EDUCAÇÃO, CONTEMPORANEIDADE E NOVOS LETRAMENTOS: A
INCORPORAÇÃO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS DE INFORMAÇÃO E
COMUNICAÇÃO EM PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INOVADORAS
Simão Pedro Pinto Marinho - PUC MINAS
Gustavo Pereira Pessoa - IFMG
Gláucia Maria dos Santos Jorge - UFOP
Andréia Teixeira - UFMG
Suzana dos Santos Gomes - UFMG
Resumo
Este painel investiga as práticas de leitura e escrita no contexto do letramento digital e
enfatiza o papel do professor na promoção dos níveis de letramento. O artigo “Surveys
online, redes sociais e infográficos: mix de letramento na formação de professores de
Biologia” investiga a formação de professores na disciplina Tecnologias e Práticas
Educativas no curso de Ciências Biológicas. Nele, novos letramentos foram
mobilizados com a promoção de um survey online junto a redes sociais, sendo os
resultados apresentados em infográficos. Em “O uso do SoudCloud para a promoção
do letramento acadêmico de alunos de Ciências Exatas” a autora aborda o trabalho com
o uso da plataforma online de publicação de áudio, soudcloud, como recurso didático.
Os resultados da pesquisa ressaltam o potencial das narrações de textos literários na
formação de leitores. Finalmente, o trabalho “Práticas de letramentos contemporâneos
na cibercultura: a utilização de fanfictions no ensino de Língua Portuguesa” investiga
as práticas letradas vinculadas às tecnologias digitais por meio do gênero fanfiction. Os
resultados evidenciam um novo perfil dos fics contemporâneos, demonstrando que é
possível utilizar a fanfic em sala de aula, favorecendo novos letramentos e a interação
em ambientes virtuais colaborativos. Os trabalhos discutem a inserção das tecnologias
digitais na formação de leitores e escritores e apresentam contribuições para repensar o
planejamento didático, considerando a diversidade de recursos tecnológicos que os
professores podem utilizar na organização de situações de aprendizagem que promovam
as práticas de letramento digital.
Palavras-chaves: Letramentos, tecnologias digitais, leitura e escrita.
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SURVEYS ONLINE, REDES SOCIAIS E INFOGRÁFICOS: MIX DE
LETRAMENTO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE BIOLOGIA
Simão Pedro Pinto Marinho - PUC Minas
Gustavo Pereira Pessoa - IFMG
Resumo
O relatório “What Work Requires of School”, do U.S. Department of Labor, apontou
competências e habilidades fundamentais que os estudantes devem desenvolver para a
realidade do mundo do trabalho no século XXI. Dentre as competências destacamos
obter/avaliar dados, interpretá-los e comunicá-los, usando computadores para processar
a informação; selecionar ferramentas tecnológicas e aplicá-las em tarefas específicas.
Na disciplina “Tecnologia e Práticas Educativas em Ciências Biológicas” da
licenciatura em Ciências Biológicas da PUC Minas, que tem como objeto o uso
educacional das tecnologias digitais, preparando futuros professores para que sejam
capazes de planejar atividades de aprendizagem que envolvam o uso das tecnologias no
ensino de Ciências e Biologia, foi conduzida uma experiência que mobilizou novos
letramentos, com o concurso de recursos da Web 2.0, na utilização de novas linguagens,
que possibilitou aos estudantes criarem e conduzirem, junto a suas redes
sociais, um survey online sobre questões ligadas à conservação ambiental. O mote
gerador foi uma encíclica do Papa Francisco que trata do tema do meio ambiente, no
cuidar da casa. A atividade ensejou, ainda, uma possibilidade de os estudantes saberem
o que pensam pessoas do seu círculo de contato sobre recortes do tema do meio
ambiente. Os resultados do survey foram representados em infográficos e
compartilhados no blog da disciplina. Os estudantes reconheceram o caráter inovador da
atividade e consideraram a possibilidade de vir a realizar atividade semelhante com seus
futuros alunos e quando da realização do estágio curricular, o que seria estratégico para
favorecer o uso das tecnologias digitais em escolas da Educação Básica, notadamente as
da rede pública
Palavras-chave: Infográficos, redes sociais, formação inicial de professores.
Introdução
A cada vez mais se falam em competências e habilidades necessárias na vida no
século XXI, em uma sociedade fortemente marcada pelas tecnologias digitais de
informação e comunicação (TDIC) que reconfiguram estilos de vida na
contemporaneidade e criam novas demandas para aqueles que ingressarão na força de
trabalho.
O relatório “What Work Requires of School” (U.S. Departamento of Labor,
1991), apontou competências e habilidades fundamentais que os estudantes devem
desenvolver para a realidade do mundo do trabalho no século XXI. Criatividade,
pensamento crítico e capacidade de resolver problemas estão no rol das principais
competências e habilidades a serem desenvolvidas na perspectiva de dar sustentação à
inovação (CASNER-LOTTO, BARRINGTON, 2006). Mas é curioso pensar em tais
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competências e habilidades postos como novos desafios na contemporaneidade. Afinal,
o homem, desde os primórdios, precisou resolver problemas cotidianamente, teve que
criar tecnologias para sua sobrevivência e precisou fazer escolhas. Assim, se pensarmos
bem, as competências e habilidades requeridas no século XXI têm sido exigências ao
longo dos últimos vinte e um séculos ou mais. Se as pessoas não vêm sendo capazes de
adquiri-las, certamente uma parcela significativa de responsabilidade caberá ao sistema
escolar.
Em uma realidade na qual as TDIC permeiam cada vez mais a vida e, aliadas à
globalização, transformam a economia e o mundo do trabalho, aumenta a demanda por
inovações, em especial as por disrupção, certamente mais desafiadoras. E o desafio de
uma inovação disruptiva chega a ser considerado inclusive na escola (CHRISTENSEN,
HORN, JOHNSON, 2012). Afinal, enfrentar os desafios atuais e os que ainda serão
postos requer um novo modelo para a educação, buscando a adoção de metodologias e
práticas que possam maximizar o potencial de aprendizagem dos estudantes.
Os estudantes no século XXI devem ser preparados para pensar, resolver
problemas, comunicar-se e colaborar (KAY, 2010), contribuindo de forma efetiva para
não só a sua aprendizagem, mas a de colegas, constituindo redes de aprendizagem.
Contudo, o que se constata, por outro lado, é que a escola, de maneira geral, por conta
de um modelo de aula centralizado na informação e na pessoa do professor, vem
falhando ao não induzir a formação de competências e habilidades tidas como
essenciais. O modelo de ensino padronizado, implantado ao final dos anos 1800 para
atender o aumento das matrículas nas escolas, não mais dá conta de formar pessoas na
realidade de uma Sociedade da Informação, Sociedade do Conhecimento ou Sociedade
em Rede, qualquer que seja a denominação que adotemos para a contemporaneidade.
Vida, escola e tecnologias
Um olhar para fora da escola mostra um mundo midiático, dinâmico no acesso
às informações, no qual as TDIC fazem parte do cotidiano da vida das pessoas. Um
olhar para dentro da escola revela, na sua quase totalidade, um mundo de monotonia,
marcado pela monofonia do professor, frente a alunos silentes, e pela monocromia do
quadro. Na sala de aula, os jovens nascidos no mundo midiático como que se defrontam
com professores que foram alunos da uma escola de outro tempo e que parecem querer
perpetuá-la. Há definitivamente um “gap”, influenciado pela diferença geracional, que
em grande parte não mais fica no plano das tecnologias. Diferentemente de há alguns
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anos, professores e gestores, em sua vida pessoal, tornam-se usuários de computador,
com os quais editam textos, elaboram apresentações, organizam planilhas e se
comunicam por e-mail. Especialmente com o concurso de dispositivos móveis,
professores e estudantes se integram às redes sociais digitais (CETIC, 2014). Em
síntese, as TDIC deixaram de ser algo estranho aos professores, coisa que poderia de
alguma forma atemorizá-los como acontecia nos primórdios do uso do computador no
contexto da educação, em meados dos anos 1980. Dessa forma, cai o mito do receio à
máquina como justificativa, ou desculpa, para a não utilização dos computadores na
escola. O professor que não se interessa pelo uso das TDIC na sala de aula não deixa de
ver ou aceitar que elas estão influenciando, para além da escola e da educação, a vida na
sociedade na qual estão inseridos. Entretanto, o professor ainda resiste, de alguma
forma, a levar as TDIC para a sua sala de aula porque enfrenta um obstáculo consigo
mesmo que é a falta de preparo para fazê-lo. Quando se vê às voltas com os
computadores na escola, notadamente nas de redes públicas, os professores fecham os
olhos ou, se chegam a fazer o uso das máquinas, o fazem de forma pobre, ou seja, de
uma forma que pouco ou nenhum valor agrega à formação dos estudantes. Uso pobre é
aquele que se esgota no ensino, ação do professor, e não promove a aprendizagem; seria
aquele que desconsidera o “aprender fazendo”. Quando utilizadas, as TDIC não raro
acabam sendo reduzidas a um recurso apenas para a informação, “domesticadas” por
uma escola que insiste em reduzir o seu papel ao de informar estudantes para, depois,
avaliá-los pela quantidade de informação que retiveram.
