo Popular como um todo
A busca pelos professores e professoras para trabalhar no curso foi estrateacutegica Em
boa medida os docentes gozavam de boa experiecircncia com a extensatildeo universitaacuteria o que
significa certa capacidade de dialogar com o ementaacuterio das disciplinas
A indicaccedilatildeo dos professores seraacute assumida pela Coordenaccedilatildeo do Curso
considerando preferencialmente a vinculaccedilatildeo formal com o Departamento
de Educaccedilatildeo e demais departamentos das licenciaturas da UFRN e a atuaccedilatildeo
docente e investigativa nas aacutereas relacionadas com o ementaacuterio do referido
curso (UFRN 2010 p 26-27)
As disciplinas trabalhadas no Nuacutecleo de estudos baacutesicos podem ser vistas conforme a
tabela a baixo
74
Periacuteo
do Coacutedigo Disciplinas
C
R
C
H
CH
Presenc
ial
CH
Viven
cial
CH
Praacutet
ica
2007
1
EDU00
46 Introduccedilatildeo ao Trabalho Cientiacutefico 2 30 25 5 -
EDU00
47
Introduccedilatildeo agrave Leitura de textos
imagens e meios eletrocircnicos 8
12
0 100 20 -
2007
2
EDU00
37 Fundamentos de Filosofia do Conhecimento 4 60 45 15 -
EDU00
96
Dimensatildeo Soacutecio-Antropoloacutegica do Ser
Humano 4 60 45 15 -
EDU00
41 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -
EDU00
43 Histoacuteria na Escola 4 60 45 15 -
EDU00
59
Sociologia dos Movimentos Sociais e
Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -
2008
1
EDU00
42 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo no Brasil 4 60 45 15 -
EDU00
40 Gestatildeo democraacutetica na Escola 4 60 45 15 -
EDU00
51
Organizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo
Brasileira 4 60 45 15 --
EDU00
38 Geografia na Escola 4 60 45 15 -
2008
2
EDU00
23 Dimensatildeo Psicoloacutegica da Aprendizagem 4 60 45 15 -
EDU00
62
Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo Popular
(Paulo Freire) 4 60 45 15 -
EDU00
25 Dimensatildeo Psicoloacutegica do Homem 4 60 45 15
EDU00
81
Teacutecnicas de Elaboraccedilatildeo de
Projetos Educacionais 4 60 45 15
EDU00
60 Tecnologias do Campo na Escola 4 60 45 15
2010
2
EDU00
61
Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo (outros
pedagogos) 4 60 45 15
EDU00
53
Planejamento Escolar e Projeto
Pedagoacutegico 4 60 45 15
EDU00
19
Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da
linguagem ndash Portuguecircs 4 60 45 15
EDU00
18
Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da
linguagem ndash Matemaacutetica 4 60 45 15
2011
1
EDU00
39
Gerenciamento de Atividades
Educacionais 4 60 45 15
EDU00
48 Liacutengua Portuguesa na Escola 4 60 45 15
EDU00
49 Matemaacutetica na Escola 4 60 45 15
2011
2
EDU00
35
Elaboraccedilatildeo de Material Didaacutetico
(teoria + praacutetica) 4 90 45 15
EDU00
21 Ciecircncias Naturais na Escola 4 60 45 15
Fonte UFRN (2010)
75
No segundo eixo Nuacutecleo de Aprofundamento e Diversificaccedilatildeo de Estudos se
percebe um grande enfoque naquilo que podemos chamar de ―questatildeo de nossa eacutepoca
(FREIRE 1983) ou questotildees ―transversais Satildeo temaacuteticas que nos remetem a diversidade
cultural tatildeo em pauta hoje em dia
1 Educaccedilatildeo de jovens e adultos
2 Educaccedilatildeo infantil
3 Educaccedilatildeo e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees do
campo
4 Educaccedilatildeo ambiental
5 Educaccedilatildeo e pluralidade cultural
6 Educaccedilatildeo para sauacutede e educaccedilatildeo sexual
7 Educaccedilatildeo especial
8 Temas especiacuteficos alternativas educacionais para o campo questatildeo
agraacuteria cooperativismo e semi-aacuterido (UFRN 2010 p 10)
A par disso eacute vaacutelido salientar o pioneirismo da Pedagogia Paulo Freire no tocante a
essas questotildees Mesmo antes de todos esses temas virem agrave tona Freire jaacute formulava a
Pedagogia do Oprimido que de forma astuta pensou uma pedagogia cujo assento eacute o grupo de
oprimidos ou seja adultos natildeo alfabetizados pessoas com deficiecircncias povos tradicionais
direitos das mulheres Direitos Humanos e outros A pedagogia do oprimido apresenta ao
mundo todos os sujeitos que vivem agrave margem da cultura erudita e hegemocircnica Paulo Freire
chama a atenccedilatildeo para a riqueza da produccedilatildeo cultural desses sujeitos Em boa medida esses
conhecimentos estatildeo hoje sintetizados no multiculturalismo
Desse modo percebemos que haacute uma evidente contribuiccedilatildeo do pensamento freireano
no tocante a organizaccedilatildeo do Pano de Trabalho do Curso Pedagogia da Terra da UFRN A
seguir apresentamos o quadro de disciplinas que compotildeem o Nuacutecleo de Aprofundamento e
Diversificaccedilatildeo de Estudos
Periacuteo
do Coacutedigo Disciplinas
C
R
C
H
CH
Presenc
ial
CH
Viven
cial
CH
Praacutet
ica
2007
1
EDU00
56 Seminaacuterio I ndash A questatildeo Agraacuteria 4 60 40 20 -
EDU00
55
Seminaacuterio II ndash Alternativas Educacionais no
Campo 4 60 40 20 -
2008
1
EDU00
82 Seminaacuterio III ndash O Semi- Aacuterido 4 60 45 15 -
2010 EDU00 Seminaacuterio IV ndash Cooperativismo 4 60 45 15 -
76
2 57
2011
1
EDU00
29 Educaccedilatildeo Ambiental 4 60 45 15 -
2011
2
EDU00
27
Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e
Processo de Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -
EDU00
30 Educaccedilatildeo Especial 4 60 45 15 -
EDU00
20 Artes e Corporeidade na Escola 4 60 45 15 -
2012
1
EDU00
28
Educ de Jovens e Adultos e Processo de Poacutes-
Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -
EDU00
32 Educaccedilatildeo para Sauacutede e Orientaccedilatildeo Sexual 4 60 45 15 --
EDU00
31 Educaccedilatildeo Infantil 4 60 45 15 -
EDU00
33
Educaccedilatildeo Eacutetica e Pluralidade
Cultural 4 60 45 15 -
EDU00
87
Liacutengua Brasileira de Sinais ndash
LIBRAS 4 60 45 15 -
Fonte UFRN (2010)
A uacuteltima parte dos nuacutecleos de estudos refere-se aos Estudos Integradores que satildeo
a Realizaccedilatildeo de oficinas e participaccedilatildeo em eventos culturais artiacutesticos e
cientiacuteficos
b Exerciacutecio profissional em acircmbitos escolares e natildeo-escolares articulando saber
acadecircmico pesquisa e praacutetica educativa (UFRN 2010 p10)
Periacuteo
do Coacutedigo Disciplinas
C
R
C
H
CH
Presenc
ial
CH
Vivenci
al
CH
Praacutet
ica
2007
1
EDU00
45
Introduccedilatildeo ao Estudo da Realidade
Local (teoria+praacutetica) 4 60 15 45 45
EDU00
64 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural I - 15 - 15 15
EDU00
65 Oficina de Praacuteticas Formativas I - 15 15 - 15
2007
2
EDU00
58
Sistema Educacional e
Organizaccedilatildeo Escolar (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
66 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural II - 15 - 15 15
EDU00
67 Oficina de Praacuteticas Formativas II - 15 15 - 15
2008
1
EDU00
50
Observaccedilatildeo na escola ndash sala de
aula (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
68
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
III - 15 - 15 15
EDU00 Oficina de Praacuteticas Formativas III - 15 15 - 15
77
69
2008
2
EDU00
44 Introduccedilatildeo agrave Pesquisa (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
70
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
IV - 15 - 15 15
EDU00
71 Oficina de Praacuteticas Formativas IV - 15 15 - 15
2010
2
EDU00
52 Pesquisa I (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
72 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural V - 15 - 15 15
EDU00
73 Oficina de Praacuteticas Formativas V - 15 15 - 15
2011
1
EDU00
95 Estaacutegio Supervisionado I
10
0 15 85 85
EDU00
74
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
VI - 15 - 15 15
EDU00
75 Oficina de Praacuteticas Formativas VI - 15 15 - 15
2011
2
EDU00
97 Estaacutegio Supervisionado II
20
0 - 200 200
EDU00
98
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
VII - 10 - 10 10
EDU00
77 Oficina de Praacuteticas Formativas VII - 15 15 - 15
2012
1
EDU00
63
Trabalho de Conclusatildeo de Curso
(praacutetica) - 90 - 90 90
EDU00
79
Oficina de Praacuteticas Formativas
VIII - 15 15 - 15
EDU00
80 Congresso de Encerramento - 45 - 45 45
Fonte UFRN (2010)
Essa ultima parte pode-se considerar como a reta final do Curso Os estudantes
trabalharam atividades voltadas agrave culminacircncia como as Oficinas Formativas os Estaacutegios
supervisionados e o Trabalho de Conclusatildeo de Curso (UFRN 2010)
Os trecircs nuacutecleos centrais do curriacuteculo dialogam em grande parte com as necessidades
da formaccedilatildeo dos sujeitos do campo mas tambeacutem com os princiacutepios da Pedagogia Paulo
Freire sobretudo o diaacutelogo tatildeo caro no mundo dos ―pacotes prontos
Eacute preciso que a educaccedilatildeo esteja ndash em seu conteuacutedo em seus programas e em
seus meacutetodos ndash adaptada ao fim que se persegue permitir ao homem chegar a
ser sujeito construir-se como pessoa transformar o mundo estabelecer com
os outros homens relaccedilatildeo de reciprocidade fazer a cultura e a histoacuteria
(FREIRE 1980 p 39)
Aleacutem desses trecircs eixos norteadores destacamos a importacircncia de outras trecircs partes
fundamentais na organizaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica quais sejam (I) Instrumento de
78
integraccedilatildeo e conhecimento do aluno com a realidade social econocircmica e do trabalho de sua
aacutereacurso (II) Instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao ensino (III) Instrumento de praacutetica
profissional (UFRN 2010)
Instrumento de integraccedilatildeo do estudante com a realidade social e econocircmica (I)
―se organiza principalmente no acircmbito das praacuteticas de ensino e possibilita a interlocuccedilatildeo com
os referenciais teoacutericos do curriacuteculo Seraacute iniciada nos primeiros anos do curso e
acompanhada pela coordenaccedilatildeo (UFRN 2010 p 11)
Esse nuacutecleo de disciplinas eacute de fundamental importacircncia uma vez que pretende
aproximar e contextualizar oa estudante dentro da realidade social poliacutetica e econocircmica do
paiacutes Para Freire (2011) o ser humano precisa ―ser situado e datado ou seja o ser humano
precisa conhecer e reconhecer o lugar e o momento histoacuterico no qual se encontra para ser
capaz de agir conscientemente na transformaccedilatildeo da realidade
Menezes e Santiago (2010 p 398) falando sobre a contribuiccedilatildeo do pensamento de
Paulo Freire na construccedilatildeo do curriacuteculo criacutetico apontam que
Os estudantes compreendem suas relaccedilotildees com o mundo natildeo maiscomo real
idade estaacutetica mas como uma realidade em transformaccedilatildeo em processo e de
ssa forma satildeo estimulados a um enfrentamento da realidade como seres da p
raacutexis que sendo reflexatildeo e accedilatildeo eacute verdadeiramente transformadora da realid
ade
Natildeo podemos perder de vista a dimensatildeo criacutetica do processo nem tampouco esquecer
a complexidade da sociedade a qual estamos imersos ou seja uma sociedade de economia
capitalista cuja dinacircmica capitalista gira em torno da dominaccedilatildeo de classe (SILVA 2011)
A modalidade de Praacuteticas Pedagoacutegicas com instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao
ensino (II) pretende articular a teoria com a praacutetica Considera que a formaccedilatildeo profissional
natildeo se desvincula da praacutetica de exercitar a curiosidade que reflete e problematiza a realidade
gerando a partir daiacute projetos de pesquisa capazes de propiciar a iniciaccedilatildeo agrave pesquisa
educacional (id ibid p 11)
A necessidade da intersecccedilatildeo entre a teoria e a praacutetica eacute uma premissa singular a todo
processo educativo defendido exaustivamente tanto como caminho para formaccedilatildeo
permanente de educandos (FREIRE 1991) como para a transformaccedilatildeo do mundo Para
79
pensadores criacuteticos como Marx Gramsci Paulo Freire Apple e outros ―A questatildeo da
coerecircncia entre a opccedilatildeo proclamada e a praacutetica eacute uma das exigecircncias que educadores criacuteticos
fazem a si mesmo Eacute que sabem muito bem que natildeo eacute o discurso o que ajuiacuteza a praacutetica mas a
praacutetica que ajuiacuteza o discurso (FREIRE 2005 p 25)
Associamos a esse momento a praacutexis educativa de Paulo Freire que eacute o resultado da
accedilatildeo e da reflexatildeo porem a accedilatildeo-reflexatildeo sobre o mundo como afirma Freire (2011) natildeo eacute
simples teorizaccedilatildeo e nem simples ativismo eacute a capacidade de agir criticamente sobre esse
mundo A praacutexis eacute um processo dialoacutegico onde saberes satildeo trocados conjuntamente na busca
da construccedilatildeo de um novo saber O pensar jamais poderaacute se afastar da realidade em que se
materializa natildeo bastando interpretar o mundo mas sobretudo transformaacute-lo
Assim esse quadro de disciplinas cujo foco eacute no ensino e na pesquisa contribui de
forma profiacutecua com a busca dos educandos por melhor entenderem sua realidade e sua
eventual transformaccedilatildeo
No uacuteltimo eixo de disciplinas ldquoInstrumento de praacutetica profissionalrdquo (III) observa-
se a ocorrecircncia dos estaacutegios De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de
Trabalho essa atividade
Deve ocorrer junto agraves escolas e unidades educacionais nas atividades de
observaccedilatildeo regecircncia ou participaccedilatildeo em projetos como um ―saber fazer
que busca orientar-se por teorias pedagoacutegicas para responder agraves demandas
colocadas pela praacutetica pedagoacutegica Estaratildeo presentes desde os primeiros
anos do curso configurando a praacutetica pedagoacutegica necessaacuteria ao exerciacutecio
profissional O exerciacutecio efetivo das atividades como professor coordenador
ou gestor de programas educacionais seraacute considerado como parte dessa
modalidade Compreende 300 horas (Estaacutegio Supervisionado I e II) em
consonacircncia com artigo 7ordm aliacutenea II da Resoluccedilatildeo 012006 ndash CNECP
(UFRN 2010 p 11)
A busca pela praacutexis educativa eacute tambeacutem a busca pela aproximaccedilatildeo do outro
procurando articular os diferentes saberes O estaacutegio possibilita um dos momentos mais ricos
em experiecircncias e troca de saberes de todo o curso pois busca diminuir a distacircncia entre os
conteuacutedos trabalhados na Universidade e as vivecircncias do cotidiano escolar (UFRN 2010)
Por fim reafirmamos a importacircncia de um curriacuteculo pensado a partir da realidade das
necessidades sociais e das transformaccedilotildees ensejadas Como monitor que fomos podemos
afirmar que o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
80
natildeo eacute perfeito sobretudo do ponto de vista operacional muita coisa mudou no decorrer dos
anos mudanccedilas de espaccedilos mudanccedilas na coordenaccedilatildeo saiacuteda de estudantes mudanccedilas no
cronograma entre outros Os efeitos dessas ocorrecircncias apenas outras pesquisas nos diratildeo22
Tivemos como objetivo analisar a contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire ao curriacuteculo do
Curso justamente por entender que cursos dessa natureza necessitam de grande aproximaccedilatildeo
e afinidade com os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo e da Pedagogia Paulo Freire ambas as
concepccedilotildees amalgamadas nos princiacutepios da Educaccedilatildeo Popular progressista
Figur
a IIV Concluintes 2012 ndash Turma Florestan FernandesPedagogia da Terra UFRN
22 Sobre os horizontes dos educandos do Curso de Pedagogia da Terra ver Hilario e Azevedo (2011)
disponiacutevel em httpwwwieppecpb2011xpgcombrconteudoGTsGT20-200710pdf
81
5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO
O tema abordado nesta pesquisa emerge de um campo promissor e de grande debate
na contemporaneidade Embora seja um tema que ainda requer muita reflexatildeo e pesquisa
podemos dizer que a temaacutetica da educaccedilatildeo dos povos do campo eacute hoje uma questatildeo em pauta
nacionalmente
Reconhecendo a importacircncia da Educaccedilatildeo do Campo propusemo-nos a pensar e
refletir sobre ―qual a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo
do Campo e numa esfera mais ampla e de forma mais recortada se ―eacute possiacutevel evidenciar
no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte ―recorte e retalhos da Pedagogia de Paulo Freire Imersos nessa problemaacutetica
buscamos analisar o pensamento de Freire dentro dos documentos oficiais que norteiam o
curso
Pensar o sujeito enquanto humano que se transforma e transformando-se transforma o
mundo ao passo que por ele eacute transformado eacute uma contribuiccedilatildeo louvaacutevel natildeo somente ao
campo da Educaccedilatildeo do Campo mas ao paradigma da formaccedilatildeo humana como um todo Freire
desloca o homem do perifeacuterico para o centro das decisotildees natildeo num sentido egoiacutesta supremo
mas num sentido de comunhatildeo com o mundo e com o outro
Comecemos por afirmar que somente o homem como um ser que trabalha
que tem um pensamento-linguagem que atua e eacute capaz de refletir sobre si
mesmo e sobre a sua proacutepria atividade que dele se separa somente ele ao
alcanccedilar tais niacuteveis se faz um ser da praacutexis Somente ele vem sendo um ser
de relaccedilotildees num mundo de relaccedilotildees [] Desprendendo-se do seu contorno
veio tornando-se um ser natildeo da adaptaccedilatildeo mas da transformaccedilatildeo do
contorno um ser de decisatildeo [] (FREIRE 1992 p 39)
Baseado nessa concepccedilatildeo iniciamos este trabalho explicitando ―o lugar de onde
falo pois entendemos que cada ser humano precisa ser entendido em seus muacuteltiplos
condicionamentos precisa ser ―situado e datado desse modo uma compreensatildeo puramente
academicista seria demasiadamente reducionista Ainda que pareccedila pouco cientiacutefico
entendemos que as experiecircncias das pessoas estatildeo diretamente ligadas a psicologia social que
tem determinantes em toda a nossa vida Por isso achamos salutar dizer um pouco do que
somos mas sobretudo dialogar tambeacutem sobre o porquecirc de sermos o que somos
82
Nessa caminhada dialogamos acerca da necessidade de superaccedilatildeo do paradigma da
Educaccedilatildeo Rural e construccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo como alternativa viaacutevel aos povos do
campo Trabalhamos o entendimento da Educaccedilatildeo Rural como a histoacuteria nos apresentou ou
seja um modelo calcado na exploraccedilatildeo do trabalho humano o que configura uma visatildeo
utilitarista e preconceituosa da vida e dos sujeitos do campo Ao mesmo tempo tratamos de
apresentar a Educaccedilatildeo do Campo como uma vertente que melhor se aproxima das
experiecircncias do trabalho e da vida praacutetica dos agricultores e agricultoras Todo o diaacutelogo
sobre as diferentes formas de pensar a educaccedilatildeo dos povos do campo foi atravessado pelo
pensamento de Paulo Freire que teceu toda a construccedilatildeo dessa obra
Pensar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire para o atual debate em torno da Educaccedilatildeo do
Campo eacute uma tarefa instigante sobretudo porque evidenciamos um grande pioneirismo do
Patrono da educaccedilatildeo brasileira quanto a algumas temaacuteticas abordadas hoje pela Educaccedilatildeo do
Campo Debater a importacircncia da realidade ou seja do trabalho e da vida praacutetica como
motor capaz de gerar conhecimentos e mais gerar um curriacuteculo eacute sem duacutevida uma bandeira
do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo que tem origem no pensamento de Paulo Freire
Nessa mesma caminhada explicitamos algumas consideraccedilotildees acerca da Pedagogia da
Alternacircncia e seus propoacutesitos junto a Educaccedilatildeo do Campo Dentro de uma concepccedilatildeo
metodoloacutegica situamos a Alternacircncia dentro de uma vertente multicultural como uma
alternativa curricular que se aproxima das concepccedilotildees progressistas que reclamam uma
organizaccedilatildeo oacutetica mais humana e respeitosa
Continuamos nosso debate discorrendo sobre Educaccedilatildeo do Campo e buscando onde
ela se afina com a Pedagogia Paulo Freire Observamos que em muitos momentos haacute um
entrelaccedilamento entre as duas concepccedilotildees como procuramos exemplificar no desenho criado
por noacutes Nessa pesquisa encontramos uma luta histoacuterica dos povos oprimidos pela busca dos
seus direitos e no mesmo sentido encontramos tambeacutem classes dominantes que ao longo da
histoacuteria perpetuaram seus privileacutegios mantendo uma cultura elitista que estratificando a
sociedade engessa os avanccedilos necessaacuterios
Na quarta parte do trabalho buscamos refletir sobre a inserccedilatildeo do Curso de Pedagogia
da Terra da UFRN no espaccedilo acadecircmico como algo de singular importacircncia Dissertamos
sobre os momentos perpassados pelo curso durante sua realizaccedilatildeo Como se deu o dia a dia
83
dentro da universidade as dificuldades os esforccedilos os preconceitos tudo isso foi canalizado
como forma de entender essa inserccedilatildeo como um ato de ―rebeldia e uma conquista do povo do
campo do Rio Grande do Norte
Eacute nesse sentido de luta e rebeldia que situamos a Pedagogia Paulo Freire dentro da
discussatildeo da Educaccedilatildeo do Campo e do Curso de Pedagogia da Terra A contribuiccedilatildeo de Freire
costura esse trabalho do iniacutecio ao fim Aponta diretrizes e caminhos para a tessitura dessa
dissertaccedilatildeo que eacute tanto teoacuterica quanto praacutetica eacute tanto a segunda quanto a primeira eacute diaacutelogo
eacute pois praacutexis educativa
Por fim buscamos analisar o curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra agrave luz da
contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire Concluiacutemos que haacute uma forte influecircncia da
concepccedilatildeo freireana na Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho
A Pedagogia Paulo Freire e a Educaccedilatildeo do Campo que satildeo atravessadas pela
concepccedilatildeo de educaccedilatildeo dialoacutegica e libertadora satildeo colocadas nesse trabalho como a busca
pelo diaacutelogo constante com o outro Uma educaccedilatildeo ―que se predispusesse a constantes
revisotildees A anaacutelise criacutetica de seus ―achados A uma certa rebeldia no sentido mais humano
da expressatildeo (FREIRE 1983 p 90)
Por fim esta pesquisa nos permitiu refletir sobre o pensamento de Paulo Freire na
contemporaneidade Percebemos o quatildeo atual ele continua e como nos permite compreender
de forma ampla e completa questotildees sociais que permeiam a sociedade A praacutexis educativa de
Paulo Freire assim como o Materialismo Histoacuterico-dialeacutetico continua dando conta de forma
satisfatoacuteria das anaacutelises e mudanccedilas que as questotildees de nossa eacutepoca ensejam
Por uacuteltimo reconhecemos a importacircncia dos cursos de educaccedilatildeo do campo como de
importacircncia singular pois muito mais que a possibilidade de melhoria econocircmica significa
tambeacutem um reparo social e uma conquista do ponto de vista soacutecio-histoacuterico Tivemos a
oportunidade de refletirmos sobre o Curso de Pedagogia da Terra e como a Pedagogia Paulo
Freire pode contribuir com essa formulaccedilatildeo Sabemos que hoje haacute em todo o Brasil diversos
cursos que gozam desse mesmo caraacuteter reconhecemos que satildeo fundamentais poreacutem
reconhecemos que existe uma tendecircncia em tornar essas experiecircncias em ―moda Por
entender que Educaccedilatildeo do Campo eacute um movimento histoacuterico da classe trabalhadora eacute que
84
defendemos que esse paradigma precisa ter em seu acircmago os princiacutepios revolucionaacuterios da
Pedagogia Paulo Freire
85
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httpportal2tcugovbrTCU Acesso em 22 marccedilo de 2013
92
ANEXOS
93
94
S586e Silva Filho Luiz Gomes da Educaccedilatildeo do campo e pedagogia Paulo Freire na atualidade
um olhar sobre o curriacuteculo do curso de Pedagogia da Terra da UFRN Luiz Gomes da Silva Filho-- Joatildeo Pessoa 2014
90f il Orientadora Rita de Cassia Cavalcanti Porto Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - UFPBCE 1 Educaccedilatildeo 3 Educaccedilatildeo do campo 4 Pedagogia Paulo
Freire 5 Pedagogia da Terra 5 Curriacuteculo UFPBBC CDU 37(043)
4
LUIZ GOMES DA SILVA FILHO
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA ATUALIDADE
UM OLHAR SOBRE O CURRIacuteCULO DO CURSO PEDAGOGIA DA TERRA DA
UFRN
Aprovado em ________2014
Banca examinadora
______________________________________________________
Professora Drordf Rita de Cassia Cavalcanti Porto ndash Orientadora (PPGEUFPB)
______________________________________________________
Professor Dr Severino Bezerra da Silva (PPGEUFPB)
______________________________________________________
Professora Drordf Gloacuteria das Neves Dutra Escariatildeo ndash Examinadora externa (PPG-CRUFPE)
5
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo a Deus pelo dom da vida por guiar meus passos e me conduzir pelo
caminho do certo ao lado dos oprimidos
Agrave minha matildee Francisca Maria Terto (Dona Tecirc) e ao meu pai Luiz Gomes da Silva
(Seu Lucas) pelo incentivo constante e ajuda frequente Aos meus irmatildeos e irmatildes pelo
simples fato de existirem e colorirem o mundo
Agrave minha companheira Linda Carter pela presenccedila constante ao meu lado e sua
famiacutelia por me fazerem sentir-se em casa mesmo longe dos meus parentes
Agrave minha orientadora Professora Doutora Rita de Cassia Cavalcanti Porto por ser
antes de tudo humana tatildeo raro hoje em dia por acreditar neste trabalho orientar de forma
profiacutecua eacutetica com rigorosidade mas sobretudo com amorosidade Serei sempre grato
Ao Grupo de Estudos da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) pelas conversas
orientaccedilotildees e sobretudo pelo humanismo
Ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo da Universidade Federal da Paraiacuteba e
aos professores que em muito contribuiacuteram com minha formaccedilatildeo em especial ao Professor
Doutor Severino Bezerra Silva que deteacutem meu respeito e grande admiraccedilatildeo
Agrave banca examinadora como um todo pelas contribuiccedilotildees ao trabalho e seriedade
Agrave Universidade Federal da Paraiacuteba pelo acolhimento em um momento tatildeo adverso e
pela oportunidade de realizaccedilatildeo do curso de Mestrado
Aos educandos e educandas do Curso de Pedagogia da UFRN com quem tive o prazer
de conviver dialogar e que de forma direta ou indireta contribuiacuteram com este trabalho
A todos os meus amigos e amigas que de forma sempre positiva me apoiaram
6
RESUMO
Esta dissertaccedilatildeo tem como objetivo geral compreender as contribuiccedilotildees da Pedagogia
Paulo Freire no atual debate da Educaccedilatildeo do Campo como recorte analiacutetico temos o
Curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte Analisa assim as aproximaccedilotildees que se tem hoje entre o Movimento Por Uma
Educaccedilatildeo do Campo e a Pedagogia Paulo Freire Entre as teacutecnicas de pesquisa optamos por
uma aprofundada revisatildeo bibliograacutefica e anaacutelise documental cujo objetivo reside na busca
pelo entendimento amplo de questotildees complexas e abrangentes de nossa eacutepoca Como
resultado alcanccedilado apresentamos algumas reflexotildees sobre a formulaccedilatildeo da Estrutura
curricular do curso supracitado e a presenccedila de princiacutepios da Pedagogia Paulo Freire nesse
curriacuteculo A temaacutetica pesquisada se insere nos objetivos do Grupo de Pesquisa da Pedagogia
Paulo Freire da Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPFUFPB) que busca dialogar sobre
as contribuiccedilotildees da pedagogia freireana em diversos espaccedilos
Palavras-chaves Educaccedilatildeo do Campo Pedagogia Paulo Freire Pedagogia da Terra
Curriacuteculo
4
RESUMEN
Esta disertacioacuten tiene como objetivo general comprender las contribuciones de la
Pedagogiacutea de Paulo Freire en el actual debate de la Educacioacuten del Campo Como guiacutea
analiacutetico tenemos el curriacuteculo del Curso de Pedagogiacutea de la Tierra de la Universidade
Federal do Rio Grande do Norte Se analiza asiacute los acercamientos que se tiene hoy entre el
Movimiento Por Una Educacioacuten del Campo y la pedagogiacutea Paulo Freire De las teacutecnicas de
pesquisa optamos por una profundizada revisioacuten bibliograacutefica y anaacutelisis documental cuyo
objetivo reside en la buacutesqueda por el amplio entendimiento de cuestiones complejas y
extensivas de nuestra eacutepoca Como resultado alcanzado presentamos algunas reflexiones
acerca de la formulacioacuten de la Estructura Curricular del curso anteriormente citado y la
presencia de principios de la Pedagogiacutea Paulo Freire en ese curriacuteculo La temaacutetica
pesquisada se inserta en los objetivos del Grupo de Pesquisa de la Pedagogiacutea Paulo Freire de
la Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPUFPB) que busca dialogar sobre las
contribuciones de la Pedagogiacutea freireana en diversos espacios
PALABRAS CLAVE Educacioacuten del Campo Pedagogiacutea Paulo Freire Pedagogiacutea de la
Tierra curriacuteculo
5
QUADRO DE ILUSTRACcedilOtildeES
Figura I Regiatildeo do SeridoacuteRN
8
Figura II Lagoa NovaRN
9
Figura III Entrelaccedilamento entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire
59
Figura IV Angicos nos dias de hoje (2014)
62
Figura V AngicosRN
64
Figura VI Experiecircncia de AngicosRN
65
Figura IIV Turma Florestan Fernandes ndash PedagogiaUFRN
85
LISTA DE SIGLAS
ANFOPE - Associaccedilatildeo Nacional pela Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo
COMPERVE ndash Comissatildeo Permanente de Vestibular
CONAE - Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo
CONSEPE ndash Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensatildeo
CNBB - Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil
CPT - Comissatildeo Pastoral da Terra
DCE - Diretoacuterio Central dos Estudantes
DCN ndash Diretrizes Curriculares Nacionais
ENERA - Encontro Nacional de Educadores e Educadoras na Reforma Agraacuteria
GEPPC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares
GEPPF - Grupo de Estudos e Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
INCRA - Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria
IPEA - Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada
MEPF - Ministeacuterio Extraordinaacuterio da Poliacutetica Fundiaacuteria
MSC ndash Movimentos Sociais do Campo
MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
PNE - Plano Nacional de Educaccedilatildeo
PROBAacuteSICA - Programa de Qualificaccedilatildeo Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica
PRONERA - Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria
PSDB - Partido da Social Democracia Brasileiro
PT - Partido dos Trabalhadores
SUDENE - Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste
SUPRA - Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria
TRAMSE - Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo
4
UFC ndash Universidade Federal do Cearaacute
UFG ndash Universidade Federal de Goiaacutes
UFMG ndash Universidade Federal de Minas Gerais
UFPB - Universidade Federal da Paraiacuteba
UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UNB - Universidade de Brasiacutelia
UNE - Uniatildeo Nacional dos Estudantes
UNESCO - Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo a Ciecircncia e a Cultura
UNICEF - Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia
SUMAacuteRIO
1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O
ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO 7
11 O LUGAR DE ONDE FALO 7
12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES 11
13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR 16
14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO COMO
SUPORTE PARA ESSE ESTUDO E A PRAacuteXIS FREIREANA 18
2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO PRA
PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER 24
21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO EDUCACIONAL 24
22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA 29
23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO 37
24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS
CONHECIMENTO 43
25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS DA
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO 47
3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO
51
31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA FREIREANA AO ATUAL DEBATE DA
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM 53
32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA
PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO
NORTE58
4
4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIEcircNCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO
CAMPO NA UFRN64
41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO CURSO
DE PEDAGOGIA DA TERRA DA
UFRN70
5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO81
6 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS85
7 ANEXOS 92
7
1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O
ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO
Eacute preciso por outro lado salientar a situaccedilatildeo incocircmoda em
que se encontram intelectuais do Terceiro Mundo que
contemporacircneos de seus colegas do Primeiro Mundo com
eles discutem a poacutes-modernidade ao mesmo tempo em que
convivem em seus paiacuteses com a espoliaccedilatildeo desenfreada de um
capitalismo dependente perverso e atrasado
(FREIRE 2012 p 68)
11 O LUGAR DE ONDE FALO
A vontade e a necessidade de transgredir eacute sem duacutevida um dos maiores motivos que
me leva a formular estes escritos A busca pela construccedilatildeo de um pensamento autecircntico ainda
que reconhecendo todos os riscos de o fazer eacute parte do que nos move Nesse sentido duas
questotildees fundamentais nos orientam quais sejam primeiro qual a contribuiccedilatildeo da
Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo Segundo eacute possiacutevel
evidenciar no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte ldquorecorte e retalhosrdquo da Pedagogia de Paulo Freire
Partindo desses pressupostos inquietadores e sabendo que a educaccedilatildeo deve ser tratada
com extrema seriedade nos debruccedilamos nesse artesanato intelectual (MILLS 2009) com o
objetivo de colaborar com o Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo sobretudo naquilo
que se refere agrave contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire a esse movimento Conseguindo
avanccedilar o pouco que seja nesse debate tatildeo salutar e tatildeo caro estaremos em boa medida
contemplados Nesse primeiro momento trago algumas experiecircncias que me foram tanto
singulares como significativas Por isso mesmo escrevo em primeira pessoa do singular
Nessas primeiras palavras busco a boniteza da expressatildeo de Paulo Freire (2012 p 25)
para iniciar a tessitura desta autobiografia ―de uma geraccedilatildeo que cresceu em quintais nasci
na cidade de Lagoa Nova Regiatildeo do Seridoacute no Estado do Rio Grande do Norte no mecircs de
outubro do ano de 1986
8
Figura I ndash Regiatildeo do SeridoacuteRN
Lagoa Nova eacute uma cidade com caracteriacutesticas tipicamente de interior onde as ―esferas
da existecircncia humana1 se inter-relacionam de forma mais segregada Com uma populaccedilatildeo de
13983 habitantes de acordo com o uacuteltimo censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatiacutesticas (IBGE 2010) essa populaccedilatildeo divide-se quase que simetricamente entre zona
rural e zona urbana Isso tanto tem influecircncia na identidade da Cidade como representa um
fenocircmeno social que por si jaacute merece uma reflexatildeo entretanto natildeo eacute nessa temaacutetica que
reside nosso foco
Figura II ndash Lagoa NovaRN
1 As esferas da existecircncia humana eacute um esquema pensado por Antocircnio Joaquim Severino (1994) em sua obra
―Filosofiardquo em que ele apresenta a Praacutetica Social a Praacutetica Simbolizadora e a Praacutetica Produtiva como uma
engrenagem que gira na frequumlecircncia diretamente proporcional a dinamicidade da sociedade ou grupo social
9
Com um clima extremamente agradaacutevel a cidade tem como base econocircmica a
Agricultura Familiar2 que por sua vez aquece um importante mercado interno sobretudo no
periacuteodo de novembro a marccedilo periacuteodo em que se evidencia a colheita do caju e da castanha
ou simplesmente ―safra do caju Aleacutem da agricultura e do comeacutercio o emprego puacuteblico
garante a complementaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da economia dessa cidade Embora haja outros
modos de complementaccedilatildeo agrave economia a agricultura desempenha papel iacutempar no que diz
respeito ao desenvolvimento da cidade O clima propiacutecio e a terra feacutertil satildeo propulsores de
uma agricultura baseada na pequena propriedade e na diversidade de culturas
Com o lema ―se plantando tudo daacute a regiatildeo serrana apresenta uma prova mais que
concreta de que o desenvolvimento de uma regiatildeo e o bem estar da populaccedilatildeo camponesa
passa diretamente por uma distribuiccedilatildeo de terras para os trabalhadores e trabalhadoras a
rotatividade de culturas e a preservaccedilatildeo do meio ambiente3 princiacutepios que claramente se
aproximam da economia solidaacuteria francamente enfatizada por Singer (2002) assim como
pelos movimentos sociais uma vez que esse caminho eacute uma alternativa para o atual modelo
predatoacuterio de produccedilatildeo agriacutecola tradicional
A possibilidade de cultivar vasta diversidade de sementes e frutos que o solo orgacircnico
rico em huacutemus permite eacute admiraacutevel feijatildeo fava milho encabeccedilam os cereais caju pinha
jaca maracujaacute manga fazem parte do grupo das frutas aleacutem da mandioca que eacute mateacuteria
prima na fabricaccedilatildeo da farinha e outros derivados Outra abrangecircncia de gecircneros alimentiacutecios
como as hortaliccedilas irrigadas e a pecuaacuteria complementam a economia de Lagoa Nova
Quanto agraves questotildees poliacuteticas essa cidade goza dos viacutecios e vicissitudes que a grande
maioria da populaccedilatildeo brasileira enfrenta Aqui natildeo tenho interesse em detalhar passa a passo
essa questatildeo pois isso seria uma tarefa demasiadamente enfadonha e desnecessaacuteria ao nosso
objetivo Ainda assim eacute salutar ressaltar a grande heranccedila oligaacuterquica que eacute flagrante quando
remeto aos nossos representantes poliacuteticos Pequenos grupos se revezam agrave frente da
2 De acordo com Neves (2012) no Dicionaacuterio da Educaccedilatildeo do Campo esse eacute um termo de muacuteltiplas
conotaccedilotildees aqui ficamos com a definiccedilatildeo de um forma de se fazer agricultura diferenciando-se da agricultura
patronal Ou seja uma forma mais poliacutetica e solidaacuteria de se trabalhar a terra
3 Nos uacuteltimos anos um fenocircmeno vem contrariando essa afirmativa a derrubada dos cajueiros tem ocasionado
preocupaccedilotildees quanto ao equiliacutebrio do ambiente
10
administraccedilatildeo puacuteblica como se aquela lhes fosse inerente Como se aquele fosse um direito
advindo do berccedilo Entretanto aos poucos grupos de pessoas ainda que de forma muito
incipiente comeccedilam a se organizar no sentido de propor uma alternativa que fuja agrave diacuteade
partidaacuteria dantesca a qual parece natildeo haver saiacuteda
Satildeo os sabores e dissabores de se gostar de um lugar esse lugar me compotildee eacute siacutentese
de muitas e complexas relaccedilotildees Quando penso na minha cidade resgato Paulo Freire (2012)
quando falava do Recife e sua relaccedilatildeo de saudade para com esta cidade quando estivera no
exiacutelio Faccedilo minhas tais palavras
Quando penso nela penso quanto ainda temos de caminhar lutando para
ultrapassar estruturas perversas de espoliaccedilatildeo Por isso quando longe dela
estive dela a minha saudade jamais se reduziu a um choro triste a uma
lamentaccedilatildeo desesperada Pensava nela e nela penso como um espaccedilo
histoacuterico contraditoacuterio que me exige como a qualquer outro ou outra
decisatildeo tomada de posiccedilatildeo ruptura opccedilatildeo (FREIRE 2012 p34)
Essa breve descriccedilatildeo acerca do meu lugar tem como propoacutesito trazer agrave pesquisa o
cenaacuterio que me foi familiar durante meus primeiros 20 anos (1986-2007) e como essa
vivecircncia implica na minha formaccedilatildeo enquanto pesquisador Como bem estudou Vygotsky ndash
durante sua curta poreacutem brilhante carreira como pesquisador dos processos de
desenvolvimento humano ndash o meio eacute um fator preponderante para a formaccedilatildeo do sujeito
Portanto eacute inegaacutevel que essa cidade eacute parte importante daquilo ―que me move algo que me
constituiu e ainda me constitui Muito do que hoje penso sou ou quero ser tem ligaccedilatildeo direta
com esse periacuteodo com as experiecircncias e vivecircncias que me foram comuns agravequela eacutepoca Isso
alude ao pensamento marxista ao qual nos filiamos em entender o sujeito como sendo ele o
resultado de muacuteltiplos e complexos processos histoacutericos e sociais
Paulo Freire ao trazer agrave tona a importacircncia do lugar das pessoas suas vivecircncias e
experiecircncias como parte integrante da formaccedilatildeo humana do sujeito assim como apontar para
o lugar como produtor de conhecimentos e conteuacutedos me eacute fulcro de compactuaccedilatildeo e
arcabouccedilo teoacuterico e metodoloacutegico Ao me referir ao termo lugar gostaria que o entendimento
fosse aquele trabalhado pelo movimento da Educaccedilatildeo do Campo na contemporaneidade ou
seja como postula (CALDART Et Al 2012) o lugar como sendo constituinte do sujeito e de
sua historicidade natildeo como lugar de moradia tatildeo somente
11
12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES
De uma famiacutelia composta por oito pessoas pai matildee trecircs filhos e trecircs filhas certa vez
li em uma dessas revistas que o filho mais novo chamado caccedilula tem mais probabilidade de
se destacar e vir a ser um grande sujeito socialmente falando e ainda trazia algumas provas de
grandes nomes sobretudo da ciecircncia que se tornaram pessoas conhecidas mundialmente pelas
suas faccedilanhas e descobertas Entretanto sigo outra linha de raciociacutenio coloco-me numa
posiccedilatildeo mais racional e frontalmente de encontro a uma visatildeo platocircnica determinista e
meritocraacutetica de sucesso ―A igualdade de oportunidadelsquo eacute ponto importante da ideologia
capitalista pois garantiria aos mais capazes aos mais esforccedilados aos que trabalham durolsquo o
acesso agraves melhores posiccedilotildees (ROSSI 1980 p 71) Ora no meu caso ser o mais novo me
eximiu de uma eacutepoca natildeo muito remota na qual a condiccedilatildeo social da populaccedilatildeo brasileira era
bastante precaacuteria e o Ensino Superior privileacutegio restrito agrave classe dominante
Depois do esgotamento da Ditadura Militar inicia o periacuteodo chamado Nova Repuacuteblica
ou Transiccedilatildeo democraacutetica poreacutem Saviani (2008) chamou ―transiccedilatildeo conservadorardquo pois o
periacuteodo resguardou a velha formaccedilatildeo social advinda da classe dominante do periacuteodo
ditatorial
A transiccedilatildeo que se operou no Brasil se iniciou com a ―distensatildeo lenta
gradual e segura formulada em 1974 no Governo Geisel e prosseguiu com
a ―abertura democraacutetica a partir de 1979 no Governo Figueiredo
desembocando na Nova Repuacuteblica em 1985 que guindou a posiccedilatildeo de
presidente da Repuacuteblica o ex-presidente do partido de sustentaccedilatildeo do regime
militar (SAVIANI 2008 p 414)
Assim o periacuteodo esperanccediloso que se desenhara com o fim da Ditadura acabou
mantendo grande parte de sua formaccedilatildeo anterior uma vez que continuou a relaccedilatildeo opressor e
oprimido e a interminaacutevel exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo dos trabalhadores ainda que numa
relaccedilatildeo mais decantada e disfarccedilada com outras formas de dominaccedilatildeo e violecircncia Esse
cenaacuterio explica em boa medida as grandes dificuldades econocircmicas perpassadas no cotidiano
da populaccedilatildeo brasileira no periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo
Voltando agraves minhas experiecircncias entendo que se durante minha infacircncia natildeo enfrentei
grandes dificuldades devo isso agrave batalha de um agricultor que ―trabalhava alugado ou ―de
meia e a uma ―dona de casa lavadeira que depois passa a funcionaacuteria puacuteblica ou seja meu
pai e minha matildee Se fui o primeiro da minha famiacutelia a adentrar os altos e quase impenetraacuteveis
12
muros da universidade puacuteblica brasileira natildeo eacute porque sou o melhor dos meus irmatildeos sou na
verdade parte de uma estatiacutestica que aponta para a sensibilidade de um governo cujo foco
principal foi a aacuterea social e a educaccedilatildeo Uma vez coadunada essas duas aacutereas eu fui um dos
muitos jovens negros advindo da classe trabalhadora que foi contemplado por uma
importante poliacutetica soacutecio-educacional do entatildeo Governo Luiacutes Inaacutecio Lula da Silva (2002-2006
e 2006-2010) que tem como uma de suas bases a abertura e expansatildeo das universidades
puacuteblicas
Obviamente que a forccedila de vontade e os esforccedilos pessoais foram reais mas nunca fui
partidaacuterio do discurso meritocraacutetico e do Estado democraacutetico de direito que prega a igualdade
de oportunidade para todos transferindo agraves pessoas o ocircnus pelo seu fracasso social como se a
ascensatildeo dependesse exclusivamente da vontade individual do sujeito O pensamento liberal
afirma que a escola eacute igual para todos e que portanto cada um chega onde suas capacidades e
seu trabalho pessoal lhes permite (SACRISTAacuteN GOacuteMEZ 1998)
Ainda com o objetivo de entender ―o que me move e ―o que me constitui gostaria de
voltar ao relato da minha infacircncia Ainda pequeno moramos no Siacutetio4 Humaitaacute proacuteximo agrave
zona urbana espaccedilo que foi tomado pelo raacutepido crescimento que a cidade adquiriu Na eacutepoca
em que moramos no Humaitaacute que remete aos idos de 1987 devido a fase de vida ainda muito
incipiente poucas satildeo as lembranccedilas desse periacuteodo salvo raras imagens esmaecidas pelos
anos que passaram Desse periacuteodo restou-me muito mais histoacuterias relatadas por meus pais e
irmatildeos mais velhos do que lembranccedilas propriamente minhas No entanto dois fatores fazem
com que essa estadia tenha curta duraccedilatildeo fazendo a famiacutelia retornar agrave cidade a saber os
terremotos5 que foram frequentes nesse periacuteodo e o medo de um bandido chamado Joatildeo
Barauna que oprimia a populaccedilatildeo local
4 O siacutetio eacute o lugar do trabalho por excelecircncia Mas ele eacute igualmente o resultado do trabalho pois eacute um espaccedilo
construiacutedo melhor dizendo um conjunto de espaccedilos articulados entre si que lhe permite organizar-se como um
sistema de insumos e produtos Esse espaccedilo eacute o resultado tambeacutem de um processo histoacuterico secular em que o
ambiente foi alterado com a gradativa eliminaccedilatildeo da cobertura vegetal original e de todo o ecossistema que lhe
era associado (WOORTMANN 1997 p 27)
5 No ano de 1986 grandes abalos siacutesmicos apavoraram moradores do Rio Grande do Norte o epicentro era Joatildeo
Cacircmara no entanto todo o Estado fora atingido com maior ou menor intensidade por falta de informaccedilotildees e
explicaccedilotildees muitas pessoas entraram em pacircnico e deixaram suas casas (Arquivo Tribuna do Norte)
13
Meu pai sempre repete que ―naquela eacutepoca tinha que votar e vir pra casa natildeo podia
ficar em turminhas na rua depois da votaccedilatildeo isso nos mostra que embora estiveacutessemos no
processo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes ainda havia a sombra dos ―anos de chumbo que por
mais de vinte anos garantiu a perpetuaccedilatildeo de um regime autoritaacuterio e ditatorial em nosso paiacutes
que causou feridas cujas cicatrizes ainda satildeo visiacuteveis
Em 1987 voltamos para a rua6 Minha matildee Francisca Maria (Dona Tecirc) dividia seu
tempo entre lavagens de roupa ―de ganho tarefas do lar aleacutem de assumir emprego de
funcionaacuteria puacuteblica do municiacutepio na funccedilatildeo de zeladora da igreja catoacutelica da cidade Meu pai
Luiz Gomes (Seu Lucas) trabalhava nas atividades da agricultura e desempenhava a arte da
caccedila como poucos Como natildeo detinha posses de terras ele ―alugava sua forccedila de trabalho em
sucessivas ―diaacuterias em terras alheias Quando natildeo era alugado ele trabalhava em terras de
outros natildeo por dinheiro mas numa relaccedilatildeo que em muito lembra as relaccedilotildees feudais do
periacuteodo Medieval na Europa ou seja a troca de trabalho por trabalho
Erik Wolf trabalha o termo ―aluguel como um processo no qual ―esse camponecircs
estava sujeito agrave relaccedilatildeo assimeacutetrica de poder o que lhe acarretava um ocircnus permanente em
sua produccedilatildeo (WOLF 1976 p 22) Assim em um modelo bastante parecido com o
desenhado por Wolf meu pai trabalhava a terra de um grande proprietaacuterio a troco de uma
porcentagem que girava em torno de 30 a 50 (terccedila e meia respectivamente) do que era
produzido isso acarreta uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo contiacutenua e demasiadamente nociva para o
trabalhador
Em meio a essa batalha que meus pais travavam diariamente para manter a famiacutelia
inicio minha trajetoacuteria escolar No meu percurso natildeo frequentei creches ou preacute-escolas
Ingressei na antiga 1ordf Seacuterie do Ensino Fundamental jaacute com algumas habilidades na leitura e na
escrita isso devido agrave dedicaccedilatildeo da minha irmatilde Ana de Faacutetima (Aninha) que sempre reservara
um tempo para ensinar aos irmatildeos mais novos Mesmo sendo reprovado na 2ordf Seacuterie do Ensino
Fundamental natildeo tive grandes dificuldades nas seacuteries seguintes Salvo uma ou outra aula de
reforccedilo que muito mais constrangia do que auxiliava no processo de aquisiccedilatildeo da liacutengua
escrita
6 Rua eacute termo francamente usado por populaccedilotildees do campo para designar cidade
14
Eacute importante refletirmos sobre o quatildeo marcante pode ser a escola na vida de uma
crianccedila Varela e Alvarez-Uria (1996) no texto ―a maquinaria escolar afirmam que embora
seja uma instituiccedilatildeo recente a escola deteacutem grande influecircncia sobre a sociedade Assim foi
comigo as marcas e as lembranccedilas do processo educacional escolar que ainda hoje satildeo
evidentes
Jaacute no Ensino Meacutedio o desempenho foi mais consciente comecei a desenvolver um
gosto muito grande pelas ciecircncias humanas e Histoacuteria Geografia e Portuguecircs eram as
disciplinas as quais eu dedicava grande parte do meu tempo Nesse momento estaacutevamos
morando no Siacutetio Figueira o ano eacute 2003 ano que passei a trabalhar tanto nas atividades da
roccedila com o meu pai ndash a condiccedilatildeo jaacute natildeo era mais de tamanha exploraccedilatildeo como outrora a
terra ainda era arrendada no entanto esse tratado agora se passava atraveacutes de laccedilos de
parentesco ndash como nas atividades da construccedilatildeo civil com meu irmatildeo mais velho Ary Gomes
Apesar da grande quantidade de pessoas que imigram do campo agrave cidade natildeo haacute nenhuma
profissatildeo segundo os estudos comparados nas quais maior porcentagem de filhos siga a
profissatildeo dos pais do que entre agricultores (MARTINS apud SOLARI 1986) Minha
caminhada mostra que fugi a regra entretanto hoje resguardo grande admiraccedilatildeo e respeito
agravequeles e aquelas que labutam e vivem nada terra
Mesmo em atividades bastante adversas sempre reservara um horaacuterio do dia agraves
atividades de leitura e redaccedilatildeo Em 2004 prestes a terminar o Ensino Meacutedio simplesmente
natildeo sabia o que significava fazer vestibular Hoje a situaccedilatildeo tem mudando mas isso era
recorrente nas classes mais pobres da populaccedilatildeo uma vez que a universidade natildeo eacute um desejo
almejado pela classe trabalhadora natildeo por desinteresse mas pela falta de informaccedilatildeo e
visualizaccedilatildeo dessa possibilidade que parece distante aos filhos das classes populares Pelo
contraacuterio se propaga o discurso que ao teacutermino do 3ordm ano do Ensino Meacutedio o sujeito
―terminou os estudos Aleacutem disso historicamente se praticou uma educaccedilatildeo cujo foco estaacute
diretamente relacionado agrave classe social a qual o sujeito pertence ou seja agraves classes
trabalhadoras uma educaccedilatildeo elementar uma vez que essa basta agravequeles que iratildeo desempenhar
funccedilotildees manuais ao passo que agraves classes ricas desenhou-se uma educaccedilatildeo para o Ensino
Superior Essa loacutegica eacute facilmente evidenciada no Governo de Fernando Henrique Cardoso
quando ―prioriza o Ensino Fundamental em detrimento do Meacutedio teacutecnico e superior
15
Entre 2005 e o iniacutecio de 2007 trabalhei incessantemente na construccedilatildeo civil ainda
assim continuei a reservar pequenos horaacuterios para me dedicar agraves leituras Ao realizar o
vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte ndash UFRN natildeo tive dificuldade em
ingressar no Curso de Pedagogia daquela instituiccedilatildeo o que atribuo principalmente agrave praacutetica
dessas leituras O motivo da escolha do curso ateacute hoje me eacute uma incoacutegnita poreacutem uma
hipoacutetese consideraacutevel pode ter ligaccedilatildeo com a baixa concorrecircncia
No mesmo ano 2007 fui morar em Natal para dar iniacutecio ao Curso Morador de
Residecircncia Universitaacuteria me dediquei logo na chegada agraves atividade de militacircncia estudantil
em prol dos estudantes de origem popular que moradores do interior do Estado necessitavam
da Residecircncia em Natal Assim durante toda a minha estadia na Residecircncia Universitaacuteria me
dediquei agrave organizaccedilatildeo dos estudantes na busca por mais vagas nas Residecircncias e melhorias
estruturais naquelas existentes
Devido a essa atuaccedilatildeo concorri agrave gestatildeo do Diretoacuterio Central dos Estudantes (DCE)
da UFRN e logramos ecircxito Uma responsabilidade que resolvi encarar enquanto possibilidade
de fazer algo mais A experiecircncia indubitavelmente me foi rica durante um ano estive a frente
do DCE buscando mais uma vez organizar os estudantes coletivamente
Os cinco anos de graduaccedilatildeo passados na Residecircncia me foram de grande importacircncia
primeiramente do ponto de vista econocircmico jaacute que eu natildeo possuiacutea condiccedilotildees financeiras de
me manter fora dela Outro ponto importante foi a convivecircncia com a complexidade das
diversas aacutereas dos conhecimentos isso me garantiu uma formaccedilatildeo que em muito me ajudou
na vida apoacutes minha saiacuteda daquele recinto
Com a aproximaccedilatildeo do teacutermino da graduaccedilatildeo logo veio o desejo de continuar
galgando os degraus do conhecimento buscando aprofundar-me atraveacutes do Mestrado Tal
propoacutesito confirmou-se com a abertura do processo seletivo da Universidade Federal da
Paraiacuteba No mestrado da UFPB encontrei na figura da Professora Doutora Rita de Cassia
Cavalcanti Porto incentivo e orientaccedilatildeo pra continuar os estudos na aacuterea da Educaccedilatildeo do
Campo poreacutem enfatizando nessa reflexatildeo o pensamento e a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire
Ainda eacute de grande importacircncia destacar a atuaccedilatildeo no estaacutegio docente junto a turma de
Pedagogia da UFPB participaccedilatildeo no Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares
16
(GEPPC) desta mesma universidade e a vitoacuteria de vivenciar a criaccedilatildeo do Grupo de Estudos e
Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF)7
13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR
Imbuiacutedo de relativa consciecircncia poliacutetico-social no ano de 2008 me aproximei da
militacircncia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Rio Grande do
Norte
Segundo Miguel Carter (2010) o surgimento do MST pode ser dividido em diferentes
momentos para ele
O primeiro periacuteodo eacute a gestaccedilatildeo do MST (1979-1984) Esse periacuteodo que
precede a fundaccedilatildeo oficial do Movimento eacute fundamental para compreender
as bases de seu processo de formaccedilatildeo O segundo periacuteodo eacute o de
consolidaccedilatildeo (1985-1989) que se caracteriza pela ampliaccedilatildeo das accedilotildees do
movimento em escala nacional por meio de seu estabelecimento em todas as
regiotildees do paiacutes e a configuraccedilatildeo de sua estrutura organizativa O terceiro
periacuteodo eacute de institucionalizaccedilatildeo (1990 ateacute o presente) Nesse tempo o MST
se torna o principal interlocutor do governo federal a respeito da reforma
agraacuteria e eacute reconhecido internacionalmente (CARTER 2010 p 163)
Quando conheci o Movimento no RN fiquei muito animado Conhecer o Centro de
Capacitaccedilatildeo Patativa do Assareacute em Cearaacute - MirimRN e contribuir em algumas atividades
teve significativa importacircncia para minha formaccedilatildeo Entre 2010-2011 ingressei no Grupo de
Estudo Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo (TRAMSE)
Esse grupo coordenado pelo Professor Alessandro Augusto de Azevedo desenvolveu a
organizaccedilatildeo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte em parceria com o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (PRONERA
DECRETO Nordm 7352 de 2010) O curso se destina a formaccedilatildeo de assentados da Reforma
7 O Grupo de Estudos e Pesquisas Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) Coordenado pela Professora Drordf Rita de
Cassia Cavalcanti Porto procura identificar e analisar a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire na
perspectiva da reinvenccedilatildeo nas poliacuteticas e praacuteticas emancipadoras curriculares de formaccedilatildeo de professores nos
sistemas puacuteblicos de ensino bem como socializar com gestores pesquisadores e educadores o legado freireano
para a educaccedilatildeo
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Agraacuteria Minha atuaccedilatildeo no grupo compreendia a monitoria da turma durante as aulas e
estudos teoacutericos nos intervalos do curso
O MST surge no Rio Grande do Norte em decorrecircncia do 5ordm Encontro Nacional do
Movimento realizado em 1989 que definiu a continuidade de sua expansatildeo pelo Brasil em
pressionar o governo pela realizaccedilatildeo da reforma agraacuteria A primeira ocupaccedilatildeo do MST no Rio
Grande do Norte ocorreu no Vale do Assu com 20 famiacutelias na Fazenda Bom Futuro que fica
localizada no Municiacutepio de JanduiacutesRN (RIBEIRO 2002) Desde aquela eacutepoca ateacute hoje
muita coisa aconteceu e muita coisa mudou O Movimento se tornou fundamental no
enfrentamento das grandes questotildees acerca da terra no Rio Grande do Norte
O interesse pela temaacutetica da Educaccedilatildeo do Campo tornou-se evidente devido a
aproximaccedilatildeo com o MST e com a monitoria do curso de Pedagogia da Terra No MST
percebi que muitos dos termos da educaccedilatildeo e das praacuteticas educativas eram ressignificadas
pelo Movimento e que este tinha forte influecircncia da Pedagogia Freireana o que
indubitavelmente tornou-se porta de entrada para aprofundar meus estudos e interesses sobre
a temaacutetica a Educaccedilatildeo do Campo
Investigar a relaccedilatildeo entre os sujeitos do campo e a universidade passou a ser meu
principal interesse e por conseguinte tema da minha monografia ―Veredas da Pedagogia da
Terra anaacutelise reflexiva de um percurso (SILVA FILHO 2011) Nesse trabalho procurei
refletir sobre o Curso de Pedagogia da Terra enquanto uma educaccedilatildeo voltada agraves populaccedilotildees
do campo e sua relaccedilatildeo com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Esses relatos de experiecircncias e autobiografia como entende Antocircnio Chizzotti (2006)
representam em boa medida um caminho trilhado as relaccedilotildees afetivas os desejos a histoacuteria
satildeo partes que nos atravessam e que nos constitui tambeacutem A academia costuma nos dissecar
tornar o pesquisador mais pesquisador do que gente quando a relaccedilatildeo eacute justamente o
contraacuterio Os sujeitos aparecem como a-histoacutericos natildeo tecircm famiacutelia natildeo tecircm amores natildeo tecircm
lugares Esses escritos iniciais tecircm justamente essa finalidade situar o pesquisador antes de
tudo como gente como sujeito que como escrevera Freire (2012) estaacute no mundo mas
tambeacutem com o mundo e com os outros
18
14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO A
PRAacuteXIS FREIREANA COMO SUPORTE PARA ESSE ESTUDO
Para garantirmos a consubstancialidade deste estudo a contextualizaccedilatildeo dos fatos
tanto no tempo histoacuterico como no espaccedilo foi ponto de constante atenccedilatildeo Natildeo queremos
jamais cair no equiacutevoco de excluir essas categorias da nossa pesquisa sobretudo preocupamo-
nos em natildeo perder o homem como inventor da histoacuteria como produto e produtor dessa
narrativa
Nesse mesmo sentido Ball (2011 p38) critica a pesquisa cujo sentido esteja
desvinculado dos fenocircmenos sociais e histoacutericos de que eacute resultado ―Haacute eacute claro aspectos
temporais adicionais nos processos poliacuteticos e nas anaacutelises desses processos mas na praacutetica
muitas pesquisas sobre poliacuteticas educacionais natildeo tem nenhum sentido de tempo O aspecto
negligenciado mais oacutebvio eacute um extravagante a-historicismo
Gatti (2007 p11) afirma que a pesquisa em educaccedilatildeo no Brasil vem se configurando
como um campo em consolidaccedilatildeo ―Nos uacuteltimos anos pode-se observar um aumento
significativo de pesquisas publicaccedilotildees grupos de pesquisa linhas de pesquisa em programas
de poacutes-graduaccedilatildeo e eventos especiacuteficos sobre poliacuteticas sociais e educacionais
No seacuteculo XIV Agriacutecola havia aconselhado aos seus contemporacircneos que
―Considerem suspeito tudo o que lhes havia sido ensinado ateacute entatildeo e o
mesmo aconselhava jaacute no seacuteculo XVI Bacon Descartes e Pascal ―O
primeiro afirmara que a verdade muda com o tempo o segundo que soacute a
evidecircncia poderia convencer algueacutem ao passo que o terceiro insistia em que
a experimentaccedilatildeo era o uacutenico criteacuterio seguro no campo cientiacutefico (PONCE
2010 p126 grifo do autor)
As pesquisas e suas configuraccedilotildees variaram muito ateacute os tempos de hoje alguns
pesquisadores se filiam agraves novas tendecircncias outros permanecem crentes da consistecircncia da
corrente teoacuterica a qual satildeo simpaacuteticos e acreditam que essa linha de pensamento ainda daacute
conta de forma satisfatoacuteria do entendimento e da criacutetica necessaacuteria agraves questotildees que a realidade
enseja
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Desse modo continuamos nos filiando agrave corrente histoacuterico-criacutetico de analisar a
realidade com base no materialismo histoacuterico-dialeacutetico e na praacutexis educativa de Paulo Freire
uma vez que nessa perspectiva ―o estudo ontoloacutegico do ser social natildeo prescinde o estudo da
gecircnese histoacuterica da especificidade da sociedade (SAVIANI DUARTE 2012 p 37) ―A
pesquisa natildeo eacute de modo algum na praacutetica uma reproduccedilatildeo fria das regras que vemos em
alguns manuais O proacuteprio comportamento do pesquisador em seu trabalho eacute-lhe peculiar e
caracteriacutestico (GATTI 2007 p 11) Isso se deve indubitavelmente a um complexo de
muacuteltiplos condicionamentos que constituem o pesquisador enquanto ser histoacuterico Enquanto
gente
Este conhecimento como objeto de dado alheio a qualquer traccedilo de
subjetividade elimina qualquer perspectiva de colocar a busca cientiacutefica ao
serviccedilo das necessidades humanas para resolver problemas praacuteticos O
investigador estuda os fatos pela proacutepria ciecircncia pelo propoacutesito superior da
alma humana de saber Natildeo estaacute interessando em conhecer as consequumlecircncias
de seus achados Este propoacutesito de espiacuterito positivo engendrou uma
dimensatildeo que foi defendida com muito entusiasmo e ainda hoje em alguns
meios se levanta como bandeira verdadeira a da neutralidade da ciecircncia
(TRIVINtildeOS 1987 p 37)
Para noacutes a busca pelo conhecimento eacute ponto nevraacutelgico para contribuir com o atual
debate da Educaccedilatildeo do Campo e com a Pedagogia Paulo Freire Nessa perspectiva estudar
esse fenocircmeno sem fim nem finalidade seria ignomiacutenia da nossa parte
Pensando numa perspectiva teoacuterica que atenda aos interesses almejados e tendo em
vista a realidade social e concreta na qual estamos imersos assim como as disputas inerentes
ao tecircnue e conflitante tecido social temos como metodologia o materialismo histoacuterico
dialeacutetico e a praacutexis educativa de Paulo Freire pois esta perspectiva vincula de forma
satisfatoacuteria as questotildees abordadas nesse estudo agrave dinacircmica da realidade material dos sujeitos
envolvidos e reflete a construccedilatildeo histoacuterica dos fenocircmenos com destaque para as
transformaccedilotildees sociais que esta construccedilatildeo enseja
A compreensatildeo da praacutexis educativa em Paulo Freire se encontra diluiacuteda em toda a sua
pedagogia como essa pedagogia eacute bastante ampla abordaremos os principais elementos que
se encontram ligados ao materialismo histoacuterico dialeacutetico procurando dialogar as interfaces
dessas teorias e como elas contribuem para o entendimento da realidade Na praacutexis educativa
de Freire assim como no materialismo histoacuterico dialeacutetico a mera especulaccedilatildeo filosoacutefica natildeo
20
garante subsiacutedio natildeo basta apenas interpretar o mundo eacute preciso tratar de transformaacute-lo
(FREIRE 1983)
A histoacuteria da dialeacutetica eacute demasiadamente longa por isso natildeo pretendemos aprofundar
essa temaacutetica esclarecemos apenas que nesse trabalho adotamos aquela cujo vieacutes eacute marxista
em que pese haver uma vasta gama de outras possiacuteveis compreensotildees da dialeacutetica A
concepccedilatildeo marxista encontra suporte no materialismo e na histoacuteria para a explicaccedilatildeo dos
fenocircmenos
Na produccedilatildeo social da sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees
determinadas necessaacuterias independente da sua vontade relaccedilotildees de
produccedilatildeo que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das
forccedilas produtivas materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui
a estrutura econocircmica da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva
uma superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas
formas de consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida material
condiciona o desenvolvimento da vida social poliacutetica e intelectual em geral
Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o seu ser eacute o seu ser social
que inversamente determina a sua consciecircncia (MARX 1973 p 28-28)
Esforccedilamo-nos em compreender como a histoacuteria da Educaccedilatildeo do Campo bebe da
Pedagogia Paulo Freire onde se intercalam e como dialeticamente se aproximam Cheptulin
(1982) aponta para dialeacutetica como sendo formas gerais de estudar o ser os aspectos e os laccedilos
gerais da realidade as leis do reflexo desta uacuteltima na consciecircncia dos homens pensamento
fortemente presente na pedagogia freireana em que o ponto de partida da histoacuteria e da
realidade satildeo os sujeitos reais (FREIRE 2011)
Gadotti (1983) nos ajuda a situar a dialeacutetica materialista dentro de uma concepccedilatildeo
metodoloacutegica
Natildeo se trata de pensar toda a histoacuteria da educaccedilatildeo pois o que teriacuteamos seria
o ponto de vista da dialeacutetica ou melhor uma leitura dialeacutetica do que foi a
educaccedilatildeo ateacute hoje Eacute o que jaacute fez por exemplo o grande filoacutesofo e
historiador argentino Anibal Ponce mostrando como a educaccedilatildeo enquanto
fenocircmeno social ligado a superestrutura soacute pode ser compreendida atraveacutes
da anaacutelise soacutecio-econocircmica da sociedade que a matem [] O meacuterito de
Anibal Ponce estaacute justamente em colocar em evidecircncia o princiacutepio da
dialeacutetica da relaccedilatildeo entre a consciecircncia e a estrutura econocircmica mostrando
como a luta pelo direito a educaccedilatildeo e agrave cultura acompanhou a luta pelos
demais direitos enfim a educaccedilatildeo natildeo estaacute separada da luta de classe
(GADOTTI 1983 p 39-40)
21
O Materialismo histoacuterico-dialeacutetico eacute a ciecircncia filosoacutefica do marxismo que estuda as
leis socioloacutegicas que caracterizam a vida da sociedade de sua evoluccedilatildeo histoacuterica e da praacutetica
social dos homens no desenvolvimento da humanidade O Materialismo histoacuterico significou
uma mudanccedila fundamental na interpretaccedilatildeo dos fenocircmenos sociais que ateacute o nascimento do
marxismo se apoiava na concepccedilatildeo idealista de sociedade humana (TRIVINtildeOS 1987)
Quando eacute adotada a perspectiva materialista histoacuterico-dialeacutetica o
desenvolvimento da humanidade eacute analisado como um processo histoacuterico
contraditoacuterio heterogecircneo que se realiza por meio das concretas relaccedilotildees
sociais de dominaccedilatildeo que tem caracterizado a histoacuteria da humanidade ateacute
aqui (SAVIANI DUARTE 2012 p 39)
Karel Kosik autor da ―Dialeacutetica do concreto publicado em 1963 um dos mais
eminentes expoentes do marxismo trabalha a realidade em sua totalidade natildeo se limita as
anaacutelises das partes mas procura estabelecer o caraacuteter dialeacutetico entre as partes e o todo Ele
analisa a ―realidade como um todo estruturado dialeacutetico no qual ou do qual um fator
qualquer (classes de fatos conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido
(KOSIK 2010 p 44) o que configura uma compreensatildeo bastante satisfatoacuteria para nossa
anaacutelise cujo objetivo eacute entender como as diferentes partes de uma realidade formam o
fenocircmeno abordado
Na pedagogia freireana cujo assento eacute a praacutexis educativa a compreensatildeo da realidade
eacute ponto chave para a tomada de conscientizaccedilatildeo dos sujeitos Para Freire (1987) a realidade eacute
construiacuteda historicamente sendo passiva de mudanccedila nega-se assim o determinismo de uma
realidade estaacutetica pronta imutaacutevel Para ele a superaccedilatildeo do estado de opressatildeo eacute uma tarefa
ontoloacutegica do homem
Esta superaccedilatildeo natildeo pode dar-se poreacutem em termos puramente idealistas Se
faz indispensaacutevel aos oprimidos para a luta por sua libertaccedilatildeo que a
realidade concreta de opressatildeo jaacute natildeo seja para eles uma espeacutecie de ―mundo
fechado (em que se gera o seu medo da liberdade) do qual natildeo pudessem
sair mas uma situaccedilatildeo que apenas os limita e que eles podem transformar eacute
fundamental entatildeo que ao reconhecerem o limite que a realidade opressora
lhes impotildee tenham neste reconhecimento o motor de sua accedilatildeo libertadora
(FREIRE 1987 p 19)
Nesse sentido nos aproximamos de um materialismo praacutetico cujo princiacutepio natildeo se
pretende a captar a realidade sob forma de objeto ou como mera contemplaccedilatildeo Isso rompe
com a oposiccedilatildeo estanque sujeitoobjeto e concebe alternativamente a atividade humana como
22
uma atividade objetiva e transformadora ao mesmo tempo Desse modo o homem eacute
simultaneamente fruto das circunstacircncias histoacutericas e agente de mudanccedila das mesmas
Na contribuiccedilatildeo deste estudo optamos por uma investigaccedilatildeo no campo da pesquisa
qualitativa realizando um levantamento bibliograacutefico e uma anaacutelise documental Segundo Gil
(2002 p46)
O desenvolvimento da pesquisa documental segue os mesmos passos da
pesquisa bibliograacutefica Apenas cabe considerar que enquanto na pesquisa
bibliograacutefica as fontes satildeo constituiacutedas sobretudo por material impresso
localizados nas bibliotecas na pesquisa documental as fontes satildeo muito
mais diversificadas e dispersas
A par disso realizamos uma busca em documentos da Universidade do Curso de
Pedagogia e tambeacutem da Comissatildeo Permanente de Vestibular (COMPERVE) e nos ocupamos
em analisar os documentos norteadores do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte uma vez que este constitui nosso recorte analiacutetico
Devido agrave dificuldade de realizarmos uma pesquisa com todos os estudantes do Curso
espalhados por todo o Estado do Rio Grande do Norte concordamos com Gil (2002 p46)
quando afirma que ―Outra vantagem da pesquisa documental eacute natildeo exigir contato com os
sujeitos da pesquisa Eacute sabido que em muitos casos o contato com os sujeitos eacute difiacutecil ou ateacute
mesmo impossiacutevel Em outros a informaccedilatildeo proporcionada pelos sujeitos eacute prejudicada pelas
circunstacircncias que envolvem o contato
Para dialogar com essa perspectiva metodoloacutegica trabalhamos com autores cujo
assento eacute tanto a resistecircncia como na transformaccedilatildeo do status quo social como a
organizaccedilatildeo coletiva na busca por direitos historicamente negados Nesse sentido Aroyo
(2011 2009) Caldart (2012 2010) Freire (1983 1991 2011 2012) Gadotti (1983 1996
2000) Ribeiro (2010) Saviani (2008) Apple (2012) Giroux (1986) entre outros Aleacutem disso
a anaacutelise dos marcos legais que norteiam a Educaccedilatildeo do Campo tambeacutem foi de grande
importacircncia para a formulaccedilatildeo da nossa base de sustentaccedilatildeo
Por fim entendemos que na pesquisa social haacute uma relaccedilatildeo definitiva entre o
pesquisador e o seu campo de estudo ―A visatildeo do mundo de ambos estaacute implicada em todo
23
processo de conhecimento desde a concepccedilatildeo do sujeito aos resultados do trabalho e agrave sua
aplicaccedilatildeo (DESLANDES et al 1994 p 14) Seguindo essa linha percebemos o quatildeo
proacuteximos estamos de todas essas questotildees trabalhadas e na verdade que nossas escolhas
nosso objetivo nossa metodologia natildeo eacute nem poderia ser obra do acaso eacute na verdade fruto
da nossa formaccedilatildeo social enquanto o sujeito mas sobretudo enquanto gente
24
2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO
PRA PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER
Natildeo quero dizer poreacutem que porque esperanccediloso
atribuo a minha esperanccedila o poder de transformar a
realidade e assim convencido parto para o embate sem
levar em consideraccedilatildeo os dados concretos materiais
afirmando que minha esperanccedila basta Minha esperanccedila
eacute necessaacuteria mas natildeo eacute suficiente Ela soacute natildeo ganha a
luta mas sem ela a luta fraqueja e titubeia Precisamos
da esperanccedila criacutetica como o peixe necessita da aacutegua
despoluiacuteda
Paulo Freire Pedagogia da Esperanccedila 1992
21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO
EDUCACIONAL
A Reforma do Estado e a reestruturaccedilatildeo produtiva das deacutecadas de 1980 e 1990 assim
como a consolidaccedilatildeo das poliacuteticas neoliberais no campo econocircmico e social representam um
divisor quando nos referimos agrave atuaccedilatildeo do Estado frente agrave garantia de poliacuteticas (SADER
GENTILI 1995) Essas transformaccedilotildees tecircm significativa influecircncia no campo educacional e
eacute disso que trataremos agora
Luiz Fernandes Dourado em palestra no X Encontro Estadual da ANFOPE-PB e IX
Encontro Regional - NE ANFOPE realizado em Campina Grande ndash PB em 2012 afirma que
natildeo se pode compreender as poliacuteticas educacionais se natildeo fizer isso de maneira
contextualizada quais sejam as condiccedilotildees objetivas em que elas satildeo produzidas Obviamente
a economia tem papel de destaque na determinaccedilatildeo dessas condiccedilotildees Silva (2011) tratando a
questatildeo agrave luz do pensamento de Michael Apple afirma que as caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo
da economia na sociedade capitalista afeta tudo aquilo que ocorre em outras esferas sociais
como a educaccedilatildeo e a cultura por exemplo
Para tanto antes de adentrarmos a reforma do estado e suas implicaccedilotildees na educaccedilatildeo eacute
salutar voltarmos ao entendimento do principal pilar de sustentaccedilatildeo dessa reforma o
25
neoliberalismo Sader e Gentili (1995) e Neves (2005) afirmam que o neoliberalismo nasceu
logo depois da II Guerra Mundial na regiatildeo da Europa e da Ameacuterica do Norte onde imperava
o capitalismo Foi uma reaccedilatildeo teoacuterica e poliacutetica veemente contra o Estado intervencionista de
bem-estar O pensamento neoliberal foi difundido inicialmente no Reino Unido no trabalho
do economista austriacuteaco Frederich Hayek (BALL 2011 SADER GENTILI 1995)
O surgimento do neoliberalismo apoacutes a Segunda Guerra e sua posterior
consolidaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1980 trazem consigo um formidaacutevel
ataque contra o igualitarismo e a solidariedade coletivistalsquo em quaisquer de
suas formas desde a aparentemente mais benigna o Ministeacuterio do Bem-
estarlsquo das sociais-democracias europeacuteias ateacute a mais virulenta (a juiacutezo dos
ideoacutelogos neoliberais) corporificada no modelo sovieacuteticolsquo vigente na Uniatildeo
Sovieacutetica e nos paiacuteses do Leste Europeu Ambas as variantes nas palavras
de Hayek se movimentavam em prol de um mesmo objetivo a construccedilatildeo
de uma sociedade de iguais Eram por isso mesmo rotas alternativas que
desembocavam em um mesmo desastre civilizatoacuterio a servidatildeo moderna
(BORON 2000 p55)
Ainda para Sader e Gentili (na mesma obra) a chegada da grande crise do modelo
econocircmico do poacutes-guerra em 1973 quando todo o mundo capitalista avanccedilado caiu numa
longa e profunda recessatildeo combinando pela primeira vez baixas taxas de crescimento com
altas taxas de inflaccedilatildeo mudou tudo ―A rigidez do fordismo tornou-se um obstaacuteculo para o
crescimento do capitalismo A crise da deacutecada de 1970 foi a expressatildeo do esgotamento de um
modelo baseado na produccedilatildeo em massa de um lado e no chamado Estado de Bem-Estar
social de outro (DEL PINO 2011 p 67) A partir daiacute as ideias neoliberais passaram a
ganhar terreno
Expoente fundamental na difusatildeo do neoliberalismo Margaret Thatcher8 encontra-se
natildeo tanto na negativa da existecircncia de sociedade mas em sua radical e desoladora
reimaginaccedilatildeo da sociedade civil Ela se apoia em um renascimento do individualismo
competitivo e em um novo tipo de cidadatildeo-consumidor (BALL 2011)
As reformas econocircmicas de ―Ajuste estrutural implementadas na Ameacuterica Latina
estatildeo baseadas no que ficou conhecido como ―Consenso de Washington (NASCIMENTO
QUAIOTTI et al1997) Satildeo medidas que visam agrave abertura de economias nacionais
8 13 de outubro de 1925 mdash 8 de abril de 2013
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desregulaccedilatildeo dos mercados cortes nos gastos sociais flexibilizaccedilatildeo dos direitos trabalhistas
privatizaccedilatildeo das empresas puacuteblicas e o controle do deacuteficit fiscal No Brasil apoacutes a
constituiccedilatildeo de 1988 vaacuterias emendas constitucionais vecircm sendo aprovadas com o objetivo de
desregulamentar a relaccedilatildeo capitaltrabalho (DEL PINO 2011)
Ball (2011p 23) explica que ―durante os uacuteltimos quinze anos temos testemunhado no
Reino Unido e tambeacutem na maioria das outras sociedades do mundo ocidental e das
sociedades desenvolvidas uma profunda transformaccedilatildeo nos princiacutepios de organizaccedilatildeo da
provisatildeo social especialmente no setor puacuteblico Del Pino (2011) citando Boroacuten e
Hobsbawm afirma que essas transformaccedilotildees tambeacutem chegaram a paiacuteses do hemisfeacuterio norte
e sul em especial na Ameacuterica Latina Afirma ainda que o seacuteculo XX que iniciou como o
seacuteculo das massas se despede ―como seacuteculo do desemprego em massa (DEL PINO 2011
p65)
Essa breve cronologia tem como objetivo mostrar de onde vem a discussatildeo A reforma
tem iniacutecio na deacutecada de 80 mas como vimos tem sua gecircnese bem antes ―Na verdade haacute uma
tendecircncia notaacutevel a um ―poacutes-1988 (BALL 2011 p 38) Isso significa que muitos
pesquisadores utilizam a reforma de 1988 como ponto zero excluindo em boa medida o que
a antecedeu
Essa introduccedilatildeo tambeacutem tem como objetivo mostrar as implicaccedilotildees da reestruturaccedilatildeo
produtiva no campo educacional Quais as consequecircncias da reforma pra noacutes pesquisadores
estudantes professores e trabalhadores na educaccedilatildeo em geral De iniacutecio vale salientar que a
reestruturaccedilatildeo tem como uma de suas finalidades a adequaccedilatildeo dos modelos produtivos ao
novo modelo econocircmico insurgente chamado por Ball (2011) ―poacutes-fordismo que
―caracteriza-se pelo aparecimento de setores produtivos inteiramente novos Isso jaacute nos
remete agrave implicaccedilatildeo de que a educaccedilatildeo passa a ser vislumbrada como um campo feacutertil e rico
em potencial a ser explorado pelo mercado capitalista em sua faceta neoliberal
Essas mudanccedilas natildeo se restringem ao campo produtivo mas de forma muito concisa
ao campo da individualidade dos sujeitos das subjetividades ―De este modo no soacutelo nos
encontramos en un momento de imposicioacuten de un determinado modelo de produccioacuten y
distribucioacuten de la riqueza sino ademaacutes en un proceso de resocializacioacuten de reorganizacioacuten
de los sentidos con los cuales conviviacuteamos (ALMANACID ARROYO 2011 p 264) Essa
27
posiccedilatildeo eacute ratificada por Ball (2011 p 32) quando afirma que ―outro aspecto da reestruturaccedilatildeo
eacute a formaccedilatildeo de novas subjetividades profissionaislsquo Natildeo simplesmente o que fazemos
mudou quem noacutes somos as possibilidades de quem deveriacuteamos nos tornar tambeacutem
mudaram
Nesse momento assistimos a educaccedilatildeo brasileira experimentar as consequecircncias
danosas dessa nova dinacircmica advinda do capitalismo em uma fase neoliberal como por
exemplo a ecircnfase na supervalorizaccedilatildeo de iacutendices de qualidade e eficiecircncia Essa construccedilatildeo
teve como assento o pensamento hegemocircnico de que esse seria natildeo somente o melhor
caminho mas tambeacutem o uacutenico para fugir da falecircncia estatal
Sob a ideologia da globalizaccedilatildeo os governos dos paiacuteses dependentes entre
eles o Brasil acenam com a necessidade de integraccedilatildeo agrave economia mundial
dentro dos padrotildees propostos por esta integraccedilatildeo como uacutenico meio de afastar
a degradaccedilatildeo social e o aprofundamento da condiccedilatildeo de pobreza destes paiacuteses
Todavia essa hipoacutetese eacute falsa A integraccedilatildeo atraveacutes do atual padratildeo de
desenvolvimento eacute impossiacutevel (DEL PINO 2011 p66)
A ideologia neoliberal ganha ecircnfase sobretudo com a derrocada dos governos
socialista principalmente com o fim da Uniatildeo Sovieacutetica e do comunismo na Europa Oriental
(SADER GENTILI 1995) Na contramatildeo desse processo emerge uma criacutetica tanta ao novo
modelo de sociedade como ao paradigma vigente de educaccedilatildeo
Com o esgotamento da Ditadura Civil Militar os movimentos sociais emergem e
desempenham papel fundamental na busca de uma pedagogia alternativa e de um modelo de
sociedade no qual o fatalismo ou o discurso poacutes-moderno de ―[] obstaacuteculos insuperaacuteveis
(FREIRE 2012 p 48) natildeo predomine A pedagogia histoacuterico-criacutetica e contra-hegemocircnica
fruto tanto de uma opccedilatildeo ideoloacutegica de sociedade como do periacuteodo de reabertura poliacutetica de
meados da deacutecada de 1980 desempenha papel central nesse momento histoacuterico
Eacute importante destacarmos a colocaccedilatildeo da expressatildeo ―contra-hegemocircnica pois ela
costura este texto por vaacuterios momentos Ainda que Gramsci natildeo tenha trabalhado o conceito
de contra-hegemonia sendo esse uma formulaccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho9 estamos
9 Carlos Nelson Coutinho eacute um dos maiores tradutores da obra de Gramsci no Brasil
28
amparados no inverso desse termo ou seja a hegemonia termo exaustivamente pensado por
Gramsci
A hegemonia seria a capacidade de um grupo social unificar em torno de seu projeto
poliacutetico um bloco mais amplo natildeo homogecircneo marcado por contradiccedilotildees de classe Desse
modo hegemonia eacute algo que se conquista por meio da direccedilatildeo poliacutetica e do consenso e natildeo
mediante a coerccedilatildeo Pressupotildee aleacutem da accedilatildeo poliacutetica a constituiccedilatildeo de uma determinada
moral de uma concepccedilatildeo de mundo numa accedilatildeo que envolve questotildees de ordem cultural na
intenccedilatildeo de que seja instaurado um ―acordo coletivo (GRAMSCI 1991) Para Coutinho
(1999) eacute a busca de uma classe particular para impor seus interesses comuns como interesse
geral da sociedade Nesse sentido a colocaccedilatildeo da expressatildeo contra-hegemonia estaacute
intrinsecamente ligada ao conceito de resistecircncia de luta
Dourado (2012) afirma que se a tradiccedilatildeo do estado brasileiro eacute ainda marcada por um
estado patrimonial em que pese ser este paiacutes a sexta economia do mundo para Fernandes
(1995) eacute um estado ―desigual e combinado Noacutes temos desde o maior avanccedilo tecnoloacutegico a
condiccedilotildees de miserabilidade eacute nesse tensionamento eacute nesse caldeiratildeo cultural social poliacutetico
e racial que vatildeo se traduzindo o horizonte das poliacuteticas puacuteblicas
Dourado (2011) nos mostra que a histoacuteria da educaccedilatildeo brasileira eacute marcada por
disputas entre diferentes projetos de educaccedilatildeo e sociedade O atual debate acerca do Plano
Nacional de Educaccedilatildeo (PNE) apesar de parecer recente data da deacutecada de 1930 quando os
Pioneiros elaboraram o primeiro esboccedilo de Plano arquivado logo em seguida pelo Estado
Novo e totalmente negligenciado pelo Regime Militar
Ainda conforme Dourado (2011 p 23) ―A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 resultante de
amplo processo constituinte avanccedila consideravelmente no campo dos direitos sociais A
Constituiccedilatildeo determina que o Senado crie planos e programas nacionais O primeiro PNE (Lei
nordm 10172 de 09 de janeiro de 2001) foi aprovado no governo Itamar Franco e teria duraccedilatildeo
no Governo Fernando Henrique Cardoso no entanto o Governo do PSDB natildeo considerou o
plano como referencial para suas accedilotildees
Em 2010 com o prazo de vigecircncia do PNE prestes a expirar a sociedade civil
organizada pelo Foacuterum Nacional de Educaccedilatildeo (FNE) realiza a I Conferecircncia Nacional de
29
Educaccedilatildeo (2010) com o objetivo de intervir propositivamente no novo Plano a ser lanccedilado
pelo Congresso Nacional em 2011 O novo Plano Nacional de Educaccedilatildeo (PL 8035) se
configura dentro de um complexo campo de disputas de forccedilas Nesse sentido a sociedade
civil estaacute mais uma vez realizando conferecircncias de educaccedilatildeo municipais intermunicipais
distrital e estadual que culminaratildeo na Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo de 2014 cuja
finalidade eacute garantir a aprovaccedilatildeo de um plano articulado nacionalmente democraacutetico e
popular (CONAE 2014)
Nesse contexto de efervescecircncia eacute de fundamental importacircncia a atuaccedilatildeo dos
movimentos de resistecircncia do campo na luta por educaccedilatildeo Esse movimento contra
hegemocircnico eacute importante para fazer frente agraves poliacuteticas neoliberais que avanccedilam na
contemporaneidade Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo passa a ser vista enquanto
propositiva de uma educaccedilatildeo que escapa tanto agrave pedagogia da hegemonia como ao modelo
rural de educaccedilatildeo que vem sendo destinado aos sujeitos do campo ao longo da histoacuteria
(ARROYO 2009) Mesmo com todas as contradiccedilotildees e ressalvas que satildeo necessaacuterias
estamos pois vendo emergir um contraponto fundamental uma pedagogia politizada
assentada em princiacutepios criacuteticos que tem como foco o sujeito
Feita essa breve retrospectiva histoacuterica iniciamos nesse momento o debate sobre a
Educaccedilatildeo Rural e como a superaccedilatildeo desse paradigma eacute essencial para alcanccedilar a Educaccedilatildeo do
Campo cujos princiacutepios tecircm forte afinidade com a Pedagogia Paulo Freire e questotildees que
reclamam mudanccedilas estruturais no seio da sociedade brasileira
22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA
Apesar de evidenciarmos avanccedilos importantes no campo educacional o analfabetismo
ainda eacute um empecilho para a construccedilatildeo de uma sociedade mais autocircnoma tanto do ponto de
vista do desenvolvimento econocircmico do paiacutes como da emancipaccedilatildeo humana dos seus
cidadatildeos Ainda haacute uma barreira demasiadamente alta que impede os sujeitos de construiacuterem
melhores condiccedilotildees sociais de vida Esse problema se intensifica quando tomamos como foco
de investigaccedilatildeo a zona rural brasileira Segundo dados do uacuteltimo estudo do Instituto de
Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA 2009) os iacutendices referentes ao analfabetismo das
populaccedilotildees do campo por exemplo satildeo sempre superiores quando comparados com as
populaccedilotildees residentes na zona urbana
30
Ainda segundo o estudo no meio rural haacute uma grande desigualdade de renda entre os
ricos e pobres uma vez que os primeiros satildeo os ―donos das terras e os segundos satildeo sempre
aqueles que trabalham nela Sabe-se que em sociedade como a nossa a posse da terra eacute
condiccedilatildeo primaacuteria para ascensatildeo social poliacutetica e econocircmica de um povo
Nas sociedades predominantemente agriacutecolas a propriedade da terra eacute a
principal fonte de poder econocircmico poliacutetico e social Como uma regra
simples podemos afirmar que quanto maior for a quantidade de terra
possuiacuteda maior seraacute o poder de seu proprietaacuterio (FEDER apud SHALIN
1976 p 73 traduccedilatildeo nossa)
A citaccedilatildeo acima nos ajuda a entender por um lado a posiccedilatildeo social privilegiada que as
classes detentoras de terras ocupam ateacute os dias de hoje A concentraccedilatildeo da terra tem causado
ao longo da histoacuteria grandes prejuiacutezos agraves populaccedilotildees do campo a falta de escolas e o
consequente analfabetismo eacute uma marca desse fenocircmeno de privaccedilatildeo Nesse momento eacute
necessaacuterio resgatar a urgecircncia de uma Reforma Agraacuteria popular no Brasil como forma de
atenuar esse grande deacuteficit histoacuterico Freire (2012 p 65) mostra que a natildeo realizaccedilatildeo de uma
reforma agraacuteria seacuteria eacute mais uma forma de manutenccedilatildeo de privileacutegios da classe dominante
[] Ao mesmo tempo contudo arquivam a realizaccedilatildeo de reforma agraacuteria
sem a qual se estrangula qualquer transformaccedilatildeo seacuteria nesse paiacutes Nenhuma
sociedade capitalista moderna deixou de fazer sua reforma agraacuteria
absolutamente indispensaacutevel agrave criaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de um mercado
interno Eacute por isso que jaacute natildeo falam em Reforma Agraacuteria e natildeo porque seja o
seu processo uma velharia e sua realizaccedilatildeo um desrespeito agrave propriedade
privada como afirmam os donos do mundo e das gentes ( FREIRE 2012 p
65)
O monopoacutelio da terra causou feridas profundas cujas cicatrizes ainda estatildeo abertas no
seio da sociedade brasileira e que portanto ainda satildeo condicionantes que a sociedade precisa
enfrentar para alcanccedilar a melhoria de vida das classes trabalhadoras da cidade e do campo
Tomando o analfabetismo como exemplo ―Para a categoria localizaccedilatildeo observa-se
que na populaccedilatildeo rural a taxa de analfabetismo eacute de quase 228 Jaacute para a populaccedilatildeo
urbanametropolitana esse iacutendice eacute de 44 (IPEA 2009 p 10) Esses dados nos auxiliam
na explicitaccedilatildeo de uma realidade extremamente desigual marcada por preconceitos e
esquecimento Natildeo eacute um dado estatiacutestico tatildeo somente mas antes de tudo eacute um flagrante uma
prova da exclusatildeo secular que os sujeitos do campo brasileiro vecircm passando Freire (2011)
31
aponta para esse processo como a negaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo negaccedilatildeo das vocaccedilotildees dos
homens vocaccedilatildeo negada na injusticcedila na exploraccedilatildeo na opressatildeo e na violecircncia dos
opressores
Desse modo o paradigma educacional no qual se assenta a Educaccedilatildeo Rural reside no
bojo do pensamento utilitarista e dominador de uma classe sobre a outra Ribeiro (2012 p
293) afirma que ―[] para definir educaccedilatildeo rural eacute preciso comeccedilar pela identificaccedilatildeo do
sujeito a que ela se destina Isso significa que as pessoas que estatildeo vinculadas a educaccedilatildeo
rural satildeo sujeitos cuja marca do trabalho nas atividades da agricultura lhes eacute fator
determinante Para Erick Wolf haacute uma relaccedilatildeo direta de exploraccedilatildeo que caracteriza o
camponecircs ―eacute somente quando um cultivador esta integrado em uma sociedade com um estado
ndash isto eacute somente quando o cultivador passa a estar sujeito a exigecircncias e sanccedilotildees de
detentores do poder exterior ao seu estrato social ndash que podemos falar propriamente em um
campesinato (WOLF 1976 p 26) Percebe-se assim uma aproximaccedilatildeo histoacuterica entre o
camponecircs e a exploraccedilatildeo do seu trabalho
Arroyo (2009) aponta para o descaso no qual a educaccedilatildeo das populaccedilotildees do campo
esteve submetida historicamente cuja finalidade natildeo ai aleacutem do ensino de teacutecnicas de plantio
e colheita no manuseio da terra Essa visatildeo utilitarista e preconceituosa legitimou os baixos
investimentos as escolas em condiccedilotildees precaacuterias e a pouca formaccedilatildeo dos profissionais
(ARAUacuteJO SILVA 2011) aleacutem disso acirrou a disparidade da escola rural em relaccedilatildeo agrave
escola urbana quando se pensa na qualidade O ensino dos sujeitos do campo foi marcado por
uma condiccedilatildeo humana assentada no pauperismo na exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo da matildeo-de-
obra de forma mais ampla na negaccedilatildeo dos direitos baacutesicos como eacute a educaccedilatildeo
Poreacutem Freire (2012 p 59) os convida a refletir sobre a problemaacutetica e expotildee que
Jaacute deixo claro que nenhuma sociedade se livraraacute desses horrores por decreto
nem tampouco porque um de seus sujeitos fundamentais os dominantes num
gesto amoroso regale uma nova forma de viver aos ―condenados da terra A
superaccedilatildeo desses horrores implica decisatildeo poliacutetica mobilizaccedilatildeo popular
organizaccedilatildeo intervenccedilatildeo poliacutetica lideranccedila luacutecida democraacutetica esperanccedilosa
coerente tolerante
Paulo Freire um dos mais assiacuteduos defensores da Educaccedilatildeo Como Praacutetica da
Liberdade deixa claro que a superaccedilatildeo desse modelo de educaccedilatildeo que aqui podemos associar
a ―educaccedilatildeo bancaacuteria tem como pressuposto intriacutenseco a organizaccedilatildeo da classe trabalhadora
32
dos oprimidos essa libertaccedilatildeo jamais decorreraacute da ―falsa generosidade dos dominadores
(FREIRE 2011)
Esse modelo de educaccedilatildeo representou para escolas rurais grande atraso em relaccedilatildeo ao
processo educativo dos filhos dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo ainda sendo
comum visualizarmos escolas na zona rural em extrema precarizaccedilatildeo O esvaziamento dos
conteuacutedos a distacircncia entre a vida cotidiana dos alunos e o curriacuteculo da escola contribuiu de
forma direta e indiretamente para o abandono da escola pelas crianccedilas seja para ajudarem
seus pais na lida da agricultura ou nas tarefas domeacutesticas Certamente um ―curriacuteculo oculto
(SILVA 2011) contribui para esse processo de pauperismo
A despreocupaccedilatildeo com o trabalho dos sujeitos do campo eacute parte central que
caracteriza a Educaccedilatildeo Rural Haacute uma disparidade uma incongruecircncia muito significativa
entre o dia-a-dia e o que a escola mostra O cotidiano do estudante da escola do campo eacute rico
em diversidades naturais animais relacionais trabalho e no entanto esse cenaacuterio desaparece
no momento em que ele adentra a escola
Destinadas a oferecer conhecimentos elementares de leitura escrita e
operaccedilotildees matemaacuteticas simples mesmo a escola rural multisseriada natildeo tem
cumprido esta funccedilatildeo o que explica as altas taxas de analfabetismo e os
baixos iacutendices de escolarizaccedilatildeo nas aacutereas rurais (RIBEIRO 2012 p 193
apud CALDART et al 2012)
Percebe-se portanto que a Educaccedilatildeo Rural eacute resultado de uma loacutegica opressora natildeo
podendo ser pensada como um acidente metodoloacutegico que por acaso foi de um jeito e que
poderia ter sido de outro modo Pelo contraacuterio esse modelo tinha um propoacutesito uma
finalidade natildeo era neutra assim como nenhuma outra forma de educaccedilatildeo eacute Sabidamente natildeo
era a emancipaccedilatildeo dos sujeitos do campo ou a preparaccedilatildeo para a educaccedilatildeo superior o seu
propoacutesito mas antes as tarefas manuais da agricultura cuja necessidade educacional se
resumia aos anos iniciais do Ensino Fundamental
Freire (2011 p 83) afirma que ―Natildeo eacute de se estranhar pois que nessa visatildeo bancaacuterialsquo
da educaccedilatildeo os homens sejam vistos como seres da adaptaccedilatildeo do ajustamento Essa
educaccedilatildeo que Freire chama bancaacuteria e que serve perfeitamente agrave Educaccedilatildeo Rural esteve
embrionariamente ligada aos interesses dos latifundiaacuterios brasileiros tanto como formaccedilatildeo de
matildeo-de-obra como forma de manter privileacutegios dos ruralistas ao passo que negara a vocaccedilatildeo
33
ontoloacutegica do homem ou seja a vocaccedilatildeo de ser mais ―A escola rural estaacute profundamente
distanciada da realidade do trabalho e da vida dos agricultores uma vez que a educaccedilatildeo tem
sido utilizada pelas classes dominantes para manter a classe trabalhadora rural subordinada
aos seus interesses (RIBEIRO 2010 p 176)
Nesse sentido podemos observar um ―problema no curriacuteculo da educaccedilatildeo rural Esse
problema eacute resultado de interesses a saber ao longo da histoacuteria natildeo vimos em nenhum
horizonte uma accedilatildeo governamental que tivesse a finalidade de proporcionar uma educaccedilatildeo
diferenciada positivamente para os sujeitos do campo Pelo contraacuterio as accedilotildees estiveram
sempre ligadas muito mais aos interesses dos grandes latifundiaacuterios e da classe poliacutetica do
que agraves reais necessidades das populaccedilotildees camponesas
Se olharmos por exemplo o periacuteodo que compreende a deacutecada de 1940 aos anos
1960 veremos que esse interstiacutecio eacute fortemente marcado pelas campanhas de alfabetizaccedilatildeo das
populaccedilotildees camponesas Esse fenocircmeno tem um imperativo como podemos observar na obra
de Saviani (2008 p 316)
O direito de voto contudo estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo o que levou
os governantes a organizar programas campanhas e movimentos de
alfabetizaccedilatildeo de jovens e adultos dirigidos natildeo apenas aos crescentes
contingentes urbanos mas tambeacutem a populaccedilatildeo rural Daiacute o surgimento de
campanhas ministeriais que se estenderam da deacutecada de 1940 ateacute 1963
Vale salientar que essas campanhas tinham como objetivo a educaccedilatildeo elementar nada
que ultrapassasse a fronteira do direito ao voto um exemplo eacute a Campanha Nacional de
Educaccedilatildeo Rural (CNER) Percebemos o quatildeo alarmante era o quadro em que estavam imersas
as populaccedilotildees do campo nesse periacuteodo Nessa mesma conjuntura mas com caraacuteter
eminentemente progressista surgem diversas organizaccedilotildees populares em vaacuterias partes do
paiacutes debatendo e organizando as populaccedilotildees pobres no sentido de conscientizar esses sujeitos
para intervirem conscientemente na poliacutetica e na sociedade brasileira Wanderley (2010 p
85) aponta que
No tempo decisivo citado sobre a emergecircncia dos processos educativos
populares irromperam os movimentos de cultura popular cujo viacutenculo com
os mesmos foram impactantes MCP do Recife de Natal do MEB Meacutetodo
Paulo Freire entre outros Jaacute naquela eacutepoca eles compareciam situados
como movimentos rurais e urbanos Sua influecircncia na poliacutetica da mesma
maneira foi exponencial na linha de pressionar por mudanccedilas de fundo por
34
isso mesmo no Brasil e em outros paiacuteses latino-americanos foram
duramente reprimidos nas ditaduras implantadas
Sobre o caraacuteter educativo dessa mobilizaccedilatildeo Saviani (2008 p 317) nos expotildee o
seguinte
A mobilizaccedilatildeo que toma vulto na primeira metade dos anos 1960 assume
outra significaccedilatildeo Em seu centro emerge a preocupaccedilatildeo com a participaccedilatildeo
poliacutetica das massas a partir da tomada de consciecircncia da realidade brasileira
E a educaccedilatildeo passa a ser vista como instrumento de conscientizaccedilatildeo A
expressatildeo ―educaccedilatildeo popular assume entatildeo o sentido de uma educaccedilatildeo do
povo pelo povo e para o povo pretendendo-se superar o sentido anterior
criticada como sendo uma educaccedilatildeo das elites dos grupos dirigentes e
dominantes pra o povo visando a controlaacute-lo manipulaacute-lo ajustaacute-lo agrave
ordem existente
Nesse panorama histoacuterico eacute salutar ressaltar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire como um
autecircntico representante desse momento histoacuterico Freire esteve preocupado antes de tudo em
inserir um caraacuteter poliacutetico agrave educaccedilatildeo em educar para a conscientizaccedilatildeo e a poliacutetica Daiacute sua
forte defesa da natildeo neutralidade da educaccedilatildeo pensamento oposto agravequele presente no ideaacuterio
da Educaccedilatildeo Rural ele opocircs-se veemente ao manuseio da formaccedilatildeo atrelada aos interesses
das classes opressora
Os espaccedilos populares forjaram grandes pensadores Paulo Freire eacute um desses que
comprova a experiecircncia e a realidade da cotidianidade como geradora de conteuacutedo de
curriacuteculo e como loacutecus para o desenvolvimento de uma praacutetica popular de educaccedilatildeo baseada
na necessidade do sujeito Esse vieacutes foi estrategicamente negligenciado pela Educaccedilatildeo Rural
Esse caraacuteter de uma educaccedilatildeo transformadora e libertaacuteria eacute usado na experiecircncia de
Angicos Estado do Rio Grande do Norte em 1963 onde Paulo Freire desenvolveu seu
―meacutetodo que alfabetizou trabalhadores rurais daquele municiacutepio em um curto intervalo de
tempo Ele e sua equipe ―[] Alfabetiza 300 trabalhadores Este trabalho obteacutem grande
repercussatildeo nacional e internacional Estende a experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN)
e Joatildeo Pessoa (PB) (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012
p146) Nessa experiecircncia o contexto do sujeito assume grande relevacircncia assim como o
trabalho
A concepccedilatildeo de campo na Educaccedilatildeo Rural tambeacutem apresentara um conceito
esvaziado colocado frequentemente como o lugar onde se produzem alimentos para manter a
35
cidade somente Um lugar sem vida anocircnimo anocircmico e anecircmico Essa era e ainda eacute para
muitos o ideaacuterio de campo que predomina em nossa sociedade
Em seu livro Gritti (2003) demonstra que a escola puacuteblica rural foi um
potente instrumento para a expansatildeo do capitalismo no campo brasileiro
trazendo como consequumlecircncia a desestruturaccedilatildeo do modo de vida dos
trabalhadores rurais principalmente seu trabalho os saberes e a cultura que
lhes satildeo proacuteprios (SAVIENI 2008 p 317)
Como jaacute afirmamos na Educaccedilatildeo Rural haacute uma distacircncia muito significativa entre os
conteuacutedos trabalhados em sala de aula e a realidade dos educandos isso eacute potencializado
ainda mais pelo livro didaacutetico e pela formaccedilatildeo do professor que em boa medida natildeo mora no
campo muitas vezes natildeo tem afinidade com aquela realidade e acaba reforccedilando estereoacutetipos
e preconceitos acerca do campo e dos sujeitos (ARAUacuteJO SILVA 2011) Como consequecircncia
desse distanciamento haacute um processo de urbanizaccedilatildeo das escolas do campo ou seja um
transplante da metodologia da escola urbana para a escola rural ou como eacute comum a
deslocaccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos do campo para as escolas da cidade
Segundo Ribeiro (2010) apesar de ter seu reconhecimento no final do Segundo
Impeacuterio a Educaccedilatildeo Rural tem seu desenvolvimento na primeira metade do seacuteculo XX Os
primeiros incentivos a esse modelo de educaccedilatildeo no Brasil se deram durante o Estado Novo
na deacutecada de 1930 Nesse momento essa educaccedilatildeo se dava em boa parte por campanhas de
alfabetizaccedilatildeo Tais campanhas estavam diretamente atreladas aos interesses da incipiente
industrializaccedilatildeo que chegara ao nosso Paiacutes e aos interesses eleitoreiros uma vez que o voto
estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo como exposto anteriormente Ainda segunda a autora a
Educaccedilatildeo Rural estava baseada numa concepccedilatildeo evolucionista que considerava os costumes
e a vida do homem do campo como atrasado e necessaacuterio de ser evoluiacutedo
A partir da deacutecada de 1950 alguns oacutergatildeos satildeo criados com o objetivo de desenvolver
as regiotildees brasileiras que apresentavam maiores iacutendices de pobreza assim surge a
Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) o Instituto Nacional de
Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) a Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria
(SUPRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agraacuterio (INDA) oacutergatildeos federais que
tratariam de questotildees relativas agrave reforma agraacuteria no Brasil (NETO 2007) Esperava-se com
isso a melhoria da vida da populaccedilatildeo do campo brasileiro entretanto muitas dessas agecircncias
36
se tornaram loacutecus de corrupccedilatildeo e manutenccedilatildeo de privileacutegios dos grupos dominantes do Norte
e Nordeste
Durante a Ditadura Civil Militar brasileira a educaccedilatildeo das populaccedilotildees camponesas
seguiu a reboque da modernizaccedilatildeo agriacutecola guinando ao sabor do vento da mecanizaccedilatildeo do
campo Essa educaccedilatildeo continuou a ser objeto de manutenccedilatildeo de privileacutegios da burguesia
agraacuteria e de negaccedilatildeo de direitos e emancipaccedilatildeo das populaccedilotildees rurais Na deacutecada de 1980
Carter (2010 p 38) afirma que
Um novo ciclo de mobilizaccedilatildeo por terra irrompeu com forccedila no iniacutecio da
deacutecada de 1980 de modo especial na Regiatildeo Sul Brasil Ele surgiu com o
apoio de uma rede progressista no meio religioso e a assistecircncia de vaacuterios
sindicatos de trabalhadores rurais em um contexto de intensa modernizaccedilatildeo
agriacutecola crescentes demandas na sociedade civil pela restauraccedilatildeo da
democracia e o decliacutenio gradual do regime militar O MST foi instituiacutedo
formalmente e em niacutevel nacional em janeiro de 1984 Um ano mais tarde o
Brasil testemunhou a inauguraccedilatildeo de um movo governo civil
Haacute um pensamento que advoga que durante a Ditadura Civil Militar houve uma
calmaria nos movimentos sociais como jaacute salientamos anteriormente entendemos que houve
na verdade uma censura um silenciamento dos atores sociais dos sujeitos Os movimentos
sociais estavam em luta estavam em formaccedilatildeo o MST por exemplo tem sua gestaccedilatildeo ainda
na deacutecada de 1970 assim como a Comissatildeo Pastoral da Terra ndash CPT que foi criada para
conter a onda de assassinatos de trabalhadores rurais e acabou tendo grande importacircncia na
proteccedilatildeo daqueles sem-terra que lutavam pela redemocratizaccedilatildeo do Brasil (SCOLESE 2008)
Esses movimentos embora natildeo tivessem em sua gecircnese a educaccedilatildeo como foco central jaacute
traziam uma denuacutencia importante e uma necessidade de reversatildeo da situaccedilatildeo negligente a qual
as populaccedilotildees rurais se encontravam
A Educaccedilatildeo Rural ainda eacute um fenocircmeno existente em nossa sociedade natildeo podemos
dizer que ela foi enterrada com o advento do paradigma10
da Educaccedilatildeo do Campo Sabe-se
que os desafios ainda satildeo muitos A educaccedilatildeo das comunidades rurais tem alcanccedilado avanccedilos
10 De acordo com Kuhn (2009) o conceito de paradigma eacute entendido como sendo o conjunto das realizaccedilotildees da
ciecircncia reconhecidas universalmente ou seja o paradigma refere-se a um conjunto de crenccedilas ou premissas
sobre o que se julga verdadeiro Satildeo processos de construccedilatildeo de conhecimentos capazes de elaborar teorias que
servem como ponto de partida para a resoluccedilatildeo de problemas da comunidade e satildeo o referencial para a
elaboraccedilatildeo de novos trabalhos cientiacuteficos
37
entretanto ainda haacute muito que avanccedilar A Educaccedilatildeo do Campo eacute uma utopia utopia
necessaacuteria que nas palavras de Paulo Freire citado por Moacir Gadotti (1996 p 732) ―eacute a
dialeacutetica entre o ato de denuacutencia do mundo que se desumaniza e o anuacutencio do mundo que se
humaniza
A Educaccedilatildeo do Campo forjada no bojo dos movimentos de resistecircncia tem sido uma
ferramenta para a classe trabalhadora fazendo o contraponto necessaacuterio ao modelo da nova
pedagogia da hegemonia (NEVES 2005) cujo fulcro tem sido o ideaacuterio privatista
desumanizador e mercantil Eacute nessa concepccedilatildeo que apontamos para a Educaccedilatildeo do Campo
como anunciante de outra possibilidade de educaccedilatildeo esse paradigma vem proporcionando
esperanccedila e ressignificando o sentida da luta pelo direito agrave educaccedilatildeo e agrave vida
23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO
Como externamos a pouco de forma breve a Educaccedilatildeo do Campo tem dado passos
importantes rumo agrave construccedilatildeo de um novo paradigma educacional para as populaccedilotildees do
campo brasileiro Tem feito um tensionamento necessaacuterio ao atual modelo da pedagogia que
tornou-se hegemocircnica que de acordo com Freire (2011) a pedagogia dominante eacute a pedagogia
da classe dominante No entanto muitos afirmam que na realidade as escolas do campo ainda
apresentam problemas estruturais e que mudar o nome dessa educaccedilatildeo natildeo resolveraacute a
questatildeo De fato as escolas do campo ainda apresentam desafios a serem superados
entretanto eacute salutar perceber que algo estaacute acontecendo
Trazer o debate da educaccedilatildeo agrave tona natildeo eacute uma tarefa faacutecil e falar em educaccedilatildeo de
populaccedilotildees historicamente excluiacutedas residentes de uma aacuterea tida como atrasada como eacute
colocado o campo eacute uma tarefa ainda mais complexa Falar de uma educaccedilatildeo ―Para aleacutem do
capital ainda mais nesse tempo eacute sem duacutevida uma tarefa das mais louvaacuteveis A educaccedilatildeo do
Campo tem conseguido essa faccedilanha tem posto em xeque a educaccedilatildeo rural e tem sobretudo
conquistado pela luta sua institucionalidade e seu reconhecimento enquanto um direito da
classe camponesa Nesse sentido a mudanccedila natildeo tem se restringido somente agrave nomenclatura
mas principalmente as conquistas reais
38
Trazemos uma indagaccedilatildeo que nos diz muito sobre a questatildeo da educaccedilatildeo das
populaccedilotildees do campo Arroyo Caldart e Molina na 4ordf ediccedilatildeo da obra ―Por uma Educaccedilatildeo do
Campo de 2009 questionam
Interroga-nos porque nem sequer os governos democraacuteticos nem sequer o
movimento educacional progressista conseguiram colocar em seus
horizontes o direito dos camponeses agrave educaccedilatildeo O olhar negativo
preconceituoso do campo e seu lugar no modelo de desenvolvimento seriam
responsaacuteveis A agricultura camponesa vista como sinal de atraso
inferioridade como um modelo de produccedilatildeo de vida e cultura em extinccedilatildeo
Como quebrar o fetiche que coloca o povo do campo como algo agrave parte
(ARROYO CALDART MOLINA 2009 p 11)
Essas questotildees nos ajudam a entender o terreno em que estamos pisando Ele eacute repleto
de contradiccedilotildees eacute delicado por isso mesmo eacute preciso perspicaacutecia para mover-se nesse debate
em que pese os riscos de naturalizaccedilatildeo de fenocircmenos que satildeo histoacutericos e sociais
Para tomarmos como momento histoacuterico a Ditadura Civil Militar Fernandes (2010 p
163) afirma que
O Governo militar tentou minimizar os conflitos de terra com a implantaccedilatildeo
de projetos de colonizaccedilatildeo na Amazocircnia mas essa poliacutetica de fomentar a
migraccedilatildeo camponesa natildeo diminuiu os conflitos por terra na regiatildeo Sul
Sudeste e Nordeste do Paiacutes Desde o iniacutecio o regime militar reprimiu com
violecircncia as accedilotildees dos trabalhadores que reivindicaram seus direitos como o
acesso agrave terra e melhores condiccedilotildees de trabalho
Os conflitos no campo se tornaram uma constante A contraditoacuteria relaccedilatildeo entre
trabalho e capital tornou-se insustentaacutevel (RIBEIRO 2010) a reforma agraacuteria era uma
questatildeo premente Os movimentos sociais do campo retomam a bandeira da necessidade dessa
reforma como direito e sobretudo como paracircmetro de equidade social entre as populaccedilotildees
do campo e da cidade
Com o fim do regime militar nos anos 1980 sobretudo devido agraves pressotildees advindas da
sociedade civil11
os movimentos sociais assumem o protagonismo das lutas em defesa do
11 Para Gramsci diversamente ―sociedade civil designa o conjunto das organizaccedilotildees responsaacuteveis pela
elaboraccedilatildeo eou difusatildeo das ideologias compreendendo o sistema escolar os sindicatos os meios de
comunicaccedilatildeo as instituiccedilotildees de caraacuteter cientiacutefico e artiacutestico etc (COUTINHO 2011 p 25)
39
trabalho da terra da educaccedilatildeo Eacute nesse momento que irrompe como um dos principais
protagonistas da luta por uma Educaccedilatildeo do Campo o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) movimento social que para Fernandes (2012 p 496)
Reuacutene em sua base diferentes categorias de camponeses pobres ndash como
parceiros meeiros posseiros minifundiaacuterios e trabalhadores assalariados
chamados de sem terra e tambeacutem diversos lutadores sociais para desenvolver
as lutas pela terra pela Reforma Agraacuteria e por mudanccedilas na agricultura
brasileira
Esse cenaacuterio de exclusatildeo negaccedilatildeo de direitos e luta dos camponeses eacute propiacutecio ao
surgimento de praacuteticas educativas autecircnticas forjadas na proacutepria luta Como nos questiona
Freire (2011 p 42-43) ―Quem melhor que os oprimidos se encontraraacute preparado para
entender o significado terriacutevel de uma sociedade opressora Quem sentiraacute melhor que eles os
efeitos da opressatildeo Quem mais que eles para ir compreendendo a necessidade da
libertaccedilatildeo Nesse processo de luta emerge uma forma alternativa de educaccedilatildeo no campo do
campo e com o campo o que viria a tomar corpo e que hoje chamamos Educaccedilatildeo do Campo
Uma das principais diferenccedilas entre Educaccedilatildeo Rural e Educaccedilatildeo do Campo estaacute na
utilizaccedilatildeo e no propoacutesito dessas duas formas de educar A primeira como vimos estaacute
fortemente atrelada a utilizaccedilatildeo da matildeo-de-obra no trabalho dos latifuacutendios em condiccedilatildeo
humana precaacuteria A Educaccedilatildeo do Campo tem como objetivo a formaccedilatildeo para o trabalho e para
a vida pensa o sujeito em sua amplitude sua autonomia e sua capacidade de decidir Pensa
modelos de desenvolvimento para agricultura que natildeo resida no agronegoacutecio e na economia
de exportaccedilatildeo tatildeo somente mas uma economia solidaacuteria e a pequena propriedade como forma
de sustentabilidade ambiental e social para as populaccedilotildees tradicionais do campo
A pedagogia do oprimido dos excluiacutedos dos tempos de barbaacuterie natildeo estaacute
em encontrar meacutetodos novos para educar os baacuterbaros civilizar os oprimidos
ou incluir os excluiacutedos nos valores e saberes dos ―civilizados mas estaacute em
apreender com o conjunto de processos que os excluiacutedos e oprimidos
reinventam para continuar humanos manter seus valores e seus saberes sua
cultura e memoacuteria coletiva sua identidade e dignidade (ARROYO 2011 p
274)
Desse modo percebe-se uma niacutetida evidecircncia de que os movimentos sociais do campo
desenvolveram uma produccedilatildeo pedagoacutegica que tem como sustento suas proacuteprias necessidades
e seu espaccedilo de luta e trabalho
40
A mobilizaccedilatildeo do MST e outros segmentos da sociedade civil tiveram como resultado
a realizaccedilatildeo do I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agraacuteria ndash
ENERA ndash realizado em Brasiacutelia e promovido pelo Movimento em parceria com a UnB a
Unesco o Unicef e a CNBB em junho de 1997 (RIBEIRO 2010) Como fruto desse encontro
e do acuacutemulo dos movimentos sociais na defesa dos direitos agrave educaccedilatildeo vimos brotar de um
chatildeo ―aacuterido e seco o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) uma das
grandes conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo
O Pronera foi criado em 16 de abril de 1998 num contexto de organizaccedilatildeo e
mobilizaccedilatildeo dos Sem Terra em memoacuteria dos massacres de Corumbiara em Rondocircnia em
1995 e Eldorado dos Carajaacutes no Estado do Paraacute ocorrido em 1996 (SANTOS 2012)
Podemos dizer que a primeira conquista do Movimento de Educaccedilatildeo do Campo foi a
institucionalizaccedilatildeo desse Programa
O Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) eacute uma
poliacutetica puacuteblica do governo federal especiacutefica para a educaccedilatildeo formal de
jovens e adultos assentados da Reforma Agraacuteria e do creacutedito fundiaacuterio e para
a formaccedilatildeo de educadores que trabalham nas escolas dos assentamentos ou
do seu entorno e atendem a populaccedilatildeo assentada (SANTOS 2012 p 629)
Assim podemos afirmar que o Programa eacute na verdade uma conquista pela via da luta
e da organizaccedilatildeo da sociedade camponesa em prol de um direito que eacute a educaccedilatildeo e de uma
necessidade que eacute a formaccedilatildeo de professores para as escolas do campo Como objetivos
gerais o Pronera se pretende a
I ndash oferecer educaccedilatildeo formal aos jovens e adultos beneficiaacuterios do Programa
Nacional de Reforma Agraacuteria (PNRA) em todos os niacuteveis de ensino e aacutereas
do conhecimento
II ndash melhorar as condiccedilotildees de acesso agrave educaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e
III ndash proporcionar melhorias no desenvolvimento dos assentamentos rurais
por meio da formaccedilatildeo e qualificaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e dos
profissionais que desenvolvem atividades educacionais e teacutecnicas nos
assentamentos (BRASIL 2011 p 13)
De acordo com o Decreto Nordm 7352 que dispotildee sobre a poliacutetica de educaccedilatildeo do campo
e o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria ndash Pronera ndash Satildeo beneficiaacuterios do
programa
41
I - populaccedilatildeo jovem e adulta das famiacutelias beneficiaacuterias dos projetos de
assentamento criados ou reconhecidos pelo INCRA e do Programa Nacional
de Creacutedito Fundiaacuterio ndash PNFC
II - alunos de cursos de especializaccedilatildeo promovidos pelo INCRA
III - professores e educadores que exerccedilam atividades educacionais voltadas
agraves famiacutelias beneficiaacuterias e
IV - demais famiacutelias cadastradas pelo INCRA
Devido ao seu caraacuteter eminentemente popular o Pronera tem enfrentado barreiras
significativas tanto por parte dos oacutergatildeos de controle como o Tribunal de Contas da Uniatildeo por
exemplo como por setores conservadores da Cacircmara e no Senado Federal sendo a bancada
ruralista o maior expoente dessa oposiccedilatildeo Alem disso dentro das universidades tambeacutem tem
enfrentado desafios no que se refere a permanecircncia dos estudantes
No entanto como afirma Brandatildeo (2009) a Educaccedilatildeo Popular tem como essecircncia a
resistecircncia e a oposiccedilatildeo ao status quo social Como a Educaccedilatildeo do Campo herda demasiado
caraacuteter desse paradigma educacional assim como da pedagogia freireana essas tensotildees e
conflitos representam disputas inerentes ao tecido social
O resultado do I Enera aleacutem da criaccedilatildeo do Pronera teve ainda a inserccedilatildeo definitiva da
Educaccedilatildeo do Campo no cenaacuterio nacional como afirma Roseli Caldart (2012 p 257)
O surgimento da expressatildeo ―Educaccedilatildeo do Campo pode ser datada Nasceu
primeiro como Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo no contexto de preparaccedilatildeo da I
Conferecircncia Nacional por uma Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo realizada em
Luziacircnia Goiaacutes de 27 a 30 de julho de 1998 Passou a se chamar Educaccedilatildeo
do Campo a partir das discussotildees do Seminaacuterio Nacional realizado em
Brasiacutelia de 26 a 29 de novembro de 2002 decisatildeo posteriormente reafirmada
nos debates da II Conferecircncia Nacional realizada em julho de 2004
A Educaccedilatildeo do Campo estaacute embrionariamente ligada aos movimentos sociais eacute a
educaccedilatildeo pensada por esses movimentos e natildeo para eles Desse modo pensar essa educaccedilatildeo
dissociada das praacuteticas e das lutas desses movimentos eacute cair num grande equiacutevoco A
Educaccedilatildeo do Campo tem sido uma ferramenta de luta para a classe trabalhadora do campo
natildeo como pura e simplesmente uma modalidade de ensino mas como um fenocircmeno capaz de
devolver aos sujeitos do campo a sua integraccedilatildeo com seu lugar
A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com
ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento
42
proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica em
que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem absolutizar-se
fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-o a julgar o seu
mundo algo sobre que apenas se acha A sua integraccedilatildeo o enraiacuteza Faz dele na
feliz expressatildeo de Marcel ―um ser situado e datado (FREIRE 1983 p 42)
Desse modo a Educaccedilatildeo do Campo se propotildee a construir coletivamente um
contraponto a um paradigma educacional desumanizado que tem como fulcro os interesses do
mercado capitalista tatildeo somente A esse respeito Jesus (2006 p 51) afirma que
Essa educaccedilatildeo tem na sua origem a necessidade de reinventar as praacuteticas
sociais contra um processo perverso de uma forma hegemocircnica de
globalizaccedilatildeo econocircmica poliacutetica e cultural que impotildee aos diferentes paiacuteses
perifeacutericos e semi-perifeacutericos a reorganizaccedilatildeo das formas de poder de
produccedilatildeo do conhecimento e de desenvolvimento econocircmico e social que
aumenta assustadoramente a perda das autonomias e as desigualdades em
especial entre o povo brasileiro que vive no campo ou eacute excluiacutedo dele
Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo natildeo estaacute acabada eacute pensada a partir das
demandas e necessidades mutaacuteveis que a realidade concreta apresenta Coaduna trabalho e
formaccedilatildeo como partes indissociaacuteveis para a construccedilatildeo do sujeito autocircnomo (SANTOS
2012) Essa Educaccedilatildeo natildeo estaacute paralela aos movimentos sociais ela eacute a educaccedilatildeo desses
movimentos Foi gestada nas lutas por terra nas ocupaccedilotildees nos assentamentos no
enfrentamento das desigualdades sociais Custou vidas e sonhos portanto eacute uma produccedilatildeo
pedagoacutegica autecircntica do movimento de resistecircncia que estaacute muito aleacutem do conceito esvaziado
de educaccedilatildeo dos tempos de produccedilatildeo
Eacute importante destacar que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo natildeo minimiza a
importacircncia dos conteuacutedos e dos conhecimentos historicamente produzidos e acumulados pela
humanidade Natildeo minimiza o curriacuteculo a gestatildeo o planejamento Muito pelo contraacuterio a
Educaccedilatildeo do Campo procurar encher de sentido esses instrumentos que foram esvaziados pela
loacutegica capitalista Busca explicitar o curriacuteculo oculto almeja a gestatildeo democraacutetica e
participativa busca ainda um planejamento no qual os sujeitos e suas realidades e
necessidades tambeacutem sejam parte Nesse sentido a criacutetica feita a Paulo Freire de formular
uma pedagogia sem conteuacutedos eacute hoje dirigida ao paradigma educacional em questatildeo No
entanto essas criacuteticas tecircm partido muito mais de setores burocraacuteticos da sociedade em que
pese natildeo reconheceram a importacircncia e os reais avanccedilos e conquistas dos sujeitos do campo
na contemporaneidade
43
24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS
CONHECIMENTO
A necessidade de uma escola que respeite os saberes dos sujeitos forjados no trabalho
com a terra cujos direitos em boa medida o Estado lhes cerceou historicamente eacute
fundamental para o debate da Educaccedilatildeo do Campo Indubitavelmente a metodologia que
melhor compactua trabalho e formaccedilatildeo e cujo assento reside na relevacircncia das praacuteticas
culturais inerentes aos sujeitos do campo eacute a Pedagogia da Alternacircncia
Entendemos que a Pedagogia da Alternacircncia precisa ser situada dentro da perspectiva
do multiculturalismo12
do curriacuteculo Eacute uma proposta natildeo hegemocircnica utilizada pelos
movimentos sociais que se articulam na Via Campesina13
e que procura coadunar trabalho e
educaccedilatildeo o que sem duacutevida configura um dos maiores desafios da educaccedilatildeo na
contemporaneidade A inclusatildeo das praacuteticas dos trabalhadores nos conteuacutedos e metodologias
da escola eacute importante natildeo somente como forma de respeito mas como ferramenta de
equiparaccedilatildeo e permanecircncia desses sujeitos na escola
Segundo Ribeiro (2012) a Pedagogia da Alternacircncia tem origem com as Casas
Familiares Rurais (CFRlsquos) na Franccedila e com as Escolas Familiares Rurais (EFAlsquos) na Itaacutelia
―Pode-se dizer que eacute uma alternativa metodoloacutegica de formaccedilatildeo profissional agriacutecola para
jovens inicialmente do sexo masculino filhos de agricultores franceses (idem 2012 p 293)
Outra raiz histoacuterica ainda segundo a autora estaacute nas experiecircncias de trabalho e educaccedilatildeo
efetivadas na Ruacutessia poacutes-revolucionaacuteria de 1917 Expostas essas duas matrizes histoacutericas os
movimentos camponeses que pautam a educaccedilatildeo do campo no Brasil tendem a se filiarem
em sua maioria a essa segunda concepccedilatildeo histoacuterica
12 Multicultural eacute um termo qualificativo Descreve as caracteriacutesticas sociais e os problemas de governabilidade
apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma
vida em comum ao mesmo tempo em que reteacutem algo de sua identidade original Em contrapartida o termo
multiculturalismo e substantive Refere-se as estrateacutegias e politicas adotadas para governar ou administrar
problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais E usualmente utilizado no
singular significando a filosofia especifica ou a doutrina que sustenta as estrateacutegias multiculturais
Multicultural entretanto eacute por definiccedilatildeo plural (HALL 2009 p 52)
13 Criada em 1992 a Via Campesina eacute uma organizaccedilatildeo mundial que articula movimentos sociais que lutam pela
terra Entre seus objetivos a solidariedade eacute o mais presente A Via condena o modo predatoacuterio de produccedilatildeo
cujo objetivo se resume a exportaccedilatildeo condena a nomocultura o uso excessivo de agrotoacutexicos que satildeo
caracteriacutesticas do modelo de produccedilatildeo do agronegoacutecio (FERNANDES 2012)
44
Ela [a pedagogia da alternacircncia] brota do desejo de natildeo cortar raiacutezes Eacute uma
das pedagogias produzidas em experiecircncias de escolas do campo em que o
MST se inspirou Busca integrar a escola com a famiacutelia e a comunidade do
educando No nosso caso ela permite uma troca de conhecimento e o
fortalecimento dos laccedilos familiares e do viacutenculo dos educandos com o
assentamento ou acampamento o MST e a terra (CALDART 2009 p 104
Com grifos do autor)
Essa pedagogia natildeo foi gestada nas universidades ela natildeo envolve nem pesquisadores
nem docentes (RIBERIRO 2010) Eacute uma proposta que busca garantir interligaccedilatildeo entre dois
espaccedilos instituiccedilotildees de ensino e atividades de trabalho comum aos agricultores Esse meacutetodo
estaacute diretamente ligado agrave concepccedilatildeo de trabalho e educaccedilatildeo pautado pelos pensadores
marxistas que entendem que o trabalho tem em si um princiacutepio educativo capaz de garantir
uma formaccedilatildeo omnilateral pensamento esse tambeacutem advogado por Paulo Freire e educadores
criacuteticos do Brasil
A alternacircncia se divide em dois momentos o Tempo Escola (TE) em que os
educandos permanecem de duas semanas a dois meses dependendo do curso no espaccedilo da
escola em regime de internato e o Tempo Comunidade (TC) momento no qual os educandos
retornam agraves suas propriedades familiares ou agraves comunidades ou aos assentamentos ou ainda
aos acampamentos para colocarem em praacutetica os conhecimentos que foram objeto de estudo
no TE (RIBEIRO 2010)
Mais que uma caracteriacutestica de sucessotildees repetidas de sequumlecircncia a
alternacircncia enquanto princiacutepio pedagoacutegico visa desenvolver na formaccedilatildeo
dos jovens situaccedilotildees em que o mundo escolar se posiciona em interaccedilatildeo com
o mundo que o rodeia Buscando articular universos considerados opostos ou
insuficientemente interpenetrados ndash o mundo da escola e o mundo da vida a
teoria e a praacutetica o abstrato e o concreto ndash a alternacircncia coloca em relaccedilatildeo
diferentes parceiros com identidades preocupaccedilotildees e loacutegicas tambeacutem
diferentes (SILVA 2000 p 16)
Esse modelo de se fazer educaccedilatildeo pode ter um papel determinante no combate ao
processo nefasto que vem cerceando o direito dos povos do campo a terem acesso agrave educaccedilatildeo
de qualidade sem sair do campo em que pese agrave poliacutetica de nucleaccedilatildeo a qual temos
testemunhado na atualidade Esse processo tem a finalidade de diminuir custos com a
formaccedilatildeo dos filhos dos agricultores que satildeo deslocados para uma escola-nuacutecleo
normalmente localizada na cidade (Ribeiro 2010)
45
A Pedagogia da Alternacircncia compartilha saberes acadecircmico e aqueles advindos do
cotidiano do trabalho na agricultura na pesca nas florestas nos quilombos e em uma
infinidade de espaccedilos que o conceito de campo compreende na contemporaneidade Nesse
sentido a leitura de mundo dos sujeitos tem papel de destaque nessa pedagogia Para Freire
(1983) ―basta ser homem para ser capaz de captar os dados da realidade Para ser capaz de
saber ainda que seja este saber meramente opinativo daiacute que natildeo haja ignoracircncia absoluta
nem sabedoria absoluta (p105) Outro fator importante eacute entender a situaccedilatildeo concreta do
sujeito no mundo como determinante para sua accedilatildeo (FREIRE 2011)
Desse modo compreendemos o curriacuteculo da Educaccedilatildeo do Campo neste trabalho
baseado na Pedagogia da Alternacircncia que uma vez partilhada entre tempo escola e tempo
comunidade significa uma possibilidade de associaccedilatildeo entre trabalho e formaccedilatildeo Essa
metodologia proporciona ainda uma maior aproximaccedilatildeo entre escola e comunidade de modo
a estreitar a dicotomia estabelecida entre teoria e praacutetica No Tempo Escola aleacutem da
aquisiccedilatildeo dos conteuacutedos eacute tambeacutem o momento de pensar sobre a loacutegica o sentido e o valor
social desses conteuacutedos No Tempo Comunidade busca-se a continuidade atraveacutes da praacutexi
dos conhecimentos adquiridos na escola Para melhor esclarecer esse processo vejamos a
seguinte citaccedilatildeo
No Tempo Escola os educandos formam um coletivo muitas vezes oriundos
de diferentes comunidades que ao trazer questotildees reflexotildees
problematizaccedilotildees das suas localidades especiacuteficas ampliam o processo de
reflexatildeo sobre as realidades do campo confrontando as muacuteltiplas situaccedilotildees
que as compotildeem No Tempo Comunidade cada educando individualmente
ou em pequenos grupos deve reafirmar seu envolvimento com sua
comunidade desenvolvendo nela as atividades de pesquisa reflexatildeo
problematizaccedilatildeo e em alguns casos intervenccedilatildeo Dessa forma cria-se um
novo coletivo de accedilatildeo (educando ndash comunidade) que permite inclusive a
participaccedilatildeo indireta do conjunto da comunidade no processo educativo
reforccedilando a relaccedilatildeo escola ndash comunidade (ANTUNES-ROCHA MARTINS
2011 p 226)
Fica evidente que haacute uma aproximaccedilatildeo entre os dois momentos e que ambos satildeo
formativos Aleacutem disso se coloca de forma expliacutecita o trabalho com as experiecircncias e
multiplicidades de culturas que os povos do campo trazem consigo com o outro e com
mundo
46
As peculiaridades da Educaccedilatildeo do Campo natildeo podem ser entendidas como adaptaccedilotildees
ou como modelo da educaccedilatildeo hegemocircnica antes deve ser entendida com autenticidade Sua
organizaccedilatildeo portanto natildeo pode se pautar na educaccedilatildeo urbana adaptada ao campo mas sim
uma educaccedilatildeo proacutepria desse campo Suas conquistas foram arrancadas do seio da educaccedilatildeo
posta historicamente uma educaccedilatildeo que jamais destinou espaccedilo em seu curriacuteculo agraves
vivecircncias agrave leitura de mundo dos sujeitos ou ao trabalho agriacutecola desempenhado pelos povos
do campo14
Verificamos portanto o surgimento desse paradigma metodoloacutegico natildeo como uma
criaccedilatildeo academicista mas como uma necessidade de um modelo ou uma metodologia que
coadune formaccedilatildeo escolar e trabalho praacutetico A Pedagogia da Alternacircncia se confunde com a
proacutepria Educaccedilatildeo do Campo visto que ela natildeo foi uma formalidade acadecircmica pensada e
pesquisada para as populaccedilotildees campesinas ainda que tenha grandes contribuiccedilotildees de
pesquisadores das universidades ela surgiu da necessidade dos proacuteprios trabalhadores e
trabalhadoras do campo
Entendendo as dimensotildees poliacuteticas e ideoloacutegicas das quais o curriacuteculo estaacute permeado
os movimentos sociais do campo foram categoacutericos em apontar para a alternacircncia como
sustentaccedilatildeo da sua praacutetica educativa Assim como eacute salutar diferenciarmos Educaccedilatildeo do
Campo de Educaccedilatildeo Rural sempre que formos chamados a refletir sobre a educaccedilatildeo destinada
agraves populaccedilotildees camponesas tambeacutem eacute importante externar a diferenccedila que haacute de forma mais
decomposta entre o curriacuteculo desses dois paradigmas de se pensar o ensino Ribeiro (2010)
fazendo uma diferenciaccedilatildeo entre os dois modelos curricular aponta
[] 3ordm) Curriacuteculo objetivos e metodologia da escola rural estatildeo direcionados
para o sistema de produccedilatildeo de mercadorias no qual o proacuteprio ser humano eacute
uma mercadoria que pode ser descartaacutevel e flexiacutevel em tempos de desemprego
estrutural e tecnoloacutegico Para a escola baacutesica do campo a memoacuteria das lutas e
das experiecircncias produtivistas constitui-se na base curricular em que se
articulam a produccedilatildeo da vida dos alimentos da sociedade e da ciecircncia Em
14 Nesse momento eacute salutar esclarecer que ao nos referimos a sujeitos do campo estamos tratando de sujeitos
concretos de assentamentos aacutereas indiacutegenas quilombolas pescadores povos que tiram sua subsistecircncia das
florestas e toda a abrangecircncia que o termo campo engloba na contemporaneidade Os sujeitos do campo satildeo
antes de tudo cidadatildeo concretos que contribuem social econocircmico e culturalmente para com as melhorias e
avanccedilos que tivemos em nosso paiacutes
47
contraposiccedilatildeo ao conhecimento cientiacutefico que expulsa e subordina os
agricultores a proposta dos movimentos sociais populares ruraisdo campo
pensa a produccedilatildeo do conhecimento a partir das experiecircncias dos agricultores
articulando tais experiecircncias com o conhecimento cientiacutefico e tecnoloacutegico
socialmente produzido (RIBEIRO 2010 p 197)
Nesse sentido o curriacuteculo da escola do campo pretendido pelos movimentos sociais eacute o
que se adeacutequa agrave vida e ao trabalho das populaccedilotildees do campo e melhor intercala formaccedilatildeo
escolar cotidiano e cultura camponesa A proposta pedagoacutegica da alternacircncia tem sido o
caminho percorrido na busca da formulaccedilatildeo de um curriacuteculo democraacutetico e que atenda de
forma satisfatoacuteria as expectativas da Educaccedilatildeo do Campo
Ainda que tenhamos apontados os pontos positivos da Pedagogia da Alternacircncia
precisamos refletir sobre aspectos que tecircm se apresentado como preocupantes dialogaremos
melhor sobre as criacuteticas a essa proposta quando estivermos analisando o curriacuteculo do curso
Pedagogia da Terra pois seraacute mais faacutecil exemplificar essas preocupaccedilotildees Adiantamos que haacute
uma grande dificuldade em estabelecer a matildeo dupla entre escolauniversidade e comunidades
Tempo Escola e Tempo Comunidade tambeacutem tecircm ocorrido de forma bastante diferente do
que se pretende mas isso veremos mais adiante
25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS
DA EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO
Nesse momento eacute salutar externarmos alguns avanccedilos que o Movimento de Educaccedilatildeo
do Campo vem conseguindo nessa empreitada de lutas diaacuterias que tem travado contra o
Estado de classe que predomina em nossa sociedade Eacute importante destacar que as conquistas
ateacute aqui alcanccediladas satildeo de meacuterito da resistecircncia que os povos do campo tecircm empreendido ao
longo dos anos na busca pela garantia dos seus direitos os quais a historia nos mostra que
foram cerceados ou negados ao longo dos tempos
O trabalho precaacuterio a espoliaccedilatildeo sofrida pelos camponeses e pelas camponesas satildeo
marcas visiacuteveis de uma sociedade excludente e atrasada Sendo assim a organizaccedilatildeo dessas
populaccedilotildees tradicionais eacute antes de tudo um direito tendo em vista a legitimidade de lutar
contra a opressatildeo A sociedade tem uma diacutevida com esses grupos portanto
48
cronologicamente estaacute na hora de assumir essa responsabilidade no sentido de garantir os
direitos baacutesicos e fundamentais aos sujeitos do campo
A aprovaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da educaccedilatildeo nacional 40241961
fora norteada pela discussatildeo entre defensores da educaccedilatildeo puacuteblica e os da escola particular e
natildeo traz avanccedilos significativos agraves populaccedilotildees trabalhadoras do campo a Lei eacute uma ―meia
vitoacuteria na voz de Aniacutesio Teixeira ―mas vitoacuteria (SAVIANI 2008) A Lei 402461 ainda
apresentara em seu acircmago uma orientaccedilatildeo pela adaptaccedilatildeo do ao meio numa clara alusatildeo a
uma visatildeo civilizatoacuteria e evolucionista do sujeito do campo (MEC 2002)
A Lei nordm 4024 de dezembro de 1961 resultou de um debate que se prolongou
durante 13 anos gerando expectativas diversas a respeito do avanccedilo que o
novo texto viria a representar para a organizaccedilatildeo da educaccedilatildeo nacional O
primeiro anteprojeto e os demais substitutivos apresentados deram visibilidade
ao acirrado embate que se estabeleceu na sociedade em torno do tema O
anteprojeto elaborado pelo GT indicado sob a orientaccedilatildeo do Ministro
Clemente Marianne representou o primeiro esforccedilo de regulamentaccedilatildeo do
previsto na Carta Magna (1946) Este aleacutem de reforccedilar o dispositivo
constitucional expressa as mudanccedilas que perpassavam a sociedade em seu
conjunto Logo em seguida diversos substitutivos entre os quais os que foram
apresentados por Carlos Lacerda redirecionaram o foco da discussatildeo
Enquanto o primeiro anteprojeto se revelava afinado com as necessidades
educacionais do conjunto da sociedade dando ecircnfase ao ensino puacuteblico a
maior parte desses substitutivos em nome da liberdade representavam os
interesses das escolas privadas (MEC 2002 p 25-26)
Em 11 de agosto de 1971 eacute sancionada a Lei 5692 que fixara diretrizes e bases para
o ensino de 1ordm e 2ordm grau e de outras providecircncias (MEC 2002 p 27) Alguns entendem
como a segunda LDB e outros vecircm como a 402461 com algumas adequaccedilotildees A Lei
propotildee ajustamento agraves diferenccedilas culturais das diferentes regiotildees Tambeacutem prevecirc a
adequaccedilatildeo do periacuteodo de feacuterias agrave eacutepoca de plantio e colheita de safras No entendo em boa
medida reafirma o caraacuteter da LBD anterior apontando para a necessidade de adaptaccedilatildeo do
camponecircs agrave terra
Para Saviani (2008) e Porto (2007) a Lei nordm 569271 teve funccedilatildeo ideoloacutegica no
sentido de dar sustentaccedilatildeo ao periacuteodo de secessatildeo democraacutetica no qual o Brasil iniciara no
ano de 1964 Nesse periacuteodo o Governo autoritaacuterio buscava uma maior inserccedilatildeo nos estados
mais pobres do Brasil com ecircnfase no Norte e Nordeste Desse modo em muitos casos essa
lei teve um caraacuteter muito mais de instrumento poliacutetico do governo do que propriamente
49
educacional Segundo os autores a lei 569271 foi promulgada sob a eacutegide da estrateacutegia do
―autoritarismo triunfante
A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496 representou um avanccedilo
significativo para a educaccedilatildeo dos povos do campo sobretudo no que se refere agrave
especificidade desses sujeitos Em seu artigo 28 podemos observar que
Na oferta da Educaccedilatildeo Baacutesica para a populaccedilatildeo rural os sistemas de Ensino
promoveratildeo as adaptaccedilotildees necessaacuterias agrave sua adequaccedilatildeo agraves peculiaridades da
vida rural e de cada regiatildeo especialmente
I- conteuacutedos curriculares e metodologias apropriadas agraves reais necessidades e
interesses dos alunos na zona rural
II- organizaccedilatildeo escolar proacutepria incluindo adequaccedilatildeo do calendaacuterio escolar agraves
fases do ciclo agriacutecola e agraves condiccedilotildees climaacuteticas
III- adequaccedilatildeo agrave natureza do trabalho na zona rural
Os avanccedilos que temos observado sobretudo a partir da primeira deacutecada do seacuteculo
XXI do ponto de vista institucional se devem em grande medida agrave organizaccedilatildeo das
populaccedilotildees do campo e agrave resistecircncia histoacuterica que tem caracterizado essa populaccedilatildeo
Fruto de um novo cenaacuterio poliacutetico social e econocircmico a primeira deacutecada do Seacuteculo
XXI apresenta avanccedilos significativos sobretudo nas aacutereas sociais e educacionais ainda que
fortemente atrelados agraves poliacuteticas neoliberais da deacutecada de 1990
A Resoluccedilatildeo CNECEB 1 de 342002 portanto institui as Diretrizes
operacionais para a educaccedilatildeo baacutesica nas escolas do campo Nessa
resoluccedilatildeo percebe-se o reconhecimento de que a escola do campo tem uma
identidade vinculada agrave realidade na qual estaacute inserida [] Ao mesmo tempo
ressalta a importacircncia da educaccedilatildeo para o exerciacutecio pleno da cidadania e para
um desenvolvimento do paiacutes que consiste na solidariedade e a justiccedila social
envolvendo as populaccedilotildees rurais e urbanas (RIBEIRO 2010 p 191)
As Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo do Campo procura englobar o
entendimento de campo isto eacute o que entes era entendido como lugar de plantar passa por
uma ampliaccedilatildeo que vai de comunidades remanescente de quilombos comunidades indiacutegenas
pescadores assentados da reforma agraacuteria aacutereas ribeirinhas comunidades sem-terra e seus
sujeitos agregados caboclos meeiros entre outras (RIBEIRO 2010)
O campo nesse sentido mais do que um periacutemetro natildeo urbano eacute um campo de
possibilidades que dinamizam as ligaccedilotildees dos seres humanos e com a proacutepria produccedilatildeo das
condiccedilotildees da existecircncia social (MEC 2002) Nesse sentido as reivindicaccedilotildees por poliacuteticas
50
puacuteblicas para esses povos assim como a valorizaccedilatildeo e reconhecimento dos seus saberes e
praacuteticas passa a ser foco subjacente desse novo periacuteodo
A aprovaccedilatildeo das Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo Baacutesica nas Escolas do
Campo eacute o resultado das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que lutam por educaccedilatildeo de
qualidade e vida digna para os povos do campo com destaque para o MST A aprovaccedilatildeo das
Diretrizes tem a contribuiccedilatildeo de vaacuterias organizaccedilotildees sociais comprometidas com as
transformaccedilotildees que a contemporaneidade enseja Satildeo Movimentos Sociais Conselhos
Estaduais e Municipais de Educaccedilatildeo Uniatildeo Nacional dos Dirigentes Municipais de Educaccedilatildeo
(UNDIME) universidades e instituiccedilotildees de pesquisa o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel Organizaccedilotildees Natildeo Governamentais e diversos outros
setores engajados em projetos direcionados para o desenvolvimento socialmente justo no
espaccedilo diverso e multilateral do campo (MEC 2002)
Podemos observar que as Diretrizes Operacionais para as Escolas do Campo vieram
como subsiacutedio e reforccedilam agrave LDB 939496 que jaacute estabelecera normas especiacuteficas agrave Educaccedilatildeo
do campo como podemos ler no artigo 5ordm das Diretrizes Operacionais das Escolas do campo
As propostas pedagoacutegicas das escolas do campo respeitadas as diferenccedilas e o
direito agrave igualdade e cumprindo imediata e plenamente o estabelecido nos
artigos 23 26 e 28 da Lei 9394 de 1996 contemplaratildeo a diversidade do
campo em todos os seus aspectos sociais culturais poliacuteticos econocircmicos de
gecircnero geraccedilatildeo e etnia( LDB 1996 p 23)
O processo de normatizaccedilatildeo eacute sem duacutevida de suma importacircncia para a garantia do
direito No entanto sabe-se que esse direito eacute demasiado abstrato enquanto natildeo eacute usufruiacutedo
Sabemos ainda que como escreveu Freire (2012) natildeo seraacute por decreto que a sociedade se
livraraacute dos horrores e das grandes desigualdades que a afligem A Associaccedilatildeo Nacional pela
Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo (ANFOPE 2010 p 90) ratifica que ―natildeo seraacute a
implementaccedilatildeo de novas leis que asseguraraacute as mudanccedilas necessaacuterias na educaccedilatildeo poreacutem a
legislaccedilatildeo reflete o campo de forccedilas que contorna as disputas pela sua criaccedilatildeo implementaccedilatildeo
e controle Sabemos ainda que esse eacute um passo de suma importacircncia para a conquista dos
objetivos ensejados
51
3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO
CAMPO
ldquoOs socialistas estatildeo aqui para lembrar ao mundo que em
primeiro lugar devem vir as pessoas e natildeo a produccedilatildeo As pessoas
natildeo podem ser sacrificadas Nem tipos especiais de pessoas ndash os
espertos os fortes os ambiciosos os belos aqueles que podem um
dia vir a fazer grandes coisas ndash nem qualquer outra
Especialmente aquelas que satildeo apenas pessoas comunsrdquo
Eric Hobsbawm (1992)
Os avanccedilos no tocante a Educaccedilatildeo do Campo satildeo notoacuterios O movimento ganhou
corpo e a resistecircncia organizada obteve conquistas e melhorias significativas agraves populaccedilotildees
tradicionais do campo brasileiro em que pese reconhecermos o esquecimento ao qual boa
parte dos sujeitos do campo ainda estatildeo imersos Batista (2009 p 207) afirma que ―no Brasil
a educaccedilatildeo enquanto poliacutetica de estado tem sido instrumentalizada pelo projeto histoacuterico
capitalista e seus poderes hegemocircnicos para atender aos seus interesses
Em contraponto a esse modelo de desenvolvimento e de sociedade os movimentos
sociais tecircm se organizado no sentido de garantir uma agente propositiva para os setores
historicamente colonizados
No contexto atual do capitalismo mundializado em que apesar da crise
estrutural predomina a hegemonia do capital na produccedilatildeo econocircmica social
poliacutetica e nas poliacuteticas de educaccedilatildeo a educaccedilatildeo dos movimentos se afigura
como instituinte orgacircnica de um projeto de sociedade e que tem como fim a
formaccedilatildeo humana o sujeito histoacuterico que constroacutei pela luta e resistecircncia a
emancipaccedilatildeo social e dos seres humanos como um devir como uma
possibilidade de construir uma nova sociedade (BATISTA 2009 p 208)
A educaccedilatildeo pautada pelos movimentos sociais do campo tecircm se afinado em muito
com o projeto contra-hegemocircnico de sociedade Tem feito um enfretamento necessaacuterio ao
modelo neoliberal de educaccedilatildeo que tem propagado abertamente o fim das alternativas
afirmando deliberadamente que natildeo haacute opccedilatildeo fora do paradigma globalizado O papel dos
movimentos tecircm sido mostrar justamente o contraacuterio O Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do
52
Campo encontra eco no seio da Pedagogia Paulo Freire cujo sentido tem sido inventado e
reinventado nos muitos exemplos e na diversidade de experiecircncias pelo Brasil
Desse modo o paradigma contra-hegemocircnico natildeo eacute uma criaccedilatildeo do imaginaacuterio de
idealistas mas eacute antes uma possibilidade concreta que nos permeia como assinala Gadotti
(1999 p 268)
A educaccedilatildeo popular e socialista natildeo eacute uma ideacuteia abstrata nem uma utopia
pedagogista Ela se encontra em desenvolvimento entre noacutes por exemplo no
proacuteprio processo de resistecircncia e de luta pela superaccedilatildeo das desigualdades
Nesse momento histoacuterico no Brasil ela constitui-se um instrumento dessa
luta
A necessidade em uma educaccedilatildeo alternativa que assuma a classe oprimida como
resultado de um processo histoacuterico vai de encontro agrave educaccedilatildeo pretendida pelo Estado Uma
educaccedilatildeo libertadora que consiga enxergar a realidade do sujeito como geradora de conteuacutedo
que entenda a situaccedilatildeo de pobreza e miseacuteria fora do determinismo religioso e que sobretudo
aponte saiacutedas e possibilidades de liberdade para o ser eacute necessaacuteria e urgente A escola tornou-
se importante instrumento de difusatildeo da pedagogia da hegemonia ou pedagogia da
conservaccedilatildeo e concomitantemente em veiacuteculo que limita e emperra a construccedilatildeo e a
veiculaccedilatildeo de uma pedagogia da contra-hegemonia (NEVES 2005)
A contemporaneidade nos mostra que o discurso de negaccedilatildeo do acesso agrave educaccedilatildeo por
parte do Estado jaacute natildeo se sustenta com tanto vigor Eacute preciso nesse momento em que haacute um
forte discurso sobre acesso e permanecircncia sobretudo de estudantes da classe trabalhadora
pensar a quem interessa esse ensino e retomar a claacutessica questatildeo a serviccedilo de que e de quem
estaacute tal ensino Tendo em vista o atual estado de vigecircncia da pedagogia da hegemonia Rossi
(1980) afirma que quanto mais educaccedilatildeo nesse sentido [da hegemonia] tanto mais
conformidade isto eacute mais a sociedade permaneceraacute conforme o modelo vigente Ou ainda
mais claramente quanto mais conformaccedilatildeo e conformidade tanto mais educaccedilatildeo
Assim partindo do pressuposto que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo bebe da
heranccedila da Pedagogia Paulo Freire essa dialogicidade entre as concepccedilotildees tem feito um
tensionamento importante e necessaacuterio ao atual modelo que a sociedade adquiriu com o
advento do neoliberalismo A educaccedilatildeo criacutetica eacute cada vez mais urgente sobretudo em tempos
53
de massificaccedilatildeo em que se apregoa a universalizaccedilatildeo do ensino escolarizado como a meta do
seacuteculo
Por fim entendemos que a educaccedilatildeo seja pra todos e todas afinal eacute um direito
humano fundamental mas que ela natildeo cegue natildeo reduza a capacidade de pensar e agir mas
sim que tenha a capacidade de injetar acircnimo e esperanccedila no camponecircs na camponesa no
desempregado e na desempregada na crianccedila no jovem e no idoso O cerne dessa educaccedilatildeo
encontra-se na pedagogia freireana nas praacuteticas da Educaccedilatildeo do Campo no Movimento Sem
Terra e em vaacuterios outros espaccedilos que dialogam com a Educaccedilatildeo Popular
31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO ATUAL DEBATE DA
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM
Partindo do pressuposto inicial desta pesquisa em que pensaacutevamos qual a
contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo
Chegamos a alguns pontos centrais desta reflexatildeo A contemporaneidade do debate da
Educaccedilatildeo do Campo nos aponta para uma perspectiva dialoacutegica entre a Pedagogia Paulo
Freire e os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo Haacute uma indissociabilidade entre ambas Sendo
a primeira portadora da essecircncia que alimenta a segunda satildeo por conseguinte pedagogias
que se complementam (SILVA FILHO PORTO 2012)
Em um tempo em que a educaccedilatildeo criacutetica libertadora e preocupada com questotildees
poliacuteticas sociais e histoacutericas tornou-se ―alieniacutegena caduca e ―comunista de postura
antiquada ou idealista cabe um questionamento faz sentido insistir na divulgaccedilatildeo de ideias
contra-hegemocircnicas da Educaccedilatildeo do Campo e de Paulo Freire no atual mercado da poacutes-
modernidade Essa eacute uma pergunta que Nosela (2010) faz acerca de Gramsci na atualidade e
que nos serve de paracircmetro para o debate
Eacute importante situar a pedagogia freireana dentro de uma loacutegica de contraponto a todo
o modelo neoliberal que se tornou hegemocircnico na educaccedilatildeo de fins do seacuteculo XX e iniacutecio do
seacuteculo XXI O pensamento de Paulo Freire assim como de outros pedagogos de matriz
socialista como Pistrak e Makarenko tem contribuiacutedo grandemente com o atual Movimento
de Educaccedilatildeo do Campo
54
Tanto a pedagogia freireana como a Educaccedilatildeo do Campo se coadunam como meios
de resistecircncia a um ―capitalismo lean and mean que nas palavras de Dowbor15
estaacute impelido
pelas proacuteprias regras de eficiecircncia e que portanto deixa pouco espaccedilo para refletir sobre
valores
Uma economia que natildeo se torna capaz de programar-se em funccedilatildeo das
necessidades do ser humano e que ―convive fria e indiferentemente com a
miseacuteria e a fome de milhotildees a quem tudo eacute negado natildeo merece meu respeito
de educador mas sobretudo meu respeito de gente (FREIRE 2012 p 36)
Eacute exatamente sobre a necessidade de revitalizar palavras como valor eacutetica
solidariedade felicidade e humanizaccedilatildeo que estamos discorrendo O monopoacutelio capitalista
ressignificou todas essas palavras e lhes esvaziou seus sentidos resumindo-as basicamente ao
poder de compra o que Ball (2011) denominou de democracia do consumo Entretanto uma
pedagogia que faccedila o caminho oposto a esse que impregne sentido e identidade aos homens e
mulheres que lhes devolva o direito de optar e decidir (FREIRE 2012) e que forme o sujeito
em sua plenitude eacute o assento dessa pedagogia que estamos pautando eacute o assento portanto da
Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do campo
Natildeo cabe o fatalismo e o determinismo como norteadores do pensamento dos sujeitos
O poder de natildeo se resignar perante situaccedilotildees concretas de opressatildeo eacute uma das maiores
contribuiccedilotildees de Freire ao atual debate da Educaccedilatildeo do Campo
Como vimos a historiografia mostra que no Brasil o periacuteodo que compreende os anos
1950 e 1960 eacute identificado como populismo periacuteodo que esteve voltado agrave construccedilatildeo de um
projeto de desenvolvimento econocircmico nacional (RIBEIRO 2010) A economia brasileira
ainda apresentava-se essencialmente agraacuteria e produtora de mateacuterias-primas Politicamente o
suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 a posse de Juscelino Kubitschek em 1956 a renuacutencia de
Jacircnio Quadros em 1961 e o Golpe Militar de 1964 proporcionaram um cenaacuterio de mudanccedilas
que caracterizam uma ―sociedade em tracircnsito (FREIRE 1983) e rica em organizaccedilotildees
populares
15 Prefaacutecio ao livro ―Agrave sombra desta mangueira (Paacuteg 18)
55
Eacute nessa complexidade que a gecircnese do pensamento de Paulo Freire emerge Surge das
contradiccedilotildees da sociedade brasileira sociedade essa governada por uma elite conservadora e
detentora de privileacutegios na qual o homem simples domesticado e alienado eacute forccedilado a viver
como objeto esmagado e oprimido pela sombra da marginalizaccedilatildeo e da dependecircncia
(FREIRE 2011)
Nesse momento histoacuterico Paulo Freire identificou um modelo de ensino que servia
justamente para a manutenccedilatildeo do estado de miseacuteria e analfabetismo em que grande parte da
populaccedilatildeo do campo e da cidade se encontrava A esse ensino Freire chamou de educaccedilatildeo
bancaacuteria abordado na obra de sua autoria Pedagogia do Oprimido Esse modelo de ensino
estaacute muito aqueacutem da realidade dos sujeitos Eacute um paradigma desinteressado com as questotildees
referentes ao dia-a-dia dos sujeitos do seu trabalho dos seus sonhos da vida praacutetica
No sentido oposto a concepccedilatildeo bancaacuteria de educaccedilatildeo a Pedagogia Paulo Freire se
realiza e materializa respeitando os sujeitos simples o ―saber de experiecircncia feito desses
sujeitos Aleacutem disso busca entender a realidade como geradora de conteuacutedos de curriacuteculo A
relaccedilatildeo eacute dialeacutetica e dialoacutegica eacute uma relaccedilatildeo entre educador educando e o mundo (FREIRE
2011) Esse paradigma se assemelha de forma demasiada com a concepccedilatildeo atual da Educaccedilatildeo
do Campo que por sua vez estaacute diretamente ligada a realidade que lhe produziu ou seja a
necessidade e a luta por direitos historicamente negados e tem em sua gecircnese a resistecircncia
dos movimentos sociais camponeses (CARLDART et al 2012)
Os princiacutepios educacionais da Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do Campo
coadunam para o mesmo sentido e se cruzam por diversos momentos estando inter-
relacionados como procuramos mostrar na figura a baixo
Educaccedilatildeo do Campo
Pedagogia Paulo Freire
Figura III ndash Dialogicidade entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire
56
Os sentidos comungam portanto para uma mesma concepccedilatildeo de lugar sujeito
educaccedilatildeo e sociedade Eacute importante ressaltar nesse processo de compartilhamento a
anterioridade do pensamento de Paulo Freire visto que o que hoje discutimos jaacute era debatido
por ele na deacutecada de 1950 (GADOTTI 1997)
Nesse sentido o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo herdou muito do pensamento de
Paulo Freire e tem reinventado sua pedagogia Isso eacute de uma importacircncia iacutempar pois Freire
sempre afirmara que sua pedagogia devia ser reinventada (FREIRE 2012) jamais
transplantada de forma acriacutetica de uma realidade a outra A Educaccedilatildeo do Campo tem feito um
importante tensionamento e disputado opiniotildees na base da sociedade acerca do modelo
educacional que temos e a serviccedilo de quem ele estaacute
O modelo de educaccedilatildeo contra-hegemocircnico natildeo foi pensado por intelectuais
academicistas ateacute porque essa categoria pouco se envolve com as questotildees sociais
(RIBEIRO 2010) mas eacute justamente o movimento contraacuterio ela emerge das situaccedilotildees de
descaso e usura do Estado frente aos homens e mulheres do campo sem terra sem teto sem
trabalho sem perspectiva Eacute daiacute que surge a contra-hegemonia que jamais poderaacute ser criada
para indignados uma vez que jaacute foi criada por estes Eacute nesse sentido que estaacute posta a
Pedagogia Paulo Freire natildeo como uma receita a ser seguida mas como fruto como
artesanato construiacutedo paulatinamente por indignaccedilatildeo exclusatildeo e opressatildeo Essa concepccedilatildeo eacute
educativa natildeo pretende tornar-se opressora daqueles que hoje oprimem mas antes eacute a uacutenica
capaz de libertar o opressor tornando-o livre no mais autecircntico sentido que a palavra carrega
Eacute desse paradigma que a Educaccedilatildeo do Campo bebe e reinventa a pedagogia freireana a
pedagogia do oprimido a pedagogia do povo simples dos demitidos da terra
A educaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo assim como toda uma vasta produccedilatildeo
que coloca o ensino como tarefa humana e humanizadora que entende o sujeito como ator e
protagonista da sua histoacuteria que se indigna e que se revolta frente ao atual estado de coisa e
esvaziamento no qual a educaccedilatildeo mergulhou todas essas caracteriacutesticas formam pois o que
chamamos pedagogia contra-hegemocircnica e que estaacute no cerne da pedagogia freireana e na
Educaccedilatildeo do Campo
A ressignificaccedilatildeo do sujeito do campo assim como do lugar desse sujeito ou seja o
campo satildeo contribuiccedilotildees significativas do pensamento de Paulo Freire O sujeito o homem e
57
a mulher do campo eram vistos (em boa medida ainda satildeo) dentro da loacutegica produtivista como
matildeo-de-obra barata e passiva de exploraccedilatildeo e por outro lado invisibilizados dentro dos seus
direitos poliacutetico-sociais Essa circunstacircncia na qual os sujeitos do campo estavam envoltos
indubitavelmente eacute responsaacutevel pela negaccedilatildeo da condiccedilatildeo de vita activa16
A exclusatildeo da vida
participativa do paiacutes tem como heranccedila a perpetuaccedilatildeo da opressatildeo e da negaccedilatildeo fatores que
acompanham os sujeitos do campo ao longo da histoacuteria
Para Paulo Freire o sujeito eacute tanto histoacuterico quanto social resultante de um complexo
de vivecircncias reais Capaz de diferentemente do animal que apenas se adapta a realidade
integrar-se a sua realidade e nela interferir (FREIRE 2012)
Quando nos referimos ao campo eacute preciso ter o devido cuidado para natildeo cairmos no
conservadorismo de uma visatildeo homogecircnea de sujeito e lugares entendendo por exemplo o
campo como lugar passivo ao qual atribui-se um olhar negativo e preconceituoso (ARROYO
2009) Tanto Paulo Freire como o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo recusam esse
determinismo com forte veemecircncia pois sabe-se que as relaccedilotildees satildeo complexas e que a
calmaria tiacutepica da zona rural esconde um emaranhado de relaccedilotildees sociais de trabalho e de
famiacutelia cuja dinacircmica requer perspicaacutecia e sutileza para seu entendimento
Tendo em vista a importacircncia do legado de Paulo Freire natildeo somente para a Educaccedilatildeo
do Campo mas para toda a educaccedilatildeo popular para os espaccedilos natildeo escolares em que se
desenvolvem projetos educacionais e para outra infinidade de possibilidades de reinvenccedilatildeo da
pedagogia freireana eacute que dialogaremos a partir de agora com o exemplo da Experiecircncia de
Angicos - RN como exemplo de pioneirismo e autenticidade do pensamento de Paulo Freire
16 Hannah Arendt na obra ―A condiccedilatildeo Humana 10 ed Rio de Janeiro 2007 Pode ser entendido como a
condiccedilatildeo de participaccedilatildeo ativamente na vida poliacutetica da sociedade
58
32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA
PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO NORTE
Figura IV ndash Angicos nos dias de hoje (2014) Fonte o proacuteprio autor
(Em nenhum lugar do mundo onde estive fiquei mais tocado do que aqui e agora
Paulo Freire Angicos 28 de agosto de 1993)
Os fins da deacutecada de 1950 e iniacutecio de 1960 satildeo fortemente marcados por movimentos
de cunho popular e participativo Um periacuteodo particularmente rico em organizaccedilotildees sociais e
coletivas cujos objetivos giravam em torno de reformas estruturantes na sociedade brasileira
Direitos trabalhistas educacionais Reforma Agraacuteria satildeo exemplos de temaacuteticas que vinham
sendo abertamente discutidas pelo governo e as sociedade civil coletivamente organizada No
campo essa movimentaccedilatildeo se deu de forma particularmente rica
O Movimento de Cultura Popular (MCP) do Recife a partir de maio de
1960 a Campanha ―De peacute no chatildeo tambeacutem se aprende a ler em Natal a
partir de 1960 o Movimento de Educaccedilatildeo de Base (MEB) da Conferecircncia
Nacional dos Bispos Brasileiros os Centros Populares de Cultura (CPCs) da
Uniatildeo Nacional dos Estudantes e outros movimentos de menor amplitude
satildeo testemunhas da notaacutevel efervescecircncia desse periacuteodo (BEISIEGEL 2010
p 18)
59
Uma das primeiras iniciativas no tocante a criaccedilatildeo de uma poliacutetica para atender aos
jovens e adultos analfabetos diz respeito agrave criaccedilatildeo do Serviccedilo de Educaccedilatildeo de Adultos (SEA)
em 1947 e dessa accedilatildeo a criaccedilatildeo da Campanha de Educaccedilatildeo de Adultos (BEISIEGEL 2010)
No entanto essa campanha ainda resguardava em sua metodologia a transferecircncia dos
conteuacutedos trabalhados com crianccedilas no primaacuterio aos jovens e adultos que estudavam a noite
O proacuteprio Lourenccedilo Filho que era um expoente dessa campanha escreveu textos cujo assento
residia na sua preocupaccedilatildeo com essa metodologia
Natildeo obstante as reiteradas manifestaccedilotildees de Lourenccedilo Filho sobre a
necessidade de atentar agraves particularidades e as exigecircncias especiacuteficas do
adulto pouco escolarizado na grande maioria das classes professores do
ensino infantil reproduziam agrave noite com seus alunos jovens e adultos os
trabalhos que realizavam no periacuteodo diurno com os seus alunos do ensino
primaacuterio fundamental comum (BEISIEGEL 2010 p 24)
Aos poucos percebe-se que o caraacuteter puramente de erradicar o analfabetismo fazendo
com que os sujeitos jovens e adultos lessem e escrevessem natildeo garantia uma cidadania plena
no gozo de direitos Desse modo inicia-se nesse acircmbito um paradigma que pensa a questatildeo
do analfabetismo como eminentemente de cunho social requerendo portanto uma visatildeo mais
ampla da questatildeo Em 1958 Freire escreve ―A educaccedilatildeo de adultos e as populaccedilotildees marginais
o problema dos mocambos que jaacute tratava a temaacutetica sob a oacutetica dos problemas sociais mais
abrangentes (BEISIEGEL 2010)
O trabalho que projetou Freire nacionalmente contraditoriamente foi o mesmo que o
levou agrave prisatildeo com o advento da Ditadura Militar Devido agrave experiecircncia de Angicos ele foi
considerado ―ignorante e subversivo pelo Regime Militar Segundo o livro organizado pelo
Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia (2012 p36) denominado ―Paulo Freire
anistiado poliacutetico brasileiro ―Alguns de seus alunos tambeacutem foram presos e passaram por
outras dificuldades depois da experiecircncia de Angicos (1963) considerada subversiva e mais
tarde cancelada
Vale salientar que o Regime Militar foi extremamente violento tambeacutem com os
camponeses As lutas natildeo se resumiam agrave cidade Haacute pouco a sindicalizaccedilatildeo rural havia sido
um fenocircmeno extensivo a quase todo o nordeste com ecircnfase na Paraiacuteba Rio Grande do Norte
e Pernambuco especialmente atraveacutes da Campanha de Educaccedilatildeo Popular juntamente com a
60
Juventude Universitaacuteria Catoacutelica - JUC - Juventude Agraacuteria Catoacutelica e o Movimento de
Educaccedilatildeo de Base ndash MEB (SILVA 2011 FREIRE 1983)
O caraacuteter da experiecircncia realizada em Angicos estaacute assentado nos princiacutepios da
Educaccedilatildeo Popular que para Carlos Rodrigues Brandatildeo (2009 p 09) tem um papel e um
sentido histoacuterico como resistecircncia e oposiccedilatildeo ao status quo
Figura V ndash AngicosRN
A experiecircncia de Angicos no Estado do Rio Grande do Norte em 1963 conteacutem o cerne
da pedagogia freirena ou seja Freire (1983 p 06) afirma que ―a alfabetizaccedilatildeo e a
conscientizaccedilatildeo jamais se separam Nesse momento histoacuterico o sujeito do campo imerso no
populismo por um lado e no analfabetismo por outro conforme Ribeiro (2010) enfrenta um
periacuteodo de grandes privaccedilotildees no campo social poliacutetico econocircmico e educacional Eacute nesse
ultimo principalmente que a experiecircncia de Angicos eacute significativa pois educaccedilatildeo era luxo
restrito agraves classes dominantes
Segundo documento organizado pelo Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia
(2012) Paulo Freire e seus colaboradores Alfabetizaram 300 trabalhadores rurais em poucos
dias accedilatildeo que significou um fenocircmeno revolucionaacuterio Eacute importante salientar o princiacutepio
dessa alfabetizaccedilatildeo Freire (1983 p 96) afirma que ―Toda separaccedilatildeo entre os que sabem e os
que natildeo sabem do mesmo modo que a separaccedilatildeo entre as elites e o povo eacute apenas fruto de
circunstacircncias histoacutericas que podem e devem ser transformadas Portanto muito mais do que
o simples ato de alfabetizar havia uma ideologia progressista cuja finalidade residia na
conscientizaccedilatildeo poliacutetica dos sujeitos frente a um mundo de privaccedilotildees
Esse trabalho obteacutem grande repercussatildeo nacional e internacional Estende a
experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN) e Joatildeo Pessoa (PB)
61
O trabalho da equipe do Recife foi o de ir a Natal capacitar a equipe de
Marcos que partiu depois para Angicos O primeiro trabalho dessa equipe
foi fazer o universo vocabular da regiatildeo Nunca me esqueccedilo que a primeira
palavra geradora de Angicos foi ―belota uma corruptela de borlota que eacute
exatamente esse negoacutecio de pocircr em rede em cortina Por que isso Nessa
regiatildeo se trabalhava muito com couro e eles usavam nos rebenques
exatamente uma borlota mas que o povo chama belota Essa foi a primeira
palavra geradora de uma riqueza extraordinaacuteria em ambos os aspectos
socioloacutegicos e linguiacutesticos porque ela introduzia trecircs famiacutelias silaacutebicas a do
ba-be-bi-bo-bu e do la-le-li-lo-lu e a do ta-te-ti-to-tu Ela em si abria a
possibilidade de criaccedilatildeo de novas palavras Depois dessa seleccedilatildeo feita os
meninos foram e passaram a morar laacute Um mecircs depois tinha trezentas
pessoas lendo e escrevendo (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO
DE ANISTIA 2012 p86)
As 40 horas de Angicos foi um espaccedilo de extrema riqueza Os participantes daquela
experiecircncia satildeo testemunhas da efetivaccedilatildeo de uma praacutexis Um momento em que teoria e
praacutetica dialogaram justamente como sempre defendeu Freire Eacute importante destacar que os
300 trabalhadores que se alfabetizaram eram em sua maioria trabalhadores rurais ―Silentes e
autodesvalidos os sem-terra e sem-palavra foram tocados pelo olhar predileto que Paulo lhes
dirigiu em Angicos Os jovens agricultores ainda sem terra mas que jaacute conquistaram a
palavra leem Paulo Freire para transformar seu projeto de vida (idem p 117)
Figura VI ndash Experiecircncia de AngicosRN
Nos anos 50 quando ainda se pensava na educaccedilatildeo de adultos como uma
pura reposiccedilatildeo dos conteuacutedos transmitido agraves crianccedilas e jovens Paulo Freire
propunha uma pedagogia especiacutefica associando estudos experiecircncias
vividas trabalho pedagogia e poliacutetica (GADOTTI 1996 p 70)
Desse modo percebemos um niacutetido respeito que o educador Paulo Freire tem para
com os educandos Ele desenvolve uma educaccedilatildeo totalmente contraacuteria agrave educaccedilatildeo
escolarizada cujas metodologias estatildeo intimamente ligadas por um conteuacutedo a-histoacuterico que
62
natildeo leva a uma reflexatildeo criacutetica do mundo Onde o maior objetivo eacute o depoacutesito de tudo o que
foi decorado ao longo de um periacuteodo
Essa focircrma (de formar) de educar eacute fortemente recusada por Freire (2011) Na
Pedagogia do Oprimido denominou de ―educaccedilatildeo bancaacuteria Os sujeitos envolvidos no
processo satildeo meros receptores Depoacutesitos de conteuacutedos que natildeo tecircm nenhuma relaccedilatildeo com a
realidade Freire caminha em direccedilatildeo oposta agrave educaccedilatildeo bancaacuteria entende que a realidade e a
vida concreta dos sujeitos eacute geradora de conteuacutedo e portanto a gecircnese da alfabetizaccedilatildeo
deveria comeccedilar pois daquela realidade partindo para o universalmente conhecido
(FREIRE 2011)
A leitura que Freire faz do sujeito do campo nordestino eacute sem duacutevida avanccedilada Um
momento em que o campo brasileiro padecia de grande estigma e preconceito Freire se utiliza
da realidade dos camponeses do modo de vida do trabalho das experiecircncias para partindo
desse ponto chegar agrave alfabetizaccedilatildeo e agrave conscientizaccedilatildeo desses sujeitos A educaccedilatildeo das
populaccedilotildees camponesas esteve longe de ser o ponto nevraacutelgico dos interesses das classes
dominantes afinal ―eacute mais difiacutecil explorar um camponecircs que sabe ler do que um analfabeto
17
Paulo Freire natildeo se separa da poliacutetica Paulo Freire deve ser considerado
tambeacutem como um poliacutetico Esta eacute a dimensatildeo mais importante de sua obra Ele
natildeo pensa a realidade como um socioacutelogo que procura apenas entendecirc-la []
Por isso ele pensa a educaccedilatildeo ao mesmo tempo como ato poliacutetico como ato de
conhecimento e como ato criador (GADOTTI 1996 p 70)
A intervenccedilatildeo que Freire realiza em Angicos eacute uma atividade eminentemente poliacutetica
tinha como objetivo aleacutem da alfabetizaccedilatildeo a politizaccedilatildeo dos trabalhadores rurais daquele
municiacutepio isso em um periacuteodo de predomiacutenio das oligarquias rurais do voto de cabresto e de
extrema espoliaccedilatildeo da matildeo-de-obra dos agricultores Pois eacute em meio a esse cenaacuterio que
Freire juntamente com seus colaboradores desenvolve um paradigma de alfabetizaccedilatildeo cujo
principio eacute a libertaccedilatildeo do povo da condiccedilatildeo de oprimido e ―demitido da vida
Sua concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e logicamente sua proposta educacional que
havia mostrado resultado altamente positivo na experiecircncia em Angicos
17 Resposta pela recusa da natildeo alfabetizaccedilatildeo dos camponeses proposta por Voltaire a Imperatriz Catarina da
Ruacutessia no Seacuteculo XVIII
63
(RN) consistia em afirmar que todo ato educativo eacute um ato poliacutetico assim
sendo a educaccedilatildeo conteacutem a potencialidade da transformaccedilatildeo da sociedade
por intermeacutedio de uma consciecircncia criacutetica da realidade tarefa que tanto o
educador como o educando devem assumir no ato educativo (INSTITUTO
PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012 p 43)
Segundo Germano (1997) o desafio e o objetivo da experiecircncia de Angicos era tanto
alfabetizar como conscientizar politicamente os trabalhadores em 40 horas A experiecircncia que
era patrocinada pelo ―Alianccedila para o Progresso um programa de origem estadunidense e do
Governo do Rio Grande do Norte que agrave eacutepoca estava sob mandato de Aluizio Alves
experiecircncia que ganhou conhecimento nacional e internacionalmente
O que queremos apontar como novidade nesse olhar que lanccedilamos sobre a experiecircncia
de Angicos amplamente conhecida eacute evidenciar que o puacuteblico participante era de forma
majoritaacuteria trabalhadores rurais em uma cidade cujo periacuteodo histoacuterico dificulta falar-se em
urbanidade puacuteblico esse objeto de nossa reflexatildeo nesta dissertaccedilatildeo de mestrado Nesse
sentido situamos o pensamento de Paulo Freire como de grande importacircncia ao atual debate
da Educaccedilatildeo do Campo O que estamos debatendo hoje como o respeito agraves vivecircncias e
experiecircncias a importacircncia do lugar e o famigerado modismo do ―conhecimento preacutevio
Freire tratou ainda em 1963 com responsabilidade e humanismo Assim eacute salutar
percebermos a experiecircncia de Angicos como uma importante fonte histoacuterica que pode (e
certamente haveraacute de) contribuir em muito com o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo
64
4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIENCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO
CAMPO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
Feito o debate teoacuterico-metodoloacutegico acerca da Educaccedilatildeo do Campo e de suas raiacutezes
histoacutericas no Brasil e tambeacutem sobre a atual posiccedilatildeo que esta modalidade de ensino ocupa
