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(Ficha catalogrfica feita por Marlene Margarete Elbert, CRB14 167)
S729d Souza, Edison Roberto deDo corpo produtivo ao corpo brincante : o jogo e suas inseres no de-
senvolvimento da criana / Edison Roberto de Souza; Francisco AntonioPereira Fialho, orientador. Florianpolis, 2001.
[10], 226 f. : il.
Tese (doutorado) Universidade Federal de Santa Catarina, CentroTecnolgico, 2001
Bibliografia: f. 220-226.
1. Jogos infantis Aspectos psicolgicos. 2. Aprendizagemperceptiva. 3. Crianas Desenvolvimento. 4. Educao atravs dosjogos. 5. Jogos tradicionais. I. Fialho, Francisco Antonio Pereira. II.Universidade Federal de Santa Catarina. Centro Tecnolgico. III. Ttulo.
CDU: 371.695 ; 796.11 ; 159.928
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DEDICATRIA
A Andr, Anita, Beatriz, Carlos, Carolina, Diana, Ewerton, Elisa, Fbio,
Fernanda, Gabriela, Geovani, Jorge, Joice, Joana, Joo, Lucas, Lusa, Manoel, Marcos,
Marina, Maria, Osvaldo, Pedro, Patrcia, Paulo, Regina, Rui, Saulo, Sabrina, Snia,Tatiana, Valria, Valdir representando tantas crianas, manezinhas, descendentes de
aorianos, moradoras do interior da Ilha de Santa Catarina, que dinamicamente se
constituram nos sujeitos desta investigao, dedicamos este trabalho. .
Algumas delas so meninos, outras meninas. A grande maioria de origem
aoreana, outras resultam da miscigenao do povo brasileiro. Algumas tem sete,
outras oito, nove, dez ou onze anos. Algumas so loiras, outras morenas, ruivas e
negras. Algumas so altas, outras magras, baixas e gordas. Algumas preferem a bola,
outras o taco, a peteca, o pio a pipa, o carrinho, a perna de pau, a amarelinha ou o
brincar de casinha.. Algumas preferem carne, outras peixe, frutas e cereais. Algumas
so avaianas outras alvi-negras. Todas se vestem de forma diferente, algumas com
blusas, calas e camisetas, outras com saias, shorts ou agasalhos. Algumas falam do
farra do boi, outras preferem brincar com o boi de mamo. Moram em localidades
distintas, Campeche, Costeira do Pirajuba, Ingleses, Pntano do Sul, Ratones,
Ribeiro da Ilha, Rio Vermelho, Sambaqui e Vargem Pequena. Estudam nas mais
distintas escolas, municipais, estaduais e particulares. Suas fantasias fazem-nas viajar,de carrinho pelo quintal, de barquinho pelo mar ou, com as pipas pelo ar.
Porm, apesar dessas inmeras diferenas, no brincar elas tornam-se iguais.
Nessa igualdade, seus rostos e expresses de contagiante felicidade, provocaram em
ns algumas reflexes sobre qual o verdadeiro sentido de viver.
S CRIANAS...
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AAAGGGRRRAAADDDEEECCCIIIMMMEEENNNTTTOOOSSS
Fernanda Regina e Lucas Roberto,
Ao Creedence Clearwater Revival, por embalar os meusmomentos de fantasias durante as pausas do estudo. Conjuntoque curto desde o seu surgimento, na dcada de 70. Foi nosembalos de Who'll stop the rain e Have you ever seen therain?, que obtive energia necessria para concluso destainvestigao.
Ao Ava, o Leo da Ilha, o mais vezes campeo de SantaCatarina, responsvel pelas fortes emoes nas tardesdominicais. O Time Azurra foi fundado no dia 1o de Setembrode 1923, e recebeu este nome a partir da sugesto de seprimeiro presidente Amadeu Horn que pesquisava sobre oepisdio histrico da Batalha do Avahi, acontecida no Paraguai.
Ao Fialho, amigo, orientador, que me permitiu entender que osopro do vento ou o perfume da flor no cabem em nenhumacincia. As professoras, doutoras, integrantes da banca, AnaMoiseichyk, Arceloni Volpato, Christianne Coelho e ElaineFerreira, o eterno agradecimento Aos meus amigos, professoresdo DEF, Ricardo Pacheco e Sidney Farias, pelo incentivo.
s crianas, razo maior deste estudo, que tanto ensinaram,mostrando-nos que no brincar o seu movimentar singular ehumano, principalmente porque seus corpos so muito maisdo que corpos fsicos se deslocando no tempo e espao, elesso suas instncias de interao com o universo e decelebrao festiva da vida.
Aos meus pais, Waldemiro e Nardina, que oportunizaram minhaformao. Aos meus irmos Antnio Carlos, Eliane Floriano e
Carlos Alberto pelo constante apoio. minha esposa, AlbaRegina Battisti, que alm de admirvel educadora, com a suafora, determinao, sensualidade e companheirismo, encharca-me com o mais puro dos sentimentos, que se chama amor. Aosfilhos, Fernanda Regina e Lucas Roberto, frutos expressivos denossa unio, que constantemente me transportam para o mundoda alegria, do prazer, dafantasia.
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MENSAGEM
A criana feita de cemA criana tem cem lnguas
cem moscem pensamentos
cem modos de pensar,de brincar e de falar.
Cem, sempre cemmodos de escutar de admirar-se e de amar
cem alegrias para cantar e compreendercem mundos para descobrir
cem mundos para criarem mundos para sonhar.
A criana tem cem lnguas(e depois cem, cem, cem)
mas so-lhe roubadas noventa e noveA escola e a cultura separam-lhe a cabea do corpo.
Dizem-lhe:para pensar sem as mos,
para fazer sem a cabea,para escutar e no falar,
para compreender sem alegria,para amar e maravilhar-se
somente na Pscoa e no Natal.Dizem-lhe:
para descobrir o mundo que j existee de cem roubaram-lhe noventa e nove.
Dizem-lhe:
o jogo e o trabalhoa realidade e a fantasia
a cincia e a imaginaoo cu e a terra
a razo e o sonhoso coisas que no esto juntas.
Dizem-lhe, enfim, que o cem no existeA criana diz: pelo contrrio, o cem existe.
PELO CONTRRIO,O CEM EXISTE
Lris Malaguzzi, 1996, p. 10
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RRREEESSSUUUMMMOOONa busca por compreender o jogo tradicional infantil enquanto possibilidade de
desenvolvimento da criana, optamos, metodologicamente, por uma pesquisa descritiva comcaractersticas etnogrficas, de cunho exploratrio, essencialmente qualitativa. A metodologiaempregada teve como preocupao fundamental conceber essa atividade da cultura ldicainfantil enquanto uma prtica real de relaes sociais entre as crianas do interior da Ilha deSanta Catarina. A partir da anlise de contedo desse fenmeno do existir infantil e dosdiscursos de educadores, algumas categorias surgiram, transformando-se em pilares tericosque, interconectados, possibilitaram-nos compreender os jogos como essenciais nodesenvolvimento da criana. No primeiro captulo, O corpo produtivo, incitados pelas
reclamaes infantis e centrados nos escritos de Foucault, o principal terico da contracultura,exploramos facetas ocultadas no processo de dominao do corpo da criana, bem comorefletimos acerca da excluso das atividades ldicas por parte da escola que, ao subjugar acriana sociedade produtiva, nega -lhe um viver mais significativo e feliz. No segundocaptulo: O corpo complexo, a partir dos valores surgidos dos jogos analisados e das falasde educadores descontentes com essa formao que prioriza apenas um aspecto do universo dacriana, refletimos sobre as possibilidades dessa atividade ldica no desenvolvimento deoutras dimenses humanas, recorrendo ao paradigma da complexidade, proposto por Morin.No terceiro captulo: O corpo ldico, na nsia por compreender e por classificar os jogostradicionais investigados, adentramos num estudo envolvendo diversas teorias sobre o jogo nainfncia, destacando, em especial, o pensamento de Piaget, Vygotsky, Elkonin e Brougre. No
quarto captulo: O corpo em ao, procuramos relacionar os jogos ao desenvolvimento dasdimenses cognitivas, motoras e socioafetivas da criana, identificando os seus valoresimplcitos, surgidos durante o processo de anlise. No ltimo captulo: O corpo brincante,encerramos este estudo, apresentando os jogos tradicionais infantis investigados e ousandosugeri-los no processo educativo de crianas do Ensino Fundamental, principalmente porque,no jogar, a criana nos ensina que o seu desenvolvimento harmonioso, recheado de mltiplasdimenses, inscreve-se no corpo, e essa atividade sria permite-lhe irradiar sua complexidadeao conectar-se e interagir com o mundo. Trata-se de um recurso espontneo de celebrar a vidacom alegria e felicidade, tornando a criana subversiva, guerreira, resistente, criativa, livre,cidad e humana, enfim, ela nos mostra que o seu corpo produtivo to decantado pela escola essencialmente brincante. Ao ousar sugerir a incluso dos jogos na escola, fazemo-lo na
perspectiva de educarmos nossas crianas para outras dimenses humanas, tornando-as maisfelizes. Entendemos, portanto, que cabe escola considerar todas as perspectivas de vida e avariedade de idias das crianas, buscando um currculo que leve em considerao o repertrioldico infantil existente, tornando, assim, o contedo mais significativo, plural, intersubjetivoe dinmico. Quando sugerimos o ldico no desenvolvimento da criana, no pretendemosnegar o papel da escola na difuso da cultura erudita em detrimento da cultura popular,propomos a conciliao desses dois plos essenciais emancipao da criana, como um serhistrico que busca, a partir de suas razes, transformar o mundo e, ao mesmo tempo,preservar sua identidade.
