1
Economia de Francisco
O Projeto do Papa Francisco para a Economia
Eduardo Brasileiro¹
1. A proposta de Francisco
O Papa Francisco faz um percurso imprescindível em seu sexto ano de pontífice
da Igreja Católica, completos em 2019, trata-se do Congresso Economia de Francisco,
inspirado a partir de uma ponte criada com o economista, Joseph Stiglitz, ganhador do
prêmio Nobel da Economia e Robert Johnson, presidente do Instituto de Novo
Pensamento Econômico.
A reunião com os economistas e com o Francisco, teve a presença da Fundação
de Direito Pontifício Scholas Ocurrentes (Escolas dos Encontros), fundada pelo Papa em
2013, que verte o desejo de uma cultura do encontro, a partir da educação, do esporte e
da arte.
A reunião tornou concreto uma articulação global por meio de Scholas em realizar
na cidade de Assis – terra de São Francisco -, na Itália, um Congresso reunindo pessoas
e sobretudo, jovens do mundo inteiro que desenham uma nova economia ou alternativas
econômicas dentro do capitalismo neoliberal.
“É fundamental trabalhar a partir da educação em sistemas alternativos que não
tenham como premissa a ideia de idolatrar o dinheiro. Temos que buscar desenvolver
programas e estudos em torno do conceito de economia circular, que contribuam para
uma educação consciente da sustentabilidade ambiental, que requer devolver ao meio
ambiente o que lhe é retirado”, disse Stiglitz, durante o encontro.
2. Integra da Carta do PP. Francisco convocando o Congresso Economia de
Francisco.1
Caros amigos, estou escrevendo para convidá-los a uma iniciativa que tanto
desejei: um evento que me permita conhecer quem hoje está se formando e está iniciando
a estudar e praticar uma economia diferente, que faz viver e não mata, inclui e não exclui,
humaniza e não desumaniza, cuida da criação e não a depreda. Um evento que nos ajude
1 Último acesso em 24 de julho de 2019: http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2019/documents/papa-francesco_20190501_giovani-imprenditori.html
2
a estar juntos e nos conhecer, e que nos leve a fazer um "pacto" para mudar a atual
economia e dar uma alma à economia do amanhã.
Sim, precisamos "re-almar" a economia! E qual cidade seria mais adequada para
isso do que Assis, que há séculos tem sido símbolo e mensagem de um humanismo da
fraternidade? Se São João Paulo II a escolheu como ícone de uma cultura de paz, a
mim parece também um lugar que pode inspirar uma nova economia. Aqui, de
fato, Francisco se despojou de todo o mundanismo para escolher Deus como estrela guia
de sua vida, tornando-se pobre com os pobres e irmão universal. Sua escolha da pobreza
também deu origem a uma visão da economia que permanece muito atual. Pode dar
esperança ao nosso amanhã, para o benefício não só dos mais pobres, mas de toda a
humanidade. É necessária, aliás, para o destino de todo o planeta, a nossa casa comum,
"a nossa Mãe Terra", como Francisco a chama em seu Cântico do Irmão Sol.
Na Carta Encíclica Laudato si' enfatizei como hoje, mais do que nunca, tudo
está intimamente conectado e a salvaguarda do ambiente não pode ser separada da justiça
para com os pobres e da solução dos problemas estruturais da economia mundial. É
necessário, portanto, corrigir os modelos de crescimento incapazes de garantir o respeito
ao meio ambiente, o acolhimento da vida, o cuidado da família, a equidade social, a
dignidade dos trabalhadores e os direitos das futuras gerações.
Infelizmente, continua-se surdos ao apelo para tomar consciência da gravidade
dos problemas e, acima de tudo, para pôr em prática um novo modelo econômico, fruto
de uma cultura da comunhão, baseado na fraternidade e na equidade.