entendemos ser este o momento de estreitar e externar experiecircncias que ilustram de modo
singular a inserccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo na universidade brasileira Para tanto tomamos
como recorte analiacutetico o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte Procuramos refletir sobre a contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana ao ―Projeto
do curso entendendo que o aporte do pensamento de Paulo Freire na Educaccedilatildeo do Campo eacute
de extrema relevacircncia Entendemos que a formulaccedilatildeo da proposta curricular dessa natureza
ou seja pensada para cursos cujos sujeitos tecircm viacutenculo direto com o campo carece de certo
alinhamento ideoloacutegico com a pedagogia freireana uma vez que esta canaliza a resistecircncia
histoacuterica dos povos do campo
A tomada do curso como recorte se explica pela aproximaccedilatildeo e atuaccedilatildeo que tivemos
com a turma de Pedagogia da Terra no periacuteodo de 2010 a 2011 periacuteodo no qual atuamos
como monitor Jaacute a busca pela contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana agrave Proposta poliacutetico-
pedagoacutegica e Plano de Trabalho se faz necessaacuterio pelo foco central deste trabalho mas
tambeacutem pela singular experiecircncia de aprender e pesquisar sobre o pensamento de Paulo Freire
no Grupo de Estudo da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) na Universidade Federal da
Paraiacuteba Aleacutem do mais entendermos que Educaccedilatildeo do Campo eacute uma questatildeo de grande valor
natildeo pode estar simplesmente coadunando com os paradigmas educacionais fugazes que a
contemporaneidade tem nos mostrado em outras palavras a Educaccedilatildeo do Campo natildeo pode
ser moda mas antes oportunidade para os sujeitos do campo se posicionar frente ao mundo e
aos seus pares
Na atuaccedilatildeo como monitor tivemos a oportunidade de vivenciar e compartilhar das
dificuldades alegrias avanccedilos e limitaccedilotildees que os educandos e as educandas enfrentaram no
dia a dia Esse conviacutevio foi de grande importacircncia pois humanizou as relaccedilotildees que a
universidade por vezes esvazia Satildeo pessoas com sonhos frustraccedilotildees dificuldades
financeiras limitaccedilotildees cognitivas mas sobretudo satildeo pessoas que lutam que persistem que
natildeo se envergonham de ocupar com simplicidade o espaccedilo de ―glamour que ainda eacute a
universidade brasileira
65
Aleacutem do Curso de Pedagogia da Terra da UFRN os cursos de Jornalismo da Terra da
Universidade Federal do Cearaacute (UFC) Especializaccedilatildeo Lato Sensu em Direitos Sociais do
Campo promovida pelo IncraPronera e a Universidade Federal de Goiaacutes (UFG) Licenciatura
em Pedagogia pelo Programa Estudante - ConvecircnioMovimento Sociais do Campo ndash
PECMSC (UFPB) entre outros satildeo exemplos e frutos colhidos apoacutes anos afinco na luta
cerrada e disputas dentro da superestrutura poliacutetica Por isso mesmo entendemos que essas
experiecircncias representam a inserccedilatildeo concreta de sujeitos do campo na Universidade puacuteblica
brasileira sendo por esse motivo merecedora de anaacutelise detalhada e pesquisas futuras
Para entendermos melhor a atualidade da Educaccedilatildeo do Campo como poliacutetica puacuteblica
destinada a um puacuteblico especiacutefico (do campo) eacute preciso situar a temaacutetica na historiografia A
pesquisadora da Faculdade de Educaccedilatildeo da UFMG Antunes-Rocha (2011 p125) eacute enfaacutetica
ao afirmar que sobre cursos de formaccedilatildeo de professores para o campo ―natildeo encontrei nada
antes de 1997 Natildeo por acaso essa data coincide com a conquista do Pronera programa esse
que entendemos ser portador do cerne da questatildeo da Educaccedilatildeo do Campo no Brasil enquanto
poliacutetica puacuteblica
O curso de Pedagogia da Terra eacute fruto da luta histoacuterica dos movimentos sociais do
campo no Brasil ele representa em boa medida os anseios teoacutericos e praacuteticos de inclusatildeo
social Assim como todo e qualquer espaccedilo o curso natildeo eacute um todo homogecircneo sem conflitos
mas antes espaccedilo repleto de contradiccedilotildees e disputas tanto interna como externamente
O suporte para essa reflexatildeo reside sobretudo na anaacutelise de documentos do Curso
principalmente na ―Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho que eacute o documento
principal norteador das accedilotildees do curso mas tambeacutem buscamos subsidiar esta escrita em
resoluccedilotildees principalmente na Resoluccedilatildeo nordm 1032006 CONSEPEUFRN de 1909200618
que trata do Regulamento dos Cursos de Graduaccedilatildeo da UFRN aleacutem de outras fontes que
tivemos acesso atraveacutes de colaboradores e tambeacutem de paacuteginas eletrocircnicas
18 Atualmente a Resoluccedilatildeo Nordm 1712013-CONSEPEUFRN de 5 de novembro de 2013 eacute que rege o
Regulamento dos Cursos Regulares de Graduaccedilatildeo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
66
O Edital de abertura do processo seletivo para o curso de Pedagogia ndash Licenciatura
Plena foi orientado pela Resoluccedilatildeo nordm1032006-CONSEPEUFRN de 19092006 e seguiu
todos os procedimentos normativos dos demais vestibulares A Comissatildeo Permanente de
Vestibular (COMPERVE)19
foi responsaacutevel pela realizaccedilatildeo do certame Para se candidatar ao
vestibular o estudante precisava cumprir o seguinte preacute-requisito
a) ser portador de certificado ou diploma de conclusatildeo do Ensino Meacutedio (ou
curso equivalente)
b) ser assentado pelo Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e reforma Agraacuterio
(INCRA) e vinculado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra
(MST) do RN (COMPERVE 2007)
O pensamento da organizaccedilatildeo coletiva conscientizaccedilatildeo e luta tatildeo fortemente
imbuiacutedos na pedagogia freireana aqui se materializa Evidenciar um curso voltado para povos
do campo e ainda mais para membros de um movimento social tatildeo atuante quanto polecircmico
como eacute o MST eacute sem duacutevida um avanccedilo Essa conquista natildeo eacute do acaso ou natural eacute fruto de
uma conjuntura rara criada por muacuteltiplos condicionamentos sociais mas sobretudo pela
organizaccedilatildeo coletiva dos trabalhadores do campo
Poreacutem como reconhecemos que estamos imersos em um Estado de classes que horas
cede agraves reivindicaccedilotildees das massas hora cerceia essas conquistas natildeo demorou o iniacutecio dos
ataques dirigidos pela classe dominante agrave forma como o curso estava sendo gerido Em 2010
um desses ataques teve como consequecircncia a reformulaccedilatildeo dos projetos do curso A partir
desse momento os movimentos sociais foram suprimidos da parceria ateacute entatildeo existente
Sobre esse assunto detalharemos mais a diante
Retomando o processo seletivo para entrada no Curso os alunos interessados no
vestibular passaram 15 dias envolvidos numa preparaccedilatildeo para as provas Nesse momento
trabalharam mateacuterias escolares Portuguecircs Matemaacutetica Geografia Histoacuteria etc
(FERNANDES 2009) A elaboraccedilatildeo da prova ficou sob responsabilidade da Comperve e
19 Com do fim do vestibular como processo seletivo para ingressar na Universidade a Comperve passou a
chamar-se Nuacutecleo Permanente de Concursos UFRN
67
seguiu todos os procedimentos legais e normativo s dos demais vestibulares como jaacute
salientado anteriormente
Apoacutes o resultado do certame o curso teve iniacutecio no primeiro semestre de 2007
(20071) com as 60 vagas devidamente preenchidas Por deliberaccedilatildeo dos proacuteprios educandos
a turma passa a se chamar ―Florestan Fernandes em homenagem ao grande socioacutelogo
escritor e poliacutetico brasileiro
Eacute sempre importante lembrar que esse curso representou um grande avanccedilo para a
Educaccedilatildeo do Campo no Rio Grande do Norte representando tambeacutem um sinal de abertura
da Universidade Federal agraves questotildees sociais do campo Mesmo tendo havido outro curso de
pedagogia para assentados20
indubitavelmente o Pedagogia da Terra representa um marco nas
lutas tanto de oportunidade aos povos do campo como de abertura e diaacutelogo da universidade
com a sociedade potiguar
Os estudantes do Curso vieram das diferentes regiotildees do Estado do Rio Grande do
Norte desde aacutereas vizinhas de Natal como eacute o caso de Macaiacuteba e Cearaacute Mirim ateacute lugares
mais distantes da Capital como Satildeo Rafael e Triunfo Potiguar na regiatildeo Meacutedio Oeste Nesses
municiacutepios esses sujeitos residem majoritariamente em aacutereas rurais de assentamento
O Curso segue as orientaccedilotildees da Resoluccedilatildeo CNECP n1 de 15 de maio de 2006 que
institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia e confere habilitaccedilatildeo
em ―Licenciatura em Pedagogia21
conforme aponta a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano
de Trabalho
Habilitar professores por meio de curso superior para o exerciacutecio da
docecircncia em Educaccedilatildeo Infantil e nas seacuteries iniciais do Ensino Fundamental
regular para Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e para atividades de
20Entre 2002 e 2006 formaram-se em niacutevel de graduaccedilatildeo 63 alunos de nove estados nordestinos e um da
regiatildeo norte (AL BA CE MA PA PB PE PI RN e SE)
21 O diploma eacute gerado com uma observaccedilatildeo que faz alusatildeo ao Probaacutesica ndash Programa de Qualificaccedilatildeo
Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica ndash instituiacutedo pela Resoluccedilatildeo CONSEPEUFRN nordm1499 de 020299 que
estabelece os convecircnios entre a Universidade e seus parceiros apresentamos um exemplar em anexo
68
coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico em escolas instituiccedilotildees do
sistema educacional e projetos educativos existentes nas aacutereas de
assentamento (UFRN 2010 p 05)
Isso mostra que mesmo havendo particularidades o egresso do curso recebe o tiacutetulo de
licenciado em pedagogia apto a concorrer a qualquer vaga de concurso para pedagogo
Essa formaccedilatildeo visa combater o deacuteficit histoacuterico de profissionais da educaccedilatildeo
nas aacutereas rurais e segue uma diretriz do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do
Campo Aleacutem disso pretende gerar oportunidade de continuidade dos
estudos aos jovens que detinham o Ensino Meacutedio completo e que moravam
nos assentamentos e aacutereas de reforma agraacuteria Desse modo o objetivo eacute
colaborar com a constituiccedilatildeo de uma rede de educadores do campo em nosso
Estado com qualificaccedilotildees teacutecnicas e compromisso eacutetico que possibilite o
aprofundamento e ampliaccedilatildeo de experiecircncias de educaccedilatildeo do campo (UFRN
2010 p 04)
Silva Filho (2011) afirma que a entrada de um familiar na universidade eacute algo
significativo Afirma ainda que
O ensino superior ainda resguarda status de responsaacutevel pela ascensatildeo social
e garantia de melhores condiccedilotildees de vida Historicamente o assento
ideoloacutegico da universidade foi muito mais as concepccedilotildees da classe
dominante social e politicamente do que um lugar de inclusatildeo da classe
explorada (SILVA FILHO 2011 p 40)
Por esse motivo O curso tem um caraacuteter contra-hegemocircnico e diferente daquele que
nos habituamos a ver nas universidades
Poreacutem sabemos que os fatos natildeo se datildeo de forma linear ou sem disputas ocorre que o
modo de execuccedilatildeo dos anos de 2007 e 2008 cujo assento havia sido o Convecircnio
CRTRN390002006 (INCRAUFRNMST) teve seus componentes e formato questionados
por parte dos estratos juriacutedicos do INCRA (UFRN 2010) Na verdade esse momento eacute
histoacuterico para todos os cursos do Pronera que enfrentaram periacuteodo de grandes incertezas
Em que pese as mudanccedilas de formato da relaccedilatildeo institucional entre a UFRN e
o INCRA o projeto ora apresentado manteacutem a estrutura curricular original e
os seus fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos estatildeo incorporados aqui
assegurando a correspondente consonacircncia com a Resoluccedilatildeo CNECP no 1 de
15 de maio de 2006 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Curso de Pedagogia (UFRN 2010 p 04)
69
Mesmo natildeo tendo perdido do ponto de vista teoacuterico-metodoloacutegico as perdas poliacuteticas
satildeo evidentes principalmente com a exclusatildeo do MST da operacionalizaccedilatildeo do Curso Como
podemos observar o Acoacuterdatildeo n 26532008 eacute expliacutecito quanto as proibiccedilotildees
()
943 caso pretenda oferecer cursos a puacuteblico especiacutefico afeto a sua aacuterea de
atuaccedilatildeo a exemplo do que se verificou no acircmbito do Projeto Camosc
9431 com relaccedilatildeo ao instrumento a ser firmado com a entidade que se
encarregaraacute da execuccedilatildeo do objeto em vez de convecircnio valha-se de contrato
precedido de procedimento licitatoacuterio
9432 iniba por meio de normas claacuteusulas contratuais e fiscalizaccedilatildeo
qualquer possibilidade de que entes estranhos agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica
especialmente movimentos sociais ligados agrave reforma agraacuteria participem do
planejamento execuccedilatildeo acompanhamento avaliaccedilatildeo ou de outra fase do
curso promovido (TCU 2008)
Nesse periacuteodo professores-coordenadores representantes do INCRA reitores das
universidades puacuteblicas procuraram de forma engenhosa retomar as atividades acadecircmicas que
apoacutes um ano reiniciou Esse momento externou de forma expliacutecita o conservadorismo e o
desejo de segregaccedilatildeo social que ainda permeia a classe poliacutetica brasileira
Sendo o Estado Capitalista um Estado de classe tende a organizar a escola
em todos os niacuteveis e modalidade de ensino conforme a concepccedilatildeo de mundo
da classe dominante e dirigente embora contraditoriamente dependendo do
grau de difusatildeo da pedagogia da contra-hegemonia na sociedade civil a
mesma escola esteja permeaacutevel agrave influecircncia de outros projetos poliacutetico-
pedagoacutegicos (NEVES 2005 p 29)
Desse modo compreendemos os enfrentamentos deflagrados e as lutas pela
manutenccedilatildeo desse Curso como questotildees ideoloacutegicas como resistecircncia dos povos do campo
por um lado e ofensiva da classe dominante de outro Sabemos que essa disputa eacute histoacuterica e
tem altos e baixos concessotildees e restriccedilotildees Esse momento embora tenha acarretado
desconforto e prejuiacutezos para muitos foi o ponto central que evidenciou uma verdadeira luta
de correlaccedilotildees de forccedila
70
41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO
CURSO DE PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN
Pensar uma proposta curricular para um curso de Educaccedilatildeo do Campo como eacute o
Curso de Pedagogia da Terra e tantos outros jaacute exemplificados que gozam de um caraacuteter
popular certamente requer posicionamento e uma reflexatildeo sobre os princiacutepios basilares do
curriacuteculo Tomaz Tadeu da Silva (2011) expotildee que ―A questatildeo central que serve de pano de
fundo para qualquer teoria do curriacuteculo eacute a de saber qual conhecimento deve ser ensinado (p
14) O autor afirma que o curriacuteculo eacute sempre resultado de uma seleccedilatildeo Desse modo quando
determinamos que conhecimento ensinar estamos deixando de fora outros conhecimentos A
questatildeo fundamental passa a ser por que ―esse conhecimento e natildeo ―aquele
O curriacuteculo nunca eacute simplesmente uma montagem neutra de conhecimentos
que de alguma forma aparece nos livros e nas salas de aula de um paiacutes
Sempre parte de uma tradiccedilatildeo seletiva da seleccedilatildeo feita por algueacutem da visatildeo
que algum grupo tem do eu seja o conhecimento legiacutetimo Ele eacute produzido
pelos conflitos tensotildees e compromissos culturais poliacuteticos e econocircmicos
que organizam e desorganizam um povo (APPLE 2000 p 53)
Objetivamente essa relaccedilatildeo de escolhas nos leva diretamente a entender que o
curriacuteculo eacute antes de tudo ideoloacutegico sendo portanto uma disputa pela hegemonia Quando
escolhemos ―esse conteuacutedo e natildeo ―aquele estamos consciente ou inconscientemente
optando por um determinado projeto educativo
Eacute essa preocupaccedilatildeo que leva Apple a recorrer aos conceitos de hegemonia
tal como formulado por Antonio Gramsci e desenvolvido por Raymond
Williams Eacute o conceito de hegemonia que permite ver o campo social como
um campo contestado como um campo onde os grupos dominantes se veem
obrigados recorrer a um esforccedilo permanente de convencimento ideoloacutegico
para manter sua dominaccedilatildeo Eacute precisamente atraveacutes desse esforccedilo de
convencimento que a dominaccedilatildeo econocircmica se transforma em hegemonia
cultural Esse convencimento atinge sua maacutexima eficaacutecia quando se
transforma em senso comum quando se naturaliza (SILVA 2011 p 46)
Para Bourdieu e Passeron (2012) a problemaacutetica reside na reproduccedilatildeo social que
ocorre palas vias da cultura ou propriamente da cultura dominante Seus valores seus gostos
seus costumes seus haacutebitos seus modos de se comportar de agir satildeo reproduzidos como ideal
e desejado para toda a sociedade Entendemos portanto que eacute justamente no curriacuteculo onde
ocorre a condensaccedilatildeo de toda essa problemaacutetica
71
Compreendemos que o curriacuteculo eacute um espaccedilo para o confronto de conhecimentos
popular e erudito Nesse sentido o papel da universidade eacute primordialmente ressignificar os
conhecimentos jaacute elaborados pelos estudantes ou nas palavras de Freire (1993) ―saber de
experiecircncia feito que satildeo pilares fundantes para a construccedilatildeo curricular Curriacuteculo com foco
na vida pela vida e para a vida Saber que natildeo eacute transposto automaticamente pois se constitui
em aprendizagens colaterais e que ao precederem a escola alicerccedilam-na e lhe datildeo suporte
Produzir novos e melhores conhecimentos e garantir um espaccedilo educativo no qual co-
existam de forma permanente a circularidade entre saberes eacute tarefa responsaacutevel da
universidade assim o grande desafio eacute construir uma matriz pedagoacutegica que natildeo se feche
numa dimensatildeo de especialidades dentro das disciplinas O curriacuteculo precisa dar conta de
especificidades por outro lado natildeo pode perder com isso a visatildeo ampla natildeo pensar apenas o
especiacutefico sob pena de fragmentar o conhecimento nem somente o geral pois isso teria
consequecircncias danosas agrave dimensatildeo particular
A educaccedilatildeo do campo tem um viacutenculo com a matriz pedagoacutegica do trabalho e da cultura
Numa concepccedilatildeo freireana haacute uma inter-relaccedilatildeo fundamental entre essas duas categorias
visto que a primeira pode-se entender como a accedilatildeo do homem na natureza ao passo que a
segunda eacute o resultado dessa accedilatildeo accedilatildeo consciente e ativa do homem em sua
realidadenatureza (FREIRE 1983) Desse modo a tarefa primordial da Proposta poliacutetico-
pedagoacutegica e Plano de Trabalho do Curso de Pedagogia da Terra eacute dialogar com essas
matrizes
Assim observamos que a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho se
aproxima e dialoga bastante com esse pensamento logo aproximando-se tambeacutemdos
princiacutepios contidos na Pedagogia Paulo Freire
A proposta curricular para este curso teraacute como ponto de partida os saberes e
praacuteticas dos alunos e a realidade dos assentamentos Por conseguinte a
singularidade seraacute realccedilada sem perder de vista os elementos universais que
compotildeem a cultura do homem e da mulher do campo na perspectiva de
mobilizar um movimento pedagoacutegico pautado na accedilatildeo-reflexatildeo-accedilatildeo (UFRN
2010 p 8)
A proposta de formaccedilatildeo de Freire eacute permeada por uma postura criacutetica poliacutetica e
consciente diante de abordagens de formaccedilatildeo que se apresentam fragmentadas natildeo
envolventes e incapazes de captar as reais necessidades e preocupaccedilotildees dos sujeitos Nesse
72
sentido a categoria realidade sem duacutevida deteacutem uma centralidade na Pedagogia Paulo
Freire isso justamente porque eacute na concretude que a vida se passa Por isso mesmo a
importacircncia da indissociabilidade entre o curriacuteculo do curso e a vida praacutetica dos educandos e
educandas
Outro ponto de fundamental importacircncia se refere agrave necessidade de afinidade criacutetico-
ideoloacutegico dos docentes com a proposta do curso Eacute importante haver aproximaccedilatildeo suficiente
para compreender as particularidades proacuteprias da turma dos sujeitos e do campo
De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho a ―estrutura
curricular do curso de Pedagogia da Terra eacute concebida em trecircs nuacutecleos articulados quais
sejam estudos baacutesicos aprofundamento e diversificaccedilatildeo de estudos e estudos integradores
cujos componentes curriculares foram ofertados em atividades presenciais a serem realizadas
preferencialmente nos periacuteodos de janeirofevereiro e junhojulho de cada ano nas
dependecircncias da UFRN e de atividades vivenciais (grupos de estudo pesquisa e exerciacutecio
profissional) apoiadas por monitores de apoio pedagoacutegico ao longo dos semestres tendo
como referecircncia a praacutetica docente e a realidade do campo no contexto da Reforma Agraacuteria
(UFRN 2010)
O ―Nuacutecleo de Estudos Baacutesicos do curso compreende a seguinte ordem
a Histoacuterico e soacutecio-cultural compreendendo os fundamentos filosoacuteficos
histoacutericos poliacuteticos econocircmicos socioloacutegicos psicoloacutegicos e
antropoloacutegicos necessaacuterios para a reflexatildeo criacutetica nos diversos setores da
educaccedilatildeo na sociedade contemporacircnea
b Da educaccedilatildeo baacutesica compreendendo
i Estudo dos conteuacutedos curriculares da educaccedilatildeo baacutesica
escolar
ii Os conhecimentos didaacuteticos as teorias pedagoacutegicas
em articulaccedilatildeo agraves metodologias tecnologias de informaccedilatildeo e
comunicaccedilatildeo e suas linguagens especiacuteficas aplicadas ao ensino
iii Estudo os processos de organizaccedilatildeo do trabalho
pedagoacutegico gestatildeo e coordenaccedilatildeo educacional
iv Estudo das relaccedilotildees entre educaccedilatildeo e a realidade
social do campo os contextos de trabalho as especificidades da regiatildeo
do Semi-Aacuterido e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees
do campo (UFRN 2010 p 10)
73
No ponto ―IV do Nuacutecleo de estudos baacutesicos observa-se um eixo bem delimitado no
que concerne a formaccedilatildeo do sujeito em consonacircncia com sua realidade Jaacute dialogamos sobre a
importacircncia dessa associaccedilatildeo entre trabalho e cultura tatildeo significativa agrave Educaccedilatildeo do Campo
e agrave Pedagogia Paulo Freire
A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com
ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento
proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica
em que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem
absolutizar-se fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-
o a julgar o seu mundo algo que apenas se acha (FREIRE 1983 p42)
Desse modo a leitura dos processos produtivos e dos processos culturais formadores
dos sujeitos que vivem dono campo eacute entendida como tarefa fundamental no projeto poliacutetico
e pedagoacutegico da Educaccedilatildeo do Campo Esse eixo de estudos busca situar e datar os
componentes do curso na atualidade
Uma das dificuldades dos cursos que trabalham com a Pedagogia da Alternacircncia eacute a
ausecircncia em parte do corpo docente de uma maior afinidade poliacutetica ideoloacutegica com as
questotildees especiacuteficas do curso A ausecircncia dessa interaccedilatildeo acarreta comprometimentos quanto
agrave viabilizaccedilatildeo e operacionalizaccedilatildeo praacutetica da proposta pedagoacutegica escrita (RIBEIRO et al
2010) Eacute um ponto da Pedagogia da Alternacircncia que tem sido pensado e repensado uma vez
que as visitas dos professores agraves comunidades dos estudantestrabalhadores tem se
operacionalizado de forma bastante limitada Esse ponto externa uma preocupaccedilatildeo que
compromete os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo da Alternacircncia da Pedagogia Paulo Freire
e da Educaccedilatildeo Popular como um todo
A busca pelos professores e professoras para trabalhar no curso foi estrateacutegica Em
boa medida os docentes gozavam de boa experiecircncia com a extensatildeo universitaacuteria o que
significa certa capacidade de dialogar com o ementaacuterio das disciplinas
A indicaccedilatildeo dos professores seraacute assumida pela Coordenaccedilatildeo do Curso
considerando preferencialmente a vinculaccedilatildeo formal com o Departamento
de Educaccedilatildeo e demais departamentos das licenciaturas da UFRN e a atuaccedilatildeo
docente e investigativa nas aacutereas relacionadas com o ementaacuterio do referido
curso (UFRN 2010 p 26-27)
As disciplinas trabalhadas no Nuacutecleo de estudos baacutesicos podem ser vistas conforme a
tabela a baixo
74
Periacuteo
do Coacutedigo Disciplinas
C
R
C
H
CH
Presenc
ial
CH
Viven
cial
CH
Praacutet
ica
2007
1
EDU00
46 Introduccedilatildeo ao Trabalho Cientiacutefico 2 30 25 5 -
EDU00
47
Introduccedilatildeo agrave Leitura de textos
imagens e meios eletrocircnicos 8
12
0 100 20 -
2007
2
EDU00
37 Fundamentos de Filosofia do Conhecimento 4 60 45 15 -
EDU00
96
Dimensatildeo Soacutecio-Antropoloacutegica do Ser
Humano 4 60 45 15 -
EDU00
41 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -
EDU00
43 Histoacuteria na Escola 4 60 45 15 -
EDU00
59
Sociologia dos Movimentos Sociais e
Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -
2008
1
EDU00
42 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo no Brasil 4 60 45 15 -
EDU00
40 Gestatildeo democraacutetica na Escola 4 60 45 15 -
EDU00
51
Organizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo
Brasileira 4 60 45 15 --
EDU00
38 Geografia na Escola 4 60 45 15 -
2008
2
EDU00
23 Dimensatildeo Psicoloacutegica da Aprendizagem 4 60 45 15 -
EDU00
62
Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo Popular
(Paulo Freire) 4 60 45 15 -
EDU00
25 Dimensatildeo Psicoloacutegica do Homem 4 60 45 15
EDU00
81
Teacutecnicas de Elaboraccedilatildeo de
Projetos Educacionais 4 60 45 15
EDU00
60 Tecnologias do Campo na Escola 4 60 45 15
2010
2
EDU00
61
Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo (outros
pedagogos) 4 60 45 15
EDU00
53
Planejamento Escolar e Projeto
Pedagoacutegico 4 60 45 15
EDU00
19
Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da
linguagem ndash Portuguecircs 4 60 45 15
EDU00
18
Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da
linguagem ndash Matemaacutetica 4 60 45 15
2011
1
EDU00
39
Gerenciamento de Atividades
Educacionais 4 60 45 15
EDU00
48 Liacutengua Portuguesa na Escola 4 60 45 15
EDU00
49 Matemaacutetica na Escola 4 60 45 15
2011
2
EDU00
35
Elaboraccedilatildeo de Material Didaacutetico
(teoria + praacutetica) 4 90 45 15
EDU00
21 Ciecircncias Naturais na Escola 4 60 45 15
Fonte UFRN (2010)
75
No segundo eixo Nuacutecleo de Aprofundamento e Diversificaccedilatildeo de Estudos se
percebe um grande enfoque naquilo que podemos chamar de ―questatildeo de nossa eacutepoca
(FREIRE 1983) ou questotildees ―transversais Satildeo temaacuteticas que nos remetem a diversidade
cultural tatildeo em pauta hoje em dia
1 Educaccedilatildeo de jovens e adultos
2 Educaccedilatildeo infantil
3 Educaccedilatildeo e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees do
campo
4 Educaccedilatildeo ambiental
5 Educaccedilatildeo e pluralidade cultural
6 Educaccedilatildeo para sauacutede e educaccedilatildeo sexual
7 Educaccedilatildeo especial
8 Temas especiacuteficos alternativas educacionais para o campo questatildeo
agraacuteria cooperativismo e semi-aacuterido (UFRN 2010 p 10)
A par disso eacute vaacutelido salientar o pioneirismo da Pedagogia Paulo Freire no tocante a
essas questotildees Mesmo antes de todos esses temas virem agrave tona Freire jaacute formulava a
Pedagogia do Oprimido que de forma astuta pensou uma pedagogia cujo assento eacute o grupo de
oprimidos ou seja adultos natildeo alfabetizados pessoas com deficiecircncias povos tradicionais
direitos das mulheres Direitos Humanos e outros A pedagogia do oprimido apresenta ao
mundo todos os sujeitos que vivem agrave margem da cultura erudita e hegemocircnica Paulo Freire
chama a atenccedilatildeo para a riqueza da produccedilatildeo cultural desses sujeitos Em boa medida esses
conhecimentos estatildeo hoje sintetizados no multiculturalismo
Desse modo percebemos que haacute uma evidente contribuiccedilatildeo do pensamento freireano
no tocante a organizaccedilatildeo do Pano de Trabalho do Curso Pedagogia da Terra da UFRN A
seguir apresentamos o quadro de disciplinas que compotildeem o Nuacutecleo de Aprofundamento e
Diversificaccedilatildeo de Estudos
Periacuteo
do Coacutedigo Disciplinas
C
R
C
H
CH
Presenc
ial
CH
Viven
cial
CH
Praacutet
ica
2007
1
EDU00
56 Seminaacuterio I ndash A questatildeo Agraacuteria 4 60 40 20 -
EDU00
55
Seminaacuterio II ndash Alternativas Educacionais no
Campo 4 60 40 20 -
2008
1
EDU00
82 Seminaacuterio III ndash O Semi- Aacuterido 4 60 45 15 -
2010 EDU00 Seminaacuterio IV ndash Cooperativismo 4 60 45 15 -
76
2 57
2011
1
EDU00
29 Educaccedilatildeo Ambiental 4 60 45 15 -
2011
2
EDU00
27
Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e
Processo de Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -
EDU00
30 Educaccedilatildeo Especial 4 60 45 15 -
EDU00
20 Artes e Corporeidade na Escola 4 60 45 15 -
2012
1
EDU00
28
Educ de Jovens e Adultos e Processo de Poacutes-
Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -
EDU00
32 Educaccedilatildeo para Sauacutede e Orientaccedilatildeo Sexual 4 60 45 15 --
EDU00
31 Educaccedilatildeo Infantil 4 60 45 15 -
EDU00
33
Educaccedilatildeo Eacutetica e Pluralidade
Cultural 4 60 45 15 -
EDU00
87
Liacutengua Brasileira de Sinais ndash
LIBRAS 4 60 45 15 -
Fonte UFRN (2010)
A uacuteltima parte dos nuacutecleos de estudos refere-se aos Estudos Integradores que satildeo
a Realizaccedilatildeo de oficinas e participaccedilatildeo em eventos culturais artiacutesticos e
cientiacuteficos
b Exerciacutecio profissional em acircmbitos escolares e natildeo-escolares articulando saber
acadecircmico pesquisa e praacutetica educativa (UFRN 2010 p10)
Periacuteo
do Coacutedigo Disciplinas
C
R
C
H
CH
Presenc
ial
CH
Vivenci
al
CH
Praacutet
ica
2007
1
EDU00
45
Introduccedilatildeo ao Estudo da Realidade
Local (teoria+praacutetica) 4 60 15 45 45
EDU00
64 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural I - 15 - 15 15
EDU00
65 Oficina de Praacuteticas Formativas I - 15 15 - 15
2007
2
EDU00
58
Sistema Educacional e
Organizaccedilatildeo Escolar (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
66 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural II - 15 - 15 15
EDU00
67 Oficina de Praacuteticas Formativas II - 15 15 - 15
2008
1
EDU00
50
Observaccedilatildeo na escola ndash sala de
aula (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
68
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
III - 15 - 15 15
EDU00 Oficina de Praacuteticas Formativas III - 15 15 - 15
77
69
2008
2
EDU00
44 Introduccedilatildeo agrave Pesquisa (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
70
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
IV - 15 - 15 15
EDU00
71 Oficina de Praacuteticas Formativas IV - 15 15 - 15
2010
2
EDU00
52 Pesquisa I (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
72 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural V - 15 - 15 15
EDU00
73 Oficina de Praacuteticas Formativas V - 15 15 - 15
2011
1
EDU00
95 Estaacutegio Supervisionado I
10
0 15 85 85
EDU00
74
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
VI - 15 - 15 15
EDU00
75 Oficina de Praacuteticas Formativas VI - 15 15 - 15
2011
2
EDU00
97 Estaacutegio Supervisionado II
20
0 - 200 200
EDU00
98
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
VII - 10 - 10 10
EDU00
77 Oficina de Praacuteticas Formativas VII - 15 15 - 15
2012
1
EDU00
63
Trabalho de Conclusatildeo de Curso
(praacutetica) - 90 - 90 90
EDU00
79
Oficina de Praacuteticas Formativas
VIII - 15 15 - 15
EDU00
80 Congresso de Encerramento - 45 - 45 45
Fonte UFRN (2010)
Essa ultima parte pode-se considerar como a reta final do Curso Os estudantes
trabalharam atividades voltadas agrave culminacircncia como as Oficinas Formativas os Estaacutegios
supervisionados e o Trabalho de Conclusatildeo de Curso (UFRN 2010)
Os trecircs nuacutecleos centrais do curriacuteculo dialogam em grande parte com as necessidades
da formaccedilatildeo dos sujeitos do campo mas tambeacutem com os princiacutepios da Pedagogia Paulo
Freire sobretudo o diaacutelogo tatildeo caro no mundo dos ―pacotes prontos
Eacute preciso que a educaccedilatildeo esteja ndash em seu conteuacutedo em seus programas e em
seus meacutetodos ndash adaptada ao fim que se persegue permitir ao homem chegar a
ser sujeito construir-se como pessoa transformar o mundo estabelecer com
os outros homens relaccedilatildeo de reciprocidade fazer a cultura e a histoacuteria
(FREIRE 1980 p 39)
Aleacutem desses trecircs eixos norteadores destacamos a importacircncia de outras trecircs partes
fundamentais na organizaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica quais sejam (I) Instrumento de
78
integraccedilatildeo e conhecimento do aluno com a realidade social econocircmica e do trabalho de sua
aacutereacurso (II) Instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao ensino (III) Instrumento de praacutetica
profissional (UFRN 2010)
Instrumento de integraccedilatildeo do estudante com a realidade social e econocircmica (I)
―se organiza principalmente no acircmbito das praacuteticas de ensino e possibilita a interlocuccedilatildeo com
os referenciais teoacutericos do curriacuteculo Seraacute iniciada nos primeiros anos do curso e
acompanhada pela coordenaccedilatildeo (UFRN 2010 p 11)
Esse nuacutecleo de disciplinas eacute de fundamental importacircncia uma vez que pretende
aproximar e contextualizar oa estudante dentro da realidade social poliacutetica e econocircmica do
paiacutes Para Freire (2011) o ser humano precisa ―ser situado e datado ou seja o ser humano
precisa conhecer e reconhecer o lugar e o momento histoacuterico no qual se encontra para ser
capaz de agir conscientemente na transformaccedilatildeo da realidade
Menezes e Santiago (2010 p 398) falando sobre a contribuiccedilatildeo do pensamento de
Paulo Freire na construccedilatildeo do curriacuteculo criacutetico apontam que
Os estudantes compreendem suas relaccedilotildees com o mundo natildeo maiscomo real
idade estaacutetica mas como uma realidade em transformaccedilatildeo em processo e de
ssa forma satildeo estimulados a um enfrentamento da realidade como seres da p
raacutexis que sendo reflexatildeo e accedilatildeo eacute verdadeiramente transformadora da realid
ade
Natildeo podemos perder de vista a dimensatildeo criacutetica do processo nem tampouco esquecer
a complexidade da sociedade a qual estamos imersos ou seja uma sociedade de economia
capitalista cuja dinacircmica capitalista gira em torno da dominaccedilatildeo de classe (SILVA 2011)
A modalidade de Praacuteticas Pedagoacutegicas com instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao
ensino (II) pretende articular a teoria com a praacutetica Considera que a formaccedilatildeo profissional
natildeo se desvincula da praacutetica de exercitar a curiosidade que reflete e problematiza a realidade
gerando a partir daiacute projetos de pesquisa capazes de propiciar a iniciaccedilatildeo agrave pesquisa
educacional (id ibid p 11)
A necessidade da intersecccedilatildeo entre a teoria e a praacutetica eacute uma premissa singular a todo
processo educativo defendido exaustivamente tanto como caminho para formaccedilatildeo
permanente de educandos (FREIRE 1991) como para a transformaccedilatildeo do mundo Para
79
pensadores criacuteticos como Marx Gramsci Paulo Freire Apple e outros ―A questatildeo da
coerecircncia entre a opccedilatildeo proclamada e a praacutetica eacute uma das exigecircncias que educadores criacuteticos
fazem a si mesmo Eacute que sabem muito bem que natildeo eacute o discurso o que ajuiacuteza a praacutetica mas a
praacutetica que ajuiacuteza o discurso (FREIRE 2005 p 25)
Associamos a esse momento a praacutexis educativa de Paulo Freire que eacute o resultado da
accedilatildeo e da reflexatildeo porem a accedilatildeo-reflexatildeo sobre o mundo como afirma Freire (2011) natildeo eacute
simples teorizaccedilatildeo e nem simples ativismo eacute a capacidade de agir criticamente sobre esse
mundo A praacutexis eacute um processo dialoacutegico onde saberes satildeo trocados conjuntamente na busca
da construccedilatildeo de um novo saber O pensar jamais poderaacute se afastar da realidade em que se
materializa natildeo bastando interpretar o mundo mas sobretudo transformaacute-lo
Assim esse quadro de disciplinas cujo foco eacute no ensino e na pesquisa contribui de
forma profiacutecua com a busca dos educandos por melhor entenderem sua realidade e sua
eventual transformaccedilatildeo
No uacuteltimo eixo de disciplinas ldquoInstrumento de praacutetica profissionalrdquo (III) observa-
se a ocorrecircncia dos estaacutegios De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de
Trabalho essa atividade
Deve ocorrer junto agraves escolas e unidades educacionais nas atividades de
observaccedilatildeo regecircncia ou participaccedilatildeo em projetos como um ―saber fazer
que busca orientar-se por teorias pedagoacutegicas para responder agraves demandas
colocadas pela praacutetica pedagoacutegica Estaratildeo presentes desde os primeiros
anos do curso configurando a praacutetica pedagoacutegica necessaacuteria ao exerciacutecio
profissional O exerciacutecio efetivo das atividades como professor coordenador
ou gestor de programas educacionais seraacute considerado como parte dessa
modalidade Compreende 300 horas (Estaacutegio Supervisionado I e II) em
consonacircncia com artigo 7ordm aliacutenea II da Resoluccedilatildeo 012006 ndash CNECP
(UFRN 2010 p 11)
A busca pela praacutexis educativa eacute tambeacutem a busca pela aproximaccedilatildeo do outro
procurando articular os diferentes saberes O estaacutegio possibilita um dos momentos mais ricos
em experiecircncias e troca de saberes de todo o curso pois busca diminuir a distacircncia entre os
conteuacutedos trabalhados na Universidade e as vivecircncias do cotidiano escolar (UFRN 2010)
Por fim reafirmamos a importacircncia de um curriacuteculo pensado a partir da realidade das
necessidades sociais e das transformaccedilotildees ensejadas Como monitor que fomos podemos
afirmar que o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
80
natildeo eacute perfeito sobretudo do ponto de vista operacional muita coisa mudou no decorrer dos
anos mudanccedilas de espaccedilos mudanccedilas na coordenaccedilatildeo saiacuteda de estudantes mudanccedilas no
cronograma entre outros Os efeitos dessas ocorrecircncias apenas outras pesquisas nos diratildeo22
Tivemos como objetivo analisar a contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire ao curriacuteculo do
Curso justamente por entender que cursos dessa natureza necessitam de grande aproximaccedilatildeo
e afinidade com os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo e da Pedagogia Paulo Freire ambas as
concepccedilotildees amalgamadas nos princiacutepios da Educaccedilatildeo Popular progressista
Figur
a IIV Concluintes 2012 ndash Turma Florestan FernandesPedagogia da Terra UFRN
22 Sobre os horizontes dos educandos do Curso de Pedagogia da Terra ver Hilario e Azevedo (2011)
disponiacutevel em httpwwwieppecpb2011xpgcombrconteudoGTsGT20-200710pdf
81
5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO
O tema abordado nesta pesquisa emerge de um campo promissor e de grande debate
na contemporaneidade Embora seja um tema que ainda requer muita reflexatildeo e pesquisa
podemos dizer que a temaacutetica da educaccedilatildeo dos povos do campo eacute hoje uma questatildeo em pauta
nacionalmente
Reconhecendo a importacircncia da Educaccedilatildeo do Campo propusemo-nos a pensar e
refletir sobre ―qual a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo
do Campo e numa esfera mais ampla e de forma mais recortada se ―eacute possiacutevel evidenciar
no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte ―recorte e retalhos da Pedagogia de Paulo Freire Imersos nessa problemaacutetica
buscamos analisar o pensamento de Freire dentro dos documentos oficiais que norteiam o
curso
Pensar o sujeito enquanto humano que se transforma e transformando-se transforma o
mundo ao passo que por ele eacute transformado eacute uma contribuiccedilatildeo louvaacutevel natildeo somente ao
campo da Educaccedilatildeo do Campo mas ao paradigma da formaccedilatildeo humana como um todo Freire
desloca o homem do perifeacuterico para o centro das decisotildees natildeo num sentido egoiacutesta supremo
mas num sentido de comunhatildeo com o mundo e com o outro
Comecemos por afirmar que somente o homem como um ser que trabalha
que tem um pensamento-linguagem que atua e eacute capaz de refletir sobre si
mesmo e sobre a sua proacutepria atividade que dele se separa somente ele ao
alcanccedilar tais niacuteveis se faz um ser da praacutexis Somente ele vem sendo um ser
de relaccedilotildees num mundo de relaccedilotildees [] Desprendendo-se do seu contorno
veio tornando-se um ser natildeo da adaptaccedilatildeo mas da transformaccedilatildeo do
contorno um ser de decisatildeo [] (FREIRE 1992 p 39)
Baseado nessa concepccedilatildeo iniciamos este trabalho explicitando ―o lugar de onde
falo pois entendemos que cada ser humano precisa ser entendido em seus muacuteltiplos
condicionamentos precisa ser ―situado e datado desse modo uma compreensatildeo puramente
academicista seria demasiadamente reducionista Ainda que pareccedila pouco cientiacutefico
entendemos que as experiecircncias das pessoas estatildeo diretamente ligadas a psicologia social que
tem determinantes em toda a nossa vida Por isso achamos salutar dizer um pouco do que
somos mas sobretudo dialogar tambeacutem sobre o porquecirc de sermos o que somos
82
Nessa caminhada dialogamos acerca da necessidade de superaccedilatildeo do paradigma da
Educaccedilatildeo Rural e construccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo como alternativa viaacutevel aos povos do
campo Trabalhamos o entendimento da Educaccedilatildeo Rural como a histoacuteria nos apresentou ou
seja um modelo calcado na exploraccedilatildeo do trabalho humano o que configura uma visatildeo
utilitarista e preconceituosa da vida e dos sujeitos do campo Ao mesmo tempo tratamos de
apresentar a Educaccedilatildeo do Campo como uma vertente que melhor se aproxima das
experiecircncias do trabalho e da vida praacutetica dos agricultores e agricultoras Todo o diaacutelogo
sobre as diferentes formas de pensar a educaccedilatildeo dos povos do campo foi atravessado pelo
pensamento de Paulo Freire que teceu toda a construccedilatildeo dessa obra
Pensar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire para o atual debate em torno da Educaccedilatildeo do
Campo eacute uma tarefa instigante sobretudo porque evidenciamos um grande pioneirismo do
Patrono da educaccedilatildeo brasileira quanto a algumas temaacuteticas abordadas hoje pela Educaccedilatildeo do
Campo Debater a importacircncia da realidade ou seja do trabalho e da vida praacutetica como
motor capaz de gerar conhecimentos e mais gerar um curriacuteculo eacute sem duacutevida uma bandeira
do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo que tem origem no pensamento de Paulo Freire
Nessa mesma caminhada explicitamos algumas consideraccedilotildees acerca da Pedagogia da
Alternacircncia e seus propoacutesitos junto a Educaccedilatildeo do Campo Dentro de uma concepccedilatildeo
metodoloacutegica situamos a Alternacircncia dentro de uma vertente multicultural como uma
alternativa curricular que se aproxima das concepccedilotildees progressistas que reclamam uma
organizaccedilatildeo oacutetica mais humana e respeitosa
Continuamos nosso debate discorrendo sobre Educaccedilatildeo do Campo e buscando onde
ela se afina com a Pedagogia Paulo Freire Observamos que em muitos momentos haacute um
entrelaccedilamento entre as duas concepccedilotildees como procuramos exemplificar no desenho criado
por noacutes Nessa pesquisa encontramos uma luta histoacuterica dos povos oprimidos pela busca dos
seus direitos e no mesmo sentido encontramos tambeacutem classes dominantes que ao longo da
histoacuteria perpetuaram seus privileacutegios mantendo uma cultura elitista que estratificando a
sociedade engessa os avanccedilos necessaacuterios
Na quarta parte do trabalho buscamos refletir sobre a inserccedilatildeo do Curso de Pedagogia
da Terra da UFRN no espaccedilo acadecircmico como algo de singular importacircncia Dissertamos
sobre os momentos perpassados pelo curso durante sua realizaccedilatildeo Como se deu o dia a dia
83
dentro da universidade as dificuldades os esforccedilos os preconceitos tudo isso foi canalizado
como forma de entender essa inserccedilatildeo como um ato de ―rebeldia e uma conquista do povo do
campo do Rio Grande do Norte
Eacute nesse sentido de luta e rebeldia que situamos a Pedagogia Paulo Freire dentro da
discussatildeo da Educaccedilatildeo do Campo e do Curso de Pedagogia da Terra A contribuiccedilatildeo de Freire
costura esse trabalho do iniacutecio ao fim Aponta diretrizes e caminhos para a tessitura dessa
dissertaccedilatildeo que eacute tanto teoacuterica quanto praacutetica eacute tanto a segunda quanto a primeira eacute diaacutelogo
eacute pois praacutexis educativa
Por fim buscamos analisar o curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra agrave luz da
contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire Concluiacutemos que haacute uma forte influecircncia da
concepccedilatildeo freireana na Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho
A Pedagogia Paulo Freire e a Educaccedilatildeo do Campo que satildeo atravessadas pela
concepccedilatildeo de educaccedilatildeo dialoacutegica e libertadora satildeo colocadas nesse trabalho como a busca
pelo diaacutelogo constante com o outro Uma educaccedilatildeo ―que se predispusesse a constantes
revisotildees A anaacutelise criacutetica de seus ―achados A uma certa rebeldia no sentido mais humano
da expressatildeo (FREIRE 1983 p 90)
Por fim esta pesquisa nos permitiu refletir sobre o pensamento de Paulo Freire na
contemporaneidade Percebemos o quatildeo atual ele continua e como nos permite compreender
de forma ampla e completa questotildees sociais que permeiam a sociedade A praacutexis educativa de
Paulo Freire assim como o Materialismo Histoacuterico-dialeacutetico continua dando conta de forma
satisfatoacuteria das anaacutelises e mudanccedilas que as questotildees de nossa eacutepoca ensejam
Por uacuteltimo reconhecemos a importacircncia dos cursos de educaccedilatildeo do campo como de
importacircncia singular pois muito mais que a possibilidade de melhoria econocircmica significa
tambeacutem um reparo social e uma conquista do ponto de vista soacutecio-histoacuterico Tivemos a
oportunidade de refletirmos sobre o Curso de Pedagogia da Terra e como a Pedagogia Paulo
Freire pode contribuir com essa formulaccedilatildeo Sabemos que hoje haacute em todo o Brasil diversos
cursos que gozam desse mesmo caraacuteter reconhecemos que satildeo fundamentais poreacutem
reconhecemos que existe uma tendecircncia em tornar essas experiecircncias em ―moda Por
entender que Educaccedilatildeo do Campo eacute um movimento histoacuterico da classe trabalhadora eacute que
84
defendemos que esse paradigma precisa ter em seu acircmago os princiacutepios revolucionaacuterios da
Pedagogia Paulo Freire
85
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92
ANEXOS
93
94
4
LUIZ GOMES DA SILVA FILHO
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA ATUALIDADE
UM OLHAR SOBRE O CURRIacuteCULO DO CURSO PEDAGOGIA DA TERRA DA
UFRN
Aprovado em ________2014
Banca examinadora
______________________________________________________
Professora Drordf Rita de Cassia Cavalcanti Porto ndash Orientadora (PPGEUFPB)
______________________________________________________
Professor Dr Severino Bezerra da Silva (PPGEUFPB)
______________________________________________________
Professora Drordf Gloacuteria das Neves Dutra Escariatildeo ndash Examinadora externa (PPG-CRUFPE)
5
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo a Deus pelo dom da vida por guiar meus passos e me conduzir pelo
caminho do certo ao lado dos oprimidos
Agrave minha matildee Francisca Maria Terto (Dona Tecirc) e ao meu pai Luiz Gomes da Silva
(Seu Lucas) pelo incentivo constante e ajuda frequente Aos meus irmatildeos e irmatildes pelo
simples fato de existirem e colorirem o mundo
Agrave minha companheira Linda Carter pela presenccedila constante ao meu lado e sua
famiacutelia por me fazerem sentir-se em casa mesmo longe dos meus parentes
Agrave minha orientadora Professora Doutora Rita de Cassia Cavalcanti Porto por ser
antes de tudo humana tatildeo raro hoje em dia por acreditar neste trabalho orientar de forma
profiacutecua eacutetica com rigorosidade mas sobretudo com amorosidade Serei sempre grato
Ao Grupo de Estudos da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) pelas conversas
orientaccedilotildees e sobretudo pelo humanismo
Ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo da Universidade Federal da Paraiacuteba e
aos professores que em muito contribuiacuteram com minha formaccedilatildeo em especial ao Professor
Doutor Severino Bezerra Silva que deteacutem meu respeito e grande admiraccedilatildeo
Agrave banca examinadora como um todo pelas contribuiccedilotildees ao trabalho e seriedade
Agrave Universidade Federal da Paraiacuteba pelo acolhimento em um momento tatildeo adverso e
pela oportunidade de realizaccedilatildeo do curso de Mestrado
Aos educandos e educandas do Curso de Pedagogia da UFRN com quem tive o prazer
de conviver dialogar e que de forma direta ou indireta contribuiacuteram com este trabalho
A todos os meus amigos e amigas que de forma sempre positiva me apoiaram
6
RESUMO
Esta dissertaccedilatildeo tem como objetivo geral compreender as contribuiccedilotildees da Pedagogia
Paulo Freire no atual debate da Educaccedilatildeo do Campo como recorte analiacutetico temos o
Curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte Analisa assim as aproximaccedilotildees que se tem hoje entre o Movimento Por Uma
Educaccedilatildeo do Campo e a Pedagogia Paulo Freire Entre as teacutecnicas de pesquisa optamos por
uma aprofundada revisatildeo bibliograacutefica e anaacutelise documental cujo objetivo reside na busca
pelo entendimento amplo de questotildees complexas e abrangentes de nossa eacutepoca Como
resultado alcanccedilado apresentamos algumas reflexotildees sobre a formulaccedilatildeo da Estrutura
curricular do curso supracitado e a presenccedila de princiacutepios da Pedagogia Paulo Freire nesse
curriacuteculo A temaacutetica pesquisada se insere nos objetivos do Grupo de Pesquisa da Pedagogia
Paulo Freire da Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPFUFPB) que busca dialogar sobre
as contribuiccedilotildees da pedagogia freireana em diversos espaccedilos
Palavras-chaves Educaccedilatildeo do Campo Pedagogia Paulo Freire Pedagogia da Terra
Curriacuteculo
4
RESUMEN
Esta disertacioacuten tiene como objetivo general comprender las contribuciones de la
Pedagogiacutea de Paulo Freire en el actual debate de la Educacioacuten del Campo Como guiacutea
analiacutetico tenemos el curriacuteculo del Curso de Pedagogiacutea de la Tierra de la Universidade
Federal do Rio Grande do Norte Se analiza asiacute los acercamientos que se tiene hoy entre el
Movimiento Por Una Educacioacuten del Campo y la pedagogiacutea Paulo Freire De las teacutecnicas de
pesquisa optamos por una profundizada revisioacuten bibliograacutefica y anaacutelisis documental cuyo
objetivo reside en la buacutesqueda por el amplio entendimiento de cuestiones complejas y
extensivas de nuestra eacutepoca Como resultado alcanzado presentamos algunas reflexiones
acerca de la formulacioacuten de la Estructura Curricular del curso anteriormente citado y la
presencia de principios de la Pedagogiacutea Paulo Freire en ese curriacuteculo La temaacutetica
pesquisada se inserta en los objetivos del Grupo de Pesquisa de la Pedagogiacutea Paulo Freire de
la Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPUFPB) que busca dialogar sobre las
contribuciones de la Pedagogiacutea freireana en diversos espacios
PALABRAS CLAVE Educacioacuten del Campo Pedagogiacutea Paulo Freire Pedagogiacutea de la
Tierra curriacuteculo
5
QUADRO DE ILUSTRACcedilOtildeES
Figura I Regiatildeo do SeridoacuteRN
8
Figura II Lagoa NovaRN
9
Figura III Entrelaccedilamento entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire
59
Figura IV Angicos nos dias de hoje (2014)
62
Figura V AngicosRN
64
Figura VI Experiecircncia de AngicosRN
65
Figura IIV Turma Florestan Fernandes ndash PedagogiaUFRN
85
LISTA DE SIGLAS
ANFOPE - Associaccedilatildeo Nacional pela Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo
COMPERVE ndash Comissatildeo Permanente de Vestibular
CONAE - Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo
CONSEPE ndash Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensatildeo
CNBB - Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil
CPT - Comissatildeo Pastoral da Terra
DCE - Diretoacuterio Central dos Estudantes
DCN ndash Diretrizes Curriculares Nacionais
ENERA - Encontro Nacional de Educadores e Educadoras na Reforma Agraacuteria
GEPPC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares
GEPPF - Grupo de Estudos e Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
INCRA - Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria
IPEA - Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada
MEPF - Ministeacuterio Extraordinaacuterio da Poliacutetica Fundiaacuteria
MSC ndash Movimentos Sociais do Campo
MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
PNE - Plano Nacional de Educaccedilatildeo
PROBAacuteSICA - Programa de Qualificaccedilatildeo Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica
PRONERA - Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria
PSDB - Partido da Social Democracia Brasileiro
PT - Partido dos Trabalhadores
SUDENE - Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste
SUPRA - Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria
TRAMSE - Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo
4
UFC ndash Universidade Federal do Cearaacute
UFG ndash Universidade Federal de Goiaacutes
UFMG ndash Universidade Federal de Minas Gerais
UFPB - Universidade Federal da Paraiacuteba
UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UNB - Universidade de Brasiacutelia
UNE - Uniatildeo Nacional dos Estudantes
UNESCO - Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo a Ciecircncia e a Cultura
UNICEF - Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia
SUMAacuteRIO
1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O
ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO 7
11 O LUGAR DE ONDE FALO 7
12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES 11
13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR 16
14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO COMO
SUPORTE PARA ESSE ESTUDO E A PRAacuteXIS FREIREANA 18
2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO PRA
PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER 24
21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO EDUCACIONAL 24
22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA 29
23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO 37
24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS
CONHECIMENTO 43
25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS DA
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO 47
3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO
51
31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA FREIREANA AO ATUAL DEBATE DA
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM 53
32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA
PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO
NORTE58
4
4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIEcircNCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO
CAMPO NA UFRN64
41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO CURSO
DE PEDAGOGIA DA TERRA DA
UFRN70
5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO81
6 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS85
7 ANEXOS 92
7
1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O
ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO
Eacute preciso por outro lado salientar a situaccedilatildeo incocircmoda em
que se encontram intelectuais do Terceiro Mundo que
contemporacircneos de seus colegas do Primeiro Mundo com
eles discutem a poacutes-modernidade ao mesmo tempo em que
convivem em seus paiacuteses com a espoliaccedilatildeo desenfreada de um
capitalismo dependente perverso e atrasado
(FREIRE 2012 p 68)
11 O LUGAR DE ONDE FALO
A vontade e a necessidade de transgredir eacute sem duacutevida um dos maiores motivos que
me leva a formular estes escritos A busca pela construccedilatildeo de um pensamento autecircntico ainda
que reconhecendo todos os riscos de o fazer eacute parte do que nos move Nesse sentido duas
questotildees fundamentais nos orientam quais sejam primeiro qual a contribuiccedilatildeo da
Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo Segundo eacute possiacutevel
evidenciar no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte ldquorecorte e retalhosrdquo da Pedagogia de Paulo Freire
Partindo desses pressupostos inquietadores e sabendo que a educaccedilatildeo deve ser tratada
com extrema seriedade nos debruccedilamos nesse artesanato intelectual (MILLS 2009) com o
objetivo de colaborar com o Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo sobretudo naquilo
que se refere agrave contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire a esse movimento Conseguindo
avanccedilar o pouco que seja nesse debate tatildeo salutar e tatildeo caro estaremos em boa medida
contemplados Nesse primeiro momento trago algumas experiecircncias que me foram tanto
singulares como significativas Por isso mesmo escrevo em primeira pessoa do singular
Nessas primeiras palavras busco a boniteza da expressatildeo de Paulo Freire (2012 p 25)
para iniciar a tessitura desta autobiografia ―de uma geraccedilatildeo que cresceu em quintais nasci
na cidade de Lagoa Nova Regiatildeo do Seridoacute no Estado do Rio Grande do Norte no mecircs de
outubro do ano de 1986
8
Figura I ndash Regiatildeo do SeridoacuteRN
Lagoa Nova eacute uma cidade com caracteriacutesticas tipicamente de interior onde as ―esferas
da existecircncia humana1 se inter-relacionam de forma mais segregada Com uma populaccedilatildeo de
13983 habitantes de acordo com o uacuteltimo censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatiacutesticas (IBGE 2010) essa populaccedilatildeo divide-se quase que simetricamente entre zona
rural e zona urbana Isso tanto tem influecircncia na identidade da Cidade como representa um
fenocircmeno social que por si jaacute merece uma reflexatildeo entretanto natildeo eacute nessa temaacutetica que
reside nosso foco
Figura II ndash Lagoa NovaRN
1 As esferas da existecircncia humana eacute um esquema pensado por Antocircnio Joaquim Severino (1994) em sua obra
―Filosofiardquo em que ele apresenta a Praacutetica Social a Praacutetica Simbolizadora e a Praacutetica Produtiva como uma
engrenagem que gira na frequumlecircncia diretamente proporcional a dinamicidade da sociedade ou grupo social
9
Com um clima extremamente agradaacutevel a cidade tem como base econocircmica a
Agricultura Familiar2 que por sua vez aquece um importante mercado interno sobretudo no
periacuteodo de novembro a marccedilo periacuteodo em que se evidencia a colheita do caju e da castanha
ou simplesmente ―safra do caju Aleacutem da agricultura e do comeacutercio o emprego puacuteblico
garante a complementaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da economia dessa cidade Embora haja outros
modos de complementaccedilatildeo agrave economia a agricultura desempenha papel iacutempar no que diz
respeito ao desenvolvimento da cidade O clima propiacutecio e a terra feacutertil satildeo propulsores de
uma agricultura baseada na pequena propriedade e na diversidade de culturas
Com o lema ―se plantando tudo daacute a regiatildeo serrana apresenta uma prova mais que
concreta de que o desenvolvimento de uma regiatildeo e o bem estar da populaccedilatildeo camponesa
passa diretamente por uma distribuiccedilatildeo de terras para os trabalhadores e trabalhadoras a
rotatividade de culturas e a preservaccedilatildeo do meio ambiente3 princiacutepios que claramente se
aproximam da economia solidaacuteria francamente enfatizada por Singer (2002) assim como
pelos movimentos sociais uma vez que esse caminho eacute uma alternativa para o atual modelo
predatoacuterio de produccedilatildeo agriacutecola tradicional
A possibilidade de cultivar vasta diversidade de sementes e frutos que o solo orgacircnico
rico em huacutemus permite eacute admiraacutevel feijatildeo fava milho encabeccedilam os cereais caju pinha
jaca maracujaacute manga fazem parte do grupo das frutas aleacutem da mandioca que eacute mateacuteria
prima na fabricaccedilatildeo da farinha e outros derivados Outra abrangecircncia de gecircneros alimentiacutecios
como as hortaliccedilas irrigadas e a pecuaacuteria complementam a economia de Lagoa Nova
Quanto agraves questotildees poliacuteticas essa cidade goza dos viacutecios e vicissitudes que a grande
maioria da populaccedilatildeo brasileira enfrenta Aqui natildeo tenho interesse em detalhar passa a passo
essa questatildeo pois isso seria uma tarefa demasiadamente enfadonha e desnecessaacuteria ao nosso
objetivo Ainda assim eacute salutar ressaltar a grande heranccedila oligaacuterquica que eacute flagrante quando
remeto aos nossos representantes poliacuteticos Pequenos grupos se revezam agrave frente da
2 De acordo com Neves (2012) no Dicionaacuterio da Educaccedilatildeo do Campo esse eacute um termo de muacuteltiplas
conotaccedilotildees aqui ficamos com a definiccedilatildeo de um forma de se fazer agricultura diferenciando-se da agricultura
patronal Ou seja uma forma mais poliacutetica e solidaacuteria de se trabalhar a terra
3 Nos uacuteltimos anos um fenocircmeno vem contrariando essa afirmativa a derrubada dos cajueiros tem ocasionado
preocupaccedilotildees quanto ao equiliacutebrio do ambiente
10
administraccedilatildeo puacuteblica como se aquela lhes fosse inerente Como se aquele fosse um direito
advindo do berccedilo Entretanto aos poucos grupos de pessoas ainda que de forma muito
incipiente comeccedilam a se organizar no sentido de propor uma alternativa que fuja agrave diacuteade
partidaacuteria dantesca a qual parece natildeo haver saiacuteda
Satildeo os sabores e dissabores de se gostar de um lugar esse lugar me compotildee eacute siacutentese
de muitas e complexas relaccedilotildees Quando penso na minha cidade resgato Paulo Freire (2012)
quando falava do Recife e sua relaccedilatildeo de saudade para com esta cidade quando estivera no
exiacutelio Faccedilo minhas tais palavras
Quando penso nela penso quanto ainda temos de caminhar lutando para
ultrapassar estruturas perversas de espoliaccedilatildeo Por isso quando longe dela
estive dela a minha saudade jamais se reduziu a um choro triste a uma
lamentaccedilatildeo desesperada Pensava nela e nela penso como um espaccedilo
histoacuterico contraditoacuterio que me exige como a qualquer outro ou outra
decisatildeo tomada de posiccedilatildeo ruptura opccedilatildeo (FREIRE 2012 p34)
Essa breve descriccedilatildeo acerca do meu lugar tem como propoacutesito trazer agrave pesquisa o
cenaacuterio que me foi familiar durante meus primeiros 20 anos (1986-2007) e como essa
vivecircncia implica na minha formaccedilatildeo enquanto pesquisador Como bem estudou Vygotsky ndash
durante sua curta poreacutem brilhante carreira como pesquisador dos processos de
desenvolvimento humano ndash o meio eacute um fator preponderante para a formaccedilatildeo do sujeito
Portanto eacute inegaacutevel que essa cidade eacute parte importante daquilo ―que me move algo que me
constituiu e ainda me constitui Muito do que hoje penso sou ou quero ser tem ligaccedilatildeo direta
com esse periacuteodo com as experiecircncias e vivecircncias que me foram comuns agravequela eacutepoca Isso
alude ao pensamento marxista ao qual nos filiamos em entender o sujeito como sendo ele o
resultado de muacuteltiplos e complexos processos histoacutericos e sociais
Paulo Freire ao trazer agrave tona a importacircncia do lugar das pessoas suas vivecircncias e
experiecircncias como parte integrante da formaccedilatildeo humana do sujeito assim como apontar para
o lugar como produtor de conhecimentos e conteuacutedos me eacute fulcro de compactuaccedilatildeo e
arcabouccedilo teoacuterico e metodoloacutegico Ao me referir ao termo lugar gostaria que o entendimento
fosse aquele trabalhado pelo movimento da Educaccedilatildeo do Campo na contemporaneidade ou
seja como postula (CALDART Et Al 2012) o lugar como sendo constituinte do sujeito e de
sua historicidade natildeo como lugar de moradia tatildeo somente
11
12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES
De uma famiacutelia composta por oito pessoas pai matildee trecircs filhos e trecircs filhas certa vez
li em uma dessas revistas que o filho mais novo chamado caccedilula tem mais probabilidade de
se destacar e vir a ser um grande sujeito socialmente falando e ainda trazia algumas provas de
grandes nomes sobretudo da ciecircncia que se tornaram pessoas conhecidas mundialmente pelas
suas faccedilanhas e descobertas Entretanto sigo outra linha de raciociacutenio coloco-me numa
posiccedilatildeo mais racional e frontalmente de encontro a uma visatildeo platocircnica determinista e
meritocraacutetica de sucesso ―A igualdade de oportunidadelsquo eacute ponto importante da ideologia
capitalista pois garantiria aos mais capazes aos mais esforccedilados aos que trabalham durolsquo o
acesso agraves melhores posiccedilotildees (ROSSI 1980 p 71) Ora no meu caso ser o mais novo me
eximiu de uma eacutepoca natildeo muito remota na qual a condiccedilatildeo social da populaccedilatildeo brasileira era
bastante precaacuteria e o Ensino Superior privileacutegio restrito agrave classe dominante
Depois do esgotamento da Ditadura Militar inicia o periacuteodo chamado Nova Repuacuteblica
ou Transiccedilatildeo democraacutetica poreacutem Saviani (2008) chamou ―transiccedilatildeo conservadorardquo pois o
periacuteodo resguardou a velha formaccedilatildeo social advinda da classe dominante do periacuteodo
ditatorial
A transiccedilatildeo que se operou no Brasil se iniciou com a ―distensatildeo lenta
gradual e segura formulada em 1974 no Governo Geisel e prosseguiu com
a ―abertura democraacutetica a partir de 1979 no Governo Figueiredo
desembocando na Nova Repuacuteblica em 1985 que guindou a posiccedilatildeo de
presidente da Repuacuteblica o ex-presidente do partido de sustentaccedilatildeo do regime
militar (SAVIANI 2008 p 414)
Assim o periacuteodo esperanccediloso que se desenhara com o fim da Ditadura acabou
mantendo grande parte de sua formaccedilatildeo anterior uma vez que continuou a relaccedilatildeo opressor e
oprimido e a interminaacutevel exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo dos trabalhadores ainda que numa
relaccedilatildeo mais decantada e disfarccedilada com outras formas de dominaccedilatildeo e violecircncia Esse
cenaacuterio explica em boa medida as grandes dificuldades econocircmicas perpassadas no cotidiano
da populaccedilatildeo brasileira no periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo
Voltando agraves minhas experiecircncias entendo que se durante minha infacircncia natildeo enfrentei
grandes dificuldades devo isso agrave batalha de um agricultor que ―trabalhava alugado ou ―de
meia e a uma ―dona de casa lavadeira que depois passa a funcionaacuteria puacuteblica ou seja meu
pai e minha matildee Se fui o primeiro da minha famiacutelia a adentrar os altos e quase impenetraacuteveis
12
muros da universidade puacuteblica brasileira natildeo eacute porque sou o melhor dos meus irmatildeos sou na
verdade parte de uma estatiacutestica que aponta para a sensibilidade de um governo cujo foco
principal foi a aacuterea social e a educaccedilatildeo Uma vez coadunada essas duas aacutereas eu fui um dos
muitos jovens negros advindo da classe trabalhadora que foi contemplado por uma
importante poliacutetica soacutecio-educacional do entatildeo Governo Luiacutes Inaacutecio Lula da Silva (2002-2006
e 2006-2010) que tem como uma de suas bases a abertura e expansatildeo das universidades
puacuteblicas
Obviamente que a forccedila de vontade e os esforccedilos pessoais foram reais mas nunca fui
partidaacuterio do discurso meritocraacutetico e do Estado democraacutetico de direito que prega a igualdade
de oportunidade para todos transferindo agraves pessoas o ocircnus pelo seu fracasso social como se a
ascensatildeo dependesse exclusivamente da vontade individual do sujeito O pensamento liberal
afirma que a escola eacute igual para todos e que portanto cada um chega onde suas capacidades e
seu trabalho pessoal lhes permite (SACRISTAacuteN GOacuteMEZ 1998)
Ainda com o objetivo de entender ―o que me move e ―o que me constitui gostaria de
voltar ao relato da minha infacircncia Ainda pequeno moramos no Siacutetio4 Humaitaacute proacuteximo agrave
zona urbana espaccedilo que foi tomado pelo raacutepido crescimento que a cidade adquiriu Na eacutepoca
em que moramos no Humaitaacute que remete aos idos de 1987 devido a fase de vida ainda muito
incipiente poucas satildeo as lembranccedilas desse periacuteodo salvo raras imagens esmaecidas pelos
anos que passaram Desse periacuteodo restou-me muito mais histoacuterias relatadas por meus pais e
irmatildeos mais velhos do que lembranccedilas propriamente minhas No entanto dois fatores fazem
com que essa estadia tenha curta duraccedilatildeo fazendo a famiacutelia retornar agrave cidade a saber os
terremotos5 que foram frequentes nesse periacuteodo e o medo de um bandido chamado Joatildeo
Barauna que oprimia a populaccedilatildeo local
4 O siacutetio eacute o lugar do trabalho por excelecircncia Mas ele eacute igualmente o resultado do trabalho pois eacute um espaccedilo
construiacutedo melhor dizendo um conjunto de espaccedilos articulados entre si que lhe permite organizar-se como um
sistema de insumos e produtos Esse espaccedilo eacute o resultado tambeacutem de um processo histoacuterico secular em que o
ambiente foi alterado com a gradativa eliminaccedilatildeo da cobertura vegetal original e de todo o ecossistema que lhe
era associado (WOORTMANN 1997 p 27)
5 No ano de 1986 grandes abalos siacutesmicos apavoraram moradores do Rio Grande do Norte o epicentro era Joatildeo
Cacircmara no entanto todo o Estado fora atingido com maior ou menor intensidade por falta de informaccedilotildees e
explicaccedilotildees muitas pessoas entraram em pacircnico e deixaram suas casas (Arquivo Tribuna do Norte)
13
Meu pai sempre repete que ―naquela eacutepoca tinha que votar e vir pra casa natildeo podia
ficar em turminhas na rua depois da votaccedilatildeo isso nos mostra que embora estiveacutessemos no
processo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes ainda havia a sombra dos ―anos de chumbo que por
mais de vinte anos garantiu a perpetuaccedilatildeo de um regime autoritaacuterio e ditatorial em nosso paiacutes
que causou feridas cujas cicatrizes ainda satildeo visiacuteveis
Em 1987 voltamos para a rua6 Minha matildee Francisca Maria (Dona Tecirc) dividia seu
tempo entre lavagens de roupa ―de ganho tarefas do lar aleacutem de assumir emprego de
funcionaacuteria puacuteblica do municiacutepio na funccedilatildeo de zeladora da igreja catoacutelica da cidade Meu pai
Luiz Gomes (Seu Lucas) trabalhava nas atividades da agricultura e desempenhava a arte da
caccedila como poucos Como natildeo detinha posses de terras ele ―alugava sua forccedila de trabalho em
sucessivas ―diaacuterias em terras alheias Quando natildeo era alugado ele trabalhava em terras de
outros natildeo por dinheiro mas numa relaccedilatildeo que em muito lembra as relaccedilotildees feudais do
periacuteodo Medieval na Europa ou seja a troca de trabalho por trabalho
Erik Wolf trabalha o termo ―aluguel como um processo no qual ―esse camponecircs
estava sujeito agrave relaccedilatildeo assimeacutetrica de poder o que lhe acarretava um ocircnus permanente em
sua produccedilatildeo (WOLF 1976 p 22) Assim em um modelo bastante parecido com o
desenhado por Wolf meu pai trabalhava a terra de um grande proprietaacuterio a troco de uma
porcentagem que girava em torno de 30 a 50 (terccedila e meia respectivamente) do que era
produzido isso acarreta uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo contiacutenua e demasiadamente nociva para o
trabalhador
Em meio a essa batalha que meus pais travavam diariamente para manter a famiacutelia
inicio minha trajetoacuteria escolar No meu percurso natildeo frequentei creches ou preacute-escolas
Ingressei na antiga 1ordf Seacuterie do Ensino Fundamental jaacute com algumas habilidades na leitura e na
escrita isso devido agrave dedicaccedilatildeo da minha irmatilde Ana de Faacutetima (Aninha) que sempre reservara
um tempo para ensinar aos irmatildeos mais novos Mesmo sendo reprovado na 2ordf Seacuterie do Ensino
Fundamental natildeo tive grandes dificuldades nas seacuteries seguintes Salvo uma ou outra aula de
reforccedilo que muito mais constrangia do que auxiliava no processo de aquisiccedilatildeo da liacutengua
escrita
6 Rua eacute termo francamente usado por populaccedilotildees do campo para designar cidade
14
Eacute importante refletirmos sobre o quatildeo marcante pode ser a escola na vida de uma
crianccedila Varela e Alvarez-Uria (1996) no texto ―a maquinaria escolar afirmam que embora
seja uma instituiccedilatildeo recente a escola deteacutem grande influecircncia sobre a sociedade Assim foi
comigo as marcas e as lembranccedilas do processo educacional escolar que ainda hoje satildeo
evidentes
Jaacute no Ensino Meacutedio o desempenho foi mais consciente comecei a desenvolver um
gosto muito grande pelas ciecircncias humanas e Histoacuteria Geografia e Portuguecircs eram as
disciplinas as quais eu dedicava grande parte do meu tempo Nesse momento estaacutevamos
morando no Siacutetio Figueira o ano eacute 2003 ano que passei a trabalhar tanto nas atividades da
roccedila com o meu pai ndash a condiccedilatildeo jaacute natildeo era mais de tamanha exploraccedilatildeo como outrora a
terra ainda era arrendada no entanto esse tratado agora se passava atraveacutes de laccedilos de
parentesco ndash como nas atividades da construccedilatildeo civil com meu irmatildeo mais velho Ary Gomes
Apesar da grande quantidade de pessoas que imigram do campo agrave cidade natildeo haacute nenhuma
profissatildeo segundo os estudos comparados nas quais maior porcentagem de filhos siga a
profissatildeo dos pais do que entre agricultores (MARTINS apud SOLARI 1986) Minha
caminhada mostra que fugi a regra entretanto hoje resguardo grande admiraccedilatildeo e respeito
agravequeles e aquelas que labutam e vivem nada terra
Mesmo em atividades bastante adversas sempre reservara um horaacuterio do dia agraves
atividades de leitura e redaccedilatildeo Em 2004 prestes a terminar o Ensino Meacutedio simplesmente
natildeo sabia o que significava fazer vestibular Hoje a situaccedilatildeo tem mudando mas isso era
recorrente nas classes mais pobres da populaccedilatildeo uma vez que a universidade natildeo eacute um desejo
almejado pela classe trabalhadora natildeo por desinteresse mas pela falta de informaccedilatildeo e
visualizaccedilatildeo dessa possibilidade que parece distante aos filhos das classes populares Pelo
contraacuterio se propaga o discurso que ao teacutermino do 3ordm ano do Ensino Meacutedio o sujeito
―terminou os estudos Aleacutem disso historicamente se praticou uma educaccedilatildeo cujo foco estaacute
diretamente relacionado agrave classe social a qual o sujeito pertence ou seja agraves classes
trabalhadoras uma educaccedilatildeo elementar uma vez que essa basta agravequeles que iratildeo desempenhar
funccedilotildees manuais ao passo que agraves classes ricas desenhou-se uma educaccedilatildeo para o Ensino
Superior Essa loacutegica eacute facilmente evidenciada no Governo de Fernando Henrique Cardoso
quando ―prioriza o Ensino Fundamental em detrimento do Meacutedio teacutecnico e superior
15
Entre 2005 e o iniacutecio de 2007 trabalhei incessantemente na construccedilatildeo civil ainda
assim continuei a reservar pequenos horaacuterios para me dedicar agraves leituras Ao realizar o
vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte ndash UFRN natildeo tive dificuldade em
ingressar no Curso de Pedagogia daquela instituiccedilatildeo o que atribuo principalmente agrave praacutetica
dessas leituras O motivo da escolha do curso ateacute hoje me eacute uma incoacutegnita poreacutem uma
hipoacutetese consideraacutevel pode ter ligaccedilatildeo com a baixa concorrecircncia
No mesmo ano 2007 fui morar em Natal para dar iniacutecio ao Curso Morador de
Residecircncia Universitaacuteria me dediquei logo na chegada agraves atividade de militacircncia estudantil
em prol dos estudantes de origem popular que moradores do interior do Estado necessitavam
da Residecircncia em Natal Assim durante toda a minha estadia na Residecircncia Universitaacuteria me
dediquei agrave organizaccedilatildeo dos estudantes na busca por mais vagas nas Residecircncias e melhorias
estruturais naquelas existentes
Devido a essa atuaccedilatildeo concorri agrave gestatildeo do Diretoacuterio Central dos Estudantes (DCE)
da UFRN e logramos ecircxito Uma responsabilidade que resolvi encarar enquanto possibilidade
de fazer algo mais A experiecircncia indubitavelmente me foi rica durante um ano estive a frente
do DCE buscando mais uma vez organizar os estudantes coletivamente
Os cinco anos de graduaccedilatildeo passados na Residecircncia me foram de grande importacircncia
primeiramente do ponto de vista econocircmico jaacute que eu natildeo possuiacutea condiccedilotildees financeiras de
me manter fora dela Outro ponto importante foi a convivecircncia com a complexidade das
diversas aacutereas dos conhecimentos isso me garantiu uma formaccedilatildeo que em muito me ajudou
na vida apoacutes minha saiacuteda daquele recinto
Com a aproximaccedilatildeo do teacutermino da graduaccedilatildeo logo veio o desejo de continuar
galgando os degraus do conhecimento buscando aprofundar-me atraveacutes do Mestrado Tal
propoacutesito confirmou-se com a abertura do processo seletivo da Universidade Federal da
Paraiacuteba No mestrado da UFPB encontrei na figura da Professora Doutora Rita de Cassia
Cavalcanti Porto incentivo e orientaccedilatildeo pra continuar os estudos na aacuterea da Educaccedilatildeo do
Campo poreacutem enfatizando nessa reflexatildeo o pensamento e a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire
Ainda eacute de grande importacircncia destacar a atuaccedilatildeo no estaacutegio docente junto a turma de
Pedagogia da UFPB participaccedilatildeo no Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares
16
(GEPPC) desta mesma universidade e a vitoacuteria de vivenciar a criaccedilatildeo do Grupo de Estudos e
Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF)7
13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR
Imbuiacutedo de relativa consciecircncia poliacutetico-social no ano de 2008 me aproximei da
militacircncia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Rio Grande do
Norte
Segundo Miguel Carter (2010) o surgimento do MST pode ser dividido em diferentes
momentos para ele
O primeiro periacuteodo eacute a gestaccedilatildeo do MST (1979-1984) Esse periacuteodo que
precede a fundaccedilatildeo oficial do Movimento eacute fundamental para compreender
as bases de seu processo de formaccedilatildeo O segundo periacuteodo eacute o de
consolidaccedilatildeo (1985-1989) que se caracteriza pela ampliaccedilatildeo das accedilotildees do
movimento em escala nacional por meio de seu estabelecimento em todas as
regiotildees do paiacutes e a configuraccedilatildeo de sua estrutura organizativa O terceiro
periacuteodo eacute de institucionalizaccedilatildeo (1990 ateacute o presente) Nesse tempo o MST
se torna o principal interlocutor do governo federal a respeito da reforma
agraacuteria e eacute reconhecido internacionalmente (CARTER 2010 p 163)
Quando conheci o Movimento no RN fiquei muito animado Conhecer o Centro de
Capacitaccedilatildeo Patativa do Assareacute em Cearaacute - MirimRN e contribuir em algumas atividades
teve significativa importacircncia para minha formaccedilatildeo Entre 2010-2011 ingressei no Grupo de
Estudo Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo (TRAMSE)
Esse grupo coordenado pelo Professor Alessandro Augusto de Azevedo desenvolveu a
organizaccedilatildeo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte em parceria com o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (PRONERA
DECRETO Nordm 7352 de 2010) O curso se destina a formaccedilatildeo de assentados da Reforma
7 O Grupo de Estudos e Pesquisas Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) Coordenado pela Professora Drordf Rita de
Cassia Cavalcanti Porto procura identificar e analisar a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire na
perspectiva da reinvenccedilatildeo nas poliacuteticas e praacuteticas emancipadoras curriculares de formaccedilatildeo de professores nos
sistemas puacuteblicos de ensino bem como socializar com gestores pesquisadores e educadores o legado freireano
para a educaccedilatildeo
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Agraacuteria Minha atuaccedilatildeo no grupo compreendia a monitoria da turma durante as aulas e
estudos teoacutericos nos intervalos do curso
O MST surge no Rio Grande do Norte em decorrecircncia do 5ordm Encontro Nacional do
Movimento realizado em 1989 que definiu a continuidade de sua expansatildeo pelo Brasil em
pressionar o governo pela realizaccedilatildeo da reforma agraacuteria A primeira ocupaccedilatildeo do MST no Rio
Grande do Norte ocorreu no Vale do Assu com 20 famiacutelias na Fazenda Bom Futuro que fica
localizada no Municiacutepio de JanduiacutesRN (RIBEIRO 2002) Desde aquela eacutepoca ateacute hoje
muita coisa aconteceu e muita coisa mudou O Movimento se tornou fundamental no
enfrentamento das grandes questotildees acerca da terra no Rio Grande do Norte
O interesse pela temaacutetica da Educaccedilatildeo do Campo tornou-se evidente devido a
aproximaccedilatildeo com o MST e com a monitoria do curso de Pedagogia da Terra No MST
percebi que muitos dos termos da educaccedilatildeo e das praacuteticas educativas eram ressignificadas
pelo Movimento e que este tinha forte influecircncia da Pedagogia Freireana o que
indubitavelmente tornou-se porta de entrada para aprofundar meus estudos e interesses sobre
a temaacutetica a Educaccedilatildeo do Campo
Investigar a relaccedilatildeo entre os sujeitos do campo e a universidade passou a ser meu
principal interesse e por conseguinte tema da minha monografia ―Veredas da Pedagogia da
Terra anaacutelise reflexiva de um percurso (SILVA FILHO 2011) Nesse trabalho procurei
refletir sobre o Curso de Pedagogia da Terra enquanto uma educaccedilatildeo voltada agraves populaccedilotildees
do campo e sua relaccedilatildeo com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Esses relatos de experiecircncias e autobiografia como entende Antocircnio Chizzotti (2006)
representam em boa medida um caminho trilhado as relaccedilotildees afetivas os desejos a histoacuteria
satildeo partes que nos atravessam e que nos constitui tambeacutem A academia costuma nos dissecar
tornar o pesquisador mais pesquisador do que gente quando a relaccedilatildeo eacute justamente o
contraacuterio Os sujeitos aparecem como a-histoacutericos natildeo tecircm famiacutelia natildeo tecircm amores natildeo tecircm
lugares Esses escritos iniciais tecircm justamente essa finalidade situar o pesquisador antes de
tudo como gente como sujeito que como escrevera Freire (2012) estaacute no mundo mas
tambeacutem com o mundo e com os outros
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14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO A
PRAacuteXIS FREIREANA COMO SUPORTE PARA ESSE ESTUDO
Para garantirmos a consubstancialidade deste estudo a contextualizaccedilatildeo dos fatos
tanto no tempo histoacuterico como no espaccedilo foi ponto de constante atenccedilatildeo Natildeo queremos
jamais cair no equiacutevoco de excluir essas categorias da nossa pesquisa sobretudo preocupamo-
nos em natildeo perder o homem como inventor da histoacuteria como produto e produtor dessa
narrativa
Nesse mesmo sentido Ball (2011 p38) critica a pesquisa cujo sentido esteja
desvinculado dos fenocircmenos sociais e histoacutericos de que eacute resultado ―Haacute eacute claro aspectos
temporais adicionais nos processos poliacuteticos e nas anaacutelises desses processos mas na praacutetica
muitas pesquisas sobre poliacuteticas educacionais natildeo tem nenhum sentido de tempo O aspecto
negligenciado mais oacutebvio eacute um extravagante a-historicismo
Gatti (2007 p11) afirma que a pesquisa em educaccedilatildeo no Brasil vem se configurando
como um campo em consolidaccedilatildeo ―Nos uacuteltimos anos pode-se observar um aumento
significativo de pesquisas publicaccedilotildees grupos de pesquisa linhas de pesquisa em programas
de poacutes-graduaccedilatildeo e eventos especiacuteficos sobre poliacuteticas sociais e educacionais
No seacuteculo XIV Agriacutecola havia aconselhado aos seus contemporacircneos que
―Considerem suspeito tudo o que lhes havia sido ensinado ateacute entatildeo e o
mesmo aconselhava jaacute no seacuteculo XVI Bacon Descartes e Pascal ―O
primeiro afirmara que a verdade muda com o tempo o segundo que soacute a
evidecircncia poderia convencer algueacutem ao passo que o terceiro insistia em que
a experimentaccedilatildeo era o uacutenico criteacuterio seguro no campo cientiacutefico (PONCE
2010 p126 grifo do autor)
As pesquisas e suas configuraccedilotildees variaram muito ateacute os tempos de hoje alguns
pesquisadores se filiam agraves novas tendecircncias outros permanecem crentes da consistecircncia da
corrente teoacuterica a qual satildeo simpaacuteticos e acreditam que essa linha de pensamento ainda daacute
conta de forma satisfatoacuteria do entendimento e da criacutetica necessaacuteria agraves questotildees que a realidade
enseja
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Desse modo continuamos nos filiando agrave corrente histoacuterico-criacutetico de analisar a
realidade com base no materialismo histoacuterico-dialeacutetico e na praacutexis educativa de Paulo Freire
uma vez que nessa perspectiva ―o estudo ontoloacutegico do ser social natildeo prescinde o estudo da
gecircnese histoacuterica da especificidade da sociedade (SAVIANI DUARTE 2012 p 37) ―A
pesquisa natildeo eacute de modo algum na praacutetica uma reproduccedilatildeo fria das regras que vemos em
alguns manuais O proacuteprio comportamento do pesquisador em seu trabalho eacute-lhe peculiar e
caracteriacutestico (GATTI 2007 p 11) Isso se deve indubitavelmente a um complexo de
muacuteltiplos condicionamentos que constituem o pesquisador enquanto ser histoacuterico Enquanto
gente
Este conhecimento como objeto de dado alheio a qualquer traccedilo de
subjetividade elimina qualquer perspectiva de colocar a busca cientiacutefica ao
serviccedilo das necessidades humanas para resolver problemas praacuteticos O
investigador estuda os fatos pela proacutepria ciecircncia pelo propoacutesito superior da
alma humana de saber Natildeo estaacute interessando em conhecer as consequumlecircncias
de seus achados Este propoacutesito de espiacuterito positivo engendrou uma
dimensatildeo que foi defendida com muito entusiasmo e ainda hoje em alguns
meios se levanta como bandeira verdadeira a da neutralidade da ciecircncia
(TRIVINtildeOS 1987 p 37)
Para noacutes a busca pelo conhecimento eacute ponto nevraacutelgico para contribuir com o atual
debate da Educaccedilatildeo do Campo e com a Pedagogia Paulo Freire Nessa perspectiva estudar
esse fenocircmeno sem fim nem finalidade seria ignomiacutenia da nossa parte
Pensando numa perspectiva teoacuterica que atenda aos interesses almejados e tendo em
vista a realidade social e concreta na qual estamos imersos assim como as disputas inerentes
ao tecircnue e conflitante tecido social temos como metodologia o materialismo histoacuterico
dialeacutetico e a praacutexis educativa de Paulo Freire pois esta perspectiva vincula de forma
satisfatoacuteria as questotildees abordadas nesse estudo agrave dinacircmica da realidade material dos sujeitos
envolvidos e reflete a construccedilatildeo histoacuterica dos fenocircmenos com destaque para as
transformaccedilotildees sociais que esta construccedilatildeo enseja
A compreensatildeo da praacutexis educativa em Paulo Freire se encontra diluiacuteda em toda a sua
pedagogia como essa pedagogia eacute bastante ampla abordaremos os principais elementos que
se encontram ligados ao materialismo histoacuterico dialeacutetico procurando dialogar as interfaces
dessas teorias e como elas contribuem para o entendimento da realidade Na praacutexis educativa
de Freire assim como no materialismo histoacuterico dialeacutetico a mera especulaccedilatildeo filosoacutefica natildeo
20
garante subsiacutedio natildeo basta apenas interpretar o mundo eacute preciso tratar de transformaacute-lo
(FREIRE 1983)
A histoacuteria da dialeacutetica eacute demasiadamente longa por isso natildeo pretendemos aprofundar
essa temaacutetica esclarecemos apenas que nesse trabalho adotamos aquela cujo vieacutes eacute marxista
em que pese haver uma vasta gama de outras possiacuteveis compreensotildees da dialeacutetica A
concepccedilatildeo marxista encontra suporte no materialismo e na histoacuteria para a explicaccedilatildeo dos
fenocircmenos
Na produccedilatildeo social da sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees
determinadas necessaacuterias independente da sua vontade relaccedilotildees de
produccedilatildeo que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das
forccedilas produtivas materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui
a estrutura econocircmica da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva
uma superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas
formas de consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida material
condiciona o desenvolvimento da vida social poliacutetica e intelectual em geral
Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o seu ser eacute o seu ser social
que inversamente determina a sua consciecircncia (MARX 1973 p 28-28)
Esforccedilamo-nos em compreender como a histoacuteria da Educaccedilatildeo do Campo bebe da
Pedagogia Paulo Freire onde se intercalam e como dialeticamente se aproximam Cheptulin
(1982) aponta para dialeacutetica como sendo formas gerais de estudar o ser os aspectos e os laccedilos
gerais da realidade as leis do reflexo desta uacuteltima na consciecircncia dos homens pensamento
fortemente presente na pedagogia freireana em que o ponto de partida da histoacuteria e da
realidade satildeo os sujeitos reais (FREIRE 2011)
Gadotti (1983) nos ajuda a situar a dialeacutetica materialista dentro de uma concepccedilatildeo
metodoloacutegica
Natildeo se trata de pensar toda a histoacuteria da educaccedilatildeo pois o que teriacuteamos seria
o ponto de vista da dialeacutetica ou melhor uma leitura dialeacutetica do que foi a
educaccedilatildeo ateacute hoje Eacute o que jaacute fez por exemplo o grande filoacutesofo e
historiador argentino Anibal Ponce mostrando como a educaccedilatildeo enquanto
fenocircmeno social ligado a superestrutura soacute pode ser compreendida atraveacutes
da anaacutelise soacutecio-econocircmica da sociedade que a matem [] O meacuterito de
Anibal Ponce estaacute justamente em colocar em evidecircncia o princiacutepio da
dialeacutetica da relaccedilatildeo entre a consciecircncia e a estrutura econocircmica mostrando
como a luta pelo direito a educaccedilatildeo e agrave cultura acompanhou a luta pelos
demais direitos enfim a educaccedilatildeo natildeo estaacute separada da luta de classe
(GADOTTI 1983 p 39-40)
21
O Materialismo histoacuterico-dialeacutetico eacute a ciecircncia filosoacutefica do marxismo que estuda as
leis socioloacutegicas que caracterizam a vida da sociedade de sua evoluccedilatildeo histoacuterica e da praacutetica
social dos homens no desenvolvimento da humanidade O Materialismo histoacuterico significou
uma mudanccedila fundamental na interpretaccedilatildeo dos fenocircmenos sociais que ateacute o nascimento do
marxismo se apoiava na concepccedilatildeo idealista de sociedade humana (TRIVINtildeOS 1987)
Quando eacute adotada a perspectiva materialista histoacuterico-dialeacutetica o
desenvolvimento da humanidade eacute analisado como um processo histoacuterico
contraditoacuterio heterogecircneo que se realiza por meio das concretas relaccedilotildees
sociais de dominaccedilatildeo que tem caracterizado a histoacuteria da humanidade ateacute
aqui (SAVIANI DUARTE 2012 p 39)
Karel Kosik autor da ―Dialeacutetica do concreto publicado em 1963 um dos mais
eminentes expoentes do marxismo trabalha a realidade em sua totalidade natildeo se limita as
anaacutelises das partes mas procura estabelecer o caraacuteter dialeacutetico entre as partes e o todo Ele
analisa a ―realidade como um todo estruturado dialeacutetico no qual ou do qual um fator
qualquer (classes de fatos conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido
(KOSIK 2010 p 44) o que configura uma compreensatildeo bastante satisfatoacuteria para nossa
anaacutelise cujo objetivo eacute entender como as diferentes partes de uma realidade formam o
fenocircmeno abordado
Na pedagogia freireana cujo assento eacute a praacutexis educativa a compreensatildeo da realidade
eacute ponto chave para a tomada de conscientizaccedilatildeo dos sujeitos Para Freire (1987) a realidade eacute
construiacuteda historicamente sendo passiva de mudanccedila nega-se assim o determinismo de uma
realidade estaacutetica pronta imutaacutevel Para ele a superaccedilatildeo do estado de opressatildeo eacute uma tarefa
ontoloacutegica do homem
Esta superaccedilatildeo natildeo pode dar-se poreacutem em termos puramente idealistas Se
faz indispensaacutevel aos oprimidos para a luta por sua libertaccedilatildeo que a
realidade concreta de opressatildeo jaacute natildeo seja para eles uma espeacutecie de ―mundo
fechado (em que se gera o seu medo da liberdade) do qual natildeo pudessem
sair mas uma situaccedilatildeo que apenas os limita e que eles podem transformar eacute
fundamental entatildeo que ao reconhecerem o limite que a realidade opressora
lhes impotildee tenham neste reconhecimento o motor de sua accedilatildeo libertadora
(FREIRE 1987 p 19)
Nesse sentido nos aproximamos de um materialismo praacutetico cujo princiacutepio natildeo se
pretende a captar a realidade sob forma de objeto ou como mera contemplaccedilatildeo Isso rompe
com a oposiccedilatildeo estanque sujeitoobjeto e concebe alternativamente a atividade humana como
22
uma atividade objetiva e transformadora ao mesmo tempo Desse modo o homem eacute
simultaneamente fruto das circunstacircncias histoacutericas e agente de mudanccedila das mesmas
Na contribuiccedilatildeo deste estudo optamos por uma investigaccedilatildeo no campo da pesquisa
qualitativa realizando um levantamento bibliograacutefico e uma anaacutelise documental Segundo Gil
(2002 p46)
O desenvolvimento da pesquisa documental segue os mesmos passos da
pesquisa bibliograacutefica Apenas cabe considerar que enquanto na pesquisa
bibliograacutefica as fontes satildeo constituiacutedas sobretudo por material impresso
localizados nas bibliotecas na pesquisa documental as fontes satildeo muito
mais diversificadas e dispersas
A par disso realizamos uma busca em documentos da Universidade do Curso de
Pedagogia e tambeacutem da Comissatildeo Permanente de Vestibular (COMPERVE) e nos ocupamos
em analisar os documentos norteadores do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte uma vez que este constitui nosso recorte analiacutetico
Devido agrave dificuldade de realizarmos uma pesquisa com todos os estudantes do Curso
espalhados por todo o Estado do Rio Grande do Norte concordamos com Gil (2002 p46)
quando afirma que ―Outra vantagem da pesquisa documental eacute natildeo exigir contato com os
sujeitos da pesquisa Eacute sabido que em muitos casos o contato com os sujeitos eacute difiacutecil ou ateacute
mesmo impossiacutevel Em outros a informaccedilatildeo proporcionada pelos sujeitos eacute prejudicada pelas
circunstacircncias que envolvem o contato
Para dialogar com essa perspectiva metodoloacutegica trabalhamos com autores cujo
assento eacute tanto a resistecircncia como na transformaccedilatildeo do status quo social como a
organizaccedilatildeo coletiva na busca por direitos historicamente negados Nesse sentido Aroyo
(2011 2009) Caldart (2012 2010) Freire (1983 1991 2011 2012) Gadotti (1983 1996
2000) Ribeiro (2010) Saviani (2008) Apple (2012) Giroux (1986) entre outros Aleacutem disso
a anaacutelise dos marcos legais que norteiam a Educaccedilatildeo do Campo tambeacutem foi de grande
importacircncia para a formulaccedilatildeo da nossa base de sustentaccedilatildeo
Por fim entendemos que na pesquisa social haacute uma relaccedilatildeo definitiva entre o
pesquisador e o seu campo de estudo ―A visatildeo do mundo de ambos estaacute implicada em todo
23
processo de conhecimento desde a concepccedilatildeo do sujeito aos resultados do trabalho e agrave sua
aplicaccedilatildeo (DESLANDES et al 1994 p 14) Seguindo essa linha percebemos o quatildeo
proacuteximos estamos de todas essas questotildees trabalhadas e na verdade que nossas escolhas
nosso objetivo nossa metodologia natildeo eacute nem poderia ser obra do acaso eacute na verdade fruto
da nossa formaccedilatildeo social enquanto o sujeito mas sobretudo enquanto gente
24
2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO
PRA PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER
Natildeo quero dizer poreacutem que porque esperanccediloso
atribuo a minha esperanccedila o poder de transformar a
realidade e assim convencido parto para o embate sem
levar em consideraccedilatildeo os dados concretos materiais
afirmando que minha esperanccedila basta Minha esperanccedila
eacute necessaacuteria mas natildeo eacute suficiente Ela soacute natildeo ganha a
luta mas sem ela a luta fraqueja e titubeia Precisamos
da esperanccedila criacutetica como o peixe necessita da aacutegua
despoluiacuteda
Paulo Freire Pedagogia da Esperanccedila 1992
21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO
EDUCACIONAL
A Reforma do Estado e a reestruturaccedilatildeo produtiva das deacutecadas de 1980 e 1990 assim
como a consolidaccedilatildeo das poliacuteticas neoliberais no campo econocircmico e social representam um
divisor quando nos referimos agrave atuaccedilatildeo do Estado frente agrave garantia de poliacuteticas (SADER
GENTILI 1995) Essas transformaccedilotildees tecircm significativa influecircncia no campo educacional e
eacute disso que trataremos agora
Luiz Fernandes Dourado em palestra no X Encontro Estadual da ANFOPE-PB e IX
Encontro Regional - NE ANFOPE realizado em Campina Grande ndash PB em 2012 afirma que
natildeo se pode compreender as poliacuteticas educacionais se natildeo fizer isso de maneira
contextualizada quais sejam as condiccedilotildees objetivas em que elas satildeo produzidas Obviamente
a economia tem papel de destaque na determinaccedilatildeo dessas condiccedilotildees Silva (2011) tratando a
questatildeo agrave luz do pensamento de Michael Apple afirma que as caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo
da economia na sociedade capitalista afeta tudo aquilo que ocorre em outras esferas sociais
como a educaccedilatildeo e a cultura por exemplo
Para tanto antes de adentrarmos a reforma do estado e suas implicaccedilotildees na educaccedilatildeo eacute
salutar voltarmos ao entendimento do principal pilar de sustentaccedilatildeo dessa reforma o
25
neoliberalismo Sader e Gentili (1995) e Neves (2005) afirmam que o neoliberalismo nasceu
logo depois da II Guerra Mundial na regiatildeo da Europa e da Ameacuterica do Norte onde imperava
o capitalismo Foi uma reaccedilatildeo teoacuterica e poliacutetica veemente contra o Estado intervencionista de
bem-estar O pensamento neoliberal foi difundido inicialmente no Reino Unido no trabalho
do economista austriacuteaco Frederich Hayek (BALL 2011 SADER GENTILI 1995)
O surgimento do neoliberalismo apoacutes a Segunda Guerra e sua posterior
consolidaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1980 trazem consigo um formidaacutevel
ataque contra o igualitarismo e a solidariedade coletivistalsquo em quaisquer de
suas formas desde a aparentemente mais benigna o Ministeacuterio do Bem-
estarlsquo das sociais-democracias europeacuteias ateacute a mais virulenta (a juiacutezo dos
ideoacutelogos neoliberais) corporificada no modelo sovieacuteticolsquo vigente na Uniatildeo
Sovieacutetica e nos paiacuteses do Leste Europeu Ambas as variantes nas palavras
de Hayek se movimentavam em prol de um mesmo objetivo a construccedilatildeo
de uma sociedade de iguais Eram por isso mesmo rotas alternativas que
desembocavam em um mesmo desastre civilizatoacuterio a servidatildeo moderna
(BORON 2000 p55)
Ainda para Sader e Gentili (na mesma obra) a chegada da grande crise do modelo
econocircmico do poacutes-guerra em 1973 quando todo o mundo capitalista avanccedilado caiu numa
longa e profunda recessatildeo combinando pela primeira vez baixas taxas de crescimento com
altas taxas de inflaccedilatildeo mudou tudo ―A rigidez do fordismo tornou-se um obstaacuteculo para o
crescimento do capitalismo A crise da deacutecada de 1970 foi a expressatildeo do esgotamento de um
modelo baseado na produccedilatildeo em massa de um lado e no chamado Estado de Bem-Estar
social de outro (DEL PINO 2011 p 67) A partir daiacute as ideias neoliberais passaram a
ganhar terreno
Expoente fundamental na difusatildeo do neoliberalismo Margaret Thatcher8 encontra-se
natildeo tanto na negativa da existecircncia de sociedade mas em sua radical e desoladora
reimaginaccedilatildeo da sociedade civil Ela se apoia em um renascimento do individualismo
competitivo e em um novo tipo de cidadatildeo-consumidor (BALL 2011)
As reformas econocircmicas de ―Ajuste estrutural implementadas na Ameacuterica Latina
estatildeo baseadas no que ficou conhecido como ―Consenso de Washington (NASCIMENTO
QUAIOTTI et al1997) Satildeo medidas que visam agrave abertura de economias nacionais
8 13 de outubro de 1925 mdash 8 de abril de 2013
26
desregulaccedilatildeo dos mercados cortes nos gastos sociais flexibilizaccedilatildeo dos direitos trabalhistas
privatizaccedilatildeo das empresas puacuteblicas e o controle do deacuteficit fiscal No Brasil apoacutes a
constituiccedilatildeo de 1988 vaacuterias emendas constitucionais vecircm sendo aprovadas com o objetivo de
desregulamentar a relaccedilatildeo capitaltrabalho (DEL PINO 2011)
Ball (2011p 23) explica que ―durante os uacuteltimos quinze anos temos testemunhado no
Reino Unido e tambeacutem na maioria das outras sociedades do mundo ocidental e das
sociedades desenvolvidas uma profunda transformaccedilatildeo nos princiacutepios de organizaccedilatildeo da
provisatildeo social especialmente no setor puacuteblico Del Pino (2011) citando Boroacuten e
Hobsbawm afirma que essas transformaccedilotildees tambeacutem chegaram a paiacuteses do hemisfeacuterio norte
e sul em especial na Ameacuterica Latina Afirma ainda que o seacuteculo XX que iniciou como o
seacuteculo das massas se despede ―como seacuteculo do desemprego em massa (DEL PINO 2011
p65)
Essa breve cronologia tem como objetivo mostrar de onde vem a discussatildeo A reforma
tem iniacutecio na deacutecada de 80 mas como vimos tem sua gecircnese bem antes ―Na verdade haacute uma
tendecircncia notaacutevel a um ―poacutes-1988 (BALL 2011 p 38) Isso significa que muitos
pesquisadores utilizam a reforma de 1988 como ponto zero excluindo em boa medida o que
a antecedeu
Essa introduccedilatildeo tambeacutem tem como objetivo mostrar as implicaccedilotildees da reestruturaccedilatildeo
produtiva no campo educacional Quais as consequecircncias da reforma pra noacutes pesquisadores
estudantes professores e trabalhadores na educaccedilatildeo em geral De iniacutecio vale salientar que a
reestruturaccedilatildeo tem como uma de suas finalidades a adequaccedilatildeo dos modelos produtivos ao
novo modelo econocircmico insurgente chamado por Ball (2011) ―poacutes-fordismo que
―caracteriza-se pelo aparecimento de setores produtivos inteiramente novos Isso jaacute nos
remete agrave implicaccedilatildeo de que a educaccedilatildeo passa a ser vislumbrada como um campo feacutertil e rico
em potencial a ser explorado pelo mercado capitalista em sua faceta neoliberal
Essas mudanccedilas natildeo se restringem ao campo produtivo mas de forma muito concisa
ao campo da individualidade dos sujeitos das subjetividades ―De este modo no soacutelo nos
encontramos en un momento de imposicioacuten de un determinado modelo de produccioacuten y
distribucioacuten de la riqueza sino ademaacutes en un proceso de resocializacioacuten de reorganizacioacuten
de los sentidos con los cuales conviviacuteamos (ALMANACID ARROYO 2011 p 264) Essa
27
posiccedilatildeo eacute ratificada por Ball (2011 p 32) quando afirma que ―outro aspecto da reestruturaccedilatildeo
eacute a formaccedilatildeo de novas subjetividades profissionaislsquo Natildeo simplesmente o que fazemos
mudou quem noacutes somos as possibilidades de quem deveriacuteamos nos tornar tambeacutem
mudaram
Nesse momento assistimos a educaccedilatildeo brasileira experimentar as consequecircncias
danosas dessa nova dinacircmica advinda do capitalismo em uma fase neoliberal como por
exemplo a ecircnfase na supervalorizaccedilatildeo de iacutendices de qualidade e eficiecircncia Essa construccedilatildeo
teve como assento o pensamento hegemocircnico de que esse seria natildeo somente o melhor
caminho mas tambeacutem o uacutenico para fugir da falecircncia estatal
Sob a ideologia da globalizaccedilatildeo os governos dos paiacuteses dependentes entre
eles o Brasil acenam com a necessidade de integraccedilatildeo agrave economia mundial
dentro dos padrotildees propostos por esta integraccedilatildeo como uacutenico meio de afastar
a degradaccedilatildeo social e o aprofundamento da condiccedilatildeo de pobreza destes paiacuteses
Todavia essa hipoacutetese eacute falsa A integraccedilatildeo atraveacutes do atual padratildeo de
desenvolvimento eacute impossiacutevel (DEL PINO 2011 p66)
A ideologia neoliberal ganha ecircnfase sobretudo com a derrocada dos governos
socialista principalmente com o fim da Uniatildeo Sovieacutetica e do comunismo na Europa Oriental
(SADER GENTILI 1995) Na contramatildeo desse processo emerge uma criacutetica tanta ao novo
modelo de sociedade como ao paradigma vigente de educaccedilatildeo
Com o esgotamento da Ditadura Civil Militar os movimentos sociais emergem e
desempenham papel fundamental na busca de uma pedagogia alternativa e de um modelo de
sociedade no qual o fatalismo ou o discurso poacutes-moderno de ―[] obstaacuteculos insuperaacuteveis
(FREIRE 2012 p 48) natildeo predomine A pedagogia histoacuterico-criacutetica e contra-hegemocircnica
fruto tanto de uma opccedilatildeo ideoloacutegica de sociedade como do periacuteodo de reabertura poliacutetica de
meados da deacutecada de 1980 desempenha papel central nesse momento histoacuterico
Eacute importante destacarmos a colocaccedilatildeo da expressatildeo ―contra-hegemocircnica pois ela
costura este texto por vaacuterios momentos Ainda que Gramsci natildeo tenha trabalhado o conceito
de contra-hegemonia sendo esse uma formulaccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho9 estamos
9 Carlos Nelson Coutinho eacute um dos maiores tradutores da obra de Gramsci no Brasil
28
amparados no inverso desse termo ou seja a hegemonia termo exaustivamente pensado por
Gramsci
A hegemonia seria a capacidade de um grupo social unificar em torno de seu projeto
poliacutetico um bloco mais amplo natildeo homogecircneo marcado por contradiccedilotildees de classe Desse
modo hegemonia eacute algo que se conquista por meio da direccedilatildeo poliacutetica e do consenso e natildeo
mediante a coerccedilatildeo Pressupotildee aleacutem da accedilatildeo poliacutetica a constituiccedilatildeo de uma determinada
moral de uma concepccedilatildeo de mundo numa accedilatildeo que envolve questotildees de ordem cultural na
intenccedilatildeo de que seja instaurado um ―acordo coletivo (GRAMSCI 1991) Para Coutinho
(1999) eacute a busca de uma classe particular para impor seus interesses comuns como interesse
geral da sociedade Nesse sentido a colocaccedilatildeo da expressatildeo contra-hegemonia estaacute
intrinsecamente ligada ao conceito de resistecircncia de luta
Dourado (2012) afirma que se a tradiccedilatildeo do estado brasileiro eacute ainda marcada por um
estado patrimonial em que pese ser este paiacutes a sexta economia do mundo para Fernandes
(1995) eacute um estado ―desigual e combinado Noacutes temos desde o maior avanccedilo tecnoloacutegico a
condiccedilotildees de miserabilidade eacute nesse tensionamento eacute nesse caldeiratildeo cultural social poliacutetico
e racial que vatildeo se traduzindo o horizonte das poliacuteticas puacuteblicas
Dourado (2011) nos mostra que a histoacuteria da educaccedilatildeo brasileira eacute marcada por
disputas entre diferentes projetos de educaccedilatildeo e sociedade O atual debate acerca do Plano
Nacional de Educaccedilatildeo (PNE) apesar de parecer recente data da deacutecada de 1930 quando os
Pioneiros elaboraram o primeiro esboccedilo de Plano arquivado logo em seguida pelo Estado
Novo e totalmente negligenciado pelo Regime Militar
Ainda conforme Dourado (2011 p 23) ―A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 resultante de
amplo processo constituinte avanccedila consideravelmente no campo dos direitos sociais A
Constituiccedilatildeo determina que o Senado crie planos e programas nacionais O primeiro PNE (Lei
nordm 10172 de 09 de janeiro de 2001) foi aprovado no governo Itamar Franco e teria duraccedilatildeo
no Governo Fernando Henrique Cardoso no entanto o Governo do PSDB natildeo considerou o
plano como referencial para suas accedilotildees
Em 2010 com o prazo de vigecircncia do PNE prestes a expirar a sociedade civil
organizada pelo Foacuterum Nacional de Educaccedilatildeo (FNE) realiza a I Conferecircncia Nacional de
29
Educaccedilatildeo (2010) com o objetivo de intervir propositivamente no novo Plano a ser lanccedilado
pelo Congresso Nacional em 2011 O novo Plano Nacional de Educaccedilatildeo (PL 8035) se
configura dentro de um complexo campo de disputas de forccedilas Nesse sentido a sociedade
civil estaacute mais uma vez realizando conferecircncias de educaccedilatildeo municipais intermunicipais
distrital e estadual que culminaratildeo na Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo de 2014 cuja
finalidade eacute garantir a aprovaccedilatildeo de um plano articulado nacionalmente democraacutetico e
popular (CONAE 2014)
Nesse contexto de efervescecircncia eacute de fundamental importacircncia a atuaccedilatildeo dos
movimentos de resistecircncia do campo na luta por educaccedilatildeo Esse movimento contra
hegemocircnico eacute importante para fazer frente agraves poliacuteticas neoliberais que avanccedilam na
contemporaneidade Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo passa a ser vista enquanto
propositiva de uma educaccedilatildeo que escapa tanto agrave pedagogia da hegemonia como ao modelo
rural de educaccedilatildeo que vem sendo destinado aos sujeitos do campo ao longo da histoacuteria
(ARROYO 2009) Mesmo com todas as contradiccedilotildees e ressalvas que satildeo necessaacuterias
estamos pois vendo emergir um contraponto fundamental uma pedagogia politizada
assentada em princiacutepios criacuteticos que tem como foco o sujeito
Feita essa breve retrospectiva histoacuterica iniciamos nesse momento o debate sobre a
Educaccedilatildeo Rural e como a superaccedilatildeo desse paradigma eacute essencial para alcanccedilar a Educaccedilatildeo do
Campo cujos princiacutepios tecircm forte afinidade com a Pedagogia Paulo Freire e questotildees que
reclamam mudanccedilas estruturais no seio da sociedade brasileira
22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA
Apesar de evidenciarmos avanccedilos importantes no campo educacional o analfabetismo
ainda eacute um empecilho para a construccedilatildeo de uma sociedade mais autocircnoma tanto do ponto de
vista do desenvolvimento econocircmico do paiacutes como da emancipaccedilatildeo humana dos seus
cidadatildeos Ainda haacute uma barreira demasiadamente alta que impede os sujeitos de construiacuterem
melhores condiccedilotildees sociais de vida Esse problema se intensifica quando tomamos como foco
de investigaccedilatildeo a zona rural brasileira Segundo dados do uacuteltimo estudo do Instituto de
Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA 2009) os iacutendices referentes ao analfabetismo das
populaccedilotildees do campo por exemplo satildeo sempre superiores quando comparados com as
populaccedilotildees residentes na zona urbana
30
Ainda segundo o estudo no meio rural haacute uma grande desigualdade de renda entre os
ricos e pobres uma vez que os primeiros satildeo os ―donos das terras e os segundos satildeo sempre
aqueles que trabalham nela Sabe-se que em sociedade como a nossa a posse da terra eacute
condiccedilatildeo primaacuteria para ascensatildeo social poliacutetica e econocircmica de um povo
Nas sociedades predominantemente agriacutecolas a propriedade da terra eacute a
principal fonte de poder econocircmico poliacutetico e social Como uma regra
simples podemos afirmar que quanto maior for a quantidade de terra
possuiacuteda maior seraacute o poder de seu proprietaacuterio (FEDER apud SHALIN
1976 p 73 traduccedilatildeo nossa)
A citaccedilatildeo acima nos ajuda a entender por um lado a posiccedilatildeo social privilegiada que as
classes detentoras de terras ocupam ateacute os dias de hoje A concentraccedilatildeo da terra tem causado
ao longo da histoacuteria grandes prejuiacutezos agraves populaccedilotildees do campo a falta de escolas e o
consequente analfabetismo eacute uma marca desse fenocircmeno de privaccedilatildeo Nesse momento eacute
necessaacuterio resgatar a urgecircncia de uma Reforma Agraacuteria popular no Brasil como forma de
atenuar esse grande deacuteficit histoacuterico Freire (2012 p 65) mostra que a natildeo realizaccedilatildeo de uma
reforma agraacuteria seacuteria eacute mais uma forma de manutenccedilatildeo de privileacutegios da classe dominante
[] Ao mesmo tempo contudo arquivam a realizaccedilatildeo de reforma agraacuteria
sem a qual se estrangula qualquer transformaccedilatildeo seacuteria nesse paiacutes Nenhuma
sociedade capitalista moderna deixou de fazer sua reforma agraacuteria
absolutamente indispensaacutevel agrave criaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de um mercado
interno Eacute por isso que jaacute natildeo falam em Reforma Agraacuteria e natildeo porque seja o
seu processo uma velharia e sua realizaccedilatildeo um desrespeito agrave propriedade
privada como afirmam os donos do mundo e das gentes ( FREIRE 2012 p
65)
O monopoacutelio da terra causou feridas profundas cujas cicatrizes ainda estatildeo abertas no
seio da sociedade brasileira e que portanto ainda satildeo condicionantes que a sociedade precisa
enfrentar para alcanccedilar a melhoria de vida das classes trabalhadoras da cidade e do campo
Tomando o analfabetismo como exemplo ―Para a categoria localizaccedilatildeo observa-se
que na populaccedilatildeo rural a taxa de analfabetismo eacute de quase 228 Jaacute para a populaccedilatildeo
urbanametropolitana esse iacutendice eacute de 44 (IPEA 2009 p 10) Esses dados nos auxiliam
na explicitaccedilatildeo de uma realidade extremamente desigual marcada por preconceitos e
esquecimento Natildeo eacute um dado estatiacutestico tatildeo somente mas antes de tudo eacute um flagrante uma
prova da exclusatildeo secular que os sujeitos do campo brasileiro vecircm passando Freire (2011)
31
aponta para esse processo como a negaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo negaccedilatildeo das vocaccedilotildees dos
homens vocaccedilatildeo negada na injusticcedila na exploraccedilatildeo na opressatildeo e na violecircncia dos
opressores
Desse modo o paradigma educacional no qual se assenta a Educaccedilatildeo Rural reside no
bojo do pensamento utilitarista e dominador de uma classe sobre a outra Ribeiro (2012 p
293) afirma que ―[] para definir educaccedilatildeo rural eacute preciso comeccedilar pela identificaccedilatildeo do
sujeito a que ela se destina Isso significa que as pessoas que estatildeo vinculadas a educaccedilatildeo
rural satildeo sujeitos cuja marca do trabalho nas atividades da agricultura lhes eacute fator
determinante Para Erick Wolf haacute uma relaccedilatildeo direta de exploraccedilatildeo que caracteriza o
camponecircs ―eacute somente quando um cultivador esta integrado em uma sociedade com um estado
ndash isto eacute somente quando o cultivador passa a estar sujeito a exigecircncias e sanccedilotildees de
detentores do poder exterior ao seu estrato social ndash que podemos falar propriamente em um
campesinato (WOLF 1976 p 26) Percebe-se assim uma aproximaccedilatildeo histoacuterica entre o
camponecircs e a exploraccedilatildeo do seu trabalho
Arroyo (2009) aponta para o descaso no qual a educaccedilatildeo das populaccedilotildees do campo
esteve submetida historicamente cuja finalidade natildeo ai aleacutem do ensino de teacutecnicas de plantio
e colheita no manuseio da terra Essa visatildeo utilitarista e preconceituosa legitimou os baixos
investimentos as escolas em condiccedilotildees precaacuterias e a pouca formaccedilatildeo dos profissionais
(ARAUacuteJO SILVA 2011) aleacutem disso acirrou a disparidade da escola rural em relaccedilatildeo agrave
escola urbana quando se pensa na qualidade O ensino dos sujeitos do campo foi marcado por
uma condiccedilatildeo humana assentada no pauperismo na exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo da matildeo-de-
obra de forma mais ampla na negaccedilatildeo dos direitos baacutesicos como eacute a educaccedilatildeo
Poreacutem Freire (2012 p 59) os convida a refletir sobre a problemaacutetica e expotildee que
Jaacute deixo claro que nenhuma sociedade se livraraacute desses horrores por decreto
nem tampouco porque um de seus sujeitos fundamentais os dominantes num
gesto amoroso regale uma nova forma de viver aos ―condenados da terra A
superaccedilatildeo desses horrores implica decisatildeo poliacutetica mobilizaccedilatildeo popular
organizaccedilatildeo intervenccedilatildeo poliacutetica lideranccedila luacutecida democraacutetica esperanccedilosa
coerente tolerante
Paulo Freire um dos mais assiacuteduos defensores da Educaccedilatildeo Como Praacutetica da
Liberdade deixa claro que a superaccedilatildeo desse modelo de educaccedilatildeo que aqui podemos associar
a ―educaccedilatildeo bancaacuteria tem como pressuposto intriacutenseco a organizaccedilatildeo da classe trabalhadora
32
dos oprimidos essa libertaccedilatildeo jamais decorreraacute da ―falsa generosidade dos dominadores
(FREIRE 2011)
Esse modelo de educaccedilatildeo representou para escolas rurais grande atraso em relaccedilatildeo ao
processo educativo dos filhos dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo ainda sendo
comum visualizarmos escolas na zona rural em extrema precarizaccedilatildeo O esvaziamento dos
conteuacutedos a distacircncia entre a vida cotidiana dos alunos e o curriacuteculo da escola contribuiu de
forma direta e indiretamente para o abandono da escola pelas crianccedilas seja para ajudarem
seus pais na lida da agricultura ou nas tarefas domeacutesticas Certamente um ―curriacuteculo oculto
(SILVA 2011) contribui para esse processo de pauperismo
A despreocupaccedilatildeo com o trabalho dos sujeitos do campo eacute parte central que
caracteriza a Educaccedilatildeo Rural Haacute uma disparidade uma incongruecircncia muito significativa
entre o dia-a-dia e o que a escola mostra O cotidiano do estudante da escola do campo eacute rico
em diversidades naturais animais relacionais trabalho e no entanto esse cenaacuterio desaparece
no momento em que ele adentra a escola
Destinadas a oferecer conhecimentos elementares de leitura escrita e
operaccedilotildees matemaacuteticas simples mesmo a escola rural multisseriada natildeo tem
cumprido esta funccedilatildeo o que explica as altas taxas de analfabetismo e os
baixos iacutendices de escolarizaccedilatildeo nas aacutereas rurais (RIBEIRO 2012 p 193
apud CALDART et al 2012)
Percebe-se portanto que a Educaccedilatildeo Rural eacute resultado de uma loacutegica opressora natildeo
podendo ser pensada como um acidente metodoloacutegico que por acaso foi de um jeito e que
poderia ter sido de outro modo Pelo contraacuterio esse modelo tinha um propoacutesito uma
finalidade natildeo era neutra assim como nenhuma outra forma de educaccedilatildeo eacute Sabidamente natildeo
era a emancipaccedilatildeo dos sujeitos do campo ou a preparaccedilatildeo para a educaccedilatildeo superior o seu
propoacutesito mas antes as tarefas manuais da agricultura cuja necessidade educacional se
resumia aos anos iniciais do Ensino Fundamental
Freire (2011 p 83) afirma que ―Natildeo eacute de se estranhar pois que nessa visatildeo bancaacuterialsquo
da educaccedilatildeo os homens sejam vistos como seres da adaptaccedilatildeo do ajustamento Essa
educaccedilatildeo que Freire chama bancaacuteria e que serve perfeitamente agrave Educaccedilatildeo Rural esteve
embrionariamente ligada aos interesses dos latifundiaacuterios brasileiros tanto como formaccedilatildeo de
matildeo-de-obra como forma de manter privileacutegios dos ruralistas ao passo que negara a vocaccedilatildeo
33
ontoloacutegica do homem ou seja a vocaccedilatildeo de ser mais ―A escola rural estaacute profundamente
distanciada da realidade do trabalho e da vida dos agricultores uma vez que a educaccedilatildeo tem
sido utilizada pelas classes dominantes para manter a classe trabalhadora rural subordinada
aos seus interesses (RIBEIRO 2010 p 176)
Nesse sentido podemos observar um ―problema no curriacuteculo da educaccedilatildeo rural Esse
problema eacute resultado de interesses a saber ao longo da histoacuteria natildeo vimos em nenhum
horizonte uma accedilatildeo governamental que tivesse a finalidade de proporcionar uma educaccedilatildeo
diferenciada positivamente para os sujeitos do campo Pelo contraacuterio as accedilotildees estiveram
sempre ligadas muito mais aos interesses dos grandes latifundiaacuterios e da classe poliacutetica do
que agraves reais necessidades das populaccedilotildees camponesas
Se olharmos por exemplo o periacuteodo que compreende a deacutecada de 1940 aos anos
1960 veremos que esse interstiacutecio eacute fortemente marcado pelas campanhas de alfabetizaccedilatildeo das
populaccedilotildees camponesas Esse fenocircmeno tem um imperativo como podemos observar na obra
de Saviani (2008 p 316)
O direito de voto contudo estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo o que levou
os governantes a organizar programas campanhas e movimentos de
alfabetizaccedilatildeo de jovens e adultos dirigidos natildeo apenas aos crescentes
contingentes urbanos mas tambeacutem a populaccedilatildeo rural Daiacute o surgimento de
campanhas ministeriais que se estenderam da deacutecada de 1940 ateacute 1963
Vale salientar que essas campanhas tinham como objetivo a educaccedilatildeo elementar nada
que ultrapassasse a fronteira do direito ao voto um exemplo eacute a Campanha Nacional de
Educaccedilatildeo Rural (CNER) Percebemos o quatildeo alarmante era o quadro em que estavam imersas
as populaccedilotildees do campo nesse periacuteodo Nessa mesma conjuntura mas com caraacuteter
eminentemente progressista surgem diversas organizaccedilotildees populares em vaacuterias partes do
paiacutes debatendo e organizando as populaccedilotildees pobres no sentido de conscientizar esses sujeitos
para intervirem conscientemente na poliacutetica e na sociedade brasileira Wanderley (2010 p
85) aponta que
No tempo decisivo citado sobre a emergecircncia dos processos educativos
populares irromperam os movimentos de cultura popular cujo viacutenculo com
os mesmos foram impactantes MCP do Recife de Natal do MEB Meacutetodo
Paulo Freire entre outros Jaacute naquela eacutepoca eles compareciam situados
como movimentos rurais e urbanos Sua influecircncia na poliacutetica da mesma
maneira foi exponencial na linha de pressionar por mudanccedilas de fundo por
34
isso mesmo no Brasil e em outros paiacuteses latino-americanos foram
duramente reprimidos nas ditaduras implantadas
Sobre o caraacuteter educativo dessa mobilizaccedilatildeo Saviani (2008 p 317) nos expotildee o
seguinte
A mobilizaccedilatildeo que toma vulto na primeira metade dos anos 1960 assume
outra significaccedilatildeo Em seu centro emerge a preocupaccedilatildeo com a participaccedilatildeo
poliacutetica das massas a partir da tomada de consciecircncia da realidade brasileira
E a educaccedilatildeo passa a ser vista como instrumento de conscientizaccedilatildeo A
expressatildeo ―educaccedilatildeo popular assume entatildeo o sentido de uma educaccedilatildeo do
povo pelo povo e para o povo pretendendo-se superar o sentido anterior
criticada como sendo uma educaccedilatildeo das elites dos grupos dirigentes e
dominantes pra o povo visando a controlaacute-lo manipulaacute-lo ajustaacute-lo agrave
ordem existente
Nesse panorama histoacuterico eacute salutar ressaltar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire como um
autecircntico representante desse momento histoacuterico Freire esteve preocupado antes de tudo em
inserir um caraacuteter poliacutetico agrave educaccedilatildeo em educar para a conscientizaccedilatildeo e a poliacutetica Daiacute sua
forte defesa da natildeo neutralidade da educaccedilatildeo pensamento oposto agravequele presente no ideaacuterio
da Educaccedilatildeo Rural ele opocircs-se veemente ao manuseio da formaccedilatildeo atrelada aos interesses
das classes opressora
Os espaccedilos populares forjaram grandes pensadores Paulo Freire eacute um desses que
comprova a experiecircncia e a realidade da cotidianidade como geradora de conteuacutedo de
curriacuteculo e como loacutecus para o desenvolvimento de uma praacutetica popular de educaccedilatildeo baseada
na necessidade do sujeito Esse vieacutes foi estrategicamente negligenciado pela Educaccedilatildeo Rural
Esse caraacuteter de uma educaccedilatildeo transformadora e libertaacuteria eacute usado na experiecircncia de
Angicos Estado do Rio Grande do Norte em 1963 onde Paulo Freire desenvolveu seu
―meacutetodo que alfabetizou trabalhadores rurais daquele municiacutepio em um curto intervalo de
tempo Ele e sua equipe ―[] Alfabetiza 300 trabalhadores Este trabalho obteacutem grande
repercussatildeo nacional e internacional Estende a experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN)
e Joatildeo Pessoa (PB) (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012
p146) Nessa experiecircncia o contexto do sujeito assume grande relevacircncia assim como o
trabalho
A concepccedilatildeo de campo na Educaccedilatildeo Rural tambeacutem apresentara um conceito
esvaziado colocado frequentemente como o lugar onde se produzem alimentos para manter a
35
cidade somente Um lugar sem vida anocircnimo anocircmico e anecircmico Essa era e ainda eacute para
muitos o ideaacuterio de campo que predomina em nossa sociedade
Em seu livro Gritti (2003) demonstra que a escola puacuteblica rural foi um
potente instrumento para a expansatildeo do capitalismo no campo brasileiro
trazendo como consequumlecircncia a desestruturaccedilatildeo do modo de vida dos
trabalhadores rurais principalmente seu trabalho os saberes e a cultura que
lhes satildeo proacuteprios (SAVIENI 2008 p 317)
Como jaacute afirmamos na Educaccedilatildeo Rural haacute uma distacircncia muito significativa entre os
conteuacutedos trabalhados em sala de aula e a realidade dos educandos isso eacute potencializado
ainda mais pelo livro didaacutetico e pela formaccedilatildeo do professor que em boa medida natildeo mora no
campo muitas vezes natildeo tem afinidade com aquela realidade e acaba reforccedilando estereoacutetipos
e preconceitos acerca do campo e dos sujeitos (ARAUacuteJO SILVA 2011) Como consequecircncia
desse distanciamento haacute um processo de urbanizaccedilatildeo das escolas do campo ou seja um
transplante da metodologia da escola urbana para a escola rural ou como eacute comum a
deslocaccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos do campo para as escolas da cidade
Segundo Ribeiro (2010) apesar de ter seu reconhecimento no final do Segundo
Impeacuterio a Educaccedilatildeo Rural tem seu desenvolvimento na primeira metade do seacuteculo XX Os
primeiros incentivos a esse modelo de educaccedilatildeo no Brasil se deram durante o Estado Novo
na deacutecada de 1930 Nesse momento essa educaccedilatildeo se dava em boa parte por campanhas de
alfabetizaccedilatildeo Tais campanhas estavam diretamente atreladas aos interesses da incipiente
industrializaccedilatildeo que chegara ao nosso Paiacutes e aos interesses eleitoreiros uma vez que o voto
estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo como exposto anteriormente Ainda segunda a autora a
Educaccedilatildeo Rural estava baseada numa concepccedilatildeo evolucionista que considerava os costumes
e a vida do homem do campo como atrasado e necessaacuterio de ser evoluiacutedo
A partir da deacutecada de 1950 alguns oacutergatildeos satildeo criados com o objetivo de desenvolver
as regiotildees brasileiras que apresentavam maiores iacutendices de pobreza assim surge a
Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) o Instituto Nacional de
Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) a Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria
(SUPRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agraacuterio (INDA) oacutergatildeos federais que
tratariam de questotildees relativas agrave reforma agraacuteria no Brasil (NETO 2007) Esperava-se com
isso a melhoria da vida da populaccedilatildeo do campo brasileiro entretanto muitas dessas agecircncias
36
se tornaram loacutecus de corrupccedilatildeo e manutenccedilatildeo de privileacutegios dos grupos dominantes do Norte
e Nordeste
Durante a Ditadura Civil Militar brasileira a educaccedilatildeo das populaccedilotildees camponesas
seguiu a reboque da modernizaccedilatildeo agriacutecola guinando ao sabor do vento da mecanizaccedilatildeo do
campo Essa educaccedilatildeo continuou a ser objeto de manutenccedilatildeo de privileacutegios da burguesia
agraacuteria e de negaccedilatildeo de direitos e emancipaccedilatildeo das populaccedilotildees rurais Na deacutecada de 1980
Carter (2010 p 38) afirma que
Um novo ciclo de mobilizaccedilatildeo por terra irrompeu com forccedila no iniacutecio da
deacutecada de 1980 de modo especial na Regiatildeo Sul Brasil Ele surgiu com o
apoio de uma rede progressista no meio religioso e a assistecircncia de vaacuterios
sindicatos de trabalhadores rurais em um contexto de intensa modernizaccedilatildeo
agriacutecola crescentes demandas na sociedade civil pela restauraccedilatildeo da
democracia e o decliacutenio gradual do regime militar O MST foi instituiacutedo
formalmente e em niacutevel nacional em janeiro de 1984 Um ano mais tarde o
Brasil testemunhou a inauguraccedilatildeo de um movo governo civil
Haacute um pensamento que advoga que durante a Ditadura Civil Militar houve uma
calmaria nos movimentos sociais como jaacute salientamos anteriormente entendemos que houve
na verdade uma censura um silenciamento dos atores sociais dos sujeitos Os movimentos
sociais estavam em luta estavam em formaccedilatildeo o MST por exemplo tem sua gestaccedilatildeo ainda
na deacutecada de 1970 assim como a Comissatildeo Pastoral da Terra ndash CPT que foi criada para
conter a onda de assassinatos de trabalhadores rurais e acabou tendo grande importacircncia na
proteccedilatildeo daqueles sem-terra que lutavam pela redemocratizaccedilatildeo do Brasil (SCOLESE 2008)
Esses movimentos embora natildeo tivessem em sua gecircnese a educaccedilatildeo como foco central jaacute
traziam uma denuacutencia importante e uma necessidade de reversatildeo da situaccedilatildeo negligente a qual
as populaccedilotildees rurais se encontravam
A Educaccedilatildeo Rural ainda eacute um fenocircmeno existente em nossa sociedade natildeo podemos
dizer que ela foi enterrada com o advento do paradigma10
da Educaccedilatildeo do Campo Sabe-se
que os desafios ainda satildeo muitos A educaccedilatildeo das comunidades rurais tem alcanccedilado avanccedilos
10 De acordo com Kuhn (2009) o conceito de paradigma eacute entendido como sendo o conjunto das realizaccedilotildees da
ciecircncia reconhecidas universalmente ou seja o paradigma refere-se a um conjunto de crenccedilas ou premissas
sobre o que se julga verdadeiro Satildeo processos de construccedilatildeo de conhecimentos capazes de elaborar teorias que
servem como ponto de partida para a resoluccedilatildeo de problemas da comunidade e satildeo o referencial para a
elaboraccedilatildeo de novos trabalhos cientiacuteficos
37
entretanto ainda haacute muito que avanccedilar A Educaccedilatildeo do Campo eacute uma utopia utopia
necessaacuteria que nas palavras de Paulo Freire citado por Moacir Gadotti (1996 p 732) ―eacute a
dialeacutetica entre o ato de denuacutencia do mundo que se desumaniza e o anuacutencio do mundo que se
humaniza
A Educaccedilatildeo do Campo forjada no bojo dos movimentos de resistecircncia tem sido uma
ferramenta para a classe trabalhadora fazendo o contraponto necessaacuterio ao modelo da nova
pedagogia da hegemonia (NEVES 2005) cujo fulcro tem sido o ideaacuterio privatista
desumanizador e mercantil Eacute nessa concepccedilatildeo que apontamos para a Educaccedilatildeo do Campo
como anunciante de outra possibilidade de educaccedilatildeo esse paradigma vem proporcionando
esperanccedila e ressignificando o sentida da luta pelo direito agrave educaccedilatildeo e agrave vida
23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO
Como externamos a pouco de forma breve a Educaccedilatildeo do Campo tem dado passos
importantes rumo agrave construccedilatildeo de um novo paradigma educacional para as populaccedilotildees do
campo brasileiro Tem feito um tensionamento necessaacuterio ao atual modelo da pedagogia que
tornou-se hegemocircnica que de acordo com Freire (2011) a pedagogia dominante eacute a pedagogia
da classe dominante No entanto muitos afirmam que na realidade as escolas do campo ainda
apresentam problemas estruturais e que mudar o nome dessa educaccedilatildeo natildeo resolveraacute a
questatildeo De fato as escolas do campo ainda apresentam desafios a serem superados
entretanto eacute salutar perceber que algo estaacute acontecendo
Trazer o debate da educaccedilatildeo agrave tona natildeo eacute uma tarefa faacutecil e falar em educaccedilatildeo de
populaccedilotildees historicamente excluiacutedas residentes de uma aacuterea tida como atrasada como eacute
colocado o campo eacute uma tarefa ainda mais complexa Falar de uma educaccedilatildeo ―Para aleacutem do
capital ainda mais nesse tempo eacute sem duacutevida uma tarefa das mais louvaacuteveis A educaccedilatildeo do
Campo tem conseguido essa faccedilanha tem posto em xeque a educaccedilatildeo rural e tem sobretudo
conquistado pela luta sua institucionalidade e seu reconhecimento enquanto um direito da
classe camponesa Nesse sentido a mudanccedila natildeo tem se restringido somente agrave nomenclatura
mas principalmente as conquistas reais
38
Trazemos uma indagaccedilatildeo que nos diz muito sobre a questatildeo da educaccedilatildeo das
populaccedilotildees do campo Arroyo Caldart e Molina na 4ordf ediccedilatildeo da obra ―Por uma Educaccedilatildeo do
Campo de 2009 questionam
Interroga-nos porque nem sequer os governos democraacuteticos nem sequer o
movimento educacional progressista conseguiram colocar em seus
horizontes o direito dos camponeses agrave educaccedilatildeo O olhar negativo
preconceituoso do campo e seu lugar no modelo de desenvolvimento seriam
responsaacuteveis A agricultura camponesa vista como sinal de atraso
inferioridade como um modelo de produccedilatildeo de vida e cultura em extinccedilatildeo
Como quebrar o fetiche que coloca o povo do campo como algo agrave parte
(ARROYO CALDART MOLINA 2009 p 11)
Essas questotildees nos ajudam a entender o terreno em que estamos pisando Ele eacute repleto
de contradiccedilotildees eacute delicado por isso mesmo eacute preciso perspicaacutecia para mover-se nesse debate
em que pese os riscos de naturalizaccedilatildeo de fenocircmenos que satildeo histoacutericos e sociais
Para tomarmos como momento histoacuterico a Ditadura Civil Militar Fernandes (2010 p
163) afirma que
O Governo militar tentou minimizar os conflitos de terra com a implantaccedilatildeo
de projetos de colonizaccedilatildeo na Amazocircnia mas essa poliacutetica de fomentar a
migraccedilatildeo camponesa natildeo diminuiu os conflitos por terra na regiatildeo Sul
Sudeste e Nordeste do Paiacutes Desde o iniacutecio o regime militar reprimiu com
violecircncia as accedilotildees dos trabalhadores que reivindicaram seus direitos como o
acesso agrave terra e melhores condiccedilotildees de trabalho
Os conflitos no campo se tornaram uma constante A contraditoacuteria relaccedilatildeo entre
trabalho e capital tornou-se insustentaacutevel (RIBEIRO 2010) a reforma agraacuteria era uma
questatildeo premente Os movimentos sociais do campo retomam a bandeira da necessidade dessa
reforma como direito e sobretudo como paracircmetro de equidade social entre as populaccedilotildees
do campo e da cidade
Com o fim do regime militar nos anos 1980 sobretudo devido agraves pressotildees advindas da
sociedade civil11
os movimentos sociais assumem o protagonismo das lutas em defesa do
11 Para Gramsci diversamente ―sociedade civil designa o conjunto das organizaccedilotildees responsaacuteveis pela
elaboraccedilatildeo eou difusatildeo das ideologias compreendendo o sistema escolar os sindicatos os meios de
comunicaccedilatildeo as instituiccedilotildees de caraacuteter cientiacutefico e artiacutestico etc (COUTINHO 2011 p 25)
39
trabalho da terra da educaccedilatildeo Eacute nesse momento que irrompe como um dos principais
protagonistas da luta por uma Educaccedilatildeo do Campo o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) movimento social que para Fernandes (2012 p 496)
Reuacutene em sua base diferentes categorias de camponeses pobres ndash como
parceiros meeiros posseiros minifundiaacuterios e trabalhadores assalariados
chamados de sem terra e tambeacutem diversos lutadores sociais para desenvolver
as lutas pela terra pela Reforma Agraacuteria e por mudanccedilas na agricultura
brasileira
Esse cenaacuterio de exclusatildeo negaccedilatildeo de direitos e luta dos camponeses eacute propiacutecio ao
surgimento de praacuteticas educativas autecircnticas forjadas na proacutepria luta Como nos questiona
Freire (2011 p 42-43) ―Quem melhor que os oprimidos se encontraraacute preparado para
entender o significado terriacutevel de uma sociedade opressora Quem sentiraacute melhor que eles os
efeitos da opressatildeo Quem mais que eles para ir compreendendo a necessidade da
libertaccedilatildeo Nesse processo de luta emerge uma forma alternativa de educaccedilatildeo no campo do
campo e com o campo o que viria a tomar corpo e que hoje chamamos Educaccedilatildeo do Campo
Uma das principais diferenccedilas entre Educaccedilatildeo Rural e Educaccedilatildeo do Campo estaacute na
utilizaccedilatildeo e no propoacutesito dessas duas formas de educar A primeira como vimos estaacute
fortemente atrelada a utilizaccedilatildeo da matildeo-de-obra no trabalho dos latifuacutendios em condiccedilatildeo
humana precaacuteria A Educaccedilatildeo do Campo tem como objetivo a formaccedilatildeo para o trabalho e para
a vida pensa o sujeito em sua amplitude sua autonomia e sua capacidade de decidir Pensa
modelos de desenvolvimento para agricultura que natildeo resida no agronegoacutecio e na economia
de exportaccedilatildeo tatildeo somente mas uma economia solidaacuteria e a pequena propriedade como forma
de sustentabilidade ambiental e social para as populaccedilotildees tradicionais do campo
A pedagogia do oprimido dos excluiacutedos dos tempos de barbaacuterie natildeo estaacute
em encontrar meacutetodos novos para educar os baacuterbaros civilizar os oprimidos
ou incluir os excluiacutedos nos valores e saberes dos ―civilizados mas estaacute em
apreender com o conjunto de processos que os excluiacutedos e oprimidos
reinventam para continuar humanos manter seus valores e seus saberes sua
cultura e memoacuteria coletiva sua identidade e dignidade (ARROYO 2011 p
274)
Desse modo percebe-se uma niacutetida evidecircncia de que os movimentos sociais do campo
desenvolveram uma produccedilatildeo pedagoacutegica que tem como sustento suas proacuteprias necessidades
e seu espaccedilo de luta e trabalho
40
A mobilizaccedilatildeo do MST e outros segmentos da sociedade civil tiveram como resultado
a realizaccedilatildeo do I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agraacuteria ndash
ENERA ndash realizado em Brasiacutelia e promovido pelo Movimento em parceria com a UnB a
Unesco o Unicef e a CNBB em junho de 1997 (RIBEIRO 2010) Como fruto desse encontro
e do acuacutemulo dos movimentos sociais na defesa dos direitos agrave educaccedilatildeo vimos brotar de um
chatildeo ―aacuterido e seco o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) uma das
grandes conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo
O Pronera foi criado em 16 de abril de 1998 num contexto de organizaccedilatildeo e
mobilizaccedilatildeo dos Sem Terra em memoacuteria dos massacres de Corumbiara em Rondocircnia em
1995 e Eldorado dos Carajaacutes no Estado do Paraacute ocorrido em 1996 (SANTOS 2012)
Podemos dizer que a primeira conquista do Movimento de Educaccedilatildeo do Campo foi a
institucionalizaccedilatildeo desse Programa
O Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) eacute uma
poliacutetica puacuteblica do governo federal especiacutefica para a educaccedilatildeo formal de
jovens e adultos assentados da Reforma Agraacuteria e do creacutedito fundiaacuterio e para
a formaccedilatildeo de educadores que trabalham nas escolas dos assentamentos ou
do seu entorno e atendem a populaccedilatildeo assentada (SANTOS 2012 p 629)
Assim podemos afirmar que o Programa eacute na verdade uma conquista pela via da luta
e da organizaccedilatildeo da sociedade camponesa em prol de um direito que eacute a educaccedilatildeo e de uma
necessidade que eacute a formaccedilatildeo de professores para as escolas do campo Como objetivos
gerais o Pronera se pretende a
I ndash oferecer educaccedilatildeo formal aos jovens e adultos beneficiaacuterios do Programa
Nacional de Reforma Agraacuteria (PNRA) em todos os niacuteveis de ensino e aacutereas
do conhecimento
II ndash melhorar as condiccedilotildees de acesso agrave educaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e
III ndash proporcionar melhorias no desenvolvimento dos assentamentos rurais
por meio da formaccedilatildeo e qualificaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e dos
profissionais que desenvolvem atividades educacionais e teacutecnicas nos
assentamentos (BRASIL 2011 p 13)
De acordo com o Decreto Nordm 7352 que dispotildee sobre a poliacutetica de educaccedilatildeo do campo
e o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria ndash Pronera ndash Satildeo beneficiaacuterios do
programa
41
I - populaccedilatildeo jovem e adulta das famiacutelias beneficiaacuterias dos projetos de
assentamento criados ou reconhecidos pelo INCRA e do Programa Nacional
de Creacutedito Fundiaacuterio ndash PNFC
II - alunos de cursos de especializaccedilatildeo promovidos pelo INCRA
III - professores e educadores que exerccedilam atividades educacionais voltadas
agraves famiacutelias beneficiaacuterias e
IV - demais famiacutelias cadastradas pelo INCRA
Devido ao seu caraacuteter eminentemente popular o Pronera tem enfrentado barreiras
significativas tanto por parte dos oacutergatildeos de controle como o Tribunal de Contas da Uniatildeo por
exemplo como por setores conservadores da Cacircmara e no Senado Federal sendo a bancada
ruralista o maior expoente dessa oposiccedilatildeo Alem disso dentro das universidades tambeacutem tem
enfrentado desafios no que se refere a permanecircncia dos estudantes
No entanto como afirma Brandatildeo (2009) a Educaccedilatildeo Popular tem como essecircncia a
resistecircncia e a oposiccedilatildeo ao status quo social Como a Educaccedilatildeo do Campo herda demasiado
caraacuteter desse paradigma educacional assim como da pedagogia freireana essas tensotildees e
conflitos representam disputas inerentes ao tecido social
O resultado do I Enera aleacutem da criaccedilatildeo do Pronera teve ainda a inserccedilatildeo definitiva da
Educaccedilatildeo do Campo no cenaacuterio nacional como afirma Roseli Caldart (2012 p 257)
O surgimento da expressatildeo ―Educaccedilatildeo do Campo pode ser datada Nasceu
primeiro como Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo no contexto de preparaccedilatildeo da I
Conferecircncia Nacional por uma Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo realizada em
Luziacircnia Goiaacutes de 27 a 30 de julho de 1998 Passou a se chamar Educaccedilatildeo
do Campo a partir das discussotildees do Seminaacuterio Nacional realizado em
Brasiacutelia de 26 a 29 de novembro de 2002 decisatildeo posteriormente reafirmada
nos debates da II Conferecircncia Nacional realizada em julho de 2004
A Educaccedilatildeo do Campo estaacute embrionariamente ligada aos movimentos sociais eacute a
educaccedilatildeo pensada por esses movimentos e natildeo para eles Desse modo pensar essa educaccedilatildeo
dissociada das praacuteticas e das lutas desses movimentos eacute cair num grande equiacutevoco A
Educaccedilatildeo do Campo tem sido uma ferramenta de luta para a classe trabalhadora do campo
natildeo como pura e simplesmente uma modalidade de ensino mas como um fenocircmeno capaz de
devolver aos sujeitos do campo a sua integraccedilatildeo com seu lugar
A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com
ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento
42
proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica em
que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem absolutizar-se
fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-o a julgar o seu
mundo algo sobre que apenas se acha A sua integraccedilatildeo o enraiacuteza Faz dele na
feliz expressatildeo de Marcel ―um ser situado e datado (FREIRE 1983 p 42)
Desse modo a Educaccedilatildeo do Campo se propotildee a construir coletivamente um
contraponto a um paradigma educacional desumanizado que tem como fulcro os interesses do
mercado capitalista tatildeo somente A esse respeito Jesus (2006 p 51) afirma que
Essa educaccedilatildeo tem na sua origem a necessidade de reinventar as praacuteticas
sociais contra um processo perverso de uma forma hegemocircnica de
globalizaccedilatildeo econocircmica poliacutetica e cultural que impotildee aos diferentes paiacuteses
perifeacutericos e semi-perifeacutericos a reorganizaccedilatildeo das formas de poder de
produccedilatildeo do conhecimento e de desenvolvimento econocircmico e social que
aumenta assustadoramente a perda das autonomias e as desigualdades em
especial entre o povo brasileiro que vive no campo ou eacute excluiacutedo dele
Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo natildeo estaacute acabada eacute pensada a partir das
demandas e necessidades mutaacuteveis que a realidade concreta apresenta Coaduna trabalho e
formaccedilatildeo como partes indissociaacuteveis para a construccedilatildeo do sujeito autocircnomo (SANTOS
2012) Essa Educaccedilatildeo natildeo estaacute paralela aos movimentos sociais ela eacute a educaccedilatildeo desses
movimentos Foi gestada nas lutas por terra nas ocupaccedilotildees nos assentamentos no
enfrentamento das desigualdades sociais Custou vidas e sonhos portanto eacute uma produccedilatildeo
pedagoacutegica autecircntica do movimento de resistecircncia que estaacute muito aleacutem do conceito esvaziado
de educaccedilatildeo dos tempos de produccedilatildeo
Eacute importante destacar que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo natildeo minimiza a
importacircncia dos conteuacutedos e dos conhecimentos historicamente produzidos e acumulados pela
humanidade Natildeo minimiza o curriacuteculo a gestatildeo o planejamento Muito pelo contraacuterio a
Educaccedilatildeo do Campo procurar encher de sentido esses instrumentos que foram esvaziados pela
loacutegica capitalista Busca explicitar o curriacuteculo oculto almeja a gestatildeo democraacutetica e
participativa busca ainda um planejamento no qual os sujeitos e suas realidades e
necessidades tambeacutem sejam parte Nesse sentido a criacutetica feita a Paulo Freire de formular
uma pedagogia sem conteuacutedos eacute hoje dirigida ao paradigma educacional em questatildeo No
entanto essas criacuteticas tecircm partido muito mais de setores burocraacuteticos da sociedade em que
pese natildeo reconheceram a importacircncia e os reais avanccedilos e conquistas dos sujeitos do campo
na contemporaneidade
43
24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS
CONHECIMENTO
A necessidade de uma escola que respeite os saberes dos sujeitos forjados no trabalho
com a terra cujos direitos em boa medida o Estado lhes cerceou historicamente eacute
fundamental para o debate da Educaccedilatildeo do Campo Indubitavelmente a metodologia que
melhor compactua trabalho e formaccedilatildeo e cujo assento reside na relevacircncia das praacuteticas
culturais inerentes aos sujeitos do campo eacute a Pedagogia da Alternacircncia
Entendemos que a Pedagogia da Alternacircncia precisa ser situada dentro da perspectiva
do multiculturalismo12
do curriacuteculo Eacute uma proposta natildeo hegemocircnica utilizada pelos
movimentos sociais que se articulam na Via Campesina13
e que procura coadunar trabalho e
educaccedilatildeo o que sem duacutevida configura um dos maiores desafios da educaccedilatildeo na
contemporaneidade A inclusatildeo das praacuteticas dos trabalhadores nos conteuacutedos e metodologias
da escola eacute importante natildeo somente como forma de respeito mas como ferramenta de
equiparaccedilatildeo e permanecircncia desses sujeitos na escola
Segundo Ribeiro (2012) a Pedagogia da Alternacircncia tem origem com as Casas
Familiares Rurais (CFRlsquos) na Franccedila e com as Escolas Familiares Rurais (EFAlsquos) na Itaacutelia
―Pode-se dizer que eacute uma alternativa metodoloacutegica de formaccedilatildeo profissional agriacutecola para
jovens inicialmente do sexo masculino filhos de agricultores franceses (idem 2012 p 293)
Outra raiz histoacuterica ainda segundo a autora estaacute nas experiecircncias de trabalho e educaccedilatildeo
efetivadas na Ruacutessia poacutes-revolucionaacuteria de 1917 Expostas essas duas matrizes histoacutericas os
movimentos camponeses que pautam a educaccedilatildeo do campo no Brasil tendem a se filiarem
em sua maioria a essa segunda concepccedilatildeo histoacuterica
12 Multicultural eacute um termo qualificativo Descreve as caracteriacutesticas sociais e os problemas de governabilidade
apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma
vida em comum ao mesmo tempo em que reteacutem algo de sua identidade original Em contrapartida o termo
multiculturalismo e substantive Refere-se as estrateacutegias e politicas adotadas para governar ou administrar
problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais E usualmente utilizado no
singular significando a filosofia especifica ou a doutrina que sustenta as estrateacutegias multiculturais
Multicultural entretanto eacute por definiccedilatildeo plural (HALL 2009 p 52)
13 Criada em 1992 a Via Campesina eacute uma organizaccedilatildeo mundial que articula movimentos sociais que lutam pela
terra Entre seus objetivos a solidariedade eacute o mais presente A Via condena o modo predatoacuterio de produccedilatildeo
cujo objetivo se resume a exportaccedilatildeo condena a nomocultura o uso excessivo de agrotoacutexicos que satildeo
caracteriacutesticas do modelo de produccedilatildeo do agronegoacutecio (FERNANDES 2012)
44
Ela [a pedagogia da alternacircncia] brota do desejo de natildeo cortar raiacutezes Eacute uma
das pedagogias produzidas em experiecircncias de escolas do campo em que o
MST se inspirou Busca integrar a escola com a famiacutelia e a comunidade do
educando No nosso caso ela permite uma troca de conhecimento e o
fortalecimento dos laccedilos familiares e do viacutenculo dos educandos com o
assentamento ou acampamento o MST e a terra (CALDART 2009 p 104
Com grifos do autor)
Essa pedagogia natildeo foi gestada nas universidades ela natildeo envolve nem pesquisadores
nem docentes (RIBERIRO 2010) Eacute uma proposta que busca garantir interligaccedilatildeo entre dois
espaccedilos instituiccedilotildees de ensino e atividades de trabalho comum aos agricultores Esse meacutetodo
estaacute diretamente ligado agrave concepccedilatildeo de trabalho e educaccedilatildeo pautado pelos pensadores
marxistas que entendem que o trabalho tem em si um princiacutepio educativo capaz de garantir
uma formaccedilatildeo omnilateral pensamento esse tambeacutem advogado por Paulo Freire e educadores
criacuteticos do Brasil
A alternacircncia se divide em dois momentos o Tempo Escola (TE) em que os
educandos permanecem de duas semanas a dois meses dependendo do curso no espaccedilo da
escola em regime de internato e o Tempo Comunidade (TC) momento no qual os educandos
retornam agraves suas propriedades familiares ou agraves comunidades ou aos assentamentos ou ainda
aos acampamentos para colocarem em praacutetica os conhecimentos que foram objeto de estudo
no TE (RIBEIRO 2010)
Mais que uma caracteriacutestica de sucessotildees repetidas de sequumlecircncia a
alternacircncia enquanto princiacutepio pedagoacutegico visa desenvolver na formaccedilatildeo
dos jovens situaccedilotildees em que o mundo escolar se posiciona em interaccedilatildeo com
o mundo que o rodeia Buscando articular universos considerados opostos ou
insuficientemente interpenetrados ndash o mundo da escola e o mundo da vida a
teoria e a praacutetica o abstrato e o concreto ndash a alternacircncia coloca em relaccedilatildeo
diferentes parceiros com identidades preocupaccedilotildees e loacutegicas tambeacutem
diferentes (SILVA 2000 p 16)
Esse modelo de se fazer educaccedilatildeo pode ter um papel determinante no combate ao
processo nefasto que vem cerceando o direito dos povos do campo a terem acesso agrave educaccedilatildeo
de qualidade sem sair do campo em que pese agrave poliacutetica de nucleaccedilatildeo a qual temos
testemunhado na atualidade Esse processo tem a finalidade de diminuir custos com a
formaccedilatildeo dos filhos dos agricultores que satildeo deslocados para uma escola-nuacutecleo
normalmente localizada na cidade (Ribeiro 2010)
45
A Pedagogia da Alternacircncia compartilha saberes acadecircmico e aqueles advindos do
cotidiano do trabalho na agricultura na pesca nas florestas nos quilombos e em uma
infinidade de espaccedilos que o conceito de campo compreende na contemporaneidade Nesse
sentido a leitura de mundo dos sujeitos tem papel de destaque nessa pedagogia Para Freire
(1983) ―basta ser homem para ser capaz de captar os dados da realidade Para ser capaz de
saber ainda que seja este saber meramente opinativo daiacute que natildeo haja ignoracircncia absoluta
nem sabedoria absoluta (p105) Outro fator importante eacute entender a situaccedilatildeo concreta do
sujeito no mundo como determinante para sua accedilatildeo (FREIRE 2011)
Desse modo compreendemos o curriacuteculo da Educaccedilatildeo do Campo neste trabalho
baseado na Pedagogia da Alternacircncia que uma vez partilhada entre tempo escola e tempo
comunidade significa uma possibilidade de associaccedilatildeo entre trabalho e formaccedilatildeo Essa
metodologia proporciona ainda uma maior aproximaccedilatildeo entre escola e comunidade de modo
a estreitar a dicotomia estabelecida entre teoria e praacutetica No Tempo Escola aleacutem da
aquisiccedilatildeo dos conteuacutedos eacute tambeacutem o momento de pensar sobre a loacutegica o sentido e o valor
social desses conteuacutedos No Tempo Comunidade busca-se a continuidade atraveacutes da praacutexi
dos conhecimentos adquiridos na escola Para melhor esclarecer esse processo vejamos a
seguinte citaccedilatildeo
No Tempo Escola os educandos formam um coletivo muitas vezes oriundos
de diferentes comunidades que ao trazer questotildees reflexotildees
problematizaccedilotildees das suas localidades especiacuteficas ampliam o processo de
reflexatildeo sobre as realidades do campo confrontando as muacuteltiplas situaccedilotildees
que as compotildeem No Tempo Comunidade cada educando individualmente
ou em pequenos grupos deve reafirmar seu envolvimento com sua
comunidade desenvolvendo nela as atividades de pesquisa reflexatildeo
problematizaccedilatildeo e em alguns casos intervenccedilatildeo Dessa forma cria-se um
novo coletivo de accedilatildeo (educando ndash comunidade) que permite inclusive a
participaccedilatildeo indireta do conjunto da comunidade no processo educativo
reforccedilando a relaccedilatildeo escola ndash comunidade (ANTUNES-ROCHA MARTINS
2011 p 226)
Fica evidente que haacute uma aproximaccedilatildeo entre os dois momentos e que ambos satildeo
formativos Aleacutem disso se coloca de forma expliacutecita o trabalho com as experiecircncias e
multiplicidades de culturas que os povos do campo trazem consigo com o outro e com
mundo
46
As peculiaridades da Educaccedilatildeo do Campo natildeo podem ser entendidas como adaptaccedilotildees
ou como modelo da educaccedilatildeo hegemocircnica antes deve ser entendida com autenticidade Sua
organizaccedilatildeo portanto natildeo pode se pautar na educaccedilatildeo urbana adaptada ao campo mas sim
uma educaccedilatildeo proacutepria desse campo Suas conquistas foram arrancadas do seio da educaccedilatildeo
posta historicamente uma educaccedilatildeo que jamais destinou espaccedilo em seu curriacuteculo agraves
vivecircncias agrave leitura de mundo dos sujeitos ou ao trabalho agriacutecola desempenhado pelos povos
do campo14
Verificamos portanto o surgimento desse paradigma metodoloacutegico natildeo como uma
criaccedilatildeo academicista mas como uma necessidade de um modelo ou uma metodologia que
coadune formaccedilatildeo escolar e trabalho praacutetico A Pedagogia da Alternacircncia se confunde com a
proacutepria Educaccedilatildeo do Campo visto que ela natildeo foi uma formalidade acadecircmica pensada e
pesquisada para as populaccedilotildees campesinas ainda que tenha grandes contribuiccedilotildees de
pesquisadores das universidades ela surgiu da necessidade dos proacuteprios trabalhadores e
trabalhadoras do campo
Entendendo as dimensotildees poliacuteticas e ideoloacutegicas das quais o curriacuteculo estaacute permeado
os movimentos sociais do campo foram categoacutericos em apontar para a alternacircncia como
sustentaccedilatildeo da sua praacutetica educativa Assim como eacute salutar diferenciarmos Educaccedilatildeo do
Campo de Educaccedilatildeo Rural sempre que formos chamados a refletir sobre a educaccedilatildeo destinada
agraves populaccedilotildees camponesas tambeacutem eacute importante externar a diferenccedila que haacute de forma mais
decomposta entre o curriacuteculo desses dois paradigmas de se pensar o ensino Ribeiro (2010)
fazendo uma diferenciaccedilatildeo entre os dois modelos curricular aponta
[] 3ordm) Curriacuteculo objetivos e metodologia da escola rural estatildeo direcionados
para o sistema de produccedilatildeo de mercadorias no qual o proacuteprio ser humano eacute
uma mercadoria que pode ser descartaacutevel e flexiacutevel em tempos de desemprego
estrutural e tecnoloacutegico Para a escola baacutesica do campo a memoacuteria das lutas e
das experiecircncias produtivistas constitui-se na base curricular em que se
articulam a produccedilatildeo da vida dos alimentos da sociedade e da ciecircncia Em
14 Nesse momento eacute salutar esclarecer que ao nos referimos a sujeitos do campo estamos tratando de sujeitos
concretos de assentamentos aacutereas indiacutegenas quilombolas pescadores povos que tiram sua subsistecircncia das
florestas e toda a abrangecircncia que o termo campo engloba na contemporaneidade Os sujeitos do campo satildeo
antes de tudo cidadatildeo concretos que contribuem social econocircmico e culturalmente para com as melhorias e
avanccedilos que tivemos em nosso paiacutes
47
contraposiccedilatildeo ao conhecimento cientiacutefico que expulsa e subordina os
agricultores a proposta dos movimentos sociais populares ruraisdo campo
pensa a produccedilatildeo do conhecimento a partir das experiecircncias dos agricultores
articulando tais experiecircncias com o conhecimento cientiacutefico e tecnoloacutegico
socialmente produzido (RIBEIRO 2010 p 197)
Nesse sentido o curriacuteculo da escola do campo pretendido pelos movimentos sociais eacute o
que se adeacutequa agrave vida e ao trabalho das populaccedilotildees do campo e melhor intercala formaccedilatildeo
escolar cotidiano e cultura camponesa A proposta pedagoacutegica da alternacircncia tem sido o
caminho percorrido na busca da formulaccedilatildeo de um curriacuteculo democraacutetico e que atenda de
forma satisfatoacuteria as expectativas da Educaccedilatildeo do Campo
Ainda que tenhamos apontados os pontos positivos da Pedagogia da Alternacircncia
precisamos refletir sobre aspectos que tecircm se apresentado como preocupantes dialogaremos
melhor sobre as criacuteticas a essa proposta quando estivermos analisando o curriacuteculo do curso
Pedagogia da Terra pois seraacute mais faacutecil exemplificar essas preocupaccedilotildees Adiantamos que haacute
uma grande dificuldade em estabelecer a matildeo dupla entre escolauniversidade e comunidades
Tempo Escola e Tempo Comunidade tambeacutem tecircm ocorrido de forma bastante diferente do
que se pretende mas isso veremos mais adiante
25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS
DA EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO
Nesse momento eacute salutar externarmos alguns avanccedilos que o Movimento de Educaccedilatildeo
do Campo vem conseguindo nessa empreitada de lutas diaacuterias que tem travado contra o
Estado de classe que predomina em nossa sociedade Eacute importante destacar que as conquistas
ateacute aqui alcanccediladas satildeo de meacuterito da resistecircncia que os povos do campo tecircm empreendido ao
longo dos anos na busca pela garantia dos seus direitos os quais a historia nos mostra que
foram cerceados ou negados ao longo dos tempos
O trabalho precaacuterio a espoliaccedilatildeo sofrida pelos camponeses e pelas camponesas satildeo
marcas visiacuteveis de uma sociedade excludente e atrasada Sendo assim a organizaccedilatildeo dessas
populaccedilotildees tradicionais eacute antes de tudo um direito tendo em vista a legitimidade de lutar
contra a opressatildeo A sociedade tem uma diacutevida com esses grupos portanto
48
cronologicamente estaacute na hora de assumir essa responsabilidade no sentido de garantir os
direitos baacutesicos e fundamentais aos sujeitos do campo
A aprovaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da educaccedilatildeo nacional 40241961
fora norteada pela discussatildeo entre defensores da educaccedilatildeo puacuteblica e os da escola particular e
natildeo traz avanccedilos significativos agraves populaccedilotildees trabalhadoras do campo a Lei eacute uma ―meia
vitoacuteria na voz de Aniacutesio Teixeira ―mas vitoacuteria (SAVIANI 2008) A Lei 402461 ainda
apresentara em seu acircmago uma orientaccedilatildeo pela adaptaccedilatildeo do ao meio numa clara alusatildeo a
uma visatildeo civilizatoacuteria e evolucionista do sujeito do campo (MEC 2002)
A Lei nordm 4024 de dezembro de 1961 resultou de um debate que se prolongou
durante 13 anos gerando expectativas diversas a respeito do avanccedilo que o
novo texto viria a representar para a organizaccedilatildeo da educaccedilatildeo nacional O
primeiro anteprojeto e os demais substitutivos apresentados deram visibilidade
ao acirrado embate que se estabeleceu na sociedade em torno do tema O
anteprojeto elaborado pelo GT indicado sob a orientaccedilatildeo do Ministro
Clemente Marianne representou o primeiro esforccedilo de regulamentaccedilatildeo do
previsto na Carta Magna (1946) Este aleacutem de reforccedilar o dispositivo
constitucional expressa as mudanccedilas que perpassavam a sociedade em seu
conjunto Logo em seguida diversos substitutivos entre os quais os que foram
apresentados por Carlos Lacerda redirecionaram o foco da discussatildeo
Enquanto o primeiro anteprojeto se revelava afinado com as necessidades
educacionais do conjunto da sociedade dando ecircnfase ao ensino puacuteblico a
maior parte desses substitutivos em nome da liberdade representavam os
interesses das escolas privadas (MEC 2002 p 25-26)
Em 11 de agosto de 1971 eacute sancionada a Lei 5692 que fixara diretrizes e bases para
o ensino de 1ordm e 2ordm grau e de outras providecircncias (MEC 2002 p 27) Alguns entendem
como a segunda LDB e outros vecircm como a 402461 com algumas adequaccedilotildees A Lei
propotildee ajustamento agraves diferenccedilas culturais das diferentes regiotildees Tambeacutem prevecirc a
adequaccedilatildeo do periacuteodo de feacuterias agrave eacutepoca de plantio e colheita de safras No entendo em boa
medida reafirma o caraacuteter da LBD anterior apontando para a necessidade de adaptaccedilatildeo do
camponecircs agrave terra
Para Saviani (2008) e Porto (2007) a Lei nordm 569271 teve funccedilatildeo ideoloacutegica no
sentido de dar sustentaccedilatildeo ao periacuteodo de secessatildeo democraacutetica no qual o Brasil iniciara no
ano de 1964 Nesse periacuteodo o Governo autoritaacuterio buscava uma maior inserccedilatildeo nos estados
mais pobres do Brasil com ecircnfase no Norte e Nordeste Desse modo em muitos casos essa
lei teve um caraacuteter muito mais de instrumento poliacutetico do governo do que propriamente
49
educacional Segundo os autores a lei 569271 foi promulgada sob a eacutegide da estrateacutegia do
―autoritarismo triunfante
A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496 representou um avanccedilo
significativo para a educaccedilatildeo dos povos do campo sobretudo no que se refere agrave
especificidade desses sujeitos Em seu artigo 28 podemos observar que
Na oferta da Educaccedilatildeo Baacutesica para a populaccedilatildeo rural os sistemas de Ensino
promoveratildeo as adaptaccedilotildees necessaacuterias agrave sua adequaccedilatildeo agraves peculiaridades da
vida rural e de cada regiatildeo especialmente
I- conteuacutedos curriculares e metodologias apropriadas agraves reais necessidades e
interesses dos alunos na zona rural
II- organizaccedilatildeo escolar proacutepria incluindo adequaccedilatildeo do calendaacuterio escolar agraves
fases do ciclo agriacutecola e agraves condiccedilotildees climaacuteticas
III- adequaccedilatildeo agrave natureza do trabalho na zona rural
Os avanccedilos que temos observado sobretudo a partir da primeira deacutecada do seacuteculo
XXI do ponto de vista institucional se devem em grande medida agrave organizaccedilatildeo das
populaccedilotildees do campo e agrave resistecircncia histoacuterica que tem caracterizado essa populaccedilatildeo
Fruto de um novo cenaacuterio poliacutetico social e econocircmico a primeira deacutecada do Seacuteculo
XXI apresenta avanccedilos significativos sobretudo nas aacutereas sociais e educacionais ainda que
fortemente atrelados agraves poliacuteticas neoliberais da deacutecada de 1990
A Resoluccedilatildeo CNECEB 1 de 342002 portanto institui as Diretrizes
operacionais para a educaccedilatildeo baacutesica nas escolas do campo Nessa
resoluccedilatildeo percebe-se o reconhecimento de que a escola do campo tem uma
identidade vinculada agrave realidade na qual estaacute inserida [] Ao mesmo tempo
ressalta a importacircncia da educaccedilatildeo para o exerciacutecio pleno da cidadania e para
um desenvolvimento do paiacutes que consiste na solidariedade e a justiccedila social
envolvendo as populaccedilotildees rurais e urbanas (RIBEIRO 2010 p 191)
As Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo do Campo procura englobar o
entendimento de campo isto eacute o que entes era entendido como lugar de plantar passa por
uma ampliaccedilatildeo que vai de comunidades remanescente de quilombos comunidades indiacutegenas
pescadores assentados da reforma agraacuteria aacutereas ribeirinhas comunidades sem-terra e seus
sujeitos agregados caboclos meeiros entre outras (RIBEIRO 2010)
O campo nesse sentido mais do que um periacutemetro natildeo urbano eacute um campo de
possibilidades que dinamizam as ligaccedilotildees dos seres humanos e com a proacutepria produccedilatildeo das
condiccedilotildees da existecircncia social (MEC 2002) Nesse sentido as reivindicaccedilotildees por poliacuteticas
50
puacuteblicas para esses povos assim como a valorizaccedilatildeo e reconhecimento dos seus saberes e
praacuteticas passa a ser foco subjacente desse novo periacuteodo
A aprovaccedilatildeo das Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo Baacutesica nas Escolas do
Campo eacute o resultado das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que lutam por educaccedilatildeo de
qualidade e vida digna para os povos do campo com destaque para o MST A aprovaccedilatildeo das
Diretrizes tem a contribuiccedilatildeo de vaacuterias organizaccedilotildees sociais comprometidas com as
transformaccedilotildees que a contemporaneidade enseja Satildeo Movimentos Sociais Conselhos
Estaduais e Municipais de Educaccedilatildeo Uniatildeo Nacional dos Dirigentes Municipais de Educaccedilatildeo
(UNDIME) universidades e instituiccedilotildees de pesquisa o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel Organizaccedilotildees Natildeo Governamentais e diversos outros
setores engajados em projetos direcionados para o desenvolvimento socialmente justo no
espaccedilo diverso e multilateral do campo (MEC 2002)
Podemos observar que as Diretrizes Operacionais para as Escolas do Campo vieram
como subsiacutedio e reforccedilam agrave LDB 939496 que jaacute estabelecera normas especiacuteficas agrave Educaccedilatildeo
do campo como podemos ler no artigo 5ordm das Diretrizes Operacionais das Escolas do campo
As propostas pedagoacutegicas das escolas do campo respeitadas as diferenccedilas e o
direito agrave igualdade e cumprindo imediata e plenamente o estabelecido nos
artigos 23 26 e 28 da Lei 9394 de 1996 contemplaratildeo a diversidade do
campo em todos os seus aspectos sociais culturais poliacuteticos econocircmicos de
gecircnero geraccedilatildeo e etnia( LDB 1996 p 23)
O processo de normatizaccedilatildeo eacute sem duacutevida de suma importacircncia para a garantia do
direito No entanto sabe-se que esse direito eacute demasiado abstrato enquanto natildeo eacute usufruiacutedo
Sabemos ainda que como escreveu Freire (2012) natildeo seraacute por decreto que a sociedade se
livraraacute dos horrores e das grandes desigualdades que a afligem A Associaccedilatildeo Nacional pela
Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo (ANFOPE 2010 p 90) ratifica que ―natildeo seraacute a
implementaccedilatildeo de novas leis que asseguraraacute as mudanccedilas necessaacuterias na educaccedilatildeo poreacutem a
legislaccedilatildeo reflete o campo de forccedilas que contorna as disputas pela sua criaccedilatildeo implementaccedilatildeo
e controle Sabemos ainda que esse eacute um passo de suma importacircncia para a conquista dos
objetivos ensejados
51
3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO
CAMPO
ldquoOs socialistas estatildeo aqui para lembrar ao mundo que em
primeiro lugar devem vir as pessoas e natildeo a produccedilatildeo As pessoas
natildeo podem ser sacrificadas Nem tipos especiais de pessoas ndash os
espertos os fortes os ambiciosos os belos aqueles que podem um
dia vir a fazer grandes coisas ndash nem qualquer outra
Especialmente aquelas que satildeo apenas pessoas comunsrdquo
Eric Hobsbawm (1992)
Os avanccedilos no tocante a Educaccedilatildeo do Campo satildeo notoacuterios O movimento ganhou
corpo e a resistecircncia organizada obteve conquistas e melhorias significativas agraves populaccedilotildees
tradicionais do campo brasileiro em que pese reconhecermos o esquecimento ao qual boa
parte dos sujeitos do campo ainda estatildeo imersos Batista (2009 p 207) afirma que ―no Brasil
a educaccedilatildeo enquanto poliacutetica de estado tem sido instrumentalizada pelo projeto histoacuterico
capitalista e seus poderes hegemocircnicos para atender aos seus interesses
Em contraponto a esse modelo de desenvolvimento e de sociedade os movimentos
sociais tecircm se organizado no sentido de garantir uma agente propositiva para os setores
historicamente colonizados
No contexto atual do capitalismo mundializado em que apesar da crise
estrutural predomina a hegemonia do capital na produccedilatildeo econocircmica social
poliacutetica e nas poliacuteticas de educaccedilatildeo a educaccedilatildeo dos movimentos se afigura
como instituinte orgacircnica de um projeto de sociedade e que tem como fim a
formaccedilatildeo humana o sujeito histoacuterico que constroacutei pela luta e resistecircncia a
emancipaccedilatildeo social e dos seres humanos como um devir como uma
possibilidade de construir uma nova sociedade (BATISTA 2009 p 208)
A educaccedilatildeo pautada pelos movimentos sociais do campo tecircm se afinado em muito
com o projeto contra-hegemocircnico de sociedade Tem feito um enfretamento necessaacuterio ao
modelo neoliberal de educaccedilatildeo que tem propagado abertamente o fim das alternativas
afirmando deliberadamente que natildeo haacute opccedilatildeo fora do paradigma globalizado O papel dos
movimentos tecircm sido mostrar justamente o contraacuterio O Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do
52
Campo encontra eco no seio da Pedagogia Paulo Freire cujo sentido tem sido inventado e
reinventado nos muitos exemplos e na diversidade de experiecircncias pelo Brasil
Desse modo o paradigma contra-hegemocircnico natildeo eacute uma criaccedilatildeo do imaginaacuterio de
idealistas mas eacute antes uma possibilidade concreta que nos permeia como assinala Gadotti
(1999 p 268)
A educaccedilatildeo popular e socialista natildeo eacute uma ideacuteia abstrata nem uma utopia
pedagogista Ela se encontra em desenvolvimento entre noacutes por exemplo no
proacuteprio processo de resistecircncia e de luta pela superaccedilatildeo das desigualdades
Nesse momento histoacuterico no Brasil ela constitui-se um instrumento dessa
luta
A necessidade em uma educaccedilatildeo alternativa que assuma a classe oprimida como
resultado de um processo histoacuterico vai de encontro agrave educaccedilatildeo pretendida pelo Estado Uma
educaccedilatildeo libertadora que consiga enxergar a realidade do sujeito como geradora de conteuacutedo
que entenda a situaccedilatildeo de pobreza e miseacuteria fora do determinismo religioso e que sobretudo
aponte saiacutedas e possibilidades de liberdade para o ser eacute necessaacuteria e urgente A escola tornou-
se importante instrumento de difusatildeo da pedagogia da hegemonia ou pedagogia da
conservaccedilatildeo e concomitantemente em veiacuteculo que limita e emperra a construccedilatildeo e a
veiculaccedilatildeo de uma pedagogia da contra-hegemonia (NEVES 2005)
A contemporaneidade nos mostra que o discurso de negaccedilatildeo do acesso agrave educaccedilatildeo por
parte do Estado jaacute natildeo se sustenta com tanto vigor Eacute preciso nesse momento em que haacute um
forte discurso sobre acesso e permanecircncia sobretudo de estudantes da classe trabalhadora
pensar a quem interessa esse ensino e retomar a claacutessica questatildeo a serviccedilo de que e de quem
estaacute tal ensino Tendo em vista o atual estado de vigecircncia da pedagogia da hegemonia Rossi
(1980) afirma que quanto mais educaccedilatildeo nesse sentido [da hegemonia] tanto mais
conformidade isto eacute mais a sociedade permaneceraacute conforme o modelo vigente Ou ainda
mais claramente quanto mais conformaccedilatildeo e conformidade tanto mais educaccedilatildeo
Assim partindo do pressuposto que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo bebe da
heranccedila da Pedagogia Paulo Freire essa dialogicidade entre as concepccedilotildees tem feito um
tensionamento importante e necessaacuterio ao atual modelo que a sociedade adquiriu com o
advento do neoliberalismo A educaccedilatildeo criacutetica eacute cada vez mais urgente sobretudo em tempos
53
de massificaccedilatildeo em que se apregoa a universalizaccedilatildeo do ensino escolarizado como a meta do
seacuteculo
Por fim entendemos que a educaccedilatildeo seja pra todos e todas afinal eacute um direito
humano fundamental mas que ela natildeo cegue natildeo reduza a capacidade de pensar e agir mas
sim que tenha a capacidade de injetar acircnimo e esperanccedila no camponecircs na camponesa no
desempregado e na desempregada na crianccedila no jovem e no idoso O cerne dessa educaccedilatildeo
encontra-se na pedagogia freireana nas praacuteticas da Educaccedilatildeo do Campo no Movimento Sem
Terra e em vaacuterios outros espaccedilos que dialogam com a Educaccedilatildeo Popular
31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO ATUAL DEBATE DA
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM
Partindo do pressuposto inicial desta pesquisa em que pensaacutevamos qual a
contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo
Chegamos a alguns pontos centrais desta reflexatildeo A contemporaneidade do debate da
Educaccedilatildeo do Campo nos aponta para uma perspectiva dialoacutegica entre a Pedagogia Paulo