DO CORPO PRODUTIVO AO CORPO BRINCANTE: O JOGO ESUAS INSER ES NO DESENVOLVIMENTO DA CRIAN A
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AAABBBSSSTTTRRRAAACCCTTT
In the seek of understanding the traditional childs games as a alternative in the childsdevelopment, we choose, methodologically, by a descriptive research with ethnographiccharacteristics, of explorative type, essentially qualitative. The methodology used, had as mainworry to conceive this activity of the ludic childhoods culture as a real practice of socialrelationships among the children of the interior of Santa Catarina Island. From the contentanalysis of this phenomena, from the childs being and educators discourses, some categorieshave emerged, becoming theoretical bases, that interconnected, allow us to understand them asessentials of childs development. In the first: The Productive Body, incentivated by childadvertisements and centered in Foucaults papers, main theoretic of contraculture, we exploreanother faces of the process of dominating the childs body and the negation of the ludicactivities at school, that when dominating the child, the productive society, negates a happyand meanful living. The second: The complex Body, from the values that appeared in theanalyzed games and form educators unhappy with this formation that prioritizes only oneaspect of the child, we reflect on its possibilities of developing other human dimensions, usingMorins complexity paradigm. In the third: The Ludic Body, the eager to understand andclassify the traditional games, we study some theories, specially Piaget, Vygotsky, Elkoninand Brougre. In the fourth: The Body in Action, we look for establish a relationship amongdevelopment of the children cognitive, motor and socio-affective dimensions, identificatingtheir implicit values, that appeared during analysis. The last: The Playing Body, closes thisstudy, by presenting the traditional childs games studied, suggesting their use in the learningprocess of children in the fundamental teaching, mainly because by playing children teach usthat their harmonic development, fulfilled of multiple dimensions, is centered in the body.This serious activity allows then irradiate its complexity by connecting and interacting withthe word. That is a spontaneous resource to celebrate the living with happiness and joy,becoming subversive, warrior, resistant, creative, free, citizen and human. Finally, show usthat the productive body, so reinforced by school is basically playing body. We suggest theplaying body to school, in order to educate our children in other human dimensions, makingthen happier. So, we understand that is responsibility of the school to consider all perspectivesof live and the variety of childrens ideas, seeking a curricula that takes into consideration theludic repertory of children, making the content more meanful, plural and dynamic. Bysuggesting the ludic in the development of children, we do not want to neglect the roll ofschool in divulgating the erudite culture in relation to popular culture, but a conciliation ofthese two poles essentials to childs emancipation, as an historic being that seeks from its rootstransform the world, and at the same time, preserve its identity.
FROM THE PRODUTIVE BODY TO THE PLAYING BODY:THE GAME AND ITS INSERTIONS IN CHILDSDEVELOPMENT
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SUMRIO
I PALAVRAS INICIAIS...1.1 - Fundamentao terica do problema1.2 - Justificativa da investigao1.3 - Objetivos do estudo1.4 - Reflexes metodolgicas da investigao
II O CORPO DOMINADO2.1 - O Corpo produtivo: as disciplinas de dominao2.2 - O Corpo na escola: a construo da docilidade
III O CORPO COMPLEXO
3.1 - O Corpo social complexo3.2 - O Corpo emergente
IV O CORPO LDICO4.1 - Conversando sobre o jogo4.2 - O jogar e o brincar nas teorias clssicas4.3 - O jogar e o brincar nas teorias modernas4.4 - O jogar e o brincar e suas classificaes
V O CORPO EM AO5.1 - O corpo, o jogo e a cognio infantil
5.2 - O corpo, o jogo e o desenvolvimento motor5.3 - O corpo, o jogo e o desenvolvimento scioafetivo
VI O CORPO BRINCANTE6.1 - As crianas e seus jogos tradicionais6.2 O Jogo que sonhamos
BIBLIOGRAFIA
Referncias bibliogrficasBibliografia de apoio
0102081921
282944
555667
77788798
118
125126159169
173174205
219220224
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LISTA DE QUADROS
QUADRO TEMA PGINA
Quadro 1 O Corpo dominado: sntese dos estudos foucaultianos 42
Quadro 2 O corpo e os tipos de organizao do trabalho 43
Quadro 3 O jogo na histria da civilizao humana 86
Quadro 4 Jogos infantis segundo a evoluo da humanidade 90
Quadro 5 Teorias clssicas do jogo 97
Quadro 6 O Jogo e os diferentes nveis de regras 104
Quadro 7 Teorias modernas do jogo 117
Quadro 8 O jogo e suas classificaes 123
Quadro 9 As modalidades dos hemisfrios cerebrais 129
Quadro 10 Motricidade infantil x Estruturas do jogo 165
Quadro 11 Jogos tradicionais infantis 186
Quadro 12 Rizoma do cio 210
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LISTA DE ILUSTRAES
LOCAL TEMA DA ILUSTRAO PGINA FONTE
Capa Pipa - CD PrintMasterGold de Luxe
Cap. I
Crianas na sala de aulaMenino deitadoCrianas brincandoMenino laandoMenina no balano
0102081921
CD PrintMaster
Cap. IIDominao do corpoMulher trabalhandoMenino lendo
282944
CD PrintMaster
Cap. IIIImagem do corpoBailarinasCriana jogando taco
555667
CD PrintMaster
Cap. IV
Menina no balanoGangorraMeninos correndoBonecasMenino no pneu
77788798
118
CD PrintMaster
Cap. V
Brincando com bolaCrebro*reas cerebrais*Meninas girandoCriana sentada
105126129159169
CD PrintMaster*www.cerebronosso.bio.br
*www,areaeducativa.hpg.com.br
Cap. VI
Pulando cordaBrincando de rodaHistria do Piteco*Jogos tradicionais*Pipa e pio
173174
175/179187/205
206
CD PrintMaster*Maurcio de Souza*Edison Roberto de Souza
BibliografiaCriana c/ livrosCriana lendoCriana carregando
219220224
CD PrintMaster
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IIIPPPAAALLLAAAVVVRRRAAASSSIIINNNIIICCCIIIAAAIIISSS.........
Meus sonhos so as minhas esperanas. Ossonhos so a imagem visvel das esperanas. Elesno correspondem a nada que exista. No tm,portanto, existncia no mundo da cincia. Mas ossonhos que nos separam dos animais. Nossoscorpos fazem amor com o que no existe, ficamgrvidos e parem.
Rubem Alves (1999, p. 10)
1.1 FUNDAMENTAO TERICA DO PROBLEMA 02
1.2 JUSTIFICATIVA DA INVESTIGAO 08
1.3 OBJETIVOS DO ESTUDO 19
1.4 REFLEXES METODLOGIAS DA INVESTIGAO 21
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1. 1 PROBLEMA DE PESQUISA
A modernidade deixou-nos como herana a ciso entre trabalho e lazer, ignorando que
esses dois plos alm de outros, so indissociveis no desenvolvimento do ser humano.Apesar dos avanos da Ergonomia, a discusso acerca da relao entre trabalho e lazer ainda
incipiente. DE MASI (2000), insatisfeito com este mundo voltado apenas aos interesses do
trabalho, defende a necessidade da criao de um novo modelo social, fundamentado na
simultaneidade entre trabalho, conhecimento, lazer, atravs do qual os indivduos possam ser
educados com vistas a privilegiar a satisfao de necessidades significativas de sua existncia
tais como a introspeo, a amizade, o amor, a ludicidade, a poesia, a convivncia, no se
circunscrevendo unicamente ao universo do trabalho.
Para o modelo social centrado na idolatria ao trabalho converge todo o processo de
formao humana, j que as organizaes do trabalho invadiram inteiramente os domnios da
vida do homem. A alegao da dignificao do homem pelo trabalho tornou-se muito
vantajosa para o aumento da produo, porm insignificante para o desenvolvimento
equilibrado, harmnico e integral do ser humano. Esse complexo sistema de produo em que
se transformou a sociedade humana utiliza-se com propriedade de meios semiticos e virtuais
para a dominao do homem e da natureza, tornando-os escravos de sua vontade.
Inserida nesse processo, a escola empresta sua parcela de contribuio para amanuteno de tal modelo, excluindo outras possibilidades de desenvolvimento da criana que
no a cognio, dado que a formao educacional que leva a termo d-se unicamente nessa
perspectiva utilitarista, convertendo-se, assim, enquanto instituio em um dos principais
mecanismos pelos quais a sociedade hegemnica garante o seu status quo. Desse modo, a
PESQUISAR OS JOGOS TRADICIONAISINFANTIS PRATICADOS PELAS
CRIANAS DO INTERIOR DA ILHA DESANTA CATARINA REVELOU-SE UM
COMPLEXO EXERCCIO DE IR E VIR NAMEMRIA, VISITANDO
RECORDAES DA INFNCIA.
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escola vem impondo criana o mundo srio, das obrigaes e deveres, pondo fim ao seu
tempo de alegria, de prazer, de espontaneidade, de viver ludicamente.
Partindo da reflexo de MARCELINO e OLIVIER (1996, p. 120), para quem a
Escola construda sobre os escombros dos sonhos mortos a Escola sem corpo, sem alma, semrosto, que devora corpos, devora almas, mata a alegria, ilegitima a utopia e impossibilita a
criao, entendemos ser necessrio repensar os rumos dessa instituio neste novo sculo, se
no quisermos, como registra MORIN (2000), sucumbir inrcia da fragmentao e da
excessiva disciplinarizao que vem caracterizando as ltimas dcadas da mundializao
neoliberal.
Na perspectiva de responder multiplicidade de questes e desafios que se impem na
modernidade, necessrio haver uma concepo ampliada de educao em toda a sua
plenitude, que venha privilegiar todas as possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento
do educando. Uma educao - conforme o Relatrio para UNESCO da Comisso
Internacional sobre Educao para o sculo XXI, organizado por DELORS (1999), intitulado
Educao: um tesouro a descobrir - capaz de superar as principais tenses que, construdas
no sculo XX, transformaram-se em cerne da problemtica do novo sculo. Entre elas, o
Relatrio destaca: a tenso entre o global e o local, entre o universal e o singular, entre a
tradio e a modernidade, entre solues a curto e a longo prazo, entre competitividade e
igualdade, entre o extraordinrio desenvolvimento dos conhecimentos e as capacidades de
assimilao pelo homem e entre a tenso que envolve o espiritual e o material.
Na tentativa de minimizar os efeitos de tais oposies, o organizador do Relatrio,
entende que a educao tem que propiciar ao aluno condies para que se torne cidado do
mundo, sem que perca suas razes, preservando suas tradies e sua cultura, apesar do
processo progressivo de mundializao de uma cultura dominante; possibilitar a sua adaptao
a este mundo moderno, encarando os desafios das novas tecnologias sem negar-se a si mesmo,
buscando, assim, a construo de sua autonomia em dialtica com a liberdade e com aevoluo do outro; conciliar, ao longo de toda sua existncia, a competio, a cooperao e a
solidariedade, priorizando o ensino do viver melhor.