Francisco de Assis é o exemplo por excelência do cuidado pelos fracos e de uma
ecologia integral. Lembro-me das palavras dirigidas a ele pelo Crucifixo na
pequena igreja de São Damião: "Vá, Francisco, conserte a minha casa que, como você
pode ver, está toda em ruínas". Aquela casa a ser consertada diz respeito a todos nós. Diz
respeito à Igreja, à sociedade e ao coração de cada um de nós. Também diz respeito cada
vez mais ao ambiente que necessita urgentemente de uma economia saudável e de um
desenvolvimento sustentável que cure suas feridas e garanta um futuro digno.
Diante dessa urgência, todos, todos nós mesmo, somos chamados a rever nossos
esquemas mentais e morais, para que possam estar mais em conformidade com os
mandamentos de Deus e com as exigências do bem comum. Mas pensei em convidar
especificamente vocês, jovens, porque, com vosso desejo de um futuro bom e feliz, vocês
já são uma profecia de uma economia atenta à pessoa e ao meio ambiente.
3
Caríssimos jovens, sei que vocês são capazes de escutar com o coração os gritos
cada vez mais angustiados da terra e de seus pobres em busca de ajuda e de
responsabilidade, ou seja, alguém que "responda" e não se vire para o outro lado. Se
ouvirdes o vosso coração, sentireis que sois portadores de uma cultura corajosa e não
tendes medo de assumir riscos e comprometer-vos a construir uma nova sociedade. Jesus
ressuscitado é a nossa força! Como eu vos disse no Panamá e escrevi na Exortação
Apostólica pós-sinodal Christus vivit: "Por favor, não deixeis para outros o ser o
protagonista da mudança! Vós sois aqueles que detêm o futuro! Através de vós o futuro
entra no mundo. Também a vós, eu peço para serdes protagonistas desta mudança. [...]
Peço-vos para serdes construtores do futuro, trabalhai por um mundo melhor" (nº 174).
Vossas universidades, vossas empresas, vossas organizações são canteiros de
esperança para construir outras formas de entender a economia e o progresso, para
combater a cultura do desperdício, para dar voz àqueles que não a têm, para propor novos
estilos de vida. Enquanto o nosso sistema econômico-social ainda produzir uma vítima e
houver mesmo que uma pessoa descartada, não poderá haver a festa da fraternidade
universal.
Por isso desejo encontrar vocês em Assis: para promover juntos, através de
um "pacto" comum, um processo de mudança global que veja na comunhão de
intenções não somente aqueles que têm o dom da fé, mas todos os homens de boa vontade,
para além das diferenças de credo e de nacionalidade, unidos por um ideal de fraternidade
atento sobretudo aos pobres e aos excluídos. Convido cada um de vocês a ser
protagonista deste pacto, assumindo um compromisso individual e coletivo para cultivar
juntos o sonho de um novo humanismo que responda às expectativas do homem e ao
projeto de Deus.
O nome deste evento - "Economia de Francisco"- tem clara referência ao Santo
de Assis e ao Evangelho que ele viveu em total coerência também no plano econômico e
social. Ele nos oferece um ideal e, de alguma forma, um programa. Para mim, que assumi
seu nome, é uma fonte contínua de inspiração.
Junto com vocês e por vocês, farei um apelo para alguns dos melhores estudiosos
e especialistas da ciência econômica, bem como a empresários e empresárias que hoje já
estão empenhados em nível mundial com uma economia coerente com esse quadro ideal.
Tenho confiança que eles responderão. E, principalmente, tenho confiança em vocês
jovens, capazes de sonhar e prontos para construir, com a ajuda de Deus, um mundo mais
justo e mais belo.
4
O encontro está marcado para os dias de 26 a 28 de março de 2020. Junto com o
Bispo de Assis, cujo predecessor, Guido, há oito séculos acolheu em sua casa o
jovem Francisco no gesto profético de seu despojamento, conto em acolher vocês
também. Eu vos espero e desde agora vos saúdo e vos abençoo. E, por favor, não
esqueçam de rezar por mim.
