EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DESEMBARGADOR(A) FEDERAL RELATOR(A) DA QUARTA TURMA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO.
APELAÇÃO CRIMINAL N.º 7892 PEAUTOS N.º 0010451-88.2010.4.05.8300APELANTE: JOSÉ CHRISTIAN AGUILAR PARRADOAPELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL EDÍLSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR
PARECER Nº 0354/2011
PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. LEI Nº 11.343/2006. DIFICULDADES FINANCEIRAS E AMEAÇAS DE MORTE. SUPOSTA INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA NÃO VERIFICADA. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE FIXADA EM OBSERVÂNCIA ÀS DETERMINAÇÕES LEGAIS. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO NO MÁXIMO LEGAL DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, §4º. DOSIMETRIA DA PENA DE MULTA. DIAS MULTA FIXADOS DE ACORDO COM AS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAS. CORRESPONDENTE EM SALÁRIOS MÍNIMOS FIXADO SEM OBSERVÂNCIA DA SITUAÇÃO ECONÔMICA DO RÉU. NECESSIDADE DE DIMINUIÇÃO. Parecer pelo provimento parcial do recurso de apelação, apenas para reconhecimento da confissão espontânea do apelante e para diminuição do valor dos dias multa.
I – RELATÓRIO
Em 17 de agosto de 2010, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
ofereceu denúncia contra MARTA MARIA DIAZ SANCHEZ E JOSÉ CHRISTIAN AGUILAR PARRADO pela prática do crime de tráfico internacional de drogas, tipificado no Art. 33, caput, e 35 c/c o Art. 40, I, todos da Lei nº 11.343/2006.
Extrai-se dos autos que em 09 de julho de 2010, os réus foram
presos em flagrante no Aeroporto Internacional dos Guararapes em Recife/PE antes
de embarcar no vôo 01504 – TAP – Air Portugal com destino inicial para
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Lisboa/Portugal e posterior conexão rumo ao destino final, Servilha/Espanha, ao
serem encontrados 6,082 Kg (seis quilos e oitenta e duas gramas) de cocaína (laudo
de fls. 74-77 do inquérito policial em apenso), acondicionada em fundos falsos da sua
mala de viagem.
A denúncia foi recebida em 21.09.2010 (fls. 55).
Após a regular instrução criminal, convencido da autoria e da materialidade dos crimes imputados aos réus, o MM. Juízo a quo proferiu a sentença de fls. 113-131, condenando o réu JOSÉ CHRISTIAN à pena de 8 (oito) anos e 10(dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime fechado, bem como ao pagamento de multa fixada em 1000 (um mil) dias-multa, cada um correspondendo a 1/2 (um meio) do salário mínimo vigente à época dos fatos, e a ré MARTA MARIA à pena de 01 (um) ano, 11(onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão, bem como ao pagamento de multa fixada em 200 (duzentos) dias-multa, cada um correspondendo a 1/2 (um meio) do salário mínimo vigente à época dos fatos, tendo no caso desta última ré a pena privativa de liberdade sido substituída por pena restritiva de direito.
Em 14.10.2010, foi certificado (fls. 150) o trânsito em julgado da sentença para o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e para ré MARTA MARIA.
Inconformado, o réu interpõe a apelação de fls. 165-166 utilizando a faculdade prevista no Art. 600, do CPP1. Em
1 CPP, Art. 600. Assinado o termo de apelação, o apelante e, depois dele, o apelado terão o prazo de oito dias cada um para oferecer razões, salvo nos processos de contravenção, em que o prazo será de três dias.
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suas razões recursais (fls. 129-142) requer, no mérito, a reforma da sentença, postulando (fls. 142):
seja dado provimento ao Recurso interposto, decretando-se a redução da pena de prisão, de acordo com o estipulado no artigo 33 §4º da Lei Federal 11.343/06 ao patamar de 1/6 ou 2/3, assim como se proceder à redução da pena de multa, devido ao comportamento social do agente, aos motivos elencados no disposto do artigo 59 do Diploma Penal Pátrio TODOS favoráveis à concessão de redução, à presunção de inocência, a não possuir o Apelante fatos desabonadores de sua conduta, a não possuir este antecedentes penais, quer na Espanha ou no Brasil, a possuir BONS ANTECEDENTES, a não integrar o Apelante qualquer tipo de organização criminosa que seja, a não se dedicar o Apelante a atividade criminosa de qualquer tipo ou espécie, de acordo com a mais lídima JUSTIÇA!