Nessa direo, destaca quatro alicerces bsicos fundamentais e essenciais para a
construo de um novo paradigma na busca de valorizar a vida e as pessoas, uma nova
concepo de educao ampliada que possibilite o desvelar do tesouro escondido em cada um
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de ns, ultrapassando a viso puramente instrumental de educao: aprender a conhecer, que
significa propiciar criana o domnio dos instrumentos do conhecimento; aprender a fazer,
que possibilita ao aluno estar apto para enfrentar situaes diversas; aprender a viver juntos,
que desenvolve a compreenso do outro e a percepo das interdependncias; aprender aser, para que desenvolva melhor a sua personalidade, possibilitando-lhe, assim, agir com
maior capacidade de autonomia, de discernimento e de responsabilidade.
MORIN (2000/a), aprofundando a discusso acerca de uma educao para o futuro,
aponta sete saberes fundamentais que devem ser tratados pela sociedade e pela cultura, sem
exclusividade ou rejeio, segundo suas prprias peculiaridades, que so: discutir as cegueiras
do conhecimento, o erro e a iluso, introduzindo na educao o estudo das caractersticas
cerebrais, mentais e culturais dos conhecimentos humanos; refletir acerca dos princpios do
conhecimento pertinente, pois faz-se necessrio que se ensinem mtodos que permitam
estabelecer as relaes mtuas e as influncias recprocas entre as partes e o todo em um
mundo complexo; ensinar a condio humana, reconhecendo a unidade e a complexidade do
homem, pois ele , a um s tempo, ser fsico, biolgico, psquico, cultural, social e histrico;
ensinar a identidade terrena para entender o destino planetrio do gnero humano; enfrentar as
incertezas, incluindo as que surgiram nas cincias fsicas, biolgicas e histricas; ensinar a
compreenso, pois sua mutualidade entre os seres humanos ser vital para que as relaes
humanas saiam de seu estado brbaro de incompreenso; preservar a tica do gnero humano,
partindo do estabelecimento de uma relao de controle mtuo entre a sociedade e os
indivduos de forma democrtica e partindo tambm da concepo da humanidade como
comunidade planetria.
Para o autor, muitas certezas comearam a ser desveladas pelas cincias, porm elas
tambm oportunizaram a revelao de zonas de incertezas, que podero indicar os caminhos
para a construo de uma educao comprometida com o futuro, que torne evidente o
contextual, o global, o multidimensional e o complexo, transformando o processo educacionalem uma ao significativa e pertinente.
Na esperana de vislumbrar uma educao que venha a garantir s novas geraes um
mundo mais belo, fraterno e sustentvel, buscaremos, neste estudo, emprestar nossa parcela de
contribuio, atravs da reflexo sobre o jogo tradicional infantil, pois, alm de percebermos
essa atividade como uma das possibilidades de desenvolvimento na infncia, entendemos que
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ela se estabelece a partir de recursos de que a criana naturalmente dispe para relacionar-se
consigo mesma, com o outro, com mundo e o com absoluto. A sua interao com a realidade
se processa atravs das relaes sociais, mais especificamente a partir daquilo que organiza o
seu viver em sociedade em um dado momento histrico. Essa relao no se d de formaimediata e direta, mas de forma mediada, sendo a atividade ldica um dos mecanismos de
apreenso dessa realidade, pois, atravs da relaes sociais nela surgidas, engendram-se
diferentes significaes.
Pesquisar os jogos tradicionais infantis junto a crianas do interior da Ilha de Santa
Catarina revelou-se um complexo exerccio de ir e vir na memria, visitando recordaes de
infncia. Essa viagem ao mundo das lembranas ldicas fez-nos ver que nossas brincadeiras
de faz-de-conta, nos anos 60, relacionavam-se com nosso contexto histrico-social. Em tais
brincadeiras, as influncias mais marcantes advieram de filmes assistidos na televiso, ainda
que raros, dada a escassez de aparelhos televisores naquela poca. Assim, a inspirao vinha,
de fato, de histrias dos gibis, em especial as de faroeste americano, tendo como principais
personagens Zorro, Gunsmoke, Cheyenne, nos quais basevamos nossa atuao, assumindo
o papel de mocinhos ou bandidos.
Atualmente, ao observarmos nossos filhos brincando com seus pares, percebemos que
repetem a representao desses papis, mas o fazem inspirados precipuamente pela televiso,
protagonizando a vivncia de personagens extrados principalmente de desenhos animados.
Hoje, os desenhos que tm influenciado significativamente as crianas so algumas sries
criadas por estdios japoneses. Destacamos, em especial, os desenhos animados denominados
Comandos em Ao, Pokemone Digimon, que oferecem uma gama de personagens irreais e
fictcios, apresentando diversos recursos para a ao dos personagens. Esses desenhos
animados, entre outros, vm criando um humanismo especfico, mexendo com as pulses
infantis, pois estabelecem um processo dinmico, orientando a criana em direo a uma meta,
na busca de suas satisfaes ldicas, enraizando-as pelo prprio desejo, como forma debrincar. Esses personagens habitam mundos esboados como reais e freqentemente se detm
sobre as dimenses prosaicas e cotidianas da existncia ou apresentam reaes psicolgicas
contextualizadas e compreensveis, tornando-se, assim, espcies de objetos da vida ao se
deixarem invadir pela matria comum de que a vida feita.
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Hoje, podemos pensar nas formas e nos objetos criados na esfera da indstria do
imaginrio contemporneo, a indstria da cultura com suas preposies de massa, e podemos
conhecer algo de nossa alma neste mundo de representao repetitivas e no efeito particular
dessas novas formas sobre nossas crianas. Refletir sobre os desenhos anteriormentemencionados um bom exemplo disso, afinal so muitas propostas comerciais influenciando o
brincar infantil, sem referir os recursos tecnolgicos que oferecem criana, via video gamee
computador, jogos cada vez mais sofisticados - os mais atrativos esto relacionados a
combates e a lutas. Inspiradas neles e utilizando personagens fabricados pelas indstrias de
entretenimento, as crianas protagonizam papis de heris e viles, de mocinhos e bandidos,
mostrando-se ora defensoras do bem, ora defensoras do mal.
Apesar desse quadro, bem como a despeito de alguns jogos tradicionais de nossa
gerao terem sofrido um processo de apropriao pelas indstrias de entretenimento, assim
como outros terem se perdido tempo afora ou terem sofrido transformaes promovidas pelo
desenvolvimento social e tecnolgico, ainda encontramos alguns brinquedos de outrora
revelando-se inclumes ao tempo, ao espao e ao progresso. H, ainda hoje, crianas
brincando, por exemplo, de pega-pega, de amarelinha, de bolinha de gude, de taco, de pipa,
entre outras brincadeiras, as quais no sofreram alteraes no contedo de sua ao, ainda que
tenham surgido e hoje se manifestem em diferentes pocas histricas, em contextos
geogrficos, sociais e econmicos distintos. Assim, apesar da variedade temtica e do avano
tecnolgico, as brincadeiras mantm o mesmo contedo como princpio bsico,
fundamentando-se na atividade do homem e nas relaes sociais. Observamos que, apesar do
grande nmero de jogos virtuais, a criana ainda prefere os jogos reais, nos quais lhe so
exigidas possibilidades corporais.
Desse modo, nossa opo em pesquisar os jogos tradicionais infantis surgiu na
perspectiva de comprovarmos essas atividades como significativas e fundamentais para o
desenvolvimento da criana, devendo ser, em conseqncia, apreciadas pela educao formal.No jogar, o tema da ao ldica infantil o campo da realidade reconstituda pela criana,
refletindo suas condies concretas, e o seu contedo o aspecto caracterstico central,
elaborado por ela a partir da atividade dos adultos e das relaes que se estabelecem em sua
vida social.
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A violncia em relao s aspiraes ldicas da infncia talvez venha transformar as
crianas em adultos sem o desenvolvimento de uma sensibilidade que lhes permita vislumbrar
outras dimenses de humanidade. No podemos concordar com essa educao que, voltada
aos interesses da sociedade produtiva, prioriza apenas os aspectos cognitivos no processo deensino-aprendizagem em detrimento da corporeidade, da emoo, da cidadania e da felicidade.
Esse universo produtivo transformou-nos em mestres de repasse dos valores do mundo
competitivo aos nossos filho, exigindo deles uma determinao irracional s atividades
acadmicas para que estejam cada vez mais aptos a disputarem oportunidades futuras no
mercado de trabalho. Substitumos seu raro tempo livre (como se houvesse tempo livre de
presso) forando-os a estudar informtica, a dominar a lngua globalizada que o ingls e a
praticar esportes, no como uma experincia de prazer e de ludicidade, mas enquanto uma
possibilidade de preparao orgnica, numa concepo de sade atrelada aos interesses de
homem produtivo.
Essa anlise simplista diz respeito ao contexto em que estamos inseridos, que a classe
mdia. Se nos reportamos grande maioria da populao, pobres, miserveis e excludos, o
quadro que se apresenta irreal e de terror. Nessa condio indigna de humanidade, as
crianas brasileiras pouco brincam, restando-lhe apenas a luta pela sobrevivncia, tornando-se
escravas do trabalho, do trfico de drogas, da prostituio e da marginalidade. Essas
constataes, registradas diariamente no Brasil, levam-nos a refletir sobre que sociedade, que
educao e que tipo de homem queremos construir.
Assim, ao analisarmos os valores intrnsecos aos jogos tradicionais das criana do
interior da Ilha de Santa Catarina, refletindo sobre suas possibilidade em relao ao
desenvolvimento infantil a fim de compreend-las, ousamos sugerir que tais jogos sejam parte
do processo educativo, na perspectiva que essa sua incluso na escola venha a minimizar os
efeitos da excessiva dominao e docilizao do corpo da criana, em nome do
desenvolvimento intelectual. Ao inserir o jogo no processo de ensino-aprendizagem, estamosparalelamente incluindo nele o corpo da criana. Esse processo poder propiciar o
desenvolvimento de vrias dimenses infantis, pois, no brincar, o viver da criana, o seu
existir, mais significativo, revelando a sua complexidade, a sua criatividade, a sua
imaginao e a sua humanidade, o que combate a viso fragmentada, pragmtica e utilitria da
sociedade produtiva que impede esse ser brincante de sonhar, fantasiar e viver feliz.
