Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
SUGESTÕES DE REFERÊNCIAS PARA O CURSO DE
DOCENCIA DO ENSINO SUPERIOR
Selecionamos para você uma série de artigos, livros e endereços na Internet
onde poderão ser realizadas consultas e encontradas as referências necessárias
para a realização de seus trabalhos científicos, bem como, uma lista de sugestões
de temas para futuras pesquisas na área.
Primeiramente, relacionamos sites de primeira ordem, como:
www.scielo.br
www.anped.org.br
www.dominiopublico.gov.br
SUGESTÕES DE TEMAS
1. A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO NA DOCÊNCIA PARA O ENSINO SUPERIOR
2. AS MÚLTIPLAS DIMENSÕES DO TRABALHO DOCENTE, A PARTIR DA ANÁLISE CRÍTICA DO CONTEXTO EM QUE SE REALIZA SUA PRÁTICA EDUCATIVA
3. A DOCÊNCIA E A SUA ATUAÇÃO DE FORMA COMPETENTE,
4. A DOCÊNCIA, A SENSIBILIDADE ÉTICA E A CONSCIÊNCIA POLÍTICA DA IMPORTÂNCIA DO PROFESSOR UNIVERSITÁRIO NO PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
5. A ELABORAÇÃO DE PROJETOS DE PESQUISA PARA COMPREENSÃO DA REALIDADE EDUCACIONAL BRASILEIRA NA CONTEMPORANEIDADE
6. QUALIDADES ESSENCIAIS PARA A AUTORIDADE DOCENTE DEMOCRÁTICA
7. A PREOCUPAÇÃO COM A QUALIDADE DO ENSINO SUPERIOR
8. A PREPARAÇÃO PEDAGÓGICA DE DOCENTES E A LDB 9394/96
9. SEM DOCÊNCIA NÃO HÁ DISCÊNCIA
10. O ABSOLUTISMO DO EDUCADOR
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
2
11. A APRENDIZAGEM NO ENSINO SUPERIOR
12. A TITULAÇÃO DOS PROFESSORES DENTRO DO ÂMBITO DO ENSINO SUPERIOR: título e o significado de caráter
13. A AFETIVIDADE NO ENSINO SUPERIOR
14. O DESENVOLVIMENTO NO ENSINO SUPERIOR
15. A PEDAGOGIA NO ENSINO SUPERIOR: dimensão conceitual, procedimental e atitudinal
16. O ENSINO SUPERIOR POR EXCELÊNCIA
17. O ENSINO E A EDUCAÇÃO SUPERIOR CONTEXTUALIZADA
18. RELAÇAO PROFESSOR X ALUNO NO ENSINO SUPERIOR
19. IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA PEDAGÓGICA NO ENSINO SUPERIOR
20. A DIFÍCIL RELAÇÃO ENSINO-APRENDIZAGEM NO ENSINO SUPERIOR
21. O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM E O PROFESSOR DE ENSINO SUPERIOR
22. A DIDÁTICA NO ENSINO SUPERIOR
23. UM AMBIENTE DE ENSINO E APRENDIZAGEM SUPERIOR BASEADO EM WEB SEMÂNTICA E WEB SERVICES
24. INFLUÊNCIAS NO PROCESSO ENSINO APRENDIZAGEM: o ensino superior
25. O ESTADO DA ARTE DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL
26. O ENSINO SUPERIOR E A QUALIDADE DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
27. A FORMAÇÃO DO EDUCADOR E OS RESULTADOS DA EDUCAÇÃO NO BRASIL
28. A IMPORTÂNCIA DA DOCÊNCIA DO ENSINO SUPERIOR NA FORMAÇÃO DO EDUCADOR DO FUTURO
29. A UNIVERSIDADE E SUA RELAÇÃO COM A ESCOLA BÁSICA
30. O MEC E A DOCÊNCIA SUPERIOR: políticas públicas
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
3
ARTIGOS PARA LEITURA, ANÁLISE E UTILIZAÇÃO COMO FONTE OU REFERENCIA
Educação & Sociedade
Print version ISSN 0101-7330
Educ. Soc. vol.20 n.68 Campinas Dec. 1999
doi: 10.1590/S0101-73301999000300002
A REFORMA DO ENSINO SUPERIOR NO CAMPO DA FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA: As políticas educacionais e
o movimento dos educadores
Helena Costa Lopes de Freitas*
RESUMO
O presente trabalho apresenta as discussões que têm orientado o debate acerca da
formação dos profissionais da educação, recuperando a trajetória do movimento dos
educadores na luta pela sua formação e pela profissionalização do magistério –
representada na atualidade pela Associação Nacional pela Formação dos
Profissionais da Educação (Anfope) – nos últimos 20 anos. A construção coletiva em
torno da base comum nacional, em oposição às políticas de formação, e a proposta
de escola única de formação, que materializa os princípios da Anfope para a
reorganização dos cursos de formação dos profissionais da educação nas
universidades, vêm orientando o debate atual na resistência às políticas oficiais de
aligeiramento e fragmentação da formação profissional.
Palavras-chave: Formação de professores, base comum nacional, profissionais da
educação, políticas de formação
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
4
Introdução
As reformas educativas levadas a efeito em nosso país e nos outros países da
América Latina desde o final da década de 1970, com o objetivo de adequar o
sistema educacional ao processo de reestruturação produtiva e aos novos rumos do
Estado, vêm reafirmando a centralidade da formação dos profissionais da educação.
Nesse contexto, debatem-se diferentes propostas para a formação, fundadas em
projetos políticos e perspectivas históricas diferenciadas, o que faz com que a
formação desses profissionais seja tratada ou como elemento impulsionador e
realizador dessas reformas, ou como elemento que cria condições para a
transformação da própria escola, da educação e da sociedade.
No quadro das políticas educacionais neoliberais e das reformas educativas, a
educação constitui-se em elemento facilitador importante dos processos de
acumulação capitalista e, em decorrência, a formação de professores ganha
importância estratégica para a realização dessas reformas no âmbito da escola e da
educação básica (Aguiar 1997, Freitas 1994, 1995).
A importância dada à questão da formação pelas políticas atuais tem por objetivo
equacionar o problema da formação para elevar os níveis de "qualidade" da
educação nos países subdesenvolvidos, qualidade que, na concepção do Banco
Mundial, é determinada por vários fatores, entre os quais situam-se o tempo de
instrução, os livros didáticos e a melhoria do conhecimento dos professores
(privilegiando a capacitação em serviço sobre a formação inicial e estimulando as
modalidades a distância). À formação geral, garantida no Ensino Médio a baixo
custo, seria agregada a formação para a docência, oferecida em cursos curtos de
formação inicial centrados na capacitação pedagógica (Torres 1996, p. 165).
Em nosso país, a implementação dessas concepções via políticas de formação vem
se dando desde o final dos anos 80 e se consolida na década de 1990, em
decorrência dos acordos firmados na histórica Conferência de Ministros da
Educação e de Planejamento Econômico, realizada no México, em 1979, e na
Conferência de Jontien, em 1990, na Tailândia. Várias iniciativas foram tomadas, em
especial na América Latina e no Caribe, como tentativa de responder à crise de
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
5
acumulação do capitalismo, no sentido de "elevar o nível de satisfação das
necessidades básicas de aprendizagem", pilar do plano de ação Educação Para
Todos que fundamentou, em nosso país, o Plano Decenal. A "qualidade" da
educação e da escola básica passa a fazer parte das agendas de discussões e do
discurso de amplos setores da sociedade, e das ações e políticas do MEC, que
busca a cooptação para criar consensos facilitadores das mudanças necessárias na
escola básica e, principalmente, no campo da formação de professores (Freitas
1994).
As concepções que orientam tais mudanças vêm sendo questionadas ao serem
confrontadas com a produção teórica e prática da área educacional e do movimento
dos educadores que, desde o final dos anos 70, com o processo de democratização
da sociedade, passa a colocar novas exigências para a melhoria da escola básica e
para a formação de professores. A Associação Nacional pela Formação dos
Profissionais da Educação (Anfope) – que se organiza a partir de 1983 como
Comissão Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Conarcfe) –, no
movimento de reformulação dos cursos de formação do educador, vem contribuindo
com essa discussão, construindo coletivamente uma concepção sócio-histórica de
educador em contraposição ao caráter tecnicista e conteudista que tem
caracterizado as políticas de formação de professores para a escola básica em
nosso país. Ela tem, na concepção de base comum nacional, em oposição à
concepção de currículo mínimo, o instrumento que marca a resistência às políticas
de aligeiramento, fragilização e degradação da formação e da profissão do
magistério.
Faz parte também dessa trajetória na luta pela formação a definição de uma política
nacional global de formação dos profissionais da educação e valorização do
magistério, que contemple de forma prioritária no quadro das políticas educacionais,
e em condições de igualdade, a sólida formação inicial no campo da educação,
condições de trabalho, salário e carreira dignas e a formação continuada como um
direito dos professores e obrigação do Estado e das instituições contratantes.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
6
Este trabalho analisa, em um primeiro momento, as reformas no campo da formação
de professores a partir da LDB 9.394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, destacando a posição da Anfope e do movimento dos educadores em
relação a elas. Em seguida, são retomados os pontos principais da política nacional
de formação dos profissionais da educação, enfatizando as condições da formação
inicial a base comum nacional e a intervenção no processo de discussão das
diretrizes curriculares para os cursos de formação. Por último, é discutida a proposta
de escola única de formação, uma alternativa de reorganização e estruturação dos
cursos de formação de profissionais da educação no interior das faculdades e dos
centros de educação e das universidades.
As políticas atuais para a formação dos profissionais da educação
A aprovação da nova LDB, em dezembro de 1996, representou o marco da
institucionalização de políticas educacionais que já vinham sendo gestadas e
implantadas pelo MEC1 e pelo governo anterior. As medidas no campo da formação,
regulamentadas pelo CNE, têm se caracterizado por aprovações pontuais de
pareceres e resoluções que vão conformando a reforma universitária no campo da
formação. Destacam-se a Resolução 02/97 (antigos Esquema I e II, agora
revigorados), que estabelece a possibilidade de complementação pedagógica para
qualquer graduado/bacharel que queira atuar na educação básica; a
regulamentação do curso normal em nível médio, sem que tenha sido definido o
caráter transitório e datado dessa instância de formação bem como a política de
formação em nível superior dos estudantes que finalizam esse curso; a
regulamentação dos cursos seqüenciais que oferecem diploma e concorrem com os
tradicionais cursos de graduação, abrindo a possibilidade de retomada das antigas
licenciaturas curtas de 1.600 horas.
No quadro dessas políticas, destaca-se ainda a elaboração das Diretrizes
Curriculares para a graduação, que fincará as bases para a organização curricular
dos cursos de formação dos profissionais da educação.
A LDB instituiu também as bases para a definição de novas políticas que vêm sendo
regulamentadas pelo Conselho Nacional de Educação, com a criação de novas
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
7
instituições: os Institutos Superiores de Educação, instituição específica para
formação de professores para a educação básica, o Curso Normal Superior, para
formação de professores de 1a a 4a série e educação infantil, e a formação dos
especialistas nos cursos de pedagogia.
Posteriormente, o Decreto 2.032 de agosto de 1997, que alterou o sistema federal
de Ensino Superior e a organização acadêmica das IES, regulamenta essa nova
instituição e seu lugar no "concerto" do Ensino Superior brasileiro. O decreto
estabelece que as Instituições de Ensino Superior podem assumir diferentes
formatos: universidades, centros universitários, faculdades integradas, faculdades e
institutos superiores ou escolas superiores. Com essas distinções, e mantendo-se a
exigência da pesquisa apenas nas universidades, institucionaliza-se a distinção
entre universidades de ensino e universidades de pesquisa, mantida no Plano
Nacional de Educação elaborado pelo relator da Comissão de Educação e Cultura,
reservando para os Institutos Superiores de Educação, uma instituição de quinta
categoria, segundo a própria hierarquização formulada pelo MEC para as IES, a
formação dos quadros do magistério.
A recente regulamentação dos Institutos Superiores de Educação, pelo Parecer no
115/99 da Câmara de Ensino Superior do CNE, deixa clara a concepção de
formação de professores que permeia as propostas atuais, ao estabelecer que a
preparação dos profissionais para atuar na educação básica se dará
fundamentalmente em uma instituição de ensino de caráter técnico-profissional.
As implicações dessa forma de organização do Ensino Superior para a formação
dos profissionais da educação têm sido anunciadas e denunciadas tanto pelas
diferentes entidades acadêmicas – Anfope, Anped, Anpae, Fórum de Diretores das
Faculdades de Educação das Universidades Públicas Brasileiras – quanto por
estudiosos da área (Aguiar 1997, Anfope 1998, 1999, Kuenzer 1998).
Para efeito de análise, retomamos aqui algumas dessas questões, centrando a
discussão nas condições de formação, buscando identificar seus fundamentos no
quadro atual. No campo das possibilidades da organização curricular e dos estudos
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
8
a serem oferecidos, pode-se identificar uma situação discriminatória em relação aos
demais cursos de graduação. Senão vejamos.
É um curso de caráter técnico-profissionalizante. A carga horária para integralização
do curso – 3.200 horas – pode ser reduzida, dependendo da experiência e da
formação anterior dos estudantes, podendo chegar até a 1.600 horas. Com isso,
constata-se que, pela primeira vez, se abre a possibilidade de aproveitamento, em
nível superior, dos estudos realizados em nível anterior de escolaridade,
desqualificando e banalizando o rigor necessário que deveria ser exigido dos
estudos superiores.
Outra característica discriminatória é a exigência de qualificação do corpo docente –
10% de mestres e doutores –, que contrasta com a exigência de qualificação nas
universidades – 30% de mestres e doutores –, caracterizando uma desqualificação
dos formadores de professores, com sérias implicações no ensino e nos estudos
desenvolvidos nessas instituições.
As diretrizes curriculares que orientarão a elaboração dos currículos e os estudos
tomarão por base as diretrizes para a educação básica, ao contrário do processo
que tem orientado a elaboração das diretrizes para os cursos de graduação, que
toma como parâmetros e princípios orientadores os conhecimentos científicos da
área de formação. Essa forma de organização nos leva a afirmar que os estudos
que aí se desenvolverão, separados da pesquisa e da produção de conhecimento
nas áreas de formação – tanto nas disciplinas de conteúdo das áreas específicas da
docência quanto na área educacional –, adquirirão caráter técnico e instrumental,
retirando do profissional da educação a possibilidade de desenvolver-se como
"intelectual responsável por uma área específica do conhecimento, atribuindo-se a
ele uma dimensão tarefeira, para o que não precisa se apropriar dos conteúdos da
ciência e da pesquisa pedagógica" (Kuenzer apud Aguiar 1999).
Tais características apontam para a constituição de uma instituição formadora de
caráter pós-médio, e não superior. Assim, em vez de se buscar o que há de mais
avançado em termos de propostas de organização curricular e experiências em
curso nas IES, em particular nos cursos de pedagogia, coloca-se como horizonte o
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
9
aligeiramento da formação pelo rebaixamento das exigências e das condições de
formação.
Esse rebaixamento das exigências em vários níveis – corpo docente, carga horária –
, aliado às pressões dos sistemas de ensino estaduais e municipais para a
qualificação de seus docentes até 2007, em cumprimento à LDB e na ausência de
política de expansão qualificada do Ensino Superior público, que demandaria maior
volume de recursos financeiros, tem causado a proliferação de cursos de 1.600
horas e a criação de numerosas instituições privadas que se beneficiam dessas
condições "ideais" para seu crescimento e expansão, nem sempre com a qualidade
necessária.
É contra essa política que a Anfope tem se posicionado, mais especificamente
contra o caráter da formação que essas instituições têm possibilidade de oferecer,
em decorrência de sua organização. Desde o IV Encontro Nacional, de 19892,
quando do processo de elaboração da LDB e, posteriormente, em 1994, durante o
VII Encontro Nacional, a Anfope vem se posicionando contrariamente a essas
iniciativas que já começavam a se configurar como alternativas para a organização
dos cursos de formação de professores, pois indicavam "uma reformulação às
avessas, desconsiderando as atuais instituições formadoras como locus de
produção do conhecimento e agências responsáveis pela formação de profissionais
da educação3".
Ao contrário do que afirmam alguns autores (Libâneo e Pimenta 1999), a Anfope tem
assumido historicamente uma posição contrária a qualquer proposta que vise criar
centros específicos de formação de professores, separados dos centros e dos
cursos que formam os profissionais da educação e pretendam separar a formação
de professores da formação dos demais profissionais da educação e do ensino, ou
dos especialistas.
Tal posição tem se mantido historicamente e tem fundamentado as posições da
entidade nos diversos fóruns em que é discutida a criação dos Institutos Superiores
de Educação, como lugar específico da formação exclusiva de professores,
separado da universidade. Essa posição foi reafirmada no processo de elaboração
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
10
do Plano Nacional de Educação da sociedade brasileira (1997), e nos quatro
seminários nacionais realizados de 1996 a 1999, promovidos conjuntamente pela
Anfope e pelo Fórum de Diretores das Faculdades/Centros de Educação das
Universidades Brasileiras.4
Nos diferentes documentos, a Anfope tem se posicionado a respeito dessa temática,
em particular reiterando a denúncia de que
A proposta mantém as dicotomias e as fragmentações na formação de profissionais
da educação quando se dedica, em sua formulação, à formação de professores e
não de educadores, enfatizando exclusivamente o conteúdo específico, as
metodologias e o projeto pedagógico da escola, reforçando, portanto, a concepção
conteudista, tecnicista do professor, reduzindo-o a um prático com pleno domínio da
solução de problemas da prática cotidiana da escola e da sala de aula, alijado da
investigação e da pesquisa sobre as condições concretas que geram esses
problemas. (Anfope 1999)
É exatamente nesse campo que hoje se trava o debate nacional sobre a formação
dos profissionais da educação, suas concepções, seu conteúdo e forma, que vai
dando lugar a regulamentações, propostas, documentos e formulações oficiais.
A criação de novos cursos e instituições – como os Institutos Superiores de
Educação e o Curso Normal Superior5 – específicos para a formação de professores
é parte da estratégia adotada pelo governo brasileiro, em cumprimento às
exigências dos organismos internacionais, para o que seria a segunda etapa da
reforma educacional: a reforma no campo da formação de professores. Essa
segunda etapa cumpre dois objetivos básicos:
a) adequar as instituições formadoras e os conteúdos da formação aos objetivos da
reforma da educação básica em curso, garantindo a aplicação dos princípios da
reforma na sala de aula e na escola;
b) para cumprir com eficiência esse objetivo, não é necessário nem desejável que a
formação ocorra nas universidades e nos centros em que a produção de
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
11
conhecimento é parte integrante da formação profissional; é preciso, portanto,
separar a formação de professores da formação dos demais profissionais da
educação e da pós-graduação acadêmica. No caso do Brasil, é preciso separar a
formação de professores do curso de pedagogia, reservando-o como um curso de
excelência para formar profissionais da educação qualificados no campo da
produção de conhecimento. Com essa política, desarticulam-se as faculdades e os
centros de educação como instituições formadoras de educadores, profissionais de
caráter amplo para atuar na docência, instituições que vêm se constituindo como
centros produtores de conhecimento, geradores de novas idéias que contestam e
fazem a crítica da educação, da escola e do ensino e das políticas moldadas pelas
diferentes reformas educacionais.
Mello (1999), ao definir elementos da política para formação inicial de professores,
deixa explícito que "é preciso dar prioridade à formação de professores na
perspectiva e no âmbito da política de educação básica, independentemente da
problemática do ensino superior como tal (...)"6. Afirma que seria
inviável para o poder público financiar a preços das universidades "nobres" a
formação de seus professores de educação básica que se contam em mais de
milhão. Com um volume de recursos muito menor, um sistema misto de custo baixos
tanto públicos quanto privados, configura um ponto estratégico de intervenção para
promover melhorias sustentáveis a longo prazo na escolaridade básica. (Idem, p. 8;
grifos nossos)
Esse documento explicita alguns parâmetros orientadores das políticas do Banco
Mundial para a educação básica (Torres 1996) e também as medidas e as políticas
governamentais no campo da formação de professores, nos próximos anos, dentre
os quais se destacam:
a) Aprofundamento do processo de "ajuste" estrutural, enxugamento dos recursos do
Estado para a educação e conseqüente privatização;
b) distribuição, centralização e focalização dos recursos para experiências que se
adeqüem aos princípios da reforma educativa em curso;
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
12
c) a massificação7 e o caráter de capacitação pedagógica (pragmatismo e o retorno
ao tecnicismo) na formação de professores,
• ênfase na capacitação pedagógica de professores feita em instituições específicas,
exclusivas, sem história e orientadas pelos parâmetros da reforma educativa em
curso que necessita "aterrissar na sala de aula";
• rebaixamento das exigências de qualificação do corpo docente das instituições
formadoras de professores;
• retirada da formação de professores das faculdades de educação (curso de
pedagogia) e das universidades, desarticulando-as como centros de formação de
professores, com propostas orientadas por parâmetros acadêmicos e científicos no
campo da pesquisa e da formação de profissionais com amplo domínio do
conhecimento crítico sobre a educação e a sociedade, em condições de elaborar
propostas alternativas às propostas oficiais atuais;
• diretrizes curriculares para a formação fundadas nas diretrizes curriculares para a
educação básica e educação infantil, e não em diretrizes curriculares de caráter
acadêmico, tal como para os cursos de graduação nas IES; é preconizada uma
"sintonia fina" entre as agências formadoras e a reforma educativa.
d) o individualismo e a responsabilidade pessoal no processo formativo:
• desenvolvimento profissional: situa a responsabilidade pela formação continuada
no próprio professor, que deve autogerir sua formação continuada, seu
desenvolvimento profissional, em contraposição a uma concepção de formação
continuada como direito do profissional e dever do Estado e demais instituições
contratantes;
• certificação de competências: um novo conceito que orienta a formação
profissional – não há direito ao trabalho garantido pelo curso de formação. O
exercício do magistério fica condicionado à conclusão de curso em instituição
credenciada e à avaliação para certificação de competências docentes;
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
13
• avaliação dos professores vinculada à avaliação de desempenho dos alunos no
Saeb ou outras formas, para ascensão na carreira.
Na questão específica da formação de professores para educação infantil e séries
iniciais, a situação criada pela LDB é ainda mais complexa e reacende algumas das
polêmicas discussões da década de 1970, ao estabelecer permanência da formação
desses professores em nível médio, ao criar o Curso Normal Superior em
substituição ao curso de pedagogia e localizar a formação dos especialistas no
curso de pedagogia, separada da formação de professores – no Curso Normal
Superior.
Não é demais reafirmar que o curso de pedagogia, em grande parte das IES, desde
meados da década de 1980, constituiu-se como um curso de graduação plena,
licenciatura e bacharelado, com projeto pedagógico próprio, responsável pela
formação de profissionais para a educação básica, eliminando a fragmentação das
antigas habilitações, e possibilitando sua inserção em outros campos profissionais.
É, hoje, o único curso de formação de profissionais da educação que tem essa
organização, com projeto pedagógico específico, sob total responsabilidade das
faculdades/centros de educação, superando as dicotomias entre bacharelado e
licenciatura, formação pedagógica e formação específica, presentes nos demais
cursos de licenciatura.
O CNE, ao regulamentar os Institutos Superiores de Educação, ignorou essa
trajetória e regulamentou a formação de professores de educação infantil e de 1a a
4a série no Curso Normal Superior, criando o clima propício para que,
posteriormente, fosse regulamentada a formação de professores para esses níveis
de ensino exclusivamente no Curso Normal Superior, tal como estabelece o Parecer
970/99, da Câmara de Educação Superior, aprovado em 10/11/1999, com apenas
sete (dos doze) conselheiros presentes e um voto em contrário, declarado em
separado pelo conselheiro Jacques Velloso. Sua aprovação foi antecedida de muita
mobilização em nível nacional, de amplos setores da área educacional. Centenas de
instituições, entidades, conselhos de cursos e educadores enviaram manifestação
ao Conselho Nacional, entre a reunião de outubro e a reunião de novembro do CNE,
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
14
rejeitando o parecer e solicitando audiência pública para o trato dessa questão. A
constatação de que não foi introduzida qualquer modificação na minuta
originalmente apresentada à Câmara de Ensino Superior e a insensibilidade diante
das centenas de manifestações de todo o país são dados reveladores da força dos
interesses que orientam a definição das políticas educacionais em nosso país e das
concepções que informam as propostas de formação de professores.
O conteúdo do Parecer 970/99, por outro lado, opõe-se frontalmente aos estudos
desenvolvidos pela Comissão de Especialistas de Pedagogia, que, ao definir as
diretrizes curriculares para o curso, estabelece a docência como base da identidade
profissional de todo educador. Essa oposição a uma construção coletiva e histórica
no campo da formação de professores demonstra que as decisões no campo da
formação vêm respondendo aos interesses de determinados setores, tanto no CNE
quanto no MEC, que pretendem colocar os cursos de formação de professores como
responsabilidade apenas dos Institutos Superiores de Educação, afastados dos
bacharelados e, no que tange à formação de professores para as séries iniciais e a
educação infantil, afastada da formação dos demais profissionais do ensino no curso
de pedagogia – que se transformaria em um bacharelado (ou pedagogia stricto
sensu, uma nova formulação), retirando, portanto, desses cursos e das faculdades
de educação a responsabilidade pela formação dos profissionais da educação
(Anfope 1999)8.
Ao estabelecer que o curso de pedagogia formará os especialistas separadamente
da docência, retomando as já superadas habilitações, a regulamentação do CNE
contraria o movimento real9, a produção teórica na área10 e a própria LDB, que
estabelece, em seu artigo 67, a experiência docente como pré-requisito para o
exercício das demais funções do magistério.
Com isso, retorna agora, em um patamar mais elaborado11, a figura do pedagogo
"especialista", em oposição à concepção de profissional da educação, educador de
caráter amplo que tem na docência, no trabalho pedagógico, a base de sua
formação e de sua identidade profissional. Essa concepção de pedagogo stricto
sensu, superada tanto pela produção teórica da área quanto pela prática
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
15
democrática da organização do trabalho pedagógico nas escolas públicas, articula-
se à concepção de professor "tarefeiro", formado com ênfase nos conteúdos
específicos.
Essa concepção favorece as políticas governamentais que apontam para uma
formação diferenciada entre professores e demais profissionais da educação, e
ainda dá espaço para a formação de profissionais para funções de gestão do
sistema educacional descoladas do âmbito escolar, numa perspectiva hierarquizada.
Nas circunstâncias atuais da escola básica, esse profissional é ressignificado pelo
Estado, talvez como um profissional a seu serviço na escola e nos sistemas de
ensino para que, diante de professores formados em bases tecnicistas e
pragmatistas, possa atuar firme e decisivamente no sentido de fazer cumprir as
metas da reforma e das políticas educacionais que a embasam.
O fato de o curso de pedagogia constituir-se sob total e exclusiva responsabilidade
das faculdades/centros de educação tem permitido seu aprimoramento e
aperfeiçoamento na direção de tomar a prática educativa e a educação como objeto
de estudo na formação de profissionais para atuação na educação básica – na
formação de crianças de 0 a 10 anos –, identificando, no trabalho pedagógico
escolar e não-escolar, elementos constitutivos da formação humana em sua
dimensão omnilateral12.
É essa especificidade que devemos garantir para o curso de pedagogia, cuja "crise"
somente se aprofundará com a separação da formação de professores, a retomada
das habilitações e a fragmentação na formação dos especialistas.
O que está em jogo, hoje, para o conjunto dos educadores e para a sociedade
brasileira é a defesa do campo educacional e, nele, do curso de pedagogia e das
faculdades/centros de educação, como espaços de formação do profissional da
educação básica estudioso da educação, em condições de exercer sua prática em
ambientes formais e não-formais, escolares e não-escolares, e em todos os espaços
em que se desenvolva o trabalho educativo.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
16
Sintetizando, podemos afirmar que o conjunto dessas políticas materializadas nas
normatizações e nos referenciais dá contorno à reforma do ensino superior no
campo da formação de professores, feita às avessas, à revelia e à margem do
movimento dos educadores, das IES, e dos cursos de formação, como parte da
reforma mais geral do ensino superior e da reforma do Estado, desencadeada pelo
atual governo.
No que tange às concepções de formação, assistimos ao retorno da concepção
tecnicista do educador (neotecnicismo), tal como anunciado por Freitas (1992), com
ênfase nos aspectos pragmatistas da formação. A opção por esse modelo de
formação atende aos princípios de flexibilidade, eficiência e produtividade dos
sistemas de ensino, negando toda a trajetória do movimento dos educadores em sua
luta pela melhoria das condições de sua formação profissional, retirando das
faculdades/centros de educação a experiência construída historicamente de
formação de professores e de produção de conhecimento na área educacional,
sobre a escola, o ensino e o trabalho pedagógico em suas múltiplas dimensões.
Portanto, reafirmar as formulações e concepções históricas do movimento passa a
ser uma exigência, para os educadores, na discussão das diretrizes curriculares, nas
reformulações curriculares e na organização de novos cursos de formação, de forma
que possam constituir-se em norte para as ações no campo da formação dos
profissionais da educação.
A concepção de formação e a base comum nacional
A questão da formação do educador sempre foi examinada pela Anfope de forma
contextualizada, por entendê-la
inserida na crise educacional brasileira, que por sua vez constitui uma das facetas
de uma problemática mais ampla, expressão das condições econômicas, políticas e
sociais que configuram uma sociedade profundamente desigual e injusta que vem
esmagando a grande maioria da população e relegando-a a uma situação de
exploração e miséria.13
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
17
Há hoje uma consciência generalizada de que a formação de professores é um
desafio relacionado com o futuro da educação básica, esta, por sua vez,
intimamente vinculada com o futuro de nosso povo e a formação de nossas
crianças, jovens e adultos. No entanto, as perspectivas de que essa formação ocorra
em bases teoricamente sólidas e fundada nos princípios de uma formação de
qualidade e relevância social são cada vez mais remotas, no quadro das políticas
educacionais implementadas.
A redução dos recursos públicos para a educação pública, o asfixiamento das
universidades públicas, a trágica realidade da escola pública – exposta no
documento "Retrato da Escola"14, elaborado pela CNTE – vão evidenciando a
impossibilidade de resolução desses problemas nos marcos das relações sociais
vigentes. A consciência dessa situação por parte dos educadores exige o
desvelamento dos reais fundamentos das propostas de formação de professores em
curso em nosso país. Assumir com radicalidade as propostas de profissionalização
do magistério, dando-lhes o conteúdo que o movimento dos educadores vem
construindo ao longo de sua história, este parece ser o desafio atual.
Nesse contexto, é importante explicitar as contradições presentes nas propostas
oficiais, aprofundando a discussão de uma política nacional global de formação dos
profissionais para a educação. A luta pela igualdade das condições de formação,
que se configura como um direito dos sujeitos e um dever do Estado, está em
contradição com as – e em oposição frontal às – políticas atuais que propugnam a
igualdade de oportunidades ou eqüidade, que se configura como um dever dos
sujeitos e um direito do Estado.
A igualdade das condições de formação supõe fundamentalmente a possibilidade de
estudos em cursos e instituições que recusem a fragmentação e as dicotomias entre
a formação de professores e os demais profissionais da educação, rejeitando,
portanto, as propostas atuais que reforçam o aligeiramento no conteúdo e no tempo
da formação. A definição das bases da formação no contexto de uma política global
de formação ganha, nesse contexto, importância crucial, como forma de expressar
as diferentes concepções de educação e de educador que estão em debate nas
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
18
circunstâncias atuais. Esta tem sido a preocupação central da Anfope na última
década, período em que as reformas neoliberais causaram impacto de forma mais
direta na educação, na escola pública e na formação de professores.
Na definição dessa política devem se articular a formação inicial com a formação
continuada e as condições de trabalho e salários dignos e justos, entendendo que a
"implantação de uma política de formação inicial e continuada deve colocar em
questão a responsabilidade dos estados em relação à mesma, bem como o
financiamento para sua implementação"15. Paralelamente e em estreita
dependência, entende-se que a profissionalização do educador supõe a valorização
dos profissionais, o que requer condições adequadas para o exercício da profissão,
carreira e o desenvolvimento de uma política salarial unificada. Entende-se ainda a
formação continuada como um direito dos professores e dever do Estado e das
agências contratantes.
Na perspectiva de uma educação crítica e transformadora, deve-se também
reafirmar a concepção sócio-histórica de educador, definida pelo movimento dos
educadores e defendida pela Anfope, concepção de formação do profissional de
caráter amplo, com pleno domínio e compreensão da realidade de seu tempo, com a
consciência crítica que lhe permita interferir e transformar as condições da escola,
da educação e da sociedade, um educador que, enquanto profissional do ensino (...)
tem a docência como base da sua identidade profissional, domina o conhecimento
específico de sua área, articulado ao conhecimento pedagógico, em uma
perspectiva de totalidade do conhecimento socialmente produzido que lhe permita
perceber as relações existentes entre as atividades educacionais e a totalidade das
relações sociais, econômicas, políticas e culturais em que o processo educacional
ocorre, sendo capaz de atuar como agente de transformação da realidade em que
se insere. (Conarcfe 1989)
É essa concepção, reafirmada e aprimorada ao longo da trajetória de construção
coletiva dos educadores, que tem orientado estudos que foram dando forma e
conteúdo às idéias, proposições e propostas de reestruturação curricular,
particularmente nos cursos de pedagogia de numerosas instituições em nosso
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
19
país,16 em resposta aos ideais dos educadores na luta pela democratização da
escola, da educação, pela valorização e profissionalização do magistério.
A produção teórica do movimento dos educadores evidencia concepções avançadas
sobre a formação do educador, não apenas por destacar seu caráter sócio-histórico,
mas principalmente por contribuir com a construção de propostas de superação das
dicotomias presentes na formação de professores e dos especialistas, entre
bacharelados e licenciaturas e entre pedagogia e demais licenciaturas. Esta é uma
exigência dada pela democratização das relações entre os sujeitos no trabalho
pedagógico e na construção de novos projetos coletivos. A explicitação da dimensão
social da educação e da escola torna evidência a estreita vinculação entre a forma
de organização da escola na sociedade capitalista e a formação do educador, fato
que coloca em oposição os projetos conservadores da sociedade atual e o projeto
histórico que busca a superação do capitalismo e anuncia a concepção de futuro da
humanidade que pretendemos.
Essas concepções encontraram sua forma mais elevada na elaboração da base
comum nacional que vem sendo construída cotidiana e coletivamente nas propostas
concretas de organização curricular nas diferentes IES de nosso país, articulando a
unidade dos educadores em torno de princípios norteadores da formação.
O conteúdo da formulação da base comum nacional é um instrumento de luta e
resistência contra a degradação da profissão do magistério, permitindo a
organização e reivindicação de políticas de profissionalização que garantam a
igualdade de condições de formação. É ainda um elemento unificador da profissão,
ao defender que a docência é a base da formação de todos os profissionais da
educação, pois permite assumir com radicalidade, ainda hoje, nas condições postas
para a formação de professores, a formulação de Saviani (1982): formar o professor
e o especialista no educador.
A idéia de base comum nacional, que se originou no I Encontro Nacional, realizado
em 1983, em contraposição à idéia de formação do pedagogo generalista, contém
um conjunto de princípios norteadores que vêm sendo construídos, retomados,
ressignificados na trajetória da entidade e na construção prática das transformações
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
20
curriculares que se desenvolvem nas diferentes IES. Princípios que são orientadores
do exame, da análise e das propostas de estrutura e organização curricular e
institucional dos cursos de formação de profissionais da educação, os quais podem
ser assim sistematizados:
a) sólida formação teórica e interdisciplinar sobre o fenômeno educacional e seus
fundamentos históricos, políticos e sociais, bem como o domínio dos conteúdos
específicos a serem transmitidos pela escola, que permita a apropriação do
processo de trabalho pedagógico;
b) unidade teoria/prática que implica assumir uma postura em relação à produção de
conhecimento que impregne a organização curricular dos cursos; tomar o trabalho
como princípio educativo na formação profissional, revendo-se os estágios e sua
relação com a rede pública e a forma de organização do trabalho docente na escola;
e ênfase na pesquisa como meio de produção de conhecimento e intervenção na
prática social;
c) gestão democrática como instrumento de luta contra a gestão autoritária na
escola, entendida como superação do conhecimento de administração enquanto
técnica, a fim de apreender o significado social das relações de poder que se
reproduzem no cotidiano da escola, nas relações entre os profissionais, entre estes
e os alunos, assim como na concepção e elaboração dos conteúdos curriculares;
d) compromisso social e político do profissional da educação, com ênfase na
concepção sócio-histórica de educador, estimulando a análise política da educação
e das lutas históricas dos profissionais professores articuladas com os movimentos
sociais;
e) trabalho coletivo e interdisciplinar entre alunos e entre professores como eixo
norteador do trabalho docente na universidade e da redefinição da organização
curricular; a vivência e a significação dessa forma de trabalho e da produção de
conhecimento permitem a apreensão dos elementos do trabalho pedagógico na
escola e das formas de construção do projeto pedagógico-curricular de
responsabilidade do coletivo escolar;
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
21
f) formação inicial articulada à formação continuada, assegurando solidez teórico-
prática na formação inicial e diálogo permanente entre o locus de formação inicial e
o mundo do trabalho, por intermédio de programas e projetos de educação
continuada, correspondendo à concepção de uma formação em redes de
conhecimento e saberes, incluindo os programas de pós-graduação (Anfope 1998)17.
Esses princípios orientadores, construídos e reafirmados a cada Encontro Nacional,
configuram-se também instrumento de análise e discussão das políticas atuais no
campo da formação de professores. Eles têm orientado a atuação dos educadores
nas últimas décadas e nos últimos dois anos vêm referenciando o movimento e as
discussões, em nível nacional, das diretrizes curriculares para os cursos de
formação dos profissionais da educação.
As diretrizes curriculares e a escola única de formação: Uma proposta em construção
O processo de elaboração das diretrizes curriculares para os cursos de graduação,
desencadeado pelo MEC e pelo CNE em 1997, insere-se no processo de "ajuste"
das universidades às novas exigências dos organismos internacionais, em particular
do Banco Mundial e do FMI,18 e visa adequar a formação de profissionais ao
atendimento das demandas de um mercado globalizado. No campo da formação de
professores, o processo de elaboração das diretrizes expressa as contradições
presentes nas discussões atuais, trazendo à tona os dilemas e as dicotomias no
processo de formação: professor x generalista, professor x especialista e
especialista x generalista19.
Coerente com as formulações históricas da entidade, a Anfope reafirma em seu
documento que propõe as diretrizes para os cursos de formação dos profissionais da
educação, as universidades e suas faculdades/centros de educação como o locus
privilegiado da formação dos profissionais da educação para atuação na educação
básica e no Ensino Superior. Nessa discussão, vem dando ênfase a duas questões
fundamentais: a) a necessidade de repensar as estruturas das faculdades/centros
de educação e a organização dos cursos de formação em seu interior, e b) a
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
22
necessidade de superar a fragmentação entre as habilitações no curso de
pedagogia e a dicotomia entre a formação dos pedagogos e dos demais licenciados.
A decisão de formular diretrizes exclusivamente para formação de professores20, em
separado da elaboração das diretrizes para o curso de pedagogia, retirando do
debate a formação dos profissionais da educação não é uma questão menor; pelo
contrário, é uma questão do conteúdo da formação, que envolve concepções de
escola, educação, sociedade e educador que assumimos e que fundamentam e
informam as propostas de organização curricular e institucional no campo da
formação.
Entendidas como elementos norteadores gerais das organizações curriculares, por
conta da flexibilidade que propugnam, as diretrizes podem apontar e reforçar o
aligeiramento, colocando em risco a sólida formação teórica no campo de
conhecimento específico, necessária para a formação científica e crítica dos
profissionais. Contraditoriamente, abrem a possibilidade da construção de novas
alternativas no campo institucional e acadêmico nas instituições de ensino superior.
No meio dessas contradições, cabe ao movimento dos educadores dar conteúdo e
forma a esse debate, redirecionando-o para o resgate das concepções presentes
hoje nas diretrizes para o curso de pedagogia e em grande parte dos cursos de
pedagogia, socializando-as para o conjunto dos cursos de formação.
As políticas atuais, que reforçam o aligeiramento e o caráter pragmático e
conteudista da formação e da profissionalização do magistério, exigem a
socialização de propostas de organização curricular para os cursos de formação dos
profissionais da educação. É com esse objetivo que a Anfope resgata a idéia de
escola única de formação, formulada por essa mesma associação em 199221 e
aprofundada no IX Encontro Nacional, em 98.
Essa proposta de escola única de formação – única porque o conteúdo da formação
é articulado e comum a todos os profissionais da educação para todos os níveis (e
não como modelo único de formação ou como local específico de formação) – é uma
das muitas possibilidades na direção de concretizar alternativas às formas atuais de
estrutura dos cursos de formação. Acreditamos ser necessário continuar defendendo
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
23
a multiplicidade de experiências em termos de organização curricular dos cursos de
formação, que sejam acompanhadas em seu desenvolvimento, socializadas e
debatidas amplamente pela comunidade da área. Esse parece ser um bom caminho,
em oposição ao modelo único de formação, para a construção de caminhos
alternativos à formação de professores/profissionais da educação, com vistas ao
aprimoramento da educação e da escola públicas em nosso país.
Do ponto de vista da Anfope, deve ser entendida como uma das propostas
possíveis, resultante de um esforço coletivo, e proposta geradora de reflexões a
serem ampliadas. Como já se apontava em 1992, ela traz, em si, elementos teóricos
de grande complexidade e busca dar forma e estrutura ao conteúdo acumulado nas
reflexões e experiências coletivas. No entanto, entendemos também que, como uma
das propostas possíveis, deve ser estudada tanto na perspectiva de uma proposta
futura, quanto na perspectiva de uma proposta em construção.
Nas circunstâncias atuais, em que a proposta dos Institutos Superiores de Educação
e do Curso Normal Superior marca uma reforma universitária imposta no campo da
formação, é possível e mesmo desejável que diferentes propostas de organização
curricular, oriundas de iniciativas individuais, de entidades ou instituições, possam
ser amplamente divulgadas e socializadas, para que possam constituir-se em
referência para o movimento dos educadores que, em cada instituição, poderá
construir caminhos alternativos fundados em concepções de educação, educador e
sociedade explícitas e presentes nos projetos pedagógicos dos cursos de formação.
O papel das faculdades e dos centros de educação
Apesar das deliberações e pareceres que negam a priorização dessas instituições
como responsáveis pela formação, entendemos que as universidades e suas
faculdades/centros de educação constituem-se no locus privilegiado da formação
dos profissionais da educação para atuação na educação básica e no ensino
superior. Entretanto, as exigências cada vez mais presentes no campo da formação
de professores nos colocam também o desafio de repensar as estruturas atuais das
faculdades/centros de educação e a organização dos cursos de formação em seu
interior, no sentido de superar a fragmentação entre as habilitações no curso de
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
24
pedagogia e a dicotomia entre a formação dos pedagogos e dos demais licenciados,
considerando-se a docência como a base da formação e da identidade profissional
de todos os profissionais da educação.
As áreas e os âmbitos de atuação das faculdades/centros/departamentos de
educação inserem-se na formação inicial dos profissionais da educação, formação
em nível de pós-graduação lato e stricto senso e formação continuada, presencial e
a distância.
Na proposta de escola única, as várias instâncias formadoras são articuladas na
faculdade/centro/departamento de educação e concebidas como programas
articulados e supradepartamentais, sendo cada um dos programas, unidades com
responsabilidades de pesquisa, ensino e extensão, articuladas em uma coordenação
colegiada.
Mesmo considerando a universidade como o locus privilegiado para a formação de
professores, não se pode desconhecer, no entanto, a existência de dificuldades
oriundas da estrutura atual que devem ser encaradas como inibidoras e limitadoras
de passos mais avançados na direção de novas estruturas de formação. Entre essas
dificuldades, apontamos algumas que já em 1992 foram destacadas pela Anfope e
que se mantêm, na atualidade, em grande parte das instituições: restrições
orçamentárias que impedem a busca de alternativas criadoras no sentido de romper
as barreiras das diferentes unidades da universidade; distanciamento entre
faculdades/centros de educação e os institutos, tanto de ordem físico-espacial
quanto de objetivos, interesses e intenções no campo da pesquisa, do ensino e da
extensão; falta de recursos humanos para dar conta das responsabilidades
atribuídas às faculdades de educação em relação às licenciaturas; fragmentação e
departamentalização nas próprias faculdades de educação (que ainda não foram
superadas, apesar das possibilidades da LDB); resistências em assumir co-
responsabilidades, levando a uma luta por poder, prestígio e na busca de identidade
entre faculdades e institutos; desprestígio e desvalorização da profissão do
magistério, o que leva os estudantes a optar pelo bacharelado, e só depois pela
licenciatura, impossibilitando a criação de cursos de formação de professores com
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
25
propostas pedagógicas próprias; dificuldades em romper a atual estrutura e a carga
didática das disciplinas das licenciaturas, limitadas às psicologias, fundamentos,
didática e práticas de ensino, com algumas inovações no campo de disciplinas de
instrumentalização e projetos.
Se essas limitações são impeditivas de novas construções curriculares, todos os
esforços deveriam ser direcionados para superá-las. Somente sua superação pode
auxiliar a enfrentar a tentativa de retirada dos cursos de formação de seu interior ou
a criação de novas unidades acadêmicas – Institutos Superiores de Educação – ou
outras instituições, caminhos que certamente aprofundarão e perpetuarão os
problemas já existentes.
Experiências em curso em várias instituições apontam para a superação dos
departamentos como forma organizacional do ensino e da pesquisa no interior das
faculdades de educação, com a criação de núcleos, áreas temáticas ou outras
formas de organização, que alteram significativamente a forma de produção de
conhecimento no interior dos cursos e programas das unidades universitárias.
Repensar tais estruturas também pode ser um caminho interessante para a
construção de novas proposições para a formação de professores.
Os cursos e programas de formação de professores
As faculdades ou centros de educação, em estreita articulação com os
institutos/faculdades/departamentos das áreas específicas e mantendo vinculação
orgânica com os sistemas públicos de ensino, são responsáveis, no interior das IES,
pela construção do projeto pedagógico próprio dos cursos e programas de formação
dos profissionais da educação. Já existem numerosas experiências nesse sentido,
especialmente nas instituições que experienciam os Fóruns de Licenciaturas como
forma de articular e integrar toda a formação de professores da instituição.
A proposta em discussão prevê que os cursos atualmente existentes para atender à
formação inicial para a educação básica – educação infantil, Ensino Fundamental e
Ensino Médio –, à formação continuada e à formação de professores para os cursos
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
26
técnicos/profissionalizantes e superior desdobrem-se em programas de formação de
professores, com as seguintes características:
Programa de formação de profissionais para educação básica – curso de pedagogia:
docência das séries iniciais do ensino fundamental – 1a a 4a série e educação
infantil, ou outras modalidades, contemplando as dimensões de gestão e
organização do trabalho pedagógico escolar e pesquisa, de plena responsabilidade
das faculdades/centros/departamentos de educação;
Programa de formação de profissionais para a educação básica: cursos de
licenciatura para a docência de 5a a 8a série, Ensino Médio, em estreita vinculação e
interface com os institutos das áreas específicas;
Programa de formação de profissionais da educação para gestão e coordenação
pedagógicas na escola básica (esse programa, presente no curso de pedagogia,
seria articulado aos cursos/programas de formação de professores das áreas
específicas e aberto a todos os estudantes, que poderiam cursá-lo
concomitantemente ou após a formação específica, dependendo da estrutura
organizacional da instituição formadora);
Programa de formação pedagógica para portadores de diploma de Ensino Superior,
considerando-se a necessária revisão da Resolução 02/97 de modo a ampliar o
mínimo necessário no que tange aos conhecimentos das áreas específicas e
pedagógico-didáticos;
Programas de formação continuada, para profissionais da educação básica;
Programas de educação a distância;
Programas de formação em educação sindical, educação especial, educação de
jovens e adultos, produção de material didático, novas linguagens, multimídia, entre
muitas outras modalidades que abranjam o campo de atuação do pedagogo, como
ênfases nos demais cursos ou articulados em outra forma, dependendo da
instituição;
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
27
Programas de pós-graduação stricto e latu sensu em educação.
Todos esses programas articulam-se entre si, a partir da concepção de base comum
nacional. Com essa organização, abre-se a oportunidade para que certas atividades
sejam vivenciadas conjuntamente por todos os alunos dos programas, inclusive no
nível dos conteúdos formativos das áreas de fundamentos e outros da base comum
nacional – como os relativos à iniciação à pesquisa, práticas pedagógicas, vivências
e estágios profissionais, gestão e organização do trabalho pedagógico e do trabalho
escolar, por exemplo.
Importante ressaltar também que o corpo docente não é exclusivo de um ou outro
programa, mas é altamente desejável que se movimente entre os programas de
formação inicial e a pós-graduação.
Em cada instituição, as faculdades/centros/departamentos de educação, em parceria
com os institutos/centros/departamentos das áreas específicas, poderão constituir
colegiado próprio, com a participação de professores e estudantes, buscando
incorporar professores da rede pública e entidades sindicais de professores. Esse
colegiado é responsável pela definição da política global de formação nos cursos e
programas de formação dos profissionais da educação. Os atuais Fóruns de
Licenciaturas e Comissões de Graduação dos cursos de pedagogia, onde existirem,
poderiam constituir-se conjuntamente como esse colegiado, responsáveis pela
definição e pela articulação dessa política, buscando articulação também com as
Comissões de Pós-graduação, no que diz respeito à pesquisa e à articulação da
formação de profissionais para o Ensino Superior.
Esse espaço institucional de formação – tenha a denominação de escola única ou
qualquer outra –, desde que incorpore os conteúdos da formação dos atuais cursos
de pedagogia à nova estrutura curricular e organizacional, abre perspectivas
inovadoras para a formação de professores, no interior das IES, baseando-se nas
experiências atualmente existentes – consolidadas e em desenvolvimento – e
constituindo-se como o novo que avança para formas superiores de organização.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
28
As alternativas que se desenham no cenário educacional postas pelo quadro das
atuais políticas para a formação de professores desafiam-nos a pensar propostas
concretas que possam consolidar a base comum nacional em uma perspectiva de
saídas alternativas à atual estrutura dos cursos de formação, em oposição às
propostas atuais dos Institutos Superiores de Educação e do Curso Normal Superior.
Pensar essas alternativas é colocar em movimento as concepções e práticas que
orientam o pensamento mais avançado no campo da formação de professores,
garantindo as atuais formas e aprimorando-as na busca por uma educação com
bases sólidas voltada para a formação humana.
NOTA: Ao terminar este artigo, tomamos conhecimento do Decreto Presidencial no
3.276 de 6 de dezembro de 1999, regulamentando a formação de professores para
a educação básica, e estabelecendo que a formação de professores para as séries
iniciais e educação infantil se dará exclusivamente nos Cursos Normais Superiores.
Assim, de forma autoritária, violenta, é imposta pelo governo e pelo MEC a reforma
no campo da formação. Vencidos e derrotados na discussão aberta e democrática e
pela construção teórica da área, impõe pela força da lei a discussão vencida. O
medo da derrota, em virtude das pressões dos setores privatistas e dos
compromissos com os ajustes das agendas internacionais, atropelou o próprio CNE,
que vinha discutindo a questão.
Só o tempo e a realidade podem confirmar ou rejeitar a validade de certas idéias.
Nada nem ninguém mais.
Notas
1. Dentre essas medidas anteriores à LDB, destacamos a Portaria das Licenciaturas
(Esquema I), posteriormente transformada em Resolução 02/97 aprovada pelo CNE,
o PL 370 da autonomia universitária, Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef), escolha de dirigentes
universitários, Parâmetros Curriculares Nacionais, Sistema de Avaliação da
Educação Básica, Exame Nacional de Cursos, entre outras.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
29
2. Cf. IV Encontro Nacional da Comissão Nacional de Reformulação dos Cursos de
Formação do Educador (Conarcfe) 1989.
3. Cf. Anfope 1994, p. 28.
4. Cf. Documento "Construindo uma política nacional global de formação dos
profissionais da educação", Anfope, out. de 1997.
5. Esse curso, pensado inicialmente na LDB como parte integrante dos Institutos
Superiores de Educação, recebeu tratamento diferenciado pelo CNE quando a
minuta de Resolução foi devolvida ao Conselho pelo ministro, com a recomendação
de que a sua criação pudesse estar separada da criação dos ISE, podendo,
portanto, existir em qualquer instituição de ensino superior, ou seja, nas
universidades, já que, pelo Parecer 115/99, as faculdades integradas e as
faculdades isoladas com cursos de licenciaturas deverão se transformar em
Institutos Superiores de Educação.
6. Documento distribuído às comissões de especialistas das diferentes áreas
encarregadas de elaborar as diretrizes para as licenciaturas. Guiomar N. Mello,
"Formação inicial de professores para a educação básica: Uma (re)visão radical
(versão preliminar para discussão interna)". São Paulo, out./nov. 99 (Mimeo).
7. Veja-se a proliferação de cursos de formação de professores em 1.600 horas,
com aval dos poderes públicos estaduais.
8. Boletim Anfope no 8, abril 99.
9. Tendo perdido na discussão democrática e aberta com a comunidade da área no
processo de elaboração das diretrizes curriculares, o CNE e o MEC tentam impor
essa concepção de maneira arbitrária e autoritária, como forma de regulamentar a
nova instituição de formação de professores. Infelizmente, encontram guarida em
elaborações teóricas de educadores que, talvez de forma desavisada, sob o manto
do novo, apresentam idéias que reforçam as políticas neoliberais para a escola
pública. Essas idéias estão presentes na produção teórica de alguns estudiosos da
área da Didática. Cf. Libâneo e Pimenta 1999 (voto em separado).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
30
10. Estudos recentes na área da administração e supervisão educacional reafirmam
a docência como base da formação desses profissionais. Ver especialmente Ferreira
1999.
11. A concepção que orienta a separação da formação de professores da formação
dos especialistas manifesta no Parecer 970 da CES e nas propostas atuais é a
mesma – guardadas as devidas especificidades e nomenclaturas – que orientou, na
década de 1970, a concepção de Valnir Chagas, deslocando a formação dos
especialistas para a pós-graduação e deixando o curso de pedagogia
exclusivamente para formação de professores.
12. Para recuperar a história real de constituição dos cursos de pedagogia, é preciso
que nos remetamos também às experiências dos cursos nas diversas IES,
reconhecidos como experiências inovadoras no campo da formação. A sua história e
as reformulações ocorridas nos anos 80 e 90 confundem-se, de forma positiva e
significativa, com as lutas do movimento dos educadores pela sólida formação dos
profissionais da educação, entendidos aqui os pedagogos e os licenciados, pela
democratização da sociedade e pela valorização da educação e da escola públicas.
13. Cf. Anfope, Documento Final VI Encontro Nacional, Belo Horizonte, 1992.
14. Documento-pesquisa da Confederação Nacional dos Trabalhadores da
Educação. Entregue ao MEC em 6/11/1999, na Marcha em defesa da escola e da
educação públicas.
15. Ver Anfope Regional Sudeste/Estadual RJ, Textos-base 1998.
16. As proposições e os princípios da Anfope e o reconhecimento à contribuição que
a entidade e os educadores vêm dando a essa temática podem ser constatados pela
referência a ela no documento dos Pró-Reitores de Graduação, de maio de 1996.
17. Cf. Anfope, Documento Final IX Encontro Nacional, Campinas, 1998.
18. O trabalho de Celi Z Taffarel, "Diretrizes curriculares e plano nacional de
graduação: Do ataque às consciências ao amoldamento subjetivo", Recife, 1999,
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
31
mimeo, apresentado no IV Encontro Nacional de Formação dos Profissionais da
Educação, traz uma análise detalhada sobre a inserção do processo de elaboração
das diretrizes curriculares no quadro das novas demandas do processo de
globalização.
19. O próprio MEC constituiu a Comissão de Especialistas de Pedagogia e somente
tempos depois constituiu o GT Licenciaturas, separado dos bacharelados.
20. Cf. Boletim Anfope nº 11, agosto 1999.
21. Essa proposta surge das contribuições da professora Marlene Ribeiro,
posteriormente detalhadas em seu artigo "Formação unificada do profissional de
ensino: Uma proposta da Faculdade de Educação da Universidade do Amazonas".
Em Aberto nº 54, 1992.
The reform of superior teaching in the field of professionals ubbringing of
basic education: The educational policies and the teachers movement
ABSTRACT: This work presents the discussion that have oriented the debate about
the formation of educational professionals, recuperating the trajectory of the
movement of the educators in the struggle for transformation and professionalization
of teaching as represented actually by the National Association for the Professional
Educators Formation (Anfope), during the last 20 years. The collective construction
of common national base in opposition to the formation policies and the proposal of a
single school of formation which materializes Anfope's principles for the
reorganization of the courses of education professional formation in the universities,
have oriented the actual debate of resistence to the official policies that propugnes
hastening and fragmentation in the professional teaching formation.
BIBLIOGRAFIA
AGUIAR, Márcia Ângela. "Institutos Superiores de Educação na nova LDB". In: BRZEZINSKI, Iria (org.). LDB interpretada: Diversos olhares se entrecruzam. São Paulo: Cortez, 1997. [ Links ]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
32
________. "A formação do profissional da educação no contexto da reforma educacional brasileira". In: FERREIRA, Naura S.C. (org.). Supervisão educacional para uma escola de qualidade. São Paulo: Cortez, 1999. [ Links ]
ANFOPE. Documentos Finais dos VI, VII, VIII e IX Encontros Nacionais da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação, 1992, 1994, 1996 e 1998. [ Links ]
BRASIL/PR. Lei nº 9.394, de 20/12/1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União. Brasília: Gráfica do Senado, ano CXXXIV, nl. 248, 23/12/96, pp 27833-41. [ Links ]
BRZEZINSKI, Iria. "A formação e a carreira de profissionais da educação na LDB 9.394/96: Possibilidades e perplexidades". In: BRZEZINSKI, Iria (org.). LDB interpretada: Diversos olhares se entrecruzam. São Paulo: Cortez, 1997. [ Links ]
COMISSÃO DE ESPECIALISTAS DE PEDAGOGIA. Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia. MEC/SESu, 1999. [ Links ]
COMITÊ PRÓ-REFORMULAÇÃO DOS CURSOS DE FORMAÇÃO DO EDUCADOR. I Encontro, Belo Horizonte, 1983. [ Links ]
CONARCFE. "Documento Final". III Encontro Nacional da Comissão Nacional de Reformulação dos Cursos de Formação dos Educadores. Brasília, 1988 (Coletânea de Documentos). [ Links ]
________. "Documento Final". IV Encontro Nacional, Comissão Nacional de Reformulação dos Cursos de Formação do Educador. Belo Horizonte, 1989. [ Links ]
________. "Documento Final". V Encontro Nacional, Comissão Nacional de Reformulação dos Cursos de Formação do Educador. Belo Horizonte, 1990. [ Links ]
FERREIRA, Naura S.C. Supervisão educacional para uma escola de qualidade. São Paulo: Cortez, 1999. [ Links ]
FREITAS, Helena C.L. de. "Plano decenal de educação: Consenso e cooptação". Revista do Sinpeem no 2. Sindicato dos Profissionais da Educação no Ensino Municipal de São Paulo, fev. 1995. [ Links ]
________. O trabalho como princípio articulador na prática de ensino e nos estágios. Campinas: Papirus, 1996. [ Links ]
FREITAS, Luiz C. de. "A questão da interdisciplinaridade: Notas para a reformulação dos cursos de pedagogia". Educação & Sociedade no 33. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1989. [ Links ]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
33
________. "Em direção a uma política para a formação de professores". Em Aberto no 54. Brasília, ano 12, abr./jun. 1992a. [ Links ]
________. "Neotecnicismo e formação do educador". In: ALVES, Nilda (org.). Formação de professores, pensar e fazer. São Paulo: Cortez, 1992b. [ Links ]
________. "Ensino de 1o grau: Instrumento de recuperação econômica?". Universidade e Sociedade no 7. Andes, ano IV, jun. 1994. [ Links ]
________. Palestra de abertura do II Encontro da Regional Sul Anfope. Florianópolis, 1998. [ Links ]
GADOTTI, M. "Elementos para a crítica da questão da especificidade da educação". Em Aberto no 22. Brasília, ano 3, jul./ago. 1984, pp. 21-30. [ Links ]
KUENZER, A. Z. "A formação dos profissionais da educação: Propostas de diretrizes curriculares nacionais. Anped, 1998. (Mimeo.) [ Links ]
LIBÂNEO, J.C. e PIMENTA, Selma G. "Documento Norteador para a Elaboração das Diretrizes Currriculares para os Cursos de Formação de Professores". SESu/MEC. Set. 1999 (voto em separado). [ Links ]
MELLO, Guiomar N. de. "Formação inicial de professores para a educação básica – Uma revisão radical." (documento principal) versão preliminar para discussão interna. Outubro/Novembro de 1999, (Mimeo). [ Links ]
PINO, I. e GADOTTI, M. "A redefinição do curso de pedagogia: Idéias, diretrizes". RBEP 63 (144). Brasília, maio/ago. 1979, pp. 59-66. [ Links ]
RASIA, J.M. "Pedagogia e educação ou de como falar sobre o óbvio". Cadernos Cedes no 2. Ano I, 1980. [ Links ]
RIBEIRO, Marlene. "Formação unificada do profissional de ensino: Uma proposta da Faculdade de Educação da Universidade do Amazonas". Em Aberto no 54. Brasília, ano 12, abr./jun. 1992. [ Links ]
ROMANELLI, Otaíza de O. História da educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1978. [ Links ]
SAVIANI, D. Educação: Do senso comum à consciência filosófica. São Paulo; Campinas: Cortez/Autores Associados, 1980. [ Links ]
________. "Uma estratégia para a reformulação dos cursos de pedagogia e licenciatura: Formar o especialista e o professor no educador". Em Aberto no 8. Brasília, ano 1, ago. 1982. [ Links ]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
34
TORRES, R.M. "Melhorar a qualidade da educação básica? As estratégias do Banco Mundial". In: DE TOMMASI, L., WARDE, M.J. e HADDAD, S. (orgs.). O Banco Mundial e as políticas educacionais. São Paulo: Cortez, 1996. [ Links ]
Documentos complementares
ANFOPE. "Posição na audiência pública, convocada pelo CNE, sobre formação dos profissionais da educação. Brasília, 1998, (Mimeo).
_______. "Diretrizes curriculares para os cursos de formação dos profissionais da educação". Reunião anual da ANPEd, 1998, (Mimeo).
ANFOPE REGIONAL SUL. "Conclusões do Encontro Regional e Estadual." Rio de Janeiro, 1998, (Mimeo).
ANFOPE REGIONAL SUDESTE/ESTADUAL RJ. "Conclusões do Encontro Regional e Estadual. Rio de Janeiro, 1998, (Mimeo).
* Professora da Faculdade de Educação, Unicamp e presidente da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope). Email: [email protected]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
35
Educação & Sociedade Print version ISSN 0101-7330
Educ. Soc. vol.27 no.96 Campinas Oct. 2006
doi: 10.1590/S0101-73302006000300010
ARTIGOS
DIRETRIZES CURRICULARES DO CURSO DE PEDAGOGIA NO BRASIL: disputas de projetos no campo da formação do profissional
da educação
Márcia Angela da S. AguiarI;
Iria BrzezinskiII; Helena Costa L. Freitas
III;
Marcelo Soares Pereira da SilvaIV
; Ivany Rodrigues Pino
V
IProfessora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e atual presidente da Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED). E-mail: [email protected] IIProfessora da Universidade Católica de Goiás (UCG) e conselheira do Centro de Estudos Educação
e Sociedade (CEDES). E-mail: [email protected] IIIProfessora aposentada da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e atual presidente da
Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE). E-mail: [email protected]
IVProfessor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e atual presidente do Fórum de Diretores
de Faculdades/Centros de Educação das Universidades Públicas Brasileiras (FORUMDIR). E-mail: [email protected]
VProfessora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e atual
presidente do Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES). E-mail: [email protected]
RESUMO
Neste artigo, os autores analisam as novas diretrizes curriculares do curso de
pedagogia, objeto de normatização do Conselho Nacional de Educação (CNE), em
2005, a partir do debate feito à luz do acervo de conhecimentos teórico-práticos
sistematizados pelas principais entidades do campo educacional (ANFOPE, ANPED,
CEDES, FORUMDIR, ANPAE).1 Evidenciam, criticamente, alguns dos problemas e
das tensões que marcam a trajetória desse curso ao longo da história da educação
brasileira. Focalizam, no âmbito das políticas educacionais, em especial, o
movimento dos educadores pela definição das diretrizes curriculares para a
formação dos profissionais da Educação Básica, que reflete posições de ordem
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
36
epistemológica, pedagógica e política atinentes às visões e aos projetos
educacionais em disputa, no Brasil, nas últimas décadas. A problematização das
diretrizes curriculares concorre para ampliar a compreensão da complexidade do
campo da pedagogia e dos desafios teórico-práticos com que as instituições de
ensino superior, em particular as universidades, deparam-se para materializar a
reforma do curso de pedagogia, na esteira das novas regulamentações legais e na
perspectiva de uma formação cidadã.
Palavras-chave: Pedagogia e curso de pedagogia. Políticas educacionais.
Diretrizes curriculares de pedagogia. Profissionais da educação. Formação de
professores. Política de formação.
ABSTRACT
Based on the debate conducted in the light of the theoretical-practical knowledge
acquired by the main organisms of the educational field (ANFOPE, ANPED, CEDES,
FORUMDIR, ANPAE), the authors analyze the new curriculum guidelines of the
pedagogy course, which was regulated by the Conselho Nacional de Educação
(CNE – Brazilian Council for Education) in 2005. They critically highlight some of the
problems and tensions that have marked the trajectory of this course along the
history of Brazilian education. Within the educational policies, they more particularly
focus on the educator movement for the definition of curriculum guidelines for the
training of basic education professionals, which reflects some epistemological,
pedagogical and political positions related to the educational visions and project in
dispute, in Brazil, these last decades. Problematizing the curriculum guidelines helps
understanding better how complex the field of pedagogy is and what theoretical-
practical challenges face the higher education institutions, more particularly
universities, in order to concretize the reform of the pedagogy course to comply with
the new legal regulations but also from the point of view of a citizen training.
Key words: Pedagogy and pedagogy course. Educational policies. Pedagogy
curriculum guidelines. Education professionals. Teacher training. Training policies.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
37
Introdução
Resultam das diferentes interpretações do campo da pedagogia e das disputas
político-pedagógicas dos atores sociais, nos diversos contextos sócio-históricos, as
várias identidades atribuídas ao curso de pedagogia, no Brasil. Essas identidades
revelam, grosso modo, conflitos atinentes ao estatuto teórico e epistemológico da
pedagogia e do curso de pedagogia, sobretudo no que se refere às concepções de
licenciatura e bacharelado e seus desdobramentos na configuração curricular desse
curso. Sem dúvida, as visões controvertidas a respeito dessas concepções têm
predominado no debate e se manifestam mais claramente nas propostas que
vinculam ou separam licenciatura e bacharelado, ora vistos como cursos distintos,
ora como dimensões de uma estrutura única de curso.2 Nos debates que pontuaram
as duas últimas décadas, sobre as propostas de reformulações curriculares do curso
de pedagogia, essas posições conflituosas se tornam mais visíveis nas proposições
de diretrizes curriculares emanadas das comissões de especialistas do curso de
pedagogia3 e em artigos sobre tal temática divulgados em livros e revistas de
circulação nacional.
Como observam Aguiar e Melo (2005a), considerando as interpretações
diferenciadas sobre a pedagogia, as diversas identidades atribuídas ao curso de
pedagogia no Brasil abrangem desde uma concepção de licenciatura separada do
bacharelado, de corte positivista, a uma concepção de curso de estrutura única,
envolvendo a relação intrínseca entre ambos, com base num enfoque globalizador.
Os diferentes sentidos dados historicamente à pedagogia e ao curso de pedagogia
materializados no currículo expressam, como observam essas autoras, abordagens
sobre teoria-prática, conteúdo-forma e objeto-sujeito e reportam-se às questões
epistemológicas e socioculturais que permeiam o debate sobre a modernidade.
Hodiernamente, ainda se manifesta no campo teórico a visão tecnicista, sob a forma
do neotecnicismo (Freitas, 1992; 1995), em confronto com outros enfoques
tradicionais e críticos.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
38
No plano da definição das políticas educacionais, em especial daquelas voltadas
para a normatização das bases curriculares dos cursos de graduação, entre estes o
de pedagogia, esses conflitos se expressam de forma permanente, traduzindo
perspectivas diferenciadas dos atores envolvidos. Considerando tais tensões que
atravessam as lutas sociopolíticas e a produção acadêmica da área, o presente
texto (re)visita o curso de pedagogia, apontando para algumas questões recorrentes
ao longo de sua história, e que são (re)atualizadas no contexto político da reforma
da educação superior no país, que se manifestam inclusive nas novas diretrizes
curriculares do curso de pedagogia.
A formação do educador no curso de pedagogia: os embates das últimas
décadas
As políticas educacionais do regime autoritário monitoradas pelas Leis da Reforma
Universitária (1968) e do Ensino de 1º e 2º Graus (1971), com evidente interesse de
servir ao mercado, definiram um modelo de formação de professores
compartimentado em dois loci da universidade: de um lado, a faculdade de
educação ou unidade acadêmica equivalente, responsável pelo curso de pedagogia
e a formação pedagógica dos licenciandos, e, de outro, os institutos de conteúdos
específicos, onde se formavam bacharéis e licenciados.
Naquele contexto, as reformulações propostas para o curso de pedagogia
encontram razões, especialmente, na indefinição dos conteúdos básicos do
currículo, portanto na falta de especificidade do curso, pelo fato de a área de saber
da pedagogia ser campo de aplicação de outras ciências, e no reducionismo
simplista, manifestado no preceito legal de "treinar" pedagogos para
desempenharem algumas tarefas não-docentes na escola.
A respeito do "treinar" pedagogos, Brzezinski (1994, p. 91) mostra desacordo ao
assim expressar-se:
Essa prática autoritária, inculcadora de uma ideologia alienante que buscava
transportar para a organização escolar, cuja natureza exige um trabalho coletivo, as
relações fragmentadoras, particularizadas inerentes às organizações do trabalho
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
39
produtivo, dominou o sistema educacional brasileiro, por duas décadas. De maneira
mais precisa, dominou a "capacitação de recursos humanos para a educação", a
qual inclui formação de professores e especialistas, sob a égide da Teoria do Capital
Humano.
Com base nestas "diretrizes" e na fundamentação doutrinária e técnica das duas leis
já citadas, o CFE passou a elaborar indicações para definir "o papel e os campos de
estudos próprios da Faculdade de Educação ou unidade equivalente" (Chagas,
1976, p. 9). Este autor, também idealizador e relator de um conjunto de indicações
no CFE, atribuía a ele a autoria de um novo "sistema de formação de professores"
que deveria deitar por terra, de uma vez por todas, o Esquema 3+1. Seu intento,
contudo, não foi alcançado, mas ele conseguiu aprovar no CFE um "pacote
pedagógico", composto por diversas indicações que, não fosse a resistência dos
educadores mobilizados nacionalmente, teria se consolidado como sistema.
Nessa ocasião, a Valnir Chagas (1976) interessava provocar mudanças estruturais
nas licenciaturas e propugnava a extinção do curso de pedagogia, quando aprovou
no CFE as Indicações n. 67/68/1975 e n. 70/71/1976, que discorriam,
respectivamente sobre Estudos Superiores de Educação, Formação Pedagógica das
Licenciaturas, Preparo de Especialistas em Educação e Formação de Professores
de Educação Especial. A Indicação n. 69/1976, que versava sobre Formação do
Professor para os Anos Iniciais da Escolarização em Nível Superior, não foi
homologada. Segundo a ideologia da época, o "pacote pedagógico" de Chagas
referia-se à "Formação de Recursos Humanos da Educação", que incluía o preparo
para as funções docentes e não-docentes da escola de 1º e 2º graus.
A homologação das quatro supramencionadas indicações foi recebida pelos
educadores como mais uma arbitrariedade do poder que desconhecia práticas,
pesquisas e estudos desenvolvidos pelos profissionais que se debruçavam sobre as
questões da formação em seu cotidiano. Rapidamente, a mobilização nacional para
a reformulação dos cursos de pedagogia tomou impulso à medida que foram
suscitados debates acerca do corpus doutrinário e técnico das indicações do CFE.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
40
Ponto de partida da mobilização foi a realização do I Seminário de Educação
Brasileira (1978) na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), organizado
com a objetivo de divulgar resultados da pesquisa "Análise do currículo e conteúdo
programático dos cursos de pedagogia com vistas a propostas alternativas de
reformulação", o qual se transformou em marco histórico no Movimento dos
Educadores que aspirava subverter a tradicional ordem de "cima para baixo" nas
decisões sobre as questões educacionais.
Dois anos após, a USP sediou a I Conferência Brasileira de Educação (CBE),
também um grande movimento que teve como tônica os questionamentos contra as
políticas educacionais da ditadura. Nessa CBE,4 em 2 de abril de 1980, foi instalado
o Comitê Pró-Formação do Educador, que passou a funcionar na Universidade
Federal de Goiás (UFG).
O Movimento dos Educadores toma vulto e demonstra sua força, como resistência
ao poder instituído, durante toda a década de 1980, por meio de debates, embates e
manifestações públicas por intermédio de ações sob o ponto de vista
epistemológico, político e didático-pedagógico. Sob o enfoque epistemológico, as
ações dos educadores visavam à redefinição e à busca da identidade do curso de
pedagogia no elenco dos cursos de formação de professores. Sob o ponto de vista
político, em face do processo de "abertura democrática" os educadores acreditavam
na transformação político-social da sociedade brasileira, historicamente necessária.
"Movidos pela consciência coletiva, deflagraram a luta pela valorização do
magistério, assim como por um profissionalismo que fora entorpecido pelo
utilitarismo cego das políticas educacionais" (Brzezinski, 2005, p. 12). Sob a
perspectiva didático-pedagógica pretendiam apresentar uma proposta nacional de
mudanças estruturais no curso de pedagogia, que rompesse com a camisa-de-força
imposta pelo currículo mínimo. Perspectiva logo redimensionada, visto que as
mudanças deveriam abranger todo o "sistema de formação de professores", ao se
considerar que a formação pedagógica do professor mantém sua base teórico-
epistemológica no campo educacional e a base da identidade do profissional da
educação encontra-se na docência: todos são professores (grifos nossos)
(Comissão Nacional, 1983, p. 5).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
41
A literatura da área evidencia os muitos avanços e conquistas que advieram desses
embates enfrentados na década da "abertura democrática". No conjunto das
conquistas, podem-se destacar, em especial, a aceitação da base comum nacional
organizada em eixos curriculares que, com a evolução dos estudos epistemológicos,
foram tomando a dimensão de "(...) princípios norteadores que fundamentam a base
comum nacional e expressam a concepção sócio-histórica da educação construída
na práxis educacional" (ANFOPE et al., 2005, p. 1); as reformulações curriculares
feitas pela maioria das universidades públicas e particulares (que não se pautam
pela lógica do lucro), que adotaram a docência como base da identidade do curso de
pedagogia e extinguiram as habilitações; a intensa produção científica dos
educadores socializada em periódicos e livros e a permanente participação no
Fórum em Defesa da Escola Pública.
O movimento pela construção das diretrizes de formação
O movimento de discussão e elaboração das diretrizes da pedagogia tem um marco
importante em 1998, quando a Comissão de Especialistas de pedagogia, instituída
para elaborar as diretrizes do curso, desencadeou amplo processo de discussão, em
nível nacional, ouvindo as coordenações de curso e as entidades – ANFOPE,
FORUMDIR, ANPAE, ANPED, CEDES, Executiva Nacional dos Estudantes de
pedagogia. O resultado desse processo foi a elaboração do Documento das
Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia e seu encaminhamento ao CNE, em
maio de 1999,5 após uma grande pressão de todos esses segmentos junto à SESU
e à Secretaria de Ensino Fundamental, do Ministério da Educação, que resistiam em
enviá-las ao CNE, na tentativa de construir as diretrizes para o curso normal
superior, criado pela LDB e prestes a ser regulamentado.
Seguido de um conjunto de assinaturas representativas dos diferentes segmentos, o
documento foi encaminhado ao CNE e permaneceu, ao longo de oito anos,
aguardando a definição e regulamentação de outros pontos ainda polêmicos com
relação à formação, como o próprio curso normal superior, que até o momento não
possui suas próprias diretrizes.6 Para a criação dos inúmeros cursos hoje existentes,
foram elaborados pela Comissão de Ensino de Pedagogia e pela Comissão de
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
42
Especialistas Formação de Professores, em 2001, os indicadores para autorização e
reconhecimento.
Neste intervalo entre maio de 1999 e junho de 2004, as várias iniciativas do MEC
com relação à formação de professores e ao próprio curso de pedagogia (Parecer
da Câmara do Ensino Superior – CES n. 133/01, Resoluções n. 01 e 02/2002, que
instituem Diretrizes para Formação de Professores) causaram mais transtornos do
que encaminhamentos positivos para tais cursos, a tal ponto que hoje a diversidade
de estruturas exigirá provavelmente do Poder Público um acompanhamento
rigoroso, bem como processos de avaliação da formação oferecida, de modo que se
preservem as iniciativas positivas e se estabeleçam metas para o aprimoramento da
qualidade de outras.
As iniciativas do MEC induziram também a uma política de crescimento
desordenado do ensino superior privado. Cabe destacar a crescente expansão dos
cursos normais superiores e do próprio curso de pedagogia, principalmente em
instituições privadas, em sua grande maioria sem história e sem compromisso
anterior com a formação em quaisquer de seus níveis e modalidades. Dados oficiais
do INEP/MEC (2006) revelam que existem na atualidade 1.437 cursos de pedagogia
e 1.108 cursos normais superiores, sem considerar os inúmeros ises e cursos de
licenciatura criados também nesse período.
Os educadores e suas entidades acompanharam de perto este movimento, e
estiveram presentes, em todo este período, mobilizando-se por meio de encontros,
reuniões, documentos, orientados sempre pelo princípio fundamental que desde a
promulgação da LDB se firmara junto ao MEC, SESU e CNE: as discussões das
diretrizes da pedagogia se inserem na discussão das orientações, políticas e
Diretrizes da Formação dos Educadores da Educação Básica, não podendo,
portanto, serem aprovadas fora deste contexto. Esta formulação corresponde a uma
expectativa histórica dos educadores de construir uma política nacional de formação
e, em seu interior, um sistema articulado e integrado de formação dos profissionais
da educação, contemplando todas as modalidades e os níveis até a pós-graduação
e a formação continuada. É indicadora ainda da compreensão de que essa formação
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
43
somente atingirá níveis qualitativamente elevados se desenvolvida de forma
integrada e articulada para todos os níveis de ensino, nas instituições universitárias.
Nessa direção, a ANFOPE, em documento de 1998, reafirma, com clareza, seus
princípios ao indicar as diretrizes para a formação dos profissionais da educação:
A ANFOPE reafirma ainda que as Universidades e suas Faculdades/Centros de
Educação constituem-se o lócus privilegiado da formação dos profissionais da
educação para atuação na educação básica e superior. Reafirma também a
necessidade de repensar as estruturas das Faculdades/Centros de Educação e a
organização dos cursos de formação em seu interior, no sentido de superar a
fragmentação entre as Habilitações no curso de pedagogia e a dicotomia entre a
formação dos pedagogos e dos demais licenciandos, considerando-se a docência
como a base da identidade profissional de todos os profissionais da educação.
(ANFOPE, 1998)
No período em foco, várias discussões ocorreram e documentos foram organizados
com o objetivo de interferir na política de formação dos educadores. Em decorrência
das pressões das entidades, em junho de 1999, a SESU/MEC institui o GT
Licenciaturas, composto por educadores da área e pela ANFOPE, que após amplas
discussões, tanto nas reuniões da ANPED como no Congresso Estadual Paulista de
Formação do Educador,7 elaborou o Documento Norteador para Elaboração das
Diretrizes Curriculares para os Cursos de Formação de Professores.8 Esse
documento chegou a ser discutido com representantes das entidades das áreas
específicas das licenciaturas, em um processo que começava a romper as
resistências, mas foi "engavetado" pelo MEC, que decidiu elaborar outro documento
enviado ao CNE, o qual foi aprovado em 2001 e 2002 como as Diretrizes para os
Cursos de Formação Inicial de Professores para a Educação Básica.9 Já naquele
momento, a ANFOPE e a Comissão de Especialistas de pedagogia, da SESU/MEC,
apontavam com clareza a necessidade de tratar, simultaneamente e de forma
integrada, a formação de todos os profissionais da educação, licenciados e
pedagogos. A recusa do MEC foi sempre uma tônica desses debates e embates.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
44
Em agosto de 1999, a ANFOPE manifestava-se firmemente com relação a essa
reivindicação junto ao CNE e ao MEC. Em novembro desse ano, durante o IV
Seminário Nacional e o I Encontro Nacional dos Fóruns de Licenciaturas, realizados
conjuntamente, em Recife, pela ANFOPE e FORUMDIR, ocorreu a recusa à
proposta da conselheira Eunice Durhan (do CNE), que pretendia eliminar a
possibilidade de formação de docentes para as séries iniciais e educação infantil dos
cursos de pedagogia (cf. Carta de Recife, ANFOPE/FORUMDIR, 5/11/1999).
Logo após, em dezembro de 1999, é desencadeada uma ampla mobilização
nacional contra o Decreto n. 3.276/99, que estabeleceu a exclusividade dos cursos
normais superiores para a formação dos professores para esses níveis de ensino. O
conteúdo desse decreto, em razão de pressão das universidades e entidades dos
educadores com relação ao governo federal, foi alterado em 2000 mediante o
Decreto n. 3.554, que substituiu o termo preferencialmente no lugar do
exclusivamente.10
Em maio de 2000, anterior à realização do X Encontro Nacional de Didática e Prática
de Ensino (ENDIPE), acontece o V Seminário Nacional da ANFOPE e FORUMDIR e
o II Encontro Nacional dos Fóruns das Licenciaturas, com posicionamentos sobre a
aludida questão. Na 52ª Reunião Anual da SBPC, em Brasília, em julho de 2000, a
Carta do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, firmada por 12 associações
e fóruns de educadores, reafirma a necessidade de manter, nos cursos de
graduação plena, pedagogia, a formação de professores para as séries iniciais e
educação infantil, entre outros temas.
Durante as audiências públicas regionais e nacional do CNE, que se sucederam
entre fevereiro e abril, para discussão das diretrizes de formação de professores, as
entidades signatárias – ANPED, ANFOPE, ANPAE e FORUMDIR – reafirmam
novamente, em cuidadosos e extensos documentos, a necessidade do
estabelecimento de diretrizes nacionais específicas para os cursos de pedagogia,
considerando a proposta da Comissão de Especialistas de Ensino de Pedagogia de
1999.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
45
Durante consulta ao setor acadêmico, no âmbito do programa especial do CNE
"Mobilização Nacional por uma Nova Educação Básica", em 7 de novembro 2001,
novamente as entidades da área apresentam ao CNE o documento Posicionamento
Conjunto das Entidades, reafirmando as diretrizes curriculares para o curso de
pedagogia, que aprofunda e explicita as diretrizes de 1999.
Esse documento serviria de base para a Proposta de Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia,11 elaborada pela Comissão
de Especialistas de Pedagogia e pela Comissão de Especialistas de Formação de
Professores, e enviada ao CNE em abril de 2002.
Em maio de 2002, são aprovadas as Diretrizes para Formação de Professores. Em
junho de 2002, o CNE constitui Comissão Bicameral com a finalidade de estabelecer
diretrizes operacionais para a formação de professores para a Educação Básica e
apresentar estudo sobre a revisão das Resoluções CNE/CP n. 02/97, que dispõe
sobre os programas especiais de complementação pedagógica de bacharéis, e
CNE/CP n. 01/99, que dispõe sobre os institutos superiores de educação.
No contexto da disputa eleitoral, essa Resolução passa despercebida pela área e,
mesmo após uma reunião ampla convocada durante a Reunião Anual da ANPED,
em razão dos rumores da existência de Minuta de Resolução alterando os cursos de
pedagogia, o seu conteúdo não foi socializado naquele momento.
No entanto, no antigo CNE novos movimentos vão se gestando com o fim de
assegurar as mudanças que alguns setores propugnavam para o campo da
formação. Vem, do Conselho Estadual de São Paulo, o "modelo" de estrutura dos
cursos de formação. Nesse estado é gestada a idéia12 que se materializaria,
posteriormente, no âmbito da Comissão Bicameral, na Minuta de Resolução,
somente divulgada publicamente em julho de 2003, durante o Congresso Estadual
Paulista de Formação do Educador, mobilizando as entidades para ampliar o
debate, que vem a acontecer em outubro, durante a reunião da ANPED.
Novas diretrizes curriculares do curso de pedagogia e as proposições das
entidades do campo educacional
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
46
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia, consubstanciadas
nos Pareceres CNE/CP n. 05/2005, 01/2006 e na Resolução CNE/CP n. 01/2006,
demarcam novo tempo e apontam para novos debates no campo da formação do
profissional da educação no curso de pedagogia, na perspectiva de se aprofundar e
consolidar sempre mais as discussões e reflexões em torno desse campo.
Esse aprofundamento exige, no entanto, que se delineiem de forma mais clara e
precisa os contornos e as perspectivas que essa formação poderá assumir em
decorrência das diretrizes aprovadas.
As DCN-Pedagogia definem a sua destinação, sua aplicação e a abrangência da
formação a ser desenvolvida nesse curso. Aplicam-se: a) à formação inicial para o
exercício da docência na educação infantil e nos anos iniciais do ensino
fundamental; b) aos cursos de ensino médio de modalidade normal e em cursos de
educação profissional; c) na área de serviços e apoio escolar; d) em outras áreas
nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos. A formação assim definida
abrangerá, integradamente à docência, a participação da gestão e avaliação de
sistemas e instituições de ensino em geral, a elaboração, a execução, o
acompanhamento de programas e as atividades educativas (Parecer CNE/CP n.
05/2005, p. 6).
Abre-se, assim, amplo horizonte para a formação e atuação profissional dos
pedagogos. Tal perspectiva é reforçada nos artigos 4º e 5º da Resolução CNE/CP n.
01/2006, que definem a finalidade do curso de pedagogia e as aptidões requeridas
do profissional desse curso:
Art. 4º - O curso de Licenciatura em pedagogia destina-se à formação de
professores para exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos
iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade
Normal, de Educação Profissional, na área de serviços e apoio escolar e em outras
áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos.
Parágrafo único. As atividades docentes também compreendem participação na
organização e gestão de sistemas e instituições de ensino, englobando:
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
47
I - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de tarefas
próprias do setor da Educação;
II - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos
e experiências educativas não-escolares;
III - produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo
educacional, em contextos escolares e não-escolares.
Delineia-se, pois, que a formação no curso de pedagogia deverá assegurar a
articulação entre a docência, a gestão educacional e a produção do conhecimento
na área da educação. Com essa explicitação, o legislador afasta a possibilidade de
redução do curso a uma formação restrita à docência das séries iniciais do ensino
fundamental, aproximando-se, dessa forma, das propostas de diretrizes
apresentadas pela Comissão de Especialistas de Pedagogia de 1999. Todavia, faz-
se necessário demarcar a compreensão desses elementos constitutivos da
formação do pedagogo.
A docência nas DCN-Pedagogia não é entendida no sentido restrito do ato de
ministrar aulas. O sentido da docência é ampliado, uma vez que se articula à idéia
de trabalho pedagógico, a ser desenvolvido em espaços escolares e não-escolares,
assim sintetizado no Parecer CNE/CP n. 05/2005 (p. 7):
Entende-se que a formação do licenciado em pedagogia fundamenta-se no trabalho
pedagógico realizado em espaços escolares e não-escolares, que tem a docência
como base. Nesta perspectiva, a docência é compreendida como ação educativa e
processo pedagógico metódico e intencional, construído em relações sociais, étnico-
raciais e produtivas, as quais influenciam conceitos, princípios e objetivos da
pedagogia.
Dessa forma, a docência, tanto em processos educativos escolares como não-
escolares, não se confunde com a utilização de métodos e técnicas pretensamente
pedagógicos, descolados de realidades históricas específicas. Constitui-se na
confluência de conhecimentos oriundos de diferentes tradições culturais e das
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
48
ciências, bem como de valores, posturas e atitudes éticas, de manifestações
estéticas, lúdicas, laborais. (Parecer CNE/CP n. 05/2005, p. 7)
Tomados sob essa perspectiva o trabalho docente e a docência implicam uma
articulação com o contexto mais amplo, com os processos pedagógicos e os
espaços educativos em que se desenvolvem, assim como demandam a capacidade
de reflexão crítica da realidade em que se situam. Com efeito, as práticas educativas
definem-se e realizam-se mediadas pelas relações socioculturais, políticas e
econômicas do contexto em que se constroem e reconstroem. Nessa perspectiva,
Aguiar e Melo (2005a) afirmam:
(...) escapando aos reducionismos da visão teoricista (aplicação instrumental da
teoria na prática), e do praticismo (prioridade ao saber tácito, construído na prática
imediata cotidiana) na sala de aula, tem-se o entendimento de que a docência é o
fulcro de articulação dos diversos conhecimentos – aportes teóricos da pedagogia e
das Ciências da Educação e de outros conhecimentos especializados e daqueles
produtos das práticas escolares e não-escolares refletidas. Lugares onde ela se
(re)produz internamente nas suas especificidades, construindo novas alternativas de
práticas pedagógicas diante de problemáticas existentes. Neste sentido, a docência
constitui uma das mediações para a construção do discurso de síntese da
pedagogia, articulada intrinsecamente com a pesquisa. Assim, a relação docência-
pesquisa é um princípio epistemológico da prática.