Contrarrazões às fls. 144-146v.
Em seguida, vieram os autos para manifestação, na condição de
custos legis, desta Procuradoria Regional da República 5ª Região.
É o relatório.
II. MÉRITO
Inicialmente, cumpre assinalar que, ressalvada a argumentação
referente à confissão espontânea, as demais alegações do apelante não merecem
prosperar.
II.1 – INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA
Alega o apelante que a sua conduta delitiva foi motivada por
dificuldades financeiras e por coação irresistível consistente em ameaça de morte a si
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e a seus familiares, por dívida com droga, de modo que não poderia ter procedido de
outra forma.
Entretanto, como bem salientado nas contrarrazões do
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, é de se ressaltar que essas alegadas dificuldades
financeiras e a suposta coação moral sofrida não se mostram hábeis para configurar a
figura jurídica da inexigibilidade de conduta diversa, uma vez que não restou
comprovado que ao apelante não restou qualquer alternativa de conduta, pois este
poderia ter procurado outros meios lícitos para sanar sua dívida, seja, por exemplo,
por meio de empréstimos e tantos outros meios lícitos.
Nesse sentido, como bem asseverado na sentença em questão,
cujo trecho foi transcrito nas contrarrazões, pede-se vênia, para mais uma vez
transcrever este referido trecho, tendo em vista a clareza hialina com que firma a
linha de argumentação deste parecer, senão vejamos:
A alegação do réu de que estava sendo ameaçado por traficantes para pagar débitos decorrentes do consumo de drogas, além de não comprovada nos autos e ser decorrente de atividade criminosa, não torna admissível a conduta ilícita praticada, pois ele poderia denunciar os criminosos à polícia, solicitar proteção ao Estado, mudar de residência e até mesmo contrair empréstimos para sanar suas dívidas.
Ademais, como também bem fundamentado nas contrarrazões
em tela, o apelante não se eximiu de seu ônus de prova das referidas excludentes de
culpabilidade, o qual, de acordo com o art. 156 do Código de Processo Penal pátrio,
era da defesa. Nesse trilhar, veja-se também o seguinte precedente judicial:
EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES (ART. 33, COMBINADO COM O ART. 40, I, DA LEI No 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE 2006). ESTADO DE NECESSIDADE. EXCLUDENTE DE ANTIJURIDICIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO. SENTENÇA. EXACERBAÇÃO DO QUANTUM DA PENA-BASE. RÉU COLABORADOR (ART. 41 DA LEI No 11.343, DE 2006). EFETIVA COLABORAÇÃO. INOCORRÊNCIA. INTERNACIONALIDADE. ELEMENTOS. 1. A tese
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de dificuldades financeiras não caracteriza perigo atual e inevitável que justifique a opção pela conduta ilícita (tráfico internacional de entorpecentes) e atrairia a excludente de ilicitude do estado de necessidade (CP, art. 23, I; e art. 24). Precedentes do STJ: REsp no 499.442/PE e REsp no 499.442/PE. 2. Não se há de reconhecer a tese exculpante de inexigibilidade de conduta diversa, se desacompanhada de prova. O ônus da prova, nessa hipótese, compete à defesa, e não à acusação, por força do art. 156 do Código de Processo Penal. 3. Cabe manter a pena-base privativa de liberdade fixada pela sentença (6 anos de reclusão), em conformidade com o art. 42 da Lei no 11.343, de 2006, porquanto foi proporcional à conduta delituosa e em quantidade necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime. A grande quantidade de entorpecente traficada pelo réu (2.755 g de cocaína) autoriza a exacerbação da pena acima do patamar mínimo, porque caracteriza maior grau de censurabilidade da conduta (culpabilidade), maior potencial ofensivo à sociedade e demonstra o objetivo de obtenção de lucro fácil e ilegítimo (motivos, circunstâncias e consequências do crime). 