Do Vaticano, 1 de maio de 2019 - Memória de São José Trabalhador
3. Economia: Projeto de ponte para os povos ou de muro do dinheiro?2
Francisco abre as portas, pelo signo da misericórdia. Seu pontificado tornou-se
chave que possibilita processos. O discurso convocando o Congresso Economia de
Francisco, é um convite a desencadear processos que transformem a sociedade
culturalmente. Em maio de 2018, no III Encontro Internacional de Jovens pela Cultura do
Encontro3, Francisco convidou a juventude a Pensar, Sentir e Agir, a insistência dele com
a juventude passa pela renovação da esperança, pelo reencanto que provoca Pensar,
quando se sente e age, sentir quando se pensa e age, e agir quando se pensa e sente. A
consciência ao desencadear processos de Francisco está ligada a capacidade de oxigenar
nas Igrejas particulares do mundo inteiro o sopro de mudança e de compromisso cristão.
3.1 Como a Igreja pode ser ponte para uma nova economia?
Para os cristãos três palavras vizinhas se enlaçam aqui: economia, ecologia,
ecumenismo. As três compartilham o oikos: unidade básica social (casa, mas também
mundo). Simplificando: economia → oikos + nomos (lei/norma); ecologia → oikos +
logos (compreensão/estudo); ecumenismo → oikos + forma do particípio passivo
feminino (habitado/habitantes). São assim três formas de estar no mundo e de organizar
a vida no mundo. Enquanto a economia dispõe, normatiza sobre o modo de produção da
vida na relação com o mundo, a ecologia se ocupa de entender essas relações suas lógicas
e implicações e o ecumenismo se pergunta pelas formas (objetivas e subjetivas) de
2 III Encontro Mundial dos Movimentos Populares em Roma, 2016: http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2016/november/documents/papa-francesco_20161105_movimenti-popolari.html 3 Scholas Ocorrentes: Projeto Político-Pedagógico de Francisco que atualiza as CEB’s. http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/579478-scholas-ocurrentes-projeto-politico-pedagogico-de-francisco-que-atualiza-as-cebs
5
ocupação/vivência do mundo. Para seguir os passos de Francisco, essas três são sínteses
desse papado, que confluí o desejo pelo cuidado da casa comum (Laudato Si), o diálogo
entre fés (ecumenismo) e uma nova economia.
Então, tudo depende de como se entende a missão da religião, de modo especial,
como entende-se a religião numa economia de mercado e suas relações com o
mundo/planeta. Entendendo a economia como a forma básica de organização da
sociedade e seus arranjos da vida material, seria importante perguntar pelas correlações
entre crenças e as mobilidades/imobilidades sociais.
De um modo geral, a religião – de modo especial as novas formas religiosas dentro
do cristianismo – cumpre seu papel hoje de “dar alma” para a lógica capitalista, liberando
a acumulação privada de bens. Por isso, Francisco aponta para “Re-almar”. O capitalismo
encontra na religião hoje um fundamento de justificação e legitimação das formas
desiguais de usufruto do mundo. O dissenso se dá na apropriação da vida comunitária
como objeto de manipulação do capital a partir da circulação dos bens religiosos. A
teóloga e assessora da Comissão Pastoral da Terra, Nancy Cardoso (2010), alertou: “A
crise espiritual e ética é também uma crise do modelo de apropriação do mundo pelas
regras da propriedade privada que é antiética e idolátrica, porque coloca fora da história
e da sociedade as legitimidades de posse do mundo. O desejo de conviver precisa se
articular, então, com a ruptura da ordem da propriedade na afirmação dos direitos da terra
e o direito dos povos”.
Nesse sentido, os sistemas de crença podem ser mais ou menos pressionados pelos
conflitos econômicos e políticos, viabilizando narrativas de pretensão da norma, do
conhecimento e da pertença. O reconhecimento dos impactos econômicos no corpo
eclesial precisam ser revelados para um aggiornamento do anuncio do evangelho.