Destarte, a partir do horizonte vislumbrado para a formação do profissional da
educação no curso de pedagogia, as Diretrizes Curriculares Nacionais definem os
pilares e os contornos dessa formação:
A educação do licenciado em pedagogia deve, pois, propiciar, por meio de
investigação, reflexão crítica e experiência no planejamento, execução, avaliação de
atividades educativas, a aplicação de contribuições de campos de conhecimentos,
como o filosófico, o histórico, o antropológico, o ambiental-ecológico, o psicológico, o
lingüístico, o sociológico, o político, o econômico, o cultural. O propósito dos estudos
destes campos é nortear a observação, análise, execução e avaliação do ato
docente e de suas repercussões ou não em aprendizagens, bem como orientar
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
49
práticas de gestão de processos educativos escolares e não-escolares, além da
organização, funcionamento e avaliação de sistemas e de estabelecimentos de
ensino. (Parecer CNE/CP n. 05/2005, p. 6)
Como se depreende, a perspectiva que se apresenta para o curso de pedagogia é
de uma formação que favoreça a compreensão da complexidade da escola e de sua
organização; que propicie a investigação no campo educacional e, particularmente,
da gestão da educação em diferentes níveis e contextos. A pesquisa, a produção do
conhecimento no campo pedagógico e o estudo das ciências que dão suporte à
pedagogia e a própria reflexão sobre a pedagogia como ciência certamente deverão
estar presentes no processo formativo a ser desenvolvido nesse curso,
concomitantemente ao estudo a respeito da escola, da prática educativa e da gestão
educacional. Evidências encontradas nas DCN-Pedagogia, na medida em que no
Parecer CNE/CP n. 05/2005 (p. 6-7) está assim indicado:
Para a formação do licenciado em pedagogia é central o conhecimento da escola
como uma organização complexa que tem a função social e formativa de promover,
com eqüidade, educação para e na cidadania. (...) Também é central, para essa
formação, a proposição, realização, análise de pesquisas e a aplicação de
resultados, em perspectiva histórica, cultural, política, ideológica e teórica, com a
finalidade, entre outras, de identificar e gerir, em práticas educativas, elementos
mantenedores, transformadores, geradores de relações sociais e étnico-raciais que
fortalecem ou enfraquecem identidades, reproduzem ou criam novas relações de
poder (...). Finalmente é central a participação na gestão de processos educativos,
na organização e funcionamento de sistemas e de instituições de ensino, com a
perspectiva de uma organização democrática, em que a co-responsabilidade e a
colaboração são os constituintes maiores das relações de trabalho e do poder
coletivo e institucional, com vistas a garantir iguais direitos, reconhecimento e
valorização das diferentes dimensões que compõem a diversidade da sociedade,
assegurando comunicação, discussão, crítica, propostas dos diferentes segmentos
das instituições educacionais escolares e não-escolares.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
50
A formação proposta para o profissional da educação do curso de pedagogia é
abrangente e exigirá uma nova concepção da educação, da escola, da pedagogia,
da docência, da licenciatura. Uma nova compreensão que situe a educação, a
escola, a pedagogia, a docência, a licenciatura no contexto mais amplo das práticas
sociais construídas no processo de vida real dos homens, com o fim de demarcar o
caráter sócio-histórico desses elementos.
O curso de pedagogia define-se como um curso de licenciatura e, neste sentido, o
mencionado Parecer explicita que a formação para o exercício da docência nas
áreas especificadas constitui um de seus pilares. Em contrapartida, ao se
compreender e definir o curso de pedagogia como uma licenciatura, não se pode
incorrer no equívoco de organizá-lo curricularmente como um curso circunscrito ao
campo das metodologias de ensino e dos conteúdos relativos aos saberes
específicos para o exercício da docência na educação infantil, nos anos iniciais do
ensino fundamental, no curso da modalidade normal no ensino médio ou, ainda, nos
cursos de formação profissional na área da educação que começam a se fazer
presentes em nossa realidade. Até mesmo porque, como já se destacou, também,
em outros momentos, o exercício da docência desenvolve-se no contexto mais
amplo da educação, da escola e da própria sociedade, e, sendo assim, a formação
para tal exercício profissional deve fornecer elementos para o domínio desse
contexto.
A compreensão da licenciatura nos termos das DCN-Pedagogia implicará, pois, uma
sólida formação teórica, alicerçada no estudo das práticas educativas escolares e
não-escolares e no desenvolvimento do pensamento crítico, reflexivo fundamentado
na contribuição das diferentes ciências e dos campos de saberes que atravessam o
campo da pedagogia. Essa sólida formação teórica, por sua vez, exigirá novas
formas de se pensar o currículo e sua organização, para além daquelas concepções
fragmentadas, parcelares, restritas a um elenco de disciplinas fechadas em seus
campos de conhecimento. Ao contrário, as DCN-Pedagogia apontam para uma
organização curricular fundamentada nos "princípios de interdisciplinaridade,
contextualização, democratização, pertinência e relevância social, ética e
sensibilidade afetiva e estética" (p. 1).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
51
Desse modo, os núcleos que definirão a estrutura do curso de pedagogia – núcleo
de estudos básicos; núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos; núcleo
de estudos integradores – devem se integrar e articular ao longo de toda a
formação, a partir do diálogo entre os diferentes componentes curriculares, por meio
do trabalho coletivo sustentado no princípio interdisciplinar dos diferentes campos
científicos e saberes que informam o campo da pedagogia.
Por sua vez, a formação para a gestão educacional, como indicada nas DCN-
Pedagogia, traz uma contribuição importante rompendo com visões fragmentadas e
fortemente centralizadas da organização escolar e dos sistemas de ensino. Nos
debates sobre a formação do pedagogo vários estudos evidenciaram como a divisão
do curso de pedagogia em habilitações, como preconizado no Parecer CFE/CP n.
262/1969, acabou por contribuir para que se instalassem, na organização dos
processos de trabalho na escola e nos sistemas de ensino, modelos caracterizados
pela divisão pormenorizada do trabalho educativo; pela dicotomização das funções
de planejamento, concepção, controle e avaliação, de um lado e, do outro, das
funções de implementação, de realização do trabalho planejado; pela reprodução de
estruturas e práticas de poder excludentes, também, no contexto das práticas
educativas.
Por certo, esses modelos de organização da educação não são determinados
apenas pela formação desenvolvida nos cursos que formam profissionais da
educação, mais especificamente, nos cursos de pedagogia. No entanto, essa
formação desempenha um papel importante na produção das condições históricas
para a manutenção ou superação desses modelos, e, neste sentido, contribuindo
para a afirmação da gestão democrática da educação como elemento central na
direção dessa superação.
Ao se indicar o campo de atuação do licenciado em pedagogia, as DCN-Pedagogia
compreendem, assim, a gestão educacional:
Gestão educacional, entendida numa perspectiva democrática, que integre as
diversas atuações e funções do trabalho pedagógico e de processos educativos
escolares e não-escolares, especialmente no que se refere ao planejamento, à
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
52
administração, à coordenação, ao acompanhamento, à avaliação de planos e de
projetos pedagógicos, bem como análise, formulação, implementação,
acompanhamento e avaliação de políticas públicas e institucionais na área de
educação. (Parecer CNE/CP n. 05/2005, p. 8)
Definida nestes termos, superam-se de maneira definitiva aqueles modelos de
organização curricular estruturados para formação por "habilitação", que culminavam
na formação dos denominados "especialistas em educação", como o supervisor, o
orientador, o administrador, o inspetor educacional, entre outros. Eis como essa
questão fica definida no artigo 14 da Resolução CNE/CP n. 01/2006:
Art. 14. A Licenciatura em pedagogia, nos termos dos Pareceres CNE/CP n. 5/2005
e n. 3/2006 e desta Resolução, assegura a formação de profissionais da educação
prevista no art. 64, em conformidade com o inciso VIII do art. 3º da Lei n. 9.394/96.
§ 1º Esta formação profissional também poderá ser realizada em cursos de pós-
graduação, especialmente estruturados para este fim e abertos a todos os
licenciados.
§ 2º Os cursos de pós-graduação indicados no § 1º deste artigo poderão ser
complementarmente disciplinados pelos respectivos sistemas de ensino, nos termos
do parágrafo único do art. 67 da Lei n. 9.394/96.
E o Parecer CNE/CP n. 3/2006 esclarece de forma mais definitiva as dúvidas sobre
a eventual observância do disposto no artigo 64 da Lei n. 9.394/1996, ao enfatizar,
de um lado, que a licenciatura em pedagogia, realiza a formação para
administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional, em
organizações (escolas e órgãos dos sistemas de ensino) da educação básica e, de
outro lado, estabelece as condições em que a formação pós-graduada para tal deve
ser efetivada. Desse modo, o Parecer reitera a concepção de que a formação dos
profissionais da educação, para funções próprias do magistério e outras, deve ser
baseada no princípio da gestão democrática (obrigatória no ensino público,
conforme a CF, art. 206-VI; LDB, art. 3º-VIII) e superar aquelas vinculadas ao
trabalho em estruturas hierárquicas e burocráticas.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
53
Tal posicionamento ainda é justificado pelo Parecer CNE/CP n. 5/2005 que, ao
considerar o caráter colegiado da organização escolar, prevê que todos os
licenciados possam ter oportunidade de ulterior aprofundamento da formação
pertinente, ao longo de sua vida profissional. Supera, assim, a interpretação
baseada em legislação anterior (Lei n. 5.540/1968 e currículos mínimos) que
restringia a formação para as funções já mencionadas aos licenciados de
pedagogia. A propósito dessa questão, o Conselho designou comissão para emitir
parecer sobre diretrizes para a formação dos profissionais da educação com relação
aos artigos 64 e 67, parágrafo único, da Lei n. 9.394/96.
Certamente, um desafio que fica para os educadores brasileiros é se articularem
para uma intervenção efetiva na definição das orientações que regerão a formação a
ser desenvolvida nos cursos de pós-graduação destinados à "formação dos
profissionais para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação
na educação básica", de modo que venha a contribuir, igualmente, para o
fortalecimento da gestão democrática da educação e da escola e a construção de
uma educação pública de qualidade.
Novos e maiores desafios para o campo da formação
Outras questões também estão no horizonte das modificações necessárias no
âmbito da formação dos educadores profissionais da educação, entre as quais
podemos destacar a inclusão, no texto da Lei da Reforma do Ensino Superior, do
papel da universidade e das faculdades, dos centros de educação e departamentos
de educação, na formação dos educadores, professores e profissionais para a
educação básica; a revisão urgente da LDB (artigo 64) e da Resolução n. 01/99, no
que tange à criação dos ISEs e do Curso Normal Superior, como condição para a
instituição de um sistema orgânico de formação de professores no país; revisão das
Diretrizes Curriculares para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica.
Considerando ainda o grande número de ISEs e Cursos Normais Superiores criados
nos últimos anos, bem como de cursos especiais de formação, tanto no âmbito da
iniciativa privada como no âmbito de instituições públicas, é fundamental a definição
de procedimentos que garantam de imediato:
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
54
O desenvolvimento de processos de avaliação institucional, que antecedam a
processos de reconhecimento e criação de novos processos de autorização
para tais cursos/instituições e que considerem condições efetivas de realização
das atividades propostas, seja em disciplinas, estágios ou atividades
complementares etc.
Um estudo rigoroso do número de vagas ofertadas nessas instituições –
principalmente considerando que a grande maioria oferece vagas no período
noturno, ao qual acorrem estudantes trabalhadores, nem sempre professores
em exercício, impedindo a realização dos estágios e da formação prática e
teórica com a qualidade necessária às exigências da educação de crianças,
jovens e adultos.
Com a aprovação das Diretrizes, não se extinguem as polêmicas que acompanham
as discussões sobre seu caráter e a identidade do curso de pedagogia. O
enfrentamento dessas questões não é tarefa para uma ou outra entidade, mas
desafio para a área da educação, para a investigação e a pesquisa
interdisciplinares, compartilhadas a muitas mãos. Outros desafios emergem de sua
aprovação, entre eles o principal é o de caminhar na perspectiva de construir
efetivamente cursos e percursos de formação no campo da educação e da
pedagogia, para formar profissionais que atuarão na educação básica, na formação
de crianças, jovens e adultos, na gestão e organização dos espaços escolares e na
elaboração de formas criativas e criadoras para a educação escolar e não-escolar.
As perspectivas que se descortinam para a efetivação de uma política global de
formação dos educadores, no país, são promissoras. As motivações para o debate e
para a vivência de novas e criativas experiências curriculares nos cursos de
pedagogia e licenciaturas são elevadas nos meios acadêmicos. As entidades
representativas de importantes segmentos da área – a ANFOPE, o FORUMDIR, a
ANPED e o CEDES –, as diretrizes da pedagogia e a política de formação dos
profissionais da educação estarão presentes e, certamente, serão objeto de análise
e de proposições nos encontros, seminários e congressos que serão realizados no
horizonte próximo, com a disposição renovada de firmar, reafirmar e propor,
coletivamente, princípios e encaminhamentos que orientarão suas ações concretas.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
55
Tem sido esse o compromisso histórico que pauta a agenda dessas entidades, pois
sabem que somente de forma coletiva, solidária e crítica será possível enfrentar
aqueles desafios que ainda não estão ao nosso alcance e na esfera de nossa
decisão.
Notas
1. Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES), Fórum de Diretores de Faculdades/Centros de Educação das Universidades Públicas Brasileiras (FORUMDIR), Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), entre outras.
2. A respeito dessa discussão, consultar Aguiar e Melo (2005a; 2005b).
3. Proposta de Diretrizes Curriculares de Pedagogia elaborada por uma Comissão de Especialistas de Pedagogia, resultante de ampla consulta às universidades e de consensos construídos com as entidades ANPED, ANFOPE, CEDES, FORUMDIR e ANPAE, em 1999.
4. A presença de cerca de 200 pessoas, que representavam a maioria dos estados brasileiros, no painel sobre a Reformulação do Currículo da Pedagogia e das Licenciaturas na I CBE (Anais, 1980, p. 209-217), comprova que em muitos estados germinava a idéia de organização dos educadores em torno dessas reformulações (cf. detalhes em Brzezinski, 1994).
5. Consultar <www.mec.gov.br>.
6. O único documento disponível e não aprovado data de maio de 2000.
7. Realizado em Águas de Lindóia, São Paulo.
8. Disponível em: <www.mec.gov.br>.
9. Consultar <www.mec.gov.br/cne>.
10. Conferir <www.mec.gov.br/cne>.
11. Estes documentos podem ser encontrados no site da ANFOPE: <http://lite.fae.unicamp.br/anfope>.
12. Aprovada no CEE-SP a Indicação n. 22/2002, que estabelece distinção entre os cursos de pedagogia licenciaturas e pedagogia bacharelado, dando cumprimento ao estabelecido no artigo 64 da LDB.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
56
REFERÊNCIAS
AGUIAR, M.A.S. A formação do profissional da educação no contexto da reforma educacional brasileira. In: FERREIRA, N.S.C. (Org.). Supervisão educacional para uma escola de qualidade. São Paulo: Cortez, 1999. [ Links ]
AGUIAR, M.A.S. Os institutos superiores de educação: uma das faces da reforma no Brasil. In: SGUISSARDI, V. (Org.). Educação superior: velhos e novos desafios. São Paulo: Xamã, 2000. [ Links ]
AGUIAR, M.A.S. Espaço da gestão na formação do profissional da educação. In: FERREIRA, N.S.C.; MACHADO, L.M. Política e gestão da educação: dois olhares. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. [ Links ]
AGUIAR, M.A.S. A formação dos profissionais da educação básica no curso de pedagogia. In: FERREIRA, N.S.C.; AGUIAR, M.A.S. (Org.). Para onde vão a orientação e a supervisão educacional. 2. ed. Campinas: Papirus, 2002. [ Links ]
AGUIAR, M.A.S.; MELO, M.M.O. Pedagogia e as diretrizes curriculares do curso de pedagogia: polêmicas e controvérsias. Revista Linhas Críticas, Brasília, DF, v. 11, 2005a. [ Links ]
AGUIAR, M.A.S.; MELO, M.M.O. Pedagogia e faculdades de educação: vicissitudes e possibilidades da formação pedagógica e docente nas IFES. Educação & Sociedade, Campinas, v. 26, n. 92, p. 959-982, out. 2005b. [ Links ]
ALVES, N. Trajetórias e redes na formação de professores. Rio de Janeiro: DP&A, 1998. [ Links ]
ANDRÉ, M. Uma pesquisa com os professores para avaliar a formação de professores. In: ROMANOWSKI, J.P. et al. (Org.). Conhecimento local e conhecimento universal: pesquisa, didática e ação docente. Curitiba: Champagnat, 2004. [ Links ]
ASSOCIAÇÃO NACIONAL PELA FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO (ANFOPE). O profissional do ensino: debates sobre a sua formação. Cadernos CEDES, Campinas, n. 17, 1986. [ Links ]
ASSOCIAÇÃO NACIONAL PELA FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO (ANFOPE). In: ENCONTRO NACIONAL DA ANFOPE, 9., 1998, Campinas, SP. Documento final. Campinas, SP, 1998. [ Links ]
ASSOCIAÇÃO NACIONAL PELA FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO (ANFOPE). Políticas públicas de formação dos profissionais da educação: desafios para as instituições de ensino superior. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANFOPE, 12., 2004, Brasília, DF. Documento final. Brasília, df, 2004. [ Links ]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
57
Antunha, H.C.G. As origens da Faculdade de Educação da USP: a introdução de estudos pedagógicos em nível superior no estado de São Paulo. Revista da Faculdade de Educação da USP, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 25-41, 1975. [ Links ]
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Superior. Comissão de Especialistas do Curso de Pedagogia. Proposta de diretrizes curriculares para o curso de pedagogia. Brasília, DF: MEC/SESU, 1999. Disponível em: <http//:www.mec.gov.br/sesu/diretriz.htm>. Acesso em: 1 maio 2005. [ Links ]
BRZEZINSKI, I. Pedagogia, pedagogos e formação de professores: busca e movimento. 1994. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo. [ Links ]
BRZEZINSKI, I. Diretrizes curriculares para o curso de pedagogia. In: SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS DE EDUCAÇÃO, 7., 2005, Brasília, DF. (texto impresso por meios eletrônicos) [ Links ]
BRZEZINSKI, I. Pedagogia, pedagogos e formação de professores: busca e movimento. 5. ed. Campinas: Papirus, 2005. [ Links ]
BRZEZINSKI, I. Políticas de formação de pedagogos e as novas Diretrizes Curriculares Nacionais: embates, contradições e ações. In: ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO DA REGIÃO CENTRO-OESTE/ANPED, 8., 2006, Cuiabá. (no prelo). [ Links ]
CHAGAS, V. Estudos pedagógicos superiores: Parecer n. 252/69. Documenta, Rio de Janeiro, n. 100, p. 101-112, 1969. [ Links ]
CHAGAS, V. Resolução do CFE que dispõe sobre o preparo dos especialistas e professores de educação. Didata, São Paulo, n. 5, p. 5-22, 1976. [ Links ]
CHAGAS, V. Formação do magistério: novo sistema. São Paulo: Atlas, 1976. [ Links ]
ENCONTRO NACIONAL DA COMISSÃO NACIONAL DE REFORMULAÇÃO DOS CURSOS DE FORMAÇÃO DOS EDUCADORES (CONARCFE), 3., 1988, Brasília, DF. Documento final. Brasília, DF: CONARCFE, 1988. [ Links ]
ENCONTRO NACIONAL DO PROJETO DE REFORMULAÇÃO DOS CURSOS DE PREPARAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS PARA A EDUCAÇÃO, 1., 1983, Belo Horizonte. Documento final. Belo Horizonte: CONARCFE, 1983. (impresso por meios eletrônicos) [ Links ]
FERNANDES, F. Formação de profissionais especialistas nas faculdades de filosofia. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 37, n. 85, p. 227-233, jan./mar. 1962. [ Links ]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
58
FORUM DE DIRETORES DAS FACULDADES DE EDUCAÇÃO DAS UNIVERSIDADES PUBLICAS BRASILEIRAS (FORUMDIR). Considerações do FORUMDIR sobre o Projeto de Resolução que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Pedagogia do Conselho Nacional de Educação. Brasília, DF, 2005. [ Links ]
FREITAS, H.C.L. O trabalho como princípio articulador na prática de ensino e nos estágios. Campinas: Papirus, 1996. [ Links ]
FREITAS, H.C.L. A formação inicial e continuada dos profissionais da educação. In: AGUIAR, M.A.S.; SILVA, A.M.M. Retrato da escola no Brasil. Brasília, DF: CNTE, 2004. [ Links ]
FREITAS, L.C. Notas sobre a especificidade do pedagogo e sua responsabilidade no estudo da teoria e da prática pedagógica. Educação & Sociedade, Campinas, v. 7, n. 22, p. 12-19, 1985. [ Links ]
FREITAS, L.C. Projeto histórico, ciência pedagógica e didática. Educação & Sociedade, São Paulo, v. 9, n. 27, p. 122-140, 1987. [ Links ]
FREITAS, L.C. Neotecnicismo e formação do educador. In: ALVES, N. (Org.). Formação de professores: pensar e fazer. São Paulo: Cortez, 1992. [ Links ]
GADOTTI, M.; PINO, I.R. A redefinição do curso de pedagogia: idéias diretrizes. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 63, n. 144, p. 59-66, mai./ago. 1979. [ Links ]
KUENZER, A.Z. As políticas de formação: a construção de identidade do professor sobrante. Educação & Sociedade, Campinas, v. 20, n. 68, p.163-183, 1999. [ Links ]
LIBÂNEO, J.C. Pedagogia e pedagogos, para quê? São Paulo: Cortez, 1999. [ Links ]
MELO, M.M.O. A construção do saber docente: entre a formação e o trabalho. 2000. Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo. [ Links ]
MELO, M.M.O. O currículo da educação básica no contexto de crises da sociedade. Revista de Educação AEC, Brasília, DF, n. 129, 2003. [ Links ]
MELO, M.M.O. Pedagogia e curso de pedagogia: riscos e possibilidades epistemológicos face ao debate e às novas Diretrizes Curriculares Nacionais sobre esse curso. In: ENCONTRO NACIONAL DE DIDATICA E PRATICA DE ENSINO, 13., 2006, Recife. Anais... Recife: ENDIPE, 2006. [ Links ]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
59
MOREIRA, A.F.; GARCIA, R.L. Começando uma conversa sobre currículo. In: MOREIRA, A.F.; GARCIA, R.L. Currículo na contemporaneidade: incertezas e desafios. São Paulo: Cortez, 2003. [ Links ]
MORIN, E. Ciência com consciência. Lisboa: Europa-América, 1990. [ Links ]
PIMENTA, S.G. Formação de profissionais da educação: visão crítica e perspectivas de mudança. In: PIMENTA, S.G.; LIBÂNEO, J.C. (Org.). Pedagogia e pedagogos: caminhos e perspectivas. São Paulo: Cortez, 2002. [ Links ]
SACRISTAN, G.J. Pós-modernidade: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 1996. [ Links ]
SANTOMÉ, J.T. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. [ Links ]
SANTOS, B.S. Um discurso sobre as ciências na transição para uma ciência pós-moderna. Estudos Avançados, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 56-71, mai./ago. 1988. [ Links ]
SANTOS, L.L.C.P. Globalização, multiculturalismo e currículo. In: MOREIRA, A.F.B. (Org.). Currículo: questões atuais. São Paulo: Papirus, 1997. [ Links ]
SAVIANI, D. Educação e questões da atualidade. São Paulo: Cortez, 1991. [ Links ]
SCHEIBE, L.; AGUIAR, M.A.S. Formação de profissionais da educação no Brasil: o curso de pedagogia em questão. Educação & Sociedade, Campinas, v. 20, n. 68, p. 220-238, 1999. [ Links ]
SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE A FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO., 7., 2005, Brasília, DF. Documento final. Brasília, DF: ANFOPE, 2005. (impresso por meios eletrônicos). [ Links ]
SILVA, C.S.B. Curso de pedagogia no Brasil: história e identidade. Campinas: Autores Associados, 1999. [ Links ]
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002. [ Links ]
WEBER, S. Como e onde formar professores: um espaço de disputa e confronto. Educação & Sociedade, Campinas, v. 21, n. 70, p. 129-156, abr. 2000. [ Links ]
WEBER, S. Profissionalização docente e políticas públicas no Brasil. Educação & Sociedade, Campinas, v. 24, n. 85, p. 1125-1154, dez. 2003. [ Links ]
ZABALA, A. Enfoque globalizador e pensamento complexo: uma proposta para o currículo escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002. [ Links ]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
60
Educação & Sociedade
Print version ISSN 0101-7330
Educ. Soc. vol.20 n.68 Campinas Dec. 1999 doi: 10.1590/S0101-73301999000300013
FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO: Visão crítica e
perspectiva de mudança
José Carlos Libâneo* Selma Garrido Pimenta**
RESUMO
O artigo apresenta breve análise crítica do histórico da formação dos profissionais
da educação no Brasil, explicitando as ambigüidades do curso de pedagogia desde
sua criação até a atualidade, o percurso dos cursos de formação de professores e o
impacto dos debates promovidos em instituições, entidades e movimentos em torno
da questão. Na seqüência, o texto analisa a natureza e a identidade da pedagogia
como área de conhecimento do campo educacional e as questões relacionadas com
o exercício profissional dos pedagogos e dos professores. Indica, finalmente,
sugestões de organização institucional e de possíveis percursos de formação
desses profissionais que apontam para uma mudança do quadro atual.1
Palavras-chave: Pedagogia, teoria pedagógica, formação de profissionais da
educação, formação pedagógica, formação docente
Introdução
Há cerca de 20 anos, por iniciativa de movimentos de educadores e, em paralelo, no
âmbito do Ministério da Educação, iniciava-se um debate nacional sobre a formação
de pedagogos e professores, com base na crítica da legislação vigente e na
realidade constatada nas instituições formadoras. O marco histórico de detonação
do movimento pela reformulação dos cursos de formação do educador foi a I
Conferência Brasileira de Educação realizada em São Paulo em 1980, abrindo-se o
debate nacional sobre o curso de pedagogia e os cursos de licenciatura. A trajetória
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
61
desse movimento destaca-se pela densidade das discussões e pelo êxito na
mobilização dos educadores, mas o resultado prático foi modesto, não se tendo
chegado até hoje a uma solução razoável para os problemas da formação dos
educadores, nem no âmbito oficial nem no âmbito das instituições universitárias.
A discussão sobre a identidade do curso de pedagogia, que remonta aos pareceres
de Valnir Chagas na condição de membro do antigo Conselho Federal de Educação,
é retomada nos encontros do Comitê Nacional Pró-formação do Educador, mais
tarde transformada em Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da
Educação, e é bastante recorrente para pesquisadores da área. Estes já apontavam,
em meados dos anos 80, a necessidade de se superar a fragmentação das
habilitações no espaço escolar, propondo a superação das habilitações e
especializações pela valorização do pedagogo escolar:
(...) a posição que temos assumido é a de que a escola pública necessita de um
profissional denominado pedagogo, pois entendemos que o fazer pedagógico, que
ultrapassa a sala de aula e a determina, configura-se como essencial na busca de
novas formas de organizar a escola para que esta seja efetivamente democrática. A
tentativa que temos feito é a de avançar da defesa corporativista dos especialistas
para a necessidade política do pedagogo, no processo de democratização da
escolaridade. (Pimenta 1988)
O curso de pedagogia – sem entrar agora no mérito de sua função, isto é, de formar
professores ou especialistas ou ambos – pouco se alterou em relação à Resolução
no 252/69. Experiências alternativas foram tentadas em algumas instituições e o
antigo CFE expediu alguns pareceres sobre "currículos experimentais", mas nenhum
deles, a rigor, apresenta algo realmente inovador. Possíveis "novidades" no
chamado "curso de pedagogia" seriam, por exemplo, a atribuição, ao lado de outras,
da formação em nível superior de professores para as séries iniciais do Ensino
Fundamental, supressão das habilitações (administração escolar, orientação
educacional, supervisão escolar etc.) e alterações na denominação de algumas
disciplinas. Alterações geralmente inócuas, pois na maior parte dos casos foi
mantida a prática da grade curricular e os mesmos conteúdos das antigas
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
62
disciplinas, por exemplo, Organização do trabalho pedagógico manteve o conteúdo
da anterior Administração escolar.
Em relação aos cursos de licenciatura, também não houve nenhuma mudança
substantiva desde a Resolução no 292/62 do CFE, que dispunha sobre as matérias
pedagógicas para a licenciatura. O que se tentou foram diferentes formas de
organização do percurso da formação, umas mantendo o 3+1 já presente em 1939,
outras distribuindo as disciplinas pedagógicas ao longo do curso específico. Quanto
ao local da formação pedagógica, em alguns lugares ela foi mantida nas faculdades
de educação, em outros, foi deslocada, total ou parcialmente, aos
institutos/departamentos/cursos.
Atualmente, a atuação do Ministério da Educação e do CNE na regulamentação da
LDB no 9.394/96 tem provocado a mobilização dos educadores de todos os níveis de
ensino para rediscutir a formação de profissionais da educação. A nosso ver, não
bastam iniciativas de formulação de reformas curriculares, princípios norteadores de
formação, novas competências profissionais, novos eixos curriculares, base comum
nacional etc. Faz-se necessária e urgente a definição explícita de uma estrutura
organizacional para um sistema nacional de formação de profissionais da educação,
incluindo a definição dos locais institucionais do processo formativo. Na verdade,
reivindicamos o ordenamento legal e funcional de todo o conteúdo do Titulo VI da
nova LDB.
Resumidamente, o disposto no Titulo VI da nova LDB é o seguinte:
a) Cursos de licenciatura plena para formar professores de educação básica, em
universidades e Institutos Superiores de Educação:
• Curso Normal Superior (licenciatura para formar docentes de educação infantil e
séries iniciais do Ensino Fundamental) e licenciaturas para formar professores de 5a
a 8a e Ensino Médio);
• programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação
superior;
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
63
• programas de educação continuada.
b) Cursos de graduação e pós-graduação em pedagogia para formar profissionais
da educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação
educacional.
c) Cursos de preparação para o magistério de Ensino Superior.
Pelo Edital no 4, de 3/12/97, a SESu/MEC designou comissões de especialistas para
elaboração de diretrizes curriculares dos cursos superiores, incluindo as
licenciaturas onde coubesse. Em 6/5/99, a Comissão de Especialistas de ensino de
Pedagogia (designada pela Portaria SESu/MEC no 146, de março de 1998) tornou
pública sua proposta de diretrizes curriculares para o curso de pedagogia. O mesmo
órgão, por meio da Portaria no 808, de 8/6/99, designou um Grupo de Trabalho para
elaboração das diretrizes curriculares para todas as licenciaturas, reconhecendo a
necessidade de orientações normativas gerais para a parte curricular referente à
formação pedagógica. Os debates ocorridos nesse GT resultaram no Documento
Norteador para a Elaboração de Diretrizes Curriculares para os Cursos de Formação
de Professores (1999), já encaminhado à SESu. Todavia, foram manifestadas nas
reuniões de trabalho diferentes posições sobre a formação dos profissionais da
educação, não incluídas no corpo do referido documento. O objetivo deste texto é
apresentar uma dessas posições, que expressa a proposta de um sistema nacional
de formação dos profissionais da educação.
A proposta básica é a de que a formação dos profissionais da educação para
atuação na educação básica far-se-á, predominantemente, nas atuais faculdades de
educação, que oferecerão curso de pedagogia, cursos de formação de professores
para toda a educação básica, programa especial de formação pedagógica,
programas de educação continuada e de pós-graduação. As faculdades de
educação terão sob sua responsabilidade a formulação e a coordenação de políticas
e planos de formação de professores, em articulação com as pró-reitorias ou vice-
reitorias de graduação das universidades ou órgãos similares nas demais
Instituições de Ensino Superior, com os institutos/faculdades/departamentos das
áreas específicas e com as redes pública e privada de ensino.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
64
O curso de pedagogia destinar-se-á à formação de profissionais interessados em
estudos do campo teórico-investigativo da educação e no exercício técnico-
profissional como pedagogos no sistema de ensino, nas escolas e em outras
instituições educacionais, inclusive as não-escolares.
Os cursos de formação de professores e os programas mencionados, abrangendo
todos os níveis da educação básica, serão realizados num Centro de Formação,
Pesquisa e Desenvolvimento Profissional de Professores – CFPD, que integrará a
estrutura organizacional das faculdades de educação e destinar-se-á à formação de
professores para a educação básica, da educação infantil ao Ensino Médio.
Distinguindo O Curso De Pedagogia (Stricto Sensu) E O Curso De Formação De Professores Para As Séries Iniciais Do Ensino Fundamental2
Tornou-se lugar-comum no discurso de educadores, especialmente os que atuam
em faculdades de educação, a identificação dos cursos de pedagogia com os cursos
de formação de professores das séries iniciais do Ensino Fundamental, ainda que
boa parte deles também se destine a formar docentes para as disciplinas
pedagógicas da habilitação ao magistério em nível de 2o grau.
Para tornar essa problemática mais clara convém, primeiramente, rememorar as
ambigüidades que vem acompanhando o curso de pedagogia e cursos de
licenciatura.3 Quando foi criado o curso de pedagogia, em 1939, ele se destinava a
formar bacharéis (técnicos de educação) e licenciados em pedagogia, inaugurando o
que veio a denominar-se esquema 3+1, com blocos separados para o bacharelado e
a licenciatura. Os professores dos antigos primário e pré-primário eram formados em
Curso Normal nos institutos de educação, ao passo que o professores para os
antigos cursos ginasial e colegial eram formados nas faculdades de Filosofia,
Ciências e Letras.
O Parecer no 251/62 estabelece para o curso de pedagogia o encargo de formar
professores para os cursos normais e "profissionais destinados às funções não-
docentes do setor educacional", os técnicos de educação ou especialistas de
educação", e anuncia a possibilidade de, no futuro, formar o "mestre primário em
nível superior". Nesse mesmo ano, o Parecer no 292/62 fixa as matérias
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
65
pedagógicas dos cursos de licenciatura para o magistério em escolas de nível médio
(ginasial e colegial), mantendo, na prática, a separação entre bacharelado e
licenciatura ou, ao menos, as disciplinas "de conteúdo" e as disciplinas
"pedagógicas". Embora algumas análises apontem para a impropriedade de formar,
nessa época, técnicos de educação para um campo de trabalho inexistente, talvez o
que tenha faltado fosse a regulamentação da profissão de pedagogo.4
O Parecer no 252, de 1969, definiu a estrutura curricular do curso de pedagogia que
vigorou até pouco tempo atrás, com a promulgação da LDB de 1996. A resolução
normativa que acompanha o parecer estabelece com mais precisão a função desse
curso: formar professores para o ensino Normal e especialistas para as atividades
de orientação, administração, supervisão e inspeção no âmbito das escolas e dos
sistemas escolares. Permite também ao licenciado exercer o magistério nas séries
iniciais, dentro da habilitação para o ensino Normal (isto é, não se previu uma
habilitação específica para se lecionar nas séries iniciais). O currículo mínimo
compreendia uma parte comum a todas as habilitações e outra diversificada, em
função da habilitação específica escolhida pelo aluno. A lista de habilitações incluía,
pelo menos, oito tipos de atividades, em função das quais se ofereciam as opções
curriculares.5 Consolidava-se, assim, a idéia de formação específica de técnicos em
educação, definindo o exercício profissional do pedagogo não-docente. Uma das
justificativas para a oferta das habilitações (administração escolar, supervisão
escolar,6 orientação educacional, entre outras) e para a profissionalização do
pedagogo era a ampliação do atendimento às necessidades de escolarização
básica, que tinha um forte apelo na política educacional da época.
O Parecer no 252, justamente por explicitar melhor a natureza de um curso de
pedagogia – e, não por acaso, no contexto da ditadura militar – recebeu inúmeras
críticas no final da década de 1970 e no período seguinte. O conteúdo dessas
críticas é amplamente conhecido e não precisa ser reproduzido aqui. Em virtude das
finalidades e dos limites deste texto, queremos apenas destacar algumas delas.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
66
A crítica de que o curso de pedagogia de 1969 era "tecnicista" parece pertinente, a
levar em conta o discurso oficial da época. Essa crítica é sintetizada por Silva (1999)
nos seguintes termos:
Com a aprovação da (...) Lei da Reforma Universitária, triunfam os princípios de
racionalidade, eficiência e produtividade no trato do Ensino Superior. A tradição
liberal de nossa universidade fica interrompida e nasce o que alguns irão passar a
chamar de universidade tecnocrática, ainda que mesclada de nuanças do
pensamento liberal.
A esses aspectos foram agregadas as críticas à fragmentação da formação do
pedagogo, à divisão técnica do trabalho na escola, à separação entre teoria e
prática, à separação entre o pedagogo especialista e o trabalho docente.7
Não nos parece problemática hoje a ênfase que o Parecer deu à necessidade de se
formarem técnicos de educação nem ao reconhecimento de tarefas específicas a
serem realizadas nas escolas para acompanhamento do ensino. Sem deixar de
reconhecer que, de fato, houve uma fragmentação muito grande das tarefas, isso
não poderia ter comprometido a existência de especialistas na escola. A nosso ver,
a divisão de funções corresponde a uma lógica da organização escolar e, mais
ainda, essas funções implicariam uma formação específica, dada a complexidade
envolvida no desempenho dessas funções. Dessa forma, o que nos parecem
problemáticos são os seguintes aspectos: a) o caráter "tecnicista" do curso e o
conseqüente esvaziamento teórico da formação, excluindo o caráter da pedagogia
como investigação do fenômeno educativo; b) o agigantamento da estrutura
curricular que leva ao mesmo tempo a um currículo fragmentado e aligeirado; c) a
fragmentação excessiva de tarefas no âmbito das escolas; d) a separação no
currículo entre os dois blocos, a formação pedagógica de base e os estudos
correspondentes às habilitações.8
A questão mais relevante, todavia, é o esvaziamento dos estudos sistemáticos de
educação e a descaracterização profissional do pedagogo. Quanto ao esvaziamento
da teoria pedagógica, Pimenta (1998) faz a seguinte constatação:
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
67
(...) há um contingente maciço de egressos dos cursos de pedagogia que,
curiosamente, não estudaram pedagogia (sua teoria e sua prática), pois esses
cursos, de modo geral, oferecem estudos disciplinares das ciências da educação
que, na maioria das vezes, ao partirem dos campos disciplinares das ciências-mãe
para falar sobre educação, o fazem sem dar conta da especificidade do fenômeno
educativo e, tampouco, sem tomá-lo nas suas realidades histórico-sociais e na sua
multiplicidade – o que apontaria para uma perspectiva interdisciplinar e
multirreferencial.
Quanto à descaracterização profissional do pedagogo, subsumido ao "professor",
sua formação passa a ser dominada pelos estudos disciplinares das áreas das
metodologias. Estas, ao voltarem seus estudos diretamente à sala de aula, espaço
fundamental da docência, ignoram os determinantes institucionais, históricos e
sociais (objeto de estudo da pedagogia). Desse modo, a pedagogia, ciência que tem
a prática social da educação como objeto de investigação e de exercício profissional
– no qual se inclui a docência, embora nele se incluam outras atividades de educar –
não tem sido tematizada nos cursos de formação de pedagogos (cf. Pimenta 1998).
Por essas razões, por volta dos anos 1983-84, com base na crítica à fragmentação e
à divisão técnica do trabalho na escola, algumas faculdades de educação
suprimiram do currículo as habilitações, passando a ter apenas duas habilitações –
professor das séries iniciais do 1o grau e professor de cursos de habilitação ao
magistério –, descartando boa parte da fundamentação pedagógica do curso. Fora
das faculdades, em decorrência dessas mudanças curriculares e da difusão das
propostas do movimento pela reformulação da formação do educador, as
Secretarias de Educação retiraram das escolas ou deixaram de contratar
profissionais pedagogos, prejudicando o atendimento pedagógico-didático às
escolas e comprometendo o exercício profissional do pedagogo. Além disso, com a
descaracterização dos pedagogos-especialistas como profissionais, as associações
de pedagogos (por exemplo, Associação Nacional de Orientadores Educacionais,
Associação Nacional de Supervisores Educacionais) se autodissolveram, resultando
na perda do espaço de discussão teórico-prática da pedagogia e do exercício
profissional do pedagogo existente nessas associações.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
68
Essa análise mostra como se chegou a uma descentralidade do enfoque da
pedagogia como estudo da ciência da educação. Entretanto, não se pode dizer que
a desvalorização social e acadêmica desse campo de conhecimentos tenha sido
resultado apenas da legislação tecnicista do período 1962-80 e do movimento pela
reformulação dos cursos de formação do educador.9 Na verdade, já nos anos 20,
com o movimento da Educação Nova, os estudos pedagógicos sistemáticos
começaram a perder espaço, com base em um reducionismo psicológico. A
pedagogia vai adquirindo a conotação de operacionalização metodológica do ensino,
com base no que se propõe a formação dos técnicos de educação e a formação de
professores, consolidando o privilégio das dimensões metodológica e organizacional
em detrimento das dimensões filosófica, epistemológica e científica. Sobre isso
escreveu Libâneo (1998):
Ainda que o Parecer 252/69 mantenha a denominação "curso de pedagogia", seu
conteúdo deixa entrever que o termo "pedagógico" tem o sentido de metodológico,
técnico, administrativo, no mesmo tom da linguagem dos "profissionais da educação"
da década de 20. Além disso, pesa-lhe a herança do passado em que estudos
pedagógicos referem-se quase sempre à preparação de professores, o que explica,
ainda hoje, em algumas faculdades de educação, a identificação do termo
"pedagogia" com a formação de professores para as séries iniciais do Ensino
Fundamental, com o que a pedagogia tende a reduzir-se à prática do ensino.
A tendência que parece ser dominante hoje entre os educadores – ao menos no que
diz respeito aos seguidores das propostas mais recentes da Anfope – é esta: o curso
de pedagogia destina-se à formação do professor de 1a a 4a (que muitos chamam de
professor normalista de nível superior). Ou seja, acabou aquele curso de pedagogia
concebido em 1939 e parcialmente mantido em 1962 e 1969.10 Como se sabe,
aquelas propostas giram em torno do lema: a formação de todo educador deve ter
como base a docência. A defesa desse lema e as propostas de formação que dele
decorrem têm dificultado uma discussão mais aberta da questão, colocando o
debate na contramão das necessárias mudanças na formação de professores. A
nosso ver, as propostas atuais da Anfope trazem como conseqüências:
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
69
• a identificação de estudos sistemáticos de pedagogia com a licenciatura (formação
de professores para as séries iniciais do Ensino Fundamental) e, por conseguinte,
redução da formação de qualquer tipo de educador à formação do docente;
• a descaracterização do campo teórico-investigativo da pedagogia e das ciências da
educação, eliminando da universidade os estudos sistemáticos do campo científico
da educação e a possibilidade de pesquisa específica e de exercício profissional do
pedagogo; o que leva ao esvaziamento da teoria pedagógica, acentuando o
desprestígio acadêmico da pedagogia como campo cientifico;
• eliminação/descaracterização do processo de formação do especialista em
pedagogia (pedagogo stricto sensu), subsumindo o especialista (diretor de escola,
coordenador pedagógico, planejador educacional, pesquisador em educação etc.)
no docente;
• identificação entre o campo epistemológico e o campo profissional, como se as
dificuldades naquele campo levassem ipso facto à crise do outro;
• segregação do processo de formação de professores da 1a à 4a em relação às
demais licenciaturas.
O documento ora concluído pela Comissão de Especialistas de ensino de pedagogia
– Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia – reforça esses problemas. Com
efeito, o documento define o pedagogo como:
Profissional habilitado a atuar no ensino, na organização e na gestão de sistemas,
unidades e projetos educacionais e na produção e difusão do conhecimento, em
diversas áreas da educação, tendo a docência como base obrigatória de sua
formação e identidade profissionais.
Define como áreas de atuação profissional: a docência na educação infantil, nas
séries iniciais do Ensino Fundamental e nas disciplinas da formação pedagógica do
nível médio, podendo atuar, ainda, na organização de sistemas, unidades, projetos
de experiências educacionais escolares e não escolares; na produção e difusão do
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
70
conhecimento cientifico e tecnológico do campo educacional; nas áreas emergentes
do campo educacional.
Como se vê, nada muito diferente do que sempre existiu na legislação anterior, a
não ser o destaque que se dá à formação de professores de educação infantil e das
séries iniciais do 1o grau (já prevista no Parecer 252/69). O documento não utiliza o
termo "habilitações" (embora refira-se ao pedagogo como profissional "habilitado"),
mas menciona a diversificação na formação do pedagogo para atender às diferentes
demandas sociais por intermédio da "formação diferenciada, composta pelas
diferentes opções oferecidas aos alunos". Ou seja, são previstas áreas de atuação
do pedagogo não-docente (outras habilitações?), tendo a docência como base
comum da formação.
Verifica-se que a proposta de diretrizes curriculares para o curso de pedagogia, tal
como aparece no documento da Comissão de Especialistas, reincide nos mesmos
problemas já tão criticados: o "inchaço" do currículo, pretensões ambiciosas quanto
à diversidade de profissionais a serem formados, aligeiramento da formação (dada a
impossibilidade real, no percurso curricular, de conciliar formação de profissionais
docentes e não-docentes), empobrecimento na oferta de disciplinas (já que, para
atender ao menos seis das áreas de atuação previstas, será necessário reduzir o
número de disciplinas, a fim de respeitar o total de 3.200h do curso). Além do mais,
fica evidente a impossibilidade de se dar ao curso o caráter de aprofundamento da
ciência da educação para formar o pesquisador e o especialista em educação.
Por que discordamos das posições defendidas hoje pela Anfope e da proposta de diretrizes curriculares da Comissão de Especialistas
Há temas de grande relevância na pauta de discussões da Anfope, como a
exigência de formação em nível superior dos professores da 1a à 4a série, a
valorização profissional do professor, a postulação da base comum nacional, a
gestão democrática na escola. Todavia, temos discordâncias bastante explícitas em
relação à tese principal defendida atualmente por essa entidade – a docência como
base da formação de todo educador.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
71
Com efeito, o princípio que se tornou o lema e o apelo político da Anfope é
conhecido: a docência constitui a base da identidade profissional de todo educador,
todos os cursos de formação do educador deverão ter uma base comum: são todos
professores. Conforme já afirmamos, esse princípio levou à redução da formação do
pedagogo à docência, à supressão em alguns lugares da formação de especialistas
(ou do pedagogo não diretamente docente), ao esvaziamento da teoria pedagógica
em virtude da descaracterização do campo teórico-investigativo da pedagogia e das
demais ciências da educação, à retirada da universidade dos estudos sistemáticos
do campo científico da educação e, em conseqüência, da formação do pedagogo
para a pesquisa específica na área e para o exercício profissional.
Certamente não estamos sozinhos, ao menos em relação aos estudiosos que não
gravitam no âmbito de influência da Anfope, ao afirmar que as modificações
curriculares decorrentes das teses do movimento de reformulação dos cursos de
formação dos profissionais da educação acabaram por comprometer características
positivas do curso de pedagogia regido pela Resolução CFE no 252/69. A
sobrecarga no currículo de disciplinas ligadas à formação de professores das séries
iniciais do antigo 1o grau levou à diminuição do peso das disciplinas teóricas
(fundamentos da educação, currículo, avaliação, teorias da educação) e,
especificamente, das disciplinas que identificavam mais o exercício profissional do
pedagogo. Muitos pedagogos se perguntam hoje: onde estão os especialistas de
planejamento da educação, de administração de sistemas, gestão escolar,
formulação de políticas públicas para a educação, avaliação educacional e avaliação
da aprendizagem, pesquisa pedagógica específica etc.? Os atuais cursos estão
formando profissionais competentes nessas áreas? É viável formar num mesmo
curso, com duração de quatro anos, o professor profissionalmente competente de 1a
a 4a série e, ao mesmo tempo, o pedagogo stricto sensu, também profissionalmente
competente naqueles campos profissionais mencionados? Essas perguntas podem
ser dirigidas tanto à Anfope quanto à Comissão de Especialistas da pedagogia que,
grosso modo, encamparam as teses da Anfope.
Nosso entendimento é de que a tese da identificação do curso de pedagogia com a
formação de professores – ou seja, uma licenciatura – foi gestada em razão de
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
72
circunstâncias históricas peculiares da história da educação deste país.11 Os
legisladores, em todos esses anos desde 1939, tentaram equacionar a formação do
pedagogo stricto sensu e a formação de professores num curso só, o curso de
pedagogia, mas que, na verdade, teria como suporte a formação de professores
para as séries iniciais do sistema de ensino. Após a legislação de 1962 e 1969, o
conselheiro Valnir Chagas, que deixou sua marca no pensamento sobre formação
de professores nesse período, formulou a indicação no 70/76 sobre a preparação em
nível de graduação dos especialistas em educação. Para justificar sua nova
proposta, Chagas afirma: "O caminho é sempre o mesmo, de restabelecer em novo
plano a linha tradicional, hoje tão nítida como há um século, e habilitar o especialista
no professor". O raciocínio inscrito no mencionado parecer deixa entrever a
identificação do termo pedagógico com o termo metodológico, e da expressão
formação pedagógica com formação docente. Entendemos, assim, que a tese de
que a formação de todo educador deve ter por base a docência precisa ser
entendida dentro de posicionamentos localizados de intelectuais, em momentos
históricos específicos da educação brasileira. Com isso queremos dizer que tudo o
que é histórico é mutável e que conquistas históricas, por mais aguerridas que
tenham sido, não podem ser cristalizadas. A redução do trabalho pedagógico à
docência não pode, portanto, constituir-se em algo imutável. Nem mesmo chega a
ser uma questão de cunho epistemológico ou conceitual. As novas realidades estão
exigindo um entendimento ampliado das práticas educativas e, por conseqüência, da
pedagogia. Além disso, no mundo inteiro existem cursos específicos de pedagogia
(em alguns lugares denominados "ciências da educação") distintos dos cursos de
formação de professores.
O desdobramento das vicissitudes do curso de pedagogia nestes últimos 20 anos
pode ser explicado a partir de fatos notórios. O Brasil viveu 21 anos de ditadura
militar, cujo impacto político e social afetou vários campos, mormente o da
educação. A contestação do regime se fazia necessária, e contra ele mobilizaram-se
muitos militantes políticos, profissionais, intelectuais, organizações de esquerda. A
grande luta nesses anos precisou ser muito mais política do que técnica, a fim de
desenvolver a consciência política das pessoas, criar espaços democráticos,
incentivar a prática de assembléias, reuniões, movimentos e desenvolver formas
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
73
participativas de gestão. Ora, os que ocupavam esses espaços eram sobretudo os
sociólogos, filósofos e militantes políticos. Também os pedagogos se engajaram na
resistência à ditadura militar. No entanto, muitos deles deixaram de lado seu
trabalho específico – ligado aos aspectos internos das práticas escolares e dos
processos de ensino e aprendizagem –, incorporando o discurso sociológico, mas
distanciando-se da problemática teórico-prática de sua área. Não que os pedagogos
não devessem ter um ideário político e se alinhar aos demais intelectuais na luta
política maior. O problema foi o fato de muitos deles não terem compreendido que a
própria ação pedagógica dentro das escolas e das salas de aula era também uma
prática política, sem prejuízo da sua inserção nas lutas políticas mais amplas.
A nosso ver, a abordagem sociologizada da formação do educador, assumida pelo
movimento pela formação de educadores, gerou uma visão "militante" do profissional
da educação. De acordo com essa abordagem, bastaria ao professor ter uma visão
política, globalizante, das relações entre educação e sociedade, compromisso
político etc., que o resto viria por acréscimo. É verdade que essa ênfase no
compromisso político correspondia às características daquele momento histórico,
mas é necessário reconhecer que esse empenho na construção de um projeto
nacional democrático precisava ter correspondência com práticas pedagógico-
didáticas, curriculares, no interior do processo de ensino e aprendizagem, nas
práticas de ensino. Foi um grande equívoco dissolver o específico da prática
educativa nas salas de aula (a aprendizagem, o crescimento cognitivo dos alunos
etc.) na prática política. Faltou entender que um trabalho bem feito com as crianças
no interior das salas de aula também é um ato político, e dos mais nobres. O
discurso especificamente pedagógico foi, assim, afastado das discussões, e em
alguns casos chegou a ser rechaçado, em decorrência do preconceito que sempre
se alimentou contra a pedagogia como campo de conhecimento e contra os
pedagogos de profissão. Na prática, essa tendência resultou, em vários lugares, na
negação explícita do campo próprio de estudos da pedagogia (e por decorrência, da
didática). É em boa parte por isso que a licenciatura para a formação de professores
de 1a a 4a passou a ser chamada inadequadamente de pedagogia.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
74
Para além de razões históricas, pensamos que a identificação do pedagogo com o
docente incorre num equívoco lógico-conceitual. A pedagogia é uma reflexão teórica
baseada nas práticas educativas e sobre elas. Investiga os objetivos sociopolíticos e
os meios organizacionais e metodológicos de viabilizar os processos formativos em
contextos socioculturais específicos. Todo educador sabe, hoje, que as práticas
educativas ocorrem em muitos lugares, em muitas instâncias formais, não-formais,
informais. Elas acontecem nas famílias, nos locais de trabalho, na cidade e na rua,
nos meios de comunicação e, também, nas escolas. Não é possível mais afirmar
que o trabalho pedagógico se reduz ao trabalho docente nas escolas. A ação
pedagógica não se resume a ações docentes, de modo que, se todo trabalho
docente é trabalho pedagógico, nem todo trabalho pedagógico é trabalho docente.
Por exemplo, o MST faz um trabalho pedagógico mas não necessariamente um
trabalho docente, a não ser quando reúne suas crianças nas salas de aula para a
escolarização formal ou os militantes para estudar o aprimoramento de práticas
agrícolas, os direitos trabalhistas de lavradores etc.). O pedagógico e o docente são
termos inter-relacionados mas conceitualmente distintos. Portanto, reduzir a ação
pedagógica à docência é produzir um reducionismo conceitual, um estreitamento do
conceito de pedagogia. A não ser que os defensores da identificação pedagogia-
docência entendam o termo pedagogia como metodologia, isto é, como
procedimentos de ensino, prática do ensino, que é o entendimento vulgarizado do
termo. Mas pensar assim significa desconhecer os conceitos mais elementares da
teoria educacional. A pedagogia é mais ampla que a docência, educação abrange
outras instâncias além da sala de aula, profissional da educação é uma expressão
mais ampla que profissional da docência, sem pretender com isso diminuir a
importância da docência. E não existe suporte teórico, conceitual, para justificar essa
idéia de "docência ampliada", argumento usado por muitos colegas para justificar
essa identificação reducionista de faculdade de educação com formação de
professores.
É claro que esse reducionismo, descaracterizando a pedagogia como campo
teórico-investigativo e identificando-a com uma licenciatura, teve conseqüências na
discussão sobre o papel das faculdades de educação. Muitos não aceitam essa
ligação, mas creio que nossa argumentação ajuda a entender a questão. Uma vez
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
75
dispensadas as habilitações e reduzindo-se o papel das faculdades de educação a
proporcionar licenciatura para formar professores para as séries iniciais e para o
curso Normal, não se teria mais o curso de pedagogia (stricto sensu). Ou seja, já
não teria sentido a existência das faculdades de educação, bastando transformá-las
em centros de formação de professores. Não estaria aí a origem da criação dos
Institutos Superiores de Educação?
A proposta de curso de pedagogia (diferenciado do curso de licenciatura para
formação de professores de 1a a 4a) atribui a denominação "pedagogia" ao campo
teórico-investigativo da educação (em conexão com as demais ciências da
educação) e ao campo técnico-profissional de formação do profissional não
diretamente docente, e de "pedagogo" ao profissional formado nesse curso.
Dissolve-se, assim, a designação "pedagogia" para identificar o curso de formação
de professores para as séries iniciais do Ensino Fundamental, postulando-se a
regulamentação do curso de pedagogia destinado a oferecer formação teórica,
científica e técnica para interessados em aprofundamento na teoria pedagógica, na
pesquisa pedagógica e no exercício de atividades pedagógicas específicas –
planejamento de políticas educacionais, gestão do sistema de ensino e das escolas,
formação de professores, assistência pedagógico-didática a professores e alunos,
avaliação educacional, pedagogia empresarial, animação cultural, produção e
comunicação nas mídias, movimentos sociais e outros campos de atividade
educacional, inclusive as não-escolares. A nosso ver, a ruptura da herança da
identificação de um currículo de estudos sistemáticos de pedagogia com um
currículo de licenciatura para formar professores para as séries iniciais do Ensino
Fundamental corrige o esvaziamento da teoria pedagógica no Brasil, decorrente da
histórica ambigüidade produzida pelos legisladores, desde o final dos anos 30 até
hoje, entre a formação do pedagogo stricto sensu e a formação do professor das
séries iniciais do Ensino Fundamental.12
Desejamos destacar a importância da formação de profissionais da educação para
atuar em contextos não-escolares. É acentuada a consciência atual da importância e
da necessidade da intervenção participante e eficaz desses profissionais no âmbito
das práticas socioculturais, tendo em vista que processos pedagógicos informais
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
76
estão sempre implícitos nas práticas, efetivadas no plano coletivo e comunitário.
Assim, tanto nas iniciativas de programas de educação popular, dirigidos aos mais
heterogêneos segmentos da população não formalmente escolarizada, quanto nas
propostas de intervenção pedagógica nas atividades de cunho cultural,
desenvolvidas pelos novos e sofisticados meios de comunicação de massa,
passando pela necessária liderança nos diversos movimentos sociais, a presença e
a participação de profissionais da educação se fazem relevantes e imprescindíveis.
Até hoje pouco se cuidou da preparação formal e sistematizada de agentes e
lideranças culturais que se especializassem no exercício de funções pedagógicas
nesses ambientes não-escolares, levando-se em conta sua importância como
mediadores da educabilidade, necessária e capilarmente presente mesmo no
processo informal de consolidação de uma cultura que seja articulada com uma
proposta de construção da cidadania. Assim, reivindica-se, com toda a legitimidade,
a presença atuante de profissionais dotados de capacitação pedagógica para
atuarem nas mais diversas instituições e ambientes da comunidade: nos
movimentos sociais, nos meios de comunicação de massa, nas empresas, nos
hospitais, nos presídios, nos projetos culturais e nos programas comunitários de
melhoria da qualidade de vida. Essa participação pedagógica também exige
preparação prévia, sistemática e qualificada (cf. Severino 1999).
Reiteramos, pois, o entendimento de que os profissionais da educação formados
pelo curso de pedagogia atuarão nos vários campos sociais da educação,
decorrentes de novas necessidades e demandas sociais a serem reguladas
profissionalmente. Tais campos são: as escolas e os sistemas escolares; os
movimentos sociais; as diversas mídias, incluindo o campo editorial; a área da
saúde; as empresas; os sindicatos e outros que se fizerem necessários. Em todos
esses campos de exercício profissional, desenvolverá funções de gestão e
formulação de políticas educacionais; organização e gestão de sistemas e de
unidades escolares; de projetos e experiências educacionais; de planejamento,
coordenação, execução e avaliação de programas e projetos educacionais, relativos
às diferentes faixas etárias (criança, jovens, adultos, terceira idade); na produção e
difusão do conhecimento científico e tecnológico do campo educacional e outras.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
77
A favor de um curso específico de pedagogia
Conforme vimos considerando, as faculdades de educação sediariam, de forma
articulada, o curso de pedagogia e a formação inicial e continuada de professores. O
que é esse curso de pedagogia? Trata-se de curso para a realização da
investigação em estudos pedagógicos, tomando a pedagogia como campo teórico e
como campo de atuação profissional. Como campo teórico, destina-se à formação
de profissionais que desejem aprimorar a reflexão e a pesquisa sobre a educação e
o ensino da pedagogia, propriamente dita. Como campo de atuação profissional,
destina-se à preparação de pesquisadores, planejadores, especialistas em
avaliação, gestores do sistema e da escola, coordenadores pedagógicos ou de
ensino, comunicadores especializados para atividades escolares e extra-escolares,
animadores culturais, de especialistas em educação a distância, de educadores de
adultos no campo da formação continuada etc.
A ampliação do campo educacional e, por conseqüência, da atuação pedagógica é
uma realidade constatada por muitos autores. Já argumentamos anteriormente
sobre a idéia de que a atividade pedagógica perpassa, hoje, toda a sociedade,
extrapolando o âmbito escolar formal, abrangendo esferas mais amplas de
educação informal e não-formal. Não faz sentido, pois, o reducionismo da ação
pedagógica à docência, ainda que esta seja também uma genuína prática
pedagógica.
O curso de pedagogia proposto tem correlatos em praticamente todos os países do
mundo, embora em alguns lugares, especialmente na Europa, receba a designação
de "ciências da educação". Poder-se-ia perguntar: por que não chamar esse curso
de ciências da educação e não de pedagogia? Libâneo aponta, em publicação
recente (1998), quatro posições a respeito desse assunto e sobre a denominação
"ciências da educação" escreve:
(..) tal denominação (...) é criticada por provocar dispersão no estudo da
problemática educativa, levando a uma postura pluridisciplinar ao invés de
interdisciplinar. Ou seja, a autonomia dada a cada uma das ciências da educação
levaria a enfoques parciais da realidade educativa, comprometendo a unidade
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
78
temática e abrindo espaço para os vários reducionismos (sociológico, psicológico,
econômico...), como aliás a experiência brasileira tem confirmado.
Em concordância com vários autores (entre outros, Sarramona e Marques 1985,
Vilsaberghi 1983, Estrela 1992), Libâneo assume que a pedagogia se apóia nas
ciências da educação, mas não perde com isso sua autonomia epistemológica e não
se reduz ao campo conceitual de uma ou outra, nem ao conjunto dessas ciências.
A pluridimensionalidade do fenômeno educativo não elimina sua unicidade, que
permite "estabelecer um corpo cientifico que tem o fenômeno educativo em seu
conjunto como objeto de estudo, com a finalidade expressa de dar coerência à
multiplicidade de ações parcializadas" (Sarramona e Marques 1985). Nessa
concepção, a pedagogia promove a síntese integradora dos diferentes processos
analíticos que correspondem a cada uma das ciências da educação em seu objeto
específico de estudo.
Também Pimenta (1996) discute detidamente a questão recorrendo a vários autores,
argumentando pela necessidade de a pedagogia postular sua especificidade
epistemológica, de modo a não se conformar com uma mera posição de campo
aplicado de outras ciências que também estudam a educação. Com base nisso,
firma sua posição de que a pedagogia tem sua significação epistemológica
assumindo-se como ciência da prática social da educação.
Diferentemente das demais ciências da educação, a pedagogia é ciência da prática.
(...) Ela não se constrói como discurso sobre a educação, mas a partir da prática dos
educadores tomada como referência para a construção de saberes, no confronto
com os saberes teóricos. (...) O objeto/problema da pedagogia é a educação
enquanto prática social. Daí seu caráter específico que a diferencia das demais
(ciências da educação), que é o de uma ciência prática – parte da prática e a ela se
dirige. A problemática educativa e sua superação constituem o ponto central de
referência para a investigação.
Ainda desenvolvendo o assunto, Pimenta recorre a Jean Houssaye que nega que a
pedagogia possa ter sua origem nas ciências da educação, "porque estas não
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
79
podem fornecer a prática, indispensável à elaboração pedagógica. (...)
Freqüentando o curso de ciências da educação, os futuros práticos poderão adquirir
saberes sobre a educação e sobre a pedagogia, mas não estarão aptos a falarem
sobre saberes pedagógicos" (Houssaye 1995).
Defendemos, pois, a criação do curso de pedagogia, um curso que oferece
formação teórica, científica e técnica para interessados no aprofundamento da teoria
e da pesquisa pedagógica e no exercício de atividades pedagógicas específicas
(planejamento de políticas educacionais, gestão do sistema de ensino e das escolas,
assistência pedagógico-didática a professores e alunos, avaliação educacional,
pedagogia empresarial, animação cultural, produção e comunicação nas mídias
etc.).13
A existência desse curso tem como suporte algumas premissas:
– O fenômeno educativo sujeita-se à pluralidade de abordagens, à medida que a
educação é objeto de várias ciências que o abordam de seu enfoque específico. O
estudo da educação tem um caráter de multirreferencialidade – abarca tanto
modalidades educativas escolares quanto extra-escolares, como os movimentos
sociais, a educação ambiental, educação comunitária, educação de grupos sociais
marginalizados e de minorias sociais. Não é que se descarte o fato de que a
educação escolar seja, ainda hoje, a forma histórica predominante de prática
educativa. Mas, mesmo em benefício de uma educação escolar mais aberta e mais
articulada com outras instâncias educativas fora de seu marco próprio, a idéia é a de
que o educativo não se restrinja ao escolar, uma vez que abrange as relações mais
amplas entre o indivíduo e o meio humano, social, físico, ecológico, cultural,
econômico.
– Se, por um lado, a compreensão ampliada da educação fortalece as ciências da
educação pelo fato de a pedagogia não ser a única área científica que tem a
educação como objeto de estudo, por outro, não descaracteriza a especificidade da
pedagogia como uma das ciências da educação. Com efeito, cada uma das
chamadas ciências da educação (sociologia da educação, psicologia da educação,
lingüística aplicada à educação, economia da educação etc.) aborda o fenômeno
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
80
educativo da perspectiva de seus próprios conceitos e métodos de investigação, ao
passo que a pedagogia se distingue por estudar o fenômeno educativo em sua
totalidade, inclusive para integrar os enfoques parciais daquelas ciências em função
de uma aproximação global e intencionalmente dirigida aos problemas educativos.
– Um currículo de pedagogia, além de contemplar como objeto de investigação a
pluralidade das práticas educativas, concentra sua temática investigativa nos
saberes pedagógicos, com a contribuição das ciências da educação, na forma de
inter-relação entre os saberes científicos. Ou seja, assume-se o entendimento de
pedagogia como ciência da prática social da educação para daí se definirem
saberes pedagógicos (cf. Pimenta 1997). A integração de conhecimentos pela inter-
relação entre saberes decorre não apenas da pluralidade que caracteriza o
fenômeno educativo, mas também de uma tendência irrefreável das ciências no
mundo contemporâneo buscarem a integração entre os saberes, sem perder de
vista a especificidade disciplinar.
O currículo terá uma forte orientação para a pesquisa, seja como prática acadêmica,
seja como atitude. Ressaltem-se, aí, os vínculos entre o ensino e a pesquisa, a
pesquisa como forma básica de construção do saber, em confronto, em
questionamento, com os saberes já estabelecidos e como instrumento para
desenvolvimento das competências do pensar.
– Tal concepção de pedagogia deveria transpassar toda a formação pedagógica nos
cursos de formação de professores, da educação infantil ao Ensino Médio.
Os cursos de formação de professores da educação básica: A defesa de um local institucional específico para formar professores
A atividade docente vem se modificando em decorrência de transformações nas
concepções de escola e nas formas de construção do saber, resultando na
necessidade de se repensar a intervenção pedagógico-didática na prática escolar.
Um dos aspectos cruciais dessas transformações, os quais têm se evidenciado em
avaliações educacionais como o Saresp (1996, 1997 e 1998), é o investimento na
qualidade da formação dos docentes e no aperfeiçoamento das condições de
trabalho nas escolas, para que estas favoreçam a construção coletiva de projetos
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
81
pedagógicos capazes de alterar os quadros de reprovação, retenção e da qualidade
social e humana dos resultados da escolarização.
Tem sido unânime a insatisfação de gestores, pesquisadores e professores com as
formas convencionais de se formar professores em nosso país. Realizados em dois
níveis de ensino – Médio e Superior –, os atuais cursos não dão conta de preparar o
professor com a qualidade que se exige hoje desse profissional. No nível médio,
realiza-se a formação dos professores das quatro séries iniciais do Ensino
Fundamental e, em alguns casos, a formação dos professores para a educação
infantil. Às vezes esses profissionais são formados no nível superior (nos atualmente
chamados cursos de pedagogia). Os professores para as séries seguintes do Ensino
Fundamental e para o Ensino Médio são formados no nível superior, recorrendo ao
velho esquema dos cursos de bacharelado e licenciatura. Conforme mencionamos
anteriormente, essas modalidades de formação já demonstraram historicamente seu
esgotamento (em nosso país e em vários outros).14 Dentro desse quadro, o
aprimoramento do processo de formação de professores requer muita ousadia e
criatividade para que se construam novos e mais promissores modelos educacionais
necessários à urgente e fundamental tarefa de melhoria da qualidade do ensino no
país.
A LDB no 9.394/96, em seu art. 62, estabelece como regra que a formação dos
docentes para a educação fundamental e para a educação infantil far-se-á em nível
superior. A elevação da formação docente em nível superior, reivindicação antiga
dos educadores em nosso país e já consolidada em grande parte dos países
desenvolvidos, fica assim contemplada. No mesmo art. 62, no entanto, admite-se
como formação mínima para as séries iniciais e para a educação infantil, "a
oferecida em nível médio, na modalidade Normal". Nesse caso, em nada superaria a
situação historicamente vivida em relação à habilitação específica do magistério. Por
outro lado, as disposições transitórias da referida lei (Título IX, art. 87, parágrafo 4o)
determinam que, até o final da Década da Educação (2007), "somente serão
admitidos professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em
serviço". Incorpora-se, dessa forma, avanço mundialmente consolidado de formação
docente em nível superior. A LDB institui, também, a possibilidade de que a
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
82
formação dos professores para todos os níveis de escolaridade ocorra nos Institutos
Superiores de Educação, não necessariamente universitários. A partir de então,
aceleram-se algumas alterações no cenário da formação de professores, o que
aponta para a urgência de um posicionamento quanto à formação dos professores
como profissionais da educação. As inovações curriculares – interdisciplinaridade,
sala-ambiente, ciclos de aprendizagem e outras – requerem dos professores novas
exigências de atuação profissional e, em conseqüência, novos saberes
pedagógicos, que nem sempre tiveram lugar em sua formação.
Que professor queremos formar?
Na sociedade contemporânea, as rápidas transformações no mundo do trabalho, o
avanço tecnológico configurando a sociedade virtual e os meios de informação e
comunicação incidem com bastante força na escola, aumentando os desafios para
torná-la uma conquista democrática efetiva. Não é tarefa simples nem para poucos.
Transformar as escolas em suas práticas e culturas tradicionais e burocráticas – as
quais, por meio da retenção e da evasão, acentuam a exclusão social – em escolas
que eduquem as crianças e os jovens, propiciando-lhes um desenvolvimento
cultural, científico e tecnológico que lhes assegure condições para fazerem frente às
exigências do mundo contemporâneo, exige esforço do coletivo da escola –
professores, funcionários, diretores e pais de alunos –, dos sindicatos, dos
governantes e de outros grupos sociais organizados.
Não se ignora que esse desafio precisa ser prioritariamente enfrentado no campo
das políticas públicas. Todavia, não é menos certo que os professores são
profissionais essenciais na construção dessa nova escola. Entendendo que a
democratização do ensino passa pela sua formação, sua valorização profissional,
suas condições de trabalho, pesquisas e experiências inovadoras têm apontado
para a importância do investimento no desenvolvimento profissional dos professores.
O desenvolvimento profissional envolve formação inicial e contínua articuladas a um
processo de valorização identitária e profissional dos professores. Identidade que é
epistemológica, ou seja, que reconhece a docência como um campo de
conhecimentos específicos configurados em quatro grandes conjuntos, a saber:
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
83
conteúdos das diversas áreas do saber e do ensino, ou seja, das ciências humanas
e naturais, da cultura e das artes; conteúdos didático-pedagógicos (diretamente
relacionados ao campo da prática profissional); conteúdos relacionados a saberes
pedagógicos mais amplos (do campo teórico da prática educacional) e conteúdos
ligados à explicitação do sentido da existência humana (individual, sensibilidade
pessoal e social).15 E identidade que é profissional. Ou seja, a docência constituiu
um campo específico de intervenção profissional na prática social – não é qualquer
um que pode ser professor.
Uma visão progressista de desenvolvimento profissional exclui uma concepção de
formação baseada na racionalidade técnica (em que os professores são
considerados mero executores de decisões alheias) e assume a perspectiva de
considerá-los em sua capacidade de decidir e de rever suas práticas e as teorias
que as informam, pelo confronto de suas ações cotidianas com as produções
teóricas, pela pesquisa da prática e a produção de novos conhecimentos para a
teoria e a prática de ensinar. Considera, assim, que as transformações das práticas
docentes só se efetivam na medida em que o professor amplia sua consciência
sobre a própria prática, a da sala de aula e a da escola como um todo, o que
pressupõe conhecimentos teóricos e críticos sobre a realidade.16 Dessa forma, os
professores contribuem para a criação, o desenvolvimento e a transformação nos
processos de gestão, nos currículos, na dinâmica organizacional, nos projetos
educacionais e em outras formas de trabalho pedagógico. Por esse raciocínio,
reformas gestadas nas instituições, sem tomar os professores como
parceiros/autores, não transformam a escola na direção da qualidade social. Em
conseqüência, valorizar o trabalho docente significa dotar os professores de
perspectivas de análise que os ajudem a compreender os contextos históricos,
sociais, culturais, organizacionais nos quais se dá sua atividade docente.
Nas últimas décadas assistimos a uma ampliação das oportunidades de acesso à
escola, em que pesem as diferenças entre as regiões. Poder-se-ia concluir que o
país tem uma escola que realizou a inclusão social de todos? Não nos parece, pois
a essa ampliação quantitativa, em grande parte resultante da reivindicação dos
educadores e da população, não correspondeu a melhoria das condições de
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
84
trabalho, de jornada, de organização e funcionamento, de formação e valorização do
professor, fatores essenciais para a qualidade do ensino. Sem isso, a escola
quantitativamente ampliada permanece excludente. Ao desenvolver um ensino
aligeirado, impossibilita a inserção social de crianças e jovens de classes sociais
mais pobres em igualdade de condições com aqueles dos segmentos
economicamente favorecidos, acentuando a exclusão social.
Uma escola que inclua, ou seja, que eduque todas as crianças e jovens, com
qualidade, superando os efeitos perversos das retenções e evasões, propiciando-
lhes um desenvolvimento cultural que lhes assegure condições para fazerem frente
às exigências do mundo contemporâneo, precisa de condições para que, com base
na análise e na valorização das práticas existentes que já apontam para formas de
inclusão, se criem novas práticas: de aula, de gestão, de trabalho dos professores e
dos alunos, formas coletivas, currículos interdisciplinares, uma escola rica de
material e de experiências, como espaço de formação contínua, e tantas outras. Por
sua vez, os professores contribuem com seus saberes específicos, seus valores,
suas competências, nessa complexa empreitada, para o que se requer condições
salariais e de trabalho, formação inicial de qualidade e espaços de formação
contínua.
Dada a natureza do trabalho docente, que é ensinar como contribuição ao processo
de humanização dos alunos historicamente situados, espera-se dos processos de
formação que desenvolvam conhecimentos e habilidades, competências, atitudes e
valores que possibilitem aos professores ir construindo seus saberes-fazeres
docentes a partir das necessidades e desafios que o ensino como prática social lhes
coloca no cotidiano. Espera-se, pois, que mobilizem os conhecimentos da teoria da
educação e do ensino, das áreas do conhecimento necessárias à compreensão do
ensino como realidade social, e que desenvolvam neles a capacidade de investigar
a própria atividade (a experiência) para, a partir dela, constituírem e transformarem
os seus saberes-fazeres docentes, num processo contínuo de construção de suas
identidades como professores.17
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
85
Em síntese, dizemos que o professor é um profissional do humano que: ajuda o
desenvolvimento pessoal/intersubjetivo do aluno; um facilitador do acesso do aluno
ao conhecimento (informador informado); um ser de cultura que domina de forma
profunda sua área de especialidade (científica e pedagógica/educacional) e seus
aportes para compreender o mundo; um analista crítico da sociedade, portanto, que
nela intervém com sua atividade profissional; um membro de uma comunidade de
profissionais, portanto, científica (que produz conhecimento sobre sua área) e
social.18
Esse profissional deve ser formado nas universidades, que é o lugar da produção
social do conhecimento, da circulação da produção cultural em diferentes áreas do
saber e do permanente exercício da crítica histórico-social.
Centro de Formação, Pesquisa e Desenvolvimento Profissional de Professores (CFPD): Uma proposta
Tendo argumentado sobre a especificidade da pedagogia e da formação de
pedagogos stricto sensu, não identificados com professores, e explicitado a
importância da formação destes, ampliada para o conceito de desenvolvimento
profissional, passamos a propor a nossa visão da formação de professores. Um
ponto de vista radical sobre essa questão leva ao enfrentamento do desafio da
definição dos locais institucionais para a formação desses profissionais e de
orientações explícitas sobre a organização curricular, assegurando um suporte legal
de marcos institucionais e curriculares nacionais. Dessa forma, acreditamos que são
necessárias decisões por parte das instâncias normativas do sistema educacional
que considerem o tratamento global da questão, revendo os locais institucionais de
formação – de modo a superar os evidentes (e consensuais) problemas e impasses
que têm marcado a formação de professores tanto nas faculdades de educação
como nos institutos/departamentos/cursos das universidades – e estabelecendo
orientações mais específicas para a organização curricular dos cursos,
contemplando a formação pedagógica e a específica no âmbito dos saberes
disciplinares.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
86
Por isso, sugerimos que a Faculdade (Centro) de Educação incorpore em sua
estrutura, ao lado do curso de pedagogia, o Centro de Formação, Pesquisa e
Desenvolvimento Profissional de Professores – CFPD – que terá quatro objetivos:
a) formação e preparação profissional de professores para atuar na educação
básica: educação infantil, Ensino Fundamental (1a a 8a série) e Ensino Médio;
b) desenvolver, em colaboração com outras instituições (Estado, sindicatos etc.), a
formação contínua e o desenvolvimento profissional dos professores;
c) realizar pesquisas na área de formação e desenvolvimento profissional de
professores;
d) preparação profissional de professores que atuam no Ensino Superior.
Esses objetivos configuram um projeto pedagógico próprio para a formação e o
desenvolvimento profissional de professores.
Por que em um centro específico e nas faculdades de educação?
A inserção na estrutura das faculdades (centros) de educação do CFPD pretende
ser uma virada de rumo na formação de professores. É preciso uma mudança
radical nas formas institucionais e curriculares de formação de professores,
superando o atual esquema do bacharelado e da licenciatura, que não responde
mais às necessidades prementes de qualificação profissional para um tempo novo.
Centrar a formação de professores numa instituição modelar como têm sido as
faculdades de educação e atribuir-lhe a responsabilidade de concatenar, no âmbito
das universidades, as políticas e planos de formação de professores, em estreita
articulação com os institutos, faculdades ou departamentos das áreas especificas,
pode ser garantia não apenas de melhoria da qualidade de formação, mas da
profissionalidade do professorado, de modo que se configurem sua identidade e seu
estatuto profissional.
As faculdades de educação têm sido, ao longo destas décadas, local da produção
do conhecimento sobre educação e ensino que, na maioria das vezes, tem sido
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
87
ignorado pelos institutos/departamentos/cursos específicos. No entanto, os
problemas encontrados nas atuais faculdades de educação e que exigem destas
uma reformulação, referem-se, a nosso ver, de um lado, à ambigüidade nelas
presente quanto ao tratamento das "ciências da educação" dissociadas das
questões referentes à profissionalidade docente e, de outro, à ambigüidade dos
cursos de pedagogia que, ao se restringirem à formação dos professores das séries
iniciais do Ensino Fundamental ou à formação técnico-burocrática dos
"especialistas", conforme tratamos no item anterior, perderam sua especificidade de
produção do conhecimento na área educacional. Há que se considerar, ainda, a
desigualdade de importância entre os saberes constitutivos da docência na
formação dos professores, privilegiando aqueles relacionados às competências
didático-pedagógicas do ensino (metodologias e práticas de ensinar), considerados
de modo fragmentado e dissociados das áreas específicas e apenas disciplinares e
os relacionados aos saberes pedagógicos mais amplos. Estes, via de regra,
desarticulados daqueles. Por sua vez, os institutos/departamentos/cursos, via de
regra, desenvolvem os conteúdos específicos das áreas, ignorando a docência
como atividade profissional de seus egressos e, portanto, ignorando os
conhecimentos pedagógicos/educacionais necessários à mediação profissional dos
especialistas em atividades de ensinar.
Considerem-se, também, as enormes dificuldades que ambos, faculdades de
educação e institutos, encontram para valorizar e efetivar a pesquisa sobre ensino e
docência nas respectivas instituições, por tratarem de área tradicionalmente menos
prestigiada na comunidade científica nacional e internacional. Já há um consenso
em algumas universidades, faculdades de educação, institutos, comunidades
científicas e nas áreas de ensino e entidades de educadores, de que a formação de
professores precisa se constituir em um projeto pedagógico próprio, articulado entre
diferentes instâncias de formação de professor. O que favoreceria, inclusive, a
valorização dessa área na comunidade científica, em termos de verbas para
projetos, pesquisas, experiências inovadoras e até articulação entre as instâncias de
formação inicial e os locais sociais de exercício da profissão docente.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
88
Um centro específico de formação, pesquisa e desenvolvimento profissional de
professores possibilitaria a superação da hoje dicotômica visão da docência. O
exercício profissional em um dado nível do ensino configura uma dimensão de uma
totalidade que é a docência. Em qualquer nível (e local: escolar e não-escolar) em
que ocorra, a docência configura uma visão de conjunto, de totalidade (à
semelhança do médico que, em qualquer campo de ação que atue, é médico!) e um
processo contínuo. Os atuais cursos de formação não lidam com essa categoria. Os
professores que atuam nas séries finais do Ensino Fundamental ignoram a
problemática e as questões essenciais da docência nos demais segmentos, o que
traz problemas insuperáveis nos resultados do ensino e do processo formativo, pois
seus profissionais operam a docência como um conjunto de "gavetas fragmentadas
e justapostas", negando a característica de complexidade do fenômeno ensino.
Em que o CFPD avança na discussão sobre a formação de professores
A institucionalização do CFPD possibilita a incorporação dos princípios que os
educadores construíram ao longo dos últimos anos (explicitados nas pesquisas, nas
experiências, na vivência profissional, nos movimento de educadores pela formação
profissional e em diversos fóruns de debates):
• introduz o conceito de desenvolvimento profissional, superando uma visão
dicotômica da formação inicial e da formação contínua;
• toma a pesquisa como componente essencial da/na formação. Incorpora as
recentes contribuições da formação do professor/pesquisador baseadas na
epistemologia da prática, propondo percursos de formação teórico/práticos, nos
quais a pesquisa é tanto formação do docente como este também se forma como
pesquisador19 (ver o item IV.c. experiência e prática profissionais: uma formação
integrada, Documento Norteador);
• a formação é especialmente voltada para a profissionalidade docente e para a
construção da identidade do professor. Experiências bem-sucedidas (especialmente
as realizadas em alguns cursos de pedagogia) mostram que os cursos que se
voltaram para tematizar a formação e o exercício da docência como objeto de
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
89
formação e pesquisa podem se constituir em espaços mais férteis na produção de
conhecimento e mais compromissados com a prática social da docência;
• investe em sólida formação teórica nos quatro campos que constituem os saberes
da docência;
• considera a prática social concreta da educação como objeto de reflexão/formação;
• considera a visão de totalidade do processo escolar/educacional;
• constitui um projeto pedagógico coletivo e interdisciplinar para a formação,
desenvolvendo em igualdade de importância os quatro campos dos saberes da
docência (conteúdos formativos, conforme o Documento Norteador);
• eleva a formação de todos os professores ao Ensino Superior;
• valoriza a atividade intelectual, crítica e reflexiva da docência como elemento de
melhoria da qualidade da formação profissional dos professores;
• apresenta currículo e percursos de formação abertos, permitindo um vai-e-vem
entre as várias instituições da universidade que desenvolvem conteúdos formativos
para a docência.
• O CFPD assegurará ainda:
• um sólido curso de graduação em que estará presente a unidade
ensino/pesquisa/extensão, elevando o estatuto da formação de professores e
assegurando a valorização profissional, situando todos os professores no mesmo
nível de formação e salários;
• a ampliação da responsabilidade das faculdades de educação e o reconhecimento
da importância do seu papel na formação de professores, assim como a redefinição
das responsabilidades dos institutos/faculdades/departamentos das áreas do
conhecimento, na formação dos professores dentro de um projeto mais explícito de
formação profissional do professorado;
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
90
• a eleição da prática como elemento integrante de todo o percurso de formação,
constituindo um princípio epistemológico da formação (e não um apêndice);
• a incorporação de contribuições de experiências bem-sucedidas de formação em
nosso país.
A formação de professores para qualquer um dos níveis de ensino no CFPD estará
assentada na compreensão de que a escolaridade constitui um processo contínuo e
uma totalidade, superando a atual fragmentação. Além disso, possibilitará que os
graduados complementem e ampliem sua formação para atuar em diferentes níveis
de ensino.
Com base em diagnósticos de necessidades e demandas, o CFPD oferecerá
programas para atendimento específico, por exemplo, na formação inicial para
professores leigos, para a população indígena; desenvolvimento profissional de
professores que já atuam nos sistemas escolares e outros. Tais programas poderão
ser objeto de convênios com Secretarias de Educação, sindicatos etc. Por seu
potencial formativo, integrarão o projeto pedagógico de formação inicial do CFPD.
Formação teórico-prática articulada na formação inicial e contínua
As investigações recentes sobre formação de professores apontam como questão
essencial o fato de que os professores desempenham uma atividade teórico-prática.
É difícil pensar na possibilidade de educar fora de uma situação concreta e de uma
realidade definida. A profissão de professor precisa combinar sistematicamente
elementos teóricos com situações práticas reais. Por essa razão, ao se pensar um
currículo de formação, a ênfase na prática como atividade formadora aparece, à
primeira vista, como exercício formativo para o futuro professor. Entretanto, em
termos mais amplos, é um dos aspectos centrais na formação do professor, em
razão do que traz conseqüências decisivas para a formação profissional.
Atualmente, em boa parte dos cursos de licenciatura, a aproximação do futuro
professor à realidade escolar acontece após ele ter passado pela formação "teórica",
tanto na disciplina especifica como nas disciplinas pedagógicas. O caminho deve ser
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
91
outro. Desde o ingresso dos alunos no curso, é preciso integrar os conteúdos das
disciplinas em situações da prática que coloquem problemas aos futuros professores
e lhes possibilitem experimentar soluções. Isso significa ter a prática, ao longo do
curso, como referente direto para contrastar seus estudos e formar seus próprios
conhecimentos e convicções a respeito. Ou seja, os alunos precisam conhecer o
mais cedo possível os sujeitos e as situações com que irão trabalhar. Significa tomar
a prática profissional como instância permanente e sistemática na aprendizagem do
futuro professor e como referência para a organização curricular.
Significa, também, a articulação entre formação inicial e formação continuada. Por
um lado, a formação inicial estaria estreitamente vinculada aos contextos de
trabalho, possibilitando pensar as disciplinas com base no que pede a prática; cai
por terra aquela idéia de que o estágio é aplicação da teoria. Por outro, a formação
continuada, a par de ser feita na escola a partir dos saberes e experiências dos
professores adquiridos na situação de trabalho, articula-se com a formação inicial,
indo os professores à universidade para uma reflexão mais apurada sobre a prática.
Em ambos os casos, estamos diante de modalidades de formação em que há
interação entre as práticas formativas e os contextos de trabalho. Com isso, institui-
se uma concepção de formação centrada na idéia de escola como unidade básica
da mudança educativa, em que as escolas são consideradas "espaços institucionais
para a inovação e a melhoria e, simultaneamente, como contextos privilegiados para
a formação contínua de professores" (Escudero e Botia 1994).
Sobre formar professores no curso de pedagogia
A tendência predominante hoje no Brasil e expressa na LDB, de formação de
professores para a educação infantil e as séries iniciais do Ensino Fundamental em
nível superior, representa uma conquista dos educadores brasileiros, amplamente
tematizada nas Conferências Brasileiras de Educação (CBEs), a partir de 1981.