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1. 2 JUSTIFICATIVA DA INVESTIGAO
Desde que os meus filhos, Fernanda Regina e Lucas Roberto, ingressaram na Educao
Infantil, vrios so seus questionamentos e indagaes a respeito da escola. Reclamam da
autoridade, da seriedade, da formao e, principalmente, da negao de suas aspiraes
ldicas, criativas e prazerosas. Gostariam de saber por que no lhes permitido jogar, cantar,
brincar, sorrir, sonhar. A tortura deles fez-me repensar a escola repressora, excluidora e
uniformizadora. Essa situao de meus filhos e de grande parte das crianas nas instituies de
ensino formal fica claramente reveladas nas palavras de ALVES (2000, p. 16): basta
contemplar os olhos amedrontados das crianas e os seus rostos cheios de ansiedade paracompreender que a escola lhes traz sofrimento.
O interesse por investigar a ludicidade infantil surgiu inicialmente em 1990, por
ocasio de pesquisas desenvolvidas para o Curso de Especializao em Educao Fsica
Escolar do Centro de Educao Fsica da Universidade para o Desenvolvimento de Santa
Catarina (CEFID/UDESC), ocasio em que investiguei as possibilidades da atividade ldica
no processo de alfabetizao infantil.
Foi, porm, a partir das reclamaes de meus filhos que a preocupao com este tema
ganhou fora sob outra tica, em cuja direo busquei sugerir alguns jogos pedaggicos para
as aulas de Educao Fsica do Ensino Fundamental no Curso de Mestrado em Educao da
Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). A nossa perspectiva, no
Curso de Doutorado em Engenharia de Produo do Centro Tecnolgico da Universidade
Federal de Santa Catarina (EPS/CTC/UFSC), a de realizar uma anlise dos jogos
tradicionais das crianas da Ilha de Santa Catarina, buscando compreender suas possibilidades
NECESS RIO REPORTARMO-NOSS POSSIBILIDADES UNIVERSAIS DO
CORPO; NO PODEMOS VISLUMBR-LOISOLADAMENTE, MAS, SIM, BUSCAR
SUA REVERSIBILIDADE, SEUSPARADOXOS, SEU ENIGMA, SUA POESIAE SUA LUDICIDADE, POSSIBILIDADES
TO DESPREZADAS PELA RAZO.
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de desenvolvimento e sua possvel incluso enquanto contedo nas instituies formais de
Ensino Fundamental, acreditando que tais jogos possam ser importantes no desenvolvimento
infantil, principalmente a partir das mltiplas possibilidades de formao humana (lazer,
criatividade, expresso, imaginao, comunicao, etc.) a eles inerentes, minimizando osefeitos de uma educao formal pragmtica, voltada apenas aos interesses do mundo
produtivo.
Estudar a ludicidade infantil, num curso de doutoramento em Engenharia de Produo,
, no mnimo, uma proposta ousada, pois entendemos que a dicotomia entre trabalho e jogo,
entre produtividade e ludicidade, pouco tem sido contemplada pelos ergonomistas. Chamamos
ousada porque entendemos que mudanas nos valores pragmticos estabelecidos pelo modo
de produo, no ser humano, s podero ocorrer medida que oportunizarmos s crianas uma
formao mais ampla, despertando-as para outras possibilidades de desenvolvimento humano
e no apenas para os interesses de uma sociedade capitalista globalizada. Alm de tudo, esta
tentativa configura-se como real possibilidade de diminuio do processo de dominao do
corpo infantil, pois o que est em jogo para este tipo de sociedade, principalmente com esta
exploso de recursos tecnolgicos, o desenvolvimento dos aspectos cognitivos da criana,
preparando-a para o mundo produtivo.
E o corpo, que lugar ocupa nessa relao? Ora, parece ser simplesmente um meio de
transporte para a crebro. FREIRE (1989) foi muito feliz ao afirmar que, ao ingressar na
escola, o corpo da criana tambm deveria ser matriculado. Partindo dessas indagaes,
comeamos a trilhar este estudo, na perspectiva de vislumbrar as atividades ldicas infantis
(jogos tradicionais), enquanto possibilidades de desenvolvimento da criana na educao
contempornea, buscando, alm de analisar qualidades desenvolvidas por tais jogos,
minimizar os efeitos da excessiva disciplinarizao corporal da criana, educando-a para ser
mais feliz.
O grande problema da escola excluidora e dominadora o descaso com anseiosinfantis, desprezando os sonhos da criana, seus jogos, suas alegrias. A criana, nos primeiros
dias letivos, chega repleta de emoo, de esperana, de alegria. Com o passar dos dias, s
encontra prazer nas aulas de Educao Fsica, no recreio - nas brincadeiras e na merenda, mas
a alegria infantil se revela principalmente por ocasio do sinal de encerramento do perodo de
aula, que lhe soa como um aviso de liberdade. A escola despreza o potencial criativo e
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imaginativo da criana, suas aspiraes em aprender de forma significativa e concreta, seu
viver ludicamente em interao com o universo.
O processo de ensino-aprendizagem nessa escola impregnada pelos interesses
produtivos se d via cognio; fracionamos o aprendizado em disciplinas pouco significativasao invs de termos um currculo integrado, buscando educar a criana de modo a considerar
toda a sua complexidade. A escola, em geral, nega possibilidades de desenvolvimento infantil
que no estejam associadas cognio. As experincias vivenciadas pela criana no seu
cotidiano, alm dos muros escolares, principalmente as ldicas (jogos e brincadeiras), so
praticamente desprezadas pela instituio escolar. Essa excluso ficou bastante evidenciada
em recente pesquisa que realizamos no Curso de Mestrado em Educao na Pontifcia
Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.
Os motivos dessa excluso e do desrespeito cultura ldica infantil tm
fundamentao diversa, porm a razo mais expressiva reside na justificativa de que os jogos e
as brincadeiras da cultura ldica infantil no apresentam seriedade propedutica nem valores
pedaggicos importantes para o desenvolvimento educativo da criana. A escola ainda no
percebeu que a seriedade da criana na atividade ldica vem das suas conquistas no jogo,
proclamando atravs delas seu poder e autonomia. A preocupao dessa instituio restringe-
se a uma educao voltada aos interesses do mundo produtivo. Trabalho coisa sria,
brincar apenas diverso, alegria, prazer. Toda essa argumentao superada se nos
detivermos alguns minutos observando uma criana brincando: o nvel de concentrao e
seriedade presentes na sua ao ldica demostra todo o seu fascnio em relao ao ldico e a
importncia dessa atividade para o seu desenvolvimento.
Objetivando uma diminuio na ruptura existente entre a criana e seu corpo, no
interior da escola, importa percebermos que essa criana est atada ao mundo exatamente
atravs de seu corpo, e que o universo infantil polimorfo, complexo, incerto,
desafiador, ldico. Assim, educar a criana apenas para o trabalho negar todas as suaspossibilidades, a sua reversibilidade, os seus paradoxos, os seus enigmas. Concordando com
CAPRA (1996), temos que partir da compreenso de que corpo e Terra esto ecologicamente
interligados, so sistemas vivos que se auto-organizam, vivendo num processo dinmico de
transformao, refazendo-se constantemente de diversas maneiras. necessrio, ento, que a
sociedade compreenda as possibilidades de transcorporeidade humana, pois o corpo interage
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com o ambiente, com a sociedade e com o universo, ele natureza e cultura, visvel e
invisvel, presena e ausncia, imanncia e transcendncia.
necessrio reportarmo-nos s possibilidades universais do corpo, no podemos
vislumbr-lo isoladamente, como sujeito ou objeto, mas, sim, buscar nele sua reversibilidade,seus paradoxos, seu enigma, sua poesia, sua ludicidade e outras possibilidades to desprezadas
pela razo. Assim, devemos, na concepo de MORIN (2000/a), abandonar, no novo sculo, a
imagem unilateral que define o homem pela racionalidade, pela tcnica, pelas atividades
utilitrias e pelas atividades obrigatrias. O homem altamente complexo, um ser
antagonicamente bipolarizado, ele sbio e louco (sapiens e demens), trabalhador e ldico
(faber e ludens), emprico e imaginrio (empiricus e imaginarius), econmico e consumista
(economicus e consumans) e, tambm, prosaico e potico (prosaicus e poeticus).
Concordando com esse autor, entendemos que o ser humano no pode viver
exclusivamente de racionalidade e de tcnica, ele vai alm, pois se desgasta, entrega-se,
dana, brinca, joga. Ele mtico, mgico, sonhador, cr nas virtudes do sacrifcio, prepara
sua outra vida alm da morte. Em todos os momentos, a atividade tcnica, prtica, intelectual
testemunha a inteligncia emprico-racional; por todos os cantos, festas, cerimnias, cultos,
com suas possesses, exaltaes, desperdcios e consumismos, testemunham o Homem
ldico, potico, sonhador e demente.
Ao transformarmos o problema social da excluso dos jogos tradicionais infantis do
processo de educao formal em um problema de investigao, elaboramos um referencial
terico-prtico sobre o jogo infantil, que venha a demonstrar as possibilidades concretas e
significativas de desenvolvimento infantil. Norteados por essa expectativa, ousamos transpor
os limites do mtodo, guia da pesquisa, nutrindo-nos, durante o processo de construo, de
valores atrelados sensibilidade, inspirao e intuio. O estudo pretende contribuir com
as reas que investigam o fenmeno ldico no desenvolvimento infantil, acenando para uma
continuidade desse foco de anlise, via realizao de projetos de pesquisa junto s instituiesde ensino fundamental.