4. Somente a colaboração efetiva, assim entendida como aquela em que se fornece dados para a efetiva localização de comparsas, é a que atrai a hipótese de redução da pena, nos termos do art. 41 da Lei no 11.343, de 2006. Como titular da ação penal (art. 129, I, da Constituição), é o Ministério Público, em princípio, que deve estar à frente das propostas de concessão das vantagens legais aos réus colaboradores. Precedentes do STJ: EDcl no HC no 122.480/SP; REsp no 1.111.719/SP; HC no 92.922/SP). 5. Segundo iterativa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, o tráfico de entorpecentes com conexão internacional, na modalidade "transporte", perfaz-se independentemente da saída da substância entorpecente do país, bastando a interceptação em zona de fiscalização alfandegária ou nas áreas de embarque internacional (STF, HC no 72.658/SP; STJ, REsp no 70.673/RJ). 6. Apelação improvida.(TRF5, ACR 200981000040598, ACR 7277, 1ª Turma, Desembargador Federal relator FRANCISCO CAVALCANTI, data: 18/05/2010 - página: 156).
II.2- DA DOSIMETRIA DA PENA
1ª FASE – FIXAÇÃO DA PENA BASE
O recorrente alega, em síntese, a necessidade de diminuição da
pena-base, uma vez que é primário e de bons antecedentes, além de que a sentença
teria valorado de forma exasperada as circunstâncias judiciais do Art. 59 do Código
Penal, pois não haveria nos autos qualquer prova desabonadora de tais circunstâncias.
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Não merece prosperar tal pretensão, devendo permanecer
incólume a sentença atacada.
Isso porque, em conformidade com o previsto no Art. 422, da
Lei nº 11.343/2006, a natureza e a quantidade da droga apreendida são elementos
que, na fixação da pena-base, devem ser sopesados em conjunto, porém, com
preponderância em relação às demais circunstâncias rotineiras do Art. 59, do Código
Penal.
Levando em consideração essa diretriz da lei especial, o MM.
Juiz a quo fixou a pena-base em 10 (dez) anos de reclusão, ou seja, acima do mínimo
legal estabelecido pelo Art. 33, da Lei nº. 11.343/06.
Diante da moldura oferecida pelo referido dispositivo legal para
a fixação da pena-base – 5 (cinco) a 15 (quinze) anos – demonstra-se razoável a
penalidade imposta ao réu.
Primeiramente, depreende-se dos autos que o recorrente
transportava consigo, com destino a cidade de Barcelona na Espanha, pouco mais de
6, 082Kg (seis quilos e oitenta e duas gramas) de cocaína em pó (laudo de fls. 74-77
do inquérito policial), acondicionada em fundos falsos da sua mala de viagem.
Dessa feita, a quantidade e a natureza da droga por si só já
justificariam a exasperação da pena base ao patamar fixado.
A cocaína, como se sabe, é uma das drogas de maior
potencialidade lesiva existente na atualidade, havendo estudos científicos que
apontam no sentido de que esta substância entorpecente causa dependência em
2 Lei nº. 11.343/06, Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância
sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto,
a personalidade e a conduta social do agente (grifo nosso)
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apenas 3 (três) ou 4 (quatro) utilizações. Instaurado o vício, cada dose passa a
deteriorar de forma exponencial a saúde e a dignidade não só do dependente, mas
também dos seus familiares, amigos próximos e por tabela de toda a sociedade, tendo
em vista a incalculável proliferação de malefícios conexos a essa dependência.
Para se ter uma ideia como o fomento a essa desgraça social é
essencial para os traficantes internacionais de drogas, segundo informações retiradas
do site da Associação dos Delegados da Polícia Federal (htpp://www.adpf.org.br), o
quilo da cocaína na Colômbia custa US$ 2 mil, chegando ao Brasil por US$ 4,5 mil.