As poucas, esparsas, iniciativas de introdução das TDIC nas nossas escolas não
mais esbarram na carência de infraestrutura. O obstáculo para a sua efetiva incorporação
está no despreparo dos professores e dos gestores de escolas para incorporá-las
curricularmente. Não é a falta de equipamentos que limita a ação docente, não é o medo
da tecnologia que imobiliza os professores. Preferimos creditar à insegurança gerada
pelo desconhecimento dos professores em como lidar, educativamente, com as TDIC,
consequência imediata da “tecno-ausência” na sua formação inicial, o fato delas
deixarem de ser utilizadas na escola.
A “alma mater” dos professores, que deveria permitir-lhes utilizar as TDIC para
que aprendam os conteúdos próprios da sua formação ao mesmo tempo em que
construam capacidade de usar tais tecnologias quando vierem a exercer a função de
professor, pouco ou nada reconhece da sua importância. Quando formadores de
formadores utilizam as TDIC o fazem, quase que absolutamente, na forma de
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apresentações geradas no powerpoint, como o substituto do retroprojetor. Ao licenciado
os docentes exigem não muito mais do que a elaboração de textos, uma ou outra
utilização de planilha, a criação de apresentações, até porque eles mesmos não estão
preparados para usos mais qualificados; só podem pensar em uso no limite do que
fazem. As TDIC entram na escola que forma professores como um elemento periférico
em ações que não alteram muito as práticas formativas, que ainda permanecem
essencialmente assentadas em um modelo de escola datado do século XIX (MARINHO,
2015). O desafio para as licenciaturas, para além de ter o computador e até mesmo
dispositivos móveis em uso pelos futuros professores, fazendo o App currículo
(MARINHO, et. al, 2014), é o da inovação pedagógica que, de fato, rompe com velhos
paradigmas. Não terá sentido a velha tecnologia para fazer um currículo envelhecido
(MARINHO, 2006). Faz-se necessária uma inovação disruptiva (CHRISTENSEN,
HORN, JOHNSON, 2009; MARINHO, 2015), capaz de preparar estudantes para um
mundo complexo em rápida e permanente mutação, com mudanças imprevistas
(McTIGHE, SEIF, 2010). Nesse mundo, do acesso cada vez mais facilitado às mais
disseminadas fontes de informação, competências e habilidades serão determinantes e
múltiplos (novos) letramentos serão exigidos (JENKINS, 2009), comprometendo a
escola para o seu pleno desenvolvimento.
Escola, habilidades e competências no século XXI
Para a Commission on Achieving Necessary Skils (U.S. Departamento of Labor,
1991), entre as habilidades que devem ser desenvolvidas pelos estudantes na
contemporaneidade estão as de ler e de escrever. Alguém dirá que se tratam de
elementos básicos na escola desde há muito tempo. Entretanto, a Comissão avança ao
considerar que a habilidade de ler deve ser entendida pela capacidade de localizar,
entender e interpretar informações não só na forma tradicional da escrita, mas aquela
representada em gráficos. A habilidade da escrita, na comunicação de pensamentos,
ideias e informações, se expressará em mensagens por escrito, em gráficos e diagramas.
Dentre as competências para o mundo do trabalho, para as quais a escola
também deverá preparar os estudantes, destacamos a de lidar com a informação, isso
significando a capacidade de adquirir, avaliar, organizar, interpretar informações e
utilizar computadores para processá-las. São habilidades e competências que precisam
ser desenvolvidas, estimuladas a partir da Educação Básica. Mas como isso será
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possível se muitos dos professores dessas escolas não têm, eles mesmos, as habilidades
e competências? Por isso a capacidade dos futuros professores desenvolverem tais
habilidades e competências torna-se desafio para as licenciaturas, até para que não se
fique na eterna dependência da formação continuada.
Novos gêneros textuais
Quando consideramos a habilidade de leitura e da escrita, devemos levar em
conta os novos gêneros textuais que surgem. Dentre eles, destacamos o infográfico. O
infográfico é um texto multimodal, de uso frequente no jornalismo em notícias diversas
e muito comum em reportagens de divulgação científica. A revista Superinteressante
tem o infográfico como um elemento estruturante de sua forma de comunicação com os
leitores.
Para alguns estudiosos, o infográfico não constituiria um novo gênero textual
(DIONÍSIO, 2006), seria um elemento de design que acompanha gêneros textuais. Para
outros autores (MANFRÉ, SAITO, 2007; PAIVA, 2011; PAIVA, COSCARELLI,
2009) o infográfico pode, sim, ser compreendido como um (novo) gênero textual.
Paiva e Coscarelli (2009) tipificam os infográficos em jornalísticos e didáticos.
O infográfico jornalístico é aquele utilizado para complementar uma informação que é
veiculada em uma notícia, contribuindo para explicar o fato trazido no texto da matéria.
O infográfico de caráter é utilizado essencialmente na divulgação científica, sendo
apresentado sem o acompanhamento de uma reportagem ou notícia.
Uma experiência de leitura de dados e escrita em infográfico na formação inicial
de professores de Ciências e Biologia
O curso de Ciências Biológicas da PUC Minas, formando bacharéis em Biologia
e professores de Ciências e Biologia, foi pioneiro na introdução de uma formação de
estudantes para o uso das TDIC. No início dos anos 2000, foi implantada a disciplina
Informática no Ensino de Ciências e Biologia que foi, em 2015, substituída pela
disciplina Tecnologia e Práticas Educativas em Ciências Biológicas (TPECB). No
passar do tempo, buscando um sincronismo com a própria evolução das TDIC, a
disciplina foi sendo redesenhada. Assim, chegou o momento de incorporarem-se
interfaces da Web 2.0; mais recentemente atividades com o concurso de dispositivos
móveis passaram a ser desenvolvidas. O celular, antes instrumento de perturbação de
um ambiente para a aprendizagem, passar a ser recurso, instrumento para ela.
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A disciplina TPECB tem como um de seus objetivos fazer com que os
estudantes se posicionem, de forma crítica, em relação às implicações da incorporação
curricular das TDIC na escola da Educação Básica, incluindo as interfaces da Web 2.0 e
até de mídias sociais, considerando inclusive o acesso cada vez mais amplo aos
dispositivos móveis (smartphones e tablets). Além disso, espera-se que ao final da
formação na disciplina, os futuros professores se tornem capazes de planejar atividades
de aprendizagem que envolvam o uso das TDIC no ensino de Ciências, na Educação
Fundamental II, e no ensino de Biologia, no Ensino Médio.
Na medida em que recursos da Web 2.0, incluindo as mídias sociais, sejam
incorporadas na sala de aula, os educadores terão necessidade de procurar novas teorias
de ensino e aprendizagem, sem desprezar as antigas, para que a incorporação das TDIC
se faça de forma pedagogicamente significativa (BLASCHKE, 2014).
Uma atividade desenvolvida na disciplina no 2º semestre de 2015, na inovação
pedagógica, foi a criação, pelos estudantes, de uma representação visual do “texto” de
resultados de um survey por eles mesmo promovido. A proximidade da realização da
COP21, em Paris, e a publicação, recente, da encíclica “Laudato Si!”, do Papa
Francisco, que trata dos cuidados com a casa comum, abordando a questão do meio
ambiente - um tema essencial na formação do biólogo e assunto na prática dos
professores de Ciências e Biologia - foram fatores geradores para a atividade.
Os estudantes foram solicitados a conduzir uma pesquisa, junto a pessoas de
suas redes sociais, sobre um recorte do que consideramos a “macro questão” ambiental.
Ao serem desafiados, os estudantes se viram envolvidos em uma prática de pesquisa
quantitativa, com a finalidade de medir opiniões.
A opção pelo survey como técnica na pesquisa foi natural. O survey é estratégico
quando se pretende investigar coisas do tipo “o que”, “como”, “porque” (FREITAS,
OLIVEIRA, SACCOL, MOSCAROLA, 2000) em uma determinada situação, não
sendo possível, através do método, determinar variáveis dependentes e independentes.
O survey é a pesquisa no momento presente e trata situações reais do ambiente. Por isso
a escolha por essa técnica na atividade.
Os estudantes foram orientados para o que se denominou “recorte temático” da
“macro questão” ambiental. Ou seja, não se tratava de uma pesquisa vasta em um tema,
que é amplo, abordando seus mais diferentes aspectos, mas de um exercício que exigia o
foco em um aspecto que o estudante considerasse mais importante. A atividade exigiu
aos estudantes o exercício da crítica, para que pudesse elencar, dentro do tema do meio
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ambiente, o tópico considerado mais importante ou mais interessante. Portanto, o tema
específico a ser abordado no survey foi definido por cada estudante após uma escolha
refletida. Ao serem desafiados a elaborar um questionário, estudantes acostumados -
pela cultura da escola da aula expositiva, centrada no professor - a repetir respostas ao
invés de fazer perguntas, tiveram que pensar em diferentes aspectos do tema a serem
considerados, até pelo limite de questões, para elaborar as perguntas mais convenientes.
O questionário foi gerado para consulta online, utilizando-se o Typeform.
O link do questionário foi encaminhado, pelos estudantes, para a sua rede de
contatos nas mídias sociais (Facebook, Twitter, Linkedin ou outra) e, ainda, através do
WhatsApp. Os estudantes tabularam os resultados e os publicaram em infográficos,
gerados, principalmente, no Infogram. A criação dos infográficos combina o exercício
da análise objetiva de dados com a criatividade. Gráficos simples ou tabelas que apenas
exibem números não desafiariam muito a criatividade dos estudantes e seu senso
estético. Um infográfico para se revelar interessante exige uma qualidade visual,
gráfica.