Desde então a formação desses professores no Ensino Superior tem sido
experimentada em cursos de pedagogia. Alguns desses cursos implantaram
propostas inovadoras de formação com importantes resultados sociais e
profissionais, principalmente quando sua clientela é composta de professores que já
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
92
atuam nos sistemas de ensino. Tem sido freqüente nesses cursos tomar a prática
docente como objeto de formação teórico-prática, contribuindo para ampliar o
conhecimento no campo da formação de professores. Outros cursos mantiveram a
formação dos professores de 1a a 4a série apenas como uma habilitação ao lado de
outras. Estes, à guisa de pretenderem formar especialistas e professores, acabam
por não dar conta de uma formação de qualidade em nenhum caso, conforme
procuramos demonstrar. Outros, ainda, muito poucos, formam pedagogos para a
educação escolar (em geral, coordenadores pedagógicos) e, aqui e ali, preparam os
pedagogos para atuar em outros espaços sociais da educação, como os
movimentos sociais, a educação de jovens e adultos, os meios de comunicação etc.
Esses profissionais, em grau maior ou menor, desenvolvem a pesquisa em áreas
diversas da prática educativa.
Dados de pesquisa têm mostrado que, no primeiro caso, os cursos de pedagogia se
transformaram em ótimos cursos de formação de professores. Entendemos que
essas experiências bem-sucedidas não apenas devem continuar, como devem ser
apoiadas financeira e institucionalmente, pelos setores públicos e governamentais,
pelas agências de fomento e de financiamento de pesquisas para que sistematizem
o conhecimento produzido com base na experiência praticada e desenvolvam mais
pesquisas sobre formação de professores, fortalecendo assim teórica, científica e
politicamente a área. Há razões suficientes para afirmar que esses cursos, do ponto
de vista curricular e metodológico, mobilizam os saberes pedagógicos e os saberes
das áreas específicas para, na confluência com a experiência dos professores-
alunos, contribuírem à formação teórico-prática dos mesmos. São, pois, excelentes
cursos de formação de professores, embora, a nosso ver, não sejam cursos de
formação de pedagogos stricto sensu.
Por outro lado, do mesmo modo que rejeitamos a redução do curso de pedagogia à
formação de professores para a educação infantil e as séries iniciais do Ensino
Fundamental, não nos pareceu oportuna a designação de Escola Normal Superior
dada a esses cursos na legislação mais recente do Conselho Nacional de Educação.
A argumentação que desenvolvemos até aqui acentua nossa posição contrária à
extinção do curso de pedagogia, como também contrária à autonomização de uma
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
93
Escola Normal Superior. A nosso ver, a institucionalização da Escola Normal
Superior significa a reedição da antiga Escola Normal cuja concepção está
ultrapassada. A legislação recente do CNE não só não acrescenta nada de novo,
como também não incorpora inovações e funções já bastante difundidas na
produção de conhecimento na área, como a interligação entre formação inicial e
continuada, o desenvolvimento profissional dos professores, a pesquisa-ação, a
unidade do processo formativo dos professores de todos os níveis e modalidades de
ensino. Desse modo, é lastimável que o CNE esteja legislando aos pedaços,
levando à fragmentação da legislação e dos próprios cursos, desconsiderando a
idéia de um sistema integrado e articulado de formação dos profissionais da
educação e a rica investigação teórica produzida na universidade e nas escolas.
Concluindo
Entendendo que a análise crítica da realidade existente é imprescindível para sua
transformação, pretendemos, com o presente artigo, colaborar para essa análise,
oferecendo perspectivas e alternativas até então pouco exploradas na literatura
sobre os cursos de pedagogia e de formação de professores. Em decorrência,
entendemos que "modelos únicos" não apenas não respondem à diversidade e à
desigualdade de nosso país, como representam autoritarismos que ferem a
capacidade e a competência dos educadores brasileiros de apresentarem propostas
efetivamente compromissadas com a qualidade social da educação para nosso país.
Assim, este artigo traz contribuições para o alargamento da consciência dos
educadores, de modo que em suas práticas institucionais concretamente situadas
gestem propostas que confiram à pedagogia e à formação de professores o estatuto
de importância científica, social e cultural, num país em que é comum serem jogadas
fora conquistas duramente conseguidas na construção da democracia escolar e
educacional.
Notas
1. As idéias aqui expostas são desdobramentos da declaração de voto em separado
firmada pelos autores e anexada ao Documento Norteador para a Elaboração das
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
94
Diretrizes Curriculares para os Cursos de Formação de Professores, elaborado pelo
Grupo de Trabalho designado pela SESu/MEC, através da Portaria nº 808, de
8/6/1999, e encaminhado em 16/9/1999. O GT foi constituído pelos professores-
doutores: Antônio Joaquim Severino (coordenador), Helena Costa Lopes de Freitas,
José Carlos Libâneo, Luís Carlos de Menezes e Selma Garrido Pimenta. Na
declaração de voto é destacada a necessidade e a relevância de se enfrentar uma
das questões cruciais da educação nacional, que é a organização de um sistema
nacional de formação dos profissionais da educação, conforme o Título VI da LDB nº
9.394/96, incluindo, portanto, a formação de professores, de pedagogos
especialistas e de profissionais para outras tarefas sociais da educação, uma vez
que o Documento Norteador refere-se tão-somente à formação de professores.
2. O reforço da expressão stricto sensu seria desnecessário já que pedagogia é,
antes de tudo, um campo de conhecimentos cujo objeto é o fenômeno educativo e o
curso que lhe corresponde refere-se, obviamente, a uma seqüência de estudos
relacionada com esse objeto. Entretanto, está sendo utilizada aqui para se distinguir
do curso de formação de professores para as séries iniciais, uma identificação longe
de ter um suporte teórico-conceitual para avalizá-la.
3. Em publicação recente, Silva (1999) descreve e analisa o percurso do curso de
pedagogia no Brasil, com base nas regulamentações e propostas de estrutura
curricular, visando, justamente, estudar sua busca de identidade. Em publicação
anterior, Brzezinski (1998) faz uma radiografia da formação de professores. Cf.,
também, Libâneo 1999 (2º edição). Em relação especificamente às licenciaturas, há
vários trabalhos relevantes, entre outros, Castro (1974), Candau (1987), Bernardo
(1989), Silva (1991), Freitas (1992), Lüdke (1994), Gatti (1998).
4. Silva (op. cit.) relata em seu livro conclusões do Congresso Estadual de
Estudantes de Pedagogia, realizado em São Paulo em 1967, em que estes
reivindicavam a exclusividade de exercício profissional para o licenciado em
pedagogia em cargos e funções como orientador educacional, diretor de escola
média, inspetor de Ensino Médio, técnico em educação, professor de recursos
audiovisuais em educação, técnico de recursos audiovisuais em educação,
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
95
pesquisador educacional, assistente técnico-pedagógico. Os estudantes
recomendavam, também, a criação, em caráter efetivo, de cargos e funções para
suprir, com os licenciados em pedagogia, necessidades educacionais da realidade
brasileira, tais como: planejamento educacional, TV educativa, educação de adultos,
formulação de uma filosofia da educação, reformulação de política educacional,
educação de excepcionais, desenvolvimento de recursos humanos, atividades
comunitárias, avaliação de desempenho em escolas e empresas, administração de
pessoal, educação sanitária. Chegaram, inclusive, a recomendar a participação do
pedagogo na formação, adaptação e aperfeiçoamento do funcionalismo público
paulista.
5. As habilitações não se reduziam a essas oito, podendo ser criadas outras por
iniciativa do CFE e dos próprios estabelecimentos. É interessante notar que as
habilitações reclamadas pelos estudantes em 1967 (Cf. nota 5) foram incorporadas
pelo relator no Parecer.
6. Cabe lembrar que algumas dessas habilitações já existiam no nível pós-médio,
nos então Institutos de Educação, criados nos anos 30.
7. Diferentes posicionamentos de pesquisadores em relação a essas críticas e
inclusive ao papel dos pedagogos já se faziam sentir ao longo dos anos 70 e 80. À
época em que discutia a identidade do curso de pedagogia e do profissional
pedagogo, foram produzidas no programa de pós-graduação da PUC-SP três teses
sobre os especialistas de educação. Tais teses, posteriormente transformadas em
livro (Silva Jr. 1985, Pimenta 1988, Paro 1988), deram (e ainda dão) suporte à
atuação profissional dos pedagogos, ao recolocarem a prática da coordenação, da
administração e da supervisão pedagógicas diante das novas demandas sociais,
com base na crítica à tradição desses campos. Esses autores não endossaram a
licenciatura na pedagogia, criticaram a fragmentação das habilitações, mas
propuseram a redefinição do curso de pedagogia e do pedagogo na escola e no
sistema de ensino.
8. Algumas dessas questões são analisadas por Silva (op. cit.). Segundo ela, a
variedade de especializações do curso de pedagogia decorrente de pretensões
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
96
demasiadamente ambiciosas dos legisladores, resultou num "inchaço" do currículo,
levando a duas ordens de dificuldades: primeira, a de atender simultaneamente às
necessidades de formação de docentes e não-docentes; segunda, a de dar as
condições de oferta de numerosas disciplinas para as várias habilitações e as
múltiplas práticas de ensino. A situação se agrava, segundo a autora, à medida que,
além da formação do professor para o ensino normal e dos especialistas, o Parecer
assegura ainda o direito ao magistério nas séries iniciais do 1º grau. "Adicionar às
demais incumbências do curso de pedagogia a formação, também, desses
profissionais, é superestimar as possibilidades do curso e/ou desconhecer as
necessidades de formação desses docentes." Conclui a autora que um "inchaço" de
tais proporções leva inevitavelmente à desqualificação de qualquer curso.
9. É necessário registrar que a trajetória do movimento pela reformulação dos cursos
de formação do educador não manteve sempre a posição de minimizar o caráter
teórico da pedagogia. Nos anos 1983-89, a pedagogia foi assumida como uma
licenciatura destinada à formação de docentes para as disciplinas pedagógicas do 2º
grau e à formação de especialistas "de forma integrada", possibilitando uma ação
conjunta desses profissionais na escola. Admitia-se, também, a criação de áreas de
concentração em docência para as séries iniciais do 1º grau, educação pré-escolar,
educação de adultos, educação comunitária etc. Mas, especialmente, afirmava-se
em 1986: "O curso de pedagogia tem uma destinação prática: formar profissionais
da educação. (...) O curso de pedagogia tem também uma função teórica, não
menos importante, de transmissão, crítica e construção de conhecimento sobre a
ciência da educação". Mais tarde é que vai se firmando a idéia de identificar o curso
de pedagogia com a formação de professores, reiterando a famosa tese de Valnir
Chagas na sua Indicação nº 70/76, de "habilitar o especialista no professor".
Mostraremos, mais adiante, como esse entendimento acabou por tornar-se bastante
limitado e empobrecedor da formação.
10. No Parecer 252/69, uma frase do relator revela uma das ambigüidades da
concepção de curso de pedagogia que, segundo ele, "outra coisa não é senão o
desenvolvimento em anos do que se estuda em meses para a licença comum do
magistério". Da lógica desse raciocínio, depreende-se que o curso de pedagogia
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
97
deveria ser mais do que uma licenciatura, ou seja, seria um curso de estudos
sistemáticos da educação para formar seja professores do curso normal seja
especialistas de educação. Não preponderantemente para formar o professor das
séries iniciais do Ensino Fundamental, ou seja, uma licenciatura.
11. Libâneo, no livro Pedagogia e pedagogos, para quê? (1998, pp. 38-43, 91-95,
97-127), tenta refazer detalhadamente esse percurso da história do curso de
pedagogia e de sua descaracterização como área específica de conhecimento e
como campo de exercício profissional.
12. Ao explicitar a identidade profissional do pedagogo, escreve Carvalho (1996), ex-
diretora da Faculdade de Educação da USP: "O ensino e a pesquisa (...) são os
objetivos fundamentais de nossa faculdade. (...) Nós temos que ser realmente
técnicos em Educação e técnicos na pesquisa em Educação. Técnico em um
sentido amplo, sem a conotação pejorativa que este termo adquiriu nos anos 80.
Técnico (...) no sentido de conhecimento específico de ponta. (...) O curso, na minha
opinião, deveria proporcionar aos seus alunos esta dupla visão, esta dupla
formação. A escolha em ser um pesquisador ou um profissional da educação
deveria ser do aluno no final do curso. Durante os 4 anos ele deveria ser preparado
para as duas funções".
13. Há quem argumente que o curso de pedagogia para formar especialistas e
cientistas da educação separa a teoria da prática, a teoria educacional da docência,
o trabalho pedagógico do conteúdo. Do nosso lado, argumentamos que a
pedagogia, como área específica de conhecimento, tem seus próprios conteúdos,
formas e métodos. Os conteúdos da pedagogia (ou do trabalho pedagógico) não são
os conteúdos das matérias. Quem entende assim está fazendo uma identificação
descabida entre pedagogia e metodologia, trabalho pedagógico e trabalho
metodológico, como se fossem sinônimos. Ora, é evidente que a pedagogia, como
campo científico, tem seu conteúdo próprio, suas formas conexas ao conteúdo e aos
métodos, por mais que tais conteúdo e métodos tenham origem em boa parte das
demais ciências da educação. Mas isso não constitui nenhum problema
epistemológico, pois não se trata de uma exclusividade da pedagogia. Dificilmente
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
98
uma ciência prescindirá do campo conceitual e de práticas metodológicas de outras.
Sobre a relação teoria e prática, nossa proposta tem como suporte a unidade teoria
e prática, ou seja, todas as disciplinas estarão referidas à prática e vice-versa, além
de se prever o estágio específico onde couber. Gostaríamos, além disso, de levantar
a suspeita de que em muitos casos a experiência de sala de aula não precisa ser
salvo-conduto para o exercício profissional do pedagogo. Os objetos de estudo da
pedagogia escolar, por exemplo, são a escola e o ensino. É óbvio que não se pode
dispensar o futuro pedagogo do estágio na escola e na sala de aula, para aproximar-
se da realidade. Nem por isso ele precisa ser obrigatoriamente professor, nem
desempenhar estágio de ensino como professor. É claro que o objeto final a ser
conhecido pelo pedagogo escolar é o ensino, mas isso não exclui o entendimento de
que um diretor de escola, um coordenador pedagógico possuem também seu objeto
imediato, no caso, a administração e a gestão da escola e a coordenação e a
assistência pedagógico-didática.
14. França, Espanha, Portugal, Inglaterra, Canadá e Estados Unidos, dentre outros,
têm considerado os professores como atores centrais na formulação e no
desenvolvimento de inovações que objetivam um ensino de qualidade social, no qual
a disseminação do conhecimento e de elementos substanciais da cultura é
fundamental. Constata-se também o tratamento indissociado, nessas políticas, da
questão da formação e do desenvolvimento profissional dos docentes, envolvendo o
Estado, as universidades, as escolas e os sindicatos/associações científicas, bem
como políticas de valorização efetiva das condições de formação, de trabalho e
valorização profissional dos professores, envolvendo carreira e salários.
15. Conforme explicitados no Documento Norteador para a Elaboração das Diretrizes Curriculares para os Cursos de Formação de Professores, 1999, item III (Conteúdos formativos a serem desenvolvidos).
16. Ver item IV (Do processo formativo) do Documento Norteador para a Elaboração das Diretrizes Curriculares para os Cursos de Formação de Professores, 1999.
17. Ver à propósito Pimenta 1997 e 1999.
18. A partir de colaborações de Isabel Alarcão, na 22ª Reunião Anual da Anped. 1999.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
99
19. Ver Garrido, Fusari, Moura e Pimenta 1998, pp. 48-49.
Educational professional upbringingi: Critical view and changing perspectives
ABSTRACT: The article presents brief critical analysis of the historical of the formation of the education professionals in Brazil, clearing the ambiguities of the course of pedagogy from its creation to the present time, the trajectory of the courses of teachers' formation and the impact of the debates promoted in the institutions, entities, movements, around the subject. In the sequence, the text analyzes the nature and the identity of the pedagogy as an area of knowledge of the educational field and the subjects related to the professional exercise of pedagogues and teachers. It finally indicates suggestions of institutional organization and some possible trajectories of those professionals' formation that point for a change of the current picture.
BIBLIOGRAFIA
ANFOPE. Documentos Finais de Encontros. 1983-92. [ Links ]
BERNARDO, Maristela V.C. "O surgimento e a trajetória da formação do professor secundário nas universidades estaduais paulistas". In: BERNARDO, M.V.C. (org.). Formação do professor: Atualizando o debate. São Paulo: Educ, 1989. [ Links ]
BRZEZINSKI, Iria. Pedagogia, pedagogos e formação de professores. Campinas: Papirus, 1996. [ Links ]
CANDAU, Vera M. (coord.). Novos rumos da licenciatura: Pesquisa. Brasília: Inep/PUC-RJ, 1987. [ Links ]
CARVALHO, Anna M.P. de. "Identidade profissional do pedagogo: Introduzindo o debate". Estudos e Documentos (FE-USP). São Paulo, v. 36, 1996. [ Links ]
CASTRO, Amélia D. de. "A licenciatura no Brasil". Revista de História (USP) no 100. Set. 1974. [ Links ]
CHAGAS, Valnir. Formação do magistério: Novo sistema. São Paulo: Atlas, 1976. [ Links ]
ESCUDERO, Juan M. e BOTIA, Bolívar. "Inovação e formação centrada na escola. Uma perspectiva da realidade espanhola". In: AMIGUINHO, Abílio e CANÁRIO, Rui (orgs.). Escolas e mudança: O papel dos Centros de Formação. Lisboa: Educa, 1994. [ Links ]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
100
FERRARI, Yoshie e PIMENTA, Selma G. (coords.). "Formação de professores: Que política queremos?". Documento do Fórum Estadual Paulista de Formação de Professores para as Séries Iniciais do Ensino Fundamental. São Paulo, dez. 1997. [ Links ]
FREITAS, Luís C. "Em direção a uma política para a formação de professores". Em Aberto no 54, abr./jun. 1992. [ Links ]
GARRIDO, Elsa; FUSARI, Maria F.R ; MOURA, Manoel O. de, e PIMENTA, Selma G. Projeto USP-Ayres/FE-USP/Fapesp: A pesquisa colaborativa, a formação do professor reflexivo/investigativo e a construção coletiva de saberes e práticas pela equipe escolar. Anais do IX Endipe – Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino. Águas de Lindóia, vol. 1, 1998, pp. 48-49. [ Links ]
GATTI, Bernadete A. Formação de professores e carreira. Campinas: Autores Associados, 1997. [ Links ]
LIBÂNEO, José C. Pedagogia e pedagogos, para quê? São Paulo: Cortez, 1998. [ Links ]
________. "Que destino os educadores darão à pedagogia?". In: PIMENTA, Selma G. (coord.). Pedagogia, ciência da educação? São Paulo: Cortez, 1996. [ Links ]
________. "Reestruturação da Faculdade de Educação da UFG – Apontamentos críticos sobre seu projeto curricular de formação de educadores e sua estrutura organizacional". Cadernos da Educação no 1 FE-UFG. Goiânia, 1994, pp. 35-43-49. [ Links ]
________. Adeus professor, adeus professora? Novas exigências educacionais e profissão docente. São Paulo: Cortez, 1998. [ Links ]
LÜDKE, Menga. "Avaliação institucional: Formação de docentes para o Ensino Fundamental e médio (As licenciaturas)". Cadernos CRUB no 4. Brasília, set. 1994. [ Links ]
PARO, Vitor. Administração escolar. São Paulo: Cortez, 1988. [ Links ]
PIMENTA, Selma G. O pedagogo na escola pública. São Paulo: Loyola, 1988. [ Links ]
________. "Panorama atual da didática no quadro das ciências da educação: Educação, pedagogia e didática". In: PIMENTA, Selma G. (coord.). Pedagogia, ciência da educação? São Paulo: Cortez, 1996. [ Links ]
________. "Para uma re-significação da didática: Ciências da educação, pedagogia e didática, uma revisão conceitual, uma síntese provisória". In: PIMENTA, Selma G. (org.). Didática e formação de professores: Percursos e perspectivas no Brasil e em Portugal. São Paulo: Cortez, 1997. [ Links ]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
101
________. "Prefácio". In: LIBÂNEO, José C. Pedagogia e pedagogos, para quê? São Paulo: Cortez, 1998. [ Links ]
________. "Formação de professores: Saberes e identidade da docência". In: PIMENTA, S.G. (org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez, 1999. [ Links ]
Relatório Final da Comissão Especial para desenvolvimento de estudos sobre a formação dos profissionais da Educação no Estado de São Paulo (Conselho Estadual de Educação/SP). Revista de Educação no 10. São Paulo: Apeoesp, abr. 1999. (Membros da comissão: OLIVEIRA, Cleiton (coord.); AMBROSETTI, Neusa; FERRARI, Yoshie; FREITAS, Helena; OLIVEIRA, Zilma; SANTOS FILHO, José; PIMENTA, Selma G.; WEY, Vera). [ Links ]
SEVERINO, Antônio J. "Minuta do documento norteador para elaboração das diretrizes curriculares dos cursos de licenciatura (Segunda versão)". Documento apresentado ao GT-Licenciaturas da SESu-MEC, 1999. Não publicado. [ Links ]
SEVERINO, Antônio J. (coord.); FREITAS, Helena; LIBÂNEO, José C.; MENEZES, Luis C.; PIMENTA, Selma. Documento Norteador para a Elaboração das Diretrizes Curriculares para os Cursos de Formação de Professores. SESu/MEC, set. 1999. [ Links ]
SILVA, Carmem S.B. da. Curso de pedagogia no Brasil: História e identidade. Campinas: Autores Associados, 1999. [ Links ]
SILVA JR., Celestino A. Supervisão da educação: Do autoritarismo ingênuo à vontade coletiva. São Paulo: Loyola, 1985. Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99 [ Links ]
* Professor titular da Universidade Católica de Goiás. Email: [email protected]
** Professora titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
102
Educação & Sociedade Print version ISSN 0101-7330
Educ. Soc. vol.20 n.68 Campinas Dec. 1999 doi: 10.1590/S0101-73301999000300002
A REFORMA DO ENSINO SUPERIOR NO CAMPO DA FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA: As políticas educacionais e
o movimento dos educadores
Helena Costa Lopes de Freitas*
RESUMO
O presente trabalho apresenta as discussões que têm orientado o debate acerca da
formação dos profissionais da educação, recuperando a trajetória do movimento dos
educadores na luta pela sua formação e pela profissionalização do magistério –
representada na atualidade pela Associação Nacional pela Formação dos
Profissionais da Educação (Anfope) – nos últimos 20 anos. A construção coletiva em
torno da base comum nacional, em oposição às políticas de formação, e a proposta
de escola única de formação, que materializa os princípios da Anfope para a
reorganização dos cursos de formação dos profissionais da educação nas
universidades, vêm orientando o debate atual na resistência às políticas oficiais de
aligeiramento e fragmentação da formação profissional.
Palavras-chave: Formação de professores, base comum nacional, profissionais da
educação, políticas de formação
Introdução
As reformas educativas levadas a efeito em nosso país e nos outros países da
América Latina desde o final da década de 1970, com o objetivo de adequar o
sistema educacional ao processo de reestruturação produtiva e aos novos rumos do
Estado, vêm reafirmando a centralidade da formação dos profissionais da educação.
Nesse contexto, debatem-se diferentes propostas para a formação, fundadas em
projetos políticos e perspectivas históricas diferenciadas, o que faz com que a
formação desses profissionais seja tratada ou como elemento impulsionador e
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
103
realizador dessas reformas, ou como elemento que cria condições para a
transformação da própria escola, da educação e da sociedade.
No quadro das políticas educacionais neoliberais e das reformas educativas, a
educação constitui-se em elemento facilitador importante dos processos de
acumulação capitalista e, em decorrência, a formação de professores ganha
importância estratégica para a realização dessas reformas no âmbito da escola e da
educação básica (Aguiar 1997, Freitas 1994, 1995).
A importância dada à questão da formação pelas políticas atuais tem por objetivo
equacionar o problema da formação para elevar os níveis de "qualidade" da
educação nos países subdesenvolvidos, qualidade que, na concepção do Banco
Mundial, é determinada por vários fatores, entre os quais situam-se o tempo de
instrução, os livros didáticos e a melhoria do conhecimento dos professores
(privilegiando a capacitação em serviço sobre a formação inicial e estimulando as
modalidades a distância). À formação geral, garantida no Ensino Médio a baixo
custo, seria agregada a formação para a docência, oferecida em cursos curtos de
formação inicial centrados na capacitação pedagógica (Torres 1996, p. 165).
Em nosso país, a implementação dessas concepções via políticas de formação vem
se dando desde o final dos anos 80 e se consolida na década de 1990, em
decorrência dos acordos firmados na histórica Conferência de Ministros da
Educação e de Planejamento Econômico, realizada no México, em 1979, e na
Conferência de Jontien, em 1990, na Tailândia. Várias iniciativas foram tomadas, em
especial na América Latina e no Caribe, como tentativa de responder à crise de
acumulação do capitalismo, no sentido de "elevar o nível de satisfação das
necessidades básicas de aprendizagem", pilar do plano de ação Educação Para
Todos que fundamentou, em nosso país, o Plano Decenal. A "qualidade" da
educação e da escola básica passa a fazer parte das agendas de discussões e do
discurso de amplos setores da sociedade, e das ações e políticas do MEC, que
busca a cooptação para criar consensos facilitadores das mudanças necessárias na
escola básica e, principalmente, no campo da formação de professores (Freitas
1994).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
104
As concepções que orientam tais mudanças vêm sendo questionadas ao serem
confrontadas com a produção teórica e prática da área educacional e do movimento
dos educadores que, desde o final dos anos 70, com o processo de democratização
da sociedade, passa a colocar novas exigências para a melhoria da escola básica e
para a formação de professores. A Associação Nacional pela Formação dos
Profissionais da Educação (Anfope) – que se organiza a partir de 1983 como
Comissão Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Conarcfe) –, no
movimento de reformulação dos cursos de formação do educador, vem contribuindo
com essa discussão, construindo coletivamente uma concepção sócio-histórica de
educador em contraposição ao caráter tecnicista e conteudista que tem
caracterizado as políticas de formação de professores para a escola básica em
nosso país. Ela tem, na concepção de base comum nacional, em oposição à
concepção de currículo mínimo, o instrumento que marca a resistência às políticas
de aligeiramento, fragilização e degradação da formação e da profissão do
magistério.
Faz parte também dessa trajetória na luta pela formação a definição de uma política
nacional global de formação dos profissionais da educação e valorização do
magistério, que contemple de forma prioritária no quadro das políticas educacionais,
e em condições de igualdade, a sólida formação inicial no campo da educação,
condições de trabalho, salário e carreira dignas e a formação continuada como um
direito dos professores e obrigação do Estado e das instituições contratantes.
Este trabalho analisa, em um primeiro momento, as reformas no campo da formação
de professores a partir da LDB 9.394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, destacando a posição da Anfope e do movimento dos educadores em
relação a elas. Em seguida, são retomados os pontos principais da política nacional
de formação dos profissionais da educação, enfatizando as condições da formação
inicial a base comum nacional e a intervenção no processo de discussão das
diretrizes curriculares para os cursos de formação. Por último, é discutida a proposta
de escola única de formação, uma alternativa de reorganização e estruturação dos
cursos de formação de profissionais da educação no interior das faculdades e dos
centros de educação e das universidades.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
105
As políticas atuais para a formação dos profissionais da educação
A aprovação da nova LDB, em dezembro de 1996, representou o marco da
institucionalização de políticas educacionais que já vinham sendo gestadas e
implantadas pelo MEC1 e pelo governo anterior. As medidas no campo da formação,
regulamentadas pelo CNE, têm se caracterizado por aprovações pontuais de
pareceres e resoluções que vão conformando a reforma universitária no campo da
formação. Destacam-se a Resolução 02/97 (antigos Esquema I e II, agora
revigorados), que estabelece a possibilidade de complementação pedagógica para
qualquer graduado/bacharel que queira atuar na educação básica; a
regulamentação do curso normal em nível médio, sem que tenha sido definido o
caráter transitório e datado dessa instância de formação bem como a política de
formação em nível superior dos estudantes que finalizam esse curso; a
regulamentação dos cursos seqüenciais que oferecem diploma e concorrem com os
tradicionais cursos de graduação, abrindo a possibilidade de retomada das antigas
licenciaturas curtas de 1.600 horas.
No quadro dessas políticas, destaca-se ainda a elaboração das Diretrizes
Curriculares para a graduação, que fincará as bases para a organização curricular
dos cursos de formação dos profissionais da educação.
A LDB instituiu também as bases para a definição de novas políticas que vêm sendo
regulamentadas pelo Conselho Nacional de Educação, com a criação de novas
instituições: os Institutos Superiores de Educação, instituição específica para
formação de professores para a educação básica, o Curso Normal Superior, para
formação de professores de 1a a 4a série e educação infantil, e a formação dos
especialistas nos cursos de pedagogia.
Posteriormente, o Decreto 2.032 de agosto de 1997, que alterou o sistema federal
de Ensino Superior e a organização acadêmica das IES, regulamenta essa nova
instituição e seu lugar no "concerto" do Ensino Superior brasileiro. O decreto
estabelece que as Instituições de Ensino Superior podem assumir diferentes
formatos: universidades, centros universitários, faculdades integradas, faculdades e
institutos superiores ou escolas superiores. Com essas distinções, e mantendo-se a
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
106
exigência da pesquisa apenas nas universidades, institucionaliza-se a distinção
entre universidades de ensino e universidades de pesquisa, mantida no Plano
Nacional de Educação elaborado pelo relator da Comissão de Educação e Cultura,
reservando para os Institutos Superiores de Educação, uma instituição de quinta
categoria, segundo a própria hierarquização formulada pelo MEC para as IES, a
formação dos quadros do magistério.
A recente regulamentação dos Institutos Superiores de Educação, pelo Parecer no
115/99 da Câmara de Ensino Superior do CNE, deixa clara a concepção de
formação de professores que permeia as propostas atuais, ao estabelecer que a
preparação dos profissionais para atuar na educação básica se dará
fundamentalmente em uma instituição de ensino de caráter técnico-profissional.
As implicações dessa forma de organização do Ensino Superior para a formação
dos profissionais da educação têm sido anunciadas e denunciadas tanto pelas
diferentes entidades acadêmicas – Anfope, Anped, Anpae, Fórum de Diretores das
Faculdades de Educação das Universidades Públicas Brasileiras – quanto por
estudiosos da área (Aguiar 1997, Anfope 1998, 1999, Kuenzer 1998).
Para efeito de análise, retomamos aqui algumas dessas questões, centrando a
discussão nas condições de formação, buscando identificar seus fundamentos no
quadro atual. No campo das possibilidades da organização curricular e dos estudos
a serem oferecidos, pode-se identificar uma situação discriminatória em relação aos
demais cursos de graduação. Senão vejamos.
É um curso de caráter técnico-profissionalizante. A carga horária para integralização
do curso – 3.200 horas – pode ser reduzida, dependendo da experiência e da
formação anterior dos estudantes, podendo chegar até a 1.600 horas. Com isso,
constata-se que, pela primeira vez, se abre a possibilidade de aproveitamento, em
nível superior, dos estudos realizados em nível anterior de escolaridade,
desqualificando e banalizando o rigor necessário que deveria ser exigido dos
estudos superiores.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
107
Outra característica discriminatória é a exigência de qualificação do corpo docente –
10% de mestres e doutores –, que contrasta com a exigência de qualificação nas
universidades – 30% de mestres e doutores –, caracterizando uma desqualificação
dos formadores de professores, com sérias implicações no ensino e nos estudos
desenvolvidos nessas instituições.
As diretrizes curriculares que orientarão a elaboração dos currículos e os estudos
tomarão por base as diretrizes para a educação básica, ao contrário do processo
que tem orientado a elaboração das diretrizes para os cursos de graduação, que
toma como parâmetros e princípios orientadores os conhecimentos científicos da
área de formação. Essa forma de organização nos leva a afirmar que os estudos
que aí se desenvolverão, separados da pesquisa e da produção de conhecimento
nas áreas de formação – tanto nas disciplinas de conteúdo das áreas específicas da
docência quanto na área educacional –, adquirirão caráter técnico e instrumental,
retirando do profissional da educação a possibilidade de desenvolver-se como
"intelectual responsável por uma área específica do conhecimento, atribuindo-se a
ele uma dimensão tarefeira, para o que não precisa se apropriar dos conteúdos da
ciência e da pesquisa pedagógica" (Kuenzer apud Aguiar 1999).
Tais características apontam para a constituição de uma instituição formadora de
caráter pós-médio, e não superior. Assim, em vez de se buscar o que há de mais
avançado em termos de propostas de organização curricular e experiências em
curso nas IES, em particular nos cursos de pedagogia, coloca-se como horizonte o
aligeiramento da formação pelo rebaixamento das exigências e das condições de
formação.
Esse rebaixamento das exigências em vários níveis – corpo docente, carga horária –
, aliado às pressões dos sistemas de ensino estaduais e municipais para a
qualificação de seus docentes até 2007, em cumprimento à LDB e na ausência de
política de expansão qualificada do Ensino Superior público, que demandaria maior
volume de recursos financeiros, tem causado a proliferação de cursos de 1.600
horas e a criação de numerosas instituições privadas que se beneficiam dessas
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
108
condições "ideais" para seu crescimento e expansão, nem sempre com a qualidade
necessária.
É contra essa política que a Anfope tem se posicionado, mais especificamente
contra o caráter da formação que essas instituições têm possibilidade de oferecer,
em decorrência de sua organização. Desde o IV Encontro Nacional, de 19892,
quando do processo de elaboração da LDB e, posteriormente, em 1994, durante o
VII Encontro Nacional, a Anfope vem se posicionando contrariamente a essas
iniciativas que já começavam a se configurar como alternativas para a organização
dos cursos de formação de professores, pois indicavam "uma reformulação às
avessas, desconsiderando as atuais instituições formadoras como locus de
produção do conhecimento e agências responsáveis pela formação de profissionais
da educação3".
Ao contrário do que afirmam alguns autores (Libâneo e Pimenta 1999), a Anfope tem
assumido historicamente uma posição contrária a qualquer proposta que vise criar
centros específicos de formação de professores, separados dos centros e dos
cursos que formam os profissionais da educação e pretendam separar a formação
de professores da formação dos demais profissionais da educação e do ensino, ou
dos especialistas.
Tal posição tem se mantido historicamente e tem fundamentado as posições da
entidade nos diversos fóruns em que é discutida a criação dos Institutos Superiores
de Educação, como lugar específico da formação exclusiva de professores,
separado da universidade. Essa posição foi reafirmada no processo de elaboração
do Plano Nacional de Educação da sociedade brasileira (1997), e nos quatro
seminários nacionais realizados de 1996 a 1999, promovidos conjuntamente pela
Anfope e pelo Fórum de Diretores das Faculdades/Centros de Educação das
Universidades Brasileiras.4
Nos diferentes documentos, a Anfope tem se posicionado a respeito dessa temática,
em particular reiterando a denúncia de que
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
109
A proposta mantém as dicotomias e as fragmentações na formação de profissionais
da educação quando se dedica, em sua formulação, à formação de professores e
não de educadores, enfatizando exclusivamente o conteúdo específico, as
metodologias e o projeto pedagógico da escola, reforçando, portanto, a concepção
conteudista, tecnicista do professor, reduzindo-o a um prático com pleno domínio da
solução de problemas da prática cotidiana da escola e da sala de aula, alijado da
investigação e da pesquisa sobre as condições concretas que geram esses
problemas. (Anfope 1999)
É exatamente nesse campo que hoje se trava o debate nacional sobre a formação
dos profissionais da educação, suas concepções, seu conteúdo e forma, que vai
dando lugar a regulamentações, propostas, documentos e formulações oficiais.
A criação de novos cursos e instituições – como os Institutos Superiores de
Educação e o Curso Normal Superior5 – específicos para a formação de professores
é parte da estratégia adotada pelo governo brasileiro, em cumprimento às
exigências dos organismos internacionais, para o que seria a segunda etapa da
reforma educacional: a reforma no campo da formação de professores. Essa
segunda etapa cumpre dois objetivos básicos:
a) adequar as instituições formadoras e os conteúdos da formação aos objetivos da
reforma da educação básica em curso, garantindo a aplicação dos princípios da
reforma na sala de aula e na escola;
b) para cumprir com eficiência esse objetivo, não é necessário nem desejável que a
formação ocorra nas universidades e nos centros em que a produção de
conhecimento é parte integrante da formação profissional; é preciso, portanto,
separar a formação de professores da formação dos demais profissionais da
educação e da pós-graduação acadêmica. No caso do Brasil, é preciso separar a
formação de professores do curso de pedagogia, reservando-o como um curso de
excelência para formar profissionais da educação qualificados no campo da
produção de conhecimento. Com essa política, desarticulam-se as faculdades e os
centros de educação como instituições formadoras de educadores, profissionais de
caráter amplo para atuar na docência, instituições que vêm se constituindo como
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
110
centros produtores de conhecimento, geradores de novas idéias que contestam e
fazem a crítica da educação, da escola e do ensino e das políticas moldadas pelas
diferentes reformas educacionais.
Mello (1999), ao definir elementos da política para formação inicial de professores,
deixa explícito que "é preciso dar prioridade à formação de professores na
perspectiva e no âmbito da política de educação básica, independentemente da
problemática do ensino superior como tal (...)"6. Afirma que seria
inviável para o poder público financiar a preços das universidades "nobres" a
formação de seus professores de educação básica que se contam em mais de
milhão. Com um volume de recursos muito menor, um sistema misto de custo baixos
tanto públicos quanto privados, configura um ponto estratégico de intervenção para
promover melhorias sustentáveis a longo prazo na escolaridade básica. (Idem, p. 8;
grifos nossos)
Esse documento explicita alguns parâmetros orientadores das políticas do Banco
Mundial para a educação básica (Torres 1996) e também as medidas e as políticas
governamentais no campo da formação de professores, nos próximos anos, dentre
os quais se destacam:
a) Aprofundamento do processo de "ajuste" estrutural, enxugamento dos recursos do
Estado para a educação e conseqüente privatização;
b) distribuição, centralização e focalização dos recursos para experiências que se
adeqüem aos princípios da reforma educativa em curso;
c) a massificação7 e o caráter de capacitação pedagógica (pragmatismo e o retorno
ao tecnicismo) na formação de professores,
• ênfase na capacitação pedagógica de professores feita em instituições específicas,
exclusivas, sem história e orientadas pelos parâmetros da reforma educativa em
curso que necessita "aterrissar na sala de aula";
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
111
• rebaixamento das exigências de qualificação do corpo docente das instituições
formadoras de professores;
• retirada da formação de professores das faculdades de educação (curso de
pedagogia) e das universidades, desarticulando-as como centros de formação de
professores, com propostas orientadas por parâmetros acadêmicos e científicos no
campo da pesquisa e da formação de profissionais com amplo domínio do
conhecimento crítico sobre a educação e a sociedade, em condições de elaborar
propostas alternativas às propostas oficiais atuais;
• diretrizes curriculares para a formação fundadas nas diretrizes curriculares para a
educação básica e educação infantil, e não em diretrizes curriculares de caráter
acadêmico, tal como para os cursos de graduação nas IES; é preconizada uma
"sintonia fina" entre as agências formadoras e a reforma educativa.
d) o individualismo e a responsabilidade pessoal no processo formativo:
• desenvolvimento profissional: situa a responsabilidade pela formação continuada
no próprio professor, que deve autogerir sua formação continuada, seu
desenvolvimento profissional, em contraposição a uma concepção de formação
continuada como direito do profissional e dever do Estado e demais instituições
contratantes;
• certificação de competências: um novo conceito que orienta a formação
profissional – não há direito ao trabalho garantido pelo curso de formação. O
exercício do magistério fica condicionado à conclusão de curso em instituição
credenciada e à avaliação para certificação de competências docentes;
• avaliação dos professores vinculada à avaliação de desempenho dos alunos no
Saeb ou outras formas, para ascensão na carreira.
Na questão específica da formação de professores para educação infantil e séries
iniciais, a situação criada pela LDB é ainda mais complexa e reacende algumas das
polêmicas discussões da década de 1970, ao estabelecer permanência da formação
desses professores em nível médio, ao criar o Curso Normal Superior em
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
112
substituição ao curso de pedagogia e localizar a formação dos especialistas no
curso de pedagogia, separada da formação de professores – no Curso Normal
Superior.
Não é demais reafirmar que o curso de pedagogia, em grande parte das IES, desde
meados da década de 1980, constituiu-se como um curso de graduação plena,
licenciatura e bacharelado, com projeto pedagógico próprio, responsável pela
formação de profissionais para a educação básica, eliminando a fragmentação das
antigas habilitações, e possibilitando sua inserção em outros campos profissionais.
É, hoje, o único curso de formação de profissionais da educação que tem essa
organização, com projeto pedagógico específico, sob total responsabilidade das
faculdades/centros de educação, superando as dicotomias entre bacharelado e
licenciatura, formação pedagógica e formação específica, presentes nos demais
cursos de licenciatura.
O CNE, ao regulamentar os Institutos Superiores de Educação, ignorou essa
trajetória e regulamentou a formação de professores de educação infantil e de 1a a
4a série no Curso Normal Superior, criando o clima propício para que,
posteriormente, fosse regulamentada a formação de professores para esses níveis
de ensino exclusivamente no Curso Normal Superior, tal como estabelece o Parecer
970/99, da Câmara de Educação Superior, aprovado em 10/11/1999, com apenas
sete (dos doze) conselheiros presentes e um voto em contrário, declarado em
separado pelo conselheiro Jacques Velloso. Sua aprovação foi antecedida de muita
mobilização em nível nacional, de amplos setores da área educacional. Centenas de
instituições, entidades, conselhos de cursos e educadores enviaram manifestação
ao Conselho Nacional, entre a reunião de outubro e a reunião de novembro do CNE,
rejeitando o parecer e solicitando audiência pública para o trato dessa questão. A
constatação de que não foi introduzida qualquer modificação na minuta
originalmente apresentada à Câmara de Ensino Superior e a insensibilidade diante
das centenas de manifestações de todo o país são dados reveladores da força dos
interesses que orientam a definição das políticas educacionais em nosso país e das
concepções que informam as propostas de formação de professores.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
113
O conteúdo do Parecer 970/99, por outro lado, opõe-se frontalmente aos estudos
desenvolvidos pela Comissão de Especialistas de Pedagogia, que, ao definir as
diretrizes curriculares para o curso, estabelece a docência como base da identidade
profissional de todo educador. Essa oposição a uma construção coletiva e histórica
no campo da formação de professores demonstra que as decisões no campo da
formação vêm respondendo aos interesses de determinados setores, tanto no CNE
quanto no MEC, que pretendem colocar os cursos de formação de professores como
responsabilidade apenas dos Institutos Superiores de Educação, afastados dos
bacharelados e, no que tange à formação de professores para as séries iniciais e a
educação infantil, afastada da formação dos demais profissionais do ensino no curso
de pedagogia – que se transformaria em um bacharelado (ou pedagogia stricto
sensu, uma nova formulação), retirando, portanto, desses cursos e das faculdades
de educação a responsabilidade pela formação dos profissionais da educação
(Anfope 1999)8.
Ao estabelecer que o curso de pedagogia formará os especialistas separadamente
da docência, retomando as já superadas habilitações, a regulamentação do CNE
contraria o movimento real9, a produção teórica na área10 e a própria LDB, que
estabelece, em seu artigo 67, a experiência docente como pré-requisito para o
exercício das demais funções do magistério.
Com isso, retorna agora, em um patamar mais elaborado11, a figura do pedagogo
"especialista", em oposição à concepção de profissional da educação, educador de
caráter amplo que tem na docência, no trabalho pedagógico, a base de sua
formação e de sua identidade profissional. Essa concepção de pedagogo stricto
sensu, superada tanto pela produção teórica da área quanto pela prática
democrática da organização do trabalho pedagógico nas escolas públicas, articula-
se à concepção de professor "tarefeiro", formado com ênfase nos conteúdos
específicos.
Essa concepção favorece as políticas governamentais que apontam para uma
formação diferenciada entre professores e demais profissionais da educação, e
ainda dá espaço para a formação de profissionais para funções de gestão do
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
114
sistema educacional descoladas do âmbito escolar, numa perspectiva hierarquizada.
Nas circunstâncias atuais da escola básica, esse profissional é ressignificado pelo
Estado, talvez como um profissional a seu serviço na escola e nos sistemas de
ensino para que, diante de professores formados em bases tecnicistas e
pragmatistas, possa atuar firme e decisivamente no sentido de fazer cumprir as
metas da reforma e das políticas educacionais que a embasam.
O fato de o curso de pedagogia constituir-se sob total e exclusiva responsabilidade
das faculdades/centros de educação tem permitido seu aprimoramento e
aperfeiçoamento na direção de tomar a prática educativa e a educação como objeto
de estudo na formação de profissionais para atuação na educação básica – na
formação de crianças de 0 a 10 anos –, identificando, no trabalho pedagógico
escolar e não-escolar, elementos constitutivos da formação humana em sua
dimensão omnilateral12.
É essa especificidade que devemos garantir para o curso de pedagogia, cuja "crise"
somente se aprofundará com a separação da formação de professores, a retomada
das habilitações e a fragmentação na formação dos especialistas.
O que está em jogo, hoje, para o conjunto dos educadores e para a sociedade
brasileira é a defesa do campo educacional e, nele, do curso de pedagogia e das
faculdades/centros de educação, como espaços de formação do profissional da
educação básica estudioso da educação, em condições de exercer sua prática em
ambientes formais e não-formais, escolares e não-escolares, e em todos os espaços
em que se desenvolva o trabalho educativo.
Sintetizando, podemos afirmar que o conjunto dessas políticas materializadas nas
normatizações e nos referenciais dá contorno à reforma do ensino superior no
campo da formação de professores, feita às avessas, à revelia e à margem do
movimento dos educadores, das IES, e dos cursos de formação, como parte da
reforma mais geral do ensino superior e da reforma do Estado, desencadeada pelo
atual governo.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
115
No que tange às concepções de formação, assistimos ao retorno da concepção
tecnicista do educador (neotecnicismo), tal como anunciado por Freitas (1992), com
ênfase nos aspectos pragmatistas da formação. A opção por esse modelo de
formação atende aos princípios de flexibilidade, eficiência e produtividade dos
sistemas de ensino, negando toda a trajetória do movimento dos educadores em sua
luta pela melhoria das condições de sua formação profissional, retirando das
faculdades/centros de educação a experiência construída historicamente de
formação de professores e de produção de conhecimento na área educacional,
sobre a escola, o ensino e o trabalho pedagógico em suas múltiplas dimensões.
Portanto, reafirmar as formulações e concepções históricas do movimento passa a
ser uma exigência, para os educadores, na discussão das diretrizes curriculares, nas
reformulações curriculares e na organização de novos cursos de formação, de forma
que possam constituir-se em norte para as ações no campo da formação dos
profissionais da educação.
A concepção de formação e a base comum nacional
A questão da formação do educador sempre foi examinada pela Anfope de forma
contextualizada, por entendê-la
inserida na crise educacional brasileira, que por sua vez constitui uma das facetas
de uma problemática mais ampla, expressão das condições econômicas, políticas e
sociais que configuram uma sociedade profundamente desigual e injusta que vem
esmagando a grande maioria da população e relegando-a a uma situação de
exploração e miséria.13
Há hoje uma consciência generalizada de que a formação de professores é um
desafio relacionado com o futuro da educação básica, esta, por sua vez,
intimamente vinculada com o futuro de nosso povo e a formação de nossas
crianças, jovens e adultos. No entanto, as perspectivas de que essa formação ocorra
em bases teoricamente sólidas e fundada nos princípios de uma formação de
qualidade e relevância social são cada vez mais remotas, no quadro das políticas
educacionais implementadas.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
116
A redução dos recursos públicos para a educação pública, o asfixiamento das
universidades públicas, a trágica realidade da escola pública – exposta no
documento "Retrato da Escola"14, elaborado pela CNTE – vão evidenciando a
impossibilidade de resolução desses problemas nos marcos das relações sociais
vigentes. A consciência dessa situação por parte dos educadores exige o
desvelamento dos reais fundamentos das propostas de formação de professores em
curso em nosso país. Assumir com radicalidade as propostas de profissionalização
do magistério, dando-lhes o conteúdo que o movimento dos educadores vem
construindo ao longo de sua história, este parece ser o desafio atual.
Nesse contexto, é importante explicitar as contradições presentes nas propostas
oficiais, aprofundando a discussão de uma política nacional global de formação dos
profissionais para a educação. A luta pela igualdade das condições de formação,
que se configura como um direito dos sujeitos e um dever do Estado, está em
contradição com as – e em oposição frontal às – políticas atuais que propugnam a
igualdade de oportunidades ou eqüidade, que se configura como um dever dos
sujeitos e um direito do Estado.
A igualdade das condições de formação supõe fundamentalmente a possibilidade de
estudos em cursos e instituições que recusem a fragmentação e as dicotomias entre
a formação de professores e os demais profissionais da educação, rejeitando,
portanto, as propostas atuais que reforçam o aligeiramento no conteúdo e no tempo
da formação. A definição das bases da formação no contexto de uma política global
de formação ganha, nesse contexto, importância crucial, como forma de expressar
as diferentes concepções de educação e de educador que estão em debate nas
circunstâncias atuais. Esta tem sido a preocupação central da Anfope na última
década, período em que as reformas neoliberais causaram impacto de forma mais
direta na educação, na escola pública e na formação de professores.
Na definição dessa política devem se articular a formação inicial com a formação
continuada e as condições de trabalho e salários dignos e justos, entendendo que a
"implantação de uma política de formação inicial e continuada deve colocar em
questão a responsabilidade dos estados em relação à mesma, bem como o
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
117
financiamento para sua implementação"15. Paralelamente e em estreita
dependência, entende-se que a profissionalização do educador supõe a valorização
dos profissionais, o que requer condições adequadas para o exercício da profissão,
carreira e o desenvolvimento de uma política salarial unificada. Entende-se ainda a
formação continuada como um direito dos professores e dever do Estado e das
agências contratantes.
Na perspectiva de uma educação crítica e transformadora, deve-se também
reafirmar a concepção sócio-histórica de educador, definida pelo movimento dos
educadores e defendida pela Anfope, concepção de formação do profissional de
caráter amplo, com pleno domínio e compreensão da realidade de seu tempo, com a
consciência crítica que lhe permita interferir e transformar as condições da escola,
da educação e da sociedade, um
educador que, enquanto profissional do ensino (...) tem a docência como base da
sua identidade profissional, domina o conhecimento específico de sua área,
articulado ao conhecimento pedagógico, em uma perspectiva de totalidade do
conhecimento socialmente produzido que lhe permita perceber as relações
existentes entre as atividades educacionais e a totalidade das relações sociais,
econômicas, políticas e culturais em que o processo educacional ocorre, sendo
capaz de atuar como agente de transformação da realidade em que se insere.
(Conarcfe 1989)
É essa concepção, reafirmada e aprimorada ao longo da trajetória de construção
coletiva dos educadores, que tem orientado estudos que foram dando forma e
conteúdo às idéias, proposições e propostas de reestruturação curricular,
particularmente nos cursos de pedagogia de numerosas instituições em nosso
país,16 em resposta aos ideais dos educadores na luta pela democratização da
escola, da educação, pela valorização e profissionalização do magistério.
A produção teórica do movimento dos educadores evidencia concepções avançadas
sobre a formação do educador, não apenas por destacar seu caráter sócio-histórico,
mas principalmente por contribuir com a construção de propostas de superação das
dicotomias presentes na formação de professores e dos especialistas, entre
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
118
bacharelados e licenciaturas e entre pedagogia e demais licenciaturas. Esta é uma
exigência dada pela democratização das relações entre os sujeitos no trabalho
pedagógico e na construção de novos projetos coletivos. A explicitação da dimensão
social da educação e da escola torna evidência a estreita vinculação entre a forma
de organização da escola na sociedade capitalista e a formação do educador, fato
que coloca em oposição os projetos conservadores da sociedade atual e o projeto
histórico que busca a superação do capitalismo e anuncia a concepção de futuro da
humanidade que pretendemos.
Essas concepções encontraram sua forma mais elevada na elaboração da base
comum nacional que vem sendo construída cotidiana e coletivamente nas propostas
concretas de organização curricular nas diferentes IES de nosso país, articulando a
unidade dos educadores em torno de princípios norteadores da formação.
O conteúdo da formulação da base comum nacional é um instrumento de luta e
resistência contra a degradação da profissão do magistério, permitindo a
organização e reivindicação de políticas de profissionalização que garantam a
igualdade de condições de formação. É ainda um elemento unificador da profissão,
ao defender que a docência é a base da formação de todos os profissionais da
educação, pois permite assumir com radicalidade, ainda hoje, nas condições postas
para a formação de professores, a formulação de Saviani (1982): formar o professor
e o especialista no educador.
A idéia de base comum nacional, que se originou no I Encontro Nacional, realizado
em 1983, em contraposição à idéia de formação do pedagogo generalista, contém
um conjunto de princípios norteadores que vêm sendo construídos, retomados,
ressignificados na trajetória da entidade e na construção prática das transformações
curriculares que se desenvolvem nas diferentes IES. Princípios que são orientadores
do exame, da análise e das propostas de estrutura e organização curricular e
institucional dos cursos de formação de profissionais da educação, os quais podem
ser assim sistematizados:
a) sólida formação teórica e interdisciplinar sobre o fenômeno educacional e seus
fundamentos históricos, políticos e sociais, bem como o domínio dos conteúdos
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
119
específicos a serem transmitidos pela escola, que permita a apropriação do
processo de trabalho pedagógico;
b) unidade teoria/prática que implica assumir uma postura em relação à produção de
conhecimento que impregne a organização curricular dos cursos; tomar o trabalho
como princípio educativo na formação profissional, revendo-se os estágios e sua
relação com a rede pública e a forma de organização do trabalho docente na escola;
e ênfase na pesquisa como meio de produção de conhecimento e intervenção na
prática social;
c) gestão democrática como instrumento de luta contra a gestão autoritária na
escola, entendida como superação do conhecimento de administração enquanto
técnica, a fim de apreender o significado social das relações de poder que se
reproduzem no cotidiano da escola, nas relações entre os profissionais, entre estes
e os alunos, assim como na concepção e elaboração dos conteúdos curriculares;
d) compromisso social e político do profissional da educação, com ênfase na
concepção sócio-histórica de educador, estimulando a análise política da educação
e das lutas históricas dos profissionais professores articuladas com os movimentos
sociais;
e) trabalho coletivo e interdisciplinar entre alunos e entre professores como eixo
norteador do trabalho docente na universidade e da redefinição da organização
curricular; a vivência e a significação dessa forma de trabalho e da produção de
conhecimento permitem a apreensão dos elementos do trabalho pedagógico na
escola e das formas de construção do projeto pedagógico-curricular de
responsabilidade do coletivo escolar;
f) formação inicial articulada à formação continuada, assegurando solidez teórico-
prática na formação inicial e diálogo permanente entre o locus de formação inicial e
o mundo do trabalho, por intermédio de programas e projetos de educação
continuada, correspondendo à concepção de uma formação em redes de
conhecimento e saberes, incluindo os programas de pós-graduação (Anfope 1998)17.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
120
Esses princípios orientadores, construídos e reafirmados a cada Encontro Nacional,
configuram-se também instrumento de análise e discussão das políticas atuais no
campo da formação de professores. Eles têm orientado a atuação dos educadores
nas últimas décadas e nos últimos dois anos vêm referenciando o movimento e as
discussões, em nível nacional, das diretrizes curriculares para os cursos de
formação dos profissionais da educação.
As diretrizes curriculares e a escola única de formação: Uma proposta em construção
O processo de elaboração das diretrizes curriculares para os cursos de graduação,
desencadeado pelo MEC e pelo CNE em 1997, insere-se no processo de "ajuste"
das universidades às novas exigências dos organismos internacionais, em particular
do Banco Mundial e do FMI,18 e visa adequar a formação de profissionais ao
atendimento das demandas de um mercado globalizado. No campo da formação de
professores, o processo de elaboração das diretrizes expressa as contradições
presentes nas discussões atuais, trazendo à tona os dilemas e as dicotomias no
processo de formação: professor x generalista, professor x especialista e
especialista x generalista19.
Coerente com as formulações históricas da entidade, a Anfope reafirma em seu
documento que propõe as diretrizes para os cursos de formação dos profissionais da
educação, as universidades e suas faculdades/centros de educação como o locus
privilegiado da formação dos profissionais da educação para atuação na educação
básica e no Ensino Superior. Nessa discussão, vem dando ênfase a duas questões
fundamentais: a) a necessidade de repensar as estruturas das faculdades/centros
de educação e a organização dos cursos de formação em seu interior, e b) a
necessidade de superar a fragmentação entre as habilitações no curso de
pedagogia e a dicotomia entre a formação dos pedagogos e dos demais licenciados.
A decisão de formular diretrizes exclusivamente para formação de professores20, em
separado da elaboração das diretrizes para o curso de pedagogia, retirando do
debate a formação dos profissionais da educação não é uma questão menor; pelo
contrário, é uma questão do conteúdo da formação, que envolve concepções de
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
121
escola, educação, sociedade e educador que assumimos e que fundamentam e
informam as propostas de organização curricular e institucional no campo da
formação.
Entendidas como elementos norteadores gerais das organizações curriculares, por
conta da flexibilidade que propugnam, as diretrizes podem apontar e reforçar o
aligeiramento, colocando em risco a sólida formação teórica no campo de
conhecimento específico, necessária para a formação científica e crítica dos
profissionais. Contraditoriamente, abrem a possibilidade da construção de novas
alternativas no campo institucional e acadêmico nas instituições de ensino superior.
No meio dessas contradições, cabe ao movimento dos educadores dar conteúdo e
forma a esse debate, redirecionando-o para o resgate das concepções presentes
hoje nas diretrizes para o curso de pedagogia e em grande parte dos cursos de
pedagogia, socializando-as para o conjunto dos cursos de formação.
As políticas atuais, que reforçam o aligeiramento e o caráter pragmático e
conteudista da formação e da profissionalização do magistério, exigem a
socialização de propostas de organização curricular para os cursos de formação dos
profissionais da educação. É com esse objetivo que a Anfope resgata a idéia de
escola única de formação, formulada por essa mesma associação em 199221 e
aprofundada no IX Encontro Nacional, em 98.
Essa proposta de escola única de formação – única porque o conteúdo da formação
é articulado e comum a todos os profissionais da educação para todos os níveis (e
não como modelo único de formação ou como local específico de formação) – é uma
das muitas possibilidades na direção de concretizar alternativas às formas atuais de
estrutura dos cursos de formação. Acreditamos ser necessário continuar defendendo
a multiplicidade de experiências em termos de organização curricular dos cursos de
formação, que sejam acompanhadas em seu desenvolvimento, socializadas e
debatidas amplamente pela comunidade da área. Esse parece ser um bom caminho,
em oposição ao modelo único de formação, para a construção de caminhos
alternativos à formação de professores/profissionais da educação, com vistas ao
aprimoramento da educação e da escola públicas em nosso país.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
122
Do ponto de vista da Anfope, deve ser entendida como uma das propostas
possíveis, resultante de um esforço coletivo, e proposta geradora de reflexões a
serem ampliadas. Como já se apontava em 1992, ela traz, em si, elementos teóricos
de grande complexidade e busca dar forma e estrutura ao conteúdo acumulado nas
reflexões e experiências coletivas. No entanto, entendemos também que, como uma
das propostas possíveis, deve ser estudada tanto na perspectiva de uma proposta
futura, quanto na perspectiva de uma proposta em construção.
Nas circunstâncias atuais, em que a proposta dos Institutos Superiores de Educação
e do Curso Normal Superior marca uma reforma universitária imposta no campo da
formação, é possível e mesmo desejável que diferentes propostas de organização
curricular, oriundas de iniciativas individuais, de entidades ou instituições, possam
ser amplamente divulgadas e socializadas, para que possam constituir-se em
referência para o movimento dos educadores que, em cada instituição, poderá
construir caminhos alternativos fundados em concepções de educação, educador e
sociedade explícitas e presentes nos projetos pedagógicos dos cursos de formação.
O papel das faculdades e dos centros de educação
Apesar das deliberações e pareceres que negam a priorização dessas instituições
como responsáveis pela formação, entendemos que as universidades e suas
faculdades/centros de educação constituem-se no locus privilegiado da formação
dos profissionais da educação para atuação na educação básica e no ensino
superior. Entretanto, as exigências cada vez mais presentes no campo da formação
de professores nos colocam também o desafio de repensar as estruturas atuais das
faculdades/centros de educação e a organização dos cursos de formação em seu
interior, no sentido de superar a fragmentação entre as habilitações no curso de
pedagogia e a dicotomia entre a formação dos pedagogos e dos demais licenciados,
considerando-se a docência como a base da formação e da identidade profissional
de todos os profissionais da educação.
As áreas e os âmbitos de atuação das faculdades/centros/departamentos de
educação inserem-se na formação inicial dos profissionais da educação, formação
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
123
em nível de pós-graduação lato e stricto senso e formação continuada, presencial e
a distância.
Na proposta de escola única, as várias instâncias formadoras são articuladas na
faculdade/centro/departamento de educação e concebidas como programas
articulados e supradepartamentais, sendo cada um dos programas, unidades com
responsabilidades de pesquisa, ensino e extensão, articuladas em uma coordenação
colegiada.
Mesmo considerando a universidade como o locus privilegiado para a formação de
professores, não se pode desconhecer, no entanto, a existência de dificuldades
oriundas da estrutura atual que devem ser encaradas como inibidoras e limitadoras
de passos mais avançados na direção de novas estruturas de formação. Entre essas
dificuldades, apontamos algumas que já em 1992 foram destacadas pela Anfope e
que se mantêm, na atualidade, em grande parte das instituições: restrições
orçamentárias que impedem a busca de alternativas criadoras no sentido de romper
as barreiras das diferentes unidades da universidade; distanciamento entre
faculdades/centros de educação e os institutos, tanto de ordem físico-espacial
quanto de objetivos, interesses e intenções no campo da pesquisa, do ensino e da
extensão; falta de recursos humanos para dar conta das responsabilidades
atribuídas às faculdades de educação em relação às licenciaturas; fragmentação e
departamentalização nas próprias faculdades de educação (que ainda não foram
superadas, apesar das possibilidades da LDB); resistências em assumir co-
responsabilidades, levando a uma luta por poder, prestígio e na busca de identidade
entre faculdades e institutos; desprestígio e desvalorização da profissão do
magistério, o que leva os estudantes a optar pelo bacharelado, e só depois pela
licenciatura, impossibilitando a criação de cursos de formação de professores com
propostas pedagógicas próprias; dificuldades em romper a atual estrutura e a carga
didática das disciplinas das licenciaturas, limitadas às psicologias, fundamentos,
didática e práticas de ensino, com algumas inovações no campo de disciplinas de
instrumentalização e projetos.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
124
Se essas limitações são impeditivas de novas construções curriculares, todos os
esforços deveriam ser direcionados para superá-las. Somente sua superação pode
auxiliar a enfrentar a tentativa de retirada dos cursos de formação de seu interior ou
a criação de novas unidades acadêmicas – Institutos Superiores de Educação – ou
outras instituições, caminhos que certamente aprofundarão e perpetuarão os
problemas já existentes.
Experiências em curso em várias instituições apontam para a superação dos
departamentos como forma organizacional do ensino e da pesquisa no interior das
faculdades de educação, com a criação de núcleos, áreas temáticas ou outras
formas de organização, que alteram significativamente a forma de produção de
conhecimento no interior dos cursos e programas das unidades universitárias.
Repensar tais estruturas também pode ser um caminho interessante para a
construção de novas proposições para a formação de professores.
Os cursos e programas de formação de professores
As faculdades ou centros de educação, em estreita articulação com os
institutos/faculdades/departamentos das áreas específicas e mantendo vinculação
orgânica com os sistemas públicos de ensino, são responsáveis, no interior das IES,
pela construção do projeto pedagógico próprio dos cursos e programas de formação
dos profissionais da educação. Já existem numerosas experiências nesse sentido,
especialmente nas instituições que experienciam os Fóruns de Licenciaturas como
forma de articular e integrar toda a formação de professores da instituição.
A proposta em discussão prevê que os cursos atualmente existentes para atender à
formação inicial para a educação básica – educação infantil, Ensino Fundamental e
Ensino Médio –, à formação continuada e à formação de professores para os cursos
técnicos/profissionalizantes e superior desdobrem-se em programas de formação de
professores, com as seguintes características:
Programa de formação de profissionais para educação básica – curso de pedagogia:
docência das séries iniciais do ensino fundamental – 1a a 4a série e educação
infantil, ou outras modalidades, contemplando as dimensões de gestão e
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
125
organização do trabalho pedagógico escolar e pesquisa, de plena responsabilidade
das faculdades/centros/departamentos de educação;
Programa de formação de profissionais para a educação básica: cursos de
licenciatura para a docência de 5a a 8a série, Ensino Médio, em estreita vinculação e
interface com os institutos das áreas específicas;
Programa de formação de profissionais da educação para gestão e coordenação
pedagógicas na escola básica (esse programa, presente no curso de pedagogia,
seria articulado aos cursos/programas de formação de professores das áreas
específicas e aberto a todos os estudantes, que poderiam cursá-lo
concomitantemente ou após a formação específica, dependendo da estrutura
organizacional da instituição formadora);
Programa de formação pedagógica para portadores de diploma de Ensino Superior,
considerando-se a necessária revisão da Resolução 02/97 de modo a ampliar o
mínimo necessário no que tange aos conhecimentos das áreas específicas e
pedagógico-didáticos;
Programas de formação continuada, para profissionais da educação básica;
Programas de educação a distância;
Programas de formação em educação sindical, educação especial, educação de
jovens e adultos, produção de material didático, novas linguagens, multimídia, entre
muitas outras modalidades que abranjam o campo de atuação do pedagogo, como
ênfases nos demais cursos ou articulados em outra forma, dependendo da
instituição;
Programas de pós-graduação stricto e latu sensu em educação.
Todos esses programas articulam-se entre si, a partir da concepção de base comum
nacional. Com essa organização, abre-se a oportunidade para que certas atividades
sejam vivenciadas conjuntamente por todos os alunos dos programas, inclusive no
nível dos conteúdos formativos das áreas de fundamentos e outros da base comum
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
126
nacional – como os relativos à iniciação à pesquisa, práticas pedagógicas, vivências
e estágios profissionais, gestão e organização do trabalho pedagógico e do trabalho
escolar, por exemplo.
Importante ressaltar também que o corpo docente não é exclusivo de um ou outro
programa, mas é altamente desejável que se movimente entre os programas de
formação inicial e a pós-graduação.
Em cada instituição, as faculdades/centros/departamentos de educação, em parceria
com os institutos/centros/departamentos das áreas específicas, poderão constituir
colegiado próprio, com a participação de professores e estudantes, buscando
incorporar professores da rede pública e entidades sindicais de professores. Esse
colegiado é responsável pela definição da política global de formação nos cursos e
programas de formação dos profissionais da educação. Os atuais Fóruns de
Licenciaturas e Comissões de Graduação dos cursos de pedagogia, onde existirem,
poderiam constituir-se conjuntamente como esse colegiado, responsáveis pela
definição e pela articulação dessa política, buscando articulação também com as
Comissões de Pós-graduação, no que diz respeito à pesquisa e à articulação da
formação de profissionais para o Ensino Superior.
Esse espaço institucional de formação – tenha a denominação de escola única ou
qualquer outra –, desde que incorpore os conteúdos da formação dos atuais cursos
de pedagogia à nova estrutura curricular e organizacional, abre perspectivas
inovadoras para a formação de professores, no interior das IES, baseando-se nas
experiências atualmente existentes – consolidadas e em desenvolvimento – e
constituindo-se como o novo que avança para formas superiores de organização.
As alternativas que se desenham no cenário educacional postas pelo quadro das
atuais políticas para a formação de professores desafiam-nos a pensar propostas
concretas que possam consolidar a base comum nacional em uma perspectiva de
saídas alternativas à atual estrutura dos cursos de formação, em oposição às
propostas atuais dos Institutos Superiores de Educação e do Curso Normal Superior.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
127
Pensar essas alternativas é colocar em movimento as concepções e práticas que
orientam o pensamento mais avançado no campo da formação de professores,
garantindo as atuais formas e aprimorando-as na busca por uma educação com
bases sólidas voltada para a formação humana.
NOTA: Ao terminar este artigo, tomamos conhecimento do Decreto Presidencial no
3.276 de 6 de dezembro de 1999, regulamentando a formação de professores para
a educação básica, e estabelecendo que a formação de professores para as séries
iniciais e educação infantil se dará exclusivamente nos Cursos Normais Superiores.
Assim, de forma autoritária, violenta, é imposta pelo governo e pelo MEC a reforma
no campo da formação. Vencidos e derrotados na discussão aberta e democrática e
pela construção teórica da área, impõe pela força da lei a discussão vencida. O
medo da derrota, em virtude das pressões dos setores privatistas e dos
compromissos com os ajustes das agendas internacionais, atropelou o próprio CNE,
que vinha discutindo a questão.
Só o tempo e a realidade podem confirmar ou rejeitar a validade de certas idéias.
Nada nem ninguém mais.
Notas
1. Dentre essas medidas anteriores à LDB, destacamos a Portaria das Licenciaturas
(Esquema I), posteriormente transformada em Resolução 02/97 aprovada pelo CNE,
o PL 370 da autonomia universitária, Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef), escolha de dirigentes
universitários, Parâmetros Curriculares Nacionais, Sistema de Avaliação da
Educação Básica, Exame Nacional de Cursos, entre outras.
2. Cf. IV Encontro Nacional da Comissão Nacional de Reformulação dos Cursos de
Formação do Educador (Conarcfe) 1989.
3. Cf. Anfope 1994, p. 28.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
128
4. Cf. Documento "Construindo uma política nacional global de formação dos
profissionais da educação", Anfope, out. de 1997.
5. Esse curso, pensado inicialmente na LDB como parte integrante dos Institutos
Superiores de Educação, recebeu tratamento diferenciado pelo CNE quando a
minuta de Resolução foi devolvida ao Conselho pelo ministro, com a recomendação
de que a sua criação pudesse estar separada da criação dos ISE, podendo,
portanto, existir em qualquer instituição de ensino superior, ou seja, nas
universidades, já que, pelo Parecer 115/99, as faculdades integradas e as
faculdades isoladas com cursos de licenciaturas deverão se transformar em
Institutos Superiores de Educação.
6. Documento distribuído às comissões de especialistas das diferentes áreas
encarregadas de elaborar as diretrizes para as licenciaturas. Guiomar N. Mello,
"Formação inicial de professores para a educação básica: Uma (re)visão radical
(versão preliminar para discussão interna)". São Paulo, out./nov. 99 (Mimeo).
7. Veja-se a proliferação de cursos de formação de professores em 1.600 horas,
com aval dos poderes públicos estaduais.
8. Boletim Anfope no 8, abril 99.
9. Tendo perdido na discussão democrática e aberta com a comunidade da área no
processo de elaboração das diretrizes curriculares, o CNE e o MEC tentam impor
essa concepção de maneira arbitrária e autoritária, como forma de regulamentar a
nova instituição de formação de professores. Infelizmente, encontram guarida em
elaborações teóricas de educadores que, talvez de forma desavisada, sob o manto
do novo, apresentam idéias que reforçam as políticas neoliberais para a escola
pública. Essas idéias estão presentes na produção teórica de alguns estudiosos da
área da Didática. Cf. Libâneo e Pimenta 1999 (voto em separado).
10. Estudos recentes na área da administração e supervisão educacional reafirmam
a docência como base da formação desses profissionais. Ver especialmente Ferreira
1999.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
129
11. A concepção que orienta a separação da formação de professores da formação
dos especialistas manifesta no Parecer 970 da CES e nas propostas atuais é a
mesma – guardadas as devidas especificidades e nomenclaturas – que orientou, na
década de 1970, a concepção de Valnir Chagas, deslocando a formação dos
especialistas para a pós-graduação e deixando o curso de pedagogia
exclusivamente para formação de professores.
12. Para recuperar a história real de constituição dos cursos de pedagogia, é preciso
que nos remetamos também às experiências dos cursos nas diversas IES,
reconhecidos como experiências inovadoras no campo da formação. A sua história e
as reformulações ocorridas nos anos 80 e 90 confundem-se, de forma positiva e
significativa, com as lutas do movimento dos educadores pela sólida formação dos
profissionais da educação, entendidos aqui os pedagogos e os licenciados, pela
democratização da sociedade e pela valorização da educação e da escola públicas.
13. Cf. Anfope, Documento Final VI Encontro Nacional, Belo Horizonte, 1992.
14. Documento-pesquisa da Confederação Nacional dos Trabalhadores da
Educação. Entregue ao MEC em 6/11/1999, na Marcha em defesa da escola e da
educação públicas.
15. Ver Anfope Regional Sudeste/Estadual RJ, Textos-base 1998.
16. As proposições e os princípios da Anfope e o reconhecimento à contribuição que
a entidade e os educadores vêm dando a essa temática podem ser constatados pela
referência a ela no documento dos Pró-Reitores de Graduação, de maio de 1996.
17. Cf. Anfope, Documento Final IX Encontro Nacional, Campinas, 1998.
18. O trabalho de Celi Z Taffarel, "Diretrizes curriculares e plano nacional de
graduação: Do ataque às consciências ao amoldamento subjetivo", Recife, 1999,
mimeo, apresentado no IV Encontro Nacional de Formação dos Profissionais da
Educação, traz uma análise detalhada sobre a inserção do processo de elaboração
das diretrizes curriculares no quadro das novas demandas do processo de
globalização.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
130
19. O próprio MEC constituiu a Comissão de Especialistas de Pedagogia e somente
tempos depois constituiu o GT Licenciaturas, separado dos bacharelados.
20. Cf. Boletim Anfope nº 11, agosto 1999.
21. Essa proposta surge das contribuições da professora Marlene Ribeiro,
posteriormente detalhadas em seu artigo "Formação unificada do profissional de
ensino: Uma proposta da Faculdade de Educação da Universidade do Amazonas".
Em Aberto nº 54, 1992.
The reform of superior teaching in the field of professionals ubbringing of
basic education: The educational policies and the teachers movement
ABSTRACT: This work presents the discussion that have oriented the debate about
the formation of educational professionals, recuperating the trajectory of the
movement of the educators in the struggle for transformation and professionalization
of teaching as represented actually by the National Association for the Professional
Educators Formation (Anfope), during the last 20 years. The collective construction
of common national base in opposition to the formation policies and the proposal of a
single school of formation which materializes Anfope's principles for the
reorganization of the courses of education professional formation in the universities,
have oriented the actual debate of resistence to the official policies that propugnes
hastening and fragmentation in the professional teaching formation.
BIBLIOGRAFIA
AGUIAR, Márcia Ângela. "Institutos Superiores de Educação na nova LDB". In: BRZEZINSKI, Iria (org.). LDB interpretada: Diversos olhares se entrecruzam. São Paulo: Cortez, 1997. [ Links ]
________. "A formação do profissional da educação no contexto da reforma educacional brasileira". In: FERREIRA, Naura S.C. (org.). Supervisão educacional para uma escola de qualidade. São Paulo: Cortez, 1999. [ Links ]
ANFOPE. Documentos Finais dos VI, VII, VIII e IX Encontros Nacionais da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação, 1992, 1994, 1996 e 1998. [ Links ]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
131
BRASIL/PR. Lei nº 9.394, de 20/12/1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União. Brasília: Gráfica do Senado, ano CXXXIV, nl. 248, 23/12/96, pp 27833-41. [ Links ]
BRZEZINSKI, Iria. "A formação e a carreira de profissionais da educação na LDB 9.394/96: Possibilidades e perplexidades". In: BRZEZINSKI, Iria (org.). LDB interpretada: Diversos olhares se entrecruzam. São Paulo: Cortez, 1997. [ Links ]
COMISSÃO DE ESPECIALISTAS DE PEDAGOGIA. Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia. MEC/SESu, 1999. [ Links ]
COMITÊ PRÓ-REFORMULAÇÃO DOS CURSOS DE FORMAÇÃO DO EDUCADOR. I Encontro, Belo Horizonte, 1983. [ Links ]
CONARCFE. "Documento Final". III Encontro Nacional da Comissão Nacional de Reformulação dos Cursos de Formação dos Educadores. Brasília, 1988 (Coletânea de Documentos). [ Links ]
________. "Documento Final". IV Encontro Nacional, Comissão Nacional de Reformulação dos Cursos de Formação do Educador. Belo Horizonte, 1989. [ Links ]
________. "Documento Final". V Encontro Nacional, Comissão Nacional de Reformulação dos Cursos de Formação do Educador. Belo Horizonte, 1990. [ Links ]
FERREIRA, Naura S.C. Supervisão educacional para uma escola de qualidade. São Paulo: Cortez, 1999. [ Links ]
FREITAS, Helena C.L. de. "Plano decenal de educação: Consenso e cooptação". Revista do Sinpeem no 2. Sindicato dos Profissionais da Educação no Ensino Municipal de São Paulo, fev. 1995. [ Links ]
________. O trabalho como princípio articulador na prática de ensino e nos estágios. Campinas: Papirus, 1996. [ Links ]
FREITAS, Luiz C. de. "A questão da interdisciplinaridade: Notas para a reformulação dos cursos de pedagogia". Educação & Sociedade no 33. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1989. [ Links ]
________. "Em direção a uma política para a formação de professores". Em Aberto no 54. Brasília, ano 12, abr./jun. 1992a. [ Links ]
________. "Neotecnicismo e formação do educador". In: ALVES, Nilda (org.). Formação de professores, pensar e fazer. São Paulo: Cortez, 1992b. [ Links ]
________. "Ensino de 1o grau: Instrumento de recuperação econômica?". Universidade e Sociedade no 7. Andes, ano IV, jun. 1994. [ Links ]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
132
________. Palestra de abertura do II Encontro da Regional Sul Anfope. Florianópolis, 1998. [ Links ]
GADOTTI, M. "Elementos para a crítica da questão da especificidade da educação". Em Aberto no 22. Brasília, ano 3, jul./ago. 1984, pp. 21-30. [ Links ]
KUENZER, A. Z. "A formação dos profissionais da educação: Propostas de diretrizes curriculares nacionais. Anped, 1998. (Mimeo.) [ Links ]
LIBÂNEO, J.C. e PIMENTA, Selma G. "Documento Norteador para a Elaboração das Diretrizes Currriculares para os Cursos de Formação de Professores". SESu/MEC. Set. 1999 (voto em separado). [ Links ]
MELLO, Guiomar N. de. "Formação inicial de professores para a educação básica – Uma revisão radical." (documento principal) versão preliminar para discussão interna. Outubro/Novembro de 1999, (Mimeo). [ Links ]
PINO, I. e GADOTTI, M. "A redefinição do curso de pedagogia: Idéias, diretrizes". RBEP 63 (144). Brasília, maio/ago. 1979, pp. 59-66. [ Links ]
RASIA, J.M. "Pedagogia e educação ou de como falar sobre o óbvio". Cadernos Cedes no 2. Ano I, 1980. [ Links ]
RIBEIRO, Marlene. "Formação unificada do profissional de ensino: Uma proposta da Faculdade de Educação da Universidade do Amazonas". Em Aberto no 54. Brasília, ano 12, abr./jun. 1992. [ Links ]
ROMANELLI, Otaíza de O. História da educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1978. [ Links ]
SAVIANI, D. Educação: Do senso comum à consciência filosófica. São Paulo; Campinas: Cortez/Autores Associados, 1980. [ Links ]
________. "Uma estratégia para a reformulação dos cursos de pedagogia e licenciatura: Formar o especialista e o professor no educador". Em Aberto no 8. Brasília, ano 1, ago. 1982. [ Links ]
TORRES, R.M. "Melhorar a qualidade da educação básica? As estratégias do Banco Mundial". In: DE TOMMASI, L., WARDE, M.J. e HADDAD, S. (orgs.). O Banco Mundial e as políticas educacionais. São Paulo: Cortez, 1996. [ Links ]
Documentos complementares
ANFOPE. "Posição na audiência pública, convocada pelo CNE, sobre formação dos profissionais da educação. Brasília, 1998, (Mimeo).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
133
_______. "Diretrizes curriculares para os cursos de formação dos profissionais da educação". Reunião anual da ANPEd, 1998, (Mimeo).
ANFOPE REGIONAL SUL. "Conclusões do Encontro Regional e Estadual." Rio de Janeiro, 1998, (Mimeo).
ANFOPE REGIONAL SUDESTE/ESTADUAL RJ. "Conclusões do Encontro Regional e Estadual. Rio de Janeiro, 1998, (Mimeo).
* Professora da Faculdade de Educação, Unicamp e presidente da Associação
Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope). Email:
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
134
Interface - Comunicação, Saúde, Educação Print version ISSN 1414-3283 Interface (Botucatu) vol.6 no.10 Botucatu Feb. 2002 doi: 10.1590/S1414-32832002000100005
ARTIGOS
Professores de Ensino Superior da área da Saúde e sua prática pedagógica
Maria Eugênia Castanho Professora da Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica de Campinas/Puccamp.
RESUMO
A pesquisa ouviu professores do ensino superior da área de Saúde sobre sua
prática pedagógica cotidiana, visando encontrar eventuais marcas distintivas de sua
docência. Usando a metodologia da história oral temática, foram entrevistados onze
professores/coordenadores/diretores. As entrevistas foram gravadas e
posteriormente transcritas, conferidas, textualizadas e transcriadas. Os resultados
foram divididos em três blocos: sobre tornar-se professor e sobre professores
marcantes; sobre técnicas de ensino; e sobre a função de coordenador/diretor. As
conclusões, também agrupadas nos três blocos de categorias dos quais foram
inferidas algumas considerações finais, revelaram-se promissoras para que se
pense a formação inicial e continuada dos profissionais da área da Saúde com
relação à docência universitária.
Palavras-chave: Ensino superior; Educação em Saúde; prática profissional.
ABSTRACT
For this study, we heard university level professors on the subject of their daily
pedagogical practices, with a view to finding possible distinctive features in their
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
135
teaching. Relying of the thematic oral history methodology, we interviewed eleven
professors, coordinators and directors. The interviews were taped and later
transcribed, checked, converted into running text and re-written. The results were
split into three blocks: on becoming a teacher and on remarkable teachers; on
teaching strategies; and on coordinators and directors' duties. The conclusions, also
grouped into the three blocks, from which we drew some final inferences, proved to
be promising in relation to thinking about initial training and the continued education
of professionals from the healthcare area, in connection with the field of university
level teaching.
Key words: Higher education; healthcare education; professional practice.
RESUMEN
La pesquisa escuchó profesores de enseñanza superior del área de salud sobre su
práctica pedagógica, con el objetivo de encontrar eventuales marcas distintivas de
su docencia. Usando la metodología de la historia oral temática, fueron entrevistados
once profesores/coordinadores/directores a través de grabaciones, posteriormente
transcritas, conferidas, textualizadas y transcreadas. Los resultados fueron divididos
en tres bloques, a saber: sobre hacerse profesor y sobre profesores sobresalientes;
sobre técnicas de enseñanza y sobre la función de coordinador/director. Las
conclusiones, también agrupadas en los tres bloques de categorías de los cuales
fueron inferidas algunas consideraciones finales, se revelaron promisorias para que
se piense la formación inicial y continuada de los profesionales del área de salud con
relación a la docencia universitaria.
Palabras clave: Enseñanza superior, educación en área de salud; práctica
pedagógica.
Introdução
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
136
O presente estudo procura resgatar princípios relevantes para pensar o atual ensino
na Área de Saúde e para pensar a formação de professores, trabalhando com a
história oral temática de vida de professores da área da Saúde. Esses exercem a
docência em uma institução de ensino superior de São Paulo e também atuam como
coordenadores de curso e/ou diretores de unidade acadêmica.
A história oral temática ainda é um campo metodológico bastante incipiente na
investigação educacional entre nós, diferentemente do que ocorre em outros países,
especialmente europeus, que apresentam ampla produção investigativa em torno do
tema nas áreas de Psicologia, Sociologia e Ciências da Educação (Montenegro,
1994; Nóvoa, 1995; Kramer et al., 1996). A introdução dessa metodologia no Brasil
deu-se na década de setenta, mas só nos anos noventa experimentou expansão
significativa. A multiplicação de encontros e a inclusão em programas de pós-
graduação de cursos sobre história oral mostram a vitalidade e o dinamismo da área
(Ferreira & Amado, 1996). Além disso, a bibliografia atual mostra as possibilidades
de incorporação da história oral nas investigações sobre educação (Bogdan &
Biklen, 1997).
As histórias orais temáticas têm cruzado várias disciplinas e recorrido a vários
enquadramentos conceituais e metodológicos. Como apontou Nóvoa (1995, p.19)
esse tipo de estudo deve "enriquecer-se em termos da ação, caminhando no sentido
de uma integração teórica que traduza toda a complexidade das práticas". As vidas
de professores podem revelar muito sobre os percursos profissionais, sobre a
ligação entre o pessoal e o profissional, os meandros do ato de ensinar (Nóvoa,
1995).
A finalidade da pesquisa assim orientada não é detectar particularismos, mas
representações dotadas de generalidade:
Estaremos percorrendo representações de caráter universal, onde o ser próprio
encontra-se em movimento e em relação com determinações específicas; onde a
própria razão de ser se define por algo particular e próprio de aspectos específicos
da formação social sem, no entanto, perder seu elo, sua relação com planos
gerais/universais (....) O tempo histórico não é o tempo vivido. A história escrita,
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
137
documentada, distingue-se do acontecido; é uma representação. E nesse hiato entre
o vivido e o narrado localiza-se o fazer próprio do historiador. (Montenegro, 1994,
p.10)
A identidade do professor não é um dado adquirido, mas um lugar de lutas e
conflitos, um espaço de construção de maneiras de ser e estar na profissão. A
maneira como cada um de nós ensina está dependente daquilo que somos como
indivíduos quando exercemos o ensino (Kramer & Souza, 1996).
A inovação pedagógica como contexto
Talvez a palavra mais usada hoje no cenário educacional seja inovação. Palavra
polissêmica, usada em discursos conservadores e progressistas, inovação pode
referir-se tanto a mudanças periféricas quanto a mudanças profundas nas estruturas
do ensino.
Inovação pode ser entendida como processo planejado de desenvolver uma
mudança no sistema, cujas possibilidades de ocorrer com freqüência são poucas,
mas cujos efeitos representam um real aperfeiçoamento (Goldberg, 1995). Isso
implica rejeitar a idéia de que o conceito possa ser identificado apenas com
mudança (qualquer mudança). Mudança inovadora (introduzir alguma novidade),
mudança progressiva (mudança que implica progresso e aperfeiçoamento: relações
entre renovação e aperfeiçoamento), mudança planejada (não ser esporádica) e
processo de mudança (seqüência de etapas de novas práticas).
Goldberg (1995) considera que a renovação do sistema deve ser um processo
(contínuo e duradouro), mas que precisa ser mais que isso. Distingue entre mudança
e inovação, esta última sendo algo mais deliberado, intencional e planificado e não
algo que ocorre espontaneamente. Analisa várias conceituações mostrando que,
enfim, há diferentes possibilidades de alterar práticas dentro (e apesar) do sistema
sócio-econômico e político vigente. O que interessa é discutir a possibilidade de
inovação em ambientes acadêmicos específicos.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
138
Cunha (1998), numa pesquisa sobre inovação em Educação, analisou as práticas
dos professores e evidenciou que esta aparece em novas formas de conceber as
relações entre professor-aluno; teoria-prática; ensino-pesquisa; organização do
trabalho em sala de aula; concepção de conhecimento; formas de avaliação;
inserção no plano político-social mais amplo; interdisciplinaridade.
Veiga et al. (2000) encontraram características inovadoras nas atividades de ensino,
pesquisa e aprendizagem, assim sintetizadas: estão em movimento constante,
desenvolvimento histórico e ininterrupto; instigam e propiciam o descobrimento;
trabalham com múltiplas tensões presentes na auto-atividade do aluno; favorecem a
relação horizontal professor-aluno, permitindo atendimento à singularidade de cada
aluno, evitando a homogeneização; asseguram a relação ensino-pesquisa com o
trabalho como princípio educativo; são atividades coletivas permeadas por
intencionalidade; atribuem à pesquisa importante espaço de mediação entre ensinar
e aprender.
Tanto as características apontadas por Cunha (1998) quanto as descritas por Veiga
et al. (2000) revelam concepções diferentes das tradicionais, apontando para uma
nova forma de ver o conhecimento, a formação profissional e o ensino na
universidade.