Na Europa, o valor é de US$ 25 mil. No Leste Europeu o preço da droga atinge US$
50 mil e, em países do Oriente Médio e no Japão, a cocaína de boa qualidade pode
chegar a valer até US$ 100 mil.
Assim, além de considerar a quantidade e a natureza da droga,
o magistrado verificou a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu
dentre aquelas previstas no rol do Art. 59, do CP e, em fundamentação concreta e
dentro do critério da discricionariedade juridicamente vinculada, aumentou a pena-
base proporcionalmente às peculiaridades do caso concreto.
2ª FASE – FIXAÇÃO DA PENA PROVISÓRIA
A) ATENUANTE DO ART. 65, III, “D”, DO CÓDIGO PENAL.
Também requer o apelante a concessão da atenuante relativa à
confissão espontânea.
Sobre esse tópico, irretorquível a fundamentação das
contrarrazões em tela, razão pela qual ela é também acolhida neste parecer, sendo
transcrita logo abaixo:
Na segunda fase da dosimetria, o MM. Juízo afastara a atenuante da confissão, porquanto “[…] apesar de admitir o tráfico internacional, negou a participação da ré, com a finalidade de afastar o cometimento do delito
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por ela […]”, todavia, reconhecida a voluntariedade da confissão, ainda que tenha por objetivo escusar corré, invocando-se precedente do STJ:
HABEAS CORPUS. PENAL. CRIMES DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E CORRUPÇÃO DE MENOR. FIXAÇÃO DAS PENAS-BASE. […]. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. PRISÃO EM FLAGRANTE. RECONHECIMENTO OBRIGATÓRIO. CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE. PROGRESSÃO DE REGIME. POSSIBILIDADE. DECLARADA A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2.º, § 1.º, DA LEI N.º 8.072/90, PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. […] 3. A confissão espontânea configura-se tão-somente pelo reconhecimento do acusado em juízo da autoria do delito, pouco importando se o conjunto probatório é suficiente para demonstrá-la ou que o réu tenha se arrependido da infração que praticou. Precedentes dessa Corte Superior. […]. 6. Ordem parcialmente concedida para reformar o acórdão proferido pelo Tribunal a quo e a sentença condenatória na parte relativa à dosimetria da pena, para que nova decisão seja proferida, com o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, bem como para afastar a imposição de regime prisional integralmente fechado.
Portanto, reconhecida dita atenuante, como também incidira a agravante do art. 62, IV, da Lei Penal, sugere-se a manutenção da pena-base (aplicável, mudando o que deve ser mudado, o Acórdão no HC 134664 MS, Rel. Min. Félix Fischer, DJe 01/02/2010).
A valoração negativa de apontadas circunstâncias judiciais, a incidência de agravante (art. 62, IV, do Código Penal), bem como de causa de aumento de pena (art. 40, I, da Lei nº 11.343/06), levaria à fixação da reprimenda além de treze anos de reclusão, impedindo que citada causa de diminuição, aplicada em grau mínimo, a reduza para pouco mais de seis anos, como pretende o Apelante.
Ademais, é de se salientar que a confissão do réu em juízo não
foi essencial ao deslinde do feito, servindo apenas para corroborar o vasto e claro
material probatório presente nos autos, que desde o início do processo evidenciavam
com clareza solar a materialidade e a autoria do crime do apelante.
3ª FASE – FIXAÇÃO DA PENA DEFINITIVA
A) CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, §4º, DA LEI Nº 11.343/06
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Quanto à alegação de que seria devida a aplicação da causa de
diminuição de pena prevista no art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006 em seu máximo
legal, por lhe serem favoráveis todas as circunstâncias exigidas para aplicação do
referido benefício, razão não assiste ao recorrente.
Sobre este aspecto, verifica-se que o Juízo a quo não aplicou
essa causa de diminuição em seu percentual máximo “pelas mesmas razões pelas
quais a pena-base foi fixada acima do máximo legal”.
Dessa forma, os argumentos para aplicação da causa de
diminuição da pena em questão já foram debatidos quando da análise da dosimetria
da pena-base do réu. Por conta disso, remete-se ao tópico supra, restando essa
discussão prejudicada.