Considerando a complexidade infantil, a nossa investigao foi sendo construda
principalmente a partir da observao dos jogos tradicionais praticados pelas crianas do
interior da Ilha de Santa Catarina. As categorias foram surgindo, transformando-se em pilares
bsicos de sustentao, os quais, interconectados, possibilitaram-nos compreender o fenmeno
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jogo enquanto atividade de desenvolvimento da criana. Na construo desses pilares,
principalmente a partir das falas infantis e das falas das educadoras entrevistadas a respeito da
importncia do ldico no desenvolvimento infantil, recorremos s diversas produes de
relevncia terica ligadas a categorias respectivas, constituindo os seguintes captulos: Ocorpo dominado; O corpo complexo; O corpo ldico; O corpo em ao. Os pilares tericos
possibilitaram-nos apresentar e analisar a importncia dos jogos tradicionais infantis no
desenvolvimento da criana, refletindo sobre isso e sobre as possibilidades de insero de tais
jogos no interior da instituio educativa, o que se encontra detalhado no captulo denominado
O corpo brincante.
A inquietao a respeito do roubo da coisa mais sagrada e digna da experincia do
viver durante a infncia, que o brincar, roubo comprovado nas falas das crianas, levou-
nos a intensificar o olhar para entender o processo de dominao corporal. Inicialmente,
ento, refletimos sobre o processo de dominao do corpo do homem pela sociedade moderna,
abordando os aspectos terico/histricos dessa apropriao pelas instituies sociais e os
reflexos que esse processo teve na escola, principalmente atravs do mecanismo de
disciplinamento, fruto das relaes de poder-saber, mveis, multidirecionais que organizam e
sustentam a continuidade de uma prtica dominadora, coercitiva e limitadora.
Opondo-se a esse processo de dominao, iremos refletir sobre o corpo e sobre sua
complexidade, compartilhando a idia de que somos seres auto-organizados, a partir da
interao com o outro e com o meio, uma relao recproca e inseparvel, pois homem e
sociedade so unidades complexas e multidimensionais, caractersticas que devem nortear
todo o processo educativo do ser humano. A construo desse pilar foi permeada pelas falas
das professoras das sries iniciais que foram entrevistadas. Mesmo que algumas tenham
respondido aliceradas no senso comum, a grande maioria demonstrou uma preocupao em
se educar para outras possibilidades humanas, passando a compreender o jogo e o brincar
infantil como um recurso curricular significativo.Por acreditarmos que o caminho para o processo educativo infantil deve considerar a
riqueza da cultura ldica da criana, aprofundamos discusso acerca do jogo infantil,
enfatizando a sua contextualizao histrica e registrando uma discusso a respeito da
construo das teorias sobre tais jogos e sobre as classificaes nas quais eles so distribudos.
Avanando nessa discusso, procuramos entender o desenvolvimento dos aspectos cognitivo,
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motor e socioafetivo relacionados ao jogo infantil, entendendo a indissociabilidade entre esses
aspectos. Assim, na busca por identificar o papel do jogo no desenvolvimento infantil, foi
fundamental compreender, com relao ao corpo da criana, os seus processos de dominao,
as suas possibilidades complexas, a sua caracterstica ldica, o significado de suas aes e,principalmente, o seu estado de ser brincante.
No primeiro pilar: O corpo dominado (captulo II), a partir do discurso infantil,
extramos a categoria dominao corporal, fundamentada no processo de excluso dos jogos
infantis e nos objetivos educativos da escola, que priorizam unicamente o desenvolvimento
cognitivo da criana. Essa reflexo acerca do processo de disciplinamento do corpo infantil
tem sua origem na dominao do adulto, promovida em nome do sistema produtivo da
sociedade moderna. Para melhor compreenso da insero das estratgia disciplinares da
sociedade produtiva no interior da escola, centramos o nosso estudo principalmente nos
escritos de Michel Foucault, o principal terico da contracultura, que nos permitiu explorar
outras facetas ocultadas at ento por pretensas evidncias, possibilitando-nos uma maior
clareza a respeito de possveis rupturas no mbito da problemtica investigada.
Destacamos, em especial, quatro obras desse autor: a primeira Histria da loucura
na Idade Clssica (1995), a qual demonstra que o grande internamento de loucos, mendigos,
errantes, entre outros, foi exigido por razes diferentes das de cura, pois havia necessidade de
dominao daquela populao ociosa e eminente; a segunda obra, denominada Vigiar e
punir: a histria da violncia nas prises (!987), discute as tcnicas de produo e controle
introduzidas na organizao social, denominadas disciplinas; a terceira obra Microfsica
do poder (1996), e esclarece toda a relao do poder concebido como uma vasta rede que
organiza e controla toda sociedade; a ltima obra em destaque A arqueologia do saber
(1998), que discute o processo de construo da subjetividade humana.
Escolhemos Foucault como referencial terico central no que tange dominao, por
concordar com BATTISTI DE SOUZA (1998), o qual afirma que, por trs desse nome, existeum autor que vai alm das evidncias, e para alm, at, da condio de autoria. Ele fornece
no apenas princpios tericos, mais que isso, impele-nos a procurar entender como
determinadas verdades foram construdas em sua materialidade e que mecanismos nos levam
a aceit-las ou a refut-las. Transcendendo s idias, Foucault realizou uma anlise
interpretativa, trazendo superfcie as coisas esquecidas, as mincias escondidas, interditas,
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que nos fornecem chaves para a busca da compreenso de problemas e para o traado de
possibilidades de enfrentamento desses mesmos problemas, para os quais, at ento, tnhamos
formas de percepo e possibilidades de resoluo distintas das que temos hoje. Foucault
revela-se um profundo analista do poder, questo pertinente para que entendamos o processode apropriao e dominao sob todas as formas do homem pela sociedade moderna.
Assim, ao refletir sobre o processo de dominao do corpo do homem, principalmente
a partir do nascimento da modernidade (que exerceu uma fortssima influncia no interior da
escola) temos que compreender que essa dominao est inserida num contexto sociopoltico
e econmico especfico e, portanto, precisamos tambm nos preocupar com o percurso
histrico das organizaes do trabalho, com os mecanismos de produo da verdade e com as
relaes de poder-saber, micropoliticamente organizadas, que nem sempre se revelam
nitidamente na modernidade.
Ao contribuir para desvendar alguns aspectos da dominao corporal promovida pelo
modo de produo e a sua conexo com outros segmentos da estruturao social, observamos
a existncia de uma micropoltica que sustenta a ruptura entre o corpo e a mente do sujeito. As
estratgias disciplinares buscam aniquilar as aspiraes ldicas do educando, principalmente
por no serem reconhecidas enquanto atividades propeduticas. Tal procedimento, alm de
priorizar apenas a dimenso de seu desenvolvimento intelectual, exclui o corpo do processo de
ensino-aprendizagem. Essa proposta de dualidade entre mente e corpo indica o quanto a escola
despreza uma formao ampliada, que venha a contemplar todas as possibilidades da criana.
Ao negar-lhe os seus jogos infantis, a instituio escolar rouba da criana a sua atividade
existencial mais sagrada e significativa: o brinquedo.
No segundo pilar: O corpo complexo (captulo III), a nossa pretenso foi entender
outras possibilidades de desenvolvimento infantil, alm dessa priorizada pela escola, que se
restringe ao desenvolvimento cognitivo da criana. No podemos subjugar a criana apenas
aos interesses do mundo produtivo, temos de compreender a complexidade humana e, com essapretenso, recorremos a entrevistas com trezentas educadoras, tendo como tema central a viso
delas sobre a importncia do jogo no desenvolvimento infantil e sobre suas possibilidades na
educao formal. Recorremos, tambm, aos estudos de Edgar Morin, para entendermos melhor o
paradigma da complexidade.
No caminho de considerarmos as possibilidades humanas da criana, devemos sobretudo
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respeitar seus interesses, considerando principalmente seu rico repertrio ldico-cultural quando
chega escola. No brincar, no jogar, podemos observar elementos de explorao de criatividade,
de expresso e prazer. A criana fantasia, sonha, aceita desafios e constri suas possibilidades de
desenvolvimento. Cabe escola considerar a diversidade cultural existente, todas asperspectivas de vida e variedade de idias, buscando trabalhar mais com o significado do que
com o contedo, mais com a pluralidade e com a intersubjetividade do que com a igualdade,
mais com o movimento do que com a passividade.
No terceiro pilar: O corpo ldico (captulo IV), ao investigarmos o jogo infantil,
procuramos compreender que o ser humano no pode se conhecer e nem ser conhecido
afrontando, subestimando, subjugando ou desprezando seu corpo. O processo de
desenvolvimento humano se inscreve no corpo. Nele est nossa possibilidade de libertao dos
domnio produtivistas, nossa possibilidade de vislumbrar outras dimenses humanas, de
entender a complexidade do ser humano.
O corpo expressa uma linguagem magnfica de comunicao, sendo interna e
externamente o primeiro e principal ponto de referncia e de dilogo com o mundo. Revela
uma personalidade. Nele esto inscritas uma cultura e uma sociedade. O corpo no pode ser
concebido como uma simples mquina a servio do esprito. Todas essas qualidades,
habilidades e possibilidades transparecem na ao ldica da criana. Atravs de jogos e de
brincadeiras, ela exercita vrias dimenses de desenvolvimento humano, tais como a
criatividade, a liberdade, a alegria, o prazer, o bem-estar e as suas emoes.
Assim, priorizamos, nesse captulo, uma discusso sobre os jogos e as brincadeiras
infantis, na perspectiva de vislumbr-los enquanto possibilidades de rompimento com o
processo de descorporalizao da criana na escola, como um recurso fundamental de
desenvolvimento infantil e como contedo de formao para o lazer. Nessa ltima
perspectiva, buscaremos entender os jogos e as brincadeiras enquanto atividades
indispensveis numa instituio de formao ampla, no apenas para o mundo doconhecimento, mas tambm para outras possibilidades humanas. As atividades ldicas,
indissociveis da vida infantil, podero constituir-se, pelos seus valores intrnsecos, em
excelente recursos educacionais para um formao mais humanizada da criana.