A pesquisa
Tendo como contexto a discussão sobre inovação, qualidade e reformulação do
ensino, foram realizadas onze entrevistas com professores das áreas de Saúde,
sendo sete professores/coordenadores de curso e quatro professores/diretores de
unidade acadêmica: Diretor da Faculdade de Odontologia; Diretor da Faculdade de
Ciências Médicas; Diretora da Faculdade de Enfermagem; Diretor do Instituto de
Ciências Biológicas e Química; Coordenador do Curso de Odontologia;
Coordenadora do Curso de Medicina; Coordenadora do Curso de Nutrição;
Coordenadora do Curso de Ciências Farmacêuticas; Coordenador do Curso de
Fisioterapia; Coordenadora do Curso de Terapia Ocupacional; Coordenadora do
Curso de Ciências Biológicas.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
139
Do total de onze entrevistados, oito são nascidos na década de cinqüenta e três na
década de quarenta. Nove estudaram em escolas públicas nos estudos anteriores à
universidade, cinco exclusivamente em escola pública e quatro em instituição pública
e particular. Dois cursaram só escolas particulares. Quatro são de Campinas, dois
da cidade de São Paulo, dois de outras cidades do interior do Estado de São Paulo,
dois de outros Estados (Rio de Janeiro e Minas Gerais) e um de outro país
(Panamá). Do total, cinco estudaram na Pontifícia Universidade Católica de
Campinas/PUCCAMP, quatro na Universidade de São Paulo/USP, um na
Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP e um na Universidade Federal do
Rio de Janeiro/UFRJ. Quanto à titulação há um pós-doutor, dois doutores, três
mestres, dois mestrandos, dois especialistas e um com apenas graduação.
Os colaboradores receberam previamente uma folha contendo questões sobre seu
ensino a fim de que refletissem sobre o foco que seria desenvolvido na entrevista.
Em seguida, foram entrevistados pela autora, com a presença de uma bolsista PIBIC
(Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica). As perguntas foram
centradas em torno de algumas categorias básicas, ressaltando que, por categoria
entende-se um conceito-chave na estrutura significativa de um texto, um conceito do
qual dependem ou ao qual se subordinam outros conceitos.
O que significa ser professor no ensino superior na área da Saúde? Como os
sujeitos se tornam professores, já que em sua graduação não há, geralmente,
disciplinas pedagógicas? Qual a influência de professores marcantes na trajetória
profissional? O que estão fazendo como professores e como coordenadores e/ou
diretores? O que se usa em termos de técnicas para ensinar? Como pensar a
formação de profissionais para o mundo de hoje?
As histórias, textualizadas e transcriadas (Bom Meihy, 1998) revelaram toda a
complexidade do que é ser professor na área de Saúde e, ao mesmo tempo,
apontaram o que se faz no interior das respectivas aulas, especialmente quanto a
técnicas de ensino.
Encontramos na vida dos entrevistados diferenças e semelhanças. Essas diferenças
e semelhanças referem-se tanto à entrada para o campo da educação e ao percurso
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
140
profissional quanto às opiniões que emitiram com relação ao ensino e à
aprendizagem.
As questões apresentadas nas entrevistas foram agrupadas em três grandes blocos,
que passam a ser analisados.
Sobre tornar-se professor e sobre professores marcantes
Para a maior parte dos entrevistados, tornar-se professor não foi a opção inicial.
Alguns, no entanto, exerceram a monitoria com vistas à carreira acadêmica. Vários
relatam que iniciaram a docência por necessidade financeira, por estar
desempregado etc. Alguns deram aulas em cursinhos preparatórios ao vestibular,
como início de carreira. Há uma colaboradora que afirma ter sido monitora, mas que
o fato não foi determinante para o ingresso na docência.
Também aparece com freqüência a afirmação de que "virou professor de uma hora
para outra", embora uma colaboradora tivesse se dedicado pacientemente a
descrever que as coisas não se passam assim, envolvendo uma lenta e progressiva
construção.
A monitoria aparece geralmente como um degrau (o primeiro) para a docência;
inclusive um entrevistado afirmou que não fez monitoria porque não pretendia ser
professor e que hoje, como coordenador, orienta seus alunos para esta atividade
quando o interesse é por docência.
Aparece também uma causa interessante para explicar o tornar-se professor na área
da Saúde: a influência familiar. Houve um entrevistado que apontou de início esse
fator, falou de professores marcantes e voltou para a família como a grande variável
e maior influência para sua docência. Houve também o caso de um diretor que
afirmou várias vezes não ter tido qualquer preparo para dar aulas. Mas acabou por
deixar claro, com minúcias, o quanto a avó professora o influenciou e também as
freiras em cujas escolas trabalhou lecionando, ainda estudante. O que fica evidente
é que não houve preparo sistemático, intencional, mas assistemático, como
elemento da cultura que formou o contexto no qual se inseriu.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
141
Vários entrevistados fazem questão de realçar os cursos de formação continuada e
outros eventos na área, oferecidos pela instituição, inclusive o mestrado em
Educação, que representa contribuição significativa para a práxis pedagógica.
Dignas de registro são as considerações sobre professores marcantes. Há uma lista
bastante grande de características nos professores apontados como marcantes. Um
colaborador, por exemplo, fala de um professor que marcou como "o bom professor"
e outro como o "mau professor". E o que esteve sempre muito claro foi que
procuraria seguir o exemplo do bom professor e jamais incorrer no comportamento
do mau professor. Uma colaboradora recorda-se da professora que esteve atenta a
questões fora da alçada da sala de aula, referentes à formação emocional dos
alunos, e que, apesar de "humana" era enérgica no ensino. A entrevistada procura
repetir o modelo com seus alunos.
São considerados marcantes: professores que "passavam" o conhecimento mas
também davam "dicas" ao aluno que iam além da questão técnica, formando
"profissionais inteiros" e não apenas técnicos; professor com experiência e
disponibilidade, ensinando o verdadeiro sentido do aprendizado médico-paciente;
professor que desenvolveu o hábito de estudar, de procurar, mostrando a
responsabilidade pela educação continuada; professor com postura "perfeita" sobre
a relação médico-paciente - "sob seus conselhos", os grandes princípios foram
aprendidos a partir da análise de casuísticas, muito mais do que o currículo oficial
exigia. Professora que marcou pelo modo de dar aula, de fazer a parte prática, o
conhecimento que tinha e que transmitia; professor que era um "espelho de bom
profissional", bom professor, pessoa competente; professor marcante pela atitude de
educador, não ensinando apenas a matéria. Marcou por ensinar a postura
necessária dentro da vida a qualquer momento. Também a postura física influencia:
professora muito elegante, com amor pela matéria que ensinava, "explicava o
assunto como se fosse a única coisa bonita que existia no mundo".
Apesar da grande diversidade de características, podem ser ressaltados dois pontos
que permeiam todas as lembranças: os professores que marcaram a trajetória de
nossos colaboradores eram competentes no domínio da matéria a ser ensinada e
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
142
aqueles que apresentavam uma postura que extrapolava o próprio domínio
específico do conhecimento.
Em resumo, no professor marcante, o profissional e o humano estiveram
irremediavelmente entrelaçados. O bom professor é entendido como o educador
atento à personalidade complexa do educando, dados que confirmam estudo
anterior desenvolvido por Cunha (1989).
Sobre técnicas de ensino
Podemos dizer que as técnicas utilizadas na área da Saúde baseiam-se, de modo
geral, em dois grandes modelos: o das aulas teóricas, em sala de aula, com grande
número de alunos presentes, e o das aulas práticas, nos laboratórios, nos
ambulatórios, nos mais variados ambientes onde se desenvolvem os estágios e
atividades práticas em geral. Esta parte prática exige uma grande carga horária e,
segundo uma entrevistada, corresponde à parcela maior de seu curso.
Nas aulas teóricas são usadas aulas expositivas, em vários casos com o apoio de
retroprojeção, projeção de slides, apresentação de esquemas e afins. Também a
lousa (para fazer desenhos ilustrativos do que está sendo ensinado) é utilizada.
Dificilmente são empregadas técnicas de trabalhos em grupo nas classes com
número grande de alunos.
Diz um outro entrevistado, que a aula é "o lugar onde o aluno faz correlações" e que
"a atitude docente deve ser no sentido de permitir que tais correlações sejam feitas".
Também é afirmado que o professor deve ser "um agente para despertar
curiosidade". Considera-se que faz diferença usar uma técnica ou outra, mas que o
emprego diferencial depende mais do número de alunos do que da estratégia
docente. Nas falas dos entrevistados, "a aula expositiva é usada para turmas
grandes", "se os alunos provêm de um bom colegial, a maioria das aulas é
expositiva e se provêm de um colegial mais deficitário, se o perfil do aluno é
diferente, se o aluno trabalha, a leitura é feita em sala de aula e é indicado um livro
texto básico".
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
143
Um entrevistado mostrou a relação íntima que vê entre técnicas de ensino, processo
educativo e avaliação, enfatizando que quer mudar seus mecanismos de verificação
da aprendizagem. Poucos entrevistados falaram da importância do ensino com
pesquisa (proposta discutida por Paoli, 1991; Cunha, 1992 e 1995). Também foi
apontado que a prática deve estar presente desde o primeiro ano dos estudos
superiores.
A aula expositiva com retroprojeção para "apoiar o professor" é usada com relativa
freqüência. Vários entrevistados usavam apostilas próprias para seu ensino e
aboliram-nas por considerarem importante que o aluno vá aos livros. Alguns
disseram que "a recente avaliação institucional que ouviu os alunos" apontou que há
pouca indicação de leituras extra-classe. Estão "corrigindo isso", segundo seu
depoimento.
Foi possível notar muita abertura e sinceridade de parte dos entrevistados. Um deles
chegou a afirmar que "sofre-se por não ter didática, estar diante do aluno e não ter
didática". Também preocupam-se com o simplismo da avaliação que é feita, mas
declaram ter dificuldades teóricas e práticas para alterá-la. Uma entrevistada
declarou que chega a corrigir novecentas provas por bimestre!
A técnica do seminário recebe opiniões opostas: há quem afirme que não a usa
porque nela "não vê qualquer utilidade", "qualquer ponto positivo", e há quem a
utilize. Há, outrossim, formas diferentes de empregá-la. Um colaborador, por
exemplo, afirma que faz o seminário em duplas, que os dois responsáveis devem vir
preparados pois "nunca sabem qual irá falar". Assim, ambos estudam. Não houve
maiores explicações sobre o valor intelectual e pedagógico da técnica. Também foi
apontado que é importante o docente preocupar-se com a integração vertical e
horizontal de sua disciplina na estrutura curricular.
A questão da integração no ensino na área de saúde entre a parte básica e a
profissionalizante apareceu em vários depoimentos. As observações a esse respeito
são bastante variadas: alguns consideram "muito difícil" promover tal integração,
outros enxergam várias alternativas para a implementar, enquanto um colaborador
considera "extremamente simples a solução". Reporta-se ao Hospital Sara
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
144
Kubitschek, em Brasília, onde o estudante, "examinando o paciente na companhia
de seu professor, desce para o subsolo para ver um coração, por exemplo, no
laboratório de Anatomia, se apresentar dúvidas". Avalia que isso pode ser feito sem
maiores problemas, sem necessidade de mudanças curriculares.
Sobre a função de Coordenador/Diretor
Variadas são as ações desenvolvidas ou em implantação em cada unidade e em
cada curso estudado com relação à ação de seus dirigentes. Há um movimento de
revisão ampla do currículo com maior ou menor intensidade, aqui e ali, com
resistências explícitas ou veladas. Há coordenador interessado em que "os docentes
se atualizem", estimulando a educação continuada, incentivando cursarem mestrado
"para formarem-se, não só no aspecto técnico". Há os preocupados em usar o
espaço das reuniões do departamento para discussões pedagógicas, "para
crescimento"; ou, ainda, para rever os planos e ementas, exigindo "pontualidade na
entrega" e pondo o representante de classe para "cobrar" do professor,
conclamando-o para ser o vínculo com a coordenação. Outras questões apontadas:
"elaboração e entrega dos planos de curso", "horário dos professores", "acerto da
situação de alunos do diurno e do noturno". Há também reuniões setoriais para
articular programas afins.
Há coordenador interessado em dar ao curso uma "cara nova", considerando que os
alunos devam ser "nivelados por cima" e que os professores tenham "compromisso
efetivo com seus discípulos". Insiste-se na busca de maior correlação entre teoria e
prática e em aliar o ensino com a pesquisa. Este aspecto, embora presente,
apareceu pouco no conjunto das entrevistas. Também há interesse em
"conscientizar o corpo docente a respeito do papel da educação". Há preocupação
em "mudar muita coisa no estágio", "que é onde está a carga maior". Com relação
ao planejamento, fala-se "em sair do papel para ser efetivado na realidade".
Há posições teóricas mais elaboradas como a do entrevistado que considera o
projeto pedagógico como um empreendimento coletivo, baseado na perspectiva "do
profissional que se quer formar". A preocupação é dar uma boa formação técnica "e
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
145
sobretudo formar um bom profissional, com conhecimento, capacidade de reflexão,
de propor coisas, transformar".
Há também o entrevistado que declara ter como preocupação "levar ao
departamento e socializar com os colegas o enfoque ser professor". Procurar
mecanismos para "melhorar a didática dos docentes". Outros apontam, ainda, que é
necessário ao docente ficar no mínimo vinte horas na instituição, ainda que sejam
dez horas assistenciais e dez horas de docência. E, por fim, que é importante o
docente ser titulado e estar sempre envolvido com educação continuada.
Observam-se mudanças "intuitivas", sem fundamentação teórica para melhorar o
ensino, procurando levar o aluno à participação, aos trabalhos em grupo, "quando
possível". Nessa "busca intuitiva" por mudanças, percebe-se hesitação dos sujeitos.
Um deles declarou: "não sei se estou orientando corretamente". Há também, embora
tímida, uma certa preocupação interdisciplinar por parte de um ou outro docente,
com o planejamento de atividades conjuntas da sua disciplina com outra.
Discussão e desafios
O conjunto de questões que o material oferece é amplo e permite uma série de
considerações de interesse acadêmico e prático.
Com relação ao primeiro bloco de categorias - Sobre tornar-se professor e sobre
professores marcantes - a contribuição mais completa veio de uma entrevistada que
fez questão de frisar que não se "vira" professor de uma hora para outra e que, na
verdade, se constrói o ser professor. Baseando-se nos estudos de Psicologia Social
de Moreno, argumenta que essa construção dá-se basicamente em três fases: role
taking (tomar o papel de um modelo de professor), role playing (brinca-se com o
modelo, pela desenvoltura em dominá-lo) e role creative (cria-se a partir das fases
anteriores). São etapas com duração variada, cada uma delas dependendo de
diversas variáveis como maturidade, conhecimento e aprendizagem, efetivação da
ação. De fato, ser professor é um processo complexo que necessita de tempo. "Um
tempo para refazer identidades, para acomodar inovações, para assimilar
mudanças" (Nóvoa, 1995, p.16).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
146
No tocante a professores marcantes, pode-se notar que a postura, a atitude de
educador, não ensinando apenas o conteúdo específico, mas, também, atitudes
diante da vida, é o que se destaca como mais forte nos depoimentos. É bem
verdade que também aparecem testemunhos apontando professores muito bons
pelo grau de competência e exigência com que ensinavam suas disciplinas. Mas o
que chama a atenção é que os depoimentos mais fortes referem-se àqueles que,
além de terem um domínio muito grande do específico, têm reservas humanas
admiráveis. O que nos remete aos estudos de Nóvoa (1995, p.15) quando afirma
que "o professor é a pessoa e uma parte importante da pessoa é o professor".
Com relação ao segundo bloco de categorias - Sobre técnicas de ensino - podemos
perceber que várias técnicas são usadas, mas que este não é o ponto realmente
importante, se discutido isoladamente.
Não foi rara, quando se discutiu o tema das técnicas, a menção a questões ligadas
ao currículo. E apareceu, com freqüência, a discussão sobre (des)integração
básico/profissionalizante. Ainda se trata de um ponto não resolvido, embora tenham
sido detectadas várias ações no sentido de encaminhar soluções. Alguns
entrevistados parecem tender a uma formação mais especializada, outros para uma
mais generalista. A referência aos parâmetros curriculares do MEC é freqüente e a
sinalização é para a formação generalista exigida pelos tempos neoliberais. O que
certamente revela uma inversão no que até pouco tempo era indicado: em uma
sociedade em processo de mudança acelerada, a formação generalista parece ser
mais conveniente, pois, teoricamente, leva a uma maior flexibilidade na escala das
ocupações.
Alguns equívocos pedagógicos podem ser notados. Um exemplo é considerar que o
conhecimento é somatória e, sendo assim, os alunos devem ler "muitos livros para
memorizar, para guardar", quando a memorização deve ser compreendida como
subproduto de um trabalho de construção intelectual. Vários entrevistados falam da
importância de ler obras reputadas na área e vêm substituindo as apostilas por
livros. Também nota-se incidência na idéia de que o aluno deva exibir ao professor a
memorização e a reprodução de informações. Inclusive foi dito que "cobrar é entre
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
147
aspas, querer saber o retorno". Também foi observada preocupação com o conceito
estreito de mercado, pensando que "é preciso olhar sempre o que o mercado está
pedindo".
Uma das questões mais sérias de caráter macroestrutural é a reflexão sobre o que o
mercado está pedindo à universidade.
É comum afirmar que o ensino de graduação deve profissionalizar para o mercado.
Não é raro exemplificar-se com o modelo americano. Mas convém lembrar que o
sistema universitário americano tem três grandes modalidades: universidades de
pesquisa, universidades de ensino e colleges ou pós-secundários profissionalizantes
- espaço acadêmico espremido entre o terceiro ano do segundo grau e o mundo
universitário. A função primordial dos colleges é formar mão-de-obra para atender às
exigências operacionais imediatas do mercado, em especial do setor técnico e
produtivo (Ristoff, 1999). Em nosso caso, ao defender a profissionalização, poder-
se-ia falar num reducionismo perigoso de todo o ensino superior, preparando para o
mercado.
Ademais, é sombrio pensar que a educação esteja em função, não da sociedade ou
do interesse público, mas do "mercado", lugar onde se vendem competências e se
compram aptidões.
No terceiro bloco de categorias - Sobre a função de coordenador/diretor - apesar da
diversidade de opiniões e de aspectos considerados, chama a atenção que alguns
têm preocupações mais amplas, reportando-se ao projeto do curso e outros pontos
de caráter macro, enquanto outros vêm se dedicando a questões mais pontuais e
ligadas a aspectos técnicos do processo, de natureza microestrutural, sem conseguir
perceber que ambas as dimensões estivessem articuladas em todos os cursos.
Muitos se reportam aos cursos esporádicos oferecidos pela instituição como
importantes momentos de reflexão e formação pedagógica e também à avaliação
institucional ora em curso como importante momento para dar indicações e
sinalizações sobre o processo de ensino e aprendizagem. Referem-se
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
148
especialmente à indicação de bibliografia complementar, que os alunos dizem ser
deficiente e que procuram corrigir.
Oferecer educação continuada parece ser um dos pontos mais valorizados pelos
entrevistados, tendo os cursos funcionado "como um alento, como se fosse uma luz
que se abria".
Nas entrevistas de nossos colaboradores, a inovação aparece de maneira tênue,
não constituindo marca definidora da prática pedagógica desses docentes. Trata-se
de um desafio a ser vencido no ensino na área de Saúde, ao menos na realidade
investigada.
Podemos afirmar que, mesmo em tempos de racionalização, de uniformização, de
globalização e mercantilização, cada docente continua a produzir no mais íntimo de
si mesmo a sua própria maneira de ser professor. Produção cada vez mais exigente
apontando para a necessária atualização dos saberes ensinados em educação
continuada.
Não podemos prescindir de formação pedagógica para o exercício do magistério
superior. Pelo contrário, é indispensável e urgente a necessidade da discussão de
como introduzir, na formação inicial e continuada dos profissionais da área da Saúde
em nível superior, a competência pedagógica requerida para aulas de qualidade
junto a jovens que buscam o ensino superior, introduzindo inovações que atinjam as
estruturas profundas do ensino.
REFERÊNCIAS
BOGDAN, R., BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação. Porto: Porto Editora, 1997. [ Links ]
BOM MEIHY, J.C.S. Manual de história oral. 2.ed. São Paulo: Loyola, 1998. [ Links ]
CASTANHO, S., CASTANHO, M.E. (Orgs.) O que há de novo na educação superior. Campinas: Papirus, 2000. [ Links ]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
149
CUNHA, M.I. O professor universitário na transição de paradigmas. Araraquara: JM, 1998. [ Links ]
CUNHA, M.I. O bom professor e sua prática. Campinas: Papirus, 1999. [ Links ]
FERREIRA, M.M., AMADO, J. (Orgs.) Usos & abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1996. [ Links ]
GOLDBERG, M.A.A. Inovação educacional: a saga de sua definição. In: GARCIA, W.E. (Org.) Inovação educacional no Brasil: problemas e perspectivas. 3.ed. Campinas: Autores Associados, 1995. p.197-209. [ Links ]
KRAMER, S., JOBIM, S., SAUZA, S. (Orgs.) Histórias de professores. São Paulo: Ática, 1996. [ Links ]
MONTENEGRO, A.T. História oral e memória: a cultura popular revisitada. 3.ed. São Paulo: Contexto, 1994. [ Links ]
NÓVOA, A. (Org.). Vidas de professores. 2.ed. Porto: Porto Editora, 1995. [ Links ]
PAOLI, N.J. Para repensar a universidade e a pós-graduação. Campinas: Ed. da Unicamp, 1985. [ Links ]
RISTOFF, D. Boyer Comission: o modelo americano em debate. In: TRINDADE, H. (Org.) Universidade em ruínas na república dos professores. Petrópolis: Vozes, 1999. p.75-86. [ Links ]
TRINDADE, H. (Org.) Universidade em ruínas na república dos professores. Petrópolis: Vozes, 1999. [ Links ]
VEIGA, I.P.A., RESENDE, L.M.G., Fonseca, M. Aula universitária e inovação. In: VEIGA, I.P.A., CASTANHO, M.E. (Orgs.) Pedagogia universitária: a aula em foco. Campinas: Papirus, 2000. p.161-191. [ Links ]
CASTANHO, M. E. L. M. Profesores de enseñanza superior del área de salud y su práctica pedagógica, Interface _ Comunic, Saúde, Educ, v.6, n.10, p.51-62, 2002. [ Links ]
Recebido para publicação em: 22/05/00. Aprovado para publicação em: 07/01/02.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
150
Revista Brasileira de Educação Médica Print version ISSN 0100-5502 Rev. bras. educ. med. vol.31 no.1 Rio de Janeiro Jan./Apr. 2007 doi: 10.1590/S0100-55022007000100004
PESQUISA
DOCÊNCIA NO ENSINO MÉDICO: por que é tão difícil mudar?
Nilce Maria da Silva Campos Costa
Faculdade de nutrição da Universidade Federal de Goiás, Goiás, Brasil
RESUMO
Apesar do reconhecimento da necessidade de mudanças no ensino médico, a
prática docente tem-se mostrado resistente a modificações. Este trabalho de revisão
identifica os fatores que limitam mudanças na prática docente em Medicina. Entre
eles, ressaltam-se a desvalorização das atividades de ensino e a supremacia da
pesquisa, a falta de identidade profissional docente, a deficiência na formação
pedagógica do professor de Medicina, a resistência docente a mudanças e o
individualismo dos professores universitários. É necessário estimular o
desenvolvimento profissional permanente dos professores de Medicina, como
instrumento de reelaboração e de transformação desta prática.
Palavras-chave: Educação em Saúde; Educação Médica; Docentes de Medicina.
ABSTRACT
Although there is a recognized need for changes in medical teaching, professors
have shown resistance to modifications. This review identifies the factors that limit
changes in the teaching practice in medicine. Among the identified factors we
emphasize the depreciation of the teaching activities and supremacy of research, the
lack of professional identity, the deficient pedagogic education of the medical
teacher, the resistance of the teaching body to changes and the individualism of
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
151
university professors. It is necessary to stimulate permanent professional
development of medicine professors as an instrument of re-creation and
transformation of the teaching practice.
Key-words: Health Education; Education Medical; Faculty, Medical.
INTRODUÇÃO
O ensino superior em saúde, de modo geral, e o ensino médico, em particular, têm
sido, nas últimas décadas, alvos de profundas críticas. Em vários países tem
crescido o questionamento sobre a capacidade dos cursos de Medicina em
cumprirem as finalidades gerais de seus programas, que deveriam ser "desenvolver,
no estudante, o potencial intelectual, a capacidade de análise, julgamento e
avaliação crítica, a habilidade para resolver problemas, o raciocínio crítico, a
abordagem criativa e inquiridora"1 (p. 43).
Na América Latina, na primeira metade do século 20, predominava na formação
médica a influência européia, principalmente da França e da Alemanha2. A partir de
1945, com as novas relações econômicas e culturais estabelecidas no mundo,
houve diminuição da influência européia, passando a haver influência norte-
americana na educação médica, com predominância do modelo flexneriano em
reformas sucessivas do ensino superior em saúde, modelo que continua a ter
hegemonia na formação em saúde até os dias atuais3.
Há muito tanto as reformas curriculares quanto o projeto pedagógico dos cursos de
Medicina têm sido abordados no processo de formação do médico4. Verifica-se uma
preocupação crescente com a modificação da formação médica, ocasionada pela
insatisfação com a realidade existente. Enfatiza-se cada vez mais a necessidade de
um profissional apto a atuar e a contribuir com a sociedade em um contexto de
profundas mudanças, não somente em seu próprio campo profissional, mas também
nos campos político e social4,5.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
152
Como reação aos questionamentos sobre a formação, observa-se uma retomada
dos estudos e debates sobre a educação médica, com propostas de mudança da
formação4,6-9.
A literatura refere-se com insistência à necessidade de formar um médico capaz de
conduzir, de forma autônoma, seu processo de aprendizagem ao longo da vida
profissional, de adaptar-se e participar das mudanças, com aptidão para raciocinar
criticamente, para analisar sistemática e logicamente os problemas e tomar decisões
fundamentadas em sua própria avaliação. Os documentos apregoam a necessidade
da formação geral e humanística, da responsabilidade do médico perante a
sociedade, da valorização da relação médico-paciente e do dever ético da
profissão10,11,12.
A Comissão Interinstitucional de Avaliação do Ensino Médico (Cinaem) trabalhou
durante a década de 1990 com o Projeto Cinaem, desenvolvido em etapas13-16. Na
segunda fase desse projeto15, confirmou-se a "inadequação do processo de
formação do médico", tanto em relação ao graduado quanto ao corpo docente e ao
modelo pedagógico dos cursos4 (p. 111).
Uma das alternativas usadas para tentar transformar o ensino médico tem sido a
incorporação de novas metodologias de ensino17. Entre elas ressalta-se a Problem
Based Learning (PBL)18 ou Aprendizagem Baseada em Problemas, implementada
no Brasil em 199719. Além da PBL, outras propostas metodológicas diferenciadas
como a Task Based Learning (TBL)20 ou Aprendizagem Baseada em Tarefas e a
Learning-Oriented-Teaching (LOT)21 ou Ensino Orientado para a Aprendizagem, têm
sido experimentadas em cursos de Medicina.
O que os fóruns nacionais e internacionais de educação médica têm proposto como
alternativa ao paradigma dominante de ensino é o Paradigma da Integralidade22,23,24,
cujas características são: foco na saúde e não na doença; processo ensino-
aprendizagem com ênfase no aluno e em seu papel ativo na própria formação;
prática no sistema de saúde em graus de complexidade diferentes; capacitação
docente com ênfase tanto na competência técnico-científica quanto na didático-
pedagógica; acompanhamento da dinâmica do mercado de trabalho médico
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
153
orientado pela "reflexão e discussão crítica dos aspectos econômicos e
humanísticos da prestação de serviços de saúde e de suas implicações éticas"4 (p.
68).
Na década atual, algumas iniciativas têm tido a responsabilidade de impulsionar
mudanças no ensino médico brasileiro, como as Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCN)10, que demonstram preocupação com a consolidação de mudanças nas
ações e na formação de recursos humanos em saúde. Outras iniciativas de
mudanças estão representadas pelo Programa de Incentivo a Mudanças
Curriculares nos Cursos de Medicina (Promed)11 e pelo Programa Nacional de
Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde)12.
A prática pedagógica é considerada o domínio específico da profissão docente, o
que define a identidade profissional do professor, pois reflete a concepção do
professor sobre as funções profissionais e o modo como devem ser
desempenhadas. Apesar das propostas de transformações nos currículos e no
ensino, as mudanças na educação médica têm esbarrado em dificuldades. A prática
docente em Medicina tem-se mostrado resistente a modificações, visto que os
professores continuam a ensinar como sabem e resistem a novas metodologias de
ensino-aprendizagem5.6.
Este trabalho procura identificar, por meio de revisão da literatura, os fatores
limitantes de mudanças na prática docente em Medicina, com base em autores que
discutem a formação de professores no ensino superior e a docência na área
médica.
FATORES LIMITANTES DE MUDANÇAS NA ATUAÇÃO DOCENTE EM
MEDICINA
Desvalorização das Atividades de Ensino e Supremacia da Pesquisa
Entre os fatores limitantes de mudanças no ensino médico, pode-se citar a
insuficiência da abordagem dos problemas educativos próprios da educação médica.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
154
Os professores de Medicina tendem a encarar com ceticismo ou descaso os
aspectos pedagógicos da docência universitária.
Publicações referentes à docência médica4,18,24-29 e à docência universitária30-35 são
unânimes ao considerarem a existência de uma deficiência no domínio da área
educacional, no desempenho do docente do ensino superior. Praticamente não
existe, nas escolas médicas, preparo específico para os professores no campo
pedagógico. Espera-se que o professor de Medicina seja "um profundo conhecedor
do assunto que deve ensinar, como se apenas esse aspecto assegurasse sua
competência didática", fato que contribui para a falta de qualificação pedagógica dos
docentes25 (p. 34).
A pouca valorização dada à formação pedagógica do professor universitário pode
ser atribuída ao desmerecimento das atividades de ensino nas universidades, nas
quais os estímulos para a atuação e os critérios de progressão na carreira têm-se
fundamentado mais na produção científica que no exercício da docência. Contribui
para esse fato o próprio desenvolvimento do conhecimento científico específico de
cada área, que tem se tornado cada vez mais fragmentado e incapaz de explicar a
complexidade dos fenômenos educativos.
Para os professores de Medicina, a docência é considerada uma atividade
secundária à profissão médica, e o trabalho docente "não se configura como uma
profissão"25 (p. 32). Um fator que contribui para essa constatação é que o critério de
contratação dos docentes nos cursos médicos é centrado, principalmente, na
qualidade de seu desempenho em sua área técnica de atuação.
Além disso, os professores de Medicina, freqüentemente, são contratados pelo
trabalho desenvolvido em pesquisa e publicações científicas e não pela capacidade
de ensinar, conforme observam Finucane e Rolfe27, McLeod et al.28 e McLean29,
fator que os leva a se afastarem das atividades docentes. Pesquisar e ensinar "não
são atividades incompatíveis, mas competem no tempo disponível do
docente/pesquisador"4 (p. 154-155).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
155
Apesar de as instituições de ensino serem basicamente formativas e, dessa forma, a
formação oferecida aos estudantes deveria constituir a variável de maior
importância, o ranking é feito com base em indicadores de produção científica ou
técnica e, assim, o potencial formativo fica secundarizado. Muitas vezes, "os
professores vêem a si mesmos mais como pesquisadores (no campo científico) ou
como profissionais (no campo aplicado) do que como professor de fato"34 (p. 114).
Entidades que incentivam/promovem a educação médica, como a Organização
Mundial da Saúde (OMS), recomendam que o desenvolvimento docente se torne
integrado ao processo de reforma curricular. Consideram também que, nas escolas
médicas, as atividades de ensino deveriam ter o mesmo valor dado às atividades de
pesquisa, e os indicadores de competência em ensino deveriam ser estabelecidos e
considerados29.
Com esta realidade, atrair e reter professores qualificados na área médica continua
um desafio, pois apenas recentemente os professores universitários vêm se
tornando conscientes de que a atividade docente, como a pesquisa e a prática de
qualquer profissão, exige capacitação própria e específica. A desvalorização das
atividades relacionadas à formação docente, portanto, prejudica a qualidade do
ensino ministrado32,36-40.
Falta de Profissionalização Docente
A docência universitária "exige não apenas domínio de conhecimentos a serem
transmitidos por um professor como também um profissionalismo exigido para o
exercício de qualquer profissão"38 (p. 30).
A profissionalidade da docência reside nas exigências intelectuais e habilidades
práticas que seu exercício implica. Os professores são reconhecidos como
profissionais justamente pelo domínio técnico demonstrado na solução de
problemas, ou seja, devem conhecer os procedimentos adequados de ensino e sua
aplicação41. Afinal, os professores são profissionais não apenas porque sabem ou
recebem um salário, mas principalmente porque o trabalho que executam exige
vários conhecimentos e competências, e é de grande relevância social34.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
156
Muito esforço tem sido feito para formar bons médicos, mas pouca atenção tem sido
dada ao conceito de desenvolvimento profissional do médico que atua como
professor. Isso pode ser atribuído ao fato de a falta de aplicação técnica de grande
parte do conhecimento pedagógico, juntamente com a natureza ambígua e, por
vezes, conflituosa de seus fins, ter levado a se considerar o ensino como uma
profissão "somente em um sentido muito fraco e limitado"41 (p. 95).
A identidade dos docentes de Medicina freqüentemente evolui com o tempo e a
experiência. O modo como os profissionais se tornam aptos a desempenhar seu
papel é um processo que ocorre ao longo da vida, se inicia na graduação41,42,43 e
tem estimulado investigações como a realizada por Stone et al.44 para identificar
como os professores da área clínica do curso de Medicina, considerados excelentes
por seus pares, estabelecem sua identidade profissional como médico e como
docente.
Historicamente, a docência tem sido assumida como profissão genérica e não como
ofício, por ser considerada socialmente uma "semiprofissão", com alguns traços
característicos, como o predomínio do conhecimento objetivo, ou seja, o conteúdo
específico de disciplinas: "Saber, ou seja, possuir um certo conhecimento formal, era
assumir a capacidade de ensiná-lo"45 (p. 13.) No momento, essas características
históricas são consideradas insuficientes, embora não se discuta que sejam
necessárias18.
Atuar como professor significa desenvolver funções de natureza distinta. Envolve
desde as funções de rotina, que podem ser aprendidas por treinamento, até funções
mais complexas, de tomada de decisão, que resultam, principalmente, de
características pessoais do professor e têm caráter imprevisível, por ocorrerem de
acordo com as exigências do momento, e refletem a dimensão interior e a teoria
implícita na atuação dos professores41.
A identidade profissional dos professores de Medicina (o que sentem sobre o que
são, sobre o que sabem; os livros que lêem ou escrevem, os colegas com quem se
relacionam, os congressos que freqüentam, as conversas profissionais que mantêm,
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
157
etc.) costuma estar mais centrada em suas especialidades científicas do que em sua
atividade docente.
Para Nóvoa46, o termo mais adequado seria "processo identitário", por realçar a
mistura dinâmica que caracteriza a maneira como cada um se sente e se diz
professor, pois a "identidade não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não
é um produto. [...] é um espaço de construção de maneiras de ser e de estar na
profissão". O autor denomina "segunda pele profissional" as características próprias
que os docentes adquirem a partir da experiência: o modo próprio de organizar as
aulas, de movimentar-se na sala, de dirigir-se aos alunos, de utilizar os recursos
pedagógicos.
Segundo Zabalza34, existem três dimensões na definição do papel do docente de
ensino superior: 1) dimensão profissional: elementos que definem a profissão, como
a construção da identidade, os dilemas do exercício profissional e as necessidades
de formação inicial e permanente; 2) dimensão pessoal: tipo de envolvimento e de
compromisso pessoal, ciclos de vida dos docentes, situações e problemas pessoais
que acompanham o exercício profissional, fontes de satisfação e insatisfação no
trabalho; 3) dimensão administrativa: condições contratuais, sistemas de seleção e
promoção, incentivos e obrigações vinculadas à atuação profissional.
Petra et al.47, em contrapartida, consideram os três domínios de conhecimentos
docentes: o ideológico, que determina as normas, os valores e os objetivos
existentes em educação; o empírico, que conecta os fenômenos da realidade
educacional; e o domínio tecnológico: dos métodos, técnicas e estratégias
educacionais.
Stone et al.44 ressaltam que, para o indivíduo sentir-se como profissional, devem
ocorrer mudanças tanto externas como internas, subjetivas. Externamente,
aprendem-se novas informações e desenvolve-se um novo grupo social, enquanto
se adquirem os conhecimentos específicos da profissão. Na transformação
profissional interna, a profissão passa a ser vista como um chamado ou como uma
conceituação subjetiva associada ao papel desempenhado. O terceiro e último fator
a ser considerado na profissionalização é o mentoring, ou seja, o fato de
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
158
profissionais experientes darem assistência aos iniciantes. Todos esses elementos
estão presentes na formação da identidade dos médicos que, recém-formados,
aprendem informações novas, integram-se em um novo grupo de especialistas, são
monitorados como residentes, o que geralmente não ocorre com os médicos que
optam pela docência.
Conforme afirmam Batista e Ribeiro48, enfrentar a questão da profissionalização do
professor de Medicina é um trabalho árduo, visto que demanda esforço para
localizar as diferentes situações que perpassam a categoria docente, mapear os
conflitos e as contradições que permeiam a prática dos professores, além de
"compreender a complexidade que envolve as funções de ensino, de educação e
saúde nesta sociedade" (p. 7).
Para McLean29, embora se acredite na existência de critérios que determinem a
eficácia e a eficiência em docência, eles são vagos e de difícil implementação.
Apesar de estudos48 apresentarem propostas de atividades para os cursos de
Medicina incentivarem o desenvolvimento da identidade do médico como professor,
a identidade profissional docente não pode ser pensada separada da perspectiva da
formação docente, em vista da interdependência de ambos os fatores. Afinal, a
atividade docente nas universidades necessita ser encarada de forma profissional e
não amadorística, pois, além das competências específicas para o exercício de uma
profissão, existem as competências próprias do docente universitário, seja em
determinada área do conhecimento, seja no domínio da área pedagógica, seja no
imprescindível exercício da dimensão política da docência universitária, em outras
palavras, na visão de educação, de homem e de mundo do professor.
Desvalorização da Formação Docente do Professor de Medicina
O corpo docente é o alicerce fundamental sobre o qual devem ser instituídas as
bases das mudanças introduzidas na educação médica, e a docência universitária
tem constituído tema relevante de pesquisa na área educacional e na área de
educação médica18,30,32,36-40,49-53.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
159
No Brasil, na terceira fase do Projeto Cinaem16, que se centrou no processo de
formação e na docência médica, houve consenso acerca do "despreparo da maioria
dos docentes que, na quase totalidade, são especialistas, não havendo modelo de
identificação para o propósito da formação geral do médico"5. Afirmou-se a
importância do corpo docente das escolas médicas como "um dos elementos
centrais do êxito das reformulações necessárias à educação médica" e recomendou-
se que os cursos médicos promovessem "a excelência dos médicos para a
docência", e, dessa forma, contribuíssem para a transformação da formação16 (p.
11).
De modo geral, a formação do professor começa antes mesmo de sua formação
acadêmica e prossegue durante toda a vida profissional, estando baseada em
processos complexos principalmente porque a prática educativa se constitui na
tensão entre as determinações estruturais da sociedade e as exigências do sistema
de ensino54.
A atuação do docente da área médica restringe-se, geralmente, à reprodução dos
modelos considerados válidos, aprendidos anteriormente, e à sua experiência
prática cotidiana26,27. Os professores têm idéias, atitudes e comportamentos sobre o
ensino provenientes da formação recebida durante o período em que foram alunos.
Nessa formação existe uma dimensão inconsciente e não inteiramente racional que
se enquadra no que Mizukami55 denomina "teoria prática de ensino", pois os
professores "operam na base de várias teorias da prática e, quer estejam ou não
conscientes de tais teorias, seu trabalho é racional, pelo fato de ser intencional" (p.
43).
A influência que essa formação incidental exerce é considerável, posto que os
docentes a adquirem de forma nãoreflexiva, como algo natural, escapando, assim, a
críticas e transformando-se em um conceito espontâneo sobre o que seja
ensinar56,57. Entre os limites dessa formação, Venturelli18 cita a improvisação como
"la mejor forma de eternizar las limitaciones de un método que el tiempo ha
sobrepasado", pois limita a discussão e a reflexão sobre as práticas executadas e,
com isso, a possibilidade de enriquecimento teórico com leituras e ampliação da
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
160
visão de mundo do docente. Benedito58 acrescenta que, embora não se deva
desconsiderar a capacidade autodidata do professorado, a formação proporcionada
pela experiência é insuficiente (p. 23).
Na verdade, aprende-se a ser professor universitário "mediante um processo de
socialização em parte intuitiva, autodidata ou [...] seguindo a rotina dos outros"58 (p.
131). Nesse processo, têm papel mais ou menos importante a experiência própria
como aluno, o modelo de ensino predominante no sistema universitário e as reações
dos estudantes. O professor passa da experiência passiva como aluno ao
comportamento ativo como professor "sem que lhe seja colocado, em muitos casos,
o significado educativo, social e epistemológico do conhecimento que transmite ou
faz seus alunos aprenderem"59 (p. 153).
Para Venturelli18, se as instituições de ensino médico reconhecessem o fato de que
o médico sabe Medicina, mas não foi formado para ensinar, poderiam contribuir para
mudar a situação, direcionando os professores atuais e futuros a um caminho "de
aprendizaje, de real formación docente", o que permitiria "poner la educación del
futuro profesional de la salud en una dirección altamente propicia" (p. 23).
Existem diferentes concepções de formação docente em saúde: a da formação
como processo de reflexão e a da formação como treinamento didático/exercício
docente60. Esse tema é considerado complexo por "expressar tensões entre
perspectivas teórico-metodológicas que buscam contribuir para a formulação de
políticas de formação que extrapolem as meras situações de capacitação e
atualização"60 (p. 17). De qualquer modo, a formação docente permanente é
imprescindível para favorecer a evolução da formação médica, fato reconhecido
atualmente não só pelos cursos que usam novas estratégias de ensino, mas até
mesmo pelos tradicionais61.
Apesar dos vários paradigmas sobre a formação inicial dos docentes, existe um
"escasso desenvolvimento teórico e conceptual da formação permanente ou
desenvolvimento profissional dos docentes" (p. 32)62. Giroux63 aponta como uma das
maiores ameaças para a atuação dos professores o desenvolvimento de ideologias
instrumentais de formação com ênfase na abordagem tecnocrática para a
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
161
preparação docente e para as práticas em sala de aula, que prejudicam tanto a
natureza do ensino quanto os alunos que, "em vez de aprenderem a refletir sobre os
princípios que estruturam a vida e a prática em sala de aula, [...] aprendem
metodologias que parecem negar a própria necessidade de pensamento crítico" (p.
159). O autor propõe, como forma de reestruturar a atividade docente, considerar os
professores como "intelectuais transformadores", educadores e críticos das teorias
tecnocráticas e instrumentais da educação, podendo propiciar o repensar das
tradições e das condições que os têm impedido de assumir um papel ativo e
reflexivo.
Gimeno Sacristan59 considera que o processo de renovação pedagógica que
preconiza o papel central para os professores no planejamento de sua prática deve
partir da análise das condições objetivas do trabalho profissional dos docentes, "para
propiciar saídas realmente libertadoras, ao mesmo tempo que se é consciente das
dificuldades objetivas do plano" (p. 109).
A crítica generalizada ao tradicionalismo e à racionalidade técnica tem conduzido à
emergência de propostas alternativas sobre o papel do professor, com a visão da
formação em uma perspectiva mais ampla e mais humana. Na verdade, as teorias
tradicionais de formação de professores foram colocadas em discussão porque os
cursos de formação, ao desenvolverem um currículo formal, têm contribuído de
forma insatisfatória para a geração de uma nova identidade profissional docente.
Estudiosos de vários países têm manifestado preocupação com a necessária
mudança no trabalho docente. O ensino tradicional vem paulatinamente dando lugar
a práticas alternativas que se propõem levar ao desenvolvimento global dos
educandos49,64.
O conceito mais utilizado por investigadores, formadores de professores e
educadores diversos para se referirem às novas tendências da formação de
professores é o da "prática reflexiva"65,66, proposta por Schön66,67 e que causou
grande interesse e influência nos trabalhos direcionados à prática profissional
docente. Schön67 sugere a incrementação das práticas reflexivas e o estímulo a sua
introdução na formação docente, para que os professores possam aprender a partir
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
162
da análise e da interpretação de sua própria atividade. O professor reflexivo, que
pensa-na-ação, se interroga sobre as alternativas possíveis para determinado
momento e avalia seus resultados.
Entre os obstáculos à implantação da prática reflexiva encontram-se a epistemologia
dominante na universidade e o currículo prescritivo. Nóvoa46, ao defender a
formação docente como um processo interativo e dinâmico, apregoa a necessidade
de estímulo a uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça ao professor meios de
desenvolver um pensamento autônomo e de compreender a globalidade do sujeito.
Para verificar a eficácia e eficiência de cursos de capacitação docente, Godfrey et
al.68 pesquisaram as mudanças ocorridas nas atividades de ensino de dois grupos
de professores de Medicina: um constituído pelos que participaram de um curso de
docência; e o outro integrado por docentes em lista de espera pelo curso,
considerado Grupo Controle. Após um período de 8-10 meses, os professores
responderam ao mesmo questionário aplicado antes do curso, e a maioria dos
participantes relatou mudanças positivas na prática pedagógica, maiores que as do
Grupo Controle.
O caminho aberto pela necessidade da reflexão como modelo de formação docente
propõe uma série de intervenções que torna possível, em nível teórico e prático, um
novo modo de formar professores. Apesar das críticas feitas à proposta de Schön, é
inegável sua contribuição para uma nova visão da formação. O ponto principal da
crítica a Schon é que o conhecimento pode e vem da prática, mas não há como
situá-lo exclusivamente nela. Esta crítica, na verdade, deve ser dirigida à
racionalidade técnica, que defende a idéia de que os profissionais solucionem
problemas através de meios técnicos. O questionamento a este tipo de
profissionalização é que, quando se esgotam o repertório teórico e os instrumentos
construídos como referenciais, o profissional não sabe como lidar com a situação.
Resistência Docente a Mudanças
Outro fator que limita mudanças no ensino médico é a resistência dos professores a
transformações. Um dos aspectos que podem contribuir para essa resistência é que
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
163
as tentativas de mudança ocasionam certa sensação de insegurança, o chamado
"mal-estar docente", visto que os professores já se encontram adaptados "a um
trabalho bem definido – o ensino, a transmissão de conhecimentos"69 (p. 11).
Existem vertentes diferenciadas de prática pedagógica64,70. Schmidt et al.64
consideram a prática pedagógica "repetitiva", em que as ações docentes parecem
acontecer "sem dúvidas e reflexões", e a prática pedagógica "reflexiva", que se
preocupa com mudanças qualitativas no processo de ensino e procura
instrumentalizar-se com um conhecimento crítico e aprofundado da realidade (p. 23).
Cunha30 emprega outra nomenclatura para as práticas/concepções de ensino: uma
"reprodutiva", na qual "prepondera a reprodução do conhecimento cientificamente
acumulado", e outra, "emergente", que concebe o conhecimento como um processo
"onde a dúvida e a incerteza são estímulos à produção do aprendiz" (p. 389).
Estarão os professores da área da saúde aptos a classificar sua própria prática
docente? Estarão preparados para a implementação da prática reflexiva ou
necessitam de orientação, estímulo e cooperação?
Ten Cate et al.21 consideram que os professores de Medicina apresentam
dificuldades de compreender as concepções curriculares subjacentes aos currículos
e de colocá-las em prática. O autor apregoa a necessidade de que as propostas
sejam bem claras para auxiliar os docentes a refletir sobre a prática cotidiana,
analisar as atitudes/reações dos alunos, desenvolver e implementar novos métodos
de ensino e compreender por que determinadas estratégias não conseguem
estimular a aprendizagem.
Apesar das dificuldades que os professores de Medicina apresentam em relação às
questões educativas, Swick71 considera que, se por um lado, as mudanças trazem
inevitavelmente desafios e sentimentos de perda, por outro, também oferecem a
oportunidade de reconstruir o ensino médico em direção às necessidades da
sociedade.
Clack72 concorda em que a resistência docente é um fator limitante de mudanças no
ensino médico e relata o papel positivo da avaliação realizada em um curso de
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
164
Medicina do Reino Unido que, ao mudar seu currículo, realizou uma investigação
com egressos sobre o ensino ministrado. Foram devolvidos 78% dos questionários e
apontadas as deficiências em vários aspectos da formação, com um efeito imediato
de implementar algumas alterações práticas no currículo para corrigir as deficiências
apontadas.
Aliás, a avaliação tem sido um instrumento usado para efetivar mudanças em cursos
de Medicina e Odontologia73,74 e é considerada válida para avaliação curricular. Não
basta, entretanto, apenas aplicar instrumentos de avaliação. Para Wolfhagen75, o
sucesso dos processos avaliativos encontra-se no desejo de adotar uma atitude
crítica, de analisar a situação existente, na oportunidade de discutir e dialogar, na
disponibilidade de executar um plano de ação e de coletar dados continuamente.
Individualismo da Ação Docente
O individualismo presente na docência universitária é apontado por Bireau31 como
um dos obstáculos à formação docente. A autora assinala que os docentes do
ensino superior são dominados pela "síndrome de ensinar à minha maneira", um dos
fatores que os leva a adotar estilos pedagógicos que têm tanto de pessoal como de
empírico. E acrescenta que cada docente "é rei e senhor do conteúdo a ministrar".
Para Zabalza34, os professores universitários agem como se cada um fosse uma
espécie de "célula fechada e autônoma".
O individualismo não é exclusividade dos professores de Medicina, tendo sido
reconhecido em outros países como uma característica da docência
universitária34,47,76. Estudo realizado concomitantemente em universidades francesas
e alemãs evidencia a falta de integração e o individualismo em que se processa a
docência. A distribuição das disciplinas entre os professores leva em conta as
pretensões e as preferências de cada docente, e não se aprofunda a discussão dos
conteúdos e/ou métodos pedagógicos31.
Para Petra et al.47, quando os professores agem de forma individual, independente,
tendem a desenvolver principalmente o domínio técnico da função docente, pois os
demais, o ideológico e o empírico, geralmente são proporcionados pela reflexão
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
165
sobre o trabalho realizado. O autor pondera que, se os gestores do ensino dessem
mais atenção a todos os domínios do conhecimento docente, mais professores
poderiam se desenvolver.
Investigação realizada sobre as práticas educativas de professores de Medicina de
uma instituição federal de ensino superior76 observou o individualismo e o
predomínio da racionalidade técnica na ação do professor. Quando a racionalidade
técnica é norteadora da prática, fica subentendido que o que se requer dos
professores é que executem atividades preestabelecidas para a consecução de
determinados objetivos. Para isto, o docente aplica métodos e adere a rotinas
cristalizadas: não faz parte do seu exercício profissional o questionamento do
ensino, mas tão-somente seu cumprimento eficaz.
A racionalidade técnica implanta a figura do expert, que, com sua eficiência e
domínio das técnicas derivadas do conhecimento científico, legitima os "objetivos
que ficam fora do debate tanto para os professores como para a sociedade"41.
O individualismo presente na prática docente universitária é um dos entraves ao
desenvolvimento dos professores desse nível de ensino, pois vivem "tão
intensamente a autonomia ideológica, científica, didática, que se torna inexpressivo
qualquer processo que tenda a romper esse status quo"34 (p. 118).
Segundo Costa76, "o currículo estruturado em disciplinas é o meio ideal para cultivar
o professor que trabalha isoladamente, pois cada disciplina existe de forma
independente e sem comunicação com as demais" (p. 123). Em outras palavras, a
forma de organização dos currículos tende a legitimar o isolamento da ação docente
e deve ser considerada quando se pensa em transformar a formação de
profissionais de saúde.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
São vários os desafios a serem enfrentados pelos estudiosos da educação médica,
principalmente se há objetivos de mudanças na prática docente. Um dos itens
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
166
considerados básicos é a formação dos professores, visto que precisam de uma
visão global da profissão docente e não apenas de sua especialidade médica.
Com a ressignificação do papel docente, de transmissor de conhecimentos para
mediador e facilitador da aprendizagem dos alunos, é importante ter clareza teórica
sobre pontos como: o que significa ser um bom professor? O que é entendido por
excelência em docência?
Assim, encontrar estratégias práticas adequadas ao fazer docente constitui uma
tarefa essencial para a formação do educador. Afinal, a docência médica deve ser
vista em um continuum que só cessa ao final da vida profissional, e seria desejável
que todos os professores – sejam os que se dedicam à pesquisa, sejam os que se
preocupam com o ensino – juntassem forças para o desenvolvimento permanente da
docência médica.
As iniciativas vêm, em geral, de indivíduos isolados ou de pequenas equipes, e só
em casos muito raros a instituição se interessa por elas. Afinal, se mudanças
efetivas no papel do professor de Medicina são desejadas, deve-se pensar com a
clareza que oportunize a geração de propostas concretas, que passam
obrigatoriamente pela incorporação institucional do desenvolvimento pedagógico
permanente dos docentes da área da saúde.
REFERÊNCIAS
1. Mamede S, Penaforte J, org. Aprendizagem baseada em problemas: anatomia de uma nova abordagem educacional. Fortaleza: Hucitec; 2001. [ Links ]
2. Chaves M, Kisil M. Origens, concepção e desenvolvimento. In: Almeida MJ, Feuerwerker L, Llanos, CM, org. A educação dos profissionais de saúde na América Latina: teoria e prática de um movimento de mudança. [Tomo I]. São Paulo: Hucitec; 1999. p. 1-16. [ Links ]
3. Almeida MJ. A educação dos profissionais de saúde na América Latina: teoria e prática de um movimento de mudança. São Paulo: Hucitec;1999. [ Links ]
4. Lampert JB. Tendências de mudança na formação médica no Brasil: tipologia das escolas. São Paulo: Hucitec/ABEM; 2002. [ Links ]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
167
5. Koifman L. A teoria de currículo e a discussão do ensino médico. Rev. Bras. Educ. Med. 1998; 22: 37-47. [ Links ]
6. Feuerwerker L. Além do discurso de mudança na educação médica: processos e resultados. São Paulo: Hucitec; Londrina: Rede Unida; Rio de Janeiro: ABEM; 2002. [ Links ]
7. Asua M. Evolution de la formación medica en las facultades de medicina, Argentina, 1900-1982. Educ Med y Salud. 1986; 20: 265-271. [ Links ]
8. Laguna JA. La modernizacion del cientificismo y el arcaísmo nacional actual: el caso de la formación medica en el Peru. Educ Med y Salud. 1992; 26: 54-69. [ Links ]
9. Almeida MJ. A educação médica e as atuais propostas de mudança: alguns antecedentes históricos. Rev. Bras. Educ. Med. 2001; 25: 42-52. [ Links ]
10. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CES nº 4, de 01/11/2001. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Brasília: Câmara de Educação Superior; 2001. [ Links ]
11. Ministério da Saúde/ Ministério da Educação/ Organização Panamericana da Saúde. PROMED – Programa de Incentivo a Mudanças Curriculares nos Cursos de Medicina. Brasília: Secretaria de Políticas da Saúde; 2002. [Edital de Convocação] [ Links ]
12. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. Programa nacional de reorientação da formação profissional em saúde PRÓ-SAÚDE. Brasília – DF, 2005, 80p. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/sgtes/ visualizar_texto.cfm?idtxt=22848>, [Acesso em: 02 de março de 2006]. [ Links ]
13. Associação Brasileira de Ensino Médico. III Fórum nacional de avaliação do ensino médico. Anais do XXXII Congresso Brasileiro de Educação Médica. Niterói: ABEM;1994. [ Links ]
14. Associação Brasileira de Ensino Médico. IV Fórum nacional de avaliação do ensino médico. Anais do XXXIII Congresso Brasileiro de Educação Médica. Porto Alegre: ABEM;1995. [ Links ]
15. Comissão Interinstitucional de Avaliação do Ensino Médico. Relatório final da II fase do projeto de avaliação da educação médica no Brasil. Rio de Janeiro: CINAEM;1997. [ Links ]
Comissão Interinstitucional de Avaliação do Ensino Médico. Projeto Cinaem/ III Fase. Processo de formação e docência. Rio de Janeiro: CINAEM;1999. [ Links ]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
168
16. Angeli AO, Loureiro SR. A aprendizagem baseada em problemas e os recursos adaptativos de estudantes do curso médico. Rev. Bras. Educ. Med 2001; 25: 32-41. [ Links ]
17. Venturelli, J. Educación médica: nuevos enfoques, metas y métodos. Washington: OPS; 1997. [ Links ]
18. Komatsu RS, Zanolli MB, Lima VV. Aprendizagem baseada em problemas: In: Marcondes E, Lima-Gonçalves E, org. Educação médica. São Paulo: Sarvier; 1998. p.223-237. [ Links ]
19. Harden RM, Laidlaw JM, Ker JS, Mitchell, HE. Task-based learning: an educational strategy for undergraduate, postgraduate and continuing medical education. Med. Teach. 1996; 18: 7-13. [ Links ]
20. Ten Cate O, Snell L, Mann K, Vermunt J. Orienting teaching toward the learning process. Acad. Med. 2004; 79: 219-228. [ Links ]
21. Feuerwerker L. Educação médica na América Latina. In: Feuerwerker, L. Mudanças na educação médica e residência médica no Brasil. São Paulo: Hucitec/Rede Unida; 1998, p. 51-95. [ Links ]
22. Campos FE, Ferreira JR, Feuerwerker L, Sena RR, Campos JJB, Cordeiro H, Cordoni Jr L. Caminhos para a aproximar a formação de profissionais de saúde das necessidades da atenção básica de saúde. Rev. Bras. Educ. Med. 2001; 25: 11-26. [ Links ]
23. Lampert JB. Na transição paradigmática: o que o paradigma da integralidade atende que o paradigma flexneriano deixou de lado. Cadernos ABEM. 2004; 1: 23-25. [ Links ]
24. Batista NA, Souza Silva SH. A função docente em medicina e a formação/educação permanente do professor. Rev. Bras. Educ. Med. 1998a; 22: 31-36. [ Links ]
25. Batista NA, Souza da Silva SH. O professor de medicina: conhecimento, experiência e formação. São Paulo: Loyola; 1998b. [ Links ]
26. Finucane P, Rolfe I. Graduates' verdict on medical teachers: the minority who teach do it well. Med Teach. 1996; 18: 57- 59. [ Links ]
27. McLeod PJ, Steinert Y, Meagher T, Mcleod A. The ABCs of pedagogy for clinical teachers. Med Educ. 2003; 37: 638-644. [ Links ]
28. McLean, M. Reawarding teaching excellence. Can we measure teaching "excellence"? Who should be the judge? Med Teacher. 2001; 23(1): 6-11. [ Links ]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
169
29. Cunha MI. O futuro já é hoje: o desafio políticoepistemológico do ensino superior na sociedade contemporânea. Anais do VII Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino; 1994, Goiânia: ENDPE;1994. p.382-394. [ Links ]
30. Bireau A. Os métodos pedagógicos no ensino superior. Porto, Portugal: Porto Ed.; 1995. [ Links ]
31. Abreu MC, Masetto MT. O professor universitário em aula. São Paulo: MG Ed; 1997. [ Links ]
33. Pimenta SG; Anastasiou LG. Docência no ensino superior. São Paulo: Cortez; 2002. [ Links ]
34. Zabalza MA. O ensino universitário: seu cenário e protagonistas. São Paulo: Artmed; 2004. [ Links ]
35. Perez Gómez AP. O pensamento prático do professor: a formação do professor como profissional reflexivo. In: Nóvoa, A, org. Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote; 1997. p. 95-114. [ Links ]
36. Cunha MI. O professor universitário na transição de paradigmas. Araraquara: JM; 1998. [ Links ]
37. Masetto MT, org. Docência na universidade. Campinas: Papirus; 1998. [ Links ]
38. Masetto MT. O professor universitário e sua formação pedagógica. In: Bicudo MAV, Silva Junior CA. Formação do educador e avaliação educacional: formação inicial e contínua. São Paulo: Unesp; 1999. [ Links ]
39. Masetto MT. Competência pedagógica do professor universitário. São Paulo: Summus; 2003. [ Links ]
40. Castanho MELM. A criatividade na sala de aula universitária. In: Veiga, IPA, Castanho MELM. Pedagogia universitária: a aula em foco. Campinas: Papirus; 2000. p.75-89. [ Links ]
41. Contreras J. A autonomia de professores. São Paulo: Cortez; 2002. [ Links ]
42. Paquay L, Perrenoud P, Altet M, Charlier E. Formando professores profissionais. Porto Alegre: Artmed; 2001. [ Links ]
43. Perrenoud P, Thurler MA. As competências para ensinar no século XXI. Porto Alegre: Artmed; 2002. [ Links ]
44. Stone S, Ellers B, Holmes D, Orgren R, Qualters D, Thompson J. Identifying oneself as a teacher: the perceptions of preceptors. Med Teach, 2002; 36: 180-185. [ Links ]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
170
45. Imbernón F. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. São Paulo: Cortez; 2001. [ Links ]
46. Nóvoa A. Formação de professores e profissão docente. In: Nóvoa, A, org. Os professores e sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote; 1997. p.15-33. [ Links ]
47. Petra PAXJ; Beijaard D, Wubbels T. Teachers' development of professional knowledge through action research and the facilitation of this by teacher educators. Teaching and Teacher Education 2004;6: 571-588. [ Links ]
48. Batista N, Ribeiro ECO. Projeto Cinaem. Docência médica profissionalizada. Relatório de Consultoria. Rio de Janeiro: Cinaem; 1999.13p. (mimeo) [ Links ]
49. Morosini MC, org. Professor do ensino superior: identidade, docência e formação. Brasília: Plano; 2001. [ Links ]
50. Batista N, Batista SH. A formação do professor universitário em saúde: desafios e possibilidades. In: Severino AJ, Fazenda IC. Formação docente: rupturas e possibilidades. Campinas: Papirus;2002. p.185-205. [ Links ]
51. Batista N, Batista SH, orgs. Docência em saúde: temas e experiências. São Paulo: Senac; 2004 a. p.17- 31. [ Links ]
52. Behrens MA, org. Docência universitária na sociedade do conhecimento. Curitiba: Champagnat; 2003. [ Links ]
53. Pimenta SG, Anastasiou LC, Cavallet, VJ. Docência e ensino superior: construindo caminhos. In: Barbosa, RL, org. Formação de educadores: desafios e perspectives. São Paulo: Unesp; 2003. p.267-278. [ Links ]
54. Santos LLCP. Formação do professor e pedagogia crítica. In: Fazenda I, org. A pesquisa em educação e as transformações do conhecimento. Campinas: Papirus; 1997. p. 17 [ Links ]
55. Mizukami MGN. Teoria, prática e reflexão na formação do profissional em educação. [Goiânia] Interação 1997; 21: 39-60. [ Links ]
56. Perrenoud P. Práticas pedagógicas: profissão docente e formação: perspectivas sociológicas. Lisboa: Dom Quixote; 1993. [ Links ]
57. Carvalho, AMP. Paradigmas e métodos de investigação nas práticas de ensino: aspectos epistemológicos. Anais do VII Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino; 1994. Goiânia: ENDPE; 1994. p.79-90. [ Links ]
58. Benedito A V. La formación universitaria a debate. Barcelona: Universidad de Barcelona; 1995. [ Links ]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
171
59. Gimeno Sacristán J. O Currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed; 2000. [ Links ]
60. Batista N, Souza da Silva SH. A docência em saúde: desafios e perspectivas. In: Batista N, Batista SH, orgs. Docência em saúde: temas e experiências. São Paulo: Senac; 2004. [ Links ]
61. Venturelli J, Fiorini V. Programas educacionais inovadores em escolas médicas: capacitação docente. Rev. Bras. Educ. Med, 2001; 25: 7- 21. [ Links ]
62. Garcia CM. Formação de professores: para uma mudança educativa. Porto: Porto Editora; 1995. 272p. [ Links ]
63. Giroux HA. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. [ Links ]
64. Schmidt LM, Ribas MH, Carvalho MA. A prática pedagógica como fonte de conhecimento. In: Alonso M, org. O trabalho docente: teoria e prática. São Paulo: Pioneira;1999. p. 20-36. [ Links ]
65. Garcia CM. A formação de professores: novas perspectivas baseadas na investigação sobre o pensamento do professor. In: Nóvoa, A, org. Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote; 1997.p. 51-73. [ Links ]
66. Schon D. Educando o profissional reflexivo. Porto Alegre: Artmed; 2000a. [ Links ]
67. Schon D. Formar professores como profissionais reflexivos. In: Nóvoa, A, org. Os professores e sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote; 1997b. p.77-91. [ Links ]
68. Godfrey J; Dennick R; Welsh C. Training the trainers: do teaching courses develop teaching skills? Medical Education 2004; 38:844-847 [ Links ]
69. Alonso M. org. O trabalho docente: teoria e prática. São Paulo: Pioneira; 1999. p. 20-36. [ Links ]
70. Perez Gómez A. A função e a formação do professor/a no ensino para a compreensão: diferentes perspectivas. In: Gimeno Sacristán J, Perez Gómez A. Compreender e transformar o ensino. Porto Alegre: Artes Médicas; 1998. p.353-379. [ Links ]
71. Swick HM. Academic medicine must deal with the clash of business and professional values. Academic Medicine 1998; 73(7): 751-755. [ Links ]
72. Clack GB. Evaluation by graduates: a tool to stimulate change? Medical Teacher 1997;19(1): 32-35. [ Links ]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
172
73. Friedeberg M; Shimon MG. Evaluation of innovative school's graduates by department heads at other hospitals. Medical Teacher 1997; 19(1):36-39. [ Links ]
74. Fry H; Jones A; Davenport E; Brook A. Changing curricula: an evaluation from dentistry. Medical Teacher 1997;19(2):108-113. [ Links ]
75. Wolfhagen H; Gijselaers WH; Dolmans, D; Essed G; Schmidt H.G. Improving clinical education through evaluation. Medical Teacher 1997; 19(2):99-103. [ Links ]
76. Costa NMSC. A formação e as práticas educativas de professores de medicina: uma abordagem etnográfica. [tese] São Paulo: Pontifica Universidade Católica de São Paulo; 2005. 201p. [ Links ]
Endereço para Correspondência Nilce Maria da Silva Campos Costa Rua 15 nº 220/100 Setor Oeste 74140-035 Goiânia-Goiás
Recebido em: 29/07/2005 Reencaminhado em: 24/10/2006 Aprovado em: 25/01/2007 Conflito de Interesse: Declarou não haver.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
173
Química Nova Print version ISSN 0100-4042 Quím. Nova vol.29 no.6 São Paulo Nov./Dec. 2006 doi: 10.1590/S0100-40422006000600040
EDUCAÇÃO
A FORMAÇÃO DO PÓS-GRADUANDO EM QUÍMICA PARA A DOCÊNCIA EM NÍVEL SUPERIOR
Agnaldo ArroioI; Ubirajara Pereira Rodrigues Filho
II; Albérico Borges Ferreira da Silva
II, *
IDepartamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada, Faculdade de Educação,
Universidade de São Paulo, Av. da Universidade, 308, 05508-040 São Paulo - SP, Brasil IIDepartamento de Química e Física Molecular, Instituto de Química de São Carlos, Universidade de
São Paulo, CP 780, 13560-970 São Carlos - SP, Brasil
ABSTRACT
The article presents a brief analysis on chemistry post-graduate students' perception
on teaching in higher education. This study was done based on the context of
students' formation in chemistry post-graduate programs and makes suggestions on
how to improve the formation process of post-graduate students in order to decrease
the rupture between teaching and research in chemistry post-graduate programs.
Keywords: post-graduation; higher education; teaching.
INTRODUÇÃO
O ensino superior, em geral, é focado na figura do professor e no seu conhecimento.
As aulas geralmente são expositivas, leituras de texto e seminários; dificilmente
debate-se sobre os procedimentos metodológicos do ensino superior1. Nos últimos
anos tem-se intensificado a exigência de titulação de Mestrado e Doutorado, visando
a melhoria do ensino, o que não garante uma orientação pedagógica para a prática
docente. Um outro problema segundo Vasconcelos2 seria a falta de um "projeto
educacional claramente expresso e definido ao qual todos os seus docentes
pudessem se filiar". O processo de construção do projeto de curso seria um espaço
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
174
de reflexão e/ou o início de uma orientação pedagógica no ensino superior. No
entanto, o que ainda estaria orientando a prática docente seriam as suas
experiências, enquanto estudantes, inspiradas nos professores que tiveram durante
sua formação.
A qualificação de professores para o exercício da docência no Ensino Superior,
apesar de não ser uma prioridade estabelecida com rigor no contexto das Políticas
Educacionais nos últimos anos, torna-se a cada dia mais necessária, uma vez que o
professor deve assumir o complexo histórico de constituição da sua área de atuação.
Tendo o conhecimento específico de sua área de atuação como instrumento de
mediação na relação entre a universidade e a sociedade, o professor necessita
possuir um domínio aprofundado deste conhecimento específico para que possa
introduzir o aluno no domínio dos métodos da ciência.
Em conjunto ao domínio do conhecimento específico de sua área, é primordial,
também, que o professor do ensino superior tenha profunda competência
pedagógica, como sendo um requisito importante para trabalhar a formação de seus
alunos.
A universidade está enfrentando uma crise, referente ao seu quadro de professores
com desempenho no ensino. A referida crise não reside apenas na escassez de
massa crítica, mas sobretudo no cumprimento da exigência de qualificação, de
titulação e de formação pedagógica necessárias ao exercício da docência.
Segundo Pimenta e Anastasiou3, nas Instituições de Ensino Superior, em geral,
predomina o despreparo e até um certo desconhecimento científico do processo de
ensino e de aprendizagem, este mesmo processo do qual os professores são os
responsáveis. Nota-se, hoje, que a admissão de professores, mesmo por critérios de
concurso, prática louvável nas universidades públicas, é feita sem levar muito em
consideração se o candidato domina ou não o campo de conhecimento pedagógico
e as relações entre este com as disciplinas técnico-científicas e outras afins, o que
dificulta uma prática pedagógica eficiente. Valoriza-se por demais a produção
científica, mesmo em se tratando da contratação de um docente e não de um
pesquisador. A maioria dos professores contratados não tem muito domínio do
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
175
campo pedagógico, o que vem dificultar a prática do ensino com pesquisa. Para
Maldaner4 este despreparo pedagógico dos professores universitários é fruto de sua
própria formação.
O esgotamento do modelo fragmentado de conceber o homem, pelo menos em tese,
mesmo que sua utilização ainda balize diversas práticas acadêmicas, e a
necessidade de lidar com o humano com base em parâmetros mais amplos,
relacionando suas diferentes facetas, trazem para a universidade o desafio de
formar profissionais para o nosso tempo e para um novo tempo5. Essa realidade
exigiria da universidade uma reformulação na política de formação docente.
Para o melhor desempenho pedagógico dos professores, principalmente daqueles
que se encontram em estágio probatório, a universidade precisa intensificar
programas já existentes de acompanhamento pedagógico que possam oferecer
cursos de aperfeiçoamento em didática e metodologia do Ensino Superior, realizar
encontros, estabelecer mecanismos de diálogo com os departamentos didáticos, no
sentido de tentar superar a antiga dicotomia entre a formação técnico-científica e a
formação pedagógica. É necessário que a política de formação pedagógica de
professores universitários deva se preocupar, também, com as questões de valores
éticos. Entende-se que a competência na docência se encontra indissoluvelmente
ligada com os sentimentos de valores, isso porque a exigência da ação pedagógica,
relacionada com a formação, sempre implica um dever-fazer e um dever-ser. Assim,
os professores inseridos na docência no Ensino Superior precisam estar preparados
para trabalhar o conhecimento científico com os estudantes em formação, como
também para influenciar a conduta destes através da cultura da ética e da cidadania.
DOCÊNCIA
Atualmente, mais do que nunca, muitos profissionais das mais diferentes áreas
buscam a docência no ensino superior como uma forma alternativa e/ou conjugada
de inserção no mercado de trabalho. Apesar da legitimidade dessa busca, a vivência
com a prática docente no âmbito universitário, ao ocorrer de maneira informal sem a
devida apropriação de saberes didático-pedagógicos, pode se revelar difícil e
problemática, levando à insatisfação em relação à própria prática pedagógica, receio
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
176
de avaliações negativas do trabalho realizado (tanto por parte da instituição como do
corpo discente), insegurança em relação ao melhor caminho a adotar com uma
determinada turma e/ou aluno, sentimento de estar perdido e sozinho sem saber por
onde começar, nem tampouco onde chegar (aquela impressão desagradável de que
os alunos "não estão nem aí" para os conteúdos da disciplina). Essa experiência
negativa tende a suscitar um sentimento de fracasso e desânimo frente às inúmeras
situações e desafios vivenciados no cotidiano da sala de aula.
São essas dificuldades e desafios, no entanto, que abrem espaço para que cada vez
mais se reconheça que a docência no âmbito universitário é uma profissão que,
como tantas outras, pressupõe formação profissional específica. O processo de
ensino-aprendizagem, a despeito do nível de formação em que ocorre e longe do
que o senso comum imagina, exige por parte do docente a aquisição de um conjunto
de competências específicas, que vão muito além do domínio de um saber
historicamente acumulado. Saber um determinado conteúdo não é sinônimo de
saber ensinar esse mesmo conteúdo. O domínio de um determinado conteúdo, e o
do respectivo saber fazer (saberes profissionais diversos), não se transformam
automaticamente em saber didático que permita ao professor exercer com
competência seu papel no ensino. Isso significa dizer que aqueles que escolhem
exercer a atividade docente precisam adquirir, desenvolver e construir esses
conhecimentos e habilidades específicas6.
A atividade docente é uma atividade de educação. Considerando a educação como
prática social, então a atividade docente é também uma prática social. Para exercer
a atividade docente é requerido preparo e segundo Benedito apud Pimenta e
Anastasiou3, "o professor universitário aprende a sê-lo mediante um processo de
socialização em parte intuitiva, autodidata ou (...) seguindo a rotina do 'outros'".
Muitas vezes a ausência de uma formação continuada, principalmente no que se
refere a ações pedagógicas, leva o professor universitário a rememorar-se de suas
experiências no ensino superior; isso, de certa forma, torna-se uma orientação de
sua prática. Assim, as experiências que foram vivenciadas enquanto estudante, que
são assimiladas nas conversas aleatórias com colegas e/ou que são observadas nos
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
177
exemplos ou em obras de educadores reconhecidos em sua área de atuação,
marcariam ou conduziriam as ações educativas do futuro professor.
Já o ensino superior de Química, teria uma prática docente semelhante aos demais
profissionais da educação, pois não faltariam conhecimentos pedagógicos,
principalmente pelos docentes egressos de cursos de graduação com licenciatura. O
que poderíamos dizer é que muitas práticas educativas seguem uma pedagogia
tradicional, centrando o ensino no professor. As aulas limitar-se-iam à exposição do
conteúdo pelo professor e ao aluno competiria fazer anotações, estudar para as
provas e/ou elaborar os trabalhos de "pesquisa bibliográfica" propostos pelo
professor. Este tipo de ensino está baseado em um pressuposto simples e "natural":
de que o bom aluno aprende "naturalmente", enquanto o mau aluno é aos poucos
ejetado pelo sistema educacional. Ora, isto nada mais é que a aplicação cômoda da
Lei de Seleção Natural, postulada por Darwin, na Educação. Reflexo de séculos de
mentalidade pouco ou nada democrática, este modelo se reproduz até hoje, com
defensores em todos os níveis e classes sociais.
FORMAÇÃO
A formação de professores constitui-se em um tema de grandes e intensos debates
na esfera educacional e no seio das universidades, uma vez que há uma ebulição de
diferentes vertentes que buscam verdades em um quadro ainda tão nebuloso quanto
incerto. Existe uma significativa preocupação, em termos de investigações, com o
preparo do professor para atuar nas séries iniciais do ensino fundamental, opondo-
se a raras iniciativas em relação à formação do professor para o ensino superior7.
Por outro lado, embora o tema oportunize o surgimento de variadas correntes
filosóficas, seu conteúdo nos instiga constantemente ao diálogo e à proposição de
alternativas inovadoras para a formação das competências que possibilitarão ao
professor se tornar um verdadeiro profissional.
De acordo com a Lei Federal 9394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da Educação Nacional, a formação docente para o nível superior
se dá nos cursos de mestrado e doutorado.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
178
"Art. 66 – A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de
pós-graduação, principalmente em programas de mestrado e doutorado".
Ela também evidencia a necessidade da experiência em docência para o exercício
do profissional da educação.
"Art. 67 - Parágrafo único – A experiência docente é pré-requisito para o exercício
profissional de quaisquer outras funções de magistério nos termos das normas de
cada sistema de ensino".
Assim, é extremamente relevante para o pós-graduando a oportunidade de vivenciar
atividades relacionadas à docência em seu processo de formação, pois, através da
reflexão sobre suas experiências, pode romper com o continuísmo tão arraigado em
nossos cursos. A maior dificuldade para o recém-formado, no sentido de
desenvolver atividades inovadoras, está relacionada ao medo de errar, sendo assim
é mais seguro simplesmente reproduzir os modelos tradicionais vivenciados.
As mudanças na educação tornam-se tarefas muito complexas mediante a
multiplicidade de interesses. Por outro lado, os programas de pós-graduação visam
a formação de pesquisadores, conforme o conceito de mestrado8
"Sua finalidade é dar ao aluno uma visão geral para o desenvolvimento de trabalhos
científicos e tecnológicos de forma que possa iniciar-se profissionalmente em uma
área de pesquisa"
E, também, pelo de doutorado:
"Deverá propiciar ao aluno maturidade que lhe permita prosseguir como pesquisador
independente, após a obtenção do título".
Estes conceitos indicam o compromisso dos programas de pós-graduação na
formação de recursos humanos para a pesquisa e não necessariamente para a
docência.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
179
Para o estágio de docência da CAPES9, disciplinas como "Prática de Ensino" e
"Preparação Pedagógica", o Programa de Aperfeiçoamento de Ensino (PAE-USP),
etc., apresentam-se como algumas alternativas que vem sendo desenvolvidas por
universidades na tentativa de aprimorar a formação do pós-graduando para a
docência no ensino superior.
A preocupação com a formação do pós-graduando para a docência em nível
superior é justificável pelo simples fato de que o grau de qualificação, e não apenas
a titulação, é essencial para subsidiar a qualidade em qualquer profissão, ainda mais
quando estamos nos referindo aos processos educacionais.
PESQUISA
Por acreditarmos na formação do pós-graduando para a docência em nível superior
como sendo um processo, consideramos ser necessário investigar as concepções
sobre o tema sob a perspectiva dos alunos de pós-graduação, em formação, com o
intuito de colaborar para o aperfeiçoamento deste processo. Trata-se de um estudo
preliminar que visa também incentivar os alunos a refletirem sobre o tema, além de
obter informações sobre suas concepções a respeito do mesmo. Este tema merece
uma atenção especial dos pesquisadores e professores, pois as concepções que
estes alunos possuem, que por sua vez foram forjadas em sua educação formal e
informal, serão as mesmas que estarão, em geral, representadas em sua atividade
docente, pelas quais eles serão os futuros formadores. Estas representações estão
arraigadas em suas concepções, que se não forem discutidas, debatidas e refletidas
serão perpetuadas durante sua atuação profissional.
Para efetivar este trabalho, a coleta de dados foi feita através de resposta escrita a
um questionário (Anexo 1) elaborado para esta finalidade, bem como por anotações
durante um workshop sobre "Docência no Ensino Superior", realizado em outubro de
2004.
Os 40 alunos participantes da pesquisa fazem pós-graduação (mestrado e
doutorado) nos programas de Pós-Graduação em Físico-Química e Química
Analítica do Instituto de Química de São Carlos (IQSC), Universidade de São Paulo
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
180
(USP), e participaram do Programa de Aperfeiçoamento de Ensino (PAE) da USP
como bolsistas e voluntários, no segundo semestre de 2004. Dos alunos
participantes 70% são oriundos de cursos de bacharelado e não possuem
licenciatura ou outra formação pedagógica, e 90% realizaram seu curso de
graduação em instituições públicas de ensino.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os dados que aqui passaremos a analisar foram organizados objetivando uma visão
geral das percepções dos participantes. De acordo com a análise dos resultados,
75% dos alunos participantes declararam que não se sentem preparados para
exercer a função docente no ensino superior, ante a 25% que se declararam
preparados para tal função. Dentre os que se declararam não preparados, a maioria
apontou a "insegurança", a "falta de preparação" e "ainda não me sinto seguro
apesar de algumas experiências" como os principais motivos, ao passo que os que
se sentiam preparados apenas declaram estar preparados.
De forma geral nota-se que existe a preocupação com a carreira docente quanto a
sua preparação/formação para tal, o que justifica a insegurança declarada na maior
parte das respostas. A preocupação com a falta de formação/preparação é algo
importante e evidencia uma mudança no que se refere à docência no ensino
superior, pois ainda resiste o pensamento de que a atividade docente não requer
formação na atividade de ensinar para o nível superior.
A atividade docente requer preparo que não se esgota nos cursos de formação,
mesmo tendo uma contribuição muito relevante enquanto conhecimento
sistematizado do processo ensino-aprendizagem, e desta forma possibilitando a
criação e identificação de uma prática transformadora. Sendo o professor o agente
desta prática transformadora, é necessário que possua uma sólida formação
também pedagógica, o que certamente lhe assegura maior segurança perante o
desenvolvimento da atividade docente.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
181
Quando questionados sobre o programa de pós-graduação, ou seja, se este visa a
formação nas três áreas de atuação da Universidade, pesquisa-ensino-extensão, as
opiniões se dividem: 55% acreditam que sim e 45% que não.
Atuação nas três áreas:
"em alguns grupos (de pesquisa) não, na instituição (como um todo) somente
atividades isoladas"
"visa necessariamente a pesquisa e extensão"
"acredito que a pesquisa sim; as outras, exceto por iniciativas isoladas"
"parcialmente o programa visa, mas deixa a desejar"
As respostas enfatizam que as atividades de pesquisa e extensão universitária são
desenvolvidas não como parte do programa e sim como iniciativas isoladas por
professores, alunos e grupos de pesquisa, porém as atividades de ensino não são
mencionadas nem como atividades isoladas e muito menos como atividades
vinculadas ao programa de pós-graduação.
Diante da falta de preparação e insegurança apontadas anteriormente, e a não
integração da pesquisa, do ensino e da extensão, os alunos foram questionados
quanto ao que seria necessário para aperfeiçoamento de sua formação docente.
Algumas atividades foram sugeridas em suas respostas com uma certa freqüência,
por isso agrupamos em algumas categorias de acordo com a Figura 1.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
182
A carência de disciplinas relacionadas à área de educação fica evidenciada pelas
"disciplinas didáticas" e "cursos específicos", talvez por serem menos privilegiadas
dentre a tríade pesquisa, ensino e extensão, assim como a falta de preparação já
apontadas anteriormente. Ficam visíveis, de acordo com as colocações dos alunos,
as necessidades apontadas em relação à preparação/formação docente.
Muitas das percepções sobre a ação docente se dão de forma empirista, uma vez
que suas experiências enquanto aluno irão moldar sua formação e se refletir em sua
prática. Essas experiências irão subsidiá-los na formação de modelos bons e/ou
maus. Baseando-se em sua experiência como aluno de ensino superior, foi
perguntado o que caracterizaria um bom e um mau professor. Com esta pergunta,
visou-se identificar quais destas características foram marcantes em sua vida
acadêmica, pois estas estariam relacionadas em sua atuação, ou pela repetição das
mesmas ou pela tentativa de superá-las.
Características apontadas do bom professor: "ter um bom conhecimento de sua
área"; "domina a matéria e sabe transmitir"; "transmite o conhecimento de forma
simples"; "ele passa os conceitos"; "passa ao aluno todas as informações"; "torna o
conteúdo fácil de ser assimilado"; "tem boa didática"; "comprometido com o ensino";
"possui confiança e aula articulada" e "prende atenção do aluno".
Pelas respostas acima, o bom professor, predominantemente, está estritamente
relacionado com o conhecimento através do conteúdo, ou seja, é necessário
dominar o conteúdo específico e transmití-lo como uma competência docente que
garantiria o desempenho dele. Este professor domina o conteúdo e tem o
compromisso e a necessidade de transmití-lo aos alunos. Sendo assim, cabe ao
aluno estudar e dominar o conteúdo que será transmitido nessa ação docente.
A transmissão do conhecimento acumulado é sim algo importante na ação docente,
mas esta ação não se resume somente a uma simples transmissão. A ação docente
é muito centrada na figura do professor, não aparecendo registro sobre a
aprendizagem do aluno. O processo relatado é de ensino e não ensino–
aprendizagem, onde o professor é o agente responsável e a figura central na
educação. É necessário que o foco se desloque da figura do professor para o
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
183
processo, onde neste processo os dois participantes, tanto o professor quanto o
aluno, se envolvam em uma relação com o conhecimento que será compartilhado,
construído e elaborado por ambos.
A ênfase dada à relação do professor com os conteúdos específicos, nas respostas
sobre o bom professor, evidencia que a discussão e a relação entre o ensinar e o
aprender tem sido relevada no processo de formação pelos professores
universitários, tendo como conseqüência um comprometimento nas relações com os
processos de ensino- aprendizagem e desenvolvimento dos alunos e a ausência de
uma reflexão sistematizada sobre suas práticas educativas.
Ainda baseados em suas experiências como alunos do ensino superior, foram
questionados sobre o que consideram como uma boa aula.
Características apontadas de uma boa aula: "uma aula dada com prazer,
descontraída"; "seguro da sua disciplina (conteúdo), inspira confiança"; "quando o
professor gosta do que faz"; "quando transmite o conhecimento sem ser exaustivo";
"quando traz novos conhecimentos ou explica de maneira mais prazerosa"; "clara,
concisa, e com conteúdo bem dimensionado ocupando o tempo da aula"; "quando o
professor passa o seu conhecimento, entretém a classe por dinâmica"; "possui
dinâmicas e metodologias diferenciadas, fugindo um pouco das aulas tradicionais
para o aluno participar" e, "quando o professor apresenta um bom material didático e
explica o conteúdo através de exercícios e resolução de problemas".
A boa aula é dependente do "bom professor", pois as questões permanecem ainda
centradas na figura do professor detentor do conhecimento, buscando transmitir
novos conhecimentos de forma diferenciada da maneira "tradicional". Cabe ao
professor propor algo diferenciado, pois a aula é de sua responsabilidade dando a
impressão de que o aluno não faz parte da aula. O papel do aluno seria de um
cliente que irá receber a aula que será "dada" pelo professor.
Nas respostas sobre uma boa aula, ainda aparece alguma consideração em relação
ao aluno quando é mencionado "para o aluno participar". Assim, a figura do aluno
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
184
aparece como alguém que participa do processo e não somente como alguém que
irá receber o resultado do processo que se desenvolve na sala de aula.
As características de um mau professor, segundo as respostas abaixo, dizem
respeito à sua falta de compromisso com o ensino.
O mau professor: "não sabe transmitir; às vezes nem domina o conteúdo"; "as
informações são passadas superficialmente"; "não passa aos alunos os conceitos
básicos"; "ausente, não tem tempo para o aluno"; "possui conhecimento somente
para si, não sabe transmití-lo"; "não segue a risca o cronograma de ensino";
"descaso com o ensino" e, "não aceita críticas e faz pouco para mudar".
As características destacadas para um mau professor também aparecem centradas
na figura do professor, não fazendo menção ao processo de aprendizagem e estão
muito relacionadas com o conteúdo do conhecimento. Quando o professor está
aberto para aprender continuamente, deixa de se comportar como dono do saber e
não mais se centraliza como figura principal, sendo coadjuvante juntamente com o
aluno, como parte de um processo.
De acordo com a legislação vigente, a formação docente para o nível superior dá-se
em cursos de pós-graduação; sendo assim, perguntamos aos alunos qual seria a
função de um programa de mestrado e de doutorado.
Função do programa de pós-graduação: "no mestrado fazer pesquisa, é o início de
um treino para ser um futuro professor do ensino superior e no doutorado o
amadurecimento como pesquisador"; "mestrado para aperfeiçoar na pesquisa e o
doutorado para dar ênfase na pesquisa"; "no mestrado preparar uma linha de
pesquisa e o doutorado ênfase na pesquisa"; "mestrado é a preparação para o
doutorado"; "mestrado é preparação para a formação acadêmica de pesquisa.
Doutorado visa ser um pesquisador independente"; "o mestrado forma
pesquisadores e não se preocupa com o lado do ensino, até porque isso não é
cobrado" e, "o mestrado e o doutorado ensinam o aluno a pesquisar".
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
185
Temos aí, novamente, apenas uma vertente da tríade pesquisa, ensino e extensão,
pois tanto o programa de mestrado quanto o de doutorado visam a
formação/preparação para a pesquisa, de acordo com as respostas dos alunos. O
ensino e a extensão não são abordados nas respostas referentes à função dos
programas de pós-graduação. Logo, a formação docente que é designação dos
programas de pós-graduação, conforme a Lei Federal 9394/96, não acontece em tal
processo de formação. É interessante registrar que, segundo os dados colhidos, o
estágio no PAE, que já foi destacado como uma atividade relevante para a formação
do pós-graduando para a docência no ensino superior, não aparece como parte
integrante do programa de mestrado e doutorado e sim, como uma atividade isolada
para complementar a formação que não ocorre no programa de pós-graduação.