De toda forma, compulsando os autos, percebe-se que a
referida benesse foi concedida ao réu de acordo com a orientação jurisprudencial
dominante acerca do tema: a presença dos requisitos elencados no §4º do artigo 33
da Lei nº 11.343/06; a existência de tais requisitos é condição da própria aplicação
da pretendida diminuição.
Essa conclusão não poderia ser diversa, pois todas as exigências
insculpidas no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/06 são de constatação objetiva para
aferição ou não da possibilidade de aplicação do benefício.
Assim, a primariedade é um dado a ser concretamente aferido
que não comporta qualquer dilação interpretativa: ou se é, ou não se é primário.
Primário é, nesse sentido, o réu não reincidente, i.e., que nunca sofreu uma
condenação penal transitada em julgado ou que, tendo sido condenado, volta a
possuir tal qualidade pelo decurso do prazo previsto pelo art. 64, I do Código Penal
(cinco anos após o cumprimento ou extinção da pena).
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Da mesma forma, os bons antecedentes do réu também são
aferidos de maneira concreta, mediante a verificação da existência de outros
inquéritos ou processos criminais em andamento, ainda que sem trânsito em julgado3.
Ademais, no que refere à necessidade de o agente não se
dedicar a atividades criminosas, esta pode ser verificada em relação a eventuais
outras condutas delituosas praticadas pelo réu anteriormente ao fato pelo qual está
sendo apenado.
Vale lembrar que a participação em crimes anteriores poderá
ser aferida por qualquer meio de prova. E, ainda, insta salientar que, mesmo que
referida participação não possa ser considerada para a configuração dos maus
antecedentes, poderá ser utilizada para caracterizar a “dedicação a atividades
criminosas” a que se refere o §4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06.
Por seu turno, por integração a organização criminosa deve-se
entender a participação estável do agente em grupo que se dedica habitualmente ao
crime, com tarefas previamente determinadas para cada um dos seus integrantes, que,
assim, convergem suas vontades para a concretização do objetivo criminoso.
A esse respeito, é mister salientar que, na grande maioria dos
casos de tráfico internacional de drogas, existe mesmo uma organização que
patrocina a empreitada criminosa, coordenando o trânsito das pessoas e drogas nas
3 A respeito do tema dos antecedentes criminais, reconhece-se que vem ganhando força, atualmente, o posicionamento seguido especialmente pelas Quinta e Sexta Turmas do E. Superior Tribunal Justiça no sentido de que apenas as condenações transitadas em julgado podem ser consideradas para o reconhecimento dos “maus antecedentes” ostentados pelo réu. Contudo, na opinião deste Órgão Ministerial, com a devida vênia, não é este o entendimento mais adequado acerca da matéria, já que, para a análise dos antecedentes do acusado, imprescindível se faz o cotejo de todos os fatos de sua vida pregressa, positivos e negativos – não se limita, destarte, à verificação da existência ou não de condenações anteriores transitadas em julgado. Somente assim se procede à adequada diferenciação entre os conceitos de “maus antecedentes” e “reincidência” – os quais, saliente-se, são tratados separadamente pela própria Lei nº 11.343/06, quando esta elenca como requisitos para a aplicação do benefício previsto §4º do art. 33 a primariedade e a inexistência de maus antecedentes.
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diferentes partes do país e até do mundo, praticando todas as condutas, inclusive
outros crimes e atentados, visando a assegurar que os seus integrantes transitem
incólumes em todos os lugares em que atuam. Ora, é evidente que será vedado aos
integrantes de tais organizações o benefício previsto no artigo 33, parágrafo 4º da Lei
11.343/06.
Ultrapassada essa fase de aferição do preenchimento simultâneo
de todos os requisitos alhures pormenorizados, deve o julgador, com base nas
circunstâncias judiciais do Art. 59 do CP, a natureza e a quantidade da droga, a
personalidade e a conduta social do agente, fixar os parâmetros para a escolha entre a
menor e a maior fração indicada pelo §4º do Art. 33 da nova Lei de drogas, tendo em
vista a omissão legal nesse sentido.