Ao final da atividade, uma enquete foi realizada junto ao reduzido grupo de
estudantes (o número baixo é a evidência gritante do esvaziamento das salas de
licenciaturas) para avaliar a atividade como um todo. Alguns indicadores importantes
foram buscados, desde a usabilidade dos recursos da internet até considerações sobre as
atividades enquanto proposta na aprendizagem.
Os estudantes, à unanimidade, reconheceram que a atividade inovou ao lhes
demandar a criação de survey online, a utilização de redes sociais como espaço para
coleta de dados e a elaboração de infográficos para a representação dos resultados
obtidos na pesquisa.
Quanto ao grau de interesse dos estudantes em relação à atividade, considerados
seus dois elementos básicos, desenvolvimento do survey e criação dos infográficos,
destaca-se o fato de que a atividade que envolveu o infográfico foi considerada mais
interessante (Gráfico 1). Possivelmente o interesse maior pelo infográfico se deva ao
fato de que se tratava, para vários estudantes, de uma forma até então pouco ou não
conhecida para a publicação de resultados de pesquisa. Entretanto, quando considerado
o mix de atividades, na integração das tarefas, a proposta de aprendizagem foi
considerada interessante por 81,8% dos estudantes.
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Ao contrário do que possa ser um convencimento geral, os estudantes de
licenciatura não são usuários de muitos recursos da Web 2.0; ao contrário, desconhecem
a maioria delas (MARINHO et. ali, 2015).
GRÁFICO 1
Escala de interesse pelos recursos isoladamente
Fonte: Dados de Pesquisa
No esforço para assegurar que todos os estudantes tivessem algum conforto no
uso dos recursos da Web 2.0 indicados para a atividade, dois tutoriais foram produzidos.
Os que denominados “manuais de uso rápido” orientavam, passo a passo, desde a
criação de contas no Typeform e no Infogr.am até a mais completa utilização desses
recursos. Além disso, o professor e o técnico do laboratório de informática ficaram à
disposição dos estudantes para auxiliá-los no caso de encontrarem alguma dificuldade
no uso do e no Infogr.am. A opção por oferecer tutoriais e disponibilizar um
atendimento pessoal foi considerada preliminarmente em uma perspectiva de atenção à
Zona de Desenvolvimento Proximal, ou à Zona de Desenvolvimento Iminente,
conforme proposta por Vygotsky (ZANELLA, 1994).
Após o uso dos recursos, em uma avaliação da atividade, houve uma
preocupação em se identificar, junto aos estudantes, o seu entendimento quanto à
interface visual do Typeform e do Infogr.am, na medida em que esse elemento pode
contribuir para uma utilização mais fácil, bem como graus de dificuldade que
encontraram ao lidar com cada um desses recursos indicados. Ainda que, de maneira
geral, os estudantes reconhecessem com uma tendência no sentido de mais agradável
das interfaces tanto do Typeform como do Infogr.am (Gráfico 2), dificuldades nos seus
usos foram registradas, em graus variáveis (Gráfico 3).
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GRÁFICO 2
Qualidade visual das interfaces
Fonte: Dados de Pesquisa
A maior dificuldade de uso do Infogr.am, ainda que oferecidos suportes,
incluindo um tutorial, não surpreendeu. Afinal, os estudantes, acostumados com a
elaboração de gráficos no Excel, como é usualmente demandado em disciplinas na sua
formação na licenciatura, não tinham familiaridade com elaboração de infográficos.
Quando da apresentação da proposta da atividade houve mesmo o caso de estudantes
que não sabiam o que é infográfico.
GRÁFICO 3
Dificuldade no uso das interfaces
Fonte: Dados de Pesquisa
A atividade foi considerada como Boa ou Muito Boa pela maioria dos estudantes
(54,6%). Quase ¾ deles consideraram a possibilidade de vir a realizar atividade
semelhante com seus próprios alunos da Educação Básica (Gráfico 4). Para 63,6 %
deles essa possibilidade já poderia se concretizar quando da realização do estágio
curricular ao qual estarão obrigados no cumprimento do currículo da licenciatura
(Gráfico 5).
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GRÁFICO 4
Possibilidade de uso futuro com próprios
alunos da Educação Básica
Fonte: Dados de Pesquisa
GRÁFICO 5
Possibilidade de uso futuro com alunos no
estágio curricular
Fonte: Dados de Pesquisa
A título de conclusão
Conforme reconhecido pelos licenciandos, a atividade teve um sentido
pedagógico significativo, notadamente pelo caráter inovador do qual se revestiu. Além
disso, quando futuros professores da Educação Básica consideram a possibilidade de
reprisar atividade como essa com seus próprios alunos ou, antes mesmo, nos estágios
aos quais estão obrigados curricularmente, potencializa-se uma oportunidade para que
as TDIC possam chegar às escolas da Educação Básica, em especial às da rede pública,
e serem curricularmente incorporadas de forma a agregar valor à formação dos
estudantes.
Os recursos da Web 2.0 utilizados não foram - e não poderiam mesmo ser – os
determinantes na atividade, ainda que necessários. Tanto é que não se exigiu de forma
absoluta a utilização apenas dos que foram recomendados. A preocupação não foi com a
construção de habilidade no uso do Typeform e do Infogr.am. Entretanto influenciou na
sua escolha desses recursos a possibilidade de que estudantes os utilizassem em
dispositivos móveis e, no caso, do Typeform, que os contatos dos estudantes nas redes
sociais pudessem responder o survey usando um smartphone ou um tablet.
O que se buscou, como objetivo primário da atividade, foi possibilitar aos
estudantes, futuros professores, desenvolver competência para a questão da pesquisa, no
exercício da busca de respostas para questões importantes, e para a expressão
(comunicação) através de um novo gênero textual. Mais importante que o domínio das
ferramentas, até porque, em um intervalo maior ou menor de tempo, elas podem acabar
sendo substituídas, foi o desenvolvimento de competências dentre aquelas que se
tornam exigíveis na contemporaneidade. Competências construídas, o estudante, futuro
professor, poderá mobilizar outros recursos (ferramentas) da tecnologia digital para
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alcançar seus objetivos. O importante era que aprendessem sobre a pesquisa, na forma
de survey, e sobre o infográfico, como forma de expressão de resultados de pesquisa, e
reconhecessem sua utilidade na perspectiva de um uso pedagógico inovador.
A sociedade contemporânea demanda mudanças à educação. As TDIC, que
necessariamente não seriam razão para a mudança, devem ser consideradas como
capazes de ajudar nessa mudança. Entretanto para que as TDIC cheguem à escola da
Educação Básica potencializando a aprendizagem, ao invés de um mero suporte para o
ensino, professores com uma formação diferenciada, nova serão necessários. A
mudança depende de professores com novas atitudes, que entendam a importância da
inserção curricular das TDIC, que reconheçam a necessidade de práticas pedagógicas
inovadoras, capazes de dar mais sentido à formação de crianças e jovens. A educação
continuada será um espaço para formar esse novo professor. Contudo, professores com
novas formas de pensar e agir devem estar prontos ao final da sua formação inicial. Isso
é razão para que as licenciaturas, no Brasil, comecem a promover mudanças em si
mesmas. Em um mundo em permanentes mudanças, nenhuma escola poderá ficar
parada no tempo. Há uma urgência para que a escola, saia do século XIX e venha para o
século XXI. Cabe à escola que forma professores dar início a essa corrida.
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<http://revistas.pucsp.br/index.php/revlael/article/download/1905/4357>. Acesso
em 11 dez. 2015.
PAIVA, F. A.; COSCARELLI, C. V. A multimodalidade do infográfico como critério
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ESTUDOS DE GÊNEROS TEXTUAIS, 5, 2009, Caxias do Sul. Anais. Caxias do Sul,
UCS, 2009, v.1. p.1-29. Disponível em
<http://www.ucs.br/ucs/tplSiget/extensao/agenda/eventos/vsiget/portugues/anais/textos_a
utor/arquivos/a_multimodalidade_do_infografico_como_criterio_para_sua_analise_como
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ZANELLA, A. V. Zona de desenvolvimento proximal: análise teórica de um conceito
em algumas situações variadas. Temas psicol., v.2, 1994, p. 97-110.
Infográficos relativos ao estudo estão disponíveis em http://tinyurl.com/h63cvv9
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O USO DO SOUNDCLOUD PARA A PROMOÇÃO DO LETRAMENTO DE
ALUNOS DE CIÊNCIAS EXATAS
Gláucia Maria dos Santos Jorge – UFOP
Resumo
O presente relato é fruto da experiência com o uso da plataforma online de publicação
de áudio, SoundCloud, como recurso didático utilizado na disciplina Prática de Leitura e
Produção de Textos (acadêmicos), nos cursos presenciais de Engenharia da Computação
e Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) para a promoção
do letramento literário e acadêmico dos alunos. A disciplina tem como objetivo
principal a abordagem da leitura e produção de textos acadêmicos e é oferecida na
modalidade a distância por meio do Ambiente Virtual de Aprendizagem Moodle para
alunos de cursos presenciais e a distância. Foram publicados gratuitamente no
SoundCloud áudios com orientações relacionadas ao conteúdo da disciplina e, ainda,
áudios específicos do Projeto “Eu gosto de ler” que vem sendo desenvolvido desde
2014. Trata-se de narrações de textos literários de autores brasileiros e estrangeiros e
com duração máxima de seis minutos. Os resultados da experiência encaminham para o
potencial das narrações de textos literários disponibilizadas em áudio para contribuir
com a formação de um possível aluno leitor que possa se apropriar da literatura
enquanto linguagem. Embora não fossem obrigados, a maioria dos alunos acessou os
áudios de textos literários pelo menos uma vez e os relacionados ao conteúdo da
disciplina mais de uma vez. Criado em 2014, e tendo divulgação restrita aos alunos, a
plataforma do SoundCloud utilizada para publicação de áudio tinha, até janeiro de 2016,
8.150 reproduções de áudio.
