Em seu texto, Arte e responsabilidade, Mikhail Bakhtin (2000)
afirma que a vida, a cincia e a arte so trs diferentes campos da
cultura humana.
[] Arte [cincia] e vida no so a mesma coisa, mas devem
tornar-se algo singular em mim, na unidade da minha
responsabilidade.
3.
De tanto categorizar e compartimentar a vida, a sua inteireza
que parece nos soar estranha. Em que medida a cincia ou a arte que
fazemos permitem expandir nosso mundo vivido? Em que medida nossa
vida cotidiana alimenta nossa capacidade de indagar e criar?
Em que medida as tecnologias digitais alteram os modos de
produo de conhecimento das crianas pequenas? De que maneiras
possvel observar a relao dessas crianas com os aparatos tcnicos?
Que conhecimentos efetivamente constroem nessa mediao?
4.
Benjamin (1984) afirma que os fenmenos se apresentam em sua
condio singular; entretanto, permanecem em intermitente relao com a
dinmica social e cultural mais ampla qual esto ligados.
Os fenmenos sociais precisam ser pensados a partir de uma
perspectiva que leve em considerao a realidade mais ampla em que se
inserem, sem, no entanto, desrespeitar a dimenso singular que lhes
constitui.
5.
As experincias tecnolgicas vividas pela criana na escola, so
bastante diferentes daquelas vividas em outros espaos, seja a sua
casa ou as lan house.
6.
Descobertas gradativas das possibilidades no uso dos
computadores conectados rede.
Desenvolvimento da curiosidade e consecutiva investigao por
assuntos de seu interesse.
7.
Para as crianas os aparatos tcnicos so brinquedos e a relao que
estabelecem com eles de jogo. As crianas no temem a tecnologia
porque a percebem como uma linguagem nativa colocada a servio do
seu jogo. Diferentemente, para os adultos, os aparatos tcnicos
representam um mundo estranho a espera de traduo e demandam uma
relao cuja gravidade se assemelha ao trabalho.
8.
Fusser, sugere duas formas distintas de uso dos aparelhos,
tendo como premissa tratar-se de objetos culturais com uma
programao limitada. Uma primeira, mais restrita explorao das
possibilidades j previstas na programao, torna o usurio funcionrio
do aparelho, uma vez que apenas faz cumprir aquilo que o prprio
programa lhe apresenta como possvel.
9.
Um outro uso, mais criativo, implicaria em transcender o
queprograma prescreve, colocando em xeque os limites do prprio
aparelho. Para isso, porm, preciso entragar-se ao jogo do programa,
esgotar-lhe em suas possibilidades, no temer o que nele h de
automtico.
10.
Pensando de modo crtico, entretanto, as tecnologias digitais
podem ajudar a colocar em discusso a posio social que as crianas
ocupam em relao aos adultos, oferecendo outras perspectivas para a
compreenso dos processos cognitivos. A criana, to marcada pelo seu
suposto no-saber , pode experimentar ser tambm aquela que ensina. O
adulto, libertando-se do lugar cristalizado do ensinar, pode
permitir-se aprender com a criana aprender a entregar-se ao jogo, a
ver o desconhecido no apenas como medo, mas como
possibilidade.
12.
Interesse, pelo menino, por barcos e essa aplicao aos meios
tcnicos.
A confluncia de conhecimentos diversos num s local, a rede,
facilita a imerso de seus usurios nas mais diversas reas do
saber.
13.
Produzidos pelos adultos a partir daquilo que eles inferem ser
interesse das crianas, os materiais pedaggicos operam muitas vezes
com concepes idealizadas da infncia e com as quais as crianas
concretas no se identificam. Benjamim questiona a pertinncia dessa
preocupao to insistente dos adultos, sobretudo dos pedagogos, em
objetivar aquilo que pretendem que seja uma necessidade
infantil.
14.
Seria mais prudente, na viso do autor, observar os usos que as
crianas fazem daquilo que a natureza e a cultura j colocam a seu
dispor e da riqueza dos modos infantis de explorao desses
materiais.
15.
Os relatos da histria do Menino do visibilidade a toda uma
metodologia singular de construo de conhecimento infantil produzida
na relao com as tecnologias. Falam, por exemplo, da simplicidade de
algumas ferramentas de navegao e da riqueza de elaborao cognitiva
que essas ferramentas permitem.
17.
O que d sentido s experincias vividas? Como um tema se
transforma em interesse? O que move um menino na aventura do saber?
O que cria ( e como se cria) nessa rede de saberes que tece? Walter
Benjamin (1993) conta-nos uma instigante histria que ajuda-nos a
problematizar melhor essas questes.
18.
Trata-se da histria de um rei que chama seu cozinheiro e
ordena-lhe que faa uma torta de amoras com o mesmo sabor daquelas
que costumava comer quando criana, feitas pelo mesmo cozinheiro,
nas comitivas de viagem com seu pai, quando esse era rei. O sbio
cozinheiro, entretanto, avisa que seu desejo no poder ser cumprido
por inteiro, pois o que conferia sabor torta no era apenas a
mistura perfeita dos seus ingredientes, nem algum segredo que ele,
cozinheiro, carregasse consigo. O sabor da torta que permanecia to
viva na memria advinha da aventura da viagem, da tranquilidade do
descanso aps a exausto da caminhada, da certeza da proteo paterna
face aos rudos noturnos da floresta, das histrias contadas enquanto
a torta se dissolvia na boca.
19.
Novos conhecimentos foram incorporados;
Suas preferncias foram, melhor, delimitadas;
Explorou os aparatos tecnolgicos to teis e necessrios no
presente sculo.
20.
A vida, a cincia e a arte so trs diferentes campos da cultura
humana, portanto, da experincia infantil. Esses campos tanto podem
constituir uma unidade de sentido para a criana, quanto podem
permanecer cindidos, compartimentados em atividades estranhas entre
si. O que move meninos e meninas na aventura da criao parece ser
tambm sua atitude responsiva, ou seja, os sentidos que constroem
face s questes que a vida lhes oferece e as condies de
possibilidades que tm para responder (ou no) a essas questes, seja
em forma de arte ou de pensamento cientfico. E para que servem a
cincia e a arte, se no para nos reapresentar a vida, prenhe de
novas indagaes.