Talvez porque o docente admitido na universidade como professor tenha seu plano
de carreira baseado em suas atividades de pesquisa, este seja um dos fatores que
supervalorizam a pesquisa e não o ensino. Entretanto, nas respostas mostradas
anteriormente, existe uma nítida separação entre a pesquisa e o ensino, por isso foi
solicitado aos alunos para comentarem como era a relação entre ensino e pesquisa
no programa de pós-graduação que cursavam, e como acreditavam que poderia ser
esta relação.
Relação entre ensino e pesquisa: "a relação é satisfatória"; "para melhorar a relação,
deve-se ter mais disciplinas para a área de educação"; " acredito que essa relação
ainda seja subjugada, ensino e pesquisa devem caminhar juntos"; "muito mais
pesquisa do que ensino"; "não existe uma relação direta, deveria existir uma parceria
entre os programas específicos com os programas voltados para área da educação";
"o ensino não tem uma atenção tão grande quanto a pesquisa, talvez pudessem ser
desenvolvidos conjuntamente e equilibradamente"; "relação muito breve, deveria
oferecer mais disciplinas obrigatórias voltadas para a educação"; " a pesquisa é
bastante estimulada" e, "mais pesquisa que ensino, os professores estão mais
preocupados em publicações do que com o ensino".
Parece-nos assim que, na universidade, as vertentes de pesquisa e ensino são
tratadas diferentemente quando deveriam fazer parte de um processo integrado de
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
186
forma indissociável. Ensino e pesquisa são encarados separadamente como
atividades próprias e, às vezes, até polarizadas, mesmo quando as duas atividades
estão diretamente relacionadas ao conhecimento e sua produção.
A dicotomia existente está baseada em posturas divergentes assumidas pelo
professor enquanto profissional do ensino superior que, de um lado, se apresenta
como "inovador", quando faz pesquisa, e de outro, como "conservador", quando
leciona. Por que não transpor a inovação para a docência? Por que não romper com
essa esquizofrenia?
Até agora estamos analisando algumas características relevantes no processo de
preparação/formação do pós-graduando para a docência e temos notado alguns
problemas que efetivamente não colaboram para tal formação. Como conseqüência
destes problemas podemos ter algumas distorções na formação docente para o
ensino superior. Quando questionados sobre o que seria lecionar no ensino superior,
estas distorções ficam evidenciadas.
Lecionar no ensino superior: "é poder transmitir conhecimento para o crescimento
das pessoas"; "é saber repassar a informação de forma simples e eficaz"; "é ensinar
aos alunos como construir seu próprio conhecimento"; "direcionar os diversos
assuntos, para uma área específica"; "dar aulas em um nível mais elevado"; "tentar
desenvolver no aluno a capacidade de busca e relevância das informações frente à
uma idéia que se deseja confirmar" e, "ter conhecimento mais profundo sobre uma
determinada área; ter uma boa didática de forma a facilitar o entendimento do aluno
e interesse pela pesquisa".
Lecionar no ensino superior não é simplesmente transmitir o conhecimento
acumulado, é uma atividade que vai além dessa transmissão de conteúdos. É uma
atividade recíproca que envolve o professor e o aluno através de um processo de
ensino-aprendizagem que tem como principal característica a unidade, na qual o
professor precisa estar preparado para tanto. Por isso, deve ser mais do que apenas
não ser incompetente, deve ser também competente, assumindo que a competência
não se restringe a uma matéria ou um objeto, ou seja, ela passa a ser um conjunto
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
187
de múltiplas determinações e características exigidas do professor e também do
aluno, pelo nosso tempo.
Sobre a relação ensino e pesquisa, os alunos ainda foram questionados sobre como
traduziriam enquanto docentes em uma IES, sua experiência na pesquisa em sala
de aula: "mostraria para os alunos os benefícios que a pesquisa me proporcionou
durante toda minha vida acadêmica, ou seja, as habilidades e conhecimento
adquiridos"; "relataria as principais dificuldades, os problemas encontrados no
método científico, as soluções empregadas; mostraria como um profissional pode
atuar na área de pesquisa"; "como forma de aula extra sobre pesquisa, no qual a
minha pesquisa seria um exemplo; explicaria como é realizada uma pesquisa na
universidade sobre um determinado assunto e, principalmente, qual a importância
desse tipo de pesquisa para a sociedade"; "traduziria em exemplos práticos do dia-a-
dia"; "muito proveitosa, pois é na sala de aula que o professor se auto analisa
percebendo seus defeitos e qualidades e também buscando sempre a melhora do
seu desempenho"; "citando exemplos e estimulando a auto-formação do aluno";
"tentar relacionar a pesquisa científica com o ensino, enfocando em sala de aula os
aspectos importantes que possam despertar também o interesse dos alunos pela
ciência" e, "uma vez que o resultado de uma pesquisa pode ser reportado na forma
de um artigo da literatura e que, em seguida, esta informação serve de base para os
conteúdos do livro-texto e também para alguns processos que ocorrem no dia-a-dia
profissional de um químico, trabalharia de modo a mostrar estas relações..."
De acordo com as respostas dos alunos, a pesquisa em geral aparece de forma
desvinculada do ensino, a relação entre as duas seria apenas como uma
demonstração durante as aulas de como se faz pesquisa e não, a incorporação da
pesquisa no ensino.
Ensinar não se restringe apenas à transmissão do conhecimento acumulado, assim
como a pesquisa é uma busca por respostas aos problemas existentes através da
produção de novos conhecimentos. Como o ensino e a pesquisa fazem parte da
atividade docente no ensino superior, a sala de aula apresenta-se como um rico
potencial a ser explorado pela pesquisa durante as atividades de ensino, ou seja, a
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
188
pesquisa do ensinar deveria ser realizada por todos os professores dentro da
perspectiva da "indissociabilidade".
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Atividades como PAE, cursos de extensão e disciplinas ajudam o aluno a iniciar-se
e/ou consolidar-se nessa escolha profissional, à medida em que sua idéia central é
oferecer oportunidades e espaços para a reflexão sistemática, o intercâmbio
produtivo e a construção coletiva, de modo a assegurar o aprimoramento do saber
docente no ensino superior em todas as suas dimensões, respeitando sua
especificidade e pluralidade.
Para concluir nossa reflexão referente ao processo de formação profissional do pós-
graduando, e em particular à prática docente no ensino superior, apontamos a
necessidade de contemplar as demandas sugeridas pelos alunos, principalmente no
oferecimento de disciplinas/cursos da área de educação, como espaço para que
possam refletir sobre a atividade docente em nível superior, bem como possibilitar a
criação de uma identidade docente antes da prática.
A incorporação e sistematização destas atividades nos programas de pós-graduação
possibilitam criar elos entre o ensino e a pesquisa por meio de programas de
formação de recursos humanos para a pesquisa e a docência. Sendo assim, poder-
se-ia criar um espaço de reflexão e de problematização daquilo que tradicionalmente
não se debate, que são os procedimentos metodológicos no ensino superior.
Considerando uma perspectiva problematizadora e crítica, a vivência docente para o
pós-graduando auxilia a busca da superação das contradições e limitações da
prática docente no ensino superior, uma vez que as ações educam mais que os
discursos.
O estágio no processo de formação do pós-graduando para a docência em nível
superior pode estimular se bem direcionado, em uma perspectiva crítico-reflexiva,
levando os pós-graduandos a um pensamento autônomo e favorecendo uma
dinâmica de auto-formação diferente de uma formação autodidata. O estágio
também possibilita interações de troca, compartilhamento dos saberes, re-
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
189
elaboração e re-significação do conhecimento entre os pares e um profissional
sênior na docência. Portanto, o estágio é um espaço que possibilita a criação e
recriação de diferentes práticas docentes.
A formação deve ser vista como um processo contínuo, baseado em uma vertente
de crescimento, isto é, não se deve entender a formação do pós-graduando como
uma somatória de disciplinas científicas com disciplinas pedagógicas e sim, como
um amadurecimento ao longo da formação inicial continuando em formação
posterior. Valorizando assim a experiência profissional, buscando através de uma
diversificação dos modelos e das práticas pedagógicas vigentes com a instituição de
novas relações dos professores com os saberes pedagógico e científico.
Acreditamos que, desta forma, a postura inovadora que norteia as atividades do
pesquisador transcendam para as atividades de ensino, rompendo com esta
dicotomia que separa o pesquisador do professor.
Cabe ressaltar, ainda, que um maior diálogo entre orientador e orientando sobre a
carreira docente e sua atividade fim poderia em muito contribuir para que as
próximas gerações de professores universitários pudessem levar a cabo o desafio
que lhes será colocado, ou seja, o de melhorar cada vez mais o ensino superior.
Neste espaço democrático de discussão poder-se-ia abordar os desafios de uma
profissão que exige de seus profissionais um perfil eclético de professor-orientador-
administrador e, mais recentemente, de inovador tecnológico.
Acreditamos na formação como investimento pessoal visando a construção de uma
identidade também profissional, que será fruto de um processo contínuo. Portanto, a
formação do pós-graduando em Química para a docência no ensino superior não
pode ser reduzida simplesmente ao cumprimento de disciplinas, deve-se também
promover oportunidades de vivência docente durante este processo, por meio de
uma integração destas atividades no programa de formação e não apenas como
atividades isoladas.
REFERÊNCIAS
1. Silva, T. T.; Identidades terminais, Vozes: Petrópolis, 1996. [ Links ]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
190
2. Vasconcelos, M. L. M. C.; A formação do professor do ensino superior, 2ª ed., Pioneira: São Paulo, 2000. [ Links ]
3. Pimenta, S. G.; Anastasiou, L. das G. C.; Docência no ensino superior, Cortez: São Paulo, 2002. [ Links ]
4. Maldaner, O. A.; Quim. Nova 1999, 22, 289. [ Links ]
5. Batista, S. H. S. da S.; Batista, N. A.; Em Formação docente: Rupturas e Possibilidades; Severino, A. J.; Fazenda, I. C. A., orgs.; Ed. Papirus: São Paulo, 2002. [ Links ]
6. Schön, D. A. Em Os professores e a sua formação; Nóvoa, A., coord. 2ª ed.; Dom Quixote: Lisboa, 1995. [ Links ]
7. André, M.; Simões, R. H. S.; Carvalho, J. M.; Brzezinki; I.; Educ. Soc. 1999, 68, 301. [ Links ]
8. http://www.iqsc.usp.br/iqsc/ensino/posgraduacao/docs/normas, acessada em Maio 2005.
9. Feitosa, J. P. A.; Quim. Nova 2002, 25, 153. [ Links ]
Recebido em 19/5/05; aceito em 21/12/05; publicado na web em 22/8/06
Anexo 1
Questionário usado para a coleta de dados Você se sente preparado para exercer a função docente no ensino superior? Na sua opinião, o programa de pós-graduação que você realiza visa a formação docente, ou seja,
visa uma formação nas três áreas de atuação da Universidade pesquisa-ensino-extensão? O que seria necessário para aperfeiçoar sua formação docente? Baseado na sua experiência como aluno de ensino superior, o que caracteriza um bom professor?
E um mal professor? Procure ser objetivo e conciso. Ainda baseando-se em sua experiência como aluno do ensino superior, o que você considera como
uma boa aula? Que tipo de atividades poderiam contribuir na sua formação docente para o ensino superior? Na sua opinião, qual é a função de um programa de mestrado? E qual seria a de um programa de
doutorado? Como é a relação entre ensino x pesquisa no seu programa de pós-graduação? E como você
acredita que poderia ser esta relação? O que é lecionar no ensino superior? Como você traduziria, se fosse docente em uma IES, sua experiência na pesquisa em sala de
aula?
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
191
Cadernos de Pesquisa Print version ISSN 0100-1574
Cad. Pesqui. no.118 São Paulo Mar. 2003
doi: 10.1590/S0100-15742003000100003 TEMA EM DESTAQUE
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE: ALGUNS APORTES
DOCÊNCIA NA UNIVERSIDADE: professores inovadores na USP
Helena Coharik Chamlian Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo Departamento de Metodologia do Ensino e
Educação Comparada, E-mail: [email protected]
RESUMO
O artigo trata de pesquisa realizada com um grupo de professores inovadores da
Universidade de São Paulo tendo como objetivo procurar subsídios para a formação
do professor universitário. Esses docentes foram entrevistados, solicitando que
detalhassem melhor suas experiências inovadoras; explicassem as razões pelas
quais haviam introduzido modificações em sua forma de trabalho; explicitassem as
relações entre sua atividade de docência e de pesquisa, expressassem o papel que
atribuíam ao ensino na universidade, bem como a forma pela qual sua trajetória
acadêmica havia se cumprido até então. A diversidade de experiências relatadas e,
ao mesmo tempo, a convergência de visões a respeito de suas funções de ensino e
de pesquisa na universidade permitem-nos afirmar que, mais do que uma formação
pedagógica específica, a sensibilização para as dificuldades do ensino e a
valorização institucional dessa atividade consistiriam em grande avanço para a
formação do professor.
PROFESSOR UNIVERSITÁRIO – FORMAÇÃO DE PROFESSORES –
UNIVERSIDADE – ENSINO-PESQUISA – INOVAÇÃO EDUCATIVA
ABSTRACT
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
192
This article relates a research made with innovator teachers of the University of São
Paulo, which aim was to search elements to rethink the educational formation
provided to university teachers. A group of these teachers was interviewed, in order
to obtain details about the nature of their innovations, to explain the reasons why
they introduced changes in their teaching, to explicit the relationship between their
teaching and research activities and to define the function that they had attributed to
teaching at the university. They were also asked to inform the way which their
academic trajectory had been carried out until then. The diversity of the collected
experiences and, at the same time, the convergence of ideas about the functions of
teaching and research led us to affirm that, more than a specific teaching education,
it would be a great improvement to teacher education, to become aware of teaching
difficulties, accompanied by institutional valorization of this activity
PROFESSORS – TEACHER EDUCATORS – UNIVERSITIES – INNOVATION
...o ensino e a pesquisa não se confundem [...] com o aprendizado de uma profissão.
Sua grandeza e seu infortúnio estão em constituírem ou um refúgio ou uma
missão.Lévi-Strauss, 1955, p. 46
Nos últimos anos, verifica-se um novo movimento de expansão de vagas nos cursos
de graduação das universidades públicas, especialmente no Estado de São Paulo.
Ele procura responder a vários tipos de pressão, dentre os quais se destaca o
próprio crescimento do ensino público de nível médio. Embora seja um movimento
de proporções limitadas ele é suficiente para que a questão da reposição/formação
do corpo docente das universidades seja objeto de discussão, corroborando a
tendência, também observada, de que a questão da formação do professor
universitário vem saindo dos bastidores para ocupar a cena pública.
Desde que nos propusemos a enfrentar esta questão, nosso principal foco tem sido
o de considerar a especificidade da atuação do docente de nível superior e os
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
193
contextos institucionais que a determinam. Além disso, parece-nos temerário pensar
em intervir nessa formação sem ter delimitado um campo teórico específico e
adequado, que sirva de ponto de referência e de confronto para a própria
intervenção. Nessa perspectiva, o estudo das principais concepções sobre
universidade, formuladas ao longo de sua história, é fundamental para perceber de
que modo nelas se articulam as funções de ensino e pesquisa que, por sua vez,
norteiam as ênfases predominantes nas diversas organizações institucionais. Soma-
se a essa preocupação a tentativa de compreender como as universidades,
caudatárias de tradições seculares, vêm convivendo com fenômenos mais recentes,
tais como: a sua expansão e diversidade de funções, a massificação do ensino e a
sua própria reprodutibilidade.
De modo geral, podemos dizer que os problemas relacionados à questão do ensino
nas universidades, em toda a parte, têm suas raízes no chamado "éthos
acadêmico", que é a identificação fundamental do trabalho universitário com a
pesquisa. Essa é, também, a lógica da própria organização institucional da
universidade e a fonte de prestígio na atividade acadêmica1.
Definimos, portanto, como questão teórica central para nossa investigação sobre a
formação do professor universitário, a necessidade de compreensão da relação
ensino/pesquisa na universidade e suas decorrências para o exercício da função
docente.
Assistimos hoje à convivência de duas visões de universidade que ilustram as
contradições e os confrontos que esse nível de ensino enfrenta. A primeira delas
está ligada à sua concepção original de associação entre ensino e pesquisa e ao
caráter mais cultural que profissional atribuído a seus ensinamentos, exatamente por
suas atividades de pesquisa. A segunda visão está relacionada às evoluções
reclamadas pela conjuntura socioeconômica, necessitando de profissionais cada vez
mais qualificados e com perfis de formação mais flexíveis.
Um levantamento sobre a situação dos sistemas universitários pelo mundo,
publicado pela revista The Economist (Bireaud,1994), aponta para as contradições
entre as expectativas do universo acadêmico em relação ao trabalho na
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
194
universidade, inclusive do ponto de vista dos agentes financeiros, voltadas
eminentemente para a pesquisa, e as expectativas da maioria de seu público, que
espera usufruir dos resultados dela gerados, por meio de um ensino e de uma
formação profissional de boa qualidade, que nem sempre se concretizam.
Concordamos com Bireaud, quando afirma que a existência e a natureza da
formação pedagógica dos professores de ensino superior são elementos desse
confronto. Além disso, segundo a mesma autora (1995), o modelo pedagógico
tradicional da universidade, traduzido pela "aula magistral" e pelas formas de
controle e avaliação, ainda não teve sua lógica rompida, a despeito da incorporação
de inovações de natureza tecnológica, representadas pela utilização dos meios e
recursos audiovisuais e da informática. Essa lógica é a da transmissão de um saber
que, para Lyotard (1986, p.58-9), "encontra a sua legitimidade em si próprio", porque
é fruto da pesquisa.
Para Santos (1997), tanto o modelo pedagógico quanto a pesquisa e o saber
produzidos na universidade apresentam sinais de degradação, porque a própria
idéia de universidade está em crise. A crise da universidade manifesta-se de
diversas formas e para este autor pode ser qualificada em três amplos aspectos,
entre si relacionados: crise de hegemonia, crise de legitimidade e crise institucional,
frutos da crise da própria modernidade.
No caso brasileiro, para pensarmos na versão nacional dessa crise, devemos
considerar a escassez de nossa tradição universitária – já que a universidade é de
história recente em nosso país, não tendo ainda completado um século –, e suas
relações com a estrutura econômica, política e social. Verificamos, obviamente, as
intensas repercussões produzidas sobre a universidade brasileira, pela forma como
nos estruturamos como sociedade moderna, na fase atual do capitalismo
organizado, que acirram suas contradições e aceleraram sua crise.
O ensino superior no Brasil apresenta-se hoje com uma estrutura de proporções
consideráveis, se comparado ao que era há 40 anos. Esse aumento de oferta
ocorreu especialmente pela atuação majoritária da iniciativa privada, que viu na
profissionalização de ensino superior um mercado lucrativo a ser explorado. O poder
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
195
público, por sua vez, tendo alcançado o momento forte de expansão na década de
60 e primeira metade dos anos 70, retraiu os investimentos para a oferta de vagas e
cursos de graduação e concentrou sua ação no investimento à pesquisa,
favorecendo a implementação de cursos de pós-graduação.
A reforma universitária de 1968 estabeleceu como princípio norteador, para o
desenvolvimento da universidade brasileira, a indissociabilidade entre ensino e
pesquisa. Este princípio, formal e obrigatório, acabou por transformar todos os
professores universitários em professores pesquisadores2. A despeito do grande
avanço que tal medida significou para a estruturação das universidades, ela também
tem produzido "uma grande burocratização da pesquisa e uma enorme
desvalorização da atividade docente" (Nogueira, 1989, p.36)3.
Com a implementação dos cursos de pós-graduação, por sua vez, procurava-se
oferecer uma das vias pelas quais esse tipo de professor pesquisador poderia ser
formado. Argumentava-se, então, que tais cursos teriam como objetivo a formação
do professorado competente para atender à expansão do ensino superior,
assegurando, ao mesmo tempo, a elevação dos níveis de qualidade. De fato, no que
diz respeito às universidades, e também a muitas instituições isoladas de ensino
superior, os cursos de pós-graduação tornaram-se, de lá para cá, a principal fonte de
formação do professorado do ensino superior. Mas, além disto, estes cursos tinham
também como objetivo o estímulo ao desenvolvimento da pesquisa científica, por
meio da preparação adequada de pesquisadores.
Mediante medidas concretas, os diversos planos nacionais de pós-graduação
acentuaram cada vez mais esse último objetivo. Porém, os cursos de pós-graduação
continuaram a ser, ainda que de forma secundária, a via preponderante de formação
do professor universitário.
Com a expansão do sistema de ensino superior, a tarefa de gestão e controle desse
sistema, por parte do governo federal, torna-se cada vez mais complexa, uma vez
que a diversidade das instituições existentes e a qualidade do ensino oferecido
passam a exigir normas disciplinadoras e orientadoras. É com esse caráter que se
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
196
recomenda, por exemplo, a criação da disciplina Metodologia do Ensino Superior
como uma disciplina pedagógica, na pós-graduação4.
Mais recentemente, no início de 1999, uma medida adotada pela Coordenação de
Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior – Capes – passou a tornar
obrigatório o estágio supervisionado na docência como parte das atividades dos
bolsistas de mestrado e de doutorado sob sua tutela, apontando para a necessidade
de alguma formação de caráter pedagógico para aqueles que, realizando cursos de
pós-graduação, têm na atividade docente em nível superior um campo de trabalho
possível.
O sistema superior privado paulatinamente, também, passou a oferecer cursos após
a graduação, denominados cursos de pós-graduação lato sensu, que não conduzem
à obtenção do mestrado e do doutorado, mas que, de algum modo, ofereciam uma
espécie de aperfeiçoamento e preparação à atividade docente nessas instituições. A
disciplina Metodologia do Ensino Superior era parte integrante da maioria dos
currículos desses cursos.
Na USP, o equivalente a essa preocupação reside na iniciativa da reitoria da
universidade de introduzir, nos anos 90, um Programa de Aperfeiçoamento do
Ensino – PAE –, criando bolsas de monitoria para os pós-graduandos como parte de
sua formação. Mais recentemente, esse programa passou a incluir ainda uma etapa,
preliminar e obrigatória, de preparação pedagógica para todos os candidatos à
monitoria.
Essas preocupações estiveram presentes no momento em que nos dispusemos a
investigar a ótica de alguns professores da USP, que haviam participado de um
encontro sobre experiências inovadoras de ensino na universidade sobre a função
docente por eles praticada e, conseqüentemente, sobre suas percepções a respeito
da necessidade de formação pedagógica específica para o exercício dessa função.
Tivemos como pressuposto que o conhecimento de práticas bem-sucedidas no
ensino de graduação, concebidas para solucionar problemas peculiares enfrentados
pelos professores, nos auxiliariam a compreender melhor a natureza do trabalho que
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
197
desenvolviam e o contexto de sua preocupações. De qualquer modo, sempre
tivemos claro que, quaisquer que elas fossem, dependiam de uma percepção
precisa sobre a função do ensino e sobre o papel que a universidade deve
desempenhar na formação de seus alunos.
As entrevistas foram realizadas durante o ano de 1994, quando o novo momento de
expansão da graduação da Universidade de São Paulo – USP – ainda era incipiente.
Podemos dizer que tal expansão ainda não afetou drasticamente as práticas
vigentes na universidade e os elementos obtidos nos depoimentos continuam
extremamente relevantes para as questões que, neste momento, compõem o
cenário para a discussão sobre a formação do professor universitário.
Este artigo procura, portanto, apresentar os resultados da investigação realizada,
buscando contribuir com essa discussão. O exemplo da USP ilustra o trabalho
cotidiano dos professores que constroem a profissão docente no ensino superior.
AS ESPECIFICIDADES DO CAMPO INVESTIGADO
Cientes das dificuldades de generalizar os resultados de pesquisa, tal como a que
empreendemos, consideramos necessário explicitar as particularidades da USP,
palco de atuação de nossos entrevistados.
A criação da Universidade de São Paulo, em 1934, significou, como é sabido, um
grande avanço em termos da concepção de universidade no Brasil, pela função
atribuída à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, e pela vinda de missões de
professores estrangeiros, alguns já eminentes em seu campo e outros que viriam a
sê-lo, para nela trabalharem5.
A Faculdade de Filosofia foi pensada, inicialmente, como uma instituição de altos
estudos, de caráter geral e não profissionalizante e que, como elemento integrador
da universidade, reuniu as escolas de formação profissional como a Faculdade de
Direito, a Faculdade de Medicina e a Escola Politécnica.
Os professores estrangeiros que por ela passaram, especialmente até 1939,
deixaram sua marca causando, segundo Antunha (1974), a moratória do rígido
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
198
sistema de cátedras, implantado no ensino superior do país, desde as suas origens6.
Além disso, a missão estrangeira produziu um "grande impacto pedagógico no meio
relativamente acanhado da época e contribuiu para a implantação efetiva da
investigação e dos altos estudos em setores até então absolutamente
desconhecidos em nosso meio" (Antunha, 1974, p.45-6).
A conjugação dessas duas medidas, a nosso ver, permitiu que, na sua origem, a
Universidade de São Paulo adquirisse um caráter distinto das demais instituições de
ensino superior existentes e, desde logo, definisse sua vocação para a investigação
do saber, concretizada pela dedicação plena à atividade de pesquisa. Ao longo de
toda sua história, parece-nos que tal vocação não foi menosprezada, e poderíamos
mesmo afirmar que se há uma idéia ou concepção que defina a USP ela está
necessariamente vinculada à sua vocação para a pesquisa.
A Prof. Maria Isaura Pereira de Queiroz (1995), procura demonstrar como o
surgimento da USP somou outras reivindicações, além da de formação de bons
profissionais, que era o caso das grandes escolas. Segundo ela, a expansão da
pesquisa, e a conseqüente ampliação do saber, passou a ser reconhecida como
uma função tão importante quanto a constituição de um conjunto de profissionais de
alto nível. Esta maneira de pensar poderia ser demonstrada pela defesa da
dedicação plena às atividades, como meio de desenvolvimento das ciências; pela
organização, já em 1948, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência –
SBPC – e, mais tarde, pela mesma intenção de proteger a expansão do
conhecimento e a iniciativa, ligada à USP, pela criação da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp –, que se concretizou em 1962.
Ainda, segundo Antunha (1974), a filosofia de universidade que caracterizou a USP
nos anos de sua fundação pode ser resumida nos seguintes princípios: a)
universalidade de campo; b) idéia de integração; c) autonomia universitária. A
despeito de todas as vicissitudes pelas quais esses princípios possam ter passado
na existência concreta da instituição, eles sempre estiveram presentes como
concepção de universidade7.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
199
A Reforma Universitária de 1968 não alterou substancialmente essa filosofia, ao
contrário, enfatizou alguns desses aspectos. Assim, estabeleceu como princípios:
unidade de patrimônio e de administração; estrutura orgânica com base em
departamentos, reunidos ou não em unidades mais amplas; unidade de funções de
ensino e de pesquisa, vedada a duplicação de meios para fins idênticos ou
eqüivalentes; racionalidade de organização, universalidade de campo, pelo cultivo
das áreas fundamentais dos conhecimentos humanos; flexibilidade de métodos e
critérios, com vistas às diferenças individuais dos alunos, às peculiaridades regionais
e às possibilidades de combinação de conhecimentos para novos cursos e
programas de pesquisa (art. 11, Lei n. 5.540/68).
Com a reforma, os cursos de pós-graduação foram disciplinados e passaram a
exercer duas funções importantes para a universidade: o desenvolvimento da
pesquisa e a formação de seus quadros docentes.
A dimensão da USP, em 1994, quando realizamos as entrevistas, colocava-a entre
uma das maiores universidades do país, sendo reconhecida como centro de
excelência e sendo, sozinha, responsável por quase 50% de toda a pesquisa
realizada no Brasil8. Nesse sentido, compreender como a questão do ensino,
especialmente de graduação, é articulada no conjunto de atividades de seus
professores, parece-nos extremamente relevante para nosso tema de estudo. Para
tanto, apresentaremos alguns dados diretamente envolvidos com a atividade
docente na USP, no momento em que nossa investigação foi realizada,
compreendendo o número de cursos de graduação e de pós-graduação oferecidos,
o número de alunos de graduação e de pós-graduação matriculados, bem como o
total de docentes por regime de trabalho, que podem auxiliar-nos a ilustrar a
dimensão do problema.
Em 1994, a USP contava com um total de 47 entidades e 210 departamentos, que
ofereciam o seguinte agrupamento de cursos de graduação e de pós-graduação.
Verifica-se, portanto, que o grande esforço da USP, do ponto de vista do ensino,
concentra-se na pós-graduação. Do total de 604 cursos regularmente ministrados
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
200
em 1994, 474 (78,4%) destinavam-se à pós-graduação, enquanto os cursos de
graduação representavam 21,6% do total.
A distribuição dos alunos por esses mesmos cursos era a seguinte:
Podemos observar, pelos dois últimos quadros, que, embora o número de alunos de
pós-graduação seja inferior aos de graduação, eles já constituem um volume
bastante considerável. Esse dado é ainda mais importante se observarmos que os
alunos de pós-graduação têm, obrigatoriamente, um docente orientador, por eles
responsável.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
201
Nesse sentido, o número de docentes atuando é importante para melhor avaliarmos
o quadro do desempenho da atividade de ensino na universidade.
Verificamos, portanto, que 49,74% dos docentes da USP concentravam-se na
categoria MS3 (professor assistente doutor). Destes, 75,71% encontravam-se em
regime de dedicação integral à docência e à pesquisa – RDIDP. Esse dado reforça,
a nosso ver, a tendência à valorização da pós-graduação na USP, uma vez que só
trabalham nesse nível docentes com, no mínimo, título de doutor. Ora, as categorias
MS1 e MS2, compostas por graduados e mestres, juntas perfazem 20,30% do total
de docentes e é de se supor que boa parte do ensino de graduação esteja sob sua
responsabilidade, uma vez que não podem trabalhar na pós-graduação.
Desse modo, do ponto de vista do ensino, a USP demonstra estar encaminhando
seus esforços não mais para a graduação, mas sim para a pós-graduação. Esse
percurso tem algumas causas e também decorrências.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
202
O trabalho de Queiroz já apontava, para o ano de 1984, que tão grande tinha sido o
desenvolvimento do ensino superior no Estado de São Paulo, que a quantidade dos
diplomados pela USP representava 8,65% do total. Portanto, não podia mais ser
considerada a instituição provedora de profissionais para a região e para o país.
Porém, acrescentava, "o próprio crescimento e funcionamento da USP foi dando
impulso a outros objetivos que ganharam vulto cada vez maior: a formação de
cientistas, por exemplo, acompanhada e acompanhando a expansão e o
aprofundamento das pesquisas" (Queiroz, 1995, p.20).
Parece-nos que a expansão dos cursos de pós-graduação traduz essa direção.
Nesse sentido, é de se supor que a ênfase na formação de cientistas e na ampliação
do saber concentra os esforços da atividade na universidade. Esta situação se
traduz na expressão "valorização da pesquisa", em referência às principais funções
atribuídas à universidade: ensino, pesquisa e extensão.
A atividade docente, por sua vez, embora pressuponha a pesquisa, não se limita a
ela, e a sua valorização tem-se constituído em fonte de tensão para a maioria dos
docentes que depositam, também na atividade de ensino, o objetivo de seu
trabalho9.
Essa tensão tem sido expressa, nos últimos anos, por ações de natureza diversa,
por exemplo, freqüentes tentativas de reformulação curricular dos cursos de
graduação, pela discussão sobre a finalidade desses cursos, pela busca de modelos
metodológicos alternativos para a atividade docente em sala de aula.
Foi com base nessas percepções que nos pusemos a campo para a realização das
entrevistas com os docentes da USP, e o esforço realizado nesse sentido é o que
relataremos a seguir.
A PESQUISA10
Como já dissemos, entrevistamos um grupo de professores que participou do
Seminário sobre Experiências Inovadoras de Ensino11, realizado na Faculdade de
Educação, em 1991. Eles se dispuseram a relatar sua experiência como professores
da universidade, explicando as inovações introduzidas em sua docência e as razões
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
203
pelas quais haviam introduzido essas modificações. Perguntamos, ainda, como
percebiam as relações entre seu trabalho de ensino e de pesquisa e o papel que
atribuíam ao ensino na universidade, bem como se cumprira sua trajetória
acadêmica até então, especialmente quanto ao ensino e se, de início sentiam-se
aptos para tal atividade.
Nesse sentido, estávamos menos preocupados em conhecer e descrever as ações
inovadoras e mais atentos às razões que levaram aqueles docentes a mudar sua
prática, bem como às relações entre essas mudanças e uma concepção de ensino
na universidade. A proposição de questões sobre sua própria preparação para a
atividade docente e sobre a maneira pela qual encaravam a formação de novos
professores, baseados em sua própria experiência, pretendia estabelecer uma
interlocução que permitisse pensar de forma mais plural sobre o tema.
Os relatos dos professores entrevistados sobre as dificuldades que enfrentaram
como docentes e as tentativas para solucioná-las caracterizaram-se, na maior parte
das vezes, como verdadeiros relatos de vida e de percurso profissional. A maior
parte desse percurso foi realizada na própria universidade, e muitos dos
entrevistados incluíram experiências de colegas e até das unidades em que
trabalhavam em seus exemplos, o que, de certa forma, ampliava o campo de suas
considerações. Nesse sentido, esses relatos apresentaram alguns elementos
significativos sobre as transformações ocorridas na vida acadêmica da USP,
especialmente nos últimos 30 anos. Desse modo, além dos objetivos inicialmente
previstos, o material obtido tem um rico potencial para ser explorado como fonte de
conhecimento da memória recente da universidade.
Descrição dos dados
Foram entrevistados, durante o período de novembro de 1994 a junho de 1995, 18
professores, de um total de 53 experiências relatadas no encontro. Do ponto de vista
estatístico, os entrevistados representaram 34% do universo inicial. Dadas as
características da investigação, consideramos o retorno razoável, uma vez que um
dos nossos pressupostos era o de que os professores deveriam participar
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
204
voluntariamente, sem pressão de nossa parte, e sobretudo sem se sentirem
constrangidos ou avaliados.
Conversamos com dez professores do sexo feminino e oito do sexo masculino. A
idade média do grupo concentra-se entre 45 e 50 anos, havendo apenas um
professor12 com mais de 60 anos e outro com menos de 40. Solicitamos, ainda, que
os professores preenchessem uma ficha que continha dados pessoais, incluindo
informações sobre sua formação. Três deles não o fizeram, de modo que os quadros
a seguir somente serão relativos às informações obtidas pelas fichas.
Caracterização do grupo pesquisado
Os dados relativos à formação são interessantes porque a amostra, composta
aleatoriamente por aqueles que se dispuseram a colaborar, reproduziu a distribuição
dos docentes por áreas na universidade. O quadro a seguir ilustra essa observação:
Desse modo, as áreas mais representadas na amostra foram a de ciências humanas
e a da saúde, as duas mais numerosas da universidade.
No que diz respeito à titulação, surgiu um componente extremamente interessante: a
categoria mais numerosa foi a de professores doutores (seis entrevistados),
repetindo o que acontece na universidade. Entretanto, as categorias de professor
titular (quatro entrevistados) e de livre-docente (três entrevistados), se somadas,
ultrapassaram o número de doutores.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
205
Essa composição do grupo permite-nos algumas suposições: a primeira delas seria
a de que os professores, nos estágios mais avançados da carreira universitária,
estariam mais livres, do ponto de vista da produção do conhecimento ou da pressão
da carreira, para se debruçarem sobre as questões de ensino. Ou, ainda, a de que
com maior tempo de experiência no ensino, se sentiram mais seguros para
experimentar novas fórmulas de ensinar.
O tempo de magistério na universidade, a nosso ver, reforça essas suposições.
Como podemos perceber, a maior parte da amostra possuía entre 15 a 25 anos de
experiência na universidade, o que nos faz supor que não passaram incólumes
pelas questões implícitas na atividade de ensino.
A nosso ver, outro elemento complementar para esse conjunto de suposições diz
respeito aos cargos e funções ocupados pelos professores entrevistados. Quatro
deles eram chefes de departamento, um era vice-chefe, quatro estavam vinculados a
comissões de ensino na graduação e na pós-graduação e um era vice-diretor. Ora,
esses postos naturalmente tendem a encaminhar as reflexões de seus ocupantes
para questões mais gerais da vida da universidade e, no caso das comissões de
ensino, diretamente para a natureza das atividades desenvolvidas pelos cursos sob
sua direção. Para nós, essas correspondências não são ocasionais, mas refletem o
perfil do trabalho desenvolvido pelos docentes.
As entrevistas realizadas, por sua vez, permitiram configurar ainda melhor a
trajetória acadêmica desses docentes. O relato das dificuldades enfrentadas como
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
206
professores permitiu-nos perceber que a maior parte delas dizia respeito à
necessidade de um tratamento mais adequado ao conteúdo desenvolvido, tendo em
vista a melhor assimilação por parte do aluno, e a questões relativas aos processos
e critérios de avaliação.
As soluções encontradas por eles foram as mais diversificadas, abrangendo desde
experiências completas de reformulação curricular até a introdução de pequenas
inovações na prática cotidiana em sala de aula.
Arrolaremos a seguir os tipos de inovações descritos nas entrevistas:
reformulação curricular;
modificação nas características das atividades de estágio, encaminhando os
alunos para a vivência de situações mais concretas ou para a iniciação à
pesquisa;
criação de disciplina optativa como caminho de transição entre a formação do
especialista e a formação do professor;
criação de laboratório de brinquedos para servir de estímulo à pesquisa no
ensino;
desenvolvimento de cursos em estreita relação com as necessidades do
mercado de trabalho, ou ainda, utilizando as próprias instalações industriais
como sala de aula;
reformulação das atividades de laboratório através da proposição de
problemas cujas soluções são desconhecidas até pelo próprio professor,
introduzindo uma questão de investigação real e não simulada;
criação de oficinas para redação científica;
utilização de recursos tecnológicos, como a informática ou multimídia, para o
desenvolvimento de conteúdos em sala de aula;
adoção de recursos didáticos alternativos à aula expositiva;
tratamento didático do conteúdo, organizado por unidades completas;
utilização de exercícios programados substituindo a prova final única.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
207
Além da diversidade inerente a essas experiências foi possível observar o exercício
da criatividade desses professores que, diante de situações de crise, ou que assim
lhes pareciam, souberam encontrar soluções para seus problemas, apoiados ou não
em teorias pedagógicas, mas sem dúvida na sua reflexão sobre os problemas de
formação em sua área de conhecimento.
A avaliação que fizeram de suas experiências foi, na grande maioria das vezes,
extremamente positiva. Todos eles afirmaram que aprenderam com elas e,
sobretudo, que muitas delas alteraram profundamente o rumo de suas práticas
docentes e até de suas investigações.
Muitos deles afirmaram, ainda, que se tornaram mais seguros como professores e
mais bem capacitados para enfrentar situações adversas. Conseguiram, inclusive,
perceber melhor sua função como pesquisadores.
Quanto à função do ensino na universidade, houve unanimidade no grupo em
relação à sua importância. Para alguns, o ensino é a verdadeira razão de ser da
universidade. Outros afirmaram que o ensino é indissociável da pesquisa. Não
houve nenhuma afirmação categórica, nesse grupo, sobre a primazia da pesquisa
em detrimento da atividade de ensino.
A maior parte concordou, entretanto, que na universidade a atividade de pesquisa é
supervalorizada, e que na realidade ela se sobrepõe ao ensino. Para o Prof.
Bayardo, por exemplo, já existiam critérios suficientemente explícitos que permitem
avaliar o trabalho científico, ao passo que não havia nem a consideração sobre os
tipos de critérios para avaliar a atividade de docência. Diante disso, a prática
cotidiana da vida acadêmica tem seu rumo previamente traçado: pesquisar, escrever
e publicar. Trata-se de uma verdadeira lei de sobrevivência para aqueles que
querem perseguir a carreira universitária na USP.
Apesar disso, todos concordaram que a universidade deve ser um centro de
produção, de reprodução e de irradiação do saber. Trata-se, portanto, neste
momento, de um ajuste de rumos, de modo que todas as suas funções sejam
plenamente exercidas.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
208
Análise dos depoimentos
Iremos, neste momento, destacar algumas idéias apresentadas pelos entrevistados,
procurando aproximá-las das questões que nortearam a investigação.
Um grupo significativo dos entrevistados apontou como experiência inovadora a
participação em processo de reformulação curricular, seja dirigindo o processo, seja
introduzindo e trabalhando uma nova disciplina. Esses elementos nos fizeram supor
que houve, nos últimos 20 anos, um movimento no sentido de ajuste dos conteúdos
ensinados às transformações ocorridas em diversos campos do conhecimento. Uma
outra dedução a ser feita é de que participar do processo era também uma forma de
responder às preocupações com a atividade de ensino na universidade.
Os relatos demonstraram, por sua vez, que nesse processo foi aumentando a
percepção de que reformular currículo não era suficiente, se não implicasse também
mudança de mentalidade do professor sobre o papel do ensino na universidade.
A esse respeito reproduzimos as seguintes observações:
O bom professor precisa ser um bom cidadão, ensinar a pensar, a criticar, a ser
curioso. Tem que ser motivado para motivar o aluno. A universidade perdeu um
pouco essa perspectiva... (Lígia Marcondes)
A minha primeira constatação é de que o departamento não tinha um projeto para a
graduação. O curso era uma soma de disciplinas, o que me choca como docente,
porque eu também sou assim, é que nenhum docente se sente responsável pelo
fracasso da graduação. Ele normalmente acha que sua disciplina é ótima, que o
aluno não tem base, e remete essa questão para o colégio. Ele não aceita que
individualmente é o responsável pela graduação. Esse é o maior problema e por isso
é que a participação dos alunos foi fundamental... (Maria de Fátima Tálamo)
O que me chama a atenção é que nos últimos 20 anos as formas de comunicação
nacionais e internacionais mudaram radicalmente. E se a gente olha a forma como
os cursos se desenvolvem na universidade, as modificações foram modestas. Então,
esse descompasso tem que acontecer... Falta uma análise mais criteriosa do
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
209
porquê, e uma maneira de canalizar essas inadequações, que são pontuais, para
uma reforma mais produtiva, que não seja cosmética, pois tirar e pôr disciplina é
cosmético, e não chega ao ponto essencial que é o de se perguntar: qual o papel da
universidade? Se o papel dela continua sendo apenas o de transferir informações...
(Bayardo Torres)
Um outro movimento que pode ser deduzido dos relatos dos professores foi uma
busca de integração maior entre as atividades de ensino, pesquisa e extensão; o
movimento foi elaborado no âmbito dos departamentos e das unidades e,
especialmente, no trabalho particular dos docentes.
Esse é o caso especial das disciplinas com uma interface profissionalizante maior e
muitos dos professores que nelas trabalham procuraram estabelecer uma ponte
entre a formação e o mercado de trabalho, aproveitando para prestar assistência à
comunidade e utilizando-se dessa relação como fonte para a reflexão em seu
campo, na tentativa de estabelecer maior articulação entre a teoria e a prática.
Alguns depoimentos revelam essa tendência:
Esse projeto (minicursos) monta uma trilogia que tem a ver com ensino, pesquisa e
prestação de serviço. Ele serve para nós, professores de prática, para estarmos
discutindo a nossa prática... e, também do ponto de vista de nossas pesquisas... Nós
estamos usando nossos cursos como referencial para nossas pesquisas. (Glaúcia
Marote Ferro)
Assim teríamos na escola uma escala: estágios, residência e a empresa júnior. A
avaliação do projeto pode ser feita, portanto, a partir de três elementos: a melhoria
na qualidade dos projetos, o interesse demonstrado por empresas que nos procuram
oferecendo vagas e pela colocação dos alunos recém-formados. Além das
avaliações formais do programa, estamos notando uma melhoria, uma evolução dos
alunos. (Júlio Marcos Filho)
Eu me formei em 1968, e até 1980, quando voltei para a universidade, tive uma
vivência fora da escola. Durante um determinado período eu levei os meus alunos a
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
210
freqüentar permanentemente a fábrica porque eu achava que os conceitos de
planejamento e controle de produção e as questões propostas nos livros eram muito
distantes da prática, já que o cotidiano tem variáveis que o livro não contempla.
(José Benedito Sacomano)
Dar aula é uma das coisas que eu mais gosto... É o espaço que sintetiza minha
produção teórica, todas essas assessorias... Daí a importância para um profissional
da universidade de fazer tanto o trabalho de pesquisa como o de extensão... (Tizuko
M. Kishimoto)
Um outro tema muito presente nos relatos foi o da relação dos professores com a
utilização dos recursos multimídia e a informática para a solução de questões de
ensino particulares, como o desenvolvimento de um conteúdo específico, e também
para responder a exigências de uma população escolar cada vez mais familiarizada
com esses recursos. O fenômeno vem se incorporando à atividade universitária nos
últimos anos.
Todas as experiências em termos de ensino modificam, desde que o interesse seja
melhorar. Esta experiência deu uma dimensão das possibilidades do esforço que o
professor faz para modificar a atitude dos alunos perante a disciplina. Eu senti que
houve uma receptividade muito boa por parte deles, reconhecendo o esforço para
modernizar e se responsabilizando em dar a contrapartida. Eu me senti mais otimista
como professor e abandonei em definitivo a perspectiva de que os alunos não estão
interessados. (Antonio Salatino)
Minha perspectiva como professora mudou na medida em que eu percebi que era
preciso aprender mais. Não podia usar instrumentos, técnicas ultrapassadas. Porque
a gente fica aqui na USP o resto da vida, e eu não posso usar o slide de 30 anos
atrás... (até posso, desde que no contexto apropriado) [...] Eu acho que com o vídeo
e com a multimídia e com a quantidade de informações que batem no aluno por
minuto, eles exigem do professor um maior conhecimento, maior atualização...
(Sheila W. Ornestein)
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
211
No que diz respeito à sua preparação para a docência universitária, a maioria
revelou não se considerar preparada, no início da carreira, para assumir a função.
Observamos, por outro lado, que para superar sua insegurança, alguns buscaram
imitar professores que admiravam, outros foram instruídos por seus orientadores ou
colegas, outros procuraram fazer cursos extracurriculares, outros, ainda, foram se
iniciando aos poucos como docentes voluntários ou trabalhando em aulas práticas e
seminários. As seguintes considerações refletem um pouco essas situações:
Eu não estava, mas a estrutura da USP está madura para não dar responsabilidade
ao novato. Ele pode dar aulas práticas, por exemplo, até que gradativamente possa
assumir a responsabilidade pelas aulas... A independência em termos pedagógicos
só acontece quando o professor está preparado para a livre docência... (Antonio
Salatino)
Uma outra percepção importante extraída dos relatos é a consciência desses
professores de que trabalham em centros de excelência e a responsabilidade que
isso representa. Além disso, manifestaram o sentimento de não estarem plenamente
satisfeitos e o desejo de aperfeiçoar ainda mais sua atuação. Desse modo, se
inicialmente nossa hipótese de pesquisa era a de que os professores inovadores
possuíam uma visão sobre o papel do ensino também como parte do "éthos
acadêmico" na universidade, com os depoimentos, ela foi plenamente confirmada.
Há algum tempo atrás, saiu no Jornal da USP um artigo do Hugo Armelin em que ele
comenta que a USP é uma universidade de pesquisa. Eu tenho aqui um colega mais
exagerado, que diz que não estamos aqui para formar arquitetos, mas para educar
pessoas, passar para elas um conhecimento universal e quem quiser ter um
conhecimento profissional faz estágio, se forma e vai trabalhar em um escritório...
Quer dizer, a USP é uma universidade de pesquisa. Os alunos que aqui entram
podem e devem sair ótimos arquitetos, mas a gente vai mais além. Eu acho que o
nosso papel é de educação e de transmitir um conhecimento para o
desenvolvimento científico. Eu acho que é esse o papel do nosso ensino, essa é a
proposta da USP. (Sheila W. Ornstein)
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
212
Na USP, ainda temos a pesquisa primeiro, em segundo lugar o ensino e a extensão
em terceiro. A pesquisa deve estar muito entrosada com o ensino, e as pró reitorias
trabalhando isoladas não promovem isso. A própria carreira é uma questão
estrutural que se reflete no comportamento... Um bom pesquisador, Antonio
Cândido, por exemplo, se impôs pela sua obra e, também, porque foi um bom
professor... (Lígia Chiappini)
A concepção de ensino por eles expressa é a que rege a universidade em seus
moldes atuais, ou seja, a que vincula as atividades de ensino e pesquisa como
indissociáveis. Talvez possamos dizer que esses professores souberam encontrar
as vias para realizar tal vínculo em seu trabalho cotidiano, concebendo-o mais como
uma missão do que como uma tarefa burocrática.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Retomando as hipóteses iniciais que conduziram a investigação, ou seja, procurar,
na experiência de professores bem-sucedidos, indícios da necessidade, ou não, de
formação pedagógica para o professor de ensino superior, temos condição de dizer,
pelo conjunto de respostas, que mais do que uma formação pedagógica, em sentido
estrito, a necessidade está no despertar da valorização da tarefa de ensino.
Na diversidade de soluções encontradas pelos entrevistados, pudemos perceber
que uma disciplina voltada para a formação pedagógica estrita dificilmente daria
conta de preencher a variedade de necessidades que cada curso e que cada
professor apresentavam. Os próprios professores entrevistados foram reticentes
quanto à introdução de uma disciplina dessa natureza no âmbito da pós-graduação,
quando convidados a apresentar sugestões para uma formação mais adequada do
professor universitário. Pareceu-lhes mais evidente sugerir um acompanhamento do
trabalho do jovem professor e uma introdução gradativa no assumir a tarefa de
ensino.
Nesse sentido, podemos dizer que esses professores mantiveram-se fiéis à tradição
artesanal de formação de professores na universidade que, por sua vez,
correspondeu basicamente à sua própria experiência de formação. Vale recordar
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
213
aqui a entrevista concedida a Annie Bireaud por Pierre Lena13: ele salienta a
importância do ensino, função primordial da universidade, e considera indispensável
que para exercê-la haja um conhecimento sobre o "empreendimento universitário".
Quanto à formação pedagógica, ele se diz cético em relação ao fato de que a
pedagogia é algo que se possa aprender e encara a formação pedagógica mais
como uma sensibilização aos problemas de comunicação. À fórmula "formação
pedagógica" ele preferiria uma expressão como "sensibilização à dificuldade
pedagógica". Quanto às modalidades de formação ele prefere cultivar "o
companheirismo que faz passar progressivamente dos bancos escolares ao quadro
negro" (apud Bireaud,1994, p.6-7).
A ampliação quantitativa dos contingentes universitários, por outro lado, dificilmente
permitirá que a tradição artesanal seja mantida. Embora eficiente e necessária, ela
não impedirá a implementação de outras soluções para enfrentar a questão da
reprodutibilidade da universidade. Os rumos que as universidades vêm assumindo,
inclusive no contexto internacional, diante das novas exigências que o fenômeno da
massificação do ensino superior tem colocado para as instituições universitárias,
fazem com que, segundo Bireaud (1995), o tema formação do professor de ensino
superior saia dos bastidores, para fazer parte do cenário14.
No caso brasileiro, a alternativa de introduzir, nos cursos de pós graduação, uma
disciplina específica de formação, que geralmente tem sido denominada
Metodologia de Ensino Superior, é a solução considerada, aparentemente, como a
mais viável.
Um estudo de Berbel (1994), de amplitude nacional, sobre a maneira pela qual a
disciplina Metodologia do Ensino Superior era organizada e ministrada, revela que,
salvo raras exceções, ela apresentava-se como disciplina que reproduzia as
temáticas das disciplinas pedagógicas das licenciaturas, e acentuava seu caráter
pragmático de orientação para a condução da atividade docente em sala de aula,
com especial ênfase na utilização de recursos tecnológicos, para suporte das
exposições. Podemos dizer que, com isso, os programas dessa disciplina assumiam
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
214
um caráter prescritivo e normativo, mal, aliás, que assola a maioria das disciplinas
que têm constituído o campo da formação do professor em geral, no país.
Pensamos que uma disciplina dessa natureza envolve um domínio preciso do
conteúdo da área, aspecto que consideramos fundamental para o profissional que
dela se encarregue. Essa, aliás, não é uma questão relativa apenas à Metodologia
do Ensino Superior, na qual obviamente a questão é crucial, mas a toda e qualquer
metodologia do ensino.
A nosso ver, a precaução de nossos entrevistados, ao responder sobre uma
formação pedagógica específica, foi devida, justamente, à dificuldade de se
vislumbrar um profissional que fosse, ao mesmo tempo, especialista em sua área de
conhecimento e altamente inclinado para as questões de ensino em sua disciplina15.
Além disso, nossa preocupação, referente às concepções de universidade que
sustentavam as ações dos docentes entrevistados, está relacionada à maneira de
concebermos o próprio ensino. Para nós, a atividade docente sustenta-se sempre
por algumas convicções que induzem a procedimentos, a atitudes e ao próprio
tratamento do conteúdo ensinado. Essas convicções, por sua vez, têm sua raiz em
visões de mundo, de sociedade e de educação, que se refletem e se traduzem na
organização institucional.
Nesse sentido, a compreensão do contexto institucional da universidade, não só em
nosso país, como em muitos outros, permitiu-nos perceber que, mesmo para os
professores que valorizam a tarefa de ensinar, o "éthos acadêmico" do vínculo entre
ensino e pesquisa, como concepção de universidade, é muito presente. E, nesse
sentido, para que os professores universitários levem em conta os aspectos
pedagógicos é necessário o reconhecimento institucional de sua importância, como
foi muito bem destacado pelo professor Bayardo, um de nossos entrevistados.
Embora, do ponto de vista da atuação docente na universidade, permaneça ainda a
questão de encontrar um ponto de equilíbrio entre as diversas funções que fazem
parte de seu trabalho cotidiano16.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
215
Parece-nos que a compreensão dos princípios que regem a atividade universitária,
no contexto específico em que se atua, pode auxiliar na formação do professor
universitário. Promover essa compreensão pode ser tão importante para o ensino
quanto oferecer uma formação pedagógica. A nosso ver, a simples introdução de
uma disciplina de caráter pedagógico, sem ter claros os pressupostos dessa
atividade e no que deveria consistir a prática, significaria reduzir as possibilidades de
reflexão sobre a natureza da atividade docente no ensino superior, tarefa essencial
para a formação desse profissional, cuja autonomia ainda representa o poder de
decidir sobre os rumos de sua atividade17.
Temos sistematicamente combatido a tendência da prescrição pura e simples no
campo da formação do professor em geral. As decorrências de uma simplificação
dessa natureza serão ainda mais graves no caso da introdução indiscriminada de
disciplinas pedagógicas em cursos de pós-graduação, pois podem produzir um novo
consenso, já presente nas licenciaturas, de que a formação pedagógica não passa
de um receituário rapidamente adquirido e que pouca influência produz na formação
em nível de pós-graduação.
Acreditamos que a primeira tarefa da formação pedagógica seria a de promover uma
sensibilização à dificuldade pedagógica. Tal sensibilização tanto poderia ocorrer
mediante a freqüência de disciplinas ou programas com essa finalidade, bem como
poderia ser desenvolvida por uma equipe que congregasse professores mais
experientes e iniciantes, de modo que as experiências fossem confrontadas e
analisadas. Este, tudo indica, já seria um grande passo para a reflexão sobre a
atividade de ensino no contexto da universidade.
Pelo conjunto de respostas dos professores inovadores, pudemos perceber que
todos foram unânimes na valorização da tarefa de ensino na universidade, e, em
razão dela, buscaram seus caminhos. Os meios utilizados nessa busca foram os
mais variados, as soluções que encontraram, também. Mas parece-nos que pouco
valeria conhecer os caminhos se não estivessem prontos a enxergá-los, ou seja, se
não estivessem atentos e preocupados com os resultados de seu trabalho docente.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
216
REFERÊNCIAS
ANTUNHA, H. Universidade de São Paulo "fundação e reforma". São Paulo: CRPE, 1974. (Estudos e Documentos,10.) [ Links ]
BERBEL, N. A. Metodologia do ensino superior: realidade e significado. Campinas: Papirus, 1994. [ Links ]
BIREAUD, A. Éditorial. Recherche et Formation, n. 15, 1994. [ Links ]
________. Enseignement supérieur université. Recherche et Formation, n. 15, 1994. [ Links ]
________. Os Métodos pedagógicos no ensino superior. Porto: Porto Editora, 1995. [ Links ]
CARDOSO, I. de A. R. A Universidade da comunhão paulista: o projeto de criação da Universidade de São Paulo. São Paulo: Cortez; Campinas: Autores Associados, 1982. [ Links ]
FAVE-BONNET, M. F. Quelle formation pédagogique pour les enseignants du supérieur? Le métier d'enseignant-chercheur: des missions contraditoires? Recherche et Formation, n.15, 1994. [ Links ]
LYOTARD, J. F. O Pós-Moderno. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986. [ Links ]
NOGUEIRA, M. A. Universidade, crise e produção do saber. In: BERNARDO, M. (org.). Pensando a educação. São Paulo: Unesp, 1989. p. 36-37. [ Links ]
PAIVA, E.; LIMA, M. À Espera da reforma. Veja, São Paulo , p.41, 15 jul. 1998. [ Links ]
QUEIROZ, M. I. P. de. Um Perfil da USP. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados, jun.1995.(Documentos.) [ Links ]
SANTOS, B. de S. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1997. [ Links ]
THE ECONOMIST. A Survey of Universities. Londres: The Knowledge Factory. oct. 4th 1997. [ Links ]
USP. Anuário Estatístico – 1995. São Paulo: USP, 1996. [ Links ]
NOTAS
1 O trabalho de Wladmir Kourganoff, "A face oculta da universidade", escrito nos anos 70, explorou a questão da relação entre ensino e pesquisa como foco principal para sua discussão sobre a concepção e o funcionamento da universidade francesa.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
217
2 A propósito das implicações da indissociabilidade entre ensino e pesquisa para o ensino universitário, ver também o trabalho de Fave-Bonnet (1994).
3 Para este autor, o tema da indissociabilidade é considerado, por alguns, como verdadeiro mito, por outros, como a razão de ser e a própria forma de sobrevivência da universidade. "Na forma como está posto hoje, tal vínculo entre ensino e pesquisa – que deveria existir como propósito da instituição universitária, não necessariamente como dever de todos e de cada um dos professores...".
4 Para alguns cursos de pós-graduação, como no caso da área médica, essa disciplina é obrigatória.
5 A título de ilustração, relacionamos alguns dos professores que auxiliaram a consolidação da USP, nos primeiros anos de sua fundação: Luiggi Fantappié, Gleb Wataghin, Paul Arbousse Bastide, Claude Levy-Strauss, Fernand Braudel, Giuseppe Ungaretti, Roger Bastide, Fidelino de Figueiredo.
6 O sistema de cátedras, herdado da tradição universitária portuguesa, caracterizava-se como um pequeno feudo, no qual seu titular, o catedrático, era investido de todos os poderes e de todos os privilégios. Nomeado por concurso, permanecia no cargo de forma vitalícia e só a ele era atribuída a liberdade de pesquisa e de ensino.
7 Com esta observação, não pretendemos alimentar o "mito liberal democrático" de criação da USP, apontado por Irene Cardoso em seu trabalho: A Universidade da comunhão paulista, de 1982. A autora frisa que é mito porque se trata de uma invocação que realça o espírito de liberdade de pensamento, de ensino, de pesquisa que teria presidido a criação da universidade, escamoteando-se o fato de que foi criada sob a ditadura de Vargas, e que os liberais que contribuíram para sua fundação colocaram-se contra a liberdade de pensamento e de expressão.
8 Artigos posteriores publicados na imprensa davam conta de que "a produção científica é extremamente concentrada. [...] A produção de teses de doutorado da Universidade de São Paulo, em um ano é a mesma que a de todas as [universidades] federais somadas" (Paiva, 1998).
9 As entrevistas que realizamos descrevem bem como essas tensões ocorrem, e apresentam a opinião dos professores sobre ela.
10 A investigação foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq – e este texto incorpora parte do relatório de pesquisa apresentado.
11 Os trabalhos inscritos foram agrupados nos seguintes temas: Experiências de Interdisciplinariedade; Recursos Tecnológicos; Integração no Mercado de Trabalho; Renovação Curricular; Interação Professor/Aluno em Sala de Aula e em Laboratórios; Experiências para Melhoria e Avaliação do Desempenho Docente. Embora a realização das entrevistas obedecesse essencialmente à anuência dos professores, cada um dos temas mencionados foi contemplado.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
218
12 A relação dos professores entrevistados é a seguinte: Glaúcia D'Olim Marote Ferro (FE), Júlio Marcos Filho (Esalq), Liliana Forneris (IB), Lígia Maria Marcondes Machado (IP), Maria de Fátima G. M. Tálamo (ECA), Antonio Salatino (IB), Beatriz Kilikian (EP), André Francisco Pilon (FSP), Tibor Rabockay (IQ), Bayardo Baptista Torres(IQ), Cilene Aparecida Cortardi Ide (EE), Tizuko Morchida Kishimoto (FE), Massayuki Nakagawa (FEA), Ligia Chiappini Moraes Leite (FFLCH); Sheila Walbe Ornstein (FAU); Roberto Martins Gonçalves (EESC), José Benedito Sacomano (EESC). A pedagoga Nídia Pavan Cury (Centro de Técnicas Pedagógicas da EESC) foi entrevistada e incluída no grupo pela relevância das atividades que desenvolvia para os objetivos da pesquisa. Trataremos neste artigo de caracterizar o grupo de entrevistados como um todo, sem apresentar o nome de cada um deles. Identificaremos apenas os professores cujas falas serão reproduzidas, a partir das gravações realizadas e cuja divulgação foi autorizada.
13 Pierre Lena é professor de física na universidade, nela engajado na carreira clássica. Interessou-se pela formação no ensino dos professores-pesquisadores, coordenando entre os anos de 1983 a 1986 uma comissão cujos trabalhos inspiraram, em grande parte, a criação da monitoria na França. A monitoria corresponde a uma bolsa especial para os estudantes de doutorado dedicarem-se a seu aperfeiçoamento pedagógico.
14 O Institut National de Recherche Pédagogique – INRP – publicou um número temático da revista Recherche et Formation, com o seguinte subtítulo: "Quelle formation pédagogique pour les enseignants du supérieur?" Nele aparece uma série de artigos relatando experiências de formação para docentes de ensino superior, em vários países da Europa (Fave-Bonnet, 1994).
15 O depoimento da pedagoga Nídia Pavan Kuri, que ministrava a disciplina Metodologia do Ensino Superior em colaboração com o professor Marcius F. Giorgetti, para o curso de Engenharia de São Carlos, foi muito claro nesse sentido. Ela dificilmente poderia realizar seu trabalho a contento, sem o auxílio do professor especialista na área, já que sobre as questões de conteúdo ela não poderia opinar. Sua formação na área pedagógica permitia-lhe apenas avaliar a forma.
16 Devemos registrar, a respeito das diversas funções que compõem o trabalho na universidade, especialmente na USP, que as chamadas tarefas técnico-administrativas ocupam uma parcela muito grande do tempo dos professores, pois aqueles com dedicação de tempo integral à docência e à pesquisa obrigatoriamente participam de comissões estatutárias (congregação, conselhos de departamento, comissões de ensino, pesquisa e extensão) bem como de bancas de titulação, seleção de novos docentes e de concursos. Essa faina tende a ser, em geral, uma grande fonte de pressão para a atividade docente.
17 Não podemos deixar de mencionar que durante os debates sobre a reforma universitária uma das questões que mais ofereceram resistência disse respeito à possibilidade de extinção do princípio de liberdade de cátedra, considerado por muitos como um dos pilares constitutivos da autonomia universitária.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
219
Educação & Sociedade Print version ISSN 0101-7330 Educ. Soc. vol.22 no.75 Campinas Aug. 2001 doi: 10.1590/S0101-73302001000200010
O BOM CIDADÃO DOCENTE UNIVERSITÁRIO NA SENDA DA QUALIDADE NO ENSINO SUPERIOR
Arménio Rego*
RESUMO: Este artigo representa uma extensão de trabalho prévio realizado no
domínio dos comportamentos de cidadania dos professores universitários (Cidoce).
O seu objectivo é o de mostrar como quatro categorias de Cidoce (comportamento
participativo, orientação prática, conscienciosidade e cortesia) influenciam a
motivação profissional e autoconfiança dos estudantes (actuais ou antigos), assim a
cotação global de desempenho que estes lhes atribuem. Retomam-se dados de
investigação anteriormente realizada com amostras de estudantes e professores
(Rego & Sousa, 2000), procedendo-se à inclusão de uma amostra de diplomados
com curso superior. Na globalidade, foram inquiridos 249 estudantes, 123
professores e 209 diplomados. Os estudantes debruçaram-se sobre actuais
docentes, e os professores e diplomados foram convidados a descrever os
comportamentos dos seus antigos mestres. Os resultados revelam o seguinte: a) os
três tipos de participantes nos estudos declaram que as quatro categorias de
cidadania influenciam significativamente a sua motivação profissional e
autoconfiança; b) todos eles ponderam fortemente esses quatro comportamentos
quando são chamados a notar o desempenho global dos seus professores. A
consistência desta evidência sugere que podemos estar em presença de
comportamentos docentes com forte potencial de melhoria da qualidade do ensino
superior, nomeadamente no que concerne à qualidade do processo ensino-
aprendizagem.
Palavras-chave: Qualidade no ensino superior; Comportamentos de cidadania dos
professores universitários; Autoconfiança; Motivação profissional.
Introdução
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
220
1. Qualidade versus processo ensino-aprendizagem
A qualidade no ensino superior tem ocupado, nos últimos anos, um lugar de
destaque, seja no discurso dos agentes educativos, nas preocupações dos
decisores políticos, ou na literatura especializada (v.g., Horine, Hailley & Rubach,
1993; Schargel, 1994; Ellington & Ross, 1994; Ace, 1994; Feigenbaum, 1994; Helms
& Key, 1994; Sirvanci, 1996; Rowley, 1996; Hansen & Jackson, 1996; Bailey &
Bennett, 1996; Massy, 1997; Horsburgh, 1999; Montano & Utter, 1999; Zabalza,
1999). Esta significativa expressão do tópico representa, em grande medida, a
expansão para o domínio educativo de uma filosofia de gestão que, desde há muito,
se vem tentando implementar nas empresas industriais e de serviços (v.g., Hackman
& Wageman, 1995; Shemwell, Yavas, & Bilgin, 1998; Zbaracki, 1998).
Para se alcançarem efectivas melhorias qualitárias, importa, todavia, descortinar as
áreas de pesquisa e intervenção mais pertinentes. Se se pretende evitar que a
eficácia da acção fique seriamente comprometida, é crucial extraír do "terreno" os
ensinamentos mais frutuosos. Sucede que, neste domínio, o processo ensino-
aprendizagem tem sido referido por diversos estudiosos da qualidade (v.g.,
Schargel, 1994; Ellington & Ross, 1994; Bailey & Bennett, 1996; Hansen & Jackson,
1996; Rowley, 1996; Yorke, 1997; Horsburgh, 1999) como uma das áreas de
intervenção com maior potencial. Helms & Key (1994) enunciaram eloqüentemente
essa tese ao afirmarem que "não há lugar algum onde os resultados positivos da
gestão da qualidade total sejam mais necessários do que… na sala de aula" (p. 97).
Este artigo insere-se nesse domínio de preocupações e procura dar resposta a um
desafio expressivamente manifestado por Hansen & Jackson (1996): "Apesar do
extenso discurso sobre a qualidade, a actividade nuclear das universidades - a
docência - permanece em grande medida intacta" (pp. 211-212).
É possível que este déficit tenha a sua génese na dificuldade que o campo encerra
(v.g. Helms & Key, 1994; Rowley, 1996). Mas tal não deve (não pode!) ser impeditivo
de que novas pesquisas e contributos sejam procurados e lançados para discussão.
Acresce que as ausências e carências contêm, quase sempre, duas facetas: um
obstáculo e… uma oportunidade. Constituem, até, um convite à criatividade,
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
221
investigação, reflexão e descoberta de linhas de orientação potencialmente
contributivas de melhores desempenhos individuais e organizacionais. Um olhar
atento permite, aliás, verificar que alguns caminhos proveitosos já começaram a ser
rasgados. Com efeito, é possível identificar na literatura um elenco significativo de
comportamentos docentes com potenciais efeitos positivos sobre os estudantes e,
globalmente, o processo de ensino-aprendizagem. A título ilustrativo podem citar-se
(v.g., Ellington & Ross, 1994; Helms & Key, 1994; Rowley, 1996; Stringer & Irving,
1998; Marsh et al., 1998; Horsburgh, 1999):
a) feedback da aprendizagem pontual e justo;
b) preparação dos materiais;
c) clareza das explicações;
d) pontualidade;
e) entusiasmo;
f) dinamismo;
g) encorajamento da participação;
h) actuação amistosa, interesse pelos estudantes e disponibilidade para os atender;
i) espírito de diálogo e práticas reflexivas partilhadas;
j) credibilidade e fiabilidade nas avaliações;
k) promoção da autonomia e da aprendizagem activa;
l) justiça, cortesia e conscienciosidade no exercício do papel docente.
2. Comportamentos de cidadania docente universitária
Alguns dos comportamentos mais vincados nessas pesquisas apresentam
semelhanças com os comportamentos de cidadania docente universitária (Cidoce).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
222
Estes podem ser definidos como os comportamentos (tendencialmente)
discricionários, não directa ou explicitamente reconhecidos pelo sistema de
recompensa formal, e que contribuem para o funcionamento eficaz da organização
universitária, designadamente no que concerne ao desempenho académico dos
estudantes.
Esta definição tem a sua génese no conceito de comportamentos de cidadania
organizacional (Smith, Organ & Near, 1983; Van Dyne, Cummings & Parks, 1995;
Organ & Ryan, 1995; Organ, 1988, 1997; Podsakoff et al., 1997; Netemeyer et al.,
1997; MacKenzie et al., 1998; Organ & Paine, 1999), tendo sido adaptada e
desenvolvida por Rego & Sousa (Rego, 1999; Rego & Sousa, 1999a). Depois de
obterem itens na literatura (Marsh et al., 1998; Stringer & Irwing, 1998; Rego &
Sousa, 1999b) e de analisarem o material semântico obtido em entrevistas semi-
estruturadas junto de 49 estudantes e 7 professores universitários (a quem foi
solicitado que referissem actos característicos de antigos professores que
considerassem excelentes), os dois investigadores operacionalizaram o constructo,
tendo descortinado quatro dimensões:
a) O comportamento participativo representa a promoção do diálogo e o fomento da
participação dos estudantes no processo pedagógico.
b) A orientação prática reflete a preocupação pedagógica do docente em ilustrar a
explanação das matérias com exemplos práticos e interessantes para a vida dos
estudantes.
c) A conscienciosidade pedagógica respeita aos comportamentos reveladores de
uma postura preocupada com o exercício rigoroso da função docente (v.g., preparar
bem as aulas, ser exigente, dar as aulas com rigor e seriedade).
d) A (des)cortesia representa um tratamento (des)respeitador dos estudantes.
Nas suas investigações, Rego & Sousa enfatizaram as ações pedagógicas mais
presumivelmente ligadas ao desempenho dos estudantes, procurando suprir a
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
223
ausência de estudos nessa matéria. Enveredaram por uma tal veia comportamental
por três razões:
a) Em primeiro lugar, notaram que os instrumentos e constructos de cidadania
disponíveis secundarizavam os actos direccionados para os estudantes. Com efeito,
o instrumento usado por Koh, Steers & Terborg (1995) resultou de uma adaptação
do instrumento desenvolvido por Smith, Organ & Near (1983), sendo este destinado
a medir os comportamentos de cidadania organizacional. Por seu turno, o
questionário usado por Skarlicki & Latham (1995) enfatizou os actos direccionados
para a organização escolar e os colegas docentes.
b) Em segundo lugar, pareceu-lhes lógico que o estudo empírico das relações entre
os Cidoce e os impactos sobre os estudantes (com especial destaque para os
desempenhos académicos) seria mais profícuo se fossem pesquisados
comportamentos de relacionamento entre docentes e estudantes - mais do que
actos direccionados para os colegas docentes (v.g., ajuda na revisão de um artigo)
ou para a organização (v.g., fornecer sugestões de melhoria do funcionamento
administrativo da instituição).
c) Em terceiro lugar, procuraram responder ao desafio lançado por Hansem &
Jackson (1996): "A menos que se actue sobre o processo ensino-aprendizagem, as
mudanças na gestão da qualidade suscitarão, apenas, benefícios diminutos" (p. 211-
212. Grifo nosso).
O presente artigo visa expor os resultados de diversos estudos cujo objectivo é o de
relacionar os comportamentos de cidadania dos professores universitários com três
variáveis: a) o desempenho global dos professores, tal como atribuído pelos seus
alunos (actuais ou antigos); b) a motivação profissional e a auto-confiança dos seus
estudantes. Sucinta e simplesmente, será exposta diversa evidência empírica
susceptível de contribuir para responder a duas questões básicas. Primeira: o que
significa ser um "excelente" professor universitário? Segunda: haverá diferenças
entre as concepções de estudantes, professores e diplomados com curso superior?
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
224
3. Metodologia
Foram inquiridos 249 estudantes universitários, 123 professores e 209 diplomados
com curso superior. Os estudantes provinham de 27 cursos superiores (das áreas de
letras/humanidades, engenharias, ciências, gestão/economia) e freqüentando entre
o 1º e o 5º ano. Os professores exerciam actividade na Universidade de Aveiro,
distribuindo-se por diversos departamentos (gestão, engenharia, química, física,
educação, biologia, geologia, comunicação e arte, matemática) dessa instituição. Os
diplomados eram detentores de diplomas de diversa natureza, exerciam actividades
profissionais diversas e haviam terminado os seus cursos em momentos bastante
distintos. A sua caracterização encontra-se em anexo.
Os participantes foram abordados do seguinte modo: a) os estudantes foram
convidados a reflectir sobre um actual professor, à sua escolha; b) aos professores e
diplomados foi solicitado que reflectissem sobre um antigo docente, também à sua
escolha. A todos foi proposto que escolhessem e pensassem num docente, cujo
comportamento pudessem descrever com algum rigor, independentemente de
gostarem ou não dele, de o considerarem ou não competente, e qualquer que fosse
o sexo, idade ou área de actividade. O inquérito que lhes foi proposto continha três
partes principais:
a) Na primeira, a pessoa era convidada a responder ao questionário de medida dos
Cidoce, assinalando em que medida as afirmações enunciadas se aplicavam ao
docente em que havia pensado, através de uma escala tipo Likert de 7 pontos (1:
"não se aplica nada"; …; 7: "aplica-se completamente"). O questionário tem duas
versões. Na sua forma extensa (aplicada aos estudantes), comporta 32 itens. Na sua
forma reduzida (respondida por professores e diplomados), integra 14 descritores
(Tabela 1). No presente artigo, para efeitos comparativos, apenas se apresentam os
dados relativos à forma sucinta.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
225
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
226
b) Na segunda parte, era solicitado ao inquirido que referisse os impactos que esse
professor havia exercido sobre si, através de 10 escalas de diferencial semântico
(também com 7 pontos). Estes descritores haviam sido recolhidos por Rego & Sousa
(Rego, 1999; Rego & Sousa, 1999a) em duas fontes. Primeira: entrevistas semi-
estruturadas a 13 estudantes, os quais foram convidados a pensar em excelentes
(antigos) professores, e a reportar os efeitos que eles haviam exercido sobre a sua
vida. Segunda: análise do material semântico obtido na fase exploratória de recolha
de itens para o instrumento de medida dos Cidoce. Com efeito, os 49 estudantes e 7
professores participantes nesse estudo exploratório não se limitaram a citar
comportamentos, antes extravasaram para os efeitos sentidos e para as razões
pelas quais consideravam exemplares os professores escolhidos.
c) Na terceira, solicitava-se ao indivíduo que atribuísse uma cotação global de
desempenho ao professor em mente, numa escala de 1 ("péssimo professor") a 20
("excelente professor"). Esta escala é similar à que é utilizada pelos docentes para
avaliarem o desempenho dos seus alunos.
Os dados de cidadania e impactos foram sujeitos a uma análise factorial
confirmatória (Joreskog & Sorbom, 1993; Byrne, 1998). Foi testado o modelo de seis
dimensões emergente da investigação de Rego (1999): quatro para a cidadania e
duas para os impactos (motivação profissional e auto-confiança) - o resultado
encontra-se na Tabela 1. Globalmente, os índices de ajustamento do modelo são
satisfatórios e as consistências internas satisfazem o valor mínimo de 0.70 sugerido
por Nunnally (1978).
4. Resultados
A Tabela 2 expõe as médias, desvios-padrão e correlações entre as variáveis. Em
geral, as variáveis de cidadania relacionam-se significativamente entre si, com as
duas variáveis de impacto (especialmente a motivação profissional) e a cotação
global de desempenho. Estes valores correlativos são similares para os três tipos de
inquiridos (estudantes, professores e diplomados).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
227
A Tabela 3 expõe os resultados para as análises de regressão. Procura evidenciar o
poder explicativo das dimensões de cidadania para a cotação de desempenho, a
motivação profissional e a auto-confiança. A sua leitura permite extrair algumas
tendências, designadamente:
a) Todas as variáveis de cidadania explicam de modo bastante expressivo a cotação
de desempenho e a motivação profissional. Ou seja, tanto estudantes como
professores e graduados ponderam fortemente esses quatro tipos de
comportamento quando avaliam o desempenho dos seus mestres (actuais ou
antigos), e quando reflectem sobre a influência por eles exercida na sua própria
motivação profissional. Os efeitos exercidos pelos Cidoce sobre a autoconfiança são
menos notórios.
b) O poder explicativo das quatro dimensões de cidadania para as variáveis de
impacto e de desempenho global é superior entre os já diplomados do que no seio
dos estudantes e professores inquiridos em estudos anteriores. A diferença é mais
notória para a autoconfiança.
c) Os diplomados ponderam a cortesia mais fortemente do que os indivíduos das
outras duas amostras. Ela representa, mesmo, a variável com influência mais
significativa sobre a autoconfiança.
d) Quando se trata de avaliar o desempenho global dos docentes, os diplomados e
os professores ponderam a conscienciosidade e a orientação prática em maior grau
do que os estudantes. Estes, por seu turno, valorizam mais o comportamento
participativo.
e) A orientação prática representa a categoria de cidadania mais fortemente
relacionada com a motivação profissional declarada, seja para os estudantes, os
professores ou os diplomados.
f) Enquanto os estudantes declaram que os seus níveis de autoconfiança crescem
com o comportamento participativo dos seus mestres, os diplomados ponderam as
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
228
outras três categorias. Os professores, por seu turno, valorizam a orientação prática
e, menos claramente, a postura participativa.
Para testarmos a eventual existência de efeitos moderadores provocados pelo tipo
de curso realizado, a actividade profissional dos diplomados e o tempo decorrido
desde o terminus do curso, executámos regressões para: a) quatro tipos de curso
(via-ensino e humanidades, ciências, engenharias, economia/gestão); b) três tipos
de ocupação (técnicos superiores, professores do ensino secundário,
gestores/directores); c) três períodos temporais pós-curso (menos de 3 anos, entre 3
e 8 anos, e mais de 8 anos). Não foram detectadas particularidades dignas de
registo, exceptuando uma pequena tendência: os diplomados com cursos de
engenharia são mais sensíveis à orientação prática.
A tabela 4 expõe a caracterização de seis agrupamentos de docentes (os escolhidos
pelos diplomados inquiridos), oriundos de uma análise de clusters (Bryman &
Cramer, 1990; Reis, 1991; Pestana & Gageiro, 1998). A análise foi baseada nas
quatro dimensões de cidadania. Após o agrupamento procedeu-se a uma análise de
variância (Teste Scheffé) tendo em vista conhecer as diferenças inter-grupos nas
variáveis de cidadania, de impacto e de desempenho global. Os agrupamentos
podem ser assim caracterizados:
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
229
a) Os docentes do grupo 1 foram denominados "Fracos" por apresentarem baixas
notações em todas as dimensões de cidadania. Todos os tipos de inquiridos lhes
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
230
atribuem cotação de desempenho bastante "negativa". Os efeitos exercidos sobre a
motivação profissional e a autoconfiança são, igualmente, os mais fracos de entre os
seis agrupamentos. Em termos gerais, os professores inquiridos são mais
benevolentes nas apreciações destes docentes, e os diplomados são os mais
contundentes na avaliação negativa.
b) Aos elementos do grupo 2 foi imputada a designação de "Apenas corteses". As
suas notações de cidadania são geralmente baixas, mas apresentam uma elevada
pontuação em cortesia. Assemelham-se a docentes simpáticos, mas que são pouco
empenhados na preparação das aulas, pouco organizados e metódicos na
leccionação, fracos promotores da participação dos alunos, e modestamente
orientados para a ilustração da matéria com exemplos práticos e da vida pessoal.
São alvo de cotações negativas de desempenho por parte de todos os tipos de
inquiridos, especialmente os graduados. Os três tipos de inquiridos declaram que os
efeitos por eles exercidos sobre a motivação profissional e a autoconfiança são
igualmente fracos, embora melhores do que os ocorridos para o grupo anterior.
c) Os docentes englobados no terceiro agrupamento foram denominados
"Conscienciosos": as suas pontuações nas duas primeiras dimensões de cidadania
são fracas, mas expressam elevada orientação conscienciosa (e pautam-se por um
espírito moderadamente cortês). São uma espécie de docentes que se preocupam
com o rigor e organização das suas aulas, adoptam um relacionamento harmonioso
e cortês, mas descuram a vertente prática das aulas e o fomento da participação dos
alunos. Denotam uma cotação de desempenho globalmente positiva, embora
modesta. Os professores que participaram nos estudos parece, no entanto,
apreciarem relativamente bem este perfil nos seus antigos mestres. Com efeito,
para além da razoavelmente elevada cotação de desempenho que lhes atribuem,
declaram terem sido bastante influenciados por eles no que concerne à motivação
profissional. É possível que tal se deva, fundamentalmente, ao pendor
consciencioso.
d) No quarto grupo estão agrupados os elementos que nomeámos "Regulares". São
medianamente orientados para todas as dimensões de cidadania. Em geral, todos
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
231
os inquiridos os consideram razoavelmente bons docentes, embora seja de notar a
menor apreciação de que são alvo por parte dos graduados. Os professores que
participaram do estudo, por seu turno, são mais benevolentes, denotando apreciar
bastante este perfil nos seus antigos mestres. Em geral, todos os inquiridos
consideram que eles influenciaram de modo positivo os seus níveis de motivação
profissional e autoconfiança.
e) Os docentes do agrupamento "Profissionais diligentes" caracterizam-se por
pontuações bastante elevadas em todas as dimensões de cidadania, recebendo
cotações de desempenho igualmente expressivas por parte de estudantes,
professores e graduados. A influência por eles exercida sobre as duas variáveis de
impacto é globalmente bastante positiva, qualquer que seja o tipo considerado de
inquiridos.
f) Finalmente, os docentes do sexto grupo receberam a designação de
"Exemplares", devido ao facto de serem considerados excelentes cidadãos docentes
em todas as dimensões comportamentais. O reflexo mais claro deste perfil está
projectado na cotação de desempenho que todos os inquiridos lhes atribuem - a
mais elevada dentre todos os grupos. Os impactos exercidos sobre a motivação
profissional e a autoconfiança são mais elevados do que os verificáveis em qualquer
dos agrupamentos anteriores.
5. Análise, discussão e conclusões
O primeiro elemento digno de menção a propósito dos dados expostos é o referente
às boas propriedades psicométricas do instrumento de medida dos Cidoce. Com
efeito, o modelo tetra-dimensional ajusta-se satisfatoriamente aos dados, as
consistências internas de cada dimensão ultrapassam sistematicamente o mínimo
de 0.70 sugerido por Nunnally (1978), e a validade preditiva de cada categoria
comportamental é assinalável. Há, por conseguinte, razões acrescidas para
prosseguir as pesquisas com o recurso ao instrumento em causa.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
232
Em segundo lugar, importa referir que os elementos empíricos evidenciados revelam
que a excelência docente universitária implica que os professores promovam a
participação dos alunos, confiram às aulas um pendor prático, sejam conscienciosos
na preparação e organização das lições, e adoptem condutas cordiais e corteses.
Não basta ser consciencioso, nem é suficiente ser simpático/cortês: é necessário
conciliar as quatro categorias de cidadania. Estas concepções são perfilhadas pelos
professores e diplomados, mas também pelos estudantes.
Por conseguinte, contrariamente a uma ideia por vezes detectada na vida
académica, afigura-se que os estudantes não procedem a apreciações naives
acerca dos seus professores. Eles valorizam as quatro vertentes comportamentais e
acolhem particularmente bem o professor que consegue combiná-las em alto grau.
Note-se, especialmente, o facto de cotarem de modo relativamente fraco os
professores "Apenas corteses". Consequentemente, a ideia frequentemente
divulgada de que os estudantes fazem juízos enviesados acerca dos desempenhos
docentes - deixando-se "iludir" com professores (apenas) simpáticos, amistosos e
corteses! - só pode fazer carreira se se admitir… que esses enviesamentos são
partilhados pelos professores e diplomados
Ou seja: também aos "olhos" dos alunos, não basta ser cortês; também não basta
ser consciencioso; nem é suficiente a conciliação das duas vertentes; o perfil mais
valorizado é, efectivamente, o que se caracteriza por elevadas orientações nas
quatro categorias comportamentais. Globalmente, as suas concepções são muito
semelhantes às dos actuais professores e dos já diplomados. Há, portanto, algumas
razões para advogar que os estudantes demonstram uma perspectiva acerca da
excelência da docência que contradiz algumas ideias pré-concebidas e
relativamente comuns no meio académico.
Esta recorrente evidência empírica projecta sobre os resultados uma validade
indubitável, conferindo grande dose de verossimilhança à noção de que os
comportamentos pesquisados são susceptíveis de contribuir para os incrementos da
qualidade no ensino superior. Ela é, aliás, convergente com os dados empíricos
atinentes às "avaliações pelos estudantes da eficácia do professor" (v.g., Stringer &
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
233
Irving, 1998; Rowley, 1996) e às "avaliações pelos estudantes da qualidade
educativa" (v.g., Marsh et al., 1998). A tendência geral exposta não deve, no
entanto, obnubilar algumas particularidades decorrentes da cogitação entre as
concepções de diplomados, estudantes e professores. Elas não diminuem a
validade dos dados, antes lhe conferem maior poder heurístico. Importa reter as
mais relevantes:
Primeira: os diplomados (tal como os professores) ponderam as quatro categorias
comportamentais docentes mais fortemente do que os estudantes. É presumível que
a experiência profissional entretanto adquirida os torne mais aptos a avaliar a
importância e os efeitos dos seus antigos mestres. A exposição à realidade do
mundo do trabalho pode torná-los mais sensíveis à valia e (bom ou mau) exemplo
dos seus antigos professores.
Segunda: para as mesmas configurações de cidadania docente (Tabela 4), os
professores inquiridos tendem a ser mais benevolentes nas cotações de
desempenho atribuídas aos seus antigos mestres e nos impactos que declaram ter
deles recebido. Os diplomados, por seu turno, são tendencialmente mais
contundentes nas apreciações negativas. No que respeita à benevolência dos
professores, é possível que ela resulta da renitência sentida pelos próprios em
atribuírem pontuações excessivamente negativas aos seus colegas de profissão. É
igualmente presumível que, devido à experiência docente entretanto adquirida,
sejam mais capazes de compreender as dificuldades da função e se sintam menos
propensos a juízos extremadamente negativos. Relativamente aos diplomados, pode
admitir-se que a sua maior contundência se deve à experiência profissional que lhes
suscita uma maior consciencialização das deficiências formativas recebidas de
professores com fraco espírito de cidadania docente.
Terceira: mais do que os estudantes, os diplomados (e professores) atribuem à
orientação prática uma importância relativa superior à imputada pelos estudantes. O
mesmo pode ser dito a propósito da conscienciosidade. A argumentação
anteriormente aduzida ajuda a explicar esta evidência. Com efeito, é possível que a
experiência profissional os torne mais cientes da importância dos ensinamentos
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
234
práticos que os professores lhes transmitiram (ou não). E que lhes revele a
importância da conscienciosidade profissional, isto é, do rigor, método e
organização. Pode suceder que, com a experiência de vida, sintam que os antigos
docentes mais conscienciosos foram aqueles que, no médio/longo prazo, vieram a
produzir efeitos mais proveitosos nas suas vidas.