Palavras-chave: Letramento acadêmico, Letramento literário, Leitura e produção de
textos acadêmicos.
Introdução
Ensinar leitura e produção de textos acadêmicos tem sido bastante discutido no
âmbito das universidades, conforme já destacado por Corrêa e Jorge (2016). Uma
preocupação recorrente dos professores universitários diz respeito às dificuldades que os
alunos de graduação têm em ler e produzir adequadamente textos acadêmicos. Existe,
muitas vezes, a expectativa equivocada de que uma disciplina, como a de Prática de
Leitura e Produção de Textos Acadêmicos, possa sozinha, conduzir os alunos a um bom
desempenho na produção de textos escritos na universidade. Todavia, as dificuldades
dos alunos precisam ser vistas sob pelo menos dois pontos de vista. O primeiro deles é
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um questionamento sobre a compreensão que os professores têm a respeito do que é
leitura e produção de textos acadêmicos. O segundo é sobre o conhecimento, ou não dos
gêneros acadêmicos e quais as experiências de letramentos que os alunos têm quando
chegam na universidade.
Enfim, é nesse contexto que surge, nos cursos presenciais de Ciência da
Computação e Engenharia Elétrica e Engenharia da Computação da Universidade
Federal de Ouro Preto, as disciplinas denominadas Prática de Leitura e Produção de
Textos e Comunicação e Expressão. Essas disciplinas são oferecidas pelo Centro de
Educação Aberta e a Distância da UFOP – CEAD/UFOP na modalidade a distância.
Conforme já foi ressaltado, a expectativa dos docentes dos cursos é que a disciplina
auxilie ou “resolva” os problemas de leitura e escrita apresentados pelos alunos do
curso. Entretanto, a perspectiva dos docentes da disciplina é outra, é a de possibilitar um
aprendizado que consiga atender a multiplicidade de práticas de letramentos que
envolvem o meio acadêmico, e que torne possível que os alunos se apropriem de
estratégias diferentes de leitura e produção de determinados gêneros textuais como, por
exemplo, fichamento, resumo, resenha, relatório de leitura e artigos científicos.
Sendo assim, antecede à organização da disciplina no Ambiente Virtual de
Aprendizagem Moodle (AVA/Moodle) as seguintes questões: o que ensinar e o que
aprender com os graduandos de cursos de ciências exatas? A reflexão sobre essas
questões é muito importante e serve como ponto de partida para a seleção e organização
do AVA/Moodle. Foi nesse contexto de reflexão que surgiu o Projeto “Eu gosto de ler”
– cujo objetivo principal é o de possibilitar ao aluno o acesso a textos literários
disponibilizados em áudio na plataforma SoundCloud.
Normalmente, antes de organizarmos completamente a disciplina no AVA
solicitávamos aos alunos que produzissem um memorial de leitura. Nesse memorial eles
deveriam relatar a sua história de formação de leitor. A nossa experiência com a leitura
dos memoriais revelou um traço em comum entre os alunos dos cursos de ciências
exatas: eles tiveram na infância e durante o Ensino Fundamental maior proximidade e
gosto pela leitura literária. Os textos literários chegavam até eles por meio dos pais, ou
parentes como irmãos mais velhos, tios e tias. Na escola, os professores das séries
inicias e de Língua Portuguesa eram as principais fontes de acesso aos textos literários.
Entretanto, a leitura literária vai perdendo, aos poucos, espaço para outras práticas dos
alunos como o uso de redes sociais virtuais e jogos eletrônicos (CORREIA e JORGE,
2016).
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Por serem nativos digitais, os alunos se inserem numa cultura digitalmente
letrada. Dessa forma, sua proximidade com os meios eletrônicos digitais nos levaram a
usar o SoundCloud, plataforma digital de publicação de áudio, para divulgação também
de textos literários, conforme veremos adiante. Até então, essa ferramenta era usada
apenas em algumas situações como, por exemplo, para dar retorno coletivo aos alunos
das atividades que eles haviam realizado no AVA.
Leitura e produção de textos na academia
A disciplina de Língua Portuguesa ou Português, passou, desde o início dos anos
90, a ser pensada de forma procedimental e, consequentemente, menos conteudística.
Essa foi uma mudança de paradigma consequente dos estudos linguísticos pós-
estruturalismo e amparados no pensamento de Mikhail Bakhtin, que alavanca uma
concepção de linguagem percebida como interação social. Assim, de acordo com essa
perspectiva, a língua é concebida como um mecanismo dinâmico, sócio-histórico e
flexível. Ou seja, nessa perspectiva não podemos pensar a língua como um conjunto de
regras fixas e que não mudam.
Bakhtin também retoma a discussão sobre gêneros textuais. Temos, na
antiguidade clássica, a categorização aristotélica da literatura então existente através dos
gêneros literários, por meio da seguinte distinção: épico, lírico e dramático. Bakhtin, em
seu artigo escrito em meados do século XX “Gêneros discursivos: problemática e
definição”, publicado no livro Estética da Criação Verbal (BAKHTIN, 1952-1953,
publicado no Brasil em 1997), amplia a noção de gênero para além do domínio literário,
e tal abordagem amplia, assim, para os gêneros do discurso. Para Bakhtin, linguagem,
enunciação e discurso são sinônimos. Sendo assim, consideramos os gêneros “tipos
relativamente estáveis de discursos” que são materializados na forma de texto ou
enunciados, a partir do conteúdo (assunto ou tema do enunciado); estilo verbal
(possibilidades linguísticas de construção textual, inclusive com seleção do léxico,
recursos fonológicos etc.; e, finalmente, forma composicional (formas arquetípicas de
textos, sequências textuais predominantes em um texto e que levam à classificação do
seu “tipo”).
Marchuschi (2005) destaca as sequências textuais como traços linguísticos
específicos de textos e apresenta uma classificação das sequências que considera:
narrativas – em que há o predomínio das relações de temporalidade; descritivas – em
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que há o predomínio das relações de localização; expositivas – há o predomínio das
relações analíticas ou explicativas; argumentativas – há o predomínio das relações
contrastivas explíticitas; injuntivas – há o predomínio das relações imperativas. Enfim,
os gêneros do discurso são entendidos como tipos relativamente estáveis de textos que
são produzidos numa dada esfera discursiva.
Na sociedade contemporânea temos incontáveis domínios discursivos uma vez
que ela se caracteriza por ser grafocêntrica digital. De acordo com Jorge e Mill (2007), a
expansão do desenvolvimento tecnológico nas sociedades grofocêntricas a caracterizou
como essencialmente digital.
Nas universidades, o conjunto de gêneros discursivos produzidos é imenso, e os
estudos que deles se ocupam estão no âmbito do letramento acadêmico. Dentre esses
gêneros, destacamos aqueles que são mais produzidos por professores e pesquisadores
e, como consequência, costumam ser mais solicitados aos alunos: fichamentos,
resumos, resenhas, relatórios de leitura e artigos científicos. É a partir desse contexto
teórico que é organizada a proposta de ensino de Leitura e Produção de Textos para
alunos de cursos de Engenharias aqui destacados. É importante ressaltar que, apesar do
enfoque teórico, a disciplina é pensada em um caráter prático, o que acaba por nos fazer
agregar a ela a palavra “Prática”: Pratica de Leitura e Produção de Textos Acadêmicos.
Os alunos e a organização do AVA Moodle
Iremos apresentar os alunos com base nas informações postadas por eles no
perfil do AVA/Moodle no primeiro semestre de 2014. Não foi possível produzir dados
mais sistematizados sobre o perfil dos alunos e sua formação sociocultural. Podemos
afirmar, entretanto, que a maioria possui entre 19 e 23 anos, e são provenientes de
cidades do interior de Minas Gerais. Os alunos envolvidos no Projeto “Eu gosto de ler”
ora abordado são estudantes dos cursos de Engenharia Elétrica e Engenharia da
Computação, cursos estes que funcionam no campus de João Monlevade da
Universidade Federal de Ouro Preto. Esses alunos estudaram em escolas públicas e
privadas e frequentaram cursos pré-vestibulares.
Nos cursos do campus de João Monlevade a disciplina “Comunicação e
Expressão” é ofertada na modalidade EAD com carga horária de 30h/aulas, e o seu
conteúdo tem relação com a produção de textos na universidade. Para acessar a sala de
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aula virtual os alunos precisam entrar na página no CEAD/UFOP e fazer o login. O
acesso à disciplina não é problema para os alunos. Por outro lado, embora façamos
sempre o esforço de deixar a disposição dos alunos links para estudos e pesquisas em
sites com conteúdos diversos sobre leitura e produção de textos e outros temas, os
alunos acessam o AVA basicamente para fazerem atividades, e enviá-las ao professor.
Embora fossem motivados para tal, não era frequente o envio de mensagens para o
professor, por meio do AVA, seja para pedir dicas ou esclarecer dúvidas conceituais.