3.2 Essa economia mata: O Capitalismo como fim da utopia econômica.
a- A raiz econômica dos problemas sociais
Um dos aspectos presentes de maneira repetida e extremamente clara nos três
pronunciamentos do Papa Francisco é a identificação da raiz econômica dos problemas
sociais. A essencialidade da economia com relação à sociedade e ao ser humano é um dos
pontos fundamentais desses discursos. Em nenhum momento o sumo pontífice se enreda
em explicações abstratas e superficiais sobre os problemas, sobretudo em países
periféricos.
6
Francisco rejeita os termos de uma economia assistencialista e individualista
quando com os movimentos populares em 2014 convoca para uma solidariedade com
caráter concreto de ação social transformadora que se dirige à base da organização social
Solidariedade [...] é muito mais do que gestos de generosidade esporádicos. É
pensar e agir em termos de comunidade, de prioridades da vida de todos sobre a
apropriação dos bens por parte de alguns. É também lutar pelas causas
estruturais da pobreza, a desigualdade, a falta de trabalho, a terra e a casa, a
negação dos direitos sociais e laborais. É fazer frente aos efeitos destruidores do
império do dinheiro (I Encontro dos Movimentos Populares, em Roma 2014)
Francisco vincula as causas estruturais da pobreza em relação direta com as causas
econômicas:
Destaque para desemprego juvenil, a informalidade e a falta de direitos laborais
não são inevitáveis, são o resultado de uma previa opção social, de um sistema
econômico que põe os benefícios acima do homem (II Encontro dos Movimentos
Populares, em Santa Cruz de La Sierra – Bolívia, 2015).
Ao falar do “elo invisível” que conecta as diversas formas de exclusão, o papa
está expondo a essência que dá sentido aos fenômenos, que, caso não seja compreendida,
tampouco avançaremos na compreensão das mazelas sociais. Quando aborda sobre a crise
migratória, diz:
[...] Pude sentir de perto o sofrimento de numerosas famílias expulsas da sua
terra por motivos ligados à economia ou por violências [...] por causa de um
sistema socioeconômico injusto e das guerras que não foram procuradas nem
criadas por aqueles que hoje padecem a dolorosa erradicação de sua pátria (III
Encontro dos Movimentos Populares em Roma, 2016)
b- A condenação profética ao sistema capitalista
Francisco retoma num discurso no III encontro com Movimentos Populares que sua
revolta com o sistema está presente em toda a doutrina social da Igreja:
Há quase cem anos, Pio XI previu a imposição de uma ditadura global da
economia, à qual ele chamou “imperialismo internacional do dinheiro”. Refiro-
me ao ano de 1931! [...] E foi Paulo VI que denunciou, há quase cinquenta anos,
“a forma abusiva de domínio econômico nos planos social, cultural e até
político” [...] São palavras duras, mas justas dos meus predecessores que
perscrutaram o futuro. A Igreja e os profetas dizem há milênios aquilo que tanto
escandaliza que o papa repita neste tempo, no qual tudo isto alcança expressões
inéditas. Toda a doutrina social da Igreja e o magistério dos meus predecessores
estão revoltados contra o ídolo dinheiro, que reina em vez de servir, tiraniza e
aterroriza a humanidade (III Encontro dos Movimentos Populares em Roma,
2016).
7
A idolatria do dinheiro não é para Francisco uma moral individual, um desvio de
caráter relacionado na índole das pessoas, mas como um mal do próprio sistema. A
economia – componente mais elementar da essência humana – degenerou-se quando o
sistema colocou o capital (dinheiro) acima da vida e da dignidade humana.