Quarta: a cortesia é mais ponderada pelos diplomados do que pelos estudantes e
professores. Ela representa, mesmo, a categoria comportamental que mais explica a
respectiva autoconfiança. O dado pode parecer surpreendente, mas não deixa de
chamar a atenção para a importância dos actos docentes não especificamente
ligados aos conteúdos programáticos formais. O que os dados sugerem é que uma
variável relacional como a cortesia docente é (continua a ser!) valorizada pelos
indivíduos já ingressados no mundo do trabalho. Este dado apela para a
consideração da evidência obtida por Rego (1999) quando verificou, num estudo
longitudinal, que esta dimensão era a única com poder preditivo significativo do
desempenho académico. Segundo o investigador, o resultado poderia significar uma
de duas coisas:
a) É possível que os professores (des)corteses exerçam um efeito (des)motivador
sobre os seus estudantes, induzindo-os a alterar os seus níveis de esforço e
empenhamento, com repercussões no desempenho académico.
b) Mas também é verossímil que a relação detectada resulte da influência de uma
terceira variável sobre os Cidoce e as classificações dos alunos, e não propriamente
do efeito dos comportamentos dos docentes sobre o trabalho e desempenho dos
estudantes. Na verdade, pode suceder que alguns professores tenham
determinadas características de personalidade que os induzem a ser mais corteses
e, simultaneamente, mais benevolentes na atribuição das notas.
Ora, o que os dados empíricos emergentes dos actuais estudos sugerem é que,
porventura, a cortesia representa algo mais do que a génese da benevolência
docente. Ela pode constituir, complementarmente com outros actos de cidadania,
uma actividade docente de natureza sócio-afectiva com impactos significativos sobre
a motivação, empenho, entusiasmo, satisfação, identificação pessoal, autoconfiança,
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
235
identificação pessoal e maior disponibilidade para assumir responsabilidades dos
estudantes (Podsakoff et al., 1990; Harvie & Leiter, 1999; Yukl, 1998). Por essas
vias, é susceptível de incrementar os níveis de dedicação ao trabalho, estimulação e
aprendizagem (Stringer & Irving, 1998).
Quinta: as tendências detectadas são extensivas aos diplomados com vários tipos
de curso e diferentes profissões. E parecem ser independentes do momento
temporal em que o curso foi realizado. A consistência dos dados sugere, uma vez
mais, a sua relevância e validade. Todavia, descortinou-se uma pequena tendência
para que os diplomados em engenharias sejam mais sensíveis à orientação prática
dos seus antigos docentes. O dado não é supreendente, se pensarmos no teor dos
conteúdos formativos desses cursos. É presumível que a aprendizagem de matérias
com forte conteúdo técnico e tecnológico seja mais fortemente promovida com
exemplos práticos do que a aprendizagem de tópicos cujo conteúdo é mais
científico, "cultural" ou humanístico.
Finalmente, importa reter um aspecto que, embora (aparentemente) colateral, pode
ajudar a compreender as concepções manifestadas pelos inquiridos. Na verdade,
tanto os estudantes como os professores e os diplomados direccionaram as suas
escolhas para docentes que são por eles considerados "bons" ou "excelentes" (vide
figura 1). A prevalência de escolhas de perfis docentes "positivos" é, por
conseguinte, extensiva aos estudantes. Este dado parece contrariar uma noção
corrente, segundo a qual os alunos são predominantemente "contestatários",
especialmente atentos a casos "negativos", e pouco sensíveis às "excepções"
positivas. E torna mais rica a evidência empírica obtida, pois sugere aquilo que eles
valorizam especialmente bem - mais do que aquilo que não desejam. Sublinhe-se,
todavia, que a tendência é mais expressiva para os professores e diplomados
inquiridos do que para os estudantes. Daqui emergem dois comentários:
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
236
a) Por razões corporativistas, é possível que os docentes se sintam desconfortáveis
na escolha e avaliação de "maus professores". Podem, designadamente, sentir que
uma tal opção representa uma avaliação negativa indirecta da sua própria
actividade.
b) Ao serem convidados a reflectir sobre os seus antigos mestres, é presumível que
os professores e restantes diplomados recuperem da memória aqueles que mais se
salientaram como modelos positivos para a sua própria actividade actual.
O presente estudo contém algumas especificidades (mormente metodológicas),
cujas insuficiências os estudos posteriores poderão suprir, mas cujas
potencialidades poderão ser desenvolvidas:
a) Os dados relativos às variáveis dependentes e independentes foram recolhidos
na mesma fonte. Por conseguinte, os riscos da variância do método comum
(Podsakoff & Organ, 1986) são mais prováveis. Há, portanto, interesse em que
pesquisas posteriores adoptem uma metodologia de "dupla fonte": alguns inquiridos
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
237
descrevem o comportamento dos professores, e outros expressam os impactos e a
cotação de desempenho. Para ultrapassar eventuais dificuldades de concretização
de uma tal metodologia, pode revelar-se útil obter os dados a partir dos mesmos
indivíduos em momentos distanciados no tempo.
b) Um dos factores de impacto (autoconfiança) carece de validação posterior, já que
a sua interpretação suscita algumas dificuldades.
c) A metodologia usada é correlacional, pelo que não é possível aduzir um nexo de
causalidade entre as variáveis. Pode, por exemplo, suceder que os estudantes que
obtiveram melhores classificações na disciplina (ministrada pelo professor que
escolheram para avaliação) procedam a racionalizações post hoc que os induzem a
cotar positivamente o desempenho dos seus antigos professores, a declarar efeitos
mais fortes na motivação e autoconfiança e a atribuir-lhes cotações de cidadania
mais elevadas. Nesse caso, assistir-se-ia a uma relação de causalidade inversa à
subjacente no presente estudo.
d) O facto de haver correlações fortes entre determinados comportamentos dos
docentes e as cotações de desempenho que lhes são imputadas pelos seus alunos
não implica, necessariamente, que esses comportamentos sejam determinantes
para o desempenho académico. Importa, por conseguinte, prosseguir as pesquisas,
na tentativa de se descortinar um padrão de relações que explique o poder
explicativo dos Cidoce para o desempenho académico dos estudantes.
De qualquer modo, é de justiça realçar que os resultados aqui apresentados são
consistentes com diversa evidência empírica, designadamente a que tem sido
produzida no âmbito das "avaliações pelos estudantes da eficácia do professor"
(v.g., Stringer & Irving, 1998) e das "avaliações pelos estudantes da qualidade
educacional" (v.g., Marsh et al., 1998; Rowley, 1996). Eles contribuem para a
compreensão dos efeitos que os professores podem exercer sobre os estudantes e
fornecem valor acrescentado num domínio que os estudos sobre o ensino superior
vêm progressivamente enfatizando: a qualidade. Sugerem claramente que as quatro
dimensões de cidadania estudadas são bastante valorizadas, tanto pelos docentes e
diplomados que se debruçaram sobre os seus antigos docentes, como pelos
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
238
estudantes que avaliaram os seus actuais professores. Todos consideram que as
quatro categorias de cidadania definem vincadamente o perfil de um "bom" professor
universitário e exercem efeitos sobre a sua motivação profissional e (menos
expressivamente) autoconfiança.
É possível que isso ocorra porque os professores que agem como "bons cidadãos"
funcionem como modelos passíveis de imitação, gerem ambientes promotores do
envolvimento activo dos estudantes e do seu desenvolvimento, criem expectativas
positivas nos seus alunos que induzem estes na tentativa de as cumprir, promovam
as relações de confiança, transmitam entusiasmo, suscitem fenómenos de
identificação pessoal, concitem satisfação e sentimentos de auto-eficácia, estimulem
a aprendizagem, transmitam mensagens conducentes à assunção de
responsabilidades.
Não pode daqui extrair-se simplisticamente a tese de que os comportamentos
simultaneamente valorizados por professores, estudantes e diplomados devem ser
inseridos, de imediato, nos processos avaliativos da qualidade no ensino superior.
Mas a convergência legitima a ideia de que os comportamentos aqui gizados
constituem áreas de actuação de mais provável eficácia - seja para os docentes que
pretendem adoptar posturas de "melhoria contínua", seja para as instituições que
estão empenhadas em promover a adopção desses comportamentos pelos seus
docentes.
Estes estudos representam, por conseguinte, um passo adicional na busca de
factores de melhoria da área que diversos estudiosos vêm mencionando como
crucial para a gestão da qualidade total: o processo ensino-aprendizagem. Eles
ajudam, ainda, a desfazer um dos maiores equívocos detectáveis no discurso por
vezes desenvolvido em torno da qualidade no ensino superior: a secundarização das
perspectivas dos estudantes. Na génese de um tal caminho estão razões várias e
não será possível elencar exaustivamente as mais prováveis e/ou verossímeis. Mas
uma se nos afigura mencionável: a tese segundo a qual os estudantes não estão
capacitados para emitir juízos apropriados acerca da qualidade do ensino que lhes é
ministrado. A presente investigação vai ao arrepio dessa ideia e sugere que ela só
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
239
pode continuar a ser sustentada se admitirmos que… também os diplomados e os
actuais professores carecem dessa capacidade!
Recebido para publicação em março de 2000.
THE UNIVERSITY TEACHER AS A GOOD CITIZEN: IN SEARCH OF QUALITY IN HIGHER EDUCATION
ABSTRACT: This paper extends previous research in the field of citizenship behaviors of university teachers (CBUT). It aims at showing how four dimensions of CBUT (participatory behavior, practical orientation, conscientiousness and courtesy) explain: a) the professional motivation and self-confidence of students; b) the way students evaluate teachers' performance. Previous data obtained from students and teachers samples are retaken, and a sample of graduates is added. The whole sample comprises 249 students (who described the behaviors of an actual teacher of their choice) plus 123 teachers and 209 graduates (who were invited to report the behaviors of a former teacher). The main findings are the following: a) students, teachers and graduates consider that the four behaviors of their (actual or former) teachers influenced significantly their own professional motivation and self-confidence; b) the three types of participants in the study attribute a high value to the four CBUT when evaluating the performance of their (actual or former) teachers. The consistency of these findings suggests that the CBUT can be an important source of quality in higher education, namely as for as the teaching-learning process is concerned.
Key words: Quality in higher education; Citizenship behaviors of university teachers; Self-confidence; Professional motivation.
REFERÊNCIAS
BAILEY, D. & BENNETT, J.V. The realistic model of higher education. Quality Progress, nov. 1996, p.77-79. [ Links ]
BRYMAN, A. & CRAMER, D. Quantitative data analysis for social scientists. London: Routledge, 1990. [ Links ]
BYME, B.M. Structural Equation Modelling with Lisrel, Prelis, and Simplis. London: Lawrence Erlbaum Associates, 1998. [ Links ]
ELLINGTON, H. & ROSS, G. Evaluating teaching quality throughout a university. Quality Assurance in Education, 2(2), 1994, p. 4-9. [ Links ]
FEIGENBAUM, A.V. Quality education and America's competitiveness. Quality Progress, September, 1994, p. 83-84. [ Links ]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
240
HACKMAN, J.R. & WAGEMAN, R. Total quality management: Empirical, conceptual and practical issues. Administrative Science Quarterly, 40, 1995, p. 309-342. [ Links ]
HANSEN, W.L. & JACKSON, M. Total quality improvement in the classroom. Quality in Higher Education, 2(3), 1996, p. 211-217. [ Links ]
HARVIE, P. & LEITER, M.P. Engagement in learning: Teacher behavior and student response. Paper presented at the 107th Annual Convention of the American Psychological Association, Boston, Massachusetts, 20-24 August, 1999. [ Links ]
HELMS, S. & KEY, C.H. Are students more than costumers in the classroom? Quality Progress, September, 1994, p. 97-99. [ Links ]
HINDLE, Tim. Como fazer comunicações. Livraria Civilização Editora, 1998. [ Links ]
HORINE, J.E., HAILEY, W.A. & RUBACH, L. Shaping America's future. Quality Progress, October, 1993, p. 41-60. [ Links ]
HORSBURGH, M. Quality monitoring in higher education: the impact on student learning. Quality in Higher Education, 5(1), 1999, p. 9-25. [ Links ]
JORESKOG, K. & SORBOM, D. Lisrel 8: Structural Equation Modeling with the Simplis Command Language. Scientific Software International, 1993. [ Links ]
KOH, W., STEERS, R., & TERBORG, J. The effects of transformational leadership on teacher attitudes and student performance in Singapore. Journal of Organizational Behavior, 16, 1995, p. 319-333. [ Links ]
MACKENZIE, S.B., PODSAKOFF, P.M. & AHEARNE, M. Some Possible Antecedents and Consequences of In-Role and Extra-Role Salesperson Performance. Journal of Marketing, 62, Jul. 1998, p. 87-98. [ Links ]
MARSH, H.W., HAU, K., CHUNG, C. et al. Confirmatory factor analyses of chinese students' evaluations of university teaching. Structural Equation Modeling, 5(2), 1998, p. 143-164. [ Links ]
MONTANO, C.B. & UTTER, G.H. Total quality management in higher education. Quality Progress, Aug. 1999, p. 52-59. [ Links ]
NETEMEYER, R.G., BOLES, J.S., MCKEE, D. et al. An Investigation Into the Antecedents of Organizational Citizenship Behaviors in a Personal Selling Context. Journal of Marketing, 61, 1997, p. 85-98. [ Links ]
NUNNALLY, J.C. Psychometric Theory. 2nd ed., New York: McGraw-Hill, 1978. [ Links ]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
241
ORGAN, D. Organizational Citizenship Behavior: The Good Soldier Syndrome. Lexington, MA: Lexington Books, 1998. [ Links ]
______. Organizational Citizenship Behavior - its construct clean-up time. Human Performance, 10(2), 1997, p. 85-97. [ Links ]
ORGAN, D.W. & PAINE, J.B. A new kind of performance for industrial and organizational psychology: Recent contributions to the study of organizational citizenship behavior. International Review of Industrial and Organizational Psychology, 14, 1999, p. 338-368. [ Links ]
ORGAN, D.W. & RYAN, K. A Meta-Analytic Review of Attitudinal and Dispositional Predictors of Organizational Citizenship Behavior. Personnel Psychology, 48, 1995, p. 775-802. [ Links ]
PESTANA, M.H. & GAGEIRO, J.N. Análise de dados em Ciências Sociais. Lisboa: Edições Sílabo, 1998. [ Links ]
PODSAKOFF, P.M., MACKENZIE, S.B., MOORMAN, R.H. et al. Transformational leader behaviors and their effects on followers' trust in leader, satisfaction, and organizational citizenship behaviors. Leadership Quarterly, 1(2), 1990, p. 107-142. [ Links ]
RACE, P. Quality for some? What about the rest? Quality Assurance in Education, 2(2), 1994, p. 10-14. [ Links ]
REGO, A. Ilustração empírica da pertinência da longitudinalidade - Cidadania docente versus desempenho dos estudantes universitários. Aceite para publicação nas Actas do Colóquio Metodologias de Investigação em Educação, Cidine, Instituto Politécnico de Castelo Branco, Portugal, 25-26 Jun. 1999. [ Links ]
REGO, A. & SOUSA, L. (1999a). Citizenship behaviors of university teachers and their impact on subordinates. Paper presented at the 57th Annual Convention of International Council of Psychologists, Salem, Massachusetts, 15-19 Augusto, 1999a. [ Links ]
______. Comportamentos de cidadania do professor: Sua importância para a comunidade escolar. Revista de Educação, VIII (1), 1999b, p. 57-63. [ Links ]
______. Impactos dos comportamentos de cidadania docente sobre os alunos universitários - A perspectiva dos estudantes e dos professores. Linhas Críticas 6(10), Universidade de Brasília, 2000, p. 9-30. [ Links ]
REIS, E. Análise de clusters: Um método de classificação sem preconceitos. Lisboa: ISCTE/Giesta, 1991. [ Links ]
ROWLEY, J. Measuring quality in higher education. Quality in Higher Education, 2(3), 1996, p. 237-255. [ Links ]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
242
SCHARGEL, F.P. Teaching TQM in a inner city high school. Quality Progress, Sept. 1994, p. 87-90. [ Links ]
SHEMWELL, D.J., YAVAS, U. & BILGIN, Z. Customer-service provider relationships: An empirical test of a model of service quality, satisfaction and relationship-oriented outcomes. International Journal of Service Industry Management, 9(2), 1998, p. 155-168. [ Links ]
SIRVANCI, M. Are students the true customers of higher education? Quality Progress, Octob. 1996, p. 99-102. [ Links ]
SKARLICKI, D.P. & LATHAM, G.P. Organizational citizenship behavior and performance in a university setting. Canadian Journal of Administrative Sciences, 12(3), 1995, p. 175-181. [ Links ]
SMITH, C., ORGAN, D., & NEAR, J. Organizational Citizenship Behavior: Its Nature and Antecedents, Journal of Applied Psychology, 68(4), 1983, p. 653-663. [ Links ]
STRINGER, M. & IRWING, P. Students' evaluations of teaching effectiveness: A structural modelling approach. British Journal of Educational Psychology, 68, 1998, p. 409-426. [ Links ]
VAN DYNE, L., CUMMINGS, L. L. & PARKS, J. M. Extra-role behaviors: In pursuit of construct and definitional clarity (a Bridge over Muddied Waters). In: L.L. Cummings & B.M. Staw (Eds.), Research in Organizational Behavior, vol. 17, Greenwich, Connecticut: JAI Press, 1995, p. 215-285. [ Links ]
YORKE, M. This way QA? Quality Assurance in Education, 5(2), 1997, p. 97-100. [ Links ]
YUKL. G. Leadership in organizations. 4th ed. Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice Hall, 1998. [ Links ]
ZABALZA, M. Coordenadas básicas para una docencia de calidad en la Universidad: Qué caracteriza la calidad de los docentes y la docencia universitaria. Conferência apresentada ao I Simposium Iberoamericano sobre Didáctica Universitária, Santiago de Compostela, 2-4 de dez. 1999. [ Links ]
ZBARACKI, M.J. The rhetoric and reality of total quality management. Administrative Science Quarterly, 43, 1998, p. 602-636. [ Links ]
* Secção Autónoma de Gestão e Engenharia Industrial da Universidade de Aveiro (Portugal). E-mail: [email protected]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
243
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
244
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO TECNOLÓGICO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
DE CONTADOR A PROFESSOR: A trajetória da docência no ensino superior de contabilidade
MARCOS LAFFIN FLORIANÓPOLIS, 2002
Esta tese de Doutorado foi examinada e julgada adequada para a obtenção do título de Doutor em Engenharia de Produção e aprovada na sua forma final pelo Programa de Pós-Graduação em
Engenharia de Produção da Universidade Federal de Santa Catarina.
VERSOS DE ORGULHO Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços ... - são os teus abraços dentro dos meus braços, - Via Láctea fechando o Infinito. Florbela Espanca DEDICATÓRIA Este trabalho carinhosamente se endereça e se entrega sem mistérios para: Hermínia, minha mulher Adriana, Nathália, Gustavo, meus filhos sempre presentes e em múltiplas gentilezas e afagos foram inseparáveis e irrenunciáveis na construção desta tese.
RESUMO
Este estudo teve como objetivo compreender os fundamentos epistemológicos da
organização do trabalho do professor de contabilidade no ensino superior. Para
alcançar esse propósito caracterizo a sua trajetória de formação e a sua inserção no
trabalho docente, assim como identifico as concepções epistemológicas e categorias
metodológicas do seu trabalho no ensino superior de Ciências Contábeis. A
questão central da tese buscou caracterizar quais são os componentes
epistemológicos do processo de ensino que organizam o trabalho do professor de
contabilidade no ensino superior. Para responder a essa questão decidi pela
abordagem qualitativa, mediante a qual tomo como referência os princípios
explicativos de Homem e Trabalho. Por meio desse eixo teórico enfatizo a
constituição do sujeito e a sua condição humana através de suas relações sociais,
históricas e culturais, declarando assim sua possibilidade omnilateral. A construção
da pesquisa empírica foi realizada em 04 (quatro) Instituições de ensino superior,
com 28 (vinte e oito) professores. Todos os professores pesquisados possuem
graduação em Ciências Contábeis e desenvolvem as atividades no ensino superior
em disciplinas do curso de Ciências Contábeis. Ao concluir o estudo sobre o trabalho
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
245
do professor de contabilidade no ensino superior, afirmo que ensinar exige
responsabilidade porque, para além do domínio de conteúdos específicos e de
saberes de formação humana, assim como de métodos adequados a promover
essas apropriações no contexto no qual está inserido, é preciso insistir na
solidariedade humana, na preservação do mundo humano. Essa sensibilidade
coletiva será visível nas atividades do professor de contabilidade quando, em seu
trabalho, configurar-se um entendimento crítico e emancipatório da categoria
trabalho.
1 INTRODUÇÃO
1.1 Exposição do Assunto
O ser humano é a um só tempo físico, biológico, psíquico, cultural, social, histórico.
Esta unidade complexa da natureza humana é totalmente desintegrada na educação
por meio das disciplinas, tendo-se tornado impossível aprender o que significa ser
humano. É preciso restaurá-la, de modo que cada um, onde quer que se encontre,
tome conhecimento e consciência, ao mesmo tempo, de sua identidade complexa e
de sua identidade comum a todos os outros humanos (MORIN, 2000, p.15).
O contexto sócio-político-econômico e cultural no qual a sociedade contemporânea
assenta suas ações encontra-se complexificado de incertezas e de provisoriedades
em face da emergência de novos conhecimentos e novos procedimentos do homem,
os quais se intensificam e acabam por afetar o conjunto da sociedade humana. No
conjunto complexo das relações humanas é preciso ressignificar o homem em sua
condição humana para que, no contexto da sua condição, seja possível enfrentar o
desafio que se coloca a todas as instituições, ao mesmo tempo em que se coloca a
todos os homens.
Na identidade desse contexto, as organizações buscam reorganizar suas estruturas
tanto de gestão quanto produtivas por meio da coesão organizacional. No entanto,
para essa reorganização, faz-se necessário superar o entendimento reducionista do
homem concebido apenas como técnico na organização. As variáveis de incertezas
e novos conhecimentos requerem a inclusão da totalidade do homem na
organização para que este possa contribuir e se constituir em sua
multidimensionalidade. Integrar o homem no espaço da organização, na busca do
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
246
significado pleno, ultrapassa os limites de uma disciplina na educação, mas requer a
consciência de produzir o ser unidade.
Assim, na conexão dos diversos microssitemas da estrutura organizacional, a
contabilidade, como uma área do conhecimento que lida com o objeto patrimonial
em âmbito econômico e financeiro, deve integrar-se de forma substancial à dinâmica
organizacional, contribuindo para a proposição de alternativas, para a
competitividade e para a continuidade da organização na realização de sua missão.
Também nesse contexto faz-se necessária a revisão dos pressupostos teóricos que
orientam a dinâmica organizacional, na busca de superar modelos rígidos e
insubstanciais na relação capital-trabalho.
Dessa forma, para resolver situações-problemas no âmbito das organizações,
transformando-as em situações de criatividade e assim viabilizar respostas às
exigências
imediatas e também de longo prazo, como também de, simultaneamente, otimizar e
incorporar conhecimentos ao produto de sua atividade, é preciso uma nova
concepção de sujeito na organização da vida associada. Nesse sentido, ao se
requerer do profissional da contabilidade um entendimento amplo do contexto social
em que se insere, bem como da concepção de mundo que assume na produção de
seu trabalho, faz-se necessário instrumentalizá-lo nas condições concretas de sua
existência. Por conseguinte, ao articular o conjunto dessas relações e ao
compreender tais condições, o profissional da contabilidade poderá realizar nas
múltiplas dimensões do seu trabalho o processo inesgotável de constituição do
homem também como sujeito histórico.
O processo de apropriação e construção de novos conhecimentos para desenvolver
novas práticas sociais tem evidenciado a discussão do tema da formação nas mais
diferentes áreas da produção humana. Os procedimentos de especialização para
alguns tipos de trabalho têm se constituído como indispensáveis para o exercício da
atividade e se configurado como formação continuada.
No âmbito do ensino superior de Ciências Contábeis, cujo currículo, estabelecido
pela Resolução 03/92 do CFE, está organizado predominantemente com as
contribuições dos conhecimentos das ciências sócio-econômicas, os problemas
mais amplos do mundo real são sublimados, ficando circunscritos à reflexão e à
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
247
resolução de problemas somente no que se refere aos aspectos imediatos à
organização. Esse fato tem contribuído para inibir a reflexão da ação no cotidiano da
atividade de ensino, não favorecendo a articulação desses conhecimentos com o
conjunto das relações sociais. As questões didático-pedagógicas, como
preocupações teórico-práticas que possibilitam a reflexão das ações do dia-a-dia no
processo ensino-aprendizagem, ainda não são tomadas como fundamentais nesta
área de ensino. Neste contexto, as teorias da educação, assim como as
contribuições da sociologia, da psicologia e da filosofia apresentam-se como
descoladas da realidade da formação do professor de contabilidade. Este fato, a ser
evidenciado pela pesquisa, contribui para que a sua percepção de mundo, de sujeito
e do fenômeno educativo fique restrita ao conjunto dos limites de sua formação. As
contribuições das ciências humanas são vistas por estes, na maioria das vezes, de
forma desintegrada da análise dos fenômenos sociais.
Nas últimas décadas, marcadas sobretudo pela internacionalização da economia, as
organizações estão restringindo a ocupação de cargos e funções à formação
especializada, exigindo competências e habilidades para as mais diferentes
atividades. Mediante essas constatações, este estudo, ao discutir a formação do
professor de contabilidade, poderá contribuir para a visualização do ensino da
contabilidade como mediador entre a nova base da realidade social e as exigências
de profissionais especializados para atuarem na gestão dos negócios da
organização, assim como na operacionalização da produção de bens e serviços.
Em nossa cultura, a formação e a especialização do bacharel em ciências contábeis
são certificadas pelo processo de escolarização. Assim, ao educar o cidadão,
princípio primeiro da universidade, esta deveria nortear também as relações de
proximidade entre as necessidades do contexto social e a construção de
conhecimentos para práticas sociais de inclusão. No entanto, a inter-relação entre
educação e trabalho na área da contabilidade muitas vezes tem se restringido à
transmissão dos conhecimentos contábeis com ênfase no tecnicismo associado aos
conteúdos mecanicistas, moldando a formação do profissional da contabilidade nos
moldes da racionalidade técnica.
Refletir sobre o trabalho do professor de contabilidade como atividade social implica
o comprometimento com a melhoria desse nível de ensino. Requer, ainda,
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
248
reconhecer o percurso dessa formação visando contribuir para uma trajetória de vida
pessoal e profissional que identifique o professor como sujeito de saberes que o
constitua pelo estatuto da profissão de professor, compreendendo-se como sujeito
de intervenção e, dialeticamente, como capaz de repensar-se e de refazer-se, o que
é próprio da incompletude da natureza humana, na parcialidade dos seus saberes.
A formação do professor de contabilidade implica, portanto, a dimensão e a
proposição de práticas pedagógicas com caráter inovador que permitam a
apropriação do seu trabalho por meio da reflexão das suas ações. Reflexão que
possibilitará a reconstituição de teorias e práticas, associando-as aos procedimentos
de crítica, criatividade e autonomia na apreensão da realidade circundante, para a
promoção de uma educação entendida como prática social no contexto dos arranjos
sociais que se efetivam. Não se cogita o afastamento da formação técnica
específica; pelo contrário, supõe-se agregar a esses fundamentos um referencial
mais amplo para a formação do contador. Logo, discutir a formação do professor de
contabilidade implica detectar os atuais problemas nos quais o conhecimento
contábil exerce fator de responsabilidade social como participante na busca de
alternativas.
Assim, a formação do professor de contabilidade deverá articular o que é próprio da
função docente com a realidade do trabalho da contabilidade, possibilitando que
situações de trabalho se convertam simultaneamente em situações de formação.
Tais articulações deverão tornar possível a extensão das dimensões da gestão do
conhecimento contábil para abranger as mudanças que ocorrem em contextos
históricos.
Dessa forma configura-se a natureza substancial da função do professor de
contabilidade - a de ensinar - por meio dos atributos essenciais do conhecimento
contábil, como uma prática social de intervenção, cujas ações em favor da ética
serão fortalecidas e influenciadas pela apropriação humanizadora da cultura e do
contexto histórico no qual estas se inserem.
1.2 Discussão do tema e do problema
No contexto atual, qual o significado de discutir e estudar a formação do professor
de contabilidade?
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
249
Quando dizemos professor, estamos dizendo profissão, atividade, trabalho, e
quando dizemos formação do professor, pensamos a profissão, a atividade, o
trabalho, os sujeitos.
Marx disse que, transformando o mundo, os homens se transformam a si mesmos.
Não modificaremos substancialmente o seu pensamento se alterarmos a sua frase e
afirmarmos agora que não podemos transformar o mundo se, ao mesmo tempo, não
nos transformarmos a nós mesmos (HELLER, 1992, p.117).
A questão, na atualidade, parece requerer um novo sentido para a transformação de
nós mesmos como pertencentes ao gênero humano. A percepção de que o homem
não é ou isto ou aquilo nos remete a sua origem, à antropologia cultural já discutida
pelos filósofos da antigüidade: o homem é monista. Ao assumirmos essa
perspectiva, afirmamos que o homem, na sua unidade, constitui a sua
multidimensionalidade. Nesse entendimento, pensar a formação do professor de
contabilidade é pensar o sujeito, a realidade do seu trabalho, as suas condições
materiais e subjetivas, a sua individualidade, todo o seu contexto, enfim, a história
de sua constituição num mundo transitório.
A vida do ser humano contemporâneo situa-se num universo complexo. Questões
da sua subjetividade particular e coletiva, tal qual a sua origem e o seu destino,
complexificam a sua constituição objetiva. Cada ser humano é único e precisa ser
compreendido em sua unicidade, que se forma através de uma construção histórica
e coletiva e que se faz na sua individualidade e na sua identidade dialética
relativizada na sociedade que o constituiu.
O existir do ser humano, no dia-a-dia das suas relações sociais, está
contextualizado em uma sociedade que contém situações adversas à sua natureza.
Em suas diferentes ações, esse ser genérico não se separa de seu pensamento,
das suas crenças, dos seus saberes. Esse ser, que em essência é maior do que seu
contexto, necessita ser compreendido para além de sua natureza social. Entendê-lo
apenas como ser social significa, no modelo da sociedade vigente, reduzi-lo às
condições materiais de sua existência. No âmbito da materialidade, o ser humano
busca circunscrever sua identidade à posse das suas condições, que constituem a
sua multidimensionalidade. Uma dessas dimensões está configurada no seu
trabalho, nas suas atividades, na sua ocupação, e é por meio delas que, em
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
250
diferentes práticas sociais, busca sempre processos de interação com outros
sujeitos e com outros saberes.
Ao discutir a formação do professor de contabilidade, não estamos nos referindo a
algo não existente, não estamos abstraindo uma realidade para pensar sua
concretude, estamos compreendendo-o como ser genérico que sofre as influências
do ambiente e ao mesmo tempo em que o modifica alterando as suas relações em
busca de significados para sua vida.
Significados atingidos pelo acesso a um saber que lhe permita, por um lado,
conhecer as relações sociais que determinam seu modo de vida, sua concepção de
mundo, sua consciência e, por outro, participar ativamente do processo de
construção da sociedade através do trabalho e da participação política (KUENZER,
1988, p. 105).
O trabalho é uma das dimensões que permitem ao homem conhecer as relações
sociais que interferem na constituição de sua consciência.
Na atualidade, a problemática mais instigante que faz o ser humano perder a
sincronia com a sua realidade imediata - a maneira de prover a sua existência -
decorre do avanço da ciência que se instala no mundo produtivo, provocando não
apenas a perda da sua estabilidade subjetiva-e-material, mas também a expansão
da sociedade marginalizada pela suspensão dos direitos humanos conquistados
através de lutas históricas. Neste contexto complexo e de insegurança social estão
os avanços dos meios de comunicação, que podem gerar constantes mudanças na
aplicação do capital financeiro em diferentes nações. Os processos microeletrônicos
e novas bases tecnológicas alteraram substancialmente os processos produtivos,
trazendo exigências de novos conhecimentos e competências para a vida produtiva.
As descobertas de base microbiogenética submetem as crenças e valores a novos
modelos de homem e de ética humana. O conjunto dessas transformações e a
rapidez com que ocorrem produzem enormes conseqüências na vida humana
individual e coletivamente.
É preciso, todavia, relativizar os conhecimentos produzidos pela ciência no que
concerne à muldimensionalidade do ser humano, uma vez que hoje é transferida
para a ciência a condução das condições de vida da sociedade. Essa situação
decorre em função de que encontramo-nos num estágio da evolução histórica em
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
251
que são desqualificados os saberes não científicos e não técnicos; o poder e a
autonomia da ciência já se encontram tão bem assegurados que ela procura até
mesmo erigir-se em juiz de moral (JAPIASSU, 1991, p. 13).
A compreensão do conhecimento, de como ele é produzido, a quem se destina e a
maneira como é socializado, bem como as mudanças que provoca na vida das
pessoas devem constituir procedimentos de análise crítica nas ações do professor
de contabilidade, pois a concepção que ele tem do conhecimento ultrapassa o
âmbito da aula e dos conteúdos contábeis específicos e vai interferir na constituição
de sujeitos e de subjetividades humanas.
Essas revoluções no conhecimento, nas formas de compreendê-lo e nas maneiras
de produzi-lo contribuíram para indiciar o surgimento de novos paradigmas
científicos e permitir que a ciência moderna, ao romper com as verdades absolutas,
abra perspectivas de novas alternativas para intervenções no real e na busca de
respostas aos desafios e dicotomias da própria ciência. Contudo, o desenvolvimento
das ciências traz consigo a contradição dos seus processos que atinge de forma
imediata a condição humana. É para essas contradições, que se configuram, na
forma de dificuldades de organização do trabalho e conseqüente perda de
consciência dos direitos sociais colocados pelo novo paradigma técnico-científico,
que se fazem necessárias alternativas de não neutralidade para a inclusão do ser
humano nesse universo complexificado.
As bases tecnológicas da nova produtividade, ao serem implantadas no mundo
produtivo, além de alterarem o universo do trabalho, modificam as políticas públicas,
econômicas, sociais e culturais da sociedade, trazendo em seu bojo exigências de
novos conhecimentos e novas competências para os objetivos da natureza imediata
do ser humano.
Por conseguinte, a continuidade da reflexão, da ação e da participação na
superação dos desafios da exclusão que concentramos na perspectiva da formação
do professor de contabilidade possibilita um movimento de transformação da
realidade a partir da sua consciência de mudança. O sentido da modificação está,
portanto, no sentido da mudança própria do ser e de relativizar o mundo, que pode
ser desenvolvido com base no pressuposto do bem comum e no contexto de
movimentos de educadores, entendidos como forças ativas, mobilizadoras de
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
252
práticas e idéias. Coletivos que busquem em sua própria prática profissional dar
sentido ao seu trabalho, expressar publicamente tais motivações e as formas pelas
quais o ensino escolar se encontra preso em conflitos que nem sempre são
educativos, ainda que se protejam sobre o ensino (CONTRERAS, 1999, p. 97).
Compreender as mudanças e ao mesmo tempo incorporá-las criticamente para dar
sentido ao seu trabalho pressupõe a formação do professor de contabilidade para
além das exigências do domínio das técnicas do saber contábil. Ele precisa saber
relacioná-las no contexto de constituição de múltiplos sujeitos por meio de sua
prática profissional de ensino.
As exigências de qualificação para o trabalho implicam novos processos de
formação do ser humano, uma vez que exigem novos conhecimentos, novas
competências e habilidades para gerir programas, processos e tecnologias, assim
como para administrar a nova base produtiva. Também as mudanças nas políticas
econômicas alteram significativamente a vida produtiva e as condições sociais e
culturais, requerendo das instituições a compreensão dos fatores que interferem e
concorrem para produzir mudanças em suas formas de organização e na
legitimidade da formação do ser humano.
Na sociedade atual, as universidades, também entendidas como instituições
culturais de formação, não promovem um processo de ensino e de formação para
atender às demandas da sociedade e de novos conhecimentos com a mesma
intensidade e rapidez das mudanças do mundo moderno e objetivo. Não obstante,
não ignoramos que os contextos atuais da sociedade são demarcados por sua
centralização no mercado, condição que implica determinantes na
multidimensionalidade do ser humano e isto nos impõe dizer que não nos pertence
apenas essa denúncia, mas também o estudo de alternativas possíveis, sobre como
lidar com os conhecimentos e com os diferentes processos democráticos que
contemplem a inclusão do ser humano no seu universo histórico e em sua
multidimensionalidade.
A educação, como uma instância cultural, busca inserir o sujeito no processo de
apropriação da cultura humana. Assim, na sua existência, os sujeitos transmitem os
seus costumes, as suas normas, as suas crenças e os seus valores para o convívio
social. Como construção cultural, a educação escolar objetiva, por processos de
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
253
ensino-aprendizagem, transmitir ao ser humano conhecimentos sistematizados para
que, de posse dos mesmos, constitua-se em sujeito histórico e cultural.
No espaço social da instituição escolar, os conhecimentos produzidos pela ciência
são recortados como saberes escolares e, ao serem convertidos em disciplinas ou
programas de ensino, assumem-se como uma maneira de transmissão dessa
produção. Os conhecimentos são repassados no interior da universidade como
conteúdos curriculares, que, por sua vez, são transferidos para a prática pedagógica
configurando objetivos do trabalho docente. O reconhecimento desses fatos implica
intervenções através de estudos e pesquisas para que os conhecimentos produzidos
pela humanidade fortaleçam a sua existência e garantam ao ser humano um
processo de apropriação das transformações que ocorrem no mundo e que se
corporificam em novos conhecimentos e novas exigências.
O espaço institucional não pode ser visto apenas como um espaço de rigor
acadêmico, de conhecimento científico, de espaço pronto e acabado. O espaço
institucional deve constituir-se, também, por meio da prática e da ação do professor,
como um espaço para o sonho, para a utopia, porque o espaço do sonho e da utopia
é o espaço fértil para o novo, para a concretização do que é sonho. É nesse espaço
que se encontram as possibilidades do devir, do que ainda não é.
O sonho pela humanização, cuja concretização é sempre processo, e sempre devir,
passa pela ruptura das amarras reais, concretas, de ordem econômica, política,
social, ideológica, etc., que nos estão condenando à desumanização.
O sonho é assim uma exigência ou uma condição que se vem fazendo permanente
na história que fazemos e que nos faz e re-faz. Nem uma nem outra, humanização e
desumanização, são destino certo, dado, sina ou fardo (FREIRE, 1992, p. 99).
No horizonte político das rupturas e sem ser neutro na esperança, acredito que a
apropriação de diferentes práticas de trabalho por parte do professor lhe permitirá
formas de comunicação mais amplas entre as relações sociais e o conhecimento
contábil.O professor, não sendo apenas alguém que executa as atividades de
ensino, mas ao se constituir como sujeito histórico, faça a análise crítica e reflexiva
de suas atividades, busque conhecer diferentes concepções do processo ensino-
aprendizagem, e assim, capaz de apropriar-se, de sistematizar e de organizar uma
concepção ampliada do conhecimento contábil e sua aplicabilidade, visualize novas
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
254
alternativas de organização curricular. Práticas de trabalho diferentes da mera
execução, ao serem concebidas e internalizadas pelo professor podem ampliar
diferentes maneiras de lidar com o objeto, método e conteúdo de seu trabalho, e por
conseguinte, na sua maneira de ser, de estar e de intervir no mundo humano que
cotidianamente está sendo feito e refeito pela condição humana.
No campo das ciências e na sua divisão, a contabilidade, como um campo de
conhecimentos, está classificada como uma ciência sócio-econômica. Essa
classificação decorre de ter como objeto de trabalho e produção cultural o patrimônio
das diferentes entidades. Os conhecimentos produzidos pela cultura contábil, suas
práticas em atividades organizacionais e confluentes para a sociedade, são,
invariavelmente, como nas demais áreas, convertidos em práticas escolares as
quais são retransmitidas por processos de ensino-aprendizagem.
A contabilidade, como área de saber, comporta teorias e técnicas nas quais possui
domínio de competências construídas sobre seu objeto. Assim, Uma disciplina pode
ser definida como uma categoria organizadora do conhecimento científico: ela institui
a divisão e a especialização do trabalho e responde à diversidade dos domínios que
recobrem as ciências. Ainda que esteja englobada dentro de um conjunto científico
mais vasto, uma disciplina tende naturalmente à autonomia pela delimitação de suas
fronteiras, pela linguagem que ela constitui, pelas técnicas que ela é levada a
elaborar ou a utilizar e, eventualmente, pelas teorias que lhe são próprias. Assim,é,
por exemplo, com a biologia molecular, a ciência econômica ou a astrofísica
(MORIN, 2000, p. 65-66).
No dia-a-dia, o saber contábil é manipulado por diferentes sujeitos a partir de
diferentes atividades. O bacharel em Ciências Contábeis, que atua em atividades
indiretas à contabilidade, possui um entendimento e lida com determinadas noções
do conhecimento contábil na relação com a produção de suas atividades. O
contador, que atua nas organizações públicas ou privadas e que desenvolve
atividades diretamente ligadas à contabilidade, utiliza conhecimentos contábeis
técnico-gerenciais mais abrangentes, que dão suporte às decisões organizacionais.
Já o professor de contabilidade lida de forma diferente com o saber contábil, porque
o produto do seu trabalho, que decorre, também, do conhecimento contábil, é
diferente do produto de outras atividades que demandam conhecimentos da área.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
255
Os trabalhos desenvolvidos pelos diferentes usuários da contabilidade perpassam
por um delineamento e por uma execução passíveis de rotinas, de visualização em
valor de uso e finalidade, como também da possibilidade de se reconhecerem
naquilo que produziram.
Mas a educação não se resume à transmissão desses conhecimentos; uma pessoa
de posse de tais instrumentos ainda não está apta a relacionar-se com o mundo e
com a sociedade de maneira plena, autêntica e satisfatória: falta-lhe ainda uma
postura diante da realidade, uma forma de utilizar esses aparelhos, uma
personalidade definida (GALLO, 2000, p. 19).
Para educar na perspectiva da multidimensionalidade humana, o professor de
contabilidade deverá conceber que suas ações devem ultrapassar os limites da
transmissão de conteúdos contábeis e a sua relação com outras áreas do saber. A
maneira como age em relação aos seus alunos no processo ensino-aprendizagem e
o posicionamento que assume diante da realidade social são maneiras de manter
em movimento sua concepção de mundo e de sujeito a que os alunos são
chamados a participar, extrapolando o âmbito da aula e ampliando-se para as
demais relações sociais.
No entanto, para além desses aspectos delineados e de ser inquestionável o valor
social da sua atividade, o que difere o professor de contabilidade dos demais
usuários do conhecimento contábil é o tipo de trabalho que realiza: o trabalho
pedagógico. O formato que assumem as atividades do professor de contabilidade é
diferente daquele realizado pelo contador. Enquanto para o contador existe uma
rotina de normas e aspectos legais, de procedimentos para registro e controle do
patrimônio administrado, de um resultado objetivado decorrente de atos e fatos
administrativos do contexto específico das organizações, para o professor de
contabilidade, além de toda essa formatação do trabalho, existe ainda a formação do
sujeito que irá reunir, num contexto específico e pela prática social, suas
concepções de homem e de sociedade.
Para articular os diversos saberes que estruturam o trabalho do professor, no qual o
processo de ensino configura-se como produto de seu trabalho, é preciso pensar,
no âmbito da sociedade e do sistema de ensino superior, a prática pedagógica que
será utilizada pelo professor de contabilidade.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
256
Nessa tese, discutirei o trabalho do professor de contabilidade, buscando elementos
para um processo de formação continuada que contribua para a reflexão e
construção de uma prática pedagógica.
No caso do presente estudo, que tem como tema a formação do professor de
contabilidade e a abordagem sobre as exigências no contexto de transformações, o
enfoque da pesquisa está centrado no sujeito professor de contabilidade, decorrente
do entendimento de ser ele o mediador entre os conhecimentos produzidos em sua
área de atuação e a prática pedagógica determinada por um contexto histórico-
social.
Nesse sentido, impõe-se ao professor de contabilidade, na organização da sua
prática, fazer a opção por conteúdos, por métodos e por objetivos que pretende
alcançar, sem o que não produzirá os conhecimentos sobre os quais fundamenta o
seu trabalho. Dessa forma, o professor de contabilidade necessita ter uma
compreensão epistemológica sobre conteúdos, métodos e objetivos, assim como
das ações de intervenção para mediar a transformação social através do seu
trabalho. Para essa transformação social o entendimento da categoria trabalho é
fundamental para que a prática do professor de contabilidade explicite não apenas a
maneira de lidar com o conhecimento de sua área, mas sobretudo com a sua
concepção quanto à formação dos sujeitos e da sociedade que produzirá por meio
de seu trabalho.
Assim, a prática pedagógica do professor de contabilidade, coerente com ações de
responsabilidade social, precisa ser apropriada na categoria trabalho como uma
atividade singular que esteja expressa nas relações sociais. Para tanto, essa prática
requer ser compreendida e inserida no seu contexto para que se possa visualizar as
possibilidades de intervenção, por meio da educação, em práticas pedagógicas e em
seus processos de formação, face às necessidades de enfrentamento das
mudanças globais e da contextualização histórica dos sujeitos.
Portanto, ao reiterar as diferentes formas de trabalho humano, assim como a sua
dimensão nas organizações contemporâneas, e ao participar das discussões que
buscam construir novos entendimentos e novas competências sobre o sujeito em
seus diferentes contextos, apresento como substancial a formação do professor de
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
257
contabilidade. Também essa formação busca configurar novo significado aos
componentes do processo de ensino.
Logo, as aprendizagens, os conteúdos, os métodos, o professor, o aluno, entre
outros componentes constitutivos do ensino necessitam de um novo entendimento
sobre seus objetivos na relação com o outro e na compreensão dessa relação.
No conjunto das reflexões desenvolvidas e na busca de respostas que fundamentem
a organização do trabalho do professor de contabilidade, o meu estudo tem como
questão norteadora caracterizar:
Quais são os componentes epistemológicos do processo de ensino que
organizam o trabalho do professor de contabilidade no ensino superior?
Ao desenvolver as atividades de ensino, o professor mantém um diálogo com seus
alunos e reflete criticamente sobre os conteúdos curriculares que seleciona. Esse
diálogo pressupõe a manifestação, por parte dos alunos, de saberes prévios ou em
vias de apropriação em relação aos conteúdos propostos pelos quais deve ocorrer a
mediação do professor. O processo ensino-aprendizagem dos conhecimentos
sistematizados não é algo pronto e natural, contido como semente em cada ser
humano, mas um processo que se constitui de múltiplos componentes do
conhecimento e seus vínculos com a condição humana. Nesse sentido, aquilo que é
fundamental na composição de sistemas visando a explicar suas relações culturais,
configuram-se como componentes epistemológicos do processo de ensino que
organizam o trabalho do professor de contabilidade no ensino superior. Nesse
estudo os componentes epistemológicos são o aluno, o professor, o currículo, as
metodologias, o ensino, a aprendizagem, a avaliação, a universidade.
Portanto, para discutir a formação do professor de contabilidade, mediante a
questão norteadora, parto do entendimento de que: o trabalho educativo é o ato de
produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é
produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Assim, o objeto da
educação diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que
precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se
tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas
mais adequadas para atingir esse objetivo (SAVIANI, 1997, p. 17).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
258
A identificação dos elementos culturais diz respeito aos conteúdos selecionados e
como o professor os relaciona, de forma estática ou superada, com os
conhecimentos historicamente produzidos. A seleção de conteúdos envolve a
concepção que o professor tem do processo ensino-aprendizagem e sua concepção
de sujeitos. Portanto, o ensino-aprendizagem e os alunos constituem-se como
componentes do processo de ensino e que norteiam a organização da prática
pedagógica do professor.
A prática pedagógica consiste em todas as ações que objetivam a aula, ações que
definem uma postura política diante do mundo, dos sujeitos com os quais trabalha e
dos conhecimentos que socializa. Saberes estes que assumem o caráter de
desenvolver as habilidades e de formatar técnicas para executar alguma atividade.
Entretanto, por meio dos conteúdos também é possível transmitir e construir valores
éticos e de compreensão da vida e da constituição dos sujeitos para um desenho de
sociedade que dê significados ao gênero humano.
As condições concretas de cada indivíduo deverão ser compreendidas pela ação
educativa, que é direta e intencional, mediando a apropriação de elementos culturais
produzidos pela coletividade. Por ser direta e intencional é que se configura a
organização do trabalho do professor e suas ações no ensino.
Deste ponto de vista, tenho como objetivo geral neste estudo:
Compreender os fundamentos epistemológicos da organização do trabalho do
professor de contabilidade no ensino superior.
A compreensão dos fundamentos do trabalho do professor de contabilidade tem
como objetivos específicos (1) caracterizar a trajetória de formação e da sua
inserção como professor de contabilidade no ensino superior; (2) identificar as
concepções epistemológicas e as categorias metodológicas do trabalho pedagógico
do professor de contabilidade no ensino superior.
A proposição deste estudo fundamenta-se no fato de que, ao pensar alternativas de
formação continuada para o professor de contabilidade, tal formação seja
compreendida como elo entre educação e prática social no ensino superior e
também pelo fato de que:
Os professores não produzem o conhecimento que são chamados a reproduzir, nem
determinam as estratégias práticas de ação. Por isso, é muito importante analisar o
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
259
significado da prática educativa e compreender as suas conseqüências no plano da
formação de professores e do estatuto da profissão docente (NÓVOA, 1995, p. 68).
Ao propor este estudo, entendo que a atuação do professor de contabilidade deverá
ocupar-se de um espaço no qual seja capaz de explicitar as maneiras como ensina e
como relaciona os saberes com os quais trabalha com as demandas mais
abrangentes da realidade social.
1.3 Justificativa para a escolha do tema
1.3.1 O Contador nas Organizações: um novo contexto
O universo sofre processos de mutação. Tais mudanças ocorrem pelo movimento
próprio dos fenômenos da natureza, mas também pela intervenção do homem sobre
a natureza. Os processos de mudança são, portanto, de caráter atemporal, quando
relacionados à natureza, e têm o caráter de dimensões históricas, quando da
intervenção do homem sobre a maneira de produzir e de organizar a sua vida.
No universo das organizações, uma maneira predominante e complexa, de o homem
produzir e organizar a sua vida, o fenômeno de maior impacto que tem provocado
mudanças em diferentes níveis é denominado globalização. A globalização pode ser
considerada como uma totalidade de fenômenos colocados em movimento pela
cultura da civilização humana e que, no estágio atual, assume a sua dimensão
concreta através dos avanços tecnológicos, da estruturação política, do
desvelamento de culturas, do ordenamento econômico e do agir social. Esses
fenômenos sempre estiveram presentes na história da civilização humana; no
entanto, o que os diferencia de outros contextos no estágio atual é a rapidez do
impacto que causa sobre a vida das pessoas e das organizações.
No que se refere ao universo das organizações, os avanços e as mudanças
caracterizam-se pelos instrumentos e maneiras de organizar a gestão administrativa
e a gestão produtiva. As organizações que já atuavam com base em tecnologias
necessitam agora, além da contínua implementação tecnológica, ampliar seu
processo de gestão e produção com base em conhecimentos produzidos na era
global de novos conhecimentos e de informações.
As organizações, no modelo de sociedade vigente, mais que permanecer no
mercado global e concorrencial, precisam ser competitivas no ramo em que atuam
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
260
para potencializar novas e exigentes demandas, não somente do universo
consumidor, mas sobretudo das exigências do capitalismo, o que implica a
constante manutenção dos itens de qualidade, custos e dos aspectos diferenciais
em seus bens e serviços.
Dessa maneira, as novas formas de organizar a produção implicam
conseqüentemente em novos desenhos organizacionais, entre os quais os modelos
de organização e gestão do trabalho. Na contemporaneidade, os novos modelos de
gestão do trabalho surgem das mudanças ocorridas na base técnica de produção.
Mudanças que vão sendo articuladas com o conceito de internacionalização da
economia e que, por sua vez, demandam novas estratégias de competitividade. No
capitalismo, em especial na reestruturação produtiva, a articulação entre as formas
de organização do trabalho e as novas tecnologias intensifica o uso da força de
trabalho e desta forma ajuda a responder às novas demandas dos desenhos
organizacionais modelados para a competitividade.
A característica da organização competitiva decorrente do cenário globalizado é a da
organização flexível, que tende a ser caracterizada por unidades de negócios, nas
quais visualizam-se cadeias produtivas com potencial de geração e distribuição de
riquezas e têm como perspectiva a transição para a construção de um novo modelo
de sociedade.
Estamos testemunhando o desmoronamento da hierarquia, uma gradual substituição
da ênfase burocrática na ordem, na uniformidade e na repetição, por uma ênfase
empresarial na criatividade e na execução de acordos. Mas, ao mesmo tempo,
estamos também assistindo ao surgimento de novos dilemas sociais com a chegada
dessa mudança (KANTER, 1997, p. 66).
Um dos dilemas colocados para as organizações refere-se ao perfil de um
trabalhador capaz de compreender os processos de gestão e de produção e assim
lidar com as novas tecnologias. Um trabalhador que seja polivalente, criativo, com
competências e habilidades que possibilitem à organização aprendizagens
contínuas, demanda uma formação plena, abrangente e não fragmentada, que
considere o homem como sujeito histórico, crítico e participante do cotidiano. Esse
novo trabalhador não se produz na mesma dinâmica em que são produzidas as
novas tecnologias.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
261
Segundo Kuenzer, Esta nova realidade exige novas formas de mediação entre o
homem e o conhecimento, que já não se esgotam no trabalho ou no
desenvolvimento da memorização de conteúdos ou formas de fazer e de condutas e
códigos éticos rigidamente definidos pela tradição taylorista/fordista, compreendida
não só como forma de organização do trabalho, mas da produção e da vida social,
enquanto paradigma cultural dominante nas sociedades industriais modernas
(KUENZER, 2000, p. 19).
Também neste contexto, penso ser desejável que o contador tivesse uma formação
crítica, que permitisse superar a formação fragmentada e assim contribuir para o
desenho de um novo modelo de sociedade.
Na contradição existente entre uma nova organização do processo de trabalho e um
trabalhador polivalente, situa-se como demanda do capitalismo contemporâneo a
superação de formas fragmentadas de educação, que baseadas no modelo
taylorista-fordista, atava o trabalhador a uma e exclusiva ocupação parcelarizada por
toda a sua vida. Impõe-se, agora, como necessidade do próprio capital, substituir
esse trabalhador taylorista-fordista pelo trabalhador polivalente, trabalhador
multitarefa ou chamado trabalhador flexível. A contradição situa-se porque ao
mesmo tempo em que o desenvolvimento capitalista recoloca a demanda da
dimensão de totalidade para superar a dimensão fragmentada, intensifica e
precariza o trabalho por meio do desemprego estrutural, inviabilizando desta forma a
retomada de totalidade.
Ainda segundo Kuenzer, a qualificação profissional passa a repousar sobre
conhecimentos e habilidades cognitivas e comportamentais que permitam ao
cidadão/produtor chegar ao domínio intelectual da técnica e das formas de
organização social de modo a ser capaz de criar soluções originais para problemas
novos que exigem criatividade, a partir do domínio do conhecimento (KUENZER,
2000, p. 20).
No espaço dessa contradição suponho que o trabalho do contador pudesse ser
substantivo e não meramente instrumental no sentido da superação das estratégias
de formação do profissional polivalente para a acumulação flexível e ao mesmo
tempo tomar essa recomposição de totalidade polivalente no sentido da superação
das condições de exploração desse trabalhador.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
262
A polivalência como decorrente da valorização do capital busca superar a formação
fragmentada, mas para o capital, retomá-la na dimensão de totalidade é muito
perigoso, porque não pode se dar para a totalidade dos trabalhadores e, assim,
quanto mais a produção flexível exclui o trabalhador do processo de trabalho, mais
inviabiliza uma formação flexível para a maioria dos trabalhadores. Assim, ao
mesmo tempo em que é viabilizada a polivalência, também dessa forma se impede e
se inviabiliza a categoria totalidade. O papel do ensino crítico da contabilidade é
usar esse espaço de contradição para aprofundar as possibilidades de superação
desse modo de produção excludente.
Outro desafio posto às organizações consiste na busca de maneiras de articular a
realização de seus objetivos com novas formas da estrutura organizacional. Superar
as formas da organização burocrática não quer dizer eliminar o modelo burocrático,
mas sim pensar alternativas para a gestão organizacional ao novo contexto,
considerando as experiências construídas culturalmente.
Uma vez que no presente estágio histórico é inconcebível que qualquer sociedade
venha jamais a ser capaz de descartar completamente as atividades de natureza
econômica, certo grau de hierarquia e coerção será sempre necessário para a
ordenação dos negócios humanos, como um todo. No âmbito de seus respectivos
enclaves, as economias burocratizadas podem-se tornar mais produtivas para seus
membros e para os cidadãos em geral (RAMOS, 1989, p. 150).
Pelo visto, o contexto atual é um contexto concorrencial e de desafios constantes. A
dinâmica dos processos de comunicação exige agilidade e otimização nas ações
referentes aos negócios da organização. Neste panorama de nova organização, o
que se busca é integrar todas as áreas de trabalho a todas as atividades, desde o
planejamento até a discussão dos resultados obtidos em cada período. Esse
processo, ao pretender-se dinâmico, prevê múltiplas e novas aprendizagens.
A contabilidade, como uma área de conhecimentos de fundamental importância para
as organizações, além de otimizar o controle econômico e financeiro do patrimônio,
através da relação custo e qualidade na execução de seus bens e serviços,
necessita entender a organização e a sua missão por meio dos atributos essenciais
da informação e do conhecimento contábil.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
263
A informação sempre foi instrumento essencial em qualquer atividade humana,
agora, quando vivemos em uma economia globalizada, em que o nível de
concorrência é cada vez mais acirrado e complexo, e considerando-se a satisfação a
que o homem chegou nas comunicações, o estar correta e tempestivamente
informado é a única possibilidade de manter-se de pé e crescer de acordo com os
objetivos estabelecidos (ABRANTES, 1998, p. 06).
Muitas organizações enfrentam o dilema da transição e ainda não compreenderam a
plenitude da globalização. Não é apenas a passagem para processos robotizados,
esse é um entendimento linear e artificial não compatível com o ambiente
competitivo. A intensificação de informações propicia um ambiente de insegurança
administrativo-organizacional, pois a mera substituição de equipamentos pesados
por processos flexíveis não é suficiente para inserir a organização em ambientes de
competitividade. O fluxo de eventos, muitas vezes denominados de informação,
precisa ser filtrado para consolidar decisões no âmbito das transições. A informação
que tem origem em dados, fatos, fenômenos ou mensagens de qualquer natureza,
ao ser decodificada, pode ser utilizada em situações objetivadas num contexto e
tempo real.
Com a caracterização destes desafios e dilemas não quero dizer que o modelo da
reestruturação produtiva é o modelo que tende a ser hegemônico e que, portanto,
tende a superar estruturalmente as formas taylorista-fordista da organização do
trabalho. A lógica parece ser a permanência da diversificação dos modelos de
organização e gestão, porque o segmento mais reestruturado somente se mantém
como dinâmico na medida que ele se alimenta das formas tradicionais, e é isso que
tem garantido a competitividade. Portanto, não está em questão a superação do
modelo burocrático, mas uma nova forma de incorporação de formas primárias,
inclusive do trabalho escravo, que viabilize a competitividade do modelo capitalista,
que cada vez mais se apóia na precarização do trabalho humano. Portanto, a
possibilidade da competitividade reside na incorporação das formas exploradas e
com formas de organização que pretensamente estariam sendo superadas
historicamente.
Assim sendo, para esse contexto e para as exigências sempre transitórias das
organizações, o contador necessita agir para além dos processos de escrituração e
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
264
emissão dos demonstrativos contábeis. A ação do contador é de pensar a
organização através dos conhecimentos contábeis e, neste sentido, requer-se um
profissional capaz de articular as competências de sua área de atuação às
necessidades do contexto organizacional em novas dimensões.
As informações oriundas dos procedimentos contábeis não podem ser apenas
meras transcrições e leituras dos fenômenos passados e devidamente registrados
pela contabilidade.
O que as empresas em contextos competitivos demandam são informações
confiáveis, por meio das quais poderão tomar decisões e assim decidir em favor de
sua missão.
A confiança da sociedade em uma organização decorre, hoje, fundamentalmente
das ações desenvolvidas pela empresa no contexto em que se insere. Desta forma,
a gestão e os empresários necessitam estar assessorados para que as decisões,
além de manterem a empresa em níveis competitivos, conquistem a respeitabilidade
da sociedade.
No conjunto dessas ações o contador tem um papel relevante a desenvolver a partir
do seu trabalho e das suas ações, decorrente da relação que estabelece entre os
conhecimentos contábeis e destes com as demais áreas do saber. Desta forma,
visualizo a contabilidade nas organizações como mais que um fazer de
procedimentos rotineiros, mas sim um fazer que, pela constituição do corpo teórico
da ciência contábil, possibilitará que sejam procedimentos justificados e mediados
pela reflexão da ação.
A contabilidade como ciência sócio-econômica tem delimitado seu objeto de estudo
que é o Patrimônio, porém é através da amplitude de entendimentos sobre o
patrimônio, sobre a sua constituição histórica, assim como o resultado de sua
manipulação no modelo de sociedade vigente que o contador poderá contribuir com
os processos de aprendizagem organizacional em contextos de imprevisibilidade.
Assim, ao ampliar sua competência técnico-formal por meio de uma formação plena,
mais abrangente, ampliará a dimensão substantiva do seu trabalho no espaço
organizacional, tendo como conseqüência possível a superação do modelo
excludente.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
265
O desafio de superar o modelo de homem operacional (Ramos, 1984), buscando
alcançar a dimensão multidimensional do contador na organização, está presente
nas possibilidades de ação frente às novas exigências de gestão que são marcadas
por incertezas e instabilidades do contexto global. Tais exigências visam superar o
modelo de procedimentos rotineiros por procedimentos de aprendizagens.
Entretanto, para essa perspectiva do contador nas organizações o que se requer é
um processo que amplie a sua formação inicial mediante processos de formação
continuada, caracterizando razões substantivas de intervenção do seu trabalho no
contexto em que se insere.
Contemplar a articulação de espaços substantivos na organização para substituir o
modelo de homem operacional por uma concepção de homem parentético requer
uma estrutura de múltiplas aprendizagens entre a natureza humana e a natureza
das organizações.
A concepção de homem parentético implica um reconhecimento do homem como
um ser genérico e, assim, como um sujeito de intervenções em seu contexto, o que
significa dizer que é um ser que age mediante procedimentos de reflexão, tornando-
se capaz de afastar-se do seu ambiente para ser um espectador do cenário social.
Nessa dimensão, Ramos configura deliberadamente o homem como capaz de
perceber-se como crítico do seu contexto e que, ao distanciar-se da sua realidade
imediata incorpora em suas ações a ética da convicção para pensar o coletivo na
direção das atividades que o situa em condições de autonomia.
Na realidade, o homem parentético não pode deixar de ser participante da
organização. Porém, justamente por tentar ser autônomo, ele não pode ser
psicologicamente enquadrado como aqueles indivíduos que se comportam de
acordo com os modelos reativo e operacional. Ele possui uma consciência crítica
altamente desenvolvida das premissas de valor presentes no dia-a-dia (RAMOS,
1984, p. 05).
O homem somente poderá ser concebido como multidimensional quando possuir
autonomia para compreender a organização e as suas ações no contexto em que se
insere. É essa consciência dos seus atos, no seu cotidiano, obtida pelos processos
de aprendizagens que permite ao homem multidimensional o desenvolvimento para
novas e contínuas aprendizagens.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
266
O desafio de maior significado e abrangência social que se coloca para o contador é
que este seja capaz de elaborar diferentes maneiras de gerar resultados, para na
mesma medida, fazer a sua distribuição por meio do conhecimento contábil. Assim,
para que as competências do contador possam emergir no âmbito das organizações
competitivas e de aprendizagens, é preciso considerar o seu acesso às novas
tecnologias, ao significado de novas formas de comunicação, de abstração e de
cálculos e possibilidades de solução, a idiomas que traduzem manuais e noções
operacionais, entre outras habilidades do seu saber-fazer. A esse conjunto de
requisitos não cabem os cursos de treinamento aligeirados e artificiais, mas um
processo qualitativo de formação básica, de sólida fundamentação conceitual
específica, de experiências práticas relacionadas e de interdisciplinaridade com
conhecimentos genéricos; esse processo inicial deve ser contínuo e acontecer em
ambientes significativos.
Aprender é uma experiência social; o aprendizado ocorre através de interações com
outras pessoas e de seu auxilio. Para passar dos objetos e ações para o campo dos
significados, o aprendiz conversa com outras pessoas para expandir seu campo de
entendimento. Durante o diálogo, idéias e experiências são compartilhadas e o
aprendiz expõe seus problemas, gera hipóteses, conduz experimentos e reflete
sobre os resultados (SCHUCK, 1997, p. 243).
Esse entendimento sobre relações de trabalho e de aprendizagens é completamente
inverso ao modelo ainda hoje aplicado nos diferentes níveis de ensino formal, assim
como nos cursos informais. Também as organizações precisam incorporar o
conjunto destas mudanças, bem como propiciar processos de aprendizagens
socialmente mediados para um novo tipo de sociedade.
1.3.2 Novas Exigências para o Contador: as bases na formação do professor
de contabilidade
O mundo do trabalho passa por transformações gerais e radicais. O ritmo acelerado
do reordenamento econômico em escala mundial e a modernização tecnológica e
gerencial alteram completamente o perfil da oferta de empregos. O desemprego
aparece como uma realidade estrutural, em vez de uma suposta disfunção do
sistema econômico. Simultaneamente, novas exigências se impõem à qualificação
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
267
profissional: o que se exige agora do trabalhador é que apresente e desenvolva
certas qualidades que vão muito além daquelas habilidades gerais ou técnicas que
os processos educativos convencionais podem oferecer (CASALI, 1997, p. 15).
A vida cotidiana é marcada pela racionalidade substantiva1, mas, sobretudo, pela
racionalidade instrumental, a qual se faz presente nas instituições da sociedade
contemporânea. As instituições, por seu caráter público e/ou privado, têm maneiras
próprias na consecução de seus objetivos. Na atualidade, permeada de ideologia, o
fenômeno da globalização, assenta-se no paradigma da economia mundial, e ao
exaurir o seu alcance, delineiam-se alguns beneficiários, potências políticas e
megacorporações com caráter hegemônico de novas exigências. Também por um
discurso hegemônico é a globalização caracterizada como irreversível e inevitável
do ponto de vista dos avanços tecnológicos. No entanto, não imobilizado por
diferentes procedimentos de análise, o que significa não emudecer à razão de
céticos valores e dogmas que intrinsecamente avançam aumentando as
desigualdades sociais, busca-se uma compreensão diversa de organizar a vida
social e produtiva.
Os fenômenos econômicos e sociais que determinam a reestruturação dos
ambientes de produção de bens e serviços por meio dos avanços tecnológicos que
ampliam as formas de comunicação exigem competência profissional nas mais
diferentes áreas do trabalho.
No atual contexto de competitividade, em que oportunidades de negócios e a
urgência nas decisões são determinantes para a inserção e continuidade das
diversas organizações, são requeridas do contador, também, atribuições nos atos de
gerir o patrimônio alheio. Para essa atividade, são necessários atributos de
competência profissional decorrentes de sua formação específica e geral, bem como
das diferentes experiências fundamentadas teórica e empiricamente.
___________________________________________________________________
1 Diz-se que é substancialmente racional todo ato intrinsecamente inteligente, que se baseia num conhecimento lúcido e autônomo de relação entre fatos. É um ato que atesta a transcendência do ser humano, sua qualidade de criatura dotada de razão. Aqui, a razão, que preside ao ato, não é a sua integração positiva numa série sistemática de outros atos, mas o seu teor mesmo de acurácia intelectual (RAMOS, 1983, p.39).
__________________________________________________________________
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
268
Desta forma, a exigüidade dos recursos à disposição das entidades requer
habilidades e fluência no discurso e nas diferentes formas de comunicação que
objetivam procedimentos para realizar negócios com empresas comerciais,
industriais e de serviços, assim como para implementar o uso da tecnologia, que vai
desde os conceitos básicos aos mais elaborados e pertinentes à ciência contábil e
suas relações com diferentes áreas.
A contabilidade, como ciência social, ao ampliar seus objetivos sobre seu objeto, o
patrimônio das organizações, insere-se nesse movimento para contribuir com esse
processo.
Em tal movimento imbricam-se diversas formas, filosofias e mentalidades
empresariais, cujas ações repercutem em intrincados e singulares modos de ser e
de agir.
O contador, como gestor do patrimônio das entidades, tem funções mais
abrangentes do que apenas o registro dos eventos contábeis; precisa decidir e agir
em condições de continuidade e competitividade do empreendimento. Assim, as
novas formas de organizar o trabalho contábil, com a gestão organizacional, exigem
competência profissional que envolve um complexo processo de formação inicial e
continuada do contador, processo esse que confrontará diferentes maneiras de
aprender com as organizações e sujeitos multiculturais. O perfil desse novo contexto
faz exigências ao profissional da contabilidade para que tenha condições de delinear
projetos de trabalho por meio de visões prospectivas e sistêmicas, nas diferentes
filosofias organizacionais.
A reflexão sobre as ações, assim como sobre os resultados das decisões, requer a
intermediação de um processo de formação continuada para desenvolver novas
estratégias e sistemas organizacionais, envolvendo não somente um estilo
gerencial, mas também um rigor metodológico na tomada de decisões junto aos
fenômenos contábeis em articulação com a diversidade cultural dos sujeitos e
instituições.
Questões relacionadas à ética humana e profissional estarão sempre presentes nas
decisões, no âmbito da gestão e do contexto no qual se situa a organização,
indiciando uma atenção-preocupação com os usuários e/ou consumidores de bens e
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
269
serviços, com atitudes de cooperação na resolução de problemas ou alternativas
viáveis.
A comunicação das ações de uma organização com seus interagentes deverá ser
expressa através dos diferentes demonstrativos contábeis, os quais, em seus limites
e especificidades, buscam informar sobre as ações, as decisões e sobre os
resultados. Assim, a contabilidade, como ciência sócio-econômica, por meio de um
profissional com competência e habilidade, ao atuar no mundo dos negócios, muitas
vezes perverso, busca alternativas na amplitude de sua atuação na dimensão da
ética, da preservação da natureza e dos interesses de um mercado consumidor
cada vez mais exigente em termos de qualidade, baixo custo e responsabilidade
social.
A construção de uma prática contábil que se configure pela preocupação com a
inclusão social não é possível por meio da aridez mecanicista e desprovida da
compreensão das relações mais abrangentes do ensinar-e-aprender. É nesta
perspectiva que o tema deste estudo focaliza a formação do bacharel em Ciências
Contábeis por meio da formação do professor de contabilidade.
A função dos professores define-se pelas necessidades sociais a que o sistema
educacional deve dar resposta, as quais se encontram justificadas e mediatizadas
pela linguagem técnica pedagógica. O conceito de educação e de qualidade na
educação tem acepções diferentes segundo os vários grupos sociais e os valores
dominantes nas distintas áreas do sistema educativo. A imagem da profissionalidade
ideal é configurada por um conjunto de aspectos relacionados com os valores, os
currículos, as práticas metodológicas ou a avaliação (NÓVOA, 1995, p. 67).
No sentido de instrumentalizar novas formas de agir do profissional da contabilidade,
frente ao contexto de transitoriedade do mundo, é preciso discutir a formação do
professor de contabilidade.
Ao propor o estudo sobre quais são os componentes epistemológicos do processo
de ensino que organizam o trabalho pedagógico do professor de contabilidade no
ensino superior para compreender os fundamentos epistemológicos da
organização deste trabalho no ensino superior, entendo como necessário contribuir
com esse profissional no que diz respeito à reflexão sobre sua prática e aos
aspectos que influenciam o seu trabalho.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
270
Em pesquisas realizadas2 foi possível constatar a recorrência das objeções por
parte dos alunos em relação aos procedimentos dos professores quanto aos
conteúdos, sua distribuição e formas de ensinar. As análises dessas pesquisas
levadas a cabo enumeram a insatisfação quanto à consolidação de conhecimentos
contábeis para inserir-se no trabalho.
Pesquisa realizada no Rio de Janeiro também conclui que “A opinião da maioria é de
que o estudante, ao concluir o curso de Ciências Contábeis, não está apto a exercer
atividades profissionais3.”
___________________________________________________________________
2 LAFFIN, Marcos. (1) O perfil sócio-econômico dos alunos de Ciências Contábeis 97/99 – (2) Avaliação: uma primeira abordagem no Departamento de Ciências Contábeis da UFSC –1999 - (3) Orientação de Monografias de Conclusão de Curso. 3 COELHO, C.U.F. Uma análise do ensino superior de contabilidade e do mercado de trabalho no município do Rio de Janeiro. Revista CRC – SP, março 2001
___________________________________________________________________
Ajudar o aluno a aprender e a superar os procedimentos de aprendizagens é a
contribuição que o professor de contabilidade deve propiciar por intermédio de um
trabalho que se deseja profissional. A prática reflexiva toma sentido quando forem
perceptíveis as dimensões sociais e políticas que esse ensino for capaz de incluir
por meio de práticas que busquem a autonomia da produção do trabalho.
Na operacionalização do currículo prescrito, cabe ao professor de contabilidade,
através do registro do que ocorreu em sua aula, refletir sobre o currículo, não como
um projeto rígido, mas como uma construção capaz de comportar a sensibilidade e a
reflexão sobre as ações dele decorrentes.
Ao justificar a relevância da formação do professor de contabilidade busco contribuir
para superar um ensino homogêneo e pasteurizado que se repete em todos os
lugares.
Tenciono contribuir para um ensino em que alunos e professores sejam sujeitos de
identidades e subjetividades. Para essa perspectiva e para a perspectiva de um
profissional da contabilidade que possa dimensionar suas atividades nas
organizações, é de fundamental importância o estudo desse tema. Contudo, cabe
ainda questionar, como justificativa, como se forma o professor de contabilidade?
Dentro do modelo que inspira a universidade brasileira, a formação de professores
ocupa um lugar bastante secundário. Nele as prioridades são concentradas nas
funções de pesquisa e elaboração do conhecimento científico, em geral
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
271
consideradas como exclusividade dos programas de pós-graduação. Tudo o que
não se enquadra dentro dessas atividades passa, em geral, para um quadro inferior,
como são as atividades de ensino e formação de professores (LÜDKE, 1994, p. 6).
A contribuição do estudo de Lüdke pode ter duas dimensões na justificativa de meu
estudo: a primeira, ao mesmo tempo que faz a crítica da pós-graduação como único
espaço para pensar a pesquisa, indica esse espaço como uma dimensão possível
para discutir a formação do professor de contabilidade; e a segunda, com um acento
de gravidade ainda maior, aponta para a inconseqüente maneira como a formação
dos professores das licenciaturas tem ocorrido no interior das universidades. Esse
eximir-se de contribuir para a formação de uma nova escola por meio da formação
de professores é uma disfunção da universidade. Ao transpor esse entendimento
para a formação do professor de contabilidade penso ser possível ampliar a questão
enunciada acima, no sentido de identificar os componentes que organizam o
trabalho do professor de contabilidade no ensino superior.
Entende-se que: a formação não se constrói por acumulação (de cursos, de
conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade
crítica sobre as práticas e de (re) construção permanente de uma identidade
pessoal. Por isso é tão importante investir na pessoa e dar um estatuto ao saber da
experiência (NÓVOA, 1992, p. 25).
Nesse entendimento, uma educação que seja simultaneamente contábil e formadora
de sujeitos autônomos e de sentido emancipatório humano precisa fomentar e
ajudar a construir um caráter político da prática pedagógica do professor de
contabilidade. Prática política comprometida com os conteúdos com os quais
trabalha e com a articulação dos métodos com os quais socializa conhecimentos, ao
mesmo tempo em que ele próprio se socializa. Entendo que essa dimensão da
formação deve ser simultânea com o compromisso político e com a competência
técnica indissociável da prática pedagógica.
Assim, uma formação que se faça fundamentada na reflexão sobre a vivência do
trabalho a partir do âmbito da aula permite ampliar não somente as experiências
pessoais e profissionais do professor de contabilidade como sujeito histórico, mas
também contribui para o desenvolvimento de novas autonomias. Autonomias estas
que servirão de mediação entre a identificação e o equacionamento dos diferentes
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
272
problemas de seu aluno, construindo soluções para estes problemas, como também
propiciando uma imersão em suas causas.
Essa reflexão, que se assume como crítica da própria ação, será capaz de conduzir
à autonomia do trabalho do professor de contabilidade e lhe possibilitará distinguir
entre o prescrito e o autônomo na condução do processo de ensino, expressando
sua concepção na opção da ação transformadora. E como transformadora, também
transitória e sempre preliminar.
O estudo desse tema justifica-se predominantemente pela ausência de um
procedimento reflexivo de natureza social na formação dos profissionais da área da
Ciência Contábil.
Visualizo este estudo como uma contribuição às ações de ruptura e de construção
como processos que se fazem no cotidiano e dizem “respeito a múltiplas frentes”
(CANEVACCI, 1984, p.38).
Justifico a busca por uma prática de reflexão que possibilite sempre a curiosidade
como inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo, como
pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimento, como sinal de
atenção que sugere alerta faz parte integrante do fenômeno vital (FREIRE, 1997, p.
35).
Explico essa curiosidade como uma pulsação entre o homem e suas relações
sociais no mundo humano, como algo que contemple o homem e seu trabalho, que
desvele o professor de contabilidade e a essência do seu ensinar. Explico essa
curiosidade, tomando como participação a reflexão juntamente com o professor de
contabilidade, como busca rigorosa de rever-se em processos de formação
continuada. Uma curiosidade como utopia de princípios de sensibilidade para com o
gênero humano.
1.4 Relevância e originalidade desta tese
Olhar os fenômenos que ainda não se mostram em sua essência, fenômenos que se
caracterizam como incomuns, é próprio da investigação. Não obstante, uma tese
anuncia uma intenção e uma realização e, nestas, emerge por meio de um discurso,
de movimentos, de proposições, enfim, de uma enunciação. Na dialogia possível
dos argumentos teóricos e empíricos, tal enunciação deve ser capaz de exercer um
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
273
retorno ao seu ponto inicial, qual seja, aos questionamentos que foram pontos de
partida, ainda que artificiais, mas contextualizados e que, ao serem sistematizados
em sua trajetória cotidiana, se mostram, porque sempre em movimento, como
resultados provisórios.
O que constitui uma tese é, portanto, o exercício de uma atividade, de uma maneira
de produzir trabalho e que, ao ser empreendido, ressignifica a vida social, singular e
coletiva, vidas sociais que, ao se constituírem em sujeitos e objetos produzidos pela
história de cada singularidade, recriam novas possibilidades.
Ressignificar a realidade é escrever pela dialogia e por meio da escritura das raízes
ainda ocultas, que tomam o sujeito/objeto não uma nascente pessoal egocêntrica,
mas sim uma interação contemporânea possível de sedimentação epistemológica
pela sensibilidade ética e política. Assim, nesta tese, coloco em ação o meu deixar
de não pensar.
Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no
que está oculto – e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas
em profundidade do mar. Para escrever, tenho que me colocar no vazio. Neste vazio
é que existo intuitivamente. Mas é um vazio terrivelmente perigoso: dele arranco
sangue. Sou um escritor que tem medo da cilada das palavras: as palavras que digo
escondem outras – quais? talvez as diga. Escrever é uma pedra lançada no poço
fundo (LISPECTOR, 1999, p. 15).
O cotidiano é objeto de investigação e é nele que a vida se faz gesto. Assim, ao
perceber sua realidade, refletir sobre seus fenômenos, em suas raízes profundas, e
tentar captá-los em sua essência, constitui-se genuinamente em território próprio
dos sujeitos e objetos de investigação. O território próprio do presente estudo
consiste na problemática referente aos componentes epistemológicos do processo
de ensino que organizam o trabalho do professor de contabilidade no ensino
superior.
Portanto, se é pela diversidade de movimentos que se constrói a história da
humanidade, a qual é constituída na individualidade de significações do todo social,
tem esta tese o objetivo de, por meio da relação educação e trabalho, estudar o
terreno baldio do ensino superior de Ciências Contábeis, sua configuração e sua
organização pela raiz pedagógica.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
274
Esse desbravar, porque ainda submerso, busca se apropriar dos componentes que
caracterizam a prática pedagógica na organização do trabalho do professor de
contabilidade para significá-lo como parte constitutiva da história universal dos
homens, a partir de espaços contextualizados por diferentes dimensões.
Na investigação do particular - o curso de Ciências Contábeis - dentro de uma
cultura maior - a sociedade organizada em suas instituições - é preciso conhecer
como o cotidiano desse ensinar-e-aprender mantém-se no percurso do
desconhecido, das palavras enunciadas e de outras silenciadas. Quero experienciar
em saberes o que encontro e que são do meu cotidiano como professor de
contabilidade, e que de alguma maneira estão me lançando a uma episteme, para
além dos fragmentos que se fazem de diferentes ou indiferentes maneiras de
ensinar-e-aprender a Ciência Contábil.
Só quando o homem toma conhecimento através do seu rude olhar é que lhe parece
um começo (LISPECTOR, 1999, p. 32).
Ao lidar com a pesquisa na contabilidade, situada no campo das ciências sócio-
econômicas, a originalidade, o ineditismo desta tese não consiste em buscar uma
nova descoberta ou a ampliação dos conceitos e dos modos de fazer existentes,
pela construção de novos conceitos e proposições. O que a constitui como tal se dá
no significar e ressignificar conceitos elaborados no tempo histórico, assim como
compreender e ampliar as práticas sociais deles decorrentes. No estágio atual da
humanidade, conectar a construção histórica do homem universal aos
conhecimentos e práticas contábeis é inferir questões sobre o como e os porquês
desses saberes se movimentarem no universo da diversidade e da
multidisciplinaridade. Compreender é aceitar a transitoriedade do saber, é aceitar
que o que foi pensado, elaborado e implementado no tempo e no espaço pode ser
ampliado no processo de desenvolvimento do ser humano. A originalidade que
busco está no desvelar os fundamentos epistemológicos da organização do trabalho
do professor de contabilidade no ensino superior para, a partir daí, construir e
reelaborar o universo do trabalho em educação no qual a contabilidade, como
ciência sócio-econômica, configure sua contribuição para o desenho de uma
sociedade de inclusão, por meio das muitas maneiras como poderá se relacionar
com outros saberes.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
275
A relevância do estudo destaca-se, ainda, pelo caráter inédito da pesquisa no que
concerne à forma de abordagem da formação do professor de contabilidade. Saber
quais são os componentes epistemológicos do processo de ensino que organizam o
trabalho pedagógico do professor de contabilidade no ensino superior nos permitirá
compreender os fundamentos epistemológicos da organização do seu trabalho para
visualizar uma estrutura de formação continuada como mediação entre educação e
prática social no ensino superior.
Portanto, se é preciso pensar a formação continuada do professor de contabilidade
face às exigências de um novo contexto, então se faz necessário identificar os
pressupostos de sua formação inicial e as maneiras como desenvolve suas
atividades de ensino para que se possa contribuir, de forma efetiva, para a
formação do professor de contabilidade, o que tem implicações diretas na formação
do contador.
Meu estudo caracteriza-se como relevante porque vai dialogar com o professor,
buscando discutir o caráter da docência e da profissionalização do professor de
contabilidade.
Assim, uma contribuição esperada desta pesquisa é a de caracterizar a dimensão
das dificuldades que o professor encontra na sua prática docente.
Ao sugerir que as atividades de professor são um conjunto de ações que tem uma
finalidade e, por isso, reveste-se de intencionalidade, entendo que é preciso articular
a formação do professor de contabilidade com os profissionais de contabilidade,
reiterando a integração entre ensino, pesquisa e extensão. O professor de
contabilidade tem que se apropriar das atividades do contador para incluir, no seu
trabalho, a perspectiva do desenvolvimento científico da contabilidade, assim como
a visualização de ações da cultura, da ética, da inclusão e da responsabilidade
profissional. Portanto, o professor precisa preocupar-se e estar atento às práticas
possíveis de socializar aprendizagens, porque não é possível abrir mão da
responsabilidade do processo de ensino, uma vez que se pressupõe o professor
como um sujeito culturalmente com mais experiências e conhecimentos sobre os
fenômenos contábeis e concepção de mundo do que seus alunos.
1.5 Metodologia de Construção da Tese
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
276
1.5.1 Pressupostos da Pesquisa
A construção de uma pesquisa necessita de envolvimento, de curiosidade e de
condições materiais para desvelar determinado fenômeno. Nesta pesquisa, esses
pré-requisitos favoreceram o comprometimento em buscar conhecer os fenômenos
que circundam a organização do trabalho do professor de contabilidade.
A partir de um recorte sobre a formação do professor de contabilidade, a temática foi
convertida em curiosidade, expressa como questão norteadora nos seguintes
termos: Quais são os componentes epistemológicos do processo de ensino que
organizam o trabalho do professor de contabilidade no ensino superior?
Tendo por base essa questão busquei um enfoque crítico, mediante o qual pretendo,
a partir da conclusão da pesquisa, contribuir como ensino de Ciências Contábeis,
em diversas instâncias do ensino superior, mais especificamente com o trabalho do
professor de contabilidade.
Sob essa perspectiva fiz a opção pela pesquisa qualitativa, uma vez que:
A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas
ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja,
ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e
atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos
processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de
variáveis (MINAYO, 1996, p. 21-22).
Ao trabalhar com o universo de significados que os professores de contabilidade do
ensino superior atribuem ao trabalho pedagógico, o estudo configurou-se como
qualitativo, porque foram analisados os dados que emergiram do próprio ambiente,
ou seja, do curso superior em Ciências Contábeis; dos professores de contabilidade
e seus saberes sobre o ensino e sobre a organização do seu trabalho.
No contexto dessa pesquisa, com o ressignificar dos sentimentos, das atitudes, dos
gestos, das palavras, das crenças, admitiu-se como possível a constituição da
diversidade em diferentes maneiras de ser do sujeito professor. Assim, o universo de
significados construído pelos diferentes atores sociais explicita uma representação
social das suas experiências construídas e interpretadas, subjetiva e objetivamente
no cotidiano da vida.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
277
Minayo (1994) diz que mesmo sabendo que ela (representação social) traduz um
pensamento fragmentário e se limita a certos aspectos da experiência existencial
freqüentemente contraditória, possui graus diversos de claridade e nitidez em
relação à realidade (...) Porém, é importante observar que as Representações
Sociais não conformam a realidade e seria outra ilusão tomá-las como verdades
científicas, reduzindo a realidade à concepção que os atores sociais fazem dela.
(MINAYO, 1994, p. 173-174)
Os fenômenos que ocorrem na realidade não são passíveis de apreensão na sua
totalidade, de forma que as inferências feitas sobre a realidade percebida, são
capazes, quando substantivizadas, de configurar as produções elaboradas nas
relações sociais de uma realidade que se expressam em sentimentos, valores,
crenças, atitudes e que são produzidos também pelos interesses dos grupos sociais
a que pertencem. Assim, ao estudar o curso superior de Ciências Contábeis, o
professor de contabilidade com seus saberes sobre o ensino, a organização do seu
trabalho mediante o que foi possível apreender dessa realidade, configurei uma
representação social desse fenômeno.
Com este entendimento, o estudo proximizou também uma maior interação de
minha parte com os professores de contabilidade e com o curso de Ciências
Contábeis. A proximidade desse contexto possibilitou a elaboração de subsídios
teóricos sobre o curso, o perfil dos professores pesquisados e a organização do seu
trabalho, visando compreendê-los sob a perspectiva histórica, assim como a
possibilidade de contribuir com novos conhecimentos e significados na produção do
trabalho docente.
Essa perspectiva foi corroborada na fala de um professor, que ao participar da
pesquisa expressou-se da seguinte forma:
Gostei da abrangência do questionário e entendo que serve, inclusive, para algumas
mudanças diretas e imediatas nos procedimentos. Ele me fez refletir ... reposicionar
... redirecionar algumas atitudes pedagógicas com aplicabilidade imediata. Entendo,
muito útil, depois de tabulado, para subsidiar o planejamento estratégico e
operacional do Departamento.
Nesse sentido, a partir da realidade pesquisada, os dados foram interpretados e
analisados por meio de múltiplos diálogos com o referencial teórico que,
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
278
compreendido como princípios explicativos, possibilitaram uma reflexão mais crítica
das alternativas de mudanças, nos limites do que é possível propor a partir desse
estudo.
1.5.2 Delimitação do Estudo
A delimitação e a abrangência desse estudo visou a atingir o objetivo de
compreender os fundamentos epistemológicos da organização do trabalho do
professor de contabilidade no ensino superior, circunscrito no contexto de 04
(quatro) Instituições de Ensino Superior que oferecem o curso superior de
Ciências Contábeis, sendo 01 (uma) instituição pública e 03 (três) instituições
particulares.
Destas 04 (quatro) instituições, 02 (duas) estão localizadas no município de
Florianópolis, respectivamente a Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e
a Fundação Barddal de Educação e Cultura - BARDDAL; 01 (uma) no município de
Palhoça, denominada Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL e 01 (uma)
no município de Biguaçu, denominada de Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.
1.5.3 Os sujeitos da Pesquisa
Os sujeitos da pesquisa são professores com graduação em Ciências Contábeis que
trabalham com disciplinas do conhecimento contábil no curso superior de Ciências
Contábeis.
Os professores estão vinculados aos departamentos de Ciências Contábeis das
instituições acima referidas e formam a estrutura curricular referente ao período de
2001 e 2002 das respectivas instituições.