Freire e os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo Haacute uma indissociabilidade entre ambas Sendo
a primeira portadora da essecircncia que alimenta a segunda satildeo por conseguinte pedagogias
que se complementam (SILVA FILHO PORTO 2012)
Em um tempo em que a educaccedilatildeo criacutetica libertadora e preocupada com questotildees
poliacuteticas sociais e histoacutericas tornou-se ―alieniacutegena caduca e ―comunista de postura
antiquada ou idealista cabe um questionamento faz sentido insistir na divulgaccedilatildeo de ideias
contra-hegemocircnicas da Educaccedilatildeo do Campo e de Paulo Freire no atual mercado da poacutes-
modernidade Essa eacute uma pergunta que Nosela (2010) faz acerca de Gramsci na atualidade e
que nos serve de paracircmetro para o debate
Eacute importante situar a pedagogia freireana dentro de uma loacutegica de contraponto a todo
o modelo neoliberal que se tornou hegemocircnico na educaccedilatildeo de fins do seacuteculo XX e iniacutecio do
seacuteculo XXI O pensamento de Paulo Freire assim como de outros pedagogos de matriz
socialista como Pistrak e Makarenko tem contribuiacutedo grandemente com o atual Movimento
de Educaccedilatildeo do Campo
54
Tanto a pedagogia freireana como a Educaccedilatildeo do Campo se coadunam como meios
de resistecircncia a um ―capitalismo lean and mean que nas palavras de Dowbor15
estaacute impelido
pelas proacuteprias regras de eficiecircncia e que portanto deixa pouco espaccedilo para refletir sobre
valores
Uma economia que natildeo se torna capaz de programar-se em funccedilatildeo das
necessidades do ser humano e que ―convive fria e indiferentemente com a
miseacuteria e a fome de milhotildees a quem tudo eacute negado natildeo merece meu respeito
de educador mas sobretudo meu respeito de gente (FREIRE 2012 p 36)
Eacute exatamente sobre a necessidade de revitalizar palavras como valor eacutetica
solidariedade felicidade e humanizaccedilatildeo que estamos discorrendo O monopoacutelio capitalista
ressignificou todas essas palavras e lhes esvaziou seus sentidos resumindo-as basicamente ao
poder de compra o que Ball (2011) denominou de democracia do consumo Entretanto uma
pedagogia que faccedila o caminho oposto a esse que impregne sentido e identidade aos homens e
mulheres que lhes devolva o direito de optar e decidir (FREIRE 2012) e que forme o sujeito
em sua plenitude eacute o assento dessa pedagogia que estamos pautando eacute o assento portanto da
Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do campo
Natildeo cabe o fatalismo e o determinismo como norteadores do pensamento dos sujeitos
O poder de natildeo se resignar perante situaccedilotildees concretas de opressatildeo eacute uma das maiores
contribuiccedilotildees de Freire ao atual debate da Educaccedilatildeo do Campo
Como vimos a historiografia mostra que no Brasil o periacuteodo que compreende os anos
1950 e 1960 eacute identificado como populismo periacuteodo que esteve voltado agrave construccedilatildeo de um
projeto de desenvolvimento econocircmico nacional (RIBEIRO 2010) A economia brasileira
ainda apresentava-se essencialmente agraacuteria e produtora de mateacuterias-primas Politicamente o
suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 a posse de Juscelino Kubitschek em 1956 a renuacutencia de
Jacircnio Quadros em 1961 e o Golpe Militar de 1964 proporcionaram um cenaacuterio de mudanccedilas
que caracterizam uma ―sociedade em tracircnsito (FREIRE 1983) e rica em organizaccedilotildees
populares
15 Prefaacutecio ao livro ―Agrave sombra desta mangueira (Paacuteg 18)
55
Eacute nessa complexidade que a gecircnese do pensamento de Paulo Freire emerge Surge das
contradiccedilotildees da sociedade brasileira sociedade essa governada por uma elite conservadora e
detentora de privileacutegios na qual o homem simples domesticado e alienado eacute forccedilado a viver
como objeto esmagado e oprimido pela sombra da marginalizaccedilatildeo e da dependecircncia
(FREIRE 2011)
Nesse momento histoacuterico Paulo Freire identificou um modelo de ensino que servia
justamente para a manutenccedilatildeo do estado de miseacuteria e analfabetismo em que grande parte da
populaccedilatildeo do campo e da cidade se encontrava A esse ensino Freire chamou de educaccedilatildeo
bancaacuteria abordado na obra de sua autoria Pedagogia do Oprimido Esse modelo de ensino
estaacute muito aqueacutem da realidade dos sujeitos Eacute um paradigma desinteressado com as questotildees
referentes ao dia-a-dia dos sujeitos do seu trabalho dos seus sonhos da vida praacutetica
No sentido oposto a concepccedilatildeo bancaacuteria de educaccedilatildeo a Pedagogia Paulo Freire se
realiza e materializa respeitando os sujeitos simples o ―saber de experiecircncia feito desses
sujeitos Aleacutem disso busca entender a realidade como geradora de conteuacutedos de curriacuteculo A
relaccedilatildeo eacute dialeacutetica e dialoacutegica eacute uma relaccedilatildeo entre educador educando e o mundo (FREIRE
2011) Esse paradigma se assemelha de forma demasiada com a concepccedilatildeo atual da Educaccedilatildeo
do Campo que por sua vez estaacute diretamente ligada a realidade que lhe produziu ou seja a
necessidade e a luta por direitos historicamente negados e tem em sua gecircnese a resistecircncia
dos movimentos sociais camponeses (CARLDART et al 2012)
Os princiacutepios educacionais da Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do Campo
coadunam para o mesmo sentido e se cruzam por diversos momentos estando inter-
relacionados como procuramos mostrar na figura a baixo
Educaccedilatildeo do Campo
Pedagogia Paulo Freire
Figura III ndash Dialogicidade entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire
56
Os sentidos comungam portanto para uma mesma concepccedilatildeo de lugar sujeito
educaccedilatildeo e sociedade Eacute importante ressaltar nesse processo de compartilhamento a
anterioridade do pensamento de Paulo Freire visto que o que hoje discutimos jaacute era debatido
por ele na deacutecada de 1950 (GADOTTI 1997)
Nesse sentido o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo herdou muito do pensamento de
Paulo Freire e tem reinventado sua pedagogia Isso eacute de uma importacircncia iacutempar pois Freire
sempre afirmara que sua pedagogia devia ser reinventada (FREIRE 2012) jamais
transplantada de forma acriacutetica de uma realidade a outra A Educaccedilatildeo do Campo tem feito um
importante tensionamento e disputado opiniotildees na base da sociedade acerca do modelo
educacional que temos e a serviccedilo de quem ele estaacute
O modelo de educaccedilatildeo contra-hegemocircnico natildeo foi pensado por intelectuais
academicistas ateacute porque essa categoria pouco se envolve com as questotildees sociais
(RIBEIRO 2010) mas eacute justamente o movimento contraacuterio ela emerge das situaccedilotildees de
descaso e usura do Estado frente aos homens e mulheres do campo sem terra sem teto sem
trabalho sem perspectiva Eacute daiacute que surge a contra-hegemonia que jamais poderaacute ser criada
para indignados uma vez que jaacute foi criada por estes Eacute nesse sentido que estaacute posta a
Pedagogia Paulo Freire natildeo como uma receita a ser seguida mas como fruto como
artesanato construiacutedo paulatinamente por indignaccedilatildeo exclusatildeo e opressatildeo Essa concepccedilatildeo eacute
educativa natildeo pretende tornar-se opressora daqueles que hoje oprimem mas antes eacute a uacutenica
capaz de libertar o opressor tornando-o livre no mais autecircntico sentido que a palavra carrega
Eacute desse paradigma que a Educaccedilatildeo do Campo bebe e reinventa a pedagogia freireana a
pedagogia do oprimido a pedagogia do povo simples dos demitidos da terra
A educaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo assim como toda uma vasta produccedilatildeo
que coloca o ensino como tarefa humana e humanizadora que entende o sujeito como ator e
protagonista da sua histoacuteria que se indigna e que se revolta frente ao atual estado de coisa e
esvaziamento no qual a educaccedilatildeo mergulhou todas essas caracteriacutesticas formam pois o que
chamamos pedagogia contra-hegemocircnica e que estaacute no cerne da pedagogia freireana e na
Educaccedilatildeo do Campo
A ressignificaccedilatildeo do sujeito do campo assim como do lugar desse sujeito ou seja o
campo satildeo contribuiccedilotildees significativas do pensamento de Paulo Freire O sujeito o homem e
57
a mulher do campo eram vistos (em boa medida ainda satildeo) dentro da loacutegica produtivista como
matildeo-de-obra barata e passiva de exploraccedilatildeo e por outro lado invisibilizados dentro dos seus
direitos poliacutetico-sociais Essa circunstacircncia na qual os sujeitos do campo estavam envoltos
indubitavelmente eacute responsaacutevel pela negaccedilatildeo da condiccedilatildeo de vita activa16
A exclusatildeo da vida
participativa do paiacutes tem como heranccedila a perpetuaccedilatildeo da opressatildeo e da negaccedilatildeo fatores que
acompanham os sujeitos do campo ao longo da histoacuteria
Para Paulo Freire o sujeito eacute tanto histoacuterico quanto social resultante de um complexo
de vivecircncias reais Capaz de diferentemente do animal que apenas se adapta a realidade
integrar-se a sua realidade e nela interferir (FREIRE 2012)
Quando nos referimos ao campo eacute preciso ter o devido cuidado para natildeo cairmos no
conservadorismo de uma visatildeo homogecircnea de sujeito e lugares entendendo por exemplo o
campo como lugar passivo ao qual atribui-se um olhar negativo e preconceituoso (ARROYO
2009) Tanto Paulo Freire como o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo recusam esse
determinismo com forte veemecircncia pois sabe-se que as relaccedilotildees satildeo complexas e que a
calmaria tiacutepica da zona rural esconde um emaranhado de relaccedilotildees sociais de trabalho e de
famiacutelia cuja dinacircmica requer perspicaacutecia e sutileza para seu entendimento
Tendo em vista a importacircncia do legado de Paulo Freire natildeo somente para a Educaccedilatildeo
do Campo mas para toda a educaccedilatildeo popular para os espaccedilos natildeo escolares em que se
desenvolvem projetos educacionais e para outra infinidade de possibilidades de reinvenccedilatildeo da
pedagogia freireana eacute que dialogaremos a partir de agora com o exemplo da Experiecircncia de
Angicos - RN como exemplo de pioneirismo e autenticidade do pensamento de Paulo Freire
16 Hannah Arendt na obra ―A condiccedilatildeo Humana 10 ed Rio de Janeiro 2007 Pode ser entendido como a
condiccedilatildeo de participaccedilatildeo ativamente na vida poliacutetica da sociedade
58
32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA
PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO NORTE
Figura IV ndash Angicos nos dias de hoje (2014) Fonte o proacuteprio autor
(Em nenhum lugar do mundo onde estive fiquei mais tocado do que aqui e agora
Paulo Freire Angicos 28 de agosto de 1993)
Os fins da deacutecada de 1950 e iniacutecio de 1960 satildeo fortemente marcados por movimentos
de cunho popular e participativo Um periacuteodo particularmente rico em organizaccedilotildees sociais e
coletivas cujos objetivos giravam em torno de reformas estruturantes na sociedade brasileira
Direitos trabalhistas educacionais Reforma Agraacuteria satildeo exemplos de temaacuteticas que vinham
sendo abertamente discutidas pelo governo e as sociedade civil coletivamente organizada No
campo essa movimentaccedilatildeo se deu de forma particularmente rica
O Movimento de Cultura Popular (MCP) do Recife a partir de maio de
1960 a Campanha ―De peacute no chatildeo tambeacutem se aprende a ler em Natal a
partir de 1960 o Movimento de Educaccedilatildeo de Base (MEB) da Conferecircncia
Nacional dos Bispos Brasileiros os Centros Populares de Cultura (CPCs) da
Uniatildeo Nacional dos Estudantes e outros movimentos de menor amplitude
satildeo testemunhas da notaacutevel efervescecircncia desse periacuteodo (BEISIEGEL 2010
p 18)
59
Uma das primeiras iniciativas no tocante a criaccedilatildeo de uma poliacutetica para atender aos
jovens e adultos analfabetos diz respeito agrave criaccedilatildeo do Serviccedilo de Educaccedilatildeo de Adultos (SEA)
em 1947 e dessa accedilatildeo a criaccedilatildeo da Campanha de Educaccedilatildeo de Adultos (BEISIEGEL 2010)
No entanto essa campanha ainda resguardava em sua metodologia a transferecircncia dos
conteuacutedos trabalhados com crianccedilas no primaacuterio aos jovens e adultos que estudavam a noite
O proacuteprio Lourenccedilo Filho que era um expoente dessa campanha escreveu textos cujo assento
residia na sua preocupaccedilatildeo com essa metodologia
Natildeo obstante as reiteradas manifestaccedilotildees de Lourenccedilo Filho sobre a
necessidade de atentar agraves particularidades e as exigecircncias especiacuteficas do
adulto pouco escolarizado na grande maioria das classes professores do
ensino infantil reproduziam agrave noite com seus alunos jovens e adultos os
trabalhos que realizavam no periacuteodo diurno com os seus alunos do ensino
primaacuterio fundamental comum (BEISIEGEL 2010 p 24)
Aos poucos percebe-se que o caraacuteter puramente de erradicar o analfabetismo fazendo
com que os sujeitos jovens e adultos lessem e escrevessem natildeo garantia uma cidadania plena
no gozo de direitos Desse modo inicia-se nesse acircmbito um paradigma que pensa a questatildeo
do analfabetismo como eminentemente de cunho social requerendo portanto uma visatildeo mais
ampla da questatildeo Em 1958 Freire escreve ―A educaccedilatildeo de adultos e as populaccedilotildees marginais
o problema dos mocambos que jaacute tratava a temaacutetica sob a oacutetica dos problemas sociais mais
abrangentes (BEISIEGEL 2010)
O trabalho que projetou Freire nacionalmente contraditoriamente foi o mesmo que o
levou agrave prisatildeo com o advento da Ditadura Militar Devido agrave experiecircncia de Angicos ele foi
considerado ―ignorante e subversivo pelo Regime Militar Segundo o livro organizado pelo
Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia (2012 p36) denominado ―Paulo Freire
anistiado poliacutetico brasileiro ―Alguns de seus alunos tambeacutem foram presos e passaram por
outras dificuldades depois da experiecircncia de Angicos (1963) considerada subversiva e mais
tarde cancelada
Vale salientar que o Regime Militar foi extremamente violento tambeacutem com os
camponeses As lutas natildeo se resumiam agrave cidade Haacute pouco a sindicalizaccedilatildeo rural havia sido
um fenocircmeno extensivo a quase todo o nordeste com ecircnfase na Paraiacuteba Rio Grande do Norte
e Pernambuco especialmente atraveacutes da Campanha de Educaccedilatildeo Popular juntamente com a
60
Juventude Universitaacuteria Catoacutelica - JUC - Juventude Agraacuteria Catoacutelica e o Movimento de
Educaccedilatildeo de Base ndash MEB (SILVA 2011 FREIRE 1983)
O caraacuteter da experiecircncia realizada em Angicos estaacute assentado nos princiacutepios da
Educaccedilatildeo Popular que para Carlos Rodrigues Brandatildeo (2009 p 09) tem um papel e um
sentido histoacuterico como resistecircncia e oposiccedilatildeo ao status quo
Figura V ndash AngicosRN
A experiecircncia de Angicos no Estado do Rio Grande do Norte em 1963 conteacutem o cerne
da pedagogia freirena ou seja Freire (1983 p 06) afirma que ―a alfabetizaccedilatildeo e a
conscientizaccedilatildeo jamais se separam Nesse momento histoacuterico o sujeito do campo imerso no
populismo por um lado e no analfabetismo por outro conforme Ribeiro (2010) enfrenta um
periacuteodo de grandes privaccedilotildees no campo social poliacutetico econocircmico e educacional Eacute nesse
ultimo principalmente que a experiecircncia de Angicos eacute significativa pois educaccedilatildeo era luxo
restrito agraves classes dominantes
Segundo documento organizado pelo Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia
(2012) Paulo Freire e seus colaboradores Alfabetizaram 300 trabalhadores rurais em poucos
dias accedilatildeo que significou um fenocircmeno revolucionaacuterio Eacute importante salientar o princiacutepio
dessa alfabetizaccedilatildeo Freire (1983 p 96) afirma que ―Toda separaccedilatildeo entre os que sabem e os
que natildeo sabem do mesmo modo que a separaccedilatildeo entre as elites e o povo eacute apenas fruto de
circunstacircncias histoacutericas que podem e devem ser transformadas Portanto muito mais do que
o simples ato de alfabetizar havia uma ideologia progressista cuja finalidade residia na
conscientizaccedilatildeo poliacutetica dos sujeitos frente a um mundo de privaccedilotildees
Esse trabalho obteacutem grande repercussatildeo nacional e internacional Estende a
experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN) e Joatildeo Pessoa (PB)
61
O trabalho da equipe do Recife foi o de ir a Natal capacitar a equipe de
Marcos que partiu depois para Angicos O primeiro trabalho dessa equipe
foi fazer o universo vocabular da regiatildeo Nunca me esqueccedilo que a primeira
palavra geradora de Angicos foi ―belota uma corruptela de borlota que eacute
exatamente esse negoacutecio de pocircr em rede em cortina Por que isso Nessa
regiatildeo se trabalhava muito com couro e eles usavam nos rebenques
exatamente uma borlota mas que o povo chama belota Essa foi a primeira
palavra geradora de uma riqueza extraordinaacuteria em ambos os aspectos
socioloacutegicos e linguiacutesticos porque ela introduzia trecircs famiacutelias silaacutebicas a do
ba-be-bi-bo-bu e do la-le-li-lo-lu e a do ta-te-ti-to-tu Ela em si abria a
possibilidade de criaccedilatildeo de novas palavras Depois dessa seleccedilatildeo feita os
meninos foram e passaram a morar laacute Um mecircs depois tinha trezentas
pessoas lendo e escrevendo (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO
DE ANISTIA 2012 p86)
As 40 horas de Angicos foi um espaccedilo de extrema riqueza Os participantes daquela
experiecircncia satildeo testemunhas da efetivaccedilatildeo de uma praacutexis Um momento em que teoria e
praacutetica dialogaram justamente como sempre defendeu Freire Eacute importante destacar que os
300 trabalhadores que se alfabetizaram eram em sua maioria trabalhadores rurais ―Silentes e
autodesvalidos os sem-terra e sem-palavra foram tocados pelo olhar predileto que Paulo lhes
dirigiu em Angicos Os jovens agricultores ainda sem terra mas que jaacute conquistaram a
palavra leem Paulo Freire para transformar seu projeto de vida (idem p 117)
Figura VI ndash Experiecircncia de AngicosRN
Nos anos 50 quando ainda se pensava na educaccedilatildeo de adultos como uma
pura reposiccedilatildeo dos conteuacutedos transmitido agraves crianccedilas e jovens Paulo Freire
propunha uma pedagogia especiacutefica associando estudos experiecircncias
vividas trabalho pedagogia e poliacutetica (GADOTTI 1996 p 70)
Desse modo percebemos um niacutetido respeito que o educador Paulo Freire tem para
com os educandos Ele desenvolve uma educaccedilatildeo totalmente contraacuteria agrave educaccedilatildeo
escolarizada cujas metodologias estatildeo intimamente ligadas por um conteuacutedo a-histoacuterico que
62
natildeo leva a uma reflexatildeo criacutetica do mundo Onde o maior objetivo eacute o depoacutesito de tudo o que
foi decorado ao longo de um periacuteodo
Essa focircrma (de formar) de educar eacute fortemente recusada por Freire (2011) Na
Pedagogia do Oprimido denominou de ―educaccedilatildeo bancaacuteria Os sujeitos envolvidos no
processo satildeo meros receptores Depoacutesitos de conteuacutedos que natildeo tecircm nenhuma relaccedilatildeo com a
realidade Freire caminha em direccedilatildeo oposta agrave educaccedilatildeo bancaacuteria entende que a realidade e a
vida concreta dos sujeitos eacute geradora de conteuacutedo e portanto a gecircnese da alfabetizaccedilatildeo
deveria comeccedilar pois daquela realidade partindo para o universalmente conhecido
(FREIRE 2011)
A leitura que Freire faz do sujeito do campo nordestino eacute sem duacutevida avanccedilada Um
momento em que o campo brasileiro padecia de grande estigma e preconceito Freire se utiliza
da realidade dos camponeses do modo de vida do trabalho das experiecircncias para partindo
desse ponto chegar agrave alfabetizaccedilatildeo e agrave conscientizaccedilatildeo desses sujeitos A educaccedilatildeo das
populaccedilotildees camponesas esteve longe de ser o ponto nevraacutelgico dos interesses das classes
dominantes afinal ―eacute mais difiacutecil explorar um camponecircs que sabe ler do que um analfabeto
17
Paulo Freire natildeo se separa da poliacutetica Paulo Freire deve ser considerado
tambeacutem como um poliacutetico Esta eacute a dimensatildeo mais importante de sua obra Ele
natildeo pensa a realidade como um socioacutelogo que procura apenas entendecirc-la []
Por isso ele pensa a educaccedilatildeo ao mesmo tempo como ato poliacutetico como ato de
conhecimento e como ato criador (GADOTTI 1996 p 70)
A intervenccedilatildeo que Freire realiza em Angicos eacute uma atividade eminentemente poliacutetica
tinha como objetivo aleacutem da alfabetizaccedilatildeo a politizaccedilatildeo dos trabalhadores rurais daquele
municiacutepio isso em um periacuteodo de predomiacutenio das oligarquias rurais do voto de cabresto e de
extrema espoliaccedilatildeo da matildeo-de-obra dos agricultores Pois eacute em meio a esse cenaacuterio que
Freire juntamente com seus colaboradores desenvolve um paradigma de alfabetizaccedilatildeo cujo
principio eacute a libertaccedilatildeo do povo da condiccedilatildeo de oprimido e ―demitido da vida
Sua concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e logicamente sua proposta educacional que
havia mostrado resultado altamente positivo na experiecircncia em Angicos
17 Resposta pela recusa da natildeo alfabetizaccedilatildeo dos camponeses proposta por Voltaire a Imperatriz Catarina da
Ruacutessia no Seacuteculo XVIII
63
(RN) consistia em afirmar que todo ato educativo eacute um ato poliacutetico assim
sendo a educaccedilatildeo conteacutem a potencialidade da transformaccedilatildeo da sociedade
por intermeacutedio de uma consciecircncia criacutetica da realidade tarefa que tanto o
educador como o educando devem assumir no ato educativo (INSTITUTO
PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012 p 43)
Segundo Germano (1997) o desafio e o objetivo da experiecircncia de Angicos era tanto
alfabetizar como conscientizar politicamente os trabalhadores em 40 horas A experiecircncia que
era patrocinada pelo ―Alianccedila para o Progresso um programa de origem estadunidense e do
Governo do Rio Grande do Norte que agrave eacutepoca estava sob mandato de Aluizio Alves
experiecircncia que ganhou conhecimento nacional e internacionalmente
O que queremos apontar como novidade nesse olhar que lanccedilamos sobre a experiecircncia
de Angicos amplamente conhecida eacute evidenciar que o puacuteblico participante era de forma
majoritaacuteria trabalhadores rurais em uma cidade cujo periacuteodo histoacuterico dificulta falar-se em
urbanidade puacuteblico esse objeto de nossa reflexatildeo nesta dissertaccedilatildeo de mestrado Nesse
sentido situamos o pensamento de Paulo Freire como de grande importacircncia ao atual debate
da Educaccedilatildeo do Campo O que estamos debatendo hoje como o respeito agraves vivecircncias e
experiecircncias a importacircncia do lugar e o famigerado modismo do ―conhecimento preacutevio
Freire tratou ainda em 1963 com responsabilidade e humanismo Assim eacute salutar
percebermos a experiecircncia de Angicos como uma importante fonte histoacuterica que pode (e
certamente haveraacute de) contribuir em muito com o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo
64
4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIENCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO
CAMPO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
Feito o debate teoacuterico-metodoloacutegico acerca da Educaccedilatildeo do Campo e de suas raiacutezes
histoacutericas no Brasil e tambeacutem sobre a atual posiccedilatildeo que esta modalidade de ensino ocupa
entendemos ser este o momento de estreitar e externar experiecircncias que ilustram de modo
singular a inserccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo na universidade brasileira Para tanto tomamos
como recorte analiacutetico o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte Procuramos refletir sobre a contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana ao ―Projeto
do curso entendendo que o aporte do pensamento de Paulo Freire na Educaccedilatildeo do Campo eacute
de extrema relevacircncia Entendemos que a formulaccedilatildeo da proposta curricular dessa natureza
ou seja pensada para cursos cujos sujeitos tecircm viacutenculo direto com o campo carece de certo
alinhamento ideoloacutegico com a pedagogia freireana uma vez que esta canaliza a resistecircncia
histoacuterica dos povos do campo
A tomada do curso como recorte se explica pela aproximaccedilatildeo e atuaccedilatildeo que tivemos
com a turma de Pedagogia da Terra no periacuteodo de 2010 a 2011 periacuteodo no qual atuamos
como monitor Jaacute a busca pela contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana agrave Proposta poliacutetico-
pedagoacutegica e Plano de Trabalho se faz necessaacuterio pelo foco central deste trabalho mas
tambeacutem pela singular experiecircncia de aprender e pesquisar sobre o pensamento de Paulo Freire
no Grupo de Estudo da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) na Universidade Federal da
Paraiacuteba Aleacutem do mais entendermos que Educaccedilatildeo do Campo eacute uma questatildeo de grande valor
natildeo pode estar simplesmente coadunando com os paradigmas educacionais fugazes que a
contemporaneidade tem nos mostrado em outras palavras a Educaccedilatildeo do Campo natildeo pode
ser moda mas antes oportunidade para os sujeitos do campo se posicionar frente ao mundo e
aos seus pares
Na atuaccedilatildeo como monitor tivemos a oportunidade de vivenciar e compartilhar das
dificuldades alegrias avanccedilos e limitaccedilotildees que os educandos e as educandas enfrentaram no
dia a dia Esse conviacutevio foi de grande importacircncia pois humanizou as relaccedilotildees que a
universidade por vezes esvazia Satildeo pessoas com sonhos frustraccedilotildees dificuldades
financeiras limitaccedilotildees cognitivas mas sobretudo satildeo pessoas que lutam que persistem que
natildeo se envergonham de ocupar com simplicidade o espaccedilo de ―glamour que ainda eacute a
universidade brasileira
65
Aleacutem do Curso de Pedagogia da Terra da UFRN os cursos de Jornalismo da Terra da
Universidade Federal do Cearaacute (UFC) Especializaccedilatildeo Lato Sensu em Direitos Sociais do
Campo promovida pelo IncraPronera e a Universidade Federal de Goiaacutes (UFG) Licenciatura
em Pedagogia pelo Programa Estudante - ConvecircnioMovimento Sociais do Campo ndash
PECMSC (UFPB) entre outros satildeo exemplos e frutos colhidos apoacutes anos afinco na luta
cerrada e disputas dentro da superestrutura poliacutetica Por isso mesmo entendemos que essas
experiecircncias representam a inserccedilatildeo concreta de sujeitos do campo na Universidade puacuteblica
brasileira sendo por esse motivo merecedora de anaacutelise detalhada e pesquisas futuras
Para entendermos melhor a atualidade da Educaccedilatildeo do Campo como poliacutetica puacuteblica
destinada a um puacuteblico especiacutefico (do campo) eacute preciso situar a temaacutetica na historiografia A
pesquisadora da Faculdade de Educaccedilatildeo da UFMG Antunes-Rocha (2011 p125) eacute enfaacutetica
ao afirmar que sobre cursos de formaccedilatildeo de professores para o campo ―natildeo encontrei nada
antes de 1997 Natildeo por acaso essa data coincide com a conquista do Pronera programa esse
que entendemos ser portador do cerne da questatildeo da Educaccedilatildeo do Campo no Brasil enquanto
poliacutetica puacuteblica
O curso de Pedagogia da Terra eacute fruto da luta histoacuterica dos movimentos sociais do
campo no Brasil ele representa em boa medida os anseios teoacutericos e praacuteticos de inclusatildeo
social Assim como todo e qualquer espaccedilo o curso natildeo eacute um todo homogecircneo sem conflitos
mas antes espaccedilo repleto de contradiccedilotildees e disputas tanto interna como externamente
O suporte para essa reflexatildeo reside sobretudo na anaacutelise de documentos do Curso
principalmente na ―Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho que eacute o documento
principal norteador das accedilotildees do curso mas tambeacutem buscamos subsidiar esta escrita em
resoluccedilotildees principalmente na Resoluccedilatildeo nordm 1032006 CONSEPEUFRN de 1909200618
que trata do Regulamento dos Cursos de Graduaccedilatildeo da UFRN aleacutem de outras fontes que
tivemos acesso atraveacutes de colaboradores e tambeacutem de paacuteginas eletrocircnicas
18 Atualmente a Resoluccedilatildeo Nordm 1712013-CONSEPEUFRN de 5 de novembro de 2013 eacute que rege o
Regulamento dos Cursos Regulares de Graduaccedilatildeo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
66
O Edital de abertura do processo seletivo para o curso de Pedagogia ndash Licenciatura
Plena foi orientado pela Resoluccedilatildeo nordm1032006-CONSEPEUFRN de 19092006 e seguiu
todos os procedimentos normativos dos demais vestibulares A Comissatildeo Permanente de
Vestibular (COMPERVE)19
foi responsaacutevel pela realizaccedilatildeo do certame Para se candidatar ao
vestibular o estudante precisava cumprir o seguinte preacute-requisito
a) ser portador de certificado ou diploma de conclusatildeo do Ensino Meacutedio (ou
curso equivalente)
b) ser assentado pelo Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e reforma Agraacuterio
(INCRA) e vinculado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra
(MST) do RN (COMPERVE 2007)
O pensamento da organizaccedilatildeo coletiva conscientizaccedilatildeo e luta tatildeo fortemente
imbuiacutedos na pedagogia freireana aqui se materializa Evidenciar um curso voltado para povos
do campo e ainda mais para membros de um movimento social tatildeo atuante quanto polecircmico
como eacute o MST eacute sem duacutevida um avanccedilo Essa conquista natildeo eacute do acaso ou natural eacute fruto de
uma conjuntura rara criada por muacuteltiplos condicionamentos sociais mas sobretudo pela
organizaccedilatildeo coletiva dos trabalhadores do campo
Poreacutem como reconhecemos que estamos imersos em um Estado de classes que horas
cede agraves reivindicaccedilotildees das massas hora cerceia essas conquistas natildeo demorou o iniacutecio dos
ataques dirigidos pela classe dominante agrave forma como o curso estava sendo gerido Em 2010
um desses ataques teve como consequecircncia a reformulaccedilatildeo dos projetos do curso A partir
desse momento os movimentos sociais foram suprimidos da parceria ateacute entatildeo existente
Sobre esse assunto detalharemos mais a diante
Retomando o processo seletivo para entrada no Curso os alunos interessados no
vestibular passaram 15 dias envolvidos numa preparaccedilatildeo para as provas Nesse momento
trabalharam mateacuterias escolares Portuguecircs Matemaacutetica Geografia Histoacuteria etc
(FERNANDES 2009) A elaboraccedilatildeo da prova ficou sob responsabilidade da Comperve e
19 Com do fim do vestibular como processo seletivo para ingressar na Universidade a Comperve passou a
chamar-se Nuacutecleo Permanente de Concursos UFRN
67
seguiu todos os procedimentos legais e normativo s dos demais vestibulares como jaacute
salientado anteriormente
Apoacutes o resultado do certame o curso teve iniacutecio no primeiro semestre de 2007
(20071) com as 60 vagas devidamente preenchidas Por deliberaccedilatildeo dos proacuteprios educandos
a turma passa a se chamar ―Florestan Fernandes em homenagem ao grande socioacutelogo
escritor e poliacutetico brasileiro
Eacute sempre importante lembrar que esse curso representou um grande avanccedilo para a
Educaccedilatildeo do Campo no Rio Grande do Norte representando tambeacutem um sinal de abertura
da Universidade Federal agraves questotildees sociais do campo Mesmo tendo havido outro curso de
pedagogia para assentados20
indubitavelmente o Pedagogia da Terra representa um marco nas
lutas tanto de oportunidade aos povos do campo como de abertura e diaacutelogo da universidade
com a sociedade potiguar
Os estudantes do Curso vieram das diferentes regiotildees do Estado do Rio Grande do
Norte desde aacutereas vizinhas de Natal como eacute o caso de Macaiacuteba e Cearaacute Mirim ateacute lugares
mais distantes da Capital como Satildeo Rafael e Triunfo Potiguar na regiatildeo Meacutedio Oeste Nesses
municiacutepios esses sujeitos residem majoritariamente em aacutereas rurais de assentamento
O Curso segue as orientaccedilotildees da Resoluccedilatildeo CNECP n1 de 15 de maio de 2006 que
institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia e confere habilitaccedilatildeo
em ―Licenciatura em Pedagogia21
conforme aponta a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano
de Trabalho
Habilitar professores por meio de curso superior para o exerciacutecio da
docecircncia em Educaccedilatildeo Infantil e nas seacuteries iniciais do Ensino Fundamental
regular para Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e para atividades de
20Entre 2002 e 2006 formaram-se em niacutevel de graduaccedilatildeo 63 alunos de nove estados nordestinos e um da
regiatildeo norte (AL BA CE MA PA PB PE PI RN e SE)
21 O diploma eacute gerado com uma observaccedilatildeo que faz alusatildeo ao Probaacutesica ndash Programa de Qualificaccedilatildeo
Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica ndash instituiacutedo pela Resoluccedilatildeo CONSEPEUFRN nordm1499 de 020299 que
estabelece os convecircnios entre a Universidade e seus parceiros apresentamos um exemplar em anexo
68
coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico em escolas instituiccedilotildees do
sistema educacional e projetos educativos existentes nas aacutereas de
assentamento (UFRN 2010 p 05)
Isso mostra que mesmo havendo particularidades o egresso do curso recebe o tiacutetulo de
licenciado em pedagogia apto a concorrer a qualquer vaga de concurso para pedagogo
Essa formaccedilatildeo visa combater o deacuteficit histoacuterico de profissionais da educaccedilatildeo
nas aacutereas rurais e segue uma diretriz do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do
Campo Aleacutem disso pretende gerar oportunidade de continuidade dos
estudos aos jovens que detinham o Ensino Meacutedio completo e que moravam
nos assentamentos e aacutereas de reforma agraacuteria Desse modo o objetivo eacute
colaborar com a constituiccedilatildeo de uma rede de educadores do campo em nosso
Estado com qualificaccedilotildees teacutecnicas e compromisso eacutetico que possibilite o
aprofundamento e ampliaccedilatildeo de experiecircncias de educaccedilatildeo do campo (UFRN
2010 p 04)
Silva Filho (2011) afirma que a entrada de um familiar na universidade eacute algo
significativo Afirma ainda que
O ensino superior ainda resguarda status de responsaacutevel pela ascensatildeo social
e garantia de melhores condiccedilotildees de vida Historicamente o assento
ideoloacutegico da universidade foi muito mais as concepccedilotildees da classe
dominante social e politicamente do que um lugar de inclusatildeo da classe
explorada (SILVA FILHO 2011 p 40)
Por esse motivo O curso tem um caraacuteter contra-hegemocircnico e diferente daquele que
nos habituamos a ver nas universidades
Poreacutem sabemos que os fatos natildeo se datildeo de forma linear ou sem disputas ocorre que o
modo de execuccedilatildeo dos anos de 2007 e 2008 cujo assento havia sido o Convecircnio
CRTRN390002006 (INCRAUFRNMST) teve seus componentes e formato questionados
por parte dos estratos juriacutedicos do INCRA (UFRN 2010) Na verdade esse momento eacute
histoacuterico para todos os cursos do Pronera que enfrentaram periacuteodo de grandes incertezas
Em que pese as mudanccedilas de formato da relaccedilatildeo institucional entre a UFRN e
o INCRA o projeto ora apresentado manteacutem a estrutura curricular original e
os seus fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos estatildeo incorporados aqui
assegurando a correspondente consonacircncia com a Resoluccedilatildeo CNECP no 1 de
15 de maio de 2006 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Curso de Pedagogia (UFRN 2010 p 04)
69
Mesmo natildeo tendo perdido do ponto de vista teoacuterico-metodoloacutegico as perdas poliacuteticas
satildeo evidentes principalmente com a exclusatildeo do MST da operacionalizaccedilatildeo do Curso Como
podemos observar o Acoacuterdatildeo n 26532008 eacute expliacutecito quanto as proibiccedilotildees
()
943 caso pretenda oferecer cursos a puacuteblico especiacutefico afeto a sua aacuterea de
atuaccedilatildeo a exemplo do que se verificou no acircmbito do Projeto Camosc
9431 com relaccedilatildeo ao instrumento a ser firmado com a entidade que se
encarregaraacute da execuccedilatildeo do objeto em vez de convecircnio valha-se de contrato
precedido de procedimento licitatoacuterio
9432 iniba por meio de normas claacuteusulas contratuais e fiscalizaccedilatildeo
qualquer possibilidade de que entes estranhos agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica
especialmente movimentos sociais ligados agrave reforma agraacuteria participem do
planejamento execuccedilatildeo acompanhamento avaliaccedilatildeo ou de outra fase do
curso promovido (TCU 2008)
Nesse periacuteodo professores-coordenadores representantes do INCRA reitores das
universidades puacuteblicas procuraram de forma engenhosa retomar as atividades acadecircmicas que
apoacutes um ano reiniciou Esse momento externou de forma expliacutecita o conservadorismo e o
desejo de segregaccedilatildeo social que ainda permeia a classe poliacutetica brasileira
Sendo o Estado Capitalista um Estado de classe tende a organizar a escola
em todos os niacuteveis e modalidade de ensino conforme a concepccedilatildeo de mundo
da classe dominante e dirigente embora contraditoriamente dependendo do
grau de difusatildeo da pedagogia da contra-hegemonia na sociedade civil a
mesma escola esteja permeaacutevel agrave influecircncia de outros projetos poliacutetico-
pedagoacutegicos (NEVES 2005 p 29)
Desse modo compreendemos os enfrentamentos deflagrados e as lutas pela
manutenccedilatildeo desse Curso como questotildees ideoloacutegicas como resistecircncia dos povos do campo
por um lado e ofensiva da classe dominante de outro Sabemos que essa disputa eacute histoacuterica e
tem altos e baixos concessotildees e restriccedilotildees Esse momento embora tenha acarretado
desconforto e prejuiacutezos para muitos foi o ponto central que evidenciou uma verdadeira luta
de correlaccedilotildees de forccedila
70
41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO
CURSO DE PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN
Pensar uma proposta curricular para um curso de Educaccedilatildeo do Campo como eacute o
Curso de Pedagogia da Terra e tantos outros jaacute exemplificados que gozam de um caraacuteter
popular certamente requer posicionamento e uma reflexatildeo sobre os princiacutepios basilares do
curriacuteculo Tomaz Tadeu da Silva (2011) expotildee que ―A questatildeo central que serve de pano de
fundo para qualquer teoria do curriacuteculo eacute a de saber qual conhecimento deve ser ensinado (p
14) O autor afirma que o curriacuteculo eacute sempre resultado de uma seleccedilatildeo Desse modo quando
determinamos que conhecimento ensinar estamos deixando de fora outros conhecimentos A
questatildeo fundamental passa a ser por que ―esse conhecimento e natildeo ―aquele
O curriacuteculo nunca eacute simplesmente uma montagem neutra de conhecimentos
que de alguma forma aparece nos livros e nas salas de aula de um paiacutes
Sempre parte de uma tradiccedilatildeo seletiva da seleccedilatildeo feita por algueacutem da visatildeo
que algum grupo tem do eu seja o conhecimento legiacutetimo Ele eacute produzido
pelos conflitos tensotildees e compromissos culturais poliacuteticos e econocircmicos
que organizam e desorganizam um povo (APPLE 2000 p 53)
Objetivamente essa relaccedilatildeo de escolhas nos leva diretamente a entender que o
curriacuteculo eacute antes de tudo ideoloacutegico sendo portanto uma disputa pela hegemonia Quando
escolhemos ―esse conteuacutedo e natildeo ―aquele estamos consciente ou inconscientemente
optando por um determinado projeto educativo
Eacute essa preocupaccedilatildeo que leva Apple a recorrer aos conceitos de hegemonia
tal como formulado por Antonio Gramsci e desenvolvido por Raymond
Williams Eacute o conceito de hegemonia que permite ver o campo social como
um campo contestado como um campo onde os grupos dominantes se veem
obrigados recorrer a um esforccedilo permanente de convencimento ideoloacutegico
para manter sua dominaccedilatildeo Eacute precisamente atraveacutes desse esforccedilo de
convencimento que a dominaccedilatildeo econocircmica se transforma em hegemonia
cultural Esse convencimento atinge sua maacutexima eficaacutecia quando se
transforma em senso comum quando se naturaliza (SILVA 2011 p 46)
Para Bourdieu e Passeron (2012) a problemaacutetica reside na reproduccedilatildeo social que
ocorre palas vias da cultura ou propriamente da cultura dominante Seus valores seus gostos
seus costumes seus haacutebitos seus modos de se comportar de agir satildeo reproduzidos como ideal
e desejado para toda a sociedade Entendemos portanto que eacute justamente no curriacuteculo onde
ocorre a condensaccedilatildeo de toda essa problemaacutetica
71
Compreendemos que o curriacuteculo eacute um espaccedilo para o confronto de conhecimentos
popular e erudito Nesse sentido o papel da universidade eacute primordialmente ressignificar os
conhecimentos jaacute elaborados pelos estudantes ou nas palavras de Freire (1993) ―saber de
experiecircncia feito que satildeo pilares fundantes para a construccedilatildeo curricular Curriacuteculo com foco
na vida pela vida e para a vida Saber que natildeo eacute transposto automaticamente pois se constitui
em aprendizagens colaterais e que ao precederem a escola alicerccedilam-na e lhe datildeo suporte
Produzir novos e melhores conhecimentos e garantir um espaccedilo educativo no qual co-
existam de forma permanente a circularidade entre saberes eacute tarefa responsaacutevel da
universidade assim o grande desafio eacute construir uma matriz pedagoacutegica que natildeo se feche
numa dimensatildeo de especialidades dentro das disciplinas O curriacuteculo precisa dar conta de
especificidades por outro lado natildeo pode perder com isso a visatildeo ampla natildeo pensar apenas o
especiacutefico sob pena de fragmentar o conhecimento nem somente o geral pois isso teria
consequecircncias danosas agrave dimensatildeo particular
A educaccedilatildeo do campo tem um viacutenculo com a matriz pedagoacutegica do trabalho e da cultura
Numa concepccedilatildeo freireana haacute uma inter-relaccedilatildeo fundamental entre essas duas categorias
visto que a primeira pode-se entender como a accedilatildeo do homem na natureza ao passo que a
segunda eacute o resultado dessa accedilatildeo accedilatildeo consciente e ativa do homem em sua
realidadenatureza (FREIRE 1983) Desse modo a tarefa primordial da Proposta poliacutetico-
pedagoacutegica e Plano de Trabalho do Curso de Pedagogia da Terra eacute dialogar com essas
matrizes
Assim observamos que a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho se
aproxima e dialoga bastante com esse pensamento logo aproximando-se tambeacutemdos
princiacutepios contidos na Pedagogia Paulo Freire
A proposta curricular para este curso teraacute como ponto de partida os saberes e
praacuteticas dos alunos e a realidade dos assentamentos Por conseguinte a
singularidade seraacute realccedilada sem perder de vista os elementos universais que
compotildeem a cultura do homem e da mulher do campo na perspectiva de
mobilizar um movimento pedagoacutegico pautado na accedilatildeo-reflexatildeo-accedilatildeo (UFRN
2010 p 8)
A proposta de formaccedilatildeo de Freire eacute permeada por uma postura criacutetica poliacutetica e
consciente diante de abordagens de formaccedilatildeo que se apresentam fragmentadas natildeo
envolventes e incapazes de captar as reais necessidades e preocupaccedilotildees dos sujeitos Nesse
72
sentido a categoria realidade sem duacutevida deteacutem uma centralidade na Pedagogia Paulo
Freire isso justamente porque eacute na concretude que a vida se passa Por isso mesmo a
importacircncia da indissociabilidade entre o curriacuteculo do curso e a vida praacutetica dos educandos e
educandas
Outro ponto de fundamental importacircncia se refere agrave necessidade de afinidade criacutetico-
ideoloacutegico dos docentes com a proposta do curso Eacute importante haver aproximaccedilatildeo suficiente
para compreender as particularidades proacuteprias da turma dos sujeitos e do campo
De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho a ―estrutura
curricular do curso de Pedagogia da Terra eacute concebida em trecircs nuacutecleos articulados quais
sejam estudos baacutesicos aprofundamento e diversificaccedilatildeo de estudos e estudos integradores
cujos componentes curriculares foram ofertados em atividades presenciais a serem realizadas
preferencialmente nos periacuteodos de janeirofevereiro e junhojulho de cada ano nas
dependecircncias da UFRN e de atividades vivenciais (grupos de estudo pesquisa e exerciacutecio
profissional) apoiadas por monitores de apoio pedagoacutegico ao longo dos semestres tendo
como referecircncia a praacutetica docente e a realidade do campo no contexto da Reforma Agraacuteria
(UFRN 2010)
O ―Nuacutecleo de Estudos Baacutesicos do curso compreende a seguinte ordem
a Histoacuterico e soacutecio-cultural compreendendo os fundamentos filosoacuteficos
histoacutericos poliacuteticos econocircmicos socioloacutegicos psicoloacutegicos e
antropoloacutegicos necessaacuterios para a reflexatildeo criacutetica nos diversos setores da
educaccedilatildeo na sociedade contemporacircnea
b Da educaccedilatildeo baacutesica compreendendo
i Estudo dos conteuacutedos curriculares da educaccedilatildeo baacutesica
escolar
ii Os conhecimentos didaacuteticos as teorias pedagoacutegicas
em articulaccedilatildeo agraves metodologias tecnologias de informaccedilatildeo e
comunicaccedilatildeo e suas linguagens especiacuteficas aplicadas ao ensino
iii Estudo os processos de organizaccedilatildeo do trabalho
pedagoacutegico gestatildeo e coordenaccedilatildeo educacional
iv Estudo das relaccedilotildees entre educaccedilatildeo e a realidade
social do campo os contextos de trabalho as especificidades da regiatildeo
do Semi-Aacuterido e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees
do campo (UFRN 2010 p 10)
73
No ponto ―IV do Nuacutecleo de estudos baacutesicos observa-se um eixo bem delimitado no
que concerne a formaccedilatildeo do sujeito em consonacircncia com sua realidade Jaacute dialogamos sobre a
importacircncia dessa associaccedilatildeo entre trabalho e cultura tatildeo significativa agrave Educaccedilatildeo do Campo
e agrave Pedagogia Paulo Freire
A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com
ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento
proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica
em que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem
absolutizar-se fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-
o a julgar o seu mundo algo que apenas se acha (FREIRE 1983 p42)
Desse modo a leitura dos processos produtivos e dos processos culturais formadores
dos sujeitos que vivem dono campo eacute entendida como tarefa fundamental no projeto poliacutetico
e pedagoacutegico da Educaccedilatildeo do Campo Esse eixo de estudos busca situar e datar os
componentes do curso na atualidade
Uma das dificuldades dos cursos que trabalham com a Pedagogia da Alternacircncia eacute a
ausecircncia em parte do corpo docente de uma maior afinidade poliacutetica ideoloacutegica com as
questotildees especiacuteficas do curso A ausecircncia dessa interaccedilatildeo acarreta comprometimentos quanto
agrave viabilizaccedilatildeo e operacionalizaccedilatildeo praacutetica da proposta pedagoacutegica escrita (RIBEIRO et al
2010) Eacute um ponto da Pedagogia da Alternacircncia que tem sido pensado e repensado uma vez
que as visitas dos professores agraves comunidades dos estudantestrabalhadores tem se
operacionalizado de forma bastante limitada Esse ponto externa uma preocupaccedilatildeo que
compromete os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo da Alternacircncia da Pedagogia Paulo Freire
e da Educaccedilatildeo Popular como um todo
A busca pelos professores e professoras para trabalhar no curso foi estrateacutegica Em
boa medida os docentes gozavam de boa experiecircncia com a extensatildeo universitaacuteria o que
significa certa capacidade de dialogar com o ementaacuterio das disciplinas
A indicaccedilatildeo dos professores seraacute assumida pela Coordenaccedilatildeo do Curso
considerando preferencialmente a vinculaccedilatildeo formal com o Departamento
de Educaccedilatildeo e demais departamentos das licenciaturas da UFRN e a atuaccedilatildeo
docente e investigativa nas aacutereas relacionadas com o ementaacuterio do referido
curso (UFRN 2010 p 26-27)
As disciplinas trabalhadas no Nuacutecleo de estudos baacutesicos podem ser vistas conforme a
tabela a baixo
74
Periacuteo
do Coacutedigo Disciplinas
C
R
C
H
CH
Presenc
ial
CH
Viven
cial
CH
Praacutet
ica
2007
1
EDU00
46 Introduccedilatildeo ao Trabalho Cientiacutefico 2 30 25 5 -
EDU00
47
Introduccedilatildeo agrave Leitura de textos
imagens e meios eletrocircnicos 8
12
0 100 20 -
2007
2
EDU00
37 Fundamentos de Filosofia do Conhecimento 4 60 45 15 -
EDU00
96
Dimensatildeo Soacutecio-Antropoloacutegica do Ser
Humano 4 60 45 15 -
EDU00
41 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -
EDU00
43 Histoacuteria na Escola 4 60 45 15 -
EDU00
59
Sociologia dos Movimentos Sociais e
Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -
2008
1
EDU00
42 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo no Brasil 4 60 45 15 -
EDU00
40 Gestatildeo democraacutetica na Escola 4 60 45 15 -
EDU00
51
Organizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo
Brasileira 4 60 45 15 --
EDU00
38 Geografia na Escola 4 60 45 15 -
2008
2
EDU00
23 Dimensatildeo Psicoloacutegica da Aprendizagem 4 60 45 15 -
EDU00
62
Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo Popular
(Paulo Freire) 4 60 45 15 -
EDU00
25 Dimensatildeo Psicoloacutegica do Homem 4 60 45 15
EDU00
81
Teacutecnicas de Elaboraccedilatildeo de
Projetos Educacionais 4 60 45 15
EDU00
60 Tecnologias do Campo na Escola 4 60 45 15
2010
2
EDU00
61
Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo (outros
pedagogos) 4 60 45 15
EDU00
53
Planejamento Escolar e Projeto
Pedagoacutegico 4 60 45 15
EDU00
19
Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da
linguagem ndash Portuguecircs 4 60 45 15
EDU00
18
Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da
linguagem ndash Matemaacutetica 4 60 45 15
2011
1
EDU00
39
Gerenciamento de Atividades
Educacionais 4 60 45 15
EDU00
48 Liacutengua Portuguesa na Escola 4 60 45 15
EDU00
49 Matemaacutetica na Escola 4 60 45 15
2011
2
EDU00
35
Elaboraccedilatildeo de Material Didaacutetico
(teoria + praacutetica) 4 90 45 15
EDU00
21 Ciecircncias Naturais na Escola 4 60 45 15
Fonte UFRN (2010)
75
No segundo eixo Nuacutecleo de Aprofundamento e Diversificaccedilatildeo de Estudos se
percebe um grande enfoque naquilo que podemos chamar de ―questatildeo de nossa eacutepoca
(FREIRE 1983) ou questotildees ―transversais Satildeo temaacuteticas que nos remetem a diversidade
cultural tatildeo em pauta hoje em dia
1 Educaccedilatildeo de jovens e adultos
2 Educaccedilatildeo infantil
3 Educaccedilatildeo e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees do
campo
4 Educaccedilatildeo ambiental
5 Educaccedilatildeo e pluralidade cultural
6 Educaccedilatildeo para sauacutede e educaccedilatildeo sexual
7 Educaccedilatildeo especial
8 Temas especiacuteficos alternativas educacionais para o campo questatildeo
agraacuteria cooperativismo e semi-aacuterido (UFRN 2010 p 10)
A par disso eacute vaacutelido salientar o pioneirismo da Pedagogia Paulo Freire no tocante a
essas questotildees Mesmo antes de todos esses temas virem agrave tona Freire jaacute formulava a
Pedagogia do Oprimido que de forma astuta pensou uma pedagogia cujo assento eacute o grupo de
oprimidos ou seja adultos natildeo alfabetizados pessoas com deficiecircncias povos tradicionais
direitos das mulheres Direitos Humanos e outros A pedagogia do oprimido apresenta ao
mundo todos os sujeitos que vivem agrave margem da cultura erudita e hegemocircnica Paulo Freire
chama a atenccedilatildeo para a riqueza da produccedilatildeo cultural desses sujeitos Em boa medida esses
conhecimentos estatildeo hoje sintetizados no multiculturalismo
Desse modo percebemos que haacute uma evidente contribuiccedilatildeo do pensamento freireano
no tocante a organizaccedilatildeo do Pano de Trabalho do Curso Pedagogia da Terra da UFRN A
seguir apresentamos o quadro de disciplinas que compotildeem o Nuacutecleo de Aprofundamento e
Diversificaccedilatildeo de Estudos
Periacuteo
do Coacutedigo Disciplinas
C
R
C
H
CH
Presenc
ial
CH
Viven
cial
CH
Praacutet
ica
2007
1
EDU00
56 Seminaacuterio I ndash A questatildeo Agraacuteria 4 60 40 20 -
EDU00
55
Seminaacuterio II ndash Alternativas Educacionais no
Campo 4 60 40 20 -
2008
1
EDU00
82 Seminaacuterio III ndash O Semi- Aacuterido 4 60 45 15 -
2010 EDU00 Seminaacuterio IV ndash Cooperativismo 4 60 45 15 -
76
2 57
2011
1
EDU00
29 Educaccedilatildeo Ambiental 4 60 45 15 -
2011
2
EDU00
27
Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e
Processo de Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -
EDU00
30 Educaccedilatildeo Especial 4 60 45 15 -
EDU00
20 Artes e Corporeidade na Escola 4 60 45 15 -
2012
1
EDU00
28
Educ de Jovens e Adultos e Processo de Poacutes-
Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -
EDU00
32 Educaccedilatildeo para Sauacutede e Orientaccedilatildeo Sexual 4 60 45 15 --
EDU00
31 Educaccedilatildeo Infantil 4 60 45 15 -
EDU00
33
Educaccedilatildeo Eacutetica e Pluralidade
Cultural 4 60 45 15 -
EDU00
87
Liacutengua Brasileira de Sinais ndash
LIBRAS 4 60 45 15 -
Fonte UFRN (2010)
A uacuteltima parte dos nuacutecleos de estudos refere-se aos Estudos Integradores que satildeo
a Realizaccedilatildeo de oficinas e participaccedilatildeo em eventos culturais artiacutesticos e
cientiacuteficos
b Exerciacutecio profissional em acircmbitos escolares e natildeo-escolares articulando saber
acadecircmico pesquisa e praacutetica educativa (UFRN 2010 p10)
Periacuteo
do Coacutedigo Disciplinas
C
R
C
H
CH
Presenc
ial
CH
Vivenci
al
CH
Praacutet
ica
2007
1
EDU00
45
Introduccedilatildeo ao Estudo da Realidade
Local (teoria+praacutetica) 4 60 15 45 45
EDU00
64 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural I - 15 - 15 15
EDU00
65 Oficina de Praacuteticas Formativas I - 15 15 - 15
2007
2
EDU00
58
Sistema Educacional e
Organizaccedilatildeo Escolar (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
66 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural II - 15 - 15 15
EDU00
67 Oficina de Praacuteticas Formativas II - 15 15 - 15
2008
1
EDU00
50
Observaccedilatildeo na escola ndash sala de
aula (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
68
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
III - 15 - 15 15
EDU00 Oficina de Praacuteticas Formativas III - 15 15 - 15
77
69
2008
2
EDU00
44 Introduccedilatildeo agrave Pesquisa (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
70
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
IV - 15 - 15 15
EDU00
71 Oficina de Praacuteticas Formativas IV - 15 15 - 15
2010
2
EDU00
52 Pesquisa I (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
72 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural V - 15 - 15 15
EDU00
73 Oficina de Praacuteticas Formativas V - 15 15 - 15
2011
1
EDU00
95 Estaacutegio Supervisionado I
10
0 15 85 85
EDU00
74
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
VI - 15 - 15 15
EDU00
75 Oficina de Praacuteticas Formativas VI - 15 15 - 15
2011
2
EDU00
97 Estaacutegio Supervisionado II
20
0 - 200 200
EDU00
98
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
VII - 10 - 10 10
EDU00
77 Oficina de Praacuteticas Formativas VII - 15 15 - 15
2012
1
EDU00
63
Trabalho de Conclusatildeo de Curso
(praacutetica) - 90 - 90 90
EDU00
79
Oficina de Praacuteticas Formativas
VIII - 15 15 - 15
EDU00
80 Congresso de Encerramento - 45 - 45 45
Fonte UFRN (2010)
Essa ultima parte pode-se considerar como a reta final do Curso Os estudantes
trabalharam atividades voltadas agrave culminacircncia como as Oficinas Formativas os Estaacutegios
supervisionados e o Trabalho de Conclusatildeo de Curso (UFRN 2010)
Os trecircs nuacutecleos centrais do curriacuteculo dialogam em grande parte com as necessidades
da formaccedilatildeo dos sujeitos do campo mas tambeacutem com os princiacutepios da Pedagogia Paulo
Freire sobretudo o diaacutelogo tatildeo caro no mundo dos ―pacotes prontos
Eacute preciso que a educaccedilatildeo esteja ndash em seu conteuacutedo em seus programas e em
seus meacutetodos ndash adaptada ao fim que se persegue permitir ao homem chegar a
ser sujeito construir-se como pessoa transformar o mundo estabelecer com
os outros homens relaccedilatildeo de reciprocidade fazer a cultura e a histoacuteria
(FREIRE 1980 p 39)
Aleacutem desses trecircs eixos norteadores destacamos a importacircncia de outras trecircs partes
fundamentais na organizaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica quais sejam (I) Instrumento de
78
integraccedilatildeo e conhecimento do aluno com a realidade social econocircmica e do trabalho de sua
aacutereacurso (II) Instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao ensino (III) Instrumento de praacutetica
profissional (UFRN 2010)
Instrumento de integraccedilatildeo do estudante com a realidade social e econocircmica (I)
―se organiza principalmente no acircmbito das praacuteticas de ensino e possibilita a interlocuccedilatildeo com
os referenciais teoacutericos do curriacuteculo Seraacute iniciada nos primeiros anos do curso e
acompanhada pela coordenaccedilatildeo (UFRN 2010 p 11)
Esse nuacutecleo de disciplinas eacute de fundamental importacircncia uma vez que pretende
aproximar e contextualizar oa estudante dentro da realidade social poliacutetica e econocircmica do
paiacutes Para Freire (2011) o ser humano precisa ―ser situado e datado ou seja o ser humano
precisa conhecer e reconhecer o lugar e o momento histoacuterico no qual se encontra para ser
capaz de agir conscientemente na transformaccedilatildeo da realidade
Menezes e Santiago (2010 p 398) falando sobre a contribuiccedilatildeo do pensamento de
Paulo Freire na construccedilatildeo do curriacuteculo criacutetico apontam que
Os estudantes compreendem suas relaccedilotildees com o mundo natildeo maiscomo real
idade estaacutetica mas como uma realidade em transformaccedilatildeo em processo e de
ssa forma satildeo estimulados a um enfrentamento da realidade como seres da p
raacutexis que sendo reflexatildeo e accedilatildeo eacute verdadeiramente transformadora da realid
ade
Natildeo podemos perder de vista a dimensatildeo criacutetica do processo nem tampouco esquecer
a complexidade da sociedade a qual estamos imersos ou seja uma sociedade de economia
capitalista cuja dinacircmica capitalista gira em torno da dominaccedilatildeo de classe (SILVA 2011)
A modalidade de Praacuteticas Pedagoacutegicas com instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao
ensino (II) pretende articular a teoria com a praacutetica Considera que a formaccedilatildeo profissional
natildeo se desvincula da praacutetica de exercitar a curiosidade que reflete e problematiza a realidade
gerando a partir daiacute projetos de pesquisa capazes de propiciar a iniciaccedilatildeo agrave pesquisa
educacional (id ibid p 11)
A necessidade da intersecccedilatildeo entre a teoria e a praacutetica eacute uma premissa singular a todo
processo educativo defendido exaustivamente tanto como caminho para formaccedilatildeo
permanente de educandos (FREIRE 1991) como para a transformaccedilatildeo do mundo Para
79
pensadores criacuteticos como Marx Gramsci Paulo Freire Apple e outros ―A questatildeo da
coerecircncia entre a opccedilatildeo proclamada e a praacutetica eacute uma das exigecircncias que educadores criacuteticos
fazem a si mesmo Eacute que sabem muito bem que natildeo eacute o discurso o que ajuiacuteza a praacutetica mas a
praacutetica que ajuiacuteza o discurso (FREIRE 2005 p 25)
Associamos a esse momento a praacutexis educativa de Paulo Freire que eacute o resultado da
accedilatildeo e da reflexatildeo porem a accedilatildeo-reflexatildeo sobre o mundo como afirma Freire (2011) natildeo eacute
simples teorizaccedilatildeo e nem simples ativismo eacute a capacidade de agir criticamente sobre esse
mundo A praacutexis eacute um processo dialoacutegico onde saberes satildeo trocados conjuntamente na busca
da construccedilatildeo de um novo saber O pensar jamais poderaacute se afastar da realidade em que se
materializa natildeo bastando interpretar o mundo mas sobretudo transformaacute-lo
Assim esse quadro de disciplinas cujo foco eacute no ensino e na pesquisa contribui de
forma profiacutecua com a busca dos educandos por melhor entenderem sua realidade e sua
eventual transformaccedilatildeo
No uacuteltimo eixo de disciplinas ldquoInstrumento de praacutetica profissionalrdquo (III) observa-
se a ocorrecircncia dos estaacutegios De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de
Trabalho essa atividade
Deve ocorrer junto agraves escolas e unidades educacionais nas atividades de
observaccedilatildeo regecircncia ou participaccedilatildeo em projetos como um ―saber fazer
que busca orientar-se por teorias pedagoacutegicas para responder agraves demandas
colocadas pela praacutetica pedagoacutegica Estaratildeo presentes desde os primeiros
anos do curso configurando a praacutetica pedagoacutegica necessaacuteria ao exerciacutecio
profissional O exerciacutecio efetivo das atividades como professor coordenador
ou gestor de programas educacionais seraacute considerado como parte dessa
modalidade Compreende 300 horas (Estaacutegio Supervisionado I e II) em
consonacircncia com artigo 7ordm aliacutenea II da Resoluccedilatildeo 012006 ndash CNECP
(UFRN 2010 p 11)
A busca pela praacutexis educativa eacute tambeacutem a busca pela aproximaccedilatildeo do outro
procurando articular os diferentes saberes O estaacutegio possibilita um dos momentos mais ricos
em experiecircncias e troca de saberes de todo o curso pois busca diminuir a distacircncia entre os
conteuacutedos trabalhados na Universidade e as vivecircncias do cotidiano escolar (UFRN 2010)
Por fim reafirmamos a importacircncia de um curriacuteculo pensado a partir da realidade das
necessidades sociais e das transformaccedilotildees ensejadas Como monitor que fomos podemos
afirmar que o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
80
natildeo eacute perfeito sobretudo do ponto de vista operacional muita coisa mudou no decorrer dos
anos mudanccedilas de espaccedilos mudanccedilas na coordenaccedilatildeo saiacuteda de estudantes mudanccedilas no
cronograma entre outros Os efeitos dessas ocorrecircncias apenas outras pesquisas nos diratildeo22
Tivemos como objetivo analisar a contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire ao curriacuteculo do
Curso justamente por entender que cursos dessa natureza necessitam de grande aproximaccedilatildeo
e afinidade com os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo e da Pedagogia Paulo Freire ambas as
concepccedilotildees amalgamadas nos princiacutepios da Educaccedilatildeo Popular progressista
Figur
a IIV Concluintes 2012 ndash Turma Florestan FernandesPedagogia da Terra UFRN
22 Sobre os horizontes dos educandos do Curso de Pedagogia da Terra ver Hilario e Azevedo (2011)
disponiacutevel em httpwwwieppecpb2011xpgcombrconteudoGTsGT20-200710pdf
81
5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO
O tema abordado nesta pesquisa emerge de um campo promissor e de grande debate
na contemporaneidade Embora seja um tema que ainda requer muita reflexatildeo e pesquisa
podemos dizer que a temaacutetica da educaccedilatildeo dos povos do campo eacute hoje uma questatildeo em pauta
nacionalmente
Reconhecendo a importacircncia da Educaccedilatildeo do Campo propusemo-nos a pensar e
refletir sobre ―qual a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo
do Campo e numa esfera mais ampla e de forma mais recortada se ―eacute possiacutevel evidenciar
no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte ―recorte e retalhos da Pedagogia de Paulo Freire Imersos nessa problemaacutetica
buscamos analisar o pensamento de Freire dentro dos documentos oficiais que norteiam o
curso
Pensar o sujeito enquanto humano que se transforma e transformando-se transforma o
mundo ao passo que por ele eacute transformado eacute uma contribuiccedilatildeo louvaacutevel natildeo somente ao
campo da Educaccedilatildeo do Campo mas ao paradigma da formaccedilatildeo humana como um todo Freire
desloca o homem do perifeacuterico para o centro das decisotildees natildeo num sentido egoiacutesta supremo
mas num sentido de comunhatildeo com o mundo e com o outro
Comecemos por afirmar que somente o homem como um ser que trabalha
que tem um pensamento-linguagem que atua e eacute capaz de refletir sobre si
mesmo e sobre a sua proacutepria atividade que dele se separa somente ele ao
alcanccedilar tais niacuteveis se faz um ser da praacutexis Somente ele vem sendo um ser
de relaccedilotildees num mundo de relaccedilotildees [] Desprendendo-se do seu contorno
veio tornando-se um ser natildeo da adaptaccedilatildeo mas da transformaccedilatildeo do
contorno um ser de decisatildeo [] (FREIRE 1992 p 39)
Baseado nessa concepccedilatildeo iniciamos este trabalho explicitando ―o lugar de onde
falo pois entendemos que cada ser humano precisa ser entendido em seus muacuteltiplos
condicionamentos precisa ser ―situado e datado desse modo uma compreensatildeo puramente
academicista seria demasiadamente reducionista Ainda que pareccedila pouco cientiacutefico
entendemos que as experiecircncias das pessoas estatildeo diretamente ligadas a psicologia social que
tem determinantes em toda a nossa vida Por isso achamos salutar dizer um pouco do que
somos mas sobretudo dialogar tambeacutem sobre o porquecirc de sermos o que somos
82
Nessa caminhada dialogamos acerca da necessidade de superaccedilatildeo do paradigma da
Educaccedilatildeo Rural e construccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo como alternativa viaacutevel aos povos do
campo Trabalhamos o entendimento da Educaccedilatildeo Rural como a histoacuteria nos apresentou ou
seja um modelo calcado na exploraccedilatildeo do trabalho humano o que configura uma visatildeo
utilitarista e preconceituosa da vida e dos sujeitos do campo Ao mesmo tempo tratamos de
apresentar a Educaccedilatildeo do Campo como uma vertente que melhor se aproxima das
experiecircncias do trabalho e da vida praacutetica dos agricultores e agricultoras Todo o diaacutelogo
sobre as diferentes formas de pensar a educaccedilatildeo dos povos do campo foi atravessado pelo
pensamento de Paulo Freire que teceu toda a construccedilatildeo dessa obra
Pensar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire para o atual debate em torno da Educaccedilatildeo do
Campo eacute uma tarefa instigante sobretudo porque evidenciamos um grande pioneirismo do
Patrono da educaccedilatildeo brasileira quanto a algumas temaacuteticas abordadas hoje pela Educaccedilatildeo do
Campo Debater a importacircncia da realidade ou seja do trabalho e da vida praacutetica como
motor capaz de gerar conhecimentos e mais gerar um curriacuteculo eacute sem duacutevida uma bandeira
do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo que tem origem no pensamento de Paulo Freire
Nessa mesma caminhada explicitamos algumas consideraccedilotildees acerca da Pedagogia da
Alternacircncia e seus propoacutesitos junto a Educaccedilatildeo do Campo Dentro de uma concepccedilatildeo
metodoloacutegica situamos a Alternacircncia dentro de uma vertente multicultural como uma
alternativa curricular que se aproxima das concepccedilotildees progressistas que reclamam uma
organizaccedilatildeo oacutetica mais humana e respeitosa
Continuamos nosso debate discorrendo sobre Educaccedilatildeo do Campo e buscando onde
ela se afina com a Pedagogia Paulo Freire Observamos que em muitos momentos haacute um
entrelaccedilamento entre as duas concepccedilotildees como procuramos exemplificar no desenho criado
por noacutes Nessa pesquisa encontramos uma luta histoacuterica dos povos oprimidos pela busca dos
seus direitos e no mesmo sentido encontramos tambeacutem classes dominantes que ao longo da
histoacuteria perpetuaram seus privileacutegios mantendo uma cultura elitista que estratificando a
sociedade engessa os avanccedilos necessaacuterios
Na quarta parte do trabalho buscamos refletir sobre a inserccedilatildeo do Curso de Pedagogia
da Terra da UFRN no espaccedilo acadecircmico como algo de singular importacircncia Dissertamos
sobre os momentos perpassados pelo curso durante sua realizaccedilatildeo Como se deu o dia a dia
83
dentro da universidade as dificuldades os esforccedilos os preconceitos tudo isso foi canalizado
como forma de entender essa inserccedilatildeo como um ato de ―rebeldia e uma conquista do povo do
campo do Rio Grande do Norte
Eacute nesse sentido de luta e rebeldia que situamos a Pedagogia Paulo Freire dentro da
discussatildeo da Educaccedilatildeo do Campo e do Curso de Pedagogia da Terra A contribuiccedilatildeo de Freire
costura esse trabalho do iniacutecio ao fim Aponta diretrizes e caminhos para a tessitura dessa
dissertaccedilatildeo que eacute tanto teoacuterica quanto praacutetica eacute tanto a segunda quanto a primeira eacute diaacutelogo
eacute pois praacutexis educativa
Por fim buscamos analisar o curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra agrave luz da
contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire Concluiacutemos que haacute uma forte influecircncia da
concepccedilatildeo freireana na Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho
A Pedagogia Paulo Freire e a Educaccedilatildeo do Campo que satildeo atravessadas pela
concepccedilatildeo de educaccedilatildeo dialoacutegica e libertadora satildeo colocadas nesse trabalho como a busca
pelo diaacutelogo constante com o outro Uma educaccedilatildeo ―que se predispusesse a constantes
revisotildees A anaacutelise criacutetica de seus ―achados A uma certa rebeldia no sentido mais humano
da expressatildeo (FREIRE 1983 p 90)
Por fim esta pesquisa nos permitiu refletir sobre o pensamento de Paulo Freire na
contemporaneidade Percebemos o quatildeo atual ele continua e como nos permite compreender
de forma ampla e completa questotildees sociais que permeiam a sociedade A praacutexis educativa de
Paulo Freire assim como o Materialismo Histoacuterico-dialeacutetico continua dando conta de forma
satisfatoacuteria das anaacutelises e mudanccedilas que as questotildees de nossa eacutepoca ensejam
Por uacuteltimo reconhecemos a importacircncia dos cursos de educaccedilatildeo do campo como de
importacircncia singular pois muito mais que a possibilidade de melhoria econocircmica significa
tambeacutem um reparo social e uma conquista do ponto de vista soacutecio-histoacuterico Tivemos a
oportunidade de refletirmos sobre o Curso de Pedagogia da Terra e como a Pedagogia Paulo
Freire pode contribuir com essa formulaccedilatildeo Sabemos que hoje haacute em todo o Brasil diversos
cursos que gozam desse mesmo caraacuteter reconhecemos que satildeo fundamentais poreacutem
reconhecemos que existe uma tendecircncia em tornar essas experiecircncias em ―moda Por
entender que Educaccedilatildeo do Campo eacute um movimento histoacuterico da classe trabalhadora eacute que
84
defendemos que esse paradigma precisa ter em seu acircmago os princiacutepios revolucionaacuterios da
Pedagogia Paulo Freire
85
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92
ANEXOS
93
94
5
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo a Deus pelo dom da vida por guiar meus passos e me conduzir pelo
caminho do certo ao lado dos oprimidos
Agrave minha matildee Francisca Maria Terto (Dona Tecirc) e ao meu pai Luiz Gomes da Silva
(Seu Lucas) pelo incentivo constante e ajuda frequente Aos meus irmatildeos e irmatildes pelo
simples fato de existirem e colorirem o mundo
Agrave minha companheira Linda Carter pela presenccedila constante ao meu lado e sua
famiacutelia por me fazerem sentir-se em casa mesmo longe dos meus parentes
Agrave minha orientadora Professora Doutora Rita de Cassia Cavalcanti Porto por ser
antes de tudo humana tatildeo raro hoje em dia por acreditar neste trabalho orientar de forma
profiacutecua eacutetica com rigorosidade mas sobretudo com amorosidade Serei sempre grato
Ao Grupo de Estudos da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) pelas conversas
orientaccedilotildees e sobretudo pelo humanismo
Ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo da Universidade Federal da Paraiacuteba e
aos professores que em muito contribuiacuteram com minha formaccedilatildeo em especial ao Professor
Doutor Severino Bezerra Silva que deteacutem meu respeito e grande admiraccedilatildeo
Agrave banca examinadora como um todo pelas contribuiccedilotildees ao trabalho e seriedade
Agrave Universidade Federal da Paraiacuteba pelo acolhimento em um momento tatildeo adverso e
pela oportunidade de realizaccedilatildeo do curso de Mestrado
Aos educandos e educandas do Curso de Pedagogia da UFRN com quem tive o prazer
de conviver dialogar e que de forma direta ou indireta contribuiacuteram com este trabalho
A todos os meus amigos e amigas que de forma sempre positiva me apoiaram
6
RESUMO
Esta dissertaccedilatildeo tem como objetivo geral compreender as contribuiccedilotildees da Pedagogia
Paulo Freire no atual debate da Educaccedilatildeo do Campo como recorte analiacutetico temos o
Curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte Analisa assim as aproximaccedilotildees que se tem hoje entre o Movimento Por Uma
Educaccedilatildeo do Campo e a Pedagogia Paulo Freire Entre as teacutecnicas de pesquisa optamos por
uma aprofundada revisatildeo bibliograacutefica e anaacutelise documental cujo objetivo reside na busca
pelo entendimento amplo de questotildees complexas e abrangentes de nossa eacutepoca Como
resultado alcanccedilado apresentamos algumas reflexotildees sobre a formulaccedilatildeo da Estrutura
curricular do curso supracitado e a presenccedila de princiacutepios da Pedagogia Paulo Freire nesse
curriacuteculo A temaacutetica pesquisada se insere nos objetivos do Grupo de Pesquisa da Pedagogia
Paulo Freire da Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPFUFPB) que busca dialogar sobre
as contribuiccedilotildees da pedagogia freireana em diversos espaccedilos
Palavras-chaves Educaccedilatildeo do Campo Pedagogia Paulo Freire Pedagogia da Terra
Curriacuteculo
4
RESUMEN
Esta disertacioacuten tiene como objetivo general comprender las contribuciones de la
Pedagogiacutea de Paulo Freire en el actual debate de la Educacioacuten del Campo Como guiacutea
analiacutetico tenemos el curriacuteculo del Curso de Pedagogiacutea de la Tierra de la Universidade
Federal do Rio Grande do Norte Se analiza asiacute los acercamientos que se tiene hoy entre el
Movimiento Por Una Educacioacuten del Campo y la pedagogiacutea Paulo Freire De las teacutecnicas de
pesquisa optamos por una profundizada revisioacuten bibliograacutefica y anaacutelisis documental cuyo
objetivo reside en la buacutesqueda por el amplio entendimiento de cuestiones complejas y
extensivas de nuestra eacutepoca Como resultado alcanzado presentamos algunas reflexiones
acerca de la formulacioacuten de la Estructura Curricular del curso anteriormente citado y la
presencia de principios de la Pedagogiacutea Paulo Freire en ese curriacuteculo La temaacutetica
pesquisada se inserta en los objetivos del Grupo de Pesquisa de la Pedagogiacutea Paulo Freire de
la Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPUFPB) que busca dialogar sobre las
contribuciones de la Pedagogiacutea freireana en diversos espacios
PALABRAS CLAVE Educacioacuten del Campo Pedagogiacutea Paulo Freire Pedagogiacutea de la
Tierra curriacuteculo
5
QUADRO DE ILUSTRACcedilOtildeES
Figura I Regiatildeo do SeridoacuteRN
8
Figura II Lagoa NovaRN
9
Figura III Entrelaccedilamento entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire
59
Figura IV Angicos nos dias de hoje (2014)
62
Figura V AngicosRN
64
Figura VI Experiecircncia de AngicosRN
65
Figura IIV Turma Florestan Fernandes ndash PedagogiaUFRN
85
LISTA DE SIGLAS
ANFOPE - Associaccedilatildeo Nacional pela Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo
COMPERVE ndash Comissatildeo Permanente de Vestibular
CONAE - Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo
CONSEPE ndash Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensatildeo
CNBB - Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil
CPT - Comissatildeo Pastoral da Terra
DCE - Diretoacuterio Central dos Estudantes
DCN ndash Diretrizes Curriculares Nacionais
ENERA - Encontro Nacional de Educadores e Educadoras na Reforma Agraacuteria
GEPPC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares
GEPPF - Grupo de Estudos e Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
INCRA - Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria
IPEA - Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada
MEPF - Ministeacuterio Extraordinaacuterio da Poliacutetica Fundiaacuteria
MSC ndash Movimentos Sociais do Campo
MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
PNE - Plano Nacional de Educaccedilatildeo
PROBAacuteSICA - Programa de Qualificaccedilatildeo Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica
PRONERA - Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria
PSDB - Partido da Social Democracia Brasileiro
PT - Partido dos Trabalhadores
SUDENE - Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste
SUPRA - Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria
TRAMSE - Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo
4
UFC ndash Universidade Federal do Cearaacute
UFG ndash Universidade Federal de Goiaacutes
UFMG ndash Universidade Federal de Minas Gerais
UFPB - Universidade Federal da Paraiacuteba
UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UNB - Universidade de Brasiacutelia
UNE - Uniatildeo Nacional dos Estudantes
UNESCO - Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo a Ciecircncia e a Cultura
UNICEF - Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia
SUMAacuteRIO
1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O
ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO 7
11 O LUGAR DE ONDE FALO 7
12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES 11
13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR 16
14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO COMO
SUPORTE PARA ESSE ESTUDO E A PRAacuteXIS FREIREANA 18
2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO PRA
PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER 24
21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO EDUCACIONAL 24
22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA 29
23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO 37
24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS
CONHECIMENTO 43
25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS DA
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO 47
3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO
51
31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA FREIREANA AO ATUAL DEBATE DA
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM 53
32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA
PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO
NORTE58
4
4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIEcircNCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO
CAMPO NA UFRN64
41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO CURSO
DE PEDAGOGIA DA TERRA DA
UFRN70
5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO81
6 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS85
7 ANEXOS 92
7
1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O
ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO
Eacute preciso por outro lado salientar a situaccedilatildeo incocircmoda em
que se encontram intelectuais do Terceiro Mundo que
contemporacircneos de seus colegas do Primeiro Mundo com
eles discutem a poacutes-modernidade ao mesmo tempo em que
convivem em seus paiacuteses com a espoliaccedilatildeo desenfreada de um
capitalismo dependente perverso e atrasado
(FREIRE 2012 p 68)
11 O LUGAR DE ONDE FALO
A vontade e a necessidade de transgredir eacute sem duacutevida um dos maiores motivos que
me leva a formular estes escritos A busca pela construccedilatildeo de um pensamento autecircntico ainda
que reconhecendo todos os riscos de o fazer eacute parte do que nos move Nesse sentido duas
questotildees fundamentais nos orientam quais sejam primeiro qual a contribuiccedilatildeo da
Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo Segundo eacute possiacutevel
evidenciar no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte ldquorecorte e retalhosrdquo da Pedagogia de Paulo Freire
Partindo desses pressupostos inquietadores e sabendo que a educaccedilatildeo deve ser tratada
com extrema seriedade nos debruccedilamos nesse artesanato intelectual (MILLS 2009) com o
objetivo de colaborar com o Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo sobretudo naquilo
que se refere agrave contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire a esse movimento Conseguindo
avanccedilar o pouco que seja nesse debate tatildeo salutar e tatildeo caro estaremos em boa medida
contemplados Nesse primeiro momento trago algumas experiecircncias que me foram tanto
singulares como significativas Por isso mesmo escrevo em primeira pessoa do singular
Nessas primeiras palavras busco a boniteza da expressatildeo de Paulo Freire (2012 p 25)
para iniciar a tessitura desta autobiografia ―de uma geraccedilatildeo que cresceu em quintais nasci
na cidade de Lagoa Nova Regiatildeo do Seridoacute no Estado do Rio Grande do Norte no mecircs de
outubro do ano de 1986
8
Figura I ndash Regiatildeo do SeridoacuteRN
Lagoa Nova eacute uma cidade com caracteriacutesticas tipicamente de interior onde as ―esferas
da existecircncia humana1 se inter-relacionam de forma mais segregada Com uma populaccedilatildeo de
13983 habitantes de acordo com o uacuteltimo censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatiacutesticas (IBGE 2010) essa populaccedilatildeo divide-se quase que simetricamente entre zona
rural e zona urbana Isso tanto tem influecircncia na identidade da Cidade como representa um
fenocircmeno social que por si jaacute merece uma reflexatildeo entretanto natildeo eacute nessa temaacutetica que
reside nosso foco
Figura II ndash Lagoa NovaRN
1 As esferas da existecircncia humana eacute um esquema pensado por Antocircnio Joaquim Severino (1994) em sua obra
―Filosofiardquo em que ele apresenta a Praacutetica Social a Praacutetica Simbolizadora e a Praacutetica Produtiva como uma
engrenagem que gira na frequumlecircncia diretamente proporcional a dinamicidade da sociedade ou grupo social
9
Com um clima extremamente agradaacutevel a cidade tem como base econocircmica a
Agricultura Familiar2 que por sua vez aquece um importante mercado interno sobretudo no
periacuteodo de novembro a marccedilo periacuteodo em que se evidencia a colheita do caju e da castanha
ou simplesmente ―safra do caju Aleacutem da agricultura e do comeacutercio o emprego puacuteblico
garante a complementaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da economia dessa cidade Embora haja outros
modos de complementaccedilatildeo agrave economia a agricultura desempenha papel iacutempar no que diz
respeito ao desenvolvimento da cidade O clima propiacutecio e a terra feacutertil satildeo propulsores de
uma agricultura baseada na pequena propriedade e na diversidade de culturas
Com o lema ―se plantando tudo daacute a regiatildeo serrana apresenta uma prova mais que
concreta de que o desenvolvimento de uma regiatildeo e o bem estar da populaccedilatildeo camponesa
passa diretamente por uma distribuiccedilatildeo de terras para os trabalhadores e trabalhadoras a
rotatividade de culturas e a preservaccedilatildeo do meio ambiente3 princiacutepios que claramente se
aproximam da economia solidaacuteria francamente enfatizada por Singer (2002) assim como
pelos movimentos sociais uma vez que esse caminho eacute uma alternativa para o atual modelo
predatoacuterio de produccedilatildeo agriacutecola tradicional
A possibilidade de cultivar vasta diversidade de sementes e frutos que o solo orgacircnico
rico em huacutemus permite eacute admiraacutevel feijatildeo fava milho encabeccedilam os cereais caju pinha
jaca maracujaacute manga fazem parte do grupo das frutas aleacutem da mandioca que eacute mateacuteria
prima na fabricaccedilatildeo da farinha e outros derivados Outra abrangecircncia de gecircneros alimentiacutecios
como as hortaliccedilas irrigadas e a pecuaacuteria complementam a economia de Lagoa Nova
Quanto agraves questotildees poliacuteticas essa cidade goza dos viacutecios e vicissitudes que a grande
maioria da populaccedilatildeo brasileira enfrenta Aqui natildeo tenho interesse em detalhar passa a passo
essa questatildeo pois isso seria uma tarefa demasiadamente enfadonha e desnecessaacuteria ao nosso
objetivo Ainda assim eacute salutar ressaltar a grande heranccedila oligaacuterquica que eacute flagrante quando
remeto aos nossos representantes poliacuteticos Pequenos grupos se revezam agrave frente da
2 De acordo com Neves (2012) no Dicionaacuterio da Educaccedilatildeo do Campo esse eacute um termo de muacuteltiplas
conotaccedilotildees aqui ficamos com a definiccedilatildeo de um forma de se fazer agricultura diferenciando-se da agricultura
patronal Ou seja uma forma mais poliacutetica e solidaacuteria de se trabalhar a terra
3 Nos uacuteltimos anos um fenocircmeno vem contrariando essa afirmativa a derrubada dos cajueiros tem ocasionado
preocupaccedilotildees quanto ao equiliacutebrio do ambiente
10
administraccedilatildeo puacuteblica como se aquela lhes fosse inerente Como se aquele fosse um direito
advindo do berccedilo Entretanto aos poucos grupos de pessoas ainda que de forma muito
incipiente comeccedilam a se organizar no sentido de propor uma alternativa que fuja agrave diacuteade
partidaacuteria dantesca a qual parece natildeo haver saiacuteda
Satildeo os sabores e dissabores de se gostar de um lugar esse lugar me compotildee eacute siacutentese
de muitas e complexas relaccedilotildees Quando penso na minha cidade resgato Paulo Freire (2012)
quando falava do Recife e sua relaccedilatildeo de saudade para com esta cidade quando estivera no
exiacutelio Faccedilo minhas tais palavras
Quando penso nela penso quanto ainda temos de caminhar lutando para
ultrapassar estruturas perversas de espoliaccedilatildeo Por isso quando longe dela
estive dela a minha saudade jamais se reduziu a um choro triste a uma
lamentaccedilatildeo desesperada Pensava nela e nela penso como um espaccedilo
histoacuterico contraditoacuterio que me exige como a qualquer outro ou outra
decisatildeo tomada de posiccedilatildeo ruptura opccedilatildeo (FREIRE 2012 p34)
Essa breve descriccedilatildeo acerca do meu lugar tem como propoacutesito trazer agrave pesquisa o
cenaacuterio que me foi familiar durante meus primeiros 20 anos (1986-2007) e como essa
vivecircncia implica na minha formaccedilatildeo enquanto pesquisador Como bem estudou Vygotsky ndash
durante sua curta poreacutem brilhante carreira como pesquisador dos processos de
desenvolvimento humano ndash o meio eacute um fator preponderante para a formaccedilatildeo do sujeito
Portanto eacute inegaacutevel que essa cidade eacute parte importante daquilo ―que me move algo que me
constituiu e ainda me constitui Muito do que hoje penso sou ou quero ser tem ligaccedilatildeo direta
com esse periacuteodo com as experiecircncias e vivecircncias que me foram comuns agravequela eacutepoca Isso
alude ao pensamento marxista ao qual nos filiamos em entender o sujeito como sendo ele o
resultado de muacuteltiplos e complexos processos histoacutericos e sociais
Paulo Freire ao trazer agrave tona a importacircncia do lugar das pessoas suas vivecircncias e
experiecircncias como parte integrante da formaccedilatildeo humana do sujeito assim como apontar para
o lugar como produtor de conhecimentos e conteuacutedos me eacute fulcro de compactuaccedilatildeo e
arcabouccedilo teoacuterico e metodoloacutegico Ao me referir ao termo lugar gostaria que o entendimento
fosse aquele trabalhado pelo movimento da Educaccedilatildeo do Campo na contemporaneidade ou
seja como postula (CALDART Et Al 2012) o lugar como sendo constituinte do sujeito e de
sua historicidade natildeo como lugar de moradia tatildeo somente
11
12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES
De uma famiacutelia composta por oito pessoas pai matildee trecircs filhos e trecircs filhas certa vez
li em uma dessas revistas que o filho mais novo chamado caccedilula tem mais probabilidade de
se destacar e vir a ser um grande sujeito socialmente falando e ainda trazia algumas provas de
grandes nomes sobretudo da ciecircncia que se tornaram pessoas conhecidas mundialmente pelas
suas faccedilanhas e descobertas Entretanto sigo outra linha de raciociacutenio coloco-me numa
posiccedilatildeo mais racional e frontalmente de encontro a uma visatildeo platocircnica determinista e
meritocraacutetica de sucesso ―A igualdade de oportunidadelsquo eacute ponto importante da ideologia
capitalista pois garantiria aos mais capazes aos mais esforccedilados aos que trabalham durolsquo o
acesso agraves melhores posiccedilotildees (ROSSI 1980 p 71) Ora no meu caso ser o mais novo me
eximiu de uma eacutepoca natildeo muito remota na qual a condiccedilatildeo social da populaccedilatildeo brasileira era
bastante precaacuteria e o Ensino Superior privileacutegio restrito agrave classe dominante
Depois do esgotamento da Ditadura Militar inicia o periacuteodo chamado Nova Repuacuteblica
ou Transiccedilatildeo democraacutetica poreacutem Saviani (2008) chamou ―transiccedilatildeo conservadorardquo pois o
periacuteodo resguardou a velha formaccedilatildeo social advinda da classe dominante do periacuteodo
ditatorial
A transiccedilatildeo que se operou no Brasil se iniciou com a ―distensatildeo lenta
gradual e segura formulada em 1974 no Governo Geisel e prosseguiu com
a ―abertura democraacutetica a partir de 1979 no Governo Figueiredo
desembocando na Nova Repuacuteblica em 1985 que guindou a posiccedilatildeo de
presidente da Repuacuteblica o ex-presidente do partido de sustentaccedilatildeo do regime
militar (SAVIANI 2008 p 414)
Assim o periacuteodo esperanccediloso que se desenhara com o fim da Ditadura acabou
mantendo grande parte de sua formaccedilatildeo anterior uma vez que continuou a relaccedilatildeo opressor e
oprimido e a interminaacutevel exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo dos trabalhadores ainda que numa
relaccedilatildeo mais decantada e disfarccedilada com outras formas de dominaccedilatildeo e violecircncia Esse
cenaacuterio explica em boa medida as grandes dificuldades econocircmicas perpassadas no cotidiano
da populaccedilatildeo brasileira no periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo
Voltando agraves minhas experiecircncias entendo que se durante minha infacircncia natildeo enfrentei
grandes dificuldades devo isso agrave batalha de um agricultor que ―trabalhava alugado ou ―de
meia e a uma ―dona de casa lavadeira que depois passa a funcionaacuteria puacuteblica ou seja meu
pai e minha matildee Se fui o primeiro da minha famiacutelia a adentrar os altos e quase impenetraacuteveis
12
muros da universidade puacuteblica brasileira natildeo eacute porque sou o melhor dos meus irmatildeos sou na
verdade parte de uma estatiacutestica que aponta para a sensibilidade de um governo cujo foco
principal foi a aacuterea social e a educaccedilatildeo Uma vez coadunada essas duas aacutereas eu fui um dos
muitos jovens negros advindo da classe trabalhadora que foi contemplado por uma
importante poliacutetica soacutecio-educacional do entatildeo Governo Luiacutes Inaacutecio Lula da Silva (2002-2006
e 2006-2010) que tem como uma de suas bases a abertura e expansatildeo das universidades
puacuteblicas
Obviamente que a forccedila de vontade e os esforccedilos pessoais foram reais mas nunca fui
partidaacuterio do discurso meritocraacutetico e do Estado democraacutetico de direito que prega a igualdade
de oportunidade para todos transferindo agraves pessoas o ocircnus pelo seu fracasso social como se a
ascensatildeo dependesse exclusivamente da vontade individual do sujeito O pensamento liberal
afirma que a escola eacute igual para todos e que portanto cada um chega onde suas capacidades e
seu trabalho pessoal lhes permite (SACRISTAacuteN GOacuteMEZ 1998)
Ainda com o objetivo de entender ―o que me move e ―o que me constitui gostaria de
voltar ao relato da minha infacircncia Ainda pequeno moramos no Siacutetio4 Humaitaacute proacuteximo agrave
zona urbana espaccedilo que foi tomado pelo raacutepido crescimento que a cidade adquiriu Na eacutepoca
em que moramos no Humaitaacute que remete aos idos de 1987 devido a fase de vida ainda muito
incipiente poucas satildeo as lembranccedilas desse periacuteodo salvo raras imagens esmaecidas pelos
anos que passaram Desse periacuteodo restou-me muito mais histoacuterias relatadas por meus pais e
irmatildeos mais velhos do que lembranccedilas propriamente minhas No entanto dois fatores fazem
com que essa estadia tenha curta duraccedilatildeo fazendo a famiacutelia retornar agrave cidade a saber os
terremotos5 que foram frequentes nesse periacuteodo e o medo de um bandido chamado Joatildeo
Barauna que oprimia a populaccedilatildeo local
4 O siacutetio eacute o lugar do trabalho por excelecircncia Mas ele eacute igualmente o resultado do trabalho pois eacute um espaccedilo
construiacutedo melhor dizendo um conjunto de espaccedilos articulados entre si que lhe permite organizar-se como um
sistema de insumos e produtos Esse espaccedilo eacute o resultado tambeacutem de um processo histoacuterico secular em que o
ambiente foi alterado com a gradativa eliminaccedilatildeo da cobertura vegetal original e de todo o ecossistema que lhe
era associado (WOORTMANN 1997 p 27)
5 No ano de 1986 grandes abalos siacutesmicos apavoraram moradores do Rio Grande do Norte o epicentro era Joatildeo
Cacircmara no entanto todo o Estado fora atingido com maior ou menor intensidade por falta de informaccedilotildees e
explicaccedilotildees muitas pessoas entraram em pacircnico e deixaram suas casas (Arquivo Tribuna do Norte)
13
Meu pai sempre repete que ―naquela eacutepoca tinha que votar e vir pra casa natildeo podia
ficar em turminhas na rua depois da votaccedilatildeo isso nos mostra que embora estiveacutessemos no
processo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes ainda havia a sombra dos ―anos de chumbo que por
mais de vinte anos garantiu a perpetuaccedilatildeo de um regime autoritaacuterio e ditatorial em nosso paiacutes
que causou feridas cujas cicatrizes ainda satildeo visiacuteveis
Em 1987 voltamos para a rua6 Minha matildee Francisca Maria (Dona Tecirc) dividia seu
tempo entre lavagens de roupa ―de ganho tarefas do lar aleacutem de assumir emprego de
funcionaacuteria puacuteblica do municiacutepio na funccedilatildeo de zeladora da igreja catoacutelica da cidade Meu pai
Luiz Gomes (Seu Lucas) trabalhava nas atividades da agricultura e desempenhava a arte da
caccedila como poucos Como natildeo detinha posses de terras ele ―alugava sua forccedila de trabalho em
sucessivas ―diaacuterias em terras alheias Quando natildeo era alugado ele trabalhava em terras de
outros natildeo por dinheiro mas numa relaccedilatildeo que em muito lembra as relaccedilotildees feudais do
periacuteodo Medieval na Europa ou seja a troca de trabalho por trabalho
Erik Wolf trabalha o termo ―aluguel como um processo no qual ―esse camponecircs
estava sujeito agrave relaccedilatildeo assimeacutetrica de poder o que lhe acarretava um ocircnus permanente em
sua produccedilatildeo (WOLF 1976 p 22) Assim em um modelo bastante parecido com o
desenhado por Wolf meu pai trabalhava a terra de um grande proprietaacuterio a troco de uma
porcentagem que girava em torno de 30 a 50 (terccedila e meia respectivamente) do que era
produzido isso acarreta uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo contiacutenua e demasiadamente nociva para o
trabalhador
Em meio a essa batalha que meus pais travavam diariamente para manter a famiacutelia
inicio minha trajetoacuteria escolar No meu percurso natildeo frequentei creches ou preacute-escolas
Ingressei na antiga 1ordf Seacuterie do Ensino Fundamental jaacute com algumas habilidades na leitura e na
escrita isso devido agrave dedicaccedilatildeo da minha irmatilde Ana de Faacutetima (Aninha) que sempre reservara
um tempo para ensinar aos irmatildeos mais novos Mesmo sendo reprovado na 2ordf Seacuterie do Ensino
Fundamental natildeo tive grandes dificuldades nas seacuteries seguintes Salvo uma ou outra aula de
reforccedilo que muito mais constrangia do que auxiliava no processo de aquisiccedilatildeo da liacutengua
escrita
6 Rua eacute termo francamente usado por populaccedilotildees do campo para designar cidade
14
Eacute importante refletirmos sobre o quatildeo marcante pode ser a escola na vida de uma
crianccedila Varela e Alvarez-Uria (1996) no texto ―a maquinaria escolar afirmam que embora
seja uma instituiccedilatildeo recente a escola deteacutem grande influecircncia sobre a sociedade Assim foi
comigo as marcas e as lembranccedilas do processo educacional escolar que ainda hoje satildeo
evidentes
Jaacute no Ensino Meacutedio o desempenho foi mais consciente comecei a desenvolver um
gosto muito grande pelas ciecircncias humanas e Histoacuteria Geografia e Portuguecircs eram as
disciplinas as quais eu dedicava grande parte do meu tempo Nesse momento estaacutevamos
morando no Siacutetio Figueira o ano eacute 2003 ano que passei a trabalhar tanto nas atividades da
roccedila com o meu pai ndash a condiccedilatildeo jaacute natildeo era mais de tamanha exploraccedilatildeo como outrora a
terra ainda era arrendada no entanto esse tratado agora se passava atraveacutes de laccedilos de
parentesco ndash como nas atividades da construccedilatildeo civil com meu irmatildeo mais velho Ary Gomes
Apesar da grande quantidade de pessoas que imigram do campo agrave cidade natildeo haacute nenhuma
profissatildeo segundo os estudos comparados nas quais maior porcentagem de filhos siga a
profissatildeo dos pais do que entre agricultores (MARTINS apud SOLARI 1986) Minha
caminhada mostra que fugi a regra entretanto hoje resguardo grande admiraccedilatildeo e respeito
agravequeles e aquelas que labutam e vivem nada terra
Mesmo em atividades bastante adversas sempre reservara um horaacuterio do dia agraves
atividades de leitura e redaccedilatildeo Em 2004 prestes a terminar o Ensino Meacutedio simplesmente
natildeo sabia o que significava fazer vestibular Hoje a situaccedilatildeo tem mudando mas isso era
recorrente nas classes mais pobres da populaccedilatildeo uma vez que a universidade natildeo eacute um desejo
almejado pela classe trabalhadora natildeo por desinteresse mas pela falta de informaccedilatildeo e
visualizaccedilatildeo dessa possibilidade que parece distante aos filhos das classes populares Pelo
contraacuterio se propaga o discurso que ao teacutermino do 3ordm ano do Ensino Meacutedio o sujeito
―terminou os estudos Aleacutem disso historicamente se praticou uma educaccedilatildeo cujo foco estaacute
diretamente relacionado agrave classe social a qual o sujeito pertence ou seja agraves classes
trabalhadoras uma educaccedilatildeo elementar uma vez que essa basta agravequeles que iratildeo desempenhar
funccedilotildees manuais ao passo que agraves classes ricas desenhou-se uma educaccedilatildeo para o Ensino
Superior Essa loacutegica eacute facilmente evidenciada no Governo de Fernando Henrique Cardoso
quando ―prioriza o Ensino Fundamental em detrimento do Meacutedio teacutecnico e superior
15
Entre 2005 e o iniacutecio de 2007 trabalhei incessantemente na construccedilatildeo civil ainda
assim continuei a reservar pequenos horaacuterios para me dedicar agraves leituras Ao realizar o
vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte ndash UFRN natildeo tive dificuldade em
ingressar no Curso de Pedagogia daquela instituiccedilatildeo o que atribuo principalmente agrave praacutetica
dessas leituras O motivo da escolha do curso ateacute hoje me eacute uma incoacutegnita poreacutem uma
hipoacutetese consideraacutevel pode ter ligaccedilatildeo com a baixa concorrecircncia
No mesmo ano 2007 fui morar em Natal para dar iniacutecio ao Curso Morador de
Residecircncia Universitaacuteria me dediquei logo na chegada agraves atividade de militacircncia estudantil
em prol dos estudantes de origem popular que moradores do interior do Estado necessitavam
da Residecircncia em Natal Assim durante toda a minha estadia na Residecircncia Universitaacuteria me
dediquei agrave organizaccedilatildeo dos estudantes na busca por mais vagas nas Residecircncias e melhorias
estruturais naquelas existentes
Devido a essa atuaccedilatildeo concorri agrave gestatildeo do Diretoacuterio Central dos Estudantes (DCE)
da UFRN e logramos ecircxito Uma responsabilidade que resolvi encarar enquanto possibilidade
de fazer algo mais A experiecircncia indubitavelmente me foi rica durante um ano estive a frente
do DCE buscando mais uma vez organizar os estudantes coletivamente
Os cinco anos de graduaccedilatildeo passados na Residecircncia me foram de grande importacircncia
primeiramente do ponto de vista econocircmico jaacute que eu natildeo possuiacutea condiccedilotildees financeiras de
me manter fora dela Outro ponto importante foi a convivecircncia com a complexidade das
diversas aacutereas dos conhecimentos isso me garantiu uma formaccedilatildeo que em muito me ajudou
na vida apoacutes minha saiacuteda daquele recinto
Com a aproximaccedilatildeo do teacutermino da graduaccedilatildeo logo veio o desejo de continuar
galgando os degraus do conhecimento buscando aprofundar-me atraveacutes do Mestrado Tal
propoacutesito confirmou-se com a abertura do processo seletivo da Universidade Federal da
Paraiacuteba No mestrado da UFPB encontrei na figura da Professora Doutora Rita de Cassia
Cavalcanti Porto incentivo e orientaccedilatildeo pra continuar os estudos na aacuterea da Educaccedilatildeo do
Campo poreacutem enfatizando nessa reflexatildeo o pensamento e a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire
Ainda eacute de grande importacircncia destacar a atuaccedilatildeo no estaacutegio docente junto a turma de
Pedagogia da UFPB participaccedilatildeo no Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares
16
(GEPPC) desta mesma universidade e a vitoacuteria de vivenciar a criaccedilatildeo do Grupo de Estudos e
Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF)7
13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR
Imbuiacutedo de relativa consciecircncia poliacutetico-social no ano de 2008 me aproximei da
militacircncia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Rio Grande do
Norte
Segundo Miguel Carter (2010) o surgimento do MST pode ser dividido em diferentes
momentos para ele
O primeiro periacuteodo eacute a gestaccedilatildeo do MST (1979-1984) Esse periacuteodo que
precede a fundaccedilatildeo oficial do Movimento eacute fundamental para compreender
as bases de seu processo de formaccedilatildeo O segundo periacuteodo eacute o de
consolidaccedilatildeo (1985-1989) que se caracteriza pela ampliaccedilatildeo das accedilotildees do
movimento em escala nacional por meio de seu estabelecimento em todas as
regiotildees do paiacutes e a configuraccedilatildeo de sua estrutura organizativa O terceiro
periacuteodo eacute de institucionalizaccedilatildeo (1990 ateacute o presente) Nesse tempo o MST
se torna o principal interlocutor do governo federal a respeito da reforma
agraacuteria e eacute reconhecido internacionalmente (CARTER 2010 p 163)
Quando conheci o Movimento no RN fiquei muito animado Conhecer o Centro de
Capacitaccedilatildeo Patativa do Assareacute em Cearaacute - MirimRN e contribuir em algumas atividades
teve significativa importacircncia para minha formaccedilatildeo Entre 2010-2011 ingressei no Grupo de
Estudo Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo (TRAMSE)
Esse grupo coordenado pelo Professor Alessandro Augusto de Azevedo desenvolveu a
organizaccedilatildeo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte em parceria com o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (PRONERA
DECRETO Nordm 7352 de 2010) O curso se destina a formaccedilatildeo de assentados da Reforma
7 O Grupo de Estudos e Pesquisas Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) Coordenado pela Professora Drordf Rita de
Cassia Cavalcanti Porto procura identificar e analisar a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire na
perspectiva da reinvenccedilatildeo nas poliacuteticas e praacuteticas emancipadoras curriculares de formaccedilatildeo de professores nos
sistemas puacuteblicos de ensino bem como socializar com gestores pesquisadores e educadores o legado freireano
para a educaccedilatildeo
17
Agraacuteria Minha atuaccedilatildeo no grupo compreendia a monitoria da turma durante as aulas e
estudos teoacutericos nos intervalos do curso
O MST surge no Rio Grande do Norte em decorrecircncia do 5ordm Encontro Nacional do
Movimento realizado em 1989 que definiu a continuidade de sua expansatildeo pelo Brasil em
pressionar o governo pela realizaccedilatildeo da reforma agraacuteria A primeira ocupaccedilatildeo do MST no Rio
Grande do Norte ocorreu no Vale do Assu com 20 famiacutelias na Fazenda Bom Futuro que fica
localizada no Municiacutepio de JanduiacutesRN (RIBEIRO 2002) Desde aquela eacutepoca ateacute hoje
muita coisa aconteceu e muita coisa mudou O Movimento se tornou fundamental no
enfrentamento das grandes questotildees acerca da terra no Rio Grande do Norte
O interesse pela temaacutetica da Educaccedilatildeo do Campo tornou-se evidente devido a
aproximaccedilatildeo com o MST e com a monitoria do curso de Pedagogia da Terra No MST
percebi que muitos dos termos da educaccedilatildeo e das praacuteticas educativas eram ressignificadas
pelo Movimento e que este tinha forte influecircncia da Pedagogia Freireana o que
indubitavelmente tornou-se porta de entrada para aprofundar meus estudos e interesses sobre
a temaacutetica a Educaccedilatildeo do Campo
Investigar a relaccedilatildeo entre os sujeitos do campo e a universidade passou a ser meu
principal interesse e por conseguinte tema da minha monografia ―Veredas da Pedagogia da
Terra anaacutelise reflexiva de um percurso (SILVA FILHO 2011) Nesse trabalho procurei
refletir sobre o Curso de Pedagogia da Terra enquanto uma educaccedilatildeo voltada agraves populaccedilotildees
do campo e sua relaccedilatildeo com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Esses relatos de experiecircncias e autobiografia como entende Antocircnio Chizzotti (2006)
representam em boa medida um caminho trilhado as relaccedilotildees afetivas os desejos a histoacuteria
satildeo partes que nos atravessam e que nos constitui tambeacutem A academia costuma nos dissecar
tornar o pesquisador mais pesquisador do que gente quando a relaccedilatildeo eacute justamente o
contraacuterio Os sujeitos aparecem como a-histoacutericos natildeo tecircm famiacutelia natildeo tecircm amores natildeo tecircm
lugares Esses escritos iniciais tecircm justamente essa finalidade situar o pesquisador antes de
tudo como gente como sujeito que como escrevera Freire (2012) estaacute no mundo mas
tambeacutem com o mundo e com os outros
18
14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO A
PRAacuteXIS FREIREANA COMO SUPORTE PARA ESSE ESTUDO
Para garantirmos a consubstancialidade deste estudo a contextualizaccedilatildeo dos fatos
tanto no tempo histoacuterico como no espaccedilo foi ponto de constante atenccedilatildeo Natildeo queremos
jamais cair no equiacutevoco de excluir essas categorias da nossa pesquisa sobretudo preocupamo-
nos em natildeo perder o homem como inventor da histoacuteria como produto e produtor dessa
narrativa
Nesse mesmo sentido Ball (2011 p38) critica a pesquisa cujo sentido esteja
desvinculado dos fenocircmenos sociais e histoacutericos de que eacute resultado ―Haacute eacute claro aspectos
temporais adicionais nos processos poliacuteticos e nas anaacutelises desses processos mas na praacutetica
muitas pesquisas sobre poliacuteticas educacionais natildeo tem nenhum sentido de tempo O aspecto
negligenciado mais oacutebvio eacute um extravagante a-historicismo
Gatti (2007 p11) afirma que a pesquisa em educaccedilatildeo no Brasil vem se configurando
como um campo em consolidaccedilatildeo ―Nos uacuteltimos anos pode-se observar um aumento
significativo de pesquisas publicaccedilotildees grupos de pesquisa linhas de pesquisa em programas
de poacutes-graduaccedilatildeo e eventos especiacuteficos sobre poliacuteticas sociais e educacionais
No seacuteculo XIV Agriacutecola havia aconselhado aos seus contemporacircneos que
―Considerem suspeito tudo o que lhes havia sido ensinado ateacute entatildeo e o
mesmo aconselhava jaacute no seacuteculo XVI Bacon Descartes e Pascal ―O
primeiro afirmara que a verdade muda com o tempo o segundo que soacute a
evidecircncia poderia convencer algueacutem ao passo que o terceiro insistia em que
a experimentaccedilatildeo era o uacutenico criteacuterio seguro no campo cientiacutefico (PONCE
2010 p126 grifo do autor)
As pesquisas e suas configuraccedilotildees variaram muito ateacute os tempos de hoje alguns
pesquisadores se filiam agraves novas tendecircncias outros permanecem crentes da consistecircncia da
corrente teoacuterica a qual satildeo simpaacuteticos e acreditam que essa linha de pensamento ainda daacute
conta de forma satisfatoacuteria do entendimento e da criacutetica necessaacuteria agraves questotildees que a realidade
enseja
19
Desse modo continuamos nos filiando agrave corrente histoacuterico-criacutetico de analisar a
realidade com base no materialismo histoacuterico-dialeacutetico e na praacutexis educativa de Paulo Freire
uma vez que nessa perspectiva ―o estudo ontoloacutegico do ser social natildeo prescinde o estudo da
gecircnese histoacuterica da especificidade da sociedade (SAVIANI DUARTE 2012 p 37) ―A
pesquisa natildeo eacute de modo algum na praacutetica uma reproduccedilatildeo fria das regras que vemos em
alguns manuais O proacuteprio comportamento do pesquisador em seu trabalho eacute-lhe peculiar e
caracteriacutestico (GATTI 2007 p 11) Isso se deve indubitavelmente a um complexo de
muacuteltiplos condicionamentos que constituem o pesquisador enquanto ser histoacuterico Enquanto
gente
Este conhecimento como objeto de dado alheio a qualquer traccedilo de
subjetividade elimina qualquer perspectiva de colocar a busca cientiacutefica ao
serviccedilo das necessidades humanas para resolver problemas praacuteticos O
investigador estuda os fatos pela proacutepria ciecircncia pelo propoacutesito superior da
alma humana de saber Natildeo estaacute interessando em conhecer as consequumlecircncias
de seus achados Este propoacutesito de espiacuterito positivo engendrou uma
dimensatildeo que foi defendida com muito entusiasmo e ainda hoje em alguns
meios se levanta como bandeira verdadeira a da neutralidade da ciecircncia
(TRIVINtildeOS 1987 p 37)
Para noacutes a busca pelo conhecimento eacute ponto nevraacutelgico para contribuir com o atual
debate da Educaccedilatildeo do Campo e com a Pedagogia Paulo Freire Nessa perspectiva estudar
esse fenocircmeno sem fim nem finalidade seria ignomiacutenia da nossa parte
Pensando numa perspectiva teoacuterica que atenda aos interesses almejados e tendo em
vista a realidade social e concreta na qual estamos imersos assim como as disputas inerentes
ao tecircnue e conflitante tecido social temos como metodologia o materialismo histoacuterico
dialeacutetico e a praacutexis educativa de Paulo Freire pois esta perspectiva vincula de forma
satisfatoacuteria as questotildees abordadas nesse estudo agrave dinacircmica da realidade material dos sujeitos
envolvidos e reflete a construccedilatildeo histoacuterica dos fenocircmenos com destaque para as
transformaccedilotildees sociais que esta construccedilatildeo enseja
A compreensatildeo da praacutexis educativa em Paulo Freire se encontra diluiacuteda em toda a sua
pedagogia como essa pedagogia eacute bastante ampla abordaremos os principais elementos que
se encontram ligados ao materialismo histoacuterico dialeacutetico procurando dialogar as interfaces
dessas teorias e como elas contribuem para o entendimento da realidade Na praacutexis educativa
de Freire assim como no materialismo histoacuterico dialeacutetico a mera especulaccedilatildeo filosoacutefica natildeo
20
garante subsiacutedio natildeo basta apenas interpretar o mundo eacute preciso tratar de transformaacute-lo
(FREIRE 1983)
A histoacuteria da dialeacutetica eacute demasiadamente longa por isso natildeo pretendemos aprofundar
essa temaacutetica esclarecemos apenas que nesse trabalho adotamos aquela cujo vieacutes eacute marxista
em que pese haver uma vasta gama de outras possiacuteveis compreensotildees da dialeacutetica A
concepccedilatildeo marxista encontra suporte no materialismo e na histoacuteria para a explicaccedilatildeo dos
fenocircmenos
Na produccedilatildeo social da sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees
determinadas necessaacuterias independente da sua vontade relaccedilotildees de
produccedilatildeo que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das
forccedilas produtivas materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui
a estrutura econocircmica da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva
uma superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas
formas de consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida material
condiciona o desenvolvimento da vida social poliacutetica e intelectual em geral
Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o seu ser eacute o seu ser social
que inversamente determina a sua consciecircncia (MARX 1973 p 28-28)
Esforccedilamo-nos em compreender como a histoacuteria da Educaccedilatildeo do Campo bebe da
Pedagogia Paulo Freire onde se intercalam e como dialeticamente se aproximam Cheptulin
(1982) aponta para dialeacutetica como sendo formas gerais de estudar o ser os aspectos e os laccedilos
gerais da realidade as leis do reflexo desta uacuteltima na consciecircncia dos homens pensamento
fortemente presente na pedagogia freireana em que o ponto de partida da histoacuteria e da
realidade satildeo os sujeitos reais (FREIRE 2011)
Gadotti (1983) nos ajuda a situar a dialeacutetica materialista dentro de uma concepccedilatildeo
metodoloacutegica
Natildeo se trata de pensar toda a histoacuteria da educaccedilatildeo pois o que teriacuteamos seria
o ponto de vista da dialeacutetica ou melhor uma leitura dialeacutetica do que foi a
educaccedilatildeo ateacute hoje Eacute o que jaacute fez por exemplo o grande filoacutesofo e
historiador argentino Anibal Ponce mostrando como a educaccedilatildeo enquanto
fenocircmeno social ligado a superestrutura soacute pode ser compreendida atraveacutes
da anaacutelise soacutecio-econocircmica da sociedade que a matem [] O meacuterito de
Anibal Ponce estaacute justamente em colocar em evidecircncia o princiacutepio da
dialeacutetica da relaccedilatildeo entre a consciecircncia e a estrutura econocircmica mostrando
como a luta pelo direito a educaccedilatildeo e agrave cultura acompanhou a luta pelos
demais direitos enfim a educaccedilatildeo natildeo estaacute separada da luta de classe
(GADOTTI 1983 p 39-40)
21
O Materialismo histoacuterico-dialeacutetico eacute a ciecircncia filosoacutefica do marxismo que estuda as
leis socioloacutegicas que caracterizam a vida da sociedade de sua evoluccedilatildeo histoacuterica e da praacutetica
social dos homens no desenvolvimento da humanidade O Materialismo histoacuterico significou
uma mudanccedila fundamental na interpretaccedilatildeo dos fenocircmenos sociais que ateacute o nascimento do
marxismo se apoiava na concepccedilatildeo idealista de sociedade humana (TRIVINtildeOS 1987)
Quando eacute adotada a perspectiva materialista histoacuterico-dialeacutetica o
desenvolvimento da humanidade eacute analisado como um processo histoacuterico
contraditoacuterio heterogecircneo que se realiza por meio das concretas relaccedilotildees
sociais de dominaccedilatildeo que tem caracterizado a histoacuteria da humanidade ateacute
aqui (SAVIANI DUARTE 2012 p 39)
Karel Kosik autor da ―Dialeacutetica do concreto publicado em 1963 um dos mais
eminentes expoentes do marxismo trabalha a realidade em sua totalidade natildeo se limita as
anaacutelises das partes mas procura estabelecer o caraacuteter dialeacutetico entre as partes e o todo Ele
analisa a ―realidade como um todo estruturado dialeacutetico no qual ou do qual um fator
qualquer (classes de fatos conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido
(KOSIK 2010 p 44) o que configura uma compreensatildeo bastante satisfatoacuteria para nossa
anaacutelise cujo objetivo eacute entender como as diferentes partes de uma realidade formam o
fenocircmeno abordado
Na pedagogia freireana cujo assento eacute a praacutexis educativa a compreensatildeo da realidade
eacute ponto chave para a tomada de conscientizaccedilatildeo dos sujeitos Para Freire (1987) a realidade eacute
construiacuteda historicamente sendo passiva de mudanccedila nega-se assim o determinismo de uma
realidade estaacutetica pronta imutaacutevel Para ele a superaccedilatildeo do estado de opressatildeo eacute uma tarefa
ontoloacutegica do homem
Esta superaccedilatildeo natildeo pode dar-se poreacutem em termos puramente idealistas Se
faz indispensaacutevel aos oprimidos para a luta por sua libertaccedilatildeo que a
realidade concreta de opressatildeo jaacute natildeo seja para eles uma espeacutecie de ―mundo
fechado (em que se gera o seu medo da liberdade) do qual natildeo pudessem
sair mas uma situaccedilatildeo que apenas os limita e que eles podem transformar eacute
fundamental entatildeo que ao reconhecerem o limite que a realidade opressora
lhes impotildee tenham neste reconhecimento o motor de sua accedilatildeo libertadora
(FREIRE 1987 p 19)
Nesse sentido nos aproximamos de um materialismo praacutetico cujo princiacutepio natildeo se
pretende a captar a realidade sob forma de objeto ou como mera contemplaccedilatildeo Isso rompe
com a oposiccedilatildeo estanque sujeitoobjeto e concebe alternativamente a atividade humana como
22
uma atividade objetiva e transformadora ao mesmo tempo Desse modo o homem eacute
simultaneamente fruto das circunstacircncias histoacutericas e agente de mudanccedila das mesmas
Na contribuiccedilatildeo deste estudo optamos por uma investigaccedilatildeo no campo da pesquisa
qualitativa realizando um levantamento bibliograacutefico e uma anaacutelise documental Segundo Gil
(2002 p46)
O desenvolvimento da pesquisa documental segue os mesmos passos da
pesquisa bibliograacutefica Apenas cabe considerar que enquanto na pesquisa
bibliograacutefica as fontes satildeo constituiacutedas sobretudo por material impresso
localizados nas bibliotecas na pesquisa documental as fontes satildeo muito
mais diversificadas e dispersas
A par disso realizamos uma busca em documentos da Universidade do Curso de
Pedagogia e tambeacutem da Comissatildeo Permanente de Vestibular (COMPERVE) e nos ocupamos
em analisar os documentos norteadores do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte uma vez que este constitui nosso recorte analiacutetico
Devido agrave dificuldade de realizarmos uma pesquisa com todos os estudantes do Curso
espalhados por todo o Estado do Rio Grande do Norte concordamos com Gil (2002 p46)
quando afirma que ―Outra vantagem da pesquisa documental eacute natildeo exigir contato com os
sujeitos da pesquisa Eacute sabido que em muitos casos o contato com os sujeitos eacute difiacutecil ou ateacute
mesmo impossiacutevel Em outros a informaccedilatildeo proporcionada pelos sujeitos eacute prejudicada pelas
circunstacircncias que envolvem o contato
Para dialogar com essa perspectiva metodoloacutegica trabalhamos com autores cujo
assento eacute tanto a resistecircncia como na transformaccedilatildeo do status quo social como a
organizaccedilatildeo coletiva na busca por direitos historicamente negados Nesse sentido Aroyo
(2011 2009) Caldart (2012 2010) Freire (1983 1991 2011 2012) Gadotti (1983 1996
2000) Ribeiro (2010) Saviani (2008) Apple (2012) Giroux (1986) entre outros Aleacutem disso
a anaacutelise dos marcos legais que norteiam a Educaccedilatildeo do Campo tambeacutem foi de grande
importacircncia para a formulaccedilatildeo da nossa base de sustentaccedilatildeo
Por fim entendemos que na pesquisa social haacute uma relaccedilatildeo definitiva entre o
pesquisador e o seu campo de estudo ―A visatildeo do mundo de ambos estaacute implicada em todo
23
processo de conhecimento desde a concepccedilatildeo do sujeito aos resultados do trabalho e agrave sua
aplicaccedilatildeo (DESLANDES et al 1994 p 14) Seguindo essa linha percebemos o quatildeo
proacuteximos estamos de todas essas questotildees trabalhadas e na verdade que nossas escolhas
nosso objetivo nossa metodologia natildeo eacute nem poderia ser obra do acaso eacute na verdade fruto
da nossa formaccedilatildeo social enquanto o sujeito mas sobretudo enquanto gente
24
2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO
PRA PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER
Natildeo quero dizer poreacutem que porque esperanccediloso
atribuo a minha esperanccedila o poder de transformar a
realidade e assim convencido parto para o embate sem
levar em consideraccedilatildeo os dados concretos materiais
afirmando que minha esperanccedila basta Minha esperanccedila
eacute necessaacuteria mas natildeo eacute suficiente Ela soacute natildeo ganha a
luta mas sem ela a luta fraqueja e titubeia Precisamos
da esperanccedila criacutetica como o peixe necessita da aacutegua
despoluiacuteda
Paulo Freire Pedagogia da Esperanccedila 1992
21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO
EDUCACIONAL
A Reforma do Estado e a reestruturaccedilatildeo produtiva das deacutecadas de 1980 e 1990 assim
como a consolidaccedilatildeo das poliacuteticas neoliberais no campo econocircmico e social representam um
divisor quando nos referimos agrave atuaccedilatildeo do Estado frente agrave garantia de poliacuteticas (SADER
GENTILI 1995) Essas transformaccedilotildees tecircm significativa influecircncia no campo educacional e
eacute disso que trataremos agora
Luiz Fernandes Dourado em palestra no X Encontro Estadual da ANFOPE-PB e IX
Encontro Regional - NE ANFOPE realizado em Campina Grande ndash PB em 2012 afirma que
natildeo se pode compreender as poliacuteticas educacionais se natildeo fizer isso de maneira
contextualizada quais sejam as condiccedilotildees objetivas em que elas satildeo produzidas Obviamente
a economia tem papel de destaque na determinaccedilatildeo dessas condiccedilotildees Silva (2011) tratando a
questatildeo agrave luz do pensamento de Michael Apple afirma que as caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo
da economia na sociedade capitalista afeta tudo aquilo que ocorre em outras esferas sociais
como a educaccedilatildeo e a cultura por exemplo
Para tanto antes de adentrarmos a reforma do estado e suas implicaccedilotildees na educaccedilatildeo eacute
salutar voltarmos ao entendimento do principal pilar de sustentaccedilatildeo dessa reforma o
25
neoliberalismo Sader e Gentili (1995) e Neves (2005) afirmam que o neoliberalismo nasceu
logo depois da II Guerra Mundial na regiatildeo da Europa e da Ameacuterica do Norte onde imperava
o capitalismo Foi uma reaccedilatildeo teoacuterica e poliacutetica veemente contra o Estado intervencionista de
bem-estar O pensamento neoliberal foi difundido inicialmente no Reino Unido no trabalho
do economista austriacuteaco Frederich Hayek (BALL 2011 SADER GENTILI 1995)
O surgimento do neoliberalismo apoacutes a Segunda Guerra e sua posterior
consolidaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1980 trazem consigo um formidaacutevel
ataque contra o igualitarismo e a solidariedade coletivistalsquo em quaisquer de
suas formas desde a aparentemente mais benigna o Ministeacuterio do Bem-
estarlsquo das sociais-democracias europeacuteias ateacute a mais virulenta (a juiacutezo dos
ideoacutelogos neoliberais) corporificada no modelo sovieacuteticolsquo vigente na Uniatildeo
Sovieacutetica e nos paiacuteses do Leste Europeu Ambas as variantes nas palavras
de Hayek se movimentavam em prol de um mesmo objetivo a construccedilatildeo
de uma sociedade de iguais Eram por isso mesmo rotas alternativas que
desembocavam em um mesmo desastre civilizatoacuterio a servidatildeo moderna
(BORON 2000 p55)
Ainda para Sader e Gentili (na mesma obra) a chegada da grande crise do modelo
econocircmico do poacutes-guerra em 1973 quando todo o mundo capitalista avanccedilado caiu numa
longa e profunda recessatildeo combinando pela primeira vez baixas taxas de crescimento com
altas taxas de inflaccedilatildeo mudou tudo ―A rigidez do fordismo tornou-se um obstaacuteculo para o
crescimento do capitalismo A crise da deacutecada de 1970 foi a expressatildeo do esgotamento de um
modelo baseado na produccedilatildeo em massa de um lado e no chamado Estado de Bem-Estar
social de outro (DEL PINO 2011 p 67) A partir daiacute as ideias neoliberais passaram a
ganhar terreno
Expoente fundamental na difusatildeo do neoliberalismo Margaret Thatcher8 encontra-se
natildeo tanto na negativa da existecircncia de sociedade mas em sua radical e desoladora
reimaginaccedilatildeo da sociedade civil Ela se apoia em um renascimento do individualismo
competitivo e em um novo tipo de cidadatildeo-consumidor (BALL 2011)
As reformas econocircmicas de ―Ajuste estrutural implementadas na Ameacuterica Latina
estatildeo baseadas no que ficou conhecido como ―Consenso de Washington (NASCIMENTO
QUAIOTTI et al1997) Satildeo medidas que visam agrave abertura de economias nacionais
8 13 de outubro de 1925 mdash 8 de abril de 2013
26
desregulaccedilatildeo dos mercados cortes nos gastos sociais flexibilizaccedilatildeo dos direitos trabalhistas
privatizaccedilatildeo das empresas puacuteblicas e o controle do deacuteficit fiscal No Brasil apoacutes a
constituiccedilatildeo de 1988 vaacuterias emendas constitucionais vecircm sendo aprovadas com o objetivo de
desregulamentar a relaccedilatildeo capitaltrabalho (DEL PINO 2011)
Ball (2011p 23) explica que ―durante os uacuteltimos quinze anos temos testemunhado no
Reino Unido e tambeacutem na maioria das outras sociedades do mundo ocidental e das
sociedades desenvolvidas uma profunda transformaccedilatildeo nos princiacutepios de organizaccedilatildeo da
provisatildeo social especialmente no setor puacuteblico Del Pino (2011) citando Boroacuten e
Hobsbawm afirma que essas transformaccedilotildees tambeacutem chegaram a paiacuteses do hemisfeacuterio norte
e sul em especial na Ameacuterica Latina Afirma ainda que o seacuteculo XX que iniciou como o
seacuteculo das massas se despede ―como seacuteculo do desemprego em massa (DEL PINO 2011
p65)
Essa breve cronologia tem como objetivo mostrar de onde vem a discussatildeo A reforma
tem iniacutecio na deacutecada de 80 mas como vimos tem sua gecircnese bem antes ―Na verdade haacute uma
tendecircncia notaacutevel a um ―poacutes-1988 (BALL 2011 p 38) Isso significa que muitos
pesquisadores utilizam a reforma de 1988 como ponto zero excluindo em boa medida o que
a antecedeu
Essa introduccedilatildeo tambeacutem tem como objetivo mostrar as implicaccedilotildees da reestruturaccedilatildeo
produtiva no campo educacional Quais as consequecircncias da reforma pra noacutes pesquisadores
estudantes professores e trabalhadores na educaccedilatildeo em geral De iniacutecio vale salientar que a
reestruturaccedilatildeo tem como uma de suas finalidades a adequaccedilatildeo dos modelos produtivos ao
novo modelo econocircmico insurgente chamado por Ball (2011) ―poacutes-fordismo que
―caracteriza-se pelo aparecimento de setores produtivos inteiramente novos Isso jaacute nos
remete agrave implicaccedilatildeo de que a educaccedilatildeo passa a ser vislumbrada como um campo feacutertil e rico
em potencial a ser explorado pelo mercado capitalista em sua faceta neoliberal
Essas mudanccedilas natildeo se restringem ao campo produtivo mas de forma muito concisa
ao campo da individualidade dos sujeitos das subjetividades ―De este modo no soacutelo nos
encontramos en un momento de imposicioacuten de un determinado modelo de produccioacuten y
distribucioacuten de la riqueza sino ademaacutes en un proceso de resocializacioacuten de reorganizacioacuten
de los sentidos con los cuales conviviacuteamos (ALMANACID ARROYO 2011 p 264) Essa
27
posiccedilatildeo eacute ratificada por Ball (2011 p 32) quando afirma que ―outro aspecto da reestruturaccedilatildeo
eacute a formaccedilatildeo de novas subjetividades profissionaislsquo Natildeo simplesmente o que fazemos
mudou quem noacutes somos as possibilidades de quem deveriacuteamos nos tornar tambeacutem
mudaram
Nesse momento assistimos a educaccedilatildeo brasileira experimentar as consequecircncias
danosas dessa nova dinacircmica advinda do capitalismo em uma fase neoliberal como por
exemplo a ecircnfase na supervalorizaccedilatildeo de iacutendices de qualidade e eficiecircncia Essa construccedilatildeo
teve como assento o pensamento hegemocircnico de que esse seria natildeo somente o melhor
caminho mas tambeacutem o uacutenico para fugir da falecircncia estatal
Sob a ideologia da globalizaccedilatildeo os governos dos paiacuteses dependentes entre
eles o Brasil acenam com a necessidade de integraccedilatildeo agrave economia mundial
dentro dos padrotildees propostos por esta integraccedilatildeo como uacutenico meio de afastar
a degradaccedilatildeo social e o aprofundamento da condiccedilatildeo de pobreza destes paiacuteses
Todavia essa hipoacutetese eacute falsa A integraccedilatildeo atraveacutes do atual padratildeo de
desenvolvimento eacute impossiacutevel (DEL PINO 2011 p66)
A ideologia neoliberal ganha ecircnfase sobretudo com a derrocada dos governos
socialista principalmente com o fim da Uniatildeo Sovieacutetica e do comunismo na Europa Oriental
(SADER GENTILI 1995) Na contramatildeo desse processo emerge uma criacutetica tanta ao novo
modelo de sociedade como ao paradigma vigente de educaccedilatildeo
Com o esgotamento da Ditadura Civil Militar os movimentos sociais emergem e
desempenham papel fundamental na busca de uma pedagogia alternativa e de um modelo de
sociedade no qual o fatalismo ou o discurso poacutes-moderno de ―[] obstaacuteculos insuperaacuteveis
(FREIRE 2012 p 48) natildeo predomine A pedagogia histoacuterico-criacutetica e contra-hegemocircnica
fruto tanto de uma opccedilatildeo ideoloacutegica de sociedade como do periacuteodo de reabertura poliacutetica de
meados da deacutecada de 1980 desempenha papel central nesse momento histoacuterico
Eacute importante destacarmos a colocaccedilatildeo da expressatildeo ―contra-hegemocircnica pois ela
costura este texto por vaacuterios momentos Ainda que Gramsci natildeo tenha trabalhado o conceito
de contra-hegemonia sendo esse uma formulaccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho9 estamos
9 Carlos Nelson Coutinho eacute um dos maiores tradutores da obra de Gramsci no Brasil
28
amparados no inverso desse termo ou seja a hegemonia termo exaustivamente pensado por
Gramsci
A hegemonia seria a capacidade de um grupo social unificar em torno de seu projeto
poliacutetico um bloco mais amplo natildeo homogecircneo marcado por contradiccedilotildees de classe Desse
modo hegemonia eacute algo que se conquista por meio da direccedilatildeo poliacutetica e do consenso e natildeo
mediante a coerccedilatildeo Pressupotildee aleacutem da accedilatildeo poliacutetica a constituiccedilatildeo de uma determinada
moral de uma concepccedilatildeo de mundo numa accedilatildeo que envolve questotildees de ordem cultural na
intenccedilatildeo de que seja instaurado um ―acordo coletivo (GRAMSCI 1991) Para Coutinho
(1999) eacute a busca de uma classe particular para impor seus interesses comuns como interesse
geral da sociedade Nesse sentido a colocaccedilatildeo da expressatildeo contra-hegemonia estaacute
intrinsecamente ligada ao conceito de resistecircncia de luta
Dourado (2012) afirma que se a tradiccedilatildeo do estado brasileiro eacute ainda marcada por um
estado patrimonial em que pese ser este paiacutes a sexta economia do mundo para Fernandes
(1995) eacute um estado ―desigual e combinado Noacutes temos desde o maior avanccedilo tecnoloacutegico a
condiccedilotildees de miserabilidade eacute nesse tensionamento eacute nesse caldeiratildeo cultural social poliacutetico
e racial que vatildeo se traduzindo o horizonte das poliacuteticas puacuteblicas
Dourado (2011) nos mostra que a histoacuteria da educaccedilatildeo brasileira eacute marcada por
disputas entre diferentes projetos de educaccedilatildeo e sociedade O atual debate acerca do Plano
Nacional de Educaccedilatildeo (PNE) apesar de parecer recente data da deacutecada de 1930 quando os
Pioneiros elaboraram o primeiro esboccedilo de Plano arquivado logo em seguida pelo Estado
Novo e totalmente negligenciado pelo Regime Militar
Ainda conforme Dourado (2011 p 23) ―A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 resultante de
amplo processo constituinte avanccedila consideravelmente no campo dos direitos sociais A
Constituiccedilatildeo determina que o Senado crie planos e programas nacionais O primeiro PNE (Lei
nordm 10172 de 09 de janeiro de 2001) foi aprovado no governo Itamar Franco e teria duraccedilatildeo
no Governo Fernando Henrique Cardoso no entanto o Governo do PSDB natildeo considerou o
plano como referencial para suas accedilotildees
Em 2010 com o prazo de vigecircncia do PNE prestes a expirar a sociedade civil
organizada pelo Foacuterum Nacional de Educaccedilatildeo (FNE) realiza a I Conferecircncia Nacional de
29
Educaccedilatildeo (2010) com o objetivo de intervir propositivamente no novo Plano a ser lanccedilado
pelo Congresso Nacional em 2011 O novo Plano Nacional de Educaccedilatildeo (PL 8035) se
configura dentro de um complexo campo de disputas de forccedilas Nesse sentido a sociedade
civil estaacute mais uma vez realizando conferecircncias de educaccedilatildeo municipais intermunicipais
distrital e estadual que culminaratildeo na Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo de 2014 cuja
finalidade eacute garantir a aprovaccedilatildeo de um plano articulado nacionalmente democraacutetico e
popular (CONAE 2014)
Nesse contexto de efervescecircncia eacute de fundamental importacircncia a atuaccedilatildeo dos
movimentos de resistecircncia do campo na luta por educaccedilatildeo Esse movimento contra
hegemocircnico eacute importante para fazer frente agraves poliacuteticas neoliberais que avanccedilam na
contemporaneidade Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo passa a ser vista enquanto
propositiva de uma educaccedilatildeo que escapa tanto agrave pedagogia da hegemonia como ao modelo
rural de educaccedilatildeo que vem sendo destinado aos sujeitos do campo ao longo da histoacuteria
(ARROYO 2009) Mesmo com todas as contradiccedilotildees e ressalvas que satildeo necessaacuterias
estamos pois vendo emergir um contraponto fundamental uma pedagogia politizada
assentada em princiacutepios criacuteticos que tem como foco o sujeito
Feita essa breve retrospectiva histoacuterica iniciamos nesse momento o debate sobre a
Educaccedilatildeo Rural e como a superaccedilatildeo desse paradigma eacute essencial para alcanccedilar a Educaccedilatildeo do
Campo cujos princiacutepios tecircm forte afinidade com a Pedagogia Paulo Freire e questotildees que
reclamam mudanccedilas estruturais no seio da sociedade brasileira
22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA
Apesar de evidenciarmos avanccedilos importantes no campo educacional o analfabetismo
ainda eacute um empecilho para a construccedilatildeo de uma sociedade mais autocircnoma tanto do ponto de
vista do desenvolvimento econocircmico do paiacutes como da emancipaccedilatildeo humana dos seus
cidadatildeos Ainda haacute uma barreira demasiadamente alta que impede os sujeitos de construiacuterem
melhores condiccedilotildees sociais de vida Esse problema se intensifica quando tomamos como foco
de investigaccedilatildeo a zona rural brasileira Segundo dados do uacuteltimo estudo do Instituto de
Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA 2009) os iacutendices referentes ao analfabetismo das
populaccedilotildees do campo por exemplo satildeo sempre superiores quando comparados com as
populaccedilotildees residentes na zona urbana
30
Ainda segundo o estudo no meio rural haacute uma grande desigualdade de renda entre os
ricos e pobres uma vez que os primeiros satildeo os ―donos das terras e os segundos satildeo sempre
aqueles que trabalham nela Sabe-se que em sociedade como a nossa a posse da terra eacute
condiccedilatildeo primaacuteria para ascensatildeo social poliacutetica e econocircmica de um povo
Nas sociedades predominantemente agriacutecolas a propriedade da terra eacute a
principal fonte de poder econocircmico poliacutetico e social Como uma regra
simples podemos afirmar que quanto maior for a quantidade de terra
possuiacuteda maior seraacute o poder de seu proprietaacuterio (FEDER apud SHALIN
1976 p 73 traduccedilatildeo nossa)
A citaccedilatildeo acima nos ajuda a entender por um lado a posiccedilatildeo social privilegiada que as
classes detentoras de terras ocupam ateacute os dias de hoje A concentraccedilatildeo da terra tem causado
ao longo da histoacuteria grandes prejuiacutezos agraves populaccedilotildees do campo a falta de escolas e o
consequente analfabetismo eacute uma marca desse fenocircmeno de privaccedilatildeo Nesse momento eacute
necessaacuterio resgatar a urgecircncia de uma Reforma Agraacuteria popular no Brasil como forma de
atenuar esse grande deacuteficit histoacuterico Freire (2012 p 65) mostra que a natildeo realizaccedilatildeo de uma
reforma agraacuteria seacuteria eacute mais uma forma de manutenccedilatildeo de privileacutegios da classe dominante
[] Ao mesmo tempo contudo arquivam a realizaccedilatildeo de reforma agraacuteria
sem a qual se estrangula qualquer transformaccedilatildeo seacuteria nesse paiacutes Nenhuma
sociedade capitalista moderna deixou de fazer sua reforma agraacuteria
absolutamente indispensaacutevel agrave criaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de um mercado
interno Eacute por isso que jaacute natildeo falam em Reforma Agraacuteria e natildeo porque seja o
seu processo uma velharia e sua realizaccedilatildeo um desrespeito agrave propriedade
privada como afirmam os donos do mundo e das gentes ( FREIRE 2012 p
65)
O monopoacutelio da terra causou feridas profundas cujas cicatrizes ainda estatildeo abertas no
seio da sociedade brasileira e que portanto ainda satildeo condicionantes que a sociedade precisa
enfrentar para alcanccedilar a melhoria de vida das classes trabalhadoras da cidade e do campo
Tomando o analfabetismo como exemplo ―Para a categoria localizaccedilatildeo observa-se
que na populaccedilatildeo rural a taxa de analfabetismo eacute de quase 228 Jaacute para a populaccedilatildeo
urbanametropolitana esse iacutendice eacute de 44 (IPEA 2009 p 10) Esses dados nos auxiliam
na explicitaccedilatildeo de uma realidade extremamente desigual marcada por preconceitos e
esquecimento Natildeo eacute um dado estatiacutestico tatildeo somente mas antes de tudo eacute um flagrante uma
prova da exclusatildeo secular que os sujeitos do campo brasileiro vecircm passando Freire (2011)
31
aponta para esse processo como a negaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo negaccedilatildeo das vocaccedilotildees dos
homens vocaccedilatildeo negada na injusticcedila na exploraccedilatildeo na opressatildeo e na violecircncia dos
opressores
Desse modo o paradigma educacional no qual se assenta a Educaccedilatildeo Rural reside no
bojo do pensamento utilitarista e dominador de uma classe sobre a outra Ribeiro (2012 p
293) afirma que ―[] para definir educaccedilatildeo rural eacute preciso comeccedilar pela identificaccedilatildeo do
sujeito a que ela se destina Isso significa que as pessoas que estatildeo vinculadas a educaccedilatildeo
rural satildeo sujeitos cuja marca do trabalho nas atividades da agricultura lhes eacute fator
determinante Para Erick Wolf haacute uma relaccedilatildeo direta de exploraccedilatildeo que caracteriza o
camponecircs ―eacute somente quando um cultivador esta integrado em uma sociedade com um estado
ndash isto eacute somente quando o cultivador passa a estar sujeito a exigecircncias e sanccedilotildees de
detentores do poder exterior ao seu estrato social ndash que podemos falar propriamente em um
campesinato (WOLF 1976 p 26) Percebe-se assim uma aproximaccedilatildeo histoacuterica entre o
camponecircs e a exploraccedilatildeo do seu trabalho
Arroyo (2009) aponta para o descaso no qual a educaccedilatildeo das populaccedilotildees do campo
esteve submetida historicamente cuja finalidade natildeo ai aleacutem do ensino de teacutecnicas de plantio
e colheita no manuseio da terra Essa visatildeo utilitarista e preconceituosa legitimou os baixos
investimentos as escolas em condiccedilotildees precaacuterias e a pouca formaccedilatildeo dos profissionais
(ARAUacuteJO SILVA 2011) aleacutem disso acirrou a disparidade da escola rural em relaccedilatildeo agrave
escola urbana quando se pensa na qualidade O ensino dos sujeitos do campo foi marcado por
uma condiccedilatildeo humana assentada no pauperismo na exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo da matildeo-de-
obra de forma mais ampla na negaccedilatildeo dos direitos baacutesicos como eacute a educaccedilatildeo
Poreacutem Freire (2012 p 59) os convida a refletir sobre a problemaacutetica e expotildee que
Jaacute deixo claro que nenhuma sociedade se livraraacute desses horrores por decreto
nem tampouco porque um de seus sujeitos fundamentais os dominantes num
gesto amoroso regale uma nova forma de viver aos ―condenados da terra A
superaccedilatildeo desses horrores implica decisatildeo poliacutetica mobilizaccedilatildeo popular
organizaccedilatildeo intervenccedilatildeo poliacutetica lideranccedila luacutecida democraacutetica esperanccedilosa
coerente tolerante
Paulo Freire um dos mais assiacuteduos defensores da Educaccedilatildeo Como Praacutetica da
Liberdade deixa claro que a superaccedilatildeo desse modelo de educaccedilatildeo que aqui podemos associar
a ―educaccedilatildeo bancaacuteria tem como pressuposto intriacutenseco a organizaccedilatildeo da classe trabalhadora
32
dos oprimidos essa libertaccedilatildeo jamais decorreraacute da ―falsa generosidade dos dominadores
(FREIRE 2011)
Esse modelo de educaccedilatildeo representou para escolas rurais grande atraso em relaccedilatildeo ao
processo educativo dos filhos dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo ainda sendo
comum visualizarmos escolas na zona rural em extrema precarizaccedilatildeo O esvaziamento dos
conteuacutedos a distacircncia entre a vida cotidiana dos alunos e o curriacuteculo da escola contribuiu de
forma direta e indiretamente para o abandono da escola pelas crianccedilas seja para ajudarem
seus pais na lida da agricultura ou nas tarefas domeacutesticas Certamente um ―curriacuteculo oculto
(SILVA 2011) contribui para esse processo de pauperismo
A despreocupaccedilatildeo com o trabalho dos sujeitos do campo eacute parte central que
caracteriza a Educaccedilatildeo Rural Haacute uma disparidade uma incongruecircncia muito significativa
entre o dia-a-dia e o que a escola mostra O cotidiano do estudante da escola do campo eacute rico
em diversidades naturais animais relacionais trabalho e no entanto esse cenaacuterio desaparece
no momento em que ele adentra a escola
Destinadas a oferecer conhecimentos elementares de leitura escrita e
operaccedilotildees matemaacuteticas simples mesmo a escola rural multisseriada natildeo tem
cumprido esta funccedilatildeo o que explica as altas taxas de analfabetismo e os
baixos iacutendices de escolarizaccedilatildeo nas aacutereas rurais (RIBEIRO 2012 p 193
apud CALDART et al 2012)
Percebe-se portanto que a Educaccedilatildeo Rural eacute resultado de uma loacutegica opressora natildeo
podendo ser pensada como um acidente metodoloacutegico que por acaso foi de um jeito e que
poderia ter sido de outro modo Pelo contraacuterio esse modelo tinha um propoacutesito uma
finalidade natildeo era neutra assim como nenhuma outra forma de educaccedilatildeo eacute Sabidamente natildeo
era a emancipaccedilatildeo dos sujeitos do campo ou a preparaccedilatildeo para a educaccedilatildeo superior o seu
propoacutesito mas antes as tarefas manuais da agricultura cuja necessidade educacional se
resumia aos anos iniciais do Ensino Fundamental
Freire (2011 p 83) afirma que ―Natildeo eacute de se estranhar pois que nessa visatildeo bancaacuterialsquo
da educaccedilatildeo os homens sejam vistos como seres da adaptaccedilatildeo do ajustamento Essa
educaccedilatildeo que Freire chama bancaacuteria e que serve perfeitamente agrave Educaccedilatildeo Rural esteve
embrionariamente ligada aos interesses dos latifundiaacuterios brasileiros tanto como formaccedilatildeo de
matildeo-de-obra como forma de manter privileacutegios dos ruralistas ao passo que negara a vocaccedilatildeo
33
ontoloacutegica do homem ou seja a vocaccedilatildeo de ser mais ―A escola rural estaacute profundamente
distanciada da realidade do trabalho e da vida dos agricultores uma vez que a educaccedilatildeo tem
sido utilizada pelas classes dominantes para manter a classe trabalhadora rural subordinada
aos seus interesses (RIBEIRO 2010 p 176)
Nesse sentido podemos observar um ―problema no curriacuteculo da educaccedilatildeo rural Esse
problema eacute resultado de interesses a saber ao longo da histoacuteria natildeo vimos em nenhum
horizonte uma accedilatildeo governamental que tivesse a finalidade de proporcionar uma educaccedilatildeo
diferenciada positivamente para os sujeitos do campo Pelo contraacuterio as accedilotildees estiveram
sempre ligadas muito mais aos interesses dos grandes latifundiaacuterios e da classe poliacutetica do
que agraves reais necessidades das populaccedilotildees camponesas
Se olharmos por exemplo o periacuteodo que compreende a deacutecada de 1940 aos anos
1960 veremos que esse interstiacutecio eacute fortemente marcado pelas campanhas de alfabetizaccedilatildeo das
populaccedilotildees camponesas Esse fenocircmeno tem um imperativo como podemos observar na obra
de Saviani (2008 p 316)
O direito de voto contudo estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo o que levou
os governantes a organizar programas campanhas e movimentos de
alfabetizaccedilatildeo de jovens e adultos dirigidos natildeo apenas aos crescentes
contingentes urbanos mas tambeacutem a populaccedilatildeo rural Daiacute o surgimento de
campanhas ministeriais que se estenderam da deacutecada de 1940 ateacute 1963
Vale salientar que essas campanhas tinham como objetivo a educaccedilatildeo elementar nada
que ultrapassasse a fronteira do direito ao voto um exemplo eacute a Campanha Nacional de
Educaccedilatildeo Rural (CNER) Percebemos o quatildeo alarmante era o quadro em que estavam imersas
as populaccedilotildees do campo nesse periacuteodo Nessa mesma conjuntura mas com caraacuteter
eminentemente progressista surgem diversas organizaccedilotildees populares em vaacuterias partes do
paiacutes debatendo e organizando as populaccedilotildees pobres no sentido de conscientizar esses sujeitos
para intervirem conscientemente na poliacutetica e na sociedade brasileira Wanderley (2010 p
85) aponta que
No tempo decisivo citado sobre a emergecircncia dos processos educativos
populares irromperam os movimentos de cultura popular cujo viacutenculo com
os mesmos foram impactantes MCP do Recife de Natal do MEB Meacutetodo
Paulo Freire entre outros Jaacute naquela eacutepoca eles compareciam situados
como movimentos rurais e urbanos Sua influecircncia na poliacutetica da mesma
maneira foi exponencial na linha de pressionar por mudanccedilas de fundo por
34
isso mesmo no Brasil e em outros paiacuteses latino-americanos foram
duramente reprimidos nas ditaduras implantadas
Sobre o caraacuteter educativo dessa mobilizaccedilatildeo Saviani (2008 p 317) nos expotildee o
seguinte
A mobilizaccedilatildeo que toma vulto na primeira metade dos anos 1960 assume
outra significaccedilatildeo Em seu centro emerge a preocupaccedilatildeo com a participaccedilatildeo
poliacutetica das massas a partir da tomada de consciecircncia da realidade brasileira
E a educaccedilatildeo passa a ser vista como instrumento de conscientizaccedilatildeo A
expressatildeo ―educaccedilatildeo popular assume entatildeo o sentido de uma educaccedilatildeo do
povo pelo povo e para o povo pretendendo-se superar o sentido anterior
criticada como sendo uma educaccedilatildeo das elites dos grupos dirigentes e
dominantes pra o povo visando a controlaacute-lo manipulaacute-lo ajustaacute-lo agrave
ordem existente
Nesse panorama histoacuterico eacute salutar ressaltar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire como um
autecircntico representante desse momento histoacuterico Freire esteve preocupado antes de tudo em
inserir um caraacuteter poliacutetico agrave educaccedilatildeo em educar para a conscientizaccedilatildeo e a poliacutetica Daiacute sua
forte defesa da natildeo neutralidade da educaccedilatildeo pensamento oposto agravequele presente no ideaacuterio
da Educaccedilatildeo Rural ele opocircs-se veemente ao manuseio da formaccedilatildeo atrelada aos interesses
das classes opressora
Os espaccedilos populares forjaram grandes pensadores Paulo Freire eacute um desses que
comprova a experiecircncia e a realidade da cotidianidade como geradora de conteuacutedo de
curriacuteculo e como loacutecus para o desenvolvimento de uma praacutetica popular de educaccedilatildeo baseada
na necessidade do sujeito Esse vieacutes foi estrategicamente negligenciado pela Educaccedilatildeo Rural
Esse caraacuteter de uma educaccedilatildeo transformadora e libertaacuteria eacute usado na experiecircncia de
Angicos Estado do Rio Grande do Norte em 1963 onde Paulo Freire desenvolveu seu
―meacutetodo que alfabetizou trabalhadores rurais daquele municiacutepio em um curto intervalo de
tempo Ele e sua equipe ―[] Alfabetiza 300 trabalhadores Este trabalho obteacutem grande
repercussatildeo nacional e internacional Estende a experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN)
e Joatildeo Pessoa (PB) (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012
p146) Nessa experiecircncia o contexto do sujeito assume grande relevacircncia assim como o
trabalho
A concepccedilatildeo de campo na Educaccedilatildeo Rural tambeacutem apresentara um conceito
esvaziado colocado frequentemente como o lugar onde se produzem alimentos para manter a
35
cidade somente Um lugar sem vida anocircnimo anocircmico e anecircmico Essa era e ainda eacute para
muitos o ideaacuterio de campo que predomina em nossa sociedade
Em seu livro Gritti (2003) demonstra que a escola puacuteblica rural foi um
potente instrumento para a expansatildeo do capitalismo no campo brasileiro
trazendo como consequumlecircncia a desestruturaccedilatildeo do modo de vida dos
trabalhadores rurais principalmente seu trabalho os saberes e a cultura que
lhes satildeo proacuteprios (SAVIENI 2008 p 317)
Como jaacute afirmamos na Educaccedilatildeo Rural haacute uma distacircncia muito significativa entre os
conteuacutedos trabalhados em sala de aula e a realidade dos educandos isso eacute potencializado
ainda mais pelo livro didaacutetico e pela formaccedilatildeo do professor que em boa medida natildeo mora no
campo muitas vezes natildeo tem afinidade com aquela realidade e acaba reforccedilando estereoacutetipos
e preconceitos acerca do campo e dos sujeitos (ARAUacuteJO SILVA 2011) Como consequecircncia
desse distanciamento haacute um processo de urbanizaccedilatildeo das escolas do campo ou seja um
transplante da metodologia da escola urbana para a escola rural ou como eacute comum a
deslocaccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos do campo para as escolas da cidade
Segundo Ribeiro (2010) apesar de ter seu reconhecimento no final do Segundo
Impeacuterio a Educaccedilatildeo Rural tem seu desenvolvimento na primeira metade do seacuteculo XX Os
primeiros incentivos a esse modelo de educaccedilatildeo no Brasil se deram durante o Estado Novo
na deacutecada de 1930 Nesse momento essa educaccedilatildeo se dava em boa parte por campanhas de
alfabetizaccedilatildeo Tais campanhas estavam diretamente atreladas aos interesses da incipiente
industrializaccedilatildeo que chegara ao nosso Paiacutes e aos interesses eleitoreiros uma vez que o voto
estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo como exposto anteriormente Ainda segunda a autora a
Educaccedilatildeo Rural estava baseada numa concepccedilatildeo evolucionista que considerava os costumes
e a vida do homem do campo como atrasado e necessaacuterio de ser evoluiacutedo
A partir da deacutecada de 1950 alguns oacutergatildeos satildeo criados com o objetivo de desenvolver
as regiotildees brasileiras que apresentavam maiores iacutendices de pobreza assim surge a
Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) o Instituto Nacional de
Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) a Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria
(SUPRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agraacuterio (INDA) oacutergatildeos federais que
tratariam de questotildees relativas agrave reforma agraacuteria no Brasil (NETO 2007) Esperava-se com
isso a melhoria da vida da populaccedilatildeo do campo brasileiro entretanto muitas dessas agecircncias
36
se tornaram loacutecus de corrupccedilatildeo e manutenccedilatildeo de privileacutegios dos grupos dominantes do Norte
e Nordeste
Durante a Ditadura Civil Militar brasileira a educaccedilatildeo das populaccedilotildees camponesas
seguiu a reboque da modernizaccedilatildeo agriacutecola guinando ao sabor do vento da mecanizaccedilatildeo do
campo Essa educaccedilatildeo continuou a ser objeto de manutenccedilatildeo de privileacutegios da burguesia
agraacuteria e de negaccedilatildeo de direitos e emancipaccedilatildeo das populaccedilotildees rurais Na deacutecada de 1980
Carter (2010 p 38) afirma que
Um novo ciclo de mobilizaccedilatildeo por terra irrompeu com forccedila no iniacutecio da
deacutecada de 1980 de modo especial na Regiatildeo Sul Brasil Ele surgiu com o
apoio de uma rede progressista no meio religioso e a assistecircncia de vaacuterios
sindicatos de trabalhadores rurais em um contexto de intensa modernizaccedilatildeo
agriacutecola crescentes demandas na sociedade civil pela restauraccedilatildeo da
democracia e o decliacutenio gradual do regime militar O MST foi instituiacutedo
formalmente e em niacutevel nacional em janeiro de 1984 Um ano mais tarde o
Brasil testemunhou a inauguraccedilatildeo de um movo governo civil
Haacute um pensamento que advoga que durante a Ditadura Civil Militar houve uma
calmaria nos movimentos sociais como jaacute salientamos anteriormente entendemos que houve
na verdade uma censura um silenciamento dos atores sociais dos sujeitos Os movimentos
sociais estavam em luta estavam em formaccedilatildeo o MST por exemplo tem sua gestaccedilatildeo ainda
na deacutecada de 1970 assim como a Comissatildeo Pastoral da Terra ndash CPT que foi criada para
conter a onda de assassinatos de trabalhadores rurais e acabou tendo grande importacircncia na
proteccedilatildeo daqueles sem-terra que lutavam pela redemocratizaccedilatildeo do Brasil (SCOLESE 2008)
Esses movimentos embora natildeo tivessem em sua gecircnese a educaccedilatildeo como foco central jaacute
traziam uma denuacutencia importante e uma necessidade de reversatildeo da situaccedilatildeo negligente a qual
as populaccedilotildees rurais se encontravam
A Educaccedilatildeo Rural ainda eacute um fenocircmeno existente em nossa sociedade natildeo podemos
dizer que ela foi enterrada com o advento do paradigma10
da Educaccedilatildeo do Campo Sabe-se
que os desafios ainda satildeo muitos A educaccedilatildeo das comunidades rurais tem alcanccedilado avanccedilos
10 De acordo com Kuhn (2009) o conceito de paradigma eacute entendido como sendo o conjunto das realizaccedilotildees da
ciecircncia reconhecidas universalmente ou seja o paradigma refere-se a um conjunto de crenccedilas ou premissas
sobre o que se julga verdadeiro Satildeo processos de construccedilatildeo de conhecimentos capazes de elaborar teorias que
servem como ponto de partida para a resoluccedilatildeo de problemas da comunidade e satildeo o referencial para a
elaboraccedilatildeo de novos trabalhos cientiacuteficos
37
entretanto ainda haacute muito que avanccedilar A Educaccedilatildeo do Campo eacute uma utopia utopia
necessaacuteria que nas palavras de Paulo Freire citado por Moacir Gadotti (1996 p 732) ―eacute a
dialeacutetica entre o ato de denuacutencia do mundo que se desumaniza e o anuacutencio do mundo que se
humaniza
A Educaccedilatildeo do Campo forjada no bojo dos movimentos de resistecircncia tem sido uma
ferramenta para a classe trabalhadora fazendo o contraponto necessaacuterio ao modelo da nova
pedagogia da hegemonia (NEVES 2005) cujo fulcro tem sido o ideaacuterio privatista
desumanizador e mercantil Eacute nessa concepccedilatildeo que apontamos para a Educaccedilatildeo do Campo
como anunciante de outra possibilidade de educaccedilatildeo esse paradigma vem proporcionando
esperanccedila e ressignificando o sentida da luta pelo direito agrave educaccedilatildeo e agrave vida
23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO
Como externamos a pouco de forma breve a Educaccedilatildeo do Campo tem dado passos
importantes rumo agrave construccedilatildeo de um novo paradigma educacional para as populaccedilotildees do
campo brasileiro Tem feito um tensionamento necessaacuterio ao atual modelo da pedagogia que
tornou-se hegemocircnica que de acordo com Freire (2011) a pedagogia dominante eacute a pedagogia
da classe dominante No entanto muitos afirmam que na realidade as escolas do campo ainda
apresentam problemas estruturais e que mudar o nome dessa educaccedilatildeo natildeo resolveraacute a
questatildeo De fato as escolas do campo ainda apresentam desafios a serem superados
entretanto eacute salutar perceber que algo estaacute acontecendo
Trazer o debate da educaccedilatildeo agrave tona natildeo eacute uma tarefa faacutecil e falar em educaccedilatildeo de
populaccedilotildees historicamente excluiacutedas residentes de uma aacuterea tida como atrasada como eacute
colocado o campo eacute uma tarefa ainda mais complexa Falar de uma educaccedilatildeo ―Para aleacutem do
capital ainda mais nesse tempo eacute sem duacutevida uma tarefa das mais louvaacuteveis A educaccedilatildeo do
Campo tem conseguido essa faccedilanha tem posto em xeque a educaccedilatildeo rural e tem sobretudo
conquistado pela luta sua institucionalidade e seu reconhecimento enquanto um direito da
classe camponesa Nesse sentido a mudanccedila natildeo tem se restringido somente agrave nomenclatura
mas principalmente as conquistas reais
38
Trazemos uma indagaccedilatildeo que nos diz muito sobre a questatildeo da educaccedilatildeo das
populaccedilotildees do campo Arroyo Caldart e Molina na 4ordf ediccedilatildeo da obra ―Por uma Educaccedilatildeo do
Campo de 2009 questionam
Interroga-nos porque nem sequer os governos democraacuteticos nem sequer o
movimento educacional progressista conseguiram colocar em seus
horizontes o direito dos camponeses agrave educaccedilatildeo O olhar negativo
preconceituoso do campo e seu lugar no modelo de desenvolvimento seriam
responsaacuteveis A agricultura camponesa vista como sinal de atraso
inferioridade como um modelo de produccedilatildeo de vida e cultura em extinccedilatildeo
Como quebrar o fetiche que coloca o povo do campo como algo agrave parte
(ARROYO CALDART MOLINA 2009 p 11)
Essas questotildees nos ajudam a entender o terreno em que estamos pisando Ele eacute repleto
de contradiccedilotildees eacute delicado por isso mesmo eacute preciso perspicaacutecia para mover-se nesse debate
em que pese os riscos de naturalizaccedilatildeo de fenocircmenos que satildeo histoacutericos e sociais
Para tomarmos como momento histoacuterico a Ditadura Civil Militar Fernandes (2010 p
163) afirma que
O Governo militar tentou minimizar os conflitos de terra com a implantaccedilatildeo
de projetos de colonizaccedilatildeo na Amazocircnia mas essa poliacutetica de fomentar a
migraccedilatildeo camponesa natildeo diminuiu os conflitos por terra na regiatildeo Sul
Sudeste e Nordeste do Paiacutes Desde o iniacutecio o regime militar reprimiu com
violecircncia as accedilotildees dos trabalhadores que reivindicaram seus direitos como o
acesso agrave terra e melhores condiccedilotildees de trabalho
Os conflitos no campo se tornaram uma constante A contraditoacuteria relaccedilatildeo entre
trabalho e capital tornou-se insustentaacutevel (RIBEIRO 2010) a reforma agraacuteria era uma
questatildeo premente Os movimentos sociais do campo retomam a bandeira da necessidade dessa
reforma como direito e sobretudo como paracircmetro de equidade social entre as populaccedilotildees
do campo e da cidade
Com o fim do regime militar nos anos 1980 sobretudo devido agraves pressotildees advindas da
sociedade civil11
os movimentos sociais assumem o protagonismo das lutas em defesa do
11 Para Gramsci diversamente ―sociedade civil designa o conjunto das organizaccedilotildees responsaacuteveis pela
elaboraccedilatildeo eou difusatildeo das ideologias compreendendo o sistema escolar os sindicatos os meios de
comunicaccedilatildeo as instituiccedilotildees de caraacuteter cientiacutefico e artiacutestico etc (COUTINHO 2011 p 25)
39
trabalho da terra da educaccedilatildeo Eacute nesse momento que irrompe como um dos principais
protagonistas da luta por uma Educaccedilatildeo do Campo o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) movimento social que para Fernandes (2012 p 496)
Reuacutene em sua base diferentes categorias de camponeses pobres ndash como
parceiros meeiros posseiros minifundiaacuterios e trabalhadores assalariados
chamados de sem terra e tambeacutem diversos lutadores sociais para desenvolver
as lutas pela terra pela Reforma Agraacuteria e por mudanccedilas na agricultura
brasileira
Esse cenaacuterio de exclusatildeo negaccedilatildeo de direitos e luta dos camponeses eacute propiacutecio ao
surgimento de praacuteticas educativas autecircnticas forjadas na proacutepria luta Como nos questiona
Freire (2011 p 42-43) ―Quem melhor que os oprimidos se encontraraacute preparado para
entender o significado terriacutevel de uma sociedade opressora Quem sentiraacute melhor que eles os
efeitos da opressatildeo Quem mais que eles para ir compreendendo a necessidade da
libertaccedilatildeo Nesse processo de luta emerge uma forma alternativa de educaccedilatildeo no campo do
campo e com o campo o que viria a tomar corpo e que hoje chamamos Educaccedilatildeo do Campo
Uma das principais diferenccedilas entre Educaccedilatildeo Rural e Educaccedilatildeo do Campo estaacute na
utilizaccedilatildeo e no propoacutesito dessas duas formas de educar A primeira como vimos estaacute
fortemente atrelada a utilizaccedilatildeo da matildeo-de-obra no trabalho dos latifuacutendios em condiccedilatildeo
humana precaacuteria A Educaccedilatildeo do Campo tem como objetivo a formaccedilatildeo para o trabalho e para
a vida pensa o sujeito em sua amplitude sua autonomia e sua capacidade de decidir Pensa
modelos de desenvolvimento para agricultura que natildeo resida no agronegoacutecio e na economia
de exportaccedilatildeo tatildeo somente mas uma economia solidaacuteria e a pequena propriedade como forma
de sustentabilidade ambiental e social para as populaccedilotildees tradicionais do campo
A pedagogia do oprimido dos excluiacutedos dos tempos de barbaacuterie natildeo estaacute
em encontrar meacutetodos novos para educar os baacuterbaros civilizar os oprimidos
ou incluir os excluiacutedos nos valores e saberes dos ―civilizados mas estaacute em
apreender com o conjunto de processos que os excluiacutedos e oprimidos
reinventam para continuar humanos manter seus valores e seus saberes sua
cultura e memoacuteria coletiva sua identidade e dignidade (ARROYO 2011 p
274)
Desse modo percebe-se uma niacutetida evidecircncia de que os movimentos sociais do campo
desenvolveram uma produccedilatildeo pedagoacutegica que tem como sustento suas proacuteprias necessidades
e seu espaccedilo de luta e trabalho
40
A mobilizaccedilatildeo do MST e outros segmentos da sociedade civil tiveram como resultado
a realizaccedilatildeo do I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agraacuteria ndash
ENERA ndash realizado em Brasiacutelia e promovido pelo Movimento em parceria com a UnB a
Unesco o Unicef e a CNBB em junho de 1997 (RIBEIRO 2010) Como fruto desse encontro
e do acuacutemulo dos movimentos sociais na defesa dos direitos agrave educaccedilatildeo vimos brotar de um
chatildeo ―aacuterido e seco o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) uma das
grandes conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo
O Pronera foi criado em 16 de abril de 1998 num contexto de organizaccedilatildeo e
mobilizaccedilatildeo dos Sem Terra em memoacuteria dos massacres de Corumbiara em Rondocircnia em
1995 e Eldorado dos Carajaacutes no Estado do Paraacute ocorrido em 1996 (SANTOS 2012)
Podemos dizer que a primeira conquista do Movimento de Educaccedilatildeo do Campo foi a
institucionalizaccedilatildeo desse Programa
O Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) eacute uma
poliacutetica puacuteblica do governo federal especiacutefica para a educaccedilatildeo formal de
jovens e adultos assentados da Reforma Agraacuteria e do creacutedito fundiaacuterio e para
a formaccedilatildeo de educadores que trabalham nas escolas dos assentamentos ou
do seu entorno e atendem a populaccedilatildeo assentada (SANTOS 2012 p 629)
Assim podemos afirmar que o Programa eacute na verdade uma conquista pela via da luta
e da organizaccedilatildeo da sociedade camponesa em prol de um direito que eacute a educaccedilatildeo e de uma
necessidade que eacute a formaccedilatildeo de professores para as escolas do campo Como objetivos
gerais o Pronera se pretende a
I ndash oferecer educaccedilatildeo formal aos jovens e adultos beneficiaacuterios do Programa
Nacional de Reforma Agraacuteria (PNRA) em todos os niacuteveis de ensino e aacutereas
do conhecimento
II ndash melhorar as condiccedilotildees de acesso agrave educaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e
III ndash proporcionar melhorias no desenvolvimento dos assentamentos rurais
por meio da formaccedilatildeo e qualificaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e dos
profissionais que desenvolvem atividades educacionais e teacutecnicas nos
assentamentos (BRASIL 2011 p 13)
De acordo com o Decreto Nordm 7352 que dispotildee sobre a poliacutetica de educaccedilatildeo do campo
e o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria ndash Pronera ndash Satildeo beneficiaacuterios do
programa
41
I - populaccedilatildeo jovem e adulta das famiacutelias beneficiaacuterias dos projetos de
assentamento criados ou reconhecidos pelo INCRA e do Programa Nacional
de Creacutedito Fundiaacuterio ndash PNFC
II - alunos de cursos de especializaccedilatildeo promovidos pelo INCRA
III - professores e educadores que exerccedilam atividades educacionais voltadas
agraves famiacutelias beneficiaacuterias e
IV - demais famiacutelias cadastradas pelo INCRA
Devido ao seu caraacuteter eminentemente popular o Pronera tem enfrentado barreiras
significativas tanto por parte dos oacutergatildeos de controle como o Tribunal de Contas da Uniatildeo por
exemplo como por setores conservadores da Cacircmara e no Senado Federal sendo a bancada
ruralista o maior expoente dessa oposiccedilatildeo Alem disso dentro das universidades tambeacutem tem
enfrentado desafios no que se refere a permanecircncia dos estudantes
No entanto como afirma Brandatildeo (2009) a Educaccedilatildeo Popular tem como essecircncia a
resistecircncia e a oposiccedilatildeo ao status quo social Como a Educaccedilatildeo do Campo herda demasiado
caraacuteter desse paradigma educacional assim como da pedagogia freireana essas tensotildees e
conflitos representam disputas inerentes ao tecido social
O resultado do I Enera aleacutem da criaccedilatildeo do Pronera teve ainda a inserccedilatildeo definitiva da
Educaccedilatildeo do Campo no cenaacuterio nacional como afirma Roseli Caldart (2012 p 257)
O surgimento da expressatildeo ―Educaccedilatildeo do Campo pode ser datada Nasceu
primeiro como Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo no contexto de preparaccedilatildeo da I
Conferecircncia Nacional por uma Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo realizada em
Luziacircnia Goiaacutes de 27 a 30 de julho de 1998 Passou a se chamar Educaccedilatildeo
do Campo a partir das discussotildees do Seminaacuterio Nacional realizado em
Brasiacutelia de 26 a 29 de novembro de 2002 decisatildeo posteriormente reafirmada
nos debates da II Conferecircncia Nacional realizada em julho de 2004
A Educaccedilatildeo do Campo estaacute embrionariamente ligada aos movimentos sociais eacute a
educaccedilatildeo pensada por esses movimentos e natildeo para eles Desse modo pensar essa educaccedilatildeo
dissociada das praacuteticas e das lutas desses movimentos eacute cair num grande equiacutevoco A
Educaccedilatildeo do Campo tem sido uma ferramenta de luta para a classe trabalhadora do campo
natildeo como pura e simplesmente uma modalidade de ensino mas como um fenocircmeno capaz de
devolver aos sujeitos do campo a sua integraccedilatildeo com seu lugar
A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com
ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento
42
proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica em
que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem absolutizar-se
fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-o a julgar o seu
mundo algo sobre que apenas se acha A sua integraccedilatildeo o enraiacuteza Faz dele na
feliz expressatildeo de Marcel ―um ser situado e datado (FREIRE 1983 p 42)
Desse modo a Educaccedilatildeo do Campo se propotildee a construir coletivamente um
contraponto a um paradigma educacional desumanizado que tem como fulcro os interesses do
mercado capitalista tatildeo somente A esse respeito Jesus (2006 p 51) afirma que
Essa educaccedilatildeo tem na sua origem a necessidade de reinventar as praacuteticas
sociais contra um processo perverso de uma forma hegemocircnica de
globalizaccedilatildeo econocircmica poliacutetica e cultural que impotildee aos diferentes paiacuteses
perifeacutericos e semi-perifeacutericos a reorganizaccedilatildeo das formas de poder de
produccedilatildeo do conhecimento e de desenvolvimento econocircmico e social que
aumenta assustadoramente a perda das autonomias e as desigualdades em
especial entre o povo brasileiro que vive no campo ou eacute excluiacutedo dele
Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo natildeo estaacute acabada eacute pensada a partir das
demandas e necessidades mutaacuteveis que a realidade concreta apresenta Coaduna trabalho e
formaccedilatildeo como partes indissociaacuteveis para a construccedilatildeo do sujeito autocircnomo (SANTOS
2012) Essa Educaccedilatildeo natildeo estaacute paralela aos movimentos sociais ela eacute a educaccedilatildeo desses
movimentos Foi gestada nas lutas por terra nas ocupaccedilotildees nos assentamentos no
enfrentamento das desigualdades sociais Custou vidas e sonhos portanto eacute uma produccedilatildeo
pedagoacutegica autecircntica do movimento de resistecircncia que estaacute muito aleacutem do conceito esvaziado
de educaccedilatildeo dos tempos de produccedilatildeo
Eacute importante destacar que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo natildeo minimiza a
importacircncia dos conteuacutedos e dos conhecimentos historicamente produzidos e acumulados pela
humanidade Natildeo minimiza o curriacuteculo a gestatildeo o planejamento Muito pelo contraacuterio a
Educaccedilatildeo do Campo procurar encher de sentido esses instrumentos que foram esvaziados pela
loacutegica capitalista Busca explicitar o curriacuteculo oculto almeja a gestatildeo democraacutetica e
participativa busca ainda um planejamento no qual os sujeitos e suas realidades e
necessidades tambeacutem sejam parte Nesse sentido a criacutetica feita a Paulo Freire de formular
uma pedagogia sem conteuacutedos eacute hoje dirigida ao paradigma educacional em questatildeo No
entanto essas criacuteticas tecircm partido muito mais de setores burocraacuteticos da sociedade em que
pese natildeo reconheceram a importacircncia e os reais avanccedilos e conquistas dos sujeitos do campo
na contemporaneidade
43
24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS
CONHECIMENTO
A necessidade de uma escola que respeite os saberes dos sujeitos forjados no trabalho
com a terra cujos direitos em boa medida o Estado lhes cerceou historicamente eacute
fundamental para o debate da Educaccedilatildeo do Campo Indubitavelmente a metodologia que
melhor compactua trabalho e formaccedilatildeo e cujo assento reside na relevacircncia das praacuteticas
culturais inerentes aos sujeitos do campo eacute a Pedagogia da Alternacircncia
Entendemos que a Pedagogia da Alternacircncia precisa ser situada dentro da perspectiva
do multiculturalismo12
do curriacuteculo Eacute uma proposta natildeo hegemocircnica utilizada pelos
movimentos sociais que se articulam na Via Campesina13
e que procura coadunar trabalho e
educaccedilatildeo o que sem duacutevida configura um dos maiores desafios da educaccedilatildeo na
contemporaneidade A inclusatildeo das praacuteticas dos trabalhadores nos conteuacutedos e metodologias
da escola eacute importante natildeo somente como forma de respeito mas como ferramenta de
equiparaccedilatildeo e permanecircncia desses sujeitos na escola
Segundo Ribeiro (2012) a Pedagogia da Alternacircncia tem origem com as Casas
Familiares Rurais (CFRlsquos) na Franccedila e com as Escolas Familiares Rurais (EFAlsquos) na Itaacutelia
―Pode-se dizer que eacute uma alternativa metodoloacutegica de formaccedilatildeo profissional agriacutecola para
jovens inicialmente do sexo masculino filhos de agricultores franceses (idem 2012 p 293)
Outra raiz histoacuterica ainda segundo a autora estaacute nas experiecircncias de trabalho e educaccedilatildeo
efetivadas na Ruacutessia poacutes-revolucionaacuteria de 1917 Expostas essas duas matrizes histoacutericas os
movimentos camponeses que pautam a educaccedilatildeo do campo no Brasil tendem a se filiarem
em sua maioria a essa segunda concepccedilatildeo histoacuterica
12 Multicultural eacute um termo qualificativo Descreve as caracteriacutesticas sociais e os problemas de governabilidade
apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma
vida em comum ao mesmo tempo em que reteacutem algo de sua identidade original Em contrapartida o termo
multiculturalismo e substantive Refere-se as estrateacutegias e politicas adotadas para governar ou administrar
problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais E usualmente utilizado no
singular significando a filosofia especifica ou a doutrina que sustenta as estrateacutegias multiculturais
Multicultural entretanto eacute por definiccedilatildeo plural (HALL 2009 p 52)
13 Criada em 1992 a Via Campesina eacute uma organizaccedilatildeo mundial que articula movimentos sociais que lutam pela
terra Entre seus objetivos a solidariedade eacute o mais presente A Via condena o modo predatoacuterio de produccedilatildeo
cujo objetivo se resume a exportaccedilatildeo condena a nomocultura o uso excessivo de agrotoacutexicos que satildeo
caracteriacutesticas do modelo de produccedilatildeo do agronegoacutecio (FERNANDES 2012)
44
Ela [a pedagogia da alternacircncia] brota do desejo de natildeo cortar raiacutezes Eacute uma
das pedagogias produzidas em experiecircncias de escolas do campo em que o
MST se inspirou Busca integrar a escola com a famiacutelia e a comunidade do
educando No nosso caso ela permite uma troca de conhecimento e o
fortalecimento dos laccedilos familiares e do viacutenculo dos educandos com o
assentamento ou acampamento o MST e a terra (CALDART 2009 p 104
Com grifos do autor)
Essa pedagogia natildeo foi gestada nas universidades ela natildeo envolve nem pesquisadores
nem docentes (RIBERIRO 2010) Eacute uma proposta que busca garantir interligaccedilatildeo entre dois
espaccedilos instituiccedilotildees de ensino e atividades de trabalho comum aos agricultores Esse meacutetodo
estaacute diretamente ligado agrave concepccedilatildeo de trabalho e educaccedilatildeo pautado pelos pensadores
marxistas que entendem que o trabalho tem em si um princiacutepio educativo capaz de garantir
uma formaccedilatildeo omnilateral pensamento esse tambeacutem advogado por Paulo Freire e educadores
criacuteticos do Brasil
A alternacircncia se divide em dois momentos o Tempo Escola (TE) em que os
educandos permanecem de duas semanas a dois meses dependendo do curso no espaccedilo da
escola em regime de internato e o Tempo Comunidade (TC) momento no qual os educandos
retornam agraves suas propriedades familiares ou agraves comunidades ou aos assentamentos ou ainda
aos acampamentos para colocarem em praacutetica os conhecimentos que foram objeto de estudo
no TE (RIBEIRO 2010)
Mais que uma caracteriacutestica de sucessotildees repetidas de sequumlecircncia a
alternacircncia enquanto princiacutepio pedagoacutegico visa desenvolver na formaccedilatildeo
dos jovens situaccedilotildees em que o mundo escolar se posiciona em interaccedilatildeo com
o mundo que o rodeia Buscando articular universos considerados opostos ou
insuficientemente interpenetrados ndash o mundo da escola e o mundo da vida a
teoria e a praacutetica o abstrato e o concreto ndash a alternacircncia coloca em relaccedilatildeo
diferentes parceiros com identidades preocupaccedilotildees e loacutegicas tambeacutem
diferentes (SILVA 2000 p 16)
Esse modelo de se fazer educaccedilatildeo pode ter um papel determinante no combate ao