Isto acontece quando no centro de um sistema econômico está o “deus dinheiro”
e não o homem, a pessoa humana. Sim, no centro de cada sistema social ou
econômico deve estar a pessoa, imagem de Deus, criada para que seja o
denominador do universo. [...] um sistema econômico centrado no “deus
dinheiro” tem também necessidade de saquear a natureza, para manter um ritmo
frenético de consumo que lhe é próprio. [...] Porque neste sistema o homem, a
pessoa, foi deslocada do centro e substituída por outra coisa. Porque se presta
um culto idolátrico ao dinheiro (I Encontro Mundial dos Movimentos Populares
em Roma, 2014).
A centralidade do discurso de Francisco nos três encontros mundiais com os
movimentos populares, dão a tônica deste que se tornará o Congresso global para propor
uma nova economia - a Economia de Francisco de Assis. Visitando as cosmologias do
Sul, na América Latina, percorre o bem viver, filosofia em construção pelos povos latinos,
que parte do modo de vida do povo ameríndio, mas que está presente nas mais diversas
culturas. Está entre nós, no Brasil, com o teko porã dos guaranis, na ética e filosofia
Africana do ubuntu – “eu sou porque nós somos”. Importante ressaltar que em nenhum
dos três discursos do Papa Francisco, pode-se encontrar alguma perspectiva de
“melhorar” o sistema econômico existente, “este sistema vai contra o projeto de Jesus”4.
Por isso, é preciso negá-lo em nome da fé, dos povos da terra e da natureza. É o próprio
capitalismo que não serve mais.
c- Qual caminho econômico não tomar?
Francisco em seu pragmatismo político, ao apontar os erros deste sistema, é
também um exímio articulador de pensamentos. Ao pensar em quais fonte das ciências
econômicas o papa recorre, ele aponta para as epistemologias do Sul, como diria o
sociólogo Boaventura de Souza Santos, pensador que promove o debate sobre os abismos
entre as epistemologias dos países do norte em relação a produção dos intelectuais do sul,
4 FRANCISCO, Papa. Discurso Para o II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, em Santa Cruz de La Sierra, Bolívia, 2015. http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/july/documents/papa-francesco_20150709_bolivia-movimenti-popolari.html
8
nunca ouvidos pelo pensamento dominante. Ele aponta o padrão de hierarquização no
qual, assim como as cultura, as epistemologias foram suprimidas com o processo de
colonização. É necessário portanto, um diálogo das outras formas de saberes, propondo,
portanto, uma ecologia de saberes.
Por isso, os teóricos de Francisco, são das periferias. Abaixo elenco os principais
nomes que constroem o Congresso Economia de Francisco:
O primeiro, Amartya Sen, economista indiano, Prêmio Nobel de Economia em
1998 por sua contribuição às teorias da escolha social e do bem-estar social. Professor de
Harvard (EUA), foi um dos idealizadores do Índice de Desenvolvimento Humano - IDH
e fundador do Instituto Mundial de Pesquisa em Economia do Desenvolvimento
(Universidade da ONU). Sen é reconhecido internacionalmente por sua dedicação ao
combate à pobreza com soluções concretas.
O segundo, é o economista e vencedor do Prémio Nobel Muhammad Yunus foi
internacionalmente reconhecido pelo seu sistema revolucionário de microcrédito — a
concessão de pequenos empréstimos a empreendedores demasiado pobres para se
qualificarem para empréstimos de banco tradicionais — o que ajudou milhões de pessoas
a escapar da pobreza. Nascido na cidade portuária de Chittagong em Bangladesh, a vida
de Yunus é motivada pela sua visão de um mundo sem pobreza.
Vandana Shiva, nascida na Índia em 1952, é uma liderança socioambiental,
ecofeminista, mundialmente conhecida. É uma das vozes mais expoentes na luta por
alternativas ao capitalismo. A indiana defende a agroecologia como o ponto de partida
para a realização das justiças social, econômica e ambiental. Sua luta vem de berço:
nascida em 1952 em Dehra Dun, cidade do norte da Índia, aos pés do Himalaia, quase na
fronteira com o Nepal e a China, Vandana é filha de mãe agricultora e pai guarda florestal.