O AVA/Moodle oferece diversas ferramentas com possibilidades de abordagem
pedagógica para o trabalho com a leitura e produção de textos. Entre elas, fizemos uso
de Fóruns para o compartilhamento de produções escritas e discussões; vídeos com
letras de músicas para fomentarem as discussões feitas nos fóruns e, ainda, debates e
palestras com os mesmos fins. Um vídeo que possibilitou grande participação dos
alunos no Fórum foi “Os perigos de uma história única”. Nele a escritora nigeriana
Chimamanda Adichie narra os perigos de escutarmos uma história sempre contada sob a
mesma perspectiva. Os alunos foram convidados a debater sobre em que medida o
discurso da escritora tinha sua relação com a disciplina Comunicação e Expressão e a
formação profissional e humana que estavam recebendo. A título de exemplo, destaco a
resposta de um dos alunos no Fórum: “Podemos relacionar o vídeo com a necessidade
de se produzir textos que se preocupam com a verdade de suas informações. A produção
de qualquer tipo de texto exige do escritor conhecimento profundo, pluralista e crítico
do que deseja explanar. O conhecimento holístico, importante a qualquer profissional,
permite-nos a criação de histórias completas e comprometidas com a verdade, o que
evita a formação de estereótipos e preconceitos.”
A receptividade dos alunos em relação ao conteúdo do vídeo e a participação
ativa que tiveram no Fórum entusiasmaram a levar até eles textos que pudessem fazer
com que estudassem a língua em suas particularidades e ao mesmo tempo refletissem
sobre ela. Foi assim que levamos até eles a música dos Paralamas do Sucesso
“Assaltaram a gramática”. Os alunos deveriam ouvir a música (por meio de um vídeo
do youtube), depois deveriam ver outro vídeo que tinha a música como pano de fundo.
Nesse vídeo várias frases que estavam escritas fora do português padrão eram flagradas
e fotografadas em cenários simples de zonas urbanas empobrecidas como muros, portas
de pequenos comércios e faixas. Posteriormente eles deveriam ouvir os comentários que
estavam gravados no SoundCloud intitulados “Sobre a subversão gramatical:
Assaltaram mesmo a gramática”? Além desse comentário, também havia sido postado
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no SoundCloud comentários sobre a participação dos alunos no Fórum de discussão
sobre o vídeo da escritora Chimamanda Adichie.
Cabe ressaltar que a disciplina Prática de Leitura e Produção de Textos é
oferecida também para alunos de cursos de Matemática, Geografia e Pedagogia na
modalidade a distância. O uso do SoundCloud se deu em todos esses cursos. Entretanto,
no caso dos cursos a distância, há vários atores inseridos na docência: professores,
tutores presenciais e tutores a distância. Além disso, a mesma disciplina é oferecida para
vários Polos ao mesmo tempo, o que resulta em múltiplas turmas da mesma disciplina.
Já no caso dos cursos presenciais há apenas o professor e os alunos e uma única turma
para cada curso, o que facilita o acompanhamento da experiência. Sendo assim, a
quantidade de acessos que tivemos em nossa página no SoundCloud , cerca de 8.150,
até janeiro de 2016, diz respeito não apenas aos alunos dos cursos de Engenharia, mas
aos alunos dos cursos de EaD e, eventualmente, outras pessoas que visitem a página.
Sobre o projeto “Eu gosto de ler”
Foi com base nas experiências de uso do SoundCloud tanto na postagem de
comentários sobre a música “Assaltaram a gramática” quanto no vídeo da escritora
nigeriana Chimamanda Adichie, bem como na boa recepção que os alunos tiveram dos
links de áudio, que surgiu a proposta do projeto “Eu gosto de ler”. A ideia inicial era
gravar textos em áudio em uma plataforma que os sustentasse e ao mesmo tempo fosse
popular entre os jovens. A opção pelos textos literários se dá com base nos estudos de
Correia e Jorge (2016) e porque a literatura nos humaniza. Além disso, no que concerne
ao letramento literário, “defendemos o direito de todos ao patrimônio cultural que é a
literatura clássica, que pode ser oferecida ao graduando sem imposição e que pode, sim,
estar relacionada com práticas e suportes contemporâneos de leitura e escrita”
(CORREIA e JORGE, 2016, p. 13). Sendo assim, foram gravados sete textos literários a
saber: Minha glória literária (Fernando Sabino); Macacos (Clarice Lispector); O gato
preto (Edgar Allan Poe); A aliança (Luís Fernando Veríssimo); Poema em linha reta
(Álvaro de Campos); A última crônica (Fernando Sabino); A terceira margem do rio
(João Guimarães Rosa).
A seleção dos textos literários se deu a partir de textos já conhecidos pela
professora e cujos autores tinham as obras reconhecidas no Brasil ou exterior, caso de
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Edgar Allan Poe e Álvaro de Campos (Fernando Pessoa). Além do mais, foram
pensados em textos mais curtos e que não cansassem muito o ouvinte que não estava
acostumado a “escutar” literatura. As gravações foram feitas usando um celular
conectado à internet e que tinha o aplicativo do SoundCloud . Os links com os áudios
dos textos literários (contos, crônicas e poemas) foram disponibilizados para os alunos
no AVA/Moodle. Eles teriam a liberdade de acessar quando quisessem.
Ao final da disciplina foi solicitado aos alunos que respondessem, se quisessem,
a seguinte questão: Você acessou os links do Projeto “Eu gosto de ler” – se “sim” ou
“não”, responda as razões que o levaram a fazê-lo ou não, e se eventualmente
replicaram o link em alguma outra rede social (qual?). A turma possuía cerca de 80
alunos matriculados, mas desse total apenas 51 (65%) alunos efetivamente cursaram a
disciplina desde o seu início. Desses 51 alunos, 20 (40%) responderam a pergunta
proposta por meio do recurso “questionário” do Moodle. O tempo médio gasto pelos
alunos para responder a pergunta foi de três minutos. Os vinte alunos responderam
afirmativamente (sim) no que diz respeito ao acesso aos textos. Todavia, apenas (75%)
desse total respondeu a “razão” pela qual fez o acesso. Entretanto, algumas vezes, ao
invés de explicar a razão efetivamente, os alunos acabavam por se justificar ou mesmo
parabenizar a professora: “sim, porém acessei somente um texto devido a falta de tempo
para me dedicar a leitura e aos estudos. Achei o projeto muito interessante, parabéns
pela iniciativa professora”.
Houve o caso de acesso por curiosidade e “acabar se interessando”: Sim,
primeiramente acessei porque achei que seria necessário para responder alguma coisa
(não entendia muito bem, rs ) mas depois acabei me interessando pelas histórias pelo
fato de possuírem uma gramática muito rica e ouvi todas elas (: porém não repliquei o
link em rede social.
Dentre os alunos que responderam o questionário, 5 (25%) afirmaram não ter
acessado todos os links com o áudio dos textos: “confesso que acessei pouco o conteúdo
do Projeto “Eu gosto de ler”, visto que o meu tempo para atividades extraclasse da
faculdade encontra-se reduzido em virtude do meu trabalho. Mesmo assim acessei dois
textos propostos, a saber: Minha glória literária, O gato preto”.
Houve o caso de respostas mais elaboradas e completas, informando inclusive se
houve ou não a divulgação do link: “Li os textos "Poema em linha reta" e "A última
crônica", mas me interessei principalmente pelo “Poema em linha reta”, pois realmente
ocorre na sociedade o fato das pessoas só mostrarem o lado "bom" das mesmas, dando a
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impressão que são perfeitas, mas obviamente não são. A tentativa de conscientizar o
leitor é claramente realizada e eu particularmente fiquei comovido, e creio eu que em
minhas postagens evito quaisquer mentiras para ganhar "curtidas" como diversas
pessoas fazem. Sou uma pessoa que gosta de demonstrar a verdade aos outros , não
tento esconder nada para que, assim, as mesmas possam confiar em mim . Divulguei
apenas em meios internos para os amigos mais próximos. Ótimo trabalho professora :)”;
“Sim, o que mais gostei foi a Terceira margem do rio. Compartilhei o link com minha
namorada, que é aluna do curso de Pedagogia na Estácio de Sá, a qual compartilhou no
grupo de WhatsApp de sua turma”.
Era importante saber se os alunos tinham divulgado o link porque o número de
acessos na plataforma do SoundCloud estava sendo muito maior do que efetivamente o
número de alunos para o qual ela havia sido divulgada. Foi possível constatar que os
alunos haviam compartilhado o link por meio de redes sociais como o Facebook e o
WhatsApp. Embora a quantidade de acessos fosse um fator que motivasse a gravação de
mais áudios com textos literários e, ainda, comentários sobre atividades feitas pelos
alunos, esbarramos numa questão comercial limitadora e problemática. O SoundCloud
oferece apenas 60 minutos de gravação de áudio gratuitas, além desse tempo é preciso
pagar para obter mais espaço. Diante desse impasse, optamos por manter as gravações
em áudio por algum tempo e mudá-las esporadicamente.
É importante destacar que todos os alunos que cursavam a disciplina acessaram
pelo menos uma vez os links do SoundCloud. Tal afirmação é possível por meio de
consulta aos acessos que foram feitos individualmente por cada aluno em cada um dos
links disponibilizados no AVA/Moodle. Isso significa que uma vez disponibilizados aos
alunos, os textos literários são acessados e vão sendo significados por cada um deles a
partir das suas próprias experiências e expectativas, conforme foi possível constatar nas
respostas que deram sobre o acesso ou não aos links do Projeto “Eu gosto de ler”.