A população amostral desse estudo foi configurada inicialmente de 54 (cinqüenta e
quatro) professores, sendo 22 (vinte e dois) professores da UFSC, 05 (cinco)
professores do BARDDAL, 12 (doze) professores da UNISUL e 15 (quinze)
professores da UNIVALI.
Contudo, foi necessário ajustar o universo de 54 (cinqüenta e quatro) para uma
amostra de 42 (quarenta e dois) professores.
A redução do universo amostral ocorreu em função de que:
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
279
a) Do total de 32 (trinta e dois) professores do universo BARDDAL, UNISUL E
UNIVALI, a amostra repetiu-se em 07 (sete) professores, reduzindo-se para 25 (vinte
e cinco) professores.
b) Do total de 22 (vinte e dois) professores da UFSC 05 (cinco) não participaram da
pesquisa em função de estarem em diferentes tipos de afastamento das atividades
de trabalho, reduzindo-se a amostra para 17 (dezessete) professores.
Contudo, do universo caracterizado em 42 (quarenta e dois) professores, 28 (vinte e
oito) disponibilizaram-se a participar efetivamente da pesquisa.
Os professores da UFSC possuem vínculo de trabalho mediante concurso público,
regidos pelo Regime Jurídico Único. Dos participantes da pesquisa, 14 (catorze) tem
regime de dedicação exclusiva e 01 (um) com regime de 20 (vinte) horas.
Os professores das 03 (três) instituições particulares mantêm vínculo com as
instituições através da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), com contrato de
trabalho baseado em horas-aula.
Para expor com transparência todos os dados e todas as informações, sem contudo,
constranger os sujeitos pesquisados, optei por substituir a identidade dos
professores por outros nomes.
1.5.4 Os Instrumentos e o Local da Pesquisa
Empoleirado num ramo, o famoso Gato de Chester, com o seu eterno sorriso,
parecia esperar.
- Por onde é que hei de ir?
- Depende do lugar aonde quiseres chegar!
À direita mora um chapeleiro maluco e à esquerda a Lebre de Março, que perde a
cabeça quando as folhas novas arrebentam e também quando as folhas caem.
- Mas eu não tenho vontade nenhuma de fazer visitas a malucos!!
- Que importância têm? Todos nós somos malucos (CARROL, 1980, p.:13)
Se eu não soubesse para onde ir, qualquer caminho serviria. Mas eu sabia onde
queria chegar: compreender como se configura o trabalho do professor de
contabilidade; para tanto, foi preciso conhecer os caminhos e os diferentes recursos
de coleta de dados para decidir por onde ir e, assim, saber como encaminhar e
como caminhar com o outro.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
280
Neste caminhar/conhecer foi preciso mudar o previamente planejado. Como ponto
de partida para a coleta de dados havia feito a opção pela entrevista semi-
estruturada, por considerar esse recurso um instrumento favorável na observação de
detalhes, gestos, pausas, rearticulação da fala enfim, de um conjunto de dados que,
quando recorrentes, articulam-se de forma mais expressiva e consistente. Porém,
nas primeiras abordagens junto ao universo da pesquisa, a entrevista não foi aceita
como instrumento de diálogo para a coleta de dados.
Vários fatores e indícios redundando na questão tempo contribuíram para inibir a
entrevista.
Esse fato, em seu contexto, constituiu-se em dado a ser considerado na busca das
demais informações para a pesquisa.
Pesquisar é embrenhar-se na realidade e a realidade não é estática e nem sempre
se mostra tal como se movimenta. Nessa compreensão da realidade e, diante do
fato de recusa para as entrevistas, o percurso da coleta de dados teve que ser
refeito através do uso do questionário. O questionário havia sido pensado como
instrumento para a coleta de dados sobre a caracterização do universo e dos
sujeitos da pesquisa. No entanto, nesta pesquisa, em seu primeiro momento,
assumiu-se o questionário como um instrumento constituído de uma série ordenada
de perguntas, que [foram] respondidas por escrito e sem a presença do
entrevistador. Em geral, o pesquisador envia o questionário ao informante, pelo
correio ou por um portador; depois de preenchido, o pesquisado devolve-o do
mesmo modo (MARCONI & LAKATOS, 1985, p. 74).
Com o questionário como instrumento central para a coleta de dados, as questões
que haviam sido pensadas para nortear as entrevistas semi-estruturadas tiveram de
ser rediscutidas, analisadas, reformuladas com o subsídio de diferentes áreas.
Na educação busquei contribuições para focalizar as questões que envolvessem a
formação e a prática pedagógica dos professores pesquisados. Com o olhar da
Psicologia da Educação busquei contribuições para fundamentar, entre o pretendido
e o possível, o alcance das questões propostas. Com a contribuição da área da
lingüística busquei a coerência entre os objetivos da tese e as perguntas do
questionário. Portanto, tanto na redifinição do instrumento de coleta de dados quanto
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
281
nas questões busquei garantir a mesma expressividade e consistência previstas
previamente para as entrevistas semi-estrururadas.
Depois de refeito o instrumento de coleta de dados, voltei ao universo da pesquisa
por diferentes meios, tais como e-mails, telefonemas, encontros presenciais para
disponibilizar informações sobre o questionário e seu objetivo, assim como para
garantir o maior número de participantes.
Dessa forma, o questionário foi utilizado para: (1) a caracterização do universo e dos
sujeitos da pesquisa, (2) a coleta de dados sobre questões que permitissem
identificar a trajetória de inserção e de formação do professor de contabilidade no
ensino superior e, (3) o atendimento aos objetivos relacionados à prática
pedagógica desses professores. Portanto, o questionário, nesse estudo, objetivou
coletar dados para as questões que envolveram a natureza da problemática
estudada.
No conjunto das circunstâncias que envolveram o estudo foi necessário construir e
reconstruir as relações de diálogo com os professores, com suas maneiras de
compreender a organização do trabalho docente, uma vez que, com a abordagem
qualitativa, pretendi contemplar um mundo cultural como objeto a ser conhecido e
que, ao mesmo tempo se supunha e desejava tornar-se conhecido.
Assim, no processo de aproximação com os professores, tendo em vista o objeto
deste estudo, foi preciso construir um ambiente propício para vários encontros. Esse
retorno à fonte dos dados serviu para aprofundar algumas questões que
primeiramente, na coleta de dados via questionário, não apresentaram respostas
possíveis de inferências, por serem questões com respostas insuficientes ou
embrionárias de explicitação.
Através do processo de locução estabelecido com os professores, mais
precisamente com aqueles que disponibilizaram o retorno ao questionário, aproveitei
para incluir o rascunho da construção preliminar dos dados. Esse artifício objetivou
compreender e aprofundar determinada resposta do questionário que fazia
inferência, ao mesmo tempo em que se convertia o questionário em discussões mais
explícitas. Esse recurso do diálogo, da leitura do rascunho da análise preliminar
permitiu resgatar não somente mais informações sobre as questões elencadas no
questionário, como também o de superar o imaginário dado explícito, o dado pronto
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
282
que estaria contido nas entrevistas. Assim, de uma maneira muito peculiar, muitos
dados foram obtidos e ampliados por meio de um tipo de entrevista-diálogo mediado
pelo texto preliminar de análise de dados.
No conjunto, esses recursos constituíram um rico material de informações, o que
possibilitou conhecer o cotidiano do ensino-aprendizagem e a organização do
trabalho dos professores desta pesquisa.
Portanto, para alcançar os objetivos específicos de identificar a trajetória de inserção
e de formação do professor de contabilidade, assim como de identificar as
concepções epistemológicas e as categorias metodológicas do trabalho pedagógico
do professor de contabilidade no ensino superior, fez-se necessário apresentar
preliminarmente os princípios explicativos aqui caracterizados na concepção de
Homem e de Trabalho, que intrínsecos à formulação da questão de pesquisa,
objetivam a sua articulação. Envolvendo discussões sobre a concepção de Homem,
foram discutidos alguns aspectos sobre a formação do professor. Na categoria
Trabalho foram discutidos alguns aspectos relativos à prática pedagógica do
professor de contabilidade.
Nesse contexto, as categorias foram entendidas como “formas de conscientização
nos conceitos e modos universais da relação do homem com o mundo, que refletem
as propriedades e leis mais gerais e essenciais da natureza, a sociedade e o
pensamento”.
(DICCIONÀRIO DE FILOSOFIA, 1984, p. 59). De acordo com Sampaio 1998, as
categorias não surgem a priori para organizar dados em compartimentos estanques,
mas [para organizar] princípios articuladores que se relacionam mais fortemente a
alguns indicadores, embora se apliquem a todos os indicadores apontados
separadamente (SAMPAIO, 1998, p. 241).
Os princípios explicativos iniciais desse estudo eu discuto e apresento nos conceitos
de Homem e de Trabalho, no segundo capítulo, assim como estes conceitos estão
envolvidos na apresentação, discussão e justificativa do tema. Outros indicadores,
tais como educação, ensino-aprendizagem, prática pedagógica, relação professor-
aluno entre outros possíveis e decorrentes da questão de pesquisa foram
incorporados ao estudo.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
283
As discussões sobre a inserção do conhecimento contábil no ensino e a
caracterização do atual ensino superior de Ciências Contábeis eu discuto no
terceiro capítulo.
No capítulo quarto e quinto arrolo os dados empíricos que atendem os objetivos
desta tese e, posteriormente, apresento a sua conclusão.
1.5.5 Limites da Tese
Para o desenvolvimento dessa tese sobre a formação e o trabalho do professor de
contabilidade adotei os procedimentos metodológicos considerados adequados. No
entanto, os recursos metodológicos carregam limites e neles mesmo, recursos e
limites, reconheço a incompletude das possibilidades do tema em análise.
Os instrumentos utilizados para a coleta de dados nessa tese podem ter causado
alguns problemas na sua obtenção. Assim, também, a opção pelo referencial teórico
utilizado assumiu contornos de inferir na construção do objeto em análise.
Dessa forma, autores utilizados foram identificados e assumidos, sem contudo
confrontá-los em suas diferenças epistemológicas. Com isso pretendi resgatar suas
contribuições como possibilidades de explicar os dados que emergiram da pesquisa
empírica.
Considero também que esse estudo, por apresentar-se como primeira abordagem
ao tema, encontrou alguns limites em seus aspectos de análises, comparações e
generalizações.
Portanto, não pretendi apresentar soluções pontuais à questão estudada, mas sim
circunscrevê-la como objeto de pesquisa no âmbito do conhecimento contábil.
Desse modo, no contexto desse estudo sobre a formação e o trabalho do professor
de contabilidade colocam-se os seus limites, mas também os seus desafios.
2 O HOMEM E O TRABALHO: concepções e relações sociais
2.1 A Condição Humana
2.1.1 O homem: da transgressão do instinto para o ser de reflexão
A vida, considerada atemporal e infinitamente involutiva na sua origem, está
presente no processo de desenvolvimento do homem. A origem da vida humana,
como involutiva no tempo, encontra abrigo nos estudos da Paleoantropologia,
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
284
ciência que estuda a o conjunto de mudanças que ocorre na vida do homem. Os
achados arqueológicos e pesquisas realizadas, subsidiadas por recursos de
sofisticada tecnologia, têm produzido inferências desestabilizadoras sobre a origem
da vida humana. A cada nova descoberta de fósseis, outros vestígios de vida
afirmam ser de milhões de anos a origem humana na Terra.
O homem, como vida, como um ser de espécie animal é atemporal, não tem uma
data de nascimento. A sua temporalidade como marco distintivo do processo de
hominização configura-se no gênero humano, processo da ação transformadora do
homem sobre a natureza, resultando na construção de um mundo humano, mundo
construído pelo homem.
Assim, o gênero humano, como resultado da relação do homem com outros homens
e com objetos, constitui-se no homem presente, que desde o princípio, ao se
produzir, produz cultura, singularidade essa que não se incorpora por
hereditariedade genética, mas por procedimentos de agir intencional. O homem
atual, na sua unicidade, constitui várias dimensões humanas e, em sua natureza
histórica, apreende seu processo de desenvolvimento.
Natureza humana não como naturalmente humano ou como a naturalização do
humano, como se houvesse uma síntese apriorística em cada homem; porém,
compreendido como natureza humana o ser em movimento que, ao transformar o
espaço que o constitui, transforma também os seus modos de ser. Nesta acepção, a
natureza humana é apreendida de forma crítica na qual assume-se como condição
humana. Dessa forma, o homem passa a ser visto como um ser que constrói as
formas de satisfação de suas necessidades e faz isto com outros homens. Essa é a
sua condição. A cada momento histórico é preciso que se compreenda como isto
está se dando, que necessidades estão colocadas e quais as formas de satisfação
delas que foram construídas; como o homem tem feito isto com os outros homens
(BOCK, 1999, p. 16).
Sob essa compreensão, o homem toma posse das conquistas anteriores, apropria-
se da cultura produzida, faz-se para ser e, nessa dimensão, sua vida e sua
significação passam a ser coletivas, pois a vida não é solitária. A vida é a
materialidade, é a materialidade abstrata conjugada nas condições do vir a ser das
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
285
contradições, dos enfrentamentos, de forma que o homem produza o seu vir a ser
pela dialética no/com o outro.
Na concepção de condição humana, a identidade do gênero humano, como ser
genérico, constitui-se na relação com o outro que, para além do pensar abstrato,
incorpora-o à materialidade da sua existência. Assim, o homem se faz pelo conjunto
dos outros homens pelo qual produz autonomia coletiva da sua sobrevivência, que
necessita ser compreendida como lugar social, contextualizada na materialidade
humana e, em suas efetivas condições. Somente assim é possível explicar o homem
sem os limites da sua individualidade e compreendê-lo como condição humana em
movimento.
A vida do homem, caracterizada pela gênese biológica e simultaneamente pelo
desenvolvimento do processo histórico-cultural, constitui o gênero humano como
múltiplas possibilidades de alcançar a superação qualitativa do estágio atual do
processo histórico-social. A busca constante pela superação da existência humana,
não apenas em termos epistemológicos, mas sobretudo em objetivações materiais,
conserva perene a inquirição profunda sobre a sua origem e o seu futuro. Esse
questionamento, em síntese, evidencia o processo de construção de novas buscas
pelo confronto dos conhecimentos já elaborados, ao mesmo tempo que produz
complexos significados sobre o fazer de sua vida, ressignificando e recolocando a
pergunta: que é o homem?
É esta a primeira e principal pergunta da filosofia. Como respondê-la? (...) Se
observarmos bem, veremos que – ao colocarmos a pergunta “o que é o homem” –
queremos dizer: o que o homem pode se tornar, isto é, se o homem pode controlar
seu próprio destino, se ele pode “se fazer”, se ele pode criar a sua vida. Digamos,
portanto, que o homem é um processo, precisamente o processo de seus atos.
Observando ainda melhor, a própria pergunta “o que é o homem” não é uma
pergunta abstrata ou “objetiva”. Ela nasce do fato de termos refletido sobre nós
mesmos e sobre os outros; e de querermos saber, de acordo com o que vimos e
refletimos, aquilo que somos, aquilo que podemos ser, se realmente – e dentro de
que limites – somos “criadores de nós mesmos”, da nossa vida, do nosso destino. E
nós queremos saber isto “hoje”, nas condições de hoje, da vida de “hoje”, e não de
uma vida qualquer e de um homem qualquer (GRAMSCI, 1978, p. 38).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
286
O homem de hoje é o homem concreto refeito por questões e situações complexas
do devir humano, dos seus gestos, das suas ações, da sua reflexão, dos níveis de
sua consciência, das suas condições objetivas de vida. É na dimensão da reflexão
sobre si mesmo e suas ações que o homem se projeta para a construção de seu
destino. Entretanto, é no confronto entre as perspectivas desejadas e os limites do
seu vir-a-ser que se lança como ser filosófico, ser em reflexão, que se indaga sobre
sua individualidade, sobre seu coletivo e sobre o destino de sua construção
histórica. É o homem de hoje, fazendo o resgate do seu percurso histórico e
projetando-se para as suas possibilidades, que mantém latente a questão da busca
sobre se aquilo que somos como gênero é tão somente aquilo que podemos ser ou
se aquilo que somos como gênero são as possibilidades do devir humanizando-se.
2.1.2 Uma possibilidade do compreender-se humano
O homem, como gênero humano, pode ser entendido por diferentes estágios de
desenvolvimento. Esses estágios não são considerados situações positivas de um
desenvolvimento linear, uma vez que carregam também situações adversas que se
conjugaram em sua construção em diferentes momentos. Assim, com a convicção
da passagem de um ser animal para o gênero humano, tem-se a etapa na qual, no
primeiro estágio, pode-se entender o homem como desenvolvimento exclusivamente
biológica. Esse desenvolvimento se caracterizou pela adaptação ao meio ambiente e
pelas mudanças ocorridas no conjunto das condições que a cercaram. Para
compreender e aceitar esse processo de desenvolvimento, é necessário
primeiramente compreender que ocorreram transformações no organismo biológico,
as quais foram sendo acumuladas na sua carga genética e que, por sua vez, foram
se transformando ao longo do tempo. Essas transformações foram sendo
transmitidas às gerações futuras. Esse entendimento de mudanças exclusivamente
biológico, portanto, supõe um longo processo de transformações porque se
caracterizou como necessária primeiramente o desenvolvimento biológico na busca
de adaptação ao ambiente da espécie. Com isso, não quero dizer que o pensamento
ainda não existia, mas que a necessidade adaptativa teve primazia em face da sua
fragilidade biológica existente no conjunto do que era ainda inorgânico. Portanto:
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
287
Como qualquer outra espécie animal, o homem é um produto determinado e limitado
pela natureza; ele é capaz, entretanto, de elevar-se acima de tais limites, de
subordinar ao seu poder o conjunto da natureza, transformando tal conjunto em seu
corpo inorgânico (MARKUS, 1974, p.48).
Por conseguinte, foi preciso fazer-se pelo domínio da natureza para
simultaneamente fazer-se com a natureza e, assim, convertendo-a em seu
benefício, avançar para um segundo momento que incorpora a atemporalidade do
primeiro, determinará os fundamentos para a vida associativa. Essa rudimentar
maneira de vida coletiva é indicada pela produção de instrumentos recorrentes e
adequados às exigências de sobrevivência. Nesse processo de aprendizagens e
desenvolvimento, o gênero humano esteve consciente de sua realidade, consciência
essa adquirida pela experiência e pela atividade cognitiva. Essa sensibilidade vai
ampliar-se na produção da sua existência, hominizando suas dimensões de coletivo.
De acordo com Marx e Engels:
Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou por tudo
o que se queira. Mas eles próprios começam a se diferenciar dos animais tão logo
começam a produzir seus meios de vida, passo esse que é condicionado por sua
organização corporal. Produzindo seus meios de vida, os homens produzem,
indiretamente, sua própria vida material (MARX & ENGELS, 1979, p. 27).
Como decorrência, o Homo Sapiens evidencia o terceiro estágio do homem. O
desenvolvimento decorrente de suas aprendizagens, também na atemporalidade,
incorporando os processos anteriores, é agora caracterizado pelo desenvolvimento
de atividades próprias da prática social.
A partir dos processos de uma formatação biológica que incorporou a natureza como
campo inorgânico em sua natureza, o homem se forma em sua biologia com a
estrutura do gênero humano e assim, superando questões relacionadas à seleção
natural, conduz-se para formas de organização coletiva, importante para sua
sobrevivência e mediadora em sua relação com a natureza.
Incorporando também esse estágio, o gênero humano não mantém apenas uma
relação adaptativa com o ambiente, passa a apropriar-se da natureza
sucessivamente, convertendo-a em favor da sua objetivação, ou seja, produzindo e
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
288
reproduzindo o gênero humano, sua realidade, suas necessidades, assim como a
apropriação dos resultados historicamente alcançados.
A historicidade desses processos e estágios possibilitou ao homem transgredir seu
instinto de adaptação para o estágio de reflexão, revelando que as propriedades
biologicamente herdadas do homem não determinam as suas aptidões psíquicas. As
faculdades do homem não estão virtualmente contidas no cérebro. O que o cérebro
encerra virtualmente não são tais ou tais aptidões especificamente humanas, mas
apenas a aptidão para a formação destas aptidões (LEONTIEV, 1978, p. 257).
A objetivação, o desejo de fazer-se genericamente, são marcados por diferenças
entre o instinto e o pensamento. Essas diferenças consideram a herança genética
existente no organismo humano, que transmite as características da espécie para as
novas gerações, mas a existência objetiva do homem, a sua maneira de ser no
mundo, a satisfação de suas necessidades não são transmitidas geneticamente e
sim por sua organização social, pela realização de atividades num crescendo de
complexidades sem fim. É neste sentido que o desenvolvimento do gênero humano
é histórica e social, constituindo-se, assim, a cultura humana em diferentes estágios.
A vida agora convertida em vida no e do gênero humano impõe que o primeiro
pressuposto de toda a existência humana e de toda a história, é o que os homens
devem estar em condições de viver para poderem fazer história. Mas, para viver, é
preciso antes de tudo comer, beber, ter habitação e algumas coisas mais. O primeiro
ato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação dessas
necessidades. (...) O segundo ponto é que, satisfeita essa primeira necessidade, a
ação de satisfazê-la e o instrumento de satisfação já adquirido conduzem a novas
necessidades – e esta produção de novas necessidades é o primeiro ato histórico
(MARX & ENGELS, 1979, p. 39-40).
Ao produzir os meios que permitam a satisfação de suas necessidades, o gênero
humano estabelece o caráter a ser empregado em sua sobrevivência e torna-o
complexo ao procurar a apropriação daquilo que de humano ele próprio elaborou.
Dessa maneira, o homem pode ser compreendido como um ser vivo no qual a vida,
como princípio ontológico, transcorre de forma a inaugurar uma realidade histórica
pela produção e reprodução da sua existência, qual seja, da realidade humana
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
289
constituída da apropriação da natureza e que, por sua vez, se refaz na natureza
humana.
Assim, a pergunta: que é o homem? não apenas alude às possibilidades do vir-a-ser
do gênero humano, como também requer sua contextualização, abordando, entre
outras dimensões, o devir do ser humano ético-político. Ético porque suscetível a
adquirir qualidades e valores na preservação da vida individual e coletiva; político
porque, autodeterminado, de modo absoluto capaz de decidir numa visão de
totalidade, sabendo que esta sempre será relativa.
Nessa perspectiva, o ser histórico e social incorpora a multidimensionalidade da
diversidade cultural produzida pelo próprio gênero, construindo em diferentes
dimensões atributos de sua essência e de sua liberdade na totalidade de ser, ao
mesmo tempo, singular e coletivo.
2.1.3 A cultura do gênero humano
O homem dos grandes centros urbanos, o homem do interior, o homem simples, o
homem complexo, o homem igual, o homem desigual, o homem como gênero
humano em seu estágio atual, todos, sem exceção, encarnam e condensam em si a
sua construção histórica e de essência humana. Nesse refazer-se contínuo, o
homem é, precisamente, o resultado de seus atos refletidos sobre ele próprio e
sobre os outros.
A cultura do gênero humano são as diferentes relações construídas entre o homem
e outro homem, entre a singularidade e a coletividade do gênero. A cultura é,
portanto, resultante das relações e situações que se humanizam na relação própria
de significados temporais para os homens dado o contexto no qual se incluem, a
saber:
Na Índia, onde os casos de meninos-lobo foram relativamente numerosos,
descobriram-se, em 1920, duas crianças, Amala e Kamala, vivendo no meio de uma
família de lobos. A primeira tinha um ano e meio e veio a morrer um ano mais tarde.
Kamala, de oito anos de idade, viveu até 1929. Não tinham nada de humano e seu
comportamento era exatamente semelhante àquele de seus irmãos lobos. Elas
caminhavam de quatro patas apoiando-se sobre os joelhos e cotovelos para os
pequenos trajetos e sobre as mãos e os pés para os trajetos longos e rápidos. Eram
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
290
incapazes de permanecer de pé. Só se alimentavam de carne crua ou podre,
comiam e bebiam como os animais, lançando a cabeça para frente e lambendo os
líquidos. Na instituição onde foram recolhidas, passavam o dia acabrunhadas e
prostradas numa sombra; eram ativas e ruidosas durante a noite, procurando fugir e
uivando como lobos. Nunca choraram ou riram. Kamala viveu durante oito anos na
instituição que a acolheu, humanizando-se lentamente. Ela necessitou de seis anos
para aprender a andar e pouco antes de morrer só tinha um vocabulário de
cinqüenta palavras. Atitudes afetivas foram aparecendo aos poucos. Ela chorou pela
primeira vez por ocasião da morte de Amala e se apegou lentamente às pessoas
que cuidaram dela e às outras crianças com as quais conviveu. A sua inteligência
permitiu-lhe comunicar-se com outros por gestos, inicialmente, e depois por palavras
de um vocabulário rudimentar, aprendendo a executar ordens simples (REYMOND,
1965, p. 12-14).
A citação acima nos permite afirmar que apenas a estrutura biológica existente no
humano não é suficiente para que se desenvolva o que é essencialmente próprio do
gênero humano: sua cultura, produzida humanamente por meio das suas relações
sociais.
No estágio atual da humanidade, o gênero humano tem diante de si e para si, na
individualidade ou na coletividade, histórias de sua constituição. Mediante essa
historicidade constitui a subjetividade humana e através desta constitui o todo social.
O processo de apropriação da construção social expande o contexto cultural que o
constitui e, nesse contexto é particularmente aceitável o processo de hominização,
ou seja, do processo de transformação na constituição das características físicas e
psíquicas do homem.
Ao compreender e aceitar o gênero humano como processo de transformação
biológico e cultural, faz-se a síntese das múltiplas relações que o humano produziu
para o estágio da vida associada.
O processo de humanização do gênero humano pode ser entendido como
decorrente de aprendizagens de situações concretas, permitindo assim a
variabilidade humana e seu desenvolvimento. A variabilidade humana,
diferentemente do instinto de outras espécies, decorre da intencionalidade da ação
humana, projetando-se para além do tempo presente como experiência vivida,
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
291
ultrapassando a realidade que o cerca. É no processo de transformação da natureza
que o homem produz sua cultura, a qual progressivamente modifica o próprio
homem, porque é o ato condensado de consciência da finalidade que o faz agir.
2.1.4 A multidimensionalidade do gênero humano
O gênero humano, na sua individualidade, reúne a sua coletividade e a sua cultura.
Essa afirmação sem qualitativos ou adjetivações pode ser aceita como perene assim
como parecer de uma banalidade próxima ao absurdo. Mas é também na
perspectiva do absurdo, do espanto, que a existência humana se caracteriza por
processos criativos, reinventando, a partir do subterrâneo das aparências do
cotidiano, o seu propósito de realidade.
O gênero humano, em suas múltiplas dimensões, é na individualidade o coletivo
reconstruído pelas mediações da própria cultura elaborada pelo homem. Assim, o
homem é, no seu conjunto complexificado, feito de conceitos e arranjos sociais que
o circundam desde a realidade apreendida à abstração do trabalho, da arte, da
ciência, autor e sujeito de suas produções.
Escolho discorrer agora, por gosto, sobre a dimensão da arte no artista, lembrando a
advertência feita por Rubem Alves (1999, p. 37) de que “gosto, como se sabe, é uma
categoria não científica, não podendo ser objeto de pesquisa”. No entanto, tão
necessário é o gosto, não somente como desejo de querer, de decidir, de politizar o
aconselhamento, mas até mesmo diante das referências objetivas da ciência!
A arte é o artista. O artista não está fragmentado; antes, o artista recompõe, por
meio do belo, do inusitado, do gesto, da palavra, a dimensão plena do gênero
humano. O homem faz-se estético no reflexo da arte-cultura que produz porque a
incorpora. Na produção da arte, em suas dimensões de múltiplas linguagens,
afeiçoa desde o concreto da literatura, da pintura, da estética, do gesto do teatro, do
cinema, do lúdico, da música até o abstrato da literatura, da pintura, da estética e do
gesto do teatro, do cinema, do lúdico, da música.
Na dimensão do artista está a dimensão da arte e, assim, entrelaçam-se
possibilidades de desvelar outras realidades ainda não pensadas, que sugerem a
não fragmentação do gênero humano, mas sim a constituição de uma manifestação
filosófica. Portanto, o gênero humano, na busca de expressar sua compreensão
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
292
sobre a sua própria humanidade incorporada pelo ser, pensa o próprio ser, de modo
que:
No poetar do poeta, como no pensar do filósofo, de tal sorte se instaura um mundo,
que qualquer coisa, seja uma árvore, uma montanha, uma casa, o chilrear de um
pássaro, perde toda monotonia e vulgaridade (HEIDEGGER, 1969, p. 55).
Assim, o ser humano, para além da liberdade do gesto criativo, para além da
produção da cultura e apropriação da produção humana, recria sua história, sua
visão de mundo e muitas vezes opõe-se radicalmente ao existente, tornando belo o
vulgar, dinâmico o monótono, visível o insensível. No esparramar de tantos
contrários, mostra sua unidade, sua síntese, suas referências, suas ancoragens. O
que aparenta ser fragmento impõe-se como unidade quando questiona, sugere,
afirma ou nega por meio da impressão da síntese criativa artístico-cultural ou
científico-cultural em sua produção humana. Desse modo, ao tentar procurar em
partes as partes dessa totalidade única e inexorável, o gênero humano esvazia-se
em sua essência, buscando nas sínteses os vários recomeços. Está nesse gesto o
movimento das afirmações de suas múltiplas negações. Esta possibilidade dos
contrários é relatada no mito de Sísifo:
Os deuses tinham condenado Sísifo a empurrar sem descanso um rochedo até o
cume de uma montanha, de onde a pedra caía de novo, em conseqüência de seu
peso. Tinham pensado com alguma razão, que não há castigo mais terrível do que o
trabalho inútil e sem esperança. (...) O rochedo ainda rola.
Deixo Sísifo no sopé da montanha! Encontramos sempre o nosso fardo. Mas Sísifo
ensina a fidelidade superior que nega os deuses e levanta os rochedos. Ele
também julga que tudo está bem. Esse universo, enfim sem dono, não lhe parece
estéril nem fútil. Cada grão dessa pedra, cada estilhaço mineral dessa montanha
cheia de noite forma por si só um mundo. A própria luta para atingir os píncaros
basta para encher um coração de homem. É preciso imaginar Sísifo Feliz (CAMUS,
s/d, p. 147, 152).
Escapar à condenação da morte pelo recomeço incessante de sua condenação
ilustra de maneira significativa que somente o homem, como ser multidimensional, é
capaz de fazer-se feliz diante do tormento. Essa não é somente uma visão ingênua
e romântica do homem em relação à diversidade humana existente, mas é também
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
293
uma visão que comporta a existência de um fardo, de uma opção, de um movimento
necessário e não linear de constituição do homem de reflexão: refazer-se por
rupturas pode apenas parecer absurdo.
Negar uma dada situação é argumentar em favor de seus contrários e, assim, negar
os deuses é ressignificar o mundo humano em cada estilhaço. É preciso, portanto,
imaginar.
Somente o homem, como gênero humano em múltiplos gestos de ser, é capaz de
rever-se, de refletir e de relativizar entre o estéril e a possibilidade de outros
mundos.
O gênero humano, na multiplicidade artística, não constitui apenas a representação
do seu tempo, nem o tempo do seu trabalho, mas sim o tempo da sua construção no
ir e vir não do contexto imediato, mas do existir do gênero.
O homem arte, o homem artista, a arte-homem é o homem pleno de todos os
homens, porque simultaneamente constrói amplas relações de produtividade ou
esvazia-se em perdas reparáveis. Mesmo assim, constitui-se em síntese de
totalidade e diversidades. Assim, o gênero humano, na sua individualidade, reúne a
sua coletividade e a sua cultura. E desde que seja possibilitada a ele, nas
dimensões do conhecimento, uma determinada busca, de sentidos e significados por
qualquer objeto do conhecimento, definido ou indefinido, esta se converterá na
enunciação de uma objetividade, de uma pluralidade, de uma referência. Saramago
enfatiza que:
sentido e significado nunca foram a mesma coisa; o significado fica-se logo por aí, é
direto, literal, explícito, fechado em si mesmo, unívoco, por assim dizer, ao passo
que o sentido não é capaz de permanecer quieto, fervilha de sentidos segundos,
terceiros e quartos, de direções irradiantes que se vão dividindo e subdividindo em
ramos e ramilhos, até se perderem de vista, o sentido de cada palavra parece-me
com uma estrela quando se põe a projectar marés vivas pelo espaço fora, ventos
cósmicos, perturbações magnéticas, aflições (SARAMAGO, 1997, p. 134).
O homem se comunica por meio da palavra, espalhando sentidos e significados,
buscando sempre a inquietude frente às possibilidades de todos usufruírem a
totalidade cultural produzida pelos próprios homens. Mesmo as implicações
reducionistas de objetividade derivadas da própria subjetividade humana,
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
294
designação de ciência ou arte, são superadas pela permeável referência do pensar
em algo ainda ausente. Essa projeção de realidade é única no gênero humano e
característica essencial do ser que constrói artefatos na relação que se estabelece
entre o ser de reflexão e o ser que busca conhecer pelo pensar – momento-
monumento audacioso da singularidade humana, a transgressão do instinto para o
ser de reflexão, a transgressão entre o dilema de ser um e o de ser muitos.
2.1.5 O homem como território do mundo humano
O homem, como multidimensional, é um ser social, um ser político, um ser
econômico, um ser artístico, um ser espiritual, um ser ético, um ser plural e nesse
seu universo de saberes sabe não ser pleno em tudo: é a consciência de que as
suas várias dimensões somente são possíveis por meio da sua relação com o outro,
com outras culturas, com o conjunto de atividades sociais e individuais, para além
das formas biológicas. Assim, A comparação entre o homem e os animais, buscando
aquilo que é específico ao homem, decorre do fato de que toda e qualquer
concepção, que não feche intencionalmente os olhos e ouvidos para a ciência,
deverá considerar as origens biológicas do gênero humano. O homem é, antes de
mais nada, produto da natureza e, enquanto um ser natural, um ser vivo, não pode
viver sem a natureza, a começar pela natureza de seu próprio organismo (DUARTE,
1993, p. 65).
É pela consciência de suas ações que o homem define o seu destino. Essa definição
é a consciência própria da definição. Esse mesmo caráter de definição permite
rever, ampliar e mesmo transformar o anteriormente planejado. Esses
procedimentos envolvem-no em níveis de consciência sobre os processos de
humanização que, ao mesmo tempo que o liberta, pode aliená-lo da vida. No
entanto, em suas ações conscientes, é preciso considerar a totalidade de indivíduos
para não se configurar o conjunto social apenas por amostras, uma parcela, uma
abstração generalizada. É importante que cada indivíduo participe dos destinos dos
homens, sem o que apenas a alienação se configura e a humanização será apenas
uma retórica coletiva e concreta na unilateralidade. Logo, É uma ilusão, um erro,
supor que o „melhoramento‟ ético seja puramente individual: a síntese dos
elementos constitutivos da individualidade é „individual‟, mas ela não se realiza e
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
295
desenvolve sem uma atividade para o exterior, atividade transformadora das
relações externas, desde as com a natureza e com os outros homens – em vários
níveis, nos diversos círculos em que se vive – até à relação máxima, que abraça
todo o gênero humano (GRAMSCI, 1978, p. 47).
Ao definir seu destino, o seu vir-a-ser, o homem caracteriza suas muitas dimensões
a partir das transformações das suas atividades que, mesmo tendo o caráter de
individuais, concretizam-se pela externalização ao próprio homem. E assim o
homem se diferencia de outros animais porque se apropria de outros meios para
trabalhar a sua existência. Ao trabalhar a sua existência, que é a sucessão infinita
do humanizar-se por meio do seu corpo inorgânico – a natureza - , o homem define-
se como ser consciente de suas ações fundamentalmente pela existência de outros
e de sua especificidade como gênero.
As relações humanas são tecidas por complexidades justamente porque o ser
humano não é somente uma tipologia humana, somente social ou somente
econômico, mas sim multidimensional, com realidade sempre profunda em quem a
magia da vida não pode ser reduzida a compartimentos ou racionalidades
tecnoburocráticas. A multidimensionalidade humana é constituída também de uma
consciência humana que se constrói e se manifesta em diferentes níveis, os quais
estão intrinsecamente vinculados às suas condições materiais e sócio-culturais.
As ações humanas decorrentes dos diferentes níveis de consciência, apreendidos
historicamente, mostram-nos que “uma das maiores aquisições da consciência
contemporânea passou a ser a consciência dos limites” (MORIN, 1999, p. 49). E é
justamente pela consciência dos limites da ação humana que não experenciamos
somente isonomias, fenonomias4 e tempo de salto (Ramos 1989), mas também nos
exercitamos como seres conviviais. É esta multidimensionalidade humana, cuja
complexidade engendra racionalidades e poesia, que não comporta reduzir-se o
humano à promessa do progresso científico.
Nessa mesma dimensão tanto o ser econômico, político, social como o poeta, não
precisa se fechar no território restrito e confinado dos jogos de palavras e símbolos.
O poeta possui uma competência total, multidimensional, que concerne à
humanidade e à política, mas não pode se deixar submeter à organização política.
Sua mensagem política implica ultrapassar o político (MORIN, 1999, p. 39), porque
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
296
não cabem mais, na sociedade humana, espaços de anonimato nem de isolamento,
mas construções de coletividades, com todas as suas contradições, como espaços
éticos de responsabilidade e de convicções.
Essa ressignificação do território humano se faz necessária, em função de que,
talvez, estejamos perdidos num planeta suburbano, de um sol suburbano, de uma
galáxia periférica, de um mundo desprovido de centro. Mesmo assim, possuímos
plantas, pássaros, flores, assim como a diversidade de vida, as possibilidades do
espírito humano. Doravante, aqui residirão nosso único fundamento e nosso único
recurso possível (MORIN, 1999, p. 41).
__________________________________________________________________
4 Na dimensão das isonomias, também as “fenonomias são cenários sociais protegidos contra a penetração do mercado, e esse aspecto não deve ser desprezado, se se deseja compreender a natureza de uma fenonomia.” (RAMOS, 1989:152) As atividades plenas e que exercitam a autonomia do homem somente poderão ocorrer em espaços que conjuguem ações empreendidas pelo desejo próprio do homem na consecução de atividades pessoais consideradas por ele próprio como relevantes e de exercício da multidimensionalidade humana. A consciência social derivada da fenonomia busca construir novas sensibilidades sociais para as experiências possíveis da atividade fenonômica, de atividades automotivadas compreendidas e comprometidas em ações de individualidade, pelo esforço na consecução da realização da coletividade.
___________________________________________________________________
A reflexão originária dos níveis de consciência permitiu este ensaio sobre a dialogia
e as possibilidades humanas em suas múltiplas dimensões e não unicamente sobre
a possibilidade humana dominada e aterrorizada. O homem, em suas tecituras com
outros homens se faz sábio na consumação dos caminhos da sua autodeterminação
que inclui, entre as múltiplas possibilidades, a sua condição ética, afetiva, social,
econômica e poética.
Nesse contexto, o tempo irrefletido é somente o tempo do dever do trabalho. É
preciso transformar a dimensão substantiva em espaços isonômicos, nos quais o
homem possa constituir sua autonomia de trabalho e desfrutar de valores
emancipatórios. Logo, transformar a vida é transformar os ambientes institucionais
em tempos impulsionados pelas fenonomias.
O tempo de salto é um tipo muito pessoal de experiência temporal, cuja qualidade e
ritmo refletem a intensidade do anseio do individuo pela criatividade e auto-
esclarecimento. É um momento muito importante na vida de uma pessoa criativa e
perscrutora, isoladamente ou na companhia de outras pessoas igualmente
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
297
sintonizadas com o mesmo tipo de indagação. É o impulso temporal das fenonomias
(RAMOS, 1989, p. 169).
Na filogenia humana encontramos diagnósticos do constituir-se e do desenvolver-se
a partir do reconhecimento de várias existências temporais pelas quais a existência
do outro é ressignificada nas indagações. Assim, um mundo humano, delimitado em
seus enclaves sociais, é passível de construção pelo homem e como uma resposta
coerente às muitas indagações sobre o homem. A ontogênese humana constitui em
cada ser a descoberta de que é pelo outro que movemos nosso pensar e nossas
ações. Esses movimentos não nos remetem a nenhuma certeza, por vezes nos
colocam em diapasão com imensas incertezas e até mesmo com nossa imobilidade
face ao certo nível de alienação que constituímos. O tempo do salto é o tempo do
pensar sobre outras possibilidades, é o tempo da reflexão, de vislumbrar o depois e
não somente o hoje. O tempo do salto é uma construção solitária mediada por
construções coletivas em que o eu faz emergir o entendimento e a compreensão do
outro, na perspectiva do bem-estar e da eqüidade. O outro, como um signo que se
constrói em individualidades, na coletividade e superando o mundo dos absurdos –
capital e solitário - é possível construir a existência das relações do eu com a
totalidade em linguagens desconhecidas, mas que, por meio das relações
substantivas, são internalizadas. Esse desejo não é ingênuo, porque carrega em si a
participação da condição humana para uma sociedade humana, na qual a
convivialidade e as fenonomias constituem dimensões da vida humana.
2.2 O Trabalho como Produto Humano
2.2.1 O Trabalho e o complexo desafio de produzir-se humano
É claro que o homem quer ser mais do que apenas ele mesmo. Quer ser um homem
total. Não lhe basta ser um indivíduo separado; além da parcialidade da sua vida
individual, anseia por uma “plenitude” que sente e tenta alcançar, uma plenitude de
vida que lhe é fraudada pela individualidade e todas as suas limitações; uma
plenitude na direção da qual se orienta quando busca um mundo mais
compreensível e mais justo, um mundo que tenha significação (FISCHER, 1987, p.
12).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
298
A concepção de homem como um ser multidimensional permite aceitá-lo em toda a
sua plenitude e, no alcance dessa significação, como um ser de ação. E é a
consciência das suas múltiplas possibilidades de agir que o constitui como um ser
de cultura pela produção da sua vida. Produção essa que é definida pelas condições
materiais de sua existência, como ser histórico que produz e é produzido pela práxis
humana.
O homem, como um ser que trabalha, produz não somente para ele mesmo, mas
produz, nesse processo, a transformação do mundo em que vive. É, portanto, o
trabalho do homem que o distingue de outros animais, pela ação transformadora da
realidade existente.
Assim, o trabalho, como ação dirigida e intencional, produz o próprio homem. Nesse
processo, ele estabelece relações de convivência social, nas quais aprende a
dominar a natureza, gerando novas expectativas nas formas de prover sua
existência. É essa essência que caracteriza o homem e o diferencia das demais
espécies. Dessa maneira, o trabalho intencional e dirigido é que forma o homem
livre, o homem que fundamenta sua liberdade na perspectiva do seu trabalho. A sua
importância pode ser verificada a partir da concepção de que:
O trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em
que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu
intercâmbio material com a natureza como uma de suas forças (...)
Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica
sua própria natureza. (MARX, 1980, p. 202).
O trabalho, como modo de intercâmbio entre o homem e a natureza, levou o homem
a um certo tipo de comum unidade entre os homens e suas relações, e desta
maneira foi possível a organização das primeiras comunidades em que o homem
forjou processos de autoprodução. Faz parte da história associativa do homem o
percurso realizado desde as comunidades primitivas até a sociedade atual,
passando, assim, por processos de avanço e, ao mesmo tempo, por processos de
exploração do homem por outros homens. Neste sentido, é o homem, portanto, um
ser histórico que, ao produzir a si mesmo, produz o seu coletivo e, transformando a
realidade, produz sua cultura, pela produção de sua existência.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
299
Pelo modo primitivo de produção, o homem produziu socialmente com outros
homens a sua existência, extraindo bens da natureza e, ao produzir bens em
excesso, estabeleceu a divisão do trabalho. Ao apropriar-se da produção excedente,
criou a propriedade privada, instalando um determinado modo de produção,
caracterizado de um lado, por aqueles que produzem e, de outro, pelos que vivem
da produção excedente.
Esse sistema denominado capitalismo é um processo de exploração sofisticado, em
que grandes contingentes de seres humanos são divididos em classes sociais, nas
quais uns poucos possuem os meios de produção e, por conseguinte, são os donos
do capital, e a grande maioria são os possuidores apenas da força de trabalho como
modo de prover a sua existência, ou seja, os trabalhadores, os proletários, os
assalariados.
Das comunidades primitivas à livre concorrência, passando pelo capital monopolista
até a era da globalização, o modo de produção capitalista, por basear-se na
contínua exploração da força do trabalho humano, exclui dos trabalhadores os
benefícios e as vantagens que só o trabalho produz, e que, por mecanismos de
exploração, só uns poucos têm acesso. Dessa forma, os trabalhadores, por lhes
faltarem os meios materiais para produzirem mercadorias, passaram a vender sua
força de trabalho ao capitalista, mantendo-a vinculada ao capital. A produção
excedente e a divisão do trabalho reforçam no trabalhador idéias de que ele é
propriedade do capital, perdendo sua independência para submeter-se ao comando
do capital, que vai discipliná-lo.
No conjunto das circunstâncias, para produzir a sua existência, o trabalhador não se
realiza como gênero humano, como individualidade, por não ser detentor do
conhecimento do processo de produção do trabalho. Em primeiro lugar, porque não
lhe é permitido dominar todo o processo que torna estanque a produção, o que não
lhe possibilita conhecer a realidade sobre a qual executa determinado trabalho. Em
segundo lugar, porque não retornam ao trabalhador os benefícios da produção, mas
somente novas e maiores exigências lhe são requisitadas. O trabalho tornou-se,
assim, opressão, e não um fator de amplas aprendizagens e desenvolvimento
humano, fato que subjuga o trabalhador, fazendo-o incapaz.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
300
Assim, o trabalho, que é próprio do homem, como constitutivo em essência do seu
agir sobre a natureza, transforma-o num continuum, pelo modo dominante, num ser
produtor de sua existência pela produção de uma cultura externa, inorgânica à sua
compreensão e à sua omnilateralidade.
A compreensão do homem, como ser de ação, enquanto produtor, implica
reconhecê-lo como ser social, uma vez que o processo de transformação da
realidade objetiva, no transcurso do qual ele produz-se a si mesmo, se faz através
do conjunto de relações que o homem estabelece consigo mesmo, com os outros
homens e com a natureza. Estas relações são produto humano, e ocorrem no
tempo, em circunstâncias estruturais dadas em cada sociedade, que por sua vez
são também conformadoras. Assim, o homem deve ser entendido enquanto ser
social, histórico, produzido e produtor das circunstâncias (KUENZER, 1992, p. 69-
70).
Reconhecer o homem, também, como um ser social, implica reconhecer as
possibilidades de suas ações assim como o produto de sua produção histórica. Se,
por um lado, o homem é capaz de produzir-se em circunstâncias estruturais dadas
em cada sociedade, é também capaz de produzir mudanças, quer por vezes
qualitativas, quer por vezes dificultando a sua ação, todavia, sempre mediada pela
cultura também refeita.
A organização contemporânea da produção configura-se por um método que
incorpora os princípios da administração científica, o taylorismo refeito, flexibilizado
que, ao introduzir o cronômetro para decompor o tempo de cada trabalho, converteu
a essência humana em trabalho cronometrado, parcelado como unicidade da
dimensão do trabalho humano. Dessa forma, refletir o trabalho como dimensão
humana e perceber as mudanças nas suas formas de ser no mundo contemporâneo
implica ver e discutir as condições que o homem possui no modo vigente de produzir
trabalho e, de outro lado, as formas de exclusão no seu modo de produzir-se
humano.
2.2.2 O trabalho na realidade presente: apreensão de alguns elementos
constitutivos
Entendo o conceito de trabalho como toda e qualquer atividade desenvolvida pelo
homem que, na sua realização, amplia as condições de seu desenvolvimento e a
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
301
satisfação de todas as suas necessidades. O emprego é a tradução da existência de
um vínculo entre partes e entre interesses pelo qual condições são, de alguma
forma, aceitas; a ocupação é um trabalho que pode ou não ser potencializado no
emprego.
Nessas sínteses conceituais, incorporam-se diferentes concepções e diferentes
contextos nos quais o trabalho humano e sua concretização são compreendidos
pela sua amplitude ou por sua redução, quer potencializados no homem ou
expropriados do homem.
A existência de derivações conceituais sobre o trabalho delineia maneiras diferentes
na sua compreensão, contudo, sua essência é imutável. Do conceito adjetivado
infere-se a existência da divisão social do trabalho e dos percursos dessa divisão na
história da humanidade. Logo, se é procedente a afirmação de que homem e
trabalho são indissociáveis, o próprio conceito contém o caráter explicativo dos
movimentos conceituais que não são lineares na gênese histórica de constituição e
de desenvolvimento do homem como gênero e, como tal, homem que se faz de
trabalho, de emprego e de ocupação.
O trabalho, o emprego, a ocupação e outros arranjos conceituais imbricados, tais
como a profissionalização do homem trabalhador, trabalho formal e informal, entre
outros, estão à margem de uma melhor compreensão por não serem apreendidos no
contexto histórico de sua derivação. O homem é um ser histórico que traz em si,
mediante sua cultura, o registro de suas mudanças. A aceitação e a manutenção do
entendimento do homem como sujeito histórico não implicam a manutenção de
conceitos forjados em períodos distintos. A permanência no tempo de conceitos não
pode restringir ou imobilizar o homem nos avanços culturais, fato é que, em
diferentes formas e momentos, o homem sempre desenvolveu mecanismos de
prover sua existência. Não distantes do homem e do trabalho são instituídas as
relações de capital e trabalho e seus instrumentos de gestão da representação do
valor do trabalho e, mais tarde, de situações econômicas e financeiras nele contido.
Portanto, além da questão conceitual que permeia diferentes ideologias cuja
concretude é histórica, a operacionalização dos conceitos de trabalho, emprego e
ocupação, entre outros, é, na sociedade humana, invariavelmente, a tradução de
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
302
uma troca, mas que, de forma alguma, destitui a indissociabilidade como essência
humana.
Não obstante, o homem, na produção do seu trabalho, configura a história como
movimento de que é singular a cultura humana e sua busca incansável de novos
empreendimentos pelos quais provoca mudanças não somente nos diversos
contextos, mas também nas próprias necessidades do homem. As mudanças
acontecem desde as transformações nas maneiras de um trabalho ou em uma dada
situação específica até as construções do desconhecido, do antes não pensado.
Segundo Marx:
Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais
de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto da
melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em
realidade. No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes
idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material
sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em
mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de
subordinar sua vontade (MARX, 1980, p. 202).
O homem, ao produzir a sua cultura, produz a sua educação para a vida associada,
educação que se estabelece mediante relações de convivialidade, nas quais o seu
pensamento se antecipa à sua ação, convertendo-o em benefício da coletividade,
que é na individualidade a sua própria existência.
Assim como em outros períodos históricos, no mundo contemporâneo, as formas do
homem prover sua existência estão diretamente ligadas às suas condições
materiais, as quais possibilitam seu pleno desenvolvimento. As mudanças na forma
de produzir trabalho decorrem da superação dos estágios do conhecimento
produzido pelo homem universal, implementado numa sociedade e por ela aceito e
que, no entanto, refaz a cultura do trabalho, do emprego e da ocupação. A produção
do conhecimento e sua utilização pelo homem promovem inclusões e exclusões nas
maneiras de gerir o trabalho, refletindo em avanços e recuos aquilo que é próprio do
trabalho humano. A descoberta do fogo, a revolução industrial e, atualmente, a
utilização da informática e das maneiras de se apropriar e de fazer circular o
conhecimento mostram que o homem vem produzindo formas de substituir o
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
303
trabalho, como esforço físico, assim como vem reconceituando o trabalho frente às
adversidades dos avanços e dos recuos de seu desenvolvimento. Assim, a
substituição de diferentes formas do trabalho humano por processos tecnológicos
constitui também mudanças conceituais na concretização efetiva do trabalho. No
entanto, desde as mais rústicas formas até as mais robotizadas maneiras de
produzir trabalho, antes de seu resultado, de seu produto, está a essência humana
que o projetou, donde se volta a afirmar que homem e trabalho são indissociáveis.
O que instiga a discussão de alternativas possíveis e que sejam ao mesmo tempo
não agressivas à condição humana é a questão da mera substituição do esforço
físico pela máquina. Essa transposição linear é, em última análise, a substituição da
força de trabalho humano por processos mecânicos sofisticados que incluem a
exclusão do homem de contextos mais abrangentes. Defende-se impetuosamente
contra o desconforto pleno em casos de manutenção do dispêndio de esforço físico
na produção de trabalho, pois que o homem pode aproveitar a sua capacidade
criativa na elaboração de outras atividades infinitamente superiores à mecanização.
O avesso dessa transposição é que, mesmo longe das operações mecânicas, o
homem precisa ter intimidade com as diferentes formas de lidar com a produção de
novos saberes e assim ficar distante da linearidade das novas ocupações originadas
pela obsoletização do esforço físico. Essa transposição é linear e excludente porque
não produziu um contingente de trabalhos, de empregos, de ocupações para o
homem substituído; as relações do conhecimento permaneceram estanques e,
nesse sentido, reconceituar trabalho, emprego, ocupação, sem a sua existência
concreta, é apenas renomear a velha retórica, promessa não realizável do capital.
2.2.3 A produção flexível: um novo colapso para o trabalho
Na passagem dos processos de produção em massa para os modelos de produção
flexíveis foi possível perceber a incorporação das mudanças no interior das formas
produtivas, o que, por sua vez, alterou as exigências na vida do homem que, na
produção do trabalho, produz a sua sobrevivência. Ao entender-se que o trabalho é
centralidade na vida do homem, entende-se que homem e trabalho são
indissociáveis. Assim, nos espaços de construção-desconstrução, de produção de
trabalho, precisa o homem buscar formas de superação dos fenômenos intrínsecos
à condição humana.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
304
Ao constatar a migração da produção do trabalho do interior das fábricas para as
áreas da prestação de serviços verifica-se que a alteração que se processou no eixo
da produção de trabalho não abarcou a totalidade de trabalhos, de empregos e de
ocupações.
Desse modo, posso inferir que as mudanças que ocorrem no interior da produção
irão alterar significativamente a vida do homem, porque na reestruturação do
trabalho é visível a escassez das áreas que oferecem emprego. Mudanças também
ocorrem nas exigências do mercado consumidor, assim como provocam o
desemprego do trabalhador. Não estão desconsiderados os fatores que alteram,
principalmente nas sociedades capitalistas, as relações entre capital e trabalho, que
são precárias no universo global.
Ao entender o trabalho, o emprego, a ocupação e agora também a empregabilidade
como necessidades históricas, como aquilo que o homem utiliza para prover sua
existência, tem-se ainda a configuração do trabalho como centralidade humana.
Para ampliar a compreensão, na atualidade, de alguns fatores relacionados ao
trabalho e suas derivações é necessário abstrair um entendimento do
desenvolvimento do homem por meio das mudanças ocorridas, desde a cultura das
sociedades primitivas até o surgimento e as transformações da economia, assim
como observar os conflitos, os recuos e os avanços que relacionam o trabalho com
emprego, com ocupação e com a condição humana no limiar do tempo presente. Ao
refazer esse percurso histórico, indicio a necessidade de deslocar o olhar para
incorporar um novo conceito que é forjado junto com a reestruturação produtiva: o
conceito de empregabilidade.
No contexto atual das forças produtivas, a empregabilidade pode ser entendida
como um conjunto de capacidades e competências que tornam a pessoa capaz de
gerir o seu destino, inclusive provendo meios para sua subsistência, estando ou não
empregado. O conceito extrapola os valores de mercado, muito embora seu alcance
não esteja bastante claro para o homem comum (MENEGASSO, 1998, p. 171).
O sujeito, para ser capaz de gerir seu destino, precisa estar inserido num contexto e
estar de posse de suas experiências prévias, portanto, não deslocado de uma
realidade da qual queira participar. Assim, ao mesmo tempo que é capaz de
interpretar o momento presente e dar significados à construção de um projeto de
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
305
sociedade, necessita ressignificar os fenômenos sociais e estar ciente da delicada
consumpção de mudanças estruturais do vir a ser.
Estar de posse de experiências prévias atribui ao sujeito a condição de detentor de
algum saber, mesmo que artificial, porém não expropriado, o que lhe garante a
disponibilidade de articulação frente às situações de adversidade. Em vista disso, na
intranqüilidade de estar inserido no mundo do trabalho, do emprego, da ocupação,
poderá buscar alternativas reais de prover sua existência na sistematização de seus
saberes. Por outro lado, a inflexibilidade das instituições restringe a um grande
contingente humano o acesso às mais diversificadas formas de promover a sua
empregabilidade, o que tem implicações na redistribuição de subsídios para que
outros ampliem proposições iniciais. O acesso a que nos referimos mantém estreita
relação com a educação inicial de qualidade e com projetos de formação
continuada, que são condição indispensável na garantia do direito de livre arbítrio.
Não se considera aqui a transferência linear de responsabilidades para o trabalhador
na produção de sua empregabilidade, e sim, o desafio que se apresenta para a
geração de trabalho na busca da eqüidade de responsabilidades, nas questões
sociais macro abrangentes, assim como na estrutura de mundo e no estado geral
das coisas hoje existentes. É nessa perspectiva de eqüidade que precisa ser
acessado o conhecimento pelo homem trabalhador, que pode vir a ser o “cidadão
produtivo, aquele capaz de apreender e gerir uma realidade que tem como regra a
transitoriedade permanente” (MENEGASSO, 1998, p. 174).
No mundo contemporâneo, ao se buscar uma relação entre trabalho, emprego e
ocupação, é relevante considerar ainda a emergência de outra situação conexa ao
conceito de empregabilidade: o real enfrentamento do homem é o desafio do
desemprego. Na sociedade atual, é indubitável que fatores econômico-financeiros,
custo versus qualidade, continuidade do empreendimento, entre outros, fazem parte
das determinações que aumentam o índice do desemprego e que, no mesmo eixo,
produzem o surgimento da empregabilidade como barganha do trabalho assalariado,
do subemprego e da não ocupação. A precária situação do trabalhador que
necessita prover sua existência configura-se no desafio de prover sua
empregabilidade. O trabalhador apresenta-se muitas vezes sem condições
igualitárias para a apropriação dos novos saberes, da mesma forma que se defronta
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
306
com a ausência inconcebível das prerrogativas sociais dadas como condições
necessárias à constituição de sua identidade e cidadania. Essas condições apontam
para a co-responsabilidade das instituições culturalmente instituídas, assim como
imperativa também é a participação de toda a sociedade organizada contra a
deterioração da indissociabilidade humana.
O movimento do homem, da sua cultura e dos seus empreendimentos aproximou e
soldou o potencial do trabalho ao estatuto do emprego, de forma que vem se
tornando corrente a substituição de um conceito por outro. Os vestígios dessa
deformação - não há vagas - encontram-se expressos à vista em inúmeros painéis,
faixas, cartazes, placas, avisos em comunicações de toda ordem, em diversas
organizações do mundo.
Uma questão pertinente se impõe: não há vagas para quem? Assim como pertinente
é questionar qual é o contexto social no qual o desemprego se move? E ainda, qual
o contingente que engloba?
Essas questões não são foco de análise neste trabalho; no entanto, a contabilidade
como categoria de trabalho necessita considerar atentamente a tese da polarização
das competências que aparentemente situa-se entre o entendimento da polivalência
e o da politecnia. A polarização das competências demanda diferentes e desiguais
aportes de educação; para a grande maioria, excluída do emprego ou submetida a
trabalhos precarizados, formação simplificada, de curta duração e baixo custo. Para
os poucos que ocuparão os empregos existentes, relativos às tarefas de concepção,
manutenção e gerência, formação de maior complexidade, custo e duração
(KUENZER, 2001, p. 5).
O que se busca com a polivalência é uma ampliação da capacidade do trabalhador
para aplicar novas tecnologias, sem que haja mudança qualitativa desta capacidade.
Ou seja, para enfrentar o caráter dinâmico do desenvolvimento científico-tecnológico
o trabalhador passa a desempenhar diferentes tarefas usando distintos
conhecimentos, sem que isto signifique superar o caráter de parcialidade e
fragmentação destas práticas ou compreender a totalidade (KUENZER, 2000, p. 86).
Já com a politecnia o que se configura é o domínio intelectual da técnica e a
possibilidade de exercer trabalhos flexíveis, recompondo as tarefas de forma
criativa; supõe a superação de um conhecimento meramente empírico e de
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
307
formação apenas técnica, através de formas de pensamento mais abstratas, de
crítica, de criação, exigindo autonomia intelectual e ética. Ou seja, é mais que a
soma de partes fragmentadas; supõe uma rearticulação do conhecido,
ultrapassando a aparência dos fenômenos para compreender as relações mais
íntimas, a organização peculiar das partes, descortinando novas percepções que
passam a configurar uma compreensão nova, e superior, da totalidade, que não
estava dada no ponto de partida (KUENZER, 2000, p. 86).
A tendência da sociedade contemporânea situa-se na exigência cada vez maior de
mais conhecimentos para os que ocupam as poucas vagas ainda não precarizadas
na estrutura do emprego. Por outro lado, esta exigência demanda uma educação
mais generalizada para a grande maioria dos trabalhadores o que , no sistema atual
de ensino, confronta-se entre polivalência , que é uma forma mais elaborada da
racionalização técnica porque submete o trabalhador à contínua qualificação, porém
fragmentada, para dar conta de sua empregabilidade, e a politecnia, que para ser
realizada exige não apenas ter o domínio entre o ser e o acontecer dos fenômenos,
mas sobretudo é necessário conhecer a totalidade na qual o ser e o acontecer dos
fenômenos se constituem, que é histórica e que, portanto, somente é possível de
apreensão a partir das relações em que são produzidos.
A abrangência das questões acima implica cuidados na proposição de respostas
aligeiradas e não menos levianas face à indisponibilidade de dados quantitativos e
qualitativos que especifiquem um contexto dentro de uma totalidade. Não há uma
passagem tranqüila de uma resposta à outra sem a consolidação de uma análise
rigorosa de tais dados, assim como das dimensões e da íntima relação dessas
questões. Contudo, tais questões decorrem da derivação do trabalho e, como tal,
têm implicações na ausência deste. Assim, por dedução, se o trabalho é a maneira
do homem prover sua existência, sem trabalho, qual o destino desse contingente
humano?
Um desempregado, hoje, não é mais objeto de uma marginalização provisória,
ocasional, que atinge apenas alguns setores; agora, ele está às voltas com uma
implosão geral, com um fenômeno comparável a tempestades, ciclones e tornados,
que não visam ninguém em particular, mas aos quais ninguém pode resistir. Ele é
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
308
objeto de uma lógica planetária que supõe a supressão daquilo que se chama
trabalho; vale dizer, empregos (FORRESTER, 1997, p. 11).
Em meio a esse conflito, Menegasso (1998, p. 87) indaga: como se “poderá garantir
a sobrevivência das pessoas em tais condições?”
A essa pergunta converge uma diversidade de outras questões e de respostas
possíveis para um contexto específico e localizado, porém o desemprego está
mundializado e, no estado geral das coisas, qual é o caminho possível, de forma
imediata, a curto prazo e a longo prazo, para soluções adequadas? A obviedade nos
diz: produzir trabalho. No entanto, é necessário concretizar ações efetivas, imediatas
e com continuidade, pautadas em projetos viáveis e abrangentes. A engrenagem
central capaz de mover em direção contrária esse caos generalizado do não-
emprego é o planejamento e a concretização de um projeto de sociedade que faça
opção pela inclusão do todo social. A lógica para essa opção reside no fato de que
as mudanças que ocorrem nas relações de produção alteram também as relações
sociais, as quais, por imperativo da subjetividade humana, são imprevisíveis.
Quando, no limite dos níveis de consciência, o homem trabalhador encontrar-se sem
trabalho, dissociado dele pela sua ausência, como reagirá? Portanto, é o homem o
sujeito que movimenta seu destino com ações de autonomia, podendo fazer,
inclusive, a sua opção de finitude histórica.
A não finitude histórica do gênero humano envolve a destituição do histórico
discurso político e a erradicação da exploração do homem pelo próprio homem em
benefício da harmonia humana. Essa não é uma visão romântica da barbárie
instalada, tampouco é uma futurologia ficcionista e radical ideológica, mas imprime o
caráter indissociável da natureza da atividade humana à condição de socialização
das suas conquistas. Socialização esta que deve incorporar as mais abrangentes
ações de ética e de democracia, porque:
Desemprego e “tarefas menos qualificadas” são, para os trabalhadores, a via de um
mesmo processo: exploração. A alternativa de trabalhar menos, o „tempo liberado‟
para que todos possam trabalhar é a via sugestiva do próprio capital, pois o seu
processo contínuo de conceber homem e máquina como um único objeto da
produção irá manipular formas de tornar obsoleto o tempo liberado. Trabalhar
menos, no modo de produção vigente, para que mais pessoas trabalhem, é ampliar
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
309
as formas de produzir mais-valia e não, em hipótese alguma, liberar o homem no e
do trabalho (LAFFIN, 1996, p. 36).
As mudanças que percorrem as relações produtivas e que alteram significativamente
a vida humana nas diversas formas das relações sociais envolvem decisões que
afetam não somente a organização do trabalho, mas a apreensão dos significados
que isto representa na recuperação do homem de emprego e na empregabilidade do
gênero humano. Em qual ideologia racional encontra-se a lógica para decretar o fim
do emprego ao mesmo tempo em que não há origem de recursos para a
manutenção do homem? Polêmico e irredutível, esse questionamento defronta-se
com toda noção de modelos de homem, com a diversidade de níveis de consciência
plena desde a hominização ao gênero, a multidimensionalidade, a omnilateralidade
humana. Nesse sentido, Menegasso refere que:
As polêmicas em debate são muitas e cruciais para a sobrevivência da população
mundial. Parece que a humanidade se encontra na encruzilhada da história entre
dois cenários: de um lado, um cenário positivo, mágico e cheio de promessas e de
certezas; de outro lado, negativo, incerto, irreal, singular, complexo e repleto de
armadilhas.
Todavia é importante que se decida o que fazer perante esses dois cenários, pois o
caminho escolhido nesta transição poderá levar a um porto seguro ou a um terrível
abismo, dependendo de como a civilização irá se preparar e das opções que se
fizerem para a era pós-mercado que virá logo após a terceira revolução industrial
(MENEGASSO, 1998, p. 99-100).
Mais do que definir apenas diferentes conceitos ao abrigo da ciência ou de
sistematizar as mudanças conceituais, é imperativo desenvolver uma nova
concepção de trabalho a partir de novas formas de organizá-lo, que permita
encaminhar a superação da alienação do trabalhador possibilitando-lhe participar do
fruto do seu próprio trabalho, das decisões sobre ele e dos benefícios da cultura
contemporânea. Uma das condições para que isso ocorra é a reapropriação do
saber por todos os que dele foram historicamente excluídos (KUENZER, 1989, p.
16-17).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
310
A apropriação do trabalho deve se dar nos espaços de sua produção e nas relações
da sua construção através do conhecimento socializado pela cultura e pela
educação ampla e irrestrita.
Ao homem, com suas habilidades e competências do pensar, é possível refazer a
concretude do trabalho e do não-trabalho quando acessa as disponibilidades das
condições da empregabilidade. Nas forças produtivas do capital, o conceito de lucro
precisará ser ampliado para o conceito de resultado, que quer dizer condições de
inclusão e de qualificação dos sujeitos.
O fenômeno da globalização não responde de forma objetiva à questão do trabalho,
apenas amplia o fosso do problema. Assim, se uma comunidade específica
encontrar adequações emergenciais para seus problemas de trabalho , emprego,
ocupação e renda, terá como tendência voltar-se para seu mercado como um dos
espaços possíveis de realização humana. Nesse tipo de sociedade, a gestão social
poderá indicar mudanças comportamentais e novas concepções de mundo e de
sujeito.
Para organizar a sociedade complexa e os modelos nela organizados, é preciso
elaborar alternativas concretas e contínuas para resolver questões emergenciais e,
para tanto, é preciso apoiar-se no princípio indissociável homem-trabalho.
A revolução tecnológica necessita promover a revolução para os benefícios sociais,
sem os quais não haverá desenvolvimento econômico, político, social e cultural:
O trabalho, como algo complexo, é a relação que o trabalhador insere entre ele
próprio e seu objeto de trabalho, utilizando todo seu organismo, bem como as
formas mecânicas para produzi-lo. O trabalho sem ser estranhamento é o apropriar-
se da concepção e da execução do próprio trabalho e, por conseguinte, do processo
de produzir o trabalho (LAFFIN, 1996, p. 41).
Nos espaços de realização humana, tanto o emprego, como a ocupação, assim
como a empregabilidade são decorrências da atividade humana; assim o homem
pelo trabalho, na relação com a natureza, em seu conceito abrangente de condição
humana, possibilita a transformação da natureza para além das suas necessidades
de sobrevivência do homem, transformando a si pelos valores de uso. No entanto,
para o capitalismo e no capitalismo, por manter os meios de produção e assim
retendo pelo assalariamento a força de trabalho humano, o trabalho converte-se na
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
311
produção de valor de troca, alienando e desqualificando o homem em suas relações
sociais, submetendo-o assim, a objeto pelas condições de precarização aliadas a
constantes exigências.
Dessa forma e no movimento próprio da dialética, a discussão aqui realizada
pretendeu distinguir essas diferentes conceituações por vezes distanciadas do
trabalho. Assim, o conceito de trabalho, de emprego, de ocupação associado à
categoria trabalho, assume hoje os contornos da empregabilidade. Conforme
Menegasso:
Como decorrência das transformações que vêm ocorrendo, a concepção de
emprego entra em declínio e, em seu lugar, passa-se a utilizar o entendimento de
empregabilidade. Tal como o significado da palavra trabalho, também o
entendimento do que significa empregabilidade é, ao mesmo tempo, cristalino e
turvo. Para alguns, representa a expressão do potencial e oportunidade de viver
livremente as escolhas, com competência, garantindo a própria sobrevivência. Para
outros, representa a insegurança, o medo e a busca permanente de trabalho para
sobreviver (MENEGASSO, 1998, p. 168).
As mudanças no modo de produção robotizado, conseqüência da necessidade de
manutenção do capital monopolista, fazem diminuir drasticamente o emprego
estrutural. Com a diminuição do emprego, a exploração da força de trabalho se dá
pela qualificação exigida do trabalhador. Como nem todos têm acesso à qualificação
profissional por meio de um sistema de escolarização que garanta esse contínuo
educar-se para o trabalho, evidencia-se, ainda, a concorrência do capital sobre os
trabalhadores mais preparados. É a velha fórmula da exploração, agora reformulada
no conceito da qualidade total na produção e ampliada para a empregabilidade.
O homem produz trabalho tanto no emprego, na ocupação, como na
empregabilidade. A necessidade está em construir e partilhar uma sociedade de
inclusão social. Ressalto A empregabilidade é uma atitude adotada no presente,
preparando a forma de como viver o futuro, vivendo o hoje, ao mesmo tempo
preparando o futuro, ao mudar o presente. Assim, o desafio atual passa a ser a
construção social da empregabilidade (MENEGASSO, 1998, p. 171).
No entanto, ao defrontar-se com a polarização das competências, situando em um
extremo a polivalência e em outro a politecnia, o homem como produtor de trabalho,
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
312
destituído das condições de apropriação da sua realidade histórica, fica inviabilizado
de produzir a sua empregabilidade. Embora o discurso do capital seja de que todos
devam possuir competências para o trabalho flexível, são poucos os espaços que
requerem o trabalhador flexível qualificado. A maioria dos espaços de trabalho hoje
existentes são tediosos, caracterizados pela incapacidade de desenvolvimento
intelectual.
Nesse contexto, o conceito de empregabilidade não se situa como categoria central,
mas como decorrente de uma nova concepção de formação para o trabalho
acoplado à exigência de polivalência e não de politecnia; portanto, um novo
reducionismo das possibilidades de multidimensionalidade humana.
Nesse momento, os conhecimentos produzidos para as mudanças irreversíveis das
tecnologias precisam promover a empregabilidade, no sentido de uma sociedade do
trabalho que entenda a inclusão do trabalhador. Empregabilidade que seja
decorrente do amplo acesso ao conhecimento, disponível à totalidade do gênero
humano, decorrente de uma educação de qualidade, historicizada pela cultura
humana. Assim, a preocupação não deve estar centrada na velocidade das
transformações decorrentes da robótica, mas na urgência em devolver ao homem
seu sentido histórico de vida que está na centralidade da categoria trabalho, assim
como na apreensão de sua constituição histórica.
2.3 Organizações contemporâneas: organizações possíveis
2.3.1 Metamorfoses e desafios exaurindo fronteiras
As instituições constituídas pela cultura humana a partir de contextos específicos e
localizadas em tempos históricos formam a expressão desse contexto e desse
mesmo tempo a partir das atividades desenvolvidas na vida produtiva e social e nas
instituições, por meio das rotinas da vida cotidiana.
A vida cotidiana, marcada pela racionalidade instrumental, permanece presente nas
instituições da sociedade contemporânea. As instituições, por seu caráter público
e/ou privado, adotam maneiras próprias na consecução de seus objetivos. Na
atualidade, o fenômeno da globalização assenta-se no paradigma da economia
mundial e, ao exaurir o seu alcance, delineiam-se alguns beneficiários: potências
políticas e megacorporações com caráter hegemônico, de novas exigências.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
313
Também por um discurso hegemônico é caracterizada como irreversível e inevitável
devido aos avanços tecnológicos. No entanto, a globalização não está imobilizada
devido a diferentes procedimentos de análise, o que significa não emudecer perante
céticos valores e dogmas que intrinsecamente avançam aumentando as
desigualdades sociais, mas procurar uma compreensão diversa de organizar a vida
social e produtiva.
Ao analisar a passagem da modernidade à pós-modernidade na cultura
contemporânea, a partir das teorizações existentes e utilizadas para a acumulação
do capital, bem como sobre as fontes de poder social, Harvey (1994) afirma que nas
últimas décadas vem ocorrendo uma mudança abissal nas práticas culturais e
político-econômicas sem, contudo, indiciar mudanças profundas no modelo de
sociedade vigente e, por conseguinte, as transformações que ocorrem no âmbito da
sociedade pós-industrial são de mera aparência, em função de que o „triunfo‟ da
sociedade moderna assenta-se nos valores antigos e eternos.
Harvey argumenta que o progresso aparente se dá por uma junção de diferentes
fragmentos, nos quais as rachaduras nos espelhos não podem ser muito grandes e
as fusões nas extremidades podem não ser muito marcantes, mas o fato de todas
elas existirem sugere que a condição da pós-modernidade passa por uma súbita
evolução, talvez alcançando um ponto de autodissolução em alguma coisa diferente.
Mas o quê? Não é possível dar resposta fazendo abstração das forças político-
econômicas que ora transformam o mundo do trabalho, das finanças, do
desenvolvimento geográfico desigual etc. As linhas de tensão são bem claras
(HARVEY, 1994, p. 325).
No percurso das mudanças que ocorrem, quer no âmbito da nossa atividade
profissional cotidiana, quer no âmbito das teorizações decorrentes de estudos e
pesquisas, é questionável a percepção do delineamento de tais mudanças para todo
o gênero humano, em todas as organizações e das formas de como sabem lidar
com estas transformações que simultaneamente são futuristas e presentes.
Na existência inegável de crenças e valores presentes na sociedade atual
apresentam-se tendências variadas, analisando-se as alterações na economia,
devido às novas tecnologias, às quais as grandes corporações e o mercado, em seu
ritmo de prosperidade e de recessão, tendem a se adequar. Em sentido contrário,
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
314
Toffler (1990) mostra que as mudanças que estão ocorrendo no mundo não são
apenas de ordem econômica e tecnológica, que envolvem todos os aspectos da
civilização humana, e que estamos em meio a um processo genuíno de inventar
novas formas de gerar riquezas e que isto vai afetar todos os aspectos da
sociedade.
Outros fatos são analisados por Thurow (1997) e que se apresentam como desafios
às mudanças, como por exemplo a destituição das sociedades comunistas, como o
caso da soviética, e, por conseguinte, da inserção de novos milhões de pessoas à
sociedade capitalista, imprimindo a estas o que desse modelo é próprio. Como se
pode perceber, nas mais rigorosas expressões da ética capitalista, crime é
simplesmente mais uma atividade econômica, que por acaso tem um alto preço
(prisão) se o criminoso for apanhado. Não existe nenhuma obrigação de obedecer à
lei.
Não existe nada que alguém „não deva‟ fazer. Deveres e obrigações não existem.
Só existem as transações no mercado (THUROW, 1997, p. 208).
Por meio da sua reflexão é possível concluir que a inexistência de modelos
diferentes ao do capitalismo, o que o caracteriza como modelo único e solitário,
provocará sua implosão por sua lógica interna. Outro exemplo citado por Thurow
refere-se ao fenômeno do fundamentalismo religioso que há de vir, pela busca de
um sentido de vida livre de opressões para o gênero humano.
Schaff (1993), ao analisar o mundo atual, suas instituições e as mudanças que estão
ocorrendo na sociedade moderna, apresenta projeções que, segundo ele, irão
ocorrer nos próximos 50 anos. Suas projeções indicam alterações na cultura
humana a partir da busca de um sentido de vida por meio da valoração da
espiritualidade e do lazer. Sua análise funda-se no que chama de revolução
microeletrônica, que mudou o padrão de produção industrial e que provocou um
exército de reservas do qual toda a sociedade terá que dar conta.
Assim, ao lado do desaparecimento do trabalho, no sentido tradicional da palavra, a
mudança cultural será certamente a conseqüência social mais importante da
segunda revolução industrial. Em minha opinião, a sociedade informática escreverá
uma nova página na história da humanidade, pois dará um grande passo no sentido
da materialização do velho ideal dos grandes humanistas, a saber, o homem
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
315
universal, e universal em dois sentidos: no de sua formação global, que lhe permitirá
fugir do estreito caminho da especialização unilateral, que é hoje a norma, e no de
se libertar do enclaurusamento numa cultura nacional, para converter-se em cidadão
do mundo no melhor sentido do termo (SCHAFF, 1993, p. 71).
Schaff aponta para a necessidade de uma ética humana na revolução
microbiológica, que tem desdobramentos na engenharia genética e na revolução
energética, acarretando mudanças na vida individual e coletiva. Aponta também
para a ciência que, ao se transformar numa força produtiva, explicita a necessidade
de produzir um sentido de vida para as pessoas dentro da organização social no
âmbito de toda a civilização humana.
Em nível mais restrito, mas não menos importante, Reich (1994), a partir da análise
do desenvolvimento das nações ricas, tendo como campo de análise a sociedade
americana, apresenta algumas projeções para as potencialidades da sociedade
brasileira. Ao situar as novas organizações dentro da teia global, acentua que o
capital decorrente da capacidade criativa, tanto quanto financeira, pode vir a
deslocar-se de qualquer lugar e ser agregado instantaneamente. Com isso, alerta
para o ajuste necessário das empresas às condições e qualidade de vida de seus
cidadãos, bem como para a sua inserção no contexto global. É enfático ao afirmar
que sem investimentos na educação o Brasil não conseguirá promover o bem-estar
social, nem se diferenciar dos países analfabetos. Aponta para as transformações
nas empresas, desde as megacorporações até a formação de redes empresariais
em função do ajuste à permeabilidade dos avançados sistemas de comunicações.
No âmbito específico das organizações, Senge (1998) diz que vivemos mudanças
institucionais sem precedentes desde a era industrial, e que diante da complexidade
organizacional há necessidades de se considerar o pensamento sistêmico como
reflexão e como instrumento nas organizações que aprendem e pensam dentro do
universo atual. Para esse autor, a aprendizagem necessária à continuidade das
organizações decorre de um esforço caracterizado pela capacidade de trabalho
coletivo. Uma das propostas de Senge refere-se aos modelos mentais que,
conforme ele, determinam não apenas a forma como entendemos o mundo, mas
também como agimos nele. As concepções de Senge sobre modelos mentais
baseiam-se em pressupostos do cognitivismo; no entanto, avançam no sentido de
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
316
pensar a organização como colaborativa nos processos de aprendizagem, não
somente das próprias organizações, mas fundamentalmente da inteligência humana.
Considerando o fator tempo para as tomadas de decisão em organizações já
inseridas em contextos transitórios, Mintzberg (1995) não considera a racionalidade
como questão exclusiva, mas aposta em uma administração que esteja articulada e
que considere as sutilezas de criatividade do pensamento humano. O autor destaca
a estrutura organizacional em cinco partes: núcleo operacional, linha intermediária,
cúpula estratégica, tecnoestrutura e assessoria de apoio. O que interessa ressaltar é
o caráter das alterações na concepção de trabalho dentro da organização, através
da qual a intuição e a criatividade ocupam espaço na execução de atividades. Na
estrutura apresentada por Mintzberg, o núcleo operacional - as pessoas que
executam o trabalho -, mantêm, na dinâmica do planejamento e execução, uma
participação direta na produção de bens ou de serviços e na direção estratégica. Na
manutenção de uma hierarquia e na divisão de atividades, essa participação do
núcleo operacional na missão da empresa permite uma autonomia no modo
operacional, o que demonstra uma certa mudança na maneira de perceber o homem
no trabalho.
De forma análoga a esses embates organizacionais, Kaplan e Norton (1997), ao
analisarem as estratégias e métodos existentes para avaliar o desempenho
empresarial, concluem que estes são insuficientes frente ao panorama de alta
tecnologia utilizada nas organizações modernas e que será impossível competir em
desempenho utilizando a gestão do passado. Acrescentam que os modelos, tanto no
nível estratégico quanto operacional hoje existentes e ainda utilizados por muitas
empresas, não são adequados às rápidas exigências das realidades empresariais.
Assim, modelos dinâmicos de decisão necessitam acessar e compreender uma
diversidade possível de estratégias e ações. Não distante do modelo de análise e de
estratégias está a percepção de que não apenas o modelo está superado, como
também superada está a ausência do homem nas atividades da vida cotidiana e das
diferentes organizações.
No recorte teórico configurado, refletem-se intrinsecamente acontecimentos das
últimas décadas, os quais mostram que as transformações ocorridas no âmbito da
ciência, e, por conseguinte, das tecnologias imprimiram mudanças na forma do
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
317
gênero humano organizar a vida produtiva e social. Essas mudanças atingiram
predominantemente as sociedades capitalistas, em que novas exigências são feitas
de maneiras conjugadas para a sua articulação interna e de manutenção, visando
dar conta da estrutura em movimento com acenos de prosperidade, porém,
acentuando muito mais os recuos do sistema nas bases de sua promessa de bem-
estar social.
Não obstante, é perceptível que as diferentes formas de organização da vida social
e o desenvolvimento do capitalismo requerem das instituições simples ou complexas
uma forma de organização ou de controle para sua subsistência.
As organizações, tanto públicas quanto privadas, com atuação em diferentes áreas
da sociedade centrada exclusivamente no mercado, utilizam-se dos recursos
oriundos dos contextos históricos específicos, bem como da produção universal que
lhes são pertinentes, tendo em vista a adaptação às exigências de sua continuidade.
O capitalismo contemporâneo, modelo predominante de organização da vida social,
imprime aos diferentes sistemas de produção das diversas organizações uma
dimensão de reorganização nas maneiras de gestão da vida produtiva, visando sua
continuidade, associada aos movimentos da estrutura, no que, em alguma medida,
cabem intervenções, no sentido de um novo desenho de sociedade, não como
possibilidade regionalizada, mas antes globalizada.
Nesse contexto abrangente, contraditório e instável, as mudanças da história
administrativa como um sistema de cultura elaborado pelo homem busca decifrar
modelos na organização dos empreendimentos. Nesses modelos, uns refazem-se
continuamente mantendo, contudo, sua lógica interna, enquanto outros, por não
estarem adequados ao modelo operante, são completamente substituídos,
imprimindo não apenas mudanças nos métodos ou modelos, mas sobretudo nas
dimensões do potencial humano.
Discorrendo sobre os novos paradigmas econômicos e sócio-culturais acima
descritos, ainda marcados pela racionalidade econômica, Kuenzer (1998) os
sintetiza de forma crítica, o que transcrevo com o intuito de salientar as contradições
desse processo de mudanças, metamorfoses e desafios, pois entende que a
globalização da economia e a reestruturação produtiva, enquanto macroestratégias
responsáveis pelo novo padrão de acumulação capitalista, transformam
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
318
radicalmente esta situação, imprimindo vertiginosa dinamicidade às mudanças que
ocorrem no processo produtivo, a partir da crescente incorporação de ciência e
tecnologia, em busca da competitividade. A descoberta de novos princípios
científicos permite a criação de novos materiais e equipamentos; os processos de
trabalho de base rígida vão sendo substituídos pelos de base flexível; a
eletromecânica, com suas alternativas de solução bem definidas, vai cedendo lugar
à microeletrônica, que assegura amplo espectro de soluções possíveis desde que a
ciência e a tecnologia, antes incorporadas aos equipamentos, passem a ser domínio
dos trabalhadores; os sistemas de comunicação interligam o mundo da produção
(KUENZER,1998, p. 37).
No contexto dessas configurações e inferências, são necessárias intervenções, que
vão desde os discursos aqui configurados por sua sistematização metodológica, às
ações que estão ao nosso alcance, visando a efetivar o conhecimento produzido
pelo homem universal na perspectiva de superação do processo de hominização,
desde as projeções aqui delineadas até o exaurir-se das fronteiras do sonho antes
isolado.
No estágio atual da vida humana, percorrendo todos os seus enfrentamentos e as
conquistas partilhadas, vejo as mudanças dos meios tecnológicos e
simultaneamente dos meios de comunicação como o que tem causado maior
impacto na vida social organizada, porque altera fundamentalmente a maneira de o
homem produzir trabalho, com conseqüências imediatas de barbárie para a
condição humana.
Se o trabalho é central na vida do gênero humano, pelo qual ele se constitui e forma
sua cultura, que se amplia nas suas relações sociais, então o estágio atual da vida
social consiste no maior desafio do gênero humano. Suponho serem necessários
contínuos enfrentamentos pelos mesmos caminhos da ciência para combater a
pregação da individualidade e a negação das conquistas sociais a um grande
contingente da população mundial, marcada não somente pela perda de sua
referência mas, principalmente, por um tipo de racionalidade que tem configurado as
organizações sociais.
3 O CONHECIMENTO CONTÁBIL E A LEGISLAÇÃO DO ENSINO
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
319
A contabilidade, como qualquer área de conhecimento humano, sempre esteve
associada ao próprio progresso da humanidade, em termos de benefícios que são
oferecidos à sociedade, decorrentes dos aperfeiçoamentos tecnológicos
surgidos.(GOMES, 1986, p. 22).
O homem, como ser genérico no processo de seu desenvolvimento, vai marcando e
construindo a história pelo movimento dos recursos que utiliza, reinventando sua
maneira de ser.
No confronto de sua maneira de ser com as suas diferentes necessidades vai
tecendo maneiras de prover a sua existência, assim como produz saberes e formas
de lidar com os conhecimentos.
A invenção primitiva dos instrumentos como meio de realizar suas atividades
consistiu numa conquista do homem que o impulsionou à transformação do
ambiente em que se imprimiram maneiras de viver. Por sua vez, essas
transformações necessitaram de métodos e técnicas que lhe propiciassem um
resultado dessa sua atividade. O conjunto dessas atividades no curso do fazer-se
em desenvolvimento, denominou-se trabalho, essência indissociável das diferentes
maneiras de sua sobrevivência. Das relações de trabalho e do manuseio de
instrumentos surge sua cultura, que o explicita no tempo e no espaço como um ser
de conquistas ilimitadas.
Como a cultura de um povo se refaz pelo refazer do próprio tempo, igualmente a
contabilidade teve fases distintas na história de sua constituição.
A contabilidade, como área de conhecimento, surgiu da técnica de controle da
riqueza possuída e administrada e, deste modo, imprime a sua praticidade na
história do homem. Assim, podemos verificar na literatura específica que a
contabilidade tem sua origem e desenvolvimento na própria história do homem.
Encontramos na literatura contábil momentos distintos que mostram as várias etapas
do desenvolvimento da contabilidade como um saber ou como instrumento de
controle da riqueza administrada, ou seja, das formas de apropriação do homem
sobre bens e serviços mediante os registros e os controles e que tomam formas
mais apuradas na conseqüente dimensão das relações que caracterizam o ato de
comércio.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
320
Segundo Gomes (1986), a contabilidade sempre esteve associada ao progresso do
homem. Nesse entendimento, torna-se difícil demarcar datas histórias nas quais a
contabilidade, como área do conhecimento, impõe-se ao cotidiano das ações de
comércio. A despeito de autores e datas diferentes, fiz a opção por períodos para
configurar em sínteses seu percurso como área do saber. Tais sínteses estão
ancoradas nos estudos realizados por Lopes de Sá (1997), Hendriksen & Van Breda
(1999) e Scmidt (2000).