É doutora em física em seu país, com mestrado em filosofia da ciência.
Carlo Petrini é um jornalista italiano que fundou o movimento internacional Slow
Food e foi uma das pessoas que encampou uma série de ações contra o fast-food, em
especial contra o McDonald's quando este abriu uma lanchonete no centro histórico
de Roma.
Tony Meloto, liderança nas Filipinas no combate a extrema pobreza.
9
Bruno Frey, economista suíço e professor visitante de Economia Política na
Universidade de Basel. Ficou conhecido mundialmente por sua pesquisa de Economia da
Felicidade.
Além desses, muitos outros teóricos e ativistas por uma nova economia. O
sentimento: irrupção. Os movimentos populares em diálogo com o Papa, intelectuais,
jovens vem apontando novos processos, sobretudo após o boom nas ruas de todo o mundo
em reação a plutocracia internacional concentrado nas finanças globais contra o qual se
levantou o movimento Occupy Wall Street em 2011.
As evidências se provam no desmanche do neoliberalismo e as sementes de
revolta gerada nas populações do mundo inteiro. A crítica deriva da leitura da
financeirização econômica do regime de acumulação ocorrida após a crise dos anos de
1970, com todas as suas implicações sobre a lucratividade das empresas e o aumento da
desigualdade entre as classes sociais, como busca explorar a íntima conexão entre a
mercantilização, a crise econômica e o Estado Neoliberal.
Desde o início dos anos de 1990, o Brasil foi tomado de assalto pelos ventos (neo)
liberais, que já andavam assombrando o mundo havia uma década. Lá no centro do
sistema, ou seja, nos países desenvolvidos, depois de anos de elevadas taxas de
crescimento e forte presença estatal na economia, o aumento descontrolado das taxas da
riqueza financeira começou a cobrar a conta e a exigir que fosse devolvido ao mercado o
lugar de proeminência que o Estado havia lhe roubado (Welfare State - Estado de Bem
Estar Social).
4. Neoliberalismo no domínio da racionalidade.
O neoliberalismo se apresenta como um “movimento social ofensivo ‘dos de
cima’” cujo objetivo é promover um amplo ajuste social capaz de concatenar as
necessidades empresariais num contexto de crise de acumulação às exigências de
reprodução da ordem política diante da crise de legitimidade promovida por um Estado
nacional refém do poder das finanças globalizadas. O que se tem hoje é uma gestão da
vida do povo a partir da flexibilização, com políticas de criminalização, punição e
encarceramento massificado dos pobres.
Karl Polanyi, sociólogo austríaco, introdutor de uma nova sociologia econômica,
percebeu o avanço descontrolado da mercantilização sobre mercadorias fictícias, isto é, o
10
trabalho, a terra e o dinheiro, numa terceira onda da mercantilização, que num processo
de espoliação, que é bastante visível quando se observa o aumento das desigualdades, a
partir da precarização dos sistemas nacionais de saúde e educação pública.
Além da interpretação do neoliberalismo como espoliação, ganhou força na
França, uma abordagem do neoliberalismo cuja ênfase recai sobre o povo à racionalidade
neoliberal em duas dimensões decisivas, isto é, a dinâmica da concorrência e o modelo
da empresa. Segundo Pierre Dardot e Christian Laval (2016), uma “nova razão do mundo”
teria resultado de processos políticos conduzidos por diferentes governos a partir dos anos
1980.
Trata-se de uma racionalidade que mobiliza todas as esferas da atividade humana
sem se reduzir, conforme a interpretação exposta anteriormente, ao domínio das
dinâmicas econômicas ou das estratégias políticas necessárias à reprodução da
acumulação capitalista. De acordo com eles, o neoliberalismo não seria propriamente uma
renovação do velho liberalismo, mas uma racionalidade global de novo tipo engajada na
criação de políticas de apoio às empresas, de redução de custos trabalhistas, de
desmantelamento do direito do trabalho e de estímulo ao empreendedorismo individual.