processo nefasto que vem cerceando o direito dos povos do campo a terem acesso agrave educaccedilatildeo
de qualidade sem sair do campo em que pese agrave poliacutetica de nucleaccedilatildeo a qual temos
testemunhado na atualidade Esse processo tem a finalidade de diminuir custos com a
formaccedilatildeo dos filhos dos agricultores que satildeo deslocados para uma escola-nuacutecleo
normalmente localizada na cidade (Ribeiro 2010)
45
A Pedagogia da Alternacircncia compartilha saberes acadecircmico e aqueles advindos do
cotidiano do trabalho na agricultura na pesca nas florestas nos quilombos e em uma
infinidade de espaccedilos que o conceito de campo compreende na contemporaneidade Nesse
sentido a leitura de mundo dos sujeitos tem papel de destaque nessa pedagogia Para Freire
(1983) ―basta ser homem para ser capaz de captar os dados da realidade Para ser capaz de
saber ainda que seja este saber meramente opinativo daiacute que natildeo haja ignoracircncia absoluta
nem sabedoria absoluta (p105) Outro fator importante eacute entender a situaccedilatildeo concreta do
sujeito no mundo como determinante para sua accedilatildeo (FREIRE 2011)
Desse modo compreendemos o curriacuteculo da Educaccedilatildeo do Campo neste trabalho
baseado na Pedagogia da Alternacircncia que uma vez partilhada entre tempo escola e tempo
comunidade significa uma possibilidade de associaccedilatildeo entre trabalho e formaccedilatildeo Essa
metodologia proporciona ainda uma maior aproximaccedilatildeo entre escola e comunidade de modo
a estreitar a dicotomia estabelecida entre teoria e praacutetica No Tempo Escola aleacutem da
aquisiccedilatildeo dos conteuacutedos eacute tambeacutem o momento de pensar sobre a loacutegica o sentido e o valor
social desses conteuacutedos No Tempo Comunidade busca-se a continuidade atraveacutes da praacutexi
dos conhecimentos adquiridos na escola Para melhor esclarecer esse processo vejamos a
seguinte citaccedilatildeo
No Tempo Escola os educandos formam um coletivo muitas vezes oriundos
de diferentes comunidades que ao trazer questotildees reflexotildees
problematizaccedilotildees das suas localidades especiacuteficas ampliam o processo de
reflexatildeo sobre as realidades do campo confrontando as muacuteltiplas situaccedilotildees
que as compotildeem No Tempo Comunidade cada educando individualmente
ou em pequenos grupos deve reafirmar seu envolvimento com sua
comunidade desenvolvendo nela as atividades de pesquisa reflexatildeo
problematizaccedilatildeo e em alguns casos intervenccedilatildeo Dessa forma cria-se um
novo coletivo de accedilatildeo (educando ndash comunidade) que permite inclusive a
participaccedilatildeo indireta do conjunto da comunidade no processo educativo
reforccedilando a relaccedilatildeo escola ndash comunidade (ANTUNES-ROCHA MARTINS
2011 p 226)
Fica evidente que haacute uma aproximaccedilatildeo entre os dois momentos e que ambos satildeo
formativos Aleacutem disso se coloca de forma expliacutecita o trabalho com as experiecircncias e
multiplicidades de culturas que os povos do campo trazem consigo com o outro e com
mundo
46
As peculiaridades da Educaccedilatildeo do Campo natildeo podem ser entendidas como adaptaccedilotildees
ou como modelo da educaccedilatildeo hegemocircnica antes deve ser entendida com autenticidade Sua
organizaccedilatildeo portanto natildeo pode se pautar na educaccedilatildeo urbana adaptada ao campo mas sim
uma educaccedilatildeo proacutepria desse campo Suas conquistas foram arrancadas do seio da educaccedilatildeo
posta historicamente uma educaccedilatildeo que jamais destinou espaccedilo em seu curriacuteculo agraves
vivecircncias agrave leitura de mundo dos sujeitos ou ao trabalho agriacutecola desempenhado pelos povos
do campo14
Verificamos portanto o surgimento desse paradigma metodoloacutegico natildeo como uma
criaccedilatildeo academicista mas como uma necessidade de um modelo ou uma metodologia que
coadune formaccedilatildeo escolar e trabalho praacutetico A Pedagogia da Alternacircncia se confunde com a
proacutepria Educaccedilatildeo do Campo visto que ela natildeo foi uma formalidade acadecircmica pensada e
pesquisada para as populaccedilotildees campesinas ainda que tenha grandes contribuiccedilotildees de
pesquisadores das universidades ela surgiu da necessidade dos proacuteprios trabalhadores e
trabalhadoras do campo
Entendendo as dimensotildees poliacuteticas e ideoloacutegicas das quais o curriacuteculo estaacute permeado
os movimentos sociais do campo foram categoacutericos em apontar para a alternacircncia como
sustentaccedilatildeo da sua praacutetica educativa Assim como eacute salutar diferenciarmos Educaccedilatildeo do
Campo de Educaccedilatildeo Rural sempre que formos chamados a refletir sobre a educaccedilatildeo destinada
agraves populaccedilotildees camponesas tambeacutem eacute importante externar a diferenccedila que haacute de forma mais
decomposta entre o curriacuteculo desses dois paradigmas de se pensar o ensino Ribeiro (2010)
fazendo uma diferenciaccedilatildeo entre os dois modelos curricular aponta
[] 3ordm) Curriacuteculo objetivos e metodologia da escola rural estatildeo direcionados
para o sistema de produccedilatildeo de mercadorias no qual o proacuteprio ser humano eacute
uma mercadoria que pode ser descartaacutevel e flexiacutevel em tempos de desemprego
estrutural e tecnoloacutegico Para a escola baacutesica do campo a memoacuteria das lutas e
das experiecircncias produtivistas constitui-se na base curricular em que se
articulam a produccedilatildeo da vida dos alimentos da sociedade e da ciecircncia Em
14 Nesse momento eacute salutar esclarecer que ao nos referimos a sujeitos do campo estamos tratando de sujeitos
concretos de assentamentos aacutereas indiacutegenas quilombolas pescadores povos que tiram sua subsistecircncia das
florestas e toda a abrangecircncia que o termo campo engloba na contemporaneidade Os sujeitos do campo satildeo
antes de tudo cidadatildeo concretos que contribuem social econocircmico e culturalmente para com as melhorias e
avanccedilos que tivemos em nosso paiacutes
47
contraposiccedilatildeo ao conhecimento cientiacutefico que expulsa e subordina os
agricultores a proposta dos movimentos sociais populares ruraisdo campo
pensa a produccedilatildeo do conhecimento a partir das experiecircncias dos agricultores
articulando tais experiecircncias com o conhecimento cientiacutefico e tecnoloacutegico
socialmente produzido (RIBEIRO 2010 p 197)
Nesse sentido o curriacuteculo da escola do campo pretendido pelos movimentos sociais eacute o
que se adeacutequa agrave vida e ao trabalho das populaccedilotildees do campo e melhor intercala formaccedilatildeo
escolar cotidiano e cultura camponesa A proposta pedagoacutegica da alternacircncia tem sido o
caminho percorrido na busca da formulaccedilatildeo de um curriacuteculo democraacutetico e que atenda de
forma satisfatoacuteria as expectativas da Educaccedilatildeo do Campo
Ainda que tenhamos apontados os pontos positivos da Pedagogia da Alternacircncia
precisamos refletir sobre aspectos que tecircm se apresentado como preocupantes dialogaremos
melhor sobre as criacuteticas a essa proposta quando estivermos analisando o curriacuteculo do curso
Pedagogia da Terra pois seraacute mais faacutecil exemplificar essas preocupaccedilotildees Adiantamos que haacute
uma grande dificuldade em estabelecer a matildeo dupla entre escolauniversidade e comunidades
Tempo Escola e Tempo Comunidade tambeacutem tecircm ocorrido de forma bastante diferente do
que se pretende mas isso veremos mais adiante
25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS
DA EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO
Nesse momento eacute salutar externarmos alguns avanccedilos que o Movimento de Educaccedilatildeo
do Campo vem conseguindo nessa empreitada de lutas diaacuterias que tem travado contra o
Estado de classe que predomina em nossa sociedade Eacute importante destacar que as conquistas
ateacute aqui alcanccediladas satildeo de meacuterito da resistecircncia que os povos do campo tecircm empreendido ao
longo dos anos na busca pela garantia dos seus direitos os quais a historia nos mostra que
foram cerceados ou negados ao longo dos tempos
O trabalho precaacuterio a espoliaccedilatildeo sofrida pelos camponeses e pelas camponesas satildeo
marcas visiacuteveis de uma sociedade excludente e atrasada Sendo assim a organizaccedilatildeo dessas
populaccedilotildees tradicionais eacute antes de tudo um direito tendo em vista a legitimidade de lutar
contra a opressatildeo A sociedade tem uma diacutevida com esses grupos portanto
48
cronologicamente estaacute na hora de assumir essa responsabilidade no sentido de garantir os
direitos baacutesicos e fundamentais aos sujeitos do campo
A aprovaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da educaccedilatildeo nacional 40241961
fora norteada pela discussatildeo entre defensores da educaccedilatildeo puacuteblica e os da escola particular e
natildeo traz avanccedilos significativos agraves populaccedilotildees trabalhadoras do campo a Lei eacute uma ―meia
vitoacuteria na voz de Aniacutesio Teixeira ―mas vitoacuteria (SAVIANI 2008) A Lei 402461 ainda
apresentara em seu acircmago uma orientaccedilatildeo pela adaptaccedilatildeo do ao meio numa clara alusatildeo a
uma visatildeo civilizatoacuteria e evolucionista do sujeito do campo (MEC 2002)
A Lei nordm 4024 de dezembro de 1961 resultou de um debate que se prolongou
durante 13 anos gerando expectativas diversas a respeito do avanccedilo que o
novo texto viria a representar para a organizaccedilatildeo da educaccedilatildeo nacional O
primeiro anteprojeto e os demais substitutivos apresentados deram visibilidade
ao acirrado embate que se estabeleceu na sociedade em torno do tema O
anteprojeto elaborado pelo GT indicado sob a orientaccedilatildeo do Ministro
Clemente Marianne representou o primeiro esforccedilo de regulamentaccedilatildeo do
previsto na Carta Magna (1946) Este aleacutem de reforccedilar o dispositivo
constitucional expressa as mudanccedilas que perpassavam a sociedade em seu
conjunto Logo em seguida diversos substitutivos entre os quais os que foram
apresentados por Carlos Lacerda redirecionaram o foco da discussatildeo
Enquanto o primeiro anteprojeto se revelava afinado com as necessidades
educacionais do conjunto da sociedade dando ecircnfase ao ensino puacuteblico a
maior parte desses substitutivos em nome da liberdade representavam os
interesses das escolas privadas (MEC 2002 p 25-26)
Em 11 de agosto de 1971 eacute sancionada a Lei 5692 que fixara diretrizes e bases para
o ensino de 1ordm e 2ordm grau e de outras providecircncias (MEC 2002 p 27) Alguns entendem
como a segunda LDB e outros vecircm como a 402461 com algumas adequaccedilotildees A Lei
propotildee ajustamento agraves diferenccedilas culturais das diferentes regiotildees Tambeacutem prevecirc a
adequaccedilatildeo do periacuteodo de feacuterias agrave eacutepoca de plantio e colheita de safras No entendo em boa
medida reafirma o caraacuteter da LBD anterior apontando para a necessidade de adaptaccedilatildeo do
camponecircs agrave terra
Para Saviani (2008) e Porto (2007) a Lei nordm 569271 teve funccedilatildeo ideoloacutegica no
sentido de dar sustentaccedilatildeo ao periacuteodo de secessatildeo democraacutetica no qual o Brasil iniciara no
ano de 1964 Nesse periacuteodo o Governo autoritaacuterio buscava uma maior inserccedilatildeo nos estados
mais pobres do Brasil com ecircnfase no Norte e Nordeste Desse modo em muitos casos essa
lei teve um caraacuteter muito mais de instrumento poliacutetico do governo do que propriamente
49
educacional Segundo os autores a lei 569271 foi promulgada sob a eacutegide da estrateacutegia do
―autoritarismo triunfante
A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496 representou um avanccedilo
significativo para a educaccedilatildeo dos povos do campo sobretudo no que se refere agrave
especificidade desses sujeitos Em seu artigo 28 podemos observar que
Na oferta da Educaccedilatildeo Baacutesica para a populaccedilatildeo rural os sistemas de Ensino
promoveratildeo as adaptaccedilotildees necessaacuterias agrave sua adequaccedilatildeo agraves peculiaridades da
vida rural e de cada regiatildeo especialmente
I- conteuacutedos curriculares e metodologias apropriadas agraves reais necessidades e
interesses dos alunos na zona rural
II- organizaccedilatildeo escolar proacutepria incluindo adequaccedilatildeo do calendaacuterio escolar agraves
fases do ciclo agriacutecola e agraves condiccedilotildees climaacuteticas
III- adequaccedilatildeo agrave natureza do trabalho na zona rural
Os avanccedilos que temos observado sobretudo a partir da primeira deacutecada do seacuteculo
XXI do ponto de vista institucional se devem em grande medida agrave organizaccedilatildeo das
populaccedilotildees do campo e agrave resistecircncia histoacuterica que tem caracterizado essa populaccedilatildeo
Fruto de um novo cenaacuterio poliacutetico social e econocircmico a primeira deacutecada do Seacuteculo
XXI apresenta avanccedilos significativos sobretudo nas aacutereas sociais e educacionais ainda que
fortemente atrelados agraves poliacuteticas neoliberais da deacutecada de 1990
A Resoluccedilatildeo CNECEB 1 de 342002 portanto institui as Diretrizes
operacionais para a educaccedilatildeo baacutesica nas escolas do campo Nessa
resoluccedilatildeo percebe-se o reconhecimento de que a escola do campo tem uma
identidade vinculada agrave realidade na qual estaacute inserida [] Ao mesmo tempo
ressalta a importacircncia da educaccedilatildeo para o exerciacutecio pleno da cidadania e para
um desenvolvimento do paiacutes que consiste na solidariedade e a justiccedila social
envolvendo as populaccedilotildees rurais e urbanas (RIBEIRO 2010 p 191)
As Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo do Campo procura englobar o
entendimento de campo isto eacute o que entes era entendido como lugar de plantar passa por
uma ampliaccedilatildeo que vai de comunidades remanescente de quilombos comunidades indiacutegenas
pescadores assentados da reforma agraacuteria aacutereas ribeirinhas comunidades sem-terra e seus
sujeitos agregados caboclos meeiros entre outras (RIBEIRO 2010)
O campo nesse sentido mais do que um periacutemetro natildeo urbano eacute um campo de
possibilidades que dinamizam as ligaccedilotildees dos seres humanos e com a proacutepria produccedilatildeo das
condiccedilotildees da existecircncia social (MEC 2002) Nesse sentido as reivindicaccedilotildees por poliacuteticas
50
puacuteblicas para esses povos assim como a valorizaccedilatildeo e reconhecimento dos seus saberes e
praacuteticas passa a ser foco subjacente desse novo periacuteodo
A aprovaccedilatildeo das Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo Baacutesica nas Escolas do
Campo eacute o resultado das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que lutam por educaccedilatildeo de
qualidade e vida digna para os povos do campo com destaque para o MST A aprovaccedilatildeo das
Diretrizes tem a contribuiccedilatildeo de vaacuterias organizaccedilotildees sociais comprometidas com as
transformaccedilotildees que a contemporaneidade enseja Satildeo Movimentos Sociais Conselhos
Estaduais e Municipais de Educaccedilatildeo Uniatildeo Nacional dos Dirigentes Municipais de Educaccedilatildeo
(UNDIME) universidades e instituiccedilotildees de pesquisa o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel Organizaccedilotildees Natildeo Governamentais e diversos outros
setores engajados em projetos direcionados para o desenvolvimento socialmente justo no
espaccedilo diverso e multilateral do campo (MEC 2002)
Podemos observar que as Diretrizes Operacionais para as Escolas do Campo vieram
como subsiacutedio e reforccedilam agrave LDB 939496 que jaacute estabelecera normas especiacuteficas agrave Educaccedilatildeo
do campo como podemos ler no artigo 5ordm das Diretrizes Operacionais das Escolas do campo
As propostas pedagoacutegicas das escolas do campo respeitadas as diferenccedilas e o
direito agrave igualdade e cumprindo imediata e plenamente o estabelecido nos
artigos 23 26 e 28 da Lei 9394 de 1996 contemplaratildeo a diversidade do
campo em todos os seus aspectos sociais culturais poliacuteticos econocircmicos de
gecircnero geraccedilatildeo e etnia( LDB 1996 p 23)
O processo de normatizaccedilatildeo eacute sem duacutevida de suma importacircncia para a garantia do
direito No entanto sabe-se que esse direito eacute demasiado abstrato enquanto natildeo eacute usufruiacutedo
Sabemos ainda que como escreveu Freire (2012) natildeo seraacute por decreto que a sociedade se
livraraacute dos horrores e das grandes desigualdades que a afligem A Associaccedilatildeo Nacional pela
Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo (ANFOPE 2010 p 90) ratifica que ―natildeo seraacute a
implementaccedilatildeo de novas leis que asseguraraacute as mudanccedilas necessaacuterias na educaccedilatildeo poreacutem a
legislaccedilatildeo reflete o campo de forccedilas que contorna as disputas pela sua criaccedilatildeo implementaccedilatildeo
e controle Sabemos ainda que esse eacute um passo de suma importacircncia para a conquista dos
objetivos ensejados
51
3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO
CAMPO
ldquoOs socialistas estatildeo aqui para lembrar ao mundo que em
primeiro lugar devem vir as pessoas e natildeo a produccedilatildeo As pessoas
natildeo podem ser sacrificadas Nem tipos especiais de pessoas ndash os
espertos os fortes os ambiciosos os belos aqueles que podem um
dia vir a fazer grandes coisas ndash nem qualquer outra
Especialmente aquelas que satildeo apenas pessoas comunsrdquo
Eric Hobsbawm (1992)
Os avanccedilos no tocante a Educaccedilatildeo do Campo satildeo notoacuterios O movimento ganhou
corpo e a resistecircncia organizada obteve conquistas e melhorias significativas agraves populaccedilotildees
tradicionais do campo brasileiro em que pese reconhecermos o esquecimento ao qual boa
parte dos sujeitos do campo ainda estatildeo imersos Batista (2009 p 207) afirma que ―no Brasil
a educaccedilatildeo enquanto poliacutetica de estado tem sido instrumentalizada pelo projeto histoacuterico
capitalista e seus poderes hegemocircnicos para atender aos seus interesses
Em contraponto a esse modelo de desenvolvimento e de sociedade os movimentos
sociais tecircm se organizado no sentido de garantir uma agente propositiva para os setores
historicamente colonizados
No contexto atual do capitalismo mundializado em que apesar da crise
estrutural predomina a hegemonia do capital na produccedilatildeo econocircmica social
poliacutetica e nas poliacuteticas de educaccedilatildeo a educaccedilatildeo dos movimentos se afigura
como instituinte orgacircnica de um projeto de sociedade e que tem como fim a
formaccedilatildeo humana o sujeito histoacuterico que constroacutei pela luta e resistecircncia a
emancipaccedilatildeo social e dos seres humanos como um devir como uma
possibilidade de construir uma nova sociedade (BATISTA 2009 p 208)
A educaccedilatildeo pautada pelos movimentos sociais do campo tecircm se afinado em muito
com o projeto contra-hegemocircnico de sociedade Tem feito um enfretamento necessaacuterio ao
modelo neoliberal de educaccedilatildeo que tem propagado abertamente o fim das alternativas
afirmando deliberadamente que natildeo haacute opccedilatildeo fora do paradigma globalizado O papel dos
movimentos tecircm sido mostrar justamente o contraacuterio O Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do
52
Campo encontra eco no seio da Pedagogia Paulo Freire cujo sentido tem sido inventado e
reinventado nos muitos exemplos e na diversidade de experiecircncias pelo Brasil
Desse modo o paradigma contra-hegemocircnico natildeo eacute uma criaccedilatildeo do imaginaacuterio de
idealistas mas eacute antes uma possibilidade concreta que nos permeia como assinala Gadotti
(1999 p 268)
A educaccedilatildeo popular e socialista natildeo eacute uma ideacuteia abstrata nem uma utopia
pedagogista Ela se encontra em desenvolvimento entre noacutes por exemplo no
proacuteprio processo de resistecircncia e de luta pela superaccedilatildeo das desigualdades
Nesse momento histoacuterico no Brasil ela constitui-se um instrumento dessa
luta
A necessidade em uma educaccedilatildeo alternativa que assuma a classe oprimida como
resultado de um processo histoacuterico vai de encontro agrave educaccedilatildeo pretendida pelo Estado Uma
educaccedilatildeo libertadora que consiga enxergar a realidade do sujeito como geradora de conteuacutedo
que entenda a situaccedilatildeo de pobreza e miseacuteria fora do determinismo religioso e que sobretudo
aponte saiacutedas e possibilidades de liberdade para o ser eacute necessaacuteria e urgente A escola tornou-
se importante instrumento de difusatildeo da pedagogia da hegemonia ou pedagogia da
conservaccedilatildeo e concomitantemente em veiacuteculo que limita e emperra a construccedilatildeo e a
veiculaccedilatildeo de uma pedagogia da contra-hegemonia (NEVES 2005)
A contemporaneidade nos mostra que o discurso de negaccedilatildeo do acesso agrave educaccedilatildeo por
parte do Estado jaacute natildeo se sustenta com tanto vigor Eacute preciso nesse momento em que haacute um
forte discurso sobre acesso e permanecircncia sobretudo de estudantes da classe trabalhadora
pensar a quem interessa esse ensino e retomar a claacutessica questatildeo a serviccedilo de que e de quem
estaacute tal ensino Tendo em vista o atual estado de vigecircncia da pedagogia da hegemonia Rossi
(1980) afirma que quanto mais educaccedilatildeo nesse sentido [da hegemonia] tanto mais
conformidade isto eacute mais a sociedade permaneceraacute conforme o modelo vigente Ou ainda
mais claramente quanto mais conformaccedilatildeo e conformidade tanto mais educaccedilatildeo
Assim partindo do pressuposto que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo bebe da
heranccedila da Pedagogia Paulo Freire essa dialogicidade entre as concepccedilotildees tem feito um
tensionamento importante e necessaacuterio ao atual modelo que a sociedade adquiriu com o
advento do neoliberalismo A educaccedilatildeo criacutetica eacute cada vez mais urgente sobretudo em tempos
53
de massificaccedilatildeo em que se apregoa a universalizaccedilatildeo do ensino escolarizado como a meta do
seacuteculo
Por fim entendemos que a educaccedilatildeo seja pra todos e todas afinal eacute um direito
humano fundamental mas que ela natildeo cegue natildeo reduza a capacidade de pensar e agir mas
sim que tenha a capacidade de injetar acircnimo e esperanccedila no camponecircs na camponesa no
desempregado e na desempregada na crianccedila no jovem e no idoso O cerne dessa educaccedilatildeo
encontra-se na pedagogia freireana nas praacuteticas da Educaccedilatildeo do Campo no Movimento Sem
Terra e em vaacuterios outros espaccedilos que dialogam com a Educaccedilatildeo Popular
31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO ATUAL DEBATE DA
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM
Partindo do pressuposto inicial desta pesquisa em que pensaacutevamos qual a
contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo
Chegamos a alguns pontos centrais desta reflexatildeo A contemporaneidade do debate da
Educaccedilatildeo do Campo nos aponta para uma perspectiva dialoacutegica entre a Pedagogia Paulo
Freire e os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo Haacute uma indissociabilidade entre ambas Sendo
a primeira portadora da essecircncia que alimenta a segunda satildeo por conseguinte pedagogias
que se complementam (SILVA FILHO PORTO 2012)
Em um tempo em que a educaccedilatildeo criacutetica libertadora e preocupada com questotildees
poliacuteticas sociais e histoacutericas tornou-se ―alieniacutegena caduca e ―comunista de postura
antiquada ou idealista cabe um questionamento faz sentido insistir na divulgaccedilatildeo de ideias
contra-hegemocircnicas da Educaccedilatildeo do Campo e de Paulo Freire no atual mercado da poacutes-
modernidade Essa eacute uma pergunta que Nosela (2010) faz acerca de Gramsci na atualidade e
que nos serve de paracircmetro para o debate
Eacute importante situar a pedagogia freireana dentro de uma loacutegica de contraponto a todo
o modelo neoliberal que se tornou hegemocircnico na educaccedilatildeo de fins do seacuteculo XX e iniacutecio do
seacuteculo XXI O pensamento de Paulo Freire assim como de outros pedagogos de matriz
socialista como Pistrak e Makarenko tem contribuiacutedo grandemente com o atual Movimento
de Educaccedilatildeo do Campo
54
Tanto a pedagogia freireana como a Educaccedilatildeo do Campo se coadunam como meios
de resistecircncia a um ―capitalismo lean and mean que nas palavras de Dowbor15
estaacute impelido
pelas proacuteprias regras de eficiecircncia e que portanto deixa pouco espaccedilo para refletir sobre
valores
Uma economia que natildeo se torna capaz de programar-se em funccedilatildeo das
necessidades do ser humano e que ―convive fria e indiferentemente com a
miseacuteria e a fome de milhotildees a quem tudo eacute negado natildeo merece meu respeito
de educador mas sobretudo meu respeito de gente (FREIRE 2012 p 36)
Eacute exatamente sobre a necessidade de revitalizar palavras como valor eacutetica
solidariedade felicidade e humanizaccedilatildeo que estamos discorrendo O monopoacutelio capitalista
ressignificou todas essas palavras e lhes esvaziou seus sentidos resumindo-as basicamente ao
poder de compra o que Ball (2011) denominou de democracia do consumo Entretanto uma
pedagogia que faccedila o caminho oposto a esse que impregne sentido e identidade aos homens e
mulheres que lhes devolva o direito de optar e decidir (FREIRE 2012) e que forme o sujeito
em sua plenitude eacute o assento dessa pedagogia que estamos pautando eacute o assento portanto da
Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do campo
Natildeo cabe o fatalismo e o determinismo como norteadores do pensamento dos sujeitos
O poder de natildeo se resignar perante situaccedilotildees concretas de opressatildeo eacute uma das maiores
contribuiccedilotildees de Freire ao atual debate da Educaccedilatildeo do Campo
Como vimos a historiografia mostra que no Brasil o periacuteodo que compreende os anos
1950 e 1960 eacute identificado como populismo periacuteodo que esteve voltado agrave construccedilatildeo de um
projeto de desenvolvimento econocircmico nacional (RIBEIRO 2010) A economia brasileira
ainda apresentava-se essencialmente agraacuteria e produtora de mateacuterias-primas Politicamente o
suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 a posse de Juscelino Kubitschek em 1956 a renuacutencia de
Jacircnio Quadros em 1961 e o Golpe Militar de 1964 proporcionaram um cenaacuterio de mudanccedilas
que caracterizam uma ―sociedade em tracircnsito (FREIRE 1983) e rica em organizaccedilotildees
populares
15 Prefaacutecio ao livro ―Agrave sombra desta mangueira (Paacuteg 18)
55
Eacute nessa complexidade que a gecircnese do pensamento de Paulo Freire emerge Surge das
contradiccedilotildees da sociedade brasileira sociedade essa governada por uma elite conservadora e
detentora de privileacutegios na qual o homem simples domesticado e alienado eacute forccedilado a viver
como objeto esmagado e oprimido pela sombra da marginalizaccedilatildeo e da dependecircncia
(FREIRE 2011)
Nesse momento histoacuterico Paulo Freire identificou um modelo de ensino que servia
justamente para a manutenccedilatildeo do estado de miseacuteria e analfabetismo em que grande parte da
populaccedilatildeo do campo e da cidade se encontrava A esse ensino Freire chamou de educaccedilatildeo
bancaacuteria abordado na obra de sua autoria Pedagogia do Oprimido Esse modelo de ensino
estaacute muito aqueacutem da realidade dos sujeitos Eacute um paradigma desinteressado com as questotildees
referentes ao dia-a-dia dos sujeitos do seu trabalho dos seus sonhos da vida praacutetica
No sentido oposto a concepccedilatildeo bancaacuteria de educaccedilatildeo a Pedagogia Paulo Freire se
realiza e materializa respeitando os sujeitos simples o ―saber de experiecircncia feito desses
sujeitos Aleacutem disso busca entender a realidade como geradora de conteuacutedos de curriacuteculo A
relaccedilatildeo eacute dialeacutetica e dialoacutegica eacute uma relaccedilatildeo entre educador educando e o mundo (FREIRE
2011) Esse paradigma se assemelha de forma demasiada com a concepccedilatildeo atual da Educaccedilatildeo
do Campo que por sua vez estaacute diretamente ligada a realidade que lhe produziu ou seja a
necessidade e a luta por direitos historicamente negados e tem em sua gecircnese a resistecircncia
dos movimentos sociais camponeses (CARLDART et al 2012)
Os princiacutepios educacionais da Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do Campo
coadunam para o mesmo sentido e se cruzam por diversos momentos estando inter-
relacionados como procuramos mostrar na figura a baixo
Educaccedilatildeo do Campo
Pedagogia Paulo Freire
Figura III ndash Dialogicidade entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire
56
Os sentidos comungam portanto para uma mesma concepccedilatildeo de lugar sujeito
educaccedilatildeo e sociedade Eacute importante ressaltar nesse processo de compartilhamento a
anterioridade do pensamento de Paulo Freire visto que o que hoje discutimos jaacute era debatido
por ele na deacutecada de 1950 (GADOTTI 1997)
Nesse sentido o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo herdou muito do pensamento de
Paulo Freire e tem reinventado sua pedagogia Isso eacute de uma importacircncia iacutempar pois Freire
sempre afirmara que sua pedagogia devia ser reinventada (FREIRE 2012) jamais
transplantada de forma acriacutetica de uma realidade a outra A Educaccedilatildeo do Campo tem feito um
importante tensionamento e disputado opiniotildees na base da sociedade acerca do modelo
educacional que temos e a serviccedilo de quem ele estaacute
O modelo de educaccedilatildeo contra-hegemocircnico natildeo foi pensado por intelectuais
academicistas ateacute porque essa categoria pouco se envolve com as questotildees sociais
(RIBEIRO 2010) mas eacute justamente o movimento contraacuterio ela emerge das situaccedilotildees de
descaso e usura do Estado frente aos homens e mulheres do campo sem terra sem teto sem
trabalho sem perspectiva Eacute daiacute que surge a contra-hegemonia que jamais poderaacute ser criada
para indignados uma vez que jaacute foi criada por estes Eacute nesse sentido que estaacute posta a
Pedagogia Paulo Freire natildeo como uma receita a ser seguida mas como fruto como
artesanato construiacutedo paulatinamente por indignaccedilatildeo exclusatildeo e opressatildeo Essa concepccedilatildeo eacute
educativa natildeo pretende tornar-se opressora daqueles que hoje oprimem mas antes eacute a uacutenica
capaz de libertar o opressor tornando-o livre no mais autecircntico sentido que a palavra carrega
Eacute desse paradigma que a Educaccedilatildeo do Campo bebe e reinventa a pedagogia freireana a
pedagogia do oprimido a pedagogia do povo simples dos demitidos da terra
A educaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo assim como toda uma vasta produccedilatildeo
que coloca o ensino como tarefa humana e humanizadora que entende o sujeito como ator e
protagonista da sua histoacuteria que se indigna e que se revolta frente ao atual estado de coisa e
esvaziamento no qual a educaccedilatildeo mergulhou todas essas caracteriacutesticas formam pois o que
chamamos pedagogia contra-hegemocircnica e que estaacute no cerne da pedagogia freireana e na
Educaccedilatildeo do Campo
A ressignificaccedilatildeo do sujeito do campo assim como do lugar desse sujeito ou seja o
campo satildeo contribuiccedilotildees significativas do pensamento de Paulo Freire O sujeito o homem e
57
a mulher do campo eram vistos (em boa medida ainda satildeo) dentro da loacutegica produtivista como
matildeo-de-obra barata e passiva de exploraccedilatildeo e por outro lado invisibilizados dentro dos seus
direitos poliacutetico-sociais Essa circunstacircncia na qual os sujeitos do campo estavam envoltos
indubitavelmente eacute responsaacutevel pela negaccedilatildeo da condiccedilatildeo de vita activa16
A exclusatildeo da vida
participativa do paiacutes tem como heranccedila a perpetuaccedilatildeo da opressatildeo e da negaccedilatildeo fatores que
acompanham os sujeitos do campo ao longo da histoacuteria
Para Paulo Freire o sujeito eacute tanto histoacuterico quanto social resultante de um complexo
de vivecircncias reais Capaz de diferentemente do animal que apenas se adapta a realidade
integrar-se a sua realidade e nela interferir (FREIRE 2012)
Quando nos referimos ao campo eacute preciso ter o devido cuidado para natildeo cairmos no
conservadorismo de uma visatildeo homogecircnea de sujeito e lugares entendendo por exemplo o
campo como lugar passivo ao qual atribui-se um olhar negativo e preconceituoso (ARROYO
2009) Tanto Paulo Freire como o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo recusam esse
determinismo com forte veemecircncia pois sabe-se que as relaccedilotildees satildeo complexas e que a
calmaria tiacutepica da zona rural esconde um emaranhado de relaccedilotildees sociais de trabalho e de
famiacutelia cuja dinacircmica requer perspicaacutecia e sutileza para seu entendimento
Tendo em vista a importacircncia do legado de Paulo Freire natildeo somente para a Educaccedilatildeo
do Campo mas para toda a educaccedilatildeo popular para os espaccedilos natildeo escolares em que se
desenvolvem projetos educacionais e para outra infinidade de possibilidades de reinvenccedilatildeo da
pedagogia freireana eacute que dialogaremos a partir de agora com o exemplo da Experiecircncia de
Angicos - RN como exemplo de pioneirismo e autenticidade do pensamento de Paulo Freire
16 Hannah Arendt na obra ―A condiccedilatildeo Humana 10 ed Rio de Janeiro 2007 Pode ser entendido como a
condiccedilatildeo de participaccedilatildeo ativamente na vida poliacutetica da sociedade
58
32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA
PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO NORTE
Figura IV ndash Angicos nos dias de hoje (2014) Fonte o proacuteprio autor
(Em nenhum lugar do mundo onde estive fiquei mais tocado do que aqui e agora
Paulo Freire Angicos 28 de agosto de 1993)
Os fins da deacutecada de 1950 e iniacutecio de 1960 satildeo fortemente marcados por movimentos
de cunho popular e participativo Um periacuteodo particularmente rico em organizaccedilotildees sociais e
coletivas cujos objetivos giravam em torno de reformas estruturantes na sociedade brasileira
Direitos trabalhistas educacionais Reforma Agraacuteria satildeo exemplos de temaacuteticas que vinham
sendo abertamente discutidas pelo governo e as sociedade civil coletivamente organizada No
campo essa movimentaccedilatildeo se deu de forma particularmente rica
O Movimento de Cultura Popular (MCP) do Recife a partir de maio de
1960 a Campanha ―De peacute no chatildeo tambeacutem se aprende a ler em Natal a
partir de 1960 o Movimento de Educaccedilatildeo de Base (MEB) da Conferecircncia
Nacional dos Bispos Brasileiros os Centros Populares de Cultura (CPCs) da
Uniatildeo Nacional dos Estudantes e outros movimentos de menor amplitude
satildeo testemunhas da notaacutevel efervescecircncia desse periacuteodo (BEISIEGEL 2010
p 18)
59
Uma das primeiras iniciativas no tocante a criaccedilatildeo de uma poliacutetica para atender aos
jovens e adultos analfabetos diz respeito agrave criaccedilatildeo do Serviccedilo de Educaccedilatildeo de Adultos (SEA)
em 1947 e dessa accedilatildeo a criaccedilatildeo da Campanha de Educaccedilatildeo de Adultos (BEISIEGEL 2010)
No entanto essa campanha ainda resguardava em sua metodologia a transferecircncia dos
conteuacutedos trabalhados com crianccedilas no primaacuterio aos jovens e adultos que estudavam a noite
O proacuteprio Lourenccedilo Filho que era um expoente dessa campanha escreveu textos cujo assento
residia na sua preocupaccedilatildeo com essa metodologia
Natildeo obstante as reiteradas manifestaccedilotildees de Lourenccedilo Filho sobre a
necessidade de atentar agraves particularidades e as exigecircncias especiacuteficas do
adulto pouco escolarizado na grande maioria das classes professores do
ensino infantil reproduziam agrave noite com seus alunos jovens e adultos os
trabalhos que realizavam no periacuteodo diurno com os seus alunos do ensino
primaacuterio fundamental comum (BEISIEGEL 2010 p 24)
Aos poucos percebe-se que o caraacuteter puramente de erradicar o analfabetismo fazendo
com que os sujeitos jovens e adultos lessem e escrevessem natildeo garantia uma cidadania plena
no gozo de direitos Desse modo inicia-se nesse acircmbito um paradigma que pensa a questatildeo
do analfabetismo como eminentemente de cunho social requerendo portanto uma visatildeo mais
ampla da questatildeo Em 1958 Freire escreve ―A educaccedilatildeo de adultos e as populaccedilotildees marginais
o problema dos mocambos que jaacute tratava a temaacutetica sob a oacutetica dos problemas sociais mais
abrangentes (BEISIEGEL 2010)
O trabalho que projetou Freire nacionalmente contraditoriamente foi o mesmo que o
levou agrave prisatildeo com o advento da Ditadura Militar Devido agrave experiecircncia de Angicos ele foi
considerado ―ignorante e subversivo pelo Regime Militar Segundo o livro organizado pelo
Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia (2012 p36) denominado ―Paulo Freire
anistiado poliacutetico brasileiro ―Alguns de seus alunos tambeacutem foram presos e passaram por
outras dificuldades depois da experiecircncia de Angicos (1963) considerada subversiva e mais
tarde cancelada
Vale salientar que o Regime Militar foi extremamente violento tambeacutem com os
camponeses As lutas natildeo se resumiam agrave cidade Haacute pouco a sindicalizaccedilatildeo rural havia sido
um fenocircmeno extensivo a quase todo o nordeste com ecircnfase na Paraiacuteba Rio Grande do Norte
e Pernambuco especialmente atraveacutes da Campanha de Educaccedilatildeo Popular juntamente com a
60
Juventude Universitaacuteria Catoacutelica - JUC - Juventude Agraacuteria Catoacutelica e o Movimento de
Educaccedilatildeo de Base ndash MEB (SILVA 2011 FREIRE 1983)
O caraacuteter da experiecircncia realizada em Angicos estaacute assentado nos princiacutepios da
Educaccedilatildeo Popular que para Carlos Rodrigues Brandatildeo (2009 p 09) tem um papel e um
sentido histoacuterico como resistecircncia e oposiccedilatildeo ao status quo
Figura V ndash AngicosRN
A experiecircncia de Angicos no Estado do Rio Grande do Norte em 1963 conteacutem o cerne
da pedagogia freirena ou seja Freire (1983 p 06) afirma que ―a alfabetizaccedilatildeo e a
conscientizaccedilatildeo jamais se separam Nesse momento histoacuterico o sujeito do campo imerso no
populismo por um lado e no analfabetismo por outro conforme Ribeiro (2010) enfrenta um
periacuteodo de grandes privaccedilotildees no campo social poliacutetico econocircmico e educacional Eacute nesse
ultimo principalmente que a experiecircncia de Angicos eacute significativa pois educaccedilatildeo era luxo
restrito agraves classes dominantes
Segundo documento organizado pelo Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia
(2012) Paulo Freire e seus colaboradores Alfabetizaram 300 trabalhadores rurais em poucos
dias accedilatildeo que significou um fenocircmeno revolucionaacuterio Eacute importante salientar o princiacutepio
dessa alfabetizaccedilatildeo Freire (1983 p 96) afirma que ―Toda separaccedilatildeo entre os que sabem e os
que natildeo sabem do mesmo modo que a separaccedilatildeo entre as elites e o povo eacute apenas fruto de
circunstacircncias histoacutericas que podem e devem ser transformadas Portanto muito mais do que
o simples ato de alfabetizar havia uma ideologia progressista cuja finalidade residia na
conscientizaccedilatildeo poliacutetica dos sujeitos frente a um mundo de privaccedilotildees
Esse trabalho obteacutem grande repercussatildeo nacional e internacional Estende a
experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN) e Joatildeo Pessoa (PB)
61
O trabalho da equipe do Recife foi o de ir a Natal capacitar a equipe de
Marcos que partiu depois para Angicos O primeiro trabalho dessa equipe
foi fazer o universo vocabular da regiatildeo Nunca me esqueccedilo que a primeira
palavra geradora de Angicos foi ―belota uma corruptela de borlota que eacute
exatamente esse negoacutecio de pocircr em rede em cortina Por que isso Nessa
regiatildeo se trabalhava muito com couro e eles usavam nos rebenques
exatamente uma borlota mas que o povo chama belota Essa foi a primeira
palavra geradora de uma riqueza extraordinaacuteria em ambos os aspectos
socioloacutegicos e linguiacutesticos porque ela introduzia trecircs famiacutelias silaacutebicas a do
ba-be-bi-bo-bu e do la-le-li-lo-lu e a do ta-te-ti-to-tu Ela em si abria a
possibilidade de criaccedilatildeo de novas palavras Depois dessa seleccedilatildeo feita os
meninos foram e passaram a morar laacute Um mecircs depois tinha trezentas
pessoas lendo e escrevendo (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO
DE ANISTIA 2012 p86)
As 40 horas de Angicos foi um espaccedilo de extrema riqueza Os participantes daquela
experiecircncia satildeo testemunhas da efetivaccedilatildeo de uma praacutexis Um momento em que teoria e
praacutetica dialogaram justamente como sempre defendeu Freire Eacute importante destacar que os
300 trabalhadores que se alfabetizaram eram em sua maioria trabalhadores rurais ―Silentes e
autodesvalidos os sem-terra e sem-palavra foram tocados pelo olhar predileto que Paulo lhes
dirigiu em Angicos Os jovens agricultores ainda sem terra mas que jaacute conquistaram a
palavra leem Paulo Freire para transformar seu projeto de vida (idem p 117)
Figura VI ndash Experiecircncia de AngicosRN
Nos anos 50 quando ainda se pensava na educaccedilatildeo de adultos como uma
pura reposiccedilatildeo dos conteuacutedos transmitido agraves crianccedilas e jovens Paulo Freire
propunha uma pedagogia especiacutefica associando estudos experiecircncias
vividas trabalho pedagogia e poliacutetica (GADOTTI 1996 p 70)
Desse modo percebemos um niacutetido respeito que o educador Paulo Freire tem para
com os educandos Ele desenvolve uma educaccedilatildeo totalmente contraacuteria agrave educaccedilatildeo
escolarizada cujas metodologias estatildeo intimamente ligadas por um conteuacutedo a-histoacuterico que
62
natildeo leva a uma reflexatildeo criacutetica do mundo Onde o maior objetivo eacute o depoacutesito de tudo o que
foi decorado ao longo de um periacuteodo
Essa focircrma (de formar) de educar eacute fortemente recusada por Freire (2011) Na
Pedagogia do Oprimido denominou de ―educaccedilatildeo bancaacuteria Os sujeitos envolvidos no
processo satildeo meros receptores Depoacutesitos de conteuacutedos que natildeo tecircm nenhuma relaccedilatildeo com a
realidade Freire caminha em direccedilatildeo oposta agrave educaccedilatildeo bancaacuteria entende que a realidade e a
vida concreta dos sujeitos eacute geradora de conteuacutedo e portanto a gecircnese da alfabetizaccedilatildeo
deveria comeccedilar pois daquela realidade partindo para o universalmente conhecido
(FREIRE 2011)
A leitura que Freire faz do sujeito do campo nordestino eacute sem duacutevida avanccedilada Um
momento em que o campo brasileiro padecia de grande estigma e preconceito Freire se utiliza
da realidade dos camponeses do modo de vida do trabalho das experiecircncias para partindo
desse ponto chegar agrave alfabetizaccedilatildeo e agrave conscientizaccedilatildeo desses sujeitos A educaccedilatildeo das
populaccedilotildees camponesas esteve longe de ser o ponto nevraacutelgico dos interesses das classes
dominantes afinal ―eacute mais difiacutecil explorar um camponecircs que sabe ler do que um analfabeto
17
Paulo Freire natildeo se separa da poliacutetica Paulo Freire deve ser considerado
tambeacutem como um poliacutetico Esta eacute a dimensatildeo mais importante de sua obra Ele
natildeo pensa a realidade como um socioacutelogo que procura apenas entendecirc-la []
Por isso ele pensa a educaccedilatildeo ao mesmo tempo como ato poliacutetico como ato de
conhecimento e como ato criador (GADOTTI 1996 p 70)
A intervenccedilatildeo que Freire realiza em Angicos eacute uma atividade eminentemente poliacutetica
tinha como objetivo aleacutem da alfabetizaccedilatildeo a politizaccedilatildeo dos trabalhadores rurais daquele
municiacutepio isso em um periacuteodo de predomiacutenio das oligarquias rurais do voto de cabresto e de
extrema espoliaccedilatildeo da matildeo-de-obra dos agricultores Pois eacute em meio a esse cenaacuterio que
Freire juntamente com seus colaboradores desenvolve um paradigma de alfabetizaccedilatildeo cujo
principio eacute a libertaccedilatildeo do povo da condiccedilatildeo de oprimido e ―demitido da vida
Sua concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e logicamente sua proposta educacional que
havia mostrado resultado altamente positivo na experiecircncia em Angicos
17 Resposta pela recusa da natildeo alfabetizaccedilatildeo dos camponeses proposta por Voltaire a Imperatriz Catarina da
Ruacutessia no Seacuteculo XVIII
63
(RN) consistia em afirmar que todo ato educativo eacute um ato poliacutetico assim
sendo a educaccedilatildeo conteacutem a potencialidade da transformaccedilatildeo da sociedade
por intermeacutedio de uma consciecircncia criacutetica da realidade tarefa que tanto o
educador como o educando devem assumir no ato educativo (INSTITUTO
PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012 p 43)
Segundo Germano (1997) o desafio e o objetivo da experiecircncia de Angicos era tanto
alfabetizar como conscientizar politicamente os trabalhadores em 40 horas A experiecircncia que
era patrocinada pelo ―Alianccedila para o Progresso um programa de origem estadunidense e do
Governo do Rio Grande do Norte que agrave eacutepoca estava sob mandato de Aluizio Alves
experiecircncia que ganhou conhecimento nacional e internacionalmente
O que queremos apontar como novidade nesse olhar que lanccedilamos sobre a experiecircncia
de Angicos amplamente conhecida eacute evidenciar que o puacuteblico participante era de forma
majoritaacuteria trabalhadores rurais em uma cidade cujo periacuteodo histoacuterico dificulta falar-se em
urbanidade puacuteblico esse objeto de nossa reflexatildeo nesta dissertaccedilatildeo de mestrado Nesse
sentido situamos o pensamento de Paulo Freire como de grande importacircncia ao atual debate
da Educaccedilatildeo do Campo O que estamos debatendo hoje como o respeito agraves vivecircncias e
experiecircncias a importacircncia do lugar e o famigerado modismo do ―conhecimento preacutevio
Freire tratou ainda em 1963 com responsabilidade e humanismo Assim eacute salutar
percebermos a experiecircncia de Angicos como uma importante fonte histoacuterica que pode (e
certamente haveraacute de) contribuir em muito com o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo
64
4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIENCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO
CAMPO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
Feito o debate teoacuterico-metodoloacutegico acerca da Educaccedilatildeo do Campo e de suas raiacutezes
histoacutericas no Brasil e tambeacutem sobre a atual posiccedilatildeo que esta modalidade de ensino ocupa
entendemos ser este o momento de estreitar e externar experiecircncias que ilustram de modo
singular a inserccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo na universidade brasileira Para tanto tomamos
como recorte analiacutetico o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte Procuramos refletir sobre a contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana ao ―Projeto
do curso entendendo que o aporte do pensamento de Paulo Freire na Educaccedilatildeo do Campo eacute
de extrema relevacircncia Entendemos que a formulaccedilatildeo da proposta curricular dessa natureza
ou seja pensada para cursos cujos sujeitos tecircm viacutenculo direto com o campo carece de certo
alinhamento ideoloacutegico com a pedagogia freireana uma vez que esta canaliza a resistecircncia
histoacuterica dos povos do campo
A tomada do curso como recorte se explica pela aproximaccedilatildeo e atuaccedilatildeo que tivemos
com a turma de Pedagogia da Terra no periacuteodo de 2010 a 2011 periacuteodo no qual atuamos
como monitor Jaacute a busca pela contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana agrave Proposta poliacutetico-
pedagoacutegica e Plano de Trabalho se faz necessaacuterio pelo foco central deste trabalho mas
tambeacutem pela singular experiecircncia de aprender e pesquisar sobre o pensamento de Paulo Freire
no Grupo de Estudo da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) na Universidade Federal da
Paraiacuteba Aleacutem do mais entendermos que Educaccedilatildeo do Campo eacute uma questatildeo de grande valor
natildeo pode estar simplesmente coadunando com os paradigmas educacionais fugazes que a
contemporaneidade tem nos mostrado em outras palavras a Educaccedilatildeo do Campo natildeo pode
ser moda mas antes oportunidade para os sujeitos do campo se posicionar frente ao mundo e
aos seus pares
Na atuaccedilatildeo como monitor tivemos a oportunidade de vivenciar e compartilhar das
dificuldades alegrias avanccedilos e limitaccedilotildees que os educandos e as educandas enfrentaram no
dia a dia Esse conviacutevio foi de grande importacircncia pois humanizou as relaccedilotildees que a
universidade por vezes esvazia Satildeo pessoas com sonhos frustraccedilotildees dificuldades
financeiras limitaccedilotildees cognitivas mas sobretudo satildeo pessoas que lutam que persistem que
natildeo se envergonham de ocupar com simplicidade o espaccedilo de ―glamour que ainda eacute a
universidade brasileira
65
Aleacutem do Curso de Pedagogia da Terra da UFRN os cursos de Jornalismo da Terra da
Universidade Federal do Cearaacute (UFC) Especializaccedilatildeo Lato Sensu em Direitos Sociais do
Campo promovida pelo IncraPronera e a Universidade Federal de Goiaacutes (UFG) Licenciatura
em Pedagogia pelo Programa Estudante - ConvecircnioMovimento Sociais do Campo ndash
PECMSC (UFPB) entre outros satildeo exemplos e frutos colhidos apoacutes anos afinco na luta
cerrada e disputas dentro da superestrutura poliacutetica Por isso mesmo entendemos que essas
experiecircncias representam a inserccedilatildeo concreta de sujeitos do campo na Universidade puacuteblica
brasileira sendo por esse motivo merecedora de anaacutelise detalhada e pesquisas futuras
Para entendermos melhor a atualidade da Educaccedilatildeo do Campo como poliacutetica puacuteblica
destinada a um puacuteblico especiacutefico (do campo) eacute preciso situar a temaacutetica na historiografia A
pesquisadora da Faculdade de Educaccedilatildeo da UFMG Antunes-Rocha (2011 p125) eacute enfaacutetica
ao afirmar que sobre cursos de formaccedilatildeo de professores para o campo ―natildeo encontrei nada
antes de 1997 Natildeo por acaso essa data coincide com a conquista do Pronera programa esse
que entendemos ser portador do cerne da questatildeo da Educaccedilatildeo do Campo no Brasil enquanto
poliacutetica puacuteblica
O curso de Pedagogia da Terra eacute fruto da luta histoacuterica dos movimentos sociais do
campo no Brasil ele representa em boa medida os anseios teoacutericos e praacuteticos de inclusatildeo
social Assim como todo e qualquer espaccedilo o curso natildeo eacute um todo homogecircneo sem conflitos
mas antes espaccedilo repleto de contradiccedilotildees e disputas tanto interna como externamente
O suporte para essa reflexatildeo reside sobretudo na anaacutelise de documentos do Curso
principalmente na ―Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho que eacute o documento
principal norteador das accedilotildees do curso mas tambeacutem buscamos subsidiar esta escrita em
resoluccedilotildees principalmente na Resoluccedilatildeo nordm 1032006 CONSEPEUFRN de 1909200618
que trata do Regulamento dos Cursos de Graduaccedilatildeo da UFRN aleacutem de outras fontes que
tivemos acesso atraveacutes de colaboradores e tambeacutem de paacuteginas eletrocircnicas
18 Atualmente a Resoluccedilatildeo Nordm 1712013-CONSEPEUFRN de 5 de novembro de 2013 eacute que rege o
Regulamento dos Cursos Regulares de Graduaccedilatildeo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
66
O Edital de abertura do processo seletivo para o curso de Pedagogia ndash Licenciatura
Plena foi orientado pela Resoluccedilatildeo nordm1032006-CONSEPEUFRN de 19092006 e seguiu
todos os procedimentos normativos dos demais vestibulares A Comissatildeo Permanente de
Vestibular (COMPERVE)19
foi responsaacutevel pela realizaccedilatildeo do certame Para se candidatar ao
vestibular o estudante precisava cumprir o seguinte preacute-requisito
a) ser portador de certificado ou diploma de conclusatildeo do Ensino Meacutedio (ou
curso equivalente)
b) ser assentado pelo Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e reforma Agraacuterio
(INCRA) e vinculado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra
(MST) do RN (COMPERVE 2007)
O pensamento da organizaccedilatildeo coletiva conscientizaccedilatildeo e luta tatildeo fortemente
imbuiacutedos na pedagogia freireana aqui se materializa Evidenciar um curso voltado para povos
do campo e ainda mais para membros de um movimento social tatildeo atuante quanto polecircmico
como eacute o MST eacute sem duacutevida um avanccedilo Essa conquista natildeo eacute do acaso ou natural eacute fruto de
uma conjuntura rara criada por muacuteltiplos condicionamentos sociais mas sobretudo pela
organizaccedilatildeo coletiva dos trabalhadores do campo
Poreacutem como reconhecemos que estamos imersos em um Estado de classes que horas
cede agraves reivindicaccedilotildees das massas hora cerceia essas conquistas natildeo demorou o iniacutecio dos
ataques dirigidos pela classe dominante agrave forma como o curso estava sendo gerido Em 2010
um desses ataques teve como consequecircncia a reformulaccedilatildeo dos projetos do curso A partir
desse momento os movimentos sociais foram suprimidos da parceria ateacute entatildeo existente
Sobre esse assunto detalharemos mais a diante
Retomando o processo seletivo para entrada no Curso os alunos interessados no
vestibular passaram 15 dias envolvidos numa preparaccedilatildeo para as provas Nesse momento
trabalharam mateacuterias escolares Portuguecircs Matemaacutetica Geografia Histoacuteria etc
(FERNANDES 2009) A elaboraccedilatildeo da prova ficou sob responsabilidade da Comperve e
19 Com do fim do vestibular como processo seletivo para ingressar na Universidade a Comperve passou a
chamar-se Nuacutecleo Permanente de Concursos UFRN
67
seguiu todos os procedimentos legais e normativo s dos demais vestibulares como jaacute
salientado anteriormente
Apoacutes o resultado do certame o curso teve iniacutecio no primeiro semestre de 2007
(20071) com as 60 vagas devidamente preenchidas Por deliberaccedilatildeo dos proacuteprios educandos
a turma passa a se chamar ―Florestan Fernandes em homenagem ao grande socioacutelogo
escritor e poliacutetico brasileiro
Eacute sempre importante lembrar que esse curso representou um grande avanccedilo para a
Educaccedilatildeo do Campo no Rio Grande do Norte representando tambeacutem um sinal de abertura
da Universidade Federal agraves questotildees sociais do campo Mesmo tendo havido outro curso de
pedagogia para assentados20
indubitavelmente o Pedagogia da Terra representa um marco nas
lutas tanto de oportunidade aos povos do campo como de abertura e diaacutelogo da universidade
com a sociedade potiguar
Os estudantes do Curso vieram das diferentes regiotildees do Estado do Rio Grande do
Norte desde aacutereas vizinhas de Natal como eacute o caso de Macaiacuteba e Cearaacute Mirim ateacute lugares
mais distantes da Capital como Satildeo Rafael e Triunfo Potiguar na regiatildeo Meacutedio Oeste Nesses
municiacutepios esses sujeitos residem majoritariamente em aacutereas rurais de assentamento
O Curso segue as orientaccedilotildees da Resoluccedilatildeo CNECP n1 de 15 de maio de 2006 que
institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia e confere habilitaccedilatildeo
em ―Licenciatura em Pedagogia21
conforme aponta a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano
de Trabalho
Habilitar professores por meio de curso superior para o exerciacutecio da
docecircncia em Educaccedilatildeo Infantil e nas seacuteries iniciais do Ensino Fundamental
regular para Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e para atividades de
20Entre 2002 e 2006 formaram-se em niacutevel de graduaccedilatildeo 63 alunos de nove estados nordestinos e um da
regiatildeo norte (AL BA CE MA PA PB PE PI RN e SE)
21 O diploma eacute gerado com uma observaccedilatildeo que faz alusatildeo ao Probaacutesica ndash Programa de Qualificaccedilatildeo
Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica ndash instituiacutedo pela Resoluccedilatildeo CONSEPEUFRN nordm1499 de 020299 que
estabelece os convecircnios entre a Universidade e seus parceiros apresentamos um exemplar em anexo
68
coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico em escolas instituiccedilotildees do
sistema educacional e projetos educativos existentes nas aacutereas de
assentamento (UFRN 2010 p 05)
Isso mostra que mesmo havendo particularidades o egresso do curso recebe o tiacutetulo de
licenciado em pedagogia apto a concorrer a qualquer vaga de concurso para pedagogo
Essa formaccedilatildeo visa combater o deacuteficit histoacuterico de profissionais da educaccedilatildeo
nas aacutereas rurais e segue uma diretriz do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do
Campo Aleacutem disso pretende gerar oportunidade de continuidade dos
estudos aos jovens que detinham o Ensino Meacutedio completo e que moravam
nos assentamentos e aacutereas de reforma agraacuteria Desse modo o objetivo eacute
colaborar com a constituiccedilatildeo de uma rede de educadores do campo em nosso
Estado com qualificaccedilotildees teacutecnicas e compromisso eacutetico que possibilite o
aprofundamento e ampliaccedilatildeo de experiecircncias de educaccedilatildeo do campo (UFRN
2010 p 04)
Silva Filho (2011) afirma que a entrada de um familiar na universidade eacute algo
significativo Afirma ainda que
O ensino superior ainda resguarda status de responsaacutevel pela ascensatildeo social
e garantia de melhores condiccedilotildees de vida Historicamente o assento
ideoloacutegico da universidade foi muito mais as concepccedilotildees da classe
dominante social e politicamente do que um lugar de inclusatildeo da classe
explorada (SILVA FILHO 2011 p 40)
Por esse motivo O curso tem um caraacuteter contra-hegemocircnico e diferente daquele que
nos habituamos a ver nas universidades
Poreacutem sabemos que os fatos natildeo se datildeo de forma linear ou sem disputas ocorre que o
modo de execuccedilatildeo dos anos de 2007 e 2008 cujo assento havia sido o Convecircnio
CRTRN390002006 (INCRAUFRNMST) teve seus componentes e formato questionados
por parte dos estratos juriacutedicos do INCRA (UFRN 2010) Na verdade esse momento eacute
histoacuterico para todos os cursos do Pronera que enfrentaram periacuteodo de grandes incertezas
Em que pese as mudanccedilas de formato da relaccedilatildeo institucional entre a UFRN e
o INCRA o projeto ora apresentado manteacutem a estrutura curricular original e
os seus fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos estatildeo incorporados aqui
assegurando a correspondente consonacircncia com a Resoluccedilatildeo CNECP no 1 de
15 de maio de 2006 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Curso de Pedagogia (UFRN 2010 p 04)
69
Mesmo natildeo tendo perdido do ponto de vista teoacuterico-metodoloacutegico as perdas poliacuteticas
satildeo evidentes principalmente com a exclusatildeo do MST da operacionalizaccedilatildeo do Curso Como
podemos observar o Acoacuterdatildeo n 26532008 eacute expliacutecito quanto as proibiccedilotildees
()
943 caso pretenda oferecer cursos a puacuteblico especiacutefico afeto a sua aacuterea de
atuaccedilatildeo a exemplo do que se verificou no acircmbito do Projeto Camosc
9431 com relaccedilatildeo ao instrumento a ser firmado com a entidade que se
encarregaraacute da execuccedilatildeo do objeto em vez de convecircnio valha-se de contrato
precedido de procedimento licitatoacuterio
9432 iniba por meio de normas claacuteusulas contratuais e fiscalizaccedilatildeo
qualquer possibilidade de que entes estranhos agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica
especialmente movimentos sociais ligados agrave reforma agraacuteria participem do
planejamento execuccedilatildeo acompanhamento avaliaccedilatildeo ou de outra fase do
curso promovido (TCU 2008)
Nesse periacuteodo professores-coordenadores representantes do INCRA reitores das
universidades puacuteblicas procuraram de forma engenhosa retomar as atividades acadecircmicas que
apoacutes um ano reiniciou Esse momento externou de forma expliacutecita o conservadorismo e o
desejo de segregaccedilatildeo social que ainda permeia a classe poliacutetica brasileira
Sendo o Estado Capitalista um Estado de classe tende a organizar a escola
em todos os niacuteveis e modalidade de ensino conforme a concepccedilatildeo de mundo
da classe dominante e dirigente embora contraditoriamente dependendo do
grau de difusatildeo da pedagogia da contra-hegemonia na sociedade civil a
mesma escola esteja permeaacutevel agrave influecircncia de outros projetos poliacutetico-
pedagoacutegicos (NEVES 2005 p 29)
Desse modo compreendemos os enfrentamentos deflagrados e as lutas pela
manutenccedilatildeo desse Curso como questotildees ideoloacutegicas como resistecircncia dos povos do campo
por um lado e ofensiva da classe dominante de outro Sabemos que essa disputa eacute histoacuterica e
tem altos e baixos concessotildees e restriccedilotildees Esse momento embora tenha acarretado
desconforto e prejuiacutezos para muitos foi o ponto central que evidenciou uma verdadeira luta
de correlaccedilotildees de forccedila
70
41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO
CURSO DE PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN
Pensar uma proposta curricular para um curso de Educaccedilatildeo do Campo como eacute o
Curso de Pedagogia da Terra e tantos outros jaacute exemplificados que gozam de um caraacuteter
popular certamente requer posicionamento e uma reflexatildeo sobre os princiacutepios basilares do
curriacuteculo Tomaz Tadeu da Silva (2011) expotildee que ―A questatildeo central que serve de pano de
fundo para qualquer teoria do curriacuteculo eacute a de saber qual conhecimento deve ser ensinado (p
14) O autor afirma que o curriacuteculo eacute sempre resultado de uma seleccedilatildeo Desse modo quando
determinamos que conhecimento ensinar estamos deixando de fora outros conhecimentos A
questatildeo fundamental passa a ser por que ―esse conhecimento e natildeo ―aquele
O curriacuteculo nunca eacute simplesmente uma montagem neutra de conhecimentos
que de alguma forma aparece nos livros e nas salas de aula de um paiacutes
Sempre parte de uma tradiccedilatildeo seletiva da seleccedilatildeo feita por algueacutem da visatildeo
que algum grupo tem do eu seja o conhecimento legiacutetimo Ele eacute produzido
pelos conflitos tensotildees e compromissos culturais poliacuteticos e econocircmicos
que organizam e desorganizam um povo (APPLE 2000 p 53)
Objetivamente essa relaccedilatildeo de escolhas nos leva diretamente a entender que o
curriacuteculo eacute antes de tudo ideoloacutegico sendo portanto uma disputa pela hegemonia Quando
escolhemos ―esse conteuacutedo e natildeo ―aquele estamos consciente ou inconscientemente
optando por um determinado projeto educativo
Eacute essa preocupaccedilatildeo que leva Apple a recorrer aos conceitos de hegemonia
tal como formulado por Antonio Gramsci e desenvolvido por Raymond
Williams Eacute o conceito de hegemonia que permite ver o campo social como
um campo contestado como um campo onde os grupos dominantes se veem
obrigados recorrer a um esforccedilo permanente de convencimento ideoloacutegico
para manter sua dominaccedilatildeo Eacute precisamente atraveacutes desse esforccedilo de
convencimento que a dominaccedilatildeo econocircmica se transforma em hegemonia
cultural Esse convencimento atinge sua maacutexima eficaacutecia quando se
transforma em senso comum quando se naturaliza (SILVA 2011 p 46)
Para Bourdieu e Passeron (2012) a problemaacutetica reside na reproduccedilatildeo social que
ocorre palas vias da cultura ou propriamente da cultura dominante Seus valores seus gostos
seus costumes seus haacutebitos seus modos de se comportar de agir satildeo reproduzidos como ideal
e desejado para toda a sociedade Entendemos portanto que eacute justamente no curriacuteculo onde
ocorre a condensaccedilatildeo de toda essa problemaacutetica
71
Compreendemos que o curriacuteculo eacute um espaccedilo para o confronto de conhecimentos
popular e erudito Nesse sentido o papel da universidade eacute primordialmente ressignificar os
conhecimentos jaacute elaborados pelos estudantes ou nas palavras de Freire (1993) ―saber de
experiecircncia feito que satildeo pilares fundantes para a construccedilatildeo curricular Curriacuteculo com foco
na vida pela vida e para a vida Saber que natildeo eacute transposto automaticamente pois se constitui
em aprendizagens colaterais e que ao precederem a escola alicerccedilam-na e lhe datildeo suporte
Produzir novos e melhores conhecimentos e garantir um espaccedilo educativo no qual co-
existam de forma permanente a circularidade entre saberes eacute tarefa responsaacutevel da
universidade assim o grande desafio eacute construir uma matriz pedagoacutegica que natildeo se feche
numa dimensatildeo de especialidades dentro das disciplinas O curriacuteculo precisa dar conta de
especificidades por outro lado natildeo pode perder com isso a visatildeo ampla natildeo pensar apenas o
especiacutefico sob pena de fragmentar o conhecimento nem somente o geral pois isso teria
consequecircncias danosas agrave dimensatildeo particular
A educaccedilatildeo do campo tem um viacutenculo com a matriz pedagoacutegica do trabalho e da cultura
Numa concepccedilatildeo freireana haacute uma inter-relaccedilatildeo fundamental entre essas duas categorias
visto que a primeira pode-se entender como a accedilatildeo do homem na natureza ao passo que a
segunda eacute o resultado dessa accedilatildeo accedilatildeo consciente e ativa do homem em sua
realidadenatureza (FREIRE 1983) Desse modo a tarefa primordial da Proposta poliacutetico-
pedagoacutegica e Plano de Trabalho do Curso de Pedagogia da Terra eacute dialogar com essas
matrizes
Assim observamos que a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho se
aproxima e dialoga bastante com esse pensamento logo aproximando-se tambeacutemdos
princiacutepios contidos na Pedagogia Paulo Freire
A proposta curricular para este curso teraacute como ponto de partida os saberes e
praacuteticas dos alunos e a realidade dos assentamentos Por conseguinte a
singularidade seraacute realccedilada sem perder de vista os elementos universais que
compotildeem a cultura do homem e da mulher do campo na perspectiva de
mobilizar um movimento pedagoacutegico pautado na accedilatildeo-reflexatildeo-accedilatildeo (UFRN
2010 p 8)
A proposta de formaccedilatildeo de Freire eacute permeada por uma postura criacutetica poliacutetica e
consciente diante de abordagens de formaccedilatildeo que se apresentam fragmentadas natildeo
envolventes e incapazes de captar as reais necessidades e preocupaccedilotildees dos sujeitos Nesse
72
sentido a categoria realidade sem duacutevida deteacutem uma centralidade na Pedagogia Paulo
Freire isso justamente porque eacute na concretude que a vida se passa Por isso mesmo a
importacircncia da indissociabilidade entre o curriacuteculo do curso e a vida praacutetica dos educandos e
educandas
Outro ponto de fundamental importacircncia se refere agrave necessidade de afinidade criacutetico-
ideoloacutegico dos docentes com a proposta do curso Eacute importante haver aproximaccedilatildeo suficiente
para compreender as particularidades proacuteprias da turma dos sujeitos e do campo
De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho a ―estrutura
curricular do curso de Pedagogia da Terra eacute concebida em trecircs nuacutecleos articulados quais
sejam estudos baacutesicos aprofundamento e diversificaccedilatildeo de estudos e estudos integradores
cujos componentes curriculares foram ofertados em atividades presenciais a serem realizadas
preferencialmente nos periacuteodos de janeirofevereiro e junhojulho de cada ano nas
dependecircncias da UFRN e de atividades vivenciais (grupos de estudo pesquisa e exerciacutecio
profissional) apoiadas por monitores de apoio pedagoacutegico ao longo dos semestres tendo
como referecircncia a praacutetica docente e a realidade do campo no contexto da Reforma Agraacuteria
(UFRN 2010)
O ―Nuacutecleo de Estudos Baacutesicos do curso compreende a seguinte ordem
a Histoacuterico e soacutecio-cultural compreendendo os fundamentos filosoacuteficos
histoacutericos poliacuteticos econocircmicos socioloacutegicos psicoloacutegicos e
antropoloacutegicos necessaacuterios para a reflexatildeo criacutetica nos diversos setores da
educaccedilatildeo na sociedade contemporacircnea
b Da educaccedilatildeo baacutesica compreendendo
i Estudo dos conteuacutedos curriculares da educaccedilatildeo baacutesica
escolar
ii Os conhecimentos didaacuteticos as teorias pedagoacutegicas
em articulaccedilatildeo agraves metodologias tecnologias de informaccedilatildeo e
comunicaccedilatildeo e suas linguagens especiacuteficas aplicadas ao ensino
iii Estudo os processos de organizaccedilatildeo do trabalho
pedagoacutegico gestatildeo e coordenaccedilatildeo educacional
iv Estudo das relaccedilotildees entre educaccedilatildeo e a realidade
social do campo os contextos de trabalho as especificidades da regiatildeo
do Semi-Aacuterido e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees
do campo (UFRN 2010 p 10)
73
No ponto ―IV do Nuacutecleo de estudos baacutesicos observa-se um eixo bem delimitado no
que concerne a formaccedilatildeo do sujeito em consonacircncia com sua realidade Jaacute dialogamos sobre a
importacircncia dessa associaccedilatildeo entre trabalho e cultura tatildeo significativa agrave Educaccedilatildeo do Campo
e agrave Pedagogia Paulo Freire
A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com
ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento
proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica
em que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem
absolutizar-se fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-
o a julgar o seu mundo algo que apenas se acha (FREIRE 1983 p42)
Desse modo a leitura dos processos produtivos e dos processos culturais formadores
dos sujeitos que vivem dono campo eacute entendida como tarefa fundamental no projeto poliacutetico
e pedagoacutegico da Educaccedilatildeo do Campo Esse eixo de estudos busca situar e datar os
componentes do curso na atualidade
Uma das dificuldades dos cursos que trabalham com a Pedagogia da Alternacircncia eacute a
ausecircncia em parte do corpo docente de uma maior afinidade poliacutetica ideoloacutegica com as
questotildees especiacuteficas do curso A ausecircncia dessa interaccedilatildeo acarreta comprometimentos quanto
agrave viabilizaccedilatildeo e operacionalizaccedilatildeo praacutetica da proposta pedagoacutegica escrita (RIBEIRO et al
2010) Eacute um ponto da Pedagogia da Alternacircncia que tem sido pensado e repensado uma vez
que as visitas dos professores agraves comunidades dos estudantestrabalhadores tem se
operacionalizado de forma bastante limitada Esse ponto externa uma preocupaccedilatildeo que
compromete os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo da Alternacircncia da Pedagogia Paulo Freire
e da Educaccedilatildeo Popular como um todo
A busca pelos professores e professoras para trabalhar no curso foi estrateacutegica Em
boa medida os docentes gozavam de boa experiecircncia com a extensatildeo universitaacuteria o que
significa certa capacidade de dialogar com o ementaacuterio das disciplinas
A indicaccedilatildeo dos professores seraacute assumida pela Coordenaccedilatildeo do Curso
considerando preferencialmente a vinculaccedilatildeo formal com o Departamento
de Educaccedilatildeo e demais departamentos das licenciaturas da UFRN e a atuaccedilatildeo
docente e investigativa nas aacutereas relacionadas com o ementaacuterio do referido
curso (UFRN 2010 p 26-27)
As disciplinas trabalhadas no Nuacutecleo de estudos baacutesicos podem ser vistas conforme a
tabela a baixo
74
Periacuteo
do Coacutedigo Disciplinas
C
R
C
H
CH
Presenc
ial
CH
Viven
cial
CH
Praacutet
ica
2007
1
EDU00
46 Introduccedilatildeo ao Trabalho Cientiacutefico 2 30 25 5 -
EDU00
47
Introduccedilatildeo agrave Leitura de textos
imagens e meios eletrocircnicos 8
12
0 100 20 -
2007
2
EDU00
37 Fundamentos de Filosofia do Conhecimento 4 60 45 15 -
EDU00
96
Dimensatildeo Soacutecio-Antropoloacutegica do Ser
Humano 4 60 45 15 -
EDU00
41 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -
EDU00
43 Histoacuteria na Escola 4 60 45 15 -
EDU00
59
Sociologia dos Movimentos Sociais e
Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -
2008
1
EDU00
42 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo no Brasil 4 60 45 15 -
EDU00
40 Gestatildeo democraacutetica na Escola 4 60 45 15 -
EDU00
51
Organizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo
Brasileira 4 60 45 15 --
EDU00
38 Geografia na Escola 4 60 45 15 -
2008
2
EDU00
23 Dimensatildeo Psicoloacutegica da Aprendizagem 4 60 45 15 -
EDU00
62
Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo Popular
(Paulo Freire) 4 60 45 15 -
EDU00
25 Dimensatildeo Psicoloacutegica do Homem 4 60 45 15
EDU00
81
Teacutecnicas de Elaboraccedilatildeo de
Projetos Educacionais 4 60 45 15
EDU00
60 Tecnologias do Campo na Escola 4 60 45 15
2010
2
EDU00
61
Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo (outros
pedagogos) 4 60 45 15
EDU00
53
Planejamento Escolar e Projeto
Pedagoacutegico 4 60 45 15
EDU00
19
Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da
linguagem ndash Portuguecircs 4 60 45 15
EDU00
18
Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da
linguagem ndash Matemaacutetica 4 60 45 15
2011
1
EDU00
39
Gerenciamento de Atividades
Educacionais 4 60 45 15
EDU00
48 Liacutengua Portuguesa na Escola 4 60 45 15
EDU00
49 Matemaacutetica na Escola 4 60 45 15
2011
2
EDU00
35
Elaboraccedilatildeo de Material Didaacutetico
(teoria + praacutetica) 4 90 45 15
EDU00
21 Ciecircncias Naturais na Escola 4 60 45 15
Fonte UFRN (2010)
75
No segundo eixo Nuacutecleo de Aprofundamento e Diversificaccedilatildeo de Estudos se
percebe um grande enfoque naquilo que podemos chamar de ―questatildeo de nossa eacutepoca
(FREIRE 1983) ou questotildees ―transversais Satildeo temaacuteticas que nos remetem a diversidade
cultural tatildeo em pauta hoje em dia
1 Educaccedilatildeo de jovens e adultos
2 Educaccedilatildeo infantil
3 Educaccedilatildeo e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees do
campo
4 Educaccedilatildeo ambiental
5 Educaccedilatildeo e pluralidade cultural
6 Educaccedilatildeo para sauacutede e educaccedilatildeo sexual
7 Educaccedilatildeo especial
8 Temas especiacuteficos alternativas educacionais para o campo questatildeo
agraacuteria cooperativismo e semi-aacuterido (UFRN 2010 p 10)
A par disso eacute vaacutelido salientar o pioneirismo da Pedagogia Paulo Freire no tocante a
essas questotildees Mesmo antes de todos esses temas virem agrave tona Freire jaacute formulava a
Pedagogia do Oprimido que de forma astuta pensou uma pedagogia cujo assento eacute o grupo de
oprimidos ou seja adultos natildeo alfabetizados pessoas com deficiecircncias povos tradicionais
direitos das mulheres Direitos Humanos e outros A pedagogia do oprimido apresenta ao
mundo todos os sujeitos que vivem agrave margem da cultura erudita e hegemocircnica Paulo Freire
chama a atenccedilatildeo para a riqueza da produccedilatildeo cultural desses sujeitos Em boa medida esses
conhecimentos estatildeo hoje sintetizados no multiculturalismo
Desse modo percebemos que haacute uma evidente contribuiccedilatildeo do pensamento freireano
no tocante a organizaccedilatildeo do Pano de Trabalho do Curso Pedagogia da Terra da UFRN A
seguir apresentamos o quadro de disciplinas que compotildeem o Nuacutecleo de Aprofundamento e
Diversificaccedilatildeo de Estudos
Periacuteo
do Coacutedigo Disciplinas
C
R
C
H
CH
Presenc
ial
CH
Viven
cial
CH
Praacutet
ica
2007
1
EDU00
56 Seminaacuterio I ndash A questatildeo Agraacuteria 4 60 40 20 -
EDU00
55
Seminaacuterio II ndash Alternativas Educacionais no
Campo 4 60 40 20 -
2008
1
EDU00
82 Seminaacuterio III ndash O Semi- Aacuterido 4 60 45 15 -
2010 EDU00 Seminaacuterio IV ndash Cooperativismo 4 60 45 15 -
76
2 57
2011
1
EDU00
29 Educaccedilatildeo Ambiental 4 60 45 15 -
2011
2
EDU00
27
Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e
Processo de Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -
EDU00
30 Educaccedilatildeo Especial 4 60 45 15 -
EDU00
20 Artes e Corporeidade na Escola 4 60 45 15 -
2012
1
EDU00
28
Educ de Jovens e Adultos e Processo de Poacutes-
Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -
EDU00
32 Educaccedilatildeo para Sauacutede e Orientaccedilatildeo Sexual 4 60 45 15 --
EDU00
31 Educaccedilatildeo Infantil 4 60 45 15 -
EDU00
33
Educaccedilatildeo Eacutetica e Pluralidade
Cultural 4 60 45 15 -
EDU00
87
Liacutengua Brasileira de Sinais ndash
LIBRAS 4 60 45 15 -
Fonte UFRN (2010)
A uacuteltima parte dos nuacutecleos de estudos refere-se aos Estudos Integradores que satildeo
a Realizaccedilatildeo de oficinas e participaccedilatildeo em eventos culturais artiacutesticos e
cientiacuteficos
b Exerciacutecio profissional em acircmbitos escolares e natildeo-escolares articulando saber
acadecircmico pesquisa e praacutetica educativa (UFRN 2010 p10)
Periacuteo
do Coacutedigo Disciplinas
C
R
C
H
CH
Presenc
ial
CH
Vivenci
al
CH
Praacutet
ica
2007
1
EDU00
45
Introduccedilatildeo ao Estudo da Realidade
Local (teoria+praacutetica) 4 60 15 45 45
EDU00
64 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural I - 15 - 15 15
EDU00
65 Oficina de Praacuteticas Formativas I - 15 15 - 15
2007
2
EDU00
58
Sistema Educacional e
Organizaccedilatildeo Escolar (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
66 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural II - 15 - 15 15
EDU00
67 Oficina de Praacuteticas Formativas II - 15 15 - 15
2008
1
EDU00
50
Observaccedilatildeo na escola ndash sala de
aula (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
68
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
III - 15 - 15 15
EDU00 Oficina de Praacuteticas Formativas III - 15 15 - 15
77
69
2008
2
EDU00
44 Introduccedilatildeo agrave Pesquisa (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
70
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
IV - 15 - 15 15
EDU00
71 Oficina de Praacuteticas Formativas IV - 15 15 - 15
2010
2
EDU00
52 Pesquisa I (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
72 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural V - 15 - 15 15
EDU00
73 Oficina de Praacuteticas Formativas V - 15 15 - 15
2011
1
EDU00
95 Estaacutegio Supervisionado I
10
0 15 85 85
EDU00
74
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
VI - 15 - 15 15
EDU00
75 Oficina de Praacuteticas Formativas VI - 15 15 - 15
2011
2
EDU00
97 Estaacutegio Supervisionado II
20
0 - 200 200
EDU00
98
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
VII - 10 - 10 10
EDU00
77 Oficina de Praacuteticas Formativas VII - 15 15 - 15
2012
1
EDU00
63
Trabalho de Conclusatildeo de Curso
(praacutetica) - 90 - 90 90
EDU00
79
Oficina de Praacuteticas Formativas
VIII - 15 15 - 15
EDU00
80 Congresso de Encerramento - 45 - 45 45
Fonte UFRN (2010)
Essa ultima parte pode-se considerar como a reta final do Curso Os estudantes
trabalharam atividades voltadas agrave culminacircncia como as Oficinas Formativas os Estaacutegios
supervisionados e o Trabalho de Conclusatildeo de Curso (UFRN 2010)
Os trecircs nuacutecleos centrais do curriacuteculo dialogam em grande parte com as necessidades
da formaccedilatildeo dos sujeitos do campo mas tambeacutem com os princiacutepios da Pedagogia Paulo
Freire sobretudo o diaacutelogo tatildeo caro no mundo dos ―pacotes prontos
Eacute preciso que a educaccedilatildeo esteja ndash em seu conteuacutedo em seus programas e em
seus meacutetodos ndash adaptada ao fim que se persegue permitir ao homem chegar a
ser sujeito construir-se como pessoa transformar o mundo estabelecer com
os outros homens relaccedilatildeo de reciprocidade fazer a cultura e a histoacuteria
(FREIRE 1980 p 39)
Aleacutem desses trecircs eixos norteadores destacamos a importacircncia de outras trecircs partes
fundamentais na organizaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica quais sejam (I) Instrumento de
78
integraccedilatildeo e conhecimento do aluno com a realidade social econocircmica e do trabalho de sua
aacutereacurso (II) Instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao ensino (III) Instrumento de praacutetica
profissional (UFRN 2010)
Instrumento de integraccedilatildeo do estudante com a realidade social e econocircmica (I)
―se organiza principalmente no acircmbito das praacuteticas de ensino e possibilita a interlocuccedilatildeo com
os referenciais teoacutericos do curriacuteculo Seraacute iniciada nos primeiros anos do curso e
acompanhada pela coordenaccedilatildeo (UFRN 2010 p 11)
Esse nuacutecleo de disciplinas eacute de fundamental importacircncia uma vez que pretende
aproximar e contextualizar oa estudante dentro da realidade social poliacutetica e econocircmica do
paiacutes Para Freire (2011) o ser humano precisa ―ser situado e datado ou seja o ser humano
precisa conhecer e reconhecer o lugar e o momento histoacuterico no qual se encontra para ser
capaz de agir conscientemente na transformaccedilatildeo da realidade
Menezes e Santiago (2010 p 398) falando sobre a contribuiccedilatildeo do pensamento de
Paulo Freire na construccedilatildeo do curriacuteculo criacutetico apontam que
Os estudantes compreendem suas relaccedilotildees com o mundo natildeo maiscomo real
idade estaacutetica mas como uma realidade em transformaccedilatildeo em processo e de
ssa forma satildeo estimulados a um enfrentamento da realidade como seres da p
raacutexis que sendo reflexatildeo e accedilatildeo eacute verdadeiramente transformadora da realid
ade
Natildeo podemos perder de vista a dimensatildeo criacutetica do processo nem tampouco esquecer
a complexidade da sociedade a qual estamos imersos ou seja uma sociedade de economia
capitalista cuja dinacircmica capitalista gira em torno da dominaccedilatildeo de classe (SILVA 2011)
A modalidade de Praacuteticas Pedagoacutegicas com instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao
ensino (II) pretende articular a teoria com a praacutetica Considera que a formaccedilatildeo profissional
natildeo se desvincula da praacutetica de exercitar a curiosidade que reflete e problematiza a realidade
gerando a partir daiacute projetos de pesquisa capazes de propiciar a iniciaccedilatildeo agrave pesquisa
educacional (id ibid p 11)
A necessidade da intersecccedilatildeo entre a teoria e a praacutetica eacute uma premissa singular a todo
processo educativo defendido exaustivamente tanto como caminho para formaccedilatildeo
permanente de educandos (FREIRE 1991) como para a transformaccedilatildeo do mundo Para
79
pensadores criacuteticos como Marx Gramsci Paulo Freire Apple e outros ―A questatildeo da
coerecircncia entre a opccedilatildeo proclamada e a praacutetica eacute uma das exigecircncias que educadores criacuteticos
fazem a si mesmo Eacute que sabem muito bem que natildeo eacute o discurso o que ajuiacuteza a praacutetica mas a
praacutetica que ajuiacuteza o discurso (FREIRE 2005 p 25)
Associamos a esse momento a praacutexis educativa de Paulo Freire que eacute o resultado da
accedilatildeo e da reflexatildeo porem a accedilatildeo-reflexatildeo sobre o mundo como afirma Freire (2011) natildeo eacute
simples teorizaccedilatildeo e nem simples ativismo eacute a capacidade de agir criticamente sobre esse
mundo A praacutexis eacute um processo dialoacutegico onde saberes satildeo trocados conjuntamente na busca
da construccedilatildeo de um novo saber O pensar jamais poderaacute se afastar da realidade em que se
materializa natildeo bastando interpretar o mundo mas sobretudo transformaacute-lo
Assim esse quadro de disciplinas cujo foco eacute no ensino e na pesquisa contribui de
forma profiacutecua com a busca dos educandos por melhor entenderem sua realidade e sua
eventual transformaccedilatildeo
No uacuteltimo eixo de disciplinas ldquoInstrumento de praacutetica profissionalrdquo (III) observa-
se a ocorrecircncia dos estaacutegios De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de
Trabalho essa atividade
Deve ocorrer junto agraves escolas e unidades educacionais nas atividades de
observaccedilatildeo regecircncia ou participaccedilatildeo em projetos como um ―saber fazer
que busca orientar-se por teorias pedagoacutegicas para responder agraves demandas
colocadas pela praacutetica pedagoacutegica Estaratildeo presentes desde os primeiros
anos do curso configurando a praacutetica pedagoacutegica necessaacuteria ao exerciacutecio
profissional O exerciacutecio efetivo das atividades como professor coordenador
ou gestor de programas educacionais seraacute considerado como parte dessa
modalidade Compreende 300 horas (Estaacutegio Supervisionado I e II) em
consonacircncia com artigo 7ordm aliacutenea II da Resoluccedilatildeo 012006 ndash CNECP
(UFRN 2010 p 11)
A busca pela praacutexis educativa eacute tambeacutem a busca pela aproximaccedilatildeo do outro
procurando articular os diferentes saberes O estaacutegio possibilita um dos momentos mais ricos
em experiecircncias e troca de saberes de todo o curso pois busca diminuir a distacircncia entre os
conteuacutedos trabalhados na Universidade e as vivecircncias do cotidiano escolar (UFRN 2010)
Por fim reafirmamos a importacircncia de um curriacuteculo pensado a partir da realidade das
necessidades sociais e das transformaccedilotildees ensejadas Como monitor que fomos podemos
afirmar que o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
80
natildeo eacute perfeito sobretudo do ponto de vista operacional muita coisa mudou no decorrer dos
anos mudanccedilas de espaccedilos mudanccedilas na coordenaccedilatildeo saiacuteda de estudantes mudanccedilas no
cronograma entre outros Os efeitos dessas ocorrecircncias apenas outras pesquisas nos diratildeo22
Tivemos como objetivo analisar a contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire ao curriacuteculo do
Curso justamente por entender que cursos dessa natureza necessitam de grande aproximaccedilatildeo
e afinidade com os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo e da Pedagogia Paulo Freire ambas as
concepccedilotildees amalgamadas nos princiacutepios da Educaccedilatildeo Popular progressista
Figur
a IIV Concluintes 2012 ndash Turma Florestan FernandesPedagogia da Terra UFRN
22 Sobre os horizontes dos educandos do Curso de Pedagogia da Terra ver Hilario e Azevedo (2011)
disponiacutevel em httpwwwieppecpb2011xpgcombrconteudoGTsGT20-200710pdf
81
5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO
O tema abordado nesta pesquisa emerge de um campo promissor e de grande debate
na contemporaneidade Embora seja um tema que ainda requer muita reflexatildeo e pesquisa
podemos dizer que a temaacutetica da educaccedilatildeo dos povos do campo eacute hoje uma questatildeo em pauta
nacionalmente
Reconhecendo a importacircncia da Educaccedilatildeo do Campo propusemo-nos a pensar e
refletir sobre ―qual a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo
do Campo e numa esfera mais ampla e de forma mais recortada se ―eacute possiacutevel evidenciar
no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte ―recorte e retalhos da Pedagogia de Paulo Freire Imersos nessa problemaacutetica
buscamos analisar o pensamento de Freire dentro dos documentos oficiais que norteiam o
curso
Pensar o sujeito enquanto humano que se transforma e transformando-se transforma o
mundo ao passo que por ele eacute transformado eacute uma contribuiccedilatildeo louvaacutevel natildeo somente ao
campo da Educaccedilatildeo do Campo mas ao paradigma da formaccedilatildeo humana como um todo Freire
desloca o homem do perifeacuterico para o centro das decisotildees natildeo num sentido egoiacutesta supremo
mas num sentido de comunhatildeo com o mundo e com o outro
Comecemos por afirmar que somente o homem como um ser que trabalha
que tem um pensamento-linguagem que atua e eacute capaz de refletir sobre si
mesmo e sobre a sua proacutepria atividade que dele se separa somente ele ao
alcanccedilar tais niacuteveis se faz um ser da praacutexis Somente ele vem sendo um ser
de relaccedilotildees num mundo de relaccedilotildees [] Desprendendo-se do seu contorno
veio tornando-se um ser natildeo da adaptaccedilatildeo mas da transformaccedilatildeo do
contorno um ser de decisatildeo [] (FREIRE 1992 p 39)
Baseado nessa concepccedilatildeo iniciamos este trabalho explicitando ―o lugar de onde
falo pois entendemos que cada ser humano precisa ser entendido em seus muacuteltiplos
condicionamentos precisa ser ―situado e datado desse modo uma compreensatildeo puramente
academicista seria demasiadamente reducionista Ainda que pareccedila pouco cientiacutefico
entendemos que as experiecircncias das pessoas estatildeo diretamente ligadas a psicologia social que
tem determinantes em toda a nossa vida Por isso achamos salutar dizer um pouco do que
somos mas sobretudo dialogar tambeacutem sobre o porquecirc de sermos o que somos
82
Nessa caminhada dialogamos acerca da necessidade de superaccedilatildeo do paradigma da
Educaccedilatildeo Rural e construccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo como alternativa viaacutevel aos povos do
campo Trabalhamos o entendimento da Educaccedilatildeo Rural como a histoacuteria nos apresentou ou
seja um modelo calcado na exploraccedilatildeo do trabalho humano o que configura uma visatildeo
utilitarista e preconceituosa da vida e dos sujeitos do campo Ao mesmo tempo tratamos de
apresentar a Educaccedilatildeo do Campo como uma vertente que melhor se aproxima das
experiecircncias do trabalho e da vida praacutetica dos agricultores e agricultoras Todo o diaacutelogo
sobre as diferentes formas de pensar a educaccedilatildeo dos povos do campo foi atravessado pelo
pensamento de Paulo Freire que teceu toda a construccedilatildeo dessa obra
Pensar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire para o atual debate em torno da Educaccedilatildeo do
Campo eacute uma tarefa instigante sobretudo porque evidenciamos um grande pioneirismo do
Patrono da educaccedilatildeo brasileira quanto a algumas temaacuteticas abordadas hoje pela Educaccedilatildeo do
Campo Debater a importacircncia da realidade ou seja do trabalho e da vida praacutetica como
motor capaz de gerar conhecimentos e mais gerar um curriacuteculo eacute sem duacutevida uma bandeira
do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo que tem origem no pensamento de Paulo Freire
Nessa mesma caminhada explicitamos algumas consideraccedilotildees acerca da Pedagogia da
Alternacircncia e seus propoacutesitos junto a Educaccedilatildeo do Campo Dentro de uma concepccedilatildeo
metodoloacutegica situamos a Alternacircncia dentro de uma vertente multicultural como uma
alternativa curricular que se aproxima das concepccedilotildees progressistas que reclamam uma
organizaccedilatildeo oacutetica mais humana e respeitosa
Continuamos nosso debate discorrendo sobre Educaccedilatildeo do Campo e buscando onde
ela se afina com a Pedagogia Paulo Freire Observamos que em muitos momentos haacute um
entrelaccedilamento entre as duas concepccedilotildees como procuramos exemplificar no desenho criado
por noacutes Nessa pesquisa encontramos uma luta histoacuterica dos povos oprimidos pela busca dos
seus direitos e no mesmo sentido encontramos tambeacutem classes dominantes que ao longo da
histoacuteria perpetuaram seus privileacutegios mantendo uma cultura elitista que estratificando a
sociedade engessa os avanccedilos necessaacuterios
Na quarta parte do trabalho buscamos refletir sobre a inserccedilatildeo do Curso de Pedagogia
da Terra da UFRN no espaccedilo acadecircmico como algo de singular importacircncia Dissertamos
sobre os momentos perpassados pelo curso durante sua realizaccedilatildeo Como se deu o dia a dia
83
dentro da universidade as dificuldades os esforccedilos os preconceitos tudo isso foi canalizado
como forma de entender essa inserccedilatildeo como um ato de ―rebeldia e uma conquista do povo do
campo do Rio Grande do Norte
Eacute nesse sentido de luta e rebeldia que situamos a Pedagogia Paulo Freire dentro da
discussatildeo da Educaccedilatildeo do Campo e do Curso de Pedagogia da Terra A contribuiccedilatildeo de Freire
costura esse trabalho do iniacutecio ao fim Aponta diretrizes e caminhos para a tessitura dessa
dissertaccedilatildeo que eacute tanto teoacuterica quanto praacutetica eacute tanto a segunda quanto a primeira eacute diaacutelogo
eacute pois praacutexis educativa
Por fim buscamos analisar o curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra agrave luz da
contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire Concluiacutemos que haacute uma forte influecircncia da
concepccedilatildeo freireana na Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho
A Pedagogia Paulo Freire e a Educaccedilatildeo do Campo que satildeo atravessadas pela
concepccedilatildeo de educaccedilatildeo dialoacutegica e libertadora satildeo colocadas nesse trabalho como a busca
pelo diaacutelogo constante com o outro Uma educaccedilatildeo ―que se predispusesse a constantes
revisotildees A anaacutelise criacutetica de seus ―achados A uma certa rebeldia no sentido mais humano
da expressatildeo (FREIRE 1983 p 90)
Por fim esta pesquisa nos permitiu refletir sobre o pensamento de Paulo Freire na
contemporaneidade Percebemos o quatildeo atual ele continua e como nos permite compreender
de forma ampla e completa questotildees sociais que permeiam a sociedade A praacutexis educativa de
Paulo Freire assim como o Materialismo Histoacuterico-dialeacutetico continua dando conta de forma
satisfatoacuteria das anaacutelises e mudanccedilas que as questotildees de nossa eacutepoca ensejam
Por uacuteltimo reconhecemos a importacircncia dos cursos de educaccedilatildeo do campo como de
importacircncia singular pois muito mais que a possibilidade de melhoria econocircmica significa
tambeacutem um reparo social e uma conquista do ponto de vista soacutecio-histoacuterico Tivemos a
oportunidade de refletirmos sobre o Curso de Pedagogia da Terra e como a Pedagogia Paulo
Freire pode contribuir com essa formulaccedilatildeo Sabemos que hoje haacute em todo o Brasil diversos
cursos que gozam desse mesmo caraacuteter reconhecemos que satildeo fundamentais poreacutem
reconhecemos que existe uma tendecircncia em tornar essas experiecircncias em ―moda Por
entender que Educaccedilatildeo do Campo eacute um movimento histoacuterico da classe trabalhadora eacute que
84
defendemos que esse paradigma precisa ter em seu acircmago os princiacutepios revolucionaacuterios da
Pedagogia Paulo Freire
85
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92
ANEXOS
93
94
6
RESUMO
Esta dissertaccedilatildeo tem como objetivo geral compreender as contribuiccedilotildees da Pedagogia
Paulo Freire no atual debate da Educaccedilatildeo do Campo como recorte analiacutetico temos o
Curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte Analisa assim as aproximaccedilotildees que se tem hoje entre o Movimento Por Uma
Educaccedilatildeo do Campo e a Pedagogia Paulo Freire Entre as teacutecnicas de pesquisa optamos por
uma aprofundada revisatildeo bibliograacutefica e anaacutelise documental cujo objetivo reside na busca
pelo entendimento amplo de questotildees complexas e abrangentes de nossa eacutepoca Como
resultado alcanccedilado apresentamos algumas reflexotildees sobre a formulaccedilatildeo da Estrutura
curricular do curso supracitado e a presenccedila de princiacutepios da Pedagogia Paulo Freire nesse
curriacuteculo A temaacutetica pesquisada se insere nos objetivos do Grupo de Pesquisa da Pedagogia
Paulo Freire da Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPFUFPB) que busca dialogar sobre
as contribuiccedilotildees da pedagogia freireana em diversos espaccedilos
Palavras-chaves Educaccedilatildeo do Campo Pedagogia Paulo Freire Pedagogia da Terra
Curriacuteculo
4
RESUMEN
Esta disertacioacuten tiene como objetivo general comprender las contribuciones de la
Pedagogiacutea de Paulo Freire en el actual debate de la Educacioacuten del Campo Como guiacutea
analiacutetico tenemos el curriacuteculo del Curso de Pedagogiacutea de la Tierra de la Universidade
Federal do Rio Grande do Norte Se analiza asiacute los acercamientos que se tiene hoy entre el
Movimiento Por Una Educacioacuten del Campo y la pedagogiacutea Paulo Freire De las teacutecnicas de
pesquisa optamos por una profundizada revisioacuten bibliograacutefica y anaacutelisis documental cuyo
objetivo reside en la buacutesqueda por el amplio entendimiento de cuestiones complejas y
extensivas de nuestra eacutepoca Como resultado alcanzado presentamos algunas reflexiones
acerca de la formulacioacuten de la Estructura Curricular del curso anteriormente citado y la
presencia de principios de la Pedagogiacutea Paulo Freire en ese curriacuteculo La temaacutetica
pesquisada se inserta en los objetivos del Grupo de Pesquisa de la Pedagogiacutea Paulo Freire de
la Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPUFPB) que busca dialogar sobre las
contribuciones de la Pedagogiacutea freireana en diversos espacios
PALABRAS CLAVE Educacioacuten del Campo Pedagogiacutea Paulo Freire Pedagogiacutea de la
Tierra curriacuteculo
5
QUADRO DE ILUSTRACcedilOtildeES
Figura I Regiatildeo do SeridoacuteRN
8
Figura II Lagoa NovaRN
9
Figura III Entrelaccedilamento entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire
59
Figura IV Angicos nos dias de hoje (2014)
62
Figura V AngicosRN
64
Figura VI Experiecircncia de AngicosRN
65
Figura IIV Turma Florestan Fernandes ndash PedagogiaUFRN
85
LISTA DE SIGLAS
ANFOPE - Associaccedilatildeo Nacional pela Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo
COMPERVE ndash Comissatildeo Permanente de Vestibular
CONAE - Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo
CONSEPE ndash Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensatildeo
CNBB - Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil
CPT - Comissatildeo Pastoral da Terra
DCE - Diretoacuterio Central dos Estudantes
DCN ndash Diretrizes Curriculares Nacionais
ENERA - Encontro Nacional de Educadores e Educadoras na Reforma Agraacuteria
GEPPC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares
GEPPF - Grupo de Estudos e Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
INCRA - Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria
IPEA - Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada
MEPF - Ministeacuterio Extraordinaacuterio da Poliacutetica Fundiaacuteria
MSC ndash Movimentos Sociais do Campo
MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
PNE - Plano Nacional de Educaccedilatildeo
PROBAacuteSICA - Programa de Qualificaccedilatildeo Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica
PRONERA - Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria
PSDB - Partido da Social Democracia Brasileiro
PT - Partido dos Trabalhadores
SUDENE - Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste
SUPRA - Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria
TRAMSE - Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo
4
UFC ndash Universidade Federal do Cearaacute
UFG ndash Universidade Federal de Goiaacutes
UFMG ndash Universidade Federal de Minas Gerais
UFPB - Universidade Federal da Paraiacuteba
UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UNB - Universidade de Brasiacutelia
UNE - Uniatildeo Nacional dos Estudantes
UNESCO - Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo a Ciecircncia e a Cultura
UNICEF - Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia
SUMAacuteRIO
1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O
ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO 7
11 O LUGAR DE ONDE FALO 7
12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES 11
13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR 16
14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO COMO
SUPORTE PARA ESSE ESTUDO E A PRAacuteXIS FREIREANA 18
2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO PRA
PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER 24
21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO EDUCACIONAL 24
22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA 29
23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO 37
24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS
CONHECIMENTO 43
25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS DA
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO 47
3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO
51
31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA FREIREANA AO ATUAL DEBATE DA
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM 53
32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA
PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO
NORTE58
4
4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIEcircNCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO
CAMPO NA UFRN64
41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO CURSO
DE PEDAGOGIA DA TERRA DA
UFRN70
5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO81
6 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS85
7 ANEXOS 92
7
1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O
ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO
Eacute preciso por outro lado salientar a situaccedilatildeo incocircmoda em
que se encontram intelectuais do Terceiro Mundo que
contemporacircneos de seus colegas do Primeiro Mundo com
eles discutem a poacutes-modernidade ao mesmo tempo em que
convivem em seus paiacuteses com a espoliaccedilatildeo desenfreada de um
capitalismo dependente perverso e atrasado
(FREIRE 2012 p 68)
11 O LUGAR DE ONDE FALO
A vontade e a necessidade de transgredir eacute sem duacutevida um dos maiores motivos que
me leva a formular estes escritos A busca pela construccedilatildeo de um pensamento autecircntico ainda
que reconhecendo todos os riscos de o fazer eacute parte do que nos move Nesse sentido duas
questotildees fundamentais nos orientam quais sejam primeiro qual a contribuiccedilatildeo da
Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo Segundo eacute possiacutevel
evidenciar no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte ldquorecorte e retalhosrdquo da Pedagogia de Paulo Freire
Partindo desses pressupostos inquietadores e sabendo que a educaccedilatildeo deve ser tratada
com extrema seriedade nos debruccedilamos nesse artesanato intelectual (MILLS 2009) com o
objetivo de colaborar com o Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo sobretudo naquilo
que se refere agrave contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire a esse movimento Conseguindo
avanccedilar o pouco que seja nesse debate tatildeo salutar e tatildeo caro estaremos em boa medida
contemplados Nesse primeiro momento trago algumas experiecircncias que me foram tanto
singulares como significativas Por isso mesmo escrevo em primeira pessoa do singular
Nessas primeiras palavras busco a boniteza da expressatildeo de Paulo Freire (2012 p 25)
para iniciar a tessitura desta autobiografia ―de uma geraccedilatildeo que cresceu em quintais nasci
na cidade de Lagoa Nova Regiatildeo do Seridoacute no Estado do Rio Grande do Norte no mecircs de
outubro do ano de 1986
8
Figura I ndash Regiatildeo do SeridoacuteRN
Lagoa Nova eacute uma cidade com caracteriacutesticas tipicamente de interior onde as ―esferas
da existecircncia humana1 se inter-relacionam de forma mais segregada Com uma populaccedilatildeo de
13983 habitantes de acordo com o uacuteltimo censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatiacutesticas (IBGE 2010) essa populaccedilatildeo divide-se quase que simetricamente entre zona
rural e zona urbana Isso tanto tem influecircncia na identidade da Cidade como representa um
fenocircmeno social que por si jaacute merece uma reflexatildeo entretanto natildeo eacute nessa temaacutetica que
reside nosso foco
Figura II ndash Lagoa NovaRN
1 As esferas da existecircncia humana eacute um esquema pensado por Antocircnio Joaquim Severino (1994) em sua obra
―Filosofiardquo em que ele apresenta a Praacutetica Social a Praacutetica Simbolizadora e a Praacutetica Produtiva como uma
engrenagem que gira na frequumlecircncia diretamente proporcional a dinamicidade da sociedade ou grupo social
9
Com um clima extremamente agradaacutevel a cidade tem como base econocircmica a
Agricultura Familiar2 que por sua vez aquece um importante mercado interno sobretudo no
periacuteodo de novembro a marccedilo periacuteodo em que se evidencia a colheita do caju e da castanha
ou simplesmente ―safra do caju Aleacutem da agricultura e do comeacutercio o emprego puacuteblico
garante a complementaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da economia dessa cidade Embora haja outros
modos de complementaccedilatildeo agrave economia a agricultura desempenha papel iacutempar no que diz
respeito ao desenvolvimento da cidade O clima propiacutecio e a terra feacutertil satildeo propulsores de
uma agricultura baseada na pequena propriedade e na diversidade de culturas
Com o lema ―se plantando tudo daacute a regiatildeo serrana apresenta uma prova mais que
concreta de que o desenvolvimento de uma regiatildeo e o bem estar da populaccedilatildeo camponesa
passa diretamente por uma distribuiccedilatildeo de terras para os trabalhadores e trabalhadoras a
rotatividade de culturas e a preservaccedilatildeo do meio ambiente3 princiacutepios que claramente se
aproximam da economia solidaacuteria francamente enfatizada por Singer (2002) assim como
pelos movimentos sociais uma vez que esse caminho eacute uma alternativa para o atual modelo
predatoacuterio de produccedilatildeo agriacutecola tradicional
A possibilidade de cultivar vasta diversidade de sementes e frutos que o solo orgacircnico
rico em huacutemus permite eacute admiraacutevel feijatildeo fava milho encabeccedilam os cereais caju pinha
jaca maracujaacute manga fazem parte do grupo das frutas aleacutem da mandioca que eacute mateacuteria
prima na fabricaccedilatildeo da farinha e outros derivados Outra abrangecircncia de gecircneros alimentiacutecios
como as hortaliccedilas irrigadas e a pecuaacuteria complementam a economia de Lagoa Nova
Quanto agraves questotildees poliacuteticas essa cidade goza dos viacutecios e vicissitudes que a grande
maioria da populaccedilatildeo brasileira enfrenta Aqui natildeo tenho interesse em detalhar passa a passo
essa questatildeo pois isso seria uma tarefa demasiadamente enfadonha e desnecessaacuteria ao nosso
objetivo Ainda assim eacute salutar ressaltar a grande heranccedila oligaacuterquica que eacute flagrante quando
remeto aos nossos representantes poliacuteticos Pequenos grupos se revezam agrave frente da
2 De acordo com Neves (2012) no Dicionaacuterio da Educaccedilatildeo do Campo esse eacute um termo de muacuteltiplas
conotaccedilotildees aqui ficamos com a definiccedilatildeo de um forma de se fazer agricultura diferenciando-se da agricultura
patronal Ou seja uma forma mais poliacutetica e solidaacuteria de se trabalhar a terra
3 Nos uacuteltimos anos um fenocircmeno vem contrariando essa afirmativa a derrubada dos cajueiros tem ocasionado
preocupaccedilotildees quanto ao equiliacutebrio do ambiente
10
administraccedilatildeo puacuteblica como se aquela lhes fosse inerente Como se aquele fosse um direito
advindo do berccedilo Entretanto aos poucos grupos de pessoas ainda que de forma muito
incipiente comeccedilam a se organizar no sentido de propor uma alternativa que fuja agrave diacuteade
partidaacuteria dantesca a qual parece natildeo haver saiacuteda
Satildeo os sabores e dissabores de se gostar de um lugar esse lugar me compotildee eacute siacutentese
de muitas e complexas relaccedilotildees Quando penso na minha cidade resgato Paulo Freire (2012)
quando falava do Recife e sua relaccedilatildeo de saudade para com esta cidade quando estivera no
exiacutelio Faccedilo minhas tais palavras
Quando penso nela penso quanto ainda temos de caminhar lutando para
ultrapassar estruturas perversas de espoliaccedilatildeo Por isso quando longe dela
estive dela a minha saudade jamais se reduziu a um choro triste a uma
lamentaccedilatildeo desesperada Pensava nela e nela penso como um espaccedilo
histoacuterico contraditoacuterio que me exige como a qualquer outro ou outra
decisatildeo tomada de posiccedilatildeo ruptura opccedilatildeo (FREIRE 2012 p34)
Essa breve descriccedilatildeo acerca do meu lugar tem como propoacutesito trazer agrave pesquisa o
cenaacuterio que me foi familiar durante meus primeiros 20 anos (1986-2007) e como essa
vivecircncia implica na minha formaccedilatildeo enquanto pesquisador Como bem estudou Vygotsky ndash
durante sua curta poreacutem brilhante carreira como pesquisador dos processos de
desenvolvimento humano ndash o meio eacute um fator preponderante para a formaccedilatildeo do sujeito
Portanto eacute inegaacutevel que essa cidade eacute parte importante daquilo ―que me move algo que me
constituiu e ainda me constitui Muito do que hoje penso sou ou quero ser tem ligaccedilatildeo direta
com esse periacuteodo com as experiecircncias e vivecircncias que me foram comuns agravequela eacutepoca Isso
alude ao pensamento marxista ao qual nos filiamos em entender o sujeito como sendo ele o
resultado de muacuteltiplos e complexos processos histoacutericos e sociais
Paulo Freire ao trazer agrave tona a importacircncia do lugar das pessoas suas vivecircncias e
experiecircncias como parte integrante da formaccedilatildeo humana do sujeito assim como apontar para
o lugar como produtor de conhecimentos e conteuacutedos me eacute fulcro de compactuaccedilatildeo e
arcabouccedilo teoacuterico e metodoloacutegico Ao me referir ao termo lugar gostaria que o entendimento
fosse aquele trabalhado pelo movimento da Educaccedilatildeo do Campo na contemporaneidade ou
seja como postula (CALDART Et Al 2012) o lugar como sendo constituinte do sujeito e de
sua historicidade natildeo como lugar de moradia tatildeo somente
11
12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES
De uma famiacutelia composta por oito pessoas pai matildee trecircs filhos e trecircs filhas certa vez
li em uma dessas revistas que o filho mais novo chamado caccedilula tem mais probabilidade de
se destacar e vir a ser um grande sujeito socialmente falando e ainda trazia algumas provas de
grandes nomes sobretudo da ciecircncia que se tornaram pessoas conhecidas mundialmente pelas
suas faccedilanhas e descobertas Entretanto sigo outra linha de raciociacutenio coloco-me numa
posiccedilatildeo mais racional e frontalmente de encontro a uma visatildeo platocircnica determinista e
meritocraacutetica de sucesso ―A igualdade de oportunidadelsquo eacute ponto importante da ideologia
capitalista pois garantiria aos mais capazes aos mais esforccedilados aos que trabalham durolsquo o
acesso agraves melhores posiccedilotildees (ROSSI 1980 p 71) Ora no meu caso ser o mais novo me
eximiu de uma eacutepoca natildeo muito remota na qual a condiccedilatildeo social da populaccedilatildeo brasileira era
bastante precaacuteria e o Ensino Superior privileacutegio restrito agrave classe dominante
Depois do esgotamento da Ditadura Militar inicia o periacuteodo chamado Nova Repuacuteblica
ou Transiccedilatildeo democraacutetica poreacutem Saviani (2008) chamou ―transiccedilatildeo conservadorardquo pois o
periacuteodo resguardou a velha formaccedilatildeo social advinda da classe dominante do periacuteodo
ditatorial
A transiccedilatildeo que se operou no Brasil se iniciou com a ―distensatildeo lenta
gradual e segura formulada em 1974 no Governo Geisel e prosseguiu com
a ―abertura democraacutetica a partir de 1979 no Governo Figueiredo
desembocando na Nova Repuacuteblica em 1985 que guindou a posiccedilatildeo de
presidente da Repuacuteblica o ex-presidente do partido de sustentaccedilatildeo do regime
militar (SAVIANI 2008 p 414)
Assim o periacuteodo esperanccediloso que se desenhara com o fim da Ditadura acabou
mantendo grande parte de sua formaccedilatildeo anterior uma vez que continuou a relaccedilatildeo opressor e
oprimido e a interminaacutevel exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo dos trabalhadores ainda que numa
relaccedilatildeo mais decantada e disfarccedilada com outras formas de dominaccedilatildeo e violecircncia Esse
cenaacuterio explica em boa medida as grandes dificuldades econocircmicas perpassadas no cotidiano
da populaccedilatildeo brasileira no periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo
Voltando agraves minhas experiecircncias entendo que se durante minha infacircncia natildeo enfrentei
grandes dificuldades devo isso agrave batalha de um agricultor que ―trabalhava alugado ou ―de
meia e a uma ―dona de casa lavadeira que depois passa a funcionaacuteria puacuteblica ou seja meu
pai e minha matildee Se fui o primeiro da minha famiacutelia a adentrar os altos e quase impenetraacuteveis
12
muros da universidade puacuteblica brasileira natildeo eacute porque sou o melhor dos meus irmatildeos sou na
verdade parte de uma estatiacutestica que aponta para a sensibilidade de um governo cujo foco
principal foi a aacuterea social e a educaccedilatildeo Uma vez coadunada essas duas aacutereas eu fui um dos
muitos jovens negros advindo da classe trabalhadora que foi contemplado por uma
importante poliacutetica soacutecio-educacional do entatildeo Governo Luiacutes Inaacutecio Lula da Silva (2002-2006
e 2006-2010) que tem como uma de suas bases a abertura e expansatildeo das universidades
puacuteblicas
Obviamente que a forccedila de vontade e os esforccedilos pessoais foram reais mas nunca fui
partidaacuterio do discurso meritocraacutetico e do Estado democraacutetico de direito que prega a igualdade
de oportunidade para todos transferindo agraves pessoas o ocircnus pelo seu fracasso social como se a
ascensatildeo dependesse exclusivamente da vontade individual do sujeito O pensamento liberal
afirma que a escola eacute igual para todos e que portanto cada um chega onde suas capacidades e
seu trabalho pessoal lhes permite (SACRISTAacuteN GOacuteMEZ 1998)
Ainda com o objetivo de entender ―o que me move e ―o que me constitui gostaria de
voltar ao relato da minha infacircncia Ainda pequeno moramos no Siacutetio4 Humaitaacute proacuteximo agrave
zona urbana espaccedilo que foi tomado pelo raacutepido crescimento que a cidade adquiriu Na eacutepoca
em que moramos no Humaitaacute que remete aos idos de 1987 devido a fase de vida ainda muito
incipiente poucas satildeo as lembranccedilas desse periacuteodo salvo raras imagens esmaecidas pelos
anos que passaram Desse periacuteodo restou-me muito mais histoacuterias relatadas por meus pais e
irmatildeos mais velhos do que lembranccedilas propriamente minhas No entanto dois fatores fazem
com que essa estadia tenha curta duraccedilatildeo fazendo a famiacutelia retornar agrave cidade a saber os
terremotos5 que foram frequentes nesse periacuteodo e o medo de um bandido chamado Joatildeo
Barauna que oprimia a populaccedilatildeo local
4 O siacutetio eacute o lugar do trabalho por excelecircncia Mas ele eacute igualmente o resultado do trabalho pois eacute um espaccedilo
construiacutedo melhor dizendo um conjunto de espaccedilos articulados entre si que lhe permite organizar-se como um
sistema de insumos e produtos Esse espaccedilo eacute o resultado tambeacutem de um processo histoacuterico secular em que o
ambiente foi alterado com a gradativa eliminaccedilatildeo da cobertura vegetal original e de todo o ecossistema que lhe
era associado (WOORTMANN 1997 p 27)
5 No ano de 1986 grandes abalos siacutesmicos apavoraram moradores do Rio Grande do Norte o epicentro era Joatildeo
Cacircmara no entanto todo o Estado fora atingido com maior ou menor intensidade por falta de informaccedilotildees e
explicaccedilotildees muitas pessoas entraram em pacircnico e deixaram suas casas (Arquivo Tribuna do Norte)
13
Meu pai sempre repete que ―naquela eacutepoca tinha que votar e vir pra casa natildeo podia
ficar em turminhas na rua depois da votaccedilatildeo isso nos mostra que embora estiveacutessemos no
processo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes ainda havia a sombra dos ―anos de chumbo que por
mais de vinte anos garantiu a perpetuaccedilatildeo de um regime autoritaacuterio e ditatorial em nosso paiacutes
que causou feridas cujas cicatrizes ainda satildeo visiacuteveis
Em 1987 voltamos para a rua6 Minha matildee Francisca Maria (Dona Tecirc) dividia seu
tempo entre lavagens de roupa ―de ganho tarefas do lar aleacutem de assumir emprego de
funcionaacuteria puacuteblica do municiacutepio na funccedilatildeo de zeladora da igreja catoacutelica da cidade Meu pai
Luiz Gomes (Seu Lucas) trabalhava nas atividades da agricultura e desempenhava a arte da
caccedila como poucos Como natildeo detinha posses de terras ele ―alugava sua forccedila de trabalho em
sucessivas ―diaacuterias em terras alheias Quando natildeo era alugado ele trabalhava em terras de
outros natildeo por dinheiro mas numa relaccedilatildeo que em muito lembra as relaccedilotildees feudais do
periacuteodo Medieval na Europa ou seja a troca de trabalho por trabalho
Erik Wolf trabalha o termo ―aluguel como um processo no qual ―esse camponecircs
estava sujeito agrave relaccedilatildeo assimeacutetrica de poder o que lhe acarretava um ocircnus permanente em
sua produccedilatildeo (WOLF 1976 p 22) Assim em um modelo bastante parecido com o
desenhado por Wolf meu pai trabalhava a terra de um grande proprietaacuterio a troco de uma
porcentagem que girava em torno de 30 a 50 (terccedila e meia respectivamente) do que era
produzido isso acarreta uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo contiacutenua e demasiadamente nociva para o
trabalhador
Em meio a essa batalha que meus pais travavam diariamente para manter a famiacutelia
inicio minha trajetoacuteria escolar No meu percurso natildeo frequentei creches ou preacute-escolas
Ingressei na antiga 1ordf Seacuterie do Ensino Fundamental jaacute com algumas habilidades na leitura e na
escrita isso devido agrave dedicaccedilatildeo da minha irmatilde Ana de Faacutetima (Aninha) que sempre reservara
um tempo para ensinar aos irmatildeos mais novos Mesmo sendo reprovado na 2ordf Seacuterie do Ensino
Fundamental natildeo tive grandes dificuldades nas seacuteries seguintes Salvo uma ou outra aula de
reforccedilo que muito mais constrangia do que auxiliava no processo de aquisiccedilatildeo da liacutengua
escrita
6 Rua eacute termo francamente usado por populaccedilotildees do campo para designar cidade
14
Eacute importante refletirmos sobre o quatildeo marcante pode ser a escola na vida de uma
crianccedila Varela e Alvarez-Uria (1996) no texto ―a maquinaria escolar afirmam que embora
seja uma instituiccedilatildeo recente a escola deteacutem grande influecircncia sobre a sociedade Assim foi
comigo as marcas e as lembranccedilas do processo educacional escolar que ainda hoje satildeo
evidentes
Jaacute no Ensino Meacutedio o desempenho foi mais consciente comecei a desenvolver um
gosto muito grande pelas ciecircncias humanas e Histoacuteria Geografia e Portuguecircs eram as
disciplinas as quais eu dedicava grande parte do meu tempo Nesse momento estaacutevamos
morando no Siacutetio Figueira o ano eacute 2003 ano que passei a trabalhar tanto nas atividades da
roccedila com o meu pai ndash a condiccedilatildeo jaacute natildeo era mais de tamanha exploraccedilatildeo como outrora a
terra ainda era arrendada no entanto esse tratado agora se passava atraveacutes de laccedilos de
parentesco ndash como nas atividades da construccedilatildeo civil com meu irmatildeo mais velho Ary Gomes
Apesar da grande quantidade de pessoas que imigram do campo agrave cidade natildeo haacute nenhuma
profissatildeo segundo os estudos comparados nas quais maior porcentagem de filhos siga a
profissatildeo dos pais do que entre agricultores (MARTINS apud SOLARI 1986) Minha
caminhada mostra que fugi a regra entretanto hoje resguardo grande admiraccedilatildeo e respeito
agravequeles e aquelas que labutam e vivem nada terra
Mesmo em atividades bastante adversas sempre reservara um horaacuterio do dia agraves
atividades de leitura e redaccedilatildeo Em 2004 prestes a terminar o Ensino Meacutedio simplesmente
natildeo sabia o que significava fazer vestibular Hoje a situaccedilatildeo tem mudando mas isso era
recorrente nas classes mais pobres da populaccedilatildeo uma vez que a universidade natildeo eacute um desejo
almejado pela classe trabalhadora natildeo por desinteresse mas pela falta de informaccedilatildeo e
visualizaccedilatildeo dessa possibilidade que parece distante aos filhos das classes populares Pelo
contraacuterio se propaga o discurso que ao teacutermino do 3ordm ano do Ensino Meacutedio o sujeito
―terminou os estudos Aleacutem disso historicamente se praticou uma educaccedilatildeo cujo foco estaacute
diretamente relacionado agrave classe social a qual o sujeito pertence ou seja agraves classes
trabalhadoras uma educaccedilatildeo elementar uma vez que essa basta agravequeles que iratildeo desempenhar
funccedilotildees manuais ao passo que agraves classes ricas desenhou-se uma educaccedilatildeo para o Ensino
Superior Essa loacutegica eacute facilmente evidenciada no Governo de Fernando Henrique Cardoso
quando ―prioriza o Ensino Fundamental em detrimento do Meacutedio teacutecnico e superior
15
Entre 2005 e o iniacutecio de 2007 trabalhei incessantemente na construccedilatildeo civil ainda
assim continuei a reservar pequenos horaacuterios para me dedicar agraves leituras Ao realizar o
vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte ndash UFRN natildeo tive dificuldade em
ingressar no Curso de Pedagogia daquela instituiccedilatildeo o que atribuo principalmente agrave praacutetica
dessas leituras O motivo da escolha do curso ateacute hoje me eacute uma incoacutegnita poreacutem uma
hipoacutetese consideraacutevel pode ter ligaccedilatildeo com a baixa concorrecircncia
No mesmo ano 2007 fui morar em Natal para dar iniacutecio ao Curso Morador de
Residecircncia Universitaacuteria me dediquei logo na chegada agraves atividade de militacircncia estudantil
em prol dos estudantes de origem popular que moradores do interior do Estado necessitavam
da Residecircncia em Natal Assim durante toda a minha estadia na Residecircncia Universitaacuteria me
dediquei agrave organizaccedilatildeo dos estudantes na busca por mais vagas nas Residecircncias e melhorias
estruturais naquelas existentes
Devido a essa atuaccedilatildeo concorri agrave gestatildeo do Diretoacuterio Central dos Estudantes (DCE)
da UFRN e logramos ecircxito Uma responsabilidade que resolvi encarar enquanto possibilidade
de fazer algo mais A experiecircncia indubitavelmente me foi rica durante um ano estive a frente
do DCE buscando mais uma vez organizar os estudantes coletivamente
Os cinco anos de graduaccedilatildeo passados na Residecircncia me foram de grande importacircncia
primeiramente do ponto de vista econocircmico jaacute que eu natildeo possuiacutea condiccedilotildees financeiras de
me manter fora dela Outro ponto importante foi a convivecircncia com a complexidade das
diversas aacutereas dos conhecimentos isso me garantiu uma formaccedilatildeo que em muito me ajudou
na vida apoacutes minha saiacuteda daquele recinto
Com a aproximaccedilatildeo do teacutermino da graduaccedilatildeo logo veio o desejo de continuar
galgando os degraus do conhecimento buscando aprofundar-me atraveacutes do Mestrado Tal
propoacutesito confirmou-se com a abertura do processo seletivo da Universidade Federal da
Paraiacuteba No mestrado da UFPB encontrei na figura da Professora Doutora Rita de Cassia
Cavalcanti Porto incentivo e orientaccedilatildeo pra continuar os estudos na aacuterea da Educaccedilatildeo do
Campo poreacutem enfatizando nessa reflexatildeo o pensamento e a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire
Ainda eacute de grande importacircncia destacar a atuaccedilatildeo no estaacutegio docente junto a turma de
Pedagogia da UFPB participaccedilatildeo no Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares
16
(GEPPC) desta mesma universidade e a vitoacuteria de vivenciar a criaccedilatildeo do Grupo de Estudos e
Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF)7
13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR
Imbuiacutedo de relativa consciecircncia poliacutetico-social no ano de 2008 me aproximei da
militacircncia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Rio Grande do
Norte
Segundo Miguel Carter (2010) o surgimento do MST pode ser dividido em diferentes
momentos para ele
O primeiro periacuteodo eacute a gestaccedilatildeo do MST (1979-1984) Esse periacuteodo que
precede a fundaccedilatildeo oficial do Movimento eacute fundamental para compreender
as bases de seu processo de formaccedilatildeo O segundo periacuteodo eacute o de
consolidaccedilatildeo (1985-1989) que se caracteriza pela ampliaccedilatildeo das accedilotildees do
movimento em escala nacional por meio de seu estabelecimento em todas as
regiotildees do paiacutes e a configuraccedilatildeo de sua estrutura organizativa O terceiro
periacuteodo eacute de institucionalizaccedilatildeo (1990 ateacute o presente) Nesse tempo o MST
se torna o principal interlocutor do governo federal a respeito da reforma
agraacuteria e eacute reconhecido internacionalmente (CARTER 2010 p 163)
Quando conheci o Movimento no RN fiquei muito animado Conhecer o Centro de
Capacitaccedilatildeo Patativa do Assareacute em Cearaacute - MirimRN e contribuir em algumas atividades
teve significativa importacircncia para minha formaccedilatildeo Entre 2010-2011 ingressei no Grupo de
Estudo Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo (TRAMSE)
Esse grupo coordenado pelo Professor Alessandro Augusto de Azevedo desenvolveu a
organizaccedilatildeo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte em parceria com o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (PRONERA
DECRETO Nordm 7352 de 2010) O curso se destina a formaccedilatildeo de assentados da Reforma
7 O Grupo de Estudos e Pesquisas Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) Coordenado pela Professora Drordf Rita de
Cassia Cavalcanti Porto procura identificar e analisar a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire na
perspectiva da reinvenccedilatildeo nas poliacuteticas e praacuteticas emancipadoras curriculares de formaccedilatildeo de professores nos
sistemas puacuteblicos de ensino bem como socializar com gestores pesquisadores e educadores o legado freireano
para a educaccedilatildeo
17
Agraacuteria Minha atuaccedilatildeo no grupo compreendia a monitoria da turma durante as aulas e
estudos teoacutericos nos intervalos do curso
O MST surge no Rio Grande do Norte em decorrecircncia do 5ordm Encontro Nacional do
Movimento realizado em 1989 que definiu a continuidade de sua expansatildeo pelo Brasil em
pressionar o governo pela realizaccedilatildeo da reforma agraacuteria A primeira ocupaccedilatildeo do MST no Rio
Grande do Norte ocorreu no Vale do Assu com 20 famiacutelias na Fazenda Bom Futuro que fica
localizada no Municiacutepio de JanduiacutesRN (RIBEIRO 2002) Desde aquela eacutepoca ateacute hoje
muita coisa aconteceu e muita coisa mudou O Movimento se tornou fundamental no
enfrentamento das grandes questotildees acerca da terra no Rio Grande do Norte
O interesse pela temaacutetica da Educaccedilatildeo do Campo tornou-se evidente devido a
aproximaccedilatildeo com o MST e com a monitoria do curso de Pedagogia da Terra No MST
percebi que muitos dos termos da educaccedilatildeo e das praacuteticas educativas eram ressignificadas
pelo Movimento e que este tinha forte influecircncia da Pedagogia Freireana o que
indubitavelmente tornou-se porta de entrada para aprofundar meus estudos e interesses sobre
a temaacutetica a Educaccedilatildeo do Campo
Investigar a relaccedilatildeo entre os sujeitos do campo e a universidade passou a ser meu
principal interesse e por conseguinte tema da minha monografia ―Veredas da Pedagogia da
Terra anaacutelise reflexiva de um percurso (SILVA FILHO 2011) Nesse trabalho procurei
refletir sobre o Curso de Pedagogia da Terra enquanto uma educaccedilatildeo voltada agraves populaccedilotildees
do campo e sua relaccedilatildeo com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Esses relatos de experiecircncias e autobiografia como entende Antocircnio Chizzotti (2006)
representam em boa medida um caminho trilhado as relaccedilotildees afetivas os desejos a histoacuteria
satildeo partes que nos atravessam e que nos constitui tambeacutem A academia costuma nos dissecar
tornar o pesquisador mais pesquisador do que gente quando a relaccedilatildeo eacute justamente o
contraacuterio Os sujeitos aparecem como a-histoacutericos natildeo tecircm famiacutelia natildeo tecircm amores natildeo tecircm
lugares Esses escritos iniciais tecircm justamente essa finalidade situar o pesquisador antes de
tudo como gente como sujeito que como escrevera Freire (2012) estaacute no mundo mas
tambeacutem com o mundo e com os outros
18
14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO A
PRAacuteXIS FREIREANA COMO SUPORTE PARA ESSE ESTUDO
Para garantirmos a consubstancialidade deste estudo a contextualizaccedilatildeo dos fatos
tanto no tempo histoacuterico como no espaccedilo foi ponto de constante atenccedilatildeo Natildeo queremos
jamais cair no equiacutevoco de excluir essas categorias da nossa pesquisa sobretudo preocupamo-
nos em natildeo perder o homem como inventor da histoacuteria como produto e produtor dessa
narrativa
Nesse mesmo sentido Ball (2011 p38) critica a pesquisa cujo sentido esteja
desvinculado dos fenocircmenos sociais e histoacutericos de que eacute resultado ―Haacute eacute claro aspectos
temporais adicionais nos processos poliacuteticos e nas anaacutelises desses processos mas na praacutetica
muitas pesquisas sobre poliacuteticas educacionais natildeo tem nenhum sentido de tempo O aspecto
negligenciado mais oacutebvio eacute um extravagante a-historicismo
Gatti (2007 p11) afirma que a pesquisa em educaccedilatildeo no Brasil vem se configurando
como um campo em consolidaccedilatildeo ―Nos uacuteltimos anos pode-se observar um aumento
significativo de pesquisas publicaccedilotildees grupos de pesquisa linhas de pesquisa em programas
de poacutes-graduaccedilatildeo e eventos especiacuteficos sobre poliacuteticas sociais e educacionais
No seacuteculo XIV Agriacutecola havia aconselhado aos seus contemporacircneos que
―Considerem suspeito tudo o que lhes havia sido ensinado ateacute entatildeo e o
mesmo aconselhava jaacute no seacuteculo XVI Bacon Descartes e Pascal ―O
primeiro afirmara que a verdade muda com o tempo o segundo que soacute a
evidecircncia poderia convencer algueacutem ao passo que o terceiro insistia em que
a experimentaccedilatildeo era o uacutenico criteacuterio seguro no campo cientiacutefico (PONCE
2010 p126 grifo do autor)
As pesquisas e suas configuraccedilotildees variaram muito ateacute os tempos de hoje alguns
pesquisadores se filiam agraves novas tendecircncias outros permanecem crentes da consistecircncia da
corrente teoacuterica a qual satildeo simpaacuteticos e acreditam que essa linha de pensamento ainda daacute
conta de forma satisfatoacuteria do entendimento e da criacutetica necessaacuteria agraves questotildees que a realidade
enseja
19
Desse modo continuamos nos filiando agrave corrente histoacuterico-criacutetico de analisar a
realidade com base no materialismo histoacuterico-dialeacutetico e na praacutexis educativa de Paulo Freire
uma vez que nessa perspectiva ―o estudo ontoloacutegico do ser social natildeo prescinde o estudo da
gecircnese histoacuterica da especificidade da sociedade (SAVIANI DUARTE 2012 p 37) ―A
pesquisa natildeo eacute de modo algum na praacutetica uma reproduccedilatildeo fria das regras que vemos em
alguns manuais O proacuteprio comportamento do pesquisador em seu trabalho eacute-lhe peculiar e
caracteriacutestico (GATTI 2007 p 11) Isso se deve indubitavelmente a um complexo de
muacuteltiplos condicionamentos que constituem o pesquisador enquanto ser histoacuterico Enquanto
gente
Este conhecimento como objeto de dado alheio a qualquer traccedilo de
subjetividade elimina qualquer perspectiva de colocar a busca cientiacutefica ao
serviccedilo das necessidades humanas para resolver problemas praacuteticos O
investigador estuda os fatos pela proacutepria ciecircncia pelo propoacutesito superior da
alma humana de saber Natildeo estaacute interessando em conhecer as consequumlecircncias
de seus achados Este propoacutesito de espiacuterito positivo engendrou uma
dimensatildeo que foi defendida com muito entusiasmo e ainda hoje em alguns
meios se levanta como bandeira verdadeira a da neutralidade da ciecircncia
(TRIVINtildeOS 1987 p 37)
Para noacutes a busca pelo conhecimento eacute ponto nevraacutelgico para contribuir com o atual
debate da Educaccedilatildeo do Campo e com a Pedagogia Paulo Freire Nessa perspectiva estudar
esse fenocircmeno sem fim nem finalidade seria ignomiacutenia da nossa parte
Pensando numa perspectiva teoacuterica que atenda aos interesses almejados e tendo em
vista a realidade social e concreta na qual estamos imersos assim como as disputas inerentes
ao tecircnue e conflitante tecido social temos como metodologia o materialismo histoacuterico
dialeacutetico e a praacutexis educativa de Paulo Freire pois esta perspectiva vincula de forma
satisfatoacuteria as questotildees abordadas nesse estudo agrave dinacircmica da realidade material dos sujeitos
envolvidos e reflete a construccedilatildeo histoacuterica dos fenocircmenos com destaque para as
transformaccedilotildees sociais que esta construccedilatildeo enseja
A compreensatildeo da praacutexis educativa em Paulo Freire se encontra diluiacuteda em toda a sua
pedagogia como essa pedagogia eacute bastante ampla abordaremos os principais elementos que
se encontram ligados ao materialismo histoacuterico dialeacutetico procurando dialogar as interfaces
dessas teorias e como elas contribuem para o entendimento da realidade Na praacutexis educativa
de Freire assim como no materialismo histoacuterico dialeacutetico a mera especulaccedilatildeo filosoacutefica natildeo
20
garante subsiacutedio natildeo basta apenas interpretar o mundo eacute preciso tratar de transformaacute-lo
(FREIRE 1983)
A histoacuteria da dialeacutetica eacute demasiadamente longa por isso natildeo pretendemos aprofundar
essa temaacutetica esclarecemos apenas que nesse trabalho adotamos aquela cujo vieacutes eacute marxista
em que pese haver uma vasta gama de outras possiacuteveis compreensotildees da dialeacutetica A
concepccedilatildeo marxista encontra suporte no materialismo e na histoacuteria para a explicaccedilatildeo dos
fenocircmenos
Na produccedilatildeo social da sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees
determinadas necessaacuterias independente da sua vontade relaccedilotildees de
produccedilatildeo que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das
forccedilas produtivas materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui
a estrutura econocircmica da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva
uma superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas
formas de consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida material
condiciona o desenvolvimento da vida social poliacutetica e intelectual em geral
Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o seu ser eacute o seu ser social
que inversamente determina a sua consciecircncia (MARX 1973 p 28-28)
Esforccedilamo-nos em compreender como a histoacuteria da Educaccedilatildeo do Campo bebe da
Pedagogia Paulo Freire onde se intercalam e como dialeticamente se aproximam Cheptulin
(1982) aponta para dialeacutetica como sendo formas gerais de estudar o ser os aspectos e os laccedilos
gerais da realidade as leis do reflexo desta uacuteltima na consciecircncia dos homens pensamento
fortemente presente na pedagogia freireana em que o ponto de partida da histoacuteria e da
realidade satildeo os sujeitos reais (FREIRE 2011)
Gadotti (1983) nos ajuda a situar a dialeacutetica materialista dentro de uma concepccedilatildeo
metodoloacutegica
Natildeo se trata de pensar toda a histoacuteria da educaccedilatildeo pois o que teriacuteamos seria
o ponto de vista da dialeacutetica ou melhor uma leitura dialeacutetica do que foi a
educaccedilatildeo ateacute hoje Eacute o que jaacute fez por exemplo o grande filoacutesofo e
historiador argentino Anibal Ponce mostrando como a educaccedilatildeo enquanto
fenocircmeno social ligado a superestrutura soacute pode ser compreendida atraveacutes
da anaacutelise soacutecio-econocircmica da sociedade que a matem [] O meacuterito de
Anibal Ponce estaacute justamente em colocar em evidecircncia o princiacutepio da
dialeacutetica da relaccedilatildeo entre a consciecircncia e a estrutura econocircmica mostrando
como a luta pelo direito a educaccedilatildeo e agrave cultura acompanhou a luta pelos
demais direitos enfim a educaccedilatildeo natildeo estaacute separada da luta de classe
(GADOTTI 1983 p 39-40)
21
O Materialismo histoacuterico-dialeacutetico eacute a ciecircncia filosoacutefica do marxismo que estuda as
leis socioloacutegicas que caracterizam a vida da sociedade de sua evoluccedilatildeo histoacuterica e da praacutetica
social dos homens no desenvolvimento da humanidade O Materialismo histoacuterico significou
uma mudanccedila fundamental na interpretaccedilatildeo dos fenocircmenos sociais que ateacute o nascimento do
marxismo se apoiava na concepccedilatildeo idealista de sociedade humana (TRIVINtildeOS 1987)
Quando eacute adotada a perspectiva materialista histoacuterico-dialeacutetica o
desenvolvimento da humanidade eacute analisado como um processo histoacuterico
contraditoacuterio heterogecircneo que se realiza por meio das concretas relaccedilotildees
sociais de dominaccedilatildeo que tem caracterizado a histoacuteria da humanidade ateacute
aqui (SAVIANI DUARTE 2012 p 39)
Karel Kosik autor da ―Dialeacutetica do concreto publicado em 1963 um dos mais
eminentes expoentes do marxismo trabalha a realidade em sua totalidade natildeo se limita as
anaacutelises das partes mas procura estabelecer o caraacuteter dialeacutetico entre as partes e o todo Ele
analisa a ―realidade como um todo estruturado dialeacutetico no qual ou do qual um fator
qualquer (classes de fatos conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido
(KOSIK 2010 p 44) o que configura uma compreensatildeo bastante satisfatoacuteria para nossa
anaacutelise cujo objetivo eacute entender como as diferentes partes de uma realidade formam o
fenocircmeno abordado
Na pedagogia freireana cujo assento eacute a praacutexis educativa a compreensatildeo da realidade
eacute ponto chave para a tomada de conscientizaccedilatildeo dos sujeitos Para Freire (1987) a realidade eacute
construiacuteda historicamente sendo passiva de mudanccedila nega-se assim o determinismo de uma
realidade estaacutetica pronta imutaacutevel Para ele a superaccedilatildeo do estado de opressatildeo eacute uma tarefa
ontoloacutegica do homem
Esta superaccedilatildeo natildeo pode dar-se poreacutem em termos puramente idealistas Se
faz indispensaacutevel aos oprimidos para a luta por sua libertaccedilatildeo que a
realidade concreta de opressatildeo jaacute natildeo seja para eles uma espeacutecie de ―mundo
fechado (em que se gera o seu medo da liberdade) do qual natildeo pudessem
sair mas uma situaccedilatildeo que apenas os limita e que eles podem transformar eacute
fundamental entatildeo que ao reconhecerem o limite que a realidade opressora
lhes impotildee tenham neste reconhecimento o motor de sua accedilatildeo libertadora
(FREIRE 1987 p 19)
Nesse sentido nos aproximamos de um materialismo praacutetico cujo princiacutepio natildeo se
pretende a captar a realidade sob forma de objeto ou como mera contemplaccedilatildeo Isso rompe
com a oposiccedilatildeo estanque sujeitoobjeto e concebe alternativamente a atividade humana como
22
uma atividade objetiva e transformadora ao mesmo tempo Desse modo o homem eacute
simultaneamente fruto das circunstacircncias histoacutericas e agente de mudanccedila das mesmas
Na contribuiccedilatildeo deste estudo optamos por uma investigaccedilatildeo no campo da pesquisa
qualitativa realizando um levantamento bibliograacutefico e uma anaacutelise documental Segundo Gil
(2002 p46)
O desenvolvimento da pesquisa documental segue os mesmos passos da
pesquisa bibliograacutefica Apenas cabe considerar que enquanto na pesquisa
bibliograacutefica as fontes satildeo constituiacutedas sobretudo por material impresso
localizados nas bibliotecas na pesquisa documental as fontes satildeo muito
mais diversificadas e dispersas
A par disso realizamos uma busca em documentos da Universidade do Curso de
Pedagogia e tambeacutem da Comissatildeo Permanente de Vestibular (COMPERVE) e nos ocupamos
em analisar os documentos norteadores do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte uma vez que este constitui nosso recorte analiacutetico
Devido agrave dificuldade de realizarmos uma pesquisa com todos os estudantes do Curso
espalhados por todo o Estado do Rio Grande do Norte concordamos com Gil (2002 p46)
quando afirma que ―Outra vantagem da pesquisa documental eacute natildeo exigir contato com os
sujeitos da pesquisa Eacute sabido que em muitos casos o contato com os sujeitos eacute difiacutecil ou ateacute
mesmo impossiacutevel Em outros a informaccedilatildeo proporcionada pelos sujeitos eacute prejudicada pelas
circunstacircncias que envolvem o contato
Para dialogar com essa perspectiva metodoloacutegica trabalhamos com autores cujo
assento eacute tanto a resistecircncia como na transformaccedilatildeo do status quo social como a
organizaccedilatildeo coletiva na busca por direitos historicamente negados Nesse sentido Aroyo
(2011 2009) Caldart (2012 2010) Freire (1983 1991 2011 2012) Gadotti (1983 1996
2000) Ribeiro (2010) Saviani (2008) Apple (2012) Giroux (1986) entre outros Aleacutem disso
a anaacutelise dos marcos legais que norteiam a Educaccedilatildeo do Campo tambeacutem foi de grande
importacircncia para a formulaccedilatildeo da nossa base de sustentaccedilatildeo
Por fim entendemos que na pesquisa social haacute uma relaccedilatildeo definitiva entre o
pesquisador e o seu campo de estudo ―A visatildeo do mundo de ambos estaacute implicada em todo
23
processo de conhecimento desde a concepccedilatildeo do sujeito aos resultados do trabalho e agrave sua
aplicaccedilatildeo (DESLANDES et al 1994 p 14) Seguindo essa linha percebemos o quatildeo
proacuteximos estamos de todas essas questotildees trabalhadas e na verdade que nossas escolhas
nosso objetivo nossa metodologia natildeo eacute nem poderia ser obra do acaso eacute na verdade fruto
da nossa formaccedilatildeo social enquanto o sujeito mas sobretudo enquanto gente
24
2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO
PRA PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER
Natildeo quero dizer poreacutem que porque esperanccediloso
atribuo a minha esperanccedila o poder de transformar a
realidade e assim convencido parto para o embate sem
levar em consideraccedilatildeo os dados concretos materiais
afirmando que minha esperanccedila basta Minha esperanccedila
eacute necessaacuteria mas natildeo eacute suficiente Ela soacute natildeo ganha a
luta mas sem ela a luta fraqueja e titubeia Precisamos
da esperanccedila criacutetica como o peixe necessita da aacutegua
despoluiacuteda
Paulo Freire Pedagogia da Esperanccedila 1992
21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO
EDUCACIONAL
A Reforma do Estado e a reestruturaccedilatildeo produtiva das deacutecadas de 1980 e 1990 assim
como a consolidaccedilatildeo das poliacuteticas neoliberais no campo econocircmico e social representam um
divisor quando nos referimos agrave atuaccedilatildeo do Estado frente agrave garantia de poliacuteticas (SADER
GENTILI 1995) Essas transformaccedilotildees tecircm significativa influecircncia no campo educacional e
eacute disso que trataremos agora
Luiz Fernandes Dourado em palestra no X Encontro Estadual da ANFOPE-PB e IX
Encontro Regional - NE ANFOPE realizado em Campina Grande ndash PB em 2012 afirma que
natildeo se pode compreender as poliacuteticas educacionais se natildeo fizer isso de maneira
contextualizada quais sejam as condiccedilotildees objetivas em que elas satildeo produzidas Obviamente
a economia tem papel de destaque na determinaccedilatildeo dessas condiccedilotildees Silva (2011) tratando a
questatildeo agrave luz do pensamento de Michael Apple afirma que as caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo
da economia na sociedade capitalista afeta tudo aquilo que ocorre em outras esferas sociais
como a educaccedilatildeo e a cultura por exemplo
Para tanto antes de adentrarmos a reforma do estado e suas implicaccedilotildees na educaccedilatildeo eacute
salutar voltarmos ao entendimento do principal pilar de sustentaccedilatildeo dessa reforma o
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neoliberalismo Sader e Gentili (1995) e Neves (2005) afirmam que o neoliberalismo nasceu
logo depois da II Guerra Mundial na regiatildeo da Europa e da Ameacuterica do Norte onde imperava
o capitalismo Foi uma reaccedilatildeo teoacuterica e poliacutetica veemente contra o Estado intervencionista de
bem-estar O pensamento neoliberal foi difundido inicialmente no Reino Unido no trabalho
do economista austriacuteaco Frederich Hayek (BALL 2011 SADER GENTILI 1995)
O surgimento do neoliberalismo apoacutes a Segunda Guerra e sua posterior
consolidaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1980 trazem consigo um formidaacutevel
ataque contra o igualitarismo e a solidariedade coletivistalsquo em quaisquer de
suas formas desde a aparentemente mais benigna o Ministeacuterio do Bem-
estarlsquo das sociais-democracias europeacuteias ateacute a mais virulenta (a juiacutezo dos
ideoacutelogos neoliberais) corporificada no modelo sovieacuteticolsquo vigente na Uniatildeo
Sovieacutetica e nos paiacuteses do Leste Europeu Ambas as variantes nas palavras
de Hayek se movimentavam em prol de um mesmo objetivo a construccedilatildeo
de uma sociedade de iguais Eram por isso mesmo rotas alternativas que
desembocavam em um mesmo desastre civilizatoacuterio a servidatildeo moderna
(BORON 2000 p55)
Ainda para Sader e Gentili (na mesma obra) a chegada da grande crise do modelo
econocircmico do poacutes-guerra em 1973 quando todo o mundo capitalista avanccedilado caiu numa
longa e profunda recessatildeo combinando pela primeira vez baixas taxas de crescimento com
altas taxas de inflaccedilatildeo mudou tudo ―A rigidez do fordismo tornou-se um obstaacuteculo para o
crescimento do capitalismo A crise da deacutecada de 1970 foi a expressatildeo do esgotamento de um
modelo baseado na produccedilatildeo em massa de um lado e no chamado Estado de Bem-Estar
social de outro (DEL PINO 2011 p 67) A partir daiacute as ideias neoliberais passaram a
ganhar terreno
Expoente fundamental na difusatildeo do neoliberalismo Margaret Thatcher8 encontra-se
natildeo tanto na negativa da existecircncia de sociedade mas em sua radical e desoladora
reimaginaccedilatildeo da sociedade civil Ela se apoia em um renascimento do individualismo
competitivo e em um novo tipo de cidadatildeo-consumidor (BALL 2011)
As reformas econocircmicas de ―Ajuste estrutural implementadas na Ameacuterica Latina
estatildeo baseadas no que ficou conhecido como ―Consenso de Washington (NASCIMENTO
QUAIOTTI et al1997) Satildeo medidas que visam agrave abertura de economias nacionais
8 13 de outubro de 1925 mdash 8 de abril de 2013
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desregulaccedilatildeo dos mercados cortes nos gastos sociais flexibilizaccedilatildeo dos direitos trabalhistas
privatizaccedilatildeo das empresas puacuteblicas e o controle do deacuteficit fiscal No Brasil apoacutes a
constituiccedilatildeo de 1988 vaacuterias emendas constitucionais vecircm sendo aprovadas com o objetivo de
desregulamentar a relaccedilatildeo capitaltrabalho (DEL PINO 2011)
Ball (2011p 23) explica que ―durante os uacuteltimos quinze anos temos testemunhado no
Reino Unido e tambeacutem na maioria das outras sociedades do mundo ocidental e das
sociedades desenvolvidas uma profunda transformaccedilatildeo nos princiacutepios de organizaccedilatildeo da
provisatildeo social especialmente no setor puacuteblico Del Pino (2011) citando Boroacuten e
Hobsbawm afirma que essas transformaccedilotildees tambeacutem chegaram a paiacuteses do hemisfeacuterio norte
e sul em especial na Ameacuterica Latina Afirma ainda que o seacuteculo XX que iniciou como o
seacuteculo das massas se despede ―como seacuteculo do desemprego em massa (DEL PINO 2011
p65)
Essa breve cronologia tem como objetivo mostrar de onde vem a discussatildeo A reforma
tem iniacutecio na deacutecada de 80 mas como vimos tem sua gecircnese bem antes ―Na verdade haacute uma
tendecircncia notaacutevel a um ―poacutes-1988 (BALL 2011 p 38) Isso significa que muitos
pesquisadores utilizam a reforma de 1988 como ponto zero excluindo em boa medida o que
a antecedeu
Essa introduccedilatildeo tambeacutem tem como objetivo mostrar as implicaccedilotildees da reestruturaccedilatildeo
produtiva no campo educacional Quais as consequecircncias da reforma pra noacutes pesquisadores
estudantes professores e trabalhadores na educaccedilatildeo em geral De iniacutecio vale salientar que a
reestruturaccedilatildeo tem como uma de suas finalidades a adequaccedilatildeo dos modelos produtivos ao
novo modelo econocircmico insurgente chamado por Ball (2011) ―poacutes-fordismo que
―caracteriza-se pelo aparecimento de setores produtivos inteiramente novos Isso jaacute nos
remete agrave implicaccedilatildeo de que a educaccedilatildeo passa a ser vislumbrada como um campo feacutertil e rico
em potencial a ser explorado pelo mercado capitalista em sua faceta neoliberal
Essas mudanccedilas natildeo se restringem ao campo produtivo mas de forma muito concisa
ao campo da individualidade dos sujeitos das subjetividades ―De este modo no soacutelo nos
encontramos en un momento de imposicioacuten de un determinado modelo de produccioacuten y
distribucioacuten de la riqueza sino ademaacutes en un proceso de resocializacioacuten de reorganizacioacuten
de los sentidos con los cuales conviviacuteamos (ALMANACID ARROYO 2011 p 264) Essa
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posiccedilatildeo eacute ratificada por Ball (2011 p 32) quando afirma que ―outro aspecto da reestruturaccedilatildeo
eacute a formaccedilatildeo de novas subjetividades profissionaislsquo Natildeo simplesmente o que fazemos
mudou quem noacutes somos as possibilidades de quem deveriacuteamos nos tornar tambeacutem
mudaram
Nesse momento assistimos a educaccedilatildeo brasileira experimentar as consequecircncias
danosas dessa nova dinacircmica advinda do capitalismo em uma fase neoliberal como por
exemplo a ecircnfase na supervalorizaccedilatildeo de iacutendices de qualidade e eficiecircncia Essa construccedilatildeo
teve como assento o pensamento hegemocircnico de que esse seria natildeo somente o melhor
caminho mas tambeacutem o uacutenico para fugir da falecircncia estatal
Sob a ideologia da globalizaccedilatildeo os governos dos paiacuteses dependentes entre
eles o Brasil acenam com a necessidade de integraccedilatildeo agrave economia mundial
dentro dos padrotildees propostos por esta integraccedilatildeo como uacutenico meio de afastar
a degradaccedilatildeo social e o aprofundamento da condiccedilatildeo de pobreza destes paiacuteses
Todavia essa hipoacutetese eacute falsa A integraccedilatildeo atraveacutes do atual padratildeo de
desenvolvimento eacute impossiacutevel (DEL PINO 2011 p66)
A ideologia neoliberal ganha ecircnfase sobretudo com a derrocada dos governos
socialista principalmente com o fim da Uniatildeo Sovieacutetica e do comunismo na Europa Oriental
(SADER GENTILI 1995) Na contramatildeo desse processo emerge uma criacutetica tanta ao novo
modelo de sociedade como ao paradigma vigente de educaccedilatildeo
Com o esgotamento da Ditadura Civil Militar os movimentos sociais emergem e
desempenham papel fundamental na busca de uma pedagogia alternativa e de um modelo de
sociedade no qual o fatalismo ou o discurso poacutes-moderno de ―[] obstaacuteculos insuperaacuteveis
(FREIRE 2012 p 48) natildeo predomine A pedagogia histoacuterico-criacutetica e contra-hegemocircnica
fruto tanto de uma opccedilatildeo ideoloacutegica de sociedade como do periacuteodo de reabertura poliacutetica de
meados da deacutecada de 1980 desempenha papel central nesse momento histoacuterico
Eacute importante destacarmos a colocaccedilatildeo da expressatildeo ―contra-hegemocircnica pois ela
costura este texto por vaacuterios momentos Ainda que Gramsci natildeo tenha trabalhado o conceito
de contra-hegemonia sendo esse uma formulaccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho9 estamos
9 Carlos Nelson Coutinho eacute um dos maiores tradutores da obra de Gramsci no Brasil
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amparados no inverso desse termo ou seja a hegemonia termo exaustivamente pensado por
Gramsci
A hegemonia seria a capacidade de um grupo social unificar em torno de seu projeto
poliacutetico um bloco mais amplo natildeo homogecircneo marcado por contradiccedilotildees de classe Desse
modo hegemonia eacute algo que se conquista por meio da direccedilatildeo poliacutetica e do consenso e natildeo
mediante a coerccedilatildeo Pressupotildee aleacutem da accedilatildeo poliacutetica a constituiccedilatildeo de uma determinada
moral de uma concepccedilatildeo de mundo numa accedilatildeo que envolve questotildees de ordem cultural na
intenccedilatildeo de que seja instaurado um ―acordo coletivo (GRAMSCI 1991) Para Coutinho
(1999) eacute a busca de uma classe particular para impor seus interesses comuns como interesse
geral da sociedade Nesse sentido a colocaccedilatildeo da expressatildeo contra-hegemonia estaacute
intrinsecamente ligada ao conceito de resistecircncia de luta
Dourado (2012) afirma que se a tradiccedilatildeo do estado brasileiro eacute ainda marcada por um
estado patrimonial em que pese ser este paiacutes a sexta economia do mundo para Fernandes
(1995) eacute um estado ―desigual e combinado Noacutes temos desde o maior avanccedilo tecnoloacutegico a
condiccedilotildees de miserabilidade eacute nesse tensionamento eacute nesse caldeiratildeo cultural social poliacutetico
e racial que vatildeo se traduzindo o horizonte das poliacuteticas puacuteblicas
Dourado (2011) nos mostra que a histoacuteria da educaccedilatildeo brasileira eacute marcada por
disputas entre diferentes projetos de educaccedilatildeo e sociedade O atual debate acerca do Plano
Nacional de Educaccedilatildeo (PNE) apesar de parecer recente data da deacutecada de 1930 quando os
Pioneiros elaboraram o primeiro esboccedilo de Plano arquivado logo em seguida pelo Estado
Novo e totalmente negligenciado pelo Regime Militar
Ainda conforme Dourado (2011 p 23) ―A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 resultante de
amplo processo constituinte avanccedila consideravelmente no campo dos direitos sociais A
Constituiccedilatildeo determina que o Senado crie planos e programas nacionais O primeiro PNE (Lei
nordm 10172 de 09 de janeiro de 2001) foi aprovado no governo Itamar Franco e teria duraccedilatildeo
no Governo Fernando Henrique Cardoso no entanto o Governo do PSDB natildeo considerou o
plano como referencial para suas accedilotildees
Em 2010 com o prazo de vigecircncia do PNE prestes a expirar a sociedade civil
organizada pelo Foacuterum Nacional de Educaccedilatildeo (FNE) realiza a I Conferecircncia Nacional de
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Educaccedilatildeo (2010) com o objetivo de intervir propositivamente no novo Plano a ser lanccedilado
pelo Congresso Nacional em 2011 O novo Plano Nacional de Educaccedilatildeo (PL 8035) se
configura dentro de um complexo campo de disputas de forccedilas Nesse sentido a sociedade
civil estaacute mais uma vez realizando conferecircncias de educaccedilatildeo municipais intermunicipais
distrital e estadual que culminaratildeo na Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo de 2014 cuja
finalidade eacute garantir a aprovaccedilatildeo de um plano articulado nacionalmente democraacutetico e
popular (CONAE 2014)
Nesse contexto de efervescecircncia eacute de fundamental importacircncia a atuaccedilatildeo dos
movimentos de resistecircncia do campo na luta por educaccedilatildeo Esse movimento contra
hegemocircnico eacute importante para fazer frente agraves poliacuteticas neoliberais que avanccedilam na
contemporaneidade Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo passa a ser vista enquanto
propositiva de uma educaccedilatildeo que escapa tanto agrave pedagogia da hegemonia como ao modelo
rural de educaccedilatildeo que vem sendo destinado aos sujeitos do campo ao longo da histoacuteria
(ARROYO 2009) Mesmo com todas as contradiccedilotildees e ressalvas que satildeo necessaacuterias
estamos pois vendo emergir um contraponto fundamental uma pedagogia politizada
assentada em princiacutepios criacuteticos que tem como foco o sujeito
Feita essa breve retrospectiva histoacuterica iniciamos nesse momento o debate sobre a
Educaccedilatildeo Rural e como a superaccedilatildeo desse paradigma eacute essencial para alcanccedilar a Educaccedilatildeo do
Campo cujos princiacutepios tecircm forte afinidade com a Pedagogia Paulo Freire e questotildees que
reclamam mudanccedilas estruturais no seio da sociedade brasileira
22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA
Apesar de evidenciarmos avanccedilos importantes no campo educacional o analfabetismo
ainda eacute um empecilho para a construccedilatildeo de uma sociedade mais autocircnoma tanto do ponto de
vista do desenvolvimento econocircmico do paiacutes como da emancipaccedilatildeo humana dos seus
cidadatildeos Ainda haacute uma barreira demasiadamente alta que impede os sujeitos de construiacuterem
melhores condiccedilotildees sociais de vida Esse problema se intensifica quando tomamos como foco
de investigaccedilatildeo a zona rural brasileira Segundo dados do uacuteltimo estudo do Instituto de
Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA 2009) os iacutendices referentes ao analfabetismo das
populaccedilotildees do campo por exemplo satildeo sempre superiores quando comparados com as
populaccedilotildees residentes na zona urbana
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Ainda segundo o estudo no meio rural haacute uma grande desigualdade de renda entre os
ricos e pobres uma vez que os primeiros satildeo os ―donos das terras e os segundos satildeo sempre
aqueles que trabalham nela Sabe-se que em sociedade como a nossa a posse da terra eacute
condiccedilatildeo primaacuteria para ascensatildeo social poliacutetica e econocircmica de um povo
Nas sociedades predominantemente agriacutecolas a propriedade da terra eacute a
principal fonte de poder econocircmico poliacutetico e social Como uma regra
simples podemos afirmar que quanto maior for a quantidade de terra
possuiacuteda maior seraacute o poder de seu proprietaacuterio (FEDER apud SHALIN
1976 p 73 traduccedilatildeo nossa)
A citaccedilatildeo acima nos ajuda a entender por um lado a posiccedilatildeo social privilegiada que as
classes detentoras de terras ocupam ateacute os dias de hoje A concentraccedilatildeo da terra tem causado
ao longo da histoacuteria grandes prejuiacutezos agraves populaccedilotildees do campo a falta de escolas e o
consequente analfabetismo eacute uma marca desse fenocircmeno de privaccedilatildeo Nesse momento eacute
necessaacuterio resgatar a urgecircncia de uma Reforma Agraacuteria popular no Brasil como forma de
atenuar esse grande deacuteficit histoacuterico Freire (2012 p 65) mostra que a natildeo realizaccedilatildeo de uma
reforma agraacuteria seacuteria eacute mais uma forma de manutenccedilatildeo de privileacutegios da classe dominante
[] Ao mesmo tempo contudo arquivam a realizaccedilatildeo de reforma agraacuteria
sem a qual se estrangula qualquer transformaccedilatildeo seacuteria nesse paiacutes Nenhuma
sociedade capitalista moderna deixou de fazer sua reforma agraacuteria
absolutamente indispensaacutevel agrave criaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de um mercado
interno Eacute por isso que jaacute natildeo falam em Reforma Agraacuteria e natildeo porque seja o
seu processo uma velharia e sua realizaccedilatildeo um desrespeito agrave propriedade
privada como afirmam os donos do mundo e das gentes ( FREIRE 2012 p
65)
O monopoacutelio da terra causou feridas profundas cujas cicatrizes ainda estatildeo abertas no
seio da sociedade brasileira e que portanto ainda satildeo condicionantes que a sociedade precisa
enfrentar para alcanccedilar a melhoria de vida das classes trabalhadoras da cidade e do campo
Tomando o analfabetismo como exemplo ―Para a categoria localizaccedilatildeo observa-se
que na populaccedilatildeo rural a taxa de analfabetismo eacute de quase 228 Jaacute para a populaccedilatildeo
urbanametropolitana esse iacutendice eacute de 44 (IPEA 2009 p 10) Esses dados nos auxiliam
na explicitaccedilatildeo de uma realidade extremamente desigual marcada por preconceitos e
esquecimento Natildeo eacute um dado estatiacutestico tatildeo somente mas antes de tudo eacute um flagrante uma
prova da exclusatildeo secular que os sujeitos do campo brasileiro vecircm passando Freire (2011)
31
aponta para esse processo como a negaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo negaccedilatildeo das vocaccedilotildees dos
homens vocaccedilatildeo negada na injusticcedila na exploraccedilatildeo na opressatildeo e na violecircncia dos
opressores
Desse modo o paradigma educacional no qual se assenta a Educaccedilatildeo Rural reside no
bojo do pensamento utilitarista e dominador de uma classe sobre a outra Ribeiro (2012 p
293) afirma que ―[] para definir educaccedilatildeo rural eacute preciso comeccedilar pela identificaccedilatildeo do
sujeito a que ela se destina Isso significa que as pessoas que estatildeo vinculadas a educaccedilatildeo
rural satildeo sujeitos cuja marca do trabalho nas atividades da agricultura lhes eacute fator
determinante Para Erick Wolf haacute uma relaccedilatildeo direta de exploraccedilatildeo que caracteriza o
camponecircs ―eacute somente quando um cultivador esta integrado em uma sociedade com um estado
ndash isto eacute somente quando o cultivador passa a estar sujeito a exigecircncias e sanccedilotildees de
detentores do poder exterior ao seu estrato social ndash que podemos falar propriamente em um
campesinato (WOLF 1976 p 26) Percebe-se assim uma aproximaccedilatildeo histoacuterica entre o
camponecircs e a exploraccedilatildeo do seu trabalho
Arroyo (2009) aponta para o descaso no qual a educaccedilatildeo das populaccedilotildees do campo
esteve submetida historicamente cuja finalidade natildeo ai aleacutem do ensino de teacutecnicas de plantio
e colheita no manuseio da terra Essa visatildeo utilitarista e preconceituosa legitimou os baixos
investimentos as escolas em condiccedilotildees precaacuterias e a pouca formaccedilatildeo dos profissionais
(ARAUacuteJO SILVA 2011) aleacutem disso acirrou a disparidade da escola rural em relaccedilatildeo agrave
escola urbana quando se pensa na qualidade O ensino dos sujeitos do campo foi marcado por
uma condiccedilatildeo humana assentada no pauperismo na exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo da matildeo-de-
obra de forma mais ampla na negaccedilatildeo dos direitos baacutesicos como eacute a educaccedilatildeo
Poreacutem Freire (2012 p 59) os convida a refletir sobre a problemaacutetica e expotildee que
Jaacute deixo claro que nenhuma sociedade se livraraacute desses horrores por decreto
nem tampouco porque um de seus sujeitos fundamentais os dominantes num
gesto amoroso regale uma nova forma de viver aos ―condenados da terra A
superaccedilatildeo desses horrores implica decisatildeo poliacutetica mobilizaccedilatildeo popular
organizaccedilatildeo intervenccedilatildeo poliacutetica lideranccedila luacutecida democraacutetica esperanccedilosa
coerente tolerante
Paulo Freire um dos mais assiacuteduos defensores da Educaccedilatildeo Como Praacutetica da
Liberdade deixa claro que a superaccedilatildeo desse modelo de educaccedilatildeo que aqui podemos associar
a ―educaccedilatildeo bancaacuteria tem como pressuposto intriacutenseco a organizaccedilatildeo da classe trabalhadora
32
dos oprimidos essa libertaccedilatildeo jamais decorreraacute da ―falsa generosidade dos dominadores
(FREIRE 2011)
Esse modelo de educaccedilatildeo representou para escolas rurais grande atraso em relaccedilatildeo ao
processo educativo dos filhos dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo ainda sendo
comum visualizarmos escolas na zona rural em extrema precarizaccedilatildeo O esvaziamento dos
conteuacutedos a distacircncia entre a vida cotidiana dos alunos e o curriacuteculo da escola contribuiu de
forma direta e indiretamente para o abandono da escola pelas crianccedilas seja para ajudarem
seus pais na lida da agricultura ou nas tarefas domeacutesticas Certamente um ―curriacuteculo oculto
(SILVA 2011) contribui para esse processo de pauperismo
A despreocupaccedilatildeo com o trabalho dos sujeitos do campo eacute parte central que
caracteriza a Educaccedilatildeo Rural Haacute uma disparidade uma incongruecircncia muito significativa
entre o dia-a-dia e o que a escola mostra O cotidiano do estudante da escola do campo eacute rico
em diversidades naturais animais relacionais trabalho e no entanto esse cenaacuterio desaparece
no momento em que ele adentra a escola
Destinadas a oferecer conhecimentos elementares de leitura escrita e
operaccedilotildees matemaacuteticas simples mesmo a escola rural multisseriada natildeo tem
cumprido esta funccedilatildeo o que explica as altas taxas de analfabetismo e os
baixos iacutendices de escolarizaccedilatildeo nas aacutereas rurais (RIBEIRO 2012 p 193
apud CALDART et al 2012)
Percebe-se portanto que a Educaccedilatildeo Rural eacute resultado de uma loacutegica opressora natildeo
podendo ser pensada como um acidente metodoloacutegico que por acaso foi de um jeito e que
poderia ter sido de outro modo Pelo contraacuterio esse modelo tinha um propoacutesito uma
finalidade natildeo era neutra assim como nenhuma outra forma de educaccedilatildeo eacute Sabidamente natildeo
era a emancipaccedilatildeo dos sujeitos do campo ou a preparaccedilatildeo para a educaccedilatildeo superior o seu
propoacutesito mas antes as tarefas manuais da agricultura cuja necessidade educacional se
resumia aos anos iniciais do Ensino Fundamental
Freire (2011 p 83) afirma que ―Natildeo eacute de se estranhar pois que nessa visatildeo bancaacuterialsquo
da educaccedilatildeo os homens sejam vistos como seres da adaptaccedilatildeo do ajustamento Essa
educaccedilatildeo que Freire chama bancaacuteria e que serve perfeitamente agrave Educaccedilatildeo Rural esteve
embrionariamente ligada aos interesses dos latifundiaacuterios brasileiros tanto como formaccedilatildeo de
matildeo-de-obra como forma de manter privileacutegios dos ruralistas ao passo que negara a vocaccedilatildeo
33
ontoloacutegica do homem ou seja a vocaccedilatildeo de ser mais ―A escola rural estaacute profundamente
distanciada da realidade do trabalho e da vida dos agricultores uma vez que a educaccedilatildeo tem
sido utilizada pelas classes dominantes para manter a classe trabalhadora rural subordinada
aos seus interesses (RIBEIRO 2010 p 176)
Nesse sentido podemos observar um ―problema no curriacuteculo da educaccedilatildeo rural Esse
problema eacute resultado de interesses a saber ao longo da histoacuteria natildeo vimos em nenhum
horizonte uma accedilatildeo governamental que tivesse a finalidade de proporcionar uma educaccedilatildeo
diferenciada positivamente para os sujeitos do campo Pelo contraacuterio as accedilotildees estiveram
sempre ligadas muito mais aos interesses dos grandes latifundiaacuterios e da classe poliacutetica do
que agraves reais necessidades das populaccedilotildees camponesas
Se olharmos por exemplo o periacuteodo que compreende a deacutecada de 1940 aos anos
1960 veremos que esse interstiacutecio eacute fortemente marcado pelas campanhas de alfabetizaccedilatildeo das
populaccedilotildees camponesas Esse fenocircmeno tem um imperativo como podemos observar na obra
de Saviani (2008 p 316)
O direito de voto contudo estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo o que levou
os governantes a organizar programas campanhas e movimentos de
alfabetizaccedilatildeo de jovens e adultos dirigidos natildeo apenas aos crescentes
contingentes urbanos mas tambeacutem a populaccedilatildeo rural Daiacute o surgimento de
campanhas ministeriais que se estenderam da deacutecada de 1940 ateacute 1963
Vale salientar que essas campanhas tinham como objetivo a educaccedilatildeo elementar nada
que ultrapassasse a fronteira do direito ao voto um exemplo eacute a Campanha Nacional de
Educaccedilatildeo Rural (CNER) Percebemos o quatildeo alarmante era o quadro em que estavam imersas
as populaccedilotildees do campo nesse periacuteodo Nessa mesma conjuntura mas com caraacuteter
eminentemente progressista surgem diversas organizaccedilotildees populares em vaacuterias partes do
paiacutes debatendo e organizando as populaccedilotildees pobres no sentido de conscientizar esses sujeitos
para intervirem conscientemente na poliacutetica e na sociedade brasileira Wanderley (2010 p
85) aponta que
No tempo decisivo citado sobre a emergecircncia dos processos educativos
populares irromperam os movimentos de cultura popular cujo viacutenculo com
os mesmos foram impactantes MCP do Recife de Natal do MEB Meacutetodo
Paulo Freire entre outros Jaacute naquela eacutepoca eles compareciam situados
como movimentos rurais e urbanos Sua influecircncia na poliacutetica da mesma
maneira foi exponencial na linha de pressionar por mudanccedilas de fundo por
34
isso mesmo no Brasil e em outros paiacuteses latino-americanos foram
duramente reprimidos nas ditaduras implantadas
Sobre o caraacuteter educativo dessa mobilizaccedilatildeo Saviani (2008 p 317) nos expotildee o
seguinte
A mobilizaccedilatildeo que toma vulto na primeira metade dos anos 1960 assume
outra significaccedilatildeo Em seu centro emerge a preocupaccedilatildeo com a participaccedilatildeo
poliacutetica das massas a partir da tomada de consciecircncia da realidade brasileira
E a educaccedilatildeo passa a ser vista como instrumento de conscientizaccedilatildeo A
expressatildeo ―educaccedilatildeo popular assume entatildeo o sentido de uma educaccedilatildeo do
povo pelo povo e para o povo pretendendo-se superar o sentido anterior
criticada como sendo uma educaccedilatildeo das elites dos grupos dirigentes e
dominantes pra o povo visando a controlaacute-lo manipulaacute-lo ajustaacute-lo agrave
ordem existente
Nesse panorama histoacuterico eacute salutar ressaltar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire como um
autecircntico representante desse momento histoacuterico Freire esteve preocupado antes de tudo em
inserir um caraacuteter poliacutetico agrave educaccedilatildeo em educar para a conscientizaccedilatildeo e a poliacutetica Daiacute sua
forte defesa da natildeo neutralidade da educaccedilatildeo pensamento oposto agravequele presente no ideaacuterio
da Educaccedilatildeo Rural ele opocircs-se veemente ao manuseio da formaccedilatildeo atrelada aos interesses
das classes opressora
Os espaccedilos populares forjaram grandes pensadores Paulo Freire eacute um desses que
comprova a experiecircncia e a realidade da cotidianidade como geradora de conteuacutedo de
curriacuteculo e como loacutecus para o desenvolvimento de uma praacutetica popular de educaccedilatildeo baseada
na necessidade do sujeito Esse vieacutes foi estrategicamente negligenciado pela Educaccedilatildeo Rural
Esse caraacuteter de uma educaccedilatildeo transformadora e libertaacuteria eacute usado na experiecircncia de
Angicos Estado do Rio Grande do Norte em 1963 onde Paulo Freire desenvolveu seu
―meacutetodo que alfabetizou trabalhadores rurais daquele municiacutepio em um curto intervalo de
tempo Ele e sua equipe ―[] Alfabetiza 300 trabalhadores Este trabalho obteacutem grande
repercussatildeo nacional e internacional Estende a experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN)
e Joatildeo Pessoa (PB) (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012
p146) Nessa experiecircncia o contexto do sujeito assume grande relevacircncia assim como o
trabalho
A concepccedilatildeo de campo na Educaccedilatildeo Rural tambeacutem apresentara um conceito
esvaziado colocado frequentemente como o lugar onde se produzem alimentos para manter a
35
cidade somente Um lugar sem vida anocircnimo anocircmico e anecircmico Essa era e ainda eacute para
muitos o ideaacuterio de campo que predomina em nossa sociedade
Em seu livro Gritti (2003) demonstra que a escola puacuteblica rural foi um
potente instrumento para a expansatildeo do capitalismo no campo brasileiro
trazendo como consequumlecircncia a desestruturaccedilatildeo do modo de vida dos
trabalhadores rurais principalmente seu trabalho os saberes e a cultura que
lhes satildeo proacuteprios (SAVIENI 2008 p 317)
Como jaacute afirmamos na Educaccedilatildeo Rural haacute uma distacircncia muito significativa entre os
conteuacutedos trabalhados em sala de aula e a realidade dos educandos isso eacute potencializado
ainda mais pelo livro didaacutetico e pela formaccedilatildeo do professor que em boa medida natildeo mora no
campo muitas vezes natildeo tem afinidade com aquela realidade e acaba reforccedilando estereoacutetipos
e preconceitos acerca do campo e dos sujeitos (ARAUacuteJO SILVA 2011) Como consequecircncia
desse distanciamento haacute um processo de urbanizaccedilatildeo das escolas do campo ou seja um
transplante da metodologia da escola urbana para a escola rural ou como eacute comum a
deslocaccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos do campo para as escolas da cidade
Segundo Ribeiro (2010) apesar de ter seu reconhecimento no final do Segundo
Impeacuterio a Educaccedilatildeo Rural tem seu desenvolvimento na primeira metade do seacuteculo XX Os
primeiros incentivos a esse modelo de educaccedilatildeo no Brasil se deram durante o Estado Novo
na deacutecada de 1930 Nesse momento essa educaccedilatildeo se dava em boa parte por campanhas de
alfabetizaccedilatildeo Tais campanhas estavam diretamente atreladas aos interesses da incipiente
industrializaccedilatildeo que chegara ao nosso Paiacutes e aos interesses eleitoreiros uma vez que o voto
estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo como exposto anteriormente Ainda segunda a autora a
Educaccedilatildeo Rural estava baseada numa concepccedilatildeo evolucionista que considerava os costumes
e a vida do homem do campo como atrasado e necessaacuterio de ser evoluiacutedo
A partir da deacutecada de 1950 alguns oacutergatildeos satildeo criados com o objetivo de desenvolver
as regiotildees brasileiras que apresentavam maiores iacutendices de pobreza assim surge a
Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) o Instituto Nacional de
Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) a Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria
(SUPRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agraacuterio (INDA) oacutergatildeos federais que
tratariam de questotildees relativas agrave reforma agraacuteria no Brasil (NETO 2007) Esperava-se com
isso a melhoria da vida da populaccedilatildeo do campo brasileiro entretanto muitas dessas agecircncias
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se tornaram loacutecus de corrupccedilatildeo e manutenccedilatildeo de privileacutegios dos grupos dominantes do Norte
e Nordeste
Durante a Ditadura Civil Militar brasileira a educaccedilatildeo das populaccedilotildees camponesas
seguiu a reboque da modernizaccedilatildeo agriacutecola guinando ao sabor do vento da mecanizaccedilatildeo do
campo Essa educaccedilatildeo continuou a ser objeto de manutenccedilatildeo de privileacutegios da burguesia
agraacuteria e de negaccedilatildeo de direitos e emancipaccedilatildeo das populaccedilotildees rurais Na deacutecada de 1980
Carter (2010 p 38) afirma que
Um novo ciclo de mobilizaccedilatildeo por terra irrompeu com forccedila no iniacutecio da
deacutecada de 1980 de modo especial na Regiatildeo Sul Brasil Ele surgiu com o
apoio de uma rede progressista no meio religioso e a assistecircncia de vaacuterios
sindicatos de trabalhadores rurais em um contexto de intensa modernizaccedilatildeo
agriacutecola crescentes demandas na sociedade civil pela restauraccedilatildeo da
democracia e o decliacutenio gradual do regime militar O MST foi instituiacutedo
formalmente e em niacutevel nacional em janeiro de 1984 Um ano mais tarde o
Brasil testemunhou a inauguraccedilatildeo de um movo governo civil
Haacute um pensamento que advoga que durante a Ditadura Civil Militar houve uma
calmaria nos movimentos sociais como jaacute salientamos anteriormente entendemos que houve
na verdade uma censura um silenciamento dos atores sociais dos sujeitos Os movimentos
sociais estavam em luta estavam em formaccedilatildeo o MST por exemplo tem sua gestaccedilatildeo ainda
na deacutecada de 1970 assim como a Comissatildeo Pastoral da Terra ndash CPT que foi criada para
conter a onda de assassinatos de trabalhadores rurais e acabou tendo grande importacircncia na
proteccedilatildeo daqueles sem-terra que lutavam pela redemocratizaccedilatildeo do Brasil (SCOLESE 2008)
Esses movimentos embora natildeo tivessem em sua gecircnese a educaccedilatildeo como foco central jaacute
traziam uma denuacutencia importante e uma necessidade de reversatildeo da situaccedilatildeo negligente a qual
as populaccedilotildees rurais se encontravam
A Educaccedilatildeo Rural ainda eacute um fenocircmeno existente em nossa sociedade natildeo podemos
dizer que ela foi enterrada com o advento do paradigma10
da Educaccedilatildeo do Campo Sabe-se
que os desafios ainda satildeo muitos A educaccedilatildeo das comunidades rurais tem alcanccedilado avanccedilos
10 De acordo com Kuhn (2009) o conceito de paradigma eacute entendido como sendo o conjunto das realizaccedilotildees da