Considerações finais
Os resultados da experiência encaminham para o potencial das narrações de
textos literários disponibilizadas em áudio para contribuir com a formação de um
possível aluno leitor, que possa se apropriar da literatura enquanto linguagem e
patrimônio cultural. Embora não fossem obrigados, a maioria dos alunos acessou os
áudios de textos literários pelo menos uma vez e os relacionados ao conteúdo da
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disciplina mais de uma vez. É importante salientar que o acesso não é obrigatório, e,
para tanto, é preciso compreender o que motiva os alunos a lerem e propiciarem o
acesso desses nativos digitais, a textos de diversos gêneros. Ressalta-se que no presente
relato privilegiamos os textos literários e acadêmicos. A formação do produtor de textos
acadêmicos não deve se pautar numa formação conteudística cuja formação humana
mais ampla lhe escapa. Aliada à formação humana está a formação artística que mesmo
na área de ciências exatas auxilia na formação de cidadãos para atuar num mundo em
que a crítica e a participação social são imprescindíveis, conforme já destacado por
Correia e Jorge (2016) em estudos anteriores. O SoundCloud é um dentre outros meios
de publicação de áudio que podem ser usados para este fim. Com limites e
possibilidades, desponta como uma ferramenta parcialmente gratuita que pode se tornar
uma boa aliada na prática pedagógica de professores em diversos níveis de ensino.
Referências
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CORRÊA, Hércules Toledo. JORGE, Gláucia Maria dos Santos. Multiletramentos de
alunos de Ciência da Computação da UFOP: Possibilidades acadêmicas. In:
http://sistemas3.sead.ufscar.br/ojs/index.php/sied/article/view/367/181 Acesso em 23 de
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processos de inclusão em sociedades grafocêntricas digitais. Vertentes. São João Del
Rei: UFSJ, Vii, 2007.
MARCUSCHI, Luiz Antonio; XAVIER, Antônio Carlos. Hipertexto e gêneros digitais:
novas formas de construção de sentido. 2. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
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1432ISSN 2177-336X
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PRÁTICAS DE LETRAMENTOS CONTEMPORÂNEOS NA
CIBERCULTURA: A UTILIZAÇÃO DE FANFICTIONS NO ENSINO DE
LÍNGUA PORTUGUESA
Andréia Teixeira - UFMG
Suzana dos Santos Gomes - UFMG
Resumo
A sociedade contemporânea tem vivenciado o desenvolvimento tecnológico, a
disseminação da internet e novas formas de utilização da linguagem. Frente a esse
contexto, surgem novos meios de comunicação proporcionados pela utilização de
aparatos tecnológicos: computadores, tablets, ipods, smartphones, entre outros. A partir
de então, há mudanças nas formas de ler e escrever, visto que atualmente emprega-se
algo diferente do modo de leitura e escrita impressa. Na cibercultura, a leitura e escrita
passam a ser realizadas na tela digital. Nesse sentido, o presente artigo possui a
finalidade de destacar as práticas letradas vinculadas às tecnologias digitais a serviço do
ensino da língua, através do gênero fanfiction. Para realizar o estudo, optou-se pela
utilização de questionário e pesquisa bibliográfica, realizada em artigos
contemporâneos. Desse modo, a fanfiction torna-se uma ótima ferramenta para
trabalhar a Língua Portuguesa, despertando no aluno o desejo de ler e se tornar produtor
de textos. Quanto aos procedimentos metodológicos, optou-se então pela utilização de
questionário virtual e pesquisa bibliográfica realizada em artigos contemporâneos. A
fundamentação teórica advém das contribuições de autores que discutem linguagens,
tecnologias digitais e fanfictions, tais como: Rojo (2013), Aguiar (2011), Ferreira e
Ferreira (2012), Alves (2014) entre outros. Os resultados evidenciam um novo perfil dos
fics contemporâneos, demonstrando que é possível inserir a fanfiction no contexto da
sala de aula, favorecendo a implantação de novos letramentos e a interação entre os
sujeitos, promovendo a leitura e a escrita em ambientes virtuais colaborativos.
Palavras-chave: Letramentos, tecnologias digitais, fanfictions.
Introdução
Com o advento da pós-modernidade, a sociedade contemporânea tem vivenciado
o desenvolvimento tecnológico, a disseminação da internet e novas formas de utilização
da linguagem. Em função disso, surgem novos meios de comunicação proporcionados
pela utilização desses aparatos tecnológicos: computadores, tablets, ipods, smartphones,
entre outros. A partir de então, nos deparamos com maior velocidade e rapidez nas
informações cotidianas, proporcionadas pela inserção das Tecnologias Digitais de
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Informação e Comunicação (TDICs). Com isso, não existe mais distância para se
comunicar: basta um clique para que o indivíduo se conecte e possa falar, ler e escrever
para qualquer pessoa nos mais remotos cantos da terra. Em meio a isso, ocorrem
mudanças no cotidiano dos sujeitos, bem como nas formas de ler e escrever, porque
agora se emprega algo diferente daquele tradicional modo de leitura e escrita, a folha de
papel. Abre-se espaço para a chamada cibercultura, com leitura e escrita sendo
realizadas na tela digital, nos denominados “ambientes virtuais”.
Nesse contexto, pretende-se, com este estudo, promover uma discussão acerca
dos letramentos contemporâneos proporcionados pela apropriação das TDICs, bem
como a sua interação nos ambientes virtuais que utilizam a língua no seu atual contexto
de circulação. Para tanto, o presente artigo possui a finalidade de destacar tal utilização
da linguagem, vinculada às tecnologias digitais a serviço do ensino-aprendizagem de
Língua Portuguesa. E, nesse sentido, escolheu-se o estudo do uso do gênero fanfiction.
Para realizar essa investigação, optou-se pela utilização de um questionário virtuali e de
uma pesquisa bibliográfica realizada em artigos contemporâneos que têm a fanfiction
como objeto de estudo. A fundamentação teórica advém das contribuições de autores
que discutem linguagens, tecnologias digitais e fanfictions, tais como: Rojo (2013),
Aguiar (2011), Ferreira e Ferreira (2012) e Alves (2014) entre outros. Para melhor
compreensão do estudo pretende-se apresentar, nos tópicos que se seguem, algumas
reflexões acerca dos letramentos contemporâneos, bem como do gênero fanfiction e o
seu contexto de uso no meio social.
Práticas de Letramentos e o Ensino da Língua
Saber ler e escrever são atos essenciais para a inserção plena do indivíduo na
sociedade. E, nesse sentido, torna-se fundamental o desenvolvimento de práticas
pedagógicas letradas que visem à ampliação das habilidades e competências de leitura e
escrita dos alunos no período de escolarização. Essas práticas, por sua vez, são
denominadas por Soares (2001, p. 47) como “letramento”, isto é, “o estado ou condição
de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva as práticas sociais que usam a
escrita”. Lorenzi e Pádua também discutem acerca das práticas de letramento e afirmam
que,
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o conceito de letramento abre o horizonte para compreender os
contextos sociais e a sua relação com as suas práticas escolares,
possibilitando investigar a relação entre práticas escolares e o
aprendizado da leitura e da escrita. [Logo] devemos trazer para o
espaço escolar os usos sociais da escrita e considerar que a vivência e
a participação em atos de letramentos podem alterar as condições de
alfabetização. (LORENZI; PÁDUA, 2012, p. 36).
Diante desse contexto, cabe à escola promover e criar condições para que se
abram novos horizontes no ensino-aprendizagem de leitura e escrita, de modo que se
cumpra a plena cidadania. Na perspectiva de abrir novos horizontes, Soares (2002) e
Coscarelli (2011) propõem uma discussão sobre uma nova modalidade de letramento, o
“letramento digital”. Esta modalidade é compreendida como uma prática social, e,
pressupõe, principalmente, a capacidade de leitura e escrita de textos, com desenvoltura,
na tela digital (SOARES, 2002; COSCARELLI, 2011; GOMES, 2014). É um campo do
saber que tem despertado os olhares de vários pesquisadores (GOMES, 2015;
TEIXEIRA, 2015) por proporcionar o trabalho com a linguagem, através das práticas de
letramento em diversas Ciências Humanas e, sobretudo, no ensino de Língua
Portuguesa.
Nesta mesma linha de estudos, e, com o intuito de proporcionar a continuidade
das pesquisas educacionais nesse campo do saber, Rojo (2012), inicia uma discussão
sobre os letramentos contemporâneos que já fazem parte do nosso cotidiano há muitos
anos. De acordo com a autora, há diferenças entre os termos “letramentos múltiplos” e
“multiletramento”:
Diferentemente do conceito de letramentos (múltiplos), que não faz
senão apontar para a multiplicidade e variedade das práticas letradas,
valorizadas ou não nas sociedades em geral, o conceito de
multiletramentos [...] aponta para dois tipos específicos e importantes
de multiplicidade presentes em nossas sociedades, principalmente
urbanas, na contemporaneidade: a multiplicidade cultural das
populações e a multiplicidade semiótica de constituição de textos por
meio dos quais ela se informa e se comunica. (ROJO, 2012, p. 13)
Além de dessas características, os multiletramentos se apresentam e funcionam
em formato de redes, melhor dizendo, em forma de hipertexto. Dias e Novais (2009, p.
9) afirmam que “o hipertexto digital é o formato textual próprio da internet e apresenta
algumas características que o diferenciam de um texto impresso”. Nessa rede, segundo
Rojo, os hipertextos estão disponíveis no melhor lugar: “nas nuvens”, porque neste local
“nada é de ninguém” (ROJO, 2012, p. 25), e todos podem acessá-los de qualquer
dispositivo, e em qualquer lugar, basta se conectar.