Nesse processo, fez-se necessrio, ento, traar um paralelo entre as diversas
abordagens tericas acerca da ludicidade infantil, destacando, neste estudo, como subsdios
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para a anlise dos jogos e brincadeiras tradicionais infantis, trs campos de estudos distintos: o
sociocultural, o filosfico e o psicolgico. Abordamos esses paradigmas do brincar infantil na
perspectiva de uma compreenso crtica e contextualizada dessa atividade to presente na vida
da criana. Assim, buscamos a construo de um referencial terico acerca do jogo e dobrincar, que aborde sua trajetria histrica, suas teorias e classificaes e implicaes sociais
visveis durante o desenvolvimento da sociedade humana.
Caminhamos, na tentativa de superar o princpio do jogo enquanto atividade
caracterizada pelo excesso de energia, pelo descanso, pelo exerccio preparatrio ou pelo
prazer funcional, compreendendo, principalmente, que a originalidade do processo ldico
infantil fundamenta-se nas peculiaridades das relaes mtuas do indivduo com o meio, sobre
cuja base esse mesmo indivduo se constri como sujeito histrico. Nessa perspectiva, ao
permitir que a criana manifeste aspectos de sua originalidade e criatividade, que surgem na
ao do brincar, seus desejos e sentimentos sero percebidos pelo corpo atravs de seus
movimentos e dos gestos que acusam a necessidade de decifrar a situao em que ela vive;
acreditamos que, com isso, se processe uma diminuio da padronizao corporal infantil
adotada pela escola.
No quarto pilar: O corpo em ao (captulo V), para uma melhor compreenso do
jogo no desenvolvimento, buscamos, antes da apresentao das qualidades cognitivas, motoras
e socioafetivas que surgiram da ao ldica infantil nos jogos tradicionais, refletir sobre a
importncia do jogo no desenvolvimento cognitivo, socioafetivo e motor da criana. No
pretendemos, com isso, explicar a criana apenas pelas suas caractersticas biolgicas,
desvinculada de seu processo histrico-cultural, pois entendemos que sensao, percepo,
sentimento, pensamento e ao fazem parte do seu contexto sociocultural. Concebemos o jogo
como uma atividade de contato social, um recurso que a criana utiliza na construo de sua
humanidade, assimilando, atravs da interao social com outros seres humanos, criaes
materiais e espirituais.A partir desses quatros pilares bsicos, apresentamos, no captulo VI, denominado O
corpo brincante, os jogos tradicionais investigados, praticados pelas crianas da Ilha de Santa
Catarina, que so a essncia principal deste estudo, buscando apontar suas possveis
contribuies para o desenvolvimento infantil enquanto recursos para o Ensino Fundamental,
na perspectiva de que a escola transcenda os limites de sua formao atual, pois, apesar de
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manter um discurso impregnado de modismos filosficos e metodolgicos, a instituio
escolar no tem concretizado substancialmente as premissas bsicas desse mesmo discurso.
Concordando com ALVES (2000), temos de nos convencer de que na criana mora um saber
que precisa ser recuperado, a fim de sermos curados de nossa infelicidade.O jogos tradicionais apresentados, praticados por crianas entre 6 a 11 anos, foram
coletados em algumas comunidades com descendncia aoriana da Ilha de Santa catarina. As
comunidades visitadas, durante os seis meses de trabalho de campo, foram Campeche,
Costeira do Pirajuba, Ingleses, Pntano do Sul, Ribeiro da Ilha, Rio Vermelho, Ratones,
Sambaqui e Vargem Pequena. Na anlise do contedo do material coletado por ocasio das
visitas, apresentamos as qualidades cognitivas, motoras e socioafetivas potencializadas pelos
jogos tradicionais, na perspectiva de fornecer subsdios reflexivos acerca da importncia
dessas atividades no desenvolvimento infantil.
Nossa perspectiva a de indicar a incluso dos jogos infantis tradicionais no Ensino
Fundamental, no como uma estratgia pedaggica ou um meio didtico facilitador do
processo de ensino-aprendizagem, mas, sim, como uma atividade educativa em si mesma, cujo
potencial surge da vivncia livre e autnoma. Com a incluso dos jogos na escola, a criana
poder manter acesa a chama da conscincia, da valorizao e do respeito sua cultura. O
jogo o seu espao de existir, a possibilidade de criao e recriao da cultura, de vivenciar
seus valores e costumes, seus diferentes papis e as situaes externas a ele. Assim, ao
investigarmos as qualidades cognitivas, motoras e socioafetivas que surgem no jogo
tradicional, queremos argumentar em favor do jogo como contedo no processo de ensino-
aprendizagem da criana, pois tais qualidades so fundamentais para o desenvolvimento
infantil.
Ao contribuirmos para desvendar alguns aspectos da dominao do corpo do homem
pelo modo de produo e a conexo desse processo com outros segmentos da estruturao
social, demonstrando que h uma micropoltica que sustenta toda essa ao, acreditamos estardefendendo a concepo de que os jogos e as brincadeiras infantis, numa escola que venha a
perceber todas as possibilidades de desenvolvimento infantil, podero se constituir em
elementos de diminuio da ruptura entre a mente e o corpo infantil. urgente uma educao
que se preocupe com outras possibilidades humanas, e no apenas com a formao cognitiva,
para o trabalho e, nessa direo, temos que refutar e superar o grande paradigma do Ocidente,
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responsvel pela diviso entre sujeito e objeto, entre trabalho e lazer, entre corpo e alma.
Nesse embate com os paradoxos do desenvolvimento tecnoeconmico, devemos caminhar na
direo de uma educao global, holstica, que perceba a parte e o todo, o texto e o contexto.
Evidencia-se, assim, aps essas consideraes, a necessidade de que a escola, emespecial a Educao Fsica, aproxime-se, tambm, da cultura popular, resgatando os jogos e
as brincadeiras da cultura ldica infantil, buscando a insero dessas atividades, na perspectiva
de vislumbr-las como contedos que podero subsidiar uma reformulao de proposta
pedaggica, buscando, dessa forma, um desenvolvimento mais concreto e significativo da
criana. O brincar, o jogar, alm de conferirem prazer, podem propiciar criana um
desenvolvimento amplo, consciente e significativo.
Para MORIN (2000/a, p. 59), fundamental perceber que as atividades de jogo, de
festas, de ritos, no so apenas pausas antes de retornar vida prtica ou ao trabalho; as
crenas nos deuses e nas idias no podem ser reduzidas a iluses ou supersties: possuem
razes que mergulham nas profundezas antropolgicas; referem-se ao ser humano em sua
natureza. O autor entende que h uma relao manifesta ou subterrnea entre psiquismo,
afetividade, magia, mito, religio, e que, apesar de toda nfase centrada no desenvolvimento
racional-emprico-tcnico, isso jamais anular o conhecimento simblico, mtico, mgico ou
potico da criana.
No advogamos a substituio do papel da escola, no sentido de assumir a difuso da
cultura popular em detrimento da cultura formal, posicionamo-nos em favor da conciliao
desses dois plos essenciais emancipao do ser humano, como um ser histrico que busca,
a partir de suas razes, transformar o mundo e, ao mesmo tempo, preservar sua identidade.
A preocupao de educar para o desenvolvimento de outras potencialidades do
comportamento humano significa buscar alternativa pedaggica que supere ou minimize a
produo de movimentos robotizados e descontextualizados, na perspectiva de entender a ao
da criana de forma integral, pois, a cada gesto, a cada jogo, a histria e a cultura infantis soconsolidadas. Assim, acreditamos numa educao que tenha como uma das vocaes para o
futuro, a exemplo do que registra MORIN (idem), a compreenso do destino multifacetado do
homem, pois toda a complexidade da espcie humana, o seu destino, o destino individual, o
destino social, o destino histrico, esto entrelaados e so totalmente inseparveis.
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3 OBJETIVOS DO ESTUDO
Os objetivos deste estudo so caracterizados por uma dimenso dinmica e contnua,
no sendo retricos, pois buscam revelar o jogo tradicional infantil enquanto uma real
possibilidade de desenvolvimento da criana em todas as suas dimenses. Nessa perspectiva,
formulamos as seguintes questes norteadoras que subsidiaram este estudo acerca do brincar
infantil: qual a importncia do jogo tradicional no desenvolvimento infantil? Que jogos so
praticados pelas crianas alm do espao escolar? Quais os motivos de sua excluso? Quais as
suas possibilidades curriculares? Qual o seu papel no desenvolvimento da corporeidade
infantil? A partir de tais indagaes, os objetivos desta pesquisa foram centrados em:
- investigar os jogos e brincadeiras tradicionais da criana do interior da Ilha de
Santa Catarina, na perspectiva de buscar elementos relativos ao significado dessas
atividades culturais no seu processo de desenvolvimento;
- observar, coletar e analisar os jogos tradicionais mais praticados pelas crianas do
interior da Ilha de Santa Catarina, na perspectiva de fornecer subsdios tericos
reflexivos acerca da importncia deles no processo formativo infantil;
- refletir sobre a possibilidade de diminuio da ruptura entre a criana e o seu corpo,ao resgatar o jogo no interior da escola;
- preservar o jogo enquanto atividade da cultura ldica de crianas do interior da Ilha
de Santa Catarina;
OS OBJETIVOS DESTA PESQUISAFORAM CONSTRUDOS A PARTIR DO
PRINCPIO DE QUE OS JOGOSTRADICIONAIS PODEM SE
CONSTITUIR EM RECURSOS PARA ODESENVOLVIMENTO INFANTIL.
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- vislumbrar as possibilidades de desenvolvimento humano presentes em atividades
correspondentes ao jogo, refletindo sobre sua contribuio para uma formao mais
ampla da criana;
- fornecer subsdios tericos para educar numa perspectiva transformadora,concebendo a criana, no como um futuro trabalhador, mas como ser humano
aberto s diversas possibilidades de desenvolvimento;
- sugerir a incluso dos jogos tradicionais no Ensino Fundamental, deslocando-os do
mbito de recurso pedaggico no processo de ensino-aprendizagem para uma
concepo de contedo voltado aos anseios, aos interesses e aos sonhos infantis.