ciecircncia reconhecidas universalmente ou seja o paradigma refere-se a um conjunto de crenccedilas ou premissas
sobre o que se julga verdadeiro Satildeo processos de construccedilatildeo de conhecimentos capazes de elaborar teorias que
servem como ponto de partida para a resoluccedilatildeo de problemas da comunidade e satildeo o referencial para a
elaboraccedilatildeo de novos trabalhos cientiacuteficos
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entretanto ainda haacute muito que avanccedilar A Educaccedilatildeo do Campo eacute uma utopia utopia
necessaacuteria que nas palavras de Paulo Freire citado por Moacir Gadotti (1996 p 732) ―eacute a
dialeacutetica entre o ato de denuacutencia do mundo que se desumaniza e o anuacutencio do mundo que se
humaniza
A Educaccedilatildeo do Campo forjada no bojo dos movimentos de resistecircncia tem sido uma
ferramenta para a classe trabalhadora fazendo o contraponto necessaacuterio ao modelo da nova
pedagogia da hegemonia (NEVES 2005) cujo fulcro tem sido o ideaacuterio privatista
desumanizador e mercantil Eacute nessa concepccedilatildeo que apontamos para a Educaccedilatildeo do Campo
como anunciante de outra possibilidade de educaccedilatildeo esse paradigma vem proporcionando
esperanccedila e ressignificando o sentida da luta pelo direito agrave educaccedilatildeo e agrave vida
23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO
Como externamos a pouco de forma breve a Educaccedilatildeo do Campo tem dado passos
importantes rumo agrave construccedilatildeo de um novo paradigma educacional para as populaccedilotildees do
campo brasileiro Tem feito um tensionamento necessaacuterio ao atual modelo da pedagogia que
tornou-se hegemocircnica que de acordo com Freire (2011) a pedagogia dominante eacute a pedagogia
da classe dominante No entanto muitos afirmam que na realidade as escolas do campo ainda
apresentam problemas estruturais e que mudar o nome dessa educaccedilatildeo natildeo resolveraacute a
questatildeo De fato as escolas do campo ainda apresentam desafios a serem superados
entretanto eacute salutar perceber que algo estaacute acontecendo
Trazer o debate da educaccedilatildeo agrave tona natildeo eacute uma tarefa faacutecil e falar em educaccedilatildeo de
populaccedilotildees historicamente excluiacutedas residentes de uma aacuterea tida como atrasada como eacute
colocado o campo eacute uma tarefa ainda mais complexa Falar de uma educaccedilatildeo ―Para aleacutem do
capital ainda mais nesse tempo eacute sem duacutevida uma tarefa das mais louvaacuteveis A educaccedilatildeo do
Campo tem conseguido essa faccedilanha tem posto em xeque a educaccedilatildeo rural e tem sobretudo
conquistado pela luta sua institucionalidade e seu reconhecimento enquanto um direito da
classe camponesa Nesse sentido a mudanccedila natildeo tem se restringido somente agrave nomenclatura
mas principalmente as conquistas reais
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Trazemos uma indagaccedilatildeo que nos diz muito sobre a questatildeo da educaccedilatildeo das
populaccedilotildees do campo Arroyo Caldart e Molina na 4ordf ediccedilatildeo da obra ―Por uma Educaccedilatildeo do
Campo de 2009 questionam
Interroga-nos porque nem sequer os governos democraacuteticos nem sequer o
movimento educacional progressista conseguiram colocar em seus
horizontes o direito dos camponeses agrave educaccedilatildeo O olhar negativo
preconceituoso do campo e seu lugar no modelo de desenvolvimento seriam
responsaacuteveis A agricultura camponesa vista como sinal de atraso
inferioridade como um modelo de produccedilatildeo de vida e cultura em extinccedilatildeo
Como quebrar o fetiche que coloca o povo do campo como algo agrave parte
(ARROYO CALDART MOLINA 2009 p 11)
Essas questotildees nos ajudam a entender o terreno em que estamos pisando Ele eacute repleto
de contradiccedilotildees eacute delicado por isso mesmo eacute preciso perspicaacutecia para mover-se nesse debate
em que pese os riscos de naturalizaccedilatildeo de fenocircmenos que satildeo histoacutericos e sociais
Para tomarmos como momento histoacuterico a Ditadura Civil Militar Fernandes (2010 p
163) afirma que
O Governo militar tentou minimizar os conflitos de terra com a implantaccedilatildeo
de projetos de colonizaccedilatildeo na Amazocircnia mas essa poliacutetica de fomentar a
migraccedilatildeo camponesa natildeo diminuiu os conflitos por terra na regiatildeo Sul
Sudeste e Nordeste do Paiacutes Desde o iniacutecio o regime militar reprimiu com
violecircncia as accedilotildees dos trabalhadores que reivindicaram seus direitos como o
acesso agrave terra e melhores condiccedilotildees de trabalho
Os conflitos no campo se tornaram uma constante A contraditoacuteria relaccedilatildeo entre
trabalho e capital tornou-se insustentaacutevel (RIBEIRO 2010) a reforma agraacuteria era uma
questatildeo premente Os movimentos sociais do campo retomam a bandeira da necessidade dessa
reforma como direito e sobretudo como paracircmetro de equidade social entre as populaccedilotildees
do campo e da cidade
Com o fim do regime militar nos anos 1980 sobretudo devido agraves pressotildees advindas da
sociedade civil11
os movimentos sociais assumem o protagonismo das lutas em defesa do
11 Para Gramsci diversamente ―sociedade civil designa o conjunto das organizaccedilotildees responsaacuteveis pela
elaboraccedilatildeo eou difusatildeo das ideologias compreendendo o sistema escolar os sindicatos os meios de
comunicaccedilatildeo as instituiccedilotildees de caraacuteter cientiacutefico e artiacutestico etc (COUTINHO 2011 p 25)
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trabalho da terra da educaccedilatildeo Eacute nesse momento que irrompe como um dos principais
protagonistas da luta por uma Educaccedilatildeo do Campo o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) movimento social que para Fernandes (2012 p 496)
Reuacutene em sua base diferentes categorias de camponeses pobres ndash como
parceiros meeiros posseiros minifundiaacuterios e trabalhadores assalariados
chamados de sem terra e tambeacutem diversos lutadores sociais para desenvolver
as lutas pela terra pela Reforma Agraacuteria e por mudanccedilas na agricultura
brasileira
Esse cenaacuterio de exclusatildeo negaccedilatildeo de direitos e luta dos camponeses eacute propiacutecio ao
surgimento de praacuteticas educativas autecircnticas forjadas na proacutepria luta Como nos questiona
Freire (2011 p 42-43) ―Quem melhor que os oprimidos se encontraraacute preparado para
entender o significado terriacutevel de uma sociedade opressora Quem sentiraacute melhor que eles os
efeitos da opressatildeo Quem mais que eles para ir compreendendo a necessidade da
libertaccedilatildeo Nesse processo de luta emerge uma forma alternativa de educaccedilatildeo no campo do
campo e com o campo o que viria a tomar corpo e que hoje chamamos Educaccedilatildeo do Campo
Uma das principais diferenccedilas entre Educaccedilatildeo Rural e Educaccedilatildeo do Campo estaacute na
utilizaccedilatildeo e no propoacutesito dessas duas formas de educar A primeira como vimos estaacute
fortemente atrelada a utilizaccedilatildeo da matildeo-de-obra no trabalho dos latifuacutendios em condiccedilatildeo
humana precaacuteria A Educaccedilatildeo do Campo tem como objetivo a formaccedilatildeo para o trabalho e para
a vida pensa o sujeito em sua amplitude sua autonomia e sua capacidade de decidir Pensa
modelos de desenvolvimento para agricultura que natildeo resida no agronegoacutecio e na economia
de exportaccedilatildeo tatildeo somente mas uma economia solidaacuteria e a pequena propriedade como forma
de sustentabilidade ambiental e social para as populaccedilotildees tradicionais do campo
A pedagogia do oprimido dos excluiacutedos dos tempos de barbaacuterie natildeo estaacute
em encontrar meacutetodos novos para educar os baacuterbaros civilizar os oprimidos
ou incluir os excluiacutedos nos valores e saberes dos ―civilizados mas estaacute em
apreender com o conjunto de processos que os excluiacutedos e oprimidos
reinventam para continuar humanos manter seus valores e seus saberes sua
cultura e memoacuteria coletiva sua identidade e dignidade (ARROYO 2011 p
274)
Desse modo percebe-se uma niacutetida evidecircncia de que os movimentos sociais do campo
desenvolveram uma produccedilatildeo pedagoacutegica que tem como sustento suas proacuteprias necessidades
e seu espaccedilo de luta e trabalho
40
A mobilizaccedilatildeo do MST e outros segmentos da sociedade civil tiveram como resultado
a realizaccedilatildeo do I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agraacuteria ndash
ENERA ndash realizado em Brasiacutelia e promovido pelo Movimento em parceria com a UnB a
Unesco o Unicef e a CNBB em junho de 1997 (RIBEIRO 2010) Como fruto desse encontro
e do acuacutemulo dos movimentos sociais na defesa dos direitos agrave educaccedilatildeo vimos brotar de um
chatildeo ―aacuterido e seco o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) uma das
grandes conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo
O Pronera foi criado em 16 de abril de 1998 num contexto de organizaccedilatildeo e
mobilizaccedilatildeo dos Sem Terra em memoacuteria dos massacres de Corumbiara em Rondocircnia em
1995 e Eldorado dos Carajaacutes no Estado do Paraacute ocorrido em 1996 (SANTOS 2012)
Podemos dizer que a primeira conquista do Movimento de Educaccedilatildeo do Campo foi a
institucionalizaccedilatildeo desse Programa
O Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) eacute uma
poliacutetica puacuteblica do governo federal especiacutefica para a educaccedilatildeo formal de
jovens e adultos assentados da Reforma Agraacuteria e do creacutedito fundiaacuterio e para
a formaccedilatildeo de educadores que trabalham nas escolas dos assentamentos ou
do seu entorno e atendem a populaccedilatildeo assentada (SANTOS 2012 p 629)
Assim podemos afirmar que o Programa eacute na verdade uma conquista pela via da luta
e da organizaccedilatildeo da sociedade camponesa em prol de um direito que eacute a educaccedilatildeo e de uma
necessidade que eacute a formaccedilatildeo de professores para as escolas do campo Como objetivos
gerais o Pronera se pretende a
I ndash oferecer educaccedilatildeo formal aos jovens e adultos beneficiaacuterios do Programa
Nacional de Reforma Agraacuteria (PNRA) em todos os niacuteveis de ensino e aacutereas
do conhecimento
II ndash melhorar as condiccedilotildees de acesso agrave educaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e
III ndash proporcionar melhorias no desenvolvimento dos assentamentos rurais
por meio da formaccedilatildeo e qualificaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e dos
profissionais que desenvolvem atividades educacionais e teacutecnicas nos
assentamentos (BRASIL 2011 p 13)
De acordo com o Decreto Nordm 7352 que dispotildee sobre a poliacutetica de educaccedilatildeo do campo
e o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria ndash Pronera ndash Satildeo beneficiaacuterios do
programa
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I - populaccedilatildeo jovem e adulta das famiacutelias beneficiaacuterias dos projetos de
assentamento criados ou reconhecidos pelo INCRA e do Programa Nacional
de Creacutedito Fundiaacuterio ndash PNFC
II - alunos de cursos de especializaccedilatildeo promovidos pelo INCRA
III - professores e educadores que exerccedilam atividades educacionais voltadas
agraves famiacutelias beneficiaacuterias e
IV - demais famiacutelias cadastradas pelo INCRA
Devido ao seu caraacuteter eminentemente popular o Pronera tem enfrentado barreiras
significativas tanto por parte dos oacutergatildeos de controle como o Tribunal de Contas da Uniatildeo por
exemplo como por setores conservadores da Cacircmara e no Senado Federal sendo a bancada
ruralista o maior expoente dessa oposiccedilatildeo Alem disso dentro das universidades tambeacutem tem
enfrentado desafios no que se refere a permanecircncia dos estudantes
No entanto como afirma Brandatildeo (2009) a Educaccedilatildeo Popular tem como essecircncia a
resistecircncia e a oposiccedilatildeo ao status quo social Como a Educaccedilatildeo do Campo herda demasiado
caraacuteter desse paradigma educacional assim como da pedagogia freireana essas tensotildees e
conflitos representam disputas inerentes ao tecido social
O resultado do I Enera aleacutem da criaccedilatildeo do Pronera teve ainda a inserccedilatildeo definitiva da
Educaccedilatildeo do Campo no cenaacuterio nacional como afirma Roseli Caldart (2012 p 257)
O surgimento da expressatildeo ―Educaccedilatildeo do Campo pode ser datada Nasceu
primeiro como Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo no contexto de preparaccedilatildeo da I
Conferecircncia Nacional por uma Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo realizada em
Luziacircnia Goiaacutes de 27 a 30 de julho de 1998 Passou a se chamar Educaccedilatildeo
do Campo a partir das discussotildees do Seminaacuterio Nacional realizado em
Brasiacutelia de 26 a 29 de novembro de 2002 decisatildeo posteriormente reafirmada
nos debates da II Conferecircncia Nacional realizada em julho de 2004
A Educaccedilatildeo do Campo estaacute embrionariamente ligada aos movimentos sociais eacute a
educaccedilatildeo pensada por esses movimentos e natildeo para eles Desse modo pensar essa educaccedilatildeo
dissociada das praacuteticas e das lutas desses movimentos eacute cair num grande equiacutevoco A
Educaccedilatildeo do Campo tem sido uma ferramenta de luta para a classe trabalhadora do campo
natildeo como pura e simplesmente uma modalidade de ensino mas como um fenocircmeno capaz de
devolver aos sujeitos do campo a sua integraccedilatildeo com seu lugar
A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com
ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento
42
proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica em
que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem absolutizar-se
fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-o a julgar o seu
mundo algo sobre que apenas se acha A sua integraccedilatildeo o enraiacuteza Faz dele na
feliz expressatildeo de Marcel ―um ser situado e datado (FREIRE 1983 p 42)
Desse modo a Educaccedilatildeo do Campo se propotildee a construir coletivamente um
contraponto a um paradigma educacional desumanizado que tem como fulcro os interesses do
mercado capitalista tatildeo somente A esse respeito Jesus (2006 p 51) afirma que
Essa educaccedilatildeo tem na sua origem a necessidade de reinventar as praacuteticas
sociais contra um processo perverso de uma forma hegemocircnica de
globalizaccedilatildeo econocircmica poliacutetica e cultural que impotildee aos diferentes paiacuteses
perifeacutericos e semi-perifeacutericos a reorganizaccedilatildeo das formas de poder de
produccedilatildeo do conhecimento e de desenvolvimento econocircmico e social que
aumenta assustadoramente a perda das autonomias e as desigualdades em
especial entre o povo brasileiro que vive no campo ou eacute excluiacutedo dele
Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo natildeo estaacute acabada eacute pensada a partir das
demandas e necessidades mutaacuteveis que a realidade concreta apresenta Coaduna trabalho e
formaccedilatildeo como partes indissociaacuteveis para a construccedilatildeo do sujeito autocircnomo (SANTOS
2012) Essa Educaccedilatildeo natildeo estaacute paralela aos movimentos sociais ela eacute a educaccedilatildeo desses
movimentos Foi gestada nas lutas por terra nas ocupaccedilotildees nos assentamentos no
enfrentamento das desigualdades sociais Custou vidas e sonhos portanto eacute uma produccedilatildeo
pedagoacutegica autecircntica do movimento de resistecircncia que estaacute muito aleacutem do conceito esvaziado
de educaccedilatildeo dos tempos de produccedilatildeo
Eacute importante destacar que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo natildeo minimiza a
importacircncia dos conteuacutedos e dos conhecimentos historicamente produzidos e acumulados pela
humanidade Natildeo minimiza o curriacuteculo a gestatildeo o planejamento Muito pelo contraacuterio a
Educaccedilatildeo do Campo procurar encher de sentido esses instrumentos que foram esvaziados pela
loacutegica capitalista Busca explicitar o curriacuteculo oculto almeja a gestatildeo democraacutetica e
participativa busca ainda um planejamento no qual os sujeitos e suas realidades e
necessidades tambeacutem sejam parte Nesse sentido a criacutetica feita a Paulo Freire de formular
uma pedagogia sem conteuacutedos eacute hoje dirigida ao paradigma educacional em questatildeo No
entanto essas criacuteticas tecircm partido muito mais de setores burocraacuteticos da sociedade em que
pese natildeo reconheceram a importacircncia e os reais avanccedilos e conquistas dos sujeitos do campo
na contemporaneidade
43
24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS
CONHECIMENTO
A necessidade de uma escola que respeite os saberes dos sujeitos forjados no trabalho
com a terra cujos direitos em boa medida o Estado lhes cerceou historicamente eacute
fundamental para o debate da Educaccedilatildeo do Campo Indubitavelmente a metodologia que
melhor compactua trabalho e formaccedilatildeo e cujo assento reside na relevacircncia das praacuteticas
culturais inerentes aos sujeitos do campo eacute a Pedagogia da Alternacircncia
Entendemos que a Pedagogia da Alternacircncia precisa ser situada dentro da perspectiva
do multiculturalismo12
do curriacuteculo Eacute uma proposta natildeo hegemocircnica utilizada pelos
movimentos sociais que se articulam na Via Campesina13
e que procura coadunar trabalho e
educaccedilatildeo o que sem duacutevida configura um dos maiores desafios da educaccedilatildeo na
contemporaneidade A inclusatildeo das praacuteticas dos trabalhadores nos conteuacutedos e metodologias
da escola eacute importante natildeo somente como forma de respeito mas como ferramenta de
equiparaccedilatildeo e permanecircncia desses sujeitos na escola
Segundo Ribeiro (2012) a Pedagogia da Alternacircncia tem origem com as Casas
Familiares Rurais (CFRlsquos) na Franccedila e com as Escolas Familiares Rurais (EFAlsquos) na Itaacutelia
―Pode-se dizer que eacute uma alternativa metodoloacutegica de formaccedilatildeo profissional agriacutecola para
jovens inicialmente do sexo masculino filhos de agricultores franceses (idem 2012 p 293)
Outra raiz histoacuterica ainda segundo a autora estaacute nas experiecircncias de trabalho e educaccedilatildeo
efetivadas na Ruacutessia poacutes-revolucionaacuteria de 1917 Expostas essas duas matrizes histoacutericas os
movimentos camponeses que pautam a educaccedilatildeo do campo no Brasil tendem a se filiarem
em sua maioria a essa segunda concepccedilatildeo histoacuterica
12 Multicultural eacute um termo qualificativo Descreve as caracteriacutesticas sociais e os problemas de governabilidade
apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma
vida em comum ao mesmo tempo em que reteacutem algo de sua identidade original Em contrapartida o termo
multiculturalismo e substantive Refere-se as estrateacutegias e politicas adotadas para governar ou administrar
problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais E usualmente utilizado no
singular significando a filosofia especifica ou a doutrina que sustenta as estrateacutegias multiculturais
Multicultural entretanto eacute por definiccedilatildeo plural (HALL 2009 p 52)
13 Criada em 1992 a Via Campesina eacute uma organizaccedilatildeo mundial que articula movimentos sociais que lutam pela
terra Entre seus objetivos a solidariedade eacute o mais presente A Via condena o modo predatoacuterio de produccedilatildeo
cujo objetivo se resume a exportaccedilatildeo condena a nomocultura o uso excessivo de agrotoacutexicos que satildeo
caracteriacutesticas do modelo de produccedilatildeo do agronegoacutecio (FERNANDES 2012)
44
Ela [a pedagogia da alternacircncia] brota do desejo de natildeo cortar raiacutezes Eacute uma
das pedagogias produzidas em experiecircncias de escolas do campo em que o
MST se inspirou Busca integrar a escola com a famiacutelia e a comunidade do
educando No nosso caso ela permite uma troca de conhecimento e o
fortalecimento dos laccedilos familiares e do viacutenculo dos educandos com o
assentamento ou acampamento o MST e a terra (CALDART 2009 p 104
Com grifos do autor)
Essa pedagogia natildeo foi gestada nas universidades ela natildeo envolve nem pesquisadores
nem docentes (RIBERIRO 2010) Eacute uma proposta que busca garantir interligaccedilatildeo entre dois
espaccedilos instituiccedilotildees de ensino e atividades de trabalho comum aos agricultores Esse meacutetodo
estaacute diretamente ligado agrave concepccedilatildeo de trabalho e educaccedilatildeo pautado pelos pensadores
marxistas que entendem que o trabalho tem em si um princiacutepio educativo capaz de garantir
uma formaccedilatildeo omnilateral pensamento esse tambeacutem advogado por Paulo Freire e educadores
criacuteticos do Brasil
A alternacircncia se divide em dois momentos o Tempo Escola (TE) em que os
educandos permanecem de duas semanas a dois meses dependendo do curso no espaccedilo da
escola em regime de internato e o Tempo Comunidade (TC) momento no qual os educandos
retornam agraves suas propriedades familiares ou agraves comunidades ou aos assentamentos ou ainda
aos acampamentos para colocarem em praacutetica os conhecimentos que foram objeto de estudo
no TE (RIBEIRO 2010)
Mais que uma caracteriacutestica de sucessotildees repetidas de sequumlecircncia a
alternacircncia enquanto princiacutepio pedagoacutegico visa desenvolver na formaccedilatildeo
dos jovens situaccedilotildees em que o mundo escolar se posiciona em interaccedilatildeo com
o mundo que o rodeia Buscando articular universos considerados opostos ou
insuficientemente interpenetrados ndash o mundo da escola e o mundo da vida a
teoria e a praacutetica o abstrato e o concreto ndash a alternacircncia coloca em relaccedilatildeo
diferentes parceiros com identidades preocupaccedilotildees e loacutegicas tambeacutem
diferentes (SILVA 2000 p 16)
Esse modelo de se fazer educaccedilatildeo pode ter um papel determinante no combate ao
processo nefasto que vem cerceando o direito dos povos do campo a terem acesso agrave educaccedilatildeo
de qualidade sem sair do campo em que pese agrave poliacutetica de nucleaccedilatildeo a qual temos
testemunhado na atualidade Esse processo tem a finalidade de diminuir custos com a
formaccedilatildeo dos filhos dos agricultores que satildeo deslocados para uma escola-nuacutecleo
normalmente localizada na cidade (Ribeiro 2010)
45
A Pedagogia da Alternacircncia compartilha saberes acadecircmico e aqueles advindos do
cotidiano do trabalho na agricultura na pesca nas florestas nos quilombos e em uma
infinidade de espaccedilos que o conceito de campo compreende na contemporaneidade Nesse
sentido a leitura de mundo dos sujeitos tem papel de destaque nessa pedagogia Para Freire
(1983) ―basta ser homem para ser capaz de captar os dados da realidade Para ser capaz de
saber ainda que seja este saber meramente opinativo daiacute que natildeo haja ignoracircncia absoluta
nem sabedoria absoluta (p105) Outro fator importante eacute entender a situaccedilatildeo concreta do
sujeito no mundo como determinante para sua accedilatildeo (FREIRE 2011)
Desse modo compreendemos o curriacuteculo da Educaccedilatildeo do Campo neste trabalho
baseado na Pedagogia da Alternacircncia que uma vez partilhada entre tempo escola e tempo
comunidade significa uma possibilidade de associaccedilatildeo entre trabalho e formaccedilatildeo Essa
metodologia proporciona ainda uma maior aproximaccedilatildeo entre escola e comunidade de modo
a estreitar a dicotomia estabelecida entre teoria e praacutetica No Tempo Escola aleacutem da
aquisiccedilatildeo dos conteuacutedos eacute tambeacutem o momento de pensar sobre a loacutegica o sentido e o valor
social desses conteuacutedos No Tempo Comunidade busca-se a continuidade atraveacutes da praacutexi
dos conhecimentos adquiridos na escola Para melhor esclarecer esse processo vejamos a
seguinte citaccedilatildeo
No Tempo Escola os educandos formam um coletivo muitas vezes oriundos
de diferentes comunidades que ao trazer questotildees reflexotildees
problematizaccedilotildees das suas localidades especiacuteficas ampliam o processo de
reflexatildeo sobre as realidades do campo confrontando as muacuteltiplas situaccedilotildees
que as compotildeem No Tempo Comunidade cada educando individualmente
ou em pequenos grupos deve reafirmar seu envolvimento com sua
comunidade desenvolvendo nela as atividades de pesquisa reflexatildeo
problematizaccedilatildeo e em alguns casos intervenccedilatildeo Dessa forma cria-se um
novo coletivo de accedilatildeo (educando ndash comunidade) que permite inclusive a
participaccedilatildeo indireta do conjunto da comunidade no processo educativo
reforccedilando a relaccedilatildeo escola ndash comunidade (ANTUNES-ROCHA MARTINS
2011 p 226)
Fica evidente que haacute uma aproximaccedilatildeo entre os dois momentos e que ambos satildeo
formativos Aleacutem disso se coloca de forma expliacutecita o trabalho com as experiecircncias e
multiplicidades de culturas que os povos do campo trazem consigo com o outro e com
mundo
46
As peculiaridades da Educaccedilatildeo do Campo natildeo podem ser entendidas como adaptaccedilotildees
ou como modelo da educaccedilatildeo hegemocircnica antes deve ser entendida com autenticidade Sua
organizaccedilatildeo portanto natildeo pode se pautar na educaccedilatildeo urbana adaptada ao campo mas sim
uma educaccedilatildeo proacutepria desse campo Suas conquistas foram arrancadas do seio da educaccedilatildeo
posta historicamente uma educaccedilatildeo que jamais destinou espaccedilo em seu curriacuteculo agraves
vivecircncias agrave leitura de mundo dos sujeitos ou ao trabalho agriacutecola desempenhado pelos povos
do campo14
Verificamos portanto o surgimento desse paradigma metodoloacutegico natildeo como uma
criaccedilatildeo academicista mas como uma necessidade de um modelo ou uma metodologia que
coadune formaccedilatildeo escolar e trabalho praacutetico A Pedagogia da Alternacircncia se confunde com a
proacutepria Educaccedilatildeo do Campo visto que ela natildeo foi uma formalidade acadecircmica pensada e
pesquisada para as populaccedilotildees campesinas ainda que tenha grandes contribuiccedilotildees de
pesquisadores das universidades ela surgiu da necessidade dos proacuteprios trabalhadores e
trabalhadoras do campo
Entendendo as dimensotildees poliacuteticas e ideoloacutegicas das quais o curriacuteculo estaacute permeado
os movimentos sociais do campo foram categoacutericos em apontar para a alternacircncia como
sustentaccedilatildeo da sua praacutetica educativa Assim como eacute salutar diferenciarmos Educaccedilatildeo do
Campo de Educaccedilatildeo Rural sempre que formos chamados a refletir sobre a educaccedilatildeo destinada
agraves populaccedilotildees camponesas tambeacutem eacute importante externar a diferenccedila que haacute de forma mais
decomposta entre o curriacuteculo desses dois paradigmas de se pensar o ensino Ribeiro (2010)
fazendo uma diferenciaccedilatildeo entre os dois modelos curricular aponta
[] 3ordm) Curriacuteculo objetivos e metodologia da escola rural estatildeo direcionados
para o sistema de produccedilatildeo de mercadorias no qual o proacuteprio ser humano eacute
uma mercadoria que pode ser descartaacutevel e flexiacutevel em tempos de desemprego
estrutural e tecnoloacutegico Para a escola baacutesica do campo a memoacuteria das lutas e
das experiecircncias produtivistas constitui-se na base curricular em que se
articulam a produccedilatildeo da vida dos alimentos da sociedade e da ciecircncia Em
14 Nesse momento eacute salutar esclarecer que ao nos referimos a sujeitos do campo estamos tratando de sujeitos
concretos de assentamentos aacutereas indiacutegenas quilombolas pescadores povos que tiram sua subsistecircncia das
florestas e toda a abrangecircncia que o termo campo engloba na contemporaneidade Os sujeitos do campo satildeo
antes de tudo cidadatildeo concretos que contribuem social econocircmico e culturalmente para com as melhorias e
avanccedilos que tivemos em nosso paiacutes
47
contraposiccedilatildeo ao conhecimento cientiacutefico que expulsa e subordina os
agricultores a proposta dos movimentos sociais populares ruraisdo campo
pensa a produccedilatildeo do conhecimento a partir das experiecircncias dos agricultores
articulando tais experiecircncias com o conhecimento cientiacutefico e tecnoloacutegico
socialmente produzido (RIBEIRO 2010 p 197)
Nesse sentido o curriacuteculo da escola do campo pretendido pelos movimentos sociais eacute o
que se adeacutequa agrave vida e ao trabalho das populaccedilotildees do campo e melhor intercala formaccedilatildeo
escolar cotidiano e cultura camponesa A proposta pedagoacutegica da alternacircncia tem sido o
caminho percorrido na busca da formulaccedilatildeo de um curriacuteculo democraacutetico e que atenda de
forma satisfatoacuteria as expectativas da Educaccedilatildeo do Campo
Ainda que tenhamos apontados os pontos positivos da Pedagogia da Alternacircncia
precisamos refletir sobre aspectos que tecircm se apresentado como preocupantes dialogaremos
melhor sobre as criacuteticas a essa proposta quando estivermos analisando o curriacuteculo do curso
Pedagogia da Terra pois seraacute mais faacutecil exemplificar essas preocupaccedilotildees Adiantamos que haacute
uma grande dificuldade em estabelecer a matildeo dupla entre escolauniversidade e comunidades
Tempo Escola e Tempo Comunidade tambeacutem tecircm ocorrido de forma bastante diferente do
que se pretende mas isso veremos mais adiante
25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS
DA EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO
Nesse momento eacute salutar externarmos alguns avanccedilos que o Movimento de Educaccedilatildeo
do Campo vem conseguindo nessa empreitada de lutas diaacuterias que tem travado contra o
Estado de classe que predomina em nossa sociedade Eacute importante destacar que as conquistas
ateacute aqui alcanccediladas satildeo de meacuterito da resistecircncia que os povos do campo tecircm empreendido ao
longo dos anos na busca pela garantia dos seus direitos os quais a historia nos mostra que
foram cerceados ou negados ao longo dos tempos
O trabalho precaacuterio a espoliaccedilatildeo sofrida pelos camponeses e pelas camponesas satildeo
marcas visiacuteveis de uma sociedade excludente e atrasada Sendo assim a organizaccedilatildeo dessas
populaccedilotildees tradicionais eacute antes de tudo um direito tendo em vista a legitimidade de lutar
contra a opressatildeo A sociedade tem uma diacutevida com esses grupos portanto
48
cronologicamente estaacute na hora de assumir essa responsabilidade no sentido de garantir os
direitos baacutesicos e fundamentais aos sujeitos do campo
A aprovaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da educaccedilatildeo nacional 40241961
fora norteada pela discussatildeo entre defensores da educaccedilatildeo puacuteblica e os da escola particular e
natildeo traz avanccedilos significativos agraves populaccedilotildees trabalhadoras do campo a Lei eacute uma ―meia
vitoacuteria na voz de Aniacutesio Teixeira ―mas vitoacuteria (SAVIANI 2008) A Lei 402461 ainda
apresentara em seu acircmago uma orientaccedilatildeo pela adaptaccedilatildeo do ao meio numa clara alusatildeo a
uma visatildeo civilizatoacuteria e evolucionista do sujeito do campo (MEC 2002)
A Lei nordm 4024 de dezembro de 1961 resultou de um debate que se prolongou
durante 13 anos gerando expectativas diversas a respeito do avanccedilo que o
novo texto viria a representar para a organizaccedilatildeo da educaccedilatildeo nacional O
primeiro anteprojeto e os demais substitutivos apresentados deram visibilidade
ao acirrado embate que se estabeleceu na sociedade em torno do tema O
anteprojeto elaborado pelo GT indicado sob a orientaccedilatildeo do Ministro
Clemente Marianne representou o primeiro esforccedilo de regulamentaccedilatildeo do
previsto na Carta Magna (1946) Este aleacutem de reforccedilar o dispositivo
constitucional expressa as mudanccedilas que perpassavam a sociedade em seu
conjunto Logo em seguida diversos substitutivos entre os quais os que foram
apresentados por Carlos Lacerda redirecionaram o foco da discussatildeo
Enquanto o primeiro anteprojeto se revelava afinado com as necessidades
educacionais do conjunto da sociedade dando ecircnfase ao ensino puacuteblico a
maior parte desses substitutivos em nome da liberdade representavam os
interesses das escolas privadas (MEC 2002 p 25-26)
Em 11 de agosto de 1971 eacute sancionada a Lei 5692 que fixara diretrizes e bases para
o ensino de 1ordm e 2ordm grau e de outras providecircncias (MEC 2002 p 27) Alguns entendem
como a segunda LDB e outros vecircm como a 402461 com algumas adequaccedilotildees A Lei
propotildee ajustamento agraves diferenccedilas culturais das diferentes regiotildees Tambeacutem prevecirc a
adequaccedilatildeo do periacuteodo de feacuterias agrave eacutepoca de plantio e colheita de safras No entendo em boa
medida reafirma o caraacuteter da LBD anterior apontando para a necessidade de adaptaccedilatildeo do
camponecircs agrave terra
Para Saviani (2008) e Porto (2007) a Lei nordm 569271 teve funccedilatildeo ideoloacutegica no
sentido de dar sustentaccedilatildeo ao periacuteodo de secessatildeo democraacutetica no qual o Brasil iniciara no
ano de 1964 Nesse periacuteodo o Governo autoritaacuterio buscava uma maior inserccedilatildeo nos estados
mais pobres do Brasil com ecircnfase no Norte e Nordeste Desse modo em muitos casos essa
lei teve um caraacuteter muito mais de instrumento poliacutetico do governo do que propriamente
49
educacional Segundo os autores a lei 569271 foi promulgada sob a eacutegide da estrateacutegia do
―autoritarismo triunfante
A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496 representou um avanccedilo
significativo para a educaccedilatildeo dos povos do campo sobretudo no que se refere agrave
especificidade desses sujeitos Em seu artigo 28 podemos observar que
Na oferta da Educaccedilatildeo Baacutesica para a populaccedilatildeo rural os sistemas de Ensino
promoveratildeo as adaptaccedilotildees necessaacuterias agrave sua adequaccedilatildeo agraves peculiaridades da
vida rural e de cada regiatildeo especialmente
I- conteuacutedos curriculares e metodologias apropriadas agraves reais necessidades e
interesses dos alunos na zona rural
II- organizaccedilatildeo escolar proacutepria incluindo adequaccedilatildeo do calendaacuterio escolar agraves
fases do ciclo agriacutecola e agraves condiccedilotildees climaacuteticas
III- adequaccedilatildeo agrave natureza do trabalho na zona rural
Os avanccedilos que temos observado sobretudo a partir da primeira deacutecada do seacuteculo
XXI do ponto de vista institucional se devem em grande medida agrave organizaccedilatildeo das
populaccedilotildees do campo e agrave resistecircncia histoacuterica que tem caracterizado essa populaccedilatildeo
Fruto de um novo cenaacuterio poliacutetico social e econocircmico a primeira deacutecada do Seacuteculo
XXI apresenta avanccedilos significativos sobretudo nas aacutereas sociais e educacionais ainda que
fortemente atrelados agraves poliacuteticas neoliberais da deacutecada de 1990
A Resoluccedilatildeo CNECEB 1 de 342002 portanto institui as Diretrizes
operacionais para a educaccedilatildeo baacutesica nas escolas do campo Nessa
resoluccedilatildeo percebe-se o reconhecimento de que a escola do campo tem uma
identidade vinculada agrave realidade na qual estaacute inserida [] Ao mesmo tempo
ressalta a importacircncia da educaccedilatildeo para o exerciacutecio pleno da cidadania e para
um desenvolvimento do paiacutes que consiste na solidariedade e a justiccedila social
envolvendo as populaccedilotildees rurais e urbanas (RIBEIRO 2010 p 191)
As Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo do Campo procura englobar o
entendimento de campo isto eacute o que entes era entendido como lugar de plantar passa por
uma ampliaccedilatildeo que vai de comunidades remanescente de quilombos comunidades indiacutegenas
pescadores assentados da reforma agraacuteria aacutereas ribeirinhas comunidades sem-terra e seus
sujeitos agregados caboclos meeiros entre outras (RIBEIRO 2010)
O campo nesse sentido mais do que um periacutemetro natildeo urbano eacute um campo de
possibilidades que dinamizam as ligaccedilotildees dos seres humanos e com a proacutepria produccedilatildeo das
condiccedilotildees da existecircncia social (MEC 2002) Nesse sentido as reivindicaccedilotildees por poliacuteticas
50
puacuteblicas para esses povos assim como a valorizaccedilatildeo e reconhecimento dos seus saberes e
praacuteticas passa a ser foco subjacente desse novo periacuteodo
A aprovaccedilatildeo das Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo Baacutesica nas Escolas do
Campo eacute o resultado das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que lutam por educaccedilatildeo de
qualidade e vida digna para os povos do campo com destaque para o MST A aprovaccedilatildeo das
Diretrizes tem a contribuiccedilatildeo de vaacuterias organizaccedilotildees sociais comprometidas com as
transformaccedilotildees que a contemporaneidade enseja Satildeo Movimentos Sociais Conselhos
Estaduais e Municipais de Educaccedilatildeo Uniatildeo Nacional dos Dirigentes Municipais de Educaccedilatildeo
(UNDIME) universidades e instituiccedilotildees de pesquisa o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel Organizaccedilotildees Natildeo Governamentais e diversos outros
setores engajados em projetos direcionados para o desenvolvimento socialmente justo no
espaccedilo diverso e multilateral do campo (MEC 2002)
Podemos observar que as Diretrizes Operacionais para as Escolas do Campo vieram
como subsiacutedio e reforccedilam agrave LDB 939496 que jaacute estabelecera normas especiacuteficas agrave Educaccedilatildeo
do campo como podemos ler no artigo 5ordm das Diretrizes Operacionais das Escolas do campo
As propostas pedagoacutegicas das escolas do campo respeitadas as diferenccedilas e o
direito agrave igualdade e cumprindo imediata e plenamente o estabelecido nos
artigos 23 26 e 28 da Lei 9394 de 1996 contemplaratildeo a diversidade do
campo em todos os seus aspectos sociais culturais poliacuteticos econocircmicos de
gecircnero geraccedilatildeo e etnia( LDB 1996 p 23)
O processo de normatizaccedilatildeo eacute sem duacutevida de suma importacircncia para a garantia do
direito No entanto sabe-se que esse direito eacute demasiado abstrato enquanto natildeo eacute usufruiacutedo
Sabemos ainda que como escreveu Freire (2012) natildeo seraacute por decreto que a sociedade se
livraraacute dos horrores e das grandes desigualdades que a afligem A Associaccedilatildeo Nacional pela
Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo (ANFOPE 2010 p 90) ratifica que ―natildeo seraacute a
implementaccedilatildeo de novas leis que asseguraraacute as mudanccedilas necessaacuterias na educaccedilatildeo poreacutem a
legislaccedilatildeo reflete o campo de forccedilas que contorna as disputas pela sua criaccedilatildeo implementaccedilatildeo
e controle Sabemos ainda que esse eacute um passo de suma importacircncia para a conquista dos
objetivos ensejados
51
3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO
CAMPO
ldquoOs socialistas estatildeo aqui para lembrar ao mundo que em
primeiro lugar devem vir as pessoas e natildeo a produccedilatildeo As pessoas
natildeo podem ser sacrificadas Nem tipos especiais de pessoas ndash os
espertos os fortes os ambiciosos os belos aqueles que podem um
dia vir a fazer grandes coisas ndash nem qualquer outra
Especialmente aquelas que satildeo apenas pessoas comunsrdquo
Eric Hobsbawm (1992)
Os avanccedilos no tocante a Educaccedilatildeo do Campo satildeo notoacuterios O movimento ganhou
corpo e a resistecircncia organizada obteve conquistas e melhorias significativas agraves populaccedilotildees
tradicionais do campo brasileiro em que pese reconhecermos o esquecimento ao qual boa
parte dos sujeitos do campo ainda estatildeo imersos Batista (2009 p 207) afirma que ―no Brasil
a educaccedilatildeo enquanto poliacutetica de estado tem sido instrumentalizada pelo projeto histoacuterico
capitalista e seus poderes hegemocircnicos para atender aos seus interesses
Em contraponto a esse modelo de desenvolvimento e de sociedade os movimentos
sociais tecircm se organizado no sentido de garantir uma agente propositiva para os setores
historicamente colonizados
No contexto atual do capitalismo mundializado em que apesar da crise
estrutural predomina a hegemonia do capital na produccedilatildeo econocircmica social
poliacutetica e nas poliacuteticas de educaccedilatildeo a educaccedilatildeo dos movimentos se afigura
como instituinte orgacircnica de um projeto de sociedade e que tem como fim a
formaccedilatildeo humana o sujeito histoacuterico que constroacutei pela luta e resistecircncia a
emancipaccedilatildeo social e dos seres humanos como um devir como uma
possibilidade de construir uma nova sociedade (BATISTA 2009 p 208)
A educaccedilatildeo pautada pelos movimentos sociais do campo tecircm se afinado em muito
com o projeto contra-hegemocircnico de sociedade Tem feito um enfretamento necessaacuterio ao
modelo neoliberal de educaccedilatildeo que tem propagado abertamente o fim das alternativas
afirmando deliberadamente que natildeo haacute opccedilatildeo fora do paradigma globalizado O papel dos
movimentos tecircm sido mostrar justamente o contraacuterio O Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do
52
Campo encontra eco no seio da Pedagogia Paulo Freire cujo sentido tem sido inventado e
reinventado nos muitos exemplos e na diversidade de experiecircncias pelo Brasil
Desse modo o paradigma contra-hegemocircnico natildeo eacute uma criaccedilatildeo do imaginaacuterio de
idealistas mas eacute antes uma possibilidade concreta que nos permeia como assinala Gadotti
(1999 p 268)
A educaccedilatildeo popular e socialista natildeo eacute uma ideacuteia abstrata nem uma utopia
pedagogista Ela se encontra em desenvolvimento entre noacutes por exemplo no
proacuteprio processo de resistecircncia e de luta pela superaccedilatildeo das desigualdades
Nesse momento histoacuterico no Brasil ela constitui-se um instrumento dessa
luta
A necessidade em uma educaccedilatildeo alternativa que assuma a classe oprimida como
resultado de um processo histoacuterico vai de encontro agrave educaccedilatildeo pretendida pelo Estado Uma
educaccedilatildeo libertadora que consiga enxergar a realidade do sujeito como geradora de conteuacutedo
que entenda a situaccedilatildeo de pobreza e miseacuteria fora do determinismo religioso e que sobretudo
aponte saiacutedas e possibilidades de liberdade para o ser eacute necessaacuteria e urgente A escola tornou-
se importante instrumento de difusatildeo da pedagogia da hegemonia ou pedagogia da
conservaccedilatildeo e concomitantemente em veiacuteculo que limita e emperra a construccedilatildeo e a
veiculaccedilatildeo de uma pedagogia da contra-hegemonia (NEVES 2005)
A contemporaneidade nos mostra que o discurso de negaccedilatildeo do acesso agrave educaccedilatildeo por
parte do Estado jaacute natildeo se sustenta com tanto vigor Eacute preciso nesse momento em que haacute um
forte discurso sobre acesso e permanecircncia sobretudo de estudantes da classe trabalhadora
pensar a quem interessa esse ensino e retomar a claacutessica questatildeo a serviccedilo de que e de quem
estaacute tal ensino Tendo em vista o atual estado de vigecircncia da pedagogia da hegemonia Rossi
(1980) afirma que quanto mais educaccedilatildeo nesse sentido [da hegemonia] tanto mais
conformidade isto eacute mais a sociedade permaneceraacute conforme o modelo vigente Ou ainda
mais claramente quanto mais conformaccedilatildeo e conformidade tanto mais educaccedilatildeo
Assim partindo do pressuposto que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo bebe da
heranccedila da Pedagogia Paulo Freire essa dialogicidade entre as concepccedilotildees tem feito um
tensionamento importante e necessaacuterio ao atual modelo que a sociedade adquiriu com o
advento do neoliberalismo A educaccedilatildeo criacutetica eacute cada vez mais urgente sobretudo em tempos
53
de massificaccedilatildeo em que se apregoa a universalizaccedilatildeo do ensino escolarizado como a meta do
seacuteculo
Por fim entendemos que a educaccedilatildeo seja pra todos e todas afinal eacute um direito
humano fundamental mas que ela natildeo cegue natildeo reduza a capacidade de pensar e agir mas
sim que tenha a capacidade de injetar acircnimo e esperanccedila no camponecircs na camponesa no
desempregado e na desempregada na crianccedila no jovem e no idoso O cerne dessa educaccedilatildeo
encontra-se na pedagogia freireana nas praacuteticas da Educaccedilatildeo do Campo no Movimento Sem
Terra e em vaacuterios outros espaccedilos que dialogam com a Educaccedilatildeo Popular
31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO ATUAL DEBATE DA
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM
Partindo do pressuposto inicial desta pesquisa em que pensaacutevamos qual a
contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo
Chegamos a alguns pontos centrais desta reflexatildeo A contemporaneidade do debate da
Educaccedilatildeo do Campo nos aponta para uma perspectiva dialoacutegica entre a Pedagogia Paulo
Freire e os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo Haacute uma indissociabilidade entre ambas Sendo
a primeira portadora da essecircncia que alimenta a segunda satildeo por conseguinte pedagogias
que se complementam (SILVA FILHO PORTO 2012)
Em um tempo em que a educaccedilatildeo criacutetica libertadora e preocupada com questotildees
poliacuteticas sociais e histoacutericas tornou-se ―alieniacutegena caduca e ―comunista de postura
antiquada ou idealista cabe um questionamento faz sentido insistir na divulgaccedilatildeo de ideias
contra-hegemocircnicas da Educaccedilatildeo do Campo e de Paulo Freire no atual mercado da poacutes-
modernidade Essa eacute uma pergunta que Nosela (2010) faz acerca de Gramsci na atualidade e
que nos serve de paracircmetro para o debate
Eacute importante situar a pedagogia freireana dentro de uma loacutegica de contraponto a todo
o modelo neoliberal que se tornou hegemocircnico na educaccedilatildeo de fins do seacuteculo XX e iniacutecio do
seacuteculo XXI O pensamento de Paulo Freire assim como de outros pedagogos de matriz
socialista como Pistrak e Makarenko tem contribuiacutedo grandemente com o atual Movimento
de Educaccedilatildeo do Campo
54
Tanto a pedagogia freireana como a Educaccedilatildeo do Campo se coadunam como meios
de resistecircncia a um ―capitalismo lean and mean que nas palavras de Dowbor15
estaacute impelido
pelas proacuteprias regras de eficiecircncia e que portanto deixa pouco espaccedilo para refletir sobre
valores
Uma economia que natildeo se torna capaz de programar-se em funccedilatildeo das
necessidades do ser humano e que ―convive fria e indiferentemente com a
miseacuteria e a fome de milhotildees a quem tudo eacute negado natildeo merece meu respeito
de educador mas sobretudo meu respeito de gente (FREIRE 2012 p 36)
Eacute exatamente sobre a necessidade de revitalizar palavras como valor eacutetica
solidariedade felicidade e humanizaccedilatildeo que estamos discorrendo O monopoacutelio capitalista
ressignificou todas essas palavras e lhes esvaziou seus sentidos resumindo-as basicamente ao
poder de compra o que Ball (2011) denominou de democracia do consumo Entretanto uma
pedagogia que faccedila o caminho oposto a esse que impregne sentido e identidade aos homens e
mulheres que lhes devolva o direito de optar e decidir (FREIRE 2012) e que forme o sujeito
em sua plenitude eacute o assento dessa pedagogia que estamos pautando eacute o assento portanto da
Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do campo
Natildeo cabe o fatalismo e o determinismo como norteadores do pensamento dos sujeitos
O poder de natildeo se resignar perante situaccedilotildees concretas de opressatildeo eacute uma das maiores
contribuiccedilotildees de Freire ao atual debate da Educaccedilatildeo do Campo
Como vimos a historiografia mostra que no Brasil o periacuteodo que compreende os anos
1950 e 1960 eacute identificado como populismo periacuteodo que esteve voltado agrave construccedilatildeo de um
projeto de desenvolvimento econocircmico nacional (RIBEIRO 2010) A economia brasileira
ainda apresentava-se essencialmente agraacuteria e produtora de mateacuterias-primas Politicamente o
suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 a posse de Juscelino Kubitschek em 1956 a renuacutencia de
Jacircnio Quadros em 1961 e o Golpe Militar de 1964 proporcionaram um cenaacuterio de mudanccedilas
que caracterizam uma ―sociedade em tracircnsito (FREIRE 1983) e rica em organizaccedilotildees
populares
15 Prefaacutecio ao livro ―Agrave sombra desta mangueira (Paacuteg 18)
55
Eacute nessa complexidade que a gecircnese do pensamento de Paulo Freire emerge Surge das
contradiccedilotildees da sociedade brasileira sociedade essa governada por uma elite conservadora e
detentora de privileacutegios na qual o homem simples domesticado e alienado eacute forccedilado a viver
como objeto esmagado e oprimido pela sombra da marginalizaccedilatildeo e da dependecircncia
(FREIRE 2011)
Nesse momento histoacuterico Paulo Freire identificou um modelo de ensino que servia
justamente para a manutenccedilatildeo do estado de miseacuteria e analfabetismo em que grande parte da
populaccedilatildeo do campo e da cidade se encontrava A esse ensino Freire chamou de educaccedilatildeo
bancaacuteria abordado na obra de sua autoria Pedagogia do Oprimido Esse modelo de ensino
estaacute muito aqueacutem da realidade dos sujeitos Eacute um paradigma desinteressado com as questotildees
referentes ao dia-a-dia dos sujeitos do seu trabalho dos seus sonhos da vida praacutetica
No sentido oposto a concepccedilatildeo bancaacuteria de educaccedilatildeo a Pedagogia Paulo Freire se
realiza e materializa respeitando os sujeitos simples o ―saber de experiecircncia feito desses
sujeitos Aleacutem disso busca entender a realidade como geradora de conteuacutedos de curriacuteculo A
relaccedilatildeo eacute dialeacutetica e dialoacutegica eacute uma relaccedilatildeo entre educador educando e o mundo (FREIRE
2011) Esse paradigma se assemelha de forma demasiada com a concepccedilatildeo atual da Educaccedilatildeo
do Campo que por sua vez estaacute diretamente ligada a realidade que lhe produziu ou seja a
necessidade e a luta por direitos historicamente negados e tem em sua gecircnese a resistecircncia
dos movimentos sociais camponeses (CARLDART et al 2012)
Os princiacutepios educacionais da Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do Campo
coadunam para o mesmo sentido e se cruzam por diversos momentos estando inter-
relacionados como procuramos mostrar na figura a baixo
Educaccedilatildeo do Campo
Pedagogia Paulo Freire
Figura III ndash Dialogicidade entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire
56
Os sentidos comungam portanto para uma mesma concepccedilatildeo de lugar sujeito
educaccedilatildeo e sociedade Eacute importante ressaltar nesse processo de compartilhamento a
anterioridade do pensamento de Paulo Freire visto que o que hoje discutimos jaacute era debatido
por ele na deacutecada de 1950 (GADOTTI 1997)
Nesse sentido o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo herdou muito do pensamento de
Paulo Freire e tem reinventado sua pedagogia Isso eacute de uma importacircncia iacutempar pois Freire
sempre afirmara que sua pedagogia devia ser reinventada (FREIRE 2012) jamais
transplantada de forma acriacutetica de uma realidade a outra A Educaccedilatildeo do Campo tem feito um
importante tensionamento e disputado opiniotildees na base da sociedade acerca do modelo
educacional que temos e a serviccedilo de quem ele estaacute
O modelo de educaccedilatildeo contra-hegemocircnico natildeo foi pensado por intelectuais
academicistas ateacute porque essa categoria pouco se envolve com as questotildees sociais
(RIBEIRO 2010) mas eacute justamente o movimento contraacuterio ela emerge das situaccedilotildees de
descaso e usura do Estado frente aos homens e mulheres do campo sem terra sem teto sem
trabalho sem perspectiva Eacute daiacute que surge a contra-hegemonia que jamais poderaacute ser criada
para indignados uma vez que jaacute foi criada por estes Eacute nesse sentido que estaacute posta a
Pedagogia Paulo Freire natildeo como uma receita a ser seguida mas como fruto como
artesanato construiacutedo paulatinamente por indignaccedilatildeo exclusatildeo e opressatildeo Essa concepccedilatildeo eacute
educativa natildeo pretende tornar-se opressora daqueles que hoje oprimem mas antes eacute a uacutenica
capaz de libertar o opressor tornando-o livre no mais autecircntico sentido que a palavra carrega
Eacute desse paradigma que a Educaccedilatildeo do Campo bebe e reinventa a pedagogia freireana a
pedagogia do oprimido a pedagogia do povo simples dos demitidos da terra
A educaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo assim como toda uma vasta produccedilatildeo
que coloca o ensino como tarefa humana e humanizadora que entende o sujeito como ator e
protagonista da sua histoacuteria que se indigna e que se revolta frente ao atual estado de coisa e
esvaziamento no qual a educaccedilatildeo mergulhou todas essas caracteriacutesticas formam pois o que
chamamos pedagogia contra-hegemocircnica e que estaacute no cerne da pedagogia freireana e na
Educaccedilatildeo do Campo
A ressignificaccedilatildeo do sujeito do campo assim como do lugar desse sujeito ou seja o
campo satildeo contribuiccedilotildees significativas do pensamento de Paulo Freire O sujeito o homem e
57
a mulher do campo eram vistos (em boa medida ainda satildeo) dentro da loacutegica produtivista como
matildeo-de-obra barata e passiva de exploraccedilatildeo e por outro lado invisibilizados dentro dos seus
direitos poliacutetico-sociais Essa circunstacircncia na qual os sujeitos do campo estavam envoltos
indubitavelmente eacute responsaacutevel pela negaccedilatildeo da condiccedilatildeo de vita activa16
A exclusatildeo da vida
participativa do paiacutes tem como heranccedila a perpetuaccedilatildeo da opressatildeo e da negaccedilatildeo fatores que
acompanham os sujeitos do campo ao longo da histoacuteria
Para Paulo Freire o sujeito eacute tanto histoacuterico quanto social resultante de um complexo
de vivecircncias reais Capaz de diferentemente do animal que apenas se adapta a realidade
integrar-se a sua realidade e nela interferir (FREIRE 2012)
Quando nos referimos ao campo eacute preciso ter o devido cuidado para natildeo cairmos no
conservadorismo de uma visatildeo homogecircnea de sujeito e lugares entendendo por exemplo o
campo como lugar passivo ao qual atribui-se um olhar negativo e preconceituoso (ARROYO
2009) Tanto Paulo Freire como o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo recusam esse
determinismo com forte veemecircncia pois sabe-se que as relaccedilotildees satildeo complexas e que a
calmaria tiacutepica da zona rural esconde um emaranhado de relaccedilotildees sociais de trabalho e de
famiacutelia cuja dinacircmica requer perspicaacutecia e sutileza para seu entendimento
Tendo em vista a importacircncia do legado de Paulo Freire natildeo somente para a Educaccedilatildeo
do Campo mas para toda a educaccedilatildeo popular para os espaccedilos natildeo escolares em que se
desenvolvem projetos educacionais e para outra infinidade de possibilidades de reinvenccedilatildeo da
pedagogia freireana eacute que dialogaremos a partir de agora com o exemplo da Experiecircncia de
Angicos - RN como exemplo de pioneirismo e autenticidade do pensamento de Paulo Freire
16 Hannah Arendt na obra ―A condiccedilatildeo Humana 10 ed Rio de Janeiro 2007 Pode ser entendido como a
condiccedilatildeo de participaccedilatildeo ativamente na vida poliacutetica da sociedade
58
32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA
PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO NORTE
Figura IV ndash Angicos nos dias de hoje (2014) Fonte o proacuteprio autor
(Em nenhum lugar do mundo onde estive fiquei mais tocado do que aqui e agora
Paulo Freire Angicos 28 de agosto de 1993)
Os fins da deacutecada de 1950 e iniacutecio de 1960 satildeo fortemente marcados por movimentos
de cunho popular e participativo Um periacuteodo particularmente rico em organizaccedilotildees sociais e
coletivas cujos objetivos giravam em torno de reformas estruturantes na sociedade brasileira
Direitos trabalhistas educacionais Reforma Agraacuteria satildeo exemplos de temaacuteticas que vinham
sendo abertamente discutidas pelo governo e as sociedade civil coletivamente organizada No
campo essa movimentaccedilatildeo se deu de forma particularmente rica
O Movimento de Cultura Popular (MCP) do Recife a partir de maio de
1960 a Campanha ―De peacute no chatildeo tambeacutem se aprende a ler em Natal a
partir de 1960 o Movimento de Educaccedilatildeo de Base (MEB) da Conferecircncia
Nacional dos Bispos Brasileiros os Centros Populares de Cultura (CPCs) da
Uniatildeo Nacional dos Estudantes e outros movimentos de menor amplitude
satildeo testemunhas da notaacutevel efervescecircncia desse periacuteodo (BEISIEGEL 2010
p 18)
59
Uma das primeiras iniciativas no tocante a criaccedilatildeo de uma poliacutetica para atender aos
jovens e adultos analfabetos diz respeito agrave criaccedilatildeo do Serviccedilo de Educaccedilatildeo de Adultos (SEA)
em 1947 e dessa accedilatildeo a criaccedilatildeo da Campanha de Educaccedilatildeo de Adultos (BEISIEGEL 2010)
No entanto essa campanha ainda resguardava em sua metodologia a transferecircncia dos
conteuacutedos trabalhados com crianccedilas no primaacuterio aos jovens e adultos que estudavam a noite
O proacuteprio Lourenccedilo Filho que era um expoente dessa campanha escreveu textos cujo assento
residia na sua preocupaccedilatildeo com essa metodologia
Natildeo obstante as reiteradas manifestaccedilotildees de Lourenccedilo Filho sobre a
necessidade de atentar agraves particularidades e as exigecircncias especiacuteficas do
adulto pouco escolarizado na grande maioria das classes professores do
ensino infantil reproduziam agrave noite com seus alunos jovens e adultos os
trabalhos que realizavam no periacuteodo diurno com os seus alunos do ensino
primaacuterio fundamental comum (BEISIEGEL 2010 p 24)
Aos poucos percebe-se que o caraacuteter puramente de erradicar o analfabetismo fazendo
com que os sujeitos jovens e adultos lessem e escrevessem natildeo garantia uma cidadania plena
no gozo de direitos Desse modo inicia-se nesse acircmbito um paradigma que pensa a questatildeo
do analfabetismo como eminentemente de cunho social requerendo portanto uma visatildeo mais
ampla da questatildeo Em 1958 Freire escreve ―A educaccedilatildeo de adultos e as populaccedilotildees marginais
o problema dos mocambos que jaacute tratava a temaacutetica sob a oacutetica dos problemas sociais mais
abrangentes (BEISIEGEL 2010)
O trabalho que projetou Freire nacionalmente contraditoriamente foi o mesmo que o
levou agrave prisatildeo com o advento da Ditadura Militar Devido agrave experiecircncia de Angicos ele foi
considerado ―ignorante e subversivo pelo Regime Militar Segundo o livro organizado pelo
Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia (2012 p36) denominado ―Paulo Freire
anistiado poliacutetico brasileiro ―Alguns de seus alunos tambeacutem foram presos e passaram por
outras dificuldades depois da experiecircncia de Angicos (1963) considerada subversiva e mais
tarde cancelada
Vale salientar que o Regime Militar foi extremamente violento tambeacutem com os
camponeses As lutas natildeo se resumiam agrave cidade Haacute pouco a sindicalizaccedilatildeo rural havia sido
um fenocircmeno extensivo a quase todo o nordeste com ecircnfase na Paraiacuteba Rio Grande do Norte
e Pernambuco especialmente atraveacutes da Campanha de Educaccedilatildeo Popular juntamente com a
60
Juventude Universitaacuteria Catoacutelica - JUC - Juventude Agraacuteria Catoacutelica e o Movimento de
Educaccedilatildeo de Base ndash MEB (SILVA 2011 FREIRE 1983)
O caraacuteter da experiecircncia realizada em Angicos estaacute assentado nos princiacutepios da
Educaccedilatildeo Popular que para Carlos Rodrigues Brandatildeo (2009 p 09) tem um papel e um
sentido histoacuterico como resistecircncia e oposiccedilatildeo ao status quo
Figura V ndash AngicosRN
A experiecircncia de Angicos no Estado do Rio Grande do Norte em 1963 conteacutem o cerne
da pedagogia freirena ou seja Freire (1983 p 06) afirma que ―a alfabetizaccedilatildeo e a
conscientizaccedilatildeo jamais se separam Nesse momento histoacuterico o sujeito do campo imerso no
populismo por um lado e no analfabetismo por outro conforme Ribeiro (2010) enfrenta um
periacuteodo de grandes privaccedilotildees no campo social poliacutetico econocircmico e educacional Eacute nesse
ultimo principalmente que a experiecircncia de Angicos eacute significativa pois educaccedilatildeo era luxo
restrito agraves classes dominantes
Segundo documento organizado pelo Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia
(2012) Paulo Freire e seus colaboradores Alfabetizaram 300 trabalhadores rurais em poucos
dias accedilatildeo que significou um fenocircmeno revolucionaacuterio Eacute importante salientar o princiacutepio
dessa alfabetizaccedilatildeo Freire (1983 p 96) afirma que ―Toda separaccedilatildeo entre os que sabem e os
que natildeo sabem do mesmo modo que a separaccedilatildeo entre as elites e o povo eacute apenas fruto de
circunstacircncias histoacutericas que podem e devem ser transformadas Portanto muito mais do que
o simples ato de alfabetizar havia uma ideologia progressista cuja finalidade residia na
conscientizaccedilatildeo poliacutetica dos sujeitos frente a um mundo de privaccedilotildees
Esse trabalho obteacutem grande repercussatildeo nacional e internacional Estende a
experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN) e Joatildeo Pessoa (PB)
61
O trabalho da equipe do Recife foi o de ir a Natal capacitar a equipe de
Marcos que partiu depois para Angicos O primeiro trabalho dessa equipe
foi fazer o universo vocabular da regiatildeo Nunca me esqueccedilo que a primeira
palavra geradora de Angicos foi ―belota uma corruptela de borlota que eacute
exatamente esse negoacutecio de pocircr em rede em cortina Por que isso Nessa
regiatildeo se trabalhava muito com couro e eles usavam nos rebenques
exatamente uma borlota mas que o povo chama belota Essa foi a primeira
palavra geradora de uma riqueza extraordinaacuteria em ambos os aspectos
socioloacutegicos e linguiacutesticos porque ela introduzia trecircs famiacutelias silaacutebicas a do
ba-be-bi-bo-bu e do la-le-li-lo-lu e a do ta-te-ti-to-tu Ela em si abria a
possibilidade de criaccedilatildeo de novas palavras Depois dessa seleccedilatildeo feita os
meninos foram e passaram a morar laacute Um mecircs depois tinha trezentas
pessoas lendo e escrevendo (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO
DE ANISTIA 2012 p86)
As 40 horas de Angicos foi um espaccedilo de extrema riqueza Os participantes daquela
experiecircncia satildeo testemunhas da efetivaccedilatildeo de uma praacutexis Um momento em que teoria e
praacutetica dialogaram justamente como sempre defendeu Freire Eacute importante destacar que os
300 trabalhadores que se alfabetizaram eram em sua maioria trabalhadores rurais ―Silentes e
autodesvalidos os sem-terra e sem-palavra foram tocados pelo olhar predileto que Paulo lhes
dirigiu em Angicos Os jovens agricultores ainda sem terra mas que jaacute conquistaram a
palavra leem Paulo Freire para transformar seu projeto de vida (idem p 117)
Figura VI ndash Experiecircncia de AngicosRN
Nos anos 50 quando ainda se pensava na educaccedilatildeo de adultos como uma
pura reposiccedilatildeo dos conteuacutedos transmitido agraves crianccedilas e jovens Paulo Freire
propunha uma pedagogia especiacutefica associando estudos experiecircncias
vividas trabalho pedagogia e poliacutetica (GADOTTI 1996 p 70)
Desse modo percebemos um niacutetido respeito que o educador Paulo Freire tem para
com os educandos Ele desenvolve uma educaccedilatildeo totalmente contraacuteria agrave educaccedilatildeo
escolarizada cujas metodologias estatildeo intimamente ligadas por um conteuacutedo a-histoacuterico que
62
natildeo leva a uma reflexatildeo criacutetica do mundo Onde o maior objetivo eacute o depoacutesito de tudo o que
foi decorado ao longo de um periacuteodo
Essa focircrma (de formar) de educar eacute fortemente recusada por Freire (2011) Na
Pedagogia do Oprimido denominou de ―educaccedilatildeo bancaacuteria Os sujeitos envolvidos no
processo satildeo meros receptores Depoacutesitos de conteuacutedos que natildeo tecircm nenhuma relaccedilatildeo com a
realidade Freire caminha em direccedilatildeo oposta agrave educaccedilatildeo bancaacuteria entende que a realidade e a
vida concreta dos sujeitos eacute geradora de conteuacutedo e portanto a gecircnese da alfabetizaccedilatildeo
deveria comeccedilar pois daquela realidade partindo para o universalmente conhecido
(FREIRE 2011)
A leitura que Freire faz do sujeito do campo nordestino eacute sem duacutevida avanccedilada Um
momento em que o campo brasileiro padecia de grande estigma e preconceito Freire se utiliza
da realidade dos camponeses do modo de vida do trabalho das experiecircncias para partindo
desse ponto chegar agrave alfabetizaccedilatildeo e agrave conscientizaccedilatildeo desses sujeitos A educaccedilatildeo das
populaccedilotildees camponesas esteve longe de ser o ponto nevraacutelgico dos interesses das classes
dominantes afinal ―eacute mais difiacutecil explorar um camponecircs que sabe ler do que um analfabeto
17
Paulo Freire natildeo se separa da poliacutetica Paulo Freire deve ser considerado
tambeacutem como um poliacutetico Esta eacute a dimensatildeo mais importante de sua obra Ele
natildeo pensa a realidade como um socioacutelogo que procura apenas entendecirc-la []
Por isso ele pensa a educaccedilatildeo ao mesmo tempo como ato poliacutetico como ato de
conhecimento e como ato criador (GADOTTI 1996 p 70)
A intervenccedilatildeo que Freire realiza em Angicos eacute uma atividade eminentemente poliacutetica
tinha como objetivo aleacutem da alfabetizaccedilatildeo a politizaccedilatildeo dos trabalhadores rurais daquele
municiacutepio isso em um periacuteodo de predomiacutenio das oligarquias rurais do voto de cabresto e de
extrema espoliaccedilatildeo da matildeo-de-obra dos agricultores Pois eacute em meio a esse cenaacuterio que
Freire juntamente com seus colaboradores desenvolve um paradigma de alfabetizaccedilatildeo cujo
principio eacute a libertaccedilatildeo do povo da condiccedilatildeo de oprimido e ―demitido da vida
Sua concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e logicamente sua proposta educacional que
havia mostrado resultado altamente positivo na experiecircncia em Angicos
17 Resposta pela recusa da natildeo alfabetizaccedilatildeo dos camponeses proposta por Voltaire a Imperatriz Catarina da
Ruacutessia no Seacuteculo XVIII
63
(RN) consistia em afirmar que todo ato educativo eacute um ato poliacutetico assim
sendo a educaccedilatildeo conteacutem a potencialidade da transformaccedilatildeo da sociedade
por intermeacutedio de uma consciecircncia criacutetica da realidade tarefa que tanto o
educador como o educando devem assumir no ato educativo (INSTITUTO
PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012 p 43)
Segundo Germano (1997) o desafio e o objetivo da experiecircncia de Angicos era tanto
alfabetizar como conscientizar politicamente os trabalhadores em 40 horas A experiecircncia que
era patrocinada pelo ―Alianccedila para o Progresso um programa de origem estadunidense e do
Governo do Rio Grande do Norte que agrave eacutepoca estava sob mandato de Aluizio Alves
experiecircncia que ganhou conhecimento nacional e internacionalmente
O que queremos apontar como novidade nesse olhar que lanccedilamos sobre a experiecircncia
de Angicos amplamente conhecida eacute evidenciar que o puacuteblico participante era de forma
majoritaacuteria trabalhadores rurais em uma cidade cujo periacuteodo histoacuterico dificulta falar-se em
urbanidade puacuteblico esse objeto de nossa reflexatildeo nesta dissertaccedilatildeo de mestrado Nesse
sentido situamos o pensamento de Paulo Freire como de grande importacircncia ao atual debate
da Educaccedilatildeo do Campo O que estamos debatendo hoje como o respeito agraves vivecircncias e
experiecircncias a importacircncia do lugar e o famigerado modismo do ―conhecimento preacutevio
Freire tratou ainda em 1963 com responsabilidade e humanismo Assim eacute salutar
percebermos a experiecircncia de Angicos como uma importante fonte histoacuterica que pode (e
certamente haveraacute de) contribuir em muito com o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo
64
4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIENCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO
CAMPO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
Feito o debate teoacuterico-metodoloacutegico acerca da Educaccedilatildeo do Campo e de suas raiacutezes
histoacutericas no Brasil e tambeacutem sobre a atual posiccedilatildeo que esta modalidade de ensino ocupa
entendemos ser este o momento de estreitar e externar experiecircncias que ilustram de modo
singular a inserccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo na universidade brasileira Para tanto tomamos
como recorte analiacutetico o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte Procuramos refletir sobre a contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana ao ―Projeto
do curso entendendo que o aporte do pensamento de Paulo Freire na Educaccedilatildeo do Campo eacute
de extrema relevacircncia Entendemos que a formulaccedilatildeo da proposta curricular dessa natureza
ou seja pensada para cursos cujos sujeitos tecircm viacutenculo direto com o campo carece de certo
alinhamento ideoloacutegico com a pedagogia freireana uma vez que esta canaliza a resistecircncia
histoacuterica dos povos do campo
A tomada do curso como recorte se explica pela aproximaccedilatildeo e atuaccedilatildeo que tivemos
com a turma de Pedagogia da Terra no periacuteodo de 2010 a 2011 periacuteodo no qual atuamos
como monitor Jaacute a busca pela contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana agrave Proposta poliacutetico-
pedagoacutegica e Plano de Trabalho se faz necessaacuterio pelo foco central deste trabalho mas
tambeacutem pela singular experiecircncia de aprender e pesquisar sobre o pensamento de Paulo Freire
no Grupo de Estudo da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) na Universidade Federal da
Paraiacuteba Aleacutem do mais entendermos que Educaccedilatildeo do Campo eacute uma questatildeo de grande valor
natildeo pode estar simplesmente coadunando com os paradigmas educacionais fugazes que a
contemporaneidade tem nos mostrado em outras palavras a Educaccedilatildeo do Campo natildeo pode
ser moda mas antes oportunidade para os sujeitos do campo se posicionar frente ao mundo e
aos seus pares
Na atuaccedilatildeo como monitor tivemos a oportunidade de vivenciar e compartilhar das
dificuldades alegrias avanccedilos e limitaccedilotildees que os educandos e as educandas enfrentaram no
dia a dia Esse conviacutevio foi de grande importacircncia pois humanizou as relaccedilotildees que a
universidade por vezes esvazia Satildeo pessoas com sonhos frustraccedilotildees dificuldades
financeiras limitaccedilotildees cognitivas mas sobretudo satildeo pessoas que lutam que persistem que
natildeo se envergonham de ocupar com simplicidade o espaccedilo de ―glamour que ainda eacute a
universidade brasileira
65
Aleacutem do Curso de Pedagogia da Terra da UFRN os cursos de Jornalismo da Terra da
Universidade Federal do Cearaacute (UFC) Especializaccedilatildeo Lato Sensu em Direitos Sociais do
Campo promovida pelo IncraPronera e a Universidade Federal de Goiaacutes (UFG) Licenciatura
em Pedagogia pelo Programa Estudante - ConvecircnioMovimento Sociais do Campo ndash
PECMSC (UFPB) entre outros satildeo exemplos e frutos colhidos apoacutes anos afinco na luta
cerrada e disputas dentro da superestrutura poliacutetica Por isso mesmo entendemos que essas
experiecircncias representam a inserccedilatildeo concreta de sujeitos do campo na Universidade puacuteblica
brasileira sendo por esse motivo merecedora de anaacutelise detalhada e pesquisas futuras
Para entendermos melhor a atualidade da Educaccedilatildeo do Campo como poliacutetica puacuteblica
destinada a um puacuteblico especiacutefico (do campo) eacute preciso situar a temaacutetica na historiografia A
pesquisadora da Faculdade de Educaccedilatildeo da UFMG Antunes-Rocha (2011 p125) eacute enfaacutetica
ao afirmar que sobre cursos de formaccedilatildeo de professores para o campo ―natildeo encontrei nada
antes de 1997 Natildeo por acaso essa data coincide com a conquista do Pronera programa esse
que entendemos ser portador do cerne da questatildeo da Educaccedilatildeo do Campo no Brasil enquanto
poliacutetica puacuteblica
O curso de Pedagogia da Terra eacute fruto da luta histoacuterica dos movimentos sociais do
campo no Brasil ele representa em boa medida os anseios teoacutericos e praacuteticos de inclusatildeo
social Assim como todo e qualquer espaccedilo o curso natildeo eacute um todo homogecircneo sem conflitos
mas antes espaccedilo repleto de contradiccedilotildees e disputas tanto interna como externamente
O suporte para essa reflexatildeo reside sobretudo na anaacutelise de documentos do Curso
principalmente na ―Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho que eacute o documento
principal norteador das accedilotildees do curso mas tambeacutem buscamos subsidiar esta escrita em
resoluccedilotildees principalmente na Resoluccedilatildeo nordm 1032006 CONSEPEUFRN de 1909200618
que trata do Regulamento dos Cursos de Graduaccedilatildeo da UFRN aleacutem de outras fontes que
tivemos acesso atraveacutes de colaboradores e tambeacutem de paacuteginas eletrocircnicas
18 Atualmente a Resoluccedilatildeo Nordm 1712013-CONSEPEUFRN de 5 de novembro de 2013 eacute que rege o
Regulamento dos Cursos Regulares de Graduaccedilatildeo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
66
O Edital de abertura do processo seletivo para o curso de Pedagogia ndash Licenciatura
Plena foi orientado pela Resoluccedilatildeo nordm1032006-CONSEPEUFRN de 19092006 e seguiu
todos os procedimentos normativos dos demais vestibulares A Comissatildeo Permanente de
Vestibular (COMPERVE)19
foi responsaacutevel pela realizaccedilatildeo do certame Para se candidatar ao
vestibular o estudante precisava cumprir o seguinte preacute-requisito
a) ser portador de certificado ou diploma de conclusatildeo do Ensino Meacutedio (ou
curso equivalente)
b) ser assentado pelo Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e reforma Agraacuterio
(INCRA) e vinculado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra
(MST) do RN (COMPERVE 2007)
O pensamento da organizaccedilatildeo coletiva conscientizaccedilatildeo e luta tatildeo fortemente
imbuiacutedos na pedagogia freireana aqui se materializa Evidenciar um curso voltado para povos
do campo e ainda mais para membros de um movimento social tatildeo atuante quanto polecircmico
como eacute o MST eacute sem duacutevida um avanccedilo Essa conquista natildeo eacute do acaso ou natural eacute fruto de
uma conjuntura rara criada por muacuteltiplos condicionamentos sociais mas sobretudo pela
organizaccedilatildeo coletiva dos trabalhadores do campo
Poreacutem como reconhecemos que estamos imersos em um Estado de classes que horas
cede agraves reivindicaccedilotildees das massas hora cerceia essas conquistas natildeo demorou o iniacutecio dos
ataques dirigidos pela classe dominante agrave forma como o curso estava sendo gerido Em 2010
um desses ataques teve como consequecircncia a reformulaccedilatildeo dos projetos do curso A partir
desse momento os movimentos sociais foram suprimidos da parceria ateacute entatildeo existente
Sobre esse assunto detalharemos mais a diante
Retomando o processo seletivo para entrada no Curso os alunos interessados no
vestibular passaram 15 dias envolvidos numa preparaccedilatildeo para as provas Nesse momento
trabalharam mateacuterias escolares Portuguecircs Matemaacutetica Geografia Histoacuteria etc
(FERNANDES 2009) A elaboraccedilatildeo da prova ficou sob responsabilidade da Comperve e
19 Com do fim do vestibular como processo seletivo para ingressar na Universidade a Comperve passou a
chamar-se Nuacutecleo Permanente de Concursos UFRN
67
seguiu todos os procedimentos legais e normativo s dos demais vestibulares como jaacute
salientado anteriormente
Apoacutes o resultado do certame o curso teve iniacutecio no primeiro semestre de 2007
(20071) com as 60 vagas devidamente preenchidas Por deliberaccedilatildeo dos proacuteprios educandos
a turma passa a se chamar ―Florestan Fernandes em homenagem ao grande socioacutelogo
escritor e poliacutetico brasileiro
Eacute sempre importante lembrar que esse curso representou um grande avanccedilo para a
Educaccedilatildeo do Campo no Rio Grande do Norte representando tambeacutem um sinal de abertura
da Universidade Federal agraves questotildees sociais do campo Mesmo tendo havido outro curso de
pedagogia para assentados20
indubitavelmente o Pedagogia da Terra representa um marco nas
lutas tanto de oportunidade aos povos do campo como de abertura e diaacutelogo da universidade
com a sociedade potiguar
Os estudantes do Curso vieram das diferentes regiotildees do Estado do Rio Grande do
Norte desde aacutereas vizinhas de Natal como eacute o caso de Macaiacuteba e Cearaacute Mirim ateacute lugares
mais distantes da Capital como Satildeo Rafael e Triunfo Potiguar na regiatildeo Meacutedio Oeste Nesses
municiacutepios esses sujeitos residem majoritariamente em aacutereas rurais de assentamento
O Curso segue as orientaccedilotildees da Resoluccedilatildeo CNECP n1 de 15 de maio de 2006 que
institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia e confere habilitaccedilatildeo
em ―Licenciatura em Pedagogia21
conforme aponta a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano
de Trabalho
Habilitar professores por meio de curso superior para o exerciacutecio da
docecircncia em Educaccedilatildeo Infantil e nas seacuteries iniciais do Ensino Fundamental
regular para Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e para atividades de
20Entre 2002 e 2006 formaram-se em niacutevel de graduaccedilatildeo 63 alunos de nove estados nordestinos e um da
regiatildeo norte (AL BA CE MA PA PB PE PI RN e SE)
21 O diploma eacute gerado com uma observaccedilatildeo que faz alusatildeo ao Probaacutesica ndash Programa de Qualificaccedilatildeo
Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica ndash instituiacutedo pela Resoluccedilatildeo CONSEPEUFRN nordm1499 de 020299 que
estabelece os convecircnios entre a Universidade e seus parceiros apresentamos um exemplar em anexo
68
coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico em escolas instituiccedilotildees do
sistema educacional e projetos educativos existentes nas aacutereas de
assentamento (UFRN 2010 p 05)
Isso mostra que mesmo havendo particularidades o egresso do curso recebe o tiacutetulo de
licenciado em pedagogia apto a concorrer a qualquer vaga de concurso para pedagogo
Essa formaccedilatildeo visa combater o deacuteficit histoacuterico de profissionais da educaccedilatildeo
nas aacutereas rurais e segue uma diretriz do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do
Campo Aleacutem disso pretende gerar oportunidade de continuidade dos
estudos aos jovens que detinham o Ensino Meacutedio completo e que moravam
nos assentamentos e aacutereas de reforma agraacuteria Desse modo o objetivo eacute
colaborar com a constituiccedilatildeo de uma rede de educadores do campo em nosso
Estado com qualificaccedilotildees teacutecnicas e compromisso eacutetico que possibilite o
aprofundamento e ampliaccedilatildeo de experiecircncias de educaccedilatildeo do campo (UFRN
2010 p 04)
Silva Filho (2011) afirma que a entrada de um familiar na universidade eacute algo
significativo Afirma ainda que
O ensino superior ainda resguarda status de responsaacutevel pela ascensatildeo social
e garantia de melhores condiccedilotildees de vida Historicamente o assento
ideoloacutegico da universidade foi muito mais as concepccedilotildees da classe
dominante social e politicamente do que um lugar de inclusatildeo da classe
explorada (SILVA FILHO 2011 p 40)
Por esse motivo O curso tem um caraacuteter contra-hegemocircnico e diferente daquele que
nos habituamos a ver nas universidades
Poreacutem sabemos que os fatos natildeo se datildeo de forma linear ou sem disputas ocorre que o
modo de execuccedilatildeo dos anos de 2007 e 2008 cujo assento havia sido o Convecircnio
CRTRN390002006 (INCRAUFRNMST) teve seus componentes e formato questionados
por parte dos estratos juriacutedicos do INCRA (UFRN 2010) Na verdade esse momento eacute
histoacuterico para todos os cursos do Pronera que enfrentaram periacuteodo de grandes incertezas
Em que pese as mudanccedilas de formato da relaccedilatildeo institucional entre a UFRN e
o INCRA o projeto ora apresentado manteacutem a estrutura curricular original e
os seus fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos estatildeo incorporados aqui
assegurando a correspondente consonacircncia com a Resoluccedilatildeo CNECP no 1 de
15 de maio de 2006 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Curso de Pedagogia (UFRN 2010 p 04)
69
Mesmo natildeo tendo perdido do ponto de vista teoacuterico-metodoloacutegico as perdas poliacuteticas
satildeo evidentes principalmente com a exclusatildeo do MST da operacionalizaccedilatildeo do Curso Como
podemos observar o Acoacuterdatildeo n 26532008 eacute expliacutecito quanto as proibiccedilotildees
()
943 caso pretenda oferecer cursos a puacuteblico especiacutefico afeto a sua aacuterea de
atuaccedilatildeo a exemplo do que se verificou no acircmbito do Projeto Camosc
9431 com relaccedilatildeo ao instrumento a ser firmado com a entidade que se
encarregaraacute da execuccedilatildeo do objeto em vez de convecircnio valha-se de contrato
precedido de procedimento licitatoacuterio
9432 iniba por meio de normas claacuteusulas contratuais e fiscalizaccedilatildeo
qualquer possibilidade de que entes estranhos agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica
especialmente movimentos sociais ligados agrave reforma agraacuteria participem do
planejamento execuccedilatildeo acompanhamento avaliaccedilatildeo ou de outra fase do
curso promovido (TCU 2008)
Nesse periacuteodo professores-coordenadores representantes do INCRA reitores das
universidades puacuteblicas procuraram de forma engenhosa retomar as atividades acadecircmicas que
apoacutes um ano reiniciou Esse momento externou de forma expliacutecita o conservadorismo e o
desejo de segregaccedilatildeo social que ainda permeia a classe poliacutetica brasileira
Sendo o Estado Capitalista um Estado de classe tende a organizar a escola
em todos os niacuteveis e modalidade de ensino conforme a concepccedilatildeo de mundo
da classe dominante e dirigente embora contraditoriamente dependendo do
grau de difusatildeo da pedagogia da contra-hegemonia na sociedade civil a
mesma escola esteja permeaacutevel agrave influecircncia de outros projetos poliacutetico-
pedagoacutegicos (NEVES 2005 p 29)
Desse modo compreendemos os enfrentamentos deflagrados e as lutas pela
manutenccedilatildeo desse Curso como questotildees ideoloacutegicas como resistecircncia dos povos do campo
por um lado e ofensiva da classe dominante de outro Sabemos que essa disputa eacute histoacuterica e
tem altos e baixos concessotildees e restriccedilotildees Esse momento embora tenha acarretado
desconforto e prejuiacutezos para muitos foi o ponto central que evidenciou uma verdadeira luta
de correlaccedilotildees de forccedila
70
41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO
CURSO DE PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN
Pensar uma proposta curricular para um curso de Educaccedilatildeo do Campo como eacute o
Curso de Pedagogia da Terra e tantos outros jaacute exemplificados que gozam de um caraacuteter
popular certamente requer posicionamento e uma reflexatildeo sobre os princiacutepios basilares do
curriacuteculo Tomaz Tadeu da Silva (2011) expotildee que ―A questatildeo central que serve de pano de
fundo para qualquer teoria do curriacuteculo eacute a de saber qual conhecimento deve ser ensinado (p
14) O autor afirma que o curriacuteculo eacute sempre resultado de uma seleccedilatildeo Desse modo quando
determinamos que conhecimento ensinar estamos deixando de fora outros conhecimentos A
questatildeo fundamental passa a ser por que ―esse conhecimento e natildeo ―aquele
O curriacuteculo nunca eacute simplesmente uma montagem neutra de conhecimentos
que de alguma forma aparece nos livros e nas salas de aula de um paiacutes
Sempre parte de uma tradiccedilatildeo seletiva da seleccedilatildeo feita por algueacutem da visatildeo
que algum grupo tem do eu seja o conhecimento legiacutetimo Ele eacute produzido
pelos conflitos tensotildees e compromissos culturais poliacuteticos e econocircmicos
que organizam e desorganizam um povo (APPLE 2000 p 53)
Objetivamente essa relaccedilatildeo de escolhas nos leva diretamente a entender que o
curriacuteculo eacute antes de tudo ideoloacutegico sendo portanto uma disputa pela hegemonia Quando
escolhemos ―esse conteuacutedo e natildeo ―aquele estamos consciente ou inconscientemente
optando por um determinado projeto educativo
Eacute essa preocupaccedilatildeo que leva Apple a recorrer aos conceitos de hegemonia
tal como formulado por Antonio Gramsci e desenvolvido por Raymond
Williams Eacute o conceito de hegemonia que permite ver o campo social como
um campo contestado como um campo onde os grupos dominantes se veem
obrigados recorrer a um esforccedilo permanente de convencimento ideoloacutegico
para manter sua dominaccedilatildeo Eacute precisamente atraveacutes desse esforccedilo de
convencimento que a dominaccedilatildeo econocircmica se transforma em hegemonia
cultural Esse convencimento atinge sua maacutexima eficaacutecia quando se
transforma em senso comum quando se naturaliza (SILVA 2011 p 46)
Para Bourdieu e Passeron (2012) a problemaacutetica reside na reproduccedilatildeo social que
ocorre palas vias da cultura ou propriamente da cultura dominante Seus valores seus gostos
seus costumes seus haacutebitos seus modos de se comportar de agir satildeo reproduzidos como ideal
e desejado para toda a sociedade Entendemos portanto que eacute justamente no curriacuteculo onde
ocorre a condensaccedilatildeo de toda essa problemaacutetica
71
Compreendemos que o curriacuteculo eacute um espaccedilo para o confronto de conhecimentos
popular e erudito Nesse sentido o papel da universidade eacute primordialmente ressignificar os
conhecimentos jaacute elaborados pelos estudantes ou nas palavras de Freire (1993) ―saber de
experiecircncia feito que satildeo pilares fundantes para a construccedilatildeo curricular Curriacuteculo com foco
na vida pela vida e para a vida Saber que natildeo eacute transposto automaticamente pois se constitui
em aprendizagens colaterais e que ao precederem a escola alicerccedilam-na e lhe datildeo suporte
Produzir novos e melhores conhecimentos e garantir um espaccedilo educativo no qual co-
existam de forma permanente a circularidade entre saberes eacute tarefa responsaacutevel da
universidade assim o grande desafio eacute construir uma matriz pedagoacutegica que natildeo se feche
numa dimensatildeo de especialidades dentro das disciplinas O curriacuteculo precisa dar conta de
especificidades por outro lado natildeo pode perder com isso a visatildeo ampla natildeo pensar apenas o
especiacutefico sob pena de fragmentar o conhecimento nem somente o geral pois isso teria
consequecircncias danosas agrave dimensatildeo particular
A educaccedilatildeo do campo tem um viacutenculo com a matriz pedagoacutegica do trabalho e da cultura
Numa concepccedilatildeo freireana haacute uma inter-relaccedilatildeo fundamental entre essas duas categorias
visto que a primeira pode-se entender como a accedilatildeo do homem na natureza ao passo que a
segunda eacute o resultado dessa accedilatildeo accedilatildeo consciente e ativa do homem em sua
realidadenatureza (FREIRE 1983) Desse modo a tarefa primordial da Proposta poliacutetico-
pedagoacutegica e Plano de Trabalho do Curso de Pedagogia da Terra eacute dialogar com essas
matrizes
Assim observamos que a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho se
aproxima e dialoga bastante com esse pensamento logo aproximando-se tambeacutemdos
princiacutepios contidos na Pedagogia Paulo Freire
A proposta curricular para este curso teraacute como ponto de partida os saberes e
praacuteticas dos alunos e a realidade dos assentamentos Por conseguinte a
singularidade seraacute realccedilada sem perder de vista os elementos universais que
compotildeem a cultura do homem e da mulher do campo na perspectiva de
mobilizar um movimento pedagoacutegico pautado na accedilatildeo-reflexatildeo-accedilatildeo (UFRN
2010 p 8)
A proposta de formaccedilatildeo de Freire eacute permeada por uma postura criacutetica poliacutetica e
consciente diante de abordagens de formaccedilatildeo que se apresentam fragmentadas natildeo
envolventes e incapazes de captar as reais necessidades e preocupaccedilotildees dos sujeitos Nesse
72
sentido a categoria realidade sem duacutevida deteacutem uma centralidade na Pedagogia Paulo
Freire isso justamente porque eacute na concretude que a vida se passa Por isso mesmo a
importacircncia da indissociabilidade entre o curriacuteculo do curso e a vida praacutetica dos educandos e
educandas
Outro ponto de fundamental importacircncia se refere agrave necessidade de afinidade criacutetico-
ideoloacutegico dos docentes com a proposta do curso Eacute importante haver aproximaccedilatildeo suficiente
para compreender as particularidades proacuteprias da turma dos sujeitos e do campo
De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho a ―estrutura
curricular do curso de Pedagogia da Terra eacute concebida em trecircs nuacutecleos articulados quais
sejam estudos baacutesicos aprofundamento e diversificaccedilatildeo de estudos e estudos integradores
cujos componentes curriculares foram ofertados em atividades presenciais a serem realizadas
preferencialmente nos periacuteodos de janeirofevereiro e junhojulho de cada ano nas
dependecircncias da UFRN e de atividades vivenciais (grupos de estudo pesquisa e exerciacutecio
profissional) apoiadas por monitores de apoio pedagoacutegico ao longo dos semestres tendo
como referecircncia a praacutetica docente e a realidade do campo no contexto da Reforma Agraacuteria
(UFRN 2010)
O ―Nuacutecleo de Estudos Baacutesicos do curso compreende a seguinte ordem
a Histoacuterico e soacutecio-cultural compreendendo os fundamentos filosoacuteficos
histoacutericos poliacuteticos econocircmicos socioloacutegicos psicoloacutegicos e
antropoloacutegicos necessaacuterios para a reflexatildeo criacutetica nos diversos setores da
educaccedilatildeo na sociedade contemporacircnea
b Da educaccedilatildeo baacutesica compreendendo
i Estudo dos conteuacutedos curriculares da educaccedilatildeo baacutesica
escolar
ii Os conhecimentos didaacuteticos as teorias pedagoacutegicas
em articulaccedilatildeo agraves metodologias tecnologias de informaccedilatildeo e
comunicaccedilatildeo e suas linguagens especiacuteficas aplicadas ao ensino
iii Estudo os processos de organizaccedilatildeo do trabalho
pedagoacutegico gestatildeo e coordenaccedilatildeo educacional
iv Estudo das relaccedilotildees entre educaccedilatildeo e a realidade
social do campo os contextos de trabalho as especificidades da regiatildeo
do Semi-Aacuterido e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees
do campo (UFRN 2010 p 10)
73
No ponto ―IV do Nuacutecleo de estudos baacutesicos observa-se um eixo bem delimitado no
que concerne a formaccedilatildeo do sujeito em consonacircncia com sua realidade Jaacute dialogamos sobre a
importacircncia dessa associaccedilatildeo entre trabalho e cultura tatildeo significativa agrave Educaccedilatildeo do Campo
e agrave Pedagogia Paulo Freire
A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com
ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento
proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica
em que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem
absolutizar-se fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-
o a julgar o seu mundo algo que apenas se acha (FREIRE 1983 p42)
Desse modo a leitura dos processos produtivos e dos processos culturais formadores
dos sujeitos que vivem dono campo eacute entendida como tarefa fundamental no projeto poliacutetico
e pedagoacutegico da Educaccedilatildeo do Campo Esse eixo de estudos busca situar e datar os
componentes do curso na atualidade
Uma das dificuldades dos cursos que trabalham com a Pedagogia da Alternacircncia eacute a
ausecircncia em parte do corpo docente de uma maior afinidade poliacutetica ideoloacutegica com as
questotildees especiacuteficas do curso A ausecircncia dessa interaccedilatildeo acarreta comprometimentos quanto
agrave viabilizaccedilatildeo e operacionalizaccedilatildeo praacutetica da proposta pedagoacutegica escrita (RIBEIRO et al
2010) Eacute um ponto da Pedagogia da Alternacircncia que tem sido pensado e repensado uma vez
que as visitas dos professores agraves comunidades dos estudantestrabalhadores tem se
operacionalizado de forma bastante limitada Esse ponto externa uma preocupaccedilatildeo que
compromete os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo da Alternacircncia da Pedagogia Paulo Freire
e da Educaccedilatildeo Popular como um todo
A busca pelos professores e professoras para trabalhar no curso foi estrateacutegica Em
boa medida os docentes gozavam de boa experiecircncia com a extensatildeo universitaacuteria o que
significa certa capacidade de dialogar com o ementaacuterio das disciplinas
A indicaccedilatildeo dos professores seraacute assumida pela Coordenaccedilatildeo do Curso
considerando preferencialmente a vinculaccedilatildeo formal com o Departamento
de Educaccedilatildeo e demais departamentos das licenciaturas da UFRN e a atuaccedilatildeo
docente e investigativa nas aacutereas relacionadas com o ementaacuterio do referido
curso (UFRN 2010 p 26-27)
As disciplinas trabalhadas no Nuacutecleo de estudos baacutesicos podem ser vistas conforme a
tabela a baixo
74
Periacuteo
do Coacutedigo Disciplinas
C
R
C
H
CH
Presenc
ial
CH
Viven
cial
CH
Praacutet
ica
2007
1
EDU00
46 Introduccedilatildeo ao Trabalho Cientiacutefico 2 30 25 5 -
EDU00
47
Introduccedilatildeo agrave Leitura de textos
imagens e meios eletrocircnicos 8
12
0 100 20 -
2007
2
EDU00
37 Fundamentos de Filosofia do Conhecimento 4 60 45 15 -
EDU00
96
Dimensatildeo Soacutecio-Antropoloacutegica do Ser
Humano 4 60 45 15 -
EDU00
41 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -
EDU00
43 Histoacuteria na Escola 4 60 45 15 -
EDU00
59
Sociologia dos Movimentos Sociais e
Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -
2008
1
EDU00
42 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo no Brasil 4 60 45 15 -
EDU00
40 Gestatildeo democraacutetica na Escola 4 60 45 15 -
EDU00
51
Organizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo
Brasileira 4 60 45 15 --
EDU00
38 Geografia na Escola 4 60 45 15 -
2008
2
EDU00
23 Dimensatildeo Psicoloacutegica da Aprendizagem 4 60 45 15 -
EDU00
62
Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo Popular
(Paulo Freire) 4 60 45 15 -
EDU00
25 Dimensatildeo Psicoloacutegica do Homem 4 60 45 15
EDU00
81
Teacutecnicas de Elaboraccedilatildeo de
Projetos Educacionais 4 60 45 15
EDU00
60 Tecnologias do Campo na Escola 4 60 45 15
2010
2
EDU00
61
Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo (outros
pedagogos) 4 60 45 15
EDU00
53
Planejamento Escolar e Projeto
Pedagoacutegico 4 60 45 15
EDU00
19
Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da
linguagem ndash Portuguecircs 4 60 45 15
EDU00
18
Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da
linguagem ndash Matemaacutetica 4 60 45 15
2011
1
EDU00
39
Gerenciamento de Atividades
Educacionais 4 60 45 15
EDU00
48 Liacutengua Portuguesa na Escola 4 60 45 15
EDU00
49 Matemaacutetica na Escola 4 60 45 15
2011
2
EDU00
35
Elaboraccedilatildeo de Material Didaacutetico
(teoria + praacutetica) 4 90 45 15
EDU00
21 Ciecircncias Naturais na Escola 4 60 45 15
Fonte UFRN (2010)
75
No segundo eixo Nuacutecleo de Aprofundamento e Diversificaccedilatildeo de Estudos se
percebe um grande enfoque naquilo que podemos chamar de ―questatildeo de nossa eacutepoca
(FREIRE 1983) ou questotildees ―transversais Satildeo temaacuteticas que nos remetem a diversidade
cultural tatildeo em pauta hoje em dia
1 Educaccedilatildeo de jovens e adultos
2 Educaccedilatildeo infantil
3 Educaccedilatildeo e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees do
campo
4 Educaccedilatildeo ambiental
5 Educaccedilatildeo e pluralidade cultural
6 Educaccedilatildeo para sauacutede e educaccedilatildeo sexual
7 Educaccedilatildeo especial
8 Temas especiacuteficos alternativas educacionais para o campo questatildeo
agraacuteria cooperativismo e semi-aacuterido (UFRN 2010 p 10)
A par disso eacute vaacutelido salientar o pioneirismo da Pedagogia Paulo Freire no tocante a
essas questotildees Mesmo antes de todos esses temas virem agrave tona Freire jaacute formulava a
Pedagogia do Oprimido que de forma astuta pensou uma pedagogia cujo assento eacute o grupo de
oprimidos ou seja adultos natildeo alfabetizados pessoas com deficiecircncias povos tradicionais
direitos das mulheres Direitos Humanos e outros A pedagogia do oprimido apresenta ao
mundo todos os sujeitos que vivem agrave margem da cultura erudita e hegemocircnica Paulo Freire
chama a atenccedilatildeo para a riqueza da produccedilatildeo cultural desses sujeitos Em boa medida esses
conhecimentos estatildeo hoje sintetizados no multiculturalismo
Desse modo percebemos que haacute uma evidente contribuiccedilatildeo do pensamento freireano
no tocante a organizaccedilatildeo do Pano de Trabalho do Curso Pedagogia da Terra da UFRN A
seguir apresentamos o quadro de disciplinas que compotildeem o Nuacutecleo de Aprofundamento e
Diversificaccedilatildeo de Estudos
Periacuteo
do Coacutedigo Disciplinas
C
R
C
H
CH
Presenc
ial
CH
Viven
cial
CH
Praacutet
ica
2007
1
EDU00
56 Seminaacuterio I ndash A questatildeo Agraacuteria 4 60 40 20 -
EDU00
55
Seminaacuterio II ndash Alternativas Educacionais no
Campo 4 60 40 20 -
2008
1
EDU00
82 Seminaacuterio III ndash O Semi- Aacuterido 4 60 45 15 -
2010 EDU00 Seminaacuterio IV ndash Cooperativismo 4 60 45 15 -
76
2 57
2011
1
EDU00
29 Educaccedilatildeo Ambiental 4 60 45 15 -
2011
2
EDU00
27
Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e
Processo de Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -
EDU00
30 Educaccedilatildeo Especial 4 60 45 15 -
EDU00
20 Artes e Corporeidade na Escola 4 60 45 15 -
2012
1
EDU00
28
Educ de Jovens e Adultos e Processo de Poacutes-
Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -
EDU00
32 Educaccedilatildeo para Sauacutede e Orientaccedilatildeo Sexual 4 60 45 15 --
EDU00
31 Educaccedilatildeo Infantil 4 60 45 15 -
EDU00
33
Educaccedilatildeo Eacutetica e Pluralidade
Cultural 4 60 45 15 -
EDU00
87
Liacutengua Brasileira de Sinais ndash
LIBRAS 4 60 45 15 -
Fonte UFRN (2010)
A uacuteltima parte dos nuacutecleos de estudos refere-se aos Estudos Integradores que satildeo
a Realizaccedilatildeo de oficinas e participaccedilatildeo em eventos culturais artiacutesticos e
cientiacuteficos
b Exerciacutecio profissional em acircmbitos escolares e natildeo-escolares articulando saber
acadecircmico pesquisa e praacutetica educativa (UFRN 2010 p10)
Periacuteo
do Coacutedigo Disciplinas
C
R
C
H
CH
Presenc
ial
CH
Vivenci
al
CH
Praacutet
ica
2007
1
EDU00
45
Introduccedilatildeo ao Estudo da Realidade
Local (teoria+praacutetica) 4 60 15 45 45
EDU00
64 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural I - 15 - 15 15
EDU00
65 Oficina de Praacuteticas Formativas I - 15 15 - 15
2007
2
EDU00
58
Sistema Educacional e
Organizaccedilatildeo Escolar (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
66 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural II - 15 - 15 15
EDU00
67 Oficina de Praacuteticas Formativas II - 15 15 - 15
2008
1
EDU00
50
Observaccedilatildeo na escola ndash sala de
aula (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
68
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
III - 15 - 15 15
EDU00 Oficina de Praacuteticas Formativas III - 15 15 - 15
77
69
2008
2
EDU00
44 Introduccedilatildeo agrave Pesquisa (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
70
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
IV - 15 - 15 15
EDU00
71 Oficina de Praacuteticas Formativas IV - 15 15 - 15
2010
2
EDU00
52 Pesquisa I (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
72 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural V - 15 - 15 15
EDU00
73 Oficina de Praacuteticas Formativas V - 15 15 - 15
2011
1
EDU00
95 Estaacutegio Supervisionado I
10
0 15 85 85
EDU00
74
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
VI - 15 - 15 15
EDU00
75 Oficina de Praacuteticas Formativas VI - 15 15 - 15
2011
2
EDU00
97 Estaacutegio Supervisionado II
20
0 - 200 200
EDU00
98
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
VII - 10 - 10 10
EDU00
77 Oficina de Praacuteticas Formativas VII - 15 15 - 15
2012
1
EDU00
63
Trabalho de Conclusatildeo de Curso
(praacutetica) - 90 - 90 90
EDU00
79
Oficina de Praacuteticas Formativas
VIII - 15 15 - 15
EDU00
80 Congresso de Encerramento - 45 - 45 45
Fonte UFRN (2010)
Essa ultima parte pode-se considerar como a reta final do Curso Os estudantes
trabalharam atividades voltadas agrave culminacircncia como as Oficinas Formativas os Estaacutegios
supervisionados e o Trabalho de Conclusatildeo de Curso (UFRN 2010)
Os trecircs nuacutecleos centrais do curriacuteculo dialogam em grande parte com as necessidades
da formaccedilatildeo dos sujeitos do campo mas tambeacutem com os princiacutepios da Pedagogia Paulo
Freire sobretudo o diaacutelogo tatildeo caro no mundo dos ―pacotes prontos
Eacute preciso que a educaccedilatildeo esteja ndash em seu conteuacutedo em seus programas e em
seus meacutetodos ndash adaptada ao fim que se persegue permitir ao homem chegar a
ser sujeito construir-se como pessoa transformar o mundo estabelecer com
os outros homens relaccedilatildeo de reciprocidade fazer a cultura e a histoacuteria
(FREIRE 1980 p 39)
Aleacutem desses trecircs eixos norteadores destacamos a importacircncia de outras trecircs partes
fundamentais na organizaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica quais sejam (I) Instrumento de
78
integraccedilatildeo e conhecimento do aluno com a realidade social econocircmica e do trabalho de sua
aacutereacurso (II) Instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao ensino (III) Instrumento de praacutetica
profissional (UFRN 2010)
Instrumento de integraccedilatildeo do estudante com a realidade social e econocircmica (I)
―se organiza principalmente no acircmbito das praacuteticas de ensino e possibilita a interlocuccedilatildeo com
os referenciais teoacutericos do curriacuteculo Seraacute iniciada nos primeiros anos do curso e
acompanhada pela coordenaccedilatildeo (UFRN 2010 p 11)
Esse nuacutecleo de disciplinas eacute de fundamental importacircncia uma vez que pretende
aproximar e contextualizar oa estudante dentro da realidade social poliacutetica e econocircmica do
paiacutes Para Freire (2011) o ser humano precisa ―ser situado e datado ou seja o ser humano
precisa conhecer e reconhecer o lugar e o momento histoacuterico no qual se encontra para ser
capaz de agir conscientemente na transformaccedilatildeo da realidade
Menezes e Santiago (2010 p 398) falando sobre a contribuiccedilatildeo do pensamento de
Paulo Freire na construccedilatildeo do curriacuteculo criacutetico apontam que
Os estudantes compreendem suas relaccedilotildees com o mundo natildeo maiscomo real
idade estaacutetica mas como uma realidade em transformaccedilatildeo em processo e de
ssa forma satildeo estimulados a um enfrentamento da realidade como seres da p
raacutexis que sendo reflexatildeo e accedilatildeo eacute verdadeiramente transformadora da realid
ade
Natildeo podemos perder de vista a dimensatildeo criacutetica do processo nem tampouco esquecer
a complexidade da sociedade a qual estamos imersos ou seja uma sociedade de economia
capitalista cuja dinacircmica capitalista gira em torno da dominaccedilatildeo de classe (SILVA 2011)
A modalidade de Praacuteticas Pedagoacutegicas com instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao
ensino (II) pretende articular a teoria com a praacutetica Considera que a formaccedilatildeo profissional
natildeo se desvincula da praacutetica de exercitar a curiosidade que reflete e problematiza a realidade
gerando a partir daiacute projetos de pesquisa capazes de propiciar a iniciaccedilatildeo agrave pesquisa
educacional (id ibid p 11)
A necessidade da intersecccedilatildeo entre a teoria e a praacutetica eacute uma premissa singular a todo
processo educativo defendido exaustivamente tanto como caminho para formaccedilatildeo
permanente de educandos (FREIRE 1991) como para a transformaccedilatildeo do mundo Para
79
pensadores criacuteticos como Marx Gramsci Paulo Freire Apple e outros ―A questatildeo da
coerecircncia entre a opccedilatildeo proclamada e a praacutetica eacute uma das exigecircncias que educadores criacuteticos
fazem a si mesmo Eacute que sabem muito bem que natildeo eacute o discurso o que ajuiacuteza a praacutetica mas a
praacutetica que ajuiacuteza o discurso (FREIRE 2005 p 25)
Associamos a esse momento a praacutexis educativa de Paulo Freire que eacute o resultado da
accedilatildeo e da reflexatildeo porem a accedilatildeo-reflexatildeo sobre o mundo como afirma Freire (2011) natildeo eacute
simples teorizaccedilatildeo e nem simples ativismo eacute a capacidade de agir criticamente sobre esse
mundo A praacutexis eacute um processo dialoacutegico onde saberes satildeo trocados conjuntamente na busca
da construccedilatildeo de um novo saber O pensar jamais poderaacute se afastar da realidade em que se
materializa natildeo bastando interpretar o mundo mas sobretudo transformaacute-lo
Assim esse quadro de disciplinas cujo foco eacute no ensino e na pesquisa contribui de
forma profiacutecua com a busca dos educandos por melhor entenderem sua realidade e sua
eventual transformaccedilatildeo
No uacuteltimo eixo de disciplinas ldquoInstrumento de praacutetica profissionalrdquo (III) observa-
se a ocorrecircncia dos estaacutegios De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de
Trabalho essa atividade
Deve ocorrer junto agraves escolas e unidades educacionais nas atividades de
observaccedilatildeo regecircncia ou participaccedilatildeo em projetos como um ―saber fazer
que busca orientar-se por teorias pedagoacutegicas para responder agraves demandas
colocadas pela praacutetica pedagoacutegica Estaratildeo presentes desde os primeiros
anos do curso configurando a praacutetica pedagoacutegica necessaacuteria ao exerciacutecio
profissional O exerciacutecio efetivo das atividades como professor coordenador
ou gestor de programas educacionais seraacute considerado como parte dessa
modalidade Compreende 300 horas (Estaacutegio Supervisionado I e II) em
consonacircncia com artigo 7ordm aliacutenea II da Resoluccedilatildeo 012006 ndash CNECP
(UFRN 2010 p 11)
A busca pela praacutexis educativa eacute tambeacutem a busca pela aproximaccedilatildeo do outro
procurando articular os diferentes saberes O estaacutegio possibilita um dos momentos mais ricos
em experiecircncias e troca de saberes de todo o curso pois busca diminuir a distacircncia entre os
conteuacutedos trabalhados na Universidade e as vivecircncias do cotidiano escolar (UFRN 2010)
Por fim reafirmamos a importacircncia de um curriacuteculo pensado a partir da realidade das
necessidades sociais e das transformaccedilotildees ensejadas Como monitor que fomos podemos
afirmar que o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
80
natildeo eacute perfeito sobretudo do ponto de vista operacional muita coisa mudou no decorrer dos
anos mudanccedilas de espaccedilos mudanccedilas na coordenaccedilatildeo saiacuteda de estudantes mudanccedilas no
cronograma entre outros Os efeitos dessas ocorrecircncias apenas outras pesquisas nos diratildeo22
Tivemos como objetivo analisar a contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire ao curriacuteculo do
Curso justamente por entender que cursos dessa natureza necessitam de grande aproximaccedilatildeo
e afinidade com os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo e da Pedagogia Paulo Freire ambas as
concepccedilotildees amalgamadas nos princiacutepios da Educaccedilatildeo Popular progressista
Figur
a IIV Concluintes 2012 ndash Turma Florestan FernandesPedagogia da Terra UFRN
22 Sobre os horizontes dos educandos do Curso de Pedagogia da Terra ver Hilario e Azevedo (2011)
disponiacutevel em httpwwwieppecpb2011xpgcombrconteudoGTsGT20-200710pdf
81
5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO
O tema abordado nesta pesquisa emerge de um campo promissor e de grande debate
na contemporaneidade Embora seja um tema que ainda requer muita reflexatildeo e pesquisa
podemos dizer que a temaacutetica da educaccedilatildeo dos povos do campo eacute hoje uma questatildeo em pauta
nacionalmente
Reconhecendo a importacircncia da Educaccedilatildeo do Campo propusemo-nos a pensar e
refletir sobre ―qual a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo
do Campo e numa esfera mais ampla e de forma mais recortada se ―eacute possiacutevel evidenciar
no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte ―recorte e retalhos da Pedagogia de Paulo Freire Imersos nessa problemaacutetica
buscamos analisar o pensamento de Freire dentro dos documentos oficiais que norteiam o
curso
Pensar o sujeito enquanto humano que se transforma e transformando-se transforma o
mundo ao passo que por ele eacute transformado eacute uma contribuiccedilatildeo louvaacutevel natildeo somente ao
campo da Educaccedilatildeo do Campo mas ao paradigma da formaccedilatildeo humana como um todo Freire
desloca o homem do perifeacuterico para o centro das decisotildees natildeo num sentido egoiacutesta supremo
mas num sentido de comunhatildeo com o mundo e com o outro
Comecemos por afirmar que somente o homem como um ser que trabalha
que tem um pensamento-linguagem que atua e eacute capaz de refletir sobre si
mesmo e sobre a sua proacutepria atividade que dele se separa somente ele ao
alcanccedilar tais niacuteveis se faz um ser da praacutexis Somente ele vem sendo um ser
de relaccedilotildees num mundo de relaccedilotildees [] Desprendendo-se do seu contorno
veio tornando-se um ser natildeo da adaptaccedilatildeo mas da transformaccedilatildeo do
contorno um ser de decisatildeo [] (FREIRE 1992 p 39)
Baseado nessa concepccedilatildeo iniciamos este trabalho explicitando ―o lugar de onde
falo pois entendemos que cada ser humano precisa ser entendido em seus muacuteltiplos
condicionamentos precisa ser ―situado e datado desse modo uma compreensatildeo puramente
academicista seria demasiadamente reducionista Ainda que pareccedila pouco cientiacutefico
entendemos que as experiecircncias das pessoas estatildeo diretamente ligadas a psicologia social que
tem determinantes em toda a nossa vida Por isso achamos salutar dizer um pouco do que
somos mas sobretudo dialogar tambeacutem sobre o porquecirc de sermos o que somos
82
Nessa caminhada dialogamos acerca da necessidade de superaccedilatildeo do paradigma da
Educaccedilatildeo Rural e construccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo como alternativa viaacutevel aos povos do
campo Trabalhamos o entendimento da Educaccedilatildeo Rural como a histoacuteria nos apresentou ou
seja um modelo calcado na exploraccedilatildeo do trabalho humano o que configura uma visatildeo
utilitarista e preconceituosa da vida e dos sujeitos do campo Ao mesmo tempo tratamos de
apresentar a Educaccedilatildeo do Campo como uma vertente que melhor se aproxima das
experiecircncias do trabalho e da vida praacutetica dos agricultores e agricultoras Todo o diaacutelogo
sobre as diferentes formas de pensar a educaccedilatildeo dos povos do campo foi atravessado pelo
pensamento de Paulo Freire que teceu toda a construccedilatildeo dessa obra
Pensar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire para o atual debate em torno da Educaccedilatildeo do
Campo eacute uma tarefa instigante sobretudo porque evidenciamos um grande pioneirismo do
Patrono da educaccedilatildeo brasileira quanto a algumas temaacuteticas abordadas hoje pela Educaccedilatildeo do
Campo Debater a importacircncia da realidade ou seja do trabalho e da vida praacutetica como
motor capaz de gerar conhecimentos e mais gerar um curriacuteculo eacute sem duacutevida uma bandeira
do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo que tem origem no pensamento de Paulo Freire
Nessa mesma caminhada explicitamos algumas consideraccedilotildees acerca da Pedagogia da
Alternacircncia e seus propoacutesitos junto a Educaccedilatildeo do Campo Dentro de uma concepccedilatildeo
metodoloacutegica situamos a Alternacircncia dentro de uma vertente multicultural como uma
alternativa curricular que se aproxima das concepccedilotildees progressistas que reclamam uma
organizaccedilatildeo oacutetica mais humana e respeitosa
Continuamos nosso debate discorrendo sobre Educaccedilatildeo do Campo e buscando onde
ela se afina com a Pedagogia Paulo Freire Observamos que em muitos momentos haacute um
entrelaccedilamento entre as duas concepccedilotildees como procuramos exemplificar no desenho criado
por noacutes Nessa pesquisa encontramos uma luta histoacuterica dos povos oprimidos pela busca dos
seus direitos e no mesmo sentido encontramos tambeacutem classes dominantes que ao longo da
histoacuteria perpetuaram seus privileacutegios mantendo uma cultura elitista que estratificando a
sociedade engessa os avanccedilos necessaacuterios
Na quarta parte do trabalho buscamos refletir sobre a inserccedilatildeo do Curso de Pedagogia
da Terra da UFRN no espaccedilo acadecircmico como algo de singular importacircncia Dissertamos
sobre os momentos perpassados pelo curso durante sua realizaccedilatildeo Como se deu o dia a dia
83
dentro da universidade as dificuldades os esforccedilos os preconceitos tudo isso foi canalizado
como forma de entender essa inserccedilatildeo como um ato de ―rebeldia e uma conquista do povo do
campo do Rio Grande do Norte
Eacute nesse sentido de luta e rebeldia que situamos a Pedagogia Paulo Freire dentro da
discussatildeo da Educaccedilatildeo do Campo e do Curso de Pedagogia da Terra A contribuiccedilatildeo de Freire
costura esse trabalho do iniacutecio ao fim Aponta diretrizes e caminhos para a tessitura dessa
dissertaccedilatildeo que eacute tanto teoacuterica quanto praacutetica eacute tanto a segunda quanto a primeira eacute diaacutelogo
eacute pois praacutexis educativa
Por fim buscamos analisar o curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra agrave luz da
contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire Concluiacutemos que haacute uma forte influecircncia da
concepccedilatildeo freireana na Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho
A Pedagogia Paulo Freire e a Educaccedilatildeo do Campo que satildeo atravessadas pela
concepccedilatildeo de educaccedilatildeo dialoacutegica e libertadora satildeo colocadas nesse trabalho como a busca
pelo diaacutelogo constante com o outro Uma educaccedilatildeo ―que se predispusesse a constantes
revisotildees A anaacutelise criacutetica de seus ―achados A uma certa rebeldia no sentido mais humano
da expressatildeo (FREIRE 1983 p 90)
Por fim esta pesquisa nos permitiu refletir sobre o pensamento de Paulo Freire na
contemporaneidade Percebemos o quatildeo atual ele continua e como nos permite compreender
de forma ampla e completa questotildees sociais que permeiam a sociedade A praacutexis educativa de
Paulo Freire assim como o Materialismo Histoacuterico-dialeacutetico continua dando conta de forma
satisfatoacuteria das anaacutelises e mudanccedilas que as questotildees de nossa eacutepoca ensejam
Por uacuteltimo reconhecemos a importacircncia dos cursos de educaccedilatildeo do campo como de
importacircncia singular pois muito mais que a possibilidade de melhoria econocircmica significa
tambeacutem um reparo social e uma conquista do ponto de vista soacutecio-histoacuterico Tivemos a
oportunidade de refletirmos sobre o Curso de Pedagogia da Terra e como a Pedagogia Paulo
Freire pode contribuir com essa formulaccedilatildeo Sabemos que hoje haacute em todo o Brasil diversos
cursos que gozam desse mesmo caraacuteter reconhecemos que satildeo fundamentais poreacutem
reconhecemos que existe uma tendecircncia em tornar essas experiecircncias em ―moda Por
entender que Educaccedilatildeo do Campo eacute um movimento histoacuterico da classe trabalhadora eacute que
84
defendemos que esse paradigma precisa ter em seu acircmago os princiacutepios revolucionaacuterios da
Pedagogia Paulo Freire
85
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92
ANEXOS
93
94
RESUMO
Esta dissertaccedilatildeo tem como objetivo geral compreender as contribuiccedilotildees da Pedagogia
Paulo Freire no atual debate da Educaccedilatildeo do Campo como recorte analiacutetico temos o
Curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte Analisa assim as aproximaccedilotildees que se tem hoje entre o Movimento Por Uma
Educaccedilatildeo do Campo e a Pedagogia Paulo Freire Entre as teacutecnicas de pesquisa optamos por
uma aprofundada revisatildeo bibliograacutefica e anaacutelise documental cujo objetivo reside na busca
pelo entendimento amplo de questotildees complexas e abrangentes de nossa eacutepoca Como
resultado alcanccedilado apresentamos algumas reflexotildees sobre a formulaccedilatildeo da Estrutura
curricular do curso supracitado e a presenccedila de princiacutepios da Pedagogia Paulo Freire nesse
curriacuteculo A temaacutetica pesquisada se insere nos objetivos do Grupo de Pesquisa da Pedagogia
Paulo Freire da Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPFUFPB) que busca dialogar sobre
as contribuiccedilotildees da pedagogia freireana em diversos espaccedilos
Palavras-chaves Educaccedilatildeo do Campo Pedagogia Paulo Freire Pedagogia da Terra
Curriacuteculo
4
RESUMEN
Esta disertacioacuten tiene como objetivo general comprender las contribuciones de la
Pedagogiacutea de Paulo Freire en el actual debate de la Educacioacuten del Campo Como guiacutea
analiacutetico tenemos el curriacuteculo del Curso de Pedagogiacutea de la Tierra de la Universidade
Federal do Rio Grande do Norte Se analiza asiacute los acercamientos que se tiene hoy entre el
Movimiento Por Una Educacioacuten del Campo y la pedagogiacutea Paulo Freire De las teacutecnicas de
pesquisa optamos por una profundizada revisioacuten bibliograacutefica y anaacutelisis documental cuyo
objetivo reside en la buacutesqueda por el amplio entendimiento de cuestiones complejas y
extensivas de nuestra eacutepoca Como resultado alcanzado presentamos algunas reflexiones
acerca de la formulacioacuten de la Estructura Curricular del curso anteriormente citado y la
presencia de principios de la Pedagogiacutea Paulo Freire en ese curriacuteculo La temaacutetica
pesquisada se inserta en los objetivos del Grupo de Pesquisa de la Pedagogiacutea Paulo Freire de
la Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPUFPB) que busca dialogar sobre las
contribuciones de la Pedagogiacutea freireana en diversos espacios
PALABRAS CLAVE Educacioacuten del Campo Pedagogiacutea Paulo Freire Pedagogiacutea de la
Tierra curriacuteculo
5
QUADRO DE ILUSTRACcedilOtildeES
Figura I Regiatildeo do SeridoacuteRN
8
Figura II Lagoa NovaRN
9
Figura III Entrelaccedilamento entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire
59
Figura IV Angicos nos dias de hoje (2014)
62
Figura V AngicosRN
64
Figura VI Experiecircncia de AngicosRN
65
Figura IIV Turma Florestan Fernandes ndash PedagogiaUFRN
85
LISTA DE SIGLAS
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COMPERVE ndash Comissatildeo Permanente de Vestibular
CONAE - Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo
CONSEPE ndash Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensatildeo
CNBB - Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil
CPT - Comissatildeo Pastoral da Terra
DCE - Diretoacuterio Central dos Estudantes
DCN ndash Diretrizes Curriculares Nacionais
ENERA - Encontro Nacional de Educadores e Educadoras na Reforma Agraacuteria
GEPPC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares
GEPPF - Grupo de Estudos e Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
INCRA - Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria
IPEA - Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada
MEPF - Ministeacuterio Extraordinaacuterio da Poliacutetica Fundiaacuteria
MSC ndash Movimentos Sociais do Campo
MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
PNE - Plano Nacional de Educaccedilatildeo
PROBAacuteSICA - Programa de Qualificaccedilatildeo Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica
PRONERA - Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria
PSDB - Partido da Social Democracia Brasileiro
PT - Partido dos Trabalhadores
SUDENE - Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste
SUPRA - Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria
TRAMSE - Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo
4
UFC ndash Universidade Federal do Cearaacute
UFG ndash Universidade Federal de Goiaacutes
UFMG ndash Universidade Federal de Minas Gerais
UFPB - Universidade Federal da Paraiacuteba
UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UNB - Universidade de Brasiacutelia
UNE - Uniatildeo Nacional dos Estudantes
UNESCO - Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo a Ciecircncia e a Cultura
UNICEF - Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia
SUMAacuteRIO
1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O
ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO 7
11 O LUGAR DE ONDE FALO 7
12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES 11
13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR 16
14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO COMO
SUPORTE PARA ESSE ESTUDO E A PRAacuteXIS FREIREANA 18
2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO PRA
PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER 24
21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO EDUCACIONAL 24
22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA 29
23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO 37
24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS
CONHECIMENTO 43
25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS DA
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO 47
3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO
51
31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA FREIREANA AO ATUAL DEBATE DA
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM 53
32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA
PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO
NORTE58
4
4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIEcircNCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO
CAMPO NA UFRN64
41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO CURSO
DE PEDAGOGIA DA TERRA DA
UFRN70
5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO81
6 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS85
7 ANEXOS 92
7
1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O
ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO
Eacute preciso por outro lado salientar a situaccedilatildeo incocircmoda em
que se encontram intelectuais do Terceiro Mundo que
contemporacircneos de seus colegas do Primeiro Mundo com
eles discutem a poacutes-modernidade ao mesmo tempo em que
convivem em seus paiacuteses com a espoliaccedilatildeo desenfreada de um
capitalismo dependente perverso e atrasado
(FREIRE 2012 p 68)
11 O LUGAR DE ONDE FALO
A vontade e a necessidade de transgredir eacute sem duacutevida um dos maiores motivos que
me leva a formular estes escritos A busca pela construccedilatildeo de um pensamento autecircntico ainda
que reconhecendo todos os riscos de o fazer eacute parte do que nos move Nesse sentido duas
questotildees fundamentais nos orientam quais sejam primeiro qual a contribuiccedilatildeo da
Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo Segundo eacute possiacutevel
evidenciar no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte ldquorecorte e retalhosrdquo da Pedagogia de Paulo Freire
Partindo desses pressupostos inquietadores e sabendo que a educaccedilatildeo deve ser tratada
com extrema seriedade nos debruccedilamos nesse artesanato intelectual (MILLS 2009) com o
objetivo de colaborar com o Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo sobretudo naquilo
que se refere agrave contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire a esse movimento Conseguindo
avanccedilar o pouco que seja nesse debate tatildeo salutar e tatildeo caro estaremos em boa medida
contemplados Nesse primeiro momento trago algumas experiecircncias que me foram tanto
singulares como significativas Por isso mesmo escrevo em primeira pessoa do singular
Nessas primeiras palavras busco a boniteza da expressatildeo de Paulo Freire (2012 p 25)
para iniciar a tessitura desta autobiografia ―de uma geraccedilatildeo que cresceu em quintais nasci
na cidade de Lagoa Nova Regiatildeo do Seridoacute no Estado do Rio Grande do Norte no mecircs de
outubro do ano de 1986
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Figura I ndash Regiatildeo do SeridoacuteRN
Lagoa Nova eacute uma cidade com caracteriacutesticas tipicamente de interior onde as ―esferas
da existecircncia humana1 se inter-relacionam de forma mais segregada Com uma populaccedilatildeo de
13983 habitantes de acordo com o uacuteltimo censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatiacutesticas (IBGE 2010) essa populaccedilatildeo divide-se quase que simetricamente entre zona
rural e zona urbana Isso tanto tem influecircncia na identidade da Cidade como representa um
fenocircmeno social que por si jaacute merece uma reflexatildeo entretanto natildeo eacute nessa temaacutetica que
reside nosso foco
Figura II ndash Lagoa NovaRN
1 As esferas da existecircncia humana eacute um esquema pensado por Antocircnio Joaquim Severino (1994) em sua obra
―Filosofiardquo em que ele apresenta a Praacutetica Social a Praacutetica Simbolizadora e a Praacutetica Produtiva como uma
engrenagem que gira na frequumlecircncia diretamente proporcional a dinamicidade da sociedade ou grupo social
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Com um clima extremamente agradaacutevel a cidade tem como base econocircmica a
Agricultura Familiar2 que por sua vez aquece um importante mercado interno sobretudo no
periacuteodo de novembro a marccedilo periacuteodo em que se evidencia a colheita do caju e da castanha
ou simplesmente ―safra do caju Aleacutem da agricultura e do comeacutercio o emprego puacuteblico
garante a complementaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da economia dessa cidade Embora haja outros
modos de complementaccedilatildeo agrave economia a agricultura desempenha papel iacutempar no que diz
respeito ao desenvolvimento da cidade O clima propiacutecio e a terra feacutertil satildeo propulsores de
uma agricultura baseada na pequena propriedade e na diversidade de culturas
Com o lema ―se plantando tudo daacute a regiatildeo serrana apresenta uma prova mais que
concreta de que o desenvolvimento de uma regiatildeo e o bem estar da populaccedilatildeo camponesa
passa diretamente por uma distribuiccedilatildeo de terras para os trabalhadores e trabalhadoras a
rotatividade de culturas e a preservaccedilatildeo do meio ambiente3 princiacutepios que claramente se
aproximam da economia solidaacuteria francamente enfatizada por Singer (2002) assim como
pelos movimentos sociais uma vez que esse caminho eacute uma alternativa para o atual modelo
predatoacuterio de produccedilatildeo agriacutecola tradicional
A possibilidade de cultivar vasta diversidade de sementes e frutos que o solo orgacircnico
rico em huacutemus permite eacute admiraacutevel feijatildeo fava milho encabeccedilam os cereais caju pinha
jaca maracujaacute manga fazem parte do grupo das frutas aleacutem da mandioca que eacute mateacuteria
prima na fabricaccedilatildeo da farinha e outros derivados Outra abrangecircncia de gecircneros alimentiacutecios
como as hortaliccedilas irrigadas e a pecuaacuteria complementam a economia de Lagoa Nova
Quanto agraves questotildees poliacuteticas essa cidade goza dos viacutecios e vicissitudes que a grande
maioria da populaccedilatildeo brasileira enfrenta Aqui natildeo tenho interesse em detalhar passa a passo
essa questatildeo pois isso seria uma tarefa demasiadamente enfadonha e desnecessaacuteria ao nosso
objetivo Ainda assim eacute salutar ressaltar a grande heranccedila oligaacuterquica que eacute flagrante quando
remeto aos nossos representantes poliacuteticos Pequenos grupos se revezam agrave frente da
2 De acordo com Neves (2012) no Dicionaacuterio da Educaccedilatildeo do Campo esse eacute um termo de muacuteltiplas
conotaccedilotildees aqui ficamos com a definiccedilatildeo de um forma de se fazer agricultura diferenciando-se da agricultura
patronal Ou seja uma forma mais poliacutetica e solidaacuteria de se trabalhar a terra
3 Nos uacuteltimos anos um fenocircmeno vem contrariando essa afirmativa a derrubada dos cajueiros tem ocasionado
preocupaccedilotildees quanto ao equiliacutebrio do ambiente
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administraccedilatildeo puacuteblica como se aquela lhes fosse inerente Como se aquele fosse um direito
advindo do berccedilo Entretanto aos poucos grupos de pessoas ainda que de forma muito
incipiente comeccedilam a se organizar no sentido de propor uma alternativa que fuja agrave diacuteade
partidaacuteria dantesca a qual parece natildeo haver saiacuteda
Satildeo os sabores e dissabores de se gostar de um lugar esse lugar me compotildee eacute siacutentese
de muitas e complexas relaccedilotildees Quando penso na minha cidade resgato Paulo Freire (2012)
quando falava do Recife e sua relaccedilatildeo de saudade para com esta cidade quando estivera no
exiacutelio Faccedilo minhas tais palavras
Quando penso nela penso quanto ainda temos de caminhar lutando para
ultrapassar estruturas perversas de espoliaccedilatildeo Por isso quando longe dela
estive dela a minha saudade jamais se reduziu a um choro triste a uma
lamentaccedilatildeo desesperada Pensava nela e nela penso como um espaccedilo
histoacuterico contraditoacuterio que me exige como a qualquer outro ou outra
decisatildeo tomada de posiccedilatildeo ruptura opccedilatildeo (FREIRE 2012 p34)
Essa breve descriccedilatildeo acerca do meu lugar tem como propoacutesito trazer agrave pesquisa o
cenaacuterio que me foi familiar durante meus primeiros 20 anos (1986-2007) e como essa
vivecircncia implica na minha formaccedilatildeo enquanto pesquisador Como bem estudou Vygotsky ndash
durante sua curta poreacutem brilhante carreira como pesquisador dos processos de
desenvolvimento humano ndash o meio eacute um fator preponderante para a formaccedilatildeo do sujeito
Portanto eacute inegaacutevel que essa cidade eacute parte importante daquilo ―que me move algo que me
constituiu e ainda me constitui Muito do que hoje penso sou ou quero ser tem ligaccedilatildeo direta
com esse periacuteodo com as experiecircncias e vivecircncias que me foram comuns agravequela eacutepoca Isso
alude ao pensamento marxista ao qual nos filiamos em entender o sujeito como sendo ele o
resultado de muacuteltiplos e complexos processos histoacutericos e sociais
Paulo Freire ao trazer agrave tona a importacircncia do lugar das pessoas suas vivecircncias e
experiecircncias como parte integrante da formaccedilatildeo humana do sujeito assim como apontar para
o lugar como produtor de conhecimentos e conteuacutedos me eacute fulcro de compactuaccedilatildeo e
arcabouccedilo teoacuterico e metodoloacutegico Ao me referir ao termo lugar gostaria que o entendimento
fosse aquele trabalhado pelo movimento da Educaccedilatildeo do Campo na contemporaneidade ou
seja como postula (CALDART Et Al 2012) o lugar como sendo constituinte do sujeito e de
sua historicidade natildeo como lugar de moradia tatildeo somente
11
12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES
De uma famiacutelia composta por oito pessoas pai matildee trecircs filhos e trecircs filhas certa vez
li em uma dessas revistas que o filho mais novo chamado caccedilula tem mais probabilidade de
se destacar e vir a ser um grande sujeito socialmente falando e ainda trazia algumas provas de
grandes nomes sobretudo da ciecircncia que se tornaram pessoas conhecidas mundialmente pelas
suas faccedilanhas e descobertas Entretanto sigo outra linha de raciociacutenio coloco-me numa
posiccedilatildeo mais racional e frontalmente de encontro a uma visatildeo platocircnica determinista e
meritocraacutetica de sucesso ―A igualdade de oportunidadelsquo eacute ponto importante da ideologia
capitalista pois garantiria aos mais capazes aos mais esforccedilados aos que trabalham durolsquo o
acesso agraves melhores posiccedilotildees (ROSSI 1980 p 71) Ora no meu caso ser o mais novo me
eximiu de uma eacutepoca natildeo muito remota na qual a condiccedilatildeo social da populaccedilatildeo brasileira era
bastante precaacuteria e o Ensino Superior privileacutegio restrito agrave classe dominante
Depois do esgotamento da Ditadura Militar inicia o periacuteodo chamado Nova Repuacuteblica
ou Transiccedilatildeo democraacutetica poreacutem Saviani (2008) chamou ―transiccedilatildeo conservadorardquo pois o
periacuteodo resguardou a velha formaccedilatildeo social advinda da classe dominante do periacuteodo
ditatorial
A transiccedilatildeo que se operou no Brasil se iniciou com a ―distensatildeo lenta
gradual e segura formulada em 1974 no Governo Geisel e prosseguiu com
a ―abertura democraacutetica a partir de 1979 no Governo Figueiredo
desembocando na Nova Repuacuteblica em 1985 que guindou a posiccedilatildeo de
presidente da Repuacuteblica o ex-presidente do partido de sustentaccedilatildeo do regime
militar (SAVIANI 2008 p 414)
Assim o periacuteodo esperanccediloso que se desenhara com o fim da Ditadura acabou
mantendo grande parte de sua formaccedilatildeo anterior uma vez que continuou a relaccedilatildeo opressor e
oprimido e a interminaacutevel exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo dos trabalhadores ainda que numa
relaccedilatildeo mais decantada e disfarccedilada com outras formas de dominaccedilatildeo e violecircncia Esse
cenaacuterio explica em boa medida as grandes dificuldades econocircmicas perpassadas no cotidiano
da populaccedilatildeo brasileira no periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo
Voltando agraves minhas experiecircncias entendo que se durante minha infacircncia natildeo enfrentei
grandes dificuldades devo isso agrave batalha de um agricultor que ―trabalhava alugado ou ―de
meia e a uma ―dona de casa lavadeira que depois passa a funcionaacuteria puacuteblica ou seja meu
pai e minha matildee Se fui o primeiro da minha famiacutelia a adentrar os altos e quase impenetraacuteveis
12
muros da universidade puacuteblica brasileira natildeo eacute porque sou o melhor dos meus irmatildeos sou na
verdade parte de uma estatiacutestica que aponta para a sensibilidade de um governo cujo foco
principal foi a aacuterea social e a educaccedilatildeo Uma vez coadunada essas duas aacutereas eu fui um dos
muitos jovens negros advindo da classe trabalhadora que foi contemplado por uma
importante poliacutetica soacutecio-educacional do entatildeo Governo Luiacutes Inaacutecio Lula da Silva (2002-2006
e 2006-2010) que tem como uma de suas bases a abertura e expansatildeo das universidades
puacuteblicas
Obviamente que a forccedila de vontade e os esforccedilos pessoais foram reais mas nunca fui
partidaacuterio do discurso meritocraacutetico e do Estado democraacutetico de direito que prega a igualdade
de oportunidade para todos transferindo agraves pessoas o ocircnus pelo seu fracasso social como se a
ascensatildeo dependesse exclusivamente da vontade individual do sujeito O pensamento liberal
afirma que a escola eacute igual para todos e que portanto cada um chega onde suas capacidades e
seu trabalho pessoal lhes permite (SACRISTAacuteN GOacuteMEZ 1998)
Ainda com o objetivo de entender ―o que me move e ―o que me constitui gostaria de
voltar ao relato da minha infacircncia Ainda pequeno moramos no Siacutetio4 Humaitaacute proacuteximo agrave
zona urbana espaccedilo que foi tomado pelo raacutepido crescimento que a cidade adquiriu Na eacutepoca
em que moramos no Humaitaacute que remete aos idos de 1987 devido a fase de vida ainda muito
incipiente poucas satildeo as lembranccedilas desse periacuteodo salvo raras imagens esmaecidas pelos
anos que passaram Desse periacuteodo restou-me muito mais histoacuterias relatadas por meus pais e
irmatildeos mais velhos do que lembranccedilas propriamente minhas No entanto dois fatores fazem
com que essa estadia tenha curta duraccedilatildeo fazendo a famiacutelia retornar agrave cidade a saber os
terremotos5 que foram frequentes nesse periacuteodo e o medo de um bandido chamado Joatildeo
Barauna que oprimia a populaccedilatildeo local
4 O siacutetio eacute o lugar do trabalho por excelecircncia Mas ele eacute igualmente o resultado do trabalho pois eacute um espaccedilo
construiacutedo melhor dizendo um conjunto de espaccedilos articulados entre si que lhe permite organizar-se como um
sistema de insumos e produtos Esse espaccedilo eacute o resultado tambeacutem de um processo histoacuterico secular em que o
ambiente foi alterado com a gradativa eliminaccedilatildeo da cobertura vegetal original e de todo o ecossistema que lhe
era associado (WOORTMANN 1997 p 27)
5 No ano de 1986 grandes abalos siacutesmicos apavoraram moradores do Rio Grande do Norte o epicentro era Joatildeo
Cacircmara no entanto todo o Estado fora atingido com maior ou menor intensidade por falta de informaccedilotildees e
explicaccedilotildees muitas pessoas entraram em pacircnico e deixaram suas casas (Arquivo Tribuna do Norte)
13
Meu pai sempre repete que ―naquela eacutepoca tinha que votar e vir pra casa natildeo podia
ficar em turminhas na rua depois da votaccedilatildeo isso nos mostra que embora estiveacutessemos no
processo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes ainda havia a sombra dos ―anos de chumbo que por
mais de vinte anos garantiu a perpetuaccedilatildeo de um regime autoritaacuterio e ditatorial em nosso paiacutes
que causou feridas cujas cicatrizes ainda satildeo visiacuteveis
Em 1987 voltamos para a rua6 Minha matildee Francisca Maria (Dona Tecirc) dividia seu
tempo entre lavagens de roupa ―de ganho tarefas do lar aleacutem de assumir emprego de
funcionaacuteria puacuteblica do municiacutepio na funccedilatildeo de zeladora da igreja catoacutelica da cidade Meu pai
Luiz Gomes (Seu Lucas) trabalhava nas atividades da agricultura e desempenhava a arte da
caccedila como poucos Como natildeo detinha posses de terras ele ―alugava sua forccedila de trabalho em
sucessivas ―diaacuterias em terras alheias Quando natildeo era alugado ele trabalhava em terras de
outros natildeo por dinheiro mas numa relaccedilatildeo que em muito lembra as relaccedilotildees feudais do
periacuteodo Medieval na Europa ou seja a troca de trabalho por trabalho
Erik Wolf trabalha o termo ―aluguel como um processo no qual ―esse camponecircs
estava sujeito agrave relaccedilatildeo assimeacutetrica de poder o que lhe acarretava um ocircnus permanente em
sua produccedilatildeo (WOLF 1976 p 22) Assim em um modelo bastante parecido com o
desenhado por Wolf meu pai trabalhava a terra de um grande proprietaacuterio a troco de uma
porcentagem que girava em torno de 30 a 50 (terccedila e meia respectivamente) do que era
produzido isso acarreta uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo contiacutenua e demasiadamente nociva para o
trabalhador
Em meio a essa batalha que meus pais travavam diariamente para manter a famiacutelia
inicio minha trajetoacuteria escolar No meu percurso natildeo frequentei creches ou preacute-escolas
Ingressei na antiga 1ordf Seacuterie do Ensino Fundamental jaacute com algumas habilidades na leitura e na
escrita isso devido agrave dedicaccedilatildeo da minha irmatilde Ana de Faacutetima (Aninha) que sempre reservara
um tempo para ensinar aos irmatildeos mais novos Mesmo sendo reprovado na 2ordf Seacuterie do Ensino
Fundamental natildeo tive grandes dificuldades nas seacuteries seguintes Salvo uma ou outra aula de
reforccedilo que muito mais constrangia do que auxiliava no processo de aquisiccedilatildeo da liacutengua
escrita
6 Rua eacute termo francamente usado por populaccedilotildees do campo para designar cidade
14
Eacute importante refletirmos sobre o quatildeo marcante pode ser a escola na vida de uma
crianccedila Varela e Alvarez-Uria (1996) no texto ―a maquinaria escolar afirmam que embora
seja uma instituiccedilatildeo recente a escola deteacutem grande influecircncia sobre a sociedade Assim foi
comigo as marcas e as lembranccedilas do processo educacional escolar que ainda hoje satildeo
evidentes
Jaacute no Ensino Meacutedio o desempenho foi mais consciente comecei a desenvolver um
gosto muito grande pelas ciecircncias humanas e Histoacuteria Geografia e Portuguecircs eram as
disciplinas as quais eu dedicava grande parte do meu tempo Nesse momento estaacutevamos
morando no Siacutetio Figueira o ano eacute 2003 ano que passei a trabalhar tanto nas atividades da
roccedila com o meu pai ndash a condiccedilatildeo jaacute natildeo era mais de tamanha exploraccedilatildeo como outrora a
terra ainda era arrendada no entanto esse tratado agora se passava atraveacutes de laccedilos de
parentesco ndash como nas atividades da construccedilatildeo civil com meu irmatildeo mais velho Ary Gomes
Apesar da grande quantidade de pessoas que imigram do campo agrave cidade natildeo haacute nenhuma
profissatildeo segundo os estudos comparados nas quais maior porcentagem de filhos siga a
profissatildeo dos pais do que entre agricultores (MARTINS apud SOLARI 1986) Minha
caminhada mostra que fugi a regra entretanto hoje resguardo grande admiraccedilatildeo e respeito
agravequeles e aquelas que labutam e vivem nada terra
Mesmo em atividades bastante adversas sempre reservara um horaacuterio do dia agraves
atividades de leitura e redaccedilatildeo Em 2004 prestes a terminar o Ensino Meacutedio simplesmente
natildeo sabia o que significava fazer vestibular Hoje a situaccedilatildeo tem mudando mas isso era
recorrente nas classes mais pobres da populaccedilatildeo uma vez que a universidade natildeo eacute um desejo
almejado pela classe trabalhadora natildeo por desinteresse mas pela falta de informaccedilatildeo e
visualizaccedilatildeo dessa possibilidade que parece distante aos filhos das classes populares Pelo
contraacuterio se propaga o discurso que ao teacutermino do 3ordm ano do Ensino Meacutedio o sujeito
―terminou os estudos Aleacutem disso historicamente se praticou uma educaccedilatildeo cujo foco estaacute
diretamente relacionado agrave classe social a qual o sujeito pertence ou seja agraves classes
trabalhadoras uma educaccedilatildeo elementar uma vez que essa basta agravequeles que iratildeo desempenhar
funccedilotildees manuais ao passo que agraves classes ricas desenhou-se uma educaccedilatildeo para o Ensino
Superior Essa loacutegica eacute facilmente evidenciada no Governo de Fernando Henrique Cardoso
quando ―prioriza o Ensino Fundamental em detrimento do Meacutedio teacutecnico e superior
15
Entre 2005 e o iniacutecio de 2007 trabalhei incessantemente na construccedilatildeo civil ainda
assim continuei a reservar pequenos horaacuterios para me dedicar agraves leituras Ao realizar o
vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte ndash UFRN natildeo tive dificuldade em
ingressar no Curso de Pedagogia daquela instituiccedilatildeo o que atribuo principalmente agrave praacutetica
dessas leituras O motivo da escolha do curso ateacute hoje me eacute uma incoacutegnita poreacutem uma
hipoacutetese consideraacutevel pode ter ligaccedilatildeo com a baixa concorrecircncia
No mesmo ano 2007 fui morar em Natal para dar iniacutecio ao Curso Morador de
Residecircncia Universitaacuteria me dediquei logo na chegada agraves atividade de militacircncia estudantil
em prol dos estudantes de origem popular que moradores do interior do Estado necessitavam
da Residecircncia em Natal Assim durante toda a minha estadia na Residecircncia Universitaacuteria me
dediquei agrave organizaccedilatildeo dos estudantes na busca por mais vagas nas Residecircncias e melhorias
estruturais naquelas existentes
Devido a essa atuaccedilatildeo concorri agrave gestatildeo do Diretoacuterio Central dos Estudantes (DCE)
da UFRN e logramos ecircxito Uma responsabilidade que resolvi encarar enquanto possibilidade
de fazer algo mais A experiecircncia indubitavelmente me foi rica durante um ano estive a frente
do DCE buscando mais uma vez organizar os estudantes coletivamente
Os cinco anos de graduaccedilatildeo passados na Residecircncia me foram de grande importacircncia
primeiramente do ponto de vista econocircmico jaacute que eu natildeo possuiacutea condiccedilotildees financeiras de
me manter fora dela Outro ponto importante foi a convivecircncia com a complexidade das
diversas aacutereas dos conhecimentos isso me garantiu uma formaccedilatildeo que em muito me ajudou
na vida apoacutes minha saiacuteda daquele recinto
Com a aproximaccedilatildeo do teacutermino da graduaccedilatildeo logo veio o desejo de continuar
galgando os degraus do conhecimento buscando aprofundar-me atraveacutes do Mestrado Tal
propoacutesito confirmou-se com a abertura do processo seletivo da Universidade Federal da
Paraiacuteba No mestrado da UFPB encontrei na figura da Professora Doutora Rita de Cassia
Cavalcanti Porto incentivo e orientaccedilatildeo pra continuar os estudos na aacuterea da Educaccedilatildeo do
Campo poreacutem enfatizando nessa reflexatildeo o pensamento e a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire
Ainda eacute de grande importacircncia destacar a atuaccedilatildeo no estaacutegio docente junto a turma de
Pedagogia da UFPB participaccedilatildeo no Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares
16
(GEPPC) desta mesma universidade e a vitoacuteria de vivenciar a criaccedilatildeo do Grupo de Estudos e
Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF)7
13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR
Imbuiacutedo de relativa consciecircncia poliacutetico-social no ano de 2008 me aproximei da
militacircncia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Rio Grande do
Norte
Segundo Miguel Carter (2010) o surgimento do MST pode ser dividido em diferentes
momentos para ele
O primeiro periacuteodo eacute a gestaccedilatildeo do MST (1979-1984) Esse periacuteodo que
precede a fundaccedilatildeo oficial do Movimento eacute fundamental para compreender
as bases de seu processo de formaccedilatildeo O segundo periacuteodo eacute o de
consolidaccedilatildeo (1985-1989) que se caracteriza pela ampliaccedilatildeo das accedilotildees do
movimento em escala nacional por meio de seu estabelecimento em todas as
regiotildees do paiacutes e a configuraccedilatildeo de sua estrutura organizativa O terceiro
periacuteodo eacute de institucionalizaccedilatildeo (1990 ateacute o presente) Nesse tempo o MST
se torna o principal interlocutor do governo federal a respeito da reforma
agraacuteria e eacute reconhecido internacionalmente (CARTER 2010 p 163)
Quando conheci o Movimento no RN fiquei muito animado Conhecer o Centro de
Capacitaccedilatildeo Patativa do Assareacute em Cearaacute - MirimRN e contribuir em algumas atividades
teve significativa importacircncia para minha formaccedilatildeo Entre 2010-2011 ingressei no Grupo de
Estudo Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo (TRAMSE)
Esse grupo coordenado pelo Professor Alessandro Augusto de Azevedo desenvolveu a
organizaccedilatildeo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte em parceria com o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (PRONERA
DECRETO Nordm 7352 de 2010) O curso se destina a formaccedilatildeo de assentados da Reforma
7 O Grupo de Estudos e Pesquisas Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) Coordenado pela Professora Drordf Rita de
Cassia Cavalcanti Porto procura identificar e analisar a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire na
perspectiva da reinvenccedilatildeo nas poliacuteticas e praacuteticas emancipadoras curriculares de formaccedilatildeo de professores nos
sistemas puacuteblicos de ensino bem como socializar com gestores pesquisadores e educadores o legado freireano
para a educaccedilatildeo
17
Agraacuteria Minha atuaccedilatildeo no grupo compreendia a monitoria da turma durante as aulas e
estudos teoacutericos nos intervalos do curso
O MST surge no Rio Grande do Norte em decorrecircncia do 5ordm Encontro Nacional do
Movimento realizado em 1989 que definiu a continuidade de sua expansatildeo pelo Brasil em
pressionar o governo pela realizaccedilatildeo da reforma agraacuteria A primeira ocupaccedilatildeo do MST no Rio
Grande do Norte ocorreu no Vale do Assu com 20 famiacutelias na Fazenda Bom Futuro que fica
localizada no Municiacutepio de JanduiacutesRN (RIBEIRO 2002) Desde aquela eacutepoca ateacute hoje
muita coisa aconteceu e muita coisa mudou O Movimento se tornou fundamental no
enfrentamento das grandes questotildees acerca da terra no Rio Grande do Norte
O interesse pela temaacutetica da Educaccedilatildeo do Campo tornou-se evidente devido a
aproximaccedilatildeo com o MST e com a monitoria do curso de Pedagogia da Terra No MST
percebi que muitos dos termos da educaccedilatildeo e das praacuteticas educativas eram ressignificadas
pelo Movimento e que este tinha forte influecircncia da Pedagogia Freireana o que
indubitavelmente tornou-se porta de entrada para aprofundar meus estudos e interesses sobre
a temaacutetica a Educaccedilatildeo do Campo
Investigar a relaccedilatildeo entre os sujeitos do campo e a universidade passou a ser meu
principal interesse e por conseguinte tema da minha monografia ―Veredas da Pedagogia da
Terra anaacutelise reflexiva de um percurso (SILVA FILHO 2011) Nesse trabalho procurei
refletir sobre o Curso de Pedagogia da Terra enquanto uma educaccedilatildeo voltada agraves populaccedilotildees
do campo e sua relaccedilatildeo com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Esses relatos de experiecircncias e autobiografia como entende Antocircnio Chizzotti (2006)
representam em boa medida um caminho trilhado as relaccedilotildees afetivas os desejos a histoacuteria
satildeo partes que nos atravessam e que nos constitui tambeacutem A academia costuma nos dissecar
tornar o pesquisador mais pesquisador do que gente quando a relaccedilatildeo eacute justamente o
contraacuterio Os sujeitos aparecem como a-histoacutericos natildeo tecircm famiacutelia natildeo tecircm amores natildeo tecircm
lugares Esses escritos iniciais tecircm justamente essa finalidade situar o pesquisador antes de
tudo como gente como sujeito que como escrevera Freire (2012) estaacute no mundo mas
tambeacutem com o mundo e com os outros
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14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO A
PRAacuteXIS FREIREANA COMO SUPORTE PARA ESSE ESTUDO
Para garantirmos a consubstancialidade deste estudo a contextualizaccedilatildeo dos fatos
tanto no tempo histoacuterico como no espaccedilo foi ponto de constante atenccedilatildeo Natildeo queremos
jamais cair no equiacutevoco de excluir essas categorias da nossa pesquisa sobretudo preocupamo-
nos em natildeo perder o homem como inventor da histoacuteria como produto e produtor dessa
narrativa
Nesse mesmo sentido Ball (2011 p38) critica a pesquisa cujo sentido esteja
desvinculado dos fenocircmenos sociais e histoacutericos de que eacute resultado ―Haacute eacute claro aspectos
temporais adicionais nos processos poliacuteticos e nas anaacutelises desses processos mas na praacutetica
muitas pesquisas sobre poliacuteticas educacionais natildeo tem nenhum sentido de tempo O aspecto
negligenciado mais oacutebvio eacute um extravagante a-historicismo
Gatti (2007 p11) afirma que a pesquisa em educaccedilatildeo no Brasil vem se configurando
como um campo em consolidaccedilatildeo ―Nos uacuteltimos anos pode-se observar um aumento
significativo de pesquisas publicaccedilotildees grupos de pesquisa linhas de pesquisa em programas
de poacutes-graduaccedilatildeo e eventos especiacuteficos sobre poliacuteticas sociais e educacionais
No seacuteculo XIV Agriacutecola havia aconselhado aos seus contemporacircneos que
―Considerem suspeito tudo o que lhes havia sido ensinado ateacute entatildeo e o
mesmo aconselhava jaacute no seacuteculo XVI Bacon Descartes e Pascal ―O
primeiro afirmara que a verdade muda com o tempo o segundo que soacute a
evidecircncia poderia convencer algueacutem ao passo que o terceiro insistia em que
a experimentaccedilatildeo era o uacutenico criteacuterio seguro no campo cientiacutefico (PONCE
2010 p126 grifo do autor)
As pesquisas e suas configuraccedilotildees variaram muito ateacute os tempos de hoje alguns
pesquisadores se filiam agraves novas tendecircncias outros permanecem crentes da consistecircncia da
corrente teoacuterica a qual satildeo simpaacuteticos e acreditam que essa linha de pensamento ainda daacute
conta de forma satisfatoacuteria do entendimento e da criacutetica necessaacuteria agraves questotildees que a realidade
enseja
19
Desse modo continuamos nos filiando agrave corrente histoacuterico-criacutetico de analisar a
realidade com base no materialismo histoacuterico-dialeacutetico e na praacutexis educativa de Paulo Freire
uma vez que nessa perspectiva ―o estudo ontoloacutegico do ser social natildeo prescinde o estudo da
gecircnese histoacuterica da especificidade da sociedade (SAVIANI DUARTE 2012 p 37) ―A
pesquisa natildeo eacute de modo algum na praacutetica uma reproduccedilatildeo fria das regras que vemos em
alguns manuais O proacuteprio comportamento do pesquisador em seu trabalho eacute-lhe peculiar e
caracteriacutestico (GATTI 2007 p 11) Isso se deve indubitavelmente a um complexo de
muacuteltiplos condicionamentos que constituem o pesquisador enquanto ser histoacuterico Enquanto
gente
Este conhecimento como objeto de dado alheio a qualquer traccedilo de
subjetividade elimina qualquer perspectiva de colocar a busca cientiacutefica ao
serviccedilo das necessidades humanas para resolver problemas praacuteticos O
investigador estuda os fatos pela proacutepria ciecircncia pelo propoacutesito superior da
alma humana de saber Natildeo estaacute interessando em conhecer as consequumlecircncias
de seus achados Este propoacutesito de espiacuterito positivo engendrou uma
dimensatildeo que foi defendida com muito entusiasmo e ainda hoje em alguns
meios se levanta como bandeira verdadeira a da neutralidade da ciecircncia
(TRIVINtildeOS 1987 p 37)
Para noacutes a busca pelo conhecimento eacute ponto nevraacutelgico para contribuir com o atual
debate da Educaccedilatildeo do Campo e com a Pedagogia Paulo Freire Nessa perspectiva estudar
esse fenocircmeno sem fim nem finalidade seria ignomiacutenia da nossa parte
Pensando numa perspectiva teoacuterica que atenda aos interesses almejados e tendo em
vista a realidade social e concreta na qual estamos imersos assim como as disputas inerentes
ao tecircnue e conflitante tecido social temos como metodologia o materialismo histoacuterico
dialeacutetico e a praacutexis educativa de Paulo Freire pois esta perspectiva vincula de forma
satisfatoacuteria as questotildees abordadas nesse estudo agrave dinacircmica da realidade material dos sujeitos
envolvidos e reflete a construccedilatildeo histoacuterica dos fenocircmenos com destaque para as
transformaccedilotildees sociais que esta construccedilatildeo enseja
A compreensatildeo da praacutexis educativa em Paulo Freire se encontra diluiacuteda em toda a sua
pedagogia como essa pedagogia eacute bastante ampla abordaremos os principais elementos que
se encontram ligados ao materialismo histoacuterico dialeacutetico procurando dialogar as interfaces
dessas teorias e como elas contribuem para o entendimento da realidade Na praacutexis educativa
de Freire assim como no materialismo histoacuterico dialeacutetico a mera especulaccedilatildeo filosoacutefica natildeo
20
garante subsiacutedio natildeo basta apenas interpretar o mundo eacute preciso tratar de transformaacute-lo
(FREIRE 1983)
A histoacuteria da dialeacutetica eacute demasiadamente longa por isso natildeo pretendemos aprofundar
essa temaacutetica esclarecemos apenas que nesse trabalho adotamos aquela cujo vieacutes eacute marxista
em que pese haver uma vasta gama de outras possiacuteveis compreensotildees da dialeacutetica A
concepccedilatildeo marxista encontra suporte no materialismo e na histoacuteria para a explicaccedilatildeo dos
fenocircmenos
Na produccedilatildeo social da sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees
determinadas necessaacuterias independente da sua vontade relaccedilotildees de
produccedilatildeo que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das
forccedilas produtivas materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui
a estrutura econocircmica da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva
uma superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas
formas de consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida material
condiciona o desenvolvimento da vida social poliacutetica e intelectual em geral
Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o seu ser eacute o seu ser social
que inversamente determina a sua consciecircncia (MARX 1973 p 28-28)
Esforccedilamo-nos em compreender como a histoacuteria da Educaccedilatildeo do Campo bebe da
Pedagogia Paulo Freire onde se intercalam e como dialeticamente se aproximam Cheptulin
(1982) aponta para dialeacutetica como sendo formas gerais de estudar o ser os aspectos e os laccedilos
gerais da realidade as leis do reflexo desta uacuteltima na consciecircncia dos homens pensamento
fortemente presente na pedagogia freireana em que o ponto de partida da histoacuteria e da
realidade satildeo os sujeitos reais (FREIRE 2011)
Gadotti (1983) nos ajuda a situar a dialeacutetica materialista dentro de uma concepccedilatildeo
metodoloacutegica
Natildeo se trata de pensar toda a histoacuteria da educaccedilatildeo pois o que teriacuteamos seria
o ponto de vista da dialeacutetica ou melhor uma leitura dialeacutetica do que foi a
educaccedilatildeo ateacute hoje Eacute o que jaacute fez por exemplo o grande filoacutesofo e
historiador argentino Anibal Ponce mostrando como a educaccedilatildeo enquanto
fenocircmeno social ligado a superestrutura soacute pode ser compreendida atraveacutes
da anaacutelise soacutecio-econocircmica da sociedade que a matem [] O meacuterito de
Anibal Ponce estaacute justamente em colocar em evidecircncia o princiacutepio da
dialeacutetica da relaccedilatildeo entre a consciecircncia e a estrutura econocircmica mostrando
como a luta pelo direito a educaccedilatildeo e agrave cultura acompanhou a luta pelos
demais direitos enfim a educaccedilatildeo natildeo estaacute separada da luta de classe
(GADOTTI 1983 p 39-40)
21
O Materialismo histoacuterico-dialeacutetico eacute a ciecircncia filosoacutefica do marxismo que estuda as
leis socioloacutegicas que caracterizam a vida da sociedade de sua evoluccedilatildeo histoacuterica e da praacutetica
social dos homens no desenvolvimento da humanidade O Materialismo histoacuterico significou
uma mudanccedila fundamental na interpretaccedilatildeo dos fenocircmenos sociais que ateacute o nascimento do
marxismo se apoiava na concepccedilatildeo idealista de sociedade humana (TRIVINtildeOS 1987)
Quando eacute adotada a perspectiva materialista histoacuterico-dialeacutetica o
desenvolvimento da humanidade eacute analisado como um processo histoacuterico
contraditoacuterio heterogecircneo que se realiza por meio das concretas relaccedilotildees
sociais de dominaccedilatildeo que tem caracterizado a histoacuteria da humanidade ateacute
aqui (SAVIANI DUARTE 2012 p 39)
Karel Kosik autor da ―Dialeacutetica do concreto publicado em 1963 um dos mais
eminentes expoentes do marxismo trabalha a realidade em sua totalidade natildeo se limita as
anaacutelises das partes mas procura estabelecer o caraacuteter dialeacutetico entre as partes e o todo Ele
analisa a ―realidade como um todo estruturado dialeacutetico no qual ou do qual um fator
qualquer (classes de fatos conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido
(KOSIK 2010 p 44) o que configura uma compreensatildeo bastante satisfatoacuteria para nossa
anaacutelise cujo objetivo eacute entender como as diferentes partes de uma realidade formam o
fenocircmeno abordado
Na pedagogia freireana cujo assento eacute a praacutexis educativa a compreensatildeo da realidade
eacute ponto chave para a tomada de conscientizaccedilatildeo dos sujeitos Para Freire (1987) a realidade eacute
construiacuteda historicamente sendo passiva de mudanccedila nega-se assim o determinismo de uma
realidade estaacutetica pronta imutaacutevel Para ele a superaccedilatildeo do estado de opressatildeo eacute uma tarefa
ontoloacutegica do homem
Esta superaccedilatildeo natildeo pode dar-se poreacutem em termos puramente idealistas Se
faz indispensaacutevel aos oprimidos para a luta por sua libertaccedilatildeo que a
realidade concreta de opressatildeo jaacute natildeo seja para eles uma espeacutecie de ―mundo
fechado (em que se gera o seu medo da liberdade) do qual natildeo pudessem
sair mas uma situaccedilatildeo que apenas os limita e que eles podem transformar eacute
fundamental entatildeo que ao reconhecerem o limite que a realidade opressora
lhes impotildee tenham neste reconhecimento o motor de sua accedilatildeo libertadora
(FREIRE 1987 p 19)
Nesse sentido nos aproximamos de um materialismo praacutetico cujo princiacutepio natildeo se
pretende a captar a realidade sob forma de objeto ou como mera contemplaccedilatildeo Isso rompe
com a oposiccedilatildeo estanque sujeitoobjeto e concebe alternativamente a atividade humana como
22
uma atividade objetiva e transformadora ao mesmo tempo Desse modo o homem eacute
simultaneamente fruto das circunstacircncias histoacutericas e agente de mudanccedila das mesmas
Na contribuiccedilatildeo deste estudo optamos por uma investigaccedilatildeo no campo da pesquisa
qualitativa realizando um levantamento bibliograacutefico e uma anaacutelise documental Segundo Gil
(2002 p46)
O desenvolvimento da pesquisa documental segue os mesmos passos da
pesquisa bibliograacutefica Apenas cabe considerar que enquanto na pesquisa
bibliograacutefica as fontes satildeo constituiacutedas sobretudo por material impresso
localizados nas bibliotecas na pesquisa documental as fontes satildeo muito
mais diversificadas e dispersas
A par disso realizamos uma busca em documentos da Universidade do Curso de
Pedagogia e tambeacutem da Comissatildeo Permanente de Vestibular (COMPERVE) e nos ocupamos
em analisar os documentos norteadores do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte uma vez que este constitui nosso recorte analiacutetico
Devido agrave dificuldade de realizarmos uma pesquisa com todos os estudantes do Curso
espalhados por todo o Estado do Rio Grande do Norte concordamos com Gil (2002 p46)
quando afirma que ―Outra vantagem da pesquisa documental eacute natildeo exigir contato com os
sujeitos da pesquisa Eacute sabido que em muitos casos o contato com os sujeitos eacute difiacutecil ou ateacute
mesmo impossiacutevel Em outros a informaccedilatildeo proporcionada pelos sujeitos eacute prejudicada pelas
circunstacircncias que envolvem o contato
Para dialogar com essa perspectiva metodoloacutegica trabalhamos com autores cujo
assento eacute tanto a resistecircncia como na transformaccedilatildeo do status quo social como a
organizaccedilatildeo coletiva na busca por direitos historicamente negados Nesse sentido Aroyo
(2011 2009) Caldart (2012 2010) Freire (1983 1991 2011 2012) Gadotti (1983 1996
2000) Ribeiro (2010) Saviani (2008) Apple (2012) Giroux (1986) entre outros Aleacutem disso
a anaacutelise dos marcos legais que norteiam a Educaccedilatildeo do Campo tambeacutem foi de grande
importacircncia para a formulaccedilatildeo da nossa base de sustentaccedilatildeo
Por fim entendemos que na pesquisa social haacute uma relaccedilatildeo definitiva entre o
pesquisador e o seu campo de estudo ―A visatildeo do mundo de ambos estaacute implicada em todo
23
processo de conhecimento desde a concepccedilatildeo do sujeito aos resultados do trabalho e agrave sua
aplicaccedilatildeo (DESLANDES et al 1994 p 14) Seguindo essa linha percebemos o quatildeo
proacuteximos estamos de todas essas questotildees trabalhadas e na verdade que nossas escolhas
nosso objetivo nossa metodologia natildeo eacute nem poderia ser obra do acaso eacute na verdade fruto
da nossa formaccedilatildeo social enquanto o sujeito mas sobretudo enquanto gente
24
2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO
PRA PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER
Natildeo quero dizer poreacutem que porque esperanccediloso
atribuo a minha esperanccedila o poder de transformar a
realidade e assim convencido parto para o embate sem
levar em consideraccedilatildeo os dados concretos materiais
afirmando que minha esperanccedila basta Minha esperanccedila
eacute necessaacuteria mas natildeo eacute suficiente Ela soacute natildeo ganha a
luta mas sem ela a luta fraqueja e titubeia Precisamos
da esperanccedila criacutetica como o peixe necessita da aacutegua
despoluiacuteda
Paulo Freire Pedagogia da Esperanccedila 1992
21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO
EDUCACIONAL
A Reforma do Estado e a reestruturaccedilatildeo produtiva das deacutecadas de 1980 e 1990 assim
como a consolidaccedilatildeo das poliacuteticas neoliberais no campo econocircmico e social representam um
divisor quando nos referimos agrave atuaccedilatildeo do Estado frente agrave garantia de poliacuteticas (SADER
GENTILI 1995) Essas transformaccedilotildees tecircm significativa influecircncia no campo educacional e
eacute disso que trataremos agora
Luiz Fernandes Dourado em palestra no X Encontro Estadual da ANFOPE-PB e IX
Encontro Regional - NE ANFOPE realizado em Campina Grande ndash PB em 2012 afirma que
natildeo se pode compreender as poliacuteticas educacionais se natildeo fizer isso de maneira
contextualizada quais sejam as condiccedilotildees objetivas em que elas satildeo produzidas Obviamente
a economia tem papel de destaque na determinaccedilatildeo dessas condiccedilotildees Silva (2011) tratando a
questatildeo agrave luz do pensamento de Michael Apple afirma que as caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo
da economia na sociedade capitalista afeta tudo aquilo que ocorre em outras esferas sociais
como a educaccedilatildeo e a cultura por exemplo
Para tanto antes de adentrarmos a reforma do estado e suas implicaccedilotildees na educaccedilatildeo eacute
salutar voltarmos ao entendimento do principal pilar de sustentaccedilatildeo dessa reforma o
25
neoliberalismo Sader e Gentili (1995) e Neves (2005) afirmam que o neoliberalismo nasceu
logo depois da II Guerra Mundial na regiatildeo da Europa e da Ameacuterica do Norte onde imperava
o capitalismo Foi uma reaccedilatildeo teoacuterica e poliacutetica veemente contra o Estado intervencionista de
bem-estar O pensamento neoliberal foi difundido inicialmente no Reino Unido no trabalho
do economista austriacuteaco Frederich Hayek (BALL 2011 SADER GENTILI 1995)
O surgimento do neoliberalismo apoacutes a Segunda Guerra e sua posterior
consolidaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1980 trazem consigo um formidaacutevel
ataque contra o igualitarismo e a solidariedade coletivistalsquo em quaisquer de
suas formas desde a aparentemente mais benigna o Ministeacuterio do Bem-
estarlsquo das sociais-democracias europeacuteias ateacute a mais virulenta (a juiacutezo dos
ideoacutelogos neoliberais) corporificada no modelo sovieacuteticolsquo vigente na Uniatildeo
Sovieacutetica e nos paiacuteses do Leste Europeu Ambas as variantes nas palavras
de Hayek se movimentavam em prol de um mesmo objetivo a construccedilatildeo
de uma sociedade de iguais Eram por isso mesmo rotas alternativas que
desembocavam em um mesmo desastre civilizatoacuterio a servidatildeo moderna
(BORON 2000 p55)
Ainda para Sader e Gentili (na mesma obra) a chegada da grande crise do modelo
econocircmico do poacutes-guerra em 1973 quando todo o mundo capitalista avanccedilado caiu numa
longa e profunda recessatildeo combinando pela primeira vez baixas taxas de crescimento com
altas taxas de inflaccedilatildeo mudou tudo ―A rigidez do fordismo tornou-se um obstaacuteculo para o
crescimento do capitalismo A crise da deacutecada de 1970 foi a expressatildeo do esgotamento de um
modelo baseado na produccedilatildeo em massa de um lado e no chamado Estado de Bem-Estar
social de outro (DEL PINO 2011 p 67) A partir daiacute as ideias neoliberais passaram a
ganhar terreno
Expoente fundamental na difusatildeo do neoliberalismo Margaret Thatcher8 encontra-se
natildeo tanto na negativa da existecircncia de sociedade mas em sua radical e desoladora
reimaginaccedilatildeo da sociedade civil Ela se apoia em um renascimento do individualismo
competitivo e em um novo tipo de cidadatildeo-consumidor (BALL 2011)
As reformas econocircmicas de ―Ajuste estrutural implementadas na Ameacuterica Latina
estatildeo baseadas no que ficou conhecido como ―Consenso de Washington (NASCIMENTO
QUAIOTTI et al1997) Satildeo medidas que visam agrave abertura de economias nacionais
8 13 de outubro de 1925 mdash 8 de abril de 2013
26
desregulaccedilatildeo dos mercados cortes nos gastos sociais flexibilizaccedilatildeo dos direitos trabalhistas
privatizaccedilatildeo das empresas puacuteblicas e o controle do deacuteficit fiscal No Brasil apoacutes a
constituiccedilatildeo de 1988 vaacuterias emendas constitucionais vecircm sendo aprovadas com o objetivo de
desregulamentar a relaccedilatildeo capitaltrabalho (DEL PINO 2011)
Ball (2011p 23) explica que ―durante os uacuteltimos quinze anos temos testemunhado no
Reino Unido e tambeacutem na maioria das outras sociedades do mundo ocidental e das
sociedades desenvolvidas uma profunda transformaccedilatildeo nos princiacutepios de organizaccedilatildeo da
provisatildeo social especialmente no setor puacuteblico Del Pino (2011) citando Boroacuten e
Hobsbawm afirma que essas transformaccedilotildees tambeacutem chegaram a paiacuteses do hemisfeacuterio norte
e sul em especial na Ameacuterica Latina Afirma ainda que o seacuteculo XX que iniciou como o
seacuteculo das massas se despede ―como seacuteculo do desemprego em massa (DEL PINO 2011
p65)
Essa breve cronologia tem como objetivo mostrar de onde vem a discussatildeo A reforma
tem iniacutecio na deacutecada de 80 mas como vimos tem sua gecircnese bem antes ―Na verdade haacute uma
tendecircncia notaacutevel a um ―poacutes-1988 (BALL 2011 p 38) Isso significa que muitos
pesquisadores utilizam a reforma de 1988 como ponto zero excluindo em boa medida o que
a antecedeu
Essa introduccedilatildeo tambeacutem tem como objetivo mostrar as implicaccedilotildees da reestruturaccedilatildeo
produtiva no campo educacional Quais as consequecircncias da reforma pra noacutes pesquisadores
estudantes professores e trabalhadores na educaccedilatildeo em geral De iniacutecio vale salientar que a
reestruturaccedilatildeo tem como uma de suas finalidades a adequaccedilatildeo dos modelos produtivos ao
novo modelo econocircmico insurgente chamado por Ball (2011) ―poacutes-fordismo que
―caracteriza-se pelo aparecimento de setores produtivos inteiramente novos Isso jaacute nos
remete agrave implicaccedilatildeo de que a educaccedilatildeo passa a ser vislumbrada como um campo feacutertil e rico
em potencial a ser explorado pelo mercado capitalista em sua faceta neoliberal
Essas mudanccedilas natildeo se restringem ao campo produtivo mas de forma muito concisa
ao campo da individualidade dos sujeitos das subjetividades ―De este modo no soacutelo nos
encontramos en un momento de imposicioacuten de un determinado modelo de produccioacuten y
distribucioacuten de la riqueza sino ademaacutes en un proceso de resocializacioacuten de reorganizacioacuten
de los sentidos con los cuales conviviacuteamos (ALMANACID ARROYO 2011 p 264) Essa
27
posiccedilatildeo eacute ratificada por Ball (2011 p 32) quando afirma que ―outro aspecto da reestruturaccedilatildeo
eacute a formaccedilatildeo de novas subjetividades profissionaislsquo Natildeo simplesmente o que fazemos
mudou quem noacutes somos as possibilidades de quem deveriacuteamos nos tornar tambeacutem
mudaram
Nesse momento assistimos a educaccedilatildeo brasileira experimentar as consequecircncias
danosas dessa nova dinacircmica advinda do capitalismo em uma fase neoliberal como por
exemplo a ecircnfase na supervalorizaccedilatildeo de iacutendices de qualidade e eficiecircncia Essa construccedilatildeo
teve como assento o pensamento hegemocircnico de que esse seria natildeo somente o melhor
caminho mas tambeacutem o uacutenico para fugir da falecircncia estatal
Sob a ideologia da globalizaccedilatildeo os governos dos paiacuteses dependentes entre
eles o Brasil acenam com a necessidade de integraccedilatildeo agrave economia mundial
dentro dos padrotildees propostos por esta integraccedilatildeo como uacutenico meio de afastar
a degradaccedilatildeo social e o aprofundamento da condiccedilatildeo de pobreza destes paiacuteses
Todavia essa hipoacutetese eacute falsa A integraccedilatildeo atraveacutes do atual padratildeo de
desenvolvimento eacute impossiacutevel (DEL PINO 2011 p66)
A ideologia neoliberal ganha ecircnfase sobretudo com a derrocada dos governos
socialista principalmente com o fim da Uniatildeo Sovieacutetica e do comunismo na Europa Oriental
(SADER GENTILI 1995) Na contramatildeo desse processo emerge uma criacutetica tanta ao novo
modelo de sociedade como ao paradigma vigente de educaccedilatildeo
Com o esgotamento da Ditadura Civil Militar os movimentos sociais emergem e
desempenham papel fundamental na busca de uma pedagogia alternativa e de um modelo de
sociedade no qual o fatalismo ou o discurso poacutes-moderno de ―[] obstaacuteculos insuperaacuteveis
(FREIRE 2012 p 48) natildeo predomine A pedagogia histoacuterico-criacutetica e contra-hegemocircnica
fruto tanto de uma opccedilatildeo ideoloacutegica de sociedade como do periacuteodo de reabertura poliacutetica de
meados da deacutecada de 1980 desempenha papel central nesse momento histoacuterico
Eacute importante destacarmos a colocaccedilatildeo da expressatildeo ―contra-hegemocircnica pois ela
costura este texto por vaacuterios momentos Ainda que Gramsci natildeo tenha trabalhado o conceito
de contra-hegemonia sendo esse uma formulaccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho9 estamos
9 Carlos Nelson Coutinho eacute um dos maiores tradutores da obra de Gramsci no Brasil
28
amparados no inverso desse termo ou seja a hegemonia termo exaustivamente pensado por
Gramsci
A hegemonia seria a capacidade de um grupo social unificar em torno de seu projeto
poliacutetico um bloco mais amplo natildeo homogecircneo marcado por contradiccedilotildees de classe Desse
modo hegemonia eacute algo que se conquista por meio da direccedilatildeo poliacutetica e do consenso e natildeo
mediante a coerccedilatildeo Pressupotildee aleacutem da accedilatildeo poliacutetica a constituiccedilatildeo de uma determinada
moral de uma concepccedilatildeo de mundo numa accedilatildeo que envolve questotildees de ordem cultural na
intenccedilatildeo de que seja instaurado um ―acordo coletivo (GRAMSCI 1991) Para Coutinho
(1999) eacute a busca de uma classe particular para impor seus interesses comuns como interesse
geral da sociedade Nesse sentido a colocaccedilatildeo da expressatildeo contra-hegemonia estaacute
intrinsecamente ligada ao conceito de resistecircncia de luta
Dourado (2012) afirma que se a tradiccedilatildeo do estado brasileiro eacute ainda marcada por um
estado patrimonial em que pese ser este paiacutes a sexta economia do mundo para Fernandes
(1995) eacute um estado ―desigual e combinado Noacutes temos desde o maior avanccedilo tecnoloacutegico a
condiccedilotildees de miserabilidade eacute nesse tensionamento eacute nesse caldeiratildeo cultural social poliacutetico
e racial que vatildeo se traduzindo o horizonte das poliacuteticas puacuteblicas
Dourado (2011) nos mostra que a histoacuteria da educaccedilatildeo brasileira eacute marcada por
disputas entre diferentes projetos de educaccedilatildeo e sociedade O atual debate acerca do Plano
Nacional de Educaccedilatildeo (PNE) apesar de parecer recente data da deacutecada de 1930 quando os
Pioneiros elaboraram o primeiro esboccedilo de Plano arquivado logo em seguida pelo Estado
Novo e totalmente negligenciado pelo Regime Militar
Ainda conforme Dourado (2011 p 23) ―A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 resultante de
amplo processo constituinte avanccedila consideravelmente no campo dos direitos sociais A
Constituiccedilatildeo determina que o Senado crie planos e programas nacionais O primeiro PNE (Lei
nordm 10172 de 09 de janeiro de 2001) foi aprovado no governo Itamar Franco e teria duraccedilatildeo
no Governo Fernando Henrique Cardoso no entanto o Governo do PSDB natildeo considerou o
plano como referencial para suas accedilotildees
Em 2010 com o prazo de vigecircncia do PNE prestes a expirar a sociedade civil
organizada pelo Foacuterum Nacional de Educaccedilatildeo (FNE) realiza a I Conferecircncia Nacional de
29
Educaccedilatildeo (2010) com o objetivo de intervir propositivamente no novo Plano a ser lanccedilado
pelo Congresso Nacional em 2011 O novo Plano Nacional de Educaccedilatildeo (PL 8035) se
configura dentro de um complexo campo de disputas de forccedilas Nesse sentido a sociedade
civil estaacute mais uma vez realizando conferecircncias de educaccedilatildeo municipais intermunicipais
distrital e estadual que culminaratildeo na Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo de 2014 cuja
finalidade eacute garantir a aprovaccedilatildeo de um plano articulado nacionalmente democraacutetico e
popular (CONAE 2014)