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Frente a isso, faz-se necessário repensar as práticas de letramento
contemporâneas que permeiam o cotidiano de vários jovens, que se encontram no
período de escolarização, produzindo novos gêneros, escritos em ambientes virtuais,
que são publicados em sites, blogs entre outros e que, em muitos casos, não são
valorizados pela escola. São gêneros digitais desconhecidos por alguns professores de
Língua Portuguesa e, portanto, não explorados durante o trabalho com o ensino-
aprendizagem de leitura e escrita. Nesse sentido, propõe-se uma discussão sobre os
letramentos contemporâneos, bem como a colaboração dos estudos da Semiótica e sua
relevância nas diversas linguagens que se manifestam no nosso meio.
Na contemporaneidade a Semiose tem se destacado nos estudos da linguagem
por ser uma ciência que se refere,
ao processo de significação e à produção de significado. A Semiótica
é a ciência que investiga todas as linguagens possíveis, ou seja, tem
como objetivo o exame dos modos de constituição de todo e qualquer
fenômeno como fenômeno de produção de significação e sentido.
(SANTAELLA, 1985, p.15).
Nesse contexto, tem-se o conceito de multiletramento, para o qual se recorre a
Rojo (2013), estudiosa que aponta para dois tipos de multiplicidades ligadas ao “prefixo
“multi” presente na palavra: “a multiplicidade de linguagens, semioses e mídias
envolvidas na criação de significação para os textos multimodais contemporâneos e, por
outro, a pluralidade e a diversidade cultural, trazidas pelos autores/leitores
contemporâneos a essa criação de significação”. (ROJO, 2013, p. 14). Nesse mesmo
sentido, Lorenzi e Pádua discorrem acerca dos “múltiplos significados e modos de
significar” dos textos contemporâneos que fazem parte da cultura letrada. Para as
estudiosas,
[...] as tecnologias digitais estão introduzindo novos modos de
comunicação, como a criação e o uso de imagens, de som, de
animação, e a combinação dessas modalidades. Tais procedimentos
passam a exigir o desenvolvimento de diferentes habilidades, de
acordo com várias modalidades utilizadas, criando uma nova área de
estudos relacionados com os novos letramentos – digital (uso das
tecnologias digitais), visual (uso das imagens), sonoro (usos de sons
de áudio), informacional (busca crítica da informação) – ou os
múltiplos letramentos, como têm sido tratados na literatura.
(LORENZI; PÁDUA, 2012, p. 37)
Frente ao exposto, Rojo diz que “não é de hoje que as imagens, e o arranjo de
diagramação impregnam e fazem significar os textos contemporâneos” (ROJO, 2012, p.
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19) e, por isso, surgem novos textos escritos, criados a partir de imagens de mídias
audiovisuais, digitais, impressas, entre outras. De acordo com essa autora:
Esses “novos escritos” obviamente dão lugar a novos gêneros
discursivos, quase diariamente: chats, páginas, twits, posts, ezines,
epulps, fanclips etc. E isso se dá porque hoje dispomos de novas
tecnologias e ferramentas de “leitura-escrita”, que convocam novos
letramentos, configuram os enunciados/textos em sua multissemiose
ou em sua multiplicidade de modos de significar. São modos de
significar e configurações, [...] que se valem das possibilidades
hipertextuais, multimidiáticas e hipermidiáticas do texto eletrônico e
que trazem novas feições para o ato de leitura: já não basta mais a
leitura de um texto verbal escrito – é preciso colocá-lo em relação com
um conjunto de signos de outras modalidades de linguagens (imagem
estática, imagem em movimento, som, fala) que o cercam ou
impregnam. (ROJO, 2013, p. 20-21)
Diante desse contexto, é essencial ressaltar que para exemplificar essa discussão,
atribuindo significação aos novos letramentos contemporâneos a partir da relação entre
signos e linguagens, apresentar-se-á, no tópico que se segue, o gênero fanfiction, texto
produzido por fãs a partir da leitura de livros, visualizações de vídeos, animês, imagens
de personalidades preferidas, entre outros. Trata-se de um texto escrito que, na
atualidade, tem circulado nos ambientes digitais.
A Fanfiction Como Gênero Contemporâneo
A formação de um sujeito/leitor com espírito de criticidade e “proficiente é um
dos principais objetivos” (LORENZI; PÁDUA, 2012 p. 39), do ensino-aprendizagem de
Língua Portuguesa e, para tanto, uma proposta de leituras de novos gêneros, visando,
sobretudo, a novos letramentos, deve ser considerada e inserida nas práticas docentes.
Nesse sentido, é fundamental reportar-se aos estudos contemporâneos da
linguagem, a partir da vertente bakhtiniana, que introduziu o conceito de gênero
discursivo. Nessa perspectiva, Bakhtin afirma que toda a atividade humana está ligada
ao uso da linguagem, bem como “as formas desse uso” e o modo como “efetua-se em
formas de enunciados” (BAKHTIN, 2011, p. 261-262), surgindo, assim, os gêneros do
discurso. Esses gêneros possibilitam a comunicação através das diversas manifestações
da linguagem a partir das relações sociais de interação existentes, que se caracterizam
no meio, ao passo que o uso da língua é feito em um determinado discurso/texto.
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Coscarelli e Cafiero (2013), em conformidade com Bakhtin, afirmam que os
textos cotidianos surgem a partir de diferentes situações de comunicação e, além disso,
cumprem diferentes objetivos sociais, podendo ser organizados em grupos conhecidos
como gêneros.
Nesse sentido, salienta-se que os ideais de Coscarelli e Cafiero (2013),
alicerçados na concepção bakhtiniana acerca dos gêneros discursivos, mostram-se
profícuos para este estudo, uma vez que este explica, através da perspectiva discursiva,
o surgimento de um novo gênero que circula no cotidiano com um propósito de
comunicação, o gênero digital fanfiction.
De acordo com Moraes (2009), vários gêneros se infiltraram no âmbito da
tecnologia digital e a fanfiction apresenta-se como um desses novos gêneros. Segundo a
pesquisadora, a palavra fanfiction, “pode ser traduzida para o português como ‟ficção de
fã„ [...], histórias que fãs escrevem sobre personagens ou universos ficcionais que
gostam, seja de literatura, cinema, quadrinhos ou qualquer outra mídia”. (MORAES,
2009, p. 78).
Em razão disso, a palavra recebe o nome fanfiction, vocábulo de origem inglesa,
constituído a partir da união das palavras fan e fiction, que também se originam do
mesmo idioma. Outras formas reduzidas são atribuídas à fanfiction, isto é, a palavra
pode receber a denominação de fanfic ou simplesmente fic. Trata-se de uma modalidade
escrita que apresenta as suas características próprias conforme será abordado a seguir.
Características da Fanfic: Narrativa Ficcional
Estudiosos da linguagem como Azzari e Custódio (2013, p. 74), afirmam que a
fanfic é “uma história escrita por um fã, a partir de um livro, quadrinho, animê, filme ou
série de TV”, cuja inspiração pode se originar a partir de bandas ou atores favoritos do
Fic.
Na visão de Aguiar (2011), a fanfic é uma produção contemporânea e, além
disso, faz referência às histórias escritas por fãs. Ela é vista como um texto com traços
narrativos, e, por se caracterizar dessa maneira, Ferreira e Ferreira (2012) afirmam que
este gênero “representa um universo ficcional”, de modo que, “uma fanfic situa-se
então, como uma narrativa literária” e, por conseguinte, apresenta como característica
principal a “função de narrar” (FERREIRA e FERREIRA, 2012, p. 4).
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Estes textos escritos são divulgados por fãs na internet, e circulam em
comunidades virtuais, bem como em blogs, sites, entre outros, no ciberespaço. Os
sujeitos responsáveis pela criação desse gênero são conhecidos como Fics ou Fictores.
Nas palavras de Luiz (2009), esses escritores podem ser chamados de “fanfiqueiros”,
modo informal que é utilizado no ciberespaço. Ao escrever a fanfic, a intenção do autor
desse texto é ler e, principalmente, ser lido pelos fãs. Para tanto, ele participa na internet
de comunidades que proporcionam a divulgação da fanfic, de modo que, outras pessoas
a conheçam e demonstrem interesse pelo texto (AGUIAR, 2011).
Aguiar (2011) em consonância com a abordagem de Lévy (1994), afirma que o
sujeito/autor e leitor da fanfiction,
é um aluno interconectado e que tem por referência principal a
convivência virtual, a interação síncrona e assíncrona, o
compartilhamento de seus saberes com os demais sujeitos [...] a fim de
constituir uma rede de conhecimentos.[Eles] leem histórias na tela do
computador, [...] leem livros e fazem isso porque gostam e não porque
há um professor solicitando [...]. A leitura faz parte da diversão e é um
passe para fazer parte do grupo social (AGUIAR, 2011, p. 32).
Nesse sentido, o ato da escrita é visto pela autora como uma consequência que
provém do prazer de ler e, por isso, é qualificada por ela. Assim, acredita-se que é a
partir da interação sujeito, leitura e escrita que se constroem as relações de interação no
ambiente virtual, bem como os novos saberes. Alguns estudos contemporâneos nesse
campo do saber têm destacado as características dos fanfiqueiros, bem como o perfil de
cada escritor desse gênero. Para tanto, no próximo tópico será apresentado o que revela
uma atual pesquisa acerca da fanfiction e o perfil dos novos fics.