Os objetivos desta pesquisa foram construdos a partir do princpio de que os jogos e as
brincadeiras da cultura infantil, como a amarelinha, o jogo do taco, do pio e da perna-de-pau,
entre outros, podem se constituir em recursos para o desenvolvimento infantil, revelando-se
uma tentativa de romper com a produo de gestos mecnicos e estereotipados e uma
possibilidade de compreender a criana em toda a sua complexidade, porque, a cada gesto, sua
histria e sua cultura se constroem. Ao sugerir a adoo dos jogos tradicionais como
contedos escolares, no estamos querendo prescrever o que deva ser feito, pois concordamos
com FOUCAULT (1996, p. 38), que afirma: se nunca, jamais, digo o que se deve fazer, no
porque penso que no h nada que fazer. Pelo contrrio, porque creio que h mil coisas para
fazer, por inventar, por forjar, por parte daqueles que, reconhecendo as relaes de poder em
que esto imersos, tenham decidido resistir ou escapar a elas.
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Na direo de conquistar os objetivos determinados, optamos, metodologicamente, por
uma pesquisa descritiva, com caractersticas etnogrficas, de cunho exploratrio,
essencialmente qualitativa. Essa opo justificou-se principalmente pelo contato direto e
prolongado que tivemos com as crianas de algumas comunidades do interior da Ilha de Santa
Catarina, bem como pela possibilidade de trnsito constante entre a observao e a anlise,
entre a teoria e a empiria. A observao dos jogos tradicionais infantis praticados pelas
crianas das comunidades visitadas oportunizou que estudssemos o cotidiano infantil,captando aspectos de sua cultura estabelecida, de suas crenas e valores, e as dimenses do
seu desenvolvimento, nos aspectos cognitivos, motores e socioafetivos, habilidades reveladas
durante as aes desenvolvidas por essas crianas e as interaes estabelecidas por ocasio do
jogo.
O processo de construo desta investigao foi permeado por interminveis viagens
ao passado, as quais permitiram que relembrssemos a infncia, os nossos jogos, a nossa
cultura ldica, e nesse sentido, concordamos com HOBSBAWM (1995, p. 13), para quem a
destruio do passado ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experincia
pessoal das geraes passadas um dos fenmenos mais caractersticos e lgubres do final
do sculo XX. Ainda, segundo o autor de Era dos Extremos, as crianas e jovens de hoje
vivem numa espcie de presente contnuo, sem qualquer relao com o passado pblico da
poca em que vivem. Assim, ao pensarmos no brincar infantil do presente, faz-se necessrio
DURANTE TODOS OS MOMENTOS DECONVIVNCIA COM AS CRIANAS, AO
OBSERVAR SEUS JOGOS E SUASBRINCADEIRAS, SEUS ROSTOS E
EXPRESSES DE FELICIDADE PURA ECONTAGIANTE PROVOCARAM EM NS
REFLEXES SOBRE QUAL OVERDADEIRO SENTIDO DE VIVER .
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tambm pensarmos na forma espiralada e dialtica da histria, pois, no seu processo dinmico,
passado, presente e futuro no possuem planos determinados.
Desse modo, o processo de ir e vir, observar e analisar os jogos infantis de hoje
comparando-os com os jogos de nossa gerao, permitiu-nos, apesar de contextos distintos,concluir que o processo de excluso de tais jogos do seio da instituio formal ainda
bastante forte. O que mais interessa a formao dos aspectos cognitivos da criana. Sua
formao est voltada unicamente aos interesses do mundo produtivo. As crianas ainda
brincam com algumas brincadeiras tradicionais, porm, alm de no serem estimuladas, resta-
lhes pouco tempo para suas aspiraes ldicas. Necessitam preparar-se para a alta
competitividade do mercado de trabalho e, assim, freqentam cursos de informtica, de ingls,
entre outras atividades de fundamentao produtivista.
No outro lado desse universo (o mais amargo, injusto, indigno), esto os filhos e filhas
de milhes de miserveis brasileiros, excludos de tudo. O grupo das crianas que se tornaram
sujeitos de nosso estudo se aproxima, de algum forma, desse contingente de excludos, porque
se prepara o tempo todo, mas no para competir no mercado de trabalho, e, sim, para
sobreviver, submetendo-se explorao dos interesses da mais -valia capitalista. Podemos
observar que, apesar de uma grande preocupao com a infncia por parte da sociedade que
vive a globalizao, existe uma grande lacuna entre o que proposto e o que vivido pela
criana. Em se tratando de ambos os grupos aqui referidos, no so respeitadas as aspiraes
ldicas das crianas que deles fazem parte.
Refletir sobre a infncia no passado e a infncia no presente foi atitude fundamental
para compreendermos cada vez mais o processo de aniquilamento das aspiraes da ludicidade
infantil. Para SILVA (2000, p. 25), a histria da modernidade desvalorizou sistematicamente
o passado em benefcio do futuro, assumindo pressupostos que se apoiavam na idia de que
este (o passado) era reacionrio e o futuro progressista. Esse ir e vir ao passado e ao presente
oferece possibilidade de construirmos uma educao para criana que venha a alicerar-seem outras possibilidade de formao - uma formao mais humana que respeite todas as
possibilidades intelectuais, cinestsicas, afetivas e sociais, em que a criana tenha espao,
atravs da prticas de atividades ldicas, de ter mais lazer, mais prazer, mais amor, para viver
intensamente seus sonhos e fantasias.
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Durante todos os momentos de convivncia com as crianas, ao observar seus jogos e
brincadeiras, seus rostos e expresses de felicidade pura e contagiante provocaram em nos
algumas reflexes sobre qual o verdadeiro sentido de viver. Como pode ser desagradvel a
existncia nesta sociedade coercitiva e excludente, produtora de nossa subjetividade! Ser queestaremos infinita e irremediavelmente presos s teias do poder, aos interesses dos
dominantes? At quando roubaremos os sonhos infantis?
Assim, na direo de entender os efeitos desse processo de dominao e de docilizao
do homem, principalmente na modernidade, com seus reflexos na educao infantil at os dias
de hoje, efeitos evidenciados nos relatos das crianas observadas em suas brincadeiras,
recorremos a FOUCAULT (1998) para compreender sua profunda anlise sobre o poder que
concebido, no mais somente como piramidal, simbolizado por uma pessoa ou por um grupo,
mas, sobretudo, tambm como uma grande rede que atua dentro de uma sociedade e a faz
funcionar. Na sua tica, o poder no nem global nem local, mas difuso infinitesimal, estando
microfisicamente disperso em uma multiplicidade de disciplinas e de manobras tticas.
A partir do processo de dominao do corpo do homem durante a modernidade, que se
reflete cada vez mais no presente, necessitamos, a fim de diminuir os efeitos desse processo,
compreender toda a complexidade do ser humano. Essa perspectiva de vislumbrar o jogo
enquanto uma atividade curricular que pode desenvolver vrias dimenses da criana surgiu a
partir das falas das educadoras entrevistadas, com base em questes sobre a importncia do
ldico no desenvolvimento infantil, e foi enriquecida a partir das reflexes tericas de MORIN
(2000 a/b).
A partir dessa discusso, entendemos que precisamos caminhar na direo de eliminar a
qualquer custo a imagem unilateral que define o ser humano pela racionalidade, pela tcnica,
pelas atividades utilitrias e pelas atividades obrigatrias, pois ele altamente complexo e
bipolarizado pela sua sabedoria e pela sua loucura, pelo seu trabalho e pela ludicidade, pela
sua empiria e pela sua imaginao, pela sua capacidade de economizar e consumir, entreoutros plos. Desse modo, temos de ampliar nossa viso de educao, transcendendo
concepo vigente, que, sob a tica da sociedade produtiva, prioriza apenas o
desenvolvimento de aspectos cognitivos.
Foi fundamental, tambm, construirmos um estudo que enfocasse o jogo e o brincar
infantil, desde a sua contextualizao histrica, suas classificaes e as suas teorias clssicas e
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modernas. Enfatizamos Teorias Modernas, principalmente contribuies de PIAGET (1973),
VYGOTSKY (1987) e ELKONIN (1980), atravs das quais buscamos compreender a
importncia do jogo no desenvolvimento infantil, principalmente a partir do pressuposto de que
os papis adotados pela criana no jogo protagonizado, simblico ou de faz-de-conta tmsignificativas relaes com o seu contexto social e histrico.
A essncia central do estudo foi a anlise dos jogos tradicionais coletados pelas crianas do
interior da Ilha de Santa Catarina. O suporte terico que subsidiou esta anlise resultou da pesquisa
bibliogrfica realizada no captulo V, denominado O corpo em ao, no qual discorremos sobre
o funcionamento do crebro, a sensao, a percepo, o jogo e o desenvolvimento cognitivo,
motor e afetivo da criana, com apresentao das qualidades (categorias) que podem surgir da
ao ldica.
Mesmo com a possibilidade de atingir um ecletismo exagerado, entendemos que esses
quatro pilares tericos nos possibilitaram uma fuga da especializao e da fragmentao do
fenmeno estudado. Buscamos, nessa direo, fundamentos tericos de algumas reas do
conhecimento que pudessem subsidiar o jogo enquanto uma possibilidade real e concreta de
desenvolvimento de toda a complexidade infantil.
O mtodo utilizado na anlise dos jogos tradicionais infantis pesquisados foi a anlise
de contedo que, alm de propiciar o acontecer de um processo de inferncia, envolvendo
procedimentos como classificao, codificao e categorizao, oportunizou-nos, tambm,
exercer a funo da descoberta do que est por trs dos contedos manifestos, superando
pretensas obviedades. O mtodo constitui-se de um conjunto de tcnicas de reconstruo do
conhecimento, procurando elucidar o significado dos conceitos. A tcnica utilizada foi a
anlise categorial, referida por BARDIN (1994), que nos possibilitou identificar as
qualidades surgidas nos jogos tradicionais coletados, comprovando, assim, suas implicaes
sociais no desenvolvimento infantil. Para uma melhor compreenso, as categorias foram
dividas em cognitivas, motoras e socioafetivas, sem, no entanto, deixarmos de perceber aindissociabilidade desses trs aspectos do modo de ser da criana.
Esse mtodo , para a autora, um meio de estudar as comunicaes entre os homens;
uma forma de proceder a inferncias a partir das informaes surgidas do contedo da
mensagem e/ou a partir das premissas obtidas com o resultado do estudo; um conjunto de
tcnicas que permite classificao, codificao e categorizao dos conceitos.