Nesse contexto de efervescecircncia eacute de fundamental importacircncia a atuaccedilatildeo dos
movimentos de resistecircncia do campo na luta por educaccedilatildeo Esse movimento contra
hegemocircnico eacute importante para fazer frente agraves poliacuteticas neoliberais que avanccedilam na
contemporaneidade Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo passa a ser vista enquanto
propositiva de uma educaccedilatildeo que escapa tanto agrave pedagogia da hegemonia como ao modelo
rural de educaccedilatildeo que vem sendo destinado aos sujeitos do campo ao longo da histoacuteria
(ARROYO 2009) Mesmo com todas as contradiccedilotildees e ressalvas que satildeo necessaacuterias
estamos pois vendo emergir um contraponto fundamental uma pedagogia politizada
assentada em princiacutepios criacuteticos que tem como foco o sujeito
Feita essa breve retrospectiva histoacuterica iniciamos nesse momento o debate sobre a
Educaccedilatildeo Rural e como a superaccedilatildeo desse paradigma eacute essencial para alcanccedilar a Educaccedilatildeo do
Campo cujos princiacutepios tecircm forte afinidade com a Pedagogia Paulo Freire e questotildees que
reclamam mudanccedilas estruturais no seio da sociedade brasileira
22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA
Apesar de evidenciarmos avanccedilos importantes no campo educacional o analfabetismo
ainda eacute um empecilho para a construccedilatildeo de uma sociedade mais autocircnoma tanto do ponto de
vista do desenvolvimento econocircmico do paiacutes como da emancipaccedilatildeo humana dos seus
cidadatildeos Ainda haacute uma barreira demasiadamente alta que impede os sujeitos de construiacuterem
melhores condiccedilotildees sociais de vida Esse problema se intensifica quando tomamos como foco
de investigaccedilatildeo a zona rural brasileira Segundo dados do uacuteltimo estudo do Instituto de
Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA 2009) os iacutendices referentes ao analfabetismo das
populaccedilotildees do campo por exemplo satildeo sempre superiores quando comparados com as
populaccedilotildees residentes na zona urbana
30
Ainda segundo o estudo no meio rural haacute uma grande desigualdade de renda entre os
ricos e pobres uma vez que os primeiros satildeo os ―donos das terras e os segundos satildeo sempre
aqueles que trabalham nela Sabe-se que em sociedade como a nossa a posse da terra eacute
condiccedilatildeo primaacuteria para ascensatildeo social poliacutetica e econocircmica de um povo
Nas sociedades predominantemente agriacutecolas a propriedade da terra eacute a
principal fonte de poder econocircmico poliacutetico e social Como uma regra
simples podemos afirmar que quanto maior for a quantidade de terra
possuiacuteda maior seraacute o poder de seu proprietaacuterio (FEDER apud SHALIN
1976 p 73 traduccedilatildeo nossa)
A citaccedilatildeo acima nos ajuda a entender por um lado a posiccedilatildeo social privilegiada que as
classes detentoras de terras ocupam ateacute os dias de hoje A concentraccedilatildeo da terra tem causado
ao longo da histoacuteria grandes prejuiacutezos agraves populaccedilotildees do campo a falta de escolas e o
consequente analfabetismo eacute uma marca desse fenocircmeno de privaccedilatildeo Nesse momento eacute
necessaacuterio resgatar a urgecircncia de uma Reforma Agraacuteria popular no Brasil como forma de
atenuar esse grande deacuteficit histoacuterico Freire (2012 p 65) mostra que a natildeo realizaccedilatildeo de uma
reforma agraacuteria seacuteria eacute mais uma forma de manutenccedilatildeo de privileacutegios da classe dominante
[] Ao mesmo tempo contudo arquivam a realizaccedilatildeo de reforma agraacuteria
sem a qual se estrangula qualquer transformaccedilatildeo seacuteria nesse paiacutes Nenhuma
sociedade capitalista moderna deixou de fazer sua reforma agraacuteria
absolutamente indispensaacutevel agrave criaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de um mercado
interno Eacute por isso que jaacute natildeo falam em Reforma Agraacuteria e natildeo porque seja o
seu processo uma velharia e sua realizaccedilatildeo um desrespeito agrave propriedade
privada como afirmam os donos do mundo e das gentes ( FREIRE 2012 p
65)
O monopoacutelio da terra causou feridas profundas cujas cicatrizes ainda estatildeo abertas no
seio da sociedade brasileira e que portanto ainda satildeo condicionantes que a sociedade precisa
enfrentar para alcanccedilar a melhoria de vida das classes trabalhadoras da cidade e do campo
Tomando o analfabetismo como exemplo ―Para a categoria localizaccedilatildeo observa-se
que na populaccedilatildeo rural a taxa de analfabetismo eacute de quase 228 Jaacute para a populaccedilatildeo
urbanametropolitana esse iacutendice eacute de 44 (IPEA 2009 p 10) Esses dados nos auxiliam
na explicitaccedilatildeo de uma realidade extremamente desigual marcada por preconceitos e
esquecimento Natildeo eacute um dado estatiacutestico tatildeo somente mas antes de tudo eacute um flagrante uma
prova da exclusatildeo secular que os sujeitos do campo brasileiro vecircm passando Freire (2011)
31
aponta para esse processo como a negaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo negaccedilatildeo das vocaccedilotildees dos
homens vocaccedilatildeo negada na injusticcedila na exploraccedilatildeo na opressatildeo e na violecircncia dos
opressores
Desse modo o paradigma educacional no qual se assenta a Educaccedilatildeo Rural reside no
bojo do pensamento utilitarista e dominador de uma classe sobre a outra Ribeiro (2012 p
293) afirma que ―[] para definir educaccedilatildeo rural eacute preciso comeccedilar pela identificaccedilatildeo do
sujeito a que ela se destina Isso significa que as pessoas que estatildeo vinculadas a educaccedilatildeo
rural satildeo sujeitos cuja marca do trabalho nas atividades da agricultura lhes eacute fator
determinante Para Erick Wolf haacute uma relaccedilatildeo direta de exploraccedilatildeo que caracteriza o
camponecircs ―eacute somente quando um cultivador esta integrado em uma sociedade com um estado
ndash isto eacute somente quando o cultivador passa a estar sujeito a exigecircncias e sanccedilotildees de
detentores do poder exterior ao seu estrato social ndash que podemos falar propriamente em um
campesinato (WOLF 1976 p 26) Percebe-se assim uma aproximaccedilatildeo histoacuterica entre o
camponecircs e a exploraccedilatildeo do seu trabalho
Arroyo (2009) aponta para o descaso no qual a educaccedilatildeo das populaccedilotildees do campo
esteve submetida historicamente cuja finalidade natildeo ai aleacutem do ensino de teacutecnicas de plantio
e colheita no manuseio da terra Essa visatildeo utilitarista e preconceituosa legitimou os baixos
investimentos as escolas em condiccedilotildees precaacuterias e a pouca formaccedilatildeo dos profissionais
(ARAUacuteJO SILVA 2011) aleacutem disso acirrou a disparidade da escola rural em relaccedilatildeo agrave
escola urbana quando se pensa na qualidade O ensino dos sujeitos do campo foi marcado por
uma condiccedilatildeo humana assentada no pauperismo na exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo da matildeo-de-
obra de forma mais ampla na negaccedilatildeo dos direitos baacutesicos como eacute a educaccedilatildeo
Poreacutem Freire (2012 p 59) os convida a refletir sobre a problemaacutetica e expotildee que
Jaacute deixo claro que nenhuma sociedade se livraraacute desses horrores por decreto
nem tampouco porque um de seus sujeitos fundamentais os dominantes num
gesto amoroso regale uma nova forma de viver aos ―condenados da terra A
superaccedilatildeo desses horrores implica decisatildeo poliacutetica mobilizaccedilatildeo popular
organizaccedilatildeo intervenccedilatildeo poliacutetica lideranccedila luacutecida democraacutetica esperanccedilosa
coerente tolerante
Paulo Freire um dos mais assiacuteduos defensores da Educaccedilatildeo Como Praacutetica da
Liberdade deixa claro que a superaccedilatildeo desse modelo de educaccedilatildeo que aqui podemos associar
a ―educaccedilatildeo bancaacuteria tem como pressuposto intriacutenseco a organizaccedilatildeo da classe trabalhadora
32
dos oprimidos essa libertaccedilatildeo jamais decorreraacute da ―falsa generosidade dos dominadores
(FREIRE 2011)
Esse modelo de educaccedilatildeo representou para escolas rurais grande atraso em relaccedilatildeo ao
processo educativo dos filhos dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo ainda sendo
comum visualizarmos escolas na zona rural em extrema precarizaccedilatildeo O esvaziamento dos
conteuacutedos a distacircncia entre a vida cotidiana dos alunos e o curriacuteculo da escola contribuiu de
forma direta e indiretamente para o abandono da escola pelas crianccedilas seja para ajudarem
seus pais na lida da agricultura ou nas tarefas domeacutesticas Certamente um ―curriacuteculo oculto
(SILVA 2011) contribui para esse processo de pauperismo
A despreocupaccedilatildeo com o trabalho dos sujeitos do campo eacute parte central que
caracteriza a Educaccedilatildeo Rural Haacute uma disparidade uma incongruecircncia muito significativa
entre o dia-a-dia e o que a escola mostra O cotidiano do estudante da escola do campo eacute rico
em diversidades naturais animais relacionais trabalho e no entanto esse cenaacuterio desaparece
no momento em que ele adentra a escola
Destinadas a oferecer conhecimentos elementares de leitura escrita e
operaccedilotildees matemaacuteticas simples mesmo a escola rural multisseriada natildeo tem
cumprido esta funccedilatildeo o que explica as altas taxas de analfabetismo e os
baixos iacutendices de escolarizaccedilatildeo nas aacutereas rurais (RIBEIRO 2012 p 193
apud CALDART et al 2012)
Percebe-se portanto que a Educaccedilatildeo Rural eacute resultado de uma loacutegica opressora natildeo
podendo ser pensada como um acidente metodoloacutegico que por acaso foi de um jeito e que
poderia ter sido de outro modo Pelo contraacuterio esse modelo tinha um propoacutesito uma
finalidade natildeo era neutra assim como nenhuma outra forma de educaccedilatildeo eacute Sabidamente natildeo
era a emancipaccedilatildeo dos sujeitos do campo ou a preparaccedilatildeo para a educaccedilatildeo superior o seu
propoacutesito mas antes as tarefas manuais da agricultura cuja necessidade educacional se
resumia aos anos iniciais do Ensino Fundamental
Freire (2011 p 83) afirma que ―Natildeo eacute de se estranhar pois que nessa visatildeo bancaacuterialsquo
da educaccedilatildeo os homens sejam vistos como seres da adaptaccedilatildeo do ajustamento Essa
educaccedilatildeo que Freire chama bancaacuteria e que serve perfeitamente agrave Educaccedilatildeo Rural esteve
embrionariamente ligada aos interesses dos latifundiaacuterios brasileiros tanto como formaccedilatildeo de
matildeo-de-obra como forma de manter privileacutegios dos ruralistas ao passo que negara a vocaccedilatildeo
33
ontoloacutegica do homem ou seja a vocaccedilatildeo de ser mais ―A escola rural estaacute profundamente
distanciada da realidade do trabalho e da vida dos agricultores uma vez que a educaccedilatildeo tem
sido utilizada pelas classes dominantes para manter a classe trabalhadora rural subordinada
aos seus interesses (RIBEIRO 2010 p 176)
Nesse sentido podemos observar um ―problema no curriacuteculo da educaccedilatildeo rural Esse
problema eacute resultado de interesses a saber ao longo da histoacuteria natildeo vimos em nenhum
horizonte uma accedilatildeo governamental que tivesse a finalidade de proporcionar uma educaccedilatildeo
diferenciada positivamente para os sujeitos do campo Pelo contraacuterio as accedilotildees estiveram
sempre ligadas muito mais aos interesses dos grandes latifundiaacuterios e da classe poliacutetica do
que agraves reais necessidades das populaccedilotildees camponesas
Se olharmos por exemplo o periacuteodo que compreende a deacutecada de 1940 aos anos
1960 veremos que esse interstiacutecio eacute fortemente marcado pelas campanhas de alfabetizaccedilatildeo das
populaccedilotildees camponesas Esse fenocircmeno tem um imperativo como podemos observar na obra
de Saviani (2008 p 316)
O direito de voto contudo estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo o que levou
os governantes a organizar programas campanhas e movimentos de
alfabetizaccedilatildeo de jovens e adultos dirigidos natildeo apenas aos crescentes
contingentes urbanos mas tambeacutem a populaccedilatildeo rural Daiacute o surgimento de
campanhas ministeriais que se estenderam da deacutecada de 1940 ateacute 1963
Vale salientar que essas campanhas tinham como objetivo a educaccedilatildeo elementar nada
que ultrapassasse a fronteira do direito ao voto um exemplo eacute a Campanha Nacional de
Educaccedilatildeo Rural (CNER) Percebemos o quatildeo alarmante era o quadro em que estavam imersas
as populaccedilotildees do campo nesse periacuteodo Nessa mesma conjuntura mas com caraacuteter
eminentemente progressista surgem diversas organizaccedilotildees populares em vaacuterias partes do
paiacutes debatendo e organizando as populaccedilotildees pobres no sentido de conscientizar esses sujeitos
para intervirem conscientemente na poliacutetica e na sociedade brasileira Wanderley (2010 p
85) aponta que
No tempo decisivo citado sobre a emergecircncia dos processos educativos
populares irromperam os movimentos de cultura popular cujo viacutenculo com
os mesmos foram impactantes MCP do Recife de Natal do MEB Meacutetodo
Paulo Freire entre outros Jaacute naquela eacutepoca eles compareciam situados
como movimentos rurais e urbanos Sua influecircncia na poliacutetica da mesma
maneira foi exponencial na linha de pressionar por mudanccedilas de fundo por
34
isso mesmo no Brasil e em outros paiacuteses latino-americanos foram
duramente reprimidos nas ditaduras implantadas
Sobre o caraacuteter educativo dessa mobilizaccedilatildeo Saviani (2008 p 317) nos expotildee o
seguinte
A mobilizaccedilatildeo que toma vulto na primeira metade dos anos 1960 assume
outra significaccedilatildeo Em seu centro emerge a preocupaccedilatildeo com a participaccedilatildeo
poliacutetica das massas a partir da tomada de consciecircncia da realidade brasileira
E a educaccedilatildeo passa a ser vista como instrumento de conscientizaccedilatildeo A
expressatildeo ―educaccedilatildeo popular assume entatildeo o sentido de uma educaccedilatildeo do
povo pelo povo e para o povo pretendendo-se superar o sentido anterior
criticada como sendo uma educaccedilatildeo das elites dos grupos dirigentes e
dominantes pra o povo visando a controlaacute-lo manipulaacute-lo ajustaacute-lo agrave
ordem existente
Nesse panorama histoacuterico eacute salutar ressaltar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire como um
autecircntico representante desse momento histoacuterico Freire esteve preocupado antes de tudo em
inserir um caraacuteter poliacutetico agrave educaccedilatildeo em educar para a conscientizaccedilatildeo e a poliacutetica Daiacute sua
forte defesa da natildeo neutralidade da educaccedilatildeo pensamento oposto agravequele presente no ideaacuterio
da Educaccedilatildeo Rural ele opocircs-se veemente ao manuseio da formaccedilatildeo atrelada aos interesses
das classes opressora
Os espaccedilos populares forjaram grandes pensadores Paulo Freire eacute um desses que
comprova a experiecircncia e a realidade da cotidianidade como geradora de conteuacutedo de
curriacuteculo e como loacutecus para o desenvolvimento de uma praacutetica popular de educaccedilatildeo baseada
na necessidade do sujeito Esse vieacutes foi estrategicamente negligenciado pela Educaccedilatildeo Rural
Esse caraacuteter de uma educaccedilatildeo transformadora e libertaacuteria eacute usado na experiecircncia de
Angicos Estado do Rio Grande do Norte em 1963 onde Paulo Freire desenvolveu seu
―meacutetodo que alfabetizou trabalhadores rurais daquele municiacutepio em um curto intervalo de
tempo Ele e sua equipe ―[] Alfabetiza 300 trabalhadores Este trabalho obteacutem grande
repercussatildeo nacional e internacional Estende a experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN)
e Joatildeo Pessoa (PB) (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012
p146) Nessa experiecircncia o contexto do sujeito assume grande relevacircncia assim como o
trabalho
A concepccedilatildeo de campo na Educaccedilatildeo Rural tambeacutem apresentara um conceito
esvaziado colocado frequentemente como o lugar onde se produzem alimentos para manter a
35
cidade somente Um lugar sem vida anocircnimo anocircmico e anecircmico Essa era e ainda eacute para
muitos o ideaacuterio de campo que predomina em nossa sociedade
Em seu livro Gritti (2003) demonstra que a escola puacuteblica rural foi um
potente instrumento para a expansatildeo do capitalismo no campo brasileiro
trazendo como consequumlecircncia a desestruturaccedilatildeo do modo de vida dos
trabalhadores rurais principalmente seu trabalho os saberes e a cultura que
lhes satildeo proacuteprios (SAVIENI 2008 p 317)
Como jaacute afirmamos na Educaccedilatildeo Rural haacute uma distacircncia muito significativa entre os
conteuacutedos trabalhados em sala de aula e a realidade dos educandos isso eacute potencializado
ainda mais pelo livro didaacutetico e pela formaccedilatildeo do professor que em boa medida natildeo mora no
campo muitas vezes natildeo tem afinidade com aquela realidade e acaba reforccedilando estereoacutetipos
e preconceitos acerca do campo e dos sujeitos (ARAUacuteJO SILVA 2011) Como consequecircncia
desse distanciamento haacute um processo de urbanizaccedilatildeo das escolas do campo ou seja um
transplante da metodologia da escola urbana para a escola rural ou como eacute comum a
deslocaccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos do campo para as escolas da cidade
Segundo Ribeiro (2010) apesar de ter seu reconhecimento no final do Segundo
Impeacuterio a Educaccedilatildeo Rural tem seu desenvolvimento na primeira metade do seacuteculo XX Os
primeiros incentivos a esse modelo de educaccedilatildeo no Brasil se deram durante o Estado Novo
na deacutecada de 1930 Nesse momento essa educaccedilatildeo se dava em boa parte por campanhas de
alfabetizaccedilatildeo Tais campanhas estavam diretamente atreladas aos interesses da incipiente
industrializaccedilatildeo que chegara ao nosso Paiacutes e aos interesses eleitoreiros uma vez que o voto
estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo como exposto anteriormente Ainda segunda a autora a
Educaccedilatildeo Rural estava baseada numa concepccedilatildeo evolucionista que considerava os costumes
e a vida do homem do campo como atrasado e necessaacuterio de ser evoluiacutedo
A partir da deacutecada de 1950 alguns oacutergatildeos satildeo criados com o objetivo de desenvolver
as regiotildees brasileiras que apresentavam maiores iacutendices de pobreza assim surge a
Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) o Instituto Nacional de
Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) a Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria
(SUPRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agraacuterio (INDA) oacutergatildeos federais que
tratariam de questotildees relativas agrave reforma agraacuteria no Brasil (NETO 2007) Esperava-se com
isso a melhoria da vida da populaccedilatildeo do campo brasileiro entretanto muitas dessas agecircncias
36
se tornaram loacutecus de corrupccedilatildeo e manutenccedilatildeo de privileacutegios dos grupos dominantes do Norte
e Nordeste
Durante a Ditadura Civil Militar brasileira a educaccedilatildeo das populaccedilotildees camponesas
seguiu a reboque da modernizaccedilatildeo agriacutecola guinando ao sabor do vento da mecanizaccedilatildeo do
campo Essa educaccedilatildeo continuou a ser objeto de manutenccedilatildeo de privileacutegios da burguesia
agraacuteria e de negaccedilatildeo de direitos e emancipaccedilatildeo das populaccedilotildees rurais Na deacutecada de 1980
Carter (2010 p 38) afirma que
Um novo ciclo de mobilizaccedilatildeo por terra irrompeu com forccedila no iniacutecio da
deacutecada de 1980 de modo especial na Regiatildeo Sul Brasil Ele surgiu com o
apoio de uma rede progressista no meio religioso e a assistecircncia de vaacuterios
sindicatos de trabalhadores rurais em um contexto de intensa modernizaccedilatildeo
agriacutecola crescentes demandas na sociedade civil pela restauraccedilatildeo da
democracia e o decliacutenio gradual do regime militar O MST foi instituiacutedo
formalmente e em niacutevel nacional em janeiro de 1984 Um ano mais tarde o
Brasil testemunhou a inauguraccedilatildeo de um movo governo civil
Haacute um pensamento que advoga que durante a Ditadura Civil Militar houve uma
calmaria nos movimentos sociais como jaacute salientamos anteriormente entendemos que houve
na verdade uma censura um silenciamento dos atores sociais dos sujeitos Os movimentos
sociais estavam em luta estavam em formaccedilatildeo o MST por exemplo tem sua gestaccedilatildeo ainda
na deacutecada de 1970 assim como a Comissatildeo Pastoral da Terra ndash CPT que foi criada para
conter a onda de assassinatos de trabalhadores rurais e acabou tendo grande importacircncia na
proteccedilatildeo daqueles sem-terra que lutavam pela redemocratizaccedilatildeo do Brasil (SCOLESE 2008)
Esses movimentos embora natildeo tivessem em sua gecircnese a educaccedilatildeo como foco central jaacute
traziam uma denuacutencia importante e uma necessidade de reversatildeo da situaccedilatildeo negligente a qual
as populaccedilotildees rurais se encontravam
A Educaccedilatildeo Rural ainda eacute um fenocircmeno existente em nossa sociedade natildeo podemos
dizer que ela foi enterrada com o advento do paradigma10
da Educaccedilatildeo do Campo Sabe-se
que os desafios ainda satildeo muitos A educaccedilatildeo das comunidades rurais tem alcanccedilado avanccedilos
10 De acordo com Kuhn (2009) o conceito de paradigma eacute entendido como sendo o conjunto das realizaccedilotildees da
ciecircncia reconhecidas universalmente ou seja o paradigma refere-se a um conjunto de crenccedilas ou premissas
sobre o que se julga verdadeiro Satildeo processos de construccedilatildeo de conhecimentos capazes de elaborar teorias que
servem como ponto de partida para a resoluccedilatildeo de problemas da comunidade e satildeo o referencial para a
elaboraccedilatildeo de novos trabalhos cientiacuteficos
37
entretanto ainda haacute muito que avanccedilar A Educaccedilatildeo do Campo eacute uma utopia utopia
necessaacuteria que nas palavras de Paulo Freire citado por Moacir Gadotti (1996 p 732) ―eacute a
dialeacutetica entre o ato de denuacutencia do mundo que se desumaniza e o anuacutencio do mundo que se
humaniza
A Educaccedilatildeo do Campo forjada no bojo dos movimentos de resistecircncia tem sido uma
ferramenta para a classe trabalhadora fazendo o contraponto necessaacuterio ao modelo da nova
pedagogia da hegemonia (NEVES 2005) cujo fulcro tem sido o ideaacuterio privatista
desumanizador e mercantil Eacute nessa concepccedilatildeo que apontamos para a Educaccedilatildeo do Campo
como anunciante de outra possibilidade de educaccedilatildeo esse paradigma vem proporcionando
esperanccedila e ressignificando o sentida da luta pelo direito agrave educaccedilatildeo e agrave vida
23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO
Como externamos a pouco de forma breve a Educaccedilatildeo do Campo tem dado passos
importantes rumo agrave construccedilatildeo de um novo paradigma educacional para as populaccedilotildees do
campo brasileiro Tem feito um tensionamento necessaacuterio ao atual modelo da pedagogia que
tornou-se hegemocircnica que de acordo com Freire (2011) a pedagogia dominante eacute a pedagogia
da classe dominante No entanto muitos afirmam que na realidade as escolas do campo ainda
apresentam problemas estruturais e que mudar o nome dessa educaccedilatildeo natildeo resolveraacute a
questatildeo De fato as escolas do campo ainda apresentam desafios a serem superados
entretanto eacute salutar perceber que algo estaacute acontecendo
Trazer o debate da educaccedilatildeo agrave tona natildeo eacute uma tarefa faacutecil e falar em educaccedilatildeo de
populaccedilotildees historicamente excluiacutedas residentes de uma aacuterea tida como atrasada como eacute
colocado o campo eacute uma tarefa ainda mais complexa Falar de uma educaccedilatildeo ―Para aleacutem do
capital ainda mais nesse tempo eacute sem duacutevida uma tarefa das mais louvaacuteveis A educaccedilatildeo do
Campo tem conseguido essa faccedilanha tem posto em xeque a educaccedilatildeo rural e tem sobretudo
conquistado pela luta sua institucionalidade e seu reconhecimento enquanto um direito da
classe camponesa Nesse sentido a mudanccedila natildeo tem se restringido somente agrave nomenclatura
mas principalmente as conquistas reais
38
Trazemos uma indagaccedilatildeo que nos diz muito sobre a questatildeo da educaccedilatildeo das
populaccedilotildees do campo Arroyo Caldart e Molina na 4ordf ediccedilatildeo da obra ―Por uma Educaccedilatildeo do
Campo de 2009 questionam
Interroga-nos porque nem sequer os governos democraacuteticos nem sequer o
movimento educacional progressista conseguiram colocar em seus
horizontes o direito dos camponeses agrave educaccedilatildeo O olhar negativo
preconceituoso do campo e seu lugar no modelo de desenvolvimento seriam
responsaacuteveis A agricultura camponesa vista como sinal de atraso
inferioridade como um modelo de produccedilatildeo de vida e cultura em extinccedilatildeo
Como quebrar o fetiche que coloca o povo do campo como algo agrave parte
(ARROYO CALDART MOLINA 2009 p 11)
Essas questotildees nos ajudam a entender o terreno em que estamos pisando Ele eacute repleto
de contradiccedilotildees eacute delicado por isso mesmo eacute preciso perspicaacutecia para mover-se nesse debate
em que pese os riscos de naturalizaccedilatildeo de fenocircmenos que satildeo histoacutericos e sociais
Para tomarmos como momento histoacuterico a Ditadura Civil Militar Fernandes (2010 p
163) afirma que
O Governo militar tentou minimizar os conflitos de terra com a implantaccedilatildeo
de projetos de colonizaccedilatildeo na Amazocircnia mas essa poliacutetica de fomentar a
migraccedilatildeo camponesa natildeo diminuiu os conflitos por terra na regiatildeo Sul
Sudeste e Nordeste do Paiacutes Desde o iniacutecio o regime militar reprimiu com
violecircncia as accedilotildees dos trabalhadores que reivindicaram seus direitos como o
acesso agrave terra e melhores condiccedilotildees de trabalho
Os conflitos no campo se tornaram uma constante A contraditoacuteria relaccedilatildeo entre
trabalho e capital tornou-se insustentaacutevel (RIBEIRO 2010) a reforma agraacuteria era uma
questatildeo premente Os movimentos sociais do campo retomam a bandeira da necessidade dessa
reforma como direito e sobretudo como paracircmetro de equidade social entre as populaccedilotildees
do campo e da cidade
Com o fim do regime militar nos anos 1980 sobretudo devido agraves pressotildees advindas da
sociedade civil11
os movimentos sociais assumem o protagonismo das lutas em defesa do
11 Para Gramsci diversamente ―sociedade civil designa o conjunto das organizaccedilotildees responsaacuteveis pela
elaboraccedilatildeo eou difusatildeo das ideologias compreendendo o sistema escolar os sindicatos os meios de
comunicaccedilatildeo as instituiccedilotildees de caraacuteter cientiacutefico e artiacutestico etc (COUTINHO 2011 p 25)
39
trabalho da terra da educaccedilatildeo Eacute nesse momento que irrompe como um dos principais
protagonistas da luta por uma Educaccedilatildeo do Campo o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) movimento social que para Fernandes (2012 p 496)
Reuacutene em sua base diferentes categorias de camponeses pobres ndash como
parceiros meeiros posseiros minifundiaacuterios e trabalhadores assalariados
chamados de sem terra e tambeacutem diversos lutadores sociais para desenvolver
as lutas pela terra pela Reforma Agraacuteria e por mudanccedilas na agricultura
brasileira
Esse cenaacuterio de exclusatildeo negaccedilatildeo de direitos e luta dos camponeses eacute propiacutecio ao
surgimento de praacuteticas educativas autecircnticas forjadas na proacutepria luta Como nos questiona
Freire (2011 p 42-43) ―Quem melhor que os oprimidos se encontraraacute preparado para
entender o significado terriacutevel de uma sociedade opressora Quem sentiraacute melhor que eles os
efeitos da opressatildeo Quem mais que eles para ir compreendendo a necessidade da
libertaccedilatildeo Nesse processo de luta emerge uma forma alternativa de educaccedilatildeo no campo do
campo e com o campo o que viria a tomar corpo e que hoje chamamos Educaccedilatildeo do Campo
Uma das principais diferenccedilas entre Educaccedilatildeo Rural e Educaccedilatildeo do Campo estaacute na
utilizaccedilatildeo e no propoacutesito dessas duas formas de educar A primeira como vimos estaacute
fortemente atrelada a utilizaccedilatildeo da matildeo-de-obra no trabalho dos latifuacutendios em condiccedilatildeo
humana precaacuteria A Educaccedilatildeo do Campo tem como objetivo a formaccedilatildeo para o trabalho e para
a vida pensa o sujeito em sua amplitude sua autonomia e sua capacidade de decidir Pensa
modelos de desenvolvimento para agricultura que natildeo resida no agronegoacutecio e na economia
de exportaccedilatildeo tatildeo somente mas uma economia solidaacuteria e a pequena propriedade como forma
de sustentabilidade ambiental e social para as populaccedilotildees tradicionais do campo
A pedagogia do oprimido dos excluiacutedos dos tempos de barbaacuterie natildeo estaacute
em encontrar meacutetodos novos para educar os baacuterbaros civilizar os oprimidos
ou incluir os excluiacutedos nos valores e saberes dos ―civilizados mas estaacute em
apreender com o conjunto de processos que os excluiacutedos e oprimidos
reinventam para continuar humanos manter seus valores e seus saberes sua
cultura e memoacuteria coletiva sua identidade e dignidade (ARROYO 2011 p
274)
Desse modo percebe-se uma niacutetida evidecircncia de que os movimentos sociais do campo
desenvolveram uma produccedilatildeo pedagoacutegica que tem como sustento suas proacuteprias necessidades
e seu espaccedilo de luta e trabalho
40
A mobilizaccedilatildeo do MST e outros segmentos da sociedade civil tiveram como resultado
a realizaccedilatildeo do I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agraacuteria ndash
ENERA ndash realizado em Brasiacutelia e promovido pelo Movimento em parceria com a UnB a
Unesco o Unicef e a CNBB em junho de 1997 (RIBEIRO 2010) Como fruto desse encontro
e do acuacutemulo dos movimentos sociais na defesa dos direitos agrave educaccedilatildeo vimos brotar de um
chatildeo ―aacuterido e seco o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) uma das
grandes conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo
O Pronera foi criado em 16 de abril de 1998 num contexto de organizaccedilatildeo e
mobilizaccedilatildeo dos Sem Terra em memoacuteria dos massacres de Corumbiara em Rondocircnia em
1995 e Eldorado dos Carajaacutes no Estado do Paraacute ocorrido em 1996 (SANTOS 2012)
Podemos dizer que a primeira conquista do Movimento de Educaccedilatildeo do Campo foi a
institucionalizaccedilatildeo desse Programa
O Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) eacute uma
poliacutetica puacuteblica do governo federal especiacutefica para a educaccedilatildeo formal de
jovens e adultos assentados da Reforma Agraacuteria e do creacutedito fundiaacuterio e para
a formaccedilatildeo de educadores que trabalham nas escolas dos assentamentos ou
do seu entorno e atendem a populaccedilatildeo assentada (SANTOS 2012 p 629)
Assim podemos afirmar que o Programa eacute na verdade uma conquista pela via da luta
e da organizaccedilatildeo da sociedade camponesa em prol de um direito que eacute a educaccedilatildeo e de uma
necessidade que eacute a formaccedilatildeo de professores para as escolas do campo Como objetivos
gerais o Pronera se pretende a
I ndash oferecer educaccedilatildeo formal aos jovens e adultos beneficiaacuterios do Programa
Nacional de Reforma Agraacuteria (PNRA) em todos os niacuteveis de ensino e aacutereas
do conhecimento
II ndash melhorar as condiccedilotildees de acesso agrave educaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e
III ndash proporcionar melhorias no desenvolvimento dos assentamentos rurais
por meio da formaccedilatildeo e qualificaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e dos
profissionais que desenvolvem atividades educacionais e teacutecnicas nos
assentamentos (BRASIL 2011 p 13)
De acordo com o Decreto Nordm 7352 que dispotildee sobre a poliacutetica de educaccedilatildeo do campo
e o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria ndash Pronera ndash Satildeo beneficiaacuterios do
programa
41
I - populaccedilatildeo jovem e adulta das famiacutelias beneficiaacuterias dos projetos de
assentamento criados ou reconhecidos pelo INCRA e do Programa Nacional
de Creacutedito Fundiaacuterio ndash PNFC
II - alunos de cursos de especializaccedilatildeo promovidos pelo INCRA
III - professores e educadores que exerccedilam atividades educacionais voltadas
agraves famiacutelias beneficiaacuterias e
IV - demais famiacutelias cadastradas pelo INCRA
Devido ao seu caraacuteter eminentemente popular o Pronera tem enfrentado barreiras
significativas tanto por parte dos oacutergatildeos de controle como o Tribunal de Contas da Uniatildeo por
exemplo como por setores conservadores da Cacircmara e no Senado Federal sendo a bancada
ruralista o maior expoente dessa oposiccedilatildeo Alem disso dentro das universidades tambeacutem tem
enfrentado desafios no que se refere a permanecircncia dos estudantes
No entanto como afirma Brandatildeo (2009) a Educaccedilatildeo Popular tem como essecircncia a
resistecircncia e a oposiccedilatildeo ao status quo social Como a Educaccedilatildeo do Campo herda demasiado
caraacuteter desse paradigma educacional assim como da pedagogia freireana essas tensotildees e
conflitos representam disputas inerentes ao tecido social
O resultado do I Enera aleacutem da criaccedilatildeo do Pronera teve ainda a inserccedilatildeo definitiva da
Educaccedilatildeo do Campo no cenaacuterio nacional como afirma Roseli Caldart (2012 p 257)
O surgimento da expressatildeo ―Educaccedilatildeo do Campo pode ser datada Nasceu
primeiro como Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo no contexto de preparaccedilatildeo da I
Conferecircncia Nacional por uma Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo realizada em
Luziacircnia Goiaacutes de 27 a 30 de julho de 1998 Passou a se chamar Educaccedilatildeo
do Campo a partir das discussotildees do Seminaacuterio Nacional realizado em
Brasiacutelia de 26 a 29 de novembro de 2002 decisatildeo posteriormente reafirmada
nos debates da II Conferecircncia Nacional realizada em julho de 2004
A Educaccedilatildeo do Campo estaacute embrionariamente ligada aos movimentos sociais eacute a
educaccedilatildeo pensada por esses movimentos e natildeo para eles Desse modo pensar essa educaccedilatildeo
dissociada das praacuteticas e das lutas desses movimentos eacute cair num grande equiacutevoco A
Educaccedilatildeo do Campo tem sido uma ferramenta de luta para a classe trabalhadora do campo
natildeo como pura e simplesmente uma modalidade de ensino mas como um fenocircmeno capaz de
devolver aos sujeitos do campo a sua integraccedilatildeo com seu lugar
A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com
ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento
42
proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica em
que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem absolutizar-se
fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-o a julgar o seu
mundo algo sobre que apenas se acha A sua integraccedilatildeo o enraiacuteza Faz dele na
feliz expressatildeo de Marcel ―um ser situado e datado (FREIRE 1983 p 42)
Desse modo a Educaccedilatildeo do Campo se propotildee a construir coletivamente um
contraponto a um paradigma educacional desumanizado que tem como fulcro os interesses do
mercado capitalista tatildeo somente A esse respeito Jesus (2006 p 51) afirma que
Essa educaccedilatildeo tem na sua origem a necessidade de reinventar as praacuteticas
sociais contra um processo perverso de uma forma hegemocircnica de
globalizaccedilatildeo econocircmica poliacutetica e cultural que impotildee aos diferentes paiacuteses
perifeacutericos e semi-perifeacutericos a reorganizaccedilatildeo das formas de poder de
produccedilatildeo do conhecimento e de desenvolvimento econocircmico e social que
aumenta assustadoramente a perda das autonomias e as desigualdades em
especial entre o povo brasileiro que vive no campo ou eacute excluiacutedo dele
Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo natildeo estaacute acabada eacute pensada a partir das
demandas e necessidades mutaacuteveis que a realidade concreta apresenta Coaduna trabalho e
formaccedilatildeo como partes indissociaacuteveis para a construccedilatildeo do sujeito autocircnomo (SANTOS
2012) Essa Educaccedilatildeo natildeo estaacute paralela aos movimentos sociais ela eacute a educaccedilatildeo desses
movimentos Foi gestada nas lutas por terra nas ocupaccedilotildees nos assentamentos no
enfrentamento das desigualdades sociais Custou vidas e sonhos portanto eacute uma produccedilatildeo
pedagoacutegica autecircntica do movimento de resistecircncia que estaacute muito aleacutem do conceito esvaziado
de educaccedilatildeo dos tempos de produccedilatildeo
Eacute importante destacar que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo natildeo minimiza a
importacircncia dos conteuacutedos e dos conhecimentos historicamente produzidos e acumulados pela
humanidade Natildeo minimiza o curriacuteculo a gestatildeo o planejamento Muito pelo contraacuterio a
Educaccedilatildeo do Campo procurar encher de sentido esses instrumentos que foram esvaziados pela
loacutegica capitalista Busca explicitar o curriacuteculo oculto almeja a gestatildeo democraacutetica e
participativa busca ainda um planejamento no qual os sujeitos e suas realidades e
necessidades tambeacutem sejam parte Nesse sentido a criacutetica feita a Paulo Freire de formular
uma pedagogia sem conteuacutedos eacute hoje dirigida ao paradigma educacional em questatildeo No
entanto essas criacuteticas tecircm partido muito mais de setores burocraacuteticos da sociedade em que
pese natildeo reconheceram a importacircncia e os reais avanccedilos e conquistas dos sujeitos do campo
na contemporaneidade
43
24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS
CONHECIMENTO
A necessidade de uma escola que respeite os saberes dos sujeitos forjados no trabalho
com a terra cujos direitos em boa medida o Estado lhes cerceou historicamente eacute
fundamental para o debate da Educaccedilatildeo do Campo Indubitavelmente a metodologia que
melhor compactua trabalho e formaccedilatildeo e cujo assento reside na relevacircncia das praacuteticas
culturais inerentes aos sujeitos do campo eacute a Pedagogia da Alternacircncia
Entendemos que a Pedagogia da Alternacircncia precisa ser situada dentro da perspectiva
do multiculturalismo12
do curriacuteculo Eacute uma proposta natildeo hegemocircnica utilizada pelos
movimentos sociais que se articulam na Via Campesina13
e que procura coadunar trabalho e
educaccedilatildeo o que sem duacutevida configura um dos maiores desafios da educaccedilatildeo na
contemporaneidade A inclusatildeo das praacuteticas dos trabalhadores nos conteuacutedos e metodologias
da escola eacute importante natildeo somente como forma de respeito mas como ferramenta de
equiparaccedilatildeo e permanecircncia desses sujeitos na escola
Segundo Ribeiro (2012) a Pedagogia da Alternacircncia tem origem com as Casas
Familiares Rurais (CFRlsquos) na Franccedila e com as Escolas Familiares Rurais (EFAlsquos) na Itaacutelia
―Pode-se dizer que eacute uma alternativa metodoloacutegica de formaccedilatildeo profissional agriacutecola para
jovens inicialmente do sexo masculino filhos de agricultores franceses (idem 2012 p 293)
Outra raiz histoacuterica ainda segundo a autora estaacute nas experiecircncias de trabalho e educaccedilatildeo
efetivadas na Ruacutessia poacutes-revolucionaacuteria de 1917 Expostas essas duas matrizes histoacutericas os
movimentos camponeses que pautam a educaccedilatildeo do campo no Brasil tendem a se filiarem
em sua maioria a essa segunda concepccedilatildeo histoacuterica
12 Multicultural eacute um termo qualificativo Descreve as caracteriacutesticas sociais e os problemas de governabilidade
apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma
vida em comum ao mesmo tempo em que reteacutem algo de sua identidade original Em contrapartida o termo
multiculturalismo e substantive Refere-se as estrateacutegias e politicas adotadas para governar ou administrar
problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais E usualmente utilizado no
singular significando a filosofia especifica ou a doutrina que sustenta as estrateacutegias multiculturais
Multicultural entretanto eacute por definiccedilatildeo plural (HALL 2009 p 52)
13 Criada em 1992 a Via Campesina eacute uma organizaccedilatildeo mundial que articula movimentos sociais que lutam pela
terra Entre seus objetivos a solidariedade eacute o mais presente A Via condena o modo predatoacuterio de produccedilatildeo
cujo objetivo se resume a exportaccedilatildeo condena a nomocultura o uso excessivo de agrotoacutexicos que satildeo
caracteriacutesticas do modelo de produccedilatildeo do agronegoacutecio (FERNANDES 2012)
44
Ela [a pedagogia da alternacircncia] brota do desejo de natildeo cortar raiacutezes Eacute uma
das pedagogias produzidas em experiecircncias de escolas do campo em que o
MST se inspirou Busca integrar a escola com a famiacutelia e a comunidade do
educando No nosso caso ela permite uma troca de conhecimento e o
fortalecimento dos laccedilos familiares e do viacutenculo dos educandos com o
assentamento ou acampamento o MST e a terra (CALDART 2009 p 104
Com grifos do autor)
Essa pedagogia natildeo foi gestada nas universidades ela natildeo envolve nem pesquisadores
nem docentes (RIBERIRO 2010) Eacute uma proposta que busca garantir interligaccedilatildeo entre dois
espaccedilos instituiccedilotildees de ensino e atividades de trabalho comum aos agricultores Esse meacutetodo
estaacute diretamente ligado agrave concepccedilatildeo de trabalho e educaccedilatildeo pautado pelos pensadores
marxistas que entendem que o trabalho tem em si um princiacutepio educativo capaz de garantir
uma formaccedilatildeo omnilateral pensamento esse tambeacutem advogado por Paulo Freire e educadores
criacuteticos do Brasil
A alternacircncia se divide em dois momentos o Tempo Escola (TE) em que os
educandos permanecem de duas semanas a dois meses dependendo do curso no espaccedilo da
escola em regime de internato e o Tempo Comunidade (TC) momento no qual os educandos
retornam agraves suas propriedades familiares ou agraves comunidades ou aos assentamentos ou ainda
aos acampamentos para colocarem em praacutetica os conhecimentos que foram objeto de estudo
no TE (RIBEIRO 2010)
Mais que uma caracteriacutestica de sucessotildees repetidas de sequumlecircncia a
alternacircncia enquanto princiacutepio pedagoacutegico visa desenvolver na formaccedilatildeo
dos jovens situaccedilotildees em que o mundo escolar se posiciona em interaccedilatildeo com
o mundo que o rodeia Buscando articular universos considerados opostos ou
insuficientemente interpenetrados ndash o mundo da escola e o mundo da vida a
teoria e a praacutetica o abstrato e o concreto ndash a alternacircncia coloca em relaccedilatildeo
diferentes parceiros com identidades preocupaccedilotildees e loacutegicas tambeacutem
diferentes (SILVA 2000 p 16)
Esse modelo de se fazer educaccedilatildeo pode ter um papel determinante no combate ao
processo nefasto que vem cerceando o direito dos povos do campo a terem acesso agrave educaccedilatildeo
de qualidade sem sair do campo em que pese agrave poliacutetica de nucleaccedilatildeo a qual temos
testemunhado na atualidade Esse processo tem a finalidade de diminuir custos com a
formaccedilatildeo dos filhos dos agricultores que satildeo deslocados para uma escola-nuacutecleo
normalmente localizada na cidade (Ribeiro 2010)
45
A Pedagogia da Alternacircncia compartilha saberes acadecircmico e aqueles advindos do
cotidiano do trabalho na agricultura na pesca nas florestas nos quilombos e em uma
infinidade de espaccedilos que o conceito de campo compreende na contemporaneidade Nesse
sentido a leitura de mundo dos sujeitos tem papel de destaque nessa pedagogia Para Freire
(1983) ―basta ser homem para ser capaz de captar os dados da realidade Para ser capaz de
saber ainda que seja este saber meramente opinativo daiacute que natildeo haja ignoracircncia absoluta
nem sabedoria absoluta (p105) Outro fator importante eacute entender a situaccedilatildeo concreta do
sujeito no mundo como determinante para sua accedilatildeo (FREIRE 2011)
Desse modo compreendemos o curriacuteculo da Educaccedilatildeo do Campo neste trabalho
baseado na Pedagogia da Alternacircncia que uma vez partilhada entre tempo escola e tempo
comunidade significa uma possibilidade de associaccedilatildeo entre trabalho e formaccedilatildeo Essa
metodologia proporciona ainda uma maior aproximaccedilatildeo entre escola e comunidade de modo
a estreitar a dicotomia estabelecida entre teoria e praacutetica No Tempo Escola aleacutem da
aquisiccedilatildeo dos conteuacutedos eacute tambeacutem o momento de pensar sobre a loacutegica o sentido e o valor
social desses conteuacutedos No Tempo Comunidade busca-se a continuidade atraveacutes da praacutexi
dos conhecimentos adquiridos na escola Para melhor esclarecer esse processo vejamos a
seguinte citaccedilatildeo
No Tempo Escola os educandos formam um coletivo muitas vezes oriundos
de diferentes comunidades que ao trazer questotildees reflexotildees
problematizaccedilotildees das suas localidades especiacuteficas ampliam o processo de
reflexatildeo sobre as realidades do campo confrontando as muacuteltiplas situaccedilotildees
que as compotildeem No Tempo Comunidade cada educando individualmente
ou em pequenos grupos deve reafirmar seu envolvimento com sua
comunidade desenvolvendo nela as atividades de pesquisa reflexatildeo
problematizaccedilatildeo e em alguns casos intervenccedilatildeo Dessa forma cria-se um
novo coletivo de accedilatildeo (educando ndash comunidade) que permite inclusive a
participaccedilatildeo indireta do conjunto da comunidade no processo educativo
reforccedilando a relaccedilatildeo escola ndash comunidade (ANTUNES-ROCHA MARTINS
2011 p 226)
Fica evidente que haacute uma aproximaccedilatildeo entre os dois momentos e que ambos satildeo
formativos Aleacutem disso se coloca de forma expliacutecita o trabalho com as experiecircncias e
multiplicidades de culturas que os povos do campo trazem consigo com o outro e com
mundo
46
As peculiaridades da Educaccedilatildeo do Campo natildeo podem ser entendidas como adaptaccedilotildees
ou como modelo da educaccedilatildeo hegemocircnica antes deve ser entendida com autenticidade Sua
organizaccedilatildeo portanto natildeo pode se pautar na educaccedilatildeo urbana adaptada ao campo mas sim
uma educaccedilatildeo proacutepria desse campo Suas conquistas foram arrancadas do seio da educaccedilatildeo
posta historicamente uma educaccedilatildeo que jamais destinou espaccedilo em seu curriacuteculo agraves
vivecircncias agrave leitura de mundo dos sujeitos ou ao trabalho agriacutecola desempenhado pelos povos
do campo14
Verificamos portanto o surgimento desse paradigma metodoloacutegico natildeo como uma
criaccedilatildeo academicista mas como uma necessidade de um modelo ou uma metodologia que
coadune formaccedilatildeo escolar e trabalho praacutetico A Pedagogia da Alternacircncia se confunde com a
proacutepria Educaccedilatildeo do Campo visto que ela natildeo foi uma formalidade acadecircmica pensada e
pesquisada para as populaccedilotildees campesinas ainda que tenha grandes contribuiccedilotildees de
pesquisadores das universidades ela surgiu da necessidade dos proacuteprios trabalhadores e
trabalhadoras do campo
Entendendo as dimensotildees poliacuteticas e ideoloacutegicas das quais o curriacuteculo estaacute permeado
os movimentos sociais do campo foram categoacutericos em apontar para a alternacircncia como
sustentaccedilatildeo da sua praacutetica educativa Assim como eacute salutar diferenciarmos Educaccedilatildeo do
Campo de Educaccedilatildeo Rural sempre que formos chamados a refletir sobre a educaccedilatildeo destinada
agraves populaccedilotildees camponesas tambeacutem eacute importante externar a diferenccedila que haacute de forma mais
decomposta entre o curriacuteculo desses dois paradigmas de se pensar o ensino Ribeiro (2010)
fazendo uma diferenciaccedilatildeo entre os dois modelos curricular aponta
[] 3ordm) Curriacuteculo objetivos e metodologia da escola rural estatildeo direcionados
para o sistema de produccedilatildeo de mercadorias no qual o proacuteprio ser humano eacute
uma mercadoria que pode ser descartaacutevel e flexiacutevel em tempos de desemprego
estrutural e tecnoloacutegico Para a escola baacutesica do campo a memoacuteria das lutas e
das experiecircncias produtivistas constitui-se na base curricular em que se
articulam a produccedilatildeo da vida dos alimentos da sociedade e da ciecircncia Em
14 Nesse momento eacute salutar esclarecer que ao nos referimos a sujeitos do campo estamos tratando de sujeitos
concretos de assentamentos aacutereas indiacutegenas quilombolas pescadores povos que tiram sua subsistecircncia das
florestas e toda a abrangecircncia que o termo campo engloba na contemporaneidade Os sujeitos do campo satildeo
antes de tudo cidadatildeo concretos que contribuem social econocircmico e culturalmente para com as melhorias e
avanccedilos que tivemos em nosso paiacutes
47
contraposiccedilatildeo ao conhecimento cientiacutefico que expulsa e subordina os
agricultores a proposta dos movimentos sociais populares ruraisdo campo
pensa a produccedilatildeo do conhecimento a partir das experiecircncias dos agricultores
articulando tais experiecircncias com o conhecimento cientiacutefico e tecnoloacutegico
socialmente produzido (RIBEIRO 2010 p 197)
Nesse sentido o curriacuteculo da escola do campo pretendido pelos movimentos sociais eacute o
que se adeacutequa agrave vida e ao trabalho das populaccedilotildees do campo e melhor intercala formaccedilatildeo
escolar cotidiano e cultura camponesa A proposta pedagoacutegica da alternacircncia tem sido o
caminho percorrido na busca da formulaccedilatildeo de um curriacuteculo democraacutetico e que atenda de
forma satisfatoacuteria as expectativas da Educaccedilatildeo do Campo
Ainda que tenhamos apontados os pontos positivos da Pedagogia da Alternacircncia
precisamos refletir sobre aspectos que tecircm se apresentado como preocupantes dialogaremos
melhor sobre as criacuteticas a essa proposta quando estivermos analisando o curriacuteculo do curso
Pedagogia da Terra pois seraacute mais faacutecil exemplificar essas preocupaccedilotildees Adiantamos que haacute
uma grande dificuldade em estabelecer a matildeo dupla entre escolauniversidade e comunidades
Tempo Escola e Tempo Comunidade tambeacutem tecircm ocorrido de forma bastante diferente do
que se pretende mas isso veremos mais adiante
25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS
DA EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO
Nesse momento eacute salutar externarmos alguns avanccedilos que o Movimento de Educaccedilatildeo
do Campo vem conseguindo nessa empreitada de lutas diaacuterias que tem travado contra o
Estado de classe que predomina em nossa sociedade Eacute importante destacar que as conquistas
ateacute aqui alcanccediladas satildeo de meacuterito da resistecircncia que os povos do campo tecircm empreendido ao
longo dos anos na busca pela garantia dos seus direitos os quais a historia nos mostra que
foram cerceados ou negados ao longo dos tempos
O trabalho precaacuterio a espoliaccedilatildeo sofrida pelos camponeses e pelas camponesas satildeo
marcas visiacuteveis de uma sociedade excludente e atrasada Sendo assim a organizaccedilatildeo dessas
populaccedilotildees tradicionais eacute antes de tudo um direito tendo em vista a legitimidade de lutar
contra a opressatildeo A sociedade tem uma diacutevida com esses grupos portanto
48
cronologicamente estaacute na hora de assumir essa responsabilidade no sentido de garantir os
direitos baacutesicos e fundamentais aos sujeitos do campo
A aprovaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da educaccedilatildeo nacional 40241961
fora norteada pela discussatildeo entre defensores da educaccedilatildeo puacuteblica e os da escola particular e
natildeo traz avanccedilos significativos agraves populaccedilotildees trabalhadoras do campo a Lei eacute uma ―meia
vitoacuteria na voz de Aniacutesio Teixeira ―mas vitoacuteria (SAVIANI 2008) A Lei 402461 ainda
apresentara em seu acircmago uma orientaccedilatildeo pela adaptaccedilatildeo do ao meio numa clara alusatildeo a
uma visatildeo civilizatoacuteria e evolucionista do sujeito do campo (MEC 2002)
A Lei nordm 4024 de dezembro de 1961 resultou de um debate que se prolongou
durante 13 anos gerando expectativas diversas a respeito do avanccedilo que o
novo texto viria a representar para a organizaccedilatildeo da educaccedilatildeo nacional O
primeiro anteprojeto e os demais substitutivos apresentados deram visibilidade
ao acirrado embate que se estabeleceu na sociedade em torno do tema O
anteprojeto elaborado pelo GT indicado sob a orientaccedilatildeo do Ministro
Clemente Marianne representou o primeiro esforccedilo de regulamentaccedilatildeo do
previsto na Carta Magna (1946) Este aleacutem de reforccedilar o dispositivo
constitucional expressa as mudanccedilas que perpassavam a sociedade em seu
conjunto Logo em seguida diversos substitutivos entre os quais os que foram
apresentados por Carlos Lacerda redirecionaram o foco da discussatildeo
Enquanto o primeiro anteprojeto se revelava afinado com as necessidades
educacionais do conjunto da sociedade dando ecircnfase ao ensino puacuteblico a
maior parte desses substitutivos em nome da liberdade representavam os
interesses das escolas privadas (MEC 2002 p 25-26)
Em 11 de agosto de 1971 eacute sancionada a Lei 5692 que fixara diretrizes e bases para
o ensino de 1ordm e 2ordm grau e de outras providecircncias (MEC 2002 p 27) Alguns entendem
como a segunda LDB e outros vecircm como a 402461 com algumas adequaccedilotildees A Lei
propotildee ajustamento agraves diferenccedilas culturais das diferentes regiotildees Tambeacutem prevecirc a
adequaccedilatildeo do periacuteodo de feacuterias agrave eacutepoca de plantio e colheita de safras No entendo em boa
medida reafirma o caraacuteter da LBD anterior apontando para a necessidade de adaptaccedilatildeo do
camponecircs agrave terra
Para Saviani (2008) e Porto (2007) a Lei nordm 569271 teve funccedilatildeo ideoloacutegica no
sentido de dar sustentaccedilatildeo ao periacuteodo de secessatildeo democraacutetica no qual o Brasil iniciara no
ano de 1964 Nesse periacuteodo o Governo autoritaacuterio buscava uma maior inserccedilatildeo nos estados
mais pobres do Brasil com ecircnfase no Norte e Nordeste Desse modo em muitos casos essa
lei teve um caraacuteter muito mais de instrumento poliacutetico do governo do que propriamente
49
educacional Segundo os autores a lei 569271 foi promulgada sob a eacutegide da estrateacutegia do
―autoritarismo triunfante
A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496 representou um avanccedilo
significativo para a educaccedilatildeo dos povos do campo sobretudo no que se refere agrave
especificidade desses sujeitos Em seu artigo 28 podemos observar que
Na oferta da Educaccedilatildeo Baacutesica para a populaccedilatildeo rural os sistemas de Ensino
promoveratildeo as adaptaccedilotildees necessaacuterias agrave sua adequaccedilatildeo agraves peculiaridades da
vida rural e de cada regiatildeo especialmente
I- conteuacutedos curriculares e metodologias apropriadas agraves reais necessidades e
interesses dos alunos na zona rural
II- organizaccedilatildeo escolar proacutepria incluindo adequaccedilatildeo do calendaacuterio escolar agraves
fases do ciclo agriacutecola e agraves condiccedilotildees climaacuteticas
III- adequaccedilatildeo agrave natureza do trabalho na zona rural
Os avanccedilos que temos observado sobretudo a partir da primeira deacutecada do seacuteculo
XXI do ponto de vista institucional se devem em grande medida agrave organizaccedilatildeo das
populaccedilotildees do campo e agrave resistecircncia histoacuterica que tem caracterizado essa populaccedilatildeo
Fruto de um novo cenaacuterio poliacutetico social e econocircmico a primeira deacutecada do Seacuteculo
XXI apresenta avanccedilos significativos sobretudo nas aacutereas sociais e educacionais ainda que
fortemente atrelados agraves poliacuteticas neoliberais da deacutecada de 1990
A Resoluccedilatildeo CNECEB 1 de 342002 portanto institui as Diretrizes
operacionais para a educaccedilatildeo baacutesica nas escolas do campo Nessa
resoluccedilatildeo percebe-se o reconhecimento de que a escola do campo tem uma
identidade vinculada agrave realidade na qual estaacute inserida [] Ao mesmo tempo
ressalta a importacircncia da educaccedilatildeo para o exerciacutecio pleno da cidadania e para
um desenvolvimento do paiacutes que consiste na solidariedade e a justiccedila social
envolvendo as populaccedilotildees rurais e urbanas (RIBEIRO 2010 p 191)
As Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo do Campo procura englobar o
entendimento de campo isto eacute o que entes era entendido como lugar de plantar passa por
uma ampliaccedilatildeo que vai de comunidades remanescente de quilombos comunidades indiacutegenas
pescadores assentados da reforma agraacuteria aacutereas ribeirinhas comunidades sem-terra e seus
sujeitos agregados caboclos meeiros entre outras (RIBEIRO 2010)
O campo nesse sentido mais do que um periacutemetro natildeo urbano eacute um campo de
possibilidades que dinamizam as ligaccedilotildees dos seres humanos e com a proacutepria produccedilatildeo das
condiccedilotildees da existecircncia social (MEC 2002) Nesse sentido as reivindicaccedilotildees por poliacuteticas
50
puacuteblicas para esses povos assim como a valorizaccedilatildeo e reconhecimento dos seus saberes e
praacuteticas passa a ser foco subjacente desse novo periacuteodo
A aprovaccedilatildeo das Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo Baacutesica nas Escolas do
Campo eacute o resultado das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que lutam por educaccedilatildeo de
qualidade e vida digna para os povos do campo com destaque para o MST A aprovaccedilatildeo das
Diretrizes tem a contribuiccedilatildeo de vaacuterias organizaccedilotildees sociais comprometidas com as
transformaccedilotildees que a contemporaneidade enseja Satildeo Movimentos Sociais Conselhos
Estaduais e Municipais de Educaccedilatildeo Uniatildeo Nacional dos Dirigentes Municipais de Educaccedilatildeo
(UNDIME) universidades e instituiccedilotildees de pesquisa o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel Organizaccedilotildees Natildeo Governamentais e diversos outros
setores engajados em projetos direcionados para o desenvolvimento socialmente justo no
espaccedilo diverso e multilateral do campo (MEC 2002)
Podemos observar que as Diretrizes Operacionais para as Escolas do Campo vieram
como subsiacutedio e reforccedilam agrave LDB 939496 que jaacute estabelecera normas especiacuteficas agrave Educaccedilatildeo
do campo como podemos ler no artigo 5ordm das Diretrizes Operacionais das Escolas do campo
As propostas pedagoacutegicas das escolas do campo respeitadas as diferenccedilas e o
direito agrave igualdade e cumprindo imediata e plenamente o estabelecido nos
artigos 23 26 e 28 da Lei 9394 de 1996 contemplaratildeo a diversidade do
campo em todos os seus aspectos sociais culturais poliacuteticos econocircmicos de
gecircnero geraccedilatildeo e etnia( LDB 1996 p 23)
O processo de normatizaccedilatildeo eacute sem duacutevida de suma importacircncia para a garantia do
direito No entanto sabe-se que esse direito eacute demasiado abstrato enquanto natildeo eacute usufruiacutedo
Sabemos ainda que como escreveu Freire (2012) natildeo seraacute por decreto que a sociedade se
livraraacute dos horrores e das grandes desigualdades que a afligem A Associaccedilatildeo Nacional pela
Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo (ANFOPE 2010 p 90) ratifica que ―natildeo seraacute a
implementaccedilatildeo de novas leis que asseguraraacute as mudanccedilas necessaacuterias na educaccedilatildeo poreacutem a
legislaccedilatildeo reflete o campo de forccedilas que contorna as disputas pela sua criaccedilatildeo implementaccedilatildeo
e controle Sabemos ainda que esse eacute um passo de suma importacircncia para a conquista dos
objetivos ensejados
51
3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO
CAMPO
ldquoOs socialistas estatildeo aqui para lembrar ao mundo que em
primeiro lugar devem vir as pessoas e natildeo a produccedilatildeo As pessoas
natildeo podem ser sacrificadas Nem tipos especiais de pessoas ndash os
espertos os fortes os ambiciosos os belos aqueles que podem um
dia vir a fazer grandes coisas ndash nem qualquer outra
Especialmente aquelas que satildeo apenas pessoas comunsrdquo
Eric Hobsbawm (1992)
Os avanccedilos no tocante a Educaccedilatildeo do Campo satildeo notoacuterios O movimento ganhou
corpo e a resistecircncia organizada obteve conquistas e melhorias significativas agraves populaccedilotildees
tradicionais do campo brasileiro em que pese reconhecermos o esquecimento ao qual boa
parte dos sujeitos do campo ainda estatildeo imersos Batista (2009 p 207) afirma que ―no Brasil
a educaccedilatildeo enquanto poliacutetica de estado tem sido instrumentalizada pelo projeto histoacuterico
capitalista e seus poderes hegemocircnicos para atender aos seus interesses
Em contraponto a esse modelo de desenvolvimento e de sociedade os movimentos
sociais tecircm se organizado no sentido de garantir uma agente propositiva para os setores
historicamente colonizados
No contexto atual do capitalismo mundializado em que apesar da crise
estrutural predomina a hegemonia do capital na produccedilatildeo econocircmica social
poliacutetica e nas poliacuteticas de educaccedilatildeo a educaccedilatildeo dos movimentos se afigura
como instituinte orgacircnica de um projeto de sociedade e que tem como fim a
formaccedilatildeo humana o sujeito histoacuterico que constroacutei pela luta e resistecircncia a
emancipaccedilatildeo social e dos seres humanos como um devir como uma
possibilidade de construir uma nova sociedade (BATISTA 2009 p 208)
A educaccedilatildeo pautada pelos movimentos sociais do campo tecircm se afinado em muito
com o projeto contra-hegemocircnico de sociedade Tem feito um enfretamento necessaacuterio ao
modelo neoliberal de educaccedilatildeo que tem propagado abertamente o fim das alternativas
afirmando deliberadamente que natildeo haacute opccedilatildeo fora do paradigma globalizado O papel dos
movimentos tecircm sido mostrar justamente o contraacuterio O Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do
52
Campo encontra eco no seio da Pedagogia Paulo Freire cujo sentido tem sido inventado e
reinventado nos muitos exemplos e na diversidade de experiecircncias pelo Brasil
Desse modo o paradigma contra-hegemocircnico natildeo eacute uma criaccedilatildeo do imaginaacuterio de
idealistas mas eacute antes uma possibilidade concreta que nos permeia como assinala Gadotti
(1999 p 268)
A educaccedilatildeo popular e socialista natildeo eacute uma ideacuteia abstrata nem uma utopia
pedagogista Ela se encontra em desenvolvimento entre noacutes por exemplo no
proacuteprio processo de resistecircncia e de luta pela superaccedilatildeo das desigualdades
Nesse momento histoacuterico no Brasil ela constitui-se um instrumento dessa
luta
A necessidade em uma educaccedilatildeo alternativa que assuma a classe oprimida como
resultado de um processo histoacuterico vai de encontro agrave educaccedilatildeo pretendida pelo Estado Uma
educaccedilatildeo libertadora que consiga enxergar a realidade do sujeito como geradora de conteuacutedo
que entenda a situaccedilatildeo de pobreza e miseacuteria fora do determinismo religioso e que sobretudo
aponte saiacutedas e possibilidades de liberdade para o ser eacute necessaacuteria e urgente A escola tornou-
se importante instrumento de difusatildeo da pedagogia da hegemonia ou pedagogia da
conservaccedilatildeo e concomitantemente em veiacuteculo que limita e emperra a construccedilatildeo e a
veiculaccedilatildeo de uma pedagogia da contra-hegemonia (NEVES 2005)
A contemporaneidade nos mostra que o discurso de negaccedilatildeo do acesso agrave educaccedilatildeo por
parte do Estado jaacute natildeo se sustenta com tanto vigor Eacute preciso nesse momento em que haacute um
forte discurso sobre acesso e permanecircncia sobretudo de estudantes da classe trabalhadora
pensar a quem interessa esse ensino e retomar a claacutessica questatildeo a serviccedilo de que e de quem
estaacute tal ensino Tendo em vista o atual estado de vigecircncia da pedagogia da hegemonia Rossi
(1980) afirma que quanto mais educaccedilatildeo nesse sentido [da hegemonia] tanto mais
conformidade isto eacute mais a sociedade permaneceraacute conforme o modelo vigente Ou ainda
mais claramente quanto mais conformaccedilatildeo e conformidade tanto mais educaccedilatildeo
Assim partindo do pressuposto que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo bebe da
heranccedila da Pedagogia Paulo Freire essa dialogicidade entre as concepccedilotildees tem feito um
tensionamento importante e necessaacuterio ao atual modelo que a sociedade adquiriu com o
advento do neoliberalismo A educaccedilatildeo criacutetica eacute cada vez mais urgente sobretudo em tempos
53
de massificaccedilatildeo em que se apregoa a universalizaccedilatildeo do ensino escolarizado como a meta do
seacuteculo
Por fim entendemos que a educaccedilatildeo seja pra todos e todas afinal eacute um direito
humano fundamental mas que ela natildeo cegue natildeo reduza a capacidade de pensar e agir mas
sim que tenha a capacidade de injetar acircnimo e esperanccedila no camponecircs na camponesa no
desempregado e na desempregada na crianccedila no jovem e no idoso O cerne dessa educaccedilatildeo
encontra-se na pedagogia freireana nas praacuteticas da Educaccedilatildeo do Campo no Movimento Sem
Terra e em vaacuterios outros espaccedilos que dialogam com a Educaccedilatildeo Popular
31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO ATUAL DEBATE DA
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM
Partindo do pressuposto inicial desta pesquisa em que pensaacutevamos qual a
contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo
Chegamos a alguns pontos centrais desta reflexatildeo A contemporaneidade do debate da
Educaccedilatildeo do Campo nos aponta para uma perspectiva dialoacutegica entre a Pedagogia Paulo
Freire e os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo Haacute uma indissociabilidade entre ambas Sendo
a primeira portadora da essecircncia que alimenta a segunda satildeo por conseguinte pedagogias
que se complementam (SILVA FILHO PORTO 2012)
Em um tempo em que a educaccedilatildeo criacutetica libertadora e preocupada com questotildees
poliacuteticas sociais e histoacutericas tornou-se ―alieniacutegena caduca e ―comunista de postura
antiquada ou idealista cabe um questionamento faz sentido insistir na divulgaccedilatildeo de ideias
contra-hegemocircnicas da Educaccedilatildeo do Campo e de Paulo Freire no atual mercado da poacutes-
modernidade Essa eacute uma pergunta que Nosela (2010) faz acerca de Gramsci na atualidade e
que nos serve de paracircmetro para o debate
Eacute importante situar a pedagogia freireana dentro de uma loacutegica de contraponto a todo
o modelo neoliberal que se tornou hegemocircnico na educaccedilatildeo de fins do seacuteculo XX e iniacutecio do
seacuteculo XXI O pensamento de Paulo Freire assim como de outros pedagogos de matriz
socialista como Pistrak e Makarenko tem contribuiacutedo grandemente com o atual Movimento
de Educaccedilatildeo do Campo
54
Tanto a pedagogia freireana como a Educaccedilatildeo do Campo se coadunam como meios
de resistecircncia a um ―capitalismo lean and mean que nas palavras de Dowbor15
estaacute impelido
pelas proacuteprias regras de eficiecircncia e que portanto deixa pouco espaccedilo para refletir sobre
valores
Uma economia que natildeo se torna capaz de programar-se em funccedilatildeo das
necessidades do ser humano e que ―convive fria e indiferentemente com a
miseacuteria e a fome de milhotildees a quem tudo eacute negado natildeo merece meu respeito
de educador mas sobretudo meu respeito de gente (FREIRE 2012 p 36)
Eacute exatamente sobre a necessidade de revitalizar palavras como valor eacutetica
solidariedade felicidade e humanizaccedilatildeo que estamos discorrendo O monopoacutelio capitalista
ressignificou todas essas palavras e lhes esvaziou seus sentidos resumindo-as basicamente ao
poder de compra o que Ball (2011) denominou de democracia do consumo Entretanto uma
pedagogia que faccedila o caminho oposto a esse que impregne sentido e identidade aos homens e
mulheres que lhes devolva o direito de optar e decidir (FREIRE 2012) e que forme o sujeito
em sua plenitude eacute o assento dessa pedagogia que estamos pautando eacute o assento portanto da
Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do campo
Natildeo cabe o fatalismo e o determinismo como norteadores do pensamento dos sujeitos
O poder de natildeo se resignar perante situaccedilotildees concretas de opressatildeo eacute uma das maiores
contribuiccedilotildees de Freire ao atual debate da Educaccedilatildeo do Campo
Como vimos a historiografia mostra que no Brasil o periacuteodo que compreende os anos
1950 e 1960 eacute identificado como populismo periacuteodo que esteve voltado agrave construccedilatildeo de um
projeto de desenvolvimento econocircmico nacional (RIBEIRO 2010) A economia brasileira
ainda apresentava-se essencialmente agraacuteria e produtora de mateacuterias-primas Politicamente o
suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 a posse de Juscelino Kubitschek em 1956 a renuacutencia de
Jacircnio Quadros em 1961 e o Golpe Militar de 1964 proporcionaram um cenaacuterio de mudanccedilas
que caracterizam uma ―sociedade em tracircnsito (FREIRE 1983) e rica em organizaccedilotildees
populares
15 Prefaacutecio ao livro ―Agrave sombra desta mangueira (Paacuteg 18)
55
Eacute nessa complexidade que a gecircnese do pensamento de Paulo Freire emerge Surge das
contradiccedilotildees da sociedade brasileira sociedade essa governada por uma elite conservadora e
detentora de privileacutegios na qual o homem simples domesticado e alienado eacute forccedilado a viver
como objeto esmagado e oprimido pela sombra da marginalizaccedilatildeo e da dependecircncia
(FREIRE 2011)
Nesse momento histoacuterico Paulo Freire identificou um modelo de ensino que servia
justamente para a manutenccedilatildeo do estado de miseacuteria e analfabetismo em que grande parte da
populaccedilatildeo do campo e da cidade se encontrava A esse ensino Freire chamou de educaccedilatildeo
bancaacuteria abordado na obra de sua autoria Pedagogia do Oprimido Esse modelo de ensino
estaacute muito aqueacutem da realidade dos sujeitos Eacute um paradigma desinteressado com as questotildees
referentes ao dia-a-dia dos sujeitos do seu trabalho dos seus sonhos da vida praacutetica
No sentido oposto a concepccedilatildeo bancaacuteria de educaccedilatildeo a Pedagogia Paulo Freire se
realiza e materializa respeitando os sujeitos simples o ―saber de experiecircncia feito desses
sujeitos Aleacutem disso busca entender a realidade como geradora de conteuacutedos de curriacuteculo A
relaccedilatildeo eacute dialeacutetica e dialoacutegica eacute uma relaccedilatildeo entre educador educando e o mundo (FREIRE
2011) Esse paradigma se assemelha de forma demasiada com a concepccedilatildeo atual da Educaccedilatildeo
do Campo que por sua vez estaacute diretamente ligada a realidade que lhe produziu ou seja a
necessidade e a luta por direitos historicamente negados e tem em sua gecircnese a resistecircncia
dos movimentos sociais camponeses (CARLDART et al 2012)
Os princiacutepios educacionais da Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do Campo
coadunam para o mesmo sentido e se cruzam por diversos momentos estando inter-
relacionados como procuramos mostrar na figura a baixo
Educaccedilatildeo do Campo
Pedagogia Paulo Freire
Figura III ndash Dialogicidade entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire
56
Os sentidos comungam portanto para uma mesma concepccedilatildeo de lugar sujeito
educaccedilatildeo e sociedade Eacute importante ressaltar nesse processo de compartilhamento a
anterioridade do pensamento de Paulo Freire visto que o que hoje discutimos jaacute era debatido
por ele na deacutecada de 1950 (GADOTTI 1997)
Nesse sentido o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo herdou muito do pensamento de
Paulo Freire e tem reinventado sua pedagogia Isso eacute de uma importacircncia iacutempar pois Freire
sempre afirmara que sua pedagogia devia ser reinventada (FREIRE 2012) jamais
transplantada de forma acriacutetica de uma realidade a outra A Educaccedilatildeo do Campo tem feito um
importante tensionamento e disputado opiniotildees na base da sociedade acerca do modelo
educacional que temos e a serviccedilo de quem ele estaacute
O modelo de educaccedilatildeo contra-hegemocircnico natildeo foi pensado por intelectuais
academicistas ateacute porque essa categoria pouco se envolve com as questotildees sociais
(RIBEIRO 2010) mas eacute justamente o movimento contraacuterio ela emerge das situaccedilotildees de
descaso e usura do Estado frente aos homens e mulheres do campo sem terra sem teto sem
trabalho sem perspectiva Eacute daiacute que surge a contra-hegemonia que jamais poderaacute ser criada
para indignados uma vez que jaacute foi criada por estes Eacute nesse sentido que estaacute posta a
Pedagogia Paulo Freire natildeo como uma receita a ser seguida mas como fruto como
artesanato construiacutedo paulatinamente por indignaccedilatildeo exclusatildeo e opressatildeo Essa concepccedilatildeo eacute
educativa natildeo pretende tornar-se opressora daqueles que hoje oprimem mas antes eacute a uacutenica
capaz de libertar o opressor tornando-o livre no mais autecircntico sentido que a palavra carrega
Eacute desse paradigma que a Educaccedilatildeo do Campo bebe e reinventa a pedagogia freireana a
pedagogia do oprimido a pedagogia do povo simples dos demitidos da terra
A educaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo assim como toda uma vasta produccedilatildeo
que coloca o ensino como tarefa humana e humanizadora que entende o sujeito como ator e
protagonista da sua histoacuteria que se indigna e que se revolta frente ao atual estado de coisa e
esvaziamento no qual a educaccedilatildeo mergulhou todas essas caracteriacutesticas formam pois o que
chamamos pedagogia contra-hegemocircnica e que estaacute no cerne da pedagogia freireana e na
Educaccedilatildeo do Campo
A ressignificaccedilatildeo do sujeito do campo assim como do lugar desse sujeito ou seja o
campo satildeo contribuiccedilotildees significativas do pensamento de Paulo Freire O sujeito o homem e
57
a mulher do campo eram vistos (em boa medida ainda satildeo) dentro da loacutegica produtivista como
matildeo-de-obra barata e passiva de exploraccedilatildeo e por outro lado invisibilizados dentro dos seus
direitos poliacutetico-sociais Essa circunstacircncia na qual os sujeitos do campo estavam envoltos
indubitavelmente eacute responsaacutevel pela negaccedilatildeo da condiccedilatildeo de vita activa16
A exclusatildeo da vida
participativa do paiacutes tem como heranccedila a perpetuaccedilatildeo da opressatildeo e da negaccedilatildeo fatores que
acompanham os sujeitos do campo ao longo da histoacuteria
Para Paulo Freire o sujeito eacute tanto histoacuterico quanto social resultante de um complexo
de vivecircncias reais Capaz de diferentemente do animal que apenas se adapta a realidade
integrar-se a sua realidade e nela interferir (FREIRE 2012)
Quando nos referimos ao campo eacute preciso ter o devido cuidado para natildeo cairmos no
conservadorismo de uma visatildeo homogecircnea de sujeito e lugares entendendo por exemplo o
campo como lugar passivo ao qual atribui-se um olhar negativo e preconceituoso (ARROYO
2009) Tanto Paulo Freire como o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo recusam esse
determinismo com forte veemecircncia pois sabe-se que as relaccedilotildees satildeo complexas e que a
calmaria tiacutepica da zona rural esconde um emaranhado de relaccedilotildees sociais de trabalho e de
famiacutelia cuja dinacircmica requer perspicaacutecia e sutileza para seu entendimento
Tendo em vista a importacircncia do legado de Paulo Freire natildeo somente para a Educaccedilatildeo
do Campo mas para toda a educaccedilatildeo popular para os espaccedilos natildeo escolares em que se
desenvolvem projetos educacionais e para outra infinidade de possibilidades de reinvenccedilatildeo da
pedagogia freireana eacute que dialogaremos a partir de agora com o exemplo da Experiecircncia de
Angicos - RN como exemplo de pioneirismo e autenticidade do pensamento de Paulo Freire
16 Hannah Arendt na obra ―A condiccedilatildeo Humana 10 ed Rio de Janeiro 2007 Pode ser entendido como a
condiccedilatildeo de participaccedilatildeo ativamente na vida poliacutetica da sociedade
58
32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA
PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO NORTE
Figura IV ndash Angicos nos dias de hoje (2014) Fonte o proacuteprio autor
(Em nenhum lugar do mundo onde estive fiquei mais tocado do que aqui e agora
Paulo Freire Angicos 28 de agosto de 1993)
Os fins da deacutecada de 1950 e iniacutecio de 1960 satildeo fortemente marcados por movimentos
de cunho popular e participativo Um periacuteodo particularmente rico em organizaccedilotildees sociais e
coletivas cujos objetivos giravam em torno de reformas estruturantes na sociedade brasileira
Direitos trabalhistas educacionais Reforma Agraacuteria satildeo exemplos de temaacuteticas que vinham
sendo abertamente discutidas pelo governo e as sociedade civil coletivamente organizada No
campo essa movimentaccedilatildeo se deu de forma particularmente rica
O Movimento de Cultura Popular (MCP) do Recife a partir de maio de
1960 a Campanha ―De peacute no chatildeo tambeacutem se aprende a ler em Natal a
partir de 1960 o Movimento de Educaccedilatildeo de Base (MEB) da Conferecircncia
Nacional dos Bispos Brasileiros os Centros Populares de Cultura (CPCs) da
Uniatildeo Nacional dos Estudantes e outros movimentos de menor amplitude
satildeo testemunhas da notaacutevel efervescecircncia desse periacuteodo (BEISIEGEL 2010
p 18)
59
Uma das primeiras iniciativas no tocante a criaccedilatildeo de uma poliacutetica para atender aos
jovens e adultos analfabetos diz respeito agrave criaccedilatildeo do Serviccedilo de Educaccedilatildeo de Adultos (SEA)
em 1947 e dessa accedilatildeo a criaccedilatildeo da Campanha de Educaccedilatildeo de Adultos (BEISIEGEL 2010)
No entanto essa campanha ainda resguardava em sua metodologia a transferecircncia dos
conteuacutedos trabalhados com crianccedilas no primaacuterio aos jovens e adultos que estudavam a noite
O proacuteprio Lourenccedilo Filho que era um expoente dessa campanha escreveu textos cujo assento
residia na sua preocupaccedilatildeo com essa metodologia
Natildeo obstante as reiteradas manifestaccedilotildees de Lourenccedilo Filho sobre a
necessidade de atentar agraves particularidades e as exigecircncias especiacuteficas do
adulto pouco escolarizado na grande maioria das classes professores do
ensino infantil reproduziam agrave noite com seus alunos jovens e adultos os
trabalhos que realizavam no periacuteodo diurno com os seus alunos do ensino
primaacuterio fundamental comum (BEISIEGEL 2010 p 24)
Aos poucos percebe-se que o caraacuteter puramente de erradicar o analfabetismo fazendo
com que os sujeitos jovens e adultos lessem e escrevessem natildeo garantia uma cidadania plena
no gozo de direitos Desse modo inicia-se nesse acircmbito um paradigma que pensa a questatildeo
do analfabetismo como eminentemente de cunho social requerendo portanto uma visatildeo mais
ampla da questatildeo Em 1958 Freire escreve ―A educaccedilatildeo de adultos e as populaccedilotildees marginais
o problema dos mocambos que jaacute tratava a temaacutetica sob a oacutetica dos problemas sociais mais
abrangentes (BEISIEGEL 2010)
O trabalho que projetou Freire nacionalmente contraditoriamente foi o mesmo que o
levou agrave prisatildeo com o advento da Ditadura Militar Devido agrave experiecircncia de Angicos ele foi
considerado ―ignorante e subversivo pelo Regime Militar Segundo o livro organizado pelo
Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia (2012 p36) denominado ―Paulo Freire
anistiado poliacutetico brasileiro ―Alguns de seus alunos tambeacutem foram presos e passaram por
outras dificuldades depois da experiecircncia de Angicos (1963) considerada subversiva e mais
tarde cancelada
Vale salientar que o Regime Militar foi extremamente violento tambeacutem com os
camponeses As lutas natildeo se resumiam agrave cidade Haacute pouco a sindicalizaccedilatildeo rural havia sido
um fenocircmeno extensivo a quase todo o nordeste com ecircnfase na Paraiacuteba Rio Grande do Norte
e Pernambuco especialmente atraveacutes da Campanha de Educaccedilatildeo Popular juntamente com a
60
Juventude Universitaacuteria Catoacutelica - JUC - Juventude Agraacuteria Catoacutelica e o Movimento de
Educaccedilatildeo de Base ndash MEB (SILVA 2011 FREIRE 1983)
O caraacuteter da experiecircncia realizada em Angicos estaacute assentado nos princiacutepios da
Educaccedilatildeo Popular que para Carlos Rodrigues Brandatildeo (2009 p 09) tem um papel e um
sentido histoacuterico como resistecircncia e oposiccedilatildeo ao status quo
Figura V ndash AngicosRN
A experiecircncia de Angicos no Estado do Rio Grande do Norte em 1963 conteacutem o cerne
da pedagogia freirena ou seja Freire (1983 p 06) afirma que ―a alfabetizaccedilatildeo e a
conscientizaccedilatildeo jamais se separam Nesse momento histoacuterico o sujeito do campo imerso no
populismo por um lado e no analfabetismo por outro conforme Ribeiro (2010) enfrenta um
periacuteodo de grandes privaccedilotildees no campo social poliacutetico econocircmico e educacional Eacute nesse
ultimo principalmente que a experiecircncia de Angicos eacute significativa pois educaccedilatildeo era luxo
restrito agraves classes dominantes
Segundo documento organizado pelo Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia
(2012) Paulo Freire e seus colaboradores Alfabetizaram 300 trabalhadores rurais em poucos
dias accedilatildeo que significou um fenocircmeno revolucionaacuterio Eacute importante salientar o princiacutepio
dessa alfabetizaccedilatildeo Freire (1983 p 96) afirma que ―Toda separaccedilatildeo entre os que sabem e os
que natildeo sabem do mesmo modo que a separaccedilatildeo entre as elites e o povo eacute apenas fruto de
circunstacircncias histoacutericas que podem e devem ser transformadas Portanto muito mais do que
o simples ato de alfabetizar havia uma ideologia progressista cuja finalidade residia na
conscientizaccedilatildeo poliacutetica dos sujeitos frente a um mundo de privaccedilotildees
Esse trabalho obteacutem grande repercussatildeo nacional e internacional Estende a
experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN) e Joatildeo Pessoa (PB)
61
O trabalho da equipe do Recife foi o de ir a Natal capacitar a equipe de
Marcos que partiu depois para Angicos O primeiro trabalho dessa equipe
foi fazer o universo vocabular da regiatildeo Nunca me esqueccedilo que a primeira
palavra geradora de Angicos foi ―belota uma corruptela de borlota que eacute
exatamente esse negoacutecio de pocircr em rede em cortina Por que isso Nessa
regiatildeo se trabalhava muito com couro e eles usavam nos rebenques
exatamente uma borlota mas que o povo chama belota Essa foi a primeira
palavra geradora de uma riqueza extraordinaacuteria em ambos os aspectos
socioloacutegicos e linguiacutesticos porque ela introduzia trecircs famiacutelias silaacutebicas a do
ba-be-bi-bo-bu e do la-le-li-lo-lu e a do ta-te-ti-to-tu Ela em si abria a
possibilidade de criaccedilatildeo de novas palavras Depois dessa seleccedilatildeo feita os
meninos foram e passaram a morar laacute Um mecircs depois tinha trezentas
pessoas lendo e escrevendo (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO
DE ANISTIA 2012 p86)
As 40 horas de Angicos foi um espaccedilo de extrema riqueza Os participantes daquela
experiecircncia satildeo testemunhas da efetivaccedilatildeo de uma praacutexis Um momento em que teoria e
praacutetica dialogaram justamente como sempre defendeu Freire Eacute importante destacar que os
300 trabalhadores que se alfabetizaram eram em sua maioria trabalhadores rurais ―Silentes e
autodesvalidos os sem-terra e sem-palavra foram tocados pelo olhar predileto que Paulo lhes
dirigiu em Angicos Os jovens agricultores ainda sem terra mas que jaacute conquistaram a
palavra leem Paulo Freire para transformar seu projeto de vida (idem p 117)
Figura VI ndash Experiecircncia de AngicosRN
Nos anos 50 quando ainda se pensava na educaccedilatildeo de adultos como uma
pura reposiccedilatildeo dos conteuacutedos transmitido agraves crianccedilas e jovens Paulo Freire
propunha uma pedagogia especiacutefica associando estudos experiecircncias
vividas trabalho pedagogia e poliacutetica (GADOTTI 1996 p 70)
Desse modo percebemos um niacutetido respeito que o educador Paulo Freire tem para
com os educandos Ele desenvolve uma educaccedilatildeo totalmente contraacuteria agrave educaccedilatildeo
escolarizada cujas metodologias estatildeo intimamente ligadas por um conteuacutedo a-histoacuterico que
62
natildeo leva a uma reflexatildeo criacutetica do mundo Onde o maior objetivo eacute o depoacutesito de tudo o que
foi decorado ao longo de um periacuteodo
Essa focircrma (de formar) de educar eacute fortemente recusada por Freire (2011) Na
Pedagogia do Oprimido denominou de ―educaccedilatildeo bancaacuteria Os sujeitos envolvidos no
processo satildeo meros receptores Depoacutesitos de conteuacutedos que natildeo tecircm nenhuma relaccedilatildeo com a
realidade Freire caminha em direccedilatildeo oposta agrave educaccedilatildeo bancaacuteria entende que a realidade e a
vida concreta dos sujeitos eacute geradora de conteuacutedo e portanto a gecircnese da alfabetizaccedilatildeo
deveria comeccedilar pois daquela realidade partindo para o universalmente conhecido
(FREIRE 2011)
A leitura que Freire faz do sujeito do campo nordestino eacute sem duacutevida avanccedilada Um
momento em que o campo brasileiro padecia de grande estigma e preconceito Freire se utiliza
da realidade dos camponeses do modo de vida do trabalho das experiecircncias para partindo
desse ponto chegar agrave alfabetizaccedilatildeo e agrave conscientizaccedilatildeo desses sujeitos A educaccedilatildeo das
populaccedilotildees camponesas esteve longe de ser o ponto nevraacutelgico dos interesses das classes
dominantes afinal ―eacute mais difiacutecil explorar um camponecircs que sabe ler do que um analfabeto
17
Paulo Freire natildeo se separa da poliacutetica Paulo Freire deve ser considerado
tambeacutem como um poliacutetico Esta eacute a dimensatildeo mais importante de sua obra Ele
natildeo pensa a realidade como um socioacutelogo que procura apenas entendecirc-la []
Por isso ele pensa a educaccedilatildeo ao mesmo tempo como ato poliacutetico como ato de
conhecimento e como ato criador (GADOTTI 1996 p 70)
A intervenccedilatildeo que Freire realiza em Angicos eacute uma atividade eminentemente poliacutetica
tinha como objetivo aleacutem da alfabetizaccedilatildeo a politizaccedilatildeo dos trabalhadores rurais daquele
municiacutepio isso em um periacuteodo de predomiacutenio das oligarquias rurais do voto de cabresto e de
extrema espoliaccedilatildeo da matildeo-de-obra dos agricultores Pois eacute em meio a esse cenaacuterio que
Freire juntamente com seus colaboradores desenvolve um paradigma de alfabetizaccedilatildeo cujo
principio eacute a libertaccedilatildeo do povo da condiccedilatildeo de oprimido e ―demitido da vida
Sua concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e logicamente sua proposta educacional que
havia mostrado resultado altamente positivo na experiecircncia em Angicos
17 Resposta pela recusa da natildeo alfabetizaccedilatildeo dos camponeses proposta por Voltaire a Imperatriz Catarina da
Ruacutessia no Seacuteculo XVIII
63
(RN) consistia em afirmar que todo ato educativo eacute um ato poliacutetico assim
sendo a educaccedilatildeo conteacutem a potencialidade da transformaccedilatildeo da sociedade
por intermeacutedio de uma consciecircncia criacutetica da realidade tarefa que tanto o
educador como o educando devem assumir no ato educativo (INSTITUTO
PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012 p 43)
Segundo Germano (1997) o desafio e o objetivo da experiecircncia de Angicos era tanto
alfabetizar como conscientizar politicamente os trabalhadores em 40 horas A experiecircncia que
era patrocinada pelo ―Alianccedila para o Progresso um programa de origem estadunidense e do
Governo do Rio Grande do Norte que agrave eacutepoca estava sob mandato de Aluizio Alves
experiecircncia que ganhou conhecimento nacional e internacionalmente
O que queremos apontar como novidade nesse olhar que lanccedilamos sobre a experiecircncia
de Angicos amplamente conhecida eacute evidenciar que o puacuteblico participante era de forma
majoritaacuteria trabalhadores rurais em uma cidade cujo periacuteodo histoacuterico dificulta falar-se em
urbanidade puacuteblico esse objeto de nossa reflexatildeo nesta dissertaccedilatildeo de mestrado Nesse
sentido situamos o pensamento de Paulo Freire como de grande importacircncia ao atual debate
da Educaccedilatildeo do Campo O que estamos debatendo hoje como o respeito agraves vivecircncias e
experiecircncias a importacircncia do lugar e o famigerado modismo do ―conhecimento preacutevio
Freire tratou ainda em 1963 com responsabilidade e humanismo Assim eacute salutar
percebermos a experiecircncia de Angicos como uma importante fonte histoacuterica que pode (e
certamente haveraacute de) contribuir em muito com o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo
64
4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIENCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO
CAMPO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
Feito o debate teoacuterico-metodoloacutegico acerca da Educaccedilatildeo do Campo e de suas raiacutezes
histoacutericas no Brasil e tambeacutem sobre a atual posiccedilatildeo que esta modalidade de ensino ocupa
entendemos ser este o momento de estreitar e externar experiecircncias que ilustram de modo
singular a inserccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo na universidade brasileira Para tanto tomamos
como recorte analiacutetico o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte Procuramos refletir sobre a contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana ao ―Projeto
do curso entendendo que o aporte do pensamento de Paulo Freire na Educaccedilatildeo do Campo eacute
de extrema relevacircncia Entendemos que a formulaccedilatildeo da proposta curricular dessa natureza
ou seja pensada para cursos cujos sujeitos tecircm viacutenculo direto com o campo carece de certo
alinhamento ideoloacutegico com a pedagogia freireana uma vez que esta canaliza a resistecircncia
histoacuterica dos povos do campo
A tomada do curso como recorte se explica pela aproximaccedilatildeo e atuaccedilatildeo que tivemos
com a turma de Pedagogia da Terra no periacuteodo de 2010 a 2011 periacuteodo no qual atuamos
como monitor Jaacute a busca pela contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana agrave Proposta poliacutetico-
pedagoacutegica e Plano de Trabalho se faz necessaacuterio pelo foco central deste trabalho mas
tambeacutem pela singular experiecircncia de aprender e pesquisar sobre o pensamento de Paulo Freire
no Grupo de Estudo da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) na Universidade Federal da
Paraiacuteba Aleacutem do mais entendermos que Educaccedilatildeo do Campo eacute uma questatildeo de grande valor
natildeo pode estar simplesmente coadunando com os paradigmas educacionais fugazes que a
contemporaneidade tem nos mostrado em outras palavras a Educaccedilatildeo do Campo natildeo pode
ser moda mas antes oportunidade para os sujeitos do campo se posicionar frente ao mundo e
aos seus pares
Na atuaccedilatildeo como monitor tivemos a oportunidade de vivenciar e compartilhar das
dificuldades alegrias avanccedilos e limitaccedilotildees que os educandos e as educandas enfrentaram no
dia a dia Esse conviacutevio foi de grande importacircncia pois humanizou as relaccedilotildees que a
universidade por vezes esvazia Satildeo pessoas com sonhos frustraccedilotildees dificuldades
financeiras limitaccedilotildees cognitivas mas sobretudo satildeo pessoas que lutam que persistem que
natildeo se envergonham de ocupar com simplicidade o espaccedilo de ―glamour que ainda eacute a
universidade brasileira
65
Aleacutem do Curso de Pedagogia da Terra da UFRN os cursos de Jornalismo da Terra da
Universidade Federal do Cearaacute (UFC) Especializaccedilatildeo Lato Sensu em Direitos Sociais do
Campo promovida pelo IncraPronera e a Universidade Federal de Goiaacutes (UFG) Licenciatura
em Pedagogia pelo Programa Estudante - ConvecircnioMovimento Sociais do Campo ndash
PECMSC (UFPB) entre outros satildeo exemplos e frutos colhidos apoacutes anos afinco na luta
cerrada e disputas dentro da superestrutura poliacutetica Por isso mesmo entendemos que essas
experiecircncias representam a inserccedilatildeo concreta de sujeitos do campo na Universidade puacuteblica
brasileira sendo por esse motivo merecedora de anaacutelise detalhada e pesquisas futuras
Para entendermos melhor a atualidade da Educaccedilatildeo do Campo como poliacutetica puacuteblica
destinada a um puacuteblico especiacutefico (do campo) eacute preciso situar a temaacutetica na historiografia A
pesquisadora da Faculdade de Educaccedilatildeo da UFMG Antunes-Rocha (2011 p125) eacute enfaacutetica
ao afirmar que sobre cursos de formaccedilatildeo de professores para o campo ―natildeo encontrei nada
antes de 1997 Natildeo por acaso essa data coincide com a conquista do Pronera programa esse
que entendemos ser portador do cerne da questatildeo da Educaccedilatildeo do Campo no Brasil enquanto
poliacutetica puacuteblica
O curso de Pedagogia da Terra eacute fruto da luta histoacuterica dos movimentos sociais do
campo no Brasil ele representa em boa medida os anseios teoacutericos e praacuteticos de inclusatildeo
social Assim como todo e qualquer espaccedilo o curso natildeo eacute um todo homogecircneo sem conflitos
mas antes espaccedilo repleto de contradiccedilotildees e disputas tanto interna como externamente
O suporte para essa reflexatildeo reside sobretudo na anaacutelise de documentos do Curso
principalmente na ―Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho que eacute o documento
principal norteador das accedilotildees do curso mas tambeacutem buscamos subsidiar esta escrita em
resoluccedilotildees principalmente na Resoluccedilatildeo nordm 1032006 CONSEPEUFRN de 1909200618
que trata do Regulamento dos Cursos de Graduaccedilatildeo da UFRN aleacutem de outras fontes que
tivemos acesso atraveacutes de colaboradores e tambeacutem de paacuteginas eletrocircnicas
18 Atualmente a Resoluccedilatildeo Nordm 1712013-CONSEPEUFRN de 5 de novembro de 2013 eacute que rege o
Regulamento dos Cursos Regulares de Graduaccedilatildeo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
66
O Edital de abertura do processo seletivo para o curso de Pedagogia ndash Licenciatura
Plena foi orientado pela Resoluccedilatildeo nordm1032006-CONSEPEUFRN de 19092006 e seguiu
todos os procedimentos normativos dos demais vestibulares A Comissatildeo Permanente de
Vestibular (COMPERVE)19
foi responsaacutevel pela realizaccedilatildeo do certame Para se candidatar ao
vestibular o estudante precisava cumprir o seguinte preacute-requisito
a) ser portador de certificado ou diploma de conclusatildeo do Ensino Meacutedio (ou
curso equivalente)
b) ser assentado pelo Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e reforma Agraacuterio
(INCRA) e vinculado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra
(MST) do RN (COMPERVE 2007)
O pensamento da organizaccedilatildeo coletiva conscientizaccedilatildeo e luta tatildeo fortemente
imbuiacutedos na pedagogia freireana aqui se materializa Evidenciar um curso voltado para povos
do campo e ainda mais para membros de um movimento social tatildeo atuante quanto polecircmico
como eacute o MST eacute sem duacutevida um avanccedilo Essa conquista natildeo eacute do acaso ou natural eacute fruto de
uma conjuntura rara criada por muacuteltiplos condicionamentos sociais mas sobretudo pela
organizaccedilatildeo coletiva dos trabalhadores do campo
Poreacutem como reconhecemos que estamos imersos em um Estado de classes que horas
cede agraves reivindicaccedilotildees das massas hora cerceia essas conquistas natildeo demorou o iniacutecio dos
ataques dirigidos pela classe dominante agrave forma como o curso estava sendo gerido Em 2010
um desses ataques teve como consequecircncia a reformulaccedilatildeo dos projetos do curso A partir
desse momento os movimentos sociais foram suprimidos da parceria ateacute entatildeo existente
Sobre esse assunto detalharemos mais a diante
Retomando o processo seletivo para entrada no Curso os alunos interessados no
vestibular passaram 15 dias envolvidos numa preparaccedilatildeo para as provas Nesse momento
trabalharam mateacuterias escolares Portuguecircs Matemaacutetica Geografia Histoacuteria etc
(FERNANDES 2009) A elaboraccedilatildeo da prova ficou sob responsabilidade da Comperve e
19 Com do fim do vestibular como processo seletivo para ingressar na Universidade a Comperve passou a
chamar-se Nuacutecleo Permanente de Concursos UFRN
67
seguiu todos os procedimentos legais e normativo s dos demais vestibulares como jaacute
salientado anteriormente
Apoacutes o resultado do certame o curso teve iniacutecio no primeiro semestre de 2007
(20071) com as 60 vagas devidamente preenchidas Por deliberaccedilatildeo dos proacuteprios educandos
a turma passa a se chamar ―Florestan Fernandes em homenagem ao grande socioacutelogo
escritor e poliacutetico brasileiro
Eacute sempre importante lembrar que esse curso representou um grande avanccedilo para a
Educaccedilatildeo do Campo no Rio Grande do Norte representando tambeacutem um sinal de abertura
da Universidade Federal agraves questotildees sociais do campo Mesmo tendo havido outro curso de
pedagogia para assentados20
indubitavelmente o Pedagogia da Terra representa um marco nas
lutas tanto de oportunidade aos povos do campo como de abertura e diaacutelogo da universidade
com a sociedade potiguar
Os estudantes do Curso vieram das diferentes regiotildees do Estado do Rio Grande do
Norte desde aacutereas vizinhas de Natal como eacute o caso de Macaiacuteba e Cearaacute Mirim ateacute lugares
mais distantes da Capital como Satildeo Rafael e Triunfo Potiguar na regiatildeo Meacutedio Oeste Nesses
municiacutepios esses sujeitos residem majoritariamente em aacutereas rurais de assentamento
O Curso segue as orientaccedilotildees da Resoluccedilatildeo CNECP n1 de 15 de maio de 2006 que
institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia e confere habilitaccedilatildeo
em ―Licenciatura em Pedagogia21
conforme aponta a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano
de Trabalho
Habilitar professores por meio de curso superior para o exerciacutecio da
docecircncia em Educaccedilatildeo Infantil e nas seacuteries iniciais do Ensino Fundamental
regular para Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e para atividades de
20Entre 2002 e 2006 formaram-se em niacutevel de graduaccedilatildeo 63 alunos de nove estados nordestinos e um da
regiatildeo norte (AL BA CE MA PA PB PE PI RN e SE)
21 O diploma eacute gerado com uma observaccedilatildeo que faz alusatildeo ao Probaacutesica ndash Programa de Qualificaccedilatildeo
Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica ndash instituiacutedo pela Resoluccedilatildeo CONSEPEUFRN nordm1499 de 020299 que
estabelece os convecircnios entre a Universidade e seus parceiros apresentamos um exemplar em anexo
68
coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico em escolas instituiccedilotildees do
sistema educacional e projetos educativos existentes nas aacutereas de
assentamento (UFRN 2010 p 05)
Isso mostra que mesmo havendo particularidades o egresso do curso recebe o tiacutetulo de
licenciado em pedagogia apto a concorrer a qualquer vaga de concurso para pedagogo
Essa formaccedilatildeo visa combater o deacuteficit histoacuterico de profissionais da educaccedilatildeo
nas aacutereas rurais e segue uma diretriz do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do
Campo Aleacutem disso pretende gerar oportunidade de continuidade dos
estudos aos jovens que detinham o Ensino Meacutedio completo e que moravam
nos assentamentos e aacutereas de reforma agraacuteria Desse modo o objetivo eacute
colaborar com a constituiccedilatildeo de uma rede de educadores do campo em nosso
Estado com qualificaccedilotildees teacutecnicas e compromisso eacutetico que possibilite o
aprofundamento e ampliaccedilatildeo de experiecircncias de educaccedilatildeo do campo (UFRN
2010 p 04)
Silva Filho (2011) afirma que a entrada de um familiar na universidade eacute algo
significativo Afirma ainda que
O ensino superior ainda resguarda status de responsaacutevel pela ascensatildeo social
e garantia de melhores condiccedilotildees de vida Historicamente o assento
ideoloacutegico da universidade foi muito mais as concepccedilotildees da classe
dominante social e politicamente do que um lugar de inclusatildeo da classe
explorada (SILVA FILHO 2011 p 40)
Por esse motivo O curso tem um caraacuteter contra-hegemocircnico e diferente daquele que
nos habituamos a ver nas universidades
Poreacutem sabemos que os fatos natildeo se datildeo de forma linear ou sem disputas ocorre que o
modo de execuccedilatildeo dos anos de 2007 e 2008 cujo assento havia sido o Convecircnio
CRTRN390002006 (INCRAUFRNMST) teve seus componentes e formato questionados
por parte dos estratos juriacutedicos do INCRA (UFRN 2010) Na verdade esse momento eacute
histoacuterico para todos os cursos do Pronera que enfrentaram periacuteodo de grandes incertezas
Em que pese as mudanccedilas de formato da relaccedilatildeo institucional entre a UFRN e
o INCRA o projeto ora apresentado manteacutem a estrutura curricular original e
os seus fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos estatildeo incorporados aqui
assegurando a correspondente consonacircncia com a Resoluccedilatildeo CNECP no 1 de
15 de maio de 2006 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Curso de Pedagogia (UFRN 2010 p 04)
69
Mesmo natildeo tendo perdido do ponto de vista teoacuterico-metodoloacutegico as perdas poliacuteticas
satildeo evidentes principalmente com a exclusatildeo do MST da operacionalizaccedilatildeo do Curso Como
podemos observar o Acoacuterdatildeo n 26532008 eacute expliacutecito quanto as proibiccedilotildees
()
943 caso pretenda oferecer cursos a puacuteblico especiacutefico afeto a sua aacuterea de
atuaccedilatildeo a exemplo do que se verificou no acircmbito do Projeto Camosc
9431 com relaccedilatildeo ao instrumento a ser firmado com a entidade que se
encarregaraacute da execuccedilatildeo do objeto em vez de convecircnio valha-se de contrato
precedido de procedimento licitatoacuterio
9432 iniba por meio de normas claacuteusulas contratuais e fiscalizaccedilatildeo
qualquer possibilidade de que entes estranhos agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica
especialmente movimentos sociais ligados agrave reforma agraacuteria participem do
planejamento execuccedilatildeo acompanhamento avaliaccedilatildeo ou de outra fase do
curso promovido (TCU 2008)
Nesse periacuteodo professores-coordenadores representantes do INCRA reitores das
universidades puacuteblicas procuraram de forma engenhosa retomar as atividades acadecircmicas que
apoacutes um ano reiniciou Esse momento externou de forma expliacutecita o conservadorismo e o
desejo de segregaccedilatildeo social que ainda permeia a classe poliacutetica brasileira
Sendo o Estado Capitalista um Estado de classe tende a organizar a escola
em todos os niacuteveis e modalidade de ensino conforme a concepccedilatildeo de mundo
da classe dominante e dirigente embora contraditoriamente dependendo do
grau de difusatildeo da pedagogia da contra-hegemonia na sociedade civil a
mesma escola esteja permeaacutevel agrave influecircncia de outros projetos poliacutetico-
pedagoacutegicos (NEVES 2005 p 29)
Desse modo compreendemos os enfrentamentos deflagrados e as lutas pela
manutenccedilatildeo desse Curso como questotildees ideoloacutegicas como resistecircncia dos povos do campo
por um lado e ofensiva da classe dominante de outro Sabemos que essa disputa eacute histoacuterica e
tem altos e baixos concessotildees e restriccedilotildees Esse momento embora tenha acarretado
desconforto e prejuiacutezos para muitos foi o ponto central que evidenciou uma verdadeira luta
de correlaccedilotildees de forccedila
70
41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO
CURSO DE PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN
Pensar uma proposta curricular para um curso de Educaccedilatildeo do Campo como eacute o
Curso de Pedagogia da Terra e tantos outros jaacute exemplificados que gozam de um caraacuteter
popular certamente requer posicionamento e uma reflexatildeo sobre os princiacutepios basilares do
curriacuteculo Tomaz Tadeu da Silva (2011) expotildee que ―A questatildeo central que serve de pano de
fundo para qualquer teoria do curriacuteculo eacute a de saber qual conhecimento deve ser ensinado (p
14) O autor afirma que o curriacuteculo eacute sempre resultado de uma seleccedilatildeo Desse modo quando
determinamos que conhecimento ensinar estamos deixando de fora outros conhecimentos A
questatildeo fundamental passa a ser por que ―esse conhecimento e natildeo ―aquele
O curriacuteculo nunca eacute simplesmente uma montagem neutra de conhecimentos
que de alguma forma aparece nos livros e nas salas de aula de um paiacutes
Sempre parte de uma tradiccedilatildeo seletiva da seleccedilatildeo feita por algueacutem da visatildeo
que algum grupo tem do eu seja o conhecimento legiacutetimo Ele eacute produzido
pelos conflitos tensotildees e compromissos culturais poliacuteticos e econocircmicos
que organizam e desorganizam um povo (APPLE 2000 p 53)
Objetivamente essa relaccedilatildeo de escolhas nos leva diretamente a entender que o
curriacuteculo eacute antes de tudo ideoloacutegico sendo portanto uma disputa pela hegemonia Quando
escolhemos ―esse conteuacutedo e natildeo ―aquele estamos consciente ou inconscientemente
optando por um determinado projeto educativo
Eacute essa preocupaccedilatildeo que leva Apple a recorrer aos conceitos de hegemonia
tal como formulado por Antonio Gramsci e desenvolvido por Raymond
Williams Eacute o conceito de hegemonia que permite ver o campo social como
um campo contestado como um campo onde os grupos dominantes se veem
obrigados recorrer a um esforccedilo permanente de convencimento ideoloacutegico
para manter sua dominaccedilatildeo Eacute precisamente atraveacutes desse esforccedilo de
convencimento que a dominaccedilatildeo econocircmica se transforma em hegemonia
cultural Esse convencimento atinge sua maacutexima eficaacutecia quando se
transforma em senso comum quando se naturaliza (SILVA 2011 p 46)
Para Bourdieu e Passeron (2012) a problemaacutetica reside na reproduccedilatildeo social que
ocorre palas vias da cultura ou propriamente da cultura dominante Seus valores seus gostos
seus costumes seus haacutebitos seus modos de se comportar de agir satildeo reproduzidos como ideal
e desejado para toda a sociedade Entendemos portanto que eacute justamente no curriacuteculo onde
ocorre a condensaccedilatildeo de toda essa problemaacutetica
71
Compreendemos que o curriacuteculo eacute um espaccedilo para o confronto de conhecimentos
popular e erudito Nesse sentido o papel da universidade eacute primordialmente ressignificar os
conhecimentos jaacute elaborados pelos estudantes ou nas palavras de Freire (1993) ―saber de
experiecircncia feito que satildeo pilares fundantes para a construccedilatildeo curricular Curriacuteculo com foco
na vida pela vida e para a vida Saber que natildeo eacute transposto automaticamente pois se constitui
em aprendizagens colaterais e que ao precederem a escola alicerccedilam-na e lhe datildeo suporte
Produzir novos e melhores conhecimentos e garantir um espaccedilo educativo no qual co-
existam de forma permanente a circularidade entre saberes eacute tarefa responsaacutevel da
universidade assim o grande desafio eacute construir uma matriz pedagoacutegica que natildeo se feche
numa dimensatildeo de especialidades dentro das disciplinas O curriacuteculo precisa dar conta de
especificidades por outro lado natildeo pode perder com isso a visatildeo ampla natildeo pensar apenas o
especiacutefico sob pena de fragmentar o conhecimento nem somente o geral pois isso teria
consequecircncias danosas agrave dimensatildeo particular
A educaccedilatildeo do campo tem um viacutenculo com a matriz pedagoacutegica do trabalho e da cultura
Numa concepccedilatildeo freireana haacute uma inter-relaccedilatildeo fundamental entre essas duas categorias
visto que a primeira pode-se entender como a accedilatildeo do homem na natureza ao passo que a
segunda eacute o resultado dessa accedilatildeo accedilatildeo consciente e ativa do homem em sua
realidadenatureza (FREIRE 1983) Desse modo a tarefa primordial da Proposta poliacutetico-
pedagoacutegica e Plano de Trabalho do Curso de Pedagogia da Terra eacute dialogar com essas
matrizes
Assim observamos que a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho se
aproxima e dialoga bastante com esse pensamento logo aproximando-se tambeacutemdos
princiacutepios contidos na Pedagogia Paulo Freire
A proposta curricular para este curso teraacute como ponto de partida os saberes e
praacuteticas dos alunos e a realidade dos assentamentos Por conseguinte a
singularidade seraacute realccedilada sem perder de vista os elementos universais que
compotildeem a cultura do homem e da mulher do campo na perspectiva de
mobilizar um movimento pedagoacutegico pautado na accedilatildeo-reflexatildeo-accedilatildeo (UFRN
2010 p 8)
A proposta de formaccedilatildeo de Freire eacute permeada por uma postura criacutetica poliacutetica e
consciente diante de abordagens de formaccedilatildeo que se apresentam fragmentadas natildeo
envolventes e incapazes de captar as reais necessidades e preocupaccedilotildees dos sujeitos Nesse
72
sentido a categoria realidade sem duacutevida deteacutem uma centralidade na Pedagogia Paulo
Freire isso justamente porque eacute na concretude que a vida se passa Por isso mesmo a
importacircncia da indissociabilidade entre o curriacuteculo do curso e a vida praacutetica dos educandos e
educandas
Outro ponto de fundamental importacircncia se refere agrave necessidade de afinidade criacutetico-
ideoloacutegico dos docentes com a proposta do curso Eacute importante haver aproximaccedilatildeo suficiente
para compreender as particularidades proacuteprias da turma dos sujeitos e do campo
De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho a ―estrutura
curricular do curso de Pedagogia da Terra eacute concebida em trecircs nuacutecleos articulados quais
sejam estudos baacutesicos aprofundamento e diversificaccedilatildeo de estudos e estudos integradores
cujos componentes curriculares foram ofertados em atividades presenciais a serem realizadas
preferencialmente nos periacuteodos de janeirofevereiro e junhojulho de cada ano nas
dependecircncias da UFRN e de atividades vivenciais (grupos de estudo pesquisa e exerciacutecio
profissional) apoiadas por monitores de apoio pedagoacutegico ao longo dos semestres tendo
como referecircncia a praacutetica docente e a realidade do campo no contexto da Reforma Agraacuteria
(UFRN 2010)
O ―Nuacutecleo de Estudos Baacutesicos do curso compreende a seguinte ordem
a Histoacuterico e soacutecio-cultural compreendendo os fundamentos filosoacuteficos
histoacutericos poliacuteticos econocircmicos socioloacutegicos psicoloacutegicos e
antropoloacutegicos necessaacuterios para a reflexatildeo criacutetica nos diversos setores da
educaccedilatildeo na sociedade contemporacircnea
b Da educaccedilatildeo baacutesica compreendendo
i Estudo dos conteuacutedos curriculares da educaccedilatildeo baacutesica
escolar
ii Os conhecimentos didaacuteticos as teorias pedagoacutegicas
em articulaccedilatildeo agraves metodologias tecnologias de informaccedilatildeo e
comunicaccedilatildeo e suas linguagens especiacuteficas aplicadas ao ensino
iii Estudo os processos de organizaccedilatildeo do trabalho
pedagoacutegico gestatildeo e coordenaccedilatildeo educacional
iv Estudo das relaccedilotildees entre educaccedilatildeo e a realidade
social do campo os contextos de trabalho as especificidades da regiatildeo
do Semi-Aacuterido e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees
do campo (UFRN 2010 p 10)
73
No ponto ―IV do Nuacutecleo de estudos baacutesicos observa-se um eixo bem delimitado no
que concerne a formaccedilatildeo do sujeito em consonacircncia com sua realidade Jaacute dialogamos sobre a
importacircncia dessa associaccedilatildeo entre trabalho e cultura tatildeo significativa agrave Educaccedilatildeo do Campo
e agrave Pedagogia Paulo Freire
A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com
ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento
proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica
em que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem
absolutizar-se fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-
o a julgar o seu mundo algo que apenas se acha (FREIRE 1983 p42)
Desse modo a leitura dos processos produtivos e dos processos culturais formadores
dos sujeitos que vivem dono campo eacute entendida como tarefa fundamental no projeto poliacutetico
e pedagoacutegico da Educaccedilatildeo do Campo Esse eixo de estudos busca situar e datar os
componentes do curso na atualidade
Uma das dificuldades dos cursos que trabalham com a Pedagogia da Alternacircncia eacute a
ausecircncia em parte do corpo docente de uma maior afinidade poliacutetica ideoloacutegica com as
questotildees especiacuteficas do curso A ausecircncia dessa interaccedilatildeo acarreta comprometimentos quanto
agrave viabilizaccedilatildeo e operacionalizaccedilatildeo praacutetica da proposta pedagoacutegica escrita (RIBEIRO et al
2010) Eacute um ponto da Pedagogia da Alternacircncia que tem sido pensado e repensado uma vez
que as visitas dos professores agraves comunidades dos estudantestrabalhadores tem se
operacionalizado de forma bastante limitada Esse ponto externa uma preocupaccedilatildeo que
compromete os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo da Alternacircncia da Pedagogia Paulo Freire
e da Educaccedilatildeo Popular como um todo
A busca pelos professores e professoras para trabalhar no curso foi estrateacutegica Em
boa medida os docentes gozavam de boa experiecircncia com a extensatildeo universitaacuteria o que
significa certa capacidade de dialogar com o ementaacuterio das disciplinas
A indicaccedilatildeo dos professores seraacute assumida pela Coordenaccedilatildeo do Curso
considerando preferencialmente a vinculaccedilatildeo formal com o Departamento
de Educaccedilatildeo e demais departamentos das licenciaturas da UFRN e a atuaccedilatildeo
docente e investigativa nas aacutereas relacionadas com o ementaacuterio do referido
curso (UFRN 2010 p 26-27)
As disciplinas trabalhadas no Nuacutecleo de estudos baacutesicos podem ser vistas conforme a
tabela a baixo
74
Periacuteo
do Coacutedigo Disciplinas
C
R
C
H
CH
Presenc
ial
CH
Viven
cial
CH
Praacutet
ica
2007
1
EDU00
46 Introduccedilatildeo ao Trabalho Cientiacutefico 2 30 25 5 -
EDU00
47
Introduccedilatildeo agrave Leitura de textos
imagens e meios eletrocircnicos 8
12
0 100 20 -
2007
2
EDU00
37 Fundamentos de Filosofia do Conhecimento 4 60 45 15 -
EDU00
96
Dimensatildeo Soacutecio-Antropoloacutegica do Ser
Humano 4 60 45 15 -
EDU00
41 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -
EDU00
43 Histoacuteria na Escola 4 60 45 15 -
EDU00
59
Sociologia dos Movimentos Sociais e
Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -
2008
1
EDU00
42 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo no Brasil 4 60 45 15 -
EDU00
40 Gestatildeo democraacutetica na Escola 4 60 45 15 -
EDU00
51
Organizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo
Brasileira 4 60 45 15 --
EDU00
38 Geografia na Escola 4 60 45 15 -
2008
2
EDU00
23 Dimensatildeo Psicoloacutegica da Aprendizagem 4 60 45 15 -
EDU00
62
Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo Popular
(Paulo Freire) 4 60 45 15 -
EDU00
25 Dimensatildeo Psicoloacutegica do Homem 4 60 45 15
EDU00
81
Teacutecnicas de Elaboraccedilatildeo de
Projetos Educacionais 4 60 45 15
EDU00
60 Tecnologias do Campo na Escola 4 60 45 15
2010
2
EDU00
61
Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo (outros
pedagogos) 4 60 45 15
EDU00
53
Planejamento Escolar e Projeto
Pedagoacutegico 4 60 45 15
EDU00
19
Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da
linguagem ndash Portuguecircs 4 60 45 15
EDU00
18
Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da
linguagem ndash Matemaacutetica 4 60 45 15
2011
1
EDU00
39
Gerenciamento de Atividades
Educacionais 4 60 45 15
EDU00
48 Liacutengua Portuguesa na Escola 4 60 45 15
EDU00
49 Matemaacutetica na Escola 4 60 45 15
2011
2
EDU00
35
Elaboraccedilatildeo de Material Didaacutetico
(teoria + praacutetica) 4 90 45 15
EDU00
21 Ciecircncias Naturais na Escola 4 60 45 15
Fonte UFRN (2010)
75
No segundo eixo Nuacutecleo de Aprofundamento e Diversificaccedilatildeo de Estudos se
percebe um grande enfoque naquilo que podemos chamar de ―questatildeo de nossa eacutepoca
(FREIRE 1983) ou questotildees ―transversais Satildeo temaacuteticas que nos remetem a diversidade
cultural tatildeo em pauta hoje em dia
1 Educaccedilatildeo de jovens e adultos
2 Educaccedilatildeo infantil
3 Educaccedilatildeo e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees do
campo
4 Educaccedilatildeo ambiental
5 Educaccedilatildeo e pluralidade cultural
6 Educaccedilatildeo para sauacutede e educaccedilatildeo sexual
7 Educaccedilatildeo especial
8 Temas especiacuteficos alternativas educacionais para o campo questatildeo
agraacuteria cooperativismo e semi-aacuterido (UFRN 2010 p 10)
A par disso eacute vaacutelido salientar o pioneirismo da Pedagogia Paulo Freire no tocante a
essas questotildees Mesmo antes de todos esses temas virem agrave tona Freire jaacute formulava a
Pedagogia do Oprimido que de forma astuta pensou uma pedagogia cujo assento eacute o grupo de
oprimidos ou seja adultos natildeo alfabetizados pessoas com deficiecircncias povos tradicionais
direitos das mulheres Direitos Humanos e outros A pedagogia do oprimido apresenta ao
mundo todos os sujeitos que vivem agrave margem da cultura erudita e hegemocircnica Paulo Freire
chama a atenccedilatildeo para a riqueza da produccedilatildeo cultural desses sujeitos Em boa medida esses
conhecimentos estatildeo hoje sintetizados no multiculturalismo
Desse modo percebemos que haacute uma evidente contribuiccedilatildeo do pensamento freireano
no tocante a organizaccedilatildeo do Pano de Trabalho do Curso Pedagogia da Terra da UFRN A
seguir apresentamos o quadro de disciplinas que compotildeem o Nuacutecleo de Aprofundamento e
Diversificaccedilatildeo de Estudos
Periacuteo
do Coacutedigo Disciplinas
C
R
C
H
CH
Presenc
ial
CH
Viven
cial
CH
Praacutet
ica
2007
1
EDU00
56 Seminaacuterio I ndash A questatildeo Agraacuteria 4 60 40 20 -
EDU00
55
Seminaacuterio II ndash Alternativas Educacionais no
Campo 4 60 40 20 -
2008
1
EDU00
82 Seminaacuterio III ndash O Semi- Aacuterido 4 60 45 15 -
2010 EDU00 Seminaacuterio IV ndash Cooperativismo 4 60 45 15 -
76
2 57
2011
1
EDU00
29 Educaccedilatildeo Ambiental 4 60 45 15 -
2011
2
EDU00
27
Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e
Processo de Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -
EDU00
30 Educaccedilatildeo Especial 4 60 45 15 -
EDU00
20 Artes e Corporeidade na Escola 4 60 45 15 -
2012
1
EDU00
28
Educ de Jovens e Adultos e Processo de Poacutes-
Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -
EDU00
32 Educaccedilatildeo para Sauacutede e Orientaccedilatildeo Sexual 4 60 45 15 --
EDU00
31 Educaccedilatildeo Infantil 4 60 45 15 -
EDU00
33
Educaccedilatildeo Eacutetica e Pluralidade
Cultural 4 60 45 15 -
EDU00
87
Liacutengua Brasileira de Sinais ndash
LIBRAS 4 60 45 15 -
Fonte UFRN (2010)
A uacuteltima parte dos nuacutecleos de estudos refere-se aos Estudos Integradores que satildeo
a Realizaccedilatildeo de oficinas e participaccedilatildeo em eventos culturais artiacutesticos e
cientiacuteficos
b Exerciacutecio profissional em acircmbitos escolares e natildeo-escolares articulando saber
acadecircmico pesquisa e praacutetica educativa (UFRN 2010 p10)
Periacuteo
do Coacutedigo Disciplinas
C
R
C
H
CH
Presenc
ial
CH
Vivenci
al
CH
Praacutet
ica
2007
1
EDU00
45
Introduccedilatildeo ao Estudo da Realidade
Local (teoria+praacutetica) 4 60 15 45 45
EDU00
64 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural I - 15 - 15 15
EDU00
65 Oficina de Praacuteticas Formativas I - 15 15 - 15
2007
2
EDU00
58
Sistema Educacional e
Organizaccedilatildeo Escolar (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
66 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural II - 15 - 15 15
EDU00
67 Oficina de Praacuteticas Formativas II - 15 15 - 15
2008
1
EDU00
50
Observaccedilatildeo na escola ndash sala de
aula (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
68
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
III - 15 - 15 15
EDU00 Oficina de Praacuteticas Formativas III - 15 15 - 15
77
69
2008
2
EDU00
44 Introduccedilatildeo agrave Pesquisa (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
70
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
IV - 15 - 15 15
EDU00
71 Oficina de Praacuteticas Formativas IV - 15 15 - 15
2010
2
EDU00
52 Pesquisa I (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
72 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural V - 15 - 15 15
EDU00
73 Oficina de Praacuteticas Formativas V - 15 15 - 15
2011
1
EDU00
95 Estaacutegio Supervisionado I
10
0 15 85 85
EDU00
74
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
VI - 15 - 15 15
EDU00
75 Oficina de Praacuteticas Formativas VI - 15 15 - 15
2011
2
EDU00
97 Estaacutegio Supervisionado II
20
0 - 200 200
EDU00
98
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
VII - 10 - 10 10
EDU00
77 Oficina de Praacuteticas Formativas VII - 15 15 - 15
2012
1
EDU00
63
Trabalho de Conclusatildeo de Curso
(praacutetica) - 90 - 90 90
EDU00
79
Oficina de Praacuteticas Formativas
VIII - 15 15 - 15
EDU00
80 Congresso de Encerramento - 45 - 45 45
Fonte UFRN (2010)
Essa ultima parte pode-se considerar como a reta final do Curso Os estudantes
trabalharam atividades voltadas agrave culminacircncia como as Oficinas Formativas os Estaacutegios
supervisionados e o Trabalho de Conclusatildeo de Curso (UFRN 2010)
Os trecircs nuacutecleos centrais do curriacuteculo dialogam em grande parte com as necessidades
da formaccedilatildeo dos sujeitos do campo mas tambeacutem com os princiacutepios da Pedagogia Paulo
Freire sobretudo o diaacutelogo tatildeo caro no mundo dos ―pacotes prontos
Eacute preciso que a educaccedilatildeo esteja ndash em seu conteuacutedo em seus programas e em
seus meacutetodos ndash adaptada ao fim que se persegue permitir ao homem chegar a
ser sujeito construir-se como pessoa transformar o mundo estabelecer com
os outros homens relaccedilatildeo de reciprocidade fazer a cultura e a histoacuteria
(FREIRE 1980 p 39)
Aleacutem desses trecircs eixos norteadores destacamos a importacircncia de outras trecircs partes
fundamentais na organizaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica quais sejam (I) Instrumento de
78
integraccedilatildeo e conhecimento do aluno com a realidade social econocircmica e do trabalho de sua
aacutereacurso (II) Instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao ensino (III) Instrumento de praacutetica
profissional (UFRN 2010)
Instrumento de integraccedilatildeo do estudante com a realidade social e econocircmica (I)
―se organiza principalmente no acircmbito das praacuteticas de ensino e possibilita a interlocuccedilatildeo com
os referenciais teoacutericos do curriacuteculo Seraacute iniciada nos primeiros anos do curso e
acompanhada pela coordenaccedilatildeo (UFRN 2010 p 11)
Esse nuacutecleo de disciplinas eacute de fundamental importacircncia uma vez que pretende
aproximar e contextualizar oa estudante dentro da realidade social poliacutetica e econocircmica do
paiacutes Para Freire (2011) o ser humano precisa ―ser situado e datado ou seja o ser humano
precisa conhecer e reconhecer o lugar e o momento histoacuterico no qual se encontra para ser
capaz de agir conscientemente na transformaccedilatildeo da realidade
Menezes e Santiago (2010 p 398) falando sobre a contribuiccedilatildeo do pensamento de
Paulo Freire na construccedilatildeo do curriacuteculo criacutetico apontam que
Os estudantes compreendem suas relaccedilotildees com o mundo natildeo maiscomo real
idade estaacutetica mas como uma realidade em transformaccedilatildeo em processo e de
ssa forma satildeo estimulados a um enfrentamento da realidade como seres da p
raacutexis que sendo reflexatildeo e accedilatildeo eacute verdadeiramente transformadora da realid
ade
Natildeo podemos perder de vista a dimensatildeo criacutetica do processo nem tampouco esquecer
a complexidade da sociedade a qual estamos imersos ou seja uma sociedade de economia
capitalista cuja dinacircmica capitalista gira em torno da dominaccedilatildeo de classe (SILVA 2011)
A modalidade de Praacuteticas Pedagoacutegicas com instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao
ensino (II) pretende articular a teoria com a praacutetica Considera que a formaccedilatildeo profissional
natildeo se desvincula da praacutetica de exercitar a curiosidade que reflete e problematiza a realidade
gerando a partir daiacute projetos de pesquisa capazes de propiciar a iniciaccedilatildeo agrave pesquisa
educacional (id ibid p 11)
A necessidade da intersecccedilatildeo entre a teoria e a praacutetica eacute uma premissa singular a todo
processo educativo defendido exaustivamente tanto como caminho para formaccedilatildeo
permanente de educandos (FREIRE 1991) como para a transformaccedilatildeo do mundo Para
79
pensadores criacuteticos como Marx Gramsci Paulo Freire Apple e outros ―A questatildeo da
coerecircncia entre a opccedilatildeo proclamada e a praacutetica eacute uma das exigecircncias que educadores criacuteticos
fazem a si mesmo Eacute que sabem muito bem que natildeo eacute o discurso o que ajuiacuteza a praacutetica mas a
praacutetica que ajuiacuteza o discurso (FREIRE 2005 p 25)
Associamos a esse momento a praacutexis educativa de Paulo Freire que eacute o resultado da
accedilatildeo e da reflexatildeo porem a accedilatildeo-reflexatildeo sobre o mundo como afirma Freire (2011) natildeo eacute
simples teorizaccedilatildeo e nem simples ativismo eacute a capacidade de agir criticamente sobre esse
mundo A praacutexis eacute um processo dialoacutegico onde saberes satildeo trocados conjuntamente na busca
da construccedilatildeo de um novo saber O pensar jamais poderaacute se afastar da realidade em que se
materializa natildeo bastando interpretar o mundo mas sobretudo transformaacute-lo
Assim esse quadro de disciplinas cujo foco eacute no ensino e na pesquisa contribui de
forma profiacutecua com a busca dos educandos por melhor entenderem sua realidade e sua
eventual transformaccedilatildeo
No uacuteltimo eixo de disciplinas ldquoInstrumento de praacutetica profissionalrdquo (III) observa-
se a ocorrecircncia dos estaacutegios De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de
Trabalho essa atividade
Deve ocorrer junto agraves escolas e unidades educacionais nas atividades de
observaccedilatildeo regecircncia ou participaccedilatildeo em projetos como um ―saber fazer
que busca orientar-se por teorias pedagoacutegicas para responder agraves demandas
colocadas pela praacutetica pedagoacutegica Estaratildeo presentes desde os primeiros
anos do curso configurando a praacutetica pedagoacutegica necessaacuteria ao exerciacutecio
profissional O exerciacutecio efetivo das atividades como professor coordenador
ou gestor de programas educacionais seraacute considerado como parte dessa
modalidade Compreende 300 horas (Estaacutegio Supervisionado I e II) em
consonacircncia com artigo 7ordm aliacutenea II da Resoluccedilatildeo 012006 ndash CNECP
(UFRN 2010 p 11)
A busca pela praacutexis educativa eacute tambeacutem a busca pela aproximaccedilatildeo do outro
procurando articular os diferentes saberes O estaacutegio possibilita um dos momentos mais ricos
em experiecircncias e troca de saberes de todo o curso pois busca diminuir a distacircncia entre os
conteuacutedos trabalhados na Universidade e as vivecircncias do cotidiano escolar (UFRN 2010)
Por fim reafirmamos a importacircncia de um curriacuteculo pensado a partir da realidade das
necessidades sociais e das transformaccedilotildees ensejadas Como monitor que fomos podemos
afirmar que o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
80
natildeo eacute perfeito sobretudo do ponto de vista operacional muita coisa mudou no decorrer dos
anos mudanccedilas de espaccedilos mudanccedilas na coordenaccedilatildeo saiacuteda de estudantes mudanccedilas no
cronograma entre outros Os efeitos dessas ocorrecircncias apenas outras pesquisas nos diratildeo22
Tivemos como objetivo analisar a contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire ao curriacuteculo do
Curso justamente por entender que cursos dessa natureza necessitam de grande aproximaccedilatildeo
e afinidade com os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo e da Pedagogia Paulo Freire ambas as
concepccedilotildees amalgamadas nos princiacutepios da Educaccedilatildeo Popular progressista
Figur
a IIV Concluintes 2012 ndash Turma Florestan FernandesPedagogia da Terra UFRN
22 Sobre os horizontes dos educandos do Curso de Pedagogia da Terra ver Hilario e Azevedo (2011)
disponiacutevel em httpwwwieppecpb2011xpgcombrconteudoGTsGT20-200710pdf
81
5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO
O tema abordado nesta pesquisa emerge de um campo promissor e de grande debate
na contemporaneidade Embora seja um tema que ainda requer muita reflexatildeo e pesquisa
podemos dizer que a temaacutetica da educaccedilatildeo dos povos do campo eacute hoje uma questatildeo em pauta
nacionalmente
Reconhecendo a importacircncia da Educaccedilatildeo do Campo propusemo-nos a pensar e
refletir sobre ―qual a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo
do Campo e numa esfera mais ampla e de forma mais recortada se ―eacute possiacutevel evidenciar
no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte ―recorte e retalhos da Pedagogia de Paulo Freire Imersos nessa problemaacutetica
buscamos analisar o pensamento de Freire dentro dos documentos oficiais que norteiam o
curso
Pensar o sujeito enquanto humano que se transforma e transformando-se transforma o
mundo ao passo que por ele eacute transformado eacute uma contribuiccedilatildeo louvaacutevel natildeo somente ao
campo da Educaccedilatildeo do Campo mas ao paradigma da formaccedilatildeo humana como um todo Freire
desloca o homem do perifeacuterico para o centro das decisotildees natildeo num sentido egoiacutesta supremo
mas num sentido de comunhatildeo com o mundo e com o outro
Comecemos por afirmar que somente o homem como um ser que trabalha
que tem um pensamento-linguagem que atua e eacute capaz de refletir sobre si
mesmo e sobre a sua proacutepria atividade que dele se separa somente ele ao
alcanccedilar tais niacuteveis se faz um ser da praacutexis Somente ele vem sendo um ser
de relaccedilotildees num mundo de relaccedilotildees [] Desprendendo-se do seu contorno
veio tornando-se um ser natildeo da adaptaccedilatildeo mas da transformaccedilatildeo do
contorno um ser de decisatildeo [] (FREIRE 1992 p 39)
Baseado nessa concepccedilatildeo iniciamos este trabalho explicitando ―o lugar de onde
falo pois entendemos que cada ser humano precisa ser entendido em seus muacuteltiplos
condicionamentos precisa ser ―situado e datado desse modo uma compreensatildeo puramente
academicista seria demasiadamente reducionista Ainda que pareccedila pouco cientiacutefico
entendemos que as experiecircncias das pessoas estatildeo diretamente ligadas a psicologia social que
tem determinantes em toda a nossa vida Por isso achamos salutar dizer um pouco do que
somos mas sobretudo dialogar tambeacutem sobre o porquecirc de sermos o que somos
82
Nessa caminhada dialogamos acerca da necessidade de superaccedilatildeo do paradigma da
Educaccedilatildeo Rural e construccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo como alternativa viaacutevel aos povos do
campo Trabalhamos o entendimento da Educaccedilatildeo Rural como a histoacuteria nos apresentou ou
seja um modelo calcado na exploraccedilatildeo do trabalho humano o que configura uma visatildeo
utilitarista e preconceituosa da vida e dos sujeitos do campo Ao mesmo tempo tratamos de
apresentar a Educaccedilatildeo do Campo como uma vertente que melhor se aproxima das
experiecircncias do trabalho e da vida praacutetica dos agricultores e agricultoras Todo o diaacutelogo
sobre as diferentes formas de pensar a educaccedilatildeo dos povos do campo foi atravessado pelo
pensamento de Paulo Freire que teceu toda a construccedilatildeo dessa obra
Pensar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire para o atual debate em torno da Educaccedilatildeo do
Campo eacute uma tarefa instigante sobretudo porque evidenciamos um grande pioneirismo do
Patrono da educaccedilatildeo brasileira quanto a algumas temaacuteticas abordadas hoje pela Educaccedilatildeo do
Campo Debater a importacircncia da realidade ou seja do trabalho e da vida praacutetica como
motor capaz de gerar conhecimentos e mais gerar um curriacuteculo eacute sem duacutevida uma bandeira
do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo que tem origem no pensamento de Paulo Freire
Nessa mesma caminhada explicitamos algumas consideraccedilotildees acerca da Pedagogia da
Alternacircncia e seus propoacutesitos junto a Educaccedilatildeo do Campo Dentro de uma concepccedilatildeo
metodoloacutegica situamos a Alternacircncia dentro de uma vertente multicultural como uma
alternativa curricular que se aproxima das concepccedilotildees progressistas que reclamam uma
organizaccedilatildeo oacutetica mais humana e respeitosa
Continuamos nosso debate discorrendo sobre Educaccedilatildeo do Campo e buscando onde
ela se afina com a Pedagogia Paulo Freire Observamos que em muitos momentos haacute um
entrelaccedilamento entre as duas concepccedilotildees como procuramos exemplificar no desenho criado
por noacutes Nessa pesquisa encontramos uma luta histoacuterica dos povos oprimidos pela busca dos
seus direitos e no mesmo sentido encontramos tambeacutem classes dominantes que ao longo da
histoacuteria perpetuaram seus privileacutegios mantendo uma cultura elitista que estratificando a
sociedade engessa os avanccedilos necessaacuterios
Na quarta parte do trabalho buscamos refletir sobre a inserccedilatildeo do Curso de Pedagogia
da Terra da UFRN no espaccedilo acadecircmico como algo de singular importacircncia Dissertamos
sobre os momentos perpassados pelo curso durante sua realizaccedilatildeo Como se deu o dia a dia
83
dentro da universidade as dificuldades os esforccedilos os preconceitos tudo isso foi canalizado
como forma de entender essa inserccedilatildeo como um ato de ―rebeldia e uma conquista do povo do
campo do Rio Grande do Norte
Eacute nesse sentido de luta e rebeldia que situamos a Pedagogia Paulo Freire dentro da
discussatildeo da Educaccedilatildeo do Campo e do Curso de Pedagogia da Terra A contribuiccedilatildeo de Freire
costura esse trabalho do iniacutecio ao fim Aponta diretrizes e caminhos para a tessitura dessa
dissertaccedilatildeo que eacute tanto teoacuterica quanto praacutetica eacute tanto a segunda quanto a primeira eacute diaacutelogo
eacute pois praacutexis educativa
Por fim buscamos analisar o curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra agrave luz da
contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire Concluiacutemos que haacute uma forte influecircncia da
concepccedilatildeo freireana na Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho
A Pedagogia Paulo Freire e a Educaccedilatildeo do Campo que satildeo atravessadas pela
concepccedilatildeo de educaccedilatildeo dialoacutegica e libertadora satildeo colocadas nesse trabalho como a busca
pelo diaacutelogo constante com o outro Uma educaccedilatildeo ―que se predispusesse a constantes
revisotildees A anaacutelise criacutetica de seus ―achados A uma certa rebeldia no sentido mais humano
da expressatildeo (FREIRE 1983 p 90)
Por fim esta pesquisa nos permitiu refletir sobre o pensamento de Paulo Freire na
contemporaneidade Percebemos o quatildeo atual ele continua e como nos permite compreender
de forma ampla e completa questotildees sociais que permeiam a sociedade A praacutexis educativa de
Paulo Freire assim como o Materialismo Histoacuterico-dialeacutetico continua dando conta de forma
satisfatoacuteria das anaacutelises e mudanccedilas que as questotildees de nossa eacutepoca ensejam
Por uacuteltimo reconhecemos a importacircncia dos cursos de educaccedilatildeo do campo como de
importacircncia singular pois muito mais que a possibilidade de melhoria econocircmica significa
tambeacutem um reparo social e uma conquista do ponto de vista soacutecio-histoacuterico Tivemos a
oportunidade de refletirmos sobre o Curso de Pedagogia da Terra e como a Pedagogia Paulo
Freire pode contribuir com essa formulaccedilatildeo Sabemos que hoje haacute em todo o Brasil diversos
cursos que gozam desse mesmo caraacuteter reconhecemos que satildeo fundamentais poreacutem
reconhecemos que existe uma tendecircncia em tornar essas experiecircncias em ―moda Por
entender que Educaccedilatildeo do Campo eacute um movimento histoacuterico da classe trabalhadora eacute que
84
defendemos que esse paradigma precisa ter em seu acircmago os princiacutepios revolucionaacuterios da
Pedagogia Paulo Freire
85
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httpportal2tcugovbrTCU Acesso em 22 marccedilo de 2013
92
ANEXOS
93
94
4
RESUMEN
Esta disertacioacuten tiene como objetivo general comprender las contribuciones de la
Pedagogiacutea de Paulo Freire en el actual debate de la Educacioacuten del Campo Como guiacutea
analiacutetico tenemos el curriacuteculo del Curso de Pedagogiacutea de la Tierra de la Universidade
Federal do Rio Grande do Norte Se analiza asiacute los acercamientos que se tiene hoy entre el
Movimiento Por Una Educacioacuten del Campo y la pedagogiacutea Paulo Freire De las teacutecnicas de
pesquisa optamos por una profundizada revisioacuten bibliograacutefica y anaacutelisis documental cuyo
objetivo reside en la buacutesqueda por el amplio entendimiento de cuestiones complejas y
extensivas de nuestra eacutepoca Como resultado alcanzado presentamos algunas reflexiones
acerca de la formulacioacuten de la Estructura Curricular del curso anteriormente citado y la
presencia de principios de la Pedagogiacutea Paulo Freire en ese curriacuteculo La temaacutetica
pesquisada se inserta en los objetivos del Grupo de Pesquisa de la Pedagogiacutea Paulo Freire de
la Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPUFPB) que busca dialogar sobre las
contribuciones de la Pedagogiacutea freireana en diversos espacios
PALABRAS CLAVE Educacioacuten del Campo Pedagogiacutea Paulo Freire Pedagogiacutea de la
Tierra curriacuteculo
5
QUADRO DE ILUSTRACcedilOtildeES
Figura I Regiatildeo do SeridoacuteRN
8
Figura II Lagoa NovaRN
9
Figura III Entrelaccedilamento entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire
59
Figura IV Angicos nos dias de hoje (2014)
62
Figura V AngicosRN
64
Figura VI Experiecircncia de AngicosRN
65
Figura IIV Turma Florestan Fernandes ndash PedagogiaUFRN
85
LISTA DE SIGLAS
ANFOPE - Associaccedilatildeo Nacional pela Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo
COMPERVE ndash Comissatildeo Permanente de Vestibular
CONAE - Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo
CONSEPE ndash Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensatildeo
CNBB - Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil
CPT - Comissatildeo Pastoral da Terra
DCE - Diretoacuterio Central dos Estudantes
DCN ndash Diretrizes Curriculares Nacionais
ENERA - Encontro Nacional de Educadores e Educadoras na Reforma Agraacuteria
GEPPC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares
GEPPF - Grupo de Estudos e Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
INCRA - Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria
IPEA - Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada
MEPF - Ministeacuterio Extraordinaacuterio da Poliacutetica Fundiaacuteria
MSC ndash Movimentos Sociais do Campo
MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
PNE - Plano Nacional de Educaccedilatildeo
PROBAacuteSICA - Programa de Qualificaccedilatildeo Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica
PRONERA - Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria
PSDB - Partido da Social Democracia Brasileiro
PT - Partido dos Trabalhadores
SUDENE - Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste
SUPRA - Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria
TRAMSE - Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo
4
UFC ndash Universidade Federal do Cearaacute
UFG ndash Universidade Federal de Goiaacutes
UFMG ndash Universidade Federal de Minas Gerais
UFPB - Universidade Federal da Paraiacuteba
UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UNB - Universidade de Brasiacutelia
UNE - Uniatildeo Nacional dos Estudantes
UNESCO - Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo a Ciecircncia e a Cultura
UNICEF - Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia
SUMAacuteRIO
1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O
ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO 7
11 O LUGAR DE ONDE FALO 7
12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES 11
13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR 16
14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO COMO
SUPORTE PARA ESSE ESTUDO E A PRAacuteXIS FREIREANA 18
2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO PRA
PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER 24
21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO EDUCACIONAL 24
22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA 29
23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO 37
24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS
CONHECIMENTO 43
25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS DA
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO 47
3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO
51
31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA FREIREANA AO ATUAL DEBATE DA
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM 53
32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA
PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO
NORTE58
4
4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIEcircNCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO
CAMPO NA UFRN64
41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO CURSO
DE PEDAGOGIA DA TERRA DA
UFRN70
5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO81
6 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS85
7 ANEXOS 92
7
1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O
ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO
Eacute preciso por outro lado salientar a situaccedilatildeo incocircmoda em
que se encontram intelectuais do Terceiro Mundo que
contemporacircneos de seus colegas do Primeiro Mundo com
eles discutem a poacutes-modernidade ao mesmo tempo em que
convivem em seus paiacuteses com a espoliaccedilatildeo desenfreada de um
capitalismo dependente perverso e atrasado
(FREIRE 2012 p 68)
11 O LUGAR DE ONDE FALO
A vontade e a necessidade de transgredir eacute sem duacutevida um dos maiores motivos que
me leva a formular estes escritos A busca pela construccedilatildeo de um pensamento autecircntico ainda
que reconhecendo todos os riscos de o fazer eacute parte do que nos move Nesse sentido duas
questotildees fundamentais nos orientam quais sejam primeiro qual a contribuiccedilatildeo da
Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo Segundo eacute possiacutevel
evidenciar no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte ldquorecorte e retalhosrdquo da Pedagogia de Paulo Freire
Partindo desses pressupostos inquietadores e sabendo que a educaccedilatildeo deve ser tratada
com extrema seriedade nos debruccedilamos nesse artesanato intelectual (MILLS 2009) com o
objetivo de colaborar com o Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo sobretudo naquilo
que se refere agrave contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire a esse movimento Conseguindo
avanccedilar o pouco que seja nesse debate tatildeo salutar e tatildeo caro estaremos em boa medida
contemplados Nesse primeiro momento trago algumas experiecircncias que me foram tanto
singulares como significativas Por isso mesmo escrevo em primeira pessoa do singular
Nessas primeiras palavras busco a boniteza da expressatildeo de Paulo Freire (2012 p 25)
para iniciar a tessitura desta autobiografia ―de uma geraccedilatildeo que cresceu em quintais nasci
na cidade de Lagoa Nova Regiatildeo do Seridoacute no Estado do Rio Grande do Norte no mecircs de
outubro do ano de 1986
8
Figura I ndash Regiatildeo do SeridoacuteRN
Lagoa Nova eacute uma cidade com caracteriacutesticas tipicamente de interior onde as ―esferas
da existecircncia humana1 se inter-relacionam de forma mais segregada Com uma populaccedilatildeo de
13983 habitantes de acordo com o uacuteltimo censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatiacutesticas (IBGE 2010) essa populaccedilatildeo divide-se quase que simetricamente entre zona
rural e zona urbana Isso tanto tem influecircncia na identidade da Cidade como representa um
fenocircmeno social que por si jaacute merece uma reflexatildeo entretanto natildeo eacute nessa temaacutetica que
reside nosso foco
Figura II ndash Lagoa NovaRN
1 As esferas da existecircncia humana eacute um esquema pensado por Antocircnio Joaquim Severino (1994) em sua obra
―Filosofiardquo em que ele apresenta a Praacutetica Social a Praacutetica Simbolizadora e a Praacutetica Produtiva como uma
engrenagem que gira na frequumlecircncia diretamente proporcional a dinamicidade da sociedade ou grupo social
9
Com um clima extremamente agradaacutevel a cidade tem como base econocircmica a
Agricultura Familiar2 que por sua vez aquece um importante mercado interno sobretudo no
periacuteodo de novembro a marccedilo periacuteodo em que se evidencia a colheita do caju e da castanha
ou simplesmente ―safra do caju Aleacutem da agricultura e do comeacutercio o emprego puacuteblico
garante a complementaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da economia dessa cidade Embora haja outros
modos de complementaccedilatildeo agrave economia a agricultura desempenha papel iacutempar no que diz
respeito ao desenvolvimento da cidade O clima propiacutecio e a terra feacutertil satildeo propulsores de
uma agricultura baseada na pequena propriedade e na diversidade de culturas
Com o lema ―se plantando tudo daacute a regiatildeo serrana apresenta uma prova mais que
concreta de que o desenvolvimento de uma regiatildeo e o bem estar da populaccedilatildeo camponesa
passa diretamente por uma distribuiccedilatildeo de terras para os trabalhadores e trabalhadoras a
rotatividade de culturas e a preservaccedilatildeo do meio ambiente3 princiacutepios que claramente se
aproximam da economia solidaacuteria francamente enfatizada por Singer (2002) assim como
pelos movimentos sociais uma vez que esse caminho eacute uma alternativa para o atual modelo
predatoacuterio de produccedilatildeo agriacutecola tradicional
A possibilidade de cultivar vasta diversidade de sementes e frutos que o solo orgacircnico
rico em huacutemus permite eacute admiraacutevel feijatildeo fava milho encabeccedilam os cereais caju pinha
jaca maracujaacute manga fazem parte do grupo das frutas aleacutem da mandioca que eacute mateacuteria
prima na fabricaccedilatildeo da farinha e outros derivados Outra abrangecircncia de gecircneros alimentiacutecios
como as hortaliccedilas irrigadas e a pecuaacuteria complementam a economia de Lagoa Nova
Quanto agraves questotildees poliacuteticas essa cidade goza dos viacutecios e vicissitudes que a grande
maioria da populaccedilatildeo brasileira enfrenta Aqui natildeo tenho interesse em detalhar passa a passo
essa questatildeo pois isso seria uma tarefa demasiadamente enfadonha e desnecessaacuteria ao nosso
objetivo Ainda assim eacute salutar ressaltar a grande heranccedila oligaacuterquica que eacute flagrante quando
remeto aos nossos representantes poliacuteticos Pequenos grupos se revezam agrave frente da
2 De acordo com Neves (2012) no Dicionaacuterio da Educaccedilatildeo do Campo esse eacute um termo de muacuteltiplas
conotaccedilotildees aqui ficamos com a definiccedilatildeo de um forma de se fazer agricultura diferenciando-se da agricultura
patronal Ou seja uma forma mais poliacutetica e solidaacuteria de se trabalhar a terra
3 Nos uacuteltimos anos um fenocircmeno vem contrariando essa afirmativa a derrubada dos cajueiros tem ocasionado
preocupaccedilotildees quanto ao equiliacutebrio do ambiente
10
administraccedilatildeo puacuteblica como se aquela lhes fosse inerente Como se aquele fosse um direito
advindo do berccedilo Entretanto aos poucos grupos de pessoas ainda que de forma muito
incipiente comeccedilam a se organizar no sentido de propor uma alternativa que fuja agrave diacuteade
partidaacuteria dantesca a qual parece natildeo haver saiacuteda
Satildeo os sabores e dissabores de se gostar de um lugar esse lugar me compotildee eacute siacutentese
de muitas e complexas relaccedilotildees Quando penso na minha cidade resgato Paulo Freire (2012)
quando falava do Recife e sua relaccedilatildeo de saudade para com esta cidade quando estivera no
exiacutelio Faccedilo minhas tais palavras
Quando penso nela penso quanto ainda temos de caminhar lutando para
ultrapassar estruturas perversas de espoliaccedilatildeo Por isso quando longe dela
estive dela a minha saudade jamais se reduziu a um choro triste a uma
lamentaccedilatildeo desesperada Pensava nela e nela penso como um espaccedilo
histoacuterico contraditoacuterio que me exige como a qualquer outro ou outra
decisatildeo tomada de posiccedilatildeo ruptura opccedilatildeo (FREIRE 2012 p34)
Essa breve descriccedilatildeo acerca do meu lugar tem como propoacutesito trazer agrave pesquisa o
cenaacuterio que me foi familiar durante meus primeiros 20 anos (1986-2007) e como essa
vivecircncia implica na minha formaccedilatildeo enquanto pesquisador Como bem estudou Vygotsky ndash
durante sua curta poreacutem brilhante carreira como pesquisador dos processos de
desenvolvimento humano ndash o meio eacute um fator preponderante para a formaccedilatildeo do sujeito
Portanto eacute inegaacutevel que essa cidade eacute parte importante daquilo ―que me move algo que me
constituiu e ainda me constitui Muito do que hoje penso sou ou quero ser tem ligaccedilatildeo direta
com esse periacuteodo com as experiecircncias e vivecircncias que me foram comuns agravequela eacutepoca Isso
alude ao pensamento marxista ao qual nos filiamos em entender o sujeito como sendo ele o
resultado de muacuteltiplos e complexos processos histoacutericos e sociais
Paulo Freire ao trazer agrave tona a importacircncia do lugar das pessoas suas vivecircncias e
experiecircncias como parte integrante da formaccedilatildeo humana do sujeito assim como apontar para
o lugar como produtor de conhecimentos e conteuacutedos me eacute fulcro de compactuaccedilatildeo e
arcabouccedilo teoacuterico e metodoloacutegico Ao me referir ao termo lugar gostaria que o entendimento
fosse aquele trabalhado pelo movimento da Educaccedilatildeo do Campo na contemporaneidade ou
seja como postula (CALDART Et Al 2012) o lugar como sendo constituinte do sujeito e de
sua historicidade natildeo como lugar de moradia tatildeo somente
11
12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES
De uma famiacutelia composta por oito pessoas pai matildee trecircs filhos e trecircs filhas certa vez
li em uma dessas revistas que o filho mais novo chamado caccedilula tem mais probabilidade de
se destacar e vir a ser um grande sujeito socialmente falando e ainda trazia algumas provas de
grandes nomes sobretudo da ciecircncia que se tornaram pessoas conhecidas mundialmente pelas
suas faccedilanhas e descobertas Entretanto sigo outra linha de raciociacutenio coloco-me numa
posiccedilatildeo mais racional e frontalmente de encontro a uma visatildeo platocircnica determinista e
meritocraacutetica de sucesso ―A igualdade de oportunidadelsquo eacute ponto importante da ideologia
capitalista pois garantiria aos mais capazes aos mais esforccedilados aos que trabalham durolsquo o
acesso agraves melhores posiccedilotildees (ROSSI 1980 p 71) Ora no meu caso ser o mais novo me
eximiu de uma eacutepoca natildeo muito remota na qual a condiccedilatildeo social da populaccedilatildeo brasileira era
bastante precaacuteria e o Ensino Superior privileacutegio restrito agrave classe dominante
Depois do esgotamento da Ditadura Militar inicia o periacuteodo chamado Nova Repuacuteblica
ou Transiccedilatildeo democraacutetica poreacutem Saviani (2008) chamou ―transiccedilatildeo conservadorardquo pois o
periacuteodo resguardou a velha formaccedilatildeo social advinda da classe dominante do periacuteodo
ditatorial
A transiccedilatildeo que se operou no Brasil se iniciou com a ―distensatildeo lenta
gradual e segura formulada em 1974 no Governo Geisel e prosseguiu com
a ―abertura democraacutetica a partir de 1979 no Governo Figueiredo
desembocando na Nova Repuacuteblica em 1985 que guindou a posiccedilatildeo de
presidente da Repuacuteblica o ex-presidente do partido de sustentaccedilatildeo do regime
militar (SAVIANI 2008 p 414)
Assim o periacuteodo esperanccediloso que se desenhara com o fim da Ditadura acabou
mantendo grande parte de sua formaccedilatildeo anterior uma vez que continuou a relaccedilatildeo opressor e
oprimido e a interminaacutevel exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo dos trabalhadores ainda que numa
relaccedilatildeo mais decantada e disfarccedilada com outras formas de dominaccedilatildeo e violecircncia Esse
cenaacuterio explica em boa medida as grandes dificuldades econocircmicas perpassadas no cotidiano
da populaccedilatildeo brasileira no periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo
Voltando agraves minhas experiecircncias entendo que se durante minha infacircncia natildeo enfrentei
grandes dificuldades devo isso agrave batalha de um agricultor que ―trabalhava alugado ou ―de
meia e a uma ―dona de casa lavadeira que depois passa a funcionaacuteria puacuteblica ou seja meu
pai e minha matildee Se fui o primeiro da minha famiacutelia a adentrar os altos e quase impenetraacuteveis
12
muros da universidade puacuteblica brasileira natildeo eacute porque sou o melhor dos meus irmatildeos sou na
verdade parte de uma estatiacutestica que aponta para a sensibilidade de um governo cujo foco
principal foi a aacuterea social e a educaccedilatildeo Uma vez coadunada essas duas aacutereas eu fui um dos
muitos jovens negros advindo da classe trabalhadora que foi contemplado por uma
importante poliacutetica soacutecio-educacional do entatildeo Governo Luiacutes Inaacutecio Lula da Silva (2002-2006
e 2006-2010) que tem como uma de suas bases a abertura e expansatildeo das universidades
puacuteblicas
Obviamente que a forccedila de vontade e os esforccedilos pessoais foram reais mas nunca fui
partidaacuterio do discurso meritocraacutetico e do Estado democraacutetico de direito que prega a igualdade
de oportunidade para todos transferindo agraves pessoas o ocircnus pelo seu fracasso social como se a
ascensatildeo dependesse exclusivamente da vontade individual do sujeito O pensamento liberal
afirma que a escola eacute igual para todos e que portanto cada um chega onde suas capacidades e
seu trabalho pessoal lhes permite (SACRISTAacuteN GOacuteMEZ 1998)
Ainda com o objetivo de entender ―o que me move e ―o que me constitui gostaria de
voltar ao relato da minha infacircncia Ainda pequeno moramos no Siacutetio4 Humaitaacute proacuteximo agrave
zona urbana espaccedilo que foi tomado pelo raacutepido crescimento que a cidade adquiriu Na eacutepoca
em que moramos no Humaitaacute que remete aos idos de 1987 devido a fase de vida ainda muito
incipiente poucas satildeo as lembranccedilas desse periacuteodo salvo raras imagens esmaecidas pelos
anos que passaram Desse periacuteodo restou-me muito mais histoacuterias relatadas por meus pais e
irmatildeos mais velhos do que lembranccedilas propriamente minhas No entanto dois fatores fazem
com que essa estadia tenha curta duraccedilatildeo fazendo a famiacutelia retornar agrave cidade a saber os
terremotos5 que foram frequentes nesse periacuteodo e o medo de um bandido chamado Joatildeo
Barauna que oprimia a populaccedilatildeo local
4 O siacutetio eacute o lugar do trabalho por excelecircncia Mas ele eacute igualmente o resultado do trabalho pois eacute um espaccedilo
construiacutedo melhor dizendo um conjunto de espaccedilos articulados entre si que lhe permite organizar-se como um
sistema de insumos e produtos Esse espaccedilo eacute o resultado tambeacutem de um processo histoacuterico secular em que o
ambiente foi alterado com a gradativa eliminaccedilatildeo da cobertura vegetal original e de todo o ecossistema que lhe
era associado (WOORTMANN 1997 p 27)
5 No ano de 1986 grandes abalos siacutesmicos apavoraram moradores do Rio Grande do Norte o epicentro era Joatildeo
Cacircmara no entanto todo o Estado fora atingido com maior ou menor intensidade por falta de informaccedilotildees e
explicaccedilotildees muitas pessoas entraram em pacircnico e deixaram suas casas (Arquivo Tribuna do Norte)
13
Meu pai sempre repete que ―naquela eacutepoca tinha que votar e vir pra casa natildeo podia
ficar em turminhas na rua depois da votaccedilatildeo isso nos mostra que embora estiveacutessemos no
processo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes ainda havia a sombra dos ―anos de chumbo que por
mais de vinte anos garantiu a perpetuaccedilatildeo de um regime autoritaacuterio e ditatorial em nosso paiacutes
que causou feridas cujas cicatrizes ainda satildeo visiacuteveis
Em 1987 voltamos para a rua6 Minha matildee Francisca Maria (Dona Tecirc) dividia seu
tempo entre lavagens de roupa ―de ganho tarefas do lar aleacutem de assumir emprego de
funcionaacuteria puacuteblica do municiacutepio na funccedilatildeo de zeladora da igreja catoacutelica da cidade Meu pai
Luiz Gomes (Seu Lucas) trabalhava nas atividades da agricultura e desempenhava a arte da
caccedila como poucos Como natildeo detinha posses de terras ele ―alugava sua forccedila de trabalho em
sucessivas ―diaacuterias em terras alheias Quando natildeo era alugado ele trabalhava em terras de
outros natildeo por dinheiro mas numa relaccedilatildeo que em muito lembra as relaccedilotildees feudais do
periacuteodo Medieval na Europa ou seja a troca de trabalho por trabalho
Erik Wolf trabalha o termo ―aluguel como um processo no qual ―esse camponecircs
estava sujeito agrave relaccedilatildeo assimeacutetrica de poder o que lhe acarretava um ocircnus permanente em
sua produccedilatildeo (WOLF 1976 p 22) Assim em um modelo bastante parecido com o
desenhado por Wolf meu pai trabalhava a terra de um grande proprietaacuterio a troco de uma
porcentagem que girava em torno de 30 a 50 (terccedila e meia respectivamente) do que era
produzido isso acarreta uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo contiacutenua e demasiadamente nociva para o
trabalhador
Em meio a essa batalha que meus pais travavam diariamente para manter a famiacutelia
inicio minha trajetoacuteria escolar No meu percurso natildeo frequentei creches ou preacute-escolas
Ingressei na antiga 1ordf Seacuterie do Ensino Fundamental jaacute com algumas habilidades na leitura e na
escrita isso devido agrave dedicaccedilatildeo da minha irmatilde Ana de Faacutetima (Aninha) que sempre reservara
um tempo para ensinar aos irmatildeos mais novos Mesmo sendo reprovado na 2ordf Seacuterie do Ensino
Fundamental natildeo tive grandes dificuldades nas seacuteries seguintes Salvo uma ou outra aula de
reforccedilo que muito mais constrangia do que auxiliava no processo de aquisiccedilatildeo da liacutengua
escrita
6 Rua eacute termo francamente usado por populaccedilotildees do campo para designar cidade
14
Eacute importante refletirmos sobre o quatildeo marcante pode ser a escola na vida de uma
crianccedila Varela e Alvarez-Uria (1996) no texto ―a maquinaria escolar afirmam que embora
seja uma instituiccedilatildeo recente a escola deteacutem grande influecircncia sobre a sociedade Assim foi
comigo as marcas e as lembranccedilas do processo educacional escolar que ainda hoje satildeo
evidentes
Jaacute no Ensino Meacutedio o desempenho foi mais consciente comecei a desenvolver um
gosto muito grande pelas ciecircncias humanas e Histoacuteria Geografia e Portuguecircs eram as
disciplinas as quais eu dedicava grande parte do meu tempo Nesse momento estaacutevamos
morando no Siacutetio Figueira o ano eacute 2003 ano que passei a trabalhar tanto nas atividades da
roccedila com o meu pai ndash a condiccedilatildeo jaacute natildeo era mais de tamanha exploraccedilatildeo como outrora a
terra ainda era arrendada no entanto esse tratado agora se passava atraveacutes de laccedilos de
parentesco ndash como nas atividades da construccedilatildeo civil com meu irmatildeo mais velho Ary Gomes
Apesar da grande quantidade de pessoas que imigram do campo agrave cidade natildeo haacute nenhuma
profissatildeo segundo os estudos comparados nas quais maior porcentagem de filhos siga a
profissatildeo dos pais do que entre agricultores (MARTINS apud SOLARI 1986) Minha
caminhada mostra que fugi a regra entretanto hoje resguardo grande admiraccedilatildeo e respeito
agravequeles e aquelas que labutam e vivem nada terra
Mesmo em atividades bastante adversas sempre reservara um horaacuterio do dia agraves
atividades de leitura e redaccedilatildeo Em 2004 prestes a terminar o Ensino Meacutedio simplesmente
natildeo sabia o que significava fazer vestibular Hoje a situaccedilatildeo tem mudando mas isso era
recorrente nas classes mais pobres da populaccedilatildeo uma vez que a universidade natildeo eacute um desejo
almejado pela classe trabalhadora natildeo por desinteresse mas pela falta de informaccedilatildeo e
visualizaccedilatildeo dessa possibilidade que parece distante aos filhos das classes populares Pelo
contraacuterio se propaga o discurso que ao teacutermino do 3ordm ano do Ensino Meacutedio o sujeito
―terminou os estudos Aleacutem disso historicamente se praticou uma educaccedilatildeo cujo foco estaacute
diretamente relacionado agrave classe social a qual o sujeito pertence ou seja agraves classes
trabalhadoras uma educaccedilatildeo elementar uma vez que essa basta agravequeles que iratildeo desempenhar
funccedilotildees manuais ao passo que agraves classes ricas desenhou-se uma educaccedilatildeo para o Ensino
Superior Essa loacutegica eacute facilmente evidenciada no Governo de Fernando Henrique Cardoso
quando ―prioriza o Ensino Fundamental em detrimento do Meacutedio teacutecnico e superior
15
Entre 2005 e o iniacutecio de 2007 trabalhei incessantemente na construccedilatildeo civil ainda
assim continuei a reservar pequenos horaacuterios para me dedicar agraves leituras Ao realizar o
vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte ndash UFRN natildeo tive dificuldade em
ingressar no Curso de Pedagogia daquela instituiccedilatildeo o que atribuo principalmente agrave praacutetica
dessas leituras O motivo da escolha do curso ateacute hoje me eacute uma incoacutegnita poreacutem uma
hipoacutetese consideraacutevel pode ter ligaccedilatildeo com a baixa concorrecircncia
No mesmo ano 2007 fui morar em Natal para dar iniacutecio ao Curso Morador de
Residecircncia Universitaacuteria me dediquei logo na chegada agraves atividade de militacircncia estudantil
em prol dos estudantes de origem popular que moradores do interior do Estado necessitavam
da Residecircncia em Natal Assim durante toda a minha estadia na Residecircncia Universitaacuteria me
dediquei agrave organizaccedilatildeo dos estudantes na busca por mais vagas nas Residecircncias e melhorias
estruturais naquelas existentes
Devido a essa atuaccedilatildeo concorri agrave gestatildeo do Diretoacuterio Central dos Estudantes (DCE)
da UFRN e logramos ecircxito Uma responsabilidade que resolvi encarar enquanto possibilidade
de fazer algo mais A experiecircncia indubitavelmente me foi rica durante um ano estive a frente
do DCE buscando mais uma vez organizar os estudantes coletivamente
Os cinco anos de graduaccedilatildeo passados na Residecircncia me foram de grande importacircncia
primeiramente do ponto de vista econocircmico jaacute que eu natildeo possuiacutea condiccedilotildees financeiras de
me manter fora dela Outro ponto importante foi a convivecircncia com a complexidade das
diversas aacutereas dos conhecimentos isso me garantiu uma formaccedilatildeo que em muito me ajudou
na vida apoacutes minha saiacuteda daquele recinto
Com a aproximaccedilatildeo do teacutermino da graduaccedilatildeo logo veio o desejo de continuar
galgando os degraus do conhecimento buscando aprofundar-me atraveacutes do Mestrado Tal
propoacutesito confirmou-se com a abertura do processo seletivo da Universidade Federal da
Paraiacuteba No mestrado da UFPB encontrei na figura da Professora Doutora Rita de Cassia
Cavalcanti Porto incentivo e orientaccedilatildeo pra continuar os estudos na aacuterea da Educaccedilatildeo do
Campo poreacutem enfatizando nessa reflexatildeo o pensamento e a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire
Ainda eacute de grande importacircncia destacar a atuaccedilatildeo no estaacutegio docente junto a turma de
Pedagogia da UFPB participaccedilatildeo no Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares
16
(GEPPC) desta mesma universidade e a vitoacuteria de vivenciar a criaccedilatildeo do Grupo de Estudos e
Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF)7
13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR
Imbuiacutedo de relativa consciecircncia poliacutetico-social no ano de 2008 me aproximei da
militacircncia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Rio Grande do
Norte
Segundo Miguel Carter (2010) o surgimento do MST pode ser dividido em diferentes
momentos para ele
O primeiro periacuteodo eacute a gestaccedilatildeo do MST (1979-1984) Esse periacuteodo que
precede a fundaccedilatildeo oficial do Movimento eacute fundamental para compreender
as bases de seu processo de formaccedilatildeo O segundo periacuteodo eacute o de
consolidaccedilatildeo (1985-1989) que se caracteriza pela ampliaccedilatildeo das accedilotildees do
movimento em escala nacional por meio de seu estabelecimento em todas as
regiotildees do paiacutes e a configuraccedilatildeo de sua estrutura organizativa O terceiro
periacuteodo eacute de institucionalizaccedilatildeo (1990 ateacute o presente) Nesse tempo o MST
se torna o principal interlocutor do governo federal a respeito da reforma
agraacuteria e eacute reconhecido internacionalmente (CARTER 2010 p 163)
Quando conheci o Movimento no RN fiquei muito animado Conhecer o Centro de
Capacitaccedilatildeo Patativa do Assareacute em Cearaacute - MirimRN e contribuir em algumas atividades
teve significativa importacircncia para minha formaccedilatildeo Entre 2010-2011 ingressei no Grupo de
Estudo Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo (TRAMSE)
Esse grupo coordenado pelo Professor Alessandro Augusto de Azevedo desenvolveu a
organizaccedilatildeo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte em parceria com o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (PRONERA
DECRETO Nordm 7352 de 2010) O curso se destina a formaccedilatildeo de assentados da Reforma
7 O Grupo de Estudos e Pesquisas Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) Coordenado pela Professora Drordf Rita de
Cassia Cavalcanti Porto procura identificar e analisar a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire na
perspectiva da reinvenccedilatildeo nas poliacuteticas e praacuteticas emancipadoras curriculares de formaccedilatildeo de professores nos
sistemas puacuteblicos de ensino bem como socializar com gestores pesquisadores e educadores o legado freireano
para a educaccedilatildeo
17
Agraacuteria Minha atuaccedilatildeo no grupo compreendia a monitoria da turma durante as aulas e
estudos teoacutericos nos intervalos do curso
O MST surge no Rio Grande do Norte em decorrecircncia do 5ordm Encontro Nacional do
Movimento realizado em 1989 que definiu a continuidade de sua expansatildeo pelo Brasil em
pressionar o governo pela realizaccedilatildeo da reforma agraacuteria A primeira ocupaccedilatildeo do MST no Rio
Grande do Norte ocorreu no Vale do Assu com 20 famiacutelias na Fazenda Bom Futuro que fica
localizada no Municiacutepio de JanduiacutesRN (RIBEIRO 2002) Desde aquela eacutepoca ateacute hoje
muita coisa aconteceu e muita coisa mudou O Movimento se tornou fundamental no
enfrentamento das grandes questotildees acerca da terra no Rio Grande do Norte
O interesse pela temaacutetica da Educaccedilatildeo do Campo tornou-se evidente devido a
aproximaccedilatildeo com o MST e com a monitoria do curso de Pedagogia da Terra No MST
percebi que muitos dos termos da educaccedilatildeo e das praacuteticas educativas eram ressignificadas
pelo Movimento e que este tinha forte influecircncia da Pedagogia Freireana o que
indubitavelmente tornou-se porta de entrada para aprofundar meus estudos e interesses sobre
a temaacutetica a Educaccedilatildeo do Campo
Investigar a relaccedilatildeo entre os sujeitos do campo e a universidade passou a ser meu
principal interesse e por conseguinte tema da minha monografia ―Veredas da Pedagogia da
Terra anaacutelise reflexiva de um percurso (SILVA FILHO 2011) Nesse trabalho procurei
refletir sobre o Curso de Pedagogia da Terra enquanto uma educaccedilatildeo voltada agraves populaccedilotildees
do campo e sua relaccedilatildeo com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Esses relatos de experiecircncias e autobiografia como entende Antocircnio Chizzotti (2006)
representam em boa medida um caminho trilhado as relaccedilotildees afetivas os desejos a histoacuteria
satildeo partes que nos atravessam e que nos constitui tambeacutem A academia costuma nos dissecar
tornar o pesquisador mais pesquisador do que gente quando a relaccedilatildeo eacute justamente o
contraacuterio Os sujeitos aparecem como a-histoacutericos natildeo tecircm famiacutelia natildeo tecircm amores natildeo tecircm
lugares Esses escritos iniciais tecircm justamente essa finalidade situar o pesquisador antes de
tudo como gente como sujeito que como escrevera Freire (2012) estaacute no mundo mas
tambeacutem com o mundo e com os outros
18
14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO A
PRAacuteXIS FREIREANA COMO SUPORTE PARA ESSE ESTUDO
Para garantirmos a consubstancialidade deste estudo a contextualizaccedilatildeo dos fatos
tanto no tempo histoacuterico como no espaccedilo foi ponto de constante atenccedilatildeo Natildeo queremos
jamais cair no equiacutevoco de excluir essas categorias da nossa pesquisa sobretudo preocupamo-
nos em natildeo perder o homem como inventor da histoacuteria como produto e produtor dessa
narrativa
Nesse mesmo sentido Ball (2011 p38) critica a pesquisa cujo sentido esteja
desvinculado dos fenocircmenos sociais e histoacutericos de que eacute resultado ―Haacute eacute claro aspectos
temporais adicionais nos processos poliacuteticos e nas anaacutelises desses processos mas na praacutetica
muitas pesquisas sobre poliacuteticas educacionais natildeo tem nenhum sentido de tempo O aspecto
negligenciado mais oacutebvio eacute um extravagante a-historicismo
Gatti (2007 p11) afirma que a pesquisa em educaccedilatildeo no Brasil vem se configurando
como um campo em consolidaccedilatildeo ―Nos uacuteltimos anos pode-se observar um aumento
significativo de pesquisas publicaccedilotildees grupos de pesquisa linhas de pesquisa em programas
de poacutes-graduaccedilatildeo e eventos especiacuteficos sobre poliacuteticas sociais e educacionais
No seacuteculo XIV Agriacutecola havia aconselhado aos seus contemporacircneos que
―Considerem suspeito tudo o que lhes havia sido ensinado ateacute entatildeo e o
mesmo aconselhava jaacute no seacuteculo XVI Bacon Descartes e Pascal ―O
primeiro afirmara que a verdade muda com o tempo o segundo que soacute a
evidecircncia poderia convencer algueacutem ao passo que o terceiro insistia em que
a experimentaccedilatildeo era o uacutenico criteacuterio seguro no campo cientiacutefico (PONCE
2010 p126 grifo do autor)
As pesquisas e suas configuraccedilotildees variaram muito ateacute os tempos de hoje alguns
pesquisadores se filiam agraves novas tendecircncias outros permanecem crentes da consistecircncia da
corrente teoacuterica a qual satildeo simpaacuteticos e acreditam que essa linha de pensamento ainda daacute
conta de forma satisfatoacuteria do entendimento e da criacutetica necessaacuteria agraves questotildees que a realidade
enseja
19
Desse modo continuamos nos filiando agrave corrente histoacuterico-criacutetico de analisar a
realidade com base no materialismo histoacuterico-dialeacutetico e na praacutexis educativa de Paulo Freire
uma vez que nessa perspectiva ―o estudo ontoloacutegico do ser social natildeo prescinde o estudo da
gecircnese histoacuterica da especificidade da sociedade (SAVIANI DUARTE 2012 p 37) ―A
pesquisa natildeo eacute de modo algum na praacutetica uma reproduccedilatildeo fria das regras que vemos em
alguns manuais O proacuteprio comportamento do pesquisador em seu trabalho eacute-lhe peculiar e
caracteriacutestico (GATTI 2007 p 11) Isso se deve indubitavelmente a um complexo de
muacuteltiplos condicionamentos que constituem o pesquisador enquanto ser histoacuterico Enquanto
gente
Este conhecimento como objeto de dado alheio a qualquer traccedilo de
subjetividade elimina qualquer perspectiva de colocar a busca cientiacutefica ao
serviccedilo das necessidades humanas para resolver problemas praacuteticos O
investigador estuda os fatos pela proacutepria ciecircncia pelo propoacutesito superior da
alma humana de saber Natildeo estaacute interessando em conhecer as consequumlecircncias
de seus achados Este propoacutesito de espiacuterito positivo engendrou uma
dimensatildeo que foi defendida com muito entusiasmo e ainda hoje em alguns
meios se levanta como bandeira verdadeira a da neutralidade da ciecircncia
(TRIVINtildeOS 1987 p 37)
Para noacutes a busca pelo conhecimento eacute ponto nevraacutelgico para contribuir com o atual
debate da Educaccedilatildeo do Campo e com a Pedagogia Paulo Freire Nessa perspectiva estudar
esse fenocircmeno sem fim nem finalidade seria ignomiacutenia da nossa parte
Pensando numa perspectiva teoacuterica que atenda aos interesses almejados e tendo em
vista a realidade social e concreta na qual estamos imersos assim como as disputas inerentes
ao tecircnue e conflitante tecido social temos como metodologia o materialismo histoacuterico
dialeacutetico e a praacutexis educativa de Paulo Freire pois esta perspectiva vincula de forma
satisfatoacuteria as questotildees abordadas nesse estudo agrave dinacircmica da realidade material dos sujeitos
envolvidos e reflete a construccedilatildeo histoacuterica dos fenocircmenos com destaque para as
transformaccedilotildees sociais que esta construccedilatildeo enseja
A compreensatildeo da praacutexis educativa em Paulo Freire se encontra diluiacuteda em toda a sua
pedagogia como essa pedagogia eacute bastante ampla abordaremos os principais elementos que
se encontram ligados ao materialismo histoacuterico dialeacutetico procurando dialogar as interfaces
dessas teorias e como elas contribuem para o entendimento da realidade Na praacutexis educativa
de Freire assim como no materialismo histoacuterico dialeacutetico a mera especulaccedilatildeo filosoacutefica natildeo
20
garante subsiacutedio natildeo basta apenas interpretar o mundo eacute preciso tratar de transformaacute-lo
(FREIRE 1983)
A histoacuteria da dialeacutetica eacute demasiadamente longa por isso natildeo pretendemos aprofundar
essa temaacutetica esclarecemos apenas que nesse trabalho adotamos aquela cujo vieacutes eacute marxista
em que pese haver uma vasta gama de outras possiacuteveis compreensotildees da dialeacutetica A
concepccedilatildeo marxista encontra suporte no materialismo e na histoacuteria para a explicaccedilatildeo dos
fenocircmenos
Na produccedilatildeo social da sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees
determinadas necessaacuterias independente da sua vontade relaccedilotildees de
produccedilatildeo que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das
forccedilas produtivas materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui
a estrutura econocircmica da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva
uma superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas
formas de consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida material
condiciona o desenvolvimento da vida social poliacutetica e intelectual em geral
Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o seu ser eacute o seu ser social
que inversamente determina a sua consciecircncia (MARX 1973 p 28-28)
Esforccedilamo-nos em compreender como a histoacuteria da Educaccedilatildeo do Campo bebe da
Pedagogia Paulo Freire onde se intercalam e como dialeticamente se aproximam Cheptulin