Linguagem, Tecnologia e Ciência: Um Estudo Sobre os Fics Contemporâneos
Colaborando com os estudos acerca das fanfictions, e, a fim de contribuir com as
atuais pesquisas no campo da linguagem, foi realizado um estudo em setembro de 2015,
com alguns dos participantes do site Fanfic Obsessionii. O método utilizado para a
coleta de dados foi o questionário virtual. Gil (2008) afirma que o questionário constitui
uma das mais importantes técnicas, hoje utilizadas, para obtermos dados nas pesquisas
sociais.
Com o processamento e a análise dos dados da pesquisa, ficou evidenciada uma
mudança no perfil dos fics. Revelou-se que a faixa etária dos participantes supera os 20
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anos, e que (12,5%) deles possuem o Ensino Superior Completo, enquanto (87,5%)
frequentam a graduação em Instituições de Ensino Superior como a PUC-Rio,
Faculdade de Educação e de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal da Bahia
(UFBA), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Instituto Federal Fluminense
(IFF) e Fundação Escola de Comércio Álvaro Penteado (FECAP).
Quanto aos cursos investigados, constatou-se que os respondentes são alunos dos
cursos de Relações Públicas, Psicologia, História da Arte, Licenciatura em Letras,
Licenciatura em Matemática, Pedagogia e Engenharia da Computação.
No que concerne às práticas de leitura e escrita, revelou-se que (100%) gostam
de ler e escrever e consideram essas práticas muito importantes para o pleno
desenvolvimento da cidadania. Ao perguntar sobre os gêneros mais lidos, a pesquisa
revelou que (100%) gostam de ler livros, (50%) preferem revistas, (75%) optam por e-
mails e (25%) gostam de ler artigos relacionados à educação, fanfic e sites de notícias.
No que diz respeito às escolhas para a leitura, evidenciou-se que (37,5%) têm
preferência por revistas e gibis; (75%) gostam de ficção e policial; (100%) preferem
romances; (87,5%) demonstram preferência por suspense, (25%) gostam do livro
didático, religioso ou autoajuda; (37,5%) preferem ler literatura inglesa e (12,5%) têm
preferência pela literatura clássica portuguesa. Com relação à tipologia textual, (75%)
dos participantes responderam que produzem com frequência textos narrativos, (37,5%)
textos descritivos e (50%) dissertativo-argumentativos.
No que diz respeito à aquisição e utilização de tecnologias digitais, a pesquisa
revelou que todos (100%) os participantes possuem um dispositivo computacional
(computador, notebook, tablet, smartphone ou ipods). Além disso, os respondentes
disseram possuir acesso à internet, utilizando-a por no mínimo quatro, e no máximo seis
horas diárias. Evidenciou-se também que todos (100%) sabem fazer downloads de
arquivos e que são usuários das principais redes sociais: (100%) utilizam o facebook,
(75%) utilizam o twitter, (50%) usam o skype. Além disso, constatou-se que (50%) dos
participantes possuem um blog.
Os respondentes da pesquisa afirmaram possuir o gosto pela leitura e escrita na
tela digital e disseram que acessam com frequência na internet assuntos que abordam:
(75%) educação, (87,5%) arte e cultura, (50%) esporte e lazer, (37%) moda, (62,5%)
teatro e música, além de (62,5%) ciência e tecnologia. Outro ponto relevante que foi
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observado nas respostas é que (62,7%) dos participantes leem livros digitais, ou veem
vídeos no ambiente digital.
No que concerne aos letramentos contemporâneos, os participantes afirmaram
conhecer o gênero fanfiction, sendo que (75%) confirmaram serem participantes de
algum fórum ou site de fantic, lendo e produzindo o referido texto. Segundo os jovens, a
inspiração para a escrita da fanfic, provém de: leitura de livros (57,1%); acesso a vídeos
(28,6%); bandas de músicas preferidas (85,7%); atores preferidos (14,3%); cantores
prediletos (57%); e, ainda, (42,9%) mencionaram outros (músicas e séries) como
inspiração.
Ao final, os dados evidenciaram que (75%) dos respondentes acreditam que a
leitura e escrita nos sites de fanfic contribuem para o desenvolvimento das práticas que
envolvem o uso da língua; (50%) disseram que a leitura e escrita nesses sites
contribuem para o desenvolvimento das práticas que envolvem o uso da língua; (50%)
responderam que essas práticas de leitura e escrita proporcionam a interação entre leitor,
leitura e escrita e, por fim, (75%) afirmaram que as práticas de leitura e escrita nesses
sites colaboram para o desenvolvimento do ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa
e, por esse motivo, devem ser valorizadas pela escola.
Mediante os dados de pesquisa apresentados, é perceptível a relevância da fanfic
nas práticas letradas proporcionadas nos ambientes virtuais de leitura e escrita
colaborativa, disponibilizados no ciberespaço. Portanto, acredita-se que a fanfic deve ser
vista na contemporaneidade como uma prática social que, por sua vez, aliada aos
recursos pedagógicos no ambiente escolar, poderá contribuir para a aproximação dos
sujeitos - professor e aluno - em relação à educação, inclusive no ensino de Língua
Portuguesa no âmbito da escola. Além disso, é fundamental ressaltar que esta prática
também contribuirá para a construção dos multiletramentos e dos novos saberes, porque
“quando possibilitamos aos nossos alunos o trabalho com [esses] textos, [...] é
importante considerar o prefixo “multi” na e para a construção de abordagens que
privilegiem um ensino produtivo de leitura e escrita” (DIAS et. al, 2012, p. 93). Por
isso, “é essencial que os alunos utilizem atividades de autoria, utilizando-se (d) essas
novas tecnologias/mídias” (p. 93) que proporcionam leitura, escrita e publicação de seus
próprios textos, como é o caso da fanfiction.
A publicação desse texto na web, por meio das comunidades virtuais, sites e
blogs, proporciona aos usuários a disseminação da linguagem e o desenvolvimento das
práticas de leitura e escrita vinculadas ao uso da tecnologia digital. Com isso, surgem
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novos espaços de aprendizagem que disponibilizam produções colaborativas
contribuindo, principalmente, para o ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa, bem
como a construção de novos saberes e o surgimento de novos letramentos.
Considerações Finais
A partir das discussões propostas ao longo deste texto, acredita-se que as
modalidades de leitura e escrita da fanfiction nos ambientes virtuais são vistas como
algo prazeroso, que faz parte do cotidiano de vários jovens com faixas etárias distintas,
conforme ficou evidente neste estudo, bem como na pesquisa de Aguiar (2011). Os
dados analisados revelaram que os participantes da pesquisa são estudantes de algumas
das maiores Instituições de Ensino Superior do país, e que possuem o gosto pela leitura
e escrita, inclusive no ambiente digital. Além disso, evidenciou-se que estes jovens leem
em diversos suportes, assuntos variados que contemplam educação, arte e cultura
(87,5%); esporte e lazer (50%); moda (37%); (62,5%) teatro e música (37%); e ciência e
tecnologia (62,5%). Os dados também revelaram que a maioria dos respondentes (75%)
participam de algum fórum ou site de fanfic. Segundo a análise realizada, constatou-se
que os respondentes leem e escrevem a fanfiction inspirados por: (57,1%) leitura de
livros; (28,6%) acesso a vídeos; (85,7%) bandas de músicas preferidas; (14,3%) atores
preferidos; (57%) cantores prediletos e (42,9%) outros (músicas e séries).
Frente aos resultados da pesquisa, é fundamental ressaltar os estudos de Rojo
(2013), uma vez que a estudiosa afirma que as práticas letradas no âmbito escolar, tais
como a conhecemos, destinadas à leitura e escrita na sala de aula, não são mais
suficientes para possibilitar a participação dos alunos nos letramentos contemporâneos.
Nesse sentido, percebe-se que é essencial a valorização, por parte dos
professores, de novos letramentos no contexto da sala de aula, sobretudo aqueles que
estão presentes na cultura e na vivência dos alunos, como é o caso da fanfiction. Esse
texto pertence ao gênero digital, e contempla um dos usos do domínio público da
linguagem que se efetua na interação entre sujeito, leitura e escrita, em ambientes
virtuais de aprendizagem colaborativa, conforme evidenciou este estudo. Afinal, a
leitura e a escrita produtiva nesses ambientes, colaboram com novas práticas letradas e o
desenvolvimento da linguagem em um dado contexto de circulação, sempre com um
propósito comunicativo que já está definido.
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Considerar esse novo gênero dentro da sala de aula, implica em trabalhar a
linguagem em uso e, principalmente, valorizar práticas letradas que estão inseridas na
cultura popular. Isso mostra o papel da escola e dos professores ao proporcionarem uma
abertura a novas aprendizagens e, sobretudo, a novos letramentos que envolvem a tríade
“leitura, escrita e tecnologia”, com o objetivo de formar plenamente sujeitos capazes de
ler e escrever textos que contemplam os mais variados gêneros discursivos pertencentes
ao domínio público da linguagem.
Dessa forma, a escola cumpre o seu papel enquanto agência responsável pela
democratização e disseminação do conhecimento.
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do Congresso Nacional Universidade, EAD e Software Livre. , 2015. v.1. p.1 – 4.
i Este questionário foi respondido por participantes de site voltado para o tema.
ii Disponível em: <: (http://www.fanficobsession.com.br/):>. Acesso em 12 de set. de 2015.
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