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Os sujeitos deste estudo foram as crianas de faixa etria compreendida entre 6 a 11
anos, de vrias localidades da Ilha de Santa Catarina, caracterizadas pela descendncia
aoriana, que ainda mantm vivas algumas tradies e costumes desses primeiros
colonizadores. Foram visitadas as seguintes comunidades: Campeche, Costeira do Pirajuba,Ingleses, Pntano do Sul, Ratones, Ribeiro da Ilha, Rio Vermelho, Sambaqui e Vargem
Pequena.
Paralelamente, a fim de enriquecer nossa reflexo sobre o jogo infantil, utilizamos a
tcnica da anlise do discurso, campo de conhecimento herdeiro da filologia, cuja matriz se
remete Lingstica, porm desvia -se desta, ao permear outros campos, como o da psicologia,
sociologia, histria, educao, filosofia e outros. Devemos compreend-la como um campo
aberto a inseres de outras reas, no esgotando-se ao campo da lingstica, pois, segundo
GUIRADO (1995, p. 24-25), ... a natureza do material com que trabalhamos, suas condies
de produo e o seu entendimento enquanto fato de linguagem que define a orientao dada
anlise de discurso que fazemos.
A noo de discurso, utilizada neste estudo no foi a da lingstica, que tem como
preocupao principal a estrutura da linguagem, mas a originria da vertente postulada por
Foucault, na qual o foco centraliza-se muito mais no contedo e no contexto da linguagem.
Os enunciados foram extrados das entrevistas informais com as crianas durante o seu
cotidiano ldico e das respostas dadas por trezentas educadoras de sries iniciais, em
entrevistas realizadas, tendo como questes centrais: qual a importncia do jogo tradicional no
desenvolvimento infantil? Quais as suas possibilidades na educao formal do ensino
fundamental? O anonimato dos sujeitos (crianas e educadoras) foi mantido, por no
concebermos sua identificao como elemento fundamental ao estudo, evitando, dessa
maneira, consideraes causais que pudessem se tornar intervenientes na construo da
pesquisa. O que nos interessa compreender as vises dessas educadoras a respeito da relao
estabelecida entre jogo tradicional, criana e escola, independentemente dasparticularidades inerentes a sua identificao pessoal.
Na relao com as crianas, priorizamos o dilogo e a participao nos jogos e nas
brincadeiras, o que nos possibilitou sentir e compreender melhor suas atividades ldicas. Foi
incontestvel o processo de imerso (nossa e dos investigados) no estudo, afinal ambos somos
agentes histricos de construo da cultura ldica infantil. Estabelecemos uma relao de
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troca, de intercmbio, de mo dupla, de reciprocidade de conhecimento, de alegria, de prazer,
de lazer, de criao, de imaginao e de realizao de fantasias e sonhos.
Todo o processo de coleta dos jogos tradicionais infantis, no cotidiano das
comunidades visitadas, citadas anteriormente, aconteceu num clima de agradvel afetividade,com uma solidificao crescente das relaes interpessoais estabelecidas. O que mais nos
marcou foi a amizade, o carinho, o respeito e a admirao mtua, valores humanos
evidenciados principalmente na convivncia exigida pela atividade ldica, atividade ainda no
dominada pelos interesses do capitalismo.
Apesar das diferenas dos estgios de desenvolvimento (adulto/criana), das classes
sociais, realidades diversas surgiram durante o percurso de nossas relaes. Juntos, vivemos,
atravs do jogo e do brinquedo, as nossas expresses corporais mais puras e significativas,
desprovidas de qualquer interesse que no fosse a realizao de nossos sonhos e fantasias.
Esse processo de aflorao de momentos de prazer fez-nos refletir sobre a nossa subjetividade
e sobre a nossa identidade, fez-nos repensar a nossa histria de vida, o significado de viver e,
principalmente, fez-nos reestruturar o nosso pensamento sobre a criana e o seu mundo.
As tcnicas que utilizamos como procedimentos de interao com as crianas, no seu
cotidiano e durante os recreios escolares, foram a observao, a entrevista informal e a
ilustrao. Os instrumentos de pesquisa foram as maneiras diversas de abordarmos a realidade,
e dependeram muito do modo como nos aproximamos da realidade e do objeto de pesquisa.
Os instrumentos eleitos para a abordagem da realidade permitiram que nos aproximssemos
dos sujeitos e dialogssemos com eles. Foi atravs deles que pudemos estabelecer categorias
para os jogos observados.
Pela observao, buscamos, atravs de nossa sensibilidade, a essncia dessas atividades
alm de suas evidncias. Para uma melhor identificao do fenmeno, procuramos realizar tal
observao com olhos apurados, profundos e sensveis, o que facilitou identificar as
qualidades dessas atividades ldicas. Atravs da observao, desenvolvemos trs operaesfundamentais, indissociveis na compreenso do fenmeno. Inicialmente, colhemos os dados
genricos do jogo para que pudessem ser transcritos em fichas especficas; em seguida,
selecionamos as qualidades mais significativas que despontavam na ao ldica dos
participantes; finalmente, procuramos analisar essas atividades relacionando-as ao
desenvolvimento infantil.
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Atravs de uma entrevista informal e livre, procuramos captar informaes a respeito
dos jogos e das brincadeiras infantis. Apesar de algumas das crianas evidenciarem receio,
timidez, vergonha, a grande maioria sentia muito prazer em falar a respeito de suas atividade
ldicas. Outras, ao mesmo tempo em que as observvamos, entrevistavam-nos para saber arespeito de nossas brincadeiras preferidas e do que brincvamos quando ramos crianas.
Apesar de nosso afoito comportamento inicial, dada a ansiedade em obter resultados, s
conseguimos xito quando jogamos para o espao a nossa lgica de trabalho (objetividade,
roteiros, horrios, etc.), para nos inserirmos na lgica infantil, realizando uma entrevista
estruturada nos interesses infantis, com brincadeiras, com histrias, ou seja com esprito
ldico.
Utilizamos, como forma de registrar os jogos, a tcnica da ilustrao, em virtude de j
termos habilidade nessa rea, pois realizamos ilustraes em apostilas, revistas e livros.
Atravs da ateno e da observao construo dos esboos ilustrativos, pudemos
aprofundar mais o nosso olhar na compreenso das possibilidades cinticas, afetivas e
cognitivas do jogo. Cada detalhe da ao ldica, reconstitudo na ponta do lpis, possibilitou
que compreendssemos com maior preciso as caractersticas cinticas evidenciadas por
ocasio de sua realizao.
Os jogos tradicionais infantis transcritos no captulo VI foram apresentados
individualmente ou em grupos, segundo suas similaridades na anlise da ao ldica,
respeitando as seguintes caractersticas:
- nome do jogo, buscando utilizar os nomes originais, batizados pelas prprias
crianas e transcrevendo-os em ordem alfabtica;
- ilustrao do jogo, apresentada atravs de esboos por ns elaborados;
- descrio sucinta e clara de como ocorre o jogo, suas regras e demais detalhes
relacionado sua prtica, a partir da observao e das entrevistas com as crianas;
- anlise do contedo do jogo, identificando as qualidades pertinentes s diversasdimenses de desenvolvimento da criana nas quais o jogo poderia estar inserido.
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O ser humano ao mesmo tempo singular emltiplo. Traz em si multiplicidade interiores,personalidade virtuais, uma infinidade depersonagens quimricos, uma poliexistncia no
real e no imaginrio, no sono e no secreto,balbucios embrionrios em suas cavidades eprofundezas insondveis. Cada qual contm em sigalxias de sonhos e de fantasmas, impulsos dedesejos e amores insatisfeitos, abismos dedesgraas, imensides de dio, desregramentos,lampejos de lucidez, tormentas dementes...
Edgar Morin (2000, p. 57)
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2.2- O CORPO NA ESCOLA: CONSTRUO DA DOCILIDADE 44
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Constatamos, durante as falas das crianas brincando, a confirmao da excluso dos
jogos infantis na escola. Na escola, pouco podemos brincar; s estudar. Algumas dessas
crianas deixaram transparecer inclusive seu descontentamento com as aulas de Educao
Fsica, um dos poucos espaos disciplinares que legitima a presena do corpo na instituio
escolar. Essa situao ficou nitidamente exposta no depoimento de uma criana, que disse: O
professor no deixa a gente brincar do que a gente gosta. A partir de seus comentrios,
evidenciaram-se suas tristezas pela desconsiderao da escola em relao ao universo infantil,
o que se explicita quando no so contemplados os desejos da criana, as suas aspiraesldicas. A escola contempornea no ousa ir alm de objetivos historicamente consagrados -
sobremodo o desenvolvimento de aspectos cognitivos, utilizando como estratgia a anulao
do corpo no processo de ensino-aprendizagem, pois a passividade, a obedincia e a docilidade
favorecem, na concepo dessa instituio, a aquisio de conhecimento.
Sob a luz dessa triste realidade, procuramos entender esse fenmeno inicialmente a
partir da dominao do adulto pelos meio de produo, para, em seguida, compreender melhor
os reflexos desse processo no interior da escola, reflexos que podem esclarecer todo umpercurso de excluso da atividade ldica no desenvolvimento infantil. Abordamos,
inicialmente, aspectos histricos dessa apropriao pelas organizaes do trabalho, aspectos
que foram construdos socialmente atravs de mecanismos de disciplinamento surgidos das
relaes poder-saber, mveis, multidirecionais, que organizam e sustentam a continuidade de
uma prtica dominadora, coercitiva e limitadora.
A RACIONALIDADE CAPITALISTA,PRODUTIVA, PROVOCOU UMA
INVIABILIZAO DOS JOGOS, NAESCOLA, POR NO SEREM
REGULVEIS, POR NOAPRESENTAREM OBJETIVIDADE E
POR SEREM IMPOSSVEIS DEMENSURA O.
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A modernidade, sob a gide mecanicista, construiu-se pela supervalorizao da razo;
nesse contexto, a organizao do trabalho buscou a invaso de todos os domnios humanos. A
grande falcia do sculo XX foi defender que todo o processo de felicidade humana residia
nas conquistas materiais e nos meios de produo. Nessa busca do ter e do poder, subsidiadapela cincia e pela tecnologia, a grande ruptura do ho