Essa é a orientação determinada pela jurisprudência pacífica do
Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, in verbis:
PENAL. RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA DA PENA. FIXAÇÃO DA PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. GRANDE QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. FUNDAMENTO IDÔNEO. OCORRÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE PELA CONSIDERAÇÃO, EM RELAÇÃO AO SEGUNDO RECORRENTE, DE INQUÉRITOS E AÇÕES PENAIS EM ANDAMENTO COMO MAUS ANTECEDENTES. CONCESSÃO DE WRIT DE OFÍCIO. MINORANTE DO ART. 33,§ 4º, DA LEI 11.343/06. INAPLICABILIDADE ANTE AS PECULIARIDADES DO CASO.
I - A grande quantidade de substância entorpecente apreendida é circunstância judicial que justifica o aumento da pena-base acima do mínimo legal (Precedentes do STJ e do STF).II - Deve prevalecer, in casu, a fixação da pena-base acima do patamarmínimo, em razão da elevada quantidade de entorpecente apreendido, - 30.430g de cocaína-, com fundamentação concreta e dentro do critério da discricionariedade juridicamente vinculada.III - Destarte, em relação ao segundo recorrente verifica-se a ocorrênciade flagrante ilegalidade, consubstanciada na valoração de inquéritos e ações penais em andamento como maus antecedentes, em desrespeito ao princípio da presunção de inocência. Assim, deve ser concedido writ de ofício para afastar de sua pena o aumento decorrente dos maus antecedentes indevidamente reconhecidos.
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IV - Finalmente, a expressiva quantidade de droga apreendida, aliada a outras circunstâncias próprias do caso concreto, ora pode impedir a incidência da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, - caso em que estará evidenciada a dedicação à atividade criminosa (Precedentes) -, ora poderá atuar como fator que, embora não impeça a aplicação da causa de diminuição, será tomado como parâmetro para definir o quantum da redução da pena.V - Na espécie, as particularidades do caso, - acusados que se associaram para o transporte de grande quantidade de cocaína - evidenciam que os mesmos se dedicam à atividade criminosa do tráfico, circunstância que impede a incidência da minorante legal.Recurso desprovido.(STJ – REsp nº 1.122.218/AC, Ministro Relator Felix Fisher, Quinta Turma, DJ: 03/05/2010)
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. NATUREZA E QUANTIDADE DAS DROGAS APREENDIDAS. ART. 42 DA LEI 11.343/06. EXASPERAÇÃO DA REPRIMENDA. FUNDAMENTAÇÃO. EXISTÊNCIA. DESPROPORCIONALIDADE DO AUMENTO. MITIGAÇÃO DEVIDA. COAÇÃO ILEGAL EM PARTE EVIDENCIADA.
1. Embora as instâncias ordinárias tenham justificado concretamente a necessidade de se impor maior reprimenda - em razão da natureza e da quantidade de substância entorpecente apreendida -, verifica-se que a porção de droga capturada não foi excessivamente elevada, o que demonstra que o aumento de pena tão somente por esse fator mostra-sedesproporcional, sobretudo se considerada a ausência de outras circunstâncias judiciais desfavoráveis.APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/06. POSSIBILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. FRAÇÃO DO REDUTOR. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. RELEVÂNCIA DA NATUREZA E DA QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA PARA A ESCOLHA DO REDUTOR. APLICAÇÃO DO BENEFÍCIO EM 1/3.1. O simples fato de o paciente ter praticado o crime de tráfico de drogas não autoriza, por si só, a afirmar que ele se dedique a atividades delituosas, sobretudo se considerada a sua primariedade e a ausência de evidências concretas de que efetivamente possua ligação com organizações criminosas.2. Constatado o preenchimento de todas as condições necessárias ao reconhecimento do redutor do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06, quais sejam, além da primariedade, a ausência de antecedentes desabonadores, a não dedicação a atividades criminosas e a não participação em organização criminosa, de rigor a aplicação da benesse.3. Tendo o legislador previsto apenas os pressupostos para a incidência do benefício legal, deixando, contudo, de estabelecer os
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parâmetros para a escolha entre a menor e a maior frações indicadas para a mitigação pela incidência do §4º do art. 33 da nova Lei de Drogas, devem ser consideradas as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP, a natureza e a quantidade da droga, a personalidade e a conduta social do agente.4. Juízo de proporcionalidade que autoriza a mitigação em 1/3(um terço), em razão da natureza e da quantidade das substâncias entorpecentes apreendidas - 23,71 g de maconha e 25,20 g de cocaína, na forma de 127 pedras de 'crack' -, cuja nocividade é maior do que a de outras drogas.5. Habeas corpus parcialmente concedido, tão somente a fim de diminuir a pena-base do paciente para 6 (seis) anos de reclusão e pagamento de 600 (seiscentos) dias-multa, bem como reconhecer a aplicação em 1/3 (um terço) da causa especial do diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Nova Lei de Drogas, tornando a pena definitiva em 4 (quatro) anos de reclusão e pagamento de 400 (quatrocentos) dias-multa, mantidos, no mais, a sentença condenatória e o acórdão objurgado.