O neoliberalismo criou um novo sujeito: o homem empresarial. O grande adversário a ser
batido são as formas de solidariedade classista que ainda resistem à investidas desta
racionalidade concorrencial.
O resultado além do sufocamento do sujeito solidário, há o reflexo do
adoecimento, do aumento do suicídio, e dos inúmeros casos de esgarçamento da ideia de
bem comum.
5. Apontamentos para a discussão brasileira.
Além do Neoliberalismo como racionalidade humana, a economia brasileira passa
por um profundo processo de mudanças, estando em curso um novo padrão sistêmico de
riquezas, conhecido como financeirização, sendo a riqueza gerada prioritariamente na
esfera financeira e especulativa, e não mais na esfera produtiva (trabalho), sendo assim,
marcando a concentração riquezas de um lado e a crescente desigualdade do outro lado.
Esses fatores foram levantados pelo professor da PUC de São Paulo, doutor em economia,
Ladislau Dowbor, que sentencia esse momento como a Era do Capital Improdutivo. Ele
afirma: 42 pessoas possuem uma riqueza maior que os 50% da humanidade5, o que
5 Relatório OXFAM 2018, A distância que nos une.
11
equivale a 3,7 bilhões de pessoas. Os efeitos da financeirização são perversos, pois
drenam os recursos das famílias, das empresas e do governo. No Brasil a taxa média de
crediário é de 88% ao ano, a taxa de juros no cheque especial é de 297% ao ano, e no
cartão de crédito ela chega a 318% ao ano. A segunda maior taxa de juros na América
Latina é do Peru, sendo de 53% ao ano. Por outro lado, na França, a taxa de juros no
crédito não chega a 4% ao ano.
O Brasil precisa realizar uma ampla e profunda reforma do sistema financeiro, que
implique na desconcentração do crédito, aumento da oferta monetária e limitação das
taxas de juros, com o resultado de um ajuste fiscal – não nos investimento público como
foi feito recentemente -, e sim, promova o aumento da receita tributária por meio da
cobrança de impostos progressiva dos mais ricos do país, com combate à sonegação de
impostos, promovendo assim a justiça social.
O Brasil tem a possibilidade de reunir forças outrora divergentes, - pois
caminhavam em linhas alternativas -, para uma convergência nova: O projeto de ponte
para os povos na reconstrução de uma matriz econômica alternativa ao Brasil, distante
do neoliberalismo capitalista.
O grupo de trabalho formado no Brasil para discutir a economia de Francisco, dos
muitos que poderão surgir, pretende pensar as possibilidades que se abrem com este
Congresso. O encontro ocorrido em São Paulo, em 10 de julho, na Paróquia São
Domingos, dos frades dominicanos, acolhida pelo Frei Betto, teve a presença de José
Maria de Corral, presidente da Fundação Scholas Ocurrentes, que apresentou o projeto
do Congresso e ouviu os apontamentos do grupo presente. Dentre os encaminhamentos,
foi tirado os seguintes tópicos para ser debatido:
Para a Igreja: Segundo José Maria de Corral, é desejo de Francisco que
o projeto caminhe com as igrejas locais, - por isso do primeiro encontro com ele ocorrer
numa comunidade católica -, portanto, criar uma articulação brasileira via as comissões
da CNBB, abrindo duas possibilidades de diálogo:
- Fomentar o Projeto Economia de Francisco na Pastoral Juvenil Brasileira,
desmembrando no Setor Juventude dos Regionais da CNBB;
- Incidência em documentos internos da Igreja que formulem essas reflexões dentro das
pastorais, haja vista que para as pastorais operárias (bastante fragilizadas) retoma fôlego
com esse movimento de Francisco, porque o trabalho é central no desmonte dessa
12
economia neoliberal e do empreendedor (essa com o toque neoliberal precisa beber desse
movimento do Papa) convoca a uma conversão;