(1982) aponta para dialeacutetica como sendo formas gerais de estudar o ser os aspectos e os laccedilos
gerais da realidade as leis do reflexo desta uacuteltima na consciecircncia dos homens pensamento
fortemente presente na pedagogia freireana em que o ponto de partida da histoacuteria e da
realidade satildeo os sujeitos reais (FREIRE 2011)
Gadotti (1983) nos ajuda a situar a dialeacutetica materialista dentro de uma concepccedilatildeo
metodoloacutegica
Natildeo se trata de pensar toda a histoacuteria da educaccedilatildeo pois o que teriacuteamos seria
o ponto de vista da dialeacutetica ou melhor uma leitura dialeacutetica do que foi a
educaccedilatildeo ateacute hoje Eacute o que jaacute fez por exemplo o grande filoacutesofo e
historiador argentino Anibal Ponce mostrando como a educaccedilatildeo enquanto
fenocircmeno social ligado a superestrutura soacute pode ser compreendida atraveacutes
da anaacutelise soacutecio-econocircmica da sociedade que a matem [] O meacuterito de
Anibal Ponce estaacute justamente em colocar em evidecircncia o princiacutepio da
dialeacutetica da relaccedilatildeo entre a consciecircncia e a estrutura econocircmica mostrando
como a luta pelo direito a educaccedilatildeo e agrave cultura acompanhou a luta pelos
demais direitos enfim a educaccedilatildeo natildeo estaacute separada da luta de classe
(GADOTTI 1983 p 39-40)
21
O Materialismo histoacuterico-dialeacutetico eacute a ciecircncia filosoacutefica do marxismo que estuda as
leis socioloacutegicas que caracterizam a vida da sociedade de sua evoluccedilatildeo histoacuterica e da praacutetica
social dos homens no desenvolvimento da humanidade O Materialismo histoacuterico significou
uma mudanccedila fundamental na interpretaccedilatildeo dos fenocircmenos sociais que ateacute o nascimento do
marxismo se apoiava na concepccedilatildeo idealista de sociedade humana (TRIVINtildeOS 1987)
Quando eacute adotada a perspectiva materialista histoacuterico-dialeacutetica o
desenvolvimento da humanidade eacute analisado como um processo histoacuterico
contraditoacuterio heterogecircneo que se realiza por meio das concretas relaccedilotildees
sociais de dominaccedilatildeo que tem caracterizado a histoacuteria da humanidade ateacute
aqui (SAVIANI DUARTE 2012 p 39)
Karel Kosik autor da ―Dialeacutetica do concreto publicado em 1963 um dos mais
eminentes expoentes do marxismo trabalha a realidade em sua totalidade natildeo se limita as
anaacutelises das partes mas procura estabelecer o caraacuteter dialeacutetico entre as partes e o todo Ele
analisa a ―realidade como um todo estruturado dialeacutetico no qual ou do qual um fator
qualquer (classes de fatos conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido
(KOSIK 2010 p 44) o que configura uma compreensatildeo bastante satisfatoacuteria para nossa
anaacutelise cujo objetivo eacute entender como as diferentes partes de uma realidade formam o
fenocircmeno abordado
Na pedagogia freireana cujo assento eacute a praacutexis educativa a compreensatildeo da realidade
eacute ponto chave para a tomada de conscientizaccedilatildeo dos sujeitos Para Freire (1987) a realidade eacute
construiacuteda historicamente sendo passiva de mudanccedila nega-se assim o determinismo de uma
realidade estaacutetica pronta imutaacutevel Para ele a superaccedilatildeo do estado de opressatildeo eacute uma tarefa
ontoloacutegica do homem
Esta superaccedilatildeo natildeo pode dar-se poreacutem em termos puramente idealistas Se
faz indispensaacutevel aos oprimidos para a luta por sua libertaccedilatildeo que a
realidade concreta de opressatildeo jaacute natildeo seja para eles uma espeacutecie de ―mundo
fechado (em que se gera o seu medo da liberdade) do qual natildeo pudessem
sair mas uma situaccedilatildeo que apenas os limita e que eles podem transformar eacute
fundamental entatildeo que ao reconhecerem o limite que a realidade opressora
lhes impotildee tenham neste reconhecimento o motor de sua accedilatildeo libertadora
(FREIRE 1987 p 19)
Nesse sentido nos aproximamos de um materialismo praacutetico cujo princiacutepio natildeo se
pretende a captar a realidade sob forma de objeto ou como mera contemplaccedilatildeo Isso rompe
com a oposiccedilatildeo estanque sujeitoobjeto e concebe alternativamente a atividade humana como
22
uma atividade objetiva e transformadora ao mesmo tempo Desse modo o homem eacute
simultaneamente fruto das circunstacircncias histoacutericas e agente de mudanccedila das mesmas
Na contribuiccedilatildeo deste estudo optamos por uma investigaccedilatildeo no campo da pesquisa
qualitativa realizando um levantamento bibliograacutefico e uma anaacutelise documental Segundo Gil
(2002 p46)
O desenvolvimento da pesquisa documental segue os mesmos passos da
pesquisa bibliograacutefica Apenas cabe considerar que enquanto na pesquisa
bibliograacutefica as fontes satildeo constituiacutedas sobretudo por material impresso
localizados nas bibliotecas na pesquisa documental as fontes satildeo muito
mais diversificadas e dispersas
A par disso realizamos uma busca em documentos da Universidade do Curso de
Pedagogia e tambeacutem da Comissatildeo Permanente de Vestibular (COMPERVE) e nos ocupamos
em analisar os documentos norteadores do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte uma vez que este constitui nosso recorte analiacutetico
Devido agrave dificuldade de realizarmos uma pesquisa com todos os estudantes do Curso
espalhados por todo o Estado do Rio Grande do Norte concordamos com Gil (2002 p46)
quando afirma que ―Outra vantagem da pesquisa documental eacute natildeo exigir contato com os
sujeitos da pesquisa Eacute sabido que em muitos casos o contato com os sujeitos eacute difiacutecil ou ateacute
mesmo impossiacutevel Em outros a informaccedilatildeo proporcionada pelos sujeitos eacute prejudicada pelas
circunstacircncias que envolvem o contato
Para dialogar com essa perspectiva metodoloacutegica trabalhamos com autores cujo
assento eacute tanto a resistecircncia como na transformaccedilatildeo do status quo social como a
organizaccedilatildeo coletiva na busca por direitos historicamente negados Nesse sentido Aroyo
(2011 2009) Caldart (2012 2010) Freire (1983 1991 2011 2012) Gadotti (1983 1996
2000) Ribeiro (2010) Saviani (2008) Apple (2012) Giroux (1986) entre outros Aleacutem disso
a anaacutelise dos marcos legais que norteiam a Educaccedilatildeo do Campo tambeacutem foi de grande
importacircncia para a formulaccedilatildeo da nossa base de sustentaccedilatildeo
Por fim entendemos que na pesquisa social haacute uma relaccedilatildeo definitiva entre o
pesquisador e o seu campo de estudo ―A visatildeo do mundo de ambos estaacute implicada em todo
23
processo de conhecimento desde a concepccedilatildeo do sujeito aos resultados do trabalho e agrave sua
aplicaccedilatildeo (DESLANDES et al 1994 p 14) Seguindo essa linha percebemos o quatildeo
proacuteximos estamos de todas essas questotildees trabalhadas e na verdade que nossas escolhas
nosso objetivo nossa metodologia natildeo eacute nem poderia ser obra do acaso eacute na verdade fruto
da nossa formaccedilatildeo social enquanto o sujeito mas sobretudo enquanto gente
24
2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO
PRA PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER
Natildeo quero dizer poreacutem que porque esperanccediloso
atribuo a minha esperanccedila o poder de transformar a
realidade e assim convencido parto para o embate sem
levar em consideraccedilatildeo os dados concretos materiais
afirmando que minha esperanccedila basta Minha esperanccedila
eacute necessaacuteria mas natildeo eacute suficiente Ela soacute natildeo ganha a
luta mas sem ela a luta fraqueja e titubeia Precisamos
da esperanccedila criacutetica como o peixe necessita da aacutegua
despoluiacuteda
Paulo Freire Pedagogia da Esperanccedila 1992
21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO
EDUCACIONAL
A Reforma do Estado e a reestruturaccedilatildeo produtiva das deacutecadas de 1980 e 1990 assim
como a consolidaccedilatildeo das poliacuteticas neoliberais no campo econocircmico e social representam um
divisor quando nos referimos agrave atuaccedilatildeo do Estado frente agrave garantia de poliacuteticas (SADER
GENTILI 1995) Essas transformaccedilotildees tecircm significativa influecircncia no campo educacional e
eacute disso que trataremos agora
Luiz Fernandes Dourado em palestra no X Encontro Estadual da ANFOPE-PB e IX
Encontro Regional - NE ANFOPE realizado em Campina Grande ndash PB em 2012 afirma que
natildeo se pode compreender as poliacuteticas educacionais se natildeo fizer isso de maneira
contextualizada quais sejam as condiccedilotildees objetivas em que elas satildeo produzidas Obviamente
a economia tem papel de destaque na determinaccedilatildeo dessas condiccedilotildees Silva (2011) tratando a
questatildeo agrave luz do pensamento de Michael Apple afirma que as caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo
da economia na sociedade capitalista afeta tudo aquilo que ocorre em outras esferas sociais
como a educaccedilatildeo e a cultura por exemplo
Para tanto antes de adentrarmos a reforma do estado e suas implicaccedilotildees na educaccedilatildeo eacute
salutar voltarmos ao entendimento do principal pilar de sustentaccedilatildeo dessa reforma o
25
neoliberalismo Sader e Gentili (1995) e Neves (2005) afirmam que o neoliberalismo nasceu
logo depois da II Guerra Mundial na regiatildeo da Europa e da Ameacuterica do Norte onde imperava
o capitalismo Foi uma reaccedilatildeo teoacuterica e poliacutetica veemente contra o Estado intervencionista de
bem-estar O pensamento neoliberal foi difundido inicialmente no Reino Unido no trabalho
do economista austriacuteaco Frederich Hayek (BALL 2011 SADER GENTILI 1995)
O surgimento do neoliberalismo apoacutes a Segunda Guerra e sua posterior
consolidaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1980 trazem consigo um formidaacutevel
ataque contra o igualitarismo e a solidariedade coletivistalsquo em quaisquer de
suas formas desde a aparentemente mais benigna o Ministeacuterio do Bem-
estarlsquo das sociais-democracias europeacuteias ateacute a mais virulenta (a juiacutezo dos
ideoacutelogos neoliberais) corporificada no modelo sovieacuteticolsquo vigente na Uniatildeo
Sovieacutetica e nos paiacuteses do Leste Europeu Ambas as variantes nas palavras
de Hayek se movimentavam em prol de um mesmo objetivo a construccedilatildeo
de uma sociedade de iguais Eram por isso mesmo rotas alternativas que
desembocavam em um mesmo desastre civilizatoacuterio a servidatildeo moderna
(BORON 2000 p55)
Ainda para Sader e Gentili (na mesma obra) a chegada da grande crise do modelo
econocircmico do poacutes-guerra em 1973 quando todo o mundo capitalista avanccedilado caiu numa
longa e profunda recessatildeo combinando pela primeira vez baixas taxas de crescimento com
altas taxas de inflaccedilatildeo mudou tudo ―A rigidez do fordismo tornou-se um obstaacuteculo para o
crescimento do capitalismo A crise da deacutecada de 1970 foi a expressatildeo do esgotamento de um
modelo baseado na produccedilatildeo em massa de um lado e no chamado Estado de Bem-Estar
social de outro (DEL PINO 2011 p 67) A partir daiacute as ideias neoliberais passaram a
ganhar terreno
Expoente fundamental na difusatildeo do neoliberalismo Margaret Thatcher8 encontra-se
natildeo tanto na negativa da existecircncia de sociedade mas em sua radical e desoladora
reimaginaccedilatildeo da sociedade civil Ela se apoia em um renascimento do individualismo
competitivo e em um novo tipo de cidadatildeo-consumidor (BALL 2011)
As reformas econocircmicas de ―Ajuste estrutural implementadas na Ameacuterica Latina
estatildeo baseadas no que ficou conhecido como ―Consenso de Washington (NASCIMENTO
QUAIOTTI et al1997) Satildeo medidas que visam agrave abertura de economias nacionais
8 13 de outubro de 1925 mdash 8 de abril de 2013
26
desregulaccedilatildeo dos mercados cortes nos gastos sociais flexibilizaccedilatildeo dos direitos trabalhistas
privatizaccedilatildeo das empresas puacuteblicas e o controle do deacuteficit fiscal No Brasil apoacutes a
constituiccedilatildeo de 1988 vaacuterias emendas constitucionais vecircm sendo aprovadas com o objetivo de
desregulamentar a relaccedilatildeo capitaltrabalho (DEL PINO 2011)
Ball (2011p 23) explica que ―durante os uacuteltimos quinze anos temos testemunhado no
Reino Unido e tambeacutem na maioria das outras sociedades do mundo ocidental e das
sociedades desenvolvidas uma profunda transformaccedilatildeo nos princiacutepios de organizaccedilatildeo da
provisatildeo social especialmente no setor puacuteblico Del Pino (2011) citando Boroacuten e
Hobsbawm afirma que essas transformaccedilotildees tambeacutem chegaram a paiacuteses do hemisfeacuterio norte
e sul em especial na Ameacuterica Latina Afirma ainda que o seacuteculo XX que iniciou como o
seacuteculo das massas se despede ―como seacuteculo do desemprego em massa (DEL PINO 2011
p65)
Essa breve cronologia tem como objetivo mostrar de onde vem a discussatildeo A reforma
tem iniacutecio na deacutecada de 80 mas como vimos tem sua gecircnese bem antes ―Na verdade haacute uma
tendecircncia notaacutevel a um ―poacutes-1988 (BALL 2011 p 38) Isso significa que muitos
pesquisadores utilizam a reforma de 1988 como ponto zero excluindo em boa medida o que
a antecedeu
Essa introduccedilatildeo tambeacutem tem como objetivo mostrar as implicaccedilotildees da reestruturaccedilatildeo
produtiva no campo educacional Quais as consequecircncias da reforma pra noacutes pesquisadores
estudantes professores e trabalhadores na educaccedilatildeo em geral De iniacutecio vale salientar que a
reestruturaccedilatildeo tem como uma de suas finalidades a adequaccedilatildeo dos modelos produtivos ao
novo modelo econocircmico insurgente chamado por Ball (2011) ―poacutes-fordismo que
―caracteriza-se pelo aparecimento de setores produtivos inteiramente novos Isso jaacute nos
remete agrave implicaccedilatildeo de que a educaccedilatildeo passa a ser vislumbrada como um campo feacutertil e rico
em potencial a ser explorado pelo mercado capitalista em sua faceta neoliberal
Essas mudanccedilas natildeo se restringem ao campo produtivo mas de forma muito concisa
ao campo da individualidade dos sujeitos das subjetividades ―De este modo no soacutelo nos
encontramos en un momento de imposicioacuten de un determinado modelo de produccioacuten y
distribucioacuten de la riqueza sino ademaacutes en un proceso de resocializacioacuten de reorganizacioacuten
de los sentidos con los cuales conviviacuteamos (ALMANACID ARROYO 2011 p 264) Essa
27
posiccedilatildeo eacute ratificada por Ball (2011 p 32) quando afirma que ―outro aspecto da reestruturaccedilatildeo
eacute a formaccedilatildeo de novas subjetividades profissionaislsquo Natildeo simplesmente o que fazemos
mudou quem noacutes somos as possibilidades de quem deveriacuteamos nos tornar tambeacutem
mudaram
Nesse momento assistimos a educaccedilatildeo brasileira experimentar as consequecircncias
danosas dessa nova dinacircmica advinda do capitalismo em uma fase neoliberal como por
exemplo a ecircnfase na supervalorizaccedilatildeo de iacutendices de qualidade e eficiecircncia Essa construccedilatildeo
teve como assento o pensamento hegemocircnico de que esse seria natildeo somente o melhor
caminho mas tambeacutem o uacutenico para fugir da falecircncia estatal
Sob a ideologia da globalizaccedilatildeo os governos dos paiacuteses dependentes entre
eles o Brasil acenam com a necessidade de integraccedilatildeo agrave economia mundial
dentro dos padrotildees propostos por esta integraccedilatildeo como uacutenico meio de afastar
a degradaccedilatildeo social e o aprofundamento da condiccedilatildeo de pobreza destes paiacuteses
Todavia essa hipoacutetese eacute falsa A integraccedilatildeo atraveacutes do atual padratildeo de
desenvolvimento eacute impossiacutevel (DEL PINO 2011 p66)
A ideologia neoliberal ganha ecircnfase sobretudo com a derrocada dos governos
socialista principalmente com o fim da Uniatildeo Sovieacutetica e do comunismo na Europa Oriental
(SADER GENTILI 1995) Na contramatildeo desse processo emerge uma criacutetica tanta ao novo
modelo de sociedade como ao paradigma vigente de educaccedilatildeo
Com o esgotamento da Ditadura Civil Militar os movimentos sociais emergem e
desempenham papel fundamental na busca de uma pedagogia alternativa e de um modelo de
sociedade no qual o fatalismo ou o discurso poacutes-moderno de ―[] obstaacuteculos insuperaacuteveis
(FREIRE 2012 p 48) natildeo predomine A pedagogia histoacuterico-criacutetica e contra-hegemocircnica
fruto tanto de uma opccedilatildeo ideoloacutegica de sociedade como do periacuteodo de reabertura poliacutetica de
meados da deacutecada de 1980 desempenha papel central nesse momento histoacuterico
Eacute importante destacarmos a colocaccedilatildeo da expressatildeo ―contra-hegemocircnica pois ela
costura este texto por vaacuterios momentos Ainda que Gramsci natildeo tenha trabalhado o conceito
de contra-hegemonia sendo esse uma formulaccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho9 estamos
9 Carlos Nelson Coutinho eacute um dos maiores tradutores da obra de Gramsci no Brasil
28
amparados no inverso desse termo ou seja a hegemonia termo exaustivamente pensado por
Gramsci
A hegemonia seria a capacidade de um grupo social unificar em torno de seu projeto
poliacutetico um bloco mais amplo natildeo homogecircneo marcado por contradiccedilotildees de classe Desse
modo hegemonia eacute algo que se conquista por meio da direccedilatildeo poliacutetica e do consenso e natildeo
mediante a coerccedilatildeo Pressupotildee aleacutem da accedilatildeo poliacutetica a constituiccedilatildeo de uma determinada
moral de uma concepccedilatildeo de mundo numa accedilatildeo que envolve questotildees de ordem cultural na
intenccedilatildeo de que seja instaurado um ―acordo coletivo (GRAMSCI 1991) Para Coutinho
(1999) eacute a busca de uma classe particular para impor seus interesses comuns como interesse
geral da sociedade Nesse sentido a colocaccedilatildeo da expressatildeo contra-hegemonia estaacute
intrinsecamente ligada ao conceito de resistecircncia de luta
Dourado (2012) afirma que se a tradiccedilatildeo do estado brasileiro eacute ainda marcada por um
estado patrimonial em que pese ser este paiacutes a sexta economia do mundo para Fernandes
(1995) eacute um estado ―desigual e combinado Noacutes temos desde o maior avanccedilo tecnoloacutegico a
condiccedilotildees de miserabilidade eacute nesse tensionamento eacute nesse caldeiratildeo cultural social poliacutetico
e racial que vatildeo se traduzindo o horizonte das poliacuteticas puacuteblicas
Dourado (2011) nos mostra que a histoacuteria da educaccedilatildeo brasileira eacute marcada por
disputas entre diferentes projetos de educaccedilatildeo e sociedade O atual debate acerca do Plano
Nacional de Educaccedilatildeo (PNE) apesar de parecer recente data da deacutecada de 1930 quando os
Pioneiros elaboraram o primeiro esboccedilo de Plano arquivado logo em seguida pelo Estado
Novo e totalmente negligenciado pelo Regime Militar
Ainda conforme Dourado (2011 p 23) ―A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 resultante de
amplo processo constituinte avanccedila consideravelmente no campo dos direitos sociais A
Constituiccedilatildeo determina que o Senado crie planos e programas nacionais O primeiro PNE (Lei
nordm 10172 de 09 de janeiro de 2001) foi aprovado no governo Itamar Franco e teria duraccedilatildeo
no Governo Fernando Henrique Cardoso no entanto o Governo do PSDB natildeo considerou o
plano como referencial para suas accedilotildees
Em 2010 com o prazo de vigecircncia do PNE prestes a expirar a sociedade civil
organizada pelo Foacuterum Nacional de Educaccedilatildeo (FNE) realiza a I Conferecircncia Nacional de
29
Educaccedilatildeo (2010) com o objetivo de intervir propositivamente no novo Plano a ser lanccedilado
pelo Congresso Nacional em 2011 O novo Plano Nacional de Educaccedilatildeo (PL 8035) se
configura dentro de um complexo campo de disputas de forccedilas Nesse sentido a sociedade
civil estaacute mais uma vez realizando conferecircncias de educaccedilatildeo municipais intermunicipais
distrital e estadual que culminaratildeo na Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo de 2014 cuja
finalidade eacute garantir a aprovaccedilatildeo de um plano articulado nacionalmente democraacutetico e
popular (CONAE 2014)
Nesse contexto de efervescecircncia eacute de fundamental importacircncia a atuaccedilatildeo dos
movimentos de resistecircncia do campo na luta por educaccedilatildeo Esse movimento contra
hegemocircnico eacute importante para fazer frente agraves poliacuteticas neoliberais que avanccedilam na
contemporaneidade Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo passa a ser vista enquanto
propositiva de uma educaccedilatildeo que escapa tanto agrave pedagogia da hegemonia como ao modelo
rural de educaccedilatildeo que vem sendo destinado aos sujeitos do campo ao longo da histoacuteria
(ARROYO 2009) Mesmo com todas as contradiccedilotildees e ressalvas que satildeo necessaacuterias
estamos pois vendo emergir um contraponto fundamental uma pedagogia politizada
assentada em princiacutepios criacuteticos que tem como foco o sujeito
Feita essa breve retrospectiva histoacuterica iniciamos nesse momento o debate sobre a
Educaccedilatildeo Rural e como a superaccedilatildeo desse paradigma eacute essencial para alcanccedilar a Educaccedilatildeo do
Campo cujos princiacutepios tecircm forte afinidade com a Pedagogia Paulo Freire e questotildees que
reclamam mudanccedilas estruturais no seio da sociedade brasileira
22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA
Apesar de evidenciarmos avanccedilos importantes no campo educacional o analfabetismo
ainda eacute um empecilho para a construccedilatildeo de uma sociedade mais autocircnoma tanto do ponto de
vista do desenvolvimento econocircmico do paiacutes como da emancipaccedilatildeo humana dos seus
cidadatildeos Ainda haacute uma barreira demasiadamente alta que impede os sujeitos de construiacuterem
melhores condiccedilotildees sociais de vida Esse problema se intensifica quando tomamos como foco
de investigaccedilatildeo a zona rural brasileira Segundo dados do uacuteltimo estudo do Instituto de
Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA 2009) os iacutendices referentes ao analfabetismo das
populaccedilotildees do campo por exemplo satildeo sempre superiores quando comparados com as
populaccedilotildees residentes na zona urbana
30
Ainda segundo o estudo no meio rural haacute uma grande desigualdade de renda entre os
ricos e pobres uma vez que os primeiros satildeo os ―donos das terras e os segundos satildeo sempre
aqueles que trabalham nela Sabe-se que em sociedade como a nossa a posse da terra eacute
condiccedilatildeo primaacuteria para ascensatildeo social poliacutetica e econocircmica de um povo
Nas sociedades predominantemente agriacutecolas a propriedade da terra eacute a
principal fonte de poder econocircmico poliacutetico e social Como uma regra
simples podemos afirmar que quanto maior for a quantidade de terra
possuiacuteda maior seraacute o poder de seu proprietaacuterio (FEDER apud SHALIN
1976 p 73 traduccedilatildeo nossa)
A citaccedilatildeo acima nos ajuda a entender por um lado a posiccedilatildeo social privilegiada que as
classes detentoras de terras ocupam ateacute os dias de hoje A concentraccedilatildeo da terra tem causado
ao longo da histoacuteria grandes prejuiacutezos agraves populaccedilotildees do campo a falta de escolas e o
consequente analfabetismo eacute uma marca desse fenocircmeno de privaccedilatildeo Nesse momento eacute
necessaacuterio resgatar a urgecircncia de uma Reforma Agraacuteria popular no Brasil como forma de
atenuar esse grande deacuteficit histoacuterico Freire (2012 p 65) mostra que a natildeo realizaccedilatildeo de uma
reforma agraacuteria seacuteria eacute mais uma forma de manutenccedilatildeo de privileacutegios da classe dominante
[] Ao mesmo tempo contudo arquivam a realizaccedilatildeo de reforma agraacuteria
sem a qual se estrangula qualquer transformaccedilatildeo seacuteria nesse paiacutes Nenhuma
sociedade capitalista moderna deixou de fazer sua reforma agraacuteria
absolutamente indispensaacutevel agrave criaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de um mercado
interno Eacute por isso que jaacute natildeo falam em Reforma Agraacuteria e natildeo porque seja o
seu processo uma velharia e sua realizaccedilatildeo um desrespeito agrave propriedade
privada como afirmam os donos do mundo e das gentes ( FREIRE 2012 p
65)
O monopoacutelio da terra causou feridas profundas cujas cicatrizes ainda estatildeo abertas no
seio da sociedade brasileira e que portanto ainda satildeo condicionantes que a sociedade precisa
enfrentar para alcanccedilar a melhoria de vida das classes trabalhadoras da cidade e do campo
Tomando o analfabetismo como exemplo ―Para a categoria localizaccedilatildeo observa-se
que na populaccedilatildeo rural a taxa de analfabetismo eacute de quase 228 Jaacute para a populaccedilatildeo
urbanametropolitana esse iacutendice eacute de 44 (IPEA 2009 p 10) Esses dados nos auxiliam
na explicitaccedilatildeo de uma realidade extremamente desigual marcada por preconceitos e
esquecimento Natildeo eacute um dado estatiacutestico tatildeo somente mas antes de tudo eacute um flagrante uma
prova da exclusatildeo secular que os sujeitos do campo brasileiro vecircm passando Freire (2011)
31
aponta para esse processo como a negaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo negaccedilatildeo das vocaccedilotildees dos
homens vocaccedilatildeo negada na injusticcedila na exploraccedilatildeo na opressatildeo e na violecircncia dos
opressores
Desse modo o paradigma educacional no qual se assenta a Educaccedilatildeo Rural reside no
bojo do pensamento utilitarista e dominador de uma classe sobre a outra Ribeiro (2012 p
293) afirma que ―[] para definir educaccedilatildeo rural eacute preciso comeccedilar pela identificaccedilatildeo do
sujeito a que ela se destina Isso significa que as pessoas que estatildeo vinculadas a educaccedilatildeo
rural satildeo sujeitos cuja marca do trabalho nas atividades da agricultura lhes eacute fator
determinante Para Erick Wolf haacute uma relaccedilatildeo direta de exploraccedilatildeo que caracteriza o
camponecircs ―eacute somente quando um cultivador esta integrado em uma sociedade com um estado
ndash isto eacute somente quando o cultivador passa a estar sujeito a exigecircncias e sanccedilotildees de
detentores do poder exterior ao seu estrato social ndash que podemos falar propriamente em um
campesinato (WOLF 1976 p 26) Percebe-se assim uma aproximaccedilatildeo histoacuterica entre o
camponecircs e a exploraccedilatildeo do seu trabalho
Arroyo (2009) aponta para o descaso no qual a educaccedilatildeo das populaccedilotildees do campo
esteve submetida historicamente cuja finalidade natildeo ai aleacutem do ensino de teacutecnicas de plantio
e colheita no manuseio da terra Essa visatildeo utilitarista e preconceituosa legitimou os baixos
investimentos as escolas em condiccedilotildees precaacuterias e a pouca formaccedilatildeo dos profissionais
(ARAUacuteJO SILVA 2011) aleacutem disso acirrou a disparidade da escola rural em relaccedilatildeo agrave
escola urbana quando se pensa na qualidade O ensino dos sujeitos do campo foi marcado por
uma condiccedilatildeo humana assentada no pauperismo na exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo da matildeo-de-
obra de forma mais ampla na negaccedilatildeo dos direitos baacutesicos como eacute a educaccedilatildeo
Poreacutem Freire (2012 p 59) os convida a refletir sobre a problemaacutetica e expotildee que
Jaacute deixo claro que nenhuma sociedade se livraraacute desses horrores por decreto
nem tampouco porque um de seus sujeitos fundamentais os dominantes num
gesto amoroso regale uma nova forma de viver aos ―condenados da terra A
superaccedilatildeo desses horrores implica decisatildeo poliacutetica mobilizaccedilatildeo popular
organizaccedilatildeo intervenccedilatildeo poliacutetica lideranccedila luacutecida democraacutetica esperanccedilosa
coerente tolerante
Paulo Freire um dos mais assiacuteduos defensores da Educaccedilatildeo Como Praacutetica da
Liberdade deixa claro que a superaccedilatildeo desse modelo de educaccedilatildeo que aqui podemos associar
a ―educaccedilatildeo bancaacuteria tem como pressuposto intriacutenseco a organizaccedilatildeo da classe trabalhadora
32
dos oprimidos essa libertaccedilatildeo jamais decorreraacute da ―falsa generosidade dos dominadores
(FREIRE 2011)
Esse modelo de educaccedilatildeo representou para escolas rurais grande atraso em relaccedilatildeo ao
processo educativo dos filhos dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo ainda sendo
comum visualizarmos escolas na zona rural em extrema precarizaccedilatildeo O esvaziamento dos
conteuacutedos a distacircncia entre a vida cotidiana dos alunos e o curriacuteculo da escola contribuiu de
forma direta e indiretamente para o abandono da escola pelas crianccedilas seja para ajudarem
seus pais na lida da agricultura ou nas tarefas domeacutesticas Certamente um ―curriacuteculo oculto
(SILVA 2011) contribui para esse processo de pauperismo
A despreocupaccedilatildeo com o trabalho dos sujeitos do campo eacute parte central que
caracteriza a Educaccedilatildeo Rural Haacute uma disparidade uma incongruecircncia muito significativa
entre o dia-a-dia e o que a escola mostra O cotidiano do estudante da escola do campo eacute rico
em diversidades naturais animais relacionais trabalho e no entanto esse cenaacuterio desaparece
no momento em que ele adentra a escola
Destinadas a oferecer conhecimentos elementares de leitura escrita e
operaccedilotildees matemaacuteticas simples mesmo a escola rural multisseriada natildeo tem
cumprido esta funccedilatildeo o que explica as altas taxas de analfabetismo e os
baixos iacutendices de escolarizaccedilatildeo nas aacutereas rurais (RIBEIRO 2012 p 193
apud CALDART et al 2012)
Percebe-se portanto que a Educaccedilatildeo Rural eacute resultado de uma loacutegica opressora natildeo
podendo ser pensada como um acidente metodoloacutegico que por acaso foi de um jeito e que
poderia ter sido de outro modo Pelo contraacuterio esse modelo tinha um propoacutesito uma
finalidade natildeo era neutra assim como nenhuma outra forma de educaccedilatildeo eacute Sabidamente natildeo
era a emancipaccedilatildeo dos sujeitos do campo ou a preparaccedilatildeo para a educaccedilatildeo superior o seu
propoacutesito mas antes as tarefas manuais da agricultura cuja necessidade educacional se
resumia aos anos iniciais do Ensino Fundamental
Freire (2011 p 83) afirma que ―Natildeo eacute de se estranhar pois que nessa visatildeo bancaacuterialsquo
da educaccedilatildeo os homens sejam vistos como seres da adaptaccedilatildeo do ajustamento Essa
educaccedilatildeo que Freire chama bancaacuteria e que serve perfeitamente agrave Educaccedilatildeo Rural esteve
embrionariamente ligada aos interesses dos latifundiaacuterios brasileiros tanto como formaccedilatildeo de
matildeo-de-obra como forma de manter privileacutegios dos ruralistas ao passo que negara a vocaccedilatildeo
33
ontoloacutegica do homem ou seja a vocaccedilatildeo de ser mais ―A escola rural estaacute profundamente
distanciada da realidade do trabalho e da vida dos agricultores uma vez que a educaccedilatildeo tem
sido utilizada pelas classes dominantes para manter a classe trabalhadora rural subordinada
aos seus interesses (RIBEIRO 2010 p 176)
Nesse sentido podemos observar um ―problema no curriacuteculo da educaccedilatildeo rural Esse
problema eacute resultado de interesses a saber ao longo da histoacuteria natildeo vimos em nenhum
horizonte uma accedilatildeo governamental que tivesse a finalidade de proporcionar uma educaccedilatildeo
diferenciada positivamente para os sujeitos do campo Pelo contraacuterio as accedilotildees estiveram
sempre ligadas muito mais aos interesses dos grandes latifundiaacuterios e da classe poliacutetica do
que agraves reais necessidades das populaccedilotildees camponesas
Se olharmos por exemplo o periacuteodo que compreende a deacutecada de 1940 aos anos
1960 veremos que esse interstiacutecio eacute fortemente marcado pelas campanhas de alfabetizaccedilatildeo das
populaccedilotildees camponesas Esse fenocircmeno tem um imperativo como podemos observar na obra
de Saviani (2008 p 316)
O direito de voto contudo estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo o que levou
os governantes a organizar programas campanhas e movimentos de
alfabetizaccedilatildeo de jovens e adultos dirigidos natildeo apenas aos crescentes
contingentes urbanos mas tambeacutem a populaccedilatildeo rural Daiacute o surgimento de
campanhas ministeriais que se estenderam da deacutecada de 1940 ateacute 1963
Vale salientar que essas campanhas tinham como objetivo a educaccedilatildeo elementar nada
que ultrapassasse a fronteira do direito ao voto um exemplo eacute a Campanha Nacional de
Educaccedilatildeo Rural (CNER) Percebemos o quatildeo alarmante era o quadro em que estavam imersas
as populaccedilotildees do campo nesse periacuteodo Nessa mesma conjuntura mas com caraacuteter
eminentemente progressista surgem diversas organizaccedilotildees populares em vaacuterias partes do
paiacutes debatendo e organizando as populaccedilotildees pobres no sentido de conscientizar esses sujeitos
para intervirem conscientemente na poliacutetica e na sociedade brasileira Wanderley (2010 p
85) aponta que
No tempo decisivo citado sobre a emergecircncia dos processos educativos
populares irromperam os movimentos de cultura popular cujo viacutenculo com
os mesmos foram impactantes MCP do Recife de Natal do MEB Meacutetodo
Paulo Freire entre outros Jaacute naquela eacutepoca eles compareciam situados
como movimentos rurais e urbanos Sua influecircncia na poliacutetica da mesma
maneira foi exponencial na linha de pressionar por mudanccedilas de fundo por
34
isso mesmo no Brasil e em outros paiacuteses latino-americanos foram
duramente reprimidos nas ditaduras implantadas
Sobre o caraacuteter educativo dessa mobilizaccedilatildeo Saviani (2008 p 317) nos expotildee o
seguinte
A mobilizaccedilatildeo que toma vulto na primeira metade dos anos 1960 assume
outra significaccedilatildeo Em seu centro emerge a preocupaccedilatildeo com a participaccedilatildeo
poliacutetica das massas a partir da tomada de consciecircncia da realidade brasileira
E a educaccedilatildeo passa a ser vista como instrumento de conscientizaccedilatildeo A
expressatildeo ―educaccedilatildeo popular assume entatildeo o sentido de uma educaccedilatildeo do
povo pelo povo e para o povo pretendendo-se superar o sentido anterior
criticada como sendo uma educaccedilatildeo das elites dos grupos dirigentes e
dominantes pra o povo visando a controlaacute-lo manipulaacute-lo ajustaacute-lo agrave
ordem existente
Nesse panorama histoacuterico eacute salutar ressaltar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire como um
autecircntico representante desse momento histoacuterico Freire esteve preocupado antes de tudo em
inserir um caraacuteter poliacutetico agrave educaccedilatildeo em educar para a conscientizaccedilatildeo e a poliacutetica Daiacute sua
forte defesa da natildeo neutralidade da educaccedilatildeo pensamento oposto agravequele presente no ideaacuterio
da Educaccedilatildeo Rural ele opocircs-se veemente ao manuseio da formaccedilatildeo atrelada aos interesses
das classes opressora
Os espaccedilos populares forjaram grandes pensadores Paulo Freire eacute um desses que
comprova a experiecircncia e a realidade da cotidianidade como geradora de conteuacutedo de
curriacuteculo e como loacutecus para o desenvolvimento de uma praacutetica popular de educaccedilatildeo baseada
na necessidade do sujeito Esse vieacutes foi estrategicamente negligenciado pela Educaccedilatildeo Rural
Esse caraacuteter de uma educaccedilatildeo transformadora e libertaacuteria eacute usado na experiecircncia de
Angicos Estado do Rio Grande do Norte em 1963 onde Paulo Freire desenvolveu seu
―meacutetodo que alfabetizou trabalhadores rurais daquele municiacutepio em um curto intervalo de
tempo Ele e sua equipe ―[] Alfabetiza 300 trabalhadores Este trabalho obteacutem grande
repercussatildeo nacional e internacional Estende a experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN)
e Joatildeo Pessoa (PB) (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012
p146) Nessa experiecircncia o contexto do sujeito assume grande relevacircncia assim como o
trabalho
A concepccedilatildeo de campo na Educaccedilatildeo Rural tambeacutem apresentara um conceito
esvaziado colocado frequentemente como o lugar onde se produzem alimentos para manter a
35
cidade somente Um lugar sem vida anocircnimo anocircmico e anecircmico Essa era e ainda eacute para
muitos o ideaacuterio de campo que predomina em nossa sociedade
Em seu livro Gritti (2003) demonstra que a escola puacuteblica rural foi um
potente instrumento para a expansatildeo do capitalismo no campo brasileiro
trazendo como consequumlecircncia a desestruturaccedilatildeo do modo de vida dos
trabalhadores rurais principalmente seu trabalho os saberes e a cultura que
lhes satildeo proacuteprios (SAVIENI 2008 p 317)
Como jaacute afirmamos na Educaccedilatildeo Rural haacute uma distacircncia muito significativa entre os
conteuacutedos trabalhados em sala de aula e a realidade dos educandos isso eacute potencializado
ainda mais pelo livro didaacutetico e pela formaccedilatildeo do professor que em boa medida natildeo mora no
campo muitas vezes natildeo tem afinidade com aquela realidade e acaba reforccedilando estereoacutetipos
e preconceitos acerca do campo e dos sujeitos (ARAUacuteJO SILVA 2011) Como consequecircncia
desse distanciamento haacute um processo de urbanizaccedilatildeo das escolas do campo ou seja um
transplante da metodologia da escola urbana para a escola rural ou como eacute comum a
deslocaccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos do campo para as escolas da cidade
Segundo Ribeiro (2010) apesar de ter seu reconhecimento no final do Segundo
Impeacuterio a Educaccedilatildeo Rural tem seu desenvolvimento na primeira metade do seacuteculo XX Os
primeiros incentivos a esse modelo de educaccedilatildeo no Brasil se deram durante o Estado Novo
na deacutecada de 1930 Nesse momento essa educaccedilatildeo se dava em boa parte por campanhas de
alfabetizaccedilatildeo Tais campanhas estavam diretamente atreladas aos interesses da incipiente
industrializaccedilatildeo que chegara ao nosso Paiacutes e aos interesses eleitoreiros uma vez que o voto
estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo como exposto anteriormente Ainda segunda a autora a
Educaccedilatildeo Rural estava baseada numa concepccedilatildeo evolucionista que considerava os costumes
e a vida do homem do campo como atrasado e necessaacuterio de ser evoluiacutedo
A partir da deacutecada de 1950 alguns oacutergatildeos satildeo criados com o objetivo de desenvolver
as regiotildees brasileiras que apresentavam maiores iacutendices de pobreza assim surge a
Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) o Instituto Nacional de
Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) a Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria
(SUPRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agraacuterio (INDA) oacutergatildeos federais que
tratariam de questotildees relativas agrave reforma agraacuteria no Brasil (NETO 2007) Esperava-se com
isso a melhoria da vida da populaccedilatildeo do campo brasileiro entretanto muitas dessas agecircncias
36
se tornaram loacutecus de corrupccedilatildeo e manutenccedilatildeo de privileacutegios dos grupos dominantes do Norte
e Nordeste
Durante a Ditadura Civil Militar brasileira a educaccedilatildeo das populaccedilotildees camponesas
seguiu a reboque da modernizaccedilatildeo agriacutecola guinando ao sabor do vento da mecanizaccedilatildeo do
campo Essa educaccedilatildeo continuou a ser objeto de manutenccedilatildeo de privileacutegios da burguesia
agraacuteria e de negaccedilatildeo de direitos e emancipaccedilatildeo das populaccedilotildees rurais Na deacutecada de 1980
Carter (2010 p 38) afirma que
Um novo ciclo de mobilizaccedilatildeo por terra irrompeu com forccedila no iniacutecio da
deacutecada de 1980 de modo especial na Regiatildeo Sul Brasil Ele surgiu com o
apoio de uma rede progressista no meio religioso e a assistecircncia de vaacuterios
sindicatos de trabalhadores rurais em um contexto de intensa modernizaccedilatildeo
agriacutecola crescentes demandas na sociedade civil pela restauraccedilatildeo da
democracia e o decliacutenio gradual do regime militar O MST foi instituiacutedo
formalmente e em niacutevel nacional em janeiro de 1984 Um ano mais tarde o
Brasil testemunhou a inauguraccedilatildeo de um movo governo civil
Haacute um pensamento que advoga que durante a Ditadura Civil Militar houve uma
calmaria nos movimentos sociais como jaacute salientamos anteriormente entendemos que houve
na verdade uma censura um silenciamento dos atores sociais dos sujeitos Os movimentos
sociais estavam em luta estavam em formaccedilatildeo o MST por exemplo tem sua gestaccedilatildeo ainda
na deacutecada de 1970 assim como a Comissatildeo Pastoral da Terra ndash CPT que foi criada para
conter a onda de assassinatos de trabalhadores rurais e acabou tendo grande importacircncia na
proteccedilatildeo daqueles sem-terra que lutavam pela redemocratizaccedilatildeo do Brasil (SCOLESE 2008)
Esses movimentos embora natildeo tivessem em sua gecircnese a educaccedilatildeo como foco central jaacute
traziam uma denuacutencia importante e uma necessidade de reversatildeo da situaccedilatildeo negligente a qual
as populaccedilotildees rurais se encontravam
A Educaccedilatildeo Rural ainda eacute um fenocircmeno existente em nossa sociedade natildeo podemos
dizer que ela foi enterrada com o advento do paradigma10
da Educaccedilatildeo do Campo Sabe-se
que os desafios ainda satildeo muitos A educaccedilatildeo das comunidades rurais tem alcanccedilado avanccedilos
10 De acordo com Kuhn (2009) o conceito de paradigma eacute entendido como sendo o conjunto das realizaccedilotildees da
ciecircncia reconhecidas universalmente ou seja o paradigma refere-se a um conjunto de crenccedilas ou premissas
sobre o que se julga verdadeiro Satildeo processos de construccedilatildeo de conhecimentos capazes de elaborar teorias que
servem como ponto de partida para a resoluccedilatildeo de problemas da comunidade e satildeo o referencial para a
elaboraccedilatildeo de novos trabalhos cientiacuteficos
37
entretanto ainda haacute muito que avanccedilar A Educaccedilatildeo do Campo eacute uma utopia utopia
necessaacuteria que nas palavras de Paulo Freire citado por Moacir Gadotti (1996 p 732) ―eacute a
dialeacutetica entre o ato de denuacutencia do mundo que se desumaniza e o anuacutencio do mundo que se
humaniza
A Educaccedilatildeo do Campo forjada no bojo dos movimentos de resistecircncia tem sido uma
ferramenta para a classe trabalhadora fazendo o contraponto necessaacuterio ao modelo da nova
pedagogia da hegemonia (NEVES 2005) cujo fulcro tem sido o ideaacuterio privatista
desumanizador e mercantil Eacute nessa concepccedilatildeo que apontamos para a Educaccedilatildeo do Campo
como anunciante de outra possibilidade de educaccedilatildeo esse paradigma vem proporcionando
esperanccedila e ressignificando o sentida da luta pelo direito agrave educaccedilatildeo e agrave vida
23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO
Como externamos a pouco de forma breve a Educaccedilatildeo do Campo tem dado passos
importantes rumo agrave construccedilatildeo de um novo paradigma educacional para as populaccedilotildees do
campo brasileiro Tem feito um tensionamento necessaacuterio ao atual modelo da pedagogia que
tornou-se hegemocircnica que de acordo com Freire (2011) a pedagogia dominante eacute a pedagogia
da classe dominante No entanto muitos afirmam que na realidade as escolas do campo ainda
apresentam problemas estruturais e que mudar o nome dessa educaccedilatildeo natildeo resolveraacute a
questatildeo De fato as escolas do campo ainda apresentam desafios a serem superados
entretanto eacute salutar perceber que algo estaacute acontecendo
Trazer o debate da educaccedilatildeo agrave tona natildeo eacute uma tarefa faacutecil e falar em educaccedilatildeo de
populaccedilotildees historicamente excluiacutedas residentes de uma aacuterea tida como atrasada como eacute
colocado o campo eacute uma tarefa ainda mais complexa Falar de uma educaccedilatildeo ―Para aleacutem do
capital ainda mais nesse tempo eacute sem duacutevida uma tarefa das mais louvaacuteveis A educaccedilatildeo do
Campo tem conseguido essa faccedilanha tem posto em xeque a educaccedilatildeo rural e tem sobretudo
conquistado pela luta sua institucionalidade e seu reconhecimento enquanto um direito da
classe camponesa Nesse sentido a mudanccedila natildeo tem se restringido somente agrave nomenclatura
mas principalmente as conquistas reais
38
Trazemos uma indagaccedilatildeo que nos diz muito sobre a questatildeo da educaccedilatildeo das
populaccedilotildees do campo Arroyo Caldart e Molina na 4ordf ediccedilatildeo da obra ―Por uma Educaccedilatildeo do
Campo de 2009 questionam
Interroga-nos porque nem sequer os governos democraacuteticos nem sequer o
movimento educacional progressista conseguiram colocar em seus
horizontes o direito dos camponeses agrave educaccedilatildeo O olhar negativo
preconceituoso do campo e seu lugar no modelo de desenvolvimento seriam
responsaacuteveis A agricultura camponesa vista como sinal de atraso
inferioridade como um modelo de produccedilatildeo de vida e cultura em extinccedilatildeo
Como quebrar o fetiche que coloca o povo do campo como algo agrave parte
(ARROYO CALDART MOLINA 2009 p 11)
Essas questotildees nos ajudam a entender o terreno em que estamos pisando Ele eacute repleto
de contradiccedilotildees eacute delicado por isso mesmo eacute preciso perspicaacutecia para mover-se nesse debate
em que pese os riscos de naturalizaccedilatildeo de fenocircmenos que satildeo histoacutericos e sociais
Para tomarmos como momento histoacuterico a Ditadura Civil Militar Fernandes (2010 p
163) afirma que
O Governo militar tentou minimizar os conflitos de terra com a implantaccedilatildeo
de projetos de colonizaccedilatildeo na Amazocircnia mas essa poliacutetica de fomentar a
migraccedilatildeo camponesa natildeo diminuiu os conflitos por terra na regiatildeo Sul
Sudeste e Nordeste do Paiacutes Desde o iniacutecio o regime militar reprimiu com
violecircncia as accedilotildees dos trabalhadores que reivindicaram seus direitos como o
acesso agrave terra e melhores condiccedilotildees de trabalho
Os conflitos no campo se tornaram uma constante A contraditoacuteria relaccedilatildeo entre
trabalho e capital tornou-se insustentaacutevel (RIBEIRO 2010) a reforma agraacuteria era uma
questatildeo premente Os movimentos sociais do campo retomam a bandeira da necessidade dessa
reforma como direito e sobretudo como paracircmetro de equidade social entre as populaccedilotildees
do campo e da cidade
Com o fim do regime militar nos anos 1980 sobretudo devido agraves pressotildees advindas da
sociedade civil11
os movimentos sociais assumem o protagonismo das lutas em defesa do
11 Para Gramsci diversamente ―sociedade civil designa o conjunto das organizaccedilotildees responsaacuteveis pela
elaboraccedilatildeo eou difusatildeo das ideologias compreendendo o sistema escolar os sindicatos os meios de
comunicaccedilatildeo as instituiccedilotildees de caraacuteter cientiacutefico e artiacutestico etc (COUTINHO 2011 p 25)
39
trabalho da terra da educaccedilatildeo Eacute nesse momento que irrompe como um dos principais
protagonistas da luta por uma Educaccedilatildeo do Campo o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) movimento social que para Fernandes (2012 p 496)
Reuacutene em sua base diferentes categorias de camponeses pobres ndash como
parceiros meeiros posseiros minifundiaacuterios e trabalhadores assalariados
chamados de sem terra e tambeacutem diversos lutadores sociais para desenvolver
as lutas pela terra pela Reforma Agraacuteria e por mudanccedilas na agricultura
brasileira
Esse cenaacuterio de exclusatildeo negaccedilatildeo de direitos e luta dos camponeses eacute propiacutecio ao
surgimento de praacuteticas educativas autecircnticas forjadas na proacutepria luta Como nos questiona
Freire (2011 p 42-43) ―Quem melhor que os oprimidos se encontraraacute preparado para
entender o significado terriacutevel de uma sociedade opressora Quem sentiraacute melhor que eles os
efeitos da opressatildeo Quem mais que eles para ir compreendendo a necessidade da
libertaccedilatildeo Nesse processo de luta emerge uma forma alternativa de educaccedilatildeo no campo do
campo e com o campo o que viria a tomar corpo e que hoje chamamos Educaccedilatildeo do Campo
Uma das principais diferenccedilas entre Educaccedilatildeo Rural e Educaccedilatildeo do Campo estaacute na
utilizaccedilatildeo e no propoacutesito dessas duas formas de educar A primeira como vimos estaacute
fortemente atrelada a utilizaccedilatildeo da matildeo-de-obra no trabalho dos latifuacutendios em condiccedilatildeo
humana precaacuteria A Educaccedilatildeo do Campo tem como objetivo a formaccedilatildeo para o trabalho e para
a vida pensa o sujeito em sua amplitude sua autonomia e sua capacidade de decidir Pensa
modelos de desenvolvimento para agricultura que natildeo resida no agronegoacutecio e na economia
de exportaccedilatildeo tatildeo somente mas uma economia solidaacuteria e a pequena propriedade como forma
de sustentabilidade ambiental e social para as populaccedilotildees tradicionais do campo
A pedagogia do oprimido dos excluiacutedos dos tempos de barbaacuterie natildeo estaacute
em encontrar meacutetodos novos para educar os baacuterbaros civilizar os oprimidos
ou incluir os excluiacutedos nos valores e saberes dos ―civilizados mas estaacute em
apreender com o conjunto de processos que os excluiacutedos e oprimidos
reinventam para continuar humanos manter seus valores e seus saberes sua
cultura e memoacuteria coletiva sua identidade e dignidade (ARROYO 2011 p
274)
Desse modo percebe-se uma niacutetida evidecircncia de que os movimentos sociais do campo
desenvolveram uma produccedilatildeo pedagoacutegica que tem como sustento suas proacuteprias necessidades
e seu espaccedilo de luta e trabalho
40
A mobilizaccedilatildeo do MST e outros segmentos da sociedade civil tiveram como resultado
a realizaccedilatildeo do I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agraacuteria ndash
ENERA ndash realizado em Brasiacutelia e promovido pelo Movimento em parceria com a UnB a
Unesco o Unicef e a CNBB em junho de 1997 (RIBEIRO 2010) Como fruto desse encontro
e do acuacutemulo dos movimentos sociais na defesa dos direitos agrave educaccedilatildeo vimos brotar de um
chatildeo ―aacuterido e seco o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) uma das
grandes conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo
O Pronera foi criado em 16 de abril de 1998 num contexto de organizaccedilatildeo e
mobilizaccedilatildeo dos Sem Terra em memoacuteria dos massacres de Corumbiara em Rondocircnia em
1995 e Eldorado dos Carajaacutes no Estado do Paraacute ocorrido em 1996 (SANTOS 2012)
Podemos dizer que a primeira conquista do Movimento de Educaccedilatildeo do Campo foi a
institucionalizaccedilatildeo desse Programa
O Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) eacute uma
poliacutetica puacuteblica do governo federal especiacutefica para a educaccedilatildeo formal de
jovens e adultos assentados da Reforma Agraacuteria e do creacutedito fundiaacuterio e para
a formaccedilatildeo de educadores que trabalham nas escolas dos assentamentos ou
do seu entorno e atendem a populaccedilatildeo assentada (SANTOS 2012 p 629)
Assim podemos afirmar que o Programa eacute na verdade uma conquista pela via da luta
e da organizaccedilatildeo da sociedade camponesa em prol de um direito que eacute a educaccedilatildeo e de uma
necessidade que eacute a formaccedilatildeo de professores para as escolas do campo Como objetivos
gerais o Pronera se pretende a
I ndash oferecer educaccedilatildeo formal aos jovens e adultos beneficiaacuterios do Programa
Nacional de Reforma Agraacuteria (PNRA) em todos os niacuteveis de ensino e aacutereas
do conhecimento
II ndash melhorar as condiccedilotildees de acesso agrave educaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e
III ndash proporcionar melhorias no desenvolvimento dos assentamentos rurais
por meio da formaccedilatildeo e qualificaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e dos
profissionais que desenvolvem atividades educacionais e teacutecnicas nos
assentamentos (BRASIL 2011 p 13)
De acordo com o Decreto Nordm 7352 que dispotildee sobre a poliacutetica de educaccedilatildeo do campo
e o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria ndash Pronera ndash Satildeo beneficiaacuterios do
programa
41
I - populaccedilatildeo jovem e adulta das famiacutelias beneficiaacuterias dos projetos de
assentamento criados ou reconhecidos pelo INCRA e do Programa Nacional
de Creacutedito Fundiaacuterio ndash PNFC
II - alunos de cursos de especializaccedilatildeo promovidos pelo INCRA
III - professores e educadores que exerccedilam atividades educacionais voltadas
agraves famiacutelias beneficiaacuterias e
IV - demais famiacutelias cadastradas pelo INCRA
Devido ao seu caraacuteter eminentemente popular o Pronera tem enfrentado barreiras
significativas tanto por parte dos oacutergatildeos de controle como o Tribunal de Contas da Uniatildeo por
exemplo como por setores conservadores da Cacircmara e no Senado Federal sendo a bancada
ruralista o maior expoente dessa oposiccedilatildeo Alem disso dentro das universidades tambeacutem tem
enfrentado desafios no que se refere a permanecircncia dos estudantes
No entanto como afirma Brandatildeo (2009) a Educaccedilatildeo Popular tem como essecircncia a
resistecircncia e a oposiccedilatildeo ao status quo social Como a Educaccedilatildeo do Campo herda demasiado
caraacuteter desse paradigma educacional assim como da pedagogia freireana essas tensotildees e
conflitos representam disputas inerentes ao tecido social
O resultado do I Enera aleacutem da criaccedilatildeo do Pronera teve ainda a inserccedilatildeo definitiva da
Educaccedilatildeo do Campo no cenaacuterio nacional como afirma Roseli Caldart (2012 p 257)
O surgimento da expressatildeo ―Educaccedilatildeo do Campo pode ser datada Nasceu
primeiro como Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo no contexto de preparaccedilatildeo da I
Conferecircncia Nacional por uma Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo realizada em
Luziacircnia Goiaacutes de 27 a 30 de julho de 1998 Passou a se chamar Educaccedilatildeo
do Campo a partir das discussotildees do Seminaacuterio Nacional realizado em
Brasiacutelia de 26 a 29 de novembro de 2002 decisatildeo posteriormente reafirmada
nos debates da II Conferecircncia Nacional realizada em julho de 2004
A Educaccedilatildeo do Campo estaacute embrionariamente ligada aos movimentos sociais eacute a
educaccedilatildeo pensada por esses movimentos e natildeo para eles Desse modo pensar essa educaccedilatildeo
dissociada das praacuteticas e das lutas desses movimentos eacute cair num grande equiacutevoco A
Educaccedilatildeo do Campo tem sido uma ferramenta de luta para a classe trabalhadora do campo
natildeo como pura e simplesmente uma modalidade de ensino mas como um fenocircmeno capaz de
devolver aos sujeitos do campo a sua integraccedilatildeo com seu lugar
A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com
ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento
42
proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica em
que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem absolutizar-se
fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-o a julgar o seu
mundo algo sobre que apenas se acha A sua integraccedilatildeo o enraiacuteza Faz dele na
feliz expressatildeo de Marcel ―um ser situado e datado (FREIRE 1983 p 42)
Desse modo a Educaccedilatildeo do Campo se propotildee a construir coletivamente um
contraponto a um paradigma educacional desumanizado que tem como fulcro os interesses do
mercado capitalista tatildeo somente A esse respeito Jesus (2006 p 51) afirma que
Essa educaccedilatildeo tem na sua origem a necessidade de reinventar as praacuteticas
sociais contra um processo perverso de uma forma hegemocircnica de
globalizaccedilatildeo econocircmica poliacutetica e cultural que impotildee aos diferentes paiacuteses
perifeacutericos e semi-perifeacutericos a reorganizaccedilatildeo das formas de poder de
produccedilatildeo do conhecimento e de desenvolvimento econocircmico e social que
aumenta assustadoramente a perda das autonomias e as desigualdades em
especial entre o povo brasileiro que vive no campo ou eacute excluiacutedo dele
Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo natildeo estaacute acabada eacute pensada a partir das
demandas e necessidades mutaacuteveis que a realidade concreta apresenta Coaduna trabalho e
formaccedilatildeo como partes indissociaacuteveis para a construccedilatildeo do sujeito autocircnomo (SANTOS
2012) Essa Educaccedilatildeo natildeo estaacute paralela aos movimentos sociais ela eacute a educaccedilatildeo desses
movimentos Foi gestada nas lutas por terra nas ocupaccedilotildees nos assentamentos no
enfrentamento das desigualdades sociais Custou vidas e sonhos portanto eacute uma produccedilatildeo
pedagoacutegica autecircntica do movimento de resistecircncia que estaacute muito aleacutem do conceito esvaziado
de educaccedilatildeo dos tempos de produccedilatildeo
Eacute importante destacar que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo natildeo minimiza a
importacircncia dos conteuacutedos e dos conhecimentos historicamente produzidos e acumulados pela
humanidade Natildeo minimiza o curriacuteculo a gestatildeo o planejamento Muito pelo contraacuterio a
Educaccedilatildeo do Campo procurar encher de sentido esses instrumentos que foram esvaziados pela
loacutegica capitalista Busca explicitar o curriacuteculo oculto almeja a gestatildeo democraacutetica e
participativa busca ainda um planejamento no qual os sujeitos e suas realidades e
necessidades tambeacutem sejam parte Nesse sentido a criacutetica feita a Paulo Freire de formular
uma pedagogia sem conteuacutedos eacute hoje dirigida ao paradigma educacional em questatildeo No
entanto essas criacuteticas tecircm partido muito mais de setores burocraacuteticos da sociedade em que
pese natildeo reconheceram a importacircncia e os reais avanccedilos e conquistas dos sujeitos do campo
na contemporaneidade
43
24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS
CONHECIMENTO
A necessidade de uma escola que respeite os saberes dos sujeitos forjados no trabalho
com a terra cujos direitos em boa medida o Estado lhes cerceou historicamente eacute
fundamental para o debate da Educaccedilatildeo do Campo Indubitavelmente a metodologia que
melhor compactua trabalho e formaccedilatildeo e cujo assento reside na relevacircncia das praacuteticas
culturais inerentes aos sujeitos do campo eacute a Pedagogia da Alternacircncia
Entendemos que a Pedagogia da Alternacircncia precisa ser situada dentro da perspectiva
do multiculturalismo12
do curriacuteculo Eacute uma proposta natildeo hegemocircnica utilizada pelos
movimentos sociais que se articulam na Via Campesina13
e que procura coadunar trabalho e
educaccedilatildeo o que sem duacutevida configura um dos maiores desafios da educaccedilatildeo na
contemporaneidade A inclusatildeo das praacuteticas dos trabalhadores nos conteuacutedos e metodologias
da escola eacute importante natildeo somente como forma de respeito mas como ferramenta de
equiparaccedilatildeo e permanecircncia desses sujeitos na escola
Segundo Ribeiro (2012) a Pedagogia da Alternacircncia tem origem com as Casas
Familiares Rurais (CFRlsquos) na Franccedila e com as Escolas Familiares Rurais (EFAlsquos) na Itaacutelia
―Pode-se dizer que eacute uma alternativa metodoloacutegica de formaccedilatildeo profissional agriacutecola para
jovens inicialmente do sexo masculino filhos de agricultores franceses (idem 2012 p 293)
Outra raiz histoacuterica ainda segundo a autora estaacute nas experiecircncias de trabalho e educaccedilatildeo
efetivadas na Ruacutessia poacutes-revolucionaacuteria de 1917 Expostas essas duas matrizes histoacutericas os
movimentos camponeses que pautam a educaccedilatildeo do campo no Brasil tendem a se filiarem
em sua maioria a essa segunda concepccedilatildeo histoacuterica
12 Multicultural eacute um termo qualificativo Descreve as caracteriacutesticas sociais e os problemas de governabilidade
apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma
vida em comum ao mesmo tempo em que reteacutem algo de sua identidade original Em contrapartida o termo
multiculturalismo e substantive Refere-se as estrateacutegias e politicas adotadas para governar ou administrar
problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais E usualmente utilizado no
singular significando a filosofia especifica ou a doutrina que sustenta as estrateacutegias multiculturais
Multicultural entretanto eacute por definiccedilatildeo plural (HALL 2009 p 52)
13 Criada em 1992 a Via Campesina eacute uma organizaccedilatildeo mundial que articula movimentos sociais que lutam pela
terra Entre seus objetivos a solidariedade eacute o mais presente A Via condena o modo predatoacuterio de produccedilatildeo
cujo objetivo se resume a exportaccedilatildeo condena a nomocultura o uso excessivo de agrotoacutexicos que satildeo
caracteriacutesticas do modelo de produccedilatildeo do agronegoacutecio (FERNANDES 2012)
44
Ela [a pedagogia da alternacircncia] brota do desejo de natildeo cortar raiacutezes Eacute uma
das pedagogias produzidas em experiecircncias de escolas do campo em que o
MST se inspirou Busca integrar a escola com a famiacutelia e a comunidade do
educando No nosso caso ela permite uma troca de conhecimento e o
fortalecimento dos laccedilos familiares e do viacutenculo dos educandos com o
assentamento ou acampamento o MST e a terra (CALDART 2009 p 104
Com grifos do autor)
Essa pedagogia natildeo foi gestada nas universidades ela natildeo envolve nem pesquisadores
nem docentes (RIBERIRO 2010) Eacute uma proposta que busca garantir interligaccedilatildeo entre dois
espaccedilos instituiccedilotildees de ensino e atividades de trabalho comum aos agricultores Esse meacutetodo
estaacute diretamente ligado agrave concepccedilatildeo de trabalho e educaccedilatildeo pautado pelos pensadores
marxistas que entendem que o trabalho tem em si um princiacutepio educativo capaz de garantir
uma formaccedilatildeo omnilateral pensamento esse tambeacutem advogado por Paulo Freire e educadores
criacuteticos do Brasil
A alternacircncia se divide em dois momentos o Tempo Escola (TE) em que os
educandos permanecem de duas semanas a dois meses dependendo do curso no espaccedilo da
escola em regime de internato e o Tempo Comunidade (TC) momento no qual os educandos
retornam agraves suas propriedades familiares ou agraves comunidades ou aos assentamentos ou ainda
aos acampamentos para colocarem em praacutetica os conhecimentos que foram objeto de estudo
no TE (RIBEIRO 2010)
Mais que uma caracteriacutestica de sucessotildees repetidas de sequumlecircncia a
alternacircncia enquanto princiacutepio pedagoacutegico visa desenvolver na formaccedilatildeo
dos jovens situaccedilotildees em que o mundo escolar se posiciona em interaccedilatildeo com
o mundo que o rodeia Buscando articular universos considerados opostos ou
insuficientemente interpenetrados ndash o mundo da escola e o mundo da vida a
teoria e a praacutetica o abstrato e o concreto ndash a alternacircncia coloca em relaccedilatildeo
diferentes parceiros com identidades preocupaccedilotildees e loacutegicas tambeacutem
diferentes (SILVA 2000 p 16)
Esse modelo de se fazer educaccedilatildeo pode ter um papel determinante no combate ao
processo nefasto que vem cerceando o direito dos povos do campo a terem acesso agrave educaccedilatildeo
de qualidade sem sair do campo em que pese agrave poliacutetica de nucleaccedilatildeo a qual temos
testemunhado na atualidade Esse processo tem a finalidade de diminuir custos com a
formaccedilatildeo dos filhos dos agricultores que satildeo deslocados para uma escola-nuacutecleo
normalmente localizada na cidade (Ribeiro 2010)
45
A Pedagogia da Alternacircncia compartilha saberes acadecircmico e aqueles advindos do
cotidiano do trabalho na agricultura na pesca nas florestas nos quilombos e em uma
infinidade de espaccedilos que o conceito de campo compreende na contemporaneidade Nesse
sentido a leitura de mundo dos sujeitos tem papel de destaque nessa pedagogia Para Freire
(1983) ―basta ser homem para ser capaz de captar os dados da realidade Para ser capaz de
saber ainda que seja este saber meramente opinativo daiacute que natildeo haja ignoracircncia absoluta
nem sabedoria absoluta (p105) Outro fator importante eacute entender a situaccedilatildeo concreta do
sujeito no mundo como determinante para sua accedilatildeo (FREIRE 2011)
Desse modo compreendemos o curriacuteculo da Educaccedilatildeo do Campo neste trabalho
baseado na Pedagogia da Alternacircncia que uma vez partilhada entre tempo escola e tempo
comunidade significa uma possibilidade de associaccedilatildeo entre trabalho e formaccedilatildeo Essa
metodologia proporciona ainda uma maior aproximaccedilatildeo entre escola e comunidade de modo
a estreitar a dicotomia estabelecida entre teoria e praacutetica No Tempo Escola aleacutem da
aquisiccedilatildeo dos conteuacutedos eacute tambeacutem o momento de pensar sobre a loacutegica o sentido e o valor
social desses conteuacutedos No Tempo Comunidade busca-se a continuidade atraveacutes da praacutexi
dos conhecimentos adquiridos na escola Para melhor esclarecer esse processo vejamos a
seguinte citaccedilatildeo
No Tempo Escola os educandos formam um coletivo muitas vezes oriundos
de diferentes comunidades que ao trazer questotildees reflexotildees
problematizaccedilotildees das suas localidades especiacuteficas ampliam o processo de
reflexatildeo sobre as realidades do campo confrontando as muacuteltiplas situaccedilotildees
que as compotildeem No Tempo Comunidade cada educando individualmente
ou em pequenos grupos deve reafirmar seu envolvimento com sua
comunidade desenvolvendo nela as atividades de pesquisa reflexatildeo
problematizaccedilatildeo e em alguns casos intervenccedilatildeo Dessa forma cria-se um
novo coletivo de accedilatildeo (educando ndash comunidade) que permite inclusive a
participaccedilatildeo indireta do conjunto da comunidade no processo educativo
reforccedilando a relaccedilatildeo escola ndash comunidade (ANTUNES-ROCHA MARTINS
2011 p 226)
Fica evidente que haacute uma aproximaccedilatildeo entre os dois momentos e que ambos satildeo
formativos Aleacutem disso se coloca de forma expliacutecita o trabalho com as experiecircncias e
multiplicidades de culturas que os povos do campo trazem consigo com o outro e com
mundo
46
As peculiaridades da Educaccedilatildeo do Campo natildeo podem ser entendidas como adaptaccedilotildees
ou como modelo da educaccedilatildeo hegemocircnica antes deve ser entendida com autenticidade Sua
organizaccedilatildeo portanto natildeo pode se pautar na educaccedilatildeo urbana adaptada ao campo mas sim
uma educaccedilatildeo proacutepria desse campo Suas conquistas foram arrancadas do seio da educaccedilatildeo
posta historicamente uma educaccedilatildeo que jamais destinou espaccedilo em seu curriacuteculo agraves
vivecircncias agrave leitura de mundo dos sujeitos ou ao trabalho agriacutecola desempenhado pelos povos
do campo14
Verificamos portanto o surgimento desse paradigma metodoloacutegico natildeo como uma
criaccedilatildeo academicista mas como uma necessidade de um modelo ou uma metodologia que
coadune formaccedilatildeo escolar e trabalho praacutetico A Pedagogia da Alternacircncia se confunde com a
proacutepria Educaccedilatildeo do Campo visto que ela natildeo foi uma formalidade acadecircmica pensada e
pesquisada para as populaccedilotildees campesinas ainda que tenha grandes contribuiccedilotildees de
pesquisadores das universidades ela surgiu da necessidade dos proacuteprios trabalhadores e
trabalhadoras do campo
Entendendo as dimensotildees poliacuteticas e ideoloacutegicas das quais o curriacuteculo estaacute permeado
os movimentos sociais do campo foram categoacutericos em apontar para a alternacircncia como
sustentaccedilatildeo da sua praacutetica educativa Assim como eacute salutar diferenciarmos Educaccedilatildeo do
Campo de Educaccedilatildeo Rural sempre que formos chamados a refletir sobre a educaccedilatildeo destinada
agraves populaccedilotildees camponesas tambeacutem eacute importante externar a diferenccedila que haacute de forma mais
decomposta entre o curriacuteculo desses dois paradigmas de se pensar o ensino Ribeiro (2010)
fazendo uma diferenciaccedilatildeo entre os dois modelos curricular aponta
[] 3ordm) Curriacuteculo objetivos e metodologia da escola rural estatildeo direcionados
para o sistema de produccedilatildeo de mercadorias no qual o proacuteprio ser humano eacute
uma mercadoria que pode ser descartaacutevel e flexiacutevel em tempos de desemprego
estrutural e tecnoloacutegico Para a escola baacutesica do campo a memoacuteria das lutas e
das experiecircncias produtivistas constitui-se na base curricular em que se
articulam a produccedilatildeo da vida dos alimentos da sociedade e da ciecircncia Em
14 Nesse momento eacute salutar esclarecer que ao nos referimos a sujeitos do campo estamos tratando de sujeitos
concretos de assentamentos aacutereas indiacutegenas quilombolas pescadores povos que tiram sua subsistecircncia das
florestas e toda a abrangecircncia que o termo campo engloba na contemporaneidade Os sujeitos do campo satildeo
antes de tudo cidadatildeo concretos que contribuem social econocircmico e culturalmente para com as melhorias e
avanccedilos que tivemos em nosso paiacutes
47
contraposiccedilatildeo ao conhecimento cientiacutefico que expulsa e subordina os
agricultores a proposta dos movimentos sociais populares ruraisdo campo
pensa a produccedilatildeo do conhecimento a partir das experiecircncias dos agricultores
articulando tais experiecircncias com o conhecimento cientiacutefico e tecnoloacutegico
socialmente produzido (RIBEIRO 2010 p 197)
Nesse sentido o curriacuteculo da escola do campo pretendido pelos movimentos sociais eacute o
que se adeacutequa agrave vida e ao trabalho das populaccedilotildees do campo e melhor intercala formaccedilatildeo
escolar cotidiano e cultura camponesa A proposta pedagoacutegica da alternacircncia tem sido o
caminho percorrido na busca da formulaccedilatildeo de um curriacuteculo democraacutetico e que atenda de
forma satisfatoacuteria as expectativas da Educaccedilatildeo do Campo
Ainda que tenhamos apontados os pontos positivos da Pedagogia da Alternacircncia
precisamos refletir sobre aspectos que tecircm se apresentado como preocupantes dialogaremos
melhor sobre as criacuteticas a essa proposta quando estivermos analisando o curriacuteculo do curso
Pedagogia da Terra pois seraacute mais faacutecil exemplificar essas preocupaccedilotildees Adiantamos que haacute
uma grande dificuldade em estabelecer a matildeo dupla entre escolauniversidade e comunidades
Tempo Escola e Tempo Comunidade tambeacutem tecircm ocorrido de forma bastante diferente do
que se pretende mas isso veremos mais adiante
25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS
DA EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO
Nesse momento eacute salutar externarmos alguns avanccedilos que o Movimento de Educaccedilatildeo
do Campo vem conseguindo nessa empreitada de lutas diaacuterias que tem travado contra o
Estado de classe que predomina em nossa sociedade Eacute importante destacar que as conquistas
ateacute aqui alcanccediladas satildeo de meacuterito da resistecircncia que os povos do campo tecircm empreendido ao
longo dos anos na busca pela garantia dos seus direitos os quais a historia nos mostra que
foram cerceados ou negados ao longo dos tempos
O trabalho precaacuterio a espoliaccedilatildeo sofrida pelos camponeses e pelas camponesas satildeo
marcas visiacuteveis de uma sociedade excludente e atrasada Sendo assim a organizaccedilatildeo dessas
populaccedilotildees tradicionais eacute antes de tudo um direito tendo em vista a legitimidade de lutar
contra a opressatildeo A sociedade tem uma diacutevida com esses grupos portanto
48
cronologicamente estaacute na hora de assumir essa responsabilidade no sentido de garantir os
direitos baacutesicos e fundamentais aos sujeitos do campo
A aprovaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da educaccedilatildeo nacional 40241961
fora norteada pela discussatildeo entre defensores da educaccedilatildeo puacuteblica e os da escola particular e
natildeo traz avanccedilos significativos agraves populaccedilotildees trabalhadoras do campo a Lei eacute uma ―meia
vitoacuteria na voz de Aniacutesio Teixeira ―mas vitoacuteria (SAVIANI 2008) A Lei 402461 ainda
apresentara em seu acircmago uma orientaccedilatildeo pela adaptaccedilatildeo do ao meio numa clara alusatildeo a
uma visatildeo civilizatoacuteria e evolucionista do sujeito do campo (MEC 2002)
A Lei nordm 4024 de dezembro de 1961 resultou de um debate que se prolongou
durante 13 anos gerando expectativas diversas a respeito do avanccedilo que o
novo texto viria a representar para a organizaccedilatildeo da educaccedilatildeo nacional O
primeiro anteprojeto e os demais substitutivos apresentados deram visibilidade
ao acirrado embate que se estabeleceu na sociedade em torno do tema O
anteprojeto elaborado pelo GT indicado sob a orientaccedilatildeo do Ministro
Clemente Marianne representou o primeiro esforccedilo de regulamentaccedilatildeo do
previsto na Carta Magna (1946) Este aleacutem de reforccedilar o dispositivo
constitucional expressa as mudanccedilas que perpassavam a sociedade em seu
conjunto Logo em seguida diversos substitutivos entre os quais os que foram
apresentados por Carlos Lacerda redirecionaram o foco da discussatildeo
Enquanto o primeiro anteprojeto se revelava afinado com as necessidades
educacionais do conjunto da sociedade dando ecircnfase ao ensino puacuteblico a
maior parte desses substitutivos em nome da liberdade representavam os
interesses das escolas privadas (MEC 2002 p 25-26)
Em 11 de agosto de 1971 eacute sancionada a Lei 5692 que fixara diretrizes e bases para
o ensino de 1ordm e 2ordm grau e de outras providecircncias (MEC 2002 p 27) Alguns entendem
como a segunda LDB e outros vecircm como a 402461 com algumas adequaccedilotildees A Lei
propotildee ajustamento agraves diferenccedilas culturais das diferentes regiotildees Tambeacutem prevecirc a
adequaccedilatildeo do periacuteodo de feacuterias agrave eacutepoca de plantio e colheita de safras No entendo em boa
medida reafirma o caraacuteter da LBD anterior apontando para a necessidade de adaptaccedilatildeo do
camponecircs agrave terra
Para Saviani (2008) e Porto (2007) a Lei nordm 569271 teve funccedilatildeo ideoloacutegica no
sentido de dar sustentaccedilatildeo ao periacuteodo de secessatildeo democraacutetica no qual o Brasil iniciara no
ano de 1964 Nesse periacuteodo o Governo autoritaacuterio buscava uma maior inserccedilatildeo nos estados
mais pobres do Brasil com ecircnfase no Norte e Nordeste Desse modo em muitos casos essa
lei teve um caraacuteter muito mais de instrumento poliacutetico do governo do que propriamente
49
educacional Segundo os autores a lei 569271 foi promulgada sob a eacutegide da estrateacutegia do
―autoritarismo triunfante
A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496 representou um avanccedilo
significativo para a educaccedilatildeo dos povos do campo sobretudo no que se refere agrave
especificidade desses sujeitos Em seu artigo 28 podemos observar que
Na oferta da Educaccedilatildeo Baacutesica para a populaccedilatildeo rural os sistemas de Ensino
promoveratildeo as adaptaccedilotildees necessaacuterias agrave sua adequaccedilatildeo agraves peculiaridades da
vida rural e de cada regiatildeo especialmente
I- conteuacutedos curriculares e metodologias apropriadas agraves reais necessidades e
interesses dos alunos na zona rural
II- organizaccedilatildeo escolar proacutepria incluindo adequaccedilatildeo do calendaacuterio escolar agraves
fases do ciclo agriacutecola e agraves condiccedilotildees climaacuteticas
III- adequaccedilatildeo agrave natureza do trabalho na zona rural
Os avanccedilos que temos observado sobretudo a partir da primeira deacutecada do seacuteculo
XXI do ponto de vista institucional se devem em grande medida agrave organizaccedilatildeo das
populaccedilotildees do campo e agrave resistecircncia histoacuterica que tem caracterizado essa populaccedilatildeo
Fruto de um novo cenaacuterio poliacutetico social e econocircmico a primeira deacutecada do Seacuteculo
XXI apresenta avanccedilos significativos sobretudo nas aacutereas sociais e educacionais ainda que
fortemente atrelados agraves poliacuteticas neoliberais da deacutecada de 1990
A Resoluccedilatildeo CNECEB 1 de 342002 portanto institui as Diretrizes
operacionais para a educaccedilatildeo baacutesica nas escolas do campo Nessa
resoluccedilatildeo percebe-se o reconhecimento de que a escola do campo tem uma
identidade vinculada agrave realidade na qual estaacute inserida [] Ao mesmo tempo
ressalta a importacircncia da educaccedilatildeo para o exerciacutecio pleno da cidadania e para
um desenvolvimento do paiacutes que consiste na solidariedade e a justiccedila social
envolvendo as populaccedilotildees rurais e urbanas (RIBEIRO 2010 p 191)
As Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo do Campo procura englobar o
entendimento de campo isto eacute o que entes era entendido como lugar de plantar passa por
uma ampliaccedilatildeo que vai de comunidades remanescente de quilombos comunidades indiacutegenas
pescadores assentados da reforma agraacuteria aacutereas ribeirinhas comunidades sem-terra e seus
sujeitos agregados caboclos meeiros entre outras (RIBEIRO 2010)
O campo nesse sentido mais do que um periacutemetro natildeo urbano eacute um campo de
possibilidades que dinamizam as ligaccedilotildees dos seres humanos e com a proacutepria produccedilatildeo das
condiccedilotildees da existecircncia social (MEC 2002) Nesse sentido as reivindicaccedilotildees por poliacuteticas
50
puacuteblicas para esses povos assim como a valorizaccedilatildeo e reconhecimento dos seus saberes e
praacuteticas passa a ser foco subjacente desse novo periacuteodo
A aprovaccedilatildeo das Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo Baacutesica nas Escolas do
Campo eacute o resultado das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que lutam por educaccedilatildeo de
qualidade e vida digna para os povos do campo com destaque para o MST A aprovaccedilatildeo das
Diretrizes tem a contribuiccedilatildeo de vaacuterias organizaccedilotildees sociais comprometidas com as
transformaccedilotildees que a contemporaneidade enseja Satildeo Movimentos Sociais Conselhos
Estaduais e Municipais de Educaccedilatildeo Uniatildeo Nacional dos Dirigentes Municipais de Educaccedilatildeo
(UNDIME) universidades e instituiccedilotildees de pesquisa o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel Organizaccedilotildees Natildeo Governamentais e diversos outros
setores engajados em projetos direcionados para o desenvolvimento socialmente justo no
espaccedilo diverso e multilateral do campo (MEC 2002)
Podemos observar que as Diretrizes Operacionais para as Escolas do Campo vieram
como subsiacutedio e reforccedilam agrave LDB 939496 que jaacute estabelecera normas especiacuteficas agrave Educaccedilatildeo
do campo como podemos ler no artigo 5ordm das Diretrizes Operacionais das Escolas do campo
As propostas pedagoacutegicas das escolas do campo respeitadas as diferenccedilas e o
direito agrave igualdade e cumprindo imediata e plenamente o estabelecido nos
artigos 23 26 e 28 da Lei 9394 de 1996 contemplaratildeo a diversidade do
campo em todos os seus aspectos sociais culturais poliacuteticos econocircmicos de
gecircnero geraccedilatildeo e etnia( LDB 1996 p 23)
O processo de normatizaccedilatildeo eacute sem duacutevida de suma importacircncia para a garantia do
direito No entanto sabe-se que esse direito eacute demasiado abstrato enquanto natildeo eacute usufruiacutedo
Sabemos ainda que como escreveu Freire (2012) natildeo seraacute por decreto que a sociedade se
livraraacute dos horrores e das grandes desigualdades que a afligem A Associaccedilatildeo Nacional pela
Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo (ANFOPE 2010 p 90) ratifica que ―natildeo seraacute a
implementaccedilatildeo de novas leis que asseguraraacute as mudanccedilas necessaacuterias na educaccedilatildeo poreacutem a
legislaccedilatildeo reflete o campo de forccedilas que contorna as disputas pela sua criaccedilatildeo implementaccedilatildeo
e controle Sabemos ainda que esse eacute um passo de suma importacircncia para a conquista dos
objetivos ensejados
51
3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO
CAMPO
ldquoOs socialistas estatildeo aqui para lembrar ao mundo que em
primeiro lugar devem vir as pessoas e natildeo a produccedilatildeo As pessoas
natildeo podem ser sacrificadas Nem tipos especiais de pessoas ndash os
espertos os fortes os ambiciosos os belos aqueles que podem um
dia vir a fazer grandes coisas ndash nem qualquer outra
Especialmente aquelas que satildeo apenas pessoas comunsrdquo
Eric Hobsbawm (1992)
Os avanccedilos no tocante a Educaccedilatildeo do Campo satildeo notoacuterios O movimento ganhou
corpo e a resistecircncia organizada obteve conquistas e melhorias significativas agraves populaccedilotildees
tradicionais do campo brasileiro em que pese reconhecermos o esquecimento ao qual boa
parte dos sujeitos do campo ainda estatildeo imersos Batista (2009 p 207) afirma que ―no Brasil
a educaccedilatildeo enquanto poliacutetica de estado tem sido instrumentalizada pelo projeto histoacuterico
capitalista e seus poderes hegemocircnicos para atender aos seus interesses
Em contraponto a esse modelo de desenvolvimento e de sociedade os movimentos
sociais tecircm se organizado no sentido de garantir uma agente propositiva para os setores
historicamente colonizados
No contexto atual do capitalismo mundializado em que apesar da crise
estrutural predomina a hegemonia do capital na produccedilatildeo econocircmica social
poliacutetica e nas poliacuteticas de educaccedilatildeo a educaccedilatildeo dos movimentos se afigura
como instituinte orgacircnica de um projeto de sociedade e que tem como fim a
formaccedilatildeo humana o sujeito histoacuterico que constroacutei pela luta e resistecircncia a
emancipaccedilatildeo social e dos seres humanos como um devir como uma
possibilidade de construir uma nova sociedade (BATISTA 2009 p 208)
A educaccedilatildeo pautada pelos movimentos sociais do campo tecircm se afinado em muito
com o projeto contra-hegemocircnico de sociedade Tem feito um enfretamento necessaacuterio ao
modelo neoliberal de educaccedilatildeo que tem propagado abertamente o fim das alternativas
afirmando deliberadamente que natildeo haacute opccedilatildeo fora do paradigma globalizado O papel dos
movimentos tecircm sido mostrar justamente o contraacuterio O Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do
52
Campo encontra eco no seio da Pedagogia Paulo Freire cujo sentido tem sido inventado e
reinventado nos muitos exemplos e na diversidade de experiecircncias pelo Brasil
Desse modo o paradigma contra-hegemocircnico natildeo eacute uma criaccedilatildeo do imaginaacuterio de
idealistas mas eacute antes uma possibilidade concreta que nos permeia como assinala Gadotti
(1999 p 268)
A educaccedilatildeo popular e socialista natildeo eacute uma ideacuteia abstrata nem uma utopia
pedagogista Ela se encontra em desenvolvimento entre noacutes por exemplo no
proacuteprio processo de resistecircncia e de luta pela superaccedilatildeo das desigualdades
Nesse momento histoacuterico no Brasil ela constitui-se um instrumento dessa
luta
A necessidade em uma educaccedilatildeo alternativa que assuma a classe oprimida como
resultado de um processo histoacuterico vai de encontro agrave educaccedilatildeo pretendida pelo Estado Uma
educaccedilatildeo libertadora que consiga enxergar a realidade do sujeito como geradora de conteuacutedo
que entenda a situaccedilatildeo de pobreza e miseacuteria fora do determinismo religioso e que sobretudo
aponte saiacutedas e possibilidades de liberdade para o ser eacute necessaacuteria e urgente A escola tornou-
se importante instrumento de difusatildeo da pedagogia da hegemonia ou pedagogia da
conservaccedilatildeo e concomitantemente em veiacuteculo que limita e emperra a construccedilatildeo e a
veiculaccedilatildeo de uma pedagogia da contra-hegemonia (NEVES 2005)
A contemporaneidade nos mostra que o discurso de negaccedilatildeo do acesso agrave educaccedilatildeo por
parte do Estado jaacute natildeo se sustenta com tanto vigor Eacute preciso nesse momento em que haacute um
forte discurso sobre acesso e permanecircncia sobretudo de estudantes da classe trabalhadora
pensar a quem interessa esse ensino e retomar a claacutessica questatildeo a serviccedilo de que e de quem
estaacute tal ensino Tendo em vista o atual estado de vigecircncia da pedagogia da hegemonia Rossi
(1980) afirma que quanto mais educaccedilatildeo nesse sentido [da hegemonia] tanto mais
conformidade isto eacute mais a sociedade permaneceraacute conforme o modelo vigente Ou ainda
mais claramente quanto mais conformaccedilatildeo e conformidade tanto mais educaccedilatildeo
Assim partindo do pressuposto que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo bebe da
heranccedila da Pedagogia Paulo Freire essa dialogicidade entre as concepccedilotildees tem feito um
tensionamento importante e necessaacuterio ao atual modelo que a sociedade adquiriu com o
advento do neoliberalismo A educaccedilatildeo criacutetica eacute cada vez mais urgente sobretudo em tempos
53
de massificaccedilatildeo em que se apregoa a universalizaccedilatildeo do ensino escolarizado como a meta do
seacuteculo
Por fim entendemos que a educaccedilatildeo seja pra todos e todas afinal eacute um direito
humano fundamental mas que ela natildeo cegue natildeo reduza a capacidade de pensar e agir mas
sim que tenha a capacidade de injetar acircnimo e esperanccedila no camponecircs na camponesa no
desempregado e na desempregada na crianccedila no jovem e no idoso O cerne dessa educaccedilatildeo
encontra-se na pedagogia freireana nas praacuteticas da Educaccedilatildeo do Campo no Movimento Sem
Terra e em vaacuterios outros espaccedilos que dialogam com a Educaccedilatildeo Popular
31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO ATUAL DEBATE DA
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM
Partindo do pressuposto inicial desta pesquisa em que pensaacutevamos qual a
contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo
Chegamos a alguns pontos centrais desta reflexatildeo A contemporaneidade do debate da
Educaccedilatildeo do Campo nos aponta para uma perspectiva dialoacutegica entre a Pedagogia Paulo
Freire e os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo Haacute uma indissociabilidade entre ambas Sendo
a primeira portadora da essecircncia que alimenta a segunda satildeo por conseguinte pedagogias
que se complementam (SILVA FILHO PORTO 2012)
Em um tempo em que a educaccedilatildeo criacutetica libertadora e preocupada com questotildees
poliacuteticas sociais e histoacutericas tornou-se ―alieniacutegena caduca e ―comunista de postura
antiquada ou idealista cabe um questionamento faz sentido insistir na divulgaccedilatildeo de ideias
contra-hegemocircnicas da Educaccedilatildeo do Campo e de Paulo Freire no atual mercado da poacutes-
modernidade Essa eacute uma pergunta que Nosela (2010) faz acerca de Gramsci na atualidade e
que nos serve de paracircmetro para o debate
Eacute importante situar a pedagogia freireana dentro de uma loacutegica de contraponto a todo
o modelo neoliberal que se tornou hegemocircnico na educaccedilatildeo de fins do seacuteculo XX e iniacutecio do
seacuteculo XXI O pensamento de Paulo Freire assim como de outros pedagogos de matriz
socialista como Pistrak e Makarenko tem contribuiacutedo grandemente com o atual Movimento
de Educaccedilatildeo do Campo
54
Tanto a pedagogia freireana como a Educaccedilatildeo do Campo se coadunam como meios
de resistecircncia a um ―capitalismo lean and mean que nas palavras de Dowbor15
estaacute impelido
pelas proacuteprias regras de eficiecircncia e que portanto deixa pouco espaccedilo para refletir sobre
valores
Uma economia que natildeo se torna capaz de programar-se em funccedilatildeo das
necessidades do ser humano e que ―convive fria e indiferentemente com a
miseacuteria e a fome de milhotildees a quem tudo eacute negado natildeo merece meu respeito
de educador mas sobretudo meu respeito de gente (FREIRE 2012 p 36)
Eacute exatamente sobre a necessidade de revitalizar palavras como valor eacutetica
solidariedade felicidade e humanizaccedilatildeo que estamos discorrendo O monopoacutelio capitalista
ressignificou todas essas palavras e lhes esvaziou seus sentidos resumindo-as basicamente ao
poder de compra o que Ball (2011) denominou de democracia do consumo Entretanto uma
pedagogia que faccedila o caminho oposto a esse que impregne sentido e identidade aos homens e
mulheres que lhes devolva o direito de optar e decidir (FREIRE 2012) e que forme o sujeito
em sua plenitude eacute o assento dessa pedagogia que estamos pautando eacute o assento portanto da
Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do campo
Natildeo cabe o fatalismo e o determinismo como norteadores do pensamento dos sujeitos
O poder de natildeo se resignar perante situaccedilotildees concretas de opressatildeo eacute uma das maiores
contribuiccedilotildees de Freire ao atual debate da Educaccedilatildeo do Campo
Como vimos a historiografia mostra que no Brasil o periacuteodo que compreende os anos
1950 e 1960 eacute identificado como populismo periacuteodo que esteve voltado agrave construccedilatildeo de um
projeto de desenvolvimento econocircmico nacional (RIBEIRO 2010) A economia brasileira
ainda apresentava-se essencialmente agraacuteria e produtora de mateacuterias-primas Politicamente o
suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 a posse de Juscelino Kubitschek em 1956 a renuacutencia de
Jacircnio Quadros em 1961 e o Golpe Militar de 1964 proporcionaram um cenaacuterio de mudanccedilas
que caracterizam uma ―sociedade em tracircnsito (FREIRE 1983) e rica em organizaccedilotildees
populares
15 Prefaacutecio ao livro ―Agrave sombra desta mangueira (Paacuteg 18)
55
Eacute nessa complexidade que a gecircnese do pensamento de Paulo Freire emerge Surge das
contradiccedilotildees da sociedade brasileira sociedade essa governada por uma elite conservadora e
detentora de privileacutegios na qual o homem simples domesticado e alienado eacute forccedilado a viver
como objeto esmagado e oprimido pela sombra da marginalizaccedilatildeo e da dependecircncia
(FREIRE 2011)
Nesse momento histoacuterico Paulo Freire identificou um modelo de ensino que servia
justamente para a manutenccedilatildeo do estado de miseacuteria e analfabetismo em que grande parte da
populaccedilatildeo do campo e da cidade se encontrava A esse ensino Freire chamou de educaccedilatildeo
bancaacuteria abordado na obra de sua autoria Pedagogia do Oprimido Esse modelo de ensino
estaacute muito aqueacutem da realidade dos sujeitos Eacute um paradigma desinteressado com as questotildees
referentes ao dia-a-dia dos sujeitos do seu trabalho dos seus sonhos da vida praacutetica
No sentido oposto a concepccedilatildeo bancaacuteria de educaccedilatildeo a Pedagogia Paulo Freire se
realiza e materializa respeitando os sujeitos simples o ―saber de experiecircncia feito desses
sujeitos Aleacutem disso busca entender a realidade como geradora de conteuacutedos de curriacuteculo A
relaccedilatildeo eacute dialeacutetica e dialoacutegica eacute uma relaccedilatildeo entre educador educando e o mundo (FREIRE
2011) Esse paradigma se assemelha de forma demasiada com a concepccedilatildeo atual da Educaccedilatildeo
do Campo que por sua vez estaacute diretamente ligada a realidade que lhe produziu ou seja a
necessidade e a luta por direitos historicamente negados e tem em sua gecircnese a resistecircncia
dos movimentos sociais camponeses (CARLDART et al 2012)
Os princiacutepios educacionais da Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do Campo
coadunam para o mesmo sentido e se cruzam por diversos momentos estando inter-
relacionados como procuramos mostrar na figura a baixo
Educaccedilatildeo do Campo
Pedagogia Paulo Freire
Figura III ndash Dialogicidade entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire
56
Os sentidos comungam portanto para uma mesma concepccedilatildeo de lugar sujeito
educaccedilatildeo e sociedade Eacute importante ressaltar nesse processo de compartilhamento a
anterioridade do pensamento de Paulo Freire visto que o que hoje discutimos jaacute era debatido
por ele na deacutecada de 1950 (GADOTTI 1997)
Nesse sentido o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo herdou muito do pensamento de
Paulo Freire e tem reinventado sua pedagogia Isso eacute de uma importacircncia iacutempar pois Freire
sempre afirmara que sua pedagogia devia ser reinventada (FREIRE 2012) jamais
transplantada de forma acriacutetica de uma realidade a outra A Educaccedilatildeo do Campo tem feito um
importante tensionamento e disputado opiniotildees na base da sociedade acerca do modelo
educacional que temos e a serviccedilo de quem ele estaacute
O modelo de educaccedilatildeo contra-hegemocircnico natildeo foi pensado por intelectuais
academicistas ateacute porque essa categoria pouco se envolve com as questotildees sociais
(RIBEIRO 2010) mas eacute justamente o movimento contraacuterio ela emerge das situaccedilotildees de
descaso e usura do Estado frente aos homens e mulheres do campo sem terra sem teto sem
trabalho sem perspectiva Eacute daiacute que surge a contra-hegemonia que jamais poderaacute ser criada
para indignados uma vez que jaacute foi criada por estes Eacute nesse sentido que estaacute posta a
Pedagogia Paulo Freire natildeo como uma receita a ser seguida mas como fruto como
artesanato construiacutedo paulatinamente por indignaccedilatildeo exclusatildeo e opressatildeo Essa concepccedilatildeo eacute
educativa natildeo pretende tornar-se opressora daqueles que hoje oprimem mas antes eacute a uacutenica
capaz de libertar o opressor tornando-o livre no mais autecircntico sentido que a palavra carrega
Eacute desse paradigma que a Educaccedilatildeo do Campo bebe e reinventa a pedagogia freireana a
pedagogia do oprimido a pedagogia do povo simples dos demitidos da terra
A educaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo assim como toda uma vasta produccedilatildeo
que coloca o ensino como tarefa humana e humanizadora que entende o sujeito como ator e
protagonista da sua histoacuteria que se indigna e que se revolta frente ao atual estado de coisa e
esvaziamento no qual a educaccedilatildeo mergulhou todas essas caracteriacutesticas formam pois o que
chamamos pedagogia contra-hegemocircnica e que estaacute no cerne da pedagogia freireana e na
Educaccedilatildeo do Campo
A ressignificaccedilatildeo do sujeito do campo assim como do lugar desse sujeito ou seja o
campo satildeo contribuiccedilotildees significativas do pensamento de Paulo Freire O sujeito o homem e
57
a mulher do campo eram vistos (em boa medida ainda satildeo) dentro da loacutegica produtivista como
matildeo-de-obra barata e passiva de exploraccedilatildeo e por outro lado invisibilizados dentro dos seus
direitos poliacutetico-sociais Essa circunstacircncia na qual os sujeitos do campo estavam envoltos
indubitavelmente eacute responsaacutevel pela negaccedilatildeo da condiccedilatildeo de vita activa16
A exclusatildeo da vida
participativa do paiacutes tem como heranccedila a perpetuaccedilatildeo da opressatildeo e da negaccedilatildeo fatores que
acompanham os sujeitos do campo ao longo da histoacuteria
Para Paulo Freire o sujeito eacute tanto histoacuterico quanto social resultante de um complexo
de vivecircncias reais Capaz de diferentemente do animal que apenas se adapta a realidade
integrar-se a sua realidade e nela interferir (FREIRE 2012)
Quando nos referimos ao campo eacute preciso ter o devido cuidado para natildeo cairmos no
conservadorismo de uma visatildeo homogecircnea de sujeito e lugares entendendo por exemplo o
campo como lugar passivo ao qual atribui-se um olhar negativo e preconceituoso (ARROYO
2009) Tanto Paulo Freire como o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo recusam esse
determinismo com forte veemecircncia pois sabe-se que as relaccedilotildees satildeo complexas e que a
calmaria tiacutepica da zona rural esconde um emaranhado de relaccedilotildees sociais de trabalho e de
famiacutelia cuja dinacircmica requer perspicaacutecia e sutileza para seu entendimento
Tendo em vista a importacircncia do legado de Paulo Freire natildeo somente para a Educaccedilatildeo
do Campo mas para toda a educaccedilatildeo popular para os espaccedilos natildeo escolares em que se
desenvolvem projetos educacionais e para outra infinidade de possibilidades de reinvenccedilatildeo da
pedagogia freireana eacute que dialogaremos a partir de agora com o exemplo da Experiecircncia de
Angicos - RN como exemplo de pioneirismo e autenticidade do pensamento de Paulo Freire
16 Hannah Arendt na obra ―A condiccedilatildeo Humana 10 ed Rio de Janeiro 2007 Pode ser entendido como a
condiccedilatildeo de participaccedilatildeo ativamente na vida poliacutetica da sociedade
58
32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA
PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO NORTE
Figura IV ndash Angicos nos dias de hoje (2014) Fonte o proacuteprio autor
(Em nenhum lugar do mundo onde estive fiquei mais tocado do que aqui e agora
Paulo Freire Angicos 28 de agosto de 1993)
Os fins da deacutecada de 1950 e iniacutecio de 1960 satildeo fortemente marcados por movimentos
de cunho popular e participativo Um periacuteodo particularmente rico em organizaccedilotildees sociais e
coletivas cujos objetivos giravam em torno de reformas estruturantes na sociedade brasileira
Direitos trabalhistas educacionais Reforma Agraacuteria satildeo exemplos de temaacuteticas que vinham
sendo abertamente discutidas pelo governo e as sociedade civil coletivamente organizada No
campo essa movimentaccedilatildeo se deu de forma particularmente rica
O Movimento de Cultura Popular (MCP) do Recife a partir de maio de
1960 a Campanha ―De peacute no chatildeo tambeacutem se aprende a ler em Natal a
partir de 1960 o Movimento de Educaccedilatildeo de Base (MEB) da Conferecircncia
Nacional dos Bispos Brasileiros os Centros Populares de Cultura (CPCs) da
Uniatildeo Nacional dos Estudantes e outros movimentos de menor amplitude
satildeo testemunhas da notaacutevel efervescecircncia desse periacuteodo (BEISIEGEL 2010
p 18)
59
Uma das primeiras iniciativas no tocante a criaccedilatildeo de uma poliacutetica para atender aos
jovens e adultos analfabetos diz respeito agrave criaccedilatildeo do Serviccedilo de Educaccedilatildeo de Adultos (SEA)
em 1947 e dessa accedilatildeo a criaccedilatildeo da Campanha de Educaccedilatildeo de Adultos (BEISIEGEL 2010)
No entanto essa campanha ainda resguardava em sua metodologia a transferecircncia dos
conteuacutedos trabalhados com crianccedilas no primaacuterio aos jovens e adultos que estudavam a noite
O proacuteprio Lourenccedilo Filho que era um expoente dessa campanha escreveu textos cujo assento
residia na sua preocupaccedilatildeo com essa metodologia
Natildeo obstante as reiteradas manifestaccedilotildees de Lourenccedilo Filho sobre a
necessidade de atentar agraves particularidades e as exigecircncias especiacuteficas do
adulto pouco escolarizado na grande maioria das classes professores do
ensino infantil reproduziam agrave noite com seus alunos jovens e adultos os
trabalhos que realizavam no periacuteodo diurno com os seus alunos do ensino
primaacuterio fundamental comum (BEISIEGEL 2010 p 24)
Aos poucos percebe-se que o caraacuteter puramente de erradicar o analfabetismo fazendo
com que os sujeitos jovens e adultos lessem e escrevessem natildeo garantia uma cidadania plena
no gozo de direitos Desse modo inicia-se nesse acircmbito um paradigma que pensa a questatildeo
do analfabetismo como eminentemente de cunho social requerendo portanto uma visatildeo mais
ampla da questatildeo Em 1958 Freire escreve ―A educaccedilatildeo de adultos e as populaccedilotildees marginais
o problema dos mocambos que jaacute tratava a temaacutetica sob a oacutetica dos problemas sociais mais
abrangentes (BEISIEGEL 2010)
O trabalho que projetou Freire nacionalmente contraditoriamente foi o mesmo que o
levou agrave prisatildeo com o advento da Ditadura Militar Devido agrave experiecircncia de Angicos ele foi
considerado ―ignorante e subversivo pelo Regime Militar Segundo o livro organizado pelo
Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia (2012 p36) denominado ―Paulo Freire
anistiado poliacutetico brasileiro ―Alguns de seus alunos tambeacutem foram presos e passaram por
outras dificuldades depois da experiecircncia de Angicos (1963) considerada subversiva e mais
tarde cancelada
Vale salientar que o Regime Militar foi extremamente violento tambeacutem com os
camponeses As lutas natildeo se resumiam agrave cidade Haacute pouco a sindicalizaccedilatildeo rural havia sido
um fenocircmeno extensivo a quase todo o nordeste com ecircnfase na Paraiacuteba Rio Grande do Norte
e Pernambuco especialmente atraveacutes da Campanha de Educaccedilatildeo Popular juntamente com a
60
Juventude Universitaacuteria Catoacutelica - JUC - Juventude Agraacuteria Catoacutelica e o Movimento de
Educaccedilatildeo de Base ndash MEB (SILVA 2011 FREIRE 1983)
O caraacuteter da experiecircncia realizada em Angicos estaacute assentado nos princiacutepios da
Educaccedilatildeo Popular que para Carlos Rodrigues Brandatildeo (2009 p 09) tem um papel e um
sentido histoacuterico como resistecircncia e oposiccedilatildeo ao status quo
Figura V ndash AngicosRN
A experiecircncia de Angicos no Estado do Rio Grande do Norte em 1963 conteacutem o cerne
da pedagogia freirena ou seja Freire (1983 p 06) afirma que ―a alfabetizaccedilatildeo e a
conscientizaccedilatildeo jamais se separam Nesse momento histoacuterico o sujeito do campo imerso no
populismo por um lado e no analfabetismo por outro conforme Ribeiro (2010) enfrenta um
periacuteodo de grandes privaccedilotildees no campo social poliacutetico econocircmico e educacional Eacute nesse
ultimo principalmente que a experiecircncia de Angicos eacute significativa pois educaccedilatildeo era luxo
restrito agraves classes dominantes
Segundo documento organizado pelo Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia
(2012) Paulo Freire e seus colaboradores Alfabetizaram 300 trabalhadores rurais em poucos
dias accedilatildeo que significou um fenocircmeno revolucionaacuterio Eacute importante salientar o princiacutepio
dessa alfabetizaccedilatildeo Freire (1983 p 96) afirma que ―Toda separaccedilatildeo entre os que sabem e os
que natildeo sabem do mesmo modo que a separaccedilatildeo entre as elites e o povo eacute apenas fruto de
circunstacircncias histoacutericas que podem e devem ser transformadas Portanto muito mais do que
o simples ato de alfabetizar havia uma ideologia progressista cuja finalidade residia na
conscientizaccedilatildeo poliacutetica dos sujeitos frente a um mundo de privaccedilotildees
Esse trabalho obteacutem grande repercussatildeo nacional e internacional Estende a
experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN) e Joatildeo Pessoa (PB)
61
O trabalho da equipe do Recife foi o de ir a Natal capacitar a equipe de
Marcos que partiu depois para Angicos O primeiro trabalho dessa equipe
foi fazer o universo vocabular da regiatildeo Nunca me esqueccedilo que a primeira
palavra geradora de Angicos foi ―belota uma corruptela de borlota que eacute
exatamente esse negoacutecio de pocircr em rede em cortina Por que isso Nessa
regiatildeo se trabalhava muito com couro e eles usavam nos rebenques
exatamente uma borlota mas que o povo chama belota Essa foi a primeira
palavra geradora de uma riqueza extraordinaacuteria em ambos os aspectos
socioloacutegicos e linguiacutesticos porque ela introduzia trecircs famiacutelias silaacutebicas a do
ba-be-bi-bo-bu e do la-le-li-lo-lu e a do ta-te-ti-to-tu Ela em si abria a
possibilidade de criaccedilatildeo de novas palavras Depois dessa seleccedilatildeo feita os
meninos foram e passaram a morar laacute Um mecircs depois tinha trezentas
pessoas lendo e escrevendo (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO
DE ANISTIA 2012 p86)
As 40 horas de Angicos foi um espaccedilo de extrema riqueza Os participantes daquela
experiecircncia satildeo testemunhas da efetivaccedilatildeo de uma praacutexis Um momento em que teoria e
praacutetica dialogaram justamente como sempre defendeu Freire Eacute importante destacar que os
300 trabalhadores que se alfabetizaram eram em sua maioria trabalhadores rurais ―Silentes e
autodesvalidos os sem-terra e sem-palavra foram tocados pelo olhar predileto que Paulo lhes
dirigiu em Angicos Os jovens agricultores ainda sem terra mas que jaacute conquistaram a
palavra leem Paulo Freire para transformar seu projeto de vida (idem p 117)
Figura VI ndash Experiecircncia de AngicosRN
Nos anos 50 quando ainda se pensava na educaccedilatildeo de adultos como uma
pura reposiccedilatildeo dos conteuacutedos transmitido agraves crianccedilas e jovens Paulo Freire
propunha uma pedagogia especiacutefica associando estudos experiecircncias
vividas trabalho pedagogia e poliacutetica (GADOTTI 1996 p 70)
Desse modo percebemos um niacutetido respeito que o educador Paulo Freire tem para
com os educandos Ele desenvolve uma educaccedilatildeo totalmente contraacuteria agrave educaccedilatildeo
escolarizada cujas metodologias estatildeo intimamente ligadas por um conteuacutedo a-histoacuterico que
62
natildeo leva a uma reflexatildeo criacutetica do mundo Onde o maior objetivo eacute o depoacutesito de tudo o que
foi decorado ao longo de um periacuteodo
Essa focircrma (de formar) de educar eacute fortemente recusada por Freire (2011) Na
Pedagogia do Oprimido denominou de ―educaccedilatildeo bancaacuteria Os sujeitos envolvidos no
processo satildeo meros receptores Depoacutesitos de conteuacutedos que natildeo tecircm nenhuma relaccedilatildeo com a
realidade Freire caminha em direccedilatildeo oposta agrave educaccedilatildeo bancaacuteria entende que a realidade e a
vida concreta dos sujeitos eacute geradora de conteuacutedo e portanto a gecircnese da alfabetizaccedilatildeo
deveria comeccedilar pois daquela realidade partindo para o universalmente conhecido
(FREIRE 2011)
A leitura que Freire faz do sujeito do campo nordestino eacute sem duacutevida avanccedilada Um
momento em que o campo brasileiro padecia de grande estigma e preconceito Freire se utiliza
da realidade dos camponeses do modo de vida do trabalho das experiecircncias para partindo
desse ponto chegar agrave alfabetizaccedilatildeo e agrave conscientizaccedilatildeo desses sujeitos A educaccedilatildeo das
populaccedilotildees camponesas esteve longe de ser o ponto nevraacutelgico dos interesses das classes
dominantes afinal ―eacute mais difiacutecil explorar um camponecircs que sabe ler do que um analfabeto
17
Paulo Freire natildeo se separa da poliacutetica Paulo Freire deve ser considerado
tambeacutem como um poliacutetico Esta eacute a dimensatildeo mais importante de sua obra Ele
natildeo pensa a realidade como um socioacutelogo que procura apenas entendecirc-la []
Por isso ele pensa a educaccedilatildeo ao mesmo tempo como ato poliacutetico como ato de
conhecimento e como ato criador (GADOTTI 1996 p 70)
A intervenccedilatildeo que Freire realiza em Angicos eacute uma atividade eminentemente poliacutetica
tinha como objetivo aleacutem da alfabetizaccedilatildeo a politizaccedilatildeo dos trabalhadores rurais daquele
municiacutepio isso em um periacuteodo de predomiacutenio das oligarquias rurais do voto de cabresto e de
extrema espoliaccedilatildeo da matildeo-de-obra dos agricultores Pois eacute em meio a esse cenaacuterio que
Freire juntamente com seus colaboradores desenvolve um paradigma de alfabetizaccedilatildeo cujo
principio eacute a libertaccedilatildeo do povo da condiccedilatildeo de oprimido e ―demitido da vida
Sua concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e logicamente sua proposta educacional que
havia mostrado resultado altamente positivo na experiecircncia em Angicos
17 Resposta pela recusa da natildeo alfabetizaccedilatildeo dos camponeses proposta por Voltaire a Imperatriz Catarina da
Ruacutessia no Seacuteculo XVIII
63
(RN) consistia em afirmar que todo ato educativo eacute um ato poliacutetico assim
sendo a educaccedilatildeo conteacutem a potencialidade da transformaccedilatildeo da sociedade
por intermeacutedio de uma consciecircncia criacutetica da realidade tarefa que tanto o
educador como o educando devem assumir no ato educativo (INSTITUTO
PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012 p 43)
Segundo Germano (1997) o desafio e o objetivo da experiecircncia de Angicos era tanto
alfabetizar como conscientizar politicamente os trabalhadores em 40 horas A experiecircncia que
era patrocinada pelo ―Alianccedila para o Progresso um programa de origem estadunidense e do
Governo do Rio Grande do Norte que agrave eacutepoca estava sob mandato de Aluizio Alves
experiecircncia que ganhou conhecimento nacional e internacionalmente
O que queremos apontar como novidade nesse olhar que lanccedilamos sobre a experiecircncia
de Angicos amplamente conhecida eacute evidenciar que o puacuteblico participante era de forma
majoritaacuteria trabalhadores rurais em uma cidade cujo periacuteodo histoacuterico dificulta falar-se em
urbanidade puacuteblico esse objeto de nossa reflexatildeo nesta dissertaccedilatildeo de mestrado Nesse
sentido situamos o pensamento de Paulo Freire como de grande importacircncia ao atual debate
da Educaccedilatildeo do Campo O que estamos debatendo hoje como o respeito agraves vivecircncias e
experiecircncias a importacircncia do lugar e o famigerado modismo do ―conhecimento preacutevio
Freire tratou ainda em 1963 com responsabilidade e humanismo Assim eacute salutar
percebermos a experiecircncia de Angicos como uma importante fonte histoacuterica que pode (e
certamente haveraacute de) contribuir em muito com o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo
64
4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIENCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO
CAMPO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
Feito o debate teoacuterico-metodoloacutegico acerca da Educaccedilatildeo do Campo e de suas raiacutezes
histoacutericas no Brasil e tambeacutem sobre a atual posiccedilatildeo que esta modalidade de ensino ocupa
entendemos ser este o momento de estreitar e externar experiecircncias que ilustram de modo
singular a inserccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo na universidade brasileira Para tanto tomamos
como recorte analiacutetico o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte Procuramos refletir sobre a contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana ao ―Projeto
do curso entendendo que o aporte do pensamento de Paulo Freire na Educaccedilatildeo do Campo eacute
de extrema relevacircncia Entendemos que a formulaccedilatildeo da proposta curricular dessa natureza
ou seja pensada para cursos cujos sujeitos tecircm viacutenculo direto com o campo carece de certo
alinhamento ideoloacutegico com a pedagogia freireana uma vez que esta canaliza a resistecircncia
histoacuterica dos povos do campo
A tomada do curso como recorte se explica pela aproximaccedilatildeo e atuaccedilatildeo que tivemos
com a turma de Pedagogia da Terra no periacuteodo de 2010 a 2011 periacuteodo no qual atuamos
como monitor Jaacute a busca pela contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana agrave Proposta poliacutetico-
pedagoacutegica e Plano de Trabalho se faz necessaacuterio pelo foco central deste trabalho mas
tambeacutem pela singular experiecircncia de aprender e pesquisar sobre o pensamento de Paulo Freire
no Grupo de Estudo da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) na Universidade Federal da
Paraiacuteba Aleacutem do mais entendermos que Educaccedilatildeo do Campo eacute uma questatildeo de grande valor
natildeo pode estar simplesmente coadunando com os paradigmas educacionais fugazes que a
contemporaneidade tem nos mostrado em outras palavras a Educaccedilatildeo do Campo natildeo pode
ser moda mas antes oportunidade para os sujeitos do campo se posicionar frente ao mundo e
aos seus pares
Na atuaccedilatildeo como monitor tivemos a oportunidade de vivenciar e compartilhar das
dificuldades alegrias avanccedilos e limitaccedilotildees que os educandos e as educandas enfrentaram no
dia a dia Esse conviacutevio foi de grande importacircncia pois humanizou as relaccedilotildees que a
universidade por vezes esvazia Satildeo pessoas com sonhos frustraccedilotildees dificuldades
financeiras limitaccedilotildees cognitivas mas sobretudo satildeo pessoas que lutam que persistem que
natildeo se envergonham de ocupar com simplicidade o espaccedilo de ―glamour que ainda eacute a
universidade brasileira
65
Aleacutem do Curso de Pedagogia da Terra da UFRN os cursos de Jornalismo da Terra da
Universidade Federal do Cearaacute (UFC) Especializaccedilatildeo Lato Sensu em Direitos Sociais do
Campo promovida pelo IncraPronera e a Universidade Federal de Goiaacutes (UFG) Licenciatura
em Pedagogia pelo Programa Estudante - ConvecircnioMovimento Sociais do Campo ndash
PECMSC (UFPB) entre outros satildeo exemplos e frutos colhidos apoacutes anos afinco na luta
cerrada e disputas dentro da superestrutura poliacutetica Por isso mesmo entendemos que essas
experiecircncias representam a inserccedilatildeo concreta de sujeitos do campo na Universidade puacuteblica
brasileira sendo por esse motivo merecedora de anaacutelise detalhada e pesquisas futuras
Para entendermos melhor a atualidade da Educaccedilatildeo do Campo como poliacutetica puacuteblica
destinada a um puacuteblico especiacutefico (do campo) eacute preciso situar a temaacutetica na historiografia A
pesquisadora da Faculdade de Educaccedilatildeo da UFMG Antunes-Rocha (2011 p125) eacute enfaacutetica
ao afirmar que sobre cursos de formaccedilatildeo de professores para o campo ―natildeo encontrei nada
antes de 1997 Natildeo por acaso essa data coincide com a conquista do Pronera programa esse
que entendemos ser portador do cerne da questatildeo da Educaccedilatildeo do Campo no Brasil enquanto
poliacutetica puacuteblica
O curso de Pedagogia da Terra eacute fruto da luta histoacuterica dos movimentos sociais do
campo no Brasil ele representa em boa medida os anseios teoacutericos e praacuteticos de inclusatildeo
social Assim como todo e qualquer espaccedilo o curso natildeo eacute um todo homogecircneo sem conflitos
mas antes espaccedilo repleto de contradiccedilotildees e disputas tanto interna como externamente
O suporte para essa reflexatildeo reside sobretudo na anaacutelise de documentos do Curso
principalmente na ―Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho que eacute o documento
principal norteador das accedilotildees do curso mas tambeacutem buscamos subsidiar esta escrita em
resoluccedilotildees principalmente na Resoluccedilatildeo nordm 1032006 CONSEPEUFRN de 1909200618
que trata do Regulamento dos Cursos de Graduaccedilatildeo da UFRN aleacutem de outras fontes que
tivemos acesso atraveacutes de colaboradores e tambeacutem de paacuteginas eletrocircnicas
18 Atualmente a Resoluccedilatildeo Nordm 1712013-CONSEPEUFRN de 5 de novembro de 2013 eacute que rege o
Regulamento dos Cursos Regulares de Graduaccedilatildeo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
66
O Edital de abertura do processo seletivo para o curso de Pedagogia ndash Licenciatura
Plena foi orientado pela Resoluccedilatildeo nordm1032006-CONSEPEUFRN de 19092006 e seguiu
todos os procedimentos normativos dos demais vestibulares A Comissatildeo Permanente de
Vestibular (COMPERVE)19
foi responsaacutevel pela realizaccedilatildeo do certame Para se candidatar ao
vestibular o estudante precisava cumprir o seguinte preacute-requisito
a) ser portador de certificado ou diploma de conclusatildeo do Ensino Meacutedio (ou
curso equivalente)
b) ser assentado pelo Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e reforma Agraacuterio
(INCRA) e vinculado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra
(MST) do RN (COMPERVE 2007)
O pensamento da organizaccedilatildeo coletiva conscientizaccedilatildeo e luta tatildeo fortemente
imbuiacutedos na pedagogia freireana aqui se materializa Evidenciar um curso voltado para povos
do campo e ainda mais para membros de um movimento social tatildeo atuante quanto polecircmico
como eacute o MST eacute sem duacutevida um avanccedilo Essa conquista natildeo eacute do acaso ou natural eacute fruto de
uma conjuntura rara criada por muacuteltiplos condicionamentos sociais mas sobretudo pela
organizaccedilatildeo coletiva dos trabalhadores do campo
Poreacutem como reconhecemos que estamos imersos em um Estado de classes que horas
cede agraves reivindicaccedilotildees das massas hora cerceia essas conquistas natildeo demorou o iniacutecio dos
ataques dirigidos pela classe dominante agrave forma como o curso estava sendo gerido Em 2010
um desses ataques teve como consequecircncia a reformulaccedilatildeo dos projetos do curso A partir
desse momento os movimentos sociais foram suprimidos da parceria ateacute entatildeo existente
Sobre esse assunto detalharemos mais a diante
Retomando o processo seletivo para entrada no Curso os alunos interessados no
vestibular passaram 15 dias envolvidos numa preparaccedilatildeo para as provas Nesse momento
trabalharam mateacuterias escolares Portuguecircs Matemaacutetica Geografia Histoacuteria etc
(FERNANDES 2009) A elaboraccedilatildeo da prova ficou sob responsabilidade da Comperve e
19 Com do fim do vestibular como processo seletivo para ingressar na Universidade a Comperve passou a
chamar-se Nuacutecleo Permanente de Concursos UFRN
67
seguiu todos os procedimentos legais e normativo s dos demais vestibulares como jaacute
salientado anteriormente
Apoacutes o resultado do certame o curso teve iniacutecio no primeiro semestre de 2007
(20071) com as 60 vagas devidamente preenchidas Por deliberaccedilatildeo dos proacuteprios educandos
a turma passa a se chamar ―Florestan Fernandes em homenagem ao grande socioacutelogo
escritor e poliacutetico brasileiro
Eacute sempre importante lembrar que esse curso representou um grande avanccedilo para a
Educaccedilatildeo do Campo no Rio Grande do Norte representando tambeacutem um sinal de abertura
da Universidade Federal agraves questotildees sociais do campo Mesmo tendo havido outro curso de
pedagogia para assentados20
indubitavelmente o Pedagogia da Terra representa um marco nas
lutas tanto de oportunidade aos povos do campo como de abertura e diaacutelogo da universidade
com a sociedade potiguar
Os estudantes do Curso vieram das diferentes regiotildees do Estado do Rio Grande do
Norte desde aacutereas vizinhas de Natal como eacute o caso de Macaiacuteba e Cearaacute Mirim ateacute lugares
mais distantes da Capital como Satildeo Rafael e Triunfo Potiguar na regiatildeo Meacutedio Oeste Nesses
municiacutepios esses sujeitos residem majoritariamente em aacutereas rurais de assentamento
O Curso segue as orientaccedilotildees da Resoluccedilatildeo CNECP n1 de 15 de maio de 2006 que
institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia e confere habilitaccedilatildeo
em ―Licenciatura em Pedagogia21
conforme aponta a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano
de Trabalho
Habilitar professores por meio de curso superior para o exerciacutecio da
docecircncia em Educaccedilatildeo Infantil e nas seacuteries iniciais do Ensino Fundamental
regular para Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e para atividades de
20Entre 2002 e 2006 formaram-se em niacutevel de graduaccedilatildeo 63 alunos de nove estados nordestinos e um da
regiatildeo norte (AL BA CE MA PA PB PE PI RN e SE)
21 O diploma eacute gerado com uma observaccedilatildeo que faz alusatildeo ao Probaacutesica ndash Programa de Qualificaccedilatildeo
Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica ndash instituiacutedo pela Resoluccedilatildeo CONSEPEUFRN nordm1499 de 020299 que
estabelece os convecircnios entre a Universidade e seus parceiros apresentamos um exemplar em anexo
68
coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico em escolas instituiccedilotildees do
sistema educacional e projetos educativos existentes nas aacutereas de
assentamento (UFRN 2010 p 05)
Isso mostra que mesmo havendo particularidades o egresso do curso recebe o tiacutetulo de
licenciado em pedagogia apto a concorrer a qualquer vaga de concurso para pedagogo
Essa formaccedilatildeo visa combater o deacuteficit histoacuterico de profissionais da educaccedilatildeo
nas aacutereas rurais e segue uma diretriz do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do
Campo Aleacutem disso pretende gerar oportunidade de continuidade dos
estudos aos jovens que detinham o Ensino Meacutedio completo e que moravam
nos assentamentos e aacutereas de reforma agraacuteria Desse modo o objetivo eacute
colaborar com a constituiccedilatildeo de uma rede de educadores do campo em nosso
Estado com qualificaccedilotildees teacutecnicas e compromisso eacutetico que possibilite o
aprofundamento e ampliaccedilatildeo de experiecircncias de educaccedilatildeo do campo (UFRN
2010 p 04)
Silva Filho (2011) afirma que a entrada de um familiar na universidade eacute algo
significativo Afirma ainda que
O ensino superior ainda resguarda status de responsaacutevel pela ascensatildeo social
e garantia de melhores condiccedilotildees de vida Historicamente o assento
ideoloacutegico da universidade foi muito mais as concepccedilotildees da classe
dominante social e politicamente do que um lugar de inclusatildeo da classe
explorada (SILVA FILHO 2011 p 40)
Por esse motivo O curso tem um caraacuteter contra-hegemocircnico e diferente daquele que
nos habituamos a ver nas universidades
Poreacutem sabemos que os fatos natildeo se datildeo de forma linear ou sem disputas ocorre que o
modo de execuccedilatildeo dos anos de 2007 e 2008 cujo assento havia sido o Convecircnio
CRTRN390002006 (INCRAUFRNMST) teve seus componentes e formato questionados
por parte dos estratos juriacutedicos do INCRA (UFRN 2010) Na verdade esse momento eacute
histoacuterico para todos os cursos do Pronera que enfrentaram periacuteodo de grandes incertezas
Em que pese as mudanccedilas de formato da relaccedilatildeo institucional entre a UFRN e
o INCRA o projeto ora apresentado manteacutem a estrutura curricular original e
os seus fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos estatildeo incorporados aqui
assegurando a correspondente consonacircncia com a Resoluccedilatildeo CNECP no 1 de
15 de maio de 2006 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Curso de Pedagogia (UFRN 2010 p 04)
69
Mesmo natildeo tendo perdido do ponto de vista teoacuterico-metodoloacutegico as perdas poliacuteticas
satildeo evidentes principalmente com a exclusatildeo do MST da operacionalizaccedilatildeo do Curso Como
podemos observar o Acoacuterdatildeo n 26532008 eacute expliacutecito quanto as proibiccedilotildees
()
943 caso pretenda oferecer cursos a puacuteblico especiacutefico afeto a sua aacuterea de
atuaccedilatildeo a exemplo do que se verificou no acircmbito do Projeto Camosc
9431 com relaccedilatildeo ao instrumento a ser firmado com a entidade que se
encarregaraacute da execuccedilatildeo do objeto em vez de convecircnio valha-se de contrato
precedido de procedimento licitatoacuterio
9432 iniba por meio de normas claacuteusulas contratuais e fiscalizaccedilatildeo
qualquer possibilidade de que entes estranhos agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica
especialmente movimentos sociais ligados agrave reforma agraacuteria participem do
planejamento execuccedilatildeo acompanhamento avaliaccedilatildeo ou de outra fase do
curso promovido (TCU 2008)
Nesse periacuteodo professores-coordenadores representantes do INCRA reitores das
universidades puacuteblicas procuraram de forma engenhosa retomar as atividades acadecircmicas que
apoacutes um ano reiniciou Esse momento externou de forma expliacutecita o conservadorismo e o
desejo de segregaccedilatildeo social que ainda permeia a classe poliacutetica brasileira
Sendo o Estado Capitalista um Estado de classe tende a organizar a escola
em todos os niacuteveis e modalidade de ensino conforme a concepccedilatildeo de mundo
da classe dominante e dirigente embora contraditoriamente dependendo do
grau de difusatildeo da pedagogia da contra-hegemonia na sociedade civil a
mesma escola esteja permeaacutevel agrave influecircncia de outros projetos poliacutetico-
pedagoacutegicos (NEVES 2005 p 29)
Desse modo compreendemos os enfrentamentos deflagrados e as lutas pela
manutenccedilatildeo desse Curso como questotildees ideoloacutegicas como resistecircncia dos povos do campo
por um lado e ofensiva da classe dominante de outro Sabemos que essa disputa eacute histoacuterica e
tem altos e baixos concessotildees e restriccedilotildees Esse momento embora tenha acarretado
desconforto e prejuiacutezos para muitos foi o ponto central que evidenciou uma verdadeira luta
de correlaccedilotildees de forccedila
70
41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO
CURSO DE PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN
Pensar uma proposta curricular para um curso de Educaccedilatildeo do Campo como eacute o
Curso de Pedagogia da Terra e tantos outros jaacute exemplificados que gozam de um caraacuteter
popular certamente requer posicionamento e uma reflexatildeo sobre os princiacutepios basilares do
curriacuteculo Tomaz Tadeu da Silva (2011) expotildee que ―A questatildeo central que serve de pano de
fundo para qualquer teoria do curriacuteculo eacute a de saber qual conhecimento deve ser ensinado (p
14) O autor afirma que o curriacuteculo eacute sempre resultado de uma seleccedilatildeo Desse modo quando
determinamos que conhecimento ensinar estamos deixando de fora outros conhecimentos A
questatildeo fundamental passa a ser por que ―esse conhecimento e natildeo ―aquele
O curriacuteculo nunca eacute simplesmente uma montagem neutra de conhecimentos
que de alguma forma aparece nos livros e nas salas de aula de um paiacutes
Sempre parte de uma tradiccedilatildeo seletiva da seleccedilatildeo feita por algueacutem da visatildeo
que algum grupo tem do eu seja o conhecimento legiacutetimo Ele eacute produzido
pelos conflitos tensotildees e compromissos culturais poliacuteticos e econocircmicos
que organizam e desorganizam um povo (APPLE 2000 p 53)
Objetivamente essa relaccedilatildeo de escolhas nos leva diretamente a entender que o
curriacuteculo eacute antes de tudo ideoloacutegico sendo portanto uma disputa pela hegemonia Quando
escolhemos ―esse conteuacutedo e natildeo ―aquele estamos consciente ou inconscientemente
optando por um determinado projeto educativo
Eacute essa preocupaccedilatildeo que leva Apple a recorrer aos conceitos de hegemonia
tal como formulado por Antonio Gramsci e desenvolvido por Raymond
Williams Eacute o conceito de hegemonia que permite ver o campo social como
um campo contestado como um campo onde os grupos dominantes se veem
obrigados recorrer a um esforccedilo permanente de convencimento ideoloacutegico
para manter sua dominaccedilatildeo Eacute precisamente atraveacutes desse esforccedilo de
convencimento que a dominaccedilatildeo econocircmica se transforma em hegemonia
cultural Esse convencimento atinge sua maacutexima eficaacutecia quando se
transforma em senso comum quando se naturaliza (SILVA 2011 p 46)
Para Bourdieu e Passeron (2012) a problemaacutetica reside na reproduccedilatildeo social que
ocorre palas vias da cultura ou propriamente da cultura dominante Seus valores seus gostos
seus costumes seus haacutebitos seus modos de se comportar de agir satildeo reproduzidos como ideal
e desejado para toda a sociedade Entendemos portanto que eacute justamente no curriacuteculo onde
ocorre a condensaccedilatildeo de toda essa problemaacutetica
71
Compreendemos que o curriacuteculo eacute um espaccedilo para o confronto de conhecimentos
popular e erudito Nesse sentido o papel da universidade eacute primordialmente ressignificar os
conhecimentos jaacute elaborados pelos estudantes ou nas palavras de Freire (1993) ―saber de
experiecircncia feito que satildeo pilares fundantes para a construccedilatildeo curricular Curriacuteculo com foco
na vida pela vida e para a vida Saber que natildeo eacute transposto automaticamente pois se constitui
em aprendizagens colaterais e que ao precederem a escola alicerccedilam-na e lhe datildeo suporte
Produzir novos e melhores conhecimentos e garantir um espaccedilo educativo no qual co-
existam de forma permanente a circularidade entre saberes eacute tarefa responsaacutevel da
universidade assim o grande desafio eacute construir uma matriz pedagoacutegica que natildeo se feche
numa dimensatildeo de especialidades dentro das disciplinas O curriacuteculo precisa dar conta de
especificidades por outro lado natildeo pode perder com isso a visatildeo ampla natildeo pensar apenas o
especiacutefico sob pena de fragmentar o conhecimento nem somente o geral pois isso teria
consequecircncias danosas agrave dimensatildeo particular
A educaccedilatildeo do campo tem um viacutenculo com a matriz pedagoacutegica do trabalho e da cultura
Numa concepccedilatildeo freireana haacute uma inter-relaccedilatildeo fundamental entre essas duas categorias
visto que a primeira pode-se entender como a accedilatildeo do homem na natureza ao passo que a
segunda eacute o resultado dessa accedilatildeo accedilatildeo consciente e ativa do homem em sua
realidadenatureza (FREIRE 1983) Desse modo a tarefa primordial da Proposta poliacutetico-
pedagoacutegica e Plano de Trabalho do Curso de Pedagogia da Terra eacute dialogar com essas
matrizes
Assim observamos que a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho se
aproxima e dialoga bastante com esse pensamento logo aproximando-se tambeacutemdos
princiacutepios contidos na Pedagogia Paulo Freire
A proposta curricular para este curso teraacute como ponto de partida os saberes e
praacuteticas dos alunos e a realidade dos assentamentos Por conseguinte a
singularidade seraacute realccedilada sem perder de vista os elementos universais que
compotildeem a cultura do homem e da mulher do campo na perspectiva de
mobilizar um movimento pedagoacutegico pautado na accedilatildeo-reflexatildeo-accedilatildeo (UFRN
2010 p 8)
A proposta de formaccedilatildeo de Freire eacute permeada por uma postura criacutetica poliacutetica e
consciente diante de abordagens de formaccedilatildeo que se apresentam fragmentadas natildeo
envolventes e incapazes de captar as reais necessidades e preocupaccedilotildees dos sujeitos Nesse
72
sentido a categoria realidade sem duacutevida deteacutem uma centralidade na Pedagogia Paulo
Freire isso justamente porque eacute na concretude que a vida se passa Por isso mesmo a
importacircncia da indissociabilidade entre o curriacuteculo do curso e a vida praacutetica dos educandos e
educandas
Outro ponto de fundamental importacircncia se refere agrave necessidade de afinidade criacutetico-
ideoloacutegico dos docentes com a proposta do curso Eacute importante haver aproximaccedilatildeo suficiente
para compreender as particularidades proacuteprias da turma dos sujeitos e do campo
De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho a ―estrutura
curricular do curso de Pedagogia da Terra eacute concebida em trecircs nuacutecleos articulados quais
sejam estudos baacutesicos aprofundamento e diversificaccedilatildeo de estudos e estudos integradores
cujos componentes curriculares foram ofertados em atividades presenciais a serem realizadas
preferencialmente nos periacuteodos de janeirofevereiro e junhojulho de cada ano nas
dependecircncias da UFRN e de atividades vivenciais (grupos de estudo pesquisa e exerciacutecio
profissional) apoiadas por monitores de apoio pedagoacutegico ao longo dos semestres tendo
como referecircncia a praacutetica docente e a realidade do campo no contexto da Reforma Agraacuteria
(UFRN 2010)
O ―Nuacutecleo de Estudos Baacutesicos do curso compreende a seguinte ordem
a Histoacuterico e soacutecio-cultural compreendendo os fundamentos filosoacuteficos
histoacutericos poliacuteticos econocircmicos socioloacutegicos psicoloacutegicos e
antropoloacutegicos necessaacuterios para a reflexatildeo criacutetica nos diversos setores da
educaccedilatildeo na sociedade contemporacircnea
b Da educaccedilatildeo baacutesica compreendendo
i Estudo dos conteuacutedos curriculares da educaccedilatildeo baacutesica
escolar
ii Os conhecimentos didaacuteticos as teorias pedagoacutegicas
em articulaccedilatildeo agraves metodologias tecnologias de informaccedilatildeo e
comunicaccedilatildeo e suas linguagens especiacuteficas aplicadas ao ensino
iii Estudo os processos de organizaccedilatildeo do trabalho
pedagoacutegico gestatildeo e coordenaccedilatildeo educacional
iv Estudo das relaccedilotildees entre educaccedilatildeo e a realidade
social do campo os contextos de trabalho as especificidades da regiatildeo
do Semi-Aacuterido e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees
do campo (UFRN 2010 p 10)
73
No ponto ―IV do Nuacutecleo de estudos baacutesicos observa-se um eixo bem delimitado no
que concerne a formaccedilatildeo do sujeito em consonacircncia com sua realidade Jaacute dialogamos sobre a
importacircncia dessa associaccedilatildeo entre trabalho e cultura tatildeo significativa agrave Educaccedilatildeo do Campo
e agrave Pedagogia Paulo Freire
A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com
ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento
proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica
em que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem
absolutizar-se fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-
o a julgar o seu mundo algo que apenas se acha (FREIRE 1983 p42)
Desse modo a leitura dos processos produtivos e dos processos culturais formadores
dos sujeitos que vivem dono campo eacute entendida como tarefa fundamental no projeto poliacutetico
e pedagoacutegico da Educaccedilatildeo do Campo Esse eixo de estudos busca situar e datar os
componentes do curso na atualidade
Uma das dificuldades dos cursos que trabalham com a Pedagogia da Alternacircncia eacute a
ausecircncia em parte do corpo docente de uma maior afinidade poliacutetica ideoloacutegica com as
questotildees especiacuteficas do curso A ausecircncia dessa interaccedilatildeo acarreta comprometimentos quanto
agrave viabilizaccedilatildeo e operacionalizaccedilatildeo praacutetica da proposta pedagoacutegica escrita (RIBEIRO et al
2010) Eacute um ponto da Pedagogia da Alternacircncia que tem sido pensado e repensado uma vez
que as visitas dos professores agraves comunidades dos estudantestrabalhadores tem se
operacionalizado de forma bastante limitada Esse ponto externa uma preocupaccedilatildeo que
compromete os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo da Alternacircncia da Pedagogia Paulo Freire
e da Educaccedilatildeo Popular como um todo
A busca pelos professores e professoras para trabalhar no curso foi estrateacutegica Em
boa medida os docentes gozavam de boa experiecircncia com a extensatildeo universitaacuteria o que
significa certa capacidade de dialogar com o ementaacuterio das disciplinas
A indicaccedilatildeo dos professores seraacute assumida pela Coordenaccedilatildeo do Curso
considerando preferencialmente a vinculaccedilatildeo formal com o Departamento
de Educaccedilatildeo e demais departamentos das licenciaturas da UFRN e a atuaccedilatildeo
docente e investigativa nas aacutereas relacionadas com o ementaacuterio do referido
curso (UFRN 2010 p 26-27)
As disciplinas trabalhadas no Nuacutecleo de estudos baacutesicos podem ser vistas conforme a
tabela a baixo
74
Periacuteo
do Coacutedigo Disciplinas
C
R
C
H
CH
Presenc
ial
CH
Viven
cial
CH
Praacutet
ica
2007
1
EDU00
46 Introduccedilatildeo ao Trabalho Cientiacutefico 2 30 25 5 -
EDU00
47
Introduccedilatildeo agrave Leitura de textos
imagens e meios eletrocircnicos 8
12
0 100 20 -
2007
2
EDU00
37 Fundamentos de Filosofia do Conhecimento 4 60 45 15 -
EDU00
96
Dimensatildeo Soacutecio-Antropoloacutegica do Ser
Humano 4 60 45 15 -
EDU00
41 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -
EDU00
43 Histoacuteria na Escola 4 60 45 15 -
EDU00
59
Sociologia dos Movimentos Sociais e
Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -
2008
1
EDU00
42 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo no Brasil 4 60 45 15 -
EDU00
40 Gestatildeo democraacutetica na Escola 4 60 45 15 -
EDU00
51
Organizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo
Brasileira 4 60 45 15 --
EDU00
38 Geografia na Escola 4 60 45 15 -
2008
2
EDU00
23 Dimensatildeo Psicoloacutegica da Aprendizagem 4 60 45 15 -
EDU00
62
Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo Popular
(Paulo Freire) 4 60 45 15 -
EDU00
25 Dimensatildeo Psicoloacutegica do Homem 4 60 45 15
EDU00
81
Teacutecnicas de Elaboraccedilatildeo de
Projetos Educacionais 4 60 45 15
EDU00
60 Tecnologias do Campo na Escola 4 60 45 15
2010
2
EDU00
61
Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo (outros
pedagogos) 4 60 45 15
EDU00
53
Planejamento Escolar e Projeto
Pedagoacutegico 4 60 45 15
EDU00
19
Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da
linguagem ndash Portuguecircs 4 60 45 15
EDU00
18
Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da
linguagem ndash Matemaacutetica 4 60 45 15
2011
1
EDU00
39
Gerenciamento de Atividades
Educacionais 4 60 45 15
EDU00
48 Liacutengua Portuguesa na Escola 4 60 45 15
EDU00
49 Matemaacutetica na Escola 4 60 45 15
2011
2
EDU00
35
Elaboraccedilatildeo de Material Didaacutetico
(teoria + praacutetica) 4 90 45 15
EDU00
21 Ciecircncias Naturais na Escola 4 60 45 15
Fonte UFRN (2010)
75
No segundo eixo Nuacutecleo de Aprofundamento e Diversificaccedilatildeo de Estudos se
percebe um grande enfoque naquilo que podemos chamar de ―questatildeo de nossa eacutepoca
(FREIRE 1983) ou questotildees ―transversais Satildeo temaacuteticas que nos remetem a diversidade
cultural tatildeo em pauta hoje em dia
1 Educaccedilatildeo de jovens e adultos
2 Educaccedilatildeo infantil
3 Educaccedilatildeo e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees do
campo
4 Educaccedilatildeo ambiental
5 Educaccedilatildeo e pluralidade cultural
6 Educaccedilatildeo para sauacutede e educaccedilatildeo sexual
7 Educaccedilatildeo especial
8 Temas especiacuteficos alternativas educacionais para o campo questatildeo
agraacuteria cooperativismo e semi-aacuterido (UFRN 2010 p 10)
A par disso eacute vaacutelido salientar o pioneirismo da Pedagogia Paulo Freire no tocante a
essas questotildees Mesmo antes de todos esses temas virem agrave tona Freire jaacute formulava a
Pedagogia do Oprimido que de forma astuta pensou uma pedagogia cujo assento eacute o grupo de
oprimidos ou seja adultos natildeo alfabetizados pessoas com deficiecircncias povos tradicionais
direitos das mulheres Direitos Humanos e outros A pedagogia do oprimido apresenta ao
mundo todos os sujeitos que vivem agrave margem da cultura erudita e hegemocircnica Paulo Freire
chama a atenccedilatildeo para a riqueza da produccedilatildeo cultural desses sujeitos Em boa medida esses
conhecimentos estatildeo hoje sintetizados no multiculturalismo
Desse modo percebemos que haacute uma evidente contribuiccedilatildeo do pensamento freireano
no tocante a organizaccedilatildeo do Pano de Trabalho do Curso Pedagogia da Terra da UFRN A
seguir apresentamos o quadro de disciplinas que compotildeem o Nuacutecleo de Aprofundamento e
Diversificaccedilatildeo de Estudos
Periacuteo
do Coacutedigo Disciplinas
C
R
C
H
CH
Presenc
ial
CH
Viven
cial
CH
Praacutet
ica
2007
1
EDU00
56 Seminaacuterio I ndash A questatildeo Agraacuteria 4 60 40 20 -
EDU00
55
Seminaacuterio II ndash Alternativas Educacionais no
Campo 4 60 40 20 -
2008
1
EDU00
82 Seminaacuterio III ndash O Semi- Aacuterido 4 60 45 15 -
2010 EDU00 Seminaacuterio IV ndash Cooperativismo 4 60 45 15 -
76
2 57
2011
1
EDU00
29 Educaccedilatildeo Ambiental 4 60 45 15 -
2011
2
EDU00
27
Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e
Processo de Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -
EDU00
30 Educaccedilatildeo Especial 4 60 45 15 -
EDU00
20 Artes e Corporeidade na Escola 4 60 45 15 -
2012
1
EDU00
28
Educ de Jovens e Adultos e Processo de Poacutes-
Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -
EDU00
32 Educaccedilatildeo para Sauacutede e Orientaccedilatildeo Sexual 4 60 45 15 --
EDU00
31 Educaccedilatildeo Infantil 4 60 45 15 -
EDU00
33
Educaccedilatildeo Eacutetica e Pluralidade
Cultural 4 60 45 15 -
EDU00
87
Liacutengua Brasileira de Sinais ndash
LIBRAS 4 60 45 15 -
Fonte UFRN (2010)
A uacuteltima parte dos nuacutecleos de estudos refere-se aos Estudos Integradores que satildeo
a Realizaccedilatildeo de oficinas e participaccedilatildeo em eventos culturais artiacutesticos e
cientiacuteficos
b Exerciacutecio profissional em acircmbitos escolares e natildeo-escolares articulando saber
acadecircmico pesquisa e praacutetica educativa (UFRN 2010 p10)
Periacuteo
do Coacutedigo Disciplinas
C
R
C
H
CH
Presenc
ial
CH
Vivenci
al
CH
Praacutet
ica
2007
1
EDU00
45
Introduccedilatildeo ao Estudo da Realidade
Local (teoria+praacutetica) 4 60 15 45 45
EDU00
64 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural I - 15 - 15 15
EDU00
65 Oficina de Praacuteticas Formativas I - 15 15 - 15
2007
2
EDU00
58
Sistema Educacional e
Organizaccedilatildeo Escolar (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
66 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural II - 15 - 15 15
EDU00
67 Oficina de Praacuteticas Formativas II - 15 15 - 15
2008
1
EDU00
50
Observaccedilatildeo na escola ndash sala de
aula (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
68
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
III - 15 - 15 15
EDU00 Oficina de Praacuteticas Formativas III - 15 15 - 15
77
69
2008
2
EDU00
44 Introduccedilatildeo agrave Pesquisa (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
70
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
IV - 15 - 15 15
EDU00
71 Oficina de Praacuteticas Formativas IV - 15 15 - 15
2010
2
EDU00
52 Pesquisa I (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
72 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural V - 15 - 15 15
EDU00
73 Oficina de Praacuteticas Formativas V - 15 15 - 15
2011
1
EDU00
95 Estaacutegio Supervisionado I
10
0 15 85 85
EDU00
74
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
VI - 15 - 15 15
EDU00
75 Oficina de Praacuteticas Formativas VI - 15 15 - 15
2011
2
EDU00
97 Estaacutegio Supervisionado II
20
0 - 200 200
EDU00
98
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
VII - 10 - 10 10
EDU00
77 Oficina de Praacuteticas Formativas VII - 15 15 - 15
2012
1
EDU00
63
Trabalho de Conclusatildeo de Curso
(praacutetica) - 90 - 90 90
EDU00
79
Oficina de Praacuteticas Formativas
VIII - 15 15 - 15
EDU00
80 Congresso de Encerramento - 45 - 45 45
Fonte UFRN (2010)
Essa ultima parte pode-se considerar como a reta final do Curso Os estudantes
trabalharam atividades voltadas agrave culminacircncia como as Oficinas Formativas os Estaacutegios
supervisionados e o Trabalho de Conclusatildeo de Curso (UFRN 2010)
Os trecircs nuacutecleos centrais do curriacuteculo dialogam em grande parte com as necessidades
da formaccedilatildeo dos sujeitos do campo mas tambeacutem com os princiacutepios da Pedagogia Paulo
Freire sobretudo o diaacutelogo tatildeo caro no mundo dos ―pacotes prontos
Eacute preciso que a educaccedilatildeo esteja ndash em seu conteuacutedo em seus programas e em
seus meacutetodos ndash adaptada ao fim que se persegue permitir ao homem chegar a
ser sujeito construir-se como pessoa transformar o mundo estabelecer com
os outros homens relaccedilatildeo de reciprocidade fazer a cultura e a histoacuteria
(FREIRE 1980 p 39)
Aleacutem desses trecircs eixos norteadores destacamos a importacircncia de outras trecircs partes
fundamentais na organizaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica quais sejam (I) Instrumento de
78
integraccedilatildeo e conhecimento do aluno com a realidade social econocircmica e do trabalho de sua
aacutereacurso (II) Instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao ensino (III) Instrumento de praacutetica
profissional (UFRN 2010)
Instrumento de integraccedilatildeo do estudante com a realidade social e econocircmica (I)
―se organiza principalmente no acircmbito das praacuteticas de ensino e possibilita a interlocuccedilatildeo com
os referenciais teoacutericos do curriacuteculo Seraacute iniciada nos primeiros anos do curso e
acompanhada pela coordenaccedilatildeo (UFRN 2010 p 11)
Esse nuacutecleo de disciplinas eacute de fundamental importacircncia uma vez que pretende
aproximar e contextualizar oa estudante dentro da realidade social poliacutetica e econocircmica do
paiacutes Para Freire (2011) o ser humano precisa ―ser situado e datado ou seja o ser humano
precisa conhecer e reconhecer o lugar e o momento histoacuterico no qual se encontra para ser
capaz de agir conscientemente na transformaccedilatildeo da realidade
Menezes e Santiago (2010 p 398) falando sobre a contribuiccedilatildeo do pensamento de
Paulo Freire na construccedilatildeo do curriacuteculo criacutetico apontam que
Os estudantes compreendem suas relaccedilotildees com o mundo natildeo maiscomo real
idade estaacutetica mas como uma realidade em transformaccedilatildeo em processo e de
ssa forma satildeo estimulados a um enfrentamento da realidade como seres da p
raacutexis que sendo reflexatildeo e accedilatildeo eacute verdadeiramente transformadora da realid
ade
Natildeo podemos perder de vista a dimensatildeo criacutetica do processo nem tampouco esquecer
a complexidade da sociedade a qual estamos imersos ou seja uma sociedade de economia
capitalista cuja dinacircmica capitalista gira em torno da dominaccedilatildeo de classe (SILVA 2011)
A modalidade de Praacuteticas Pedagoacutegicas com instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao
ensino (II) pretende articular a teoria com a praacutetica Considera que a formaccedilatildeo profissional
natildeo se desvincula da praacutetica de exercitar a curiosidade que reflete e problematiza a realidade
gerando a partir daiacute projetos de pesquisa capazes de propiciar a iniciaccedilatildeo agrave pesquisa
educacional (id ibid p 11)
A necessidade da intersecccedilatildeo entre a teoria e a praacutetica eacute uma premissa singular a todo
processo educativo defendido exaustivamente tanto como caminho para formaccedilatildeo
permanente de educandos (FREIRE 1991) como para a transformaccedilatildeo do mundo Para
79
pensadores criacuteticos como Marx Gramsci Paulo Freire Apple e outros ―A questatildeo da
coerecircncia entre a opccedilatildeo proclamada e a praacutetica eacute uma das exigecircncias que educadores criacuteticos
fazem a si mesmo Eacute que sabem muito bem que natildeo eacute o discurso o que ajuiacuteza a praacutetica mas a
praacutetica que ajuiacuteza o discurso (FREIRE 2005 p 25)
Associamos a esse momento a praacutexis educativa de Paulo Freire que eacute o resultado da
accedilatildeo e da reflexatildeo porem a accedilatildeo-reflexatildeo sobre o mundo como afirma Freire (2011) natildeo eacute
simples teorizaccedilatildeo e nem simples ativismo eacute a capacidade de agir criticamente sobre esse
mundo A praacutexis eacute um processo dialoacutegico onde saberes satildeo trocados conjuntamente na busca
da construccedilatildeo de um novo saber O pensar jamais poderaacute se afastar da realidade em que se
materializa natildeo bastando interpretar o mundo mas sobretudo transformaacute-lo
Assim esse quadro de disciplinas cujo foco eacute no ensino e na pesquisa contribui de
forma profiacutecua com a busca dos educandos por melhor entenderem sua realidade e sua
eventual transformaccedilatildeo
No uacuteltimo eixo de disciplinas ldquoInstrumento de praacutetica profissionalrdquo (III) observa-
se a ocorrecircncia dos estaacutegios De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de
Trabalho essa atividade
Deve ocorrer junto agraves escolas e unidades educacionais nas atividades de
observaccedilatildeo regecircncia ou participaccedilatildeo em projetos como um ―saber fazer
que busca orientar-se por teorias pedagoacutegicas para responder agraves demandas
colocadas pela praacutetica pedagoacutegica Estaratildeo presentes desde os primeiros
anos do curso configurando a praacutetica pedagoacutegica necessaacuteria ao exerciacutecio
profissional O exerciacutecio efetivo das atividades como professor coordenador
ou gestor de programas educacionais seraacute considerado como parte dessa
modalidade Compreende 300 horas (Estaacutegio Supervisionado I e II) em
consonacircncia com artigo 7ordm aliacutenea II da Resoluccedilatildeo 012006 ndash CNECP
(UFRN 2010 p 11)
A busca pela praacutexis educativa eacute tambeacutem a busca pela aproximaccedilatildeo do outro
procurando articular os diferentes saberes O estaacutegio possibilita um dos momentos mais ricos
em experiecircncias e troca de saberes de todo o curso pois busca diminuir a distacircncia entre os
conteuacutedos trabalhados na Universidade e as vivecircncias do cotidiano escolar (UFRN 2010)
Por fim reafirmamos a importacircncia de um curriacuteculo pensado a partir da realidade das
necessidades sociais e das transformaccedilotildees ensejadas Como monitor que fomos podemos
afirmar que o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
80
natildeo eacute perfeito sobretudo do ponto de vista operacional muita coisa mudou no decorrer dos
anos mudanccedilas de espaccedilos mudanccedilas na coordenaccedilatildeo saiacuteda de estudantes mudanccedilas no
cronograma entre outros Os efeitos dessas ocorrecircncias apenas outras pesquisas nos diratildeo22
Tivemos como objetivo analisar a contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire ao curriacuteculo do
Curso justamente por entender que cursos dessa natureza necessitam de grande aproximaccedilatildeo
e afinidade com os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo e da Pedagogia Paulo Freire ambas as
concepccedilotildees amalgamadas nos princiacutepios da Educaccedilatildeo Popular progressista
Figur
a IIV Concluintes 2012 ndash Turma Florestan FernandesPedagogia da Terra UFRN
22 Sobre os horizontes dos educandos do Curso de Pedagogia da Terra ver Hilario e Azevedo (2011)
disponiacutevel em httpwwwieppecpb2011xpgcombrconteudoGTsGT20-200710pdf
81
5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO
O tema abordado nesta pesquisa emerge de um campo promissor e de grande debate
na contemporaneidade Embora seja um tema que ainda requer muita reflexatildeo e pesquisa
podemos dizer que a temaacutetica da educaccedilatildeo dos povos do campo eacute hoje uma questatildeo em pauta
nacionalmente
Reconhecendo a importacircncia da Educaccedilatildeo do Campo propusemo-nos a pensar e
refletir sobre ―qual a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo
do Campo e numa esfera mais ampla e de forma mais recortada se ―eacute possiacutevel evidenciar
no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte ―recorte e retalhos da Pedagogia de Paulo Freire Imersos nessa problemaacutetica
buscamos analisar o pensamento de Freire dentro dos documentos oficiais que norteiam o
curso
Pensar o sujeito enquanto humano que se transforma e transformando-se transforma o
mundo ao passo que por ele eacute transformado eacute uma contribuiccedilatildeo louvaacutevel natildeo somente ao
campo da Educaccedilatildeo do Campo mas ao paradigma da formaccedilatildeo humana como um todo Freire
desloca o homem do perifeacuterico para o centro das decisotildees natildeo num sentido egoiacutesta supremo
mas num sentido de comunhatildeo com o mundo e com o outro
Comecemos por afirmar que somente o homem como um ser que trabalha
que tem um pensamento-linguagem que atua e eacute capaz de refletir sobre si
mesmo e sobre a sua proacutepria atividade que dele se separa somente ele ao
alcanccedilar tais niacuteveis se faz um ser da praacutexis Somente ele vem sendo um ser
de relaccedilotildees num mundo de relaccedilotildees [] Desprendendo-se do seu contorno
veio tornando-se um ser natildeo da adaptaccedilatildeo mas da transformaccedilatildeo do
contorno um ser de decisatildeo [] (FREIRE 1992 p 39)
Baseado nessa concepccedilatildeo iniciamos este trabalho explicitando ―o lugar de onde
falo pois entendemos que cada ser humano precisa ser entendido em seus muacuteltiplos
condicionamentos precisa ser ―situado e datado desse modo uma compreensatildeo puramente
academicista seria demasiadamente reducionista Ainda que pareccedila pouco cientiacutefico
entendemos que as experiecircncias das pessoas estatildeo diretamente ligadas a psicologia social que
tem determinantes em toda a nossa vida Por isso achamos salutar dizer um pouco do que
somos mas sobretudo dialogar tambeacutem sobre o porquecirc de sermos o que somos
82
Nessa caminhada dialogamos acerca da necessidade de superaccedilatildeo do paradigma da
Educaccedilatildeo Rural e construccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo como alternativa viaacutevel aos povos do
campo Trabalhamos o entendimento da Educaccedilatildeo Rural como a histoacuteria nos apresentou ou
seja um modelo calcado na exploraccedilatildeo do trabalho humano o que configura uma visatildeo
utilitarista e preconceituosa da vida e dos sujeitos do campo Ao mesmo tempo tratamos de
apresentar a Educaccedilatildeo do Campo como uma vertente que melhor se aproxima das
experiecircncias do trabalho e da vida praacutetica dos agricultores e agricultoras Todo o diaacutelogo
sobre as diferentes formas de pensar a educaccedilatildeo dos povos do campo foi atravessado pelo
pensamento de Paulo Freire que teceu toda a construccedilatildeo dessa obra
Pensar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire para o atual debate em torno da Educaccedilatildeo do
Campo eacute uma tarefa instigante sobretudo porque evidenciamos um grande pioneirismo do
Patrono da educaccedilatildeo brasileira quanto a algumas temaacuteticas abordadas hoje pela Educaccedilatildeo do
Campo Debater a importacircncia da realidade ou seja do trabalho e da vida praacutetica como
motor capaz de gerar conhecimentos e mais gerar um curriacuteculo eacute sem duacutevida uma bandeira
do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo que tem origem no pensamento de Paulo Freire
Nessa mesma caminhada explicitamos algumas consideraccedilotildees acerca da Pedagogia da
Alternacircncia e seus propoacutesitos junto a Educaccedilatildeo do Campo Dentro de uma concepccedilatildeo
metodoloacutegica situamos a Alternacircncia dentro de uma vertente multicultural como uma
alternativa curricular que se aproxima das concepccedilotildees progressistas que reclamam uma
organizaccedilatildeo oacutetica mais humana e respeitosa
Continuamos nosso debate discorrendo sobre Educaccedilatildeo do Campo e buscando onde
ela se afina com a Pedagogia Paulo Freire Observamos que em muitos momentos haacute um
entrelaccedilamento entre as duas concepccedilotildees como procuramos exemplificar no desenho criado
por noacutes Nessa pesquisa encontramos uma luta histoacuterica dos povos oprimidos pela busca dos
seus direitos e no mesmo sentido encontramos tambeacutem classes dominantes que ao longo da
histoacuteria perpetuaram seus privileacutegios mantendo uma cultura elitista que estratificando a
sociedade engessa os avanccedilos necessaacuterios
Na quarta parte do trabalho buscamos refletir sobre a inserccedilatildeo do Curso de Pedagogia
da Terra da UFRN no espaccedilo acadecircmico como algo de singular importacircncia Dissertamos
sobre os momentos perpassados pelo curso durante sua realizaccedilatildeo Como se deu o dia a dia
83
dentro da universidade as dificuldades os esforccedilos os preconceitos tudo isso foi canalizado
como forma de entender essa inserccedilatildeo como um ato de ―rebeldia e uma conquista do povo do
campo do Rio Grande do Norte
Eacute nesse sentido de luta e rebeldia que situamos a Pedagogia Paulo Freire dentro da
discussatildeo da Educaccedilatildeo do Campo e do Curso de Pedagogia da Terra A contribuiccedilatildeo de Freire
costura esse trabalho do iniacutecio ao fim Aponta diretrizes e caminhos para a tessitura dessa
dissertaccedilatildeo que eacute tanto teoacuterica quanto praacutetica eacute tanto a segunda quanto a primeira eacute diaacutelogo
eacute pois praacutexis educativa
Por fim buscamos analisar o curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra agrave luz da
contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire Concluiacutemos que haacute uma forte influecircncia da
concepccedilatildeo freireana na Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho
A Pedagogia Paulo Freire e a Educaccedilatildeo do Campo que satildeo atravessadas pela
concepccedilatildeo de educaccedilatildeo dialoacutegica e libertadora satildeo colocadas nesse trabalho como a busca
pelo diaacutelogo constante com o outro Uma educaccedilatildeo ―que se predispusesse a constantes
revisotildees A anaacutelise criacutetica de seus ―achados A uma certa rebeldia no sentido mais humano
da expressatildeo (FREIRE 1983 p 90)
Por fim esta pesquisa nos permitiu refletir sobre o pensamento de Paulo Freire na
contemporaneidade Percebemos o quatildeo atual ele continua e como nos permite compreender
de forma ampla e completa questotildees sociais que permeiam a sociedade A praacutexis educativa de
Paulo Freire assim como o Materialismo Histoacuterico-dialeacutetico continua dando conta de forma
satisfatoacuteria das anaacutelises e mudanccedilas que as questotildees de nossa eacutepoca ensejam
Por uacuteltimo reconhecemos a importacircncia dos cursos de educaccedilatildeo do campo como de
importacircncia singular pois muito mais que a possibilidade de melhoria econocircmica significa
tambeacutem um reparo social e uma conquista do ponto de vista soacutecio-histoacuterico Tivemos a
oportunidade de refletirmos sobre o Curso de Pedagogia da Terra e como a Pedagogia Paulo
Freire pode contribuir com essa formulaccedilatildeo Sabemos que hoje haacute em todo o Brasil diversos
cursos que gozam desse mesmo caraacuteter reconhecemos que satildeo fundamentais poreacutem
reconhecemos que existe uma tendecircncia em tornar essas experiecircncias em ―moda Por
entender que Educaccedilatildeo do Campo eacute um movimento histoacuterico da classe trabalhadora eacute que
84
defendemos que esse paradigma precisa ter em seu acircmago os princiacutepios revolucionaacuterios da
Pedagogia Paulo Freire
85
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92
ANEXOS
93
94
5
QUADRO DE ILUSTRACcedilOtildeES
Figura I Regiatildeo do SeridoacuteRN
8
Figura II Lagoa NovaRN
9
Figura III Entrelaccedilamento entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire
59
Figura IV Angicos nos dias de hoje (2014)
62
Figura V AngicosRN
64
Figura VI Experiecircncia de AngicosRN
65
Figura IIV Turma Florestan Fernandes ndash PedagogiaUFRN
85
LISTA DE SIGLAS
ANFOPE - Associaccedilatildeo Nacional pela Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo
COMPERVE ndash Comissatildeo Permanente de Vestibular
CONAE - Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo
CONSEPE ndash Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensatildeo
CNBB - Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil
CPT - Comissatildeo Pastoral da Terra
DCE - Diretoacuterio Central dos Estudantes
DCN ndash Diretrizes Curriculares Nacionais
ENERA - Encontro Nacional de Educadores e Educadoras na Reforma Agraacuteria
GEPPC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares
GEPPF - Grupo de Estudos e Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
INCRA - Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria
IPEA - Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada
MEPF - Ministeacuterio Extraordinaacuterio da Poliacutetica Fundiaacuteria
MSC ndash Movimentos Sociais do Campo
MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
PNE - Plano Nacional de Educaccedilatildeo
PROBAacuteSICA - Programa de Qualificaccedilatildeo Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica
PRONERA - Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria
PSDB - Partido da Social Democracia Brasileiro
PT - Partido dos Trabalhadores
SUDENE - Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste
SUPRA - Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria
TRAMSE - Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo
4
UFC ndash Universidade Federal do Cearaacute
UFG ndash Universidade Federal de Goiaacutes
UFMG ndash Universidade Federal de Minas Gerais
UFPB - Universidade Federal da Paraiacuteba
UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UNB - Universidade de Brasiacutelia
UNE - Uniatildeo Nacional dos Estudantes
UNESCO - Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo a Ciecircncia e a Cultura
UNICEF - Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia
SUMAacuteRIO
1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O
ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO 7
11 O LUGAR DE ONDE FALO 7
12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES 11
13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR 16
14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO COMO
SUPORTE PARA ESSE ESTUDO E A PRAacuteXIS FREIREANA 18
2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO PRA
PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER 24
21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO EDUCACIONAL 24
22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA 29
23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO 37
24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS
CONHECIMENTO 43
25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS DA
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO 47
3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO
51
31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA FREIREANA AO ATUAL DEBATE DA
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM 53
32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA
PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO
NORTE58
4
4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIEcircNCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO
CAMPO NA UFRN64
41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO CURSO
DE PEDAGOGIA DA TERRA DA
UFRN70
5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO81
6 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS85
7 ANEXOS 92
7
1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O
ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO
Eacute preciso por outro lado salientar a situaccedilatildeo incocircmoda em
que se encontram intelectuais do Terceiro Mundo que
contemporacircneos de seus colegas do Primeiro Mundo com
eles discutem a poacutes-modernidade ao mesmo tempo em que
convivem em seus paiacuteses com a espoliaccedilatildeo desenfreada de um
capitalismo dependente perverso e atrasado
(FREIRE 2012 p 68)
11 O LUGAR DE ONDE FALO
A vontade e a necessidade de transgredir eacute sem duacutevida um dos maiores motivos que
me leva a formular estes escritos A busca pela construccedilatildeo de um pensamento autecircntico ainda
que reconhecendo todos os riscos de o fazer eacute parte do que nos move Nesse sentido duas
questotildees fundamentais nos orientam quais sejam primeiro qual a contribuiccedilatildeo da
Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo Segundo eacute possiacutevel
evidenciar no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte ldquorecorte e retalhosrdquo da Pedagogia de Paulo Freire
Partindo desses pressupostos inquietadores e sabendo que a educaccedilatildeo deve ser tratada
com extrema seriedade nos debruccedilamos nesse artesanato intelectual (MILLS 2009) com o
objetivo de colaborar com o Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo sobretudo naquilo
que se refere agrave contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire a esse movimento Conseguindo
avanccedilar o pouco que seja nesse debate tatildeo salutar e tatildeo caro estaremos em boa medida
contemplados Nesse primeiro momento trago algumas experiecircncias que me foram tanto
singulares como significativas Por isso mesmo escrevo em primeira pessoa do singular
Nessas primeiras palavras busco a boniteza da expressatildeo de Paulo Freire (2012 p 25)
para iniciar a tessitura desta autobiografia ―de uma geraccedilatildeo que cresceu em quintais nasci
na cidade de Lagoa Nova Regiatildeo do Seridoacute no Estado do Rio Grande do Norte no mecircs de
outubro do ano de 1986
8
Figura I ndash Regiatildeo do SeridoacuteRN
Lagoa Nova eacute uma cidade com caracteriacutesticas tipicamente de interior onde as ―esferas
da existecircncia humana1 se inter-relacionam de forma mais segregada Com uma populaccedilatildeo de
13983 habitantes de acordo com o uacuteltimo censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatiacutesticas (IBGE 2010) essa populaccedilatildeo divide-se quase que simetricamente entre zona
rural e zona urbana Isso tanto tem influecircncia na identidade da Cidade como representa um
fenocircmeno social que por si jaacute merece uma reflexatildeo entretanto natildeo eacute nessa temaacutetica que
reside nosso foco
Figura II ndash Lagoa NovaRN
1 As esferas da existecircncia humana eacute um esquema pensado por Antocircnio Joaquim Severino (1994) em sua obra
―Filosofiardquo em que ele apresenta a Praacutetica Social a Praacutetica Simbolizadora e a Praacutetica Produtiva como uma
engrenagem que gira na frequumlecircncia diretamente proporcional a dinamicidade da sociedade ou grupo social
9
Com um clima extremamente agradaacutevel a cidade tem como base econocircmica a
Agricultura Familiar2 que por sua vez aquece um importante mercado interno sobretudo no
periacuteodo de novembro a marccedilo periacuteodo em que se evidencia a colheita do caju e da castanha
ou simplesmente ―safra do caju Aleacutem da agricultura e do comeacutercio o emprego puacuteblico
garante a complementaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da economia dessa cidade Embora haja outros
modos de complementaccedilatildeo agrave economia a agricultura desempenha papel iacutempar no que diz
respeito ao desenvolvimento da cidade O clima propiacutecio e a terra feacutertil satildeo propulsores de
uma agricultura baseada na pequena propriedade e na diversidade de culturas
Com o lema ―se plantando tudo daacute a regiatildeo serrana apresenta uma prova mais que
concreta de que o desenvolvimento de uma regiatildeo e o bem estar da populaccedilatildeo camponesa
passa diretamente por uma distribuiccedilatildeo de terras para os trabalhadores e trabalhadoras a
rotatividade de culturas e a preservaccedilatildeo do meio ambiente3 princiacutepios que claramente se
aproximam da economia solidaacuteria francamente enfatizada por Singer (2002) assim como
pelos movimentos sociais uma vez que esse caminho eacute uma alternativa para o atual modelo
predatoacuterio de produccedilatildeo agriacutecola tradicional
A possibilidade de cultivar vasta diversidade de sementes e frutos que o solo orgacircnico
rico em huacutemus permite eacute admiraacutevel feijatildeo fava milho encabeccedilam os cereais caju pinha
jaca maracujaacute manga fazem parte do grupo das frutas aleacutem da mandioca que eacute mateacuteria
prima na fabricaccedilatildeo da farinha e outros derivados Outra abrangecircncia de gecircneros alimentiacutecios
como as hortaliccedilas irrigadas e a pecuaacuteria complementam a economia de Lagoa Nova
Quanto agraves questotildees poliacuteticas essa cidade goza dos viacutecios e vicissitudes que a grande
maioria da populaccedilatildeo brasileira enfrenta Aqui natildeo tenho interesse em detalhar passa a passo
essa questatildeo pois isso seria uma tarefa demasiadamente enfadonha e desnecessaacuteria ao nosso
objetivo Ainda assim eacute salutar ressaltar a grande heranccedila oligaacuterquica que eacute flagrante quando
remeto aos nossos representantes poliacuteticos Pequenos grupos se revezam agrave frente da
2 De acordo com Neves (2012) no Dicionaacuterio da Educaccedilatildeo do Campo esse eacute um termo de muacuteltiplas
conotaccedilotildees aqui ficamos com a definiccedilatildeo de um forma de se fazer agricultura diferenciando-se da agricultura
patronal Ou seja uma forma mais poliacutetica e solidaacuteria de se trabalhar a terra
3 Nos uacuteltimos anos um fenocircmeno vem contrariando essa afirmativa a derrubada dos cajueiros tem ocasionado
preocupaccedilotildees quanto ao equiliacutebrio do ambiente
10
administraccedilatildeo puacuteblica como se aquela lhes fosse inerente Como se aquele fosse um direito
advindo do berccedilo Entretanto aos poucos grupos de pessoas ainda que de forma muito
incipiente comeccedilam a se organizar no sentido de propor uma alternativa que fuja agrave diacuteade
partidaacuteria dantesca a qual parece natildeo haver saiacuteda
Satildeo os sabores e dissabores de se gostar de um lugar esse lugar me compotildee eacute siacutentese
de muitas e complexas relaccedilotildees Quando penso na minha cidade resgato Paulo Freire (2012)
quando falava do Recife e sua relaccedilatildeo de saudade para com esta cidade quando estivera no
exiacutelio Faccedilo minhas tais palavras
Quando penso nela penso quanto ainda temos de caminhar lutando para
ultrapassar estruturas perversas de espoliaccedilatildeo Por isso quando longe dela
estive dela a minha saudade jamais se reduziu a um choro triste a uma
lamentaccedilatildeo desesperada Pensava nela e nela penso como um espaccedilo
histoacuterico contraditoacuterio que me exige como a qualquer outro ou outra
decisatildeo tomada de posiccedilatildeo ruptura opccedilatildeo (FREIRE 2012 p34)
Essa breve descriccedilatildeo acerca do meu lugar tem como propoacutesito trazer agrave pesquisa o
cenaacuterio que me foi familiar durante meus primeiros 20 anos (1986-2007) e como essa
vivecircncia implica na minha formaccedilatildeo enquanto pesquisador Como bem estudou Vygotsky ndash
durante sua curta poreacutem brilhante carreira como pesquisador dos processos de
desenvolvimento humano ndash o meio eacute um fator preponderante para a formaccedilatildeo do sujeito
Portanto eacute inegaacutevel que essa cidade eacute parte importante daquilo ―que me move algo que me
constituiu e ainda me constitui Muito do que hoje penso sou ou quero ser tem ligaccedilatildeo direta
com esse periacuteodo com as experiecircncias e vivecircncias que me foram comuns agravequela eacutepoca Isso
alude ao pensamento marxista ao qual nos filiamos em entender o sujeito como sendo ele o
resultado de muacuteltiplos e complexos processos histoacutericos e sociais
Paulo Freire ao trazer agrave tona a importacircncia do lugar das pessoas suas vivecircncias e
experiecircncias como parte integrante da formaccedilatildeo humana do sujeito assim como apontar para
o lugar como produtor de conhecimentos e conteuacutedos me eacute fulcro de compactuaccedilatildeo e
arcabouccedilo teoacuterico e metodoloacutegico Ao me referir ao termo lugar gostaria que o entendimento
fosse aquele trabalhado pelo movimento da Educaccedilatildeo do Campo na contemporaneidade ou
seja como postula (CALDART Et Al 2012) o lugar como sendo constituinte do sujeito e de
sua historicidade natildeo como lugar de moradia tatildeo somente
11
12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES
De uma famiacutelia composta por oito pessoas pai matildee trecircs filhos e trecircs filhas certa vez
li em uma dessas revistas que o filho mais novo chamado caccedilula tem mais probabilidade de
se destacar e vir a ser um grande sujeito socialmente falando e ainda trazia algumas provas de
grandes nomes sobretudo da ciecircncia que se tornaram pessoas conhecidas mundialmente pelas
suas faccedilanhas e descobertas Entretanto sigo outra linha de raciociacutenio coloco-me numa
posiccedilatildeo mais racional e frontalmente de encontro a uma visatildeo platocircnica determinista e
meritocraacutetica de sucesso ―A igualdade de oportunidadelsquo eacute ponto importante da ideologia
capitalista pois garantiria aos mais capazes aos mais esforccedilados aos que trabalham durolsquo o
acesso agraves melhores posiccedilotildees (ROSSI 1980 p 71) Ora no meu caso ser o mais novo me
eximiu de uma eacutepoca natildeo muito remota na qual a condiccedilatildeo social da populaccedilatildeo brasileira era
bastante precaacuteria e o Ensino Superior privileacutegio restrito agrave classe dominante
Depois do esgotamento da Ditadura Militar inicia o periacuteodo chamado Nova Repuacuteblica
ou Transiccedilatildeo democraacutetica poreacutem Saviani (2008) chamou ―transiccedilatildeo conservadorardquo pois o
periacuteodo resguardou a velha formaccedilatildeo social advinda da classe dominante do periacuteodo
ditatorial
A transiccedilatildeo que se operou no Brasil se iniciou com a ―distensatildeo lenta
gradual e segura formulada em 1974 no Governo Geisel e prosseguiu com
a ―abertura democraacutetica a partir de 1979 no Governo Figueiredo
desembocando na Nova Repuacuteblica em 1985 que guindou a posiccedilatildeo de
presidente da Repuacuteblica o ex-presidente do partido de sustentaccedilatildeo do regime
militar (SAVIANI 2008 p 414)
Assim o periacuteodo esperanccediloso que se desenhara com o fim da Ditadura acabou
mantendo grande parte de sua formaccedilatildeo anterior uma vez que continuou a relaccedilatildeo opressor e
oprimido e a interminaacutevel exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo dos trabalhadores ainda que numa
relaccedilatildeo mais decantada e disfarccedilada com outras formas de dominaccedilatildeo e violecircncia Esse
cenaacuterio explica em boa medida as grandes dificuldades econocircmicas perpassadas no cotidiano
da populaccedilatildeo brasileira no periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo
Voltando agraves minhas experiecircncias entendo que se durante minha infacircncia natildeo enfrentei
grandes dificuldades devo isso agrave batalha de um agricultor que ―trabalhava alugado ou ―de
meia e a uma ―dona de casa lavadeira que depois passa a funcionaacuteria puacuteblica ou seja meu
pai e minha matildee Se fui o primeiro da minha famiacutelia a adentrar os altos e quase impenetraacuteveis
12
muros da universidade puacuteblica brasileira natildeo eacute porque sou o melhor dos meus irmatildeos sou na
verdade parte de uma estatiacutestica que aponta para a sensibilidade de um governo cujo foco
principal foi a aacuterea social e a educaccedilatildeo Uma vez coadunada essas duas aacutereas eu fui um dos
muitos jovens negros advindo da classe trabalhadora que foi contemplado por uma
importante poliacutetica soacutecio-educacional do entatildeo Governo Luiacutes Inaacutecio Lula da Silva (2002-2006
e 2006-2010) que tem como uma de suas bases a abertura e expansatildeo das universidades
puacuteblicas
Obviamente que a forccedila de vontade e os esforccedilos pessoais foram reais mas nunca fui
partidaacuterio do discurso meritocraacutetico e do Estado democraacutetico de direito que prega a igualdade
de oportunidade para todos transferindo agraves pessoas o ocircnus pelo seu fracasso social como se a
ascensatildeo dependesse exclusivamente da vontade individual do sujeito O pensamento liberal
afirma que a escola eacute igual para todos e que portanto cada um chega onde suas capacidades e
seu trabalho pessoal lhes permite (SACRISTAacuteN GOacuteMEZ 1998)
Ainda com o objetivo de entender ―o que me move e ―o que me constitui gostaria de
voltar ao relato da minha infacircncia Ainda pequeno moramos no Siacutetio4 Humaitaacute proacuteximo agrave
zona urbana espaccedilo que foi tomado pelo raacutepido crescimento que a cidade adquiriu Na eacutepoca
em que moramos no Humaitaacute que remete aos idos de 1987 devido a fase de vida ainda muito
incipiente poucas satildeo as lembranccedilas desse periacuteodo salvo raras imagens esmaecidas pelos
anos que passaram Desse periacuteodo restou-me muito mais histoacuterias relatadas por meus pais e
irmatildeos mais velhos do que lembranccedilas propriamente minhas No entanto dois fatores fazem
com que essa estadia tenha curta duraccedilatildeo fazendo a famiacutelia retornar agrave cidade a saber os
terremotos5 que foram frequentes nesse periacuteodo e o medo de um bandido chamado Joatildeo
Barauna que oprimia a populaccedilatildeo local
4 O siacutetio eacute o lugar do trabalho por excelecircncia Mas ele eacute igualmente o resultado do trabalho pois eacute um espaccedilo
construiacutedo melhor dizendo um conjunto de espaccedilos articulados entre si que lhe permite organizar-se como um
sistema de insumos e produtos Esse espaccedilo eacute o resultado tambeacutem de um processo histoacuterico secular em que o
ambiente foi alterado com a gradativa eliminaccedilatildeo da cobertura vegetal original e de todo o ecossistema que lhe
era associado (WOORTMANN 1997 p 27)
5 No ano de 1986 grandes abalos siacutesmicos apavoraram moradores do Rio Grande do Norte o epicentro era Joatildeo
Cacircmara no entanto todo o Estado fora atingido com maior ou menor intensidade por falta de informaccedilotildees e
explicaccedilotildees muitas pessoas entraram em pacircnico e deixaram suas casas (Arquivo Tribuna do Norte)
13
Meu pai sempre repete que ―naquela eacutepoca tinha que votar e vir pra casa natildeo podia
ficar em turminhas na rua depois da votaccedilatildeo isso nos mostra que embora estiveacutessemos no
processo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes ainda havia a sombra dos ―anos de chumbo que por
mais de vinte anos garantiu a perpetuaccedilatildeo de um regime autoritaacuterio e ditatorial em nosso paiacutes
que causou feridas cujas cicatrizes ainda satildeo visiacuteveis
Em 1987 voltamos para a rua6 Minha matildee Francisca Maria (Dona Tecirc) dividia seu
tempo entre lavagens de roupa ―de ganho tarefas do lar aleacutem de assumir emprego de
funcionaacuteria puacuteblica do municiacutepio na funccedilatildeo de zeladora da igreja catoacutelica da cidade Meu pai
Luiz Gomes (Seu Lucas) trabalhava nas atividades da agricultura e desempenhava a arte da