(STJ – HC nº 132.660/SP, Ministro Relator Jorge Mussi, Quinta turma, DJ: 12/04/2010)
PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA. ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/2006. APLICAÇÃO EM SEU PATAMAR MÁXIMO. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. A questão de direito versada nestes autos diz respeito à não-aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06 em seu patamar máximo. 2. O fato de o paciente possuir bons antecedentes e boa conduta social, apesar de permitir a incidência da causa especial de diminuição de pena, não obriga sua aplicação em seu grau máximo, mormente quando, na espécie, o réu possui personalidade voltada ao mundo do crime. 3. Foi grande a quantidade de droga apreendida, o que reforça a impossibilidade de se reduzir a pena em 2/3 (dois terços). 4. Habeas corpus denegado.(STF - HC 100755 - Decisão Denegada a ordem por votação unânime. 2ª
Turma, 20.04.2010).
Seguindo essa orientação, diante da quantidade e da natureza da
droga e das circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu, o MM. Juiz a quo diminuiu
a pena em 1/3 (um terço), o que é bastante razoável em face do moldura prevista no
Art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/06, que permite a redução entre 1/6 e 2/3.
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II.3) DOSIMETRIA DA PENA DE MULTA
Nesse ponto, merece parcial provimento a irresignação do
recorrente.
Primeiramente, irretocável a sentença atacada no que tange à
primeira fase da dosimetria da pena de multa, pois sopesou devidamente as
circunstâncias judiciais do Art. 59 do Código Penal com o disposto no Art. 42 da Lei
nº 11.343/06, aplicando 1000 dias-multa, quantidade compatível com a moldura –
500 a 1500 – estabelecida pelo Art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06, além de
demonstrar proporcionalidade com a pena-base da reclusão, que também leva em
consideração os mesmos dispositivos legais.
Por outro lado, o correspondente em salários mínimos de cada
dia-multa deve sopesar exclusivamente a situação econômica do réu. Não havendo
nos autos qualquer indicativo dessa natureza, não pode o juiz se limitar a fixar o dia-
multa em 1/2 (um meio) do salário mínimo, sem a devida fundamentação.
Portanto, não havendo qualquer indicativo nos autos da
situação econômica do réu, a sentença deve ser reformada nesse ponto, tão-somente
para diminuir o correspondente do dia-multa de 1/2 para 1/30 do salário mínimo, o
piso legal, de acordo com o Art. 43 da Lei nº 11.343/06, segunda parte.
III. CONCLUSÃO
Ante todo o exposto, opina o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
pelo parcial provimento da apelação, tão somente para ser reconhecida a causa de
diminuição de pena de confissão espontânea, mantida a pena, e reduzir o valor do dia
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA DA 5.a REGIÃO
multa de 1/2 (um meio) para 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época
dos fatos.
Recife, 21 de fevereiro de 2011.
JOÃO BOSCO ARAÚJO FONTES JÚNIORProcurador Regional da República
JBAFJ/FNMCO
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