- Espaço de Fóruns de Pastorais, dos Regionais da CNBB que articulem a ida de
iniciativas de Igrejas locais para o encontro de Assis, em 26 à 28 de Maio de 2020;
- Produção teológica a partir de uma Economia de Francisco de Assis;
Para os Movimentos Populares:
- Grande Congresso Economia de Francisco ocorrendo simultaneamente aqui no Brasil;
- Fomentar um circuito de reflexões, encontros no Brasil inteiro;
- Articulação Brasileira: levar iniciativas, formulações, acúmulos que o nosso Brasil
possui na proposta de uma nova economia para o Encontro Internacional em Assis, em
2020;
Para Intelectuais, jovens e empreendedores:
- Formar uma equipe de comunicação brasileira sobre ECONOMIA DE FRANCISCO;
- Elaborar textos e outros insumos para reflexão de uma economia anticapitalista;
- Buscar apoiadores e patrocinadores – para levar jovens e grupos de todo o Brasil para
esse encontro;
*Eduardo Brasileiro, sociólogo pela Fundação Escola de Sociologia e Política
de São Paulo (FESPSP), professor de jovens e adultos num Curso
Profissionalizante gratuito na periferia de São Paulo, articulador de projetos
sociais na Zona Leste de São Paulo e membro da Coordenação Paroquial de
Pastoral de Nossa Senhora do Carmo, da Diocese de São Miguel Paulista.
Informações.
Foram abertas as inscrições para o encontro de três dias desejado pelo Papa Francisco, que pretende
reunir em Assis, de 26 a 28 de março de 2020, jovens economistas, empreendedores, protagonistas de
mudanças, provenientes de diversas partes do mundo.
O convite para participar do encontro “The Economy of Francesco. Os jovens, um pacto, o futuro” vem
diretamente do Santo Padre, e é dirigido a jovens de até 35 anos. O Site Oficial de a Economia de
Francisco foi inaugurado nesta semana (22)
https://francescoeconomy.org/ Inscrições até o dia 30 de Setembro de 2019
13
Bibliografia
- FRANCISCO, Papa. Discurso do Papa Francisco aos participantes do I Encontro
Mundial de Movimentos Populares, em Roma, 28 de Outubro de 2014:
http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2014/october/documents/papa-
francesco_20141028_incontro-mondiale-movimenti-popolari.html
- FRANCISCO, Papa. Discurso do Papa Francisco aos participantes do II Encontro
Mundial de Movimentos Populares, em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, 9 de Julho
de 2015: http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/july/documents/papa-
francesco_20150709_bolivia-movimenti-popolari.html
- FRANCISCO, Papa. Discurso do Papa Francisco aos participantes do III Encontro
Mundial de Movimentos Populares, em Roma, 5 de novembro de 2016:
http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2016/november/documents/papa-
francesco_20161105_movimenti-popolari.html
- DOWBOR, Ladislau. A Era do Capital Improdutivo. São Paulo. Autonomia Literária.
2018.
- LAVAL, Christian. DARDOT, Pierre. A nova razão do mudo: ensaio sobre a
sociedade neoliberal. São Paulo. Boitempo. 2016.
- SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo. Companhia das Letras.
2009.
Notícias
IHU: Papa Francisco e Joseph Stiglitz querem estimular uma economia social de
mercado que dê voz aos jovens: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/589135-papa-
francisco-e-joseph-stiglitz-querem-estimular-uma-economia-social-de-mercado-que-de-
voz-aos-jovens
IHU: Stiglitz e Rodrik denunciam os limites da economia dominante:
http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/589084-stiglitz-e-rodrik-denunciam-os-limites-
da-economia-dominante
IHU: Papa lança um pacto global para mudar o modelo de economia:
http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/589067-papa-lanca-um-pacto-global-para-
mudar-o-modelo-de-economia
Top Related