caccedila como poucos Como natildeo detinha posses de terras ele ―alugava sua forccedila de trabalho em
sucessivas ―diaacuterias em terras alheias Quando natildeo era alugado ele trabalhava em terras de
outros natildeo por dinheiro mas numa relaccedilatildeo que em muito lembra as relaccedilotildees feudais do
periacuteodo Medieval na Europa ou seja a troca de trabalho por trabalho
Erik Wolf trabalha o termo ―aluguel como um processo no qual ―esse camponecircs
estava sujeito agrave relaccedilatildeo assimeacutetrica de poder o que lhe acarretava um ocircnus permanente em
sua produccedilatildeo (WOLF 1976 p 22) Assim em um modelo bastante parecido com o
desenhado por Wolf meu pai trabalhava a terra de um grande proprietaacuterio a troco de uma
porcentagem que girava em torno de 30 a 50 (terccedila e meia respectivamente) do que era
produzido isso acarreta uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo contiacutenua e demasiadamente nociva para o
trabalhador
Em meio a essa batalha que meus pais travavam diariamente para manter a famiacutelia
inicio minha trajetoacuteria escolar No meu percurso natildeo frequentei creches ou preacute-escolas
Ingressei na antiga 1ordf Seacuterie do Ensino Fundamental jaacute com algumas habilidades na leitura e na
escrita isso devido agrave dedicaccedilatildeo da minha irmatilde Ana de Faacutetima (Aninha) que sempre reservara
um tempo para ensinar aos irmatildeos mais novos Mesmo sendo reprovado na 2ordf Seacuterie do Ensino
Fundamental natildeo tive grandes dificuldades nas seacuteries seguintes Salvo uma ou outra aula de
reforccedilo que muito mais constrangia do que auxiliava no processo de aquisiccedilatildeo da liacutengua
escrita
6 Rua eacute termo francamente usado por populaccedilotildees do campo para designar cidade
14
Eacute importante refletirmos sobre o quatildeo marcante pode ser a escola na vida de uma
crianccedila Varela e Alvarez-Uria (1996) no texto ―a maquinaria escolar afirmam que embora
seja uma instituiccedilatildeo recente a escola deteacutem grande influecircncia sobre a sociedade Assim foi
comigo as marcas e as lembranccedilas do processo educacional escolar que ainda hoje satildeo
evidentes
Jaacute no Ensino Meacutedio o desempenho foi mais consciente comecei a desenvolver um
gosto muito grande pelas ciecircncias humanas e Histoacuteria Geografia e Portuguecircs eram as
disciplinas as quais eu dedicava grande parte do meu tempo Nesse momento estaacutevamos
morando no Siacutetio Figueira o ano eacute 2003 ano que passei a trabalhar tanto nas atividades da
roccedila com o meu pai ndash a condiccedilatildeo jaacute natildeo era mais de tamanha exploraccedilatildeo como outrora a
terra ainda era arrendada no entanto esse tratado agora se passava atraveacutes de laccedilos de
parentesco ndash como nas atividades da construccedilatildeo civil com meu irmatildeo mais velho Ary Gomes
Apesar da grande quantidade de pessoas que imigram do campo agrave cidade natildeo haacute nenhuma
profissatildeo segundo os estudos comparados nas quais maior porcentagem de filhos siga a
profissatildeo dos pais do que entre agricultores (MARTINS apud SOLARI 1986) Minha
caminhada mostra que fugi a regra entretanto hoje resguardo grande admiraccedilatildeo e respeito
agravequeles e aquelas que labutam e vivem nada terra
Mesmo em atividades bastante adversas sempre reservara um horaacuterio do dia agraves
atividades de leitura e redaccedilatildeo Em 2004 prestes a terminar o Ensino Meacutedio simplesmente
natildeo sabia o que significava fazer vestibular Hoje a situaccedilatildeo tem mudando mas isso era
recorrente nas classes mais pobres da populaccedilatildeo uma vez que a universidade natildeo eacute um desejo
almejado pela classe trabalhadora natildeo por desinteresse mas pela falta de informaccedilatildeo e
visualizaccedilatildeo dessa possibilidade que parece distante aos filhos das classes populares Pelo
contraacuterio se propaga o discurso que ao teacutermino do 3ordm ano do Ensino Meacutedio o sujeito
―terminou os estudos Aleacutem disso historicamente se praticou uma educaccedilatildeo cujo foco estaacute
diretamente relacionado agrave classe social a qual o sujeito pertence ou seja agraves classes
trabalhadoras uma educaccedilatildeo elementar uma vez que essa basta agravequeles que iratildeo desempenhar
funccedilotildees manuais ao passo que agraves classes ricas desenhou-se uma educaccedilatildeo para o Ensino
Superior Essa loacutegica eacute facilmente evidenciada no Governo de Fernando Henrique Cardoso
quando ―prioriza o Ensino Fundamental em detrimento do Meacutedio teacutecnico e superior
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Entre 2005 e o iniacutecio de 2007 trabalhei incessantemente na construccedilatildeo civil ainda
assim continuei a reservar pequenos horaacuterios para me dedicar agraves leituras Ao realizar o
vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte ndash UFRN natildeo tive dificuldade em
ingressar no Curso de Pedagogia daquela instituiccedilatildeo o que atribuo principalmente agrave praacutetica
dessas leituras O motivo da escolha do curso ateacute hoje me eacute uma incoacutegnita poreacutem uma
hipoacutetese consideraacutevel pode ter ligaccedilatildeo com a baixa concorrecircncia
No mesmo ano 2007 fui morar em Natal para dar iniacutecio ao Curso Morador de
Residecircncia Universitaacuteria me dediquei logo na chegada agraves atividade de militacircncia estudantil
em prol dos estudantes de origem popular que moradores do interior do Estado necessitavam
da Residecircncia em Natal Assim durante toda a minha estadia na Residecircncia Universitaacuteria me
dediquei agrave organizaccedilatildeo dos estudantes na busca por mais vagas nas Residecircncias e melhorias
estruturais naquelas existentes
Devido a essa atuaccedilatildeo concorri agrave gestatildeo do Diretoacuterio Central dos Estudantes (DCE)
da UFRN e logramos ecircxito Uma responsabilidade que resolvi encarar enquanto possibilidade
de fazer algo mais A experiecircncia indubitavelmente me foi rica durante um ano estive a frente
do DCE buscando mais uma vez organizar os estudantes coletivamente
Os cinco anos de graduaccedilatildeo passados na Residecircncia me foram de grande importacircncia
primeiramente do ponto de vista econocircmico jaacute que eu natildeo possuiacutea condiccedilotildees financeiras de
me manter fora dela Outro ponto importante foi a convivecircncia com a complexidade das
diversas aacutereas dos conhecimentos isso me garantiu uma formaccedilatildeo que em muito me ajudou
na vida apoacutes minha saiacuteda daquele recinto
Com a aproximaccedilatildeo do teacutermino da graduaccedilatildeo logo veio o desejo de continuar
galgando os degraus do conhecimento buscando aprofundar-me atraveacutes do Mestrado Tal
propoacutesito confirmou-se com a abertura do processo seletivo da Universidade Federal da
Paraiacuteba No mestrado da UFPB encontrei na figura da Professora Doutora Rita de Cassia
Cavalcanti Porto incentivo e orientaccedilatildeo pra continuar os estudos na aacuterea da Educaccedilatildeo do
Campo poreacutem enfatizando nessa reflexatildeo o pensamento e a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire
Ainda eacute de grande importacircncia destacar a atuaccedilatildeo no estaacutegio docente junto a turma de
Pedagogia da UFPB participaccedilatildeo no Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares
16
(GEPPC) desta mesma universidade e a vitoacuteria de vivenciar a criaccedilatildeo do Grupo de Estudos e
Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF)7
13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR
Imbuiacutedo de relativa consciecircncia poliacutetico-social no ano de 2008 me aproximei da
militacircncia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Rio Grande do
Norte
Segundo Miguel Carter (2010) o surgimento do MST pode ser dividido em diferentes
momentos para ele
O primeiro periacuteodo eacute a gestaccedilatildeo do MST (1979-1984) Esse periacuteodo que
precede a fundaccedilatildeo oficial do Movimento eacute fundamental para compreender
as bases de seu processo de formaccedilatildeo O segundo periacuteodo eacute o de
consolidaccedilatildeo (1985-1989) que se caracteriza pela ampliaccedilatildeo das accedilotildees do
movimento em escala nacional por meio de seu estabelecimento em todas as
regiotildees do paiacutes e a configuraccedilatildeo de sua estrutura organizativa O terceiro
periacuteodo eacute de institucionalizaccedilatildeo (1990 ateacute o presente) Nesse tempo o MST
se torna o principal interlocutor do governo federal a respeito da reforma
agraacuteria e eacute reconhecido internacionalmente (CARTER 2010 p 163)
Quando conheci o Movimento no RN fiquei muito animado Conhecer o Centro de
Capacitaccedilatildeo Patativa do Assareacute em Cearaacute - MirimRN e contribuir em algumas atividades
teve significativa importacircncia para minha formaccedilatildeo Entre 2010-2011 ingressei no Grupo de
Estudo Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo (TRAMSE)
Esse grupo coordenado pelo Professor Alessandro Augusto de Azevedo desenvolveu a
organizaccedilatildeo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte em parceria com o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (PRONERA
DECRETO Nordm 7352 de 2010) O curso se destina a formaccedilatildeo de assentados da Reforma
7 O Grupo de Estudos e Pesquisas Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) Coordenado pela Professora Drordf Rita de
Cassia Cavalcanti Porto procura identificar e analisar a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire na
perspectiva da reinvenccedilatildeo nas poliacuteticas e praacuteticas emancipadoras curriculares de formaccedilatildeo de professores nos
sistemas puacuteblicos de ensino bem como socializar com gestores pesquisadores e educadores o legado freireano
para a educaccedilatildeo
17
Agraacuteria Minha atuaccedilatildeo no grupo compreendia a monitoria da turma durante as aulas e
estudos teoacutericos nos intervalos do curso
O MST surge no Rio Grande do Norte em decorrecircncia do 5ordm Encontro Nacional do
Movimento realizado em 1989 que definiu a continuidade de sua expansatildeo pelo Brasil em
pressionar o governo pela realizaccedilatildeo da reforma agraacuteria A primeira ocupaccedilatildeo do MST no Rio
Grande do Norte ocorreu no Vale do Assu com 20 famiacutelias na Fazenda Bom Futuro que fica
localizada no Municiacutepio de JanduiacutesRN (RIBEIRO 2002) Desde aquela eacutepoca ateacute hoje
muita coisa aconteceu e muita coisa mudou O Movimento se tornou fundamental no
enfrentamento das grandes questotildees acerca da terra no Rio Grande do Norte
O interesse pela temaacutetica da Educaccedilatildeo do Campo tornou-se evidente devido a
aproximaccedilatildeo com o MST e com a monitoria do curso de Pedagogia da Terra No MST
percebi que muitos dos termos da educaccedilatildeo e das praacuteticas educativas eram ressignificadas
pelo Movimento e que este tinha forte influecircncia da Pedagogia Freireana o que
indubitavelmente tornou-se porta de entrada para aprofundar meus estudos e interesses sobre
a temaacutetica a Educaccedilatildeo do Campo
Investigar a relaccedilatildeo entre os sujeitos do campo e a universidade passou a ser meu
principal interesse e por conseguinte tema da minha monografia ―Veredas da Pedagogia da
Terra anaacutelise reflexiva de um percurso (SILVA FILHO 2011) Nesse trabalho procurei
refletir sobre o Curso de Pedagogia da Terra enquanto uma educaccedilatildeo voltada agraves populaccedilotildees
do campo e sua relaccedilatildeo com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Esses relatos de experiecircncias e autobiografia como entende Antocircnio Chizzotti (2006)
representam em boa medida um caminho trilhado as relaccedilotildees afetivas os desejos a histoacuteria
satildeo partes que nos atravessam e que nos constitui tambeacutem A academia costuma nos dissecar
tornar o pesquisador mais pesquisador do que gente quando a relaccedilatildeo eacute justamente o
contraacuterio Os sujeitos aparecem como a-histoacutericos natildeo tecircm famiacutelia natildeo tecircm amores natildeo tecircm
lugares Esses escritos iniciais tecircm justamente essa finalidade situar o pesquisador antes de
tudo como gente como sujeito que como escrevera Freire (2012) estaacute no mundo mas
tambeacutem com o mundo e com os outros
18
14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO A
PRAacuteXIS FREIREANA COMO SUPORTE PARA ESSE ESTUDO
Para garantirmos a consubstancialidade deste estudo a contextualizaccedilatildeo dos fatos
tanto no tempo histoacuterico como no espaccedilo foi ponto de constante atenccedilatildeo Natildeo queremos
jamais cair no equiacutevoco de excluir essas categorias da nossa pesquisa sobretudo preocupamo-
nos em natildeo perder o homem como inventor da histoacuteria como produto e produtor dessa
narrativa
Nesse mesmo sentido Ball (2011 p38) critica a pesquisa cujo sentido esteja
desvinculado dos fenocircmenos sociais e histoacutericos de que eacute resultado ―Haacute eacute claro aspectos
temporais adicionais nos processos poliacuteticos e nas anaacutelises desses processos mas na praacutetica
muitas pesquisas sobre poliacuteticas educacionais natildeo tem nenhum sentido de tempo O aspecto
negligenciado mais oacutebvio eacute um extravagante a-historicismo
Gatti (2007 p11) afirma que a pesquisa em educaccedilatildeo no Brasil vem se configurando
como um campo em consolidaccedilatildeo ―Nos uacuteltimos anos pode-se observar um aumento
significativo de pesquisas publicaccedilotildees grupos de pesquisa linhas de pesquisa em programas
de poacutes-graduaccedilatildeo e eventos especiacuteficos sobre poliacuteticas sociais e educacionais
No seacuteculo XIV Agriacutecola havia aconselhado aos seus contemporacircneos que
―Considerem suspeito tudo o que lhes havia sido ensinado ateacute entatildeo e o
mesmo aconselhava jaacute no seacuteculo XVI Bacon Descartes e Pascal ―O
primeiro afirmara que a verdade muda com o tempo o segundo que soacute a
evidecircncia poderia convencer algueacutem ao passo que o terceiro insistia em que
a experimentaccedilatildeo era o uacutenico criteacuterio seguro no campo cientiacutefico (PONCE
2010 p126 grifo do autor)
As pesquisas e suas configuraccedilotildees variaram muito ateacute os tempos de hoje alguns
pesquisadores se filiam agraves novas tendecircncias outros permanecem crentes da consistecircncia da
corrente teoacuterica a qual satildeo simpaacuteticos e acreditam que essa linha de pensamento ainda daacute
conta de forma satisfatoacuteria do entendimento e da criacutetica necessaacuteria agraves questotildees que a realidade
enseja
19
Desse modo continuamos nos filiando agrave corrente histoacuterico-criacutetico de analisar a
realidade com base no materialismo histoacuterico-dialeacutetico e na praacutexis educativa de Paulo Freire
uma vez que nessa perspectiva ―o estudo ontoloacutegico do ser social natildeo prescinde o estudo da
gecircnese histoacuterica da especificidade da sociedade (SAVIANI DUARTE 2012 p 37) ―A
pesquisa natildeo eacute de modo algum na praacutetica uma reproduccedilatildeo fria das regras que vemos em
alguns manuais O proacuteprio comportamento do pesquisador em seu trabalho eacute-lhe peculiar e
caracteriacutestico (GATTI 2007 p 11) Isso se deve indubitavelmente a um complexo de
muacuteltiplos condicionamentos que constituem o pesquisador enquanto ser histoacuterico Enquanto
gente
Este conhecimento como objeto de dado alheio a qualquer traccedilo de
subjetividade elimina qualquer perspectiva de colocar a busca cientiacutefica ao
serviccedilo das necessidades humanas para resolver problemas praacuteticos O
investigador estuda os fatos pela proacutepria ciecircncia pelo propoacutesito superior da
alma humana de saber Natildeo estaacute interessando em conhecer as consequumlecircncias
de seus achados Este propoacutesito de espiacuterito positivo engendrou uma
dimensatildeo que foi defendida com muito entusiasmo e ainda hoje em alguns
meios se levanta como bandeira verdadeira a da neutralidade da ciecircncia
(TRIVINtildeOS 1987 p 37)
Para noacutes a busca pelo conhecimento eacute ponto nevraacutelgico para contribuir com o atual
debate da Educaccedilatildeo do Campo e com a Pedagogia Paulo Freire Nessa perspectiva estudar
esse fenocircmeno sem fim nem finalidade seria ignomiacutenia da nossa parte
Pensando numa perspectiva teoacuterica que atenda aos interesses almejados e tendo em
vista a realidade social e concreta na qual estamos imersos assim como as disputas inerentes
ao tecircnue e conflitante tecido social temos como metodologia o materialismo histoacuterico
dialeacutetico e a praacutexis educativa de Paulo Freire pois esta perspectiva vincula de forma
satisfatoacuteria as questotildees abordadas nesse estudo agrave dinacircmica da realidade material dos sujeitos
envolvidos e reflete a construccedilatildeo histoacuterica dos fenocircmenos com destaque para as
transformaccedilotildees sociais que esta construccedilatildeo enseja
A compreensatildeo da praacutexis educativa em Paulo Freire se encontra diluiacuteda em toda a sua
pedagogia como essa pedagogia eacute bastante ampla abordaremos os principais elementos que
se encontram ligados ao materialismo histoacuterico dialeacutetico procurando dialogar as interfaces
dessas teorias e como elas contribuem para o entendimento da realidade Na praacutexis educativa
de Freire assim como no materialismo histoacuterico dialeacutetico a mera especulaccedilatildeo filosoacutefica natildeo
20
garante subsiacutedio natildeo basta apenas interpretar o mundo eacute preciso tratar de transformaacute-lo
(FREIRE 1983)
A histoacuteria da dialeacutetica eacute demasiadamente longa por isso natildeo pretendemos aprofundar
essa temaacutetica esclarecemos apenas que nesse trabalho adotamos aquela cujo vieacutes eacute marxista
em que pese haver uma vasta gama de outras possiacuteveis compreensotildees da dialeacutetica A
concepccedilatildeo marxista encontra suporte no materialismo e na histoacuteria para a explicaccedilatildeo dos
fenocircmenos
Na produccedilatildeo social da sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees
determinadas necessaacuterias independente da sua vontade relaccedilotildees de
produccedilatildeo que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das
forccedilas produtivas materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui
a estrutura econocircmica da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva
uma superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas
formas de consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida material
condiciona o desenvolvimento da vida social poliacutetica e intelectual em geral
Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o seu ser eacute o seu ser social
que inversamente determina a sua consciecircncia (MARX 1973 p 28-28)
Esforccedilamo-nos em compreender como a histoacuteria da Educaccedilatildeo do Campo bebe da
Pedagogia Paulo Freire onde se intercalam e como dialeticamente se aproximam Cheptulin
(1982) aponta para dialeacutetica como sendo formas gerais de estudar o ser os aspectos e os laccedilos
gerais da realidade as leis do reflexo desta uacuteltima na consciecircncia dos homens pensamento
fortemente presente na pedagogia freireana em que o ponto de partida da histoacuteria e da
realidade satildeo os sujeitos reais (FREIRE 2011)
Gadotti (1983) nos ajuda a situar a dialeacutetica materialista dentro de uma concepccedilatildeo
metodoloacutegica
Natildeo se trata de pensar toda a histoacuteria da educaccedilatildeo pois o que teriacuteamos seria
o ponto de vista da dialeacutetica ou melhor uma leitura dialeacutetica do que foi a
educaccedilatildeo ateacute hoje Eacute o que jaacute fez por exemplo o grande filoacutesofo e
historiador argentino Anibal Ponce mostrando como a educaccedilatildeo enquanto
fenocircmeno social ligado a superestrutura soacute pode ser compreendida atraveacutes
da anaacutelise soacutecio-econocircmica da sociedade que a matem [] O meacuterito de
Anibal Ponce estaacute justamente em colocar em evidecircncia o princiacutepio da
dialeacutetica da relaccedilatildeo entre a consciecircncia e a estrutura econocircmica mostrando
como a luta pelo direito a educaccedilatildeo e agrave cultura acompanhou a luta pelos
demais direitos enfim a educaccedilatildeo natildeo estaacute separada da luta de classe
(GADOTTI 1983 p 39-40)
21
O Materialismo histoacuterico-dialeacutetico eacute a ciecircncia filosoacutefica do marxismo que estuda as
leis socioloacutegicas que caracterizam a vida da sociedade de sua evoluccedilatildeo histoacuterica e da praacutetica
social dos homens no desenvolvimento da humanidade O Materialismo histoacuterico significou
uma mudanccedila fundamental na interpretaccedilatildeo dos fenocircmenos sociais que ateacute o nascimento do
marxismo se apoiava na concepccedilatildeo idealista de sociedade humana (TRIVINtildeOS 1987)
Quando eacute adotada a perspectiva materialista histoacuterico-dialeacutetica o
desenvolvimento da humanidade eacute analisado como um processo histoacuterico
contraditoacuterio heterogecircneo que se realiza por meio das concretas relaccedilotildees
sociais de dominaccedilatildeo que tem caracterizado a histoacuteria da humanidade ateacute
aqui (SAVIANI DUARTE 2012 p 39)
Karel Kosik autor da ―Dialeacutetica do concreto publicado em 1963 um dos mais
eminentes expoentes do marxismo trabalha a realidade em sua totalidade natildeo se limita as
anaacutelises das partes mas procura estabelecer o caraacuteter dialeacutetico entre as partes e o todo Ele
analisa a ―realidade como um todo estruturado dialeacutetico no qual ou do qual um fator
qualquer (classes de fatos conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido
(KOSIK 2010 p 44) o que configura uma compreensatildeo bastante satisfatoacuteria para nossa
anaacutelise cujo objetivo eacute entender como as diferentes partes de uma realidade formam o
fenocircmeno abordado
Na pedagogia freireana cujo assento eacute a praacutexis educativa a compreensatildeo da realidade
eacute ponto chave para a tomada de conscientizaccedilatildeo dos sujeitos Para Freire (1987) a realidade eacute
construiacuteda historicamente sendo passiva de mudanccedila nega-se assim o determinismo de uma
realidade estaacutetica pronta imutaacutevel Para ele a superaccedilatildeo do estado de opressatildeo eacute uma tarefa
ontoloacutegica do homem
Esta superaccedilatildeo natildeo pode dar-se poreacutem em termos puramente idealistas Se
faz indispensaacutevel aos oprimidos para a luta por sua libertaccedilatildeo que a
realidade concreta de opressatildeo jaacute natildeo seja para eles uma espeacutecie de ―mundo
fechado (em que se gera o seu medo da liberdade) do qual natildeo pudessem
sair mas uma situaccedilatildeo que apenas os limita e que eles podem transformar eacute
fundamental entatildeo que ao reconhecerem o limite que a realidade opressora
lhes impotildee tenham neste reconhecimento o motor de sua accedilatildeo libertadora
(FREIRE 1987 p 19)
Nesse sentido nos aproximamos de um materialismo praacutetico cujo princiacutepio natildeo se
pretende a captar a realidade sob forma de objeto ou como mera contemplaccedilatildeo Isso rompe
com a oposiccedilatildeo estanque sujeitoobjeto e concebe alternativamente a atividade humana como
22
uma atividade objetiva e transformadora ao mesmo tempo Desse modo o homem eacute
simultaneamente fruto das circunstacircncias histoacutericas e agente de mudanccedila das mesmas
Na contribuiccedilatildeo deste estudo optamos por uma investigaccedilatildeo no campo da pesquisa
qualitativa realizando um levantamento bibliograacutefico e uma anaacutelise documental Segundo Gil
(2002 p46)
O desenvolvimento da pesquisa documental segue os mesmos passos da
pesquisa bibliograacutefica Apenas cabe considerar que enquanto na pesquisa
bibliograacutefica as fontes satildeo constituiacutedas sobretudo por material impresso
localizados nas bibliotecas na pesquisa documental as fontes satildeo muito
mais diversificadas e dispersas
A par disso realizamos uma busca em documentos da Universidade do Curso de
Pedagogia e tambeacutem da Comissatildeo Permanente de Vestibular (COMPERVE) e nos ocupamos
em analisar os documentos norteadores do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte uma vez que este constitui nosso recorte analiacutetico
Devido agrave dificuldade de realizarmos uma pesquisa com todos os estudantes do Curso
espalhados por todo o Estado do Rio Grande do Norte concordamos com Gil (2002 p46)
quando afirma que ―Outra vantagem da pesquisa documental eacute natildeo exigir contato com os
sujeitos da pesquisa Eacute sabido que em muitos casos o contato com os sujeitos eacute difiacutecil ou ateacute
mesmo impossiacutevel Em outros a informaccedilatildeo proporcionada pelos sujeitos eacute prejudicada pelas
circunstacircncias que envolvem o contato
Para dialogar com essa perspectiva metodoloacutegica trabalhamos com autores cujo
assento eacute tanto a resistecircncia como na transformaccedilatildeo do status quo social como a
organizaccedilatildeo coletiva na busca por direitos historicamente negados Nesse sentido Aroyo
(2011 2009) Caldart (2012 2010) Freire (1983 1991 2011 2012) Gadotti (1983 1996
2000) Ribeiro (2010) Saviani (2008) Apple (2012) Giroux (1986) entre outros Aleacutem disso
a anaacutelise dos marcos legais que norteiam a Educaccedilatildeo do Campo tambeacutem foi de grande
importacircncia para a formulaccedilatildeo da nossa base de sustentaccedilatildeo
Por fim entendemos que na pesquisa social haacute uma relaccedilatildeo definitiva entre o
pesquisador e o seu campo de estudo ―A visatildeo do mundo de ambos estaacute implicada em todo
23
processo de conhecimento desde a concepccedilatildeo do sujeito aos resultados do trabalho e agrave sua
aplicaccedilatildeo (DESLANDES et al 1994 p 14) Seguindo essa linha percebemos o quatildeo
proacuteximos estamos de todas essas questotildees trabalhadas e na verdade que nossas escolhas
nosso objetivo nossa metodologia natildeo eacute nem poderia ser obra do acaso eacute na verdade fruto
da nossa formaccedilatildeo social enquanto o sujeito mas sobretudo enquanto gente
24
2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO
PRA PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER
Natildeo quero dizer poreacutem que porque esperanccediloso
atribuo a minha esperanccedila o poder de transformar a
realidade e assim convencido parto para o embate sem
levar em consideraccedilatildeo os dados concretos materiais
afirmando que minha esperanccedila basta Minha esperanccedila
eacute necessaacuteria mas natildeo eacute suficiente Ela soacute natildeo ganha a
luta mas sem ela a luta fraqueja e titubeia Precisamos
da esperanccedila criacutetica como o peixe necessita da aacutegua
despoluiacuteda
Paulo Freire Pedagogia da Esperanccedila 1992
21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO
EDUCACIONAL
A Reforma do Estado e a reestruturaccedilatildeo produtiva das deacutecadas de 1980 e 1990 assim
como a consolidaccedilatildeo das poliacuteticas neoliberais no campo econocircmico e social representam um
divisor quando nos referimos agrave atuaccedilatildeo do Estado frente agrave garantia de poliacuteticas (SADER
GENTILI 1995) Essas transformaccedilotildees tecircm significativa influecircncia no campo educacional e
eacute disso que trataremos agora
Luiz Fernandes Dourado em palestra no X Encontro Estadual da ANFOPE-PB e IX
Encontro Regional - NE ANFOPE realizado em Campina Grande ndash PB em 2012 afirma que
natildeo se pode compreender as poliacuteticas educacionais se natildeo fizer isso de maneira
contextualizada quais sejam as condiccedilotildees objetivas em que elas satildeo produzidas Obviamente
a economia tem papel de destaque na determinaccedilatildeo dessas condiccedilotildees Silva (2011) tratando a
questatildeo agrave luz do pensamento de Michael Apple afirma que as caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo
da economia na sociedade capitalista afeta tudo aquilo que ocorre em outras esferas sociais
como a educaccedilatildeo e a cultura por exemplo
Para tanto antes de adentrarmos a reforma do estado e suas implicaccedilotildees na educaccedilatildeo eacute
salutar voltarmos ao entendimento do principal pilar de sustentaccedilatildeo dessa reforma o
25
neoliberalismo Sader e Gentili (1995) e Neves (2005) afirmam que o neoliberalismo nasceu
logo depois da II Guerra Mundial na regiatildeo da Europa e da Ameacuterica do Norte onde imperava
o capitalismo Foi uma reaccedilatildeo teoacuterica e poliacutetica veemente contra o Estado intervencionista de
bem-estar O pensamento neoliberal foi difundido inicialmente no Reino Unido no trabalho
do economista austriacuteaco Frederich Hayek (BALL 2011 SADER GENTILI 1995)
O surgimento do neoliberalismo apoacutes a Segunda Guerra e sua posterior
consolidaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1980 trazem consigo um formidaacutevel
ataque contra o igualitarismo e a solidariedade coletivistalsquo em quaisquer de
suas formas desde a aparentemente mais benigna o Ministeacuterio do Bem-
estarlsquo das sociais-democracias europeacuteias ateacute a mais virulenta (a juiacutezo dos
ideoacutelogos neoliberais) corporificada no modelo sovieacuteticolsquo vigente na Uniatildeo
Sovieacutetica e nos paiacuteses do Leste Europeu Ambas as variantes nas palavras
de Hayek se movimentavam em prol de um mesmo objetivo a construccedilatildeo
de uma sociedade de iguais Eram por isso mesmo rotas alternativas que
desembocavam em um mesmo desastre civilizatoacuterio a servidatildeo moderna
(BORON 2000 p55)
Ainda para Sader e Gentili (na mesma obra) a chegada da grande crise do modelo
econocircmico do poacutes-guerra em 1973 quando todo o mundo capitalista avanccedilado caiu numa
longa e profunda recessatildeo combinando pela primeira vez baixas taxas de crescimento com
altas taxas de inflaccedilatildeo mudou tudo ―A rigidez do fordismo tornou-se um obstaacuteculo para o
crescimento do capitalismo A crise da deacutecada de 1970 foi a expressatildeo do esgotamento de um
modelo baseado na produccedilatildeo em massa de um lado e no chamado Estado de Bem-Estar
social de outro (DEL PINO 2011 p 67) A partir daiacute as ideias neoliberais passaram a
ganhar terreno
Expoente fundamental na difusatildeo do neoliberalismo Margaret Thatcher8 encontra-se
natildeo tanto na negativa da existecircncia de sociedade mas em sua radical e desoladora
reimaginaccedilatildeo da sociedade civil Ela se apoia em um renascimento do individualismo
competitivo e em um novo tipo de cidadatildeo-consumidor (BALL 2011)
As reformas econocircmicas de ―Ajuste estrutural implementadas na Ameacuterica Latina
estatildeo baseadas no que ficou conhecido como ―Consenso de Washington (NASCIMENTO
QUAIOTTI et al1997) Satildeo medidas que visam agrave abertura de economias nacionais
8 13 de outubro de 1925 mdash 8 de abril de 2013
26
desregulaccedilatildeo dos mercados cortes nos gastos sociais flexibilizaccedilatildeo dos direitos trabalhistas
privatizaccedilatildeo das empresas puacuteblicas e o controle do deacuteficit fiscal No Brasil apoacutes a
constituiccedilatildeo de 1988 vaacuterias emendas constitucionais vecircm sendo aprovadas com o objetivo de
desregulamentar a relaccedilatildeo capitaltrabalho (DEL PINO 2011)
Ball (2011p 23) explica que ―durante os uacuteltimos quinze anos temos testemunhado no
Reino Unido e tambeacutem na maioria das outras sociedades do mundo ocidental e das
sociedades desenvolvidas uma profunda transformaccedilatildeo nos princiacutepios de organizaccedilatildeo da
provisatildeo social especialmente no setor puacuteblico Del Pino (2011) citando Boroacuten e
Hobsbawm afirma que essas transformaccedilotildees tambeacutem chegaram a paiacuteses do hemisfeacuterio norte
e sul em especial na Ameacuterica Latina Afirma ainda que o seacuteculo XX que iniciou como o
seacuteculo das massas se despede ―como seacuteculo do desemprego em massa (DEL PINO 2011
p65)
Essa breve cronologia tem como objetivo mostrar de onde vem a discussatildeo A reforma
tem iniacutecio na deacutecada de 80 mas como vimos tem sua gecircnese bem antes ―Na verdade haacute uma
tendecircncia notaacutevel a um ―poacutes-1988 (BALL 2011 p 38) Isso significa que muitos
pesquisadores utilizam a reforma de 1988 como ponto zero excluindo em boa medida o que
a antecedeu
Essa introduccedilatildeo tambeacutem tem como objetivo mostrar as implicaccedilotildees da reestruturaccedilatildeo
produtiva no campo educacional Quais as consequecircncias da reforma pra noacutes pesquisadores
estudantes professores e trabalhadores na educaccedilatildeo em geral De iniacutecio vale salientar que a
reestruturaccedilatildeo tem como uma de suas finalidades a adequaccedilatildeo dos modelos produtivos ao
novo modelo econocircmico insurgente chamado por Ball (2011) ―poacutes-fordismo que
―caracteriza-se pelo aparecimento de setores produtivos inteiramente novos Isso jaacute nos
remete agrave implicaccedilatildeo de que a educaccedilatildeo passa a ser vislumbrada como um campo feacutertil e rico
em potencial a ser explorado pelo mercado capitalista em sua faceta neoliberal
Essas mudanccedilas natildeo se restringem ao campo produtivo mas de forma muito concisa
ao campo da individualidade dos sujeitos das subjetividades ―De este modo no soacutelo nos
encontramos en un momento de imposicioacuten de un determinado modelo de produccioacuten y
distribucioacuten de la riqueza sino ademaacutes en un proceso de resocializacioacuten de reorganizacioacuten
de los sentidos con los cuales conviviacuteamos (ALMANACID ARROYO 2011 p 264) Essa
27
posiccedilatildeo eacute ratificada por Ball (2011 p 32) quando afirma que ―outro aspecto da reestruturaccedilatildeo
eacute a formaccedilatildeo de novas subjetividades profissionaislsquo Natildeo simplesmente o que fazemos
mudou quem noacutes somos as possibilidades de quem deveriacuteamos nos tornar tambeacutem
mudaram
Nesse momento assistimos a educaccedilatildeo brasileira experimentar as consequecircncias
danosas dessa nova dinacircmica advinda do capitalismo em uma fase neoliberal como por
exemplo a ecircnfase na supervalorizaccedilatildeo de iacutendices de qualidade e eficiecircncia Essa construccedilatildeo
teve como assento o pensamento hegemocircnico de que esse seria natildeo somente o melhor
caminho mas tambeacutem o uacutenico para fugir da falecircncia estatal
Sob a ideologia da globalizaccedilatildeo os governos dos paiacuteses dependentes entre
eles o Brasil acenam com a necessidade de integraccedilatildeo agrave economia mundial
dentro dos padrotildees propostos por esta integraccedilatildeo como uacutenico meio de afastar
a degradaccedilatildeo social e o aprofundamento da condiccedilatildeo de pobreza destes paiacuteses
Todavia essa hipoacutetese eacute falsa A integraccedilatildeo atraveacutes do atual padratildeo de
desenvolvimento eacute impossiacutevel (DEL PINO 2011 p66)
A ideologia neoliberal ganha ecircnfase sobretudo com a derrocada dos governos
socialista principalmente com o fim da Uniatildeo Sovieacutetica e do comunismo na Europa Oriental
(SADER GENTILI 1995) Na contramatildeo desse processo emerge uma criacutetica tanta ao novo
modelo de sociedade como ao paradigma vigente de educaccedilatildeo
Com o esgotamento da Ditadura Civil Militar os movimentos sociais emergem e
desempenham papel fundamental na busca de uma pedagogia alternativa e de um modelo de
sociedade no qual o fatalismo ou o discurso poacutes-moderno de ―[] obstaacuteculos insuperaacuteveis
(FREIRE 2012 p 48) natildeo predomine A pedagogia histoacuterico-criacutetica e contra-hegemocircnica
fruto tanto de uma opccedilatildeo ideoloacutegica de sociedade como do periacuteodo de reabertura poliacutetica de
meados da deacutecada de 1980 desempenha papel central nesse momento histoacuterico
Eacute importante destacarmos a colocaccedilatildeo da expressatildeo ―contra-hegemocircnica pois ela
costura este texto por vaacuterios momentos Ainda que Gramsci natildeo tenha trabalhado o conceito
de contra-hegemonia sendo esse uma formulaccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho9 estamos
9 Carlos Nelson Coutinho eacute um dos maiores tradutores da obra de Gramsci no Brasil
28
amparados no inverso desse termo ou seja a hegemonia termo exaustivamente pensado por
Gramsci
A hegemonia seria a capacidade de um grupo social unificar em torno de seu projeto
poliacutetico um bloco mais amplo natildeo homogecircneo marcado por contradiccedilotildees de classe Desse
modo hegemonia eacute algo que se conquista por meio da direccedilatildeo poliacutetica e do consenso e natildeo
mediante a coerccedilatildeo Pressupotildee aleacutem da accedilatildeo poliacutetica a constituiccedilatildeo de uma determinada
moral de uma concepccedilatildeo de mundo numa accedilatildeo que envolve questotildees de ordem cultural na
intenccedilatildeo de que seja instaurado um ―acordo coletivo (GRAMSCI 1991) Para Coutinho
(1999) eacute a busca de uma classe particular para impor seus interesses comuns como interesse
geral da sociedade Nesse sentido a colocaccedilatildeo da expressatildeo contra-hegemonia estaacute
intrinsecamente ligada ao conceito de resistecircncia de luta
Dourado (2012) afirma que se a tradiccedilatildeo do estado brasileiro eacute ainda marcada por um
estado patrimonial em que pese ser este paiacutes a sexta economia do mundo para Fernandes
(1995) eacute um estado ―desigual e combinado Noacutes temos desde o maior avanccedilo tecnoloacutegico a
condiccedilotildees de miserabilidade eacute nesse tensionamento eacute nesse caldeiratildeo cultural social poliacutetico
e racial que vatildeo se traduzindo o horizonte das poliacuteticas puacuteblicas
Dourado (2011) nos mostra que a histoacuteria da educaccedilatildeo brasileira eacute marcada por
disputas entre diferentes projetos de educaccedilatildeo e sociedade O atual debate acerca do Plano
Nacional de Educaccedilatildeo (PNE) apesar de parecer recente data da deacutecada de 1930 quando os
Pioneiros elaboraram o primeiro esboccedilo de Plano arquivado logo em seguida pelo Estado
Novo e totalmente negligenciado pelo Regime Militar
Ainda conforme Dourado (2011 p 23) ―A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 resultante de
amplo processo constituinte avanccedila consideravelmente no campo dos direitos sociais A
Constituiccedilatildeo determina que o Senado crie planos e programas nacionais O primeiro PNE (Lei
nordm 10172 de 09 de janeiro de 2001) foi aprovado no governo Itamar Franco e teria duraccedilatildeo
no Governo Fernando Henrique Cardoso no entanto o Governo do PSDB natildeo considerou o
plano como referencial para suas accedilotildees
Em 2010 com o prazo de vigecircncia do PNE prestes a expirar a sociedade civil
organizada pelo Foacuterum Nacional de Educaccedilatildeo (FNE) realiza a I Conferecircncia Nacional de
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Educaccedilatildeo (2010) com o objetivo de intervir propositivamente no novo Plano a ser lanccedilado
pelo Congresso Nacional em 2011 O novo Plano Nacional de Educaccedilatildeo (PL 8035) se
configura dentro de um complexo campo de disputas de forccedilas Nesse sentido a sociedade
civil estaacute mais uma vez realizando conferecircncias de educaccedilatildeo municipais intermunicipais
distrital e estadual que culminaratildeo na Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo de 2014 cuja
finalidade eacute garantir a aprovaccedilatildeo de um plano articulado nacionalmente democraacutetico e
popular (CONAE 2014)
Nesse contexto de efervescecircncia eacute de fundamental importacircncia a atuaccedilatildeo dos
movimentos de resistecircncia do campo na luta por educaccedilatildeo Esse movimento contra
hegemocircnico eacute importante para fazer frente agraves poliacuteticas neoliberais que avanccedilam na
contemporaneidade Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo passa a ser vista enquanto
propositiva de uma educaccedilatildeo que escapa tanto agrave pedagogia da hegemonia como ao modelo
rural de educaccedilatildeo que vem sendo destinado aos sujeitos do campo ao longo da histoacuteria
(ARROYO 2009) Mesmo com todas as contradiccedilotildees e ressalvas que satildeo necessaacuterias
estamos pois vendo emergir um contraponto fundamental uma pedagogia politizada
assentada em princiacutepios criacuteticos que tem como foco o sujeito
Feita essa breve retrospectiva histoacuterica iniciamos nesse momento o debate sobre a
Educaccedilatildeo Rural e como a superaccedilatildeo desse paradigma eacute essencial para alcanccedilar a Educaccedilatildeo do
Campo cujos princiacutepios tecircm forte afinidade com a Pedagogia Paulo Freire e questotildees que
reclamam mudanccedilas estruturais no seio da sociedade brasileira
22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA
Apesar de evidenciarmos avanccedilos importantes no campo educacional o analfabetismo
ainda eacute um empecilho para a construccedilatildeo de uma sociedade mais autocircnoma tanto do ponto de
vista do desenvolvimento econocircmico do paiacutes como da emancipaccedilatildeo humana dos seus
cidadatildeos Ainda haacute uma barreira demasiadamente alta que impede os sujeitos de construiacuterem
melhores condiccedilotildees sociais de vida Esse problema se intensifica quando tomamos como foco
de investigaccedilatildeo a zona rural brasileira Segundo dados do uacuteltimo estudo do Instituto de
Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA 2009) os iacutendices referentes ao analfabetismo das
populaccedilotildees do campo por exemplo satildeo sempre superiores quando comparados com as
populaccedilotildees residentes na zona urbana
30
Ainda segundo o estudo no meio rural haacute uma grande desigualdade de renda entre os
ricos e pobres uma vez que os primeiros satildeo os ―donos das terras e os segundos satildeo sempre
aqueles que trabalham nela Sabe-se que em sociedade como a nossa a posse da terra eacute
condiccedilatildeo primaacuteria para ascensatildeo social poliacutetica e econocircmica de um povo
Nas sociedades predominantemente agriacutecolas a propriedade da terra eacute a
principal fonte de poder econocircmico poliacutetico e social Como uma regra
simples podemos afirmar que quanto maior for a quantidade de terra
possuiacuteda maior seraacute o poder de seu proprietaacuterio (FEDER apud SHALIN
1976 p 73 traduccedilatildeo nossa)
A citaccedilatildeo acima nos ajuda a entender por um lado a posiccedilatildeo social privilegiada que as
classes detentoras de terras ocupam ateacute os dias de hoje A concentraccedilatildeo da terra tem causado
ao longo da histoacuteria grandes prejuiacutezos agraves populaccedilotildees do campo a falta de escolas e o
consequente analfabetismo eacute uma marca desse fenocircmeno de privaccedilatildeo Nesse momento eacute
necessaacuterio resgatar a urgecircncia de uma Reforma Agraacuteria popular no Brasil como forma de
atenuar esse grande deacuteficit histoacuterico Freire (2012 p 65) mostra que a natildeo realizaccedilatildeo de uma
reforma agraacuteria seacuteria eacute mais uma forma de manutenccedilatildeo de privileacutegios da classe dominante
[] Ao mesmo tempo contudo arquivam a realizaccedilatildeo de reforma agraacuteria
sem a qual se estrangula qualquer transformaccedilatildeo seacuteria nesse paiacutes Nenhuma
sociedade capitalista moderna deixou de fazer sua reforma agraacuteria
absolutamente indispensaacutevel agrave criaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de um mercado
interno Eacute por isso que jaacute natildeo falam em Reforma Agraacuteria e natildeo porque seja o
seu processo uma velharia e sua realizaccedilatildeo um desrespeito agrave propriedade
privada como afirmam os donos do mundo e das gentes ( FREIRE 2012 p
65)
O monopoacutelio da terra causou feridas profundas cujas cicatrizes ainda estatildeo abertas no
seio da sociedade brasileira e que portanto ainda satildeo condicionantes que a sociedade precisa
enfrentar para alcanccedilar a melhoria de vida das classes trabalhadoras da cidade e do campo
Tomando o analfabetismo como exemplo ―Para a categoria localizaccedilatildeo observa-se
que na populaccedilatildeo rural a taxa de analfabetismo eacute de quase 228 Jaacute para a populaccedilatildeo
urbanametropolitana esse iacutendice eacute de 44 (IPEA 2009 p 10) Esses dados nos auxiliam
na explicitaccedilatildeo de uma realidade extremamente desigual marcada por preconceitos e
esquecimento Natildeo eacute um dado estatiacutestico tatildeo somente mas antes de tudo eacute um flagrante uma
prova da exclusatildeo secular que os sujeitos do campo brasileiro vecircm passando Freire (2011)
31
aponta para esse processo como a negaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo negaccedilatildeo das vocaccedilotildees dos
homens vocaccedilatildeo negada na injusticcedila na exploraccedilatildeo na opressatildeo e na violecircncia dos
opressores
Desse modo o paradigma educacional no qual se assenta a Educaccedilatildeo Rural reside no
bojo do pensamento utilitarista e dominador de uma classe sobre a outra Ribeiro (2012 p
293) afirma que ―[] para definir educaccedilatildeo rural eacute preciso comeccedilar pela identificaccedilatildeo do
sujeito a que ela se destina Isso significa que as pessoas que estatildeo vinculadas a educaccedilatildeo
rural satildeo sujeitos cuja marca do trabalho nas atividades da agricultura lhes eacute fator
determinante Para Erick Wolf haacute uma relaccedilatildeo direta de exploraccedilatildeo que caracteriza o
camponecircs ―eacute somente quando um cultivador esta integrado em uma sociedade com um estado
ndash isto eacute somente quando o cultivador passa a estar sujeito a exigecircncias e sanccedilotildees de
detentores do poder exterior ao seu estrato social ndash que podemos falar propriamente em um
campesinato (WOLF 1976 p 26) Percebe-se assim uma aproximaccedilatildeo histoacuterica entre o
camponecircs e a exploraccedilatildeo do seu trabalho
Arroyo (2009) aponta para o descaso no qual a educaccedilatildeo das populaccedilotildees do campo
esteve submetida historicamente cuja finalidade natildeo ai aleacutem do ensino de teacutecnicas de plantio
e colheita no manuseio da terra Essa visatildeo utilitarista e preconceituosa legitimou os baixos
investimentos as escolas em condiccedilotildees precaacuterias e a pouca formaccedilatildeo dos profissionais
(ARAUacuteJO SILVA 2011) aleacutem disso acirrou a disparidade da escola rural em relaccedilatildeo agrave
escola urbana quando se pensa na qualidade O ensino dos sujeitos do campo foi marcado por
uma condiccedilatildeo humana assentada no pauperismo na exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo da matildeo-de-
obra de forma mais ampla na negaccedilatildeo dos direitos baacutesicos como eacute a educaccedilatildeo
Poreacutem Freire (2012 p 59) os convida a refletir sobre a problemaacutetica e expotildee que
Jaacute deixo claro que nenhuma sociedade se livraraacute desses horrores por decreto
nem tampouco porque um de seus sujeitos fundamentais os dominantes num
gesto amoroso regale uma nova forma de viver aos ―condenados da terra A
superaccedilatildeo desses horrores implica decisatildeo poliacutetica mobilizaccedilatildeo popular
organizaccedilatildeo intervenccedilatildeo poliacutetica lideranccedila luacutecida democraacutetica esperanccedilosa
coerente tolerante
Paulo Freire um dos mais assiacuteduos defensores da Educaccedilatildeo Como Praacutetica da
Liberdade deixa claro que a superaccedilatildeo desse modelo de educaccedilatildeo que aqui podemos associar
a ―educaccedilatildeo bancaacuteria tem como pressuposto intriacutenseco a organizaccedilatildeo da classe trabalhadora
32
dos oprimidos essa libertaccedilatildeo jamais decorreraacute da ―falsa generosidade dos dominadores
(FREIRE 2011)
Esse modelo de educaccedilatildeo representou para escolas rurais grande atraso em relaccedilatildeo ao
processo educativo dos filhos dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo ainda sendo
comum visualizarmos escolas na zona rural em extrema precarizaccedilatildeo O esvaziamento dos
conteuacutedos a distacircncia entre a vida cotidiana dos alunos e o curriacuteculo da escola contribuiu de
forma direta e indiretamente para o abandono da escola pelas crianccedilas seja para ajudarem
seus pais na lida da agricultura ou nas tarefas domeacutesticas Certamente um ―curriacuteculo oculto
(SILVA 2011) contribui para esse processo de pauperismo
A despreocupaccedilatildeo com o trabalho dos sujeitos do campo eacute parte central que
caracteriza a Educaccedilatildeo Rural Haacute uma disparidade uma incongruecircncia muito significativa
entre o dia-a-dia e o que a escola mostra O cotidiano do estudante da escola do campo eacute rico
em diversidades naturais animais relacionais trabalho e no entanto esse cenaacuterio desaparece
no momento em que ele adentra a escola
Destinadas a oferecer conhecimentos elementares de leitura escrita e
operaccedilotildees matemaacuteticas simples mesmo a escola rural multisseriada natildeo tem
cumprido esta funccedilatildeo o que explica as altas taxas de analfabetismo e os
baixos iacutendices de escolarizaccedilatildeo nas aacutereas rurais (RIBEIRO 2012 p 193
apud CALDART et al 2012)
Percebe-se portanto que a Educaccedilatildeo Rural eacute resultado de uma loacutegica opressora natildeo
podendo ser pensada como um acidente metodoloacutegico que por acaso foi de um jeito e que
poderia ter sido de outro modo Pelo contraacuterio esse modelo tinha um propoacutesito uma
finalidade natildeo era neutra assim como nenhuma outra forma de educaccedilatildeo eacute Sabidamente natildeo
era a emancipaccedilatildeo dos sujeitos do campo ou a preparaccedilatildeo para a educaccedilatildeo superior o seu
propoacutesito mas antes as tarefas manuais da agricultura cuja necessidade educacional se
resumia aos anos iniciais do Ensino Fundamental
Freire (2011 p 83) afirma que ―Natildeo eacute de se estranhar pois que nessa visatildeo bancaacuterialsquo
da educaccedilatildeo os homens sejam vistos como seres da adaptaccedilatildeo do ajustamento Essa
educaccedilatildeo que Freire chama bancaacuteria e que serve perfeitamente agrave Educaccedilatildeo Rural esteve
embrionariamente ligada aos interesses dos latifundiaacuterios brasileiros tanto como formaccedilatildeo de
matildeo-de-obra como forma de manter privileacutegios dos ruralistas ao passo que negara a vocaccedilatildeo
33
ontoloacutegica do homem ou seja a vocaccedilatildeo de ser mais ―A escola rural estaacute profundamente
distanciada da realidade do trabalho e da vida dos agricultores uma vez que a educaccedilatildeo tem
sido utilizada pelas classes dominantes para manter a classe trabalhadora rural subordinada
aos seus interesses (RIBEIRO 2010 p 176)
Nesse sentido podemos observar um ―problema no curriacuteculo da educaccedilatildeo rural Esse
problema eacute resultado de interesses a saber ao longo da histoacuteria natildeo vimos em nenhum
horizonte uma accedilatildeo governamental que tivesse a finalidade de proporcionar uma educaccedilatildeo
diferenciada positivamente para os sujeitos do campo Pelo contraacuterio as accedilotildees estiveram
sempre ligadas muito mais aos interesses dos grandes latifundiaacuterios e da classe poliacutetica do
que agraves reais necessidades das populaccedilotildees camponesas
Se olharmos por exemplo o periacuteodo que compreende a deacutecada de 1940 aos anos
1960 veremos que esse interstiacutecio eacute fortemente marcado pelas campanhas de alfabetizaccedilatildeo das
populaccedilotildees camponesas Esse fenocircmeno tem um imperativo como podemos observar na obra
de Saviani (2008 p 316)
O direito de voto contudo estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo o que levou
os governantes a organizar programas campanhas e movimentos de
alfabetizaccedilatildeo de jovens e adultos dirigidos natildeo apenas aos crescentes
contingentes urbanos mas tambeacutem a populaccedilatildeo rural Daiacute o surgimento de
campanhas ministeriais que se estenderam da deacutecada de 1940 ateacute 1963
Vale salientar que essas campanhas tinham como objetivo a educaccedilatildeo elementar nada
que ultrapassasse a fronteira do direito ao voto um exemplo eacute a Campanha Nacional de
Educaccedilatildeo Rural (CNER) Percebemos o quatildeo alarmante era o quadro em que estavam imersas
as populaccedilotildees do campo nesse periacuteodo Nessa mesma conjuntura mas com caraacuteter
eminentemente progressista surgem diversas organizaccedilotildees populares em vaacuterias partes do
paiacutes debatendo e organizando as populaccedilotildees pobres no sentido de conscientizar esses sujeitos
para intervirem conscientemente na poliacutetica e na sociedade brasileira Wanderley (2010 p
85) aponta que
No tempo decisivo citado sobre a emergecircncia dos processos educativos
populares irromperam os movimentos de cultura popular cujo viacutenculo com
os mesmos foram impactantes MCP do Recife de Natal do MEB Meacutetodo
Paulo Freire entre outros Jaacute naquela eacutepoca eles compareciam situados
como movimentos rurais e urbanos Sua influecircncia na poliacutetica da mesma
maneira foi exponencial na linha de pressionar por mudanccedilas de fundo por
34
isso mesmo no Brasil e em outros paiacuteses latino-americanos foram
duramente reprimidos nas ditaduras implantadas
Sobre o caraacuteter educativo dessa mobilizaccedilatildeo Saviani (2008 p 317) nos expotildee o
seguinte
A mobilizaccedilatildeo que toma vulto na primeira metade dos anos 1960 assume
outra significaccedilatildeo Em seu centro emerge a preocupaccedilatildeo com a participaccedilatildeo
poliacutetica das massas a partir da tomada de consciecircncia da realidade brasileira
E a educaccedilatildeo passa a ser vista como instrumento de conscientizaccedilatildeo A
expressatildeo ―educaccedilatildeo popular assume entatildeo o sentido de uma educaccedilatildeo do
povo pelo povo e para o povo pretendendo-se superar o sentido anterior
criticada como sendo uma educaccedilatildeo das elites dos grupos dirigentes e
dominantes pra o povo visando a controlaacute-lo manipulaacute-lo ajustaacute-lo agrave
ordem existente
Nesse panorama histoacuterico eacute salutar ressaltar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire como um
autecircntico representante desse momento histoacuterico Freire esteve preocupado antes de tudo em
inserir um caraacuteter poliacutetico agrave educaccedilatildeo em educar para a conscientizaccedilatildeo e a poliacutetica Daiacute sua
forte defesa da natildeo neutralidade da educaccedilatildeo pensamento oposto agravequele presente no ideaacuterio
da Educaccedilatildeo Rural ele opocircs-se veemente ao manuseio da formaccedilatildeo atrelada aos interesses
das classes opressora
Os espaccedilos populares forjaram grandes pensadores Paulo Freire eacute um desses que
comprova a experiecircncia e a realidade da cotidianidade como geradora de conteuacutedo de
curriacuteculo e como loacutecus para o desenvolvimento de uma praacutetica popular de educaccedilatildeo baseada
na necessidade do sujeito Esse vieacutes foi estrategicamente negligenciado pela Educaccedilatildeo Rural
Esse caraacuteter de uma educaccedilatildeo transformadora e libertaacuteria eacute usado na experiecircncia de
Angicos Estado do Rio Grande do Norte em 1963 onde Paulo Freire desenvolveu seu
―meacutetodo que alfabetizou trabalhadores rurais daquele municiacutepio em um curto intervalo de
tempo Ele e sua equipe ―[] Alfabetiza 300 trabalhadores Este trabalho obteacutem grande
repercussatildeo nacional e internacional Estende a experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN)
e Joatildeo Pessoa (PB) (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012
p146) Nessa experiecircncia o contexto do sujeito assume grande relevacircncia assim como o
trabalho
A concepccedilatildeo de campo na Educaccedilatildeo Rural tambeacutem apresentara um conceito
esvaziado colocado frequentemente como o lugar onde se produzem alimentos para manter a
35
cidade somente Um lugar sem vida anocircnimo anocircmico e anecircmico Essa era e ainda eacute para
muitos o ideaacuterio de campo que predomina em nossa sociedade
Em seu livro Gritti (2003) demonstra que a escola puacuteblica rural foi um
potente instrumento para a expansatildeo do capitalismo no campo brasileiro
trazendo como consequumlecircncia a desestruturaccedilatildeo do modo de vida dos
trabalhadores rurais principalmente seu trabalho os saberes e a cultura que
lhes satildeo proacuteprios (SAVIENI 2008 p 317)
Como jaacute afirmamos na Educaccedilatildeo Rural haacute uma distacircncia muito significativa entre os
conteuacutedos trabalhados em sala de aula e a realidade dos educandos isso eacute potencializado
ainda mais pelo livro didaacutetico e pela formaccedilatildeo do professor que em boa medida natildeo mora no
campo muitas vezes natildeo tem afinidade com aquela realidade e acaba reforccedilando estereoacutetipos
e preconceitos acerca do campo e dos sujeitos (ARAUacuteJO SILVA 2011) Como consequecircncia
desse distanciamento haacute um processo de urbanizaccedilatildeo das escolas do campo ou seja um
transplante da metodologia da escola urbana para a escola rural ou como eacute comum a
deslocaccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos do campo para as escolas da cidade
Segundo Ribeiro (2010) apesar de ter seu reconhecimento no final do Segundo
Impeacuterio a Educaccedilatildeo Rural tem seu desenvolvimento na primeira metade do seacuteculo XX Os
primeiros incentivos a esse modelo de educaccedilatildeo no Brasil se deram durante o Estado Novo
na deacutecada de 1930 Nesse momento essa educaccedilatildeo se dava em boa parte por campanhas de
alfabetizaccedilatildeo Tais campanhas estavam diretamente atreladas aos interesses da incipiente
industrializaccedilatildeo que chegara ao nosso Paiacutes e aos interesses eleitoreiros uma vez que o voto
estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo como exposto anteriormente Ainda segunda a autora a
Educaccedilatildeo Rural estava baseada numa concepccedilatildeo evolucionista que considerava os costumes
e a vida do homem do campo como atrasado e necessaacuterio de ser evoluiacutedo
A partir da deacutecada de 1950 alguns oacutergatildeos satildeo criados com o objetivo de desenvolver
as regiotildees brasileiras que apresentavam maiores iacutendices de pobreza assim surge a
Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) o Instituto Nacional de
Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) a Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria
(SUPRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agraacuterio (INDA) oacutergatildeos federais que
tratariam de questotildees relativas agrave reforma agraacuteria no Brasil (NETO 2007) Esperava-se com
isso a melhoria da vida da populaccedilatildeo do campo brasileiro entretanto muitas dessas agecircncias
36
se tornaram loacutecus de corrupccedilatildeo e manutenccedilatildeo de privileacutegios dos grupos dominantes do Norte
e Nordeste
Durante a Ditadura Civil Militar brasileira a educaccedilatildeo das populaccedilotildees camponesas
seguiu a reboque da modernizaccedilatildeo agriacutecola guinando ao sabor do vento da mecanizaccedilatildeo do
campo Essa educaccedilatildeo continuou a ser objeto de manutenccedilatildeo de privileacutegios da burguesia
agraacuteria e de negaccedilatildeo de direitos e emancipaccedilatildeo das populaccedilotildees rurais Na deacutecada de 1980
Carter (2010 p 38) afirma que
Um novo ciclo de mobilizaccedilatildeo por terra irrompeu com forccedila no iniacutecio da
deacutecada de 1980 de modo especial na Regiatildeo Sul Brasil Ele surgiu com o
apoio de uma rede progressista no meio religioso e a assistecircncia de vaacuterios
sindicatos de trabalhadores rurais em um contexto de intensa modernizaccedilatildeo
agriacutecola crescentes demandas na sociedade civil pela restauraccedilatildeo da
democracia e o decliacutenio gradual do regime militar O MST foi instituiacutedo
formalmente e em niacutevel nacional em janeiro de 1984 Um ano mais tarde o
Brasil testemunhou a inauguraccedilatildeo de um movo governo civil
Haacute um pensamento que advoga que durante a Ditadura Civil Militar houve uma
calmaria nos movimentos sociais como jaacute salientamos anteriormente entendemos que houve
na verdade uma censura um silenciamento dos atores sociais dos sujeitos Os movimentos
sociais estavam em luta estavam em formaccedilatildeo o MST por exemplo tem sua gestaccedilatildeo ainda
na deacutecada de 1970 assim como a Comissatildeo Pastoral da Terra ndash CPT que foi criada para
conter a onda de assassinatos de trabalhadores rurais e acabou tendo grande importacircncia na
proteccedilatildeo daqueles sem-terra que lutavam pela redemocratizaccedilatildeo do Brasil (SCOLESE 2008)
Esses movimentos embora natildeo tivessem em sua gecircnese a educaccedilatildeo como foco central jaacute
traziam uma denuacutencia importante e uma necessidade de reversatildeo da situaccedilatildeo negligente a qual
as populaccedilotildees rurais se encontravam
A Educaccedilatildeo Rural ainda eacute um fenocircmeno existente em nossa sociedade natildeo podemos
dizer que ela foi enterrada com o advento do paradigma10
da Educaccedilatildeo do Campo Sabe-se
que os desafios ainda satildeo muitos A educaccedilatildeo das comunidades rurais tem alcanccedilado avanccedilos
10 De acordo com Kuhn (2009) o conceito de paradigma eacute entendido como sendo o conjunto das realizaccedilotildees da
ciecircncia reconhecidas universalmente ou seja o paradigma refere-se a um conjunto de crenccedilas ou premissas
sobre o que se julga verdadeiro Satildeo processos de construccedilatildeo de conhecimentos capazes de elaborar teorias que
servem como ponto de partida para a resoluccedilatildeo de problemas da comunidade e satildeo o referencial para a
elaboraccedilatildeo de novos trabalhos cientiacuteficos
37
entretanto ainda haacute muito que avanccedilar A Educaccedilatildeo do Campo eacute uma utopia utopia
necessaacuteria que nas palavras de Paulo Freire citado por Moacir Gadotti (1996 p 732) ―eacute a
dialeacutetica entre o ato de denuacutencia do mundo que se desumaniza e o anuacutencio do mundo que se
humaniza
A Educaccedilatildeo do Campo forjada no bojo dos movimentos de resistecircncia tem sido uma
ferramenta para a classe trabalhadora fazendo o contraponto necessaacuterio ao modelo da nova
pedagogia da hegemonia (NEVES 2005) cujo fulcro tem sido o ideaacuterio privatista
desumanizador e mercantil Eacute nessa concepccedilatildeo que apontamos para a Educaccedilatildeo do Campo
como anunciante de outra possibilidade de educaccedilatildeo esse paradigma vem proporcionando
esperanccedila e ressignificando o sentida da luta pelo direito agrave educaccedilatildeo e agrave vida
23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO
Como externamos a pouco de forma breve a Educaccedilatildeo do Campo tem dado passos
importantes rumo agrave construccedilatildeo de um novo paradigma educacional para as populaccedilotildees do
campo brasileiro Tem feito um tensionamento necessaacuterio ao atual modelo da pedagogia que
tornou-se hegemocircnica que de acordo com Freire (2011) a pedagogia dominante eacute a pedagogia
da classe dominante No entanto muitos afirmam que na realidade as escolas do campo ainda
apresentam problemas estruturais e que mudar o nome dessa educaccedilatildeo natildeo resolveraacute a
questatildeo De fato as escolas do campo ainda apresentam desafios a serem superados
entretanto eacute salutar perceber que algo estaacute acontecendo
Trazer o debate da educaccedilatildeo agrave tona natildeo eacute uma tarefa faacutecil e falar em educaccedilatildeo de
populaccedilotildees historicamente excluiacutedas residentes de uma aacuterea tida como atrasada como eacute
colocado o campo eacute uma tarefa ainda mais complexa Falar de uma educaccedilatildeo ―Para aleacutem do
capital ainda mais nesse tempo eacute sem duacutevida uma tarefa das mais louvaacuteveis A educaccedilatildeo do
Campo tem conseguido essa faccedilanha tem posto em xeque a educaccedilatildeo rural e tem sobretudo
conquistado pela luta sua institucionalidade e seu reconhecimento enquanto um direito da
classe camponesa Nesse sentido a mudanccedila natildeo tem se restringido somente agrave nomenclatura
mas principalmente as conquistas reais
38
Trazemos uma indagaccedilatildeo que nos diz muito sobre a questatildeo da educaccedilatildeo das
populaccedilotildees do campo Arroyo Caldart e Molina na 4ordf ediccedilatildeo da obra ―Por uma Educaccedilatildeo do
Campo de 2009 questionam
Interroga-nos porque nem sequer os governos democraacuteticos nem sequer o
movimento educacional progressista conseguiram colocar em seus
horizontes o direito dos camponeses agrave educaccedilatildeo O olhar negativo
preconceituoso do campo e seu lugar no modelo de desenvolvimento seriam
responsaacuteveis A agricultura camponesa vista como sinal de atraso
inferioridade como um modelo de produccedilatildeo de vida e cultura em extinccedilatildeo
Como quebrar o fetiche que coloca o povo do campo como algo agrave parte
(ARROYO CALDART MOLINA 2009 p 11)
Essas questotildees nos ajudam a entender o terreno em que estamos pisando Ele eacute repleto
de contradiccedilotildees eacute delicado por isso mesmo eacute preciso perspicaacutecia para mover-se nesse debate
em que pese os riscos de naturalizaccedilatildeo de fenocircmenos que satildeo histoacutericos e sociais
Para tomarmos como momento histoacuterico a Ditadura Civil Militar Fernandes (2010 p
163) afirma que
O Governo militar tentou minimizar os conflitos de terra com a implantaccedilatildeo
de projetos de colonizaccedilatildeo na Amazocircnia mas essa poliacutetica de fomentar a
migraccedilatildeo camponesa natildeo diminuiu os conflitos por terra na regiatildeo Sul
Sudeste e Nordeste do Paiacutes Desde o iniacutecio o regime militar reprimiu com
violecircncia as accedilotildees dos trabalhadores que reivindicaram seus direitos como o
acesso agrave terra e melhores condiccedilotildees de trabalho
Os conflitos no campo se tornaram uma constante A contraditoacuteria relaccedilatildeo entre
trabalho e capital tornou-se insustentaacutevel (RIBEIRO 2010) a reforma agraacuteria era uma
questatildeo premente Os movimentos sociais do campo retomam a bandeira da necessidade dessa
reforma como direito e sobretudo como paracircmetro de equidade social entre as populaccedilotildees
do campo e da cidade
Com o fim do regime militar nos anos 1980 sobretudo devido agraves pressotildees advindas da
sociedade civil11
os movimentos sociais assumem o protagonismo das lutas em defesa do
11 Para Gramsci diversamente ―sociedade civil designa o conjunto das organizaccedilotildees responsaacuteveis pela
elaboraccedilatildeo eou difusatildeo das ideologias compreendendo o sistema escolar os sindicatos os meios de
comunicaccedilatildeo as instituiccedilotildees de caraacuteter cientiacutefico e artiacutestico etc (COUTINHO 2011 p 25)
39
trabalho da terra da educaccedilatildeo Eacute nesse momento que irrompe como um dos principais
protagonistas da luta por uma Educaccedilatildeo do Campo o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) movimento social que para Fernandes (2012 p 496)
Reuacutene em sua base diferentes categorias de camponeses pobres ndash como
parceiros meeiros posseiros minifundiaacuterios e trabalhadores assalariados
chamados de sem terra e tambeacutem diversos lutadores sociais para desenvolver
as lutas pela terra pela Reforma Agraacuteria e por mudanccedilas na agricultura
brasileira
Esse cenaacuterio de exclusatildeo negaccedilatildeo de direitos e luta dos camponeses eacute propiacutecio ao
surgimento de praacuteticas educativas autecircnticas forjadas na proacutepria luta Como nos questiona
Freire (2011 p 42-43) ―Quem melhor que os oprimidos se encontraraacute preparado para
entender o significado terriacutevel de uma sociedade opressora Quem sentiraacute melhor que eles os
efeitos da opressatildeo Quem mais que eles para ir compreendendo a necessidade da
libertaccedilatildeo Nesse processo de luta emerge uma forma alternativa de educaccedilatildeo no campo do
campo e com o campo o que viria a tomar corpo e que hoje chamamos Educaccedilatildeo do Campo
Uma das principais diferenccedilas entre Educaccedilatildeo Rural e Educaccedilatildeo do Campo estaacute na
utilizaccedilatildeo e no propoacutesito dessas duas formas de educar A primeira como vimos estaacute
fortemente atrelada a utilizaccedilatildeo da matildeo-de-obra no trabalho dos latifuacutendios em condiccedilatildeo
humana precaacuteria A Educaccedilatildeo do Campo tem como objetivo a formaccedilatildeo para o trabalho e para
a vida pensa o sujeito em sua amplitude sua autonomia e sua capacidade de decidir Pensa
modelos de desenvolvimento para agricultura que natildeo resida no agronegoacutecio e na economia
de exportaccedilatildeo tatildeo somente mas uma economia solidaacuteria e a pequena propriedade como forma
de sustentabilidade ambiental e social para as populaccedilotildees tradicionais do campo
A pedagogia do oprimido dos excluiacutedos dos tempos de barbaacuterie natildeo estaacute
em encontrar meacutetodos novos para educar os baacuterbaros civilizar os oprimidos
ou incluir os excluiacutedos nos valores e saberes dos ―civilizados mas estaacute em
apreender com o conjunto de processos que os excluiacutedos e oprimidos
reinventam para continuar humanos manter seus valores e seus saberes sua
cultura e memoacuteria coletiva sua identidade e dignidade (ARROYO 2011 p
274)
Desse modo percebe-se uma niacutetida evidecircncia de que os movimentos sociais do campo
desenvolveram uma produccedilatildeo pedagoacutegica que tem como sustento suas proacuteprias necessidades
e seu espaccedilo de luta e trabalho
40
A mobilizaccedilatildeo do MST e outros segmentos da sociedade civil tiveram como resultado
a realizaccedilatildeo do I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agraacuteria ndash
ENERA ndash realizado em Brasiacutelia e promovido pelo Movimento em parceria com a UnB a
Unesco o Unicef e a CNBB em junho de 1997 (RIBEIRO 2010) Como fruto desse encontro
e do acuacutemulo dos movimentos sociais na defesa dos direitos agrave educaccedilatildeo vimos brotar de um
chatildeo ―aacuterido e seco o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) uma das
grandes conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo
O Pronera foi criado em 16 de abril de 1998 num contexto de organizaccedilatildeo e
mobilizaccedilatildeo dos Sem Terra em memoacuteria dos massacres de Corumbiara em Rondocircnia em
1995 e Eldorado dos Carajaacutes no Estado do Paraacute ocorrido em 1996 (SANTOS 2012)
Podemos dizer que a primeira conquista do Movimento de Educaccedilatildeo do Campo foi a
institucionalizaccedilatildeo desse Programa
O Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) eacute uma
poliacutetica puacuteblica do governo federal especiacutefica para a educaccedilatildeo formal de
jovens e adultos assentados da Reforma Agraacuteria e do creacutedito fundiaacuterio e para
a formaccedilatildeo de educadores que trabalham nas escolas dos assentamentos ou
do seu entorno e atendem a populaccedilatildeo assentada (SANTOS 2012 p 629)
Assim podemos afirmar que o Programa eacute na verdade uma conquista pela via da luta
e da organizaccedilatildeo da sociedade camponesa em prol de um direito que eacute a educaccedilatildeo e de uma
necessidade que eacute a formaccedilatildeo de professores para as escolas do campo Como objetivos
gerais o Pronera se pretende a
I ndash oferecer educaccedilatildeo formal aos jovens e adultos beneficiaacuterios do Programa
Nacional de Reforma Agraacuteria (PNRA) em todos os niacuteveis de ensino e aacutereas
do conhecimento
II ndash melhorar as condiccedilotildees de acesso agrave educaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e
III ndash proporcionar melhorias no desenvolvimento dos assentamentos rurais
por meio da formaccedilatildeo e qualificaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e dos
profissionais que desenvolvem atividades educacionais e teacutecnicas nos
assentamentos (BRASIL 2011 p 13)
De acordo com o Decreto Nordm 7352 que dispotildee sobre a poliacutetica de educaccedilatildeo do campo
e o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria ndash Pronera ndash Satildeo beneficiaacuterios do
programa
41
I - populaccedilatildeo jovem e adulta das famiacutelias beneficiaacuterias dos projetos de
assentamento criados ou reconhecidos pelo INCRA e do Programa Nacional
de Creacutedito Fundiaacuterio ndash PNFC
II - alunos de cursos de especializaccedilatildeo promovidos pelo INCRA
III - professores e educadores que exerccedilam atividades educacionais voltadas
agraves famiacutelias beneficiaacuterias e
IV - demais famiacutelias cadastradas pelo INCRA
Devido ao seu caraacuteter eminentemente popular o Pronera tem enfrentado barreiras
significativas tanto por parte dos oacutergatildeos de controle como o Tribunal de Contas da Uniatildeo por
exemplo como por setores conservadores da Cacircmara e no Senado Federal sendo a bancada
ruralista o maior expoente dessa oposiccedilatildeo Alem disso dentro das universidades tambeacutem tem
enfrentado desafios no que se refere a permanecircncia dos estudantes
No entanto como afirma Brandatildeo (2009) a Educaccedilatildeo Popular tem como essecircncia a
resistecircncia e a oposiccedilatildeo ao status quo social Como a Educaccedilatildeo do Campo herda demasiado
caraacuteter desse paradigma educacional assim como da pedagogia freireana essas tensotildees e
conflitos representam disputas inerentes ao tecido social
O resultado do I Enera aleacutem da criaccedilatildeo do Pronera teve ainda a inserccedilatildeo definitiva da
Educaccedilatildeo do Campo no cenaacuterio nacional como afirma Roseli Caldart (2012 p 257)
O surgimento da expressatildeo ―Educaccedilatildeo do Campo pode ser datada Nasceu
primeiro como Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo no contexto de preparaccedilatildeo da I
Conferecircncia Nacional por uma Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo realizada em
Luziacircnia Goiaacutes de 27 a 30 de julho de 1998 Passou a se chamar Educaccedilatildeo
do Campo a partir das discussotildees do Seminaacuterio Nacional realizado em
Brasiacutelia de 26 a 29 de novembro de 2002 decisatildeo posteriormente reafirmada
nos debates da II Conferecircncia Nacional realizada em julho de 2004
A Educaccedilatildeo do Campo estaacute embrionariamente ligada aos movimentos sociais eacute a
educaccedilatildeo pensada por esses movimentos e natildeo para eles Desse modo pensar essa educaccedilatildeo
dissociada das praacuteticas e das lutas desses movimentos eacute cair num grande equiacutevoco A
Educaccedilatildeo do Campo tem sido uma ferramenta de luta para a classe trabalhadora do campo
natildeo como pura e simplesmente uma modalidade de ensino mas como um fenocircmeno capaz de
devolver aos sujeitos do campo a sua integraccedilatildeo com seu lugar
A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com
ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento
42
proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica em
que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem absolutizar-se
fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-o a julgar o seu
mundo algo sobre que apenas se acha A sua integraccedilatildeo o enraiacuteza Faz dele na
feliz expressatildeo de Marcel ―um ser situado e datado (FREIRE 1983 p 42)
Desse modo a Educaccedilatildeo do Campo se propotildee a construir coletivamente um
contraponto a um paradigma educacional desumanizado que tem como fulcro os interesses do
mercado capitalista tatildeo somente A esse respeito Jesus (2006 p 51) afirma que
Essa educaccedilatildeo tem na sua origem a necessidade de reinventar as praacuteticas
sociais contra um processo perverso de uma forma hegemocircnica de
globalizaccedilatildeo econocircmica poliacutetica e cultural que impotildee aos diferentes paiacuteses
perifeacutericos e semi-perifeacutericos a reorganizaccedilatildeo das formas de poder de
produccedilatildeo do conhecimento e de desenvolvimento econocircmico e social que
aumenta assustadoramente a perda das autonomias e as desigualdades em
especial entre o povo brasileiro que vive no campo ou eacute excluiacutedo dele
Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo natildeo estaacute acabada eacute pensada a partir das
demandas e necessidades mutaacuteveis que a realidade concreta apresenta Coaduna trabalho e
formaccedilatildeo como partes indissociaacuteveis para a construccedilatildeo do sujeito autocircnomo (SANTOS
2012) Essa Educaccedilatildeo natildeo estaacute paralela aos movimentos sociais ela eacute a educaccedilatildeo desses
movimentos Foi gestada nas lutas por terra nas ocupaccedilotildees nos assentamentos no
enfrentamento das desigualdades sociais Custou vidas e sonhos portanto eacute uma produccedilatildeo
pedagoacutegica autecircntica do movimento de resistecircncia que estaacute muito aleacutem do conceito esvaziado
de educaccedilatildeo dos tempos de produccedilatildeo
Eacute importante destacar que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo natildeo minimiza a
importacircncia dos conteuacutedos e dos conhecimentos historicamente produzidos e acumulados pela
humanidade Natildeo minimiza o curriacuteculo a gestatildeo o planejamento Muito pelo contraacuterio a
Educaccedilatildeo do Campo procurar encher de sentido esses instrumentos que foram esvaziados pela
loacutegica capitalista Busca explicitar o curriacuteculo oculto almeja a gestatildeo democraacutetica e
participativa busca ainda um planejamento no qual os sujeitos e suas realidades e
necessidades tambeacutem sejam parte Nesse sentido a criacutetica feita a Paulo Freire de formular
uma pedagogia sem conteuacutedos eacute hoje dirigida ao paradigma educacional em questatildeo No
entanto essas criacuteticas tecircm partido muito mais de setores burocraacuteticos da sociedade em que
pese natildeo reconheceram a importacircncia e os reais avanccedilos e conquistas dos sujeitos do campo
na contemporaneidade
43
24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS
CONHECIMENTO
A necessidade de uma escola que respeite os saberes dos sujeitos forjados no trabalho
com a terra cujos direitos em boa medida o Estado lhes cerceou historicamente eacute
fundamental para o debate da Educaccedilatildeo do Campo Indubitavelmente a metodologia que
melhor compactua trabalho e formaccedilatildeo e cujo assento reside na relevacircncia das praacuteticas
culturais inerentes aos sujeitos do campo eacute a Pedagogia da Alternacircncia
Entendemos que a Pedagogia da Alternacircncia precisa ser situada dentro da perspectiva
do multiculturalismo12
do curriacuteculo Eacute uma proposta natildeo hegemocircnica utilizada pelos
movimentos sociais que se articulam na Via Campesina13
e que procura coadunar trabalho e
educaccedilatildeo o que sem duacutevida configura um dos maiores desafios da educaccedilatildeo na
contemporaneidade A inclusatildeo das praacuteticas dos trabalhadores nos conteuacutedos e metodologias
da escola eacute importante natildeo somente como forma de respeito mas como ferramenta de
equiparaccedilatildeo e permanecircncia desses sujeitos na escola
Segundo Ribeiro (2012) a Pedagogia da Alternacircncia tem origem com as Casas
Familiares Rurais (CFRlsquos) na Franccedila e com as Escolas Familiares Rurais (EFAlsquos) na Itaacutelia
―Pode-se dizer que eacute uma alternativa metodoloacutegica de formaccedilatildeo profissional agriacutecola para
jovens inicialmente do sexo masculino filhos de agricultores franceses (idem 2012 p 293)
Outra raiz histoacuterica ainda segundo a autora estaacute nas experiecircncias de trabalho e educaccedilatildeo
efetivadas na Ruacutessia poacutes-revolucionaacuteria de 1917 Expostas essas duas matrizes histoacutericas os
movimentos camponeses que pautam a educaccedilatildeo do campo no Brasil tendem a se filiarem
em sua maioria a essa segunda concepccedilatildeo histoacuterica
12 Multicultural eacute um termo qualificativo Descreve as caracteriacutesticas sociais e os problemas de governabilidade
apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma
vida em comum ao mesmo tempo em que reteacutem algo de sua identidade original Em contrapartida o termo
multiculturalismo e substantive Refere-se as estrateacutegias e politicas adotadas para governar ou administrar
problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais E usualmente utilizado no
singular significando a filosofia especifica ou a doutrina que sustenta as estrateacutegias multiculturais
Multicultural entretanto eacute por definiccedilatildeo plural (HALL 2009 p 52)
13 Criada em 1992 a Via Campesina eacute uma organizaccedilatildeo mundial que articula movimentos sociais que lutam pela
terra Entre seus objetivos a solidariedade eacute o mais presente A Via condena o modo predatoacuterio de produccedilatildeo
cujo objetivo se resume a exportaccedilatildeo condena a nomocultura o uso excessivo de agrotoacutexicos que satildeo
caracteriacutesticas do modelo de produccedilatildeo do agronegoacutecio (FERNANDES 2012)
44
Ela [a pedagogia da alternacircncia] brota do desejo de natildeo cortar raiacutezes Eacute uma
das pedagogias produzidas em experiecircncias de escolas do campo em que o
MST se inspirou Busca integrar a escola com a famiacutelia e a comunidade do
educando No nosso caso ela permite uma troca de conhecimento e o
fortalecimento dos laccedilos familiares e do viacutenculo dos educandos com o
assentamento ou acampamento o MST e a terra (CALDART 2009 p 104
Com grifos do autor)
Essa pedagogia natildeo foi gestada nas universidades ela natildeo envolve nem pesquisadores
nem docentes (RIBERIRO 2010) Eacute uma proposta que busca garantir interligaccedilatildeo entre dois
espaccedilos instituiccedilotildees de ensino e atividades de trabalho comum aos agricultores Esse meacutetodo
estaacute diretamente ligado agrave concepccedilatildeo de trabalho e educaccedilatildeo pautado pelos pensadores
marxistas que entendem que o trabalho tem em si um princiacutepio educativo capaz de garantir
uma formaccedilatildeo omnilateral pensamento esse tambeacutem advogado por Paulo Freire e educadores
criacuteticos do Brasil
A alternacircncia se divide em dois momentos o Tempo Escola (TE) em que os
educandos permanecem de duas semanas a dois meses dependendo do curso no espaccedilo da
escola em regime de internato e o Tempo Comunidade (TC) momento no qual os educandos
retornam agraves suas propriedades familiares ou agraves comunidades ou aos assentamentos ou ainda
aos acampamentos para colocarem em praacutetica os conhecimentos que foram objeto de estudo
no TE (RIBEIRO 2010)
Mais que uma caracteriacutestica de sucessotildees repetidas de sequumlecircncia a
alternacircncia enquanto princiacutepio pedagoacutegico visa desenvolver na formaccedilatildeo
dos jovens situaccedilotildees em que o mundo escolar se posiciona em interaccedilatildeo com
o mundo que o rodeia Buscando articular universos considerados opostos ou
insuficientemente interpenetrados ndash o mundo da escola e o mundo da vida a
teoria e a praacutetica o abstrato e o concreto ndash a alternacircncia coloca em relaccedilatildeo
diferentes parceiros com identidades preocupaccedilotildees e loacutegicas tambeacutem
diferentes (SILVA 2000 p 16)
Esse modelo de se fazer educaccedilatildeo pode ter um papel determinante no combate ao
processo nefasto que vem cerceando o direito dos povos do campo a terem acesso agrave educaccedilatildeo
de qualidade sem sair do campo em que pese agrave poliacutetica de nucleaccedilatildeo a qual temos
testemunhado na atualidade Esse processo tem a finalidade de diminuir custos com a
formaccedilatildeo dos filhos dos agricultores que satildeo deslocados para uma escola-nuacutecleo
normalmente localizada na cidade (Ribeiro 2010)
45
A Pedagogia da Alternacircncia compartilha saberes acadecircmico e aqueles advindos do
cotidiano do trabalho na agricultura na pesca nas florestas nos quilombos e em uma
infinidade de espaccedilos que o conceito de campo compreende na contemporaneidade Nesse
sentido a leitura de mundo dos sujeitos tem papel de destaque nessa pedagogia Para Freire
(1983) ―basta ser homem para ser capaz de captar os dados da realidade Para ser capaz de
saber ainda que seja este saber meramente opinativo daiacute que natildeo haja ignoracircncia absoluta
nem sabedoria absoluta (p105) Outro fator importante eacute entender a situaccedilatildeo concreta do
sujeito no mundo como determinante para sua accedilatildeo (FREIRE 2011)
Desse modo compreendemos o curriacuteculo da Educaccedilatildeo do Campo neste trabalho
baseado na Pedagogia da Alternacircncia que uma vez partilhada entre tempo escola e tempo
comunidade significa uma possibilidade de associaccedilatildeo entre trabalho e formaccedilatildeo Essa
metodologia proporciona ainda uma maior aproximaccedilatildeo entre escola e comunidade de modo
a estreitar a dicotomia estabelecida entre teoria e praacutetica No Tempo Escola aleacutem da
aquisiccedilatildeo dos conteuacutedos eacute tambeacutem o momento de pensar sobre a loacutegica o sentido e o valor
social desses conteuacutedos No Tempo Comunidade busca-se a continuidade atraveacutes da praacutexi
dos conhecimentos adquiridos na escola Para melhor esclarecer esse processo vejamos a
seguinte citaccedilatildeo
No Tempo Escola os educandos formam um coletivo muitas vezes oriundos
de diferentes comunidades que ao trazer questotildees reflexotildees
problematizaccedilotildees das suas localidades especiacuteficas ampliam o processo de
reflexatildeo sobre as realidades do campo confrontando as muacuteltiplas situaccedilotildees
que as compotildeem No Tempo Comunidade cada educando individualmente
ou em pequenos grupos deve reafirmar seu envolvimento com sua
comunidade desenvolvendo nela as atividades de pesquisa reflexatildeo
problematizaccedilatildeo e em alguns casos intervenccedilatildeo Dessa forma cria-se um
novo coletivo de accedilatildeo (educando ndash comunidade) que permite inclusive a
participaccedilatildeo indireta do conjunto da comunidade no processo educativo
reforccedilando a relaccedilatildeo escola ndash comunidade (ANTUNES-ROCHA MARTINS
2011 p 226)
Fica evidente que haacute uma aproximaccedilatildeo entre os dois momentos e que ambos satildeo
formativos Aleacutem disso se coloca de forma expliacutecita o trabalho com as experiecircncias e
multiplicidades de culturas que os povos do campo trazem consigo com o outro e com
mundo
46
As peculiaridades da Educaccedilatildeo do Campo natildeo podem ser entendidas como adaptaccedilotildees
ou como modelo da educaccedilatildeo hegemocircnica antes deve ser entendida com autenticidade Sua
organizaccedilatildeo portanto natildeo pode se pautar na educaccedilatildeo urbana adaptada ao campo mas sim
uma educaccedilatildeo proacutepria desse campo Suas conquistas foram arrancadas do seio da educaccedilatildeo
posta historicamente uma educaccedilatildeo que jamais destinou espaccedilo em seu curriacuteculo agraves
vivecircncias agrave leitura de mundo dos sujeitos ou ao trabalho agriacutecola desempenhado pelos povos
do campo14
Verificamos portanto o surgimento desse paradigma metodoloacutegico natildeo como uma
criaccedilatildeo academicista mas como uma necessidade de um modelo ou uma metodologia que
coadune formaccedilatildeo escolar e trabalho praacutetico A Pedagogia da Alternacircncia se confunde com a
proacutepria Educaccedilatildeo do Campo visto que ela natildeo foi uma formalidade acadecircmica pensada e
pesquisada para as populaccedilotildees campesinas ainda que tenha grandes contribuiccedilotildees de
pesquisadores das universidades ela surgiu da necessidade dos proacuteprios trabalhadores e
trabalhadoras do campo
Entendendo as dimensotildees poliacuteticas e ideoloacutegicas das quais o curriacuteculo estaacute permeado
os movimentos sociais do campo foram categoacutericos em apontar para a alternacircncia como
sustentaccedilatildeo da sua praacutetica educativa Assim como eacute salutar diferenciarmos Educaccedilatildeo do
Campo de Educaccedilatildeo Rural sempre que formos chamados a refletir sobre a educaccedilatildeo destinada
agraves populaccedilotildees camponesas tambeacutem eacute importante externar a diferenccedila que haacute de forma mais
decomposta entre o curriacuteculo desses dois paradigmas de se pensar o ensino Ribeiro (2010)
fazendo uma diferenciaccedilatildeo entre os dois modelos curricular aponta
[] 3ordm) Curriacuteculo objetivos e metodologia da escola rural estatildeo direcionados
para o sistema de produccedilatildeo de mercadorias no qual o proacuteprio ser humano eacute
uma mercadoria que pode ser descartaacutevel e flexiacutevel em tempos de desemprego
estrutural e tecnoloacutegico Para a escola baacutesica do campo a memoacuteria das lutas e
das experiecircncias produtivistas constitui-se na base curricular em que se
articulam a produccedilatildeo da vida dos alimentos da sociedade e da ciecircncia Em
14 Nesse momento eacute salutar esclarecer que ao nos referimos a sujeitos do campo estamos tratando de sujeitos
concretos de assentamentos aacutereas indiacutegenas quilombolas pescadores povos que tiram sua subsistecircncia das
florestas e toda a abrangecircncia que o termo campo engloba na contemporaneidade Os sujeitos do campo satildeo
antes de tudo cidadatildeo concretos que contribuem social econocircmico e culturalmente para com as melhorias e
avanccedilos que tivemos em nosso paiacutes
47
contraposiccedilatildeo ao conhecimento cientiacutefico que expulsa e subordina os
agricultores a proposta dos movimentos sociais populares ruraisdo campo
pensa a produccedilatildeo do conhecimento a partir das experiecircncias dos agricultores
articulando tais experiecircncias com o conhecimento cientiacutefico e tecnoloacutegico
socialmente produzido (RIBEIRO 2010 p 197)
Nesse sentido o curriacuteculo da escola do campo pretendido pelos movimentos sociais eacute o
que se adeacutequa agrave vida e ao trabalho das populaccedilotildees do campo e melhor intercala formaccedilatildeo
escolar cotidiano e cultura camponesa A proposta pedagoacutegica da alternacircncia tem sido o
caminho percorrido na busca da formulaccedilatildeo de um curriacuteculo democraacutetico e que atenda de
forma satisfatoacuteria as expectativas da Educaccedilatildeo do Campo
Ainda que tenhamos apontados os pontos positivos da Pedagogia da Alternacircncia
precisamos refletir sobre aspectos que tecircm se apresentado como preocupantes dialogaremos
melhor sobre as criacuteticas a essa proposta quando estivermos analisando o curriacuteculo do curso
Pedagogia da Terra pois seraacute mais faacutecil exemplificar essas preocupaccedilotildees Adiantamos que haacute
uma grande dificuldade em estabelecer a matildeo dupla entre escolauniversidade e comunidades
Tempo Escola e Tempo Comunidade tambeacutem tecircm ocorrido de forma bastante diferente do
que se pretende mas isso veremos mais adiante
25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS
DA EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO
Nesse momento eacute salutar externarmos alguns avanccedilos que o Movimento de Educaccedilatildeo
do Campo vem conseguindo nessa empreitada de lutas diaacuterias que tem travado contra o
Estado de classe que predomina em nossa sociedade Eacute importante destacar que as conquistas
ateacute aqui alcanccediladas satildeo de meacuterito da resistecircncia que os povos do campo tecircm empreendido ao
longo dos anos na busca pela garantia dos seus direitos os quais a historia nos mostra que
foram cerceados ou negados ao longo dos tempos
O trabalho precaacuterio a espoliaccedilatildeo sofrida pelos camponeses e pelas camponesas satildeo
marcas visiacuteveis de uma sociedade excludente e atrasada Sendo assim a organizaccedilatildeo dessas
populaccedilotildees tradicionais eacute antes de tudo um direito tendo em vista a legitimidade de lutar
contra a opressatildeo A sociedade tem uma diacutevida com esses grupos portanto
48
cronologicamente estaacute na hora de assumir essa responsabilidade no sentido de garantir os
direitos baacutesicos e fundamentais aos sujeitos do campo
A aprovaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da educaccedilatildeo nacional 40241961
fora norteada pela discussatildeo entre defensores da educaccedilatildeo puacuteblica e os da escola particular e
natildeo traz avanccedilos significativos agraves populaccedilotildees trabalhadoras do campo a Lei eacute uma ―meia
vitoacuteria na voz de Aniacutesio Teixeira ―mas vitoacuteria (SAVIANI 2008) A Lei 402461 ainda
apresentara em seu acircmago uma orientaccedilatildeo pela adaptaccedilatildeo do ao meio numa clara alusatildeo a
uma visatildeo civilizatoacuteria e evolucionista do sujeito do campo (MEC 2002)
A Lei nordm 4024 de dezembro de 1961 resultou de um debate que se prolongou
durante 13 anos gerando expectativas diversas a respeito do avanccedilo que o
novo texto viria a representar para a organizaccedilatildeo da educaccedilatildeo nacional O
primeiro anteprojeto e os demais substitutivos apresentados deram visibilidade
ao acirrado embate que se estabeleceu na sociedade em torno do tema O
anteprojeto elaborado pelo GT indicado sob a orientaccedilatildeo do Ministro
Clemente Marianne representou o primeiro esforccedilo de regulamentaccedilatildeo do
previsto na Carta Magna (1946) Este aleacutem de reforccedilar o dispositivo
constitucional expressa as mudanccedilas que perpassavam a sociedade em seu
conjunto Logo em seguida diversos substitutivos entre os quais os que foram
apresentados por Carlos Lacerda redirecionaram o foco da discussatildeo
Enquanto o primeiro anteprojeto se revelava afinado com as necessidades
educacionais do conjunto da sociedade dando ecircnfase ao ensino puacuteblico a
maior parte desses substitutivos em nome da liberdade representavam os
interesses das escolas privadas (MEC 2002 p 25-26)
Em 11 de agosto de 1971 eacute sancionada a Lei 5692 que fixara diretrizes e bases para
o ensino de 1ordm e 2ordm grau e de outras providecircncias (MEC 2002 p 27) Alguns entendem
como a segunda LDB e outros vecircm como a 402461 com algumas adequaccedilotildees A Lei
propotildee ajustamento agraves diferenccedilas culturais das diferentes regiotildees Tambeacutem prevecirc a
adequaccedilatildeo do periacuteodo de feacuterias agrave eacutepoca de plantio e colheita de safras No entendo em boa
medida reafirma o caraacuteter da LBD anterior apontando para a necessidade de adaptaccedilatildeo do
camponecircs agrave terra
Para Saviani (2008) e Porto (2007) a Lei nordm 569271 teve funccedilatildeo ideoloacutegica no
sentido de dar sustentaccedilatildeo ao periacuteodo de secessatildeo democraacutetica no qual o Brasil iniciara no
ano de 1964 Nesse periacuteodo o Governo autoritaacuterio buscava uma maior inserccedilatildeo nos estados
mais pobres do Brasil com ecircnfase no Norte e Nordeste Desse modo em muitos casos essa
lei teve um caraacuteter muito mais de instrumento poliacutetico do governo do que propriamente
49
educacional Segundo os autores a lei 569271 foi promulgada sob a eacutegide da estrateacutegia do
―autoritarismo triunfante
A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496 representou um avanccedilo
significativo para a educaccedilatildeo dos povos do campo sobretudo no que se refere agrave
especificidade desses sujeitos Em seu artigo 28 podemos observar que
Na oferta da Educaccedilatildeo Baacutesica para a populaccedilatildeo rural os sistemas de Ensino
promoveratildeo as adaptaccedilotildees necessaacuterias agrave sua adequaccedilatildeo agraves peculiaridades da
vida rural e de cada regiatildeo especialmente
I- conteuacutedos curriculares e metodologias apropriadas agraves reais necessidades e
interesses dos alunos na zona rural
II- organizaccedilatildeo escolar proacutepria incluindo adequaccedilatildeo do calendaacuterio escolar agraves
fases do ciclo agriacutecola e agraves condiccedilotildees climaacuteticas
III- adequaccedilatildeo agrave natureza do trabalho na zona rural
Os avanccedilos que temos observado sobretudo a partir da primeira deacutecada do seacuteculo
XXI do ponto de vista institucional se devem em grande medida agrave organizaccedilatildeo das
populaccedilotildees do campo e agrave resistecircncia histoacuterica que tem caracterizado essa populaccedilatildeo
Fruto de um novo cenaacuterio poliacutetico social e econocircmico a primeira deacutecada do Seacuteculo
XXI apresenta avanccedilos significativos sobretudo nas aacutereas sociais e educacionais ainda que
fortemente atrelados agraves poliacuteticas neoliberais da deacutecada de 1990
A Resoluccedilatildeo CNECEB 1 de 342002 portanto institui as Diretrizes
operacionais para a educaccedilatildeo baacutesica nas escolas do campo Nessa
resoluccedilatildeo percebe-se o reconhecimento de que a escola do campo tem uma
identidade vinculada agrave realidade na qual estaacute inserida [] Ao mesmo tempo
ressalta a importacircncia da educaccedilatildeo para o exerciacutecio pleno da cidadania e para
um desenvolvimento do paiacutes que consiste na solidariedade e a justiccedila social
envolvendo as populaccedilotildees rurais e urbanas (RIBEIRO 2010 p 191)
As Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo do Campo procura englobar o
entendimento de campo isto eacute o que entes era entendido como lugar de plantar passa por
uma ampliaccedilatildeo que vai de comunidades remanescente de quilombos comunidades indiacutegenas
pescadores assentados da reforma agraacuteria aacutereas ribeirinhas comunidades sem-terra e seus
sujeitos agregados caboclos meeiros entre outras (RIBEIRO 2010)
O campo nesse sentido mais do que um periacutemetro natildeo urbano eacute um campo de
possibilidades que dinamizam as ligaccedilotildees dos seres humanos e com a proacutepria produccedilatildeo das
condiccedilotildees da existecircncia social (MEC 2002) Nesse sentido as reivindicaccedilotildees por poliacuteticas
50
puacuteblicas para esses povos assim como a valorizaccedilatildeo e reconhecimento dos seus saberes e
praacuteticas passa a ser foco subjacente desse novo periacuteodo
A aprovaccedilatildeo das Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo Baacutesica nas Escolas do
Campo eacute o resultado das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que lutam por educaccedilatildeo de
qualidade e vida digna para os povos do campo com destaque para o MST A aprovaccedilatildeo das
Diretrizes tem a contribuiccedilatildeo de vaacuterias organizaccedilotildees sociais comprometidas com as
transformaccedilotildees que a contemporaneidade enseja Satildeo Movimentos Sociais Conselhos
Estaduais e Municipais de Educaccedilatildeo Uniatildeo Nacional dos Dirigentes Municipais de Educaccedilatildeo
(UNDIME) universidades e instituiccedilotildees de pesquisa o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel Organizaccedilotildees Natildeo Governamentais e diversos outros
setores engajados em projetos direcionados para o desenvolvimento socialmente justo no
espaccedilo diverso e multilateral do campo (MEC 2002)
Podemos observar que as Diretrizes Operacionais para as Escolas do Campo vieram
como subsiacutedio e reforccedilam agrave LDB 939496 que jaacute estabelecera normas especiacuteficas agrave Educaccedilatildeo
do campo como podemos ler no artigo 5ordm das Diretrizes Operacionais das Escolas do campo
As propostas pedagoacutegicas das escolas do campo respeitadas as diferenccedilas e o
direito agrave igualdade e cumprindo imediata e plenamente o estabelecido nos
artigos 23 26 e 28 da Lei 9394 de 1996 contemplaratildeo a diversidade do
campo em todos os seus aspectos sociais culturais poliacuteticos econocircmicos de
gecircnero geraccedilatildeo e etnia( LDB 1996 p 23)
O processo de normatizaccedilatildeo eacute sem duacutevida de suma importacircncia para a garantia do
direito No entanto sabe-se que esse direito eacute demasiado abstrato enquanto natildeo eacute usufruiacutedo
Sabemos ainda que como escreveu Freire (2012) natildeo seraacute por decreto que a sociedade se
livraraacute dos horrores e das grandes desigualdades que a afligem A Associaccedilatildeo Nacional pela
Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo (ANFOPE 2010 p 90) ratifica que ―natildeo seraacute a
implementaccedilatildeo de novas leis que asseguraraacute as mudanccedilas necessaacuterias na educaccedilatildeo poreacutem a
legislaccedilatildeo reflete o campo de forccedilas que contorna as disputas pela sua criaccedilatildeo implementaccedilatildeo
e controle Sabemos ainda que esse eacute um passo de suma importacircncia para a conquista dos
objetivos ensejados
51
3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO
CAMPO
ldquoOs socialistas estatildeo aqui para lembrar ao mundo que em
primeiro lugar devem vir as pessoas e natildeo a produccedilatildeo As pessoas
natildeo podem ser sacrificadas Nem tipos especiais de pessoas ndash os
espertos os fortes os ambiciosos os belos aqueles que podem um
dia vir a fazer grandes coisas ndash nem qualquer outra
Especialmente aquelas que satildeo apenas pessoas comunsrdquo
Eric Hobsbawm (1992)
Os avanccedilos no tocante a Educaccedilatildeo do Campo satildeo notoacuterios O movimento ganhou
corpo e a resistecircncia organizada obteve conquistas e melhorias significativas agraves populaccedilotildees
tradicionais do campo brasileiro em que pese reconhecermos o esquecimento ao qual boa
parte dos sujeitos do campo ainda estatildeo imersos Batista (2009 p 207) afirma que ―no Brasil
a educaccedilatildeo enquanto poliacutetica de estado tem sido instrumentalizada pelo projeto histoacuterico
capitalista e seus poderes hegemocircnicos para atender aos seus interesses
Em contraponto a esse modelo de desenvolvimento e de sociedade os movimentos
sociais tecircm se organizado no sentido de garantir uma agente propositiva para os setores
historicamente colonizados
No contexto atual do capitalismo mundializado em que apesar da crise
estrutural predomina a hegemonia do capital na produccedilatildeo econocircmica social
poliacutetica e nas poliacuteticas de educaccedilatildeo a educaccedilatildeo dos movimentos se afigura
como instituinte orgacircnica de um projeto de sociedade e que tem como fim a
formaccedilatildeo humana o sujeito histoacuterico que constroacutei pela luta e resistecircncia a
emancipaccedilatildeo social e dos seres humanos como um devir como uma
possibilidade de construir uma nova sociedade (BATISTA 2009 p 208)
A educaccedilatildeo pautada pelos movimentos sociais do campo tecircm se afinado em muito
com o projeto contra-hegemocircnico de sociedade Tem feito um enfretamento necessaacuterio ao
modelo neoliberal de educaccedilatildeo que tem propagado abertamente o fim das alternativas
afirmando deliberadamente que natildeo haacute opccedilatildeo fora do paradigma globalizado O papel dos
movimentos tecircm sido mostrar justamente o contraacuterio O Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do
52
Campo encontra eco no seio da Pedagogia Paulo Freire cujo sentido tem sido inventado e
reinventado nos muitos exemplos e na diversidade de experiecircncias pelo Brasil
Desse modo o paradigma contra-hegemocircnico natildeo eacute uma criaccedilatildeo do imaginaacuterio de
idealistas mas eacute antes uma possibilidade concreta que nos permeia como assinala Gadotti
(1999 p 268)
A educaccedilatildeo popular e socialista natildeo eacute uma ideacuteia abstrata nem uma utopia
pedagogista Ela se encontra em desenvolvimento entre noacutes por exemplo no
proacuteprio processo de resistecircncia e de luta pela superaccedilatildeo das desigualdades
Nesse momento histoacuterico no Brasil ela constitui-se um instrumento dessa
luta
A necessidade em uma educaccedilatildeo alternativa que assuma a classe oprimida como
resultado de um processo histoacuterico vai de encontro agrave educaccedilatildeo pretendida pelo Estado Uma
educaccedilatildeo libertadora que consiga enxergar a realidade do sujeito como geradora de conteuacutedo
que entenda a situaccedilatildeo de pobreza e miseacuteria fora do determinismo religioso e que sobretudo
aponte saiacutedas e possibilidades de liberdade para o ser eacute necessaacuteria e urgente A escola tornou-
se importante instrumento de difusatildeo da pedagogia da hegemonia ou pedagogia da
conservaccedilatildeo e concomitantemente em veiacuteculo que limita e emperra a construccedilatildeo e a
veiculaccedilatildeo de uma pedagogia da contra-hegemonia (NEVES 2005)
A contemporaneidade nos mostra que o discurso de negaccedilatildeo do acesso agrave educaccedilatildeo por
parte do Estado jaacute natildeo se sustenta com tanto vigor Eacute preciso nesse momento em que haacute um
forte discurso sobre acesso e permanecircncia sobretudo de estudantes da classe trabalhadora
pensar a quem interessa esse ensino e retomar a claacutessica questatildeo a serviccedilo de que e de quem
estaacute tal ensino Tendo em vista o atual estado de vigecircncia da pedagogia da hegemonia Rossi
(1980) afirma que quanto mais educaccedilatildeo nesse sentido [da hegemonia] tanto mais
conformidade isto eacute mais a sociedade permaneceraacute conforme o modelo vigente Ou ainda
mais claramente quanto mais conformaccedilatildeo e conformidade tanto mais educaccedilatildeo
Assim partindo do pressuposto que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo bebe da
heranccedila da Pedagogia Paulo Freire essa dialogicidade entre as concepccedilotildees tem feito um
tensionamento importante e necessaacuterio ao atual modelo que a sociedade adquiriu com o
advento do neoliberalismo A educaccedilatildeo criacutetica eacute cada vez mais urgente sobretudo em tempos
53
de massificaccedilatildeo em que se apregoa a universalizaccedilatildeo do ensino escolarizado como a meta do
seacuteculo
Por fim entendemos que a educaccedilatildeo seja pra todos e todas afinal eacute um direito
humano fundamental mas que ela natildeo cegue natildeo reduza a capacidade de pensar e agir mas
sim que tenha a capacidade de injetar acircnimo e esperanccedila no camponecircs na camponesa no
desempregado e na desempregada na crianccedila no jovem e no idoso O cerne dessa educaccedilatildeo
encontra-se na pedagogia freireana nas praacuteticas da Educaccedilatildeo do Campo no Movimento Sem
Terra e em vaacuterios outros espaccedilos que dialogam com a Educaccedilatildeo Popular
31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO ATUAL DEBATE DA
EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM
Partindo do pressuposto inicial desta pesquisa em que pensaacutevamos qual a
contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo
Chegamos a alguns pontos centrais desta reflexatildeo A contemporaneidade do debate da
Educaccedilatildeo do Campo nos aponta para uma perspectiva dialoacutegica entre a Pedagogia Paulo
Freire e os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo Haacute uma indissociabilidade entre ambas Sendo
a primeira portadora da essecircncia que alimenta a segunda satildeo por conseguinte pedagogias
que se complementam (SILVA FILHO PORTO 2012)
Em um tempo em que a educaccedilatildeo criacutetica libertadora e preocupada com questotildees
poliacuteticas sociais e histoacutericas tornou-se ―alieniacutegena caduca e ―comunista de postura
antiquada ou idealista cabe um questionamento faz sentido insistir na divulgaccedilatildeo de ideias
contra-hegemocircnicas da Educaccedilatildeo do Campo e de Paulo Freire no atual mercado da poacutes-
modernidade Essa eacute uma pergunta que Nosela (2010) faz acerca de Gramsci na atualidade e
que nos serve de paracircmetro para o debate
Eacute importante situar a pedagogia freireana dentro de uma loacutegica de contraponto a todo
o modelo neoliberal que se tornou hegemocircnico na educaccedilatildeo de fins do seacuteculo XX e iniacutecio do
seacuteculo XXI O pensamento de Paulo Freire assim como de outros pedagogos de matriz
socialista como Pistrak e Makarenko tem contribuiacutedo grandemente com o atual Movimento
de Educaccedilatildeo do Campo
54
Tanto a pedagogia freireana como a Educaccedilatildeo do Campo se coadunam como meios
de resistecircncia a um ―capitalismo lean and mean que nas palavras de Dowbor15
estaacute impelido
pelas proacuteprias regras de eficiecircncia e que portanto deixa pouco espaccedilo para refletir sobre
valores
Uma economia que natildeo se torna capaz de programar-se em funccedilatildeo das
necessidades do ser humano e que ―convive fria e indiferentemente com a
miseacuteria e a fome de milhotildees a quem tudo eacute negado natildeo merece meu respeito
de educador mas sobretudo meu respeito de gente (FREIRE 2012 p 36)
Eacute exatamente sobre a necessidade de revitalizar palavras como valor eacutetica
solidariedade felicidade e humanizaccedilatildeo que estamos discorrendo O monopoacutelio capitalista
ressignificou todas essas palavras e lhes esvaziou seus sentidos resumindo-as basicamente ao
poder de compra o que Ball (2011) denominou de democracia do consumo Entretanto uma
pedagogia que faccedila o caminho oposto a esse que impregne sentido e identidade aos homens e
mulheres que lhes devolva o direito de optar e decidir (FREIRE 2012) e que forme o sujeito
em sua plenitude eacute o assento dessa pedagogia que estamos pautando eacute o assento portanto da
Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do campo
Natildeo cabe o fatalismo e o determinismo como norteadores do pensamento dos sujeitos
O poder de natildeo se resignar perante situaccedilotildees concretas de opressatildeo eacute uma das maiores
contribuiccedilotildees de Freire ao atual debate da Educaccedilatildeo do Campo
Como vimos a historiografia mostra que no Brasil o periacuteodo que compreende os anos
1950 e 1960 eacute identificado como populismo periacuteodo que esteve voltado agrave construccedilatildeo de um
projeto de desenvolvimento econocircmico nacional (RIBEIRO 2010) A economia brasileira
ainda apresentava-se essencialmente agraacuteria e produtora de mateacuterias-primas Politicamente o
suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 a posse de Juscelino Kubitschek em 1956 a renuacutencia de
Jacircnio Quadros em 1961 e o Golpe Militar de 1964 proporcionaram um cenaacuterio de mudanccedilas
que caracterizam uma ―sociedade em tracircnsito (FREIRE 1983) e rica em organizaccedilotildees
populares
15 Prefaacutecio ao livro ―Agrave sombra desta mangueira (Paacuteg 18)
55
Eacute nessa complexidade que a gecircnese do pensamento de Paulo Freire emerge Surge das
contradiccedilotildees da sociedade brasileira sociedade essa governada por uma elite conservadora e
detentora de privileacutegios na qual o homem simples domesticado e alienado eacute forccedilado a viver
como objeto esmagado e oprimido pela sombra da marginalizaccedilatildeo e da dependecircncia
(FREIRE 2011)
Nesse momento histoacuterico Paulo Freire identificou um modelo de ensino que servia
justamente para a manutenccedilatildeo do estado de miseacuteria e analfabetismo em que grande parte da
populaccedilatildeo do campo e da cidade se encontrava A esse ensino Freire chamou de educaccedilatildeo
bancaacuteria abordado na obra de sua autoria Pedagogia do Oprimido Esse modelo de ensino
estaacute muito aqueacutem da realidade dos sujeitos Eacute um paradigma desinteressado com as questotildees
referentes ao dia-a-dia dos sujeitos do seu trabalho dos seus sonhos da vida praacutetica
No sentido oposto a concepccedilatildeo bancaacuteria de educaccedilatildeo a Pedagogia Paulo Freire se
realiza e materializa respeitando os sujeitos simples o ―saber de experiecircncia feito desses
sujeitos Aleacutem disso busca entender a realidade como geradora de conteuacutedos de curriacuteculo A
relaccedilatildeo eacute dialeacutetica e dialoacutegica eacute uma relaccedilatildeo entre educador educando e o mundo (FREIRE
2011) Esse paradigma se assemelha de forma demasiada com a concepccedilatildeo atual da Educaccedilatildeo
do Campo que por sua vez estaacute diretamente ligada a realidade que lhe produziu ou seja a
necessidade e a luta por direitos historicamente negados e tem em sua gecircnese a resistecircncia
dos movimentos sociais camponeses (CARLDART et al 2012)
Os princiacutepios educacionais da Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do Campo
coadunam para o mesmo sentido e se cruzam por diversos momentos estando inter-
relacionados como procuramos mostrar na figura a baixo
Educaccedilatildeo do Campo
Pedagogia Paulo Freire
Figura III ndash Dialogicidade entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire
56
Os sentidos comungam portanto para uma mesma concepccedilatildeo de lugar sujeito
educaccedilatildeo e sociedade Eacute importante ressaltar nesse processo de compartilhamento a
anterioridade do pensamento de Paulo Freire visto que o que hoje discutimos jaacute era debatido
por ele na deacutecada de 1950 (GADOTTI 1997)
Nesse sentido o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo herdou muito do pensamento de
Paulo Freire e tem reinventado sua pedagogia Isso eacute de uma importacircncia iacutempar pois Freire
sempre afirmara que sua pedagogia devia ser reinventada (FREIRE 2012) jamais
transplantada de forma acriacutetica de uma realidade a outra A Educaccedilatildeo do Campo tem feito um
importante tensionamento e disputado opiniotildees na base da sociedade acerca do modelo
educacional que temos e a serviccedilo de quem ele estaacute
O modelo de educaccedilatildeo contra-hegemocircnico natildeo foi pensado por intelectuais
academicistas ateacute porque essa categoria pouco se envolve com as questotildees sociais
(RIBEIRO 2010) mas eacute justamente o movimento contraacuterio ela emerge das situaccedilotildees de
descaso e usura do Estado frente aos homens e mulheres do campo sem terra sem teto sem
trabalho sem perspectiva Eacute daiacute que surge a contra-hegemonia que jamais poderaacute ser criada
para indignados uma vez que jaacute foi criada por estes Eacute nesse sentido que estaacute posta a
Pedagogia Paulo Freire natildeo como uma receita a ser seguida mas como fruto como
artesanato construiacutedo paulatinamente por indignaccedilatildeo exclusatildeo e opressatildeo Essa concepccedilatildeo eacute
educativa natildeo pretende tornar-se opressora daqueles que hoje oprimem mas antes eacute a uacutenica
capaz de libertar o opressor tornando-o livre no mais autecircntico sentido que a palavra carrega
Eacute desse paradigma que a Educaccedilatildeo do Campo bebe e reinventa a pedagogia freireana a
pedagogia do oprimido a pedagogia do povo simples dos demitidos da terra
A educaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo assim como toda uma vasta produccedilatildeo
que coloca o ensino como tarefa humana e humanizadora que entende o sujeito como ator e
protagonista da sua histoacuteria que se indigna e que se revolta frente ao atual estado de coisa e
esvaziamento no qual a educaccedilatildeo mergulhou todas essas caracteriacutesticas formam pois o que
chamamos pedagogia contra-hegemocircnica e que estaacute no cerne da pedagogia freireana e na
Educaccedilatildeo do Campo
A ressignificaccedilatildeo do sujeito do campo assim como do lugar desse sujeito ou seja o
campo satildeo contribuiccedilotildees significativas do pensamento de Paulo Freire O sujeito o homem e
57
a mulher do campo eram vistos (em boa medida ainda satildeo) dentro da loacutegica produtivista como
matildeo-de-obra barata e passiva de exploraccedilatildeo e por outro lado invisibilizados dentro dos seus
direitos poliacutetico-sociais Essa circunstacircncia na qual os sujeitos do campo estavam envoltos
indubitavelmente eacute responsaacutevel pela negaccedilatildeo da condiccedilatildeo de vita activa16
A exclusatildeo da vida
participativa do paiacutes tem como heranccedila a perpetuaccedilatildeo da opressatildeo e da negaccedilatildeo fatores que
acompanham os sujeitos do campo ao longo da histoacuteria
Para Paulo Freire o sujeito eacute tanto histoacuterico quanto social resultante de um complexo
de vivecircncias reais Capaz de diferentemente do animal que apenas se adapta a realidade
integrar-se a sua realidade e nela interferir (FREIRE 2012)
Quando nos referimos ao campo eacute preciso ter o devido cuidado para natildeo cairmos no
conservadorismo de uma visatildeo homogecircnea de sujeito e lugares entendendo por exemplo o
campo como lugar passivo ao qual atribui-se um olhar negativo e preconceituoso (ARROYO
2009) Tanto Paulo Freire como o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo recusam esse
determinismo com forte veemecircncia pois sabe-se que as relaccedilotildees satildeo complexas e que a
calmaria tiacutepica da zona rural esconde um emaranhado de relaccedilotildees sociais de trabalho e de
famiacutelia cuja dinacircmica requer perspicaacutecia e sutileza para seu entendimento
Tendo em vista a importacircncia do legado de Paulo Freire natildeo somente para a Educaccedilatildeo
do Campo mas para toda a educaccedilatildeo popular para os espaccedilos natildeo escolares em que se
desenvolvem projetos educacionais e para outra infinidade de possibilidades de reinvenccedilatildeo da
pedagogia freireana eacute que dialogaremos a partir de agora com o exemplo da Experiecircncia de
Angicos - RN como exemplo de pioneirismo e autenticidade do pensamento de Paulo Freire
16 Hannah Arendt na obra ―A condiccedilatildeo Humana 10 ed Rio de Janeiro 2007 Pode ser entendido como a
condiccedilatildeo de participaccedilatildeo ativamente na vida poliacutetica da sociedade
58
32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA
PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO NORTE
Figura IV ndash Angicos nos dias de hoje (2014) Fonte o proacuteprio autor
(Em nenhum lugar do mundo onde estive fiquei mais tocado do que aqui e agora
Paulo Freire Angicos 28 de agosto de 1993)
Os fins da deacutecada de 1950 e iniacutecio de 1960 satildeo fortemente marcados por movimentos
de cunho popular e participativo Um periacuteodo particularmente rico em organizaccedilotildees sociais e
coletivas cujos objetivos giravam em torno de reformas estruturantes na sociedade brasileira
Direitos trabalhistas educacionais Reforma Agraacuteria satildeo exemplos de temaacuteticas que vinham
sendo abertamente discutidas pelo governo e as sociedade civil coletivamente organizada No
campo essa movimentaccedilatildeo se deu de forma particularmente rica
O Movimento de Cultura Popular (MCP) do Recife a partir de maio de
1960 a Campanha ―De peacute no chatildeo tambeacutem se aprende a ler em Natal a
partir de 1960 o Movimento de Educaccedilatildeo de Base (MEB) da Conferecircncia
Nacional dos Bispos Brasileiros os Centros Populares de Cultura (CPCs) da
Uniatildeo Nacional dos Estudantes e outros movimentos de menor amplitude
satildeo testemunhas da notaacutevel efervescecircncia desse periacuteodo (BEISIEGEL 2010
p 18)
59
Uma das primeiras iniciativas no tocante a criaccedilatildeo de uma poliacutetica para atender aos
jovens e adultos analfabetos diz respeito agrave criaccedilatildeo do Serviccedilo de Educaccedilatildeo de Adultos (SEA)
em 1947 e dessa accedilatildeo a criaccedilatildeo da Campanha de Educaccedilatildeo de Adultos (BEISIEGEL 2010)
No entanto essa campanha ainda resguardava em sua metodologia a transferecircncia dos
conteuacutedos trabalhados com crianccedilas no primaacuterio aos jovens e adultos que estudavam a noite
O proacuteprio Lourenccedilo Filho que era um expoente dessa campanha escreveu textos cujo assento
residia na sua preocupaccedilatildeo com essa metodologia
Natildeo obstante as reiteradas manifestaccedilotildees de Lourenccedilo Filho sobre a
necessidade de atentar agraves particularidades e as exigecircncias especiacuteficas do
adulto pouco escolarizado na grande maioria das classes professores do
ensino infantil reproduziam agrave noite com seus alunos jovens e adultos os
trabalhos que realizavam no periacuteodo diurno com os seus alunos do ensino
primaacuterio fundamental comum (BEISIEGEL 2010 p 24)
Aos poucos percebe-se que o caraacuteter puramente de erradicar o analfabetismo fazendo
com que os sujeitos jovens e adultos lessem e escrevessem natildeo garantia uma cidadania plena
no gozo de direitos Desse modo inicia-se nesse acircmbito um paradigma que pensa a questatildeo
do analfabetismo como eminentemente de cunho social requerendo portanto uma visatildeo mais
ampla da questatildeo Em 1958 Freire escreve ―A educaccedilatildeo de adultos e as populaccedilotildees marginais
o problema dos mocambos que jaacute tratava a temaacutetica sob a oacutetica dos problemas sociais mais
abrangentes (BEISIEGEL 2010)
O trabalho que projetou Freire nacionalmente contraditoriamente foi o mesmo que o
levou agrave prisatildeo com o advento da Ditadura Militar Devido agrave experiecircncia de Angicos ele foi
considerado ―ignorante e subversivo pelo Regime Militar Segundo o livro organizado pelo
Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia (2012 p36) denominado ―Paulo Freire
anistiado poliacutetico brasileiro ―Alguns de seus alunos tambeacutem foram presos e passaram por
outras dificuldades depois da experiecircncia de Angicos (1963) considerada subversiva e mais
tarde cancelada
Vale salientar que o Regime Militar foi extremamente violento tambeacutem com os
camponeses As lutas natildeo se resumiam agrave cidade Haacute pouco a sindicalizaccedilatildeo rural havia sido
um fenocircmeno extensivo a quase todo o nordeste com ecircnfase na Paraiacuteba Rio Grande do Norte
e Pernambuco especialmente atraveacutes da Campanha de Educaccedilatildeo Popular juntamente com a
60
Juventude Universitaacuteria Catoacutelica - JUC - Juventude Agraacuteria Catoacutelica e o Movimento de
Educaccedilatildeo de Base ndash MEB (SILVA 2011 FREIRE 1983)
O caraacuteter da experiecircncia realizada em Angicos estaacute assentado nos princiacutepios da
Educaccedilatildeo Popular que para Carlos Rodrigues Brandatildeo (2009 p 09) tem um papel e um
sentido histoacuterico como resistecircncia e oposiccedilatildeo ao status quo
Figura V ndash AngicosRN
A experiecircncia de Angicos no Estado do Rio Grande do Norte em 1963 conteacutem o cerne
da pedagogia freirena ou seja Freire (1983 p 06) afirma que ―a alfabetizaccedilatildeo e a
conscientizaccedilatildeo jamais se separam Nesse momento histoacuterico o sujeito do campo imerso no
populismo por um lado e no analfabetismo por outro conforme Ribeiro (2010) enfrenta um
periacuteodo de grandes privaccedilotildees no campo social poliacutetico econocircmico e educacional Eacute nesse
ultimo principalmente que a experiecircncia de Angicos eacute significativa pois educaccedilatildeo era luxo
restrito agraves classes dominantes
Segundo documento organizado pelo Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia
(2012) Paulo Freire e seus colaboradores Alfabetizaram 300 trabalhadores rurais em poucos
dias accedilatildeo que significou um fenocircmeno revolucionaacuterio Eacute importante salientar o princiacutepio
dessa alfabetizaccedilatildeo Freire (1983 p 96) afirma que ―Toda separaccedilatildeo entre os que sabem e os
que natildeo sabem do mesmo modo que a separaccedilatildeo entre as elites e o povo eacute apenas fruto de
circunstacircncias histoacutericas que podem e devem ser transformadas Portanto muito mais do que
o simples ato de alfabetizar havia uma ideologia progressista cuja finalidade residia na
conscientizaccedilatildeo poliacutetica dos sujeitos frente a um mundo de privaccedilotildees
Esse trabalho obteacutem grande repercussatildeo nacional e internacional Estende a
experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN) e Joatildeo Pessoa (PB)
61
O trabalho da equipe do Recife foi o de ir a Natal capacitar a equipe de
Marcos que partiu depois para Angicos O primeiro trabalho dessa equipe
foi fazer o universo vocabular da regiatildeo Nunca me esqueccedilo que a primeira
palavra geradora de Angicos foi ―belota uma corruptela de borlota que eacute
exatamente esse negoacutecio de pocircr em rede em cortina Por que isso Nessa
regiatildeo se trabalhava muito com couro e eles usavam nos rebenques
exatamente uma borlota mas que o povo chama belota Essa foi a primeira
palavra geradora de uma riqueza extraordinaacuteria em ambos os aspectos
socioloacutegicos e linguiacutesticos porque ela introduzia trecircs famiacutelias silaacutebicas a do
ba-be-bi-bo-bu e do la-le-li-lo-lu e a do ta-te-ti-to-tu Ela em si abria a
possibilidade de criaccedilatildeo de novas palavras Depois dessa seleccedilatildeo feita os
meninos foram e passaram a morar laacute Um mecircs depois tinha trezentas
pessoas lendo e escrevendo (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO
DE ANISTIA 2012 p86)
As 40 horas de Angicos foi um espaccedilo de extrema riqueza Os participantes daquela
experiecircncia satildeo testemunhas da efetivaccedilatildeo de uma praacutexis Um momento em que teoria e
praacutetica dialogaram justamente como sempre defendeu Freire Eacute importante destacar que os
300 trabalhadores que se alfabetizaram eram em sua maioria trabalhadores rurais ―Silentes e
autodesvalidos os sem-terra e sem-palavra foram tocados pelo olhar predileto que Paulo lhes
dirigiu em Angicos Os jovens agricultores ainda sem terra mas que jaacute conquistaram a
palavra leem Paulo Freire para transformar seu projeto de vida (idem p 117)
Figura VI ndash Experiecircncia de AngicosRN
Nos anos 50 quando ainda se pensava na educaccedilatildeo de adultos como uma
pura reposiccedilatildeo dos conteuacutedos transmitido agraves crianccedilas e jovens Paulo Freire
propunha uma pedagogia especiacutefica associando estudos experiecircncias
vividas trabalho pedagogia e poliacutetica (GADOTTI 1996 p 70)
Desse modo percebemos um niacutetido respeito que o educador Paulo Freire tem para
com os educandos Ele desenvolve uma educaccedilatildeo totalmente contraacuteria agrave educaccedilatildeo
escolarizada cujas metodologias estatildeo intimamente ligadas por um conteuacutedo a-histoacuterico que
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natildeo leva a uma reflexatildeo criacutetica do mundo Onde o maior objetivo eacute o depoacutesito de tudo o que
foi decorado ao longo de um periacuteodo
Essa focircrma (de formar) de educar eacute fortemente recusada por Freire (2011) Na
Pedagogia do Oprimido denominou de ―educaccedilatildeo bancaacuteria Os sujeitos envolvidos no
processo satildeo meros receptores Depoacutesitos de conteuacutedos que natildeo tecircm nenhuma relaccedilatildeo com a
realidade Freire caminha em direccedilatildeo oposta agrave educaccedilatildeo bancaacuteria entende que a realidade e a
vida concreta dos sujeitos eacute geradora de conteuacutedo e portanto a gecircnese da alfabetizaccedilatildeo
deveria comeccedilar pois daquela realidade partindo para o universalmente conhecido
(FREIRE 2011)
A leitura que Freire faz do sujeito do campo nordestino eacute sem duacutevida avanccedilada Um
momento em que o campo brasileiro padecia de grande estigma e preconceito Freire se utiliza
da realidade dos camponeses do modo de vida do trabalho das experiecircncias para partindo
desse ponto chegar agrave alfabetizaccedilatildeo e agrave conscientizaccedilatildeo desses sujeitos A educaccedilatildeo das
populaccedilotildees camponesas esteve longe de ser o ponto nevraacutelgico dos interesses das classes
dominantes afinal ―eacute mais difiacutecil explorar um camponecircs que sabe ler do que um analfabeto
17
Paulo Freire natildeo se separa da poliacutetica Paulo Freire deve ser considerado
tambeacutem como um poliacutetico Esta eacute a dimensatildeo mais importante de sua obra Ele
natildeo pensa a realidade como um socioacutelogo que procura apenas entendecirc-la []
Por isso ele pensa a educaccedilatildeo ao mesmo tempo como ato poliacutetico como ato de
conhecimento e como ato criador (GADOTTI 1996 p 70)
A intervenccedilatildeo que Freire realiza em Angicos eacute uma atividade eminentemente poliacutetica
tinha como objetivo aleacutem da alfabetizaccedilatildeo a politizaccedilatildeo dos trabalhadores rurais daquele
municiacutepio isso em um periacuteodo de predomiacutenio das oligarquias rurais do voto de cabresto e de
extrema espoliaccedilatildeo da matildeo-de-obra dos agricultores Pois eacute em meio a esse cenaacuterio que
Freire juntamente com seus colaboradores desenvolve um paradigma de alfabetizaccedilatildeo cujo
principio eacute a libertaccedilatildeo do povo da condiccedilatildeo de oprimido e ―demitido da vida
Sua concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e logicamente sua proposta educacional que
havia mostrado resultado altamente positivo na experiecircncia em Angicos
17 Resposta pela recusa da natildeo alfabetizaccedilatildeo dos camponeses proposta por Voltaire a Imperatriz Catarina da
Ruacutessia no Seacuteculo XVIII
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(RN) consistia em afirmar que todo ato educativo eacute um ato poliacutetico assim
sendo a educaccedilatildeo conteacutem a potencialidade da transformaccedilatildeo da sociedade
por intermeacutedio de uma consciecircncia criacutetica da realidade tarefa que tanto o
educador como o educando devem assumir no ato educativo (INSTITUTO
PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012 p 43)
Segundo Germano (1997) o desafio e o objetivo da experiecircncia de Angicos era tanto
alfabetizar como conscientizar politicamente os trabalhadores em 40 horas A experiecircncia que
era patrocinada pelo ―Alianccedila para o Progresso um programa de origem estadunidense e do
Governo do Rio Grande do Norte que agrave eacutepoca estava sob mandato de Aluizio Alves
experiecircncia que ganhou conhecimento nacional e internacionalmente
O que queremos apontar como novidade nesse olhar que lanccedilamos sobre a experiecircncia
de Angicos amplamente conhecida eacute evidenciar que o puacuteblico participante era de forma
majoritaacuteria trabalhadores rurais em uma cidade cujo periacuteodo histoacuterico dificulta falar-se em
urbanidade puacuteblico esse objeto de nossa reflexatildeo nesta dissertaccedilatildeo de mestrado Nesse
sentido situamos o pensamento de Paulo Freire como de grande importacircncia ao atual debate
da Educaccedilatildeo do Campo O que estamos debatendo hoje como o respeito agraves vivecircncias e
experiecircncias a importacircncia do lugar e o famigerado modismo do ―conhecimento preacutevio
Freire tratou ainda em 1963 com responsabilidade e humanismo Assim eacute salutar
percebermos a experiecircncia de Angicos como uma importante fonte histoacuterica que pode (e
certamente haveraacute de) contribuir em muito com o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo
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4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIENCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO
CAMPO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
Feito o debate teoacuterico-metodoloacutegico acerca da Educaccedilatildeo do Campo e de suas raiacutezes
histoacutericas no Brasil e tambeacutem sobre a atual posiccedilatildeo que esta modalidade de ensino ocupa
entendemos ser este o momento de estreitar e externar experiecircncias que ilustram de modo
singular a inserccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo na universidade brasileira Para tanto tomamos
como recorte analiacutetico o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte Procuramos refletir sobre a contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana ao ―Projeto
do curso entendendo que o aporte do pensamento de Paulo Freire na Educaccedilatildeo do Campo eacute
de extrema relevacircncia Entendemos que a formulaccedilatildeo da proposta curricular dessa natureza
ou seja pensada para cursos cujos sujeitos tecircm viacutenculo direto com o campo carece de certo
alinhamento ideoloacutegico com a pedagogia freireana uma vez que esta canaliza a resistecircncia
histoacuterica dos povos do campo
A tomada do curso como recorte se explica pela aproximaccedilatildeo e atuaccedilatildeo que tivemos
com a turma de Pedagogia da Terra no periacuteodo de 2010 a 2011 periacuteodo no qual atuamos
como monitor Jaacute a busca pela contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana agrave Proposta poliacutetico-
pedagoacutegica e Plano de Trabalho se faz necessaacuterio pelo foco central deste trabalho mas
tambeacutem pela singular experiecircncia de aprender e pesquisar sobre o pensamento de Paulo Freire
no Grupo de Estudo da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) na Universidade Federal da
Paraiacuteba Aleacutem do mais entendermos que Educaccedilatildeo do Campo eacute uma questatildeo de grande valor
natildeo pode estar simplesmente coadunando com os paradigmas educacionais fugazes que a
contemporaneidade tem nos mostrado em outras palavras a Educaccedilatildeo do Campo natildeo pode
ser moda mas antes oportunidade para os sujeitos do campo se posicionar frente ao mundo e
aos seus pares
Na atuaccedilatildeo como monitor tivemos a oportunidade de vivenciar e compartilhar das
dificuldades alegrias avanccedilos e limitaccedilotildees que os educandos e as educandas enfrentaram no
dia a dia Esse conviacutevio foi de grande importacircncia pois humanizou as relaccedilotildees que a
universidade por vezes esvazia Satildeo pessoas com sonhos frustraccedilotildees dificuldades
financeiras limitaccedilotildees cognitivas mas sobretudo satildeo pessoas que lutam que persistem que
natildeo se envergonham de ocupar com simplicidade o espaccedilo de ―glamour que ainda eacute a
universidade brasileira
65
Aleacutem do Curso de Pedagogia da Terra da UFRN os cursos de Jornalismo da Terra da
Universidade Federal do Cearaacute (UFC) Especializaccedilatildeo Lato Sensu em Direitos Sociais do
Campo promovida pelo IncraPronera e a Universidade Federal de Goiaacutes (UFG) Licenciatura
em Pedagogia pelo Programa Estudante - ConvecircnioMovimento Sociais do Campo ndash
PECMSC (UFPB) entre outros satildeo exemplos e frutos colhidos apoacutes anos afinco na luta
cerrada e disputas dentro da superestrutura poliacutetica Por isso mesmo entendemos que essas
experiecircncias representam a inserccedilatildeo concreta de sujeitos do campo na Universidade puacuteblica
brasileira sendo por esse motivo merecedora de anaacutelise detalhada e pesquisas futuras
Para entendermos melhor a atualidade da Educaccedilatildeo do Campo como poliacutetica puacuteblica
destinada a um puacuteblico especiacutefico (do campo) eacute preciso situar a temaacutetica na historiografia A
pesquisadora da Faculdade de Educaccedilatildeo da UFMG Antunes-Rocha (2011 p125) eacute enfaacutetica
ao afirmar que sobre cursos de formaccedilatildeo de professores para o campo ―natildeo encontrei nada
antes de 1997 Natildeo por acaso essa data coincide com a conquista do Pronera programa esse
que entendemos ser portador do cerne da questatildeo da Educaccedilatildeo do Campo no Brasil enquanto
poliacutetica puacuteblica
O curso de Pedagogia da Terra eacute fruto da luta histoacuterica dos movimentos sociais do
campo no Brasil ele representa em boa medida os anseios teoacutericos e praacuteticos de inclusatildeo
social Assim como todo e qualquer espaccedilo o curso natildeo eacute um todo homogecircneo sem conflitos
mas antes espaccedilo repleto de contradiccedilotildees e disputas tanto interna como externamente
O suporte para essa reflexatildeo reside sobretudo na anaacutelise de documentos do Curso
principalmente na ―Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho que eacute o documento
principal norteador das accedilotildees do curso mas tambeacutem buscamos subsidiar esta escrita em
resoluccedilotildees principalmente na Resoluccedilatildeo nordm 1032006 CONSEPEUFRN de 1909200618
que trata do Regulamento dos Cursos de Graduaccedilatildeo da UFRN aleacutem de outras fontes que
tivemos acesso atraveacutes de colaboradores e tambeacutem de paacuteginas eletrocircnicas
18 Atualmente a Resoluccedilatildeo Nordm 1712013-CONSEPEUFRN de 5 de novembro de 2013 eacute que rege o
Regulamento dos Cursos Regulares de Graduaccedilatildeo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
66
O Edital de abertura do processo seletivo para o curso de Pedagogia ndash Licenciatura
Plena foi orientado pela Resoluccedilatildeo nordm1032006-CONSEPEUFRN de 19092006 e seguiu
todos os procedimentos normativos dos demais vestibulares A Comissatildeo Permanente de
Vestibular (COMPERVE)19
foi responsaacutevel pela realizaccedilatildeo do certame Para se candidatar ao
vestibular o estudante precisava cumprir o seguinte preacute-requisito
a) ser portador de certificado ou diploma de conclusatildeo do Ensino Meacutedio (ou
curso equivalente)
b) ser assentado pelo Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e reforma Agraacuterio
(INCRA) e vinculado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra
(MST) do RN (COMPERVE 2007)
O pensamento da organizaccedilatildeo coletiva conscientizaccedilatildeo e luta tatildeo fortemente
imbuiacutedos na pedagogia freireana aqui se materializa Evidenciar um curso voltado para povos
do campo e ainda mais para membros de um movimento social tatildeo atuante quanto polecircmico
como eacute o MST eacute sem duacutevida um avanccedilo Essa conquista natildeo eacute do acaso ou natural eacute fruto de
uma conjuntura rara criada por muacuteltiplos condicionamentos sociais mas sobretudo pela
organizaccedilatildeo coletiva dos trabalhadores do campo
Poreacutem como reconhecemos que estamos imersos em um Estado de classes que horas
cede agraves reivindicaccedilotildees das massas hora cerceia essas conquistas natildeo demorou o iniacutecio dos
ataques dirigidos pela classe dominante agrave forma como o curso estava sendo gerido Em 2010
um desses ataques teve como consequecircncia a reformulaccedilatildeo dos projetos do curso A partir
desse momento os movimentos sociais foram suprimidos da parceria ateacute entatildeo existente
Sobre esse assunto detalharemos mais a diante
Retomando o processo seletivo para entrada no Curso os alunos interessados no
vestibular passaram 15 dias envolvidos numa preparaccedilatildeo para as provas Nesse momento
trabalharam mateacuterias escolares Portuguecircs Matemaacutetica Geografia Histoacuteria etc
(FERNANDES 2009) A elaboraccedilatildeo da prova ficou sob responsabilidade da Comperve e
19 Com do fim do vestibular como processo seletivo para ingressar na Universidade a Comperve passou a
chamar-se Nuacutecleo Permanente de Concursos UFRN
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seguiu todos os procedimentos legais e normativo s dos demais vestibulares como jaacute
salientado anteriormente
Apoacutes o resultado do certame o curso teve iniacutecio no primeiro semestre de 2007
(20071) com as 60 vagas devidamente preenchidas Por deliberaccedilatildeo dos proacuteprios educandos
a turma passa a se chamar ―Florestan Fernandes em homenagem ao grande socioacutelogo
escritor e poliacutetico brasileiro
Eacute sempre importante lembrar que esse curso representou um grande avanccedilo para a
Educaccedilatildeo do Campo no Rio Grande do Norte representando tambeacutem um sinal de abertura
da Universidade Federal agraves questotildees sociais do campo Mesmo tendo havido outro curso de
pedagogia para assentados20
indubitavelmente o Pedagogia da Terra representa um marco nas
lutas tanto de oportunidade aos povos do campo como de abertura e diaacutelogo da universidade
com a sociedade potiguar
Os estudantes do Curso vieram das diferentes regiotildees do Estado do Rio Grande do
Norte desde aacutereas vizinhas de Natal como eacute o caso de Macaiacuteba e Cearaacute Mirim ateacute lugares
mais distantes da Capital como Satildeo Rafael e Triunfo Potiguar na regiatildeo Meacutedio Oeste Nesses
municiacutepios esses sujeitos residem majoritariamente em aacutereas rurais de assentamento
O Curso segue as orientaccedilotildees da Resoluccedilatildeo CNECP n1 de 15 de maio de 2006 que
institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia e confere habilitaccedilatildeo
em ―Licenciatura em Pedagogia21
conforme aponta a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano
de Trabalho
Habilitar professores por meio de curso superior para o exerciacutecio da
docecircncia em Educaccedilatildeo Infantil e nas seacuteries iniciais do Ensino Fundamental
regular para Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e para atividades de
20Entre 2002 e 2006 formaram-se em niacutevel de graduaccedilatildeo 63 alunos de nove estados nordestinos e um da
regiatildeo norte (AL BA CE MA PA PB PE PI RN e SE)
21 O diploma eacute gerado com uma observaccedilatildeo que faz alusatildeo ao Probaacutesica ndash Programa de Qualificaccedilatildeo
Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica ndash instituiacutedo pela Resoluccedilatildeo CONSEPEUFRN nordm1499 de 020299 que
estabelece os convecircnios entre a Universidade e seus parceiros apresentamos um exemplar em anexo
68
coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico em escolas instituiccedilotildees do
sistema educacional e projetos educativos existentes nas aacutereas de
assentamento (UFRN 2010 p 05)
Isso mostra que mesmo havendo particularidades o egresso do curso recebe o tiacutetulo de
licenciado em pedagogia apto a concorrer a qualquer vaga de concurso para pedagogo
Essa formaccedilatildeo visa combater o deacuteficit histoacuterico de profissionais da educaccedilatildeo
nas aacutereas rurais e segue uma diretriz do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do
Campo Aleacutem disso pretende gerar oportunidade de continuidade dos
estudos aos jovens que detinham o Ensino Meacutedio completo e que moravam
nos assentamentos e aacutereas de reforma agraacuteria Desse modo o objetivo eacute
colaborar com a constituiccedilatildeo de uma rede de educadores do campo em nosso
Estado com qualificaccedilotildees teacutecnicas e compromisso eacutetico que possibilite o
aprofundamento e ampliaccedilatildeo de experiecircncias de educaccedilatildeo do campo (UFRN
2010 p 04)
Silva Filho (2011) afirma que a entrada de um familiar na universidade eacute algo
significativo Afirma ainda que
O ensino superior ainda resguarda status de responsaacutevel pela ascensatildeo social
e garantia de melhores condiccedilotildees de vida Historicamente o assento
ideoloacutegico da universidade foi muito mais as concepccedilotildees da classe
dominante social e politicamente do que um lugar de inclusatildeo da classe
explorada (SILVA FILHO 2011 p 40)
Por esse motivo O curso tem um caraacuteter contra-hegemocircnico e diferente daquele que
nos habituamos a ver nas universidades
Poreacutem sabemos que os fatos natildeo se datildeo de forma linear ou sem disputas ocorre que o
modo de execuccedilatildeo dos anos de 2007 e 2008 cujo assento havia sido o Convecircnio
CRTRN390002006 (INCRAUFRNMST) teve seus componentes e formato questionados
por parte dos estratos juriacutedicos do INCRA (UFRN 2010) Na verdade esse momento eacute
histoacuterico para todos os cursos do Pronera que enfrentaram periacuteodo de grandes incertezas
Em que pese as mudanccedilas de formato da relaccedilatildeo institucional entre a UFRN e
o INCRA o projeto ora apresentado manteacutem a estrutura curricular original e
os seus fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos estatildeo incorporados aqui
assegurando a correspondente consonacircncia com a Resoluccedilatildeo CNECP no 1 de
15 de maio de 2006 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Curso de Pedagogia (UFRN 2010 p 04)
69
Mesmo natildeo tendo perdido do ponto de vista teoacuterico-metodoloacutegico as perdas poliacuteticas
satildeo evidentes principalmente com a exclusatildeo do MST da operacionalizaccedilatildeo do Curso Como
podemos observar o Acoacuterdatildeo n 26532008 eacute expliacutecito quanto as proibiccedilotildees
()
943 caso pretenda oferecer cursos a puacuteblico especiacutefico afeto a sua aacuterea de
atuaccedilatildeo a exemplo do que se verificou no acircmbito do Projeto Camosc
9431 com relaccedilatildeo ao instrumento a ser firmado com a entidade que se
encarregaraacute da execuccedilatildeo do objeto em vez de convecircnio valha-se de contrato
precedido de procedimento licitatoacuterio
9432 iniba por meio de normas claacuteusulas contratuais e fiscalizaccedilatildeo
qualquer possibilidade de que entes estranhos agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica
especialmente movimentos sociais ligados agrave reforma agraacuteria participem do
planejamento execuccedilatildeo acompanhamento avaliaccedilatildeo ou de outra fase do
curso promovido (TCU 2008)
Nesse periacuteodo professores-coordenadores representantes do INCRA reitores das
universidades puacuteblicas procuraram de forma engenhosa retomar as atividades acadecircmicas que
apoacutes um ano reiniciou Esse momento externou de forma expliacutecita o conservadorismo e o
desejo de segregaccedilatildeo social que ainda permeia a classe poliacutetica brasileira
Sendo o Estado Capitalista um Estado de classe tende a organizar a escola
em todos os niacuteveis e modalidade de ensino conforme a concepccedilatildeo de mundo
da classe dominante e dirigente embora contraditoriamente dependendo do
grau de difusatildeo da pedagogia da contra-hegemonia na sociedade civil a
mesma escola esteja permeaacutevel agrave influecircncia de outros projetos poliacutetico-
pedagoacutegicos (NEVES 2005 p 29)
Desse modo compreendemos os enfrentamentos deflagrados e as lutas pela
manutenccedilatildeo desse Curso como questotildees ideoloacutegicas como resistecircncia dos povos do campo
por um lado e ofensiva da classe dominante de outro Sabemos que essa disputa eacute histoacuterica e
tem altos e baixos concessotildees e restriccedilotildees Esse momento embora tenha acarretado
desconforto e prejuiacutezos para muitos foi o ponto central que evidenciou uma verdadeira luta
de correlaccedilotildees de forccedila
70
41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO
CURSO DE PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN
Pensar uma proposta curricular para um curso de Educaccedilatildeo do Campo como eacute o
Curso de Pedagogia da Terra e tantos outros jaacute exemplificados que gozam de um caraacuteter
popular certamente requer posicionamento e uma reflexatildeo sobre os princiacutepios basilares do
curriacuteculo Tomaz Tadeu da Silva (2011) expotildee que ―A questatildeo central que serve de pano de
fundo para qualquer teoria do curriacuteculo eacute a de saber qual conhecimento deve ser ensinado (p
14) O autor afirma que o curriacuteculo eacute sempre resultado de uma seleccedilatildeo Desse modo quando
determinamos que conhecimento ensinar estamos deixando de fora outros conhecimentos A
questatildeo fundamental passa a ser por que ―esse conhecimento e natildeo ―aquele
O curriacuteculo nunca eacute simplesmente uma montagem neutra de conhecimentos
que de alguma forma aparece nos livros e nas salas de aula de um paiacutes
Sempre parte de uma tradiccedilatildeo seletiva da seleccedilatildeo feita por algueacutem da visatildeo
que algum grupo tem do eu seja o conhecimento legiacutetimo Ele eacute produzido
pelos conflitos tensotildees e compromissos culturais poliacuteticos e econocircmicos
que organizam e desorganizam um povo (APPLE 2000 p 53)
Objetivamente essa relaccedilatildeo de escolhas nos leva diretamente a entender que o
curriacuteculo eacute antes de tudo ideoloacutegico sendo portanto uma disputa pela hegemonia Quando
escolhemos ―esse conteuacutedo e natildeo ―aquele estamos consciente ou inconscientemente
optando por um determinado projeto educativo
Eacute essa preocupaccedilatildeo que leva Apple a recorrer aos conceitos de hegemonia
tal como formulado por Antonio Gramsci e desenvolvido por Raymond
Williams Eacute o conceito de hegemonia que permite ver o campo social como
um campo contestado como um campo onde os grupos dominantes se veem
obrigados recorrer a um esforccedilo permanente de convencimento ideoloacutegico
para manter sua dominaccedilatildeo Eacute precisamente atraveacutes desse esforccedilo de
convencimento que a dominaccedilatildeo econocircmica se transforma em hegemonia
cultural Esse convencimento atinge sua maacutexima eficaacutecia quando se
transforma em senso comum quando se naturaliza (SILVA 2011 p 46)
Para Bourdieu e Passeron (2012) a problemaacutetica reside na reproduccedilatildeo social que
ocorre palas vias da cultura ou propriamente da cultura dominante Seus valores seus gostos
seus costumes seus haacutebitos seus modos de se comportar de agir satildeo reproduzidos como ideal
e desejado para toda a sociedade Entendemos portanto que eacute justamente no curriacuteculo onde
ocorre a condensaccedilatildeo de toda essa problemaacutetica
71
Compreendemos que o curriacuteculo eacute um espaccedilo para o confronto de conhecimentos
popular e erudito Nesse sentido o papel da universidade eacute primordialmente ressignificar os
conhecimentos jaacute elaborados pelos estudantes ou nas palavras de Freire (1993) ―saber de
experiecircncia feito que satildeo pilares fundantes para a construccedilatildeo curricular Curriacuteculo com foco
na vida pela vida e para a vida Saber que natildeo eacute transposto automaticamente pois se constitui
em aprendizagens colaterais e que ao precederem a escola alicerccedilam-na e lhe datildeo suporte
Produzir novos e melhores conhecimentos e garantir um espaccedilo educativo no qual co-
existam de forma permanente a circularidade entre saberes eacute tarefa responsaacutevel da
universidade assim o grande desafio eacute construir uma matriz pedagoacutegica que natildeo se feche
numa dimensatildeo de especialidades dentro das disciplinas O curriacuteculo precisa dar conta de
especificidades por outro lado natildeo pode perder com isso a visatildeo ampla natildeo pensar apenas o
especiacutefico sob pena de fragmentar o conhecimento nem somente o geral pois isso teria
consequecircncias danosas agrave dimensatildeo particular
A educaccedilatildeo do campo tem um viacutenculo com a matriz pedagoacutegica do trabalho e da cultura
Numa concepccedilatildeo freireana haacute uma inter-relaccedilatildeo fundamental entre essas duas categorias
visto que a primeira pode-se entender como a accedilatildeo do homem na natureza ao passo que a
segunda eacute o resultado dessa accedilatildeo accedilatildeo consciente e ativa do homem em sua
realidadenatureza (FREIRE 1983) Desse modo a tarefa primordial da Proposta poliacutetico-
pedagoacutegica e Plano de Trabalho do Curso de Pedagogia da Terra eacute dialogar com essas
matrizes
Assim observamos que a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho se
aproxima e dialoga bastante com esse pensamento logo aproximando-se tambeacutemdos
princiacutepios contidos na Pedagogia Paulo Freire
A proposta curricular para este curso teraacute como ponto de partida os saberes e
praacuteticas dos alunos e a realidade dos assentamentos Por conseguinte a
singularidade seraacute realccedilada sem perder de vista os elementos universais que
compotildeem a cultura do homem e da mulher do campo na perspectiva de
mobilizar um movimento pedagoacutegico pautado na accedilatildeo-reflexatildeo-accedilatildeo (UFRN
2010 p 8)
A proposta de formaccedilatildeo de Freire eacute permeada por uma postura criacutetica poliacutetica e
consciente diante de abordagens de formaccedilatildeo que se apresentam fragmentadas natildeo
envolventes e incapazes de captar as reais necessidades e preocupaccedilotildees dos sujeitos Nesse
72
sentido a categoria realidade sem duacutevida deteacutem uma centralidade na Pedagogia Paulo
Freire isso justamente porque eacute na concretude que a vida se passa Por isso mesmo a
importacircncia da indissociabilidade entre o curriacuteculo do curso e a vida praacutetica dos educandos e
educandas
Outro ponto de fundamental importacircncia se refere agrave necessidade de afinidade criacutetico-
ideoloacutegico dos docentes com a proposta do curso Eacute importante haver aproximaccedilatildeo suficiente
para compreender as particularidades proacuteprias da turma dos sujeitos e do campo
De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho a ―estrutura
curricular do curso de Pedagogia da Terra eacute concebida em trecircs nuacutecleos articulados quais
sejam estudos baacutesicos aprofundamento e diversificaccedilatildeo de estudos e estudos integradores
cujos componentes curriculares foram ofertados em atividades presenciais a serem realizadas
preferencialmente nos periacuteodos de janeirofevereiro e junhojulho de cada ano nas
dependecircncias da UFRN e de atividades vivenciais (grupos de estudo pesquisa e exerciacutecio
profissional) apoiadas por monitores de apoio pedagoacutegico ao longo dos semestres tendo
como referecircncia a praacutetica docente e a realidade do campo no contexto da Reforma Agraacuteria
(UFRN 2010)
O ―Nuacutecleo de Estudos Baacutesicos do curso compreende a seguinte ordem
a Histoacuterico e soacutecio-cultural compreendendo os fundamentos filosoacuteficos
histoacutericos poliacuteticos econocircmicos socioloacutegicos psicoloacutegicos e
antropoloacutegicos necessaacuterios para a reflexatildeo criacutetica nos diversos setores da
educaccedilatildeo na sociedade contemporacircnea
b Da educaccedilatildeo baacutesica compreendendo
i Estudo dos conteuacutedos curriculares da educaccedilatildeo baacutesica
escolar
ii Os conhecimentos didaacuteticos as teorias pedagoacutegicas
em articulaccedilatildeo agraves metodologias tecnologias de informaccedilatildeo e
comunicaccedilatildeo e suas linguagens especiacuteficas aplicadas ao ensino
iii Estudo os processos de organizaccedilatildeo do trabalho
pedagoacutegico gestatildeo e coordenaccedilatildeo educacional
iv Estudo das relaccedilotildees entre educaccedilatildeo e a realidade
social do campo os contextos de trabalho as especificidades da regiatildeo
do Semi-Aacuterido e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees
do campo (UFRN 2010 p 10)
73
No ponto ―IV do Nuacutecleo de estudos baacutesicos observa-se um eixo bem delimitado no
que concerne a formaccedilatildeo do sujeito em consonacircncia com sua realidade Jaacute dialogamos sobre a
importacircncia dessa associaccedilatildeo entre trabalho e cultura tatildeo significativa agrave Educaccedilatildeo do Campo
e agrave Pedagogia Paulo Freire
A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com
ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento
proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica
em que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem
absolutizar-se fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-
o a julgar o seu mundo algo que apenas se acha (FREIRE 1983 p42)
Desse modo a leitura dos processos produtivos e dos processos culturais formadores
dos sujeitos que vivem dono campo eacute entendida como tarefa fundamental no projeto poliacutetico
e pedagoacutegico da Educaccedilatildeo do Campo Esse eixo de estudos busca situar e datar os
componentes do curso na atualidade
Uma das dificuldades dos cursos que trabalham com a Pedagogia da Alternacircncia eacute a
ausecircncia em parte do corpo docente de uma maior afinidade poliacutetica ideoloacutegica com as
questotildees especiacuteficas do curso A ausecircncia dessa interaccedilatildeo acarreta comprometimentos quanto
agrave viabilizaccedilatildeo e operacionalizaccedilatildeo praacutetica da proposta pedagoacutegica escrita (RIBEIRO et al
2010) Eacute um ponto da Pedagogia da Alternacircncia que tem sido pensado e repensado uma vez
que as visitas dos professores agraves comunidades dos estudantestrabalhadores tem se
operacionalizado de forma bastante limitada Esse ponto externa uma preocupaccedilatildeo que
compromete os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo da Alternacircncia da Pedagogia Paulo Freire
e da Educaccedilatildeo Popular como um todo
A busca pelos professores e professoras para trabalhar no curso foi estrateacutegica Em
boa medida os docentes gozavam de boa experiecircncia com a extensatildeo universitaacuteria o que
significa certa capacidade de dialogar com o ementaacuterio das disciplinas
A indicaccedilatildeo dos professores seraacute assumida pela Coordenaccedilatildeo do Curso
considerando preferencialmente a vinculaccedilatildeo formal com o Departamento
de Educaccedilatildeo e demais departamentos das licenciaturas da UFRN e a atuaccedilatildeo
docente e investigativa nas aacutereas relacionadas com o ementaacuterio do referido
curso (UFRN 2010 p 26-27)
As disciplinas trabalhadas no Nuacutecleo de estudos baacutesicos podem ser vistas conforme a
tabela a baixo
74
Periacuteo
do Coacutedigo Disciplinas
C
R
C
H
CH
Presenc
ial
CH
Viven
cial
CH
Praacutet
ica
2007
1
EDU00
46 Introduccedilatildeo ao Trabalho Cientiacutefico 2 30 25 5 -
EDU00
47
Introduccedilatildeo agrave Leitura de textos
imagens e meios eletrocircnicos 8
12
0 100 20 -
2007
2
EDU00
37 Fundamentos de Filosofia do Conhecimento 4 60 45 15 -
EDU00
96
Dimensatildeo Soacutecio-Antropoloacutegica do Ser
Humano 4 60 45 15 -
EDU00
41 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -
EDU00
43 Histoacuteria na Escola 4 60 45 15 -
EDU00
59
Sociologia dos Movimentos Sociais e
Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -
2008
1
EDU00
42 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo no Brasil 4 60 45 15 -
EDU00
40 Gestatildeo democraacutetica na Escola 4 60 45 15 -
EDU00
51
Organizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo
Brasileira 4 60 45 15 --
EDU00
38 Geografia na Escola 4 60 45 15 -
2008
2
EDU00
23 Dimensatildeo Psicoloacutegica da Aprendizagem 4 60 45 15 -
EDU00
62
Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo Popular
(Paulo Freire) 4 60 45 15 -
EDU00
25 Dimensatildeo Psicoloacutegica do Homem 4 60 45 15
EDU00
81
Teacutecnicas de Elaboraccedilatildeo de
Projetos Educacionais 4 60 45 15
EDU00
60 Tecnologias do Campo na Escola 4 60 45 15
2010
2
EDU00
61
Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo (outros
pedagogos) 4 60 45 15
EDU00
53
Planejamento Escolar e Projeto
Pedagoacutegico 4 60 45 15
EDU00
19
Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da
linguagem ndash Portuguecircs 4 60 45 15
EDU00
18
Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da
linguagem ndash Matemaacutetica 4 60 45 15
2011
1
EDU00
39
Gerenciamento de Atividades
Educacionais 4 60 45 15
EDU00
48 Liacutengua Portuguesa na Escola 4 60 45 15
EDU00
49 Matemaacutetica na Escola 4 60 45 15
2011
2
EDU00
35
Elaboraccedilatildeo de Material Didaacutetico
(teoria + praacutetica) 4 90 45 15
EDU00
21 Ciecircncias Naturais na Escola 4 60 45 15
Fonte UFRN (2010)
75
No segundo eixo Nuacutecleo de Aprofundamento e Diversificaccedilatildeo de Estudos se
percebe um grande enfoque naquilo que podemos chamar de ―questatildeo de nossa eacutepoca
(FREIRE 1983) ou questotildees ―transversais Satildeo temaacuteticas que nos remetem a diversidade
cultural tatildeo em pauta hoje em dia
1 Educaccedilatildeo de jovens e adultos
2 Educaccedilatildeo infantil
3 Educaccedilatildeo e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees do
campo
4 Educaccedilatildeo ambiental
5 Educaccedilatildeo e pluralidade cultural
6 Educaccedilatildeo para sauacutede e educaccedilatildeo sexual
7 Educaccedilatildeo especial
8 Temas especiacuteficos alternativas educacionais para o campo questatildeo
agraacuteria cooperativismo e semi-aacuterido (UFRN 2010 p 10)
A par disso eacute vaacutelido salientar o pioneirismo da Pedagogia Paulo Freire no tocante a
essas questotildees Mesmo antes de todos esses temas virem agrave tona Freire jaacute formulava a
Pedagogia do Oprimido que de forma astuta pensou uma pedagogia cujo assento eacute o grupo de
oprimidos ou seja adultos natildeo alfabetizados pessoas com deficiecircncias povos tradicionais
direitos das mulheres Direitos Humanos e outros A pedagogia do oprimido apresenta ao
mundo todos os sujeitos que vivem agrave margem da cultura erudita e hegemocircnica Paulo Freire
chama a atenccedilatildeo para a riqueza da produccedilatildeo cultural desses sujeitos Em boa medida esses
conhecimentos estatildeo hoje sintetizados no multiculturalismo
Desse modo percebemos que haacute uma evidente contribuiccedilatildeo do pensamento freireano
no tocante a organizaccedilatildeo do Pano de Trabalho do Curso Pedagogia da Terra da UFRN A
seguir apresentamos o quadro de disciplinas que compotildeem o Nuacutecleo de Aprofundamento e
Diversificaccedilatildeo de Estudos
Periacuteo
do Coacutedigo Disciplinas
C
R
C
H
CH
Presenc
ial
CH
Viven
cial
CH
Praacutet
ica
2007
1
EDU00
56 Seminaacuterio I ndash A questatildeo Agraacuteria 4 60 40 20 -
EDU00
55
Seminaacuterio II ndash Alternativas Educacionais no
Campo 4 60 40 20 -
2008
1
EDU00
82 Seminaacuterio III ndash O Semi- Aacuterido 4 60 45 15 -
2010 EDU00 Seminaacuterio IV ndash Cooperativismo 4 60 45 15 -
76
2 57
2011
1
EDU00
29 Educaccedilatildeo Ambiental 4 60 45 15 -
2011
2
EDU00
27
Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e
Processo de Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -
EDU00
30 Educaccedilatildeo Especial 4 60 45 15 -
EDU00
20 Artes e Corporeidade na Escola 4 60 45 15 -
2012
1
EDU00
28
Educ de Jovens e Adultos e Processo de Poacutes-
Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -
EDU00
32 Educaccedilatildeo para Sauacutede e Orientaccedilatildeo Sexual 4 60 45 15 --
EDU00
31 Educaccedilatildeo Infantil 4 60 45 15 -
EDU00
33
Educaccedilatildeo Eacutetica e Pluralidade
Cultural 4 60 45 15 -
EDU00
87
Liacutengua Brasileira de Sinais ndash
LIBRAS 4 60 45 15 -
Fonte UFRN (2010)
A uacuteltima parte dos nuacutecleos de estudos refere-se aos Estudos Integradores que satildeo
a Realizaccedilatildeo de oficinas e participaccedilatildeo em eventos culturais artiacutesticos e
cientiacuteficos
b Exerciacutecio profissional em acircmbitos escolares e natildeo-escolares articulando saber
acadecircmico pesquisa e praacutetica educativa (UFRN 2010 p10)
Periacuteo
do Coacutedigo Disciplinas
C
R
C
H
CH
Presenc
ial
CH
Vivenci
al
CH
Praacutet
ica
2007
1
EDU00
45
Introduccedilatildeo ao Estudo da Realidade
Local (teoria+praacutetica) 4 60 15 45 45
EDU00
64 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural I - 15 - 15 15
EDU00
65 Oficina de Praacuteticas Formativas I - 15 15 - 15
2007
2
EDU00
58
Sistema Educacional e
Organizaccedilatildeo Escolar (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
66 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural II - 15 - 15 15
EDU00
67 Oficina de Praacuteticas Formativas II - 15 15 - 15
2008
1
EDU00
50
Observaccedilatildeo na escola ndash sala de
aula (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
68
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
III - 15 - 15 15
EDU00 Oficina de Praacuteticas Formativas III - 15 15 - 15
77
69
2008
2
EDU00
44 Introduccedilatildeo agrave Pesquisa (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
70
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
IV - 15 - 15 15
EDU00
71 Oficina de Praacuteticas Formativas IV - 15 15 - 15
2010
2
EDU00
52 Pesquisa I (praacutetica) 3 45 5 40 45
EDU00
72 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural V - 15 - 15 15
EDU00
73 Oficina de Praacuteticas Formativas V - 15 15 - 15
2011
1
EDU00
95 Estaacutegio Supervisionado I
10
0 15 85 85
EDU00
74
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
VI - 15 - 15 15
EDU00
75 Oficina de Praacuteticas Formativas VI - 15 15 - 15
2011
2
EDU00
97 Estaacutegio Supervisionado II
20
0 - 200 200
EDU00
98
Atividade de Formaccedilatildeo Cultural
VII - 10 - 10 10
EDU00
77 Oficina de Praacuteticas Formativas VII - 15 15 - 15
2012
1
EDU00
63
Trabalho de Conclusatildeo de Curso
(praacutetica) - 90 - 90 90
EDU00
79
Oficina de Praacuteticas Formativas
VIII - 15 15 - 15
EDU00
80 Congresso de Encerramento - 45 - 45 45
Fonte UFRN (2010)
Essa ultima parte pode-se considerar como a reta final do Curso Os estudantes
trabalharam atividades voltadas agrave culminacircncia como as Oficinas Formativas os Estaacutegios
supervisionados e o Trabalho de Conclusatildeo de Curso (UFRN 2010)
Os trecircs nuacutecleos centrais do curriacuteculo dialogam em grande parte com as necessidades
da formaccedilatildeo dos sujeitos do campo mas tambeacutem com os princiacutepios da Pedagogia Paulo
Freire sobretudo o diaacutelogo tatildeo caro no mundo dos ―pacotes prontos
Eacute preciso que a educaccedilatildeo esteja ndash em seu conteuacutedo em seus programas e em
seus meacutetodos ndash adaptada ao fim que se persegue permitir ao homem chegar a
ser sujeito construir-se como pessoa transformar o mundo estabelecer com
os outros homens relaccedilatildeo de reciprocidade fazer a cultura e a histoacuteria
(FREIRE 1980 p 39)
Aleacutem desses trecircs eixos norteadores destacamos a importacircncia de outras trecircs partes
fundamentais na organizaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica quais sejam (I) Instrumento de
78
integraccedilatildeo e conhecimento do aluno com a realidade social econocircmica e do trabalho de sua
aacutereacurso (II) Instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao ensino (III) Instrumento de praacutetica
profissional (UFRN 2010)
Instrumento de integraccedilatildeo do estudante com a realidade social e econocircmica (I)
―se organiza principalmente no acircmbito das praacuteticas de ensino e possibilita a interlocuccedilatildeo com
os referenciais teoacutericos do curriacuteculo Seraacute iniciada nos primeiros anos do curso e
acompanhada pela coordenaccedilatildeo (UFRN 2010 p 11)
Esse nuacutecleo de disciplinas eacute de fundamental importacircncia uma vez que pretende
aproximar e contextualizar oa estudante dentro da realidade social poliacutetica e econocircmica do
paiacutes Para Freire (2011) o ser humano precisa ―ser situado e datado ou seja o ser humano
precisa conhecer e reconhecer o lugar e o momento histoacuterico no qual se encontra para ser
capaz de agir conscientemente na transformaccedilatildeo da realidade
Menezes e Santiago (2010 p 398) falando sobre a contribuiccedilatildeo do pensamento de
Paulo Freire na construccedilatildeo do curriacuteculo criacutetico apontam que
Os estudantes compreendem suas relaccedilotildees com o mundo natildeo maiscomo real
idade estaacutetica mas como uma realidade em transformaccedilatildeo em processo e de
ssa forma satildeo estimulados a um enfrentamento da realidade como seres da p
raacutexis que sendo reflexatildeo e accedilatildeo eacute verdadeiramente transformadora da realid
ade
Natildeo podemos perder de vista a dimensatildeo criacutetica do processo nem tampouco esquecer
a complexidade da sociedade a qual estamos imersos ou seja uma sociedade de economia
capitalista cuja dinacircmica capitalista gira em torno da dominaccedilatildeo de classe (SILVA 2011)
A modalidade de Praacuteticas Pedagoacutegicas com instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao
ensino (II) pretende articular a teoria com a praacutetica Considera que a formaccedilatildeo profissional
natildeo se desvincula da praacutetica de exercitar a curiosidade que reflete e problematiza a realidade
gerando a partir daiacute projetos de pesquisa capazes de propiciar a iniciaccedilatildeo agrave pesquisa
educacional (id ibid p 11)
A necessidade da intersecccedilatildeo entre a teoria e a praacutetica eacute uma premissa singular a todo
processo educativo defendido exaustivamente tanto como caminho para formaccedilatildeo
permanente de educandos (FREIRE 1991) como para a transformaccedilatildeo do mundo Para
79
pensadores criacuteticos como Marx Gramsci Paulo Freire Apple e outros ―A questatildeo da
coerecircncia entre a opccedilatildeo proclamada e a praacutetica eacute uma das exigecircncias que educadores criacuteticos
fazem a si mesmo Eacute que sabem muito bem que natildeo eacute o discurso o que ajuiacuteza a praacutetica mas a
praacutetica que ajuiacuteza o discurso (FREIRE 2005 p 25)
Associamos a esse momento a praacutexis educativa de Paulo Freire que eacute o resultado da
accedilatildeo e da reflexatildeo porem a accedilatildeo-reflexatildeo sobre o mundo como afirma Freire (2011) natildeo eacute
simples teorizaccedilatildeo e nem simples ativismo eacute a capacidade de agir criticamente sobre esse
mundo A praacutexis eacute um processo dialoacutegico onde saberes satildeo trocados conjuntamente na busca
da construccedilatildeo de um novo saber O pensar jamais poderaacute se afastar da realidade em que se
materializa natildeo bastando interpretar o mundo mas sobretudo transformaacute-lo
Assim esse quadro de disciplinas cujo foco eacute no ensino e na pesquisa contribui de
forma profiacutecua com a busca dos educandos por melhor entenderem sua realidade e sua
eventual transformaccedilatildeo
No uacuteltimo eixo de disciplinas ldquoInstrumento de praacutetica profissionalrdquo (III) observa-
se a ocorrecircncia dos estaacutegios De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de
Trabalho essa atividade
Deve ocorrer junto agraves escolas e unidades educacionais nas atividades de
observaccedilatildeo regecircncia ou participaccedilatildeo em projetos como um ―saber fazer
que busca orientar-se por teorias pedagoacutegicas para responder agraves demandas
colocadas pela praacutetica pedagoacutegica Estaratildeo presentes desde os primeiros
anos do curso configurando a praacutetica pedagoacutegica necessaacuteria ao exerciacutecio
profissional O exerciacutecio efetivo das atividades como professor coordenador
ou gestor de programas educacionais seraacute considerado como parte dessa
modalidade Compreende 300 horas (Estaacutegio Supervisionado I e II) em
consonacircncia com artigo 7ordm aliacutenea II da Resoluccedilatildeo 012006 ndash CNECP
(UFRN 2010 p 11)
A busca pela praacutexis educativa eacute tambeacutem a busca pela aproximaccedilatildeo do outro
procurando articular os diferentes saberes O estaacutegio possibilita um dos momentos mais ricos
em experiecircncias e troca de saberes de todo o curso pois busca diminuir a distacircncia entre os
conteuacutedos trabalhados na Universidade e as vivecircncias do cotidiano escolar (UFRN 2010)
Por fim reafirmamos a importacircncia de um curriacuteculo pensado a partir da realidade das
necessidades sociais e das transformaccedilotildees ensejadas Como monitor que fomos podemos
afirmar que o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
80
natildeo eacute perfeito sobretudo do ponto de vista operacional muita coisa mudou no decorrer dos
anos mudanccedilas de espaccedilos mudanccedilas na coordenaccedilatildeo saiacuteda de estudantes mudanccedilas no
cronograma entre outros Os efeitos dessas ocorrecircncias apenas outras pesquisas nos diratildeo22
Tivemos como objetivo analisar a contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire ao curriacuteculo do
Curso justamente por entender que cursos dessa natureza necessitam de grande aproximaccedilatildeo
e afinidade com os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo e da Pedagogia Paulo Freire ambas as
concepccedilotildees amalgamadas nos princiacutepios da Educaccedilatildeo Popular progressista
Figur
a IIV Concluintes 2012 ndash Turma Florestan FernandesPedagogia da Terra UFRN
22 Sobre os horizontes dos educandos do Curso de Pedagogia da Terra ver Hilario e Azevedo (2011)
disponiacutevel em httpwwwieppecpb2011xpgcombrconteudoGTsGT20-200710pdf
81
5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO
O tema abordado nesta pesquisa emerge de um campo promissor e de grande debate
na contemporaneidade Embora seja um tema que ainda requer muita reflexatildeo e pesquisa
podemos dizer que a temaacutetica da educaccedilatildeo dos povos do campo eacute hoje uma questatildeo em pauta
nacionalmente
Reconhecendo a importacircncia da Educaccedilatildeo do Campo propusemo-nos a pensar e
refletir sobre ―qual a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo
do Campo e numa esfera mais ampla e de forma mais recortada se ―eacute possiacutevel evidenciar
no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte ―recorte e retalhos da Pedagogia de Paulo Freire Imersos nessa problemaacutetica
buscamos analisar o pensamento de Freire dentro dos documentos oficiais que norteiam o
curso
Pensar o sujeito enquanto humano que se transforma e transformando-se transforma o
mundo ao passo que por ele eacute transformado eacute uma contribuiccedilatildeo louvaacutevel natildeo somente ao
campo da Educaccedilatildeo do Campo mas ao paradigma da formaccedilatildeo humana como um todo Freire
desloca o homem do perifeacuterico para o centro das decisotildees natildeo num sentido egoiacutesta supremo
mas num sentido de comunhatildeo com o mundo e com o outro
Comecemos por afirmar que somente o homem como um ser que trabalha
que tem um pensamento-linguagem que atua e eacute capaz de refletir sobre si
mesmo e sobre a sua proacutepria atividade que dele se separa somente ele ao
alcanccedilar tais niacuteveis se faz um ser da praacutexis Somente ele vem sendo um ser
de relaccedilotildees num mundo de relaccedilotildees [] Desprendendo-se do seu contorno
veio tornando-se um ser natildeo da adaptaccedilatildeo mas da transformaccedilatildeo do
contorno um ser de decisatildeo [] (FREIRE 1992 p 39)
Baseado nessa concepccedilatildeo iniciamos este trabalho explicitando ―o lugar de onde
falo pois entendemos que cada ser humano precisa ser entendido em seus muacuteltiplos
condicionamentos precisa ser ―situado e datado desse modo uma compreensatildeo puramente
academicista seria demasiadamente reducionista Ainda que pareccedila pouco cientiacutefico
entendemos que as experiecircncias das pessoas estatildeo diretamente ligadas a psicologia social que
tem determinantes em toda a nossa vida Por isso achamos salutar dizer um pouco do que
somos mas sobretudo dialogar tambeacutem sobre o porquecirc de sermos o que somos
82
Nessa caminhada dialogamos acerca da necessidade de superaccedilatildeo do paradigma da
Educaccedilatildeo Rural e construccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo como alternativa viaacutevel aos povos do
campo Trabalhamos o entendimento da Educaccedilatildeo Rural como a histoacuteria nos apresentou ou
seja um modelo calcado na exploraccedilatildeo do trabalho humano o que configura uma visatildeo
utilitarista e preconceituosa da vida e dos sujeitos do campo Ao mesmo tempo tratamos de
apresentar a Educaccedilatildeo do Campo como uma vertente que melhor se aproxima das
experiecircncias do trabalho e da vida praacutetica dos agricultores e agricultoras Todo o diaacutelogo
sobre as diferentes formas de pensar a educaccedilatildeo dos povos do campo foi atravessado pelo
pensamento de Paulo Freire que teceu toda a construccedilatildeo dessa obra
Pensar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire para o atual debate em torno da Educaccedilatildeo do
Campo eacute uma tarefa instigante sobretudo porque evidenciamos um grande pioneirismo do
Patrono da educaccedilatildeo brasileira quanto a algumas temaacuteticas abordadas hoje pela Educaccedilatildeo do
Campo Debater a importacircncia da realidade ou seja do trabalho e da vida praacutetica como
motor capaz de gerar conhecimentos e mais gerar um curriacuteculo eacute sem duacutevida uma bandeira
do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo que tem origem no pensamento de Paulo Freire
Nessa mesma caminhada explicitamos algumas consideraccedilotildees acerca da Pedagogia da
Alternacircncia e seus propoacutesitos junto a Educaccedilatildeo do Campo Dentro de uma concepccedilatildeo
metodoloacutegica situamos a Alternacircncia dentro de uma vertente multicultural como uma
alternativa curricular que se aproxima das concepccedilotildees progressistas que reclamam uma
organizaccedilatildeo oacutetica mais humana e respeitosa
Continuamos nosso debate discorrendo sobre Educaccedilatildeo do Campo e buscando onde
ela se afina com a Pedagogia Paulo Freire Observamos que em muitos momentos haacute um
entrelaccedilamento entre as duas concepccedilotildees como procuramos exemplificar no desenho criado
por noacutes Nessa pesquisa encontramos uma luta histoacuterica dos povos oprimidos pela busca dos
seus direitos e no mesmo sentido encontramos tambeacutem classes dominantes que ao longo da
histoacuteria perpetuaram seus privileacutegios mantendo uma cultura elitista que estratificando a
sociedade engessa os avanccedilos necessaacuterios
Na quarta parte do trabalho buscamos refletir sobre a inserccedilatildeo do Curso de Pedagogia
da Terra da UFRN no espaccedilo acadecircmico como algo de singular importacircncia Dissertamos
sobre os momentos perpassados pelo curso durante sua realizaccedilatildeo Como se deu o dia a dia
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dentro da universidade as dificuldades os esforccedilos os preconceitos tudo isso foi canalizado
como forma de entender essa inserccedilatildeo como um ato de ―rebeldia e uma conquista do povo do
campo do Rio Grande do Norte
Eacute nesse sentido de luta e rebeldia que situamos a Pedagogia Paulo Freire dentro da
discussatildeo da Educaccedilatildeo do Campo e do Curso de Pedagogia da Terra A contribuiccedilatildeo de Freire
costura esse trabalho do iniacutecio ao fim Aponta diretrizes e caminhos para a tessitura dessa
dissertaccedilatildeo que eacute tanto teoacuterica quanto praacutetica eacute tanto a segunda quanto a primeira eacute diaacutelogo
eacute pois praacutexis educativa
Por fim buscamos analisar o curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra agrave luz da
contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire Concluiacutemos que haacute uma forte influecircncia da
concepccedilatildeo freireana na Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho
A Pedagogia Paulo Freire e a Educaccedilatildeo do Campo que satildeo atravessadas pela
concepccedilatildeo de educaccedilatildeo dialoacutegica e libertadora satildeo colocadas nesse trabalho como a busca
pelo diaacutelogo constante com o outro Uma educaccedilatildeo ―que se predispusesse a constantes
revisotildees A anaacutelise criacutetica de seus ―achados A uma certa rebeldia no sentido mais humano
da expressatildeo (FREIRE 1983 p 90)
Por fim esta pesquisa nos permitiu refletir sobre o pensamento de Paulo Freire na
contemporaneidade Percebemos o quatildeo atual ele continua e como nos permite compreender
de forma ampla e completa questotildees sociais que permeiam a sociedade A praacutexis educativa de
Paulo Freire assim como o Materialismo Histoacuterico-dialeacutetico continua dando conta de forma
satisfatoacuteria das anaacutelises e mudanccedilas que as questotildees de nossa eacutepoca ensejam
Por uacuteltimo reconhecemos a importacircncia dos cursos de educaccedilatildeo do campo como de
importacircncia singular pois muito mais que a possibilidade de melhoria econocircmica significa
tambeacutem um reparo social e uma conquista do ponto de vista soacutecio-histoacuterico Tivemos a
oportunidade de refletirmos sobre o Curso de Pedagogia da Terra e como a Pedagogia Paulo
Freire pode contribuir com essa formulaccedilatildeo Sabemos que hoje haacute em todo o Brasil diversos
cursos que gozam desse mesmo caraacuteter reconhecemos que satildeo fundamentais poreacutem
reconhecemos que existe uma tendecircncia em tornar essas experiecircncias em ―moda Por
entender que Educaccedilatildeo do Campo eacute um movimento histoacuterico da classe trabalhadora eacute que
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defendemos que esse paradigma precisa ter em seu acircmago os princiacutepios revolucionaacuterios da
Pedagogia Paulo Freire
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