No período compreendido entre os anos 6000 a.C. e 1202 d.C., a escrituração,
como forma de registro e controle, dos negócios da época, era feita em tábuas de
argila. Essa maneira de registrar os negócios foi encontrada nas civilizações
sumério-babilônica, egípcia e fenícia, entre outras. Nas tábuas de argila eram
demonstrados os objetos, números e sua relação como posse das pessoas. Mais
tarde, a pictografia, maneira de representação dos objetos da realidade mediante o
desenho do animal ou objeto, passou a representar o controle e o registro de
determinado bem. Nesse período, a contabilidade se manifestava pela simples
anotação dos fatos sem, contudo, apresentar qualquer método ou princípio; era tão
rudimentar quanto a cultura de comércio da época. Essa é considerada a era
empírica da contabilidade.
Atualmente, os registros e o controle são realizados mediante a denominação
técnica de conta para caracterizar as especificidades do bem, assim como dos
eventos contábeis ocorridos.
O período que compreende a sistematização da contabilidade é assinalado entre
1202 e 1494. Nessa época surgem os primeiros livros para a escrituração através do
método das partidas dobradas. Alguns desses livros registravam as entradas,
saídas, inventário e receitas decorrentes dos fatos administrativos que se
caracterizavam em negócios da época, sendo que os primeiros vestígios de
contabilidade organizada foram encontrados em Pisa. Porém, o fato de maior
importância desse período, e que se mantém em nossos dias, é a escrituração, feita
através do método das partidas dobradas.
O método das partidas dobradas consiste no princípio fundamental de que não há
devedor sem que haja credor e vice-versa, o que significa que para cada débito
existente há um crédito de igual valor. Dessa forma, a soma dos débitos
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
321
corresponde invariavelmente à soma dos créditos. Esse princípio determina uma
equação: o valor do Patrimônio Líquido é a diferença existente entre o valor do ativo
e o valor do passivo.
A terceira etapa do desenvolvimento da contabilidade caracteriza-se como fase
moderna ou fase da Literatura Contábil, que se situou entre 1494 e 1840. Essa
literatura desenvolvida seguiu basicamente o método das partidas dobradas, de
Veneza. Apesar de o método não ter sofrido qualquer modificação significativa
desde a sua exposição em 1494, os processos por meio dos quais o método é
aplicado apresentaram um desenvolvimento complexo e hoje se encontram num
nível de aperfeiçoamento alinhando-se às facilidades do desenvolvimento da
informática. É por volta de 1803, até 1840 que se inicia a discussão do caráter
científico da contabilidade, bem como a publicação de obras sobre a contabilidade
aplicada à administração pública e privada.
De 1840 até os dias atuais temos a quarta etapa, considerada a era científica da
Contabilidade. Novas doutrinas contábeis surgem e colocam em discussão os
princípios adotados para a análise da riqueza administrada.
A partir de 1840 entram em confronto a teoria da Escola italiana e a teoria norte
americana, que constituem a essência da atual literatura contábil. A escola italiana
empregou demasiada ênfase na demonstração da cientificidade da contabilidade,
enquanto a escola norte americana buscou solidificar uma teoria que contemplasse
o desenvolvimento da teoria e prática contábeis, objetivando que a contabilidade se
tornasse um instrumento útil na tomada de decisões acerca do patrimônio
administrado e caracterizando-se pela constante preocupação em evidenciar com
clareza a informação contábil aos seus diferentes usuários.
Frederico Herrmann Junior, no livro intitulado “Contabilidade Teórica”, datado de
1936, e que em novas edições ostenta o título “Contabilidade Superior”, destina o
primeiro capítulo da obra à distinção entre ciência e arte, buscando demonstrar o
caráter científico da contabilidade. Para tanto utiliza o conceito de E.Ranieri sobre a
distinção entre ciência e arte, dizendo que a ciência, no pensamento, é um sistema
de conhecimentos e a arte, um sistema de ação, que interdependem, porque a
ciência tem necessidade da arte para ser útil à vida e dirigir a marcha das coisas
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
322
humanas e a arte se apóia na ciência para tornar-se esclarecida e consciente dos
seus fins e da sua potencialidade (RANIERI, apud HERMANN JUNIOR, 1978, p. 23).
Mediante esse entendimento, Herrmann Junior sugere que a contabilidade deva ser
estudada em princípio como um sistema de conhecimentos a respeito dos fatos que
lhe constituem o fundamento e, depois, como conjunto de preceitos que permitem
adaptá-lo às conveniências humanas (HERMANN JUNIOR, 1978, p.24).
Ao ser considerada uma ciência, a contabilidade passa a fazer parte do grupo das
Ciências Políticas e Sociais, por possibilitar o estudo das estruturas sociais bem
como das leis de seu funcionamento e de seu desenvolvimento. A busca da
cientificidade contábil tem origem na ausência de tradição filosófica do conhecimento
científico entre os profissionais da área contábil. Assim, durante longo período, entre
a discussão e a comprovação de sua cientificidade, o que imperou e configurou a
sua utilidade, foi o seu pragmatismo, sendo um instrumento de administração dentro
de uma estrutura organizacional.
Na esfera mundial, mais precisamente por volta de 1929, com a quebra da bolsa de
valores de Nova York, a contabilidade foi chamada a reorientar seus demonstrativos
contábeis, tanto na forma quanto no conteúdo, fazendo evidenciar com clareza,
inclusive periodicamente, as reais condições nas quais um determinado patrimônio
se encontrava.
As mudanças ocorridas no Brasil a partir de 1930, com o desenvolvimento industrial,
fizeram com que novos horizontes se projetassem sobre a área da administração.
Nesse sentido, a contabilidade foi chamada a inserir-se nessa nova regulagem do
mercado.
Dessa forma, na década de 50 é regulamentado no Brasil o mercado de capitais e
toma grandes proporções o processo inflacionário, ficando patentes a importância da
contabilidade como um elemento gerenciador das decisões e a necessidade da
escrituração contábil abranger novos espaços e adotar novas formas de evidenciar
um patrimônio. Assim, a contabilidade, como área do conhecimento, foi chamada a
redefinir sua utilidade para um panorama empresarial que se consolidava na
estrutura da sociedade capitalista.
Essas mudanças na estrutura conjuntural vieram exigir da contabilidade um maior
conhecimento de suas relações, uma vez que não apenas os registros dos fatos
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
323
administrativos passaram a ser relevantes, mas também a análise do processo do
qual são resultantes, a fim de mostrar, através de relatórios, os rumos que se
seguiriam a determinadas decisões, visando reorientá-las se preciso fosse.
A busca por profissionais capacitados na área administrativa teve como
conseqüência a melhoria da formação dos profissionais da contabilidade.
Esses processos de transformação, aliados ao desenvolvimento da economia
brasileira, proporcionaram mudanças inclusive na legislação vigente. Os seguintes
dispositivos legais demonstram o caráter amplo de tais mudanças: a Lei 4.320/64
(orçamentária), a Lei 4.595/64 (reforma bancária), a Lei 4728/64 (mercado de
capitais) e o Decreto-Lei 200/67 (reforma administrativa).
Outra lei que veio contribuir para redimensionar o caminho da contabilidade foi a Lei
6.404, de 15 de dezembro de 1976, que dispõe sobre mudanças no aspecto formal
das demonstrações contábeis, bem como em seu conteúdo e principalmente em
relação aos princípios contábeis até então estabelecidos, “introduzindo inclusive
muitas técnicas para as quais uma parcela substancial dos profissionais da área não
estava preparada”. (IUDICIBUS, MARTINS E GELBCKE, 1985, p. 35).
Contextualizadas de forma sintética algumas etapas do desenvolvimento do
conhecimento contábil em suas relações sociais, contextualizo a seguir o ensino da
contabilidade no sistema educacional, mais especificamente no aspecto da
legislação do ensino comercial.
3.1 A contabilidade na legislação do ensino comercial
Com base em estudos realizados por Fávero (1987), Hermes (1986) e também
apoiados em Romanelli (1993), pode-se verificar que o ensino da contabilidade no
Brasil começou a tomar forma ainda no século XIX, tendo o seu desenvolvimento as
seguintes etapas:
1808 - criação da cadeira de Economia Política, que mais tarde foi denominada de
“aula de comércio”, pelo Decreto nº. 456, de 06 de julho de 1846;
1810 - criação da Academia Real Militar, tendo em seu currículo a disciplina “cálculo
das probabilidades”, e desta academia saíram os primeiros atuários do Brasil;
1827 - o Decreto de 11 de agosto institui as faculdades de Direito de Olinda e de
São Paulo, a disciplina Economia Política faz parte do currículo a partir de 1929;
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
324
1846 - criação da Escola Central de Comércio que, através do Decreto 456, de
06/06/46, regulamenta a carta de habilitação dos diplomados da aula de comércio;
1856 - criação do Instituto Comercial do Rio de Janeiro;
1890 - a Escola Politécnica do Rio de Janeiro passa a ter em seu currículo a
disciplina Direito Administrativo e Contabilidade;
1891 - criada em Fortaleza a Escola de Comércio da Fênix Caixeiral;
1894 - é reformado o ensino na Escola Politécnica de São Paulo, sendo instituído o
diploma de contador para os alunos que terminassem o curso geral, com duração de
um ano;
1899 - é criada a Escola Prática de Comércio do Pará;
1902 - surge a Academia de Comércio do Rio de Janeiro e a Escola Prática de
Comércio de São Paulo.
A Escola de Comércio Álvares Penteado, denominada anteriormente de Escola
Prática do Comércio de São Paulo, foi uma das primeiras, em 1902, a organizar o
curso destinado a formar os “guarda-livros”, com duração de três anos.
A contabilidade foi, pois, surgindo de forma tímida como objeto e área de
conhecimento a ser transmitido. Primeiramente, como disciplina em cursos
esparsos, e mais tarde surge como curso específico, com o objetivo de preparar
profissionais com maior conhecimento nessa área de atuação.
Os cursos oferecidos no ensino comercial necessitavam de pouquíssimos
investimentos, o que os diferenciava dos cursos que estavam na dependência do
poder público; assim apresentavam e se constituíam de uma “vocação” para um
comércio privado de ensino. Além dessa característica, serviam para atender à
demanda da classe média que começava a constituir-se. Esses cursos eram visados
pelas profissões liberais e também pelos destinados aos empregos públicos. Assim
a contabilidade, através de sua técnica primitiva de escrituração, está presente no
Brasil até os dias atuais.
Tais técnicas, ao apontarem sua utilidade para registrar os fatos administrativos, do
comércio local e das repartições públicas despontavam para o ramo do ensino.
Satisfeitos os anseios e a demanda de uma classe social em ascendência e que
vislumbrava nessa área de ensino um “status”, o poder público promulgava sua
utilidade assistencialista de duas formas: pouco investia nessa área do ensino pela
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
325
sua natureza prática e, de forma ideológica, investia nos conceitos do “saber fazer”,
em detrimento do “aprender a refletir” que atendiam aos interesses da dominação
vigente. Tem início aí a habilitação para o trabalho e a inabilidade da cidadania para
o pensar e para o agir.
Dessa forma, foi com o Decreto nº. 1339, de 09 de janeiro de 1905, que buscou
organizar o ensino comercial no Brasil. Nessa época foram instituídos os cursos
regulares para o ensino da contabilidade na já existente Academia de Comércio do
Rio de Janeiro e na então Escola Prática de Comércio de São Paulo, ambas criadas
em 1902.
Na verdade, a organização do ensino comercial que se buscava foi frustrada, e o
que resultou foi apenas o restrito reconhecimento de utilidade pública dessas
escolas e o reconhecimento dos diplomas emitidos.
No Decreto nº 17329, de 28 de maio de 1926, que passou a regulamentar o Ensino
Comercial, estava previsto um curso geral com duração de quatro anos, seguido ou
não de um curso superior. Contudo, esses cursos básicos, denominados “Curso
Geral”, eram os que habilitavam para as funções de guarda-livros e perito judicial e
empregos de fazenda. Eram cursos essencialmente práticos e as disciplinas que
formavam o currículo eram: português, francês, inglês, aritmética, álgebra,
geometria, história, ciências naturais, noções de direito civil e comercial, legislação
de fazenda e aduaneira, prática jurídico-comercial, caligrafia, estenografia, desenho
e escrituração mercantil. Havia, sem dúvida, uma mescla de disciplinas de formação
humanística e disciplinas que ofereciam a “prática” dos ofícios.
No curso denominado “Superior” e que tinha caráter facultativo para o
estabelecimento de ensino comercial, as disciplinas que formavam o currículo nada
visavam além da mera transmissão-reprodução do conhecimento até então
acumulado. Eram contempladas com a retórica do discurso e assim se constituíam
nas disciplinas de geografia comercial e estatística, história do comércio e da
indústria, tecnologia industrial e mercantil, direito comercial e marítimo, economia
política, ciência das finanças, contabilidade do estado, direito internacional,
diplomacia, história dos tratados e correspondência diplomática, alemão, italiano ou
espanhol, matemática superior, contabilidade mercantil comparada e banco
modelo.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
326
Esse conjunto de disciplinas era ministrado em curso com três anos de duração, que
outorgava aos formandos o título de bacharéis em Ciências Econômicas-comerciais.
Esse curso visava formar profissionais solidamente capacitados, destinados aos
serviços do Ministério das Relações Exteriores, bancos e grandes empresas
comerciais. A passagem para o curso superior era feita através do curso geral, que
servia de base preparatória, ou seja, servia de base para o ingresso no curso
superior.
Porém, no Brasil, proliferaram as Escolas de Comércio, com evidências de um
ensino sem objetivos claramente delineados e assim, por força do Decreto nº 4724-
A, de 23 de agosto de 1923, estas tiveram seus diplomas equiparados aos das
escolas anteriormente mencionadas, obtendo o reconhecimento de utilidade pública.
Sem alcançar os objetivos para o que foram propostos, decorrentes de uma política
descompromissada para com o ensino vigente, tais cursos começaram a sofrer
críticas. Esses são fatos que marcaram o surgimento de uma escola brasileira que,
desvinculada de um contexto sócio-histórico e do desenvolvimento econômico do
país, pouco contribuiu para o desenvolvimento.
A denominação de “contabilista” aparece oficialmente através do Decreto nº. 20.158,
de 30 de junho de 1931, logo após a revolução de 1930, quando então surgiu o
primeiro estatuto legal organizando o ensino comercial e regulamentando a
profissão de contador. Com esse decreto é estabelecida a formação dos
profissionais da contabilidade em nível médio, através do curso denominado
“Guarda-livros”, agora com duração de dois anos, e do curso de “Perito Contador”,
de três anos. O referido decreto autorizava ainda outros cursos alternativos, tais
como o de Secretários, Administradores-vendedores e Atuários.
Assim, por meio do Decreto de nº. 20.158 os estabelecimentos de ensino comercial,
oficialmente reconhecidos pelo Governo federal, possuíam a seguinte organização:
(a) curso de admissão (facultativo), com duração de um ano;
(b) curso propedêutico, com duração de três anos, servindo de base para o acesso
aos cursos técnicos;
(c) cursos técnicos (secretário, guarda-livros, administrador-vendedor, atuário e
perito-contador);
(d) curso elementar de auxiliar de escritório;
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
327
(e) curso superior de administração e finanças, com duração de três anos.
Nessa estrutura de ensino, a contabilidade ficou restrita ao nível médio. Até 1929
somente tinham acesso ao curso superior de Administração e Finanças os alunos
que houvessem concluído o curso técnico de Perito-Contador. Após essa data,
também os alunos oriundos do curso de atuária passaram a ter acesso ao curso
superior.
Através do art. 1º. do Decreto de nº. 1535, de 23 de agosto de 1939, o curso de
Perito-Contador voltou a ser denominado curso de Contador, sem qualquer
modificação na sua estrutura. Já em seus artigos 74 e 77 estava previsto que, para o
preenchimento de cargos públicos, tais como para o Banco do Brasil, agente
consular, empregados de fazenda, bem como para a promoção nas repartições
públicas, além do indispensável conhecimento da contabilidade, somente os
diplomados por cursos de Contador deviam ser escolhidos, tanto na esfera municipal
quanto na estadual e federal.
O Decreto Lei nº. 6.141, de 28 de dezembro de 1943, que estabeleceu novas bases
de organização e de regime do ensino comercial de segundo grau, em seus artigos
4º., 5º., 8º. E 36., previu a formação para auxiliar de escritório através de um curso
básico de primeiro ciclo, ministrado por escolas comerciais, e também a formação de
técnicos em comércio e propaganda, assistentes de administração, guarda-livros,
estatísticos-auxiliares e secretários por cursos do segundo ciclo, igualmente
ministrados pelas escolas de comércio.
O que pretendia o referido decreto eram reformas educacionais de maior amplitude,
em que a articulação entre o ensino comercial e o sistema educacional fosse
efetiva. Visava também a elevar ao nível superior o curso de contador, com amplas
reformas em seu currículo. Lanaro Júnior registra:
O curso de Contabilidade, ministrado nas escolas de comércio, além de não
satisfazer completamente as nossas necessidades, é quase de um modo geral
ministrado com pouca eficiência, visto a dificuldade de se encontrar bons
professores, além de outras circunstâncias, tais como: grande número de alunos em
cada classe, falta de uma boa disciplina e deficiência das aulas quanto ao seu
sistema prático (LANARO JUNIOR, 1946, p.26).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
328
Assim, pelas pressões exercidas por parte dos profissionais da área e frente às
necessidades que o processo de desenvolvimento industrial vislumbrava o curso de
Ciências Contábeis e Atuariais é elevado ao nível superior através do Decreto-Lei
de nº 7.988, de 22 de setembro de 1945, conferindo aos seus formandos o grau de
bacharel em Ciências Contábeis e Atuariais. Segundo seu artigo 5º., seria conferido
o título de Doutor em Ciências Contábeis e Atuariais ao candidato que, no período
de dois anos após a conclusão do curso, defendesse tese que elevasse o padrão de
conhecimentos da área contábil.
Situada na esfera do ensino superior, a contabilidade contribuiu para a criação, a
26 de janeiro de 1946, da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da
Universidade de São Paulo, sendo criado o curso de Ciências Contábeis e Atuariais
e extinguindo-se o curso médio de contador. Também o curso superior de
Administração e Finanças foi desdobrado em dois novos cursos: no curso de
Ciências Econômicas e no curso de Ciências Contábeis e Atuariais.
Já a Lei nº 1041, de 31 de julho de 1951, apresentou novas reformulações acerca
desses cursos. Novos desmembramentos foram feitos, sendo dividido o curso de
Ciências Contábeis e Atuariais em dois cursos distintos: Curso de Contador e Curso
de Atuário, sem, contudo, extinguir-se o curso anterior, ou seja, o curso denominado
Ciências Contábeis e Atuariais.
As disposições contidas no Decreto-Lei 7.988 de 1945, em seu artigo 1º,
enfatizavam que o ensino superior se constitui em dois cursos: 1) curso de
Ciências Econômicas e 2) curso de Ciências Contábeis e Atuárias. Em seu artigo 3º,
dispõe sobre o conjunto de disciplinas que serão distribuídas nas quatro séries do
curso de Ciências Contábeis e Atuariais: e Com a demonstração do currículo-
conteúdo estabelecido para o curso superior de contabilidade, o que se pode
observar é a sua estreiteza, o seu caráter eminentemente prático e servil às normas
instituídas, ou seja, o ensino da contabilidade sem uma visão humanística, pois
somente são exigidos conhecimentos técnicos em favor da evolução do capital, sem,
todavia, prever e favorecer a formação do homem multidimensional. Existe, contudo,
no conjunto das disciplinas curriculares um caráter de direito, economia política mas
ao situar sua ementa no contexto histórico visualiza-se que a contabilidade,
mediante a legislação da escola, quando chamada a participar do progresso da
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
329
nação, sempre foi moldada nos limites das tendências que emergiam na dimensão
do mercado.
A compreensão de escola, na perspectiva do técnico-conteudista, configura-se como
uma máquina no fazer dos instrumentos, e o investimento feito não ultrapassa a
quantidade inexpressiva e previamente planejada. Essa interpretação de escola
sempre manteve distante a concepção da necessidade de uma escola real para o
homem completo.
Após ser elevada ao nível superior, a contabilidade busca agrupar em apenas duas
categorias os titulados em sua área de conhecimento. Assim, o Decreto-Lei nº 8.191,
de 20 de novembro de 1945, altera para Técnico em Contabilidade o diploma dos
egressos dos cursos de guarda-livros, atuários, contadores e perito-contadores
formados em nível médio, e confere o título de Contador ou Bacharel para os
formados em nível superior. Essa medida certamente veio abafar o conteúdo
previsto no Decreto-Lei nº 6.141, em decorrência do que a eles vieram a ser
equiparados os anteriores guarda-livros, pela lei 3.384, de 28 de abril de 1958.
Em seu artigo 1º, o Decreto-Lei nº 8.191 de 20/12/1945, além de alterar o diploma,
também ratifica as prerrogativas asseguradas por lei a este título. E desde então
trava-se uma luta para separar em sindicatos as categorias distintas, ou seja, um
sindicato para a categoria de técnicos (já existente) e a criação de um sindicato para
os contadores, uma vez que, com a criação do curso superior, são definidas
atribuições distintas às duas categorias.
O projeto de Lei nº 2.461/64 tem em seu teor a pretensão de elevar a nível de
contador o técnico em contabilidade de nível médio sem a realização do curso
superior.
Também o projeto de Lei nº 1784/68 volta a exercer pressões para a equiparação
dos técnicos em contabilidade, designando-os contadores, sem a devida
escolarização. Esse mesmo teor esteve implícito no Projeto de Lei nº 2.504/79, que
outra vez procurava equiparar os técnicos de nível médio aos contadores.
A esse respeito, tanto os Técnicos em Educação quanto os Assessores Ministeriais
e os Diretores do Ensino Comercial do MEC, através do Parecer de 12/12/67-
(Técnica em Educação/Assessora Ministerial-MEC), do parecer 251 de 07/06/68-
(CFE), do ofício 366 de 19/02/69-(Diretor do Ensino Comercial do MEC), do parecer
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
330
de 21/07/70-(Diretor do Ensino Comercial do MEC) e ofício 117/80-
(CCHS/SEsu/MEC), manifestaram ser inconveniente a transformação em lei dos
projetos mencionados, logo, favoráveis à diferenciação entre técnicos e contadores.
Assim, embasados no parecer de 12/12/67, a equipe do MEC sustentou que os
referidos Projetos de Lei tencionavam “primordialmente a revogação de duas leis: a
de nº 4024, de 23/12/61, e a de nº 9.295, de 27/05/46, aquela fixando as Diretrizes e
Bases da Educação Nacional; esta, regulamentando a profissão de contabilista,
criou os Conselhos de Contabilidade e definiu as atribuições do Contador e do
Guarda-Livros (ou Técnico em Contabilidade, por força do Decreto lei n. 8.191 de
20/11/45)”. E ainda:
O Governo está vivamente empenhado na formação de profissionais de nível médio
técnico e de nível superior ou universitário, para todas as áreas de atividades que
interferem no processo de desenvolvimento do país. A umas mais do que as outras,
segundo as carências necessárias a um justo equilíbrio (PARECER 12/12/67 In.
HERMES 1986, p. 24, 31).
A esse respeito, Hermes se pronuncia da seguinte forma:
A individualização organizacional do Contador se revela condição “sine qua non”
para que conquiste no Brasil o elevado conceito de que goza no exterior. A
sindicalização distinta do contador, à semelhança das demais profissões de grau
superior, identifica-se com o progresso cultural e a justiça profissional, ao contrário
da retrógrada pretensão de promover técnicos para bacharéis, mediante artifício de
qualquer espécie, implícita na unificação das duas classes em uma só de nível
universitário, como defende o infeliz parecer. Os bacharéis de qualquer campo de
saber só têm a perder quando confundidos com profissionais de segundo grau, o
que é elementar. (HERMES, 1986, p. 90).
Através desse discurso percebe-se que os objetivos que rondam tais projetos não
superam os interesses de classes e a forma como a contabilidade possa vir a
transformar a realidade social, por meio do ensino, é irreconhecida, considerada
irrelevante, ou seja, o saber fazer ainda não vislumbra superação na tradição
contábil.
Novas transformações, tanto no nível superior quanto no nível médio, que envolvem
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
331
o desenvolvimento da contabilidade no sistema educacional, terão fundamentos na
Lei nº 4024, de 20 de dezembro de 1961 que, ao criar o Conselho Federal de
Educação, atribui a este a competência de fixar os currículos mínimos e a duração
dos cursos. Apesar de ter essa Lei fixado as diretrizes e bases da educação
nacional, muito pouco, ou nada de consubstancial foi inserido no tocante ao nível
médio profissional de ensino.
Na legislação do ensino encontram-se os fins da educação no Brasil. Nela, os
legisladores brasileiros, pelo menos em teoria, garantem para todos a melhor
educação.
Estabelecem o que deve determinar e controlar o trabalho pedagógico em todos os
seus graus e modalidades. Idealizam a educação, caracterizando-a como uma
educação através de uma ideologia. Essa referência aos objetivos pode ser
encontrada na Lei 4024/61, em seu artigo 1º, quando trata dos fins da educação no
país.
Dessa forma, pode-se afirmar que a educação, na prática, nega o que afirma a lei.
Esses objetivos não são alcançados. Não funcionam por diversas razões. Uma
delas, talvez a maior, era a falta de recursos em nossas escolas e o despreparo dos
profissionais da educação.
Entre a teoria e a prática existe uma distância imensa e as pessoas no país
protestam e pedem que pelo menos a lei seja cumprida, que a escola de qualidade
exista e seja acessível a todos; no entanto, continuam imobilizadas diante do que
determinam as leis. Acredito que um primeiro passo é subverter esta ordem para
então propiciar aos indivíduos o que nos garantem os artigos 2º,3º. e 4º da Lei
4024/61, que é “educação distribuída por igual para todos”. De acordo com Brandão,
Há interesses econômicos, políticos que se projetam também sobre a educação.
Não é raro que aqui, como em toda parte, a fala que idealiza a educação esconda,
no silêncio do que não diz, os interesses que pessoas e grupos têm para os seus
usos. Pois, do ponto de vista de quem controla, muitas vezes definir a educação e
legislar sobre ela implica justamente ocultar a parcialidade desses interesses, ou
seja, a realidade de que eles servem a grupos, a classes sociais determinadas, e
não tanto “a todos”, à nação”, “aos brasileiros" (BRANDÃO, 1985, p. 60 ).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
332
Romanelli (1993) assinala que as negociações de privilégios que se estabelecem,
entre uma minoria de interesses, na promulgação de uma legislação de ensino,
fazem com que o Estado não propicie condições para que a lei se cumpra. Tal
política tem levado à satisfação de interesses político-econômicos permeados de
uma retórica de bem comum que se prolonga também como uma progressiva
desobrigação do Estado para com a educação. Em conseqüência disso, deparamo-
nos com a expansão da iniciativa privada, que negocia a educação como
“mercadoria” altamente lucrativa, o que mostra o caráter elitista do atual processo
educacional do Brasil.
Uma outra questão que emerge no campo educacional é a relação entre Educação e
Trabalho. Muitas são as pessoas que são obrigadas a abandonar o direito à
educação para ingressar no mercado de trabalho. É grande também o número de
pessoas que estudam e trabalham ao mesmo tempo. Sem participar de uma
escolarização crítica, dificilmente conseguem compreender ao certo as relações
sociais e as divisões de classes produzidas pela divisão do trabalho e que acabam
por ensinar o indivíduo a ser trabalhador. Conforme pode-se verificar, o professor da
“parte de formação especial” já não pode, na perspectiva das atuais diretrizes, ser
aquele “instrutor” de outrora que apenas adestrava o aluno para tarefas típicas de
uma determinada ocupação; sem dúvida, como antes, ele irá atuar em domínio
prático, mas terá de usar o “fazer” como ingrediente indispensável de qualquer
educação que se pretenda “integral” (CHAGAS, 1980, p. 329).
O que ainda encontramos são escolas tentando preparar o indivíduo para um
emprego ou determinada ocupação para ser exercida no futuro. Essa é uma visão e
uma postura descomprometida com a realidade que evolui constantemente. Essa é
a forma que a escola utiliza para excluir as classes menos favorecidas das
vantagens da educação e assim divide educação e trabalho como não sendo
processos integrados de transformação da sociedade.
O ensino profissionalizante de segundo grau, em sua legislação (Lei 7044/82 art.
1º), visa à “preparação para o trabalho e para o exercício consciente da cidadania”.
O grande problema aqui não são os objetivos, mas os meios para cumpri-los, pois,
na estrutura atual existente, tem-se muitas dúvidas quanto à sua eficácia em atingir
tais objetivos.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
333
3.2 Alguns aspectos intervenientes no currículo do curso superior de Ciências
Contábeis
O currículo do curso de Ciências Contábeis foi fixado juntamente com a instituição
desse nível de ensino pelo Decreto Lei nº 7988, de 22/09/45.
A determinação legal para estabelecer currículos mínimos foi transferida ao então
Conselho Federal de Educação mediante a Lei nº 4024 de 20/12/61, objetivando,
desta maneira, maior agilidade nas discussões curriculares e os ajustes necessários.
Nova discussão sobre o currículo mínimo para o curso de Ciências Contábeis é
realizada a partir da Resolução de 08-02-63, depois de decorridos aproximadamente
18 anos de sua instituição. Nesse intervalo de tempo, como nos casos seguintes,
algumas instituições de ensino promoveram as chamadas reformas curriculares,
substituindo algumas poucas disciplinas e dando novas nomenclaturas às disciplinas
e, em alguns casos, por especializações dentro das áreas abrangentes sem,
entretanto, promover alterações significativas na compreensão do currículo,
permanecendo a compreensão fracionária do conhecimento, na modalidade de
conhecimento escolar, mediante sua distribuição em disciplinas.
Segundo Schmidt, a “contabilidade brasileira pode ser dividida em dois estágios de
desenvolvimento: anterior a 1964 e posterior a 1964” (2000, p.205).
Pelos estudos realizados também por Fávero (1987), Romanelli (1993) e Hermes
(1986), pode-se entender que a fase anterior a 1964 relaciona a contabilidade a seu
trânsito na legislação do ensino comercial até elevar-se ao estatuto de ensino
superior em 1945 e, sobretudo, pelos aspectos legais concernentes às atividades
profissionais específicas da contabilidade naquele contexto histórico. O que se
buscava na formação superior era a substituição das atividades do técnico em
contabilidade pelas exigências do mercado empresarial então emergente.
O Decreto-Lei nº 2627, de 1940, estabeleceu a primeira Lei das Sociedades
Anônimas. Esse documento legal definiu, entre outros procedimentos, a maneira de
avaliar o ativo das entidades, bem como as formas de distribuição de lucros.
Também o Decreto-Lei nº 2416, de 17/03/40, determinou um modelo único de
balanços para prefeituras e estados. A definição de lucro real pode ser encontrada
no Decreto-Lei 4178 de 1942. Em 1947, o Decreto-Lei 24239, além de definir alguns
procedimentos contábeis, redefine o lucro real e introduz a reavaliação de ativos. Em
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
334
1958, mediante o Decreto-Lei nº 3470, é instituída a correção monetária dos ativos
fixos.
Para SCHMIDT, essa primeira fase da contabilidade no Brasil tem dois aspectos
relevantes: “a intervenção da legislação no desenvolvimento de procedimentos
contábeis e a influência doutrinária das escolas italianas” (2000, p. 209). No entanto,
o que se percebe no contexto histórico é que as alterações legais decorrentes do
desenvolvimento econômico e, por conseguinte, as estruturações da gestão nas
organizações empresariais demandam um profissional técnico-contábil capaz de
acompanhar as determinações legais, e a contabilidade, assim compreendida,
acabou por se caracterizar como subserviente às determinações legais e, nesse
aspecto, sempre se mostrou eficiente. Com esse entendimento permeando as
especificidades da área contábil, o currículo e as reformas curriculares, sempre
coadunados com a prescrição legal, do interesse econômico, favoreceram a não-
inclusão de uma formação mais abrangente, que atentasse para dimensões sociais,
políticas e culturais. E assim foi regido o ensino, substancialmente pela lógica da
racionalidade técnico-instrumental.
A segunda etapa do desenvolvimento da contabilidade no Brasil é marcada pelo
contexto político vigente a partir de 1964. Nesse contexto, mediante a Lei nº 4357,
de 16/07/64, é implantada a obrigatoriedade da correção monetária dos elementos
patrimoniais classificados no ativo fixo e no grupo do capital, suprimindo em parte as
distorções apresentadas nos relatórios contábeis AMORIM (1999) assinala que a Lei
4.695, de 26/06/1965, depois pelo Decreto-Lei nº 1040, de 21/10/1969, e novamente
alterada pela Lei nº 5730, de 08/11/1971, estabeleceu essencialmente nova
estruturação para a composição do Conselho Federal de Contabilidade.
Entre outros itens, definiu a composição do Conselho, estabelecendo a quota de 2/3
de seus membros para contadores e 1/3 para técnicos em contabilidade. O
Conselho objetiva agregar os profissionais da área, visando acompanhar a atuação
do profissional em diferentes esferas como, por exemplo, em órgãos regionais ou
entidades classistas, a fim de garantir que as atividades contábeis sejam sempre
executadas por profissional habilitado e na forma da legislação em vigor.
Outra disposição legal que surgiu no cenário nacional foi a Lei nº 4.728, de
14/07/1965, que foi expedida para disciplinar o mercado de capitais e estabelecer
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
335
medidas para o seu desenvolvimento. A instituição desse documento legal teve por
finalidade assegurar a correção de práticas comerciais relacionadas a negócios que
envolvam títulos ou valores mobiliários. Nesse cenário, a contabilidade assume
importante papel em relação à divulgação de informações pertinentes e confiáveis
decorrentes dos eventos contábeis escriturados.
A Lei nº 6.385/70 criou a Comissão de Valores Mobiliários, que substituiu o Banco
Central do Brasil na regulação de atividades das sociedades que realizavam a
cotação de suas ações na bolsa de valores.
A Lei 6404, de 15/12/1976, é um documento que dispõe sobre as Sociedades por
Ações e se configura como importante documento legal para que a contabilidade,
mediante o registro dos eventos contábeis e mediante as prerrogativas profissionais
do contador, constitua um dinâmico fluxo de atividades nas organizações. Pode-se
inferir que as organizações societárias encontram na Lei 6.404 as orientações
necessárias para o contexto histórico do atual desenvolvimento no Brasil, assim
como as orientações para as suas dinâmicas complexificadas.
O Conselho Federal de Contabilidade, visando constituir um corpo doutrinário do
conhecimento contábil para orientar as diferentes práticas do exercício contábil,
inclusive as atividades didáticas de magistério, instituiu a Resolução nº 529, de
23/10/81, posteriormente revogada pela Resolução nº 711, de 25/07/91, também
revogada pela Resolução do CFC nº 751, de 29/12/1993, que estabeleceu as
Normas Técnicas ligadas à ciência contábil. Os conceitos doutrinários passam a ser
caracterizados pelo prefixo NBC-T, enquanto as Normas Profissionais, que fixam
regras de procedimento profissional, portanto, relacionadas à profissão, são
caracterizadas pelo prefixo NBC-P, também numeradas seqüencialmente, de acordo
com a última Resolução mencionada.
Também em 23 de outubro de 1981, o Conselho Federal de Contabilidade aprovou
os Princípios Fundamentais de Contabilidade - NBC-T-1, tendo em vista um
tratamento contábil uniforme dos eventos contábeis da administração e, por
conseguinte, das demonstrações deles decorrentes. É a partir da Resolução nº 751
que se estabeleceu uma maior proximidade entre os Princípios Fundamentais de
Contabilidade e a Teoria Contábil. A Teoria da Contabilidade é uma disciplina
curricular que, na quase totalidade dos cursos de Ciências Contábeis, somente
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
336
encontrará espaços de intervenção a partir da Resolução nº 03/92 do Conselho
Federal de Educação. Não louvo aqui de forma demasiada a disciplina “teoria
contábil”, porque tenho o entendimento de que a forma isolada desta figurar no
curso, sem manter relação com as demais especificidades da contabilidade, coloca-
a distante de sua real significação.
A Resolução nº 3, de 05/10/1992, do Conselho Federal de Educação, ao determinar
os conteúdos mínimos em categorias do conhecimento, define também que o curso
superior de Ciências Contábeis deverá ser integralizado com o mínimo de 2.700
horas/aula e realizado num mínimo de 04 anos para os alunos que ingressarem a
partir do ano de 1994.
A referida Resolução prevê ainda que cada Instituição de Ensino Superior, ao
adotar uma orientação pedagógica coerente com seus objetivos, deverá definir o
perfil do profissional a ser formado, observando as necessidades da região e dos
alunos, assim como a natureza e as características da instituição.
Pelo percurso seletivo e considerando a diversidade de leis, decretos-leis, normas,
resoluções ainda atuais ou já revogadas, é possível visualizar que a contabilidade,
desde a sua inserção no ensino por meio do ensino comercial e, mais tarde, no
ensino superior, sempre acompanhou o cortejo do corpo legislativo que está
ancorado na concepção de sociedade que tem o mercado como eixo e totalidade da
vida humana. Não obstante, conhecimentos de Filosofia, Estudos Sociais, Ética,
Cultura Brasileira entre outros, estão inseridos no currículo, mas a abordagem desse
saber é sempre isolada, fragmentada, não compreendendo formas relacionais com a
contabilidade e assim, favorecendo uma interpretação da contabilidade como uma
ciência pragmática. Nessa formatação, a contabilidade, na formação de seus
profissionais, empenha-se em dinamizar o objeto próprio de sua investigação, o
patrimônio das entidades, sem, contudo, ampliar seu corpo teórico nas outras
dimensões humanas a não ser a econômica, concebendo-a assim nos limites de
suas inferências.
No que diz respeito aos aspectos legais da instituição do ensino superior de
Ciências Contábeis, de 1945 até os dias atuais, podemos dizer que foram três as
alterações de maior abrangência: o Decreto Lei nº 7.988, de 22/09/1945, que criou o
curso e instituiu o currículo; a Resolução de 8/02/1963, que propôs alterações no
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
337
currículo mínimo do curso de Ciências Contábeis; e a Resolução nº 3, de
03/10/1992, que inserida no conjunto de medidas governamentais para cumprir o
acordado na Conferência Mundial de Educação para Todos, (Jomtein, Tailândia),5
que definiu duração e conteúdos mínimos. As instituições universitárias, como
organizações formais burocráticas, zelaram em demasia no cumprimento do aparato
legal. Restrito ao fazer, o currículo de Ciências Contábeis, em longos e esparsos
períodos foi revisitado adequando-se sempre, apenas, às necessidades do contexto
econômico.
Hoje, no contexto da sociedade capitalista solitária, que requerer um sujeito criativo,
polivalente, sujeito de múltiplas aprendizagens, com capacidade crítica e
discernimento frente à sociedade tecnológica e pulverizada de informações e, ao
não encontrar egressos com tais competências e habilidades, julga improdutivos a
universidade, o curso e os professores. Esse processo é histórico e assenta suas
raízes nas condições objetivas dos sujeitos participantes, assim como na
constituição das suas instituições.
Em 21 de dezembro de 1996 é promulgada a nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, e em sua composição insere-se o Capítulo IV, que trata da
Educação Superior, prescrevendo entre os artigos 43 a 57, desde a finalidade da
educação superior até o mínimo de horas aulas semanais para os professores das
instituições públicas.
Em seu artigo 43, no inciso II, encontra-se a finalidade da educação superior, que
consiste em formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento aptos para a
inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da
sociedade brasileira, bem como para colaborar na sua formação contínua. Os
demais capítulos, assim como a íntegra da Lei, seu teor, necessitam ser
criteriosamente analisados quando da definição de propostas curriculares visando a
compreender o pressuposto da Lei e os fins a que se destinam os cursos superiores.
___________________________________________________________________
5 Esta conferência foi realizada em 1990 e financiada pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e Banco Mundial.
___________________________________________________________________
O projeto Jomtien assumiu que a educação deveria garantir as necessidades
básicas de aprendizagem (NEBA), para crianças, jovens e adultos que deveriam
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
338
constituir-se na possibilidade do sujeito ter condições de: 1) sobrevivência; 2)
desenvolvimento pleno de suas capacidades; 3)uma vida e um trabalho dignos; 4)
uma participação plena no desenvolvimento; 5) melhoria na qualidade de vida; 6)
tomada de decisões informadas e 7) possibilidade de continuar apreendendo. Para
garantir esses aspectos foram acordadas, em nível nacional, metas para os alunos
subseqüentes a serem alcançadas nos diferentes âmbitos educacionais que
possibilitassem: o desenvolvimento de políticas de apoio no contexto social,
econômico e cultural; a mobilização de recursos financeiros, públicos, privados e
voluntários para investimentos na educação e fortalecer a solidariedade
internacional com relações econômicas justas e qualitativas. Nessas metas inserem-
se as novas prescrições curriculares para o ensino universitário, e logo, também
para o ensino superior de contabilidade, com a definição de suas diretrizes
curriculares. Alinhado à Lei 9394/96 e ao contido no artigo 43 inciso II, o edital 04/97
do MEC/SESU/DPES/CEE/Ciências Contábeis convoca a participação da
comunidade acadêmica para a discussão das Diretrizes Curriculares dos cursos de
Ciências Contábeis.
Essa proposta de Diretrizes Curriculares foi elaborada por uma comissão de
especialistas da área de Ciências Contábeis nomeada pelo MEC, e até o presente
momento encontra-se para análise no Conselho Nacional de Educação.
Os vários itens da proposta ressaltam, entre outros aspectos, a descrição do perfil
desejado do formando, as competências e habilidades desejadas, os conteúdos
caracterizadores do curso, recomendações e sugestões de conhecimentos para a
configuração de uma grade curricular (currículo pleno), carga horária e duração do
curso.
No contexto da pesquisa e dessa tese o que desejo ressaltar é a configuração dos
conteúdos propostos pela referida comissão, a qual sendo definida pelo CNE,
redefinirá o contido na Resolução 03/92 do MEC.
Pelo Edital 04/97, os conteúdos para o curso de graduação em Ciências Contábeis
são assim elencados:
CONTEÚDOS CARACTERIZADORES DO CURSO CONTEÚDOS OBRIGATÓRIOS
DE FORMAÇÃO BÁSICA E PROFISSIONAL (50% da carga horária total). Estes
conteúdos não representam nomes de disciplinas, mas áreas de conhecimentos:
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
339
1. CONTEÚDOS DE ADMINISTRAÇÃO
Teoria Geral da Administração
Estratégia Empresarial
Comportamento Organizacional
2. CONTEÚDOS DE ECONOMIA
Teoria da Firma (Monopólio, Oligopólio, Concorrência Perfeita, etc)
Cenários Econômicos e Economia Internacional
Economia da Empresas
3. CONTEÚDOS DE DIREITO
Legislação Social e Trabalhista
Direito Tributário
Direito Comercial e Societário
4. CONTEÚDOS DE MÉTODOS QUANTITATIVOS
Medidas de Tendência Central e de Dispersão
Análise de Regressão e Correlação
Análise de Série Temporal
Cálculo Integral e Diferencial
5. CONTEÚDOS DE TEORIA DA CONTABILIDADE
História do Pensamento Contábil
Ativo e Passivo e sua Mensuração
Receitas, Despesas, Perdas e Ganhos e suas Mensurações
Teorias do Patrimônio Líquido
Princípios Fundamentais de Contabilidade e Harmonização Internacional
6. CONTEÚDOS DE CONTABILIDADE FINANCEIRA
Princípios, Normas e Procedimentos de Contabilidade Financeira
Elaboração e Evidenciação das Demonstrações Contábeis
7. CONTEÚDOS DE CONTABILIDADE TRIBUTÁRIA
Contabilidade de Tributos Federais, Estaduais e Municipais
Planejamento Tributário
8. CONTEÚDOS DE CONTABILIDADE GERENCIAL
Métodos de Custeio
Sistemas de Acumulação de Custos
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
340
Análise de Custos
Descentralização (Preço de Transferência e Centro de Resultado)
9. CONTEÚDOS DE AUDITORIA
Controles Internos
Princípios, Normas e Procedimentos de Auditoria
Planejamento de Auditoria
Papéis de Trabalho
10. CONTEÚDOS DE CONTROLADORIA
Sistemas de Informações
Processo de Planejamento, Execução e Controle
Avaliação de Desempenho
Responsabilidade de Prestar Contas da Gestão Perante a Sociedade
("Accountability")
CONTEÚDOS OPTATIVOS PARA ÊNFASE(S) CURRICULAR(ES) (50% restantes
da carga horária total): para o desenvolvimento de competências e habilidades, que
reflitam a heterogeneidade das demandas sociais, as IES terão a liberdade de definir
livremente a metade do currículo pleno. A IES que optar por ênfase(s) (por exemplo:
auditoria, análise de sistemas contábeis, controladoria, contabilidade pública,
contabilidade tributária, contabilidade societária, contabilidade de custos, perícia,
arbitragem contábil, contabilidade de organizações não governamentais,
contabilidade ambiental, contabilidade internacional, contabilidade e finanças
corporativas, etc.) deve completar a metade do currículo pleno levando em
consideração tal opção. A IES que não optar por ênfase(s) deve utilizar estes
conteúdos optativos para completar a formação plena do contador.
Conforme o contido no texto da Comissão de Especialistas anuncia, estarão os
conteúdos distribuídos em 50% obrigatórios e 50% optativos, a critérios das IES. O
texto anuncia, também, que são as áreas do conhecimento anteriormente listadas
que serão referência para elaborar propostas de Diretrizes Curriculares. Informa
ainda que tais áreas não representam nomes de disciplinas mas sugestionam
conteúdos. Dessa forma, os conteúdos podem ser sintetizados nas seguintes áreas:
ADMINISTRAÇÃO
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
341
CONTABILIDADE
MÉTODOS QUANTITATIVOS
DIREITO
ECONOMIA
OPTATIVOS
A formatação dessas áreas do conhecimento convertidas em referência para as
Diretrizes Curriculares do curso superior de Ciências Contábeis em nada difere das
propostas de 1945; da alteração de 1968, e do contido na Resolução 03/92,
podendo-se afirmar que, em prevalecendo a proposta encaminhada ao CNE, o
modelo dos cursos superiores de Ciências Contábeis criados em 1945 ainda
permanece vigente, em face da precarização com que se pensa, estrutura-se e se
age na educação superior em Ciências Contábeis. Contudo, é preciso, ainda, estar
atento e atentar contra os referidos percentuais dos conteúdos obrigatórios de
formação básica e profissional e dos conteúdos optativos para ênfase(s)
curricular(es), que os massificam em uma (de) formação aligeirada do profissional
da contabilidade.
As discussões atuais sobre a proposta das Diretrizes Curriculares para o ensino
superior de contabilidade podem ser inseridas nas discussões realizadas por Lima
(1996), que ao discutir o paradigma da educação superior em Portugal o situa no
paradigma contábil, discutindo assim três modelos de universidade: o modelo
corporativo, que mantém através do Estado um forte controle político e
administrativo da instituição; o modelo político-participativo no qual a universidade é
domesticada e na qual se objetiva a busca de uma cidadania organizacional; o
modelo gerencialista, que baseado em políticas neoliberais busca conciliar ganhos
de qualidade e produtividade ao mesmo tempo que concretiza cortes nos
investimentos em educação.
Nesse contexto, tanto para educação superior em Portugal quanto para o ensino
superior de contabilidade no Brasil, acaba por se configurar e valorizar concepções
mecanicistas das organizações e da administração educativas, a educação contábil
tende a centrar-se no cálculo e na mensuração dos resultados (desvalorizando os
processos e os resultados mais difíceis de contabilizar), favorece a padronização
(em prejuízo da diversidade), apóia-se em regras burocráticas e em tecnologias
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
342
estáveis e rotineiras, promove a decomposição e fragmentação dos processos
educativos em unidades elementares e mais simples, passíveis de „mercadorização‟.
Enquanto orientação política, a educação contábil evidencia uma alta capacidade de
discriminação da educação que conta e da educação que não conta, ou conta
menos (LIMA, 1996, p. 55).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
343
SITES E LIVROS PARA CONSULTAS
Uso de ferramentas na docência do ensino superior NPAR Oliveira - EXPERIENCIAS COM TECNOLOGIAS DE …, 2006 - books.google.com USO DE FERRAMENTAS NA DOCÊNCIA DO ENSINO SUPERIOR Nara Pollyanne de Araújo Ramalho Oliveira 1. Introdução Vivemos numa sociedade na qual a informação chega a todos os instantes e de várias formas através de livros, jornais, revistas, TV, rádio e internet. O ... Citado por 3 - Artigos relacionados Formar para a excelência profissional–pressupostos e rupturas nos níveis iniciais da docência [PDF] de metodista.brMC Roldão - Educação & Linguagem, 2009 - metodista.br ... la excelencia profesional – presupuestos y rupturas en los niveles iniciales de la docencia ... refere aos professores, e muito particularmente aos professores dos níveis iniciais de docência. ... uma Escola Superior de Educação, tipo de instituição do ensino superior politécnico que ... Citado por 12 - Artigos relacionados - Todas as 2 versões [PDF] Docência universitária e os desafios da formação pedagógica [PDF] de scielo.brCMB Fernandes - Interface-Comunic. Saúde, Educ, 2001 - SciELO Brasil ... na escola básica e no ensino médio, exige-se a formação pedagógica, mas o professor que atua no ensino superior “não precisa desse ... não é humana, social e histórica?) que dariam conta de instrumentalizar o professor para compreender e interpretar sua docência ratifica o ... Citado por 10 - Artigos relacionados - Ver em HTML - Todas as 4 versões [PDF] Formação de Professores de Matemática [PDF] de ulbra.brHN Cury, ASA Bianchi, CRJ de Azambuja… - Revista de Ciências …, 2002 - ulbra.br ... nas séries iniciais, aos níveis de desenvolvimento cognitivo, às teorias, mas nunca examinando uma situação real de ensino superior. ... aqueles que têm apenas bacharelado, com mestrado ou doutorado em Matemática, não tendo nenhuma experiência de docência no ensino ... Citado por 18 - Artigos relacionados - Ver em HTML [PDF] A universidade pública sob nova perspectiva
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
344
[PDF] de scielo.brM Chaui - Revista Brasileira de Educação, 2003 - SciELO Brasil ... do nível do ensino superior (cuja avaliação era feita por organismos ligados às próprias empresas). 2. Definir a autonomia universitária não pelo cri- tério dos chamados “contratos de gestão”, mas pelo direito e pelo poder de definir suas nor- mas de formação, docência e ... Citado por 199 - Artigos relacionados - Ver em HTML - Todas as 23 versões [CITAÇÃO] Qualidade no ensino superior: um referencial pedagógico de professores MC GRILLO - Porto Alegre: Tese de Doutorado, Faculdade de …, 1992 Citado por 4 - Artigos relacionados [CITAÇÃO] Abrindo parênteses: os fundamentos da educação ea docência no ensino superior NDR SILVEIRA - … & SOCIEDADE/CEDES. Campinas: Cortez Editora, 1988 Citado por 3 - Artigos relacionados [CITAÇÃO] Do egocentrismo à descentração: a docência no ensino superior TBI MARQUES - Porto Alegre: UFRGS, 2005 Citado por 3 - Artigos relacionados [PDF] O mestrado profissional na política atual da Capes [PDF] de feevale.brRJ Ribeiro - Revista Brasileira de Pós-Graduação, 2005 - feevale.br ... para setores que não lidam com a docência nem com a pesquisa de ponta; segunda, com o aumento das titulações no País, constata-se que boa parte dos mestres e uma parte significativa dos doutores encaminham-se para um destino que não é o ensino superior; e, terceira ... Citado por 12 - Artigos relacionados - Ver em HTML - Todas as 10 versões [HTML] Reflexões sobre o preparo para a docência na pós-graduação em enfermagem [HTML] de scielo.brV Pimentel, DDCF Mota… - Revista da Escola de …, 2007 - SciELO Brasil ... su contribución en el desarrollo de competencias para el ejercicio de la docencia universitaria en ... estão voltados para o desenvolvimento científico-tecnológico, assim como ao preparo para a docência. ... a importância da formação de mestres e doutores para o ensino de nível ... Citado por 6 - Artigos relacionados - Em cache - Todas as 6 versões [CITAÇÃO] A Gratificação de Estímulo a Docência (GED): Alterações no Trabalho Acadêmico e no Padrão de Gestão das Instituições Federais de Ensino Superior
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
345
AM CATANI… - DOURADO, LF & CATANI, ª M.(orgs.) Universidade …, 1999 Citado por 4 - Artigos relacionados [PDF] Expansão do ensino superior: contextos, desafios, possibilidades [PDF] de scielo.brAJ Severino - Avaliação, Campinas - SciELO Brasil ... Primeiramente em decorrência do envolvimento intrínseco do ensino superior com a educação em geral. ... institucional, daquela tarefa técnica de formar os professores, como profissionais do ensino. ... ao justificar a criação da Bolsa de Iniciação à Docência.(TAKAHASHI; PINHO ... Citado por 5 - Artigos relacionados - Ver em HTML - Todas as 8 versões [CITAÇÃO] Universidade, docência, globalização E Lampert - 1999 - Editora Sulina Citado por 25 - Artigos relacionados [CITAÇÃO] As novas tecnologias na formação inicial de professores JP da Ponte… - Ministério da Educação. … Citado por 65 - Artigos relacionados - Todas as 3 versões [CITAÇÃO] Interface entre trabalho docente e saúde de uma instituição de ensino superior TM Araújo, IS Paranhos… - … . Reformas educacionais na América Latina e …, 2003 Citado por 7 - Artigos relacionados - Todas as 2 versões [CITAÇÃO] Trabalho docente e as reformas neoliberais RG Barreto, R Leher… - Reformas educacionais na América Latina e …, 2003 Citado por 26 - Artigos relacionados - Todas as 2 versões [CITAÇÃO] Docência no Ensino Superior Docência no Ensino Superior Docência no Ensino Superior S PIMENTA… - 2005 - São Paulo: Cortez Citado por 3 - Artigos relacionados [PDF] Metodologia de Ensino na Universidade Brasileira: elementos de uma trajetória [PDF] de usp.brLGC ANASTASIOU - … textos em metodologia do ensino superior …, 2001 - moodle.stoa.usp.br ... ir para uma sala de aula, tomar conta de uma turma de alunos e efetivar o ritual da docência: apresentação de conteúdos, controle dos alunos, avaliação da aprendizagem, disciplinamento.” 7 “Talvez a primeira e principal idéia francesa adotada no ensino superior, desde a ... Citado por 20 - Artigos relacionados - Ver em HTML - Todas as 2 versões
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
346
[PDF] Embates na definição das políticas de formação de professores para a atuação multidisciplinar nos anos iniciais do Ensino Fundamental: respeito à cidadania … [PDF] de scielo.brI Brzezinski - Educação & Sociedade, 1999 - SciELO Brasil ... a eficácia desses institutos para formar docentes para os anos iniciais do Ensino Fundamental. ... que era de seu conhecimento o sucesso da experiência do Instituto Superior “Presidente Kennedy ... brasileiras adotaram, desde o final da década de 1980, a docência como base de ... Citado por 42 - Artigos relacionados - Ver em HTML - Todas as 6 versões [CITAÇÃO] Qualidade de vida de professores universitários em fase de mestrado SD SOUZA - Programa de Pós Citado por 6 - Artigos relacionados [LIVRO] Universidade pública: políticas e identidade institucional LF Dourado… - 1999 - books.google.com ... da educação brasileira 60 Referências bibliográficas 63 CAPÍTULO QUATRO A GRATIFICAÇÃO DE ESTÍMULO À DOCÊNCIA (GED): ALTERAÇÕES NO TRABALHO ACADÉMICO E NO PADRÃO DE GESTÃO DAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR (! ... Citado por 14 - Artigos relacionados [CITAÇÃO] Metodologias no ensino superior: algumas reflexões MC Sonzogno, NA BATISTA… - … , Batista SH, organizadores. Docência …, 2004 Citado por 12 - Artigos relacionados [PDF] Formação de profissionais da educação no Brasil: o curso de pedagogia em questão [PDF] de scielo.brL Scheibe… - Educação & Sociedade, 1999 - SciELO Brasil ... criada pelos Institutos Superiores de Educação e da suspensão da aná- lise dos processos dos cursos de pedagogia voltados para a docência. Observadas as conseqüências dessas medidas, verifica-se que as insti- tuições de ensino superior foram induzidas a apresentar ... Citado por 68 - Artigos relacionados - Ver em HTML - Todas as 13 versões [CITAÇÃO] Ensino como mediação da formação do professor universitário MI CUNHA - Professor do ensino superior: identidade, docência e …, 2000 Citado por 44 - Artigos relacionados [PDF] Dormi aluno (a)... Acordei professor (a): interfaces da formação para o exercício do ensino superior [PDF] de ufop.brAMO CUNHA, TTR BRITO… - … de Educação Superior, 2004 - prograd.ufop.br ... No entanto, essas iniciativas não constituem regra geral, pois há certo consenso de que a
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
347
docência no ensino superior não requer formação no campo do ensinar. ... docência no ensino superior coexistem junto a tantos outros que se entremeiam no universo do professor. ... Citado por 5 - Artigos relacionados - Ver em HTML - Todas as 6 versões [HTML] Enfermeiro professor: um diálogo com a formação pedagógica [HTML] de scielo.brMTP Rodrigues… - Revista Brasileira de …, 2007 - SciELO Brasil ... La docencia universitaria se presenta como un tema importante en un momento de transformación en la enseñanza de Enfermería caracterizado por cambios curriculares y ... Assim, exige-se do professor competências para a docência no ensino superior: ser competente em ... Citado por 13 - Artigos relacionados - Em cache - Todas as 3 versões [CITAÇÃO] Publicidade: um discurso de sedução AG Pinto - 1997 - Porto Editora Citado por 60 - Artigos relacionados [DOC] Docência universitária: repensando a aula [DOC] de oktiva.com.brMT Masetto - … e aprender no ensino superior. São Paulo (SP): …, 2003 - wp.oktiva.com.br Em geral, nós professores universitários consumimos grande parte do tempo de nossas atividades em sala de aula, e, ao menos, teoricamente estamos sempre a nos interrogar como poderiam ser melhor aproveitadas estas aulas pelos nossos alunos. Ao mesmo tempo que nos ... Citado por 19 - Artigos relacionados - Ver em HTML - Todas as 2 versões [CITAÇÃO] A docência, o aluno ingressante no ensino superior ea escolha profissional AW Pagotti… - A prática da docência universitária. São Paulo: Factash …, 2003 Citado por 4 - Artigos relacionados [CITAÇÃO] Docência como profissão no ensino superior e os saberes científicos e pedagógicos LGC ANASTASIOU - Educação e Cultura, Joinvile, 2002 Citado por 4 - Artigos relacionados [CITAÇÃO] O currículo no ensino superior em saúde JA Maia, NA Batista… - … NA, Batista SH, orgs. Docência em saúde: temas e …, 2004 Citado por 16 - Artigos relacionados [PDF] Trabalho docente no ensino superior sob o contexto das relações sociais capitalistas
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
348
[PDF] de anped.org.brDB LEDA - Caxambu, 29ª reunião da ANPED, 2006 - anped.org.br ... p.71) comenta: [... a educação superior privada, sobretudo ... O ensino privado tem empregado muita gente nesse país, especialmente, pela não realização de concursos para as instituições públicas. ... trabalhadores precisam garantir uma forma de subsistência ea docência no ... Citado por 9 - Artigos relacionados - Ver em HTML - Todas as 6 versões [LIVRO] Projeto político-pedagógico da escola: uma construção possível IPA Veiga - 2007 - books.google.com ... eo cotidiano escolar, o estágio supervisionado, a didática do ensino superior etc ... 6. ESCOLA, APRENDIZAGEM E DOCÊNCIA: IMAGINÁRIO SOCIAL E INTENCIONALIDADE POLÍTICA Mário Osório Marques 7 ... com o objetivo de levar às instituições públicas de ensino uma visão ... Citado por 402 - Artigos relacionados [PDF] O bom cidadão docente universitário na senda da qualidade no ensino superior [PDF] de scielo.brA Rego - Educação & Sociedade, 2000 - SciELO Brasil ... portanto, algumas razões para advogar que os estudantes demonstram uma perspectiva acerca da excelência da docência que contradiz ... à noção de que os comportamentos pesquisados são susceptíveis de contribuir para os incrementos da qualidade no ensino superior. ... Citado por 14 - Artigos relacionados - Ver em HTML - Todas as 6 versões [HTML] Docência na universidade: professores inovadores na USP [HTML] de scielo.brHC Chamlian - Cadernos de pesquisa, 2003 - SciELO Brasil ... que se recomenda, por exemplo, a criação da disciplina Metodologia do Ensino Superior como uma ... adotada pela Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior – Capes – passou a tornar obrigatório o estágio supervisionado na docência como parte ... Citado por 26 - Artigos relacionados - Em cache - Todas as 2 versões [CITAÇÃO] das GC (2002) SG Pimenta… - Docência no ensino superior Citado por 3 - Artigos relacionados [CITAÇÃO] O pensamento de Vygotsky e Bakhtin no Brasil MT de Assunção Freitas - 1994 - Papirus Editora Citado por 97 - Artigos relacionados - Todas as 2 versões Formação de Professores
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
349
J Pacheco… - Teoria e Praxis. Braga: …, 1995 - webs.ie.uminho.pt ... ensino superior. Se a controvérsia existe, pois discute-se o lugar da formação ... décadas de 70, 80 e 90, do século XX, criaram cursos de licenciaturas em ensino. ... docência, tem contribuído para a manutenção de situações de clara inadequação do professor à realidade escolar. ... Citado por 65 - Artigos relacionados - Ver em HTML Aprendizagem da docência: professores formadores [PDF] de pucsp.brMGN Mizukami - Revista Científica e-curriculum ISSN 1809-3876, 2010 - revistas.pucsp.br ... A docência no ensino superior é ainda território que apresenta iniciativas tímidas - comparativamente às demais -, embora mais recentemente também tenha passado a fazer parte do debate da área de forma mais sistemática. ... Citado por 16 - Artigos relacionados - Todas as 7 versões [PDF] Docência na universidade, cultura e avaliação institucional: saberes silenciados em questão [PDF] de scielo.brMI da Cunha - Revista Brasileira de Educação, 2006 - SciELO Brasil ... Esses são os pressupostos que estimularam uma ação investigativa sobre os impactos do modelo avaliativo, imposto pelo Ministério da Educação (MEC) ao ensino superior, na segunda metade da dé- cada de 1990, sobre a docência universitária. ... Citado por 18 - Artigos relacionados - Ver em HTML - Todas as 6 versões
[PDF] ►PRÁTICA PEDAGÓGICA II C Científica, F Costa - ese.ipsantarem.pt ... Coordenação Científica: Fernando Costa ... 5- Anexos com todos os materiais que considerar relevantes na sua prática pedagógica. BIBLIOGRAFIA ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web - Todas as 2 versões
[CITAÇÃO] Metodologia da Pesquisa Metodologia da Pesquisa LCH Zanella Artigos relacionados - Pesquisa na web
[PDF] ►PRÁTICA PEDAGÓGICA III C Científica - eses.pt ... Coordenação Científica: Fernando Costa Page 2. INTRODUÇÃO ... Realizar seminários de preparação da prática pedagógica nas suas diferentes ... BIBLIOGRAFIA ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web - Todas as 2 versões
[LIVRO] Gestão escolar: desafios e tendências ACR Xavier, JA Sobrinho, F Marra, AC Médici - 1994 - Instituto de Pesquisa
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
350
Econômica Aplicada Citado por 10 - Artigos relacionados - Pesquisa na web
[PDF] ►PEDAGOGIA DIFERENCIADA–NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS D RESPONSÁVEL, TP MARQUES, C CIENTÍFICA, G HAMIDO - eses.pt ... COORDENAÇÃO CIENTÍFICA GRACINDA HAMIDO 2006/2007 ... dinamizadas a partir de situações problema colocadas através da Prática Pedagógica. ... BIBLIOGRAFIA ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web
[PDF] ►Desenvolvimento e Gestão Curricular C Científica - eses.pt ... Coordenação Científica: Ramiro Marques ... Pré-Escolar, acompanhados de justificação pedagógica e sugestões ... com consulta livre da bibliografia da disciplina ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web
PDF] ►MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA/SEED UA DO BRASIL - coralx.ufsm.br ... Avaliação em processo. Sistema de acompanhamento. Bibliografia HOFFMANN, JML. ... Marialice de Moraes Materiais impressos e coordenação pedagógica * ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web
[PDF] ►COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA EDITAL PROCESSO DE SELEÇÃO EXTERNA DE DOCENTES C VAGAS - fead.br ... será conduzido por uma Comissão instituída pela Coordenação Pedagógica, pelo Coordenador ... A listagem do conteúdo juntamente com a bibliografia será de ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web - Todas as 2 versões
[CITAÇÃO] Psicologia da Aprendizagem CE de Infância, C Científica, T Sá, D da … Artigos relacionados - Pesquisa na web
[DOC] ►ESTÁGIO TUTELADO 2 DEPGE CURSO, T EDUCACIONAL, ÉS DE OLIVEIRA - br.geocities.com ... BIBLIOGRAFIA..... 23. ... escolar, visando uma coordenação pedagógica. ... Ver em HTML - Pesquisa na web
[RTF] ►A PRÁXIS PEDAGÓGICA COMO INSTRUMENTO DE TRANSFORMAÇÃO DA PRÁTICA DOCENTE FRANCO, Maria Amélia … M de Pesquisa - anped.org.br ... Caberá à atividade de coordenação pedagógica, nos diferentes níveis de ... para
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
351
dar contornos à emergência de uma nova práxis pedagógica. Bibliografia: ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web - Todas as 2 versões
[PDF] ►Questões sobre a organização do trabalho na escola SG PIMENTA, AS BORGES - BORGES, Abel S. et. al - crmariocovas.sp.gov.br ... Já a coordenação de projetos não é ... a competência da equipe pedagógica, fica claramente ... por meio da atualização -cursos, bibliografia, estudos, troca e ... Citado por 8 - Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web
[PDF] ►PEDAGOGIA EM CONTEXTOS NÃO FORMAIS CDEE SOCIAL, C CIENTÍFICA, G HAMIDO, S MADEIRA - eses.pt ... COORDENAÇÃO CIENTÍFICA: ... Bibliografia: ... JAL (2000) –Paradigmas y Métodos Pedagógicos para la Educación Social – La praxis pedagógica en educación ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web
[PDF] ►O papel da coordenação de curso: a experiência no ensino de graduação em geologia na Universidade … JAB Sabadia - Educação em Debate, 2000 - revistadegeologia.ufc.br ... 29 O Papel da Coordenação de Curso – A Experiência no Ensino de ... de graduação não contempla disciplinas de formação pedagógica ea pós ... Bibliografia ... Citado por 4 - Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web
[PDF] ►PEDAGOGIA DA PRIMEIRA INFÂNCIA C Científica, MJ Cardona - eses.pt ... Coordenação Científica Mª João Cardona ... descrição/caracterização de uma situação observada no estágio da prática pedagógica em creche ... BIBLIOGRAFIA ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web - Todas as 2 versões
PLANO DE DISCIPLINA C PROGRAMÁTICO, B BÁSICA, B COMPLEMENTAR - pucrs.campus2.br ... BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR. ... Aprendizagem e desenvolvimento Infantil 3: Psicomotricidade- alternativa pedagógica. ... Negrine, A. A coordenação Psicomotora e suas ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web - Todas as 4 versões
[PDF] ►A Qualidade no Currículo E de Brito Silva - portal.mec.gov.br ... iniciado após estudo da legislação e de bibliografia apropriada; ... 40 horas semanais, 10 horas/aula de coordenação pedagógica, em turno contrário, ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web - Todas as 3 versões
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
352
[DOC] ►I. O TRABALHO COM PROJETOS III CRONOGRAMA, FMÊSP TAREFAS, IVA DO PROJETO, VCE … - anglo-vale.com.br ... Bom trabalho! Coordenação Pedagógica / 2006. BIBLIOGRAFIA. BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web
[CITAÇÃO] EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA FE POLÍTICAS Artigos relacionados - Pesquisa na web
PDF] ►Pedagogia da Educação Pré-escolar C Científica - eses.pt ... Coordenação Científica: ... Portfolio/ Webfolio reflexivo: • Qualidade e relevância da selecção para a prática pedagógica • Capacidade de ... BIBLIOGRAFIA ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web
[PDF] ►Métodos e Técnicas de Administração Escolar N Prévia - dce.ua.pt ... interna e externa ao estabelecimento de ensino; • Compreender as sinergias benéficas de uma adequada coordenação pedagógica ao nível ... Page 2. Bibliografia ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web - Todas as 2 versões
[PDF] ►Curso de Educação de Infância Curso de Professores do 1. ºCiclo do Ensino Básico C Científica - eses.pt ... Programa Coordenação Científica: ... Ensino Básico. • Desenvolver a capacidade de relação pedagógica com todos os intervenientes na acção ... BIBLIOGRAFIA ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web - Todas as 3 versões
[DOC] ►PASSOS PARA ELABORAÇÃO DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO MC dos Reis, D Pedagógica, D da Gestão Escolar, D … - fadepe.com.br ... pais, alunos, professores, direção, coordenação, equipe administrativa ... Dimensão Pedagógica (Ações voltadas para melhoria ... do PPP); BIBLIOGRAFIA (Obras e ... Ver em HTML - Pesquisa na web
[LIVRO] Capacitação de enfermeiros em saúde pública para o Sistema Único de Saúde CGD de Recursos… - 1994 - A Coordenação Artigos relacionados - Pesquisa na web
[PDF] ►PEDAGOGIA E INTERVENÇÃO SOCIOCULTURAL I CDEACE EDUCAÇÃO, C CIENTÍFICA, G HAMIDO, S MADEIRA - eses.pt ... COORDENAÇÃO CIENTÍFICA: ... Bibliografia: ... JAL (2000) –Paradigmas y Métodos Pedagógicos para la Educación Social – La praxis pedagógica en
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
353
educación ... Ver em HTML - Pesquisa na web
[PDF] ►Programa C Geral, P TEMÁTICOS - fcm.unl.pt ... Telefones/Faxes Morada Centro de Saúde SRS de Lisboa Organização pedagógica da disciplina ... Leitura recomendada e Sites na Internet Bibliografia básica ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web - Todas as 5 versões
[PDF] ►OBJETIVOS DO CURSO CDEEEMA GESTÃO, EDEPEM ORGANIZAÇÕES - unioeste.br ... dia – a – dia. COORDENAÇÃO Coordenador: Sandra Maria Coltre Titulação: Mestre ... Os pressupostos da teoria pedagógica. BIBLIOGRAFIA BECKER, Fernando. ... Ver em HTML - Pesquisa na web
[PDF] ►AS CONCEPÇÕES DO BRINCAR PARA AS RECREACIONISTA DO CECI (CENTRO DE CONVIVÊNCIA INFANTIL DA UNICAMP) O da Pesquisa - 168.96.200.17 ... Bibliografia levantada ... SAITTA, Laura R. Coordenação pedagógica e trabalho em grupo. ln: BONDIOLI, Anna e MANTOVANI, Susanna. ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web - Todas as 3 versões
[PDF] ►RESOLUÇÃO Nº 17/2006 Ao curso de Pós-Graduação, P sob a … - ufcg.edu.br ... Subordinação e coordenação: confrontos e contrastes. ... Aplicação da lingüística à pesquisa pedagógica em matéria de ensino da ... BIBLIOGRAFIA SUGERIDA: ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web - Todas as 2 versões
[PDF] ►GESTÃO EM EAD VIA INTERNET FLB Nunes - portal.mec.gov.br ... didáticos, bibliografia e programação das atividades devem constar no ... A coordenação pedagógica deverá estar atenta para as práticas pedagógicas dos ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web
Revista@ prender Virtu@ l, Vol. 1, No 1 (2008) - ►ufsc.br [PDF] DX Garcia - Revista@ prender Virtu@ l, 2008 - revistas.cin.ufsc.br ... didáticos, bibliografia e programação das atividades devem constar no ... A coordenação pedagógica deverá estar atenta para as práticas pedagógicas dos ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web
[DOC] ►1.3) ATIVIDADES CIENTÍFICAS, PROFISSIONAIS E/OU ARTÍSTICAS C Programático - noticias.pufuadm.ufu.br ... 0,5 por ano (com comprovação) máximo de 1,0 pontos, Coordenação pedagógica
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
354
na área de Alfabetização e/ou séries iniciais. ... BibLiografia: ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web
[PDF] ►PROGRAMA DE INCENTIVO Á FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DO ENSINO MÉDIO ESUAFPE CURRICULAR - portal.mec.gov.br ... Coordenação do curso: ... As atividades de natureza psico-pedagógica foram ... oportunidade de aprofundar seu conhecimento e de se atualizar com bibliografia e ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web
[LIVRO] A reconstrução da didática: elementos teórico-metodológicos MRNS Oliveira - 1992 - Papirus Editora
[LIVRO] Orientação psico-pedagógica no ensino superior A Hoirisch, DIM Barros, IS Souza - 1993 - UFRJ Editora Citado por 7 - Artigos relacionados - Pesquisa na web
[DOC] ►Parte Teórica: Aulas expositivas, Leitura da bibliografia indicada. Parte Prática: Exercícios e … F de Custos–Critérios, MAE Classificação - unipan.br ... BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR. DUTRA, RG Custos: uma abordagem prática: São Paulo: Atlas, 2003. ... APROVAÇÃO DA COORDENAÇÃO DE CURSO. ... Coordenadora Pedagógica. ... Ver em HTML - Pesquisa na web
[PDF] ►VIII-001-USO DE FERRAMENTAS DE INFORMÁTICA EM FAVOR DE NOVAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS AMBIENTAIS FMB Zorzal, J Jachic, EMS Dumke, MSB Ostrowsky, L … - bvsde.paho.org ... o início do curso; m) oferecer e manter uma bibliografia que apóie as ... de inclusão digital, desta vez por parte do corpo docente e coordenação pedagógica. ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web
[LIVRO] O trabalho docente teoria & prática AG Queluz, M Alonso - 2003 - Thomson Learning Ibero Citado por 7 - Artigos relacionados - Pesquisa na web
[RTF] ►AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA SPD DE PERCURSOS - nead.ufmt.br ... tem que ser, também, avaliada no desenvolvimento das funções de coordenação geral, coordenação administrativa e coordenação pedagógica. ... Bibliografia. ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web
[PDF] ►Construção e Valorização do saber GDOD FEDERAL - gdfsige.df.gov.br
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
355
... BIBLIOGRAFIA ..... 35 ... desenvolvidos e planejados na coordenação pedagógica. ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web
[PDF] ►Curso de Educação de Infância C Científica - eses.pt ... Programa Coordenação Científica: ... análise no subgrupo ou turma de situações problemáticas da prática pedagógica dos ... BIBLIOGRAFIA - AA VV (1997). ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web - Todas as 4 versões
[DOC] ►CIRCUNFERÊNCIA E CÍRCULO CMS OLIVEIRA, EDOSS NUNES - br.geocities.com ... 7 – Bibliografia 34. ... é elaborado e revisto periodicamente pelos professores em reuniões por área de ensino supervisionado pela coordenação pedagógica. ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A DOCÊNCIA NA EAD: A DIALOGICIDADE DOS TEXTOS DOS PROFESSORES NA PRÁTICA … IB de Camargo Cortelazzo, FA Rizzato, RF Borges, C … - utp.br ... em Educação de TCC da FCHLA e da coordenação de oficinas ... Palavras Chave: formação, docência, prática pedagógica, educação, distância. BIBLIOGRAFIA. ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web
[PDF] ►Sistema de Avaliação de Alunos A Cidade, LGG Mählmann - guaiba.ulbra.tche.br ... Com base nessa bibliografia, são criadas perguntas para serem inseridas nas provas. ... utilizada para consulta pedagógica pela coordenação ou professores ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web
[CITAÇÃO] Informática Aplicada à Educação DCA Mesquita, DT Castro Artigos relacionados - Pesquisa na web
PDF] ►MAX WEBER NOS PROGRAMAS NACIONAIS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: UM BALANÇO DA PRODUÇÃO ACADÊMICA … B de Teses, D da Coordenação, AP do Ensino - lpp-uerj.net ... de Teses e Dissertações da Coordenação e Aperfeiçoamento ... Judith; A “revisão da bibliografia” em teses e ... Modernidade e ação pedagógica em Max Weber ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web
[PDF] ►Educação para a cidadania E Moral, R Católica, Á de Projecto, E Acompanhado, … - Ciências - esvf.net ... Ao nível dos professores da turma: efectuando a coordenação pedagógica ( num ... 84 5.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
356
BIBLIOGRAFIA E FONTES DE INFORMAÇÃO Legislação: - LBSE, 46/86; ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web
[PDF] ►1º (semestre)–2004 1. IDENTIFICAÇÃO P DE ENSINO - facitec.br ... f) Metodologia g) Cronograma h) Bibliografia Inicial ... DA SILVA _____ _____ Coordenação Pedagógica Diretor Acadêmico Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web
[PDF] ►FAZENDO ARTE NA ESCOLA DE ENSINO FUNDAMENTAL LH da Silva CHRISTOV - unesp.br ... O desenvolvimento de leitura e escrita foi uma exigência da coordenação pedagógica, uma vez que o Projeto Pedagógico da escola tem como um dos ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web
[LIVRO] Educação ambiental: da prática pedagógica à cidadania JLB Talamoni, AC Sampaio - 2003 - Escrituras Citado por 2 - Artigos relacionados - Pesquisa na web
[PDF] ►A Heterogeneidade de Fatores Envolvidos na Aprendizagem: uma Visão Multidisciplinar LAG Senna - A presentação - senna.pro.br ... após ter alta do hospital, a direção convocará a coordenação pedagógica para definir ... BIBLIOGRAFIA GARIN, E. (1995) Ciência e vida civil no Renascimento ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web - Todas as 4 versões
[PDF] ►1.0. PERÍODO, HORÁRIO E LOCAL DE INSCRIÇÃO DLP Parceladas, UAT Neves, B Cavalhada, LP … - unemat.br ... g) O candidato que tiver a proposta aprovada terá que entregar a Coordenação Pedagógica devidamente, relatório da disciplina e avaliação ... Bibliografia: ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web
Livro Didático e aprendizado de leitura no início do ensino fundamental C Franco, PMFR Nunes, PCSR da Silva, PFC de … - maxwell.lambda.ele.puc-rio.br ... desenvolveu atividades de ensino e de coordenação pedagógica em escolas ... na orientação de licenciandos e na coordenação do projeto de ... Inclui bibliografia ... Pesquisa na web - Todas as 2 versões
PDF] ►ESTRATÉGIAS DE IMPLEMENTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE FORMAÇÃO À DISTÂNCIA MM Tassigny - rieoei.org ... à distância 4 . O acompanhamento ea coordenação pedagógica (formada por ... A preparação pedagógica e, mais particularmente, o desenvolvimento ... BIBLIOGRAFIA ... Artigos relacionados - Pesquisa na web - Todas as 3 versões
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
357
[DOC] ►CURSO DE FORMAÇÃO METODOLÓGICA E DIDÁTICO-PEDAGÓGICA DIA DA, HD PROFESSORES, M DA PESQUISA, MDOE … - unerj.br ... metodológica e didático-pedagógica, apresentar monografia ... UNIDADE RESPONSÁVEL: Coordenação de Pós-Graduação. 1.5. ... EMENTAS E BIBLIOGRAFIA DAS DISCIPLINAS ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web
[DOC] ►PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTA VITÓRIA DO PALMAR SECRETARIA DE ADMINISTRAÇÃO CONCURSO PÚBLICO PARA … C Vagas - furg.br ... nominal e verbal, período composto por coordenação e subordinação ... Papirus, 2002.A pesquisa como instrumentalização da prática pedagógica. ... BIBLIOGRAFIA: ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web
[PDF] ►1º PERÍODO C de Avaliação, B Básica, B Complementar - uss.br ... São Paulo: Edgard Blucher, 1973. Bibliografia Complementar: ... FARIAS, RF Química de Coordenação fundamentos e atualidades. Campinas/SP: Editora Atomo, 2005. ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web - Todas as 2 versões
[DOC] ►ANEXO I DO EDITAL DE CONCURSO PÚBLICO Nº 034/2006 PCAOSC DE NIVEL, S PROGRAMA, B SUGERIDA, ACAOSC DE … - e-concurso.com.br ... Ministério da saúde,2ºEdição, 1994.Coordenação Nacional de ... processo de comunicação como fator de gestão da ação Pedagógica. ... BIBLIOGRAFIA SUGERIDA. ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web - Todas as 4 versões
[PDF] ►Curso Normal no Distrito Federal: Processo de Mudança CMNH Santana, E Waisros - emaberto.inep.gov.br ... de pesquisa gerou dois produtos: um Relatório Final, composto de 163 páginas divididas em seis capítulos, bibliografia ... classe e coordenação pedagógica; ... Ver em HTML - Pesquisa na web - Todas as 4 versões
[PDF] ►PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES M de Irecê–Bahia - ciberparque.faced.ufba.br ... Bibliografia Bibliografia ..... ... pedagógica ... pela coordenação ... Ver em HTML - Pesquisa na web
[PDF] ►GESTÃO ESCOLAR PÚBLICA ADEJC CARIAS - freewebtown.com ... mesma. No que se refere à bibliografia optamos por separar os escritos que foram ... e coordenação pedagógica das unidades escolares; ...
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
358
[CITAÇÃO] Criança e paz M Teresa, M do Carmo, M Elisabete, A Coelho Artigos relacionados - Pesquisa na web
[DOC] ►Pós-graduação CG DE - nead.unit.br ... COORDENAÇÃO GERAL DE ... Bibliografia. ... 9 - MORAN, José Manuel, MASETTO, Marcos T. & BEHRENS, Marilda Aparecida - Novas tecnologias e mediação Pedagógica. ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web
[DOC] ►Temas contemporâneos em educação P PEDAGÓGICA - redebrasil.tv.br ... Consta também uma bibliografia geral sobre violência sexual doméstica e exploração ... Supervisora Pedagógica. ... Coordenação de Utilização e Avaliação. ... Artigos relacionados - Ver em HTML - Pesquisa na web
REFERÊNCIAS ALARCÃO, I. (1998). Revisitando a competência dos professores na sociedade de hoje. Aprende, 21, 46-50. ALARCÃO, I. Formação Reflexiva de Professores – Estratégias de Supervisão. Porto: Porto, 1996. ALONSO,L et al. Projecto PROCUR- Contributo para a mudança nas escolas. Braga: CESC, 2002. BARBIER, J. M. Elaboração de Projectos de Acção e Planificação. Porto: Porto, 1993. BARBOSA, L. (1995). Como Fazer um Projecto. Noesis, Julho/Setembro, 62. BENAVENTE, A. Escola, Professores e Processos de Mudança. Lisboa: Livros Horizonte, 1990. CANÁRIO R.(org). Inovação e Projecto Educativo de Escola. Lisboa: Educa, 1992. DE LANDSHEERE, V. Définir les Objectifs de l’Education. Liége: Thone, 1975. ESTRELA, A. Teoria e Prática de Observação de Classes. Lisboa:.INIC, 1986. ESTRELA, M. T. A Técnica dos Incidentes Críticos no ensino. Lisboa: Estampa, 1987.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
359
GARCIA, C. M. Formação de Professores – Para uma mudança Educativa. Porto: Porto, 1999. LEITE, E. E., MALPIQUE, M. Espaços de Criatividade. Porto: Porto, 1986. MARQUES, R. (1991). A Participação dos Pais na Vida da Escola. Escola Cultural, nº 1, vol.1 16-20. NÓVOA, A. Para uma análise das instituições escolares. In Nóvoa, A.( coord. ). As organizações escolares em análise. Lisboa: D. Quixote, 1992. PERRENOUD, PH. Práticas Pedagógicas, Profissão Docente e Formação de Professores – Sociológicas. I.I.E., Public. Lisboa:. D. Quixote, 1993. PERRENOUD, PH. Dez Novas Competências para Ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000. ROLDÃO, M. C. Gestão curricular - Fundamentos e Práticas. Lisboa: DEB, 1999. ROLDÃO, M. C. Gestão do currículo e avaliação de competências - as questões dos professores. Lisboa: Presença, 2003. STIÉVENART, M. (1989). L’emergence d’une notion:: Le Partenariat socio-educatif. Les Sciences de l‟Éducation. 5, 35-50. VALENTE, B. Por uma Escola Projecto. Lisboa: Livros Horizonte, 1988. ZABALZA, A. Do currículo ao projecto. In CANÁRIO, R. (org.) Inovação e projecto educativo de escola. Lisboa: Educa, 1992.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
360
ORIENTAÇÕES PARA BUSCA DE ARTIGOS CIENTÍFICOS NO SCIELO
Após a escolha do tema do TCC, pertinente ao seu curso de Pós-graduação,
você deverá fazer a busca por artigos científicos da área, em sites especializados,
para a redação do seu próprio artigo científico. O suporte bibliográfico se faz
necessário porque toda informação fornecida no seu artigo deverá ser retirada de
outras obras já publicadas anteriormente. Para isso, deve-se observar os tipos de
citações (indiretas e diretas) descritas nesta apostila e a maneira como elas devem
ser indicadas no seu texto.
Lembre-se que os artigos que devem ser consultados são artigos científicos,
publicados em revistas científicas. Sendo assim, as consultas em revistas de ampla
circulação (compradas em bancas) não são permitidas, mesmo se ela estiver
relatando resultados de estudos publicados como artigos científicos sobre aquele
assunto. Revistas como: Veja, Isto é, Época, etc., são meios de comunicação
jornalísticos e não científicos.
Os artigos científicos são publicados em revistas que circulam apenas no
meio acadêmico (Instituições de Ensino Superior). Essas revistas são denominadas
periódicos. Cada periódico têm sua circulação própria, isto é, alguns são publicados
impressos mensalmente, outros trimestralmente e assim por diante. Alguns
periódicos também podem ser encontrados facilmente na internet e os artigos neles
contidos estão disponíveis para consulta e/ou download.
Os principais sites de buscas por artigos são, entre outros:
SciELO: www.scielo.org
Periódicos Capes: www.periodicos.capes.gov.br
Bireme: www.bireme.br
PubMed: www.pubmed.com.br
A seguir, temos um exemplo de busca por artigos no site do SciELO.
Lembrando que em todos os sites, embora eles sejam diferentes, o método de
busca não difere muito. Deve-se ter em mente o assunto e as palavras-chave que o
levarão à procura pelos artigos. Bons estudos!
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
361
Siga os passos indicados:
Para iniciar sua pesquisa, digite o site do SciELO no campo endereço da
internet e, depois de aberta a página, observe os principais pontos de pesquisa: por
artigos; por periódicos e periódicos por assunto (marcações em círculo).
Ao optar pela pesquisa por artigos, no campo método (indicado abaixo),
escolha se a busca será feita por palavra-chave, por palavras próximas à forma que
você escreveu, pelo site Google Acadêmico ou por relevância das palavras.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
362
Em seguida, deve-se escolher onde será feita a procura e quais as palavras-
chave deverão ser procuradas, de acordo com assunto do seu TCC (não utilizar “e”,
“ou”, “de”, “a”, pois ele procurará por estas palavras também). Clicar em pesquisar.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
363
Lembre-se de que as palavras-chave dirigirão a pesquisa, portanto, escolha-
as com atenção. Várias podem ser testadas. Quanto mais próximas ao tema
escolhido, mais refinada será sua busca. Por exemplo, se o tema escolhido for
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
364
relacionado à degradação ambiental na cidade de Ipatinga, as palavras-chave
poderiam ser: degradação; ambiental; Ipatinga. Ou algo mais detalhado. Se nada
aparecer, tente outras palavras.
Isso feito, uma nova página aparecerá, com os resultados da pesquisa para
aquelas palavras que você forneceu. Observe o número de referências às palavras
fornecidas e o número de páginas em que elas se encontram (indicado abaixo).
A seguir, estará a lista com os títulos dos artigos encontrados, onde constam:
nome dos autores (Sobrenome, nome), título, nome do periódico, ano de publicação,
volume, número, páginas e número de indexação. Logo abaixo, têm-se as opções
de visualização do resumo do artigo em português/inglês e do artigo na íntegra, em
português. Avalie os títulos e leia o resumo primeiro, para ver se vale à pena ler todo
o artigo.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
365
Ao abrir o resumo, tem-se o nome dos autores bem evidente, no início da
página (indicado abaixo). No final, tem-se, ainda, a opção de obter o arquivo do
artigo em PDF, que é um tipo de arquivo compactado e, por isso, mais leve, Caso
queria, você pode fazer download e salvá-lo em seu computador.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
366
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
367
Busca por periódicos
Caso você já possua a referência de um artigo e quer achá-lo em um
periódico, deve-se procurar na lista de periódicos, digitando-se o nome ou
procurando na lista, por ordem alfabética ou assunto. Em seguida, é só procurar
pelo autor, ano de publicação, volume e/ou número.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected]
368
É preciso ressaltar que você deve apenas consultar as bases de dados e os
artigos, sendo proibida a cópia de trechos, sem a devida indicação do nome do
autor do texto original (ver na apostila tipos de citação) e/ou o texto na íntegra.
Tais atitudes podem ser facilmente verificadas por nossos professores, que
farão a correção do artigo.
Top Related